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CAPÍTULO 1

Visão sistêmica e gestão de pessoas

HÉLIO JANNY TEIXEIRA


Doutor e Livre-docente em Administração pela
FEA-USP e professor da mesma instituição.

SÉRGIO MATTOSO SALOMÃO


Administrador pela FEA-USP e pesquisador da
Fundação Instituto de Administração (FIA).
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Desde os trabalhos pioneiros de Ludwig von Bertalanffy em


meados do século passado, o enfoque sistêmico jamais deixou
de ser valorizado. Coisa rara na administração, dominada por
modismos e ilusões efêmeras. E por quê? Porque os problemas
mais complexos da administração envolvem interdependência e
combinações de dimensões, ou seja, são sempre sistêmicos. Sendo
assim, desde aquela época, o enfoque sistêmico tem sido igual-
mente recomendado tanto no campo da administração privada,
quanto da pública.
Em sua definição mais simples no campo da administração,
sistema é “um conjunto de partes interdependentes, dotado de
objetivos” (TEIXEIRA; SALOMÃO, TEIXEIRA, 2010, p. 111). A
partir da década de 1960, tem crescido na gestão pública brasileira
o número de assuntos tratados formalmente como sistemas, com a
criação de diversos sistemas nacionais, em áreas tão distintas como
telecomunicações, energia, habitação, segurança pública, assistência
social e saúde, esta última consubstanciada no Sistema Único de
Saúde (SUS), um dos mais conhecidos e relevantes.
É repetitiva a afirmação de que a complexidade tem crescido na
maioria dos campos da vida humana e a velocidade das mudanças
se acelerado cada vez mais nas últimas décadas e mais ainda nos
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últimos anos (CASTELLS, 1999), com ampliação do desencontro


entre demandas sociais e capacidade de resposta do Estado, que,
além das suas obrigações tradicionais, tem que enfrentar novos pro-
blemas hipercomplexos. Por exemplo, saúde, segurança e educação,
obrigações constitucionais do Estado, são objeto de reclamações
constantes da sociedade. Filas, insegurança, percepção de aten-
dimentos de má qualidade, ocupam a experiência e a mente dos
cidadãos. Além disso, há problemas com novos contornos como o
crime organizado, a mobilidade urbana, o consumo de drogas como
o crack e necessidade de adaptações do País a crises internacionais.
Também a competição entre países, estados e cidades tem crescido,
havendo atualmente até mesmo rankings elaborados por organiza-
ções internacionais que comparam a atratividade dos mesmos para
os investimentos e os negócios.
Esses desafios transcendem as possibilidades dos departamen-
tos especializados e também de hierarquias e condicionantes
jurídicos convencionais. É importante, então, chamar a atenção
para uma característica interessante dos sistemas, diante da con-
cepção aqui adotada e apresentada no início do capítulo. Para se
otimizar o alcance dos resultados do todo, não basta se preocupar
com a otimização dos resultados das partes. Em um sistema,
os objetivos das partes, e suas próprias razões de ser, devem ser
considerados em função dos objetivos e das missões do todo.
Soluções isoladas em fronteiras administrativas de secretarias
ou sob óticas conceituais de um único campo do conhecimento
tendem a não solucionar os atuais problemas hipercomplexos,
quando não a agravá-los.
Apesar da evolução positiva, no Brasil e também no estado
de São Paulo, de indicadores de desenvolvimento social como
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esperança de vida, escolaridade, mortalidade infantil, renda per


capita e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), os progressos
objetivos não têm sido suficientes, pois os cidadãos querem mais,
merecem mais e têm cada vez mais consciência de seus direitos.
Como afirmamos anteriormente, as melhorias alcançadas não têm
sido suficientes porque são produzidas em velocidade menor que
a do crescimento das demandas sociais. A concepção sistêmica é
mais necessária do que nunca para enfrentar os desafios da gestão
pública, sua complexidade cada vez maior e a escassez de recursos
diante do crescimento das demandas.
É importante, contudo, evitar tanto raciocínios tecnicistas
quanto inocentes. As mudanças na gestão pública não envol-
vem apenas questões técnicas e administrativas, mas também
dimensões políticas e sociais nem sempre bem compreendidas
e explicitadas, como já abordamos anteriormente (TEIXEIRA;
SANTANA, 1994, p. 7). Introduzir mudanças na administra-
ção pública representa sempre ir de encontro a interesses esta-
belecidos num contexto com múltiplos atores e com posições
divergentes, ou seja, os processos de mudança são sempre sócio-
-técnico-políticos. Cada grupo, ou, na definição de “sistema”,
cada componente ou “parte”, visualizará o “sistema” e seus ob-
jetivos conforme suas posições e interesses. Ignorar esse aspecto
da natureza da administração pública e supervalorizar soluções
simplistas é meio caminho para a frustração.
A administração pública tem como característica específica uma
relação de responsabilidade direta com o processo histórico que se
dá na sociedade. Reafirmamos que inexistem soluções efetivas fora
de um amplo referencial que respeite a natureza e a complexidade
do fenômeno público. Contudo, vale considerar que a própria
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complexidade, por vezes, estimula o simplismo, pois, por sua na-


tureza, a administração permite, em alguns casos, o sucesso pelo
caminho intuitivo ou mesmo pelo acaso. O fracasso, por sua vez,
nem sempre é absolutamente transparente, tornando tênues, aos
olhos de muitos, as ligações entre o conhecimento profundo do
sistema e o aumento da eficácia nos processos de mudança planejada.
Esses fatores, aliados a posições pessoais e grupais não declaradas e
a crença em soluções da moda, adotadas pelo setor privado ou em
outros países, dificultam e desestimulam o aprofundamento dos
estudos na administração pública.
Novas soluções com mais criatividade e inovação — palavra tão
repetida que está sendo esvaziada de sentido tanto no setor públi-
co quanto no privado — são urgentes e só podem ser efetivadas
com a melhor compreensão dos problemas, seus componentes e
as interdependências. Isso significa que se deve necessariamente
adotar o enfoque sistêmico. Iniciamos este capítulo por uma ideia
bastante difundida referente ao crescimento das demandas sociais e
terminamos também com uma solução comum: inovação baseada
na concepção sistêmica.
Se a solução é tão clara, por que a sociedade vive com um
sentimento constante de frustação de expectativas? São muitas as
causas, mas dentro do escopo deste capítulo queremos afirmar que
interesses e posições particulares superam concepções mais amplas
e participativas que mobilizem as energias internas e externas ao
Estado na defesa do interesse público. Há um subaproveitamento
da energia das pessoas e das soluções disponíveis que, dispersas
e pouco articuladas, não evitam a repetição de projetos frágeis e
pouco efetivos.
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1.1 NECESSIDADE DE VISÃO SISTÊMICA DA


GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

Muito da quase permanente insatisfação da maioria dos servidores


públicos brasileiros com, por exemplo, a compensação por seu trabalho
é fruto da falta de racionalidade sistêmica na gestão de cargos, salários
e carreiras nos diversos níveis da administração no País. A concen-
tração excessiva da prerrogativa legislativa na esfera federal, somada
à combinação de negociações isoladas por categorias, com inúmeros
mecanismos que acabam por igualar ou assemelhar muitas carreiras
em um efeito cascata, tornam a gestão de recursos humanos no serviço
público uma espécie de colcha de retalhos desarmônica e amarrada.
Nesse contexto, qualquer análise isolada de um cargo ou carreira,
mesmo as ligeiramente mais abrangentes, tende a padecer e contri-
buir para o mesmo mal, sendo mais um pequeno retalho aduzido
ao emaranhado geral. Vale destacar que a visão de longo prazo ne-
cessária para o tratamento da questão não é contemplada nem pelo
Plano Plurianual (PPA) (com horizonte de apenas quatro anos), o
que não é compatível com uma abordagem estratégica e sistêmica
à gestão de recursos humanos. Mudanças culturais dependem de
processos participativos e ciclos de convencimento que podem levar
muitos anos, e cada contratação no serviço público tem impactos,
não somente econômicos, por cinco, seis ou até sete décadas.
Paralelamente, a escassez de estudos abrangentes, acompanhada
pelas distintas óticas nem sempre convergentes por meio das quais
a gestão de pessoas no setor público pode ser analisada, tem gerado
dificuldade de articular os diferentes horizontes temporais e as dife-
rentes dimensões e disciplinas envolvidas nas políticas de Recursos
Humanos: econômica, legal e gerencial.
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A falta de interesse em visões mais abrangentes fomenta — ou


pelo menos não evita — medidas pontuais que não resolvem as
questões de fundo, quando não agravam os problemas, desorga-
nizando ainda mais as hierarquias e equilíbrios salariais internos
(dentro das organizações e carreiras) e externos (em relação ao
mercado de trabalho).
Como é típico das grandes corporações e das organizações
públicas, o esforço para dar estabilidade ao sistema não deixa
espaços para transformações. A questão de recursos humanos na
área pública é ainda predominantemente calcada em prontuários e
voltada ao cumprimento de obrigações legais, distante da desejada
“gestão de pessoas”.
Os salários crescem principalmente em função do tempo, de
forma desigual entre as diversas corporações e sem seguir a uma
lógica mais geral. A dedicação e o mérito têm pouca influência, salvo
no caso de carreiras com níveis e regras de ascensão predefinidas.
Como é típico do ser humano, todos percebem mais claramente seus
direitos do que seus deveres. Consequentemente, o envolvimento é
baixo (principalmente na inovação), a rotação tende a ser decrescente
(aposentadoria integral) e muitos vivem um divórcio sem separação
e uma aposentadoria sem abandono do cargo.
Consequentemente, “A capacidade do pessoal [...] continua
mal gerenciada com uma gestão muito limitada de competências,
sistemas de seleção por mérito estritos e carreiras rígidas e estreitas
que impedem a alocação ótima de recursos humanos e limitam
as oportunidades para os servidores desenvolverem suas carreiras
por meio de mobilidade lateral ou progressão vertical” (OCDE,
2010, p. 196).
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1.2 ORIGENS E SIGNIFICADO


DE ENFOQUE SISTÊMICO

O enfoque sistêmico surge em função das limitações dos proce-


dimentos analíticos cartesianos. Não que o enfoque analítico — que
consiste em decompor os problemas em partes a serem reordenadas
de forma lógica — tenha perdido utilidade. Mas, simplesmente,
como afirma Capra (2007), ele não se aplica igualmente a todas as
situações, e seu uso abusivo levou à fragmentação característica do
nosso pensamento e das nossas disciplinas acadêmicas e à crença de
que os fenômenos podem ser compreendidos se reduzidos às suas
partes constituintes.
Não é o que ocorre com um fenômeno complexo ou de “com-
plexidade organizada”, em que o todo é mais do que a soma das
partes, que apresentam fortes interações, não triviais e não lineares
(BERTALANFFY, 1973, p. 37-38). Para tornar um pouco mais
precisa para o leitor essa expressão, listamos algumas das caracte-
rísticas dos sistemas complexos:
t têm o comportamento afetado por um grande número de
variáveis;
t nem todas as variáveis e relações que podem afetá-los são
conhecidas;
t as relações entre as variáveis não são lineares, aumentando a
sensibilidade a peque- nas variações em um dado estado inicial
do sistema;
t apesar do caos aparente, a ordem parece surgir naturalmente
ao longo do tempo, com certa regularidade, traduzida (essa
ordem) em estruturas, formas, comporta- mentos e resultados
similares e já conhecidos.
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Para Bertalanffy (1973), os “todos” são formados de partes inter-


dependentes. Para compreender o todo, é preciso analisar não apenas
os elementos, mas suas inter-relações. A mesma ideia foi recolocada
por Senge (1991), ao tratar da aprendizagem organizacional. Para o
autor, o pensamento sistêmico é a disciplina que visualiza o todo,
reconhece padrões e inter-relações e aprende como estruturar essas
inter-relações de forma mais eficiente e efetiva.
A organização como sistema aberto, ou seja, em interação com o
ambiente, e a informação como recurso diferenciado são elementos
básicos do enfoque sistêmico em administração desde 1960. Mas
esses elementos vêm ganhando importância cada vez maior desde
1980, com a emergência da sociedade em rede, caracterizada por
vários autores, com destaque para Casttells (1999). A sociedade em
rede é baseada num novo modo de produção, em que o conhecimen-
to e o processamento da informação tornam-se mais importantes
do que outros recursos.
Uma organização pode ser pensada como um conjunto de partes
interdependentes como pode ser visualizado na Figura 1.1.

