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INTRODUÇAO AO ESTUDO DO PENSAMENTO

POL1TICO AUTORITARIO BRASILEIRO 1914/1945 *


11 - OLIVEffiA VIANNA
JARBAS MEDEffiOS

"Os tiTanos que fustigaTam os povos com vaTas de feTTo fizeTam mais pela educação
jurídica da humanidade do que todos os legisladoTes com os seus códigos de leis."
(lhering, citado pOT OliveiTa Vianna em epígTafe ao capítulo OTganização da oTdem
legal, em Populações meridionaes do Brasil. 1920.)
"Pelas condições dentTo das quais se pTocessou a nossa formação política, estamos
condenados às oligaTquias: e, felizmente, as oligaTquias existem. Pode paTeceT paTa-
doxal; mas, numa democracia como a nossa, elas têm sido a nossa salvação. O nosso
gTande pToblema, como já disse alhuTes, não é acabaT com as oligaTquias: é trans-
formá-las - fazendo-as passaTem da sua atual condição de oligaTquias bToncas para
uma nova condição de oligaTquias esclaTecidas. Estas oligaTquias esclaTecidas seriam,
então, Tealmente, a expTessão da única forma de democracia possível no BTasil."
(Instituições políticas brasileiras. 1949. v. 2, p. 205).
"Le moment est venu de substitueT aux luctes stériles, suscitées paT les vices de
Z'ancien Tegime et paT l'eTTeuT des Tévolutions, une entente féconde fondée SUT
Z'observation des faits." (Le Play. La réforme sociale en France. 1874, citado pOT
OliveiTa Vianna em ~tituições políticas brasileiras. 1949. v. 2, p. 96).
1. A obra de Oliveira Vianna como uma visão parcial da
"crise moderna" brasileira; 2. Antiliberalismo e Autorita-
rismo; 3. Estado Nacional, Estado Moderno, Estado Demo-
crático, Estado Autoritário e Estado Corporativo; 4. A
"questão social": "a incorporação do trabalhador no Estado";
5. Racismo & elites; 6. Ruralismo & urbanismo 7. "Progra-
ma econômico"; 8. Interpretação das revoluções brasileiras;
9. Fontes teóricas e doutrinárias do pensamento sociológico
de Oliveira Vianna.

1. A obra de Oliveira Vianna como uma visão parcial da "crise


moderna" brasileira
A obra de Oliveira Vianna parece-nos daquelas que não comportam
uma periodização, pois que não apresenta propriamente, ao longo de
seus 30 anos de extensão, uma evolução na qual o autor produzisse
alterações ou desdobramentos mais originais. Se de 1932 a 1940 Oliveira
• O presente texto é parte de uma série da qual o primeiro, referente ao pen-
samento político de Francisco Campos, foi publicado no número anterior desta
Revista (jan./mar. 1974). Recomendamos que, como introdução necessária ao estudo

R. Ci. pol., Rio de Janeiro, 17(2) :31-87, abr./jun. 1974


Vianna viveu uma nova expenencia profissional como "técnico" do
Ministério do Trabalho, então recentemente criado, isto não lhe teria
certamente proporcionado uma retomada crítica, em nível mais elevado,
de suas idéias anteriores, mesmo no sentido de "aperfeiçoá-las". Real-
mente, as diretrizes que ali assumiu já as tinha delineado na década de
20. A leitura de toda sua obra, de Populações meridionaes do Brasil
(que é de 1918 mas somente publicada em 1920) até às suas obras
póstumas, publicadas depois de 1951, ano de sua morte, revela-nos um
só bloco de idéias, cimentado no decurso dos anos 10 de nosso século,
do qual Oliveira Vianna foi prisioneiro até o fim. Toda sua produção
teórica a partir de então poderia talvez ser vista como "aplicações",
"variações" ou "comentários" em torno de algumas idéias, todas inspi-
radas em escolas sociológicas e antropológicas então em voga na Eu-
ropa e nos Estados Unidos e que ele erigiu em dogmas "científicos",
conforme se verá, mais detalhadamente, na parte final do presente
estudo. Parece-nos que Oliveira Vianna comprazia-se mesmo com isto:
são inúmeras as suas afirmações, ao longo das novas edições de seus
livros, de que nada ou quase nada havia-se alterado em relação à pri-
meira edição. Em um de seus livros mais "perfeitos", Instituições
políticas brasileiras, de 1949, ele explica que esta obra "completava" e
"rematava" os "resultados finais" de sua pesquisa iniciada há cerca
de 30 anos atrás "reconfirmando idéias anteriores, desenvolvidas desde
1920" (Instituições políticas brasileiras. p. 38). E, realmente, após ler-
mos praticamente toda a sua obra (cuja relação vai ao final deste),
parece-nos poder afirmar que em seus cinco primeiros livros, todos
produzidos de 1920 a 1923 - Populações meridionaes do Brasil, Pe-

que agora publicamos, sejam lidos os seis primeiros itens do texto anterior já
referido: é que segundo nossa perspectiva de trabalho, colocamos em paralelo,
ao lado do nacional, o universal, sendo, afinal, em função deste último que se
compreenderá aquele, embora aqui não se intente uma articulação entre ambos.
Toda a série a ser publicada, como já dissemos, é parte de uma tese que pre-
paramos para École Pratique des Hautes Études (Paris) sob o título O pensa-
mento político brasileiro - 1930/1945. Este texto, como o anterior, é também uma
ordenação parcial e fragmentária de várias notas preparatórias da tese. Não ten-
tamos nenhum tipo de análise sociológica ou politica (apenas sugerida nas notas
ao pé de página ou em pontos esparsos ao longo do texto) mas, antes a nossa
preocupação foi a de expor, caracterizar, organizar, classificar e situar o pensa-
mento político e sociológico de Oliveira Vianna: mais obra de artesanato do que
ciência. É, pois, dentro desta perspectiva que o presente estudo deve ser entendido
e somente ao se considerar o objetivo assinalado é que, talvez, se justifique a
fastidiosa citação de trechos de todos os livros do autor, algumas vezes repe-
tidos em função dos tópicos classificatórios que aqui fazemos do conjunto de
sua obra. Ao mesmo tempo, a variedade e a extensão destas citações permitirão
ao leitor um conhecimento abrangente e sintético de todo o pensamento de Oli-
veira Vianna. Posteriormente, tentaremos, dentro do estudo do autoritarismo, traçar
um paralelo entre o pensamento político "trágico-romântico" de Francisco Campos
- expressão de seu "realismo cético" - e o de Oliveira Vianna, mais inclinado ao
"épico" .

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quenos estudos de psicologia social, Evolução do povo brasileiro, O
idealismo na evolução política do Império e da República e O idealismo
da Constituição,l já se encontra definitivamente cristalizado o núcleo
de idéias que ele manteve inalterado até suas obras póstumas. Aliás,
o seu biógrafo 2 relata-nos que muitos dos livros de Oliveira Vianna
só eram dados à publicação, em forma definitiva, após longos anos
de coleta de dados, notas e observações esparsas sobre determinados
temas ou assuntos; estas notas, então, na conformidade da disponibili-
dade de tempo e de interesse do autor, eram selecionadas e organizadas,
transformando-se em obra. Desta forma, um livro poderia ter tido o
seu início cerca de 10 ou 20 anos antes de sua publicação e, se ao
tempo desta, uma revisão critica não fosse feita, poder-se-ia ter uma
obra "nova" nascendo já de todo ultrapassada com relação a estágios
científicos mais modernos. É o que nos parece ter acontecido com
grande parte da produção intelectual de Oliveira Vianna e que ex-
plicaria também a possibilidade, que ele realizou, de publicar e "es-
crever" simultaneamente vários livros, o que se percebe através da
constância e invariabilidade de temas e de enfoques. Agora, um ligeiro
escorço biográfico contribuirá para situá-lo melhor dentro de sua prá-
tica social: filho de proprietário rural no Estado do Rio, conservou
a propriedade paterna, orgulhando-se de sua condição de fazendeiro.
Já depois de 1945 mencionava que a fazenda de seu pai era seu "pa-
trimônio sentimental", assinalando que tinha atrás de si "três gera-
ções de proprietários rurais" e que continuava "ainda hoje, vinculado
à minha gleba natal por todas as raízes do meu ser, preso a ela por
suas matrizes mais puras, que são as suas populações rurais". 3 Aluno
do Colégio Pedro lI, formado em Direito em 1905, tendo sido aluno
de Serzedelo Correia na cadeira de economia política, depois de for-
mado não exerceu a profissão. Foi professor de matemática em Ni-
terói, no Estado do Rio, colaborador do jornal Diário Fluminense e,
mais tarde, de outros jornais do Rio de Janeiro. A partir de 1916, pro-
fessor de teoria e prática de processo penal e direito industrial na
Faculdade de Direito do Estado do Rio. Integrou-se no círculo de ami-
l-c-~ -
1 Encontramos, vez por outra, certa confusão nas referências bibliográficas de
Oliveira Vianna. O idealismo da Constituição que nos serviu foi editado em 1927, sem
menção a qualquer edição anterior. Mas na relação Obras do autor, inserida na
Introdução à história social da economia pré-capitalista no Brasil (póstuma), edi-
tada em 1958, é mencionada uma primeira edição daquele livro em 1920. Por
outro lado, esta relação não menciona O idealismo na evolução política do Império
e da República.
2 Vasconcelos Torres. Oliveira Vianna, sua vida e sua posição na sociologia
brasileira. Rio, 1956. p. 92-3. Servimo-nos deste livro para os dados biográficos
mencionados.
3 Ver nota 2.

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gos e discípulos de Alberto Torres. 4 Na década de 20, exerceu as fun-
ções de Diretor da Carteira Comercial e Financeira do Instituto de
Fomento e Economia Agrícola do Estado do Rio. Acompanhou de longe
e discretamente a Revolução de 1930. Não havia, então, nem sequer se
inscrito como eleitor. Ainda durante o Governo Provisório foi convi-
dado para integrar as comissões técnicas do Ministério do Trabalho, sob
a chefia do Ministro Lindolfo Collor, com o objetivo de proceder à
elaboração e sistematização de nossa legislação social e trabalhista. De
1932 a 1940 foi Consultor Jurídico do Ministério do Trabalho. Era
então considerado um "técnico em economia social". Ao deixar o cargo
foi nomeado Ministro do Tribunal de Contas da União, tendo sido,
ainda, membro do Conselho Consultivo do Governo do Estado do Rio e
da Academia Brasileira de Letras. Era católico e legionário do Sagrado
Coração de Jesus.

1.1 Oliveira Vianna percebia a nova etapa histórica que se abria


com o término da I Guerra Mundial, assim como a etapa imediata-
mente anterior a ela e que se estruturara por volta de 1870, da se-
guinte maneira: "Há um século estamos sendo como fumadores de
ópio, no meio de raças ativas, audazes e progressistas ... Há um século
estamos cultivando a política do devaneio e da ilusão diante de homens
de ação e de prea que, por toda a parte, em todas as regiões do globo,
vão plantando, pela paz ou pela força, os padrões da sua soberania ...
Nesse contato, que se torna cada vez mais estreito, o nosso destino
já está pré-traçado. É o das panelas de barro do apólogo, que giram e
regiram no mesmo remanso ao lado das panelas de ferro, e que estas
acabam, num choque, espedaçando... O problema da nossa salvação
tem que ser resolvido com outros critérios, que não os critérios até
agora dominantes. Devemos doravante jogar com fatos, e não com hipó-
teses, com realidades, e não com ficções e, por um esforço de vontade
heróica, renovar nossas idéias, refazer nossa cultura, reeducar nosso
caráter. .. obra de organização e construção... Só assim, no contato
forçado com esses grandes povos que estão invadindo e senhoreando
o globo poderemos, pelo reforço previdente das nossas linhas de menor
resistência, conservar intactas, no choque inevitável, a nossa persona-
lidade e a nossa soberania" (Populações meridionaes do Brasil, Pre-
fácio, p. X, XI e XII). Mais tarde, citará de novo este trecho, revalidan-
do-o também para a situação pós-1945, acrescentando: "Hoje, este pro-
blema apresenta talvez maior atualidade, maior urgência e, certamente,
maior gravidade do que então (1918) ... Os imperialismos agressivos
- compelidos pela pressão demográfica ou alegando a necessidade de
espaço vital (Vianna referia-se, aqui, ao nazi-fascismo) - desencadea-
ram-se e varreram o mundo com a fúria do seu delírio destrutivo. Ora,
na perturbação trazida pela violência arrasadora ... cada um dos povos

4 A influência de Alberto Torres sobre Oliveira Vianna foi bastante considerável


como, aliás, sobre toda a sua geração de intelectuais brasileiros nas décadas de
20 e 30. Isto, no entanto, será objeto de um outro estudo.

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do nosso continente entrou a sentir, surpreso e inquieto. .. a revelação
imprevista de numerosos pontos fracos da sua estrutura, não apenas
no ponto de vista militar; mas, político; mas, social; mas, econômico"
(Problemas de organização e problemas de direção. 1952 p. 168).
Concluía: "Em relação ao nosso povo, é toda uma nova política que
temos de conceber, organizar e sistematizar, tendo em vista a elimina-
ção de qualquer sistema de idéias ou de preconceitos que embaracem
esta adaptação do nosso povo às novas condições do meio internacional
em que vivemos... adaptarmo-nos a este meio; sem sacrifício, está
claro, da nossa independência e das peculiaridades da nossa personali-
dade nacionaL.. uma adaptação ativa, orientada no sentido da aqui-
sição das qualidades que nos faltam, na luta com os grandes povos con-
correntes ... Este problema se reduz, no fundo, ao problema da reedu-
cação das nossas elites dirigentes" (id. ibid. p. 168, 169, 170).

1.2 Não obstante a impossibilidade de uma periodização da obra de


Oliveira Vianna, parece-nos certamente desejável uma classificação ou
categorização da mesma. Surgiram-nos, ao menos, duas alternativas: ou
bem classificá-la pela natureza do tema - e aí teríamos, ao lado de uma
produção sociológica (sua interpretação crítica da realidade brasileira),
uma produção jurídica (textos relativos à discussão da legislação social
brasileira) ou bem classificá-la segundo um determinado número de te-
mas fundamentais, tais como: a) antiliberalismo e autoritarismo;
b) Estado Nacional, Estado Moderno, Estado Democrático, Estado Auto-
ritário e Estado Corporativo; c) a "questão social": "a incorporação do
trabalhador no Estado"; d) racismo & elites; e) ruralismo e urba-
nismo; f) "programa econômico"; g) interpretação das revoluções
brasileiras; h) fontes teóricas e doutrinárias do pensamento sociológico
de Oliveira Vianna. Optamos por este segundo critério e assim o conjun-
to de sua obra passará, a seguir, a ser classificado dentro dos temas men-
cionados. Doravante, os títulos dos livros citados serão referidos em
siglas.

2. Antiliberalismo e Autoritarismo

A leitura das obras de Oliveira Vianna revela-nos que eram, certamente,


três as suas preocupações fundamentais: a) a unidade nacional -
compreendida aqui em sua dimensão territorial, política, social e eco-
nômica - a partir da qual deve ser entendido o seu nacionalismo;
b) a modernização institucional - que ele tinha como sinônimo do cor-
porativismo, sobretudo administrativo; c) a conciliação das classes
sociais. A idéia de Oliveira Vianna era a de que, como o Estado Liberal,
puro ou mesmo imperfeito e "deformado" - como seria aquele caracte-
rístico de nossa I República - impedia, na prática, a consecução destes

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objetivos mencionados, impunha-se o recurso "natural" ao Autoritaris-
mo como única forma possível de sobrevivência soberana de nosso país.
O Liberalismo, para ele, torna-se um equivalente de inautenticidade, de
artificialidade, de alienação e de antinacionalismo: segundo seus pró-
prios critérios, ser nacionalista era ser autoritário. Afirmaríamos mes-
mo que toda a sua obra - estruturada, como vimos, logo nos primeiros
anos da década de 20 e apenas "desdobrada" nos anos posteriores, até
o final - estaria contida nesta proposição. Suas inúmeras incursões
históricas não teriam, assim, outro objetivo senão o de demonstrar que
o Autoritarismo, não obstante a alienação mais do que secular da maio-
ria de nossas elites, geralmente liberais, havia sido, de fato, o regime
político real vigente entre nós e que isto representara, em termos de
sobrevivência nacional, a nossa "salvação" e que assim, da mesma forma,
o Autoritarismo era o caminho "natural" de nosso futuro. Um autori-
tarismo fundamental, essencial, autóctone, telúrico, específico do Brasil
versus um liberalismo made in Europe, "importado", "copiado" do es-
trangeiro, próprio de elites universitárias litorâneas desvinculadas de
nossa "realidade", "utópicas", "sonhadoras" etc. - liberalismo este ja-
mais verdadeiramente enraizado entre nós - é mesmo uma dicotomia
que preenche a obra de Oliveira Vianna de ponta a ponta. A nossa socie-
dade sertaneja equivaleria ao "Brasil-real", enquanto que a sociedade
cosmopolita, universitária, bacharelesca e parlamentar equivaleria ao
"Brasil-legal", "oficial", "transplantado". Segundo entendemos, porém,
seria superficial a interpretação que qualificasse Oliveira Vianna como
um conservador tradicionalista e empedernido do status quo, do tipo
retrógrado ou imobilista, se bem que muitas vezes ele sustenta posições
desta natureza. Ao contrário do que se poderia esperar e apesar de
seu elogio permanente e vibrante de todos os nossos líderes conserva-
dores, ele é, de fato, um crítico infatigável de nossas instituições socio-
políticas tradicionais - fossem aquelas do "Brasil-real" ou do "Brasil-
legal" - reclamando, a cada passo, reformas "modernizantes". Que se
fizessem, no entanto, por via autoritária, era a sua "condição" ideoló-
gica. E, por isso mesmo, os acontecimentos posteriores à década de 30,
a nosso ver, fizeram de Oliveira Vianna um dos ideólogos mais lúcidos
(em termos, naturalmente, da estrutura do Poder) de todo o Brasil
contemporâneo e daí, certamente, a importância do estudo de sua obra.
Nas pendências entre o Poder local - latifundiário, autocrático, semi-
autárquico - e o Poder Central, Oliveira Vianna defende impreterivel-
mente o segundo, reclamando deste medidas de contenção do primeiro.
Toda sua obra é a postulação de um Governo "forte" intervencionista,
aí entendido o Executivo Federal. "O passado vive em nós, latente, obs-
curo, nas células do nosso subconsciente. Ele é que nos dirige ainda
hoje com a sua influência invisível, mas inevitável e fatal... É claro
que dos reflexos históricos dos períodos iniciais ainda se deve ressentir
muito vivamente o nosso povo na sua organização social e na sua menta-
lidade coletiva e procura mostrar que em nosso passado histórico recente

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estão os moldes ainda quentes, onde se fundiram essas idiossincrasias,
que nos extremam e singularizam, como povo, entre todas as nações
da terra" (P. M. B. prefácio de 1918, p. I e 11). Era como se Oliveira
Vianna buscasse "aproveitar" de nossas oligarquias apenas o seu autori-
tarismo histórico a fim de justificar, nas décadas de 20 e 30, a constru-
ção de um Estado Autoritário "conseqüente" e que viesse a assumir
este status, com o objetivo de, através dele, promover a "modernização"
institucional de nosso país, isto é, atingirmos o Estado Moderno. O que
Oliveira Vianna parecia temer era, de certa forma, que esta transição
fosse efetuada, ou mesmo tentada, pelo liberalismo demagógico e "utó-
pico". O seu constante elogio aos políticos conservadores do Império,
tendo à frente Pedro 11, mostrava que ele estava indicando que seria
através de elites semelhantes que o Brasil de seus dias - dos anos 20
e 30 - deveria transformar-se, modernizando-se. Diz: "Ora, os nossos
homens de Estado, de tipo construtor e autoritário, que dirigiram o
país na fase do Império, foram os únicos que tiveram a intuição profé-
tica desta verdade fundamental. .. Por isto mesmo, o Brasil deve tudo
aos Feijós, aos Vasconcelos, aos Uruguais, aos Paranás, aos Caxias, espí-
ritos gloriosos de 'reacionários', claras mentalidades de tipo realista e
objetivo, que tiveram a compreensão exata e lúcida da missão de auto-
ridade e do Poder Central numa nacionalidade em formação, como a
nossa" (P. O. P. D. p. 135). Seria assim, segundo cremos, dentro desta
perspectiva de modernização institucional de nosso país, a partir de
uma fase crítica como aquela do pós-guerra (Oliveira Vianna abarca
tanto 1914/18 quanto 1939/45), que o conjunto de sua obra deve ser
analisada e entendida. Todo seu elogio à nossa nobreza rural colonial;
à estrutura social de nosso latifúndio escravista; à arianidade de nossa
aristocracia rural; aos valores morais de nossa sociedade tradicional,
deverá ser visto como uma racionalização ideologizada do autoritarismo
político e do elitismo oligárquico - "condições" históricas de nossa
evolução, segundo ele. Em 1920, dizia: "Estas grandes e pequenas oli-
garquias não são, pois, em si mesmas, condenáveis. Num povo como
o nosso, elas são mesmo inevitáveis. Diremos mais: elas são necessárias.
O grande problema não está em destruí-las; está em educá-las, em dis-
cipliná-las, em reduzir-lhes a capacidade de fazer o mal e aumentar-
lhes a capacidade de fazer o bem" (I. C. p. 53). Repetiria 20 anos
depois: "Pelas condições dentro das quais se processou a nossa formação
política, estamos condenados às oligarquias: e, felizmente, as oligar-
quias existem ... Estas oligarquias esclarecidas seriam, então, real-
mente, a expressão da única forma de democracia possível no Brasil"
(I. P . B. p. 205). O liberalismo é repetidamente visto como prejudicial e
danoso aos interesses da coletividade brasileira, por "desagregador",
"desarticulador", "dissolvente", isto tanto ao nível de nossa integridade
territorial e política quanto ao da solidariedade social entre as classes.
Liberalismo continua sempre sendo sinônimo de regionalismo, de parti-
cularismos, de facciosismo, de separatismo, escudo por detrás do qual

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se escondiam as nossas "clãs feudais", "parentais" e "eleitorais", assim
como toda a coorte de "políticos profissionais" (alvo permanente da iro-
nia de Vianna), reunidos em um trabalho em surdina contra a coleti-
vidade e o Estado. Assinala: "Entre nós, liberalismo significa pratica-
mente, e de fato, nada mais do que caudilhismo local ou provincial. ..
Estudai a história social de nosso povo: nada encontrareis nela que jus-
tifique a existência do sentimento das liberdades públicas ... Essas li-
berdades são, realmente, entre nós, apenas compreendidas e sentidas
por uma minoria de homens excepcionais pelo talento e pela cultura
e cuja educação não reflete, aliás, as influências do meio nacional,
mas a influência de meios exóticos, principalmente americanos e in~
gleses. " Nesses centros de puro intelectualismo, onde tudo se rege
pela dinâmica soberana dos princípios e dos dogmô.s universais, é
que se armam essas belas procelas doutrinárias... que em nossa histó-
ria têm o nome de 'campanhas liberais'... Teríamos tido, decerto,
os excessos do liberalismo republicano ou os delírios do teorismo demo-
crático, o que equivaleria para a nacionalidade a anarquia, a desinte-
gração e a morte. Dessa catástrofe tremenda nos salva o espírito
conservador" (P. M. B. p. 267, 321, 324, 341, e 357). Em obra póstuma,
ainda afirmaria que "a Nação se teria dissolvido" se tivessem alguma
vez prevalecido os ideais liberais (P.0.P.D.,1952, p. 131). Em 1922,
ao comemorar-se o centenário de nossa Independência, ele asseverava
que os cem anos de liberalismo entre nós haviam sido cem anos de
"cegueira obstinada à evidência de nossas realidades", de "pleno sonho".
um "pecado de cem anos" e que os nossos "liberais por biblio-sugestão
imaginavam existir em nosso país uma série de coisas que absoluta-
mente não podiam existir" (I.I.R. p. 80, 81, 82, 96). Como caberia -
pergunta nesta mesma obra - o sufrágio universal, se no Brasil "não
há povo no sentido anglo-saxônico da palavra?" e o selt-government,
se aqui inexistia "solidariedade social" e "espírito público" e um regime
representativo, se não havia "opinião pública"? (id. p. 82, 84. 86). Os
políticos conservadores, estes sim, teriam representado uma autêntica e
necessária reação ao "idealismo utópico", ao "exagerado", ao "radical",
ao "perigoso à ordem pública" das pregações liberais (id. p, 54). Estes
políticos conservadores, no entanto, seriam "uma reduzidíssima minoria
de políticos iluminados", um "escol reduzido" de "espíritos constru-
tores de tipo centralizador", os quais nos teriam "salvo" da anarquia
(P . O . P . D. p. 132). Em 1923, diz: "Os elementos liberais .. , na pre-
dicação de suas idéias parlamentaristas, federalistas, descentralizadoras
e democráticas, inspiram-se em teorias e idéias exóticas e refletem as
campanhas políticas que agitam então o cenário europeu e americano"
(E. P . B. p. 302). 5 Em 1925, reafirma: "Onde o pensamento republicano
õ Neste livro, contudo, Vianna parece relativizar um pouco a "inautenticidade"
de nossas aspirações históricas de liberalismo. Reconhece, até certo ponto, que
os liberais refletiam também um "estado d'alma nacional" (p. 305) e que a per-
manência latente dos ideais liberais, o "trabalho subterrâneo" destes ao longo de
nossa história, significaria, afinal, a "represália das causas geográficas compri-
midas pela ação" centralizadora do Monarca, identificando, assim, as aspirações
liberais às aspirações de autonomia regionalista.

