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CURSO DE DIREITO
São Luís
2014
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São Luís
2014
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CDU 340:372.82
3
Aprovada em ____/____/____
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________
Profa. Ms. Amanda Costa Thomé Travincas (Orientadora)
Mestra em Direito - (PUC-RS)
Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB
_____________________________________________________
Prof. Ms. Thiago Vieira Mathias de Oliveira
Mestre em Direito – UEL - PR
Professor da Escola Paulista de Direito da Fundação Getúlio Vargas
(FVG Direito SP) e da Universidade São Judas Tadeu
_____________________________________________________
2º Examinador
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha mãe, por estar sempre ali para me dar suporte em toda
essa jornada, me aceitando como sou, me acolhendo e sendo um exemplo de
mulher.
Ao meu pai, Luís Fernando, por toda a noção de retidão e de caráter que
me passou; por me ensinar a sonhar com os pés no chão e nunca deixando de fazer
tudo isso com amor.
A Lucas, Fernanda e Luís Fernando Jr., os melhores irmãos que alguém
pode desejar.
Aos meus amigos, todos eles, com muito amor, por estarem ao meu lado
e serem meu porto seguro em qualquer momento de aflição.
À Lucas, Esperanza, Vitória, Thamires e Isabel, pela estabilidade e
paciência que me dão.
Ao professor Eder Fernandes, por ter-me aberto a porta do Direito
Constitucional, que me fez me apaixonar de vez pelo curso.
Aos professores Ísis Bastos e Roberto Almeida, cuja compreensão foi
essencial para que esse projeto se tornasse possível.
À professora Amanda, orientadora querida e compreensiva, que
consolidou meu amor aos direitos fundamentais e sempre me deu um puxão de
orelha, daqueles com amor, sempre que eu saía um pouco da linha.
Ao professor Roger Raupp Rios, que se abriu ao diálogo comigo, me
ajudou nessa caminhada com humildade e confiança.
E, finalmente, ao Igor, por me mostrar que o amor existe.
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RESUMO
O presente estudo traz à baila o embate entre o direito de expressar a sua própria
religião e o direito à autodeterminação sexual, quando se trata a liberdade religiosa
como fator essencial da crença e o direito do homossexual de não ser agredido por
palavras. Faz-se uma análise do caso Saskatchewan H.R.C v. Whatcott, julgado
pela Suprema Corte Canadense, para embasar a possibilidade de limitação de
liberdade de expressão quando o objeto desta é a homofobia. Discute-se,
primeiramente, o direito geral à liberdade religiosa e suas imbricações, nesse
contexto, ressaltando a importância e o perigo do proselitismo como elemento
massificador de opinião e o hate speech. Trata-se dos direitos do homossexual,
dando ênfase à proteção da liberdade e da igualdade visto que são de uma
categoria por vezes desumanizada e relegada ao segundo plano dentro da
democracia.
ABSTRACT
This study brings to the table the clash between the right of express one’s own
religion and the right to a sexual self-determination, regarding the religious freedom
as an essential requirement of the belief and the right of the homosexual to not be
abused by words. An analysis of the case, adjudicated by the Supreme Court of
Canada – Saskatchewan H.R.C v. Whatcott – is made, with the escope of giving
basis to the possibility of limitation of the freedom of expression everytime the
objective is homophobia. It is argued, first, the general right of religious freedom and
all of it’s imbrications, in this context, highlighting both the value and the harm of the
proselytism as an massifying element and the hate speech. It adresses the rights of
the homosexual, emphasizing the protection of it’s freedom and equality, given that
they are a category of persons of whom is usually dehumanized and downstaged to
a second groundwork within democracy.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................... 8
2 O DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO RELIGIOSA .................... 11
2.1 Introdução a Conceitos Essenciais ....................................................... 11
2.2 A Incidência e o Alcance do Direito à Liberdade Religiosa no 16
contexto Brasileiro..................................................................................
2.3 A Liberdade Religiosa como Liberdade de Expressão: o 20
Proselitismo ............................................................................................
3 A TUTELA JURÍDICA DOS DIREITOS DE IDENTIDADE SEXUAL: A 24
AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL ...........................................................
