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ERGONOMIA:

TRABALHO
ADEQUADO
E EFICIENTE
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Francisco Soares Másculo
Mario Cesar Vidal
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ERGONOMIA:
TRABALHO
ADEQUADO
E EFICIENTE

ABEPRO
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Dedicatória

Àqueles que fizeram de suas vidas uma incansável e persistente construção de um


trabalho decente, produtivo e justo.
Agradecimentos

A organização deste livro exigiu grande dedicação, tanto em tempo como em


intensidade. Assim é que nosso primeiro agradecimento se dirige às nossas famílias que
nos apoiaram ao longo desta epopeia.
Por redundante que possa parecer, agradecemos a cada um dos autores e coau-
tores pela participação, lembrando que a produção de um material desta natureza foi
feita por cada um, em meio às suas já atribuladas agendas pessoais e profissionais. A
dedicação e experiência pessoal de cada um nos permitiram formar, conjuntamente, esta
contribuição à disciplina Ergonomia, útil em diversos campos, em especial o da Enge-
nharia de Produção.
Tal como em um espetáculo de arte, teatro, ópera, ou em uma exposição de artes
plásticas, para que a manifestação seja vista por todos, sempre existem aqueles cujo tra-
balho de suporte possibilitou tal existência. Neste sentido, nosso agradecimento especial
vai para Rosangela da Silva Cardoso, fiel cumpridora das comunicações, confiável cole-
cionadora de textos, contratos, currículos e afins e firme curadora dos prazos e exigên-
cias formais, além de uma figura humana que nos ajuda no prazer de trabalhar e convi-
ver: sempre alegre, sorridente, procurando soluções, incentivando e de bem com a vida.
Da mesma forma, também registramos a contribuição artística do colega ergono-
mista Luiz Ricardo Moreira, que trabalhou na produção da ilustração de capa e de al-
gumas das ilustrações dos capítulos. Através deste agradecimento, fazemos homenagem
aos profissionais gráficos da editora Campus/Elsevier que transformaram os arquivos
eletrônicos na obra que chega às mãos do leitor.
E já que falamos na editora, é impossível deixar de mencionar o bom relaciona-
mento que tivemos. À Vanessa Huguenin, Luciana Cruz, Daniela Rigon e André Wolff,
que desempenharam uma dura tarefa com a classe e elegância que só encontramos nos
bons profissionais. Um agradecimento especial pela compreensão e tolerância com nos-
sas dificuldades.
Apesar da aparente quebra de protocolo, nos é impossível esconder a alegria de
ver nosso livro ser prefaciado pela pessoa do Prof. Itiro Iida, nosso professor de gradua-
ção, que fundou e presidiu a Associação Brasileira de Engenharia de Produção, que im-
pulsionou essa iniciativa editorial. A este que é hoje um grande amigo pessoal, de ambos
os organizadores, nosso mais enternecido agradecimento.
Nosso agradecimento final se dirige a todos os alunos e alunas, potenciais usuá-
rios do livro, em especial os da Engenharia de Produção, condição que já foi a dos orga-
nizadores. Vocês estiveram presentes na mente e nos corações de cada um dos autores,
organizadores, ilustradores, secretários, gráficos e distribuidores, em cada momento do
processo de produção desta obra. Sem vocês este livro não existiria e é para vocês que
ele passa a existir.

Francisco Soares Másculo


Mario Cesar Vidal
Apresentação da ABEPRO

É com orgulho que apresento à comunidade de Engenharia de Produção mais um li-


vro da coleção ABEPRO (Associação Brasileira de Engenharia de Produção), o de Ergonomia.
A continuidade da parceria Campus\Elsevier, por meio do Núcleo Editorial da
ABEPRO, uma iniciativa marcante da diretoria da ABEPRO, sob a presidência do Prof.
Osvaldo Quelhas e do coordenador do NEA o Prof. Mário Otávio Batalha, é um marco
para a Engenharia de Produção. Trata-se do compartilhamento dos conhecimentos de-
senvolvidos por vários docentes ao longo dos anos através de pesquisa, ensino e extensão.
Todos os projetos editoriais que resultaram nos livros da série ABEPRO de Engenharia de
Produção e da coleção passam por uma criteriosa sistemática de avaliação, evidenciando
a adequação de seu conteúdo especializado aos cursos de Engenharia de Produção.
A diretriz dos livros da coleção ABEPRO é de que “não existe nada mais prático
que uma boa teoria”. Estes livros são direcionados a todos que necessitam conhecer a
teoria e os resultados advindos de sua aplicação.
Este livro de Ergonomia foi coordenado pelos professores Francisco Soares Másculo
e Mario César Rodríguez Vidal. O grupo de autores desta obra é composto por respeitados
pesquisadores e professores de instituições de grande reputação em todo o Brasil.
O conteúdo do livro de Ergonomia se inicia com uma Introdução, a Ergonomia
na Empresa, suas Bases Científicas e Metodológicas, culminando em casos de Aplicações.
Com certeza a Engenharia de Produção tem os conhecimentos da área de Ergonomia
muito bem descritos nesse livro. Parabéns aos autores pela iniciativa e dedicação, bem
como a todos os seus familiares, que por intermédio de seu apoio são também parte
integrante deste resultado.

Prof. Carlos Eduardo Sanches da Silva


Coordenador da Série ABEPRO de Engenharia de Produção
Coordenador do Núcleo Editorial da ABEPRO
Os Autores

Francisco Soares Másculo


Engenheiro de Produção pela Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, mestre em Engenharia de Produção pela Coordenadoria de Programas de Pós-
-Graduação em Engenharia, COPPE-UFRJ, na área de Gerência de Operações e Projeto do
Produto. Ph.D. pela Universidade de Nova York em Saúde Ocupacional, Segurança e Ergono-
mia. Professor e pesquisador do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade
Federal da Paraíba e do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da mesma
Universidade. Membro da diretoria na gestão 2010/2013 e do Comitê Científico da ABERGO
– Associação Brasileira de Ergonomia. Diretor científico da ABEPRO de 2006 a 2009.

Mario Cesar Rodríguez Vidal


Graduado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(1976), mestrado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(1978) e doutorado em Ergonomie Dans Lingenierie – Conservatoire National des Arts et
Metiers (1985). Realizou pós-doutorado junto ao laboratório Aramiihs na Matra-Marconi
Space. Atualmente é Presidente da Unión Latinoamericana de Ergonomía – ULAERGO
(gestão de 2008 a 2010) e Professor Associado ao Programa de Engenharia de Produção da
COPPE/UFRJ, onde coordena a linha de pesquisa Ergonomia de Sistemas Complexos e o
Curso de Especialização Superior em Ergonomia – CESERG. Foi o criador e primeiro edi-
tor da Revista Ação Ergonômico e integra o corpo editorial de várias outras revistas inter-
nacionais e eventos importantes de sua área. É também membro permanente do Conselho
Cientifico da Associação Brasileira de Ergonomia e sócio fundador da Associação Brasileira
de Engenharia de Produção, tendo presidido a sessão de fundação da mesma. Tem vasta
experiência na área de Engenharia de Produção, com ênfase em Ergonomia, atuando prin-
cipalmente nos seguintes temas: Ergonomia, antropotecnologia, organização do trabalho,
segurança do trabalho, complexidade e desenvolvimento sustentável.
XII Ergonomia ELSEVIER

Antonio Gualberto Filho


Doutorando em Urbanismo pela UFBA, Mestre em Engenharia de Produção
(1990) pela UFRJ, Especialista em Consultoria Industrial pela UFPB/SUDENE (1977),
Engenheiro de Segurança do Trabalho pela UFPB/FUNDACENTRO (1974), graduado
em Engenharia Mecânica pela UFPB (1973). Atualmente é professor Adjunto IV da Uni-
versidade Federal da Paraíba, no Departamento de Engenharia de Produção. Coordena
o Programa CT Empreendedor e o Programa Empreendedorismo na Rua – PENARUA.
Trabalhou em empresas nas áreas de manutenção e de Planejamento e Controle da Pro-
dução – PCP. Foi técnico do Núcleo de Assistência Industrial da Paraíba – NAI/PB. Atua
nas áreas de: Ergonomia, segurança do trabalho, acessibilidade, empreendedorismo e
planejamento e projeto de produtos.

Bernardo Bastos da Fonseca


Formado em Desenho Industrial pela Universidade Federal do Rio de Janeiro,
especializado na área de Projeto de Produto. Experiência profissional no desenvolvi-
mento de processos de usinagem para protótipos e peças sobressalentes. Especialista em
Ergonomia pelo Curso de Especialização Superior em Ergonomia – COPPE/UFRJ, Mestre
em Engenharia de Produção COPPE/UFRJ e Doutorando em Engenharia de Produção
COPPE/UFRJ. Desenvolve estudos na área de Ergonomia com ênfase em projeto, desen-
volvimento de produto, saúde e segurança do trabalhador.

Daniel Braatz Antunes de Almeida Moura


Doutorando em Engenharia de Produção (PPGEP-DEP-UFSCar) com o tema
de pesquisa Ergonomia e Projeto. Mestre em Engenharia de Produção (PPGEP-DEP-
UFSCar). Possui graduação em Engenharia de Produção Materiais pela Universidade
Federal de São Carlos (2004). É professor do Departamento de Engenharia de Produção
da Universidade Federal de São Carlos. Tem experiência na área de Engenharia de
Produção, atuando principalmente nos seguintes temas: Ergonomia, simulação humana
computacional, projeto de postos de trabalho, projeto de instalações industriais e análise
ergonômica do trabalho.

Daniella Alessandra Cassano


Doutoranda em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Possui mestrado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro, especialização em Ergonomia pela COPPE/ UFRJ e graduação em Arquitetura
e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Elaine da Silva Viola


Phd. e MSc. em Engenharia de Produção, com ênfase em Ergonomia, pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE/UFRJ). Ergonomista certificada pela
ABERGO. Psicóloga, formada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e terapeuta
Os Autores XIII

cognitivo-comportamental, especialista em transtornos de ansiedade. Pós-graduada


em Educação e Desenvolvimento de Recursos Humanos, pela UFRJ. Coordenadora
científica do CBErgo Group e diretora da Ergo&Plus. Atuou como consultora em
petroleira colombiana e como docente, na Universidad Nacional de Colombia, em
graduação e pós graduação, em Design e em Saúde Ocupacional. Mais recentemente, no
Brasil, desenvolveu e vem aplicando instrumentos para análise ergonômica do trabalho
cognitivo, bem como um programa de gerenciamento de estresse que integra ferramentas
ergonômicas e a abordagem cognitivo comportamental.

Eduardo Gomes Pimenta


Possui graduação em Licenciatura plena em biologia pela Faculdade Maria
Thereza (1981), graduação em Bacharelado em Biologia Marinha pela Faculdade
Maria Thereza (1983), especialização em Programa de Planejamento Energético
pela COPPE/UFRJ (1988) e mestrado em Ciências da Engenharia de Produção pela
COPPE/UFRJ (2001). Atualmente é Superintendente da Guarda Marítima e Ambien-
tal de Cabo Frio e Professor/coordenador Gestão Ambiental da Universidade Veiga
de Almeida.

José Mario Beniflah Carvão


Pós-doutorado empresarial (PDI) e doutorado em engenharia de produção pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Consultor vinculado ao GENTE/COPPE tem ex-
periência na área de engenharia de produção, atuando em pesquisa e ensino nos seguin-
tes campos de conhecimento: Ergonomia, organização do trabalho e história do trabalho.

José Orlando Gomes


Graduado em Engenharia de Produção pela Universidade de São Paulo, mes-
trado em Engenharia de Produção- Área de Processos de Trabalho pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro e doutorado em Engenharia de Produção, concentração em
Ergonomia, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1999) em parceria com o
Conservatoire National des Arts et Métiers de Paris. Foi pesquisador visitante de 2002 a
2004 no Cognitive Systems Engineering Lab (CSEL), coordenado pelo Prof. David Woods,
do Institute for Ergonomics da The Ohio State University. Atualmente é professor adjunto
da Universidade Federal do Rio de Janeiro no Departamento de Engenharia Industrial e
no Programa de Pós-Graduação em Informática, pesquisador do GRECO (Grupo de Pes-
quisa em Engenharia do Conhecimento) e Ergonomista Certificado pela ABERGO (Asso-
ciação Brasileira de Ergonomia). Presidente da ABERGO, gestão 2009-2011 e Presidente
da ULAERGO (União Latino Americana de Ergonomia). As áreas de ensino, pesquisa e
extensão abrangem engenharia de fatores humanos e Ergonomia, segurança do trabalho,
engenharia cognitiva e de resiliência em sistemas complexos tais como emergência, avia-
ção, indústria do petróleo, além de ser autor de várias publicações em periódicos, livros
e conferências.
XIV Ergonomia ELSEVIER

José Roberto Dourado Mafra


Doutorado em Engenharia de Produção pela COPPE, Universidade Federal do
Rio de Janeiro (2004), com ênfase em Ergonomia, trabalho voltado para a avaliação
econômica da Ergonomia na empresa. Mestre em Engenharia de Produção, também pela
COPPE/UFRJ (1998) e graduação em Economia pela Universidade Gama Filho (1991).
Atualmente é Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem ex-
periência na área de Economia e Engenharia de Produção, com ênfase em Ergonomia,
atuando principalmente nos seguintes temas: Análise Econômica da Ergonomia, Análise
Ergonômica do Trabalho – AET, Ação Ergonômica e Inovação Tecnológica, Gestão de
Ergonomia, Sustentabilidade e Gerência de Produção.

Lia Buarque de Macedo Guimarães


Possui graduação em Desenho Industrial pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro (1977), graduação em Comunicação Visual pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (1977), especialização em CPGPA/FGV – Especialização em
Ergonomia pelo Fundação Getúlio Vargas – RJ (1982) , mestrado em Comunicação pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (1987) e doutorado em Industrial Engineering pela
University of Toronto (1992). Atualmente é tecnologista da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, tecnologista do Instituto Nacional de Tecnologia, Membro de corpo edito-
rial do Produto & Produção, Membro de corpo editorial da Estudos em Design, Membro de
corpo editorial da Revista Arcos (ESDI/UERJ), Revisor de periódico Produto & Produção,
Revisor de periódico Produção (São Paulo), Revisor de periódico Arcos e Revisor de perió-
dico Estudos em Design. Tem experiência na área de Design, Engenharia de Produção, com
ênfase em Engenharia do Produto e Engenharia de Processos, atuando principalmente nos
seguintes temas: cognição, Ergonomia, sociotecnia e sistemas complexos.

Luiz Antonio Tonin


Estudante de graduação em Engenharia de Produção na Universidade Federal
de São Carlos. Tem experiência na área de Engenharia de Produção, atuando principal-
mente nos seguintes temas: Ergonomia, simulação humana, projeto do produto, projeto
de postos de trabalho e instalações industriais (layout). Desenvolve pesquisa na área de
Ergonomia com ênfase em projeto e simulação, destacando-se a utilização e desenvolvi-
mento de ferramentas computacionais.

Marcelo Fernandes Rezende


Graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Estácio de Sá (2008), pós-
graduando em Ergonomia pela COPPE\UFRJ. Coordena o banco/coleta de dados do
Grupo de Estudos da Pesca – GEPESCA/Universidade Veiga de Almeida – UVA (Cabo
Frio). Atua, principalmente, nas seguintes áreas: gerenciamento costeiro e marítimo,
biologia reprodutiva, comportamental e alimentar de peixes marinhos, Ergonomia,
organização e segurança do trabalho, desenvolvimento sustentável e consultoria
ambiental.
Os Autores XV

Marcello Silva e Santos


Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pelo Instituto Metodista Bennett,
mestrado em Arquitetura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, especialização
em Safety Engineering pelo Industrial Management Systems Engineering – University
of South Florida (sandwich) e Doutorado pleno em Engenharia de Produção pela Uni-
versidade Federal do Rio de Janeiro. Desde então vem atuando principalmente nas se-
guintes áreas: Ergonomia, gerenciamento de projetos, engenharia simultânea, energias
alternativas, gestão estratégica, estudo de viabilidade e engenharia de resiliência. Como
profissional extra-acadêmico, trabalha atualmente como consultor privado, além de ter
sido empresário da construção civil e gerente de empresas no Brasil e nos EUA.

Maria Christine Werba Saldanha


Engenheira Civil pela Universidade Federal da Paraíba-UFPB (1987), Engenheira
de Segurança do Trabalho (1991) pela UFPB, especialização em Gerenciamento da Cons-
trução Civil pela UFPB (1993), mestre em Engenharia da Produção pela UFPB (1997),
especialização superior em Ergonomia pela Coordenadoria de Programas de Pós-Gradu-
ação em Engenharia – COPPE da Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ (2002),
doutorado em Engenharia de Produção pela COPPE-UFRJ (2004). Professora adjunta e
pesquisadora do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte (DEP/UFRN) e do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de
Produção (PEP/UFRN). Coordenadora do Grupo de Extensão e Pesquisa em Ergonomia
– GREPE/UFRN. Tem experiência como professora, pesquisadora e consultora na área
de Engenharia de Produção, com ênfase em Ergonomia, Higiene Ocupacional, Segurança
do Trabalho, Antropotecnologia, Organização do Trabalho, Segurança de Vôo, Produção
Artesanal e Pesca Artesanal.

Maria de Lourdes Barreto Gomes


Possui graduação em Economia pela Universidade Federal da Paraíba (1973),
mestrado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal da Paraíba (1980) e
doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina
(2002). Atualmente é professor Associado II da Universidade Federal da Paraíba. Tem
experiência na área de Engenharia de Produção, com ênfase em Planejamento, Projeto e
Controle de Sistemas de Produção, atuando principalmente nos seguintes temas: quali-
dade, tecnologia, trabalho, estratégia e organização industrial.

Maria Victoria Cabrera Aguilera


Graduação em Desenho Industrial em Projeto de Produto – Centro Universitário
da Cidade. Especialista em Ergonomia – UFRJ. Mestranda no Programa de Engenharia
de Produção em Ergonomia de Sistemas Complexos – UFRJ. Atualmente estagiária do
Laboratório Grupo de Ergonomia e Novas Tecnologias – GENTE / COPPE/UFRJ.
XVI Ergonomia ELSEVIER

Mario Fernando Petzhold


Graduado em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(1966), mestrado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janei-
ro (1970) e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (1985). Também é especialista em Políticas Públicas e Governo e Engenharia de
Segurança do Trabalho. É professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro desde 1970
(Departamento de Engenharia Industrial – Escola Politécnica), sendo atualmente profes-
sor colaborador e responsável pela disciplina Ética e Engenharia de Produção. É membro
do Conselho Cientifico da Associação Brasileira de Ergonomia, onde também é Membro
Honorário. Atua como membro no Comitê de Ética em Pesquisa, do Instituto de Estudos
em Saúde Coletiva – IESC, do Centro de Ciências da Saúde, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Foi o coordenador da pesquisa “Avaliação sócio-técnica do uso do cinto de
segurança” que resultou em resoluções do CONTRAN/DENATRAN sobre esse dispositivo
de segurança passiva que tanto tem mitigado os danos pessoais nos acidentes de trânsito.
Ocupou o cargo de Decano do Centro de Tecnologia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, no período 1990-1994. Atualmente tem como interesse principal a pesquisa na
área da ética com aspectos relacionados à engenharia da segurança do trabalho, engenharia
de produção, Ergonomia, responsabilidade social e sustentabilidade.

Michel Silvério
Mestrando em Engenharia de Produção (PPGEP-DEP-UFSCar). Possui gradua-
ção em Engenharia de Produção Agroindustrial pela Universidade Estadual de Maringá
(2005). Tem experiência na área de Engenharia de Produção, atuando nos temas: Ergo-
nomia, projeto de postos de trabalho, projeto de instalações industriais e análise ergonô-
mica do trabalho.

Nilton Luiz Menegon


Possui graduação em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal de Santa
Catarina (1987), mestrado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de
Santa Catarina (1993) e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Fede-
ral do Rio de Janeiro (2003). Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal de
São Carlos. Tem experiência na área de Engenharia de Produção, com ênfase em Ergo-
nomia, atuando principalmente nos seguintes temas: Ergonomia, análise ergonômica do
trabalho, engenharia de produção, saúde e projeto de situações produtivas.

Paulo Antonio Barros Oliveira


Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(1976), especialização em Medicina do Trabalho (FFFCMPA, 1979), Especialização em
Metodologia do Ensino Superior pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul (PUCRS – 1987), mestrado em Educação pela PUCRS (1992) e doutorado em Enge-
Os Autores XVII

nharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – COPPE (2000), em


parceria (Doutorado Sanduíche) com o Conservatoire National des Arts et Métiers de Paris
(1997-1998). Atualmente é Auditor-fiscal do Trabalho do Ministério do Trabalho e Empre-
go, professor adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e colaborador do Mi-
nistério da Saúde. É Ergonomista Certificado Sênior, e Membro da Diretoria (2009/2011)
da ABERGO. Coordena o Curso de Especialização em Medicina do Trabalho da UFRGS
desde 1992. Tem experiência na área de Saúde Coletiva, com ênfase em Saúde do Trabalha-
dor, atuando principalmente nos seguintes temas: saúde do trabalhador, Ergonomia, pre-
venção de doenças do trabalho, prevenção de acidentes de trabalho e vigilância em saúde.

Paulo José Adissi


Em 1976 se formou Engenheiro de Produção pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro e Bacharel em Ciências Estatísticas pela Escola Nacional de Ciências Estatísticas.
Pela COPPE/UFRJ diplomou-se Mestre e Doutor em Engenharia de Produção nos anos
de 1982 e 1997. É professor da Universidade Federal da Paraíba desde 1978, atuando
junto ao Departamento de Engenharia de Produção. Coordenou o curso de graduação
de Engenharia de Produção Mecânica em seus primeiros 4 anos (1996 a 2000) e o Pro-
grama de Pós-graduação em Engenharia de Produção da UFPB de 2005 a 2009. É líder
do Grupo de Ergonomia Agrícola e Gestão Ambiental (GEA) que tem como preocupação
o estudo das condições de trabalho de atividades agrícolas e as condições ambientais de
sistemas de produção.

Paulo Sérgio Soares da Silva


Possui graduação em Engenharia Eletrônica pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro (1977), mestrado em Engenharia de Produção pela Universidade Fede-
ral do Rio de Janeiro (2000) e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (2007). Atualmente está vinculado a da Universidade Federal
do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Engenharia de Produção, com ênfase em
Gerência de Produção. Atuando principalmente nos seguintes temas: Complexidade,
Ergonomia, Projeto, Logística, Conversa-ação e Quarterização.

Paulo Victor Rodrigues de Carvalho


Engenheiro Eletrônico pela Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, mestre em Engenharia de Elétrica pela Coordenadoria de Programas de Pós-Gra-
duação em Engenharia, COPPE-UFRJ, na área de Instrumentação. Doutor em Engenharia
de Produção pela COPPE-UFRJ na área de Engenharia do Produto. Pesquisador do Institu-
to de Engenharia Nuclear/Comissão Nacional de Energia Nuclear, responsável pela Divisão
de Instrumentação e Confiabilidade Humana. Professor e pesquisador do Programa de Pós-
-Graduação em Informática do Instituto de Matemática da UFRJ, do Mestrado Profissional
em Engenharia Ambiental da Escola Politécnica da UFRJ e do Programa de Pós-Graduação
em Ciências e Tecnologia Nuclear do Instituo de Engenharia Nuclear. Membro da diretoria
na gestão 2010/2013 da ABERGO – Associação Brasileira de Ergonomia.
XVIII Ergonomia ELSEVIER

Raphael Pacheco da Rocha


Mestrando em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ, onde em 2006 con-
cluiu a formação de especialista em Ergonomia. Possui diploma de Bacharelado em Siste-
mas de Informação concluído em 2004. Possui experiência de consultoria em Ergonomia
em empresas de grande, médio e pequeno porte e na área de informática em gerência de
projetos e como coordenador

Renato José Bonfatti


Possui graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(1980), graduação em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1996),
mestrado em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997) e doutorado
em Ciências da Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(2004). Atualmente é Médico Ergonomista da Fundação Oswaldo Cruz, Pesquisador
associado da COPPE-UFRJ no Programa de Engenharia de Produção. Exerceu o cargo de
Coordenador de Saúde do Trabalhador da FIOCRUZ (2007/2008). Possui experiência
na área de Medicina, com ênfase em Saúde do Trabalhador e Medicina de Reabilitação,
atuando principalmente nos seguintes temas: medicina, Ergonomia, bioética e ética do
trabalho e filosofia.

Ricardo José Matos de Carvalho


Possui graduação em Engenharia Civil pela Universidade Federal da Paraíba-
-UFPB (1989), especialização em Engenharia de Segurança do Trabalho (1993) pela
UFPB, mestrado em Engenharia da Produção pela UFPB (1995), especialização superior
em Ergonomia (2002) pela Coordenadoria de Programas de Pós-Graduação em Enge-
nharia – COPPE da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e doutorado em
Engenharia de Produção pela COPPE-UFRJ (2005). Foi professor de 1º e 2º graus do
Centro Federal de Educação Tecnológica de Pernambuco – CEFETPE (1997-2009), atu-
al Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco – IFPE, onde
coordenou o Núcleo de Saúde e Segurança do Trabalho – NESST, de 1997 a 1999, e
liderou o Grupo de Pesquisa em Ergonomia, Saúde e Segurança do Trabalho – GESST,
de 2004 a 2009. É, desde 2009, professor adjunto e pesquisador do Departamento de
Engenharia de Produção da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (DEP/UFRN)
e do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da UFRN (PEP/UFRN),
onde é Vice-Coordenador do Grupo de Extensão e Pesquisa em Ergonomia – GREPE.
Tem experiência como professor, pesquisador e consultor na área de Engenharia de Pro-
dução, com ênfase em Ergonomia, Higiene Ocupacional, Segurança do Trabalho, Aces-
sibilidade, Antropotecnologia, Organização do Trabalho, Segurança de Vôo e Ergopolis
(adaptação da cidade às pessoas).
Prefácio

Ao longo dos séculos, o trabalho humano tem sido motivo de muitos sofrimen-
tos. Bernardino Ramazzini, considerado o “pai da medicina do trabalho” descreveu 54
doenças típicas dos trabalhadores, em 1700, como aquelas que afetam os agricultores,
pescadores, pedreiros, carpinteiros, lavadeiras e outros. Muitas atividades humanas pro-
duzem doenças crônicas e irreversíveis, incapacitando prematuramente os trabalhado-
res. Outras são executadas com máquinas e equipamentos em condições desfavoráveis
que provocam muitos erros, acidentes e lesões.
Acidentes e lesões têm sido atribuídos à indolência ou negligência dos trabalhado-
res e classificados como “falhas humanas”. Desculpas fáceis escamoteiam outras falhas,
como projeto inadequado de máquinas, equipamentos e sistemas, além do treinamen-
to dos trabalhadores e gestão deficiente. Quando essas “falhas humanas” ocorrem em
complexos sistemas modernos, como centros de controle operacional de um sistema de
transportes, refinarias ou centrais nucleares podem provocar conseqüências desastrosas,
vitimando grandes populações.
O cenário começou a mudar no início do século XX, quando pesquisadores em
fisiologia do trabalho começaram a estudar as condições árduas dos trabalhadores em
minas de carvão, fundições e outros ambientes muito insalubres. O estudo do trabalho
começou a ter um tratamento mais sistemático em vários países. Desataca-se, dentre
esses, a iniciativa de um grupo de pesquisadores ingleses, que propuseram a criação da
Ergonomia, em 1949. Esse grupo propôs aproveitar os conhecimentos acumulados no
esforço bélico, durante a II Guerra Mundial, à produção industrial e serviços, agora em
tempos de paz.
A Ergonomia já é uma “senhora” sexagenária, contudo, sem demonstrar quais-
quer traços de senilidade ou decadência. Durante essas décadas “bem vividas” produziu
conhecimentos significativos para melhorar as condições do trabalho humano, difundin-
do-os nos principais países do mundo.
A Ergonomia atuou, durante muito tempo, na análise e correção das condições
inadequadas de trabalho. Contudo, isso envolve esforços e custos consideráveis. Moder-
namente, utiliza outros instrumentos mais poderosos de atuação, principalmente nos
projetos de máquinas, equipamentos, sistemas e ambiente mais seguros e confiáveis.
Assim, pode atuar preventivamente, com menores custos e resultados mais efetivos. Isso
se assemelha ao caso do saneamento básico: cada dólar aplicado ao saneamento equivale
oito dólares gastos com tratamento de doenças provocados por condições insalubres.
E, como vemos no teor do livro, as inovações que suprem a ausência de organização no
delineamento de sistemas de produção seguem esta proporção, com a vantagem de um
retorno em tempo muito reduzido, da ordem de 60 dias.
Por outro lado a Ergonomia é ainda uma jovem e fértil disciplina, com muitos te-
mas com os quais se fecundar e muitos conhecimentos e inovações a realizar. No Brasil, a
Associação Brasileira de Ergonomia – ABERGO, fundada em 1983, reúne os pesquisado-
res da área, realizando congressos e outros eventos para difundir os seus conhecimentos.
Assim como produzindo a Revista Brasileira de Ergonomia. Mas existem também orga-
nizações Latino-americanas e Mundiais como a Unión Latino-americana de Ergonomia
(ULAERGO) e a International Ergonomics Association (IEA) com estruturas e oportuni-
dades correspondentes.
Este fato torna-se particularmente importante para o estudo do trabalho moder-
no, que não depende tanto do esforço físico, mas, sobretudo da carga mental, devido à
re-formatações das atividades produtivas com a introdução da informática, a partir da
década de 1980. E é essencial para o trabalho do futuro, cada vez mais se fundindo com
o virtual, o telemático e o relacionamento á distância.
Em que pese os admiráveis progressos desta Ergonomia sexagenária, ainda existe
muito trabalho e grandes desafios pela frente: a melhoria do ensino de Ergonomia na
Engenharia e no Desenho Industrial onde existe formalmente, a difusão especifica nos
campos da Arquitetura e da Informática onde ainda não se trata de disciplina obrigatória
e nem todas as escolas e faculdades adotam, nos meios profissionais onde apesar de mais
conhecida, ainda prevalece uma visão restritiva de ciência das cadeiras ou do diagnós-
tico biomecânico. E o publico consumidor que poderia julgar melhor suas decisões de
compra de muitos produtos de manuseio difícil, perigosos e muitas vezes de operação
incompreensível por um mortal comum.
Para isso, este livro, organizado pelos professores Francisco Soares Másculo e Ma-
rio Cesar Vidal, será uma importante contribuição, visando principalmente o ensino da
Ergonomia nos nossos cursos universitários.

Itiro Iida
Apresentação dos Coordenadores

O ergonomista é ao mesmo tempo um cientista no estudo da realidade laboral e


um especialista em sua transformação positiva. É também um conselheiro imprescindí-
vel para o projeto de produtos e sistemas que serão usados e manuseados pelas pessoas.
Nesse particular cabe fazer uma importante distinção entre a Ergonomia e as práticas
de projeto, como a arquitetura, o design e a engenharia, bem como diante das que ope-
ram sobre diagnósticos, como a medicina, a fisioterapia e a administração, separando-as
ainda das disciplinas de base, como a anatomia, a fisiologia, a psicologia e, mais recen-
temente, a linguística. A Ergonomia se situa entre todas essas, buscando nas disciplinas
de base elementos e conhecimentos que, examinados à luz de seu estudo particular da
atividade de trabalho, permitem enriquecer os diagnósticos e esclarecer os modelos con-
ceituais para projeto (programação, necessidades ou projeto básico), onde se coloca a
relação sociotécnica entre pessoas, tecnologia e organização, como veremos mais adiante.
É, portanto, muito importante diferenciar a Ergonomia das disciplinas em que
vier a se apoiar e das disciplinas que empregam seus resultados. Assim como a medicina
não engloba a química no caso de exames laboratoriais, e nem a engenharia engloba o
cálculo infinitesimal nos projetos estruturais, não é correto apontar a Ergonomia como
um capítulo da engenharia de segurança, do design de produtos, da arquitetura de locais
de trabalho, nem como um conteúdo da medicina do trabalho, da fisioterapia preventiva
ou da administração da produção.
No entanto cabe uma importantíssima ressalva: a Ergonomia está inscrita como
uma das tecnologias de base da formação dos engenheiros e engenheiras de produção. E
é isso que nos animou a organizar este livro. Para tanto, distribuímos o conteúdo em seis
episódios, que simbolizam a saga do engenheiro de produção que lida com a Ergonomia.
O primeiro módulo, Apresentação, fornece ao estudante os elementos que ele ne-
cessita ao falar sobre Ergonomia para um interlocutor com desconhecimento bem maior
acerca da disciplina Ergonomia. Aqui, fizemos uma apresentação calcada em exemplos
XXII Ergonomia ELSEVIER

práticos do cotidiano, um texto acerca do histórico da disciplina e uma reflexão sobre a


ética e os deveres profissionais do praticante de Ergonomia.
O segundo módulo, Ergonomia na empresa, tem o sentido de instrumentar nosso
estudante com o que mobiliza as empresas acerca de Ergonomia (conformidade legal,
economia, certificação), as estruturas que a Ergonomia deve ter à disposição e alguns re-
cursos que o praticante já deve ir mobilizando. Um módulo que aponta as necessidades,
exibe argumentos e indica as edificações conceituais requeridas para ações ergonômicas
de sucesso.
O terceiro módulo, Bases cientificas, corresponde à necessidade de fundamenta-
ção do praticante de Ergonomia em conteúdos tão diversos como a cognição, a fisiologia
do trabalho, a biomecânica e a organização do trabalho. Para realizar a Ergonomia, o
engenheiro necessita dessas noções, aqui colocadas de maneira deliberadamente sucinta
de forma que possa ser operacionalizada, mas igualmente para ensejar uma possibilidade
de aprofundamento para os que fizerem dessa disciplina seu campo de atuação na enge-
nharia de produção moderna.
O quarto módulo é a decorrência lógica do anterior, pois fornece as Bases me-
todológicas com que o praticante poderá trabalhar os problemas da ausência de uma
melhor elaboração das interfaces mútuas entre pessoas, tecnologias e organização.
Na última parte, as Aplicações, tem a finalidade de tentar passar aos alunos exem-
plos da vida real, reflexões à quente de diversos profissionais, em diversos temas e em
diferentes situações de trabalho. Com isso esperamos formar uma base de conhecimento
por meio de estudos de caso que possibilite ao professor adequar os conteúdos mais
gerais à realidade socioeconômica do lugar em que o ensino da engenharia de produção
esteja ocorrendo.
Queremos finalizar dizendo que todo este esforço terá sido em vão se não facilitar
o trabalho do professor e se não agradar ao aluno. Mais do que tudo isso, que tenha uma
real serventia para a formação e prática profissional de nossos jovens colegas da enge-
nharia de produção. Por se tratar de uma primeira edição, ficaremos muito felizes com
a colaboração de todos e todas em nos indicar pontos obscuros, dificuldades de leitura,
excesso de profundidade e, simetricamente, necessidades de aprofundamento desejável.
Para um praticante de Ergonomia não existem problemas ou dificuldades, mas
sim oportunidades de melhoria; não existem ausências, mas sim possibilidades de pre-
enchimento; não existem erros, mas tentativas que poderão ser bem-sucedidas, com o
auxílio luxuoso que somente o bom leitor pode produzir.

Francisco Soares Másculo


Mario Cesar Vidal
A ética na Ergonomia:
aspectos da educação,
da responsabilidade social
e da sustentabilidade
Prof. Mário Fernando Petzhold*, D. Sc. – UFRJ

Introdução
Tendo como tema básico a ética na Ergonomia, fica impossível não atrelarmos con-
ceitos intimamente ligados à educação. Por outro lado, ao trazer os aspectos da educação
para a mesa de debates nos dias de hoje é imprescindível tocar em temas tais como respon-
sabilidade social das empresas e, também, sustentabilidade do sistema econômico vigente.
É urgente um início de mobilização dos seres humanos, de maneira sistêmica,
para o salvamento do planeta em que vivemos. Nós hoje sabemos que se não unirmos
nossos esforços a Terra corre o risco de não suportar as agressões causadas pelos indiví-
duos, pelas empresas e pelos governos que aqui habitam.
É chegada a hora de uma grande mobilização: vamos começar pela análise do
trabalho humano neste planeta Terra.
A seguir algumas reflexões.

O site da ABERGO (Associação Brasileira de Ergonomia)


Ao visitar o endereço eletrônico da ABERGO, deparamo-nos com a Norma ERG BR
1002, intitulada Código de Deontologia do Ergonomista Certificado. Em seu item 2 – As-
pectos éticos da pesquisa em Ergonomia, consta:
As pesquisas em Ergonomia, por envolverem seres humanos, devem aten-
der às exigências éticas e científicas fundamentais, em respeito a quatro
princípios:
1 – autonomia;
2 – não maleficência;

* E-mails para contato: <petzhold@poli.ufrj.br>; <mariofernando@petzhold.com.br>.


4 Ergonomia ELSEVIER

3 – beneficência;
4 – justiça.
Encontramos em Kiper, Oselka e Ayer (apud Anjos; Siqueira, 2007):
Princípio de autonomia
A autonomia refere-se à capacidade que a pessoa possui para decidir sobre
aquilo que ela julga ser o melhor para si.

Princípio da não maleficência


O profissional tem o dever de, intencionalmente, não causar mal e/ou da-
nos a seu paciente. Trata-se, portanto de um mínimo ético, um dever pro-
fissional que, se não cumprido, o coloca numa situação de más práticas ou
práticas negligentes.

Princípio de beneficência
Beneficência quer dizer fazer o bem. De uma maneira prática, isto significa
que temos a obrigação de agir para o beneficio do outro.

Princípio de justiça
A justiça está associada, preferencialmente, às relações entre grupos, com a
equidade na distribuição de bens e recursos considerados comuns, numa
tentativa de igualar as oportunidades de acesso a estes bens.

Definições e delimitações
Ergon (trabalho) e nomos (leis), derivadas do grego. Eis a origem do termo Ergo-
nomia.
Da Grécia, por meio dos filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles, vem a Ética na
versão largamente consolidada e utilizada na cultura ocidental.
Deontologia: tratado dos deveres.
Ética: ciência da moral. Ou a parte da filosofia que se dedica à reflexão sobre a
moral.
Moral: parte da filosofia que trata dos costumes ou dos deveres do homem para
consigo mesmo e para com seus semelhantes.

A filosofia prática
Segundo Aristóteles, “a filosofia prática” abrange não só a Ética (que também pode
ser descrita como o saber prático destinado a orientar a tomada de decisões prudentes
que nos levam a conseguir uma vida boa), mas também a Economia (nossa casa, empre-
sa, cidade etc.) e a Política (bom governo da cidade etc.).
A ética na Ergonomia: aspectos da educação, da responsabilidade social e da sustentabilidade 5

A Filosofia Prática estuda os saberes que procuram orientar-nos sobre o que de-
vemos fazer para conduzir nossa vida de uma maneira justa, como devemos agir, qual
decisão é a mais correta em cada caso concreto, para que a própria vida seja boa e frutí-
fera em seu conjunto.

Aspectos da moralidade
Segundo Cortina e Martínez (2005), temos:
UÊ A moralidade como aquisição das virtudes que conduzem à felicidade.
UÊ A moralidade como aspecto do caráter individual.
UÊ A moralidade como cumprimento do dever.
UÊ A moralidade como aptidão para a solução pacífica dos conflitos.
UÊ A moralidade como prática solidária das virtudes comunitárias.
UÊ A moralidade como cumprimento de princípios universais.

Padrões morais
Confiabilidade:
1. Honestidade – ser honesto com os stakeholders (partes interessadas).
2. Integridade – aderir a princípios éticos.
3. Confiança – cumprir promessas.
4. Lealdade – evitar conflitos de interesses.

Respeito
Assegurar o direito dos outros.

Responsabilidade
Assumir seus atos.

Justiça
Tratar com equanimidade os stakeholders.

Zelo e diligência
Evitar prejuízos aos colaboradores atuando com benevolência.

Cidadania
Obedecer à lei e proteger o ambiente.
6 Ergonomia ELSEVIER

Sustentabilidade
O que é sustentabilidade?
Segundo Loures (2008; 2009) é o novo nome do desenvolvimento. Inclui várias
dimensões, a saber: econômica, social, cultural, físico-territorial, ambiental, político-ins-
titucional, científico-tecnológica e para muitos, principalmente, espiritual.

Responsabilidade social
Na teoria, existe uma expectativa no desempenho da empresa e de sua contribui-
ção com o social. Modernamente, isso está relacionado com a teoria dos stakeholders.
Como se verifica esta inter-relação com as partes? Quais são essas partes?

Teoria do stakeholder (partes interessadas)


UÊ Acionistas.
UÊ Clientes/consumidores.
UÊ Colaboradores.
UÊ Concorrentes.
UÊ Fornecedores.
UÊ Poder público.
UÊ Sindicatos.
UÊ Sociedade/comunidade.
UÊ Sócios.

O triângulo dos deveres e dos dilemas


O triângulo dos deveres dos trabalhadores engloba, segundo de Rego e Braga (2005):
a) o dever de zelar pela saúde e pela segurança do público em geral;
b) os deveres de confidencialidade e de lealdade aos seus empregadores;
c) os seus interesses pessoais e familiares, muitas vezes afetados quando procedem à
denúncia de irregularidades.

Desafios das empresas de hoje



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A ética na Ergonomia: aspectos da educação, da responsabilidade social e da sustentabilidade 7

Esses tópicos conduzem para o Código de Ética. Por sua vez, as empresa não po-
dem prescindir de programas que visem:
UÊ Responsabilidade social.
UÊ Sustentabilidade.

Ética aplicada
Âmbito da ética aplicada:
UÊ Bioética.
UÊ Gen-ética.
UÊ Ética econômica.
UÊ Ética empresarial.
UÊ Ética e educação moral democrática.

Os sete saberes para a educação do futuro


São, segundo Morin (2005):
1. As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão.
2. Os princípios do conhecimento.
3. Ensinar a condição humana.
4. Ensinar a condição terrena.
5. Enfrentar as incertezas.
6. Ensinar a compreensão.
7. A ética do gênero humano.

Constituição brasileira
Na Constituição (1988), lê-se:
Art. 60. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança,
a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição.
Desse artigo da Lei Magna destaco o trabalho, objeto do estudo da Ergonomia.

Considerações finais
Ergonomista: seja feliz! É o que nos trazem os conceitos de ética e moral!
Porque revisitando os conceitos acima apresentados, encontramos:
Ética é a parte da filosofia que se dedica à reflexão sobre a moral e que a moralida-
de pode ser vista como aquisição das virtudes que conduzem à felicidade.
Uma boa leitura para vocês!
8 Ergonomia ELSEVIER

Página escolar
Referências
ANJOS, M. F.; SIQUEIRA, J. E. (Orgs.) Bioética no Brasil: tendências e perspectivas. Apa-
recida/São Paulo: SBB/Ideias & Letras, 2007.
ASHLEY, P. A. Ética e responsabilidade social nos negócios. São Paulo: Saraiva, 2002.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ERGONOMIA – ABERGO. Disponível em: www.abergo.
org.br. Acesso em: 18 ago. 2010.
CORTINA, A.; MARTÍNEZ, E. Ética. São Paulo: Loyola, 2005.
FORTES, P. A. C.; ZOBOLI, E. L. C. P. (Orgs.) Bioética e saúde pública. São Paulo: Loyola,
2003.
IIDA, I. Ergonomia: projeto e produção. 2. ed. São Paulo: Edgard Blucher, 2005.
LOURES, R. C. R. Educar e inovar na sustentabilidade. Curitiba: Unindus, 2008.
______. Sustentabilidade XXI: educar e inovar sob uma nova consciência. São Paulo:
Gente, 2009.
MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Brasília/São Paulo: Unesco/
Cortez, 2005.
PETZHOLD, M. F. Ergonomia e ética para empresas que prezam responsabilidade social
e sustentabilidade. In: Congresso da ABERGO, XV, 2008, Porto Seguro. Anais... Rio de
Janeiro: 2AB, 2008.
REGO, A.; BRAGA, J. Ética para engenheiros. Lisboa: Lidel, 2005.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE BIOÉTICA – SBB. Disponível = www.sbbioetica.org.br.
Acesso em: 18 ago. 2010.
História da Ergonomia

Francisco Soares Másculo, Ph.D – UFPB


Mario Cesar Vidal, Dr. Ing. – PEP/COPPE/UFRJ

Primeira definição
A primeira definição de Ergonomia é de 1857, sob a égide do movimento indus-
trialista europeu. Essa definição foi feita por um cientista polonês, Wojciech Jastrzebowski,
numa perspectiva típica da época, de se entender a Ergonomia como uma ciência natural,
em um artigo intitulado “Ensaios de Ergonomia, ou ciência do trabalho, baseada nas leis
objetivas da ciência sobre a natureza”.
Essa primeira definição estabelecia que:
A Ergonomia como uma ciência do trabalho requer que entendamos a ati-
vidade humana em termos de esforço, pensamento, relacionamento e de-
dicação.
Karwowsky (1991) assim descreve o texto pioneiro:
A partir do que Wojciceh Jastrzebowski da Polônia (1857) definiu Ergo-
nomia juntando dois termos gregos, ergon = trabalho e nomos = leis na-
turais, os pesquisadores têm procurado estabelecer as leis fundamentais
baseadas nas quais esta disciplina em desenvolvimento pode ser classifi-
cada como uma ciência. O conceito de Jastrzebowski para esta proposta
trata da maneira de mobilizar quatro aspectos da natureza anímica, quais
seriam, a natureza físico-motora, a natureza estético-sensorial, a natureza
mental-intelectual e a natureza espiritual-moral. Esta ciência do trabalho,
portanto, significava a ciência do esforço, jogo, pensamento e devoção.
Uma das ideias básicas de Jastrzebowski é a proposição-chave de que estes
atributos humanos deflacionam-se e declinam devido a seu uso excessivo
ou insuficiente.
10 Ergonomia ELSEVIER

Recuperando esse pensamento inaugural e adequando-o a um paradigma de mo-


dernidade, podemos dizer que a Ergonomia visou desde seus primórdios entender a
realidade da atividade de trabalho sem juízos de valor ou suposições pessoais acerca
do modo como acontecem. Esse entendimento despojado de preconceitos de qualquer
ordem (na acepção da palavra sem pré-conceitos sobre a atividade e a forma como acon-
tece na situação real de trabalho) é onde reside a força da Ergonomia, capaz de produzir
descrições extremamente pertinentes do que se passa num local de trabalho, no uso e
manuseio de um produto, no emprego de um software, ou na adoção de um esquema or-
ganizacional de trabalho. Para a equipe de Ergonomia interessa em primeiro lugar como
as coisas acontecem.

Ergonomia no período clássico


Os primeiros estudos sobre as relações entre homem e o trabalho se perdem na
origem dos tempos: em termos arqueológicos, é possível demonstrar que os utensílios
de pedra lascada se miniaturizaram, num processo de melhoria de manuseabilidade e
que teve por resultados produtivos o ganho de eficiência na caça e coleta. O ganho de
eficiência no processo de caça permitiu uma nova forma de divisão do trabalho, podendo
as mulheres se ocupar dos bebês e, com isso, reduzindo a mortalidade infantil, o que
viabilizou um expressivo aumento da população de seres humanos. Existem também no
Museu do Louvre papiros egípcios que denotam recomendações de natureza ergonômica
para a construção de utensílios de construção civil, assim como desenhos de arranjos
organizacionais para o canteiro de obras de pirâmides.
Na Antiguidade aparecem algumas referências, como as alusões às deformações
posturais apontadas por Plauto. Nesse mesmo período, anotam-se trabalhos no campo
da toxicologia e da patologia do trabalho, abordando particularmente riscos físicos
como os impactos da temperatura e da umidade (Villeneuve, Idade Média; Coulomb
e Lavoisier, séc. XVIII), riscos ergonômicos como a adoção de posturas inadequadas
(Villeneuve, Idade Média). Entretanto, é no período dito moderno onde mais elemen-
tos podem ser aludidos, dada a existência de fontes históricas mais consistentes, como
os estudos de manuseio inadequado de cargas (Vauban e Bélidor, séc XVII), riscos
químicos como inalação de vapores e poeiras (Fourcroy, séc XVIII). Existem, também,
registros de estudos de biomecânica e antropometria (Leonardo da Vinci), trabalhos de
higiene industrial, basicamente sobre ventilação e iluminamentos dos locais (Désargu-
lires, Hales e Camus, séc XVI; D’Arret, séc. XIX) e de Medicina do Trabalho, tanto num
âmbito específico de afecções profissionais (Ramazzini e Tissot, séc XVIII), como na
epidemiologia (Villermé e Patissier, séc. XIX). Este último século é também a origem
da Higiene do Trabalho (D’Arret, regras de higiene nas fábricas; Patissier, mentor do
movimento para criação da Inspeção do Trabalho na França).
História da Ergonomia 11

Importantes menções cabem ser feitas ao período que circundou a chamada revo-
lução industrial, que não pode ser limitada a avanços nos processos técnicos, mas a toda
uma evolução das formas de divisão do trabalho e das formas de interação entre pessoas
e equipamentos técnicos.

Ergonomia na primeira metade do século XX


A virada do século XIX para o século XX caracterizou-se pela passagem dos fi-
siologistas aos engenheiros como os principais agentes ergonômicos. Já no início desse
século, a proposta de F. W. Taylor não se limitava a um novo projeto organizacional. Seu
estudo sobre as pás – de capacidade maior para o manuseio do carvão, material mais
leve, e de menor capacidade para o minério, material mais pesado é, sem sombra de
dúvida, um dos primeiros trabalhos empíricos de Ergonomia publicados de que temos
notícia. Isso não se deu por acaso, pois já havia alguns estudos que permitiam esse tipo
de concepção. Os fisiologistas do final do século XIX já haviam desenvolvido uma série
de métodos, técnicas e equipamentos que permitiam, finalmente, mensurar efetivamente
o desempenho físico do ser humano: o esfigmógrafo, o cardiógrafo, o pneumógrafo (Ma-
rey), ao mesmo tempo que se aprofundava o estudo teórico acerca do desgaste fisiológico
e da energética muscular. Em relativa contemporaneidade a Taylor, J. Amar verificava,
de forma experimental, os princípios apontados por Taylor, então acusados de falta de
embasamento. O trabalho de J. Amar é, nesse sentido, um verdadeiro clássico sobre a
fisiologia experimental do trabalho. Suas formulações constituem-se no primeiro dos pa-
radigmas da Ergonomia: o homem como transformador de energia, ou, como o próprio
autor denomina O Motor Humano.
Essa interpretação mecânica serviu de paradigma científico do início do sécu-
lo XX até a sua segunda metade, portanto, o período de expansão da base material da
produção industrial no planeta. Ela se consolida a partir de 1915 quando, na Inglaterra,
foi formado um comitê destinado a estudar a saúde dos trabalhadores empregados na
indústria de guerra, uma espécie de assistência técnica ao fator humano na indústria.
Esse comitê, formado por médicos, fisiologistas e engenheiros, atacou, na época, uma
ampla variedade de questões de inadaptação entre trabalho e trabalhadores envolvidos
nessa produção. Esses resultados se mantiveram nos tempos (breves) de paz entre as
duas Grandes Guerras.
Forma-se a Ergonomia Clássica no início do pós-guerra, como uma disciplina es-
truturada a partir da atividade dos grupos citados. A definição de Ergonomia adotada por
essas pessoas foi a seguinte: Ergonomia é o estudo do relacionamento entre o homem e
seu trabalho, equipamento e ambiente, e particularmente a aplicação dos conhecimentos
de anatomia, fisiologia, e psicologia na solução dos problemas surgidos desse relaciona-
mento. Essa Ergonomia com seu paradigma mecânico/termodinâmico do ser humano
foi o desaguar de atividades milenares a partir de diversas disciplinas científicas, como
mostra o Quadro 1.
12 Ergonomia ELSEVIER

Quadro 1 – Principais disciplinas formadoras do pensamento ergonômico clássico

Disciplinas formadoras Autores


)LORVRÀD FRJQLomR 3ODWmR$ULVWRWHOHV
0HGLFLQD 5DPD]]LQL9LOOHUPp7LVVRW
)LVLFRTXtPLFD /DYRLVLHU&RXORPE
)LVLRORJLDGR7UDEDOKR $PDU&KDYHDX0DUH\
(QJHQKDULDGR3URGXWR 'D9LQFL9DXEDQ-DFTXDUW
2UJDQL]DomR 7D\ORU*LOEUHWK)RUG

A Ergonomia na Segunda Guerra Mundial: importância dos fatores humanos no


pós-guerra
Na Segunda Guerra Mundial, a falta de compatibilidade entre o projeto das má-
quinas e dispositivos e os aspectos mecânico-fisiológicos do ser humano se agravou com
o aperfeiçoamento técnico dos motores. Foram registradas situações terríveis, agora atin-
gindo tropas e materiais bélicos em pleno uso. Os aviões, por exemplo, passaram a voar
mais alto e mais rápido. Os pilotos, porém, sofriam da falta de oxigênio nas grandes
altitudes, perda de consciência nas rápidas variações de altitude exigidas pelas manobras
aéreas, e vários outros “defeitos” no subssistema fisiológico. Os projetistas não consi-
deraram as alterações do funcionamento do organismo em diversas altitudes quando
submetidos a acelerações importantes! Como consequência, muitos aviões se perderam.
A perda do material bélico era importante, vultosa e, por si só, justificaria esforços. No
entanto, dado que o treinamento de um piloto levava de dois a quatro anos, a perda de
um piloto treinado se constituía em perda irreversível no timing da guerra.
Nessas novas circunstâncias foram formados, tanto na Inglaterra como nos Es-
tados Unidos, novos grupos interdisciplinares, agora com a participação de psicólogos
juntados aos engenheiros e médicos. Os objetivos eram os de “elevar a eficácia combati-
va, a segurança e o conforto dos soldados, marinheiros e aviadores”. Os trabalhos desses
grupos foram voltados para a adaptação de veículos militares, aviões e demais equipa-
mentos militares às características físicas e psicofisiológicas dos soldados, sobretudo em
situações de emergência e de pânico. E o que nos interessa particularmente nesses estu-
dos se baseava na análise e nos estudos dos materiais que retornavam e no relato de seus
problemas operacionais. Assim sendo, em seu nascedouro, a Ergonomia se alimentou
profundamente de dados e estudos de manutenção bélica.
Segundo nos relata Iida (1990), os cientistas que haviam participado desse esforço
de guerra decidiram continuar a empreitada voltando-se para a produção civil, utilizan-
do os métodos, técnicas e dados obtidos para a indústria. Numa precursora forma de
extensão universitária, são formados laboratórios universitários para atender a demandas
industriais, com sucesso. Em decorrência é formada em 1947 a primeira sociedade de
Ergonomia do planeta, a Ergonomics Research Society. Nasce a corrente de Ergonomia cha-
mada de Fatores Humanos (Human Factors & Ergonomics ou HFE), como uma continui-
História da Ergonomia 13

dade da prática acima mencionada em operações civis. Desde então, a corrente HFE tem
buscado responder à seguinte pergunta: o que se sabe acerca do ser humano que pode
ser empregado nos projetos de instrumentos, dispositivos e sistemas? Em suas interfaces
com o operador humano, a HFE, até o presente, tem sido baseada em procedimentos
experimentais que vão do laboratório clássico ao estudo de fatores humanos em si e até
as modernas técnicas de simulação, buscando uma melhor conformação das interfaces
entre pessoas e sistemas técnicos. Os principais tratados de Ergonomia foram produzidos
nos anos 1960 tendo como dominante a abordagem HFE. Os mais interessantes, a nosso
ver, são: Woodson e Conover, (EUA, 1966) e Grandjean (Suíça, 1974). Uma compilação
simplificada desses livros pode ser obtida em Iida (1991).
Mais recentemente, o vasto material HFE, acrescido das experiências de sua apli-
cação em algumas situações típicas – layout de postos de trabalho, design de cockpits e
consoles de salas de controle, desk informático e outros – deram origem a uma meto-
dologia especial, chamada listas de pontos de verificação (ergonomic checkpoints), cuja
referência mais adequada é o “Ergonomic Checkpoints” editado pela International Labour
Office, em Genebra, com o apoio da International Ergonomics Association (IEA). No Brasil,
há um bom tratado traduzido – um dos livros de E. Grandjean – aqui lançado pela edi-
tora Bookman, sob o título “Ergonomia”.
No período do pós-guerra surgiu outra vertente da Ergonomia, ensejada pelas
necessidades da reconstrução do parque industrial europeu dizimado. No bojo de um
amplo pacto social, o projeto de reconstrução abria uma janela para o estudo de condi-
ções de trabalho, tendo como emblema a Fábrica de Automóveis Renault que, dadas suas
características peculiares, tornar-se-ia um modelo da nova política industrial francesa. A
Renault é a primeira indústria francesa a criar um laboratório industrial voltado para a
Ergonomia. Essa segunda vertente deu origem à escola francesa, que tem como origem
uma questão própria: como conceber adequadamente os novos postos de trabalho a
partir do estudo da situação existente? Dessa preocupação nasce em 1949, com Suzanne
Pacaud, a análise da atividade em situação real, resgatada em 1955 por Obrendame e Fa-
verge como Análise do Trabalho. Esses autores preconizavam que o projeto de um posto
de trabalho deveria ser precedido por um estudo etnográfico da atividade e mostravam
o distanciamento entre as suposições iniciais e o auferido nas análises. A proposta veio
a ser formalizada somente em 1966, por Alain Wisner, já como Análise Ergonômica do
Trabalho (AET).

A Ergonomia no Brasil: da universidade para a empresa


Nos primórdios vamos encontrar três vertentes, a primeira oriunda das escolas de
engenharia de produção com desdobramento sobre os cursos de desenho industrial, a
segunda instituída na nascente escola brasileira de design e a terceira uma formação de
origem na psicologia humanista.
14 Ergonomia ELSEVIER

A primeira vertente se origina nos trabalhos do Prof. Sérgio Penna Kehl, na Escola
Politécnica da USP, com a abordagem do tópico “O Produto e o Homem”, na disciplina
Projeto de Produto, no curso de Engenharia de Produção. Segundo Moraes (1999) e
Bezerra (2000), a partir dessa disciplina o Prof. Sérgio Kehl vislumbra um grande cami-
nho e, nesse sentido, funda o GAPP (Grupo Associado de Pesquisa e Planejamento), que
passa a oferecer a Ergonomia como um dos itens de consultoria. O saber então incipiente
de Ergonomia é apropriado em várias empresas de economia mista brasileiras, como a
Companhia Siderúrgica Nacional, a COSIPA e o METRÔ de São Paulo.
Nesse processo, é formado um segundo quadro importante da Ergonomia, do
qual faz parte o professor Itiro Iida. Incentivado por Penna Khel, o professor Iida funda
a disciplina de Ergonomia na USP, publicando a apostila “Ergonomia: notas de aula” que
viria a ser um dos livros mais procurados da disciplina. Buscando aprofundar-se, Iida ini-
cia e conclui seu doutorado na USP defendendo a primeira tese acadêmica da Ergonomia
brasileira, intitulada “A Ergonomia do Manejo”, ainda hoje uma referência metodológica
em avaliação de produtos. Com esse título, Iida dirige-se ao Rio, convidado a lecionar no
emergente centro que era a COPPE/UFRJ. A formação, pesquisa e desenvolvimento na
COPPE se tornam referência da Ergonomia nascente. Como registros desse processo te-
mos a visita do então presidente da Ergonomics Research Society, Prof. Colin Palmer, cujas
palestras em Ergonomia vieram a se transformar no primeiro Livro de Ergonomia publi-
cado no Brasil. No plano do desenvolvimento, vários projetos como o design da linha de
equipamento odontológico da Dabi-Atlante, que até hoje mantém as características ali
desenvolvidas e o trabalho “Aspectos Ergonômicos do Ônibus Urbano”, publicado pela
STI, em 1976, que muito influenciou a mudança dos veículos, desde então. É ainda na
COPPE que se gera o livro “Ergonomia – Projeto e Produção”, publicado pela editora
Edgard Blucher, em 1990, de grande importância no cenário da Ergonomia de língua
portuguesa.
A segunda vertente primordial passa pela nascente Escola Superior de Desenho
Industrial, da UFRJ. Nessa escola, o professor Karl Heinz Bergmiller inicia o ensino de
Ergonomia para o desenvolvimento de projetos de produtos, segundo o modelo de To-
más Maldonado, da Escola de Ulm, na Alemanha. Incentivado por seu professor Sergio
Penna Khel, Itiro Iida, já trabalhando no Rio de Janeiro, se orienta com o Prof. Berg-
miller com vistas à sua tese de doutorado e, por via de consequência, passa a ensinar
Ergonomia na ESDI em 1971. A partir dessa experiência, a Ergonomia se manteve como
disciplina nos cursos de desenho industrial, uma vez que a ESDI se tornou uma matriz
curricular dos cursos de design no Brasil. Ela se torna disciplina obrigatória também para
os cursos de Design.
A terceira vertente primordial refere-se à construção na Psicologia. Ela compreen-
de as ações do Prof. Franco Lo Presti Seminério no ISOP (Instituto Superior de Estudos e
Pesquisas Psicossociais), da Fundação Getulio Vargas e do Prof. Paul Stephanek no curso
de Psicologia da USP em Ribeirão Preto. Entusiasta da Ergonomia, o Prof. Seminério con-
História da Ergonomia 15

segue promover, em 1974, o I Seminário Brasileiro de Ergonomia, marco fundamental na


história da Ergonomia brasileira, e aberta com a presença do então Ministro do Trabalho
e de muitas outras personalidades. Em decorrência das repercussões, FGV e COPPE se
reúnem para implantar, em 1975, o primeiro Curso de Especialização em Ergonomia,
no Brasil. Por esse curso passaram vários ergonomistas, que hoje lecionam em diferentes
cursos e trabalham na estruturação de grupos de Ergonomia nas empresas. Em março
de 1990, em meio às várias ações do chamado Plano Collor, desativou-se parte da FGV,
extinguiu-se o ISOP e, consequentemente, o curso de Ergonomia que de 1975 até 1989
só não fora realizado em duas oportunidades. Na USP de Ribeirão Preto a Ergonomia
na Psicologia, infelizmente, ficou restrita a uma breve inserção curricular na cadeira de
Psicologia do Trabalho.

A fase puramente universitária


A partir do quadro primordial se forma todo um panorama da Ergonomia, que
elencava não apenas os centros universitários como a COPPE, a ESDI e a FGV, mas
igualmente com a criação do grupo do Instituto Nacional de Tecnologia (INT) junta-
mente com o crescimento da Ergonomia no bojo do desenvolvimento da pós-graduação
brasileira. O forte incentivo à criação de mestrados no país faz surgir outros grupos vol-
tados para Ergonomia na engenharia de produção como é o caso da UFPb, da UFSCar,
da UFSM, da UFSC. A estes se somaram a chegada dos grupos de pesquisa ligados à
área de saúde como a Faculdade Paulista de Medicina e a Fiocruz. Paralelamente cresce
a oferta de cursos de graduação em desenho industrial e por meio dele a embrionária
configuração do atualmente chamado Ergodesign. Despontam novos cursos no Rio de
Janeiro (EBA/UFRJ), na Universidade Federal da Paraíba (Campina Grande), em Minas
Gerais, na Universidade Federal de Santa Maria, em Curitiba. Para esses locais conver-
gem muitos dos formados na COPPE, que se torna o principal centro de pós-graduação
relacionado à Ergonomia. Estavam dadas as condições para a consolidação da Ergonomia
no Brasil, ainda que restrita ao meio universitário.
Nesse processo há que se destacar o papel desenvolvido pelo CNAM – Conserva-
toire National des Arts et Métiers – em Paris, França, a partir da iniciativa do Prof. Franco
Lo Presti Seminério, que implementa a vinda do Prof. Alain Wisner, diretor do CNAM,
ao Brasil já no Seminário de 1974. O Prof. Wisner tornou-se um grande incentivador da
Ergonomia brasileira e colaborou com os primeiros trabalhos de Ergonomia da FGV/RJ
(Fundação Getulio Vargas) em convênio com a COPPE, sobre a plantação de cana-de-
-açúcar, em Campos. Para o CNAM dirigiram-se vários brasileiros que buscavam uma
formação mais avançada em Ergonomia, em nível de doutoramento. Atualmente, os mais
de vinte egressos do CNAM distribuem-se por vários estados e cidades brasileiras (Rio
de Janeiro, São Paulo, Florianópolis, Porto Alegre, Belo Horizonte e Brasília) em centros
de ensino e de pesquisa.
16 Ergonomia ELSEVIER

A partir daí, a formação e a pesquisa em Ergonomia se desenvolvem consideravel-


mente inclusive com a criação de várias oportunidades de mestrado e de doutoramento,
na COPPE, na UFSC, na USP e mais recentemente na UFPb. No campo das publicações
a Ergonomia lidera a produção acadêmica no design e é o segundo vetor da área de En-
genharia de Produção.

A fase de disseminação
Com o crescimento da formação em quantidade e em qualidade da produção aca-
dêmica na área, e das oportunidades de trabalho, atualmente a Ergonomia encontra-se
em fase de ampla disseminação.
No plano educacional, a Ergonomia se espraia para além da engenharia de pro-
dução e do design. Nessa nova onda, fisioterapeutas, administradores e outras forma-
ções de graduação buscam incluir a Ergonomia em seus conteúdos programáticos. Ainda
no campo universitário, a Ergonomia teve um processo inicial de desenvolvimento no
campo da pós-graduação de terceiro grau (especialização), com o curso de Ergonomia
realizado pelo ISOP/FGV. Esse trabalho pioneiro do Prof. Franco Seminério fora descon-
tinuado em 1989, pelo governo federal, juntamente com aquela histórica entidade. O
processo começa a retomar novamente a partir da USP, seguida pela Puc-Rio, UFRGS e
pela COPPE/UFRJ, com uma incipiente tentativa da UFMG, que acabou descontinuada.
Nesse ano de 2000 formaram-se especializações destinadas à formação prática – um total
de oito existentes até o presente, com destaque a uma interessante iniciativa no campo da
Ergonomia agrícola, pela Universidade Federal de Viçosa em parceria com a Fundação
Educacional de Caratinga (MG).
No plano público, o Ministério do Trabalho se apresenta como forte interlocutor
em três momentos, ligados à atuação de sua Secretaria de Segurança e Saúde do Tra-
balhador. Eterno foco de disputa interministerial, sobretudo com a área da saúde, esse
segmento quase chega a ser absorvido pelo Ministério da Saúde nos anos 1980. No en-
tanto, a partir de 1991 é sancionada após o processo tripartite a nova redação da Norma
Regulamentadora de número 17, que baliza a exigência normativa sobre a Ergonomia.
Após sua edição, a norma passou um período de incubação social, onde o próprio cor-
po de auditoria fiscal do atual Ministério do Trabalho e Emprego colocava reticências
quanto à sua aplicabilidade enquanto instrumento de fiscalização. Com a combinação
do avanço universitário da Ergonomia e a própria qualificação de quadros da auditoria
fiscal em centros de excelência no Brasil e no exterior, o quadro evolui e a partir do ano
de 2000 o Ministério prioriza a Ergonomia na Fiscalização e cria uma inédita Comissão
de Ergonomia no Ministério.
No plano de mercado, esse aspecto tem efeitos concretos e a demanda de Ergo-
nomia aumenta a contar pelo crescimento considerável do número de licitações ocor-
ridas, e pelo incremento significativo do número de acessos ao portal da ABERGO. Os
História da Ergonomia 17

congressos de Ergonomia dobram seu patamar histórico e hoje se situam numa faixa de
quatrocentos participantes, com a chegada de várias empresas que passaram a integrar
a feira do evento, até então inexistente. Para finalizar, é importante assinalar que várias
empresas buscam profissionais de Ergonomia para atividades de consultoria e algumas já
buscam delinear o cargo e as atribuições do ergonomista em seus organogramas. Atenta
a isso, a ABERGO já exibe em seu portal (<http://abergo.pep.ufrj.br>) uma definição do
cargo de ergonomista na empresa.

Página escolar
Questões
1) Quais foram as primeiras manifestações de aplicação de Ergonomia?
2) Como se formou a Ergonomia Clássica?
3) Considerando o caráter de multidisciplinaridade da Ergonomia, cite algumas de
suas disciplinas formadoras.
4) Mencione os dois professores precursores da Ergonomia no Brasil.
5) Resuma os fatos mais importantes da fase moderna da Ergonomia.

Referências
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Janeiro: 2AB, 2000.
MORAES, A. Quando a primeira sociedade de Ergonomia faz 50 anos, a IEA chega aos
40, a Associação Brasileira de Ergonomia debuta com 16. In: Congresso da ABERGO,
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18 Ergonomia ELSEVIER

______; MEIRELLES, L. A.; MÁSCULO, F. S.; CONTE, F. P. Introdução à Ergonomia. Rio


de Janeiro: AEPGP/PEP/COPPE, 1976. Mimeografado.
WISNER A. Antropotecnologia: ferramenta de pesquisa ou charlatanismo? In: ______.
Textos genéricos sobre Ergonomia – 1966-1979. Paris: Cnam, 1979.
______. L’Organisation de l’entreprise et du travail lors des transferts de technologie. Paris:
LENET/CNAM, 1994.
______. Aspects psychologiques de l’Antropotechnologie. Le Travail Humain, 1996. Edição
especial.
Breve introdução à
Ergonomia
Francisco Soares Másculo, Ph.D – UFPB
Mario Cesar Vidal, Dr. Ing. – PEP/COPPE/UFRJ

Cenas da vida diária


Suponha que um trabalhador diante de um microcomputador: monitor, teclado,
mouse, mesa e assento formam um conjunto nem sempre harmônico. Essa pessoa tra-
balha com uma máquina, maravilhosa e rápida, em um ambiente com ar-condicionado,
num móvel da melhor fabricação. Mas se queixa de dores lombares, nas mãos, no pesco-
ço. Alguém sabe explicar por quê?
Vejamos uma confecção na qual a produção acontece num galpão de grande por-
te. Impera o ruído das máquinas de corte, pesponto, costura, acrescidos do calor resul-
tante de própria edificação e das prensas de acabamento. Os resíduos têxteis formam
uma poeira que reduz a iluminação geral e obriga que cada posto tenha uma iluminação
local que aumenta ainda mais a contrante (veja definição no Capítulo 13) térmica e com-
promete a qualidade do ar. O ambiente se caracteriza ainda pelo odor de tecidos novos,
alguns com muito pouco tempo de saída da tinturaria. É ali onde se trabalha.
Suponha agora um bom e antigo almoxarife numa grande concessionária autorizada
de uma montadora. Suas tarefas são relativamente simples: receber um pedido de material,
localizar e trazer as peças encomendadas. Rotineiro, até monótono, mas o cidadão se quei-
xa de tensão, estresse e outras coisas que não fazem lá muito sentido à primeira vista. Na
verdade, por trás da pressuposta rotina existe uma complexidade recôndita e nebulosa em
transformar a citação de uma peça para um carro popular em código 067893452PW456,
cuja disponibilidade deve ser verificada na posição BX / 357 / l-8. Depois disso, conferir
no registro de entrada de estoques recentemente informatizado. Uma vez localizados es-
ses dados num computador moderno à vista do cliente, eles se traduzem, para o nosso
almoxarife, na posição física do estoque: a peça se encontraria na prateleira atrás da caixa
de grampos que chegou ontem. O nosso almoxarife, após essa maratona mental de busca,
20 Ergonomia ELSEVIER

ainda terá de ir até o local, bem no fundo do magazine. Ao chegar à posição do estoque,
constata que existiu um pequeno erro de lançamento. Retorna para comunicar que a soli-
citação não pode ser atendida, pois a peça assinalada como existente no sistema pertence
à série especial “Millenium III”, e que, portanto, não serve para o modelo do cliente. E na
saída do trabalho ainda ouve seu colega lanterneiro falar da “moleza” do trabalho na seção
de estoque...
A vida diária pode vir a ser muito injusta com um chofer de caminhão de entregas,
muitas vezes ofendido por pessoas que certamente ignoram que para além do acelerar
e trocar marchas, frear e estacionar, essa atividade possui dimensões físicas como car-
ga e descarga – dimensões mentais complexas e urgentes como o estabelecimento de
itinerários sob pressão do horário de entrega e em face de contingências como engarra-
famentos, outros caminhões de entregas ... – e tendo instâncias afetivas importantes, já
que tudo isso acontece em meio a um trânsito intenso onde estão todos mais ou menos
estressados. Ao fundo, o delicioso concerto urbano de buzinas, tudo isso transpassado
pela “suavidade diáfana” de motores desregulados em funcionamento.
Se você passar a reparar em postos de trabalho de computador com atenção,
certamente vai observar situações do tipo: altura do monitor muito alta ou muito baixa,
obrigando o operador a elevar ou abaixar a cabeça, causando tensão no pescoço; cadeiras
muito baixas ou altas, causando formigamento nas coxas; altura inadequada do teclado
e mouse e ausência de suportes para os braços, obrigando a musculatura das mãos e
ombros a atuarem sem necessidade; ausência de suportes para os pés e punhos; entre
outras inadequações.
Em 29/09/2006 ocorreu o famigerado acidente em que colidiram um Boeing 737,
que fazia o voo 1907 da empresa aérea Gol, entre as cidades de Manaus e Brasília, e um
jato de menor porte, Legacy, em que perderam as vidas 154 pessoas. Os aviões voavam
em sentido contrário. Se imaginarmos a imensa quantidade de “estradas aéreas” verti-
cais e horizontais no espaço entre aquelas duas cidades, os dispositivos de controle nos
centros em terra e os mecanismos de segurança nas aeronaves é inacreditável que pudés-
semos ter essa ocorrência. Mas, o fato é que ocorreu e as causas, por mais inconclusas
que estejam, certamente tiveram algum componente de projeto ergonômico inadequado.
Entre outras supostas possibilidades, pode-se citar:
a) O software. O software foi concebido para o plano de voo entrar na tela, indepen-
dentemente da autorização dos controladores. Isso realmente levou os controla-
dores a acreditarem que o jato estava a 36 mil metros (estava a 37 mil, onde se deu
a colisão).
b) O transponder. Esse instrumento, que possibilita ao piloto ser informado da apro-
ximação de outra aeronave, estava desligado no jato Legacy. A National Trans-
portation Safety Board, órgão de segurança aérea dos Estados Unidos, vai obrigar
que as aeronaves possuam dispositivo auditivo para informar ao piloto quando o
transponder estiver desligado.
Breve introdução à Ergonomia 21

c) A equipe responsável pelo acompanhamento. Este é feito por um centro de con-


trole até determinado ponto e daí passa para outro. Isso requer comunicação clara
e sem possibilidade de erro de quem está controlando o quê.
d) Linguagem verbal. Os controladores devem se comunicar em uma língua univer-
sal, no caso, o inglês. Nem sempre essa comunicação é clara.
e) A localização. As aeronaves são acompanhadas em monitores por meio de rastrea-
mento por radares. Há momentos, dizem os controladores, em que as aeronaves
desaparecem do monitor, aparecem sombras que não são reais etc.
f) A jornada de trabalho dos controladores. Como faltavam controladores, estes ti-
nham que trabalhar por mais tempo.
g) Carga mental. Pelo mesmo motivo anterior, eles controlavam um número maior
de aviões que o recomendado internacionalmente.
Observando-se o controle remoto de determinada TV, verifica-se a existência de
48 teclas e 31 funções. É necessário fazer um curso para uma pessoa comum poder uti-
lizar todas as possibilidades que esse instrumento oferece. Isso sem considerar questões
do tipo tamanho das teclas e sua disposição física no controle devido à limitação do
tamanho.
Já que falamos em TV, vamos colocar nosso tema em imagens. As figuras a seguir
ilustram atividades de trabalho em dois postos de uma determinada indústria. No pri-
meiro posto o trabalhador realiza os procedimentos para acondicionar o produto final
em sacos de 20 kg. Após pegar o saco de papelão e abri-lo, ele posiciona-o na balança
e move a alavanca para baixo, e, assim, libera o produto, que desce por gravidade. Ele
controla visualmente o peso na balança e, quando o peso estipulado é alcançado, fecha
o dosador também acionando a alavanca. Em seguida, ele segura o saco por baixo e faz
uma rotação de tronco dando dois passos para colocar o saco em uma esteira rolante.

Figuras 1 e 2: Operação de enchimento


22 Ergonomia ELSEVIER

Figuras 3 e 4: Paletização

No segundo posto o trabalhador pega o saco, que já foi costurado na esteira, e


transporta-o até o local em que está o pallet e o arruma em 8 pilhas de 4 por 4 sacos, que
atingem 1,70 m. Ambos fazem isso durante uma jornada de 8 horas diárias.
Você poderá observar que os trabalhadores estão bem protegidos de capacete,
luvas, máscaras, botas e usam óculos de proteção. Mas, também, notará que no primei-
ro posto a balança poderia ter uma altura que evitasse que ele se curvasse para pegar
o saco, que a alavanca de acionamento do dosador exige a elevação dos braços, que a
esteira poderia estar ao lado da balança. No segundo posto o pallet e a esteira estão muito
afastados. Para arrumar os primeiros sacos, o trabalhador tem que se curvar e a pilha,
ao atingir uma altura considerável, irá exigir elevação das mãos, o que é agravado pelo
peso de 20 kg.
Existe semelhança entre esses casos? Bem, em todos eles há objetos, máquinas
ou sistemas projetados pelo homem em princípio para facilitar a sua vida. O problema
é que eles também podem provocar dores, sofrimento, lesões e tragédias. A Ergonomia
lida com tudo isso.
Mas o que nós, engenheiros de produção, temos a ver com isso tudo?

Ergonomia e Engenharia de Produção


A Ergonomia contribui para a Engenharia de Produção tanto fornecendo seus
conhecimentos para a subárea de Engenharia do Produto como, mais especificamen-
te, na subárea que podemos denominar Engenharia do Trabalho, que objetiva projetar,
implantar e controlar o posto de trabalho e a maneira de trabalhar. Esta engloba os
conhecimentos das disciplinas de Engenharia de Métodos, Organização do Trabalho,
Processos de Trabalho, Higiene e Segurança do Trabalho, Layout ou Planejamento das
Instalações, além da própria Ergonomia. A Figura 5 é uma representação esquemática de
um processo de transformação Entradas x Saídas, característica dos sistemas produtivos,
Breve introdução à Ergonomia 23

os diversos conteúdos profissionalizantes da Engenharia de Produção (ABEPRO, 2007),


e a Engenharia do Trabalho com suas disciplinas.

)LJXUD0RGHOR6LPSOLÀFDGRGH6LVWHPDGH3URGXomR&RQWH~GRV
3URÀVVLRQDOL]DQWHVGD(QJHQKDULDGH3URGXomRHD(UJRQRPLD

Definição, propósitos e finalidades da Ergonomia


A Ergonomia é uma ocupação de pessoas qualificadas para responder às deman-
das acerca da atividade de trabalho. E como vimos acima, essas demandas estabelecem
campos de interesse amplos e diversificados, que abrangem temas que vão da anatomia
à teoria das organizações, do cognitivo ao social, do conforto à prevenção de acidentes.
Não inventemos a roda. A seguir temos a definição internacional de Ergonomia
aprovada pelo conselho científico da International Ergonomics Association em San Die-
go, USA, 2000. International Ergonomics Association: P.O. Box 1369, Santa Monica,
CA 90406-1369, USA, Site: <http://ergonomics-iea.org>.
Ergonomia (ou Fatores Humanos) é a disciplina científica que trata da
compreensão das interações entre os seres humanos e outros elementos de
um sistema, e a profissão que aplica teorias, princípios, dados e métodos
a projetos que visam otimizar o bem-estar humano e a performance global
dos sistemas.
Os praticantes da Ergonomia, os Ergonomistas, contribuem para o pla-
nejamento, projeto e a avaliação de tarefas, postos de trabalho, produtos,
ambientes e sistemas para torná-los compatíveis com as necessidades, ha-
bilidades e limitações das pessoas. (IEA, 2000)
Isso nos conduz a uma formulação deontológica, segundo a qual Ergonomia, an-
tes de tudo, é uma atitude profissional que se agrega à prática de uma profissão definida.
24 Ergonomia ELSEVIER

Nesse sentido, é possível falar de um médico ergonomista, de um psicólogo ergonomista,


de um designer ergonomista e assim por diante. Essa atitude profissional advém da pró-
pria definição estabelecida pela Associação Brasileira de Ergonomia:
A Ergonomia objetiva modificar os sistemas de trabalho para adequar as
atividades nele existentes às características, habilidades e limitações das
pessoas com vistas ao seu desempenho eficiente, confortável e seguro.
(ABERGO, 2000)
Essa definição que coloca finalidades – modificar os sistemas de trabalho – pro-
pósitos – adequar a atividade às características, habilidades e limitações das pessoas – e
critérios – eficiência, conforto e segurança – e necessita ser complementada por outra,
que estabeleça qual a tecnologia a que a Ergonomia está referida ou que possua um
referente de suas finalidades, propósitos e critérios. Essa tecnologia se aplica à realiza-
ção (concepção, construção e manutenção) de interfaces entre as pessoas e os sistemas,
melhor dizendo, estabelecendo uma relação de adequação entre os aspectos humanos
presentes na atividade de trabalho e os demais componentes dos sistemas de produção
(tecnologia física, meio ambiente, softwares, conteúdo do trabalho e organização da pro-
dução) por meio dessas interfaces. Por adequação estamos significando uma orientação
para o desenvolvimento das interfaces entre as pessoas e destas com a tecnologia e a
organização.
Cabe, neste momento, fazer uma importante observação: essa classificação tem
apenas finalidades didáticas para compreensão de conceitos. Uma realidade de trabalho
é um sistema complexo onde cada um dos aspectos intervém a seu modo, porém, de
forma interdependente ou sistêmica. Por exemplo, a atividade numa central de aten-
dimento é regulada por seus conteúdos organizacionais: deve-se operar segundo um
script, com margens de tempo preestabelecidas de acordo com o tipo de atendimento,
com finalidades distintas em função da natureza do processo (reclamação, suporte ou
venda). O operador – massivamente do sexo feminino – deve seguir esses parâmetros
organizacionais – mas para atender uma pessoa do outro lado da linha numa situação
dialogal de forte conteúdo cognitivo, que poderá complicar-se bastante em função do
andamento nem sempre controlável da conversa. Os clientes usam termos diferentes
daqueles aos quais os operadores estão acostumados, tentam explicar-se de formas nem
sempre compreensíveis etc. E isso se passa num ambiente físico com vários aspectos
a serem devidamente agenciados, que vão desde os aspectos posturais decorrentes da
composição do posto de trabalho até as interferências ambientais (acústicas, térmicas e
lumínicas) do local sobre a atividade. A combinação de fatores que produzem um efeito
contrário ao bom desempenho – no jargão de Ergonomia, os contrantes – pode ser cruel,
a grande incidência de LER/DORTs na população de trabalhadores em call centers corro-
bora essa afirmação, em que pese notáveis esforços de correção de mobiliário feitos por
várias empresas em todo o mundo.
Breve introdução à Ergonomia 25

)LJXUD(UJRQRPLDFRPRXPDWHFQRORJLDGHLQWHUIDFHV

Em sua atividade de trabalho o ser humano interage com os diversos componen-


tes do sistema de trabalho: com os equipamentos, instrumentos e mobiliários, por meio
de interfaces sensoriais, energéticas e posturais, com a organização e o ambiente por
interfaces ambientais, cognitivas, emocionais e organizacionais (Figura 6). O ser humano
realiza essas interações de forma sistêmica, cabendo à Ergonomia modelar essas intera-
ções e otimizá-las, ou seja, buscar formas de adequação para o desempenho confortável,
eficiente e seguro em face das capacidades, limitações e demais características da pessoa
em atividade (Vidal e Soares, 2000).
Ainda assim, confrontando nossa caracterização da prática da Ergonomia como a
de pessoas qualificadas para responder a demandas com a definição da IEA segundo a
qual se trata da compreensão das interações entre os seres humanos e outros elementos de
um sistema, para otimizar o bem-estar humano e a performance global dos sistemas, chega-
mos à evidente conclusão de que a Ergonomia vai requerer uma multiplicidade de abor-
dagens que se complementem para dar conta dos principais aspectos de uma demanda.
A Ergonomia vai permitir que existam interfaces adequadas. Essas interfaces ade-
quadas atenderão de forma conjunta, integrada e coerente aos critérios de conforto, efi-
ciência e segurança. Com isso será possível trabalhar corretamente:
UÊ Sem as dores lombares no uso de modernos computadores em confortáveis es-
critórios.
UÊ Executando as operações de manuseio de tecidos num ambiente condizente, sem
intoxicações e sem perda de material.
UÊ Encontrando os pedidos de peças, livros, itens eletrônicos, enfim, realizando ope-
rações de estoque numa forma eficiente e menos estressante, garantindo a quali-
dade de atendimento.
UÊ Organizando a logística de entregas de forma adequada e preparando o motorista,
o cliente e as rotas para evitar problemas reais do caos urbano.
Segundo o Comitê de Planejamento Estratégico da Human Factors and Ergonomics
Society, sociedade que agrupa os ergonomistas norte-americanos e que é a maior sociedade
26 Ergonomia ELSEVIER

de Ergonomia do planeta, essa tecnologia tem como capítulos seus princípios – basicamen-
te estabelecidos pela definição apresentada – suas especificações – no que consistem os
resultados úteis, práticos e aplicados dos trabalhos de Ergonomia – seus métodos – que co-
dificam a forma de trabalhar da equipe de Ergonomia – e suas técnicas – que concretizam
a realização de especificações com base nos princípios e mediante o emprego dos métodos
pertinentes ao problema de interface que está sendo tratado pela Ergonomia.

Uma disciplina útil, prática e aplicada


À luz do que vimos, a principal forma de se entender a Ergonomia é por meio de
sua ausência que se traduz por perdas de produção em quantidade, em qualidade e ainda
produz muitas consequências ruins sobre os operadores, usuários e sobre o ambiente,
como doenças, erros, acidentes e poluição.
A atitude profissional que caracteriza uma equipe de Ergonomia tem ao mesmo
tempo uma dimensão1 científica, que traz fundamento às aplicações que realiza, e uma
dimensão prática, que torna essa aplicação viável no mundo da produção. A combinação
das dimensões científicas e práticas da Ergonomia revela sua utilidade como uma disci-
plina que nasceu e se estabelece voltada para resolver problemas, essencialmente. Essa,
por sinal, tem sido uma grande dificuldade da Ergonomia como atividade acadêmica,
como bem assinalou Daniellou (1991).
A Ergonomia está exposta a dois tipos não coerentes de avaliação: (i) avaliação sob
critérios científicos acerca de suas modelagens e formulações; e (ii) avaliação sob critérios
econômico-sociais do valor de suas propostas de soluções.
A superação desse duplo registro está numa compreensão da Ergonomia como
disciplina útil, prática e aplicada. Como disciplina útil por meio de seus procedimentos
de modelagem da realidade do uso e a incorporação de conhecimentos para a melhoria
das interfaces entre os componentes humanos e os demais constituintes do sistema de
produção, a Ergonomia tem tido bastante sucesso em tratar de problemas onde outras
abordagens têm deixado a desejar. Como disciplina científica por meio do estudo das
capacidades e limitações e demais características humanas necessárias para o projeto de
boas interfaces, assim como procurando modelar a atividade de trabalho para garantir a
qualidade operacional desse projeto. Para tanto, a Ergonomia situa-se num cruzamento
interdisciplinar entre várias disciplinas como Fisiologia, a Psicologia, a Sociologia, a Lin-

1
Empregaremos muito esse conceito de dimensões. O termo está sendo tomado no sentido topológico, se-
gundo o qual uma entidade pode ser decomposta, rebatida ou derivada em dimensões constituintes, a partir
de um contexto de referência. Assim um ponto P se localiza no espaço euclidiano por sua distância à origem
numa dada trajetória T. Essa trajetória pode ser complexa (curva reversa, por exemplo). Nesse caso, projetar
a trajetória T em eixos retilíneos X, Y e Z simplifica o cálculo e a posição pode ser expressa em termos de
valores x ,y e z tomados sobre aqueles eixos. Nesse sentido X, Y e Z são os domínios das dimensões x, y e z
de que se compõe a posição do ponto P, uma forma mais fácil de trabalhar do que uma distância d sobre uma
trajetória T.
Breve introdução à Ergonomia 27

guística e práticas profissionais como a Medicina do Trabalho, o Design, a Sociotécnica e


as Tecnologias de Gestão. Toda essa interdisciplinaridade se centra no conceito de ativi-
dade de trabalho (Figura 7).

)LJXUD,QWHUGLVFLSOLQDULGDGHGD(UJRQRPLD

Fonte: Hubault (1992, modificado).

A Ergonomia como interdisciplinaridade interage com várias disciplinas no cam-


po das Ciências da Vida, Técnicas, Humanas e Sociais. Seus conteúdos se orientam para
o Design, Arquitetura e Engenharia, cuja inserção nesses quadrantes é basicamente a
mesma.
Como disciplina prática a Ergonomia busca encaminhar soluções sempre ade-
quadas aos usuários, operadores e à realidade das empresas e organizações ode as in-
tervenções ergonômicas têm lugar. Uma boa Ergonomia pode até se limitar à produção
de um laudo, de um parecer, de uma avaliação se essa for a demanda feita à Ergonomia.
Mas essa é uma posição muito fraca. Qual o interesse de um laudo analítico e de um
quadro esquemático se essas construções não desaguarem em um conjunto de medidas
e providências concretas de transformação da realidade que as produziram? Em Ergo-
nomia contemporânea a resposta é a via projetual: ou a Ação Ergonômica se resolve
como concepção de sistemas, de artefatos ou de formas organizacionais, na perspectiva
tecnologia de interfaces, ou terá representado um esforço vão. Um outro tema prático a
que muitas equipes de ergonomistas em todo o mundo estão se voltando é a aferição da
relação custo-benefício das ações ergonômicas. Consideramos esse assunto de tamanha
relevância que a ele dedicaremos um capítulo integral desta obra.
Como disciplina aplicada ela traz os resultados dos tratamentos científicos de
modelagem da realidade e de levantamento do estado da arte do problema ao desenvol-
vimento de tecnologia de interfaces para a concepção, análise, testagem, normatização
e controle dos sistemas de trabalho. São assuntos aplicados de Ergonomia, portanto, a
concepção de sistemas de trabalho, sob o ponto de vista da atividade das pessoas que
nele se integram, de produtos, sob o ponto de vista de uso e manuseio pelos adquirentes,
28 Ergonomia ELSEVIER

de sistemas informatizados, sob a ótica da usabilidade (interatividade facilitada, amigabi-


lidade, customização etc.) de estruturas organizacionais do ponto de vista dos que nela
trabalham, e assim por diante.

Problemas retrospectivos, prospectivos e emergentes


Por ser uma disciplina útil, prática e aplicada a Ergonomia é indicada para tratar
de problemas retrospectivos, prospectivos e emergentes nos sistemas de produção.
A compreensão do que esta acontecendo e que requer uma intervenção ergonômi-
ca – ou seja, a construção de um diagnóstico ergonômico de um sistema de trabalho vai
requerer o levantamento de problemas retrospectivos como:
UÊ custo de doenças ligadas ao trabalho;
UÊ inadequação dos postos de trabalho ou dos ambientes;
UÊ qualidade insatisfatória dos produtos e dos processos de produção;
UÊ ineficiências dos métodos de produção, de formação, de inspeção;
UÊ defeitos dos produtos;
UÊ funcionamento inadequado de equipamentos e softwares.
De posse de um diagnóstico ergonômico, é preciso agir para adequar as diferentes
interfaces. A Ação Ergonômica, a partir dos elementos que o diagnóstico ergonômico lhe
fornece, lida com problemas prospectivos como:
UÊ concepção de novos produtos, de sistemas de produção, de novas instalações;
UÊ inovações nos equipamentos: mobiliário, maquinário, instrumentos e acessórios;
UÊ formação e treinamento na implantação de novas tecnologias e métodos.
Porém em certas passagens é necessário que o sistema de trabalho responda a
situações inusitadas e tenha a capacidade de absorver fatos novos. Assim sendo, a ação
ergonômica é indicada para tratar de alguns problemas emergentes como:
UÊ prevenção de acidentes e doenças do trabalho (ações básicas);
UÊ problemas cruciais de qualidade ou de produção (ações focadas);
UÊ adequação a novos parâmetros legais e/ou corporativos (ações ampliadas).
Consequentemente, as empresas e organismos diversos têm tido a possibilida-
de de empregar, com muitas vantagens, os serviços de uma equipe de Ergonomia para
intervir sobre estes diversos tipos de problemas com que a produção se defronta. Esses
problemas podem ser referentes ao histórico da empresa (retrospectivos), à disposição
para mudanças (prospectivos) ou mesmo urgentes e/ou desconhecidos até então (caso
das emergências).
Constatamos que, em todo o mundo, a Ergonomia vem sendo objeto de uma
explosão de demanda, com um número crescente de empresas solicitando consultorias
e criando cargos para ergonomistas em seus organogramas. No Brasil, a demanda já ul-
trapassa bastante a capacidade de formação e treinamento hoje disponível no mercado.
Demonstra essa assertiva o vertiginoso crescimento de normas internacionais sobre Er-
gonomia, no final do século XX (Figura 8).
Breve introdução à Ergonomia 29

)LJXUD3XEOLFDomRGHQRUPDV,62GH(UJRQRPLD

Fonte: Vidal e Bucich (2001), atualizado Vidal (2010).

Hendrick (1997) aponta ao menos quatro razões explicativas para esse quadro:
Paradoxalmente um número razoável de pessoas se confrontou com o que
Chong (1996) denomina de “voodoo ergonomics”. Isto produziu produtos,
ambientes e processos rotulados como ergonômicos quando na verdade
foram elaborados por pessoas sem uma competência certificada ou acredi-
tada em Ergonomia. Essa é uma das razões que tem levado a IEA a estabe-
lecer como prioritária e urgente o estabelecimento de padrões de formação
e de certificação profissional, uma realidade já efetiva na América do Norte,
na União Europeia, no Japão e na Austrália.
A Ergonomia contribui decisivamente para que os operadores tenham as condi-
ções requeridas para executar satisfatoriamente suas tarefas. Assim sendo, a explosão
da demanda por Ergonomia o fato de que na vida cotidiana atual nos tornamos todos
operadores, como o sustenta Mallet (1995). Cada um de nós “opera” diariamente algum
tipo de sistema, tal como automóveis, computadores, televisão aberta ou a cabo, telefo-
nes convencionais ou celulares. Nesse sentido, é extremamente delicado considerar os
aspectos humanos dessas interfaces como solucionáveis pelo emprego de constatações
de senso comum. Um grande número de ergonomistas experientes pode apresentar uma
lista onde as decisões de projeto, apenas baseadas no senso comum, resultaram senão
em acidentes graves, ao menos em aparelhos ou equipamentos cuja usabilidade (boa
capacidade de uso ou manuseio) é bastante deficiente.
Muitos responsáveis por empresas têm demandado a Ergonomia simplesmente
por se tratar da coisa certa a se fazer, até porque essas pessoas devem pensar naquilo que
seja o mais adequado possível para realizar os objetivos estratégicos de suas organizações.
Finalmente, embora haja pouca documentação a esse respeito, até por uma falha
de formação e de sistemática de trabalho das equipes de Ergonomia, em alguns casos tem
sido possível realizar uma avaliação do resultado das ações ergonômicas em termos de
custo-benefício. E essas avaliações têm sido muito positivas.
30 Ergonomia ELSEVIER

Página escolar

Questões
1) O que você entendeu por prática de projeto e disciplina de base?
2) O que você entende por conhecer como o trabalho é feito? Por que o ergonomista
deve conhecê-lo?
3) Das causas do acidente da companhia Gol, voo 1907, qual é a que você acha o
mais relevante? Justifique.
4) Considerando a Figura 5, explique a relação da Ergonomia com a Engenharia de
Produção.
5) Dê exemplos da utilidade, praticidade e aplicação da Ergonomia.

Pesquisa
Pesquise na internet os sites da IEA e da ABERGO e descreva os seus conteúdos
mais relevantes.

Referências
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ERGONOMIA – ABERGO. A definição brasileira da Ergo-
nomia: contribuição para a definição internacional de Ergonomia. Report 2000 to IEA
Council. Rio de Janeiro/San Diego: Brazilian Ergonomics Association, 2000.
BENCHEKROUN, T. H. Avanços recentes na metodologia de análise ergonômica do tra-
balho. Palestra no GENTE/COPPE, UFRJ, Rio de Janeiro, jul. 1997.
BUCICH, C.; VIDAL, M. C. Levantamento preliminar da normalização internacional em
Ergonomia. Relatório técnico. Rio de Janeiro: GENTE/COPPE, 2001.
CHONG, I. The economics of ergonomics. Workplace Ergonomics, pp. 26-29, mar./abr.
1996.
DANIELLOU, F. L’ergonomie en quête de ses principes. Toulouse: Octarès Editions, 1991.
HENDRICK, H. Good ergonomics is good economics. Santa Monica: HFES Publishing, 1997.
INTERNATIONAL ERGONOMICS ASSOCIATION – IEA. Core competencies for practitio-
ners in ergonomics. Triennial Report of the Executive Board of the IEA. Santa Monica:
IEA Press, 2000.
______. Definição internacional de Ergonomia. Ação Ergonômica, I(1), p. 10, 2000.
MALLETT, R. Human factors: why aren’t they considered? Professional Safety, jul. 1995,
pp. 30-32.
MÁSCULO, F. S. Ergonomia e higiene e segurança do trabalho. In: BATALHA, Mário
Otávio (Org.). Introdução à engenharia de produção. Rio de Janeiro: Campus/Elsevier,
2008.
Breve introdução à Ergonomia 31

NOVO, J. M.; VIDAL, M. C. Sistema de assistência à emissão de laudos laboratoriais. In:


Congresso da ABERGO, V, 1999, Salvador. Anais... Rio de Janeiro: 2AB, 1999.
SETTI, M. E. Aetatis novo: a modernização do parque gráfico de um jornal diário. 1996.
Tese (Doutorado em Engenharia) – Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação
e Pesquisa de Engenharia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
TELLES, R.; VIDAL, M. C. Levantamento ergonômico da habitalidade dos barcos de pesca da
região de Cabo Frio, RJ. Relatório de pesquisa. Cabo Frio: GENTE/COPPE, 1999.
______; ______; THIOLENT, M. J. The ergonomic design of fishing vessels. Proceedings
of the XIV Triennial Congress of the IEA. San Diego: IEA/HFES, 2000.
VIDAL, M. C. Ergonomia na empresa: útil, prática e aplicada. Rio de Janeiro: EVC, 2002.
Parte II

ERGONOMIA NA
EMPRESA
Capítulo 1 – Ergonomia na empresa
Mario Cesar Vidal

Capítulo 2 – Legislação em saúde e segurança no trabalho


Paulo Antonio Barros Oliveira

Capítulo 3 – NR 17 A norma da Ergonomia


Mario Cesar Vidal

Capítulo 4 – Economia da Ergonomia


José Roberto Dourado Mafra

Capítulo 5 – Gestão de Ergonomia


Mario Cesar Vidal
Capítulo

1 Ergonomia na empresa

Mario Cesar Vidal, Dr. Ing. – PEP/COPPE/UFRJ

Conceitos apresentados
Neste capítulo veremos a Ergonomia como parte da prática profissional do en-
genheiro de produção contemporâneo. Iniciaremos com um tratamento conceitual do
tema por meio de uma breve caracterização da Ergonomia como disciplina científica,
da Ergonomia como disciplina da gestão e como disciplina de projeto de engenharia.
Em seguida, passaremos a examinar a atuação do engenheiro de produção no contexto
da Ergonomia na empresa, desde o exame de conjuntura, passando pela elaboração
do plano de desenvolvimento e dos encaminhamentos das demandas de formação
interna e de contratação externa que lhe caberá gerenciar. O capítulo se encerra com
a descrição de algumas ferramentas úteis para a prática profissional de Ergonomia, de
que o engenheiro de produção participa ativamente: a ação ergonômica, a inspeção e
a contratação.

1.1. A Ergonomia na empresa


A Ergonomia, como vimos, é uma aplicação de conhecimentos multidisciplinares
articulados com uma finalidade de transformação positiva. Assim como os atuais mode-
los de produção industrial já admitem uma especialidade, a Ergonomia de produto, e o
desenvolvimento de tecnologias de comunicação e processamento eletrônico estruturam
uma importante subdisciplina da Ergonomia, o IHC (interfaces humano-computacio-
nais), nosso tema neste capítulo, para o futuro profissional de engenharia de produção,
é a compreensão de como dotar uma empresa de conteúdos de Ergonomia desde as de-
cisões políticas e até a ponta dos processos, das altas administrações, ao chão de fábrica,
do fornecimento ao serviço pós-venda, ou SACs.
36 Ergonomia ELSEVIER

Para tanto, devemos expor dois conteúdos essenciais, as diretrizes e as estruturas


de Ergonomia na empresa. Antes disso, porém, façamos um breve passeio por dois temas
introdutórios: a Ergonomia como disciplina e as justificativas da Ergonomia na vida e na
prática empresarial.

1.1.1. A disciplina Ergonomia


O termo disciplina tem várias acepções úteis para este nosso debate. Primeira-
mente, em termos escolares, uma disciplina é um elemento do currículo de uma gradua-
ção. Nesse sentido a Ergonomia é uma das especialidades da engenharia de produção,
segundo o documento de área formalizado pela Associação Brasileira de Engenharia de
Produção. Isso significa que um engenheiro de produção, no seu sentido pleno, tem a
Ergonomia como uma de suas atribuições.
O termo disciplina tem um segundo sentido, filosófico, que é o sentido da disci-
plina no ambiente de ensino e na profissão. Esse sentido é bem mais controverso, pois
existem leituras ideológicas (a disciplina como instrumento de dominação), religiosas (a
disciplina como regra de vida), militares (a disciplina como princípio de funcionamento)
ou mesmo comportamentais (a organização supõe uma disciplina como fundamento
operacional). Definiremos que a prática da Ergonomia acontece numa organização e
deve seguir suas próprias regras de encaminhamento, ou seja sua metodologia.
Mais modernamente se fala em disciplina no campo projetual, assim entendido
como um conteúdo parcial de um projeto que tenha características de especificidade,
especialidade e particularidade. Assim como numa construção civil estrutura, elétrica e
hidráulica se constituem em disciplinas de projeto, a organização de sistemas de produ-
ção não pode prescindir da disciplina Ergonomia. Posto está que a disciplina Ergonomia:
UÊ particularmente, foca as relações entre pessoas, tecnologia e organização;
UÊ especialmente, aborda-as mediante uma metodologia participativa e interdiscipli-
nar; e
UÊ especificamente, busca a transformação positiva dessas relações pela remoção de
entraves, perturbações e demais inadequações.

)LJXUD)LQDOLGDGHVGD(UJRQRPLD
Capítulo 1 | Ergonomia na empresa 37

A Ergonomia tem como foco a atividade de trabalho das pessoas, como objeto a
situação onde ela ocorre e como finalidade a transformação para melhor desse sistema.
(Figura 1.1). O conceito de atividade de trabalho significa o que as pessoas efetivamente
fazem para realizar a produção. Esse conceito inclui a expectativa do que deve ser realiza-
do (tarefa) associando-a com as noções complementares de execução (como é realizada a
tarefa) e dos requisitos para sua boa feitura (condições de execução). O conceito de situação
de trabalho tem, portanto, duas acepções: no sentido amplo significa o contexto em que
a atividade de trabalho se insere, e no sentido estrito as condições nas quais ela é execu-
tada. Assim, atividade e situação, desde que apresentem problemas, podem e devem ser
transformados para melhor.

1.1.2. Por que Ergonomia na empresa


Mesmo que para o leitor essa explicação já esteja mais clara, um dos trabalhos
importantes de quem tem função técnica e gerencial numa empresa é, além de se dar
conta de um tema relevante, convencer seus colegas dessa importância. Con-vencer, ou
seja vencer junto, requer que se saiba transmitir essa convicção. Isso se materializa por
dois encaminhamentos: a formulação de argumentos para a atuação em Ergonomia e a
atuação em projetos de Ergonomia.
A formulação de argumentos envolve uma gama de elementos importantes como:
as injunções (externas), as dimensões econômicas da Ergonomia, a qualidade de vida no
trabalho e a gestão do processo de Ergonomia na empresa. No Capítulo seguinte tratare-
mos do tema das injunções, que definem, externamente, a empresa, assim como no Ca-
pítulo 3 será exposto o tema das dimensões econômicas internas e externas. São razões
bastante importantes para esse convencimento, às quais se acrescenta o tema da qualida-
de de vida no trabalho, de que consta o Capítulo 4. Já no Capítulo 5 nos dedicaremos a
tratar da gestão do processo de Ergonomia na empresa, visando entender a conjuntura e
implementar na empresa o processo de Ergonomia mais adequado.
O tema projeto é absolutamente essencial em Ergonomia e poderíamos dizer que
a atuação em Ergonomia desconectada do campo da concepção é extremamente pobre
e ineficaz. Tanto que são dedicados, numa outra seção desta obra, onze capítulos para
cobrir convenientemente esse assunto. Os temas arrolados são Antropometria, Técnicas
de Modelagem Humana, Fatores Humanos no Projeto, Acessibilidade e Necessidades
Especiais, Projeto de Organização, Projeto de posto de trabalho, Arquitetura de locais de
trabalho, Projeto de interfaces H-M e Projeto de Treinamento.

1.2. As diretrizes da Ergonomia na empresa


A Ergonomia na empresa não é um fato casual, mas a resultante de uma atuação
planejada. Planejamento, para muitos, é uma noção muito abstrata e que recorre a mé-
todos altamente sofisticados. Empregaremos aqui uma acepção mais intuitiva segundo a
qual planejar é pensar nas ações imediatas e futuras, em face de um objetivo progressiva-
38 Ergonomia ELSEVIER

mente alcançado, e isso mediante um processo racionalizado. Para tanto, o planejamento


de um sistema irá requerer a definição das diretrizes essenciais, quais sejam: sua missão
ou objetivos na empresa, sua visão de futuro na organização, os valores que regam suas
práticas e os padrões para avaliações de desempenho para a Ergonomia na empresa.

1.2.1. Definir a missão da Ergonomia na empresa


A missão da Ergonomia numa organização deve ser estabelecida em função dos
dilemas que ela enfrenta nos seus processos de trabalho. Em geral, as missões de Ergo-
nomia nas empresas têm sido comandadas por critérios de saúde e de melhoria de con-
dições de trabalho, temas que têm uma forte prevalência na vida das empresas, causando
afastamentos e mesmo aposentadorias especiais, com tudo em que isso repercute. Essa,
porém, não é a única forma de ver os dilemas do processo de trabalho. Pode-se pensar
em Ergonomia em termos de efetividade, para auxiliar na alimentação de uma cultura
de segurança e até mesmo numa perspectiva de sustentabilidade (identificar manobras
poluentes, degradantes ou desperdiçadoras de recursos mais escassos). Em todos esses
casos existe uma equação econômica favorável – as ações ergonômicas são bastante ren-
táveis. Assim sendo, a missão da Ergonomia na empresa é importante e se sustenta.
O estabelecimento da missão é a diretriz-mãe, pois é a partir dela que se podem
estabelecer os contornos e estilos de sua gestão. Isso não é tarefa simples, pois, em que
pese sua relevância e sustentação econômica, é importante ter em conta que a Ergonomia
não encontrará sempre na empresa um ambiente acolhedor e de “portas abertas”. Ela terá
de lutar para conseguir se instalar e trabalhar de forma confortável. Para tanto, as seguintes
perguntas-tema devem ser respondidas: Quem somos? O que fazemos? O que trazemos de
positivo para a empresa? Com quem interagimos para levar adiante nossos projetos?
A ferramenta aqui é a construção social, que permite entender e delinear as carac-
terísticas dos principais grupos que se formam ao longo de uma ação ergonômica, bem
como a natureza e o sentido de suas interações.

Construção social

)LJXUD&RQVWUXomRVRFLDO
Capítulo 1 | Ergonomia na empresa 39

O funcionamento eficaz de uma ação ergonômica requer uma estrutura de ação,


de natureza participativa, técnica e gerencial. É fundamental combinar uma interação
técnica, gerencial e com a cúpula da empresa para que as mudanças necessárias ocorram.
Por outro lado, muitas organizações contratam consultorias, mas, via de regra, não se
dotam de um dispositivo para maximizar os resultados dessa contratação.
Para tanto, a equipe de Ergonomia deve se articular com vários grupos, de nature-
za e composição distintas para referenciar-se ao longo da intervenção. São eles: a Grupo
Técnico de Ergonomia (GT-ERG), o Grupo de Interesse (GI), os Grupos de Foco (GFs),
o Grupo de Acompanhamento (GA) e o Grupo de Suporte (GS), conforme ilustrado na
Figura 1.2.
A primeira estrutura é o chamado núcleo-base e este é constituído pelo grupo de
ação ergonômica (GAE), forma-se pela composição da equipe de (GT) com o grupo de in-
teressados pela Ergonomia na empresa (GI). A segunda estrutura é o chamado eixo estraté-
gico, que articulará o GAE com os grupos de suporte e acompanhamento e que devem ser
constituídos previamente à sua formação. O grupo de suporte (GS) deve ser integrado por
pessoas de poder de decisão na organização, a quem cabe responsabilizar-se pelas ações
de Ergonomia e a quem o GAE se reportará durante todas as ações. A pontuação da ação
ergonômica é chancelada por esse grupo de suporte. Já o grupo de acompanhamento (GA)
reúne pessoas que têm autoridade técnica no âmbito da(s) ação(ões) em curso.
O eixo operacional tem uma dinâmica específica. O GAE deve ter consciência de
que terá apenas momentos esparsos de reunião com o GS e que devem ser bem aprovei-
tados para o sucesso da ação ergonômica em termos de decisões gerenciais. Da mesma
forma, as reuniões com o GA, mais frequentes, mas em número reduzido, devem, pelo
mesmo motivo de otimização de tempo, estar calcadas em uma produção técnica consis-
tente do GT (por exemplo, relatórios de etapa). Finalmente, não raro ocorre certa presen-
ça múltipla, pois algumas pessoas podem vir a atuar em mais de um desses grupos, caso
muito frequente em organizações de menor porte.
A terceira estrutura é o eixo operacional. A ação ergonômica requer que sejam
formados, nos diversos locais por onde transitar, grupos de foco que participam no
levantamento dos dados e na validação dos diversos momentos de análise mais localizada.
Forma-se assim um eixo participativo que constitui o eixo operacional da construção social.

Figura 1.3: Articulações na construção social


40 Ergonomia ELSEVIER

A condição necessária e suficiente é a articulação dos planos estratégicos e ope-


racional em torno do grupo de ação ergonômica, formando, assim, um interessante dis-
positivo de interações. A equipe de Ergonomia poderá dialogar com as pessoas de dife-
rentes níveis e posições envolvidas no processo tendo como assunto as representações
existentes sobre a situação de trabalho dos diferentes interlocutores (como se trabalha),
tematizando alguns temas (gargalos, desconfortos, poluição) e tratando de alguns tópi-
cos (espaço, ambiente, mobiliário, equipamento). Durante esse processo, a visão dessas
pessoas deve ser confrontada com as análises feitas pela equipe (Figura 1.3).
Esse dispositivo participativo permite que a objetividade e o consenso prevaleçam
sobre a subjetividade e as opiniões dos analistas e das pessoas que trabalham na organi-
zação, e nisso consiste esse poder do método. Uma segunda vantagem que essa constru-
ção apresenta advém do fato de que os diversos níveis envolvidos na ação ergonômica
criam ligações por meio da organização formal, o que contribui muito para uma gestão
eficaz das mudanças. Por fim, adiantemos que a construção social é o modelo subjacente
ao funcionamento de todos os grupos na empresa, por constituir uma forma estruturada
da essência das ações em Ergonomia na empresa.

1.2.2. A visão de futuro da Ergonomia numa empresa


A visão de futuro é a compreensão dos fatores que afetam a organização, seu
ecossistema e o ambiente externo no curto e no longo prazo, visando a sua pereni-
zação. Como qualquer sistema organizacional, a Ergonomia deve ser planejada em
um horizonte de tempo e segundo uma linha de apuração de custos e benefícios que
se estabelece com base nesse horizonte. Assim a Ergonomia da empresa deve estar
assentada no futuro, para que se evite limitar o teor dos programas a uma atuação
imediatista, reativa, corretiva e, em geral, mais dispendiosa. A partir dos problemas
mais amplos do negócio – concorrência e mercados, qualidade e produtividade, ca-
pacidade e gargalos, acidentes e doenças etc. – pode-se eleger quais deles serão en-
caminhados ao longo de um dado período de tempo, o horizonte de planejamento.
Seja o que venha a prevalecer nessa eleição de temas, a perspectiva da Ergonomia é
a de atuar no presente para assegurar a eliminação dos problemas de produção no
presente e no futuro, razão pela qual a Ergonomia se insere como uma disciplina no
campo da sustentabilidade.
A equipe de Ergonomia deverá adicionar às perguntas anteriormente formuladas
as seguintes: em que estágio me encontro – iniciante, mediano ou consolidado? O que
quero ser (e onde quero estar) quando “crescer”? Essas singelas colocações devem ser
respondidas tanto de forma sonhadora como realística. Não esqueçamos da principal re-
gra da criatividade: planejar o ideal e somente depois pensar nas restrições. Para tanto, a
equipe deve ter como objetivos mínimos participar de todas as decisões de mudanças de
Capítulo 1 | Ergonomia na empresa 41

espaço, de adequação ambiental, de compra de equipamento e de mobiliário, bem como


estabelecer um processo contínuo de autocapacitação para fazer anotações ergonômicas
nos projetos de inovação da empresa.
A ferramenta aqui é a avaliação da maturidade ergonômica, que permite traçar
um plano de desenvolvimento da função Ergonomia na empresa (driven ergonomic jour-
neys).

Maturidade ergonômica
A maturidade ergonômica pode ser definida de forma intuitiva como o grau de
desenvolvimento de uma organização em termos de Ergonomia nos seus processos in-
ternos. A maturidade produz diferentes apreciações acerca da serventia das ações ergo-
nômicas. As empresas que operam no Brasil têm incorporado a Ergonomia de diferentes
maneiras, em função de suas conjunturas (Vidal, 2006). Para uns a Ergonomia é uma
forma consequente na localização de oportunidades de melhoria conquanto para outros
não passa de um gasto desnecessário. O uso do modelo de Maturidade Ergonômica da
empresa permite manter a primeira linha e implica no desenvolvimento integrado de
métodos de mapeamento (ver Capítulo 16) e de estabelecimento do quadro de relacio-
namentos críticos (ver construção social, próxima caixa).
O sucesso da Ergonomia passa por um equilíbrio entre a sustentabilidade corpo-
rativa, e do subtema da dignidade no trabalho, ou seja, como estão combinadas, na orga-
nização, a ética do empreendedorismo e a cultura de disciplina. A esses fatores devemos
agregar o grau de desenvolvimento das estruturas de Ergonomia na empresa (próximo
item deste capítulo). O grau de maturidade em Ergonomia se constitui na avaliação tri-
dimensional (Figura 1.4 e Quadro 1.1).

Figura 1.4: Modelo simbólico de maturidade


42 Ergonomia ELSEVIER

Assim é que, entendendo o grau de maturidade da empresa em que se atue e


tendo uma clara noção do tipo de atuação ergonômica e sua construção social condi-
zente, o ergonomista certamente produzirá efeitos úteis, práticos e aplicados nas situa-
ções de trabalho, promovendo ainda uma importante contribuição à cultura da empre-
sa e por meio disso, nos valores econômicos, financeiros e sociais do negócio. Essa é a
razão pela qual a Ergonomia é, definitivamente, uma disciplina a ser incorporada no
campo da gestão e da busca eficaz da sustentabilidade de negócios e corporações. Uma
intervenção ergonomica pode parecer ser uma mera atuação técnica simples. Mas, em
geral, não é.

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de uma organização

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EiVLFDVGLULJLGDVDRV VHJXUDQoDGH )DFLOLWDGRUHV
stakeholders VLVWHPDVFRPSOH[RV
Capítulo 1 | Ergonomia na empresa 43

(VWDEHOHFLPHQWR ([LVWrQFLDGH BenchmarkingSDUD  8VRGH


GHSUiWLFDGH GLUHWUL]HVJHUDLV JHVWmRGHPXGDQoDV 5HVSRQVDELOLGDGH benchmarking
benchmarking FRQVROLGDGDV VRFLDODOpPGD
SDUD HGLUHWUL]HV FRQIRUPLGDGHOHJDO
LPSODQWDomRGH GH(UJRQRPLD ,QWHJUDomR 6LVWHPD 7UHLQDPHQWR
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SURMHWRGRSURGXWRHGR 662FRPDXGLWRULD
SURFHVVR H[WHUQD
2ULHQWDo}HV 3URMHWRVHP &RPLWrVORFDLV
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GH5HSHUWyULRGH (UJRQRPLDHP HPJHVWmRGH GHUHVSRQVDELOLGDGH DFXPXODGD
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HODERUDGDVGLULJLGDV VHJXUDQoDGH H[FHOrQFLD
DRVstakeholders VLVWHPDVFRPSOH[RV FDWiOLVH

Fonte: Vidal et al. (2009).

1.2.3. Os valores da Ergonomia


É fundamental que a função de Ergonomia na empresa, reconhecida em sua mis-
são e visão de futuro, tenha uma boa definição do que seja seu modo de agir. Nesse
âmbito, os valores das empresas, o que é respeitado e admirado naquela cultura organi-
zacional é uma percepção de suma importância. Por exemplo, se uma empresa cultua o
rito de reuniões meticulosamente organizadas é assim que a Ergonomia deve fazer suas
atuações junto à direção da empresa. Por outro lado, se identificar um fato negativo
como o excesso de autoritarismo, a Ergonomia deverá agir no sentido contrário e buscar
ser um canal de dialogo e de construção coletiva de um clima organizacional menos ten-
so. Seja como for, a equipe de Ergonomia se pauta por dois princípios:
i) sempre emitir juízos a partir do exame da situação de trabalho; e
ii) realizar tal análise sempre levando em conta a visão do operador.
A nova pergunta que se adiciona à lista que estamos formando é: o que é impor-
tante por aqui? A equipe de Ergonomia deve ter isso muito claro em sua constituição
estratégica, dado que seu tema (o trabalho) e sua proposta (mudança para melhor) já são
suficientemente problemáticos para tentar evitar que se criem novas zonas de conflito.
Para tanto a equipe, internamente deve corresponder a essa pergunta com duas outras:
a) como fazemos nossos trabalhos? e b) qual nosso estilo de trabalhar? Esse casamento
é de extrema importância e a ferramenta que é preconizada para sua implementação é a
Habilidade Facilitadora.
44 Ergonomia ELSEVIER

Habilidades facilitadoras
Conceitualmente a ação ergonômica significa a identificação de oportunidades
de melhoria sociotécnica das situações de trabalho e os decorrentes delineamentos par-
ticipativos de soluções. Para viabilizar as melhorias assim indicadas, a ação supõe pro-
cessos participativos cujos requisitos derivam da existência e o competente manuseio
de conteúdos com vistas ao projeto participativo dessas melhorias. Hendrick e Kleiner
(2006) nos ensinam que o agente de mudança precisa incorporar habilidades adicionais
às práticas que lhe permitam apontar problemas no relacionamento com as interfaces
humano-máquina e humano-organizacional que constituem o aspecto técnico da Er-
gonomia. Esses suplementos incluem habilidades de facilitação. O problema é que os
tópicos referentes à facilitação não são regularmente cobertos em programas tradicionais
de Ergonomia ou somente são feitos muito superficialmente. Tais habilidades facilita-
doras são diferentes classes de comportamentos sociais para lidar com as demandas das
interações sociais específicas existentes no contexto da Ação Ergonômica, possibilitando
elementos essenciais ao seu sucesso.
Na prática, isso significa dizer que para encetar uma ação ergonômica com suces-
so é preciso interagir, conversar, dialogar com os trabalhadores na situação de trabalho
e desde o ponto de vista da atividade que estes realizam para cumprir as tarefas que lhe
são atribuídas. Um dos valores da Ergonomia é o respeito ao operador como especialista
de sua atividade e isso significa que o projeto de melhoria depende de forma sine qua
non que os trabalhadores propiciem aos projetistas detalhes relevantes de suas estratégias
regulatórias, que produzam falas sobre o trabalho e desde o lugar do trabalho, ou seja,
deve-se ensejar a emergência de falas operativas dos trabalhadores. Para tanto, é essen-
cial que os agentes de Ergonomia na empresa saibam aproximar-se do grupo de traba-
lhadores, apresentar-se, estabelecer um laço relacional satisfatório. Essas são condições
minimamente necessárias para o engajamento do diálogo situado (Bonfatti; Vidal, 2004).
Tais interações sociais não se dão ao acaso, são regidas por normas e padrões com-
portamentais culturais, bem como estão sujeitas a situações contextuais específicas. Del
Prette e Del Prette (2004) organizaram uma tabela taxonômica de habilidades sociais res-
saltando que o fato de as pessoas as desenvolverem fornece condições, para um desem-
penho socialmente competente. Essas habilidades sociais (HS) foram agrupadas por eles
em seis grandes blocos: 1) HS de comunicação; 2) HS assertivas, de direito e cidadania;
3) HS empáticas; 4) HS de expressão de sentimento positivo; 5) HS de civilidade; e 6) HS
de trabalho. A divisão apresentada auxilia no levantamento dos possíveis comportamen-
tos qualificadores das pessoas socialmente competentes. Destas os estudos realizados
pelo Gente/COPPE (Guizze; Vidal, 2006) destacam que o domínio de certas habilidades
sociais seja prevalente para a atuação em Ergonomia. São elas: a) HS de Comunicação
(Gratificar, Fazer e Responder perguntas, Dar Feedback, Pedir Feedback, Iniciar, Manter
e Encerrar Conversação); b) HS Empáticas (Parafrasear, Refletir sentimentos, Expressar
Capítulo 1 | Ergonomia na empresa 45

apoio); c) HS de Trabalho (Falar em público, Resolver problemas, Tomar decisões e me-


diar conflitos e Coordenar grupos).
Um programa de treinamento em habilidades facilitadoras pode ser planejado
para ser desenvolvido em sessões, com atividades teóricas e práticas. A parte teórica
é constituída de exposições dialogadas, complementadas por atividades realizadas em
grupo. Na parte prática são utilizadas vivências, com arranjos de situações para desem-
penhos de prováveis papéis de serem requeridos aos participantes no período de atuação
em uma empresa. Em algumas sessões se aplicam procedimentos derivados de técnicas
próprias da área de THS, como ensaio comportamental, modelação, feedback, instrução
etc.
Os contornos de um programa mínimo de HF para os praticantes de Ergonomia
estruturado em três módulos são os seguintes:
Módulo 1: Habilidades sociais básicas tais como: escutar, observar, dar e receber re-
troalimentação, e em componentes não verbais do comportamento social, como volume
da fala, contato visual etc.
Módulo 2: habilidades sociais específicas, como: HS Empáticas, HS de Comunica-
ção e HS de Trabalho.
Módulo 3: habilidades facilitadoras: habilidades sociais combinadas com conheci-
mentos acerca de teoria de sistemas, de projeto de sistemas de trabalho, de teoria organi-
zacional, bem como seus usos para a facilitação dialógica da ação ergonômica.

1.2.4. Os padrões de Ergonomia


A missão, visão de futuro e os valores, se permitem definir uma orientação essen-
cial, um ideário, uma doutrina com respeito à Ergonomia na empresa, por outro lado ca-
recem de uma referência que a materialize num certo nível de desempenho. A noção de
padrões e conceitos aparece nesse momento e ela se articula com as tarefas que a equipe
deverá realizar para formatar sua estratégia.
A pergunta que aparece, agora, é: qual a referência, que exemplos devemos seguir
para apresentar bons resultados, que sejam importantes para a empresa e para seus cola-
boradores, que promovam o desenvolvimento da maturidade, que aperfeiçoem as intera-
ções de forma a que as melhorias possam acontecer. Essa busca se constitui no elemento
final da fase de planejamento e a ferramenta com que se trabalha é a Antropotecnologia.

Antropotecnologia
O entendimento da ferramenta antropotecnologia requer um entendimento pré-
vio do conceito de macroErgonomia, que é a consideração do entorno da atividade no
nível da organização ou corporação. Como estamos tratando da gestão neste capítulo,
nossas concepções já seriam necessariamente macroergonõmicas.
46 Ergonomia ELSEVIER

MacroErgonomia – As organizações precisam buscar um equilíbrio sociotécnico


entre pessoas, tecnologias e organização A Ergonomia contribui de forma decisiva para
que esse equilíbrio se faça assentado em bases de realismo e do ponto de vista da ati-
vidade das pessoas nas organizações. Esse debate é o fundamento filosófico da crítica
ergonômica ao delineamento de sistemas organizacionais e gerenciais: uma inexplicável
ausência da noção de trabalho, do ponto de vista da atividade na concepção de sistemas,
processos e negócios. A incorporação dos princípios de conforto, eficiência e segurança
como valores da excelência é algo da ordem do dia e o centro da Ergonomia contem-
porânea. Existe uma série de métodos de inspiração macroergonômica. A tônica desses
métodos é a de combinar todas as etapas de um processo de Ergonomia na empresa do
ponto de vista da fase crucial de implementação. O ponto a recomendar é o estabeleci-
mento de sistemáticas que sejam possíveis no contexto de uma organização em particu-
lar. A praticidade no campo macroergonômico estará na boa condução pelo ergonomista
que terá aqui um papel de esclarecedor dos termos de um debate intenso que sempre
aparece quando tratamos de mudanças organizacionais. Assim sendo, ele deverá contra-
por às visões existentes sobre a atividade das pessoas na organização o ponto de vista de
quem esteve em situação real de trabalho. A metodologia AET e a produção de modelos
operantes que possibilita é uma ferramenta extremamente útil nesses casos.
Antropotecnologia – é a combinação de aspectos ergonômicos e macroergonô-
micos envolvidos numa transferência de tecnologia. Os estudos em antropotecnologia
(Wisner, 1995; 1993), mostraram os fracassos, parciais ou totais, de muitas experiências
de transferência de tecnologia, que se traduziram por baixas taxas de utilização dos equi-
pamentos, uma qualidade medíocre dos produtos, inúmeras panes nos equipamentos,
acidentes também frequentes e patologias técnicas diversas.
Tais problemas têm origens das mais diversas, tais como:
UÊ «ÀœLi“>Ãʏˆ}>`œÃÊDÃÊVœ˜`ˆXªiÃÊ}iœ}À?wV>Ã]Ê«œÀÊiÝi“«œ\ÊiviˆÌœÃÊ`œÊVˆ“>ʵÕi˜ÌiÊ
e dos transportes e a qualidade ruim dos meios de transporte;
UÊ >ʈ˜ÃÌ>Lˆˆ`>`iÊ`>Ê`ˆÃÌÀˆLՈXKœÊ`iÊiiÌÀˆVˆ`>`iÆÊ
UÊ `ˆwVՏ`>`iÃÊ`iʜLÌi˜XKœÊ`iÊ«iX>ÃÊ`iÊÀi«œÃˆXKœÆÊ
UÊ «œ‰ÌˆV>ÃÊ`iʓ>˜ÕÌi˜XKœÊˆ˜>`iµÕ>`>ÃÊiÊvœÀ“>XKœÊˆ˜ÃÕwVˆi˜ÌiÊ`œÃÊÌÀ>L>…>`œÀiÃÊ
para o uso e manuseio dos artefatos, mentefatos e sociofatos característicos da
tecnologia transferida;
UÊ `>ÃÊÀi}À>ÃÊiÊ«À?̈V>ÃÊ`iʓiÀV>`œÊV>À>VÌiÀ‰Ã̈V>ÃÆ
UÊ `>ÃÊvœÀ“>ÃÊ`iÊVœ˜ÛiÀÃ>ÊiÊi˜Ìi˜`ˆ“i˜ÌœÃÊ`i˜ÌÀœÊiÊvœÀ>Ê`œÊ«ÀœViÃÜÊ`iÊÌÀ>L>…œ°Ê
Ocorre que os processos de transferência de tecnologia são na maior parte das
vezes apenas parciais. Os equipamentos são importados, mas a organização, os serviços
de manutenção, a formação dos operadores ou técnicos e a documentação que acompa-
nha os dispositivos técnicos é inadequada ou incompleta. O domínio de uma tecnologia
transferida só é possível quando os dispositivos técnicos, a organização do trabalho e
a formação dos trabalhadores sofrem um processo global de reconcepção, que leva em
Capítulo 1 | Ergonomia na empresa 47

consideração as dificuldades locais e os recursos naturais e industriais disponíveis como


trunfos para manter a variabilidade sob controle.
Assim, a capacidade do tecido industrial de adaptar, ajustar ou reparar os equi-
pamentos, bem como de fornecer peças de reposição, a capacidade das instituições de
pesquisa de produzir novos conhecimentos, a competência em gestão, a organização do
trabalho adotada e as competências dos trabalhadores têm um papel central para o do-
mínio das tecnologias transferidas.

)LJXUD&DWHJRULDVGDWUDQVIHUrQFLDGHWHFQRORJLD

Fonte: Wisner (1979 apud Vidal, 2002).

O estudo ergonômico de casos onde a tecnologia somente funciona adequada-


mente no período da partida do equipamento ou unidade, permite esclarecer certos
aspectos complexos na transferência de tecnologia. A partida (start-up) é uma exigência
dos contratos turn-key onde a transferência é considerada realizada após a demonstra-
ção da capacidade de funcionamento dos dispositivos. Uma equipe do país vendedor é
deslocada para o comprador no período de inauguração. Essa equipe é composta por
um pessoal experiente tanto para a operação como para a manutenção, assim como,
eventualmente, o pessoal da equipe de projeto que introduziu algumas modificações
no projeto inicial. É uma equipe de valor, capaz de fazer com que o dispositivo efetiva-
mente funcione. Porém, no dia seguinte do retorno dessa equipe nada mais funciona a
contento, uma vez que o pessoal local, que a substitui, está longe de dispor dos mesmos
saberes teóricos e práticos, mesmo nos casos onde tenha existido um programa sério de
formação e treinamento. A origem desse problema se liga a subestimativas das atividades
cognitivas de controle e de manutenção dos automatismos, das competências requeridas
aos operadores e também à insuficiente conscientização das dificuldades de funciona-
mento ligadas à geografia da implantação, que já discutimos anteriormente. Esses fatos
48 Ergonomia ELSEVIER

explicam porque é melhor reconceber os dispositivos ao invés de transferi-los sem esse


cuidado.
Em geral, a compra de tecnologia é um processo estabelecido nos mais altos es-
calões da empresa ou da organização e a Ergonomia infelizmente não é suficientemente
apreendida nesses espaços de decisão. Em contrapartida, o elevado custo de implantação
de soluções exógenas que não funcionaram a contento é enorme (usinas de lixo, trens
húngaros, sistemas de gestão de prontuários hospitalares etc.) Esses casos têm ocorrido
tanto no setor público como no setor privado.

1.3. As estruturas de Ergonomia na empresa


Fazer com que as diretrizes se materializem requer a existência de estruturas de-
cisórias e operacionais. Isso, por sua vez, remete-nos a uma visão da empresa com essas
conotações. A Figura 1.5 nos mostra o esquema de uma organização. Nela podemos
distinguir quatro grandes categorias com diferentes níveis de influência sobre a prática
da Ergonomia na empresa. Uma estrutura de Ergonomia é, portanto, um segmento da
empresa criado para poder realizar, de forma efetiva, as interações entre os níveis de
decisão e ação na empresa com as finalidades de transformação positiva do processo de
trabalho. Essas estruturas decorrem igualmente da construção social da ação ergonômica
na empresa (item 1.2.1). Em uma forma bastante simplificada, descreveremos cinco es-
truturas de Ergonomia: o grupo de facilitadores, o grupo técnico de Ergonomia, o grupo
de interessados, o comitê de Ergonomia e os grupos externos. Esses grupos deverão ser
objeto de treinamentos em conteúdos básicos em Ergonomia (conscientização), em temas
estratégicos de Ergonomia na empresa (sensibilização), assim como em campos operati-
vos voltados à atuação que deles se deva esperar (ver Capítulo 5, item 5.3.1.3).

)LJXUD(VTXHPDGHRUJDQL]DomRtop-down

1.3.1. O grupo de facilitadores


Uma ação ergonômica significa o exame de uma situação, o projeto de mudanças
e a implementação desse projeto. A Ergonomia somente existe com base nesse tripé e
que está voltado para uma atuação localizada ou situada. No entanto, não é tão simples
quanto pode parecer a realização de um exame, a realização do projeto com as avaliações
Capítulo 1 | Ergonomia na empresa 49

de alternativas e uma série de outras decisões que devem ser tomadas ao longo de seu
desenvolvimento e aprovação final. Nessa mesma linha de raciocínio, constata-se que
muitos projetos enfrentam inúmeras dificuldades de ser colocados em prática por falta
de preparação dos lugares, de participação e de conscientização das pessoas, ou ainda
enfrentam diversos tipos de resistência ás mudanças. Portanto, o grupo de facilitadores
deve ser composto por pessoas distribuídas “geograficamente” por toda a organização, de
forma que cada área ou setor da empresa tenha um facilitador das ações de Ergonomia,
recrutados entre colaboradores dos níveis táticos e operacionais.
A função da facilitação é dupla: por um lado, adiantar o processo de exame da
situação pela coleta e registro de queixas, desconformidades e problemas de diversas or-
dens que, a princípio, caibam no escopo de uma ação ergonômica; por outro lado, deve
ajudar o contato de outras estruturas com os integrantes e responsáveis do lugar onde as
situações estão, preparando o pessoal para a realização dos exames e da participação no
projeto de mudanças e fornecendo suporte para a implementação do projeto finalmente
definido.
O grupo de facilitadores requer um treinamento muito especial e diferenciado.
Ele compreende um módulo básico em Ergonomia, acrescido de treinamentos específi-
cos em facilitação, ou seja, a preparação da chegada da equipe de Ergonomia numa área
ou setor específico da empresa. A duração desse treinamento varia entre 12 e 24 horas
em função da conjuntura e porte da empresa. Regularmente a empresa deve promover
sessões de realinhamento para equalizar a atuação dos diversos facilitadores e mantê-los
em dia com os avanços da disciplina e da prática da Ergonomia.

1.3.2. O grupo técnico de Ergonomia


Trata-se da contrapartida do grupo de facilitadores no nível do staff da empresa e
aqui veremos sua composição integrada por componentes dos níveis estratégicos e táticos
da empresa. Nesse grupo iremos encontrar os especialistas ou especializados em Ergono-
mia da organização, mas, igualmente, cargos e funções muito próximas como engenharia
industrial, medicina do trabalho, engenharia de segurança. O grupo de facilitadores deve
estar organizado em rede com esse grupo técnico. Assim sendo, entenderemos uma ação
em Ergonomia como uma atuação desse GT auxiliada por algum facilitador.
A função do grupo técnico é definir os conteúdos das ações, realizar a coleta e tra-
tamento das informações gerenciais de acompanhamento dessas ações, gerenciar contratos
de prestação de serviços em Ergonomia e assim por diante. Com essa dupla característica
técnica e gerencial caberá ao GT delinear planos de desenvolvimento da Ergonomia na
empresa, estimar os recursos necessários e estabelecer as metas da Ergonomia enquanto
resultados a alcançar com a realização dos planos e aplicação dos recursos orçados.
O treinamento desse grupo é bastante específico, por reunir especialistas que de-
vem ter sido formados em cursos acreditados de pós-graduação lato sensu, assim como
50 Ergonomia ELSEVIER

treinamento básico e avançado em Ergonomia para os cargos e funções mais próximas


como Medicina do Trabalho e Engenharia de Segurança. Nas empresas de maior porte,
devem ter sido contemplados com treinamentos dentro da cultura de gestão que a orga-
nização pratica regularmente. Por outro lado o grupo, no todo ou em parte, deve inscre-
ver em seu programa a participação em eventos assim como o intercâmbio entre empre-
sas que pratiquem a Ergonomia num nível considerado interessante para a organização.

1.3.3. Os grupos de interessados


Esse grupo é formado por dirigentes de áreas e setores que se beneficiam dire-
tamente dos resultados, ou ainda por aqueles cuja responsabilidade dos problemas de
ausência de Ergonomia lhe caibam de forma clara. Sua composição pode variar de uma
organização a outra. Em uma empresa do setor de petróleo que se modernizava, estavam
nesse grupo o gerente de novos projetos, assim como o gerente de automação, dado que
se tratava de fazer progredir os sistemas de controle da filosofia analógica (mais clássica)
para controle distribuído (à época uma inovação tecnológica). Noutra empresa, o dono
do projeto de mudanças era o gerente de tecnologia da informação – por se tratar de
uma mudança do tipo de software empregado – mas a previsão de rotatividade acabou
inserindo no grupo de acompanhantes a Gerência de Recursos Humanos. Esta acabou
influindo no projeto da situação de trabalho ao mostrar a importância de uma estrutura
de treinamento que não constava no escopo original do projeto.
A função desse grupo é participar das ações ergonômicas na empresa aportando
ao grupo técnico elementos de sua competência e domínio e, por esse viés, contribuindo
para o gerenciamento ágil do projeto de mudanças em tela. Uma característica impor-
tante desse grupo é que não se trata de um grupo permanente, pois existe apenas no
contexto da realização da ação.
Pelas razões e características que exibe, esse grupo de treinamento se orienta mais
para os temas de sensibilização, entremeados por pitadas de metodologia típica de estudo
e projeto ergonômico, para que essas pessoas compreendam a forma como o grupo técnico
atua, assim como bem assimilar o trabalho dos facilitadores, realizado em sua área de res-
ponsabilidade, executado por profissional que lhe é subordinado e apontando problemas
cujo encaminhamento não ficará sobre seu controle. Nesses treinamentos o grupo técnico
deverá aportar experiências em outras empresas, como fator de sensibilização.

1.3.4. O comitê de Ergonomia


Esse grupo, apesar do nome que ostenta, não é formado por profissionais de Ergo-
nomia (muitas empresas já incorreram nesse erro), mas sim por gestores da empresa. De
acordo com o conceito de construção social já exposto, é essencialmente formado pelo
suporte às ações, com poder de decisão quanto aos investimentos em Ergonomia assim
como com autoridade para resolver conflitos e realinhar os pontos de vista em prol da
Capítulo 1 | Ergonomia na empresa 51

efetividade a que a Ergonomia pode e deve contribuir. Interlocutores qualificados dos


grupos de interesse e do grupo técnico podem vir a participar do comitê, porém, com
atribuições bem definidas, os primeiros para contribuir coma visão do gerenciamento de
suas áreas (por exemplo, acerca da oportunidade mais adequada para uma implantação
mais demorada) e os segundos para trazer ou justificar a necessidade de estudos de Er-
gonomia que esclareçam os termos de um debate que se estabeleça no comitê.
A função precípua do comitê é a formulação de políticas e de estratégias de Ergonomia
na empresa. Ou seja, aprovar planos, prover os recursos e cobrar resultados da Ergonomia.
Pode-se entender essa função como a estrutura superior a que se reporta o grupo técnico.
O treinamento para o comitê de Ergonomia deve enfatizar conteúdos de sensibili-
zação e é requisito sine qua non para seu bom funcionamento, já que uma decisão sobre
Ergonomia necessariamente repercute na empresa como um todo. O tema da Economia
da Ergonomia (Capítulo 4) é peça fundamental nesse treinamento.

1.3.5. Grupos externos


Por uma questão de logística, para muitas empresas a existência de uma estrutura
completa ou ideal de Ergonomia pode ser inviável. E mesmo em empresas de gran-
de porte, o aporte externo de consultorias é em geral uma prática de excelência. Uma
consultoria, por sua própria natureza sempre trará para a empresa alguma visão do que
ocorre fora de seus domínios. Nesse sentido, funciona como instrumento de oxigenação
para as estruturas e diretrizes da empresa.
A seleção e contratação de grupos externos para o apoio da Ergonomia na empresa
é matéria de alta expertise e cujo debate excede o escopo desta obra. Chamaremos aten-
ção sobre alguns pontos coerentes com a intenção deste livro:
a) Não é possível a contratação de um grupo externo que substitua as estruturas aci-
ma caracterizadas. A empresa, mesmo pequena, deve dispor de ocupação de seu
pessoal em Ergonomia, ainda que seja parcial. Os agentes externos necessitarão
de facilitação e jamais poderão decidir pelos investimentos da empresa. E, natu-
ralmente sem o grupo de interessados, nada se faz em Ergonomia, até mesmo em
uma pequena empresa familiar.
b) Um grupo externo pode ate vir a desenvolver boas relações com a organização,
mas sua existência é circunstancial e com data de validade, o que significa que a
organização de estar consciente ao delegar funções e exigir resultados ou com-
portamentos não claramente definidos no contrato. Muitas empresas confundem
o serviço prestado com a cessão do pessoal que presta esse serviço na empresa, o
que é uma fonte evitável de conflitos.
c) Como qualquer fornecedor, o grupo externo deverá ter sua atuação fiscalizada pela
empresa, o que significa que não apenas basta contratar, mas dotar-se de uma siste-
mática de contratação e de acompanhamento que assegure os resultados desejados.
52 Ergonomia ELSEVIER

d) Por fim, a melhor contratação de um grupo externo é aquela que ajude a empresa
a definir os caminhos da Ergonomia, de forma planejada, metódica e consistente.
Apesar dos imensos ganhos que isso resulta, poucas empresas assim procedem.
Bem, é a mesma dificuldade que enfrentam os profissionais de manutenção, saúde
ou finanças quando falam em atitude preventiva...

1.4. Enfim..
Este é o primeiro capítulo do primeiro módulo de um curso de Ergonomia para en-
genheiros de produção. Procurou-se dar ao estudante uma visão abrangente da atuação da
Ergonomia na empresa, em suas diretrizes e estruturas, até porque o engenheiro de produ-
ção lidará com a Ergonomia de forma mais gerencial. Para uma atuação mais competente
nessa área, o engenheiro de produção deverá, para fazer a ponte entre a argumentação e a
realização de projetos, entender as bases conceituais e metodológicas da prática contem-
porânea da Ergonomia. Esses temas comporão o segundo e o terceiro módulo desta obra.
No caso de uma opção específica, mais especialista, isso envolve uma capacitação
ainda mais especializada, o que está além do escopo desta obra.

1.5. Página escolar


Referências
BONFATTI, R. J. Bases conceituais para o encaminhamento das interações necessárias à
análise ergonômica do trabalho, Rio de Janeiro: COPPE/UFRJ, Tese de doutorado, 2004
(Orientador M. C. VIDAL)
HENDRICK, H.; KLEINER, P. MacroErgonomia. Rio de Janeiro: EVC, 2006.
VIDAL, M. C. Ergonomia na empresa: útil, prática e aplicada. Rio de Janeiro: EVC, 2002.
______. Guia para análise ergonômica do trabalho na empresa. Rio de Janeiro: EVC, 2003.
VIDAL, M. C., BONFATTI, R. J. Conversational Action: an Ergonomic Approach to Inter-
naction In: Grant P. – Rethinking com municative interaction ed. Amsterdam: John Benjamin
Publishing Company, 2003, p. 108-120.
VIDAL, M. C., AVANCINNI F. & CAMPOS L. E. P. Antropotecnology of ergonomics pro-
grams in Brazil. Proceedings of the XVI Triennial Congress of the IEA, Maastricht, 2006
VIDAL, M. C., CAMPOS, L. E. P. e GUIZE, C. L. C. Consulting Management in Ergonomics
Proceedings of the IXth International Symposium on Human Factors in Organizational
design and Management, Guaruja, Brazil, 2008.
VIDAL, M. C., GUIZZE C. L., BONFATTI, R. J., MAFRA, J. R., SANTOS, M. S. The ergo-
nomic maturity of a company enhancing the effectiveness of ergonomic process. Proceedings
of the XVII Triennial Congress of the IEA, Beijing, 2009.
WISNER, A. Réflexions sur l'ergonomie (1962 – 1995), Octares, Toulouse, 1995.
Capítulo

2 Legislação em saúde e
segurança no trabalho
Paulo Antonio Barros Oliveira, Dr. – UFRGS

Conceitos apresentados
Neste capítulo apresentamos os principais itens que tratam das normas bra-
sileiras de Segurança e Saúde no Trabalho (SST). O principal conceito é de que as
normas existem para parametrizar a produção das coisas e serviços de maneira que
a produção seja eficiente, com qualidade e efetividade, mas sem produzir ao mesmo
tempo acidentados e doentes.
Quando há atividade de trabalhadores, há a obrigação de cumprir as normas
de saúde, higiene e segurança, e a elas estão sujeitos os empregadores, seus técnicos
e empregados. Essas são normas de ordem pública a que estão submetidos todos os
empregadores. Todo o questionamento administrativo ou judicial nessa área exige a
necessidade de apresentação de comprovações, de provas, de fatos. A simples afirma-
ção da empresa de que cumpre com as normas, ou a negativa de que ocorreu uma
infração a elas, sem qualquer tipo de prova, não prospera. No âmbito do Direito do
Trabalho brasileiro, há o princípio jurídico da primazia da realidade que alicerça as
normas de proteção do trabalho.

2.1. Leis e normas


Todas as atividades realizadas pelas pessoas estão sob o ordenamento e regulação
da legislação e das normas da sociedade onde essas pessoas vivem. No caso do Brasil,
as relações de trabalho da saúde e a segurança, começam com a Constituição Federal
(CF). Essa é a Lei Maior, no sentido de que todas as demais leis e regulamentos são
obrigados a seguir o que a Constituição determina. Na hierarquia das normas, abaixo
da Constituição estão as Leis. Elas são aprovadas pelo Congresso Nacional (Câmara de
Deputados e Senado) e sancionadas pelo Presidente da República. Abaixo das Leis e para
54 Ergonomia ELSEVIER

regulamentá-las existem os Decretos. Eles não podem criar novas obrigações, mas apenas
regulamentar, discriminar melhor as obrigações já existentes em Lei. E para detalhar me-
lhor e regulamentar as Leis e os Decretos existem as Portarias. Normalmente são editadas
pelos Ministros e Secretários de Estado e atendem às especificidades de cada situação,
qualidade ou característica dos temas tratados nas Leis ou nos Decretos.
A importância que o tema saúde e condições de trabalho têm em nosso orde-
namento jurídico é retratada pelo fato de que no art. 7o da Constituição, que trata dos
direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, entre os seus 34 incisos, a maioria dos direi-
tos constitucionais dos trabalhadores ali descritos tem alguma relação direta ou indireta
com a Saúde e a Segurança no Trabalho (SST), e entre esses, pelo menos seis estão mais
relacionados como podemos identificar: duração do trabalho normal não superior a 8
horas diárias e 44 semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada,
mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; jornada de 6 horas para o trabalho
realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva; remunera-
ção do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% à do normal; redução dos
riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; adicio-
nal de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;
proteção em face da automação, na forma da lei; seguro contra acidentes de trabalho, a
cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incor-
rer em dolo ou culpa; e proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores
de 18 e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a
partir de 14 anos.
Para regulamentar esse amplo espectro de direitos dos trabalhadores, as legisla-
ções trabalhista, previdenciária e sanitária vão desdobrar os incisos da constituição em
Leis, Decretos, Portarias e Regulamentos próprios, que definem, em cada uma dessas
competências, os desdobramentos e especificações necessárias.

2.2. Normas trabalhistas


No âmbito trabalhista toda a nossa legislação está assentada no Decreto-Lei
o
n 5.452, de 1943, conhecido como Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Em 1977,
o Capítulo V da CLT, que trata da Segurança e da Medicina do Trabalho, foi modificado,
e é essa versão que disciplina a SST até os dias de hoje. Para especificar o que a Lei trata,
são emitidas Normas Regulamentadoras – as NRs – que especificam e detalham os as-
suntos e os temas tratados na CLT. Hoje, os ambientes de trabalho estão sob a égide de
33 NRs, cada uma tratando de um tópico importante para a área.
As 33 (trinta e três) NRs são as seguintes: NR 1 Disposições Gerais; NR 2 Inspe-
ção Prévia; NR 3 Embargo ou Interdição; NR 4 Serviço Especializado de Engenharia de
Segurança e Medicina do Trabalho; NR 5 Comissão Interna de Prevenção de Acidentes;
NR 6 Equipamento de Proteção Individual; NR 7 Programa de Controle Médico e Saúde
Capítulo 2 | Legislação em saúde e segurança no trabalho 55

Ocupacional; NR 8 Edificações; NR 9 Programa de Prevenção de Risco Ambiental; NR 10


Instalações e Serviços em Eletricidade; NR 11 Transporte, Movimentação, Armazenagem
e Manuseio de Materiais; NR 12 Máquinas e Equipamentos; NR 13 Caldeiras e Vasos de
Pressão; NR 14 Fornos; NR 15 Atividades Insalubres; NR 16 Atividades Perigosas; NR
17 Ergonomia; NR 18 Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Cons-
trução; NR 19 Explosivos; NR 20 Líquidos Combustíveis e Inflamáveis; NR 21 Trabalho
a Céu Aberto; NR 22 Trabalhos Subterrâneos; NR 23 Proteção contra Incêndios; NR 24
Condições Sanitárias e de Conforto nos Locais de Trabalho; NR 25 Resíduos Industriais;
NR 26 Sinalização de Segurança; NR 27 Registro Profissional do Técnico de Segurança
do Trabalho (revogada); NR 28 Fiscalização e Penalidades; NR 29 Segurança e Saúde no
Trabalho Portuário; NR 30 Segurança e Saúde no Trabalho Aquaviário; NR 31 Segurança
e Saúde no Trabalho na Agricultura, Pecuária, Silvicultura, Exploração Florestal e Aqui-
cultura; NR 32 Segurança e Saúde no Trabalho em Serviços de Saúde; e NR 33 Segurança
e Saúde nos Trabalhos em Espaços Confinados. Vamos tratar mais especificamente das
principais.
A NR 1 trata das DISPOSIÇÕES GERAIS, como a obrigação dos empregadores de
cumprir e fazer cumprir as disposições legais e regulamentares sobre segurança e medi-
cina do trabalho, de elaborar ordens de serviço sobre SST, informar aos trabalhadores os
riscos profissionais, os meios de prevenir, os resultados dos exames médicos e avaliações
ambientais, e permitir que representantes dos trabalhadores acompanhem as fiscaliza-
ções. Os trabalhadores são obrigados a cumprir as disposições legais e regulamentares
sobre SST, usar o Equipamento de Proteção fornecido, submeter-se aos exames médicos,
e colaborar com a empresa na aplicação das NRs.
A NR 2 trata da obrigação das empresas de notificarem ao Ministério do Trabalho
e Emprego (MTE) várias informações antes de entrarem em funcionamento. Entre estas,
a data provável de início de operações, número previsto de empregados, processo produ-
tivo. Cabe ao MTE, a vista das informações e definições de prioridades, realizar ou não
uma inspeção prévia e incluir a nova empresa em sua programação anual de atividades.
A NR 3 é muito importante. Ela trata do direito do Estado, quando em condições
de risco grave e iminente à saúde ou à segurança dos trabalhadores, promover EMBAR-
GO ou INTERDIÇÃO das atividades da empresa onde a situação de risco foi identificada.
Define-se como Interdição a paralisação total ou parcial do estabelecimento, setor de
serviço, máquina ou equipamento, e Embargo, à paralisação total ou parcial de obra.
Nessas situações o Agente da Inspeção Federal do Trabalho (denominado Auditor Fiscal
do Trabalho – AFT) elabora laudo técnico onde tal situação é identificada e explicitada
à autoridade regional do trabalho, denominada Superintendente Regional do Trabalho,
que emite o Termo de Interdição ou Embargo. A partir da ciência de uma interdição ou
embargo, a empresa tem a obrigação de obedecê-la, sob pena de responder por deso-
bediência e indiciamento penal cabível em processo sob a responsabilidade da Polícia
Federal, além dos enquadramentos cíveis e indenizatórios possíveis.
56 Ergonomia ELSEVIER

A NR 4 trata do SERVIÇO ESPECIALIZADO DE ENGENHARIA DE SEGURAN-


ÇA E MEDICINA DO TRABALHO – SESMT, que tem a finalidade de promover a saúde e
proteger a integridade do trabalhador no local de trabalho. É composto por Engenheiros
de Segurança, Médicos e Enfermeiros do Trabalho, de Técnicos de Segurança e de Enfer-
magem do Trabalho. Seu dimensionamento depende do cruzamento do grau de risco da
empresa, definido em portaria, com o número de trabalhadores da empresa. Conforme
casos especiais as empresas podem constituir SESMT único ou SESMT coletivos. Nos
casos de terceirização, a empresa contratante deverá estender a assistência de seu SESMT
aos empregados da(s) contratada(s), caso a(s) contratada(s) não se enquadre(m) no qua-
dro de exigências de constituição de seu SESMT próprio. É proibido o desvirtuamento
ou desvio de função do exercício profissional dos profissionais do SESMT. Compete a
estes, entre outras obrigações, aplicar o conhecimento ao ambiente de trabalho a todos os
seus componentes, responsabilizar-se tecnicamente pela orientação quanto ao cumpri-
mento do disposto nessa NR, esclarecer e conscientizar os empregados sobre acidentes
e doenças do trabalho, analisar e registrar em documentos todos os acidentes ocorridos
na empresa.
Outra NR muito importante é a de número 5, mais conhecida como a NR da
COMISSÃO INTERNA DE PREVENÇÃO DE ACIDENTES – CIPA que tem o objetivo de
promover a prevenção de acidentes e doenças decorrentes do trabalho, de modo a tornar
compatível, permanentemente, o trabalho com a preservação da vida e a promoção da
saúde do trabalhador. Ela tem que ser constituída por estabelecimento e mantida em
regular funcionamento em todas as empresas que admitam trabalhadores como empre-
gados. Conforme a atividade empresarial e o número de empregados no estabelecimento,
as atribuições da CIPA devem ser exercidas por uma comissão de trabalhadores que vai
aumentando de tamanho conforme for maior a empresa. Quando o estabelecimento for
pequeno, com número de empregado inferior ao mínimo estabelecido para a constitui-
ção da comissão, o empregador deve designar um trabalhador para exercer as atribuições
da CIPA. Assim, independentemente do tamanho da empresa, sempre deverá existir pelo
menos um trabalhador habilitado e treinado para exercer as atividades de prevenção de
acidentes do trabalho.
A CIPA é composta por representantes dos empregadores e dos trabalhadores
(titulares e suplentes), sendo que os representantes dos trabalhadores são eleitos com
mandato de um ano, permitida uma reeleição, e é vedada a dispensa arbitrária e sem
justa causa de empregado eleito, desde o registro de sua candidatura até um ano após o
final de seu mandato. As atribuições da CIPA são, entre outras, as de identificar os riscos
do processo de trabalho, elaborar o mapa de riscos, com a participação do maior número
de trabalhadores, elaborar plano de trabalho que possibilite a ação preventiva na solução
de problemas, realizar verificações nos ambientes e condições de trabalho visando iden-
tificar as situações que venham a trazer riscos, divulgar aos trabalhadores as informações
relativas à segurança e à saúde no trabalho, participar, com o SESMT, das discussões pro-
Capítulo 2 | Legislação em saúde e segurança no trabalho 57

movidas pelo empregador, para avaliar os impactos de alterações no ambiente e processo


de trabalho relacionados à segurança e saúde dos trabalhadores, colaborar no desenvol-
vimento e implementação de programas de prevenção relacionados, participar, em con-
junto com o SESMT, da análise das causas das doenças e acidentes do trabalho, propor
medidas de solução dos problemas identificados, e promover, anualmente, em conjunto
com o SESMT, a Semana Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho – SIPAT. A
empresa deve promover o treinamento para os membros da CIPA, titulares e suplentes,
com cursos com carga horária mínima de 20 horas, distribuídas em no máximo 8 horas
diárias, e realizado durante o expediente normal da empresa. Sempre que uma ou mais
empresas atuarem em um mesmo estabelecimento, deverão ser definidos mecanismos de
integração e de participação de todos os trabalhadores em relação às decisões das CIPAs
existentes. No caso de terceirizações, a empresa contratante adotará as medidas neces-
sárias para acompanhar o cumprimento pelas empresas contratadas que atuam no seu
estabelecimento, das medidas de segurança e saúde no trabalho.
Uma das NRs mais conhecidas é a NR 6 – EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO IN-
DIVIDUAL (EPI). Trata da obrigatoriedade dos empregadores do fornecimento de prote-
tores aos trabalhadores, de forma gratuita, adequados aos riscos a que estão submetidos e
em perfeito estado de conservação e funcionamento. O fornecimento do EPI é obrigató-
rio: a) sempre que as medidas de ordem geral não ofereçam completa proteção contra os
riscos de acidentes do trabalho ou de doenças profissionais e do trabalho; b) enquanto as
medidas de proteção coletiva estiverem sendo implantadas; ou c) para atender situações
de emergência. Logo, não é correta a utilização dos EPIs como primeira opção, mas sim
na sequência de uma série de outras ações preventivas de caráter coletivo, mais eficazes
na prevenção de acidentes e de doenças do trabalho. Cabe ao empregador adquirir o EPI
adequado ao risco, exigir o seu uso pelo empregado, fornecer somente o aprovado ofi-
cialmente, orientar e treinar sobre o seu uso adequado, substituir imediatamente quando
danificado ou extraviado, responsabilizar-se pela higienização e manutenção periódi-
ca, comunicar irregularidades. Cabe aos empregados, ao mesmo tempo, usar os EPIs,
utilizando-os apenas para a finalidade a que se destinam, responsabilizar-se pela guarda
e conservação, comunicar qualquer alteração que o torne impróprio ao uso, e cumprir as
determinações sobre o uso adequado.
Os cuidados de saúde que as empresas devem oportunizar aos empregados, estão
na NR 7 – PROGRAMA DE CONTROLE MÉDICO E SAÚDE OCUPACIONAL – PCM-
SO, ferramenta de auxílio para que se produzam análises críticas sobre as condições de
saúde dos trabalhadores e o uso dessas informações para a melhoria das condições de
saúde. O PCMSO deve realizar o rastreamento e diagnóstico precoce dos casos de doen-
ças ocupacionais, adotando condutas preventivas, impedindo ou minimizando a gênese
e a progressão de doenças. O PCMSO tem como diretriz: a) ser parte integrante do con-
junto mais amplo de iniciativas da empresa no campo da saúde dos trabalhadores, devendo
estar articulado com o disposto nas demais NRs; b) considerar as questões incidentes sobre
58 Ergonomia ELSEVIER

o indivíduo e a coletividade de trabalhadores, privilegiando o instrumental clínico-epidemio-


lógico na abordagem da relação entre a saúde e o trabalho; e c) ter caráter de prevenção,
rastreamento e diagnóstico precoce dos agravos à saúde relacionados ao trabalho, inclusive de
natureza subclínica, além da constatação da existência de casos de doenças profissionais
ou danos irreversíveis à saúde dos trabalhadores. No desenvolvimento do PCMSO são
realizados os exames médicos admissionais (antes da admissão do trabalhador), periódi-
co (a cada seis meses, um ano ou dois anos, dependendo da insalubridade e do risco nos
locais de trabalho), de retorno ao trabalho (sempre que ocorre afastamento por motivo
de doenças ou acidente, ocupacional ou não, por períodos maiores do que 30 dias), de
mudança de função (quando na nova função há diferença nas condições de trabalho em
relação à função anterior) e demissional (antes da homologação da demissão). Os atesta-
dos médicos de saúde ocupacional sempre devem ser fornecidos em duas vias, sendo a
primeira via fica arquivada no local de trabalho, a disposição da fiscalização e a segunda
via deve sempre ser entregue ao trabalhador.
Uma das mais importantes normas trata da Higiene do Trabalho, conhecida como
PROGRAMA DE PREVENÇÃO DE RISCO AMBIENTAL – NR 9. O PPRA visa a preserva-
ção da saúde e a integridade dos trabalhadores por meio de um adequado mapeamento,
antecipação, reconhecimento e controle de riscos ambientais existentes ou que venham
a existir no ambiente de trabalho. Sua abrangência e profundidade dependem das ca-
racterísticas dos riscos e das necessidades de controle e sua elaboração tem que contar
com a participação dos trabalhadores. Elaborado num DOCUMENTO BASE, com uma
estrutura básica, aborda as estratégias, metodologia, metas e prioridades para controle
dos riscos. O PPRA deve conter em sua estrutura: a) a definição de estratégias e a me-
todologia de ação para a identificação dos riscos, ou seja, com detalhamento de como
estes foram pesquisados e do que deve feito para fins de controle/eliminação dos riscos;
b) estabelecer metas e prioridades para controle dos riscos, ou seja, detalhamento do
que deve ser feito em cada etapa e os objetivos de controle a serem atingidos; e c) um
cronograma anual definindo as ações necessárias para controle dos riscos, indicando
claramente prazos para o desenvolvimento das etapas e cumprimento de metas.
A ANTECIPAÇÃO DOS RISCOS diz respeito à análise de métodos ou proces-
sos de trabalho antes de serem instalados ou trata das modificações neles, quando já
estabelecidos, visando identificar os riscos e introduzir medidas para sua redução ou
eliminação. O RECONHECIMENTO DOS RISCOS refere-se às ações de: a) identificar os
riscos; b) localizar as possíveis fontes geradoras; c) identificar as possíveis trajetórias; d)
identificar as funções e número de trabalhadores expostos; e) caracterizar as atividades e
o tipo de exposição; f) avaliar dados existentes na empresa, indicativos de possíveis com-
prometimentos da saúde decorrentes do trabalho; g) revisar os possíveis danos à saúde
relacionados aos riscos identificados, disponíveis na literatura técnica; e h) descrever as
medidas de controle já existentes.
Capítulo 2 | Legislação em saúde e segurança no trabalho 59

As MEDIDAS DE CONTROLE são prioritárias. O PPRA deve prever como serão


adotadas medidas para eliminação, minimização e controle dos riscos ambientais sempre
que forem detectados riscos potenciais ou evidentes à saúde ou quando, por meio do
controle médico de saúde, ficar evidenciado nexo causal entre as situações de exposição
e danos à saúde. As medidas de controle devem seguir uma hierarquia, privilegiando
as medidas de eliminação/minimização dos riscos relativamente às de simples controle
destes e também as medidas coletivas relativamente às individuais. As MEDIDAS DE
CONTROLE COLETIVAS devem indicar as medidas para eliminação ou redução da
utilização ou a formação de agentes prejudiciais à saúde (por exemplo, troca de matéria-
-prima, de mobiliário, de equipamentos, luminárias, modificação no processo de produ-
ção). Devem também ser previstas a adoção de medidas para prevenir a liberação ou
disseminação desses agentes nos ambientes de trabalho (por exemplo, enclausurar má-
quinas ruidosas) e a redução dos níveis ou concentração desses agentes no ambiente
(por exemplo, ventilação exaustora para os gases produzidos durante a solda). Também
compõe as ações a capacitação e treinamento dos trabalhadores sobre formas de como
devam proteger-se dos riscos, a previsão das possíveis limitações das medidas adotadas,
e os procedimentos para uso de EPI quando necessário e os efeitos à saúde relativamente
às exposições (por exemplo, posturas inadequadas/gestos de risco etc.). Outra atividade
obrigatória no PPRA é a monitoração com avaliações ou medições sistemáticas e repetitivas
dos ambientes, e a análise dos dados que registram a exposição dos trabalhadores, bem como as
medidas de controle adotadas.
A NR 10 – INSTALAÇÕES E SERVIÇOS EM ELETRICIDADE tem como objetivo
garantir a segurança dos trabalhadores em instalações elétricas (em qualquer de suas
fases – geração, transmissão, distribuição e consumo) em suas diversas etapas, incluindo
projeto, execução, operação, manutenção, reforma e ampliação e, ainda, a segurança
de usuários e terceiros. As instalações devem ser planejadas e executadas de modo a
prevenir choque elétrico, espaço suficiente de trabalho, partes não cobertas por material
isolante devem ser isoladas de forma segura, e TODA instalação, máquina, equipamento
ou peça condutora que eventualmente possa ficar sob tensão deve ser aterrada, desde
que acessível a contatos, com blindagem e isolamento, incluindo a tomada de corrente,
extensões, interruptores. É proibida a instalação simultânea de mais de um aparelho na
mesma tomada de corrente.
O TRANSPORTE, MOVIMENTAÇÃO, ARMAZENAGEM E MANUSEIO DE MA-
TERIAIS são normatizados pela NR 11. Nela também estão previstas a operação de ele-
vadores, guindastes e transportadores.
A segurança de MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS é tratada na NR 12. As áreas de
circulação e os espaços em torno das máquinas devem permitir movimentos seguros, e
ter uma distância mínima entre máquinas e equipamentos entre de 60 e 80 cm. As vias
principais de circulação e as que conduzem às saídas devem ter, no mínimo, 1,20 m de
largura, e estar devidamente demarcadas e permanentemente desobstruídas. Os disposi-
60 Ergonomia ELSEVIER

tivos de acionamento, partida e parada não podem estar localizados em zona perigosa da
máquina, não podem permitir o acionamento ou desligamento por outras pessoas que
não o operador, não podem permitir o acionamento involuntariamente pelo operador,
ou de qualquer outra forma acidental, e não podem acarretar riscos adicionais. As trans-
missões de força devem estar enclausuradas ou devidamente isoladas, o movimento deve
estar protegido quando existe risco de ruptura de partes, projeção de peças ou partes,
deve existir proteção contra o lançamento de partículas, os materiais devem oferecer
proteção efetiva, os protetores devem permanecer fixados firmemente ao equipamento
ou piso, e somente podem ser retirados para execução de limpeza, lubrificação, reparo,
e ajustes. Na manutenção e operação os reparos, limpeza, ajustes e inspeção somente
podem ser executados com as máquinas paradas, e por pessoas devidamente credencia-
das pela empresa. Na área de trabalho somente podem permanecer o operador e pessoas
autorizadas.
A NR 15 trata das ATIVIDADES INSALUBRES. O adicional de insalubridade é
devido para quem trabalha em locais onde um limite de tolerância foi excedido (ruído,
ruído de impacto, calor, agentes químicos e poeiras minerais), nas atividades em condi-
ções hiperbáricas, alguns produtos químicos nominados e agentes biológicos, ou com-
provadas por meio de Laudo de Inspeção no local de trabalho constantes nos casos de
radiações não ionizantes, vibrações, frio e umidade. O valor do adicional é de 10, 20 ou
40% do salário-mínimo ou profissional conforme o grau de insalubridade.
A NR 16 trata das ATIVIDADES PERIGOSAS. As operações com inflamáveis, ex-
plosivo, eletricidade e radiações ionizantes conforme condições prescritas nas normas
fazem jus ao recebimento de um adicional de 30% do salário mensal quando o trabalho
é exercido em atividade ou áreas de risco definidos em norma.
A NR 17 é sobre ERGONOMIA. Trata da adaptação das condições de trabalho às
características psicofisiológicas do trabalhador, das condições de trabalho e da Análise
Ergonômica do Trabalho. Especifica condições para o levantamento, transporte e des-
carga individual materiais, para o mobiliário e equipamentos dos postos de trabalho,
condições ambientais de trabalho e a organização do trabalho. Essa norma possui, ainda,
dois anexos, que tratam do checkout de lojas e supermercados e do trabalho em teleaten-
dimento.
A NR 18 trata do controle das condições de trabalho na construção civil, onde há
a necessidade de elaboração de um programa específico para o controle das condições
de trabalho que lhe são próprias, conhecido como Programa de Condições e Meio Am-
biente de Trabalho na Indústria da Construção (PCMAT). Nele devem estar previstas as
medidas de prevenção contra quedas de altura, trabalho em andaimes, uso de cabos de
aço, armações, estruturas de concreto, alvenaria, revestimento, acabamentos, serviços
em telhados, em flutuantes, escavações, fundações, desmonte de rochas, áreas de vivên-
cia dos trabalhadores, comissão de prevenção de acidentes de trabalho, treinamentos
para prevenção de acidentes, incluindo regulamentos técnicos de procedimentos.
Capítulo 2 | Legislação em saúde e segurança no trabalho 61

Outra norma importante é a NR 24, que trata das CONDIÇÕES SANITÁRIAS E


DE CONFORTO NOS LOCAIS DE TRABALHO. Incluem–se as instalações sanitárias
(dimensões, vasos sanitários, chuveiros, mictórios, lavatórios, banheiros, paredes, pisos,
telhas, iluminação, suprimento de água para consumo, asseio e higiene), água potável,
vestiários e alojamentos (armários), refeitórios, cozinhas e demais necessidades de higie-
ne e conforto nos locais de trabalho, incluindo as empresas contratadas e terceirizadas.