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podia encontrar campo propício de germinação era na elite cultivada das
capitais e das cidades importantes, no patricia do da riqueza e da cultura,
nos quadros de direção dos partidos, nos centros universitários e literá-
rios", mas nunca na "consciência das massas", que não estariam em
condições de alcançar "o valor da Democracia" (0.1. p. 100). Em 1927,
em textos de crítica ao programa da Aliança Libertadora e do Partido
Democrático de São Paulo, assinala: "Esta realidade social nos ensina
muita coisa. Entre as coisas ensinadas está esta: de que se, ontem como
agora, o problema da democracia no Brasil tem sido mal posto, é porque
tem sido posto à maneira inglesa, à maneira francesa, à maneira ameri-
cana; mas, nunca, à maneira brasileira " (1. C. p. 13). Oliveira Vianna
elabora, aqui, uma extensa crítica a todas as nossas Constituições, a
partir de 1824, assinalando o caráter artificial e antinacional delas. No
que se refere à de 1891, diz: "Como se vê, os republicanos da Cons-
tituinte construíram um regime político baseado no pressuposto da opi-
nião pública organizada, arregimentada e militante. Ora, esta opinião
não existia, e ainda não existe, entre nós: logo, ao mecanismo ideali-
zado pelos legisladores de 91 faltava o sopro inspirador do seu dina-
mismo. Daí a sua falência". E completava: "Tudo isto são fatos na-
turais, perfeitamente lógicos, num povo que não tem - porque não podia
ter - nem espírito democrático, nem sentimento democrático, nem,
portanto, hábitos e tradições democráticas" (1. C. p. 43 e 52).6 Neste
mesmo livro ele faz ver a decadência dos parlamentos: "Os parlamentos
deixam ver cada vez mais a sua inutilidade, a sua imprestabilidade
como órgãos auxiliares do governo político das sociedades. .. Os parla-
mentos vão sendo insensivelmente postos de lado e não sei se seria
exagerado dizer que se estão tornando progressivamente um aparelho
inútil e dispendioso" (1. C. p. 105, 106). Também os partidos políticos
são criticados, ao longo de toda a sua obra. Estes seriam "simples agre-
gados de clãs, organizados para a exploração em comum das vantagens
do Poder" (0.1. p. 19 e 24); meras expressões da "classe política",
"facções das clãs feudais, parentais e eleitorais", aludindo ao "domínio
senhorial e o clã parental, revelando-se agora sob forma de clã eleitoral
ou partido político" (I.P.B. p. 219 e 342); fala em "corporações mili-
tantes e predatórias" (P.P. O. p. 44); em "associações de interesses
privados" e em "posse e fruição do poder" (P. E. P . S. p. 110, 112) e em
"meras delegações das pequenas oligarquias politicantes" (D. T . D. S.
p. 89). Voltando à sua crítica ao Liberalismo, em 1930, ao identificá-lo
com o Federalismo tal qual praticado na 1 República, diz: "Um regime
de descentralização sistemática, de fuga à disciplina do centro, de 10-

6 Já bem antes, Tobias Barreto, em 1877, em seu Discurso em mangas de camisa


- Notas e adições - dissera: "Assim, em suma, eu creio que não é lançado mão
do programa revolucionário deste ou daquele país, nem trajando alheia roupa
constitucional, que poderemos jamais elevar-nos e engrandecer-nos."

Pensamento político brasileiro 39


calismo ou provincialismo preponderante, em vez de ser um agente de
força e progresso, pode muito bem ser um fator de fraqueza e aniquila-
mento e, em vez de assegurar a liberdade e a democracia, pode real-
mente resultar na morte da liberdade e da democracia... Campanhas
e propagandas com intuitos eleitorais só se justificam entre povos, cuja
organização partidária não é o clã pessoal" e qualifica o regime político
da República Velha como uma "democracia de coronéis" (P. P . O. p. 97,
132 e 134). Em obra póstuma, procura estribar seu ponto de vista no
exemplo mundial: "O sentimento da evolução constitucional dos povos
civilizados está francamente orientado para o princípio da autoridade
forte e da centralização - e não para o princípio liberal e da federação"
(P. O. P. D. p. 134). Finalmente, em Instituições políticas brasileiras,
de 1949, considerado um de seus livros mais importantes e que seria o
fecho de sua obra, Oliveira Vianna retoma a sua dicotomia básica _
a do divórcio entre um "direito público elaborado pelas elites" e um
"direito costumeiro elaborado pelo povo-massa", entre um Brasil-legal
e um Brasil-real, sendo o primeiro o Brasil das elites universitárias,
cosmopolitas, bacharelescas e livrescas, formalistas, copiadoras de ins-
tituições políticas anglo-saxônicas ou francesas, criadoras de um direito
constitucional escrito, liberal-democrático, tal como o consubstanciado
em todas as nossas Constituições, de 1824 a 1946, e o segundo, o Brasil
dos sertões, do "povo-massa", criador também ele de um direito público
costumeiro, autóctone, próprio das condições brasileiras, estruturado
pelo grande domínio senhorial, pelo latifúndio, autocrático, paterna-
lista e patriarcalista, autoritário e antidemocrático: "Toda a dramatici-
dade da nossa história política está no esforço, sempre improfícuo das
elites para obrigar o povo-massa a praticar este direito por elas ela-
borado, mas que o povo-massa desconhece e a que recusa obedecer",
originando-se daí um "conflito patente entre esta cultura das elites
metropolitanas e a cultura política da nossa enorme massa rural, que é
quase toda a Nação" (I.P.B. p. 35). A nossa história é reavaliada"por
ele em termos desta dicotomia: "É porque, no fim de tudo, a nossa
história política pode bem ser definida como a história das evoluções
de um povo em torno de uma Ficção" (id. p. 26), sendo esta "ficção"
os ideais do constitucionalismo liberal-democrático. Para ele, o Manifesto
Republicano de 1870, fora "sonhador e romântico", com "preocupação
americanizante" e a Constituição de 1891 e a República, um "barracão
federativo" (I.I.R. p. 74 e 79). E como vimos anteriormente que ele
excluía expressamente do conjunto das elites aquela minoria "diminutís-
sima" dos políticos conservadores - cuja expressão máxima inspira-
dora e modeladora seria Pedro II - concluímos que as elites que eram,
de fato, alvo da crítica de Vianna eram as liberais e, por detrás delas, o

40 R.C.P. 2/74
que visava era a crítica ao Estado Liberal. 7 Procura então mostrar
que, se na Europa e nos Estados Unidos, o Estado Liberal resultara
de uma "evolução natural" - dentro de "estágios" históricos por ele
denominados, seqüencialmente, de "Estado-Aldeia", "Estado-Império" e
"Estado-Nação" - no Brasil aquela linha evolutiva não fora, por in-
junções históricas, obedecida e, faltando-nos a etapa democrática do
"Estado-Aldeia", já havíamos iniciado nossa existência sob o "Estado-
Império", de nenhuma base democrática, mas antes autoritário e ceza-
rista. A revolução liberal democrática na Europa, teria, assim, cabi-
mento e sentido, o que não aconteceria conosco. E, não obstante ter
aludido, em Populações meridionaes do Brasil, a uma nobreza européia
"feudal, extorsiva e compressora", aqui assinala que mesmo a Idade Mé-
dia teria tido sua base democrática: "O regime feudal caracterizava-se
pela organização democrática da população dos domínios, embora a sua
aparência de monarquia" (I.P.B. p. 347). Oliveira Vianna nos dava
ainda em seus dias, nos anos 20, como sob o "Estado-Império" e não
via como o Liberalismo e o Estado Liberal poderiam nos conduzir à
meta superior do "Estado-Nação". Dizia: "Os pressupostos funcionais
de uma estrutura democrática moderna, de tipo Estado-Nação (de base
democrática), há de ter o seu assento principalmente num complexo

7 Parece-nos, no entanto, que esta dicotomia, que é um dos eixos do pensamento


político e sociológico de Vianna, assenta-se em bases precárias. Em primeiro
lugar, devemos assinalar aqui que a sua crítica ao direito público das "elites
alienadas" referia-se somente ao direito constitucional democrático-liberal, ao
direito político e não, por exemplo, ao direito penal, encarregado da repressão
social e da manutenção da ordem pública; também as instituições de direito pri-
vado - as relativas à propriedade dos meios de produção, aos contratos etc. -
estavam excluídas de sua crítica e eram consideradas por ele como justas, pró-
prias e adequadas à nossa realidade social. Em segundo lugar, pensamos que
não teria ocorrido esta contradição absoluta, tal como ele exprime, entre "elites
cosmopolitas liberais" e o "povo-massa" dos latifúndios sertanejos. Supomos que,
ao contrário, ambos se complementariam, tendo, afinal, o nosso liberalismo, de base
f'ocial escravagista, servido, de fato, aos interesses mais fundamentais dos clãs lati-
fundiários. Nosso liberalismo teria sido, antes, um instrumento de ambos os
"brasis" - o "legal" e o "real"; tanto assim que conservadores e liberais se
intercambiavam no Poder sem qualquer abalo institucional e, constantemente, um
deles realizava as medidas preconizadas pelo outro e ambos se beneficiavam de
uma legislação comum, partisse de que lado fosse. A própria Abolição e a Repú-
blica, até certo ponto, teriam resultado de uma transação entre liberais, conserva-
dores e republicanos (estes como uma facção "radical" dos liberais), o que po-
deria explicar a extensão da liderança de ex-monarquistas dentro da "República dos
conselheiros". O próprio Vianna em dado momento parece ter antevisto tal coisa:
veja-se Evolução do povo brasileiro. p. 304. Da mesma forma, o transplante ideoló-
gico, que Vianna interpretava como um "equívoco", um "erro", uma "ingenui-
dade" ou uma "ilusão" de nossas elites universitárias e cosmopolitas, a "copiarem"
modelos institucionais europeus ou norte-americanos sem maiores preocupações
com a nossa realidade sociopolítica, parece-nos colocado de forma incorreta ou
pelo menos incompleta por ele. Não atenta jamais para a nossa "situação colonial"
como o fator talvez determinante deste mimetismo ideológico. A colônia, ou a
"situação colonial" ou "dependente", por sua própria razão de ser vai encontrar
a sua "essência", a sua "realidade" determinadas fora de si - por isso que é um
"instrumento", um ser-para-outrem, no caso, para a metrópole ou para os centros
hegemônicos mundiais (ver nota n.o 30).

Pensamento político brasileiro 41


cultural, que deve ser anterior e preliminar à instituição deste tipo de
Estado: e que é a capacidade de cada cidadão para subordinar, ou mes-
mo sacrificar, os seus egoísmos naturais e os seus interesses pessoais
(de indivíduo, de família ou de clã) aos interesses gerais ou coletivos
dos grupos ou comunidades maiores a que ele pertence (aldeia, comuna,
província, Nação). Sem esta base preliminar, é certo que a estrutura
democrática ... degenera e se corrompe" (I. P. B. p. 200). Para a con-
secução de tal objetivo ele reclama uma "consciência institucional de
Nação", que nos faltaria. Impunha-se, em conseqüência, a "necessidade
de uma mística nacional": "Não temos nenhuma mística incorporada ao
povo; portanto, não tem o nosso povo. .. a consciência clara de nenhum
objetivo nacional a realizar ou a defender, de nenhuma grande tra-
dição a manter, de nenhum ideal coletivo, de que o Estado seja o órgão
necessário à sua realização" (I. P . B. p. 377 e 382). Alguns anos mais
tarde, esclarecerá, em outro livro: "No fundo, esta mística se resumiria
em restaurar, dentro do regime republicano, o grande programa lega-
lizador e nacionalizador dos estadistas de tipo autoritário do Período
Imperial" (P. O. P. D. p. 134).8 Oliveira Vianna preocupa-se, agora, em
mostrar que não estávamos "preparados" para a Democracia, baseado no
fato de que toda a nossa tradição histórica, desde os tempos coloniais,
devido em parte às condições do meio e em parte ao tipo de exploração

8 O cerne do pensamento político de Vianna, ao que nos parece, pode estar con-
tido na maneira como colocou, aqui, a "tarefa histórica" de sua geração: acei-
tando-se sua "seqüência" evolutiva Estado-Aldeia/Estado-Império/Estado-Nação, a
sua "meta" ideológica seria a de transformar o Brasil, fazer "passá-lo" de um
"Estado-Império" para um "Estado-Nação" e daí, certamente, a natureza de seu
criticismo nacionalista. Talvez que o seu nacionalismo autoritário e antiliberal
possa ser enquadrado em um tipo aproximado de "revolução burguesa retardada",
"bismarckiana", cujo agente principal seria aqui a nossa burguesia agrária vital-
mente interessada em "modernizar-se". Este projeto de modernização, por sua vez,
"apresentado" por Vianna ao nível institucional, deverá ser analisado in concreto,
isto é, como um projeto de modernização capitalista, envolvendo, ao nível da infra-
estrutura, a unificação de nosso mercado interno, com o que se se visaria o seu
desenvolvimento, a implantação de indústrias de "ponta" etc. Aliás, ao iniciar-se
este processo histórico entre nós, Tobias Barreto, já em 1877 (op.cit.), afirmava:
"Desconfio que o nosso Libertas quae sera tamen ... será de todo inútil. O Brasil
já faz a impressão de um menino de cabelos brancos." Esta "revolução burguesa
retardada" é que colocaria na ordem do dia a necessidade de uma "mística" para
o povo e de "educação" para as elites e a "revolução controlada" revelaria a
necessidade do autoritarismo. As requisições de uma maior e crescente participação
direta das "classes inferiores" no processo político, talvez facilitada ou possibilitada
pelo democratismo-liberal em seu projeto de "sociedade aberta" - seriam, em
conseqüência, rotuladas de "demagógicas", "popularescas" e "utópicas". A revolução
deveria ser realizada a partir de posições dentro do Poder e, portanto, se impunha
o remanejamento e a rearticulação da estrutura institucional estatal. Daí, certa-
mente, a busca de um "modelo", que Vianna acabou encontrando no corporativismo
administrativo. Um paralelo bem sucedido seria possível, a nosso ver, entre o "mo-
delo" ideológico de Vianna e aquele dos "jovens turcos" e do kemalismo, os quais
realizaram, de uma só vez, na Turquia dos anos 10 e 20, o que no Brasil cor-
respondeu ao nosso 15 de novembro de 1889, ao "tenentismo". à Revolução de
1930 e ao Estado Novo - um projeto de modernização "à ocidental" no capita-
lismo periférico.

42 R.C.P. 2/74
socioeconoInlca aqui implantada - a grande propriedade rural lati-
fundiária - era antes do tipo de um "semi-autoritarismo difuso" e que
assim estávamos "destinados" ao autoritarismo, sendo esta a nossa "rea-
lidade" da qual não caberia fugir (P. M. B. p. 326). Dizia: "Nós somos
o latifúndio" e este seria "o grande medalhador da sociedade e do tem-
peramento nacionaL.. escola de educação da classe no sentimento do
orgulho e no culto da independência moral" (id. p. 41, 48). Acrescen-
tava: "No seio das nossas populações rurais, o potentado fazendeiro
substitui os 'burgos', os 'castelos', as 'cidades fortificadas' do mundo
europeu ... Com sua omnímoda capacidade produtora, o grande domínio
impede a emersão, nos campos, de uma poderosa burguesia comercial,
capaz de contrabalançar a hegemonia natural dos grandes feudatários
territoriais. .. Igualmente, essa mesma capacidade poliforme de pro-
dução das fazendas não permite a formação nas zonas dos grandes
domínios agrícolas, de uma classe industrial" (P .M.B. p. 134, 135,
288). Insiste: "O ideal democrático é, destarte... uma pura cria-
ção das nossas elites dirigentes" (L P. B. p. 370). Explica o ceza-
rismo: "O cezarismo entre nós, sobre ser frustrâneo e efêmero, tem
sido comedido e benévolo; parece mesmo timbrar em complacências
liberais" (P. M. B. p. 328). "Toda a nossa história é a história de um
povo agrícola, é a história de uma sociedade de lavradores e pastores"
(E. P . B. p. 49) e somente o autoritarismo, o poder pessoal e o paterna-
lismo teriam as "fontes de sua vitalidade na subconsciência da naciona-
lidade" (P. M. B. p. 340). O "espírito de clã" seria, para ele, de fato,
a "alma" de "toda a nossa sociedade", de "alto a baixo" (L L R. p. 90).
O clã fazendeiro seria o "centro dinâmico de toda a nossa história e
nos dá a chave principal da sua interpretação" (E. P . B. p. 74). Con-
clui: "Nós, na verdade, nunca tivemos governo praticamente democrá-
tico .. , O nosso povo-massa ... realmente nunca governou: sempre re-
cebeu de cima, do alto ... a lei, o regulamento, o código, a ordem admi-
nistrativa, a cédula eleitoral, a chapa partidária" (1.P.B. v. 2, p. 211).

3. Estado Nacional, Estado Moderno, Estado Democrático, Estado


Autoritário e Estado Corporativo

Em 1925, Oliveira Vianna assim descrevia o clima político sob o qual


vivíamos: "O presente regime não deu satisfação às nossas aspirações
democráticas e liberais: nenhuma delas conseguiu ter realidade dentre:.
da organização política vigente. Estamos todos descrentes dela; todos
sentimos que precisamos sair dela para outra coisa, para uma nova
forma de governo. Esta nova forma de governo, entretanto, ninguém
ainda pode dizer ao certo qual deva ser. Não há nenhuma aspiração
definitivamente cristalizada na consciência das massas. Nenhum nódulo
novo de crença se formou ainda no espírito das nossas elites em torno
de um princípio qualquer. Há, sem dúvida, várias tendências de gravi-
tação em torno desse ou daquele ponto; mas, ainda assim vagamente,
i.ndistintamente, de forma imprecisa e indeterminada. .. tendo perdido

Pensamento político brasileiro 43


a fé no regime vigente, mas não tendo elaborado ainda uma nova fé,
estamos atravessando uma destas 'épocas sem fisionomia', de que falava
Timandro, parda, informe, indecisa - de atonia" (O.!. p. 98). A bem
dizer, a crise "moderna" brasileira, para ele, se desencadeara com a Abo-
lição: "Daí em diante, depois da abolição do trabalho servil em 88, o
nosso povo entra numa fase de desorganização profunda e geral, sem
paralelo em toda a sua história. Todas as diretrizes da nossa evolução
coletiva se acham, desde essa data, completamente quebradas e desvia-
das" (P.M.B. Prefácio, p. IX). Sua crítica à I República foi permanente
e aí englobava tanto as elites "situacionistas" quanto "oposicionistas":
seríamos "uma democracia inconsciente de si mesma, absenteísta, indi-
ferente, completamente alheia à vida administrativa e política do país"
(P.E.P.S. p. 60), uma "democracia singular". Nossos dirigentes "cons-
piradores em temor de inconfidências" (id. p. 61) "trabalham sem o
menor contacto com o povo, com as classes ... isolam-se ... excluem-se"
(P . P. O. p. 175). Os republicanos, ao contrário dos monarquistas, bus-
cavam a "integridade da nação pela fragmentação do poder" e para ele
não teria sido senão a "ação benéfica" dos ex-monarquistas, na Repú-
blica, que permitira a "substituição das velhas instituições pelas novas"
sem "grandes atritos nem contrachoques" (E.P.B. p. 314-23). En-
quanto "os estadistas da colônia eram incomparáveis construtores da
ordem, os da República são apenas destruidores da desordem" (P.E.P.S.
p. 178). Apenas no "progresso material" ele julgava a República su-
perior ao Império (E.P.B. p. 347). Em 1930, perguntava-se: "O desen-
contro das opiniões é geral. Há tendências parlamentaristas muito acen-
tuadas em certos grupos. Há vagas aspirações centralizadoras e unitá-
rias. Há veleidades mesmo de uma descentralização maior, principal-
mente entre as elites dos Estados mais progressistas. Sobre certos pontos
chega haver quase o uníssono das unanimidades - como sobre a unifi-
cação da justiça, tornando-a privativamente federal. Qual será então a
tendência, o sentido real, nacional da revisão?" (P.P.O. p. 52). Já ao
iniciar-se a década de 20 Oliveira Vianna procurava estruturar o seu
conceito de Estado Nacional a partir de uma posição de força e de
hegemonia do Poder Central sobre o conjunto do país e da nação. Um
Executivo Federal sem contrastes, um governo "forte" e intervencionista
- eis o Estado Nacional. E, em suas incursões históricas retrospectivas,
afirmava que se chegáramos ao ponto em que estávamos, mantida a
nossa unidade territorial e institucional, isto era devido à preeminên-
cia que o Poder Central sempre exercera sobre o Poder local; que o
Estado sempre exercera sobre a Nação; da prevalência do princípio da
autoridade sobre o princípio da liberdade, 9 resultado da liderança mino-

9 Ainda aqui Tobias Barreto (op. cit.) já afirmara: "Entre nós, o que há de
organizado, é o Estado, não é a Nação; é o governo, é a administração, por seus
altos funcionários na Corte, por seus sub-rogados nas províncias, por seus ÍIÚimos
caudatários nos municípios; não é o povo, o qual permanece amorfo e dissolvido,
sem outro liame entre si, a não ser a comunhão da língua, dos maus costumes
e do servilismo."