3.1 Tutela Geral dos Direitos de Personalidade ......................................... 24
3.2 A Incidência e o Alcance do Âmbito de Proteção do Direito de 26
Autodeterminação Sexual dos Homossexuais ....................................
3.3 Homofobia, Discurso Homofóbico e Proteção do Homossexual ....... 30
4 OS LIMITES DO PROSELITISMO: UMA ANÁLISE DA DECISÃO DA 35
SUPREMA CORTE DO CANADÁ ............................................................
4.1 Uma Breve Introdução do Sistema Jurídico Canadense ..................... 35
4.2 Panfletos Religiosos Homofóbicos no Canadá – O Caso 36
Saskatchewan H.R.C. vs Whatcott ........................................................
4.2.1 A defesa de Whatcott ................................................................................ 37
4.2.2 A resposta da Suprema Corte ................................................................... 38
4.3 A possibilidade da Restrição à Liberdade de Expressão e a 42
Laicidade Estatal .....................................................................................
4.4 O rastro do Discurso Homofóbico proferido por uma Autoridade ..... 45
5 CONCLUSÃO ........................................................................................... 48
REFERÊNCIAS ........................................................................................ 50
ANEXOS ................................................................................................... 56
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1 INTRODUÇÃO
Discussões acaloradas têm sido travadas no que diz respeito ao tema dos
direitos dos homossexuais. Não é um tema novo, mas está em evidência, pois
diversos acontecimentos vêm se dando no mundo dos fatos que refletem no Direito
como um todo. O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, ao decidir a ADPF 132
pelo reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, em 2011, e o
apelo da parcela da população que faz parte do grupo LGBTT por igualdade de
direitos e diminuição da sua opressão são exemplos de como tanto o Estado quanto
a sociedade têm agido em relação ao tratamento da homossexualidade como
condição pessoal no mundo das coisas.
Nesse momento que áreas mais conservadoras da população dão as
caras, mostrando o seu posicionamento acerca dos temas referentes aos direitos
dos homossexuais. Autoridades institucionais religiosas vêm, veementemente,
desconstruindo o discurso da liberdade e da igualdade com argumentos dogmáticos
de suas profissões religiosas, relegando o homossexual a uma desumanização sem
precedentes.
O poder que a religião ainda tem e reproduz a seus fiéis é enorme, logo, a
liberdade de expressão religiosa se torna uma ferramenta muito eficaz para
propagar dogmas que não coincidem com a realidade, fazendo com que uma
multidão de crentes acreditem e reproduzam tal discurso dogmático religioso em
casa, nas mesas de discussão, com os amigos, na praça pública como um todo.
E a problemática enfrentada por esse trabalho se apresenta nesse exato
momento: quando um fiel reproduz um discurso, seja com o intuito de exercer o seu
direito à liberdade de professar a própria crença, seja com intuito proselitista de
arrebanhar novos fiéis para o seu culto, acaba por desumanizar e ofender o
homossexual no seu íntimo, proferindo o chamado discurso de ódio e o entendendo
como exercício comum do seu direito de liberdade de expressão.
Começa-se por explanar algumas categorias da teoria do Direito
Constitucional e dos Direitos Fundamentais que são essenciais para a compreensão
dos fenômenos acima descritos. Perpassamos pela teoria principiológica de Robert
Alexy, do suporte fático amplo e da possibilidade de restrição de direitos
fundamentais pela regra da ponderação. Adentra-se na seara da eficácia dos
direitos fundamentais, destacando a eficácia privada destes.
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exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de
culto e suas liturgias;” do inciso VII: “é assegurada, nos termos da lei, a prestação de
assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;” e do
inciso VIII: “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política [...]”. (BRASIL, 1988).
Da leitura dos dispositivos constitucionais e do magistério de Weingartner
Neto (2007), delimita-se alguns pontos do suporte fático do direito fundamental de
liberdade religiosa, tendo em mente que tal elemento de uma disposição
constitucional jusfundamental se relaciona com os bens jurídicos protegidos pela
norma mas “que nem sempre se afiguram de fácil identificação, especialmente em
decorrência das indeterminações semânticas presente no texto normativo
(disposições) que asseguram direitos fundamentais [...].” (SARLET, 2012a, p. 396).
