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"Os tiTanos que fustigaTam os povos com vaTas de feTTo fizeTam mais pela educação
jurídica da humanidade do que todos os legisladoTes com os seus códigos de leis."
(lhering, citado pOT OliveiTa Vianna em epígTafe ao capítulo OTganização da oTdem
legal, em Populações meridionaes do Brasil. 1920.)
"Pelas condições dentTo das quais se pTocessou a nossa formação política, estamos
condenados às oligaTquias: e, felizmente, as oligaTquias existem. Pode paTeceT paTa-
doxal; mas, numa democracia como a nossa, elas têm sido a nossa salvação. O nosso
gTande pToblema, como já disse alhuTes, não é acabaT com as oligaTquias: é trans-
formá-las - fazendo-as passaTem da sua atual condição de oligaTquias bToncas para
uma nova condição de oligaTquias esclaTecidas. Estas oligaTquias esclaTecidas seriam,
então, Tealmente, a expTessão da única forma de democracia possível no BTasil."
(Instituições políticas brasileiras. 1949. v. 2, p. 205).
"Le moment est venu de substitueT aux luctes stériles, suscitées paT les vices de
Z'ancien Tegime et paT l'eTTeuT des Tévolutions, une entente féconde fondée SUT
Z'observation des faits." (Le Play. La réforme sociale en France. 1874, citado pOT
OliveiTa Vianna em ~tituições políticas brasileiras. 1949. v. 2, p. 96).
1. A obra de Oliveira Vianna como uma visão parcial da
"crise moderna" brasileira; 2. Antiliberalismo e Autorita-
rismo; 3. Estado Nacional, Estado Moderno, Estado Demo-
crático, Estado Autoritário e Estado Corporativo; 4. A
"questão social": "a incorporação do trabalhador no Estado";
5. Racismo & elites; 6. Ruralismo & urbanismo 7. "Progra-
ma econômico"; 8. Interpretação das revoluções brasileiras;
9. Fontes teóricas e doutrinárias do pensamento sociológico
de Oliveira Vianna.
que agora publicamos, sejam lidos os seis primeiros itens do texto anterior já
referido: é que segundo nossa perspectiva de trabalho, colocamos em paralelo,
ao lado do nacional, o universal, sendo, afinal, em função deste último que se
compreenderá aquele, embora aqui não se intente uma articulação entre ambos.
Toda a série a ser publicada, como já dissemos, é parte de uma tese que pre-
paramos para École Pratique des Hautes Études (Paris) sob o título O pensa-
mento político brasileiro - 1930/1945. Este texto, como o anterior, é também uma
ordenação parcial e fragmentária de várias notas preparatórias da tese. Não ten-
tamos nenhum tipo de análise sociológica ou politica (apenas sugerida nas notas
ao pé de página ou em pontos esparsos ao longo do texto) mas, antes a nossa
preocupação foi a de expor, caracterizar, organizar, classificar e situar o pensa-
mento político e sociológico de Oliveira Vianna: mais obra de artesanato do que
ciência. É, pois, dentro desta perspectiva que o presente estudo deve ser entendido
e somente ao se considerar o objetivo assinalado é que, talvez, se justifique a
fastidiosa citação de trechos de todos os livros do autor, algumas vezes repe-
tidos em função dos tópicos classificatórios que aqui fazemos do conjunto de
sua obra. Ao mesmo tempo, a variedade e a extensão destas citações permitirão
ao leitor um conhecimento abrangente e sintético de todo o pensamento de Oli-
veira Vianna. Posteriormente, tentaremos, dentro do estudo do autoritarismo, traçar
um paralelo entre o pensamento político "trágico-romântico" de Francisco Campos
- expressão de seu "realismo cético" - e o de Oliveira Vianna, mais inclinado ao
"épico" .
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quenos estudos de psicologia social, Evolução do povo brasileiro, O
idealismo na evolução política do Império e da República e O idealismo
da Constituição,l já se encontra definitivamente cristalizado o núcleo
de idéias que ele manteve inalterado até suas obras póstumas. Aliás,
o seu biógrafo 2 relata-nos que muitos dos livros de Oliveira Vianna
só eram dados à publicação, em forma definitiva, após longos anos
de coleta de dados, notas e observações esparsas sobre determinados
temas ou assuntos; estas notas, então, na conformidade da disponibili-
dade de tempo e de interesse do autor, eram selecionadas e organizadas,
transformando-se em obra. Desta forma, um livro poderia ter tido o
seu início cerca de 10 ou 20 anos antes de sua publicação e, se ao
tempo desta, uma revisão critica não fosse feita, poder-se-ia ter uma
obra "nova" nascendo já de todo ultrapassada com relação a estágios
científicos mais modernos. É o que nos parece ter acontecido com
grande parte da produção intelectual de Oliveira Vianna e que ex-
plicaria também a possibilidade, que ele realizou, de publicar e "es-
crever" simultaneamente vários livros, o que se percebe através da
constância e invariabilidade de temas e de enfoques. Agora, um ligeiro
escorço biográfico contribuirá para situá-lo melhor dentro de sua prá-
tica social: filho de proprietário rural no Estado do Rio, conservou
a propriedade paterna, orgulhando-se de sua condição de fazendeiro.
Já depois de 1945 mencionava que a fazenda de seu pai era seu "pa-
trimônio sentimental", assinalando que tinha atrás de si "três gera-
ções de proprietários rurais" e que continuava "ainda hoje, vinculado
à minha gleba natal por todas as raízes do meu ser, preso a ela por
suas matrizes mais puras, que são as suas populações rurais". 3 Aluno
do Colégio Pedro lI, formado em Direito em 1905, tendo sido aluno
de Serzedelo Correia na cadeira de economia política, depois de for-
mado não exerceu a profissão. Foi professor de matemática em Ni-
terói, no Estado do Rio, colaborador do jornal Diário Fluminense e,
mais tarde, de outros jornais do Rio de Janeiro. A partir de 1916, pro-
fessor de teoria e prática de processo penal e direito industrial na
Faculdade de Direito do Estado do Rio. Integrou-se no círculo de ami-
l-c-~ -
1 Encontramos, vez por outra, certa confusão nas referências bibliográficas de
Oliveira Vianna. O idealismo da Constituição que nos serviu foi editado em 1927, sem
menção a qualquer edição anterior. Mas na relação Obras do autor, inserida na
Introdução à história social da economia pré-capitalista no Brasil (póstuma), edi-
tada em 1958, é mencionada uma primeira edição daquele livro em 1920. Por
outro lado, esta relação não menciona O idealismo na evolução política do Império
e da República.
2 Vasconcelos Torres. Oliveira Vianna, sua vida e sua posição na sociologia
brasileira. Rio, 1956. p. 92-3. Servimo-nos deste livro para os dados biográficos
mencionados.
3 Ver nota 2.
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do nosso continente entrou a sentir, surpreso e inquieto. .. a revelação
imprevista de numerosos pontos fracos da sua estrutura, não apenas
no ponto de vista militar; mas, político; mas, social; mas, econômico"
(Problemas de organização e problemas de direção. 1952 p. 168).
Concluía: "Em relação ao nosso povo, é toda uma nova política que
temos de conceber, organizar e sistematizar, tendo em vista a elimina-
ção de qualquer sistema de idéias ou de preconceitos que embaracem
esta adaptação do nosso povo às novas condições do meio internacional
em que vivemos... adaptarmo-nos a este meio; sem sacrifício, está
claro, da nossa independência e das peculiaridades da nossa personali-
dade nacionaL.. uma adaptação ativa, orientada no sentido da aqui-
sição das qualidades que nos faltam, na luta com os grandes povos con-
correntes ... Este problema se reduz, no fundo, ao problema da reedu-
cação das nossas elites dirigentes" (id. ibid. p. 168, 169, 170).
2. Antiliberalismo e Autoritarismo
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estão os moldes ainda quentes, onde se fundiram essas idiossincrasias,
que nos extremam e singularizam, como povo, entre todas as nações
da terra" (P. M. B. prefácio de 1918, p. I e 11). Era como se Oliveira
Vianna buscasse "aproveitar" de nossas oligarquias apenas o seu autori-
tarismo histórico a fim de justificar, nas décadas de 20 e 30, a constru-
ção de um Estado Autoritário "conseqüente" e que viesse a assumir
este status, com o objetivo de, através dele, promover a "modernização"
institucional de nosso país, isto é, atingirmos o Estado Moderno. O que
Oliveira Vianna parecia temer era, de certa forma, que esta transição
fosse efetuada, ou mesmo tentada, pelo liberalismo demagógico e "utó-
pico". O seu constante elogio aos políticos conservadores do Império,
tendo à frente Pedro 11, mostrava que ele estava indicando que seria
através de elites semelhantes que o Brasil de seus dias - dos anos 20
e 30 - deveria transformar-se, modernizando-se. Diz: "Ora, os nossos
homens de Estado, de tipo construtor e autoritário, que dirigiram o
país na fase do Império, foram os únicos que tiveram a intuição profé-
tica desta verdade fundamental. .. Por isto mesmo, o Brasil deve tudo
aos Feijós, aos Vasconcelos, aos Uruguais, aos Paranás, aos Caxias, espí-
ritos gloriosos de 'reacionários', claras mentalidades de tipo realista e
objetivo, que tiveram a compreensão exata e lúcida da missão de auto-
ridade e do Poder Central numa nacionalidade em formação, como a
nossa" (P. O. P. D. p. 135). Seria assim, segundo cremos, dentro desta
perspectiva de modernização institucional de nosso país, a partir de
uma fase crítica como aquela do pós-guerra (Oliveira Vianna abarca
tanto 1914/18 quanto 1939/45), que o conjunto de sua obra deve ser
analisada e entendida. Todo seu elogio à nossa nobreza rural colonial;
à estrutura social de nosso latifúndio escravista; à arianidade de nossa
aristocracia rural; aos valores morais de nossa sociedade tradicional,
deverá ser visto como uma racionalização ideologizada do autoritarismo
político e do elitismo oligárquico - "condições" históricas de nossa
evolução, segundo ele. Em 1920, dizia: "Estas grandes e pequenas oli-
garquias não são, pois, em si mesmas, condenáveis. Num povo como
o nosso, elas são mesmo inevitáveis. Diremos mais: elas são necessárias.
O grande problema não está em destruí-las; está em educá-las, em dis-
cipliná-las, em reduzir-lhes a capacidade de fazer o mal e aumentar-
lhes a capacidade de fazer o bem" (I. C. p. 53). Repetiria 20 anos
depois: "Pelas condições dentro das quais se processou a nossa formação
política, estamos condenados às oligarquias: e, felizmente, as oligar-
quias existem ... Estas oligarquias esclarecidas seriam, então, real-
mente, a expressão da única forma de democracia possível no Brasil"
(I. P . B. p. 205). O liberalismo é repetidamente visto como prejudicial e
danoso aos interesses da coletividade brasileira, por "desagregador",
"desarticulador", "dissolvente", isto tanto ao nível de nossa integridade
territorial e política quanto ao da solidariedade social entre as classes.
