Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
Ainda conforme Fischler (FISCHLER, 2001 uma diferença” (ORTIZ, 1994, p. 6). Assim, a
possibilidades de escolhas culinárias na cultura uma cultura é uma diferença em relação a algo
humana. A estrutura fisiológica humana faz a exógeno, porém nos ditames culturais
entanto, não coincide com a escolha dos sentido que a origem etimológica do termo em
sistemas culturais alimentares específicos. Essa questão: o mesmo, o idêntico. O pão de queijo
culturalmente, o que é comível do que não é nacionais amplos é, a meu ver, uma distinção
aceitável culturalmente para o sistema cultural baiano e ao churrasco gaúcho, mas nos
das Minas Gerais, todavia talvez este não fosse panoramas da própria mineiridade é um
aceitável por outra cultura alimentar. congênere, uma paridade cultural que expressa à
Abdala não delimita um marco temporal preciso coletividade comum. As palavras de Otto Lara
da invenção do pão de queijo, porém sugere que Rezende, um típico mineiro de São João Del-
seja em meados do século XIX, nas Minas Rei, traduzem a relevância identitária do pão de
Gerais. As imagens e simbologias do típico pão queijo sob e sobre a imagem dos mineiros:
RECS
3
VOLUME 2 – NÚMERO 2
Da minha parte gostei dessa alcunha – república do presentes na sua origem, ele se adapta à
pão-de-queijo. Pode existir fora de Minas, não sei.
Mas em Minas, o pão-de-queijo é uma quitanda modernidade dos tempos, passando do forno a
especial. Superior. Se você não sabe o que é, não
procure no dicionário. O dicionário é insípido. gás para o elétrico” (2007, p. 153). Mesmo
Provável que nem registre a palavra. Cumpre sabê-
la na boca, no remoto paladar inconsútil. Gosto, quando não há tempo para o seu preparo, existe
aroma, vista, é tudo junto (REZENDE, 1992 apud a Quitanda da esquina, ou a massa feita,
ABDALA, 2007).
enrolada e congelada pronta para assar,
O imaginário social mineiro também é uma comercializada nos supermercados.
abstração, em termos antropológicos e O êxito da franquia Casa do Pão de Queijo
sociológicos, no sentido que existem diferenças demonstra essa característica peculiar da
dentro de “igualdades”. Abdala (2007) enfatiza quitanda – a qualidade de atual. Fundada por um
que na região do Triângulo Mineiro prevalece a mineiro do Triângulo, o empreendimento fez
utilização do polvilho doce, enquanto que nas sucesso na capital de São Paulo e atualmente se
demais sub-regiões das Minas o polvilho azedo expande para diversos Estados, inclusive Minas.
é mais comum. Isto é, não há nem mesmo uma O pão de queijo reúne em si caracteres do que é
conformidade da matéria prima utilizada na novo, adequado à vida moderna, ao mesmo
cozinha mineira de Montes Claros, Uberlândia tempo em que remonta à tradição ilustrada nos
ou Juiz de Fora no fazer do pão de queijo. É saberes e sabores da infância, se consubstancia
interessante notar que, com o polvilho azedo o num imaginário social de pureza, diante do qual
pão cresce mais e torna-se mais rentável ao as novidades e mudanças culinárias que cercam
comércio. Mas, o que garante a sobrevivência e o pãozinho das Minas se afiguram e aparentam
o sucesso dessa quitanda até os dias de hoje? como heresias, por exemplo, os biscoitos
A facilidade de adaptação do pão de queijo ao industrializados e petit-fours (ABDALA, 2007).