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ritária, mas atuante e pertinaz, de nossos políticos conservadores que
haviam resistido aos "delírios do teorismo democrático" de nossos li-
berais. Oliveira Vianna procurava mesmo mostrar uma espécie de con-
tinuum de fortalecimento histórico do Poder Central entre nós que se
iniciara, sobretudo, com o arrocho do poder metropolitano português
sobre a colônia, com a mineração, e continuando pelo poder imperial,
até a Abolição e a República. No Brasil, o Poder Central exercia, de fato,
funções diversas daquelas que exercia na Europa: "Por outro lado, o
poder central, o grande inimigo das liberdades locais e individuais nos
povos europeus, exerce aqui uma função inteiramente oposta. Ao invés
de atacá-las, é ele quem defende essas mesmas liberdades contra os cau-
dilhos territoriais, que as agridem" (P.M.B. p. 323). Prossegue: "Entre
nós, o poder central desempenha, ao contrário, uma função equivalente
à da realeza no continente europeu, quando se alia ao povo, para deso-
primi-Io da compressão da nobreza feudal" (id. p. 323). Mostrava que
em sociedades como a nossa "ainda dispersivas, fragmentárias, desu-
nidas, a questão principal da sua política nacional é uma questão de
integração, de unificação e de síntese" (id. p. 353). Estribava-se na
atualidade: "Porque o mundo moderno - para qualquer que seja o
lado que nos volvamos na Europa e fora dela - nos está mostrando que
só os que preservam a autoridade central é que têm razão em política"
(P.O.P.D. p. 134). Pouco depois de 1930 - ano que ele antevira como
uma "encruzilhada" (P.P.O. p.82) - atendendo a um pedido de Jua-
rez Távora no sentido de que ele elaborasse um programa político,
Oliveira Vianna fixara: "3.0 - quanto ao regime federativo, a reforma
deve visar: a) uma restrição de sua latitude, em defesa da unidade
nacional; b) uma diminuição dos poderes dos Estados e o conseqüente
fortalecimento do Poder Central. No Brasil, governar é vencer a dis-
persividade desagregadora" (O. V. p. 182). Ao objetivo de um Poder
Central hegemônico, ele acrescentava o do Estado como agente e fator
de promoção do seu projeto nacional: "Realizar pela ação racional do
Estado o milagre de dar a essa nacionalidade em formação uma sub-
consciência jurídica, criando-lhe a medula da legalidade, os instintos
viscerais de obediência à autoridade e à lei, aquilo que Ihering chama
'o poder moral da idéia do Estado' - eis o nosso segundo objetivo"
(P .M.B. p. 354). Prosseguia: "Problema como se vê, de estruturação
e ossificação da nacionalidade: trata-se de dar ao nosso agregado na-
cional, massa, forma, fibra, nervo, ossatura, caráter... Problema, por-
tanto, cuja solução só seria possível pela ação consciente da força orga-
nizada. Quer dizer: pela instituição de um Estado centralizado, com
um governo nacional poderoso, dominador, unitário, incontrastável, pro-
vido de capacidades bastantes para realizar, na sua plenitude, os seus
• dois grandes objetivos capitais: a consolidação da nacionalidade e a
organização da sua ordem legal" (P. M. B. p. 354). Dizia que "os gran-
des construtores políticos da nossa nacionalidade" haviam procurado
sempre "consolidar e organizar a nação por meio do fortalecimento sis-
temático da autoridade nacional", enquanto que os nossos "apóstolos do
liberalismo" haviam-nos dado, ao contrário "o municipalismo, o fede-

Pensamento político brasileiro 45


ralismo, a democracia" (P. M. B. p. 237). Reclamava um Estado "como
órgão supremo de uma grande missão nacional" (id. p. 315), uma vez
que não tínhamos "o sentimento da hierarquia e da autoridade ... o
respeito subconsciente da lei": assim, "a consciência do poder público"
funcionaria como uma "força de utilidade social" (P. P . O. p. 41). Por
volta ainda de 1930 chamava a atenção para o que se passava então
no mundo, onde os "povos organizados", as grandes potências, coloca-
vam o interesse da Nação acima de tudo, eram nacionalistas, ao passo
que os "povos em formação", "atrasados", eram um "acampamento de-
sorganizado", acrescentando que "muitas vezes acontece que um gover-
no não liberal nem democrático poder ser, não obstante, muito mais
favorável ao progresso de um povo na direção daqueles dois objetivos",
isto é, no rumo da Civilização e da Nacionalidade (P. P . O. p. 93, 97).
Afirmava: "Há lugar aqui para este raciocínio: o sentimento nacional
forte gera a subordinação do indivíduo ou do grupo; esta subordinação
gera a obediência ao Estado; a obediência ao Estado gera a força, a
grandeza, o domínio" (P. P. O. p. 99, 100) e mais tarde explicaria:
"O postulado da preeminência do princípio da autoridade sobre o prin-
cípio da liberdade, que tem sido o leit-motiv de toda a minha obra de
doutrina política, e o sentimento, que me domina, da missão transcen-
dente do Estado em nossa nacionalidade não me vieram através de
teorias estranhas; vieram-me, sim, da observação direta do nosso povo"
(P.O.P.D. p. 129). E repetindo Alberto Torres: "O Brasil carece de
um governo consciente e forte, seguro dos seus fins, dono da sua von-
tade, enérgico e sem contraste" (P. P. O. p. 113). Procurava mesmo
demonstrar que a "aspiração de um governo forte" entre nós era
um atributo de nossa própria personalidade histórica, uma "cons-
tante", um "instinto nacional" do povo, não obstante isto permanecer
como um "vago pressentimento coletivo", "indefinido" etc. (P. E. P . S.
p. 121). O Estado Nacional "neutralizaria" ou "reduziria ao mínimo pos-
sível" a "ação nociva das toxinas do espírito de clã no nosso organismo
político-administrativo", pondo fim à "democracia de coronéis" (I. I. R.
p. 94). Somente quando o nosso país estivesse socialmente unido, geo-
gráfica e territorialmente interligado e administrativamente integrado -
resultado do esforço de um Estado Nacional e Autoritário - afirmaria-
mo-nos perante o mundo. Enquanto não houvesse "circulação" entre
todas as regiões do país, coesão entre todas as nossas classes sociais e
unidade nacional, seríamos um povo "atrasado", incapaz de completar a
sua formação" (E. P . B. ). A "circulação" a que se refere implicaria
objetivamente um programa administrativo de vias de transporte e de
comunicação, tais como ferrovias, rodovias, radiofonia, telegrafia etc.
O "progresso material" seria, assim, condição de nossa unidade nacio-
nal: "Não é possível nenhuma organização central forte num país de
base física vasta, de baixa densidade demográfica e de circulação rudi-
mentar" (E. P . B. p. 332, 333). Reclamava ainda programas de "coloni-
zação intensiva e sistemática", e enunciava sua fórmula: "um maximum
de base física + um maximum de circulação = um maximum de

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unidade política" (id. p. 246).10 Vaticinava em 1923: "Tudo parece, pois,
assegurar ao poder central, no futuro, sobre as forças centrífugas do
provincialismo e do localismo, o triunfo definitivo" (E. P . B. p. 349).
Em O idealismo da Constituição (2. ed. 1927), Oliveira Vianna começa,
a nosso ver, a esboçar e precisar com maior nitidez o seu modelo de
regime político e de Estado Moderno. O objetivo deste livro parece estar,
sobretudo, voltado para a crítica dos programas liberais da Aliança Li-
bertadora, de Assis Brasil, do Partido Democrático de São Paulo e das
agitações "tenentistas", aos quais ele se opunha tenazmente. Também
como Francisco Campos, Vianna se opôs a estes movimentos na década
de 20, para aderir posteriormente, nos anos 30, às correntes de idéias
deles resultantes. Francisco Campos um pouco antes, pois que aderiu à
Revolução de Outubro, que ajudou a tramar; Vianna somente em 1939
reconheceria o vínculo entre as "agitações" da década de 20 e todo o
período de transformações que se abriu com a Revolução de 30
(D.T.D.S. p. 63). Em 1927, postulava: "Ora, o grande problema está
em fazer evoluir a nossa democracia, desta sua condição atual, para
uma democracia de opinião organizada ... No Brasil, o problema fun-
10 Mas em ponto algum de sua extensa obra (da mesma forma, aliás, que Fran-
cisco Campos), Vianna enfatiza especialmente a necessidade de industrialização
de nosso país como condição para seu processo civilizatório e de afirmação na-
cional. Refere-se à urbanização crescente e parece, talvez, considerar mais esta
do que a industrialização - a que também alude, ocasionalmente - como fator de
transformação social. Fica-nos a impressão que, de fato, Vianna sempre encarou a
ambas - urbanização e industrialização - como uma "fatalidade dos tempos", às
quais não se poderia fugir, mas ambas, efetivamente, portadoras de problemas e
complicações. Quando ele fala em Estado Moderno - como se verá à frente -
parece sempre aludir mais à modernização institucional - à organização das classes
sociais, ao aprimoramento da burocracia estatal etc. - ou seja, ao Estado Cor-
porativo, à "Democracia" Social e não, expressamente, à industrialização do País.
Deste modo, nacionalismo, autoritarismo e modernização institucional realmente
constituem o núcleo de seu pensamento político, mas é preciso estar atento ao
significado destas coisas para Vianna. Nacionalismo referia-se à unidade nacional,
à prevalência dos interesses e dos objetivos da Nação, da coletividade como um
todo, in abstrato, sobre os interesses regionalistas, localistas, particularistas e indi-
vidualistas e nada tinha a ver propriamente com o nacionalismo econômico. Em
1931, no já citado programa elaborado a pedido de Juarez Távora, Vianna dissera:
"Não há como ser contrário ao capital estrangeiro. Convém, somente, estatuir um
sistema fiscal que evite a evasão para fora de nossas fronteiras, dos lucros levan-
tados" e em 1934, redigindo um programa para o Partido Economista, dizia: "O
Partido Economista, apesar de favorável à nacionalização do trabalho e do capital,
não se opõe ao capital estrangeiro e à imigração alienígena. Numa atitude de
equih'brio nacionalista, visa impedir somente o êxoto dos lucros conseguidos" (O.V.
p. 185). Nacionalismo referia-se, também, à "nacionalização das idéias" (seguindo
José Ingenieros), na perseguição do ideal de uma "nova cultura americana, própria,
nativa, genuína" - o culto da "brasilidade". Autoritarismo, como vimos, referia-se
à prevalência do "princípio da autoridade" sobre o "princípio da liberdade". A
modernização institucional referia-se sobretudo ao chamado "corporativismo admi-
nistrativo", ao intervencionismo eficiente da burocracia estatal na vida nacional, à
composição das classes sociais dentro da estrutura do Poder, à articulação delas
dentro de um "projeto nacional" etc. Oliveira Vianna, assim, da mesma forma
que Francisco Campos, "antecipou" nos anos 20 todo o posterior desenvolvimento
político da década de 30, pelo que constituem, ambos, a nosso ver, ideólogos
exponenciais do Brasil contemporâneo.

Pensamento político brasileiro 47


damental da organização democrática não pode ser este, não pode ser
o mesmo da América e da Europa. O nosso problema político fundamen-
tal não é o problema do voto - e sim o problema da organização
da opinião ... Há cem anos, não têm feito outra coisa senão organizar
o voto, preparar o voto e... corromper o voto" (I. C. p. 13, 14, 15 e
8t». A organização da opinião pública, condição fundamental para a
Democracia em nosso país, estava na dependência da organização de
nossas classes sociais. Assim ele colocava a questão: "Não há nenhuma
classe entre nós realmente organizada, exceto a classe armada. Essas
grandes classes populares - que são os órgãos principais da elaboração
da opinião britânica - não têm aqui organização alguma, ou têm uma
organização rudimentar, sem eficiência apreciável sobre os órgãos do
poder, dada a enorme dispersão demográfica do país: e são a classe
agrícola, a classe industrial, a classe comercial, a classe operária. Todas
essas classes vivem em estado de semiconsciência dos seus próprios
direitos e dos seus próprios interesses, e de absoluta inconsciência da
sua própria força. São classes dissociadas, de tipo amorfo e inorgânico ...
sem qualquer influência direta sobre os órgãos do poder. Não existe
o sentimento do interesse coletivo." Concluía: "O dia em que cada uma
dessas classes tiver aprendido a arregimentar-se para a sua própria
defesa; o dia em que cada uma adquirir a viva consciência da solida-
riedade dos seus interesses gerais; o dia em que em cada localidade do
Brasil houver uma associação agrícola, uma associação comercial, uma
associação industrial, e em que todos esses pequenos nódulos de soli-
dariedade profissional se aco1chetarem, se sindicalizarem, se congrega-
rem em vastas Federações Estaduais ou Nacionais; neste dia teremos
preparado a matéria-prima dos verdadeiros partidos políticos." E vati-
cinava: "Se esta solidariedade puder um dia ser conseguida, poderemos
esperar tranqüilos o advento da Democracia no Brasil. Mas direi tam-
bém que, se não for possível realizar esta solidariedade, é preciso que
renunciemos então à esperança de assistirmos o advento da Demo-
cracia no Brasil. Porque a pedra de toque da possibilidade do governo
do povo pelo povo em nosso país ... está nisto: na capacidade das nossas
classes produtoras de organizarem-se economicamente." A alternativa:
"Sem isto, o melhor é contentarmo-nos com o que está: com o governo
do povo por oligarquias broncas" (I. C. p. 48, 115, 117). Oliveira Vianna
pedia uma "Democracia sem o voto", uma "Democracia das classes pro-
dutoras": "Democracia é isto. Como se vê, ela pode perfeitamente rea-
lizar-se sem eleições e mesmo sem eleitores. Eleição e eleitores não são
coisas principais numa democracia; são meios para atingir o fim - e
não são nem o meio único, nem o melhor dos meios" (I. C. p. 90).
Em 1926 o Comércio e a Indústria do Rio e de São Paulo conferenciam
com o Presidente da República. Oliveira Vianna assim se manifesta:
"Este movimento das classes industriais e comerciais não parece ter
sido considerado na sua verdadeira significação; mas para mim, ele
abre uma fase nova na vida da nossa rudimentar democracia, assinala
o começo de uma profunda transformação dos nossos costumes políticos.
Eu vejo nele o primeiro passo para a constituição, com caráter perma-

48 R.C.P. 2/74
nente, junto ao Poder, dos órgãos consultivos das nossas classes eco-
nômicas" (id. p. 104). Ele correlacionava a ascenção política das classes
produtoras ao Poder à decadência dos Parlamentos, reclamando, assim,
a substituição da representação parlamentar pela representação técnica,
das "elites políticas" pelas "elites técnicas": "Esta decadência dos par-
lamentos e a crescente importância das delegações de classes nos con-
selhos do governo têm a sua explicação na própria estrutura das so-
ciedades modernas. O advento da grande indústria, os modernos pro-
cessos de negócios, as grandes concentrações comerciais, a crescente
industrialização do trabalho agrícola etc. deram aos interesses econô-
micos, que são os interesses vitais da sociedade, uma complexidade tal
de organização e de técnica que eles se tornaram, por isso mesmo, logi-
camente fora do alcance das corporações puramente políticas" (I. C.
p. 107). Fala em "nova missão política" das "classes econômicas e so-
ciais" (id. p. 108). Em 1930, meses antes da Revolução, Oliveira Vianna
pedia a abolição do sistema de partidos políticos e uma "remodelação
geral das instituições", um "novo método de governo", uma "nova ordem
de coisas" (P. P . O. p. 156, 157). Define: "O que é capital para a demo-
cracia é a participação coletiva, a participação destas classes como tais
nos negócios públicos, na atividade dos governos, na determinação de
suas diretrizes administrativas e políticas" (P. P . O. p. 119). Alude à
imperiosidade da "obra de reforma, de construção, de organização", de
acordo com o "moderno idealismo pragmático" (id. p. 70, 82). 11 Citava,
em apoio, a experiência do mundo civilizado: "Hoje o problema do
governo dos povos é um problema de direção técnica - disse Henri
de J ouvenel. .. por toda a parte a competência técnica vai substituindo
a competência parlamentar... Temos que operar evolução análoga à
operada modernamente pelas democracias européias... É o que está
fazendo a Europa contemporânea... presentemente... distante em
relação à concepção da democracia, da velha noção meramente eleitoral
até há pouco dominante" (I. C. p. 155, 158, 161 e 179). Para compensar
a derrogação das "garantias políticas" - o sufrágio universal, o sis-
tema de partidos - ele pede a institucionalização de um sistema judi-
ciário garantidor dos "direitos civis": "Organização sólida e estável da
liberdade, principalmente da liberdade civil, por meio de uma organi-
zação sólida e estável da autoridade, principalmente da autoridade fe-
deral. .. Um Poder Executivo forte; ao lado dele, um Poder Judiciário
ainda mais forte - eis a fórmula." E concluía: "Ora, a verdade é que
é possível existir um regime de perfeita liberdade civil sem que o povo
tenha a menor parcela de liberdade política: e o governo do 'bom tirano'
é uma prova disto" (I. C. p. 62, 80). Oliveira Vianna culmina no elogio

11 Considerando que o julgamento de Vianna relativo ao nosso "povo-massa",


à "plebe", às "classes inferiores", como ele dizia era invariavelmente desfavorável
e levando-se em conta o seu elitismo manifesto (t€mas estes tratados adiante),
conclui-se que quando ele falava em participação efetiva e orgânica das classes
produtoras ou das classes sociais na estrutura do Poder, se referia, in concreto, às
classes dirigentes, ao patronato, essencialmente, pois que somente estas, para ele,
estavam em condições de tomar decisões e de governar o país.

Pensamento político brasileiro 49


ao Estado Corporativo, que procura vincular, doutrinariamente, ao pen-
samento social da Igreja Católica tal como consubstanciado nas Encí-
clicas Rerum Novarum e Quadragésimo Anno e também ao modelo de
intervencionismo estatal do N ew Deal rooseveltiano. Preocupa-se em
dissociar o corporativismo do fascismo: "Nem o sindicalismo, nem o cor-
porativismo são, aliás, instituições totalitárias; eles antecedem de muito
o advento dos regimes totalitários na Europa", dizendo que seria absur-
do "transferir para aqui a estrutura corporativa do Estado Fascista"
(P . O. P . D. p. 93, 108, 112). Completava: "N a verdade, não há um
modo único de fazer corporativismo - o modo totalitário: e todo equí-
voco está nisto. Há vários: entre eles, há dois que estão agora em luta:
o modo liberal - de tipo americano, de tipo inglês ou de tipo suíço,
e o modo totalitário - de tipo italiano ou de tipo alemão. Estes dois
últimos, sim irão desaparecer" (id. p. 114). O corporativismo para ele
referia-se sobretudo ao "método corporativo de administração pública"
(id. p. 65). Autarquias e institutos eram, assim, entes corporativos:
"Os antagonistas crioulos do corporativismo esquecem que estas orga-
nizações são formas do mais puro corporativismo moderno. E aí estão
as autarquias econômicas e administrativas. E aí estão a Ordem dos
Advogados e o Conselho dos Engenheiros. E aí estão os Tribunais do
Trabalho. E aí estão as instituições sindicais ... os Conselhos Técnicos ...
os Institutos do Sal e do Açúcar e do Alcool... concilia-se, assim, a
autonomia da vida econômica do povo com a unidade da sua direção,
isto é, com a política econômica da Nação" (id. p. 59, 95). As ativi-
dades de planejamento estariam, da mesma forma, compreendidas no
corporativismo. A organização da economia contemporânea em "bases
corporativas" era, assim, um "fato inevitável", independentemente do
regime político vigente (id. p. 91). Assinalava o início da implantação
do corporativismo entre nós na Revolução de 30: "Para mim. .. o pro-
cesso da nossa organização corporativa terá que ser realizado por etapas,
paulatinamente, começando pelos setores das produção ... (onde se) ...
imponha a necessidade de um regime de planejamento, de contingenta-
mento, de controle ou regulamentação" (id. p. 97). Mesmo depois de
1945 elogia a Constituição de 1937 e o Estado Novo: "Foi sábia a Cons-
tituição de 1937 quando optou pelo corporativismo de Estado" (id. p. 64).
O Estado Corporativo era o Estado Moderno, para Oliveira Vianna: "É
este o grande milagre do Estado Moderno, que o realiza utilizando a
nova técnica - das autarquias corporativas" (id. p. 59). Estado Na-
cional, Estado Autoritário, Estado Moderno e Estado Corporativo se
equivaliam para ele, seriam expressões da "nova sociedade de massas"
emergente no século XX e que ele buscava adaptar à realidade brasi-
leira: "Uma concepção do Estado brasileiro enquadrado dentro do
Brasil. Isto é, dentro da sua estrutura e da sua realidade social - den-
tro do Brasil como ele é, tal como o modelaram quatro séculos e meio
de história e de civilização" (I.P.B. v. 2, p. 95). Este Estado Moderno,
porém, "pela natureza mesma de seus objetivos ... exige, na composi-
ção dos seus quadros dirigentes, um tipo de homem e de cidadão fun-
damentalmente diferente - não só nas idéias, como principalmente, nos

50 R.C.P. 2/74
sentimentos - do homem e do cidadão do Estado Liberal". O Estado
Moderno implicaria uma "reação contra o individualismo", uma "gra-
vitação para o grupo". E não poderíamos escapar dele: "Daí - conde-
nados, como estamos, a nos ajustar às instituições solidaristas do Estado
Moderno - termos que constituir esta tradição e este espírito por ou-
tros meios que não os da história ... Uma e outra hão de ser obra da
política do Estado" porque prevaleceria entre nós, como de resto nos
demais povos de "origem colonial", uma mentalidade "antigrupalista",
o "insolidarismo social" dada a "fraqueza de nossa consciência coletiva".
A formação desta consciência coletiva seria realizada por um Estado
"forte", seja pela educação, seja pela coação, dentro de uma "polí-
tica nacional, racionalmente determinada, conscientemente deliberada"
(P.O.P.D. p. 175). O Estado Corporativo seria a expressão de nossa
"organização democrática", caracterizada pela "aproximação e penetra-
ção do povo-massa na administração pública" (id. p. 165) enquanto que
o "Estado soi-disent liberal-democrático - que o movimento revolucio-
nário de 30 destruiu - havia-se tornado. .. aqui, um sistema de go-
verno, cuja característica principal era justamente a ausência do povo"
(D.T.D.S. p. 91). Oliveira Vianna procura mostrar que o Estado Na-
cional, progressivamente implantado entre nós após a Revolução de 30
(ele planejara, aliás, um livro sobre a Revolução, que não chegou a
ser publicado) havia modernizado institucionalmente o país, citando,
aí, a Justiça Eleitoral, o Estatuto dos Funcionários Públicos, a Legis-
lação Social e Trabalhista e sugeria uma espécie de programa político
para esta modernização. Este consistiria, sobretudo, em: a) "subesti-
mação dos políticos", a fim de realizar a obra de "desintegração deste
complexo da política e dos partidos, que nos vem embaraçando a exis-
tência desde o Império"; b) "despartidarização dos Executivos", a fim
de "libertar o governo ou a administração nacional da influência destes
partidos locais, que nunca se puderam tornar nacionais"; c) numa des-
centralização administrativa do país, mas nunca política, pois que "a
descentralização política terá que resultar fatalmente em mandonismo,
em coronelismo, em regulismo, em satrapismo, em dissociacionismo, em
separatismo"; d) no sufrágio corporativo, ou classista e nunca no su-
frágio universal: "eu só concederia o direito de sufrágio ao cidadão
sindicalizado, ao homem do povo que fosse molécula de qualquer associa-
ção de interesse extrapessoal"; e) na garantia da "liberdade civil" do
povo-massa: "e o aspecto mais urgente deste problema é assegurar estas
liberdades contra o arbítrio das autoridades públicas - principalmente
as autoridades locais" (I.P.B. p. 198, 199, 202, 220, 228, e 231). Quanto
a este último item, já em 1931 propusera a "unificação e a federalização
da magistratura e da processualística", assim como a criação de uma
polícia de carreira "livre do partidarismo local" (O. V. p. 183).

