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RESUMO
ABSTRACT
1
Mestrando em Teologia (FABAPAR) e Bacharel em Música (UFRGS). Email: svskeyboard@hotmail.com
INTRODUÇÃO
Muito se tem debatido ao longo das eras a respeito do papel da Igreja enquanto
corpo de Cristo. A preocupação geral de teólogos, clérigos e leigos em torno do equilíbrio
das atuações dos cristãos nas práticas eclesiásticas se faz notada na vasta literatura que
tem sido produzida sobre missão da Igreja e seus temas correlatos, especialmente no
último século. Juntamente com o caráter devocional e a prática de adoração a Deus, a
comunhão e a edificação dos santos tem sido tratados como alguns dos pontos focais
essenciais em relação à “razão de existir” da Igreja, em um aspecto interno. Já ao tratar-
se da atuação da igreja no mundo, tanto em suas ações evangelísticas quanto nas
atuações no âmbito social, as ramificações de pensamento nas diversas possibilidades de
ação tornam-se ainda mais abrangentes. Nos mandatos bíblicos relacionados ao
discipulado e à missão da Igreja enquanto corpo que se mantém através da atuação do
Espírito Santo, trabalhando tanto individual e internamento quanto mutuamente, através
dos vários mandamentos “uns aos outros”, vê-se como uma importante função da Igreja
em sua ação no mundo a prática da admoestação e do aconselhamento mútuo.
A prática do aconselhamento sempre foi comum em diversas formas de
constituições sociais e culturais, sendo um fenômeno praticamente universal, quer
baseado em paradigmas filosóficos ou religiosos, quer baseado em metodologias ligadas
a diversas formas de ciência ou mesmo às práticas e experiências da vida comum. Seja
qual for a base de pensamento por trás do interesse de auxílio mútuo, a busca pelo
equilíbrio e por uma vida integralmente conectada com o “eu” e com a realidade das
relações sociais parece fazer parte da própria constituição da alma humana. Nessa busca
intelectual e espiritiva, as percepções advindas das diferentes cosmovisões geraram ao
longo da história diversas formas de tratar a questão.
O século 20 trouxe ao alcance do homem moderno as mais diversas – e até
mesmo divergentes – formas de tratamento das questões da alma – a psyque grega. Com
o avanço das pesquisas nas áreas científicas, diversas escolas de pensamento buscaram
fundamentar o estudo da alma humana, tentando tornar a psicologia, através do
“processamento da observação e do experimento”, uma “ciência do homem por
excelência”.2
É nesse contexto de choque de cosmovisões que o autor americano Jay Edward
2
OUWENEEL, 2014, p. 8.
Adams se posiciona de forma absoluta em relação ao que, em sua visão, deveria de ser o
cerne do pensamento cristão no aconselhamento: o aconselhamento bíblico-diretivo,
centrado na pessoa de Cristo e na revelação bíblica da vontade de Deus para o ser
humano.3 O autor cunhou então o conceito de Aconselhamento Noutético ao publicar sua
primeira obra sobre o assunto, “Conselheiro Capaz”, em 1970.
Diante das inúmeras teorias psicológicas e metodologias que interagem e disputam
entre si na intenção de embasar as práticas de psicoterapia e aconselhamento no âmbito
cristão ainda hoje – inclusive no meio acadêmico teológico –, faz-se necessário um olhar
atento na problematização trazida e sistematizada por Jay Adams em torno da
admoestação bíblica como padrão basilar ao aconselhamento cristão enquanto parte
essencial da missão da Igreja.
Embora o conceito tenha Adams como seu precursor – trabalhando e
desenvolvendo essa perspectiva desde o final da década de 1960 –, o presente artigo
objetiva partir da visão de Adams e proporcionar um diálogo de inter-relações
bibliográficas com outros autores, impulsionando assim uma discussão com
considerações críticas pessoais, também baseada nas conexões autorais. Busca-se,
então, tratar do assunto como uma necessidade da igreja como tarefa missional no
cuidado de uns para com os outros como membros de um mesmo corpo eclesiástico.
3
ADAMS, 1977, p. 55.
4
WRIGTH, 2012, p. 21-23.