2.3. Normas previdenciárias


As normas previdenciárias tratam do acidente e das doenças do trabalho, suas
definições e classificações e as repercussões para o empregador e o trabalhador. A DO-
ENÇA PROFISSIONAL é a doença produzida ou desencadeada pelo exercício do tra-
balho peculiar a determinada atividade e constante da relação. Possui Nexo Causal Pre-
sumido em face da profissão exercida (por exemplo, silicose – sílica no pulmão – em
mineiros). A DOENÇA DO TRABALHO é a doença adquirida ou desencadeada em
função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacionando
diretamente, bem como seja constante de relação emitida pela previdência social (por
exemplo, tendinite na mão ou punho – inflamação em tendões – em digitadores). Ela
não depende da existência de qualificação profissional do trabalhador. Pela legislação
brasileira equiparam-se ao acidente de trabalho: a) a doença profissional; b) a doença do
trabalho; c) a doença endêmica, resultante de exposição ou contato direto determinado
pela natureza do trabalho; d) a doença não incluída na relação da Previdência Social,
resultante das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele relacionada
diretamente; e e) a doença proveniente de contaminação acidental no exercício da ati-
vidade. O reconhecimento do nexo causal entre a doença e o trabalho exige a presença
de uma tríplice relação de causa-efeito entre: I) o trabalho e o acidente; II) o acidente
e a lesão corporal ou a perturbação funcional; e III) a lesão corporal ou a perturbação
funcional e a incapacidade.
A partir de 2007 foi instituído o reconhecimento técnico epidemiológico do
nexo causal (NTEP), que considera estabelecido o nexo entre o trabalho e o agravo
quando se verificar nexo técnico epidemiológico entre a atividade da empresa e a en-
tidade mórbida motivadora da incapacidade, conforme a Classificação Internacional
de Doenças e a Lista de doenças existentes em Anexo do Regulamento da Previdência
Social. Assim, se, por exemplo, uma atividade empresarial tem contribuído muito com
afastamento de trabalhadores portadores de uma doença, como lesões osteomuscu-
lares (conhecidas como LER/DORT), quando chegar na perícia da Previdência Social
um trabalhador portador daquela doença e constar como empregado daquele tipo de
empresa, o sistema vai propor que, até prova em contrário pela empresa, muito prova-
velmente esse trabalhador é portador de doença do trabalho, independentemente da
empresa ter ou não reconhecido o nexo com o trabalho e emitido a respectiva Comu-
nicação de Acidente do Trabalho – a CAT.
62 Ergonomia ELSEVIER

2.4. Normas sanitárias


Do ponto de vista das condições de sanidade e higiene, as empresas também estão
submetidas às obrigações de manter os locais de trabalho e as situações de interesse para
a saúde humana em condições sanitárias condizentes com as normas federais, estaduais
e municipais da Saúde. Essas normas estão sob a égide da Vigilância Sanitária, e dizem
respeito às condições de sanidade dos ambulatórios, cozinhas, refeitórios, alojamentos,
banheiros e sanitários, e demais ambientes de interesse para a saúde. A Vigilância Sanitá-
ria costuma intervir nas empresas quando acontecem surtos de doenças infectocontagio-
sas no coletivo dos trabalhadores. Casos de diarreias coletivas é um exemplo frequente.
Os ambientes de trabalho ainda estão sujeitos a uma série bem ampla de legisla-
ções complementares, como as que dizem respeito às Convenções e Recomendações da
OIT, os Acordos e Convenções Coletivas de Trabalho, a Legislação Ambiental, as Normas
da ABNT, as Normas Internacionais, as Instruções Normativas, Despachos, Pareceres, e
Notas Técnicas.

2.5. Exemplo de fixação: relatório de investigação de acidente fatal


Carlos, 31 anos, brasileiro, casado. Trabalhou até três anos atrás como marinheiro.
Estava desempregado, quando resolveu mudar-se de cidade e de atividade. Foi contra-
tado para trabalhar de servente na fundição como auxiliar de operador de máquina cen-
trifuga. Seis horas depois de começar a trabalhar, no seu primeiro dia no novo emprego,
faleceu após sofrer traumatismo craniano ao ser atingido por uma barra de ferro usada
como extrator, arremessada pela centrífuga.
O acidentado operava máquina centrifuga de fundição. O trabalhador coloca o
molde sobre o mecanismo de centrifugação, posicionando-o e fixando-o adequadamen-
te; fixa uma tampa na extremidade do molde, empregando ferramentas específicas, para
evitar o derramamento do metal; põe a máquina em movimento, acionando chave elétri-
ca fixada próximo à parede, a aproximadamente 2 (dois) metros do posto onde faz essas
operações, para possibilitar a rotação do molde; observa outro profissional verter o metal
fundido no molde, utilizando-se de calha móvel afixada à máquina; aguarda o molde gi-
rar o tempo necessário; desliga a corrente elétrica da máquina, acionando a mesma chave
do acionamento; freia a rotação, acionando uma alavanca que funciona com atrito sobre
o eixo em rotação; retira a tampa do molde e a peça fundida, com a utilização de uma
barra de ferro como extrator; coloca a peça fundida em local determinado, que fica pró-
ximo ao posto de trabalho; reinicia o processo, preparando várias centrífugas, conforme
o determinado pelo volume de serviço e a chefia imediata.
O trabalho reveste-se de características de exigência de grande esforço físico e de
habilidade para operar acionamentos e desligamentos elétricos, resfriamento de metais
fundidos, extração de peças recentemente fundidas; o local‚ de alvenaria tinha piso bem
irregular, sem adequada conservação; não existia levantamento de riscos ambientais por
Capítulo 2 | Legislação em saúde e segurança no trabalho 63

parte da empresa, e nem elaboração do PPRA; a empresa não comprovou que tinha pla-
no operacional de proteção coletiva para os riscos ambientais presentes, bem como não
informa para os trabalhadores os riscos a que eles estão submetidos; não há sinalização
adequada dos riscos.
O início da operação do extrator implica obrigatoriamente o desligamento pré-
vio da máquina centrífuga. Não há como inserir o extrator no cilindro com a máquina
em operação, além do que, para tanto, é necessária a retirada de peças que seguram o
conjunto, e, para isso, faz-se necessária a total parada da centrífuga. O acidentado, com
a máquina parada, iniciou a operação de retirada da peça fundida, inseriu o extrator,
e aí, a máquina entrou em operação, o extrator movimentou-se e atingiu o acidentado
no crânio, próximo da face. O acidentado, pela posição, segura o extrator, que o afasta
da máquina em um sentido. O acionamento normal é feito por uma chave elétrica que
fica a aproximadamente 2 m, indo em direção ao outro sentido da máquina. Todos os
testemunhos afirmaram não existir a presença de outro ser humano nas proximidades.
O relatório técnico concluiu que o acionamento aconteceu por defeito ou desgaste do
sistema elétrico.
Relacione o caso do acidente do trabalho com as boas regras de gestão do trabalho.

2.6. Revisão dos conceitos apresentados


A legislação de saúde e segurança no trabalho tem sentido obrigatório no Brasil.
As empresas não podem alegar desconhecimento das normas para não cumpri-las. Todo
o nosso ordenamento jurídico no âmbito do trabalho tem o fim de determinar que a pro-
dução de bens e serviços deve acontecer sem acrescentar riscos de acidente e de adoeci-
mento dos trabalhadores. O conceito básico que norteia toda a legislação é de que a pro-
dução deve acontecer sem lesão ou adoecimento de quem trabalha. Esse objetivo é que
devemos perseguir na perspectiva de construção de um País moderno, produtivo e mais
justo. Para as empresas e para os trabalhadores. Produzir sim, acidentar e adoecer, não!

2.7. Página escolar


Questões
1) Estabeleca a hierarquia das leis desde a Constituição e até as Portarias.
2) Qual o capitulo da constituição que trata das leis de Súde e Segurança do Trabalho
(SST) na Constituição Brasileira?
3) Quais os prinipais temas abordados na Constituição, em termos de SST?
4) Estabeleça a similaridade e as diferenças entre normas trabalhistas, previdenciá-
rias e sanitárias.
5) Na ponta da língua: quantas normas regulamentadoras trabalhistas estão promulga-
das?
64 Ergonomia ELSEVIER

6) Responda e justifique: qual a norma regulamentadora mais importante?


7) Quais as diferentes formas de doenças de que são acometidos os trabalhadores e
que se equiparam com o acidente do trabalho no âmbito previdenciário?
8) Explique o que vêm a ser NETEP e CAT.
9) O que as chamadas normas sanitárias têm a ver com o trabalho e os trabalhadores?
10) Qual o conceito básico que norteia toda a legislação que trata de saúde e seguran-
ça do trabalho?

Pesquisa na internet
O capítulo mencionou várias passagens de legislação. Busque coletar pelo menos
10 textos que não tenham sido mencionados aqui e leve para a sala de aula (presencial
ou virtual) para compartilhar com seus colegas.

Referências
ABELHA, M. Ação civil pública e meio ambiente. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universi-
tária, 2004.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 40. ed. São Paulo: Saraiva 2007.
(Coleção Saraiva de Legislação).
______. Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2006.
______. Consolidação das Leis Trabalhistas. São Paulo: Saraiva, 2006.
______. Manuais de legislação, segurança e medicina do trabalho. 50 ed. São Paulo: Atlas,
2006.
COSTA, J. F. A responsabilidade jurídico-penal da empresa e dos seus órgãos: ou uma reflexão
sobre a alteridade nas pessoas coletivas, à luz do direito penal, em temas de direito
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GONÇALVES, E. A. Manual de segurança e saúde no trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2006.
MELO, R. S. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador: responsabilidades le-
gais, dano material, dano moral, dano estético, indenização pela perda de uma chance
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ROCHA, D. M.; BALTAZAR JÚNIOR, J. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência
Social. 7. ed. São Paulo: Livraria do Advogado, 2007.
ROCHA, J. C. S. Direito ambiental e meio ambiente do trabalho. São Paulo: LTr, 1997.
Capítulo

3 NR 17:
a norma da Ergonomia
Mario Cesar Vidal, Dr. Ing – PEP/COPPE/UFRJ

Conceitos apresentados
Neste capítulo comentaremos em detalhe cada trecho da NR 17 fazendo suas
conexões com os demais capítulos do livro. Nossos comentários se mesclam ao Ma-
nual de Aplicação da NR 17.

3.1. Uma norma de Ergonomia?


Como vimos no capítulo precedente, o trabalho profissional é alvo de um conjun-
to de dispositivos legais e normativos. No entanto, um deles, em especial, ampara e suge-
re a atividade do ergonomista na empresa ou junto a ela, assessorando-a como consultor:
a NR 17, que tem como denominação Ergonomia. Organizaremos este capítulo em duas
partes. Primeiramente, vamos discutir a NR 17 e sua aplicabilidade nas empresas, segun-
do a ótica da Inspeção Federal do Trabalho, acrescendo-a de nossos comentários. O texto
da norma aparecerá em primeiro plano, sombreado e em corpo menor, seguindo-se de
nossas apreciações em fonte normal. Faremos muitas referências ao Manual de Aplicação
da NR 17, desenvolvido e distribuído pelo MTE desde 2000, e elas aparecerão em itálico.
A NR 17 se divide em três grandes campos: aspectos gerais, temas abordados e
anexos. O primeiro define as finalidades e o escopo da norma. O segundo campo trata
dos cinco tópicos normatizados (cargas, equipamentos, mobiliários, ambiente e organi-
zação). O terceiro campo é constituído por anexos que, embora dirigidos a focos especí-
ficos, agregam extensões e detalhamentos ao texto normativo básico. A NR 17 é também
complementada por algumas notas técnicas de esclarecimento oficial sobre passagens
nebulosas da redação atualmente em vigor.
66 Ergonomia ELSEVIER

3.2. Aspectos gerais


17.1. Esta Norma Regulamentadora visa estabelecer parâmetros que permi-
tam a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológi-
cas dos trabalhadores, de modo a proporcionar um máximo de conforto,
segurança e desempenho eficiente.
O ponto de vista da fiscalização, com o qual concordamos, é que o termo parâ-
metros sugere valores para normalizar aspectos verificáveis em toda e qualquer situação
de trabalho. No histórico dessa norma, isso apenas ocorreu para uma classe de ativida-
des inseridas na categoria profissional dos digitadores, para quem alguns valores mais
precisos foram estabelecidos. O espírito da norma se concentra no estabelecimento de
orientações qualitativas e abrangentes em uma sequência de olhares normativos:
UÊ em primeiro, lugar da adaptação das condições de trabalho às características psi-
cofisiológicas dos trabalhadores;
UÊ em seguida, integrar a esse objetivo critérios de maximização do conforto, segu-
rança e eficiência.
Acrescentaremos, ainda, que o termo psicofisiológico reporta-se à combinação
de fatores fisiológicos e psicológicos na constituição de uma situação de trabalho. Isso
significa que a intenção normativa é a de nunca perder a característica global e holística
em que se constitui uma situação de trabalho. Essa forma de pensar é essencialmente
ergonômica. As bases metodológicas que trataremos na terceira parte deste livro
coadunam-se com essa perspectiva. Uma recomendação é que o ergonomista se reporte
às normas apontadas pelas demais NRs e seus anexos ou, na ausência de parâmetros
normativos brasileiros, usar, de forma adequada, as normas e estudos realizados no
exterior.
17.1.1. As condições de trabalho incluem aspectos relacionados ao levanta-
mento, transporte e descarga de materiais, ao mobiliário, aos equipamentos
e às condições ambientais do posto de trabalho e à própria organização do
trabalho.
A NR 17 trata, portanto, dos seguintes aspectos da atividade de trabalho:
UÊ manuseio de materiais (materials handling) – que é um campo de delineamento
da atividade que pode ser claramente organizado. O critério aqui não deve ser
tanto a carga máxima, mas a ausência de recursos técnicos e organizacionais que
instrumente essa família de tarefas;
UÊ mobiliário – que integra todos os componentes não diretamente operacionais
em um posto de trabalho. Por exemplo, o computador e seus periféricos seriam
componentes operacionais e a mesa e assento seus mobiliários;
UÊ equipamentos – consistindo nos componentes operacionais que mencionamos;
UÊ condições ambientais de trabalho – que aqui não devem se limitar a níveis ge-
néricos, mas em relação à natureza das atividades. O Iluminamento, por exemplo,
deve ser avaliado em termos das quantidades necessárias (em lux), mas igualmen-
Capítulo 3 | NR 17: a norma da Ergonomia 67

te pela forma de distribuição luminosa no ambiente (uma luminária mal posicio-


nada pode gerar os luxes necessários, mas pode também comprometer seriamente
a postura no trabalho);
UÊ a organização do trabalho – que envolve uma série de determinantes da ativida-
de somente passíveis de estabelecimento pela análise Ergonômica do Trabalho. É
esse aspecto, principalmente que confere justeza à denominação da NR 17 como
Ergonomia.
17.1.2. Para avaliar a adaptação das condições de trabalho às características
psicofisiológicas dos trabalhadores, cabe ao empregador realizar a análise
ergonômica do trabalho, devendo a mesma abordar, no mínimo, as con-
dições de trabalho, conforme estabelecido nesta Norma Regulamentadora.
A esse respeito, o Manual de Aplicação da NR 17 do MTE coloca que: esse é o
subitem que mais tem sido mal interpretado. Ele foi colocado para ser usado quando o Auditor
Fiscal do Trabalho (AFT) tivesse dificuldade para entender situações complexas em que fosse
necessária a presença de um ergonomista. Evidentemente, nesse caso, os gastos com a análise
devem ser cobertos pelo empregador. Tem-se pedido análises ergonômicas de uma forma rotinei-
ra e protocolar. Nem mesmo há clareza por parte dos AFT de qual é a demanda para a análise.
Pede-se análise ergonômica de toda a empresa. Não se enfoca nenhum problema específico. Isso
só tem dado margem a que se façam análises grosseiras e superficiais que em nada contribuem
para a melhoria das condições de trabalho. Notificar uma empresa para que “realize análise
ergonômica” sem mencionar o(s) setor(es) nem o por quê do pedido, apenas denota (...) ignorân-
cia. (...) Evidentemente, pedir análise ergonômica sem estar ciente da viabilidade da presença
de um ergonomista sério não resolve os problemas dos trabalhadores. Serve apenas para que o
AFT fique com a sensação de dever cumprido. Infelizmente, tem-se pedido análises ergonômicas
como se pedem laudos de insalubridade.
Conforme veremos, não é sempre que cabe um encaminhamento de Ergonomia
mediante a metodologia de análise ergonômica do trabalho. Tal abordagem, como vere-
mos no Capítulo 5, cabe apenas quando a complexidade, magnitude e porte da correção,
remanejamento ou modernização justifique seu emprego. Cabe acrescentar que a sutil
redação da norma estabelece que quando a AET for solicitada, ela deverá abordar, no
mínimo,1 as condições de trabalho. Isso abre espaço para toda uma série de outras ilações
possíveis como, por exemplo, a questão de relacionamentos e responsabilidades entre
funcionários próprios e de firmas terceiras que trabalhem em coligação. Em suma, cabe a
solicitação de realização de uma análise mais aprofundada em face de questões cuja evi-
denciação, à primeira vista, não seja tão clara. Ressaltemos que a tentativa de contrapor
uma análise mais superficial (e menos dispendiosa) representa um sério questionamento
ao encaminhamento feito pelo auditor fiscal – que será a pessoa que apreciará tal tentati-
va em primeira instância. Em muitos casos isso não tem tido resultado efetivo, a não ser
o de uma despesa inútil.

1
Grifo nosso.
68 Ergonomia ELSEVIER

3.3. Levantamento, transporte e descarga individual de materiais


Esse campo da norma, em seu item 17.1.1, define uma segmentação da mão de
obra segundo gênero (homens e mulheres) e por faixa etária (jovens e veteranos). O
restante tece considerações qualitativas acerca do tema do manuseio humano de cargas
(materials handling). Aqui reside um dos mais graves problemas da NR 17, gerado pelo
choque de interpretações que ela enseja. O art. 198 da CLT define limites de levanta-
mento individual de peso (60 kg para homens e 20 kg para mulheres) e de transporte
individual de carga (40 kg). Acontece que, tanto pela Constituição Federal como por
outros instrumentos legais, existem determinações que impõem à defesa da sanidade nos
locais de trabalho e penalizam a exposição de pessoas à riscos. Exemplo disso é o artigo
132 do Código Penal que classifica como crime expor qualquer pessoa em risco à sua
saúde. Ora, os valores citados na CLT estão bem superiores aos limites recomendados
internacionalmente como parâmetros de segurança e conforto no trabalho. No entanto,
dado que a legislação inferior não pode contrariar a de hierarquia superior... enquanto
não ocorrer mudança na CLT, mesmo que correta a aplicação de parâmetros mais saudáveis,
no nosso sistema jurídico, essa questão continuará sendo motivo de longos e caros procedimentos
judiciais.
A decisão virá a se tornar gerencial, pois o custo de manter a posição contrária a
uma melhoria ergonômica pode custar muito mais caro.
17.2.2. Não deverá ser exigido nem admitido o transporte manual de car-
gas por um trabalhador cujo peso seja suscetível de comprometer sua saú-
de ou sua segurança.
Esse item, em decorrência do anterior, permite que a fiscalização proponha mo-
dificações sempre que for constatado que a atividade está acarretando danos à saúde e à
segurança dos trabalhadores (lombalgias, hérnias de disco, qualquer comprometimento
da coluna vertebral causado por super-esforço), mesmo quando respeitados os limites
preconizados pela CLT. Uma equipe de Ergonomia que combine competências das áreas
técnicas e da saúde é perfeitamente capaz de apontar esses tipos de problemas e enca-
minhar sua solução. Como veremos mais adiante, a metodologia da Ergonomia aponta
para o delineamento de projetos de mudanças, Requisitar Ergonomia deve, portanto,
significar a implantação de um projeto que corrija ou faça progredir aquela situação de
trabalho. Qualquer outra possibilidade, como um laudo pericial justificativo, é mera
procrastinação.
17.2.3. Todo o trabalhador designado para o transporte regular de car-
gas, que não as leves, deve receber treinamento ou instruções satisfatórias
quanto aos métodos de trabalho que deverá utilizar com vistas a salvaguar-
dar sua saúde e prevenir acidentes.
Capítulo 3 | NR 17: a norma da Ergonomia 69

A norma aponta claramente para a importância do treinamento para propiciar a


segurança em situações complexas e perigosas. Segundo Oliveira (2000), em várias situa-
ções a ausência da formação dos trabalhadores tem acarretado sérios constrangimentos
aos técnicos responsáveis e às empresas. Esse item coloca subjacentemente, a questão
da formação certificada. A certificação da efetividade do treinamento é uma questão que
deve ser tratada com um cuidado muito particular. Em nossa vida profissional já pude-
mos testemunhar sessões de treinamento extremamente delineadas, como o treinamento
LOFT realizado na Varig (Seixas; Peixoto; Cruz, 2000) assim como outras bastante defi-
cientes como a recepção de equipamento médico-hospitalar (Almeida; Vidal, 1998). O
Capítulo XX deste livro aborda o tema Ergonomia e treinamento.
17.2.4. Com vistas a limitar ou facilitar o transporte manual de cargas de-
verão ser usados meios técnicos apropriados.
É uma competência típica de um ergonomista-engenheiro2 saber especificar esse
tipo de tecnologia.
17.2.5. Quando mulheres e trabalhadores jovens forem designados para o
transporte manual de cargas, o peso máximo destas cargas deverá ser niti-
damente inferior àquele admitido para os homens, para não comprometer
a sua saúde ou sua segurança.
As pesquisas em fatores humanos apontam para uma clara diferenciação entre
grupos humanos. Ainda assim, uma avaliação específica deve ser feita, pois as caracterís-
ticas individuais podem prevalecer sobre outros fatores, como o sexo ou a idade.
17.2. 6 e 17.2.7. O transporte e a descarga de materiais, feitos por impul-
são ou tração de vagonetes sobre trilhos, carros de mão ou qualquer ou-
tro aparelho mecânico e o trabalho de levantamento de material feito com
equipamento mecânico de ação manual, deverão ser executados de forma
que o esforço físico realizado pelo trabalhador seja compatível com a sua
saúde ou segurança.
A norma reafirma o princípio e a necessidade de compatibilidade entre o esforço
físico exigido para cumprir as tarefas profissionais e a necessidade de manutenção da
saúde e da segurança dos trabalhadores. Esse aspecto vem sendo bastante trabalhado no
exterior, e já existem inclusive fórmulas e softwares de inspiração biomecânica para cada
uma das circunstâncias estabelecidas: levantamento, transporte e descarga.

2
Por se tratar de uma habilitação, e não ainda de uma profissão, mantém-se a profissão de origem (como no
caso dos engenheiros) ou, para os diplomas universitários que não constituem profissão (como desenhistas
industriais).
70 Ergonomia ELSEVIER

3.4. Mobiliário dos postos de trabalho


17.3.1. Sempre que o trabalho puder ser executado na posição sentada, o
posto de trabalho deve ser planejado ou adaptado para esta posição.
Um posto de trabalho ideal evita rigidificar a pessoa em uma dada postura. A
recomendação básica da Ergonomia se orienta para as alternâncias de posturas durante
o exercício de uma atividade laboral, pois não existe nenhuma postura fixa que seja
confortável. A execução de elementos da tarefa em posição em pé pode até a vir ser co-
gitada, porém, dentro de um processo onde a posição sentada venha a ser dominante e
prevalente.
Aqui se coloca sub-repticiamente a questão do trabalhador estrito ou deficiente.
Um grande cuidado deve existir para não tornar o local de trabalho excludente, com
problemas de acessibilidade e complicar ainda mais a já difícil administração de restritos,
pessoas que são portadores de lesões parciais. Esses cuidados revelam que o projeto de
um local de trabalho quase sempre está longe de ser trivial.
17.3.2. Para o trabalho sentado ou que tenha de ser feito de pé, as banca-
das, mesas, escrivaninhas e os painéis devem proporcionar ao trabalhador
condições de boa postura, visualização e operação e devem atender aos
seguintes requisitos mínimos:
a) ter altura e características da superfície compatíveis com o tipo de ativi-
dade, com a distância requerida dos olhos ao campo de trabalho e com a
altura do assento;
b) ter área de trabalho de fácil alcance e visualização pelo trabalhador;
c) ter características dimensionais que possibilitem posicionamento e mo-
vimentação adequados dos segmentos corporais.
17.3.3. Os assentos utilizados nos postos de trabalho devem atender aos
seguintes requisitos mínimos de conforto:
a) altura ajustáveis à estatura do trabalhador e à natureza da função exer-
cida;
b) características de pouca ou nenhuma conformação na base do assento;
c) borda frontal arredondada.
17.3.5. Para as atividades em que os trabalhos devam ser realizados de pé,
devem ser colocados assentos para descanso em locais em que possam ser
utilizados por todos os trabalhadores durante as pausas.
Pela forma com que foi escrito, esse item da norma permite sua utilização para es-
pecificar uma grande gama de mobiliário. No plano normativo seria impossível detalhar
as características de todo o mobiliário encontrado nas empresas. A consulta a manuais
especializados em mobiliário ou a consultoria a um ergonomista podem ser de grande
Capítulo 3 | NR 17: a norma da Ergonomia 71

valia nesses casos. É importante um estudo do mobiliário do posto de modo a permitir


sua utilização pela maioria da população de trabalhadores.
O mobiliário deve ser adaptado às características antropométricas da população
e também à natureza da tarefa, o que requer ao menos uma modelagem ergonômica
simples. Indicaremos, ainda que esse trecho estabeleça alguns contornos mínimos e nem
sempre observados a contento quando do projeto, fabricação do mobiliário, por um
lado, e na escolha e especificação de compra, pelo outro.

3.5. Equipamentos dos postos de trabalho


17.4.1 Todos os equipamentos que compõem um posto de trabalho devem
ser adequados às características psicofisiológicas dos trabalhadores e à na-
tureza do trabalho a ser executado.
Adequado significa algo que não prejudique, em seguida que seja seguro confor-
tável e finalmente que viabilize a eficiência, conforme o item 17.1.1 da norma. Essa ade-
quabilidade deve ser especificada juntamente com outros elementos que caracterizam a
função, o cargo e o posto de trabalho. Tomemos um exemplo extremo de um profissional
de reparos em rede elétrica. Ele deve poder acessar os pontos de intervenção de manu-
tenção (deverá, portanto, dispor de uma escada), transportar seus instrumentos (deverá
dispor de uma bolsa), e comunicar-se com locais remotos (para o que utilizará um rádio,
celular ou assemelhado). O cuidado é não perder a visão de conjunto já que se forem
tratadas isoladamente, as adequações podem formar um conjunto de especificações que
inviabilizem o desempenho confortável, seguro e eficiente na situação de trabalho.
17.4.2. Nas atividades que envolvam leitura de documentos para a digita-
ção, datilografia ou mecanografia deve:
a) ser fornecido suporte adequado para documentos que possa ser ajustado
proporcionando boa postura, visualização e operação, evitando movimen-
tação frequente do pescoço e fadiga visual;
b) ser utilizado documento de fácil legibilidade, sempre que possível, sen-
do vedada a utilização de papel brilhante, ou de qualquer outro tipo que
provoque ofuscamento.
17.4.3. Os equipamentos utilizados no processamento eletrônico de dados
com terminais de vídeo devem observar o seguinte:
a) condições de mobilidade suficientes para permitir o ajuste da tela do
equipamento à iluminação do ambiente, protegendo-a contra reflexos, e
proporcionar corretos ângulos de visibilidade ao trabalhador;
b) o teclado deve ser independente e ter mobilidade, permitindo ao traba-
lhador ajustá-lo de acordo com as tarefas a serem executadas;
72 Ergonomia ELSEVIER

c) a tela, o teclado e o suporte para documentos devem ser colocados de


maneira que as distâncias olho-tela, olho-teclado e olho-documento sejam
aproximadamente iguais;
d) ser posicionados em superfícies de trabalho com altura ajustáveis.
Esse entendimento deveria passar a ser incorporado pela indústria da computa-
ção e do mobiliário, passando a ofertar soluções completas no mercado, ao invés das
soluções modulares que, via de regra, acaba por induzir a supressão de elementos aqui
assinalados, que são entendidos como acessórios. Caberia, aqui, a prática da chamada
segurança integrada, onde o suposto acessório passaria a fazer parte integrante e sine qua
non do mobiliário ofertado.
É importante assinalar que esse item da norma torna desconforme o uso de lap-
tops, noteboks e netboks, tablets e outros computadores portáteis como instrumentos de
trabalho. A nosso ver, isso requereria um sério debate.

3.6. Condições ambientais


A norma aqui busca caracterizar ambientes adequados ao trabalho, estabelecen-
do-se um meio ambiente de trabalho onde as tarefas possam vir a serem executadas com
conforto, segurança e eficiência.
Nesse caso específico, o critério de conforto deve ser sempre prevalente, uma vez
que toda situação ambiental danosa ou prejudicial sempre passa pelo desconforto. Uma
normalização interna a uma dada empresa pode estabelecer com um grau bem maior
de precisão o desconforto verificável numa dada situação. Citamos, anteriormente, um
exemplo claro no campo acústico. O nível de ruído ambiental embora situado na faixa
dos limites de tolerância era suficiente para impedir a boa comunicação verbal em mano-
bras de operação. A segurança nesse caso fica privada de um recurso adicional potente,
que é a comunicação oral direta (sem intermédio de instrumentos nem sempre eficazes).
Por outro lado, já está comprovada a dificuldade de concentração em ambientes ruido-
sos, o que cria um ambiente propício aos erros simples (equívocos). As pesquisas sobre
gênese de acidentes – por exemplo, Leplat e Cuny (1979), Vidal (1984; 1997), Carvalho
e Vidal (2000), Reason (1990) e Groeneweg (2000) mostram claramente que os grandes
acidentes se originam da potencialização de pequenos equívocos em um contexto orga-
nizacional predisponente.
17.5.1. As condições ambientais de trabalho devem estar adequadas às ca-
racterísticas psicofisiológicas dos trabalhadores e à natureza do trabalho a
ser executado.
17.5.2. Nos locais de trabalho onde são executadas atividades que exijam
solicitação intelectual e atenção constantes, tais como: salas de controle,
laboratórios, escritórios, salas de desenvolvimento ou análise de projetos,
dentre outros, são recomendadas as seguintes condições de conforto:
Capítulo 3 | NR 17: a norma da Ergonomia 73

– níveis de ruído de acordo com o estabelecido na NBR 10152, norma


brasileira registrada no INMETRO;
– índice de temperatura efetiva entre 20 e 23 ºC;
– velocidade do ar não superior a 0,75 m/s;
– umidade relativa do ar não inferior a 40%.
Por exemplo, durante algum tempo prevaleceu uma regra oficiosa segundo a qual
um ambiente de digitação deveria ser climatizado em torno de 19 ºC. Considerando que
se trata de ambientes bastante secos e adotando-se os parâmetros acima, pudemos cons-
tatar que se tratava de condição limite, logo superada com algumas horas de trabalho. A
reclamação de sensação de frio, num país tropical, apesar de aparentemente esdrúxula,
nesses casos, procede.
17.5.2.1. Para as atividades que possuam as características definidas no
subitem 17.5.2, mas não apresentam equivalência ou correlação com aque-
las relacionadas na NBR 10152, o nível de ruído aceitável para efeito de
conforto será de até 65 dB(A) e a curva de avaliação de ruído (NC) de valor
não superior a 60 dB.
17.5.2.2. Os parâmetros previstos no subitem 17.5.2 devem ser medidos
nos postos de trabalho, sendo os níveis de ruído determinados próximos à
zona auditiva e as demais variáveis na altura do tórax do trabalhador.
Os parâmetros ambientais a serem seguidos são os acima definidos, e devem ser
aferidos no posto de trabalho e em nível do tórax do trabalhador (exceção do ruído, cuja
mensuração deve ser feita próximo ao pavilhão auricular).
17.5.3. Em todos os locais de trabalho deve haver iluminação adequada,
natural ou artificial, geral ou suplementar, apropriada à natureza da ativi-
dade.
17.5.3.1. A iluminação geral deve ser uniformemente distribuída e difusa.
17.5.3.2. A iluminação geral ou suplementar deve ser projetada e instalada
de forma a evitar ofuscamento, reflexos incômodos, sombras e contrastes
excessivos.
17.5.3.3. Os níveis mínimos de iluminamento a serem observados nos lo-
cais de trabalho são os valores de iluminâncias estabelecidas na NBR 5413,
norma brasileira registrada no INMETRO.
17.5.3.4. A medição dos níveis de iluminamento previstos no subitem
17.5.3.3 deve ser feita no campo de trabalho onde se realiza a tarefa visual,
utilizando-se de luxímetro com fotocélula corrigida para a sensibilidade do
olho humano e em função do ângulo de incidência.
17.5.3.5. Quando não puder ser definido o campo de trabalho previsto no
subitem 17.5.3.4 este será um plano horizontal a 0,75 m. do piso.
74 Ergonomia ELSEVIER

Assinala Oliveira (2000), que para o iluminamento, além dos limites de tolerância
definidos na respectiva NBR, cuidados especiais são exigidos na aferição, incluído o ân-
gulo de incidência da luz sobre a fotocélula, por exemplo. O autor nos remete ao Manual
de Aplicação da NR 17 que assinala que:
O iluminamento adequado não depende só da quantidade de lux que in-
cide no plano de trabalho. Depende também da refletância dos materiais,
das dimensões do detalhe a ser observado ou detectado, do contraste com
o fundo etc. Ater-se apenas aos valores preconizados nas tabelas sem levar
em conta as exigências da tarefa pode levar a projetos de iluminamento
totalmente ineficazes. A situação mais desejada seria aquela em que, além
do iluminamento geral, o trabalhador dispusesse de fontes luminosas indi-
viduais nas quais pudesse regular a intensidade.
Exemplificaremos com uma situação em um laboratório que visitamos há bem
pouco, onde se tomou o partido de iluminação fluorescente, tipo “luz do dia”. Nesse
laboratório, se fazem trabalhos de análise microscópica empregando-se microscópios
binoculares. O laboratório é novo e bem-acabado do ponto de vista arquitetônico, a
princípio. Foi especificado para esse laboratório uma bancada de granito polido o que, a
rigor, não interfere numa parte da tarefa (olhar pelo microscópio binocular). Entretanto,
a cada encerramento dessa parte da tarefa e início de outras – como tomar notas, colher
outras lâminas etc. – o trabalhador se expõe a um forte reflexo sobre sua vista da lumi-
nária fluorescente instalada no teto. O trabalhador após tarefa de forte exigência visual
é exposto a forte impacto lumínico. Acrescida ao fato da fixação binocular relativamente
prolongada (exigência da tarefa), a arquitetura geral desse laboratório expõe o trabalha-
dor a mais riscos significativos no campo oftalmológico.

3.7. Organização do trabalho


17.6.1. A organização do trabalho deve ser adequada às características psi-
cofisiológicas dos trabalhadores e à natureza do trabalho a ser executado.
17.6.2. A organização do trabalho, para efeito dessas NR, deve levar em
consideração, no mínimo:
a) as normas de produção;
b) o modo operatório;
c) a exigência de tempo;
d) a determinação do conteúdo de tempo;
e) o ritmo de trabalho;
f) o conteúdo das tarefas.
A norma aponta apenas alguns dos elementos observáveis e caracterizáveis da
organização do trabalho. Por ser esse o principal aspecto da NR 17, é da maior impor-
tância a boa compreensão desses aspectos causais. È tema para o ergonomista a organi-
Capítulo 3 | NR 17: a norma da Ergonomia 75

zação adequada de um local de trabalho bem como a estruturação correta dos processos
que ali se desenvolvem. E isso é especificamente uma atribuição do engenheiro de pro-
dução. Ou seja, é de sua responsabilidade o projeto, implementação e gestão de situações
de trabalho. O que significa os méritos nos sucessos, mas também as consequências de
um projeto deficiente.
Esses tópicos, no entanto, servem para mostrar que as demandas que envolvem
organização do trabalho dificilmente podem dispensar a análise do trabalho como me-
todologia pertinente.
17.6.3. Nas atividades que exijam sobrecarga muscular estática ou dinâmi-
ca do pescoço, ombros, dorso e membros superiores e inferiores, e a partir
da análise ergonômica do trabalho, deve ser observado o seguinte:
– todo e qualquer sistema de avaliação de desempenho para efeito de re-
muneração e vantagens de qualquer espécie deve levar em consideração as
repercussões sobre a saúde dos trabalhadores;
– devem ser incluídas pausas para descanso;
– quando do retorno ao trabalho, após qualquer tipo de afastamento igual
ou superior a 15 dias, a exigência de produção deverá permitir um retorno
gradativo aos níveis de produção vigentes na época anterior ao afastamento.
Ainda segundo Oliveira (2000), esse é um dos subitens mais importantes da NR
17 para a prevenção da LER/DORT. Ele estabelece, em outras palavras, que sempre que
houver sobrecarga muscular estática ou dinâmica, em qualquer um dos músculos do
pescoço, ombro, dorso e membros superiores ou inferiores, não pode haver avaliação
do desempenho individual e devem ser incluídas pausas para o descanso. Como
refere Silva (2000).
Se conseguirmos fazer valer esse direito ao trabalhador, estaremos contribuindo
enormemente na prevenção das LER. Muitos sindicalistas têm se queixado da falta de
detalhamento da NR 17 para seus setores específicos. Nossa opinião é que, embora as
correções de mobiliário e equipamentos tenham alguma influência na prevenção da LER,
o incentivo à produção via prêmios, vantagens financeiras ou qualquer outra é o fator
que mais contribui. Logo, correções de mobiliário e equipamentos são ineficazes se con-
tinua a pressão por aumento da cadência. O desafio é que os atores sociais (AFT, repre-
sentantes dos trabalhadores e os próprios trabalhadores) consigam abolir os famigerados
incentivos à produção. Depois se pode tentar o resto.
Finalizaremos esta apreciação da NR 17 entendendo-a como uma estrutura básica
de se estudar a situação de trabalho com vistas a podermos repensar os determinantes da
atividade real das pessoas no trabalho. Apesar de ser considerada qualitativa e, portanto,
com dificuldades de aplicação fiscal, segundo alguns, ela fornece um quadro analítico
objetivo que pode ser empregado com bastante sucesso por uma fiscalização melhor
preparada, como, aliás, vem sendo feito pela SSSMT/MTE desde 2000.
76 Ergonomia ELSEVIER

3.8. Página escolar


Questões
1) O que vem a ser uma disciplina ?
2) Qual a diferença, se é que existe, entre disciplina escolar e disciplina de projeto?
3) Qual a particularidade da Ergonomia como disciplina do currículo de Engenharia
de Produção?
4) Como a particularidade da Ergonomia se relaciona com sua especificidade?
5) Cite um exemplo de entrave ou perturbação que possa alterar o rendimento de
um trabalhador.
6) Enumere as diretrizes essenciais da Ergonomia na empresa?
7) Como a compreensão da maturidade ergonômica da empresa poderá ajudar a
desenvolver o negócio?
8) Como e porque uma formação em habilidades facilitadoras lhe seria útil como
engenheiro de produção encarregado de gerir a Ergonomia em uma empresa?
9) O que são estruturas de Ergonomia na empresa e como isso se relaciona com uma
ação ergonômica nessa organização?
10) O que são treinamentos de conscientização, de sensibilização e de atuação em
Ergonomia.
11) Monte o programa de um treinamento de conscientização em Ergonomia para
uma empresa de 200 empregados.
12) Calcule o custo de um programa de treinamento de facilitadores para uma empre-
sa com seis divisões, sendo uma em outro estado, com cinco áreas operacionais
em cada divisão e mais a direção central.

Debates
a) A especialidade da Ergonomia se estabelece sobre uma abordagem participativa da
realidade do trabalho Você acha que isso é possível considerando a qualidade da
mão de obra no Brasil? O professor pode ser o mediador.
b) O texto afirma não se pode contratar uma equipe externa que seja encarregada
da Ergonomia numa empresa. Você não acha que isso seja um exagero dos auto-
res? Consigam o depoimento de um dirigente e de um consultor e promovam o
debate.

Caso real
Você foi contratado para implantar um equipamento importado numa empresa
de serviços gráficos de plotagem de painéis que pretende se tornar líder de mercado em
cinco anos por meio dessa implantação. A empresa nunca ouviu falar em Ergonomia,
Capítulo 3 | NR 17: a norma da Ergonomia 77

embora tenha uma razoável política de mão de obra, mas um cuidado discutível com a
segurança do trabalho, tanto que já foi notificada pela Auditoria Fiscal do Trabalho. Pre-
pare uma apresentação incluindo a sensibilização para a importância do projeto, a forma
de atuação e os custos envolvidos.

Pesquisa na internet
Busque dados sobre três empresas ou corporações que mencionem diretrizes e/ou
estruturas de Ergonomia e faça uma apresentação para seus colegas de turma.
Capítulo

4 Economia da Ergonomia

José Roberto Dourado Mafra – FACC/UFRJ

Conceitos apresentados
Neste capítulo veremos os conceitos-chave da Economia da Ergonomia, ini-
ciando com uma breve revisão de fundamentos, passando por custos ergonômicos,
benefícios e investimentos necessários.1 Em seguida, abordaremos as principais con-
tribuições metodologicas discutidas na literatura, para, então, apresentarmos uma
proposta de metodologia para a avaliação dos fatores de influência dos problemas
acarretados pela ausência de Ergonomia, a partir de um ponto de vista do impacto
financeiro no negócio da empresa; trataremos, então, da avaliação do custo-benefício
como base de argumentação com os níveis decisórios da organização. Finalizando o
capítulo, traremos uma breve panorâmica do custeio, referências para saber mais, um
exemplo de aplicação, exercícios e uma proposta de discussão.
1

4.1. Conceito: qual o valor atribuído às coisas?


A Economia define seu conceito básico como a relação da utilidade com a satis-
fação de necessidades, ou seja, o valor das coisas; já a Ergonomia trata das relações ou
interações entre seres humanos e sistemas de trabalho, ou seja, de suas interfaces (físicas,
cognitivas e organizacionais), e coloca o ser humano no centro dos processos de traba-
lho. Dessa forma, podemos deduzir que a Economia da Ergonomia trata do valor das
coisas quando o ser humano faz interface com os sistemas de trabalho. O fundamento
essencial de ambas as abordagens é convergente, na utilização “ótima” de recursos, ou
seja: a qualidade de vida no trabalho (condições de realização) e a produtividade (quali-
dade do produto e da produção). O aspecto técnico (do produto/produção) acompanha
o aspecto social (da saúde e do ser humano).

1
Para efeito de destaque, sempre empregaremos o termo Ergonomia como nome próprio.
Capítulo 4 | Economia da Ergonomia 79

Para entendermos o que é tratado aqui, vejamos as duas vertentes teóricas. Na


Economia, a preocupação com o funcionamento da firma, com seus problemas, já vinha
sendo discutida desde o século XIX (Adam Smith, Marx, Taylor etc.), quando eram trata-
dos os problemas da eficiência técnica do funcionamento dos processos e das relações de
trabalho. A Teoria da Firma foi um conceito ampliado pelo economista britânico Ronald
Coase, em seu artigo “The Nature of Firm” (1937), no qual tratou da questão dos con-
tratos que, superpostos aos funcionamentos técnicos, estabelecem-se para viabilizar o
funcionamento da firma, com as questões do agenciamento, onde introduz o conceito de
custos de transação para explicar a natureza e os limites das firmas. Em outro artigo, “The
problem of social cost” (Coase, 1960), sugere que os “direitos de propriedade” podem se
sobrepor aos problemas das externalidades (ver Teorema de Coase).
Alguns conceitos importantes em Economia, no nosso caso, são: a teoria do valor
e, principalmente, a questão do valor agregado, bem como o conceito de custo de opor-
tunidade. Além disso, são importantes as questões envolvidas nas avaliações financeiras,
de gestão econômica e de projetos de investimento.
A função de produção considera o processo de produção, que permite obter o má-
ximo produto a partir de certa quantidade de fatores de produção. Portanto, a função de
produção, sendo escolhido um determinado processo técnico e organizacional mais con-
veniente, indica o máximo de produto que se pode obter, com as quantidades de fatores.
A função de produção pode ser representada por:

q = f (x1, x2, ..., xn), (1)

Onde:
q = quantidade máxima produzida do bem, sendo q > 0 e
x1, x2, ..., xn são as quantidades utilizadas dos diversos fatores de produção, sendo
xi > 0 (i = 1, 2, ..., n).

A função f pode assumir várias formas. Considerando um exemplo linear de uma


função de produção temos:

q = co + c1 x1 + c2 x2 + ... + cn xn (2)

Para uma firma, q = produção de produtos, c = custos dos fatores, x1 = área física
disponível, x2 = quantidade de trabalho, x3 = elementos constituintes, x4 = quantidade
utilizada de insumos, e assim por diante; que, do ponto de vista econômico e para a en-
genharia de produção, devem ser balanceados para atingir o ótimo de produção.
O resultado da produção é multiplicado pelo preço do produto e se obtém a re-
ceita da empresa que, ao serem descontados os custos de produção se obtém o “lucro”.
Não entraremos aqui em maiores detalhes sobre as características econômicas, contábeis
80 Ergonomia ELSEVIER

ou fiscais do lucro. O importante é entender o que pode afetar o resultado da empresa


em termos de custos e receita, ou seja, por um lado, o que falta nesse processo e estará
afetando o lucro da empresa e, por outro lado, as providências e os investimentos neces-
sários para recuperar ou aproximar o “ótimo de produção” no funcionamento daquela
organização.
Na Ergonomia, as questões estão relacionadas aos aspectos físicos, cognitivos e
organizacionais,2 cujos fundamentos teóricos estão tanto na escola sociotécnica3 (orga-
nização, sistema de pessoas e sistema técnico), quanto na teoria da atividade4 (pessoas,
ferramentas de mediação e objetivos). Nesse âmbito um conceito central é a diferença
entre o trabalho prescrito onde figuram as normas e procedimentos formais, e o trabalho
real, onde ocorrem as “variabilidades” em função da atividade e os operadores têm de
lançar mão das “regulações”. Outros conceitos-chave são o de “carga de trabalho”, o que
pesa sobre o ser humano, e o de “situação de trabalho” onde se dá na interação com as
interfaces dos sistemas de trabalho.
O ponto de partida da análise ergonômica é a demanda, que define uma ausência
de Ergonomia na empresa. Ou seja, a função de produção apresenta problemas e não
funciona tão bem como deveria. Nessa ausência, em geral, dois efeitos podem ser com-
putados, quais sejam: efeitos na qualidade de vida (saúde dos trabalhadores) e efeitos na
produtividade (níveis da produção e qualidade do produto). A ausência em ambas tem
origem nas condições de trabalho, ou de produção. Cabe mencionar que, para o nosso
entendimento, custos ergonômicos são resultados da ausência de Ergonomia.
Dessa forma, na função de produção (equação 2), devem ser considerados, ou
analisados, em uma função paralela (equação 3), das ausências de Ergonomia nos fatores
que apresentam desfuncionamento, ou perdas, sendo esses os pontos em que deverão
ser efetuadas intervenções, para que se possa melhorar o processo e atingir o ótimo de
produção, desejado. Isso pode ser representado no sistema de equações a seguir:

q = co + c1 x1 + c2 x2 + ... + cn xn (2)
d = do + d1 x1 + d2 x2 + ... + dn xn (3)

Para a mesma firma, d = perdas, d1x1 = perdas em função da área física disponí-
vel, d2x2 = perdas em função da quantidade de trabalho, d3x3 = perdas em função dos
elementos constituintes, d4x4 = perdas em função da quantidade utilizada de insumos,
2
O aspecto organizacional em Ergonomia também é conhecido como macroErgonomia.
3
Ao Tavistock Institute for Human Relations, em Londres, é creditada a origem do conceito e da prática dos
projetos de Sistemas Sócio-Técnicos, no início da década de 1940, a partir de estudos em minas de carvão
na Inglaterra.
4
A teoria da atividade iniciou-se a partir dos trabalhos de Vygotsky e tem como princípio as ações do sujeito
mediadas por ferramentas e destinadas a um objetivo. Além de Vygotsky, Luria e Leontiev, seus colaboradores,
contribuíram para a expansão da Neuropsicologia e Neurolinguística, cabendo a Leontiev a proposição da
teoria da atividade.
Capítulo 4 | Economia da Ergonomia 81

entre outras, que do ponto de vista da Ergonomia, para a engenharia de produção, é


onde existem falhas no processo de produção.
Esse conjunto de perdas, expressos na equação (3) pode, inicialmente, ser detec-
tado nos próprios indicadores que a empresa utiliza. Entre estes se pode destacar falhas
na gestão da qualidade, da saúde, do meio ambiente, da segurança ocupacional, além de
perdas patrimoniais, de eficiência e de produtividade, que nem sempre ficam evidentes
nos relatórios gerenciais. Nesse sentido, a metodologia da Ergonomia torna evidentes es-
sas falhas e suas respectivas perdas. Dessa forma, as perdas no processo, diretas ou indi-
retas, relativas a problemas com a ausência de Ergonomia, são, então, classificadas como
“custos ergonômicos”. Também conhecidos como custos sombra. Para a aplicação dessa
metodologia, torna-se necessária uma abordagem participativa e social do trabalho.
As questões que se colocam são: A Ergonomia oferece benefícios reais ao negócio?
E, como avaliar se uma intervenção de Ergonomia é viável (e em quanto) economi-
camente? Para responder a essas questões é necessário entender as questões do diálo-
go entre ergonomistas e homens de negócios, ao viabilizarem projetos e programas na
empresa. Assim, para entender a forma como vem sendo encaminhado o problema da
avaliação econômica da Ergonomia, buscou-se, na literatura, o estado do conhecimento
a respeito desse tema.

4.2. Metodologias de custeio em Ergonomia


Como é demonstrado na literatura, variam, consideravelmente, os caminhos para de-
monstrar as vantagens econômicas da Ergonomia. Essas demonstrações vão desde o desen-
volvimento de um modelo de caso de negócio, umas mais elaboradas, outras qualitativas,
até abordagens de planilhas. De qualquer forma, todas as contribuições ajudam a confirmar
que as intervenções de Ergonomia oferecem benefícios consideráveis para a organização em
questão, incluindo resultados financeiros quantificáveis.
Num editorial da Applied Ergonomics, tratando da efetividade de custos da Ergonomia,
Stanton e Baber (2003) mencionam que um dos estudos clássicos de efetividade de custos
da Ergonomia, ocorridos na década de 1970, veio do dispositivo de luz de freio colocada no
centro e no alto do vidro traseiro nos automóveis (Mcknight; Shinar, 1992 e Akerboometal,
1993). Esse tipo de colocação da luz de freio oferece vantagens cognitivas sobre as luzes de
freio convencionais. Estudos posteriores mostraram que os custos eram pequenos (US$ 10
por carro) e os benefícios bem maiores (estimados em torno de US$ 900 milhões de economia
anual) do que tinha sido antecipado. Os autores lamentam que nem todas as intervenções
sejam de justificativas tão claras.
Beevis e Slade (1970) argumentam que justificativas para melhorias no desempenho
de sistemas que envolvem humanos-máquinas, apesar de necessárias, não são suficientes sem
o apoio de uma análise de custo-benefício. Apontam uma contradição no modo como essa
evidência não estava sendo coberta pelos especialistas. Para descobrir se as intervenções de
82 Ergonomia ELSEVIER

Ergonomia eram efetivas em custos, eram tomadas medidas antes e depois da intervenção,
depois disso os ganhos (ou perdas) eram contabilizados. Essa não é uma posição satisfatória
para nenhuma organização quando está diante da implementação de mudanças. Homens
de negócios precisam que os custos e ganhos devam ser identificados “antes” da decisão de
implementar as mudanças que deverão ser feitas. Apontam como um sinal de maturidade da
disciplina ser o quanto se pode antecipar na identificação de expectativas de retornos (perdas
e ganhos).
Beevis (2003) reedita seu artigo de 1970, atualizando as questões, e aponta que as difi-
culdades na identificação de benefícios podem ocorrer em virtude de alguns desses benefícios
serem invisíveis. Ele sugere que quando nas organizações os administradores estão indiferen-
tes ao problema, pode ser preciso um “modelo de caso de negócio” que preveja a viabilidade
econômica da proposta de intervenção, para convencê-los da necessidade de investir. O que
é diferente de a organização “arriscar no escuro” com os custos da intervenção, para, após o
fato, provar que a intervenção ergonômica foi viável.
Beevis (2003) identifica três categorias principais para a informação financeira: custos
poupados (incluindo correta identificação do problema-raiz ao invés de gastar dinheiro cor-
rigindo o problema errado, aumento da produtividade, redução de danos, melhoria no moral,
aumento de competência, entre outras); custo evitado (incluindo perda de vendas, aumento
do treinamento, melhoria de suporte e manutenção, melhoria nas taxas de rejeição) e novas
oportunidades (incluindo projeto de sistemas flexíveis, expansão de mercados para negócios,
e maior âmbito de usuários). Comparado com as poupanças, o custo de uma intervenção
ergonômica é, geralmente, bastante favorável.
Hendrick (1997) enfatiza que as organizações, usualmente, não estão dispostas a im-
plantar uma intervenção a não ser que exista um claro benefício econômico para isso. Para
auxiliar nessa abordagem, Hendrick (1997) delineia como identificar custos e benefícios, ao
desenvolver uma proposta de intervenção ergonômica para uma empresa. Hendrick (2003)
argumenta que o ergonomista profissional precisa colocar suas propostas ergonômicas em
termos econômicos, ou seja, é necessário apresentar o projeto nessa linguagem, já que as deci-
sões a respeito de mudanças devem ser racionalizadas em bases financeiras. Sua boa notícia é
que, normalmente, “bons” projetos de Ergonomia têm resultados com expressivos benefícios
econômicos, apresentando casos que apoiam essa afirmativa.
Oxenburgh (1997) propôs um sistema de análise de custo-benefício, baseado no tra-
balho de Liukkonen, que incorpora alguns dos conceitos de Custeio Baseado na Atividade
(ABC – Activity Based Costing). O ABC foi um aprimoramento da contabilidade gerencial para
melhorar a informação contábil para os gerentes e administradores das empresas. Nesse sis-
tema de custeio baseado na atividade ou ABC, assume-se como pressuposto que os recursos
de uma empresa são consumidos por suas atividades e não por produtos ou serviços que ela
fabrica (Ness; Cucuzza, 1995). Oxenburgh, Marlow e Oxenburgh (2004), com base em seu
método, desenvolveram um programa de computador. Seu método de análise baseia-se nos
custos diretos e indiretos do trabalho, e os custos anteriores às mudanças e mais o custo das
Capítulo 4 | Economia da Ergonomia 83

mudanças, são comparados com o previsto, no caso de planejamento e decisão, ou após a


intervenção.
Um modelo de caso de negócio é proposto por Seeley e Marklin (2003), assinalando
que administradores corporativos nem sempre entendem a relação entre uma intervenção
ergonômica e os benefícios financeiros para a companhia. Eles também argumentam que
a Ergonomia tem que aprender a linguagem do negócio para colocar seu trabalho de uma
maneira mais efetiva.
Em todos os casos vistos, sugerem que os custos do envolvimento e da intervenção
ergonômica tendem a ser uma pequena fração do orçamento total. Os custos das intervenções
figuram em torno de 1% a 12% (Hendrick, 2003), em que se situam com payback periods de
6 a 18 meses (Oxenburgh; Marlow; Oxenburgh, 2004). O que apresenta um quadro bem
otimista para a Ergonomia.
Duas questões devem ser ressaltadas, em termos da avaliação das intervenções ergo-
nômicas, que dizem respeito às avaliações econômicas. Em primeiro lugar, a questão do
custeio (o que considerar) e, em segundo lugar, a avaliação propriamente dita (como tratar
os dados). Ou seja, o problema comum ao se estruturar uma análise financeira de projetos de
investimento persiste. Segundo especialistas, o grande problema da análise de investimentos
está na determinação dos elementos relevantes que irão compor a formulação da análise. Com
esses elementos, ou o problema sendo estruturado, é uma aplicação de ferramentas mate-
máticas e a sensibilidade do analista para a avaliação. Nesse sentido, a forma de contabilizar
as receitas e as despesas, que compõem o projeto, deve ser aprofundada, para se entender o
problema que se quer analisar.
Desse modo, o método aqui proposto, adaptado de Mafra (2004), avalia os efeitos
da ausência de Ergonomia e trata dos elementos desde a origem do problema, passando
por suas alternativas de solução, até a implementação final, permitindo avaliar previa-
mente a efetividade das proposições de soluções encaminhadas pela Ergonomia, como
será visto a seguir.

4.2.1. Custeio da ausência de Ergonomia


Essa metodologia pode ser resumida em três grandes etapas, quais sejam: (i) es-
timativa de perdas; (ii) direcionamento dos custos e expectativa de benefícios; e, (iii)
gestão da solução. Vejamos essas etapas um pouco mais detalhadamente.
A primeira etapa consiste em se determinar uma estimativa inicial de perdas
pela ausência de Ergonomia. A pergunta que deve ser feita aqui é: quanto a empresa
está perdendo no processo? A resposta estará apontando a efetividade em custos dos
efeitos dos problemas que a empresa apresenta. A técnica para se determinar o valor
dessa estimativa é: qualificar os problemas, quantificar a ocorrência dos efeitos e, então,
precificar, ou seja, avaliar o valor monetário da ocorrência e multiplicar pela quantidade
de ocorrências.
84 Ergonomia ELSEVIER

4XDGUR²(VWLPDWLYDLQLFLDO

Itens de custeio Natureza do parâmetro


(PSUHVDQRHVWDGRDQWHULRUjDQiOLVH &RQMXQWXUDVHWRUHSRVLomRGDHPSUHVD
3HUVSHFWLYDVGHFXVWR &RQGLo}HVLQWHUQDVGHRSHUDFLRQDOLGDGH
4XDGURGHFXVWRV 0DSHDPHQWRGHSUREOHPDV

O objetivo é obter um quadro de custos, que pode ser relativizado com a con-
juntura, bem como com o processo de que faz parte. Isso já aponta as possibilidades
inerentes, bem como algumas decorrências da ausência da Ergonomia. Com uma de-
manda ergonômica estabelecida, pode-se orientar o custeio para a classe de problema
dela decorrente.
A estimativa inicial aponta a proporção da ausência de Ergonomia na empresa,
como um todo. Esse indicador engendra um debate com todos os agentes envolvidos,
que abrange desde o quadro de características das situações de trabalho, com o estado
atual da empresa, até as perspectivas de Custos Ergonômicos, tomados como perdas no
processo. A essência do debate é o reconhecimento de pontos de intervenção e a im-
portância relativa que lhes é atribuída, enquanto problemas. É necessário um consenso
acerca desses dois aspectos para se prosseguir na Ação Ergonômica. O resultado disso é
a formação de um Quadro Básico da Situação.
Os custos ergonômicos podem ser: custos diretos – relacionados às pessoas,
tais como acidentes e lesões, absenteísmo, custos de treinamento, nível de habilidade
requerida, tempo-padrão, manutenção; e, relacionados aos processos e materiais, tais
como quebras de máquinas; erros e itens danificados; utilização de equipamentos além
da necessidade; manutenção. E também podem ser custos indiretos, tais como proces-
sos trabalhistas e indenizações, custos fixos, entre outros.
Assim, definidos os elementos do Quadro Básico, estrutura-se o problema e com
o grupo de Ergonomia, calcula-se e prepara-se o quadro de perdas, que representa um
valor econômico para discussão com as pessoas da empresa. As possibilidades de perdas
são ilustradas no Quadro 4.2.

Quadro 4.2 – Possibilidades de perdas estimadas na instrução da demanda

Perdas Item de custo 'HÀQLomR Ponto de impacto Valor/período


ÌQGLFHVGHDXVrQFLD
3HVVRDO DEVHQWHtVPRVH &XVWRGHFRPSHQVDomR
)XQFLRQDPHQWR DIDVWDPHQWRV
*DUJDORVDWUDVRV /XFURFHVVDQWHHPYHQGDV
2SHUDFLRQDO
3HUGDVHUHIXJRV /XFURFHVVDQWHQDSODQWD
,PDJHPH 9HQGDV /XFURFHVVDQWH
5HSXWDomR 4XDOLGDGH /XFURFHVVDQWH
,166 1RWLÀFDomRHPXOWDV
6XSOHPHQWDUHV (QFDUJRVH
7UDEDOKLVWD )$3H17(3
)LVFDOL]DomR
9LJLOkQFLD6DQLWiULD 3DUDGDLQWHUGLomRHPXOWD
Total estimado
Capítulo 4 | Economia da Ergonomia 85

Esse quadro indicativo é apresentado para discussão e consenso com a diretoria


da organização. Então, aos problemas consensuais podem ser estabelecidas análises siste-
máticas para o aprofundamento das questões, no que consistirão as etapas subsequentes.
A segunda etapa consiste no direcionamento dos custos e em se determinar qual
a expectativa de benefícios da intervenção. Com a modelagem operante da situação de
trabalho revelam-se as atividades reais nos sistemas, evidenciando a efetividade e, geral-
mente, uma série de atividades sombra, que se mostram como, naquele nível de proble-
mas, são essenciais para a realização das tarefas. A relação com a efetividade pode, então,
ser estabelecida e os nexos de custos melhor percebidos. O tratamento desses permite
desenvolver uma matriz de resultados possibilitando a transposição do quadro de pro-
blemas (abertos e mais genéricos) em um Quadro Ergonômico, evidenciando com maior
precisão os custos da ausência de Ergonomia, aos quais se podem adicionar os custos
gerais de soluções (investimento necessário) dela decorrentes.
A pergunta aqui passa a ser: Quais são os benefícios? Ou, o que é esperado em
termos de melhorias? Ao se analisar os problemas mais profundamente, já se pode prever
os tipos de soluções apropriadas, ou cabíveis em cada caso. Com base nessas opções se
pode fazer os orçamentos das alternativas de solução e prever a expectativa de benefícios,
em cada caso. Então a pergunta passa a ser: Quais são os Investimentos necessários? Ou
seja, o que deve ser mobilizado em termos de recursos, nesse processo, para ocorrer uma
transformação positiva?

4XDGUR²([SHFWDWLYDGHEHQHItFLRV

Itens de custeio Natureza do parâmetro


/RFDOL]DomRGHSUREOHPDV 'HWHUPLQDomRGHQH[RGHSHUGDVQRSURFHVVR
2UoDPHQWRGDVROXomR ([SHFWDWLYDGHJDQKRVQRSURFHVVR
4XDGURGHLQGLFDGRUHV 2So}HVHGHFLVmRGHLQYHVWLPHQWR

Nesse momento serão discutidas as análises de alternativas, os orçamentos de


soluções e recomendações. É quando acontecem a validação dos achados com a gerência
e a restituição do problema para a diretoria e, ao mesmo tempo, o consenso do rumo
dos projetos.
Surge aqui, então, o Quadro de Alternativas para eliminação do problema, com
proposições e propostas. Junto a esse quadro estão acopladas as Perspectivas de Ganhos
(expectativas de retornos). São debatidas as propostas e pode ser especificado e feito o
orçamento das soluções negociadas.
E, a terceira etapa, é a Gestão da Solução,5 ou monitoramento e constatação de
benefícios na fase de implantação dos projetos. São escolhidas alternativas que propiciem
as melhorias possíveis e de posse dessas opções, pode-se verificar o impacto dos investi-
mentos nas Soluções, bem como os benefícios e avaliar a efetividade da sua implantação.

5
Ver Capítulo 5 sobre Gestão de Ergonomia na empresa.
86 Ergonomia ELSEVIER

Quadro 4.4 – Gestão da solução

,WHQVGH&XVWHLR Natureza do parâmetro


$OWHUQDWLYDVSDUDHOLPLQDomRGRSUREOHPD $QiOLVHGHJDQKRVQRSURFHVVR
2UoDPHQWRGDVROXomR 2So}HVHGHFLVmRGHLQYHVWLPHQWR
$YDOLDomRGHUHVXOWDGRV $FRPSDQKDPHQWRDSyVDVROXomR

Cabe lembrar que a prevalência de custos relativos a perdas ergonômicas, é uma


função da relevância da característica do problema. Cada um dos componentes do pro-
blema e seu respectivo custo representam um aspecto da demanda, informando em ter-
mos de efetividade e custo. Esse conjunto é um vetor integrado pelos n itens que formam
o quadro da demanda, nessa perspectiva. Considerando que a Demanda Ergonômica
é definida por uma função gerencial, é possível admitir, associados nessa função, um
quadro de Custos Ergonômicos, ou perdas por ausência de Ergonomia, problemas, que
devem ser resolvidos.

4.2.2. Custo-benefício ou efetividade em Ergonomia


O cálculo da Relação Custo Benefício (CB) de uma intervenção avalia os custos,
enquanto investimentos necessários e os benefícios são divididos em duas categorias:
redução de custos ergonômicos e ganhos de produtividade.

CB = B/C (4)

Onde,
B = benefícios = redução do custo ergonômico + ganhos de produtividade
C = Investimento necessário ou Custo da intervenção

O cálculo da Relação custo efetividade CE de uma intervenção avalia os custos,


enquanto investimentos necessários e os benefícios são divididos em duas categorias:
financeiros (redução de custos ergonômicos e ganhos de produtividade) e intangíveis,
ou qualitativos.

CE = BE/C (5)

Onde:
BE = Benefícios Efetivos = Resultados tangíveis (monetários) + intangíveis
C = Investimento necessário ou Custo da intervenção
Capítulo 4 | Economia da Ergonomia 87

4.3. Avaliação financeira de projeto


As análises de investimentos tomam como base o risco, o retorno e a liquidez
do projeto. Para avaliar o investimento, de forma simples e rápida, adotam-se alguns
métodos de análise, que partem da definição do Fluxo de Caixa Descontado (FCD) do
projeto, quais sejam: o Valor Presente Líquido (VPL), a Taxa Interna de Retorno (TIR), a
adição de valor sobre o custo de oportunidade da empresa e o pyaback period desconta-
do tempo de retorno do investimento, ou Ponto de Equilíbrio (PE). Com isso, algumas
questões surgem. São estas: primeiro, como os benefícios serão percebidos na empresa
e, em função disso, qual a regra de amortização a ser adotada (Ross; Westerfield; Jaffe,
2002).

4.4. Conclusão
Parece claro que a Ergonomia pode ser caracterizada como um caso de negócio.
E, como é demonstrado na experiência e registrado na literatura, a Ergonomia apresenta
resultados bastante atrativos do ponto de vista econômico e financeiro. A Ergonomia,
quando aliada à Qualidade, coloca-se como base no requisito de melhoria contínua dos
processos. Porém, diferentemente da qualidade, que é uma exigência de mercado (Nor-
mas ISO), a Ergonomia tem, no Brasil, exigência de Lei, pela Norma Regulamentadora
17, do Ministério do Trabalho e Emprego, que agora vem a ser reforçada com o FAP6 e o
NTEP.7 Compreende-se sua exigência legal pelo simples fato de as condições de trabalho
colocarem em risco a integridade física e mental dos trabalhadores. Mas, curiosamente,
em geral, as melhorias da Ergonomia trazem, efetivamente, benefícios para os processos
produtivos. Isso ocorre em termos de melhorias em diversos aspectos do processo, tais
como: produtividade, qualidade da produção, moral dos trabalhadores, entre outros, e
que, em todos os casos podem ser traduzidos em resultados financeiros.
Nesse momento, será feita uma breve panorâmica do custeio:
Primeira etapa – evidenciam-se as condições e a proporção de perdas em termos
de custos ergonômicos.
Segundo etapa – na modelagem operante, refinam-se os elementos e impactos
da ausência da Ergonomia, na forma de custos, e avalia-se a perspectiva de benefícios.
Terceira etapa – gestão e acompanhamento da implantação da solução, avaliação
dos resultados, ou seja, o impacto das soluções naquela organização. Estruturação dos
dados pontuados tanto pelo custeio, quanto pelas avaliações de investimento.

6
Fator Acidentário Previdenciário, Decreto no 6.042, de 12/02/2007.
7
Nexo Técnico Epidemiológico, Lei no 11.430, de 26/12/2006, alterando o art. 2o da Lei no 8.213, de
24/07/1991 (Plano de Benefícios da Previdência Social), dando origem ao nexo técnico epidemiológico. O
NTEP é a componente frequencista do FAP, a partir da qual se dimensiona, para os benefícios, a gravidade e
o custo.
88 Ergonomia ELSEVIER

4.5. Página escolar


Exercício de fixação
1. Numa análise em uma empresa têxtil, surgiram duas ordens de problemas,
afastamentos e refugos, que demonstravam perdas em torno de 33.500 dias
perdidos e refugos de 100 mil pares de meias, por ano, num determinado
setor da empresa. Isso, sem contar o menor aproveitamento dos espaços,
capacidade ociosa, produtividade reduzida e os custos das lesões. Qual seria
a estimativa inicial dessa perda e o deve ser a feito nessa situação?

Resposta: Estimativa inicial de perdas pela ausência de Ergonomia. Primeiramente,


para os dias perdidos, será necessário saber os salários pagos, obtendo a fração diária dos
salários e multiplicar pelos dias perdidos. No setor de pessoal é informado que o salário-base
pago aos trabalhadores nesse setor é R$ 450,00; deve-se multiplicar por dois para incluir,
aproximadamente, os encargos pagos pelo empregador = R$ 900,00/mês. Divide-se pela mé-
dia de 20 dias úteis do mês = R$ 45/dia. E multiplica-se pelos dias perdidos (33.500 x R$ 45)
= R$ 1.507.500,00. Em segundo, para os refugos, se multiplica a quantidade de refugos pelo
valor unitário do custo do produto. No setor de produção é informado que o custo do par
de meias é R$ 5,00 (100.000 x R$ 5,00 = R$ 500.000). Somando-se os dois valores, totaliza
R$ 2.007.500,00 como estimativa inicial de perdas pela ausência de Ergonomia.
O que deve ser feito nesse caso: um estudo do fluxo de produção para a identifica-
ção de focos de problemas na linha (gargalos, erros, retrabalhos, esforços físicos excessivos,
repetitividade, entre outros) e os valores serão então relacionados com as características dos
problemas (estrutura de causa e efeito), onde serão analisados para serem propostas soluções.

2. No caso anterior, faça a análise de retorno e liquidez, adotando uma opção


de investimento na ordem de R$ 200.000,00, considerando como risco do
projeto a expectativa de benefícios de redução de 50% dos dias perdidos e
eliminação de 98% dos refugos, no primeiro ano.

Resposta: Num primeiro momento os ganhos de R$ 1.003.750,00 em dias perdidos e


de R$ 490.000,00 em refugos = R$ 1.493.750,00, considerados os retornos no ano. Dividin-
do pelo investimento obtemos uma proporção de 7,46875:1, ou seja: 747% de retorno sobre
o investimento. E o investimento se paga em 0,1348 ano, que é aproximadamente 1 mês e 18
dias, ou 48 dias. Acrescenta-se a ressalva de que não foram avaliados os ganhos de produtivi-
dade, utilização da capacidade ociosa, indenizações trabalhistas, entre outras, o que tornaria o
resultado do projeto ainda mais atrativo do ponto de vista de investimento.

8
É o inverso do retorno, nesse caso de 7,46875.
Capítulo 4 | Economia da Ergonomia 89

Questões
1) O que vem a ser um custo ergonômico?
2) Quais os fatores que podem ser considerados como custos ergonômicos?
3) O que são benefícios em Ergonomia?
4) O texto menciona três formas de identificação de custos ergonômicos. Escolha
uma delas e justifique sua preferência com argumentos práticos.
5) Comente os critérios para avaliação econômica e financeira da Ergonomia: existe
algum mais importe do que os demais? Justifique sua resposta.

Caso
Você tem informação limitada para realizar um estudo ergonômico. No entanto os
resultados são extremamente importantes para essa empresa. Qual o procedimento que você
escolherá? Defina a empresa e prepare uma apresentação incluindo a sensibilização para a
importância do projeto no negócio, a forma de atuação e os custos envolvidos.

Debate
Dois pontos serão tratados nessa discussão. Eles são: o problema da composição dos
indicadores dentro de uma lógica formal, ou de uma lógica menos formal e a questão que diz
respeito ao problema do mapeamento, dentro de uma construção social, na pertinência dos
pesos relativos e na importância relativa de quem determina o grau da preferência e pertinên-
cia do atributo.
Quanto à composição dos indicadores, ela mesma, encontra alguns problemas do
ponto de vista da lógica formal ou booleana. A diferença fundamental é que a lógica booleana
resulta sempre em 0 ou 1, que é chamada de característica. Os modelos de utilidade são mais
abrangentes, permitindo variáveis não quantitativas (Zouguayrol; Almeida, 1999). Por outro
lado, a abordagem da lógica fuzzy trabalha com a noção de pertinência, que é um valor que é
assumido em contexto e estará, comparado ao proposto anteriormente, assumindo quaisquer
valores entre 0 e 1 (Yager; Filev, 1994).
Quanto à construção social, o problema do mapeamento aparece tanto na pertinência
dos pesos relativos em si, quanto na importância relativa (nível na cadeia de decisão) de quem
determina o grau da preferência e pertinência de um atributo. Assim, perguntas tais como:
que atributos sobre que períodos de tempo são importantes? As preferências de quem são
importantes? Qual a importância relativa de cada conjunto de preferências? Devem ser res-
pondidas. As respostas a essas perguntas são extremamente dependentes do contexto.

Pesquisa na internet
Faça uma busca de 10 novas referências sobre o tema custo-benefício de ações
ergonômicas.
90 Ergonomia ELSEVIER

Referências
STANTON, N. A.; BABER, C. On the cost-effectiveness of ergonomics. Applied Ergonom-
ics, 34(5), pp. 407-411, set. 2003.
COASE, R. H. The nature of the firm. Economica, v. 4, pp. 386- 405, nov. 1937.
______. The problem of social cost. Journal of Law and Economics, pp. 1-44, out. 1960.
HENDRICK, H. W. Determining the cost–benefits of ergonomics projects and factors
that lead to their success. Applied Ergonomics, v. 34, n. 5, pp. 419-427, set. 2003.
______; KLEINER, B. M. MacroErgonomia: uma introdução aos projetos de sistemas de
trabalho. Rio de Janeiro: Virtual Científica, 2006.
MAFRA, J. R. D. Metodologia de custeio para a Ergonomia. Contabilidade e Finanças,
n. 42, pp. 77 a 91, set./dez. 2006.
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2004. Tese (Doutorado em Engenharia) – Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-
Graduação e Pesquisa de Engenharia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
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______. Custeio baseado na análise ergonômica do trabalho: estudo de caso em uma
cozinha industrial. Ação Ergonômica, v. 2, n. 2, pp. 45-58, 2005.
NATIONAL INSTITUTE FOR OCCUPATIONAL SAFETY AND HEALTH – NIOSH. Pro-
gram portfolio: global collaborations, economic factors. Disponível em: http://www.
cdc.gov/niosh/programs/global/economics.html. Acesso em: 19 ago. 2010.
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OXENBURGH, M. S.; MARLOW, P.; OXENBURGH, A. Increasing productivity and profits
through health and safety. Danvers: CRC, 2004.
ROSS, S.; WESTERFIELD, R.; JAFFE, J. Administração financeira: corporate finance. São
Paulo: Atlas, 2002.
VIDAL, M. C. Guia para análise ergonômica do trabalho (AET) na empresa. Rio de Janeiro.
Virtual Científica, 2003.
Capítulo

5 Gestão de Ergonomia

Mario Cesar Vidal, Dr. Ing – PEP/COPPE/UFRJ

Conceitos apresentados
Neste capítulo trataremos da Gestão de Ergonomia na empresa, especialmente
focando o planejamento e a implantação de um sistema eficaz. Iniciaremos com a
definição de suas diretrizes essenciais, orientando sobre o estabelecimento da missão
de Ergonomia, tecendo indicações sobre a visão de futuro a formar, debatendo o tema
dos valores que regem as práticas e fazendo ressalvas acerca da adoção de padrões de
desempenho da Ergonomia na organização. Em seguida, apresentaremos e discutire-
mos a implantação de seu processo cíclico de disposição, constatação, ação, apuração
e avaliação. O capítulo se encerra com algumas considerações úteis sobre o realinha-
mento do sistema Ergonomia.

5.1. Ergonomia e gestão?


À primeira vista, o titulo deste capítulo poderia sugerir que estaríamos tecendo
recomendações de como um gestor poderia tratar seus afazeres de forma mais confortá-
vel, o que seria até uma boa proposta. No entanto, nossa linha aqui será a de mostrar ao
estudante de engenharia de produção como administrar um sistema de Ergonomia em
uma empresa ou organização. Da mesma forma, não se deve ficar intrigado com o termo
“administrar” pois, na verdade, gestão e administração, em que pese a recente valoriza-
ção do primeiro termo, são sinônimos do ato de dirigir um negócio. E, como já vimos no
capítulo precedente, o sistema de Ergonomia é uma parte significativa do negócio como
um todo.
Tomando a clássica definição de H. Fayol de que a administração significaria o
planejamento, organização, controle, coordenação e comando, definiremos a gestão por
meio da divisão desse largo escopo em 3 níveis, a estratégia (planejamento e organiza-
92 Ergonomia ELSEVIER

ção), a gerência (coordenação, controle e comando) e o realinhamento, acepção mais mo-


derna que submete planejamento, execução e controle ao estabelecimento de um ciclo
de melhoria contínua (Figura 5.1). São esses os temas que trataremos nessa relação entre
Ergonomia e gestão no âmbito das organizações.

)LJXUD$FRQVWUXomRVRFLDOHP(UJRQRPLD

A Ação Ergonômica busca uma proposta de mudança. Porém mudar, e mudar


para melhor, irá requerer uma bem organizada análise conjuntural, para que possa ser fei-
to, em seguida, um cuidadoso planejamento de suas diretrizes, uma correta organização
de suas estruturas e uma efetiva implementação de seu processo.

5.2. A análise conjuntural


A análise conjuntural objetiva entender a empresa em foco enquanto oportuni-
dade de desenvolvimento da Ergonomia. Isso requer examinar o grau de maturidade
existente, projetar a maturidade futura da Ergonomia e definir o caminho que ligue uma
coisa à outra (ergonomic driven journeys). No entanto, como tudo em Ergonomia, não
existe uma formula a priori, e sim uma construção empírica, ou seja, a busca de defini-
ção de metas e caminhos a partir do exame da situação da empresa. E nesse momento
estamos fortemente interessados em compreender a empresa, sua localização, e todas as
demais peculiaridades dessa organização.
Esse tipo de estudo preliminar da empresa se constitui na primeira ordem de
exigibilidades da NR 17: elementos básicos para a elaboração do quadro ergonômico
da empresa. Em muitos casos, algo bastante próximo do que se requer para esse estudo
preliminar pode estar disponível na própria firma, nos setores de engenharia industrial
mais bem estruturados. Na maioria dos casos, porém, as informações necessárias se en-
contram dispersas e incompletas, cabendo à equipe de Ergonomia reunir, sistematizar e
completar esse quadro de informações básicas sobre a empresa.
Para tanto, quatro grandes rubricas nos interessam especificamente: as contingên-
cias, a população de trabalhadores, as facilidades ofertadas aos funcionários e o funciona-
mento dos processos produtivos. Comentaremos neste capítulo seus teores, apontando
as ferramentas que serão mais bem desenvolvidas nos Capítulos 15 e 17.
Capítulo 5 | Gestão de Ergonomia 93

5.2.1. Contingências
Por continências, entende-se o conjunto de circunstâncias particulares a que um
sistema esteja submetido em face de um grupo de eventos especiais e articulados. Por
exemplo, um corte de energia implica em todo um procedimento especial para um gran-
de prédio comercial envolvendo o fluxo pelas escadas, a retirada de passageiros even-
tualmente encarcerados nos elevadores, uso de iluminação de emergência, e assim por
diante.
Assim sendo, o primeiro exame a ser realizado para uma implantação e gestão da
Ergonomia é o de situação da empresa e de suas contingências observáveis. Esse tipo de
exame se subdivide em quatro tópicos, ao menos: o produto e o mercado, um histórico
da empresa, características geográficas e características gerais sobre a organização e sua
posição tecnológica. O Quadro 5.1 reúne algumas das questões básicas a serem formu-
ladas para esse exame.

Quadro 5.1²&RQWH[WRHFRQWLQJrQFLDVGRIXQFLRQDPHQWRGDHPSUHVD

UÊ *Àœ`Õ̜ÊiʓiÀV>`œ: setor de atividade e importância socioeconômica da em-


presa. Qual a clientela, como está em termos de competição? A firma é única
no mercado ou existem muitos concorrentes? Qual o mix de produção (fa-
brica muitas coisas diferentes?), que materiais emprega, existe alguma coisa
em termos de qualidade de produto estabelecida? Existe variação sazonal da
produção?
UÊ ˆÃ̝Àˆ>Ê`>ÊwÀ“>: sua origem, tempo de existência, sua evolução, suas estraté-
gias atuais.
UÊ i“i˜ÌœÃÊ`iÊ}iœ}À>w>: localização, tecido industrial (existem outras firmas por
perto? Existem serviços próximos, e quais são eles?).
UÊ "À}>˜ˆâ>XKœÊ}iÀ>ÊiÊÌiV˜œœ}ˆ>: qual a tecnologia empregada? Existem firmas
de tecnologia mais avançada por perto? Concorrentes? Estudo do processo, do
fluxo; quais as características básicas do processo técnico, automação, informati-
zação, robótica, partes convencionais etc.?

5.2.2. Estudo da população de trabalho


População de trabalho refere-se ao conjunto de agentes humanos envolvidos no
processo de produção. O estudo da população de trabalho é um aspecto fundamental
do levantamento preliminar Afinal, a produção se faz com pessoas e necessita-se saber
muito sobre essas pessoas. O Quadro 5.2 traz exemplos do que se precisa saber nesse
sentido.
94 Ergonomia ELSEVIER

Quadro 5.2²(VWXGRGDSRSXODomRGHWUDEDOKR

UÊ +Õ>ÊÃÕ>ÊÀi«>À̈XKœÊ«œÀÊÃiݜÊiÊ«œÀÊv>ˆÝ>ÊiÌ?Àˆ>¶Ê
UÊ +Õ>˜ÌœÃÊÃKœÊ˜œÊ̜Ì>ÊiÊ`ˆÃÌÀˆLՉ`œÃÊi˜ÌÀiʜÃÊÌÕÀ˜œÃÊiÊ`ˆÛˆÃªiÃÊ`>ÊwÀ“>¶Ê
UÊ "˜`iʓœÀ>“ÊiÊVœ“œÊÛk“Ê«>À>ʜÊÃiÀۈXœ¶
UÊ +Õ>ÊœÊ}À>ÕÊ`iʈ˜ÃÌÀÕXKœÊiÊ`iÊiÃVœ>Àˆ`>`i¶Ê+Õ>Ê>ÊvœÀ“>Ê`iÊvœÀ“>XKœÊ«ÀœwÃȜ-
nal e de qualificação para os diversos postos?
UÊ +Õ>ÊœÊÌi“«œÊ`iÊ«iÀ“>˜k˜Vˆ>ʘ>ÊwÀ“>Êiʘ>Ê«ÀœwÃÃKœ¶
UÊ ÝˆÃÌi“Ê“ÕˆÌ>ÃÊv>Ì>ÃÊiʏˆVi˜X>Ãʓj`ˆV>öÊ+Õ>ˆÃÊ>ÃÊ`œi˜X>ÃÊiÊ«ÀœLi“>ÃÊ`iÊÃ>Ö`iÊ
que existem junto a essa população?
UÊ ÝˆÃÌiʓՈÌ>ÊÀœÌ>̈ۈ`>`iÊ`iÃÃiÊ«iÃÜ>¶
UÊ +Õ>ÊœÊÀi}ˆ“iÊÃ>>Àˆ>¶Ê ݈ÃÌi“Ê«Àk“ˆœÃÊiʜÕÌÀœÃÊLi˜iv‰VˆœÃ¶
UÊ ?ÊȘ`ˆV>̜ÊiëiV‰wVœÊ`>ÊV>Ìi}œÀˆ>¶ÊÊvœÀÌi¶Ê+Õ>˜ÌœÃÊȘ`ˆV>ˆâ>`œÃ¶

Essa demografia ocupacional dificilmente existe de forma estruturada na empresa.


No entanto, bem organizada a análise da população de trabalhadores, causa um grande
impacto e, dessa forma, deve ser utilizado meticulosamente como passo metodológico
de compreensão e de argumentação ergonômica. No entanto, deve-se tomar muito cui-
dado em sua elaboração, pois dependendo dos resultados a que se chegar, podem surgir
revelações constrangedoras acerca da empresa.

5.2.3. Avaliação das facilidades


Por facilidade, estamos querendo abranger o conjunto de disponibilidades que
a empresa coloca para facilitar a vida do funcionário na empresa. Nesse sentido, isso
abrange desde o sistema de transporte (as rotas) e as demais prestações indiretas, mas
de grande valia ao longo da jornada e da vida laboral. O estudante deve ter atenção com
esse termo, pois em geral ele se refere à existência de banheiros, vestiários e refeitórios.
Mas, por exemplo, a existência de terminais bancários ou uma lanchonete podem ser
consideradas como facilidades, claro, dependendo do contexto. A título indicativo, o
Quadro 5.3 mostra uma lista não exaustiva de itens que compõem as facilidades. Acei-
tam-se sugestões.

Quadro 5.3²$YDOLDomRGDVIDFLOLGDGHVGRVIXQFLRQiULRV

Grande item (OHPHQWRIDFLOLWDGRU 2EVHUYDo}HV


Transporte 6HUYLoRVXUEDQRV
5RWDV
6DtGDVHPHUJHQFLDLV
Preparação/Saída 9HVWLiULRV
%DQKHLURV
&RSDV
Capítulo 5 | Gestão de Ergonomia 95

9LYrQFLD 6DODVGHUHSRXVR
5HVWDXUDQWHFDQWLQD
7HOHIRQHV
)XPyGURPRV
&HQWURFRPHUFLDO
Atendimento $PEXODWyULR
7HUPLQDOEDQFiULR
5HFDUJDGH95H97
-RUQDOHLUR
Outros

5.2.3.1. Exploração do funcionamento


Funcionamento significa a forma como um sistema se organiza para realizar suas
funções, mediante as quais atingirá seus objetivos. A exploração do funcionamento aqui
quer significar que se deve buscar formar um entendimento mínimo dos contextos téc-
nico e organizacional tal como um batalhão realiza uma exploração da párea onde irá
fincar suas bases. Para nosso caso, essas bases podem ser esquematicamente subdivididas
nas seguintes dimensões: econômicas, sociais, legislativas, geográficas e técnicas (Qua-
dro 5.4).

Quadro 5.4²([SORUDomRGRIXQFLRQDPHQWRGDHPSUHVD

Dimensões 2EMHWR2EMHWLYR
(FRQ{PLFD ‡ 3RVLFLRQDPHQWRGDHPSUHVDQRPHUFDGR
‡ 0RPHQWRFRPHUFLDO FRQFRUUrQFLDIRUWHRXIUDFD
6RFLDO ‡ (YROXomRGDSRSXODomRGHWUDEDOKDGRUHVGDHPSUHVD
‡ 'DGRVFROHWLYRVVREUHDVD~GHGRWUDEDOKDGRU
‡ 3ROtWLFDVVRFLDLVMiWHQWDGDV
/HJLVODWLYD ‡ 5HJXODPHQWDomRGHDWLYLGDGHHVSHFtÀFD
‡ =RQHDPHQWRXUEDQRHYL]LQKDQoDV
‡ *HUHQFLDPHQWRDPELHQWDO
‡ $o}HVGR0LQLVWpULR3~EOLFR'57VHWF
*HRJUiÀFD ‡ 9DULDo}HVFOLPiWLFDV FKXYDVROIULRFDORUHWF
‡ /RFDOL]DomRHDFHVVLELOLGDGH
‡ 7UDQVSRUWHGRVRSHUiULRV
7pFQLFD ‡ 'HVFULomRGDVHWDSDVWpFQLFDVGRSURFHVVRSURGXWLYR
‡ 7HUPLQRORJLDYRFDEXOiULRVHMDUJ}HVGDÀUPD
‡ 2EMHWLYRVTXDQWLWDWLYRVGHSURGXomR
0LFUR$PELHQWDO ‡ (VSDoRVDFHVVRVHFLUFXODomR
‡ 5XtGRVHYLEUDo}HV
‡ ,OXPLQDomRHFODULGDGH
‡ $PELHQWHWpUPLFRSRHLUDVHYHQWLODomR
‡ 2XWURVULVFRVDPELHQWDLV
2UJDQL]DFLRQDO ‡ 3URJUDPDVMiUHDOL]DGRV 4XDOLGDGH$PELHQWH6HJXUDQoD
‡ 5HHVWUXWXUDo}HVUHFHQWHV WHUFHLUL]Do}HVUHHQJHQKDULDV3$93'9HWF
‡ 0XGDQoDVGHORFDO5HlayoutsHWF
96 Ergonomia ELSEVIER

5.3. A implementação de um sistema de gestão de Ergonomia


Planejamento, para muitos, é uma noção muito abstrata e que recorre a métodos
altamente sofisticados. Empregaremos aqui uma acepção mais intuitiva, segundo a qual
planejar é pensar nas ações imediatas e futuras, em face de um objetivo progressivamente
alcançado, e isso mediante um processo racionalizado. Para tanto o planejamento de um
sistema ira mobilizar todas as diretrizes essenciais da Ergonomia na empresa
Assim como buscamos escapar de uma elaboração abstrata, diremos aqui que
a implementação seja a prova dos nove do planejamento. Ela consiste na elaboração e
consolidação dos itinerários em cada parte da organização rumo a uma empresa melhor,
mas efetiva e mais amadurecida. Como sistema de gestão ela tem pontos em comum
com um sistema de gestão da qualidade, de gestão de riscos e outros sistemas com os
quais deve se articular e se coadunar. E tem algumas especificidades, pelo fato de se estar
tratando da atividade das pessoas, algo nem sempre bem cuidado na grande maioria
das empresas. Para orientar a implementação elaboramos uma atuação progressiva em
cinco momentos, como mostra o Quadro 5.5: Disposição, Constatação, Ação, Apuração
e Avaliação.

Quadro 5.5²*XLDSDUDLPSOHPHQWDomRGHXPVLVWHPDGHJHVWmRGH(UJRQRPLDQDHPSUHVD

Momentos 3URYLGrQFLDV Ações Nó de resultados


Disposição &RQVWUXLUHLPSOHPHQWDU $VVHQWDUEDVHV 3DGUmRHVWDEHOHFLGR
'LUHWUL]HV 7UHLQDUHPSUHVD 0HWDGHWUHLQDPHQWRDWLQJLGD
&RQVWDWDomR (VWDEHOHFHUFULWpULRVGH $SUHFLDU 0DSHDPHQWRUHDOL]DGR
HOHJLELOLGDGHHSULRUL]DomR 3ULRUL]DU (PSUHVDHVFDORQDGD
Ação )L[DU1tYHOGH4XDOLGDGH )L[DU(VFRSR 'HPDQGDVFODULÀFDGDV
$FHLWiYHO 14$ 5HDOL]DU3URMHWRV 6LVWHPDGH5HFHSomR
,PSODQWDU 6LVWHPDGHDFRPSDQKDPHQWR
Apuração (VWDEHOHFHUVLVWHPDGH &RQVWUXLU,QGLFDGRUHV 6LVWHPDGHFROHWDGHSDUkPHWURV
LQGLFDGRUHV &ROHWDUHWUDWDUGDGRV 'LDJQyVWLFRSDUWLFLSDWLYR
$YDOLDomR &RQIURQWDUUHVXOWDGRVH &RQVROLGDUDYDOLDomRFUtWLFD 5HODWyULRGHJHVWmR
SODQHMDPHQWR (VWUXWXUDULQYHVWLPHQWRV 2UoDPHQWRGH(UJRQRPLD

5.3.1. Disposição
A disposição para implementar um sistema de Ergonomia na empresa decorre
de seu planejamento, pois se trata de materializar a missão da Ergonomia em ações de
partida na empresa, em suas diretrizes básicas. Dois passos essenciais devem ser dados:
o estabelecimento de um padrão de Ergonomia e a formatação de um programa de trei-
namentos. Esses passos não necessariamente devem ocorrer em sequência, já que alguns
treinamentos podem ajudar a implementação de padrões e estes se tornarem conteúdos
de treinamento. Portanto, sua realização em paralelo pode ser uma opção razoável para
a maioria das empresas.
Capítulo 5 | Gestão de Ergonomia 97

5.3.1.1. Estabelecimento de padrões


Um padrão é um requisito ou norma estabelecida por um grupo. Em uma em-
presa é um documento formal que estabelece a uniformidade na engenharia e na gestão
mediante critérios técnicos, métodos, processos e práticas. Existem padrões formais para
alguns produtos da empresa, e as normas empresariais que ela professa e pratica e pa-
drões informais como hábitos e costumes, convenções e regras não escritas, e que são
aceitas e observados sem uma razão aparente para um membro de fora daquele grupo
ou empresa. Por exemplo, na França o cumprimento matinal deve ser necessariamente
verbal, enquanto em outros países o aceno gestual é a prática recomendada.
Esse passo singelo de tentar estabelecer as normas escritas válidas para as ações
de Ergonomia é de extrema importância para a Ergonomia na empresa. Ele permitirá
avaliar a maturidade da empresa, assim como a dos colaboradores investidos na missão
de fazer a Ergonomia progredir nessa firma. As dificuldades em estabelecer as regras sim-
ples de funcionamento como os protocolos de visita mediante comunicação, mediante
intervenção em um dialogo diário ou por meio de uma reunião de partida, tudo isso, que
parece simplório é de muita importância para aqueles que deverão organizar as ações de
melhoria no presente e no futuro.
Não existe naturalmente uma forma padrão para o padrão de Ergonomia, mas ele
deve basicamente traduzir em disposições normalizadas a estrutura das ações presentes
e futuras em Ergonomia. Uma boa forma de lograr os elementos para a redação dos pa-
drões é a simulação de cenários de situações futuras a partir da lista de ações indicadas
no Quadro 5.1. Outrossim, o padrão deve identificar as principais estruturas dar uma
denominação a elas, e definir como contribuem para a missão da Ergonomia nessa em-
presa. Para o sucesso se recomenda a contratação de um consultor ou facilitador externo
que organize sessões de planejamento. Por fim, um exercício que nenhum padrão poderá
se omitir é o de estabelecimento de um glossário em Ergonomia, uma tarefa que pode ser
objetivada no treinamento básico.

5.3.1.2. Montagem de estruturas


UÊ Grupo Técnico.
UÊ Facilitadores.
UÊ Comitê de Ergonomia.

5.3.1.3. Treinamentos
UÊ Formação estratégica (Sensibilização).
UÊ Formação básica (Conscientização).
UÊ Formação operativa (Atuação).
A implementação das estruturas e seus métodos de trabalho em uma organização
é a arte de promover mudanças transmitindo a forte sensação de que pouca coisa muda-
rá. Como a essa altura o trabalho de estabelecimento de padrões deva estar relativamente
98 Ergonomia ELSEVIER

adiantado, devemos cuidar de montar as estruturas de Ergonomia que já assinalamos no


Capítulo 1 deste livro.
Os treinamentos necessários para o desenvolvimento variam de acordo com a
política da empresa e sua conjuntura especifica. A implantação correta da Ergonomia,
entretanto, tem alguns conteúdos imprescindíveis quais sejam:
a) Palestras de sensibilização e de conscientização – devem envolver toda a for-
ça de trabalho e ser realizada em separado com os níveis políticos, estratégicos,
táticos e operacionais, empregando linguagens e indicando qual seu papel no
processo participativo em que se constitui a Ergonomia.
b) Treinamento Básico em Ergonomia – abordando conceitos, aspectos normativos
e ferramentas de avaliação global deve ser dirigido ao grupo técnico de Ergonomia
e futuros integrantes do comitê de Ergonomia.
c) Treinamento de Facilitadores de Ergonomia – similar em alguns pontos ao
treinamento anterior, ele se dirige basicamente aos níveis táticos e operacionais,
acrescidos de treinamentos específicos em facilitação, ou seja, a preparação da
chegada da equipe de Ergonomia numa área ou setor específico da empresa.
d) Treinamento avançado em apreciação ergonômica – dirigido ao grupo técnico
e aos gerentes e líderes de áreas, tem como temas o mapeamento (ergonomic scree-
ning) e a elaboração de laudos indicativos de ações plausíveis (ergonomic roadmap).
e) Treinamento em expertise de gestão – treinamento específico para o Comitê de
Ergonomia e para o grupo técnico consistindo em métodos de gestão (ergonomic
management) e de Programas de desenvolvimento da Ergonomia (ergonomic driven
journeys).
Tais treinamentos devem ser assegurados por equipes qualificadas. Nas empresas
em que couber a contratação de ergonomistas profissionais, estes devem seguir todos
esses treinamentos em diversas condições – como acompanhante das palestras de sensi-
bilização, como facilitador ou mesmo ministrante das palestras de conscientização, como
facilitador do treinamento de facilitador, como um dos treinandos nos temas avançados
e de expertise. O importante é que os treinamentos nunca sejam assegurados apenas
por pessoas do próprio local quando se tratar da implementação de um sistema em sua
primeira vez. Uma mescla entre externos e agentes locais de Ergonomia (da unidade ou
da própria empresa) costuma dar excelentes resultados.

5.3.2. Constatação
Essa etapa, em alguns casos acontece em paralelo ou até antecede a etapa anterior,
dependendo de conjunturas tais como a ocorrência de uma notificação de auditoria fis-
cal, a ocorrência de um acidente grave ou alguma decisão externa ou corporativa à qual
a unidade deva ser conformar. De forma geral é mais adequado que venha a ocorrer em
sequência aos passos iniciais de disposição.
Capítulo 5 | Gestão de Ergonomia 99

O tema, aqui é a formação de um quadro ergonômico inicial, de onde a ausência


de Ergonomia está se fazendo notar e onde a gravidade a urgência e a tendência dos
problemas decorrentes dessa ausência no planejamento e no funcionamento corrente
sejam significativos. Duas macrotarefas devem ser cumpridas, a saber: o mapeamento e
a priorização, o que coloca a necessidade de adicionar ao estabelecimento de padrões os
critérios que irão reger as ações de Ergonomia na empresa.

5.3.2.1. Mapeamento
Mapear significa produzir uma representação mínima de entendimento de um es-
paço, processo ou setor. Um mapa rodoviário, em geral, omite milhares de informações,
algumas até relevantes como a existência de aclives e declives, mas, em geral permite
aos motoristas trafegarem a contento pelas rodovias. O mapeamento em Ergonomia tem
a finalidade de elencar alguns dos problemas de ausência de Ergonomia que se possa
anotar numa primeira examinada. Os problemas de ausência de Ergonomia assim anota-
dos são plotados em alguma forma de segmentação da unidade, em geral por setores ou
“gerências”. No Capítulo 16 desta obra detalharemos alguns métodos de mapeamento.
Dependendo do contexto o mapeamento poderá se limitar a uma apreciação nor-
mativa ou combinar-se com diversos outros métodos de apuração de severidade ocupa-
cional, de gargalos de produção ou mesmo de atuação que comprometa o meio ambien-
te. Advertimos, porém, que o mapeamento não é uma finalidade em si mesmo, mas que
deve permitir a existência de um número de elementos de avaliação de um estado de
Ergonomia em um dado setor, unidade produtiva ou de negócio.

5.3.2.2. Priorização
De posse de um mapa o viajante deve ter algum objetivo em mente, pois sem isso
o mapa não terá serventia. Assim ocorre com o mapeamento ergonômico que nos oferece
um quadro ergonômico da empresa, mas terá sua efetividade encaminhada se e somente
se dele forem traçados planos de ação para a implantação de melhorias. Isso requer um
esforço de classificação e priorização.
A priorização de situações de trabalho para realizar melhoria é uma decisão fun-
damental na implantação da Ergonomia. A questão é delicada por atingir plenamente a
disputa entre setores e tocar em questões subjetivas. A disputa entre setores pode mal
assimilar o fato pelo qual um setor tenha “obtido” mais situações para melhoria do que
outro. A questão subjetiva aflora quando um trabalhador que se considera em uma si-
tuação de trabalho muito ruim vê o colega ao lado ter seu posto melhorado. Essas cons-
tatações reforçam a natureza participativa dos processos de Ergonomia na empresa ao
mesmo tempo em que estabelecem a importância do comitê – uma espécie de centro de
decisões e que justificam o aval inequívoco da direção da empresa.
100 Ergonomia ELSEVIER

Dado que o mapa já se constitui numa topografia – por setor ou “gerência” – cabe
um segundo tratamento a cada integrante do mapa em termos de priorização. Várias
ferramentas desenvolvidas para a Ergonomia buscaram estabelecer critérios de severida-
de – mais comuns em Ergonomia física – e que podem ajudar no esforço de priorização.
Nos Capítulos 16 a 19 deste livro trataremos desses temas.
A ferramenta aqui é a avaliação multicritério.

Tomada de decisão multicritério


Tomada de decisão multicritérios (MCDM), é uma disciplina que visa apoiar os to-
madores de decisão que são levados a fazer avaliações numerosas e conflitantes. A MCDM
procura destacar esses conflitos e obter um caminho para chegar a um compromisso em
um processo transparente. Ao contrário dos métodos que pressupõem a disponibilidade
de medições, no MCDM as decisões derivam ou são interpretadas subjetivamente, como
indicadores da força de várias preferências. Tais preferências diferem de decisor para de-
cisor, de modo que o resultado depende de quem está fazendo a decisão e quais são seus
objetivos e preferências. Um modelo multicritério tem, pois, como objetivo estruturar o
problema conforme os juízos de valor dos atores envolvidos no processo, buscando seu
entendimento no contexto decisório no qual ele está inserido.
A metodologia tem como foco avaliações nas quais existe uma diversidade de pon-
tos de vista, alguns deles contraditórios. Nesses contextos não existe, a princípio, um en-
caminhamento que contemple todos os pontos de vista, daí decorrendo uma fase de ali-
nhamentos. A análise multicritério, nesse ponto apresenta uma interessante conformação,
por se estruturar em uma sequência de fases com características dinâmicas e não lineares,
o que implica em anéis de realimentação, na capacidade de reformulações no decorrer do
processo e na possibilidade de realinhamentos ad hoc. Com tais propriedades ela se adequa
bastante bem ao processo participativo em que a prática da Ergonomia se assenta.
O sistema do processo de apoio à decisão é composto de dois subsistemas que se
inter-relacionam: o subsistema de ações e o subsistema de atores. O subsistema de ações
cuida da natureza das propostas e colocações feitas num processo decisório, conquanto
o subsistema de atores qualifica os participantes em função de seu poder de intervenção
no processo. Avaliando propostas quanto à sua realidade, pertinência e viabilidade em
função do poder de influência, convencimento e veto dos atores a decisão é formada.
Contudo, por se tratar de um sistema que se estrutura dinamicamente e de forma não
linear (sistema no qual uma coisa não leva necessariamente a outra), o processo é revisto
e ajustado até que decisões consideradas boas possam ser tomadas.
A aplicação da MCDM é dividida em três fases: estruturação, avaliação e recomen-
dação. Na estruturação é feita a definição do problema, a elaboração do mapa cognitivo
de cada participante e sua evolução a um mapa cognitivo do grupo. Esse mapa grupal
será, então, analisado com vistas a elaborar uma arborescência (organização hierárquica
Capítulo 5 | Gestão de Ergonomia 101

de pontos de vista) para finalmente serem estabelecidos os descritores, ou sejam, enun-


ciados que descrevem os impactos plausíveis das ações potenciais em termos de cada
ponto de vista fundamental. Tal estrutura abre o caminho para a avaliação que é feita
sobre as propostas e colocações à luz do mapa cognitivo grupal à luz de apreciação (ou
cálculo) de valores. Matematicamente são construídas funções de valor quantitativas ou
qualitativas segundo métodos diversos. Finalmente, a fase de recomendações deve passar
por uma análise de sensibilidade (verificação final do resultado com relação ao problema
inicial) e elaboração de recomendações (ou decisões concluídas).

5.3.3. Plano de ação


Se a priorização é necessária e reclamada no processo de implantação da Ergonomia na
empresa, então o plano de ação deverá realizar três ações: a definição do plano, a fixação do
escopo, a orçamentação e sua implantação final. Em outros termos, a construção do plano
de ação emerge da priorização realizada na etapa anterior e definirá os projetos, assim
como preparará os orçamentos correspondentes. Vejamos cada uma dessas ações.

5.3.3.1. Definição do plano


Em sua forma um plano de ação deve seguir o modelo já consolidado da excelên-
cia produtiva, sintetizado no Quadro 5.6.

Quadro 5.6²0RGHORGHSODQRGHDomR 314 

Que Quem Quando Quanto Onde &RPR


3RUTXH
$o}HV 5HVSRQViYHO 3UD]R &XVWR /RFDO 0pWRGR

Para estabelecer o plano de ação se deverá:


UÊ Definir os tipos de ações necessárias nos diversos setores pertinentes da organiza-
ção para a efetiva implementação da Ergonomia.
UÊ Nomear responsável ou responsáveis pela execução das ações.
UÊ Fixar os prazos para a execução das ações.
UÊ Calcular o custo para a execução de cada ação, o que vai orientar os recursos dis-
poníveis para a implementação do plano.
UÊ Apontar os locais onde as ações deverão ser implementadas.
UÊ Desenvolver os métodos a serem seguidos pelos executantes.
UÊ Formular uma explicação da necessidade da implementação das ações e dos mé-
todos preconizados. Essa justificativa é importante para que o responsável de uma
dada ação se comprometa com sua implementação e, consequentemente, com a
Ergonomia na empresa.
O gestor desse processo, como um todo é o Comitê de Ergonomia que poderá
delegar em parte algumas responsabilidades para o Grupo Técnico de Ergonomia.
102 Ergonomia ELSEVIER

5.3.3.2. Escopo de melhorias


O passo seguinte é definir o tratamento a ser estabelecido de forma geral – uma
espécie de logística de mudanças – e definição dos aportes a cada situação eleita na
priorização. O mapeamento, por ter como base a avaliação da equipe combinada com a
expressão do trabalhador, poderá apontar a existência de problemas cuja solução possa
ser obtida mediante diferentes tratamentos, quais sejam:
UÊ Engenharia Complexa – mudanças que requerem um prazo amplo e um desen-
volvimento mais aprofundado – Ex.: desenvolvimento e instalação de um novo
maquinário.
UÊ Projeto e Layout – requerem prazos menores porem investimentos razoáveis Ex.:
Troca de uma ferramenta manual por uma pneumática.
UÊ Implementação simples – mudança facilmente implementáveis, sem demandar
investimento substancial. Ex.: Orientação para elevação da altura de um monitor
de computador.
Nesses dois últimos casos, o mapeamento deverá ser complementado por análises
da atividade com um grau de aprofundamento compatível com a estrutura do problema
apontado. No Capítulo 15 é mostrado o método de análise ergonômica do trabalho que
permite uma modelagem bastante aprofundada de uma situação de trabalho e que é a
mais recomendada para os casos de engenharia complexa, e que em geral implicam na
redefinição de conteúdos cognitivos (Capítulos 9 e 10), de seus artefatos típicos como
as telas de interface humano-computador ou sistema de controle (Capítulo 29) e reque-
rendo um projeto adicional, o de um treinamento operacional na situação melhorada
(Capítulo 30).

5.3.3.3. Realizar Projetos


Por realizar projeto se entenda estabelecer e especificar todas as mudanças na
situação escolhida. Recomenda-se, para efeito de documentação, que a equipe de pro-
jeto documente a situação atual e a nova situação após a implementação das mudanças,
inclusive com depoimentos dos operadores e lideres de área. O tema será aprofundado
nos Capítulos 21 a 31.

5.3.3.4. Orçamentação
Essa é a principal tarefa do Comitê de Ergonomia e é a razão pela qual nele devem
figurar pessoas com alto poder de decisão da empresa ou unidade. O orçamento deverá
contar com vários itens tais como o valor dos projetos, o valor das compras de materiais,
equipamentos e serviços, o treinamento para o uso da nova situação pelos operadores.
Ainda importante que se tenham bem registrados os parâmetros econômicos da situação
atual para que se possam ser feitas avaliações de custo-benefício.
Capítulo 5 | Gestão de Ergonomia 103

5.3.3.5. Implantação
Implantar cada projeto na situação correspondente pode parecer uma ação ób-
via, mas na verdade deve cercar-se de alguns cuidados. Independentemente da par-
ticipação que já tenha ocorrido até o momento, é recomendável que o projeto seja
discutido com os futuros ocupantes da situação na forma de maquetes físicas e pro-
tótipos, que é quando a implantação deve começar. Em seguida deve-se estudar cui-
dadosamente a ocupação – isso sendo mais intensamente necessário em projetos de
mudanças na organização especial. A análise de pré-ocupação pode resolver problemas
estruturais e é mais uma oportunidade de revisão do projeto de que o projetista não
deve abrir mão. Finalmente considerar que no período de ajustes ocorrem observações
úteis entremeadas de reclamações meramente reativas. O papel do grupo técnico, em
tais circunstâncias, é o de coletar todas as colocações e posteriormente fazer uma aná-
lise de sensibilidade.
Seja como for, a implantação deve ser regida por três signos: a) existe um projeto
de mudança elaborado de forma participativa; b) a solução em implantação pode sofre
algum ajuste; c) toda colocação e reclamação deve ser acolhida o que não necessariamen-
te significa que esteja correta.

5.3.4. Apuração
Imaginaremos que o plano de ação, orçamentado, seja executado em diversos
setores da empresa. Como poderemos entender o conjunto das transformações realiza-
das, em diversos setores, com tratamentos diferenciados e com orçamentos distintos.
Como comparar, como confrontar, como medir a efetividade desses processos? Esse é o
problema central desse item: a construção, a alimentação e a depuração de dados em um
sistema de indicadores de Ergonomia.

5.3.4.1. A construção de indicadores


O tema de indicadores é objeto de uma vasta e profunda literatura na área de
gestão, cuja síntese requeria uma obra igual ou maior do que esta. Não sendo esse nosso
intuito, definiremos um indicador como o valor síntese de um conjunto de parâmetros
de uma realidade em processo de mensuração, avaliação ou apreciação. Em alguns casos
os indicadores podem ser qualitativos (previsão de tempo bom) ou se tomarem a forma
de índices quantitativos (em geral percentuais de um dado universo ou ainda o cálculo
de um valor que se aplica numa escala de referência). Em Ergonomia podem ser em-
pregadas todas essas modalidades, desde que os indicadores cumpram sua finalidade:
permitir entender o estado e o andamento do processo de Ergonomia.
104 Ergonomia ELSEVIER

Os indicadores qualitativos, embora de grande utilidade para o praticante


de Ergonomia durante seu trabalho cotidiano, tem uma forte rejeição da parte dos
gestores, pelo aspecto nebuloso que veiculam e a decorrente maior dificuldade de
comparação entre os setores sob avaliação. Muitos indicadores do tipo percentuais
(por exemplo, índice de satisfação), no entanto, recorrem a formas de quantificação
discutíveis (escalas psicométricas ou sociométricas), assim como as avaliações por
“graus” podem trazer confusões pela falta de uniformidade de escores. Por exemplo,
a avaliação GUT, que trataremos no Capítulo 16, apresenta escores entre 1 e 125 com
uma faixa de aceitabilidade para valores entre 27 e 48, conquanto o índice OCCRA
(que veremos no Capítulo 17) estabelece sua linha de corte no valor 3,5 (acima do
qual uma situação é considerada extrema, mesma condição que a avaliação RULA
estabelece para o valor 5).
Isso não deve desesperar ao estudante, pois existe uma solução adotada pela maio-
ria das organizações: a construção de seus próprios sistemas de indicadores. Em geral é
formado um indicador combinando as ferramentas existentes com a suficiente coerência
interna para servir aos propósitos da empresa. Tal indicador não deve privilegiar nem a
severidade (efeitos das condições de execução da atividade sobre a saúde do trabalha-
dor) nem a efetividade (entraves para realizar suas metas dentro ou acima dos padrões)
e tampouco a sustentabilidade (decorrências ambientais dos modos operatórios), mas
sim estabelecer uma combinação entre essas linhas-mestras em função da missão da
Ergonomia da empresa.

5.3.4.2. O diagnóstico participativo


Dispor de indicadores significa ter feito um trabalho prévio de elaboração de um
sistema de alimentação da base de dados de onde esses indicadores são extraídos. Por-
tanto, uma tal construção é condição sine qua non para esse próximo passo que é o
diagnóstico participativo. O diagnóstico consiste na computação dos dados e na sua
interpretação. Seu aspecto participativo ocorre em dois momentos:
UÊ num primeiro momento a participação se traduz na alimentação à base de dados
e esta se faz por reportes das áreas e setores;
UÊ num segundo momento pela apreciação conjunta da interpretação dos indicado-
res computados.
Uma forma interessante de viabilizar uma decisão participativa é a Reunião Cole-
giada de Avaliação Crítica na qual participam os representantes dos setores e que deverão
ter realizado uma apreciação prévia dos indicadores das áreas que compõe aquele setor.
A grande vantagem dessa ferramenta de gestão é que ela possibilita unificar o processo de
Ergonomia na Empresa mediante a constatação de diferenças de atitude e de resultados
entre setores da empresa
Capítulo 5 | Gestão de Ergonomia 105

A reunião colegiada de avaliação crítica


A reunião colegiada de avaliação crítica é uma prática muito comum na maioria
das empresas de médio e grande porte. Ela consiste no exame de um tema transver-
sal – que se reporta a todos os setores da empresa. Esse tema é preparado sob a forma
de perguntas-chave de três naturezas (como o setor se encontra com respeito ao tema,
quais as causas desse status quo e quais os encaminhamentos cogitados. Na reunião cada
um apresenta seu relatório de resultados em face das perguntas-chave e busca justificar
os desempenhos atingidos – análise dos indicadores – e justificar os encaminhamentos
sugeridos.

)LJXUD²(VTXHPDGHUHXQLmRFROHJLDGDGHDYDOLDomRFUtWLFD

A reunião se faz, formalmente, mediante uma pauta onde os temas são avalia-
dos em sequência. No entanto, ela segue uma dinâmica que consiste em seis etapas
subsequentes, conforme a Figura 5.2 A cada momento devem ser avaliados os aspectos
positivos e negativos do encaminhamento. A apresentação dos relatórios setoriais em
sequência é a técnica que faz aflorar os diferentes pontos de vista e diagnósticos (ma-
pas cognitivos). O debate deve ser conduzido segundo a técnica de mediação – onde
o mediador faz pontuações sintetizando as colocações e assentando entendimentos. A
existência de padrões, nesse momento é essencial para balizar esses encaminhamentos.
As conclusões e consequentes decisões de agir são o ponto central de cada passagem por
temas e devem ser sintetizadas e repetidas ao final da reunião.
106 Ergonomia ELSEVIER

5.3.5. Avaliação
Etapa final do ciclo, a avaliação se realiza pela confrontação entre o planejamento
e os resultados obtidos. Ela é a continuidade executiva da etapa de apuração. E deve
propiciar o mais importante resultado de todo o processo, o orçamento anual de Ergo-
nomia da empresa. Tal resultado é alcançado por dois passos sucessivos, a consolidação
da avaliação crítica e a estruturação dos investimentos em Ergonomia.

5.3.5.1. A consolidação da avaliação crítica


A reunião colegiada de avaliação crítica é um momento em geral intenso na vida
organizacional. Ao sair de uma atividade dessa natureza, os sentimentos de decepção e
euforia são em geral bastante vívidos. No entanto de pouco adiantaria essa reunião se não
cuidarmos de seus desdobramentos. Na própria preparação da reunião muitos materiais
são produzidos na confecção dos reportes setoriais, e esses são enriquecidos por debates
e decisões. Tudo isso deve ser formalizado e a ferramenta é o relatório de gestão.
A consolidação da avaliação crítica deverá conter três partes fundamentais: o diag-
nóstico, as oportunidades de melhoria e a priorização dessas oportunidades. Esta última
parte é uma atividade que cabe ao Comitê de Ergonomia estabelecer, à luz do relatório
de gestão.

O relatório de gestão
Os Relatórios da Gestão apresentam as práticas de gestão e seus respectivos resul-
tados numa dada organização. O relatório Anual de Ergonomia deve apontar os resulta-
dos de transformações positivas realizadas. Os temas indicados aqui são sugestões que
poderão variar de uma empresa para outra, em função de suas características diferencia-
doras. Assim sendo, um relatório Anual de Ergonomia deverá, minimamente:
UÊ Comentar os procedimentos de ação ergonômica realizados.
UÊ Indicar os quantitativos de áreas e setores com diferenciação por tipo de tratamen-
to e nível de projeto efetuado.
UÊ Ilustração e desdobramento dos casos mais emblemáticos.
UÊ Avaliação custo-benefício do trabalho realizado no ano-base.

5.3.5.2. O orçamento anual de Ergonomia


Essa é a principal peça administrativa e a finalidade mesma de todo o processo de
planejamento e implantação da Ergonomia na empresa: dispor do orçamento anual de
Ergonomia. Os elementos até aqui desenvolvidos permitirão ao estudante compreender
como se estabelece esse orçamento, pela composição das etapas do processo de Ergono-
mia até aqui organizado passo a passo.
Capítulo 5 | Gestão de Ergonomia 107

4XDGUR²2UoDPHQWRDQXDOGH(UJRQRPLD

Momentos 3URYLGrQFLDV Ações Resultados Orçamentação


Disposição &RQVWUXLU'LUHWUL]HV $VVHQWDUEDVHV 3DGUmRHVWDEHOHFLGR
7UHLQDUHPSUHVD 0HWDGHWUHLQDPHQWR
DWLQJLGD
&RQVWDWDomR &ULWpULRVGH $SUHFLDU 0DSHDPHQWRUHDOL]DGR
SULRUL]DomR 3ULRUL]DU (PSUHVDHVFDORQDGD
Ação )L[DU1tYHOGH )L[DU(VFRSR 'HPDQGDVFODULÀFDGDV
4XDOLGDGH$FHLWiYHO 5HDOL]DU3URMHWRV 6LVWHPDGH5HFHSomR
14$ ,PSODQWDU 6LVWHPDGH
$FRPSDQKDPHQWR
Apuração (VWDEHOHFHUVLVWHPD &RQVWUXLU,QGLFDGRUHV 6LVWHPDGHFROHWD
GHLQGLFDGRUHV &ROHWDUHWUDWDUGDGRV 'LDJQyVWLFRSDUWLFLSDWLYR
$YDOLDomR &RQIURQWDUSODQRH $YDOLDomR&UtWLFD 5HODWyULRGHJHVWmR
UHVXOWDGRV (VWUXWXUDULQYHVWLPHQWRV 2UoDPHQWRGH(UJRQRPLD
Orçamento total

5.3.5.3. Contratação de Ergonomia


UÊ Instruir demandas de campo (definição de escopos).
UÊ Formalizar convites.
UÊ Avaliar propostas.

5.4. Página escolar


Referências
GRANDJEAN, E. Ergonomia, Bookmans, Porto Alegre.
IIDA I. Ergonomia, projeto e produção. Edgard Blicher, São Paulo, 2005.
VIDAL, M. C. Notas de antropometria. MEP/UFPb, João Pessoa, 1979.
VIDAL, M. C. Antropometria e fundamentos de estatística. Curso de Especialização Supe-
rior em ergonomia, COPPE/UFRJ, 2002.
FES 300 COMMITTEE. Guidelines for Using Anthropometric Data in Product Design, DFES
publishing, 2004. Links: www.hfes.org.
Capítulo

6 Ergonomia e fatores
humanos: bases científicas
Lia Buarque de Macedo Guimarães, Ph.D. – CPE PPGEP/UFRGS

6.1. Ergonomia e fatores humanos?


Na América do Norte, o termo Fatores Humanos (Human Factors) vinha sendo
mais utilizado do que Ergonomia, o que justificava o nome da sociedade americana fun-
dada em 1957, e que prevaleceu até 1990 (Human Factors Society). A engenharia de fato-
res humanos, ou de “componentes humanos” foi muito importante na Segunda Guerra
e após, no sentido de obter dados sobre as características (capacidades, limites, limiares
e limitações) humanas com o objetivo de inserir esses dados no projeto de ferramentas,
equipamentos, máquinas, sistemas e interfaces em geral, para uso efetivo pelo ser huma-
no em condições confortáveis e seguras. Devido à influência da Ergonomia militar, o ser
humano considerado foi quase exclusivamente o homem jovem, branco, com excelente
saúde e, sobretudo, grande, e os dados obtidos em experimentos em laboratórios (mili-
tares, em sua maioria) e técnicas de simulação.
Essa abordagem de uma engenharia preocupada com os fatores humanos ficou
muito marcada, firmando a ideia de que os norte-americanos visam, principalmente,
estudar os fatores humanos para concepção de projetos ao invés de entender o trabalho,
enquanto a Ergonomia europeia (principalmente a francesa) visa a intervenção sobre os
próprios locais da produção e menos diretamente a concepção de projetos. Com base
no que era produzido nos dois continentes, e principalmente na avaliação dos teores
dos trabalhos apresentados nos congressos de Ergonomia, De Montmollin e Baingrid-
ge (1985) reforçaram, no Boletim da Human Factors Society, que os norte-americanos
faziam uma distinção entre fatores humanos (preocupada com a biomecânica e fatores
ambientais) e a Ergonomia (que teria relação com a tarefa em si), enquanto na Europa o
termo Ergonomia englobava tudo. As diferenças entre a abordagem norte-americana e a
europeia, foram caracterizadas pelos autores por três contrastes:
112 Ergonomia ELSEVIER

1) Taxonomia vs. processo: a abordagem norte-americana consistia em descrever as


tarefas e atividades, colocando-as em taxonomias (o que permite a elaboração
de diretrizes, ou guidelines, para projetos adaptados a uma méda imaginária de
trabalhadores) e classificando-as em categorias para permitir generalizações. Por
outro lado, a abordagem europeia buscava descrever as atividades dos operadores
como um processo sendo realizado em uma situação específica. Em suma, os
ergonomistas da linha americana objetivavam melhorar o trabalho de usuários
anônimos, enquanto os da linha europeia (principalmente francesa) visavam me-
lhorar as condições de trabalho de operadores perfeitamente identificados, privi-
legiando a dinâmica da atividade humana no trabalho, mais do que a constância
de características físicas e fisiológicas. O trabalho é analisado como processo, no
qual interagem o operador (ator capaz de iniciativas e de reações) e seu ambiente
técnico, também evolutivo e influenciável.
2) Consideração dos aspectos físicos do trabalho vs. aspectos mentais: o que está
diretamente relacionado à taxonomia para definição de normas, já que é mais fácil
isolar as variáveis que afetam a postura, por exemplo, e definir normas de assento
do que analisar como se dá a resolução de problemas durante um processo de
trabalho, situação que impossibilita generalizações e estabelecimento de normas.
A linha europeia, por outro lado, privilegia as atividades do operador, priorizando
o entendimento da tarefa, os mecanismos de seleção de informações, de resolução
de problemas, de tomadas de decisão. A Ergonomia francesa (ou francofônica),
muito mais psicológica e cognitiva, não resolve os mesmos problemas que a Ergo-
nomia americana, mais antropométrica ou fisiológica.
3) Estudos realizados em laboratório vs. estudos de campo: na América do Norte,
dentro da abordagem científica clássica, o trabalho é quebrado em partes isoladas
para teste em laboratório (onde medem alcances, esforços, discriminação visual,
rapidez de resposta etc.), mantendo constantes algumas variáveis, tais como ida-
de, acuidade visual, nível de instrução etc., na busca por leis com alto poder de
generalização, sem a preocupação de entender as ações de grupos específicos,
mas de um ser humano adulto médio, o que também viabiliza a formulação de
normas.
Com a diversificação das fontes de informação, e o volume da documentação
gerada sobre as capacidades e os limites, o homem “médio” tendeu a desaparecer e deu
lugar ao homem “estatístico” em relação a vários parâmetros. Com o “homem estatístico”,
a Ergonomia dos fatores humanos norte-americana municiou (e municia) a concepção
das “máquinas” (dos utensílios manuais aos dispositivos técnicos mais complexos) que
passaram a vir em primeiro lugar no sistema humano-técnico-trabalho, para evitar aci-
dentes e fadigas excessivas dos usuários e, mais recentemente, a fim de propiciar um
controle das máquinas mais eficaz e mais confortável.
Capítulo 6 | Ergonomia e fatores humanos: bases científicas 113

No entanto, passados 25 anos do artigo assinado por De Montmollin e Bainbridge


(1985), hoje está bem clara e reconhecida a complementaridade (ou a similaridade) entre
os conceitos da Ergonomia e dos fatores humanos, sendo 1993 uma data marcante, pois
foi quando a Sociedade de Fatores Humanos (Human Factors Society) americana mudou
oficialmente seu nome para Sociedade de Fatores Humanos e Ergonomia (Human Factors
and Ergonomics Society). Na época, a apuração quanto à mudança do nome da Sociedade
gerou muita discussão, já que, para alguns, a entrada do nome Ergonomia tirava o cará-
ter científico (e engenheirístico) da Sociedade e, para outros, o novo nome da Sociedade
era uma redundância. No entanto, por trás do nome existe um obstáculo profissional, já
que somente engenheiros podem ser “engenheiros de fatores humanos” (human factors
engineers) e esses profissionais temem perder mercado ao aceitar uma associação mais
efetiva com ergonomistas, preferindo, assim, continuar associados aos fatores humanos
mais diretamente relacionados à engenharia e, portanto, à HFES (Human Factors and
Ergonomics Society).
As definições de Ergonomia e fatores humanos para alguns pesquisadores são
complementares, mas, na realidade, podem e devem ser entendidas como sendo a mes-
ma coisa, já que não há Ergonomia (ou seja, interação entre as pessoas com a tecnologia,
o ambiente e a organização) sem se conhecer os fatores humanos implicados nessa re-
lação. Os tais manuais, guias, normas etc. produzidos pela Ergonomia dos fatores hu-
manos, apesar do viés do ser humano imaginário avaliado em testes de laboratório (e,
portanto, com todos os erros embutidos pelas condições estabelecidas) tem importância
inegável no momento de concepção de projetos. A partir deles, pode-se fazer ajustes e
adotar soluções de compromisso a partir do que se analisa sobre o que está ocorrendo no
chão de fábrica (conforme a linha mais europeia). Em suma, o que interessa para o en-
tendimento e projetação de qualquer sistema mais bem adaptado ao ser humano usuário
são os dois enfoques, para que não se tenha uma Ergonomia capenga.

6.2. A importância dos fatores humanos na Ergonomia


Segundo a definição da Associação Internacional de Ergonomia (International Er-
gonomics Association – IEA) de 2000, adotada pela Associação Americana (Human Factors
and Ergonomics Association – HFES) e Brasileira (ABERGO), a Ergonomia (como é conhe-
cida na Europa e no Brasil) ou os fatores humanos (como é conhecida a Ergonomia na
América do Norte),
[...] é a disciplina científica relacionada ao entendimento das interações
entre seres humanos e outros elementos de um sistema, e também é a pro-
fissão que aplica teoria, princípios, dados e métodos para projetar a fim de
otimizar o bem-estar humano e o desempenho geral de um sistema. Os
ergonomistas contribuem para o projeto e avaliação de tarefas, produtos,
ambientes e sistemas, a fim de torná-los compatíveis com as necessidades,
habilidades e limitações das pessoas.
114 Ergonomia ELSEVIER

Com base nessa definição, fica claro que Ergonomia diz respeito à adaptação:
quaisquer máquinas e quaisquer sistemas no qual tenha o ser humano envolvido devem
estar adaptados ao usuário, e não ao contrário. Ou seja, a Ergonomia objetiva adaptar os
sistemas aos usuários e não que os usuários se adaptem ao sistema. Deve também ficar
claro que a Ergonomia não lida apenas com a adaptação do trabalho tradicional às pes-
soas na forma do trabalhador, como é mais difundido, mas de todo e qualquer sistema
(processo, serviço ou produto), considerando o que as pessoas fazem, os objetos que
usam, e o ambiente em que elas trabalham, viajam e têm lazer. Se essa adaptação é alcan-
çada, o estresse nas pessoas é reduzido. Elas ficam mais confortáveis, podem fazer suas
atividades mais rapidamente e de forma mais fácil e segura, gerando menos incidentes.
A partir do momento que a Ergonomia é a disciplina científica que pretende en-
tender a interação entre os seres humanos (subsistema pessoal) e os demais elementos
de um sistema (tecnológico, organizacional e do ambiente interno e externo, conforme
o enfoque macroergonômico de Hendrick e Kleiner (2006), pode-se entender que os
fatores humanos correspondem a um grupo de informações relacionadas com as habi-
lidades, limitações e outras características do subsistema humano, que são relevantes
para o projeto de um sistema. Iida (1990), no capítulo de fatores humanos no trabalho,
comenta sobre a monotonia, a fadiga e motivação como três aspectos muito importantes
para o projeto do trabalho que “[...] se não podem ser totalmente eliminados podem ser
controlados e substituídos por ambientes mais interessantes e motivadores”. O autor
comenta que “[...] até agora o homem adulto de 20 a 30 anos tem sido usado, quase
sempre, como paradigma do trabalhador [...]” mas os fatores humanos como a idade, o
sexo, deficiências físicas precisam ser considerados em todos os projetos. O propósito de
se conhecer os fatores humanos é tornar o trabalho mais rico, interessante, estimulante e
pouco desgastante, enfim, melhor para os seres humanos.
Este capítulo foca esses fatores humanos que devem ser considerados em qual-
quer estudo ergonômico. A fim de facilitar o entendimento, esses fatores serão discutidos
considerando os três domínios de especialização da Ergonomia de acordo com a Associa-
ção Internacional de Ergonomia (IEA), a saber: Ergonomia Física, Ergonomia Cognitiva
e Ergonomia Organizacional.

6.2.1. Ergonomia física


A Ergonomia Física: lida com as respostas do corpo humano à carga física e psi-
cológica. Preocupa-se, principalmente, com os aspectos físicos da interface humano-
-máquina (anatômicos, antropométricos e sensoriais), objetivando dimensionar a estação
de trabalho, facilitar a discriminação de informações e a manipulação dos controles.
Tópicos relevantes incluem manipulação de materiais, arranjo físico de estações de tra-
balho, demandas do trabalho e fatores tais como repetição, vibrações, força e postura,
relacionadas com os Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORTs). Os
fatores humanos relacionados à Ergonomia física são principalmente: a) as características
Capítulo 6 | Ergonomia e fatores humanos: bases científicas 115

ligadas a influência do ambiente físico; b) as características antropométricas; e c) as ca-


racterísticas ligadas aos fatores biomecânicos:
UÊ as características ligadas à influência do ambiente físico: o calor e o frio, a poei-
ra, os agentes tóxicos, o ruído, as vibrações e as acelerações bruscas. Esses são
domínios onde a Ergonomia se identifica com a Medicina do Trabalho. Os dados
fisiológicos mais importantes para os projetos de produtos e processos estão dis-
poníveis nos livros de Eastman Kodack (1983), Iida (1990; 2005), Grandjean
(1998) e Kroemer e Grandjean (2005). Informação sobre Ergonomia Física e Saú-
de Ocupacional em geral encontra-se em McCormick e Ernest (1980), Grandjean
(1984), Salvendy (1987), Sanders e McCormick (1993), Oborne (1995), Wilson
e Corlett (1995), entre outros.
UÊ as características antropométricas: alturas, comprimentos e larguras de diferen-
tes segmentos corporais, que estão disponíveis em tabelas, e algumas em livros
técnicos (Eastman Kodack,1983; Iida, 1990 e 2005; Panero e Zelnik, 2003). No
Brasil, a única tabela (com 3.100 medidas antropométricas e 700 biomecânicas
da população amostrada) que está de acordo com as normas internacionais (pela
confiabilidade dos dados) é a do INT (1988) que mediu 3.100 homens da po-
pulação da Indústria de Transformação do Rio de Janeiro No entanto, os dados
não representam toda a população brasileira (pois não foi feito levantamento em
todas as regiões por motivo de verba), a tabela não inclui as mulheres e não foi
atualizada. As tabelas, em geral, trazem estatísticas com valores mínimos, médios,
máximos e de vários percentis (1, 5, 10, 50, 75 e 95). Nos projetos, geralmente,
utiliza-se as dimensões extremas (5o e 95o percentis) de forma a atender 90% da
população. O valor da variável média nas tabelas é apenas uma referência, já que
não se projeta para a média, como se costuma pensar. A média é uma abstração
estatística e ao se projetar para ela, a única certeza que se pode ter é que ninguém
se encaixará no valor: os produtos estarão superdimensionados para todos abaixo
da média e subdimensionados para os que estão acima da média. Uma regra que
sempre dá certo é que alcances são sempre projetados para o menor (percentil 5)
e acessos para o maior (percentil 95). Outra regra é a de jamais projetar com base
em levantamentos antropométricos caseiros (por exemplo, medir 20 pessoas do
escritório, os operadores do chão de fábrica em estudo etc.) porque o erro (em
função da forma de medição e da seleção da amostra, entre outros) é grande, sen-
do preferível utilizar tabelas estrangeiras disponíveis em bancos de dados interna-
cionais. Isso porque as diferenças entre populações (principalmente populações
miscigenadas como a americana, a francesa, a italiana, espanhola etc.) são meno-
res que a variabilidade intrapopulacional, ou seja, as discrepâncias entre as medi-
das tomadas no Brasil, comparando o Oiapoque e o Chuí, são maiores do que as
variáveis tabeladas, por percentil, nas tabelas compatíveis com a população brasi-
leira (as tabelas de populações miscigenadas já mencionado). Evitar, no entanto,
116 Ergonomia ELSEVIER

levantamentos específicos (por exemplo, da população militar, dos aviadores da


força aérea americana etc.) porque eles representam populações pré-selecionadas,
sem representatividade para a população geral. Não utilizar, também, dados de
populações não miscigenadas como é o caso da japonesa, alemã etc. Uma literatu-
ra especializada em antropometria podem ser encontrada em Int (1988), Roebuck
Jr. (1995), Pheasant (1996), Panero e Zelnick (2003), entre outros.1
UÊ as características ligadas aos fatores biomecânicos: biomecânica é basicamente
a mecânica aplicada aos seres humanos (ver Capítulo 8). Estuda as posturas assu-
midas, as forças empregadas, os esforços de alavanca que são comuns em tarefas
de manuseio de carga e operações de máquinas em geral. Com base em estudos de
Hettinger (1960), a capacidade de execução de força decresce com a idade e tem
diferenças ente sexos. A mulher tem capacidade muscular de aproximadamente
2/3 dos homens (Hettinger, 1960 apud Grandjean, 1998).
Com relação à força máxima em trabalho sentado, Kroemer e Grandjean (2005),
a partir de estudos de Caldwell (1959) com sujeitos sentados com apoio para as costas,
chegaram às seguintes regras:
1) A mão com rotação para dentro (pronação do antebraço) exerce mais força (180
N) do que com rotação para fora (supinação) (110 N). Deve-se notar que esses
valores de força indicam apenas a ordem de magnitude. Pessoas diferentes têm
forças diferentes.
2) A força de rotação da mão é maior se operando a uma distância de 30 cm à frente
do eixo do corpo.
3) A mão tem mais força quando puxando para baixo (370 N) do que quando pu-
xando para cima (160 N).
4) A força de empurrar da mão é maior (600 N) do que a força de puxar (360 N).
5) A maior força para empurrar desenvolve-se quando operando a 50 cm à frente do
eixo do corpo.
6) A maior força de puxar ocorre quando operando a uma distância de 70 cm.
A força máxima exercida pelos músculos que dobram o cotovelo (músculo bí-
ceps) depende da elevação do braço. Os resultados dos estudos de Clarke et al. (1950)
e Wakim et al. (1950) mostram que o maior momento ocorre quando o cotovelo está
dobrado entre 90 e 120. Já a força máxima em trabalho de pé para puxar e empurrar foi
detalhadamente estudada por Rohmert (1966) e Rohmert e Jenik (1972). Do estudo de
Rohmert (1966), Kroemer e Grandjean (2005) tiraram as seguintes conclusões:
1) Estando de pé, na maioria das posições do braço, a força de empurrar é maior do
que a força de puxar.
2) As forças de empurrar e de puxar são as maiores na posição vertical e as menores
na posição horizontal.

1
O tema Antropometria volta a ser tratado neste livro nos Capítulos 19 e 20.
Capítulo 6 | Ergonomia e fatores humanos: bases científicas 117

3) As forças de empurrar e de puxar são da mesma ordem de magnitude tanto se


a posição dos braços é estendida para os lados ou para a frente do corpo (plano
sagital).
4) a força de empurrar no plano horizontal é de: 160-170 N nos homens e de 80-90
N nas mulheres.
Postos de trabalho mal concebidos exigem que o ser humano se estique, incline-se,
dobre-se etc., saindo da postura neutra do corpo que é a que menos exige do indivíduo
ou da postura que mais favorece o exercício de força com menos esforço. Portanto, o
melhor projeto é aquele em que o ser humano adota as posturas mais naturais e faz
esforços compatíveis com suas características físicas (que têm relação direta com a
antropometria, o sexo, a idade e as condições gerais de saúde do usuário). A Eastman
Kodak (1983) propõe a escolha da postura assumida no posto de trabalho segundo as
tarefas executadas, conforme a Tabela 6.1.

Tabela 6.1²'HÀQLomRGDVSRVWXUDVDVVXPLGDVQRSRVWRGHWUDEDOKR
VHJXQGRDVWDUHIDVH[HFXWDGDV

Parâmetros 1 2 3 4 5 6 7 8
²/HYDQWDUSHVRHRXH[HUFHUIRUoD P P P P 36 36 36
²7UDEDOKRLQWHUPLWHQWH P P P 336 336 336
²1HFHVVLGDGHDOFDQFHDPSOR P P 36 36 36
²7DUHIDVYDULDGDV P 36 36 36
²$OWXUDVXSHUItFLHWUDEDOKRYDULiYHO S S S
²0RYLPHQWRVUHSHWLWLYRV S S
²$WHQomRYLVXDO S
²7UDEDOKRGHSUHFLVmR
²'XUDomRVXSHULRUDKRUDV

Fonte: Adaptado de Eastman Kodak (1983).

Posturas forçadas são encontradas em muitas situações de trabalho que obrigam


o trabalhador a manter os braços elevados, a manter o tronco e a cabeça inclinados para
frente, exigindo esforço dos músculos de sustentação das costas para manutenção do
equilíbrio. Na postura neutra, a cabeça (que pesa em media 4-5 kg) e o tronco (que
pesa em media 40 kg) foram biomecanicamente projetados para se manter eretos. Ao
sair do eixo de gravidade (como por exemplo, ao se exigir que o trabalhador de pé na
linha de montagem mantenha a cabeça dobrada para frente para realizar um trabalho de
montagem), os esforços de alavanca para suportar quaisquer alterações de desequilíbrio
lateral ou frontal da parte superior do corpo exigem um esforço que pode ser exaustivo
para o trabalhador sem, no entanto, agregar nenhum valor ao trabalho realizado. Dul e
Weerdmeester (1993) mostram que quanto mais para frente o tronco se inclina, mais
difícil é sustentar a parte superior do corpo em equilíbrio, sendo o estresse maior na
parte inferior das costas. Quando a cabeça é inclinada mais do que 30o para frente, há
118 Ergonomia ELSEVIER

sobrecarga na nuca e nos ombros. Outro exemplo dados pelos autores é quanto as con-
sequências deletérias para as costas quando se sustenta um peso. Uma mala de 20 kg
sustentada com o braço estendido para baixo (postura neutra) gera 450 N de tensão nas
costas. A tensão chega a 700 N quando a mesma mala é segurada com o braço dobrado
e a 950 N quando o braço está esticado para frente. Em situações de manuseio de carga,
comuns nos chão de fábrica durante manuseio de peças e, principalmente, nas áreas de
expedição, a situação de agrava, porque o trabalhador geralmente faz apenas um tipo de
trabalho muscular (estático), em ciclos muito reduzidos, durante toda a jornada. Vários
estudos mostraram como a repetição de um mesmo esforço pode levar a lesões, às vezes
irrecuperáveis. Para Silverstein, Fine e Armstrong (1987), ciclos reduzidos de alto risco
são aqueles de menos de 30 segundos.
Uma das leis muito usadas oriundas de estudos de fatores humanos diz respei-
to ao manuseio de carga. O National Institute for Safety and Health (NIOSH) americano
estabeleceu uma equação com base a qual é possível identificar quais fatores estão con-
formes e quais devem ser alterados para preservar a saúde do trabalhador. As soluções,
geralmente, se encontram na otimização do posto e na organização do trabalho, princi-
palmente, no ritmo de trabalho exigido (ver Capítulo 15 desta obra).
Os riscos posturais também foram analisados em vários estudos de fatores huma-
nos e traduzidos em protocolos que permitem a avaliação no chão de fábrica. Os mais
conhecidos são os check-lists de Lifshitz e Armstrong (1986), Keyserling et al. (1993) e
Couto (1998); os critérios semiquantitativos de Karu, Kansi e Kuorinka (1977) conheci-
do como OWAS (Ovako Working Posture Analysing) proposto por Karu, Kansi e Kuorinka,
em 1977 e sua versão computadorizada WinOWAS® (Kivi; Matilla, 1991), o protocolo
de Rodgers (1989), o RULA (Rapid Upper Limb Assessment) desenvolvido por Mcatam-
ney e Corlett, em 1993 e o mais recente REBA (Rapid Entire Body Assessment) proposto
por Hignett e Mcatamney, em 2000, e o protocolo de Malchaire (1998); e os critérios
quantitativos Moore e Garg (1995) e a minuta da International Ergonomics Association
desenvolvida por Colombini e Occhipinti (1995), que deu origem ao método conhecido
como OCRA (idem, cap. 15).
As regras de ouro da biomecânica são: evitar a repetitividade, evitar trabalho está-
tico, alternar posturas e movimentos, manter as articulações em posição neutra sempre
que possível. Os dados biomecânicos mais importantes para os projetos de produtos e
processos estão disponíveis nos livros da Scherrer et al (1967), Tichauer (1978), Eastman
Kodack (1983), Chaffin, Andersson e Martin (1984), Clark e Corlett (1984), Pheasant
(1991), Iida (1990; 2005), Dul e Weerdmeester (1995), Grandjean (1998), Kroemer e
Grandjean (2005), entre outros.
as características ligadas aos fatores fisiológicos: o esforço fisiológico
pode ser avaliado com base no esforço muscular (estudado pelas contra-
ções musculares, diretamente (por eletromiografia), pelo consumo de oxi-
Capítulo 6 | Ergonomia e fatores humanos: bases científicas 119

gênio e pelo ritmo cardíaco. A importância de se conhecer esses dados é


que o consumo fisiológico aumenta com o aumento da demanda de esforço
físico (e se esse esforço é estático ou dinâmico) e mental despendido para
a execução de uma tarefa e com o ritmo de trabalho, sendo influenciado,
também, pelas condições ambientais, principalmente pelo calor. À medida
que o dispêndio fisiológico aumenta, há redução de desempenho. A Figu-
ra 6.1 mostra que a frequência cardíaca e o consumo energético depende
da carga de trabalho: quanto mais quente o ambiente, maior a parcela de
trabalho estático e menor o grupo de músculos envolvidos na atividade
(Grandjean, 1998 e Kroemer; Grandjean, 2005).

)LJXUD²5HODomRHQWUHDIUHTXrQFLDFDUGtDFDRFRQVXPRHQHUJpWLFR
e as condições de trabalho

Fonte: Adaptado de Grandjean (1998) e Kroemer e Grandjean (2005).

A Figura 6.1 deixa claro que a frequência cardíaca é muito mais sensível a algumas
situações de trabalho do que o consumo energético. Os dois indicadores só são compa-
ráveis quando a situação não envolve calor e quando o trabalho é dinâmico, envolvendo
vários grupos musculares. Com base na Tabela 6.2, pode-se depreender que o melhor
projeto é aquele no qual o trabalhador não fica plantado em um único posto sob calor:
ou seja, deve-se projetar trabalhos multifuncionais em espaços arejados longe de fontes
de calor (quer seja o sol, fornalhas etc.). Quando não for possível projetar de forma
otimizada, a solução é deixar a pessoa o mínimo de tempo possível naquela situação e
oferecer mais pausa durante o trabalho. Quanto mais pesado o trabalho, maior deverá ser
o número (frequência) e tempo de duração dessas pausas.
A intensidade da carga de trabalho em relação à frequência cardíaca (FC) e ao
consumo energético (avaliado pelo VO2 máx., expresso em litros/minuto), foi tabulada
por Astrand e Rodahl (1986) em cinco categorias, como mostra a Figura 6.4.
120 Ergonomia ELSEVIER

7DEHOD²,QWHQVLGDGHGDFDUJDGHWUDEDOKRHPUHODomRj)&HDR922Pi[

Trabalho )& EDWLGDVPLQ O2 OHWURVPLQ


/HYH ” ”
0RGHUDGR D D
3HVDGR D D
0XLWR3HVDGR D D
([WUHPDPHQWH3HVDGR D •

Fonte: adaptado de Astrand e Rodahl (1986).

A Eastman Kodack (1983) propõe avaliar a percentagem de capacidade de carga


utilizada pelo trabalhador da seguinte forma:

PMFC = FC (média durante o trabalho) – FC (repouso) (1)


FC (máxima espera) – FC (repouso)

Onde:
PMFC: percentual máximo de frequência cardíaca; e
FC: frequência cardíaca
FC (máxima esperada): frequência cardíaca máxima esperada = 220 – idade.

De acordo com Eastman Kodack (1983), pode-se considerar que 33% é o limite
aceitável do percentual da máxima capacidade aeróbica utilizada.
Outra forma de avaliar o custo do trabalho é medindo o pulso de trabalho (PT)
que é a diferença entre a frequência cardíaca durante do trabalho e aquela tomada com o
sujeito em repouso. Grandjean (1998) propõe que 35 PT e 30 PT é o máximo permitido
para trabalho contínuo para homens e mulheres, respectivamente.
Os dados fisiológicos mais importantes para os projetos de produtos e processos
estão disponíveis nos livros da Eastman Kodack (1983), Iida (1990; 2005), Grandjean
(1998), Kroemer e Grandjean (2005), entre outros.
UÊ as características psicofisiológicas: ênfase é dada ao olho e o desempenho visual
e visão noturna; ao ouvido e o desempenho auditivo, em diversas condições,
principalmente a audição em locais ruidosos; mas também o olfato, o tato, e os
tempos de reação. Estudam-se os fenômenos do sistema nervoso central como a
percepção visual (limiar de discriminação de diferentes formas e cores, por exem-
plo), a atenção e a vigilância (atenção prolongada) que ocorrem em situações de
detecção de sinais raros e aleatórios, a monotonia e o estresse que são resultantes
de trabalhos pobres, pouco estimulantes e sem sentido. Estudam-se também os
efeitos do sexo, idade e envelhecimento e do de estimulantes (café, fumo, álcool),
para quebrar a monotonia e a fadiga. Conforme Iida (1990), um trabalhador mo-
tivado produz mais e melhor e sofre menos os efeitos da monotonia.
Capítulo 6 | Ergonomia e fatores humanos: bases científicas 121

Essas questões dizem respeito diretamente à demanda geral do trabalho sobre o


ser humano, tendo em vista que nenhum trabalho é apenas físico ou mental. Qualquer
trabalho tem os dois componentes, apesar de alguns exigirem mais do componente físico
(manuseio de carga, por exemplo) e outros mais do componente mental (trabalhos de con-
trole, por exemplo). Meister (1976) estudou a relação entre a demanda e o desempenho na
realização de uma tarefa, dividindo o modelo em três regiões, como mostra a Figura 6.2.

Figura 6.2 – Relação entre demanda e desempenho

Fonte: Adaptado de Meister (1976).

A região “A” caracterizada por alto desempenho e baixa demanda, a região “C”
com demanda máxima e baixo desempenho, e a região “B” o desempenho decresce com
o aumento da demanda e aumento da carga de trabalho mental. Meister (1976), no
modelo apresentado, indica que as medições da carga de trabalho medida com base na
performance, só apresentam sensibilidade variável na região “B”, na região “A”, o índice
de performance permanece constante no nível máximo, independente das variações de
demanda, e na região “C”, o índice de performance permanece constante em seu nível
mínimo, independente das variações de demanda. O autor indica que quando aplicadas
as técnicas de medição subjetivas por autoavaliação, os índices são sensíveis à variação
da carga na região “B” e indicam claramente a sobrecarga na região “C”.
A NASA (Hart; Staveland, 1988) desenvolveu um questionário multidimensional
(NASA Tlx) para avaliação de carga de trabalho, que considera a média ponderada de seis
subescalas: demanda mental, demanda física, demanda temporal, performance (satisfa-
ção com o próprio desempenho) esforço e nível de frustração. Apesar de o questionário
ter sido desenvolvido para avaliação da carga de trabalho mental, na realidade ele mede
a carga de trabalho geral (física e mental), já que considera a carga física e esforço geral
entre os seis fatores. O que é correto e adequado para utilização em qualquer tipo de
trabalho, pois, como já mencionado, todo trabalho envolve as dimensões física e mental.
Outra ferramenta é a Swat (Reid et al., 1981) que também é uma ferramenta de escala
subjetiva desenvolvida pela US Air Force. Usa três níveis (baixo, médio e alto) para cada
uma das três dimensões: tempo, esforço mental, e estresse psicológico. O escore final é
uma nota global. No entanto, o NASA TLX é a ferramenta mais usada.
122 Ergonomia ELSEVIER

UÊ as características dos ritmos circadianos:2 os ritmos circadianos regulam a ativi-


dade biológica durante as 24 horas do dia e importam na alternância vigília-sono,
em particular, e a influência de suas perturbações (devidas ao trabalho em notur-
no e em turnos, de equipes alternantes, por exemplo) sobre o sono, e mais generi-
camente sobre a saúde. Os ciclos circadianos são oscilações nas funções fisiológi-
cas humanas com um ciclo aproximado de 24 horas que são notadas nas pressões
sanguíneas, temperatura corporal, excreção renal e quantidade de hormônios no
sangue. Durante o dia, os órgãos e funções estão preparados para a produção.
Durante a noite, as atividades dos órgãos estão amortecidas, pois o organismo está
preparado para o descanso e reconstituição de reservas de energia. Murrell (1965)
considera que a variação mais importante é a temperatura interna do corpo que,
guardando-se as diferenças individuais, varia de 1,1º a 1,2 ºC durante o dia, ou
seja, de 36,2 ºC entre 2 e 4 horas da manhã começando a subir por volta das 8 ho-
ras da manhã, atingindo seu máximo, 37,4 ºC aproximadamente, por volta das 8
horas da noite, quando começa a cair novamente até atingir o mínimo novamente
entre 2 e 4 horas da manhã.
Segundo Murrel (1965), durante os períodos de baixa temperatura, muitas ativi-
dades do organismo diminuem para criar condições adequadas a uma boa noite de sono,
como é o caso da atividade mental, o ritmo de digestão, assim como o da excreção de
urina. Por outro lado, quando a temperatura é mais alta, o corpo está mais ativo, o que
é uma condição mais favorável para o trabalho. Tendo em vista as variações fisiológicas,
os horários de alimentação e o acúmulo de fadiga, pode-se esperar que durante a jornada
de trabalho haja dois picos máximos de disposição para o trabalho: entre 9 e 10 horas e
entre 15 e 16 horas. Depois há um decréscimo gradativo atingindo um mínimo durante o
sono entre 2 e 4 horas da madrugada, começando a aumentar novamente, completando
o ciclo diário.
Trabalhos projetados sem a consideração dos ritmos circadianos impactam nega-
tivamente no trabalhador e no desempenho do trabalho. Por exemplo, de acordo com
Grandjean (1998), mais incidentes são esperados no período da madrugada (principal-
mente entre 2 e 3 horas da manhã) quando o ritmo circadiano não permite que o opera-
dor esteja em estado de vigília. Em um estudo que registrou 62.000 erros de leitura em
diversos instrumentos ocorridos hora a hora, em turnos de 24 horas, constatou-se maior
frequência de erros às 3 horas da manhã (Iida, 1990).
Existem diferenças individuais importantes em relação ao ciclo circadiano, com uma
diferença entre relógios biológicos de 3 horas ou mais. Essas diferenças são denominadas
cronotipo (que podem ser identificadas, entre outras formas, por meio do questionário
de Horne e Östberg (1976) já validado em uma população brasileira por Benedito-Silva
et al. (1990) que varia em um contínuo de matutinos até os vespertinos. Os matutinos
acordam com mais facilidade pela manhã e geralmente dormem cedo. A sua temperatura
2
Este tema será mais aprofundado no Capítulo 7.
Capítulo 6 | Ergonomia e fatores humanos: bases científicas 123

sobe mais rapidamente a partir das 6 horas da manhã e atinge o máximo por volta de 12
horas. Os vespertinos são mais ativos à tarde e no início da noite. A temperatura corporal
sobe mais lentamente na parte da manhã sendo que a máxima ocorre por volta das 18
horas. Encontram menor disposição pela manhã, mas adaptam-se facilmente ao trabalho
noturno. No projeto de trabalho, essas características deveriam ser levadas em consideração,
alocando-se os matutinos para os trabalhos diurnos e os vespertinos para os trabalhos
noturnos. No entanto, isso não é colocado em prática nas empresas, por desconhecimento
ou desinteresse em elaborar planilhas laborais mais apropriadas e, principalmente, pelo fato
da Constituição Federal Brasileira (Brasil, 1988) no seu art. 7o, inciso IX, que estabelece que
são direitos dos trabalhadores, além de outros, remuneração do trabalho noturno superior
à do diurno. O adicional noturno é de 20% no salário. Considera-se o trabalho noturno
aquele realizado entre as 22:00 horas de um dia às 5:00 horas do dia seguinte nas áreas
urbanas. Nas áreas rurais, é considerado noturno o trabalho executado na lavoura entre
21:00 horas de um dia às 5:00 horas do dia seguinte, e na pecuária, entre 20:00 horas às
4:00 horas. A hora de trabalho normal tem a duração de 60 minutos e a hora de trabalho
noturna, por disposição legal, nas atividades urbanas, é computada como sendo de 52
minutos e 30 segundos. Portanto, considerando o horário das 22:00 às 5:00 horas, tem-se
7 horas-relógio que correspondem a 8 horas de trabalho. Em função do ganho econômico,
é muito difícil convencer um matutino a não atuar em trabalho noturno, mesmo que isso
traga desvantagens para sua saúde e vida social e, o que também é preocupante, colocar em
risco o trabalho que está sendo realizado.
Mesmo durante o dia, o ritmo circadiano impede que a disposição para o trabalho
(e, portanto, a produtividade) seja a mesma durante toda a jornada de trabalho. Parker e
Oglesby (1972), em um estudo na construção civil deixam claro que o ser humano não
é uma máquina e que seu desempenho varia com suas capacidades fisiológicas que não
são estanques nem durante o dia e nem durante a semana, pois há predisposição para
atuação melhor em determinados horários e pior em outros (Figura 6.3), o que se agrava
com o acúmulo de fadiga.