3.1 É de se assinalar que, embora um crítico permanente daquilo que


ele chamava de "espírito de imitação" de nossas elites demoliberais, as
quais pretendiam, segundo ele, transplantar para aqui as instituições
políticas anglo-saxônicas, sem maiores atenções à nossa própria reali-

Pensamento político brasileiro 51


dade, Oliveira Vianna ao longo de toda a sua obra, mesmo na década
de 30 e durante o Estado Novo - período este em que, como vimos,
foi um colaborador de alto nível do Governo federal - teve afinal como
modelo ideal a ser atingido por nós, a democracia anglo-saxônica. Ao
mesmo tempo em que, como no prefácio a Populações meridionaes do
Brasil, de 1918, dizia, referindo-se àquelas elites, que elas por estarem
"sob o fascínio" do "grande movimento democrático da revolução fran-.
cesa", das "agitações parlamentares inglesas" e do "espírito liberal das
instituições que regem a república americana" haviam perdido "a noção
objetiva do Brasil real", criando assim para elas um "Brasil artificial
e peregrino, um Brasil de manifesto aduaneiro, made in Europe", ao
mesmo tempo assinalava que "só assim, no contato forçado com esses
grandes povos (os acima mencionados), que estão invadindo e senho-
reando o globo, poderemos, pelo reforço previdente das nossa linhas de
menor resistência, conservar intactas, no choque inevitável, a nossa per-
sonalidade e a nossa soberania" (P. M. B. p. X e XII). Permanentemente
Oliveira Vianna perseguirá, a uma só vez, um imediato modelo político-
institucional autóctone e um mediato modelo ideal de democracia anglo-
saxônica. Ao mesmo tempo em que critica com azedume e desprezo os
nossos políticos democrático-liberais de todos os tempos, elogia e enal-
tece, de modo idealizado e idílico, como o supra-sumo da perfeição, a
democracia republicana e federativa dos Estados Unidos e a parlamentar
da Inglaterra. O confronto entre a nossa inferioridade e a superiori-
dade dos anglo-saxões atravessa a sua obra de ponta a ponta. Autorita-
rismo, nacionalismo e modernização institucional - o cerne de seu
pensamento político e a matriz, afinal, de todo o pensamento político
brasileiro do período entre as duas guerras - não seriam, assim, senão
um meio e um caminho para se chegar, evolutivamente, ao padrão
democrático anglo-saxão. As instituições demoliberais anglo-saxônicas
serviam aqui de modelo, através de uma mediação ideológica, para a
implantação de um Estado Nacional, Autoritário, Elitista e Moderno.
Todo o seu extenso e permanente recurso às fontes históricas objeti-
vava demonstrar, afinal, que as instituições demoliberais eram especí-
ficas aos povos anglo-saxões, resultantes de condições próprias do meio,
da raça e da história deles, enquanto que conosco, também pelos mesmos
motivos, tais instituições seriam estranhas, impróprias e inadequadas.
Mas, por outro lado, não via outro futuro para nós fora daquele modelo
democrático. Para nós, no Brasil, dizia ele, "a adoção sistemática e cega
das instituições do liberalismo europeu importaria, como importou, segu-
ramente, no sacrifício inevitável desses dois princípios vitais: o prin-
cípio da autoridade - pela anarquia; e o da unidade nacional - pelo
separatismo" (P.M.B. p. 353). No prefácio aos Pequenos estudos de
psicologia social, de 1922, valendo-se de uma fábula de Kipling, concluía:
"Como os macacos de Kipling, imitamos: eles os homens; nós - os

52 R.C.P. 2/74
super-homens. Isto é, os que julgamos superiores a nós, os criadores,
os requintados, os progressivos, os que estão, lá do outro lado do mundo,
fazendo a civilização. . . O primeiro dever de um verdadeiro nacionalista
é nacionalizar as suas idéias - e o melhor caminho para fazê-lo é iden-
tificar-se, pela inteligência, com o seu meio e a sua gente" (p. 8-9) . Ainda
neste livro fala em nossa "obsessão coletiva de imitar em tudo os anglo-
saxões, até mesmo nas suas instituições políticas, que são integralmente
imitáveis". Imitaríamos tudo deles, menos o que "devíamos e podíamos",
isto é, "na devoção desinteressada à causa pública" (p. 58). Para ele, na
América e na Inglaterra havia uma "democracia real, vivaz, atuante
e culta", enquanto que no Brasil havia a "negação de tudo isto", resi-
dindo justamente aí a "singularidade" de nossa democracia (p. 60).12
Teríamos uma democracia "incipiente" face ao modelo a atingir de "to-
das as democracias do mundo" (p. 67). Nesta data - 1922 - previa
para dentro de 50 anos o "domínio do mundo" pelos anglo-saxões, dada
a "vüalidade agressiva" deles, a "capacidade formidável" que possuíam
para "a luta no campo econômico": "a verdade formidável é que a
chave do futuro está nas mãos daquele grupo de povos" (p. 115).
Recomendava por isso, no ensaio Nacionalismo e questão social, que
resolvêssemo~ a nossa questão social da mesma forma que "esses povos
fortes, vitais, dinâmicos, expansivos e práticos" (p. 116). Pouco mais
tarde, diria: "Ora, o grande problema está em fazer evoluir a nossa
democracia, desta sua condição atual, para uma democracia de opinião
organizada", mostrando como exemplo os Estados Unidos e a Inglaterra:
"Há uma coisa que sempre me maravilhou: o poder da opinião da In-
glaterra ... essa poderosa solidariedade de classes, esse espírito popular,
militante e infatigável. .. Compreende-se então porque há ali governos
devotados à causa pública, governos nacionais: governos patrióticos"
(L C. p. 15, 46, 59, 73). Enquanto que os nossos parlamentares inspi-
rar-se-iam "em si mesmos, na sua veneta, na sua fantasia, ou nos livros
que leram", os parlamentares ingleses "em toda essa atividade febril
que desenvolvem" inspiravam-se "exclusivamente na opinião inglesa"
(id. p. 76). Em 1930 alegava que "precisamos ter uma autonomia e
uma originalidade de pensamento, que nos capacitem criar, se possível.
um tipo de regime nosso - o tipo brasileiro - que possa figurar futu-
ramente nos tratados de direito público, "ao lado do tipo inglês, do tipo
francês, do tipo suíço, do tipo americano, com os mesmos direitos que
estes têm à crítica e à consideração dos publicistas" (P. P . O. p. 36).
De fato, segundo ele, para que tais "belos regimes" aqui pudessem fun-
cionar, nós haveríamos de "corrompê-los", "deformá-los", "abrasileiran-

12 Também no que se referia aos hispano-americanos o julgamento de Vianna era


sempre desfavorável, mais ainda do que no nosso paralelo com os anglo-saxões.
Refere-se seguidamente à "masorca platina", à "anarquia mexicana", à "turbulên-
cia", "animalidade" e "caudais de sangue", à "caudilhagem sanguinária" dos his-
pano-americanos (P.M.B. p. 327, 358 e 0.1. p. 102, 104).

Pensamento político brasileiro 53


do-os" (id. p. 43).13 Nos Estados Unidos ou na Inglaterra a democracia
era praticada "da maneira mais natural e espontânea do mundo, por
políticos notáveis ou por políticos medíocres, indiferentemente" (id.
p. 59). Oliveira Vianna traz aqui, ao debate, o exemplo do Haiti, país
"dominado" pelos norte-americanos e sustenta que este domínio era
justo e mesmo proveitoso para os haitianos: "Se este ponto de vista for
o do antigo idealismo da soberania do povo, o domínio americano é
injusto. Mas, se em vez desse sovado ponto de vista, tomarmos para
ponto de vista o do moderno idealismo pragmático, o domínio americano
é justíssimo (id. p. 70). Dizia que ao Haiti "livre e soberano", ao Haiti
do "voto secreto", talvez "representativo e liberal", havia sucedido o
Haiti "escravizado", governado "à maneira yankee", a qual havia "or-
ganizado" o país, criado uma justiça, uma administração pública, um
exército, as finanças, as escolas, organizando a produção econômica,
transformando assim o Haiti em um "dos países mais pacíficos e ordeiros
do mundo" (id. p. 69 e 75). E concluía que o confronto entre os dois
Haitis "é uma pungente ironia e que também é a mais bela lição que
o pragmatismo americano podia dar aos eternos idealistas da soberania
do povo e do princípio da self-determination" (id. p. 75). Quanto a nós,
afirmava: "Temos que operar evolução análoga à operada moderna-
mente pelas democracias européias" (id. p. 179), e também: "O Brasil
está destinado a ter uma cultura exclusivamente européia, dentro de
cem os duzentos anos" (I.P.B. v. 1, p. 142). Aludindo à experiência,
então mundial, dos conselhos técnicos como forma de governo, dizia:
"É este o verdadeiro caminho da democracia no Brasil" (P. P . O. p.
201). Assim, toda justificativa do Estado Corporativo e Moderno, para
nós, era feita com base na tendência universal contemporânea. O Cor-
porativismo seria a forma de Estado prevalecente entre os "povos civi-
lizados" e servia-nos também de modelo a seguir. Assinalava: "Para
nós, sul-americanos, esta evolução atual do mundo se traduz numa
fórmula precisa e justa. Esta: o pensamento de Hamilton contra o pen-
samento de Jefferson. Democracia nacional - e não democracia fede-
rativa" (P. O. P. D. p. 135). Desta forma, para Oliveira Vianna, a nossa

13 O "abrasileiramento" de regimes políticos "puros", para aqui transplantados


por "imitação", significava para ele uma "deformação". Vianna não conseguia fugir
à idealização idílica da liberal-democracia anglo-saxônica e européia, revelando
assim sua consciência implícita da situação semi colonial e dependente em que nos
encontrávamos. Mesmo neste trecho: "Não quero dizer que nas atividades polí-
ticas dos anglo-saxões não haja nunca motivações egoísticas... Não; estas moti-
vações índividuais existem sempre ali como em qualquer parte; mas, ali, estas
motivações aparecem associadas aos grandes interesses coletivos" (o grifo é dele)
(I. P. B. p. 359). Também Touchard nos esclarece "que, entre 1925 e 1930, floresceu
em certos círculos de homens de negócios um forte apreço pela civilização ameri-
cana, que por vezes é acompanhada pelo elogio da Itália fascista; confiança no
moderno, no pragmático, na racionalização dos métodos, na organização, na eficácia,
num misto de Henry Ford e de Mussolini, a que virá juntar-se um pouco mais
tarde ... o elogio de Roosevelt e do seu braín-trust" (História das idéias políticas.
vol. 7, p. 135). Vianna parece-nos muito envolvido neste tipo de ideologia.

54 R.C.P. 2/74
problemática sociopolítica estava afinal contida na teoria política norte-
americana. Também o tipo de liderança: "Os Estados Unidos e a In-
glaterra nos dão o exemplo magnífico dessa função primacial das elites
de verdade - do papel fundamental que uma sucessão de gerações
de homens realmente superiores pode exercer na marcha ascensional de
um povo ou na irradiação de um sistema de cultura ou de civilização"
(id. p. 170). Ele negava ambições imperialistas na América: "O que
é certo é que, na América, ou melhor, nas Américas... os grupos
nacionais se constituíram, cresceram, se desenvolveram e expandiram
libertos da ambição imperialista, fora destas tendências à agressão ou à
conquista, peculiares às matrizes originárias da sua cultura e civilização"
e a "fase" de expansionismo norte-americano - que ele reconhecia
existir - seria apenas "episódica", inautêntica, "imitações de atitudes
européias" (id. p. 23): "Porque o sentido da evolução e da expansão
dos povos americanos não é o da conquista ou da destruição e, sim, o
da solidariedade, da continentalidade, da universidade" (id. p. 24).

4. A "questão social": "a incorporação do trabalhador no Estado"

O pensamento de Oliveira Vianna concernente à então chamada "ques-


tão social" deverá, segundo sugerimos, ser encontrado sobretudo no
ensaio Nacionalismo e questão social (P. E. P . S. 1922), em Problemas
de direito corporativo, de 1938 e em Direito do trabalho e democracia
social - o problema da incorporação do trabalhador no Estado, publi-
cado em 1951, ano de sua morte. O tema, no entanto) está sempre
associado ao das raças, e é, por isso, de toda a sua obra. Em seu pri-
meiro livro, de 1920, ele já fixara para sempre a sua posição relativa-
mente às classes sociais e aos possíveis conflitos entre elas. Dizia, então:
"Na vida das fazendas nossa bondade natural adoça o trato dos escra-
vos. Estes são como membros da família e quase sempre ligados ao
fazendeiro por terna afetividade ... Nunca tivemos aristocracia de cas-
tas ou de classes... a nossa aristocracia tem sido aqui a aristocracia
natural da riqueza e da inteligência - a dos fazendeiros, nos campos;
a dos capitalistas, nas cidades; a dos doutores, por toda a parte. .. O
nosso despreocupado foreiro nada sabe de corvéias, nem de talhas; vive
livre; paga o seu foro; trabalha quando quer, e nada mais. O grande
senhor rural é o seu protetor, o seu amigo, o seu chefe admirado e
obedecido. Nunca o seu inimigo, o seu antagon.ista, o seu opressor ...
Para essa singular ausência de tiranos opressores e cruéis, para essa
inexistência de oligarquias egoísticas e espoliadoras, para essa carência
de conflitos de classes ou de raça, para essa paz, essa tranqüilidade,
essa moderação, que caracterizam a nossa história política ... para tudo
isso concorre. .. a índole do povo .. , no seu espírito inato de eqüidade,
justiça e moderação, na sua fina sensibilidade moral ... fator pura-

Pensamento político brasileiro 55


mente moral" (P. M. B. p. 322, 323 e 327). 14 Mostra a estrutura de
classes no Brasil-colônia: a família senhorial. os agregados e os escra-
vos. Mostrar como o grande domínio impedira por sua "omnímoda capa-
cidade produtora", a emergência de uma burguesia comercial e de uma
classe industrial entre nós (id. p. 65, 134, 135), assim como de uma
classe média (id. p. 143). Quanto a esta, diz: "Ora, só a vitalidade dos
pequenos domínios, da multiplicidade deles, da solidariedade entre eles,
resultaria a constituição, entre nós, de uma classe média forte, abastada,
independente, prestigiosa" (id. p. 148). Retratava a situação dos sem-
terra: "O homem que não tem terras, nem escravos, nem capangas,
nem fortuna, nem prestígio, sente-se aqui, praticamente, fora da lei.
Nada o ampara. Nenhuma instituição, nem nas leis, nem na sociedade,
nem na família, existe para a sua defesa... Essa função tutelar só a
exerce, e eficientemente, o fazendeiro local. .. o senhor de terras é o
patrono ideal do baixo povo" (P.M.B. p. 166, 167, 171) e através
desta função tutelar "o povo-massa aprendia algum princípio útil -
°
de interesse público, era valor da obediência à autoridade dos chefes
- traço, aliás, a que o nosso homem rural se tem até agora mantido
fiel" (I.P .B. v. 1, p. 353). Historicamente, "o homem do povo-massa
esteve sempre só e isolado diante do senhor de terra" (id. p. 348-9).
Nosso povo vivia, há 300 anos, em "ostracismo obrigatório", o que expli-
cava a "psicologia de nosso indiferentismo pela organização dos poderes

14 Como já mencionamos em nota anterior, parece-nos que Vianna, ao se referir


à boa índole de nosso povo não incluía neste, propriamente, as "classes inferiores".
É, afinal, a estas e aos políticos liberais que ele atribui, ao longo de nossa história,
tudo aquilo que de "desordem" e "maus instintos" ocorrera. Dizia: "Todos os
chamados movimentos de opinião, como todas as rebeldias imprevistas que aqui
se formam, exprimem e resumem sempre idéias e doutrinas estrangeiras, aspira-
ções e reclamos de outras raças, sem o menor lastro nas tradições nacionais, sem
o menor traço de realidade na consciência do povo" (P.M.B. p. 340). É perma-
nente, outrossim, a sua alusão aos furores apedrejantes da populaça" e às ex-
plosões da "ralé", assim como à "fúria subversiva" desta (id. p. 341 e 357). Escla-
rece: "O povo, nos seus elementos verdadeiramente representativos, não participa
dessas revoluções ... De modo que a minoria intelectual, que é quem protesta
e organiza a reação, não podendo apelar para o grosso da população, é obrigada
a apelar para a ralé, recorrendo à populaça dos motins" (id. p. 348). Comparando,
por exemplo, a família senhorial à família plebéia, Vianna conclui: "Esse senti-
mento de decoro pessoal é peculiar à alta classe agrícola. O baixo povo rural não
o possui" (id. p. 47). Este baixo povo rural é sempre visto como "turba", "miu-
çalha" , "ralé"; mas quando se refere à classe senhorial. o faz em termos de "dig-
nidade" "probidade", "respeitabilidade" e "hombridade" (id. p. 38, 87, 89, 90, 107).
Explica: "De fato, a posição do grande senhor de engenhos é. de si mesma, um
imperativo às atitudes dignas e respeitosas" (id. p. 47). Tratando das bandeiras, alu-
de à "pureza étnica" dos chefes; quanto à massa ali "militarmente enquadrada",
qualifica de "rebeldes orgânicos", "sangues inferiores", falando em "impulsão mór-
bida" e em "instintos pervertidos" da "escorralha de mestiços" (id. p. 101, 102 e
110). Mesmo na atualidade "depois da abolição, o grande agricultor não conta com
o operário rural. Este apenas consente em lavrar as terras da fazenda alguns
dias da semana, dois ou três. O resto do tempo é para o gozo da sua indolência
proverbial" (P.M.B. p. 138). Em 1933 refere-se à "plebe repululante dos Jecas
inumeráveis que puxam a enxada ou fazem trabalhos servis" (Raça e assimilação.
p. 168). Em 1949 alude ainda à "plebe", ao nosso "povo-massa" que seriam os
"jecas-inúteis", a "populaça incorente", a "patuléia" etc. (I.P.B. v. I, p. 320).

56 R.C.P. 2/74
públicos" (P .E.P .S. p. 74). Mas é no ensaio citado, NacionaLismo e
questão social, de 1922, que Oliveira Vianna aborda diretamente o
"problema trabalhista" (P. E. P . S. p. 112), antecipando as idéias e dire-
trizes que, posteriormente, na década de 30, procuraria pôr em prática,
na qualidade de técnico do Ministério do Trabalho. Ele se atribuía
mesmo a "preparação doutrinária" que levara o nosso poder público
a seguir as diretrizes que vieram a ser adotadas em nossa política social
e trabalhista (P.O.P.D. p. 42). Neste ensaio ele começa criticando a
maneira pela qual estávamos então procurando resolver a questão
social, isto é, orientando-nos pelo que nos diziam "os autores, ou de
acordo com o que se faz lá fora - na Europa" (P. E. P . S. p. 112),
logo esclarecendo, porém: "Não na robusta Europa do individualismo
anglo-saxônio, mas na tulmutuária Europa do bolchevismo russo ou do
coletivismo alemão" (id. p. 112). Fixa sua posição decididamente anti-
comunista: "Essas idéias comunistas, socialistas ou libertárias perten-
cem à categoria daquelas 'utopias retrógadas', de que falava o mestre
do nacionalismo entre nós (referindo a Alberto Torres) ... Esses revo-
lucionários querem restaurar uma idade de ouro, que já passou e de
que o homem, na sua evolução histórica, se vem libertando progressiva-
mente. Seria obrigar-nos a um retrocesso prodigioso a épocas que se
perdem nos longes mais obscuros do passado" (id. p. 113, 114). Então
Oliveira Vianna relaciona a solução da "questão social" entre nós, com
o nacionalismo, reclamando uma visão pragmática: "É o problema da
nossa atitude diante dessas raças varonis e individualistas que ... vão
dominar inteiramente a vida do globo e traçar às outras raças as dire-
trizes dos seus destinos (referindo-se aos anglo-saxões) ... Quer isto
dizer que a solução do problema trabalhista entre nós não poderá
deixar de ter - como premissa maior - a necessidade de preservar
a nossa personalidade nacional e as expressões práticas da nossa sobe-
rania nos conflitos de competências, étnicos, econômicos e políticos, que
vão agitar daqui por diante o cenário do mundo" (id. p. 114). Não
obstante, para a solução "nacional" da "questão social", ele começa
indagando como os "povos fortes" haviam feito: "Ora, esses povos for-
tes, dinâmicos, expansivos, como têm resolvido, como estão resolvendo,
como vão resolver os vários problemas constitutivos da 'questão social'?
Pelo socialismo? Não. Pelo comunismo? Não. Pelo anarquismo? Não.
Pelo sindicalismo? Sim. Pelo sindicalismo, praticado à maneira deles ...
sem preconceitos doutrinários, sem preocupações políticas, sem objetivos
revolucionários, sem impulsos destrutivos, contido exclusivamente den-
tro do campo profissional e visando objetivos práticos, de melhoria das
condições de vida do mundo trabalhador, pelo desenvolvimento do
bem-estar individual do operário e pelo desenvolvimento do espírito de
cooperação e solidariedade" (id. p. 116). Cita, em apoio La concentration
des forces ouvrieres dans l'Amérique du Nord, de Louis Vigouroux
e Le trade-unionisme en Angleterre, de Rousiers, assinalando a diferença
entre o sindicalismo ali exposto e o "sindicalismo doutrinário, radical,
dinamiteiro, subversivo das massas proletárias da França, da Itália, da
Espanha" (id. p. 117). Reclamava uma solução sindicalista à anglo-

Pensamento político brasileiro 57


saxônia entre nós, como forma de reação nacionalista ao expansionismo
anglo-saxão: "Qualquer outra orientação, que não esta nos irá colocar
numa situação de fraqueza e inferioridade. Diante dos padrões pelos
quais se modela atualmente a moderna civilização industrial, batido
um povo no campo econômico, este povo está praticamente batido no
campo político: a sua soberania será uma ficção a cobrir a realidade
substancial de um suseranato de fato" (id. p. 117). Indaga-se, então,
face a esta realidade, se teria cabimento adotar-se aqui o comunismo:
"O sovietismo, o maximalismo, o comunismo, com seu igualitarismo
e a mesquinhez dos seus objetivos econômicos, não nos levaria apenas
a uma situação de fraqueza irremediável; seria, sem dúvida, a nega-
ção integral de toda a nossa história. Esta é uma afirmação quadris-
secular de energia, de independência, de audácia, de ambição larga e
grande de domínio de riqueza" (id. p. 118). No Brasil, prossegue ele,
país "ainda por colonizar", "é realmente ridículo, atroz que estejamos
a debater a 'distribuição' da riqueza, quando os mais simples, os mais
elementares problemas relativos à 'produção' ainda não foram resolvi-
dos" (id. p. 117). E concluía: "Entre nós, uma república comunista
significaria, pelo menos, o status quo, a parada da nossa civilização, isto
é, o retrocesso, o nosso aniquilamento diante dos povos fortes e pro-
gressivos, que estão modelando o mundo à sua imagem" (id. p. 119).
Socialismo e comunismo, assim, para Oliveira Vianna, seriam verda-
deiros "crimes lesa-pátria" (id. p. 96). Pouco mais tarde dirá que "os
conflitos de classes, próprios às sociedades de alta organização indus-
trial, não tinham ainda razão de ser entre nós" (O. I. p. 25). Logo de-
pois defenderá a integração das classes produtoras na estrutura do
Estado, através dos Conselhos Técnicos - tema que desenvolveu até
chegar ao Estado Corporativo - aspiração esta que não mais abando-
nou até o final de seus dias. Por volta de 1927, dizia: "Ora, os 9/10
da nossa população rural são compostos - devido à nossa organização
econômica e à nossa legislação civil - de párias, sem terra, sem lar,
sem justiça e sem direitos, todos dependentes inteiramente dos grandes
senhores territoriais; de modo que - mesmo que tivessem consciência
dos seus direitos políticos (e, realmente, não têm ... ) e quisessem exer-
cê-los de um modo autônomo - não poderiam fazê-lo" (I. C. p. 65).
Problemas de direito corporativo, de 1938, é uma coletânea de artigos
publicados no Jornal do Comércio, onde ele procurava defender o
anteprojeto da comissão de técnicos do Ministério do Trabalho, que
tratava da organização da Justiça do Trabalho no país - e da qual
ele próprio fazia parte - da crítica que a ele dirigia o então Deputado
federal Waldemar Ferreira que, como relator da matéria na Câmara,
inquinara o anteprojeto de inconstitucional e de fascista. Oliveira
Vianna nega ambas as coisas. Para refutar a inconstitucionalidade, in-
voca a nova concepção do direito "nascida da crescente socialização da
vida jurídica, cujo centro de gravitação se vem deslocando sucessi-
vamente do Indivíduo para o Grupo e do Grupo para a Nação", pelo
que se opunha à "velha concepção individualista" e liberal do direito,
sob a qual, segundo ele, ainda se movimentaria o Prof. Waldemar

