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SOBRE O HEROÍSMO

Julian Dutra
Porto Alegre
2018/1

Oh, we can beat them, forever and ever


Then we could be heroes, just for one day
David Bowie, Heroes

Introdução

Os conceitos de herói e de heroísmo possuem uma longa história. Usamos palavras oriundas da
língua da Grécia Antiga para falar de heróis (hḗrōs) e heroísmo, embora os conceitos que se
escondam por trás dessas palavras não tenham sido uma exclusividade da cultura grega. Há histórias
de heroísmo em inúmeras culturas antigas e medievais. O Épico de Gilgamesh, escrito por volta de
2100 a.C, na Mesopotâmia, e o poema conhecido como Beowulf, provavelmente escrito antes de
1.100 d.C, são dois exemplos famosos.

A primeira obra do mundo grego a tratar da moralidade, ainda que indiretamente e de maneira não
sistemática, foi a Ilíada de Homero, escrita por volta de 750 a.C. Nessa obra aparece, pela primeira
vez na literatura ocidental, uma história na qual os seus principais personagens (os heróis) são
guiados por uma constelação de valores morais razoavelmente bem definida: o código heroico.

Retornaremos às origens e estrutura da moralidade heroica na próxima aula. Neste texto, iremos
analisar o heroísmo como fenômeno moral contemporâneo, ou seja, como o heroísmo é concebido
em nossos dias.

No restante deste texto, recorreremos à teoria do psicólogo norte-americano Philip Zimbardo (1933 -
) sobre o heroísmo para compreendermos esse fenômeno moral tão importante. Zimbardo considera
a discussão sobre o heroísmo como sendo absolutamente essencial para a formação moral na
contemporaneidade – tese assumida neste texto como correta e na qual ele mesmo encontra sua
justificativa definitiva.

Não deve o leitor, porém, esperar menções aos super-heróis, heróis ou anti-heróis do mundo da
ficção. Embora um argumento sobre a função dos heróis fictícios certamente possa ser elaborado,
sobretudo a respeito de sua importância na formação de valores morais para as crianças, será do
heroísmo como possibilidade aberta para seres humanos reais e em nada extraordinários (senão no
próprio heroísmo) que discutiremos aqui. Falaremos do heroísmo cotidiano, muitas vezes, anônimo,
realizado (e possível de ser realizado) por pessoas comuns, bem como dos obstáculos mais
frequentes à sua realização.

Talvez haja dúvida quanto à existência de ações humanas merecedoras da categoria dos atos
heroicos, ou dúvidas acerca da importância de uma discussão deste assunto. Heróis e heroínas,
entretanto, existem, e suas ações estão carregadas da mais alta importância. Exemplos próximos não
faltam.

Em 2017 a professora Heley Abreu salvou vários de seus alunos na tragédia do Centro Municipal de
Educação Infantil Gente Inocente, em Janúaba, Minas Gerais. Heley confrontou fisicamente o
vigilante que causou (propositalmente) o incêndio e só não conseguiu fazer mais pelas vítimas

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porque veio a perder a consciência. Resgatada da tragédia com queimaduras em 90% do corpo,
faleceu no hospital.

Em 2015, Francisco Erasmo Rodrigues de Lima, de 61 anos, morador de rua com extensa ficha
criminal até o ano 2000, salvou uma mulher mantida como refém nas escadarias da Catedral da Sé,
em São Paulo. Francisco lançou-se contra o criminoso que mantinha a refém, conseguindo libertá-la.
Levou um tiro no peito e veio a falecer no local, junto de seu algoz, baleado pela polícia militar.

Em 2013, Vinícius Montardo Rosado, de 26 anos, salvou 14 pessoas no incêndio da Boate Kiss, em
Santa Maria, Rio Grande do Sul. Segundo os relatos dos sobreviventes, Vinícius teria sido um dos
primeiros a sair da boate. Após encontrar sua irmã no lado de fora, resolveu entrar novamente na
boate e ajudar pessoas que não conseguiam encontrar a saída. Vinícius perdeu a consciência dentro
da boate em razão da fumaça e veio a falecer a caminho do hospital.