Liberalismo continua sempre sendo sinônimo de regionalismo, de parti-
cularismos, de facciosismo, de separatismo, escudo por detrás do qual
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podia encontrar campo propício de germinação era na elite cultivada das
capitais e das cidades importantes, no patricia do da riqueza e da cultura,
nos quadros de direção dos partidos, nos centros universitários e literá-
rios", mas nunca na "consciência das massas", que não estariam em
condições de alcançar "o valor da Democracia" (0.1. p. 100). Em 1927,
em textos de crítica ao programa da Aliança Libertadora e do Partido
Democrático de São Paulo, assinala: "Esta realidade social nos ensina
muita coisa. Entre as coisas ensinadas está esta: de que se, ontem como
agora, o problema da democracia no Brasil tem sido mal posto, é porque
tem sido posto à maneira inglesa, à maneira francesa, à maneira ameri-
cana; mas, nunca, à maneira brasileira " (1. C. p. 13). Oliveira Vianna
elabora, aqui, uma extensa crítica a todas as nossas Constituições, a
partir de 1824, assinalando o caráter artificial e antinacional delas. No
que se refere à de 1891, diz: "Como se vê, os republicanos da Cons-
tituinte construíram um regime político baseado no pressuposto da opi-
nião pública organizada, arregimentada e militante. Ora, esta opinião
não existia, e ainda não existe, entre nós: logo, ao mecanismo ideali-
zado pelos legisladores de 91 faltava o sopro inspirador do seu dina-
mismo. Daí a sua falência". E completava: "Tudo isto são fatos na-
turais, perfeitamente lógicos, num povo que não tem - porque não podia
ter - nem espírito democrático, nem sentimento democrático, nem,
portanto, hábitos e tradições democráticas" (1. C. p. 43 e 52).6 Neste
mesmo livro ele faz ver a decadência dos parlamentos: "Os parlamentos
deixam ver cada vez mais a sua inutilidade, a sua imprestabilidade
como órgãos auxiliares do governo político das sociedades. .. Os parla-
mentos vão sendo insensivelmente postos de lado e não sei se seria
exagerado dizer que se estão tornando progressivamente um aparelho
inútil e dispendioso" (1. C. p. 105, 106). Também os partidos políticos
são criticados, ao longo de toda a sua obra. Estes seriam "simples agre-
gados de clãs, organizados para a exploração em comum das vantagens
do Poder" (0.1. p. 19 e 24); meras expressões da "classe política",
"facções das clãs feudais, parentais e eleitorais", aludindo ao "domínio
senhorial e o clã parental, revelando-se agora sob forma de clã eleitoral
ou partido político" (I.P.B. p. 219 e 342); fala em "corporações mili-
tantes e predatórias" (P.P. O. p. 44); em "associações de interesses
privados" e em "posse e fruição do poder" (P. E. P . S. p. 110, 112) e em
"meras delegações das pequenas oligarquias politicantes" (D. T . D. S.
p. 89). Voltando à sua crítica ao Liberalismo, em 1930, ao identificá-lo
com o Federalismo tal qual praticado na 1 República, diz: "Um regime
de descentralização sistemática, de fuga à disciplina do centro, de 10-
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que visava era a crítica ao Estado Liberal. 7 Procura então mostrar
que, se na Europa e nos Estados Unidos, o Estado Liberal resultara
de uma "evolução natural" - dentro de "estágios" históricos por ele
denominados, seqüencialmente, de "Estado-Aldeia", "Estado-Império" e
"Estado-Nação" - no Brasil aquela linha evolutiva não fora, por in-
junções históricas, obedecida e, faltando-nos a etapa democrática do
"Estado-Aldeia", já havíamos iniciado nossa existência sob o "Estado-
Império", de nenhuma base democrática, mas antes autoritário e ceza-
rista. A revolução liberal democrática na Europa, teria, assim, cabi-
mento e sentido, o que não aconteceria conosco. E, não obstante ter
aludido, em Populações meridionaes do Brasil, a uma nobreza européia
"feudal, extorsiva e compressora", aqui assinala que mesmo a Idade Mé-
dia teria tido sua base democrática: "O regime feudal caracterizava-se
pela organização democrática da população dos domínios, embora a sua
aparência de monarquia" (I.P.B. p. 347). Oliveira Vianna nos dava
ainda em seus dias, nos anos 20, como sob o "Estado-Império" e não
via como o Liberalismo e o Estado Liberal poderiam nos conduzir à
meta superior do "Estado-Nação". Dizia: "Os pressupostos funcionais
de uma estrutura democrática moderna, de tipo Estado-Nação (de base
democrática), há de ter o seu assento principalmente num complexo
8 O cerne do pensamento político de Vianna, ao que nos parece, pode estar con-
tido na maneira como colocou, aqui, a "tarefa histórica" de sua geração: acei-
tando-se sua "seqüência" evolutiva Estado-Aldeia/Estado-Império/Estado-Nação, a
sua "meta" ideológica seria a de transformar o Brasil, fazer "passá-lo" de um
"Estado-Império" para um "Estado-Nação" e daí, certamente, a natureza de seu
criticismo nacionalista. Talvez que o seu nacionalismo autoritário e antiliberal
possa ser enquadrado em um tipo aproximado de "revolução burguesa retardada",
"bismarckiana", cujo agente principal seria aqui a nossa burguesia agrária vital-
mente interessada em "modernizar-se". Este projeto de modernização, por sua vez,
"apresentado" por Vianna ao nível institucional, deverá ser analisado in concreto,
isto é, como um projeto de modernização capitalista, envolvendo, ao nível da infra-
estrutura, a unificação de nosso mercado interno, com o que se se visaria o seu
desenvolvimento, a implantação de indústrias de "ponta" etc. Aliás, ao iniciar-se
este processo histórico entre nós, Tobias Barreto, já em 1877 (op.cit.), afirmava:
"Desconfio que o nosso Libertas quae sera tamen ... será de todo inútil. O Brasil
já faz a impressão de um menino de cabelos brancos." Esta "revolução burguesa
retardada" é que colocaria na ordem do dia a necessidade de uma "mística" para
o povo e de "educação" para as elites e a "revolução controlada" revelaria a
necessidade do autoritarismo. As requisições de uma maior e crescente participação
direta das "classes inferiores" no processo político, talvez facilitada ou possibilitada
pelo democratismo-liberal em seu projeto de "sociedade aberta" - seriam, em
conseqüência, rotuladas de "demagógicas", "popularescas" e "utópicas". A revolução
deveria ser realizada a partir de posições dentro do Poder e, portanto, se impunha
o remanejamento e a rearticulação da estrutura institucional estatal. Daí, certa-
mente, a busca de um "modelo", que Vianna acabou encontrando no corporativismo
administrativo. Um paralelo bem sucedido seria possível, a nosso ver, entre o "mo-
delo" ideológico de Vianna e aquele dos "jovens turcos" e do kemalismo, os quais
realizaram, de uma só vez, na Turquia dos anos 10 e 20, o que no Brasil cor-
respondeu ao nosso 15 de novembro de 1889, ao "tenentismo". à Revolução de
1930 e ao Estado Novo - um projeto de modernização "à ocidental" no capita-
lismo periférico.
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socioeconoInlca aqui implantada - a grande propriedade rural lati-
fundiária - era antes do tipo de um "semi-autoritarismo difuso" e que
assim estávamos "destinados" ao autoritarismo, sendo esta a nossa "rea-
lidade" da qual não caberia fugir (P. M. B. p. 326). Dizia: "Nós somos
o latifúndio" e este seria "o grande medalhador da sociedade e do tem-
peramento nacionaL.. escola de educação da classe no sentimento do
orgulho e no culto da independência moral" (id. p. 41, 48). Acrescen-
tava: "No seio das nossas populações rurais, o potentado fazendeiro
substitui os 'burgos', os 'castelos', as 'cidades fortificadas' do mundo
europeu ... Com sua omnímoda capacidade produtora, o grande domínio
impede a emersão, nos campos, de uma poderosa burguesia comercial,
capaz de contrabalançar a hegemonia natural dos grandes feudatários
territoriais. .. Igualmente, essa mesma capacidade poliforme de pro-
dução das fazendas não permite a formação nas zonas dos grandes
domínios agrícolas, de uma classe industrial" (P .M.B. p. 134, 135,
288). Insiste: "O ideal democrático é, destarte... uma pura cria-
ção das nossas elites dirigentes" (L P. B. p. 370). Explica o ceza-
rismo: "O cezarismo entre nós, sobre ser frustrâneo e efêmero, tem
sido comedido e benévolo; parece mesmo timbrar em complacências
liberais" (P. M. B. p. 328). "Toda a nossa história é a história de um
povo agrícola, é a história de uma sociedade de lavradores e pastores"
(E. P . B. p. 49) e somente o autoritarismo, o poder pessoal e o paterna-
lismo teriam as "fontes de sua vitalidade na subconsciência da naciona-
lidade" (P. M. B. p. 340). O "espírito de clã" seria, para ele, de fato,
a "alma" de "toda a nossa sociedade", de "alto a baixo" (L L R. p. 90).
O clã fazendeiro seria o "centro dinâmico de toda a nossa história e
nos dá a chave principal da sua interpretação" (E. P . B. p. 74). Con-
clui: "Nós, na verdade, nunca tivemos governo praticamente democrá-
tico .. , O nosso povo-massa ... realmente nunca governou: sempre re-
cebeu de cima, do alto ... a lei, o regulamento, o código, a ordem admi-
nistrativa, a cédula eleitoral, a chapa partidária" (1.P.B. v. 2, p. 211).
9 Ainda aqui Tobias Barreto (op. cit.) já afirmara: "Entre nós, o que há de
organizado, é o Estado, não é a Nação; é o governo, é a administração, por seus
altos funcionários na Corte, por seus sub-rogados nas províncias, por seus ÍIÚimos
caudatários nos municípios; não é o povo, o qual permanece amorfo e dissolvido,
sem outro liame entre si, a não ser a comunhão da língua, dos maus costumes
e do servilismo."
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ritária, mas atuante e pertinaz, de nossos políticos conservadores que
haviam resistido aos "delírios do teorismo democrático" de nossos li-
berais. Oliveira Vianna procurava mesmo mostrar uma espécie de con-
tinuum de fortalecimento histórico do Poder Central entre nós que se
iniciara, sobretudo, com o arrocho do poder metropolitano português
sobre a colônia, com a mineração, e continuando pelo poder imperial,
até a Abolição e a República. No Brasil, o Poder Central exercia, de fato,
funções diversas daquelas que exercia na Europa: "Por outro lado, o
poder central, o grande inimigo das liberdades locais e individuais nos
povos europeus, exerce aqui uma função inteiramente oposta. Ao invés
de atacá-las, é ele quem defende essas mesmas liberdades contra os cau-
dilhos territoriais, que as agridem" (P.M.B. p. 323). Prossegue: "Entre
nós, o poder central desempenha, ao contrário, uma função equivalente
à da realeza no continente europeu, quando se alia ao povo, para deso-
primi-Io da compressão da nobreza feudal" (id. p. 323). Mostrava que
em sociedades como a nossa "ainda dispersivas, fragmentárias, desu-
nidas, a questão principal da sua política nacional é uma questão de
integração, de unificação e de síntese" (id. p. 353). Estribava-se na
atualidade: "Porque o mundo moderno - para qualquer que seja o
lado que nos volvamos na Europa e fora dela - nos está mostrando que
só os que preservam a autoridade central é que têm razão em política"
(P.O.P.D. p. 134). Pouco depois de 1930 - ano que ele antevira como
uma "encruzilhada" (P.P.O. p.82) - atendendo a um pedido de Jua-
rez Távora no sentido de que ele elaborasse um programa político,
Oliveira Vianna fixara: "3.0 - quanto ao regime federativo, a reforma
deve visar: a) uma restrição de sua latitude, em defesa da unidade
nacional; b) uma diminuição dos poderes dos Estados e o conseqüente
fortalecimento do Poder Central. No Brasil, governar é vencer a dis-
persividade desagregadora" (O. V. p. 182). Ao objetivo de um Poder
Central hegemônico, ele acrescentava o do Estado como agente e fator
de promoção do seu projeto nacional: "Realizar pela ação racional do
Estado o milagre de dar a essa nacionalidade em formação uma sub-
consciência jurídica, criando-lhe a medula da legalidade, os instintos
viscerais de obediência à autoridade e à lei, aquilo que Ihering chama
'o poder moral da idéia do Estado' - eis o nosso segundo objetivo"
(P .M.B. p. 354). Prosseguia: "Problema como se vê, de estruturação
e ossificação da nacionalidade: trata-se de dar ao nosso agregado na-
cional, massa, forma, fibra, nervo, ossatura, caráter... Problema, por-
tanto, cuja solução só seria possível pela ação consciente da força orga-
nizada. Quer dizer: pela instituição de um Estado centralizado, com
um governo nacional poderoso, dominador, unitário, incontrastável, pro-
vido de capacidades bastantes para realizar, na sua plenitude, os seus
• dois grandes objetivos capitais: a consolidação da nacionalidade e a
organização da sua ordem legal" (P. M. B. p. 354). Dizia que "os gran-
des construtores políticos da nossa nacionalidade" haviam procurado
sempre "consolidar e organizar a nação por meio do fortalecimento sis-
temático da autoridade nacional", enquanto que os nossos "apóstolos do
liberalismo" haviam-nos dado, ao contrário "o municipalismo, o fede-
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unidade política" (id. p. 246).10 Vaticinava em 1923: "Tudo parece, pois,
assegurar ao poder central, no futuro, sobre as forças centrífugas do
provincialismo e do localismo, o triunfo definitivo" (E. P . B. p. 349).