)LJXUD&XUYDGHSURGXWLYLGDGHGLiULD HVTXHUGD HVHPDQDO GLUHLWD 


HVWDEHOHFLGDSRU3DUNHUH2JOHVE\ 
124 Ergonomia ELSEVIER

6.2.2. Ergonomia cognitiva


Ergonomia Cognitiva é um tema que teve impulso nos anos 1980 com o advento
do computador e a maioria dos estudos dizia respeito às características da interface ou
da interação humano-computador enfatizando os aspectos semânticos e cognitivos da
informação que aparecem na tela. Mas a Ergonomia Cognitiva, também conhecida como
engenharia psicológica, refere-se aos processos mentais, tais como percepção, cognição,
atenção, controle motor e armazenamento e recuperação de memória, como eles afetam
as interações entre seres humanos e outros elementos de um sistema, ou seja, a resposta
dada pelo ser humano durante sua atuação em dado sistema. Tópicos relevantes incluem
carga mental de trabalho, vigilância, tomada de decisão, desempenho de habilidades,
erro humano, interação humano-computador e capacitação/treinamento.
Alguns estudos propostos na linha de fatores humanos em cognição são a base de
muitos estudos de capacidade de trabalho e incidentes. Por exemplo, os estudos sobre
o processo de memória de Atkinson e Schiffrin (Figura 6.4), e do modelo processador
humano de Card, Moran e Newell (1986) são estudos clássicos em Ergonomia cognitiva
ligados ao processo de trabalho e não simplesmente à tela do computador (cores, tama-
nhos de letras etc.), como ocorre em muitos estudos de interação humano-computador
(IHC) que era corrente no início dos anos 1980, com o advento do computador.

)LJXUD²0RGHORGHPHPyULDSURSRVWRSRU$WNLQVRQH6FKLIIULQHP

No modelo de Atkinson e Schiffrin (1968) (Figura 6.4), a captação da informação


advinda do meio ambiente entra na caixa de armazenamento sensorial que armazena por
muito pouco tempo (<1 s). O que é selecionado passa para a memória de trabalho ou de
curta duração que armazena por alguns segundos ou minutos passando o que interessa
para a memória de longa duração que mantém a informação por tempo indeterminado.
O trabalho do dia a dia é feito com a informação da memória de curta duração, que
tem capacidade de armazenamento limitada (em torno de 5 a 9 chunks ou pedaços de
informação, segundo Miller, 1956) mas o resgate é fácil. Na memória de longa duração,
fica armazenado o conhecimento adquirido durante a vida, os dados não são apagados
porque a capacidade de armazenamento é muito grande, mas o resgate dessa memória
nem sempre é fácil.
Capítulo 6 | Ergonomia e fatores humanos: bases científicas 125

Card, Moran e Newell (1986) propuseram o modelo processador humano que


pretendeu ser um método para utilizar o conhecimento da psicologia na prática da enge-
nharia. O modelo do processador humano é uma simplificação dos processos cognitivos
composto por um conjunto de parâmetros de memória e processadores e de um conjun-
to de princípios de operação. O modelo tem três subsistemas que interagem: a) o sistema
perceptual; b) o sistema motor; e c) sistema cognitivo. Cada um deles tem suas próprias
memórias e processadores. As memórias e os processadores do modelo são descritos por
alguns parâmetros. Os mais importantes parâmetros da memória são a capacidade de ar-
mazenamento, uma constante de perda e o tipo de código principal. O mais importante
parâmetro de um processador é o tempo de ciclo.
O sistema perceptual consiste de sensores e bancos de memória associados, sendo
os bancos mais importantes o visual e o auditivo, que armazenam a imagem auditiva e
visual recebidas do mundo exterior enquanto que elas estão sendo simbolicamente codi-
ficados. O sistema cognitivo recebe a informação simbolicamente codificada dos bancos
de imagem sensoriais na sua memória de trabalho e usa a informação previamente ar-
mazenada na memória de longa duração para tomar decisões e dar uma resposta. Como
uma aproximação, o modelo considera que existe um processador separado para cada
subsistema: um processador perceptual, um processador cognitivo e um processador
motor. Para algumas tarefas, como, por exemplo, apertar um botão em resposta a um
sinal de luz, o ser humano deve se comportar com um processador serial. Em outras ta-
refas, como, por exemplo, digitar, ler e fazer tradução simultânea, é possível integrar, em
paralelo, os três subsistemas. Um digitador lê uma palavra com o processador perceptual
e passa para o processador cognitivo, ao mesmo tempo em que digita a palavra com o
processador motor.
O modelo cognitivo aqui apresentado supõe alguns parâmetros relativos a seus
principais conteúdos que caracterizaremos de forma tópica:
UÊ movimento do olhar = 230 (70 ~ 700) msec Essa expressão contém um valor
típico (230 msec) o limite inferior e o limite superior (70 ~ 700) msec.
UÊ memória perceptual: imediatamente após o estímulo visual, uma representação
do estímulo aparece no banco de imagem visual. Para um estímulo auditivo existe
o banco de imagem auditiva. Esses bancos armazenam informação fisicamente
codificada (não é simbólico, é análogo ao estímulo externo). A codificação é afe-
tada pelas propriedades do estímulo (intensidade etc.). As memórias perceptuais
do modelo estão intimamente relacionadas com a memória de trabalho. Imedia-
tamente após a representação de um estímulo em uma das memórias perceptuais,
uma representação simbólica acústica ou visual ocorre na memória de trabalho. Se
o conteúdo da memória perceptual é complexo ou muito numeroso, a memória
de trabalho se esgota antes que todos os itens da memória perceptual possam ser
transferidos e representados na memória de trabalho. No entanto, o processador
cognitivo pode especificar qual é a porção da memória perceptual a ser codificada.
126 Ergonomia ELSEVIER

A especificação só se dá pelas dimensões físicas já que ela é a única informação


codificada.
UÊ perda de memória: a perda da memória da imagem visual e auditiva é igual a
metade do tempo de vida definido como o tempo que a probabilidade de retenção
é menor que 50% capacidade de memória visual: 200 (90 ~1.000) msec auditivo:
1500 (900~3.500) msec.
UÊ processador perceptual: o tempo de ciclo do processador perceptual está relacio-
nado com a resposta do impulso unitário e sua duração é de 100 (50 ~ 200) msec.
No sistema motor o pensamento é traduzido em ação pela ativação voluntária dos
músculos. Para os operadores das máquinas, os sistemas mais importantes são do
braço, mãos e dedos, e cabeça e olhos.
UÊ sistema cognitivo: nas tarefas mais simples, o sistema cognitivo serve para co-
nectar os impulsos que chegam do sistema perceptual para as saídas do sistema
motor. No entanto, a maior parte das tarefas realizadas pelo ser humano é com-
plexa e envolve aprendizado, armazenamento de fatos ou a solução de problemas.
Como se pode esperar, as memórias e os processadores do sistema cognitivo no
modelo processador humano são mais complicados do que os sistemas motor e
perceptual.
UÊ memórias cognitivas: o modelo processador mantém duas memórias importan-
tes: a memória de trabalho para armazenar informação que está sendo utilizada,
e a memória de longa duração para armazenar conhecimento para uso futuro. A
memória de trabalho mantém os produtos intermediários do pensamento e as re-
presentações produzidas pelo sistema percentual. Funcionalmente, a memória de
trabalho é de onde as operações mentais obtêm os seus operandos e deixa as suas
saídas. Ela constitui o registro geral do processador cognitivo. Estruturalmente, a
memória de trabalho consiste num subconjunto de elementos da memória de lon-
ga duração que se tornam ativados. Essa associação entre a memória de trabalho
e a memória de longa duração pode ser representada quando se coloca a memória
de trabalho dentro da de longa duração.
UÊ Codificação acústica e visual: embora a memória de trabalho possa ter informa-
ção codificada em várias maneiras, o uso de códigos simbólicos acústicos é muito
comum, sem dúvida pela importância que o material verbal tem para as pessoas
desempenharem uma determinada função. Códigos visuais também são utiliza-
dos. Para o propósito do modelo processador humano, considera-se que os dois
códigos são predominantes.
Os estudos de Atkinson e Schiffrin e Card Moran e Newell são apenas uma apro-
ximação do que poderia estar ocorrendo na mente do ser humano que, obviamente,
não opera em caixinhas. Mas são estudos importantes na área de fatores humanos, pois
deram uma base sobre o que é importante em sistemas cognitivos. No entanto, a Ergono-
mia cognitiva mais atual concentra-se nas capacidades cognitivas do individuo em lidar
Capítulo 6 | Ergonomia e fatores humanos: bases científicas 127

com sistemas complexos, sendo áreas particulares de interesse a carga mental de traba-
lho, o conteúdo do trabalho, percepção e tratamento das informações e tomadas de deci-
são implicadas no trabalho. Situações que são objeto de estudo da Ergonomia cognitiva
mais contemporânea, são o trabalho em salas de controle (de usinas, tráfego aéreo etc.) e
as situações críticas em que as competências dos operadores (e não somente seu conforto
e sua visão) permitem evitar as catástrofes. Estas últimas são o foco da Ergonomia de Sis-
temas cognitivos (ESC), que estuda o trabalho cognitivo na interação humano-sistema.
A análise Cognitiva do Trabalho (ACT) é uma família de métodos usados para
estudar e descrever o raciocínio e o conhecimento. Os estudos incluem as atividades de
perceber o que está por trás do desempenho das tarefas, o conhecimento, as habilidades
cognitivas e as estratégias necessárias para responder a situações complexas, e os pro-
pósitos metas e motivações para o trabalho cognitivo. As três principais fases da ACT
são: elicitação do conhecimento, análise de dados e representação do conhecimento.
Elicitação do conhecimento refere-se aos métodos de obtenção de informação sobre o
que e como as pessoas sabem, os julgamentos, as estratégias, o conhecimento e as habi-
lidades que sustentam a performance (Ver métodos em <http://mentalmodels.mitre.org/
cog_eng/ce_sys_eng_phases_matrix.htm>).
Uma literatura em Ergonomia cognitiva está disponível em De Montmollin (1986;
1996), Wickens (1992), Woods et al. (1994), Woods e Hollnagel (2006).

6.2.3. Ergonomia organizacional3


Os precursores atuaram bem antes da oficialização da Ergonomia, sendo Taylor
(1995 [1911]) apontado como o grande pioneiro com seus estudos sobre a adminis-
tração científica do trabalho, aplicada em 1918, na mineração de ferro e carvão, pos-
sibilitando que ele estipulasse a melhor pá, a melhor quantidade e o melhor operário
para o trabalho eficiente. O casal Frank e Lillian Gilbreth (1911) deram continuidade
às análises sistemáticas para a racionalização do trabalho estudando os tempos e movi-
mentos e gestão de trabalho em várias áreas. Um dos seus estudos mais famosos é o de
assentamento de tijolos, tendo sido desenvolvido um andaime bastante ágil que permitia
que o pedreiro operasse no melhor nível para maximização da eficiência (passou-se a
assentar 350 tijolos por pedreiro/hora ao invés de 120 tijolos por pedreiro/hora – um
incremento de 200%). Outro resultado dos estudos do casal Gilbreth foi o procedimento
cirúrgico que se mantém até hoje: antes, o cirurgião procurava os instrumentos em várias
bandejas e hoje ele pede para a instrumentadora, que dá o instrumento demandado na
sua mão. O casal Gilbreth listou 20 princípios de economia de movimentos que Barnes
(1949) aperfeiçoou para 22. O estudo de tempos e movimentos que esses pesquisadores
iniciaram é um dos maiores entraves da Ergonomia contemporânea porque a economia
de tempos e movimentos, a padronização das tarefas e o planejamento da organização

3
Esses temas serão aprofundados no Capítulo 10.
128 Ergonomia ELSEVIER

do trabalho ficaram a cargo da gerência que se apropriou do saber operário, como queria
Taylor. A organização do trabalho, nesses moldes, é uma fonte de sofrimento e doenças
para os trabalhadores, mas só recentemente essa visão do trabalho parcelado e alienante
vem dando lugar a uma nova abordagem, a macroergonomia (Hendrick e Kleiner, 2006),
relacionada com a otimização dos sistemas sociotécnicos, incluindo sua estrutura orga-
nizacional, políticas e processos. Tem relação direta com a forma de organização do tra-
balho, e favorece a escola sociotécnica de trabalho cooperativo e participativo. Tópicos
relevantes incluem trabalho em turnos, programação de trabalho, satisfação no trabalho,
teoria motivacional, supervisão, trabalho em equipe, trabalho à distância e ética. Outro
capítulo deste livro aborda essas questões.

6.3. Considerações finais


Meister (1985) acredita que os problemas ergonômicos exigem soluções específi-
cas, mas a Ergonomia (human factors) é mais do que a soma de suas partes. Além das suas
áreas específicas de interesse, a Ergonomia tem suas próprias necessidades de pesquisa,
que se orientam em torno do conceito de sistema e de desenvolvimento e operação de
sistemas. Para o autor, existe um número excessivo de pesquisas isoladas do mundo real
e por demais ligadas ao paradigma experimental clássico. Sem eliminar tais pesquisas,
necessitam-se mais estudos descritivos de sistemas reais e mais ênfase em predições e
aplicações. A Ergonomia, com todo seu conhecimento já armazenado sobre os fatores
humanos, tem uma forte contribuição a dar para as melhorias de condições de trabalho
que, em consequência, impactam na otimização da produção e na saúde do ser humano.
Com base no conhecimento da Ergonomia (human factors) a partir da fisiologia
do trabalho, da psicologia do trabalho, da neuropsicofisiologia, da antropometria, da
biomecânica etc., conhecem-se limites, limiares, capacidades do ser humano, suas ca-
racterísticas físicas e psíquicas e seus modos de ação. Pode-se, assim, definir parâmetros
ergonômicos para os projetos de produtos, dos processos produtivos (métodos e plane-
jamento, programação e controle da produção), de sistema de informação, do ambiente
arquitetural e da capacitação para o trabalho, que propiciem a segurança, a saúde, o
conforto e o bem-estar humanos.
Desse modo, o ergonomista, que tem como insumos os dados dos fatores huma-
nos, trabalha junto com engenheiros de sistemas, de produção, do produto, de seguran-
ça, analistas e programadores, arquitetos, designers industriais, programadores visuais,
profissionais da área de seleção e treinamento, no projeto de: ambientes de produção,
de máquinas, de equipamentos, de ferramentas e de produtos em geral, planejamento e
controle de produção, métodos de trabalho, sistemas operacionais, sistemas de seguran-
ça, sistemas de sinalização, sistemas de informação, programas de computador, planilhas
de registro, material instrucional e programas de formação, qualificação da mão de obra,
avaliação social da tecnologia e transferência e implantação de novas tecnologias.
Capítulo 6 | Ergonomia e fatores humanos: bases científicas 129

6.4. Página Escolar


Questões
1) Caracterize as diferenças entre a abordagem norte-americana e a europeia pelos
seus contrastes.
2) O que é a Ergonomia física?
3) Mencione as regras com relação à força máxima em trabalho sentado com apoio
para as costas.
4) Cite os dados biomecânicos mais importantes para os projetos de produtos e pro-
cessos.
5) Mencione os dados fisiológicos mais importantes para os projetos de produtos e
processos.
6) O que é a Ergonomia Cognitiva?
7) De que consiste o sistema perceptual?
8) O que é Ergonomia Organizacional?

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Capítulo

7 Fisiologia do trabalho

Renato José Bonfatti – ENSP/Fundação Oswaldo Cruz

Conceitos apresentados
Neste capítulo é apresentada uma panorâmica da Fisiologia do Trabalho envol-
vendo o trabalho muscular, o sistema nervoso, o sistema cardiovascular, o metabolis-
mo e a alimentação como fenômenos fisiológicos centrais na atividade de trabalho. O
capítulo se encerra com o tema da fadiga e suas formas correntes de compensação e
recuperação, as pausas e o sono.

7.1. O que é Fisiologia do trabalho


A palavra fisiologia pode significar, literalmente, o estudo da natureza. Fisiologia
humana significa o estudo da natureza humana, vale dizer, o estudo dos fenômenos do
corpo humano. A fisiologia do trabalho tem como objeto de estudo então os fenômenos
do corpo humano nas situações de trabalho.
O estudo dos fenômenos do corpo humano em situações de trabalho remonta
a épocas muito antigas. Na Grécia clássica, por volta do século V a.C., já encontramos
referências, em alguns escritos da Coleção Hipocrática, às patologias relacionadas com
o trabalho. No século X, Ramazzini, no seu célebre escrito denominado As doenças dos
trabalhadores, nos diz:
[...] a natureza impõe ao gênero humano a necessidade de prover a vida
diária através do trabalho. Dessa necessidade surgiram todas as artes como
as mecânicas e as liberais, que não são desprovidas de perigos, como, aliás,
todas as coisas humanas. É forçoso confessar que ocasionam não poucos
danos aos artesãos, certos ofícios que eles desempenham. Onde esperavam
obter recursos para a sua própria manutenção e a da família encontram
graves doenças e passam a amaldiçoar a arte a qual se haviam dedicado.
Capítulo 7 | Fisiologia do trabalho 133

A moderna Fisiologia consumou-se no século XIX, marcadamente com os tra-


balhos experimentais do célebre Claude Bernard, relacionados à fisiologia do sistema
nervoso e da nutrição. Esse desenvolvimento coincide com a revolução industrial que
produziu imensas alterações no mundo do trabalho, acompanhados de acidentes e doen-
ças ocupacionais. Era preciso definir parâmetros, definir os limites aceitáveis para o tra-
balho. Surge a noção de carga de trabalho e a questão passou a ser criar meios de medir
objetivamente a carga de trabalho para determinar seus limites.
Ora, trabalho remete a dois outros conceitos que encontramos na fórmula da
física newtoniana W = F*D, a saber, força F e deslocamento D. Força e movimento nos
remetem ao sistema músculo-esquelético e foi exatamente por aqui que os estudos co-
meçaram. E é por aqui também que iniciaremos este capítulo.

7.2. Trabalho muscular


Nosso corpo, para suprir nossas funções vitais, mobiliza mais de duas centenas
de músculos, cada um com uma função especifica. Em termos muito resumidos, enten-
damos, por ora, que as forças do organismo têm sua gênese em um fenômeno chamado
contração muscular. Os músculos promovem contrações (e seus simétricos movimentos
de descontrações). Com isso, movimentam nosso corpo (aparelho locomotor, quando ar-
ticulados aos ossos) ou garantindo nossas funções essenciais (sistema autônomo). A base
do funcionamento dos músculos é conhecida em Fisiologia como função neuromuscular.
A compreensão desse fenômeno requer a explicação prévia da anatomia funcional de um
músculo, para em seguida podermos caracterizá-lo. Mais adiante explicaremos como
esse fenômeno é controlado por nosso sistema nervoso.

7.2.1. Anatomia funcional da musculatura humana


Os músculos do corpo humano classificam-se em três tipos: estriados ou esque-
léticos, lisos e cardíacos. Os músculos lisos encontram-se nas paredes dos intestinos,
nos vasos sanguíneos, na bexiga, em aparelhos respiratórios e em outras vísceras e não
podem ser comandados voluntariamente pelo homem. Da mesma forma, os músculos
cardíacos seguem esse padrão de autonomia. Já os músculos estriados estão sujeitos ao
controle voluntário e é por meio deles que o organismo realiza trabalhos externos. Cerca
de 40% dos músculos do corpo são estriados.

)LJXUD7LSRVGHP~VFXORVHVXDVFDUDFWHUtVWLFDV
134 Ergonomia ELSEVIER

Os músculos estriados são assim chamados por serem compostos de estrias. As


estrias são estruturas formadas por feixes paralelos, de fibras longas e cilíndricas, com
diâmetro de 10 a 100 mícra e comprimentos que podem chegar a 30 cm. As fibras se
compõem, por sua vez, de centenas de elementos delgados, chamados de miofibrilas.
Essas miofibrilas se compõem de segmentos funcionalmente completos, chamados sar-
cômeros. Os sarcômeros são constituídos de dois tipos de filamentos: um mais grosso,
chamado de miosina e outro mais fino, a actina. A alternância desses filamentos produz
a imagem em estrias.
A contração muscular é provocada pela contração das miofibrilas, que, por seu
turno, ocorre em decorrência do deslizamento dos filamentos de actina puxados pela
miosina. Durante a contração os filamentos de actina deslizam para dentro dos filamen-
tos de miosina graças ao complicado mecanismo das pontes cruzadas de miosina, que fun-
cionam como se formassem um pequeno pistão. Por meio desse processo o sarcômero
pode diminuir seu comprimento até a metade do tamanho anterior no regime de contra-
ção. As fibras só apresentam dois estados possíveis: relaxadas ou contraídas.

Figura 7.2: A contração muscular

A força máxima de um músculo decorre de sua compleição física e esta se refere ao


número de fibras que formam os músculos. O cálculo fisiológico estabelece o parâmetro
de 3 a 4 kg/cm2 de sua seção transversa. Assim, um músculo com seção de 1 cm2 é capaz
de desenvolver uma força de 3 a 4 kg durante sua contração. As mulheres, via de regra,
possuem a área da seção transversa dos músculos inferior aos homens em cerca de 30%.
A prática da chamada musculação significa uma série de trabalhos musculares combina-
das com regimes alimentares específicos destinados a aumentar essa massa muscular – e,
com isso, a capacidade de produzir esforço.
Capítulo 7 | Fisiologia do trabalho 135

)LJXUD'XUDomRPi[LPDGHXPWUDEDOKRPXVFXODUHVWiWLFRHPUHODomRjIRUoDH[HUFLGD

Fonte: Monod apud Kroemer e Grandjean (2001).

7.2.2. Tipos de trabalho muscular


A fisiologia do trabalho distingue duas formas de esforço muscular:
UÊ Trabalho muscular dinâmico (Rítmico);
UÊ Trabalho muscular estático (Postural).
Para entendermos a importância dessa distinção temos de fazer uma breve
explanação sobre o tema da alimentação e da respiração muscular. De forma mui-
to simplificada, diríamos que o músculo respira e se alimenta por meio da irriga-
ção sanguínea, conforme detalharemos mais adiante no tópico sobre metabolismo
e alimentação. Nosso sangue é continuamente processado pela transformação de
sangue venoso em arterial e pelo adicionamento de nutrientes no sangue arterial.
Há uma reciclagem constante do oxigênio feita pelo nosso aparelho respiratório.
E existe um adicionamento de nutrientes advindos da alimentação e/ou queima de
nossas reservas de gordura na corrente sanguínea. Esse sangue renovado de oxigênio
é bombeado pelo sistema cardiovascular para os músculos de forma a que ele possa
respirar e se alimentar. Feito isso, o mesmo fluxo ainda recolhe os resíduos dessa
atividade muscular (que como veremos são chamados de metabólitos). A esse fun-
cionamento a Fisiologia denominou de motobomba, ou bomba muscular. Isso corre
de forma melhor equilibrada no trabalho dinâmico e de forma menos adequada no
trabalho estático, como veremos a seguir.
136 Ergonomia ELSEVIER

)LJXUD(VTXHPDGDPRWRERPED

7.2.2.1. Trabalho muscular dinâmico


Caracteriza-se por uma sequência rítmica de contração e relaxamento da muscu-
latura em trabalho. Nessa dinâmica, o trabalho pode ser expresso como o produto do
encurtamento dos músculos e a força desenvolvida (trabalho = peso × altura). No traba-
lho dinâmico a motobomba assim funciona: a contração expulsa o sangue dos músculos,
conquanto o relaxamento subsequente favorece o influxo de sangue renovado. Por esse
motivo, a circulação do sangue é aumentada em várias vezes. O músculo em trabalho
dinâmico efetivamente recebe de dez a vinte vezes mais sangue do que em repouso.
Devido a esse grande afluxo de sangue, o músculo logra obter o açúcar de alta energia
(glicogênio) e o oxigênio para sustentar sua atividade e ainda garante que os resíduos
dessa atividade sejam drenados.
O trabalho muscular dinâmico, desde que com o ritmo adequado, pode ser feito
por um longo tempo sem cansaço, ou esgotamento das capacidades físicas. Antes que o
leitor se entusiasme achando que possamos assegurar condições para que todas as ações
humanas sejam realizadas num contexto de trabalho dinâmico, permita-nos assinalar
que essa condição é humana e fisiologicamente impossível. No entanto, considerando o
quadro atual das condições de trabalho, pode-se melhorar bastante nesse sentido.

7.2.2.2. Trabalho muscular estático


Esse outro tipo de atividade muscular se caracteriza por um estado de contração
prolongada da musculatura. A ocorrência mais frequente de trabalho estático se dá na
manutenção de postura corporal, que sustenta nosso corpo em uma dada organização
dos segmentos corporais no espaço de trabalho. Em regime de trabalho estático, o mús-
culo não alonga seu comprimento já que a força da contração é empregada para a ma-
nutenção da postura. Veja o caso da ilustração onde o cirurgião dentista faz um grande
esforço (estático) para manter-se na postura requerida pelo ato cirúrgico.
Capítulo 7 | Fisiologia do trabalho 137

Figura 7([HPSORGHSRVWXUDUHTXHUHQGRWUDEDOKRHVWiWLFR

Em termos fisiológicos, no trabalho estático a musculatura permanece num estado


de alta tensão, produzindo força durante certo período. Nesse contexto nenhuma atividade
muscular de tipo deslocamento é verificada, não sendo possível aplicar uma fórmula do
tipo peso × altura. No trabalho estático, ao contrario do caso anterior, os vasos sanguíneos
são estreitados pela pressão interna, contra o tecido muscular. Em consequência não flui
mais sangue para o músculo. Assim é que mesmo fazendo um esforço que necessita de
alimentação e de respiração, o músculo não recebe nem o açúcar especial e nem o oxi-
gênio, pois não há sangue chegando, não há motobomba! Nosso músculo deverá usar
suas próprias reservas se quiser se alimentar e respirar. Pior, os resíduos não são retirados,
acumulam-se e provocam dores agudas e constituem a fadiga do músculo, tema que desen-
volveremos mais adiante, ainda neste capítulo. Consequentemente, não se pode aguentar
por muito tempo um trabalho estático intenso: a dor obriga a interromper o trabalho.

Figura 7.6: A produção de fadiga e dor no trabalho estático


138 Ergonomia ELSEVIER

Na vida diária, precisamos realizar muito trabalho estático. Isso não é necessaria-
mente ruim, pois é graças à capacidade estática que podemos manter partes do corpo
em várias posições desejadas por nós mesmos ou forçadas pelas circunstâncias. Estando
de pé, uma série de músculos nas pernas, nos quadris, nas costas e na nuca ficam con-
tinuamente tensionados. Ao sentar, o trabalho estático das pernas diminui, o que pro-
voca uma redução das exigências aos músculos, o que é melhor para trabalhar, embora
os músculos cervicais continuem sob tensão. Ao deitar, o trabalho muscular estático é
praticamente eliminado, e, por isso, é a melhor posição para descansar. Ainda assim, o
exagero de permanência na posição sentada é condenado pelos profissionais de saúde
(sedentarismo) e a postura em pé pode ser adotada em curtos intervalos de tempo (por
exemplo, caminhando um minuto a cada vinte de atividade de trabalho). E ficar deitado
em demasia não é bom, como acontece com pacientes em longo período de internação.
Como na vida diária, a carga de trabalho estático ocorre em todo tipo de trabalho.
Há atividade muscular estática quando a situação de trabalho exige uma movimentação
do tronco para frente ou para os lados, ou quando se requer que os braços sejam manti-
dos tanto na vertical como esticados na horizontal (consertos, manutenção). A atividade
estática não se limita aos membros superiores e pode envolver as pernas, por exemplo,
quando se coloca o peso do corpo sobre uma das pernas enquanto a outra aciona um
pedal. Ficar em pé por um longo período é outro exemplo de trabalho estático que
indica que devemos evitar, sempre que possível, essa posição de trabalho, como, aliás,
recomenda textualmente a NR 17:
17.3.1 Sempre que o trabalho puder ser executado na posição sentada, o
posto de trabalho deve ser planejado ou adaptado para essa posição.
O caso mais agudo de trabalho estático ocorre nas situações em que a atividade
implica levantar e carregar pesos. O item 17.2.2 da NR 17 é taxativo ao estabelecer que
“[...] não deverá ser exigido nem admitido o transporte manual de cargas por um traba-
lhador cujo peso seja suscetível de comprometer sua saúde ou sua segurança”.

7.2.2.3. Regra principal


O trabalho estático, pelo que vimos, provoca, nos músculos exigidos, uma fa-
diga penosa, que evolui até um quadro de dores insuportáveis. Se, durante um tempo
mais longo, as exigências estáticas forem repetidas, podem se estabelecer incômodos nos
membros envolvidos, sendo que as dores se localizam não só nos músculos, mas também
nas articulações, nas extremidades dos tendões e outros partes do corpo envolvidas
Por esses motivos:
[...] o objetivo principal de qualquer configuração do trabalho, do local de
trabalho, das máquinas, dos aparelhos e ferramentas deve ser a exigência
de exclusão ou pelo menos a máxima diminuição possível de qualquer
espécie de trabalho estático. (Grandjean, 2005)
Capítulo 7 | Fisiologia do trabalho 139

7.3. Sistema nervoso


Havíamos falado em músculos com controle voluntário e involuntário. Pois bem,
vamos explicar como se dá esse controle antes de tecermos o mérito do voluntarismo
desse fenômeno. Os músculos são comandados por sistemas nervosos centralizados,
constituídos pelas regiões do cérebro e empregando a medula espinhal como meio de
comunicação. O aspecto central desse sistema de comunicação tem sua gênese no fenô-
meno chamado de sinapse. Para caracterizá-lo necessitamos preliminarmente descrever
a anatomia funcional do sistema nervoso.

7.3.1. Anatomia funcional do sistema nervoso


O sistema nervoso é constituído de células nervosas – os neurônios – que se carac-
terizam pelas propriedades de irritabilidade (sensibilidade a estímulos) e condutibilidade
(condução de sinais elétricos). Com sua rede de neurônios, o sistema nervoso central é
equipado para receber, interpretar e processar as informações recebidas, transformando-
-as em atividades musculares. Tais informações chegam ao sistema nervoso central após
serem captadas por células nervosas especializadas. Estímulos como a luz, o som, o calor,
o tato, o olfato, as acelerações e os agentes químicos, mas, também, os posicionamento
dos segmentos corporais e a vecção (percepção do movimento) fazem parte do nosso
universo perceptivo e devem ter um meio de informar ao cérebro que foram devidamen-
te assinalados. E, bem, esse caminho é a transformação dos estímulos do mundo exterior
ou do próprio corpo em correntes elétricas.
As células nervosas são formadas de três partes principais: o corpo celular e dois
tipos de terminações chamadas dendrito e axônio. Em uma célula nervosa pode haver
vários dendritos, mas existe um único axônio.

7.3.2. Sinapses
Como as células nervosas se interligam a outros tecidos por meio dos axônios,
vejamos como isso ocorre. O mecanismo de transmissão, a sinapse, tem as seguintes
propriedades básicas:
a) Sentido único: os sinais são sempre transmitidos num sentido único. Entram
pelos dendritos e saem pelos axônios.
b) Fadiga: quando utilizadas com muita frequência as sinapses reduzem sua capaci-
dade de transmissão.
c) Desenvolvimento: a estimulação rápida, repetida e prolongada durante vários dias
pode levar a uma alteração física da sinapse, de modo que ela passa a ser estimulada
com mais facilidade. Acredita-se que nisso reside a memória e a aprendizagem.
d) Reação a variação do pH: um aumento do teor alcalino no sangue aumenta a ex-
citabilidade, enquanto o aumento da acidez tende a diminuir consideravelmente
a atividade neuronal.
140 Ergonomia ELSEVIER

Figura 7.7: O neurônio e a sinapse

A Figura 7.7 ilustra um neurônio, um núcleo e seus dentritos, além de um axônio


que o interliga com um músculo. À direita observamos uma sinapse.
A velocidade de transmissão dos sinais depende da espessura do axônio e pode
chegar ao máximo de 120 m/s, e nas células pouco desenvolvidas a 0,6 m/s. Isso sugere
que tal como as cidades, nosso corpo tem um sistema de vias expressas e rotas preferen-
ciais. Seja como for, o importante é que temos como acionar nossos músculos, alguns
deles de forma extremamente rápida, assim como tentar acelerar alguns outros significa
fazê-los trabalhar nos limites de sua capacidade.

7.3.3. A transmissão do impulso nervoso ao músculo


Dois fenômenos nos permitem entender a transmissão do impulso nervoso e sua
conversão em impulso muscular: um fenômeno bioquímico – o potencial de ação – e um
fenômeno histológico – a junção mioneural.

7.3.3.1. Potencial de ação


O estímulo que produz a contração muscular origina-se no sistema nervoso e é
conduzido a cada fibra muscular por uma fibra nervosa, que vem a ser um axônio envol-
vido por uma bainha de uma proteína chamada de mielina. O estímulo, tecnicamente,
é uma onda de atividade eletroquímica que se move rapidamente ao longo dessas fibras
nervosas e musculares. As células nervosas, musculares e os receptores sensoriais man-
têm um potencial elétrico entre o meio interno e externo da membrana, da ordem de
-70Mv (potencial de repouso).
Capítulo 7 | Fisiologia do trabalho 141

Essas células são excitáveis e capazes de transmitir impulsos eletroquímicos por


meio de suas membranas. A adição de um estímulo (elétrico, mecânico, químico ou
térmico) de potência suficiente nessa célula excitável pode fazer com que a membrana
celular torne-se mais permeável na região em que o estímulo foi aplicado, resultando
numa despolarização (troca rápida de íons positivos e negativos anteriormente separados
pela membrana). A despolarização estabelece uma diferença de potencial elétrico entre
as regiões ativas e inativas da membrana. Devido a isso, uma corrente flui entre elas.
Imediatamente após ter sido despolarizada, a membrana dá início a um processo ativo
para restabelecer o potencial de repouso (repolarização). Essa onda de despolarização e
repolarização que avança é denominada potencial de ação. Assim definimos um impulso
nervoso: é um potencial de ação transmitido sobre uma fibra nervosa. Quando o poten-
cial de ação age numa fibra muscular, chamamos de impulso muscular.

7.3.3.2. Junção mioneural


As fibras nervosas oriundas dos neurônios ramificam-se em sua extremidade para
formar a placa motora, que adere firmemente à fibra muscular, mas permanece por fora
da membrana da fibra muscular. Essa junção firme é uma forma de sinapse, e também
é chamada de junção mioneural. A placa motora contém mitocôndrias que sintetizam
uma substância química especial chamada acetil-colina, e que funciona como mediador
químico.
A chegada de um impulso nervoso à junção mioneural causa a liberação de acetil-
-colina. Ao ser liberada, a acetil-colina difunde-se rapidamente por meio da curta dis-
tância que existe entre a placa motora e a membrana da fibra muscular. Aí ela interage
com locais receptores sobre a membrana para aumentar a permeabilidade da membrana
celular muscular aos íons dissolvidos no fluido que banha a junção. O movimento dos
íons para dentro da célula muscular inicia um potencial de ação muscular que é propa-
gado ao longo da fibra por um mecanismo eletroquímico similar àquele responsável pela
propagação do impulso nervoso.

7.4. Sistema cardiovascular


Nossos músculos se contraem; muitas dessas contrações são voluntárias e essa
rotina de contração/descontração viabiliza a chegada do sangue com nutrientes e respira-
ção, sem o que sentimos fadiga e dor. No entanto, o sangue não chega por sucção, como
se o músculo fosse uma esponja seca. Há uma solicitação proprioceptiva (percepção in-
terna ao organismo) para que o sangue seja bombeado para a musculatura em atividade
e carente de sangue. Quem cuida dessa solicitação é nosso sistema cardiovascular que,
por si mesmo, irá acionar o sistema respiratório – pois o sangue necessita de oxigênio
para ser renovado – o sistema digestivo – pois o sangue veicula nutrientes e deve obtê-
-los em alguma parte do organismo – e deve chegar não apenas em volume, mas, igual-
142 Ergonomia ELSEVIER

mente, com determinada pressão para bem realizar o trabalho de remoção de detritos da
atividade muscular (metabólitos). O sistema cardiovascular tem um importante lugar no
funcionamento sistêmico do organismo e, por isso mesmo, sua observação nos permite
melhor acompanhar a pessoa no trabalho.

7.4.1. Frequência cardíaca


Para nossas finalidades de avaliação da carga física de trabalho, o principal fenô-
meno presente no sistema cardiovascular é a pulsação cardíaca, sendo seu parâmetro
central a frequência cardíaca (pulsos por minuto). O estudo das características da Fre-
quência Cardíaca (FC) se constitui num vasto capítulo da Fisiologia do Exercício e tem
um lugar de destaque na Fisiologia do Trabalho. Por exceder o escopo deste capítulo,
assinalaremos apenas alguns de seus principais traços.
Nos últimos anos se fortaleceu a ideia do uso da FC como o mais adequado parâ-
metro para a avaliação da carga de trabalho. Podemos dizer que a FC tem relação direta
com a carga de trabalho, aumentando muito mais rapidamente:
UÊ quanto mais quente o ambiente;
UÊ quanto maior a parcela de trabalho estático;
UÊ quanto menor o número de músculos envolvidos no trabalho (até certo limite).
A frequência cardíaca, como parâmetro fisiológico, tem a seu favor a facilidade
de sua mensuração, podendo ser estimada, com uma precisão aceitável até mesmo sem
aparelhagem específica: a frequência do pulso, que reflete a frequência cardíaca, pode ser
sentida e medida na artéria radial (situada no antebraço ao lado do polegar). Além disso,
a FC pode permanecer acima dos níveis iniciais por um longo período de tempo, even-
tualmente horas, sendo sua curva de recuperação dependente de vários fatores, entre eles
posição corporal, temperatura ambiente e corporal, tipo e intensidade do exercício físico
realizado, atividade durante a recuperação, aspectos bioquímicos analisáveis e também
grau de condicionamento aeróbico. Ou seja, um conjunto de elementos que têm a ver
com a atividade, o organismo e o meio ambiente de trabalho.
Por outro lado, a FC está relacionada ao número de músculos participantes e ao
grau de exigência de trabalho estático da musculatura envolvida: para um mesmo con-
sumo de energia o trabalho é mais pesado quando poucos músculos estão envolvidos do
que quando o mesmo trabalho é realizado por muitos músculos. Pode-se ter um mesmo
consumo de energia, mas o trabalho estático da musculatura é mais cansativo do que um
trabalho de natureza dinâmica, pelo que já vimos anteriormente.
Um outro ponto interessante é que para uma mesma solicitação, a frequência
cardíaca aumenta fortemente com o calor. Considerando a elevada componente do calor
no meio ambiente de trabalho, especialmente em nosso país, o emprego das avaliações
baseadas na FC nos permite abordar esse aspecto da carga de trabalho.
Capítulo 7 | Fisiologia do trabalho 143

7.4.2. Frequência de pulso durante o trabalho físico


A atividade cardíaca tem como efeito observável a pulsação. Essa variável observá-
vel aumenta de forma aproximadamente linear com a quantidade de trabalho realizado.
Isso deixaria de acontecer apenas quando a atividade tenha muitos componentes estáti-
cos, em ritmo muito variado. Assim sendo com uma avaliação da pulsação – que pode
ser feita de forma simplificada – se consegue classificar uma atividade de trabalho em
categorias como leve, moderado e pesado.
Em um trabalho relativamente leve, a frequência de pulso sobe rapidamente e
mantém-se em uma altura correspondente à intensidade do trabalho e que fica constante
durante toda a duração da atividade. Quando esse tipo de trabalho termina, em poucos
minutos a frequência do pulso retorna aos níveis iniciais. Já quando o trabalho realizado
é mais pesado, o pulso sobe constantemente até que o trabalho seja interrompido ou que
a pessoa fique em um estado de esgotamento que a obrigue a parar.
Alguns parâmetros de pulsação podem ser usados para caracterizar os diversos
tipos de carga de trabalho. A Tabela 7.1 os caracteriza.

Tabela 7.1²3DUkPHWURVGDDWLYLGDGHEDVHDGRVQDDYDOLDomRGHSXOVR

# Parâmetro Obtenção
1 3XOVRGHUHSRXVR IUHTXrQFLDPpGLDGRSXOVRDQWHVGRWUDEDOKR
2 )UHTXrQFLDGRSXOVRGHWUDEDOKR IUHTXrQFLDPpGLDGRSXOVRGXUDQWHR
WUDEDOKR
3 3XOVRGHWUDEDOKR GLIHUHQoDHQWUHDIUHTXrQFLDGRSXOVRGH
UHSRXVRHDIUHTXrQFLDGRSXOVRGXUDQWHR
WUDEDOKR
4 3XOVRDFXPXODGRGHUHFXSHUDomR VRPDGRVSXOVRVGHVGHRÀPGRWUDEDOKRDWp
RUHWRUQRjIUHTXrQFLDGHUHSRXVR
5 3XOVRVDFXPXODGRGHWUDEDOKR VRPDGRVSXOVRVGHVGHRLQtFLRGRWUDEDOKR
DWpRUHWRUQRjIUHTXrQFLDGHUHSRXVR

Esses parâmetros devem se situar numa faixa de aceitabilidade para que configu-
rem uma condição de execução em conformidade com os preceitos da Ergonomia. Nesse
sentido, Karrasach e Muller (1951) sugeriram que o limite da carga máxima aceitável de-
veria ser aquele no qual a frequência do pulso de trabalho não aumente continuamente,
e que após o fim do trabalho a frequência do pulso volte, após 15 minutos (aproximada-
mente), aos valores de repouso normal. Esses limites parecem corresponder a uma carga
de trabalho na qual o gasto de energia está ainda em equilíbrio com a reposição corrente
de energia gasta (Steady state). Essa carga máxima de trabalho, que ainda preenche es-
sas condições é hoje chamada de limite de trabalho contínuo para uma jornada de oito
horas. Segundo Karrasach e Muller (1951), o limite de trabalho contínuo é alcançado
quando a frequência média do pulso durante o trabalho for de 30 batidas acima do pulso
de repouso (= 30 pulsos de trabalho).
144 Ergonomia ELSEVIER

Deve-se medir o pulso de repouso na mesma posição em que é exercido o tra-


balho, já que, por decorrência de esforços relacionados à manutenção da postura, há
diferenças de pulsação, como mostra a Figura 7.8.

)LJXUD,QÁXrQFLDGDH[LJrQFLDSRVWXUDOQRFRQVXPRHQHUJpWLFR

7.5. Metabolismo
Até aqui falamos da contração, do comando voluntário sobre a musculatura e das
formas de avaliar o esforço depreendido na atividade de trabalho. A pergunta agora, é:
como logramos obter a energia de que necessitamos para o trabalho? Com efeito, um dos
procedimentos fundamentais do organismo é a transformação da forma de energia de
natureza química recebida pela alimentação para energia térmica e mecânica. A dispo-
nibilização da matéria química é parte do item alimentação, que veremos adiante. Neste
tópico trataremos dos processos metabólicos que possibilitam a obtenção de energia e a
bioenergética muscular – que nos explica o uso e as decorrências do uso dessa energia.

7.5.1. Os processos metabólicos


Com o sangue, os nutrientes chegam a todas as células do organismo, onde libe-
ram a energia e resultam em produtos finais pobres em energia (água, dióxido de carbo-
no e ureia). Poderíamos dizer que ocorrem vários processos de degradação que podem
ser comparados com uma lenta queima de produtos. O conjunto desses processos de
degradação chama-se metabolismo. Nesses processos metabólicos é liberado calor, e na
musculatura produz-se energia mecânica.
Capítulo 7 | Fisiologia do trabalho 145

A unidade técnica de medida do metabolismo é a quilocaloria, exatamente devido


à natureza exotérmica de seus processos. As diversas atividades humanas podem ser
mensuradas em termos de seu correspondente processamento metabólico, em calorias,
estimadas a partir do consumo de oxigênio consumido para a acima referida “queima”. E
como toda medida requer um valor de base e uma escala de mensuração. Surgem, assim,
dois elementos importantes para nosso entendimento do metabolismo: o metabolismo
basal e a unidade de apreciação MET.

7.5.1.1. O metabolismo basal


O organismo humano em repouso, porém vivo, produz determinada transfor-
mação de energia, que depende do peso corporal, tamanho do corpo e sexo. Esse me-
tabolismo, que é medido com a pessoa deitada, sem sobrecarga dos órgãos da digestão,
é chamado de metabolismo basal. Nessas condições de metabolismo basal praticamente
toda energia química dos alimentos é transformada em energia térmica. O valor do me-
tabolismo basal de 1.600 kcal/dia para mulheres e de 1.800 kcal/dia para homens. Ele
pode ser calculado com maior precisão utilizando o valor de 1 caloria por minuto para
uma pessoa adulta jovem pesando 70 kg.
Para se ter uma ideia, caminhar 5 km/h aumentará o gasto de energia para apro-
ximadamente 5 quilocalorias por minuto, e subir um lance de escada rapidamente irá
aumentá-la para mais ou menos 8 kcal por minuto. Expressando isso em termos de
consumo de oxigênio, a mesma pessoa utilizaria aproximadamente 0,2 litros de oxigê-
nio por minuto em repouso, 1 litro por minuto caminhando a 5 km/h e 1,61 litro por
minuto para subir escadas. Se considerarmos que uma pessoa gaste 1.800 kcal/dia com
seu metabolismo basal, ou seja, apenas para se manter vivo, sem realizar qualquer tipo
de trabalho, esse valor é, na verdade, um pouco maior. Como as pessoas mesmo em
repouso realizam pequenos movimentos que também consomem energia, pode-se dizer
que uma pessoa adulta deva consumir pelo menos 2.000 kcal/dia na alimentação, e isso
sem realizar qualquer tipo de trabalho.

7.5.1.2. A medida do MET


Nos últimos anos um outro termo, o MET (Múltiplos da taxa Metabólica em Re-
pouso), tornou-se amplamente utilizado para expressar as necessidades de energia em
várias atividades. Um MET é arbitrariamente definido como o consumo de oxigênio em
repouso do indivíduo (um exemplo típico é 3,5 ml de O2 por quilo de peso corporal
por minuto). O custo energético de qualquer atividade adicional é então expresso como
múltiplo da taxa metabólica em repouso. Por exemplo, o custo energético de caminhar a
5 km/h seria expresso como 5 METs.
146 Ergonomia ELSEVIER

7.5.1.3. Energias gastas em atividades de trabalho


Não se pode estabelecer um padrão rígido para o consumo energético no am-
biente de trabalho. Em casos individuais podem ocorrer variações em torno desse valor
padrão, medidas de acordo com o sexo, massa corporal, idade e outros fatores como o
nível de atividade glandular de cada um. Com relação às diferenças entre homens e mu-
lheres, os homens gastam cerca de 20% de energia a mais para executar tarefas idênticas,
ou seja, quando uma mulher gasta 3.000 kcal/dia em um trabalho, o homem gastaria
3.600 kcal/dia no mesmo trabalho.
Os níveis que se seguem representam uma média para a população em algumas
atividades. Entre as mulheres, uma datilógrafa ou uma costureira gasta 2.300 kcal/dia.
Uma dona de casa executando trabalhos leves ou uma vendedora que trabalha em pé,
2.500 e uma trabalhadora com tarefas relativamente pesadas, 3.000, e uma bailarina,
3.300 kcal/dia.

)LJXUD7UDEDOKRGHHVWLYD

Entre os homens, os empregados de escritório gastam 2.500 kcal/dia. Um moto-


rista, 2.800 kcal/dia e um operário executando um trabalho leve, 3.000 kcal/dia. Grande
parte dos trabalhadores industriais gasta entre 2.800 e 4.000 kcal/dia. Os estivadores que
carregam sacos chegam a gastar 4.500 kcal/dia e essa marca é considerada praticamente
a máxima exigível, a longo prazo, sem comprometer a saúde do organismo. Em genera-
lização grosseira, o adulto pode ser enquadrado em duas categorias quanto ao consumo
de energia no trabalho:
1. Os trabalhadores com atividade de trabalho sentado, com um consumo médio de
2.000 a 3.000 kcal/dia (70 a 80% do contingente que trabalha).
2. Os trabalhadores com exigências físicas com um consumo médio de 3.000 a
4.000 kcal/dia.
Vemos, portanto, que o trabalho da estiva é dos mais pesados de que temos co-
nhecimento.
Capítulo 7 | Fisiologia do trabalho 147

7.5.2. Bioenergética da contração muscular


O processo de contração muscular depende da conversão de energia química em
energia mecânica, sendo a primeira advinda dos nutrientes ingeridos e a segunda mobili-
zada para o movimento das pontes cruzadas de miosina. Duas substâncias são importantes
no processo bioenergético: o ATP, adenosina trifosfato, uma substância dotada de duas
ligações moleculares que podem ser rompidas liberando grande quantidade de energia e
formando a outra substância o ADP ou adenosina difostato. Isso é ilustrado pela equação
que se segue:

ATP ADP +energia

Por ser um processo reversível se diz que existe síntese de energia e ressíntese do
ATP. A célula muscular possui uma quantidade muito pequena de ATP. Os nutrientes
obtidos na nossa alimentação produzem a ressíntese do ATP a partir do ADP. Com isso,
estabelecem um nível de ATP suficiente para que a contração muscular não venha a ser
interrompida. Existem dois processos básicos para a ressíntese do ATP na célula muscu-
lar, sendo um independente de oxigênio – chamado de anaeróbico – e outro dependente
do oxigênio – que se denomina aeróbico.

7.5.2.1. Atividade aeróbica e anaeróbica


Para os profissionais da fisiologia do exercício se estabelece uma importante dis-
tinção entre a atividade aeróbicas – aquela em que predominam os esforços de tipo di-
nâmico – e as anaeróbicas onde há ocorrência significativa de esforços estáticos. Ambas
podem fazer parte dos programas de condicionamento físico ou de práticas compensató-
rias. No trabalho porém, pela decorrência do trabalho muscular estático (fadiga e dores)
a questão do trabalho estático é considerada ruim e devemos buscar assinalar onde e
quando existe atividade muscular estática em um processo de trabalho. Em linhas gerais
pode-se falar em trabalho estático significativo nas seguintes condições:
UÊ Quando um gasto elevado de força muscular exige uma contração de 10 s ou
mais.
UÊ quando com um gasto médio de força muscular a contração durar 1 m ou mais.
UÊ quando em um esforço leve (1/3 da força máxima) a contração muscular durar 4
m ou mais.

7.5.2.2. Déficit de oxigênio


No trabalho muscular estático a irrigação sanguínea é tanto mais diminuída quan-
to maior for a produção de força. Se a força representa 60% do total, a irrigação sanguí-
nea fica quase totalmente interrompida. Em esforços menores uma pequena circulação é
possível, devido ao estado menos contraído dos músculos. No uso de 15 a 20% da força
148 Ergonomia ELSEVIER

máxima, a circulação sanguínea da musculatura trabalhando estaticamente será pratica-


mente normal. Isso origina o que os fisiologistas descreveram como déficit de oxigênio
na musculatura, ilustrado pela Figura 7.10.

)LJXUD'pÀFLWGH22 HPDWLYLGDGHVDQDHUyELFDV

7.5.2.3. A ressíntese e o ácido lático


A realização de atividade muscular exige um aporte de energia química para a
produção da energia mecânica que possibilita a contração a necessita de um processo de
ressíntese para manter as contrações. As contrações, como veremos adiante, igualmente
provocam, por um mecanismo análogo ao de uma bomba de sucção, a irrigação sanguí-
nea que traz os nutrientes e remove os metabólitos remanescentes da atividade muscular.
A Figura 7.11 nos esquematiza os diversos processos metabólicos e de consumo
energético deles advindos. A energia alimentar assuma a forma bioquímica da glicose
para nos fornecer a energia necessária às nossas atividades. Essa glicose é empregada
imediatamente para repor as reservas sob a forma de ATP, e deixa como substrato uma
substância chamada ácido pirúvico que irá se degradar em gás carbônico e água uma
vez existindo disponibilidade de oxigênio e ainda liberando energia residual para res-
sintetizar ATP a partir do ADP. Isso é o que ocorreria em uma atividade perfeitamente
aeróbica. No entanto, nenhuma atividade é perfeitamente aeróbica. Com a falta de oxigê-
nio (déficit) o ácido pírúvico se converte em ácido lático incomodando a musculatura e
ocasionando dores, podendo, em alta concentração provocar uma febre, como acontece
com quem faz um grande esforço estando fora de forma.

Figura 7.11: A ressíntese e o ácido lático


Capítulo 7 | Fisiologia do trabalho 149

Isso seria terrível se a falta de O2 persistisse. Com o aporte de oxigênio, porém, o


ácido lático se dissolve, retornando à condição de ácido pirúvico. E com mais oxigênio,
ele se converte em gás carbônico e água, exatamente como estava previsto. Essa é uma
explicação bioquímica que reforça ainda mais a importância da regra principal: evitar ao
máximo a ocorrência de atividade muscular estática na atividade.

7.6. Alimentação
Como precisamos da energia química, devemos ter um meio de obtê-la e esse
meio é a alimentação. Os alimentos se compõem de proteínas, carboidratos e gorduras.
Todos são compostos de carbono, hidrogênio e oxigênio, sendo que as proteínas diferem
por conterem também nitrogênio. As proteínas são decompostas pelo organismo em
aminoácidos e hidrocarbonetos. Os aminoácidos são usados na construção dos tecidos
e os hidrocarbonetos são energéticos que se juntam aos carboidratos e gorduras. Hidro-
carbonetos, carboidratos e as gorduras se transformam em glicogênio, que é armazenado
nos músculos e no fígado. Os carboidratos e as gorduras se transformam em outras
gorduras (as nossas) e que são armazenados nos tecidos para posterior utilização pelo
organismo.

7.6.1. Dietas recomendadas


As dietas recomendadas diferem em função das categorias de exigência do traba-
lho, sentado e pesado. Em condições normais, o homem deveria ingerir tanto alimento
quanto precisa de energia. Isso é regulado pela sensação de fome, que traz equilíbrio
entre as necessidades de alimento e o consumo de energia.

7.6.1.1. Trabalho sentado


Para a composição qualitativa da categoria “trabalhadores em atividade sentada”
e para a grande maioria das profissões femininas vale a seguinte recomendação alimen-
tar: limitação da quantidade em função de mais alta qualidade. Para essa categoria de
trabalhadores devemos ainda recomendar distância dos alimentos ricos em energia em
favor dos alimentos considerados naturais. Esses são, em primeiro lugar: as verduras, as
saladas, as frutas não cozidas e o leite; o pão preto, as carnes magras e a carne de fígado.
Perturbações da regulação operada pela sensação de fome ocorrem seguidamente
com as pessoas que trabalham sentadas, que já tem uma tendência para comer mais do
que consomem durante o dia. Nessas pessoas sobrevém o excesso de peso e, em casos
mais agudos, a obesidade.
150 Ergonomia ELSEVIER

7.6.1.2. Trabalho pesado


Para aqueles que exercem esforço físico intenso a alimentação deve ser rica em
energia, mas pouco volumosa. Por essa razão os trabalhadores dessa categoria preferem
uma alimentação rica em proteínas e gorduras. Realmente uma dieta rica em carboidra-
tos é volumosa e rica em materiais de lastro. Se um trabalhador de serviço pesado fosse
ingerir 3600 calorias sob a forma de batatas, precisaria comer 5 quilos. Por esse motivo
recomenda-se que as proteínas e gorduras façam parte da dieta do trabalhador em ativi-
dade física como mais que o dobro da dieta normal.
Podemos assim recomendar ao trabalhador com atividade física pesada, uma alimen-
tação rica em energia, na qual façam parte carne, ovos, leite, manteiga, queijo e pão preto.

7.6.1.3. Necessidade de líquidos


O homem não necessita só de energia na forma de alimentos, mas necessita tam-
bém de líquidos para a manutenção do equilíbrio normal da água. A ingestão de líquidos
é controlada pela sensação de sede, que, por sua vez, é regulada pela presença de sal no
sangue. Calcula-se uma necessidade diária de 35 g de líquidos para cada 5 kg de peso a
cada 24 horas (= 2 a 2 ½ litros por dia). Apesar de nossa alimentação diária conter bas-
tante líquido (por exemplo, a carne tem em torno de 70%, o pão 40%, frutas 80%, batata
78% e massas 20%) o homem tem uma necessidade extra de líquidos, que geralmente é
estimada ½ a 1 litro, chegando a 1 ½ a 2 litros ou mais em épocas quentes do ano.

7.6.1.4. Alimentação intermediária


A digestão dos alimentos ingeridos é uma atividade corporal que provoca uma so-
brecarga nos órgãos envolvidos. Isso implica um amortecimento da prontidão de produção
em todo o organismo, que será tão mais intenso quanto mais pesada for a alimentação.
Esse efeito de refeições pesadas é conhecido há bastante tempo. Alguns estudos demons-
traram que pequenas refeições a cada duas horas mantêm a concentração sanguínea de
glicose e a produção energética em um nível alto durante toda a jornada. Assim, essas
observações permitem concluir que a divisão das tomadas de alimentação em 5 porções
diárias (3 refeições e dois lanches) é mais favorável para a saúde e a capacidade de pro-
dução do que a realização de uma ou duas grandes alimentações diárias.
As refeições intermediárias devem cobrir uma importante parte das necessidades
de líquido do trabalhador, tanto do sedentário quanto do que desenvolve atividade física,
e fornecer adicionalmente a energia equivalente à intensidade da atividade física desen-
volvida. Nos lanches é preciso procurar atender às preferências individuais, conforme os
hábitos alimentares. Por isso devem ser preparadas desde bebidas estimulantes (mas po-
bres em calorias) até um lanche reforçado de 400 calorias, com as possíveis graduações
intermediárias. Aos trabalhadores sedentários (trabalho em escritórios) recomenda-se
fornecer uma bebida pobre em calorias (caldo, chá ou café) sem alimentos sólidos.
Capítulo 7 | Fisiologia do trabalho 151

Para trabalhadores com esforço físico mais intenso, ao contrário, recomendam-se


bebidas ricas em calorias (sucos, leite ou iogurte) e um pedaço de pão com manteiga,
queijo, salame ou fruta. O chá e o café são bebidas especialmente apreciadas para o lan-
che. Essas bebidas têm um efeito estimulante de curta duração. Seu uso, como qualquer
substância estimulante, deve ser parcimonioso.

7.6.2. Problemas de subnutrição


Se a quantidade de energia necessária não for suprida pela alimentação, o traba-
lhador apresentará uma redução de peso e uma queda no rendimento, além de ficar mais
suscetível às doenças. Essa queda ocorre numa proporção maior que a taxa de redução
da alimentação e mais pronunciadamente ainda naqueles trabalhadores acostumados a
trabalhos mais leves. Uma pessoa que precise de 3.600 kcal/dia para um rendimento de
100% terá esse rendimento reduzido para 60% se ingerir 2.600 kcal/dia. Portanto, uma
redução de 22% na alimentação provocará uma queda de 40% no rendimento. Já outra
pessoa que precisaria de 2.400 kcal/dia para rendimento de 100%, terá esse mesmo ren-
dimento reduzido para 60% com 2.200 kcal/dia, ou seja, uma redução de apenas 8% na
alimentação corresponderá a uma queda de 40% no rendimento do trabalho.
Em termos gerais de uma população a quantidade média ideal de alimentos é de
3.000 kcal/dia, onde se registra um rendimento máximo de 100%. Se a alimentação cair
para 2.700 kcal/dia, o rendimento cai para 80%, e esta chega a apenas 50% com 2.500
kcal e anula-se completamente com 2.000 kcal/dia, quando o organismo estará no nível
do metabolismo basal. Isso significa que a subnutrição de um povo é sempre antieconô-
mica, uma vez que apenas pequenas reduções na alimentação provocam consequências
bastante danosas à produtividade.

7.6.3. Aspectos odontológicos


Atualmente, a relação entre a ingestão diária de açúcar e a frequência de cáries é
inquestionável. A consistência pastosa dos alimentos doces também é desfavorável para
as gengivas, especialmente os bolos, biscoitos, chocolates etc. Para proteger os dentes,
nas refeições intermediárias devemos preferir maçãs e outras frutas frescas, água mineral
ou leite sem aditivos, pão com manteiga, queijo e iogurte e carnes.

7.7. Fadiga
Cumprimos até aqui um itinerário que nos levou do trabalho muscular ao seu
controle nervoso, às fontes de energia por meio da alimentação e por sua distribuição
por meio do sistema cardiovascular. Estaríamos com um sistema perfeito e sustentável
de obtenção e uso da energia para o trabalho, não fosse um pequeno problema: a fadiga.
Fadiga é o efeito de um trabalho continuado que provoca uma redução reversível da ca-
152 Ergonomia ELSEVIER

pacidade do organismo e uma degradação qualitativa desse trabalho. Abordaremos neste


tópico as características gerais da fadiga e suas causas mais comuns, para então podermos
tecer comentários finais sobre nossas principais formas de recuperação das fadigas: as
pausas e o sono.

7.7.1. Características gerais da fadiga


A fadiga é causada por um conjunto complexo de fatores, cujos efeitos são cumu-
lativos. Em primeiro lugar estão fatores fisiológicos, relacionados com a duração e in-
tensidade do trabalho físico. Depois, há uma série de fatores psicológicos, como esforço
mental (e seu oposto a monotonia), desmotivação, os fatores ambientais e sociais, como
iluminação, ruídos, temperaturas e, por fim, o relacionamento social com a chefia e os
colegas de trabalho
A importância da fadiga radica em sua universalidade. A fadiga não faz diferen-
ças entre os seres humanos, afetando-os por igual, sem distinguir área geográfica, nem
condição socioeconômica; é uma condição inerente aos seres vivos. Por isso mesmo,
a fadiga vem tendo diferentes interpretações de acordo com o modelo assumido para
estudá-la. Por um lado, os psicólogos querem referi-la à psiquê e por outro, os fisiólo-
gos estabelecem uma maior ênfase nas modificações funcionais do corpo (soma). Por
essa razão tem-se pleiteado diferentes teorias que nos permitem compreender a fadiga
como um processo psicossomático. Seja como for, é certo que a fadiga decorre de um
fenômeno do corpo humano: a adaptação do organismo à exigência corporal. Surgem
em consequência as formas de fadiga (física e psíquica) que nos fazem experimentar a
sensação de cansaço.

7.7.1.1. Adaptações do organismo à exigência corporal


As exigências corporais forçadas pelo trabalho exigem mudanças e adaptações,
que atingem quase todos os órgãos internos, todos os tecidos e todos os fluidos do corpo.
As mais importantes adaptações são:
1) Aprofundamento e aceleração da respiração.
2) Aceleração da frequência cardíaca, acompanhada inicialmente por um aumento
da força da batida e um aumento da capacidade de batimento do coração (volume
minuto).
3) Adaptações vasomotoras, que consistem em que os vasos dos órgãos do trabalho
músculos e coração aumentem seu calibre, enquanto que nos outros sistemas
os vasos se estreitam. Com isso se consegue uma forte drenagem de sangue dos
tecidos não comprometidos para os órgãos comprometidos que, dessa maneira
recebem bem mais oxigênio e substâncias carregadas de energia (recrutamento
muscular).
Capítulo 7 | Fisiologia do trabalho 153

4) Aumento da pressão sanguínea, pelo qual a queda de pressão é compensada pelo


aumento de fluxo nos vasos dilatados dos órgãos exigidos pelo trabalho.
5) Incremento do suprimento de açúcar, pela liberação de maior quantidade de açú-
car (glicogênio) do fígado para o sangue.
6) Elevação da temperatura do organismo e da ativação metabólica. O aumento de
temperatura do corpo ocasiona uma aceleração das reações químicas do metabo-
lismo. Por meio disso, a transformação de energia química em energia mecânica
é incrementada. Por isso é que os atletas se aquecem antes de uma competição de
corrida intensa, da mesma forma que um aquecimento insuficiente expõe o atleta
a lesões.
Tais adaptações não são instantâneas e seguem uma espécie de sequência. Após
determinado tempo de sobrecarga nas exigências do trabalho, começam a emergir os
sinais secundários, principalmente a composição química dos fluidos do organismo. Au-
mentam os produtos do metabolismo (metabólitos), tais como o ácido lático, fazendo com
que os rins necessitem intensificar sua função de expelir os resíduos do metabolismo.
Como o trabalho muscular aumenta a produção de calor no organismo, o balanceamento
interno do calor deve adaptar-se a essas condições alteradas com uma maior liberação
desse calor (irrigação sanguínea da pele, sudorese). Por isso as pessoas de pele menos
pigmentadas ficam visivelmente avermelhadas. E, indiferentemente do aspecto pigmen-
tar, todos que estão submetidos a fortes exigências físicas suam bastante.
As reações acima mencionadas demonstram que a ventilação pulmonar, a frequên-
cia do pulso e a temperatura do corpo – em determinados limites de sobrecarga – estão
diretamente relacionados com o consumo de energia ou com as exigências do trabalho
realizado.

7.7.1.2. Fadiga física e psíquica


De acordo com o tipo de trabalho, a fadiga pode ser classificada em fadiga física e
psíquica. A fadiga física pode caracterizar-se por:
UÊ ser explicada em termos bioquímicos;
UÊ poder ser medida e controlada experimentalmente;
UÊ ser reversível, transitória e reparável com o descanso;
UÊ ser provocada por esforços estáticos ou dinâmicos.
Já a fadiga psíquica se caracteriza por:
UÊ não ser explicável a um só nível, já que intervêm aspectos psicofisiológicos, de
conduta e psicoendócrinos;
UÊ não poder ser facilmente controlada experimentalmente;
UÊ não ser facilmente reparável pelo sono e pelo descanso;
UÊ poder ser produzida tanto por infraestimulação (Monotonia) e por sobre-estimu-
lação (Excitação).
154 Ergonomia ELSEVIER

7.7.1.3. A sensação de cansaço


No estado de fadiga física fica a sensação subjetiva de cansaço. Nós nos sentimos
travados e nossas atividades são inibidas até quase a paralisação. Não temos motivação
para o trabalho físico ou mental, nós nos sentimos pesados e indolentes.
A sensação de cansaço não é desagradável quando podemos descansar; é doloroso
quando não nos concedemos repouso. A simples observação já estabeleceu, há tempos,
que sob o ponto de vista geral, a sensação de cansaço é, assim como a sede, a fome e
outras sensações análogas, um mecanismo de proteção, conquanto objetive proteger o
ser humano de maiores sobrecargas. A sensação de cansaço obriga a pessoa a evitar novas
sobrecargas, para que os processos normais de restabelecimento possam acontecer no
organismo.

7.7.1.4. Fadiga clínica ou crônica


Existe um tipo de fadiga, chamada crônica, que não é aliviada por pausas ou sonos
e tem efeito cumulativo. A fadiga crônica é caracterizada por fastio, aborrecimento, falta
de iniciativa e aumento progressivo da ansiedade. Com o tempo, pode causar doenças
como úlceras, doenças mentais e cardíacas. Nessa situação, o descanso já não é suficiente
para se recuperar, devendo-se recorrer a tratamento médico. A fadiga crônica tem causas
complexas mas, em geral, admite-se que não se deve unicamente à situação de trabalho,
pois esta é agravada por conflitos e frustrações pessoais, devidas, por exemplo, a proble-
mas familiares ou financeiros.
Na vida profissional aparecem estados de fadiga que apresentam um claro caráter
de cronicidade. Esses estados não decorrem de um esforço desmedido, mas sim após
prolongadas e repetidas exigências diárias. Como esses estados geralmente estão acom-
panhados de sintomas doentios, fala-se em fadiga clínica ou crônica.
Nessas circunstâncias, os sintomas aparecem não somente durante as exigências,
mas, em maior ou menor escala, estão latentes. Muitos irão sentir a fadiga de manhã
ao levantar, ou antes do início do trabalho. Essa forma de fadiga é acompanhada de
sentimentos de indisposição, muitas vezes de natureza emotiva. Nessas pessoas pode-se
encontrar outros sintomas como:
UÊ irritabilidade;
UÊ predisposição a depressões;.
UÊ falta de motivação geral e indisposição ao trabalho;
UÊ predisposição elevada a doenças.
As doenças que se instalam pertencem mais ao ramo das perturbações psicosso-
máticas, sem maiores especificidades. Entre elas compreendem-se as perturbações dos
órgãos internos ou da circulação, que podem ser avaliadas como manifestações externas
de conflitos e dificuldades psíquicas. Especialmente frequentes são as seguintes manifes-
tações colaterais:
Capítulo 7 | Fisiologia do trabalho 155

UÊ dores de cabeça e tonturas;


UÊ insônia;
UÊ perturbações da regulação da atividade cardíaca;
UÊ surtos de suor sem motivo aparente;
UÊ perturbações dos órgãos da digestão.
O resultado da predisposição aumentada às doenças é um aumento do absen-
teísmo, principalmente aquele de pequenos períodos, deixando claro que a causa é a
necessidade imediata de repouso. Pessoas com conflitos e dificuldades psíquicas caem
frequentemente em estados de fadiga crônica. É muitas vezes difícil diferenciar, nos ca-
sos de fadiga clínica, suas causas dos seus efeitos. Uma imagem negativa da profissão,
do superior, ou do local de trabalho podem ser a causa da fadiga clínica, e, da mesma
forma, a fadiga pode estar na origem da má imagem do trabalho e de seu meio ambiente
especifico.

7.7.2. Causas da fadiga


As causas da fadiga são de natureza muito variada, dependendo principalmente de:
UÊ intensidade e duração do trabalho físico e mental;
UÊ ambiente: clima, luz e ruído;
UÊ ritmo noite/dia;
UÊ causas psíquicas: responsabilidade, ansiedades ou conflitos;
UÊ doenças e dores;
UÊ alimentação.
Para a manutenção de uma capacidade da saúde do trabalhador e sua consequen-
te capacidade de produção, o conjunto dos processos de descanso deve corresponder à
soma das exigências de trabalho. Os processos de descanso desenrolam-se preferencial-
mente à noite, mas também no período de lazer e em todas as pausas do trabalho. Para
que possamos melhor abordar esse subtema, veremos separadamente os fatores fisioló-
gicos da fadiga para em seguida tratarmos de um ponto especifico à infraestimulação ou
monotonia.

7.7.2.1. Fatores fisiológicos da fadiga


A fadiga fisiológica é uma das resultantes da bioenergética muscular, tanto pela
ausência de suprimentos, como pela falta de efetividade na remoção dos detritos meta-
bólicos, especialmente resultando do acúmulo de ácido lático nos músculos.
A fadiga decorre do esgotamento das reservas de energia, que se manifesta pelo
baixo teor de açúcar no sangue. Essa reserva pode ser reposta pela ingestão de glico-
se ou alguma substância que possa ser facilmente utilizada pelo metabolismo. Esse é
um expediente empregado, por exemplo, pelos atletas que ingerem bebidas com forte
teor energético durante uma competição de resistência (enduro). Já quando a atividade
156 Ergonomia ELSEVIER

muscular é muito intensa, o ritmo de produção do metabólito ácido lático é maior que
a capacidade do sistema circulatório em removê-lo, provocando o desequilíbrio e com
ele a sensação de cansaço que reporta como fadiga. Entretanto, a fadiga não pode ser
explicada apenas em termos de exaustão muscular ou energética. Uma pessoa em situa-
ção estressante também apresenta diversos sintomas de exaustão e fadiga. As pessoas
fatigadas apresentam diversas alterações de substância presentes na urina e no sangue,
indicando que há uma alteração orgânica ao estado de distress. O aumento do consumo
energético e de oxigênio em uma pessoa que executa um grande esforço mental se deve
mais à tensão muscular, associada a essas situações, do que propriamente ao aumento da
atividade do sistema nervoso.
A fadiga fisiológica, desde que não ultrapasse certos limites, é reversível e o corpo
se recupera com pausas concedidas durante o trabalho ou com o repouso diário.

7.7.2.2. Monotonia
Entendemos como monotonia uma reação do organismo a uma situação pobre
em estímulos ou caracterizada por repetições uniformes dos estímulos com pequena exi-
gência das pessoas (infraestimulação). O esgotamento do fluxo de entrada sensorial e os
processos de adaptação e habituação (indiferença) são os motivos fisiológicos fundamen-
tais da monotonia. Os mais importantes sintomas de monotonia são os sinais de fadiga,
sonolência, falta de disposição e uma diminuição da atenção. Na indústria e no trânsito
essas condições são frequentes e inevitavelmente implicam monotonia.
A monotonia combina causas externas com condições pessoais. A experiência
mostra que as atividades repetitivas de longa duração, com mínimo grau de dificulda-
de, mas sem possibilidade de desligar-se mentalmente de todo o trabalho, ou tarefas de
observação de longa duração, pobres em quantidade e diversidade de estímulos, com a
obrigação de atenção permanente, são condições que desencadeiam o estado de mono-
tonia. Por outro lado, a vulnerabilidade da pessoa à monotonia é aumentada em pessoas
em estado de cansaço, por exemplo, durante a noite. Esses aspectos pessoais tem uma
evidente vertente psicológica referentes a situação de baixa motivação, em pessoas super-
qualificadas e subocupadas e assim por diante.

7.7.2.3. Configuração do trabalho para atividades monótonas


Dessas considerações anteriores concluímos que a subcarga do homem, como
acontece nos locais de trabalho com atividades repetitivas e monótonas, é indesejável.
Para organizar o trabalho de tal forma que as capacidades da pessoa sejam exploradas
sem que essencialmente sejam ultrapassadas ou subutilizadas, deve-se cotejar o alarga-
mento e o enriquecimento das tarefas. Trata-se da ampliação e diversificação do espaço
individual de manobras e da solicitação a maiores implicações do raciocínio e da tomada
de decisão (cognição). Ambos os procedimentos têm dois objetivos bem distintos:
Capítulo 7 | Fisiologia do trabalho 157

UÊ por um lado, se busca a diminuição da monotonia com suas manifestações cola-


terais de saturação e fadiga;
UÊ por outro lado, se visa ao aumento da qualidade de vida no trabalho por meio da
configuração de um trabalho mais coerente, que possibilite o uso de capacidades
humanas.
Ambos os objetivos pressupõem que novas formas de trabalho reduzirão o absen-
teísmo, a rotatividade da mão de obra e as tensões sociais; e ainda que o recrutamento de
novas forças de trabalho será facilitado. Com isso, a produtividade também deve se ele-
var a longo prazo. Nessas novas formas de organização do trabalho podem reconhecer-se
diversos elementos, que passam pela simples troca de trabalhos até as diversas formas de
ampliação do trabalho. Do enriquecimento do trabalho por meio da ampliação de tarefas
até a autonomia parcial ou inclusão de funções de planejamento e controle. Resumindo,
podemos falar de:
UÊ troca de tarefas;
UÊ alargamento e enriquecimento do trabalho;
UÊ considerar a importância dos contatos sociais no trabalho;
UÊ introdução de frequentes pausas curtas;
UÊ movimentação do corpo durante as pausas;
UÊ configuração estimulante do ambiente, por luz, cores e música.

7.7.3. Consequências da fadiga


Embora os mecanismos causadores da fadiga não sejam totalmente conhecidos, há
uma razoável descrição das consequências da mesma. Uma pessoa fatigada tende a aceitar
menores padrões de precisão e segurança. Ela começa a fazer uma simplificação de sua ta-
refa, eliminando tudo que não for essencial. Os índices de erro começam a crescer. Um mo-
torista fatigado, por exemplo, olha menos os instrumentos de controle e reduz a frequência
das mudanças de marcha. Observa-se que os pilotos de avião fatigados apresentam uma
irresistível tendência a relaxar quando se aproximam do aeroporto, e isso produz um re-
pentino aumento de erros, que podem resultar em acidentes. Mesmo que a pessoa pense
que está fazendo o melhor possível, o seu padrão de desempenho vai caindo.
As tarefas com excesso de carga mental provocam decréscimo da precisão na dis-
criminação de sinais, retardando as respostas sensoriais e aumentando a irregularidade
das respostas. Com o aumento da complexidade nas tarefas, a fadiga também leva à
desorganização das estratégias do operador para atingir os seus objetivos, encontrando
maior dificuldade para combinar elementos, incluindo omissões daquelas tarefas de bai-
xa frequência e alterações na memória de curta duração.
A sobrecarga ocorre quando as solicitações feitas sobre o indivíduo excedem sua
capacidade de resposta, e isso depende do grau de liberdade que o operador dispõe para
resolver o problema, da estratégia adotada para solucionar o problema e também dos
conhecimentos e habilidades da pessoa.
158 Ergonomia ELSEVIER

7.7.4. A medição da fadiga


Os métodos usados para essa finalidade podem ser agrupados em 7 tipos:
1) Quantidade e qualidade da produção no trabalho: a produção certamente está
em interdependência com a fadiga. Ela não pode ser uma medida direta da fadiga,
pois inúmeros outros fatores, como por exemplo, a concorrência, as relações so-
ciais e o clima psicológico no trabalho, participam ativamente desse intercâmbio.
Ocasionalmente, tem-se usado a qualidade do trabalho (número de refugos, falhas
ou danos materiais) ou o número de acidentes de trabalho como medida relacio-
nada à fadiga. Mas também aqui temos limitações já que a fadiga não é a única
variável.
2) Avaliação da sensação subjetiva de fadiga: a avaliação das sensações subjetivas
é feita com questionários especiais, como os questionários bipolares, que são mui-
to fáceis de aplicar e interpretar. No entanto, não oferecem maiores possibilidades
de relação da fadiga com o processo de trabalho a não ser em circunstâncias bem
conhecidas.
3) Eletroencefalograma (EEG): o EEG presta-se especialmente para as experiências
padronizadas de laboratório. Nessa ocasião, as alterações do EEG no sentido da
sincronização (aumento das ondas alfa e teta e diminuição das ondas beta) são
interpretadas como estado de fadiga e sonolência.
4) Frequência subjetiva da fusão do olho: a frequência de fusão dos olhos é usada
há vários anos como indicador subjetivo da fadiga. Essa frequência é medida da
seguinte forma: a pessoa em teste é colocada em frente a uma fonte luminosa, que
pisca intermitentemente. A frequência das piscadas é sucessivamente aumenta-
da, até que os lampejos fundem-se em uma luz única. Esse limiar chama-se de
frequência de fusão subjetiva.
5) Testes psicomotores: Com os testes psicomotores são medidas funções que ava-
liam a percepção, a interpretação e a reação motora. As medições das atividades
“teste” mais usadas são tempo de reação simples e de escolha; testes desenvolvendo
o toque e marcação de quadrados em uma grade, testes de destreza, tarefas de digi-
tação. Vidal (1976) empregou esse método para avaliação da influência das condi-
ções acústicas em tarefas de forte exigência habilidade manual e evidenciou tanto o
processo de agravamento progressivo com o aumento da perturbação em novatos
como o curioso mecanismo da autoaceleração em trabalhadoras veteranas.
6) Testes mentais: Os testes de desempenho mental podem ser cálculos, testes psi-
cotécnicos, testes de avaliação e testes de memória. Em seu uso se aproximam dos
testes psicomotores.
7) Análises clínicas: a avaliação de metabólitos relacionáveis à fadiga pode ser feita
com o uso de procedimentos de análise clínica específicos. Esses procedimentos
têm alto custo e possuem características invasivas, requerendo coleta de sangue,
urina e outros particulares de cada pessoa. Em algumas circunstâncias, pode ser
Capítulo 7 | Fisiologia do trabalho 159

justificado. Vidal e Moreira (2000) apresentaram resultados da aplicação desse


método junto a controladores de voo e puderam demonstrar a manifestação da fa-
diga e, sobretudo, a intensificação de seus efeitos no período de relaxamento que
se segue a uma intensa solicitação operacional. Nesse sentido, recomendaram que
cada período de intensa solicitação cognitiva, seja seguido de uma pausa compen-
satória imediata em ambiente próprio.

7.8. Pausas e sono


A recuperação da fadiga se processa por dois grandes processos, as pausas e o
sono. Veremos cada um desses processos separadamente.

7.8.1. Pausas
Tecnicamente uma pausa é um período de inatividade que se intercala entre pe-
ríodos de atividade. Em Ergonomia a questão é qualificar o tipo de pausa quanto à sua
natureza social e quanto à sua oportunidade no processo de trabalho.

7.8.1.1. Pausas no trabalho


No que tange à natureza social as pausas podem ser estabelecidas de forma fisio-
lógica, furtivas ou organizadas, As pausas fisiológicas se relacionam à natureza da ativi-
dade. Por exemplo, durante uma atividade com maior incidência de trabalho muscular
dinâmico, a relação de tempo entre a contração e o relaxamento garante certa pausa. A
relação ideal para o trabalho muscular moderado é de 1 tempo de trabalho para 1 tempo
de pausa. Para o trabalho pesado essa relação seria, no mínimo, de 1:1,5.
As pausas furtivas são aquelas que o trabalhador consegue fazer nas lacunas ope-
racionais de seu processo de trabalho. Elas ocorrem quando regula a máquina, quando
aponta um lápis, quando está à procura uma ferramenta etc. Tecnicamente falando são
ineficazes: são geralmente mais longas que o necessário e de pequeno valor recuperativo,
devido à preocupação com o controle do superior e com a tarefa anexa que a possibilita.
Podem (e devem) ser evitadas colocando-se uma pausa curta, fisiologicamente delinea-
da, obrigatória, e no momento certo. Na verdade, combater as pausas furtivas é uma
forma de respeitar o trabalhador tratando-o com dignidade.
As melhores pausas são as organizadas. Elas podem ser curtíssimas, curtas ou lon-
gas. Pausas curtíssimas podem ter lugar entre duas operações numa linha de produção
ou montagem. Tais pausas têm um alto efeito recuperativo e prolongam o período de
trabalho ininterrupto, além de possibilitarem evitar a parada da produção por causa de
pequenas falhas. A observação de carregadores de mudança comprova facilmente essa
assertiva. As pausas curtas, ou intercalares, devem ser de 3 a 5 minutos após cada 1 hora
de trabalho leve, mas que exige atenção, ou de 10 minutos após 2 horas de trabalho bra-
160 Ergonomia ELSEVIER

çal leve. Quanto mais pesada for se tornando a tarefa, maior será a pausa recomendável.
Quando o trabalho se encaixar na categoria pesada, recomenda-se pausas longas, de 10
a 60 minutos após igual período de trabalho físico nessas condições pesadas.
Uma atenção especial deve ser dada às refeições, que são erroneamente consi-
deradas como pausas. As refeições devem ocorrer após 4 a 6 horas depois do início do
trabalho e recomenda-se 15 minutos de desaceleração. Depois da refeição devem sobrar
15 minutos para um descanso.

7.8.1.2. Pausas de repouso


Quando um trabalho ao longo de 8 horas exige uma média de consumo calórico
maior que 1/3 da capacidade aeróbica do funcionário são indicadas as pausas de repou-
so. A pausa de repouso pode ser de dois tipos:
1) Diminuição do número de horas de trabalho: essa solução é a mais indicada se o
local de trabalho for de acesso difícil.
2) Intercalação de pausas durante as 8 horas de trabalho: é a solução mais lógica e de
maior uso.
Nesse sentido, vale recomendar:
UÊ como pausas diárias: um mínimo de 11 horas entre o final de um turno e o retor-
no da pessoa à atividade;
UÊ pausas semanais: devem ter duração mínima de 24 horas, coincidindo preferen-
cialmente com o domingo, por questões sociais, culturais ou religiosas;
UÊ pausas anuais: representam as férias, com duração de, no mínimo 15 e no máximo
30 dias ao final de cada ano de trabalho. As férias devem ser preferencialmente
exercidas e o empregador deve tentar impedir ao máximo que o empregado não
exerça o direito ás férias, pois as repercussões na saúde e na produção não são
nada boas.

7.8.1.3. As pausas compensatórias


A pausa possui um sentido funcional quando o trabalhador diminui a produti-
vidade devido ao cansaço e quando sua prática garante certa recuperação. Em geral, o
cansaço é interpretado como consequência do acúmulo de metabólitos ou diminuição
das substâncias energéticas, porém, interferem também o sistema neurovegetativo que
influencia a disposição para trabalhar, a motivação do trabalhador e as condições do
ambiente de trabalho. Por meio de uma organização racional das pausas obrigatórias, é
possível encurtar o tempo de ocupação (duração normal de trabalho = períodos de tra-
balho + pausas), mantendo a duração total do trabalho efetivo e o trabalhador chegando
ao fim da jornada menos cansado.
Capítulo 7 | Fisiologia do trabalho 161

7.8.2. Sono
O sono é um dos campos mais interessantes da fisiologia, tamanha a quantidade
e a qualidade de fenômenos que ocorrem durante essa forma de viver que ocupa pra-
ticamente 1/3 de nossa existência. Faremos uma rápida caracterização dos principais
fenômenos relacionados ao sono, com ênfase nas noções de ciclo circadiano e de vigília,
e encerraremos o tópico trazendo à baila uma breve discussão sobre o trabalho noturno.

7.8.2.1. Ciclo circadiano


As funções biológicas dos seres vivos obedecem, de forma geral, às variações rít-
micas que são reguladas basicamente por fatores ambientais e ritmos endógenos. A ex-
pressão “ciclo circadiano” (do latin circa dies que significa cerca de um dia) é também
chamado de ciclo nictemeral. Seja qual for a nomenclatura, o fato é que se trata da
frequência em que se repete o ciclo, em períodos endógenos de aproximadamente 20 a
28 horas.
Os fatores ambientais (externos) são aqueles que dizem respeito às variações do
meio exterior, tais como: horas de luz e escuridão, hábitos alimentares, períodos de
atividade e repouso, temperatura, ruídos etc. Uma famosa pesquisa com operadores de
perfuração no círculo polar ártico mostrou que as funções biológicas ou biorritmos se
mantêm mesmo na imensa manhã boreal (seis meses sem noite), mas sofrem variações.
Os fatores internos, assim entendidos ritmos endógenos ao organismo, são in-
dependentes das manifestações do ambiente exterior e continuam sua periodicidade na
ausência destes. Como exemplos de tais ritmos podemos citar: temperatura corporal, a
excreção de metabólitos, como sódio, potássio, cálcio, ácido lático etc.

7.8.2.2. Sono e vigília


A vigília é, basicamente, a condição do ser humano acordado e na posse de seus
sentidos (o que não ocorreria com pessoas em uso de medicação forte ou anestesia hos-
pitalar). O ritmo circadiano da vigília alcança valores mais altos ao redor do meio-dia e
valores baixos logo ao acordar, ou antes de adormecer. De modo que o nosso ciclo circa-
diano vai propiciar uma maior disposição para trabalhar, que se manifesta no seu nível
máximo das 9h00 às 10h00, das 15h00 às 17h00 e o mínimo das 7h00 às 9h00, 12h00
às 14h00 e das 2h00 às 3h00. Por outro lado, a disposição para dormir está aumentada
das 7h00 às 9h00, das 13h00 às 15h00 e das 2h00 às 9h00. Desse modo, o nosso orga-
nismo, pela sua natureza, está organizado para dormir à noite e trabalhar de dia.
O sono, por seu turno, se caracteriza como a situação oposta à vigília. Ele está
constituído por um ciclo de 5 fases que se sucedem a cada ciclo. A primeira fase caracte-
riza-se pelo adormecimento; a segunda é a fase do sono confirmado; na terceira e quarta
fases o sono é profundo, com ondas eletroencefalográficas lentas, semelhantes às da vigí-
lia desatenta. Nesta, ainda há persistência do tônus muscular e não há movimentos ocu-
162 Ergonomia ELSEVIER

lares. Na quinta fase ou “fase de sono paradoxal”, há uma atividade eletroencefalográfica


de ondas rápidas semelhante à vigília atenta. É nessa fase em que sonhamos e temos os
movimentos rápidos dos olhos (fase REM) e diminuição importante do tônus muscular,
com consequente descanso real ao nível físico e mental.
As fases do sono têm inicialmente uma duração de 90 minutos em cada fase. Esse
tempo vai sendo gradualmente cada vez menor para as primeiras fases e maior para as
últimas. Por volta das 2h00 às 4h00 o indivíduo estará mais tempo na fase paradoxal,
coincidindo com a queda de temperatura corpórea, da adrenalina, do cortisol etc. Quan-
to mais baixa a temperatura corporal, maior a possibilidade de ocorrer sono paradoxal,
garantindo, assim, um completo descanso físico e mental.

7.8.2.3. Sono e trabalho noturno


Um sono sem prejuízos qualitativos e quantitativos é um pré-requisito indispen-
sável para a saúde, bem-estar e capacidade de produção. Escalas de trabalho sem turnos
noturnos não conduzem a perturbações significativas do sono, assim como a jornada
diária. Escalas com turnos noturnos frequentemente desenvolvem perturbações do sono.
Sistemas irregulares de turnos (ferrovias, pilotos de avião e outros) também provocam
transtornos.
O sono do trabalhador noturno durante o dia é mais curto que o sono noturno
dos dias de folga, sendo o sono do segundo dia de folga bem mais longo. Conclui-se,
então, que o trabalhador noturno apresenta um débito de sono que ele recupera nos dias
de folga, sendo que um dia de folga parece não ser suficiente para cobrir esse débito. O
sono diurno, além de ser mais curto, apresenta também um notável encurtamento da
fase REM. O sono diurno do trabalhador noturno é, dessa forma, mais curto e de me-
nor qualidade. Por outro lado, parece não haver nunca uma inversão completa do ciclo
circadiano no trabalhador noturno, o que significa que nunca há adaptação plena. Na
jornada noturna os ciclos biológicos circadianos só após alguns dias mostram os primei-
ros sinais de reversão, mas a reversão não é total, já que mesmo após várias semanas ele
não se completa.

7.8.2.4. Saúde e trabalho noturno


O trabalho noturno envolve prejuízos sociais importantes, particularmente quan-
to ao convívio familiar, relações com os amigos e oportunidade de desenvolver atividades
em grupo. Poder-se-ía colocar os indivíduos nas seguintes categorias, em relação à acei-
tação do trabalho noturno:
1. Um certo número de pessoas calculadas em 20% não se adapta, de forma nenhu-
ma ao trabalho noturno. Constituem a chamada seleção negativa. Apresentam
rapidamente uma série de sinais e sintomas e são excluídas do trabalho noturno
de uma forma ou de outra por afastamento médico ou demissão.
Capítulo 7 | Fisiologia do trabalho 163

2. Um número maior de pessoas continua trabalhando; têm algum grau de intole-


rância ao trabalho noturno, mas continuam em atividade; a não existência de sin-
tomatologia grave os leva a não se afastarem do trabalho. No seu dia a dia apresen-
tam cansaço, mesmo após um período de sono, irritabilidade psíquica, períodos
de depressão, perda geral da vitalidade e má disposição para o trabalho; podem
aparecer distúrbios gastrintestinais como gastrite, úlcera, vômitos e/ou diarreia
esporádica, transtornos nervosos, cefaleia etc..Alguns caminham para a primeira
categoria e afastam-se do trabalho.
3. Um grande número não chega a desenvolver úlcera, gastrite ou distúrbios gas-
trintestinais, mas seu modus vivendi com a nova situação necessita de algum tipo
de “reforço” para o organismo. Por isso inicia o uso de estimulantes à noite, prin-
cipalmente café e cigarro além de pílulas para dormir, ou álcool frequentemente
antes de iniciar a jornada de trabalho. A cafeína aumenta o nível de adrenalina, o
que pode ajudar a adaptação, no início do trabalho e diminui o efeito das baixas
fisiológicas acima mencionadas. O álcool possui efeito estimulante passageiro, e
depois de 30 minutos a uma hora provoca queda no nível de adrenalina para nível
abaixo do valor normal. Portanto, é desaconselhado para o trabalho.
4. Um pequeno grupo de indivíduos tolera efetivamente o trabalho noturno, sem
necessitar de drogas auxiliares e sem desenvolver distúrbios quaisquer. É a cha-
mada seleção positiva.
Podemos hoje falar com justiça de doença profissional do trabalhador noturno. O
quadro da doença é dominado pelos mais importantes sintomas de um estado de fadiga
crônica.

7.8.2.5. Recomendações ergonômicas para o trabalho noturno


Podem-se enunciar algumas recomendações de caráter geral para o trabalho no-
turno. Assinalaremos que se a fisiologia do trabalho em Ergonomia requer a assistência
de um profissional qualificado para que se obtenham bons resultados; esse preceito deve
ser ainda mais observado quando se tratar de trabalho noturno. A lista que segue deve
ser empregada ao mesmo tempo como paliativo de uma ação mais bem sustentada ou
como verificação da ausência de uma preocupação ergonômica no projeto da organiza-
ção do trabalho.
UÊ Providenciar iluminação adequada ao ambiente de trabalho, evitando os baixos
ou altos níveis de iluminação, assim como os tubos fluorescentes com oscilações
luminosas invisíveis;
UÊ Permitir ao indivíduo algum grau de autoridade sobre o trabalho, para evitar o
trabalho puramente repetitivo e monótono;
UÊ Turnos esparsos são melhores que longos ou contínuos períodos de trabalho no-
turno;
164 Ergonomia ELSEVIER

UÊ A duração do turno deve se adaptar à dificuldade do trabalho;


UÊ Para trabalhos difíceis ou pesados 6 horas, para atividades mais leves 8 horas ou
mais;
UÊ O início do turno da madrugada se possível após as 5 horas;
UÊ Entre o fim de um turno e o início de outro pelo menos 12 horas livres
UÊ Os sistemas de turnos contínuos devem ter numerosos fins de semana com dois
dias livres;
UÊ Os trabalhadores noturnos devem ter mais de 25 e menos de 50 anos;
UÊ Deve ser oferecida alimentação balanceada com refeições quentes;
UÊ A fase do trabalho que exige maior raciocínio e em cujo erro podem ocorrer con-
sequências sérias, deve ser desenvolvida ao início da jornada, das 22h00 até as
3h00.

7.9. Página escolar


Questões
1) Quais são os principais efeitos da fadiga sobre o trabalho?
2) Por qual motivo devemos reduzir ou eliminar as contrações estáticas na configu-
ração do trabalho?
3) Explique porque o sono diurno do trabalhador noturno não é devidamente repa-
rador.
4) Em termos de necessidade calórica, qual a diferença entre o trabalho sentado e o
trabalho pesado?
5) Cite três exemplos de trabalho pesado.
6) Qual a relação entre glicose e ATP (adenosina trifosfato)?
7) O que caracteriza um trabalho monótono?
8) Quais os tipos de tecido muscular encontrados no organismo humano?
9) Porque os homens tendem a apresentar maior força muscular que as mulheres?
10) Em que tipo de atividade encontramos a maior carga de trabalho estático?
11) O que são as sinapses?
12) Qual o principal mediador eletroquímico das sinapses?
13) Porque a variação da frequência cardíaca é considerada o melhor parâmetro para
a medida da carga de trabalho?
14) O que é metabolismo?
15) Em termos alimentares, quais os riscos a que estão submetidas as pessoas no tra-
balho sentado e no trabalho pesado?
16) Que fatores podem contribuir para a fadiga no trabalho?
17) Quais as principais estratégias de recuperação para a fadiga no trabalho?
Capítulo 7 | Fisiologia do trabalho 165

18) Procure entrevistar alguém que execute funções em trabalho noturno; verifique
se a percepção desse trabalhador confirma as hipóteses descritas nesse capítulo.
Registre os resultados.
19) Digite um texto de uma lauda no período da manhã, logo após acordar. Depois,
procure digitar outro texto de uma lauda também, de complexidade semelhante,
na parte da noite, quando estiver cansado após um dia intenso de trabalho. Verifi-
que se houve diferença na sua performance e quais diferenças ocorreram. Registre
os resultados.

Debate
A fisiologia do trabalho tem demonstrado já há muito tempo que o levantamento e
transporte de cargas pesadas é uma atividade de trabalho com importantes efeitos negativos
sobre a saúde dos trabalhadores. Entretanto, a Norma Regulamentadora no 17 (NR 17), que
alerta sobre os efeitos desse tipo de atividade, só entrou em vigor na década de 1990. Na
sua opinião, que motivo ou motivos podem explicar essa defasagem entre a estruturação do
conhecimento científico em Fisiologia do Trabalho e sua incorporação às leis que regulam o
trabalho em nosso país? O professor pode ser o mediador.

Pesquisa de campo
O trabalho na construção civil pode ser considerado trabalho pesado. Pesquise em
algum canteiro de obras o tipo de alimentação que os trabalhadores costumam utilizar
durante seus turnos de trabalho. Procure juntar algumas falas desses trabalhadores sobre
o motivo pelo qual escolhem determinados alimentos e correlacione tudo que encontrou
com aquilo que foi mostrado neste capítulo.

Pesquisa na internet
Faça uma busca na internet procurando recolher algum vídeo que possa ilustrar
bem os efeitos da fadiga nos trabalhadores

Referências
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166 Ergonomia ELSEVIER

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WISNER, A. Por dentro do trabalho: Ergonomia, método e técnica. São Paulo: FTD/Oboré,
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Capítulo

8 Biomecânica

Francisco Soares Másculo, Ph.D. – PPGEP/UFPb

Conceitos apresentados
Neste capítulo é apresentada a definição de Biomecânica, bem como suas
aplicações, especialmente a da Biomecânica Ocupacional. É apresentado o sistema
esquelético como estrutura óssea em seu campo estático e anatômico e como siste-
ma de alavancas em seu campo dinâmico e funcional. A seguir, é introduzido o tema
das posturas de trabalho (em pé, sentado e em outras posições) e são abordadas as
questões relativas ao levantamento e transporte de cargas. O capítulo se encerra
com um breve comentário acerca das doenças ocupacionais de causas relacionadas
à Biomecânica.

8.1. O que é Biomecânica


A Biomecânica se ocupa com o corpo humano de uma forma especial: ela utiliza
os princípios da mecânica para conceber, projetar, desenvolver e analisar equipamentos
e sistemas na biologia e na medicina. Os primórdios da Biomecânica remontam ao sé-
culo XV, quando Leonardo da Vinci (1452-1519) observou a importância da mecânica
em seus estudos biológicos. Na contemporaneidade, a Biomecânica recorre aos diversos
campos da mecânica aplicada de acordo com a natureza dos fenômenos. Por exemplo, os
princípios da estática são aplicados para determinar a magnitude e a natureza das forças
envolvidas nas várias articulações e músculos do sistema músculo-esquelético. A dinâ-
mica é utilizada para a descrição dos movimentos, com aplicações eficazes no esporte.
Os princípios da mecânica dos fluidos são usados para investigar o fluxo sanguíneo no
sistema circulatório e o fluxo de ar nos pulmões.
168 Ergonomia ELSEVIER

O advento da Biomecânica tem produzido repercussões positivas nas áreas de Me-


dicina (auxiliando o diagnóstico e o tratamento), Biomédica (no projeto de instrumental
médico) e Fisioterapia (no desenvolvimento de dispositivos para deficientes físicos, im-
plantes e reposições artificiais). Além disso, tem contribuído para a melhoria do desem-
penho do trabalhador nos postos de trabalho e do atleta em competições.
O interesse principal da Biomecânica para a Ergonomia vem sendo o entendimen-
to da carga mecânica: a atuação do sistema músculo-esquelético no contexto da ativida-
de. Nesse contexto, a análise biomecânica objetiva avaliar a carga e o comportamento
da estrutura do corpo respectivamente às capacidades do sistema músculo-esquelético.
A análise biomecânica se caracteriza por uma abordagem essencialmente quantitativa:
avaliar as cargas nas articulações e nos tecidos no curso das ações e comparar com a to-
lerância ou a capacidade da estrutura. Espera-se, com isso, obter parâmetros que ajudem
a projetar tarefas de trabalho de forma tal que o risco de lesões músculo-esqueléticas no
corpo seja minimizado (Marras, 2005). Essa Biomecânica voltada para a Ergonomia é
chamada de Biomecânica Ocupacional ou Industrial, conforme definida por Chaffin e
Andersson (1991):
[...] o estudo da interação física dos trabalhadores com suas ferramentas,
máquinas e materiais para aumentar o desempenho do trabalhador en-
quanto minimiza o risco de lesões músculo-esqueléticas.
É nessa perspectiva que a Biomecânica será apresentada neste capítulo. Devemos,
no entanto, alertar que reduzir a atividade de trabalho à sua dimensão biomecânica é um
grave erro conceitual e que tem implicações sérias no projeto e na análise de sistemas
de trabalho. O fato de propiciar uma apreciação quantitativa não resolve os problemas,
apenas ajuda a reforçar e ancorar os estudos em Ergonomia.
Iniciaremos com uma caracterização do sistema músculo-esquelético, em comple-
mentação à base neuromuscular vista no capítulo anterior, para em seguida tecermos os
comentários acerca de trabalho estático e dinâmico. Em seguida, trataremos das posturas
de trabalho, finalizando o capítulo com comentários sobre as chamadas afecções de fun-
do ocupacional para as quais a Biomecânica tem contribuições efetivas, as lombalgias e
as DORTs.

8.2. Esqueleto e coluna


A Mecânica se divide em duas subdisciplinas, a Estática e a Dinâmica. Nosso cor-
po, do ponto de vista estático, é estudado como uma estrutura óssea em equilíbrio. Já do
ponto de vista dinâmico pode ser visto como um sistema de alavancas.
O esqueleto humano é constituído por 208 ossos e cartilaginosas articuladas, em
uma estrutura óssea que tem como função biomecânica estática a de sustentar o corpo.
Essa não é sua única função, já que a estrutura óssea tem importantes formações de pro-
Capítulo 8 | Biomecânica 169

teção como o crânio (que protege o cérebro) e as costelas e o esterno, que protegem os
pulmões e o coração. Outra função importante é que o esqueleto possui pontos de apoio
onde os músculos se fixam. A Figura 8.1 mostra a nomenclatura dos principais ossos
humanos. É importante ter essa breve noção de anatomia para melhor compreender o
conteúdo deste capítulo.

)LJXUD2HVTXHOHWRKXPDQR

Fonte: Guia médico de Minas.

8.2.1. O corpo como estrutura óssea


Funcionalmente o esqueleto se divide em duas partes: o esqueleto axial, que for-
ma a base do corpo e compreende o crânio, o tórax e a coluna vertebral, e o esqueleto
apendicular, que integra nossos braços, pernas e os sistemas ósseos que os integra ao
esqueleto axial. Dessa breve descrição anatômica de nossa estrutura óssea, o aluno deve-
rá reter especialmente o papel das cinturas e a conformação da nossa coluna vertebral.
Falemos primeiramente de nossas cinturas. O esqueleto apendicular compreende
duas cinturas, assim chamadas as estruturas de conexão dos membros com o esqueleto
axial: a cintura escapular, onde os braços se unem ao tronco, formada pelas escápulas e
clavículas; e a cintura pélvica, formada pelos ossos ilíacos (da bacia).
170 Ergonomia ELSEVIER

Alguns autores consideram os punhos e tornozelos cinturas secundárias, mas isso


não é correto, por se tratarem de juntas ou articulações. Juntas são onde ocorrem as
junções entre dois ou mais ossos. As juntas podem ser fixas e firmes, como as do crânio,
ou móveis, que permitam a realização de movimentos, caso em que se chamam articu-
lações. As articulações dão resistência e mobilidade ao esqueleto, permitem o amorte-
cimento dos choques das extremidades ósseas, facilitam a conexão de estruturas ósseas
diferentes e participam da formação do esqueleto e do crescimento ósseo. O movimento
articular deve ocorrer sem atrito, para evitar o desgaste da articulação.
Os ossos podem ser comparados a uma estrutura de um prédio em concreto, a
armação metálica de uma ponte ou as escoras de madeira de um telhado. Temos ossos
de grande porte, como o fêmur, e ossos de tamanho bastante reduzido, como os que
intervêm na audição. No entanto, independentemente de seu tamanho, os ossos de uma
articulação mantêm-se no lugar por meio dos ligamentos, cordões resistentes constituí-
dos por tecido conjuntivo fibroso. Os ligamentos estão firmemente unidos às membranas
que revestem os ossos. Por fim, nossos ossos se unem aos músculos por um tecido parti-
cular, os tendões, que, ao contrário dos músculos, não se contraem e são muito sensíveis
às solicitações acima de certo limite.

8.2.1.1. A coluna vertebral


A coluna vertebral (Figura 8.2), também conhecida como espinha dorsal, é uma
estrutura óssea do esqueleto axial particularmente importante em Biomecânica em fun-
ção de sua meticulosa constituição, por sua função no equilíbrio e postura humana e
pelas repercussões da atividade de trabalho sobre ela. A coluna vertebral é o eixo central
do corpo e se compõe de 34 vértebras. Ela está envolvida em quase todos os movimentos
do corpo do ponto de vista biomecânico e ainda funciona, no plano neurológico, como
um duto de feixes nervosos, ligando diversos órgãos e outras partes do corpo ao cérebro.
A coluna vertebral é constituída por vértebras alinhadas e sobrepostas. Essa estrutura é
dividida em quatro regiões:
UÊ cervical: região do pescoço, composto por sete vértebras extremamente sensíveis;
UÊ torácica: correspondente à região dorsal, composta por 12 vétebras;
UÊ lombar: parte inferior da coluna, composta por cinco vértebras; e
UÊ sacrococcígea: essa já uma parte da coluna que integra a cintura pélvica, compos-
ta por cinco vértebras e uma terminação óssea específica, o cóccix, formado por
quatro vértebras especiais com juntas fixas, a exemplo do que acontece no crânio.
Capítulo 8 | Biomecânica 171

)LJXUD$FROXQDYHUWHEUDO

Fonte: http://adoratual.wordpress.com/2009/06/. Acesso em: 22 ago. 2010.

A coluna vertebral forma uma reta na visão anteroposterior (mais à esquerda da


Figura 8.2). Qualquer desvio lateral sob esse ângulo de visão é chamado de escoliose.
Na vista de perfil (ilustração central), a coluna apresenta quatro curvaturas fisiológicas
constituindo um arranjo estrutural bastante eficaz para a sustentação de peso. Obser-
vamos então uma lordose (concavidade posteroanterior) na parte cervical, seguida de
cifose (concavidade anteroposterior) na área dorsal, uma grande lordose lombar e final-
mente uma cifose na região sacra (a mais baixa da coluna).
Vinte e quatro das 33 vértebras são flexíveis e, destas, as que têm maior mobilidade
são as cervicais e as lombares. As vértebras torácicas estão unidas a 12 pares de costelas,
formando a caixa torácica, o que limita seus movimentos. A mecânica de sustentação é
recorrente: cada vértebra sustenta o peso de todas as partes do corpo situadas acima dela.
Assim sendo, as vértebras inferiores são maiores, porque precisam sustentar mais peso.
Tal fato é uma evidência do processo evolucionista do ser humano: ao passarmos
da condição de quadrúpedes para bípedes, a coluna deixou de funcionar como viga e
passou a ser um pilar. Nesse processo ao longo dos tempos, por estarem suportando
maior estresse, as vértebras lombares reagem e aumentam seu tamanho. Entre uma vér-
tebra e outra existe um disco cartilaginoso, composto de uma massa gelatinosa (Figu-
ra 8.3). As vértebras também se conectam entre si por ligamentos. Os movimentos da
coluna vertebral tornam-se possíveis pela compressão e deformação dos discos e pelo
deslizamento dos ligamentos. Os discos têm uma capacidade elevada de suportar estres-
se no sentido longitudinal (em torno de 500 kgf) e pouca tensão de cisalhamento.
172 Ergonomia ELSEVIER

)LJXUD$QDWRPLDGDVYpUWHEUDV

Deve-se evitar levantar cargas com a costa curvada para não criar a componente
transversal dos esforços na coluna. Os movimentos de flexão, extensão e flexão lateral da
coluna (Figura 8.4) produzem estresse compressivo de um lado dos discos e estresse de
tração do outro lado, enquanto que a rotação da coluna cria estresse tangencial. Entre-
tanto, a compressão é a forma de aplicação de carga à qual a coluna é mais comumente
submetida durante a postura ereta.

)LJXUD)RUoDVQRVPRYLPHQWRVGHÁH[mRH[WHQVmRHÁH[mRODWHUDOGDFROXQDYHUWHEUDO

Fonte: Hamil e Knutzen (1999).

A coluna lombar é praticamente a única estrutura de sustentação entre o sistema


crânio + tórax e o restante do corpo. Por um cálculo mecânico simples é fácil demonstrar
que um levantamento de peso no nível do solo repercute com um valor superior a 10
vezes a solicitação inicial. Assim, ao levantar 10 kg (o peso de uma criança ou de uma
carga leve) estamos fazendo a coluna lombar receber uma carga de cerca de 100 kg. Em
decorrência disso, atividades, mesmo moderadas, de trabalho são suscetíveis de estar na
origem de dores lombares. A dor lombar é um dos problemas mais frequentes na vida
Capítulo 8 | Biomecânica 173

das pessoas, pois se estima que mais de 80% dos adultos sentirão dores lombares ao
longo de sua vida. A lombalgia (dor lombar mais aguda e prolongada) é a segunda causa
de ausência ao trabalho em pacientes abaixo de 45 anos.
A parte superior da coluna vertebral, a coluna cervical, é tão importante em
alguns pontos de vista e frequentemente tão delicada quanto a coluna lombar. As sete
vértebras da coluna cervical são muito móveis e também apresentam, como vimos, um
arranjo em lordose. Essa parte da coluna tem também uma tendência a alterações dege-
nerativas dos discos intervertebrais com os conhecidos fenômenos de cãibras musculares
e irritações dos nervos na altura da nuca, ombros e braço. Essas manifestações são agru-
padas sob o nome de síndrome cervical, sendo que a rigidez dolorosa da nuca, o popular
torcicolo, é o sintoma mais frequente. Essa síndrome tem sido especialmente observada
em datilógrafas, operadoras de linhas de montagem, de máquinas de calcular e de moni-
tores, além de telefonistas. As posturas forçadas e excessivas curvaturas da coluna cervi-
cal podem ser consideradas prováveis causas da síndrome cervical.
Entre uma vértebra e outra existe um disco cartilaginoso, composto de uma massa
gelatinosa. As vértebras também se conectam entre si por ligamentos, que explicamos
mais acima. Os movimentos da coluna vertebral acontecem pela combinação do desli-
zamento dos ligamentos com a compressão/deformação dos discos. Como sistema ósseo
a coluna vertebral tem ainda a função de proteger a medula espinhal que faz parte do
sistema nervoso central.

)LJXUD$VGLYHUVDVFROXQDV

a) Nutrição da coluna
Os discos intervertebrais não possuem vasos sanguíneos. Assim sendo, dependem
de um processo de difusão dos tecidos vizinhos, para receber substâncias nutritivas. Isso
é semelhante a uma esponja molhada que é comprimida e diminui de volume, perdendo
água. Com a descompressão aumenta novamente de volume, absorvendo água. Portanto,
as compressões e descompressões alternadas dos discos funcionam como uma bomba
174 Ergonomia ELSEVIER

hidráulica, pela qual se alimentam. Uma contração prolongada dos discos, que ocorre,
por exemplo, em cargas estáticas, é muito prejudicial porque interrompe o processo nu-
tricional dos discos e pode provocar sua degeneração.
A postura forçada do corpo pode provocar um grande desgaste dos discos inter-
vertebrais. A mecânica da coluna vertebral é perturbada e então podem ocorrer disten-
sões e compressões de tecidos e nervos, que causam doenças como ciática, lumbago ou
até paralisia dos membros inferiores. Os pesquisadores da escola sueca, Nachenson e
Anderson, analisaram, com métodos muito precisos, a pressão interna dos discos ver-
tebrais em diferentes posições do corpo e posturas sentadas. Eles demonstraram que
inclinações do tronco para frente ou torções do tronco devidas às exigências da tarefa
(visuais ou de movimentos) levam a um aumento de mais de 30% na pressão sobre o
disco intervertebral.

b) Prevenções elementares
O Quadro 8.1 sumariza algumas recomendações muito elementares para preven-
ção de problemas na coluna. Ressaltamos que à ocorrência de qualquer sintoma ou ma-
nifestação de maior gravidade a pessoa deverá ser atendida pelo médico do trabalho e sua
situação de trabalho avaliada e transformada por um ergonomista.

Quadro 8.1²5HFRPHQGDo}HVSUiWLFDVDFHUFDGDSUHYHQomRGHORPEDOJLDV

– ao realizar alguma atividade em pé, repouse alternadamente um dos pés sobre


um objeto;
– procure posicionar ao seu alcance os objetos que esteja manuseando;
– ao dirigir por várias horas seguidas, é importante manter as costas retas, perfeita-
mente apoiadas no encosto;
– não carregar mochilas ou sacolas com todo o peso de um só lado. A mochila
deverá ser apoiada nos dois ombros e as sacolas divididas nas duas mãos;
– ao caminhar, manter as costas retas, abdômen contraído, olhar para a frente. O
sapato deve ter salto de base larga e leve e no máximo 4 cm de altura;
– nas atividades domésticas, evitar trabalhar com o tronco totalmente inclinado;
– ao trabalhar agachado, flexione os joelhos e mantenha as costas retas.

8.2.2. O corpo como sistema de alavancas


Os 208 ossos e cartilaginosas articuladas que compõem nosso esqueleto formam
um sistema de alavancas, à semelhança das mecânicas, movimentadas pelos músculos
ósseos. Para cada movimento, há pelo menos dois músculos que trabalham antagonica-
mente: quando um contrai-se, outro se distende. Por exemplo, ao dobrar o braço sobre o
cotovelo, há contração do bíceps e distensão do tríceps. Para esticar o braço há inversão
Capítulo 8 | Biomecânica 175

com contração do tríceps e distensão do bíceps. Para evitar movimentos bruscos, a con-
tração e o relaxamento do par de músculos antagônicos devem ser coordenados entre si,
de modo que um deles vá se contraindo e o outro se distendendo. Os músculos também
podem funcionar de forma mais complexa, fazendo parte de um conjunto, maior, permi-
tindo várias combinações de movimentos, como as contrações associadas a movimentos
rotacionais
Da mesma maneira que as alavancas mecânicas, o corpo também trabalha com
três tipos de alavancas, conforme ilustra a Figura 8.6.

)LJXUD2FRUSRFRPRVLVWHPDGHDODYDQFDV

Fonte: http://adoratual.wordpress.com/2009/06/. Acesso em: 21 ago. 2010.

a) Alavanca interfixa – o apoio situa-se entre a força e a resistência. Um exemplo típi-


co é o tríceps. Esse tipo de alavanca é o mais adequado para transmitir velocidade
e pouca força.
b) Alavanca interpotente – a força é aplicada entre o ponto de apoio e a resistência. É
o caso do bíceps. Esse tipo de alavanca é um dos mais comuns no corpo. Os mús-
culos se inserem próximos à articulação e facilitam a realização de movimentos
rápidos e amplos, embora com sacrifício da força.
c) Alavanca inter-resistente – A resistência situa-se entre o ponto de apoio e a força
É o caso dos músculos da face posterior da perna, que se ligam ao calcanhar e
permitem suspender o corpo na ponta do pé. Esse tipo de alavanca sacrifica a
velocidade para ganhar força.

8.3. Posturas de trabalho


A postura pode ser definida como a organização dos diversos segmentos corpo-
rais no espaço. Para um projeto ou adequação ergonômica de um posto de trabalho, um
dos pontos fundamentais a serem avaliados é a postura de trabalho, assim entendida
a organização dos segmentos corporais que ocorrem durante a atividade de trabalho.
Inadequações nos postos de trabalho devidas à organização do trabalho, ao layout, e à
não consideração das dimensões antropométricas levam o trabalhador a adotar posturas
176 Ergonomia ELSEVIER

que forçam e prejudicam a estrutura corporal, formando o que se denomina posturas


forçadas. A manutenção dessas posturas forçadas por um longo período de tempo pode
provocar, desde dores no conjunto de músculos solicitados em sua manutenção, até o
surgimento de doenças do trabalho tais como escoliose, lordose e o agravamento das
DORTs.
Alguns autores definem essas posturas como desequilibradas ou inadequadas. É
importante assinalar que a postura de trabalho não admite esse tipo de classificação, uma
vez que a organização dos segmentos corporais que se observam em uma situação de
trabalho poucas vezes advém da escolha ou de uma opção por parte do trabalhador ou
trabalhadora. Em geral elas decorrem do desenho dos equipamentos e do mobiliário, do
conteúdo cognitivo das tarefas (Laville, 1977) e da intensificação do ritmo de trabalho,
componentes que não são controlados pelos(as) operadores(as).
Seja como for, o importante a reter é que a postura mais adequada ao trabalha-
dor é aquela que ele escolhe livremente e que pode ser variada ao longo do tempo. A
concepção dos postos de trabalho ou da tarefa deve favorecer a variação de postura,
principalmente a alternância entre a postura sentada e em pé. Quanto aos aspectos or-
ganizacionais, deve-se levar basicamente em conta que o tempo de manutenção de uma
postura deve ser o mais curto possível, pois seus efeitos, nocivos ou não, serão em função
do tempo durante o qual ela será mantida. E esse tempo é definido pela organização do
trabalho.
Numa classificação de escopo bastante amplo, as principais posturas de trabalho
são as posturas em pé ou sentada. Obviamente situações como a do cirurgião dentista, do
mecânico de automóveis e outras de tal natureza cabem ser consideradas específicas – e
em geral muito danosas ao organismo. Examinemos esses temas mais detalhadamente.

8.3.1. O trabalho em pé
A escolha da postura em pé muitas vezes tem sido justificada por considerar que,
nessa posição, as curvaturas da coluna estejam em alinhamento correto e que, dessa for-
ma, as pressões sobre o disco intervertebral seriam menores do que na posição sentada.
Acontece que a posição em pé é uma postura desequilibrada e o que nos mantém em pé
é uma reação, a reação de equilíbrio. Ou seja, não ficamos de pé, mas sim nos esforçamos
para nos manter eretos.
Isso tem fundamentação cientifica. Oliver e Middledith (1998) fizeram experi-
mentos conclusivos que demonstraram que os músculos que sustentam o tronco contra
a força gravitacional, embora vigorosos, não são muito adequados para manter a postura
em pé. Essa musculatura seria mais eficaz nos chamados ajustamentos posturais, ou seja,
a produção dos movimentos necessários às principais mudanças de postura durante uma
atividade. Por outro lado, ficar em pé no local de trabalho como postura básica signi-
fica assim permanecer por no mínimo duas horas entre as pausas formais. Isso implica
um trabalho estático (Capítulo 7) para a imobilização prolongada das articulações dos
pés, joelhos e quadris. A força envolvida não é grande e está situada certamente abaixo
Capítulo 8 | Biomecânica 177

do limite crítico de 15% da força total. Apesar disso, porém, o longo período em pé é
cansativo e difícil não só devido ao esforço muscular estático, mas, também, devido ao
aumento importante da pressão hidrostática do sangue nas veias das pernas e o progres-
sivo acúmulo de líquidos tissulares nas extremidades inferiores. Já quando se caminha, a
musculatura da perna funciona como uma motobomba (Capítulo 7), por meio da qual a
pressão hidrostática do sistema venoso é compensada e o sangue retorna de modo ativo
para o coração. Assim sendo, ficar de pé por um tempo prolongado não somente im-
plica fadiga da musculatura responsável pelo trabalho muscular estático de manutenção
do corpo ereto como também produz um razoável desconforto, causado por condições
adversas do fluxo de retorno do sangue. Pode-se concluir que a posição em pé ideal não
pode ser mantida por longos períodos, pois as pessoas tendem a utilizar alternadamente
a perna direita e esquerda como apoio, para provavelmente facilitar a circulação sanguí-
nea ou reduzir as compressões sobre as articulações.
Quando o indivíduo trabalha em pé, na mesma posição, por muito tempo, para
se manter confortavelmente nessa posição terá que usar diferentes mecanismos, como:
a) fazer de forma automática, uma alternância na distribuição dos pesos entre um pé
e outro, diminuindo a fadiga final.
b) depois de certo tempo, deve desenvolver um balanço elíptico ou circular da cabe-
ça e do tronco, que será tanto mais intenso quanto mais prolongada for a posição
de pé parado. Esse balanço representa em grande parte um mecanismo de regula-
ção do tônus dos músculos posturais, que promove essa alternância no sentido de
evitar a fadiga localizada.
Essas condições adversas da circulação são a origem de muitas doenças das extre-
midades inferiores em profissões que exijam trabalho imóvel de pé por tempo prolonga-
do. Os seguintes fenômenos circulatórios são observados:
UÊ Pouca atuação do fator motobomba muscular, com diminuição do retorno venoso.
UÊ Exigência excessiva das válvulas venosas, que podem degenerar caso haja fatores
predisponentes.
UÊ Acúmulo de sangue nos membros inferiores e nas veias da pelve, com possibilida-
de de edema nessas regiões.
UÊ Nutrição inadequada da pele, favorecendo a formação de úlceras.
Assim é que, de acordo com a Nota Técnica 060/2001 do Ministério do Trabalho e
do Emprego, a escolha da postura em pé somente está se justifica quando a tarefa exigir:
UÊ deslocamentos contínuos como no caso de carteiros e pessoas que fazem rondas;
UÊ manipulação de cargas com peso igual ou superior a 4,5 kg;
UÊ alcances amplos frequentes, para cima, para frente ou para baixo; no entanto,
deve-se tentar reduzir a amplitude desses alcances para que se possa trabalhar
sentado;
UÊ operações frequentes em vários locais de trabalho, fisicamente separados;
UÊ aplicação de forças para baixo, como em empacotamento.
178 Ergonomia ELSEVIER

Ainda segundo a orientação ministerial, fora dessas situações o trabalho contínuo


em pé é desaconselhado e considerado desconforme. Existem profissionais com opiniões
favoráveis ao trabalho em pé, assim como as empresas argumentam que a adaptação de
situações para trabalhar sentado acarretaria certo custo monetário. No Capítulo 4 o lei-
tor terá indicações para averiguar a veracidade ou a impertinência dessa alegação. Para
a Secretaria de Fiscalização o entendimento é de que os custos dessas adaptações seriam
mínimos se comparados aos efeitos econômicos e sociais da fadiga e da penosidade das
tarefas que deverão ser executadas em pé durante toda a jornada de trabalho e isso por
anos a fio. Existe igualmente uma representação social discutível, a de que o trabalho
sentado induziria à indolência, especialmente em trabalhadores da produção, das ofici-
nas. A nosso ver isso é puro preconceito.

8.3.2. O trabalho sentado


No começo deste século começou a vigorar o ponto de vista de que na postura
sentada o bem-estar e o rendimento no trabalho seria maior, e se produziria uma menor
fadiga. Os motivos seriam de natureza fisiológica: de pé a pessoa encontra-se em perma-
nente consumo de trabalho muscular estático nas articulações dos pés, joelhos e quadris;
ao sentar esse trabalho muscular deixa de existir. Atualmente, cerca de 3/4 dos trabalha-
dores têm uma atividade sentada nos países industrializados.
Efetivamente, o trabalho sentado traz alívio das pernas, maiores possibilidades de
evitar posições forçadas do corpo, redução no consumo de energia e consequente alívio
da circulação sanguínea. As desvantagens seriam: a flacidez dos músculos da barriga –
que deixam de ser solicitados – e cifose, causada, principalmente pela solicitação visual
de papéis sobre a mesa, monitores etc.
De uma forma mais sistemática podemos caracterizar as consequências da postura
sentada para as articulações dos braços (cotovelos e punhos) para a coluna cervical, para
os membros do esqueleto (pernas e braços) e para a coluna lombar.

a) Consequências para o cotovelo e o punho


Os punhos e cotovelos têm grande participação nas atividades de trabalho. Os
movimentos do punho para cima (chamados de extensão), e para baixo (chamados de
flexão), quando exagerados provocam atrito entre os tendões, ligamentos e os ossos do
punho, aumentando o risco de irritação na região. O atrito constante pode provocar
tenossinovite, nome dado a uma inflamação que acomete um tendão recoberto por bai-
nha. Com a inflamação, o tendão se torna mais espesso, e isso dificulta seu deslizamento
dentro da mesma bainha, o que mostra o quadro recorrente dessa afecção.
Capítulo 8 | Biomecânica 179

)LJXUD&XLGDGRVFRPRFRWRYHOR

Os movimentos de rotação do antebraço e flexão dos dedos e punho, associados


à força e à repetitividade, podem promover uma tendinite (Inflamação no tendão que
une o músculo ao sistema ósseo) no lado interno do cotovelo. A Figura 8.7 apresenta os
músculos do antebraço com a extensão e contração do músculo. Observa-se que a flexão
do cotovelo “estrangula” a circulação. O mesmo ocorre com os punhos (Figura 8.8),
sendo que nesse caso o tema mais agudo, já que nos caso dos punhos os efeitos ocorrem
com ângulos bem menores.

)LJXUD&XLGDGRVFRPRSXQKR

Num posto de trabalho em escritório, um bom desenho do teclado e do micro-


computador pode minimizar esses problemas. Um teclado bem projetado permite um
bom posicionamento do antebraço e do punho. Algumas medidas seriam:
a) manter o antebraço em ângulo reto com o braço;
b) manter o punho em posição neutra, isto é, na mesma linha do antebraço, com
flexão ou extensão menores que 25º;
c) evitar o movimento de pinça entre o polegar e o indicador, procurando usar os
demais dedos;
d) evitar desvios laterais do punho, principalmente para o lado do dedo mínimo; e
e) procurar fazer exercícios para a linha do antebraço. Evitar uso de força, principal-
mente se a atividade envolver movimentos repetitivos. Na presença de um desses
fatores, fazer pausas regulares, alternar o tipo de atividade durante a jornada e
fazer exercício para os punhos.

b) Consequências para o pescoço e a cabeça


Quando sentado, o pescoço dobra-se para frente para que possamos olhar o traba-
lho, na posição mais comum. Quanto mais dobrado para frente, maiores serão as queixas
180 Ergonomia ELSEVIER

com desconforto em função de sobrecarga nos ligamentos e articulações da região. A


impossibilidade de movimentação da cabeça exigirá dos músculos mais trabalho para
manter a posição (trabalho muscular estático).
Deve-se evitar a inclinação do pescoço para frente. A permanência do pescoço
inclinado pode se dar por algumas maneiras: a mesa ou teclado podem estar baixos (Fi-
gura 8.9a), a cadeira pode estar alta (Figura 8.9b), o assento pode estar muito afastado da
mesa ou bancada de trabalho (Figura 8.9c), o trabalho pode estar exigindo que os olhos
se mantenham em posição fixa (Figura 8.9d).

)LJXUD,QFOLQDo}HVGDFDEHoD

Recomenda-se que, quando inclinado para frente, o pescoço dobre-se, no máxi-


mo, entre 20 a 30º, e que fique em torno de 15º, se o trabalho for prolongado. Quando a
bancada é baixa, o corpo dobra-se para frente, facilitando o aparecimento de dor e outros
sintomas na região lombar. Para diminuir o ângulo do pescoço, deve-se manter a cadeira
bem próxima à bancada de trabalho, ajustar os equipamentos sobre a mesa, estabelecer
pausas e exercícios.
Para quem realiza trabalho com digitação, é importante o uso de suporte de papel
e devem-se evitar posturas estáticas inadequadas como atender ao telefone e anotar algo.
Essa posição requer uma acentuada inclinação do pescoço.

)LJXUD9LVmRHPRYLPHQWRGDFDEHoD
Capítulo 8 | Biomecânica 181

c) Consequências para os braços


Quando se trabalha sentado, existem dois tipos de movimentos do braço que
ocorrem com frequência: o deslocamento do braço para frente e o deslocamento do bra-
ço para o lado. A elevada frequência desses movimentos e sua amplitude desmesurada
podem vir a provocar dores no pescoço, ombros e braços. Problemas também podem
acontecer se os braços forem mantidos em contração estática por um longo período de
tempo, com em certos postos de trabalho em comércio como os check-outs.

)LJXUD0RYLPHQWDomRGHEUDoR

A contração muscular estática torna os músculos dos ombros doloridos e até mes-
mo inflamados, comprometendo ligamentos, nervos e vasos sanguíneos. O arranjo do
posto de trabalho e a distribuição dos equipamentos sobre a mesa podem engendrar
ângulos exagerados (superiores a 60º) entre o braço e o corpo. As alturas da mesa ou
do assento também podem estar inadequadas. Faz-se necessário eliminar movimentos
inúteis, reorganizando o material de trabalho, de forma que os de uso mais frequente
permaneçam mais próximos ao corpo, e buscando alternativas de agrupar e aproximar
o material. Para prevenir possíveis problemas para os ombros, a mesa e o assento devem
ser ajustados de forma a permitir que os ombros permaneçam relaxados, os cotovelos
abaixados e próximos ao corpo (até 15º com braço em ângulo de 85 a 110º).

)LJXUD&DQWRVYLYRV

d) Consequências para as pernas


A pressão contínua das nádegas nas coxas contra o assento da cadeira reduz a cir-
culação local. Com o passar do tempo, essa pressão conduz a uma diminuição da tempe-
ratura nas pernas, sensação de formigamento, dormência, dor e inchaço, principalmente
nos pés, tornozelos e pernas, deixando o usuário propenso a problemas circulatórios,
182 Ergonomia ELSEVIER

como as varizes. Para diminuir esses problemas circulatórios, é necessário usar o assento
da cadeira de forma adequada à altura e ao comprimento das pernas do usuário.
Se o assento for muito alto, toda a coxa estará fortemente apoiada sobre o assento,
(inclusive a parte próxima ao joelho), enquanto os pés ficarão em balanço total ou par-
cial. A compressão dessa parte da coxa diminui ainda mais a circulação sanguínea, pois
os vasos sanguíneos e nervos passam bem superficialmente nessa região. Por outro lado,
se o assento estiver muito baixo, uma grande parte do peso do corpo estará apoiada sobre
uma região muito restrita das nádegas, causando dor no local. Ocorrerá a diminuição
do ângulo interno do joelho, reduzindo a circulação e promovendo dor nesta região. A
Figura 8.13 apresenta os efeitos da altura do assento na circulação das pernas.

)LJXUD(IHLWRGDDOWXUDGRDVVHQWR

A cadeira deve ser considerada parte integrante do posto de trabalho mesa. A regu-
lagem do assento deve estar em acordo com a superfície de trabalho de trabalho. Porém, se
mesmo com os ajustes, a altura do sistema não estiver adequada e o assento for muito bai-
xo, recomenda-se a utilização de uma almofada firme sobre ele, desde que o encosto conti-
nue fornecendo os apoios necessários à coluna. Se o assento for muito alto, recomenda-se
o uso de apoio para os pés. Um bom apoio para os pés permite a movimentação deles sob
a bancada. O espaço entre a borda frontal do assento e a parte posterior das coxas deve ser
considerado, além do espaço para inserção das pernas e dos pés sob a bancada.
Recomenda-se que o desenho do posto permita a movimentação das pernas. Cada
pessoa deverá poder ajustar o assento na cadeira de forma a manter os pés apoiados no
chão e, sempre que possível, manter suas coxas e seus joelhos dobrados em ângulo reto
ou próximo disso. Para uma boa movimentação das pernas, a área abaixo da mesa deverá
ter um espaço horizontal mínimo de 60 cm na altura do joelho e de 80 cm na altura dos
pés. É necessário também que haja um espaço livre de 5 cm entre a borda do assento e
a parte posterior da perna, e que o assento apresente uma borda levemente arredondada
para baixo (Figura 8.14).

e) Consequências para as costas


A primeira consequência importante da postura sentada para o corpo humano é
o aumento da pressão entre os discos intravertebrais, em função da diminuição da curva
lombar e diminuição do espaço entre os discos. Na postura sentada ocorre uma maior
compressão nas extremidades do disco. Isso se deve à deformação natural das curvatu-
Capítulo 8 | Biomecânica 183

ras da coluna vertebral na posição sentada. Outra observação pertinente é que quanto
mais fechado o ângulo entre o tronco e as coxas, maior será a pressão dentro dos discos
(Figura 8.14).

Figura 8.14: Ângulos na inclinação do tronco para frente

Com a permanência da postura sentada dobrada para frente (posturas a 75º e a


60º ilustradas na Figura 8.14), podem surgir dores na região lombar. Dobrar o corpo
para frente e manter essa postura por um longo período de tempo, associado à idade
superior a 35 anos; ou trabalhar em atividade que exija a adoção de postura sentada
durante mais de 5 anos, pode facilitar o enfraquecimento da parede do disco, ocorrendo
rachaduras e aumentando as chances de um hérnia de disco, uma grave consequência da
postura forçada. Existe uma noção de senso comum de que a hérnia de disco ocorreria
apenas em consequência do trabalho pesado, mas ela também pode ocorrer na posição
sentada, em trabalhos leves. Algumas ações amenizam esses impactos:
a) Disponibilizar um bom encosto da cadeira, visto que esse elemento suporta parte
do peso do corpo, diminuindo a sobrecarga das costas. O encosto deve ser móvel,
para acompanhar o movimento das costas, ajustável em altura e no espaço entre
o encosto e o assento, para acompanhar o movimento do corpo.
b) Providenciar apoio para a parte baixa da coluna de forma a manter a curvatura
lombar tão natural quanto possível.

Figura 8.15: Trabalho a dois


184 Ergonomia ELSEVIER

Juntamente com o encosto pode-se acrescer um apoio de cabeça. O apoio da


cabeça é indicado para aliviar dores no pescoço. Assim, recomenda-se uma cadeira com
espaldar alto para permitir o apoio do pescoço. Pausas com alguma atividade compensa-
tória devem ser utilizadas para aliviar a fadiga na região cervical.

)LJXUD&DGHLUDFRPHQFRVWRDOWR

Outra recomendação é a de manter um ângulo entre o tronco e a coxa maior


do que 90º, ficando preferencialmente em torno de 100º. Ou seja, que sentemos
ligeiramente inclinados para trás. Isso se justifica uma vez que é falsa a ideia de que
se sentar ereto é correto. Deve-se assumir uma postura mais relaxada, sempre que a
atividade permitir isso, e manter a parte baixa da coluna apoiada no encosto da cadeira.
Para isso, é importante manter um bom ângulo entre o encosto da cadeira e o assento,
pois se o ângulo entre o encosto e o assento for aberto demais, perde-se o foco no
trabalho. Recomendam-se cadeiras com o encosto ajustável em profundidade.

)LJXUD$SRLRGHEUDoRVYLQFXODGRDRSODQRGHWUDEDOKR

Para compensar a carga, recomenda-se aproximar bem a cadeira da mesa. Caso a


cadeira tenha braços, esses devem encaixar-se sob a mesa e, portanto, a altura da mesa
deve estar adequada a essa função também. O apoio dos braços na mesa ou na própria
cadeira reduz a sobrecarga das costas em até 30%, se o tronco estiver inclinado para fren-
te. Deve-se apoiar os dois braços, pois se for apoiado apenas um, o corpo tende a ficar
inclinado para o lado. Nos casos das cadeiras com apoio para os braços, é importante
Capítulo 8 | Biomecânica 185

que a regulagem da altura dos braços seja independente da altura do assento. Outra pos-
sibilidade ainda não explorada pelos projetistas é o apoio de braços ser fixado na baia,
permitindo que a cadeira tenha maior mobilidade e usos, por exemplo, em trabalhos a
dois, conforme a Figura 8.17. Além disso, os braços das cadeiras não devem limitar os
movimentos, principalmente quando o trabalho envolve digitação.
Deve-se buscar relaxar os ombros. Os movimentos do corpo devem ser tão li-
vres quanto possível, pois a variação compensatória da postura durante a permanência
sentada previne as dores musculares, aumenta a nutrição dos discos intravertebrais, re-
duzindo a dormência nos pontos de apoio do corpo. Por outro lado, se o corpo precisa
de liberdade nos movimentos, também precisa de estabilidade. Para propiciar essa esta-
bilidade, recomenda-se evitar assentos cujo revestimento seja escorregadio. Uma ligeira
inclinação para trás contribui para o aumento da estabilidade.
Outra recomendação, referente ao trabalho sentado, é evitar girar ou manter o
corpo inclinado para os lados. Quando a mesa tem mais de um plano de trabalho, é
comum girar o corpo para alcançar objetos e documentos. Esses movimentos de torção
do tronco sobrecarregam a coluna. Cadeiras com rodízios podem poupar esses constran-
gimentos. Deve-se girar a cadeira ao invés de girar o corpo.
A utilização de gavetas muito baixas aumenta a pressão nos discos e o atrito nas
articulações. Assim sendo recomenda-se transferir materiais cujo uso seja mais frequente
e constante para gavetas superiores, deixando os menos usados para as gavetas inferiores.

8.3.3. Outras posições


Durante o exercício profissional, outras posições podem ser usadas, como a dei-
tada, a curvada, a ajoelhada e a agachada. O trabalho na posição deitada é relativamente
raro, é uma postura usada, sobretudo por mineiros, mecânicos de automóveis, na cons-
trução civil etc. Nesses casos o fator mais cansativo é o esforço estático para manter a
cabeça, e eventualmente o tronco numa posição que permita o controle visual do traba-
lho e certa mobilidade. Essa posição é extremamente fatigante, pois o indivíduo tem que
trabalhar deitado, sem apoio para a cabeça e usando os membros superiores num plano
acima do corpo. Suportes adequados para o pescoço e o tronco evitam o cansaço.
Para repouso a posição ideal é a posição deitada, a única na qual é possível um
relaxamento perfeito dos músculos. Ela tem uma grande importância para a recuperação
e esse é um fator muito significativo na produtividade do indivíduo.
A posição curvada é uma das mais cansativas, pois os músculos têm que assegu-
rar o tronco e a cabeça mais ou menos verticalmente. As posições menos cansativas são
acocorada e ajoelhada. A posição ajoelhada é usada na limpeza do chão, no plantio de
sementes etc.
186 Ergonomia ELSEVIER

Figura 8.18: Outras posturas de trabalho

Todas essas posições menos comuns envolvem sobrecarga estática excessiva,


tônus muscular aumentado, diminuição da estabilidade corpórea e diminuição da li-
berdade de movimentos. Essas posições podem levar ainda a edema dos músculos,
calosidade dos joelhos e nos dedos, bursites, tenossinovites. Não são recomendadas
para projeto, mas devem ser assinaladas sempre que uma avaliação ou mapeamento
for feito.

8.4. Levantamento e transporte de cargas


A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu art. 198 estabelece:
[...] é de 60 kg (sessenta quilogramas) o peso máximo que um empregado pode
remover individualmente, ressalvadas as disposições especiais relativas ao traba-
lho do menor e da mulher.
Já a Norma Regulamentadora no 17, que trata de Ergonomia e tem sua redação
dada pela Portaria no 3.751, de 23/11/1990, não define um valor máximo quantitati-
vo para a questão. Em seu art. 17.2.2 dispõe que não deverá ser exigido nem admitido o
transporte manual de cargas, por um trabalhador, cujo peso seja suscetível de comprometer sua
saúde ou sua segurança.
Capítulo 8 | Biomecânica 187

A musculatura dorsal é a que mais sofre com o levantamento de pesos, devido


à estrutura da coluna vertebral. A Biomecânica nos mostra que a coluna vertebral
está sujeita às forças (Figura 8.19) de compressão, partes opostas do osso são pres-
sionadas entre si, por meio da ação muscular, apoio de peso, gravidade ou alguma
carga externa que tenha ação sobre o comprimento do osso; tensivas, geralmente
aplicadas na superfície do osso, criando uma tendência ao alongamento ósseo; de ci-
salhamento, são aquelas aplicadas paralelamente à superfície de um objeto, criando
uma deformação interna em uma direção angular; de encurvamento, constituem as
forças aplicadas em uma área que não tem suporte direto oferecido pela estrutura; e
de torção, são forças rotativas, criando um estresse com cisalhamento sobre todo o
material.

)LJXUD)RUoDVGHFRPSUHVVmRWHQVLYDVFLVDOKDPHQWRHQFXUYDPHQWRHWRUomR

Fonte: Hall (2000).

No que se refere ao levantamento de cargas, algumas regras são de aceitação geral:


manter a carga mais próxima possível do corpo, evitar girar ou flexionar lateralmente a
coluna durante o levantamento de peso, pois essa combinação pode causar injúrias nas
articulações e nos discos intervertebrais. Dois métodos de levantamento mais comu-
mente usados pelas pessoas são o stoop lifting (com a coluna fletida) e o squat lifting (com
os joelhos fletidos) (ver Figura 8.20). Entre os dois, o método por abaixamento (stoop
lifting) é o que apresenta um menor gasto energético, explicando dessa forma, porque ele
é bastante usado por pessoas que não estão treinadas em técnicas de levantamento de
peso. Quanto ao método de agachamento (squat lifting), ele reduz a sobrecarga na coluna
vertebral pela proximidade entre a carga e o fulcro do disco lombossacro, tornando o
braço de resistência mais curto.
É o método recomendado para uma maior preservação da coluna. Em contra-
partida, a musculatura dos membros inferiores é bastante requisitada, aumentando
consideravelmente a ação de forças compressivas sobre as articulações dos joelhos.
Para evitar tal fato, recomenda-se erguer objetos a partir de um tablado elevado ou
muni-los com alça.
188 Ergonomia ELSEVIER

)LJXUD/HYDQWDPHQWRVGHFDUJD­HVTXHUGDRVLVWHPDstop lifting
HjGLUHLWDRPpWRGRsquat lifting

Fonte: Hall (2000).

8.5. Afecções ocupacionais de origem biomecânica


Uma afecção é uma possível doença
oença encarada sob seu aspecto atual, independen-
temente do diagnóstico de sua causa. As duas grandes afecções a que a Ergonomia tem
sido convocada para abordar tem sido as lombalgias e as chamadas DORTs. Isso não
significa que outros problemas de comprometimento da saúde relacionados ao trabalho
devam ser descartados. A frequência e a gravidade das DORTs as colocaram no topo de
uma lista de problemas.

8.5.1. Lesões
DORTs e lombalgias são lesões. Mas o que vem a ser uma lesão? Nosso corpo é
formado por diversos tipos de tecidos. Uma lesão é a ocorrência de uma anormalidade
nesses tecidos.
Dois tipos de lesões podem afetar o corpo humano: a lesão aguda e a lesão cumu-
lativa. A lesão aguda refere-se à aplicação de uma força que excede a tolerância da es-
trutura músculo-esquelética. A lesão aguda é tipicamente associada a esforços de grande
intensidade. Por exemplo, um trauma agudo pode ocorrer quando um trabalhador é
solicitado a levantar um objeto extremamente pesado como mover um saco de milho de
60 kg. Uma lesão cumulativa, por outro lado, refere-se a aplicações de forças repetitivas
a uma estrutura, que tende a desgastar a estrutura, reduzindo a tolerância desta ao ponto
onde a tolerância é excedida pela redução do limite de tolerância. Consequentemente,
uma lesão cumulativa representa mais o desgaste da estrutura. Esse tipo de lesão tem
se tornado bastante comum nos postos de trabalho, porque tarefas repetitivas estão se
tornando mais comuns nas atividades laborais. Diversas avaliações ergonômicas têm-se
voltado para o estudo dessa questão. O risco ergonômico é aquele que pode causar uma
lesão ao longo do tempo, isto é, devido a fatores acumulativos.
Capítulo 8 | Biomecânica 189

Figura 8.21: Visão lateral de uma articulação de joelho

As lesões cumulativas são iniciadas por esforços manuais que são frequentes e
prolongados. Essa aplicação de força repetitiva ou prolongada afeta os tendões e/ou os
músculos do corpo. Se os tendões são afetados, a seguinte sequência ocorre: os tendões
são sujeitos à irritação mecânica; durante o trabalho repetitivo, eles são expostos repe-
titivamente a altos níveis de tensão e grupos de tendões podem atritar-se um contra o
outro. Essa irritação mecânica pode levar os tendões a inflamar e inchar. Esse inchaço
estimulará as atividades dos nociceptores (sensores de dor) em torno da estrutura e
sinalizarão o mecanismo de processamento central (cérebro) que há um problema por
meio da percepção da dor.
Um processo similar ocorre quando os músculos são afetados por lesões cumu-
lativas. Os músculos podem se tornar problemáticos quando eles se tornam fatigados.
A fadiga pode diminuir a tolerância à tensão e causar microtraumas no músculo. Esse
microtrauma significa que o músculo está parcialmente lesionado. O corpo reage por
meio da contração da musculatura ao redor e a partir daí, minimizando o movimento
da articulação. Isso resulta nas mesmas séries de reações músculo-esqueléticas, que aca-
bam irritando o tendão (redução de força, redução de movimento do tendão e redução
de mobilidade). A consequência final desse processo é também incapacidade funcional
(Marras, 1997).

8.5.2. Lombalgias
Lombalgia é a dor na região lombar da coluna vertebral. Cerca de 90% da popula-
ção vai apresentar pelo menos um episódio de dor lombar em sua vida. É um sintoma e
não uma doença. Nos países desenvolvidos é a principal causa de incapacidade em me-
nores de 45 anos. A lombalgia acomete igualmente homens e mulheres. Com o passar do
tempo, as mulheres começaram a sentir mais dor lombar devido à menopausa (parada
do ciclo menstrual) e suas consequências como a osteoporose (perda de cálcio no osso
associado com alteração na arquitetura do osso).
É a segunda causa de procura de atendimentos médicos em decorrência de doen-
ças crônicas. Seus números de faltas ao trabalho ultrapassam o câncer, o AVC (Acidente
Vascular Cerebral) e a Aids (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) na idade pro-
190 Ergonomia ELSEVIER

dutiva. Trata-se de um problema Médico e Econômico por seus elevados custos sociais:
assistência médica, faltas no trabalho, diminuição da produtividade e do número de
tarefas cotidianas, substituição de suas atividades por terceiros e afastamento do trabalho
(temporário ou definitivo).

8.5.3. DORTs
Podem-se definir as DORTs (Doenças Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho),
antigamente conhecidas como Lesões de Esforços Repetitivos, ou LER, como lesões que
são cumulativas e provocadas por uso inadequado e excessivo do sistema músculo-
esquelético (que agrupa ossos, nervos, tendões e músculos). Atingem principalmente
os membros superiores: mãos, punhos, braços, antebraços, ombros e coluna cervical.
São causadas por esforço mecânico prolongado e são agravadas quando angulações
são exigidas e, também, por pressões no trabalho de ordem físicas ou psicológicas. As
principais causas das DORTs e as respectivas recomendações formam o Quadro 8.2.

Quadro 8.2 – Recomendações para reduzir os impactos das DORTs

Tema Impacto Recomendação


Organização do 3URFHGLPHQWRV UtJLGRV GH WUDEDOKR FRP $XPHQWDU R JUDX GH OLEHUGDGH SDUD
trabalho SRXFD DXWRQRPLD GR WUDEDOKDGRU QR UHDOL]DomR GD WDUHID UHGX]LQGR D
GHVHQYROYLPHQWR GDV WDUHIDV SRVWXUD IUDJPHQWDomR H D UHSHWLomR SHUPLWLU
UtJLGD ULWPRV DFHOHUDGRV GH WUDEDOKR PDLRU FRQWUROH GR WUDEDOKDGRU VREUH
LPSRVWRV SHODV PiTXLQDV H H[LJLQGR R VHX WUDEDOKR OHYDU HP FRQWD TXH D
HVIRUoRV H[DJHUDGRV WHQVmR HQWUH DV FDSDFLGDGHSURGXWLYDGHXPDSHVVRDSRGH
FKHÀDV H RV VXERUGLQDGRV SUHVVmR SDUD YDULDU H TXH HVVD FDSDFLGDGH p GLIHUHQWH
PDQWHU D SURGXWLYLGDGH H[FHVVR GH HQWUH XP LQGLYtGXR H RXWUR HVWDEHOHFHU
WUDEDOKR H KRUDV H[WUDV DPELHQWH GH SDXVDV TXDQGR H RQGH FDEtYHLV SDUD
WUDEDOKRLQDGHTXDGR IULRRXFDORUUXtGRV UHOD[DU GLVWHQVLRQDU H SHUPLWLU D OLYUH
H[FHVVLYRV SRXFD OX] SRXFR HVSDoR PRYLPHQWDomR VHP R DXPHQWR GR ULWPR
HWF  PRQRWRQLD H IUDJPHQWDomR GR RX GD FDUJD GH WUDEDOKR R FRQWH~GR
WUDEDOKR DXVrQFLD GH SDXVDV HP WDUHIDV GR WUDEDOKR HQULTXHFHU R FRQWH~GR GR
TXH H[LJHP GHVFDQVRV SHULyGLFRV H R WUDEDOKRQDVWDUHIDVHORFDLVGHWUDEDOKR
FRQWH~GRGRWUDEDOKRFRPDH[HFXomRGH SDUD TXH D FULDWLYLGDGH H D UHDOL]DomR
WDUHIDVPRQyWRQDVHPXLWRIUDJPHQWDGDV SURÀVVLRQDO FRH[LVWDP HP LQWHUHVVHV
H[LJLQGRJHVWRVUHSHWLWLYRV FRPXQVGDVHPSUHVDVHGRVWUDEDOKDGRUHV
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TXH H[LMDP HVIRUoRV LQDGHTXDGRV H FRQIRUWiYHLVDGHTXDGRVjVFDUDFWHUtVWLFDV
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VHUmRXWLOL]DGDV
Capítulo 8 | Biomecânica 191

8.6. Ferramentas biomecânicas: exemplos práticos


Existe um numero razoável de métodos, técnicas, instrumentos e ferramentas
que possibilitam uma avaliação biomecânica de uma situação de trabalho. Sua apre-
sentação e modo de uso estão explicitados no Capítulo 15 desta obra. Aproveitamos
para lembrar que uma ferramenta, informatizada ou não, de pouco serve se o estudan-
te não tiver tido uma formação de base conceitual. E foi isso que buscamos desenvolver
neste capítulo.
Faremos aqui apenas uma ilustração do capítulo, onde serão apresentadas mais
recomendações e aplicações da Biomecânica Ocupacional, de grande utilidade para o
estudante de Engenharia de Produção.

a) Recomendação 1
Utilizar carros, carrinhos de mão e outros aparelhos providos de rodas ou rolões
quando transportar material (Oit, 2001).

b) Recomendação 2
Empregar carros auxiliares móveis para evitar cargas e descargas desnecessárias
(Oit, 2001).
192 Ergonomia ELSEVIER

8.7. Página escolar


Questões
1) Defina os campos da Biomecânica e da Biomecânica Ocupacional, mencionando
três aplicações de cada.
2) Qual é o interesse da Ergonomia pela Biomecânica?
3) Quais as principais funções da coluna vertebral?
4) Quais as divisões da coluna vertebral e quais delas são as mais importantes na
avaliação ergonômica de um posto de trabalho?
5) Quais os principais pontos negativos do trabalho em pé?
6) A afirmação de que “o trabalho sentado causa problemas unicamente nas coxas
dos trabalhadores” está correta? Justifique sua resposta.
7) Quais os impactos do trabalho sentado para a coluna?
8) É possível trabalhar de outra forma que não sentada ou de pé? Justifique sua res-
posta e dê exemplos.
Capítulo 8 | Biomecânica 193

9) O que são as DORT? Quais são suas principais causas?


10) “Lombalgias são apenas dores passageiras, não chegam a ser lesões”. A afirmação
está correta? Justifique sua resposta.
11) Observe a Figura 8.1 e selecione cinco ossos cujo nome desconhecia. Junte-se a
seus colegas e faça uma classificação dos mais conhecidos e dos menos conheci-
dos.
12) Com base no item 8.2, tente estabelecer os requisitos do seu lugar de estudo em
casa e verifique se ele está de acordo com as necessidades de seu corpo. Em segui-
da, defina um plano de modificações para torná-lo mais próximo do ideal.

Debate
Colete um filme ou videoclipe de uma situação de trabalho que esteja sendo reali-
zada de pé. Forme três grupos na sala de aula: o primeiro tentando defender a posição de
que seja possível transformá-lo em trabalho sentado; o segundo deverá tentar mostrar o
contrário, isto é, que o trabalho deve continuar sendo feito de pé; o terceiro grupo deverá
comportar-se como os acionistas da empresa e decidir o que deverá ser feito. O professor
poderá ser o mediador desse debate e presidente do conselho de acionistas.

Pesquisa na internet
1) Tente encontrar na internet cinco ilustrações melhores do que as existentes neste
capítulo.
2) Prepare um dossiê com todas as referências legais e normativas a respeito dos
temas abordados neste capítulo e disponibilize seus achados no blog da turma.

Referências
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Capítulo 8 | Biomecânica 195

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Capítulo

9 Ergonomia Cognitiva

Paulo Victor Rodrigues de Carvalho, D.Sc. IEN/CNEN

Conceitos apresentados
Este capítulo trata de um importante aspecto da Ergonomia, que é o capítulo
da Ergonomia Cognitiva, ou seja, dos aspectos mentais da atividade de trabalho de
homens e mulheres, jovens e idosos, operadores e gerentes, sob o olhar da Ergono-
mia. O capítulo inicia com uma discussão a respeito da necessidade de estudarmos a
Ergonomia Cognitiva, a partir de um breve histórico da evolução da Ergonomia até a
chegada da revolução cognitiva, mostrando porque a Ergonomia Cognitiva é necessá-
ria ao estudo de sistemas complexos. A seguir apresentamos dois tipos de modelagens
usadas na Ergonomia Cognitiva, uma centrada na pessoa e outra na situação de tra-
balho. O capítulo se encerra com exemplos de aplicações da Ergonomia Cognitiva no
projeto de sistemas.

9.1. Cognição e ação ergonômica


E por que – e em que – a cognição seria um conteúdo necessário para uma ação
ergonômica? Afinal, não se fala tanto que os problemas mais graves e lesionantes do tra-
balho não seriam fundamentalmente biomecânicos?
Antes de responder a essa pergunta precisamos entender o alcance de uma Ergo-
nomia que não considerasse a cognição. De fato, a Ergonomia surgiu para dar conta dos
problemas físicos dos trabalhadores. Ela é descrita como a busca do ajuste dos sistemas
para o uso humano, procurando com isso significar que equipamentos, ferramentas, am-
bientes e tarefas poderiam ser selecionados ou projetados de forma a serem compatíveis
com habilidades e limitações humanas. Por exemplo, podemos tratar ergonomicamente
o projeto de uma situação de trabalho onde uma ação de içamento (levantamento ma-
nual de carga) esteja prevista para acontecer próximo à cintura do operador, para o que
Capítulo 9 | Ergonomia Cognitiva 197

estaríamos selecionando um tipo de dispositivo que não apenas reduza posturas forçadas
como também reduza movimentos desnecessários, o que irá também contribuir para a
melhoria de produtividade. A Ergonomia Cognitiva também enfoca o ajuste entre habi-
lidades e limitações humanas às máquinas, à tarefa, ao ambiente, mas também observa o
uso de certas faculdades mentais, aquelas que nos permitem operar, ou seja, raciocinar
e tomar decisões no trabalho. Aqui estaremos nos restringindo ao raciocínio operatório
no trabalho, seus determinantes e suas propriedades, ainda que nossa mente seja capaz
de muitas outras coisas: criação artística, transmitir emoções, capacidade ficcional, cons-
truir histórias.
São exemplos de aplicações da Ergonomia Cognitiva:
UÊ o projeto de uma interface de software para ser facilmente usada por todos;
UÊ o projeto de um alarme de forma que a maioria das pessoas o entenda e aja da
maneira planejada;
UÊ o projeto de uma cabine do piloto de avião ou sala de controle de geração de
energia nuclear de forma que evite que os operadores cometam erros catastróficos.
Os três exemplos nos remetem a situações do cotidiano normal (uso de telas de
computador), anormal (sinalização de emergência), ou mediado por uma forte aplicação
de tecnologia (o caso de aviões e centrais nucleares).

9.2. Necessidade da Ergonomia Cognitiva


Mas para que serve a Ergonomia Cognitiva? Dee acordo com Vidal (2002), res-
ponder com propriedade essa pergunta requer considerações em ao menos três planos:
filosófico, social e tecnológico.
No plano filosófico a importância de reconhecer a dimensão cognitiva em uma
situação profissional advém do fato de que o ergonomista não pode se contentar com
o entendimento dos processos de trabalho apenas em seus aspectos físicos, dado que
isso tornaria sua análise incompleta e insuficiente. Por exemplo, um operador em sala
de controle, em certas circunstâncias, realiza poucos movimentos físicos, o que não nos
permite dizer que seu trabalho esteja sendo reduzido ou irrelevante. Muito pelo contrá-
rio, mais preocupante seria observar uma intensa atividade no controle de um sistema
complexo e perigoso!
No plano social o estudo cognitivo se insere numa superação da concepção clás-
sica que propõe a divisão entre trabalho manual e trabalho mental. Na verdade, é pos-
sível demonstrar que os trabalhadores com qualquer nível de formação realizam no seu
escopo de atividade muitas das funções “científicas” da gerência a que se referenciava
Taylor: planejamento, análise, controle, gestão, diagnóstico e coordenação, que são fun-
ções cognitivas por excelência. Os exemplos são muitos: uma operadora de linha de
montagem eletrônica modifica a disposição de escaninhos de peças para tornar-se mais
ágil (replaneja seu trabalho); um pedreiro para um minuto antes de começar a quebrar
198 Ergonomia ELSEVIER

uma parede (análise do objeto de trabalho); uma comerciária ajuda a cliente a escolher
um vestido, passando em revista mental o que existe no estoque (controle de estoques);
a empregada doméstica “inventa” uma refeição com a disponibilidade da despensa no dia
(gestão da penúria); o mecânico observa sinais do veículo e examina algumas partes do
motor (ele faz um diagnóstico do problema); uma equipe portuária se distribui entre o
convés e o cais para ajudar o manobrista do guindaste na movimentação de cargas (existe
uma coordenação para o sucesso da empreitada coletiva) etc. A Ergonomia Cognitiva nos
permite identificar, com bastante efetividade, em que consiste a qualificação requerida
para ocupar uma posição de trabalho numa empresa.
No plano tecnológico, a necessidade de estudos de cognição se explica pela trans-
formação das tarefas profissionais. Com o advento da automação industrial e comercial
e a incorporação da programação nos objetos de uso cotidiano nos arriscaríamos a dizer
que nos tornamos programadores de alguma coisa na execução de muitos atos básicos
da vida, tais como esquentar um prato de comida no forno de micro-ondas (tempo?
potência?), falar com a pessoa amada e distante (código da operadora? código da cidade?
número do telefone? conexão por computador) ou produzir este texto (escrito em um
computador...). A tecnologia incorporada à vida moderna faz muitas suposições acerca
da forma como pensamos e agimos, e isso precisa ser bem entendido para que possa-
mos alcançar bons resultados. Aí está a contribuição da Ergonomia: ajudar a entender
como “funcionamos” e, principalmente, como funcionamos em situação de trabalho,
de modo a poder projetar os artefatos e sistemas a partir dessas características funcionais.