Figura 1.1 A caixa-preta e o conjunto de subsistemas


Coerência Vertical

Coerência Horizontal
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COERÊNCIA VERTICAL
Mesarovic, Macko & Takahara (1970) partem da ideia de que a
organização consiste numa família de unidades interativas e hierar-
quizadas de tomada de decisão. Uma questão crítica é a forma de
coordenação dessas unidades, elevando-se a coerência das decisões.
Deve-se compreender como uma caixa ou nível de decisão determina
as decisões do nível inferior, e assim por diante, e também que tipo de
informação retorna de baixo para cima, conforme ilustra a Figura 1.2.

Figura 1.2 Hierarquização de Sistemas - Mesarovic (1970).


CAMADAS DECISÓRIAS
Exemplo
Nível 1 Estratégico

Nível 2 Tático

Nível 3 Operacional

Escalão 1

Escalão 2

Escalão 3 ... ...

Processos

Fonte: Mesarovic (1970).


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COERÊNCIA HORIZONTAL
A coerência horizontal envolve ajuste entre as partes que intera-
gem trocando recursos e informações em grandes cadeias de clien-
tes/fornecedores internos e externos, conforme ilustração seguinte
(Figura 1.3).

Figura 1.3 Cadeia cliente/fornecedor

CLIENTE / CLIENTE /
FORNECEDOR CLIENTE
FORNECEDOR FORNECEDOR
EXTERNO EXTERNO
INTERNO INTERNO

A Figura 1.4 ilustra as conexões, adotando a linguagem típica do


enfoque sistêmico, com questões que facilitam a análise de sistemas:

Figura 1.4 Análise dos componentes de um sistema

ENTRADAS PROCESSAMENTO SAÍDAS OBJETIVOS CLIENTE

Recursos e Quais são as


Quais são? procedimentos Quais são? Quais são?
demandas?
adotados?

São coerentes Estão sendo


Volume? Coerência com o Forma?
com o ambiente atendidas?
fluxo de entradas e com as saídas?
e saídas?

Forma? Frequência?

São coerentes
Frequência? com a capacidade
do processador?

São coerentes
com a capacidade Atendem o
do processador? usuário?
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A revisão de processos, que sempre foi importante na adminis-


tração, tanto sob a ótica dos antigos conceitos de organização e
métodos (O&M) e análise de sistemas, como nas visões mais mo-
dernas da qualidade total e da reengenharia, recentemente ganhou
autonomia e literatura própria, e também teve seu foco ampliado
para a gerência de processos.

1.3 PLANEJAMENTO: VISÃO SISTÊMICA E


COERÊNCIA VERTICAL E HORIZONTAL
AO LONGO DO TEMPO

Como bem mostrou Simon (1967), há duas formas principais


para promover a integração das ações e decisões numa organização:
planejamento e comunicação. Sabemos que ambos se comple-
mentam e se interpenetram, pois a comunicação humana, baseada
numa linguagem articulada e simbólica, é característica essencial da
natureza humana e, consequentemente, marca todos os seus atos.
Podemos considerar a organização como um conjunto de unida-
des interdependentes em que se tomam decisões. O planejamento
visa a permitir ou facilitar a integração dessas decisões (e conse-
quentemente das ações), que se dão em diferentes unidades ou em
diferentes níveis de uma mesma unidade. Somente a existência de
um esquema de referência abrangente (conjunto de planos) pode
evitar o caos, no caso de decisões que devem ser tomadas simulta-
neamente por dizerem respeito ao mesmo processo e não poderem,
portanto, entrar em conflito. Além da função de “manutenção”,
o planejamento é também o principal instrumento utilizado para
promover “mudanças” organizacionais, tendo em vista a adaptação
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a novas situações ambientais ou simplesmente visando o melhor


aproveitamento de situações estáveis.
Como mostra Ackoff (1976, p. 2-3), o exercício do planejamento
se confunde com o próprio enfoque sistêmico: “Planejamento é
necessário quando a consecução do estado futuro que desejamos
envolve um conjunto de decisões interdependentes; isto é, um
sistema de decisões. Um conjunto de decisões forma um sistema
se o efeito de cada decisão no resultado desejado depende de, pelo
menos, outra decisão do conjunto. O conjunto de decisões que
exijam planejamento tem as seguintes características”:
a) “São muito grandes para serem manipuladas de uma só vez.
Portanto, o planejamento deve ser dividido em estágios ou fases
que sejam desenvolvidas em um único ponto de decisão ou simul-
taneamente, em diferentes pontos ou mesmo por alguma união de
esforços em série e simultâneos. O planejamento deve ser dividido
em etapas ou, em outras palavras, ele deve ser planejado em si.”
b) ”O conjunto de decisões necessárias não pode ser subdividido
em subconjuntos independentes. [...] Isso quer dizer que decisões
tomadas em primeiro lugar no processo de planejamento devem ser
levadas em consideração, ao se tomar outras, posteriormente; e as
primeiras decisões devem ser revistas à luz das outras que lhe seguirem.”
Ainda segundo Ackoff (1976):
Essas duas propriedades sistêmicas do planejamento provam que
ele não é um ato e sim um processo, sem fim natural ou ponto final.
É um processo que (se espera) se aproxima de uma “solução”, mas
nunca chega mesmo até ela, por duas razões. Primeiro, porque não
há limite para a quantidade de revisão que se possa fazer de decisões
anteriores. Entretanto, o fato de que é necessário agir faz com que
se tenha que adotar o planejamento da maneira que ele estiver num
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determinado momento. Em segundo lugar, tanto o sistema para o


qual se planeja quanto o seu ambiente mudam durante o processo
de planejamento e nunca é possível levar todas essas mudanças em
consideração. Em parte, em função disso é que existe uma necessi-
dade contínua de atualização e “manutenção” de um plano.
Na prática organizacional, o planejamento representa o principal
meio para a efetivação do enfoque sistêmico.