Em O idealismo da Constituição (2. ed. 1927), Oliveira Vianna começa,
a nosso ver, a esboçar e precisar com maior nitidez o seu modelo de
regime político e de Estado Moderno. O objetivo deste livro parece estar,
sobretudo, voltado para a crítica dos programas liberais da Aliança Li-
bertadora, de Assis Brasil, do Partido Democrático de São Paulo e das
agitações "tenentistas", aos quais ele se opunha tenazmente. Também
como Francisco Campos, Vianna se opôs a estes movimentos na década
de 20, para aderir posteriormente, nos anos 30, às correntes de idéias
deles resultantes. Francisco Campos um pouco antes, pois que aderiu à
Revolução de Outubro, que ajudou a tramar; Vianna somente em 1939
reconheceria o vínculo entre as "agitações" da década de 20 e todo o
período de transformações que se abriu com a Revolução de 30
(D.T.D.S. p. 63). Em 1927, postulava: "Ora, o grande problema está
em fazer evoluir a nossa democracia, desta sua condição atual, para
uma democracia de opinião organizada ... No Brasil, o problema fun-
10 Mas em ponto algum de sua extensa obra (da mesma forma, aliás, que Fran-
cisco Campos), Vianna enfatiza especialmente a necessidade de industrialização
de nosso país como condição para seu processo civilizatório e de afirmação na-
cional. Refere-se à urbanização crescente e parece, talvez, considerar mais esta
do que a industrialização - a que também alude, ocasionalmente - como fator de
transformação social. Fica-nos a impressão que, de fato, Vianna sempre encarou a
ambas - urbanização e industrialização - como uma "fatalidade dos tempos", às
quais não se poderia fugir, mas ambas, efetivamente, portadoras de problemas e
complicações. Quando ele fala em Estado Moderno - como se verá à frente -
parece sempre aludir mais à modernização institucional - à organização das classes
sociais, ao aprimoramento da burocracia estatal etc. - ou seja, ao Estado Cor-
porativo, à "Democracia" Social e não, expressamente, à industrialização do País.
Deste modo, nacionalismo, autoritarismo e modernização institucional realmente
constituem o núcleo de seu pensamento político, mas é preciso estar atento ao
significado destas coisas para Vianna. Nacionalismo referia-se à unidade nacional,
à prevalência dos interesses e dos objetivos da Nação, da coletividade como um
todo, in abstrato, sobre os interesses regionalistas, localistas, particularistas e indi-
vidualistas e nada tinha a ver propriamente com o nacionalismo econômico. Em
1931, no já citado programa elaborado a pedido de Juarez Távora, Vianna dissera:
"Não há como ser contrário ao capital estrangeiro. Convém, somente, estatuir um
sistema fiscal que evite a evasão para fora de nossas fronteiras, dos lucros levan-
tados" e em 1934, redigindo um programa para o Partido Economista, dizia: "O
Partido Economista, apesar de favorável à nacionalização do trabalho e do capital,
não se opõe ao capital estrangeiro e à imigração alienígena. Numa atitude de
equih'brio nacionalista, visa impedir somente o êxoto dos lucros conseguidos" (O.V.
p. 185). Nacionalismo referia-se, também, à "nacionalização das idéias" (seguindo
José Ingenieros), na perseguição do ideal de uma "nova cultura americana, própria,
nativa, genuína" - o culto da "brasilidade". Autoritarismo, como vimos, referia-se
à prevalência do "princípio da autoridade" sobre o "princípio da liberdade". A
modernização institucional referia-se sobretudo ao chamado "corporativismo admi-
nistrativo", ao intervencionismo eficiente da burocracia estatal na vida nacional, à
composição das classes sociais dentro da estrutura do Poder, à articulação delas
dentro de um "projeto nacional" etc. Oliveira Vianna, assim, da mesma forma
que Francisco Campos, "antecipou" nos anos 20 todo o posterior desenvolvimento
político da década de 30, pelo que constituem, ambos, a nosso ver, ideólogos
exponenciais do Brasil contemporâneo.
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nente, junto ao Poder, dos órgãos consultivos das nossas classes eco-
nômicas" (id. p. 104). Ele correlacionava a ascenção política das classes
produtoras ao Poder à decadência dos Parlamentos, reclamando, assim,
a substituição da representação parlamentar pela representação técnica,
das "elites políticas" pelas "elites técnicas": "Esta decadência dos par-
lamentos e a crescente importância das delegações de classes nos con-
selhos do governo têm a sua explicação na própria estrutura das so-
ciedades modernas. O advento da grande indústria, os modernos pro-
cessos de negócios, as grandes concentrações comerciais, a crescente
industrialização do trabalho agrícola etc. deram aos interesses econô-
micos, que são os interesses vitais da sociedade, uma complexidade tal
de organização e de técnica que eles se tornaram, por isso mesmo, logi-
camente fora do alcance das corporações puramente políticas" (I. C.
p. 107). Fala em "nova missão política" das "classes econômicas e so-
ciais" (id. p. 108). Em 1930, meses antes da Revolução, Oliveira Vianna
pedia a abolição do sistema de partidos políticos e uma "remodelação
geral das instituições", um "novo método de governo", uma "nova ordem
de coisas" (P. P . O. p. 156, 157). Define: "O que é capital para a demo-
cracia é a participação coletiva, a participação destas classes como tais
nos negócios públicos, na atividade dos governos, na determinação de
suas diretrizes administrativas e políticas" (P. P . O. p. 119). Alude à
imperiosidade da "obra de reforma, de construção, de organização", de
acordo com o "moderno idealismo pragmático" (id. p. 70, 82). 11 Citava,
em apoio, a experiência do mundo civilizado: "Hoje o problema do
governo dos povos é um problema de direção técnica - disse Henri
de J ouvenel. .. por toda a parte a competência técnica vai substituindo
a competência parlamentar... Temos que operar evolução análoga à
operada modernamente pelas democracias européias... É o que está
fazendo a Europa contemporânea... presentemente... distante em
relação à concepção da democracia, da velha noção meramente eleitoral
até há pouco dominante" (I. C. p. 155, 158, 161 e 179). Para compensar
a derrogação das "garantias políticas" - o sufrágio universal, o sis-
tema de partidos - ele pede a institucionalização de um sistema judi-
ciário garantidor dos "direitos civis": "Organização sólida e estável da
liberdade, principalmente da liberdade civil, por meio de uma organi-
zação sólida e estável da autoridade, principalmente da autoridade fe-
deral. .. Um Poder Executivo forte; ao lado dele, um Poder Judiciário
ainda mais forte - eis a fórmula." E concluía: "Ora, a verdade é que
é possível existir um regime de perfeita liberdade civil sem que o povo
tenha a menor parcela de liberdade política: e o governo do 'bom tirano'
é uma prova disto" (I. C. p. 62, 80). Oliveira Vianna culmina no elogio
50 R.C.P. 2/74
sentimentos - do homem e do cidadão do Estado Liberal". O Estado
Moderno implicaria uma "reação contra o individualismo", uma "gra-
vitação para o grupo". E não poderíamos escapar dele: "Daí - conde-
nados, como estamos, a nos ajustar às instituições solidaristas do Estado
Moderno - termos que constituir esta tradição e este espírito por ou-
tros meios que não os da história ... Uma e outra hão de ser obra da
política do Estado" porque prevaleceria entre nós, como de resto nos
demais povos de "origem colonial", uma mentalidade "antigrupalista",
o "insolidarismo social" dada a "fraqueza de nossa consciência coletiva".
A formação desta consciência coletiva seria realizada por um Estado
"forte", seja pela educação, seja pela coação, dentro de uma "polí-
tica nacional, racionalmente determinada, conscientemente deliberada"
(P.O.P.D. p. 175). O Estado Corporativo seria a expressão de nossa
"organização democrática", caracterizada pela "aproximação e penetra-
ção do povo-massa na administração pública" (id. p. 165) enquanto que
o "Estado soi-disent liberal-democrático - que o movimento revolucio-
nário de 30 destruiu - havia-se tornado. .. aqui, um sistema de go-
verno, cuja característica principal era justamente a ausência do povo"
(D.T.D.S. p. 91). Oliveira Vianna procura mostrar que o Estado Na-
cional, progressivamente implantado entre nós após a Revolução de 30
(ele planejara, aliás, um livro sobre a Revolução, que não chegou a
ser publicado) havia modernizado institucionalmente o país, citando,
aí, a Justiça Eleitoral, o Estatuto dos Funcionários Públicos, a Legis-
lação Social e Trabalhista e sugeria uma espécie de programa político
para esta modernização. Este consistiria, sobretudo, em: a) "subesti-
mação dos políticos", a fim de realizar a obra de "desintegração deste
complexo da política e dos partidos, que nos vem embaraçando a exis-
tência desde o Império"; b) "despartidarização dos Executivos", a fim
de "libertar o governo ou a administração nacional da influência destes
partidos locais, que nunca se puderam tornar nacionais"; c) numa des-
centralização administrativa do país, mas nunca política, pois que "a
descentralização política terá que resultar fatalmente em mandonismo,
em coronelismo, em regulismo, em satrapismo, em dissociacionismo, em
separatismo"; d) no sufrágio corporativo, ou classista e nunca no su-
frágio universal: "eu só concederia o direito de sufrágio ao cidadão
sindicalizado, ao homem do povo que fosse molécula de qualquer associa-
ção de interesse extrapessoal"; e) na garantia da "liberdade civil" do
povo-massa: "e o aspecto mais urgente deste problema é assegurar estas
liberdades contra o arbítrio das autoridades públicas - principalmente
as autoridades locais" (I.P.B. p. 198, 199, 202, 220, 228, e 231). Quanto
a este último item, já em 1931 propusera a "unificação e a federalização
da magistratura e da processualística", assim como a criação de uma
polícia de carreira "livre do partidarismo local" (O. V. p. 183).