9.3. A evolução da Ergonomia e a revolução cognitiva


Os antigos manuais norte-americanos de Ergonomia clássica destinados aos cons-
trutores de máquinas e equipamentos abordam as informações que o operador deve
perceber para realizar sua tarefa unicamente do ponto de vista da forma de apresentação
(visual, auditiva, pictórica, – What you see is what you get etc.), ou seja, de um ponto de
vista físico. A suposição (equivocada) é a de que basta que uma coisa aconteça e esteja
devidamente assinalada e o operador saberá o que fazer. A vida moderna não mais com-
porta esse paradigma: quem já não presenciou a hilariante cena de um único aparelho de
telefonia celular tocando e várias pessoas achando que era o seu? Ou os grandes aciden-
tes industriais que continuam ocorrendo apesar dos equipamentos “ergonomicamente”
projetados?
A aplicação de conceitos ergonômicos se tornou intensa a partir dos estudos de
aviação militar na Segunda Grande Guerra, onde os ergonomistas estavam preocupados
em evitar os erros dos pilotos, cada vez mais submersos em milhares de códigos e in-
formações codificadas. Mas igualmente não esqueçamos de que o cockpit dos engenhos
militares daquela época era muitíssimo mais simplificado do que o das atuais aeronaves.
Com um cockpit simplificado – o que supõe uma pilotagem restrita a umas poucas fun-
ções – infere-se que as questões cognitivas mobilizadas seriam de menor expressão e,
Capítulo 9 | Ergonomia Cognitiva 199

consequentemente, requerendo uma cognição simplificada. Sem dúvida alguma, esse


comentário não se aplica aos engenhos de guerra atuais, alguns dos quais prescindem
até de contato visual. Da aviação militar, o bastão foi passado aos ergonomistas envol-
vidos na concepção de salas de controle de processos químicos (instalações químicas,
refinarias, produção energética, termonuclear), sistemas de controle de tráfego aéreo que
requerem das pessoas atividades cognitivas cada vez mais complexas.
Nos casos clássicos de correção ergonômica de situações de trabalho, nos conten-
távamos com uma adequação higiênica do posto de trabalho – ambiente bem ajustado
– boa forma de apresentação de informações por meio de mostradores, e disposição
correta dos controles, manivelas, teclados, e manoplas de forma que os operadores pu-
dessem visualizá-los corretamente e acioná-los sem constrangimentos posturais. Essas
situações foram as mais estudadas em Ergonomia em seus primórdios e continuam sen-
do essenciais. O engajamento do corpo no trabalho é e continua sendo um aspecto tão
visível, observável e quantificável, quanto penoso, dramático e, em alguns momentos,
de aspecto revoltante.
Tudo isso, porém, não basta, e essa é a razão da Ergonomia ter assumido de for-
ma irreversível o campo da cognição, baseando suas recomendações em modelagens
do pensamento humano (operacional, operatório e operativo).1 É redundante dizer que
a cognição está presente em toda e qualquer atividade humana, seja em quebrar uma
parede, fritar um ovo ou controlar um refino de petróleo, mas é bem menos evidente a
constatação e aceitação da existência de problemas cognitivos no mundo do trabalho. A
verdade é que a dimensão cognitiva se tornou um elemento central na compreensão da
atividade de trabalho de homens e mulheres, jovens e idosos, novatos e veteranos.

9.4. A Ergonomia Cognitiva em sistemas complexos


A base material da produção moderna se compõe de um espectro amplo, desde a
manutenção de formas arcaicas e absurdas, como o posto de trabalho da caixa em muitas
das padarias de bairro, local onde a pessoa sequer pode abrir os braços, até o surgimento
de postos de trabalho em ambientes sofisticados, as salas de controle, o arquétipo e o
constructo dessa modernidade,2 que visam operar e controlar sistemas complexos que
lidam com enormes quantidades de operações, massa e energia. Isso significa dizer que,

1
Por pensamento operacional entendemos o conjunto de normas e regras internalizadas para uma dada ação;
por pensamento operatório, o uso e manuseio das faculdades mentais para a ação; e por pensamento operati-
vo, a forma remanescente desses processos que possibilite ao operador repetir, reelaborar ou recriar uma ação
com base nessas reminiscências.
2
As salas de controle em nossos dias não mais se limitam a seus locais de origem: controle de processos in-
dustriais, como refinarias, usinas geradoras de energia etc. Elas atingiram quase todos os processos industriais
contínuos, entremearam-se por processos intermitentes como as centrais de usinagem e os parques de robôs
de solda e montagem e hoje as encontramos no setor terciário (serviços) compondo os chamados management
cokpits, as mesas de compras, centrais de atendimento etc.
200 Ergonomia ELSEVIER

do ponto de vista cognitivo, aos problemas clássicos existentes se adicionaram aos pro-
blemas contemporâneos de instrumentação, controle, supervisão, cooperação, coorde-
nação necessários ao funcionamento desses sistemas. Mais trabalho para o ergonomista,
que vem a ser o profissional engajado no aporte de soluções que garantam a eficácia sem
prejuízo do bem-estar do operador. A necessidade de Ergonomia Cognitiva se tornou
ainda mais intensa e crucial. Sendo o ergonomista um agente de mudanças na empresa, o
que requer propostas de transformação, ele precisa compreender a importância dos atos
de pensamento do trabalhador na consecução de sua atividade. Com isso, apreendemos
que os trabalhadores não são meros executantes de tarefas, mas sim pessoas capazes de
detectar sinais e indícios importantes, são operadores competentes e organizados entre si
para trabalhar. E que é nesse contexto complexo que falhas ou acidentes podem aconte-
cer, falhas estas que muitas vezes e de forma açodada são atribuídas a “erros humanos”.
Errar é humano! Mas... de quem é o erro? Que erro é esse? Como é que se produ-
ziu e como evitá-lo? Eliminar a pessoa que o cometeu irá resolver o problema da segu-
rança do sistema? E mais: se pessoas podem “errar”, como conceber sistemas resilientes3
que possam conviver com erros sem prejudicar as pessoas, as instalações e o negócio?
São questões para as quais a Ergonomia Cognitiva busca produzir respostas tecnológicas
e gerenciais precisas, por meio do desenvolvimento de sistemas que se fundamentam em
três premissas básicas:
1) Premissa técnica, a partir da rejeição do absurdo que é projetar um sistema de
produção a custos vultosos onde as decisões operacionais estejam na dependência
de operadores colocados diante de um quadro complexo, diante do qual não eles
têm nem a autonomia, nem os elementos necessários para tomar decisões, isto é,
encontram-se num contexto de elevada solicitação e carga de trabalho acima de
suas capacidades e para além de suas limitações. Tão mais complexo e perigoso
seja o sistema, tanto mais o sistema de trabalho precisa ser concebido de modo
a permitir que os operadores possam tomar boas decisões nos bons momentos.
Essa aptidão deve estar nas pessoas (formação), nos sistemas (tecnologia), mas,
sobretudo, nas interfaces entre uns e outros (Ergonomia, organização do sistema
de trabalho), materializadas no projeto do sistema;
2) Premissa ética,4 de que os trabalhadores nem se caracterizem como insanos sui-
cidas capazes de realizar atos absurdos que lhes custem a própria integridade
física, mental e espiritual e tampouco como sórdidos sabotadores dos engenhos

3
Sistema ou organização resiliente é aquela concebida conforme os princípios da Engenharia de Resilência
(Woods, 2006) que visa desenvolver em sistemas/organizações/grupos/indivíduos capacidades para reconhe-
cer, adaptar e absorver variações, mudanças, distúrbios e surpresas, especialmente aqueles distúrbios que
estiverem fora do conjunto de distúrbios para qual o sistema foi inicialmente projetado para suportar.
4
Estabeleçamos com Marilena Chaui que a ética existe para regular a violência entre os seres humanos de
forma que consensos sejam atingidos. Uma das formas mais horrorosas de violência é, sem sombra de dúvida,
a acusação injusta sem direito à defesa. As alegações de erro ou falha humana nas análises retrospectivas de
acidentes quase sempre se situam nesse contexto (Dekker, 2005).
Capítulo 9 | Ergonomia Cognitiva 201

físicos e sociais que constituem uma dada tecnologia de produção, que lhes custe
o emprego e os meios de sobrevivência digna;
3) Premissa moral, a crença de que as pessoas tentam cumprir seu contrato de
trabalho nas situações de trabalho em que se encontram e, exatamente por isso,
cabe aos projetistas e gestores da organização assegurar uma situação de trabalho
correta, ou seja, confortável, segura e bem estruturada.

9.5. Modelos em Ergonomia Cognitiva


Em Ergonomia Cognitiva estaremos modelando o raciocínio no trabalho, ou seja,
desde a esquematização do ambiente perceptivo do trabalhador até a construção de uma
imagem teórica da atividade cognitiva. A seguir apresentaremos alguns exemplos dos
dois tipos modelos que têm sido usados por praticantes da Ergonomia Cognitiva: mode-
los baseados no funcionamento cognitivo das pessoas e modelos baseados na cognição
em situação de trabalho.

9.5.1. Modelos lineares5 de percepção e interpretação


A Figura 9.1 apresenta um modelo que esquematiza o processo cognitivo dos seres
humanos. Segundo esse modelo, o ser humano transforma as informações de natureza
física percebidas pelos sentidos em informações de natureza simbólica armazenadas na
memória e a partir dessas, em ações sobre os artefatos. Esse modelo utiliza a metáfora do
funcionamento dos computadores digitais para explicar o processamento da informação
pelos seres humanos, ou seja, foca o conjunto das condições estruturais e funcionais mí-
nimas que permitem perceber, representar, recuperar e usar a informação do ambiente.

)LJXUD3URFHVVRSHUFHSWLYRFRJQLWLYRHPRWRU

Fonte: Gagné (1985).

5
Estes modelos são lineares, pois consideram uma sequência linear e bem definida para o processamento da
informação, ao contrário dos modelos situados que incorporam a complexidade e dinâmica assíncrona da
atividade.
202 Ergonomia ELSEVIER

Card, Moran e Newell (1983) propuseram um modelo de processador humano


segundo o qual a pessoa dispõe de processadores perceptivos, cognitivos e motores em
interação com as memórias em longo prazo e as operativas (Figura 9.2).

)LJXUD2PRGHORGHSURFHVVDGRUKXPDQR

Fonte: Card, Moran e Newell (1983).

Os processadores têm capacidade de resposta numa faixa de 50 a 90 m/seg, o tem-


po de deslocamento de um cursor na tela do micro, de uma lembrança ou de um gesto
reflexo. As memórias de curto e longo prazos são hierarquizadas e feitas distinções nas
memórias operativas em memórias sensoriais (visuais, acústicas, táteis, olfativas, gusta-
tivas) e as demais memorizações em curto prazo (um movimento do braço ou da perna,
um passo de dança...). Já as memórias em longo prazo se subdividem em memórias
semânticas (de significados), episódicas (de momentos e passagens da vida), declarativas
(capazes de repetir uma definição de Ergonomia) e procedurais (capazes de reproduzir
um procedimento).

9.5.2. Modelos complexos situados


Além de modelos que tratam do funcionamento cognitivo das pessoas, como os
descritos acima, a Ergonomia Cognitiva possui modelagens sobre o funcionamento das
pessoas nos sistemas de trabalho, como o modelo de regulação e compensação que será
descrito a seguir.
O modelo de regulação e compensação se constitui em um dos modelos mais
elementares usados na Ergonomia Cognitiva, e é oriundo da Análise da Atividade (Vidal;
Carvalho, 2008). De um modo geral, Regulações são as ações corretivas que as pessoas
realizam para tentar manter sob controle o sistema no qual estão trabalhando. A regula-
ção na modelagem proposta na Figura 9.3 é metaforizada como um iceberg compósito,
no sentido de que um sistema complexo necessita de diversos tipos de regulação para
que ele seja mantido sob controle. Esses diversos tipos de regulação se compõem de ele-
Capítulo 9 | Ergonomia Cognitiva 203

mentos distintos, portanto, diferenciáveis, e que engendram processos autônomos não


necessariamente em oposição ou conflito, mas uma composição em fases. Assim, em cer-
tos casos, teremos de trabalhar bastante o lado regulamentar e os encargos de cada tarefa
ou procedimento para compreendermos os processos formalizados de regulação e, em
outros, pesquisar a atividade de trabalho de forma cuidadosa para colocar em evidência
elementos da regulação estrutural. A Figura 9.3 ilustra essas diversas formas de regula-
ção que podem ser de duas naturezas: formais e estruturais. As regulações formais são
as possibilidades de correção previstas desde a concepção do sistema para lidar com as
perturbações que os projetistas do sistema puderam antecipar. Exemplos de regulações
formais são as antecipações realizadas por meio de cálculo de tendências, procedimentos
para lidar com acidentes, rotas de fuga para evacuação de instalações, auditorias internas
e externas etc. Essas regulações estão inseridas no escopo do funcionamento nominal do
sistema e requerem um primeiro nível de análise, a análise da tarefa. Já os componentes
da regulação estrutural aparecem na análise da atividade de trabalho em decorrência
das adaptações ad hoc que as pessoas fazem para lidar com as variabilidades externas e
internas ao sistema.
Regulações formais. A Figura 9.3 apresenta cinco formas de regulações formais
concebidas no momento do projeto do sistema de trabalho: por coordenação, por con-
trole de recepção, por inspeção sistemática, por retroação negativa (feedback) e por re-
dundâncias.
Uma regulação por coordenação geralmente ocorre por uma sucessão de comu-
nicações formais, seguindo um fluxo hierárquico, até que estas atinjam o responsável de
uma operação, que atuará sobre alguns comandos para o retorno do sistema à normali-
dade. Essas regulações são mais frequentes em sistemas fortemente hierarquizados e que
lidam com funções de segurança, como transporte aéreo, usinas nucleares, refinarias de
petróleo etc.
As regulações por inspeção sistemática se estabelecem como rotinas que visam
a identificação de disfunções ativas. Elas podem ser inspeções de campo para checar o
bom andamento dos processos.
As regulações por controle de recepção são muito comuns no domínio das co-
municações críticas. Nesses casos, um agente buscará certificar-se de que sua mensagem
foi bem recebida por seu interlocutor. Na aviação, esse procedimento é comum: o piloto
deverá repetir a instrução transmitida pela torre de controle e comunicar a ação corres-
pondente que deve ser executada.
As regulações por retroação negativa (feedback) acontecem quando o resultado
de uma ação, conversa ou acordo retorna a um dos agentes. O exemplo mais simples é o
recibo de uma compra, entendido como o feedback do pagamento. Essa regulação formal
somente é possível em casos onde um processamento desconforme pode ser percebido, e
assimilado ou rejeitado. Por outro lado, a regulação formal tem como pressupostos esta-
dos binários e lineares dos componentes do sistema: qualquer situação nebulosa na qual
204 Ergonomia ELSEVIER

não existam parâmetros bem definidos para a tomada de decisão, falseia as hipóteses de
controle paramétrico e o sistema de controle acusa uma não conformidade.
As redundâncias são um recurso amplamente empregado para melhorar a con-
fiabilidade de sistemas, por meio de construções de estruturas que executam as mesmas
funções em paralelo (se una falhar, a outra pode manter o sistema funcionando).

)LJXUD)RUPDVGHUHJXODomRHPVLVWHPDV

Fonte: Vidal (1997).

Regulações estruturais. As regulações estruturais têm como principal objetivo


manter o funcionamento do sistema mesmo que ocorram perturbações não previstas,
mesmo quando a própria estrutura interna do sistema tenha sido modificada, ou ainda
visando a modificar a estrutura do sistema para mantê-lo funcionando (é nesse sentido
que se chamam de estruturais). Tais formas de regulação têm um caráter oportunista
em face dos contextos em que surgem (situações não previstas, emergência) e por isso
mesmo decorrem de uma antecipação, do desdobramento de disfunções nem sempre
previstas ou inscritas nos cálculos de tendências. As regulações estruturais se constituem
no principal resultado da análise ergonômica da atividade no plano cognitivo. A rigor,
podemos dizer que é impossível evidenciá-las por outra forma, em que pesem os avan-
ços da simulação como metodologia de estudos cognitivos. As regulações estruturais se
diferenciam quanto ao conteúdo em:
UÊ regulações vicariantes6 e de registro compensatório;
UÊ cooperação e repartição dinâmica (mutual);
UÊ compartilhamento e distribuição tática (sharing).
As regulações vicariantes, (Figura 9.4), ocorrem quando existe o emprego de
algum caminho alternativo para recuperar, corrigir ou compensar imprevistos. Uma apli-
cação desse conceito em análise do trabalho é a variação de modo operatório na atividade

6
Vicaris é um termo do latim que significa, aproximadamente, itinerário alternativo.
Capítulo 9 | Ergonomia Cognitiva 205

de um operador, que pode significar uma regulação estrutural em ocorrência naquele


momento. Essa regulação será vicariante se implicar na realização de atividades colate-
rais, atalhos para resolver problemas, conforme esquematizado na Figura 9.4.

)LJXUD5HJXODo}HVSRUDWLYLGDGHVYLFDULDQWHV

Fonte: Vidal M.C. (1997)


Legenda: OP i = Operação em modo normal; Inc i = Incidente ocorrendo em modo normal; Recup i = ATOs
ou tentativas de recuperação do incidente imediatamente anterior. À esquerda, um caso simples: incidente, re-
cuperação e resgate de normalidade. À direita, um caso complicado: encadeamento de incidentes sucessivos.

As regulações cooperantes ocorrem quando um componente do sistema vem


acrescentar seus recursos a outro em pane ou dificuldade. O uso dessas regulações ocor-
re em praticamente todas as atividades de trabalho coletivas, quando um trabalhador
percebe que pode cooperar, ou recebe um pedido de cooperação de outro trabalhador.
As aplicações em Ergonomia são muitas e diversos estudos sobre os mecanismos coope-
rativos estão disponíveis na literatura (ver Vidal et al., 2009). Um exemplo concreto de
regulação cooperante nos é dado pelo modelo de atividade coletiva na construção civil
(Vidal, 1985).
Regulações por compartilhamentos são recursos largamente empregados quan-
do lidamos com sistemas informatizados. Em termos cognitivos, significam a distribui-
ção de recursos entre vários agentes do sistema e sua recuperação/integração em situa-
ções de disfunção. Geralmente as informações necessárias para realizar uma tarefa são
armazenadas sob diferentes formas para que sempre possam ser consultadas. Um exem-
plo corrente em um escritório é a ligação para um colega para solicitar um telefone, ou
uma posição de caixa, que é conferida com os registros e os dados disponíveis na rede da
empresa. Uma recomendação decorrente da constatação da existência de regulações por
compartilhamentos é a recomendação formal de gravar dados em mais de um lugar e sob
mais de uma forma, para evitar perdas.

9.6. Conclusão
Neste capítulo nos propusemos a apresentar do modo mais simples possível, os
conceitos básicos, teorias e modelos da Ergonomia Cognitiva. Concluímos o capítulo
apresentando algumas aplicações da Ergonomia Cognitiva.
206 Ergonomia ELSEVIER

9.6.1. Ergonomia Cognitiva no projeto de sistemas


Tradicionalmente, o objetivo preliminar de um projeto que envolve pessoas/tec-
nologia/organização é a interação direta com, ou o uso de, determinados artefatos. Essa
abordagem vem do paradigma da cognição não situada e segue o ponto de vista estru-
tural/analítico da engenharia de sistemas tradicional que procura separar os sistemas
nos termos de suas partes e nas conexões entre elas. Contudo, essa abordagem tem pelo
menos dois problemas fundamentais no projeto de sistemas complexos. O primeiro é
que considera ser possível decompor um sistema complexo projetando cada parte sepa-
radamente, assumindo como premissa básica que a reunião dessas partes ao término do
projeto irá determinar o seu modo de funcionamento, o que, segundo o ponto de vista
da teoria dos sistemas complexos, não é possível. O segundo problema, decorrente do
primeiro, é que a abordagem se concentra em como os artefatos deveriam ser usados,
a partir do pressuposto de que tarefa e atividade seriam a mesma coisa e, consequente-
mente, prestando pouquíssima atenção às regulações, ao planejamento e organização da
atividade de trabalho, aos mecanismos cooperativos postos em prática, enfim, à trans-
formação da atividade de trabalho em face das restrições e variabilidades do contexto,
o que, na maioria dos casos é um pré-requisito para o uso apropriado desses artefatos.
Isto é, a abordagem tradicional da engenharia não abre espaço para que se possa, pelo
menos, tentar entender como o sistema vai funcionar. Assim, o projeto de sistemas sem
considerar o paradigma situado da Ergonomia Cognitiva ignora o fato de que o uso de
um artefato e o seu funcionamento eficiente e seguro envolve a cognição e a organização
do trabalho tanto – ou até mesmo mais – quanto os artefatos tecnológicos, como, por
exemplo, a interface homem/máquina.

9.6.2. Ergonomia Cognitiva tornando o trabalho mais fácil


O projeto de sistemas de trabalho foi concebido segundo os preceitos da “Orga-
nização Científica do Trabalho” de Taylor, cujo objetivo era melhorar a eficiência do tra-
balho físico. Os objetivos da Ergonomia clássica têm sido de uma natureza bastante tan-
gível, por exemplo, como reduzir acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, como
melhorar a qualidade do trabalho, ou como reduzir o absenteísmo. Mais recentemente,
a usabilidade de interfaces foi considerada uma ponte essencial a ser construída para
encurtar a distância entre o humano e o computador (Nielsen, 1993).
Considerando que a Ergonomia Cognitiva, em sua abordagem situada, trata do
funcionamento/controle dos sistemas que envolvem tecnologia, pessoas e organização,
duas perspectivas emergem. Uma está ligada a tornar o trabalho mais fácil, no sentido
de permitir que as pessoas envolvidas compreendam o que está acontecendo e possam
agir de modo a controlar o sistema. A segunda está ligada a como tornar o trabalho mais
seguro, no sentido de minimizar as possibilidades de saídas inesperadas, assim como
minimizar os efeitos ou consequências dessas saídas.
Capítulo 9 | Ergonomia Cognitiva 207

Como exemplo de como facilitar o trabalho, apresentamos o caso do projeto de


interfaces e da interação homem-computador. Nesse contexto, facilitar o trabalho signi-
fica fazer com que seja mais fácil para os usuários entender e utilizar o sistema, propor-
cionado ao usuário a possibilidade de realizar transformações positivas na sua atividade
cognitiva de trabalho. De modo geral, algumas perspectivas básicas devem ser conside-
radas:
UÊ Um bom projeto da interface. Observar os princípios básicos da Ergonomia e
engenharia de fatores humanos (aspectos como visão, percepção, atenção etc.)
no que diz respeito à apresentação da informação e na ação (controle) sobre a
interface. É importante notar que mesmo sendo um princípio básico, há diversos
estudos em diferentes contextos industriais, indicando que esses princípios não
têm sido aplicados (Carvalho et al., 2007).
UÊ Simplicidade de funcionamento. Ao tentar usar uma interface computadorizada, a
regra mais importante talvez seja: o que você vê é o que você faz. Ou seja, as pes-
soas tendem a seguir os aspectos que conseguem perceber na tela, ou seja, a fun-
cionalidade não percebida, obscura ou mascarada provavelmente não será usada.
Como consequência, torna-se fundamental evitar conflitos entre a funcionalidade
percebida na tela e a funcionalidade real do sistema.
UÊ Indique claramente o estado operacional do sistema. Esse é um princípio que é
frequentemente violado, principalmente quando a automação entra em jogo. É
crucial para o uso da automação e dos sistemas que têm modalidades múltiplas de
funcionamento, que o modo corrente de funcionamento seja indicado e percebido
pelos operadores. Falhas nesse aspecto contribuíram para diversos acidentes e
continuam contribuindo, como pudemos observar no recente acidente de pouso
no Aeroporto de Congonhas, São Paulo, onde os pilotos não conseguiram saber
qual o modo de operação adotado pelo sistema de controle do Airbus A320 no
momento da aterrissagem.
UÊ Instruções claras e precisas. As instruções podem ser explícitas, como no caso dos
procedimentos operacionais (regras SE-ENTÃO) ou implícitas como no caso da
maioria das interfaces computadorizadas. As instruções contidas nesses procedi-
mentos ou regras implícitas podem ser muito úteis se forem precisas, porém, mais
frequentemente do se desejaria, uma combinação inadequada entre as instruções,
o artefato e o contexto da operação cria complicações desnecessárias (Carvalho;
Vidal; Santos, 2005 e 2006).

9.6.3. Ergonomia Cognitiva tornando o trabalho mais seguro


Tornar o trabalho mais seguro compreende três dimensões: prevenção, tolerância
e proteção.
Inicialmente podemos tornar o trabalho mais seguro diminuindo a possibilidade
de que as falhas ocorram e, se possível, eliminando as oportunidades para a falha, ou
208 Ergonomia ELSEVIER

para que as tarefas sejam feitas incorretamente. Isso pode ser feito diretamente, conce-
bendo artefatos (barreiras físicas) que impossibilitem fazer coisas erradamente, ou in-
diretamente, por meio do projeto de restrições cognitivas que tornem o trabalho mais
difícil se ele for feito de modo inadequado, ou sistemas de ajuda que facilitem o trabalho
quando ele for feito na direção da segurança. Numa segunda dimensão, os sistemas
devem ser robustos o suficiente para tolerar a ocorrência de falhas e erros, permitindo
ações corretivas antes que acidentes mais graves ocorram. A Ergonomia Cognitiva pode
ser usada para desenvolver sistemas de suporte a operação que permitam aos agentes
perceber que erros ou falhas podem estar acontecendo. Finalmente, é preciso proteger as
pessoas, tecnologia, organização e meio ambiente das consequências das falhas, quando
acidentes acontecerem.
Em Ergonomia Cognitiva, como em qualquer abordagem de segurança, a pre-
venção é obviamente melhor do que a cura. Cabe ao projetista identificar (imaginar) o
que poderia dar errado, considerando as várias maneiras nas quais o desempenho pode
falhar. Do ponto de vista da atividade cognitiva, as ações podem dar errado no que diz
respeito a: temporalidade (muito cedo, muito tarde, tudo junto); duração (muito longo,
muito curto); velocidade (muito rápido, muito lento); sentido, posição (muito distante,
muito perto, sentido errado); valor (muito grande, muito pequeno); força (muita força,
pouca força); sequência (omissão, saltos); tipo (tipo incorreto de ação); objeto (objeto
errado); posição (o objeto está no lugar errado).
Saber antecipadamente o que pode dar errado é fundamental para o projeto de
sistemas que lidam com tecnologias perigosas. A Ergonomia Cognitiva pode ajudar nesse
processo de busca do que pode acontecer, desenvolvendo perguntas relacionadas sobre
como uma ação ou atividade cognitiva pode falhar no que diz respeito ao sincronismo, à
duração, velocidade etc., numa maneira análoga ao que é feito para uma análise do risco
dos sistemas técnicos. Na engenharia, diversos métodos foram desenvolvidos para iden-
tificar os riscos das falhas tecnológicas, como árvores de falha, árvores de evento, análise
de barreiras etc. Entretanto, a partir das análises dos catastróficos acidentes em sistemas
industriais no final do século passado, que apontaram para fatores causais humanos e orga-
nizacionais, esses métodos têm sido modificados para considerar também falhas atribuídas
às ações humanas e até mesmo a questões organizacionais (Wreathfall, 2004).
Infelizmente, saber que algo pode dar errado não é o mesmo que saber por que
(ou como) pode dar errado. Num sistema complexo, cada modalidade de falha pode ter
um número infinito de causas possíveis. Mesmo quando consideramos sistemas mais
simples, como o controle remoto de um televisor ou o teclado de um celular, existe um
enorme número de razões diferentes para um erro de digitação, algumas vezes erramos,
na maioria das vezes acertamos; seria um problema do artefato, da pessoa, do projeto, ou
da situação? Especular porque ações poderiam falhar, ou mais especificamente porque as
pessoas erraram levou ao desenvolvimento das teorias sobre a gênese do erro humano,
que não resolveram o problema das falhas em sistemas complexos (ver Dekker, 2005).
Capítulo 9 | Ergonomia Cognitiva 209

Lembramos aqui que essas teorias foram baseadas na suposição de que os seres
humanos poderiam ser descritos como os sistemas de processamento de informação,
os quais às vezes poderiam falhar, configurando um ponto de vista endógeno do erro
humano, com uma série de conotações projetuais, organizacionais, culturais e sociais –
“humanos são a parte fraca do sistema, a culpa é das pessoas”, que deixam um enorme
espaço para melhorias do ponto de vista da Ergonomia Cognitiva.
A Ergonomia Cognitiva, que visa à compreensão da atividade cognitiva das pes-
soas em situação de trabalho, pretende fornecer os aportes teóricos e metodológicos
para suprir essa lacuna. A atividade cognitiva de trabalho e o processo de transforma-
ção do trabalho que é construído durante essa atividade sugerem que nós não pode-
mos compreender o que acontece (por que e como) quando as coisas dão errado sem
compreender o que acontece quando as coisas dão certo. Para isso, nós necessitamos
das teorias, modelos, e métodos da Ergonomia Cognitiva para a análise da atividade.
Para a Ergonomia Cognitiva, tanto o desempenho correto quanto as falhas devem ser
explicados nos termos de como as pessoas ajustam suas ações – criam regulações –
para conseguir um balanço aceitável entre os recursos disponíveis e as demandas do
sistema.

9.7. Revisão dos conceitos apresentados


Neste capitulo apresentamos a necessidade da Ergonomia Cognitiva em fun-
ção da evolução da Ergonomia e da complexidade das nossas organizações. A seguir
apresentamos dois tipos de modelagens usadas na Ergonomia Cognitiva: modelagens
lineares de percepção e interpretação baseadas no funcionamento cognitivo das pes-
soas, vistas como processadores de informação e modelagens complexas baseadas na
situação de trabalho, isto é, nas regulações feitas pelas pessoas para lidar com as va-
riabilidades do sistema no seu dia a dia de trabalho. Procuramos transpor a necessida-
de da Ergonomia Cognitiva para o plano da prática mostrando algumas aplicações e
ressaltando que a prática da Ergonomia Cognitiva tem sua dificuldade relacionada ao
caráter abstrato e não diretamente observável das funções cognitivas. Em outros ter-
mos, isso vai requerer do ergonomista uma capacidade de abstração, de simbolização
para poder lidar com o fato de que as pessoas têm um pensamento, uma capacidade
de raciocinar e tomar decisões na situação de trabalho em função das informações
disponíveis no ambiente. Cabe ao ergonomista cognitivo reconceber as situações de
trabalho, a partir das funções cognitivas do sistema, concebendo ferramentas de ajuda
à cognição que nos levem aos céus da modernidade ao invés de nos atirar no inferno
tecnológico, como parece estar acontecendo...
210 Ergonomia ELSEVIER

9.8. Página escolar


Questões
1) Defina Ergonomia Cognitiva de forma simples e intuitiva para um adolescente.
2) Que motivações sociais e filosóficas existem para justificar a preocupação com o
campo cognitivo da Ergonomia?
3) Como a Ergonomia pode tornar o trabalho mais fácil? E mais seguro?
4) Descrever uma atividade do cotidiano, aplicando os conceitos e modelos apre-
sentados. Por exemplo: escolher um horário de voo; gravar uma fita para escutar
no carro; programar o vídeo para gravar um programa de televisão; enviar um
e-mail etc. (sugira uma!). Em cada atividade escolhida o aluno deverá descrever a
sequência de ações e assinalar seus conteúdos cognitivos.
5) A partir de sua experiência na utilização de ferramentas computacionais (Word,
Explorer, PowerPoint etc.), indique como a Ergonomia Cognitiva pode ser usada
na melhoria dos auxílios das tarefas disponibilizadas por essas ferramentas.
6) Apresente exemplos concretos para cada um dos tipos de regulação apresentados
na Figura 9.3.

Referências
CARVALHO, P. V. R.; VIDAL, M.; SANTOS, I. L. Safety implications of some cultural
and cognitive issues in nuclear power plant operation. Applied Ergonomics, n. 37(2),
pp. 211-223, 2006.
______; ______; ______. Nuclear power plant shift supervisor’s decision-making during
micro incidents. International Journal of Industrial Ergonomics, n. 35(7), pp. 619–644,
2005.
CARVALHO, P. V. R. et al. Human factors approach for evaluation and redesign of hu-
man–system interfaces of a nuclear power plant simulator. Displays, n. 29, pp. 273-
284, 2007.
CARD, S.; MORAN, T.; NEWELL, A. The psychology of human computer interaction.
Hillsdale: Lawrence Erlbaum, 1983.
DEKKER, S. Ten questions about human error. Hillsdale: Lawrence Erlbaum, 2005.
GAGNÉ, R. The conditions of learning and the theory of instruction. New York: Holt, Rine-
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VIDAL, M. C. Abordagem antropotecnológica na Prevenção de acidentes. Anais do V Congres-
so Latino-Americano de Ergonomia, Florianópolis. ABERGO, 1997.
VIDAL, M. C. Le travail des maçons en France et au Brésil: sources et gestion des différences
et des variations. 1985. Tese (Doutorado em Engenharia) – Conservatoire National des
Arts et Métiers (CNAM), Paris.
______; Carvalho, P. V. R. Ergonomia cognitiva. Rio de Janeiro: EVC, 2008.
Capítulo 9 | Ergonomia Cognitiva 211

VIDAL, M. C. et al. Collective work and resilience of complex systems. Journal of Loss
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WOODS, D. D. Essential characteristics of resilience for organizations. In: HOLLNA-
GEL, E.; WOODS, D. D.; LEVESON, N. (Eds.). Resilience engineering: concepts and
precepts. Aldershot: Ashgate, 2006.
WREATHFALL, J. Elicitation approach for performing ATHEANA quantification. Reli-
ability, Engineering, and System Safety, n. 83, 2004.
Capítulo

10 Organização do trabalho

Maria de Lourdes Barreto Gomes – DEP/UFPB


Francisco Soares Másculo – DEP/UFPB

Conceitos apresentados
Este capítulo faz uma abordagem sobre os modelos de organização do traba-
lho, focalizando especificamente o trabalho das pessoas. Assim, são apresentadas
as características do trabalho nos modelos: Artesanal; taylorista; fordista; Sistema
de Produção Toyota e considerações sobre a perspectiva do trabalho na gestão do
conhecimento.
No final do capítulo, além das referências bibliográficas, são sugeridos dois
tipos de atividades práticas como forma de aliar os conhecimentos adquiridos a situa-
ções de trabalho reais.

10.1. Introdução
Define-se organização do trabalho como um conjunto de regras e de normas que
determinam a maneira de realizar a produção na empresa. A estas regras e normas as-
sociam-se no local de trabalho para efetivar o processo produtivo, a mão de obra, as
máquinas, instrumentos e matérias-primas.
O local de trabalho é, portanto, o conjunto das condições e ações que servem para
realizar um produto. É um sistema homem-máquina em ação que se relaciona entre si,
com as condições gerais do ambiente de trabalho e o método de organização do trabalho
adotado.
Capítulo 10 | Organização do trabalho 213

Sob a ótica da Ergonomia, precisamente no estudo dos riscos ergonômicos, as


consequências para o homem decorrentes do modelo de organização do trabalho ado-
tado se enquadram dentro de uma gama de repercussões sociais, como mostra o Qua-
dro 10.1.

4XDGUR²5LVFRVHUJRQ{PLFRVHVXDVFRQVHTXrQFLDV

Riscos ergonômicos &RQVHTXrQFLDVSRVVtYHLV

7UDEDOKR ItVLFR SHVDGR SRVWXUDV LQFRUUHWDV H &DQVDoRGRUHVPXVFXODUHVIUDTXH]DKLSHUWHQVmR


SRVLo}HVLQF{PRGDV DUWHULDO ~OFHUD GXRGHQDO GRHQoDV GR VLVWHPD
QHUYRVR DOWHUDo}HV GR ULWPR QRUPDO GH VRQR
DFLGHQWHVSUREOHPDVGHFROXQDHWF

5LWPRV H[FHVVLYRV PRQRWRQLD WUDEDOKR HP &DQVDoR GRUHV PXVFXODUHV IUDTXH]D DOWHUDo}HV
WXUQRV MRUQDGD SURORQJDGD FRQÁLWRV DQVLHGDGH GRVRQRGDOLELGRHGDYLGDVRFLDOFRPUHÁH[RVQD
UHVSRQVDELOLGDGHHWF VD~GH H QR FRPSRUWDPHQWR KLSHUWHQVmR DUWHULDO
WDTXLFDUGLD DQJLQD LQIDUWR GLDEHWHV DVPD
GRHQoDV QHUYRVDV GRHQoDV GR DSDUHOKR GLJHVWLYR
JDVWULWH~OFHUDHWF DQVLHGDGHPHGRHWF

Fonte: FIESP/SESI/SENAI/IRS/CIESP (1997).

Mesmo apresentando esta divisão, os riscos não ocorrem isolados. Dependendo


do modelo de organização do trabalho adotado pela empresa, os riscos podem ser inten-
sificados, por exemplo: em um ambiente de trabalho pode existir trabalho físico pesado
associado a ritmos excessivos, entre outros.
Este capítulo faz uma abordagem sobre modelos de organização do trabalho com
o intuito de mostrar a relação que existe entre a composição de cada modelo no contexto
dos estudos ergonômicos.

10.2. As transformações do trabalho


Ao longo do tempo, o trabalho passa por transformações decorrentes de inova-
ções organizacionais, das relações técnicas e sociais da produção e do trabalho, bem
como da adoção de novas tecnologias nos processos de produção. Essas transforma-
ções ocorreram no contexto da evolução dos modelos de gestão, como mostra a Figu-
ra 10.1 a seguir.
214 Ergonomia ELSEVIER

)LJXUD2FHQiULRDPELHQWDOGDHYROXomRGRVPRGHORVGHJHVWmR

Fonte: Adaptado de Santos, A.R.; Pacheco, F.F.; Pereira, H. J. e Bastos, Jr. (2001).

Embora a Figura 10.1 apresente períodos ou datas que indicam a existência ou


a predominância de modelos, não significa que o modelo anterior tenha deixado de
ser adotado nas organizações produtivas. Atualmente se encontra a adoção de todos os
modelos, independente da localização geográfica, do porte das empresas e do ramo in-
dustrial. Dessa forma, o foco do estudo a seguir não destaca datas, mas os princípios e os
elementos que dão suporte a cada modelo apresentado.

10.2.1. Modelos de organização do trabalho

10.2.1.1. Modelo artesanal


Neste modelo a relação básica é do tipo homem-produto, homem-ferramenta.
As tarefas de produção são planejadas e controladas pelos próprios operários, que têm
autonomia sobre o método de trabalho, sobre o ritmo, quantidade e qualidade de seu
produto Não existem tarefas padronizadas, portanto, a supervisão não pode ser realizada
sob pressão; além disso, o trabalho é avaliado em função da qualidade e da quantidade,
sob a responsabilidade do próprio trabalhador. O tempo de produção varia para cada
operário, e, como o método de trabalho é de domínio do trabalhador, a qualidade do
produto não é padronizada.
Capítulo 10 | Organização do trabalho 215

Nesta fase, as relações organizacionais e técnicas da produção e do trabalho se dão


entre mestre e aprendiz. Devido à flexibilidade do tempo, as ausências de controle sobre
a tarefa e sobre o trabalhador é possível que não se manifestem problemas à saúde rela-
cionados com os riscos ergonômicos e sociais do trabalho, porém, outros riscos podem
estar presentes, como os provenientes do trabalho físico pesado, posições incômodas,
posturas incorretas, entre outros.

10.2.1.2. Modelo clássico taylorista-fordista


O modelo clássico de organização do trabalho, fundamentado nos princípios
taylorista-fordista, ou a “Ciência do Trabalho”, segundo conotação de Shingo (1996), e
o paradigma da melhoria das operações individuais de acordo com Antunes Jr. (1998),
pode ser considerado como o primeiro modelo formalizado e desenvolvido no seio da
administração da produção e de ampla aplicação pelas empresas.
A base desse modelo fundamenta-se em dois elementos fundamentais: a operacio-
nalização, de forma sistemática, da divisão do trabalho, a partir dos princípios de Taylor,
e a integração do sistema de produção, mediante o emprego da linha de montagem
fordista.

a) Modelo taylorista
Os postulados tayloristas aplicados no interior da produção tinham como ob-
jetivo principal aumentar a produtividade das empresas. Para atingir esta meta, Taylor
(1990) focalizou o estudo do trabalho a partir da concepção de que todas as operações
produtivas podem ser cientificamente analisadas e otimizadas em unidades de ação e em
sequência.
A operacionalização dessa norma modificou a maneira de produzir e alterou de
forma profunda os padrões de trabalho ao retirar do operador a ação sobre um conjunto,
ou parte significativa do produto, deslocando para a gerência, e nela concentrando toda
a concepção e planejamento do trabalho.
As ações da gerência em relação ao planejamento do trabalho são denominadas
por outros autores, entre eles Taylor (1990) e Fleury (1997), como a substituição do em-
pirismo predominante na organização dos processos produtivos, no início do século XX,
como mostra a Figura 10.1, por procedimentos sistemáticos de análise que utilizavam
experimentos científicos, ou a substituição do empirismo pelo método científico.
A lógica da produção, segundo os princípios tayloristas, consiste na análise do
processo de trabalho e nas operações que o compõem, para eliminar as atividades que
não agregam valor, através do estudo dos métodos de trabalho, a fim de melhor pres-
crevê-los a cada trabalhador individualmente, especificando como, quando e com que
meios fazê-los; isso significa o “Exame Crítico acerca do Trabalho”.
216 Ergonomia ELSEVIER

A prática dessa metodologia de análise do trabalho, fundamentada no estudo de


Gilbreth, voltado para a classificação dos movimentos básicos do corpo, para qualquer
tipo de operação em que esse movimento fosse utilizado, como também a análise do FT
(fator trabalho) e MTM (métodos de medida de tempo), moldou as características do
trabalho tais como:
a) Trabalho prescrito – refere-se à maneira como o trabalho deve ser executado:
o modo de utilizar as ferramentas e as máquinas, o tempo reservado para cada
operação, os modos operatórios e as regras que devem ser respeitadas (Salerno,
1994). Tal característica se configura a partir das ações da gerência em planejar,
organizar e controlar o trabalho, ficando aos operários a execução de tarefas redu-
zidas e simplificadas.
b) Operário especializado – é resultante da dedicação a uma única tarefa ou função,
estabelecendo a relação entre um homem/um posto/uma tarefa. Isto remete à se-
leção, ao treinamento e ao desenvolvimento dos operários para seguirem as regras
e procedimentos preestabelecidos.
c) Estabelecimento de tempos-padrão de desempenho – a moldagem desta caracte-
rística se dá mediante a definição de métodos para executar cada operação e uso
de ferramentas padronizadas. Para isto, é necessário separar os movimentos reali-
zados por operários daqueles efetuados por máquinas, reorganizá-los para, então,
minimizar o tempo total da atividade, enquadrando-se, portanto, no argumento
taylorista do modo ótimo de realizar o trabalho para maximizar a sua eficiência.
d) Sistema de compensação do trabalho baseado na classificação por resultados – a
remuneração do trabalho adotada pelas empresas, antes dos postulados taylo-
ristas, baseava-se em padrões arbitrários que levavam a salários baixos e, conse-
quentemente, a uma produtividade mais baixa. Ao propor novas formas de remu-
neração do trabalho, a partir do tempo mínimo necessário para a execução das
operações realizadas pelo homem, Taylor (1990) restabelece sobre novas bases
a repartição dos ganhos produtivos entre trabalhador e gerente, uma vez que o
salário baseado em prêmio de rendimento é nitidamente diferente do salário por
peça.
Nesse contexto, a racionalidade sistemática do trabalho é evidente, tanto pela
divisão técnica do trabalho determinada pelo parcelamento de tarefas para obter maior
eficiência produtiva (no caso em questão, o foco volta-se para o aumento da habilidade
do trabalhador), como pela divisão social do trabalho, estabelecendo-se na estrutura
organizacional das empresas o processo hierárquico com fluxo de informações verticali-
zadas, como se ilustra na Figura 10.2.
Capítulo 10 | Organização do trabalho 217

)LJXUD(VWUDWLÀFDomRGDGLYLVmRGRWUDEDOKR

A divisão social do trabalho deve ser analisada tanto em relação ao poder, obe-
diência, relações de trabalho, como ao conhecimento bem definido pela separação entre
quem planeja o trabalho e quem o executa. Na concepção de Dejours (1987),
(...) do ponto de vista psicopatológico, a organização científica do traba-
lho traduz-se por uma tripla divisão: divisão do modo operatório, divisão
da execução e concepção intelectual, enfim divisão dos homens compar-
timentados pela nova divisão hierárquica, consideravelmente inchada, de
mestres, chefes de equipes, supervisores, cronometristas etc. Além do mais,
cada operário é isolado dos outros. Às vezes, é até pior, pode colocá-lo em
oposição aos outros. Ultrapassados pelas cadências, o operário que “atrasa”
atrapalha o que está atrás dele na corrente dos gestos produtivos.
Na estratificação apresentada na Figura 10.2, analisando-a de cima para baixo, o
primeiro nível representa os gestores (topo da gerência), no segundo nível está a média
gerência (nível superior e nível inferior) e no terceiro estão os operários diretos da pro-
dução, no caso em estudo os trabalhadores especializados.
A organização do trabalho baseada nos postulados tayloristas marcou a expansão
industrial norte-americana, sua influência ultrapassou as fronteiras culturais e ideológi-
cas, afetando todo o mundo, juntamente com o modelo fordista, e permaneceu hegemô-
nico até meados de 1970.

b) Ford e a integração da produção através da linha de montagem


O modelo de organização do trabalho regido pelas práticas fordistas transformou
o trabalho em uma complexa rede de relação entre tarefas em fluxo integrado, linear e
direto. Além disso, promoveu a produção de grandes volumes de produtos padronizados
destinados a mercados de massa. Para Womack (1992), a lógica do modelo fordista de
produção em massa “consistia na completa e consistente intercambialidade das peças e
na facilidade de ajustá-las entre si”.
218 Ergonomia ELSEVIER

Nesse sistema de produção, a linha de montagem funciona como mediadora entre


os vários postos de produção, proporcionando tanto a economia do tempo de locomoção
dos operadores como maior rapidez no transporte das peças e regulação do ritmo de tra-
balho. Isto é, cada trabalhador realiza uma tarefa no tempo que lhe é determinado pela
cadeia de produção, para tanto, o ambiente deve ser organizado e simbolicamente pode
ser representado na Figura 10.3.

)LJXUD2PRGHORIRUGLVWD

As abordagens de Womack (1992), Shingo (1996) e Fleury (1997), referentes à


estrutura do modelo de organização do trabalho, segundo os postulados fordistas, apon-
tam elementos que determinam as seguintes características:
a) Divisão e especialização extrema do trabalho – apoiada na linha de montagem
que levou ao extremo a parcelização das tarefas. Cada operário era responsável
por uma operação pequena e simples que se integrava ao trabalho de outros com
operações de iguais características, por exemplo: ajustar duas porcas em dois pa-
rafusos, colocar uma roda em cada carro etc. Com tal especialização do trabalho,
o montador precisava de apenas poucos minutos de treinamento, além de não ter
perspectiva de ascensão na carreira, podendo no máximo chegar a supervisor. O
trabalho tinha, portanto, a configuração apresentada na Figura 10.4.

)LJXUD0RGHORGLYLVmRHHVSHFLDOL]DomRH[WUHPDGRWUDEDOKR

Sendo o conhecimento restrito à operação, não há por parte do trabalhador a vi-


são global do processo. Não sabe a que se destina a peça por ele fabricada e, na maioria
das vezes, a função da peça no produto.
Capítulo 10 | Organização do trabalho 219

b) Intercambialidade de operadores – O trabalho simplificado dispensa conheci-


mento, experiência e instrução para ser realizado. Com o mesmo princípio de
intercambiar peças no produto (automóvel), a troca e reposição dos trabalhadores
eram minuciosamente planejadas com base na padronização completa do traba-
lho e do trabalhador.
c) Velocidade de produção – A padronização e simplificação do trabalho, auxiliadas
pela linha de montagem móvel, e através de meios de alimentação por planos
inclinados, intensificaram o ritmo, atingindo uma velocidade única para todos os
trabalhadores, diminuindo o tempo de fabricação de uma forma até então nunca
conseguida. O tempo no modelo fordista, esquematizado na Figura 10.5, não
é determinado pela gerência, pela prescrição da tarefa ou ordem de produção
(tempo alocado), como no sistema Taylor, é imposto pela velocidade da correia
transportadora.

)LJXUD7HPSRQRVPRGHORVWD\ORULVWDHIRUGLVWD

Este sistema impede que o trabalhador tenha a possibilidade de regular indivi-


dualmente o ritmo do seu trabalho, uma vez que a velocidade imposta determina o
tempo em que a operação deve ser concluída, refletindo diretamente na produtividade.
Para Ford, o rendimento de uma seção era calculado pelo número de peças produzidas
dividido pelo número de horas de trabalho. Para os trabalhadores, segundo Santos et al.
(1997),
(...) as consequências do trabalho repetitivo, sob condicionantes do tem-
po, sobre a saúde dos trabalhadores são bem conhecidas: efeitos de uma
sobrecarga cognitiva sobre o comportamento, patologias articulares, efeitos
sobre a organização da vida fora do trabalho e, eventualmente, sobre a
personalidade.
d) Aparecimento de trabalhadores indiretos – O delineamento desta característica
resultou na estrutura da produção e nas relações de trabalho estabelecidas segun-
do os princípios fordistas. A fixação do trabalhador a um posto de trabalho reali-
zando uma só função, sem estabelecer nenhuma comunicação sobre as condições
operacionais de seu trabalho, sobre ferramentas com defeito etc., deu origem à
220 Ergonomia ELSEVIER

formação de trabalhadores indiretos para outras funções, tais como responsáveis


pelos insumos para a produção, coordenação entre as operações, inspetores de
qualidade, faxineiros, entre outros.
Enquanto o trabalho dos operários diretos (montadores) exigia pouco conheci-
mento e o máximo de aptidões físicas, o trabalho de projeto de máquinas, de peças, de
produto, operação e manutenção, entre outras atividades necessárias ao desenvolvimen-
to da produção, requeriam, segundo Fleury (1997), “um hercúleo esforço de engenharia
e de engenheiros”. Foi nesse contexto que surgiu a figura do engenheiro industrial e,
posteriormente, várias outras especialidades, chamadas por Womack (1992) “de traba-
lhadores de conhecimento”.

10.2.1.3. Enriquecimento de cargos antecedentes


Os questionamentos, as críticas e as reações ao modelo clássico taylorista-fordista,
desde muito tempo, foram objeto de estudo e análise de pesquisadores e técnicos de
várias áreas do conhecimento e dos trabalhadores.
Dentre estes questionamentos e análises destacam-se as reações que partem dos
trabalhadores e devem ser vistas dentro da luta histórica contra a intensificação do tra-
balho e a degradação das condições do trabalho, contra a falta de liberdade no ambiente
de trabalho, contra o trabalho repetitivo e monótono, contra a perda do emprego, entre
outras razões.
Pesquisas realizadas por equipes de psicólogos industriais, administradores, so-
ciólogos e outros profissionais constataram que, nas organizações produtivas, os fatores
psicológicos e sociais teriam maiores influências sobre a produtividade do que os fatores
fisiológicos. Identificaram ainda que as relações interpessoais do trabalhador com o seu
grupo são também um grande fator de motivação.
A experiência de Hawthorne, que teve início em 1927, serve como alicerce para
essa tendência, pois comprovou que as pessoas podem ampliar ou limitar as forças e
fraquezas de uma organização, dependendo da maneira como elas são tratadas. A partir
dessa fase houve uma grande mudança na relação entre empregados e empregadores, o
que passou a importar foi o comportamento do indivíduo no trabalho e as suas necessi-
dades, consequentemente surgindo à preocupação com o homem social.
Uma importante contribuição ainda no sentido de valorizar a relação entre trabalha-
dor empresa foi à atenção dada ao fator motivação. Para Maslow (1954), a motivação dos
indivíduos, objetiva satisfazer certas necessidades que vão desde as primárias (fisiológicas)
– as mais simples – até as mais complexas ou psicológicas (autorrealização). Destacam-se
ainda as pesquisas e teorias de Herzberg e McGregor (1959), voltadas para a integração dos
indivíduos nas organizações, mediante a execução de funções mais enriquecedoras objeti-
vando desenvolver maiores níveis de criatividade e inovação. Argyres, que desenvolveu a
teoria da maturidade e imaturidade, segundo a qual as organizações estavam demandando
Capítulo 10 | Organização do trabalho 221

das pessoas tarefas rotineiras, obediência cega às determinações e às regras impostas pela
organização, delineando, portanto, características de pessoas imaturas e infantis. Assim,
tornava-se imperioso enriquecer os cargos para que os operários atingissem as característi-
cas de personalidade de pessoas maduras no processo de trabalho.

a) Modelo enriquecimento de cargo


O enriquecimento do cargo apregoa aumentar a iniciativa frente ao trabalho, dar
maior autonomia ao operário e introduzir tarefas difíceis que não tenham sido realizadas.
Esta ampliação pode ser praticada conforme descrição a seguir:
a) Ampliação horizontal – quando o operário realiza diversas tarefas da mesma
natureza num único cargo. Por exemplo, em vez de o operário montar apenas um
componente de um produto, ele passa a montar vários componentes. Tal situação
quebra a repetitividade de realizar uma única tarefa, podendo reduzir a monoto-
nia, mas não está livre da intensificação do trabalho, porque isto depende mais do
ritmo imposto pela empresa.
b) Ampliação vertical – quando num mesmo cargo o operário realiza tarefas dife-
rentes. O operário realiza a tarefa e faz a manutenção da máquina. Isto resulta em
maior autonomia e controle do operador sobre o conteúdo do cargo. Entretanto,
pode ocorrer aumento da carga de trabalho, ação que depende do sistema de ges-
tão da empresa. A Figura 10.6 ilustra as duas modalidades.

)LJXUD$ODUJDPHQWRGRWUDEDOKRHHQULTXHFLPHQWRGHFDUJRV DGDSWDGRGH6ODFN

Fonte: Slack, Nigel et al. (1996)

c) Rotação de cargos – implica no revezamento entre as pessoas envolvidas nas ta-


refas de um processo produtivo. O operário deve ser qualificado, conhecer todo o
processo. Mesmo retirando a monotonia do trabalho, a intensificação do trabalho
pode aumentar.
d) Enriquecimento de cargo – é a combinação da ampliação horizontal e ampliação
vertical num único cargo. Este sistema dá oportunidade ao operário de usar as
suas aptidões, podendo levar a uma maior satisfação no trabalho.
222 Ergonomia ELSEVIER

Este modelo, apesar de apresentar maior flexibilidade e ampliação de conheci-


mento, não elimina por completo os riscos ergonômicos e suas consequências sociais; é
comum encontrar: fadiga física e mental e, dependendo do ambiente, o trabalho pode ser
realizado em posições incômodas ou sobre outros riscos.

10.2.1.4. Abordagem sociotécnica


A abordagem sociotécnica desenvolvida pelo Tavistock Institute of Human Relations,
de Londres, tem como enfoque, segundo Fleury (1997),
(...) a busca de uma visão de sistema integrado, na qual as demandas e as
capacitações do sistema social sejam adequadamente articuladas às deman-
das e aos requisitos do sistema técnico, tendo em vista a consecução das
metas da produção e os objetivos da organização e das pessoas.
A partir desses trabalhos foram se desenvolvendo, ao longo do tempo, conceitos e
formas de organizar a produção e o trabalho, sem que tenham ocorrido, no entanto, mo-
dificações reais na natureza do trabalho, mantendo, portanto, a lógica taylorista/fordista
como padrão determinante, salvo para algumas empresas em determinados países que
flexibilizaram o trabalho através da adoção dos grupos semiautônomos (GSA), resultante
da visão sociotécnica.
A utilização do GSA preconiza que para uma mesma tecnologia existem diferentes
modos de organizar o trabalho, não se vincula, portanto, a uma tecnologia específica,
depende da cultura organizacional e do apoio dado pelos níveis diretivos e gerenciais
das empresas. A máxima eficiência produtiva depende da otimização conjunta dos dois
sistemas – social e técnico. O projeto e trabalho na unidade fabril são adaptados às ne-
cessidades humanas e não o trabalhador adaptando-se ao status quo fabril.
Grupos semiautônomos são equipes de trabalho que executam cooperativamente
as tarefas que são designadas ao grupo, sem que haja uma predefinição de funções para
os componentes do grupo. Dessa forma, contempla o aspecto social, enfatizando as rela-
ções de trabalho e a cooperação entre os membros do grupo e, o aspecto técnico através
da autorregulação.
A prática do GSA requer da gestão da organização:
UÊ Redução dos níveis hierárquicos;
UÊ Incentivo à participação;
UÊ Elaboração de um sistema de informação que auxilie a tomada de decisão e ava-
liação de desempenho do grupo;
UÊ Controle do trabalho passa a ser feito pelo grupo;
UÊ Supervisor coordena o relacionamento entre os grupos, fornece auxílio técnico e
atua no treinamento dos operadores;
UÊ Projeto de trabalho passa a ser baseado nas funções – desenvolvimento de múlti-
plas habilidades;
Capítulo 10 | Organização do trabalho 223

UÊ Ampliação do número de tarefas e de conhecimento;


UÊ Maior incentivo e valorização da iniciativa;
UÊ Treinamento contínuo e solução dos problemas do setor pelos próprios operários;
UÊ Maior autonomia na distribuição das tarefas.
Os Grupos Semiautônomos se estruturam com base nos princípios sociotécnicos,
quais sejam:
1. COERÊNCIA – o planejamento do trabalho deve ser coerente com as característi-
cas da Organização do Trabalho desejada;
2. MÍNIMA ESPECIALIZAÇÃO – o trabalho não deve ser especificado além do es-
sencial, devendo ser estabelecido com clareza;
3. MULTIFUNCIONALIDADE – apregoa ampla qualificação dos trabalhadores;
4. COLOCAÇÃO DE FRONTEIRAS – consiste em facilitar a comunicação para o
bom andamento do trabalho;
5. FLUXO DE INFORMAÇÕES – o sistema de informação deve ser planejado para
facilitar as ações referentes ao trabalho;
6. CONSISTÊNCIA – deve haver consistência entre os estímulos e sensações associa-
das ao sistema administrativo e os comportamentos esperados das pessoas;
7. PLANEJAMENTO E VALORES HUMANOS – proporcionar qualidade de vida no
trabalho;
8. CRITÉRIO – o planejamento e replanejamento do processo de trabalho devem ser
permanentes.
Dentre as empresas que utilizaram o GSA, segundo informações de Fleury (1996),
destacam-se as minas de carvão na Inglaterra como primeira experiência; a Volvo na
Suécia em 1974, em seguida a Saab/Scânia; a Shell na Inglaterra e Canadá; a Phillips na
Holanda; a Corning Glass na Inglaterra e Estados Unidos e a Renault na França. Foram,
portanto, experiências pontuais localizadas, centradas principalmente nos países euro-
peus.

10.2.1.5. Organização do trabalho no Sistema de Produção Toyota


O segundo momento da evolução na organização do trabalho, conforme a Figu-
ra 10.1 trata dos Novos Modelos de Gestão. A partir destes, o trabalhador passa a ser
enxergado como parte fundamental do processo produtivo e organizacional. O novo
olhar sobre o trabalho no ambiente interno das organizações produtivas, na percepção
de Corrêa (1993), origina-se a partir de fatos como: as conquistas sociais decorrentes
dos movimentos sindicais, o aprimoramento das teorias administrativas, a evolução das
ciências humanas e o desenvolvimento econômico e social alcançado pela sociedade
em geral. Soma-se a esse quadro a busca pela flexibilidade, a exigência do mercado por
maior qualidade dos produtos e preços acessíveis ao consumidor, ou seja, a luta inces-
sante pela competição.
224 Ergonomia ELSEVIER

Neste contexto, o modelo japonês, precisamente os princípios do Sistema Toyota


de Produção, se torna referência como melhoria dos processos. Para Ohno (1997), “o
STP foi criado com o propósito de se constituir em um sistema de produção alternativo
ao sistema de produção em massa (fordismo), através da produção de muitos modelos
em pequenas quantidades”. Hall (1987) ao se referir ao modelo enfatiza a capacidade do
trabalhador e o processo de melhoria contínua, principalmente aquelas relacionadas à
qualidade, ao menor desperdício e respostas rápidas às mudanças.
Nesse texto a ênfase é direcionada ao trabalho e a mão de obra, para tanto se utili-
za o posicionamento de Diniz e Gomes (2007) para discorrer sobre essa questão.
O surgimento do modelo japonês tornou a mão de obra um ativo a ser nutrido e
valorizado enquanto elemento-chave da capacidade competitiva da empresa. Uma prio-
ridade desse modelo é o trabalho em equipe, a forma como ele é implantado e organiza-
do, proporciona a integração dos indivíduos na realização de suas funções.
O toyotismo se diferencia dos modelos tradicionais principalmente por criar o
trabalhador polivalente; este por sua vez, ganhou espaço para usar o seu conhecimento
e ter uma visão mais ampla do processo produtivo.
Marochi (2002) diz que,
(...) na análise do modelo de trabalho toyotista, considerando-se as técni-
cas e estratégias utilizadas no seu conjunto, apresenta-se uma abordagem
mais humanizada das relações de trabalho, buscando-se uma visão mais
sistêmica e integrada da organização, dentro de uma realidade mais com-
plexa e flexível, valorizando-se a criatividade, a autonomia, autocontrole, a
aprendizagem e a participação do trabalhador, diferentemente do sistema
taylorista, mais mecanicista, centralizador e simplificador.
Com o modelo japonês, o patamar dos trabalhadores mudou e se iniciou um pro-
cesso em que é preciso ir mais além, em que é preciso reconhecer que os trabalhadores
necessitam não só de boas condições físicas para exercerem suas funções, mas também
necessitam, além disso, de boas condições mentais e psicológicas, ou seja, ambiente fa-
vorável para a realização da autoestima. O trabalho em equipe, autonomia, flexibilidade,
a polivalência – práticas desse sistema – mostraram-se como fatores contribuintes para
um avanço na qualidade de vida no interior das empresas. Liker (2005), ao abordar as
teorias da motivação no contexto do Sistema Toyota afirma que
(...) quando se trabalha na Toyota, suas necessidades inferiores estão satis-
feitas. Você é bem pago, tem segurança no emprego e trabalha num am-
biente seguro e controlado. O grupo de trabalho pode ajudar a satisfazer as
necessidades sociais, juntamente com uma série de atividades no trabalho
e depois dele. A cultura da Toyota enfatiza o uso de situações de trabalho
desafiadoras para construir a autoconfiança em seus funcionários para que
experimentem e realizem feitos excepcionais que podem avançar em dire-
ção à autorrealização.
Capítulo 10 | Organização do trabalho 225

O Quadro 10.2 ilustra o posicionamento da Toyota quanto às tradicionais teorias


de motivação.

4XDGUR²7HRULDVFOiVVLFDVGHPRWLYDomRHRPRGHORWR\RWD

7HRULDVGD0RWLYDomR,QWHUQD &RQFHLWR Abordagem da Toyta


+LHUDUTXLD GDV 1HFHVVLGDGHV 6DWLVID]HUDVQHFHVVLGDGHVLQIHULRUHV 6HJXUDQoD QR HPSUHJR ERD
GH0DVORZ H HVWLPXODU RV IXQFLRQiULRV D UHPXQHUDomRFRQGLo}HVGHWUDEDOKR
VXELU QD KLHUDUTXLD HP GLUHomR D VHJXUDVVDWLVID]HPDVQHFHVVLGDGHV
DXWRUUHDOL]DomR LQIHURUHV $ FXOWXUD GD PHOKRULD
FRQWtQXD VXVWHQWD R FUHVFLPHQWR
SDUDDDXWRUUHDOL]DomR

7HRULD GH (QULTXHFLPHQWR GR (OLPLQDU IDWRUHV GH ´LQVDWLVIDomRµ 6 SURJUDPDV GH (UJRQRPLD
&DUJRGH+HU]EHUJ IDWRUHVKLJLrQLFRV HFULDUWUDEDOKRV DGPLQLVWUDomR YLVXDO SROtWLFDV
TXH SURGX]D IDWRUHV SRVLWLYRV GH GH UHFXUVRV KXPDQRV DERUGDP
´VDWLVIDomRµ PRWLYDGRUHV  RV IDWRUHV GH KLJLHQH 0HOKRULD
FRQWtQXD URWDomR GH WDUHIDV H
feedbackVXVWHQWDPRVPRWLYDGRUHV
6LVWHPDGH0RWLYDomR([WHUQD
$GPLQLVWUDomR FLHQWtÀFD GH 6HOHFLRQDU FLHQWLÀFDPHQWH FULDU 7RGRVRVSULQFLSLRVGDDGPLQLVWUDomR
7D\ORU WDUHIDV SDGURQL]DGDV WUHLQDU FLHQWtÀFDVmRVHJXLGRVPDVQRQtYHO
H UHFRPSHQVDU FRP GLQKHLUR R GR JUXSR QmR QR QtYHO LQGLYLGXDO
GHVHQSHQKR GH DFRUGR FRP R H EDVHLDPVH QR HQYROYLPHQWR GR
SDGUmR IXQFLRQiULR
0RGLÀFDomRGRFRPSRUWDPHQWR 5HIRUoDURFRPSRUWDPHQWRGHVHMDGR )OX[R FRQWtQXR H andon FULDP lead
TXDQGRHOHRFRUUHQDWXUDOPHQWH times UHGX]LGRV SDUD XP UiSLGR
UHWRUQR /tGHUHV FRQVWDQWHPHQWH QD
IiEULFDGDQGRUHIRUoR
(VWDEHOHFLPHQWRGHPHWDV (VWDEHOHFHU PHWDV HVSHFtÀFDV (VWDEHOHFHU TXH DWHQGDP HVVHV
PHQVXUiYHLVHSRVVtYHLVHDYDOLDUR FULWpULRV DWUDYpV GR hoshin kanari
SURJUHVVR HVWDEHOHFLPHQWR GH SROtWLFDV 
DYDOLDo}HV FRQWtQXDV UHODWLYDV DV
PHWDV

Fonte: Liker (2005).

Analisando os princípios do sistema Toyota em relação às questões do trabalho,


Fleury (1992), afirmou que, apesar de todos os questionamentos, pressões, conflitos
e competitividade do sistema de produção toyotista, foi a primeira vez no mundo do
trabalho capitalista que os operários puderam comunicar à empresa suas dificuldades e
também puderam atuar no sentido de melhorar suas condições de trabalho, exercendo,
embora limitadamente, sua capacidade de criação e realização.
Embora o sistema Toyota tenha trazido grandes avanços na relação com o traba-
lhador, trouxe também um grau de exigência exaustivo; além de algumas tarefas rotinei-
ras, o trabalhador tem que dar conta de muitas outras tarefas de forma comprometedora,
envolvendo tanto a sua força física como mental. Neste segmento vale salientar uma
pesquisa que focaliza o sentido do trabalho na percepção dos trabalhadores, realizada
226 Ergonomia ELSEVIER

por Picinini, da Escola de Administração da UFRGS, citada na revista Capital (2003) que
identificou paradoxos vividos numa sociedade em processo de transição entre o fordismo
e o toyotismo. Segundo as informações coletadas, muitos trabalhadores afirmaram que
(...) a ausência de sentido decorre da repetição mecânica, como nas linhas
de produção tradicionais. Mas, pessoas que atuam dessa forma maquinal
preferem trabalhar assim, porque pelo menos podem ficar sozinhas com
seus pensamentos, enquanto nos sistemas de produção mais modernos a
cobrança e a pressão são maiores, já que cada funcinário fica controlando
os outros.
A utilização de um modelo de organização do trabalho pelas empresas está condi-
cionado à qualificação da mão de obra, à cultura do país e, sobretudo, às relações capital
trabalho vigentes, portanto, o posicionamento dos funcionários ou dos colaboradores
varia de país a país.

10.2.1.6. Organização do trabalho na gestão do conhecimento


O terceiro momento da evolução da gestão no seio das organizações, conforme a
Figura 10.1, trata dos Modelos Emergentes, os quais estão inseridos na Gestão do Co-
nhecimento. Stewart (1997), afirma que a “Gestão do Conhecimento” tem sido um dos
mais importantes processos de mudanças ocorridas na realidade econômica mundial,
pontuando uma transição da Era Industrial para a Era do Conhecimento, na qual o uso
da informação é priorizado em detrimento do uso da matéria-prima. Terra (2000), enfa-
tiza que neste modelo o simbolismo é a mente humana. Nesse âmbito, o fator humano
deixa de ser um fator importante para ser o principal fator das organizações. Somente
o homem através da sua capacidade de aprender e de fazer uso do seu conhecimento
consegue criar e recriar o mundo.
Nonaka e Takeuchi (1997), explicam que o conhecimento é criado nas organiza-
ções da seguinte forma: os indivíduos adquirem conhecimento movendo-se em ciclos
entre o conhecimento explícito – facilmente codificado e mensurável – e o conhecimento
tácito – muito pessoal, que envolve crenças e valores dos indivíduos, sua intuição, dificil-
mente pode ser mensurado e se revela como um diferencial na realidade organizacional
de hoje.
Os trabalhadores com a Gestão do Conhecimento ampliam seus patamares de
evolução e aspirações e o trabalho passa a ter papel central em suas vidas. Os “indivíduos
organizacionais” se realizam sendo criativos e aprendendo constantemente, o que consti-
tui a grande oportunidade de criação de círculos virtuosos de geração de conhecimento.
Estes ocorrem no momento em que as empresas – cientes da necessidade de se reinven-
tar, de desenvolver suas competências, de testar ideias, de aprender com o ambiente e
de buscar desafios – adotam estilos, estruturas e processos gerenciais que desencadeiam
processos semelhante no nível individual (Terra, 2000).
Capítulo 10 | Organização do trabalho 227

Seguindo esse raciocínio, subjuga-se que na era do conhecimento, as novas as-


pirações dos trabalhadores estão em torno da aprendizagem, do conhecimento e do
reconhecimento do poder aprender errando. A prática da gestão do conhecimento induz
a uma mudança nas relações de trabalho, os trabalhadores deixam de ser tratados como
subordinados e passam a ser vistos como associados, ou seja, o peso do trabalhador do
conhecimento é enaltecedor e consequentemente torna-o mais satisfeito e comprometido
com suas atividades profissionais e pessoais.

10.3. Página escolar


Questões
1) Escolha uma empresa, quer seja produtora de bens manufaturados ou de presta-
ção de serviços, e observe como as pessoas trabalham; em seguida, caracterize a
Situação de Trabalho e o Modelo de Organização do Trabalho adotados. As ques-
tões abaixo servirão de guia para elaborar um check-list ou um questionário para
ser aplicado aos trabalhadores da empresa objeto de estudo.
a) O trabalho exige esforço físico pesado?
b) Indique as funções e o local relativos a esforços físicos.
c) O trabalho é exercido em postura incorreta?
d) O trabalho é exercido em posição incômoda?
e) Indique a função, o local e equipamentos ou objetos relativos à posição incô-
moda.
f) Quem planeja o trabalho?
g) Como as tarefas são distribuídas?
h) Quem faz o controle ou acompanhamento do trabalho?
i) Como é feito o controle do trabalho?
j) O ritmo de trabalho é excessivo? Em que funções?
k) Quem determina o ritmo do trabalho?
l) O trabalho é monótono? Em que funções?
m) Há excesso de responsabilidade ou acúmulo de função?
n) Existe trabalho em turno noturno? Como é definido?
o) Como é medido o nível de produtividade do trabalho?
p) O trabalhador aplica o seu conhecimento para realizar as suas atividades?
q) Qual o nível de prescrição do trabalho?
r) Como se dá a divisão social e divisão técnica do trabalho?
s) A empresa usa sistema de incentivo monetário? Se sim, o incentivo é indivi-
dual ou para o grupo?
228 Ergonomia ELSEVIER

2) Tome como referência a figura a seguir e, com base numa situação real de traba-
lho, faça a análise sistêmica da tarefa no contexto do modelo de organização do
trabalho utilizada pela empresa.

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Capítulo 10 | Organização do trabalho 229

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WOMAC, J. P.; JONES, D. T. A máquina que mudou o mundo. Rio de Janeiro: Campus,
1992.
Capítulo

11 A qualidade de vida
no trabalho
Elaine da Silva Viola, Dra. – Ergo&Plus

Conceitos apresentados
Apresentar um tema tão diversificado em apenas dez páginas requer um recor-
te. A minha opção foi priorizar o que não se encontra pelos meios de pesquisa mais
imediatamente acessíveis. No intuito de direcionar os colegas às questões que dizem
mais respeito à nossa prática, privilegiei a comunicação da ergonomista entusiasta
que há anos lida com o assunto. Você encontrará adiante reflexões sobre a inserção
da Ergonomia no campo da Qualidade de Vida no Trabalho (ou simplesmente QVT)
e referências extrabibliográficas, obtidas por meio da experiência. Você também en-
contrará o básico e o clássico para a primeira aproximação: o que são os Programas de
Qualidade de Vida, como funcionam, suas etapas, e adicionalmente, uma introdução
aos Programas de Gerenciamento de Estresse. Espero que este texto contribua para
captar adesões ao debate e à construção de práticas nesse campo onde, mais que em
qualquer outro, emerge a dimensão humana da Ergonomia.

11.1. O conceito de QVT


O campo da QVT atesta sua diversidade de abordagens desde suas bases, as defi-
nições. Algumas delas evidenciam as características das tarefas, outras valorizam a per-
cepção humana, e muitas dão ênfase aos benefícios, sistemas de promoção, e fatores or-
ganizacionais estratégicos. Além disso, há ainda as pesquisas e discussões que giram em
torno da concordância e diferença entre os conceitos de qualidade de vida no trabalho,
bem-estar, satisfação, e felicidade (Siqueira, 2010). Não obstante a pertinência do deba-
te, Kurogi (2008) faz um levantamento bibliográfico dos enfoques existentes, e conclui
que a escolha por um deles não influenciará o resultado das ações, visto que todos dão
um tratamento complexo ao tema e se assentam sobre bases humanistas, no sentido de
Capítulo 11 | A qualidade de vida no trabalho 231

que se identificam com o propósito de promover um trabalho bom e dignificante para


o trabalhador.
Tendo já referenciado a discussão científica, para uma primeira aproximação,
convido a uma reflexão baseada no senso comum. Pergunte a cem trabalhadores o que
é QVT, e terá cem respostas diferentes na especificidade, mas iguais na essência. Sabe-
mos que qualidade de vida no trabalho é algo que pode ser difícil de ser explicado em
palavras, mas que é muito facilmente identificado pelo sujeito como um estado do ser.
A QVT, do ponto de vista do trabalhador, é um conceito que só poderá ser entendido
plenamente a partir de uma visão que envolva fatores que atravessam a fronteira da
empresa, que fazem parte do contexto de vida do sujeito. Uma vez visitei um call center
de hospital, ainda precariamente instalado, e encontrei um funcionário, de expressão
alegre, sentado em uma cadeira desconjuntada, diante de uma janela ensolarada, ao lado
de uma imensa pilha de caixas. Perguntei-lhe como avaliaria a qualidade de vida em seu
trabalho e ele me respondeu, orgulhoso:
– Ótima! Este call center é um projeto muito moderno, e (...) etc. etc.
Essa situação me fez lembrar da sempre atual e polêmica afirmação de Epicteto,
escravo e filósofo grego, que disse que “as pessoas ficam perturbadas não pelas coisas,
mas pela imagem que formam delas”. Na mesma linha de pensamento, na contempora-
neidade, Beck (1963), terapeuta e escritor renomado no campo das terapias cognitivo-
comportamentais, afirma que o comportamento dos indivíduos e as hipóteses que eles
constroem sobre o futuro e sobre a sua própria identidade têm por base os significados
que eles atribuem aos acontecimentos (no campo da Ergonomia).
As representações surgem, por assim dizer, de um tipo de “costura” cujo fio é a
visão interpretativa que integra pensamentos, sensações e emoções relativos a vivências
passadas, experiências do presente e expectativas no futuro. Nosso atendente de call cen-
ter, ao dar tal depoimento, estava mais impactado pela expectativa de sucesso nessa ativi-
dade inovadora que propriamente pelo desconforto do espaço físico. Dali a um mês, caso
não fossem instaladas as inovações esperadas, provavelmente sua resposta seria oposta.
Por outro lado, se, mesmo continuando a viver o desconforto, seu desempenho estivesse
sendo reconhecido, valorizado e recompensado pela organização, talvez ele desse, mais
uma vez, uma “nota alta” para sua QVT. E se eu lhe propusesse questões específicas sobre
aspectos ambientais (tais como sua cadeira ou a iluminação), ao compilar esses resulta-
dos com sua “nota” para a QVT, minha pesquisa apresentaria resultados dissonantes. Daí
a importância de ter em conta o contexto e as expectativas, os valores antes de aplicar e
tabular instrumentos.
E com relação aos conteúdos, afinal, o que nos interessa? Tudo. Não nos importa
se tratamos de bem-estar, satisfação, ou conforto. O que nos cabe, segundo a própria
definição do método em Ergonomia, é não nos afastarmos da proposta humanista, que é
promover a ligação positiva e saudável entre trabalhador e trabalho, sempre destacando
o ponto de vista do trabalhador. Cabe-nos também ouvir o trabalhador como um todo.
232 Ergonomia ELSEVIER

Cabe-nos compreender os instrumentos em sua dinâmica e complexidade. E cabe-nos,


antes de tudo, alertar os contratantes para que não confundam a existência de “progra-
mas” ou “atividades” ditas de “qualidade de vida” na empresa, e a efetiva experiência de
vida com qualidade, esta última, sim, capaz de gerar benefícios incalculáveis à saúde e à
produtividade dos trabalhadores. Afinal, a QVT pode ser encarada nas empresas como
uma variável, uma abordagem, um método, um movimento, um conceito referente a
“tudo”, ou a “nada” (Nadler; Lawer, 1983), ou o que quer que se proponha; ainda assim,
para ser fiel à proposta, tem que se referir a vidas que estão trabalhando e que avaliam
a qualidade de sua experiência, nesse processo. Dissociado dessa imagem, o conceito
empobrece o seu sentido.
Mas caberá também ao engenheiro de produção estender sua ação aos temas de
qualidade de vida referidos pelos trabalhadores? Claro que sim. O engenheiro de pro-
dução é o elo entre o setor técnico e administrativo, e deve atuar no sentido de integrar
objetivos de produção, de saúde, de bem-estar, de segurança. Ele se depara o tempo todo
com questões que dizem respeito ao ser humano, e deve, nesse sentido, estar sempre em
busca de uma arquitetura do trabalho adequada às características psicofisiológicas dos
trabalhadores. Objetivo simples e complexo, ao mesmo tempo. Afinal, o trabalhador
não é somente uma maquete biomecânica realizando movimentos e raciocínios em um
ambiente físico. É um ser que é também sonhador, e que atua movido também por suas
crenças e sonhos, como nosso atendente de call center.
Pode ser um desafio para um engenheiro interagir com a dimensão humana do
trabalho, mas é inevitável. A contabilização dos impactos desse sistema na produção o
convocam a atuar. Se ele adotar uma visão conservadora, voltada às possibilidades de
perdas, constatará que os custos gerados por transtornos mentais de origem ocupacional
já excedem os referentes às LER/DORT. As estatísticas1 registraram um aumento de 55%
no total de auxílio-doença e por acidente, no período de 2000 a 2006. Por outro lado, se
ele usar uma lógica empreendedora, voltada às possibilidades de ganho, vai se deparar
com o fato de que o grande diferencial entre empresas concorrentes hoje já não se deve
mais estritamente ao capital, tecnologias, ou instalações, e que cada vez mais adquirem
relevância os bens ditos intangíveis. Entre eles se destacam a produção (e não a repro-
dução) de conhecimento e de tecnologia, decorrentes da criatividade e do espírito de
inovar, e o engajamento dos colaboradores em equipes de alto desempenho. O estudo de
casos notórios de sucesso mostra que esses atributos afloram apenas em “ambientes orga-
nizacionais psicologicamente saudáveis” – outro conceito e propósito que não pode estar
fora do vocabulário e dos objetivos do ergonomista e do engenheiro contemporâneo.
Enfim, seja por uma ou outra via, quando o profissional for convocado a fazer
uma análise da atividade, certamente se deparará com questões relativas a como as pes-
soas se sentem, se relacionam, se comunicam, cooperam, sabotam e pressionam quan-

1
Dados recolhidos pelo INSS em 2006, analisados pelo Laboratório de Saúde do Trabalhador da Universidade
de Brasília, e publicados na revista Proteção em julho de 2008.
Capítulo 11 | A qualidade de vida no trabalho 233

do no desempenho de suas tarefas. Afinal, isso é o que realmente é a atividade. Como


afirma Clot (2006), psicólogo ergonomista, “a atividade é a apropriação pelo sujeito das
ações presentes e passadas de sua história, fonte de uma espontaneidade indestrutível”.
Assim, podemos considerar que a atividade é, numa certa medida, uma expressão da
subjetividade, que se movimenta para buscar uma inserção “de qualidade” no cenário da
vida e do trabalho. É desse ponto de vista que este capítulo se coloca, com o objetivo de
introduzir o estudante nesse tema, onde Trabalho e Vida se encontram e buscam Quali-
dade. Isso se traduz, em última instância, na incansável luta do ser humano ao longo da
história por melhores condições para produzir, e por... ser feliz, ao fim de tudo.

11.2. O papel do praticante de Ergonomia em QVT


Talvez a esta altura você se faça a seguinte pergunta: Como posso, com meus conheci-
mentos e práticas em Ergonomia, contribuir para a promoção da QVT?
Antes de responder, proponho outra pergunta: Qual é o diferencial entre a Engenharia
e a Ergonomia? O diferencial se afirma sobre o privilégio que tem o praticante profissional de
Ergonomia de poder interagir com a atividade real de trabalho; algo que não é tão facilmente
acessível a muitos dos profissionais de QVT fora da engenharia. A metodologia nos favorece
com um tipo de aproximação muito especial. O ergonomista, no esforço em compreender os
processos e as variáveis envolvidas na atividade, acaba por ter seu interesse reconhecido pelo
trabalhador como uma manifestação valorativa, que é retribuída com um sentimento de em-
patia, confiança e cumplicidade (ver Capítulo 1). Além disso, o olhar analítico e exploratório
do observador acaba, muitas vezes, funcionando como exemplo e “espelho”, despertando o
observado para uma reflexão sobre si mesmo. Enfim, como experiência que envolve forte
aliança colaborativa, é comum que o término da ação ergonômica seja sentido pelo trabalha-
dor até mesmo como uma perda, pois é na relação com o ergonomista que ele, muitas vezes,
encontra um suporte social capaz de conferir mais qualidade a seu “estar” no trabalho (Viola,
2009). Os depoimentos quase sempre assinalam ter sido a experiência com a Ergonomia uma
possibilidade de falar sobre seu trabalho e aquilo que realmente faz, tendo, ao menos dessa
vez, recebido um reconhecimento.
É claro que qualquer boa ação em QVT também inicia com a busca de uma vinculação
entre o facilitador e os participantes, a chamada “etapa de adesão”, que busca uma “sensibili-
zação” dos trabalhadores, por meio de dinâmicas de grupo ou palestras. Note, no entanto, que
a Ergonomia vai além. Nossa porta de entrada é a visão da atividade, o que implica contato
com o cotidiano do trabalho, em sua intimidade e complexidade. Os propósitos básicos da
conversa-ação não se dirigem a motivar, e sim a compreender. É uma abordagem que entra no
espaço da subjetividade, embora sempre mantendo o foco na atividade de trabalho.
Então, qual é o seu papel em QVT? Acredito que você tenha concluído que não pode
estar atrelado a práticas isoladas, nem dissociado da atividade real. Você provavelmente cons-
tatou que já fez, e que pode fazer muito mais do que idealizar e aplicar questionários, ou
234 Ergonomia ELSEVIER

conduzir treinamentos. Por estar conectado ao que o trabalhador realmente identifica como
fator de qualidade (ou sem qualidade) em seu trabalho cotidiano, você pode (e deve) orientar
vários tipos de ações de gestão, e promover diálogos em várias instâncias. Sugiro que busque
associar-se aos demais agentes de QVT presentes, em uma proposta de ação integrada. Que
facilite e incentive o trabalhador a falar do que ele realmente considera importante para sua
QVT, evitando, assim, que outros falem e ajam por ele. Você pode ajudar a combater as abor-
dagens “ritualísticas” e a manter a Qualidade de Vida no Trabalho como um conceito dinâmi-
co, referido a um espaço de trocas positivas entre empresa e empregado.

11.2.1. Avaliação, diagnóstico e linhas dos Programas de QVT


Ogata e Simurro (2009) são referências importantes para uma aproximação, de forma
sistematizada, às ações e práticas conduzidas na atualidade, no Brasil e fora dele. Segundo
eles, os Programas em QVT podem ser classificados em três tipos fundamentais: Programas
Motivacionais, Programas de Promoção da Saúde e Prevenção de Doenças, e Programas de
Produtividade, acrescentando, ainda, uma proposta integradora, denominada Gestão da Saú-
de e da Produtividade. Em qualquer dos casos, envolvem basicamente quatro etapas: diagnós-
tico, planejamento, implementação e avaliação dos resultados.
O diagnóstico para a avaliação da QVT frequentemente utiliza-se dos mesmos parâ-
metros tomados nas ações em Ergonomia: custos com assistência médica em geral (e mais
especificamente, doenças ocupacionais); acidentes de trabalho; indicadores de produtividade;
faltas etc. Cabe acrescentar a estes, no entanto, outros referenciais mais específicos, oriundos
de investigações sobre o ponto de vista dos trabalhadores, tais como entrevistas, dinâmicas
e inventários voltados à apreciação do grau de satisfação no trabalho, e outros, relativos ao
diagnóstico clínico de níveis de estresse, ansiedade, depressão, alcoolismo, isso sempre de-
pendendo de para onde as demandas forem apontando.
Em Ogata e Simurro (2009) também se encontram alguns exemplos de instrumentos
de avaliação, desde modelos de entrevistas até questionários sobre atividade física, perfil de
bem-estar e qualidade de vida, necessidades e interesses, do ambiente e condições de traba-
lho, cultura organizacional, entre muitos outros. Bom Sucesso (2002) apresenta orientações
para avaliação da qualidade no âmbito das relações interpessoais. Guimarães (2004) nos ofe-
rece um exemplo prático, um caso de mensuração de QVT em concessionária de veículo,
onde os instrumentos foram elaborados na própria ação. Siqueira (2008) apresenta instru-
mentos de medidas, tais como a Escala de Envolvimento com o Trabalho – EET, de Avaliação
do Contexto de Trabalho – ECT, de Confiança do Empregado na Organização – ECEO, e
muitas outras, diretamente relacionadas à percepção de QVT. Viola (2009) refere os mais
clássicos instrumentos para avaliação de estresse, ansiedade, depressão, adaptação social, e
outros, no campo da psicologia, além de apresentar sua própria proposta, um instrumento
que integra as abordagens cognitivo-comportamental e ergonômica. Há ainda muitas outras
referências importantes, mas, mesmo atestando o valor do que já está desenvolvido, ressalto
Capítulo 11 | A qualidade de vida no trabalho 235

que, do ponto de vista da Ergonomia, o que deve orientar a escolha da estratégia, em um dado
caso, é não somente a característica do instrumento, mas principalmente o perfil específico
da demanda e do contexto.
Uma vez eleitos os instrumentos adequados às demandas, e tendo sido aplicados em
um contexto de aliança terapêutica, estaremos em condições de definir um diagnóstico. Esse
diagnóstico será, então, traduzido em termos de um conjunto de Objetivos, que deverão ser
articulados na forma de um Programa. As ações eleitas normalmente dirão respeito ao estilo
de vida e aos comportamentos, práticas ou hábitos que resultam em danos à saúde, bem-estar,
segurança e realização no trabalho, e podem ser apresentadas e conduzidas na forma de apoio
nutricional, apoio a atividades físicas, prevenção e tratamento do tabagismo e alcoolismo,
intervenção cognitiva, comportamental ou motivacional a questões de risco, como exposição
a poluentes, comportamentos inseguros etc. Quanto aos Programas de Gerenciamento do
Estresse, por englobarem inúmeras questões referentes ao bem-estar psicológico, serão abor-
dados em um tópico à parte, adiante.
Para finalizar, não poderia deixar de convidá-los a algumas reflexões acerca das inten-
ções dos Programas de QVT. França e Arellano (2002) nos instrumentam para essa tarefa,
propondo a ideia de que, por trás das iniciativas, existem critérios éticos e filosóficos que as
definem e orientam, e que são passíveis de serem enquadrados em diferentes perspectivas,
entre as quais: visões democráticas, voltadas a um modelo participativo de organização; vi-
sões gerenciais, voltadas ao desenvolvimento humano como fator de produtividade; visões
sociais, voltadas às conquistas sociais em termos de condições de trabalho; e, finalmente,
as visões humanistas, voltadas à satisfação e humanização. Mas para que analisaríamos as
intenções dos programas? Uma vez identificada a visão de QVT subjacente será possível para
o seu contratante alinhar ações, estimar alguns alcances, e preparar-se para lidar com certas
limitações próprias da natureza do Programa. Quanto à primazia de uma perspectiva sobre
a outra, acredito que é uma preocupação que não procede, pois todas aportam ganhos e se
complementam entre si. A preferência por uma ou outra abordagem deve recair sobre aquela
linha que melhor atender as necessidades apontadas no diagnóstico e que estiver mais bem
afinada com a cultura da organização.

11.3. A implementação dos programas


Uma vez consensuados os tópicos e a orientação do Programa de QVT, bem como
o tipo de inserção que você terá, mãos à obra! O primeiro que se deve fazer, se desejamos
ter sucesso, já sabemos: é buscar conexão com os demais programas desenvolvidos na
empresa. As boas ações em QVT não aparecem como protagonistas. Encontram-se sem-
pre a serviço de pessoas e objetivos. Assim, não existe um formato ideal para um bom
programa em QVT. Ele pode assumir vários formatos e estilos, em busca da coerência
com a cultura da empresa, o perfil do público-alvo, os recursos disponíveis, as demais
iniciativas em curso, e as metas a serem alcançadas.
236 Ergonomia ELSEVIER

Estamos, então, nesse ponto: de posse do diagnóstico e com a estratégia definida,


as ações organizadas segundo um projeto claro, coerente, e principalmente, indicado e
validado pelas pessoas. E aí, as coisas não andam, as pessoas não mudam. O que estará
acontecendo?
Essa situação é bastante comum, e há várias possíveis abordagens ao problema.
Para alguns casos, como por exemplo, para demandas relacionadas a estilo e hábitos de
vida, é possível utilizar como referencial a teoria transteórica da mudança, de Prochaska
e Diclemente (1982), apresentada, de forma aplicável aos programas em QVT, no VIII
Congresso Brasileiro da ABQV.2
Tal teoria preconiza que a mudança não é um evento, mas sim um processo que
se desenvolve em estágios: pré-contemplação, contemplação, preparação, ação e manu-
tenção. Segundo esse ponto de vista, a falta de sucesso que alguns programas apresentam
deve-se ao fato de que a maior parte deles é idealizada tendo por referência pessoas que
estão nos últimos estágios citados, quando, na verdade, a maioria das pessoas está nos
dois primeiros. Dessa forma, a identificação do estágio motivacional pode contribuir
para elucidar o problema e propiciar ao facilitador informações que o levarão a optar
pelas estratégias mais efetivas para sensibilizar e motivar, em cada fase. Por exemplo: se a
pessoa está na fase de pré-contemplação, ou seja, se não tem planos de deixar de fumar,
talvez uma psicoeducação sobre os males do tabaco possa ajudar a promovê-la a um
“estágio” mais próximo da mudança. Estando no estágio de contemplação – desejando
a mudança, mas de forma ambivalente –, talvez se possa levá-la ao próximo estágio mo-
tivacional pelo emprego de uma avaliação minuciosa do impacto do fumo em sua vida,
feita por meio de técnicas de balanço de evidências. E assim por diante.
De qualquer forma, seja adotando essa ou outra teoria, o facilitador deve dar a
sua resposta ao desafio de colaborar para motivar e apoiar as pessoas nas suas específicas
dificuldades diante da natural resistência à mudança do ser humano. Há, evidentemente,
outras hipóteses, como a influência da cultura organizacional, os problemas de comu-
nicação e cooperação, e outros, mais orientados aos fatores organizacionais e coletivos,
que costumam ser abordados a partir de outras teorias ou iniciativas, como revisão de
políticas organizacionais, de sistemas de avaliação e promoção, ampliação de programas
de benefícios etc.
Assim, lidando com a diversidade de demandas e de abordagens que o tema QVT
nos apresenta, chegamos à etapa final, que é a avaliação dos resultados. Utilizando indi-
cadores, qualitativos ou quantitativos, os facilitadores e os participantes medirão os efei-
tos das práticas e emitirão conclusões sobre o que foi feito. Indicarão o que faltou fazer
e o que se deve refazer. É a fase mais importante para o profissional, pois é na atividade
de campo onde ele consolida o seu saber. Ao ter passado por uma experiência em QVT
ele poderá perceber seus próprios pontos fortes e fracos, e terá em mente o que precisa

2
Por Rodrigo Siqueira Reis, doutor em Ergonomia que atua na área de pesquisas em mudança de compor-
tamento.
Capítulo 11 | A qualidade de vida no trabalho 237

desenvolver e que tipo de apoio deve buscar. Seja como for, sempre haverá uma sensação
de que ainda há muito que aprender, mesclada ao orgulhoso sentimento de realização
por ter ajudado algumas a pessoas a ter uma vida um pouco melhor.

11.4. O estresse ocupacional e a Teoria do Estresse


Por terem tudo a ver com os Programas de Qualidade de Vida, mas possuírem
características e objetivos particulares, optamos por apresentar esse tema em um tópico
à parte. Como Programa que é, vale, para ele, muito da discussão anterior, mas há ainda
muito a acrescentar. De saída, o conceito de estresse ocupacional nos vai oferecer um viés
concreto para agregar dados contundentes em favor das práticas de saúde mental e bem-
-estar no trabalho. Maeno (2009) relata que, somente no ano de 2008, foram concedidos
12.818 benefícios por transtorno mental reconhecidos como relacionados ao trabalho,
dentro de um universo que oscila em torno de 270 mil benefícios totais. Acrescente-se a
isso que o tratamento dessa classe de transtorno implica em afastamentos prolongados,
e teremos que, desse ponto de vista, o custo da precarização da saúde mental passa a ser
um dos mais altos que o sistema de saúde contabiliza. Além disso, o estresse ocupacio-
nal está na raiz de grandes demandas organizacionais, como, por exemplo, erro huma-
no, produtividade insatisfatória, absenteísmo, presenteísmo, e doenças físicas de origem
emocional. É, portanto, um tópico de importância central para a qualidade de vida do
trabalhador, para a empresa, e para a Engenharia de Produção.
A inclusão do tema estresse ocupacional na discussão científica e normativa é
recente, mas o conceito de base não. O termo stress remonta ao séc. IV, e significa, no
contexto de origem, “esforço intenso”. Posteriormente reaparece na Física, no campo da
resistência dos materiais, onde designa o grau de deformidade que uma estrutura sofre
quando é submetida a um esforço.
A metáfora foi usada por Selye (1956) para referir-se aos fatores envolvidos na
síndrome de adaptação que ocorre em um organismo vivo frente a ameaças. Transposta
para o caso do estresse ocupacional tem por objeto (estrutura) o aparato mental e físico
do trabalhador que, na tentativa de adaptação às exigências do trabalho (esforço), sofre
prejuízos (“deformidades”) na capacidade de resposta – cognitiva, física ou emocional – a
tais demandas. Note que esse conceito não se confunde com o de sofrimento no trabalho
enunciado por Dejours (1984), que diz respeito à angústia proveniente do bloqueio da
relação do homem com o conteúdo significativo da atividade.
Existem várias visões relacionadas a esse fenômeno, abordagens que referenciarei
no tópico a seguir. A necessidade de apresentar o tema da forma mais concisa possível
faz com que eu opte por me deter na corrente que está na base da maioria dos programas
em organizações, a “Teoria do Estresse”, proposta pelo endocrinologista húngaro Hans
Selye, que apresenta o estresse como um conjunto de respostas fisiológicas que se desen-
cadeiam no organismo mediante a percepção de um perigo, visando prepará-lo para se
ocultar, fugir ou lutar (Selye, 1956).
238 Ergonomia ELSEVIER

A Teoria do Estresse enfatiza as correlações entre estados ansiosos e saúde física.


Está conectada à visão de correntes em Medicina e Psicologia, e por isso, oferece uma
via para o estabelecimento proveitoso de argumentos no campo da Saúde Ocupacional.
Ela também está na base de muitas pesquisas. Hoje não precisamos mais estar
restritos aos resultados de experimentos comportamentais, pois as biociências já têm
boas condições para mapear o que acontece no cérebro, no sangue e no sistema nervoso
durante os momentos em que o pensamento de uma pessoa se dirige a coisas que ela
julga estarem acima de suas capacidades de enfrentamento, ou seja, os estados de medo
e tensão. Ressalte-se que Selye foi o precursor da hipótese de que estados mentais acar-
retam danos ao organismo. Ele demonstrou que a experiência frequente e sistemática de
estresse tem relação com mudanças nas estruturas e composição química do corpo, e que
esse processo é responsável por inúmeras doenças.
Segundo ele, tais mudanças funcionam como um tipo de ataque que vai evoluin-
do, insidiosa e gradativamente. Ele identifica, nesse processo, três fases. Na fase de alerta
os estressores começam a agir, e a pessoa os encara com vigor, dispendendo energias físi-
cas e mentais. A seguir, na fase de resistência, os primeiros sinais de desgaste aparecem,
tais como palpitações, perda de concentração, instabilidade emocional. Finalmente, na
fase de exaustão, o organismo cede à pressão e manifesta doenças cardíacas, digestivas,
transtornos ansiosos e depressivos, endocrinológicos etc..

11.5. Os modelos de gestão do estresse nas organizações


Seguindo a linha desse texto, apresentarei um panorama do que existe no gênero,
para que o engenheiro de produção possa identificar, ainda que de uma forma global,
a orientação que está subjacente a um dado Programa de Gerenciamento de Estresse.
Já vimos que isso é importante para saber se devemos contratar, e caso positivo, o que
esperar e o que não esperar dessa ação.
Pode-se dizer que existe um consenso, na atualidade, de que o estresse é, antes de
tudo, um fenômeno biopsicossocial. O tópico anterior abordou as implicações biológi-
cas. Deixamos subentendido que houve expansão do conceito para o campo psicológico,
somando-se, ao biológico, fatores como ameaças apenas supostas, ou expectativas de
ameaças, e demandas exageradas sobre si mesmos, para o que se propõe tratamento via
teoria cognitivo-comportamental (Beck, 1963). A expansão não parou por aí. Incluindo
agora a dimensão social, Seligmann-Silva (2006) identifica o fenômeno com a precariza-
ção das relações humanas e afetivas no trabalho, e contribui para o encaminhamento de
soluções dedicando-se ao debate normativo e à convocação social.
Há, de fato, uma série de visões ao tema. Jaccques (2003) faz uma revisão das
contribuições e identifica quatro abordagens teórico-metodológicas em saúde-doença
no trabalho: a Teoria do Estresse, de Selye (já caracterizada acima), a Psicodinâmica do
Trabalho (também já definida acima, referida ao ergonomista Dejours), o Modelo Epi-
Capítulo 11 | A qualidade de vida no trabalho 239

demiológico (que trabalha com a identificação de quadros psicopatológicos associados a


categorias profissionais), e os modelos que associam Subjetividade e Trabalho (que dão
ênfase à determinação história dos sujeitos e suas vivências, como o de Seligmann-Silva).
Sendo uma questão que envolve fatores subjetivos e objetivos, a perspectiva de
gerenciamento de estresse nas organizações se apresenta na forma de práticas voltadas
ao tratamento do indivíduo, às questões grupais, aos estressores físicos e ambientais, e
aos estressores psicológicos, Na prática, tais visões se orientam por dois polos: o foco nos
fatores organizacionais e o foco nos fatores individuais. A tendência, no entanto, é buscar
a integração de ambos.
Fatores internos, ou individuais, seriam os pensamentos, crenças, sentimentos, e
sensações. A abordagem, nesse caso, baseia-se na premissa de que o estresse se origina
da percepção subvalorizada que o indivíduo tem da sua capacidade de enfrentamento,
associada à visão supervalorizada que ele tem dos desafios ou ameaças. Isso o faz pensar,
sentir e agir de uma dada forma (Beck, 1963).
O tratamento compreende dois tipos de ação: uma, pelas técnicas cognitivas, e
outra pelas técnicas corporais. No primeiro caso, busca-se ajudar a pessoa a construir ou
identificar em si as capacidades de enfrentamento requeridas, ao mesmo tempo em que
se estimula o questionamento racional da magnitude dos problemas a enfrentar. Usa-se,
por exemplo, estratégias de automonitoramento, como os registros de pensamentos e
sentimentos em uma planilha, ao longo de um período, para verificar, nesses conteúdos,
a existência de distorções cognitivas – a “maximização do negativo” é uma delas – que
possam estar induzindo um medo disfuncional. A constatação das evidências pela racio-
nalidade será o ponto de partida para a reestruturação dos conteúdos mentais e, conse-
quentemente, dos comportamentos a eles relacionados (Lipp, 2007).
As práticas corporais baseiam-se no princípio de que a ativação do sistema nervo-
so parassimpático inibe a ação do simpático, e dessa forma, restitui o equilíbrio fisiológi-
co ao organismo. Para fazer essa reversão utilizam-se técnicas de relaxamento muscular,
via imagem mental, e técnicas de controle respiratório (Lipp, 2003), assim como ioga,
meditação, e medidas de mudança de estilo de vida, indicadas por teorias orientais ou
ortomoleculares, que envolvem dietas específicas, prática de esportes, dança etc.
Essas são as principais abordagens ao indivíduo, ou seja, aos fatores internos re-
lacionados ao estresse. Há também as abordagens aos fatores externos, os estressores
organizacionais. Essa é uma área na qual o ergonomista e o engenheiro de produção
podem atuar com maestria. Suas metodologias podem captar com eficácia os elementos
ambientais, organizacionais, tecnológicos, cognitivos e psicossociais que estejam influin-
do na geração ou agravamento do estresse. Isso, no entanto, não quer dizer que esses
profissionais estejam restritos a esse tipo de contribuição, ou que não possam atuar em
ações que envolvam fatores subjetivos. Lembremos, sobretudo, que a tendência atual
é integrar esses fatores. A proposta da metodologia que articula Ergonomia e técnicas
cognitivo-comportamentais (Viola, 2009) é uma tentativa nesse sentido, um exemplo
prático de que é possível e pertinente propor ações transdisciplinares.
240 Ergonomia ELSEVIER

11.6. Um instrumento para a pré-avaliação do engenheiro de produção


Para finalizar, apresento um instrumento para uma apreciação breve, mas precisa,
das questões referentes a QVT, isso porque são frequentes os casos em que o engenheiro
precisa saber se deve ou não recomendar a contratação de ações em QVT ou estresse, ou
em que a ele interessa estar ciente desses parâmetros para acompanhar ações em curso.
Nesses casos, é possivel usar o “Teste Dez-Perguntas em QVT” que, como o nome diz,
consiste em examinar apenas dez quesitos representativos de temas que influem na QVT.
O processo se dá em dois passos: primeiramente, os quesitos deverão ser apre-
sentados ao entrevistado para que ele os ordene segundo a importância que lhe parecem
ter para sua QVT. A seguir, cada quesito deve ser avaliado segundo seu peso na QVT da
pessoa, que lhe atribui uma nota de zero a dez.

Quadro 11.1 – Teste Dez-Perguntas em QVT

“Teste Dez-Perguntas em QVT” (Viola, 2010)

São apresentados, a seguir, dez itens para a sua avaliação. Primeiro, ordene-os se-
gundo a importância na sua QVT, atribuindo a qualificação 1o ao mais importante,
e 10o ao menos importante.

Relação com a chefia – relação com colegas – benefícios – salário – oportunidade de desen-
volvimento – reconhecimento pelos esforços – estabilidade – comunicações institucionais
transparentes – meios para realizar as tarefas – ambiente físico

Agora, dê uma nota de zero a dez a cada item, segundo o valor que ele tenha para
sua QVT.

A contabilização se fará da seguinte maneira:


Se a pontuação for menos que 5, o fator merece ser tratado por uma ação especí-
fica em QVT.
Se a pontuação estiver entre 5 e 7, o fator merece ter a avaliação aprofundada por
meio de instrumentos específicos para aquele tema.
Se a pontuação for maior que 7, esse fator está em níveis aceitáveis.
A compilação e interpretação dos dados podem ser feita por três caminhos:
1) Considerando todos os fatores que têm a classificação de 1o lugar para um dado
segmento ou setor. Exemplo: Se “meios para realizar as tarefas” for a demanda
mais votada pelos operadores de caldeira, ou pelo setor de marketing, isso deman-
daria uma intervenção ergonômica com foco nas atividades.
2) Considerando, para cada fator, sua votação total. Exemplo: Se “benefícios” é o
fator mais votado em toda a empresa, é necessário estudar mudanças para essa
política interna.
Capítulo 11 | A qualidade de vida no trabalho 241

3) Considerando cada colaborador em separado, em uma sucessão de aplicações do


instrumento. Exemplo: Se Joaquim, há seis meses atrás, dava nota 5 ao seu am-
biente físico, e hoje dá nota 8, é sinal que as mudanças ergonômicas implementa-
das cumpriram seus objetivos.
O “Teste Dez-Perguntas” contém as questões mais frequentemente citadas nos
estudos em QVT, e pela sua simplicidade, pode ser aplicado e respondido amplamen-
te, com poucas exceções. Caso os resultados obtidos excedam os limites apontados, as
orientações básicas para que o engenheiro contrate ou conduza Programas em QVT estão
neste capítulo: os indicadores, os instrumentos específicos, as teorias e práticas utiliza-
das, as etapas, as linhas dos Programas. Boa sorte!

11.7. Página escolar


Questões
1) Qual o diferencial da atuação do engenheiro de produção em QVT?
2) Como se organiza um Programa de QVT?
3) Dê exemplos de fatores organizacionais que podem resultar em estresse.

Pesquisa na internet
Digite o que é pedido no seu buscador, leia, e transmita o que viu de mais interessante
aos seus colegas:
1) WOQOL abreviado versão português.
2) Associação Brasileira de Qualidade de Vida.
3) Centro Psicológico de Controle do Stress > ISSL – Inventário de Sintomas de
Stress em adultos, de Lipp.

Referências
BECK, A. T. Thinking and depression I. Idiosyncratic content and cognitive distortions.
Archives of General Psychiatry, v. 9(4), pp. 324-333, out. 1963.
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242 Ergonomia ELSEVIER

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sidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
Capítulo

12 Análise Ergonômica
do Trabalho
Mario Cesar Vidal, Dr. Ing – PEP/COPPE/UFRJ

Conceitos apresentados
É introduzido o conceito de Análise Ergonômica do Trabalho (AET) e suas
origens na França. São apresentados os conceitos de situação de trabalho, carga de
trabalho, contrantes, estresses, trabalho prescrito e real. O capítulo termina com a
exposição minuciosa das fases da AET.

12.1. As origens da Análise Ergonômica do Trabalho


No período do pós-guerra surgiu uma outra vertente da Ergonomia, ensejada pe-
las necessidades da reconstrução do parque industrial europeu dizimado. No bojo de um
amplo pacto social, o projeto de reconstrução abria uma janela para o estudo de condi-
ções de trabalho, tendo como emblema a fábrica de automóveis Renault, que, dadas suas
características peculiares, tornar-se-ia um modelo da nova política industrial francesa. A
Renault é a primeira empresa francesa a criar um laboratório industrial voltado para a
Ergonomia. Essa segunda vertente deu origem à escola francesa, que tem como origem
uma questão própria: como conceber adequadamente os novos postos de trabalho a par-
tir do estudo da situação existente? Dessa preocupação nasceu, em 1949, com Suzanne
Pacaud, a análise da atividade em situação real, resgatada em 1955 por Obrendame e Fa-
verge como Análise do Trabalho. Esses autores preconizavam que o projeto de um posto
de trabalho deveria ser precedido por um estudo etnográfico da atividade e mostravam
o distanciamento entre as suposições iniciais e o auferido nas análises. A proposta foi
formalizada em 1966 por A. Wisner já como Análise Ergonômica do Trabalho (AET).
Segundo Wisner (1966), para se operar mudanças mais efetivas não bastava proje-
tar os postos apenas com base no conhecimento científico puro. Era necessário trabalhar
246 Ergonomia ELSEVIER

o contexto onde esse projeto se inseria, no sentido de assegurar a implementação correta


do estudo ergonômico e com isso obter seus resultados plenos. Do alto de seus vários
anos como responsável de Ergonomia na fábrica de automóveis Renault, Wisner colecio-
nou sucessos como os primeiros estudos antropométricos para o delineamento do cockpit
dos carros da Renault, e também alguns fracassos, como a rejeição do modelo matemá-
tico de massas suspensas, hoje plenamente adotado nos ensaios de colisão de veículos
com os bonecos humanoides. No primeiro caso, a inovação pode ser bem implantada,
já que era possível aceitar que projetistas trabalhassem com variáveis dimensionais, no
caso de dimensões do ser humano; no segundo caso não era possível para os engenheiros
industriais aceitar que um grupo de ergonomistas estivesse utilizando uma matemática
bastante mais avançada do que a praticada por eles.
A AET, tal como Wisner esquematizou naquele momento e nas circunstâncias
específicas de um laboratório industrial, visava à formulação dos fatores humanos em
termos inteligíveis pela engenharia, então o setor responsável pela concepção do produ-
to industrial. Surge a noção de recomendações ergonômicas para o projeto do produto
industrial. Como sublinha o próprio Wisner (1972):
(...) Pode-se afirmar sem temor que se o conteúdo dos manuais de Er-
gonomia fosse familiar aos projetistas, haveria uma singular melhoria das
condições de trabalho e de vida. Mas devemos admitir que esse conteúdo
tem necessidade de ser traduzido para ser útil e utilizável (prático). Essa
tradução ganharia valor sendo mais concreta (aplicada), porém, em certos
casos, deve tender a uma formulação mais genérica e adaptável a um nú-
mero mais amplo de situações.
Formalmente, a Análise Ergonômica do Trabalho se constituiu em um conjunto
estruturado e intercomplementar de análises situadas, de natureza global e sistemática,
sobre os determinantes da atividade das pessoas numa organização. Essas análises são
engendradas pelas demandas de que se originam as ações ergonômicas necessárias, que
buscam, já na fase inicial, definir a natureza do problema a partir dessa demanda, e
constituir-se-ão em referenciais úteis para a formulação de um diagnóstico. Assim, numa
primeira ordenação indicamos que os métodos e técnicas da Análise Ergonômica do Tra-
balho têm ao menos as seguintes características:
UÊ combinam técnicas de observação (anotação, fotografia e vídeo, esquemas) com
métodos de quantificação (mensurações, estatísticas e escrutínios) e procedimen-
tos interacionais (conversações, entrevistas abertas e fechadas e grupos de foco);
UÊ buscam combinar procedimentos de descrição (quadros, tabelas, gráficos e am-
bas), validação (restituição de resultados, autoconfrontações) e modelagem (plan-
tas, perspectivas, maquetes e simulações);
UÊ operam com variáveis quantitativas (quantidades, frequências, sequências) e qua-
litativas (contextos de ocorrências, singularidades, curiosidades anedóticas).
Capítulo 12 | Análise Ergonômica do Trabalho 247

Essas análises são engendradas pelas demandas de que se originam as ações ergo-
nômicas necessárias e permitem já na fase de esclarecimento inicial de demandas, definir
a natureza do problema. Os casos de que tratam as demandas podem ser de dois tipos
básicos:

)LJXUD2ÁX[RGD$QiOLVH(UJRQ{PLFDGR7UDEDOKR

UÊ casos simples, infelizmente raros, onde as análises convergem rapidamente para


uma síntese de recomendações que podem ser diretamente incorporadas nos pro-
jetos de transformação positiva da realidade de trabalho; e
UÊ casos complexos, os mais frequentes, onde as sínteses são obtidas mediante uma
série de esquematizações parciais e progressivamente focadas em aspectos da ati-
vidade de trabalho.
A partir dessa figura podemos conceituar a AET como um itinerário metódico,
ambientado e contextualizado, um edifício composto por quatro blocos, quais sejam:
UÊ as premissas – o conjunto de motivações para realização da AET numa empresa,
e que se materializam na sua demanda gerencial;
UÊ o fluxo principal de procedimentos – constituído das sete etapas subsequentes
entre a formulação global do problema e seu entendimento final por parte da
organização como um todo como resultante do trabalho da equipe de Ergonomia;
UÊ a documentação e registro – integrado pela massa de dados gerados e manusea-
dos pela equipe de Ergonomia ao longo da AET; e
UÊ o caderno de encargos, que é o resultado final da AET.
Essa é formulação que empregaremos neste capítulo para dar conta da AET. Cha-
mamos de metodologia ao itinerário metódico ambientado e contextualizado que, me-
diante uma série de métodos e técnicas, permitem ao profissional entender o objeto de
investigação e seu escopo de atuação para realizar a finalidade de sua disciplina de ação
sobre a realidade. Para o profissional que trabalha com Ergonomia, trata-se de entender a
relação da atividade de trabalho com seu contexto (ambiental, tecnológico e organizacio-
nal) e com isso propor as modificações necessárias para que se logre uma transformação
248 Ergonomia ELSEVIER

positiva. O itinerário da Ação ergonômica completa está ilustrado na Figura 12.2. Con-
vidamos o leitor para um passeio em cada uma das categorias da Análise Ergonômica do
Trabalho.

)LJXUD,WLQHUiULRGD$omR(UJRQ{PLFDFRPSOHWDGDSHWLomRjVROXomR

Fonte: Vidal (2003).

12.2. Conceitos básicos


Desenvolveremos nesta seção uma breve lista de conceitos básicos em análise er-
gonômica do trabalho. Um glossário mais completo está disponível em Vidal (2003).
Outros termos ainda serão desenvolvidos no Capítulo 24 deste livro.

12.2.1. Situação de trabalho


A análise ergonômica da atividade de trabalho repousa sobre a ideia de que exis-
ta uma construção permanente pelo operador de seus modos operatórios para atingir
Capítulo 12 | Análise Ergonômica do Trabalho 249

objetivos em condições socialmente determinadas, levando em conta um conjunto de


contrantes (ligados à situação e às características pessoais) e um conjunto de critérios de
desempenho. Como podemos visualizar na Figura 12.3, a atividade de trabalho é a con-
fluência entre as componentes pessoais, organizacionais e tecnológicos de um processo
de trabalho.

)LJXUD0RGHORVRFLRWpFQLFRGHVLWXDomRGHWUDEDOKR

Fonte: Vidal (1998).

A atividade humana num processo de produção resulta de uma interação entre


fatores externos ao operador como, por exemplo, normas, meios de trabalho, mobiliário
e fatores internos ao operador como seu estado orgânico, sua competência, sua perso-
nalidade. Definiremos uma situação de trabalho como sendo uma combinação singular
desses fatores internos e externos num dado contexto de produção. E acrescentaremos
que a Ergonomia entende que toda a atividade acontece numa situação a que se reporta e
se referencia a todo instante. Não há, dessa forma uma atividade abstrata, ideal, mas uma
atividade que ocorre num lugar definido, efetivada por uma dada pessoa, numa organi-
zação estabelecida, e assim por diante. Essa definição nos permite redefinir a atividade
de trabalho como sendo o conjunto de atos articulados do operador na sua situação de
trabalho.

12.2.2. Carga de trabalho


Em Ergonomia entendemos carga de trabalho como a resultante das exigências
sobre o indivíduo no decorrer de sua atividade de trabalho que pesam sobre o desem-
penho. Nesse sentido, uma atividade normal, bem dimensionada e coerente com as ca-
pacidades e limitações da pessoa não implica carga de trabalho. O conceito de carga de
trabalho permite raciocinar, mas se trata de algo de difícil mensuração mais objetiva. Na
verdade, a ideia de carga quer traduzir que a capacidade individual é um limitante sine
qua non para qualquer delineamento de produto ou de processo de trabalho.
250 Ergonomia ELSEVIER

Essa conjunção de solicitações pode causar na atividade uma série de repercus-


sões. Bloomfield (apud Petzhold, comunicação pessoal) propõe que a boa estruturação
da tarefa fará com que a capacidade pessoal se situe sempre acima das demandas do sis-
tema, ou seja, preservando-se da carga de trabalho. O papel da Ergonomia é exatamente
de fazer baixar as demandas do sistema e permitir uma melhoria do desempenho.
A carga de trabalho se erige num cruzamento entre dois pares de confrontações:
entre o operador e a tarefa constituindo um componente funcional ou sistêmico da
carga de trabalho, e entre o processo de trabalho e os riscos ergonômicos, constituindo
um componente ambiental ou contextual da carga de trabalho. Essas confrontações
são reguladas e gerenciadas em função da competência efetiva do operador (habilidades,
vocações, saber tácito e saber formal adquirido etc.). Todos esses componentes ou con-
tribuintes à carga de trabalho interessam ao ergonomista e é a sua otimização o aspecto
concreto da Ergonomia.

)LJXUD$FDUJDGHWUDEDOKRQXPDSHUVSHFWLYDGLQkPLFD

Fonte: Vidal e Petzhold (1998).

12.2.3. Estresses e contrantes


Numa situação ergonomicamente correta, a pessoa tem como gerenciar sua carga
de trabalho, isto é, deverá dispor dos meios para regular sua performance em função das
exigências que deverão se estabelecer em limites razoáveis. Uma situação inadequada do
ponto de vista ergonômico coloca uma série de obstáculos nessa governabilidade, fatores
que lhe são contrários, ou seja, contrantes.
A noção de contrante, proposta por Vidal em 1984, construindo um galicismo do
termo contrainte, de difícil tradução literal, reúne os sentidos imperfeitamente sinônimos
de restrição, obstáculo, dificuldade, constrangimento e incômodo. Nos textos de Ergo-
nomia em francês, as formas adjetivadas mais frequentes são: os contrantes temporais
(contrainte des temps), contrantes posturais (contraintes posturelles) e contrantes ambien-
tais (contraintes d’ambiance). Como conceito, significa tudo aquilo que na situação de
trabalho contraria a intenção do trabalhador em realizar sua tarefa da melhor maneira
Capítulo 12 | Análise Ergonômica do Trabalho 251

para si, respeitando os objetivos e exigências que constituem o aspecto prático do con-
trato de trabalho.
Trata-se de um jargão de ergonomistas que não deve ser usado indiscriminada-
mente já que permite uma sinonímia com expressões mais próximas do vocabulário
coloquial na empresa. Assim, as contrantes organizacionais podem ser expressas como
pressão; as contrantes posturais como constrangimentos; as contrantes ambientais como
carga (térmica), ou nível (de ruído, ou de iluminação). No campo cognitivo contrantes
podem ser ditas e entendidas como restrições.

Figura 12.5: Modelo de carga de trabalho

Fonte: De Moraes (1999), Vidal (2003).

A carga de trabalho inadequada está na origem dos problemas ergonômicos, seja


ela física, gerando a fadiga, cognitiva, induzindo a erros, ou organizacional, conduzindo
ao stress. A esse conjunto de repercussões da carga de trabalho chamaremos de estres-
ses. Tais estresses podem ser considerados como o efeito fisiológico e psicológico das
contrantes, a sua raiz anglo-saxã (strain) aproxima o conceito das noções de stress, mais
exatamente do eutress. Mais tecnicamente, definimos o estresse como o efeito na pessoa
da exposição aos contrantes (empecilhos e entraves) executando uma tarefa num pro-
cesso de trabalho.

12.2.4. Trabalho prescrito e trabalho real


A atividade de trabalho, como já ventilamos, é determinada socialmente pela or-
ganização do trabalho. Em situações diversas, como as linhas de montagem e certos es-
critórios, ela resulta de uma divisão do trabalho que separa de forma radical a concepção
do método de trabalho, especificado pela organização da execução da tarefa por meio
252 Ergonomia ELSEVIER

do modo operatório. Diferentes serviços da empresa definem, a priori, uma produção,


um trabalho e os meios para realizá-los: a um posto de trabalho, a um trabalhador, a um
grupo de trabalhadores serão atribuídas tarefas, ou seja, tipos, quantidades e qualidades
de produção por unidade de tempo, assim como os meios de trabalho para sua consecu-
ção (instrumentos de trabalho, máquinas, espaços). Esses parâmetros são determinados
a partir de regras, normas e avaliações empíricas. São elementos de previsão e, portanto,
teóricos.
É dessa concepção teórica do trabalho e dos meios de trabalho que aparece o que
chamamos de trabalho prescrito, ou seja, a maneira como o trabalho deve ser executado:
formas de utilizar as máquinas e demais instrumentos de trabalho, o tempo alocado a
cada operação, os modos operatórios e as normas operatórias.
A esse trabalho prescrito jamais corresponde o trabalho real, aquele que é efe-
tivamente executado pelo operador. A Ergonomia se interessa em compreender o dis-
tanciamento entre prescrição e realidade, porque isso provoca inadequação da carga de
trabalho: inadequações físicas se traduzindo por diversos problemas no posto de traba-
lho e no ambiente; inadequações cognitivas se traduzindo por dificuldades de raciocinar,
tomar decisões, executar os procedimentos corretamente; inadequações organizacionais
que implicarão na realização dos objetivos com baixa eficiência, às vezes sequer logrando
alcançá-los.
Tudo isso pesa sobre o operador e sobre a organização. A investigação do distan-
ciamento entre trabalho prescrito e trabalho real permite a elucidação de muitos pro-
blemas e é exatamente por isso que se constitui na principal categoria a ser empregada
no diagnóstico. O distanciamento entre prescrição e realidade é o grande problema, o
que levou a Ergonomia a estabelecer os conceitos de trabalho prescrito e trabalho real; o
primeiro simbolizando o desejo de que as tarefas correspondam ao processo de trabalho,
o segundo expressando a distância entre a vontade e os fatos. As definições e exigências
apresentadas ao trabalhador nem sempre correspondem ao possível naquela situação:
os motivos podem ser distintos, as exigências são quase sempre renegociadas (aberta
ou veladamente) e as condições olhadas e vistas mediante apreciações de circunstância.
A literatura contemporânea em Ergonomia é recheada de exemplos de situações
de distinção entre trabalho prescrito e trabalho real: caixas de supermercado que deve-
riam registrar os produtos e receber pagamento (tarefa prescrita), quando, na verdade,
carregam objetos, ajudam a ensacar, memorizam preços e códigos, controlam o estoque
de moedas e cédulas; situações de trabalho onde a exposição prescrita é considerada
aceitável quando a exposição real a um ambiente bem mais agressivo está na origem de
vários afastamentos; ou mesmo acidentes devido a atos inseguros (do ponto de vista do
trabalho prescrito) que na verdade são passagens necessárias do trabalho real. Mesmo
em situações bem formalizadas como as comunicações entre piloto e torre de controle,
Vidal e Moreira (2000) puderam evidenciar a existência de vários processos de conversa
à margem da fraseologia oficial.
Capítulo 12 | Análise Ergonômica do Trabalho 253

Trata-se de um potente conceito e, mais do que isso, uma passagem necessária em


qualquer trabalho de uma boa Ergonomia, pois traduz na prática a existência e a negação
da variabilidade nos processos de trabalho e nas formas de apropriação e uso de objetos.

12.2.5. Modo operatório


O modo operatório é a maneira como as atividades ou operações são executadas
para se atingir o resultado final desejado. Ele se configura a partir da prescrição de méto-
dos de trabalho quase sempre modificado pelos trabalhadores para enfrentar as diversas
variabilidades (Vidal, 1997). O modo operatório é, pois, o resultado da regulação, pelo
trabalhador, entre o que lhe é solicitado (tarefa), com que fazê-lo (meios de trabalho) e
como fazê-lo. Como nem sempre essa articulação acontece de forma perfeita, a atividade
se realiza mediante ajustes de comportamento e de procedimentos (regulação), daí resul-
tando o modo operatório.
O conceito de modo operatório, essencial na análise ergonômica do trabalho,
abrange a parte observável de um método de trabalho: os gestos executados, sua ordem
no tempo e no espaço. A principal crítica que hoje, se faz à visão taylorista do traba-
lho, é a redução da tarefa, que é um todo, ao modo operatório. Nessa redução, a tarefa
é exclusivamente caracterizada pelos movimentos, ignorando conceitualmente a parte
mental do trabalho. A dimensão cognitiva (o que é preciso saber para executar um de-
terminado movimento) e a tomada de decisão implícita do trabalho (numa determinada
circunstância qual a estratégia e a tática adotada pelo operador) são conteúdos essenciais
para se entender a atividade e, por meio dela, a real condição de trabalho. E que uma
análise puramente centrada em modos operatórios não permite capturar. Por outro lado,
na observação do trabalho real aparecem modos operatórios algumas vezes inusitados.
Há quem atribua a construção de modos operatórios a transgressões a procedi-
mentos estabelecidos, o que é um profundo equívoco. Procedimentos traduzem a ne-
cessidade de observar regras e preceitos para se assegurar a segurança em diversas ma-
nobras. Porém, quando o afã procedimental desce a detalhes de tempos e movimentos,
se estes não forem muito bem delineados como é muito comum acontecer, isso acarreta
problemas sérios em face dos objetivos de garantir conforto e segurança em combinação
com o desempenho eficiente, dentro de uma perspectiva de economia mais global.

12.3. Demanda gerencial: as premissas da AET


Como todo itinerário, a AET tem um ponto de partida e um ponto de chegada. A
partida é uma solicitação feita por uma área gerencial ou dirigente acerca de um proble-
ma de produção, de saúde no trabalho, de desempenho de um produto ou de eficácia
organizacional. Chamamos a isso demanda gerencial (DG), tentando com isso sublinhar
o fato de que se trata da versão que essa gerência tem para o problema.
254 Ergonomia ELSEVIER

A demanda gerencial (DG), em geral, é transmitida por um agente da organização


que trata com o problema – quase nunca com o dono desse problema. Uma organização
independentemente de sua forma mais hierarquizada ou matricial, tem essa conforma-
ção: os geradores de problemas e aqueles que arcam com seus ônus, via de regra não
pertencem à mesma área, algumas vezes sequer à mesma divisão. Para a equipe de Ergo-
nomia, esse é um verdadeiro drama, pois os encaminhamentos nos planos operacionais
nem sempre encontram respaldo nos níveis estratégicos e políticos das empresas, tanto
quanto as diretrizes da organização nem sempre são de fácil implementação na ponta
dos processos. Bem, a atividade de trabalho assim como o contexto onde ela acontece é
tributário de ambas as alçadas da empresa.
A análise ergonômica do trabalho se caracteriza, portanto, por dois tipos de
condução: junto aos agentes, aos operadores (condução microssituada) e junto aos
interlocutores responsáveis das mudanças na empresa (condução macrogerencial). A
demanda gerencial, aquela que é primariamente apresentada à equipe de Ergonomia,
em geral por um integrante do corpo gerencial, portanto, por um agente do nível táti-
co, não tem como não estar impregnada dessa nebulosidade, dado que o nível tático é
exatamente o que situa entre o nível estratégico e o nível operacional de uma empresa
(Capítulo 1).
A DG, dentro de suas nebulosidades e possíveis contradições, aporta para a equi-
pe de Ergonomia um teor de realidade que evite que a AET venha a se degenerar em
qualquer dos dois tipos de erros mencionados. Afinal, cabe à equipe de Ergonomia ba-
sicamente:
UÊ evidenciar a existência do distanciamento entre a prescrição e a realidade na em-
presa a partir da análise da atividade real de trabalho;
UÊ esclarecer os termos do debate que se estabelece para explicar esse fato e suas
razões;
UÊ substituir as representações existentes sobre as prescrições e as realidades opera-
cionais por outras modelagens que permitam tratar os problemas de forma mais
efetiva.
Uma consequência metodológica daí decorre: devido às características de condu-
ção concomitante da AET nos diversos planos da empresa, a equipe de Ergonomia se co-
necta com agentes dos vários níveis da empresa, isso podendo ocorrer em sequência num
mesmo dia de trabalho. Isso reforça a abordagem integrada em termos de observação e
interação. Mas atenção, tudo em Ergonomia se dá em duas direções: os agentes também
observam e interagem buscando apreender como a equipe de Ergonomia trabalha. Por-
tanto, é importante que tenhamos procedimentos a seguir durante todo o processo de
AET.
Capítulo 12 | Análise Ergonômica do Trabalho 255

12.4. Os procedimentos da AET


A realização da AET se faz por etapas e numa perspectiva de progressividade e de
seletividade. Assim se enquadram as análises do porque da demanda de uma AET na-
quela empresa, de sua população de trabalho, das estruturas de funcionamento daquela
organização e de descrições da atividade em situações características. Essas análises são
pontuadas por etapas de clarificação do problema, de focalização e escolha de situações,
de pré-diagnóstico, de diagnóstico, de restituição e de validação.
Dada a natureza diversa dessas diferentes etapas, o fluxo principal da metodologia
AET se divide em duas partes: a parte situacional e a parte analítica propriamente dita.
A parte situacional se compõe da instrução da demanda, no bojo da qual uma análise
global e uma apreciação ergonômica do processo é realizada, permitindo algumas indi-
cações de melhoria. A parte analítica compreende o processo de aprofundamento dessa
apreciação inicial e com vistas a uma modelagem da situação de trabalho (da atividade
de trabalho interagindo com o contexto de sua realização). Isso se faz em dois momen-
tos: em um estágio qualitativo apontando o que presumivelmente está à origem dos
problemas e em um estágio quantitativo onde essas indicações são avaliadas por meio da
mensuração sistematizada de alguns de seus aspectos observáveis.
Todo esse processo é ao mesmo tempo metódico – na medida em que é regido
por uma metodologia – e participativo – na medida em que o verdadeiro especialista da
situação de trabalho é o operador que ali exerce sua atividade profissional. Essa é uma
das bases da metodologia AET: a combinação entre método de encaminhar – propiciado
pela equipe de Ergonomia – e saber tácito sobre os problemas – ensejado pelos agentes.
De posse de uma demanda gerencial (ponto de partida) o primeiro passo é organizar, em
função da demanda gerencial (DG) um dispositivo metodológico, a construção social,
para trabalhar a DG.
A análise ergonômica do trabalho apenas começou! Com uma demanda gerencial
e uma construção social, devemos passar ao próximo passo, que é o de instruir a deman-
da.

12.4.1. A instrução da demanda


Tendo ficado claro que a AET é um processo cujo início é uma demanda geren-
cial, a que a equipe de Ergonomia responde organizando a construção social da ação
decorrente, o passo seguinte é passar desse estágio embrionário a um outro mais realista
e mais bem encaminhado. Considerando que numa empresa suas diversas gerências
podem exibir pontos de vista nem sempre convergentes e que a visão gerencial nem
sempre coincide com a visão do mesmo problema nos níveis estratégicos ou operacio-
nais, decorre, então, que precisamos estudar melhor essa colocação, ampliando o leque
de interlocutores, buscando mais informações no sentido de sabermos como tratar o
problema e estabelecer um estudo sistemático da atividade em situação real de trabalho
256 Ergonomia ELSEVIER

ajudando no equacionamento e no provimento de soluções ao problema expresso na


demanda gerencial. Se lograrmos esse passo adequadamente podemos formular o que
convencionaremos chamar de demanda ergonômica, aquilo em que a Ergonomia pode
contribuir para solucionar um problema de produção, de saúde no trabalho, de desem-
penho de um produto ou de eficácia organizacional. As demandas ergonômicas, como
veremos ao longo desta obra, na maioria das vezes, se constituem num outro modo de
olhar o problema e de encaminhar sua solução. Algumas vezes, porém, pode significar
uma mudança importante de foco e de objeto.
Convencionaremos chamar de instrução da demanda a essa passagem de uma
demanda gerencial nebulosa a uma demanda ergonômica mais precisa. Essa nebulosida-
de conduz a que muitas empresas não saibam corretamente o que estejam contratando
e aceitem propostas de serviço que não cobrem o escopo da contratação. O resultado
que isso produz não é a boa Ergonomia. A instrução da demanda é, pois, um procedi-
mento básico da AET que serve de moldura para qualquer forma de atuação a posteriori
da Ergonomia. Na verdade, a instrução da demanda permite clarificar as finalidades do
estudo ergonômico, objeto de um contrato que vincule o praticante de Ergonomia à
organização.
Essa etapa da AET pode variar de importância em cada caso. Muitas vezes, em
face da complexidade, existem empresas que estabelecem contrato exclusivamente para
a instrução da demanda na empresa, outras solicitam ajuda para especificar convites ou
redigir licitações. Seja como for, os objetivos dessa etapa metodológica são os de clarificar
a atuação do praticante de Ergonomia e por meio disso melhor caracterizar os resultados
da AET a serem disponibilizados num contrato.
Por exemplo, uma empresa nos contratou para ministrar um curso de Ergonomia
para seus funcionários graduados e atuantes no SESMT. Como é nossa praxe, fomos
tratar essa demanda junto aos proponentes, seus superiores e junto aos subordinados a
que tivemos acesso. A proposta inicial evoluiu para um programa de ação ergonômica,
composto não apenas no treinamento em conteúdos de atualização em Ergonomia – já
que os integrantes do grupo proposto já possuíam formação preliminar e já haviam de-
senvolvido algum trabalho em Ergonomia – mas, igualmente, em técnicas de gerencia-
mento da ação ergonômica, bem como de valorização interna dos feitos daquele grupo
(endomarketing). Num outro caso, fomos chamados com pompa e circunstância para
celebrar um contrato de análise ergonômica em toda uma fábrica de autopeças. Após
algumas reuniões com o corpo gerencial daquela empresa, e inclusive com seu diretor-
-presidente, ficou claro que aquele corpo gerencial se interessava por conhecer melhor
a ação ergonômica, mas não a ponto de iniciar um amplo programa em toda a unidade
industrial. Nesse caso, a pomposa demanda traduziu-se por um estudo em duas situa-
ções, de caráter demonstrativo e com a finalidade de remover hesitações e reticências de
partes da diretoria e corpo gerencial.
Capítulo 12 | Análise Ergonômica do Trabalho 257

Também é importante frisar que nem sempre a demanda ergonômica efetiva fica
totalmente clara no momento da contratação da equipe de Ergonomia, até mesmo por-
que o conhecimento sobre o que é a Ergonomia, quais suas reais potencialidades, e
que nos motivou a escrever uma outra obra anterior a esta, é ainda muito distorcido.
Numa contratação para realizar um projeto de layout e ambientação física de uma sala
de controle – o que significaria uma arquitetura de locais de trabalho relativamente sim-
ples – a demanda gerencial encerrava em seu bojo uma demanda de certificação, cuja
obscuridade esteve à origem de vários conflitos entre a equipe de projetistas e a empresa
contratante.
Ocorre que uma certificação exige um nível de detalhamento projetual bastan-
te mais aprofundado do que um projeto executivo de remanejamento de uma área de
trabalho. Assim sendo, a contratante solicitava os elementos de projeto de uma forma
considerada por demais meticulosa pelos projetistas, daí os conflitos. Esse status quo per-
durou até que numa das reuniões a demanda ergonômica aclarou-se e, a partir de então,
problemas foram superados e daí resultou um bom projeto.

Figura 12.6: Instrução da demanda

Esquematicamente, o processo de instrução da demanda se passa em instâncias


da empresa (deliberações), junto à equipe de Ergonomia (planos) e mediante atividades
conjuntas (reuniões). E se traduz por uma transformação da demanda inicial em uma
hierarquia de demandas ergonômicas naquela empresa, aí já tendo sido alcançado um
primeiro e importante efeito: a ampliação do significante Ergonomia naquela cultura
organizacional. Assim é que o primeiro passo para uma boa AET é tentar clarificar a
premissa. Essa parte situacional do fluxo principal é chamada de instrução da demanda.
Em suma, a instrução da demanda consiste em acertar os termos em que são
formulados os conteúdos das licitações, das cartas-convite, bem como o que se veicula
nos primeiros contatos da empresa com o praticante de Ergonomia. Esses contatos são
inevitavelmente confusos, e cabe ao profissional torná-los claros, para que possa cumprir
seu contrato em boas condições. Essa clarificação sempre é necessária, pois:
258 Ergonomia ELSEVIER

UÊ nas demandas trabalhistas, não basta ter em mãos uma notificação da auditoria
fiscal, pois esta, em geral, indica zonas de estudo e algum aspecto genérico a ser
especificado;
UÊ nas demandas de modernização, há que se discutir as premissas e finalidades
daquela modernização proposta, para que se estabeleça que tipo de Análise Ergo-
nômica do Trabalho seria cabível;
UÊ nas demandas de certificação, para se saber quais os enquadres normativos pre-
tendidos e qual o nível de exigências mandatárias estão assinalados pela auditoria
precedente.

12.4.2. Focalização: da demanda gerencial ao pré-diagnóstico


A segunda parte do fluxo principal se constitui num processo de ajuste focal e de
modelagem propriamente dita. O ajuste focal se inicia no momento em que o praticante
de Ergonomia se dá conta da impossibilidade de aprofundar a análise em todos os planos
e componentes de uma situação, em geral composta por mais de um posto de trabalho
de características não necessariamente similares. O primeiro passo é, pois, a focalização,
que resulta na escolha de processos-chave e nestes a atenção que se volta para suas ações
características.
Com esse recorte da ampla realidade com que se confrontara no início do estudo,
o praticante de Ergonomia poderá, agora, centrar-se em problemas mais bem localizados,
em atividades executadas por pessoas mais bem definidas e, com isso, avançar até que
possa formular uma lista de suspeitas do por que certas coisas estejam acontecendo e
quais as razões desse status quo. Nesse momento, se formula um pré-diagnóstico, uma
explicação ainda tímida, porém, com os germes do resultado final já nele contido.
O pré-diagnóstico pode ser obtido por uma fórmula textual, que aplicamos com
sucesso há mais dez anos com nossos alunos:
Na (Caracterizar a empresa), que atualmente (descrever o contexto global e
momento) nos foi solicitado tratar do seguinte problema (demanda geren-
cial). Objetivando essa demanda estabelecemos como tópico de interven-
ção (demanda ergonômica) para o que elegemos como foco (explicitar a situ-
ação escolhida) em função de (explicitar fundamentos e critérios).
Examinamos de forma ampla essa situação e concluímos provisoriamente
que aparentemente os aspecto causal A, aspecto causal B e aspecto causal C,
do problema que nos foi apresentado, que constatamos em nossas observa-
ções, conversas e análises de documentos nessa etapa da Análise Ergonômi-
ca do Trabalho, fazem com que os trabalhadores (descrever comportamentos
inusitados), o que, é bastante provável que explique o fato de ter acontecido
isto ou aquilo (impactos ou danos).
Capítulo 12 | Análise Ergonômica do Trabalho 259

Tendo em mãos, após uma análise global bem feita, todos esses elementos, é pos-
sível fazer um pré-diagnóstico e seguir para o próximo passo da análise ergonômica do
trabalho.

12.4.3. A modelagem operante


O passo seguinte é buscar comprovar esse diagnóstico mediante uma observação
sistemática, saindo o estudo do plano da apreciação para um contexto de avaliação, onde
caberão mensurações, inquéritos mais ou menos demorados, confrontando-se resultados
entre diferentes horas ou turnos, sob condições normais e perturbadas, enfim, tentando
captar a dinâmica da atividade na área em estudo. Com isso poder-se-á formular um
diagnóstico ergonômico.

Figura 12.7: Modelo operante de uma concretagem

A Figura 12.7 mostra um modelo operante de atividade de concretagem em cons-


trução. O modelo operante se constitui num esquema do funcionamento da atividade
real apoiado por croquis, estatísticas de demais descritivos quantitativos e qualitativos
que permitam sustentar as transformações e por que as coisas se passam de uma maneira
e não de outra. Com isso deve permitir refutar afirmações e pré-julgamentos acerca da
realidade do trabalho.

12.4.4. A validação e a restituição


Na boa Ergonomia nada se faz unicamente com base na percepção do praticante
de Ergonomia. A metodologia AET aponta uma etapa final de características mescladas
entre a ética e a técnica. O diagnóstico elaborado e consubstanciado no modelo operante
deverá passar por um crivo de veracidade junto ao pessoal da empresa em que foi ob-
servado, validando as observações e seus quantitativos e restituindo para o observado o
260 Ergonomia ELSEVIER

resultado da observação a que foi submetido. Se nesse procedimento de validação, em


suas confrontações (entre o modelado e sua apreciação pela equipe de Ergonomia) e
suas autoconfrontações (entre os observados e a modelagem de sua realidade de traba-
lho) colhem-se dados e ajustes bastante valiosos para concluir uma boa análise, e é bom
lembrar que a restituição tem forte conotação ética, pois aqui se fazem os acordos finais
sobre os teores do modelo operante. Quanto a este último aspecto, vale lembrar que nem
sempre cabe relatar ipsis litteris tudo o que se observa, mas apenas realçar o que seja ob-
jeto de transformações positivas, aí residindo a gênese das questões éticas que envolvam
a prática da AET.

12.5. Os resultados da AET: o caderno de encargos


Partindo de uma demanda gerencial quase sempre nebulosa, por meio de seu
fluxo principal e mediante procedimentos de coleta, registro e documentação de dados,
a Ergonomia chega a seus resultados. De acordo com a demanda real, eles podem ser de
três tipos: o laudo ergonômico, o relatório de intervenção e o caderno de especificações
ergonômicas.

12.5.1. O laudo ergonômico


Um laudo técnico, do ponto de vista previdenciário brasileiro, é o documento que
identifica, entre outras especificações, as condições ambientais de trabalho, o registro
dos agentes nocivos e a conclusão de que a exposição a estes seria ou não prejudicial
à saúde ou à integridade física. Um laudo ergonômico seria, nesse sentido, o atestado
da existência ou não de fatores de natureza ergonômica que causassem algum tipo de
impactação negativa.
O laudo ergonômico é frequentemente solicitado pelas empresas que tenham sido
recentemente notificadas pela DRT e buscam se justificar perante a fiscalização. È em
geral centrado nas impactações negativas sobre a saúde e a integridade física. Não nos
esqueçamos que a Ergonomia se pauta sobre o casamento dos critérios de saúde e de
produtividade.
A confecção de um laudo ergonômico, a rigor, requer que uma análise ergonômica
do setor ou área de trabalho tenha sido feita, mesmo que resulte de uma apreciação glo-
bal ou de uma verificação normativa, validada pelos operadores em sessão de restituição.
Essa sistemática é a mais elementar forma de AET e, portanto, o laudo é o seu resultado
mais simplificado, e que indica apenas uma aferição básica das condições de trabalho.
Em geral, os laudos são insuficientes para realizar transformações positivas e, por essa
razão, têm pouca força perante a fiscalização.
Capítulo 12 | Análise Ergonômica do Trabalho 261

12.5.2. O relatório de intervenção


O relatório de intervenção ergonômica se constitui num documento muito mais
elaborado que o laudo, por conter não apenas os constituintes do laudo, mas, igualmen-
te, a caracterização minuciosa do problema desde sua gênese até a modelagem operante
realizada, destacando-se a contextualização da empresa, os critérios de encaminhamento
adotados e a indicação geral de problemas suplementares observados e não tratados.
Por se tratar de uma documentação mais extensa e detalhada, os relatórios de
intervenção elencam todos os elementos necessários para as mudanças mediante a for-
mulação de recomendações precisas que possibilitam a elaboração das mudanças neces-
sárias para a otimização ergonômica da empresa.

12.5.3. O caderno de especificações ergonômicas


O caderno de especificações ergonômicas de uma situação de trabalho – tecnica-
mente denominado caderno de encargos – consiste no resultado maior da análise ergo-
nômica e pode ser entendido como a descrição e a caracterização do modelo operante da
situação de trabalho, analisada e formulada em termos inteligíveis para o demandante.
Em outros termos, trata-se de um relatório de intervenção acrescido da especificação das
mudanças em termos projetuais (plantas, memorial descritivo de obras, especificação
de compras, ordens de serviço e outros detalhamentos necessários). Nesse sentido o
caderno de encargos poderá requerer a participação de outras disciplinas para além da
Ergonomia.
Assim é que um caderno de encargos será extremamente útil para encaminhar as
mudanças nas interfaces físicas e perceptivas, que engendram posturas desequilibradas,
solicitações biomecânicas incompatíveis com as limitações do corpo e demais problemas
em um posto de trabalho a ser positivamente transformado. Ele servirá a um progra-
mador ou elaborador de um software, se for dotado de uma minuciosa descrição dos
processos cognitivos, das tomadas de decisão, dos parâmetros considerados, bem como
dos cálculos efetuados. Já numa demanda de remanejamento arquitetônico é bem mais
interessante que o modelo operante esteja plotado sobre um planta em escala, com os
detalhes construtivos bem caracterizados. Para uma demanda organizacional, a descrição
de fluxos e de responsabilidades será bem mais interessante do que a precisão milimé-
trica de aspectos antropométricos (que, obviamente, não deve ser eliminada, apenas
reduzida em importância relativa...).
Todo e qualquer projeto se encerra com sua documentação final: esquemas, plan-
tas, relatórios, planilhas e especificação de serviços. Para um projeto que envolva Ergo-
nomia, seja ele de um aporte da Ergonomia para uma construção de ambiente arquite-
tônico, tecnologia física, sistemas computacionais ou organizacionais, um bom caderno
de encargos é a documentação de base para essas concepções, bem como um manual de
referência para sua verificação e avaliação ad hoc.
262 Ergonomia ELSEVIER

12.6. Concluindo: uma metodologia ordenada


Por metodologia ordenada queremos significar que a AET se constitui num cami-
nho pautado por dados, possibilidades e opções. A panorâmica que aqui apresentamos,
numa forma deliberadamente didática, não deve conduzir o leitor a considerar que a
condução da AET seja trivial e isenta de certas dificuldades. Na verdade, todo o itinerário
é eivado de múltiplas possibilidades e alternativas de direções a tomar, de tentações a
se embrenhar por atalhos, alguns de excepcional ganho de tempo e recursos, a maioria
comprometendo seriamente a análise como um todo. Numa forma simplificada, é isso
que caracteriza uma complexidade: a frequente aparição de soluções alternativas distin-
tas no decorrer de um processo (é o que se chama de bifurcações) e a ausência de ele-
mentos para antecipar o futuro e, com isso, tomar a decisão mais adequada. Complexo,
pois, é o fato de termos mais de uma opção de encaminhar a análise e sem os elementos
para tomar a melhor decisão.
Nesse sentido, toda AET é um processo complexo e que é resolvido como com-
plexidade. O que significa que se combina o que se tenha de certo e conhecido num
dado momento com o que esteja incerto e a desvendar na sequência das ações. É dessa
maneira que se fala em AET como um método de investigação acerca da realidade la-
boral e não unicamente uma aplicação criteriosa de conhecimentos e dados acerca de
uma realidade de trabalho. Esse aspecto tem sua origem na singularidade das situações
de trabalho.
Naturalmente, a experiência conta, e muito, para o encaminhamento de uma AET
numa empresa X numa data Y. Mas todos os ergonomistas sabem que será necessário
examinar aquele contexto, colher opiniões e impressões, mesmo que se trate de algo
muito parecido. Recentemente, tivemos a possibilidade de executar um projeto de dois
ambientes de sala de controle de uma mesma empresa e com finalidades operacionais
inicialmente idênticas. Cada um desses ambientes, ao fazermos uma breve AET, se reves-
tiu de tamanhas particularidades que os projetos de layout têm muito menos coisas em
comum do que a forte analogia formal entre as situações sugeria.
Ocorre que a AET não busca a aplicação de uma modelagem pré-definida, como
nas aplicações de Pesquisa Operacional ou de Engenharia Clássica em geral. Ela é
conduzida ao longo de um processo de modelagens várias que são ordenadas evolu-
tivamente por essa simbiose entre conversas e esquemas. A AET é uma metodologia
abrangente, que comporta vários métodos adaptáveis a grupos de situações, que com-
preende famílias de técnicas para empregos específicos e se sustenta por instrumentos
focados, em geral desenvolvidos pela equipe de Ergonomia em face da singularidade
de cada intervenção.
Capítulo 12 | Análise Ergonômica do Trabalho 263

)LJXUD$OWHUQDWLYDVGHlayout de duas situações similares

O interessante desse procedimento é que seus resultados podem ser trabalhados


de outra forma, e servem como ponte e base cooperativa dos praticantes de Ergonomia
com os demais projetistas e membros da organização. A ação ergonômica requer uma
formação de uma estrutura de ação, produção e comissionamento junto à organização. É
a essa estrutura que as modelagens se reportam e é em face delas sua produção toma um
sentido útil, prático e aplicado.

12.7. Página escolar


Questões
1) O que vem a ser a Análise Ergonômica do Trabalho?
2) Quais as quatro propriedades da atividade de trabalho que a AET busca eviden-
ciar?
3) Qual a diferença entre a AET e outras metodologias de análise do trabalho?
4) Conceitue sinteticamente os cinco elementos de uma AET.
5) Quais os principais tipos de equívocos que uma equipe de Ergonomia pode come-
ter já na fase de análise das premissas? Cite um exemplo.
6) O que vem a ser uma modelagem operante e como se obtém um modelo operante
por meio de uma AET?
7) Comente a afirmação: o caderno de especificações ergonômicas deve ser um resul-
tado padronizado para toda e qualquer ação na empresa.
8) Pode-se dizer que Ergonomia e Análise Ergonômica do Trabalho sejam coisas dis-
tintas? Por quê?
9) Faça um esquema simplificado de planejamento de uma análise ergonômica numa
pequena loja comercial perto de sua casa.
264 Ergonomia ELSEVIER

10) Com uma máquina fotográfica, registre (se possível com uma câmara digital) uma
pessoa trabalhando assim que a avistar. Observe um pouco essa atividade e depois
de compreender um pouco, faça duas novas fotos. Compare as fotos iniciais com
as finais e faça um pequeno relatório.
11) Caso possível, mostre as fotos ao operador e converse com ele acerca dessas fotos
e de seu trabalho em geral. Reveja e corrija seu pequeno relatório.

Pesquisa na internet
Procure referencias sobre Análise Ergonômica do Trabalho na web. Se for um gru-
po, cada integrante poderá se dividir em buscar categorias como artigos, empresas que
prestam o serviço, definições etc.

Referências
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em Ergonomia Contemporânea. Rio de Janeiro: COPPE/UFRJ, 2000.
COSENDEY, F. C. Análise ergonômica do trabalho de aviação: contribuições para a quali-
dade do exercício da função. 2000. Tese (Mestrado em Engenharia) – Instituto Alberto
Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
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LAVILLE, A. et al. Elements de méthodologie d´analyse du travail. Paris: CNAM, 1977.
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OBRENDAMME, C.; FAVERGE, J. M. L´analyse du travail. Paris: PUF, 1955.
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VIDAL, M. C. Roteiro de análise ergonômica do trabalho. Apostila – Curso de Engenharia
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______. Introdução à Ergonomia. Apostila – Curso de Especialização Superior em Ergo-
nomia Contemporânea. Rio de Janeiro: COPPE,/UFRJ, 2000.
Capítulo 12 | Análise Ergonômica do Trabalho 265

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WISNER, A. Antropotecnologia: ferramenta de pesquisa ou charlatanismo? In: ______.
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______. Aspects psychologiques de l’antropotechnologie. Le Travail Humain, número
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Capítulo

13 Métodos alternativos
em análise ergonômica
Mario Cesar Vidal, Dr. Ing – PEP/COPPE/UFRJ

Conceitos apresentados
Neste capítulo trataremos de alguns métodos alternativos às formas canônicas
da Análise Ergonômica do Trabalho apresentada no capítulo precedente. Inicialmente,
apresentaremos o método de ação conversacional largamente empregado em estudos
e consultorias em Ergonomia. Em seguida, desenvolveremos o método de mapea-
mento SPM, ferramenta para estabelecimento de um mapeamento e quadro inicial de
Ergonomia na empresa. Em seguida é apresentada uma outra ferramenta, esta de mais
fácil manipulação, o EAMETA, que consiste numa forma participativa de avaliação
ergonômica. O capítulo se encerra coma sistemática MEROS, um passo a passo que
possibilita a realização de uma análise ergonômica global um pouco mais detalhada
do que as ferramentas precedentes.

13.1. Métodos alternativos?


Como vimos no capítulo anterior, a AET é uma metodologia, assim entendida
uma articulação de métodos, técnicas, instrumentos e ferramentas de acordo com uma
demanda particular e a natureza dos problemas que essa mesma demanda engendre.
O título deste capítulo sugere a possibilidade de acrescer à “valise” do profissional de
engenharia de produção envolvido com Ergonomia algumas alternativas técnicas que
sejam de mais fácil emprego para o atendimento da conformidade legal em Ergonomia
que preconiza a realização da Análise Ergonômica do Trabalho. Os métodos alternativos
que apresentaremos têm por finalidade reforçar a prática da AET ou mesmo ampliá-la
em algumas de suas etapas.
Capítulo 13 | Métodos alternativos em análise ergonômica 267

13.2. Ação conversacional


A conversa, em Ergonomia, não é um complemento, mas o principal condutor das
análises ergonômicas. Por conversa-ação nomeamos o método desenvolvido para realizar
produtivamente conversações produtivas em análise do trabalho.

13.2.1. Dinâmicas de conversação


O conjunto dos conceitos que regem a conversa-ação toma sentido no seu trans-
correr. Necessário, pois, é compreender essa dinâmica. Faremos isso em duas situações:
a conversa em modo estabilizado e em face de elementos contextuais imprevistos – a
conversa no caos.

a) Conversação na estabilidade

)LJXUD(WDSDVHUXPRVGHXPDFRQYHUVDDomR

O jogo conversacional aplicado à análise ergonômica do trabalho comporta três


etapas bem distintas: a abordagem, a negociação e os desfechos (Figura 13.1). A abor-
dagem é uma etapa de muitos cuidados, pois os interlocutores se colocam apenas nos
planos formais da interação. Regras como scripts, discursos-tipo ou outras formas podem
ser úteis para vencer essa fase de estrutura formal e que se processa num ambiente de
formalidade. Mais do que outras indicações, valem aqui as máximas de quantidade e
qualidade estabelecidas por Grice: informação suficiente, mas não mais do que o neces-
sário e não informar ou enunciar algo que não se possa sustentar. Isso porque é na fase
de abordagem que se anunciam os papéis iniciais, que se estabelecem as motivações de
partida e se mapeiam as primeiras posições no jogo conversacional que irá se desenvol-
ver. Em síntese, uma abordagem falha leva ao fracasso, uma abordagem correta apenas
abre caminhos e a boa abordagem apenas facilita a negociação interativa, próxima etapa
da conversação.
268 Ergonomia ELSEVIER

A negociação é o próprio enredo da conversação, uma vez que é seu acompa-


nhamento que irá permitir avançar ou recuar, ajustar um plano possível de conversa
e, inclusive, estimar um tempo de duração complementar ou suplementar. Trata-se do
processo de constante avaliação dos efeitos produzidos no parceiro, estando no lugar de
quem fala ou estando no lugar de quem escuta. Desse processo decorre o desfecho da
interação. Esses desfechos poderão ser totalmente improdutivos (casos que chamaremos
de fracassos), temporariamente improdutivos (impasses) ou gerar algum resultado que
se possa considerar positivo (produção).
Se for possível governar o encaminhamento da conversa-ação, será necessário que
o agente encaminhador possa conduzir, a cada momento, o andamento da interação para
tomar decisões à quente de como encaminhar o processo em curso.

b) Conversando no caos
Como conversar sobre algo, permitindo-se descobrir fatos novos ao mesmo tem-
po que se busca confirmar hipóteses e/ou suspeitas já articuladas? A indicação metodoló-
gica é a de que o ergonomista se “deixe levar” até certo ponto, no sentido de descobrir e
de permitir eclosões discursivas ao longo da conversa, mas sem perder a governabilidade.
Para fazer isso, o ergonomista não pode perder de vista o objetivo de sua ação e o mo-
mento desta. Na instrução da demanda, parte-se de uma demanda genérica ou de uma
solicitação nebulosa. O problema metodológico, aqui, é o de saber encetar a conversa
precavendo-se da total perda de controle sobre o devir da conversa. A aproximação ini-
cial deve ser extremamente cuidadosa, pois, tal como no jogo de xadrez, erros de aber-
tura levam a derrotas inevitáveis. No jogo comportamental da conversa-ação, o risco
de que a busca de uma empatia descuidada leve a assuntos agradáveis, porém pouco
producentes é real!
A pragmática de conversação deve ser a do oportunismo cuidadoso, ou seja, estimu-
lar um assunto, quando ele surge, sem forçar esse surgimento, tampouco insistir caso se
perceba alguma hesitação da parte do interlocutor. Da mesma forma, deve-se adotar uma
atitude tolerante na interação acerca de assuntos aparentemente desinteressantes, já que
o fluxo da conversação é, por definição, desconhecido. Chamamos a essa configuração
de duas por cinco, simbolizando, metaforicamente, que se deva estar preparado para em
duas horas de conversa obter-se cinco minutos de informação relevante.