58 R.C.P. 2/74
Ferreira. Adotava uma "jurisprudência sociológica", o próprio "direito
vivo", a "Constituição viva", o "Direito Social" lembrando que o direito
corporativo havia provocado uma "renovação do conceito de Direito e
dos métodos de exegese jurídica" (P. D. C. p. 11). Esta nova "exegese
construtiva" operaria a adaptação do sistema constitucional à "estru-
tura político-administrativa" da "sociedade em evolução" (id. p. 13).
Cita, em apoio, os juristas norte-americanos da Corte Suprema ao tempo
do New Deal - Brandeis, Holmes, Cardozo, assim como Willougby e
Bryce (id. p. 12, 13, 14) e também Del Vecchio, assim como a Escola
Alemã de "Direito livre" (freiesrecht) e Carl Schmitt. Esclarece: "Só
assim seria possível o processo da transformação da lei ou da Consti-
tuição dentro da ordem, tornando. impossível o apelo à revolução"
(id. p. 23). Estribado nestas correntes jurídicas é que ele vai justificar
a concessão de funções normativas e legislativas aos Tribunais do Tra-
balho, o que constava no anteprojeto. Neste, aqueles Tribunais podiam
editar "normas gerais, reguladoras das condições de trabalho das coleti-
vidades econômicas subordinadas à sua jurisdição" (id. p. 33). Oliveira
Vianna procurava mostrar que a "moderna sociedade industrial" havia
criado "novas formas da vida jurídica contemporânea", oriundas dos
"fenômenos da economia socializada e dos conflitos coletivos do tra-
balho" (id. p. 36, 37), invocando como apoio a experiência universal
de países democráticos e totalitários. Seria mesmo uma característica
do Estado Moderno (id. p. 47) o "aumento da competência regulamen-
tar das autoridades administrativas", citando, aqui, o Estado-Iegisla-
dor, de Carl Schmitt (id. p. 48): "Chamando a si uma massa cada
vez mais extensa e volumosa de atribuições, principalmente depois do
advento dos regimes de economia controlada, dirigida ou planificada,
o Estado Moderno, impedido de exercê-las diretamente, como é óbvio,
está sendo forçado a lançar mão dos expedientes da administração fun-
cional ou por serviço, já de caráter nacional e não mais local e cuja
expressão mais elevada nos é dada pelas atuais organizações corpora-
tivas e totalitárias da Alemanha e da Itália" (id. p. 49). Mostra que a
"velha dogmática do Estado liberal democrático" não estava mais apa-
relhada para enfrentar as tendências "pragmáticas" do novo papel do
Estado Moderno (id. p. 52). Da mesma forma, não aceita a qualifica-
ção de fascista, desvinculando-se expressamente do "corporativismo
totalitário" - "corporativismo de Estado" - que seria próprio da Ale-
manha, da Itália, de Portugal e da Espanha (id. p. 52, 62). Procura,
antes, identificar-se com as "corporações administrativas" norte-ameri-
canas, tais como as agencies, os boards, as corporations e as commissions.
Cita Roscoe Pound, que dizia que nos períodos socialmente "contur-
bados", de "desequilíbrios e desajustamentos profundos", a "solução
• jurisdicional dos conflitos suscitados" teria que ser realizada "por pro-
cessos fora dos ritos rígidos e complexos dos tribunais de direito co-
mum", o que se lograria pela superação do "formalismo" etc. (id. p. 57).
No mesmo livro, em outro ensaio, volta a esclarecer que não se tra-
tava, no apelo ao poder normativo para os Tribunais do Trabalho, de
"preocupações corporativas ou fascistas", mas sim que era a "lição"

Pensamento político brasileiro 59


das "nações do grupo anglo-saxônio", à frente das quais estavam os
Estados Unidos - "o mais belo modelo de organização democrática do
mundo" (id. p. 89, 90). Considerava aí a Constituição de 1934 como
um passo à frente; nela "a vida econômica saiu evidentemente da fase
puramente individualista, em que a havia colocado a Constituição de 91,
mesmo as emendas de 26, e entrou ou, mais precisamente, ficou em
condições de poder entrar num sistema de controle e regulamentação,
que poderá ir até a um regime de direção ou planificação, muito apro-
ximado do em que se acham, presentemente, as economias alemãs, ita-
lianas ou americanas" (id. p. 143). A Constituição de 1937, que mere-
cera seu integral apoio e entusiasmo, avançara mais ainda em sua
profissão de fé corporativista, havendo consagrado em seu próprio texto
"os dois instrumentos principais ... as convenções coletivas e a Justiça
do Trabalho" (id. p. 144). Para Oliveira Vianna, em suma, os con-
flitos trabalhistas, a luta de classes, as greves, as sabotagens, a "desor-
dem geral", enfim, eram características do Estado Liberal, intrinseca-
mente "absenteísta". O Estado Moderno, por "intervencionista" colo-
caria um ponto final, justamente através da "disciplina" das conven-
ções coletivas do trabalho e da regulamentação estatal das categorias
profissionais, a toda aquela "desordem" (id. p. 165, 168). Estado Mo-
derno, Estado Popular, Estado Autoritário, Estado Corporativo e Estado
Nacional equivaler-se-iam no pensamento político de Oliveira Vianna:
a "questão social" entre nós teria, assim, uma solução nacionalista, mo-
derna, autoritária e corporativa. Este tratamento da "questão social",
para ele, era uma conseqüência e uma obra da Revolução de 30. Até
então ela estivera "relegada à jurisdição da polícia nas correrias da
praça pública" e a Revolução de 30 a havia elevado "à dignidade de
um problema fundamental de Estado", solucionando-a com um "con-
junto de leis, em cujos preceitos domina, com um profundo senso de
justiça social, um alto espírito de harmonia e colaboração" (D. T . D . S.
p. 11). Antes, porém, justificava a legislação social e trabalhista em
nosso país pela universalidade da mesma: "O problema social... era
um problema universal ... Hoje, nada que se passa no mundo nos pode
ser indiferente" e ainda: "O problema social é o problema fundamental
desta civilização ... Problema fundamental da civilização a que perten-
cemos, não pode deixar de ser também nosso" (id. p. 12). Ia mais
longe: "Na verdade, o Brasil está perfeitamente integrado neste movi-
mento incoercível, de extensão universal, que constitui a política de
restauração das massas trabalhadoras na posse e na consciência da sua
nobreza humana", aludindo aí à "recristianização do trabalho" (id.
p. 54). Ressalvava, porém: "Não tendo nós, como eles (os "povos capi-
talistas e ultra-industrializados") . .. nenhuma tradição de luta de clas-
ses, é claro que não podemos colocar o nosso problema social em ter-
mos de luta de classes, com o objetivo final da eliminação de uma
delas" (id. p. 13). E inexistia aqui a luta de classes por dois motivos:
a) a pouca densidade demográfica do país que, por rarefeita, impediria
a solidariedade social; b) a abundância de espaço aberto às novas
"fronteiras de trabalho". Assim "para resolver o nosso problema social,

60 R.C.P. 2/74
em verdade, não temos necessidade de despojar ninguém, desde que
o destino nos deu bens em excesso para distribuir com todos" (id.
p. 13). Afirmava que "o problema social aqui não pode ser conduzido
no sentido da proletarização das classes que possuem; mas, num sen-
tido exatamente oposto a este; no sentido da desproletarização das
classes que não possuem - pela elevação do proletariado nacional à
categoria de classe proprietária. O grande objetivo da nossa política
social não poderá ser a eliminação da propriedade privada; mas, sim,
a difusão e a generalização dela até o limite das nossas imensas possi-
bilidades" (id. p. 13, 14). Ele identificava duas fases no capitalismo: a
inicial, de um capitalismo "selvagem", da "desumanização" do trabalho,
o capitalismo do "supermundo dos ricos e do inframundo dos pobres",
fase esta que corresponderia, de certa forma, ao Estado Liberal, ao
laissez-faire; e a fase "moderna", característica da "mentalidade do sé-
culo:XX" - do moderno Estado Corporativo - da "nova política social",
inspirada diretamente no pensamento social da Igreja Católica, visando
a "restauração da dignidade da pessoa humana" (id. p. 23, 29 e 30) do
operário. Fazia então o elogio do corporativismo português, citando
Augusto Costa: "nem a igualdade política - Rousseau, nem a econômica,
Marx, e sim a igualdade substancial da Igreja Católica" (id. p. 31).
Esta "nova política social", segundo Oliveira Vianna, teria os seguintes
objetivos: a) a "modificação da mentalidade da classe patronal"; b) a
"modificação da mentalidade do próprio operariado", pela "eliminação"
de seu "espírito antipatronal" e de seu "sentimento de inferioridade"
(id. p. 34, 35), citando aqui elogiosamente a atuação do industrial bra-
sileiro Jorge Street; c) a criação de um "ambiente material e social"
próprio a fazer ressurgir e desenvolver, na consciência do trabalhador,
"o sentimento de sua dignidade humana e da sua elevação social"
(id. p. 37). Os exemplos efetivos desta política estariam nas conquis-
tas propiciadas por nossa legislação trabalhista, social e previdenciária,
tais como os ambulatórios, as cooperativas de produção e de consumo,
as colônias de férias, as vilas operárias etc., elogiando, em paralelo, os
"serviços do dopolavoro na Itália fascista e os arbeit-front da Alemanha
nazista" (id. p. 38). Alegava que o "operário moderno não tem, é
certo, a posse de fábricas ou de milhões ... não habita palácios opulen-
tos e suntuosos ... mas tem as suas cooperativas de produção ... de
crédito ... de consumo ... mora numa casa, pequenina, sem dúvida, mas
higiênica, confortável, ajardinada, risonha, alegrada pelo rádio" (id. p.
39). Esclarecia: "Cumpre acentuar que - para conseguir esta equitativa
redistribuição - não foi preciso modificar os fundamentos da estrutura
capitalista: os técnicos da Legislação Social e da Economia Social ...
p
conseguiram fazer com que esta redistribuição se esteja processando nor-
malmente, dentro do regime capitalista e - o que é mais - com a cola-
boração mesma do próprio patronato inteligente e consciencioso"
(id. p. 40). Menciona o "voto corporativo", como uma forma de inte-
gração do operariado no processo político estatal: "O problema está,
portanto, em preparar elites operárias à altura de sua nova missão, que
não é (salvo para os comunistas) mais de luta contra o patronato e,

Pensamento político brasileiro 61


sim, de colaboração com este e com o Governo" (id. p. 43), funcionando
aqui as escolas técnicas e profissionais como instrumentos hábeis. O
corporativismo aboliria as "distâncias sociais" e as "castas impermeá-
veis", colocando "um ao lado do outro, no mesmo pé de igualdade subs-
tancial, o pobre e o rico, o operário e o patrão, o homem de trabalho e
o grande capitão de indústria" (id. p. 44). Nossa legislação trabalhista
e previdenciária havia impedido "a germinação, que se esboçava por
influências estrangeiras, dos antagonismos de classes" e operado "a apro-
ximação delas nos tribunais paritários da justiça social, nos conselhos
corporativos das nossas instituições de previdência, nas assembléias
políticas da representação nacional" (id. p. 55). Em 1939, em confe-
rência inserida neste livro, mostra que foi entre 1932 e 1940 que foram
lançados, entre nós, os fundamentos de nosso direito social. Retrospec-
tivamente, assinala a presença, na Revolução de 30, de "agitadores
avançados", "impacientes", os quais "poderiam ter lançado a nossa socie-
dade, semipatriarcal e semi-industrial, nos caminhos das mais audaciosas
e imprevistas tranformações", notando entre estes algumas "espadas que
tinham rutilado nos campos de batalha da Revolução", em clara alusão
aos Tenentes (id. p. 63, 64). Estes elementos teriam sido controlados e
refreados pela "força moderadora" do "chefe do governo revolucionário"
- Vargas - dotado de "visão realista e pragmática", com a qual situara
a "questão social dentro dos quadros das nossas realidades", dando-lhe
a "solução mais harmoniosa, mais sensata, mais justa, mais consentânea,
não só com a nossa estrutura econômica e social, como com a nossa
própria índole nacional" (id. p. 64, 65). Nossa legislação social havia
sido uma "outorga generosa dos dirigentes políticos e não uma conquista
realizada pelas nossas massas trabalhadoras", as quais seriam, até então
"inexpressivas" e "desorganizadas política e ideologicamente" (id. p. 66).
Com a Revolução e com a "nova política social" por ela implantada, mo-
dificara-se o ambiente, que era agora de "rara beleza cristã" (id. p. 69).
Eliminara-se o "binário histórico... sindicalismo-socialismo": "nosso
sindicalismo. .. não é nem revolucionário, nem reformista", mas antes
seria "profissional, corporativo, cristão. Não prega, nem pratica, a luta
de classes... Não traz à sociedade brasileira um espírito de desunião,
de antagonismo, de lutas; mas um princípio de aproximação, de colabo-
ração, de pacificação" o que realizava através de uma progressiva par-
ticipação do proletariado nacional nas "vantagens e benesses com llue
a nossa civilização vem assegurando, há mais de um século, o conforto,
o bem-estar e a dignidade humana e social das classes superiores"
(id. p. 80, 81, 106). Proibira-se também a vinculação das organizações
sindicais com os partidos políticos (id. p. 81) e vedara-se aos nossos sin-
dicatos a filiação às organizações internacionais congêneres, visando
sobretudo barrar a influência da III Internacional Comunista (id. p. 100,
101). O Estado Moderno, Estado Corporativo, era também o Estado Po-
pular: "O pensamento íntimo, o grande pensamento da nossa política
sindical é organizar o povo: é dar-lhe estrutura, articulação, ossatura ...
há pois, uma tendência visível e definida do Estado a identificar-se com
o povo e do povo a identificar-se com o Estado" e esta teria sido a

62 R.C.P. 2/74
"grande obra propriamente política da Revolução", a introdução destas
"forças vivas na estrutura do Estado" (id. p. 83, 91). Isto fora conse-
guido pela "técnica das autarquias sindicais, das autarquias adminis-
trativas e das corporações" e da "representação sindical", da "represen-
tação profissional" e da "representação dos interesses" (id. p. 92). Mais
uma vez Oliveira Vianna procura dissociar a experiência brasileira da-
quela do fascismo, invocando a "eqüidistância" de nossa "solução" do
problema social, que seria "moderada e cauta", enquanto que o Estado
Fascista teria imposto uma "rígida sistematização corporativa" e o
Estado Bolchevista, um "radicalismo plebeu" (id. p. 92). Teríamos pro-
cedido aqui, nesta questão, dentro de um "espírito rigorosamente nacio-
nalista" (id. p. 100). Então, Oliveira Vianna coloca o problema da na-
tureza de classe de nosso Estado: "Como o Estado - colocado nas
mãos destas classes ricas - pode neutralizar-se e imparcializar-se numa
situação de juiz para assumir a direção de um movimento desta natureza
- de reabilitação e dignificação das classes desfavorecidas, contendo as
classes burguesas nos seus excessos e impondo-lhes um novo código de
obrigações legais - é ponto que não nos cabe discutir agora, neste breve
sumário" (id. p. 110). Mas, de fato, ele prossegue em seu raciocínio, e
sugere a influência dos "espíritos filantrópicos e cristãos" sobre o Estado.
(id. p. 110, 111). Ele vai além e acaba concluindo que, no Brasil, ja-
mais teríamos tido um "Estado Burguês": "Entre nós, o Estado nunca
esteve nas mãos e sob o domínio da chamada 'burguesia capitalista' ...
tão poderosa alhures e tão reacionária" (id. p. 116). Para ele, então,
o Estado aqui sempre fora dominado pelos "bacharéis" e pelos "políti-
cos" - classes estas que denomina de "marginais" - uma espécie de
"proletariado intelectual"; este, sim, controlador do Estado, é que teria
"resolvido" a nossa "questão social" de um modo "neutro" e "imparcial",
"sem atritos", dada sua própria posição intermediária entre as "classes
ricas" e as "classes trabalhadoras" (id. p. 117). Em suma, ele atribuía
aos nossos estamentos burocráticos médios a implantação da "nova
política social" entre nós. Isto seria facilitado, afinal, porque "hoje, o
que os trabalhadores proletários querem é gozar as doçuras e o con-
forto que o capitalismo moderno assegura às classes burguesas - e não
destruir o capitalismo"; ainda mais "os antagonismos de classes, que
dividiram e ainda dividem os velhos povos civilizados, nunca puderam
estabelecer-se aqui" (id. p. 112, nota n.o 2, p. 113). Por isso, no Brasil,
a "nova política social", que se apresentara sobretudo como um "im-
perativo puramente moral" imposto à consciência dos responsáveis pela
direção do país desde 1930, e que vinha propiciando às nossas classes
trabalhadoras "um conforto, um bem-estar, uma segurança, uma no-
breza, uma dignidade de existência privada e social que há dez ou vinte
anos passados nem sequer podiam conceber como realizável", vinha
sendo implantada sem que fosse preciso "atacar ou destruir coisa al-
guma da nossa velha ordem tradicional e das nossas tradições cristãs;
nem a propriedade individual; nem a empresa privada, nem a autoridade
patronal. Não coletivisamos a propriedade. Não estatizamos as empresas.

Pensamento político brasileiro 63


Não eliminamos o patronato", não destruímos a "velha ordem capita-
lista" (id. p. 114, 115, 119, 143, 144). Em 1945, após a redemocratização
do país, volta com maior ênfase a condenar o comunismo, reclamando
já "a necessidade de uma ação intensiva e sistematizada contra a peri-
gosa ideologia comunista que começa a agitar o nosso país e as nossas
massas trabalhadoras" (id. p. 165). O comunismo "ateu" e "anti cristão"
(id. p. 168) era para ele sinônimo de "violência, expropriação, submissão
e materialismo" e ainda "coletivismo" econômico (id. p. 166, 167). Pro-
fetizava: "O dilema para nós brasileiros é este: ou o sovietismo das este-
pes asiáticas, ou a democracia social das grandes encíclicas" (id. p. 168).
Conclui que "a verdade está com a Igreja; a sua doutrina é que está
certa" (id. p. 169). O corporativismo que pleiteava era aquele "que todo
o mundo considera justamente antagônico do marxismo" (P. O . P . D. p.
156). Percebemos que o corporativismo, tal qual pretendido por Oliveira
Vianna, referia-se sobretudo aos aspectos políticos, administrativos e so-
ciais deste, à conciliação das classes em especial. Não aceitava o corpo-
rativismo como política econômica; era algo que visava o setor público,
burocrático e sindical e não o setor privado. Questionava: "Ora, tendo
nós um imenso fundo ainda desaproveitado e a explorar (referia-se à
nossa "dimensão geográfica"), podemos dar ao nosso Estado Corpora-
tivo estes mesmos fins éticos que, explicáveis na Europa, aqui teriam,
talvez, o resultado de impedir a nossa expansão territorial, a mise-en-
valeur das nossas imensas possibilidades geo-econômicas? ... a verdade
é que não nos seria conveniente adotarmos um regime econômico de
controle e limitação, como é o regime corporativo ... Nossa política eco-
nômica tem que se conciliar com os imperativos da nossa política demo-
gráfica ... Esta é a verdade, temos ainda necessidade de cultivarmos
o espírito do bandeirismo ... Este fator é a necessidade ... de realizar
a exploração de um imensurável território, somente a meio povoado"
(P.O.P.D. p. 98, 99, 100).15

15 Aqui, talvez, o pensamento político de Vianna se correlacione com o conteúdo


ideológico do fascismo, ainda que não se possa fazê-lo com as formas históricas
concretas sob as quais este último se apresentou. Referimo-nos a um corporativismo
com técnica de controle e disciplina das classes trabalhadoras e dos estamentos mé-
dios recobrindo um projeto de desenvolvimento capitalista "agressivo", com a entre-
ga efetiva da direção econômica aos "capitães de indústria" e aos grandes proprietá-
rios rurais. Haveria, assim, uma identidade de propósitos e de objetivos entre a
ideologia latente do fascismo e o pensamento político de Vianna. Este dizia: "O
fascismo e o nazismo, com o seu poderoso estruturamento e a sua coerção disciplinar
implacável, tiveram, por isso mesmo, uma função educativa, que era a de preparar
os homens para a vida do Estado Totalitário. Fazendo-os sair de um regime de
liberdade e individualismo para um regime de solidariedade e coletivismo"
(P . O. P. D. p. 64). E quanto à sua própria obra: "O postulado da preeminência do
princípio da aut.oridade sobre o princípio da liberdade que tem sido o leit-motiv de
toda a minha obra de doutrina política" (P.O.P.D. p. 129), para o que se tornava
indispensável transformar as nossas elites "antigas" - cujo "sentido de existência
até então se orientava para o indivíduo e o individual" - em "novas elites", que
tivessem seu "sentido de existência" centrado na "coletividade" e no "coletivo"
(id. p. 29). Isto somente seria possível, para ele, através de uma "ação educadora
de uma disciplina fortemente imposta por aquela 'autoridade externa' - o Estado"
(id. p. 173). Uma racionalização bastante interessante deste tipo de proposição

64 R.C.P. 2/74
5. Racismo & elites
Oliveira Vianna esteve sempre envolvido, ao longo de sua obra, com
a teoria das desigualdades raciais, com a superioridade de umas raças
sobre outras, associando sempre as elites com as raças superiores e
fazendo da etnologia uma ciência explicativa dos fenômenos sociais e
históricos. Já em 1920 procurava mostrar que era a "nossa alta classe
rural" aquela que "representava legitimamente o nosso povo e a sua
mentalidade", dada a sua "arianidade" (P. M. B. p. 39). E ainda: "Esse
caráter ariano da classe superior, tão valentemente preservado na sua
pureza pelos nossos antepassados. .. salva-nos de uma regressão lamen-
tável. .. Toda a evolução histórica da nossa mentalidade coletiva outra
coisa não tem sido, com efeito, senão um contínuo aperfeiçoamento, atra-
vés de processos conhecidos de lógica social, dos elementos etnica-
mente inferiores da massa popular à moral ariana, à mentalidade ariana,
isto é, ao espírito e ao caráter da raça branca" (id. p. 115, 121). Era o
que denominava a "ação arianizante das seleções étnicas" ou o processo
de "clarificação" dos brasileiros (id. p. 121). Paralelamente, no entanto,
as "camadas plebéias" corrompiam-se pela "profusa mistura de sangues
inferiores" (id. p. 40, 66, 109, 110, 121).16 Referindo-se aos índios, fala
na "alimária indígena" (id. p. 75). Aos mestiços: "Com os pardos, os
cabras, os fulos, em que a dosagem dos sangues inferiores é maior, há
mais do que essa versatilidade: há, na maioria dos casos, a estagnação
dos degenerescentes. Esses degradados da mestiçagem não têm o mais
leve desejo de ascender, de sair da sua triste existência de párias. Centro
de tendências étnicas opostas, que se neutralizam, a sua vontade como
que se dissolve. Por fim, desfecham na abulia. E ficam eternamente
no plano da raça inferior" (id. p. 118). Em nossa sociedade, no entanto,
as "funções superiores" caberiam aos "arianos puros, com °
concurso
dos mestiços superiores e já arianizados. São estes os que, de posse dos
aparelhos de disciplina e de educação, dominam essa turba informe e
pululante de mestiços inferiores, e mantendo-a, pela compressão so-
pode ser também encontrada em "Capitães e grandeza nacional", de Manoel Lu-
bambo (Brasiliana, 1940). Ele pretendia para o Brasil um "neo-individualismo" ou
um "neo-feudalismo", onde uma estrutura político-institucional (a "extática")
coronelística (ele defendia a recuperação do coronelismo como forma necessária de
organização patriarcal de nossa sociedade) seria superposta a uma estrutura eco-
nômico-financeira (a "dinâmica) de um capitalismo individualista "agressivo", por
um semi-corporativismo. Mencionava expressamente a sua fórmula ideal como uma
"combinação" de Le Play - para o institucional - e de Adam Smith - para o
econômico (p. 78-86).
lfl A extrema preocupação com o problema das raças, evidenciada por Vianna
sobretudo nos anos 10 e que, apesar de permanecer até o final de sua obra vai
visivelmente passando para um plano secundário a partir dos anos 30 parece-nos,
entre outros fatores, um reflexo da resistência de nossas elites dirigentes de então
à emergência das massas negras, mestiças e caboclas as quais, liberadas pela Abo-
lição, não encontravam um "caminho" dentro de nossa sociedade. A integração
destas massas seria um problema fundamental e lá estavam, para dramatizá-lo. os
exemplos da revolução camponesa mexicana, daqueles dias, e entre nós - Canu-
dos, 8 Revolta da Vacina Obrigatória, a de João Cândido, na Marinha e o Con-
testado.