Com o objetivo de demonstrar que a liberdade religiosa deve ter o seu
suporte fático entendido como o mais alargado, devido à importância que tal
liberdade pública tem na cultura e na sociedade, Pires (2012, p. 54) esclarece que
as liberdades tiveram um tratamento o mais amplo possível na Carta Magna,
mormente no que concerne à liberdade de valores e consciência individuais, uma
vez que tais aspectos se traduzem numa esfera extremamente pessoal que engloba
a vida privada íntima e a autodeterminação. Daí inferir-se uma dependência entre o
direito de liberdade de consciência, o de liberdade de religiosa, liberdade de
expressão e liberdade de pensamento, sendo esta uma interdependência complexa
e que dá azo à formação do caráter e da personalidade do indivíduo.
Não obstante tais dificuldades em conceituar a liberdade religiosa
separadamente, em trabalho minucioso e partindo do pressuposto que os
dispositivos constitucionais acima referidos dão conta de um grande direito
fundamental complexo, Weingartner Neto (2007, p. 63) o conceitua como direito
geral de liberdade religiosa.
A partir de tal conceituação, Weingartner Neto (2007) disseca o direito
geral de liberdade religiosa num catálogo de posições jusfundamentais de tal direito
– o que Alexy (2011, p 251) chama de Direito Fundamental Completo –, dividindo-o
em duas dimensões, que são, a da liberdade de expressão como direito subjetivo,
na primeira, e como vetor objetivo, na segunda (WEINGARTNER NETO 2007, p 72).
Para os fins deste trabalho, as posições que mais interessam se encontram na
primeira dimensão, a da liberdade religiosa como direito subjetivo individual, mais
20
Dentro das condutas abarcadas pela liberdade religiosa, temos que o fiel
detém a liberdade de professar a própria crença, procurar para ela novos crentes,
exprimir e divulgar livremente as suas crenças (WEINGARTNER NETO, 2007, p.
72). Fica evidente que tais aspectos do direito fundamental completo à religião têm
conexão com a liberdade de expressão lato senso garantida na Constituição Federal
de 1988, em seu art. 5º, IV.
Para Silva Neto (2013, p. 47), a liberdade de expressar sua religião por
meio do culto e da liturgia são mesmo fundamentos últimos da própria existência da
religião, ou seja, não se pode desatrelar a crença da sua prática sem que se
desconfigure o direito fundamental à liberdade religiosa.
Milton Ribeiro (2002, p. 26) preleciona que a liberdade só é atingida
plenamente quando o homem é capaz de realizar a sua natureza mais íntima, e, no
âmbito da religião, a liberdade de professar é essencial para tanto. Daí a proteção
constitucional que abrange a liberdade de expressão religiosa ser tão importante
para que o direito fundamental seja realizado pelo indivíduo.
É que a liberdade de expressão é, em sua essência, fundamento da
própria democracia, uma vez que serve para a formação da opinião pública sobre
temas de interesse geral (CHEQUER, 2011, p. 29). Desta forma, assinala o autor, é
que a doutrina e jurisprudência norte-americanas têm a liberdade de expressão lato
sensu como um direito preferencial prima facie, gozando de prevalência sobre outros
direitos que acaso conflitem com este.
Tomada a definição de Weingartner Neto (2007, p. 117) de proselitismo
como o discurso que sai de dentro do seio da comunidade religiosa para fora dela,
com intuito de convidar pessoas a se juntarem à religião, deve-se sempre levar em
conta quem está do lado de fora e em que medida a expressão da liberdade
religiosa alheia o atinge.
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1 Assinala Ubillos (2010, p. 265), nessa senda, que também por conta dessa assimetria entre entes
privados – no mais das vezes um é superior jurídica, econômica e/ou socialmente em relação ao
outro – que não se usa mais a expressão “eficácia horizontal”, sendo eficácia privada ou
intersubjetiva mais adequada.
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ter a liberdade para exercer a última, essa é uma unidade essencial do direito à
liberdade religiosa. Sendo o proselitismo uma das práticas tidas como mandatórias
na maioria das confissões cristãs, a sua proteção é de extrema importância.