13.2.2. Roteiros dinâmicos


Os Roteiros Dinâmicos são uma solução intermediária entre a entrevista estrutu-
rada e a conversa puramente informal. Eles consistem em uma lista com as dúvidas e
principais questões a serem encaminhadas na conversa com operadores. Devem conter
poucos itens, pois são apenas instrumentos utilizados no sentido de facilitar uma “con-
Capítulo 13 | Métodos alternativos em análise ergonômica 269

versa com finalidade”. O roteiro não é peça de interrogatório, apenas deve permitir am-
pliar e aprofundar a comunicação entre ergonomistas e trabalhadores. O roteiro deve ser
memorizado para se diferenciar de uma enquete ou entrevista convencional. As pessoas
gostam de conversa sem prancheta ou caderno, ao menos no início.
A diferença entre roteiros dinâmicos e entrevistas estruturadas consiste na subs-
tituição das perguntas por temas, os quais os entrevistados serão estimulados a abordar.
Dessa forma, a enunciação interrogativa – o que é isso, como se faz aquilo – deve ser
substituída por frases afirmativas e incitadoras – fale sobre isso, descreva aquilo outro, e
assim por diante. Outra distinção importante é que apenas o propósito geral da interação
é colocado, omitindo-se subtemas. Todos os temas e subtemas imaginados – e que de-
vem ser memorizados pelos entrevistadores – são, em geral, abordados pelos interlocuto-
res, mas não necessariamente na ordem em que se estruturou o roteiro. Finalmente, um
conteúdo de conversa não prevista poderá ser agregado ao roteiro inicialmente delineado
aqui, consistindo a maior vantagem desse método, capaz de incorporar novos elementos
em curso de processos, correspondendo a um algoritmo genético.

a) Preceitos metodológicos em roteirização dinâmica


A recomendação do uso de roteiros dinâmicos está no rigor metodológico a ser
empregado: cada coleta de dados roteirizada deve ser feita por ao menos duas pessoas
que, posteriormente, confrontarão seus dados. Para tanto, deve ser observado o preceito
de construção de relatórios, que consiste no seguinte:
a) Cada observador aplica o roteiro, sendo essa observação transcrita no mesmo dia
da observação (relatório à quente ou hot report).
b) O relatório à quente individual é revisto pela pessoa no dia seguinte.
c) No segundo dia subsequente, os relatórios são confrontados em reunião nominal
(onde cada item é inventariado e não se admite discutir o dado de cada um). Ao
cabo do inventário é feita uma consolidação e a observação é dada como encerra-
da, gerando-se um documento de trabalho.
d) No caso de algum dos observadores haver acrescentado um novo campo ao rotei-
ro, caberá a este realizar uma pequena nota técnica justificativa.
e) Não há um numero definido de relatórios conclusivos a obter mediante esse mé-
todo. No entanto, o bom-senso recomenda que esse número seja superior a três
(efeito barbeador).

b) Escolhendo interlocutores e o modo de falar


Além de questões de regras de conduta do conversante, o roteiro de conversa
antecipa um mapa de interações desejadas, ou seja, tentando localizar interlocutores
privilegiados e antecipar suas características. Essa escolha deve ser lógica, distribuída,
simétrica e reflexiva.
270 Ergonomia ELSEVIER

Numa acepção puramente técnica, a escolha de interlocutores tem uma lógica


e deve advir dos primeiros passos de análise global, quando um mapa do fluxo de
material ou de informações localiza interlocutores privilegiados, geralmente postados
em postos-chave. Vidal (1985) centrou o estudo do trabalho em construção sobre o
coletivo de pedreiros no sentido de que era nesse grupo de oficiais que se realiza a
máxima centralidade do processo construtivo; num outro estudo, Feitosa (1995) se
centrou na funcionária do protocolo para analisar os escritos administrativos numa
organização universitária.
A segunda questão é o status hierárquico dos interlocutores. O método recomenda
que essa escolha seja tão distribuída quanto possível, ao longo dos níveis da organização.
Nesse caso, a escolha recai em pessoas que, de diferentes pontos de vista e de lugares hie-
rárquicos diferenciados, podem evocar a atividade já devidamente observada e em face
da qual poderão ser autoconfrontados numa análise sistemática. Uma técnica simples
daí derivada é coletar propósitos verbais (descrições da atividade por agentes que dela
participem) de, por exemplo, um chefe e dois subordinados. As falas oriundas de atores
diferenciados são frequentemente complementares e não necessariamente conflitantes. A
possibilidade dessa escolha é a própria medida do grau de liberdade existente na ação e
seu próprio exercício já ajuda a entender o contexto da empresa. Em muitas passagens,
a possibilidade de conversar é colocada em extrema dificuldade ou usada como recurso
de boicote à ação ergonômica.
O último item é a conversa guiada por fatos de identidade, nisso residindo uma
terceira fonte de escolha de interlocução. A empatia criada pelo fato de a identidade
como facilitador da conversa é efetiva (engenheiros com engenheiros, arquitetos com
projetistas, identidades de gênero, e assim por diante). A reflexividade na interação
orientada significa a percepção de atributos de cada interlocutor numa interação e a
busca de atributos comuns facilitadores para o jogo conversacional.

c) Relatórios à quente
O método de roteirização dinâmica repousa sobre um imperativo: a produção
de relatórios à quente. Logo após uma visita ou sessão de observação, cada membro da
equipe deve fazer um relatório imediato, mesmo escrito em folha de caderno, onde de-
verá elencar os tópicos relativos às percepções que teve nas conversas. O conjunto dos
relatórios individuais será em seguida comentado pela equipe assim reunida. Essa forma
de “debriefing” é fundamental para que a sessão produza bons resultados. Sua ausência
compromete bastante o encaminhamento posterior da AET.
Capítulo 13 | Métodos alternativos em análise ergonômica 271

O relatório instantâneo e individual de observação e interações que cada pessoa


da equipe de Ergonomia deve produzir precisa conter aspecto descritivo (documentação
visual e pictórica do processo de trabalho), mas, também, coleta de propósitos verbais
hierarquizados, ou seja, assinalando a posição hierárquica do interlocutor o mais cui-
dadosamente possível numa primeira abordagem. Os relatórios à quente são elementos
muito importantes na AET, uma vez que se constituem nas referências primárias de um
processo interativo.

d) Relatórios à frio
Os relatórios à frio, também chamados relatórios conclusivos de visita, são obti-
dos mediante o esforço de “passar a limpo coletivamente” os diversos relatórios à quente.
Preparados esses relatórios individuais à quente, a equipe deve se reunir para compar-
tilhar as descrições ali sumariadas. Isso permite uma interação específica entre a equipe
rever o processo observado e acrescentar algum detalhe omitido no relatório à quente (o
que acontece com razoável frequência). Assim procedendo, um relatório conclusivo des-
sa ida a campo – escrito único convergente do trabalho em equipe – pode ser elaborado
sob forma inicialmente monográfica.
Os relatórios conclusivos de cada visita devem se tornar a prática corrente da
equipe, e o tempo entre a visita e sua confecção operacional não deve ultrapassar dois
dias entre um e outro evento. Para isso concorre o aprofundamento conceitual e a maior
clareza nas questões básicas da intervenção ou da pesquisa. Lembrando ser este o objeti-
vo maior da instrução da demanda, entendemos que os relatórios conclusivos são peças
fundamentais para o avanço da ação ergonômica nessa etapa da metodologia. Por outro
lado, os relatórios de ação ergonômica, em geral, servem-se largamente de trechos intei-
ros desses relatórios conclusivos.

13.2.3. Matrizes de interações


Como ordenar e sistematizar a diversidade de resultados obtida numa conversa-
ação? O método acresce mais um elemento que são as matrizes de interações que permi-
tem guardar e sistematizar o resultado das interações. Essas matrizes se dividem em pelo
menos quatro tipos de construções:
UÊ as matrizes de características;
UÊ as matrizes de observação;
UÊ a matriz de inclusão de comentários; e
UÊ o quadro de pontos fortes.
272 Ergonomia ELSEVIER

Figura 13.2: A formação de matrizes de inclusão

A primeira construção é a matriz de características técnicas dos locais onde se dá


a ação ergonômica. Essa construção, em geral, busca subdividir a realidade técnica em
três grandes categorias: Equipamentos, Organização e Sistemas. Procura-se toda a do-
cumentação e registro existente sobre esses materiais e procedimentos vigentes na área
em estudo. Essa própria busca já se estabelece de forma internacional. Nunca deve ser
solicitada por escrito ou mediante carta ou correio eletrônico, mas sempre de forma pre-
sencial e por meio do encarregado setorial, pois é a grande oportunidade para explicar a
intervenção a essa(s) pessoa(s).
A segunda construção, a matriz de observação, é própria da equipe de Ergonomia
e consiste em enriquecer essa primeira categorização com elementos oriundos da ob-
servação da área. É uma oportunidade de acrescentar detalhes que porventura estejam
omissos na documentação técnica existente, completar o caderno de procedimentos e
outras tantas possibilidades. Essa observação corresponde à análise global e deve ser
conduzida nesse nível de abrangência
A terceira construção é onde a conversa-ação é mais requerida. Podemos dizer que
os passos anteriores preparam o contexto para a prática de interações orientadas, assim
como à equipe, para a escuta respeitosa e elucidativa. Um resumo esquemático das fases
anteriores é de suma importância nesse momento da análise ergonômica. A obtenção da
matriz de inclusão de comentários obter-se-á em dois momentos subsequentes: (i) a con-
versa acerca dos equipamentos, dos sistemas e da organização (sempre nessa ordem); e
(ii) o registro adequado dessa conversa. No primeiro momento, busca-se deixar que cada
Capítulo 13 | Métodos alternativos em análise ergonômica 273

agente descreva a seu modo, com suas palavras e abrangendo o que julgar importante
para caracterizar seu trabalho. Esses comentários iniciais são, no segundo momento,
sistematizados pela equipe, que produzirá uma matriz de comentários. A existência de
lacunas, de vazios, de falta de referências a aspectos que a equipe observou serem impor-
tantes é essencial, pois é a partir daí que se constrói a etapa posterior da análise. É muito
importante assinalar que, para a Ergonomia, não se considera essas omissões como erro,
má vontade ou incompetência, mas sim como não ditos. E trata-se de entender porque
alguma coisa importante teria sido deixada de lado na autodescrição de seu trabalho pelo
próprio agente.
É essa a finalidade da matriz de inclusão de comentários. Os comentários con-
frontados pela equipe de Ergonomia às características técnicas e às observações ensejam
tanto observações complementares como conversas suplementares para se formar o qua-
dro ergonômico da área sob estudo. Em alguns casos, esse procedimento já permite à
equipe certificar-se de umas tantas coisas, consistindo, pois, numa primeira validação da
análise ergonômica do trabalho. Nem sempre isso acontece, portanto, o mais prudente é
admitir que aqui se conseguiu mapear de forma mais ou menos satisfatória as questões
ergonômicas presentes. E é o que é necessário para encerrar essa fase e partir para a re-
construção da demanda.

13.3. SPM
A partir da ideia de matrizes de inclusão emerge uma outra ferramenta, o SPM,
acrônimo retirado da sequência Situação, Problema e Melhoria. Essa ferramenta é em-
pregada quando se trata de fazer um quadro de uma vasta área onde se quer fazer um
amplo levantamento que chamamos de Mapeamento ergonômico (ergonomic screening).
A ideia básica de um mapeamento é levantar um elenco de problemas em cada situação
de trabalho de uma área ou setor e posteriormente tratar esses dados de forma semelhan-
te a uma Matriz de inclusão.
O SPM foi desenvolvido para propiciar uma resposta rápida em situações que
até o presente tiveram pouca ou nenhuma contemplação de aspectos ergonômicos no
planejamento e execução de suas atividades e processos de trabalho. Nessa acepção,
é uma sistemática orientada para a produção de laudos ergonômicos sobre o estado
atual de um processo de trabalho, abrangendo todo um setor, segmento ou área de uma
empresa. Como ambição poderíamos caracterizar o SPM como uma ferramenta de ação
ergonômica. A motivação da avaliação SPM, por seu turno, pauta-se pela ausência de
orientação a um problema específico, queixa qualificada e situação bem delimitada, mas
isso sem que se perca o direcionamento para as transformações positivas e sem descartar
a possibilidade de uma apreciação onde caibam variantes diversas da AET.
274 Ergonomia ELSEVIER

Essa avaliação se estrutura em torno de três elementos centrais, quais sejam:


Situação, Problemas e Melhorias conforme nos ilustra o Quadro 1. Assim é que o SPM
propicia um diagnóstico ergonômico rápido de locais de trabalho consistindo das se-
guintes rubricas:
UÊ Caracterização: descrição do lugar de trabalho, com ilustração fotográfica elu-
cidativa ou esquema explicativo básico (quando se trata de ênfase cognitiva ou
organizacional de difícil caracterização fotográfica).
UÊ Impacto: destaque dos problemas existentes no lugar de trabalho e que prejudi-
cam o bom andamento da atividade. Podem ser pontos de perturbação ou descon-
forto (estabelecido por nossa expertise), desconformidade (no caso da existência
de padrões locais) ou resultados indesejados de naturezas diversas.
UÊ Enquadramento legal e normativo: correlação entre os impactos, seus aspectos
e a conformidade legal e normativa a que se referem.
UÊ Aspecto ou causa-raiz: caracterização causal dos impactos, assinalando preferen-
cialmente causas-raízes dos impactos assinalados.
UÊ "«œÀÌ՘ˆ`>`iÊ`iʓi…œÀˆ>: indicação de supressão, controle ou atenuação de
fatores causais. Em certos casos, pode vir acompanhado de um desenho de con-
ceito de solução.
UÊ Justificativa: explicação argumentativa acerca da razão de ser da oportunidade de
melhoria, da pertinência de soluções apontadas. Eventualmente pode ser acom-
panhada de uma análise de custo-benefício.
A obtenção de um diagnóstico ergonômico de locais mediante essa sistemática im-
plica um conjunto de visitas técnicas aos locais, entrevistas com os funcionários, exame
da documentação existente sobre os locais a serem diagnosticados.
Como elementos adicionais, vale mencionar que a sistemática SPM é fortemente
dependente do grau de expertise daqueles que manuseiam a ferramenta tal como um
pincel nas mãos de um pintor, ou um cinzel na mão do escultor. Em nossa prática, a
aplicação da ferramenta subentende dois contextos de aplicação que atuam de forma
integrada: o contexto de campo, formado pelos analistas e os operadores e o contexto
de retaguarda, formado por verificadores, entre os quais o coordenador de equipe, em
geral um ergonomista com alto grau de expertise. Nesse sentido, podemos adiantar que
a verificação dos dados de campo pela retaguarda possibilita acrescer certo número de
inadequações ad hoc, variando em função da distribuição de expertise na equipe como
um todo.
Vale ainda acrescentar que todo o processo se estrutura com forte embasamento
nas habilidades facilitadoras e na prática da ação conversacional, onde a expressão do
trabalhador sobre suas condições de trabalho se constitui na principal diretiva da coleta
de dados, com todas as vantagens e problemas que isso implica.
Capítulo 13 | Métodos alternativos em análise ergonômica 275

A figura consiste num exemplo da aplicação da ferramenta SPM, com suas tópicas.
Descrição: atividade de armazenagem, despacho e devolução de ferramentas que
são utilizadas no canteiro.
Impacto: possibilidade de lesões nos membros superiores devido à altura da ban-
cada em relação à retirada de ferramentas e/ou equipamentos.

)LJXUD D 3UDWHOHLUDDOWDSDUDGHSyVLWRGHHTXLSDPHQWRVSHVDGRV
E 7DPSRGHEDQFDGDSHTXHQRSDUDGHVSDFKRGHPDWHULDLVHHTXLSDPHQWRV

Aspecto: bancada com tampo pequeno. A diferença de nível existente entre o piso
interno (mais alto) e o externo (mais baixo), resulta em um esforço maior do trabalhador
no ato de recebimento do material.
"«œÀÌ՘ˆ`>`iÊ`iʓi…œÀˆ>: disponibilizar a bancada com dimensões adequadas
e com altura menor, colocação de um tablado no lado externo do setor.
Justificativa: facilitar o recebimento de material, resultando em um esforço físi-
co menor para o trabalhador tanto para retirada como para devolução de material e/ou
equipamento.
Enquadramento Legal – NR 17 Ergonomia: 17.1. Esta Norma Regulamen-
tadora visa a estabelecer parâmetros que permitam a adaptação das condições de tra-
balho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar
um máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente; 17.2. Levantamento,
transporte e descarga individual de materiais; 17.2.1.1. Transporte manual de cargas
designa todo transporte no qual o peso da carga é suportado inteiramente por um só
trabalhador, compreendendo o levantamento e a deposição da carga; 17.2.2. Não de-
verá ser exigido nem admitido o transporte manual de cargas, por um trabalhador cujo
peso seja suscetível de comprometer sua saúde ou sua segurança; NR 18 – 18.1.1. Essa
Norma Regulamentadora – NR estabelece diretrizes de ordem administrativa, de pla-
nejamento e de organização, que objetivam a implementação de medidas de controle
e sistemas preventivos de segurança nos processos, nas condições e no meio ambiente
de trabalho na Indústria da Construção.
276 Ergonomia ELSEVIER

Na Figura 13.3 vemos como funciona a ferramenta. Obviamente, a partir das


contribuições dos analistas e dos operadores podem surgir outros temas tanto para
mapeamento como para aprofundamento. Por exemplo, a foto (b) pode sugerir com
impacto a organização dos equipamentos nas prateleiras, o que caracterizaria um as-
pecto de natureza organizacional, o que remete a uma situação de mapeamento de
classe B, pois tanto podemos assinalar a inadequação dessa forma como remeter a uma
investigação acerca da lógica de armazenamento. Por outro lado, poderíamos nos in-
terrogar sobre o tempo de atendimento de um pedido de material como uma variável
importante no bom desempenho desse setor, o que engendraria a necessidade de um
exame cognitivo, para o que a simples mapeamento é evidentemente insuficiente e,
assim sendo estaríamos diante de uma situação de trabalho apresentando maior grau
de complexidade.
Três temas cabem na discussão da aplicação dessa ferramenta, quais sejam, a via-
bilização de uma ação ergonômica em curto espaço de tempo, a aparente priorização
de aspectos físicos e a questão do plano de ação. Efetivamente a ferramenta possibilita
uma ação ergonômica em curto espaço de tempo, por poder muito rapidamente resumir
alguns resultados e formar uma matriz de características ou mesmo de inclusão, possi-
bilitando a extração de um quadro. O teor desse quadro não é definido pela ferramenta
em si, mas pelas condições de sua aplicação (urgência, quadros contratuais, expertise do
aplicador etc.).
A aparente priorização de aspectos físicos decorre do primeiro ponto discutido.
A maior prevalência dos aspectos físicos não ocorre porque assim dirigimos nossas ano-
tações ou tendencionássemos nossa escuta. Se assim ocorre é porque esse tema é mais
inteligível pelo contratante. O esforço de ação ergonômica é o de movimentar as decisões
relativas ao trabalho em direção à consideração da Ergonomia e suas contribuições. Me-
nos do que atentar para a prevalência, é importante verficar que buscamos não deixar de
apontar impactos e oportunidades nos campos cognitivo e, sobretudo, organizacional.
Como sustenta o Ministério do Trabalho, e com o qual comungamos, a inclusão da orga-
nização do trabalho dentro do que se entende por condições de trabalho é o avanço mais
significativo da atual redação da NR 17. Lembremos as lições do mestre Alain Wisner,
que não se cansava de dizer que a organização do trabalho é a fronteira mal guardada
da Ergonomia, o que pode significar tanto que a Ergonomia se torne uma disciplina do
campo das ciências da organização como a Ergonomia possa “invadir e colonizar” essa
seara da engenharia de produção, opção que nos parece mais simpática.
Finalmente, a ferramenta apresenta uma real possibilidade de formatar um plano
de ação, Como ilustração final apresentamos um excerto do plano de ação formulado
para essa construtora a partir da aplicação da ferramenta SPM, com base no número de
enquadramentos normativos assinalados.
Capítulo 13 | Métodos alternativos em análise ergonômica 277

Quadro 13.1 – Excerto do plano de ação para um canteiro de obras

Setor Impactos Aspectos Oportunidades de Enquadramento


melhoria Normativo
Central Ferragens dispostas Localização das Estudar melhor NR.17.1.1;
de armação no solo implicando ferragens: encontram-se adequação do NR 17.6.1;
risco de incidentes e conturbando a área layout. NR 18.1.1;
acidentes. de circulação entre as NR18.24.2;
bancadas. NR18.29.1;
NBR 9050;
Central Favorecimento de As posturas forçadas Adequação NR 17.1;
de carpintaria fadiga muscular, se devem à altura das antropométrica da NR 17.3;
queixas de dores e bancada. altura da bancada. NR 17.3.2;
risco de lesão. NR 18.1.1;
NR 18.8.1;
Lote 04 Desorganização da Ausência de Organizar as NR.17.1.1;
iUHDGLÀFXOGDGHGH organização quanto ferragens de NR17.6.1;
acesso às ferragens. à disposição da acordo com NR 17.6.2;
armazenagem das sua ordem de NBR 9050;
ferragens. utilização.

Vários métodos de priorização podem ser aplicados a um mapeamento SPM. Em


alguns casos, pode-se empregar uma classificação ABC ou Matriz de GUT para estabele-
cer uma priorização. O importante a frisar é que esses dados existam para que o planeja-
mento possa ser feito. Portanto, encerramos o tópico com a ferramenta SPM sintetizada
no seguinte passo a passo:
1) Examinar o ambiente e a atividade, localizando e caracterizando a situação e os
impactos relevantes.
2) Anotar desconformidade aparente.
3) Conversar com a pessoa observada.
4) Fotografar o posto com destaque ao(s) impacto(s) vistos e sugeridos pelo operta-
dor.
5) Estudar a Norma ou Padrão de Ergonomia para estabelecer aspectos.
6) Elaborar minirrelatório (Ficha de desconformidade).

13.4. EAMETA
A ferramenta EAMETA nasceu da aplicação dos princípios de Análise Ergonômi-
ca onde se cotejaram os temas constantes na NR 17 (Espaço, Ambiente, Mobiliário e
Equipamentos), combinando-os com uma apreciação do processo de trabalho por meio
da confrontação entre Tarefa e Atividade. A ferramenta tem várias aplicações; ela serve
como taxonomia normativa básica para classificar os diferentes componentes de uma
situação de trabalho, ela premite separar os teores da conversas por tema, e pode se con-
verter em uma ferramenta de priorzação e de focalização de problemas específicos de um
dado sistema de trabalho.
278 Ergonomia ELSEVIER

Os primeiros campos E,A,M e E são objetos de uma avalição prévia do obser-


vador, ao que se segue uma conversa com o operador que avalia os mesmos aspectos,
ambos atribuindo notas de 1 a 10. Ambas as listas são confrontadas, assinalando-se as
convergências e divergências.

4XDGUR²$WULEXWRV($0(7$

# ( A M (
(VSDoR Ambiente Mobiliário (TXLSDPHQWRV
1 /HLDXWH /X] %DQFDGDV )HUUDPHQWDV
2 3pGLUHLWR 5XtGR &DGHLUDH%DQFR $FHVVyULRV
3 &LUFXODomR 7HPSHUDWXUD $UPiULRV 0RWRUHV
4 ÉUHDGR3RVWR 9LEUDomR *DYHWHLURV 0RQLWRUHVDisplays
5 -DQHODV 2GRUHV $UTXLYRV 7HFODGRVHMouses
5 'LYLVyULDV 3RHLUDV 4XDGURV ,PSUHVVRUD
7 +DUPRQLD &RUHV /L[HLUDV 7HOHIRQH5iGLR
8 9LVLELOLGDGH 9HQWLODomR &DELGHV 0DQHMRV
 6LQDOL]DomR +XPDQL]DomRH%HOH]D $FHVVyULRV &RQWUROHV$FLRQDGRUHV

Para efeito de valoração, o critério básico é a nota atribuída pelo operador, que
balizará se o observador superestimou ou subestimou um fator. No entanto, indepen-
dentemente da convergência, divergência ou consenso, a ideia é que cada avaliação seja
motivo de uma rápida conversa, cujo teor é parte da análise. Tais conversas deverão ser
tabuladas em matriz de inclusão.
Em seguida se passa à fase de conversação acerca da tarefa e da atividade. Tais
conversas têm o seguinte roteiro:

Ao líder de área/gerente/facilitador Ao operador


² 2TXHVHID]DTXL" ² 2TXHYRFrGHYHID]HU"
² 4XHPFXLGDGHTXr" ² 4XDOpRVHXWUDEDOKR"
² 2TXHHVSHUDGHFDGDXP" ² 4XHWDUHIDVYRFrGHVHPSHQKD"

As conversas com o líder de área e o operador devem ser feitas separadamente,


e nessa ordem, preferivelmente. Juntamente com cada operador é feito um fluxograma
das tarefas descritas. Assim se tem uma ideia da tarefa tal como o supervisor espera que
seja feita – e isso traduz a visão da gerência – e uma caracterização de como o operador
a percebe, consubstanciada pelos fluxogramas.
Com isso, passa-se à conversação acerca da atividade, esta exclusivamente feita
com o operador. È solicitada a descrição da realização de uma a três tarefas típicas, bus-
cando orientar a descrição em termos de Exigências (ver quadro abaixo). Toda vez que
for reportado algum incidente, perturbação entrave ou empecilho – algum contrante –
deve-se pedir para repetir a descrição, pois nesse caso aparecem mais detalhes. O quadro
abaixo deve poder ser inteiramente preenchido.
Capítulo 13 | Métodos alternativos em análise ergonômica 279

5HVVDOYDGR
([LJrQFLDV Tópicos )DODGR(PSUHJDGR
2EVHUYDGRU
Físicas 3RVWXUDLV
9LVXDLV
8VRGH)RUoD
$XGLWLYDV
)RQDomR
&RJQLWLYDV $WHQomR
0HPyULD
5DFLRFtQLR
'HFLVmR
Organizacionais 3UHVVmR7HPSRUDO
'LYLVmRGR7UDEDOKRH0XOWLWDUHIDV
,QWHUUXSo}HVH,QWHUIHUrQFLDV
&RPXQLFDomRH&RRSHUDomR
$MXGDGH&ROHJDV

Esse quadro é o que orienta a elaboração do relatório final de aplicação da ferra-


menta EAMETA.

13.5. MEROS
O MEROS – Metodologia Ergonômica Realista, "bjetiva e Sucinta tem por finali-
dade instrumentar a análise ergonômica reunindo os elementos dos métodos preceden-
tes.. Essa análise qualitativa contempla as dimensões de análise EAMETA. que acabamos
de assinalar. Para realização da análise qualitativa compomos um programa em catorze
passos. Apresentaremos o método em seu passo a passo:

Passo 1 – Construção social


Montar o dispositivo de construção social em função das características da de-
manda gerencial formulada à equipe de Ergonomia. Para tanto rever as indicações dos
capítulos 1 e 5 deste livro.

Passo 2 – Definição de área ou setor


Caracterizar a área ou setor de trabalho onde será realizada a análise ergonômica.
Essa caracterização deve indicar a empresa setor e local mais específico, além de caracte-
rizar o processo, as tarefas e as ações efetivamente focadas, quando e se for o caso.

Passo 3 – Walk-through
Realizar uma primeira visita pela área, realizando breves interações, sempre se
apresentando e comunicando a razão da breve visita à área. Não tema ser repetitivo, pois
280 Ergonomia ELSEVIER

a cada repetição seus interlocutores ganham mais confiança em você. O walk-through,


se for realizado pela primeira vez com os gerentes o(a) acompanhando, deverá ser refeito
sem essa companhia.

Passo 4 – Lista de características


À saída do walk-through, formar um quadro de características iniciais reunindo
todas as informações referentes à situação focal disponíveis, escalonadas por tópica do
EAMETA.

Sigla 6LJQLÀFDGR &DUDFWHUtVWLFDV,QLFLDLV Ilustrações


( (VSDoR &LUFXODomRSpGLUHLWRFRSDSRVWRGHWUDEDOKR )RWRV
A $PELHQWH &DORUIULRYHQWLODGRUDUFRQGLFLRQDGRMDQHODDEHUWD 0DSDVGHULVFR
M 0RELOLiULR 0HVDFDGHLUDFDULPERVOL[HLUDSRUWDQRWDVHWF )RWRVHFDWiORJRV
( (TXLSDPHQWRV 7HFODGR&38PRQLWRUscannerGHFyGLJRGHEDUUDVVHTXrQFLD )RWRV
GHWHODVPHQVDJHQVGHHUURV
T 7DUHID 'LYLVmRGRWUDEDOKRDWULEXLo}HVGRRSHUDGRUFKHÀDLPHGLDWD 2UJDQRJUDPDV
2UJDQL]DomRIRUPDOGRWHPSRHWF )OX[RJUDPDV
(VFDODV
A $WLYLGDGH 'HVFULomRGRREVHUYDGRYLGHRFOLSV 0DSRÁX[RJUDPDV

Passo 5 – Documentação técnica


Coletar toda a documentação técnica e gerencial acerca da situação de trabalho.
Utilizar a lista de características para tanto.

Passo 6 – Matriz de características


Sintetizar a documentação técnica num quadro de características que se constrói
sobre o quadro anterior.

Interação ( A M ( T A
(VSDoR Ambiente Mobiliario (TXLSDPHQWRV Tarefa $WLYLGDGH
(VSDoRGRF (VSDoRSGI 0RELOGRF (TXLSMSJ $OLPHQWDGRU[OV 9FOLSZPY
1
(VSDoRMSJ $WLY;OV
2
3
4
...
n

Incluir fotos e demais aspectos relevantes. Essa documentação pode formar um


primeiro arquivo de banco de dados.
Capítulo 13 | Métodos alternativos em análise ergonômica 281

Passo 7 – População de interlocutores


Definir a população que será envolvida no processo de interações. A partir da
construção social definir uma grande lista de pessoas e posições funcionais que represen-
tem adequadamente cada um dos grupos ali esquematizados.

Passo 8 – Grupos de foco


A partir daí formar um mínimo de dois grupos de foco com um mínimo de três
pessoas cada. Envolver o supervisor imediatamente superior aos operadores e o gerente
de área. As entrevistas sobre a realidade operacional limitar-se-ão a essas pessoas, portan-
to, o cuidado em sua escolha é básico.

Passo 9 – Roteiro de conversa


Fazer uma análise de conjunto (juntar as análises anteriores) e listar tópicos pre-
sumivelmente relacionados à produção dos problemas. Com os tópicos disponíveis, ela-
borar campos de questionário (perguntas, lembretes, assuntos, temas etc.). A partir dos
campos de questionário, preparar um Roteiro de conversação (com grandes tópicos e
subdivididos em questões).

Passo 10 – Matriz de inclusão de comentários


Com os tópicos e subtópicos preparar uma Matriz de Comentários com todos os
tópicos do EAMETA e escalonada por conversa. Essa matriz de inclusão de comentários
tem a seguinte aparência:

Interação Espaço Ambiente Mobiliário Equipamentos Tarefa Atividade


Asp Asp … Asp Asp Asp … Asp Asp Asp … Asp Asp Asp … Asp Asp Asp … Asp Asp Asp … Asp
1 2 n 1 2 n 1 2 n 1 2 n 1 2 n 1 2 n
Int. 1 ** * .. *** * *** .. * * *** .. * ** .. ** *** .. * *** * **
Int. 2 * *** .. ** *** .. * * * .. *** * .. **** *** .. ** ** *
.............. .... .... .. .... .... .... .. .. .. .. * ...
Int. n * ** ** *** *** * * *** ** *** ** * * **
Síntese
por E1 E2 .. En A1 A2 . An M 1 M2 .. Mn Eq1 Eq2 .. Eq n T1 T2 .. Tn At1 At2 .. At n
aspecto
Síntese E A M E T A
por tópico
Síntese EAMETA
geral

Com essa matriz de inclusão se torna possível fazer uma síntese geral das entre-
vistas e isso delineará os pontos fortes da análise global. Em cada categoria podem ser
incluídos, na área de sínteses, outros elementos já amealhados para reforçar a escolha
dos pontos fortes.
282 Ergonomia ELSEVIER

Passo 11 – Quadro básico


Montar o quadro básico com: Matriz de Características + Matriz de Comentários
sobre o EAMETA. O quadro deverá satisfazer à seguinte matriz de resultados da análise
qualitativa na situação focal:

(OHPHQWRV Dados
6REUHDWDUHID 1DWXUH]DGDDWLYLGDGHSLORWDJHPPRQWDJHPPRQLWRUDomRVHUYLoRDOHDWyULRHWF
7 5RWLQDVTXDOLGDGHSURGXomRH[LJLGDSUHFLVmRFRQFHQWUDomRFRPSOH[LGDGH
,QVWUXPHQWDomRHFRQWUROHV0HLRVGHWUDEDOKRPiTXLQDVSHULIpULFRVH
LQVWUXPHQWRV
5HFXSHUDomRGHLQFLGHQWHVWtSLFRV
(OHPHQWRVJHUDLVGD 3HVVRDVHQYROYLGDV
VLWXDomRGHWUDEDOKR )RUPDGHLQVWDODomRGDVPiTXLQDV layout 
UHODFLRQDGRV 0DWpULDVSULPDVHPJHUDO
jDWLYLGDGHGR )OX[RVGHPDWHULDO
RSHUDGRU ($0(7$ $PELHQWHWpUPLFRKLJURWpUPLFR
$PELHQWHDF~VWLFR
$PELHQWHVOXPLQRVRV
3RHLUDVIXPRVRGRUHV
/LVWDGHSUREOHPDV $XWRQRPLDGHULWPRSDXVDVKRUiULRVHHVFDODV
$ 5HODomRFRPRSURFHVVRLVRODPHQWRFRDWLYLGDGHFRPDQGRHWF
6D~GHDFLGHQWHVLQF{PRGRV
&RQWH~GRGRWUDEDOKRUHVSRQVDELOLGDGHLQWHUHVVHLQLFLDWLYDVFRPSHWrQFLDV
&XVWR%HQHÀFLR $IDVWDPHQWRVDEVHQWHtVPR
9DULDomRGDSURGXomR
5HWUDEDOKRVUHIXJRVHUURVHSHUGDV
$WUDVRVGHHQWUHJD

Passo 12 – Quadro de Pontos fortes


A partir do quadro básico, sintetizar os comentários e características em pontos
fortes, assim entendidos como as menções mais frequentes ou mais contundentes em
face das características já tabuladas. A partir daí, somente se passa a utilizar esse quadro
como referência na análise ergonômica.

Passo 13 – Priorização
Aplicar uma técnica de priorização (matriz de GUT, por exemplo).

Passo 14 – Relatório final


Lembre-se que sem relatório, não há trabalho de Ergonomia. E se você vier a ser
consultor, também não haverá pagamento...
Capítulo 13 | Métodos alternativos em análise ergonômica 283

13.6. Página escolar


Questões
1) Quais os três momentos da conversação? O que acontece se cada um deles for mal
executado?
2) O que vem a ser um roteiro dinâmico?
3) Comente a frase: se a conversação for bem encaminhada, pouco importa com quem se
conversa numa empresa.
4) O que vem a ser Relatório à quente e Relatório à frio?
5) Quais as três matrizes de interação que a ação conversacional possibilita cons-
truir?
6) Qual o uso mais adequado para a ferramenta SPM?
7) Descreva os momentos da avaliação EAMETA de uma situação de trabalho.
8) Quais os passos do método MEROS que o diferenciam das ferramentas EAMETA
e SPM?
9) Organize um plano de conversa para analisar uma situação cotidiana como taxis-
ta, empregado de botequim etc.
10) Realize cinco avaliações SPM de uma mesma situação de trabalho
11) Aplique a ferramenta EAMETA para avaliar a situação de trabalho do porteiro de
seu prédio.

Debate
A ação conversacional é válida como procedimento de análise ou não? Dividindo
a turma em grupos cada grupo deverá indicar três pontos positivos e três pontos
negativos. Depois a turma confronta seus resultados numa ampla reunião. O pro-
fessor pode ser o mediador.

Pesquisa na internet
Busque na internet algum outro método ou ferramenta para análise ergonômica.
Coletar na internet dez referências bibliográficas, sites de empresas ou ofertas de
serviços relativas ao tema deste capítulo. Os resultados podem formar um blog para a
turma.
Capítulo

14 Ferramentas de
Ergonomia Física
Francisco Soares Másculo, Ph.D – UFPB

14.1. Introdução
O método ergonômico, essencialmente, consiste no uso dos recursos dos diversos
campos de conhecimento que possibilitem averiguar, levantar, analisar e sistematizar o
trabalho e as condições de trabalho. Isso implica na observância, utilizando-se instru-
mentos de caráter quantitativo ou qualitativo, dos vários aspectos da interação humano
× elementos do sistema, avançando a fronteiras além do posto de trabalho.
Diversos autores apresentam as mais variadas formas de abordagens metodológi-
cas, métodos, técnicas e ferramentas para os fins a que a Ergonomia se propõe.
A quantidade de ferramentas ou métodos disponíveis é muito grande. Somente
um manual, o Handbook of human factors and ergonomics methods, de Stanton et al. (2005),
lista diversos métodos, que são divididos em seis categorias: métodos físicos, psicofisio-
lógicos, cognitivo-comportamentais, equipe, ambientais e macroergonômicos. No esco-
po deste capítulo, apresentamos o Método OWAS, para análise da postura, o Método
OCRA para avaliação da aquisição de LER/DORT, o Método RULA, para avaliação de ris-
co de lesão músculo-esquelética em geral, e, finalizando o capítulo, é feita a apresentação
de duas ferramentas computacionais para avaliação de carga nos discos intervertebrais,
o Spinal Dynamics e o HARSim. Se o leitor tiver interesse em se aprofundar no assunto,
sugerimos a leitura do manual mencionado e as citações apresentadas.

14.2. O método OWAS


Dispõe-se de vários métodos e técnicas para o registro e análise das posturas.
Eles podem ser descritivos, fotográficos, filmagens, por registros eletromiográficos
(atividade elétrica muscular) ou por observação in loco. Entre eles, pode-se citar o
Capítulo 14 | Ferramentas de Ergonomia Física 285

sistema OWAS (Ovako Working Posture Analysing System), já mencionado anterior-


mente, desenvolvido na Finlândia por Karhu, Kansi e Kuorinka, entre 1974 e 1978,
em conjunto com o Instituto Finlandês de Saúde Ocupacional, com o intuito de ge-
rar informações para melhorar os métodos de trabalho pela identificação de posturas
corporais prejudiciais durante a realização das atividades (Karhu; Kansi; Kuorinka
1977; Joode; Verspuy; Burdof, 2004). A partir de análises fotográficas, foram cole-
cionadas 72 posturas típicas que ocorrem em uma indústria pesada. Essas posturas,
que são resultantes de diferentes combinações de posturas típicas do dorso (4), dos
braços (3) e das pernas (7). Com base na observação da tarefa, é construído um mo-
delo por códigos que será posteriormente classificado em 4 classes distintas, por um
grupo de operadores experimentados naquela tarefa e orientados pelo ergonomista.
Essas classes vão variar de um nível 1 de gravidade, considerado não patológico,
até 4, onde providências imediatas devem ser tomadas, pois haveria sérios riscos de
lesão ao trabalhador. Foi criado um software, o WinOWAS pela Tampere University of
Technology, Occupational Safety Engineering, onde todos os procedimentos de análise
dos dados são realizados. Esse, assim como seu respectivo manual pode ser encon-
trado na língua inglesa por meio do link <http://turva.me.tut.fi/owas>.
Baseia-se no registro de determinadas atividades em intervalos variáveis ou cons-
tantes, observando-se a frequência e o tempo despendido em cada postura. Permite que
os dados posturais sejam analisados para catalogar posturas combinadas entre as costas,
braços, pernas e forças exercidas, e determinar o efeito resultante sobre o sistema mús-
culo-esquelético; e para examinar o tempo relativo gasto em uma postura específica para
cada região corporal, determinando o efeito resultante sobre o sistema osteomuscular. É
possível obter os dados mediante observação direta (em campo) ou indireta (por vídeo),
devendo ser observado todo o ciclo, em atividades cíclicas, e nas atividades não cíclicas
ser observado um período de no mínimo trinta segundos.
Durante a observação pode-se considerar a fase da atividade que é de interesse,
sendo atribuídos valores e um código de seis dígitos. O primeiro dígito do código indica
a posição das costas, o segundo indica a posição dos braços, o terceiro a posição das per-
nas, o quarto indica o levantamento de carga ou uso de força e o quinto e sexto indicam
a fase do trabalhador (Figura 14.1).
Após a categorização das posturas laborais, o método calcula e classifica a carga
de trabalho em quatro categorias, determinando ainda as medidas a serem adotadas
(Figura 14.2).
286 Ergonomia ELSEVIER

)LJXUD&DUDFWHUL]DomRGHSRVWXUDVSHORPpWRGR2:$6

DÍGITO 1 DÍGITO 2 DÍGITO 3 DÍGITO 4 DÍGITO 5 DÍGITO 6


&RVWDV Braços Pernas
&DUJD)RUoD $WLYLGDGH
3RVLo}HV7tSLFDVGR0pWRGR2:$6
 (UHWD  'RLVEUDoRV  6HQWDGR  3HVRRXIRUoD ;;
 ,QFOLQDGD DEDL[RGRV  'HSpFRP QHFHVViULDLJXDO D
 (UHWDH RPEURV DPEDVDV RXPHQRUNJ
WRUFLGD  8PEUDoR SHUQDV  3HVRRXIRUoD
 ,QFOLQDGDH QRQtYHORX HVWLFDGDV QHFHVViULDPDLRU
WRUFLGD DFLPDGRV  'HSpFRPR TXHNJRX
RPEURV SHVRGHXPD PHQRUTXHNJ
 $PERVRV GDVSHUQDV  3HVRRXIRUoD
EUDoRVQR HVWLFDGDV QHFHVViULDH[FHGH
QtYHORX  'HSpRX NJ
DFLPDGRV DJDFKDGR
RPEURV FRPDPERV
RVMRHOKRV
ÁH[LRQDGRV
 'HSpRX
DJDFKDGR
FRPXP
GRVMRHOKRV
GREUDGR
 $MRHOKDGRHP
XPRXDPERV
RVMRHOKRV
 $QGDQGRRX
VHPRYHQGR

O método abordado demonstra benefícios no monitoramento de tarefas que im-


põem constrangimentos, possibilitando identificar as condições de trabalho inadequadas
e, ao mesmo tempo, indicar as regiões anatômicas mais acometidas.

)LJXUD&DWHJRULDVGHDomRGRPpWRGR2:$6SDUDSRVWXUDVGHWUDEDOKRGHDFRUGRFRPR
SHUFHQWXDOGHSHUPDQrQFLDQDSRVWXUDGXUDQWHRSHUtRGRGHWUDEDOKR

48$'523$5$'(7(50,1$d®2'$&/$66('(&21675$1*,0(172'$6(48È1&,$'(
326785$6127(032 6(*0(1726'(7(032
'RWHPSRGDDWLYLGDGH          
5HWR 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
&267$6

,QFOLQDGR 1 1 1 2 2 2 2 2 3 3
5HWRHWRUFLGR 1 1 2 2 2 3 3 3 3 3
,QFOLQDGRHWRUFLGR  2 2 3 3 3 3 4 4 4
'RLVEUDoRVSDUDEDL[R 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
%5$d26

8PEUDoRSDUDFLPD 1 1 1 2 2 2 2 2 3 3
'RLVEUDoRVSDUDFLPD 1 1 2 2 2 2 2 3 3 3
'XDVSHUQDVUHWDV 1 1 1 1 1 1 1 1 1 2
8PDSHUQDUHWD 1 1 1 1 1 1 1 1 2 2
3(51$6

'XDVSHUQDVÁH[LRQDGDV 1 1 1 2 2 2 2 2 3 3
8PDSHUQDÁH[LRQDGD  2 2 3 3 3 3 4 4 4
8PDSHUQDDMRHOKDGD  2 2 3 3 3 3 4 4 4
'HVORFDPHQWRFRPSHUQDV 1 1 2 2 2 3 3 3 3 3
'XDVSHUQDVVXVSHQVDV 1 1 1 1 1 1 1 1 2 2

1 1mRVmRQHFHVViULDVPHGLGDVFRUUUHWLYDV 3 6mRQHFHVViULDVFRUUHo}HVORJRTXHSRVVtYHO
2 6HUmRQHFHVViULDVFRUUHo}HVQRIXWXUR 4 6mRQHFHVViULDVFRUUHo}HVLPHGLDWDV
Capítulo 14 | Ferramentas de Ergonomia Física 287

A Figura 14.3 mostra a interface de coleta de dados do software WinOWAS com


as posições do dorso: ereto, fletido, torcido e fletido e torcido simultaneamente; dos
braços: ambos abaixo dos ombros, um acima do ombro, e ambos acima do ombro; e das
pernas: sentado, em pé em duas pernas, em pé em uma perna, em pé com os dois joelhos
flexionados, em pé com um joelho flexionado, ajoelhado e caminhando. A carga: menor
que 10 kg, menor que 20 kg e maior que 20 kg. É permitido subdividir as observações
em fases do trabalho. No exemplo foi registrada a postura 3 2 4 com a carga 2 (menor
que 20 kg) e a fase 2 do trabalho.

)LJXUD,QWHUIDFHGRVRIWZDUH:LQ2:$6GHDQiOLVHGHSRVWXUDFRPH[HPSOR

14.2.1. A confiabilidade do OWAS


Foi visto que as ferramentas de análise e registro postural apresentavam dificulda-
des quanto à sua utilização.
Uma das dificuldades encontradas está na identificação e registro das posturas.
Basicamente, os métodos conhecidos trabalham com registro de imagens por fotografias,
vídeos, registros cursivos, e registros de função muscular pelo eletromiograma. Além
dessas dificuldades, pode-se citar a questão da subjetividade quando do registro e clas-
sificação das posturas.
Partindo dessa premissa, Bruijn, Engels e Gulden (1997) realizaram um estudo
apresentando uma forma simples de avaliação da confiabilidade do método OWAS. Os
pesquisadores avaliaram a conformidade nas observações realizadas por dois observado-
res distintos. Para tal, foi exibido um conjunto de 45 slides contendo registros das postu-
ras adotadas por enfermeiras. Os slides foram exibidos para cada observador, e a mesma
288 Ergonomia ELSEVIER

foi repetida, com os mesmos observadores, dessa vez apresentando os slides de forma
misturada, após períodos de quatro semanas e de três meses e meio de diferença entre as
exibições. Os resultados mostraram que o índice de concordância entre as categorizações
foi de 89% na primeira exibição, 92% na segunda e 90% na terceira.
Pinzke e Kopp (2001) realizaram dois experimentos com o intuito de examinar e
melhorar a usabilidade e confiabilidade do método OWAS. No primeiro apenas as postu-
ras para os braços foram testadas, uma vez que o método não é muito preciso na defini-
ção da posição dos braços, especialmente quando o tronco está inclinado. Um indivíduo
foi filmado, e a filmagem foi digitalizada e processada por meio de filtros, possibilitando
que a postura fosse detectada e categorizada pelo programa utilizado (Figura 14.4).

)LJXUD6HJPHQWDomRHFODVVLÀFDomRGDVSRVWXUDV

Fonte: Pinzke e Kopp (2001).

Foram analisadas 12 imagens utilizando esse método, e todas foram corretamente


classificadas pelo método, segundo as especificações enunciadas pelo OWAS.
No segundo experimento, uma rede neural de computadores chamada Expec-
tation Based Elastic Template Matching Network (XETM network) foi ensinada a relatar as
posturas de um indivíduo segundo o OWAS. A rede foi treinada com 53 imagens, e após
o mesmo foram exibidas 138 imagens, corretamente classificadas.
Capítulo 14 | Ferramentas de Ergonomia Física 289

14.3. A equação do NIOSH para levantamento de cargas


Uma equação amplamente utilizada para determinar a carga máxima a ser levan-
tada em um posto de trabalho, no plano sagital, é a desenvolvida pelo NIOSH (National
Institute for Occupational Safety and Health, dos EUA). Na medida em que as condições se
tornam mais desfavoráveis os coeficientes reduzem, pois variam de zero a um. Quanto
pior a condição no posto de trabalho menor será o coeficiente, o que reduzirá a carga
máxima, ou peso limite recomendável.
A revisão da equação, realizada pelo comitê do NIOSH no ano de 1994, (Waters;
Putz-Anderson; Garg, 1994) completa a descrição do método e as limitações de sua apli-
cação. De acordo com esta última revisão, a equação NIOSH para o levantamento de car-
gas determina o limite de peso recomendado (LPR), a partir do quociente de sete fatores,
que serão explicados mais adiante, sendo o índice de risco associado ao levantamento,
o quociente entre o peso da carga levantada e o limite de peso recomendado para essas
condições concretas de levantamento.
Os critérios para estabelecer os limites de carga são de caráter biomecânico, fisio-
lógico e psicofísico.

š9h_jƒh_eX_ec[Y~d_Ye
Ao manejar uma carga pesada ou ao fazê-lo incorretamente, aparecem uns mo-
mentos mecânicos na zona da coluna vertebral – concretamente na união dos segmentos
vertebrais L5/S1 – que causam um considerável estresse na região lombar. Das forças de
compressão, torção e cisalhamento que aparecem, considera-se a compressão do disco
L5/S1 como a principal causa de risco de lombalgia. Por meio de modelos biomecânicos,
e usando dados recolhidos em estudos sobre a resistência de tais vértebras, chegou-se a
considerar uma força de 3,4 kN como força-limite de compressão para o aparecimento
do risco de lombalgia.

š9h_jƒh_eÓi_ebŒ]_Ye
Ainda que se disponha de poucos dados empíricos que demonstrem que a fadiga
aumenta o risco de danos músculo-esqueléticos, é reconhecido que as tarefas com levan-
tamentos repetitivos podem facilmente exceder as capacidades normais de energia do
trabalhador, provocando uma diminuição prematura de sua resistência e um aumento
da probabilidade de lesão.
O comitê do NIOSH compilou em 1991 alguns limites da capacidade aeróbica
máxima para o cálculo do gasto energético, que são os seguintes:
1) Em levantamentos repetitivos, 9,5 Kcal/min será a capacidade aeróbica máxima
de levantamento.
2) Em levantamentos que requeiram erguer os braços acima de 75 cm, não se supe-
rarão os 70% da capacidade aeróbica máxima. Não se superarão os 50%, 40% e
290 Ergonomia ELSEVIER

30% da capacidade aeróbica máxima ao calcular o gasto energético das tarefas de


duração de 1hora, de 1 a 2 horas e de 2 a 8 horas, respectivamente.

š9h_jƒh_efi_Ye\‡i_Ye
O critério psicofísico se baseia em dados sobre a resistência e a capacidade dos
trabalhadores que manipulam cargas com diferentes frequências e durações. Baseia-se
no limite de peso aceitável para uma pessoa trabalhando em condições determinadas e
integra o critério biomecânico e o fisiológico, porém, tende a sobreestimar a capacidade
dos trabalhadores para tarefas repetitivas de duração prolongada.
O PLR, Peso Limite Recomendável, é dado pela equação:

PLR = 23 × CM × CH × CV × CF × CD × CA

Os coeficientes referem-se às medidas mostradas na Figura 14.5.


H = distância horizontal entre o indivíduo e a carga, posição das mãos, em cm.
V = distância vertical na origem da carga, posição das mãos, em cm.
D = deslocamento vertical entre a origem e o destino, em cm.
A = ângulo de assimetria, medido a partir do plano sagital, em graus.
F = frequência média de levantamentos por minutos.
C = qualidade da pega.

)LJXUD3RVLomRSDGUmRGHOHYDQWDPHQWR

Fonte: Dul; Weerdmeester (2004).

A Tabela 14.1 mostra como obter os coeficientes de distância horizontais em fun-


ção de H.
Capítulo 14 | Ferramentas de Ergonomia Física 291

Tabela 14.1 – Multiplicadores horizontais.

Distância Multiplicador Distância Multiplicador


+RUL]RQWDO FP Horizontal +RUL]RQWDO FP horizontal
   46 
28  48 
   
32  52 
34  54 
36  56 
38  58 
   
42  63 
44  >63 

A Tabela 14.2 mostra como achar os coeficientes de distância percorrida na verti-


cal em função de D.

7DEHOD²0XOWLSOLFDGRUHVGHGLVWkQFLDSHUFRUULGDQDYHUWLFDO

'LVWkQFLD9HUWLFDO FP Multiplicador Vertical


  
 
55 
 
85 
 
115 
 
145 
 
175 
>175 

A Tabela 14.3 mostra como obter os coeficientes de distâncias verticais em função


de V.

7DEHOD²0XOWLSOLFDGRUHVYHUWLFDLV

Multiplicador Multiplicador
$OWXUD FP $OWXUD FP
Vertical Horizontal
   
   
   
   
   
   
   
  175 
  175 
  >175 
292 Ergonomia ELSEVIER

A Tabela 14.4 mostra como obter os coeficientes de assimetria em função do ân-


gulo A.

Tabela 14.4 – Multiplicadores de assimetria

Ângulo da Multiplicador Ângulo da Multiplicador


$VVLPHWULD ž Assimetria $VVLPHWULD ž Assimetria
   
15   
   
45  135 
  >135 
75 

A Tabela 14.5 mostra como se obter os coeficientes de frequência a partir do nú-


mero de levantamentos por minuto e da duração do trabalho.

7DEHOD²0XOWLSOLFDGRUGHIUHTXrQFLD

9DORUHVGRFRHÀFLHQWHGH)UHTXrQFLD ) ²(TXDomRGH1,26+
'XUDomRGRWUDEDOKR KGLD
)UHTXrQFLD
”K ”K ”K
/HYDQWDPHQWRVPLQ
V < 75 cm 9•FP V < 75 cm 9•FP V < 75 cm 9•FP
      
      
1      
2      
3      
4      
5      
6      
7      
8      
9      
      
11      
12      
13      
14      
15      

A Tabela 14.6 mostra como obter o coeficiente de manuseio em função da pega.

Tabela 14.6 – Multiplicadores de manuseio

Multiplicadores da Pega
Qualidade da Pega
V < 75 cm V < = 75 cm
%RD  
$FHLWiYHO  
0i  
Capítulo 14 | Ferramentas de Ergonomia Física 293

As seguintes indicações são úteis para a definição da qualidade da pega:


1) Boa: pega de potência ou de gancho, os dedos podem fazer um ângulo de 900
com a palma da mão; comprimento menor ou igual que 40 cm, altura menor ou
igual que 30 cm e boas pegas ou recortes; fácil de manipular pela existência de
pontos que sejam fáceis de agarrar.
2) Aceitável: objeto com pegas, mas não permite um ângulo dos dedos < 90º; com-
primento <= 40 cm, altura <= 30 cm e más pegas ou recortes; comprimento <= 40
cm, altura <= 30 cm e ângulo dos dedos com a palma da mão <= 90º; saco que se
possa agarrar com pega de potência.
3) Má: ausência de pegas; caixa difícil de pegar, ou por ser demasiadamente grande,
ou escorregadia; saco muito cheio, material úmido ou escorregadio etc.; compri-
mento > 40 cm; altura maior que 30 cm; dificuldade em pegar; centro de gravida-
de instável (líquidos, materiais granulosos etc.), centro de gravidade assimétrico.

14.4. O Método OCRA


O método Occupational Repetitive Actions (OCRA) foi desenvolvido pelos Drs. En-
rico Occhipinti e Daniela Colombini, a pedido do grupo técnico de estudo das lesões
músculo-esqueléticas da Associação Internacional de Ergonomia (IEA), a partir de 1996.
As pesquisas desse método foram desenvolvidas no Centro Médico da Comunidade
(Cemoc), na Unidade de Pesquisa de Ergonomia da Postura e do Movimento (EPM),
em Milão, Itália, e está sendo aplicado em empresas na Europa, principalmente na Itália,
desde 1997.
No Brasil esse método está sendo aplicado em diversas empresas já há algum tem-
po por demanda da área de Engenharia de Fábrica, no projeto e dimensionamento dos
novos postos de trabalhos, como medida preventiva para eliminação principalmente dos
riscos biomecânicos.
O objetivo desse método, segundo os autores, é identificar um procedimento para
calcular um índice quantitativo, que represente os riscos associados aos movimentos
repetitivos dos membros superiores, e estabelecer um número recomendado de movi-
mentos por minuto, considerando algumas variáveis, tais como esforço físico, posturas
dos membros superiores e pausas durante a jornada de trabalho.
Esse método tem a fórmula semelhante à proposta do National Institute Occupa-
tional Safety and Health (NIOSH), para avaliar os riscos de lesão na coluna vertebral, na
elevação e no transporte de cargas.
Para cada variável definida pelo método é estabelecido um valor recomendado,
a partir das quais as condições de trabalho poderão estar influenciando no surgimento
das lesões. Por exemplo: no caso dos movimentos das mãos e cotovelos, o valor máximo
recomendado é de 30 ações por minuto.
294 Ergonomia ELSEVIER

Outras variáveis a serem consideradas são a força empregada pelos membros su-
periores, as posturas incorretas na realização da atividade, as pausas e o tempo de expo-
sição no ciclo.
Essa análise consiste em uma avaliação integrada dos principais fatores de risco
ocupacional para os membros superiores, tais como frequência, repetitividade, força,
postura, ausência de períodos para recuperação de fadiga e elementos complementares
(por exemplo: tipos de pegas).
Todos os fatores partem do número de 30 ações técnicas recomendas por minuto
como fator multiplicador. Os demais fatores terão um multiplicador previamente esta-
belecido.
Para se obter o índice de exposição – IE do método OCRA, divide-se a quantidade
de ações técnicas observadas (ATO) pela quantidade de ações técnicas recomendadas
(ATR). O resultado é comparado com a referência de classificação de risco para determi-
nação do nível de ação a ser tomada (ver Tabela 14.7).
Definição dos principais fatores de risco de LER/DORT analisado pelo método
OCRA:
Frequência de ações técnicas: para esse fator a literatura considera que o
número máximo recomendável é de 30 ações por minuto, com as demais
condições de trabalho corretas. Esse número torna-se então uma constante
para cada tarefa repetitiva, desde que os outros fatores de risco sejam ideais
ou insignificantes.

14.4.1. Fator força (MF)


É desnecessário comentar que quanto maior o esforço requerido para executar
uma série de ações técnicas, menor a frequência com que deve ser realizada sem provo-
car alguma fadiga ou lesão.
O escore para o fator força é obtido perguntando ao operador sua percepção de
força aplicada, perguntando a este para, dentro da escala de Borg, qual pontuação ele
daria para a própria força aplicada nas atividades desenvolvidas, variando de 0,5 a 10.
Após a compilação dos valores coletados, calcula-se a média ponderada. Com esse valor,
entra-se na Tabela 14.7 e encontra-se o fator multiplicador para força.

7DEHOD²&iOFXORGR)DWRU0XOWLSOLFDGRUGH)UHTXrQFLD

1tYHOGHIRUoD
5%  15%  25%  35%  45% •
HP0&9
(VFDOD%RUJ  1  2  3  4  •
0XOWLSOLFDGRU 1         
Capítulo 14 | Ferramentas de Ergonomia Física 295

14.4.2. Fator postura (MP)


Segundo Colombini (2005) os modelos já propostos por outros pesquisadores
para a descrição de posturas e de movimentos confirmam a presença de risco em graus
de articulações que se encontram acima de 50% da amplitude total de articulação.
A Tabela 14.8 mostra as faixas de risco e as respectivas pontuações para as prin-
cipais articulações dos membros superiores. As amplitudes de articulações que se en-
contram abaixo dos valores da tabela são limites normais aceitáveis e, por isso, não são
pontuadas. As Figuras 14.6, 14.7 e 14.8 ilustram a cinesiologia dos movimentos das
articulações dos ombros, cotovelo e pulso.

Tabela 14.8 – Pontuação para as articulações dos membros superiores

$EGXomR žDž 3RQWXDomR


$UWLFXODomR(VFDSXOR žH
)OH[mR$EGXomR 3RQWXDomR
XPHUDO RPEUR DGRWHPSR
([WHQVmR ž 3RQWXDomR
6XSLQDomR ž 3RQWXDomR
$UWLFXODomR&RWRYHOR 3URQDomR ž 3RQWXDomR
)OH[RHVWHQVmR ž 3RQWXDomR
)OH[mR ž 3RQWXDomR
'HVYLRUDGLDO ž 3RQWXDomR
$UWLFXODomR3XOVR
'HVYLRXOQDU ž 3RQWXDomR
([WHQVmR ž 3RQWXDomR

)LJXUD3RVLo}HVHPRYLPHQWRVGDDUWLFXODomRHVFiSXORXPHUDO RPEUR 
DEGXomRH[WHQVmRHÁH[mR3RQWXDomRSDUD2&5$

)LJXUD0RYLPHQWRVGDDUWLFXODomRGRFRWRYHORVXSLQDomR
SURQDomRÁH[mRHH[WHQVmR3RQWXDomRSDUD2&5$
296 Ergonomia ELSEVIER

)LJXUD0RYLPHQWRVGDDUWLFXODomRGRSXOVRÁH[mRHH[WHQVmR
GHVYLRUDGLDOHXOQDU3RQWXDomRSDUD2&5$

Um fator que também deve ser considerado conjuntamente com a postura é o tipo
de pega, pois alguns são mais desfavoráveis e contribuem para o agravamento das LER/
DORT. A Figura 14.9 ilustra os tipos de pegas.

)LJXUD3ULQFLSDLVWLSRVGHSHJDV

Fonte: Pavani (2007).

De acordo com o tipo de pega teremos uma pontuação específica conforme a


Tabela 14.9.
Capítulo 14 | Ferramentas de Ergonomia Física 297

7DEHOD²3RQWXDomRSDUDRVWLSRVGHSHJDV

Tipo de pega Pontuação


3UHHQVmRDPSOD DFP 1
3UHHQVmRHVWUHLWD FP 2
0RYLPHQWRVGRVGHGRV 3
3LQoDSXOSDU 3
3LQoDSDOPDU 4
3HJDGDHPJDQFKR 4

De posse da pontuação para as articulações dos membros superiores e para o


tipo de pega, calcula-se o fator multiplicador para o desempenho postural, a partir da
Tabela 14.10. Observando-se a atividade verifica-se se é significante o tempo que cada
segmento corpóreo dos membros superiores permanece em dada postura inadequada.
Faz-se a pontuação com base na Tabela 14.8, somando-se os valores de pega pertinentes,
Tabela 14.9, se for o caso. O fator multiplicador é obtido na Tabela 14.10, a partir do
valor total do empenho postural.

7DEHOD²&iOFXORGR)DWRU0XOWLSOLFDGRUGRHPSHQKRSRVWXUDO

9DORUGD
SRQWXDomR
² ² ² ² ² ² ² •
GRHPSHQKR
SRVWXUDO
0XOWLSOLFDGRU 1       

14.4.3. O multiplicador para a estereotipia (repetitividade) (ME)


Segundo Couto (2007) o critério mais antigo e aceito sobre repetitividade, e tam-
bém o mais seguido pelas empresas norte-americanas, foi o proposto por Silverstein em
1985, ao sugerir que qualquer ciclo de trabalho de duração menor que 30 segundos seria
altamente repetitivo, porém, seguindo os mesmos critérios metodológicos, mesmo em
situações de ciclos maiores de 30 segundos poderiam ser caracterizados como altamente
repetitivos, no caso de um mesmo elemento de trabalho ocupar mais que 50% do ciclo.
Elemento, nesse caso, se refere ao conceito originado dos estudos de tempos e movi-
mento que descreve as atividades humanas no trabalho como um conjunto de tarefas ou
elementos padrão (Chaffin, 2001).
No método OCRA a repetitividade é denominada de estereotipia ou “carência de
variações na tarefa”. Para a escolha do fator multiplicador é necessário medir o tempo
do ciclo, em segundos, e observar em que faixas de percentuais os gestos dos membros
superiores são repetidos no tempo total do ciclo. A partir daí entra-se na Tabela 14.11 e
determina-se o fator que melhor representa a realidade da atividade. É considerada au-
sência de risco naquelas atividades que apresentem gestos repetidos em 50% ou menos
do ciclo, independente do tempo do ciclo.
298 Ergonomia ELSEVIER

7DEHOD²&iOFXORGR)DWRU0XOWLSOLFDGRUGH(VWHUHRWLSLD

3UHVHQWH FRP JHVWRV 3UHVHQWH FRP JHVWRV


PHFkQLFRV LJXDLV HQWUH PHFkQLFRVLJXDLV!
&DUDFWHUtVWLFDGD
$XVHQWH  H  GR WHPSR GR WHPSR 2X GXUDomR
HVWHUHRWLSLD
2X GXUDomR GH FLFOR GH FLFOR HQWUH  H 
HQWUHHVHJXQGRV VHJXQGRV
0XOWLSOLFDGRU 1  

14.4.4. Multiplicador para a presença de fatores complementares (MC)


Os fatores complementares aplicados no método OCRA são:
a) Uso de instrumentos vibrantes.
b) Exigência de extrema precisão no posicionamento de objetos.
c) Compressões localizadas sobre estrutura anatômica da mão ou do antebraço por
parte de instrumentos, objetos ou áreas de trabalho.
d) Exposição a temperaturas ambientais ou de contato muito frias.
e) Uso de luvas que interferem na habilidade manual.
f) Natureza escorregadia das superfícies dos objetos manipulados.
g) Execução de movimentos bruscos ou “puxões”.
h) Execução de gestos com contragolpes ou impactos repetidos (uso de martelo ou
picareta sobre superfícies duras) ou usar a própria mão como martelo.
A cada fator complementar identificado na tarefa é atribuída uma pontuação con-
forme a Tabela 14.12. Especificamente para o fator vibração são atribuídos os valores 8,
12 e 16, respectivamente para 1/3, 2/3 e 3/3 do ciclo.

Tabela 14.12 – Pontuação para fatores complementares

3DUWHGHH[SRVLomR Pontuação
em função do ciclo
 4
 8
 12

Para determinação do escore final, somam-se todas as pontuações atribuídas para


todos os fatores complementares identificados na atividade e obtém-se o fator a partir da
Tabela 14.13.

7DEHOD²&iOFXORGRPXOWLSOLFDGRUSDUDIDWRUHVFRPSOHPHQWDUHV

9DORUGD
´SRQWXDomRµIDWRUHV ² ² ² ² •
FRPSOHPHQWDUHV
0XOWLSOLFDGRU 1    
Capítulo 14 | Ferramentas de Ergonomia Física 299

14.4.5. O multiplicador para o fator de períodos de recuperação (MR)


Baseando-se na literatura científica, os autores desse método afirmam que, em um
turno de trabalho, o ideal é ter um período de recuperação fisiológica a cada 60 minutos
de trabalho repetitivo e quanto mais horas de trabalho repetitivo sem períodos de recu-
peração, menor deve ser o número de ações técnicas na atividade.
A quantidade de horas sem recuperação é obtida a partir da análise do posto de
trabalho e entrevistas com os operadores para o entendimento de como transcorre a jor-
nada de trabalho e como são inseridas as pausas, sejam elas para refeições, necessidades
pessoais e/ou para a recuperação do trabalho repetitivo, se houver, mesmo que realizan-
do outras tarefas, como por exemplo, para abastecimento de uma máquina ou bancada,
controle do processo etc.

7DEHOD²&iOFXORGRIDWRUPXOWLSOLFDGRUSDUDRVSHUtRGRVGHUHFXSHUDomR

1~PHURGHKRUDVVHP
 1 2 3 4 5 6 7 8
UHFXSHUDomRDGHTXDGD
0XOWLSOLFDGRU 1        

14.3.6. O multiplicador para a duração total do trabalho repetitivo no turno (MJ)


A duração total das tarefas que envolvem movimentos repetitivos e ou forçados
dos membros superiores no turno de trabalho representa um elemento muito relevante
para caracterizar a exposição total do trabalhador ao risco de LER/DORT. O método
OCRA determina a utilização de um fator multiplicador de acordo com a duração total
de tempo, em minutos de todas as tarefas repetitivas, gasto no turno na execução de
todas as tarefas repetitivas. O cálculo desse multiplicador é obtido diretamente na Tabe-
la 14.15.

7DEHOD²&iOFXORGRIDWRUPXOWLSOLFDGRUSDUDDGXUDomRGDVWDUHIDV

0LQXWRVJDVWRVQRWXUQR 121 181 241  361 421


FRPWRGDVDVWDUHIDV ” D D D D D D !
UHSHWLWLYDV      
0XOWLSOLFDGRU 2      1 

š7YbWii_ÓYW‚€eZ[h_iYef[becƒjeZeE9H7
A partir dos fatores multiplicadores encontrados nos itens 14.3.1 a 14.3.6 calcula-
-se o valor das Ações Técnicas Recomendadas (ATRs), que é dado pela fórmula:

ATR = 30 × MF × MP × ME × MC × MR × MJ
300 Ergonomia ELSEVIER

O valor das Ações Técnicas Observadas (ATOs) é fornecido pelo preenchimento


do Quadro 14.1. Vale ressaltar que os cálculos são realizados para cada membro su-
perior.

4XDGUR²&iOFXORGDVDo}HVWpFQLFDVREVHUYDGDV

)UHTXrQFLD 'XUDomRGD
$o}HVSRU 'XUDomRFLFOR
cálculo das
posto para

3DUWHGRFRUSR Do}HVPLQ  WDUHID $72 F[G


Dados do

FLFOR D HPPLQXWRV E
ATOs

F DE PLQL  G
%UDoRGLUHLWR
%UDoRHVTXHUGR

O índice OCRA é então calculado:

 ÊrÊ/"ÊÉÊ/,

A partir do Índice de Exposição, IE, ou Índice OCRA, o método OCRA classifica


o risco, de acordo com os valores encontrados, em três níveis fazendo uma analogia
à lógica do semáforo (verde, amarelo e vermelho), conforme demonstrado na tabela
acima.

4XDGUR²&ODVVLÀFDomRGHULVFR2&5$

Área 9DORUHV2&5$ 1tYHOGH5LVFR Ações

9HUGH $Wp $FHLWiYHO 1HQKXPD


9HULÀFDUDVLWXDomRH
$PDUHOD (QWUHH 5LVFRPXLWREDL[R
LPSOHPHQWDUPHOKRULDV
5HGHVHQKDURSRVWRH
9HUPHOKD 0DLRU 5LVFR3UHVHQWH
DYDOLDUDVD~GHGRSHVVRDO

Fonte: Colombini, Occhipinti e Fanti (2005).

šH[Yec[dZW‚[i
Quando o índice está abaixo de 2,2 não há previsão de aparecer casos de distúr-
bios osteomusculares relacionados ao trabalho no grupo de trabalhadores expostos, não
requerendo intervenção no posto de trabalho. Quando o índice estiver entre 2,3 e 3,5
significa que não há risco relevante, porém, podem aparecer patologias no grupo expos-
to. São recomendadas uma avaliação da saúde e melhoria das condições gerais de traba-
lho. Se o índice for maior que 3,5 a intervenção rápida se faz necessária. Os resultados
das análises podem ser úteis para o estabelecimento de prioridades.
Capítulo 14 | Ferramentas de Ergonomia Física 301

)LJXUD3RVWXUDGR2SHUDGRU

š;n[cfbeZ[Wfb_YW‚€eZe‡dZ_Y[E9H7
Em um determinado posto de trabalho de uma empresa industrial é executado
o corte da matéria-prima, no qual é utilizado um tipo de prensa. A tarefa se realiza de
três maneiras três formas: três cortes para um modelo, seis ou nove por vez, para outro
modelo do mesmo produto.

š:[iYh_‚€eZWiWj_l_ZWZ[i
Posiciona-se uma quantidade de material que possibilita a produção de três, seis
ou nove unidades sobre o cepo. Em seguida a faca é posicionada sobre esse material
centralizando-a pela identificação do produto. Posiciona-se agora o cabeçote sobre a
faca. Aciona-se a máquina pressionando os botões do comando bimanual. Com isso a
operação de corte é terminada. Reposiciona-se faca três, seis ou nove vezes (começa com
a direita, depois esquerda e girando de 180 graus ela é posicionada no meio). Retiram-
se os cortes realizados e estes são colocados sobre bancada da operação seguinte. Esse
movimento é repetido para cortar as três, seis ou nove unidades relativas à matéria-prima
acima mencionada. Há um movimento final que é a colocação dos resíduos (resto da
placa cortada) em um carrinho situado à esquerda do operador.
Foi aplicada a ferramenta OCRA, para esse posto de trabalho. Abaixo estão os
quantitativos encontrados e o resultado. Foram encontrados os valores 19,71 para o
membro superior direito e 29,87 para o membro superior esquerdo de índice de exposi-
ção OCRA. Pode-se concluir que o trabalho apresenta elevado risco de aquisição de LER/
DORT, Lesão por Esforço Repetitivo/Doença Osteoarticular Relacionada ao Trabalho.

4XDGUR²&iOFXORGDV$72V
'XUDomRGD
$o}HVSRU 'XUDomRFLFOR )UHTXrQFLD
cálculo das
posto para
Dados do

3DUWHGRFRUSR WDUHID $72


FLFOR PLQ Do}HVPLQ
ATOs

PLQL
%UDoRGLUHLWR 54    
%UDoRHVTXHUGR 54    
302 Ergonomia ELSEVIER

Nesse quadro observa-se que o valor das ATOs é de 46.000 ações: frequência de
115 ações por ciclo e duração da tarefa de 400 minutos.

4XDGUR²&DEHoDOKRHSRQWXDomRGRVPHPEURVVXSHULRUHV
Capítulo 14 | Ferramentas de Ergonomia Física 303

Esse quadro mostra as pontuações para a postura dos membros superiores, om-
bro, cotovelo e pulso.

4XDGUR²3RQWXDomRSDUDPmRVHSHJDIDWRUHVFRPSOHPHQWDUHVHVWHUHRWLSLD
Q~PHURGHKRUDVVHPUHFXSHUDomRHPLQXWRVJDVWRVFRPWRGDVDVWDUHIDVUHSHWLWLYDV

No quadro 14.5 é externado os valores para pontuação para as mãos e pega, fa-
tores complementares, estereotipia, número de horas sem recuperação e minutos gastos
com todas as tarefas repetitivas.
304 Ergonomia ELSEVIER

Quadro 14.6 – Pontuação para a força

Tempo
A B 0RWLYRSDUDXVR
total Tempo das
Ações com força $[% da força para
Do}HV VHJ Duração (VFDODGH
Borg > ou = 3
 Borg
3HJDURPROGH DNJ   2 
3X[DUH(PSXUUDUR%DODQFLP 15  2 

(VIRUoRPpGLRSRQGHUDGR 2

São mostrados os cálculos para o fator força: duas ações requerem força, que são
classificadas 2 na escala de Borg e é feita a ponderação.

4XDGUR²(VFDODGH%RUJ

(6&$/$'(%25*
 $XVHQWH
 ([WUHPDPHQWH/HYH
 0XLWR/HYH
 /HYH
 0RGHUDGR

 )RUWH

 0XLWR)RUWH


 0i[LPR

4XDGUR²&iOFXORVGRVIDWRUHV

&RQVWDQWHGHIUHTXrQFLDGHDo}HVSRUPLQXWR

)DWRUIRUoD HVIRUoRSHUFHELGR
Borg  1  2  3  4  ! 
Fator 1         

Fator postura
9DORU        >=28
)DWRU 1       
E D
7DUHID V 2PEUR 4 8
&RWRYHOR 2 2
3XOVR 2 2
Total 8 12

6 5

14 17
Capítulo 14 | Ferramentas de Ergonomia Física 305

Fator: elementos complementares de risco


9DORU D D D D >=16
)DWRU 1    

Fator horas de trabalho sem pausa


1oKRUD  1 2 3 4 5 6 7 8
)DWRU 1        

Fator duração total de tarefas repetidas


D D D D D D
0LQXWRV  !
     
)DWRU 2      1 

No Quadro 14.8 são mostrados os cálculos dos fatores.

4XDGUR²&iOFXORGRtQGLFH2&5$

)DWRUHV 7HPSR 'XUDomR 'XUDomR


)UHTXrQFLD (VWHUHR
)RUoD 3RVWXUD FRPSOH VHP GDWDUHID GD 7RWDO$75
FRQVWDQWH WLSLD
PHQWDUHV SDXVD UHSHWLWLYD DWLYLGDGH

D         


E         

1oGHDo}HVWRWDLVREVHUYDGDV $72 


= =  D
,( QDDWLYLGDGHUHSHWLWLYD $75 
1oGHDo}HVUHFRPHQGDGDV
$72 
=  (
9DORUHV2&5$ 1tYHOGHULVFR $75 
$Wp $FHLWiYHO
(QWUHH 5LVFRPXLWREDL[R
0DLRUTXH 5LVFRSUHVHQWH

Nesse quadro é mostrado como são calculados as ATRs e o índice OCRA para os
membros direito e esquerdo.

14.5. O Método RULA – Rapid Upper Limb Assessment


Foi um método ou ferramenta desenvolvida por Mc Attamney e Corlett (1993)
que objetiva avaliar o risco do trabalhador à exposição de posturas e atividades muscu-
lares inadequadas e aquisição de LER/DORT.
A sua vantagem é permitir uma análise rápida de grande número de trabalhado-
res. Baseia-se na observação direta das posturas adotadas das extremidades superiores,
pescoço, ombros e pernas, durante a execução de uma tarefa. A análise pode ser efetuada
antes e depois de uma ação para verificação da eficiência da mesma.
306 Ergonomia ELSEVIER

Sua aplicação resulta em um risco descrito por um escore variando entre 1 e 7,


onde as pontuações mais altas indicam risco mais elevado.
Interpretação do resultado do método RULA:
UÊ 1“>ÊVœ˜Ì>}i“Ê`iʣʜÕÊÓʈ˜`ˆV>ʵÕiÊ>µÕi>Ê«œÃÌÕÀ>ÊjÊ>ViˆÌ?ÛiÊÃiʘKœÊjʓ>˜Ìˆ`>Ê
ou repetida durante períodos longos.
UÊ 1“>ÊVœ˜Ì>}i“Ê`iÊÎʜÕÊ{ʈ˜`ˆV>ʵÕiÊjʘiViÃÃ?Àˆ>ʜLÃiÀÛ>XKœÊ“>ˆÃÊVՈ`>`œÃ>°ÊÊ
conveniente introduzir alterações.
UÊ 1“>ÊVœ˜Ì>}i“Ê`iÊxʜÕÊÈʈ˜`ˆV>ʵÕiÊjʘiViÃÃ?Àˆ>ʈ˜ÛiÃ̈}>XKœÊ“>ˆÃÊVՈ`>`œÃ>°Ê
Devem ser introduzidas modificações rapidamente.
UÊ 1“>ÊVœ˜Ì>}i“Ê`iÊÇʜÕʓ>ˆÃʈ˜`ˆV>ʵÕiÊjʘiViÃÃ?Àˆ>ʈ˜ÛiÃ̈}>XKœÊ“>ˆÃÊVՈ`>`œÃ>°Ê
Devem ser introduzidas modificações imediatamente.
Vejamos a aplicação do método passo a passo:
1 – Pontue a posição do braço, segundo o ângulo do ombro (Figura 14.11):

Figura 14.11: Pontuação para o ombro

2 – Pontue a posição do antebraço, segundo o ângulo do cotovelo (Figura 14.12):


Capítulo 14 | Ferramentas de Ergonomia Física 307

)LJXUD3RQWXDomRSDUDRFRWRYHOR

3 – Pontue a posição do pulso (Figura 14.13):

Figura 14.13: Pontuação do pulso

4 – Pontue o giro do punho (Tabela 14.16):


308 Ergonomia ELSEVIER

Tabela 14.16 – Pontuação para o giro do punho

1 2 3RQWXDomR
3ULQFLSDOPHQWH
1RLQtFLRRXÀQDO
*,526'(381+2 QDPHWDGHGD
GDDPSOLWXGHGH
DPSOLWXGHGHJLUR
JLURGRSXQKR
GRSXQKR

5 – Determine a pontuação para a postura, escore A (Tabela 14.17):

Tabela 14.17 – Pontuação da postura para os membros superiores

3RVWXUDSXQKR
1 2 3 4
20%52 &2729(/2
*LUR *LUR
1 2 1 2
1 1 2 2 2
1 2 2 2 2 2
3 2 3 3 3
1 2 3 3 3
2 2 3 3 3 3
3 3 4 4 4
1 3 3 4 4
3 2 3 4 4 4
3 4 4 4 4
1 4 4 4 4
4 2 4 4 4 4
3 4 4 4 5
1 5 5 5 5
5 2 5 6 6 6
3 6 6 6 7
1 7 7 7 7
6 2 8 8 8 8
3 9 9 9 9

6 – Adicionar os pontos pelo esforço muscular (Tabela 14.18):

Tabela 14.18 – Pontuação para o esforço muscular

6HDSRVWXUDpSULQFLSDOPHQWHHVWiWLFD PDQWLGDSRUPDLVGHPLQXWRV 
RX $FUHVFHQWDU
6HH[LVWHDWLYLGDGHUHSHWLWLYD YH]HVSRUPLQXWRRXPDLV

7 – Adicionar os pontos pela carga (Tabela 14.19):

7DEHOD²3RQWXDomRSDUDDFDUJD

PHQRUTXHNJ DNJ DNJ 0DLRUTXHNJRX


&DUJD
LQWHUPLWHQWH LQWHUPLWHQWH HVWiWLFRRXUHSHWLGR UHSHWLGDRXGHLPSDFWR
$FUHVFHQWDU  +1 +2 +3
Capítulo 14 | Ferramentas de Ergonomia Física 309

8 – Determine o Escore C somando aos pontos do Escore A os pontos obtidos


pelos esforços musculares e a carga.
9 – Pontue a posição do pescoço (Figura 14.14):

Figura 14.14: Pontuação do pescoço

10 – Pontue a posição do tronco (Figura 14.15):

Figura 14.15: Pontuação do tronco


310 Ergonomia ELSEVIER

11 – Pontue a posição das pernas (Tabela 14.21):

7DEHOD²3RQWXDomRGDVSHUQDV

1 2 3RQWXDomR
(;75(0,'$'(6 6HDVSHUQDVHRVSpV
6HDVSHUQDVHRVSpVHVWmR
,1)(5,25(6 QmRHVWmRFRUUHWDPHQWH
EHPDSRLDGRVHHTXLOLEUDGRV
DSRLDGRVHHTXLOLEUDGRV

12 – Determine o Escore B somando os pontos dos valores dos passos 9, 10 e 11.


13 – Adicionar os pontos pelo esforço muscular (idem Tabela 14.18):
14 – Adicionar os pontos pela carga (idem Tabela 14.19):
15 – Determinar o Escore D somando o valor do Escore B aos valores obtidos pelo
esforço muscular e carga para as extremidades inferiores.
16 – Obtenha a pontuação final a partir do cruzamento da pontuação para pesco-
ço, tronco e extremidade inferior, Escore D, com a pontuação da extremidade superior,
escore C (Tabela 14.21):

7DEHOD²3RQWXDomRÀQDO

7$%(/$&32178$d®2),1$/
3RQWXDomRSHVFRoRWURQFRH[WUHPLGDGH
inferior
1 2 3 4 5 6 7+
1 1 2 3 3 4 5 5
2 2 2 3 4 4 5 5
Pontuação 3 3 3 3 4 4 5 6
([WUHPLGDGH 4 3 3 3 4 5 6 6
Superior 5 4 4 4 5 6 7 7
6 4 4 5 6 6 7 7
7 5 5 6 6 7 7 7
8 5 5 6 7 7 7 7

Esquema de procedimentos do método RULA (Quadro 14.10):


Capítulo 14 | Ferramentas de Ergonomia Física 311

4XDGUR²3DVVRVGR0pWRGR58/$

As figuras a seguir nos mostram uma visualização do escore final e a interpretação


dele.

)LJXUD(VFRUHÀQDO Figura 14.17: Recomendações.

Exemplo de Aplicação do RULA


Considere as figuras 14.18 e 14.19. O trabalhador em uma bancada de uma in-
dústria de mineração realiza a operação de enchimento. O trabalhador realiza os proce-
dimentos para acondicionar o produto final em sacos de 20 kg. Após pegar o saco de
papelão e abri-lo, ele o posiciona na balança e move a alavanca do dosador para baixo,
312 Ergonomia ELSEVIER

assim ele libera o produto que desce por efeito da gravidade. Ele controla visualmente
o peso na balança e quando o peso estipulado é alcançado, ele fecha o dosador também
acionando a alavanca. Em seguida segura o saco por baixo e faz uma rotação de tronco
dando dois passos para colocar o saco em uma esteira rolante.

)LJXUDVH2SHUDomRGHHQFKLPHQWR

Sigamos os passos do RULA e determinemos a pontuação:


1 – Braço: 5, elevação para acionar alavanca do dosador.
2 – Antebraço: 1.
3 – Pulso: 1.
4 – Giro do punho: 1.
5 – Escore A: (5-1-1-1) 5.
6 – Esforço muscular: a postura é estática, porém, é mantida por menos de 10 minutos
e o saco leva 20 segundos para ser enchido. Pontuação zero.
7 – Carga: +3. O saco pesa 20 kg.
8 – Escore C: Escore A + 0 + 3 = 8.
9 – Pescoço: 1.
10 – Tronco: 2.
11 – Pernas: 1.
12 – Escore B: (1-2-1) 2.
13 – Esforço muscular (extremidade inferior): 1.
14 – Carga (extremidade inferior): 3.
15 – Escore D: 2 + 1 + 3 = 6.
16 – Pontuação Final: (8 – 6) = 7.

Conclusão
Pelo método RULA, Nível 4, deve-se tomar providências imediatas.
Capítulo 14 | Ferramentas de Ergonomia Física 313

14.6. Ferramentas computacionais – avaliação postural por meio de modelos pré-


determinados
14.6.1. O Modelo Spinal Dynamics
Trata-se de uma metodologia para a análise quantitativa de todas as configurações
posturais, as quais acontecem durante uma tarefa de trabalho, de qualquer natureza, e
em resposta às variações biomecânicas correspondentes à coluna vertebral, em determi-
nado período de uma atividade.
Ele tem demonstrado ser uma ferramenta eficiente para os diagnósticos de etio-
logia compressiva e de situação patológica relacionada ao desempenho de tarefas de
trabalho, onde se avalia as cargas que correspondem às tensões músculo-esqueléticas
desenvolvidas pelo sujeito na execução da tarefa (Rebelo; Barreiros; Silva, 1995).
Esse programa é aplicado em duas etapas. A 1a etapa consiste na quantificação
sistemática da frequência e sequência temporal das posturas em uma situação de tra-
balho, onde são executados alguns procedimentos: a) filmagem do indivíduo durante a
execução de suas tarefas de trabalho, nos planos frontal e sagital (posterior); b) seleção
de categorias posturais, após observação no vídeo, de acordo com critérios pré-definidos,
seguindo-se a digitalização e transferência das imagens selecionadas para o computador;
c) quantificação da ocorrência temporal dessas posturas, por meio de um programa de
computador desenvolvido em Visual Basic for Windows. Nele, cada quadro, que repre-
senta uma postura, é apresentado como um ícone na tela do computador. Durante o
processo de observação do vídeo, a ativação de mouse de cada ícone de postura inicia a
contagem para medir a duração do tempo de ocorrência de cada postura.
A 2a etapa da aplicação do programa que consiste na avaliação do estresse postural
biomecânico é realizada com a obtenção da quantificação do stress da coluna vertebral
pela aplicação do Spinal Dynamics, um modelo capaz, também, de gerar configurações
da coluna vertebral.
De acordo com Cartaxo, Másculo e Rebelo (1997), há algum tempo que a de-
terminação exata da relação entre uma dada atividade de trabalho e a probabilidade do
aparecimento de patologias tem sido obtida a partir da utilização de modelos numéricos.
Assim sendo, a simulação numérica da resposta da coluna vertebral a situações de carga
tem se mostrado o caminho para vários investigadores (Troup et al., 1983; Freivalds et
al., 1984; Andres; Chaffin, 1985; Mcgill; Dorfman, 1985; Chaffin, 1988; Gagnon; Pla-
mondon; Gravel, 1993) nas últimas décadas, sendo que a maior parte desses estudos
diz respeito ao desenvolvimento de modelos visando o estudo biomecânico da coluna
vertebral, simulando apenas o equilíbrio de forças e momentos aplicados a uma secção
da coluna lombar.
Baseado nas limitações dos modelos existentes, o laboratório de Ergonomia, jun-
tamente com o laboratório de modelação numérica da Faculdade de Motricidade Huma-
314 Ergonomia ELSEVIER

na (FMH) da Universidade Técnica de Lisboa (UTL), realizaram alguns estudos (Rebelo;


Silva, 1992; Rebelo; Barreiros; Silva, 1995) desenvolvendo um modelo antropomórfico
que possibilita a quantificação dos esforços em toda a extensão da coluna vertebral, du-
rante as diversas posturas assumidas no trabalho.
A resposta mecânica da coluna vertebral a diferentes situações de estresse é mode-
lada pelo método dos elementos finitos, utilizado na análise de estruturas, pois além de
uma boa confiabilidade estatística, tem a grande vantagem de não ser invasivo.

14.6.1.1. Formulação numérica do Spinal Dynamics


Para a formulação do modelo numérico do Spinal Dynamics, foi necessária a
especificação das propriedades geométricas e elásticas (módulo de Young e relação de
Poisson), além das dimensões antropométricas dos sujeitos analisados. Na Tabela 14.22,
estão sumariados os parâmetros geométricos que dizem respeito a diferentes níveis da
coluna vertebral utilizados pelo Spinal Dynamics.

7DEHOD²3DUkPHWURVJHRPpWULFRVHQWUH&H/

Â1*8/2 (,;2'$6(&d®2 020(1726'(,1e5&,$


É5($
(175( (,;2 (,;2
9e57(%5$ 6(&&,21$/
)$&(7$6 MAIOR 0(125 ly (m4 lz (m4
A (M2
X ry P r; P
L5     ( (
L4     ( (
L3     ( (
L2     ( (
L1     ( (
7     ( (
7     ( (
7     ( (
7     ( (
7     ( (
7     ( (
7     ( (
7     ( (
7     ( (
7     ( (
7     ( (
7     ( (
&     ( (
&     ( (
&     (( (
&     ( (
&     ( (
&     ( (

Fonte: Cartaxo, Masculo e Rebelo (1997).


Capítulo 14 | Ferramentas de Ergonomia Física 315

14.6.1.2. Caracterização postural


O modelo necessita da definição exata das posturas que são obtidas a partir da sin-
cronização das imagens, que correspondem às projeções ortogonais da coluna vertebral
somando-se a isso o perfil antropométrico do executante da tarefa, de forma a reproduzir
uma configuração geométrica de toda a coluna num espaço tridimensional, conforme a
Figura 14.20.

)LJXUD$QiOLVHGDLQFOLQDomRGRWURQFRQRVSODQRVVDJLWDOHIURQWDO

Fonte: Rebelo, Barreiros e Silva (1995).

Cartaxo et al. (1998), demonstram que a configuração da coluna vertebral, nas


posturas, é realizada por meio de um robô virtual de terceira dimensão (Figura 14.20),
denominado Automaton, onde o mesmo representa a coluna vertebral como uma cascata
de 24 vértebras. Nesse software, o peso da cabeça é diretamente aplicado à segunda vér-
tebra cervical; as cargas externas aplicadas aos membros superiores para as três primeiras
vértebras dorsais ou para as últimas cinco cervicais, sendo divididas em frações iguais
entre cada uma dessas vértebras. As cargas, relativas ao peso das vísceras e dos órgãos,
contidos na caixa torácica, são divididas em fatias paralelas na horizontal, onde o peso
de cada uma delas, que atua verticalmente no centro de massa (CM) é transferido a cada
vértebra correspondente, acrescentando-se a isso um momento flexor igual ao que a
carga exercia em seu ponto original.
Conforme os autores mencionados, a técnica utilizada nesse programa para a
transferência de cargas é baseada no princípio de mover cargas, paralelamente, do local
de origem a um ponto correspondente na coluna, e acrescentar o momento flexor, com
magnitude, direção e sentido iguais ao do ponto original de aplicação.
316 Ergonomia ELSEVIER

)LJXUD$WXDomRGDVIRUoDVTXHDWXDPQDFROXQDYHUWHEUDO
QDSRVLomRRUWRVWiWLFD UHSRXVR

Fonte: Cartaxo, Masculo e Rebelo (1997).

O programa inclui um módulo para executar análise de pontos de estresse de


tensão estática da coluna, baseado na introdução de informações sobre sua postura, geo-
metria e propriedades elásticas da coluna vertebral. Esse módulo está baseado em algo-
ritmos de elemento finitos e computa a árvore de tensões dimensionais distribuídas ao
longo de todas as 24 vértebras.
As forças que são aplicadas à cabeça, tórax e membros superiores (MMSS), são
transferidas para as regiões correspondentes da coluna por meio da técnica de somação
de torque igual para o qual incidirá no ponto original de aplicação. Esse programa tem
sido aplicado para estudar diversas tarefas, a exemplo de profissionais que trabalham em
hospitais, construção civil, transportes etc.

)LJXUD$WXDomRGDVIRUoDVQDFROXQDYHUWHEUDOGXUDQWHRPRYLPHQWR
GHÁH[mRDQWHULRUGRWURQFR

Fonte: Cartaxo, Masculo e Rebelo (1997).


Capítulo 14 | Ferramentas de Ergonomia Física 317

Seus resultados apresentam-se em forma de gráficos, onde as cargas de estresse,


em cada nível da vértebra, são identificadas e comparadas, como pode ser observado nas
Figuras (14.21 e 14.22) vistas anteriormente, entre a posição inicial (ortostática) e final
(flexão anterior) do tronco.
Os gráficos constantes nas Figuras 14.21 e 14.22 representam a força axial, os
momentos flexores e a força de cisalhamento das articulações intervertebrais nas regiões
dorsal e lombar.
A Tabela 14.23 mostra os valores das tensões calculados referentes à Figura 14.21.
Nela, podemos verificar se os mesmos estão de acordo com o limite de segurança con-
siderado pelo National Institute for Occupational Safety and Health (NIOSH), que é de
dois Megapascais (2Mpa). Ao ultrapassar esse valor, podem surgir fraturas do platô
vertebral ou outros processos patológicos. Tal situação é uma consequência das posturas
envolvidas nas tarefas, que guardam um estreito relacionamento com o layout do posto
de trabalho, quando não desenhado ergonomicamente, com a repetição ou manutenção
estática da posição do corpo, além das forças aplicadas pelo indivíduo.

7DEHOD²9DORUHVSDUDDVIRUoDVD[LDLVGHFRUWHPRPHQWRVÁH[RUHV
HSUHVVmRLQWUDGLVFDOQDÁH[mRDQWHULRUGRWURQFR

1Ì9(/ )25d$$;,$/ )25d$'(&257( 020(1726 675(66


9(57(%5$/ N N )/(&725(6 MPa
6/ 262 232 125 
// 212 262 118 
// 162 282 98 
// 132 292 85 
// 88  74 
/' 56  63 
'' 34 272 53 
'' 18  44 
'' 28  36 
'' 45 245  
'' 66 224 23 
'' 79  18 
'' 98  13 
''   9 
'' 122 145 6 
'' 85 85 3 
'' 35 5 1 

Fonte: Cartaxo, Masculo e Rebelo (1997).

14.6.2. Humanoid Articulation Reaction Simulation (HARSim)


O HARSim, é a versão mais moderna do Spinal Dinamics, pois avalia o compor-
tamento articular humano quando submetido a uma sobrecarga. Esse software realiza a
quantificação dos dados, o cálculo das forças e dos momentos que incidem sobre deter-
minado segmento corporal por meio de modelos que utilizam a técnica dos elementos
finitos.
318 Ergonomia ELSEVIER

Segundo Rebelo (2002), os modelos estáticos abordam o comportamento do cor-


po humano como uma estrutura em equilíbrio sujeita a um sistema de cargas externas
aplicadas a exemplo do Spinal Sagital Plane (SSP) desenvolvido por Chaffin em 1982, e
o 3DSSPP, elaborado e utilizado pela Universidade de Michigan. Esses modelos também
são válidos nas análises de movimentos realizados a uma velocidade constante ou de
reduzido valor, denominado de “pseudodinâmicos”.
Os elementos finitos são, há muito tempo, um meio, validado internacionalmen-
te, de calcular determinados esforços no corpo humano, como por exemplo, as forças
que agem numa vértebra sujeita a diversos regimes de cargas, sem introduzir sensores
dentro do disco intervertebral.

)LJXUD+$56LP +XPDQRLG$UWLFXODWLRQ5HDFWLRQ6LPXODWLRQ

Fonte: Rebelo (2002).

Para efeito de análise, o HARSim leva em consideração algumas variáveis, como:


distâncias e ângulos intersegmentares, área seccional das vértebras e segmentos corpo-
rais, além de momento de inércia geométrico, para calcular as forças atuantes em 38
segmentos (24 na coluna, 8 nos MMSS e 6 nos MMII) somando 108 graus de liberdade
(72 na coluna vertebral, 22 nos MMSS, e 14 nos MMII). Sua idealização biomecânica
está pautada em 3 pontos importantes: 1) cargas internas (peso do corpo e do segmento
corporal) e externas (aplicadas a qualquer parte do corpo); 2) forma; e 3) rigidez.
Capítulo 14 | Ferramentas de Ergonomia Física 319

14.7. Página escolar


Questões
1) Quais são os critérios para estabelecer os limites de carga?
2) Como foi validado o método OWAS?
3) Comente os critérios para estabelecer os limites de carga: de caráter biomecânico,
fisiológico e psicofísico.
4) O que é o método OCRA?
5) Descreva as etapas do método OCRA.
6) Calcule o Peso Limite Recomendável usando a equação do NIOSH, com os se-
guintes dados:
Distância horizontal entre o indivíduo e a carga, posição das mãos (H) = 25 cm.
Distância vertical na origem da carga, posição das mãos (V) = 75 cm.
Deslocamento vertical entre a origem e o destino (D) = 30 cm.
Ângulo de assimetria, medido a partir do plano sagital (A) = 15 graus.
F = frequência média de levantamentos por minutos.
A pega é em gancho com os dedos fazendo 90º com a palma da mão.
7) Instale o software WinOVAS em um computador, escolha um processo de tra-
balho simples e próximo de você, divida-o em duas fases, faça no mínimo 50
observações das posturas. O que você concluiu sobre as recomendações para
ações?
8) Considere a situação de trabalho com repetitividade das figuras 14.18 e 14.19 do
exemplo de aplicação do RULA e calcule o Índice OCRA. São dados os seguintes
tempos das ações que integram o ciclo de trabalho:

Ação 7HPSR VHJXQGRV


²3HJDURVDFR 2
²$EULURVDFR 4
²3RVLFLRQDURVDFRQDEDODQoD 1
²$FLRQDUDDODYDQFDGRGRVDGRU 2
²&RQWURODURSHVRGXUDQWHRHQFKLPHQWR 12
²)HFKDURGRVDGRU 2
²3HJDURVDFR 2
²7UDQVSRUWDURVDFRSDUDDHVWHLUD 5
727$/ 

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320 Ergonomia ELSEVIER

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Capítulo 14 | Ferramentas de Ergonomia Física 321

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Capítulo

15 Ferramentas de Ergonomia
Cognitiva
Paulo Victor Rodrigues de Carvalho, D. Sc. IEN/CNEN

Conceitos apresentados
Neste capítulo descrevemos métodos e ferramentas usados para que possa-
mos compreender a atividade cognitiva em situação de trabalho. São apresentadas
as entrevistas não estruturadas, entrevistas estruturadas, entrevistas semiestruturadas,
questionários, simulações/cenários construídos, o método de tomada de decisões crí-
ticas técnicas, a análise de protocolos verbais e os mapas cognitivos ou conceituais. É
importante salientar que as ferramentas apresentadas representam um pequeno, mas
relevante conjunto, entre as dezenas de métodos e técnicas existentes para a Análise
do Trabalho Cognitivo. Para visão desse conjunto abrangente de técnicas e métodos o
site <http://mentalmodels.mitre.org/cog_eng/> pode ser consultado.

15.1. Introdução
Como vimos no Capítulo 9, a Análise do Trabalho Cognitivo (ATC) apresenta
diversos métodos, técnicas e instrumentos que visam eliciar o modo como especialistas,
peritos e demais trabalhadores executam atividades cognitivas e contextos específicos de
trabalho. Esse conjunto de métodos e ferramentas é usado para identificar e descrever
estruturas cognitivas como as bases de organização do conhecimento, as formas de re-
presentação de habilidades, e processos como atenção, resolução de problemas, tomadas
de decisão, saberes tácitos etc.
Como vimos no Capítulo 9, apesar da variedade de ferramentas e objetivos, há
alguns consensos a respeito dos procedimentos para o uso dessas ferramentas tais como:
1) O uso de múltiplos especialistas, seja como sujeitos, seja como analistas.
2) Se desejarmos eliciar o conhecimento de peritos, devemos nos certificar que os
especialistas analisados são realmente peritos na tarefa específica sob investigação.
Capítulo 15 | Ferramentas de Ergonomia Cognitiva 323

3) A análise das diversas alternativas de atividades e/ou cenários diversos para resol-
ver uma mesma situação de trabalho.
4) Analisar o desempenho na resolução de problemas e tomadas de decisão em am-
bientes reais e simulados.
5) A importância do analista assumir uma postura de aprendizado durante a análise
do trabalho.
A seguir apresentaremos algumas ferramentas utilizadas para a Análise do Traba-
lho Cognitivo de modo a obtermos uma melhor compreensão do trabalho em sistemas
complexos.

15.2. Ferramentas em Ergonomia Cognitiva


Estudos de atividades na vida real – estudos situados, em contraste com experiên-
cias administradas em um laboratório, não podem ser descritos nos mesmos termos de
condições experimentais. A verificação independente de experiências, assim, se torna
extremamente difícil e os trabalhos nesse campo podem ser percebidos como não cien-
tíficos. Em estudos situados a composição de metas e estruturas de valor subjetivas são
aspectos-chave para a análise, e dar instruções precisas aos sujeitos da investigação pode
tornar o estudo inútil, pois elas podem interferir com os processos cognitivos normal-
mente envolvidos nas atividades de trabalho. Entretanto, o estudo das habilidades cogni-
tivas complexas numa conotação situada deve, como toda pesquisa empírica, ser baseada
em métodos seguros e válidos que possam identificar os numerosos fatores envolvidos,
como também diferenciar entre os vários tipos de conhecimento e habilidades cogniti-
vas. A seguir apresentamos uma breve descrição de algumas ferramentas utilizadas em
Ergonomia Cognitiva tais como os diversos tipos de entrevistas, histórias contadas, a
observação da atividade de trabalho e sua análise, simulações e cenários construídos e
por fim mapas cógnitos/conceituais.

15.2.1. Entrevistas e questionários


As entrevistas e questionários são a ferramenta mais simples e tradicional de eli-
ciação de conhecimentos. Por meio dessa técnica as pessoas são interrogadas a respeito
dos processos cognitivos envolvidos na sua atividade trabalho, isto é, como resolvem
problemas, tomam decisões, buscam informações etc. A maior vantagem das entrevistas
e questionários é a facilidade de aplicação. Entretanto, muitas vezes as informações eli-
ciadas pelas entrevistas podem estar incompletas, devido à existência de questões difíceis
de serem respondidas, ligadas ao conhecimento tácito (é difícil responderemos como nos
equilibramos numa bicicleta), ou ainda porque as pessoas tendem a relatar as informa-
ções de forma idealizada, ou seja, essas pessoas dizem o que devem fazer ao invés do que
realmente fazem. As entrevistas podem ser de três tipos: não estruturadas, ou conversa-
ção, entrevistas estruturadas e entrevistas semiestruturadas.
324 Ergonomia ELSEVIER

Entrevistas não estruturadas ou conversação são normalmente utilizadas no iní-


cio de um projeto de ATC para os analistas tomarem conhecimento da situação e dos
problemas da atividade de trabalho. O principal problema desse tipo de entrevista é que
sendo uma conversa livre, ela pode divergir bastante dos objetivos da análise e gerar uma
grande quantidade de dados que irá dificultar a análise.
Entrevistas estruturadas são baseadas numa análise anterior do contexto de traba-
lho, sendo mais eficientes com relação ao quesito tempo de análise em relação às entre-
vistas não estruturadas. Entrevistas estruturadas podem ser baseadas tanto em perguntas
genéricas sobre o contexto de trabalho, quanto em perguntas específicas da atividade,
endereçando assuntos direcionados às preocupações específicas do entrevistador como
as hipóteses do estudo ou experiência do entrevistado. Sua principal vantagem é manter
a conversação no foco do problema a ser resolvido, adquirindo detalhes específicos a
respeito de determinado aspecto do problema. A desvantagem principal é a pequena
possibilidade de compreensão das regras ou estratégias informais utilizadas para solu-
cionar problemas.
Entrevistas semiestruturadas combinam num roteiro previamente definido per-
guntas objetivas e questões abertas, possibilitando ao entrevistado a oportunidade de
se pronunciar sobre o funcionamento do processo. Para isso é necessário estabelecer
um roteiro de questões privilegiando aspectos importantes de serem eliciados, deixando
em aberto a possibilidade das questões previamente formuladas serem desdobradas em
função das respostas obtidas. Exemplos de questões para uma entrevista semiestruturada
de um operador de sala de controle de um processo industrial são indicados no quadro
abaixo.

Quais são as maiores deficiências do sistema atualmente?


Pode me apontar alguns outros problemas ou sugestões?
Quais são as maiores deficiências das interfaces?
Como é a questão da navegação?
"ʵÕiÊۜVkÊ>V…>Ê`>Ãʈ˜vœÀ“>XªiÃÊ`ˆÃ«œ˜‰ÛiˆÃʘœÃʈ˜`ˆV>`œÀiÃÊ`œÃÊ>>À“iö

Gomes et al. (2009) usaram entrevistas semiestruturadas para identificar como


as restrições do contexto de trabalho afetam e determinam os processos cognitivos na
atividade de pilotos de helicóptero.
Questionários são utilizados quando se deseja atingir um grande número de sujei-
tos ou na fase de preparação de uma análise cognitiva. Eles servem para que os analistas
possam compreender a percepção dos trabalhadores a respeito de aspectos do funciona-
mento do sistema no exercem sua atividade. As questões apresentadas abrangem aspec-
tos da situação de trabalho, do projeto do sistema, do uso das interfaces, dos problemas
encontrados etc. As questões são agrupadas por tópicos e devem ser apresentadas em
termos da experiência do usuário, do seu desempenho, da sua percepção do ambiente,
Capítulo 15 | Ferramentas de Ergonomia Cognitiva 325

ou das características funcionais do sistema. Normalmente são utilizados questionários


baseados em escalas de pontuação (escala Likert), com um campo para comentários,
conforme exemplificado abaixo.

Tópico 1 – Usabilidade da interface

1. Informação apresentada na tela é esclarecedora, legível, organizada, sem ambi-


guidades

Completamente em desacordo "ÊÊ"ÊÊ"ÊÊ"ÊÊ" Completamente em acordo


1 2 3 4 5

Comentários:
2. O sistema apresenta realimentação adequada, legível, esclarecedora, quando as
ações realizadas tiveram sucesso.

Completamente em desacordo "ÊÊ"ÊÊ"ÊÊ"ÊÊ" Completamente em acordo


1 2 3 4 5

Comentários:

A análise é feita a partir do somatório da pontuação obtida em cada tópico do


questionário (usabilidade de interfaces, situação do posto de trabalho, percepção de
clima organizacional etc.), permitindo que o analista possa antecipar os problemas da
atividade cognitiva e se preparar para o aprofundamento da análise. Santos et al. (2009)
descrevem o processo de elaboração e análise do resultado de questionários usados para
verificação de aspectos de fatores humanos em salas de controle de usinas nucleares.

15.2.2. Contador de histórias


Contar histórias é uma atividade tão antiga quanto a história do ser humano. Os
egípcios registravam suas histórias por meio de figuras. Os índios mantêm a tradição de
contar histórias oralmente como principal técnica de propagação de conhecimento por
meio das gerações. A invenção da imprensa estimulou a disseminação das histórias por
todo o mundo, uma vez que a cópia do material escrito ficou muito mais simples.
Mais do que transmitir o conhecimento do contador para o ouvinte ou leitor, a
forma lúdica na qual histórias são contadas facilita o aparecimento de elementos tácitos
do conhecimento nela embutidos. Mas histórias não representam apenas o conhecimen-
to tácito. As histórias são ótimos veículos para reunir os muitos elementos cognitivos
usados na construção do conhecimento, combinando aspectos explícitos com tácitos,
a informação com a emoção. Por meio de histórias a respeito de problemas, incidentes,
326 Ergonomia ELSEVIER

fracasso, ou sucessos relacionados à atividade de trabalho, as pessoas podem nos contar


todo o tipo de detalhes, desafios, pistas, influências do ambiente, e estratégias usadas
para lidar com eventos positivos ou negativos que provavelmente não viriam à tona no
contexto mais controlado e inibidor das entrevistas. É das diferentes experiências arma-
zenadas ao longo da atividade de trabalho que as pessoas formam seu conhecimento
e constroem habilidades. Suas histórias são a porta de entrada dessa experiência. Nas
histórias contadas podemos encontrar:
UÊ As pistas e padrões que os especialistas percebem. Uma enfermeira experiente
conta como pode perceber as diferentes tonalidades na cor da pele de bebês con-
forme a gravidade da infecção.
UÊ As regras SE-ENTÃO armazenadas na mente para lidar com determinadas situa-
ção padrão. Um operador de sala de controle observa que determinado equipa-
mento apresenta indicação oscilante em determinadas condições de operação, de
modo que suas indicações devem ser confrontadas com outras indicações para
serem validadas.
UÊ Os tipos de decisões que têm que ser tomados. O meteorologista conta como toma
a decisão de informar a defesa civil a respeito de um alerta de chuva forte, que
pode representar a necessidade de evacuação de uma população em condições de
risco.
UÊ Os aspectos que tornam decisões fáceis ou difíceis.
UÊ Como perceber os casos típicos.
UÊ Como saber que lidamos com um caso raro.
Uma ferramenta de software para construção colaborativa de histórias em grupo
é o Tellstory, desenvolvido pelo Programa de Pós-Graduação em Informática (PPGI) da
UFRJ (Leal et al., 2004). O Tellstory lida com três fases do processo de elaboração de
uma história em grupo. Na primeira, a fase de construção, o grupo interage e desenvolve
um fluxo de eventos que represente a história. Na segunda, a fase de redação, o texto
da história é escrito baseado no fluxo de eventos construído. Na terceira, a fase de con-
clusão, são feitos apontamentos de onde houve, no texto resultante, externalização do
conhecimento tácito.
O ambiente da fase de construção é dividido em quatro módulos. No principal
deles, o módulo História, cada usuário pode inserir um evento, isto é, um fato ocorrido
durante a realização da tarefa, do qual ele lembre que aconteceu. Os demais módulos
são: Personagens, onde os membros do grupo identificam o perfil de um personagem,
o que ajuda a delinear suas características morais, psicológicas e ideológicas, contri-
buindo para a externalização do conhecimento tácito; Documentos, no qual é possível
enviar para o servidor arquivos que podem estimular a memória da equipe; e Votações,
que o grupo pode utilizar como mecanismo de tomada de decisão e resolução de im-
passes.
Capítulo 15 | Ferramentas de Ergonomia Cognitiva 327

15.2.3. A observação direta da atividade de trabalho


A observação das atividades reais nas organizações é um meio útil de se entender
as interações, comunicações, práticas informais, técnicas e saberes tácitos desenvolvidos
pelas equipes de trabalho, bem como a vigente cultura da organização. Observando
como são executadas as atividades, as comunicações entre as pessoas envolvidas, seus
deslocamentos e interações com o ambiente, podemos ter informações a respeito das
estratégias, razões e motivações mais completas do uso dos sistemas, bem como aos pro-
blemas ou dificuldades relacionadas com a usabilidade. A observação direta permite que
o analista tenha uma visão real de como o trabalho está sendo executado, evitando o
principal problema das entrevistas nas quais as pessoas tendem a falar sobre como devem
executar suas tarefas.
A observação pode ser participativa e não participativa. As observações não par-
ticipativas podem ser diretas ou indiretas. Na observação direta, pessoas são observadas
individualmente por outras pessoas. Comportamentos, comunicações, deslocamentos,
são anotados e registrados pelos analistas. Na observação indireta há o uso de tecnologia
de apoio para o registro, como equipamentos de áudio e vídeo. Nesse caso, a distância
entre observador e observado torna-se maior. Numa observação participativa, os pes-
quisadores podem interromper a atividade de trabalho e realizar entrevistas rápidas de
forma a melhor compreender a atividade. Na observação não participativa o analista não
pode interromper o trabalho que estiver sendo realizado.

15.2.4. Análise de protocolos verbais


A análise de protocolos verbais é a ferramenta mais utilizada para se analisar o
resultado de entrevistas, das comunicações entre trabalhadores obtidas por meio da ob-
servação da atividade e as próprias histórias contadas pelas pessoas. Essa técnica se ba-
seia na análise do conteúdo dos protocolos verbais obtidos em entrevistas, histórias ou
nas comunicações das pessoas durante a atividade de trabalho. No caso de gravações
(de entrevistas ou comunicações), estas são posteriormente transcritas, classificadas e
analisadas por ergonomistas, especialistas em linguística e psicologia cognitiva. A classi-
ficação do conteúdo das verbalizações é feita por meio de procedimentos/esquemas de
codificação definidos pelos investigadores conforme o objetivo da análise, por exemplo,
as restrições do ambiente de trabalho, como são as tomadas de decisão, as opções para a
escolha de ações etc. O objetivo principal dos procedimentos de codificação é construção
de uma teoria a partir dos dados empíricos, fornecendo aos pesquisadores ferramentas
analíticas para lidar com as massas de dados brutos, permitindo que significados alter-
nativos dos fenômenos possam ser analisados. O Quadro 15.1 apresenta as fases de uma
análise e o Quadro 15.2 o esquema de codificação que foi utilizado por Carvalho et al.
(2005) para identificar os tipos de tomada de decisão de operadores de usinas nucleares,
mais exatamente mostrando um esquema de codificação que pode ser usado para iden-
tificar o tipo das decisões tomadas durante a operação da planta.
328 Ergonomia ELSEVIER

Quadro 15.1 – Fases da análise

Fase Descrição
3UHSDUDomRGRVGDGRV 7UDQVFUHYHUDVJUDYDo}HVGHiXGLRHYtGHRHPSURWRFRORV
(VTXHPDGHFRGLÀFDomR 'HVHQYROYHUXPHVTXHPDGHFRGLÀFDomRDSURSULDGRSDUDRHVWXGRHP
GHVHQYROYLPHQWR
3UHHQFKLPHQWRGRHVTXHPDGH &RGLÀFDURSURWRFRORHGHVFUHYHURVFRPSRQHQWHVLVWRpFODVVLÀFDU
FRGLÀFDomR DVYHUEDOL]Do}HVWUDQVFULWDVQDVFDWHJRULDVGHÀQLGDVQRHVTXHPDGH
FRGLÀFDomR 4XDGUR 
&DWHJRUL]DomRGHSUREOHPD ,GHQWLÀFDUDViUHDVGHSUREOHPDHFDWHJRUL]DUDVGHFLV}HVSRUiUHD

4XDGUR²(VTXHPDGHFRGLÀFDomR

&DWHJRULD 'HÀQLomR
'HFLVmR $GHFLVmRTXHJHURXXPFXUVRGHDomR &X$ RXGHQmRID]HUQDGDRXGHHVSHUDU3RU
H[HPSORSDUDUXPSURFHVVRRXHVSHUDUSDUDYHUFRPRRPLFURLQFLGHQWHHYROXL
(QWUDGD ,QIRUPDomRTXHFRQGX]DXPDDYDOLDomRDOWHUDGDTXHUHTXHUXPDGHFLVmR,GHQWLÀFDomR
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(QYROYLGRV 3HVVRDOHQYROYLGRGHVGHDLGHQWLÀFDomRGRSUREOHPDDX[tOLRQDUHVROXomRDWpDWRPDGD
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0HWD 2REMHWLYRGDGHFLVmR9HUEDOPHQWHGHFODUDGRRXGHGX]LGRSHORLQYHVWLJDGRU0HWDV
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5D]mR %DVHDGDQDPHWD3RUH[HPSORDPHWDSRGHVHUDSDUDGDGHXPSURFHVVRDUD]mRHUD
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YH]HVSUHFLVDPVHUGHGX]LGDV
7HPSR 2WHPSRGHFRUULGRGHVGHTXDQGRRSUREOHPDIRLLGHQWLÀFDGRDWpDWRPDGDGHGHFLVmR

15.2.5. Simulações e cenários construídos


Em ambientes complexos como aviação, usinas nucleares, petroquímicas etc.
são necessárias simulações de acidentes para que possamos investigar como os opera-
dores localizados na sala controle desses sistemas lidam com esse tipo de situação. Por
meio de simuladores de salas de controle, como o Laboratório de Interfaces Homem-
-Sistema (LABIHS, ver Figura 15.1) do Instituto de Engenharia Nuclear é possível ava-
liar o funcionamento dos sistemas de uma usina nuclear em situações de acidente, ava-
liar o desempenho dos operadores nessas situações, localizar áreas onde existe maior
chance de que operadores possam cometer erros, identificar situações do processo que
gerar sobrecarga de trabalho cognitivo, realizar treinamentos e avaliar programas de
treinamento.
Capítulo 15 | Ferramentas de Ergonomia Cognitiva 329

)LJXUD6DODGHFRQWUROHGR/$%,+6,(1

Cenários construídos é um método de simulação da atividade, também conhecido


como “cenário do inferno” (Crandall et al., 1994). Nesse método um perito elabora um
cenário para testar a perícia de alguém no mesmo domínio. As variáveis do cenário obje-
tivam prover uma compreensão das características da tarefa e da natureza da especialida-
de em cenários específicos. Cenários construídos constituem-se de método relativamente
eficiente em termos de consumo de tempo e fornecem uma base valiosa para subsequen-
tes perguntas sobre a atividade de trabalho. Atualmente esse tipo de abordagem vem
sendo usada em treinamento na aviação, no “Line Oriented Flight Training – LOFT”, onde
determinadas perturbações são introduzidas durante a simulação de um voo para avaliar
a capacidade de resposta da equipe de pilotagem (Carvalho et al., 2009).

15.2.6. Método da Decisão Crítica (MDC)


O Método da Decisão Crítica (MDC) foi criado originalmente para permitir o es-
tudo de tomadas de decisão de comandantes do corpo de bombeiros (Hoffman, 1995).
O MDC busca eliciar o conhecimento usado em situações de incidentes ou acidentes,
considerando que a análise desses eventos pode ser uma rica fonte rica de dados sobre
um desempenho proficiente. Em correspondência com outros métodos de ATC, no MDC
assume-se que o analista está familiarizado com o domínio, que os materiais, inclusive as
questões de teste estão preparadas, que o entrevistador é experiente, e que o perito é ar-
ticulado e interessado na participação. É preferível usar dois entrevistadores, em lugar de
um, para evitar problemas de atenção, o que dificultaria a compreensão da informação.
A aplicação do MDC consiste em oito fases, isto é:
UÊ Preparação (como descrito acima).
UÊ Instrução.
UÊ Identificação e seleção do evento.
330 Ergonomia ELSEVIER

UÊ Recuperação do evento/ elaboração da linha temporal.


UÊ Verificação da linha temporal.
UÊ Identificação de pontos de decisão.
UÊ Interrogatório de sondagem (sobre o incidente/acidente).
UÊ Análise de dados e verificação.
Instrução: O analista descreve a razão para o estudo e introduz o processo de
eliciação do conhecimento passo a passo, explicando os motivos de cada fase. Durante
essa fase informações como experiência e nível de treinamento, história pessoal etc., são
obtidas.
Identificação e seleção do incidente: O perito fornece orientação recordando even-
tos específicos ocorridos no passado. Certos tipos de eventos são de interesse particular,
aqueles que são raros, difíceis e desafiadores, onde as decisões tomadas poderiam diferir
conforme a experiência do perito ou operador. A fase de seleção incidente é usada para
considerar incidentes que ilustrem mais que um conhecimento geral sobre o sistema ou
procedimentos de rotina, e procura identificar a verdadeira proficiência do especialista.
Os peritos/operadores devem ser avisados com antecedência sobre o incidente a ser dis-
cutido.
Recuperação do evento: os operadores/peritos expressam nas suas próprias pa-
lavras a história dos incidentes selecionados tão detalhadamente quanto possível. Isso
deve ser feito sem interrupções do entrevistador, com exceção de perguntas de esclare-
cimento ocasionais. Pode ser útil para o perito fazer desenhos ou gráficos para ilustrar
a história. Durante a fase de recuperação do evento, o entrevistador está comprometido
principalmente em tomar notas. Alternativamente, podem ser usados gravadores para
uma análise posterior. O propósito da fase de recuperação do evento é permitir que o
entrevistador trace a linha temporal dos eventos importantes, as decisões importantes, e
as ações importantes que foram levadas a cabo, como também estimular as recordações
do perito. A fase de recuperação do evento tem o benefício de reforçar a cooperação entre
operador e entrevistador, fazendo com que este último seja considerado um ouvinte em
vez de inquiridor. A linha temporal tenta ilustrar os eventos salientes dentro do inciden-
te, ordenados no tempo e expressos em termos da consciência de situação, pontos de
decisão e ações tomadas.
Verificação de linha temporal: a linha temporal é refinada e elaborada em conjun-
to pelo entrevistador e o operador enfatizando os pontos importantes.
Identificação de pontos de decisão: essa fase é administrada em paralelo com a
fase de verificação de linha temporal. A meta é especificar e verificar pontos de decisão,
quer dizer, pontos onde possíveis modos diferentes de entender uma situação existiram,
ou opções diferentes estavam disponíveis. Questões de teste sobre metas e opções em
cada ponto de decisão na linha temporal onde uma ação foi levada a cabo devem ser
elaboradas.
Capítulo 15 | Ferramentas de Ergonomia Cognitiva 331

Interrogatório de sondagem: o operador é guiado por meio do evento, para frente


ou para trás, sendo interrogado a partir de um conjunto de questões de sondagem pré-
planejadas. Esse é a mais longa e desgastante fase do MDC. São feitas questões de teste
para extrair detalhes das pistas de informações obtidas na avaliação de situação inicial do
incidente com referência aos pontos de decisão. Também são feitas questões de teste de
modo a permitir a evocação de experiências semelhantes do passado. O perito/operador
é guiado para especificar metas particulares em lugar de metas gerais de mais alto nível.
O propósito das questões de teste é especificar as dimensões importantes de variação para
as características fundamentais. Perguntas de teste sobre alternativas e opções em cada
ponto de decisão devem ser usadas para estabelecer as regras de raciocínio utilizadas.

15.2.7. Mapas cognitivos ou conceituais


Mapas cognitivos ou mapas conceituais (Eden, 1992) constituem-se de modos
relativamente não estruturados para desenhar diagramas para representar compreensão
conceitual da atividade de um trabalhador. Eles cobrem o conhecimento conceitual e
são relativamente fáceis de criar, uma vez que consistem de diagramas de bolha simples.
Mapas cognitivos têm uma tendência para crescer de modo descontrolado e podem ficar
incompreensíveis caso não sejam mantidos sob um controle rígido. Porém, eles proveem
um modo útil de estruturar os componentes de uma atividade, identificando assuntos de
interesse e relevância para uma posterior pesquisa em profundidade. O site <http://cmap.
ihmc.us/conceptmap.html> disponibiliza um software gratuito que permite a confecção
de mapas conceituais.

15.3. Conclusão
Neste capítulo nos propusemos a apresentar algumas das ferramentas mais utili-
zadas na Ergonomia Cognitiva. A partir dessa variedade de métodos procuramos mostrar
que não existe uma única maneira correta para se analisar a atividade cognitiva. Aqueles
que se dedicam a analisar a atividade cognitiva têm à disposição uma enorme variedade
de métodos, técnicas e ferramentas para eliciar e representar o conhecimento de espe-
cialistas, compreender como operadores tomam decisões em situação de trabalho, en-
tender como restrições do ambiente de trabalho afetam a atividade cognitiva etc. Assim,
em vez de se preocupar em seguir um determinado método “oficial”, os praticantes da
análise cognitiva podem se servir dessa enorme variedade de ferramentas para melhor
compreender o fenômeno cognitivo em foco, o que é muito mais importante do que a
preservação de um rigor metodológico que poderia interferir na real compreensão dos
fenômenos cognitivos.
332 Ergonomia ELSEVIER

As pesquisas em análise cognitiva do trabalho são normalmente feitas na forma


de estudos de campo ou situados, uma vez que essas pesquisas buscam situações re-
ais para a exploração de processos ou estratégias cognitivas ainda não completamente
compreendidas, como por exemplo, as tomadas de decisão em situação de emergência.
Assim, quando analisamos a complexidade das situações reais de trabalho não podemos
deixar que o rigor metodológico lance sombras sobre os fenômenos que estão sendo
estudados. Em pesquisas de campo qualitativas, o valor científico é conseguido quando
são empregados métodos bem documentados e análises descritas com suficiente nível de
detalhamento de modo que outros possam rever e discutir os resultados obtidos e, even-
tualmente, replicá-los em outras situações. É importante também documentar resultados
e evidências que sejam contra as hipóteses iniciais da pesquisa. Todas essas medidas são
importantes para agregar valor científico ao estudo da cognição em situação de trabalho,
conforme os objetivos desta publicação.
Desse modo, nós recomendamos que os pesquisadores e praticantes da análise
do trabalho cognitivo estejam preparados para utilizar um amplo conjunto de métodos,
técnicas e ferramentas que podem, inclusive, serem adaptadas à situação estudada.

15.4. Página escolar


Questões
1) Elabore uma entrevista estruturada para eliciar o conhecimento de uma cozinhei-
ra experiente na feitura de um bolo. Peça a mesma cozinheira para contar histórias
de fatos importantes (bons ou maus) que lhe ocorreram durante a feitura de bolos
ao longo de sua vida. Compare os resultados obtidos com cada método.
2) A partir de informações de fontes secundárias (disponíveis na imprensa, internet
etc.) a respeito do acidente do voo 1907 da Gol elabore um conjunto de questões
de sondagem, segundo o MDC, para identificar as decisões críticas tomadas pelo
controlador de tráfego aéreo naquele acidente.

Exercícios
a) Elabore um mapa conceitual da atividade de fritar um ovo utilizando o software
Cmap tools, disponível no site <http://cmap.ihmc.us/conceptmap.html>.
b) Considerando a atividade de fritar um ovo, elabore uma entrevista estruturada
para eliciar os conhecimentos necessários à fritura do ovo para a elaboração de um
livro eletrônico de receitas.
Capítulo 15 | Ferramentas de Ergonomia Cognitiva 333

Referências
CARVALHO, P. V. R.; VIDAL, M. C.; SANTOS, I. L. Nuclear power plant shift supervisor’s
decision-making during micro incidents. International Journal of Industrial Ergonomics,
v. 35, n. 7, pp. 619-644, 2005.
CARVALHO, R. J.; SALDANHA, M. C.; VIDAL, M. C. Knowledge and competence in-
volved in the stabilishment of a standardized flight safety training. World Congress on
Ergonomics, 17, Beijing. Proceedings… Beijing, 9-14 ago. 2009.
CRANDALL, B. et al. Tools for applied cognitive task analysis. Dayton: Klein Associates,
1994.
CRANDALL, B.; KLEIN, G.; HOFFMAN, R. Working minds: a practitioners guide to cogni-
tive task analysis. Cambridge: The MIT Press, 2006.
EDEN, C. On the nature of cognitive maps. Journal of Management Studies, v. 29, pp. 261-
265, 1992.
GOMES, J. O. et al. Resilience and brittleness in the offshore helicopter transportation
system: the identification of constraints and sacrifice decisions in pilots’ work. Reliability
Engineering & Systems Safety, v. 94, pp. 311-319, 2009.
HOFFMAN, R. R. A review of naturalistic decision making research on the critical decision
method and the recognition priming model of decision making. Nottingham: University of
Nottingham, 1995.
LEAL, R. P.; BORGES, M. R. S.; SANTORO, F. M. 2004, TellStory: Groupware para Su-
porte à Gestão de Conhecimento. Simpósio Brasileiro de Sistemas Multimídia e Web
(WEBMÍDIA), 10, 2004, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre, Sociedade Brasileira de
Computação, 2004. v. 1, pp. 141-148.
SANTOS, I. L. et al. The use of questionnaire and virtual reality in the verification of
the human factors issues in the design of nuclear control desk. International Journal of
Industrial Ergonomics, v. 39, pp.159-166, 2009.
Capítulo

16 Ferramentas organizacionais

Francisco Soares Másculo – DEP/UFPB

Conceitos apresentados
Este capítulo objetiva fornecer ao estudante algumas ferramentas organizacio-
nais importantes para a compreensão do posto de trabalho. São vistas as seguintes
ferramentas: Símbolos ASME, Gráficos de Fluxo de Processos, Fluxograma, Mapo-
-fluxograma, Diagrama de Fluxo Decisão-Ação, Gráfico Mão Direita – Mão Esquerda
e as ferramentas de arranjo físico para o posto de trabalho.

16.1. Introdução
Como foi dito no capítulo introdutório deste livro, a Ergonomia contribui para
a Engenharia de Produção tanto fornecendo seus conhecimentos para a subárea de En-
genharia do Produto como, mais especificamente, na subárea que podemos denominar
Engenharia do Trabalho, que objetiva planejar, projetar, implantar e controlar o posto
de trabalho e a maneira de se trabalhar. Essa área engloba os conhecimentos dos campos
da Engenharia de Métodos, Organização do Trabalho, Processos Produtivos e de Traba-
lho, Higiene e Segurança do Trabalho, Layout ou Planejamento das Instalações, além da
própria Ergonomia. Para o gerenciamento eficiente da produção não basta que se foque
somente a tecnologia, os sistemas, as instalações e os procedimentos ou métodos, mas o
conjunto disso tudo e suas interações com o ser humano, ou recursos humanos.
No contexto deste capítulo estamos interessados em abordar algumas ferramentas
organizacionais do campo da Engenharia do Trabalho que são de grande importância
para o engenheiro de produção no âmbito da Ergonomia. Vale ressaltar que durante o
curso de Engenharia de Produção espera-se que essas ferramentas sejam aprofundadas
em conteúdos de disciplinas pertinentes.
Capítulo 16 | Ferramentas organizacionais 335

O engenheiro de produção, ao se deparar com o projeto do trabalho, precisa defi-


nir e compreender como o trabalho será realizado. A primeira etapa para entendermos a
atividade que é executada em determinado posto de trabalho é determinarmos onde esse
posto se situa dentro da unidade produtiva. Uma unidade produtiva pode ser entendida
em uma perspectiva sistêmica como um espaço onde recursos produtivos, matérias-
-prima, insumos, máquinas e equipamentos interagem com seres humanos para gerar
os produtos ou bens finais. O Quadro 16.1 ilustra um sistema produtivo denominado
sistema de manufatura por Black (1998).

4XDGUR²6LVWHPDSURGXWLYRFRPHQWUDGDVHVDtGDV

Fonte: Black (1998).

Para que possamos contextualizar um trabalho em um posto de trabalho podemos


utilizar uma analogia em que vemos uma imagem do planeta Terra, depois de uma região
vista do espaço que vai se aproximando e mostra um continente, um país, um estado, uma
cidade, uma rua até uma praça e uma pessoa. As representações esquemáticas ou modelos
descritivos que a engenharia de produção utiliza servem para descrever o trabalho, situar
o posto de trabalho na planta e mostrar os fluxos de materiais, pessoas ou informações.

16.2. Gráficos de fluxo de processo


Um modelo descritivo ou ferramenta utilizada pela engenharia de produção para
representar as transformações da matéria-prima ao produto acabado é o denominado
Gráfico de Fluxo de Processo.
336 Ergonomia ELSEVIER

De acordo com o objetivo da análise do fluxo podemos ter a análise do:


UÊ ÕݜÊ`iÊ«iÃÜ>Ã]ʘœÊœ«iÀ>`œÀʜÕʘœÊVˆi˜Ìi]ʜLïÛ>˜`œÊœÊiÃÌÕ`œÊ`>ÊÀ>Vˆœ˜>ˆâ>-
ção da produção e o projeto de métodos e estudo de tempos.
UÊ ÕݜÊ`iʓ>ÌiÀˆ>ˆÃ]Ê«iÀVÕÀÜÊ`>ʓ>ÌjÀˆ>‡«Àˆ“>]Ê«Àœ`Õ̜Êi“Ê«ÀœViÃÜ]Ê«iX>ÊVœ“-
prada, inserção de insumos, e produto acabado.
UÊ ÕݜÊ`iʘvœÀ“>XªiÃ]Ê`>`œÃ]ʈ˜vœÀ“>XªiÃÊi“Ê“iˆœÊv‰ÃˆVœ]Êe-mail, telefone etc.,
focando a análise de processos administrativos.
A ferramenta mais utilizada para elaboração dos Gráficos de Fluxo são os símbo-
los ASME (American Society of Mechanical Engineering). São cinco símbolos formados por
figuras geométricas, e é possível a combinação desses símbolos (ver Quadro 16.2).

4XDGUR²6tPERORV$60(SDUDJUiÀFRVGRÁX[RGHSURFHVVR

16.2.1. Fluxograma
O Fluxograma é uma ferramenta que permite representar de forma gráfica, por
meio de símbolos padronizados, todas as etapas de um processo e como elas se relacio-
nam entre si. Essa ferramenta permite explicitar o funcionamento de qualquer operação,
por mais complexa que seja, de forma clara e lógica, facilitando a identificação de etapas
problemáticas, desnecessárias ou mesmo inexistentes. Nesse caso, estamos falando de
fluxo de materiais. É também usado o fluxograma para pessoas e mesmo de informações.
A contribuição das pessoas envolvidas no processo é fundamental para a represen-
tação fiel das atividades do processo. Portanto, a montagem do Fluxograma deve seguir
uma sequência pré-estabelecida:
1) O primeiro passo é elaborar uma lista de todas as atividades rotineiras realizadas
para a execução do processo em estudo.
2) Identificar os diversos intervenientes do processo, denominados de cliente inter-
no e externo.
3) Finalizar com a diagramação do Fluxograma Funcional e/ou Carta de Processo,
utilizando a simbologia padronizada, para uma melhor visualização e análise do
processo como um todo.
Capítulo 16 | Ferramentas organizacionais 337

a) Exemplos de fluxogramas do processo


A Figura 16.1 mostra um Gráfico de Fluxo do Processo para uma rotina de es-
critório. São utilizados os símbolos ASME para representar o processo desde que um
pedido é feito pelo supervisor até o pedido da mercadoria pronta.

)LJXUD*UiÀFRGR)OX[RGH3URFHVVRSDUDXPDURWLQDGHHVFULWyULR

Fonte: adaptado de Barnes (1977).

É também comum o uso de fluxograma utilizando uma simbologia mais simplifi-


cada, ou seja, sem utilização dos símbolos ASME. Representa-se nesse caso as operações,
as esperas e estocagem por retângulos e quando se tem uma decisão, por um losango. O
exemplo abaixo mostra a montagem do fluxo operacional de uma unidade de armação
338 Ergonomia ELSEVIER

de laje a partir de barras de ferro, executada partindo da descrição das atividades cons-
tantes no processo.

b) Rotina: unidade de armação


UÊ Descarregar caminhão.
UÊ Transporte para seleção.
UÊ Seleção.
UÊ Cortar.
UÊ Leitura da programação.
UÊ Preparação da máquina de dobrar.
UÊ Dobragem.
UÊ Transporte e armazenamento dos dobrados.
UÊ Transporte de ferro para armação.
UÊ Armação.
UÊ Transporte da ferragem para estoque.
UÊ Embarque de ferro no caminhão.

c) Fluxo operacional
)LJXUD)OX[RRSHUDFLRQDOGHXPDXQLGDGHGHDUPDomRGHODMH

Fonte: <http://www.eps.ufsc.br/disserta96/maues/figuras/fig42.gif>. Acesso em: 27 ago. 2010.


Capítulo 16 | Ferramentas organizacionais 339

16.2.2. Mapo-fluxograma (ou mapa-fluxograma)


O Mapo-fluxograma é uma forma gráfica de análise de operações que completa os
Fluxogramas, ou seja, uma planta da unidade em estudo, com a localização de máquinas,
postos de trabalho, devendo ser elaborado de acordo com as etapas abaixo:
1) Desenhar o layout da unidade em estudo.
2) Identificar no layout o local onde ocorrem as operações.
3) Traçar sobre o layout os trajetos seguidos pelas matérias-primas, peças ou produtos.

)LJXUD0DSRÁX[RJUDPD²JUiÀFRGHÁX[RGRSURFHVVRVREUHYLVWDGHSODQWD

Fonte: Miyake (2010).

A Figura 16.4 mostra as atividades do operador 02 ilustrado na Figura 16.3.


)LJXUD0DSRÁX[RJUDPDGRRSHUDGRU

Fonte: Miyake (2010).


340 Ergonomia ELSEVIER

16.2.3. Diagrama de Fluxo Decisão-Ação


Uma ferramenta descritiva bastante utilizada em call centers ou check-outs é o dia-
grama de fluxo com a estrutura de decisão, que é uma versão do condicional “se” usado
em programação computacional. Elas também são conhecidas como protocolos ou tabe-
las de contingência. Elas descrevem sem ambiguidade sistemas de decisão complexos,
com muitas variáveis e muitas regras. A Figura 16.5 mostra um Diagrama de Fluxo
Decisão-Ação para um operador de check-out usando um scanner a laser.

)LJXUD'LDJUDPDGHÁX[RGHFLVmRDomR
1. Procurar itens
2. Pegar item com a mão direita
(ambas as mão se grande)
3. O item deve ser pesado? Sim/
Não
4. Inspecionar o código Sim/Não
5. Inspecionar para itens idênticos
no lote
6. O no de itens similares é maior
que 2? S/N
7. Inspecionar posicionamento do
código
8. Passar item para a mão esquerda
9. Passar item sobre o scanner
10. Escaneamento foi sucesso? S/N
11. É o item frágil ou vulnerável?
S/N
12. Colocar o item no segundo
transportador
13. Inspecionar – é o último item?
S/N
14. O cliente quer uma bolsa? S/N
15. Apertar total
16. Diga ao cliente o preço
17. Espere por pagamento
18. Receba o pagamento
19. Tecle a quantia recebida
20. Veja o troco
Capítulo 16 | Ferramentas organizacionais 341

21. Pegue o dinheiro e dê o troco


22. Obtenha e dê o recibo
23. Transfira o item para a mão es-
querda
24. Coloque o item na balança
25. Obtenha preço/quilo
26. Tecle preço/quilo com a mão di-
reita
27. Inspecionar pela marca do preço
S/N
28. Apertar botão de intercomuni-
cação
29. Espera (continua trabalhando)
30. Quando soa campainha dê deta-
lhes do produto
31. Espera (continua trabalhando)
32. Recebe informação de preço
33. Tecle preço com a mão direita
34. Tecle no de itens idênticos
35. Coloque restante de itens idênti-
cos no segundo transportador
36. Decidir quando escanear nova-
mente
37. Ler código? S/N
38. Tecle código
39. Colocar na borda em frente ao
cliente
40. Alcançar a bolsa
41. Dê a bolsa para o cliente
42. Tecle preço da bolsa

Fonte: Konz (1990).

16.2.4. Gráfico mão direita × mão esquerda


Outra representação gráfica para descrever os movimentos das mãos direita e es-
querda é o gráfico mão direita × mão esquerda. Ele descreve os movimentos simultâneos
de cada mão. Pode se levar em consideração o tempo. A Figura 16.6 mostra o gráfico
para uma montagem de parafuso e arruelas.
342 Ergonomia ELSEVIER

)LJXUD*UiÀFRPmRGLUHLWDðPmRHVTXHUGD

Fonte: Barnes (1977).

16.3. O arranjo físico e a Ergonomia


O arranjo físico lida com a localização física dos recursos de transformação. Trata
de decidir onde colocar todas as instalações: máquinas, equipamentos e pessoal. Ele
determina a forma e a aparência dos locais de trabalho e como os processos irão fluir.
Um bom arranjo físico proporciona:
UÊ Segurança – demarcações passagens, isolamento de operações perigosas.
UÊ Minimização das distâncias – deslocamentos menores com ganho de tempo.
UÊ Boa sinalização (informação).
Capítulo 16 | Ferramentas organizacionais 343

UÊ Conforto para os operadores (evitar fatores físico-ambientais: iluminação, ruídos,


vibrações, temperatura).
UÊ Facilidade de coordenação (gerência).
UÊ>Vˆˆ`>`iÊ`iÊ>ViÃÜÊDÃʜ«iÀ>XªiÃÊiʓ?µÕˆ˜>ÃÊ­VœÌˆ`ˆ>˜œÊiʓ>˜ÕÌi˜XKœ®°
UÊ"̈“ˆâ>XKœÊiʓi…œÀ>Ê`œÊÕÜÊ`œÊië>XœÊ­À>Vˆœ˜>ˆâ>XKœ®°
UÊÕ`>˜X>ÃÊ`iʜ«iÀ>XªiÃÊV>ÜʘiViÃÃ?ÀˆœÊ­“i…œÀˆ>Êi“Êset-ups).
O arranjo físico interage com a Ergonomia diretamente nos aspectos que di-
zem respeito às atividades do trabalhador. O tipo de arranjo físico da planta in-
fluencia o trabalho diretamente. Por exemplo, um layout celular em forma de U
para operadores multifuncionais ou polivalentes possibilita a rotação entre diversos
postos de trabalho (ver Figura 16.5). Também as ferramentas do arranjo físico são
usadas no projeto do posto de trabalho, ajudando ao trabalhador a diminuir esforços
desnecessários e minimizar erros na operação de máquinas, equipamentos ou em
linhas de montagem.

Figura 16.7: LayoutHPIRUPDGH8HPXPDFpOXODGHSURGXomRSDUDRSHUDGRUHVSROLYDOHQWHV

Fonte: Iida (2005).


344 Ergonomia ELSEVIER

16.3.1. Tipos de arranjos físicos


1) Arranjo físico posicional (de posição fixa): não há fluxo do produto (perma-
nece fixo enquanto está sendo processado). Ocorre um fluxo de materiais,
pessoas, máquinas, facilidades em direção ao produto. A localização dos re-
cursos não vai ser definida com base no fluxo de recursos transformados, mas
na conveniência dos recursos transformadores em si. O objetivo do projeto
detalhado do layout é conceber um arranjo que possibilite aos recursos trans-
formadores maximizar sua contribuição potencial ao processo de transfor-
mação caracterizado pela imobilidade do produto ou serviço que está sendo
produzido ou prestado.
2) Arranjo físico por processo: também chamado de layout funcional ou job shop.
Trabalha com uma variedade de produtos personalizados em lotes relativamente
pequenos. Usam máquinas de uso geral, que podem ser mudadas rapidamente
para novas operações, para diferentes projetos de produtos. As máquinas são or-
ganizadas de acordo com o tipo de processo que é executado: setor de usinagem,
setor de pintura, setor de soldagem etc. Trabalha com flexibilidade. O projeto
desse tipo de layout é marcado pela complexidade devido ao grande número de
diferentes alternativas de arranjos entre os diversos centros de trabalho existentes.
Assim, na prática, torna-se difícil encontrar soluções ótimas. Quando se projeta
um arranjo físico usa-se uma combinação de intuição, bom-senso e técnicas de
tentativa e erro.
3) Arranjo físico celular (tecnologia de grupo): as máquinas são agrupadas em células
e funcionam de uma forma bastante semelhante a uma ilha de layout por processo
(job shop). O fluxo de materiais e peças tende a ser mais similar a um layout por
produto do que a uma job shop (por isso é considerado uma combinação desses
dois tipos de arranjo físico).
4) Arranjo físico por produto: são organizados para acomodar somente alguns pou-
cos projetos de produto (baixa variedade de produtos), permitem grande volume
de produção e trabalha com equipamentos de baixa flexibilidade (usam máquinas
especializadas) e são projetados para permitir um fluxo linear de materiais ao lon-
go da linha de produção.
5) Arranjo físico misto: a maioria das instalações de manufatura usa uma combina-
ção de tipo de arranjo físico. Departamentos são organizados de acordo com os
tipos de processos, mas o produto flui por meio de um layout por produto.
A Figura 16.8 abaixo mostra o esquema dos tipos de arranjos físicos.
Capítulo 16 | Ferramentas organizacionais 345

Figura 16.8: LayoutsHVTXHPiWLFRVGHTXDWURVLVWHPDVFOiVVLFRVGHPDQXIDWXUD


D layoutGHSURFHVVRRXIXQFLRQDO E layout de linha ou produto;
F layoutGHSRVLomRÀ[DH G SURFHVVRFRQWtQXR

Fonte: Black (1998).

16.3.2. Ferramentas descritivas utilizadas no arranjo físico por processo


No processo de projeto em arranjo físico por processo, algumas informações são
essenciais para o projetista e ferramentas úteis também para o projeto e a avaliação do
processo de trabalho:
UÊ A área requerida por centro de trabalho.
UÊ As restrições sobre a forma da área a ser alocada para cada centro de trabalho.
UÊ O nível e a direção do fluxo entre cada par de centros de trabalho (por exemplo,
número de jornadas, número de carregamentos, ou custo do fluxo por unidade
percorrida).
UÊ O quão desejável é manter centros de trabalho próximos entre si ou próximos de
algum ponto fixo do arranjo físico.

O nível e a direção do fluxo são em geral representados em diagrama de fluxo,


ou Carta DE-PARA, como ilustrado na Figura 16.9(a), que registra no exemplo o
número de carregamentos transportados entre departamentos. Há diversas maneiras
de coletar essa informação. Em algumas operações, dados sobre o fluxo podem ser
obtidos com base em informações sobre o roteiro de produção dos produtos e de
suas demandas. Onde o fluxo é mais aleatório, como numa biblioteca, por exemplo, a
346 Ergonomia ELSEVIER

informação poderia ser obtida por observação das rotas percorridas pelos clientes ao
longo de um determinado tempo representativo. Se a direção do fluxo entre os centros
produtivos faz pouca diferença para a decisão sobre arranjo físico, a informação pode
ser simplificada, como na Figura 16.9(b), sendo uma alternativa, como ilustrado na
Figura 16.9(c). Em algumas situações é de interesse o custo de mover materiais ou
clientes entre os centros de trabalho. Na Figura 16.9(d) é ilustrado o custo unitário de
se transportar um carregamento entre cinco centros de trabalho. Podem-se combinar
os dados de custo unitário e fluxo para obterem-se os dados de custo por distância
percorrida (figuras 16.9(e) e 16.9(f)).

)LJXUD&DUWDV'(3$5$

Fonte: Slack et al. (2002).

Um método qualitativo alternativo de se indicar a importância relativa das rela-


ções entre centros é a carta de relacionamentos. Ela indica o quão desejável é manter
pares de centros juntos uns dos outros. A Figura 16.10 mostra uma carta de relaciona-
mentos para um laboratório de testes. É importante que alguns departamentos estejam
juntos, como, por exemplo, teste eletrônico e metrologia. Outros devem estar o mais
longe possível, como, por exemplo, teste de impacto e metrologia.
Capítulo 16 | Ferramentas organizacionais 347

)LJXUDFDUWDGHUHODFLRQDPHQWRV

Fonte: Slack et al. (2002).

16.3.4. O arranjo físico e o posto de trabalho


O layout do posto de trabalho diz respeito à distribuição espacial ou ao posicio-
namento relativo dos diversos elementos que compõem o posto de trabalho. Os critérios
mais importantes que norteiam o arranjo físico nos postos de trabalho são:
a) Importância: o componente mais importante deve estar em posição de destaque.
Na Figura 16.11 observamos que o painel de navegação e de controle de altitude,
velocidade e direção na cabine de uma aeronave Airbus A-320 está em posição
frontal ao piloto.
Figura 16.11: CockpitGR$LUEXV$
348 Ergonomia ELSEVIER

b) Frequência de uso: componentes usados com maior frequência devem ser colo-
cados em posição de destaque e de mais fácil alcance e manipulação.
c) Agrupamento funcional: elementos de funções semelhantes entre si formam gru-
pos que podem ser mantidos em blocos. Na Figura 16.11 observamos dispositi-
vos visuais predominantemente na parte central e comandos ao centro.
d) Sequência de uso: seguem um ordenamento operacional temporal. Aquele que é
acionado primeiro é posicionado primeiro (Figura 16.12).

)LJXUD$UUDQMRSHODVHTXrQFLDGHXVR

Fonte: Iida (2005).

e) Intensidade de fluxo: os elementos entre os quais ocorre maior intensidade de


fluxo são colocados próximos entre si. A Figura 16.13 ilustra esse critério.

)LJXUD$UUDQMRSHODLQWHQVLGDGHGHÁX[R

Fonte: McCormick (1970).


Capítulo 16 | Ferramentas organizacionais 349

f) Ligações preferenciais: a qualidade do fluxo define as ligações.

Figura 16.14: Arranjo pelas ligações preferenciais

Fonte: Iida (2005).

16.4. Página escolar


Questões
1) Utilizando os símbolos ASME, descreva o trabalho de fritar um bife na sua cozi-
nha.
2) Faça um mapo-fluxograma das atividades que você realiza desde que acorda até
sair de casa para ir para a faculdade.
3) Analise o painel de um carro que você conheça e verifique se há algum critério de
arranjo físico para a disposição dos mostradores e controles.
4) Vá até uma copiadora na sua faculdade e construa o diagrama de fluxo decisão-ação
do operador.
5) Construa o gráfico mão direita × mão esquerda para a atividade de dirigir um automó-
vel.
6) Vá até um restaurante na sua faculdade e construa uma carta de-para dos diversos
setores.
7) Escolha uma empresa que seja produtora de bens manufaturados ou de prestação
de serviços; observe como as pessoas trabalham, descreva o seu processo produti-
vo e construa seu fluxograma e mapo-fluxograma.
350 Ergonomia ELSEVIER

Referências
BARNES, R. M. Estudo de tempos e movimentos. São Paulo: Edgar Blücher, 1977.
BLACK, J. T. O projeto da fábrica com futuro. Porto Alegre: Bookman, 1998.
IIDA, I. Ergonomia, produto e produção. 2. ed. São Paulo: Edgard Blücher, 2005.
KONZ, S. Work design: industrial ergonomics. 3. ed, Ohio: Publishing Horizons, 1990.
MCCORMICK, E. J. Human factors engineering. New York: McGrawn-Hill, 1970.
MIYAKE, D. I. Ferramentas para registro e análise de fluxo: 1. Disponível em: <http://
www.pro.poli.usp.br/graduacao/backup/disciplinas-em-andamento/pro2415_1_2-1/
Ferramentas%20para%20registro%20e%20analise%20de%20fluxo%20-%201.pdf>.
Acesso em: 1o jun. 2010.
SLACK, N.; CHAMBERS, S.; JOHNSTON, R. Administração da produção. 2. ed. São Paulo:
Atlas, 2002.
Capítulo

17 Antropometria

Mario Cesar Vidal, Dr. Ing – PEP/COPPE/UFRJ

Conceitos apresentados
Neste capítulo veremos os conceitos-chave da antropometria, iniciando com
uma breve revisão de estatística básica, para nos possibilitar o entendimento do termo
percentil antropométrico de uma população de trabalhadores, intensamente emprega-
do em Ergonomia.1 Em seguida, caracterizaremos o tipo de distribuição estatística que
nos interessa neste capítulo, o da distribuição antropométrica, acrescendo-o de uma
explanação acerca dos principais fatores que influenciam em sua formação. O capítulo
se encerra com algumas considerações úteis para o uso da antropometria na parcela
que lhe cabe no projeto de transformações positivas da situação de trabalho, qual seja,
o dimensionamento de postos de trabalho.
1

17.1. Introdução: qual o tamanho adequado das coisas?


Naturalmente você já deve ter experimentado a desagradável sensação de ter de
manipular objetos localizados em lugares muito altos ou excessivamente baixos, tanto
como se ver na contingência de manusear, com frequência, dispositivos ou aparelhos
localizados a uma distância maior do que seria razoável. Quando se trata de um telefone
ou estante em sua própria casa, menos mal, você ainda pode trocar essas coisas de lugar
e ficar mais confortável. Quando se trata de um produto industrial que já veio de fábrica
com essa configuração, resta-lhe trocar o modelo por outro, o que já dificulta um pouco
mais. Mas quando se trata de um posto de trabalho, pode ser que você não possa sequer
reclamar disso. Você pode, assim, imaginar o problema de muitos trabalhadores com
relação a tais restrições.

1
Para efeito de destaque, sempre empregaremos o termo Ergonomia como nome próprio.
352 Ergonomia ELSEVIER

A pergunta que se faz em tais circunstâncias é: porque as coisas já não vêm de


fábrica ou não são projetadas de acordo com a necessidade de cada usuário, de cada
ocupante, de cada pessoa? Afoitamente seríamos tentados a dizer que isso seria im-
possível, cada pessoa tem uma estatura, dimensões próprias e, portanto, não se pode
agradar a todos. Já um engenheiro bem formado, com conhecimentos de Ergonomia,
sabe rebater esse argumento com classe e elegância: existem métodos de engenharia
capazes de dar conta dessa situação aparentemente insolúvel e encaminhar soluções
úteis, práticas e aplicadas, compatíveis com o orçamento pessoal (no caso da resi-
dência), sem encarecer os preços de venda ao consumidor (no caso dos produtos) e
perfeitamente realizáveis dentro da gestão industrial ou administrativa (no caso das
situações de trabalho).
Esses métodos de engenharia têm uma fundamentação estatística, formam um
conhecimento que nos possibilitam enunciar recomendações, normas e padrões para a
fabricação de produtos e orientam o projeto e correção de situações de trabalho. A esse
conjunto de temas chamamos, em Ergonomia, de antropometria. É disso que trata o pre-
sente capítulo, que será desenvolvido em dois grandes tópicos: o estudo antropométrico
de uma dada população, nossa base de referência para agir, e a aplicação da antropome-
tria em projetos de produtos e situações de trabalho, que vem a ser a essência de nossas
ações ergonômicas no tema antropometria.

17.1.1. Estudo antropométrico


Um estudo antropométrico abrange os métodos e técnicas que nos possibilitam
obter um conjunto satisfatório de medidas e conformações do corpo ou partes do corpo
humano. Isso se materializa por meio de um levantamento estatístico da população local
(amostral ou censitário).2 A obtenção das medidas corporais é possível, graças a alguns
equipamentos existentes no mercado – escala antropométrica ou antropômetro – ou por
métodos mais elaborados de captura de dados, como fotogrametria ou digitalização hu-
mana (body-scan). O desenvolvimento de métodos computacionais incorporando novos
recursos de simulação, visualização 3D e realidade ampliada, nos coloca diante de uma
Ergonomia cada vez valorizada como disciplina de projeto, e onde a antropometria tem
um destaque especial.
O estudo antropométrico é uma etapa necessária para a definição do projeto,
sua correção dimensional mediante verificação estática, e, contrariamente ao que muitos
pensam, é responsável direto por parte importante da dinâmica dos movimentos. Caso
o aspecto dimensional de um posto de trabalho estiver mal elaborado, certamente o

2
Por estatística se entende qualquer operação realizada sobre dados coletados. As estatísticas, de forma muito
simplificada, dividem-se em censitárias e amostrais. Realiza-se um censo quando se busca coletar dados de
toda uma população. Quando isso não é possível realizamos amostragens de diversos tipos e segundo varia-
dos métodos de precisão especifica.
Capítulo 17 | Antropometria 353

operador será obrigado a adotar posturas forçadas, num dado momento, ou executar
uma sequência de movimentos desequilibrados numa configuração dinâmica. Esse fato
pode ser facilmente observado em postos cujos pontos de atuação estão muito altos,
obrigando o operador a abduzir os ombros, ou flexionar os punhos. Em contrapartida,
quando o ponto de trabalho estiver abaixo do recomendado, haverá flexão do tronco
numa orientação pelo menos desconfortável.
A prática dimensional clássica é feita tomando-se as medidas do esqueleto huma-
no, estruturas mais rígidas do corpo. Faz-se necessário, entretanto, que também consi-
deremos um outro importante fenômeno antropométrico: a existência de uma tipologia
diferenciada de indivíduos em função da região, etnia, condição social, colonização etc.
Esse fato é particularmente importante num Brasil, onde temos dificuldades para iden-
tificar claramente qual é o “tipo brasileiro” característico. As populações das empresas
brasileiras, portanto, podem apresentar significativas divergências corporais não apenas
junto ao seu público interno – por exemplo, entre unidades de uma mesma organização
– como entre empresas de mesmo ramo. Isso impossibilita, na prática, que um estudo
feito em uma empresa ou unidade, sirva integralmente para promover adequações em
outra. Devemos entender esses preceitos, e abrir nossas mentes para uma realidade indis-
cutível: a diversidade antropométrica, maior e mais significativa que a diversidade racial
e de gênero junto a nossos trabalhadores. E isso significa: para cada grupo humano, um
estudo antropométrico particular. Não fazer isso é a mesma coisa que levar o exame de
sangue de seu vizinho para uma consulta com seu médico...

17.2. Estudos de antropometria estática


O estudo antropométrico estático tem por objeto as dimensões e características do
corpo parado. Ele visa, num primeiro momento, estabelecer o melhor dimensionamento
possível para alcance, uso, manuseio, deslocamento, encaixe ou acesso. Ora, em nosso
cotidiano podemos assinalar algumas situações criticas. Por exemplo:
UÊ ˆÃÌ@˜Vˆ>Êi˜ÌÀiʜÃÊ>ÃÃi˜ÌœÃÊ`œÃʞ˜ˆLÕÃÊiÊ>ۈªià – qualquer pessoa que possua mais
de 170 cm, não encaixa devidamente as pernas entre os bancos dos ônibus. Infeliz-
mente essa “moda” pegou nas principais companhias aéreas nacionais.
UÊ ÌÕÀ>Ê`>ÃÊ}ž˜`œ>ÃʘœÃÊÃÕ«iÀ“iÀV>`œÃ – a mulher brasileira possui em média 157
cm. As prateleiras têm produtos expostos em alturas em torno de 1,80 m, chegando a
2,00 m em alguns casos.
As medidas antropométricas apresentam uma variação histórica para uma dada
população, chamada de variação secular. O crescimento populacional, fenômeno que
ocorre em praticamente todos os países industrializados, evidencia o aumento da esta-
tura da população formada pelos mais jovens, que se mostram cada vez mais altos em
comparação aos seus pais. Isso pode ser constatado em nosso próprio país, a cada vez
354 Ergonomia ELSEVIER

que saímos às ruas. O curioso é que estudos constataram que as proporções entre mem-
bros e tronco não se alteraram, o que faz supor que existe uma definição genética com as
proporções do corpo, porém, não com a dimensão (Koermer, 2004).
Esse crescimento espetacular dos jovens nos obriga a ponderar a validade dos es-
tudos antropométricos, após alguns anos de sua elaboração. Recomendamos, portanto,
que se faça uma revisão regular dos estudos antropométricos caso algumas das situações
indicadas na Figura 17.1 venham a ocorrer.

)LJXUD)DWRUHVGHYDULDo}HVHPXPHVWXGRDQWURSRPpWULFR

17.2.1. Distribuições antropométricas


Distribuições antropométricas são distribuições estatísticas de dimensões huma-
nas. Tais distribuições têm a características de apresentar um alto desvio padrão, embora
com pouca variação entre frequências. Assim é que no intervalo central (do valor [média
– desvio padrão] ao valor [média + desvio padrão]) de uma distribuição antropométrica,
encontram-se de 18 a 25% dos valores amostrais (itens da amostra). Isso ilustra quão
diversificada é a raça humana em termos antropométricos, e isso é uma primeira dificul-
dade para o projetista.
Para contornar tal obstáculo empregamos o uso de percentis estatísticos.3 Um
percentil significa um valor calculado e que nos garante um limite (superior ou infe-
rior) de pertinência a uma classe de equivalência. Por exemplo, convencionou-se con-
siderar como baixas aquelas pessoas cuja estatura é inferior a um valor calculado para
cada população (no Brasil esse valor é de 1,54 m). Em antropometria empregamos os
percentis de 1%, 5% e 10% para os limites inferiores e os limites superiores de 90%,
95% e 99%.

3
As estatísticas em Ergonomia as estatísticas, na maioria das vezes, têm características censitárias dado que as
ações, por se tratar de pequenos contingentes, um setor com 4 a 10 posições de trabalho, variando de 4 a 30
ocupantes. Mais ainda, nas vezes em que nos recorremos a amostragens, os tratamentos essenciais de dados,
tais como estabelecer médias e desvio-padrão, são largamente suficientes para a maioria das aplicações. Essa
simplicidade não se estende ao campo da Ergonomia como um todo. Somente aos campos mais avançados
da Ergonomia
Capítulo 17 | Antropometria 355

Como isso funciona? A curva de Gauss, a distribuição de uma medida, da forma


como mostramos, nos responde à seguinte pergunta: quantas pessoas encontramos numa
dada faixa de medidas. Se voltarmos ao nosso exemplo de comprimentos de pernas de
74, 72, 71, 83, 73, 85, 72, 75, 73, 80, 81 e 82 cm, quantas pessoas encontramos entre
72 e 75 de altura de quadris? A resposta é cinco, e isso pode seu observado diretamente
nas curvas de Gauss abaixo.

)LJXUD&XUYDVGH*DXVV

Leiamos essas figuras. À esquerda temos a distribuição da frequência relativa em


torno da média, chamada de curva de Gauss. Ela nos fornece a frequência relativa da fai-
xa de medidas (classe de equivalência). A frequência relativa da classe de estaturas entre
72 e 75 é de cinco por cento (5%). Ao lado temos a curva de frequência acumulada onde
cada ordenada expressa a frequência acumulada desde o mínimo e até o ponto em que
se avalia (medida limite), ilustrado pelas setas. Tomando a estatura de 1,85 como limite,
abaixo dela encontraremos 82,5% da população.
Se fizermos outra pergunta-, por exemplo, quantas ocorrências existem dentro de
certo intervalo, teremos que realizar uma série de cálculos. Pois a figura acima, inicial-
mente, nos indica que:
UÊ ÌjÊÇ£ÊV“\ÊÎÊV>ÜÃÆ
UÊ ÌjÊǙ\Ê£ÈÊV>ÜÃÊ­œÃÊÌÀkÃÊ>ÌjÊÇ£]ʜÃÊVˆ˜VœÊi˜ÌÀiÊÇÓÊiÊÇxÊiʜÃÊi˜ÌÀiÊÇÈÊiÊǙ®Æ
UÊ ÌjÊnÎ\ÊÓÇÊV>ÜÃÊ­œÊ̜Ì>Ê>˜ÌiÀˆœÀʓ>ˆÃʜÃÊ££Ê>`ˆVˆœ˜>ˆÃÊi˜ÌÀiÊǙÊiÊnή°
E assim sucessivamente. O percentil 5% significa que 5% da população está abai-
xo daquele valor. O percentil 95% significa que esse valor engloba 95% da população. E
a média? Ela fica no meio, pois corresponde ao percentil 50%.