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super-homens. Isto é, os que julgamos superiores a nós, os criadores,
os requintados, os progressivos, os que estão, lá do outro lado do mundo,
fazendo a civilização. . . O primeiro dever de um verdadeiro nacionalista
é nacionalizar as suas idéias - e o melhor caminho para fazê-lo é iden-
tificar-se, pela inteligência, com o seu meio e a sua gente" (p. 8-9) . Ainda
neste livro fala em nossa "obsessão coletiva de imitar em tudo os anglo-
saxões, até mesmo nas suas instituições políticas, que são integralmente
imitáveis". Imitaríamos tudo deles, menos o que "devíamos e podíamos",
isto é, "na devoção desinteressada à causa pública" (p. 58). Para ele, na
América e na Inglaterra havia uma "democracia real, vivaz, atuante
e culta", enquanto que no Brasil havia a "negação de tudo isto", resi-
dindo justamente aí a "singularidade" de nossa democracia (p. 60).12
Teríamos uma democracia "incipiente" face ao modelo a atingir de "to-
das as democracias do mundo" (p. 67). Nesta data - 1922 - previa
para dentro de 50 anos o "domínio do mundo" pelos anglo-saxões, dada
a "vüalidade agressiva" deles, a "capacidade formidável" que possuíam
para "a luta no campo econômico": "a verdade formidável é que a
chave do futuro está nas mãos daquele grupo de povos" (p. 115).
Recomendava por isso, no ensaio Nacionalismo e questão social, que
resolvêssemo~ a nossa questão social da mesma forma que "esses povos
fortes, vitais, dinâmicos, expansivos e práticos" (p. 116). Pouco mais
tarde, diria: "Ora, o grande problema está em fazer evoluir a nossa
democracia, desta sua condição atual, para uma democracia de opinião
organizada", mostrando como exemplo os Estados Unidos e a Inglaterra:
"Há uma coisa que sempre me maravilhou: o poder da opinião da In-
glaterra ... essa poderosa solidariedade de classes, esse espírito popular,
militante e infatigável. .. Compreende-se então porque há ali governos
devotados à causa pública, governos nacionais: governos patrióticos"
(L C. p. 15, 46, 59, 73). Enquanto que os nossos parlamentares inspi-
rar-se-iam "em si mesmos, na sua veneta, na sua fantasia, ou nos livros
que leram", os parlamentares ingleses "em toda essa atividade febril
que desenvolvem" inspiravam-se "exclusivamente na opinião inglesa"
(id. p. 76). Em 1930 alegava que "precisamos ter uma autonomia e
uma originalidade de pensamento, que nos capacitem criar, se possível.
um tipo de regime nosso - o tipo brasileiro - que possa figurar futu-
ramente nos tratados de direito público, "ao lado do tipo inglês, do tipo
francês, do tipo suíço, do tipo americano, com os mesmos direitos que
estes têm à crítica e à consideração dos publicistas" (P. P . O. p. 36).
De fato, segundo ele, para que tais "belos regimes" aqui pudessem fun-
cionar, nós haveríamos de "corrompê-los", "deformá-los", "abrasileiran-
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problemática sociopolítica estava afinal contida na teoria política norte-
americana. Também o tipo de liderança: "Os Estados Unidos e a In-
glaterra nos dão o exemplo magnífico dessa função primacial das elites
de verdade - do papel fundamental que uma sucessão de gerações
de homens realmente superiores pode exercer na marcha ascensional de
um povo ou na irradiação de um sistema de cultura ou de civilização"
(id. p. 170). Ele negava ambições imperialistas na América: "O que
é certo é que, na América, ou melhor, nas Américas... os grupos
nacionais se constituíram, cresceram, se desenvolveram e expandiram
libertos da ambição imperialista, fora destas tendências à agressão ou à
conquista, peculiares às matrizes originárias da sua cultura e civilização"
e a "fase" de expansionismo norte-americano - que ele reconhecia
existir - seria apenas "episódica", inautêntica, "imitações de atitudes
européias" (id. p. 23): "Porque o sentido da evolução e da expansão
dos povos americanos não é o da conquista ou da destruição e, sim, o
da solidariedade, da continentalidade, da universidade" (id. p. 24).
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públicos" (P .E.P .S. p. 74). Mas é no ensaio citado, NacionaLismo e
questão social, de 1922, que Oliveira Vianna aborda diretamente o
"problema trabalhista" (P. E. P . S. p. 112), antecipando as idéias e dire-
trizes que, posteriormente, na década de 30, procuraria pôr em prática,
na qualidade de técnico do Ministério do Trabalho. Ele se atribuía
mesmo a "preparação doutrinária" que levara o nosso poder público
a seguir as diretrizes que vieram a ser adotadas em nossa política social
e trabalhista (P.O.P.D. p. 42). Neste ensaio ele começa criticando a
maneira pela qual estávamos então procurando resolver a questão
social, isto é, orientando-nos pelo que nos diziam "os autores, ou de
acordo com o que se faz lá fora - na Europa" (P. E. P . S. p. 112),
logo esclarecendo, porém: "Não na robusta Europa do individualismo
anglo-saxônio, mas na tulmutuária Europa do bolchevismo russo ou do
coletivismo alemão" (id. p. 112). Fixa sua posição decididamente anti-
comunista: "Essas idéias comunistas, socialistas ou libertárias perten-
cem à categoria daquelas 'utopias retrógadas', de que falava o mestre
do nacionalismo entre nós (referindo a Alberto Torres) ... Esses revo-
lucionários querem restaurar uma idade de ouro, que já passou e de
que o homem, na sua evolução histórica, se vem libertando progressiva-
mente. Seria obrigar-nos a um retrocesso prodigioso a épocas que se
perdem nos longes mais obscuros do passado" (id. p. 113, 114). Então
Oliveira Vianna relaciona a solução da "questão social" entre nós, com
o nacionalismo, reclamando uma visão pragmática: "É o problema da
nossa atitude diante dessas raças varonis e individualistas que ... vão
dominar inteiramente a vida do globo e traçar às outras raças as dire-
trizes dos seus destinos (referindo-se aos anglo-saxões) ... Quer isto
dizer que a solução do problema trabalhista entre nós não poderá
deixar de ter - como premissa maior - a necessidade de preservar
a nossa personalidade nacional e as expressões práticas da nossa sobe-
rania nos conflitos de competências, étnicos, econômicos e políticos, que
vão agitar daqui por diante o cenário do mundo" (id. p. 114). Não
obstante, para a solução "nacional" da "questão social", ele começa
indagando como os "povos fortes" haviam feito: "Ora, esses povos for-
tes, dinâmicos, expansivos, como têm resolvido, como estão resolvendo,
como vão resolver os vários problemas constitutivos da 'questão social'?
Pelo socialismo? Não. Pelo comunismo? Não. Pelo anarquismo? Não.
Pelo sindicalismo? Sim. Pelo sindicalismo, praticado à maneira deles ...
sem preconceitos doutrinários, sem preocupações políticas, sem objetivos
revolucionários, sem impulsos destrutivos, contido exclusivamente den-
tro do campo profissional e visando objetivos práticos, de melhoria das
condições de vida do mundo trabalhador, pelo desenvolvimento do
bem-estar individual do operário e pelo desenvolvimento do espírito de
cooperação e solidariedade" (id. p. 116). Cita, em apoio La concentration
des forces ouvrieres dans l'Amérique du Nord, de Louis Vigouroux
e Le trade-unionisme en Angleterre, de Rousiers, assinalando a diferença
entre o sindicalismo ali exposto e o "sindicalismo doutrinário, radical,
dinamiteiro, subversivo das massas proletárias da França, da Itália, da
Espanha" (id. p. 117). Reclamava uma solução sindicalista à anglo-
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Ferreira. Adotava uma "jurisprudência sociológica", o próprio "direito
vivo", a "Constituição viva", o "Direito Social" lembrando que o direito
corporativo havia provocado uma "renovação do conceito de Direito e
dos métodos de exegese jurídica" (P. D. C. p. 11). Esta nova "exegese
construtiva" operaria a adaptação do sistema constitucional à "estru-
tura político-administrativa" da "sociedade em evolução" (id. p. 13).
Cita, em apoio, os juristas norte-americanos da Corte Suprema ao tempo
do New Deal - Brandeis, Holmes, Cardozo, assim como Willougby e
Bryce (id. p. 12, 13, 14) e também Del Vecchio, assim como a Escola
Alemã de "Direito livre" (freiesrecht) e Carl Schmitt. Esclarece: "Só
assim seria possível o processo da transformação da lei ou da Consti-
tuição dentro da ordem, tornando. impossível o apelo à revolução"
(id. p. 23). Estribado nestas correntes jurídicas é que ele vai justificar
a concessão de funções normativas e legislativas aos Tribunais do Tra-
balho, o que constava no anteprojeto. Neste, aqueles Tribunais podiam
editar "normas gerais, reguladoras das condições de trabalho das coleti-
vidades econômicas subordinadas à sua jurisdição" (id. p. 33). Oliveira
Vianna procurava mostrar que a "moderna sociedade industrial" havia
criado "novas formas da vida jurídica contemporânea", oriundas dos
"fenômenos da economia socializada e dos conflitos coletivos do tra-
balho" (id. p. 36, 37), invocando como apoio a experiência universal
de países democráticos e totalitários. Seria mesmo uma característica
do Estado Moderno (id. p. 47) o "aumento da competência regulamen-
tar das autoridades administrativas", citando, aqui, o Estado-Iegisla-
dor, de Carl Schmitt (id. p. 48): "Chamando a si uma massa cada
vez mais extensa e volumosa de atribuições, principalmente depois do
advento dos regimes de economia controlada, dirigida ou planificada,
o Estado Moderno, impedido de exercê-las diretamente, como é óbvio,
está sendo forçado a lançar mão dos expedientes da administração fun-
cional ou por serviço, já de caráter nacional e não mais local e cuja
expressão mais elevada nos é dada pelas atuais organizações corpora-
tivas e totalitárias da Alemanha e da Itália" (id. p. 49). Mostra que a
"velha dogmática do Estado liberal democrático" não estava mais apa-
relhada para enfrentar as tendências "pragmáticas" do novo papel do
Estado Moderno (id. p. 52). Da mesma forma, não aceita a qualifica-
ção de fascista, desvinculando-se expressamente do "corporativismo
totalitário" - "corporativismo de Estado" - que seria próprio da Ale-
manha, da Itália, de Portugal e da Espanha (id. p. 52, 62). Procura,
antes, identificar-se com as "corporações administrativas" norte-ameri-
canas, tais como as agencies, os boards, as corporations e as commissions.
Cita Roscoe Pound, que dizia que nos períodos socialmente "contur-
bados", de "desequilíbrios e desajustamentos profundos", a "solução
• jurisdicional dos conflitos suscitados" teria que ser realizada "por pro-
cessos fora dos ritos rígidos e complexos dos tribunais de direito co-
mum", o que se lograria pela superação do "formalismo" etc. (id. p. 57).