Esses são alguns exemplos de atos heroicos, e o que segue abaixo é uma breve análise desse tipo de
ação humana. De fato, esses exemplos não ilustram todos os tipos de ações heroica possíveis, pois,
como veremos adiante, o heroísmo nem sempre envolve risco físico ou implica na morte de seu
autor. Conhecer as formas e os desafios à ação heroica é um meio não apenas de reconhecer quem
deve ser considerado um herói ou heroína, mas também de reconhecer quando um ato heroico é
necessário e como podemos agir heroicamente.

O heroísmo segundo Philip Zimbardo

Para o psicólogo Philip Zimbardo, conhecido por suas pesquisas sobre o comportamento moral dos
seres humanos (e, especialmente, sobre a influência contextual sobre o comportamento moral),
heróis ou heroínas “são aquelas pessoas que transformam a compaixão (uma virtude pessoal) em
ação heróica (uma virtude cívica) e, ao fazê-lo, colocam a melhor parte de sua identidade em favor da
humanidade”. O que é um ato heróico, entretanto? Segundo Zimbardo, um ato heroico possui os
seguintes elementos (características):

1. É sempre voluntário.
2. É realizado em benefício de outro indivíduo ou da comunidade como um todo.
3. Envolve algum risco (conhecido do agente) para a integridade física, para o status social ou
para a qualidade de vida do agente.
4. É iniciado sem a expectativa de ganhos materiais ou qualquer forma de retribuição pelo ato.

O heroísmo é diferente do altruísmo justamente porque este último não envolve os riscos
supramencionados, embora possua as outras características (ser voluntário, ser em benefício de
outros e não esperar recompensas). Há diversos tipos de heróis e tipos de heroísmo. O paradigma
para pensarmos ações heroicas é, com frequência, o ato heroico que envolve risco físico. Nesse
sentido, ao pensarmos em heroísmo, geralmente temos em mente alguns exemplos de ações
policiais, bombeiros ou militares. Mas para Zimbardo essas são apenas algumas das formas de
atuação heroica. Com relação aos tipos de heróis, por sua vez, há pelos menos duas categorias
importantes: os heróis reativos e os heróis pró-ativos.

Heróis reativos são aquelas pessoas que agem em um momento específico, geralmente de modo
espontâneo. Isto é, o herói reativo reage imediatamente a uma situação prática específica. Os
exemplos citados acima são todos exemplos de heroísmo reativo. Heróis pró-ativos são aqueles que
realizam esforços contínuos, ao longo do tempo, reunindo informações e pensando em soluções para
resolver algo que está errado, como um caso de corrupção ou injustiça. Nicholas Winton (1909 –
2015), que salvou 669 crianças dos campos de concentração nazistas, e Oskar Schindler (1908 –

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1974), que salvou aproximadamente 1,200 judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Os dois tipos
de heróis podem envolver-se em diversas formas de heroísmo ou correr qualquer um dos três riscos
que um herói inevitavelmente tem de correr: físico, social ou em termos de qualidade de vida (ou
bem-estar).

Acerca dos tipos de heroísmo, Zimbardo distingue entre:

a) Heroísmo de risco físico: que se subdivide em heroísmo marcial (que ocorre em contextos
de dever profissional, como em combates militares ou em atividades de bombeiros e
policiais) e heroísmo civil (que envolve risco físico, mas não está relacionado ao
cumprimento de obrigações profissionais).
b) Heroísmo social: tende a envolver mais tempo e está relacionado à contextos sociais que
não envolvam risco físico, como injustiças no trabalho (casos de corrupção, abuso moral ou
sexual, por exemplo) ou disputas através do sistema judiciário.