Entre as ênfases que Wrigth traz, nota-se uma relação constante entre o cristão e
Deus, o cristão e sua consciência identitária como membro do Reino e participante da
missão de Deus, o cristão e o mundo/as nações e o cristão enquanto pessoas que
apresentam um estilo de vida redentor em sua ação na igreja e na comunidade. 5 Em meio
a outros temas, o autor destaca o caráter de urgência da “recuperação da confiança no
Evangelho” em meio a um Cristianismo cada vez mais secularizado. A consciência da
verdade do Evangelho, de sua unicidade e de seu poder é o que mostra e afirma a real
relevância dessa mensagem ao ser humano, trazendo sentido à sua história e unindo sua
existência a essa nova criação que surge redimida pela obra de Deus e se expande em
Sua missão através de Seu povo.
Embora de maneira menos abrangente, Darrel Robinson comenta a respeito do
papel da Igreja em sua missão no mundo a partir de eixos complementares. Para isso,
traz como essenciais três aspectos da “razão de ser” da Igreja: (1) a atuação relacionada
com Deus, enfatizada na vida eclesial de louvor e adoração; (2) a atuação relacionada
aos irmãos cristãos, com ênfase na edificação mútua e no “equipar dos santos”; e (3) a
ação para com o mundo, focando na atuação da igreja em seus focos missionais. 6
Comentando o foco tríplice de Robinson, o missiólogo Ted Ward, da Trinity Evangelical
Divinity School aponta: “Creio, de fato, que essas são as três questões principais. […]
Elas são inseparáveis, e mesmo que o ministério se concentre numa delas, que se
mantenham justas todas as três.”7
No décimo segundo capítulo da 1ª Epístola aos Coríntios, o apóstolo Paulo
expressa a diversidade de dons e ministérios como um mecanismo divino para manter e
edificar o corpo de Cristo: “Ora, há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo. E há
diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. E há diversidade de operações,
mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos.” 8 Como explica Padilla, os dons e
ministérios são meios do Espírito de Deus para capacitar a Igreja na gestão de mudanças
que reflitam e cumpram os propósitos de Deus para a vida humana e para Sua criação. 9
Toda a igreja, então, passa a ser envolvida, de uma forma ou de outra, na propagação do
Reino de Deus em todas as suas possíveis dimensões de atuação missional,
evidenciando assim o sacerdócio universal dos santos e a necessidade de identificação
5
WRIGTH, 2012, p. 11.
6
ROBINSON, 2011, p. 26.
7
WARD apud ROBINSON, 2011, p. 26.
8
1Cor 12.4-6, ARC.
9
PADILLA, 2011, p. 63.
com os caminhos de Cristo enquanto servo que atua de acordo com os planos divinos
para com Sua criação e Seus filhos.
10
GONZALES apud PADILLA, 2011, p. 96.
11
MACARTHUR, 2004, p. 350.
12
1Tes 5.14, ARC.
13
Rom 15.14, ARC.
eclesiásticas, a Igreja lidava com problemas cada vez mais agravados nas relações de
discipulado e aconselhamento. A psicologia moderna vindicava para si todo e qualquer
conselho no sentido de tratamento e tentativa de restauração da alma humana quanto às
suas questões mais íntimas e perturbadoras. O aconselhamento no âmbito eclesiástico,
tanto na mutualidade entre leigos quanto na abordagem bíblico-diretiva advinda dos
gabinetes pastorais, perdia cada vez mais sua importância e era visto com olhos de
desapreciação. Nesse contexto, surge a figura de Jay Adams como pioneira no
renascimento do aconselhamento bíblico-diretivo na Igreja moderna.
14
MACARTHUR; MACK, 2014, p. 71.
15
LAMBERT; SCOTT, 2017, p. 16.
antropologia e mudança”, “estudando pessoas, estudando livros de aconselhamento,
estudando a Bíblia”, e consolida seu pensamento em um sistema, por volta de 1967. 16
Em 1970, Jay Adams lança seu primeiro livro, “O Conselheiro Capaz”, atacando a
proeminência da psicologia e da psiquiatra pagãs e de seus fundamentos epistemológicos
humanistas e antibíblicos como base para o aconselhamento cristão. David Powlison
relata que nessa época, onde aconselhamento pastoral se tornava uma prática cada vez
mais desencorajada no meio religioso, devido ao aumento das práticas psicoterápicas
profissionais na segunda metade do século 20, o livro de Jay Adams “foi igual a uma
bomba no mundo cristão conservador”.17
Entre 1968 e 1976, Adams empenhou-se por institucionalizar seus intentos
sistemáticos sobre aconselhamento cristão através do CCEF (1968) – Chistian
Counseling and Educational Foundation [Fundação Cristã de Aconselhamento e
educação] e da NANC (1976) – National Association of Nouthetic Counselors [Associação
Nacional de Conselheiros Noutéticos]. A partir daí, a obra e as instituições de Adams
passaram a influenciar ministérios tanto nos Estados Unidos quanto no exterior, formando
centros de treinamentos para conselheiros com base nas premissas bíblicas do
Aconselhamento Noutético.18 No Brasil, tem-se a ABCB, Associação Brasileira de
Conselheiros Bíblicos, que atua baseada na visão de suficiência da Bíblia no
aconselhamento cristão, segundo o sistema de Adams e dos desenvolvimentos
19
posteriores feitos por seus seguidores.