No mesmo livro, em outro ensaio, volta a esclarecer que não se tra-
tava, no apelo ao poder normativo para os Tribunais do Trabalho, de
"preocupações corporativas ou fascistas", mas sim que era a "lição"
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em verdade, não temos necessidade de despojar ninguém, desde que
o destino nos deu bens em excesso para distribuir com todos" (id.
p. 13). Afirmava que "o problema social aqui não pode ser conduzido
no sentido da proletarização das classes que possuem; mas, num sen-
tido exatamente oposto a este; no sentido da desproletarização das
classes que não possuem - pela elevação do proletariado nacional à
categoria de classe proprietária. O grande objetivo da nossa política
social não poderá ser a eliminação da propriedade privada; mas, sim,
a difusão e a generalização dela até o limite das nossas imensas possi-
bilidades" (id. p. 13, 14). Ele identificava duas fases no capitalismo: a
inicial, de um capitalismo "selvagem", da "desumanização" do trabalho,
o capitalismo do "supermundo dos ricos e do inframundo dos pobres",
fase esta que corresponderia, de certa forma, ao Estado Liberal, ao
laissez-faire; e a fase "moderna", característica da "mentalidade do sé-
culo:XX" - do moderno Estado Corporativo - da "nova política social",
inspirada diretamente no pensamento social da Igreja Católica, visando
a "restauração da dignidade da pessoa humana" (id. p. 23, 29 e 30) do
operário. Fazia então o elogio do corporativismo português, citando
Augusto Costa: "nem a igualdade política - Rousseau, nem a econômica,
Marx, e sim a igualdade substancial da Igreja Católica" (id. p. 31).
Esta "nova política social", segundo Oliveira Vianna, teria os seguintes
objetivos: a) a "modificação da mentalidade da classe patronal"; b) a
"modificação da mentalidade do próprio operariado", pela "eliminação"
de seu "espírito antipatronal" e de seu "sentimento de inferioridade"
(id. p. 34, 35), citando aqui elogiosamente a atuação do industrial bra-
sileiro Jorge Street; c) a criação de um "ambiente material e social"
próprio a fazer ressurgir e desenvolver, na consciência do trabalhador,
"o sentimento de sua dignidade humana e da sua elevação social"
(id. p. 37). Os exemplos efetivos desta política estariam nas conquis-
tas propiciadas por nossa legislação trabalhista, social e previdenciária,
tais como os ambulatórios, as cooperativas de produção e de consumo,
as colônias de férias, as vilas operárias etc., elogiando, em paralelo, os
"serviços do dopolavoro na Itália fascista e os arbeit-front da Alemanha
nazista" (id. p. 38). Alegava que o "operário moderno não tem, é
certo, a posse de fábricas ou de milhões ... não habita palácios opulen-
tos e suntuosos ... mas tem as suas cooperativas de produção ... de
crédito ... de consumo ... mora numa casa, pequenina, sem dúvida, mas
higiênica, confortável, ajardinada, risonha, alegrada pelo rádio" (id. p.
39). Esclarecia: "Cumpre acentuar que - para conseguir esta equitativa
redistribuição - não foi preciso modificar os fundamentos da estrutura
capitalista: os técnicos da Legislação Social e da Economia Social ...
p
conseguiram fazer com que esta redistribuição se esteja processando nor-
malmente, dentro do regime capitalista e - o que é mais - com a cola-
boração mesma do próprio patronato inteligente e consciencioso"
(id. p. 40). Menciona o "voto corporativo", como uma forma de inte-
gração do operariado no processo político estatal: "O problema está,
portanto, em preparar elites operárias à altura de sua nova missão, que
não é (salvo para os comunistas) mais de luta contra o patronato e,
62 R.C.P. 2/74
"grande obra propriamente política da Revolução", a introdução destas
"forças vivas na estrutura do Estado" (id. p. 83, 91). Isto fora conse-
guido pela "técnica das autarquias sindicais, das autarquias adminis-
trativas e das corporações" e da "representação sindical", da "represen-
tação profissional" e da "representação dos interesses" (id. p. 92). Mais
uma vez Oliveira Vianna procura dissociar a experiência brasileira da-
quela do fascismo, invocando a "eqüidistância" de nossa "solução" do
problema social, que seria "moderada e cauta", enquanto que o Estado
Fascista teria imposto uma "rígida sistematização corporativa" e o
Estado Bolchevista, um "radicalismo plebeu" (id. p. 92). Teríamos pro-
cedido aqui, nesta questão, dentro de um "espírito rigorosamente nacio-
nalista" (id. p. 100). Então, Oliveira Vianna coloca o problema da na-
tureza de classe de nosso Estado: "Como o Estado - colocado nas
mãos destas classes ricas - pode neutralizar-se e imparcializar-se numa
situação de juiz para assumir a direção de um movimento desta natureza
- de reabilitação e dignificação das classes desfavorecidas, contendo as
classes burguesas nos seus excessos e impondo-lhes um novo código de
obrigações legais - é ponto que não nos cabe discutir agora, neste breve
sumário" (id. p. 110). Mas, de fato, ele prossegue em seu raciocínio, e
sugere a influência dos "espíritos filantrópicos e cristãos" sobre o Estado.
(id. p. 110, 111). Ele vai além e acaba concluindo que, no Brasil, ja-
mais teríamos tido um "Estado Burguês": "Entre nós, o Estado nunca
esteve nas mãos e sob o domínio da chamada 'burguesia capitalista' ...
tão poderosa alhures e tão reacionária" (id. p. 116). Para ele, então,
o Estado aqui sempre fora dominado pelos "bacharéis" e pelos "políti-
cos" - classes estas que denomina de "marginais" - uma espécie de
"proletariado intelectual"; este, sim, controlador do Estado, é que teria
"resolvido" a nossa "questão social" de um modo "neutro" e "imparcial",
"sem atritos", dada sua própria posição intermediária entre as "classes
ricas" e as "classes trabalhadoras" (id. p. 117). Em suma, ele atribuía
aos nossos estamentos burocráticos médios a implantação da "nova
política social" entre nós. Isto seria facilitado, afinal, porque "hoje, o
que os trabalhadores proletários querem é gozar as doçuras e o con-
forto que o capitalismo moderno assegura às classes burguesas - e não
destruir o capitalismo"; ainda mais "os antagonismos de classes, que
dividiram e ainda dividem os velhos povos civilizados, nunca puderam
estabelecer-se aqui" (id. p. 112, nota n.o 2, p. 113). Por isso, no Brasil,
a "nova política social", que se apresentara sobretudo como um "im-
perativo puramente moral" imposto à consciência dos responsáveis pela
direção do país desde 1930, e que vinha propiciando às nossas classes
trabalhadoras "um conforto, um bem-estar, uma segurança, uma no-
breza, uma dignidade de existência privada e social que há dez ou vinte
anos passados nem sequer podiam conceber como realizável", vinha
sendo implantada sem que fosse preciso "atacar ou destruir coisa al-
guma da nossa velha ordem tradicional e das nossas tradições cristãs;
nem a propriedade individual; nem a empresa privada, nem a autoridade
patronal. Não coletivisamos a propriedade. Não estatizamos as empresas.
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5. Racismo & elites
Oliveira Vianna esteve sempre envolvido, ao longo de sua obra, com
a teoria das desigualdades raciais, com a superioridade de umas raças
sobre outras, associando sempre as elites com as raças superiores e
fazendo da etnologia uma ciência explicativa dos fenômenos sociais e
históricos. Já em 1920 procurava mostrar que era a "nossa alta classe
rural" aquela que "representava legitimamente o nosso povo e a sua
mentalidade", dada a sua "arianidade" (P. M. B. p. 39). E ainda: "Esse
caráter ariano da classe superior, tão valentemente preservado na sua
pureza pelos nossos antepassados. .. salva-nos de uma regressão lamen-
tável. .. Toda a evolução histórica da nossa mentalidade coletiva outra
coisa não tem sido, com efeito, senão um contínuo aperfeiçoamento, atra-
vés de processos conhecidos de lógica social, dos elementos etnica-
mente inferiores da massa popular à moral ariana, à mentalidade ariana,
isto é, ao espírito e ao caráter da raça branca" (id. p. 115, 121). Era o
que denominava a "ação arianizante das seleções étnicas" ou o processo
de "clarificação" dos brasileiros (id. p. 121). Paralelamente, no entanto,
as "camadas plebéias" corrompiam-se pela "profusa mistura de sangues
inferiores" (id. p. 40, 66, 109, 110, 121).16 Referindo-se aos índios, fala
na "alimária indígena" (id. p. 75). Aos mestiços: "Com os pardos, os
cabras, os fulos, em que a dosagem dos sangues inferiores é maior, há
mais do que essa versatilidade: há, na maioria dos casos, a estagnação
dos degenerescentes. Esses degradados da mestiçagem não têm o mais
leve desejo de ascender, de sair da sua triste existência de párias. Centro
de tendências étnicas opostas, que se neutralizam, a sua vontade como
que se dissolve. Por fim, desfecham na abulia. E ficam eternamente
no plano da raça inferior" (id. p. 118). Em nossa sociedade, no entanto,
as "funções superiores" caberiam aos "arianos puros, com °
concurso
dos mestiços superiores e já arianizados. São estes os que, de posse dos
aparelhos de disciplina e de educação, dominam essa turba informe e
pululante de mestiços inferiores, e mantendo-a, pela compressão so-
pode ser também encontrada em "Capitães e grandeza nacional", de Manoel Lu-
bambo (Brasiliana, 1940). Ele pretendia para o Brasil um "neo-individualismo" ou
um "neo-feudalismo", onde uma estrutura político-institucional (a "extática")
coronelística (ele defendia a recuperação do coronelismo como forma necessária de
organização patriarcal de nossa sociedade) seria superposta a uma estrutura eco-
nômico-financeira (a "dinâmica) de um capitalismo individualista "agressivo", por
um semi-corporativismo. Mencionava expressamente a sua fórmula ideal como uma
"combinação" de Le Play - para o institucional - e de Adam Smith - para o
econômico (p. 78-86).
lfl A extrema preocupação com o problema das raças, evidenciada por Vianna
sobretudo nos anos 10 e que, apesar de permanecer até o final de sua obra vai
visivelmente passando para um plano secundário a partir dos anos 30 parece-nos,
entre outros fatores, um reflexo da resistência de nossas elites dirigentes de então
à emergência das massas negras, mestiças e caboclas as quais, liberadas pela Abo-
lição, não encontravam um "caminho" dentro de nossa sociedade. A integração
destas massas seria um problema fundamental e lá estavam, para dramatizá-lo. os
exemplos da revolução camponesa mexicana, daqueles dias, e entre nós - Canu-
dos, 8 Revolta da Vacina Obrigatória, a de João Cândido, na Marinha e o Con-
testado.