Para Zimbardo, o heroísmo não está, ao contrário do que é tradicionalmente suposto, restrito à
apenas alguns indivíduos escolhidos ou com capacidades especiais. Tampouco se trata de uma
questão genética. De fato, Zimbardo acredita que o estímulo do que ele chama de imaginação
heroica pode capacitar indivíduos a identificar situações que demandam (bem como incentivar a
realização de) atos heroicos. Ele acredita que visualizar situações e ponderar sobre as respostas
adequadas, bem como sobre as necessidades das vítimas, são alguns dos modos de exercitar a
imaginação heroica. Zimbardo defende que devemos assumir uma atitude de heróis-em-espera,
aguardando e tentando identificar os momentos em que deveremos agir de forma heróica.

Zimbardo e seus colegas de pesquisa também argumentam que os ideais heroicos estão em declínio,
sobretudo expressões de heroísmo social. Ao tomar cientistas, atletas, políticos e artistas
(celebridades) como modelos de conduta, a sociedade tem esquecido de cultivar os valores heroicos.
Isso, para Zimbardo, possui duas consequências: primeiro, as contribuições de heróis verdadeiros
(famosos, como Abraham Lincoln, ou mesmo anônimos) passam a ser subvalorizadas e,
possivelmente, esquecidas (de modo que os perdemos como modelos de conduta). Em segundo
lugar, nós deixamos de confrontar as pessoas com o verdadeiro sentido do heroísmo – de modo que
elas não exercitam sua imaginação heroica e tendem, cada vez menos, a se comportarem dessa
maneira.

Atualmente, a pesquisa de Philip Zimbardo tem buscado compreender diversos dos detalhes
implicados nas informações contidas acima. Em especial, Zimbardo analisa as condições
sóciopsicológicas em que os indivíduos se inserem, tentando compreender melhor as razões que
levam as pessoas a realizarem ações heroicas. Um dos resultados dessa área de pesquisa foi a
descoberta do Efeito Espectador como relevante para o comportamento moral, do qual falaremos
rapidamente agora.

O efeito espectador

Se o leitor já testemunhou um caso onde alguém precisava de ajuda, mas que, apesar da presença de
outras pessoas, essa pessoa não foi ajudada simplesmente porque ninguém ofereceu suporte à
pessoa necessitada, então provavelmente já teve um contato pessoal com o Efeito Espectador
(Bystander Effect). O efeito espectador ocorre quando a presença de outras pessoas desencoraja um
indivíduo a intervir em uma determinada situação. Isto é, ele consiste na relação inversamente
proporcional que há entre o número de pessoas observando uma situação que demanda,
moralmente, uma intervenção e a probabilidade de alguém intervir na situação de fato.

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O estudo do efeito espectador começou motivado por uma tragédia. Em 1964, a norte-americana
Kitty Genovese foi assassinada a facadas em seu apartamento por um serial killer. Segundo a
investigação policial, nada menos do que 38 vizinhos confessaram, em depoimento, terem ouvido os
gritos de Genovese pedindo por ajuda em seu apartamento. Destes 38, três vizinhos afirmaram que
conseguiram ver parte do ataque do assassino. Ainda assim, ninguém ligou para a polícia ou tentou
ajudar.

O que aconteceu? Será que os vizinhos da vítima eram pessoas ruins ou, no mínimo, indiferentes à
vida humana? Segundo os psicólogos John Darley (1938 - ) e Bibb Latané (1937 - ), que realizaram um
estudo sobre o caso, não se trata disso. O que aconteceu foi apenas um caso de um efeito
psicológico descoberto por eles – o já mencionado efeito espectador, no qual indivíduos deixam de
intervir em uma situação por causa da presença de outros indivíduos. De fato, uma das descobertas
desconcertantes da pesquisa sobre esse efeito é que quanto maior for o número de espectadores,
menor será a chance de um deles intervir. Entretanto, em casos como o de Kitty Genovese, as
consequências do efeito podem ser fatais.