1.4 DIFICULDADES DA APLICAÇÃO DA VISÃO


SISTÊMICA NA GESTÃO DE PESSOAS

A aplicação do enfoque sistêmico envolve a resposta a, pelo


menos, quatro questões:
a) O que significa o todo?
b) Quais são seus componentes?
c) Como os componentes se inter-relacionam?
d) Como fortalecer a coerência sistêmica horizontal, vertical
e temporal?
Essas perguntas não podem ser respondidas independentemente,
pois só é possível pensar no todo considerando-se as partes e suas
inter-relações. E a coerência sistêmica nada mais é do que a integra-
ção horizontal e vertical das partes ao longo do tempo.
Mas a prática de gestão de pessoas na área pública enfrenta dificul-
dades para acompanhar as recomendações da literatura, incorrendo
repetidamente nos seguintes vícios:
t Ampliação indevida do significado das partes.
t Tratamento isolado das partes.
t Dificuldade de visualizar o todo.
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a) Ampliação indevida do significado das partes


É comum na área pública a existência de princípios e leis relevantes
que marcam o sentido dos trabalhos nas diversas áreas da adminis-
tração. A Lei 8666 representa um marco para a área de licitações. O
artigo 37 da constituição direciona a gestão de pessoas, estabelecendo,
por exemplo, a obrigatoriedade de concurso público. A Lei de Res-
ponsabilidade Fiscal apresenta os limites de gastos e outras referências
para as finanças públicas. Todos sabem, no entanto, que, apesar de sua
abrangência e alto grau de detalhe com que consegue tratar as licitações
públicas, a Lei 8666 não apresenta e nem propõe um sistema de gestão
de suprimentos integrado, pois trata apenas de licitações e contrata-
ções. Também os concursos públicos, essenciais e bem-vindos, não
significam uma política de recursos humanos, mas apenas uma parte
de dois dos seus aspectos: recrutamento e seleção. Da mesma forma, a
Lei de Responsabilidade Fiscal nunca teve a pretensão de propor uma
gestão financeira integrada. Mesmo com os seus direcionamentos e
restrições, as leis mencionadas não vedam complementos e cuidados
nas aplicações. A Lei 8666 teria mais impactos se acompanhada de
previsão bem feita da necessidade de materiais, análise de mercados
fornecedores, estudo dos padrões de consumo, controle de estoque,
estudo de custos globais e treinamento de compradores. Ou seja, a
lei não coíbe uma logística pública integrada, mas poucos a prati-
cam. O mesmo vale para as outras leis citadas. Um concurso público
mal feito não trará grandes contribuições mesmo dentro da lei. Da
mesma forma, um concurso bem cuidado, livre da cobrança restrita
do conhecimento acadêmico, perderá força se os novos funcionários
não forem bem integrados, orientados, treinados, remunerados e
motivados, ou seja, não basta cuidar bem de uma parte, porque, na
administração, o que importa é o conjunto.
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b) Tratamento isolado das partes


Tanto a literatura como a prática da gestão de pessoas trata
das funções típicas de RH – recrutamento, seleção, treinamento,
análise de cargos e carreira, avaliação, remuneração e desligamento
de forma isolada. Como mostram Zaccarelli & Kwasnicka (1978,
p. 47), “o tratamento conjunto desses assuntos é nulo ou insufi-
ciente, embora, evidente que seja muito importante.” Os autores
nos alertam para as relações que devem haver entre, por um lado,
as estratégias organizacionais e as políticas de recursos humanos,
e, por outro, para coerência e complementaridade que devem ser
buscadas entre as próprias funções da gestão de RH. Assim é que
decisões acertadas no recrutamento e seleção tendem a facilitar a
formação e treinamento, os quais, por sua vez, viabilizam o desen-
volvimento de competências e a implantação de sistemas de carreira
e remuneração, e assim sucessivamente. Usualmente, não é feito
o tratamento conjunto das partes, que envolve a visualização das
funções, suas articulações entre si e com o contexto.
c) Dificuldade de visualização do todo
Referenciais não faltam para indicar quais os componentes e con-
dicionantes da gestão de pessoas. Longo (2003) apresenta um modelo
integrado de gestão bastante difundido nos países ibero-americanos
(vide figura 1.5) e que deu origem a uma metodologia de avaliação
também bastante utilizada. Também Levy (2012) apresenta um quadro
amplo sobre a questão. Mas os acadêmicos e os estudiosos têm avançado
mais do que a prática por três razões principais. Em primeiro lugar, os
atores envolvidos com o mundo real estão dispersos e marcados por
interesse específicos. Assim, decisões que necessitam de integração para
constituir um todo significativo são tomadas por grupos distintos, com
referenciais particulares e sem visualização do conjunto.
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Figura 1.5 Modelo integrado de gestão

ESTRATÉGIA

CONTEXTO
INTERNO AMBIENTE
GESTÃO DE Enquadramento legal
Estrutura RECURSOS
Cultura Mercado de trabalho
Outros HUMANOS

PESSOAS

RESULTADOS

ESTRATÉGIA

PLANIFICAÇÃO

PROCESSAMENTO
ORGANIZAÇÃO TRABALHOS DE GESTÃO DE Compensação monetária
DO TRABALHO GESTÃO RENDIMENTOS e não monetária
Projeto de trabalho Incorporação Planejamento
Definição de perfis Mobilidade Avaliação
PROMOÇÃO E
Desvinculação
CARREIRA
Aprendizagem
individual e coletiva

GESTÃO DAS RELAÇÕES HUMANAS E SOCIAIS


Ambiente de trabalho Relações Políticas sociais

Fonte: Longo (2003)


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Seguindo o entendimento de Longo (2003), quem cuida do en-


torno (legisladores, procuradores, governante) é diferente de quem
trata do contexto interno (secretários, secretário adjunto, chefe de
gabinete etc.), que está distante de quem faz a gestão de pessoas
(unidades de recursos humanos e conjunto de gestores). Como as
unidades de RH podem delinear políticas de recursos humanos sem
conhecimento e sem participação em outras camadas decisórias? Da
mesma forma, como gestores de linha (diretores, coordenadores,
chefes) podem dar sentido e liderar suas equipes em processos de
transformação obscuros?
As limitações do cérebro humano representam uma segunda
razão para a fragilidade da utilização de concepções sistêmicas na
prática. Como mostra a psicóloga cognitiva Kahneman (2012), o
cérebro humano apresenta limitações desconcertantes, pois é uma
máquina de tirar conclusões precipitadas e equivocadas, incapaz de
admitir a verdadeira extensão da própria ignorância. Superestima-
mos o quanto compreendemos sobre o mundo. Ou seja, as pessoas
pensam que compreendem o todo, que têm uma visão holística,
mas se iludem com algumas partes como se fossem o todo. Muito
estudo, muitas teorias, muita participação devem ser empregados
para reduzir os equívocos e construir de fato bons modelos para
operar sobre a realidade. A leitura de Senge (1991) sobre aprendi-
zagem organizacional certamente contribui para essa empreitada.
Em terceiro lugar, não basta ter os modelos e a visão sistêmica,
com inúmeras variáveis interligadas conceitualmente, sem mensu-
rações, sem pesquisas que indiquem mais concretamente os con-
tornos e os pesos dos problemas e das soluções. Colocações gené-
ricas alimentam ou modificam as generalidades vigentes, numa
generalização sem fim. Por isso é comum afirmar que no Brasil, e
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em particular na gestão de pessoas do Setor Público, são escassos