17.3. Cálculo dos percentis antropométricos


O cálculo de percentis de uma população real pode ser feito de duas formas com
dados locais: casos em que é necessária uma coleta de dados – mediante calculo numéri-
co ou mediante o uso da curva de Gauss normalizada. Em alguns casos se pode empregar
uma referência estrangeira, pois já existem parâmetros de ajuste delas para a população
356 Ergonomia ELSEVIER

brasileira. No entanto, a vantagem da facilidade é contrabalançada pelo fato de que esses


ajustes introduzem uma razoável imprecisão.

17.3.1. Mediante cálculo numérico


Para o cálculo numérico, nossa coleta de dados nos deverá ter possibilitado o
estabelecimento de parâmetro relativo à média (Z) e do desvio padrão (s) da população.
Partimos da constatação de que se a media representa o percentil 50%, o percentil infe-
rior estará abaixo da média e o percentil superior acima dela.
Em seguida vamos testar para saber se nossa distribuição é homogênea ou desba-
lanceada. Se for homogênea em nossa amostra ela terá o mesmo número de elementos
acima e abaixo da média. Se não for apresenta mais números para um lado do que para
o outro e nesse caso recomenda-se fazer cálculos separados para o percentil superior e
inferior. Os estudos das populações apontam uma característica normal para as distribui-
ções antropométricas, o que significa distribuição homogênea.

)LJXUD'LVWULEXLomRDQWURSRPpWULFDGHXPDWXUPDGHDOXQRVGHHVSHFLDOL]DomR

Assim sendo, de posse de uma coleta de dados se calculam os valores da média e


desvio padrão, e tenta-se chegar ao valor de cada percentil. Para realizar esses cálculos
fazemos uso de uma álgebra simples. Sabemos que:
a) Os valores PD = Z ± [D * s] correspondem a esses percentis;
b) Para D = 0 teremos a média: P0 = Z + 0.s = Z,
c) O percentil 1% é praticamente obtido com o valor P100 = Z – 3 D.
d) O percentil 99% é praticamente obtido com o valor P100 = Z + 3 D.
O Quadro 17.1 resume os valores de D para distribuições homogêneas. Com eles
e de posse da média e do desvio padrão podemos estabelecer as medidas que nos inte-
ressam.
Capítulo 17 | Antropometria 357

4XDGUR²&iOFXORVGHYDORUHVDPRVWUDLVXVDQGRRIDWRUD

Símbolo Valores de D
Formula do percentil
Percentil FP
P11 D1 
P55 D5  3 Z PHGLD ²D[
GHVYLRSDGUmR
P D 
P D 
P95 D95  3 Z PHGLD D[
GHVYLRSDGUmR
P99 D99 

17.3.2. Exercício de fixação


Num levantamento antropométrico em um supermercado encontrou-se uma mé-
dia de altura de 166 cm e um desvio padrão de 7,12 cm. Qual deve ser a estatura mínima
e máxima dessa população?
Resposta: Primeiramente o responsável deverá estabelecer um critério: qual o per-
centil máximo e mínimo? Suponhamos que se escolha 1% para o mínimo e 95%
para o máximo. Os valores serão
Estatura mínima: Pmin = A (média) – D1 x desvio padrão = 166 – [2,326 * 7,12]
=149,4 cm
Estatura máxima: Pmiax = A (média) + D95 x desvio padrão = 166 + [1,645 * 7,12]
=177,8 cm

17.3.3. Uso de tabelas padronizadas


Podemos obter essas medidas diretamente com o uso de tabelas padronizadas. Es-
ses padrões são dados por diferentes normas técnicas nacionais e internacionais. No Bra-
sil destacamos as normas da ABNT NBR 6068:1879 – Pesos e dimensões de adultos para
uso em veículos rodoviários Eletrônico e NBR 15127:2004 – Corpo humano – Definição
de medidas. No exterior os materiais mais criteriosos são os do FES 300 COMMITTEE,
organizado pela Sociedade Norte-americana de Ergonomia (HFES) e os da própria ISO,
do qual deriva o padrão NBR 15127. Essas tabelas utilizam um valor de entrada (a esta-
tura, por exemplo) ou um critério (um percentil estabelecido). Com esse parâmetro, ao
longo da mesma linha ou coluna obtemos as demais medidas correspondentes ao valor
ou ao percentil. Entre as publicações disponíveis, o software Ergokit desenvolvido pelo
INT/RJ é o mais interessante, já que apresenta os dados já calculados de algumas popu-
lações típicas do Rio de Janeiro, cidade com forte componente migratório das demais
regiões brasileiras (Figura 17.4).
358 Ergonomia ELSEVIER

)LJXUD([FHUWRGRsoftware(UJRNLW ,175-
Capítulo 17 | Antropometria 359

17.3.4. Uso de material estrangeiro


No âmbito internacional temos dados confiáveis acerca de várias populações, es-
pecialmente a latino-americana (Charaud; Prado, 2008). Nos países europeus e norte-
-americanos as tabelas antropométricas fazem parte de seus acervos normativos e estão
disponíveis nos institutos de normas de cada pais (AFNOR na França, BSI na Inglaterra,
ANSI nos USA). No entanto um cuidado particular é requerido no que tange ao uso de
medidas ditas internacionais para projetos no Brasil. A obtenção de dados mediante a
utilização de tabelas elaboradas em outros países é algo delicado, dado que o biótipo
brasileiro é diferente do europeu, que é diferente do asiático, e assim por diante. Tais
diferenças chegam a ser muito diferentes ao compararmos certas partes do corpo. Numa
pesquisa realizada na COPPE/UFRJ ficou demonstrado que os pés dos europeus eram
mais compridos e finos do que os pés dos brasileiros, tipicamente mais curtos e altos.
E a indústria calçadista, por tradição, empregava, até então, moldes alemães (Lacerda,
1884).

)LJXUD&RPSDUDomRHQWUHDVPHGLGDVGRVSpVHXURSHXVHEUDVLOHLURV

Fonte: Lacerda (1884).

O mesmo cuidado deve ser tomado ao se cogitar o uso de softwares importados,


alguns disponíveis para baixar na internet. A população de referência não é a brasileira e
isso invalidaria o uso desses dados em dimensionamentos e em projetos, se a população
de usuários for tipicamente nacional. Uma aproximação desses dados com a população
brasileira é considerar um fator de correção de 0,96 para a migração desses dados (Iida,
2005). Mas, ponderemos se trata de manobra arriscada e que não aconselhamos empre-
gar em situações onde um melhor projeto seja requerido.

17.4. Antropometria em projeto


O dimensionamento a partir da antropometria é parte integrante e fundamental
de toda e qualquer proposta de elaboração de qualquer coisa utilizada por pessoas, no
trabalho e na vida pessoal. Para engenheiros de produção, a antropometria ajudará a di-
360 Ergonomia ELSEVIER

mensionar o lugar de trabalho, o qual é um projeto em que se deve considerar uma série
de fatores e examinar uma diversidade de aspectos. Atenção, pois embora relevante, o
aspecto antropométrico não é o único, muitas vezes nem o mais importante.
Isso dito, passemos ao conceito. A ideia básica da Ergonomia é a da interface, a do
relacionamento entre a pessoa e seu trabalho. Assim sendo nosso corpo se relaciona com
o lugar de trabalho em vários momentos e sob várias circunstâncias. Para bem aplicar a
antropometria, deve-se ter em mãos um inventário mínimo desses momentos e circuns-
tâncias por meio de uma análise do trabalho. De posse desse estudo se estabelece uma ou
mais posições de base e suas variantes essenciais, correspondendo às ações características
do processo de trabalho. Essas posições devem ser fotografadas de frente (plano frontal)
e de lado (plano sagital). Com isso se pode avaliar o lugar de trabalho. Essa avaliação se
faz buscando determinar qual a dimensão do posto de trabalho (altura, profundidade,
distância de mesa, bancada, plataforma, volante ou manopla) estaria forçando a postura
por não corresponder a uma dimensão antropométrica correta. A esta chamamos de
variável limitadora.

)LJXUD9DULiYHLVOLPLWDGRUDV

Cada variável limitadora corresponde a uma dimensão antropométrica e esse é o


ajuste a ser feito, combinar a dimensão (do objeto) com a antropometria (do sujeito).
Para fazer isso podemos escolher diversas opções, e é por isso que se torna necessário
adotar um critério. Em antropometria o critério é o que nos definirá a abrangência e a
forma do ajuste do lugar de trabalho. Por exemplo, podemos empregar um critério de
distribuir uniformemente o desconforto adotando uma antropometria baseada na média.
Da mesma forma poderemos ir aos extremos de ajustar cada detalhe à antropometria do
ocupante – é o que se faz numa máquina de Fórmula 1, por exemplo.
Os principais critérios antropométricos empregados são:
UÊ Uso de médias.
UÊ Uso de extremos.
UÊ Definição de regulagens.
UÊ Projetos específicos.
Capítulo 17 | Antropometria 361

As médias cabem ser empregadas em situações onde não há como se definir o


usuário, se trata de um objeto, mobiliário ou equipamento de uso generalizado como
bancos de praça, cadeiras de sala de espera, e assim por diante. O critério da média,
como já dizemos, distribui o desconforto, pois ninguém fica bem acomodado, já que não
existe uma pessoa que corresponda exatamente à média da população. O homem médio
é uma abstração matemática.

)LJXUD9DULiYHLVH[WUHPDVDMDQHODGR{QLEXV

Um outro caso é o uso de extremos. Certas variáveis limitadoras permitem o uso


de um critério de grande inclusão ou de grande exclusão. Por exemplo, a altura de uma
porta. Ela deve ser dimensionada para que a maior pessoa de uma população passe sem
bater a cabeça. Se houvéssemos adotado o critério da média, metade da população pas-
saria e a outra metade teria de se agachar para passar. Vejamos o caso da janela de um
ônibus conforme ilustrado pela Figura 17.7.
A parte superior da janela deve permitir aos mais altos olhar para fora sem se
agachar ou curvar o pescoço. A parte inferior da janela deve permitir às menores pessoas
sentadas olhar para fora sem serem obrigadas a se levantar. Nesse caso, usamos tanto o
extremo superior como o extremo inferior.
362 Ergonomia ELSEVIER

Para determinar os extremos normalmente estudamos a distribuição antropomé-


trica e estabelecemos o percentil 5% como extremo inferior e o percentil 95% como ex-
tremo superior. No caso da estatura no Brasil e com base em nossa tabela antropométrica
esses valores são 1,41 m e 1,98 m.
Quando se trata de material empregado por mais de uma pessoa, por exemplo,
assentos industriais em empresas que trabalham em turnos, devemos pensar em dotar
os objetos, equipamentos e mobiliários de regulagens, para que a pessoa que entra não
seja obrigada a assumir as dimensões antropométricas daquele que sai.
Nos casos específicos, de situações de trabalho perfeitamente individualizadas
pode-se pensar em fazer o ajuste antropométrico total para aquele usuário. O caso mais
famoso foi o da adaptação da equipe Ferrari de Fórmula 1 ao grandalhão Nigel Man-
sel. Ele simplesmente não podia correr com o carro reserva, pois não cabia nele. Esse
aspecto, porém, pode permitir a aquisição de um mobiliário de menor custo desde que
a adequação ao seu usuário seja feita dentro de padrões antropométricos aceitáveis e
pertinentes à tarefa.
Assim é que o dimensionamento antropométrico se realiza:
a) Análise da atividade para estabelecer as ações características da tarefa que se reali-
za em um dado posto de trabalho.
b) Montagem de um dossiê fotográfico (frontal e sagital, uma a três fotos por ação
característica).
c) Determinação das variáveis limitadoras.
d) Aplicação de um critério antropométrico por variável limitadora.
e) Dimensionamento utilizando a tabela antropométrica.

17.5. Página escolar


Questões
1) O que vem a ser um estudo antropométrico?
2) Quais os seis fatores que podem tornar obsoleto um estudo antropométrico?
3) O que são percentis? Dê um exemplo genérico e um exemplo em Ergonomia.
4) O texto menciona três formas de obtenção de percentis antropométricos. Escolha
uma delas e justifique sua preferência com argumentos práticos.
5) Comente os critérios para dimensionamento antropométrico: existe algum mais
importe que os demais? Justifique sua resposta.
6) O que é uma variável limitadora e qual sua função num projeto de uma situação
de trabalho?
Capítulo 17 | Antropometria 363

7) Sempre é necessário realizar uma análise da atividade para realizar um estudo


antropométrico? Justifique sua resposta.

Debate
Falando sério, você acha possível que as coisas sejam projetadas de acordo com a
necessidade de cada usuário, de cada ocupante, de cada pessoa? Em grupo apresentem
dois argumentos que sustentem essa possibilidade e dois argumentos que a desaconse-
lhem. O professor pode ser o mediador.

Caso real
Você tem um orçamento limitado para realizar um estudo antropométrico. No en-
tanto os resultados são extremamente importantes nessa fase do projeto em curso em sua
empresa. Qual o procedimento que você escolherá: antropômetro, fotogrametria digital
ou body-scan? Prepare uma apresentação incluindo a sensibilização para a importância
do projeto, a forma de atuação e os custos envolvidos.

Exercícios de dimensionamento
Empregando a tabela fornecida, dimensione os postos de trabalho a seguir:
364 Ergonomia ELSEVIER

Referências
CHARAUD, R.; PRADO, L. Dimensiones antropométricas y población latinoamericana. Gua-
dalayara: Udeg, 2001.
GRANDJEAN, E. Ergonomia. Porto Alegre: Bookman, s/d.
IIDA, I. Ergonomia: projeto e produção. 2. ed. São Paulo: Edgard Blücher, 2005.
KROEMER, K. et al. Ergonomics: how to design for ease & efficiency. New Jersey: Prentice
Hall, 1894.
VIDAL, M. C. Notas de antropometria. João Pessoa: MEP/UFPb, 1879.
______. Antropometria e fundamentos de estatística. Apostila – Curso de Especialização
Superior em Ergonomia. Rio de Janeiro: COPPE/UFRJ, 2002.
FES 300 COMMITTEE. Guidelines for using anthropometric data in product design. Santa
Monica: HFES, 2004.
Capítulo

18 Simulação humana aplicada


à Ergonomia
Nilton Luiz Menegon, Daniel Braatz e
Luiz Antonio Tonin – DEP/UFSCAR

Conceitos apresentados
Este capítulo objetiva fornecer ao estudante o conceito e algumas ferramentas
relacionadas com a simulação humana aplicada à Ergonomia. Após um breve histó-
rico, são expostas as três pricipais análises que fundamentam a modelagem humana,
quais sejam, as Análises de Envelopes de Alcance; Antecipação do Campo Visual;
Análises Biomecânicas e Fisiológicas. Em seguida, o estudante é introduzido aos prin-
cipais programas computacionais de simulação humana disponíveis no mercado: Ra-
msis; Jack; Human Builder; Santos. O capitulo traz ainda discussão das aplicações em
ambientes de situação de simulação, especialmente o tema dos cenários Evolutivos e
um breve debate acerca das perspectivas para a Simulação Humana na Ergonomia;
Captura de Movimentos; Scaneamento Antropométrico; Interface com Serious Game.

18.1. Breve histórico sobre simulação humana


A utilização de humanos digitais em ambientes de realidade virtual e de manu-
fatura digital é crescente nos processos de projeto, principalmente nos das indústrias
automotiva, aeronáutica e aeroespacial. No entanto, recentemente, pequenas aplicações
fora desses ramos também começam a surgir, mesmo que de forma tímida. Em princípio,
a utilização de programas computacionais de simulação humana, também conhecidos
pelos termos computer aided ergonomics (Ergonomia auxiliada por computador) e digital
human modeling (modelagem humana digital), associava-se particularmente às avaliações
das exigências biomecânicas, validações de zonas e envelopes de alcance e de acessibili-
dade (vinculadas às atividades futuras). Atualmente, com a importância cada vez maior
da participação de diversas competências e especialidades nos processos de projeto,
destaca-se a utilização da simulação como elemento dinamizador das comunicações em
processos de revisão de projetos, também chamados como etapa de design review.
366 Ergonomia ELSEVIER

Os primeiros modelos humanos digitais, ou manequins digitais, datam da década


de 1960. Seu uso tradicional era em projetos extremamente especializados (indústrias
aeroespacial e automobilística) e limitado por sistemas CAD específicos. Devido à alta
complexidade dos modelos esses sistemas CAD rodavam em mainframes com alto poder
de processamento para a época. Tais restrições dificultavam o acesso a esse tipo de tec-
nologia.
Atualmente, existem no mercado diversos programas computacionais que tratam
a Modelagem Humana Digital, com maior ou menor grau de realismo dos manequins,
presença de ferramentas de análise e possibilidade de gerar animações. A maioria desses
programas computacionais possui compilações para equipamentos de baixo custo e de
alta abrangência de usuários (desktops com sistemas operacionais Microsoft Windows).
O aumento considerável no poder de processamento desses equipamentos fez
com que os programas computacionais que tratam a modelagem humana digital incor-
porassem uma série de detalhes fundamentais que tornam o resultado cada vez mais
próximo de uma situação real. A integração com outras ferramentas, tais como CAD e
CAM (Computer Aided Manufacturing, ou Manufatura Auxiliada por Computador), banco
de dados e linguagens de programação são outras características fundamentais incorpo-
radas aos atuais programas computacionais, possibilitando customizações no produto.
Nesse contexto, Sundin e Örtengren (2006) propõem que a simulação humana está
divida em duas grandes classes: (a) Modelagem Cognitiva; (b) Modelagem Física. Neste
trabalho é abordada especificamente a Modelagem Física. Tal modelagem pode ser subdivi-
dida em 3 grupos de ferramentas computacionais, sendo que as duas primeiras são propos-
tas por Sundin e Örtengren (2006) e a última é acrescentada pelos autores deste capítulo:
1) Modelos biomecânicos: são modelos que possibilitam calcular forças e momentos
nas articulações e outras partes do corpo durante a execução de um trabalho ou
atividade física; esses modelos têm possibilitado a compreensão de como as cargas
afetam as estruturas corporais. Tais modelos apresentam visualização gráfica bas-
tante simplificada e, às vezes, nenhuma visualização é disponibilizada. Exemplos
dessas ferramentas são fornecidos por Sundin e Örtengren (2006), sendo: 3DSSP
(University of Michigan) e o Madymo (TASS-safe).
2) Manequins computacionais: são modelos que apresentam manequins que buscam
semelhança com os seres humanos em aparência e movimentação; tais mode-
los utilizam visualização gráfica e atuam em ambientes gerados no computador.
Exemplos dessas ferramentas são: Jack (Siemens), Santos (SantosHuman), Ramsis
(Human Solutions) e HumanCAD (NexGen).
3) Modelos de visualização: ao contrário dos modelos biomecânicos, os modelos
de visualização possuem pouca ou nenhuma preocupação com a representação
músculo-esquelética dos seres humanos. O objetivo principal é a representa-
ção idealística da aparência humana. Exemplos de ferramentas computacionais
que possuem essa característica são: Walkinside (VRcontext), Poser (Smith Micro
Software) e Crysis (Crytek).
Capítulo 18 | Simulação humana aplicada à Ergonomia 367

A Figura 18.1 ilustra essa divisão da área de simulação humana.

)LJXUD'LYLVmRSURSRVWDSDUDVLPXODomRKXPDQDFRPSXWDFLRQDO

Existem atualmente no mercado diversos programas computacionais que tratam


a Modelagem Humana Digital, com maior ou menor grau de realismo dos manequins,
presença de ferramentas de análises e possibilidade de gerar animações. A maioria desses
programas computacionais possui compilações para equipamentos de baixo custo e de
alta abrangência de usuários (desktops com sistemas operacionais Microsoft Windows). O
aumento considerável no poder de processamento desses equipamentos fez com que os
programas computacionais que tratam a modelagem humana digital incorporassem uma
série de detalhes fundamentais que tornam o resultado cada vez mais próximo de uma
situação real. A integração com outras ferramentas tais como CAD e CAM (Computer
Aided Manufacturing ou, Manufatura Auxiliada por Computador), banco de dados e lin-
guagens de programação são outras características fundamentais incorporadas aos atuais
programas computacionais, possibilitando customizações no produto.

18.2. Antropometria e modelagem humana


Métodos que utilizam dados antropométricos estão entre as ferramentas básicas
de trabalho para a análise e o atendimento de requisitos de projeto, nos quais são con-
sideradas as variações nos tamanhos, nas proporções, na mobilidade, nas forças e em
quaisquer outros fatores utilizados para definir fisicamente o ser humano. A sensibi-
lidade e a capacidade de desempenho humano estão, em parte, relacionadas a essas
características físicas. As questões antropométricas influenciam aspectos relacionados à
368 Ergonomia ELSEVIER

fisiologia e à psicologia do conforto e da percepção. Dimensões antropométricas, as quais


tratam de medidas físicas do corpo humano, são dados de base essenciais para a concepção e
dimensionamento dos produtos, ambientes e postos de trabalho, propiciando segurança
e conforto aos usuários.
Compreender o impacto das diferenças entre populações no projeto de ambientes
e artefatos é de fundamental importância para justificar não somente o uso de uma ferra-
menta computacional de forma apropriada, como para justificar a aplicação de recursos
na criação de modelos humanos digitais representativos à população sob estudo.
A modelagem humana parte de dados antropométricos e de outras propriedades
biomecânicas para representar o sistema humano biomecânico, o qual apresenta uma
alta complexidade. O propósito dessa modelagem é a simplificação e suposição da situa-
ção real, visando aumentar o conhecimento sobre tal situação, além da compreensão de
como funcionam os seus componentes (Chaffin; Anderson; Martin, 2001).
A partir das dimensões antropométricas é possível construir modelos para repre-
sentar a figura humana. Tais modelos podem ser facilmente inseridos em projetos de
dispositivos, ambientes e postos de trabalho, permitindo aos projetistas simular uma
grande variedade de tarefas e avaliar os impactos sobre a capacidade humana em uma
série de quesitos (Chaffin; Anderson; Martin, 2001).
Segundo Farrel (2005), para representar os movimentos humanos em uma simu-
lação digital é necessário desenvolver um modelo de esqueleto articulado que represente
com fidelidade um esqueleto real e, assim, demonstrar exatamente a cinemática dos
movimentos do organismo humano. Em termos de predição de postura, uma série de
segmentos (links) e articulações (joints) com rotação e translação podem ser usados para
aperfeiçoar o realismo dos movimentos, conforme é ilustrado na Figura 18.2.

)LJXUD5HSUHVHQWDomRGHHVTXHOHWRSRUPHLRGHMXQWDVHVHJPHQWRV

Fonte: adaptado de Farrel (2005).


Capítulo 18 | Simulação humana aplicada à Ergonomia 369

As pesquisas e aplicações realizadas apontam que quanto maior o realismo, isto é,


quanto mais parecido o modelo for com relação à aparência e à biomecânica, maior será
a confiabilidade dos resultados das avaliações realizadas.

18.2.1. Funcionalidades da simulação humana relacionadas à Ergonomia


As ferramentas de simulação humana possuem uma ampla gama de funcionali-
dades, porém, o principal objetivo é prover suporte antropométrico: análises, medições
e avaliações no design do produto e da produção, análises virtuais das zonas de alcan-
ce, visão e outros atributos antes que qualquer construção física seja realizada (Sundin;
Örtengren, 2006).
Ao avaliar a concepção de um produto ou de uma situação produtiva, como um
carro ou interior de uma cabine, diferentes questões devem ser consideradas. Os pro-
jetistas devem garantir que a população possa alcançar todos os controles, o campo
adequado de visão interna e externa e a possibilidade de executar as tarefas especificadas
sem impedimentos. Nesse sentido apontamos como principais funções da tecnologia de
simulação humana dentro de um contexto ergonômico as análises de envelope e alcance,
análises de campo visual e análises biomecânicas.

18.2.2. Análises de envelopes de alcance


Os envelopes de alcance são regiões geradas em ambiente virtual que auxiliam o
projetista na determinação das áreas máximas de alcance e máximas “confortáveis” de
alcance do manequim. Em geral, para utilizar essa funcionalidade é necessário manter o
manequim em uma posição fixa e escolher um segmento de referência (por exemplo, um
dedo ou a palma da mão esquerda), o software irá gerar uma superfície poligonal gráfica
que delimita o envelope de alcance.
Por meio dessa funcionalidade, é possível determinar diferentes envelopes em
conformidade com o movimento desejado ou previsto, podendo este ser originado por
meio dos ombros, cintura ou ambos.
As possibilidades de uso dos envelopes de alcance são bastante diversificadas,
desde a especificação da distância entre um objeto e outro até a identificação de regiões
mais adequadas para os objetos em conformidade com a atividade realizada.
A análise com envelopes de zonas de alcance são análises recorrentes que os usu-
ários de programas computacionais de modelagem e simulação humana utilizam. Essa
preferência decorre da facilidade em interpretar os resultados, principalmente na compa-
ração dos envelopes dos modelos digitais humanos de diferentes tamanhos.
Na Figura 18.3 é possível observar envelopes de alcance de um manequim mas-
culino atuando em uma plataforma.
370 Ergonomia ELSEVIER

)LJXUD$QiOLVHVDSDUWLUGHHQYHORSHVGHDOFDQFH

Em alguns softwares é possível ainda realizar análises a partir de envelopes de al-


cance também para os pés, isso é mostrado na Figura 18.4.

)LJXUD$QiOLVHVDSDUWLUGHHQYHORSHVGHDOFDQFHSDUDRVSpV

18.2.3. Análise do campo visual


Uma das ferramentas mais utilizadas na simulação humana, a percepção do cam-
po de visão dos modelos humanos, permite aos projetistas, futuros usuários e interes-
sados em geral no projeto em desenvolvimento, conhecer, com alto nível de precisão,
o que será visualizado por diferentes pessoas interagindo com um produto ou posto de
trabalho sob simulação. Dois sistemas para controle do campo de visão do manequim e
visualização desse campo são bastante comuns nos softwares.
Capítulo 18 | Simulação humana aplicada à Ergonomia 371

Primeiramente o sistema que exibe o campo de visão (Eye View) do manequim, na


interface do software ou em uma janela independente, isto é, além da janela tradicional
de trabalho, o usuário pode criar outras janelas com o campo de visão dos manequins.
Dessa forma, qualquer alteração de projeto ou de localização poderá ser visualizada pelo
ponto de vista dos manequins.
A Figura 18.5 ilustra a janela com o sistema Eye View para visualização do campo
de visão.

)LJXUD,OXVWUDomRGHFDPSRYLVXDOGHPDQHTXLP

Outra opção é a exibição dos cones de visão; a Figura 18.6 apresenta essa técnica,
a qual permite ao usuário definir o ângulo de abertura do campo visual e distância do
cone.

)LJXUD([LELomRGRFRQHGHYLVmRHFDPSRYLVXDOQRGHWDOKH
372 Ergonomia ELSEVIER

Alguns softwares permitem ainda que um espelho seja simulado, assim, pode-se
analisar o campo de visão do manequim levando em consideração o uso de um espelho
retrovisor. Tal aplicação é bastante útil na indústria automotiva. A Figura 18.7 demonstra
essa funcionalidade.

)LJXUD([LELomRGRFRQHGHYLVmRHFDPSRYLVXDOSRUPHLRGRHVSHOKRUHWURYLVRU

Outras funcionalidades como zonas obscuras e zonas encobertas são ilustradas na


Figura 18.8 na qual a primeira imagem ilustra a zona encoberta do painel pela direção do
automóvel e as duas últimas exibem os “pontos cegos” (em vermelho) devido às colunas
e outros obstáculos.

)LJXUD$QiOLVHVGHFDPSRGHYLVmRQRsoftware

Fonte: Jack (UGS, 2004).

18.2.4. Análises biomecânicas e fisiológicas


Por meio de observação e análise de postos de trabalho é possível identificar pos-
turas e movimentos (considerando seu tempo de duração e repetições) que ofereçam ris-
cos de danos à saúde do trabalhador. Nos softwares de modelagem e simulação humana
Capítulo 18 | Simulação humana aplicada à Ergonomia 373

essas ferramentas e métodos de análise são embasados por diferentes estudos, permitin-
do que a análise seja feita com maior rapidez e precisão pela interação homem-ambiente
e que alguns dados sejam obtidos automaticamente. Alguns dos principais métodos e
análises biomecânicas disponíveis são:

a) análise de força e torque


Com essa análise é possível calcular o quanto de força e torque um indivíduo
utiliza na realização de uma tarefa baseada na postura ou no movimento do manequim.
A Figura 18.9 ilustra a realização de uma análise de torque e força em ambiente
de simulação humana, especificamente utilizando-se o software Jack, nesse caso a análise
fornece resultados em tempo real, os quais são exibidos em gráficos.

)LJXUD,QWHUIDFHSDUDDQiOLVHGHIRUoDHWRUTXHHJUiÀFRVFRPDQiOLVHVQRsoftware-DFN

b) RULA (Rapid Upper Limb Assessment)


É um método desenvolvido para o uso em análises ergonômicas dos postos de
trabalho onde há relatos de disfunções relativas ao trabalho em membros superiores. O
RULA avalia a carga biomecânica e postural no corpo com atenção particular à região
cervical, tronco e membros superiores. Essa análise considera itens como o uso da força
muscular (braço e pulso, pescoço e tronco), apoio de braço, presença de carga, o posi-
cionamento de pernas e pés, repetições e frequência.
A Figura 18.10 ilustra a realização de uma análise RULA em ambiente de simula-
ção humana.
374 Ergonomia ELSEVIER

)LJXUD$QiOLVH58/$QRVRIWZDUH-DFN

c) NIOSH (National Institute for Occupational Safety and Health – Lifting equation)
O objetivo da equação é identificar os riscos associados com carga física à qual o
trabalhador está submetido e recomendar um limite de peso adequado para cada tarefa
em questão. A aplicação dessa análise em ambiente de simulação humana é ilustrada na
Figura 18.11.

Figura 18.11: Análise NIOSH (Lifting Equation QRsoftware-DFN


Capítulo 18 | Simulação humana aplicada à Ergonomia 375

d) OWAS (Ovako Working Posture Analysing System)


A ferramenta OWAS oferece um método simples para análise das posturas de tra-
balho. Os resultados gerados são baseados no posicionamento da coluna, braços e per-
nas, além disso, o OWAS considera as cargas e forças utilizadas. A pontuação é atribuída
à postura avaliada que indica a urgência na tomada de medidas corretivas para reduzir a
exposição dos trabalhadores a riscos.

e) análise de fadiga
A análise permite identificar o grupo muscular com maior potencial de fadiga e
uma estimativa de tempo necessário para a maioria dos trabalhadores se recuperarem
da demanda física. Em alguns softwares, um gráfico em tempo real permite monitorar
continuamente a parte do corpo que se submete à tensão máxima e identificar a fadiga
acumulada durante uma simulação. A Figura 18.12 ilustra uma análise de fadiga.

Figura 18.12: Análise de fadiga no software-DFN

f) gasto de energia metabólica


Essa ferramenta avalia o gasto de energia metabólica no trabalho baseado nas
características do trabalhador e em uma breve descrição das tarefas que compreende o
trabalho, relevando fatores como força, distância, frequência, postura, peso do indivíduo
e tempo de ciclo.
Apesar das facilidades e vantagens citadas sobre as ferramentas de análise, é im-
portante salientar que existe uma série de problemas e cuidados a serem tomados duran-
te a aplicação dessas ferramentas.
376 Ergonomia ELSEVIER

Com relação a essas análises de maior complexidade e que seguem padrões co-
nhecidos dos ergonomistas, conclui-se que o uso delas deve ocorrer de forma cautelosa
e criteriosa. Alguns pontos que são considerados importantes sobre esse aspecto são:
a) o analista deve possuir uma boa compreensão sobre o método/ferramenta;
b) é desejável experiência do analista com o método em sua aplicação tradicional;
c) a análise com base na simulação deve ser acompanhada por pessoas que conhe-
çam bem o processo produtivo e situações de referência;
d) os resultados das análises devem ser questionados quanto à fidelidade ao método
e às aproximações realizadas durante os processos de modelagem, tanto humana
quanto do ambiente.
De qualquer forma, recomenda-se uma “calibração” da ferramenta pelo analista,
por meio de análises de um mesmo posto, sob as mesmas condições, em ambiente digital
(com o uso do software) e físico (aplicação tradicional).
É importante salientar que, mesmo sendo uma forma de análise mais prática,
menos dispendiosa e com menor nível de perturbação dos ambientes produtivos, tais
ferramentas, mesmo sendo baseadas em padrões reconhecidos e legitimados, não permi-
tem eliminar a figura de um ergonomista, o qual deve se dirigir até o local de trabalho
sob intervenção para conhecer o ambiente, compreender o contexto e interagir com os
trabalhadores, buscando revelar os verdadeiros condicionantes da atividade.

18.3. Principais programas computacionais de simulação humana


As aplicações computacionais dedicadas ao estudo ergonômico são numerosas e
estão presentes desde programas numéricos básicos até aqueles baseados em realidade
virtual. Durante a década de 1990, diversos pesquisadores desenvolveram modelos vir-
tuais com sistemas CAD. Alguns desses programas computacionais (Cyberman, Combi-
man, Crew Chief, Jack, Sammie e Mannequin) foram analisados a fim de auxiliar os usu-
ários a escolher a melhor ferramenta conforme suas necessidades (Santos et al., 2007).
Diversos autores, nas duas últimas décadas, têm estudado e comparado os mo-
delos humanos digitais e software de simulação humana (Feyen et al., 2000; Hanson,
2000; Laring, Falk; Örtengren, 1996; Mattila, 1996). Assim, além das funcionalidades e
usabilidade que cada software apresenta, um dos principais diferenciais abordados pelos
estudiosos são os manequins digitais, pelo nível de realismo biomecânico, possibilidades
de representação de diferentes populações (dados antropométricos) e o preenchimento
de tais dados de forma personalizada e individual.
Os primeiros modelos humanos representavam, principalmente, questões antro-
pométricas (por exemplo, a geometria) das proporções humanas. Segundo Iida (2000)
o pesquisador Kroemer no início da década de 1970, elaborou um estudo comparativo
de diversos programas computacionais com modelos humanos e suas principais carac-
terísticas. Destaca-se, como resultado do estudo, o baixo número de segmentos e juntas
Capítulo 18 | Simulação humana aplicada à Ergonomia 377

dos modelos, demonstrando o alto grau de simplificação da biomecânica do ser humano


naquele momento.
O desenvolvimento da modelagem humana é apresentada por Sundin e Örten-
gren (2006) que mostram o grande esforço existente nas décadas de 1960, 1970 e 1980
com a modelagem do ser humano. Após a obtenção de níveis satisfatórios para a mode-
lagem biomecânica, houve uma migração de esforços para melhorar os processos de uso
da simulação humana. Essa inversão de foco é ilustrada na Figura 18.13.

)LJXUD(YROXomRGRVHVIRUoRVQRGHVHQYROYLPHQWRGDVLPXODomRKXPDQD

Fonte: adaptada de Sundin e Örtengren (2006).

Atualmente é possível encontrar manequins que se movem e interagem com o


ambiente de forma mais realística, porém, ainda com limitações com relação aos movi-
mentos, posturas e questões físicas, como atuação da gravidade, centro de massa e trans-
posição de sólidos. Tais modelos humanos são úteis ao projeto de produto e de situações
produtivas, sendo capazes de representar dados médios e extremos de um grupo especial
da população, assim como dados de um indivíduo específico.
Entretanto, ainda é questionável a real capacidade dessas ferramentas de avaliar,
por exemplo, algo tão subjetivo como o conforto postural pela frequente contradição
existente para a interpretação do projetista/analista sobre posturas aceitáveis ou não e a
avaliação que o software realiza para essas posturas (Feyen et al., 2000). O autor ainda
afirma que, para um amplo e proativo uso dessa tecnologia são necessárias algumas mo-
dificações, principalmente pelo fato de que tais sistemas: a) foram construídos para apli-
cações muito específicas (aviação militar ou aplicações automobilísticas, por exemplo);
b) ainda possuírem custos proibitivos; e c) a maioria deles não “roda” em computadores
pessoais. Apesar do avanço obtido nos últimos anos sobre este último ponto, os dois
primeiros continuam se configurandos como algo crítico.
A seguir são apresentados alguns dos principais programas computacionais dispo-
níveis comercialmente e citados por diversos autores.
378 Ergonomia ELSEVIER

18.3.1. Ramsis
Desenvolvido pela empresa alemã Human Solutions, o software é focado na in-
dústria automotiva, especificamente para análise ergonômica de interiores de carros.
O modelo humano representa fisicamente o ser humano por meio de 53 juntas, 104
graus de liberdade e 90 diferentes manequins para cada base de dados antropométricos
(estatisticamente validados). Atualmente existem versões para a indústria aeronáutica e
aplicações generalizadas, incluindo uma específica para interação com realidade virtual
(Ramsis, 2008). Na Figura 18.14 é possível observar uma simulação em automóvel.

)LJXUD$QiOLVHDXWRPRWLYDFRPRsoftware Ramsis

Fonte: Ramsis (2008).

18.3.2. Jack
O software Jack surgiu a partir de um doutorado, desenvolvido no Centro de
Modelagem e Simulação Humana da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos.
O financiamento para o desenvolvimento foi obtido de várias fontes, incluindo a sus-
tentação significativa da NASA (Agência Espacial Americana) e do exército dos EUA. A
ferramenta foi aplicada a uma larga escala de projetos, incluindo o reprojeto do helicóp-
tero Comanche e o desenvolvimento de uma estação espacial internacional (ISS). A Figura
18.15 ilustra um manequim feminino percentil 05 (com base na população japonesa)
interagindo na ISS (Sundin; Christmansson; Örtegren, 2000).
Capítulo 18 | Simulação humana aplicada à Ergonomia 379

O modelo humano do Jack é composto de 71 segmentos individuais e 5182 po-


lígonos. Os segmentos são ligados por 69 juntas, com 135 graus de liberdade. O mane-
quim tem um modelo complexo da espinha e dos ombros, baseados nos algoritmos de
cinemática inversa, assegurando que o corpo se mova de forma próxima à real.

)LJXUD6LPXODomRGH(VWDomR(VSDFLDO,QWHUQDFLRQDO ,66 FRPRsoftware-DFN

Fonte: UGS (2008).

O software Jack, desde sua criação pela Universidade da Pensilvânia, pertenceu


a diversas empresas. Algumas delas foram a Transom Technologies (motivo pelo qual o
software ficou conhecido no início por Transom Jack), EDS (Electronic Data Systems), EAI
(Engineering Animation Inc.), UGS (inicialmente chamada de Unigraphics Solutions), a
qual, recentemente, foi adquirida pela Siemens, divisão Siemens Automation and Drives.

18.3.3. Human Builder


Human Builder 2 é uma ferramenta básica que atua conjuntamente com Human
Measurements Editor, Human Posture Analysis 2 e Human Activity Analysis 2, entre
outros módulos, visando a criação e análise de detalhados manequins digitais. Essas
ferramentas possuem integração direta com as soluções de PLM (gestão do ciclo de vida
do produto), modelagem e design review das famílias Delmia, Catia e Enovia (Dassault,
2008).
O modelo digital humano é caracterizado por 99 juntas independentes e 7 con-
troles de cinemática inversa para realizar os movimentos do manequim e que predizem
380 Ergonomia ELSEVIER

sua postura natural. Outra característica biomecânica é a presença de 148 graus de li-
berdade. Uma aplicação da ferramenta Delmia Human Builder 2 pode ser visualizada na
Figura 18.16.

Figura 18.16: Imagem de aplicação do software&DWLD+XPDQ%XLGHU

Fonte: Dassault (2008).

18.3.4. Santos
O software Santos pode ser caracterizado como o estado da arte em modelos hu-
manos digitais, recebendo, nos últimos anos, fortes investimentos das Forças Armadas
dos EUA e da empresa Caterpillar (VSR, 2004). Farrel (2005) apresenta-o como resulta-
do de uma necessidade mercadológica de manequins realísticos que possam ser opera-
dos mais facilmente pelos usuários, sem que estes tenham a necessidade, por exemplo,
de configurar diversas juntas para definir uma postura. Uma das características relevan-
tes do manequim, além do alto grau de detalhamento biomecânico, é o avanço no que
diz respeito à deformação da pele durante a realização dos movimentos e conforme a
personalização das medidas antropométricas. O modelo digital humano e sua estrutura
interna biomecânica estão ilustrados na Figura 18.17.
Capítulo 18 | Simulação humana aplicada à Ergonomia 381

)LJXUD(VWUXWXUDGRHVTXHOHWRGRPRGHORKXPDQRGLJLWDO6DQWRV
PRVWUDQGRDORFDOL]DomRHWLSRGDVGLYHUVDVMXQWDV

Fonte: VSR (2004).

O software Santos incorpora uma série de recursos computacionais que tornam o


seu uso mais fácil em relação aos seus concorrentes. Um exemplo da evolução em relação
ao Jack está na facilidade para fazer o manequim pegar um objeto. Enquanto neste últi-
mo é necessário ajustar diversas juntas e por meio de cinemática inversa calcular as posi-
ções das outras partes do corpo do manequim, no Santos basta especificar o objeto a ser
atingido, que os recursos de inteligência artificial e a cinemática inversa farão com que o
manequim pegue o objeto, ainda que em movimento, como ilustrado na Figura 18.18.
Farrel (2005) explica que essa dinâmica é relacionada a um método de otimização para
382 Ergonomia ELSEVIER

predição de posturas, com base em capturas de movimentos reais, realizados por pessoas
em laboratório e com cálculos matemáticos.

)LJXUD3RVWXUDGHÀQLGDFRPEDVHHPRWLPL]DomR

Fonte: Farrel (2005).

As pesquisas e desenvolvimentos em torno do manequim Santos continuam e


esse deve ser o primeiro de uma nova geração de modelos humanos digitais. O objetivo,
segundo os desenvolvedores, é conceber um manequim que olhe, mova-se, aja e reaja
como um humano real faria, não somente em sua aparência externa, mas, também, em
suas funções fisiológicas. Os autores concluem o artigo no qual apresentam o software
afirmando que pretendem entender e modelar como e por que os humanos agem da forma
como agem (Abdel-Malek et al., 2005).

18.4. Aplicações em ambientes de situação de simulação: cenários evolutivos


Outro aspecto relevante na discussão sobre o potencial da simulação humana em
processos de projeto em intervenções ergonômicas é a concepção de novas unidades
produtivas onde não existe uma situação atual para ser analisada. A partir de autores
como Daniellou (2002) e Garrigou et al. (2001), que propõem o uso de situações de
referência e simulação da atividade futura provável, para inserção eficaz do ergonomista
no processo de concepção, apresentamos a simulação humana como um ferramental útil
para o espaço de interação e confrontação entre ergonomistas e projetistas. Nesse senti-
do, Braatz (2009) desenvolveu uma articulação metodológica entre os diferentes atores
e os processos envolvidos na condução de um projeto de uma nova situação produtiva,
como ilustra a Figura 18.19.
Capítulo 18 | Simulação humana aplicada à Ergonomia 383

)LJXUD$UWLFXODomRPHWRGROyJLFDHFRQFHLWXDOYLVDQGR
a condução de processos de projeto

Fonte: Braatz (2009).

A Base de Conhecimento representa um locus de acúmulo de referências derivadas


das experiências projetuais e dos estudos de Ergonomia na indústria. Os Grupos de Pro-
jeto representam os diferentes atores sociais que interagem na concepção das situações
de trabalho futuras, oriundos de diversas áreas técnicas especializadas. A intermediação
entre a base de conhecimento disponível e os grupos de projeto ocorre por meio de trei-
namentos e cursos específicos para tais grupos.
No entanto, é importante salientar que, ao contrário do modelo definido por Gar-
rigou et al. (2001), onde os autores pressupõem que os projetistas possuem os conheci-
mentos sobre o homem no trabalho, essa consideração não é verificada nas experiências
práticas vivenciadas. Isso ocorre devido às preocupações e objetos de interesse que tais
profissionais possuem, isto é, cada um com seu mundo-objeto.
Faz-se necessária, portanto, a presença do ergonomista que conheça as Situações
de Referência e esteja envolvido no processo de projeto para fornecer tais conhecimentos
aos projetistas conforme o andamento do processo e retroalimentando a base. Ainda
384 Ergonomia ELSEVIER

na articulação proposta, a Reconstrução da Atividade designa as pesquisas que visam


recompor, a partir das análises pontuais, o conjunto de condicionantes da atividade, e
possibilitam a construção de diversos Cenários Evolutivos articulando ergonomistas e
projetistas durante as diferentes etapas do processo de projeto.
Tais cenários são de fundamental importância e necessitam de maior atenção por
parte dos ergonomistas e projetistas. A eficiência na geração conceitual, desenvolvimen-
to preliminar e análise de cada cenário são determinantes para o sucesso da articulação
proposta em projetos com restrição de tempo. Tal perspectiva representa uma das gran-
des potencialidades da simulação humana no projeto de situações produtivas de forma
articulada com outros métodos, como a AET, por exemplo.
Nesse contexto, as Situações de Simulação constituem os momentos específicos
em que ergonomistas e os grupos de projeto, gestores e operadores, isto é, os stakehol-
ders, interagem sobre o cenário de simulação, estabelecendo-se assim, um espaço apto e
benéfico para interações e validações, seja por meio de protótipos e representações físicas
ou maquetes, protótipos e simulações computacionais, como, por exemplo, a modela-
gem e simulação humana digital.

18.5. Perspectivas para a simulação humana na Ergonomia


A simulação humana tem se desenvolvido a partir de diversos campos do conhe-
cimento, desde a Ergonomia à robótica, passando por aplicações militares e medicina.
Com certeza, a partir das exposições já apresentadas neste capítulo, pode-se identificar o
estado da arte e principalmente a situação desse campo de pesquisa no Brasil. O desafio
que se coloca neste momento é identificar as perspectivas de desenvolvimento das tecno-
logias de Simulação Humana e as principais questões motivadoras ao desenvolvimento
das atuais e de novas ferramentas computacionais.
Muitos pesquisadores de diversos países vêm apontando diferentes tendências
para o futuro das tecnologias de simulação humana, em particular podemos citar dois
estudos importantes, publicados recentemente, nos quais os autores apontam possíveis
tendências e desafios para a Simulação Humana no campo da Ergonomia.
O primeiro estudo refere-se a uma pesquisa desenvolvida na Universidade de
Michigan nos EUA, chefiada por Chaffin. O segundo estudo é resultado de uma parceria
entre pesquisadores do National Institute for Working Life e da Universidade de Chalmers,
ambos situados na Suécia.
O pesquisador Don B. Chaffin vem se dedicando à pesquisa no campo da Simu-
lação Humana há mais de 25 anos e segundo o mesmo, os maiores desafios colocados às
futuras ferramentas de Simulação Humana são (Chaffin, 2005 e 2007):
UÊ Superação das análises determinísticas, conciliando algoritmos de estratégia diri-
gida por objetivos que consideram, por exemplo, a otimalidade das trajetórias e
a rica variabilidade motora. A incorporação de princípios estocásticos de mode-
Capítulo 18 | Simulação humana aplicada à Ergonomia 385

lagem contribuirá para uma melhor compreensão das variabilidades intra e inte-
rindividual.
UÊ Integração perfeita dos modelos mais versáteis em sistemas de simulação humana.
Atualmente, por mais flexíveis que sejam os softwares, muitos foram desenvolvi-
dos a partir de dados com limitações e simplificações de importantes segmentos
corporais, sendo que nem todos os graus de liberdade foram ativados, dessa for-
ma, a evolução para sistemas mais precisos, em termos da reprodução dos movi-
mentos parece ser um grande desafio para os pesquisadores da área.
UÊ Possibilidade de medição dinâmica de movimento do esqueleto verdadeiro e pro-
priedades do sistema músculo-esquelético, especialmente quando uma anormali-
dade ou patologia está envolvida.
UÊ Modelagem de repetição crônica ou do efeito do tempo. Por exemplo, a degene-
ração ou fadiga dos tecidos musculares, em movimentos simulados continua a ser
um objetivo tentador à simulação humana.
UÊ Desenvolvimento de modelos validados de predição de movimentos e posturas
para várias populações. Isso poderia ser utilizado de maneira combinada com
modelos psicológicos e biomecânicos, proporcionando um entendimento muito
maior da dinâmica humana e das limitações específicas de determinadas popula-
ções e por fim, esses novos modelos poderiam proporcionar uma ferramenta de
projeto muito poderosa no campo da Ergonomia.
Nos estudos desenvolvidos na Suécia, os pesquisadores apontam, ainda, algumas
indicações de que o desenvolvimento das ferramentas computacionais de Simulação Hu-
mana deve congregar os conhecimentos da simulação baseada em agentes, na qual os
manequins se tornarão cada vez mais independentes do controle humano. Sundin1 e Ör-
tengren2 (2006) citam como exemplo disso o projeto do soldado virtual da Universidade
de Iowa (EUA), o qual vem sendo chamado de Virtual Soldier Research – VSR e que tem
apresentado resultados relevantes, como o software Santos, apresentado anteriormente
neste capítulo.
Nessa perspectiva, parece emergir a necessidade de ferramentas computacionais
que sejam capazes de apresentar funções como avaliação de fadiga, autonomia, proati-
vidade e percepção das situações, representação e previsão do comportamento humano,
simulação de multidões e simulação de roupas. Além de tais necessidades, há outros
requisitos importantes mencionados por pesquisadores, tais como a aparência do mane-
quim, que deverá incorporar uma representação realística da pele humana, suas defor-
mações, contrações musculares e expressões faciais.
Sundin e Örtengren (2006) apontam ainda a necessidade de análises mais ade-
quadas de conforto e vibração, principalmente no contexto da indústria automotiva. Eles

1
National Institute for Working Life – Gotemburgo, Suécia.
2
Chalmers University of Technology – Gotemburgo, Suécia.
386 Ergonomia ELSEVIER

também apontam a necessidade de incorporar avaliações de convivialidade3 e comoção


(ex.: emoções e sentimentos com relação a um produto ou uma interface), desenvolvi-
mento de análises que incluam mais de um indivíduo. Complementando essa visão, os
autores apresentam a necessidade de ferramentas que possibilitem análises de carga de
trabalho ao longo de um dia inteiro em um único operador e para múltiplos operadores.
Corroborando com os aspectos apontados pelos pesquisadores citados, acrescen-
tamos alguns requisitos que parecem não terem sido contemplados ou que mereçam me-
lhor detalhamento, ou, ainda, outros que necessitam de uma discussão particularizada
no contexto dos projetos de Ergonomia no cenário industrial brasileiro.

18.5.1. Captura de movimentos


Parece haver um consenso entre os pesquisadores de que a principal dificuldade
encontrada no processo de simulação humana é o posicionamento e a movimentação
do manequim por meio de mouse e teclado. A alternativa com maior potencial na solu-
ção desses problemas é a utilização de sistemas de captura de movimentos, sendo que
o desafio colocado às ferramentas de simulação humana é integrar automaticamente
os dados obtidos nesses sistemas para prover movimentação ao manequim dentro do
software. Alguns softwares já apresentam esse atributo, porém, essa possibilidade é limi-
tada a sistemas de captura de movimentos óticos, com uso típico em situação controlada
(laboratórios).
Recentemente muitos esforços de pesquisa têm sido aplicados no desenvolvimen-
to de sistemas de captura de movimentos aplicáveis a ambientes externos. Em especial,
pode-se destacar os softwares que utilizam vídeos convencionais para a captura de movi-
mentos, sendo um exemplo o software iPi (iPi Soft LLC), o qual vem sendo estudado por
pesquisadores da área de Ergonomia e proporcionando resultados interessantes. No en-
tanto, muito tempo se perde nos processos de conversão de formatos de arquivos e ainda
não há a possibilidade de interação de modo simultâneo, visto que os softwares em geral
não apresentam integração com esse e muitos outros sistemas de captura de movimento
(em especial, nenhum com possibilidade de uso em ambientes externos).

18.5.2. Escaneamento antropométrico


Atualmente existem vários modelos de scanner tridimensionais disponíveis no
mercado, sendo que alguns deles foram desenvolvidos especificamente para pesquisas
antropométricas. No entanto os softwares comercialmente disponíveis não são capazes de
utilizar os dados provenientes desses equipamentos para criar manequins mais realísti-
cos, isso se deve ao fato de que os softwares apresentam em geral cerca de apenas 30 pa-
râmetros antropométricos, fazendo com que toda a superfície do manequim seja gerada
automaticamente por meio de algoritmos do próprio software. A Figura 18.20 apresenta
3
Capacidade de um grupo social exercer a tolerância e a reciprocidade.
Capítulo 18 | Simulação humana aplicada à Ergonomia 387

um modelo de scanner 3D desenvolvido e comercializado pela empresa Human Solutions,


juntamente com um modelo tridimensional gerado pelo equipamento. A Figura 18.21
apresenta a interface de entrada de dados antropométricos do software Ramsis (também
desenvolvido pela empresa Human Solutions), destaque para o fato de não haver possibi-
lidade de integração entre o scanner e o software.

)LJXUD6FDQQHU'GHVHQYROYLGRHFRPHUFLDOL]DGRSHODHPSUHVDHuman Solutions

Fonte: <http://www.human-solutions.com>. Acesso em: 1o abr. 2010).

)LJXUD,QWHUIDFHSDUDHQWUDGDVGHGDGRVDQWURSRPpWULFRVQRsoftware Ramsis

Dessa forma, a possibilidade de uso de scaneamento antropométrico para a mode-


lagem em Simulação Humana pode ser apontada com um desafio imediato à simulação
humana, dessa forma, manequins muito mais realísticos poderiam ser utilizados e as
ferramentas de simulação humana se tornariam ainda mais poderosas.
388 Ergonomia ELSEVIER

18.5.3. Interface com Serious Game


A utilização de ferramentas computacionais desenvolvidas a partir de games (jo-
gos eletrônicos para entretenimento) tem se tornado cada vez mais comum nos mais
diferentes campos da tecnologia. Tais ferramentas proporcionam um alto nível de inte-
ração com o usuário e ainda uma qualidade gráfica notadamente superior aos softwares
típicos de simulação humana. A possibilidade do uso de joystick para a manipulação dos
manequins é algo impressionantemente mais rápido e fácil comparado ao uso do mouse
e teclado; além disso, as possibilidades de renderização em tempo real são ainda mais
atrativas frente às ferramentas convencionais de animação computacional.
Dessa forma, as ferramentas de simulação humana poderiam incorporar os bene-
fícios dos jogos eletrônicos em seu desenvolvimento no futuro. A Figura 18.22 apresenta
interações em ambiente de Serious Game onde a movimentação do manequim é realizada
com o auxílio de um joystick e com uma leve sensação de imersão no ambiente digital.

Figura 18.22: Interação de usuários com tecnologia serious game


Capítulo 18 | Simulação humana aplicada à Ergonomia 389

18.6. Conclusões
A partir desta discussão, verifica-se que a área de simulação humana já evoluiu
muito, tanto em termos de sua pesquisa como ciência básica quanto nas mais diversas
aplicações. No entanto, é necessário observar que há ainda um grande espaço de pesqui-
sa a desenvolver e muitos outros desafios serão apresentados por cada usuário em sua
situação particular de uso. Por isso, faz-se necessário que as organizações interessadas
no desenvolvimento de tecnologia, em particular aquelas interessadas em Ergonomia,
desprendam seus recursos para o desenvolvimento de novas pesquisas e, dessa forma,
alcancem novos patamares viabilizando que projetos cada vez mais adequados aos seres
humanos possam ser executados em menos tempo e com menores custos de concepção.

18.7. Considerações finais


O uso de um software de modelagem e simulação humana em processos de projeto
de produtos ou de situações de trabalho deve ter como objetivo a melhoria das consi-
derações ergonômicas durante o processo, porém, sem desconsiderar as demais técnicas
e ferramentas que a Ergonomia aplica e os métodos que abrange. A aplicação de ferra-
mentas computacionais auxilia os agentes envolvidos no processo de tomada de decisão.
Segundo Santos et al. (2007), qualquer tomada de decisão beneficia-se do uso de
sistemas de informação. Com o avanço da ciência da computação, uma série de aplica-
ções foi desenvolvida para a Ergonomia, tornando-se mais acessível, a um menor custo
e rodando em computadores pessoais (PC), ao invés dos grandes computadores conhe-
cidos como workstations gráficas, muito comuns nesse meio até a década de 1990. No
entanto, segundo os autores, muitas empresas não têm aproveitado todo o potencial
dessas aplicações, subestimando a importância da simulação em Ergonomia e, conse-
quentemente, essa tecnologia não tem sido amplamente implementada.
De forma limitada e simplista, as razões de utilizar modelos humanos computa-
cionais – ou manequins digitais – são:
UÊ possibilitar a imersão em ambientes virtuais;
UÊ possibilitar que os ambientes virtuais representem os ambientes reais com um
nível de realismo aceitável;
UÊ para avaliar situações futuras de conforto, acessibilidade, satisfação do usuário
etc.;
UÊ prever possíveis acidentes;
UÊ melhorar a produtividade e eficiência das situações produtivas;
UÊ reduzir custos com protótipos e mock-ups;
UÊ visualizar e avaliar diferentes soluções em fases anteriores aos protótipos.
Ainda conforme a bibliografia levantada e as aplicações desenvolvidas, as dificul-
dades encontradas na utilização dessa técnica são: custo elevado de aquisição de software
e hardware, necessidade de modelagem computacional do ambiente e existência e perso-
390 Ergonomia ELSEVIER

nalização com dados antropométricos da população sob estudo. Tais dificuldades estão
restritas ao campo técnico da utilização da ferramenta, sem considerar o contexto das
aplicações e outras características dos processos de projeto de situações produtivas.
Quando consideramos tais fatores, um risco presente nas aplicações desenvolvi-
das com o uso desse tipo de ferramenta é o reducionismo da situação global, minimi-
zando a relevância dos aspectos organizacionais e cognitivos situados no contexto e que,
geralmente, não estão presentes em modelos virtuais. Isto é, a modelagem para uma
simulação nunca comportará todos os aspectos organizacionais (influência de turnos de
trabalho, definição de equipes, formas de gestão e cobrança de resultados, entre outros)
e, principalmente, aspectos cognitivos (nível de atenção demandada, processo de toma-
da de decisão, memória, entre outros).
Isso se agrava pela possibilidade de o analista não conhecer a fundo o local sob
análise e não ter acesso a pessoas que trabalham e conhecem as principais dificuldades
que encontram no seu dia a dia, isto é, a simulação é altamente dependente da visão do
trabalho que o usuário dessa tecnologia possui ou tem à sua disposição. Tais dificuldades
influenciam diretamente na determinação da atividade futura provável a ser simulada.
Nesse sentido, a importância da complementaridade de protótipos físicos, além
da prototipagem digital, permite a interação do usuário/trabalhador com o posto de
trabalho em projeto, assim como com os analistas e projetistas, sendo fundamental para
validar e melhorar uma série de aspectos “invisíveis” em ambiente digital. Essa experiên-
cia de interação não pode ser substituída por ferramentas computacionais, por mais
avançadas que possam ser, visto a riqueza existente na interação física com um protóti-
po, revelando sensações, percepções e detalhes, tanto por parte daqueles que concebem
quanto daqueles que usam. Tal discussão é considerada de fundamental importância no
contexto da Ergonomia e projeto e pode ser encontrada com maior detalhamento em
Fontes et al. (2005) e Tonin et al. (2007).

18.8. Página escolar


Questões
1) Considerando a divisão proposta para simulação humana computacional, expli-
que as categorias de modelagem e apresente uma ferramenta computacional para
cada subcategoria de modelagem física.
2) Qual o propósito da modelagem humana? Como ocorre tal processo?
3) Qual o principal objetivo das ferramentas de simulação humana?
4) Explique como o foco (esforço) para o desenvolvimento da simulação humana se
alterou ao longo dos últimos cinquenta anos.
5) Descreva como as ferramentas de simulação humana podem colaborar na recons-
trução da atividade futura e no desenvolvimento de cenários evolutivos.
Capítulo 18 | Simulação humana aplicada à Ergonomia 391

6) Explique como a utilização de scanner 3D pode contribuir para a modelagem e


simulação humana.
7) Cite as principais razões para a utilização de modelos humanos digitais no projeto
de situações produtivas.
8) Apresente as dificuldades e riscos associados ao uso de ferramentas computacio-
nais de simulação humana aplicadas à Ergonomia.

Pesquisa na internet
Pesquise na internet os principais clientes dos softwares apresentados e diferencie
seus ramos de atuação e potencialidade de aplicações (considerando o cliente final).

Debate
Discuta as possibilidades de uso da simulação humana nas seguintes etapas de um
projeto de uma situação produtiva:
a) Desenvolvimento conceitual.
b) Validação junto aos usuários.
c) Marketing.

Caso real
Considerando as três funcionalidades apresentadas no capítulo, explicite como
cada uma pode contribuir para o projeto de:
a) Cabine de um trator.
b) Layout de uma sala de controle.
c) Doca de carga e descarga manual de engradados de cerveja.

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Capítulo

19 Ergonomia e acessibilidade
no ambiente de trabalho
Antonio Gualberto Filho, MSc – UFPB

Conceitos apresentados
Um dos objetivos da Ergonomia é a adaptação dos meios de trabalho à maioria
da população trabalhadora. Porém, uma situação inversa se observa em relação ao
trabalho da pessoa com deficiência, quando o Ergonomista ou o Engenheiro de Pro-
dução deverá adaptar o trabalho a um trabalhador único, com características que o
diferenciam de todos os demais, e fazer de modo que ele obtenha sucesso no desem-
penho de sua tarefa.

19.1. Introdução
A cidade sem habitantes é uma cidade fantasma. A cidade, na verdade são as
pessoas que a habitam, portanto, é para elas que a cidade deve ser pensada e construí-
da. Daí porque é necessário ouvi-las, conhecer as suas necessidades e desejos. Porém,
a cidade real é bem diferente e bem menos amistosa, pois, quando ultrapassamos o
umbral de nossa soleira nos defrontamos com um espaço que foi pensado e construído
para algumas pessoas e não para todas. Quando chegamos à calçada começamos uma
jornada difícil, quase uma maratona, pois teremos que superar desníveis, ultrapassar
valas, driblar postes e assemelhados e, vez ou outra, vencer verdadeiras florestas repletas
de plantas espinhosas que ficam a nos espreitar à espera do menor desequilíbrio para
fincar suas pontiagudas extremidades em nossa carne. Sem dúvida, a linguagem está um
tanto dramática, mas é a realidade. E o pior é que não termina aí. Quando vamos acessar
os transportes coletivos temos outras barreiras a vencer, pois eles são até razoáveis para
atletas especialistas em corrida com obstáculos, mas, para a pessoa comum que conduz
pacotes, crianças de colo, é obesa, ou mesmo se encontra em estado de gravidez avança-
do, a tarefa é penosa.
Capítulo 19 | Ergonomia e acessibilidade no ambiente de trabalho 395

Esses casos apontados são temporários e, por difíceis que sejam, são situações
passageiras. Porém, a situação é critica para as populações de pessoas com deficiência
(PCDs), que apresentam incapacitações permanentes e que têm que conviver com as
dificuldades de locomoção e acesso em todas as situações de suas vidas. Para essas pes-
soas a cidade mostra a sua face mais cruel com barreiras que são levantadas em todas as
direções e dificultam a vida dessas pessoas tanto para o trabalho como para o lazer. É
por elas que devemos repensar a cidade, pois, elas têm desejos, necessidades e direitos
como todos nós.
É considerando as PCDs que precisamos pensar as importantes mudanças que se
fazem necessárias para ajudar na sua integração social tais como:
UÊ A supressão das barreiras arquitetônicas em edifícios, vias, espaços públicos, sa-
nitários, parques, praias etc.
UÊ A adaptação progressiva da rede de transporte pública urbana.
UÊ O compromisso com o Desenho Universal na hora de desenhar novos produtos e
projetos arquitetônicos.
UÊ A eliminação das barreiras de comunicação na atenção e informação ao público.
UÊ A normalização e adaptação progressiva dos serviços e espaços públicos.
UÊ A criação de espaços e mecanismos de participação social das PCDs em todos os
âmbitos da vida coletiva.
O conceito de Desenho Universal foi desenvolvido pelo Center for Universal De-
sign, da School of Design of North Carolina State University, nos Estados Unidos. Contém
sete princípios que podem ser usados tanto para avaliar projetos existentes como para
orientar novos projetos (Cambiaghi, 2007). São os seguintes:
1) Equiparação nas possibilidades de uso.
2) Flexibilidade no uso.
3) Uso simples e intuitivo.
4) Informação perceptível.
5) Tolerância ao erro.
6) Mínimo esforço físico.
7) Dimensionamento de espaços para acesso e uso de todos os usuários.
A importância do entrelaçamento do desenho universal com a Ergonomia deve-se
à necessidade do conhecimento do conteúdo das atividades, bem como da capacidade
reduzida, física e/ou mental do indivíduo, para que esses ambientes e esses produtos
possam ser desenvolvidos e usados de modo a garantir soluções eficientes para uma
maior gama de usuários.
É importante para as PCDs que o espaço urbano seja amigável e capaz de ampliar
as suas possibilidades de ação além de sua casa ou de seu espaço de trabalho.
Essa percepção deve ser estendida ao espaço de trabalho onde o trabalhador com
deficiência deverá atender às exigências de um programa de produção do qual ele ou ela
faz parte. E é nesse contexto que o Ergonomista ou o Engenheiro de Produção deverá
396 Ergonomia ELSEVIER

atuar, usando os conhecimentos de Ergonomia para atender às necessidades de produ-


ção, tanto do trabalhador como da organização.

19.2. Alguns dados estatísticos


Os portadores de deficiência constituem uma minoria, mas seu número é ex-
pressivo, pois constituem 10% da população mundial, ou seja, mais de 600 milhões de
pessoas. E as deficiências decorrem de guerras, violência, acidentes de trânsito, miséria,
falta de informação e analfabetismo, inacessibilidade aos serviços de saúde, (mesmo os
básicos) e o desconhecimento sobre deficiência.
Segundo dados do IBGE (2009), cerca de 14,5% da população brasileira, ou 27,9
milhões de pessoas, são constituídos de indivíduos com algum tipo de deficiência, que
pode ser congênita ou provocada. Esta última está relacionada em grande parte aos aci-
dentes de trânsito, de trabalho e à violência urbana, que acaba gerando um grande nú-
mero de deficientes físicos.
Seguindo a tendência de se concentrarem nas regiões mais carentes, apresenta a
distribuição indicada no Quadro 19.1.

4XDGUR²'LVWULEXLomRGH3&'VSRU5HJLmRGR%UDVLO

5(*,®2 %

125'(67( 
1257( 14
68'(67( 12
68/ 18
&(17522(67( 16

Fonte: Organização Mundial da Saúde (2000).

4XDGUR²,QFLGrQFLDGHWLSRVGHGHÀFLrQFLDQDSRSXODomREUDVLOHLUD

7,326'('(),&,È1&,$6 %

'(),&,È1&,$0(17$/ 
'(),&,È1&,$)Ì6,&$ 
'(),&,È1&,$$8',7,9$ 15
'(),&,È1&,$9,68$/ 
'(),&,È1&,$0Ô/7,3/$ 

Fonte: Organização Mundial da Saúde (2000).

19.3. A visão ergonômica da pessoa com deficiência


A Ergonomia tem o objetivo propiciar a adaptação dos meios de produção à média
da população trabalhadora. Uma situação inversa observa-se em relação à Ergonomia
Capítulo 19 | Ergonomia e acessibilidade no ambiente de trabalho 397

aplicada ao trabalho da pessoa com deficiência (PCD), quando se procura adaptar o tra-
balho a situação especifica de um trabalhador.
Isso acontece por meio do estudo das ações e reações do sistema neuro-músculo-
-esquelético (N-M-E) em relação às demandas apresentadas ao ser humano na situação
de trabalho. Quando o indivíduo apresenta uma disfunção em qualquer um desses sub-
sistemas, podendo ser de forma isolada ou combinada, terá dificuldade em responder a
demanda apresentada pela tarefa.
Assim, na linguagem ergonômica, uma deficiência é uma disfunção em qualquer
um dos subsistemas neuro-músculo-esquelético (N-M-E), resultando na incapacidade de
o indivíduo responder a uma demanda nas mesmas condições que uma pessoa que não
apresente essa disfunção seria capaz de fazer.

)LJXUD&RPSRQHQWHVGRVLVWHPDQHXURP~VFXORHVTXHOpWLFR

Todavia, esse indivíduo que apresenta deficiência pode realizar tarefas, desde que,
condições adequadas lhe sejam oferecidas por meio de uma intervenção ergonômica no
ambiente de trabalho.

19.4. A adaptação ergonômica do trabalho à pessoa com deficiência


De acordo com a OIT (1997) os principais objetivos da adaptação dos postos de
trabalho às Pessoas com Deficiência (PCDs) são: a criação de condições seguras de traba-
lho de forma que uma pessoa incapacitada não coloque em risco a si mesmo ou aos ou-
tros, a prevenção de desvantagens ocupacionais, e evitar o agravamento da incapacitação
ou da deficiência existente.
398 Ergonomia ELSEVIER

A aplicação da Ergonomia às PCDs apresenta dificuldades especificas segundo


Garcia e Burgos (1994), devido a “dificuldades metodológicas (...) de forma a conse-
guir uma avaliação mais global da pessoa portadora de deficiência (...)”. Isso porque
indivíduos com deficiências semelhantes podem ter necessidades diferentes, da mesma
forma que pessoas com diferentes diagnósticos podem ter necessidades iguais. E uma
preocupação básica de quem vai gerenciar a produção, deve ser no sentido de que a ta-
refa juntamente com o posto de trabalho não contribua para ampliar a sequela da pessoa
com deficiência.
No Brasil foi instituída a Lei no 8.213 de 24/07/1991, que determina em seu art. 93:
A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2%
(dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabi-
litados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:
I – até 200 empregados.....................................................2%
II – de 201 a 500..............................................................3%
III – de 501 a 1.000 .........................................................4%
IV – de 1.001 em diante....................................................5%
Diante de uma exigência legal as empresas brasileiras terão que se preparar para
receber em seus quadros trabalhadores que são pessoas com deficiência (PCDs). É funda-
mental que o Engenheiro de Produção verifique se a tarefa atribuída a uma PCD é com-
patível com a sua deficiência e quais são as adaptações necessárias ao posto de trabalho
para que o indivíduo possa executar sua tarefa de modo a atender a uma programação
de produção. Essa adaptação pode ser uma mesa de apoio, um assento sobre rodas que
facilite a sua movimentação mesmo sentada, ou a adaptação de uma ferramenta de modo
a facilitar o seu uso, como é feito com talhares para serem usados por pessoas com mobi-
lidade reduzida nos membros superiores, como os ilustrados na Figura 19.2.

)LJXUD7DOKHUHVDGDSWDGRV

Foto: Google Imagens.


Capítulo 19 | Ergonomia e acessibilidade no ambiente de trabalho 399

19.5. A caracterização da pessoa com deficência


É necessário conhecer as características da pessoa com deficiência para decidir
qual a melhor tarefa que pode ser executada por ela, bem como para propiciar uma
melhor comunicação e relacionamento profissional com os colegas de trabalho. Vamos,
assim, recorrer à legislação brasileira pertinente que estabelece a nomenclatura necessá-
ria a sua compreensão.
A NBR 9050:04 apresenta duas definições importantes, sendo uma para “mobili-
dade reduzida” e outra para “deficiência”.
A definição de pessoa com “mobilidade reduzida” é:
Aquela que, temporária ou permanentemente, tem limitada sua capacidade
de relacionar-se com o meio e de utilizá-lo. Entende-se por pessoa com
mobilidade reduzida, a pessoa com deficiência, idosa, obesa, gestante entre
outros. (ABNT, 2004)
E a pessoa com “deficiência” apresenta:
Redução, limitação ou inexistência das condições de percepção das carac-
terísticas do ambiente ou de mobilidade e de utilização de edificações, es-
paço, mobiliário, equipamento urbano e elementos, em caráter temporário
ou permanente. (ABNT, 2004)
O Decreto no 5.296, de 02/12/2004, em seu art. 5o, § 1o, I, considera:
a) deficiência física: alteração completa ou parcial de um ou mais segmen-
tos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física,
apresentando-se sob a forma de: paraplegia, paraparesia, monoplegia, mo-
noparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemi-
paresia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral,
nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as
deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desem-
penho de funções.
Abaixo encontra-se definida cada uma dessas deficiências:
UÊ Paraplegia: perda total das funções motoras dos membros inferiores.
UÊ Paraparesia: perda parcial das funções motoras dos membros inferiores.
UÊ Monoplegia: perda total das funções motoras de um só membro (podendo ser
membro superior ou membro inferior).
UÊ Monoparesia: perda parcial das funções motoras de um só membro (podendo ser
membro superior ou membro inferior).
UÊ Tetraplegia: perda total das funções motoras dos membros inferiores e superiores.
UÊ Tetraparesia: perda parcial das funções motoras dos membros inferiores e supe-
riores.
400 Ergonomia ELSEVIER

UÊ Triplegia: perda total das funções de três membros.


UÊ Triparesia: perda parcial das funções de três membros.
UÊ Hemiplegia: perda total das funções motoras de um hemisfério do corpo (direito
ou esquerdo).
UÊ Hemiparesia: perda parcial das funções motoras de um hemisfério do corpo (di-
reito ou esquerdo).
UÊ Amputação: perda total de um determinado segmento de um membro (superior
ou inferior).
UÊ Paralisia Cerebral: lesão de uma ou mais áreas do sistema nervoso central tendo
como consequência alterações psicomotoras, podendo ou não causar deficiência
mental.
b) deficiência auditiva: perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um
decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz,
1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz;
c) deficiência visual: cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor
que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que
significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor
correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual
em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea
de quaisquer das condições anteriores;
d) deficiência mental: funcionamento intelectual significativamente infe-
rior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associa-
das a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:
1. comunicação;
2. cuidado pessoal;
3. habilidades pessoais;
4. utilização dos recursos da comunidade;
5. saúde e segurança;
6. habilidades acadêmicas;
7. lazer;
8. trabalho.
e) deficiência múltipla – associação de duas ou mais deficiências.
Assim, uma deficiência é uma alteração da condição normal de funcionamento do
sistema neuro-músculo-esquelético da pessoa e se produz, podendo ser consequência
de uma enfermidade, como uma má-formação congênita, uma enfermidade adquirida,
uma lesão acidental ou pelo próprio envelhecimento. Essa perda ou anomalia pode ser
temporária ou permanente.
Capítulo 19 | Ergonomia e acessibilidade no ambiente de trabalho 401

19.6. A ação ergonômica na situação de trabalho da PCD


Para o Engenheiro de Produção haverá uma mudança nesse procedimento de ava-
liação da interface do indivíduo com seu posto de trabalho na realização de uma tarefa.
Porque se tratando de uma pessoa com deficiência, o procedimento ergonômico será vol-
tado para atender às capacidades funcionais residuais físicas e/ou mentais do indivíduo.
Para entender o que vem a ser a “capacidade funcional reduzida (CFR)” convém
lembrar que a Ergonomia clássica estuda o indivíduo com “capacidade funcional plena”
em uma condição de trabalho. O que compreende o funcionamento “pleno” dos sub-
sistemas Neuro-Músculo-Esquelético (N-M-E), que respondem pelas ações de trabalho
tanto físico como cognitivo. E é considerado “pleno”, porque parte-se do princípio de
que esses subsistemas, funcionam sem disfunção (defeito) em qualquer um deles.
Já atuando com a pessoa com deficiência em uma situação de trabalho, deverá se
considerar uma situação onde, qualquer um dos subsistemas (N-M-E), ou todos, apre-
senta alguma “disfunção”, seja ela congênita ou adquirida. Havendo a disfunção (defeito)
a capacidade de ação dos subsistemas (N-M-E), deixa de ser “capacidade funcional ple-
na” e passa a ser “capacidade funcional residual”.
A capacidade funcional residual da pessoa com deficiência está disponível para
a realização da tarefa, todavia ficam premidas pela exigência do conteúdo dessa tarefa,
que se manifesta por meio dos gestos e do esforço postural, para alcançar, pegar e mo-
vimentar cargas manualmente. Da mesma forma existem as barreiras ambientais como
as arquitetônicas e as comportamentais que podem dificultar ou até mesmo impedir o
sucesso da realização da tarefa.
A barreira arquitetônica é “qualquer elemento natural, instalado ou edificado que
impeça a aproximação, transferência ou circulação no espaço, mobiliário ou equipamen-
to urbano” (ABNT, 2004).
Enquanto que a barreira comportamental corresponde ao preconceito e discrimi-
nação por parte das pessoas que compõem o coletivo de trabalho do qual a pessoa com
deficiência faz parte.
A Ergonomia nesse caso tem por objetivo suprir o indivíduo, com capacidade
residual, dos meios para a superação das barreiras ambientais e comportamentais, bem
como das exigências representadas pelo conteúdo da tarefa. De modo a garantir o su-
cesso na realização da mesma, usando para isso os suportes da gestão e da tecnologia
assistivas, sem que haja comprometimento ou agravamento das sequelas do indivíduo
em atenção.
A Ergonomia tem por objetivo suprir o indivíduo, com capacidade residual, dos
meios para a superação das barreiras ambientais e comportamentais, bem como das
exigências representadas pelo conteúdo da tarefa. De modo a garantir o sucesso na rea-
lização da mesma, usando para isso os suportes da gestão e da tecnologia assistivas, cui-
dando para que não haja o comprometimento ou agravamento das sequelas do indivíduo
em atenção.
402 Ergonomia ELSEVIER

No esquema abaixo ilustramos como o indivíduo com capacidade residual so-


fre pressão das exigências do conteúdo da tarefa e das barreiras ambientais (físicas e
comportamentais). O indivíduo demanda e recebe o apoio nas formas da gestão e da
tecnologia assistivas. E o indivíduo fica apto a superar as pressões e realizar a tarefa
com sucesso.

)LJXUD5HSUHVHQWDomRGDDomRHUJRQ{PLFD

A Gestão Assistiva é uma ação de apoio voltada para o desenvolvimento de habi-


lidades (físicas e mentais) e de relacionamentos, treinando os membros do coletivo de
trabalho e da organização como um todo, para a coexistência com as pessoas diferentes,
sejam clientes ou colaboradores com deficiência:
Tecnologia Assistiva (TA) é qualquer produto, instrumento, estratégia,
serviço e prática, utilizado por pessoas com deficiência e pessoas idosas,
especialmente produzido ou geralmente disponível para prevenir, compen-
sar, aliviar ou neutralizar uma deficiência, incapacidade ou desvantagem e
melhorar a autonomia e a qualidade de vida dos indivíduos. (Iso 9999).
A ação ergonômica não deve ser limitada a atuar apenas na “tarefa” realizada
no espaço de trabalho. Nem poderia ser, tendo em vista o permanente desafio que
se coloca para a pessoa com restrição de mobilidade, que é de se locomover e usar o
espaço urbano no seu dia a dia, no desempeno das atividades da vida diária (AVD).
Considerando que a “tarefa” é restrita ao espaço de trabalho AVD é mais ampla, pois
abrange todas as manifestações físicas e mentais do indivíduo, desde o acordar até o
deitar, passando por escovar os dentes, trocar de roupa, pegar ônibus, alimentar-se,
ir ao banheiro etc. O que se coloca para a Ergonomia, a priori, não é apenas a produ-
tividade e sim o sucesso ou o fracasso na realização de cada atividade que compõe o
dia a dia da pessoa com deficiência, desde a mais simples a mais complexa, tanto em
conteúdo físico, como mental e psíquico.
Capítulo 19 | Ergonomia e acessibilidade no ambiente de trabalho 403

Os suportes da gestão e da tecnologia assistivas removem as barreiras, oferecem


meios técnicos adaptados na forma de instrumentos variados e também intervêm no
modus operandi de modo a adaptar a realização da tarefa ao indivíduo, configurando-se
assim a missão da Ergonomia.

19.6. O espaço de trabalho e a pessoa com deficência


O “espaço de trabalho” para a pessoa com deficiência é bem abrangente, pois
começa no ônibus que a transporta até o local de trabalho, o estacionamento que
deve ter área adequada para desembarque tanto do ônibus como do automóvel, as
calçadas que levam do estacionamento até a guarita da empresa, a própria guarita,
que deve ter acesso adequado ao invés da roleta, as vias de circulação no arranjo
físico, o restaurante, o vestiário e o sanitário. Existindo área de lazer, ela também
deverá ser acessível.
Será apresentada uma sequência de situações mostrando esse caminho a ser segui-
do pela PCD no caminho do trabalho.

)LJXUD D ÑQLEXVDFHVVtYHO

Foto: Antonio Gualberto Filho.


404 Ergonomia ELSEVIER

)LJXUD E (VWDFLRQDPHQWRDFHVVtYHO

Foto: Antonio Gualberto Filho.

Apresentam-se a seguir algumas informações extraídas da NBR 9050:04, que irão


subsidiar o Engenheiro de Produção na preparação do ambiente físico que irá receber a
PCD, todavia outras normas deverão ser consultadas, para ajudar na solução dos desafios
que surgirão. Tratam da acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos
urbanos. Porém, não se esgotam aqui todas as situações contidas na norma, lembrando
que ela deverá ser uma ferramenta de uso constante, da mesma forma que outros livros
e os manuais de Ergonomia.
Todavia aqui estão apresentadas informações que podem atender ao engenheiro
que precise de soluções tanto para o arranjo físico como para o posto de trabalho para
o trabalhador que tenha mobilidade reduzida e seja usuário de cadeira de rodas. A NBR
9050:04 apresenta restrições por não atender, de forma satisfatória, a outras formas de
deficiências como a auditiva, a visual e a mental. De modo que em situações mais com-
plexas e envolvendo trabalhadores com outros tipos de deficiência, o Engenheiro de
Produção deverá não só estudar a NBR 9050:04 como também recorrer a outras normas
ou mesmo aos especialistas em acessibilidade, desenho universal e tecnologia assistiva
de modo a atender plenamente ao trabalhador com deficiência em situação de trabalho.

19.6.1. Cadeira de rodas


Iniciamos apresentando ao leitor o tipo de cadeira de rodas mais comum, que é
a cadeira de rodas do tipo manual, que requer força humana para movimentação. Esse
tipo de cadeira de rodas pode ser dobrada para o armazenamento ou para a colocação em
um veiculo. É importante observar as suas dimensões tanto aberta como fechada, para o
dimensionamento dos espaços onde serão usadas.
Capítulo 19 | Ergonomia e acessibilidade no ambiente de trabalho 405

)LJXUD&DGHLUDGHURGDVPDQXDO

Fonte: ABNT (2004).

19.6.2. Módulo de Referência (M.R.)


O Módulo de Referência é o espaço mínimo necessário para ser ocupado por uma
pessoa usando cadeira de rodas, medindo 1,20 m x 0,80 m. Deverá ser usado na concep-
ção de arranjo físico (layout) e de posto de trabalho.

)LJXUD0yGXORSDGUmRSDUDGLPHQVLRQDPHQWR

Fonte: ABNT (2004).

19.6.3. Áreas de circulação e manobra


O conhecimento da área mínima de circulação e manobra em cadeira de rodas é
importante para o dimensionamento do arranjo físico (layout) e do posto de trabalho.
406 Ergonomia ELSEVIER

)LJXUD0HGLGDVPtQLPDVSDUDFLUFXODomR

Fonte: ABNT (2004).

As medidas para a manobra da cadeira de rodas sem deslocamento são as seguintes:


a) para rotação de 90º = 1,20 m x 1,20 m;
b) para rotação de 180º = 1,50 m x 1,20 m;
c) para rotação de 360° = diâmetro de 1,50 m.

)LJXUD0HGLGDVSDUDPDQREUDVHPGHVORFDPHQWR

Fonte: ABNT (2004).


Capítulo 19 | Ergonomia e acessibilidade no ambiente de trabalho 407

)LJXUD0HGLGDVSDUDPDQREUDFRPGHVORFDPHQWR

Fonte: ABNT (2004).

19.6.4. Portas e rampas


As portas e as rampas são elementos técnicos importantes no espaço de trabalho
para pessoas com deficiência.
As portas devem apresentar um vão livre mínimo de 0,80 m. Porém, é bom ob-
servar que não é a porta que deve ter 0,80 m de largura e sim o vão de passagem, pois
mesmo a porta tendo 0,80 m, não significa que o vão terá a mesma largura devido aos
esbarros existentes na forra da porta. A maçaneta deve ser do tipo alavanca, como está
mostrada na figura abaixo, para facilitar o acionamento da mesma pela pessoa que tenha
mobilidade reduzida nos membros superiores.
408 Ergonomia ELSEVIER

)LJXUD/DUJXUDGRYmRGDSRUWD

Fonte: ABNT (2004).

A NBR 9050:04 define rampa da seguinte maneira:


Rampa: inclinação da superfície de piso, longitudinal ao sentido de cami-
nhamento. Consideram-se rampas aquelas com declividade igual ou supe-
rior a 5%.
As rampas constituem os elementos técnicos bem conhecidos dentro da temática
da acessibilidade. Há quem entenda que tornar um ambiente acessível é simplesmente
colocar uma rampa. A rampa substitui a escada que é um elemento construtivo impos-
sível de ser utilizado por pessoas que tenham restrição ou dificuldade de mobilidade.
Todavia, de acordo com a NBR 9050:04, para a rampa atender o seu objetivo precisa ser
observado dois requisitos básicos que são: ter a largura (L) estabelecida de acordo com
o fluxo de pessoas, sendo que a largura livre mínima recomendável para as rampas em
rotas acessíveis é de 1,50 m, sendo, todavia o mínimo admissível igual a 1,20 m. E com
uma inclinação variando de 6,25% a 8,33%, devendo ser calculada segundo a seguinte
equação:

i = h × 100
c
Capítulo 19 | Ergonomia e acessibilidade no ambiente de trabalho 409

)LJXUD5DPSD

Onde:
i é a inclinação, em porcentagem;
h é a altura do desnível;
c é o comprimento da projeção horizontal.

Exemplo: Vamos calcular a inclinação em porcentagem, para uma rampa cujo


desnível mede 0,15 m e o comprimento da projeção horizontal mede 1,80 m.
Teremos então:

i = 0,15/ 1,80 x 100 = 8,33%

O que mostra que a rampa está em conformidade com a NBR 9050:04. Caso a
inclinação esteja em desconformidade terá que ser corrigida.
Mostramos na Figura 19.12 um exemplo de rampa com guarda-corpo e corrimão.

)LJXUD5DPSDFRPJXDUGDFRUSRHFRUULPmR

Foto: Antonio Gualberto Filho.


410 Ergonomia ELSEVIER

19.6.5. Alcance manual


A incapacidade de alcançar restringe também a capacidade de inclinação, de mo-
vimentos corporais, incluindo habilidade de manipulação e a capacidade de regular con-
trole por parte do indivíduo.
O alcance manual é função da antropometria do usuário da cadeira de rodas, es-
tabelecendo, os alcances: mínimo, alcance máximo e a faixa de variação de alcance com
conforto e segurança.

)LJXUD$OFDQFHPDQXDOIURQWDO

Fonte: ABNT (2004).

)LJXUD$OFDQFHPDQXDOODWHUDO

Fonte: ABNT (2004).


Capítulo 19 | Ergonomia e acessibilidade no ambiente de trabalho 411

19.6.6. Medidas da superfície de trabalho


As variáveis determinantes da superfície de trabalho compreendem a altura e as
dimensões horizontais da mesa. A superfície de trabalho deve ter uma altura mínima,
entre o piso e a parte inferior do plano de trabalho de no mínimo 0,73 m, para permitir
o encaixe do indivíduo em sua cadeira de rodas. E a altura entre o piso e a parte superior
do plano de trabalho deve variar de 0,75 m a 0,85 m. E as dimensões horizontais devem
ser observadas em acordo com a Figura 19.15.

)LJXUD'LPHQVLRQDPHQWRGDVXSHUItFLHGHWUDEDOKR

Fonte: ABNT (2004).

19.6.7. Ângulos para execução de forças de tração e compressão


O indivíduo em cadeira de rodas pode apresentar incapacidade para realizar força,
devido à fraqueza muscular ou mesmo pelo uso de próteses que limitam a capacidade
de exercer a força necessária para empurrar ou puxar, levantar e transportar cargas, ou
mesmo de suportar o peso de um instrumento ou do seu próprio membro.
As figuras a seguir mostram os ângulos que se pode conseguir a melhor relação
de alcance e força para a pessoa em cadeira de rodas, devendo ser usada no projeto de
posto de trabalho.

)LJXUD3ODQRKRUL]RQWDO

Fonte: ABNT (2004).


412 Ergonomia ELSEVIER

)LJXUD3ODQRODWHUDO

Fonte: ABNT (2004).

19.6.8. Ângulos de alcance visual


Observe que na posição sentada a pessoa apresenta um menor ângulo visual para
cima e maior para baixo. Essas informações são importantes para o projeto da tarefa e do
posto de trabalho, para a pessoa em cadeira de rodas (PCR).

)LJXUDÇQJXORYLVXDOQRSODQRYHUWLFDO

Fonte: ABNT (2004).


LH = Linha do horizonte visual – relacionada com a altura dos olhos.
CV = Cone visual correspondente à área de visão apenas com o movimento inconsciente dos olhos.
Capítulo 19 | Ergonomia e acessibilidade no ambiente de trabalho 413

)LJXUDÇQJXORYLVXDOQRSODQRKRUL]RQWDO

Fonte: ABNT (2004).

)LJXUD&RQHVYLVXDLVGDSHVVRDHPFDGHLUDGHURGDV

Fonte: ABNT (2004).


414 Ergonomia ELSEVIER

)LJXUD'LPHQVLRQDPHQWRGRSRVWRGHWUDEDOKRFRPFRPSXWDGRU

Fonte: ABNT (2004).

'LPHQVLRQDPHQWRGHPHVDSDUDWUDEDOKR

Fonte: ABNT (2004).

)LJXUD$OWXUDDGHTXDGDSDUDEHEHGRXUR

Fonte: ABNT (2004).


Capítulo 19 | Ergonomia e acessibilidade no ambiente de trabalho 415

)LJXUD$OWXUDGHEDOFmRGHDXWRDWHQGLPHQWRHPUHVWDXUDQWH

Fonte: ABNT (2004).

19.6.9. Comandos e controles


)LJXUD$OWXUDVDGHTXDGDVSDUDFRORFDomRGRVFRPDQGRVHFRQWUROHV

Fonte: ABNT (2004).

19.6.10. Outras normas da ABNT


ABNT NBR 10898:1999 – Sistema de iluminação de emergência
ABNT NBR 9077:2001 – Saídas de emergência em edifícios – Procedimento
ABNT NBR 9283:1986 – Mobiliário urbano – Classificação
ABNT NBR 9284:1986 – Equipamento urbano – Classificação
ABNT NBR 9050:2004 – Acessibilidade a edificações, mobiliário e equipamentos urbanos
ABNT NBR 13994:2000 – Elevadores de passageiros – Elevadores para transporte de
pessoa portadora de deficiência
416 Ergonomia ELSEVIER

19.6.11. Símbolo Internacional de Acesso


A indicação de acessibilidade das edificações, do mobiliário, dos espaços e dos
equipamentos urbanos deve ser feita por meio do Símbolo Internacional de Acesso
(NBR 9050:04).

)LJXUD6tPEROR,QWHUQDFLRQDOGH$FHVVR

Fonte: ABNT (2004).

O símbolo internacional de pessoas com deficiência visual deve indicar a existência


de equipamentos, mobiliário e serviços para pessoas deficiência visual (NBR 9050:04).

)LJXUD6tPEROR,QWHUQDFLRQDOGH3HVVRDVFRP'HÀFLrQFLD9LVXDO

Fonte: ABNT (2004).

O símbolo internacional de pessoa com surdez deve ser utilizado em todos os


locais, equipamentos, produtos, procedimentos ou serviços para pessoa com deficiência
auditiva (surdez) (NBR 9050:04).
Capítulo 19 | Ergonomia e acessibilidade no ambiente de trabalho 417

)LJXUD6tPEROR,QWHUQDFLRQDOGH3HVVRDVFRP'HÀFLrQFLD$XGLWLYD 6XUGH]

Fonte: ABNT (2004).

Símbolos complementares estão disponíveis na NBR 9050:04.

19.7. Revisão dos conceitos apresentados


1) ACESSIBILIDADE – Possibilidade e condição de alcance, percepção e entendi-
mento para a utilização com segurança e autonomia de edificações, espaço, mobi-
liário, equipamento urbano e elementos (NBR 9050:04).
2) ATIVIDADES DA VIDA DIÁRIA – As atividade de vida diária, também chamadas
de AVD, incluem todas as atividades rotineiras, desde o levantar até o deitar para
dormir.
3) BARREIRA ARQUITETÔNICA – Qualquer elemento natural, instalado ou edifica-
do que impeça a aproximação, transferência ou circulação no espaço, mobiliário
ou equipamento urbano (NBR 9050:04).
4) BARREIRA COMPORTAMENTAL – Barreira comportamental corresponde ao pre-
conceito e discriminação por parte das pessoas que compõem o coletivo de traba-
lho do qual a pessoa com deficiência faz parte.
5) CAPACIDADE FUNCIONAL PLENA (CFP) – Compreende o funcionamento
“pleno” dos subsistemas Neuro-Músculo-Esquelético (N-M-E), que respondem
pelas ações de trabalho tanto físico como cognitivo.
6) CAPACIDADE FUNCIONAL REDUZIDA (CFR) – Situação onde, qualquer um
dos subsistemas (N-M-E), ou todos, apresenta alguma “disfunção”, seja esta con-
gênita ou adquirida.
7) DEFICIÊNCIA – Redução, limitação ou inexistência das condições de percepção
das características do ambiente ou de mobilidade e de utilização de edificações,
espaço, mobiliário, equipamento urbano e elementos, em caráter temporário ou
permanente (NBR 9050:04).
418 Ergonomia ELSEVIER

8) DESENHO UNVERSAL – Aquele que visa atender à maior gama de variações


possíveis das características antropométricas e sensoriais da população (NBR
9050:04).
9) GESTÃO ASSISTIVA – Ação ção de apoio voltada para o desenvolvimento de habili-
dades (físicas e mentais) e de relacionamentos, treinando os membros do coletivo
de trabalho e da organização como um todo, para a coexistência com as pessoas
com deficiência, sejam essas clientes ou colaboradores.
10) MOBILIDADE REDUZIDA – Aquela que, temporária ou permanentemente, tem
limitada sua capacidade de relacionar-se com o meio e de utilizá-lo. Entende-se
por pessoa com mobilidade reduzida, a pessoa com deficiência, idosa, obesa, ges-
tante entre outros (NBR 9050:04).
11) TECNOLOGIA ASSISITIVA – É qualquer produto, instrumento, estratégia, ser-
viço e prática, utilizados por pessoas com deficiência e pessoas idosas, especial-
mente produzidas ou geralmente disponíveis para prevenir, compensar, aliviar ou
neutralizar uma deficiência, incapacidade ou desvantagem e melhorar a autono-
mia e a qualidade de vida dos indivíduos (ISO 9999).

19.8. Conclusão
Aqui se falou da diferença de abordagem ergonômica entre o trabalhador com capa-
cidade funcional plena (CFP) e com capacidade funcional reduzida (CFR), onde este último
apresenta características que o diferencia de todos os demais. E a missão do Engenheiro de
Produção é contribuir para que ele obtenha sucesso no desempenho de sua tarefa.
Segundo dados do IBGE (2009) cerca de 14,5% da população brasileira, ou 27,9
milhões de pessoas, são constituídos de indivíduos com algum tipo de deficiência.. E no
Brasil foi instituída a Lei no 8.213 de 24/07/1991, que determina em seu art. 93, que em-
presas com 100 ou mais empregados está obrigada a contratar pessoas com deficiência.
Foi colocada a importância do entrelaçamento do desenho universal com a Er-
gonomia devido à necessidade do conhecimento do conteúdo das atividades bem como
da capacidade reduzida da pessoa com deficiência e da importância de se desenvolver
produtos que possam ser usados pela maior gama possível de pessoas.
Tratou-se da visão ergonômica da pessoa com deficiência e das formas de adapta-
ção do trabalho à pessoa com deficiência. Sendo colocado para o Engenheiro de Produ-
ção que haverá uma mudança nesse procedimento de avaliação da interface do indivíduo
com seu posto de trabalho na realização de uma tarefa. Porque se tratando de uma pessoa
com deficiência, o procedimento ergonômico será voltado para atender às capacidades
funcionais residuais físicas e/ou mentais do indivíduo.
E se finalizou falando do “espaço de trabalho” para a pessoa com deficiência, da
sua abrangência, desde que começa no ônibus que a transporta até o local de trabalho,
passando pelo estacionamento que deve ter área adequada para embarque e desembar-
Capítulo 19 | Ergonomia e acessibilidade no ambiente de trabalho 419

que tanto do ônibus como do automóvel, pelas áreas de circulação do arranjo físico.
Considerou-se também as medidas antropométricas da pessoa em cadeira de rodas e as
dimensões do posto de trabalho, encerrando com a sinalização a ser usada. De modo a
deixar o aluno de Engenharia de Produção apto a dar os primeiros passos no campo da
Ergonomia voltada para a pessoa com deficiência em situação de trabalho.

19.9. Página escolar


Questões
Duas questões são colocadas. São duas viagens a serem feitas. A primeira viagem
você fará no corpo de um cego. E a segunda viagem será no corpo de uma pessoa em
cadeia de rodas (PCR). A viagem é a seguinte:
Você está cego e vai fazer uma viagem de ida e volta da sua casa até a universidade.
A sua viagem começa com você acordando e fazendo as atividades da vida diária, em
casa. Depois você sai e se dirige até o(s) ponto(s) do(s) ônibus que você sempre usa para
ir até a universidade, considerando que terá que atravessar ruas, pedir para o ônibus pa-
rar, entrar, pagar a passagem etc. Finalmente após pegar o(s) ônibus necessário(s) você
chega à universidade e lá você enfrenta a sua rotina. Ao fim do dia você retorna para casa,
completa as suas atividades da vida diária e dorme feliz (?).
Aqui estão colocadas algumas atividades apenas para despertar, porém, você de-
verá enriquecer com detalhes os mais fiéis possíveis à sua realidade.
Agora você é uma (PCR). Boa viagem!
O exercício deve ser concluído com a sugestão de medidas para apoiar a capaci-
dade residual das pessoas com deficiência que, mesmo mentalmente, você vivenciou.
É necessário conhecer as características da pessoa com deficiência para decidir
qual a melhor tarefa que pode ser executada por ela, bem como para propiciar uma me-
lhor comunicação e relacionamento profissional com os colegas de trabalho.

Referências
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sibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro:
ABNT, 2004.
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Revista CIPA, n. 250, pp. 44-69, 2000.
BARBOSA FILHO, A. N. Um modelo de avaliação da qualidade de vida no trabalho para a
pessoa com deficiência. 2004. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção) – Centro
de Tecnologia e Geociências, Universidade Federal de Pernambuco, Recife.
BRASIL. Decreto no 5.296, de 2 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis no 10.048, de 8
de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e
420 Ergonomia ELSEVIER

10.098, de 10 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos


para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mo-
bilidade reduzida, e dá outras providencias. Brasília: Senado Federal, 2004.
CAMBIAGHI, S. Desenho universal: métodos e técnicas para arquitetos e urbanistas. São
Paulo: Senac São Paulo, 2007.
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ções Tecnológicas e a Cidade de São Paulo. São Paulo: USP, 2006.
______ (Coords.). Acessibilidade para todos: uma cartilha de orientação. Rio de Janeiro:
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Anais... Porto Alegre, UFRGS/PPGEP, 2001. CD-ROM.
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TOMAZ, A. F.; BARBOSA FILHO, A. N.; LUCENA, N. M. G.; GUALBERTO FILHO, A.
A organização do trabalho e sua contribuição na integração laboral de pessoas porta-
doras de deficiência física nas empresas. Congresso Brasileiro de Ergonomia, 11, 2001,
Gramado. Anais... Porto Alegre, UFRGS/PPGEP, 2001. CD-ROM.
Capítulo

20 O projeto da organização

Mario Cesar Vidal, Dr. Ing – PEP/COPPE/UFRJ

Conceitos apresentados
Neste capítulo veremos alguns conceitos básicos de organização, para nos pos-
sibilitar o entendimento do tema organização como objeto da Ergonomia. Em seguida
caracterizaremos os tipos de projetos organizacionais que mais nos interessam neste
capítulo, o da divisão do trabalho, ou arranjo organizacional, a organização espacial
ou arranjo físico, e a organização temporal ou arranjo de equipes. O capítulo se en-
cerra com algumas considerações úteis para o projeto de situações de trabalho, como
elementos funcionais básicos dos sistemas de trabalho e de produção.

20.1. Introdução: o que é uma organização?


O leitor talvez tenha certa dificuldade em definir precisamente o que vem a ser
uma organização e, caso o faça, certamente gerará controvérsias e discordâncias. Mas isso
também acontece com o autor e com quem mais se aventurar por um terreno tão panta-
noso. Portanto, iniciemos com dois termos centrais: trabalho e organização.
O trabalho acontece dentro de uma organização ou sistema produtivo. Um sis-
tema de produção se compõe de uma organização geral e uma organização do trabalho.
A organização geral é o organismo que atua no contexto social, econômico, geográfico,
cultural. Numa visão restrita a negócios, busca-se estabelecer como esse organismo se es-
trutura para funcionar nesse espaço de inter-relações. A ideia motriz é a de estratégia e os
conceitos subsidiários são os de criação (concepção, projeto e especificação), mobilização
(deslocamentos, alocações e atribuições) e sustentação (apoio, manutenção e regulação).
A organização do trabalho refere-se aos aparelhos funcionais internos da organi-
zação produtiva. Em termos concretos ela estabelece como repartir as forças da organiza-
ção entre as energias de execução e de controle (Vidal et al., 1976). A ideia, aqui, é a de
422 Ergonomia ELSEVIER

compreender as formas como se dá a cada uma das unidades funcionais as disposições


(físicas, mentais e sociais) necessárias para a consecução das funções que lhes são impu-
tadas pela organização geral.
A Ergonomia pode construir por meio dos conceitos de tarefa, atividade, varia-
bilidade e regulação as formas mais adequadas de projetar a organização de forma que
ela atenda aos desafios do presente (eficiência) e do futuro (sustentabilidade). Estabe-
lecemos, para acertar nossa terminologia, que a organização do trabalho determina a
atividade das pessoas, conquanto a organização geral lida com suas contingências. A
contribuição da Ergonomia pode, então, ser entendida como o estudo e implementação
de novos meios para resolver problemas colocados pela forma adotada de organização
do trabalho. O problema – ou dilema – cotidiano do engenheiro de produção no chão de
fábrica é fazer com que o sistema de trabalho funcione e tenha resultados crescentes em
termos de desempenho – quantidade e qualidade da produção – e dignidade laboral –
saúde do trabalhador e segurança do trabalho (Vidal, 1993). A Ergonomia é a disciplina
que definitivamente o ajuda nisso, de forma substancial.
Mas, o que é a organização do trabalho? A organização do trabalho cuida de ao
menos seis aspectos interdependentes, quais sejam:
1) A repartição de tarefas no tempo (estrutura temporal, horários, cadências de pro-
dução) e no espaço (arranjo físico).
2) Os sistemas de comunicação, cooperação e interligação entre atividades, ações e
operações.
3) As formas de estabelecimento de rotinas e procedimentos de produção.
4) A formulação e negociação de exigências e padrões de desempenho produtivo, aí
incluídos os sistemas de supervisão e controle.
5) Os mecanismos de recrutamento e seleção de pessoas para o trabalho.
6) Os métodos de formação, capacitação e treinamento para o trabalho.
Dessa lista de tópico extraímos dois importantes ensinamentos:
a) a organização é um todo: intervenções parciais nela repercutem nessa dimensão e
não localizadamente;
b) o limite inferior de divisibilidade da organização do trabalho é a pessoa humana
(como um todo).
A partir daí, podemos estabelecer um foco, um recorte, uma materialidade (a or-
ganização do trabalho) sobre a qual a Ergonomia possa intervir. A Ergonomia traz uma
orientação metodológica que responde a necessidades antigas em EP, segundo a qual o
projeto da organização e de sua materialidade – os meios de trabalho em sentido amplo
– sejam coerentes. Essa coerência é obtida pela confrontação das contingências tendo
como base o ponto de vista da atividade de trabalho. É essa a perspectiva de uma aborda-
gem ergonômica de organizações (ou de uma abordagem organizacional em Ergonomia)
que constitui a linha central deste capítulo.
Capítulo 20 | O projeto da organização 423

Para o que nos propomos neste capítulo a adoção dessa categoria atividade de
trabalho tem dois aspectos significativos nos planos teórico e metodológico. No plano
teórico ela permite caracterizar a materialidade da organização do trabalho: executar,
realizar, fazer uma atividade de trabalho é confrontar-se com a estrutura organizacional
da empresa e, por meio dela, com a sociedade. Trata-se de funcionar dentro de uma dada
organização do trabalho. A organização formal existente se torna concreta sob a forma
de barreira ou facilitação para a execução de uma atividade de trabalho. Em consequên-
cia, no plano metodológico, olhar a atividade de trabalho nos conduz a relacionar essa
materialidade da organização do trabalho com as condutas das pessoas na produção
(seus comportamentos e o sentido dessas ações). Ou antes, a explicação de certos com-
portamentos e do sentido aparentemente absurdo de certas atividades somente podem
ser entendidos a partir da constatação de uma organização do trabalho, tornada visível
enquanto fonte de variabilidades (que geram os problemas de produção) e como produ-
ção de barreiras (que geram os entraves e obstáculos para regular uma variabilidade) e
facilitações (pela existência de recursos e alternativas para tais eventualidades).

20.1.1. Uma teoria da atividade de trabalho


Falaremos de uma teoria da atividade de trabalho. Antes, porém, de entrarmos
nos detalhes do substantivo atividade devemos dar uma palavra cerca de seu adjetivo,
ou seja, busquemos, minimamente, estabelecer o conceito de processo de produção –
enquanto fato – como contexto da atividade de trabalho. Esse conceito de processo de
produção é de formulação rebuscada. Utilizando uma forma didática, constituamos su-
cessivamente as referências teóricas de processo produtivo e processo de trabalho, para,
então, estabelecermos o conceito de processo de produção. Em tempo: a diferença entre
referência teórica e conceito é que a referência é abstrata, conquanto um conceito é uma
referência teórica que também tem uma materialidade. Por exemplo: atendimento à saú-
de é abstrato e posto de saúde (onde se faz o atendimento) é concreto.

20.1.1.1. Processo produtivo


Por processo produtivo entenderemos um conjunto integrado e organizado de
máquinas, dispositivos, mobiliário e instalações (meios de trabalho) que formam a base
de um sistema de produção. Ou seja, que possibilitem a transformação de matérias-pri-
mas e/ou informações em bens e/ou serviços. As matérias-primas, não importando sua
natureza física (ferro, madeira, plástico etc.), abstrata (informações, dados, explicações)
ou simbólicas (significado, interpretação, sentido, intuito), podem ser de dois tipos:
1) principais, quando entram diretamente na composição dos produtos ou são es-
pecificamente necessárias à prestação de um serviço;
2) secundárias, quando sua função não se integra ao produto ou serviço (por exem-
plo, a energia elétrica consumida pelo forno para assar uma pizza).
424 Ergonomia ELSEVIER

)LJXUD3URFHVVRSURGXWLYRGHLQG~VWULDVGHIRUPD

Da mesma forma, não especificamos a natureza das transformações dessa matéria


em produto (transformações de forma, de propriedade físico-químicas, de localização e
de disponibilidade). Apenas diremos, por ora, que são transformações necessárias para a
produção de bens e /ou serviços.

20.1.1.2. Processo de trabalho


Acrescentemos ao processo produtivo um conjunto de ações humanas necessárias
para realizar as transformações de matérias-primas em produtos e/ou serviços mediante
o emprego de meios de trabalho: temos formado um processo de trabalho, É da maior
importância esse aspecto: a atividade de trabalho, que é, a princípio, uma ação sobre a
matéria, se dá segundo uma mediação de meios de trabalho, no plano mais imediato;
como veremos, a essa mediação elementar, corresponderão outras mediações, não mais
em nível de meios, mas de regras e formas de divisão do trabalho.

)LJXUD3URFHVVRGHWUDEDOKRHPLQG~VWULDVGHIRUPD

Uma mediação não é um fato fortuito. A atividade de trabalho se verifica quando


os atos dirigidos pelo agente à matéria-prima se iniciam com um resultado ideal, ou
finalidade e só terminará com um produto real. Esses atos são ao mesmo tempo condi-
cionados por um passado histórico e por um futuro previsível. A sociedade age sobre
as pessoas tanto por sua constituição atual, suas formas organizacionais, o compartilha-
Capítulo 20 | O projeto da organização 425

mento de crenças e ideologias como pelos meios materiais que coloca à disposição das
gerações futuras. Nesse sentido, uma atividade de trabalho se insere num contexto onde
o presente – a organização materializada do trabalho – se conjuga com um futuro – os
meios técnicos de ação e os meios gerenciais de planejamento e controle de operações – e
é condicionado com um passado – as vivências, experiências, as competências, a história
pessoal e coletiva. A atividade de trabalho emerge dessa tripla confrontação, cada perío-
do da história sendo marcado por um conjunto de meios técnicos e seus respectivos
procedimentos: conservação a princípio e posteriormente produção do fogo, caça e, pos-
teriormente, criação de animais a abater etc.
O pensamento de Vytgosky (1987) é, nesse particular, extremamente fértil. Ele
sustenta que a existência pura e simples de meios e procedimentos externos à pessoa não
são suficientes para que ela os incorpore nas suas atividades de trabalho. Ele sustenta a
existência de instrumentos psicológicos, engendrados pela história e pela cultura, que
são igualmente meios de mediação, mediadores, que vão permitir a reorganização das
funções superiores da mente e permitirão a apropriação do instrumento de trabalho, o
mediador mais aparentemente físico. É como redesenhássemos o objeto na nossa mente.
Por exemplo, olhe para o computador que você usa diariamente: você conhece todos os
seus detalhes físicos, eletrônicos, lógicos? Ou você o opera conhecendo apenas algumas
funções e acionando apenas parte de seus dispositivos?
O esquema de processo de trabalho que acabamos de propor é ainda incompleto
para nossos fins teóricos. Se no sentido físico a atividade é mediada por instrumentos e
instalações, no sentido social e psicológico ela se depara com outras mediações. Falta a
esse esquema do processo de trabalho o lugar da organização, enquanto fato, enquanto
história, enquanto diversidade antropológica. Em outros termos, o processo de trabalho
em si não remete à sociedade, mas apenas cristaliza algumas de suas relações mais recôn-
ditas. Portanto, necessitamos acrescentar mais elementos a esse esquema de forma que
possamos dar conta tanto da sociedade como da tecnologia para que possamos falar na
organização do trabalho, a ponte entre ambas.

20.1.1.3. Processo de produção


Os processos de trabalho ocorrem numa parte do mundo, segundo as leis e costu-
mes dali, em função dos estilos gerências de uma dada firma, de acordo com os acordos
profissionais estabelecidos, com a constituição do país etc. Quando inserimos o processo
de trabalho num contexto social e antropotecnológico formamos o esquema de um pro-
cesso de produção.
426 Ergonomia ELSEVIER

)LJXUD3URFHVVRGH3URGXomR

Essa inserção de um processo de trabalho em seu contexto antropológico – que


é ao mesmo tempo geográfico, jurídico, cultural, social e econômico – engendra uma
série de relações entre os elementos do processo de trabalho e esse contexto, relações
estas que darão sentido tanto aos meios de trabalho como ao produto para a emergência
das atividades de trabalho. O mais importante desse enunciado é que as atividades de
trabalho são situadas (Wisner, 1995), que ocorrem num lugar, numa data, numa hora.
Para a Ergonomia não existe atividade virtual, apenas os resultados das atividades que
podem ser virtualizados, não existe estoque de atividade, apenas seus resultados podem
ser gravados, armazenados, estocados. A atividade acontece, é presente, é gerúndio. E
acontece dentro de uma organização real, com endereço real e submetido a decisões de
estrutura, que chamaremos de dispositivos organizacionais que ora ajudam, ora atrapa-
lham à realização das ações de produção.
Isso nos possibilita analisar a atividade de trabalho a partir de um contexto sig-
nificativo básico: é em uma unidade funcional mínima contingenciada por um contexto
mínimo de organização que se pode definir uma atividade de trabalho. São ações de uma
pessoa, em face de uma tecnologia e dentro de uma organização. No entanto, essa unida-
de funcional mínima (que é onde a organização do trabalho atua) é parte de um sistema
mais amplo (que é onde a organização geral e as contingências influem). Assim sendo
as atividades de trabalho não podem ser bem percebidas fora de seu contexto maior: é
o caso de trabalhos na construção cujos procedimentos somente fazem sentido numa
perspectiva da interligação de sistemas construtivos (Gualberto, 1990); dos operadores
de sala de controle estudados cuja atividade se explica em termos da cooperação entre
sala de controle e área controlada à distância (Duarte; Vidal, 1994; Carvalho; Luquetti;
Vidal, 2004), da funcionária do protocolo administrativo cujas atitudes inusitadas na
verdade se baseiam na representação que ela faz do solicitante e do setor concernido
pela solicitação (Feitosa; Vidal, 1996). O exemplo clássico de Leontiev, dos grupos de
Capítulo 20 | O projeto da organização 427

caçadores divididos entre espantadores da presa e abatedores, vem no mesmo sentido:


os abatedores têm um atividade coerente – capturar ou matar a presa – mas os espan-
tadores – que a conduzem aos abatedores – seriam certamente tidos como malucos se
observados isoladamente da operação como um todo. É essa a razão pela qual a Análise
Ergonômica do Trabalho (Capítulo 13, sempre situa seus estudos a partir de análises
globais do funcionamento, contingências e população de trabalhadores).
O contexto no qual uma produção existe, é a ligação entre a referência teórica
processo de trabalho e o trabalho propriamente dito. Nessa passagem é muito importan-
te lembrar que não se trabalha da mesma forma no Rio, São Paulo, Paris, Nova York ou
Jerusalém, mesmo que a atividade seja a mesma em termos de resultados ou de ramo da
produção social. Hotéis, em menor grau, e táxis – num caso extremo – sustentam esse
ponto de vista. São contextos que apresentam singularidades em suas estruturas técnicas,
econômicas e sociais que contingenciam os sistemas de produção e, por via de conse-
quência, irão compor determinantes da atividade de trabalho. Observar uma produção
inserida em uma tal perspectiva é o que chamaremos de análise sociotécnica.

20.1.2. Ergonomia e sociotécnica


Precisa-se projetar uma estrutura de funcionar para produzir, designando o que
cada um deve fazer, o que se espera, contar com o resultado e assim por diante. Como,
então, organizar, sistemicamente um processo de produção?
A Ergonomia busca responder a essa questão por meio de um método baseado em
uma inspiração – a sociotécnica de Trist – e três conceitos operacionais de sistemas de
trabalho – arranjo físico, arranjo organizacional e posto de trabalho. O termo arranjo, em
engenharia, tem a conotação de disposição, distribuição, configuração. Por outro lado, o
termo arranjo incute uma noção de ordem, disciplina e harmonia e, é o que mais nos in-
teressa, de preparo, reflexão e planejamento. Distinguimos dois tipos de arranjos básicos
na engenharia do trabalho, no sentido sociotécnico, que são os arranjos organizacionais
(organizational design) e os arranjos físicos (plant layout).
Os arranjos organizacionais são as formas de organização do trabalho decorren-
tes de um formato da organização geral da empresa (ver Capítulo 10). Por exemplo, uma
firma multinacional cuja organização geral se baseie num padrão mundial autodefinido
como excelência tenderá a implantar numa de suas filiais estrangeiras os mesmos arran-
jos organizacionais que adota em sua matriz; uma franquia é a concessão de uso e explo-
ração de uma marca desde que se sigam alguns elementos do arranjo organizacional do
franqueador. Os arranjos físicos (plant layouts) são a organização espacial engendrada
por um arranjo organizacional em face das particularidades arquitetônicas do local físi-
co da implantação industrial. Pode parecer curioso, mas a transferência total e plantas,
inclusive com maquinário, têm produzido situações anedóticas como a instalação de um
sistema mecânico de elevação e descida de material transportado sem sentido aparente.
É que na matriz, ali existia uma porta e passagem de veículos...
428 Ergonomia ELSEVIER

Os pontos essenciais dessa abordagem são, no plano da engenharia, que se trata de


uma perspectiva mínima de otimização entre técnicas, pessoas e a organização. Trata-se de
trazer métodos e possibilidades de uma cooperação entre operadores e projetistas, numa
perspectiva participativa inseridas num processo de construção social (ver Capítulo 1). O
projeto sociotécnico define as especificações técnicas em função de sua impactação sobre
uma noção de bom desempenho futuro. As formas futuras de operação e funcionamento
se determinam na fase de estudos preliminares e anteprojeto de forma bastante mais
detalhada e especificada do que na pratica convencional. Os princípios de um projeto
sociotécnico tentam conjugar o conhecimento de um fator desfuncionante com formas
de controle por atenuação de seus impactos. Os três grupos de disfunções considerados
são a variabilidade, a versatilidade e o balizamento. As formas de controle são
respectivamente a ação sobre as fontes (de variabilidade), a desfragmentação da atividade
(aqui admitida como indevidamente fracionada em elementos não significantes e que
assim se oporia à versatilidade) e a prescrição minimamente necessária e estabelecida
como indicativo da operação.

20.1.2.1. Artefatos, mentefatos e sociofatos


A Teoria da Atividade se constrói, nesse âmbito a partir de três componentes bási-
cos do sistema de trabalho, a saber: pessoas, tecnologia e organização, constituindo três
grupos de relações sobrejacentes, os artefatos, mentefatos e sociofatos. Em outros termos
os fatos que derivam desse triplo encontro de pessoas, tecnologia e organização, podem
ser agrupados segundo sua natureza instrumental (artefatos), cognitiva (mentefatos) ou
social (sociofatos).

)LJXUD0HGLDGRUHVVRFLRWpFQLFRVGDDWLYLGDGHGHWUDEDOKR
Capítulo 20 | O projeto da organização 429

Uma atividade se exerce ao meio de diversos artefatos como instrumentos, dispo-


sitivos, sinais; ela comporta igualmente procedimentos, rotinas, métodos e técnicas que
constituem os mentefatos associados; finalmente elas se dão de acordo com leis, normas,
formas de organização do trabalho que são os sociofatos relacionados a ela (atividade).
Os artefatos mediam o agente e o objeto de suas ações e nesse sentido o objeto é perce-
bido e utilizado não em si mesmo, mas a partir dos limites que lhe impõe o instrumento:
em medicina, que diferença existe entre uma radiografia convencional e uma tomografia
computadorizada senão uma melhor coerência da imagem sustentando um diagnóstico
mais preciso? No entanto, mesmo um artefato convencional como o raio-X foi criado
e transformado durante seu desenvolvimento histórico e guarda em si uma referência
cultural importante devido ao fato de ter tido esse desenvolvimento num contexto basi-
camente antropológico. Esse, por sinal, é um problema crucial em transferência de tec-
nologia, pois nem sempre os aspectos culturais incorporados na tecnologia se constituem
em referências explicitas ou explicitáveis.
Como vimos, a atividade é uma apropriação da matéria – constituindo-a em obje-
to – e transformando-a em produto. O produto existe em forma de representação a que
chamamos de finalidade. Na medida em que nem sempre os objetos são materiais no
sentido da concretude, podendo ser menos materiais como um esquema ou mapa, ou
mesmo totalmente imaterial, como uma ideia, tanto objeto como finalidade podem não
estar explícitos e somente “aparecerão” na consecução da atividade de trabalho. Qual
o ponto da história do relacionamento entre agente e objeto que se observa num dado
momento? Como isso se manifesta naquela atividade? É onde o conceito de instrumento
psicológico de Vytgosky reaparece com força e aqui ele toma forma de um mentefato. O
mentefato é tributário dos limites que coloca o artefato enquanto mediador. Seja como
for, o artefato é o primeiro importante mediador que se consegue observar na relação
entre agente o objeto.

20.1.2.2. Dos mediadores aos componentes da atividade


Se as atividades são mediadas e ao mesmo tempo estão em constante mudança
e contínuo desenvolvimento, necessitamos compreender como se dá esse processo, já
que as pessoas possuem a necessidade de dispor de um saber com que trabalham. Em
outros termos a atividade de trabalho é sempre a expressão de uma história individual
em face de um problema de produção que se apresenta ou é construído pelo operador.
A esquematização em Leontiev nos informa que a composição de processos elementares
ou mecanismos do trabalho em estruturas mais elaboradas se dá por um acréscimo sig-
nificativo de sentido pratico do trabalho, conforme a Figura 20.5.
430 Ergonomia ELSEVIER

)LJXUD(OHPHQWRVGHXPDDWLYLGDGH

A atividade de trabalho é um nível elaborado, constituído, onde existe uma finali-


dade motivada, sentida e percebida, e que não resulta imediatamente em resultados, isso
requerendo um processamento em fases e etapas, com suas diversas mediações; o que já
levou alguns colegas a propor que fosse feita uma distinção entre processo de trabalho
e processo individual de atividade, a propósito do trabalho em construção. Na verdade,
o conceito de atividade de trabalho assim proposto permite uma estruturação temporal
mais larga, uma concepção de coletividade e de cooperação até então dificilmente aceita
pela Psicologia Clássica e mesmo pela Ergonomia de orientação biomecânica. Essa defi-
nição ampla de atividade permite que se aceite a variação de métodos de trabalho e de
modos operatórios, e é um dos pilares da concepção sociotécnica, na medida em que ad-
mite a possibilidade dos other best ways (fazendo um contraponto ao conceito taylorista
de one best way).
Ela vai permitir que se estruture as atividades em sequências de ações individuais,
coletivas ou interativas, sempre interconectadas pelo motivo comum, Nesse sentido,
participar é executar ações interligadas entre si, somando objetivos. Theureau (1980)
ao descrever a atividade das enfermeiras de plantão, observa que o conceito clássico de
posto de trabalho, tal como aparecia na análise de um processo de produção mecânico,
não se coadunava com o trabalho em uma unidade de serviços. Sem ainda tocar na ques-
tão da complexidade, ele percebe que os atos somente apareciam com algum significado
desde um olhar mais distanciado do imediatismo, o que combina perfeitamente com a
questão dos caçadores e espantadores de Vitgosky.
As ações das pessoas em seu trabalho, ou melhor, as sequências de ações, que irão
compor as atividades de trabalho possuem uma dimensão cognitiva importante, pois se
realizam antes de materializarem-se, numa fase que se chama de orientação cognitiva.
Essa orientação não define exatamente um procedimento rígido, mas antes, são recursos
adaptativos que irão se confirmando e se validando no curso das ações (Schuman, 1987).
Na medida em que essa programação iterativa se torne um recurso disponível para o
operador, podemos chamar a ação de atos, estrutura para a qual basta uma condição
mínima – escutar a injunção, por exemplo – e o processamento é executado (exemplo:
Capítulo 20 | O projeto da organização 431

digite 1 para pessoa física...). Um exemplo retirado da informática disso é a impressão


de um documento, que pode se tornar uma ação complexa em função de questões sur-
preendentes para o novato como: imprimir em formato PDF; e tornar-se-á uma operação
rotineira para um usuário contumaz de um editor de textos a distinção é a orientação (a
priori) ou o problema (ad hoc) que inexiste no primeiro caso (novato) e existe no segundo
(veterano).
A fronteira entre operação e ação segue o mesmo movimento, transformando em
ação quando perde sua motivação ou sentido maior, ou se tornando operação quando o
objetivo é motivante ou nele se percebe um sentido. Podemos, nesse ponto, definir um
aspecto da competência, que é capacidade de mudar de registro, ou seja, fazer a mobili-
dade entre a configuração de uma tarefa como ato, ação ou operação. E essa capacidade
está diretamente ligada ao conhecimento, uso e atualização dos mediadores físicos, men-
tais e sociais da atividade de trabalho.

20.1.2.3. Definindo atividade de trabalho


A atividade de trabalho é o elemento central organizador e estruturante dos com-
ponentes da situação de trabalho. Ela é uma resposta às exigências determinadas externa-
mente ao trabalhador e que simultaneamente ela é suscetível de transformar. A atividade
de trabalho é, a partir dessa definição, o que o sujeito faz, realmente, na situação de
trabalho. Ele o faz em função de objetivos (motivos, finalidades ou metas simples), de
exigências que são negociadas e arbitradas, e de condições que são avaliadas. Um aspec-
to importante da atividade de trabalho é que ela jamais existirá sem uma finalidade ou
motivo, como nos informa a teoria da atividade; entretanto, no plano da realidade essa
finalidade e as condições em que deve ser cumprida estão no centro dos debates sobre
o trabalho.
Não obstante isso, a atividade de trabalho é realizada de forma singular, personali-
zada e diferenciada. Um bom exemplo é o caso da caixa de supermercado que se queixa
da etiquetagem a uma determinada funcionária e não a outra: ela sabe exatamente quem
etiqueta daquele jeito que lhe traz problemas. Em linhas de montagem, trabalhadores
mais experientes sabem se o pessoal do turno é o mesmo de ontem ou se houve trocas,
pelo simples exame das peças que recebem. Essa atividade de trabalho, ao mesmo tem-
po social e singular, tem efeitos, personalizados sobre a saúde e o desempenho, como o
mostra a Figura 20.7.
Do trabalhador se espera que ele faça aquilo para o que foi contratado, cumpra
seu contrato realizando suas tarefas, que lhe devem ser passadas por sua chefia imediata
que a recebe, por sua vez da gerência ou supervisão. O distanciamento entre prescrição
e realidade é o grande problema, o que levou a Ergonomia a estabelecer os conceitos de
trabalho prescrito e trabalho real, o primeiro simbolizando o desejo de que as tarefas cor-
respondam ao processo de trabalho, o segundo expressando a distância entre a vontade
432 Ergonomia ELSEVIER

e os fatos. As definições e exigências apresentadas ao trabalhador nem sempre corres-


pondem ao possível naquela situação: os motivos podem ser distintos, as exigências são
quase sempre renegociadas – aberta ou veladamente – e as condições olhadas e vistas
mediante apreciações de circunstância.
A atividade de trabalho tem determinações sociais externas ao trabalhador já que
não é ele quem estabelece objetivos das tarefas nem seus critérios de boa execução,
menos ainda a forma e a história das mediações presentes no processo de produção. Ele
deve realizá-la (a atividade de trabalho) num contexto técnico, cognitivo e organizacional
sobre o qual pouco pode interferir e isso advém da forma como está organizada nossa so-
ciedade. No entanto, são essas determinações que fazem com que a atividade de trabalho
se caracterize como uma conduta, observável por meio de seus traços comportamentais,
e evocáveis na interação entre pesquisador e trabalhador. Esse é exatamente o objetivo
da Ergonomia: observar e entender da forma mais ampla possível esses comportamentos
e seus significados para transformar o trabalho. A atividade de trabalho realizada tem
implicações, repercussões, resultados sobre as pessoas – no nível de sua saúde e sua in-
tegridade física – e sobre a produção, esse desempenho podendo ser avaliado em termos
de qualidade dos produtos ou serviços e da produtividade do trabalho e nisso consistem
os critérios da Ergonomia.

20.1.3. O projeto de sistemas de trabalho


Tentaremos, na sequência do capítulo, entender um projeto de Engenharia que
incorpore a ótica da Ergonomia. Essa ótica consistirá em, partindo da análise clássica e
superada da Engenharia de Métodos (tempos e movimentos), incorporar à Engenharia
de Produção, a contribuição moderna da Ergonomia, a ação sobre Situações de Trabalho
e a perspectiva da Sustentabilidade. A premissa é a de que a análise ergonômica explicita
a materialidade da organização do trabalho, e com isso mostra que existe um projeto a
ser feito, que é o da organização do trabalho, para que um sistema de produção cumpra
sua missão. Esse projeto, na maior parte das vezes, inferido, em outras simplificado e
noutras distorcido, é o que produz as determinações das atividades de trabalho.
Como engenheiro de produção, sei que é possível fazer projetos, e um deles é pro-
jetar uma organização do trabalho correta e pertinente. Como veremos a organização do
trabalho desejável, e a ser projetada, reunirá uma articulação das atividades de trabalho
no bojo do sistema de produção, como seu aspecto central e motor.
Há, pois, um conjunto de pressupostos nesse nosso raciocínio projetual, quais
sejam:
1) Existe, em todos os sistemas de produção, um projeto não revelado da organiza-
ção do trabalho.
2) Esse projeto é resultante de uma representação nem sempre adequada ao bom
funcionamento do sistema de produção, daí engendrando problemas.
Capítulo 20 | O projeto da organização 433

3) É possível evidenciar esses problemas, relacionando-os com a(s) representação(ões)


prevalente(s).
4) A intervenção ergonômica se dá no sentido de buscar substituir essa representação
por outras, social e participativamente estabelecidas.
O campo da organização tem o sério problema de tratar com entidades até certo
ponto abstratas. Apesar de todo nosso enfoque se voltar para as materialidades da organi-
zação do trabalho, essa concretude nem sempre se fundamenta numa objetividade plena,
e a organização, mesmo para os altos dirigentes e boa parte dos gestores, é percebida e
concebida no plano subjetivo. Nessa perspectiva (da subjetividade), a discussão acerca
da praticidade encontra muitas dificuldades, pois nada mais fácil do que desqualificar
uma proposta ou alternativa com argumentos subjetivos.
O maior problema da praticidade está exatamente no maior recurso de Ergonomia
organizacional que se dispõe que é o uso de benchmarkings, dado que essa técnica sempre
poderá ser contestada pelo fato de as organizações serem diferentes em algum aspecto.
Nesse sentido, não basta que os modelos descritivos e conceituais sejam bem estabeleci-
dos do ponto de vista de método, também é preciso que eles sejam consensuados, aceitos
e validados ao menos para uma fração estratégica e significativa na empresa.
As aplicações que a Ergonomia pode trazer para o plano organizacional se funda-
mentam na corrente "determinação da tecnologia física sobre a organização do trabalho
e as condições de trabalho", elementos que irão compor a equação dos resultados da
empresa. As modernas tecnologias de produção e de informação, contrariamente ao que
se apregoa, não se ajustam, ipso facto, a todos os contextos e realidades das empresas, e
a Ergonomia tem advertido continuamente acerca dos riscos que envolvem as chamadas
“soluções prontas”. Seja no campo da macroErgonomia, ou a geração endógena de solu-
ções organizacionais; seja no campo da antropotecnologia, quando se trata de transferir
tecnologia para uma empresa ou organismo, sempre existirá uma grande necessidade de
ajuste que poderemos considerar como problemas de implantação ou de instalação. Mas
que em Ergonomia nunca consideraremos como problemas simples e de fácil encami-
nhamento. Na verdade, as maiores aplicações da Ergonomia no campo organizacional
tem sido:
1) Modelagem de processos para a elaboração de cenários e roteiros para as mudan-
ças organizacionais.
2) Análise dos requisitos das novas propostas organizacionais em termos de capaci-
dades, limitações e demais características, especificando necessidades de treina-
mento e de novas competências (Ergonomia e treinamento).
3) Construção de roteiros de implementação para evitar a descapitalização ou de-
saproveitamento do capital de competência (know how) existente, sobretudo, no
nível operacional (gestão do conhecimento).
4) Perícia e Prevenção de acidentes (Engenharia não rotineira).
434 Ergonomia ELSEVIER

Esses temas (ii) a (iv) estão tratados em outro capítulo deste livro. Aprofundare-
mos, neste capítulo o item (i) Mudanças organizacionais e tecnológicas. Entenderemos
os programas de modernização tecnológica – PROMODS – como uma antropotecnologia
situada numa empresa, onde não se trata apenas de realizar um programa de Ergonomia
para corrigir as distorções e gerir a evolução sociotécnica da empresa. Trataremos aqui
de um conjunto de casos onde:
a) pretende-se atualizar uma tecnologia existente (upgrade);
b) pretende-se introduzir melhoria tecnológica a partir de tecnologias análogas (kai-
zen);
c) trata-se de modernizar a fundo, inclusive planejando uma nova instalação (project).

20.1.3.1. A fundamentação antropológica dos PROMEDs


O estudo comparado da tecnologia a ser transferida de certa origem (que chama-
mos de situação de referência) e das condições do local de implantação (que chamamos
situação futura provável) configura a articulação de três processos mutuamente depen-
dentes, a saber:
1) Análises macroergonômicas comparada entre as situações de referência – onde a
tecnologia foi elaborada e teoricamente está funcionando bem – e a situação onde
deverá funcionar a contento. Essas análises deverão ter um foco muito preciso na
organização do trabalho.
2) Análises ergonômicas do trabalho na situação de referência em postos e processos-
chave da tecnologia a ser transferida.
3) Projeto de novas instalações em uma outra localização industrial com conteúdos
diferenciadores em relação à situação de referência, bastante influentes.
Essa proposta metodológica vai permitir que um processo de modernização tec-
nológica incorpore certa gama de erros. O erro mais comum das partes implicadas numa
modernização ou transferência de tecnologia reside no conhecimento desfigurado da
realidade, de não se perceber a que ponto o dispositivo técnico, a organização do traba-
lho e os programas de treinamento estão marcados pelas representações que têm os pro-
jetistas da situação global da futura unidade produtiva. Essa representação implícita se
revela, com frequência, bem diferente da realidade que se configura quando da implan-
tação efetiva. Curiosamente, os casos mais graves ocorrem quando projetistas e usuários
são do mesmo país ou da mesma empresa.
A Ergonomia, especialmente com sua tecnologia de geração e manuseio de mo-
delos operantes, se revela, aqui, de extrema utilidade para o sucesso dessas operações,
muitas vezes de extrema complexidade. Sinteticamente, trata-se de gerar modelos da
realidade da atividade nas situações de onde se origina a tecnologia (situações de re-
ferência) e fazê-las operar em face das contingências e variabilidades típicas do local
de destino.
Capítulo 20 | O projeto da organização 435

Não se entenda do que acabamos de expor que as transferências de tecnologia


têm sido sempre fracassadas, pois isso não corresponde à verdade. Existem muitos casos
de sucesso que devem merecer a atenção científica, tanto quanto os casos de fracasso.
A forma de maior sucesso em transferência de tecnologia tem sido a criação de ilhas
antropotecnológicas, onde se transferem a tecnologia, seu ambiente físico e social, bem
como vários elementos do próprio contexto de origem. Esse procedimento é, em geral,
empregado por empresas multinacionais, hotéis cinco estrelas, certas companhias aéreas.
O estudo científico das “ilhas antropotecnológicas” mostra que é possível criar
num país bem diferente da matriz, um sistema que funcione como no país de origem,
embora a custo elevado. Esses custos de isolamento reprodutivo e do funcionamento
do dispositivo técnico nessas condições são quase sempre insuportáveis em operações
de transferência que não as de firmas multinacionais. Em muitos casos, porém, esses
custos são sequer aventados como uma possibilidade de economia, seja por ignorância
das dificuldades locais, seja por desprezá-las devido à uma avaliação apressada. Alguns
consideram que essas dificuldades locais são empecilhos insuperáveis para a industriali-
zação de certas regiões. A finalidade de um PROMOD pode ser dirigida a esse caso (im-
plantação de uma filial numa região de industrialização considerada difícil). Isso consiste
em buscar entender essas dificuldades para adaptar a tecnologia a elas. Assim, uma boa
transferência, onde ocorra absorção, se constitui numa prática de típica de engenharia,
assistida pela Ergonomia.

)LJXUD(VTXHPDGDDQWURSRWHFQRORJLD

Fonte: Wisner (1974, 1979, 1993).

Com efeito, a análise ergonômica do trabalho aplicada aos casos de transferência


de tecnologia tem mostrado que a reprodução das condições originais para o funciona-
mento da tecnologia (física ou gerencial) tem alto custo de obtenção e, por isso mesmo,
436 Ergonomia ELSEVIER

acabam não ocorrendo plenamente, fazendo com que o funcionamento real das empre-
sas pouco tenha a ver com a origem. Eis o que demonstra, em síntese, a antropotecno-
logia. Para nossa construção metodológica, vamos aproveitar essas lições para construir
uma engenharia de modernização assistida pela Ergonomia e seus modelos operantes. A
Figura 20.6 esquematiza essa proposta.

20.1.3.2. PROMOD: Um método de engenharia ergonômica


A análise antropotecnológica que dá suporte a um PROMOD comporta ao menos
cinco fases essenciais para a constituição de um caderno de encargos em transferência de
tecnologia, quais sejam:
a) entendimento da problemática de transferência de tecnologia ou processo de mo-
dernização envolvidos;
b) estudo da situação de referência da tecnologia a transferir ou da situação moder-
nizada almejada;
c) estudo local em que a tecnologia ou a modernização deverá ser implantada;
d) análise e correções da situação futura de trabalho;
e) especificação de recomendações, encargos e diretrizes de projeto.
Cada uma dessas fases supõe uma atividade de mesma natureza que uma análise
ergonômica do trabalho, mas atendo-se para a característica que paradigmatiza a antro-
potecnologia como oitava superior da Ergonomia: a passagem da escala de processo de
trabalho (referência teórica) para a escala de processos de produção (conceito).

)LJXUD0RGHORVSDUDHVWXGRGHWUDQVIHUrQFLDGHWHFQRORJLD

A primeira etapa do método consiste em um quadro diagnóstico preciso sobre


as necessidades tecnológicas. Trata-se de uma etapa essencial cujo resultado é a seleção
da tecnologia desejável. Temos visto muito poucos estudos ergonômicos com essa pers-
pectiva, pois em geral as equipes de Ergonomia têm sido convocadas para adequar os
ambientes e os processos a uma opção tecnológica já operada.
Capítulo 20 | O projeto da organização 437

A segunda fase consiste em estudos de referência no local. É muito importan-


te assinalar que a existência de outros estudos ergonômicos disponíveis é de serventia
relativa, pois não necessariamente o foco e o recorte elaborado corresponderá aos inte-
resses e objetivos de um estudo que visa à transferência de tecnologia. As pesquisas em
antropotecnologia vêm demonstrando que a concepção de equipamentos, dispositivos e
sistemas tanto físicos como organizacionais acaba sendo uma decorrência inevitável do
contexto sociocultural onde a empresa funciona, que se combina com a cultura daquela
mesma empresa. Este último aspecto tem profundas consequências:
UÊ para a manutenção já que a conformidade, se tomarmos como referência o padrão
original, já terá deixado de existir há muito tempo;
UÊ para a formação e treinamento pois supõem conhecimentos e competências táci-
tas nem sempre disponíveis no local de destino;
UÊ para a organização do trabalho necessária ao bom funcionamento e nem sempre
explicitada em detalhes implícitos na cultura de origem; e
UÊ para elementos acoplados como manuais em língua estrangeira e para um públi-
co de escolaridade elevada ou mais simploriamente pessoas com estaturas muito
diferentes da média e dos extremos brasileiros.
O estudo do local de implantação deverá ser realizado mediante um dossiê de
cinco pontos: legislação, aspectos sociais, tecido industrial, aspectos demográficos e ge-
ografia física (Quadro 20.1).

4XDGUR²3UREOHPiWLFDGHWUDQVIHUrQFLDGHWHFQRORJLD

/HJLVODomR Aspectos Tecido Aspectos *HRJUDÀD


sociais industrial GHPRJUiÀFRV Física
‡ 7UDEDOKLVWD ‡ 'DGRVVyFLR ‡ 4XDOLGDGHGRV ‡ $QWURSRPHWULD ‡ &OLPDH
‡ 3RVWXUDV HFRQ{PLFRV WUDQVSRUWHV ‡ (VWDGR LQWHPSpULHV
XUEDQDV ‡ 3UiWLFDVVRFLDLV ‡ =RQHDPHQWR QXWULFLRQDO ‡ 7RSRJUDÀD
‡ 0HLRDPELHQWH ‡ &RQGLo}HVGH LQGXVWULDO ‡ $OIDEHWL]DomR ‡ &RQGLo}HV
‡ +LJLHQHH WUDEDOKR ‡ )RUQHFLPHQWR ‡ 'HQVLGDGH VDQLWiULDV
6HJXUDQoDGR ‡ 6LQGLFDOLVPR GHiJXDOX]H ‡ 2XWURV ‡ 2XWURV
7UDEDOKR ‡ 6HJXULGDGH IRUoDWHOHIRQH
‡ 2XWUDV 6RFLDO HWF
‡ )RUPDo}HVH
HVFRODV

A quarta parte consiste em uma atividade projetual importante e que é bastante


alimentada pela Ergonomia. O método antropotecnológico, com efeito, conduz a uma
forma particular de ação projetual, a simulação ergonômica, ou seja, a simulação das ati-
vidades futuras prováveis no contexto de transferência de tecnologia. Com a simulação
ergonômica se busca atingir um triplo objetivo:
UÊ compreender, elementos da atividade que por suas características de emergência
e/ou baixa frequência não se caracterizam como observáveis simples;
438 Ergonomia ELSEVIER

UÊ agir conjuntamente em situação de formação e na reconfiguração de situações de


trabalho;
UÊ permitir a interação entre os diversos agentes heterogêneos presentes nos contex-
tos de transferência de tecnologia.
A simulação ergonômica, portanto, uma poderosa ferramenta de projeto, é pou-
quíssimo empregada, tratando-se de algo praticamente desconhecido. Duas grandes van-
tagens podem ser aqui arroladas:
UÊ para os operadores, a participação em démarches de simulação induz a uma nova
configuração da realidade e de sua atividade futura;
UÊ para a organização a simulação torna possível antecipar-se aos problemas da ati-
vidade futura provável e com isso evitar perdas, baixa taxa de funcionamento do
equipamento e assim por diante.

)LJXUD(VTXHPDGDVLPXODomRHUJRQ{PLFD

Fonte: Vidal (2002).


Capítulo 20 | O projeto da organização 439

Os conteúdos da simulação resultantes da análise antropotecnológica, são os se-


guintes:
UÊ cenários de funcionamento dos equipamentos (análises de contingências);
UÊ modelagens operantes das situações de referência, com destaque para os inciden-
tes conhecidos;
UÊ informação sobre o equipamento e o layout disponíveis;
UÊ estrutura temporal da atividade, seguindo o método de continuidade;
UÊ avaliação sistemática das condições de execução.
Os resultados da simulação ergonômica formam um conjunto de prognósticos
que permitem a revisão do projeto, até um nível de qualidade aceitável.
A fase final é a especificação de encargos, que pode ser entendida como um proje-
to para a execução dos diversos comissionamentos de que será objeto a tecnologia a ser
implantada. Esses encargos deverão ser tão especificados quanto possível, formando um
caderno de recomendações, um manual normativo, enfim, tudo o que se fizer necessário
para essa etapa final de recepção. Na medida em que existam planos ou edificações cons-
truídas ou em fase de construção, esses encargos deverão contemplar toda uma análise
de pré-ocupação (Santos; Vidal, 1999). Finalizamos esta parte com o sumário de um
PROMOD feito para uma instituição hospitalar (Almeida; Gomes; Vidal, 1997; Almeida;
Vidal, 1998).

4XDGUR²&RQFOXV}HVGHXP35202'HPXPKRVSLWDOS~EOLFR

UÊ >Ê}À>˜`iʓ>ˆœÀˆ>Ê`>ÃÊÛiâiÃ]ʜÃÊÀi뜘Ã?ÛiˆÃÊ«i>Ê>µÕˆÃˆXKœÊ`œÃÊiµÕˆ«>“i˜ÌœÃÊ
não se preocuparam com a arquitetura, esquecendo igualmente dos estudos da
carga elétrica necessária para instalação do equipamento.
UÊ +Õ>˜`œÊ`>ÊVœ˜viVXKœÊ`œÊVœ˜ÌÀ>̜Ê`iÊvœÀ˜iVˆ“i˜Ìœ]ʜÃʓ>˜Õ>ˆÃÊÌjV˜ˆVœÃʘKœÊÃKœÊ
solicitados e quando o são, normalmente de forma errada. Muitos deles sequer
são traduzidos e localizados para o país.
UÊ œÃÊVœ˜ÌÀ>̜Ã]ʜÊÌÀiˆ˜>“i˜ÌœÊ`>ÊiµÕˆ«iÊÌjV˜ˆV>Ê`iʜ«iÀ>XKœÊiÊ`>ÊiµÕˆ«iÊ`iʓ>-
nutenção, é bastante aquém da efetiva necessidade; essa mesma divisão clássica
cristalizada nos contratos é ademais questionável, já que nesse particular os ope-
radores realizam uma série de tarefas de antecipação aos problemas de manu-
tenção e mesmo pequenas regulagens, donde a necessidade de serem também
treinados em conteúdos terotecnológicos.
UÊ >Ê «À«Àˆ>Ê iëiVˆwV>XKœÊ ÌjV˜ˆV>]Ê µÕ>˜`œ]Ê i>LœÀ>`>Ê «œÃÃÕˆÊ }À>˜`iÃÊ v>…>Ã°Ê "ÃÊ
equipamentos, em geral necessitam de bases de assentamento próprias, cujas
especificações quando disponíveis o são de forma recôndita, ensejando uma en-
genharia complementar ad hoc.
440 Ergonomia ELSEVIER

20.2. Um glossário básico de organização do trabalho


À guisa de conclusão, apresento aos estudantes um breve glossário composto por
alguns termos de organização do trabalho.

20.2.1. Conteúdo das tarefas


O conteúdo das tarefas determina o modo como o trabalhador percebe seu tra-
balho: monótono ou estimulante. Pode ser estimulante se envolve certa criatividade, se
há certa variedade de atividades e se elas solicitam o interesse do trabalhador.

20.2.2. Normas de produção


As normas de produção incluem todas as normas que o trabalhador deve seguir
para realizar a tarefa, desde o horário de trabalho até a qualidade desejada do produto,
passando pela utilização obrigatória do mobiliário e dos equipamentos disponíveis. Ca-
bem aqui os regulamentos diversos em dada empresa.
Oriunda do francês consigne, uma norma de produção significa uma forma de
proceder padronizada e normalizada. Um campo de estudos bastante fértil em análise
ergonômica do trabalho é a evidenciação da impossibilidade de obedecer a tais injunções
em todas as situações de trabalho para atender aos objetivos de produção (quantidade,
qualidade). Isso origina a noção de modo operatório.

20.2.3. Exigência de tempo


A exigência do tempo expressa o quanto deve ser produzido em um determinado
tempo, sob imposição. Uma expressão equivalente seria “a pressão do tempo”. Toda
atividade humana se desenvolve dentro de um quadro temporal: em um momento dado
(horários), durante certo tempo (duração da jornada), com certa rapidez, em certa fre-
quência e com certa regularidade (velocidade, cadência, ritmo) (Daniellou et al., 1989).
A combinação da exigência de métodos (modos operatórios prescritos) com a
exigência de tempos deve ser cuidadosamente estabelecida. Essa combinação pode ser
revista à luz da análise ergonômica do trabalho, especialmente onde há forte incidência
das doenças osteomusculares relacionadas ao trabalho. Isso nos conduz à próxima defi-
nição, a da determinação do conteúdo do tempo.

20.2.4. Determinação do conteúdo de tempo


A determinação do conteúdo de tempo é o que faz o trabalhador em determi-
nado tempo. Significa mensurar quanto tempo olha, quanto tempo leva para verificar
erros ou tomar decisões. Constamos que, em geral, a determinação desses conteúdos se
faz sem levar em consideração os contornos da variabilidade e das diversas contingências
capazes de agravá-la.
Capítulo 20 | O projeto da organização 441

20.2.5. Ritmo de trabalho


O ritmo de trabalho é fruto de como o trabalhador regula seus conhecimentos,
experiências, cultura, estado de saúde, com a cadência, os objetivos, os meios oferecidos
para a execução da tarefa, nas condições dadas. Como refere Silva (2000), aqui devemos
fazer uma distinção entre o ritmo e a cadência. A cadência refere-se à velocidade dos
movimentos que se repetem em uma dada unidade de tempo. O ritmo é a maneira como
as cadências são ajustadas ou arranjadas: livre (pelo indivíduo), ou imposto (linha de
montagem, por exemplo) (Teiger, 1985).

20.3. Página escolar


Questões
1) O que vem a ser a organização do trabalho?
2) Qual a diferença entre processo de trabalho e processo de produção?
3) O que são mentefatos e sociofatos?
4) Quais são os três componentes de uma atividade de trabalho e como eles se rela-
cionam com habilidades, regras e conhecimento?
5) Defina, com suas palavras, o conceito de atividade de trabalho.
6) Comente, com exemplos, os quatro campos de atuação de Ergonomia organiza-
cional.
7) Defina corretamente: normas de produção, exigência de tempo, conteúdo do tem-
po e ritmo de trabalho.
8) Qual é o item da NR 17 que se refere ao projeto do trabalho?

Caso real
Uma grande banca de advocacia contrata uma estagiária para ajudar a secretária.
Ambas dispõem de um sistema simples (micro + impressora) para seu trabalho. Seu che-
fe saindo para visitar um cliente deixa como tarefa suplementar a impressão e postagem
de um importante e sigiloso contrato a seguir no malote das 17 horas.

4XDGUR²,QTXpULWRVREUHXPSUREOHPDRUJDQL]DFLRQDO

16 horas e tudo ia bem. Ana e Dora acabam de terminar as tarefas rotineiras e


partem para a impressão e postagem do contrato com a esperança de sair até um
pouquinho mais cedo e quem sabe, curtir um bate-papo na lanchonete em frente.
Porém...
Dora: Ana, a impressora está pirada, como é que eu faço para corrigir?
Ana: Você fecha o programa da impressora e abre de novo e ela deve se corrigir
sozinha.
442 Ergonomia ELSEVIER

D: Acabei de tentar isso e não deu certo !


A: Então é melhor reinicializar, pois se repetir vai complicar ainda mais.
(Dora, entretanto, acabou executando a operação e a impressora começa a imprimir
lixo de novo. Elas verificam que não dá para analisar o arquivo impresso e decidem
parar a impressão.)
D: Bom, vamos parar com isso. Para interromper a impressão... Oh! Não interrompe!
(Elas tentam o teclado inteiro e nada...)
D: Espere. Retirando o papel ela para sozinha.
A: Sim, mas aonde vai você, Dora?
D: Fique fria, vou desligar a máquina.
A: Não, vamos tirar o papel! Sem papel ela para sozinha
D: Bom, eu vou retirar o disquete, quem sabe?
(Retira o disquete, enquanto Ana retira o papel. A impressora para para alívio geral!)
A: A impressora parou, eu sabia que ia dar certo!
D: Mas pode dar zebra de novo! Uma vez começado, é melhor ir até o fim. Creio que
é melhor dar um “boot” e reinstalar a impressora.
A: Não podemos, pois não tenho o disco de configuração!
D: Como não tem? E quem é que tem?
A: Não tendo. Quem tem é o Ricardo, mas ele foi embora mais cedo, pois ia passar
na filial para resolver uns pepinos.
D: E agora, quem tem esse disco?
A: Sei lá, talvez o Tavares que é superligado em computadores.
(Telefonam, mas a impressora do Tavares é de um modelo mais recente e nem eles
nem ela sabem emular uma impressora, o que seria a solução.)
D: E agora, estamos em cima da hora.
A: Vamos tentar pela rede, você já fez isso antes?
D: Vi o Ricardo fazer isso uma vez, o negócio é tentar. Vamos nessa!
(Tentam configurar uma impressora de rede e enviam o arquivo.)
D: Pronto acho que é isso.
A: Tomara, pois o Sedex vai fechar daqui a dez minutos.
D: (...) tem algo esquisito, acho que não dei o OK.
Elas desconhecem o comando para desabilitar a fila de espera e tentam duas vezes,
“sem receberem resposta”. Tentam uma outra, mas é pedida uma senha de que elas
não dispõem. Enviam um arquivo para imprimir em uma quinta impressora e nada
conseguem. Voltam ao Tavares que lhes explica como lhe transmitirem o arquivo
que finalmente é impresso. Na correria, envelopam o contrato e colocam no malote.
No dia seguinte, ao invés de cumprimentos que julgavam merecer, recebem uma
severa admoestação por imprimirem um contrato sigiloso em praticamente todas as
impressoras da firma...
Capítulo 20 | O projeto da organização 443

O que entender e recomendar para evitar esses problemas no momento atual e


no futuro?

Pesquisa participante
Leia e entenda bem o conceito de ilha antropotecnológica. Depois, procure três
colegas que trabalhem em multinacionais e puxe conversa com eles para saber como as
coisas são organizadas nessas multinacionais. Faça uma pequena matéria jornalística tipo
Época e, com aprovação dos colegas, publique num blogspot.