Segundo Darley e Latané, bem como outros pesquisadores, as causas possíveis (dentre outras não
mencionadas neste texto) do efeito espectador são:

 Difusão de Responsabilidade: quanto mais pessoas testemunham uma situação que exige
deles a tomada de alguma atitude, menos cada um dos espectadores sente-se responsável
por tomar uma atitude e mais ele tende a acreditar que outra pessoa acabará fazendo algo
para ajudar. A crença de que alguém eventualmente irá fazer algo para ajudar, e que,
portanto é desnecessário envolver-se pessoalmente, é perfeito exemplo do fenômeno da
difusão de responsabilidade, que causa o efeito espectador e a inércia moral.
 Confusão de Responsabilidade: por receio de ser confundido com a causa da situação-
problema, os indivíduos deixam de ajudar ou intervir de qualquer forma. Isto é: por medo
de que alguém acredite que o espectador tem alguma culpa, ele deixa de agir.
 Ignorância pluralista: tendência de inferir a gravidade de uma situação a partir da reação
equivocada (geralmente calma) de outros espectadores acerca da mesma situação. A
ignorância pluralista é reforçada por normas de conduta social. Pessoas que reagem de
maneira excessiva à situações não-urgentes (overreaction) acabam virando piada, por
exemplo. Assim, por medo de reagirem excessivamente (e sofrerem as consequências sociais
habituais), muitas pessoas acabam incorrendo na ignorância pluralista sem o saber.
 Atraso para um compromisso: um dos fatores revelados pela pesquisa científica que mais
contribui para o efeito espectador é o atraso para compromissos. Indivíduos atrasados
tendem a desconsiderar a gravidade das situações que encontram pelo caminho, deixando,
assim, de agir. O efeito é intensificado se o indivíduo está acompanhado de pessoas
igualmente atrasadas.

O estudo do efeito espectador está vinculado diretamente aos atos de altruísmo e heroísmo.
Indivíduos inseridos em situações em que outras pessoas estão envolvidas como vítimas e
espectadores estarão sujeitas ao efeito espectador. Conforme vimos, para Zimbardo o heroísmo
envolve correr riscos, sejam físicos ou sociais (ser objeto de chacota, por mais simples que isso
pareça, é uma forma de risco social). O efeito espectador ocorre, justamente, porque o indivíduo
teme alguns riscos sociais (como ser confundido como coparticipante em um crime). Com isso, deixa
de agir. Em casos extremos, isso pode ser fatal – o caso que deu impulso à pesquisa desse tema é o
melhor exemplo disso.

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Conclusão

Romper com as causas do efeito espectador pode, evidentemente, gerar riscos físicos ou sociais.
Desse modo, Zimbardo conclui que nossa capacidade de evitar o efeito espectador está diretamente
vinculada à nossa capacidade de agir heroicamente. Nossa formação moral, segundo ele, deve
envolver o conhecimento de efeitos psicológicos como o efeito espectador, pois esse conhecimento
nos mostra, por um lado, as fragilidades e limitações da mente humana e, por outro, apontam para
as possibilidades de superação dessas limitações. Assim, para evitarmos a inércia moral (inação
quando esta é moralmente mandatória), causada pelo efeito espectador, precisamos estar
conscientes das causas deste efeito de modo a evitá-las.

PARA SABER MAIS:


Palestra de Zimbardo para a TED Talks sobre a Psicologia do Mal.
https://www.ted.com/talks/philip_zimbardo_on_the_psychology_of_evil?language=pt-br

The Hero Imagination Project (Site de Zimbardo e colegas acerca do cultivo da imaginação heróica –
em Inglês):
https://www.heroicimagination.org/

Palestra de Zimbardo para a TED Talks sobre Heróis (Em Inglês)


https://www.youtube.com/watch?v=BzRR3Mo4noU&t

Canal do Youtube: “Real Life Heroes” (Dedicado à compilação de vídeos de ações altruístas/heróicas,
com mais de 60 vídeos)
https://www.youtube.com/user/RealLifeHeroesTV

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