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Memorial da
Especialista em Representação Teatral da Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa – PB,
2009.
Esquecemos que o corpo não é algo imutável, ao contrário, ele age, reage,
pensa, é devir. Sim, por que o corpo não tem memória, ele é memória, é
pensamento.
Este é o processo que procuramos no nosso treinamento, o que implica numa busca
pela articulação dos nossos sentidos. Só assim, acreditamos poder criar uma
realidade cênica.
Não podemos esquecer que o homem percebe o mundo mediante os seus
sentidos. Nós absorvemos as informações, os sinais a que somos constantemente
expostos mediante a visão, a audição, o tato, o olfato e o paladar, recortes da nossa
realidade cotidiana que se misturam e se confundem no momento da recepção.
Cada um desses sentidos desperta em nós uma sensação, intimamente ligada ao
tempo e espaço e é por meio dessa intricada rede de relações e interconexões entre
esses elementos que nós apreendemos, compreendemos e desvelamos
significações acerca do mundo que nos cerca.
Nosso trabalho parte do pressuposto de que é no corpo e pelo corpo do ator
que a sua expressão ganha forma, portanto trabalhamos no sentido de nos permitir
criar ações não submetidas a regras externas de comportamento. Procuramos
ultrapassar, por meio de nosso treinamento, a dicotomia sujeito (mente) e objeto
(corpo) em busca de uma integridade e plenitude em que músculos e pensamento,
corpo e razão dialoguem sem relações de subordinação.
OLIVEIRA, Joevan. Homens ocos: registro de uma experiência performática. Memorial da
Especialista em Representação Teatral da Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa – PB,
2009.
Se a interação entre ator e espectador se dá por meio das ações que constrói,
se faz necessário que o ator esteja pronto para se pôr em ação, consciente de suas
potencialidades e da capacidade criadora do seu corpo e da sua voz, de maneira a
desenvolver meios que o possibilitem adentrar no campo das virtualidades.
O ator ao utilizar seu corpo, tem a possibilidade de adentrar o território das
micropercepções, da experiência sensorial de maneira consciente e perceptiva.
Como afirma Ferracini, a pele é um território “entre” o interior e exterior do ator, entre
o visível e o invisível, é a fronteira máxima. É por meio dela que entramos em
contato com o mundo e, portanto, por onde se constituem nossas vivências, onde o
real e o virtual se fundem, gerando potencias que vão se atualizando no universo
das macropercepções, do visível.
Nesse processo o ator é ativo e passivo na criação, uma vez que se deixa levar
pelo micro, pelo imperceptível e age à medida que o conjunto dessas
micropercepções formam o macro, território de ação direta.
Por isso as técnicas extracotidianas, por não respeitarem os condicionamentos
habituais, nos propiciam o contato, ou melhor, a percepção do funcionamento do
nosso corpo em determinadas situações que no dia a dia nos são normais e banais
e assim poder transgredi-las.
Uso os termos cotidiano e extracotidiano para diferenciar dois tipos de
comportamento tendo como parâmetro uma situação de representação teatral sem
esquecer que, mesmo atuando, o ator não perde seu principal referencial que é a
realidade. Contudo, não se limita a ela, ao contrário, transborda-a, cruza essa
fronteira criando fissuras, pontos de fuga. A extracotidianeidade, nesse sentido, se
apresenta como uma possibilidade para o ator se colocar frente à realidade na qual
está inserido, desterritorializando e reterritorializando a si mesmo, tendo em vista um
conceito mais amplo.
relações que pode manter consigo e com o meio. É uma forma de experienciar
outras possibilidades de ver e sentir a cultura, a sociedade e a si mesmo em meio às
múltiplas relações que estabelece com o meio, fugindo das pressões, das
imposições que o cotidiano impõe ao indivíduo, através da estrutura sócio-cultural e
histórica na qual está inserido.
Essa distinção torna-se clara se pensarmos que, numa situação cotidiana,
procuramos nos comunicar da maneira mais simples e objetiva possível, de modo a
não haver problemas na compreensão. Usamos da redundância dos códigos, para
diminuir o número de informações e assim restringir as possibilidades de significado
do que pretendemos comunicar.
É nessa zona virtual que se encontram nossas memórias, tanto a habitual, das
ações do dia a dia (mecanizadas), quanto à ontológica referente a tudo que
acontece na nossa vida, das mais banais, às mais representativas, elas se atualizam
por meio das vivências, memória adensada, ainda potencializada e singularizada.
Essa relação memória e vivência extrapola a noção de tempo espacializado,
caracterizado por ser uma seqüência de instantes homogêneos, de caráter
quantitativo. Tempo do relógio, rigorosamente reprodutível, regular e mecânico em
que um instante não é mais importante que outro. Quando falo em atualização, me
refiro a um tempo outro, no sentido bergsoniano, um tempo devir; um tempo de
mutações, de caráter qualitativo porque trata de uma transformação.
Ao contrário do tempo espacializado que é homogênio, nesse tempo devir o
presente nada mais é que uma tensão entre um passado que já sofreu uma mutação
e um futuro ainda por vir. O presente seria exatamente o momento da
transformação, em que esse passado se atualiza em direção a algo num fluxo
constante.
Por isso a importância do corpo, é nele onde se dão as vivências e por
conseqüência, por onde podemos recriar o passado.
suas ações, o ator o faz como se fosse a primeira vez, isso porque ele não
simplesmente repete as ações que construiu nos ensaios em termos de densidade
muscular, mas as recria a cada instante. Nesse momento, se justifica o processo de
treinamento uma vez que o corpo, já dentro dessa zona de potência, conseguida
durante os ensaios, se mantém pronto para acioná-lo no momento da
representação. O corpo, pensando aqui no ator, trabalha e manipula as várias
possibilidades de significação no momento presente.
Dessa forma, todo o processo de dar forma e ordem ao caos que representa o
momento de criação e que antes se restringia ao momento de preparação e de
ensaio se torna vivo e constante onde o que mais interessa é o confronto com o
público, dando às ações do ator o frescor da primeira vez. Aqui reside o caráter re-
presentativo, que é o de recriar para tornar presente de novo, algo que tem um
significado para si e para o outro.