Entretanto, o mesmo deve ser feito dentro do já mencionado princípio da
tolerância (MACHADO, 1996, p. 229), tendo como elemento norteador o respeito,
rechaçada qualquer tipo de manifestação religiosa inescrupulosa em relação aos
direitos fundamentais dos demais cidadãos. E delinear certos limites para a prática
proselitista não tira o seu caráter essencial da religião, ficando em termos com a
sociedade plural e democrática.
Constata-se, então, que delimitar o que deve e o que não deve ser dito
dentro do espectro do proselitismo – em prol do respeito às garantias fundamentais
de terceiros – dentro de uma sociedade plural como é a brasileira não é tarefa fácil e
depende da análise de cada caso concreto. E “qualquer que seja a decisão, implica
ela um sacrifício. Num caso, o direito é sacrificado à paz; no outro, a paz é
sacrificada ao direito.” (IHERING, 2011, p. 14).
25
pessoa como tal, em toda sua complexidade natural [...] para garantir a felicidade
humana.” (BORGES, 2007, p. 8).
Resta patente, também, para Fachin e Fachin (2011) que a capacidade
de autodeterminação sexual, para além da dignidade humana, também advém do
princípio da isonomia extraído do art. 5º, caput, da Carta Magna, pois “a escolha
sexual individual, conferida pelo constituinte, deriva da interpretação sistemática e
evolutiva do texto constitucional”. (FACHIN, FACHIN, 2011, p. 118). Ou seja, ainda
que não haja menção a tal liberdade de orientação sexual, ou mesmo de direitos de
personalidade como direitos fundamentais dentro da Constituição, é imperativo que
o intérprete constitucional, à luz dos fatos da vida atual, os insira no âmbito de
proteção jusfundamental constitucional.
O presente tópico se vale a determinar a extensão do direito à
autodeterminação sexual, bem como as suas imbricações como direito de
personalidade e direito de liberdade.
De tal forma, é possível afirmar, como o faz Dias (2005, p. 2), que “sem
liberdade sexual, o indivíduo não se realiza.” A identidade sexual e a sexualidade de
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um cidadão integram sua personalidade de tal forma que a autora entende-os como
verdadeiros direitos naturais. Isso porque sexualidade não se trata de uma qualidade
ou opção, mas sim de característica inerente à condição humana, seja ela hétero ou
homossexual.
Cristina Dieter (2012, p. 11) enfatiza a matiz da autodeterminação sexual
como componente da autonomia da personalidade do ser humano, relacionando-a
ao direito de liberdade que cada um tem de autodeterminação, verificando que ao
deparar essa realidade com a homoafetividade, não há que falar em desrespeito ou
prejuízo a direitos de outrem, uma vez que a sexualidade de um indivíduo só cabe a
ele mesmo e as escolha que o faz em termos de afetividade são suas, e suas
somente. Isso, pois a pessoa, “para realizar-se como ser humano, deve exercer
livremente a sua sexualidade de acordo com sua orientação sexual, que dependerá
da própria pessoa e de mais ninguém.” (DIETER, 2012, p. 12).
Portanto, pode-se identificar que, dentro do direito geral de personalidade,
destaca-se o direito à autodeterminação sexual como direito fundamental autônomo,
por compor o núcleo a existência intrínseca da personalidade de um indivíduo. Vale
destacar, aqui, que como todo direito fundamental completo, a identidade sexual
coloca seu titular em diversos status, segundo a teoria de Jellinek (apud ALEXY,
2010, p. 254), que consistem em posições que o titular de um direito fundamental
pode (e deve) invocar para protegê-lo e exercê-lo com efetividade.
De um lado, tem-se o status negativo, que consiste na não intervenção
do Estado e, levando em conta a eficácia privada direta dos direitos fundamentais,
aos particulares em geral na vivência da identidade sexual em todos os seus
aspectos, criando um verdadeiro espaço de liberdade para a fruição de tal direito
(ALEXY, 2010, p. 260). De outro, tem-se o status positivo de tal direito, este voltado
para o Estado, dando ao titular a faculdade de exigir do Poder Público que aja de
forma a coibir intervenções externas ao direito fundamental à identidade sexual de
um cidadão inserido num Estado Democrático de Direito, que tem como um dos
seus fundamentos o pluralismo (CF, art. 1º, V), e também como um de seus
objetivos a promoção do bem comum sem quaisquer discriminações de qualquer
ordem, inclusive no concernente à orientação sexual (CF, art. 3º, IV) (ALEXY, 2010,
p. 265).