os estudos quantitativos e abrangentes que ajudem a construir o
sentido das políticas públicas.
Os conceitos apresentados neste capítulo indicam dois grupos de
diretrizes ou princípios para uma forma mais estratégica e sistêmica
de atuação na gestão pública.
No primeiro grupo, situam-se diretrizes “políticas” ou relativas
à “atitude” de governantes e gestores. Tais diretrizes indicam a
necessidade de superação das dificuldades crônicas para a adoção
do tratamento sistêmico e estratégico dos seguintes problemas da
gestão pública: a supervalorização e tratamento isolado das partes e o
tecnicismo inocente, que se ilude quanto à existência de um “pacote
técnico de soluções sistêmicas”. É necessário, também, tomar cons-
ciência da importância, entender a abrangência do escopo e assumir
os desafios políticos de uma postura sistêmica no planejamento e
na gestão no setor público, inclusive a de pessoas.
No segundo grupo, encontram-se os princípios da busca perma-
nente de coerência estratégica (externa/superior) e sistêmica (verti-
cal, horizontal e no tempo) no planejamento e gestão de políticas,
programas, projetos e organizações públicas.
O apresentado, pois, até o momento, já seria suficiente para
um administrador público experiente rever estratégias e planos de
trabalho, pessoais e de sua equipe num primeiro momento, e de
sua unidade, instituição e programas progressivamente, dependendo
das condições políticas, restrições e oportunidades que encontrar.
Mas vamos nos propor a fazer uma reflexão sobre as formas ou
mecanismos da transposição, para a prática, dos conceitos apresen-
tados até este momento, por meio de um “exercício” de aplicação
a uma situação mais próxima da realidade.
VISÃO SISTÊMICA E GESTÃO DE PESSOAS | 49 |

Preferimos chamar de exercício os comentários seguintes uma


vez que não se trata, em absoluto, de um estudo de caso, mas de
especulações em torno dos conceitos apresentados até aqui neste
capítulo, desenvolvidas com base em informações de uma pequena
cartilha de “Planejamento Estratégico” de uma autarquia autôno-
ma do estado de São Paulo (Iamspe, 2009), complementadas por
impressões colhidas em um breve programa de formação de que os
autores participaram na instituição.
Da nossa definição de sistema como “um conjunto de partes
interdependentes, dotado de objetivos” (TEIXEIRA; SALOMÃO;
TEIXEIRA, 2010, p. 111) apresentada no início do capítulo de-
preende-se naturalmente, no caso das organizações complexas ou
mesmo da concepção e gestão de políticas públicas (inclusive as
orientadas para pessoas), que deve haver mecanismos, instrumentos,
metodologias e/ou processos técnico-políticos para estabelecimento
dos objetivos do conjunto e os objetivos das partes, bem como as
formas e regras de relacionamento entre as partes, dada sua inter-
dependência.
O planejamento é o primeiro e um dos mais comuns desses
mecanismos, estabelecendo referenciais e objetivos comuns ou coe-
rentes com o do conjunto e entre as partes. Desde que realizado de
acordo com as necessidades dos diferentes momentos da organização
e tratado como processo e não como evento, o planejamento pode
incorporar os princípios e a linguagem sistêmica, representando uma
boa “tradução” dos conceitos da teoria dos sistemas para a prática
da gestão organizacional. Para tanto, é preciso que o próprio plane-
jamento se desenvolva com uma abordagem sistêmica, procurando
intencionalmente dotar as práticas e processos organizacionais de
coerência vertical, horizontal e no tempo.
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A coerência vertical pode ser estimulada por meio de adap-


tações sucessivas das camadas inferiores às diretrizes das camadas
superiores, o que se obtém com a elaboração e adoção de um pla-
nejamento e gestão estratégicos. Em ambientes em que se pratica
um planejamento mais participativo, o que é recomendável sempre
que possível, pode-se visualizar um processo de adaptações suces-
sivas tanto de cima para baixo, quanto de baixo para cima. Nesses
casos, o que chamamos de “camadas superiores” tem um sentido
muito mais conceitual, teleológico, relacionado a objetivos, do que
um sentido hierárquico, uma vez que as pessoas mais próximas dos
processos que ocorrem na base da hierarquia também influenciam
o estabelecimento dos objetivos de maior abrangência.
A coerência horizontal será dada, por sua vez, nos processos
de planejamento gerenciais e operacionais. Colocando de outra
forma, pode-se dizer que o planejamento dos níveis intermediários e
operacionais da organização ou da implantação de políticas deve-se
desenvolver e executar com base numa visão de processos, de cadeia
de trabalho, de balanceamento de cargas, de cliente e fornecedor
(interno e externo).
A coerência no tempo, por fim, tem de ser garantida desde
o início, com a previsão de momentos de revisão dos planos e
tratamento de problemas, objetivos e estratégias emergentes que
certamente sobrevirão após a realização das primeiras “rodadas” do
planejamento. A mudança de contexto, tecnologias, necessidades,
demandas e objetivos não deve ser tratada como exceção ou empe-
cilho, mas como cenário mais provável e até como oportunidade
de avanços ou solução de problemas.
Vamos, então, a seguir, fazer algumas reflexões, especulações mes-
mo, sobre como se dariam, na prática, essas adaptações estratégicas
VISÃO SISTÊMICA E GESTÃO DE PESSOAS | 51 |

na organização mencionada, ou ao menos sobre a parte delas que


é possível com as poucas informações disponíveis.