longo do tempo e espaço, além de certa O fast-food da típica quitanda mineira – Casa
harmonia com os hábitos alimentares do Pão de Queijo – parece pertencer à mesma
contemporâneos respondem em parte a questão. categoria que o mussaka congelado francês da
A conservação dessa tradição culinária é Nestlé, o müsli suíço nos breakfasts ingleses e
também dada pelos saberes passados de mãe petit déjeuner franceses, aos sucedâneos
para filha em cadernos de receita que aportam a pasteurizados consumidos na Alemanha. Nos
destreza dos seus dotes culinários. O pão de dizeres de Fischler (FISCHLER, 1998), a
queijo dificilmente será abandonado devido ao industrialização da alimentação, o advento dos
ritmo da vida atual, pois ele se ajustou as transportes e o progresso da distribuição em
diversas circunstâncias. Abdala lembra que: “Na larga escala não destroem, pura e simplesmente,
ausência do fogão a lenha ou do forno de tijolo as particularidades culinárias regionais. Trata-se
e barro do lado de fora da casa que estavam de um mecanismo complexo que desintegra e,
RECS
4
VOLUME 2 – NÚMERO 2
em tempo hábil simultâneo, integra, ou seja, exemplar empírico que sintetiza tal movimento
descola e cola produzindo um mosaico (FISCHLER, 1998). Nesse caso, o regional não
sincrético universal, um cracking analítico que é abafado pelo nacional/global, mas é,
desprende os típicos alimentos locais e os sobretudo, um resultado medrado pelo mercado
transforma em produtos homogeneizados de globalizado. O pão de queijo, por sua vez, não é
consumo. Na processualidade de supressão das uma invenção de mercados ou da padronização
distinções e singularidades locais, o mercado do consumo nas cidades, porém remonta à
dissemina a pizza de Nápoles a uma cidadela no rusticidade das Minas do século XIX.
interior do Uruguai, como Tucuarembó. Assim, As tradições nas Minas Gerais são
as especialidades regionais e exóticas são multifacetadas e polifônicas. Provavelmente a
adaptadas ou padronizadas por nivelamento no tradição do pão de queijo se distancia de outra, a
âmbito nacional e internacional. A Casa do Pão dos quitutes. Portanto, a força dessa pintura
de Queijo, nesse viés, adquire o status de interpretativa da imagem de mineiridade
veículo que permite transmutar do regional ao procede da associação entre uma tradição
nacional, e deste ao internacional, o pão de relativamente recente sintonizada com a
queijo das Minas. Na contramão do percurso, a praticidade da vida moderna – o pão de queijo é
modernidade e os recursos mercadológicos além a espécime mais cabal – combinada à tradição
de desagregar o regionalismo, também podem secular em que os maiores representantes são o
acicatar a formação de novas especialidades lombo, a couve, o tutu de feijão e o frango com
locais. O espaço urbano e o consumo de quiabo e angu. Entretanto, a industrialização e a
refeições em massa propiciam inovações urbanização lançam tintas de progresso sobre a
culinárias, particularidades neofolclóricas que imagem que vai se delineando. Possivelmente
acabam reivindicando uma autenticidade tão habita aí a importância da incorporação desse
arraigada quanto o cuisses de grenouilles2 ritmo moderno na figura do queijo de Minas ou
francês, todavia se alicerce num enleamento do pão de queijo. A mescla do passado aurífero,
transcultural. O Cincinnati chili 3 de Ohio é um das diferenças sub-regionais, da tradição e
contemporaneidade colore a simbologia do
mineiro. Para Abdala, a magia da cozinha
2
O modo de preparo das pernas de rã na França
experimentou diversas versões ao longo dos séculos. Em mineira faz das diversas Minas uma única,
termos gerais, a preparação inclui condimentos como
alho, manteiga e salsa.
3
O prato é uma preparação à base de carne bovina moída
e cozida, acrescentada de uma miscelânea de 12 a 18
ervas aromáticas e especiarias, dentre elas a canela. Para Guilherme J. F. Teixeira. São Paulo: Estação Liberdade,
maiores detalhes, vide: FISCHLER, Claude. A 1998. p. 841-862.
McDonaldização dos costumes. In: FLANDRIN, Jean-
Louis; MONTANARI, Massimo (Orgs.). História da
Alimentação. Tradução de: Luciano Vieira Machado e
RECS
5
VOLUME 2 – NÚMERO 2
Referências bibliográficas
ABDALA, Mônica Chaves. Receita de
Mineiridade: a cozinha e a construção da
imagem do mineiro. 2ª ed. Uberlândia: EDUFU,
2007, 182 p.
RECS
6