AETICA DO ADVOGADO 411
tejam a captar clientela ou a se imporem perante os demais magistrados, seja para
nao causarem constrangimento aos préprios familiares invocados.
Parceiros na realizado da justica, acorrentados as mesmas deficiéncias do
sistema judicial, frutos de inica formac¢ao juridica, arcaica e obsoleta, juizes e
advogados tém o dever ético de compartir angustias e tentar construir a justica
ideal. E se isso possivel nao for, ao menos deverao esquecer mesquinharias no
relacionamento para a edificacdo da justica possivel, deixando a surdez moral,
que nao é sensfvel ao clamor do povo, por uma justi¢a gil, célere e efetiva, a qual
todos tenham acesso e na qual todos possam confiar.
11.9 Relac6es com o Ministério Publico
Dentre as instituigdes brasileiras, aquela que mais se desenvolveu neste século
foi o Ministério Publico. Também considerada essencial a administracao da justica,a
instituic¢do viu suas atribuigoes dilargadas pelo constituinte. Tornou-se responsavel
por parcela imensa de direitos difusos, coletivos e homogéneos e ocupou espaco
consideravel na cena judicial.
O promotor de justiga merece o mesmo respeito devotado ao juiz ea tais ope-
radores deve idéntica postura. O advogado, nao raro, tem no Ministério Publico
parceiro qualificado, auxiliando com argumentos tecnicamente consistentes oseu
pleito. Quando o promotor atua na condi¢do de parte, o advogado deve com ele
contender com Jealdade e Ihaneza.
11.10 Relagées coma policia
Asabedoria popular caracteriza com algum menoscabo a figura do advogado
de porta de cadeia. O relacionamento da advocacia com a policia precisa se pau-
tar por parametros éticos também irrepreensiveis, para resgate da imagem dessa
instituigao e preservacao do prestigio dos causidicos especializados em processo
criminal. a
Asolucdo dos problemas policiais é de ser biiscada no Direito. Partirdo pres-
suposto de que sempre se poderd dar um jeitinho em nada contribui paraa elevacao
ética dos servicos publicos. O advogado tem o dever de libertar seu patrocinado,
fazendo-o mediante recurso aos instrumentos ptevistos na lei, assim como tem 0
dever de reagir juridicamente contra quem lhe solicite ou sugira atuar de forma
nao condigna com o seu parametro ético. ‘
Apolicia é titularizada, em seucomando, pér bacharéis de formacao idéntica
a do advogado. Essa constatagao presidira o respeito a.ser mantido entre profis-
sionais de mesmo nivel, encarregados de atribuicdes distintas. Da inteireza ética
no procedimento de tais operadores podera adyit ° aprimoramento moral sempre
necessario a todas as instituicdes. Como entendia Calamandrei, elas constituem
vasos comunicantes. Nao existe possibilidade de, reducao de nivel de umasem que
a outra também venha com isso a perder. i{
412 ETJCA GERAL E PROFISSIONAL
11.11 Relacdes com os peritos
O perito é um profisstonal sempre necessdrio a realizacao da justica. Naerada
especializacao e do aprofundamento cientifico em areas cada vez mais reduzidas
do conhecimento, especialistas em determinados campos precisam ser chamados
para esclarecer 0 juiz.
Osistema brasileiro convencionou utilizar-se, em cada processo, de pelo me-
Nos trés peritos. Existe o experto judicial, o perito de confianga do juiz. Oferecera
seu trabalho em regra acompanhado de dois outros, elaborados pelos peritos das
partes. Cada parte indica o seu assistente técnico, perito que fara laudos tendentes
ao convencimento da superioridade da argumentacdo de quem o contratou.
O advogado nunca deve procurar o perito do juizo, tentando com isso obter
laudo favoravel as suas pretensées. Toda proposta de auxtlio deverd ser feita me-
diante peticao despachada pelo juizo e inserta nos autos, para conhecimento da
parte adversa. Nem deve converter 0 seu assistente técnico em profissional que, no
afa de satisfazer quem o remunera, deixa de lado o carter cientffico do trabalho
para se converter em mera peca de persuasao judicial.
E ja que Se aborda a atuacao do perito, parece eticamente conveniente que
aquele que sirva ao juizo na condic4o de experto oficial nao venha a aceitar em
outro processo a funcao de assistente técnico. E natural, quando da indicag4o de
assistentes, a tendéncia a favorecer a tese da parte contratante. E isso pode com-
prometer a imparcialidade exigivel a um qualificado auxiliar da justica.
