Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
FILOSOFIA I
LETÍCIA MARQUES CAMARGO
2008.2
Robinson Crusoé, primeiramente, não pode ser entendido em uma época anterior a
que ele foi escrito, portanto, quando Defoe escreve o romance, o que ocorre é a
transposição do contexto de sua época para seu personagem. Uma época em que
os caminhos da modernidade capitalista estavam sendo traçados, os paradigmas
liberais e o mito de origem do homem como indivíduo isolado eram legitimados.
Isso é o que foi escrito por Defoe, no século XVII, mas se retirarmos o Robinson
Crusoé da literatura, se déssemos vida à personagem, o que realmente
aconteceria?
“... o tema de Robinson em Defoe não era somente uma história, mas o
‘instrumento de uma pesquisa’: pesquisa que parte da ilha deserta e que pretende
reconstituir as origens e a ordem rigorosa dos trabalhos e das conquistas que delas
decorrem com o tempo. Mas é claro que a pesquisa é duas vezes falseada. De um
lado, a imagem da origem pressupõe o que ela pretende engendrar (cf. tudo o que
Robinson tirou dos restos do naufrágio). De outro lado, o mundo re-produzido a
partir desta origem é o equivalente do mundo real, isto é, econômico ou do mundo
tal como seria, tal como deveria ser se não existisse a sexualidade (cf. a eliminação
de toda sexualidade no Robinson de Defoe).” (Deleuze, 1998; p.312)
Para Deleuze, então, o homem que é retirado de seu convivo social e transportado
para uma ilha deserta, terá perdido a capacidade de enxergar o mundo conforme
sempre enxergou. Ele terá uma percepção diferenciada de tudo aquilo que
aprendeu, ou simplesmente não saberá mais reconhecer o que é bom ou ruim. A
função do outro, é mais do que meramente uma companhia agradável, ou uma
relação que está exclusivamente baseada nas relações econômicas da sociedade. O
outro justifica sob seu olhar e seu julgamento, o que realmente somos. O outrem
não é apenas outro ser humano, mas sim toda a estrutura possível, todas as
possibilidades humanas.
“Outrem como estrutura não é, portanto, uma “forma” num campo perceptivo, mas
um Outrem a priori, isto é, “a existência do possível em geral”, na medida em que
existe apenas como expressão num rosto, como expresso em um exprimente que
não se parece com ele. Ora, é por definição que o possível só existe enquanto
expresso. O possível é o que pode vir a ser, mas não é, ainda não é. Sua única
realidade possível é a de ser um expresso. E o que é mais importante: só existe
como um expresso num exprimente (rosto, voz), que não se parece com ele. O
rosto não imita o que vê, mas expressa. “O semblante terrificado não se parece
com a coisa terrificante, ele a implica, a envolve como algo de diferente, numa
espécie de torção que põe o expresso no exprimente.” (Deleuze, 1998; p.317)
Portanto Robinson Crusoé, privado de sua convivência com outras pessoas, teria
um árduo trabalho antes filosófico do que técnico. Ele teria de desenvolver todo um
novo processo de conhecimento. É outrem que nos “ensina” a sentir a preexistência
de um objeto seguinte, de um acontecimento por vir. Há todo um campo de coisas,
nesse instante, invisíveis para mim, mas visíveis para outrem, para outros, que
constitui um campo de virtualidades e de potencialidades capazes, a qualquer
momento, de se atualizarem. Sem essa ajuda de outros olhos, eu não sei o que
vejo.