Pensamento político brasileiro 65


cial e jurídica, dentro das normas da moral ariana, a vão afeiçoando
lentamente à mentalidade da raça branca" (id. p. 122). Pouco mais tarde
procurará mostrar a "ancestralidade germânica" dos portugueses que pri-
meiro nos descobriram e colonizaram, os quais denomina de "dólico-
louros" - "figuras centrais da nossa aristocracia rural" (E. P . B. p. 130,
132). Estes é que teriam desbravado e aberto o caminho para o outro
tipo racial de portugueses, vindo logo depois deles, de tipo sedentário
etc.: "Só a presença nas suas veias de glóbulos de sangue ariano pode
explicar a sua combatividade, o seu nomadismo, essa mobilidade incoer-
cível que os faz irradiarem-se por todo o Brasil" (id. p. 132). Interli-
gava a superioridade de raças com as classes sociais dirigentes: "Quando
duas ou mais raças, de desigual fecundidade em tipos superiores, são
postas em contato num dado meio, as raças menos fecundas (em "tipos
superiores") estão condenadas... a serem absorvidas ou, no mínimo,
dominadas pela raça de maior fecundidade. Esta gera os senhores; aque-
las, os servidores. Esta, as oligarquias; aquelas, as maiorias passivas e
abdicatórias" (id. p. 173). Quanto ao "negro puro", este "nunca poderá,
com efeito, assimilar completamente a cultura ariana" e os mulatos, su-
periores aos negros, o eram dado o "sangue ariano que têm nas veias"
(id. p. 174, 175). Oliveira Vianna faz o elogio da senzala: "Quando su-
jeitos (os negros) à disciplina das senzalas, os senhores os mantêm den-
tro de certos costumes de moralidade e sociabilidade, que os assimilam,
tanto quanto possível, à raça superior; desde o momento, porém, em
que, abolida a escravidão, são entregues, em massa, à sua própria dire-
ção, decaem e chegam progressivamente à situação abastardada em que
os vemos hoje" (id. p. 176). Chega a defender o genocídio: "sob este
aspecto, pode-se dizer que a lei da abolição, de 1888, concorre para retar-
dar a eliminação do H. ater (isto é, do negro) em nosso país - porque,
não há dúvida que, conservado em escravidão, ele teria desaparecido
mais rapidamente" (o grifo é dele; o parêntesis é nosso) (id. p. 204).
Conclui: "a nossa civilização é obra exclusiva do homem branco. O
negro e o índio, durante o longo processo da nossa formação social,
não dão, como se vê, às classes superiores e dirigentes, que realizam
a obra de civilização e construção, nenhum elemento de valor. Um e
outro formam uma massa passiva e improgressiva, sobre que trabalha,
nem sempre com êxito feliz, a ação modeladora da raça branca" (id. p.
178). Pouco mais tarde ele voltaria a condenar a Abolição: "Em boa
verdade, não havia nenhuma razão interna que nos levasse imperiosa-
mente à abolição" (0.1. p. 63). Para ele a idéia abolicionista, como a
liberal, eram "exóticas" e a Abolição ter-se-ia realizado pela "impaciên-
cia dos espíritos românticos" e pela "pressão do exemplo estrangeiro"
(id. p. 63). Defende o abolicionismo gradual e condena a não-indeniza-
ção aos senhores de escravos expropriados (id. p. 70, 77, 78). Na dé-
cada de 30, Oliveira Vianna procura reavaliar a sua posição, mas, de
fato, a mantém, no que ela possuía de mais essencial. Em Raça e assi-
milação, de 1932, começa a lamentar a diminuição do interesse, entre
nós, pelos estudos concernentes às raças. Assinala que esta falta de
interesse seria devido à emergência, na Europa, de teorias "igualitárias",

66 R.C.P. 2/74
aqui então "copiadas". Procura mostrar que estas teorias poderiam ter
cabimento na Europa, onde, de fato, o problema da origem e miscige-
nação das raças era difícil e complexo, mas não aqui, onde ele percebia
a facilidade de identificar-se duas ou três raças diferentes, em contacto
de apenas três ou quatro séculos: "Não é possível, pois, sustentar nestes
lados do Atlântico, onde as desigualdades étnicas se revestem de um
relevo tão nítido, que os problemas de diferenciação das raças sejam
problemas sem interesse", sendo assim a América um "centro por exce-
lência dos estudos da Raça" (R.A. p.14, 15). Prossegue: "Os problemas
da raça, as leis que regulam a sua biologia, a sua psicologia e a sua
história - é convicção nossa cada vez mais forte - só poderão encon-
trar solução na América" (id. p. 152). Procura recolocar a etnologia
em bases científicas, através de dois ramos: a "psicologia das etnias",
"ciência social", "psicologia nacional" e "psicologia das raças", "ciência
natural", "base física do caráter", do domínio da biometria, da psicome-
tria e da biotipologia (id. p. 23, 24). Menciona, em apoio, os estudos
de Sigaud, Pende, Viola, Mac Auliffe e Kretschmer. Insiste nesta "psi-
cologia das raças" - "ciência natural" - mas, de fato, recupera dentro
dela todas as suas antigas posições ideológicas de superioridade dos
arianos e inferioridade de mestiços e negros. Dizendo que "os problemas
da raça deslocam-se do campo das ciências sociais para o campo das
ciências naturais" (id. p. 136), acaba por concluir, no entanto, que
"o tipo constitucional não determina apenas o tipo de temperamento,
mas também o tipo de inteligência; não rege apenas a condição afetiva
do indivíduo, mas também a sua condição intelectual", concluindo que
"a raça é, em última análise, um fator determinante das atividades
e dos destinos dos grupos humanos" (id. p. 36, 42, 136). Na segunda
edição do livro, de 1934, procura defender-se das críticas que então
lhe haviam sido feitas: "Direi apenas que não sou de modo algum
partidário da igualdade das raças. .. O que afirmo é que as raças são
desiguais. Desiguais num sentido apenas da maior ou menor freqüência
em tipos de temperamento e em tipos de inteligência ... A minha tese é
essencialmente biológica; o problema da superioridade ou da inferio-
ridade social das raças é extrínseco a ela" (id. p. 177). Quanto ao negro,
dá a sua "palavra final": "Não sei se o negro é realmente inferior, se
é igual ou mesmo superior às outras raças ... a conclusão a tirar é que,
até agora, a civilização tem sido apanágio de outras raças que não a raça
negra; e que, para que os negros possam exercer um papel civilizador
qualquer, faz-se preciso que eles se caldeiem com outras raças, espe-
cialmente com as raças arianas ou semitas. Isto é: que percam a sua
pureza" (id. p. 206).

5.1 Em conseqüência mesmo de sua adesão às teorias raciais, Oliveira


Vianna recorre à teoria das elites como fator explicativo da história
e toda a sua obra é um elogio permanente e grandiloqüente das

Pensamento político brasileíro 67


elites dirigentes. 17 Em seu primeiro livro já procurava mostrar que
os homens da região Centro-Sul de nosso país - os quais haviam estru-
turado historicamente as nossas instituições sociopolíticas dominantes
- não compreendiam "nem o heroísmo do caudilho, nem o heroísmo
do bandido. O seu herói, a personalidade magnética e imperante,
que centraliza a surda e silenciosa admiração das massas, é o homem
de ideais e convicções, o reformador político 'capaz de realizar',
de posse do poder do Estado, um grande programa de regeneração e
moralidade públicas... Valente, bravo, altivo, arrogante mesmo. o
nosso campônio só está bem quando está sob um chefe, a quem obe-
dece com uma passividade de autômato perfeito ... Do nosso campônio,
do nosso homem do povo. .. esta é a base da sua consciência social ...
Toda a sua psicologia política está nisto" (P. M. B. p. 172, 173, 345)
Para a tarefa de "estruturação e ossificação" de nossa nacionalidade,
cuja execução teria sido continuamente perturbada pela influência das
nossas lideranças liberais e democráticas, ele pedia "alguns temperamen-
tos privilegiados - calmos, frios, calculistas, nutridos de objetividade
e feitos de sensatez, prudência e equilíbrio" que no passado encontra-
riam exemplo em uma "minoria diminutíssima - uma minoria de refra-
tários, altiva, orgulhosa, desassombrada... reacionários audazes ...
(cujo) entusiasmo pela liberdade e pela democracia não chega a turvar
nunca a consciência que todos têm, das nossas realidades e dos nossos
destinos americanos" - os patronos do "semi-autoritarismo difuso"
que teria, de fato, prevalecido entre nós, como repulsa aos "delírios do
teorismo democrático", os quais equivaleriam aqui à "anarquia, a desin-
tegração e a morte" (id. p. 257, 326, 355). Depois, ele destacará a
atuação política de Feijó, o "fundador do poder civil", o promotor
do "prestígio da autoridade e da lei", aquele que "deu à nacionalidade
a sua integração atual", a "personificação da Autoridade em nossa terra".
o "estupendo criador da ordem", o promotor da "unidade nacional"
(P. E. P . S. p. 189, 190, 195); de Caxias, de quem ele destaca a "inte-
ligência realista" e a "intuição pragmática", a "lucidez, precisão, jus-
teza, objetividade, percepção concreta e realista", um "verdadeiro tipo
eugênico", um "ciclotímico", de "nobre beleza física" e "equilíbrio e
força, indulgência e calma, nobreza e magnanimidade" (id. p. 205, 206,
208 e 211). Assinala: "Caxias percebeu logo o que todo espírito rea-
lista, que viva no Brasil, percebe: o nenhum sentido nacional dos nossos
partidos políticos", esclarecendo que "ele bem sentia a incompatibili-
dade existente entre os partidos, que são associações personalistas e 10-
calistas e a Força Armada, instituição de estrutura e finalidade nitida-
mente nacionais" (id. p. 216). De Joaquim Nabuco ele salientava a
"espiritualidade e fidalguia", a "dignidade pessoal", a "respeitabilidade",
a "hombridade", o "decoro", a "compostura pessoal", a "serenidade
olímpica", não obstante divergir, expressamente, de seus pendores li-
berais (id. p. 223, 224, 233). Mais tarde dirá que "o Rei é, pois, a peça'
17 Parece-nos que Pare to, com a sua teoria da "circulação das elites" como con-
dição indispensável ao equilíbrio social, teria influenciado notavelmente o pensa-
mento político de Vianna, apesar deste não citá-lo senão de modo esporádico.

68 R.C.P. 2/74
mestra de todo o mecanismo do governo nacional, construído pelos
estadistas do Império", o fator por excelência da "unificação da nacio-
nalidade e a organização da sua ordem legal" lograda pela "ação cata-
lítica" dele (E.P.B. p. 288, 290). O elogio de Pedro 11 é permanente
em Oliveira Vianna: "Era assim D. Pedro. Há traços quase dramáticos
nesta sua luta de cinqüenta anos contra o partidarismo, o nepotismo,
o favoritismo, a politicagem dos ministros" (0.1. p. 56). Em meados
da década de 20, definirá melhor o seu elitismo: "A realização de um
grande ideal nunca é obra coletiva da massa, mas sim de uma elite,
de um grupo, de uma classe, que com ele se identifica, que por ele
peleja que, quando vitoriosa, lhe dá realidade e lhe assegura a execução"
(L C. p. 30). Alega, como vimos, a "inevitabilidade" entre nós das
"grandes e pequenas oligarquias", sustentando, mesmo, a "necessidade"
delas; impunha-se, tão-somente, "educá-las" (I. C. p. 53). Em 1930,
Oliveira Vianna elogia o governo do "bom tirano" - "um regime de
perfeita liberdade civil sem que o povo tenha a menor parcela de li-
berdade política" (P. P. O. p. 80). Mais tarde, em ensaio entitulado
Democracia de partidos e democracia de elites - teoria de uma demo-
cracia social (D. T. D. S. 1951), ele procura, de início, ao qualificar o
Estado Moderno como uma democracia social (ou corporativa), disso-
ciar o seu conceito de elites de uma conotação que lhes venha a dar
um sentido de oposição a povo. Procura mostrar que, segundo ele, não
havia incompatibilidade fundamental entre elites e povo. As elites, assim,
seriam os "mais capazes", os "melhores", as "maiores competências",
os "quadros dirigentes" de qualquer grupo, classe ou categoria. As elites
seriam uma conseqüência "natural" da "ascendência moral ou intelec-
tual" de alguns poucos homens sobre os demais: "Nenhuma classe deixa
de ter sua elite, seja esta classe qual for". O Estado Moderno seria um
Estado elitista. Por isso, no Estado Moderno, o sistema educacional
não visaria as "massas", mas sim as "elites", a estas incumbindo orien-
tar aquelas, as quais seriam seus "pontos de aplicação" (id. p. 148, 149,
150, 153, 154). A ênfase seria dada ao ensino secundário e superior:
"daí é que sairão as minoriais esclarecidas que irão transmitir à massa
o sistema de idéias que elas julgam melhor à cultura do povo, à for-
mação do seu espírito, à orientação dos seus destinos" (id. p. 155).
O Estado Moderno - Estado elitista - seria também Estado Autori-
tário: "O centro de gravitação dos sistemas educativos no Estado
Moderno, com efeito, não é o mesmo do velho Estado Liberal" (id. p.
152). Somente as elites "ou pela força e a altitude de caráter, ou pela
capacidade superior de ação, ou pela alta cultura e competência téc-
nica ou, principalmente, pelo fascínio do exemplo - podem influir
• sobre as massas, orientá-las com segurança, modelá-las à sua imagem ...
Estas (as massas) não passam de pontos de aplicação sobre o quais
a inteligência esclarecida e a vontade forte das elites bem educadas se
exercem no sentido dos seus objetivos - da sua concepção do mundo,
do seu sistema de crenças e idéias" (id. p. 152, 154). Daí decorria ser
"o problema da formação e organização das elites um problema capital
no Estado Moderno" (id. p. 154). Salientando o "eugenismo" das ma-

Pensamento político brasileiro 69


trizes de nossas elites, sugere que às massas, com "mais acerto", dever-
se-ia apenas "ensiná-las a ler, escrever e contar" (id. p. 157). Enquanto
a "democracia de partidos" própria do Estado Liberal, impediria a for-
mação de elites "capazes" - dado o seu critério de seleção eleitoral
"inorgânico" - Oliveira Vianna reclamava a substituição das elites de
"políticos profissionais" por elites técnicas - econômicas e profissionais:
uma "democracia de classes" e não uma "democracia de partidos"
(id. p. 158, 159, 160). Para ele, nada havia de "antidemocrático" na
expressão "governo de elites", esclarecendo: "Pelo contrário, este go-
verno das elites ... seria uma forma de governo democrático muito mais
penetrada do espírito do povo, que lhe permite uma representação
direta e imediata, do que a forma de democracia até agora realizada
pelo sistema de partidos, que só lhe permite uma representação indireta
e mediata" e citando em apoio o exemplo dos Estados Unidos onde, se-
gundo ele "o governo democrático é feito ali, por estas 'elites de clas-
ses' a que me venho referindo - e não pelas elites dos políticos
profissionais" (id. p. 161, 162): "Na América do Norte, as elites das
classes tornam - pela sua poderosa organização e solidariedade, como
pela sua preparação técnica - as elites da classe política (politicians)
simples instrumentos passivos da sua vontade e dos seus interesses. Há
ali o verdadeiro padrão de um governo de elites, como eu o entendo,
isto é, de uma "democracia de 'elites' - e não de uma democracia de
partidos" (id. p. 163). Quanto ao nosso "povo-massa" - "imensa massa
humana ... vivendo sob a doçura dos trópicos, uma vida puramente
vegetativa. .. sem uma consciência exata dos seus destinos, sem um
plano de ação comum, sem um ideal coletivo, sem uma mística nacio-
nal" - dele nada esperava (P.O.P.D. p. 10). Reafirma: "Digo 'elites'
e não das nossas 'massas', porque sou dos que acreditam que os povos
valem pelo teor moral e intelectual das suas classes dirigentes e que as
nações se salvam ou perecem pela capacidade ou incapacidade das suas
elites" (id. p. 170). Pedia, no entanto, como vimos, a "reeducação
das nossas elites dirigentes", visando "as novas exigências do Estado
Moderno", o que somente seria possível por uma "política de Estado"
(id. p. 29, 33, 35, 53 e 170). Era uma opção de sobrevivência nacional:
"Ou renovávamos os nossos métodos de educação em geral, ou teríamos
que sucumbir, selecionados pela concorrência de povos mais fortes, mais
disciplinados, mais organizados do que nós" (id. p. 167). 18 Oliveira
Vianna era um crítico severo de nossa "burguesia industrial'.': mostrava
sua "debilidade", qualificando-a de "egoísta", "antigrupalista", "despre-
parada" e "inconsciente dos objetivos do Estado Moderno" (id. p. 69
18 Seria, por certo, de algum interesse mostrar como Vianna, já após 1945, previa
o nosso futuro próximo. Procura mostrar que a derrota do nazi-fascismo de forma
alguma significava o retorno do Estado Liberal "tradicional": "Nada mais errado
supor que, vencidos os povos do grupo totalitário, o Estado irá perder a sua in-
fluência... Não há reversibilidade possível: o Estado continuará afirmando-se
cada vez mais neste novo ciclo da história que se vai abrir ao mundo, embora
afirmando-se já sem os rígidos métodos dos regimes totalitários ... Por isso mesmo,
o Estado terá que preparar-se de elites suas, nutridas do seu novo espírito soli-
darista, grupalista ou nacionalista" (id. p. 174).

70 R.C.P. 2/74
e segs.). Para ele a nossa "burguesia industrial", que também chamava
de "aristocracia industrial urbana" e de "moderna aristocracia do Capi-
talismo" (id. p. 70), havia-se constituído historicamente dentro de um
"clima de prosperidade - criado pela ausência de concorrência, pela
produção máxima e pelos mercados ilimitados ... É neste clima de puro
individualismo e de absoluta ausência de controle ... que ela ainda con-
tinua a viver e a prosperar", patrocinada "paternalisticamente" pelo
Estado "pai-de-todos" (id. p. 70, 71). Afirmava: "Procurem estes chefes
de prósperas empresas pelo Brasil afora e encontrá-Ios-ão, todos, sem
exceção, abrigados sob um guarda-chuva enorme: e este guarda-chuva
quem o sustenta nas suas mãos possantes é o Estado" (id. p. 72). Nenhu-
ma classe estaria menos preparada "psicologicamente ou culturologica-
mente" para a "prática e realização do Estado Moderno" entre nós que
a dos nossos "capitães de indústria" (id. p. 73),19 isto é, menos adap-
tada às exigências das novas instituições autárquicas e corporativas ...
características das novas estruturas político-econômicas deste tipo mo-
derno de Estado" (id. p. 73). Não teríamos elites econômicas à altura
da nossa "atual situação no mundo" (Id. p. 82). Caberia então ao Estado
disciplinar "pela racionalização, a produção individual e a produção
coletiva, condicionando-as às exigências e possibilidades dos mercados
compradores", criando, em nossas elites industriais hábitos de coopera-
ção e de "solidariedade corporativa" (id. p. 87), numa alusão ao plane-
jamento governamental. Concluía: "Presentemente, no Brasil, existem
três centros de educação do homem brasileiro nesse sentido: a) as
Forças Armadas; b) as formações escoteiras; c) as organizações sin-
dicais e corporativas" (id. p. 35). 20 Em uma de suas últimas obras
voltará a afirmar que toda a nossa construção política e institucional,
o que afinal tínhamos ainda de sólido e de permanente, fora obra de
alguns "homens excepcionais"; uma "elite admirável", produto de "here-
ditariedades eugênicas combinadas", "individualidades superiores, dota-
das organicamente, constitucionalmente de espírito público e de espírito
de serviço", acrescentando que "estes homens excepcionais ... não de-
viam nada ao seu povo, à sua cultura política, cujo privatismo não lhes

19 Referindo-se ao Estado Novo, em uma visão retrospectiva, Vianna diria que


este havia chamado a si os "nossos grandes industriais, dando-lhes posições nos
Conselhos administrativos e poderes jurisdicionais - coisa que o regime anterior
não lhes permitia", fazendo deles "auxiliares permanentes, e não aleatórios, das
suas atividades legislativas e executivas" (id. p. 73), sem que nada disto fosse
reconhecido pelos próprios empresários.
20 Não obstante as referências sempre elogiosas de Vianna às Forças Armadas,
como corporação, ele era manifestamente contrário à intervenção dos militares na
política, sobretudo quando tinha em vista a proclamação da República e as agita-
ções tenentistas da década de 20. Falava na "arrogância e a indisciplina dos polí-
ticos de farda" e na "inexistência de uma consciência de missão política qualquer
por parte de nosso Exército", criticando a doutrina do "cidadão fardado" e do
"Exército deliberante" (O. I. p. 123, 125, 130, 131, 132, 133, 157). Antes, falara na
"militança amotinada" (P.M.B. p. 341). Também seu biógrafo relata a seguinte
resposta de Vianna a Juarez Távora, em 1931: "Quero esclarecer... que não sou
revolucionário e que sustento idéias contrárias à intervenção dos militares na
política" (O. V. p. 181).

Pensamento político brasileiro 71


podia fornecer nenhuma contribuição útil, nem explicar a superiori-
dade da sua natureza. .. Estes homens surgiram primeiro - por força
da sua própria personalidade original, tanto que conseguiram liber-
tar-se da pressão abastardante do meio social, em que nasceram e vi-
viam; segundo - pelo fato do carisma imperial, da altitude cívica do
seu aplicador" (I.P.B. 1949 p. 404), isto é, de Pedro II o "detentor
supremo do poder carismático" (id. p. 401). Prosseguia: "Estes homens,
assim tão grandes, não eram grandes porque inspirados no povo-massa,
na sua 'cultura' e seus complexos respectivos... estes homens não
tinham evidentemente a inspiração popular; eram homens de moldagem
carismática - homens formados pelo Imperador. .. O nosso povo, nas
suas deficiências de educação política, nada lhes deu, nem nada lhes
podia dar" (id. p. 398). Já a República, por ter sido mais "democrática"
e "igualitarista" vivera uma permanente crise de valores e de liderança
(id. p. 399). E definia o Estado Moderno e Elitista como um Estado
também Autoritário: "O grande erro ou a grande ilusão dos nossos
reformadores é querer que o nosso povo mude - por ação de uma polí-
tica do Estado - o seu comportamento tradicional na vida pública,
dentro de regimes liberais" (id. p. 159).