Corroborando tal pensamento, Fachin e Fachin (2011, p. 122) atribuem ao
Estado o encargo de zelar tanto positiva quando negativamente em prol do livre
29
Portanto, é importante frisar que o Estado não deve adotar uma postura
inerte – levando em conta, ainda, como constata Dias (2011a, p. 84) que o
homossexual é hipossuficiente tanto social quanto jurisdicionalmente, pois ainda há
julgadores que se deixam levar por razões morais internas e se abstém de decidir de
uma forma em prol de outra, em causas que envolvem direitos dos homossexuais –
mas sim uma atitude proativa, no sentindo de incentivar a diminuição das
desigualdades e fomentar a inclusão e a dissipação dos preconceitos e
discriminações que sofre a população homossexual.
da fala para que o que seria mera exposição de opinião não abuse de um direito de
personalidade de outrem.
Assim tanto é que a própria Carta Magna, no art. 220, §1º, faz referência
expressa a um limite à liberdade de expressão contido no art. 5º, X do diploma
constitucional, ou seja, da exegese dos artigos em comento pode-se ver que o
constituinte foi claro ao dizer que a liberdade de expressão não deve ser
embaraçada por lei, para evitar a censura, mas que tal vedação deve ser relativizada
quando da colisão com os direitos de personalidade, como é o direito à
autodeterminação sexual.
Sarmento (2006, p. 100-101) tem uma posição muito clara em relação ao
discurso de ódio cotejado com a autonomia e o livre desenvolvimento da
personalidade. Para o autor, é essencial para a democracia que cada um possa
exprimir suas ideias e opiniões num ambiente público; por esse viés, proibir o
discurso de ódio seria proibir a ideia que, mesmo que acoberta de agressões, se
encontra em seu cerne. Seria, sim, uma restrição à autonomia privada que é um
direito fundamental por si só.
Por outro lado, há de se pensar que o prejuízo da autonomia privada
neste sentido, ao coibir um discurso de ódio é bastante menor quando comparado
ao ganho que se tem para os indivíduos que seriam atingidos pela agressão do
discurso e para a sociedade como um todo pois:
a repetição, por exemplo, de afirmações como a de que os homossexuais
masculinos são fúteis e devassos acaba afetando a percepção que a
maioria das pessoas tem desses grupos, reforçando estigmas e
estereótipos negativos e estimulando discriminações. (SARMENTO, 2006,
p. 105).
O que isso quer dizer é que há ganho de dois lados, uma vez que as
minorias não são agredidas e a maioria, que antes não discriminava certo grupo
minoritário, não será incitada a fazê-lo.
Borrilo (2010, p. 23) divide a homofobia em dois aspectos: a) o aspecto
pessoal, de natureza afetiva, manifestado através da repulsa pelo indivíduo
homossexual e; b) o aspecto cultural, onde o alvo da discriminação não é o
homossexual, mas a homossexualidade em si. É esse segundo aspecto que
geralmente os discursos proselitistas religiosos sustentam: a repreensão à
homossexualidade em ambiente público, hoje com maior difusão por conta do
avanço dos meios de telecomunicação.
34
2
Para maiores informações, consultar: https://www.youtube.com/watch?v=0UQof5DuE2w ou
https://www.youtube.com/watch?v=U5LE0qqOVZQ
35
103), o hate speech, por envolver uma grave violação aos direitos humanos como
um todo exige do Estado o mínimo de tolerância possível, evitando a lesão ao
direito, quando possível, ou punir os culpados e amparar os destinatários agredidos.
