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A solidão urbana estará indelevelmente marcada por viver no interior dos espaços
citadinos e não para além dos seus perímetros. O que é bem diferente da prática ritual do bode
expiatório mandado para o deserto e que René Girard (1982) tão bem estudou ou do farmakós
que, enquanto veneno social se transformava em remédio para os males da sociedade grega
ao ser expulso para o exterior da polis para bem de todos. A solidão parece ser agora
intrínseca ao colectivo. Bem diferente, inclusive, também, da solidão procurada e até elogiada
por Montaigne que, vivendo-a intencionalmente nos seus retiros bucólicos, encontrava nela a
força para pensar o que estava fora: o estado e o universo. Diferente da solidão mística dos
anacoretas que, após o reconhecimento do cristianismo por Constantino, rejeitam, no silêncio e
no retiro, a nova burocracia da organização urbana das comunidades cristãs, procurando
construir no deserto a verdadeira cidade de Deus.
São os enciclopedistas e as Luzes que vão fazer o elogio da vida em comum. Diderot
afirmava mesmo que “o homem nasceu para a sociedade”, sem prejuízo de fazer o apanágio
do ser moral que, virando-se para o seu interior, se liberta das contingências e do imediatismo.
Valoriza-se o ideal comunitário e, com ele, a essencial sociabilidade do ser humano. Apenas
Nietzsche, contra a corrente, irá ver no gregarismo uma expressão da fraqueza humana a que
os fortes não se sujeitam.
Mas que solidão é então esta que se ergue no âmago do colectivo e parece ser-lhe
inerente? Qual a especificidade da solidão urbana? Da “cidade-mundo” à “cidade mundial” que
novas solidões se inauguram? A primeira representa, pela condensação da humanidade, a
urbanização do mundo; a segunda é expressão da meta-cidade virtual construída não com
betão mas com as imensas e complexas redes de comunicação. A verdade é que naquela a
proximidade física do outro, quebrando o isolamento, não deixa de gerar isolamento; nesta, a
possibilidade de um contacto instantâneo com todo o mundo coexiste com a anulação do face-
a-face.
Estando perante dois fenómenos sociológicos com um impacto contemporâneo vital,
não podemos deixar de pensar como contribuem eles para o fomento ou superação da solidão
enquanto ocorrência antropológica e eticamente negativa, ou seja, enquanto ela socialmente
corrói a relação intersubjectiva e a solidariedade e, individualmente, compromete a felicidade, a
esperança e a auto-estima. Julgamos ser inevitável pensar que o aparente incremento dos
fenómenos de solidão negativa (por oposição à solidão procurada, por exemplo, por escritores,
artistas e outros pensadores que nela buscam um estímulo reflexivo e criativo), se prende com
a decadência dos padrões comunitários de vida, a expansão do individualismo e a implantação,
segundo a terminologia durkheimiana, da chamada solidariedade orgânica. O individualismo
característico da sociedade de massas seria o responsável pelo fim do sentido da relação de
entreajuda e de conhecimento recíproco das comunidades pré-industriais, seria a causa de um
isolamento propiciador da solidão. Com o fim das grandes distâncias, a circulação instantânea
e ubiquitária da informação e a implantação da proximidade urbana, eis que, desmembrando-
se a unidade e isolamento dos grupos comunitários, se instituem paradoxalmente os contextos
das grandes solidões. As pessoas vivem juntas não tanto por se identificarem umas com as
outras, o que geraria ou pressuporia sentimentos e atitudes de partilha, mas apenas porque
são úteis umas às outras no que se refere sobretudo à protecção assegurada pelas instituições
de saúde, educativas, recreativas, policiais e outras, bem como pelo acesso facilitado ao
consumo. Trata-se assim, como nos lembrou Robert Ezra Park num texto datado de 1929 (“La
ville comme laboratoire social”, in Y. Grafmeyer; I. Joseph, L’École de Chicago, naissance de
l’écologie urbaine, 2004, pp. 167-179), de viver relações de simbiose e não propriamente
relações sociais. Dentro daquele que foi o espírito da Escola de Chicago, este investigador
debruçou-se ainda sobre os vários sectores sociais, culturais e étnicos da cidade, as chamadas
áreas naturais, constatando que tais mundos, embora tocando-se, nunca se interpenetram
completamente, isto sem prejuízo de se valorizar a possibilidade de expansão das
potencialidades individuais que os meios urbanos proporcionam.
Com efeito, como nos alerta por seu turno Bauman Zygmunt (2003, pp. 13, 14), a
comunidade, nomeadamente pelo fortalecimento dos vínculos de pertença, traz-nos segurança
na justa medida em que nos priva de liberdade, sucedendo o inverso com a sociedade. Se
aquela acaba por gerar uma certa forma de escravidão, esta, nas suas expressões de
individualismo extremado, condena-nos ao abandono, ao isolamento, a um “convivência de
solitários” (idem, p. 63), eventualmente iludida com fugazes vivências de práticas colectivas
como as manifestações ou outros actos cívicos, ou então com a integração nas chamadas
comunidades estéticas em torno de um ídolo, de uma música ou de uma causa mobilizadora.
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