1.5 ESPECULAÇÕES EM TORNO DE UM EXEMPLO

BREVE HISTÓRICO
O Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual
(Iamspe) é “[...] uma entidade autárquica autônoma, sem fins lu-
crativos, com personalidade jurídica e patrimônio próprios. Atual-
mente, está vinculado à Secretaria de Gestão Pública do Estado de
São Paulo”. (Iamspe, 2009, p. 8) Sua finalidade é “Prestar assistência
médica e hospitalar, de elevado padrão, aos seus contribuintes e
beneficiários.” (Iamspe, 2009, p. 8)
Criado como departamento em 1952 (Departamento de
Assistência Médica ao Servidor Público do Estado de São Pau-
lo — Damspe), inaugurou, em 1961, o Hospital do Servidor
Público Estadual (HSPE), tendo-o sob sua responsabilidade até
os dias de hoje. Em 1966, desliga-se do Instituto de Previdência
do Estado de São Paulo (Ipesp), recebendo sua denominação
atual de Iamspe.
Apenas recentemente, em 2008, o instituto é transferido da
Secretaria de Saúde para a Secretaria de Gestão Pública.
O que ser percebe, pelas origens do Iamspe, mas ainda mais na
interação com seus servidores e no contato com o próprio servidor
estadual, é a identificação do instituto com a atividade médica
em si, muito mais do que com um plano de assistência à saúde
em sentido amplo. A força da imagem do Hospital do Servidor, a
excelência dos serviços prestados desde sua fundação (hoje já um
| 52 | CONTRIBUIÇÕES PARA A GESTÃO DE PESSOAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

tanto depreciada por diversas razões) e a inegável qualidade de


suas equipes médicas e de enfermagem colaboraram enormemente
para essa identidade.
Nas últimas décadas, à semelhança da maioria dos serviços
públicos, o instituto passou a enfrentar problemas na prestação
de seus serviços, cuja demanda crescente enfrenta dificuldades
de atendimento, na qualidade e cobertura a que contribuintes e
beneficiários se acostumaram no passado. Tais dificuldades são
explicadas, ao menos parcialmente, pelos problemas de financia-
mento dos serviços.

DESTAQUES DO PLANEJAMENTO
ESTRATÉGICO 2008-2010
As declarações estratégicas apresentadas no Planejamento Es-
tratégico 2008-2010 (Iamspe, 2009, p. 9; 18-19) do instituto são
as seguintes:

MISSÃO:
Atuar na promoção da saúde, prevenção de doenças, assistência
e reabilitação dos doentes, garantir o acesso à rede de serviços,
própria ou contratada, por meio da gestão dos recursos, do ensino,
da pesquisa e do aprimoramento, contribuindo para a melhoria da
qualidade de vida dos seus contribuintes e beneficiários.

VISÃO:
Ser reconhecido [...] por oferecer aos seus contribuintes e benefi-
ciários maior cobertura no atendimento com excelência de serviços,
e também como:
VISÃO SISTÊMICA E GESTÃO DE PESSOAS | 53 |

I. formulador e controlador de políticas de promoção da saúde,


prevenção de doenças, assistência e reabilitação de doentes, com
foco no usuário;
II. organização pautada em critérios de equidade e integrali-
dade;
III. a melhor relação custo benefício para o usuário;
IV. serviço de fácil acesso para o usuário;
V. instituição com ampla rede de parcerias.

Será uma organização com maior autonomia, orientada para resul-


tados e pautada por valores éticos, com transparência e humanidade.

OS 12 OBJETIVOS ESTRATÉGICOS:
Sustentabilidade (a)
1. Promover a sustentabilidade orçamentária e financeira do
Iamspe.
2. Garantir a melhor relação custo/benefício para o usuário.
3. Adotar princípios modernos de governança corporativa.
Sistema de saúde (b)
4. Implantar e consolidar sistema baseado na prevenção das
doenças e na promoção da saúde, equilibrado quanto à prestação
de serviços médico/hospitalares.
5. Atingir sinistralidade menor ou igual a 75%.
6. Descentralizar a prestação de serviços médico/hospitalares.
Qualidade (c)
7. Adotar os critérios de equidade e integralidade na prestação
dos serviços.
8. Instituir eficiente rede de parcerias.
9. Agregar efetivo valor aos usuários.
| 54 | CONTRIBUIÇÕES PARA A GESTÃO DE PESSOAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Processos (d)
10. Racionalizar e desburocratizar os processos de atendimento
e de prestação dos serviços.
11. Revisar e adequar os processos de trabalho administrativo.
12. Adequar e ampliar as ações referentes à tecnologia da informação.

COMENTÁRIOS SOBRE A MUDANÇA DE


“POSICIONAMENTO” ESTRATÉGICO DO IAMSPE
O plano estratégico de que foram extraídas as declarações acima
surge ao final de um longo processo de desequilíbrio financeiro,
com reflexos importantes na capacidade de expansão dos serviços
e também na qualidade dos mesmos.
Em um momento em que o País busca uma gestão orçamentária
mais rígida e em plena vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal,
o instituto apresentava déficits anuais em torno de 25 milhões de
reais, além da pressão pelo resgate da qualidade dos serviços.
A realidade colocou a instituição diante de uma necessidade
de mudança estratégica, se não em nome da sobrevivência, ao
menos para recuperar a qualidade dos serviços e atender aos
novos acordos estabelecidos com o governo. O Planejamento
Estratégico 2008-2010 (Iamspe, 2009) é, sem dúvida, uma res-
posta nesse sentido.
Duas mudanças no “posicionamento estratégico” do Iamspe
merecem ser destacadas no contexto deste capítulo:
t Do foco anterior na qualidade da medicina “a fundo perdido”
ao foco na relação benefício-custo para o contribuinte e benefi-
ciário, com equilíbrio orçamentário e parâmetros de mercado.
t Do foco em atividades “hospitalares” ao foco em “assistência
à saúde”.
VISÃO SISTÊMICA E GESTÃO DE PESSOAS | 55 |

EM BUSCA DE COERÊNCIA VERTICAL,


HORIZONTAL E NO TEMPO
Exemplificando as decisões típicas de cada nível no caso de uma
organização pública como o Iamspe, com base na teoria proposta por
Mesarovic e outros (MESAROVIC; MACKO; TAKAHARA, 1970)
comentada anteriormente (tópico 1.2; Figura 1.2), podemos traçar o
seguinte diagrama, convergindo para as questões relativas à gestão de
pessoas e RH:

Figura 1.6 Hierarquização de decisões na gestão de pessoas



DECISÕES DE ESTADO ฀
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DECISÕES DE GOVERNO ฀ ฀ ฀
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DECISÕES SETORIAIS/ORGANIZACIONAIS
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DECISÕES NA ÁREA (PESSOAS/RH)