Especificamente sobre o repúdio das igrejas à homossexualidade, Dias
(2008, p. 141) assinala que a dogmática cristã (que é a vertente absolutamente mais
difundida e com mais adeptos no Brasil) despreza o sexo pelo prazer e ignora a
noção de afeto, considerando aberração a união de parceiros do mesmo sexo pelo
fato de não poderem procriarem naturalmente. E essa visão de discriminação do
homossexual impregnou a sociedade, por serem as religiões cristãs as mais
difundidas dentre a população, daí “a dificuldade de conviver com a diferença leva à
rejeição de tudo o que foge ao modelo reconhecido como normal, pelo simples fato
de não ser a expressão da maioria”.
Pontua ainda Potiguar (2012, p. 161) acerca dos efeitos que o discurso de
ódio tem em relação às vitimas do mesmo. Segundo o autor, não sobra rastro de
autoestima após sofrerem tal tipo de violação ao seu direito, pois o discurso de ódio,
além de uma afronta jurídica, é também “um sério ataque psicológico, causando
dano emocional enorme” podendo trazer aos membros dos grupos aos quais o hate
speech é direcionado traumas psicológicos, por vezes, irreversíveis.
Sarmento (2006, p. 105) partilha de entendimento parecido, pois diz que
“[...] as manifestações de ódio, preconceito e intolerância tendem a provocar uma
babel de sentimentos negativos em suas vítimas – angústia, revolta, medo,
vergonha.”. Tais sensações, por si só, já são por demais nocivas, e ainda tendem a
estigmatizar todo o grupo minoritário, que se sente envergonhado de ser como é, o
que é inaceitável, quando se vê os direitos de personalidade e, mais
especificamente, o direito à liberdade sexual como expressão da dignidade humana.
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não justifica a maior exposição desse grupo ao ódio e seus efeitos.” (CANADA,
2013, p. 117, tradução livre).
Dessa forma, restou patente a constitucionalidade da lei proibitiva de
discurso de ódio discriminatório.
Vê-se que, muito antes de se falar em Estado Social, Mill (2011) já via a
perversidade na imposição de um comportamento considerado normal pela maioria
da sociedade, deixando à sua margem todos aqueles que não mancomunavam com
tal ideal. É uma noção antiga de tolerância que persiste e tem aplicação
hodiernamente: “Por que então a tolerância, na medida em que está em jogo o
sentimento público, deve se limitar apenas ao gosto e modos de viver que obtém
aquiescência da multidão?” (MILL, 2011, p. 130-131). Essa perspectiva de tolerância
deve ser observada sob a luz da eficácia privada dos direitos fundamentais, uma vez
que constitui uma ameaça advinda não do Estado, mas sim de setores da própria
sociedade.
Segundo Dias (2008, p. 141), a causa da discriminação e da aversão à
homossexualidade advém das raízes cristãs do Brasil, mormente do catolicismo, que
condena o sexo não reprodutivo. Daí a visão majoritária da união de duas pessoas
do mesmo gênero ser inaceitável, antinatural aos olhos da maioria, uma vez que a
visão religiosa acabou “por impregnar a sociedade, que tem a tendência de aceitar a
mesmice do igual” (DIAS, 2008, p. 142), taxando, rejeitando e, principalmente
discriminando tudo que não seja tendente ao considerado normal.
Viu-se, no caso canadense, que há bases para uma restrição da liberdade
de expressão religiosa sempre que esta se volta a incitar o ódio e a marginalizar
grupos vulneráveis e minorias. Foi aplicada a regra da proporcionalidade, pela visão
do “homem médio”, à legislação e à interpretação da lei restritiva. O valor
“dignidade”, onde se encontra intrinsecamente ligado à existência humana a
autodeterminação sexual, sobrepujou e deu azo à restrição legislativa razoável e
estreita à expressão religiosa.
É como leciona Rothenburg (2014, p. 18), referindo-se ao abuso de
linguagem no tocante à expressão religiosa: nesse caso o Estado pode – e deve –
atuar de forma a restringir o direito de liberdade de expressão religiosa para garantir
45
outros direitos e, caso não o faça, está sendo negligente e favorecendo a ilicitude na
sociedade.
É o caso de chamar o homossexual de sodomita, com clara intenção
pejorativa, combater a igualdade de direitos civis tais como o casamento igualitário e
colocá-lo como um cidadão de segunda classe, de uma casta mais baixa.