Entre as principais obras do autor, temos “O conselheiro capaz” (1970) – livro base,
onde os conceitos basilares do sistema são apresentados –; “Manual do conselheiro
cristão” (1986) – obra com caráter mais prático, voltada para orientar conselheiros bíblicos
de maneira metodológica –; e “Teologia do aconselhamento cristão” (1986) – obra onde
Adams apresenta uma espécie de teologia sistemática do aconselhamento, tratando do
assunto a partir das categorias doutrinárias comuns às teologias sistemáticas (doutrinas
das Escrituras, de Deus, do homem, da salvação, da santificação, da igreja e das coisas
futuras). Assim, o autor, em menos de duas décadas, conseguiu criar um modelo de
aconselhamento fundamentado nas Escrituras, sistematizado a partir de uma metologia
com pressupostos epistemológicos baseados em um sistema teológico, e articulado de
16
POWLISON, 2004, p. 72.
17
POWLISON, 2004, p. 73.
18
POWLISON, 2004, p. 76.
19
Disponível em <http://abcb.org.br/>. Acesso em 14/03/2018.
maneira que conseguiu atingir efetivamente a prática eclesiástica e influenciar o
renascimento do aconselhamento bíblico como parte da missão da Igreja nos processos
de tratamento da membresia e discipulado.
A palavra grega noutheteo, forma verbal do termo grego clássico nouthétesis, traz
um significado amplo. Segundo Adams, “o termo contém mais de um elemento
fundamental. Esta é uma das razões da dificuldade para traduzi-lo. As traduções
tradicionais vacilam entre as palavras ‘admoestar’, ‘exortar’ e ‘ensinar’”. Através do
conceito bíblico de confrontação noutética – presente no Novo Testamento,
principalmente nas cartas do apóstolo Paulo –, ocorreu uma redescoberta do
aconselhamento bíblico.20
Adams enxergou a possibilidade de um aconselhamento cristão autenticamente
bíblico somente se suas bases estiverem totalmente dependentes do Espírito Santo,
visando aplicar a palavra de Deus à vida das pessoas. O encorajamento e o senso de
capacitação através das promessas bíblicas, o norteamento convicto e diretivo advindo
dos mandamentos bíblico-cristãos e as aplicações práticas das histórias vetero e
neotestamentárias foram apresentados por Adams como fontes de mudanças na psyche
humana e ferramentas efetivas no tratamento cristão dos problemas da alma.
Para Adams,
Jesus Cristo está no centro de todo genuíno aconselhamento cristão. Qualquer
forma de aconselhamento que remova a Cristo dessa posição de centralidade
deixa de ser cristã na proporção em o que o faça. Obtemos conhecimento de
Cristo e de Sua vontade em Sua Palavra (ADAMS, 1977, p. 55).
20
ADAMS, 1977, p. 57.
como princípios hermenêuticos fundamentais. No sistema de Adams, a admissão da
Bíblia como palavra e conselho de Deus ao ser humano é o pressuposto primeiro no
tratamento das questões de alma, sejam elas abordadas diretamente nas Escrituras ou
mesmo indiretamente. Por esse viés interpretativo, entende-se que os problemas do ser
humano não podem ser tratados em sua integralidade se suas possíveis raízes teológicas
forem negadas.
25
OUWENEEL, 2014, p. 11-12.
26
COLLINS, 2000, p. 175.
mudança”.27 Não apontam-se valores e opiniões pessoais no direcionamento
admoestatório. Ao contrário, aponta-se para os princípios bíblicos de forma que gere
confronto e ative no aconselhado uma percepção real da situação e de si mesmo em
relação aos desígnios de Deus. Assim, traz-se uma mudança de direção a partir do senso
de compromisso que se assume para com os parâmetros divinamente revelados na Bíblia
para com a criação.