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DECISÕES DE CARGO ฀ ฀ ฀
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| 56 | CONTRIBUIÇÕES PARA A GESTÃO DE PESSOAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Para a dimensão que queremos explorar neste capítulo, as duas


camadas iniciais, denominadas “Decisões de Estado” e “Decisões de
Governo”, devem ser tomadas como dados de contexto, ou melhor,
como decisões de camadas superiores que, desde que aceitas como vá-
lidas ou legítimas, demandam “adaptações estratégicas” das camadas
inferiores. Merecem destaque, no caso em análise, por exemplo, a
Responsabilidade Fiscal e a Terceirização de Serviços.
Vale a pena, neste ponto, um comentário sobre o significado de
“gestão estratégica” que adotamos neste texto. A literatura sobre
gestão estratégica e planejamento estratégico tende a valorizar os
processos “centrados na organização” em análise e a praticamente
ignorar os processos de adaptação estratégica que cabem às cama-
das inferiores, às organizações subordinadas a outras organizações
(como as secretarias, ministérios, empresas públicas, diretorias,
departamentos), ou, na linguagem sistêmica, as adaptações dos
objetivos das partes, em relação aos objetivos do todo. O risco
decorrente, no caso das organizações públicas, é realizar o pro-
cesso de análise estratégica “a partir do zero”, supervalorizando
o ambiente externo propriamente dito (sociedade, comunidade,
economia, clientes e concorrentes externos) e, consequentemente,
subvalorizando o ambiente “do Estado e do Governo” (marcos
legais, prioridades políticas e programas de governo). Adaptar-se
a políticas de governo legitimamente estabelecidas é também atuar
estrategicamente, além de fundamental para o fortalecimento
da democracia. Guardadas certas necessidades de garantia de
manutenção de serviços básicos, muito do que vulgarmente se
denomina atualmente, de forma pejorativa, como “descontinui-
dade administrativa”, pode ser mudança decorrente de projetos
políticos legitimados nas urnas.
VISÃO SISTÊMICA E GESTÃO DE PESSOAS | 57 |

Voltando ao caso em análise, tomemos como foco os dois princí-


pios destacados, a Responsabilidade Fiscal e a Terceirização de Serviços
e realização de parcerias, que assumimos como estabelecidos nas
camadas superiores. Lembramos que nosso objetivo neste trabalho
é somente explorar o processo de adaptação estratégica e a aplica-
ção da abordagem sistêmica à gestão de pessoas no setor público e
não o julgamento ou avaliação das políticas públicas efetivamente
implantadas.
Diante das pressões sociais e das decisões superiores de equilí-
brio orçamentário e de ampliação da cobertura do atendimento a
contribuintes e beneficiários, são tomadas, no nível da organização,
decisões estratégicas de equilíbrio orçamentário, de — suposição
nossa — mudança de posicionamento institucional, de “gerenciador
de serviços hospitalares” para “gerenciador de serviços de saúde”.
Em muitos sentidos, o documento do planejamento estratégico da
instituição (Iamspe, 2009) e as informações colhidas informalmente
no contato com os participantes do processo de formação de que
os autores participaram corroboram essa interpretação, a qual, no
entanto, é secundária para as finalidades deste trabalho. Interessa-nos
especular sobre o significado do que temos chamado de visão sistê-
mica aplicada à gestão de pessoas e também de adaptação estratégica.
Correndo o risco de simplificar exageradamente o significado
da mudança, cabe, nesta camada institucional — ou seja, da di-
reção geral da organização — firmar a alteração da sua posição de
“gerenciadora de hospital” para a de “gerenciadora de um plano
de saúde”. Em princípio, esse novo posicionamento parece uma
resposta coerente para o duplo desafio de, simultaneamente, expan-
dir a cobertura e equilibrar o orçamento. A expansão da cobertura
aumenta o potencial de receita, por evitar a perda de clientes e
| 58 | CONTRIBUIÇÕES PARA A GESTÃO DE PESSOAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

evitar a sobrecarga do HSPE. Ao mesmo tempo, a expansão via


credenciamento de terceiros da iniciativa privada reduz os custos,
tanto por não requisitar investimentos em ativos, quanto por so-
mente ser necessário o custeio dos serviços efetivamente utilizados.
Cabe ressaltar que muitos dos planos de saúde privados, líderes de
mercado, mantém um hospital geral como unidade prioritária e
estratégica em suas operações. Portanto, a eventual mudança de
posicionamento estratégico do Iamspe não implica necessariamente
sequer no enfraquecimento do Hospital do Servidor, muito ao con-
trário. O mesmo se aplica às clínicas próprias do Iamspe localizadas
em municípios estratégicos.
Mas, uma vez aceita essa mudança de foco, o papel da instituição
passa a ser o de gerenciador de serviços de saúde para seus clientes,
serviços próprios ou de terceiros, podendo priorizar a elevação dos
índices de cobertura e qualidade, com redução de custos, indepen-
dentemente da vinculação.
Essa adaptação estratégica de primeiro nível do sistema, em res-
posta a pressões ambientais e das camadas superiores de governo,
gera um novo desafio, no entanto, de desenvolvimento de novas
competências na instituição para selecionar, contratar e gerenciar
o serviço de terceiros. Antes mesmo, a instituição precisa tomar
decisões sobre quando, em que casos e onde prestará os serviços
diretamente e quando contratará de terceiros. Também terá de de-
cidir como gerenciará a prestação dos serviços de terceiros e como
garantirá a padronização entre os serviços próprios e os contratados.
Afinal, não deve transparecer qualquer diferença entre contribuinte
e beneficiário.
Muitas outras prioridades, funções e processos organizacionais
devem ser revistos para completar essa primeira fase da adaptação.
VISÃO SISTÊMICA E GESTÃO DE PESSOAS | 59 |