11.12 Relacdes com os cartorarios
O servidor da justica é um funciondrio publico hoje mal remunerado, de-
sestimulado pela auséncia de uma carreira racional e ainda designado cartorario,
o que nao é pouco num pais em que cartorio ¢ cartorialismo passaram a revestir
significado pejorativo.
Longe vai o tempo em que o pessoal do foro era recrutado dentre a elite das
familias tradicionais ¢ formava um quadro tecnicamente adequado e de inexcedi-
vel qualidade humana. A massificacao do Judiciario, a criagdo de inumeras novas
unidades judiciais e o crescimento vegetative do quadro funcional mudaram os
atributos-do pessoal recrutado. O excesso de trabalho dos juizes também os impe-
de de contato pessoal e aperfeicoador do pugilo de servidores que os auxiliam.”?
79. Essa €, ao menos, a situagao de Sao Paulo. Mais de cinquenta mil servidores do Judi-
cidrio, com pessoal de baixa remuneracao, crescendo nele o numero de favelados. O
saudoso e legendario Desembargador Marcos Nogueira Garcez, acolitado por grupo
de outros magistrados senstveis, criou a Fundagao da Fraternidade Judiciaria, com 0
objetivo de reduzir as caréncias materiais e espirituais dessa legido de funcionarios,
dentre os quais ainda sobrevivem alguns apéstolos da Justiga.AETICA DO ADVOGADO 413
E natural que o tratamento a ser dispensado ao advogado possa nao condizer
com omerecido por esse profissional do direito. E dever ético do advogado manter
o padrao de urbanidade, tratando o servidor de cartério com a mesma lhaneza en-
derecada ao juize demais protagonistas da cena judicidria. Esse tratamento é pocdo
miraculosa no resgate da dignidade funcional. O funciondrio a que se confere um
trato humano e digno portar-se-4 também humana e dignamente.
Nem se mencionea falta ética—resvalando até para o campo da criminalidade
—que seria a praxe de o advogado oferecer propinaao oficial dejustica, para cumprir
ou retardar 0 cumprimento de mandado, ou ao cartorario, para impulsionar ou
reter o andamento do processo, Nada seria mais calamitoso do que o profissional
considerado essencial 4 administracao da justica vir, com essa conduta, a estimular
adescrenca do servidor nos caminhos do Judicidrio. Caminhos retos, como devem
ser os do Direito, nao tortuosos, como séi ocorrer em outras esferas.
11.13 A punic¢ado do advogado faltoso
Ao contrario de muitos outros profissionais, cujas faltas éticas podem restar
impunes, o advogado criou para si um sistema para punir infracées a principio
ou norma de ética profissional. O poder de punir disciplinarmente os inscritos na
OAB compete exclusivamente ao Conselho Seccional em cuja base tenha ocorrido
ainfracao, salvo sea falta for cometida perante o Conselho Federal. O julgamento
dos processos disciplinares compete ao Tribunal de Etica e Disciplina do Conselho
Seccional.
O poder disciplinar se fundamenta na teoria da instituicao. A instituicdo,
empresa humana que permanece no meio social animada de uma ideia-forca, €
a principal interessada em conferir certa higidez aos seus quadros. A corporaco
é autOnoma para punir os seus integrantes que pratiquem deslizes éticos, pois
“nem a sociedade em seu conjunto, nem ao Estado pode ser atribuida a missao de
regulamentar moral e juridicamente a profissao. A atividade de uma profissio s6
pode ser regulamentada eficazmente por um grupo que viva constantemente bem
proximo desta profissdo para conhecé-la em seu pleno funcionamento e sentir
todas as suas necessidades, seguindo-lhe em todas as variacées” 8?
A Ordem dos Advogados do Brasil prevé, em seu estatuto, um Tribunal de
Etica e Disciplina, competente para orientar e aconselhar sobre ética profissional,
tespondendo as consultas em tese, e julgar os processos disciplinares.® Além
disso, o Tribunal de Etica deve organizar cursos e demais eventos concernentes A
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80. Art. 70 do Estatuto da OAB, Lei Federal’8.906, de 04.07.1994
81. Art. 70, § 1.°, do Estatuto da OAR, Lei Federal 8.906, de 04.07.1994.
82. Evaristo de Moraes Filho, O problema do sindicato unico no Brasil, Rio de Janeiro, 1952,
p. 77, apud Ruy de Azevedo Sodré, op. cit., p. 370;
83. Art. 49 do Codigo de Etica e Disciplina da OAB, |
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