27
MACK, 2004, p. 301.
28
SERTILLANGES, 2010, p. 29.
interesses pessoais baseados majoritariamente em sentimentos e subjetividades são
supravalorizados, a tendência natural de não optar pelos diretivos conselhos bíblicos
torna-se o caminho mais atraente. Nisso, esquece-se do conhecido conflito de conselhos
incutidos na raça humana, como aponta David Powlison: “O conselho que contradiz o
conselho de Deus existe desde o Jardim do Éden, desafiando o conselho de Deus criado
a partir de outras pressuposições e rumo a outros alvos”. 29 Enquanto o sistema noutético
de Jay Adams sugere um embasamento em estruturas divinamente direcionadas, as
escolas contemporâneas de psicologia trazem ao debate uma possível neutralidade no
estudo da psyche, tentando deixar o assunto longe das “subordinações religiosas” que a
cosmovisão cristã exige em sua plenitude de pensamento. O problema das
individualidades e subjetividades, como apresentado, é que as mesmas não permitem
subjugação alguma a padrões normativos, dificultando um entendimento sobre a geral
necessidade humana de viver de acordo com uma ordem relacional que parte do vertical,
do contato de Deus com a humanidade, conforme sugere Paulo em sua epístola ao
Colossences: “A palavra de Cristo habite em vós abundantemente, em toda a sabedoria,
ensinando-vos e admoestando-vos uns aos outros com salmos, hinos e cânticos
espirituais, cantando ao Senhor com graça em vosso coração.” 30 Paulo traz a palavra de
Cristo como princípio basilar na busca pela sabedoria que nutre as relações de ensino,
admoestação e os cânticos cristãos. Isso implica em uma lógica que leva,
necessariamente, a proposições diretivas.
Embora sendo vistas muitas vezes como invasivas às liberdades individuais, as
direcionalidades da terapia noutética com enfoque bíblico-diretivo partem da ideia de que
tais normas “não são imaginadas por nós, mas sim estabelecidas por Deus ao ordenar a
criação. Não se trata de um conselheiro definindo caminhos direcionados por escolas
psicológicas de pensamento ou pelo próprio entendimento que pode vir a ter de cada
caso. Trata-se sim de um cristão conselheiro que ouve, entende e aponta para as
direções que a Bíblia apresenta e para as realidades que a mesma desvela a respeito do
ser humano.
Como fruto de uma cultura em que os conceitos baseados no “self”, na
autoestima/autorrealização dominam o pensamento geral, é cabível o entendimento de
que as soluções geradas por abordagens que negam a diretividade no aconselhamento
29
POWLISON, 2004, p. 80.
30
Col 3.16, ARC.
são, de muitas formas, mais consistentes para com o pensamento dominante. Na
primeira, por buscar o antigo desejo humano de autogestão; na segunda, por trazer as
considerações do conselheiro em diálogo com as percepções do aconselhado – o que
pode resultar em um mero encontro de elaborações subjetivas que valorizam o
insubmisso senso humano de liberdade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
32
OWENEEL, 2014, p. 63.
deve ser tratada com o mesmo comprometimento e cuidado que se busca ter na própria
relação pessoal com Deus.
REFERÊNCIAS
ADAMS, Jay E.. Conselheiro Capaz. São José dos Campos: FIEL, 1977.
____. Manual do Conselheiro Cristão. São José dos Campos: FIEL, 1982.
____. Teologia do aconselhamento cristão: mais que redenção. Eusébio, CE: Editora
Peregrino, 2016.
COLLINS, Gary R.. Ajudando Uns aos Outros Pelo Aconselhamento. São Paulo: Vida
Nova, 2000.
OUWENEEL, Willem. Coração e Alma: Uma perspectiva cristã da psicologia. São Paulo:
Cultura Cristã, 2014. 144 p.
ROBINSON , Darrel W. Vida total da igreja: uma estratégia para o século 21 inspirada no
modelo de igreja do primeiro século. Tradução de Alexandre Emilio Silva PIRES, Josemar
de Souza PINTO. 1. ed. Rio de Janeiro: Sabre, 2011.
SERTILLANGES, A.-D.. A vida intelectual: seu espírito, suas condições, seus métodos.
São Paulo: É Realizações, 2010.
STREET, John D. Por que aconselhamento bíblico e não psicológico? In: MACARTHUR,
John. Pense Biblicamente: recuperando a visão cristã de mundo. São Paulo: Hagnos,
2005, p. 307-335.