Em mudança de tal porte, a própria estrutura organizacional teria


de ser revista, aumentando o balanceamento entre a importância de
áreas médicas e de áreas de convênios, gestão de contratos, aprovação
de procedimentos etc. Também o relacionamento entre essas áreas
deve ser disciplinado, o que colaboraria para o alcance da coerên-
cia horizontal nos processos da instituição. Estamos cientes das
inúmeras lacunas que deixamos atrás e ainda deixaremos à frente
neste exercício, cujo objetivo não é esgotar o assunto, mas ilustrar
o tema. Passemos, então, à reflexão sobre as decisões de adaptação
das camadas da gestão de pessoas e recursos humanos e de revisão
dos quadros e cargos.
É claro que, quanto mais descemos do topo aos níveis gerenciais
e operacionais da organização, multiplicam-se as funções e ramifi-
cam-se as especialidades, tornando difícil a cobertura de todas elas
em um trabalho como este. Então, tanto quanto fizemos até aqui,
apenas alguns exemplos serão explorados, sem qualquer pretensão
de esgotar o tema.
Dimensionamento de quadro: em resposta à nova ênfase dada
ao credenciamento de clínicas e laboratórios privados para o atendi-
mento aos beneficiários, é necessário um novo balanceamento entre
quadros médicos e de enfermagem e quadros técnicos, gerenciais e
de contratação, monitoramento e controle de terceiros.
Recrutamento e seleção: de forma análoga, buscando tanto a
coerência vertical com as novas estratégias organizacionais, quanto
a coerência horizontal com o novo perfil dos quadros profissionais,
o recrutamento e seleção deve passar a enfatizar a contratação de
atuários, prospectores de serviços, compradores e gestores de contra-
tos, cuidando apenas da manutenção ou do crescimento vegetativo
dos quadros médicos, de enfermagem e bioanálise, por exemplo.
| 60 | CONTRIBUIÇÕES PARA A GESTÃO DE PESSOAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Formação: será necessário rever as necessidades de formação e


desenvolvimento, de modo a fortalecer os quadros (novos e atuais)
também nos perfis de contratador e gerenciador de serviços de
saúde, tanto para os novos contratados com formações diversas,
quanto para os quadros médicos, de enfermagem e de serviços de
exames. É importante frisar que, quando falamos de uma mudança
de perfil profissional, incorporando novas competências ao quadro
da instituição, não estamos falando necessariamente em substitui-
ção de pessoas. Ao contrário, a formação em saúde continua sendo
fundamental mesmo para o exercício das funções de gerenciados de
serviços, que, de resto, continuam sendo serviços de saúde. Mas o
desenvolvimento ou fortalecimento de novas competências a esse
quadro é importante até mesmo para sua manutenção e valorização.
Carreira e competências: necessidade de criação de “atalhos
horizontais” para gestores médicos e enfermeiros para a função de
gerenciamento de terceiros. Criação de caminhos em Y para permitir
a derivação de profissionais técnicos para a carreira gerencial ou a
progressão na carreira técnica.
Avaliação e remuneração: criação de mecanismos de valorização
“equivalente” de carreiras médicas e de gerenciamento de serviços
de saúde (reforçando que as segundas podem e devem ser ocupa-
das também por profissionais com formação em áreas de saúde),
incluindo a revisão de metas e instrumentos de avaliação, adequadas
a cada área e função.
Desligamento: é possível também que seja necessária a criação
de programas de desligamento e/ou recolocação, na eventualidade
de excessos de quadros ou dificuldades localizadas de adaptação à
nova realidade.
VISÃO SISTÊMICA E GESTÃO DE PESSOAS | 61 |

1.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como afirmamos em vários momentos, o planejamento, em


um sistema sócio-técnico-político, que se pretende em permanen-
te adaptação a novos desafios e estratégias, não deve ser encarado
como um evento, com começo, meio e fim, mas como um processo
permanente. É com essa consciência que os planejadores poderão
aprimorá-lo progressivamente e manter sua coerência no tempo.
Ao encerrar este capítulo, deixamos claro o entendimento das
dificuldades de implantação e manutenção de um planejamento ver-
dadeiramente estratégico, sistêmico e de longo prazo no setor público
brasileiro. Os tempos e os marcos regulatórios da política brasileira
conspiram ainda contra essa possibilidade, multiplicando os atores
sociais envolvidos, e de forma muito desigual entre eles, pela fraqueza
dos nossos mecanismos de representação e participação social.
Nesse contexto, é dificultada a manutenção de sistemas integrados
de planejamento de curto, médio e longo prazos, mesmo em áreas
básicas ou típicas do serviço público e de utilidade pública.
A criação e manutenção de mecanismos mais permanentes,
definidos em lei, de transparência e governança, como alguns que
já começam a existir ainda de forma embrionária, talvez seja um
bom caminho nessa direção.

1.7 REFERÊNCIAS

ACKOFF, R. Planejamento empresarial. Rio de Janeiro: Livros


Técnicos e Científicos, 1976.
BERTALANFFY, L. Teoria geral dos sistemas. Petrópolis:
Vozes, 1973.
| 62 | CONTRIBUIÇÕES PARA A GESTÃO DE PESSOAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

CAPRA, F. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 2007.


CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra,
1999.
IAMSPE. Planejamento Estratégico 2008-2010. São Paulo,
SP Iamspe - Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público
Estadual / Imprensa Oficial do Estado, 2ª edição, 2009.
LEVY, Evelyn. Incentivos e condições para o desempenho dos
servidores públicos: conclusões a partir de um estudo sobre Austrália
e Brasil. In VII CONGRESSO INTERNACIONAL DEL CLAD
SOBRE LA REFORMA DEL ESTADO Y DE LA ADMINIS-
TRACIÓN PÚBLICA. Cartagena de Indias, 30 oct./02 nov. 2012.
Longo, M. F. VII Congreso Internacional del CLAD sobre la
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2003, p. 28-31.
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MESAROVIC, M. D.; MACKO, D.; TAKAHARA, Y. Theory of
multi-level hierarchical systems. Madison: Academic Press, 1970.
OCDE. (2010). Avaliação da Gestão de Recursos Humanos no
Governo - Relatório da OCDE - Brasil 2010 - Governo Federal.
Brasil: OCDE.
SENGE, P. A quinta disciplina. Rio de Janeiro: Best Seller, 1991.
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TEIXEIRA, H. J.; SANTANA, S. M. Remodelando a gestão
pública. São Paulo: Edgard Blücher, 1994.
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Fundamentos de administração: a busca do essencial. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2010.
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ZACCARELLI, S. B.; KWASNICKA, E. L. Hierarquização de


decisões da função pessoal. Revista de Administração, Volume 13,
p. 47-62. São Paulo: Instituto de Administração – FEA-USP 1978.

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