6. Ruralismo & urbanismo


Nosso passado, caracteristicamente rural, e a fase de urbanismo, sem-
pre progressiva, testemunhada por Oliveira Vianna em seus dias de vida,
foram por ele notados. Ainda em 1920, dizia: "Quanto aos tipos urba-
nos, apesar do brilho que possam ostentar, não passam, afinal, depois
de bem analisados, de reflexos ou variantes do meio rural, a que per-
tencem. .. Se agora começam a ter uma caracterização especial, no
passado, não obstante a situação influente que aparentam possuir, a sua
posição é secundária - porque na realidade, o tipo rural, que os de-
fronta, praticamente os subordina" (P. M. B. Prefácio, p. VI). A esta
época ele deixava "de parte" as populações propriamente urbanas, con-
centrando-se na "definição e caracterização" das nossas populações do
interior, "verdadeiras matrizes da nacionalidade" e que se então esta-
vam "silenciosas, obscuras e subterrâneas", no passado haviam sido
"poderosas, incontestáveis e decisivas" (id. p. VIII). Pouco depois pu-
blica um ensaio intitulado Degeneração aparente do caracter nacional,
que é republicano, na terceira edição de 1942 já com o título de Rura-
lismo e urbanismo (P. E. P . S. ). Na primeira edição, de 1922, ele mani-
festava a opinião de que a urbanização de nosso país apenas de forma
aparente "degeneraria" o "caráter nacional": "Este e cem outros fatos
semelhantes dizem e demonstram que o brasileiro, entregue aos seus
próprios pendores e instintos, é antes de tudo um homem do campo ...
É este o traço realmente nacional do seu caráter" (id. p. 19). Já na
terceira edição ele reconhecia que "esta estrutura se alterou sensi-
velmente. Os núcleos urbanos cresceram em número e volume com o
aumento da população e o desenvolvimento do nosso sistema industrial"
(id. p. 20). Antes, assinalara a "feição francamente rural" mesmo de

72 R.C.P. 2/74
nossas cidades e por este motivo negava a "dissolução" do "caráter na-
cional" (id. p. 21), admitindo-a, quando muito, entre os "urbanos" e
nunca entre os "rurícolas" - forças vivas de nossa nacionalidade. No
meio rural estariam então as "nossas energias interiores, todas essas
forças criadoras e vitalizadoras do nosso caráter" (id. p. 21). O que
Oliveira Vianna julgava que estava acontecendo, de fato, era uma "ten-
dência, de origem recente, das classes superiores e dirigentes do país a
se concentrarem nas capitais; daí, como conseqüência, uma crise in-
tensa e extensa nos seus meios profissionais de subsistência" (id. p. 23).
E o que impunha fazer, segundo ele, como uma "reação renovadora"
era "antes de tudo, formar, por meio de uma grande e poderosa campa-
nha social, um largo e sonoro ambiente espiritual, dentro do qual pos-
samos voltar à prática das nossas antigas virtudes tradicionais" (id. p.
24). Nossas classes dirigentes haviam sofrido um processo de burocra-
tização: "no Império, a relação social dessas duas classes podia ser figu-
rada pela equação: política + doutor = fazendeiro; na República,
esta equação se altera e passa a ser formulada assim: político + dou-
tor = burocracia. Parece nada; mas é uma revolução" (id. p. 26). Em
um sentido inverso, ele previa uma espécie de "ruralização" de nossos
setores médios urbanos: "O dia em que os nossos doutores e os nossos
políticos atuais assentarem, como as gerações de há cincoenta anos pas-
sados, na posse tranqüila de um domínio rural o seu ideal de felicidade,
a alegria voltará ao nosso povo; o tônus moral da sociedade se revi-
talizará de pronto" (id. p. 27). Revela-nos que mesmo àquela época
- nos anos 10 - a profissão de industrial significava ainda uma certa
"desclassificação" social (id. p. 27 nota n.o 9). Ele elogia Olavo Bilac,
na campanha que este então empreendia pelo serviço militar obrigatório
como instrumento de "moralização" de nossas elites e de nosso povo,
através da generalização da "disciplina militar", do "espírito de obediên-
cia" e do "patriotismo", mas esclarecia que ele, pessoalmente, discordava
de Bilac e propunha, por sua vez, um "retorno aos campos" como a
melhor forma de solucionar a: "crise" (id. p. 23 nota). Na terceira edição,
de 1942, declara-se já menos "radical" e, face à crescente urbanização
do país ele advoga "uma fórmula conciliadora, fundindo estes dois
objetivos, que não são de modo nenhum incompatíveis" ou seja "rura-
lização-urbanização" e "urbanização-moralização" (id. p. 24, nota). Na
década de 20, Oliveira Vianna é um entusiasta das virtudes tradicio-
nais da sociedade mineira, assinalando que "como todos os brasileiros,
o mineiro é fundamentalmente um homem do campo, um homem de
formação rural" (id. p. 47). É de sua convicção que "a grandeza de um
povo está na força de persistência dessas tradições familiares e domés-
ticas, que são a expressão mais típica do seu caráter nacional. Man-
tê-las tanto quanto possível dentro da fatalidade evolutiva da civiliza-
ção - eis o ideal de um povo consciente da sua personalidade e orgu-
lhoso do seu espírito" (id. p. 52). Em 1929, voltando a visitar Minas
Gerais, ele já assinala os efeitos "transformadores" e modernizantes
que "o jornal, a revista ilustrada e o rádio" estavam provocando na
sociedade mineira e vaticinava que "a substituição da velha mentali-
Pensamento político brasileiro 73
dade pela nova se operará fatalmente" (id. p. 64). Aquela época assina-
lava que o "empreguismo" estava substituindo as virtudes pioneiras e
épicas de nossas elites rurais dirigentes que se urbanizavam, pelo que
culpava, sobretudo, a "catástrofe" da Abolição "inopinada" e "inepta"
(id. p. 78, 79, 82). Mas ao mesmo tempo, em outro ensaio, referia-se à
urbanização como "o meio racional" de limpar os nossos sertões do
"caudilho e do bandido" (id. p. 182, 183) e na edição de 1942 menciona
as "colônias agrícolas" como instrumento hábil para levar a civilização
ao hinterland. Ao assinalar que "o urbanismo é condição moderníssima
da nossa evolução social", mostra, no entanto "a importância das cida-
des e do seu espírito na compreensão da história do novo regime", isto
é, da República (E.P.B. p. 107). Em obra póstuma, dirá: "Hoje, na
era mercantilista, estes escrúpulos que atormentavam as consciências
aristocráticas do medieval, infelizmente, desapareceram. Os trusts, os
kartells, os monopólios, tudo são hoje instrumentos para conseguir -
mesmo injustamente, mesmo desonestamente, mesmo criminosamente,
pela exploração da coletividade - esta margem de lucros monetários",
contrapondo à "moderação do lucro", à "ética do lucro", das corpora-
ções medievais, o "delírio da produção ilimitada" (L H. S. E. C . B. p. 139,
144, 145). Somente após 1945, no entanto - como se verá à frente -
é que Oliveira Vianna parece ter começado a se preocupar seriamente
com uma teoria da mudança social.

7. "Programa econômico"
Ao lado de um "programa político", esboçado aqui e ali por Oliveira
Vianna no conjunto de sua obra, depreende-se também um "programa
econômico", apenas delineado, face sobretudo à sua abordagem da "ques-
tão social". Ao mencionar, em meados da década de 20 a substituição
que os fazendeiros paulistas haviam efetuado, já na segunda metade do
século passado, do braço escravo pelo braço livre, ele procura mostrar
que eles haviam "pressentido" o futuro: "Jogaram (os paulistas) teme-
rariamente sobre o porvir e, mais uma vez, confirmou-se o velho pro-
lóquio de que a fortuna está sempre ao lado dos audazes" (0.1. p. 72):
Reconhece que este fato teve uma "influência aceleradora na marcha
da idéia abolicionista", mas de qualquer forma ele não vinculava uma
coisa à outra. Pouco mais tarde, diria que as nossas "reformas políticas"
ou "constitucionais" seriam apenas "auxiliares de outras reformas
maiores, de caráter social e econômico, que deveremos realizar, se qui-
sermos estabelecer aqui o regime democrático, o regime de opinião, o
regime do governo do povo pelo povo" e mencionando que o "grosso do
nosso eleitorado ... está no campo e é formado pela nossa população
rural", afirma que os meios mais seguros e eficazes para assegurar a
"independência" desse eleitorado não estariam, certamente, no sufrá-
gio universal, na eleição direta, no voto secreto ou no self-govemment
local "mas sim em outros meios, de natureza econômica e social: o esta-
belecimento da pequena propriedade; um sistema de arrendamentos a
longo prazo ou um regime de caráter enfitêutico", bem como na "difusão

74 R.C.P. 2/74
do espírito corporativo e das instituições de solidariedade social" (I. C.
p. 64, 65). Na década de 40, face a seu pensamento de promover a
"ascensão" social do operário "capaz", fala em torná-lo "proprietário de
sua casa" e, quanto ao trabalhador rural, alude à doação de lotes de
terras (D.T.D.S. p. 42). No que se refere à nossa estrutura agrária
dizia que "no Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo,
floresce uma verdadeira democracia rural", dada a disseminação ali
da propriedade, o que já seria praticado há mais de um século (id. p.
42). Em 1945, Oliveira Vianna traz o seu apoio ao programa econômico
então lançado pelo Manifesto dos Bispos, que sugeria: a difusão da
pequena propriedade, o direito ao lar próprio, o direito à segurança,
ao conforto e às benesses da civilização; a democracia social; os conse-
lhos de fábrica; a representação administrativa e política; a participa-
ção nos lucros (id. p. 175). Caracterizava o Brasil, até 1888, como "feu-
dalóide" (I. H. S. E. C. B. p. 115, 187). Oliveira Vianna questiona a mi-
séria: "É discutível se a miséria pode ser considerada um fenômeno
puramente originado de causas sociais. Parece-me que devemos tam-
bém contar as causas de ordem biológica, especialmente as provindas
da má hereditariedade ... Não chego, por isto mesmo ... a acreditar na
possibilidade de uma sociedade sem miséria" (P. O. P . D. p. 119). Ha-
veria, para ele, uma "miséria justa" - aquela dos "nulos" e dos
"disgênicos" - e uma "miséria injusta" - aquela dos "capazes", que não
teriam tido condições de superá-la. Esta "miséria justa" seria corrigível
por medidas reformistas, tais como a disseminação de "asilos e hospi-
tais", "reformatórios ou penitenciárias", instituições assistenciais de
"fraternidade cristã" (id. p. 120). A "miséria injusta", proviria de "fa-
lhas da organização social" e da "estrutura econômica" e ele reclamava
aqui, novamente, a disseminação da "pequena propriedade", da "casa
barata" e do "lote de terra": "Dar a cada um a sua terra ou a sua casa
- eis a primeira face do problema. Difusão, portanto, da pequena pro-
priedade; principalmente da pequena propriedade rural" (id. p. 121,
122). A nossa "constituição geográfica e demográfica", segundo ele, es-
tava a indicar que o caminho era o da "desproletarização" de nossas
classes sociais "pela ampliação - numa extensão que só a nós é per-
mitida - da classe dos pequenos proprietários", alertando, porém: "e
tudo isto sem modificar a estrutura das nossas instituições tradicionais"
(id. p. 122). A difusão da pequena propriedade seria efetivada pela
"colonização intensiva do nosso interior deserto. Povoar os nossos gran-
des vácuos demográficos do interior ("marcha para o Oeste"), organi-
zar a pequena propriedade territorial e o pequeno urbanismo, pondo o
conforto da civilização ao alcance das populações rurais - eis a dire-
• triz da nossa política social" (id. p. 123). Salienta que não haveria
necessidade da "eliminação das nossas classes ditas burguesas, princi-
palmente da representada pela grande propriedade territorial, a que,
seja dito de passagem, devemos a maior e a melhor da nossa grandeza
econômica, social e política" (id. p. 123). Concluía: "Nossa política
econômica tem que se conciliar com os imperativos da nossa política
demográfica" (id. p. 99). Enquanto critica o regime da Constituição

Pensamento político brasileiro 75


de 1891 que, pelo "esfacelamento" da Nação entregava esta à "voraci-
dade, ao monopólio e ao saque das organizações estrangeiras", elogia
o regime das Constituições de 1937 e de 1946, onde teríamos uma Nação
"única, coesa, dominadora" e "ciosa de sua independência econômica,
cuidadosa em preservar as reservas das suas riquezas vitais para que
sejam exploradas e apropriadas pelos seus próprios filhos" (id. p. 137).
Em 1934 sugeria algumas medidas para o programa de um Partido
Economista, entre as quais a do item 7: "Quanto ao problema dos lati-
fúndios, o Partido Economista propõe: a) retalhamento, por ação do
Estado, das terras públicas in aproveitadas, a fim de distribuí-las entre
os que possam colonizá-las; b) desapropriação e distribuição das terras
inaproveitadas, que fiquem à margem das linhas rodo-ferroviárias e das
vias marítimas; c)desapropriação e divisão dos latifúndios abandonados
em zonas colonizáveis, toda vez que para explorá-las seja melhor a
pequena propriedade" (O. V. p. 185). Em o Crédito sobre o café (1927),
ele defende a política estatal intervencionista até então praticada - a
de valorização e defesa do produto, assinalando seu "êxito" e pro-
curando mostrar que a "liberdade de comércio" neste setor seria desas-
trosa e contraproducoote (p. 7, 9, 10). Justifica: "Entre nós só o Estado,
com os seus grandes privilégios, o seu poder de coerção, a sua força
moral, a sua autoridade política, poderia tomar a dianteira da organi-
zação da defesa, entrar resolutamente pelo domínio da economia pri-
vada e adotar o sistema da medida mais convinhável para conjurar
esta situação irregular da produção cafeeira" (p. 8).

8. Interpretação das revoluções brasileiras

Oliveira Vianna era de opinião que as revoluções populares eram de


todo inviáveis no Brasil: "Em regra, os movimentos revolucionários
têm uma origem e um caráter militares; rebentam de súbito, colhendo
de surpresa os órgãos do poder. Quando, porém, revestem um aspecto
popular, quem realmente intervém, como elemento dinâmico, para lhes
dar esse aspecto, é a ralé, a populaça, e não o povo, nas suas expressões
mais representativas: a burguesia e o proletariado" (P. M. B. p. 347).
Revoluções populares equivaliam, assim, às "arruaças e correrias"
(id. p. 347). Ele distinguia regionalmente as revoluções. As do extremo
sul do país - que considerava atípicas - seriam "belas" porque ali
"o povo não irrompe nunca sozinho no campo da luta; mas, sempre
sob a chefia direta de líderes de prestígio (id. p. 347). Na região Centro-
Sul, cujas populações exerciam uma "ascendência imensa sobre os gru-
pos regionais que lhes ficam ao sul e ao norte" e que por isso repre-
sentavam a "cabeça do poder, o centro do governo nacional", consti-
tuídas de um "povo laborioso e pacífico", estas, davam, às vezes, seu
"apoio moral" às revoluções, assistindo, todavia, retraídas e esquivas
"o desdobrar dos acontecimentos" (id. p. 347). Mostrava que "pela
ascendência moral que essas populações possuem sobre toda a nação, o
exemplo porventura dessem, de desobediência, de rebelião, de contu-

76 R.C.P. 2/74
mácia na reação contra essas medidas salutares de centralização e lega-
lidade, teria sido infinitamente mais perigoso do que o dos grupos do
norte ou do extremo sul. .. Mais do que isto; teriam naturalmente desen-
cadeado, pela força contagiosa da imitação, a torrente da revolução sobre
todo o país" (id. p. 358). Em síntese, o que distinguiria as revoluções
civis, nas zonas meridionais, seria "de um lado o seu caráter puramente
doutrinário, a sua origem exótica, extranacional; de outro, a ausência do
povo" cujo "manifesto estatismo" o fazia "crente da onipotência do Es-
tado" e assim avesso ao espírito revolucionário. "De modo que", pros-
segue Oliveira Vianna "a minoria intelectual, que é quem protesta e
organiza a reação, não podendo apelar para o grosso da população, é
obrigada a apelar para a ralé, recorrendo à populaça dos motins. Ou
então, para a força armada: daí o seu apelo costumeiro aos quartéis"
(id. p. 348). Explicava o "manifesto estatismo" de nosso povo pela
tradição colonial que ainda prevaleceria entre nós: "Peia-lhes o velho
costume colonial de considerar o poder coisa estranha à sociedade e su-
perior a ela e, por isso, incontrastável"; e não seria por outra razão que
o "herói" destas populações do Centro-Sul seria, não o "caudilho" ou
o "bandido"; mas sim o "homem de ideais e convicções, o reformador
político" que, de "posse do poder do Estado" possa realizar um "grande
programa de regeneração e moralidade públicas" (id. p. 344, 345). Tam-
bém a inaptidão "para a ação em conjunto, esse espírito de insolidarie-
dade" que seria traço psicológico distintivo do homem do Centro-Sul
- o seu individualismo, enfim - contribuiria notavelmente para "ate-
nuar" a capacidade de nossos "meridionais" para as "revoluções arma-
das" (id. p. 345).21 Mais tarde, ao "exotismo" e ao caráter "extranacio-
nal" dos movimentos revolucionários e das aspirações democrático-libe-
rais, Oliveira Vianna, acrescentará também as aspirações socialistas e
comunistas, segundo ele manifestações espúrias do "marginalismo" de
grupos minoritários de fanáticos - "minoria audaciosa de gol pistas"
(I.P.B. v. 2 p. 154,155).

9. Fontes teóricas e doutrinárias do pensamento sociológico de


Oliveira Vianna

O pensamento sociológico de Oliveira Vianna poderá ser incluído cer-


tamente no quadro geral do Positivismo, tal como este vem sendo for-

21 O que Vianna parece estar dizendo é que a liderança mais conseqüente de


nossa burguesia mais dinâmica, que possuía o seu pólo mais desenvolvido na região
C.entro-Sul, de o~de exercia sua_hegemonia sobre as demais regiões do país, repu-
dIava qualquer tIpo de revoluçao popular, exprimindo-se, antes, através de uma
liderança burocrático-reformista.

Pensamento político brasileiro 77


mulado do século XIX aos nossos dias. 22 Nos anos 10 e 20 de nosso
século ele permaneceu dentro do naturalismo sociológico, ou seja, da-
quelas correntes positivistas que procuravam transplantar para as ciên-
cias sociais o modelo e os métodos das ciências naturais. Aí estariam
compreendidos, como "versões" de uma mesma matriz ideológica o
organicismo spencerista, a mesologia - a sociedade humana como um
"resultado" combinado de clima, geografia e raça (aí incluindo-se, por-
tanto, a etnologia, a antropologia e a geopolítica, assim como o darwi-
nismo social) etc. Nos anos 30 e 40, acompanhando a evolução do pen-
mento sociológico positivista, ele adere ao antropologismo-funcionalista
(que denomina "culturologia"), mas não de maneira ortodoxa, man-
tendo aí suas tradicionais posições mesologistas e etnológicas. O Positi-
vismo certamente terá levado Oliveira Vianna à compreensão da reali-
dade social e política não como um devir histórico, mas sim como algo
dado em si - uma realidade definitivamente acorrentada a si mesma,
escrava de sua própria lógica intrínseca e específica - à qual o sociólogo
deveria limitar-se a reproduzir. Por isso mesmo, as contradições que
"eventualmente" aquela realidade apresentasse deveriam ser diluídas e
superadas pela teoria sociológica a fim de que esta realidade continuasse
como tal. Somente assim a sociologia seria uma ciência e não uma
utopia.

9.1 Em seu primeiro livro ele já mencionava as suas fontes teóricas:


a) a antropogeografia de Ratzel; b) a antropossociologia, de Gobineau,
22 O Positivismo "secção" ideológica do racionalismo idealista, empírico e român-
tico, do qual o comtismo seria apenas uma "expressão" entre outras, deveria, se-
gundo pensamos, ser analisado a partir de seu esforço de conciliar os "extremos"
em uma "grande síntese" - o científico e o religioso, burguesia e proletariado -
daí originando-se, certamente, o seu conservadorismo social e o seu cienillicismo
"místico" - uma "recuperação" do passado dentro do presente. Como o roman-
tismo, o positivismo exalta a natureza, a "lei do meio natural", as "leis naturais"
e daí o mesologismo - as leis naturais modelando e condicionando a sociedade
humana - o darwinismo social, o etnologismo etc. Também como o romantismo, o
positivismo exalta o indivíduo e o individualismo, e daí a teoria do gênio como
"força da natureza" e expressão maior do espírito humano - agente e modelador
da história. Romantismo e Positivismo valorizam o "regional" (a parte individua-
lizada do todo), a "especificidade" ( o direito costumeiro acima do direito escrito,
por ser aquele mais "natural", mais próximo à "realidade"), mas ambos, ao mesmo
tempo, buscam integrar as "partes", as "regiões" numa síntese superior, em um
"ente nacional" único, inabsorvível pelo universal - originando-se daí o nacio-
nalismo, o culto místico da "terra", da raça e do herói. Mesmo na consideração
"científica" da realidade, o Positivismo está imbuído de Romantismo, ao compreen-
der esta realidade de modo empírico, estreitando, assim, a "porção" cientificamente
captável e "liberando" à religião e à mística todas as demais partes desta rea-
lidade, não captáveis empírica e experimentalmente. Para o conservadorismo político
e social do positivismo ver sobretudo o Appel aux conservateuTs, uma das últimas
obras de Comte. Recentemente, Gouldner assinala que "le positivisme français ...
représentait un compromis de caractere romantique entre les vieilles notions d'ordre
hiérachique et le nouvel ordre bourgeois" (Gouldner Alvin, W. Romantisme et
classicisme dans la structure des sciences sociales. Diogene, n. 82, 1973, p. 113).
Para o romantismo político como expressão do individualismo burguês, ver Le TO-
mantisme politique, de Carl Schmitt, edição francesa de 1928. Para o "cientificismo
empírico" positivista, ver Pascual Jordan, La fisica deZ siglo XX. Fondo de Cultura.

78 R.C.P. 2/74
Lapouge e Ammon; c) a psicofisiologia, de Ribot, Sergi, Lange e
James; d) a psicologia coletiva, de Le Bon e Tarde; e) a sociologia
de Le Play e da Escola de Ciência Social, de Tourville, Demolins,
Poignard, Descamps, Rousiers, Préville e outros. Na realidade Oliveira
Vianna, até o final, permaneceu fiel a estes autores, acrescidos de alguns
poucos outros, mas quase sempre dentro da mesma linha doutrinária
e ideológica. Afirmava, em 1920, que aquele seu primeiro livro seria
uma tentativa de aplicação desses critérios à interpretação de nossa
história e de nossa formação social, tentativa a nosso ver coroada de
êxito, pois, de fato, ele "viu" o Brasil através daquelas perspectivas
teóricas. Com este instrumental doutrinário, dizia: "Todo o meu intuito
é estabelecer nele a caracterização social do nosso povo, tão aproximada
da realidade quanto possível" (P. M. B. Prefácio, p. IH). Ele se pro-
punha tentar corrigir as nossas deficiências no campo dos estudos sociais,
a nossa falta de "critérios objetivos", de "senso das realidades", de
excesso de "teorismos" e de apego a "ficções". Seríamos um povo sen-
timental e imaginativo e teríamos os nossos olhos fechados à "reali-
dade", para não vê-Ia (id. p. X). Advertia: "Esses povos, que assim
praticam o culto consciente e sistemático da própria ilusão, estão con-
denados a perecer. Quem os vai eliminar são esses rijos manipula dores
de fatos e realidades, esses povos práticos e experimentalistas, dotados
de um esplêndido senso objetivo das coisas" (id. p. XI). Afirmava:
"O problema da nossa salvação tem que ser resolvido com outros cri-
térios, que não os critérios até agora dominantes. Devemos doravante
jogar com fatos, e não com hipóteses, com realidades, e não com ficção
e, por um esforço de vontade heróica, renovar nossas idéias, refazer
nossa cultura, reeducar nosso caráter. Essa obra de reeducação, que é
também obra de organização e construção, só a empreenderemos se ...
sujeitarmos o nosso povo a uma análise fria e severa na sua com-
posição, na sua estrutura, nas tendências particulares da sua mentali-
dade e do seu caráter" (id. p. XII). Pouco mais tarde, diria: "No
Brasil, cultura significa expatriação intelectual. O brasileiro, enquanto
analfabeto, raciocina correntemente e, mesmo inteligentemente, utili-
zando o material de observações feitas sobre as coisas, que estão em
derredor dele e no alcance dos seus sentidos - e sempre revela em
tudo esse inalterável fundo de sensatez, que lhe vem da raça superior
originária" (P.E.P.S. p. 89).23 Em meados da década de 20, recoloca
a mesma perspectiva referindo-se a "espíritos positivos, libertos dos
preconceitos doutrinários, que consideram o problema da organização
política e constitucional de um povo um problema essencialmente prá-
tico, em cuja solução não deve entrar nenhum dado apriorístico, ne-
23 Parece-nos configurar-se aqui um impasse ideológico em Vianna: não sendo
ele próprio um analfabeto não se considerava, porém, um expatriado. Pouco antes,
afirmara que seu primeiro livro seria uma tentativa de aplicação de doutrinas euro-
péias à realidade brasileira. Aliás, até o final, ele procurará sempre chamar em
socorro de sua interpretação "objetiva" e "isenta" de nossa realidade, a autoridade
das mais recentes teorias e doutrinas européias e norte-americanas.