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WOORDWARD, J. Organização industrial: teoria e prática, São Paulo: Atlas, 1987 [1965].
Capítulo

21 Arquitetura de locais
de trabalho
Marcello Silva e Santos, DSc – COPPE/UFRJ

Conceitos apresentados
Neste capítulo discorreremos os seguintes temas:
UÊ "Ê*Àœi̜Ê`iÊÀµÕˆÌiÌÕÀ>ÊiÊÃÕ>ÊVœ“«i“i˜Ì>Àˆ`>`iÊVœ“ÊœÊ*ÀœiÌœÊ À}œ˜ž“ˆVœÆ
UÊ "Ê«Àœ}À>“>Ê`iÊ>ÀµÕˆÌiÌÕÀ>ÊiÊ>Ê>`iµÕ>XKœÊiÀ}œ˜ž“ˆV>Æ
UÊ Ãʏˆ˜}Õ>}i˜ÃÊ`iÊ«>`ÀªiÃÊ­pattern languages) na ação projetual;
UÊ ÊiÃÌKœÊ`iÊ*Àœi̜ÃʘœÊ
œ˜ÌiÝ̜Ê`>Ê À}œ˜œ“ˆ>Ê`iÊ
œ˜Vi«XKœÆ
UÊ Û>ˆ>XKœÊ*Ã‡"VÕ«>XKœÊiʘ?ˆÃiÊ՘Vˆœ˜>Ê`iÊ“Lˆi˜ÌiÃÊ`iÊ/À>L>…œ°

21.1. Introdução
Nesses 60 anos de estudo, pesquisa e desenvolvimento da Ergonomia enquan-
to disciplina e prática, incluindo experiências conjuntas de ação em projetos de
Arquitetura e Ergonomia, uma pergunta em especial paira no ar: por que não é
mais evidente o interesse dos ergonomistas pela chamada Arquitetura de Locais de
Trabalho? Afinal, sem um ambiente de trabalho como palco, nenhuma atividade
de trabalho existiria e, nesse contexto, nem ao menos suas condições ergonômicas
seriam objeto de interesse. Entretanto, continuamos observando pessoas trabalha-
rem em condições distantes das ideais. Espaços exíguos para atividades de trabalho,
baixo nível de acessibilidade intra e interposto, excesso de frio, calor, ruído e ilu-
minamento deficientes são apenas algumas das respostas que continuamos a ler nos
questionários sobre condições de trabalho que são passados para a identificação de
problemas... ergonômicos!
446 Ergonomia ELSEVIER

Além dos inconvenientes relacionados ao conforto, inadequações de projeto arqui-


tetônico uma vez materializadas – via entrega do ambiente construído aos usuários – impli-
cam um grave componente adicional. Ao contrário, com medidas corretivas relacionadas a
um posto de trabalho (troca de uma bancada, cadeira etc.) ou tarefa (rotinização de pausas,
rodízios etc.), as tentativas de correção em um ambiente inadequado são quase sempre
financeiramente dispendiosas e de difícil consecução. As experiências de ação conjunta no
planejamento e concepção de ambientes de trabalho vêm ocorrendo há algumas décadas.
Arquitetos, psicólogos, antropólogos, ecologistas, planejadores e engenheiros de produção/
ergonomistas têm procurado uma ação cooperativa e interdisciplinar no processo projetual
do ambiente construído por meio de abordagens sistêmicas. Infelizmente, não existe um
paralelo entre a Ergonomia e profissionais de Design no tocante a adoção conjunta de uma
metodologia estruturada ou mesmo ferramentas de eficácia comprovada para dar conta da
questão de enquadramento prático dessas duas disciplinas. Se por um lado ergonomistas
carecem de um maior conhecimento sobre a ação projetual, por sua vez falta à arquitetura
a vontade, capacidade ou autoridade para incorporar requisitos ergonômicos ao projeto,
particularmente ao lidarmos com o processo produtivo do ambiente construído para o de-
sempenho de atividades de trabalho. A Ergonomia pressupõe que a multidisciplinaridade
seja não apenas decorrente de um processo natural de formação diferenciada dos profissio-
nais atuantes na área. A eficácia da ação ergonômica como mecanismo de intervenção nos
sistemas de produção é exatamente uma decorrência desse quadro multidisciplinar. Ou
seja, existe um processo de sinergia “influenciando” os resultados de planos de ação ergo-
nômica devido à ocorrência de uma participação mais abrangente dos diversos agentes de
um determinado sistema de trabalho. Essa participação, conforme muitos acreditam, deve
ser mediada por Ergonomistas, preferencialmente com formações diversas, podendo assim
atuar mais efetivamente como facilitadores. Afinal, o projeto de uma ambiente construído
para o trabalho não é apenas um processo criativo, mas um processo criativo que tende a
impactar a vida de várias pessoas, por vezes alheias à ação projetual. De outro lado, é im-
portante promover o treinamento das equipes de Ergonomia, não apenas na competência
específica para lidar com um programa de necessidades, mas para desenvolver o chamado
“olhar espacial” fundamental à observação e compreensão das demandas de projeto. Isso é
importante devido a natural dificuldade interpretativa entre as diferentes linguagens pro-
fissionais envolvidas no processo de design de um sistema ou ambiente de trabalho. Em
outras palavras, ninguém precisa aprender a enxergar; esse é um mecanismo inato do ser.
Entretanto, precisamos ser educados para saber ver o mundo que nos cerca, absorvendo,
assimilando e, sobretudo, interpretando as mensagens sensoriais que são transmitidas ao
nosso cérebro, traduzindo-as adequadamente para o projeto.
Capítulo 21 | Arquitetura de locais de trabalho 447

21.2. Fundamentação e encaminhamento


Para contextualizar a problemática apresentada precisamos enquadrar conceitual-
mente o objeto de nossa intervenção. Na tentativa desse enquadramento, encontramos
dificuldades devido a latente complexidade na integração homem-ambiente. Entre as
formulações conceituais existentes podemos citar os termos “Arquitetura de Locais de
Trabalho” ou ainda “Ambiente Profissional Construído”. Na primeira proposta, surge
uma indagação quanto a não qualificação espacial presente em “locais”, o que faz com
que termo seja compreendido como qualquer lugar não delimitado ou fechado.
O termo mediano na segunda proposta remete a um questionamento léxico, fa-
zendo com que alguém possa vir a interpretar até um curral ou uma área de pastagem
como ambientes profissionais. Devemos adotar, portanto, o termo “Ambiente de Traba-
lho Construído” sempre que referirmos ao espaço “fechado”, tridimensional e dinâmi-
co que serve de cenário a um processo de trabalho. Nesse cenário, necessariamente se
desenvolvem atividades de trabalho humano, sendo assim um conjunto sócio-organi-
zacional complexo e indissociável. Quando estivermos nos referindo conjuntamente a
elementos do entorno desses ambientes (áreas externas, jardins, guaritas, acessos etc.)
e ao próprio ambiente macroambiente organizacional, a preferência deve ser dada ao
termo “Local de Trabalho”, que se mostra mais abrangente. Cabe aqui enfatizar que esta-
mos concentrando o enfoque na Ergonomia de ordem sistêmica, cujo objetivo principal
é garantir a existência de sistemas de interface otimizados, ou para ser mais específico,
uma integração adequada do homem ao seu ambiente de trabalho. Para que isso possa
ocorrer, é imprescindível que haja uma conscientização de clientes, designers e usuários
quanto à importância em “fazer certo da primeira vez” para não ter que remediar depois.
Nesse particular, cabe aos tomadores de decisão e designers a maior parcela de responsa-
bilidade, visto que geralmente eles são envolvidos nos estágios iniciais do ciclo projetual,
ao contrário dos usuários que por vezes recebem o ambiente pronto e sem possibilidade
de intervenção.
É interessante enfatizar que certas intercorrências úteis na ação projetual são de
ordem por demais complexa para serem interpretadas de maneira determinística e, por
que não dizer, tão reducionista. Esse é um aspecto da moderna Teoria das Organizações
que vem provocado uma discussão evidente e abrangente, certamente extrapolando a
fronteira da Ergonomia. Vidal (2003), apresenta uma série de condicionantes para uma
abordagem de projeto participativa. Para tornar-se eficaz, uma abordagem participativa
deve ser muito claramente negociada com todos os atores do projeto previamente a qual-
quer atividade projetual. São quatro os princípios a serem observados na composição de
qualquer sistema participativo: Informação, Cooperação, Restituição e Socialização (ver
Tabela 21.1).
448 Ergonomia ELSEVIER

Tabela 21.1²3ULQFtSLRVGD$ERUGDJHP3DUWLFLSDWLYD

3ULQFtSLRGD,QIRUPDomR
7RGRRSHVVRDOVHUiLQIRUPDGRDFHUFDGRREMHWLYRGRSURMHWR
GDPHWRGRORJLDHGRVPpWRGRVGHFROHWDGHGDGRVSDUDD
SURJUDPDomR

3ULQFtSLRGD&RRSHUDomR
7RGDVDVLQIRUPDo}HVQRkPELWRGDVVLWXDo}HVGHWUDEDOKR
HGDDWLYLGDGHGHWUDEDOKRQHVWDVVLWXDo}HVVHUiUHDOL]DGD
MXQWDPHQWHFRPRVWUDEDOKDGRUHVGLUHWDPHQWHHQYROYLGRVH
QmRDSHQDVFRPDVFKHÀDVHVXSHUYLV}HV

3ULQFtSLRGD5HVWLWXLomR
$VLQIRUPDo}HVGDGRVHVTXHPDVHPRGHORVREWLGRVQHVWDV
DQiOLVHVGHYHPVHUDSUHVHQWDGRVDRVRSHUDGRUHVHQYROYLGRV
HYDOLGDGRVSRUHVWHJUXSRDQWHVGHVXDSRVWHULRUXWLOL]DomR
SURMHWXDO

3ULQFtSLRGD6RFLDOL]DomR
$VVROXo}HVSURSRVWDVGHYHUmRVHUDSUHVHQWDGDVHDSURYDGDV
SHORFRQMXQWRGHSHVVRDVHQYROYLGDVV

Verificamos na prática que a fase de “Informação” recebe uma atenção desta-


cada, como não poderia deixar de ser. Entretanto, em alguns casos ela é o único dos
princípios realmente trabalhados de forma coletiva. Isso talvez seja decorrente do peso
normativo e descritivo atribuído à fase de coleta de dados, que se confunde com a
aquisição e apropriação de informações necessárias aos projetos. Não se trata aqui
de defender um procedimento do tipo “caixa preta”, ou seja, quando o que importa
não é o processo de transformação, mas a análise das entradas e saídas de uma ação
projetual. Afinal, seria impensável deixar de recorrer às instruções normativas, normas
técnicas e regulamentadoras, códigos de obras e outras formas regulatórios de alimen-
tação de projeto. Outro ponto importante no estudo das atividades de trabalho em um
projeto ergonômico ou de arquitetura é o conceito de Representações Mentais. Essas
representações são construções mentais semirreais de dados percebidos e interpreta-
dos a partir da observação de um determinado ambiente. Apenas como exercício de
contextualização, essas representações poderiam ser classificadas como orgânica (ina-
tas e naturais), social (culturais e étnicas) e tecnicista (idiossincráticas e profissionais).
Na verdade, esse é um mero exercício conceitual uma vez que o processo cognitivo
sensorial ocorre de forma integrada, combinando vários sentidos. Da mesma forma,
a linguagem, como principal meio de expressão das inter-relações pessoais, também
sofre a influência dessas três dimensões distintas.
Essa não é uma tarefa simples, porém, compreender o trabalho também não é,
e nem por isso diferentes domínios de especialização humana deixam de se interessar
pelo tema. Atuando na esfera de sua competência e respeitando as suas limitações,
Capítulo 21 | Arquitetura de locais de trabalho 449

todos se empenham na busca dos meios possíveis para torná-lo cada vez mais parte
integrante e dissociável da vida em sociedade, ou seja, um objetivo a ser alcançado
para a plenitude do ser e cada vez menos um mal necessário à nossa subsistência. E
uma das formas de se aproximar diferentes povos é exatamente aprender sua cultura,
seu idioma. A isso podemos chamar “Uniformização de linguagens”. A partir de um
alinhamento induzido de diferentes representações mentais, podemos conseguir com
que abordagens participativas, cruciais na Ergonomia, avancem de forma mais efi-
ciente, possibilitando a melhoria contínua de todo o processo. A uniformização que
defendemos não significa somente treinamento prático-profissional. Ela deve visar o
estabelecimento de conjuntos de “símbolos” padronizados que aproxime diferentes
culturas profissionais (e suas diferentes linguagens), criando bases de dados mais ho-
mogêneos para melhor atender a diferentes grupos de indivíduos. O conhecimento
desse vocabulário comum de projeto pode reduzir a complexidade dos sistemas dife-
rentemente representados, elevando simultaneamente o nível de domínio necessário à
discussão dos mesmos.
Uma das ferramentas aplicáveis a essa necessidade é a utilização de uma “Lin-
guagem de Padrões em Ergonomia”, inspirado em Christopher Alexander, arquiteto
austríaco, radicado nos EUA, que propõe um método dedutivo, de inspiração cons-
trutivista. Esse modelo de condução participativa de projeto apresenta-se como con-
traponto aos modelos pragmatistas puros, materialistas e outras abordagens usuais na
arquitetura moderna. Para ilustrar o conceito em um contexto de trabalho, tomemos
um exemplo simples. Imaginemos um padrão que remeta a uma “Relação entre Postos
de Trabalho”. As “forças” que regem os padrões poderiam ser a necessidade de comu-
nicação e de se fazer várias coisas ao mesmo tempo, incluindo sentar e operar equi-
pamentos e utensílios. O padrão específico seria “Posto de Trabalho”. Outros padrões
mais gerais seriam “Distância entre Pessoas” ou “Atividades no Posto”, sugerindo que
uma atividade no posto não deveria interferir com ou ser interferida por outras ativi-
dades. Apesar desse contexto genérico, as forças no padrão “Atividades no Posto” são,
em verdade, muito parecidas com as existentes em “Posto de Trabalho”. Essas forças
concorrentes podem ser interpretadas como parte da essência de um conceito – ideia
ou design – expressado em um “padrão”. Se mantivermos o foco nos impactos para a
vida humana, podemos identificar padrões que não dependem de mudanças tecnoló-
gicas, que seriam “padrões de qualidade infinita”, ou como prefere Alexander (1979),
“qualidade sem um nome”. Contrapondo ao conceito de “padrão” proposto, teríamos o
que o autor chama de “antipadrão”, ou seja, uma solução adotada por pura repetição,
já que não foi discutida com seus usuários.
450 Ergonomia ELSEVIER

Extrapolando ao contexto macro, a incorporação do conhecimento formal de


projeto no estudo e na prática em Ergonomia, possibilita o equilíbrio das dimensões
usualmente presentes na disciplina, ou seja, as dimensões físicas – ou impactos de
ordem física – organizacional – ou impactos na organização do trabalho e produção –
e Cognitiva – ou impactos psicofisiológicos e mentais. Conforme o modelo “FOCA”
(Figura 21.1) proposto como indutor para a metodologia de tratamento dos poten-
ciais impactos ergonômicos via ação projetual, somente um ambiente bem projetado
e consistente em seus requisitos de usabilidade ou “adequabilidade” pode equilibrar
adequadamente todas as dimensões presentes na atividade de trabalho humana. O “A”
de ambiente no esquema é justamente o elemento de equilíbrio das diferentes dimen-
sões da Ergonomia.

Figura 21.120RGHOR)2&$GH7UDWDPHQWRGR$PELHQWH

Fonte: Santos (2008).

Quando passamos a perceber que os objetivos e o próprio processo de concep-


ção ergonômica guardam similitudes com o de concepção arquitetônica (Figura 21.2),
questionamos imediatamente acerca das causas da inexistência de formas de cooperação,
em maior escala, entre esses profissionais e os de arquitetura. Sobretudo na concepção
de ambientes de trabalho, essa ação conjunta deveria ser considerada por todos como
imprescindível para o resultado de um bom projeto, materializando-se em ambientes
adequados para o desempenho de atividades de trabalho. É possível considerar que as
propostas de gerenciamento de projetos têm orientado suas ações muito mais para o
controle da informação (dados e fluxo, ou quem circula e onde e quando deve circular)
e para a quantificação e qualificação de componentes (peças gráficas com determinado
nível de detalhamento, e documentação complementar contendo especificações), do que
a analisar criticamente o processo de concepção, o tratamento das informações e suas
soluções – ou resultados – em última instância.
Capítulo 21 | Arquitetura de locais de trabalho 451

Figura 21.20HWRGRORJLDGH(UJRQRPLDHDUTXLWHWXUDFRPELQDGD

Fonte: Santos (2008).

Durante a fase de execução de um empreendimento, ainda que possam existir


alterações de projeto elas são quase sempre evitadas por impedimentos contratuais ou
questões éticas ou estéticas. Entretanto, essa atitude nem sempre é a melhor solução. Afi-
nal manter um elemento inadequado ao usuário, significa fidelidade a uma postura ética?
Ou seria essa uma postura “corporativista”, uma vez que a ética de projeto deveria estar
centrada no atendimento das demandas dos usuários, e não nos interesses corporativos
ou “filosóficos” dos seus diversos autores. Pode-se dizer que as propostas tradicionais es-
tão centradas no controle da informação. Tal como ocorre na determinação de requisitos
de capacidade industrial, vemos que dados de “produção” (utilização), fluxos de interde-
pendência ou circulação simples, análises superficiais do comportamento esperado das
“instalações” e quantificação e qualificação de componentes (peças gráficas com deter-
minado nível de detalhamento, e documentação complementar contendo especificações)
são quase sempre colocados como prevalentes no processo decisório e na ação projetual.
Entretanto, o mais importante é relegado como questão menor, ou seja, o conhecimento
452 Ergonomia ELSEVIER

da maneira pela qual foi conduzido o processo de concepção, desde a fase de ideação até
o instante de definição dos primeiros traços que irão culminar em um projeto legal – no
sentido de oficial – e definitivo, que vai definitivamente marcar presença no entorno
urbano e impactar positiva e/ou negativamente a vida de várias pessoas.
Outras abordagens participativas vêm sendo trabalhadas por arquitetos preocupa-
dos com a qualidade da vida urbana e o bem-estar dos usuários do ambiente construído
que produzem. Em termos de metodologia de avaliação de desempenho, a avaliação
pós- ocupação (APO), é um procedimento de avaliação análogo ao utilizado cotidiana-
mente na análise dos produtos em geral: Planejamento, Execução, Controle e Avaliação
para a retroalimentação do ciclo produtivo. Suas origens remontam aos Estados Unidos
e Canadá, no final dos anos 1940, com o surgimento: a) da psicologia ambiental, que
estuda as relações entre ambiente e comportamento; b) do conceito de desempenho dos
edifícios; e c) a consolidação da Programação Arquitetônica (Architectural Programming)
– “elemento prescritivo usado pelos projetistas para desenvolver soluções” (Rabinowitz,
1984, p. 396). Na maioria dos projetos vinculados a instituições públicas desses países,
especialmente os das áreas de administração, saúde, educação e habitação coletiva, tem
sido cada vez mais comum a necessidade dos projetistas incorporarem a APO ou pro-
cedimentos de Projeto Participativo (Participatory Design) no processo de condução de
projetos.
Além das dificuldades naturais oriundas do processo produtivo do ACT (Ambien-
te Construído para o Trabalho), também é comum que os programas de necessidades em
projetos de arquitetura sejam determinados ou acordados pelas altas esferas das organi-
zações, que muitas vezes desconhecem as demandas reais de cada atividade. O Projeto
Participativo (Participatory Design) tem conquistado a atenção de profissionais de vários
setores ao redor do mundo, havendo inclusive diversas pesquisas desenvolvidas em Er-
gonomia (Applied Ergonomics). Com relação à Arquitetura de Locais de Trabalho, abor-
dagens participativas têm sido mais comuns em países nórdicos (devido à existência de
sindicatos influentes) e nos Estados Unidos (por questões econômicas devido à pressão
de seguradoras e incorporadoras). Henry Sanoff (1990 apud Demirbilek, 2004), autor
e pesquisador de renome internacional sobre Projeto Participativo enfatiza que todos os
projetistas que estão preocupados com a “Qualidade de Vida” em um ambiente construí-
do devem considerar a participação dos usuários, envolvendo-os no processo de projeto.

21.3. Um estudo de caso: aplicação e reflexão


Nada melhor para ilustrar a relevância de um método ou conceito do que recor-
rer à apresentação de casos práticos onde eles tenham sido testados, ainda que em seu
estado da arte. Não apenas isso facilita a compreensão da ideia como remete o leitor à
realidade operacional, que um dia poderá ser a sua própria realidade (caso ainda não o
seja). A reflexão-objeto desse case tem origem em um contrato junto a uma unidade de
Capítulo 21 | Arquitetura de locais de trabalho 453

serviços de apoio de uma grande empresa de energia. Os supervisores locais considera-


ram importante que o novo projeto de remodelação e mudanças de layout antecipassem
fatores ergonômicos para as reformas, aquisição de mobiliário, cadeiras e outros pro-
cessos de transformação naquele ambiente de trabalho. Foi então solicitada à equipe de
Ergonomia uma revisão da organização espacial de uma das gerências, com ênfase na
arquitetura e no mobiliário. Por razões lógicas, ambientes construídos para o trabalho
não devem ser planejados apenas em função das necessidades normais de manutenção
e conservação. Em geral, atendem a um público que está sempre em evolução tanto so-
cial quanto tecnológica. Nesse sentido, as modificações dos ambientes de trabalho não
são apenas inevitáveis, mas inerentes ao próprio processo evolutivo. Assim sendo, os
ambientes projetados para atividades de trabalho devem antever essa evolução natural,
preparando-se para que toda modificação de uso, ampliação e adaptação desses espaços
de trabalho repercutam no cotidiano dessas pessoas.
No nosso caso específico, tratava-se então de “redirecionar” o escopo sem mo-
dificar os termos contratuais, e esses previam formas de atuação bastante centradas na
apreciação, porém, inseridas no contexto maior de gestão da organização. No plano mais
preciso da ação, nos servimos de uma ferramenta de gestão já existente, a Solicitação de
Atendimento ao Cliente (SAC) à qual adicionamos ingredientes selecionados de Ergono-
mia. Com isso obtivemos uma caracterização coletiva de temas de Ergonomia, classifica-
das em oito categorias descritivas: i) Ambiência; ii) Acessibilidade; iii) Iluminamento; iv)
Acondicionamentos; v) Tecnologia; vi) Climatização; vii) Equipamentos; e viii) Mobiliá-
rio. A demanda – reconstruída – ensejava então encontrar uma solução de arranjo físico
atendendo a três requisitos principais:
a) Delimitação – o “espaço de manobras” para a proposta de remodelação do layout
não previa a destruição ou construção de paredes de alvenaria.
b) Capacidade – havia necessidade de se adicionar 1 posto de trabalho, mantendo-se
o mobiliário padrão.
c) Operacionalidade – todas as pessoas que comporiam a equipe a ser formada de-
veriam trabalhar juntas e isoladas dos demais.
Tínhamos em mãos uma grande área – planta aberta – com baias dispostas
aleatoriamente entre divisórias ou em áreas menores pertencentes ao mesmo espaço
maior – a grande área (Figura 21.3). Na pesquisa de soluções em campo, empregamos
uma abordagem dialógica recorrendo ao método de ação conversacional (Vidal, 2003),
Durante essa fase extraímos dois dados cruciais de projeto de redesenho do local. O
primeiro dizia respeito à quantidade de armários baixos, que tomavam muito espaço e
não atendiam à destinação desejada (acondicionamentos). O segundo, e mais impor-
tante dado, foi a sugestão de um técnico sem relação com a atividade de projetos, no
sentido de mudar a posição do corredor central (indicado pela seta na Figura 21.3),
que limitava a disposição das baias e dificultava a “setorização” desejada para a equipe
454 Ergonomia ELSEVIER

de pagamentos (acessibilidade). Isso mostra a importância da apropriação do conhe-


cimento formal da força de trabalho para a obtenção de dados – contribuições – rele-
vantes para a ação projetual de concepção e transformação de ambientes construídos
para atividades de trabalho.

)LJXUD&RQÀJXUDomRRULJLQDO

Ao escutarem as “vozes do trabalho” (Santos, 2003), os ergonomistas da equipe


complementaram assim as diversas competências envolvidas na concepção dos espaços
de trabalho. Ergonomistas em geral podem, de forma mais ampla, ajudar a determinar
diretrizes projetuais, contemplando uma melhor tradução dos elementos observados em
campo, essenciais à plena realização das necessidades e anseios das pessoas desses locais.
Isso constitui um conjunto de importantes indicadores que alimentam bancos de da-
dos formais (encargos, especificações etc.) e informais (diretrizes básicas de concepção,
conceitos etc.). esses bancos de dados dinâmicos oferecem aos engenheiros e arquitetos
os padrões, critérios e ferramentas apropriadas para a concepção e execução desses am-
bientes construídos para o trabalho. É nesse sentido que a Ergonomia desempenha um
duplo papel no aspecto de sustentabilidade: no plano intrínseco, a uma forma de atuação
consequente e responsável sobre as questões do ambiente de trabalho; no plano extrín-
seco, da gestão de processos ajudando a organização a melhor atuar para respeitar suas
diretrizes de sustentabilidade corporativa. A figura seguinte representa a situação gráfica
consolidada do emprego da técnica, desde a apresentação do problema, seu encaminha-
mento, pré-diagnóstico e proposição. Uma vez consolidado, o conceito assim disposto
pode vir a servir de forma recorrente a outras situações semelhantes, não apenas poupan-
do tempo e recursos, mas principalmente configurando-se numa ferramenta proativa de
gestão de projetos (Figura 21.4).
Capítulo 21 | Arquitetura de locais de trabalho 455

)LJXUD([HPSORGHSDGUmRFRQVROLGDGR

Fonte: Santos (2008).

21.4. Conclusão
A NBR 9050, norma da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) revista
em 2004, estabelece critérios mínimos aceitáveis para acessibilidade em edificações, e as
Normas Regulamentadoras do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), especialmente,
nesse caso, as NR 8 (Edificações), NR 12 (Máquinas e Equipamentos), NR 15 (Atividades
e Operações Insalubres), NR 17 (Ergonomia), NR 23 (Proteção Contra Incêndios), NR
24 (Condições Sanitárias e de Conforto nos Locais de Trabalho), NR 26 (Sinalização de
Segurança), assim como outras instruções projetuais, são de amplo domínio por parte
dos responsáveis por projetos e construções de ambientes destinados ao trabalho.
A Ergonomia deve interferir numa escala técnica diretamente ligada às compe-
tências envolvidas na concepção desses espaços de trabalho, determinando diretrizes
456 Ergonomia ELSEVIER

projetuais que contemplem uma tradução mais aproximada dos elementos observados
em campo. As atividades de trabalho real representam importantes indicadores que de-
vem alimentar bancos de dados formais (cadernos de encargos, manuais etc.) e informais
(diretrizes básicas, conceitos etc.). Esses bancos de dados dinâmicos, no sentido que de-
vem ser constantemente aprimorados, fornecem a engenheiros e arquitetos os padrões,
critérios e ferramentas para a concepção e execução desses ambientes construídos. Além
das necessidades normais de manutenção e conservação, os ambientes construídos para
o trabalho, em geral, atendem a um público que está sempre em evolução tanto social
quanto tecnológica. Nesse sentido, as modificações dos ambientes de trabalho não são
apenas inevitáveis, mas inerentes ao próprio processo evolutivo. Assim, os ambientes
projetados para atividades de trabalho devem buscar antever essa evolução natural, pre-
parando-se para que toda modificação de uso, ampliação e adaptação desses ambientes,
possa contribuir ao máximo no cotidiano dessas pessoas.
Enfatizamos também a necessidade de se promover a interação e participação dos
diversos usuários de um ambiente de trabalho na concepção e projeto de seus próprios
locais de trabalho. Afinal, esses são os “clientes” diretos desse processo e aqueles que
sofrerão as consequências de qualquer desconformidade ou inadequação, bem como se
beneficiarão dos resultados positivos. Além disso, segundo os psicólogos ambientalistas,
existem estudos que mostram que quando as pessoas interagem no seu ambiente de tra-
balho elas adquirem um senso de apreço pelo local e de responsabilidade comum pelos
resultados. Essa percepção causa bem-estar e uma melhor adaptabilidade ao meio e ao
ambiente construído. No tocante ao processo de criação relacionado à ação projetual
e ao design, é importante ressaltar que os espaços de trabalho tendem a incorporar um
simbolismo próprio do autor (projetista) que tenta antever as sensações e anseios de
usuários que não ele conhece, executando atividades que ele não domina. Essa “referen-
ciação” projetual é uma atitude essencialmente inconsciente. Como os “resultados” das
escolhas projetuais (tanto em termos de aplicação do programa como do partido adota-
do) dificilmente serão conhecidos pelos autores, esses arquitetos e projetistas em geral
são consequentemente excluídos da oportunidade de aprendizado advinda da utilização
dos ambientes de trabalho. Dessa forma, deficiências e incompatibilidades tenderão a ser
perpetuadas no ciclo de ação projetual, ou ainda, muito pior, assimiladas culturalmente.

21.5. Página escolar


Revisão dos conceitos apresentados
UÊ A complexidade inerente ao Processo Participativo em Projetos – As fronteiras e
limitações na atuação coletiva e individual de profissionais de Arquitetura e Ergo-
nomia. Desafios e encaminhamentos para o processo de facilitação.
UÊ O Modelo Foca – Uma Proposta de Processo Integrado para o Projeto de Locais de
Trabalho. Construção das bases para uma metodologia específica para ação proje-
tual em Ergonomia. Discussões conceituais sobre a ação projetual em si.
Capítulo 21 | Arquitetura de locais de trabalho 457

UÊ Apropriação da Teoria de Padrões para Ação Projetual em Ergonomia e Arquite-


tura – Apresentação de Case para ilustração da técnica de padrões em Projetos
Ergonômicos.

Questões
1) Observe as ilustrações a seguir e encontre deficiências de projeto que possam estar
se constituindo em inadequações ergonômicas na atividade.

2) Cite exemplos de “soluções” de projetos de ambientes construídos (edificações)


ou de produtos (máquinas, equipamentos etc.) que possam caracterizar situações
de repetição indesejada (antipadrão) de modelos decorrentes da falta de interação
com os usuários.

Referências
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trial Ergonomics, v. 4, pp. 67-79, 1989.
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sign model. Applied Ergonomics, v. 35, n. 4, pp. 361-370, jul. 2004.
HENDRICK, H.; KLEINER, B. M. MacroErgonomia: uma introdução aos projetos de sis-
temas de trabalho. Rio de Janeiro: EVC, 2006.
LEWIN, K. Problemas de dinâmica de grupo. São Paulo: Cultrix, 1946.
NOVAK, J. Concept mapping: a useful tool for science education. Journal of Research in
Science Teaching, v. 27, n. 10, pp. 937-949, 1990.
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458 Ergonomia ELSEVIER

SANTOS, M.; VIDAL, M. C. R. Success or failure, what a difference a good plan makes:
a benchmarking case study of robotics implementation in two public pharmacy facili-
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14, 2008, Rio de Janeiro. Annals… Rio de Janeiro, Associação Brasileira de Engenharia
de Produção, 2008.
VIDAL, M. C. R. Guia para AET nas empresas. Rio de Janeiro: EVC, 2003.
______; Bonfatti, R. J. Conversational action: an ergonomic approach to interaction In:
GRANT, P. Rethinking communicative interaction. Amsterdam: John Benjamin, 2003,
p. 108-120.
Capítulo

22 Projeto da interface
homem-máquina
Bernardo Bastos da Fonseca; Daniella Alessandra Cassano;
María Victoria Cabrera Aguilera; Raphael Pacheco da Rocha – COPPE/UFRJ

Conceitos apresentados
Este capítulo irá apresentar os elementos necessários para o projeto da interfa-
ce homem-máquina. O modelo sistema homem-máquina e as recomendações para o
projeto de comandos e controles e mostradores.

22.1. Introdução
Os dispositivos de informação estão presentes em diversos tipos de produtos, am-
bientes e situações. Logo, fazem parte do cotidiano das pessoas e, igualmente, dos sistemas
e situações de trabalho. Com a informatização dos postos de trabalho, ocorreu uma mudan-
ça no comportamento dos trabalhadores e nos esquemas operatórios (Moraes; Montalvão,
2000). Entretanto, sempre foi priorizado o funcionamento eficaz das máquinas e sistemas
informatizados visando à produção. Por conseguinte, a Ergonomia vem contribuir para
uma melhor interação e compreensão do sistema Homem-Máquina a fim de otimizar o
bem-estar do agente operacional e o bom desempenho global do sistema.
A situação de trabalho é definida como sendo a combinação dos fatores externos ao
operador (normas, meios de trabalho, mobiliário) e fatores internos ao operador (como seu
estado orgânico, sua competência e personalidade). Sendo assim, entende-se que em uma
situação de trabalho ambos os fatores não devem ser dissociados, já que atuam permanen-
temente para geração de atos articulados, ou seja, a atividade de trabalho.
O operador não pode ser considerado como alguém que executa tarefas
prescritas, mas como agente que cria permanentemente a sua atividade,
dependendo do que percebe e compreende a partir da situação real de
trabalho com a qual se confronta. (Wisner, 1996)
460 Ergonomia ELSEVIER

De acordo com os fatores citados anteriormente, neste capítulo serão abordadas


situações que envolvem interações com computadores e salas de controle como meios
de trabalho, assim como a importância dos fatores internos ao operador relacionados à
parte cognitiva do mesmo, dentro do sistema.

22.2. O Sistema Homem-Máquina


Entende-se como sistema Homem-Máquina a interação operativa entre homem(s)
e máquina(s) que se complementam e se comunicam a fim de executar uma deter-
minada função, partindo de estímulos de entrada dentro das condições de um dado
ambiente. A resultante dessa interação é mais conhecida como a interface do sistema
Homem-Máquina (Figura 22.1).
)LJXUD(VTXHPDGR6LVWHPD+RPHP0iTXLQD

De acordo com Teixeira, et al. (2007), “uma interface pode ser definida como
parte de um sistema com o qual o usuário realiza contato por meio de um plano físico,
perceptivo e cognitivo”.
Os meios informatizados atualmente são os principais fornecedores de informa-
ção para os trabalhadores, estabelecendo dessa forma a interação Humano-Sistema. Essa
interação consiste na relação de troca de informação entre o homem e sistemas ou pro-
dutos ou interfaces. Hewett (1992) cita que a introdução do computador às situações de
trabalho necessita do ajuste entre os aspectos humanos, técnicos e laborais, quer seja por
meio no aprendizado humano ou confecção de sistemas apropriados. O esquema abaixo
demonstra, de maneira simplificada, como o operador interage com o processo por meio
de displays (telas) e dispositivos de controle.

Figura 22.2: Interação entre operador displays WHODV HGLVSRVLWLYRVGHFRQWUROH


Capítulo 22 | Projeto da interface homem-máquina 461

A maneira como as informações são disponibilizadas na tela e nos dispositivos de


controle variam conforme a situação laboral e exigem conhecimento aprofundado das
atividades e tarefas a serem desenvolvidas.

22.2.1. Telas
Quando falamos de interface, imediatamente associa-se essa questão a computado-
res e telas. Nesse tópico, será feita uma abordagem simplificada sobre telas e suas confi-
gurações recomendadas. Muitas das recomendações aqui expostas possuem relações com
computadores e telas de salas de controle presentes em diversas situações de trabalho.
Posicionamento das telas/Cones de Visão. Conforme a situação de trabalho e
as características físicas dos trabalhadores, as telas devem se posicionar de acordo com
o ângulo de visão deles. Para isso, faz-se necessário o aprimoramento dos equipamentos
com sistemas reguláveis que possibilitem o posicionamento de uma ou mais telas na
zona de conforto visual. São prevenidas, assim, possíveis posturas forçadas que podem
vir a ocasionar dores e desconfortos nos trabalhadores durante a jornada de trabalho.
Leitura de informações na tela. Para garantir a efetiva interface entre o homem
e as informações contidas na tela, deve-se considerar o planejamento da mesma visando
os preceitos ergonômicos:
UÊ Características físicas dos trabalhadores.
UÊ Experiência e conhecimento prévio.
UÊ Características da tarefa.
UÊ Visão macro da realidade do sistema.
UÊ Assistir a tomada de decisão.
UÊ Usabilidade na interface.
Além desses preceitos, há regras gerais para configuração de telas. São elas: ligar
a informação fornecida à ação, facilitar a identificação de informações significativas, evi-
denciar as informações e homogeneizar as informações visuais.
Quando se configura uma tela, diversos fatores devem ser considerados:
1) Respeitar a lógica do operador no desenvolvimento da atividade.
2) Prever de espaços e pontos de referência para reagrupar informações.
3) Reduzir a informação ao que é necessário e direcionado ao trabalhador e à ativi-
dade.
4) Agrupar na tela itens e dados que possuem inter-relação.
5) Simplificar as telas ao máximo para reduzir qualquer carga de trabalho desneces-
sária.
Santos e Zamberlan (1992) afirmam que no momento de configurar telas, é ne-
cessário pensar nas divisões das informações que serão dispostas. Isso é fundamental
para o controle do processo ao qual se está trabalhando. Uma divisão mal desenvolvida
ocasiona uma grande troca de telas em busca da informação, fadiga visual e impõe me-
morização. É importante detectar as ligações entre as informações fornecidas e as ativi-
dades dos operadores.
462 Ergonomia ELSEVIER

Em uma mesma tela deve conter as principais informações, como as de segurança


e as mais consultadas. Os dados dispostos na tela devem aparecer sempre nos mesmos
lugares, pois isso facilita o acesso, a identificação e a busca da informação/dado desejado.
Existem dois tipos de telas: as telas com contraste negativo (de fundo escuro e
caracteres claros) e as telas com contraste positivo (de fundo claro e caracteres escuros).

4XDGUR²5HFRPHQGDo}HVSDUDFRQWUDVWHFDUDFWHUH[IXQGR

&RUGHIXQGR
&RUGRFDUDFWHUH 8WLOL]DU (YLWDU
$PDUHOR 0DJHQWDYHUPHOKR %UDQFRD]XOYHUGH
0DJHQWD %UDQFRD]XOYHUGH 9HUPHOKR
%UDQFR $]XOYHUPHOKRYHUGHPDJHQWD $PDUHOR
$]XO 9HUGHEUDQFR 9HUPHOKR
9HUGH $PDUHOREUDQFR $]XO
9HUPHOKR $PDUHOREUDQFR 0DJHQWDD]XO

Na tela com contraste positivo, a pupila dos olhos do usuário fecha e fica menor,
possibilitando maior profundidade de foco visual, o que facilita a focalização de objetos,
além de reduzir o desgaste dos olhos.
No momento de codificar as informações presentes na tela, o número de cores
utilizadas afeta profundamente a discriminação das cores. Quanto maior o número de
cores, mais difícil se torna a distinção, exigindo uma atenção maior do usuário. É re-
comendável o uso de três a sete cores numa mesma tela para facilitar a codificação das
informações. As informações presentes nas telas em cores podem proporcionar algumas
vantagens ao desempenho do operador, em relação às telas monocromáticas. As cores
colaboram no processo cognitivo de assimilação e interpretação da informação.

22.3. Dispositivos de controle


A adaptação das ferramentas de trabalho ao homem tem como principais finali-
dades minimizar os erros humanos, evitar a fadiga e estresse, incidente e acidentes assim
como a melhoria do posto de trabalho, logrando consequentemente a otimização do
desempenho do sistema.
Para o bom desempenho das atividades que requerem a utilização de dispositivos
de controle é preciso considerar a priori: as características do homem e seus movimen-
tos naturais além dos requisitos básicos da Ergonomia (alcances máximos e mínimos,
dimensionamento, tipos de manejo, entre outros).

22.3.1. O controle adequado


Definir o controle adequado à atividade se torna uma tarefa árdua para o proje-
tista, pois deve compatibilizar os aparelhos às pessoas visando à harmonia na interface e
para que haja uma resposta rápida e precisa em situações operatórias.
Capítulo 22 | Projeto da interface homem-máquina 463

Segundo Grandjean (1998) os controles diferenciam-se entre controles para pe-


quenas forças de ativação (botões, interruptores, pequenas alavancas) e controles para
forças de aplicação maiores (rodas, manivelas, pedais e alavancas grandes). A Figura 22.3
fornece uma lista de diversos tipos de controles mostrando suas funções, discretas e con-
tínuas e suas características quanto à velocidade, precisão e força.

Figura 22.3: Funções e características dos principais tipos de controle

Fonte: Grandjean (1983).


464 Ergonomia ELSEVIER

22.3.2. Movimento de controles


Segundo Iida (2005) “os movimentos de controle são aqueles executados pelo
corpo humano para transmitir alguma forma de energia à máquina”. Esses movimentos
podem ser executados por meio das mãos e pés, desde o acionamento de um botão até
movimentos mais complexos, como joystick, que requer uma cadeia de ações. Deve-se
considerar de igual maneira a adequação dos controles aos movimentos corporais, ou
seja, projetar dispositivos que levem o trabalhador a realizar movimentos rítmicos que
sigam trajetórias curvas e contínuas, evitando assim paradas bruscas ou mudanças re-
pentinas de direção já que o corpo tem dificuldades de realizar movimentos retilíneos,
dando preferência àqueles curvos.
Estereótipo popular:
É o movimento esperado pela maioria da população, como “ligar” ou “aumentar”.
Movimentos Compatíveis seguem o estereótipo popular.
Movimentos Incompatíveis não seguem o estereótipo popular. Estereótipos são
naturais ou adquiridos?
Resulta na existência de uma forte tendência natural aos movimentos compatíveis
que cresce com o aprendizado.

)LJXUD0RYLPHQWRVFRPSDWtYHLVHPDGXOWRVHFULDQoDV

Pesquisa sobre estereótipos populares, realizada com 92 engenheiros, 80 mulhe-


res e 55 especialistas em Ergonomia. Os resultados em porcentagem (Smith, 1981) são
apresentados na Figura 22.5.
Capítulo 22 | Projeto da interface homem-máquina 465

)LJXUD([SHULrQFLDGH6PLWK 

48(6,726 $OWHUQDWLYDV (QJ 0XO (VS


0RYLPHQWRGR.QRE +RUiULR 3 6 2
3DUDPRYHUDVHWDDWp $QWLKRUiULR 97 94 98
RFHQWURGRPRVWUDGRU
2NQREGHYHVHUJLUDGR
HPTXDOVHQWLGR"

)HFKDGXUDGH&DL[D 'HQWHVSFLPD 17 23 
3DUDDEULUXPDFDL[D
HPTXHVHQWLGRYRFr
FRORFDULDRVGHQWHVGD
FKDYH"

'HQWHVSEDL[R 83 77 

0RYLPHQWRGD (PSXUUDQGR 76 59 71
$ODYDQFD 3X[DQGR 24 41 25
&RPRYRFrPRYHULDD 6HPUHVSRVWD ² ² 4
DODYDQFDSDUDGHVORFDU
RSRQWHLURSGLUHLWD

7RUQHLUDGH3LD (VTXHUGD'LUHLWD
(PTXHVHQWLGRVDV +RUiULR+RUiULR 17 34 22
WRUQHLUDVGHYHPVHU +RUiULR$QWLKRU 23  13
JLUDGDVSDUDDEULUD $QWLKRUKRUiULR 13 26 16
iJXD" $QWLKRUDQWLKRU 47  49

7HFODGRSFDOFXODGRUD  36
HOHWU{QLFD FDOFXODGRUD 25 33
&RORTXHRVQosGH 123
DGHDFRUGRFRPD 
PiTXLQDGHFDOFXODU 123
HOHWU{QLFD WHOHIRQH  49 14 35
789

RXWURVDUUDQMRV 26 54 29
466 Ergonomia ELSEVIER

Como podemos observar na pesquisa acima, existem diversas opções para acionar
e operar os dispositivos de controle de cada artefato.
Vários recursos são utilizados para diferenciar os controles e facilitar a sua identi-
ficação, diminuindo os índices de acidentes como:
1) Forma – Tato.
2) Tamanho – Comparação visual, caso estejam perto de si.
3) Cores – Visual (verde = liga/vermelho = desliga). Local escuro não funciona.
4) Textura – Tato. Como no acabamento superficial do controle: liso e rugoso. Onde
o uso de luvas é prejudicial.
5) Modo Operacional – Diferentes do tipo: Alavanca, Puxa, empurra.
6) Localização – Senso cinestésico, sem o acompanhamento visual. (O uso do câm-
bio nos carros).
7) Letreiros – Uso de palavras, códigos numéricos. (Salas Nucleares).
8) Combinação de códigos – Diferenciar com formas e cores para eliminar a ambi-
guidade (ver Figura 22.6).

)LJXUD&RQWUROHVGLVFULPLQiYHLVSHORWDWR

Fonte: Sorkin (apud Salvendy, 1987).

22.3.3. Proteção de controles contra ações não intencionais


Para que não haja acionamento acidental de controles é preciso ter cuidados es-
peciais nos projetos, como rebaixos, coberturas, canalizações, batentes e orientações (ver
Figura 22.7).

Figura 22.7: Segurança em controles


Capítulo 22 | Projeto da interface homem-máquina 467

Compatibilidade Espacial de um controle e seu efeito no mostrador – Princí-


pios:
1o princípio: movimentos rotacionais no sentido horário associam-se a movimen-
tos para cima e para direita.
2o princípio: em planos perpendiculares, a rotação do controle à direita tende a
afastar o mostrador e vice-versa.
3o princípio: movimentos e mostradores imaginam-se “engrenados”, como se um
movimento de um deles arrastasse o outro.

Figura 22.8: Princípios de compatibilidade controle mostrador

22.3.4. Manejo
É o “engate” físico entre o homem e a máquina.
Manejo Fino
(10 kg).
’ Transmite maior precisão e velocidade, mas pouca força

)LJXUD0DQHMRVÀQRV

Manejo Grosseiro
(40 kg).
’ Possui pouca precisão e velocidade, mas grande força
468 Ergonomia ELSEVIER

)LJXUD0DQHMRVJURVVHLURV

Para objetos cilíndricos a melhor pegadura se dá com o diâmetro entre 3 e 5 cm


(melhor = 3,2 cm).
A Figura 22.11 ilustra tipos de manejo.

Figura 22.11: Tipos de manejos

Fonte: Iida (2005).

22.4. Diretrizes ergonômicas para o design de interfaces


Conclui-se que para o projeto de sistemas que ofereçam tanto displays quanto
dispositivos de controles devem-se considerar os seguintes princípios ergonômicos
(Hartson, 1993 apud Santos, 2007):
UÊ Consistência (Princípio de menor surpresa).
UÊ Simplicidade.
UÊ Redução do uso da memória humana.
UÊ Objetividade cognitiva.
UÊ Retorno (feedback).
UÊ Mensagens claras e concisas do sistema.
Capítulo 22 | Projeto da interface homem-máquina 469

UÊ Antropomorfização.
UÊ Atenção (alertas).
UÊ Diferencias individuais do usuário.
A otimização do sistema Homem-Máquina pode colaborar com a redução de cus-
to e aumento da produtividade. A facilidade de uso de displays e dispositivos de controle
é parte essencial do seu projeto pelo simples fato de que dispositivos de interface difíceis,
não são utilizados como deveriam, e que incorrem em desperdício de tempo, aumento
da necessidade de treinamento, de riscos de incidentes e acidentes com consequências
catastróficas.

22.5. Página escolar


Questões
1) Escolha um objeto de seu uso diário e apresente os comandos e controles. Classifique-os
segundo suas funções e características.
2) Para subir o vidro da porta do motorista de um carro de determinada marca você tem que
girar a manivela na porta no sentido anti-horário. O que você acha quanto ao estereótipo
popular? Consulte seus colegas de turma para ver o que a maioria acha.

Pesquisa na internet
Busque na web uma situação em que possa obter informações sobre segurança
em controles (sala de controle, cockpit de avião, situação industrial etc.). Faça um relato.

Referências
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Alegre: Bookman, 1998.
IIDA, I. Ergonomia: projeto e produção. 2. ed. São Paulo: Edgard Blücher, 2005.
IVERGARD, T.; HUNT, B. Handbook of control room design and ergonomics: a perspective
for the future. 2. ed. London: CRC, 2009.
MORAES, A.; MONT´ALVÃO, C. Ergonomia: conceitos e aplicações. 3. ed. Rio de Janeiro:
2AB, 2007.
SANTOS, L. (2007) – A Ergonomia para interfaces gráficas com o usuário na indústria
automatizada: o caso da usabilidade de displays scada em uma usina hidrelétrica de
grande porte. Rio de Janeiro, COPPE/UFRJ, M.Sc., Engenharia de Produção.
SANTOS, V.; ZAMBERLAN, M.; PAVARD, B. Confiabilidade humana e projeto ergonômico
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470 Ergonomia ELSEVIER

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n. 3, pp. 305-315, 1981.
VIDAL, M. Ergonomia na empresa: útil, prática e aplicada. 2. ed. Rio de Janeiro: EVC,
2002.
______; CARVALHO, P. Ergonomia cognitiva: raciocínio e decisão no trabalho. Rio de
Janeiro: EVC, 2008.
Capítulo

23 Treinamento

Ricardo José Matos de Carvalho, Dr. – UFRN


Maria Christine Werba Saldanha, Dr. – UFRN

23.1. Introdução
Qual a necessidade de se treinar as pessoas? Será que é preciso treinar? Treinar
por quê? Treinar para quê? Treinar o quê? Como treinar? Quando treinar? Quem deverá
treinar? Onde treinar? etc. Essas são questões que devem ser esclarecidas quando do pro-
cesso de concepção e implementação de um treinamento. Muitas vezes, as organizações
não despertam para treinar as pessoas porque naturalizam e incorporam as seguintes
situações de aprendizado, apenas:
1) aquela em que a gente vê o outro fazendo algo e confia que, pelo fato de ter visto
o outro fazendo, a gente já sabe como fazer, porque memorizamos aquele “modo
de fazer” e, então, repetimos aqueles atos como memorizamos;
2) aquela em que a gente não precisa ver tanto: “é só dizer como se faz que eu vou lá
e faço”. Memoriza-se a descrição e procura-se proceder conforme o dito;
3) aquela em que a pessoa é colocada junto de alguém que trabalha naquilo que lhe
foi designado para trabalhar, e, por imitação e/ou orientação, procura repetir e/ou
seguir de forma similar as operações observadas e orientadas;
4) aquela em que a pessoa segue a prescrição, por exemplo, o Procedimento Opera-
cional Padrão-Pop de uma atividade.
O treinamento pressupõe possibilitar ao treinando a aprendizagem e o desenvol-
vimento pessoal. As equipes e padrões de auditorias internas e externas dos sistemas
de gestão das organizações verificam o quesito treinamento como parte do conjunto de
quesitos necessários para a emissão de Certificação, por exemplo, de gestão da qualidade
(Iso 9000), gestão ambiental (Iso 14000) e responsabilidade social (NBR Iso 16001).
Nesse sentido, os profissionais responsáveis pela condução do treinamento devem ser
certificados também.
474 Ergonomia ELSEVIER

O treinamento, geralmente parte da necessidade endógena e/ou exógena das orga-


nizações de melhorarem sua eficiência e eficácia produtiva, que se caracteriza pela busca
da diminuição de desperdício, de perda de tempo, do ciclo de produção, de carga de
trabalho, dos danos materiais e das perdas humanas e, consequentemente, pela busca do
aumento da qualidade (processo e produto), da produtividade e do lucro. Uma mudança
de processo, de tecnologia, de layout e de função do trabalhador pode exigir também a
necessidade de teinamento.
Quando falamos em treinamento podemos de pronto pensar em um desportista
de atletismo que mantém uma programação de atividades rotineiras que envolve aque-
cimento inicial do corpo e, em seguida, parte para a prática de uma série de corridas
ou saltos com o objetivo de melhorar cada vez mais sua marca alcançada. Podemos
pensar também em um jogador de futebol que mobiliza sua dimensão física, mental e
afetiva durante o treinamento ou fase de preparação para uma partida oficial. Muitas
atividades artísticas também são passíveis de treinamentos individual e coletivo – a
exemplo das atividades circences de acrobacias, que requerem treinamentos – orien-
tados, conforme a situação, para apresentações individuais e coletivas, estas últimas
dependendo fortemente da propriedade da sincronicidade entre os participantes para
se obter o sucesso.
No mundo moderno, é inconcebível atuar como médico cirurgião, em qualquer
especialidade, sem que antes o profissional passe por uma forte formação teórica e trei-
namentos simulados e práticas assistidas por um profissinal bem mais experiente e com-
petente (expert) durante um tempo significativo, antes de criar a autonomia necessária
para o exercício da intervenção cirúrgica.
O treinamento é um tipo especial de atividade, cujo trabalho real, nessa situação,
diferencia-se do trabalho real executado por uma pessoa em uma situação de exibição
pública, como é o caso de um artista, ou de uma prova oficial (competição), a exemplo
de um atleta, cujos contextos são diferentes e as singularidades devem ser consideradas
pelo ergonomista em uma análise ergonômica do trabalho. Para o ergonomista, uma
coisa é analisar o treinamento (situação real de construção de competências; treinamento
como atividade), outra é analisar a pessoa em situação real de produção.
O treinamento caracteriza-se como uma ação de planejamento, constituída de
conteúdos de regulação antecipatória para uma situação futura possível. Ele se cons-
titui numa técnica de internalização de imagens operativas prescritas e desenvolvi-
mento de modus operandi, por meio de uma prática operacional. E tem como objetivo
a consolidação de uma cultura e prática operacional e organizacional, a melhoria das
economias cognitivas dos operadores e minimização dos impactos negativos ao sistema
sociotécnico (Hendrick; Kleiner, 2006), à saúde das pessoas e à produção da organi-
zação.
Capítulo 23 | Treinamento 475

23.2. Treinamento
A abordagem “contábil” da área de administração de pessoas imprime a termino-
logia capital humano para explicar que “as pessoas não são ativos perecíveis que devem
ser consumidos, mas ativos valiosos, que devem ser desenvolvidos e que viabilizam os
negócios de uma organização” (Picarelli apud Boog; Boog, 2002).
As pessoas não são mais consideradas “recursos” – como na abordagem tradicio-
nal de administração de pessoas – que devem ser reunidos para serem introduzidos no
processo de trabalho, mas como um “capital” (humano) que agrega valor à organização
e, por isso, deve receber contínuos investimentos, entre os quais em treinamento, para
incrementar os negócios.
Claro, não podemos ter uma compreensão reducionista de que as pessoas são
“recursos” ou “capital humano”. As pessoas são pessoas, seres humanos, sujeitos e, como
tais, têm subjetividade, cultura, valores, singularidades e vivem em sociedade. E o trei-
namento deve levar em conta essa complexidade.
“Treinar tem origem no verbo latino trahere e significa trazer, levar a fazer algo”
(Assunção, 1997). Decorre-se dessa etimologia, que o treinamento pode ser entendido
como o conjunto de métodos mais ou menos sistemáticos, utilizados para levar alguém a
ser capaz de fazer algo que ele nunca fez antes, e fazê-lo sem a assistência de quem o en-
sina (Carvalho, 1995 apud Assunção, 1997). “Treinar é, portanto, estimular mudanças
de comportamento, direcionando-as para o melhor desempenho profissional” (Macian,
1987).
O conceito de treinamento pode assumir um sentido mais amplo e associar o in-
cremento da experiência e competência profissional ao desenvolvimento da organização
e ao crescimento pessoal.
Dado o seu sentido educacional, o treinamento deve ser encarado como
troca de experiência e como processo de mudança em direção ao cres-
cimento pessoal, propiciando, consequentemente, o desenvolvimento da
organização. (Macian, 1987)
Boog (2001) define treinamento como “(...) a ação sistematizada de educação para
a capacitação, o aperfeiçoamento e o desenvolvimento do indivíduo”.
O treinamento pode ser
(...) um instrumento implementador de procedimentos mais racionais,
mais qualificados e mais eficazes, porém, estará sempre carregado de um
propósito de respeito às necessidades do desenvolvimento individual. (...)
Criar instrumentos de desenvolvimento não quer dizer, portanto, instru-
mentalizar, no sentido de modelar comportamentos segundo um esquema
predeterminado. (Macian, 1987).
476 Ergonomia ELSEVIER

Há autores que preferem utilizar o termo treinamento e desenvolvimento em


vez de treinamento, simplesmente. Para Bastos (1995 apud Assunção, 1997) desen-
volvimento é a “educação que visa ampliar e aperfeiçoar o homem para seu crescimen-
to – em determinada carreira ou em sua evolução pessoal”. O treinamento faz parte da
formação da pessoa, embora a formação seja mais que o treinamento no desempenho de
destrezas (Freire, 1996).
“Treinamento é o conjunto de métodos usados para transmitir aos funcionários
novos e antigos as habilidades necessárias para o desempenho do trabalho”. O treina-
mento pode tanto concentrar-se no ensino de habilidades técnicas quanto na educação
complementar (Dessler, 2003). É uma forma de educação, especialmente uma forma de
educação para o trabalho, cujo objetivo é o de estimular mudanças de comportamento e
melhorar o desempenho profissional, o crescimento pessoal e o desenvolvimento orga-
nizacional (Macian, 1987).
O treinamento está voltado para a construção ou melhoria das competências do
indivíduo requeridas pelo programa de treinamento estabelecido. Mas o treinamento
pode estar voltado também para o desenvolvimento de competências coletivas (ver capí-
tulo aplicações: Aviação). Essas competências devem, portanto, ser expressamente escla-
recidas, aferidas e avaliadas em situação real, o que exige um processo sistematizado de
planejamento, coordenação, monitoramento, análise e regulação (reformulação, melho-
ria contínua) do processo de treinamento.

23.3. Processos de treinamento


Com relação aos meios e métodos, os padrões de trabalho podem ser divididos
em manuais de treinamento para trabalhadores iniciantes e experientes. Esses ma-
nuais visam o conhecimento dos trabalhadores acerca das ações básicas da sua tarefa, o
aumento da eficiência do treinamento e o aperfeiçoamento das suas habilidades. As ins-
truções padronizadas e prescritas nos manuais não devem ser obedecidas rigidamente,
sem falhas, mas como referências importantes para a realização da tarefa, a atividade. A
própria empresa pode estimular os trabalhadores a aperfeiçoar o método de trabalho,
absorvendo a sua inventividade prática e, assim, realimentando continuamente o siste-
ma de treinamento com novos padrões de trabalho, sendo verificadas e respeitadas as
devidas restrições de execução do trabalho. Trata-se, portanto, da incorporação de uma
combinação entre a padronização e a criatividade, orientada e conduzida por um sistema
de gestão do trabalho (Kondo, 1994).
O treinamento deve ser planejado. O processo de treinamento e desenvolvimento
é composto de cinco passos, como indica o Quadro 23.1.
Capítulo 23 | Treinamento 477

4XDGUR²2SURFHVVRGHWUHLQDPHQWRHGHVHQYROYLPHQWR

/HYDQWDPHQWRGDVQHFHVVLGDGHVGHWUHLQDPHQWRGHYHVHYHULÀFDUVHKiDUHDOQHFHVVLGDGHGHVHRIHUHFHU
XP GHWHUPLQDGR WUHLQDPHQWR 3URFXUDVH LGHQWLÀFDU DV QHFHVVLGDGHV GH FDGD FDUJR SDUD PHOKRUDU R
GHVHPSHQKR H D SURGXWLYLGDGH DQDOLVDVH R S~EOLFRDOYR H HVSHFLÀFDVH RV REMHWLYRV GR WUHLQDPHQWR $
RUJDQL]DomRRDPELHQWHLQWHUQRHH[WHUQR PHUFDGRXVXiULRHWF HDVSHVVRDVGHYHPID]HUSDUWHGHVVH
GLDJQyVWLFRDSDUWLUGRTXDOVHGHÀQLUiDVUHDLVQHFHVVLGDGHVGHWUHLQDPHQWR
Projeto instrucional: GL] UHVSHLWR DR SURJUDPD GH WUHLQDPHQWR RQGH FRQVWD D GHVFULomR GRV REMHWLYRV
GR WUHLQDPHQWR GRV PpWRGRV TXH VHUmR DGRWDGRV GDV PtGLDV TXH VHUmR XWLOL]DGDV GDV VHTXrQFLDV GRV
FRQWH~GRV SURJUDPiWLFRV GRV H[HPSORV D VHUHP DSUHVHQWDGRV GRV H[HUFtFLRV D VHUHP DSOLFDGRV H GDV
DWLYLGDGHVDVHUHPUHDOL]DGDV(VVHPDWHULDOLQVWUXFLRQDOGHYHVHURUJDQL]DGRHHVFULWRGHIRUPDFODUD
Validação: R WUHLQDPHQWR GHYH UHVHUYDU R PRPHQWR GH YDOLGDomR HP TXH RV SDUWLFLSDQWHV HP Q~PHUR
VLJQLÀFDWLYR GHYHP DYDOLDU VXD HÀFiFLD 2V UHVXOWDGRV SURGX]LGRV SHOD DYDOLDomR GHYHP VHU OHYDGRV HP
FRQWDSHORLQVWUXWRURXIDFLOLWDGRUSDUDDVUHYLV}HVHPHOKRULDFRQWtQXDGRWUHLQDPHQWR
Implementação:DLPSOHPHQWDomRGRWUHLQDPHQWRHVHXVXFHVVRSRGHPVHUDSULPRUDGRVFRPDUHDOL]DomR
GHXPworkshopSDUDRVLQVWUXWRUHVIRFDGRHPFRQKHFLPHQWRVQRGHVHQYROYLPHQWRGDVKDELOLGDGHVGH
DSUHVHQWDomRHQRVFRQWH~GRVSURJUDPiWLFRV
$YDOLDomRHfollow-up:DPHGLomRGRVXFHVVRGRSURJUDPDGHWUHLQDPHQWRpIHLWDDSDUWLUGDYHULÀFDomRGDV
UHDo}HVLPHGLDWDVGDVSHVVRDVDRWUHLQDPHQWRGRQtYHOGHaprendizagem feedbackHDSOLFDomRGHWHVWHV
DQWHVHGHSRLVGRWUHLQDPHQWR GRcomportamento SRUPHLRGDREVHUYDomRGDUHDomRGRVVXSHUYLVRUHV
DRGHVHPSHQKRGRVIXQFLRQiULRVDSyVRWUHLQDPHQWR HGRVresultados SRUPHLRGDPHGLomRGRQtYHOGH
PHOKRULDGRGHVHPSHQKRGRWUDEDOKR 

Fonte: adaptado de HRFocus (1993 apud Dessler, 2003; Macian, 2003).

O treinamento passa por um processo de avaliação e validação, que exige condi-


ções essenciais para que tenha consistência e cumpra a sua finalidade. Assim, o treina-
mento deve basear-se nas seguintes condições (Boog, 2001): a) definir claramente as suas
reais necessidades; b) expressar, quantitativamente, as suas necessidades; c) definir com
precisão os objetivos com base nas necessidades; d) garantir que os treinandos absorvam
e transfiram os conteúdos para as suas funções; e e) conscientizar superiores hierárquicos
de que eles fazem parte de todo o processo. O planejamento deverá, ainda, apresentar os
resultados esperados, os custos estimados e o patrocinador do programa de treinamento
(Boog, 2001).

4XDGUR²(WDSDVQRSODQHMDPHQWRGHWUHLQDPHQWR

$6(7$3$6123/$1(-$0(172'(75(,1$0(172
(7$3$ 248(e)(,72 &202e)(,72
1 3HUÀOGRV&DUJRV

 'HÀQLomRGRV 3HVTXLVDMXQWRDRVRFXSDQWHVGRVFDUJRVHDRVVHXV


FRQKHFLPHQWRVH[LJLGRV VXSHULRUHVDQiOLVHGDGHVFULomRGHFDUJR

 'HÀQLomRGDVKDELOLGDGHVH[LJLGDV 3HVTXLVDMXQWRDRVRFXSDQWHVGRVFDUJRVDRVVHXV


VXSHULRUHVjiUHDGH5HFUXWDPHQWR 6HOHomRRX
HPSUHJRGHLQVWUXPHQWRGHGLDJQyVWLFRHVSHFtÀFR

 'HÀQLomRGRVFRPSRUWDPHQWRVH[LJLGRV $SOLFDomRGHLQVWUXPHQWRGHPHQVXUDomR


FRPSRUWDPHQWDO
478 Ergonomia ELSEVIER

2 3HUÀOGDV3HVVRDV
 ,GHQWLÀFDomRGRVFRQKHFLPHQWRVGDV 5HJLVWURVH[LVWHQWHVWHVWHVGHFRQKHFLPHQWRV
SHVVRDV HVSHFtÀFRV

 ,GHQWLÀFDomRGDVKDELOLGDGHVGDV 2EVHUYDomRSHORVXSHULRUKLHUiUTXLFRRXassesment


SHVVRDV centerRXDYDOLDomRHPž

 ,GHQWLÀFDomRGRVFRPSRUWDPHQWRVGDV 0HQVXUDomRGRSHUÀOFRPSRUWDPHQWDOSRU


SHVVRDV LQVWUXPHQWRHVSHFtÀFR
3 (ODERUDomRGR3ODQHMDPHQWR
&RQVROLGDomRGDVQHFHVVLGDGHVLGHQWLÀFDGDV
'HÀQLomRGDIRUPDGHWUHLQDPHQWRVHJXQGRRWLSRGHFRPSHWrQFLDDVHUDSUHQGLGD
(VFROKDGRDJHQWHIRUPDGRULQWHUQRRXH[WHUQR
'HÀQLomRGRFURQRJUDPDGHH[HFXomR
(ODERUDomRGRRUoDPHQWR'HÀQLomRGRVLQGLFDGRUHVGHUHVXOWDGRVLQIRUPDo}HVGRWUHLQDQGRGRVXSHULRU
YDULDo}HVQRGHVHPSHQKRPHGLGRYDULDo}HVQRVUHVXOWDGRVDOFDQoDGRV

Fonte: Boog (2001).

O processo de avaliação de um treinamento pode ser feito avaliando-se o retorno


do investimento aplicado. Para Donald Kirckpatrick (apud Boog, 2001), deve ocorrer
nos seguintes níveis indicados no Quadro 23.3.

4XDGUR²1tYHLVGHDYDOLDomRGHWUHLQDPHQWR

9LVmRGRSDUWLFLSDQWHVREUHRSURJUDPDSDUDDYDOLDUDVXDUHDomRDRWUHLQDPHQWRHRTXH
1tYHO
SODQHMDID]HUFRPRTXHDSUHQGHX
$YDOLDomRGRDSUHQGL]DGRPHGLDQWHWHVWHVDSOLFDGRVDQWHVHGHSRLVGHFDGDWUHLQDPHQWRSDUD
1tYHO
DYDOLDUTXDLVKDELOLGDGHVFRQKHFLPHQWRVRXDWLWXGHVIRUDPPRGLÀFDGRVHHPTXHSURSRUomR
1tYHO 0XGDQoDVGHFRPSRUWDPHQWRGRVSDUWLFLSDQWHVGHSRLVGHWUHLQDGRV
,PSDFWRGHSHUIRUPDQFHTXHDVPXGDQoDVFRPSRUWDPHQWDLVSURYRFDPQDRUJDQL]DomRFRPR
1tYHO
XPWRGR

Fonte: Kirckpatrick (apud Boog, 2001).

A avaliação de um treinamento depende de vários fatores para que seja realizada


com sucesso (Boog, 2001): a análise das necessidades (o que se espera do treinamen-
to); o preparo organizacional (apoio gerencial, comprometimento e envolvimento das
pessoas); as competências necessárias (o pessoal de treinamento da empresa deve estar
preparado para desenvolver a avaliação).
No planejamento devem estar definidas as técnicas de treinamento que serão uti-
lizadas, assunto que passaremos a apresentar agora.
Capítulo 23 | Treinamento 479

23.3. Técnicas de treinamento


As técnicas de treinamento a serem adotadas devem considerar a cultura da or-
ganização e dos treinandos, a disponibilização de recursos financeiros, materiais e didá-
ticos e os objetivos do treinamento. O modo pelo qual o treinamento será realizado é
expresso por técnicas específicas, que devem ser adotadas de acordo com o obetivo do
treinamento estabelecido no planejamento. As técnicas de treinamento mais difundidas
são as indicadas no Quadro 23.4.

4XDGUR²7pFQLFDVGHWUHLQDPHQWR

Treinamento no trabalho: HVVH WUHLQDPHQWR p UHDOL]DGR SRU PHLR GR PpWRGR GH coaching RX PpWRGR GD
VXEVWLWXLomRHPTXHRIXQFLRQiULRpWUHLQDGRSRUXPWUDEDOKDGRUH[SHULHQWHRXSHORVXSHUYLVRU
Treinamento de aprendizagem:FDUDFWHUL]DVHSHORGHVHQYROYLPHQWRGHKDELOLGDGHVSRUPHLRGDFRPELQDomR
GHLQVWUXomRHPVDODGHDXODFRPWUHLQDPHQWRQRWUDEDOKR training on the job HPTXHRDSUHQGL]HVWXGD
VREDWXWHODGHXPPHVWUH
Treinamento por simulação: R WUHLQDPHQWR RFRUUH IRUD GR ORFDO GH WUDEDOKR QR HTXLSDPHQWR TXH VHUi
XWLOL]DGR QR ORFDO GH WUDEDOKR RX HP XP HTXLSDPHQWR VLPXODGRU (VVH WLSR GH WUHLQDPHQWR p HVFROKLGR
TXDQGRRWUHLQDPHQWRQRORFDOGHWUDEDOKRpPXLWRFXVWRVRRXSHULJRVR 2EVYHUQHVWHOLYURRcaseVREUH
(UJRQRPLDQDDYLDomR
7pFQLFDVDXGLRYLVXDLVHGHHQVLQRDGLVWkQFLDVmRWUHLQDPHQWRVFRPDXWLOL]DomRGHUHFXUVRVDXGLRYLVXDLV
WDLVFRPRÀOPHVFLUFXLWRVIHFKDGRVGH79'9'VHWF2HQVLQRDGLVWkQFLDpXPUHFXUVRWDPEpPXWLOL]DGR
SHODVHPSUHVDVQDPRGDOLGDGHGHWHOHWUHLQDPHQWRYtGHRFRQIHUrQFLDHDXODVSHODLQWHUQHW
Treinamento computadorizado:RWUHLQDQGRXVDRFRPSXWDGRUTXHSRVVXLXPsoftwareLQWHUDWLYRFRPR
FRQWH~GRGRWUHLQDPHQWRTXHSURPRYHDLQWHUDomRGRWUHLQDQGRHPWHUPRVGHFRQKHFLPHQWRVHKDELOLGDGHV
HDLQGDH[LEHWHVWHVDVHUHPUHVSRQGLGRVHRJDEDULWRGHDFHUWRVHHUURVGDVUHVSRVWDV
7UHLQDPHQWRYLD&'520LQWUDQHWHLQWHUQHWPyGXORVGHWUHLQDPHQWRVmRHQYLDGRVSDUDRVWUHLQDQGRVYLD
LQWHUQHWFRPRVFRQWH~GRVHRVLVWHPDGHDYDOLDomR7DPEpPH[LVWHDGLVSRQLELOL]DomRGRWUHLQDPHQWRQD
LQWUDQHWGDHPSUHVDRXHP&'520VIDFLOLWDQGRRDFHVVRDRWUHLQDPHQWRGHQWURHIRUDGRORFDOGHWUDEDOKR
Portais de aprendizagem:VmRSRUWDLVFULDGRVQDLQWHUQHWHPTXHRVWUHLQDPHQWRVVmRGLVSRQLELOL]DGRVH
DFHVVDGRVSHORWUHLQDQGRHPTXDOTXHUSDUWHGRSODQHWD
Treinamento para propósitos especiais: WUHLQDPHQWR HP DOIDEHWL]DomR WUHLQDPHQWR VREUH RV YDORUHV
DVVXPLGRVSHODHPSUHVDHWUHLQDPHQWRSDUDDGLYHUVLGDGH SDUDPHOKRUDUDVHQVLELOLGDGHLQWHUFXOWXUDOHD
KDUPRQLDQDVUHODo}HVGHWUDEDOKR 

Fonte: Dessler (2003).

A Ergonomia contemporãnea nos ensina a necessidade de compreender o traba-


lho das pessoas no sentido de transformá-lo. Esse é o assunto do próximo tópico.

23.4. Treinamento e Ergonomia


O treinamento em Ergonomia faz parte de um conjunto de ações ergonômicas de
um programa de Ergonomia da empresa. Assim como as recomendações de reconcepção
do posto de trabalho, das tecnologias, das tarefas e da organização do trabalho, o trei-
namento pode ser indicado como resultante de uma Análise Ergonômica do Trabalho –
AET e como parte de um conjunto de ações de transformação na empresa.
480 Ergonomia ELSEVIER

Efetuar as operações e regulações no trabalho exige muitas vezes do trabalha-


dor atendimento a determinadas regras, conhecimentos e habilidades específicos, que
podem ser adquiridos e aperfeiçoados por meio de treinamentos. Segundo Hendrick e
Kleiner (2006), “o treinamento pode consistir de cursos formais, oficinas de trabalho
(workshops) ou treinamento à distância”. Uma das coisas mais importantes que o ser
humano toma para si é a necessidade de se sentir capaz de fazer algo. E isso pode ser
facilitado com treinamento individual e coletivo.
O treinamento requer um processo prévio de concepção (Ergonomia
Ergonomia de concep-
ção) (Carvalho, 2005; Vidal, 2001; Wisner, 1987), constitui-se um tipo de intervenção
(Ergonomia de intervenção) (Carvalho, 2005; Vidal, 2001; Wisner, 1987), com o obje-
tivo de manter determinados comportamentos dos trabalhadores ou de imprimir uma
mudança de comportamento, pode conscientizar e capacitar os trabalhadores para iden-
tificar e corrigir problemas (Ergonomia de conscientização) (Wisner, 1987 apud Iida,
2005) e pode contar, no seu processo de concepção e implementação, com o envolvi-
mento dos treinandos e instrutores ou facilitadores (Ergonomia de participação (Iida,
2005; Wilson, 1991; Hendrick; Kleiner, 2006) e construção social (Daniellou, 2004;
Saldanha, 2004).
O treinamento localiza-se no domínio da Ergonomia cognitiva e organizacional
(Vidal, 2001), uma vez que compreende a formação de competências, desenvolvimento
de cultura e valores para induzir certos comportamentos em uma organização. Nes-
se sentido, o treinamento agrega valor às pessoas e, consequentemente, à organização,
fundamentalmente se foi concebido com base na modelagem operante (Vidal, 2003)
da atividade do operador, mais precisamente, na situação real de trabalho. Daí porque
a importância de um processo situado da modelagem do treinamento, alimentado por
uma AET.

23.4.1. Treinamento situado e AET


Quando o processo de treinamento é concebido e implementado a partir de uma
AET, em que a atividade, as condições de realização e o contexto são analisados, pode-
mos nos referir a um processo situado de treinamento, que se diferencia de um processo
de treinamento concebido e implementado de modo exclusivamente prescritivo – por-
que baseado em modelo prescrito de trabalho –, que não leva em conta o trabalho real,
seus condicionantes e determinantes.
O modelo de treinamento situado é desenvolvido a partir da análise contextua-
lizada da atividade de trabalho das pessoas. O ergonomista parte das informações pro-
duziadas pela análise global e pela análise sistemática da atividade para modelar o trei-
namento situado. O profissional de Ergonomia utiliza-se das técnicas de observação da
atividade, de ação conversacional e de escuta das verbalizações junto aos operadores,
projetistas, gerentes e encarregados de produção. Esse método situado permite formular
Capítulo 23 | Treinamento 481

um diagnóstico da situação de trabalho dos operadores e, portanto, elaborar um plane-


jamento situado do treinamento.
Instala-se assim um forte processo de construção social, imprescindível para pos-
sibilitar o delineamento das competências reais requeridas pela organização e seu desen-
volvimento.
A situação de treinamento deve ser compreendiada como um espaço/tempo de
reflexão da ação praticada no trabalho e de reflexão para a ação. Essa situação é recheda
de representações dos operadores sobre seu trabalho e de valores (pessoais e organiza-
cionais) que são também mobilizados nessa situação.
No entanto, vale chamar a atenção sobre a intransferibilidade total da situação
real de treinamento para a situação real de trabalho e vice-versa. Ambas as situações são
situações reais, mas uma se expressa dentro de um contexto de treinamento e a outra de
um contexto de produção. Agora, quanto melhor fidedignidade tiver o treinamento com
a realidade de trabalho, melhor serão construídas as competências reais requeridas, tema
que passaremos a abordar no próximo tópico.

23.4.2. Treinamento e desenvolvimento de competências


Um treinamento pode ser concebido com o objetivo geral de promover uma mu-
dança positiva na cultura de segurança da companhia, significando uma mudança na
esfera organizacional e, em decorrência, um crescimento pessoal dos treinandos.
Como a abordagem de treinamento remete ao desenvolvimento de competências,
parece-nos pertinente abordar aqui esse assunto.
Muitas vezes, uma situação problemática apresenta-se como um caso úni-
co. (...). O caso não está no manual. Se ele quiser tratá-lo de forma com-
petente, deve fazê-lo através de um tipo de improvisação, inventando e
testando estratégias situacionais que ele próprio produz. (Schon, 2000)
“Na gestão por competências, todas as ações de capacitação estão voltadas para
disseminar entre os profissionais as competências definidas pela organização, seguindo
o planejamento estratégico de pessoal” (Picarelli apud Boog; Boog, 2002). “A gestão por
competências preocupa-se com o desdobramento das estratégias em conhecimentos, ha-
bilidades e comportamentos requeridos para todos os profissionais, auxiliando-os no
alcance dos objetivos da organização” (Picarelli apud Boog; Boog, 2002).
O Treinamento propicia a construção de competências, pois está vinculado in-
trinsecamente a um conjunto de conhecimentos alavancados. O treinamento propicia às
pessoas vivenciar experiências possíveis, idênticas de encontrarem numa situação par-
ticular na atividade real e, em confronto com essa situação, descobrirem uma ou várias
soluções para o problema em questão. Ainda propicia uma discussão reflexiva sobre a
experiência praticada.
482 Ergonomia ELSEVIER

Segundo Perrenoud (1999),


(...) a construção de competências, pois, é inseparável da formação de es-
quemas de mobilização dos conhecimentos com discernimento, em tempo
real, ao serviço de uma ação eficaz. (...). Os esquemas constroem-se ao
sabor de um treinamento, de experiências renovadas, ao mesmo tempo
redundantes e estruturantes, treinamento esse tanto mais eficaz quando
associado a uma postura reflexiva.
Wisner (1994) refere-se às competências latentes para explicar que elas não são
formalmente reconhecidas nem valorizadas pelas organizações. As competências latentes
“são as capacidades que esperamos encontrar num assalariado além de suas qualificações
oficialmente reconhecidas por um diploma (saberes tácitos)”.
“As ‘competências latentes’ estão profundamente ligadas à cultura. Elas consti-
tuem o que a cultura do diretor espera da cultura do empregado”. Quando essas culturas
diferem uma da outra, emergem as decepções, a sensação de fracasso e a falta de confian-
ça recíproca. Por isso,
(...) é preciso, na medida do possível, fazer um inventário dos aprendi-
zados anteriores à admissão no emprego (...), de modo que as decepções
sejam menores e a organização do trabalho e os programas de formação
partam de bases mais sólidas. (Wisner, 1994)
Para Wisner, é preciso distinguir dois tipos de competências: as competências téc-
nicas e as competências sociais. As competências técnicas são aquelas que estão relacionadas
com as técnicas de produção direta, com a manutenção e favorecem o controle dos siste-
mas de processo contínuo. As competências sociais têm a ver com a antropologia cultural,
especialmente com o sistema de valores possuídos pelos empregados e sua relação com
a organização e a administração (Wisner, 1994).
Os trabalhadores possuem competências sociais implícitas. Essas competências
sociais exprimem-se pela capacidade que o trabalhador tem que
(...) suportar a organização do tempo do trabalho que ameaça as condi-
ções de vida no trabalho e fora do trabalho e a de suportar a precariedade
do emprego, assim como o estresse e a intensificação do trabalho. (Dadoy
apud Tomasi, 2004)
Há uma outra visão de competências (Boog, 2001), que reúne, conjuntamente,
três tipos de qualificação, e dizem respeito a processos, tecnologia, interação e relacio-
namento:
UÊ conhecimentos: são as coisas que as pessoas precisam saber;
UÊ habilidades: são as coisas que as pessoas precisam saber fazer;
UÊ comportamentos: são as maneiras de as pessoas se portarem.
Capítulo 23 | Treinamento 483

Os conhecimentos podem ser classificados em (Boog, 2001):


UÊ “conhecimentos técnicos e científicos da profissão, da realidade da organização,
dos produtos, processos, tecnologia, mercado, modelo e instrumentos de gestão”;
UÊ “conhecimentos dos mecanismos da interação humana no trabalho, teorias de
liderança, de motivação, de criatividade e trabalho em equipe”.
“Sabe-se há muito tempo, de maneira empírica, que a repetição do mesmo tra-
balho permite reduzir o tempo de execução”. Talvez aí resida a importância do treina-
mento. Entretento, “o grau de aprendizagem de um determinado operador é difícil de
determinar” (Wisner, 1987).
A nosso ver, as mensurações das competências não são triviais, podendo não res-
ponder exatamente ao que se propõem. A própria ABTD – Associação Brasileira de Trei-
namento e Desenvolvimento – aponta os limites dessas mensurações, embora proponha
que a montagem de um plano de treinamento se baseie justamente nas informações
decorrentes das mensurações (Boog, 2001).
A construção de competências pode se constituir numa estratégia organizacional
para minimizar a carga de trabalho, o tempo de produção e os erros induzidos pelas fa-
lhas do projeto sociotécnico, que, por sua vez, podem gerar danos humanos e materiais
e, portanto, custos. Reason (1999) classifica os erros como indicado no Quadro 23.5.

4XDGUR²&ODVVLÀFDomRGRHUURGHDFRUGRFRPRQtYHOGHSHUIRUPDQFHRXGH
comportamento

1Ì9(/'(3(5)250$1&(28
7,32'((552 48$1'22&255(
&203257$0(172

1tYHOGHSHUIRUPDQFHEDVHDGDQD DeslizesH/DSVRV 2FRUUH DQWHV GD GHWHFomR GH XP


+$%,/,'$'( SUREOHPD 1mR Ki FRQWUROH FRQVFLHQWH
GR RSHUDGRU TXH DVVXPH SDGU}HV GH
(Skill-based level) (Slips and lapses) FRPSRUWDPHQWR XQLIRUPH DXWRPDWL]DGR
HDOWDPHQWHLQWHJUDGR
1tYHOGHSHUIRUPDQFHEDVHDGDQD (QJDQRVEDVHDGRVQDRegra 6XUJHP GXUDQWH VXFHVVLYDV WHQWDWLYDV
5(*5$ GRRSHUDGRUSDUDHQFRQWUDUDVROXomRGR
SUREOHPD+iXPDFRQVFLrQFLDGHTXHR
(Rule-based level) (RB Mistakes) SUREOHPDH[LVWH
1tYHOGHSHUIRUPDQFHEDVHDGDQR (QJDQRVEDVHDGRVQR 6XUJHP GXUDQWH VXFHVVLYDV WHQWDWLYDV
&21+(&,0(172 &RQKHFLPHQWR GRRSHUDGRUSDUDHQFRQWUDUDVROXomRGR
SUREOHPD+iXPDFRQVFLrQFLDGHTXHR
(Knowledge-based level) (KB Mistakes) SUREOHPDH[LVWH

Fonte: Reason (1999).

Guérin et al. (2001) refere-se a cinco fatores frequentemente presentes na origem


de incidentes e acidentes: a) informação insuficiente sobre o estado da instalação; b)
afluxo de acontecimentos imprevistos ocorrendo em períodos já sobrecarregados; c) in-
484 Ergonomia ELSEVIER

sistência de um pré-diagnóstico falso; d) representações insuficientemente compatíveis;


e e) variações do estado do organismo conforme as horas e nos períodos conturbados.
Esses fatores constituem-se oportunidades de aplicação da macroErgonomia
(Hendrick; Kleiner, 2006). Os quatro primeiros podem compor os conteúdos de um
treinamento para os operadores que atuarão na nova situação concebida pelo projeto
macroergonômico. Esse treinamento deve levar em conta os aspectos cognitivos envol-
vidos na atividade, dando atenção para a possibilidade de melhoria da performance dos
operadores, com base nas habilidades, nas regras e nos conhecimentos, de modo a mini-
mizar os erros induzidos pelas falhas do projeto do sistema sociotécnico.
O treinamento é um recurso de gestão organizacional importante e, embora não
seja promovido por algumas empresas, constitui-se cada vez mais um aspecto de melho-
ria da confiabilidade sociotécnica do sistema produtivo, porque possibilita o trabalhador
realizar suas atividades com uma melhor economia cognitiva, no sentido apresentado
por Falzon (1989).
No tocante ao treinamento para desenvolvimento de competências profissionais de
alunos em formação e em preparação de entrada no mercado de trabalho, o treinamento
pode ter uma influência de “efeito espelho”: o aluno pode tender a reproduzir na futura
profissão o que aprendeu na escola, instituto ou unversidade. O efeito espelho pode ser po-
sitivo ou negativo. Portanto, essas instituições têm uma responsabilidade importantíssima
na formação dos futuros profsissionais, para que eles não reproduzam nas organizações os
maus ou limitados conceitos nem as inadequadas práticas do ponto de vista da eficiência,
da eficácia, da sáude, do conforto e da segurança do sistema sociotécnico.

23.5. Exemplo de fixação


No campo da Ergonomia de conscientização, o treinamento pode ser utilizado
como recurso para a conscientização dos trabalhadores sobre os riscos do trabalho. Por
exemplo, a técnica de elaboração do Mapa de Riscos, constante do Anexo IV (Portaria
no 25, de 29/12/1994) da Norma Regulamentadora n. 5 (CIPA), possibilita aos traba-
lhadores (Ergonomia participativa) identificarem o conjunto dos riscos do trabalho aos
quais estão expostos e refletirem, coletivamente, sobre suas atividades em diferentes
contextos e apresentarem ao SESMT e aos demais responsáveis (construção social) jun-
tamente com as propostas e solicitações de melhoria das situações de trabalho. A pro-
posta de indicação de instalação de dispositivos de regulação dos postos de trabalho
pode surgir desse treinamento. Do mesmo modo, uma proposta de indicação de um
treinamento técnico para aprender a regular os elementos (assento, encosto e apoia-
-braços da cadeira e altura da mesa) dos postos de trabalho (reguláveis), adequados a
sua antropometria.
Capítulo 23 | Treinamento 485

23.6. Revisão dos conceitos apresentados


Vimos neste capítulo o treinamento como uma tecnologia organizacional sistemá-
tica de aprendizagem, utilizado para o desenvolvimento de competências individuais e
coletivas. Apontamos para a importância crucial do planejamento e modelagem situada
do treinamento, tomando-se como base as situações reais de trabalho e suas reais neces-
sidades, conduzidas pela Análise Ergonômica do Tabalho.

23.7. Página escolar


Questões
1) Explique por que a Ergonomia contemporânea parte da análise das situações reais
de trabalho para modelar um treinamento, denominado, assim, de modelo situa-
do de treinamento.
2) De que maneira o treinamento pode contribuir para o desenvolvimento das com-
petências dos operadores? Explique isso considerando que os trabalhadores reali-
zam suas atividades em contextos que variam.
3) Quais métodos e técnicas você utilizaria para envolver os trabalhadores (treinan-
dos) em um processo de implementação de um treinamento situado? Explique
passo a passo como você faria essa implementação.

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Capítulo

24 Apresentação dos estudos


de caso
Francisco Soares Masculo, Ph.D – UFPB

Considerando mais uma vez as definições de Ergonomia da International Ergono-


mics Association e da Associação Brasileira de Ergonomia, como apontamos na introdução
deste livro:
Ergonomia (ou Fatores Humanos) é a disciplina científica que trata da
compreensão das interações entre os seres humanos e outros elementos de
um sistema, e a profissão que aplica teorias, princípios, dados e métodos,
a projetos que visam otimizar o bem-estar humano e a performance global
dos sistemas.
Os praticantes da Ergonomia, Ergonomistas, contribuem para o planeja-
mento, projeto e a avaliação de tarefas, postos de trabalho, produtos, am-
bientes e sistemas para torná-los compatíveis com as necessidades, habili-
dades e limitações das pessoas. (IEA, 2000)

A Ergonomia objetiva modificar os sistemas de trabalho para adequar as


atividades nele existentes às características, habilidades e limitações das
pessoas com vistas ao seu desempenho eficiente, confortável e seguro.
(ABERGO, 2000)
A Ergonomia é uma ocupação de pessoas qualificadas para responder às deman-
das acerca da atividade de trabalho. E, como vimos, essas demandas estabelecem campos
de interesse amplos e diversificados, que abrangem temas que variam da anatomia à
teoria das organizações, do cognitivo ao social, do conforto à prevenção de acidentes.
A definição que também coloca finalidades – modificar os sistemas de trabalho;
propósitos – adequar a atividade às características, habilidades e limitações das pessoas;
e critérios – eficiência, conforto e segurança –, e pode ser complementada por outra, que
estabeleça qual a tecnologia a que a Ergonomia está referida ou que possua um referente
488 Ergonomia ELSEVIER

de suas finalidades, propósitos e critérios. Essa tecnologia se aplica à realização (con-


cepção, construção e manutenção) de interfaces entre as pessoas e os sistemas, melhor
dizendo, estabelecendo uma relação de adequação entre os aspectos humanos presentes
na atividade de trabalho e os demais componentes dos sistemas de produção (tecnologia
física, meio ambiente, softwares, conteúdo do trabalho e organização da produção) por
meio dessas interfaces. Por adequação estamos significando uma orientação para o de-
senvolvimento das interfaces entre as pessoas e destas com a tecnologia e a organização.
Em sua atividade de trabalho o ser humano interage com os diversos componen-
tes do sistema de trabalho: com os equipamentos, instrumentos e mobiliários, por meio
de interfaces sensoriais, energéticas e posturais, com a organização e o ambiente por
interfaces ambientais, cognitivas, emocionais e organizacionais. O ser humano, realiza
essas interações de forma sistêmica, cabendo à Ergonomia modelar essas interações e oti-
mizá-las, ou seja, buscar formas de adequação para o desempenho confortável, eficiente
e seguro face às capacidades, limitações e demais características da pessoa em atividade.
No contexto de um livro como este, que tem como finalidade principal servir de
instrumento didático para os alunos de graduação de engenharia de produção, não po-
deríamos deixar de colocar à disposição dos interessados uma série de estudos de casos
reais vivenciados por diversos profissionais da mais alta competência e experiência no
campo da Ergonomia.
No Capítulo 25 é abordada a aplicação de Ergonomia em agricultura, e o caso
tratado foi o da atividade mais frequente em termos da agricultura brasileira: o corte
manual de cana.
O Capítulo 26 resume quinze meses de atividades junto a uma refinaria no Es-
tado do Rio de Janeiro. Nesse período, uma consultoria esteve presente em um grande
número de ambientes de trabalho em cumprimento ao cronograma estabelecido pela
empresa para a avaliação ergonômica de um expressivo conjunto de demandas.
O Capítulo 27 trata de Ergonomia em aviação e apresenta um estudo de caso
relativo à implementação do treinamento LOFT em uma companhia aérea brasileira. As
práticas de segurança de voo impulsionadas pelo LOFT implementado nessa companhia
basearam-se em padrões, referências e regulamentações internacionais, mas, sobretudo,
atendendo a realidade específica da companhia, com sua cultura própria e considerando
o contexto brasileiro.
No Capítulo 28 é abordada uma área de grande aplicação de Ergonomia, a hos-
pitalar. Um projeto de Ergonomia de concepção configurou-se em dois estudos inde-
pendentes: o Hospital da Base Mc Dill que além de servir como situação de referência
para implantação do sistema de robótica no Hospital dos Veteranos, possibilitou uma
avaliação que se mostrou relevante.
O Capítulo 29 lida com a Ergonomia em escritórios (Office Ergonomics). O estudo
de caso realizou-se no local de trabalho de um setor de uma empresa do segmento energé-
tico brasileiro. Essa empresa também atua em diversos setores da indústria de óleo e gás.
Capítulo 24 | Apresentação dos estudos de caso 489

O Capítulo 30 aborda atendimento em loja – check-out. Apesar de o comércio


ser uma das atividades mais antigas no mundo, poucos estudos sobre a atividade de co-
mércio e vendas (a não ser os estudos de check-out) são difundidos na área de Ergonomia.
Trata-se de uma atividade de serviço a um público que geralmente quer atendimento de
modo rápido e sem erros, principalmente quando o cliente que entra em uma loja sabe
o que quer.
Avanços tecnológicos na área de informática no final da década de 1980 possibi-
litaram uma nova forma de comunicação entre as empresas e seus clientes. Eram as cen-
trais de atendimento (call centers), onde uma perspectiva de produção de novos produtos
mais próximos às necessidades dos clientes era vislumbrada. No Capítulo 31 é analisado
um caso de teleatendimento.
No Capítulo 32 é apresentado um caso de Ergonomia no setor de hotelaria. A
partir de auditoria fiscal do Ministério do Trabalho em visita a um hotel de grande porte
estabelecido na cidade do Rio de Janeiro deu-se a elaboração de uma análise ergonômica
do trabalho (AET) com base na Norma Regulamentadora (NR 17).
No Capítulo 33 é mostrado um caso de Ergonomia, sustentabilidade e pesca.
O texto relata os arranjos ergonômicos locais implementados pelo Grupo de Estudos da
Pesca/Gepesca para adequação antropotecnológica do desembarque de sardinha (Sardi-
nella Brasiliensis) na cidade de Cabo Frio-RJ.
No Capítulo 34 são mostradas aplicações de simulação humana em Ergonomia
em três situações: balcão de atendimento; projeto de posto de trabalho em manufatura;
e projeto de cabine de ponte rolante.
No Capítulo 35 são apresentadas aplicações práticas de Ergonomia: são princí-
pios gerais que servem como recomendações ergonômicas para o projeto do trabalho e
de postos de trabalho.
Finalmente, no Capítulo 36 é apresentada a engenharia de resiliência e a Ergo-
nomia. Os estudos de caso apresentados nesse capítulo procuram aplicar os conceitos e
métodos de engenharia resiliência, bem como relacioná-los com o conceito de sustenta-
bilidade dos sistemas sociotécnicos complexos, num país de desenvolvimento industrial
recente, como é o caso do Brasil.
Capítulo

25 Ergonomia no trabalho
agrícola
Paulo José Adissi, Dr. – UFPB

Conceitos apresentados
Esse capítulo irá discutir as especificidades do trabalho agrícola focalizando
uma aplicação da Ergonomia na intermediação de conflitos trabalhistas na atividade
da cana-de-açúcar, por meio da análise do trabalho da colheita manual em suas di-
mensões temporais e de requerimentos de esforços físicos.

25.1. Introdução
O trabalho agrícola tem algumas especificidades que merecem ser pontuadas. A
começar pelos seus postos de trabalhos desestruturados, “móveis” e dependentes das
variações naturais de relevo, solo e intempéries. Mas não é só isso, na agricultura o tra-
balho humano não é o protagonista principal da transformação de semente em fruto,
nessa transformação ao homem cabe a função de criar as boas condições para a ação
da natureza: controlando as condições do solo, a quantidade de insolação e umidade,
moldando o formato da planta e protegendo-a da concorrência de outros vegetais e das
ações predadoras de animais, insetos e vidas microscópicas como fungos, nematoides,
vírus e bactérias.
O trabalho agrícola coloca o homem junto à natureza, muitas vezes em situações
de deleite, provocadas pelas expressões da topografia natural, da flora e da fauna. Con-
tudo, essa aproximação pode também apresentar grandes dificuldades à humanização
do trabalho em decorrência da intensidade da insolação, das chuvas e dos ventos, e pela
presença de animais peçonhentos. Além disso, as distintas topografias e condições do
solo demandam cargas de trabalho de diferentes intensidades e, muitas vezes, o ambiente
natural dificulta a higienização dos locais de trabalho.
Capítulo 25 | Ergonomia no trabalho agrícola 491

Pela proximidade à natureza, o trabalho agrícola fica condicionado a ciclos natu-


rais que independem das ações humanas. Na agricultura, entre um conjunto de ações
humanas e outro, ocorrem longas esperas, acontecendo nesses períodos as principais
transformações nas plantas. Dessa forma, o tempo de trabalho é bastante inferior ao
tempo de produção, assim sendo, a simples redução do tempo de trabalho não resulta na
redução do tempo de produção. Este último pode ou não coincidir com o ciclo vegetati-
vo da planta, no caso de haver coincidência a cultura agrícola é denominada temporária.
Nessas, após a formação do produto é feita a colheita e a planta deve ser substituída,
como ocorre com as hortaliças folhosas (alface, repolho...). Já nas culturas permanentes
o ciclo vegetativo é bem mais longo do que o ciclo produtivo, permitindo diversas co-
lheitas sem exigir novos plantios, como as fruteiras, que podem oferecer frutos por várias
décadas, e a cana-de-açúcar, que permite quatro ou mais colheitas.
Outra característica do trabalho agrícola é a heterogeneidade dos seus fatores, nota-
damente os naturais. As sementes que compõem as matérias-primas do processo de produ-
ção, mesmo com os esforços das modernas técnicas agrícolas, sempre apresentam diferen-
tes padrões de qualidade, à semelhança do que ocorre com principal meio de produção da
agricultura, a terra, que apresenta grandes diferenças topográficas e pedológicas.
É claro que os maquinários, ferramentas e demais insumos por serem de origem
industrial, apresentam menores variabilidades. Porém, as ferramentas agrícolas de menor
complexidade costumam sofrer pequenas adaptações pelo usuário, aos moldes do que
ocorria, e ainda ocorre, no artesanato, onde o trabalhador procura adaptar a ferramenta
às suas dimensões antropométricas e ao seu modo operatório pessoal. Cada trabalhador
tem a sua própria enxada, o seu próprio machado, a sua própria foice, cujo tamanho,
forma e peso são adaptados às suas dimensões e à sua forma de manejo.
O fator humano do trabalho agrícola também se apresenta altamente heterogê-
neo. Além das condições físicas dos trabalhadores, a destreza pessoal interfere signi-
ficativamente na produtividade do trabalho agrícola manual, fazendo ocorrer grandes
diferenciais de produção mesmo no interior de um grupo, aparentemente homogêneo,
de trabalhadores.
As tentativas de prescrição dos modos operatórios do trabalho agrícola não cos-
tumam ser bem-sucedidas. Com isso, os trabalhadores gozam de uma relativa liberdade
na execução do trabalho. As razões dessa situação ligam-se, por um lado, às grandes he-
terogeneidades das situações de trabalho onde pequenas variações naturais de relevo, de
solo, de clima, dentre outras, exigem adaptações nos modos operatórios; e, por outro, às
dificuldades que a agricultura oferece à supervisão e ao controle do trabalho. Os grandes
espaços de trabalho das lavouras e às próprias heterogeneidades naturais e da mão de
obra já apontadas, dificultam o controle do trabalho.
Uma consequência das dificuldades gerenciais das grandes culturas agrícolas e
dos elevados diferenciais da produção por trabalhador é a prática da remuneração por
produção, que, por um lado, premia os trabalhadores mais produtivos e, por outro, livra,
em grande parte, a responsabilidade da supervisão com os resultados quantitativos do
trabalho realizado.
492 Ergonomia ELSEVIER

Um outro recurso gerencial das atividades agrícolas é o da contratação de pessoal


temporário a fim de compensar os picos de trabalho de seus sistemas de produção. Com
isso surgem os jornaleiros1 ou diaristas, os boias-frias, os migrantes e na esteira destes, os
agenciadores de mão de obra, chamados de empreiteiros e gatos.
O caso que iremos tratar, a seguir, será o da atividade mais frequente em termos
da agricultura brasileira: o corte manual da cana.

25.2. O corte manual de cana


Como é sabido, no Brasil a força de trabalho empregada na cultura canavieira, por
mais de três séculos, foi escrava. Segundo relato do Padre Antonil, de 1711, nessa época
o controle do trabalho nas lavouras de cana podia ser feito por tarefa ou por jornada:
Assim os escravos e escravas se ocupavam no corte da cana; porém, co-
mumente os escravos cortam e as escravas amarram os feixes. Consta o
feixe de doze canas, e tem por obrigação cada escravo cortar num dia sete
mãos de dez feixes por cada dedo, que são trezentos e cinquenta feixes e
a escrava há de amarrar outros tantos com olhos da mesma cana, e se lhe
sobrar tempo, será para gastarem livremente no que quiserem o que não
se concede na limpa da cana, cujo trabalho começa desde o sol ter nascido
até o sol posto, como também e qualquer outra ocupação que não se dá
por tarefa. E o contar da tarefa do corte, como está dito, por mãos e dedos,
é para se acomodar à rudeza dos escravos boçais, que de outra sorte não
entendem, nem sabem contar. (Antonil,1982)
Dessa forma, percebe-se que o controle por tarefa era adotado nas atividades da colhei-
ta enquanto que na limpa de mato o controle era feito por jornada. Idêntica situação ocorre
ainda na grande maioria dos espaços canavieiros do Brasil. Já a descrita divisão de trabalho
adotada no corte da cana do período colonial, em algumas regiões do Nordeste brasileiro,
prolongou-se até os anos 1980, por gênero, conforme descrito, ou pelo emprego de crianças
na função das mulheres. Em decorrência da mecanização do recolhimento das canas cortadas,
a prática de formar feixes, para facilitar o carregamento dos veículos transportadores, deixou
de ser necessária.
Analisando a tarefa prescrita aos cortadores escravos, verifica-se o corte diário de 350
feixes de 12 canas, ou seja: 4.200 canas cortadas e soltas ao chão. Se considerarmos o peso das
canas de hoje isso equivaleria a 5,5 toneladas, o que, certamente, estaria superdimensionado,
já que é razoável considerar que as canas coloniais fossem de menor volume que as atuais.
Hoje, os trabalhadores livres cortam por jornada, em média mais de 8 toneladas de canas
prontas para o recolhimento mecanizado, o que demanda um conjunto de ações bastante
mais exigentes do que as prescritas para os escravos. Ainda assim, há os chamados de bons de
facão, que chegam a cortar mais de 20 toneladas de cana em um dia de trabalho.

1
Podemos ver essa categoria na Bíblia em Lucas, capítulo 15, versículo 17, na passagem do “filho pródigo”
quando este se refere aos jornaleiros de seu pai.
Capítulo 25 | Ergonomia no trabalho agrícola 493

A atividade do corte manual de cana compreende um conjunto de ações e variantes.


Pode-se subdividir a atividade do corte manual em: limpeza, corte propriamente dito, des-
ponte, enleiramento e afiação do facão (podão). Podendo ainda ocorrer a exigência de desin-
fecção do facão e enfeixamento (Quadro 25.1).
O corte manual é precedido por uma queima controlada do canavial para facilitar a co-
lheita que, em geral, ocorre no dia seguinte. Dessa forma, as canas a serem cortadas apresen-
tam um baixo volume de folhas e palhiços que devem ser retirados antes do corte dos colmos.
O corte propriamente dito deve ser o mais rente possível do solo, a fim de possibilitar
o aproveitamento da parte da planta de maior concentração de açúcar e evitar problemas no
desenvolvimento do novo colmo (cana soca ou soqueira).

Quadro 25.1 – Detalhamento da tarefa do corte de cana manual

Subtarefa Procedimento padrão Variantes ([LJrQFLDGHTXDOLGDGH


FDQD PDO TXHLPDGD ² H[LJH
UHWLUDGD GDV IROKDV H
PDLVOLPSH]D FDQD VHP IROKDV H VHP
/LPSH]D SDOKLoRV FRP R IDFmR QD
FDQDFUXD²H[LJHDLQGDPDLV SDOKLoRV
SRVLomRSDUDOHODDRVFROPRV
OLPSH]D
DEUDoDU D WRFHLUD  D  SX[DU XPD Vy YDUD FRP D
YDUDVGHFDQDV FRPREUDoR DMXGD GR JDQFKR GR IDFmR
&RUWH HVTXHUGRHJROSHDUDVYDUDV VHJXUiOD FRP D PmR FRUWHUHQWHDRVROR
MXQWRDRVRORDWpFRUWDUWRGD HVTXHUGD H HIHWXDU R FRUWH
DWRFHLUD MXQWRDRVROR

VHJXUDUDVYDUDVQDSRVLomR VHP ODUJDU D FDQD FRUWDGD


FDQD VHP SRQWHLUD ROKR
KRUL]RQWDO MXQWR DR FRUSR FRORFiOD QD SRVLomR
GD FDQD  VHP GDQLÀFDU R
FRP R EUDoR HVTXHUGR KRUL]RQWDOHFRUWDUVXDSRQWD
UHVWDQWHGDFDQD
'HVSRQWH FRUWDU DV SRQWDV GDV HPXPPRYLPHQWRFRQWtQXR
SRQWHLUDV RUJDQL]DGDV VREUH
FDQDV H FRORFiODV QR VROR GHVSRQWDUDVFDQDVQRFKmR
RVRORSDUDOHODVjVOHLUDVGH
WUDQVYHUVDOPHQWH jV OLQKDV DSyVRHQOHLUDPHQWR
FDQD
GHFDQD QmRGHVSRQWDU

LQWURGX]LU R IDFmR QXP


'HVLQIHFomRGR FXPSULU R SHUtRGR LQGLFDGR
EDOGH FRQWHQGR VROXomR GH
IDFmR QRGHFRUWHV 
FUHROLQD
RUJDQL]DUDVFDQDVFRUWDGDV
RUJDQL]DUDVFDQDVFRUWDGDV
QDOLQKDFHQWUDOGDIDL[D D FDQDV EHP GLVSRVWDV VREUH
QD OLQKD FHQWUDO GD IDL[D
4D RX D OLQKD QR FDVR GR RVROR
(QOHLUDPHQWR IRUPDQGRPRQWHV EDQGHLUDV
FRUWH HP   RX  OLQKDV  GLVWkQFLD UHJXODU HQWUH RV
RXPROK}HV 
IRUPDQGR XPD HVWHLUD PRQWHV RXP 
QmRHQOHLUDU
WUDQVYHUVDOjVOLQKDV
IRUPDU PROKRV IHL[HV  FRP
(QIHL[DPHQWR FHUFD GH  SHGDoRV GH
QmRHQIHL[DU IHL[HVKRPRJrQHRVHPSHVR
FDQD XWLOL]DQGR RV ROKRV GH
FDQDSDUDDPDUUiORV
$ÀDomRGRIDFmR SDVVDU XPD OLPD QD OkPLQD SDVVDU XPD SHGUD GH DÀDU
OkPLQDDÀDGD
SRGmR GRIDFmR QDOkPLQDGRIDFmR

Fonte: Adissi (1997).


494 Ergonomia ELSEVIER

A retirada das pontas das canas (desponte) é realizada de várias maneiras. A forma
mais tradicional é a de movimentos contínuos envolvendo 3 subtarefas: limpeza (facão para-
lelo ao colmo), corte (facão deitado rente ao solo) e desponte “no ar” com a cana segura pela
outra mão. A variante adotada, na maioria das situações, mas nem sempre permitida pelas
empresas, é o desponte no chão, já com as canas organizadas.
A organização das canas no solo, ou enleiramento, segue as exigências operacionais do
maquinário utilizado no carregamento. Na grande maioria das situações, as canas devem ser
organizadas na linha central da faixa de cana cortada pelo trabalhador. O número de linhas
oferecidas para cada trabalhador ou equipe pode ser de 5, 7 ou 9 linhas. A adoção desses
diferentes sistemas de corte foi foco das atenções de grandes conflitos trabalhistas do campo
brasileiro e será aqui analisada. Antes disso, serão descritas as formas de mensuração da pro-
dução realizada para determinação do pagamento devido.

25.3. Conflito 1: o sistema de pagamento


O pagamento dos cortadores de cana, na maioria das regiões, é feito de acordo
com as toneladas cortadas e, minoritariamente, com base no comprimento das linhas
cortadas, mesmo sendo este o sistema preferido pelos trabalhadores. Embora que, pela
impossibilidade de se pesar as canas cortadas por cada trabalhador, nos dois casos a di-
mensão mensurada é o comprimento das linhas. Nessa condição, no caso do pagamento
por tonelada deve-se, ao final, converter o comprimento linear em peso, com base na
estimativa do peso médio da unidade linear utilizada.
Além das unidades oficiais de medidas, no Nordeste são utilizadas unidades tra-
dicionais não reconhecidas pela metrologia oficial brasileira. Porém, em todas as regiões
brasileiras, os instrumentos de medida utilizados não são oficiais, o que impede a aferi-
ção pelos órgãos responsáveis (Quadro 25.2).
Os instrumentos de medida de comprimento mais utilizados são: a vara nas áreas
nordestinas e o compasso nas áreas do centro-sul (Centro-Oeste, Sudeste e Sul). Apesar
de não ser instrumento oficial, o compasso permite um protocolo padrão que oferece
precisão e confiabilidade aceitáveis, já a vara exige um manejo de maior complexidade. A
grande diferença entre os protocolos de medição é que o manejo da vara exige a retirada
de suas pontas do chão, ou seja, deve ser lançada à frente antes de alcançar o chão, en-
quanto que o protocolo do compasso exige que uma de suas pontas de ferro permaneça
no solo durante o giro do instrumento (Figuras 25.1 e 25.2).
Capítulo 25 | Ergonomia no trabalho agrícola 495

)LJXUD0HGLomRFRPYDUD

Figura 25.2: Protocolo de medição com compasso

Estudos realizados na Universidade Federal da Paraíba apontaram um elevado per-


centual de perdas salariais decorrentes de mensurações fraudulentas, nos estados da Paraíba
e Alagoas. Outros estudos apontaram problemas semelhantes nas demais áreas canavieiras do
país.
As perdas maiores ocorrem em situações de conversão de medidas lineares em medi-
das de massa, como nos casos:
UÊ Nordeste: corta-se de duas ou mais braças (2,2 m) de canas, faz-se feixes e pesa-
-se com balança manual de campo, calcula-se o peso médio de uma braça de
cana para efeito de classificação do tipo de cana ou para conversão de distâncias
lineares em toneladas;
UÊ Centro-sul: após o corte ter sido iniciado, o fiscal de turma, mede algumas linhas
de cana cortadas e organizadas, em seguida essas canas são carregadas para a ca-
çamba de um caminhão (chamado de “campeão”), após a pesagem do caminhão
na balança da usina, é calculado o peso médio de um metro de cana para toda a
frente de trabalho.
A imprecisão dessas estimativas decorre das heterogeneidades das canas ao longo
dos talhões e da possibilidade de fraudes. Mesmo quando as convenções trabalhistas per-
496 Ergonomia ELSEVIER

mitem o acompanhamento dos trabalhadores nesses procedimentos, na grande maioria


dos casos isso não ocorre.
Ainda na década de 1980 as perdas salariais dos canavieiros do estado da Paraíba
decorrentes das medições foram avaliadas em 21,3% (Adissi; Spagnul). Em um contexto
de pagamento por produção, a redução salarial provoca a elevação do ritmo de trabalho
para a garantia do ganho para sobrevivência familiar. Um ritmo de trabalho intenso, em
um ambiente hostil, facilita enormemente a ocorrência de acidentes de trabalho.

Quadro 25.2 – Unidades e instrumentos de medida utilizados na mensuração


GRWUDEDOKRFDQDYLHLURSRU8QLGDGHGD)HGHUDomR 8)

,167580(1726(81,'$'(6'(0(','$'(
UF
&2035,0(172 É5($ 3(62
FXER E2 P2
EUDoD E P FRQWD EðE P2 WRQHODGD
RN PLOFRYDV EðE  FDUJD1 NJ
VARA P2 NENHUM
VARA

EUDoD E P FXER E2 P2 WRQHODGD


PB FRQWD EðE P2 FDUJD1 NJ
VARA VARA NENHUM

EUDoDFRUULGD E P FXERRXEUDoD E2 P2


WRQHODGD
3( FRQWD EðE P2
BALANÇA MANUAL
VARA VARA

EUDoDFRUULGD E P EUDoD E2 P2


WRQHODGD
$/ FRQWD EðE P2
BALANÇA MANUAL
VARA VARA

YDUDFRUULGD E P WDUHID EðE P2


WRQHODGD
6( FRQWD EðE P2
BALANÇA MANUAL
VARA VARA

EUDoD E P EUDoD E2 P2 WRQHODGD


BA WDUHID EðE P2 ERFD2
VARA VARA BALANÇA DE ANIMAL

PHWUR WRQHODGD
(6 não utilizada
CORDA (10 M) BALANÇA DA USINA

PHWUR
WRQHODGD
PR COMPASSO (1 OU 2 M) CORRENTE não utilizada
BALANÇA DA USINA
(10 M)
630*
PHWUR WRQHODGD
*25- não utilizada
COMPASSO (2M) BALANÇA DA USINA
MS
1 Quantidade de cana carregada no lombo de um animal.
2 Quantidade de cana contida em uma garfada de carregadeira.

Fonte: Adissi (1997).


Capítulo 25 | Ergonomia no trabalho agrícola 497

25.4. Conflito 2: os sistemas de corte


Como já foi dito, entende-se por sistema de corte o conjunto de operações que
deve ser realizado após o corte propriamente dito, ou seja, a forma de como a cana cor-
tada deverá ser organizada.
Quando o carregamento das canas cortadas para o veículo transportador era feito
manualmente, elas tinham que ser amarradas em feixes, como no tempo colonial. Após a
mecanização do carregamento, os sistemas de corte manual de cana ficaram condiciona-
dos às características do maquinário. Assim, as canas cortadas passaram a ser organizadas
na linha central de forma contínua denominadas por leiras ou esteiras ou em montes
separados por 1 ou 2 metros, denominados por bandeira ou molhões.
O recolhimento mecanizado passou a agilizar o transporte das canas colhidas para
as usinas sucroalcooleiras, no entanto, novos problemas se apresentaram tanto para a
indústria como para a agricultura. Na indústria o problema das impurezas do produto
com capacidade de danificar as moendas e no campo a indesejável compactação do solo
em decorrência da utilização de caminhões junto às carregadeiras (Figura 25.3 e Qua-
dro 25.3).

Figura 25.3: Operação de carregamento do caminhão

4XDGUR²0HWDVGHTXDOLGDGHHHVSHFLÀFDo}HVRSHUDFLRQDLV

([LJrQFLDVSDUDDV2SHUDo}HV
Desejado
&DUUHJDPHQWR &RUWH
&DQDVOLPSDVQDPRDJHP 1mRDUUDVWDURJXLQFKR (VWHLUDVYROXPRVDV
%DL[RFRQVXPRGHFRPEXVWtYHO
0HQRVHVWHLUDVRXVHMDPDLVOLQKDV
%DL[DFRPSDFWDomRGRVROR 3HTXHQRSHUFXUVRDFXPSULU
SRUWUDEDOKDGRU
%DL[RWHPSRGHUHFROKLPHQWR
498 Ergonomia ELSEVIER

Nos anos 1980, essas questões despertaram o interesse das empresas por sistemas
de corte com maiores quantidades de linhas por trabalhador. Com isso, tentou-se subs-
tituir o tradicional sistema de 5 linhas pelo sistema de 7 linhas, que demanda um trajeto
para o maquinário 29% menor. Já para o trabalho manual a mudança demanda maiores
esforços para a organização (enleiramento) das canas. O valor oferecido pelo acréscimo
de trabalho só considerou os esforços do corte propriamente dito (20% a mais). Os
trabalhadores reagiram, por perceberem que, dessa forma, o trabalho adicional para a
organização das canas na linha central não estaria sendo inteiramente pago, como mostra
a Figura 25.4 e o Quadro 25.4.

Figura 25.4: Organização das canas nos sistemas de corte em 5 e 7 linhas

4XDGUR²&RPSDUDomRGRVVLVWHPDVGHFRUWHHPHOLQKDV

Sistema de corte &RUWH Organização


OLQKDV S H
OLQKDV S H
'LIHUHQFLDOGHWUDEDOKR  
'LIHUHQFLDOGHVDOiULR  
Onde:
p = peso médio das linhas
e = deslocamentos necessários para organização

Uma vez que a elevação não foi a mesma para cada uma das subtarefas, para se
estabelecer o acréscimo de trabalho exigido pelo sistema de 7 linhas em relação ao de 5
linhas é necessário estabelecer uma unidade comum para as atividades do corte propria-
mente dito (acréscimo de 20%) e da organização das canas (acréscimo de 100%).
A introdução de um novo sistema voltou a ser o centro de conflito trabalhista na
Paraíba, no início dos anos 2000. Tratava-se do sistema de 9 linhas em duplas de traba-
lhadores. As partes envolvidas e o Ministério do Trabalho desejavam saber se era justo
pagar cada um dos trabalhadores como se eles estivessem executado a tarefa conforme
o sistema de 5 linhas estabelecido na Convenção Trabalhista. Dessa forma, a dupla de
trabalhadores deveria cortar as 9 linhas e organizar as canas na linha central, ou seja,
Capítulo 25 | Ergonomia no trabalho agrícola 499

cada trabalhador cortaria, em média, 4,5 linhas e receberia como se estivesse cortando
5 linhas. Desejava-se saber se a meia (0,5) linha a mais do pagamento compensava o
acréscimo de trabalho com a organização das canas.
Semelhante a comparação feita entre os sistemas de 5 e 7 linhas, a Figura 25.5 e
o Quadro 25.5 apontam as diferenças entre o sistema de 5 linhas e o sistema de 9 linhas
em dupla de trabalhadores.

)LJXUD2UJDQL]DomRGDVFDQDVQRVVLVWHPDVGHFRUWHHPHOLQKDV
em dupla de trabalhadores

4XDGUR²&RPSDUDomRGRVVLVWHPDVGHFRUWHHPOLQKDVHOLQKDVHPGXSOD

Sistema de corte &RUWH Organização


OLQKDV S H
OLQKDV FDGDWUDEDOKDGRU S H
'LIHUHQFLDOUHDO  +67%
'LIHUHQFLDORIHUHFLGR  
Onde:
p = peso médio das linhas
e = deslocamentos necessários para organização

Para responder a questão formulada pelo Ministério do Trabalho foram emprega-


dos 2 métodos de análise: cronoanálise (tempo das atividades) e o dispêndio energético.

25.5. Cronoanálise
Na medição do tempo gasto em cada uma das situações foram utilizadas a cro-
nometragem direta, pela observação da atividade em campo, e indireta, pela observação
de imagens gravadas. Para se determinar as produtividades, medidas em braças de canas
cortadas por minuto, foi necessária a decomposição e recomposição da atividade para
formar cada um dos sistemas de corte.
No caso da cronometragem direta, foi solicitado ao trabalhador que cortasse 5
linhas de cana com 5 braças (11,0 m) de comprimento, organizando as canas cortadas na
primeira linha (L1), dessa forma os sistemas foram compostos conforme a Figura 25.6.
500 Ergonomia ELSEVIER

)LJXUD&RPSRVLomRGRVVLVWHPDVGHOLQKDVHOLQKDVHPGXSODGHWUDEDOKDGRUHV

H H H H

L1 L2 L3 L4 L5

Sistema 5 linhas: L1+ 2L2 + 2L3


Sistema 9 linhas: 0,5L1+ L2 + L3 +L4+ L5
Considerando Li o tempo gasto para cortar e organizar as canas da Li na L1.

A coleta de imagens registrou o trabalho de 18 duplas no sistema de 9 carreiras


em dois momentos da jornada: uma tomada de 25 minutos no turno da manhã e uma
outra de igual duração no turno da tarde, considerando o espaçamento (e) adotado. Para
a sua análise foi desenvolvido um aplicativo no software LabView em plataforma Win-
dows, composto de 11 cronômetros, dos quais 5 foram utilizados para o registro da tarefa
do corte propriamente dito, 5 registraram a tarefa da arrumação da cana e 1 realizou o
cômputo geral do tempo observado. Esse procedimento foi feito para cada trabalhador,
gerando dados capazes de reconstituir os tempos padrões de cada um dos sistemas em
estudo.
Os resultados (Quadro 25.6) indicaram haver diferenças significativas de produti-
vidade entre os sistemas de corte analisados. Para a atividade do corte propriamente dito,
o sistema de 9 linhas em dupla apresentou uma produtividade superior, em decorrência
de a exigência ser 10% menor, variando de 2% (espaçamento 1,4 m) a 21% (espaçamen-
to 1,0 m). Já para organização das canas, como já era esperado, o sistema mais produtivo
foi o de 5 linhas, com diferenciais de 40, 45 e 64%, respectivamente aos espaçamentos
de 1,0; 1,2 e 1,4 m. Essas diferenças resultaram em produtividades favoráveis ao sistema
de 5 linhas na ordem de 9, 17 e 34%, respectivamente aos espaçamentos observados.
Dessa forma, os trabalhadores, que foram submetidos ao novo sistema, contraíram per-
das salariais médias de 17%.

Quadro 25.6 – Resultado da cronoanálise dos sistemas de corte de cana em 5 linhas


HHPOLQKDVHPGXSODHPHVSDoDPHQWRVGHHP

3URGXWLYLGDGHV2EVHUYDGDV EUDoDPLQ
(VSDoDPHQWR
6LVWHPDGHFDUUHLUDV Sistema de 5 carreiras
P
&RUWH Organização Tarefa &RUWH Organização Tarefa
      
      
      
0pGLD      

Fonte: Guedes et al. (2004).


Capítulo 25 | Ergonomia no trabalho agrícola 501

25.6. Análise do dispêndio energético


Para a análise do dispêndio energético exigido pelas atividades do corte de cana
foi utilizada a Norma ISO 8996/19902 que apresenta valores padrões para composição da
taxa metabólica de acordo com as características da atividade e do trabalhador em termos
de: gênero, postura, tipo de trabalho e movimento requerido (Quadro 25.7).

4XDGUR²&RPSRVLomRGDWD[DPHWDEyOLFDGDVVXEWDUHIDVGRFRUWHGHFDQD

7D[D0HWDEyOLFD :P2
Item &RUWH Organização
condicionante YDORU condicionante YDORU
0HWDEROLVPR%DVDO +RPHP 44 +RPHP 44
3RVWXUDGR&RUSR (PSpLQFOLQDGR  (PSp 25
7LSRGR7UDEDOKR &RPEUDoRVSHVDGR  &RPEUDoRVPRGHUDGR 85
$QGDQGRFDUUHJDQGR
0RYLPHQWRGR&RUSR $QGDQGRDNPK  125
SHVRDNPK
7RWDO :P2  289  279

Fonte: Norma ISO 8996/1990 (Guedes et al., 2004).

Com base nesse método pôde-se estimar os valores de 189 W/m2 para a subtarefa
de corte propriamente dito e 279 W/m2 para a subtarefa de organização das canas.
Para estimação do consumo energético durante a execução das subtarefas, mul-
tiplicou-se a taxa metabólica de cada subtarefa pelo tempo gasto para sua execução. O
cálculo dessa estimativa, para cada um dos sistemas de corte estudado, pode ser visto
sinteticamente no Quadro 25.8, em função dos espaçamentos observados.

4XDGUR²(VWLPDomRGRFRQVXPRHQHUJpWLFR -P2 GDDWLYLGDGHFRUWH


GHXPDEUDoDGHFDQDSRUVLVWHPDVHJXQGRRHVSDoDPHQWR H XWLOL]DGR

6LVWHPDGHFDUUHLUDV Sistema de 5 carreiras


(VSDoDPHQWR
&RUWH Organização Tarefa &RUWH Organização Tarefa
1      
      
      
0pGLD      

Fonte: Guedes et al. (2004).

A partir do Quadro 25.8, pode-se observar que em todos os espaçamentos o siste-


ma de 9 carreiras exigiu maiores esforços, uma vez que o gasto energético apresentou-se
maior. Essas sobrecargas variaram positivamente conforme os espaçamentos adotados,
apresentando os acréscimos de 9% para 1m de espaçamento, 18% para o espaçamento
de 1,2m e 34% para o espaçamento de 1,4 m. Diferenças bastante semelhante às obser-
vadas pela cronoanálise para as produtividades dos sistemas.
2
Pode ser consultada a Norma de Higiene Ocupacional 06 da Fundacentro.
502 Ergonomia ELSEVIER

25.7. Revisão dos conceitos apresentados


UÊ Especificidades do trabalho agrícola.
UÊ Sistemas de pagamento por produção.
UÊ Sistemas de corte de cana.
UÊ Cronoanálise.
UÊ Dispêndio energético.

25.8. Página escolar


Questões
1) De que maneira as especificidades do trabalho agrícola condicionam a análise
ergonômica do trabalho?
2) Na maioria dos países com expressiva produção de cana o facão utilizado no corte
manual costuma ter a lâmina dobrada, formando um ângulo de 90º com o cabo.
O que isso altera na postura do cortador?
3) O acordo nacional celebrado em 2009 entre as entidades representativas de tra-
balhadores e empregadores do setor sucro-alcooleiro incluiu a obrigatoriedade
do uso do compasso como instrumento de medição linear. Em sua opinião, isso
resolve o conflito que envolve a mensuração das tarefas realizadas?
4) Nas últimas safras de cana, nas áreas canavieiras paulistas vêm ocorrendo mortes
de trabalhadores por exaustão. Num contexto de “trabalhadores livres”, como isso
pode ser explicado? Em sua opinião, como superar essa triste situação?

Referências
ADISSI, P. J. Processos de trabalho agrícola canavieiro: proposição de uma taxonomia das
unidades produtivas e análise dos riscos a ela associados. 1997. Tese (Doutorado em
Engenharia de Produção) – Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pes-
quisa de Engenharia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
ADISSI, P. J.; SPAGNUL, W. Convenções coletivas: quantificando o roubo dos patrões.
Proposta, v. 14, n. 42, pp. 47-52, out. 1989.
GUEDES, D. T.; ADISSI, P. J.; MENEZES MELO, L. C. Comparação entre os sistemas de
corte manual de cana-de-açúcar: 9 carreiras versus 5 carreiras. Produto & Produção, v. 4,
n. 2, pp. 2-12, 2004.
Capítulo

26 Refinaria

José Mario Carvão – COPPE/UFRJ


Mario Cesar Vidal, Dr. Ing. – PEP/COPPE/UFRJ

Conceitos apresentados
Este capítulo resume quinze meses de atividades junto a uma refinaria no Esta-
do do Rio de Janeiro. Nesse período, uma consultoria esteve presente em um grande
número de ambientes de trabalho em cumprimento ao cronograma estabelecido pela
empresa para a avaliação ergonômica de um expressivo conjunto de demandas. As
considerações aqui contidas objetivam desenhar um panorama da diversidade dos
espaços produtivos relacionando-os com as possibilidades de melhorias das condições
de trabalho capitaneadas pela análise ergonômica. O escopo de trabalho da consulto-
ria fixou-se em locais determinados pela empresa, o que, aliado à urgência solicitada,
implicou uma rotina quase ininterrupta de visitas, com elaboração contínua de relató-
rios de campo, posteriormente consolidados em relatórios mensais.

26.1. Metodologia
As formas de ação ergonômica cabíveis para esse trabalho consideram os aspectos
legais e normativos de que trata a disciplina, assim como os aspectos mais gerais da me-
todologia. Devido à grande extensão das áreas, não foram apreciados aspectos relativos à
organização espacial e demais rubricas macroergonômicas. A apreciação ficou restrita aos
aspectos microergonômicos, onde cada zona de trabalho foi apreciada em cinco rubricas:
a) instrução da demanda; b) apreciação da atividade; c) diagnóstico; d) recomendação; e
e) enquadramento normativo. A obtenção de um diagnóstico ergonômico de locais me-
diante essa apreciação implicou em um conjunto de visitas técnicas aos locais, entrevistas
com os funcionários e exame da documentação existente.
504 Ergonomia ELSEVIER

26.2. Análise qualitativa


A realização da análise qualitativa, por essencial que seja, é insuficiente para fins
empresariais, dado que a realização de ações ergonômicas está, via de regra, atrelada a uma
demanda de natureza corporativa ou advinda de injunções diretas ou indiretas do poder
público sendo guarnecida com uma referência aos textos legais, normativos ou corporati-
vos. O documento de verificação ergonômica assim obtido consta de uma caracterização
das áreas físicas, da estrutura organizacional, dos problemas ali anotados e da indicação
justificada da oportunidade de melhoria para cada impacto detectado e analisado.

26.2.1. Aplicação da construção social no contexto da empresa


A construção social no contexto da empresa foi efetivada por meio do cotidiano
de trabalho. Na reunião de partida estavam presentes os funcionários da empresa que, de
maneira geral, viriam a participar e se envolver com o projeto. Muitos deles, familiariza-
dos com a disciplina, integravam ainda o Grupo de Trabalho de Ergonomia da empresa
e se dividiam, por sua vez, em diversas categorias profissionais (arquiteto, engenheiro,
enfermeiros, médicos do trabalho, técnicos de segurança, entre outros).

26.2.2. Tipologia de demandas

26.2.2.1. Demandas aglutinadas por natureza


Esse primeiro grupo de categorias tem a ver com a natureza da demanda em ter-
mos de sua implicação. A aglutinação por natureza agrupa as demandas pela forma como
elas podem ser atendidas: a) se mediante uma correção que visa à atenuação ou supres-
são dos impactos verificados nos postos; b) se por intermédio de ações de melhoria do
estado do espaço, do ambiente, do mobiliário e/ou do equipamento, estabelecendo sua
condição original ou, finalmente; c) se a transformação implicou numa compra de novos
componentes do sistema de trabalho. A Figura 26.1 nos informa a repartição desse tipo
de demandas.

Figura 26.1: Demandas aglutinadas por natureza


Capítulo 26 | Refinaria 505

26.2.2.2. Melhorias dos postos por ações integradas


As demandas de melhoria de postos por ações integradas têm como objeto a cor-
reção de aspectos identificados e que estejam na origem de impactos verificados nos
postos de trabalho. Por exemplo, as manobras de válvula nos equipamentos das uni-
dades industriais da refinaria, em geral, requerem melhorias por ações integradas. Essa
atividade acontece com baixa frequência, mas, uma vez ocorrendo, se concretiza por um
programa de ações de forte exigência biomecânica. Os operadores, divididos por turnos,
obedecem a uma lógica de manobra a partir da verificação dessa necessidade monitorada
pela sala de controle local ou pelo CIC. Contudo, realizar essas manobras, ainda que com
pouca constância, pode trazer lesões aos operadores, principalmente pela localização dos
equipamentos. É muito comum, em grande parte das unidades, encontrar obstáculos à
manobra do operador que podem ser identificados da seguinte forma:
UÊ Válvulas com altura baixa.
UÊ Válvulas acima dos membros superiores.
UÊ Válvulas por baixo de linhas de dutos.
UÊ Válvulas com o acionamento prejudicado pelo guarda-corpo.
UÊ Válvulas acionadas por correntes ou instrumentos.
UÊ Válvulas emperradas.
UÊ Válvulas com forte pressão pela passagem de gás.
Essas melhorias podem ser feitas mediante remanejamento de dutos, redefinição
da área de trabalho, melhoria do estado do material ou aquisição de novos modelos de
válvulas. Cada uma delas mobiliza um esforço técnico administrativo particular e um custo
de realização diversificado. Em outros termos, à facilidade em apontar melhorias quase
nunca corresponde uma implementação simples, especialmente em área industrial. É nesse
sentido que se cabe falar em ações integradas que requerem negociação, consenso e con-
vergência de vários pontos de vistas, todos eles iluminados pela apreciação ergonômica.

26.2.2.3. Demandas de manutenção


As oficinas de manutenção da refinaria são centros estratégicos para a normalida-
de do processo produtivo das unidades industriais da empresa. Devido ao processo de
produção contínuo, o vasto conjunto de equipamentos em funcionamento está sujeito
ao desgaste permanente de suas peças. Combinado com a idade da instalação – e a idade
dos componentes ainda instalados – isso não raramente resulta em problemas para as
operações de rotina e riscos graves de acidentes.
As oficinas de manutenção buscam se contrapor a esse quadro e, para tanto, se-
guem uma agenda de prestação de serviços colhida por meio de um programa eletrôni-
co onde a demanda é incluída pela unidade que aguarda a visita dos operadores. Esse
sistema, contudo, não tem a capacidade necessária para contemplar as demandas das
unidades, pois o grande volume de equipamentos danificados, seja pelo tipo de produto
506 Ergonomia ELSEVIER

produzido (corrosivo, quente etc.) ou, ainda, pela antiguidade da unidade industrial.
Além da ação das oficinas, o serviço de manutenção industrial, por meio das paradas
programadas das unidades, busca suplementar essas necessidades por meio de uma ação
de inspeção total (paradas) onde um processo de revisão dos equipamentos é executado
em um tempo estabelecido.

26.2.2.4. Demandas de aquisição


A categoria demandas de aquisição, assim nomeada a situação onde a oportuni-
dade de melhoria se materializa pela recomendação da compra de determinado equipa-
mento ou mobiliário, justifica-se pelo número significativo de demandas que tomam esse
rumo. Grande parte das demandas de aquisição tem duas origens disjuntas: ou se trata
da inadequação do material ou equipamento empregado ou existente, ou nos caos em
que a verificação aponta para uma ausência notável.
Uma grande parte das demandas de aquisição teve lugar junto a processos admi-
nistrativos e de suporte. É ilustrativo (e até emblemático) no conjunto de demandas ana-
lisadas, as compras efetuadas pelo restaurante industrial que praticamente trocou todos
os equipamentos da cozinha. A Figura 26.2 ilustra um caso de demanda de aquisição: as
luvas de proteção anticorte disponíveis em tamanho único não se adequam aos usuários
e a providência cabível é a aquisição de números variados de acordo com a variação an-
tropométrica dos empregados.
Em se tratando de área propriamente industrial, uma aquisição é um complexo
processo que envolve engenharia, especificações, fornecedores e outros agentes, razão
pela qual preferimos falar em ação integrada de vários agentes. A implementação de
melhorias em área industrial não cabe ser realizada, em geral, em concomitância com o
funcionamento dos processos devido aos riscos e da natureza explosiva e combustível do
material processado. Em outros termos, a melhoria requer ser feita em situação de parada
de manutenção e por essa razão, são geralmente contabilizadas na rubrica de demandas
de melhoria.

)LJXUD6LWXDomRFRQÀJXUDGDFRPRGHPDQGDGHDTXLVLomRQDDomRHUJRQ{PLFD
Capítulo 26 | Refinaria 507

26.2.2.5. Balanço dos resultados do tratamento de demandas


Os resultados do tratamento dessas demandas compõem a Figura 26.3. Aqui se
observa que os diagnósticos referentes às dificuldades enfrentadas pelos operadores nos
acessos e manobras de equipamentos representam um universo de grande importância
para a compreensão das condições de trabalho na empresa. Eles apontam para a neces-
sidade de melhoria e conformidade normativa nos acessos (acesso a tanques e válvulas)
alcançando um número significativo (88 referências), juntamente com a necessidade de
agir sobre o equipamento existente (91 menções).

)LJXUD&ODVVLÀFDomRGRVGLDJQyVWLFRVUHDOL]DGRVHPIXQomR
do tema prioritário para a mudança

As categorias “tarefa, mobiliário e arranjo local” também registram números re-


levantes. Em que pesem as condições de produção das unidades (emissão de ruído e
calor), a variável ambiente aparece em menos de 10% das menções, o que se explica pelo
fato de a consultoria trabalhar a partir de um mapeamento já elaborado. Ainda nesse
aspecto, é relevante que muitos deles são objetos de uma ação integrada fora do escopo
da Ergonomia na refinaria (p. ex., Higiene Industrial) ou de dificílimo tratamento sobre
o aspecto, somente restando uma ação atenuadora ou mitigadora sobre a pessoa (casos
de atividades em áreas externas). Finalmente o quadro prioriza o aspecto mais contun-
dente e, por essa razão, a categoria tarefa aparece apenas nos casos onde sua relevância
se equipara ou supra as demais.
Por fim, o quadro das recomendações (Figura 26.4) apresenta números em afi-
nidade com o quadro de diagnósticos. Nesse caso, a categoria “ação sobre equipamen-
tos”, referente às demandas encontradas nas Unidades de produção, apesar do número
significativo (73 referências), se dilui em outras categorias (equipamento de proteção
coletiva/amenizar desconforto ambiental) em função do conteúdo e da diversidade das
recomendações. Por outro lado, a categoria “melhoria de acesso” apresenta-se com quase
o mesmo número no quadro de diagnósticos (102 referências), e a aglutinação de duas
categorias encontradas nos setores administrativos (mobiliário e equipamentos de escri-
tório) também alcança números relevantes.
508 Ergonomia ELSEVIER

Figura 26.4: Tipologia das recomendações efetuadas no contrato

26.3. Conclusão
Este capítulo resume o trabalho realizado por uma consultoria durante o contrato
com a refinaria que se estendeu por cerca de quinze meses. Em suas páginas buscamos
dar conta do trabalho executado respectivamente a 250 demandas, cujos detalhes po-
dem ser obtidos na documentação formada pelo conjunto de fascículos adicionais e
que formam o relatório final de consultoria. Uma parte de seu teor voltou-se para uma
discussão metodológica importante para situar esse trabalho dentro das conformidades
da NR 17 ao mesmo tempo que nos permitisse operar com a agilidade necessária para
um bom termo.
Capítulo

27 Ergonomia em aviação

Maria Christine Werba Saldanha, Dr. – UFRN


Ricardo José Matos de Carvalho, Dr. – UFRN

Introdução do caso
As estatísticas mundiais mostram que no início dos anos 1960 ocorriam cerca de
70 acidentes aéreos na aviação comercial por milhão de decolagens. O aprimoramento
técnico das aeronaves, associado com o treinamento técnico mais intenso para pilotos
e engenheiros de voo, fez esse número cair para menos de 10 acidentes por milhão de
decolagens no início dos anos 1970, estabelecendo-se, a partir daí, um patamar (Boeing
Comercial Airplane Group, 1991, apud, Companhia, 2001). Apesar de a porcentagem de
acidentes ter caído, dado o aumento da aviação de modo geral no mundo, o número
absoluto de acidentes continua aumentando a cada ano, gerando cada vez mais óbitos.
Diversos estudos concluíram que faltavam treinamentos na área de gerenciamento, lide-
rança, trabalho em equipe e outros aspectos não relacionados à técnica de pilotagem em
si. Esses elementos constituiriam o atual conjunto conceitual de treinamento denomina-
do de CRM-Crew Resource Management/LOFT-Line Oriented Flight Training, regulamenta-
do pela Oaci – Organização da Aviação Civil Internacional (Oaci, s/d).
CRM é uma filosofia de treinamento que trata de adequar o comportamento efe-
tivo de um piloto, por meio do reforço de suas habilidades de gerenciar os diversos
recursos que dispõem de natureza técnica e de relacionamento entre os membros da tri-
pulação. O treinamento LOFT – Line Oriented Flight Training é realizado em simulador de
voo, em que são praticados os conceitos de CRM, com o objetivo de aprimorar as com-
petências de gerenciamento por parte dos pilotos, com vistas à melhoria da segurança
de voo. Essas abordagens de treinamento são adotadas pelas empresas aéreas como parte
das exigências de certificação em segurança de voo pelos organismos internacionais. No
Brasil, apenas o CRM tem regulamentação e data de 2003 (Dac, 2003).
510 Ergonomia ELSEVIER

Apresentaremos aqui um estudo de caso relativo à implementação do treinamento


LOFT em uma companhia aérea brasileira. As práticas de segurança de voo impulsionadas
pelo LOFT implementadas nessa Companhia basearam-se em padrões, referências e regula-
mentações internacionais, mas, sobretudo, atendendo a realidade específica da Companhia,
com sua cultura própria e considerando o contexto brasileiro. A Análise Ergonômica do Tra-
balho, orientada para o estudo de Atividades Coletivas e instruída pela Teoria da Comple-
xidade, nos orientou na implementação do treinamento LOFT na Companhia, permitindo
entender os conteúdos que estabelecem a situação de treinamento LOFT em simulador.

27.1. Instrução da demanda


A demanda em questão (Figura 27.1) não se configurou espontaneamente pela
empresa, mas, a partir de uma insurgência dos pesquisadores junto a ela, motivo pelo
qual denominamos de demanda provocada ou induzida. Um conjunto de hipóteses de de-
mandas foi inicialmente formulado a partir de uma pesquisa teórica e da análise de uma
situação de referência anterior em outra companhia aérea. Esse processo nos fez perceber
demandas latentes (não aparentes) que permeavam a Companhia e que foram, paulatina-
mente, se transformando em uma demanda gerencial propriamente dita.

)LJXUD,QVWUXomRGD'HPDQGD(UJRQ{PLFD

Fonte: Saldanha (2004); Carvalho (2005).

Os planos de pesquisa apresentados, combinados com as informações coletadas em


campo, vieram alimentar a Análise da Demanda e consolidar sua construção mútua, resultan-
do na seguinte Demanda Ergonômica Negociada: desenvolvimento de uma padronização
`œÊÌÀiˆ˜>“i˜ÌœÊ«>À>Ê>ÊvœÀ“>XKœÊ`iÊ>VˆˆÌ>`œÀiÃÊ`iÊ"/ÊiÊ`œÊÌÀiˆ˜>“i˜ÌœÊ`iÊ"/Ê
para os pilotos de um dos modelos de aeronave que compõem a frota da Companhia.
Capítulo 27 | Ergonomia em aviação 511

27.2. Construção social e padronização situada do treinamento LOFT


A padronização situada não se restringe às prescrições normativas abstratas, pro-
cessa-se dentro de uma dinâmica participativa dos trabalhadores, assenta-se nas dinâmi-
cas impressas pela realidade de trabalho e é sempre passível de atualizações e melhorias
contínuas.
A padronização do LOFT ocorreu numa situação real de trabalho (treinamento
como atividade), caracterizando-se pela combinação singular entre aspectos organiza-
cionais (contexto, cultura organizacional, cultura de segurança de voo, tarefas, metas,
prescrições, normas de funcionamento, regras de procedimentos), tecnológicos (meios de
trabalho) e pessoais (competências, cultura individual, valores) e por um processo coope-
rativo e participante dos diversos atores envolvidos (Figura 27.2).

)LJXUD3URFHVVRGHSDGURQL]DomRVLWXDGDGR/2)7GDFRPSDQKLD

Fonte: Carvalho (2005).

A padronização situada requereu um intenso processo de construção social (Figura 27.


3), entendida como a estruturação de um dispositivo de sustentação da ação ergonômica na
empresa, ou seja, a constituição de uma equipe que possibilita uma intervenção técnica. Essa
equipe compreende todas as pessoas que participaram dos diversos momentos da ação ergo-
nômica, quer sejam diretamente responsáveis pela intervenção, pelo suporte técnico e pelas
512 Ergonomia ELSEVIER

decisões, quer sejam as que participam do levantamento das informações as quais permitem
o conhecimento sobre a atividade necessário e imprescindível para a construção de uma so-
lução antropotecnológica adequada, no sentido dado por Wisner (1994).

)LJXUD(VTXHPDPXOWLIXQFLRQDOGDFRQVWUXomRVRFLDOGR352/2)7

Fonte: Saldanha (2004); Carvalho (2005).

A padronização materializou-se por meio dos seguintes materiais: manual de pro-


cedimentos, menu detalhado de cenários de voo; Ficha de Análise do Treinamento (de
uso do Facilitador); Ficha de Avaliação do Treinamento (de uso dos treinandos); Ficha
de Procedimentos e Check-list de condução do treinamento (de uso do facilitador); do-
cumentação de voo; documentação da aeronave; simulador; ambientes e instalações para
despacho do voo, briefing e debriefing.

27.3. O Treinamento LOFT


O LOFT é um treinamento que propicia o gerenciamento e segurança de voo, à
medida que os conceitos de CRM (comunicação, coordenação, formação e manutenção
de equipe, gerenciamento da carga de trabalho, proficiência técnica, automação, estresse e
fadiga etc.) são exercitados mediante um cenário de voo LOFT praticado em tempo real no
simulador. O LOFT é concebido para que a tripulação, mediada pelo Facilitador, tenha a
oportunidade de autoanalisar o comportamento adotado com relação à gestão dos recursos
para a operação de voo. Esse treinamento tem periodicidade anual e duração prevista de
3 horas (1h. para cada etapa) distribuídas nas etapas seguintes indicadas na Figura 27.4.
Capítulo 27 | Ergonomia em aviação 513

)LJXUD(WDSDVGR/2)7

%ULHÀQJ
%UHYH UHYLVmR GRV FRQFHLWRV &50 H[SRVLomR GD QDWXUH]D H
REMHWLYRVGRWUHLQDPHQWR²TXHQmRpGHFKHTXH

9RR/2)7
)DVHGRWUHLQDPHQWRHPVLPXODGRURQGHRVWUHLQDQGRVJHUHQFLDP
XPFHQiULRVLPXODGRTXHYLVDUHSURGX]LUXPDVLWXDomRUHDOGH
YRRGHOLQKD(VVDHWDSDpÀOPDGD

'HEULHÀQJ
2V WUHLQDQGRV DX[LOLDGRV SHOD SURMHomR GD ÀOPDJHP SHODV
DQRWDo}HVGRIDFLOLWDGRUQD)LFKDGH$QiOLVHHSHODVXDPHGLDomR
H[HUFHPDDXWRDQiOLVHHVmRDQDOLVDGRVSHORIDFLOLWDGRU

Fonte: Saldanha (2004); Carvalho (2005).

27.3.1. Concepção dos cenários de voo


Os cenários de voo desenvolvidos dizem respeito a um voo simulado, similar ao
que ocorre na realidade, com as suas ocorrências dentro de situações de normalidade e
anormalidade, representadas pela composição de panes técnicas e gerenciais, que indu-
zem a tripulação técnica a gerenciá-las, recorrendo aos recursos internos e externos ao
voo, e se auxiliando da documentação de voo, documentação da aeronave e das informa-
ções fornecidas pelos sistemas técnicos da aeronave (simulador).
Por meio da ação conversacional com instrutores e checadores de simulador e de
rota da aeronave e outros profissionais da companhia, identificamos que 70% de Pro-
blemas Gerenciais e 30% de Panes Técnicas (relacionadas com os sistemas da aeronave),
deveriam compor os cenários de treinamento de LOFT. Os Problemas Gerenciais sugeri-
dos com mais frequência estavam relacionados assim: 33,33% com passageiros durante
o voo, 18,75% com meteorologia, 10,42% com conflito entre tripulação técnica e comer-
cial. No tocante às Panes Técnicas, essa relação se deu da seguinte maneira: 14,28% das
panes sugeridas estavam relacionadas ao sistema hidráulico e ao sistema de pressuriza-
ção, enquanto 9,52% com o sistema elétrico, trem de pouso, motor e porta da aeronave.
Isso resultou na elaboração de 12 descrições gerais de cenários de LOFT que cul-
minaram em 7, após as validações. O desenvolvimento dos cenários (modelo de simula-
ção) consistiu no detalhamento das descrições gerais iniciais, na codificação dos cenários
para a linguagem da aviação e de simulador (descrição dos procedimentos de setagem),
na definição dos papéis do Facilitador (observações e comunicações, que devem ser efe-
tuadas durante a sessão de treinamento), assim como na organização da documentação
514 Ergonomia ELSEVIER

necessária para a realização de um voo de linha. Nessa fase, algumas verificações e testes
prévios no simulador se fizeram necessários. As etapas de concepção dos cenários e do
treinamento, como um todo, foram validadas e testadas junto aos grupos de foco e de
acompanhamento (Figuras 27.2 e 27.3).

27.3.2. Formação de facilitadores de LOFT


O credenciamento para ser Facilitador de LOFT requer que o candidato seja ins-
trutor ou checador da aeronave e tenha participado de todas as fases do programa de
formação de facilitadores de LOFT, mediante a realização dos seguintes cursos que per-
fazem uma carga horária total de 41 horas (ver Quadro 27.1).

4XDGUR²3URJUDPDGHIRUPDomRGHIDFLOLWDGRUHV/2)7

&50 LQLFLDO RQGH VHUmR DERUGDGRV RV FRQFHLWRV GH &50 FRP H[HUFtFLRV
SDUWLFLSDWLYRVUHODWLYRVDSUREOHPDVJHUHQFLDLVGHYRRSURSLFLDQGRDRVIDFLOLWDGRUHV
DQDOLViORVHUHVROYrORVGHDFRUGRFRPDDERUGDJHP&50&DUJDKRUiULD 
KRUDV
&50 Corporate: GHVWLQDGR D WURFDV GH H[SHULrQFLDV HQWUH SLORWRV FRPLVViULRV
PHFkQLFRV H IDFLOLWDGRUHV H GLVFXVV}HV VREUH SROtWLFDV RUJDQL]DFLRQDLV GD
FRPSDQKLD&DUJDKRUiULD KRUDV
&XUVR GH )RUPDomR GH IDFLOLWDGRU GH /2)7 ² FRQFHLWRV H IHUUDPHQWDV RQGH
RV LQVWUXWRUHV VHUmR DSUHVHQWDGRV DRV FRQFHLWRV REMHWLYRV H IHUUDPHQWDV /2)7
YmR LGHQWLÀFDU D UHODomR GR /2)7 FRP RV FRQFHLWRV &50 LUmR PDQXVHDU DV
IHUUDPHQWDV /2)7 &HQiULR /2)7 )LFKD GH $QiOLVH GR 7UHLQDPHQWR /2)7  YmR
DSUHQGHUFRPRSURFHGHUQDVHWDSDVGRWUHLQDPHQWR/2)7EULHÀQJYRR/2)7H
GHEULHÀQJ&DUJD+RUiULD KRUDV
7UHLQDPHQWR2ULHQWDGRSDUDIDFLOLWDGRUGH/2)7RQGHRIDFLOLWDGRUHPIRUPDomR
FRQGX]LUi WUrV VHVV}HV GH WUHLQDPHQWR /2)7 VRE D RULHQWDomR GH VHX LQVWUXWRU
&DUJDKRUiULD KRUDV

Fonte: Saldanha (2005); Carvalho (2005).

27.3.3. Monitoramento do treinamento


Para a manutenção e melhoria da eficácia e eficiência do treinamento LOFT, é
fundamental que ele seja objeto de um monitoramento contínuo com relação: à estru-
tura do treinamento LOFT, ao facilitador e à tripulação. As ferramentas de registros dos
dados possibilitam a análise contínua, por meio de um Banco de Dados, para efeito de
melhoria contínua do sistema de treinamento e do padrão de segurança da Companhia.
As ferramentas disponíveis para o registro e análise de dados são a Ficha de Análise do
Treinamento LOFT e a Ficha de Avaliação do Treinamento LOFT.

27.4. Conclusão
O case apresentado aqui se propôs à padronização de um treinamento que visa
prover os pilotos da capacidade de gerenciar problemas possíveis de ocorrer em situa-
Capítulo 27 | Ergonomia em aviação 515

ções reais e dinâmicas de voo. Esse gerenciamento dinâmico não é possível somente com
os conhecimentos e as habilidades técnicas desenvolvidas durante a formação dos pilo-
tos. Uma formação deficiente em CRM/LOFT pode interferir sobremaneira no processo
de tomada de decisão dos pilotos, que precisam estar prontos para construir proble-
mas (identificá-los e entendê-los), saber buscar as informações necessárias, saber onde
encontrá-las, elaborar as alternativas de soluções e escolher, adotar, monitorar e avaliar
continuamente a alternativa mais plausível. O treinamento LOFT possibilita ao piloto,
a partir de um trabalho em equipe, desenvolver competências para resolver problemas
possíveis e previsíveis de ocorrer em voo, mas também, em situações de imprevisibili-
dade, lançar mão dessa metodologia em busca de soluções ainda não experimentadas.

27.5. Página escolar


Questões
1) Explique como um treinamento com as características do CRM/LOFT pode ajudar
a desenvolver competências de gerenciamento da segurança do voo, cujos contex-
tos de voo são variáveis e alguns imprevisíveis.
2) Qual a importância da construção social e da padronização situada para a imple-
mentação desse treinamento na organização?
3) De que maneira as dimensões da organização do trabalho, da cultura organiza-
cional e dos valores pessoais e organizacionais podem estar presentes num treina-
mento com essa natureza e quais as vantagens e desvantagens para o desenvolvi-
mento das competências de gerenciamento dinâmico da segurança de voo?

Referências
CARVALHO, R. J. M. A padronização situada como resultante da ação ergonômica em sis-
temas complexos: estudos de caso numa companhia aérea nacional a propósito da im-
plantação de um treinamento CRM-LOFT. 2005. 298 p. Tese (Doutorado em Enge-
nharia de Produção) – Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de
Engenharia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
COMPANHIA. Curso de CRM inicial: Crew Resource Management. Resumo dos Módulos
apresentados no curso de CRM. COMPANHIA, 2001.
DEPARTAMENTO DE AVIAÇÃO CIVIL. Instrução de Aviação Civil – IAC 060-1002. Trei-
namento em gerenciamento de recursos de equipes (Corporate Resource Management
– CRM). Rio de Janeiro: DAC, 2003.
ORGANIZACIÓN DE AVIACIÓN CIVIL INTERNACIONAL – OACI. Compendio sobre
factores humanos, número 2. Instrucción de la tripulación de vuelo: gestión de los re-
cursos en el puesto de pilotaje (CRM) e intrucción de vuelo orientada a la línea aérea
(LOFT). Circular 217-AN/129. Montreal: OACI, s/d.
516 Ergonomia ELSEVIER

SALDANHA, M. C. W. Ergonomia de concepção de uma plataforma Line Oriented Flight


Training (LOFT) em uma companhia aérea brasileira: a relevância do processo de cons-
trução social de projeto. 2004. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção) – Insti-
tuto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
VIDAL, M. C. R. Guia para análise ergonômica do trabalho (AET) na empresa: uma me-
todologia realista, ordenada e sistemática. Rio de Janeiro: EVC, 2003.
WISNER, A. A inteligência no trabalho: textos selecionados de Ergonomia. São Paulo:
Fundacentro, 1994.
Capítulo

28 Ergonomia hospitalar

Marcello Silva e Santos, DSc – COPPE/UFRJ

Apresentação de caso
O contexto hospitalar representa um grande segmento industrial e, consequen-
temente, uma grande oportunidade de demanda em termos de ações projetuais. O se-
tor convive com diversas dificuldades e, nas últimas décadas, tornou-se cada vez mais
sofisticado e complexo. A modernidade exige novos equipamentos, novas tecnologias
e profissionais mais capacitados, ao mesmo tempo que pressiona os planejadores e ad-
ministradores a uma forma de pensar mais abrangente, compatível e coerente com a
interdisciplinaridade que o sistema e o contexto hospitalar exigem. Em nenhum outro
segmento o conceito “fazer certo na primeira vez”, um lema da qualidade, nos coloca face
a tantos dilemas.
Dessa forma, além dos critérios técnicos inerentes ao processo, devemos seguir
normas e regulamentos específicos, como, por exemplo, portarias da ANVISA e dados
técnicos para Projetos Físicos de Estabelecimentos Assistenciais à Saúde, Brasil (1994).
Entretanto, em se tratando de um cenário onde se realizam atividades de trabalho diver-
sas e de grande importância, ao projetar hospitais ou mesmo promover modificações de
layout em instalações existentes, devemos levar em consideração não apenas o aspecto
regulatório, mas também os aspectos relativos ao trabalho e contexto em que ele é rea-
lizado. Os projetos arquitetônicos das instituições de saúde, principalmente os já exis-
tentes, encontram-se em desacordo às normas estabelecidas pelo Ministério da Saúde.
Podemos identificar em relação à condução da ação projetual que as metodologias usuais
de projeto arquitetônico são universais e genéricas ao tratar da relação entre a realização
de atividades das pessoas e seu local de trabalho, ou seja, os problemas são tratados de
um ponto de vista macro-operacional e não em relação às inadequações que decorrem
da utilização cotidiana dos ambientes de trabalho e sua relação com as atividades das
pessoas (Rosciano, 2002).
518 Ergonomia ELSEVIER

A análise ergonômica, que objetiva diagnósticos para a compreensão das condições


de trabalho, devem servir também, na ação projetual, para auxiliar o processo de definição
de áreas, ambiência, setorizações, arranjo físico, e assim por diante. Ou seja, a Ergonomia
deveria atender não apenas seu papel metodológico – a ação ergonômica – como intervir
como ferramenta de ação projetual, o que nesse caso amplia sua esfera de atuação do plano
corretivo – que visa a melhoria de condições existentes – para o plano preditivo, antecipan-
do situações prováveis para possibilitar uma correta “concepção” de ambientes de trabalho.
No contexto interdisciplinar que um Projeto Hospitalar apresenta, todos os profissionais
envolvidos, dos agentes de limpeza aos médicos, devem estar envolvidos nos processos de
planejamento e concepção, desde as etapas pré-projetuais, onde somente ideias são discu-
tidas. Foi assim que ocorreu em quatro projetos em que pudemos atuar:
UÊ A Avaliação Pós-Ocupação do Hospital Sergio Gregori no contexto da Avaliação
Ergonômica.
UÊ A Análise Pré-Ocupação do Hospital Clementino Fraga Filho no contexto do pro-
jeto participativo.
UÊ Análise de Modelo de Gestão Participativa na Implanção de Sistema de Robótica
no Hospital dos Veteranos (EUA).
UÊ Análise de Benchmarking na Farmácia orientada à Sistema de Robótica, no Hospi-
tal da Base Aérea Mac Dill (EUA).
Selecionamos dois desses projetos: a farmácia da base aérea Mc Dill, que serviu
como base de comparação (análise de benchmarking) para o encaminhamento de outro
dos projetos listados, e a farmácia do Hospital dos Veteranos, ambas na cidade de Tampa,
estado da Flórida (EUA). A apresentação desses exemplos representa uma oportunidade
maior para a compreensão do tema do que qualquer tentativa de teorização a respeito.
A demanda inicial, a análise para implantação de sistema de robótica em uma farmácia,
originou-se do Departamento de Qualidade da Farmácia do Hospital dos Veteranos de
Tampa (James A. Haley Veteran’s Administration Hospital), devido à preocupação crescente
com erros de envasamento de medicamentos (quase toda droga receitada é manipulada
nos EUA; somente medicamentos comuns podem ser comprados diretamente no balcão
de farmácias) e com o aumento de queixas por parte de pacientes com a demora de libe-
ração de pedidos, razões pelas quais a utilização de robôs parecia atraente.
O método analítico escolhido no caso específico da unidade de Tampa necessitá-
vamos ter por base algum tipo de análise comparativa (análise de benchmarking) visto que
a utilização de equipamentos de robótica em farmácias era algo relativamente recente
na época. Por coincidência a Farmácia do Hospital da Base Aérea Mac Dill, uma organi-
zação com características similares ao Hospital dos Veteranos, possuía já algum tempo
dois robôs para o envasamento de medicamentos e cuja operação foi considerada um
grande sucesso, segundo relatos de meios técnicos e acadêmicos. O Grupo de Trabalho
instituído decidiu então utilizar a Farmácia da Mac Dill como situação de referência para
análise. Assim, um projeto de Ergonomia de concepção, configurou-se em dois estudos
Capítulo 28 | Ergonomia hospitalar 519

independentes. O Hospital da Base Mc Dill, além de servir como situação de referência


para implantação do sistema de robótica no Hospital dos Veteranos, possibilitou uma
avaliação bastante interessante per se. O estudo demonstrou que nossa situação de refe-
rência constituía-se em um belo exemplo enquanto sistema operacional e um referencial
em termos de condições adequadas de trabalho. O interesse do departamento de quali-
dade, responsável pelo projeto base, atingia pelo menos três níveis distintos:
UÊ Restrições de ordem técnica.
UÊ Restrições de ordem estrutural.
UÊ Restrições de ordem ocupacional.
O primeiro grupo dizia respeito às necessidades de adequação do sistema a ser
escolhido às exigências da unidade em termos técnicos e quanto a sua produtividade. A
demanda de medicamentos pelos pacientes é um dado crescente a cada dia, não apenas
pelo envelhecimento da população de veteranos como também pelos avanços da medici-
na que traz, constantemente, novos medicamentos ao mercado. A capacidade de carga da
farmácia era limitada por imposições legais e burocráticas. Mesmo sendo uma instituição
que oferecia uma série de vantagens aos funcionários, a rotatividade era grande em fun-
ção da demanda por profissionais de saúde na iniciativa privada.
O segundo conjunto de restrições era representado pela necessidade de otimi-
zação do processo de engenharia do ambiente do trabalho a fim obter uma utilização
ideal de espaços e equipamentos existentes. O Hospital tinha suas áreas disponíveis para
expansão reduzidas em função de restrições municipais (que limitavam o gabarito, por
exemplo) e orçamentárias. O estacionamento atual pela legislação atual era 70% menor
do que seria aceitável para o porte da instituição, por exemplo, um sério impedimento
em se tratando de um estado (e nação) altamente dependente de quatro rodas.
O último grupo agregava as restrições de capacitação e regulamentação relativas
aos aspectos ocupacionais do conjunto da força de trabalho. Esse aspecto em particular
invocava o interesse de todos os envolvidos, porém, as expectativas eram distintas. Parte
do grupo de trabalho envolvido no processo de modernização local desejava verificar o
real impacto da sobrecarga resultante – em termos ergonômicos – e quais os possíveis
efeitos psicológicos provocados pela nossa proposta de ação. O contato humano em
todo o processo era intenso e com ele a preocupação com receitas manipuladas erronea-
mente. Isso favorecia o interesse por técnicas que combinassem manuseio mais preciso e
controle mais rígido sobre os medicamentos. A automação de tais processos, a partir da
utilização de sistemas de robótica, também se mostrava mais viável à época.
Além de todos os constrantes envolvidos em um projeto desse porte, o Grupo
de Trabalho foi constantemente surpreendido por decisões repentinas e mudanças de
programação constantes em relação ao cronograma original de mudanças e do próprio
encaminhamento do grupo de trabalho. De uma grande decepção, decorrente de uma
reunião onde a aquisição do robô (ou robôs) seria postergada, até a notícia de última
hora de que o equipamento seria entregue em menos de um mês, transcorreram-se me-
520 Ergonomia ELSEVIER

nos de três semanas. Ou seja, toda a proposta de planejamento, análise e preparação do


setor para a empreitada precisaram ser drasticamente revistas.
O Processo de Implantação do Sistema de Robótica no Hospital dos Veteranos
caracterizou-se pelos seguintes marcos principais:
UÊ A Construção Social da Negociação – desde o início verificamos ser necessário
um grande esforço para unificar pontos de vista não somente para formação do
Grupo de Trabalho responsável pelo plano executivo de ação mas também dentro
do próprio grupo.
UÊ A Instrução da Demanda – estava claro que a demanda principal distanciava-se
do desejo inicial do comando do hospital, mais tecnicista. Foi necessário “ajus-
tar” a demanda inclusive com a utilização de frases e palavras de impacto. Ainda
que possamos enquadrar o estudo como uma análise de impacto ergonômico em
sistemas de produção complexos, por conta do ajuste de representações entre
os envolvidos, ele foi conduzido fundamentalmente como uma abordagem em
gestão de projetos.
UÊ A Metodologia “Ajustada” – houve uma necessidade de se construir um método de
apresentação e encaminhamento das ações baseado nas características de cada pú-
blico específico. A análise de situações de referência, por exemplo, ganhou o título
de “Benchmark Analysis”, mais adequado ao gerenciamento de projetos. Na Figura
28.1 temos um quadro que ajuda na modelagem de escopos metodológicos.

)LJXUD(VFRSRPHWRGROyJLFR
Capítulo 28 | Ergonomia hospitalar 521

UÊ Verificações e Validações de Resultados – a análise recorrente foi constantemente


utilizada para dar conta das diferentes representações colhidas em entrevistas e
consequente observações de campo.
UÊ O Modelo Operante – no Hospital dos Veteranos existe uma tendência de se
procurar culpados por problemas ocorridos. Mesmo essa característica não se
traduzindo em processos disciplinares é interessante perceber como tal filosofia
compromete o funcionamento intraorganizacional. Portanto, foram os aspectos e
impactos de ordem organizacional que ditaram o processo de ação ergonômica,
numa clara orientação top-down.
Em vista dos eventos avaliados, o Grupo de Trabalho definiu uma série de reco-
mendações de projeto, que além de melhorar a situação vigente poderiam ser imple-
mentadas em situações futuras. Assim, essas recomendações foram divididas em duas
categorias. A primeira, chamada “Recomendações de Projeto”, limitam-se ao “Projeto
Robô”, seu monitoramento e recalibragem. A outra categoria chamada “Recomendações
Gerenciais” é voltada para o estabelecimento de regras específicas para formação, con-
duta e gestão de Projetos de Gerenciamento (Project Management) futuro no Hospital dos
Veteranos.

Quadro 28.1 – Recomendações de projeto

RECOMENDAÇÕES Imediatas Planejadas


$TXLVLomRGHFpOXODVGH 3HODPHQRV XPD 'LPHQVLRQDUEDVHDGRQD
HQYDVDPHQWR SURGXomR
,QVWDODo}HV3UHGLDLVGH $YDOLDUFRQGLo}HV &RQVWUXLUXPSUpGLRSUySULR
)DUPiFLD
7UHLQDPHQWR (VSHFtÀFRSDUDRURE{ *HUDOWHQGRURWDWLYLGDGHHP
PHQWH
0DGDQoDVHP 'LVWULEXLomRSRUTXDOTXHU &DGDXPUHWLUDQGRRVHXQD
SURFHGLPHQWRV5yWXORV IDUPDFrXWLFR LPSUHVVRUD
0XGDQoDVHP 5HPHWHUGURJDVHQYDVDGDV &RQVWUXLUXPSUpGLRSUySULR
SURFHGLPHQWRV0RQWD LPHGLDWDPHQWH
0XGDQoDHP 3DFLHQWHVFKDPDGRVGH 3ODFDUHOHWU{QLFRLQGLFDQGRQRPHV
3URFHGLPHQWRV(QWUHJD HPPLQ
6DODGH(VSHUD5HFHELPHQWR 5HPRYHUUHOyJLRGH $XPHQWDUWDPDQKR &RQVWUXLU
SDUHGH SUpGLR
6DODGH(VSHUD(QWUHJD 0HOKRUDUFLUFXODomR &RQVWUXLUXPSUpGLRSUySULR
5RE{+DUGZDUH (VWXGDUXWLOL]DomRGHHVWHLUDV $GTXLULUXPDRXWUDXQLGDGH
5RE{VRIWZDUH (VWXGDUSUREOHPDVGH 7HQWDUXWLOL]DU´3KDUPDF\µ
FRPSDWLELOLGDGH 5HYHUWRGRSURFHVVRGH,7QR
+RVSLWDOGRV9HWHUDQRV
522 Ergonomia ELSEVIER

Quadro 28.2 – Recomendações de gestão

SITUAÇÃO RECOMENDAÇÕES GERENCIAIS


5LJLGH]+LHUiUTXLFD 3URPRYHUPDLRUHQJDMDPHQWRHQWUHVHWRUHVGRKRVSLWDO
)DOWDGH3DUWLFLSDomR 3URPRYHUPDLRUHQJDMDPHQWRHQWUHSHVVRDOHJHUrQFLD
)DOKDVGHGLYXOJDomR 8WLOL]DUGHIRUPDPDLVDEUDQJHQWHR´QHZOHWWHUµGR+RVSLWDO
)DOWDGH3ODQHMDPHQWR (VWDEHOHFHUFULWpULRVSDUDLQYHVWLPHQWRV
)DOWDGHFULWpULRSDUDLQYHVWLPHQWRV (VWDEHOHFHUIDL[DVGHFXVWRVSDUDJXLDUGHFLV}HV
)DOWDGHSUHYLVmRGHFRQVHTXrQFLD (VWDEHOHFHUFULWpULRVSDUDGDUFRQWDGHFRQVWUDLQWHV

28.1. Conclusão
O custo relativo dos impactos por inadequações ambientais são de alta magnitude,
quando comparados às outras dimensões do trabalho humano – impactos relacionados à
atividade física ou mental. O custos relacionados às perdas financeiras em decorrência do
absenteísmo ou rotatividade de pessoal em um organização não alcançam uma fração do
desperdício oriundo de projetos mal planejados, ambientes constantemente transformados
ou instalações inadequadas e que tendem ao descomissionamento contínuo e gradual. Erros
de design (job design, postos e ambientes) custam mais saúde e as vidas dos trabalhadores
do que qualquer problema de inadequação postural, sobrecarga de trabalho etc. (Hendrick,
2001; Santos, 2003).
Como pode um sistema de trabalho funcionar perfeitamente em uma organização e
simplesmente “desfuncionar” em outra, como vimos nos dois casos? A farmácia do Hospital
dos Veteranos tinha profissionais qualificados, infraestrutura e, sobretudo, a vantagem de
conhecer sistemas similares em funcionamento sem precisar passar por cobaia para utilização
de uma nova tecnologia. Entretanto, no caso do “Projeto Robô”, falhas conjecturais primárias, má
avaliação de resultados e uma dose de prepotência produziram um verdadeiro fiasco tecnológico,
uma “brincadeira cara” (na expressão de alguns gerentes locais). Porém, em entrevistas informais
com algumas pessoas pudemos ouvir afirmações como: “Este foi apenas o primeiro passo” ou “me-
lhor isso do que nada” ou “foi a melhor solução possível para o momento”. Daí concluirmos que,
pelo menos para a organização, a iniciativa trouxe não somente ensinamentos como a aceitação de
novas “linhas de conduta” (guidelines), como orientação ao processo decisório em futuros projetos.
Assim, podemos identificar a vantagem em se utilizar a Ergonomia como indutora de um processo
de reorganização das relações de trabalho.