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aqui então "copiadas". Procura mostrar que estas teorias poderiam ter
cabimento na Europa, onde, de fato, o problema da origem e miscige-
nação das raças era difícil e complexo, mas não aqui, onde ele percebia
a facilidade de identificar-se duas ou três raças diferentes, em contacto
de apenas três ou quatro séculos: "Não é possível, pois, sustentar nestes
lados do Atlântico, onde as desigualdades étnicas se revestem de um
relevo tão nítido, que os problemas de diferenciação das raças sejam
problemas sem interesse", sendo assim a América um "centro por exce-
lência dos estudos da Raça" (R.A. p.14, 15). Prossegue: "Os problemas
da raça, as leis que regulam a sua biologia, a sua psicologia e a sua
história - é convicção nossa cada vez mais forte - só poderão encon-
trar solução na América" (id. p. 152). Procura recolocar a etnologia
em bases científicas, através de dois ramos: a "psicologia das etnias",
"ciência social", "psicologia nacional" e "psicologia das raças", "ciência
natural", "base física do caráter", do domínio da biometria, da psicome-
tria e da biotipologia (id. p. 23, 24). Menciona, em apoio, os estudos
de Sigaud, Pende, Viola, Mac Auliffe e Kretschmer. Insiste nesta "psi-
cologia das raças" - "ciência natural" - mas, de fato, recupera dentro
dela todas as suas antigas posições ideológicas de superioridade dos
arianos e inferioridade de mestiços e negros. Dizendo que "os problemas
da raça deslocam-se do campo das ciências sociais para o campo das
ciências naturais" (id. p. 136), acaba por concluir, no entanto, que
"o tipo constitucional não determina apenas o tipo de temperamento,
mas também o tipo de inteligência; não rege apenas a condição afetiva
do indivíduo, mas também a sua condição intelectual", concluindo que
"a raça é, em última análise, um fator determinante das atividades
e dos destinos dos grupos humanos" (id. p. 36, 42, 136). Na segunda
edição do livro, de 1934, procura defender-se das críticas que então
lhe haviam sido feitas: "Direi apenas que não sou de modo algum
partidário da igualdade das raças. .. O que afirmo é que as raças são
desiguais. Desiguais num sentido apenas da maior ou menor freqüência
em tipos de temperamento e em tipos de inteligência ... A minha tese é
essencialmente biológica; o problema da superioridade ou da inferio-
ridade social das raças é extrínseco a ela" (id. p. 177). Quanto ao negro,
dá a sua "palavra final": "Não sei se o negro é realmente inferior, se
é igual ou mesmo superior às outras raças ... a conclusão a tirar é que,
até agora, a civilização tem sido apanágio de outras raças que não a raça
negra; e que, para que os negros possam exercer um papel civilizador
qualquer, faz-se preciso que eles se caldeiem com outras raças, espe-
cialmente com as raças arianas ou semitas. Isto é: que percam a sua
pureza" (id. p. 206).
68 R.C.P. 2/74
mestra de todo o mecanismo do governo nacional, construído pelos
estadistas do Império", o fator por excelência da "unificação da nacio-
nalidade e a organização da sua ordem legal" lograda pela "ação cata-
lítica" dele (E.P.B. p. 288, 290). O elogio de Pedro 11 é permanente
em Oliveira Vianna: "Era assim D. Pedro. Há traços quase dramáticos
nesta sua luta de cinqüenta anos contra o partidarismo, o nepotismo,
o favoritismo, a politicagem dos ministros" (0.1. p. 56). Em meados
da década de 20, definirá melhor o seu elitismo: "A realização de um
grande ideal nunca é obra coletiva da massa, mas sim de uma elite,
de um grupo, de uma classe, que com ele se identifica, que por ele
peleja que, quando vitoriosa, lhe dá realidade e lhe assegura a execução"
(L C. p. 30). Alega, como vimos, a "inevitabilidade" entre nós das
"grandes e pequenas oligarquias", sustentando, mesmo, a "necessidade"
delas; impunha-se, tão-somente, "educá-las" (I. C. p. 53). Em 1930,
Oliveira Vianna elogia o governo do "bom tirano" - "um regime de
perfeita liberdade civil sem que o povo tenha a menor parcela de li-
berdade política" (P. P. O. p. 80). Mais tarde, em ensaio entitulado
Democracia de partidos e democracia de elites - teoria de uma demo-
cracia social (D. T. D. S. 1951), ele procura, de início, ao qualificar o
Estado Moderno como uma democracia social (ou corporativa), disso-
ciar o seu conceito de elites de uma conotação que lhes venha a dar
um sentido de oposição a povo. Procura mostrar que, segundo ele, não
havia incompatibilidade fundamental entre elites e povo. As elites, assim,
seriam os "mais capazes", os "melhores", as "maiores competências",
os "quadros dirigentes" de qualquer grupo, classe ou categoria. As elites
seriam uma conseqüência "natural" da "ascendência moral ou intelec-
tual" de alguns poucos homens sobre os demais: "Nenhuma classe deixa
de ter sua elite, seja esta classe qual for". O Estado Moderno seria um
Estado elitista. Por isso, no Estado Moderno, o sistema educacional
não visaria as "massas", mas sim as "elites", a estas incumbindo orien-
tar aquelas, as quais seriam seus "pontos de aplicação" (id. p. 148, 149,
150, 153, 154). A ênfase seria dada ao ensino secundário e superior:
"daí é que sairão as minoriais esclarecidas que irão transmitir à massa
o sistema de idéias que elas julgam melhor à cultura do povo, à for-
mação do seu espírito, à orientação dos seus destinos" (id. p. 155).
O Estado Moderno - Estado elitista - seria também Estado Autori-
tário: "O centro de gravitação dos sistemas educativos no Estado
Moderno, com efeito, não é o mesmo do velho Estado Liberal" (id. p.
152). Somente as elites "ou pela força e a altitude de caráter, ou pela
capacidade superior de ação, ou pela alta cultura e competência téc-
nica ou, principalmente, pelo fascínio do exemplo - podem influir
• sobre as massas, orientá-las com segurança, modelá-las à sua imagem ...
Estas (as massas) não passam de pontos de aplicação sobre o quais
a inteligência esclarecida e a vontade forte das elites bem educadas se
exercem no sentido dos seus objetivos - da sua concepção do mundo,
do seu sistema de crenças e idéias" (id. p. 152, 154). Daí decorria ser
"o problema da formação e organização das elites um problema capital
no Estado Moderno" (id. p. 154). Salientando o "eugenismo" das ma-
70 R.C.P. 2/74
e segs.). Para ele a nossa "burguesia industrial", que também chamava
de "aristocracia industrial urbana" e de "moderna aristocracia do Capi-
talismo" (id. p. 70), havia-se constituído historicamente dentro de um
"clima de prosperidade - criado pela ausência de concorrência, pela
produção máxima e pelos mercados ilimitados ... É neste clima de puro
individualismo e de absoluta ausência de controle ... que ela ainda con-
tinua a viver e a prosperar", patrocinada "paternalisticamente" pelo
Estado "pai-de-todos" (id. p. 70, 71). Afirmava: "Procurem estes chefes
de prósperas empresas pelo Brasil afora e encontrá-Ios-ão, todos, sem
exceção, abrigados sob um guarda-chuva enorme: e este guarda-chuva
quem o sustenta nas suas mãos possantes é o Estado" (id. p. 72). Nenhu-
ma classe estaria menos preparada "psicologicamente ou culturologica-
mente" para a "prática e realização do Estado Moderno" entre nós que
a dos nossos "capitães de indústria" (id. p. 73),19 isto é, menos adap-
tada às exigências das novas instituições autárquicas e corporativas ...
características das novas estruturas político-econômicas deste tipo mo-
derno de Estado" (id. p. 73). Não teríamos elites econômicas à altura
da nossa "atual situação no mundo" (Id. p. 82). Caberia então ao Estado
disciplinar "pela racionalização, a produção individual e a produção
coletiva, condicionando-as às exigências e possibilidades dos mercados
compradores", criando, em nossas elites industriais hábitos de coopera-
ção e de "solidariedade corporativa" (id. p. 87), numa alusão ao plane-
jamento governamental. Concluía: "Presentemente, no Brasil, existem
três centros de educação do homem brasileiro nesse sentido: a) as
Forças Armadas; b) as formações escoteiras; c) as organizações sin-
dicais e corporativas" (id. p. 35). 20 Em uma de suas últimas obras
voltará a afirmar que toda a nossa construção política e institucional,
o que afinal tínhamos ainda de sólido e de permanente, fora obra de
alguns "homens excepcionais"; uma "elite admirável", produto de "here-
ditariedades eugênicas combinadas", "individualidades superiores, dota-
das organicamente, constitucionalmente de espírito público e de espírito
de serviço", acrescentando que "estes homens excepcionais ... não de-
viam nada ao seu povo, à sua cultura política, cujo privatismo não lhes
72 R.C.P. 2/74
nossas cidades e por este motivo negava a "dissolução" do "caráter na-
cional" (id. p. 21), admitindo-a, quando muito, entre os "urbanos" e
nunca entre os "rurícolas" - forças vivas de nossa nacionalidade. No
meio rural estariam então as "nossas energias interiores, todas essas
forças criadoras e vitalizadoras do nosso caráter" (id. p. 21). O que
Oliveira Vianna julgava que estava acontecendo, de fato, era uma "ten-
dência, de origem recente, das classes superiores e dirigentes do país a
se concentrarem nas capitais; daí, como conseqüência, uma crise in-
tensa e extensa nos seus meios profissionais de subsistência" (id. p. 23).
E o que impunha fazer, segundo ele, como uma "reação renovadora"
era "antes de tudo, formar, por meio de uma grande e poderosa campa-
nha social, um largo e sonoro ambiente espiritual, dentro do qual pos-
samos voltar à prática das nossas antigas virtudes tradicionais" (id. p.
24). Nossas classes dirigentes haviam sofrido um processo de burocra-
tização: "no Império, a relação social dessas duas classes podia ser figu-
rada pela equação: política + doutor = fazendeiro; na República,
esta equação se altera e passa a ser formulada assim: político + dou-
tor = burocracia. Parece nada; mas é uma revolução" (id. p. 26). Em
um sentido inverso, ele previa uma espécie de "ruralização" de nossos
setores médios urbanos: "O dia em que os nossos doutores e os nossos
políticos atuais assentarem, como as gerações de há cincoenta anos pas-
sados, na posse tranqüila de um domínio rural o seu ideal de felicidade,
a alegria voltará ao nosso povo; o tônus moral da sociedade se revi-
talizará de pronto" (id. p. 27). Revela-nos que mesmo àquela época
- nos anos 10 - a profissão de industrial significava ainda uma certa
"desclassificação" social (id. p. 27 nota n.o 9). Ele elogia Olavo Bilac,
na campanha que este então empreendia pelo serviço militar obrigatório
como instrumento de "moralização" de nossas elites e de nosso povo,
através da generalização da "disciplina militar", do "espírito de obediên-
cia" e do "patriotismo", mas esclarecia que ele, pessoalmente, discordava
de Bilac e propunha, por sua vez, um "retorno aos campos" como a
melhor forma de solucionar a: "crise" (id. p. 23 nota). Na terceira edição,
de 1942, declara-se já menos "radical" e, face à crescente urbanização
do país ele advoga "uma fórmula conciliadora, fundindo estes dois
objetivos, que não são de modo nenhum incompatíveis" ou seja "rura-
lização-urbanização" e "urbanização-moralização" (id. p. 24, nota). Na
década de 20, Oliveira Vianna é um entusiasta das virtudes tradicio-
nais da sociedade mineira, assinalando que "como todos os brasileiros,
o mineiro é fundamentalmente um homem do campo, um homem de
formação rural" (id. p. 47). É de sua convicção que "a grandeza de um
povo está na força de persistência dessas tradições familiares e domés-
ticas, que são a expressão mais típica do seu caráter nacional. Man-
tê-las tanto quanto possível dentro da fatalidade evolutiva da civiliza-
ção - eis o ideal de um povo consciente da sua personalidade e orgu-
lhoso do seu espírito" (id. p. 52). Em 1929, voltando a visitar Minas
Gerais, ele já assinala os efeitos "transformadores" e modernizantes
que "o jornal, a revista ilustrada e o rádio" estavam provocando na
sociedade mineira e vaticinava que "a substituição da velha mentali-
Pensamento político brasileiro 73
dade pela nova se operará fatalmente" (id. p. 64). Aquela época assina-
lava que o "empreguismo" estava substituindo as virtudes pioneiras e
épicas de nossas elites rurais dirigentes que se urbanizavam, pelo que
culpava, sobretudo, a "catástrofe" da Abolição "inopinada" e "inepta"
(id. p. 78, 79, 82). Mas ao mesmo tempo, em outro ensaio, referia-se à
urbanização como "o meio racional" de limpar os nossos sertões do
"caudilho e do bandido" (id. p. 182, 183) e na edição de 1942 menciona
as "colônias agrícolas" como instrumento hábil para levar a civilização
ao hinterland. Ao assinalar que "o urbanismo é condição moderníssima
da nossa evolução social", mostra, no entanto "a importância das cida-
des e do seu espírito na compreensão da história do novo regime", isto
é, da República (E.P.B. p. 107). Em obra póstuma, dirá: "Hoje, na
era mercantilista, estes escrúpulos que atormentavam as consciências
aristocráticas do medieval, infelizmente, desapareceram. Os trusts, os
kartells, os monopólios, tudo são hoje instrumentos para conseguir -
mesmo injustamente, mesmo desonestamente, mesmo criminosamente,
pela exploração da coletividade - esta margem de lucros monetários",
contrapondo à "moderação do lucro", à "ética do lucro", das corpora-
ções medievais, o "delírio da produção ilimitada" (L H. S. E. C . B. p. 139,
144, 145). Somente após 1945, no entanto - como se verá à frente -
é que Oliveira Vianna parece ter começado a se preocupar seriamente
com uma teoria da mudança social.