Pensamento político brasileiro 79


nhum preconceito de doutrina, mas exclusivamente fatos observados,
os dados da experiência, os fatores étnicos, sociais, econômicos e geo-
gráficos. .. Idealista é, pois, para nós, todo e qualquer sistema dou-
trinário ou todo e qualquer conjunto de aspirações políticas em íntimo
desacordo com as condições reais e orgânicas da sociedade que preten-
dem reger e dirigir", citando, em apoio, o "idealismo orgânico ... que
só se forma de realidade, que só se apóia na experiência, que
só se orienta pela observação do povo e do meio" tal qual José Inge-
nieros o conceituava (I. C. p. 9, 14, 15, 16 e 17). Seria o "idealismo
I'
orgânico", oposto ao "idealismo utópico" (id. p. 17). Mostra o "estado
ainda metafísico e nebuloso em que se envolvia a ciência política",
depois superado pela "fecundidade de aplicação dos métodos positivos e
experimentais ao estudo da evolução das sociedades humanas", recla-
mando uma "cultura positiva" entre nós (id. p. 95). Ainda nesta
década aludirá ao "moderno conceito de evolução social", ao qual adere,
apoiando-se em Gabriel Tarde, que postulava a "pluralidade das linhas
de evolução" - o pluricausalismo, ou seja, a "soma" de fatores étnicos,
econômicos, geográficos, históricos e climáticos como co-responsáveis
solidários pela evolução social - opondo-se assim, às "ortodoxias evo-
lucionistas", às "teorias unilineares" da evolução, características do
século XIX (E. P. B. p. 17). Ao fixar, porém, uma "hierarquia" entre
estes fatores e causas, Oliveira Vianna dá como prioritárias na expli-
cação do "social" as "forças oriundas do meio cósmico" - o solo, a
"base física da sociedade" (id. p. 21). Dizendo não aceitar aí a posição
extrema do "fatalismo geográfico de Ratzel", aceita, no entanto, o "pos-
sibilismo" de Vidal de La Blanche: "O estudo dessas modalidades
diferenciais oriundas das necessidades de adaptação de cada sociedade
ao seu meio cósmico, ao meio étnico e ao meio histórico, é o verdadeiro
objetivo da investigação científica contemporânea ... O que se procura
hoje, como objetivo imediato da investigação social, são os estudos
locais, os trabalhos monográficos, a análise particularizada de cada
agregado humano" (id. p. 24, 25). Assinalava: "É que cada povo tem ...
a sua maneira própria de ser e de existir - e essa maneira só a his-
tória, pela comparação de diversas fases evolutivas de cada um, é capaz
de definir com precisão" (id. p. 30). Afinal, do nosso "preconceito"
de sermos semelhantes aos outros "povos civilizados" é que adviriam
as nossas tendências de "copiar" e de "imitar" o estrangeiro (id. p. 31).
Concluía: "É preciso não perder de vista nunca este fato e convencer-
mo-nos que são eles, estes agentes locais, que terão sempre, nos des-
tinos das instituições importantes e das idéias imitadas, a palavra final
e definitiva" (id. p. 34). Aceitava, portanto, os postulados da "antro-
pogeografia econômica e política" (id. p. 37), recusando-se, expressa-
mente a "subordinar o nosso ritmo evolutivo a um suposto ritmo geral da
evolução humana": "o mais sábio caminho seria tomar ponto de par-
tida o nosso povo e estudar-lhe a gênese e as leis da própria evolução"
(id. p. 43, 44). Ressalvava: "Certo, a ação das correntes de civilização,
essencialmente uniformizadoras, tende a corrigir e contrabater a ação
dos agentes diferenciadores, isto é, a ação das particularidades locais do

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solo, da raça e da história; mas essa ação niveladora da imitação não
poderá ser tal que anule a ação toda poderosa daquelas" (id. p. 48).
Assim definia seu próprio método: "Somente os fatos me preocupam
e somente trabalhando sobre eles é que me infiro e deduzo. Nenhuma
idéia preconcebida. Nenhuma preocupação de escola. Nenhuma limitação
de doutrina. Nenhum outro desejo senão o de ver as coisas como as coisas
são - e dizê-las realmente com as vi" (id. p. 43). Era sua profissão de
fé positivista e empirista. Assinala o status teórico do historiador:
"O papel do historiador é justamente este, é realizar essa obra de rein-
tegração dos valores, depondo dos altares santificados os falsos ídolos e
pondo neles os benfeitores dos povos, os criadores reais da sua história
- em suma, os verdadeiros heróis" (0.1. Prefácio, p. VIII), sugerindo
que "antes de se mostrar homem do seu tempo, possa mostrar-se ho-
mem da sua raça e do seu meio" (I. C. p. 69). No elogio a Ingenieros,
Ao diz: "Entretanto, esse idealista, assim tão ardentemente voltado para o
futuro, não repudia o passado. Para ele, o passado é útil, o passado é
precioso: nele é que vamos encontrar o arquivo das experiências feitas
pela sociedade; nele, portanto, é que vamos buscar as lições dos nossos
erros; nele é que vamos inquirir das diretrizes da nossa evolução futura"
(I. C . p. 134). Logo a seguir, sempre seguindo Ingenieros, reconhece
que se "torna essencial o conhecimento dos tempos atuais, o estudo da
experiência social presente", mas condicionando de imediato, no en-
tanto, que este estudo "deve descartar as ficções imaginosas", que se-
riam aquelas "que não representam uma perfeição possível do real".
concluindo que "o elemento fundamental da excelência de um ideal, da
vitalidade de um ideal é, pois, a sua adaptação à realidade social"
(id. p. 135). 24 Classifica Ingenieros como um spenceriano e endossa o
seu "idealismo orgânico": "O idealismo de Ingenieros não é o idealismo
dos místicos, nem o dos metafísicos, nem o dos moralistas, nem o dos
teólogos, nem o dos poetas: é o idealismo de um espírito para quem a
sociedade existe, para quem o inconsciente social existe, para quem
as leis sociais existem. É o idealismo do cientista, do naturalista, do
sociólogo, que considera uma sociedade um ser tão vivo quanto um
animal ou uma árvore" (id. p. 137). Como o pensador argentino,
reclamava ele também a "nacionalização dos idealismos": "Cada grupo
humano deve ter o seu idealismo próprio, nascido da sua experiência
24 Vianna fazia, assim, em sua sociologia conservadora, uma "ponte ideológica"
entre o passado e o futuro, sendo o presente aí avaliado em função deste pas-
sado e o futuro, um potencial também do passado. O critério para a avaliação
da "experiência social presente" seria a sua conformidade com a "realidade social"
que é, afinal, dada pelas linhas diretivas do passado histórico. O conceito de "per-
feição possível do real" dá bem a medida de uma valorização ideologicamente con-
servadora deste passado. Isto explicará, talvez, como o pensamento sociológico
de Vianna em parte coincidia com a nossa evolução política e, em parte apresen-
tava-se sob o tipo de "contra a maré". Era "profético" sempre que, naquela evolu-
ção política, os elementos do passado se afirmavam como dominante, condicionando
de modo "conservador" esta evolução; era "contra a maré" sempre que a nossa
evolução política negava qualitativamente aquilo que do passado tentava permanecer,
mas era historicamente superado.

Pensamento politico brasileiro 81


histórica e da sua experlencia social" (id. p. 138). Esta "nacionaliza,
ção dos idealismos" é justificada por ele como uma reação contra a
tendência e o "entusiasmo" dos latino-americanos pelos "idealismos exó-
ticos" e pelos "idealismos universais" (id. p. 140). Concretamente, no
pensamento sociológico de Oliveira Vianna isto significava que a "na-
cionalização dos idealismos" era, de fato, uma reação às aspirações li-
beral-democráticas e, mais tarde, socialistas - as que seriam afinal, as
consideradas exóticas por ele. Eis como explicava esta reação: "Os
nossos mestres de civilização, os nossos professores de progresso e de
cultura, nem sempre nos servem o melhor exemplo, nem sempre nos
ministram a melhor lição. .. O nosso espírito é o da fraternidade entre
os homens - e eles nos fazem sonhar com as guerras de classe, com
as lutas entre o capital e o trabalho, transportando para estas terras
fartas, onde sobre o pão, os preconceitos e as rivalidades das terras
pobres, onde o pão escasseia" (id. p. 145). Em 1930, no prefácio de um
de seus livros, ele usa de uma imagem muito rica para definir as fun,
ções do sociólogo: é aquela do guia Lopes, na retirada da Laguna, o
qual, como "homem prático" salvou da dizimação total as nossas tropas
então instruídas pela oficialidade que possuía apenas o conhecimento
"teórico" do terreno sobre que se moviam. O sociólogo deveria, justa-
mente, comportar-se de modo "objetivo" e "realista", como o guia Lopes
o soubera fazer (D.P.O. Prefácio). Elogiando Alberto Torres, explicita:
"Torres lança simplesmente sobre a nossa atualidade os seus olhos obser-
vadores e procura ver, sem fumos de preconceitos, normalmente, na-
turalmente, o que se passa em torno de si, nas coisas, nos homens, no
ambiente. .. Dir-se-ia que o mundo exterior lhe entra, em impressões
sucessivas, através dos sentidos, a consciência - e estas impressões so-
frem aí apenas o trabalho lógico do julgamento e da síntese, sem outros
fatores senão elas mesmas e as leis gerais do pensamento. .. Verdades
tiradas do concreto e do vivo ... as que aqui se encontram são supe-
riores às divergências de escola, de orientação ou de sistema: são fatos
e, como fatos, impõem conseqüências que é forçoso aceitar" (id. p. 233).
São textos reveladores, como se percebe, da metodologia positivista e
empírica de Oliveira Vianna. Alude aqui, também, ao "moderno idealis-
mo pragmático" (id. p. 70), como um modelo a seguir. Mais tarde ele
revelará seu romantismo: "Kidd acentua muito bem que tudo, no mo-
vimento social moderno - no que toca ao problema social, à socializa-
ção crescente e ao Estado intervencionista - tudo é uma questão de
sentimentos e não de razão. Do que se trata é de um fato emocional e
não de um sistema racional" (D.T.D.S. p. 176, nota n.o 5). Posterior-
mente, ele ainda incidirá numa típica inversão idealista, própria do fun-
cionalismo (faz mesmo referência a Malinovsky): ao considerar o "có-
digo moral" da nobreza, as "normas", o "modelo ideal" - como reais -
passa a interpretar as condutas atípicas e não-conformistas face aos mes-
mos como "desviantes" e patológicas (I.H.S.E.C.B. p. 132). A "obje-
tividade" para ele equivaleria ao "senso cientüico da realidade - isto
é, uma visão pragmática"; queria o "homem como ele é; a sociedade,
como ela é" (P. O. P . D. p. 150, 156). Referindo-se ao "Brasil-real" di-

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zia que este era "o nosso povo-massa tal como ele é" (L P. B. v. 2
p. 22); "o Brasil como ele é, tal como o modelaram quatro séculos e meio
de história e de civilização" (id. p. 95). Em Instituições políticas brasi-
leiras, de 1949, Oliveira Vianna anuncia seus princípios "culturológicos",
ou, de fato, o antropologismo-funcionalista: "O meu objetivo será,
pois ... estudar o nosso direito público e constitucional exclusivamente
à luz dos modernos critérios da ciência jurídica e da ciência política:
isto é, como um fato de comportamento humano. Dentro deste cri-
tério, os problemas de reformas de regime convertem-se em problemas
de mudança de comportamento coletivo, imposta ao povo-massai por-
tanto, em problemas de cultura e de culturologia aplicada" (I. P . B. p.
35). Aos seus autores citados nos anos 10 e 20, como Gobineau, Lapouge,
Ammon, Ratzel, Tarde, Le Play, Le Bon, Ribot, Ingenieros e tantos ou-
tros, somam-se agora, nos anos 30 e 40, Spengler, Boas, Frobenius, Krets-
chmer, Ralph Linton, Allport, Malinovsky, Sorokin, Merriam, Moreno,
R. Benedict, Donald Pierson, Mauss, R. Lynd, Mac Iver, Mumford,
Ogburn, Redfield, L. White, assim como toda a plêiade de juristas da
Suprema Corte norte-americana. Mesmo dentro da "cultorologia" e do
funcionalismo, no entanto, Oliveira Vianna assumia determinadas posi-
ções (justificando-as como não-ortodoxas) que o levavam, realmente,
a recuperar suas tradicionais convicções etnológicas, fideístas e românti-
cas. 25 Ele criticava o panculturalismo de Spengler, de Boas e de Fro-
benius, que, segundo ele, radicalizava e extremava o conceito de cultura,
a qual se tornaria, assim, uma verdadeira "entidade metafísica". O indi-
víduo estaria ali subavaliado e ele se enfileirava, confessadamente, nas
correntes que dentro da culturologia bucavam uma "restauração do in-
divíduo". Através desta cunha ele restabelecia o princípio do histórico e
do social como fruto da ação do indivíduo e esta era vista como produto
do meio e da raça: "O meu ponto de divergência com os antropologistas
americanos da escola culturalista, Boas e seus seguidores, é que eles
consideram a "cultura" como um sistema social que encontra explicação
em si mesmo, ao passo que eu, embora aceite a concepção central da
etnologia americana ... contudo não aceito o panculturalismo desta es-
cola, que quer tudo explicar em termos de 'cultura', até os fenômenos
fisiológicos, e se recusa a fazer intervir, na formação e evolução das
sociedades e da civilização, os fatores biológicos, negando qualquer in-
fluência ao indivíduo ou à raça e à sua poderosa hereditariedade" refe-
rindo-se aqui à "irredutibilidade da pessoa humana" (id. p. 72, 78). Re-
sumia: "Em suma, o quadro clássico dos fatores da Civilização e da
História se está restaurando. Em vez de uma causa única - meio só
(Buckle) ou raça só (Lapouge), ou cultura só (Spengler, Frobenius,
Boas) - a ciência confessa que tudo se encaminha para uma explica-

25 O que nos parece que seduzia a Vianna na "culturologia" era sobretudo o


seu enfoque sociológico e antropológico conservador. Ele se referia à "tendência dos
complexos (culturais) à estabilidade e, portanto, a resistir às inovações" (I. P. B.
p. 93). Estas "inovações", conforme vimos, poderiam ou não ser consideradas atípi-
cas, desviantes, patológicas, anômalas etc. a partir de uma perspectiva ideológica
dQ valores conservadores.

Pensamento político brasileiro 83


ção múltipla, eclética, conciliadora: Raça +
Meio +
Cultura" (id. p. 86).
Oliveira Vianna, então, aplica a culturologia ao seu esquema dicotômico
"Brasil-real" versus "Brasil-legal", reduzindo-o a um "conflito de cultu-
ras" - cultura do povo-massa "direito-costume", autêntico - e cultura
das elites - "direito-lei", inautêntico - cujas implicações já foram refe-
ridas em outra parte deste estudo. 26 Mas a partir de sua perspectiva da
"irredutibilidade da pessoa humana" conclui que o conflito de culturas
teria sido, afinal, superado pela ação "realista" de uma fração diminuta
das próprias elites "inautênticas" - alguns "homens excepcionais" e
iluminados, que assim o eram por razões estritamente biotipológicas de
raça e hereditariedade. O curioso é que o conflito de culturas havia sido
superado por esta "minoria diminutíssima" - conservadores autoritá-
rios e centralizadores - não por um recurso deles à cultura do povo-
massa, que seria a autêntica (uma vez que se declara que eles nada de-
viam a este povo-massa) e sim pelo carisma, por uma "inspiração pró-
pria". Também o funcionalismo é aplicado à nossa realidade: "Os pres-
supostos funcionais de uma estrutura democrática moderna, de tipo
Estado-Nação, há de ter o seu assento principal num "complexo cultu-
ral", que deve ser anterior e preliminar à instituição deste tipo de
Estado: e que é a capacidade de cada cidadão para subordinar, ou mesmo
sacrificar, os seus egoísmos naturais e os seus interesses pessoais (de
indivíduo, de família ou de clã) aos interesses gerais ou coletivos dos
grupos ou comunidades maiores a que ele pertence (aldeia, comuna, pro-
víncia, Nação). Sem esta base preliminar, é certo que a estrutura demo-
crática ... degenera e se corrompe" (id. p. 200). No segundo volume de
Instituições políticas brasileiras ele menciona três estágios da metodo-
logia sociológica no Brasil: a) a clássica - que seria aquela praticada
pelos bacharéis - jusnaturalista, normativa, formalista, jurisdicista, ads-
trita à normatividade da lei e incapaz, por isso mesmo, de ver por detrás
e acima desta, a realidade social; cita, como exemplo, Ruy Barbosa;
b) a objetiva - que estaria a meio caminho entre a clássica e a moderna;
aqui já se considera a realidade social brasileira de modo "objetivo",
científico, mas ainda um tanto vinculada ao normativismo; o exemplo ci-
tado é o de Alberto Torres; c) a moderna, ou sociológica propriamente
dita - esta, "objetiva", "científica", "realista" fundamentada no antro-
pologismo e no funcionalismo; o exemplo é o próprio Oliveira Vianna
(id. p. 33, 34). Enquanto as duas anteriores seriam "especulativas",
"cruzadas idealistas", "escolásticas", a "moderna" - a sua - seria "rigo-
rosamente científica", isenta de "qualquer elemento apriorístico ou emo-
cional", bem como de "preconceitos ideológicos" ou de "simpatias dou-
trinárias" (id. p. 58, 60). Cita e reconhece a influência de Le Play sobre
seu pensamento sociológico: "Le moment est venu de substituer aux
luctes stériles, suscitées par les vices de l'ancien regime et par l'erreur
26 Como já nos referimos na nota n.o 7, o "conflito de culturas" dar-se-ia so-
mente ao nível do direito político, constitucional, e nunca ao nível das instituições
de direito privado: "No nosso Código Civil e no Código Criminal, o nosso direito-lei
e o nosso direito-costume coincidem ... No campo, porém, das instituições políticas
e do direito constitucional ... a situação é inteiramente outra" (id. p. 126, 127).

84 R.C.P. 2/74
das révolutions, une entente féconde fondée sur l'observation des faits"
(La reforme sociale en France, 1874 (id. p. 96). Afirma: "Todo grupo re-
gional é produto desta fórmula: meio-cultura-raça ... Cada um destes
fatores ocorre, porém, na composição de equação do grupo, em propor-
ções diversas, ora mais, ora menos, variando ao infinito, para cada um
deles, nas suas combinações. .. Para esta análise discriminativa, talvez
mais fecundo e aconselhável. .. seria o "método intuitivo", que Spen-
gler, aliás, neste ponto com razão, preconizava" (id. p. 104, 110).27
Finalmente, ele expõe sua teoria da mudança social que julgamos de im-
portância para a compreensão do conjunto de sua obra e de sua perspec-
tiva ideológica. Otveira Vianna se fixa no conceito de "lentidão da evo-
lução das realidades sociais" (id. p. 131), postulando expressamente uma
perspectiva "evolucionista" e nunca "revolucionária". Notamos que em
parte alguma de sua obra anterior ele se sentira compelido a formular
• uma teoria da mudança social, somente o fazendo agora, quando o nosso
país, após 1945, entrava na chamada fase de "redemocratização". Assim
coloca, então, o tema: "É uma mudança, sem dúvida; mas, esta mudança
há de ser obra do tempo - e só do tempo - sem a sanção do qual nada
que o homem faça tem possibilidade de duração. Só então, depois deste
longo processo transformador, estas populações (brasileiras) - hoje
imobilizadas na rotina das suas velhas tradições - estarão preparadas,
culturalmente, para receber - sem riscos de desarmonia e desequilíbrios
- esta civilização política, de tipo metropolitano e 'marginalista", que
estamos elaborando à beira das nossas praias, à orla de nossos litorais
vastíssimos - vária, instável, cambiante" (id. p. 132). Trata-se, como se
percebe, de uma "concessão" que ele fazia às novas realidades emergen-
tes no pós-guerra. Orientava-se aqui por Ogburn (Social change), Herz-
tler (Social progress), Sims (The problem of social change) , Rosen
(Techonology and society), Mumford (Tecnics and civilization) e Mer-
riam (The role of politcs in social change). Adverte: "Estas mudanças
endógenas não ocorrem, porém, nunca por subversão ou 'golpe'; são
obras do tempo, nascem de lentas e imperceptíveis desintegrações de
complexos culturológicos e de alterações morfológicas, paulatinamente
processadas na estrutura do grupo" (id. p. 137, 138). Em essência, Oli-
veira Vianna não admitia a possibilidade de qualquer mudança social
em nosso país, que fosse de uma nova qualidade, a não ser pela ação
do Estado e conforme as linhas históricas de nosso passado. Enquanto
considerava, por exemplo, o Estado Liberal, nos Estados Unidos, o resul-
tado de uma prática política de uma opinião pública estruturada e cons-
ciente (id. p. 165), no Brasil o liberalismo teria sido uma "outorga" de
certas elites "equivocadas", colocadas dentro do Estado, a um "povo-
massa" apático e fundamentalmente desinteressado de irlstituições de-
27 Vianna "conciliava" a análise sociológica "objetiva", "rigorosamente cientüica",
isenta de "qualquer elemento apriorístico ou emocional", assim como de "preconcei-
tos ideológicos" ou de "simpatias doutrinárias" com o método intuitivo" - o in-
tuicionismo de base fideísta. Parece-nos, contudo, tratar-se de um evidente impasse
ideológico.

Pensamento político brasileiro 85


mocráticas (id. p. 149). Procura mostrar que haveria duas técnicas atra-
vés das quais o Estado poderia promover "uma alteração de estrutura
ou de mentalidade num determinado grupo social (grupo; povo; nação):
a) a técnica liberal; b) a técnica autoritária" (id. p. 149) e conclui
que entre nós somente a técnica autoritária seria capaz de promover
a transformação social "necessária" desde que, esclarece, não contra-
riasse os nossos "costumes" - aqueles longamente sedimentados
por nossa história (id. p. 149, 150, 153). A técnica liberal, adverte,
fora sempre frustrante e decepcionante. Quanto ao comunismo - pro-
blema em que se detinha longamente naquele pós-guerra - prevenia:
"O mesmo ocorrerá com o nosso problema da reforma social - ou me-
lhor, do comunismo. No caso em que viéssemos porventura a experi-
mentá-lo aqui - mediante um 'golpe' vitorioso - tudo se resumiria,
afinal, na tentativa de adoção de um padrão de conduta novo e estranho ..
a nós, 'emprestado' de um povo que não tem nenhuma afinidade cultural
conosco ... O comunismo dos 'golpistas" no Brasil viria, em conseqüên-
cia, impor aos brasileiros - principalmente aos rurais - uma violenta
subversão das suas motivações tradicionais e históricas" (id. p. 153,154).

Bibliografia de Oliveira Vianna nas edições consultadas para o


presente estudo

D . T . D. S. Direito do trabalho e democracia social. 1. ed. 1951.

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no Brasil. 1. ed. 1958.
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86 R.C.P. 2/74
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ção na sociologia brasileira. 1956.

O crédito sobre o café. Tese apresentada ao Congresso do Café,


12-10-1927, S. Paulo.

LIVRARIAS DA FGV

RIO DE JANEIRO BRASILlA

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Te!.: 222-4142 Te!.: 288-3893

o papel do Parlamento 87

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