28.2. Página escolar


Referências
HENDRICK, H.; KLEINER, B. M. MacroErgonomia: uma introdução aos projetos de sis-
temas de trabalho. Rio de Janeiro: EVC, 2006.
ROSCIANO, P. C. Reflexões sobre as interfaces entre a arquitetura e a análise ergonômica
do trabalho: a concepção arquitetônica de espaços produtivos. Congresso Brasileiro de
Ergonomia, 12, 2002, Recife. Anais... Recife, ABERGO, 2002. CD-ROOM.
Capítulo 28 | Ergonomia hospitalar 523

SANTOS, M. Análise pré-ocupação do ambiente de trabalho construído: apropriação inter-


disciplinar de princípios de engenharia, arquitetura e Ergonomia com vistas ao geren-
ciamento de projetos de ambientes e sistemas de trabalho. 2003. 254 p. Tese (Douto-
rado em Engenharia de Produção) – Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação
e Pesquisa de Engenharia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
______; VIDAL, M. C. R. Success or failure, what a difference a good plan makes: a
benchmarking case study of robotics implementation in two public pharmacy facili-
ties. International Conference on Industrial Engineering and Operations Management,
14, 2008, Rio de Janeiro. Annals… Rio de Janeiro, Associação Brasileira de Engenharia
de Produção, 2008.
Capítulo

29 Escritório

Daniela Alessandra Cassano – COPPE/UFRJ

Introdução do caso
O estudo de caso realizou-se no local de trabalho de um setor de uma empresa
do segmento energético brasileiro. Essa empresa também atua em diversos setores da
indústria de óleo e gás. Os projetos desenvolvidos por essa empresa de grande porte
apresentam relevante importância para a infraestrutura e o desenvolvimento nacional,
geralmente sendo assim responsáveis pelo avanço das cidades onde suas unidades cos-
tumam se assentar.
O setor da empresa em questão encontra-se dividido em quatro áreas distintas,
sendo que as duas a serem analisadas possuem unidades na cidade do Rio de Janeiro,
Macaé e Vitória. Entretanto, apenas as áreas alocadas no centro do Rio de Janeiro fo-
ram as determinadas para a respectiva análise ergonômica. O estudo de caso tratará de
dois setores que realizam atividades distintas, dentro de uma mesma gerência, com um
mesmo layout; localizados em pavimentos distintos de uma mesma edificação, mesmo
mobiliário e mesmos equipamentos.
As finalidades do estudo ergonômico realizado nos dois setores da empresa foram
estabelecidas pela própria contratante, que solicitou a atuação de ergonomistas para que
fossem encontrados todos os problemas gerados pela ausência da Ergonomia em seu
sistema produtivo e instalações físicas.
A visualização do contexto de desenvolvimento das atividades de trabalho e se-
leção das demandas para análise partiu dos elementos da realidade disponível para o
desenvolvimento desta análise de campo, que foi resultante da atuação profissional da
Ergonomia em contratos de curta duração. E os objetos de estudo foram escolhidos de-
vido à necessidade da organização quanto ao levantamento de demandas a partir de uma
Análise Ergonômica do Trabalho (AET) e com o reconhecimento de problemas vigentes,
objetivando a implantação de melhorias conforme os resultados apresentados.
Capítulo 29 | Escritório 525

29.1. Localização do caso


29.1.1. Características gerais descritivas
Ambos os pavimentos são idênticos (12 e 18o andares), pois pertencem ao mes-
mo edifício e este possui 23 andares. Os dois são ocupados por setores distintos de
uma mesma organização que os destinou para a ocupação de 75 trabalhadores no total,
distribuindo-se 50 colaboradores para o setor B e 25 funcionários para o setor A.
A configuração espacial dos dois setores é muito semelhante: contam com o pa-
vimento livre na parte central, formada por escritórios abertos (delimitados por divisó-
rias baixas) e alguns poucos escritórios fechados (com divisórias piso-teto na periferia
do pavimento). Os escritórios abertos são determinados pelo arranjo de dois a quatro
postos que, juntos, delimitam áreas de trabalho em grupo, de indivíduos que desen-
volvem a mesma atividade, mas que não necessariamente precisem interagir em tempo
integral uns com os outros como é o caso do setor A. No setor B existem (em quantidade
inexpressiva) postos de trabalho que foram montados individualmente, porém, a pro-
ximidade e as atividades realizadas fazem com que estejam inseridos num contexto de
cooperação no desenvolvimento e cumprimento das tarefas. Ainda nesse setor, o fato de
um de seus grupos de trabalho encontrar-se deslocado no 12o andar, faz do ambiente de
trabalho desse grupo ser bem diferente dos demais, pois estão em uma sala composta por
alvenaria e, portanto, isolada do restante do setor A que domina o pavimento.
As condições ambientais também são semelhantes para todos: sistema de ventilação
e refrigeração do ar mecânico e central, iluminação artificial direta (instalada no forro e que
incide diretamente de cima para baixo no plano de trabalho) com a incidência de ilumi-
nação natural proveniente do ambiente externo, sendo facilitada pelo vidro das esquadrias
que não possuem qualquer tipo de película com função de embarreirar os raios solares.

)LJXUD9LVWDGRSDYLPHQWRGRVHWRU$
526 Ergonomia ELSEVIER

29.1.2. As atividades desenvolvidas no setor A


Analisando as atividades desenvolvidas, percebe-se que cada setor possui neces-
sidades específicas. Por causa dessas especificidades, o ambiente de trabalho tal como
suporte das atividades, a elas deveria se reportar integralmente. Embora os dois setores
desenvolvam atividades completamente diferentes, apresentam praticamente todos os
aspectos físicos e ambientais da mesma espécie. A partir dessa afirmação, pode-se con-
cluir que diversas desconformidades surgem desse impasse, já que as necessidades de
uso em determinados locais de trabalho, principalmente no setor A, não se reportam
nem às necessidades dos indivíduos nem às situações reais de trabalho.
O setor A trata do processo de materiais e encaminhamento aos seus devidos soli-
citantes; trabalham boa parte do tempo com o trato com o público, pois recebem solici-
tações de materiais e fazem levantamentos de preço por telefone e realizam reuniões com
fornecedores. Assim, como falam muito durante toda a jornada, quer seja por telefone
ou por meio de reuniões no próprio local de trabalho, os processos de A geram muitas
pastas e a o manuseio dessas dá-se intensamente ao longo da jornada laboral.

29.1.3. As atividades desenvolvidas no setor B


O setor B desenvolve atividades que requerem grande responsabilidade, pois li-
dam com projetos e documentos de caráter confidencial onde estão envolvidos valores
financeiros altíssimos. Contribuindo para amenizar o peso de tamanha responsabilidade,
o grupo formado pelo setor B é coeso, tendo os colegas de trabalho um bom relaciona-
mento profissional e pessoal. Brasileiro (2007) cita que as tolerâncias a som, odores e
apinhamentos sejam bem menores em grupos com tendências individualistas do que
em grupos com tendência coletivistas, podendo isso acarretar algum nível de rejeição
às estações de trabalho muito próximas umas das outras, ou então haver algum nível
de dificuldade em estruturar um trabalho desenvolvido em grupo. Tal afirmativa é uma
alusão exata aos dois setores analisados, pois o coletivismo do setor de B abranda even-
tuais questões físicas e ambientais não apropriadas, enquanto que para o outro setor, a
ausência de coletivismo fomenta as insatisfações com as deficiências do local de trabalho.
Enquanto o setor A destaca-se pelas inúmeras insatisfações e desconformidades
com seu local de trabalho, o contrário foi presenciado no setor de B quanto às insatisfa-
ções. Algumas poucas desconformidades apresentam-se no referido ambiente, mas não
foram apontadas pelos trabalhadores como grandes perturbadores do desenvolvimento
das suas atividades. Dada a oportunidade das entrevistas e conversação (Vidal et al.,
2002) no setor B, os trabalhadores relataram poucas insatisfações, ressaltando o fato que
de quase nada reclamaram dos seus locais de trabalho. A principal reclamação realizada
relaciona-se à prática de limpeza do ambiente, que se dá no início da jornada de traba-
lho, enquanto os trabalhadores encontram-se já em seus postos trabalhando, resultando
na dispersão de poeira (causadora de incômodos aos portadores de alergia respiratória).
Capítulo 29 | Escritório 527

Favorecidos pelo bom relacionamento entre os funcionários e pela satisfação com


o trabalho desenvolvido, os trabalhadores do setor de B apresentam-se satisfeitos com
a tipologia do layout (escritório aberto); e é esse o principal fator o que o distingue do
setor A. Logo, no setor B, essa tipologia funciona bem, tal como seus preceitos preco-
nizam: quanto menores as barreiras físicas, maior a facilidade de troca de informações,
comunicação explícita (palavras dirigidas diretamente ao colega, gestos combinados à
distância) ou implícita (simples fato de visualizar um colega em determinada situação e
em atividade), e desenvolvimento de atividades em conjunto.

29.2. Dados recolhidos


29.2.1. Metodologia aplicada
Tal como uma estratégia de pesquisa abrangente, o estudo de casos múltiplos (Yin,
2005) contou com as características e dados significativos dos dois ambientes de escritó-
rios que foram levantados por meio da análise de fontes de evidências como: entrevistas,
conversação (Vidal et al., 2002), observação direta e fotografias.

29.2.2. Detalhamento de aspectos causais


As escolhas das situações críticas deram-se a partir de:
a) queixas dos trabalhadores;
b) evidências reconhecidas in loco de desconformidades com potencial de provocar
distúrbios e gerar problemas mais graves para os trabalhadores e para a empresa
no futuro.

29.2.2.1. Setor A
Por não atender as necessidades de trabalho do setor A, o espaço dos escritó-
rios abertos encontra negligenciada uma série de elementos que agem como verdadeiros
transtornadores das atividades em curso. Os trabalhadores encontram dificuldades em
realizar suas tarefas graças às deficiências produzidas pela configuração espacial do escri-
tório, seus elementos constituintes e problemas ambientais:
UÊ programa de necessidades e layout deficientes – a configuração espacial adotada
apresenta: circulação com dimensões reduzidas e consequente ausência de acessibi-
lidade (Figura 29.2); armários deslocados (e longínquos) dos postos de trabalho de
seus usuários (Figura 29.3); apenas uma sala de reunião e como os escritórios aber-
tos não comportam sequer pequenas reuniões, resulta em que a sala de reunião seja
bastante concorrida. Quanto ao problema gerado pela ausência de acessibilidade no
pavimento, a NBR 9050 estabelece diretrizes para garantir facilidade de acesso e de
uso de ambientes construídos. Já quanto ao enquadramento normativo referente às
questões desconformes aqui suscitadas, a NR 17.1 estatui características que favore-
cem as condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores,
visando o conforto, a segurança e o desempenho apropriado;
528 Ergonomia ELSEVIER

)LJXUD&LUFXODomRFRP )LJXUD$UPiULRVORQJtQTXRVGRV
dimensões reduzidas postos de trabalho

UÊ divisórias baixas – como explicado anteriormente, devido à natureza do trabalho,


diversos sons característicos são produzidos. A produção de ruídos em excesso
não é passível de controle nesse ambiente devido à ausência de paredes ou divisó-
rias com dimensões equivalentes ao pé-direito do pavimento. As divisórias baixas
criam ambientes abertos onde os sons são propagados livremente e com poucas
barreiras visuais, situações estas que incomodam os trabalhadores, que se quei-
xam de falta de privacidade acústica e visual (Figura 29.4). Quanto aos problemas
de natureza acústica, refere-se aos aspectos ambientais de trabalho e apresentam-
se as condições adequadas de conforto acústico estabelecidas na NR 17.5.2;

)LJXUD$OWXUDGDVGLYLVyULDVQmRFRQWULEXLSDUDDSULYDFLGDGHYLVXDOHDF~VWLFD

UÊ mobiliário escasso – devido a padronização de todos os elementos do ambiente, a


maior parte dos postos de trabalho sofre com quantidade insuficiente de mobiliá-
rio. Tanto é que a produção e manuseio de muitas pastas tornam-se desconfortá-
veis e passam a ser distribuídas por todas e quaisquer superfícies disponíveis que
Capítulo 29 | Escritório 529

estejam próximas ao posto (Figura 29.5). Quanto às questões referentes ao mobi-


liário adequado que deve compor o posto de trabalho, a NR 17.3.2 especifica os
fatores necessários para que sejam proporcionadas ao trabalhador as condições de
boa postura, visualização e operação quando em atividade laboral em seus postos;

)LJXUD3DVWDVHVSDOKDGDVSRUWRGDVDVVXSHUItFLHVSUy[LPDVDRVSRVWRVGHWUDEDOKR

UÊ iluminação falha – enquanto o layout apresenta-se mutável, o projeto de ilumina-


ção permanece o mesmo. Então, o planejamento da iluminação não acompanha
as mudanças dos postos de trabalho, fato que cria no escritório zonas de sombra
onde se localizam os trabalhadores. A NR 17.5 trata das condições ambientais de
trabalho, constando entre estas os parâmetros que definem as condições adequa-
das de iluminação;
UÊ temperatura desconfortável – a impossibilidade de controle da temperatura e pro-
ximidade de alguns postos dos difusores de ar causam sensações térmicas desfa-
voráveis (Figura 29.6). Na NR 17.5.2 são recomendadas as condições de conforto
referentes às temperaturas consideradas ideais nos ambientes de trabalho.

)LJXUD6DtGDGHDUFRQGLFLRQDGRIHFKDGDGHPDQHLUDLPSURYLVDGDSHORVWUDEDOKDGRUHV
530 Ergonomia ELSEVIER

29.2.2.2. Setor B
UÊ programa de necessidades e layout deficientes – ausência de uma copa devidamente
estruturada faz com que a sala de reuniões ganhe mais essa função no horário do
almoço (Figura 29.7); a circulação no pavimento e o acesso de equipamentos apre-
sentam-se bastante reduzida, comprometendo a acessibilidade no escritório (Figu-
ra 29.8). Quanto ao problema gerado pela ausência de acessibilidade no pavimento,
a NBR 9050 direciona-se à sua resolução. Já quanto ao enquadramento normativo
referente às questões desconformes aqui suscitadas, a NR 17.1 estatui características
que favorecem as condições de trabalho às características psicofisiológicas dos tra-
balhadores, visando o conforto, a segurança e o desempenho apropriado;

)LJXUD6DODGHUHXQL}HVXWLOL]DGDFRPRFRSD )LJXUD$FHVVLELOLGDGHUHGX]LGD

UÊ mobiliário escasso – Inúmeras pastas encontram-se empilhadas por toda a área


do posto de trabalho devido à ausência de espaço para dispor todos os materiais
necessários (Figura 29.9 e 29.10). Quanto às questões referentes ao mobiliário
adequado que deve compor o posto de trabalho, a NR 17.3.2 cita os fatores neces-
sários para que sejam proporcionadas ao trabalhador as condições de boa postura,
visualização e operação;

)LJXUDVH$XVrQFLDGHORFDLVDGHTXDGRVSDUDRGHSyVLWRGHSDVWDV
Capítulo 29 | Escritório 531

a) Quantificação de argumentos e evidências


A partir das análises realizadas nos respectivos ambientes do Setor A e Setor B,
ressalta-se que as reclamações e maiores insatisfações dos trabalhadores referem-se prin-
cipalmente aos ruídos e à falta de privacidade nos postos de trabalho; as insatisfações são
apresentadas na Figura 29.11.

)LJXUD,OXVWUDomRGRQtYHOGHLQVDWLVIDomRGRVWUDEDOKDGRUHV
do setor de A com seus ambientes de trabalho

As mudanças frequentes do layout no setor A, realizadas sem a consulta prévia


dos trabalhadores quanto às suas necessidades, gera bastante insatisfação. Dessa forma,
são produzidos ambientes que não atendem as principais demandas laborais, apenas fa-
zem com que caibam mais trabalhadores no mesmo pavimento. Pesquisas afirmam que
a incerteza ambiental é fonte produtora de stress, quando ocorre desequilíbrio entre as
demandas do ambiente e os recursos dos indivíduos (Brasileiro, 2007).
A insatisfação e o stress dos indivíduos quanto a esse fator foram reportados em
entrevista, pois a organização agindo dessa forma não permite que seus trabalhadores re-
conheçam os locais de trabalho como seus. O máximo controle que os trabalhadores do
setor A possuem de seus postos é o de acrescentar algum elemento decorativo (plantas,
fotos, bonequinhos e adesivos) sobre mesas, divisórias ou monitores.
Quando os trabalhadores dispõem objetos pessoais dentre os demais objetos que
compõem seus postos de trabalho, estes demonstram por meio desse ato a satisfação com
o trabalho e o sentimento de bem-estar que envolve o respectivo ambiente. Observa-se
que essa prática não é muito rcorrente, já que entre a totalidade dos postos de trabalho
(25 unidades) apenas 6 deles do setor A utilizam esse recurso. Assim sendo, a não perso-
nalização do local de trabalho denotada pela ausência de elementos pessoais nos postos
de trabalho indica a uma situação de descontentamento e desapego ao ambiente.
532 Ergonomia ELSEVIER

A insatisfação dos trabalhadores do setor A com seu respectivo local de trabalho é


evidente, já que se encontram frustrados com as condições ambientais que interferem e
interrompem as suas atividades laborais. O mesmo não ocorre com o setor B e assim será
demonstrado na Figura 29.12.

)LJXUD&RPSDUDomRGRQtYHOGHVDWLVIDomRGRVWUDEDOKDGRUHVGHDPERV
RVVHWRUHVFRPVHXVDPELHQWHVHWUDEDOKRUHVSHFWLYDPHQWH

29.4. Conclusão
À luz do estudo de caso, pode-se formular que diversas desconformidades surgi-
ram de um impasse ergonômico presente na concepção arquitetônica do lugar de traba-
lho, pois as necessidades referentes às atividades em curso no setor de A, não se reportam
nem às necessidades dos indivíduos nem às situações reais de trabalho ao mesmo tempo
que esse problema não se configura no setor de B. Um panorama onde dois lugares si-
milares em uma mesma edificação e que apresentam desempenhos tão discrepantes se
constituiu no eixo estruturante deste capítulo.
Concluímos que essa discrepância está ligada à programação arquitetônica cujos
delineamentos careceram, como é comum acontecer, de um enriquecimento possibili-
tável pela Análise Ergonômica do trabalho. E que pode explicar os problemas existentes
num dos setores e ao contrário, a ausência dos mesmos num outro setor.
Nesse sentido, estatuímos que o escritório seja mais que uma simples localização
física de pessoas. A natureza das atividades, expressas pela localização no conjunto da
edificação e tipo de tarefas que lhes cabe realizar, requer um tratamento mais detalhado
e isso com vistas ao seu bom funcionamento.
A partir da reflexão conceitual realizada, podemos afirmar que não há modelos
formais ou normativos que definam uma tipologia de layout para os ambientes de es-
critórios que tragam a adequação perfeita às instalações físicas e ao capital humano de
uma organização. Logo, a procura de um ambiente de trabalho perfeito trata-se de uma
concepção que não condiz à realidade.
Não existindo regras formalizadas a serem seguidas, a tipologia de escritório aber-
tos trata-se de uma entre as tantas opções que podem ser escolhidas para um ambiente
de escritórios. E entre as tipologias apresentadas, os escritórios combinados seria a atitu-
Capítulo 29 | Escritório 533

de projetual melhor sucedida. Isso porque sua combinação de escritórios abertos com os
fechados tem como equilibrar as necessidades de trabalho, quer sejam estas referentes à
privacidade visual e acústica, concentração ou interação permanente entre os trabalha-
dores.
A conscientização das empresas quanto à necessidade de implantação de ambien-
tes de escritórios diversificados (alguns ambientes fechados e outros abertos) deve ser
mais bem preparada, contando com o esclarecimento das vantagens e desvantagens de
cada tipologia. Isso se dará a partir da desmitificação de alguns preceitos que rondam as
tipologias dos escritórios abertos e os fechados como os citados mais acima. A adminis-
tração dos reais efeitos dos ambientes de escritórios junto ao conhecimento detalhado
das ações e atividades de trabalho farão as decisões projetuais serem mais acertadas.
Portanto, não é um tipo de layout ou tecnologia a ser aplicada que se traduzirá
como a melhor estratégia para os ambientes de escritórios. A melhor estratégia dar-se-á
a partir do momento em que as organizações quebrarem paradigmas e mudarem sua
postura durante a concepção dos projetos de escritórios.

29.5. Página Escolar


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Capítulo

30 Atendimento em loja –
check-out
Lia Buarque de Macedo Guimarães, Ph.D – CPE/UFRGS

O trabalho de atendimento em lojas data do século I a.C ao I d.C com as stoas


na Grécia, que eram galerias lineares, cobertas, de forma retangular e sustentadas por
colunatas simples ou duplas. Na mesma época, em Roma, existiam os tabernae, que
vendiam vários produtos além de bebidas no andar térreo das residências. Apesar de o
comércio ser uma das atividades mais antigas no mundo, poucos estudos sobre a ativi-
dade de comércio e vendas (a não ser os estudos de check-out) são difundidos na área
de Ergonomia. Trata-se de uma atividade de serviço a um público, que geralmente quer
atendimento rápido e sem erros, principalmente quando o cliente que entra em uma loja
sabe o que quer. Grandjean (1998) é dos poucos autores que comentam sobre o trabalho
em loja, enfatizando os problemas posturais dos vendedores decorrentes do posto e da
organização do trabalho.
O trabalho de venda não é necessariamente um trabalho dinâmico, apesar de os
clientes e suas demandas mudarem. Dependendo do tipo de serviço prestado, porte e
localização da loja, na maior parte do tempo, o vendedor fica à espera de um cliente se
a época não é crítica (como no Natal e no dias mães, principalmente) ou pode ficar so-
brecarregado se a época é crítica. O tipo de serviço prestado pode ser díscriminado em:
a) serviço personalizado, onde o cliente está afastado das mercadorias e depende total-
mente do auxílio do vendedor. É conveniente para lojas que vendem produtos de alto va-
lor; b) serviço assistido, onde o cliente seleciona as mercadorias que mais lhe agradam e
recorre ao vendedor para auxílio em relação a tamanhos, cores ou outras variedades dos
produtos; c) autosserviço, onde o cliente pega as mercadorias e as leva diretamente ao
caixa para efetuar a compra e o empacotamento. A tipologia das lojas variam em função
do produto vendido e da forma de venda. Basicamente, podem ser também díscrimina-
das entre a) loja de generalidades; b) loja de departamento; c) supermercados.
Capítulo 30 | Atendimento em loja – check-out 537

Tramontin (2000) estudou cinco lojas de uma mesma rede de cosméticos e perfu-
mes no Rio Grande do Sul que operavam com tipologia de serviços diferentes: assistido
na loja interativa e personalizado na loja de balcão. O trabalho na loja interativa compor-
ta, de forma estanque, as tarefas de caixa, atendimento ao público (que atua como con-
sultora do cliente na venda assistida) e gerência, sendo o tipo de venda assistida ou por
autoatendimento. Nas lojas de balcão, o trabalho é mais versátil, pois os funcionários são
capacitados a atuar nas tarefas de caixa e atendimento ao público, ficando a gerência a
cargo do funcionário com maior experiência. O estudo, feito junto a arquitetos, lojistas e
clientes, mostrou que os primeiros não têm ideia das necessidades dos lojistas e clientes,
preocupando-se com as demandas do proprietário e os aspectos plásticos, principalmen-
te da marca da loja, em detrimento dos ergonômicos. Os lojistas tendem a preferir o tra-
balho no modelo interativo pelo caráter mais dinâmico, e os clientes gostam de se sentir
integrados no ambiente de venda e tendem a utilizar a loja como um espaço de encontro,
lazer e diversão. Nesse sentido, o balcão foi interpretado tanto pelos lojistas quanto pelos
clientes como um elemento de separação, restrito da interação entre lojistas e clientes.
Pode-se caracterizar o serviço de venda em lojas em pelo menos quatro níveis, do
menos para o mais dinâmico:
1) o atendimento em caixa de supermercado: o operador só processa as compras
trazidas pelos clientes, e efetua a cobrança (check-out);
2) o atendimento em caixa de magazine: o operador processa as compras trazidas
pelos clientes, efetua a cobrança e empacota os produtos;
3) o atendimento ao cliente por um vendedor que não agrega o papel de caixa:
o operador assessora o cliente, propõe alternativas e encaminha para o caixa;
4) o atendimento ao cliente por um vendedor que agrega o papel de caixa.
À exceção dos operadores de caixa de supermercado (check-out), os lojistas geral-
mente ficam de pé a maior parte do tempo de trabalho, à espera e durante o atendimento
do cliente. Um estudo de Grandjean (1998) com 24 vendedoras de uma loja de depar-
tamentos concluiu que de uma jornada de 8,5 horas, um total de 5 horas e 25 minutos
ficava-se parado em um local. Em média, as vendedoras caminhavam 58 minutos, fica-
vam de pé 3 horas e 35 minutos, de pé apoiadas 1 hora e 30 minutos e curvadas 1 hora
e 2 minutos. Entre 200 vendedoras questionadas, 79 vendedoras (quase 40%) tinham
queixas principalmente de dores nas pernas e nos pés (20%), costas (19%), dores na
cabeça (19%), órgãos digestivos e fígado (9%), reumatismo, artrites, nevralgias (7%),
nervosismo (6%), coração (5%), rins e bexiga (5%) e outras indicações (10%). A carga
estática sobre as vendedoras é, portanto, considerável no trabalho de vendedores.
A literatura mostra que a manutenção de uma mesma postura ou “imobilidade
postural” constitui um fator desfavorável para a nutrição do disco intervertebral, uma
vez que depende do movimento e da variação de postura. Logo, quando há alternância
de posturas, a incidência de dores lombares é menor (Grandjean, 1998; MTE, 2001). A
prevenção dos riscos que uma má postura pode ocasionar, como a fadiga muscular, má
538 Ergonomia ELSEVIER

circulação sanguínea nas pernas e dores lombares, está relacionada com o projeto do
posto e da organização do trabalho.
Justamente a imobilidade postural foi a razão de, no ano de 2001, o Sindicado dos
Comerciários do Rio Grande do Sul mover uma ação junto ao Ministério Público do Tra-
balho – Regional RS, contra uma Loja de Departamentos em Porto Alegre, argumentando
que os funcionários que trabalhavam nos balcões de atendimento não podiam sentar
durante a jornada de trabalho, o que infringia as leis. Por causa dessa ação, a empresa
estabeleceu uma parceria com o Núcleo de Design, Ergonomia e Segurança (NDES) do
Laboratório de Otimização de Produtos e Processos (LOPP) do Programa de Pós-Gra-
duação de Engenharia de Produção (PPGEP) da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS) para a identificação de um assento que fosse adequado ao trabalho no
balcão existente. Entretanto, a equipe do NDES/LOPP avaliou o posto de trabalho em
questão e identificou que seria necessário um projeto que contemplasse um novo balcão
que possibilitasse a alternância de postura, e não apenas recomendar um assento. Entre
2001 e 2003, foi projetado, construído e testado um novo balcão, denominado ilha de
caixa, que ficou em teste de uso durante o ano de 2004 em alguns postos de duas lojas
da empresa, em Porto Alegre-RS. O projeto foi elaborado em quatro meses, com a parti-
cipação dos vendedores, mas a implantação não foi concluída porque, por uma questão
cultural inexplicável sob o ponto de vista ergonômico, a Empresa não permite que os
funcionários sentem, porque, de acordo com a gerência da Empresa, é deselegante aten-
der o cliente sentado (“isto é coisa de supermercado, e não de loja ‘fina’”) descumprindo,
inclusive a norma NR 17 – Ergonomia. Até hoje, eles hesitam em permitir que o atenden-
te sente, havendo pressão da gerência para que adotem a postura de pé.
Estudos detalhados (Guimarães et al., 2001a, 2001b, 2001c e 2004) analisaram as
atividades que compõem a tarefa de atendimento no balcão de venda nas ilhas de caixa
de quatro lojas de Porto Alegre (sendo três lojas localizadas em shopping centers e uma
de rua no centro da cidade) da rede de loja de departamentos. Ficou nítido que nenhuma
loja é igual a outra, não só por variar de lugar, mas também por variar em função do tipo
de cliente, do operador, do tipo de produto sendo vendido (roupas, produtos delicados,
como louça e cristais etc.) e do tipo de pagamento efetuado. Tendo em vista que uma
mesma tarefa é geralmente desempenhada de forma diferente por cada pessoa, e que o
processo de trabalho é dinâmico e difícil de enquadrar em um só padrão de ação, foi feito
um resumo das atividades que exemplificam a tarefa realizada.
De acordo com a análise da tarefa efetuada com base na Análise Macroergonômi-
ca do Trabalho (AMT) proposta por Guimarães (1999), as atividades desempenhadas
no posto de caixa das ilhas, no caso de compra com cartão da loja (que representam
em torno de 80% das compras), podem ser classificadas em 13 operações básicas: 1)
Passar o cartão/digitar; 2) Tirar a roupa do cabide; 3) Passar o sensor; 4) Retirar a bo-
lacha; 5) Dobrar a roupa; 6) Pegar a sacola; 7) Colocar o produto na sacola; 8) Retirar
a nota e/ou carnê; 9) Passar a sacola no detector de alarmes; 10) Entregar a sacola para
Capítulo 30 | Atendimento em loja – check-out 539

o cliente; 11) Manusear o dinheiro; 12) Colocar o cabide no cabideiro; 13) Pegar a
embalagem de presente.
As posturas com probabilidade de gerar desconforto ou até lesões, normalmente
são adotadas em função da concepção do posto e da própria exigência da atividade.
Buscando identificar quando os funcionários adotavam essas posturas, realizou-se uma
análise de movimentos relacionando as atividades com as posturas realizadas. A análise
foi feita congelando-se o frame do vídeo no momento em que o operador executava a
operação. Não foi usado nenhum tipo de cronometragem para a análise cinesiológica e
movimentos de transição entre uma etapa e outra. Quando identificada uma etapa carac-
terística, parava-se o vídeo (colocando-o em pausa) e o movimento era, então, analisado.
As questões dos seis constructos considerados na AMT (ambiente físico, posto de
trabalho, organização do trabalho, empresa, conteúdo do trabalho e risco/desconforto/
dor) foram avaliadas com base na opinião dos participantes que expressam sua opinião
geral sobre o trabalho espontaneamente com base em entrevistas, e sua satisfação ou
concordância com cada item de um questionário (formatado com base nas entrevistas e
na opinião de especialistas) em uma escala contínua com duas âncoras nas extremidades,
conforme proposto por Stone et al. (1974). Assim, as respostas variam de nada (ou 0) a
muito (ou 15). Analisando-se os dados do quadro geral de apreciação ergonômica, que
conjuga os resultados das entrevistas (qualitativas) e questionários (quantitativos) reali-
zados com uma amostra de 30% (entrevistas) e com toda a população (questionários)
das quatro lojas, concluiu-se que a maior insatisfação dos funcionários não está relacio-
nada ao ambiente físico, ao posto ou à organização do trabalho, mas com o constructo
Empresa. Os itens do constructo Empresa somam a maior insatisfação sendo necessário
rever principalmente os itens fornecimento de meia-calça e de maquiagem (com média
1,2), uniforme e calçados (média em torno de 3,5) e fornecimento de troco (média em
torno de 3,7). Os constructos Posto (média 7,59), Organização de trabalho (média 7,68)
e Fatores ambientais (média 7,97) podem ser considerados satisfatórios por estarem aci-
ma da média de satisfação (média é 7,5 na escala adotada de 15 cm) apesar de o item
ruído ter ficado abaixo da média de satisfação (média de 6,8). No constructo Organiza-
ção do trabalho, os problemas mais importantes são a questão de tempo de resolução
de problemas, quebra de caixa, horas extras e folgas. Sobre o Conteúdo do trabalho, os
resultados mostraram que se trata de um trabalho estressante por lidar com o público,
nem sempre gentil, principalmente quando há fila ou problemas de troco. Os vendedo-
res não têm perspectiva de crescimento na Empresa (a perspectiva máxima é chegar a
chefe de setor), mas a rotatividade é alta e o tempo na empresa é curto (de nove meses,
em média) tendo em vista a baixa valorização e competição por premiações. As jornadas
de trabalho são longas e se há movimento não é possível ter as tão esperadas pausas
voluntárias. Nas lojas dos grandes shopping centers o estresse aumenta, porque o movi-
mento é maior e os vendedores ficam enclausurados sem ver as mudanças de tempo, de
540 Ergonomia ELSEVIER

luz etc. É um emprego tipicamente formatado para jovens com pouca escolaridade, na
maioria mulheres bem apessoadas, que estão ali por um salário mínimo e à espera de
uma oportunidade melhor.
Com base em Grandjean (1998), considerando o fato de os vendedores permane-
cerem toda a jornada de pé, esperava-se que eles sentissem cansaço e dores localizadas.
Esse fato, junto com a análise de algumas posturas identificadas como prejudiciais na
análise cinesiológica, confirmam as queixas de desconforto citadas pelos funcionários na
fase de apreciação: pés, pernas e costas (Figura 30.3), corroborando o estudo de Grand-
jean (1998).
No que tange os itens relacionados à projetação do posto de trabalho da ilha,
conforme identificados no constructo posto, pode-se dizer que há necessidade de um
assento para permitir alternância de posturas e, portanto, minimizar as queixas de dores.
Pelas observações, fica nítido que as pessoas não sentam em virtude da disposição dos
equipamentos e do tipo de trabalho na ilha de caixa: da forma atual, não é possível sentar
e, mesmo que fossem disponibilizados assentos, os funcionários não teriam condição de
sentar, em função da movimentação exigida no posto. Cabe notar que a questão “sentar”
era o foco do trabalho e, assim, foi perguntado, além dos funcionários, a opinião de ge-
rentes e clientes sobre o assunto. Apesar de a gerência entender que o atendimento deve
ser feito de pé, metade dos clientes perguntados consideram que é bom que os funcioná-
rios sentem e, dessa forma, caso haja dúvida, pode-se afirmar que a empresa não precisa
se preocupar com o fato de o “cliente preferir ser atendido de pé, por uma questão de
cortesia...” (conforme pensam os gerentes), pois há opinião favorável para que os fun-
cionários sentem. Outra disparidade entre opiniões de funcionários e gerentes é quanto
à utilização de equipamentos. Os funcionários preferem passar a leitora ótica na roupa
enquanto os gerentes entendem que a roupa deve ser passada na leitora. As observações
assistemáticas evidenciaram que a maioria dos funcionários realmente manuseia a leitora
com facilidade e é mais conveniente (porque pesa menos e é mais flexível para adaptar
aos diferentes formatos de produtos manuseados) a mobilidade da leitora. O projeto
deverá considerar, então, que a leitora é móvel.
Um novo balcão foi projetado (as figuras 30.1 e 30.2, respectivamente, apresen-
tam os balcões antigos e o reprojetado ergonomicamente) para permitir alternância de
postura e foi colocado em teste em duas lojas. Vitali Junior (2004) analisou os resulta-
dos de uma das lojas de um dos shoppings, pois a outra loja piloto não permitiu que os
vendedores utilizassem o assento e, então, alternassem a postura. A análise foi feita com
base em questionários junto aos vendedores, em observações diretas, nas filmagens (para
tomada de tempos e movimentos) e um instrumento (Vitali Júnior, 2004) desenvolvido
para avaliação de risco postural e carga de trabalho com base em protocolos de avaliação
de risco da ocorrência de LER/DORT (Lesões por Esforços Repetitivos/Distúrbio Osteo-
muscular Relacionado ao Trabalho): OWAS (Ovako Working Posture Analysing) proposto
por Karu, Kansi e Kuorinka (1977); RULA (Rapid Upper Limb Assessment) desenvolvido
Capítulo 30 | Atendimento em loja – check-out 541

por Mcatamney e Corlett (1993); REBA (Rapid Entire Body Assessment) proposto por Hig-
nett e Mcatamney (2000). Os resultados aparecem na Figura 30.4.

)LJXUD1DLOKDDQWLJDRWUDEDOKRpH[HFXWDGRVRPHQWHHPSp
HKiHVIRUoRHVWiWLFRQRVEUDoRVGHYLGRDRPDQXVHLRGXUDQWHRHQVDFRODPHQWR
desmagnetização e entrega da sacola ao cliente

)LJXUD1DLOKDHUJRQ{PLFDRHVIRUoRGHHQVDFRODPHQWRGHVPDJQHWL]DomRHHQWUHJD
GDFRPSUDIRLWUDQVIHULGDSDUDXPDUDPSD RFOLHQWHSHJDDVDFROD $LQVWDODomR
GHXPDFDGHLUDDOWDHDDEHUWXUDGHHVSDoRSDUDPRYLPHQWDomRGDVSHUQDV
sob o balcão permite a alternância de postura
542 Ergonomia ELSEVIER

O gráfico da Figura 30.3 indica diminuição da percepção de desconforto/dor para


os pés, pernas e braços, e aumento da percepção de desconforto/dor para pescoço e
costas. No entanto, a análise estatística (teste Mann-Whitney) mostrou que somente a
percepção de desconforto/dor dos pés teve diferença significativa, ou seja, reduziu esta-
tisticamente na nova ilha de caixa.

)LJXUD*UiÀFRFRPSDUDWLYRGHGHVFRQIRUWRGRUGRVRSHUDGRUHVGHFDL[DGDORMD
GHGHSDUWDPHQWRV DQWHV LOKDDQWLJDGHSRLV LOKDQRYD

)LJXUD5LVFRWRWDOpRULVFRGHGHVHQYROYLPHQWRGHOHVmRDYDOLDGRFRPEDVH
HPSURWRFRORV$FDUJDSRVWXUDOWRWDOpUHVXOWDQWHGRSURGXWyULR
entre o risco de lesão e o tempo de duração da operação
Capítulo 30 | Atendimento em loja – check-out 543

Além da redução de dores, risco e carga postural, conforme o teste Tukey de com-
paração de médias, os funcionários que testaram o novo protótipo acharam que a nova
ilha de caixa é bonita (a média de satisfação atingiu o ponto máximo da escala), mas sua
opinião sobre a praticidade, a facilidade de uso e se gostaram de trabalhar na ilha ficou
em torno do ponto médio da escala (ponto neutro). Os elementos espaço físico, altura do
balcão e remoção do alarme foram os que apresentaram diferença significativa, ou seja,
comparados, tiveram melhor desempenho na nova ilha do que na antiga.
Os resultados referentes à loja estudada mostram que o projeto proposto para
a ilha nova alterou a forma de venda, diminuindo a carga postural em todas as opera-
ções principais do processo de trabalho na ilha de caixa. Principalmente, observou-se a
redução da carga postural no ensacolamento dos produtos, e foi eliminada a operação
de maior carga postural na ilha antiga, a desmagnetização do produto na sacola (passar
a sacola no detector de alarme). A ilha nova possibilitou a alternância de posturas em
pé e sentada, sendo a postura sentada a preferida na jornada de trabalho. A ilha velha
apresentou, em relação à nova, um menor risco postural na colocação de cabides no
cabideiro, tendo em vista que a postura em pé favorece essa atividade, já que o operador
não precisa levantar os braços e nem torcer o tronco nessa operação quando está de pé
no posto. Apesar do risco maior, a carga postural total da colocação de cabides na ilha
nova é menor que na ilha velha tendo em vista ocorrer por um tempo reduzido durante
a jornada de trabalho.

30.1. Conclusões
Em suma, pode-se concluir que, levando-se em conta as atividades consideradas
desde o início do projeto, a nova ilha de caixa atende às necessidades dos operadores, al-
terou a forma de venda e diminuiu o risco e a carga postural em todas as operações prin-
cipais do processo de trabalho. Houve aumento de produtividade (2,3 a 4,5%) devido ao
ganho de tempo de operação que a nova ilha propicia, já que o tempo médio de venda
na nova ilha é menor que na antiga em função da eliminação de várias das restrições do
projeto antigo. Houve queda de fadiga durante a jornada na ilha ergonômica: a curva de
fadiga mostrou que há uma menor queda no desempenho da ilha nova (perda de 1,7%)
do que na ilha antiga (perda de 6%).
Cabe acrescentar, também, que a nova ilha está de acordo com as recomendações
que estão sendo discutidas no Ministério do Trabalho quanto ao trabalho em check-outs
de supermercado, mas que podem ser aplicados a outros check-outs. Em junho de 2007
foi divulgada, para avaliação pública (Portaria n. 13 de 21 de junho de 2007), o anexo I
da NR 17 que faz as seguintes recomendações para o trabalho em check-outs e dos ope-
radores de caixa de supermercado: i) garantir um espaço adequado, conforme critérios
técnicos e ergonômicos de conforto do trabalhador, ao longo do maior eixo da bancada,
544 Ergonomia ELSEVIER

para livre movimentação do operador; e ii) colocação de uma cadeira, a fim de permitir a


alternância do trabalho na posição em pé com o trabalho na posição sentada.
Uma questão importante é que apesar de comprovados os benefícios, a empresa
insiste em não implementar o projeto e foi solicitada uma reunião pela diretoria nacional
(que veio de São Paulo) para que fosse justificado como uma ilha mais bonita e confortá-
vel poderia ser mais produtiva. Foi explicado o óbvio, que justamente pelos funcionários
ficarem menos cansados, a produção era maior. A gerência, os arquitetos (que jamais
participaram do projeto e jamais o aceitaram) e a diretoria fizeram outras medições com
consultores contratados por eles, e os resultados confirmaram que a ilha ergonômica é
melhor. Mas a implantação provavelmente não ocorrerá porque não se atende um cliente
sentado e a sacola deve ser entregue em mãos... Essa experiência mostra que um dos
maiores obstáculos para implementação de melhorias ergonômicas é a cultura da empre-
sa. Se depender dos trabalhadores, no entanto, a Ergonomia vai para frente, principal-
mente quando se dá de forma participativa, como foi o caso. As melhorias no posto, no
entanto, não são suficientes para otimizar o que é o foco maior da Ergonomia: o trabalho
em si pouco foi alterado, permanecendo desgastante e sem perspectiva.
Esse estudo foi um típico uso de macroErgonomia para atender uma demanda
microergonômica. A empresa queria apenas a especificação de um assento, mas com a
AMT foi possível identificar outros problemas mais importantes, sendo que a questão da
meia-calça e da maquiagem foi uma grande surpresa. Essa descoberta foi possível porque
a AMT é uma ferramenta macro-orientada, pois não foca o posto, mas sim no trabalho
como um todo e faz uso da Ergonomia participativa. Independente da demanda, ela sem-
pre inicia com uma entrevista geral e aberta e que faz apenas uma única pergunta: Fale
do seu trabalho. Durante as falas, o que mais se observou foi a indignação com o fato de
a empresa exigir que as funcionárias usassem meia e sapato clássico para combinar com
a saia preta, que era o uniforme utilizado na época em que o estudo foi realizado. Porém,
a meia não era fornecida pela empresa, sendo as funcionárias obrigadas a comprá-las.
Além disso, fazia-se necessária a compra de muitas meias, devido à necessidade de usar
uma por dia (as meias desfiavam-se durante o uso na ilha). Na época, uma meia simples
custava em torno de R$ 1,00, mas como compravam em média 22 meias por mês, isso
representava 10% do salário delas. A maquiagem também era exigida, mas a Empresa
disponibilizava um único estojo comunitário, (todo mundo usando a mesma maquia-
gem, que era guardado no banheiro). Foi uma experiência importante esses dois itens
terem sido resolvidos imediatamente, perante a juíza, durante a primeira audiência do
NDES/LOPP com a Empresa, representantes da Delegacia Regional do Trabalho (DRT) e
do Sindicato dos Comerciários. A solução foi dada pelos representantes do NDES/LOPP
naquele momento para os dois problemas, que foram acatados de imediato pela juíza
que colocou as soluções na ata: foi proposta a substituição da saia e do sapato por uma
calça comprida e sapato baixo (o que provavelmente influenciou positivamente na re-
dução da dor nos pés), o que elimina o uso de meia-calça. A juíza também ordenou que
Capítulo 30 | Atendimento em loja – check-out 545

a empresa fornecesse um kit de maquiagem para cada vendedora a cada seis meses. Por
causa da questão do assento, dois problemas muito mais graves, na opinião das vendedo-
ras, foram resolvidos. Mas na opinião dos pesquisadores, continuou a frustração da não
implementação de uma ilha melhor e de uma organização de trabalho melhor.

30.2. Página Escolar


Referências
GRANDJEAN, E. Manual de Ergonomia: adaptando o trabalho do homem. 4. ed. Tradução
de João Pedro Stein. Porto Alegre: Bookman, 1998.
GUIMARÃES, L. B. M. Análise macroergonômica do trabalho (AMT). Porto Alegre: PPGEP/
UFRGS, 1999.
GUIMARÃES et al. Relatório de apreciação ergonômica. Porto Alegre: PPGEP/UFRGS,
2001a.
______. Relatório de diagnóstico ergonômico. Porto Alegre: PPGEP/UFRGS, 2001b.
______. Relatório de projetação ergonômica. Porto Alegre: PPGEP/UFRGS, 2001c.
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HIGNETT, S.; MCATAMNEY, L. Rapid entire body assessment (REBA). Applied Ergonomics,
n. 31, pp. 201-205, 2000.
KARU, O.; KANSKI, P.; KUORINKA, I. I. Correcting working postures in industry: a
pratical method for analisys. Applied Ergonomics, v. 84, pp. 199-201, 1977.
LEHMAN, K. R.; PSIHOGIOS, J. P.; MEULENBROEK, R. G. J. Effect of sitting versus
standing and scanner type on cashiers. Ergonomics, v. 44, n. 7, pp. 719-738, 2001.
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO – MTE. Norma regulamentadora n. 17 (NR
17): Ergonomia. Disponível em: <http://www.mte.gov.br>. Acesso em: 15 mar. 2009.
MC ATAMNEY L.; CORLETT, E. N. RULA: a survey method for the investigation of
work-related upper limb disorders. Applied Ergonomics, V. 24(2), pp. 91-99, 1993.
STONE, H. et al. Sensory evaluation by quantitative descriptive analysis. Food Technology,
v. 28(1), pp. 24-34, 2004.
TRAMONTIN A. C. Identificação dos itens de demanda ergonômica em lojas de cosméticos
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Pós-Graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre.
VITALI JÚNIOR, S. Comparação da carga postural dos operadores de duas ilhas de atendi-
mento de uma loja de departamento. 2004. Dissertação (Mestrado em Engenharia de
Produção) – Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
Capítulo

31 Teleatendimento

Bernardo Bastos

Introdução
Avanços tecnológicos na área de informática no final da década de 1980 possi-
bilitaram uma nova forma de comunicação entre as empresas e seus clientes. Eram as
centrais de atendimento (call centers), onde uma perspectiva de produção de novos pro-
dutos mais próximos às necessidades dos clientes era vislumbrada. Elas são utilizadas,
normalmente, para receber ligações de usuários/clientes de um determinado produto de
uma empresa (central receptiva) e também para a aquisição de novos clientes (central
ativa). De acordo com o Anexo II da NR 17, entende-se como call centers o ambiente de
trabalho no qual a principal atividade é conduzida via telefone e/ou rádio com utilização
simultânea de terminais de computador.
As centrais de teleatendimento ou telemarketing estão presentes em diversos seto-
res econômicos, desde a prestação de serviço: companhia de distribuição de água e gás,
telefonia, distribuidora de energia elétrica; até em empresas que promovem comércio
online pela internet. O Anexo II da NR 17 define o trabalho de teleatendimento/telema-
rketing como aquele cuja comunicação com clientes/usuários é realizada à distância por
intermédio da voz e/ou mensagens eletrônicas, com a utilização simultânea de equipa-
mentos de audição/escuta e fala telefônica e sistemas informatizados.

31.1. Caracterização
Uma empresa de cartões de crédito que utiliza o serviço de teleatendimento para
o atendimento de seus clientes e o de telemarketing, responsável pela incorporação de
novos clientes portadores de cartão de crédito.
O atendimento ao cliente é um dos produtos oferecidos para que o cliente entre
em contado com a empresa de cartões de crédito para pedir informações, reivindicar
Capítulo 31 | Teleatendimento 547

algo ou solicitar algum serviço. O objetivo desse atendimento é recepcionar o usuário,


satisfazer sua demanda e sanar qualquer dúvida que ele possa ter, sempre com qualidade,
eficiência e agilidade.
O acesso a esse produto é por meio de uma ligação para o setor de atendimento
da empresa. Quando a chamada entra no sistema de atendimento, ela é direcionada para
o funcionário (atendente) que esteja ocioso e disponível naquele momento. O atendente
executa no sistema informatizado do seu computador as funções necessárias para satis-
fazer as necessidades dos clientes. Após o atendimento, o funcionário encerra a ligação e
aguarda a próxima chamada.
Para os funcionários há uma escala, ou seja, uma tabela que determina os horários
de trabalho. Ela ocorre semanalmente na empresa, sempre de acordo com os períodos
que ocorrem um aumento no número de ligações. As escalas são individuais e nelas estão
inseridos também os horários para lanche de cada funcionário.
No trabalho dos atendentes de teleatendimento/telemarketing são elaborados re-
latórios de desempenho individuais e coletivos, uma vez que esse setor possui metas de
atendimento a serem observadas e alcançadas.

31.2. Descrição da atividade


O trabalho dos atendentes consiste em recepcionar as chamadas, buscar uma so-
lução e encerrar a ligação. Para isso, a empresa possui um procedimento que deve ser
seguido em cada nova ligação, todavia, se a empresa exigir o cumprimento estrito de um
script ou roteiro de atendimento, isso é vedado pelo item 5.11, alínea “a” do Anexo II
da NR 17. O tempo de espera entre um atendimento e outro dura aproximadamente de
dois a cinco segundos.
Na empresa de cartões de crédito os funcionários são avaliados de acordo com: a
prontidão com a qual realizam o atendimento, a utilização da linguagem correta, o tom
de voz, a clareza, a agilidade e a qualidade. Os modelos de diálogos nos procedimentos
da empresa devem conter micropausas para evitar a carga vocal intensiva do atendente,
assim como a empresa deve promover o estímulo à ingestão frequente de água potável
fornecida gratuitamente (item 8.2.1, alíneas “a” e “c”, Anexo II – NR 17).
A filial da empresa localizada no Rio de Janeiro atende em média 45.000 ligações/
dia, o que ocasiona de 30 até 120 ligações/dia por atendente. É uma atividade inserida
em um contexto de repetitividade de procedimento e ações, havendo somente alteração
na solicitação dos clientes nas ligações.
Em alguns atendimentos se faz necessário o uso de papel e caneta para anotações
referentes a dados e processos de clientes. Para isso, a bancada do posto de trabalho deve
possuir, no mínimo, profundidade de 90 cm e uma largura de 100 cm que proporcionem
zonas confortáveis de alcance manual (item 2.1, alínea “d”, Anexo II – NR 17).
548 Ergonomia ELSEVIER

31.2.1. População
No setor de teleatendimento/telemarketing trabalham 180 atendentes, divididos
em grupos de quatro componentes, onde cada grupo se localiza em uma baia. Do total da
população, 68% são mulheres e 32% são homens. São três turnos de cinco ou seis horas
diárias de segunda a sábado, não podendo ultrapassar seis horas diárias o tempo de tra-
balho, incluindo as pausas, sem prejuízo da remuneração (item 5.3, Anexo II – NR 17).
Além da carga horária semanal, há plantões compulsórios de seis horas aos do-
mingos e feriados, pois a empresa possui um atendimento de 24 horas todos os dias,
como consequência os atendentes trabalham 13 dias consecutivos, sem um dia para
descanso. Contudo, de acordo com o item 5.1.1 do Anexo II da NR 17 os trabalhadores
são assegurados com pelo menos um dia de repouso semanal remunerado coincidente
com o domingo, independentemente de metas, faltas e produtividade.
Para prevenir sobrecarga psíquica, muscular estática de pescoço, ombros, dorso
e membros superiores, as empresas devem permitir o aproveitamento de pausas de des-
canso e intervalos para repouso e alimentação aos trabalhadores (item 5.4 do Anexo II
da NR17).
Durante o expediente há duas pausas diárias de 15 minutos para lanche e elas
são estipuladas de acordo com os períodos de menor intensidade nas chamadas, como
no período da manhã e da tarde no horário comercial. Lembrando que as pausas devem
ser concedidas fora do posto de trabalho em dois períodos de dez minutos contínuos,
após os primeiros e antes dos últimos 60 minutos de trabalho em atividade (item 5.4.1,
alíneas “a”, “b” e “c” do Anexo II da NR 17).

31.2.2. Ambiente
A temperatura do ambiente é regulada em uma central localizada em outro an-
dar nas instalações da empresa de cartões de crédito. O item 4.2.1 do Anexo II da NR
17 recomenda a implementação de projetos adequados de climatização nos ambientes
de trabalho que permitam distribuição homogênea das temperaturas (entre 20 oC e
23 oC) e fluxo de ar. E, se necessário, controles locais ou setorizados de temperatura e
fluxo de ar.
As janelas do setor de teleatendimento/telemarketing estão dispostas paralelamen-
te aos monitores e permanecem constantemente fechadas. A iluminação é provida por
luz fria indireta. A iluminação do local de trabalho deve ser adequada e apropriada à ati-
vidade de teleatendimento/telemarketing, podendo ser natural ou artificial (NR 17, item
17.5.3). A iluminação deve ser uniformemente distribuída e difusa, projetada e instalada
de forma a evitar ofuscamento, reflexos, incômodos e sombras (NR 17, item 17.5.3.1 e
17.5.3.2).
Capítulo 31 | Teleatendimento 549

31.3. Posto de trabalho (mobiliário)


Cada posto de trabalho dos atendentes do teleatendimento/telemarketing possui
um computador com teclado, mouse e um software no qual são acessados os dados dos
clientes. O monitor de vídeo deve ser posicionado frontalmente ao atendente propor-
cionando corretos ângulos de visão e possuir ajustes da tela para proteger o funcionário
contra reflexos indesejáveis (item 3.3 do Anexo II da NR 17).
Há também um telefone junto ao computador por onde as chamadas telefônicas
entram e um headset (fone de ouvido unilateral com microfone acoplado) para se co-
municar com o cliente e saber quando há uma nova chamada. Os headsets devem ser
individuais, fornecidos gratuitamente e permitem ao funcionário a alternância do uso
de orelhas ao longo da jornada de trabalho e que sejam substituídos sempre que apre-
sentarem defeitos ou desgaste devido ao uso. Eles também devem ter seus dispositivos
de operação e controles de fácil uso e alcance, alem de permitir ajuste da intensidade
do nível sonoro e ser provido de sistema de proteção contra choques acústicos e ruídos
indesejáveis de alta intensidade, o que garante o entendimento das mensagens (item 3.1,
3.1.2 e 3.1.3, alíneas “c” e “d” do Anexo II da NR 17).
O mobiliário possui ajustes. As cadeiras possuem regulagens no encosto, no apoio
para braços e assento. As mesas possuem ajustes independentes para monitor e teclado.
Há também um conjunto móvel de três gavetas que se encaixa sob a mesa e fica loca-
lizado lateralmente à cadeira. O mobiliário fornecido ao trabalhador deve atender aos
itens 17.3.2, 17.3.3 e 17.3.4 e alíneas da Norma Regulamentadora n. 17, que cita que
o mobiliário deve proporcionar ao trabalhador condições de boa postura, visualização e
operação. Menciona também que os assentos utilizados nos postos de trabalho devem
atender requisitos mínimos de conforto como altura ajustável, borda frontal arredondada
e encosto para proteção da região lombar. E, se necessário, pode ser exigido suporte para
os pés, que se adapte ao comprimento da perna do trabalhador.
Cada atendente está alocado em baias na forma de um quadrado com outros três
atendentes, cada um localizado em uma quina.
Em cada posto, o funcionário pode visualizar a contagem do tempo de cada liga-
ção, item que auxilia no controle do seu trabalho, pois o monitoramento da produtivida-
de deve estar disponível para consulta pelo atendente (item 5.9 do Anexo II da NR 17).
Os atendentes permanecem sentados de frente para o computador durante a jor-
nada de trabalho, exceto nas pausas para o lanche.

31.4. Impactos identificados


Numa central de atendimento (call center), a empresa desenvolve suas atividades
voltadas para a satisfação do cliente/usuário. O dinamismo no qual esse trabalho está in-
serido, a imprevisibilidade em relação aos picos de chamadas, a variabilidade de deman-
das que podem ser solicitadas aos atendentes, associados ao fator tempo, desencadeia
550 Ergonomia ELSEVIER

riscos à manutenção da produtividade em decorrência das exigências do trabalho em call


centers. Todos esses fatores elevam a carga de trabalho e a carga mental que se manifestam
por meio de problemas operacionais e algias (dor) nos atendentes.
Na empresa de cartões de crédito, os funcionários permanecem 90% do tempo de
trabalho sentados de frente para o computador, sendo que essa situação contribui para o
aparecimento de problemas posturais decorrentes da postura estática.
Outros fatores como a repetitividade e a monotonia de procedimentos geram po-
sições estressantes como extensão, flexão ou desvio no punho, elementos contribuintes
para a manifestação de sintomas como dor, pois afetam a carga músculo esquelética.
O trabalho sentado adquire um caráter cumulativo e de instalação de lesões de forma
gradual.
No total de funcionários que trabalham no setor de teleatendimento/telemarke-
ting, 51% dos trabalhadores afirmam que possuem uma ou mais dores em alguns lu-
gares no corpo, como coluna, cabeça, pernas, punhos e ombros. A maior incidência de
dor está localizada na região lombar, devido ao longo período em que ficam sentados.
Quando o trabalhador encerra sua atividade de trabalho e retorna a casa, constata-se que
ele continua com os sintomas de dor, até mesmo nas suas atividades após o expediente.
O mobiliário fornecido pela empresa e as cadeiras são considerados inadequados
para atividade de call center e responsáveis por reclamações de funcionários como fatores
desencadeantes de dores. O reflexo em telas de computadores são também fatores pre-
sentes na empresa que promovem desconforto e condições impróprias de trabalho aos
funcionários.

31.5. Página escolar


Questões
Empregando o método fornecido, determine estimativas para os seguintes casos:
1) Uma produção de artefatos como sandálias de borracha.
2) Uma lanchonete.
Capítulo

32 Hotel

José Mario Carvão, D.Sc. – GENTE/COPPE/UFRJ


José Roberto Dourado Mafra, D.Sc. – UFRJ
Mário Cesar Vidal, Dr. Ing – PEP/COPPE/UFRJ

Introdução
A auditoria fiscal do Ministério do Trabalho, em visita a um hotel de grande porte
estabelecido na cidade do Rio de Janeiro, solicitou à empresa a elaboração de uma análise
ergonômica do trabalho (AET) com base nas Normas Regulamentadoras (NR 17) refe-
rentes à aplicação dos conceitos de Ergonomia nas atividades de trabalho. Os postos de
trabalho a serem observados, sugeridos pela fiscalização, apontavam para dois ambientes
distintos: recepção e cozinha do hotel. Neste capítulo, especialmente, apresentaremos
os resultados da análise realizada com um dos profissionais que constituem o serviço de
recepção do hotel: o capitão-porteiro.

32.1. Metodologia
Foram realizadas visitas aos locais indicados pela fiscalização, sempre acompa-
nhadas pelo técnico de segurança do hotel, responsável pela apresentação e a introdução
da equipe nos ambientes de trabalho. A metodologia de trabalho seguiu um roteiro bási-
co de entrevistas com perguntas abertas aos funcionários e a observação direta destes em
suas atividades de rotina. Para a realização da AET, a dinâmica do trabalho dos ambientes
e postos de trabalho indicados foi registrada por meio de:
UÊ Anotações in loco das conversas com os trabalhadores, técnicos, funcionários e
gerência do Hotel.
UÊ Coleta de dados junto à gerência de recursos humanos e a observação de vídeos e
o job script cedidos pelo setor de segurança patrimonial.
UÊ Fotografias.
552 Ergonomia ELSEVIER

UÊ Validação feita com a participação dos entrevistados que resultou em ajustes na


elaboração final do relatório.
Os conteúdos dos resultados foram compostos pela: 1) caracterização da situação
de trabalho; 2) a indicação normativa pertinente; e 3) a indicação de melhoria. Adotamos
ainda a quantidade e relevância dos problemas como critérios básicos para indicar posi-
ções ou situações que requeiram um aprofundamento de mudanças.

32.2. A atividade de trabalho do capitão-porteiro


A recepção do hotel compreende, no quadro da investigação dos seus postos de
trabalho, o capitão-porteiro, o concierge (atendimento interno de portaria), a recepção de
hóspedes e os mensageiros. O capitão-porteiro reporta-se ao chefe de concierge e recebe
apoio dos mensageiros/manobristas (com a bagagem e a manobra de veículos) e dos
seguranças.
O posto de trabalho situa-se na entrada principal do prédio, em frente ao hall
de recepção (Figura 32.1) e tem como função a responsabilidade de monitorar, super-
visionar, coordenar e executar as atividades de entrada e saída de hóspedes, bagagens e
veículos no hotel. Esse controle é feito por meio do preenchimento de fichas pelos hós-
pedes na recepção (check-in e check-out), controle de bagagens (feito pelos mensageiros)
e vistoria de veículos (sob supervisão do capitão-porteiro).

Figura 32.1: Arranjo físico do posto de trabalho


Capítulo 32 | Hotel 553

O capitão-porteiro trabalha instalado em um mobiliário do tipo púlpito (Figu-


ra 32.2 e 32.3), no alto da escada principal do hotel, contendo um compartimento em-
baixo para guardar as chaves de veículos. O profissional utiliza o uniforme típico das
redes de hotelaria constituído por sapatos com meias, calça escura, camiseta branca, pa-
letó branco por cima da camisa e um quepe. O trabalho é executado prioritariamente na
posição de pé, salvo ao manobrar veículos, onde estará, obviamente, sentado por alguns
momentos. O funcionário, da posição no púlpito, tem a visão completa dos acessos de
entrada no estabelecimento.

Figura 32.1: O capitão-porteiro


Figura 32.2: Detalhe do posto de trabalho
HPDWLYLGDGH

Em sua jornada de trabalho é feito o uso cuidadoso e diário do seu estado pessoal
(higiene e simpatia) no contato com os clientes que o abordam e da atenção na monitoria
da movimentação de hóspedes, transeuntes e veículos. Deve estar atento à movimenta-
ção de entrada/saída do hotel e providenciar o estacionamento para os hóspedes, porque
“o capitão sempre tem uma vaga”. Requer também a condição de tradutor e intérprete,
bem como a proteção dos hóspedes e do patrimônio do hotel. Para garantir a proteção,
conta e interage com o pessoal da segurança (interna e externa).
A função é coberta por um efetivo de três funcionários – dois trabalhando em
turnos fixos e outro cobrindo as folgas – distribuídos em três turnos de trabalho: de
07:00 às 15:20, de 15:20 às 23:00 e de 23:00 às 07:00, com uma folga semanal. O turno
envolve 7:20 de trabalho de pé. O momento de maior movimentação acontece por volta
das 21:00 para o acesso aos restaurantes do hotel e aos sábados no horário do almoço.
Os atendimentos podem ser diferenciados e divididos por tipos de clientes: visitantes,
hóspedes e frequentadores.
554 Ergonomia ELSEVIER

O atendimento na recepção de hóspedes segue, geralmente, o seguinte roteiro:


1) Chegada do veículo com o hóspede e sua bagagem.
2) O capitão se posiciona na calçada para esperar o veículo parar.
3) O carro para em frente à escada e o capitão-porteiro contorna o veículo, abre a
porta do motorista, e fica com as chaves do carro.
4) Faz uma vistoria do veículo, anotando qualquer irregularidade aparente na ficha
de controle do veículo.
5) Aciona os mensageiros e ajuda o hóspede com a sua bagagem.
6) Conduz o hóspede à portaria e os mensageiros o seguem.
7) Aciona outro mensageiro para estacionar o veículo e volta ao seu posto. Depen-
dendo das circunstâncias, ele mesmo estaciona o veículo.

32.3. Caracterização de problemas


As entrevistas permitiram esclarecer alguns dos problemas relacionados com a
atividade. Duas exigências foram apontadas pelos interlocutores: uma física e outra cog-
nitiva. De acordo com os depoimentos, é uma profissão que exige muito do estado físico.
Não existe local para descanso próximo ao posto de trabalho, provocando uma sobrecar-
ga de esforço nas pernas e costas (fadiga), facilitando ainda o aparecimento de varizes. O
resultado dessa sobrecarga gera problemas na coluna e dores nas pernas – o mais velho
não aguenta. A estratégia para descansar consiste basicamente em apoiar os braços no
púlpito.
Do ponto de vista cognitivo, por ser considerada uma função a qual lhe é atri-
buída a responsabilidade de observação sobre a entrada e saída do hotel, verifica-se a
obrigatoriedade de permanecer atento e dar conta de tudo o que acontece ao seu redor,
exigindo, consequentemente, um considerável estado de memorização. Dessa maneira,
reveste-se a atividade de um teor estressante, resultando em cobranças dos superiores
pela sua postura e cumprimento de procedimentos. Com a intensidade do trabalho (gru-
pos de excursões e muitos hóspedes simultâneos), o porteiro fica nervoso.

32.4. Caracterização normativa


A Norma Regulamentadora 17 no item 3 adverte sobre o mobiliário dos postos
de trabalho. E ressalta no item 3.1 que “sempre que o trabalho puder ser executado na
posição sentada, o posto de trabalho deve ser planejado ou adaptado para esta posição”.
Ou seja, que o trabalho que deve ser executado em pé deverá ter planejados recursos
para compensar o prolongado da postura nessa execução.
Conforme o exposto no parágrafo anterior, o item 3.5 da Norma Regulamentadora
17 aponta “para as atividades em que os trabalhos devam ser realizados de pé”, e que
nos locais dessas atividades devem ser colocados assentos para descanso em pontos que
possam ser utilizados pelos trabalhadores durante as pausas.
Capítulo 32 | Hotel 555

No item 6 da NR 17, que versa sobre a organização do trabalho, afirma que esta
deve ser adequada às características psicofisiológicas dos trabalhadores e à natureza do
trabalho a ser executado. Chamamos a atenção nos dois pontos seguintes: No item 6.2,
que deve levar em consideração, no mínimo: a) as normas de produção; b) o modo ope-
ratório; c) a exigência de tempo; d) a determinação do conteúdo de tempo; e) o ritmo de
trabalho; e, f) o conteúdo das tarefas. E, as ressalvas no item 6.3, quando das atividades
que exijam sobrecarga muscular estática ou dinâmica de membros inferiores. Deve ser
observado o seguinte: a) para efeito de remuneração e vantagens de qualquer espécie
deve levar em consideração as repercussões sobre a saúde dos trabalhadores; e, b) devem
ser incluídas pausas para descanso.

32.5. Indicações de melhorias


Destinar um local para descanso próximo ao posto de trabalho (organizar pau-
sas). O problema pode ser atenuado com a instalação de um apoio (banqueta industrial
semissentado, por exemplo) disponível em algum ponto próximo ao posto de trabalho.
O púlpito pode ter ainda um pequeno degrau (bancada) para apoio do pé. De forma
complementar, proceder à orientação de compensações dos esforços de acordo com as
oportunidades e o bom andamento do trabalho. Os capitães-porteiros devem estar in-
cluídos nos mesmos moldes de treinamento e orientações aconselhados aos mensageiros
no que diz respeito a levantamento, movimentações e compensação de cargas. Apesar
das rígidas tradições que envolvem o trabalho em hotéis, tem-se o conhecimento de que
outras redes hoteleiras adotam sistemas que oficializam o descanso.
O uniforme quente e restritivo aos movimentos, pode ser estudado no que se
refere aos tecidos e corte para permitir maior flexibilidade de movimentos e baixa acu-
mulação de calor, considerando que o funcionário exerce atividades físicas. A responsa-
bilidade da função pode ser compartilhada em reuniões periódicas de procedimentos,
discussões e resolução de problemas com a gerência e outros membros da equipe subsi-
diada por treinamentos, literaturas e atualizações profissionais.
Capítulo

33 Ergonomia, sustentabilidade
e pesca
Pimenta, E. G., M.Sc.; Resende, M. F., Esp. Erg. – GEPESCA/UVA
Mario Cesar Vidal, Dr. Ing. – PEP/COPPE/UFRJ

Introdução
O presente texto tem como objetivo relatar os arranjos ergonômicos locais im-
plementados pelo Grupo de Estudos da Pesca/Gepesca para adequação antropotecnoló-
gica do desembarque de sardinha (Sardinella brasiliensis) na cidade de Cabo Frio-RJ. O
município é o maior produtor nacional da espécie e sua carne tem grande aceitação de
mercado, o que a coloca como principal produto pesqueiro da região Sudeste brasileira.
Sua captura é regulamentada por legislação específica, onde ocorre um longo período de
defeso. Parte da produção é comercializada fresca e a outra parte é destinada à indústria
de enlatados. No curto período em que a pesca é liberada anualmente, a frota nacional
se dirige para Cabo Frio objetivando exercer esforço de pesca. Com a chegada de grande
quantidade de pescado em curto período de tempo nas indústrias localizadas no Cais da
Barra municipal, ocorre uma drástica modificação na rotina local mediante a presença
do pescado, da frota de barcos e de caminhões de transporte e suas respectivas logísticas.
Esse cenário pontual requer um novo arranjo local em termos ecológico, econômico e
social no mais representativo cais municipal.

33.1. Desenvolvimento
Originalmente, a retirada do pescado da urna se dá mediante a utilização de um
sistema de alagem onde o peixe é içado, após ser colocado em uma tina, daí para o cais.
Nesse processo foram registrados desperdícios mediante a queda de peixe entre a urna
do barco e o cais. Majoritariamente, essas perdas chegam às águas do Canal Itajuru,
Capítulo 33 | Ergonomia, sustentabilidade e pesca 557

caindo através do espaço existente entre o cais e o bordo da embarcação. Em 2007, es-
timou-se que aproximadamente 1% de cada desembarque era computado como perdas
e significativa parte chegava as águas do Canal Itajuru, aproximadamente 0,5%. Nas
águas do canal, o pescado era levado, nas marés enchentes, para as praias da Lagoa de
Araruama, nos bairros vizinhos ao entreposto de desembarque. Já nas marés vazantes,
o pescado tinha como destino a Praia do Forte, a mais representativa de Cabo Frio,
considerada a praia modelo municipal, onde é implementado pela Guarda Marítima e
Ambiental/GMA municipal, um complexo plano de gestão. Esse fato gerou uma série
de demandas, a citar: a necessidade de limpeza diária das praias por até três turnos,
acidentes com banhistas (lesão nos pés por espinhos de nadadeiras), atração de urubus
e aumento da matéria orgânica no corpo hídrico. O poder público municipal estava
diante de grande pressão, tanto dos empresários da pesca, interessados na manutenção
dos desembarques, como por parte dos usuários das praias, incomodados com o ce-
nário de putrefação de peixes e suas consequências. O executivo municipal, por meio
da GMA, foi acionado para diagnóstico e ação de ajuste de conduta dos envolvidos no
processo de captura, comercialização e transporte de peixe. A GMA buscou a consul-
toria do Gepesca para a resolução da questão, considerando que a atividade pesqueira
e turística são as principais molas propulsoras do desenvolvimento da cidade. No pro-
cesso de diagnóstico, foi constatada a inadequação do modo operante de desembarque
entre a urna e o cais. Fração esta em que foi verificada significativa perda por meio
de queda de pescado no assoalho do cais e consequentemente nas águas do canal de
atracação da frota. Sete indústrias são sediadas no Cais da Barra, algumas mais e outras
menos adequadas ao processo de automação do desembarque. As mais preparadas
desperdiçavam menos e as menos preparadas desperdiçavam mais; de um modo geral
foram registrados desperdícios em todas elas. Esses desperdícios tinham como destino
as águas do canal. No primeiro momento, em caráter emergencial, o poder público,
por meio da GMA, seguindo as recomendações do diagnóstico do Gepesca, exigiu a
colocação de uma redinha de contenção entre o bordo da embarcação e o cais de de-
sembarque. De imediato os resultados apareceram e sobras do processo de desembar-
que não mais chegavam às águas. Foi observada, na ação, a necessidade de ajuste da
redinha mediante a oscilação da maré e peso do pescado sobre ela caído. Por diversas
vezes, foi necessário ajustar e alterar as amarras da redinha, ficando responsável pelas
medidas corretivas uma pessoa do processo de desembarque.
558 Ergonomia ELSEVIER

)LJXUD$FLPDDUHGLQKDGRFDLVDEDL[RDHVWHLUD
HRSURFHVVRFRQYHQFLRQDOVXEVWLWXtGR

Na temporada seguinte, foi cobrado das empresas, como parte do ajuste de con-
duta, a utilização de uma esteira rolante ligando a boca da urna do barco ao cais, exi-
gindo um investimento maior; todavia, já capitalizadas com a excelente safra anterior e
sabedoras de suas responsabilidades signatárias no ajuste de conduta, elas investiram
na compra do equipamento e, em 2009, o problema da queda de pescado nas águas do
Canal Itajuru foi reduzido significativamente. No novo arranjo, foi registrada a perda
de pescado por meio da queda na acentuada mudança do ângulo da esteira rolante do
convés do barco para o cais. Como medida preventiva, optou-se pela manutenção da
redinha abaixo da esteira.

33.2. Conclusão
Por meio da ação ergonômica da utilização da redinha e, posteriormente, com a
utilização da esteira rolante entre a boca da urna do convés da embarcação e o cais, as
perdas foram reduzidas a índices insignificantes quando comparadas ao cenário anterior,
sem a redinha e a esteira. De modo que, na safra de 2010, o problema de desperdício
Capítulo 33 | Ergonomia, sustentabilidade e pesca 559

de pescado e sua consequente queda nas águas do Canal Itajuru no ato do desembarque
foi considerado resolvido pelas autoridades municipais. As indústrias de captura e co-
mercialização minimizaram perdas, o cenário das praias lagunares e oceânicas do Forte
São Mateus voltou ao seu status de excelência e o ambiente foi salvaguardado da matéria
orgânica em putrefação que reduzia os índices de oxigênio dissolvido, principalmente
na Lagoa de Araruama, que vem registrando nos últimos anos mortandade de peixe por
falta de oxigênio em seu corpo hídrico.
Capítulo

34 Simulação humana

Nilton Luiz Menegon, Daniel Braatz, Michel Silvério e


Luiz Antonio Tonin – UFSCAR

Introdução
Neste capítulo serão apresentados estudos de caso em que o uso da simulação
humana proporcionou diversos benefícios para o processo de projeto. Muitos casos po-
deriam servir de exemplo para diferentes campos industriais, porém, isso iria prolon-
gar demasiadamente o capítulo; sendo assim, será apresentado um quadro síntese, que
abrange um espectro de mais de dez anos da utilização dessa tecnologia no Brasil, e três
estudos de caso detalhados, que resultam de aplicações em diferentes setores industriais.
O Quadro 34.1 sintetiza a aplicação da simulação humana em diferentes projetos
realizados desde o ano de 1998. Tais projetos decorrem de parcerias entre a Universidade
Federal de São Carlos e diversas organizações; um detalhamento maior de cada caso é
apresentado por Braatz et al. (2007).

Quadro 34.1 – Síntese das aplicações desenvolvidas com simulação humana

Ano Empresa Objetivos


Projeto conceitual de um posto de trabalho
1998 Empresa pública de serviços postais.
informatizado.
Atualização e melhorias das normas para Projetistas
2001 Empresa do setor aeronáutico.
de Gabarito.
Desenvolvimento de projeto acadêmico visando a
2002 Empresa do setor aeronáutico.
melhoria do ensino de engenharia (REENGE III).
Avaliar projeto conceitual de posto de trabalho da
2003 Empresa do setor de linha branca.
Linha de montagem.
Avaliar as posturas dos pilotos em diferentes cockpits
2004 UFSCar. Equipe Mini-Baja.
(atual com relação ao modelo do ano anterior).
2003/2004 Empresa pública de serviços postais. Desenvolvimento de Agência Conceitual.
Desenvolvimento de um Balcão de Atendimento para
2003/2004 Empresa pública de serviços postais.
unidades postais.
Capítulo 34 | Simulação humana 561

Empresa fabricante de produtos Apresentar à referida empresa os benefícios e


2004 cosméticos, de higiene pessoal, limitações do uso da tecnologia de simulação
farmacêuticos e médico-hospitalares. humana.
Empresa fabricante de produtos
Desenvolver dispositivos para melhoria do posto de
2004 cosméticos, de higiene pessoal,
trabalho.
farmacêuticos e médico-hospitalares.
Empresa fabricante de produtos
cosméticos, de higiene pessoal, Desenvolver, avaliar e validar projeto conceitual de
2004/2005
farmacêuticos e cirúrgico- uma mesa de abastecimento de agulhas cirúrgicas.
hospitalares.
UFSCar. Departamento de Avaliar projeto conceitual de um laboratório
2006
Engenharia de Produção. acadêmico.
Desenvolver e avaliar projeto conceitual de uma
Empresa fabricante de material
2006 mesa de embalamento manual e de seu respectivo
escolar e de escritório.
setor.
(PSUHVDS~EOLFDGHH[WUDomRUHÀQRH
2007/2008 Avaliar projeto conceitual de um posto de trabalho.
distribuição de petróleo e derivados.
(PSUHVDS~EOLFDGHH[WUDomRUHÀQRH Desenvolver e avaliar projeto conceitual de uma
2009
distribuição de petróleo e derivados. cabine de ponte rolante.

Os três casos que serão detalhados a seguir são provenientes de projetos desenvol-
vidos nas áreas de prestação de serviços, manufatura e processo contínuo em empresas
públicas e privadas. Os processos de projetos foram desenvolvidos entre os anos de 2003
e 2009 e envolvem os projetos de postos de trabalho, sendo o primeiro em uma empresa
do setor de serviços com alto nível de interação com clientes, o segundo em uma empre-
sa de manufatura que possui como principal característica a alta repetitividade nos pro-
cessos produtivos e, por fim, uma indústria de processo contínuo que tem como campo
de atuação o refino de petróleo, processo este que é marcado pela sua periculosidade e
complexidade.

34.1. Estudo de caso 1: Projeto de um balcão de atendimento


A empresa onde se situa o primeiro estudo de caso pode ser caracterizada como
uma das maiores empresas públicas brasileiras, principalmente pela difusão no território
nacional e pelo número de empregados que possui.
A demanda para intervenção ergonômica nessa empresa, parte como resposta a
diversas notificações trabalhistas que fazem referência ao cumprimento de normas de
segurança e medicina do trabalho previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)
e da Norma Regulamentadora 17 do Ministério do Trabalho e Emprego (Brasil, 1990).
O projeto de Ergonomia previa atender às demandas por meio da realização de
AET e projetos de dispositivos resultantes dessas análises. Para execução e desenvolvi-
mento dos projetos foram destacadas pessoas de dentro da empresa, vindo de diferentes
setores, gerências e regiões geográficas para acompanhamento, aprendizagem e colabo-
ração durante todo o projeto de intervenção ergonômica, formando conjuntamente com
os pesquisadores, um grupo de trabalho para análise e projeto.
562 Ergonomia ELSEVIER

A partir do diagnóstico da situação existente o projeto foi direcionado para a


duas propostas: i) adequação do balcão existente (adaptação sem grandes modificações
estruturais); e ii) construção de um novo balcão de atendimento (novo desenho, aten-
dendo às queixas e questionários de percepção respondidos pelos usuários). Destaca-se
no presente estudo de caso apenas o processo de desenvolvimento da segunda proposta.
A proposta conceitual de um novo balcão nasceu da análise da atividade dos
usuários, do diagnóstico e dos resultados das análises biomecânicas para cada modelo
de balcão existente atualmente. Os requisitos de projeto para o desenho do novo balcão
foram discutidos a partir de características desejáveis.
Foram realizadas inúmeras simulações e análises com o software Jack apontando
a geometria favorável para contemplar os requisitos desejados em concordância com o
bem-estar do trabalhador. Em todas as simulações e análises foram utilizados o mane-
quim masculino percentil 95, como indivíduo extremo do limite superior, e o manequim
feminino percentil 05, visando o limite inferior. Com essa definição buscou-se projetar
um posto de trabalho apto para atender a, no mínimo, 90% da população.
Algumas das simulações e análises apresentadas estão ilustradas na Figura 34.1.

)LJXUD6LPXODo}HVHDQiOLVHVUHDOL]DGDVGXUDQWHGHVHQYROYLPHQWRGHSURMHWRFRQFHLWXDO

A seguir apresentamos como a tecnologia de modelagem e simulação humana


contribuiu para cada categoria de análise.
A forma da superfície de trabalho é um dos principais aspectos influenciadores
das atividades desenvolvidas nos balcões de atendimentos. Desse modo, a adoção da for-
ma em “U” para o tampo do balcão buscou atender a essa demanda de espaço, que, em
consonância com a liberação da parte inferior do tampo, retirada do gaveteiro existente
nos balcões atuais – permitiu ao atendente o giro de 180º. Por meio de simulações das
futuras atividades prováveis foi possível observar e avaliar questões como a relação de
profundidade do tampo com o alcance do atendente, principalmente no que tange ao
manequim digital feminino percentil 05 e sua interação com os clientes e objetos. Outra
importante contribuição da simulação humana nessa categoria de análise foi a verifica-
ção da disposição do grande número de equipamentos utilizados e o impacto no espaço
Capítulo 34 | Simulação humana 563

disponível. Destaca-se que a partir da forma em “U” da superfície de trabalho outros


parâmetros foram influenciados como a necessidade de se adotar uma cadeira giratória e
com rodízios deslizantes para permitir o giro e afastamento facilitado do posto.
Para a definição da altura do tampo do balcão os manequins foram posicionados
nas posturas em pé e sentada. Buscou-se como alvo primário a altura do cotovelo do
manequim feminino, evitando dessa forma que a altura da superfície de trabalho exi-
gisse movimentos extremos dos membros superiores desses trabalhadores. Em seguida,
verificou-se por meio de simulações se a altura estabelecida não poderia ser considerada
desconfortável para pessoas com percentis de altura acima de 90, tanto nas posturas em
pé quanto sentada.
Na concepção e avaliação do apoio para os membros superiores antecipou-se a fu-
tura atividade provável do trabalhador, simulando os equipamentos a serem incorpora-
dos, rotinas realizadas atualmente e outras demandas. Dessa forma, o objetivo era avaliar
o espaço necessário para o apoio de braços, punhos e mãos sem restringir ou dificultar
as atividades realizadas.
Visando o apoio dos membros inferiores, foi desenvolvida uma superfície deno-
minada “tablado” para o apoio planar dos pés. A simulação com os manequins de per-
centis extremos pôde verificar e validar a faixa necessária de ajuste de altura do tablado e
sua relação com o ajuste de altura do assento, evitando dessa forma que as pernas fiquem
em balanço.
O estudo do fluxo e movimentação dos materiais foi de extrema importância para
a concepção de um posto de trabalho que facilitasse e minimizasse esforços físicos por
parte do atendente. O principal objetivo foi definir e simular uma linha principal de
fluxo, que nos casos de objetos pesados, pudessem ser apenas arrastados, sem a neces-
sidade de levantar ou manusear tais objetos obrigando um desgaste físico com riscos de
lesões. As principais análises dessa categoria tiveram como foco a presença do percentil
feminino 05, simulando situações extremas de alcance e manuseio de materiais de gran-
des dimensões.
Para antecipar e avaliar as condições de interação entre cliente e atendente, foram
simulados diversos cenários, com variação dos percentis 05 feminino e 95 masculino nas
duas funções. No que tange a interação física (entrega de objetos ou dinheiro, por exem-
plo), a situação mais crítica encontrada foi no cenário onde o percentil 05 feminino exer-
cia a função de atendente. Considerando o contato visual e sentimento de inferioridade
(comumente encontrado na literatura sobre interação consumidor/fornecedor) o cenário
mais crítico foi o atendente percentil 05 feminino na postura sentada e o cliente manequim
masculino percentil 95 em pé. A relação entre atendentes, com enfoque para a facilidade
de comunicação, pôde ser constatada pelo campo visual e distância entre os manequins.
A partir da prototipagem digital foi construída a primeira versão física do novo
balcão de atendimento. Dessa forma, o móvel concebido para prototipagem física confir-
mou diversos conceitos com maior confiabilidade para as especificações técnicas, como
564 Ergonomia ELSEVIER

simetria, liberação da parte inferior do balcão, proximidade dos equipamentos de uso


frequente, segurança proporcionada pela gaveta de numerário, entre outros, conforme
ilustrado na Figura 34.2.

Figura 34.2: Prototipagem física de balcão de atendimento

34.2. Estudo de caso 2: Projeto de posto de trabalho em manufatura


O segundo caso ocorreu em uma empresa multinacional de grande porte que atua
na fabricação de produtos cirúrgico-hospitalares, de primeiros socorros, para higiene de
crianças, produtos de higiene oral, farmacêuticos, de higiene feminina e outros produtos
destinados à saúde dos consumidores. Com a matriz localizada nos Estados Unidos, atu-
almente essa empresa possui unidades produtivas em 51 países, estando no Brasil desde
1933. A atual planta industrial está instalada no interior do estado de São Paulo, com
cerca de 4.500 funcionários.
O posto de manufatura projetado consiste numa estação de trabalho de abasteci-
mento de suportes (conhecidos como pentes) com agulhas cirúrgicas visando posterior
processamento químico, sendo classificado como de alto potencial de risco devido sua
repetitividade, movimentos de alta precisão e com grande demanda de atenção.
Todo o processo de projeto durou cerca de dois anos e possuiu as seguintes fases:
UÊ Elaboração da análise ergonômica com o EJA.
UÊ Análise da atividade da situação com alto potencial de risco.
UÊ Decomposição do novo conceito do posto de trabalho em vários subsistemas.
UÊ Início do processo de projeto do posto considerando as restrições de projeto e
desenvolvendo os subsistemas paralelamente.
UÊ Confecção de mock-ups (modelo em escala natural) para experimentação e valida-
ção dos pressupostos conceituais referentes aos principais subsistemas.
UÊ Modelagem e simulação humana digital do sistema global.
UÊ Análise ergonômica do conceito global em ambiente digital com o instrumento
EJA.
UÊ Finalização das especificações técnicas.
Capítulo 34 | Simulação humana 565

O projeto foi caracterizado pela evolução conceitual dos subsistemas que, para um
melhor desenvolvimento, foi dividido em recortes conforme ilustrado na Figura 34.3.

)LJXUD,OXVWUDomRFRPVXEVLVWHPDVGHÀQLGRVFRPRUHFRUWHV

Esses recortes foram necessários para que questões fundamentais e prioritárias


pudessem ser analisadas e avaliadas separadamente em diferentes locais e intervalos de
tempo.
Com base nas análises resultantes dos desenvolvimentos iniciais dos subsistemas
foi possível iniciar a construção de um conceito global com o auxílio de ferramentas de
computação gráfica, em especial a simulação humana. Os requisitos de projeto para o
desenho da solução global foram discutidos a partir das características necessárias, e
possuíram como categorias de análise os movimentos e posturas do trabalhador e a pro-
dutividade do sistema.
Na concepção e avaliação do subsistema mesa, a principal contribuição da mode-
lagem e simulação humana digital foi a concepção de uma geometria capaz de acomodar
os diferentes percentis (05 e 95) garantindo o espaço necessário à execução da atividade.
Para esse subsistema, a principal restrição existente foi o pequeno espaço delimitado
para o módulo de abastecimento de agulhas. Buscando melhorar a situação de trabalho
em conformidade com os fatores de risco estabelecidos por um instrumento de análise
ergonômica, foi projetada uma região de apoio aos antebraços do operador. Durante a
etapa de simulação digital também foi definida a necessidade de bordas arredondadas
ao longo da superfície da mesa, não só devido aos aspectos do bem-estar humano, como
citado no exemplo anterior, mas também, para facilitar o manuseio das agulhas.
A definição da altura, e de toda a estrutura da mesa, também foram desenvolvidas
em ambiente digital. Buscou-se determinar uma altura adequada aos extremos popula-
cionais que fosse compatível com o adequado funcionamento do conjunto, principal-
mente para evitar colisões com o subsistema canal e esteira. Tal subsistema definiu um
limite mínimo de altura ao apresentar risco de colisão com os membros inferiores do
manequim percentil 95 (análise ilustrada na Figura 34.4) e, ao mesmo tempo, impôs um
limite máximo devido à necessidade de alcance do percentil 05.
566 Ergonomia ELSEVIER

)LJXUD6LPXODo}HVUHDOL]DGDVSDUDGHVHQYROYLPHQWRGHSURSRVWDSURMHWXDO

Na concepção do subsistema canal e esteira muitos conceitos puderam ser testa-


dos durante a etapa de simulação, com destaque para a contribuição sobre o posiciona-
mento do canal. Em um primeiro momento, o canal foi projetado paralelo ao plano lon-
gitudinal do operador, porém, após a avaliação em ambiente digital, e com a aplicação do
EJA, observou-se a necessidade da inclinação do mesmo em 30º no sentido anti-horário,
com referência ao plano citado, como mostra a Figura 26-a. Tal alteração reduziu a am-
plitude do movimento e o risco associado às lesões repetitivas. Essa mudança resultou
em um grande conjunto de alterações no modelo conceitual, contribuindo positivamente
para o projeto do sistema global e diminuindo o grau de incerteza sobre a sua eficiência.
Com relação à esteira, a simulação permitiu identificar a necessidade de uma redução
dimensional, devido, principalmente, à falta de espaço disponível.
Na concepção do subsistema suporte para os pentes, a simulação humana con-
tribuiu diretamente para estabelecer características do suporte e dos sistemas de ajustes
necessários visando o alcance dos operadores. A possibilidade de ajuste contribui dire-
tamente para o aumento do espaço de regulação de modo a permitir as variabilidades
individuais, inclusive para o modo operatório.
A concepção do subsistema descarte de agulhas foi resultado de desenvolvimentos
ocorridos durante as etapas de simulação. A necessidade desse subsistema surgiu devido
aos rigorosos sistemas de segurança, marcados principalmente pela existência de um
grande número de dispositivos sensoriais óticos. Dessa forma, quando ocorresse uma fa-
lha no sistema de pinça ou do canal (por exemplo, a inserção de duas agulhas ao mesmo
tempo), seria necessária a intervenção do operador. Com a concepção desse subsistema
Capítulo 34 | Simulação humana 567

as agulhas que fossem detectadas pelos sensores como fora do padrão eram automati-
camente descartadas. O subsistema foi projetado quando quase todos os elementos já
estavam em fase avançada de concepção, o que acarretou uma dificuldade adicional na
sua alocação física no sistema global.
A simulação humana digital contribui de forma significativa na compreensão da
complexa restrição espacial existente no local por meio da análise detalhada dos equipa-
mentos e as possibilidades de choque físico com os membros inferiores do manequim
percentil 95.
A partir da prototipagem digital foi possível construir as especificações técnicas
do novo posto de trabalho, consorciando diversos fatores e equacionando questões do
bem-estar humano e produtividade.

34.3. Estudo de caso 3: Projeto de uma cabine de ponte rolante


O terceiro estudo de caso envolveu uma unidade de refino de petróleo e gás natu-
ral, localizada no estado de São Paulo que possui como principal característica o fato de
ser uma das mais antigas unidades de processamento de petróleo do país. A indústria de
processo contínuo, em específico a indústria de petróleo, tem suas atividades determina-
das pela periculosidade e complexidade dos processos.
A demanda pode ser contextualizada dentro de uma estruturação dos programas
de Ergonomia nas unidades de refino brasileiras, que teve como objetivo o estabeleci-
mento de diretrizes corporativas para a gestão de Ergonomia.
Entre os diferentes objetivos almejados com o programa, o principal era a pro-
moção de uma melhor relação do homem com seu trabalho, de modo a proporcionar a
prevenção, a minimização e a eliminação dos agravos à saúde do trabalhador, por meio
da adequação ou concepção das situações de trabalho.
Assim, surge a demanda da cabine de ponte rolante, que deveria ser concebida
utilizando-se dos critérios de Ergonomia de concepção.
Um dos principais pontos a serem destacados no desenvolvimento do projeto da
nova cabine foi a possibilidade de confrontação entre as diferentes perspectivas dos par-
ticipantes do projeto (engenheiros, operadores e ergonomistas), a qual foi realizada por
meio da construção dos ambientes de simulação.
Entre os diferentes ambientes desenvolvidos para a confrontação, a geração de
maquetes 3D e uso de simulações humanas digitais puderam ser consideradas como sen-
do os principais, uma vez que permitiram a representação do protótipo digital da cabine,
bem como, a análise das atividades futuras prováveis dos operadores. A Figura 34.5
ilustra uma versão do protótipo digital da cabine.
568 Ergonomia ELSEVIER

Figura 34.5: Protótipo digital da cabine

Sendo assim, o projeto da nova cabine teve seu início com a realização da AET
a qual forneceu um diagnóstico quanto às recomendações a serem incorporadas pelo
projeto. Em seguida uma primeira proposta foi elaborada em ambiente CAD atendendo
a critérios como:
UÊ Apoio para os pés do operador da cabine – a nova cabine deve contemplar incli-
nação para o apoio dos pés, que deverá ser construído de modo a não obstruir a
visibilidade do operador.
UÊ Visibilidade frontal da cabine – a parte da frente da cabine deve ser construída
de modo a não prejudicar o campo visual do trabalhador, ou seja, não poderiam
existir divisões ou obstáculos na parte frontal da cabine.
UÊ Tratamento térmico e ventilação – a nova cabine deve possibilitar ao operador a
regulagem da temperatura e ventilação em seu interior.
UÊ Comunicação – a cabine deve possibilitar a comunicação das pessoas externas
com o operador da ponte rolante para que ele fique ciente da presença delas. Para
contemplar tais observações foi incorporado ao projeto da cabine um “interfone”.
Apesar de a primeira proposta parecer satisfatória, essa não contemplou a repre-
sentação de todos os participantes, sendo sugeridas alterações quanto a inclinação dos
vidros localizados na parte frontal da cabine.
Capítulo 34 | Simulação humana 569

Outro ponto discutido pelos atores envolvidos no projeto foi a localização dos
joysticks no comando, pois o conceito propunha que eles fossem fixados em uma base
inclinada de forma a proporcionar maior campo de visão ao operador. Somada à questão
da visibilidade, também existia a necessidade da distância entre os joysticks (cotovelo a
cotovelo, sentado) que deveria ser de no máximo 60 cm (Menegon, 2002).
Tais exigências não foram atendidas na proposta apresentada pela empresa respon-
sável em fornecer o equipamento, que justificou a impossibilidade por questões técnicas.
Como forma de avaliar o impacto que o não atendimento da condicionante “dis-
tância entre os Joysticks” traria aos trabalhadores, foram elaboradas simulações humanas
(com o uso do software Jack) para os percentis 5 e 95. Também foram avaliadas as questões
referentes ao acesso aos botões e a visibilidade que os operadores teriam na futura cabine.
Os critérios a serem atendidos com a geração da simulação para os percentis 5 e
95 foram:
UÊ Avaliar os campos de visão laterais e frontais.
UÊ Avaliar a zona de alcance, para os botões.
UÊ Avaliar a zona de alcance, para os manetes.
As Figuras 34.6 e 34.7 apresentam a análise de alcance dos comandos que foram
propostos pelos fornecedores e os campos de visão para diferentes percentis (a haste ver-
melha nas figuras representa o limpador do vidro localizado na parte externa da cabine).

)LJXUD$QiOLVHGRDOFDQFHGHFRPDQGRVSDUDRSHUDGRUHVSHUFHQWLOH
570 Ergonomia ELSEVIER

)LJXUD&DPSRYLVXDOSDUDRSHUDGRUHVGHSHUFHQWLOH

Por meio do processo de simulação foi possível confirmar que o não atendimento
das recomendações traria dificuldades na operação dos joysticks.
Quanto à visibilidade, esta não seria impactada pela estrutura da cabine e da pol-
trona. Porém, o acesso aos botões apresentou maior dificuldade de acesso para os ope-
radores de percentil 5, porém, o nível de não conformidade foi julgado como baixo, não
inviabilizando a execução do projeto.
Embora a participação da Ergonomia nesse projeto tenha sido considerada de
fundamental importância pelos participantes, sua ação restringiu-se apenas a suges-
tões, que poderiam ou não ser acatadas pela coordenação do projeto. Sendo assim,
nem todos os constrangimentos apontados pela equipe de Ergonomia foram solu-
cionados.
Capítulo 34 | Simulação humana 571

34.4. Página Escolar


Referências
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Capítulo

35 Recomendações ao projeto
de postos de trabalho
Mario Cesar Vidal, Dr. Ing.– PEP/COPPE/UFRJ
Francisco Soares Másculo, Ph.D – UFPB
Paulo Ségio Soares da Silva, D.Sc. – EP/UGF

Conceitos apresentados
Neste capítulo são apresentadas recomendações e aplicações para o projeto de
postos de trabalho, de grande utilidade para o estudante de Engenharia de Produção.
São mostradas diversas situações que podem ser encontradas nas nossas fábricas, nos
escritórios e mesmo em nossas casas. Foram extraídas de diversas fontes, principal-
mente do texto elaborado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), em co-
laboração com a International Ergonomics Association (IEA), intitulado Pontos de Verifi-
cação Ergonômica – Soluções práticas e de fácil aplicação para melhorar a segurança,
a saúde e as condições de trabalho, traduzido e publicado pela Fundacentro em São
Paulo, no ano de 2001. Esse conteúdo teve sua publicação devidamente autorizada
pela OIT/Brasil, resguardada a fonte, bem como a obra Ergonomia prática, de J. Dul e
B. Weerdmeester, publicada em 2004.

35.1. Projetar o posto de trabalho


Ao retornar um dia ao prédio onde trabalhava, perto do horário da saída, vi um
homem chegando ao setor de Cartão de Ponto, na saída do prédio. Era um operador de
manutenção, de cerca de 45 anos. Já de banho tomado, vinha cantando alegremente a
música dos Três Porquinhos:
– Eu vou, eu vou, pra casa agora eu vou…
Podemos entender essa alegria infantil traduzindo a volta para casa, rever a família
e afins. Mas essa alegria poderia estar expressando o fim de uma jornada de trabalho,
que pode de fato ser uma rotina diária pesada. E um peso que não escolheu, mas que foi
imputado pelo projetista dos componentes de sua situação de trabalho.
574 Ergonomia ELSEVIER

Quando projetamos em engenharia, temos sempre a preocupação de ter em conta


cada dispositivo, cada relógio, mostrador, comando, imagem de vídeo ou display de ca-
racteres em nosso projeto. Será necessário explicar aos usuários de nossos dispositivos
como eles funcionam, em cada detalhe, para fornecer a partir desses dispositivos uma
imagem fiel do estado real do sistema que eles controlam, em cada instante. Isso será fun-
damental para seus usuários saberem ligar, desligar, ajustar, operar e consertar o sistema.
Porém, em nosso caso fazemos projetos para seres humanos.
Quais suas condições ideais para pegar, torcer, olhar, virar, puxar, empurrar, em-
punhar, cada peça, botão, alavanca, display etc. que especificamos no projeto? Isso é
muito necessário para que realizemos um bom projeto. Assim é que neste capítulo são
apresentadas recomendações e aplicações da Fisiologia e da Biomecânica Ocupacional,
de grande utilidade para o estudante de Engenharia de Produção. São comentados prin-
cípios de projeto e mostradas diversas situações que podem ser encontradas nas nossas
fábricas, nos escritórios e mesmo em nossas casas. São eles: a) o manuseio de cargas; b) o
trabalho em pé; c) o trabalho sentando; e d) as superfícies de trabalho.

35.2. O manuseio de cargas


Assinalada na NR 17 como um dos problemas explícitos das condições mínimas
de trabalho a ser examinada, estudada e adequada, a situação de manuseio de carga
deve atender a um principio básico: Sempre que houver outra forma de manusear cargas
por algum meio técnico, essa devera ser a opção a fazer. A Norma é bastante clara em seu
item 17.2.4, que assim reza:
Com vistas a limitar ou facilitar o transporte manual de cargas deverão ser usa-
dos meios técnicos apropriados.
Dado ser uma competência típica de um ergonomista-engenheiro saber especifi-
car esse tipo de tecnologia, oferecemos a nossos estudantes de EP uma lista não exaustiva
de oito recomendações sobre esse item.

35.2.1. Recomendação 1: uso de carrinhos no manuseio de cargas


Figura 35.1: Uso de carrinhos simples
Capítulo 35 | Recomendações ao projeto de postos de trabalho 575

Utilizar carros, carrinhos de mão e outros aparelhos providos de rodas ou rodões


quando transportar material (OIT, 2001).
Algumas opções existem no mercado e podem ser pesquisadas em catálogos e
na Internet. A especificação desses equipamentos deve ser bem cuidadosa, para evitar
compras equivocadas. Uma outra linha de opções é elaborar um conceito e desenvol-
ver uma solução para o caso especifico. Em muitas indústrias, inclusive as de grande
porte, essa linha é adotada chegando a oferecer prêmios e diversas formas de incentivo
a essas iniciativas. As recentes leis da inovação no Brasil igualmente sustentam essa
segunda linha.

35.2.2. Recomendação 2: combinar transporte e armazenagem no manuseio de cargas

)LJXUD8VRGHFDUULQKRVGHP~OWLSODIXQomR

Empregar carros auxiliares móveis para evitar cargas e descargas desnecessárias


(OIT, 2001).
Na verdade, o preceito é simples: se for para carregar, que seja por algum meio
técnico. O corpo humano deve ser empregado para outras finalidades mais interessantes.
A indicação aqui é a de combinar ações de produção. No primeiro caso o carro
acopla prateleiras ajustáveis e uma gaveta de ferramentas e é indicado para ações de
manutenção. No segundo caso o meio de transporte é combinado com armazenagem de
espera.

35.2.3. Recomendação 3: usar equipamentos apropriados


Usar dispositivos mecânicos para levantar, baixar e mover materiais pesados (OIT,
2001).
A escolha do dispositivo irá variar de acordo com as circunstâncias. Para mo-
vimentação de cargas pesadas e em uma distância grande numa planta se empregam
pontes rolantes, que são equipamentos de custo elevado, manutenção constantemente
requerida, inspeções regulares e muitas delas com projeto de conforto discutível para o
576 Ergonomia ELSEVIER

operador. Para manusear cargas pesadas em distâncias curtas, uma cábrea móvel aten-
dera de forma bastante satisfatória. Esse equipamento iça a carga a uma altura pequena,
porém, suficiente para seu deslocamento. A passagem, no entanto, devera star desimpe-
dida.

)LJXUD8VRGHXPDFiEUHDPyYHO

35.2.4. Recomendação 4: meios técnicos no manuseio de cargas – esteiras transportadoras


Use esteiras transportadoras passivas ou ativas.
Uma esteira transportadora é uma boa solução para movimentar peças e compo-
nentes pela fabricação e na montagem. Esses dispositivos funcionam e muito bem. As
esteiras ativas podem introduzir um ritmo de trabalho intensificado causando outros
problemas. O dimensionamento de altura da superfície de trabalho é igualmente crítico
nesse tipo de equipamento (ver tópico trabalho em pé neste capítulo).

)LJXUD8VRGHXPDHVWHLUDSDVVLYD

35.2.5. Recomendação 5: meios técnicos para levantamento de cargas


Reduzir a operação manual de materiais usando esteiras transportadoras, guindas-
tes ou gruas e outros meios mecânicos de transporte (OIT, 2001).
Capítulo 35 | Recomendações ao projeto de postos de trabalho 577

)LJXUD'LVSRVLWLYRVSDUDLoDPHQWRGHFDUJDV

As situações do manuseio de cargas compreendem o içamento, a deposição e o


transporte. Conquanto o transporte tenha algum componente dinâmico, o içamento e
a deposição combinam uma forte solicitação estática com uma forte componente bio-
mecânica sobre a coluna. Nesse sentido são mais penosas e lesionantes do que a movi-
mentação, embora essa seja uma hierarquização terrível, pois todas essas situações de
trabalho são lamentáveis de ponto de vista humano, e pouco eficazes do ponto de vista
de produtividade.

35.2.6. Recomendação 6: repartição de peso no manuseio de cargas


Em vez de transportar cargas pesadas, repartir o peso em pacotes menores e mais
leves, em recipientes ou em bandejas (OIT, 2001).

)LJXUD5HSDUWLomRGHXPJUDQGHSHVRHPSHTXHQRVYROXPHV

Um fundamento da Fisiologia do Trabalho nos informa que a produção de ener-


gia vem acompanhada de resíduos metabólicos que devem ser removidos, no ritmo da
circulação do sangue. Quanto maior o esforço, maior essa produção de resíduos dele-
térios e isso se agrava com a ocorrência de trabalho estático. Assim a produção de um
grande esforço de manuseio de cargas ao invés de realização de um esforço repartido é
578 Ergonomia ELSEVIER

efetivamente produtora de repercussões ruins para o organismo o que fere a disposição


do item 17.2.2 da NR 17, segundo o qual, não deverá ser exigido nem admitido o trans-
porte manual de cargas por um trabalhador cujo peso seja susceptível de comprometer
sua saúde ou sua segurança.
As celeumas causadas pela contradição entre toda a legislação sobre saúde e segu-
rança do trabalho, assim como a demonstrada ineficácia econômica de opções de manu-
seio por cargas extremas vem, felizmente sendo paulatinamente superadas, inclusive pela
própria indústria, cada vez mais buscando se adequar a um padrão de carga limite entre
20 e 25 kg, valores que também endossamos, embora rigorosamente o peso transportá-
vel não deva ser superior a 10 kg.

35.2.7. Recomendação 7: adequação das pegas


Providenciar bons pontos de preensão em todos os pacotes e caixas (OIT, 2001).

)LJXUD$GHTXDomRGHSHJDV

A qualidade da pega é um dos fatores que penalizam a avaliação de esforço no


levantamento, deposição e deslocamento de cargas pelo operador humano. A ilustração
ao lado mostra alguns desses aspectos.
A pergunta é: dado que o fato de manusear materiais já é penoso em si mesmo,
porque agravá-lo com um projeto ruim de pega? Esse aspecto causal é tão fundamental
que foi o tema do primeiro trabalho científico em Ergonomia feito no Brasil (Iida, 1970).
No entanto, é um aspecto geralmente negligenciado na maioria dos objetos que possuem
pegas ou alças, a começar pelas malas de viagem. A avaliação da pega é, geral, uma ano-
tação recorrente na maioria dos mapeamentos e apreciações ergonômicas que realizam
em ambientes de trabalho.
Capítulo 35 | Recomendações ao projeto de postos de trabalho 579

35.2.8. Recomendação 8: deslocamento de cargas


Sustentar e retirar horizontalmente os materiais pesados, empurrando-os ou ar-
rastando-os em vez de levantá-los ou baixá-los (Oit, 2001).

Figura 35.8: Deslocamento de cartas na horizontal

Novamente uma combinação entre aspectos da Fisiologia com os da Biomecânica


vem em nosso socorro. Tanto o içamento como a deposição de cargas combinam a forte
solicitação estática com um momento que faz repercutir na coluna um valor dez vezes
superior ao peso manipulado. É uma ação de grande penosidade e com possibilidades
de lesões traumáticas.

35.3. Trabalho sentado e em pé


A orientação normativa dada pelo item 17.3.1 é a de que sempre que o traba-
lho puder ser executado na posição sentada, o posto de trabalho deve ser planejado
ou adaptado a essa posição. Isso significa também que se deve providenciar cadeiras
ou banquetas para que ocasionalmente se sentem os trabalhadores que executam suas
tarefas de pé.
Uma regra geral para projeto é que se possa ajustar a altura de operação para cada
trabalhador, situando-a no nível dos cotovelos ou um pouco mais baixo. Isso porque se-
gundo a chamada “Regra de Ellis” (Grandjean; Kroemer, 2005) determina que trabalhos
realizados com os braços fazendo ângulos próximos a 90º com o antebraço são realizados
com maior rapidez, em relação a outros ângulos de ataque. Do ponto de vista fisiológico,
a Oit nos informa que se a superfície de trabalho estiver alta demais, o pescoço e os om-
bros se enrijecem e ficam doloridos, pois os braços têm de se manter no alto. Isso ocorre
tanto numa posição de pé como sentada.
580 Ergonomia ELSEVIER

)LJXUD$OWHUQkQFLDGHSRVWXUD

É igualmente assinalado que a realização de ações de trabalho em superfícies bai-


xas incorre em dores na região dorsal, pois o corpo passa a ter inclinação forçada para
frente. Na posição de trabalho de pé isso é mais grave porque a solicitação postural pelo
trabalho se soma à manutenção da postura ereta. Por outro lado, em um posto de traba-
lho onde se permaneça sentado por períodos longos com o plano de trabalho em posição
baixa o surgimento de problemas nos ombros e nas costas é certo.
Uma regra de orientação para escolha tem a ver com natureza das ações de
trabalho. Essa regra indica que devamos proporcionar lugares para trabalhar sen-
tado aos trabalhadores que realizam tarefas que exijam precisão ou uma inspeção
detalhada de elementos e lugares para trabalhar de pé aos que realizam tarefas que
demandem movimentos do corpo e uma maior força. Efetivamente, trabalhar senta-
do é mais adequado para o trabalho de precisão, enquanto trabalhar de pé é melhor
para muitos outros tipos de trabalhos manuais. As mesas para trabalhos de pé devem
ter altura dimensionada de acordo com a altura do cotovelo de um operador nessa
posição. Para trabalhos mais leves, onde a rapidez na execução das tarefas se impõe
como determinante, a altura das mesas deve estar em torno dessa altura, que em
nossa realidade, se situa em torno de 1,10 m. Conforme o trabalho vai se tornando
mais exigente fisicamente, essa altura deve ser reduzida de acordo com as dimensões
e esforços em jogo.
Capítulo 35 | Recomendações ao projeto de postos de trabalho 581

)LJXUD'LIHUHQWHVDOWXUDVHPIXQomRGRWLSRGHDomRGHWUDEDOKR

35.3.1. Trabalho em pé
Inicialmente recuperaremos alguns achados referidos antes sobre a posição de pé
para estabelecer alguns critérios de concepção adequada para postos desse tipo:
UÊ quanto menor for o esforço físico na posição de pé, em relação à sua postura natu-
ral relaxada, mais fácil será a realização das tarefas;
UÊ o esforço estático implica em aumento dos batimentos cardíacos, provocando um
real desgaste físico, embora não se esteja realizando qualquer tarefa;
UÊ a posição de pé é bastante favorável para o manuseio de objetos mais pesados.
Duas indicações práticas nos são oferecidas pelo extenso trabalho da OIT/IEA
que são: Permanecer de pé com naturalidade e tomar como referência a pessoa mais
avantajada.

35.3.1.1. Recomendação 9: trabalho em pé para pessoas de diferentes alturas


Assegurar-se de que os trabalhadores mais baixos possam alcançar os controles e
materiais com uma postura natural.

)LJXUD5HIHUrQFLDGHLQVWDODomRSHORPDLVDYDQWDMDGR
582 Ergonomia ELSEVIER

Para o dimensionamento de altura dos planos, superfícies e demais componentes


de postos de trabalho em pé aqui, deveremos tomar as pessoas mais altas como base – os
demais poderão compensar a diferença de altura usando estrados ou similares, de forma
a posicionar seu corpo na altura mais adequada para a execução das tarefas.

35.3.1.2. Recomendação 10: permanecer em pé com naturalidade


Assegurar-se de que o trabalhador possa permanecer de pé com naturalidade,
apoiado sobre ambos os pés, realizando o trabalho perto e diante do próprio corpo.

)LJXUD'LÀFXOGDGHVSDUDVHPDQWHUGHSpFRPQDWXUDOLGDGH

É importante assegurar-se que o trabalho em pé possa efetivamente ser realizado


nessa posição em qualquer situação onde o operador for solicitado e não apenas na sua
posição de base. A própria recomendação sobre as alternâncias de pé versus sentado já
nos informa que em muitos casos não existe uma posição predominante.

35.3.2. Trabalho sentado


A posição sentada de trabalho tem como pressuposto a existência de uma postura
natural relaxada. Notar que nela todos os membros do corpo estão apoiados – pés en-
costados no chão, pernas apoiadas no assento da cadeira, costas apoiadas no encosto da
cadeira, cabeça e pescoço naturalmente dispostos e braços apoiados no tampo da mesa.
Mudanças nessa postura tais como braços erguidos frontal ou lateralmente, cabeça virada
para qualquer lado, para cima ou para baixo, torções do tronco etc. mantidas por tempos
prolongados irão implicar esforços extras, chamando de volta nosso velho conhecido – o
esforço estático. De novo cabe lembrar – nada de errado em manter essas posturas espo-
radicamente, para atender uma demanda rápida aqui ou ali, apenas lembrar que essas
posturas são desconfortáveis, portanto, devem ser evitadas para o caso de atividades
contínuas.
Capítulo 35 | Recomendações ao projeto de postos de trabalho 583

)LJXUD3RVWXUDVHQWDGDQDWXUDOUHOD[DGD

Outra consideração que cabe aqui envolve o posicionamento das pernas sob a
mesa. O aumento da pressão na coluna na posição sentada implica em buscarmos fre-
quentemente mudar nossa posição quando ficamos sentados, para aliviar esses sintomas,
conforme referido acima. Assim, é necessário deixar espaço para cruzar as pernas sob a
mesa sem bater as pernas em seu tampo; sentar na ponta da cadeira – o que implica em
projetar os quadris para frente – sem bater com as pernas no fundo da mesa; movimentar
as pernas lateralmente sem bater nas bordas laterais da mesa.
Tais considerações corroboram as duas recomendações que aqui selecionamos do
material da OIT:

35.3.2.1. Recomendação 11: espaço sob as mesas


Certificar-se de que os trabalhadores mais altos tenham bastante espaço para mo-
ver com comodidade as pernas e o corpo.

)LJXUD(VSDoRVREDPHVD
584 Ergonomia ELSEVIER

Em que pese o aspecto auto-explicativo da foto, vale a pena mencionar que a so-
lução para esse tipo de problema remete a considerações mais de ordem organizacional
do que de mobiliário ou mesmo de desenho arquitetônico. O fluxo real de papéis e de
documentação em um processo de serviço é, quase sempre, muito mal dimensionado pe-
las gerências, e o projeto de arquitetura e de mobiliário é contaminado por essa ausência
de precisão e de visão do trabalho real.

35.3.2.2. Recomendação 12: encostos


Fornecer cadeiras reguláveis e com espaldar aos trabalhadores que operam sentados.

)LJXUD(QFRVWRV

Escolhemos essa recomendação, pois, apesar de óbvia ainda há quem questione


a existência de encosto por julgar que leva à indolência ou à baixa produtividade. Trata-
-se de um equívoco sério. Na verdade não se trabalha com as costas refesteladas a maior
parte do tempo, especialmente quando a tarefa se revela complicada ou com algum tipo
de surpresa ou resultado inusitado. A reação corporal ás dificuldades cognitivas é a da
redução da distância entre os olhos e a tarefa levando, invariavelmente, o trabalhador a
se desencostar do espaldar. No entanto, e isso é fundamental, assim que o problema se
desanuvia, a primeira reação de compensação é a volta ao uso do espaldar.

35.4. As superfícies de trabalho


O trabalho na atualidade implica em fazer leituras de displays ou documentos,
acionar comandos ou manufaturar objetos, e todos estes estão comumente dispostos
sobre uma superfície de trabalho. Seja essa uma mesa comum, um console de salas de
controle ou mesmo a esteira de uma linha de montagem, o trabalho implicará então em
intervenções sobre uma superfície. Cabe então fazer algumas considerações acerca das
condições ideais de adaptação dessas superfícies ao nosso operador humano, com suas
características peculiares e sua variabilidade individual referida acima.
Em cada tarefa, usamos normalmente alguns utensílios auxiliares para sua realiza-
ção. Sejam estes simplesmente lápis e papel, teclados e mouses, ou ferramentas, gabaritos,
Capítulo 35 | Recomendações ao projeto de postos de trabalho 585

pequenos aparelhos, botões de comando, alavancas, enfim, os diversos instrumentos que


viabilizam nossas intervenções. A disposição desses instrumentos sobre a superfície de
trabalho poderá então determinar a diferença entre a concepção de um posto de trabalho
inteligente, que deverá resultar em tarefas simples, bem sequenciadas e fáceis de serem
executadas, e a de um posto mal projetado, complicado e mais sujeito a erros, falhas de
sequenciamento e paradas – até mesmo para procurar o que deveria estar ali.
A melhor concepção das superfícies de trabalho precisará, portanto, de uma aná-
lise cuidadosa da tarefa em questão para determinar quais utensílios e dispositivos serão
necessários à sua execução de forma adequada. Cabe, então, determinar o objetivo e o
conteúdo de cada tarefa desde seus movimentos elementares, alimentando assim a su-
perfície de trabalho de todos os itens necessários à sua melhor execução.
Parece que se posicionarmos esses utensílios no local e na sequência adequadas,
ou ainda de acordo com a frequência de sua utilização, estaremos atendendo nosso ob-
jetivo de facilitar o trabalho dos operadores. Posicionar, aqui, determina colocar esses
utensílios ao alcance dos operadores, de acordo com os critérios estabelecidos acima.
Porém, para isso, cabe enunciar os princípios básicos que devem orientar a melhor con-
cepção das superfícies de trabalho:
UÊ Os utensílios de trabalho devem ser dispostos de forma a seguir a ordem natural
determinada pelo sequenciamento de operações contidos nas tarefas.
UÊ A análise das tarefas irá determinar quais utensílios ficarão ao alcance mais fácil,
sem esforços extras dos operadores – os de uso mais frequente, e quais ficarão
mais afastados – os de uso mais esporádico.
UÊ Os dois princípios acima deverão ser combinados da melhor forma possível, de
forma a facilitar a execução das tarefas envolvidas.

35.4.1. Recomendação 13: níveis em uma superfície de trabalho


Adequar as diferenças de nível em uma superfície de trabalho (OIT, 2001).

)LJXUD1tYHLVHPXPDVXSHUItFLHGHWUDEDOKR
586 Ergonomia ELSEVIER

Essa é uma recomendação que requer muita atenção e muita observação do curso
das ações de trabalho na situação considerada. Muitos entendem que uma superfície de
trabalho deva ser tão plana quanto possível, mas isso não se verifica no mundo real. A
existência de planos se estabelece de acordo com as necessidades de cada situação de
trabalho e isso pode significar desníveis, planos inclinados.
A análise da atividade aparece aqui como fundamental. Num caso como o da
ilustração deste tópico, a redução – praticamente a eliminação – dos desníveis toma
sentido a partir da análise do curso das ações de trabalho. Se fosse um posto de trabalho
informatizado a existência de desníveis poderia ser desejável, e é o que se recomenda
em alguns casos. Por exemplo, numa missa católica a mesa de trabalho do sacerdote – o
altar – possui pelo menos três níveis bem definidos.

35.4.2. Recomendação 14: reduzir a distância entre o operador e o objeto uma superfície de
trabalho
)LJXUD$VXSHUItFLHQmRGHYHVHUSUREOHPD

Essa é uma outra recomendação que pareceria óbvia, não fossem os casos em que
verificamos que isso não foi observado na concepção do lugar de trabalho. O teor da
ilustração, infelizmente, pode ser substituído por uma razoável quantidade de fotografias
recentes. Problemas dessa ordem aparecem em relação direta com o tipo de atividade e
são muito comuns em laboratórios e situações de comércio.

35.4.3. Recomendação 15: eliminar ou diminuir as alturas entre posições em uma superfície de
trabalho

Figura 35.18: Situação de içamento de cargas


Capítulo 35 | Recomendações ao projeto de postos de trabalho 587

Tal como na recomendação anterior, a análise da atividade pode ser um dife-


rencial que orienta a opção mais adequada. Obviamente, havendo uma movimen-
tação definida de cargas, esta deve ocorrer em situação tão plana quanto possível,
pois as variações de nível dão origem ao içamento e à deposição de cargas, que já
comentamos.

35.4.4. Recomendação 16: evitar inclinação ou torção lombar


Eliminar as tarefas que requeira inclinar-se ou torcer-se (Oit, 2001).

)LJXUD,QFOLQDomRHWRUomRGHFROXQD

Ultima recomendação sobre as superfícies, evitar a torção da coluna, trata-se de


levar em conta a integração da superfície ao restante do processo de trabalho. A super-
fície de trabalho, como todo e qualquer sistema tem uma entrada – por onde o posto é
alimentado e uma saída, por onde a produção se escoa.

35.5. Estantes e prateleiras


Em ambientes de trabalho são comumente necessários armários ou estantes para a
guarda de ferramentas, utensílios e objetos usados nas tarefas. Cabem aqui considerações
análogas às usadas em outros dimensionamentos neste capítulo, a dizer:
UÊ Os itens mais frequentemente usados devem ser alocados em prateleiras mais
facilmente acessíveis a todos os operadores envolvidos.
UÊ Os itens usados com menor frequência devem ser alocados nas prateleiras restan-
tes.
Devemos considerar aqui as pessoas mais baixas para dimensionar as prateleiras
mais acessíveis, pois assim garantimos que os demais certamente alcançarão essas prate-
leiras. O valor recomendado para a população brasileira é de 1,51 m como altura mínima
a considerar.
588 Ergonomia ELSEVIER

)LJXUD(VWDQWHVHSUDWHOHLUDV

35.5.1. Recomendação 17: prateleiras


Usar prateleiras em várias alturas ou estantes, próximo à área de trabalho, para
diminuir o transporte manual de materiais (Oit, 2001).

35.6. Página escolar


Questões
1) Saia com uma maquina fotográfica – pode ser a do seu celular mesmo – e procure
fotografar situações análogas às ilustradas neste capítulo.
2) Se houver oportunidade mostre a foto e converse com a pessoa fotografada acerca
de seu trabalho... e do dela!

Pesquisa na internet
1) Busque ilustrações que se comparem às aqui fornecidas.
2) Busque mais dez novas recomendações para o projeto de lugares de trabalho, di-
ferentes das apresentadas neste capítulo, e compartilhe com seus colegas em sala
de aula ou por meio de um blog.

Referências
DUL, J.; WEERDMEESTER, B. Ergonomia prática. 2. ed. São Paulo: Edgard Blücher,
2004.
GRANDJEAN, E. Manual de Ergonomia: adaptando o trabalho ao homem. Porto Alegre:
Bookman, 1998.
IIDA, I. Ergonomia: projeto e produção. 2. ed. São Paulo: Edgard Blücher, 2005.
KROEMER, K. H. E. et al. Ergonomics: how to design for ease & efficiency. New Jersey:
Prentice Hall, 1994.
KROEMER, K. H. E.; GRANDJEAN, E. Manual de Ergonomia: adaptando o trabalho ao
homem. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005.
Capítulo 35 | Recomendações ao projeto de postos de trabalho 589

MARRAS, W. S. Basic biomechanics and workstation design. In: SALVENDY, G. (Ed.).


Handbook of human factors and ergonomics. 3. ed. West Lafayette: John Wiley & Sons,
2005.
______. Biomechanics of human body. In: SALVENDY, G. (Ed.). Handbook of human factors
and ergonomics. 2. ed. New York: John Wiley & Sons, 1997.
MÁSCULO, F. S. Ergonomia, higiene e segurança do trabalho. In: BATALHA, M. (Org.).
Introdução à engenharia de produção. Rio de Janeiro: Campus/Elsevier, 2008.
______. Ergonomia. Apostila – Curso de Especialização em Engenharia de Produção.
João Pessoa: UFPB, 2003. Mimeografado.
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Portaria no 3.214, de 8 de junho de 1978.
Higiene e Segurança do Trabalho. Disponível em: <http://www.mte.gov.br>. Acesso
em: 1o fev. 2007.
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT. Pontos de verificação ergo-
nômica. São Paulo: TEM, 2001.
SALVENDY, G. (Ed.) Handbook of human factors and ergonomics. 3. ed. West Lafayette:
John Wiley & Sons, 2005.
SANDERS, M.; McCORMICK, E. J. Human factors in engineering and design. 6. ed. Nova
York: McGraw-Hill, 1987.
Capítulo

36 Ergonomia, adaptação e
resiliência
José Orlando Gomes, Dr. – UFRJ

Introdução
Uma condição básica para que uma organização alcance alta confiabilidade e
resiliência é superar as tendências reativas, construindo antecipações aos problemas e
a eventos inesperados e não desejados. Tal organização deve ser capaz de observar o
passado com clareza, produzindo compreensão e reflexão sobre os microincidentes, as
restrições ao trabalho dos operadores e as estratégias desenvolvidas pelas pessoas de
forma a aprender e prevenir a ocorrência de falhas nas organizações (Woods, 2005). A
engenharia de resiliência tem como propósito permitir às pessoas e às organizações a se
tornarem atentas e sensíveis aos modelos de riscos que adotam, de forma a controlar a
origem e os caminhos das falhas (Dekker, 2006).
Os acidentes do sistema sociotécnico (Challenger, Columbia, colisão aérea da Gol/
Legacy, queda das aeronaves Black Hawk dos EUA no Iraque etc.) têm mostrado como
diversas organizações, todas com múltiplas camadas de defesas e sistema de controle,
não conseguiram balancear os riscos da segurança com a pressão produtiva. Esses aci-
dentes evidenciaram padrões clássicos de deriva das organizações e produzindo aciden-
tes. Alguns desses padrões eram: enfatizar mais a produção que a segurança, os êxitos
do passado foram tomados como razão de confiança no futuro, processos fragmentados
de resolução de problemas, falta de reavaliação das estimativas quando novas evidências
se acumulam, perturbações/interrupções nos limites de funcionamento das unidades da
organização dificultando a comunicação, resultando em organizações cegas e incapazes
de aprender com os incidentes de menor importância (Caib, 2003; Snook, 2000; Gomes
et al, 2009).
Capítulo 36 | Ergonomia, adaptação e resiliência 591

Se considerarmos que os padrões descritos acima são quase os mesmos para todo
um conjunto de acidentes maiores em sistemas sociotécnicos complexos, então, para po-
der evitar tais acidentes, necessita-se criar a antecipação (foresight), monitorando o nível
de risco do sistema por meio de seu ciclo vital completo e identificando os sacrifícios na
tomada de decisões (sacrifice decisions), isto é, as compensações da segurança/produção
feitas pelas pessoas todos os dias. Além disso, precisamos entender como se obtém êxito
diante frente das restrições à atividade de trabalho (e se esse êxito poderia conduzir a
maiores falhas) e como as pessoas aprendem e se adaptam para garantir a segurança em
um mundo pleno de lacunas, perigos e conflitos de metas e objetivos (Hollnagel; Woods;
2005; Adamski; Westrum; 2003; Cook et al., 2000).
Durante o seu trabalho diário, as pessoas atuam em diversos papéis dentro de
uma organização complexa com várias camadas de barreiras de defesa em profundidade;
não são totalmente conscientes dos potenciais caminhos de falhas que podem emergir
conforme elas desenvolvem as estratégias de prudência que se encarregam das restrições
e fazem frente à complexidade, enquanto se mantêm em operação e evitam falhas, e por
isso, eles não são capazes de refletir e aprender sobre elas. Uma organização resiliente
deve proporcionar meios para superar essa situação, monitorando, entendendo, refletin-
do e aprendendo a partir dessas estratégias, identificando ameaças e riscos à segurança.
Falhar em aplicar esses princípios leva a organização a atuar em um modo reativo (hind-
sight), numa condição de luta constante contra o perigo (Woods, 2005).
Os estudos de caso apresentados neste capítulo procuram aplicar os conceitos e
métodos de engenharia de resiliência, bem como relacioná-los com o conceito de sus-
tentabilidade dos sistemas sociotécnicos complexos, num país de desenvolvimento in-
dustrial recente, como é o Brasil. Os casos abordam os domínios aviação e emergência.
Foram estudados os conflitos entre metas e objetivos no sistema de transporte por heli-
cópteros para as plataformas de petróleo na Bacia de Campos no Brasil, para descobrir
o quão resiliente e frágil é o sistema de transporte por helicóptero, dadas as demandas
de produção e pressões econômicas vigentes. A análise permitiu conhecer conflitos entre
meta e objetivos que se apresentaram nos limites de funcionamento das organizações e
como as pessoas, atuando em seus diversos papéis, adaptam-se a esses conflitos, e, por
outro lado, também compreender as suas implicações em relação à segurança e à resili-
ência do sistema como um todo.
O segundo estudo de caso relacionado à pesquisa tem por objetivo analisar a simu-
lação da resposta a uma emergência nuclear sob uma abordagem da Ergonomia Cognitiva e
engenharia de resiliência. Essa simulação acontece anualmente como forma de treinamento
para responder eficazmente a situações e eventos inesperados e não desejados no contexto
brasileiro. Essa simulação se desenvolve na cidade de Angra dos Reis, onde está localizado
o parque nuclear brasileiro de produção de energia nuclear e congrega 26 organizações
privadas e públicas, nos níveis federal, estadual e municipal (Costa et al., 2008).
592 Ergonomia ELSEVIER

Por fim, last but not least, acreditamos que a resiliência dos sistemas sociotécnicos
complexos é uma condição, entre outras, para manter a sustentabilidade das organiza-
ções. Para isso, o uso dos conceitos, da metodologia e das ferramentas que fazem parte da
Análise Ergonômica do Trabalho (AET), é uma condição sine qua non para compreender
as organizações identificando resiliência e fragilidades que interferem no funcionamen-
to dos sistemas produtivos complexos. O conceito de desenvolvimento sustentável dos
sistemas de trabalho empregado neste capítulo se baseia, em parte, na sua resiliência,
tanto em nível de projeto quanto de funcionamento. Portanto, desenvolver a resiliência,
compreendendo o nível de projeto e operação, é uma condição necessária e fundamen-
tal. Por resiliência de projeto, compreendemos a atividade desenvolvida na concepção
dos sistemas produtivos complexos cujo processo permite em suas várias etapas realizar
atividades de simulação que permitam, por exemplo, visualizar as atividades futuras de
funcionamentos, identificando gaps e bugs na relação entre tecnologia, pessoas e orga-
nizações (Adamski; Westrum, 2003). E por resiliência de funcionamento ou operação
compreendemos a capacidade contínua e ininterrupta do sistema em adaptar-se à varia-
bilidade de situações e sempre se antecipar às situações não desejáveis para garantir uma
confiabilidade e eficiência permanentes.

36.1. Metodologia
A Engenharia de Resiliência proporciona uma estrutura metodológica e a Análise
de Tarefas/Atividades Cognitivas (CTA – Cognitive Task Analysis) as técnicas para analisar
o trabalho/atividade em sistemas complexos, utilizadas nos diversos estudos de casos
descritos sobre transporte por helicópteros e a simulação de resposta à emergência nucle-
ar. A CTA é uma denominação que engloba um conjunto de métodos e técnicas usados
para compreender e descrever os aspectos cognitivos das atividades diárias de trabalho,
incluindo como os profissionais veem o trabalho que fazem, e como eles dão sentido aos
eventos e restrições que encontram durante o desempenho de suas atividades (Crandall
et al., 2006). Esses métodos dependem de um acesso direto aos profissionais ou especia-
listas ou trabalhadores experientes em domínios específicos dos quais se busca extrair
informações.
De acordo com a abordagem da engenharia de resiliência, para permitir que as
pessoas e organizações possam tomar melhores decisões no trade-off produção versus
segurança num contexto dinâmico e competitivo, não é suficiente a organização possuir
apenas um sistema de gestão de riscos, com barreias de segurança e uma engenharia
voltada para a proteção contra eventos adversos. Em organizações resilientes, a seguran-
ça deve fazer parte das tomadas de decisão diárias, por meio de uma revisão ativa dos
modelos de risco e avaliação da efetividade das ações corretivas Uma organização segura
precisa ser dinâmica, engajada, informada e informativa para ser capaz de manter um ba-
lanço de produção versus segurança adequado em um longo período de tempo (Woods,
Capítulo 36 | Ergonomia, adaptação e resiliência 593

2005). Dessa maneira, para uma organização se tornar resiliente, ela precisa desenvolver
maneiras de gerar informações sobre como a organização está realmente operando e por
que as pessoas estão operando dessa maneira.
Assim, em vez de se focar em como o trabalho deve ser feito (as regras prescritas
e tarefas), nós nos voltamos em compreender como e por que o trabalho está sendo feito
de uma forma particular, considerando as restrições ou limites que conformam o traba-
lho, e analisando os modelos de risco que as pessoas estão usando durante suas decisões
de sacrifício. Essa abordagem identifica a variabilidade das atividades dos trabalhadores
e como suas opções – o quê, quando e como agir – são permitidas e/ou restringidas pelo
ambiente de trabalho. Em meio a essas restrições, os trabalhadores podem gerar uma
grande variedade de padrões de trabalho, incluindo comportamentos desconhecidos e
inovações nas práticas de trabalho que precisam ser monitoradas para identificar as im-
plicações no âmbito da relação produção versus segurança. Como há diferentes tipos de
restrições que podem moldar o comportamento dos trabalhadores, várias dimensões de
análise são necessárias, como mostrado na Figura 36.1.

Figura 36.1: Dimensões de análise do trabalho e organizações

Nos casos que serão apresentados a seguir, diversos métodos e técnicas da Análise
de Tarefas/Atividades Cognitivas foram usados tanto na fase de coleta quanto de análise
e apresentação dos dados, conforme as características de cada ambiente de trabalho e os
objetivos específicos de cada um dos estudos.
594 Ergonomia ELSEVIER

36.2. Análise dos casos: aviação offshore e emergência


36.2.1. Sistema de transporte por helicópteros na Bacia de Campos
Esta pesquisa, baseada na análise da atividade cognitiva dos pilotos que voam na
Bacia de Campos, a serviço da Petrobras, busca identificar os fatores contribuintes e os
constrangimentos que interferem na atividade dos pilotos, cujas consequências afetam o
desempenho operacional do sistema de transporte como um todo e, consequentemente,
a segurança de voo. Constrangimentos são fatores que de alguma maneira dificultam o
que é feito e, principalmente, como as coisas são feitas, sendo então o motivo de diver-
sas estratégias adaptativas por parte dos agentes. Como regra geral, esses fatores podem
contribuir para ocorrências não desejadas no sistema, mas, normalmente, são insuficien-
tes, de modo isolado, para provocar incidentes ou acidentes e, portanto, permanecem
invisíveis nas análises mais tradicionais, baseadas em relatórios de perigo, inspeções etc.
(Carvalho et al., 2006). Entretanto, a carga de trabalho agregada, ou o desgaste gerado
pela acumulação de diversos “pequenos” constrangimentos sob as pressões de um am-
biente organizacional que visa maior produção com menor custo, pode se constituir num
solo fértil para a emergência de grandes perdas, impactando na resiliência e segurança do
sistema (Woods, 2005 e 2006).
Como consequência da estrutura do sistema de gestão, cada ator persegue seus
próprios objetivos, conforme a sua área de responsabilidade. Conflitos de interesses cres-
cem, em particular, dos pilotos de helicóptero que devem reportar problemas de manu-
tenção, mas isso pode prejudicar seus próprios ganhos e a rentabilidade da empresa do
helicóptero, pois o tempo que o equipamento deve ser inspecionado atrasa o retorno ao
serviço. Tanto a empresa quanto a tripulação ganham mais dinheiro quando as aeronaves
estão voando (as empresas de petróleo pagam somente pelas horas voadas pelas aero-
naves ou, no máximo, pelas que estão disponíveis para voo). Caso um helicóptero seja
retirado para manutenção, a empresa não gera receitas e reduz a capacidade de fornecer
o serviço estipulado no contrato. Além disso, relatórios oficiais de problemas técnicos
podem deixar fora de serviço a aeronave até a próxima inspeção da Agência Nacional
de Aviação Civil (ANAC) (realizada pelo contratante), que ocorre a cada 15 dias. Como
resultado, o helicóptero pode ficar fora do serviço por mais tempo até ser realizada a
inspeção para liberar o equipamento para serviço.
As relações organizacionais e financeiras criam pressão para manter os helicópte-
ros voando. Sob essa pressão, pilotos encaram um dilema para decidir se um problema
técnico é suficiente ou não para iniciar um ciclo oficial de manutenção. Porém, enviar o
helicóptero para a manutenção retira-o de serviço, perdendo tempo de voo que vai de
encontro a um calendário exigente, reduzindo as receitas.
Capítulo 36 | Ergonomia, adaptação e resiliência 595

)LJXUD)OX[RGHRSHUDo}HVHPXPDDHURQDYH

Esse é um exemplo de sacrifício criado pela pressão de ser rápido, melhor e barato
(faster, better, and cheaper). A descoberta desse dilema permitiu à equipe investigar como
o sistema foi adaptado a lidar formalmente e informalmente. A Figura 36.5 utiliza uma
estrutura de fluxo para capturar a decisão de sacrifício que os pilotos enfrentam. O siste-
ma adapta e caracteriza os problemas em duas classes: aquelas severas o suficiente para
requererem o processo oficial, incluindo a espera da inspeção após o reparo já ter sido
feito e outras que são leves o bastante para serem reportadas diretamente ao funcionário
de manutenção ou de investigação.
O dilema enfrentado pelos pilotos refere-se a reportar oficialmente uma condição
ou não. A segunda opção é manter a aeronave em serviço enquanto a manutenção avalia
a informação ou encomenda peças. A manutenção pode até manter o helicóptero em
terra. A decisão de reportar oficialmente ou não é do piloto. Entretanto, esses podem não
ser preparados tecnicamente para interpretar a gravidade dos problemas técnicos.
O espaço de manobra surge, em parte, porque há uma diferença entre dois con-
juntos de regras. As regras regulatórias são mais estritas do que aquelas da Relação de
Equipamentos Mínimos (REM), que é uma lista de itens específicos para aeronaves que
596 Ergonomia ELSEVIER

devem estar funcionando de forma a disponibilizar uma aeronave para voo, regulado
por normas internacionais. Portanto, apesar de as possibilidades de existirem proble-
mas, reportá-los pode não ser obrigatório e, se eles ficam aquém das regras mais rígidas,
podem ser reportados diretamente para a área de manutenção, sem passar pelo processo
oficial de relatório.
A análise permitiu identificar que a decisão de sacrifício dos pilotos depende da
percepção de sintomas das operações principais do voo, isto é, ver, ler e interpretá-los,
e por outro lado ter a expertise necessária para discriminar situações de manutenção
adiáveis daquelas críticas e inadiáveis.
Outro ponto relevante refere-se às relações comerciais da companhia de
helicópteros com os seus pilotos e com o principal cliente que é a companhia de
petróleo. Acreditamos que um entendimento mais global do contexto pode permitir
agir na melhoria do segurança como um todo. Um sistema de segurança proativo deve
ser capaz de, por meio de indicadores, emitirem sinais relativos os pontos frágeis do
sistema, antecipando-se aos eventos adversos, por meio de uma monitoração contínua
e constante. Isso pode ser possível a partir do conhecimento da interpelação dos
aspectos locais, situados e organizacionais desse sistema complexo, que envolve várias
organizações dispersas espacialmente e temporalmente, cujas sincronizações de objetivos
e metas revelam-se frágeis em determinados contextos e resiliente em outros.

36.2.2. Análise ergonômica da simulação da resposta à emergência nuclear


Este capítulo apresenta resultados de uma análise do tarefa/atividade cognitiva
(CTA) de uma simulação de acidente nuclear. Registros audiovisuais foram coletados de
uma equipe de sala de emergência composta por indivíduos de 26 agências diferentes
no momento em que respondiam a múltiplos cenários de um acidente nuclear simula-
do. Essa simulação fez parte de uma atividade nacional de treinamento de resposta às
emergências em uma usina nuclear. Múltiplas técnicas de CTA foram usadas para obter
um melhor entendimento das dimensões cognitivas da atividade e identificar padrões
de coordenação de equipe e gestão de crises que tenham emergido do treinamento si-
mulado. Com todos os dados completos e revisados, é hora de entrar na fase de Análise
e Representação. (Crandall et al. 2006) definiu a fase de Análise e Representação como
um processo de exploração e descoberta, definindo o que é importante no conjunto de
dados, e o momento de organizar e estruturar essas descobertas para relacioná-las.
A principal análise e a representação dos dados foram realizadas por meio da aná-
lise da linha do tempo. Nessa análise, todas as atividades das pessoas na sala envolvidas
na simulação Plano de Emergência Externo (PEE) foram representadas no gráfico, para
criar uma visão global de todas as atividades da simulação. Para representar as diversas
atividades das equipes, foram criadas categorias de ações baseadas na revisão de um ana-
Capítulo 36 | Ergonomia, adaptação e resiliência 597

lista. Categorias comuns foram rotuladas para expressar momentos-chave da simulação,


assim como, para simplificar a representação para análise. Essas categorias estão listadas
na Tabela 36.1. Na representação, para cada minuto da simulação existe uma linha com
diversos campos a serem preenchidos. Por exemplo, entre 9:45 e 9:46 da simulação,
atividades envolvendo Perguntas, Pedido de Silêncio e Chegada de pessoas foram obser-
vadas. Os campos correspondentes a cada uma dessas subcategorias e ao horário 9:45
seriam, então, marcados.

7DEHOD²&DWHJRULDVGHDo}HVHGHVFULo}HV

&DWHJRULDV Ações Descrição


&RQYHUVDHPJUXSRVSHTXHQRV 3HVVRDVIDODQGRHPJUXSRVSHTXHQRV
0HQVDJHPGDSODQWDQRYDLQIRUPDomR 1RYRVHYHQWRVFHQiULRVLQIRUPDo}HV
([SOLFDomR GH GHWDOKHVFRQKHFLPHQWR
HVSHFtÀFR ([SOLFDo}HVWpFQLFDVSDUDGLYLGLUFRQKHFLPHQWR
&RPXQLFDomR
&RPXQLFDomR FRP R H[WHULRU GD VDOD GH
&RPXQLFDomRH[WHUQD FHOXODU HPHUJrQFLD
5HSHWLomRGHLQIRUPDo}HVFRQKHFLGDV 5HVXPRVSDUDPDQWHURDPELHQWHHPDFRUGR
3HUJXQWD '~YLGDVGRVSDUWLFLSDQWHV
&RPDQGRSDUDRVPHPEURVGDHTXLSH 2UGHQVGDGDVSHORFRRUGHQDGRURXRXWUROtGHU
'HFLV}HV UHODWLYDV DR TXH VHU IHLWR HP FDGD
2UGHP&RPDQGR $SURYDomRHWRPDGDGHGHFLVmR FDVR
3HGLGRGH6LOrQFLR (YLWDUDGLVSHUVmRGRJUXSR
3HGLGRGH,QIRUPDomR (YLWDULQIRUPDo}HVFRQIXVDV
3UREOHPDVWHFQROyJLFRV 5HFXUVRVWHFQROyJLFRVLQDGHTXDGRV
)tVLFR7HFQRORJLD
&KHJDGDGHSHVVRDV 6XEVWLWXLo}HVDOPRoRFKHJDGDGHSHVVRDV

Para analisar os dados mais precisamente, foram empregadas cores para cada
agente participante da simulação. Enquanto deveriam existir 26 cores na linha do tempo
completa, devido às limitações do tempo de gravação, apenas as ações dos indivíduos
que aparecem no vídeo foram representadas na linha do tempo. A figura mostra um
exemplo da estrutura da linha do tempo de 10:30 até 11:00.
Para efeito de análise e compreensão, comentários sobre algumas ações especí-
ficas e de grande relevância foram feitos nas caixas que possuem uma marca vermelha
à direita, no topo. Foram alocados números para cada sequência de ações que possuía
a mesma origem, i. e., uma nova mensagem chega para a equipe. Essa nova mensagem
corresponde à serie 24 na sequência de ações observadas. Então a série 24 será escrita
na caixa dessa ação. Em seguida a essa mensagem, irão ocorrer ações envolvendo expli-
cação de detalhes, perguntas e tomada de decisão. Cada uma dessas ações nessa mesma
sequência pertencerá a serie 24. Quando um novo evento ocorrer, a série 25 será dada à
primeira ação desse evento.
598 Ergonomia ELSEVIER

Figura 36.3: Visão detalhada da linha do tempo

Após a numeração de todos os eventos e ações, a análise virou-se para a sequência


de ações para examinar quais ações seguiu uma a outra. Esses números foram somados
na matriz exibida na Tabela 36.2. Por exemplo, se uma pergunta foi feita logo após uma
mensagem externa, o número correspondente à linha e coluna “Mensagem Externa” e
“Pergunta” foi adicionado de um. Para reorganizar e simplificar a análise dessa infor-
mação, as subcategorias que tinham o maior número de eventos consecutivos foram
colocadas juntas. Essa reorganização facilitou a identificação de padrões específicos da
Capítulo 36 | Ergonomia, adaptação e resiliência 599

simulação relacionados à organização da equipe, informação e fluxo de ações. Padrões,


nesse caso, foram considerados como eventos recorrentes ou comportamentos repetidos
por parte dos agentes que eram vistos em diferentes cenários ou eventos.

7DEHOD²1~PHURGHLQWHUDo}HVFUX]DGDV

([SOLFDomRGHGHWDOKHVFRQKHFLPHQWRHVSHFtÀFR
0HQVDJHPGDSODQWDQRYDLQIRUPDomR

&RPDQGRSDUDRVPHPEURVGDHTXLSH

5HSHWLomRGHLQIRUPDo}HVFRQKHFLGDV

$SURYDomRHWRPDGDGHGHFLVmR
&RQYHUVDHPJUXSRVSHTXHQRV
&RPXQLFDomRH[WHUQD FHOXODU


3UREOHPDVWHFQROyJLFRV

3HGLGRGH,QIRUPDomR
&KHJDGDGHSHVVRDV
3HGLGRGH6LOrQFLR
3HUJXQWD

0HQVDJHPGDSODQWDQRYDLQIRUPDomR  16 5 5 7 9   1 9 6 7
([SOLFDomRGHGHWDOKHVFRQKHFLPHQWR
   5 4 12  2 2 6 9 4
HVSHFtÀFR
&RPXQLFDomRH[WHUQD FHOXODU    5 2 8   2 4 2 2
3HUJXQWD     1 3    5 4 1
3HGLGRGHVLOrQFLR      2    3 1 2
&RPDQGRSDUDRVPHPEURVGDHTXLSH        2 2 5 3 3
&KHJDGDGHSHVVRDV            
3UREOHPDVWHFQROyJLFRV            
3HGLGRGH,QIRUPDomR          1  
&RQYHUVDHPJUXSRVSHTXHQRV           3 3
5HSHWLomRGHLQIRUPDo}HVFRQKHFLGDV            2
$SURYDomRHWRPDGDGHGHFLVmR            
 65   29 22 49  4 8 39  24

A Figura 36.4 mostra a sequência de eventos que apareceram frequentemente


para diferentes cenários na simulação. Essa sequência de ações descreve o mecanismo de
como a equipe trabalhou – do recebimento do problema ou de uma nova informação,
explicando o problema para todo o grupo (Klein, 2001), discutindo o problema em pe-
quenos grupos, tomando decisões e mandando ordens fora da sala de reunião por celu-
lar. Esse é um exemplo de um evento específico, porém, identificar diferentes ações com
diferentes mecanismos e padrões foi extremamente importante para entender o processo
de raciocínio da equipe.
600 Ergonomia ELSEVIER

)LJXUD([HPSORGDVHTXrQFLDGHDo}HV

Outra análise foi realizada considerando as interações entre as pessoas da equi-


pe. Por isso, as distribuições dos membros do PEE foram representadas por círculos no
mesmo formato em que eram distribuídos na sala externa de emergência. Baseando-se
nessa representação, setas foram desenhadas saindo e chegando de um participante para
o outro. A espessura das setas representa o número de interações que cada pessoa teve
durante a simulação inteira.

)LJXUD,QWHUDo}HVHQWUHRVPHPEURVGDHTXLSH
Capítulo 36 | Ergonomia, adaptação e resiliência 601

A Figura 36.5 representa essa análise. As identificações não estão nessa figura por-
que não foram disponibilizadas. No entanto, ocorreu uma análise baseada no papel que
cada pessoa teve na simulação. Essa análise foi importante para detectar como a distri-
buição das pessoas na sala interferiu na comunicação entre a equipe, para ter uma visão
melhor do fluxo de informações, para identificar as pessoas mais importantes envolvidas
na comunicação, atividades de tomada de decisão na simulação e, ainda, para identificar
padrões surpreendentes, agrupamento das interações baseado na função.

36.2.2.1 Resultados

36.2.2.1.1. Resultados: fontes de resiliência


Resiliência é definida como a capacidade do sistema em lidar com distúrbios, in-
cluindo surpresas, com sucesso. As seguintes fontes de resiliência foram identificadas na
análise combinada dos dados.
1 – Há grandes esforços do coordenador da equipe de emergência na passagem de
instruções e na manutenção de um ambiente comum a todos. Devido às características
dinâmicas de uma resposta de emergência, revisões e instruções são extremamente im-
portantes (Woods; Hollnagel, 2006).
A capacidade das pessoas, numa sala de emergência, de rever planos de avaliação
quando novas evidências aparecessem e quando a situação muda induz a um processo
de tomada de decisão mais consistente e confiável.
Além disso, a diversidade das experiências passadas e do conhecimento adquirido
ao longo do tempo pela equipe de resposta às emergências requer reuniões para a pas-
sagem de instruções de forma a compartilhar esse conhecimento e para compreender os
incidentes e os eventos ocorridos (Hong; Page, 2004).
2 – A diversidade na equipe de resposta às emergências pode ser uma fonte de
resiliência. A presença de representantes de 26 diferentes agências revela a diversidade
do grupo. Todavia, Hong e Page (2004) consideram que, grupos especializados na reso-
lução de problemas com integrantes dotados de habilidades individuais podem superar
um time de especialistas.
3 – A equipe de resposta às emergências apresenta alguns bons padrões de organi-
zação. Klein (2001) define organização como a tentativa por parte de múltiplas entidades
em atuar juntas com o intuito de alcançar um objetivo comum, por meio da realização
de um plano compreendido por todos. No estudo da PEE, os membros que compõem a
equipe trazem seus próprios planos e roteiros para a resposta à emergência. Para deman-
das mais complexas, faz mais sentido ter planos modulares ao invés de planos completos
e complexos (Klein, 2001).
4 – Há, também, um mecanismo de reorganização que decorre das atividades da
equipe de resposta às emergências. Quando surge um incidente que demanda de com-
petências distintas, os membros são requisitados a avaliar a situação e a tomar decisões
602 Ergonomia ELSEVIER

em domínios específicos, reunindo-se em pequenos grupos para discutir o tema. Um


exemplo disso foi um caso ocorrido numa situação real não planejada no Protocolo de
Simulação.
Ativistas ambientais estavam bloqueando estradas perto da área da Central de
Energia Nuclear. Para solucionar o problema, representantes das polícias (rodoviária,
investigativa e militar) se juntaram para discutir o problema e tomar decisões. Após isso,
cada um deles constatou suas agências para agir sob coordenação e os ativistas foram
controlados poucos minutos depois. Klein (2001) classifica esses mecanismos de organi-
zação como novas fontes de valor marginal para as operações.

36.2.2.1.2. Resultados: fontes de fragilidade


Fragilidade é definida como partes do sistema que o torna operacionalmente mais
perigoso do que esperado. Identificar fontes de fragilidade pode ajudar a antecipar como
o sistema pode falhar, auxiliando a prevenção (Gomes et al., 2009).
1 – Enquanto um acidente nuclear é extremamente complexo e dinâmico, a con-
cepção da atual simulação estudada foi bastante estática. Existe um número finito de
eventos pré-determinados que foram enviados para a equipe de resposta às emergências
em uma sequência também pré-determinada, criando um cenário menos complexo e
desafiador.
Houve uma notável mudança no comportamento na equipe quando uma situa-
ção real e inesperada ocorreu e um grupo de ativistas começou a bloquear as estradas.
Os participantes da agência ficaram visivelmente mais sérios e as atividades marginais
entre as pessoas que não estavam concentradas em encontrar soluções para o problema
diminuíram.
Para solucionar essa ausência de realismo e dinamismo, Murphy et al. (2007)
propõem um laboratório de aprendizagem que possui uma abordagem de criação de
exercícios de larga escala com o objetivo de adquirir lições valiosas dos mesmos.
2 – Por mais que existam mecanismos de passagem de instruções repetidamen-
te durante toda a simulação, não há mecanismos específicos capazes de transmitir um
parecer da situação aos agentes que chegam durante o evento ou durante o processo de
tomada de decisão. A chegada dessas pessoas ocorre, geralmente, nas primeiras horas da
simulação quando as agências contratadas estão enviando seus representantes, durante
a hora do almoço ou, também, durante o curso da simulação, quando a substituição de
um agente é necessária por algum motivo.
3 – A distribuição física dos indivíduos nas salas é extremamente importante,
uma vez que há situações em que combinações diferentes de agências vão interferir mais
do que outras. Em ambientes de trabalho compartilhados, os indivíduos irão organizar
seus lugares e atividades de acordo com a distribuição dos outros na sala (Engeström;
Middleton, 1996).
Capítulo 36 | Ergonomia, adaptação e resiliência 603

Uma organização com postos de trabalho apropriados e flexíveis é capaz de pro-


mover um layout dinâmico das células representativas das agências, aperfeiçoando o
existente mecanismo de reposta à emergência.
4 – As atividades realizadas pelo coordenador da equipe de simulação são ex-
tremamente importantes para a execução e comando da PEE. No entanto, se a maior
parte das atividades da PEE é realizada pelo coordenador, pode haver uma sobrecarga
cognitiva, gerando, dessa forma, um gargalo no processo de tomada de decisões (Klein,
2001). Percebe-se pela Figura 37.3 que grande parte das atividades de comunicação
entre os agentes é feita pelo coordenador, podendo representar uma sobrecarga nas suas
atividades.
5 – O número de agentes e de agências tem influência na organização e no desem-
penho da equipe. Após algumas horas na sala da emergência externa, parece ocorrer uma
tendência de dispersão dos participantes e, provavelmente, uma perda de concentração.
Tal fato é comprovado pela quantidade de vezes em que é pedido silêncio à equipe. O
número de indivíduos pode degradar esse contexto, especialmente se alguns dos agentes
não têm participação ativa nas decisões e nas atuações da equipe. Ter uma equipe é me-
lhor apenas quando o desempenho do grupo é maior do que o somatório individual de
cada membro. Quanto mais integrantes, maior o custo de coordenação e a equipe pode
se tornar excessivamente numerosa (Klein, 2001).
6 – Embora as agências tragam os seus próprios planos de emergência, gerando
um plano de emergência modular menos complexo, é necessário um plano elaborado
para identificar a função e o papel de cada agência em resposta à emergência nuclear.
Uma análise do PEE atual pode aperfeiçoar a resiliência de simulação.
7 – Há uma deficiência na estrutura tecnológica visual e de comunicação utilizada
por todos os agentes envolvidos no Plano de Emergência para entender e compartilhar a
situação de emergência. Todas as descrições dos eventos e das atividades são feitas ver-
balmente. A estrutura tecnológica visual e de comunicação é importante para entender
o contexto e para a tomada de decisão quando o tempo de resposta é curto (Shoenwald
et al., 2005).

36.3. Conclusão
Nos estudos de caso aqui apresentados, foram utilizados múltiplos métodos e
técnicas da ATC para encontrar fontes de resiliência e de fragilidades nos domínios da
produção de energia nuclear, na aviação offshore de helicópteros na Bacia de Campos,
bem como na simulação da resposta à emergência nuclear. Nossa análise encontrou essas
fontes ligadas à coordenação de equipe, à concepção e à dinâmica do projeto das orga-
nizações e das relações interorganizacoes, do design da simulação em si e dos cenários,
ao design das estações de trabalho, à estrutura tecnológica visual e de comunicação e às
atividades de resposta à crise.
604 Ergonomia ELSEVIER

Conhecer e compreender essas fontes no sistema é um mecanismo útil para me-


lhor compreender o porquê do sucesso ou do fracasso das atividades e a interferência do
sistema no desempenho.
No acidente de Colúmbia, o sistema de gerenciamento de segurança da NASA
falhou em entender as implicações na segurança do trade-off realizado pelas pessoas,
relacionado ao vazamento de espuma que ocorreu em quase todos os voos. Uma situa-
ção similar ocorreu no acidente Challenger relacionado às condições dos O-rings. A
falta de compreensão da imagem global, no que diz respeito ao vazamento de espuma
durante os lançamentos anteriores que contribuíram para os trade-offs antes e durante
a última missão do ônibus espacial Colúmbia (p. ex., por que o vídeo do vazamento
de espuma durante o lançamento foi ignorado pelo comando da missão?), está dire-
tamente ligado às decisões locais tomadas pelas pessoas dentro dos vários níveis da
organização.
Novos estudos e pesquisas se fazem necessários para avançar o conhecimento
nesses três domínios, com o objetivo de analisar profundamente essas fontes de resiliên-
cia, além de reduzir as fontes de fragilidades ou até transformá-las em fontes de resili-
ência. Os resultados fornecidos por essa análise sugerem que áreas como coordenação
de equipe, concepção e dinâmica da simulação, gestão de crises e o desenvolvimento
da estrutura tecnológica necessária para suporte são áreas com elevado potencial para
aperfeiçoamento na simulação de resposta à emergência.
Portanto, um sistema proativo de gerenciamento de segurança usando con-
ceitos da engenharia de resiliência deve fornecer à organização meios eficazes para
balancear segurança e objetivos de alta produtividade, por meio da reestruturação
das interações entre níveis para melhor balancear segurança com pressões de produ-
ção. Para isso, a segurança precisa ser tratada como algo fundamental, monitorando
continuamente o modelo de risco e decisões de sacrifício que as pessoas usam em
suas atividades diárias.
Essas organizações resilientes devem fugir do viés da falta de prevenção, situa-
ção na qual temos que esperar por acidentes para pensar em segurança. De fato, como
indicado por Weick (1993), “safety is a dynamic non event”, ou em outras palavras, o
nível de segurança vigente deve permanecer despercebido se não acontecer nada. Ao
invés de ver o sucesso passado como um indicador de um bom nível de segurança,
organizações resilientes devem continuar a investir em antecipar a mudança no po-
tencial de falha, pois eles compreendem que seu conhecimento é imperfeito e que seu
ambiente muda constantemente.

Agradecimento: este capítulo baseou-se em pesquisas com suporte do Conselho


Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Capítulo 36 | Ergonomia, adaptação e resiliência 605

36.4. Página escolar


Questões
1) Pesquise na internet os fatores contribuintes para o acidente com as aeronaves do
Voo 154 da Gol e o jato Legacy, que ocorreu em 2007 na Amazônia. Em seguida,
divida a classe em grupos e realize um debate para elencar todos os fatores encon-
trados.
2) De acordo com o texto, descreva Análise Ergonômica do Trabalho utilizada para
os casos citados.
3) De acordo com o texto, descreva a Análise da Tarefa/Atividade Cognitiva.
4) De acordo com o texto, descreva o que você compreendeu por Adaptação e Resi-
liência.

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