7. "Programa econômico"
Ao lado de um "programa político", esboçado aqui e ali por Oliveira
Vianna no conjunto de sua obra, depreende-se também um "programa
econômico", apenas delineado, face sobretudo à sua abordagem da "ques-
tão social". Ao mencionar, em meados da década de 20 a substituição
que os fazendeiros paulistas haviam efetuado, já na segunda metade do
século passado, do braço escravo pelo braço livre, ele procura mostrar
que eles haviam "pressentido" o futuro: "Jogaram (os paulistas) teme-
rariamente sobre o porvir e, mais uma vez, confirmou-se o velho pro-
lóquio de que a fortuna está sempre ao lado dos audazes" (0.1. p. 72):
Reconhece que este fato teve uma "influência aceleradora na marcha
da idéia abolicionista", mas de qualquer forma ele não vinculava uma
coisa à outra. Pouco mais tarde, diria que as nossas "reformas políticas"
ou "constitucionais" seriam apenas "auxiliares de outras reformas
maiores, de caráter social e econômico, que deveremos realizar, se qui-
sermos estabelecer aqui o regime democrático, o regime de opinião, o
regime do governo do povo pelo povo" e mencionando que o "grosso do
nosso eleitorado ... está no campo e é formado pela nossa população
rural", afirma que os meios mais seguros e eficazes para assegurar a
"independência" desse eleitorado não estariam, certamente, no sufrá-
gio universal, na eleição direta, no voto secreto ou no self-govemment
local "mas sim em outros meios, de natureza econômica e social: o esta-
belecimento da pequena propriedade; um sistema de arrendamentos a
longo prazo ou um regime de caráter enfitêutico", bem como na "difusão
74 R.C.P. 2/74
do espírito corporativo e das instituições de solidariedade social" (I. C.
p. 64, 65). Na década de 40, face a seu pensamento de promover a
"ascensão" social do operário "capaz", fala em torná-lo "proprietário de
sua casa" e, quanto ao trabalhador rural, alude à doação de lotes de
terras (D.T.D.S. p. 42). No que se refere à nossa estrutura agrária
dizia que "no Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo,
floresce uma verdadeira democracia rural", dada a disseminação ali
da propriedade, o que já seria praticado há mais de um século (id. p.
42). Em 1945, Oliveira Vianna traz o seu apoio ao programa econômico
então lançado pelo Manifesto dos Bispos, que sugeria: a difusão da
pequena propriedade, o direito ao lar próprio, o direito à segurança,
ao conforto e às benesses da civilização; a democracia social; os conse-
lhos de fábrica; a representação administrativa e política; a participa-
ção nos lucros (id. p. 175). Caracterizava o Brasil, até 1888, como "feu-
dalóide" (I. H. S. E. C. B. p. 115, 187). Oliveira Vianna questiona a mi-
séria: "É discutível se a miséria pode ser considerada um fenômeno
puramente originado de causas sociais. Parece-me que devemos tam-
bém contar as causas de ordem biológica, especialmente as provindas
da má hereditariedade ... Não chego, por isto mesmo ... a acreditar na
possibilidade de uma sociedade sem miséria" (P. O. P . D. p. 119). Ha-
veria, para ele, uma "miséria justa" - aquela dos "nulos" e dos
"disgênicos" - e uma "miséria injusta" - aquela dos "capazes", que não
teriam tido condições de superá-la. Esta "miséria justa" seria corrigível
por medidas reformistas, tais como a disseminação de "asilos e hospi-
tais", "reformatórios ou penitenciárias", instituições assistenciais de
"fraternidade cristã" (id. p. 120). A "miséria injusta", proviria de "fa-
lhas da organização social" e da "estrutura econômica" e ele reclamava
aqui, novamente, a disseminação da "pequena propriedade", da "casa
barata" e do "lote de terra": "Dar a cada um a sua terra ou a sua casa
- eis a primeira face do problema. Difusão, portanto, da pequena pro-
priedade; principalmente da pequena propriedade rural" (id. p. 121,
122). A nossa "constituição geográfica e demográfica", segundo ele, es-
tava a indicar que o caminho era o da "desproletarização" de nossas
classes sociais "pela ampliação - numa extensão que só a nós é per-
mitida - da classe dos pequenos proprietários", alertando, porém: "e
tudo isto sem modificar a estrutura das nossas instituições tradicionais"
(id. p. 122). A difusão da pequena propriedade seria efetivada pela
"colonização intensiva do nosso interior deserto. Povoar os nossos gran-
des vácuos demográficos do interior ("marcha para o Oeste"), organi-
zar a pequena propriedade territorial e o pequeno urbanismo, pondo o
conforto da civilização ao alcance das populações rurais - eis a dire-
• triz da nossa política social" (id. p. 123). Salienta que não haveria
necessidade da "eliminação das nossas classes ditas burguesas, princi-
palmente da representada pela grande propriedade territorial, a que,
seja dito de passagem, devemos a maior e a melhor da nossa grandeza
econômica, social e política" (id. p. 123). Concluía: "Nossa política
econômica tem que se conciliar com os imperativos da nossa política
demográfica" (id. p. 99). Enquanto critica o regime da Constituição
76 R.C.P. 2/74
mácia na reação contra essas medidas salutares de centralização e lega-
lidade, teria sido infinitamente mais perigoso do que o dos grupos do
norte ou do extremo sul. .. Mais do que isto; teriam naturalmente desen-
cadeado, pela força contagiosa da imitação, a torrente da revolução sobre
todo o país" (id. p. 358). Em síntese, o que distinguiria as revoluções
civis, nas zonas meridionais, seria "de um lado o seu caráter puramente
doutrinário, a sua origem exótica, extranacional; de outro, a ausência do
povo" cujo "manifesto estatismo" o fazia "crente da onipotência do Es-
tado" e assim avesso ao espírito revolucionário. "De modo que", pros-
segue Oliveira Vianna "a minoria intelectual, que é quem protesta e
organiza a reação, não podendo apelar para o grosso da população, é
obrigada a apelar para a ralé, recorrendo à populaça dos motins. Ou
então, para a força armada: daí o seu apelo costumeiro aos quartéis"
(id. p. 348). Explicava o "manifesto estatismo" de nosso povo pela
tradição colonial que ainda prevaleceria entre nós: "Peia-lhes o velho
costume colonial de considerar o poder coisa estranha à sociedade e su-
perior a ela e, por isso, incontrastável"; e não seria por outra razão que
o "herói" destas populações do Centro-Sul seria, não o "caudilho" ou
o "bandido"; mas sim o "homem de ideais e convicções, o reformador
político" que, de "posse do poder do Estado" possa realizar um "grande
programa de regeneração e moralidade públicas" (id. p. 344, 345). Tam-
bém a inaptidão "para a ação em conjunto, esse espírito de insolidarie-
dade" que seria traço psicológico distintivo do homem do Centro-Sul
- o seu individualismo, enfim - contribuiria notavelmente para "ate-
nuar" a capacidade de nossos "meridionais" para as "revoluções arma-
das" (id. p. 345).21 Mais tarde, ao "exotismo" e ao caráter "extranacio-
nal" dos movimentos revolucionários e das aspirações democrático-libe-
rais, Oliveira Vianna, acrescentará também as aspirações socialistas e
comunistas, segundo ele manifestações espúrias do "marginalismo" de
grupos minoritários de fanáticos - "minoria audaciosa de gol pistas"
(I.P.B. v. 2 p. 154,155).
78 R.C.P. 2/74
Lapouge e Ammon; c) a psicofisiologia, de Ribot, Sergi, Lange e
James; d) a psicologia coletiva, de Le Bon e Tarde; e) a sociologia
de Le Play e da Escola de Ciência Social, de Tourville, Demolins,
Poignard, Descamps, Rousiers, Préville e outros. Na realidade Oliveira
Vianna, até o final, permaneceu fiel a estes autores, acrescidos de alguns
poucos outros, mas quase sempre dentro da mesma linha doutrinária
e ideológica. Afirmava, em 1920, que aquele seu primeiro livro seria
uma tentativa de aplicação desses critérios à interpretação de nossa
história e de nossa formação social, tentativa a nosso ver coroada de
êxito, pois, de fato, ele "viu" o Brasil através daquelas perspectivas
teóricas. Com este instrumental doutrinário, dizia: "Todo o meu intuito
é estabelecer nele a caracterização social do nosso povo, tão aproximada
da realidade quanto possível" (P. M. B. Prefácio, p. IH). Ele se pro-
punha tentar corrigir as nossas deficiências no campo dos estudos sociais,
a nossa falta de "critérios objetivos", de "senso das realidades", de
excesso de "teorismos" e de apego a "ficções". Seríamos um povo sen-
timental e imaginativo e teríamos os nossos olhos fechados à "reali-
dade", para não vê-Ia (id. p. X). Advertia: "Esses povos, que assim
praticam o culto consciente e sistemático da própria ilusão, estão con-
denados a perecer. Quem os vai eliminar são esses rijos manipula dores
de fatos e realidades, esses povos práticos e experimentalistas, dotados
de um esplêndido senso objetivo das coisas" (id. p. XI). Afirmava:
"O problema da nossa salvação tem que ser resolvido com outros cri-
térios, que não os critérios até agora dominantes. Devemos doravante
jogar com fatos, e não com hipóteses, com realidades, e não com ficção
e, por um esforço de vontade heróica, renovar nossas idéias, refazer
nossa cultura, reeducar nosso caráter. Essa obra de reeducação, que é
também obra de organização e construção, só a empreenderemos se ...
sujeitarmos o nosso povo a uma análise fria e severa na sua com-
posição, na sua estrutura, nas tendências particulares da sua mentali-
dade e do seu caráter" (id. p. XII). Pouco mais tarde, diria: "No
Brasil, cultura significa expatriação intelectual. O brasileiro, enquanto
analfabeto, raciocina correntemente e, mesmo inteligentemente, utili-
zando o material de observações feitas sobre as coisas, que estão em
derredor dele e no alcance dos seus sentidos - e sempre revela em
tudo esse inalterável fundo de sensatez, que lhe vem da raça superior
originária" (P.E.P.S. p. 89).23 Em meados da década de 20, recoloca
a mesma perspectiva referindo-se a "espíritos positivos, libertos dos
preconceitos doutrinários, que consideram o problema da organização
política e constitucional de um povo um problema essencialmente prá-
tico, em cuja solução não deve entrar nenhum dado apriorístico, ne-
23 Parece-nos configurar-se aqui um impasse ideológico em Vianna: não sendo
ele próprio um analfabeto não se considerava, porém, um expatriado. Pouco antes,
afirmara que seu primeiro livro seria uma tentativa de aplicação de doutrinas euro-
péias à realidade brasileira. Aliás, até o final, ele procurará sempre chamar em
socorro de sua interpretação "objetiva" e "isenta" de nossa realidade, a autoridade
das mais recentes teorias e doutrinas européias e norte-americanas.
80 R.C.P. 2/74
solo, da raça e da história; mas essa ação niveladora da imitação não
poderá ser tal que anule a ação toda poderosa daquelas" (id. p. 48).
Assim definia seu próprio método: "Somente os fatos me preocupam
e somente trabalhando sobre eles é que me infiro e deduzo. Nenhuma
idéia preconcebida. Nenhuma preocupação de escola. Nenhuma limitação
de doutrina. Nenhum outro desejo senão o de ver as coisas como as coisas
são - e dizê-las realmente com as vi" (id. p. 43). Era sua profissão de
fé positivista e empirista. Assinala o status teórico do historiador:
"O papel do historiador é justamente este, é realizar essa obra de rein-
tegração dos valores, depondo dos altares santificados os falsos ídolos e
pondo neles os benfeitores dos povos, os criadores reais da sua história
- em suma, os verdadeiros heróis" (0.1. Prefácio, p. VIII), sugerindo
que "antes de se mostrar homem do seu tempo, possa mostrar-se ho-
mem da sua raça e do seu meio" (I. C. p. 69). No elogio a Ingenieros,
Ao diz: "Entretanto, esse idealista, assim tão ardentemente voltado para o
futuro, não repudia o passado. Para ele, o passado é útil, o passado é
precioso: nele é que vamos encontrar o arquivo das experiências feitas
pela sociedade; nele, portanto, é que vamos buscar as lições dos nossos
erros; nele é que vamos inquirir das diretrizes da nossa evolução futura"
(I. C . p. 134). Logo a seguir, sempre seguindo Ingenieros, reconhece
que se "torna essencial o conhecimento dos tempos atuais, o estudo da
experiência social presente", mas condicionando de imediato, no en-
tanto, que este estudo "deve descartar as ficções imaginosas", que se-
riam aquelas "que não representam uma perfeição possível do real".
concluindo que "o elemento fundamental da excelência de um ideal, da
vitalidade de um ideal é, pois, a sua adaptação à realidade social"
(id. p. 135). 24 Classifica Ingenieros como um spenceriano e endossa o
seu "idealismo orgânico": "O idealismo de Ingenieros não é o idealismo
dos místicos, nem o dos metafísicos, nem o dos moralistas, nem o dos
teólogos, nem o dos poetas: é o idealismo de um espírito para quem a
sociedade existe, para quem o inconsciente social existe, para quem
as leis sociais existem. É o idealismo do cientista, do naturalista, do
sociólogo, que considera uma sociedade um ser tão vivo quanto um
animal ou uma árvore" (id. p. 137). Como o pensador argentino,
reclamava ele também a "nacionalização dos idealismos": "Cada grupo
humano deve ter o seu idealismo próprio, nascido da sua experiência
24 Vianna fazia, assim, em sua sociologia conservadora, uma "ponte ideológica"
entre o passado e o futuro, sendo o presente aí avaliado em função deste pas-
sado e o futuro, um potencial também do passado. O critério para a avaliação
da "experiência social presente" seria a sua conformidade com a "realidade social"
que é, afinal, dada pelas linhas diretivas do passado histórico. O conceito de "per-
feição possível do real" dá bem a medida de uma valorização ideologicamente con-
servadora deste passado. Isto explicará, talvez, como o pensamento sociológico
de Vianna em parte coincidia com a nossa evolução política e, em parte apresen-
tava-se sob o tipo de "contra a maré". Era "profético" sempre que, naquela evolu-
ção política, os elementos do passado se afirmavam como dominante, condicionando
de modo "conservador" esta evolução; era "contra a maré" sempre que a nossa
evolução política negava qualitativamente aquilo que do passado tentava permanecer,
mas era historicamente superado.
82 R.C.P. 2/74
zia que este era "o nosso povo-massa tal como ele é" (L P. B. v. 2
p. 22); "o Brasil como ele é, tal como o modelaram quatro séculos e meio
de história e de civilização" (id. p. 95). Em Instituições políticas brasi-
leiras, de 1949, Oliveira Vianna anuncia seus princípios "culturológicos",
ou, de fato, o antropologismo-funcionalista: "O meu objetivo será,
pois ... estudar o nosso direito público e constitucional exclusivamente
à luz dos modernos critérios da ciência jurídica e da ciência política:
isto é, como um fato de comportamento humano. Dentro deste cri-
tério, os problemas de reformas de regime convertem-se em problemas
de mudança de comportamento coletivo, imposta ao povo-massai por-
tanto, em problemas de cultura e de culturologia aplicada" (I. P . B. p.
35). Aos seus autores citados nos anos 10 e 20, como Gobineau, Lapouge,
Ammon, Ratzel, Tarde, Le Play, Le Bon, Ribot, Ingenieros e tantos ou-
tros, somam-se agora, nos anos 30 e 40, Spengler, Boas, Frobenius, Krets-
chmer, Ralph Linton, Allport, Malinovsky, Sorokin, Merriam, Moreno,
R. Benedict, Donald Pierson, Mauss, R. Lynd, Mac Iver, Mumford,
Ogburn, Redfield, L. White, assim como toda a plêiade de juristas da
Suprema Corte norte-americana. Mesmo dentro da "cultorologia" e do
funcionalismo, no entanto, Oliveira Vianna assumia determinadas posi-
ções (justificando-as como não-ortodoxas) que o levavam, realmente,
a recuperar suas tradicionais convicções etnológicas, fideístas e românti-
cas. 25 Ele criticava o panculturalismo de Spengler, de Boas e de Fro-
benius, que, segundo ele, radicalizava e extremava o conceito de cultura,
a qual se tornaria, assim, uma verdadeira "entidade metafísica". O indi-
víduo estaria ali subavaliado e ele se enfileirava, confessadamente, nas
correntes que dentro da culturologia bucavam uma "restauração do in-
divíduo". Através desta cunha ele restabelecia o princípio do histórico e
do social como fruto da ação do indivíduo e esta era vista como produto
do meio e da raça: "O meu ponto de divergência com os antropologistas
americanos da escola culturalista, Boas e seus seguidores, é que eles
consideram a "cultura" como um sistema social que encontra explicação
em si mesmo, ao passo que eu, embora aceite a concepção central da
etnologia americana ... contudo não aceito o panculturalismo desta es-
cola, que quer tudo explicar em termos de 'cultura', até os fenômenos
fisiológicos, e se recusa a fazer intervir, na formação e evolução das
sociedades e da civilização, os fatores biológicos, negando qualquer in-
fluência ao indivíduo ou à raça e à sua poderosa hereditariedade" refe-
rindo-se aqui à "irredutibilidade da pessoa humana" (id. p. 72, 78). Re-
sumia: "Em suma, o quadro clássico dos fatores da Civilização e da
História se está restaurando. Em vez de uma causa única - meio só
(Buckle) ou raça só (Lapouge), ou cultura só (Spengler, Frobenius,
Boas) - a ciência confessa que tudo se encaminha para uma explica-
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das révolutions, une entente féconde fondée sur l'observation des faits"
(La reforme sociale en France, 1874 (id. p. 96). Afirma: "Todo grupo re-
gional é produto desta fórmula: meio-cultura-raça ... Cada um destes
fatores ocorre, porém, na composição de equação do grupo, em propor-
ções diversas, ora mais, ora menos, variando ao infinito, para cada um
deles, nas suas combinações. .. Para esta análise discriminativa, talvez
mais fecundo e aconselhável. .. seria o "método intuitivo", que Spen-
gler, aliás, neste ponto com razão, preconizava" (id. p. 104, 110).27
Finalmente, ele expõe sua teoria da mudança social que julgamos de im-
portância para a compreensão do conjunto de sua obra e de sua perspec-
tiva ideológica. Otveira Vianna se fixa no conceito de "lentidão da evo-
lução das realidades sociais" (id. p. 131), postulando expressamente uma
perspectiva "evolucionista" e nunca "revolucionária". Notamos que em
parte alguma de sua obra anterior ele se sentira compelido a formular
• uma teoria da mudança social, somente o fazendo agora, quando o nosso
país, após 1945, entrava na chamada fase de "redemocratização". Assim
coloca, então, o tema: "É uma mudança, sem dúvida; mas, esta mudança
há de ser obra do tempo - e só do tempo - sem a sanção do qual nada
que o homem faça tem possibilidade de duração. Só então, depois deste
longo processo transformador, estas populações (brasileiras) - hoje
imobilizadas na rotina das suas velhas tradições - estarão preparadas,
culturalmente, para receber - sem riscos de desarmonia e desequilíbrios
- esta civilização política, de tipo metropolitano e 'marginalista", que
estamos elaborando à beira das nossas praias, à orla de nossos litorais
vastíssimos - vária, instável, cambiante" (id. p. 132). Trata-se, como se
percebe, de uma "concessão" que ele fazia às novas realidades emergen-
tes no pós-guerra. Orientava-se aqui por Ogburn (Social change), Herz-
tler (Social progress), Sims (The problem of social change) , Rosen
(Techonology and society), Mumford (Tecnics and civilization) e Mer-
riam (The role of politcs in social change). Adverte: "Estas mudanças
endógenas não ocorrem, porém, nunca por subversão ou 'golpe'; são
obras do tempo, nascem de lentas e imperceptíveis desintegrações de
complexos culturológicos e de alterações morfológicas, paulatinamente
processadas na estrutura do grupo" (id. p. 137, 138). Em essência, Oli-
veira Vianna não admitia a possibilidade de qualquer mudança social
em nosso país, que fosse de uma nova qualidade, a não ser pela ação
do Estado e conforme as linhas históricas de nosso passado. Enquanto
considerava, por exemplo, o Estado Liberal, nos Estados Unidos, o resul-
tado de uma prática política de uma opinião pública estruturada e cons-
ciente (id. p. 165), no Brasil o liberalismo teria sido uma "outorga" de
certas elites "equivocadas", colocadas dentro do Estado, a um "povo-
massa" apático e fundamentalmente desinteressado de irlstituições de-
27 Vianna "conciliava" a análise sociológica "objetiva", "rigorosamente cientüica",
isenta de "qualquer elemento apriorístico ou emocional", assim como de "preconcei-
tos ideológicos" ou de "simpatias doutrinárias" com o método intuitivo" - o in-
tuicionismo de base fideísta. Parece-nos, contudo, tratar-se de um evidente impasse
ideológico.
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P . O. P . D. Problemas de organização e problemas de direção. 1. ed.
1952.
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SÃO PAULO
o papel do Parlamento 87