Richards (1999, p. 184) traz essas declarações como a causa formativa
de uma injustiça estrutural imposta pela maioria, que deve ser combatidas. E uma
interpretação que leva em conta a eficácia intersubjetiva dos direitos fundamentais
não pode permitir que uma sociedade se comporte de tal modo. Tal ótica, prossegue
Richards (1999, p. 189, tradução livre) põe por terra qualquer tipo de resistência e
resiliência do homossexual diante do discurso discriminatório: “Dessa forma, gays e
lésbicas não devem, pela perspectiva desta injustiça estrutural, falar e nem serem
ouvidos. Eles devem ser o que a ideologia homofóbica quer que eles sejam: não
pessoas, mas tão somente atos sexuais.” E isso não pode ser admitido num Estado
Democrático de Direito plural, tendo o Estado que reagir a tais formas
discriminatórias com urgência e robustez. Torna-se imperioso a ação do Poder
Legislativo e, na omissão deste, do Poder Judiciário combater tal injustiça através de
mecanismos de restrição pontual e legitima dessa forma de expressão religiosa.
Sustein (1995, p. 195, tradução livre), referindo-se à restrição estatal de
alguma liberdade, simplifica: “Quando o discurso contribui para a criação de um
sistema de castas, o Estado pode, legitimamente, fazer o esforço de reagir – sendo
a restrição resultante clara e nitidamente limitada.” Quer dizer isso que há uma
legitimidade estatal em proibir o discurso de ódio homofóbico, religioso ou não, e
toda a argumentação dos efeitos dos quais sofrem os homossexuais alvos desse
tipo de discurso são fontes materiais legitimadoras da validade de tais normas, pois
que são demonstradoras da justificação moral da necessidade dessa norma
restritiva (ALEXY, 2011, p. 103).
Quanto à moderna concretização de um Estado Democrático de Direito
como superação de um Estado meramente Liberal, leciona Fiss (2005, p. 60):
Um Estado mais poderoso cria perigos; não há como negar isso. Mas o
risco de que esses perigos se materializem e uma estimativa do estrago que
poderão causar deve ser sopesado com o bem que poderia realizar. Não
devemos nunca nos esquecer do potencial opressivo do Estado, nunca;
mas, ao mesmo tempo, devemos contemplar a possibilidade de que o
Estado usará seus consideráveis poderes para promover objetivos que se
situam no coração de uma sociedade democrática – igualdade e talvez a
própria liberdade de expressão.
46
Segundo Sarah Sorial (2014, p. 61) num discurso como esse, onde se
veem atributos de ódio, nojo e rejeição, não se deve levar em conta apenas o
conteúdo do discurso, pois as pessoas podem fazer estragos não só pelo modo
como falam, mas também por quem são e que status ocupam. Sorial diz (2014, p.
62) que as regulações a respeito de hate speech sempre levam em conta o
elemento incitador, o que é preocupante.
Mas ainda mais preocupante é como tal incitamento é recebido pelo
interlocutor quando quem fala tem uma autoridade, suposta ou de fato:
“Interlocutores adquirem autoridade ou legitimidade através de alguma forma de
47
5 CONCLUSÃO
tolerada, uma vez que isso pode acabar por privar o indivíduo das coisas que dão
sentido à sua própria existência.
Constatou-se que o Direito e a sociedade ainda são marcados por antigos
dogmas religiosos que propulsionaram a gênese do Estado brasileiro, e que a
laicidade declarada do Estado é algo a ser conquistado, pois ainda não foi possível
separar de forma clara estado e religião no contexto brasileiro.
Revelou-se que o discurso de ódio é perigoso em muitos aspectos, e que
ele, ao invés do que proclamam os liberalistas mais conservadores, propaga um
efeito silenciador no debate democrático. É que não se abre mão da autonomia
privada quando se tem algum tipo de limitação à liberdade de expressão: muito pelo
contrário, ela entra como direito fundamental em colisão com o direito à liberdade
sexual de quem é coagido com o hate speech.
A partir do caso canadense, é possível constatar que, mesmo num país
de tradição liberal e de commom law como é o Canadá, uma legislação que proíbe a
proliferação de discursos de ódios voltados à orientação sexual de outrem é
constitucional e aceitável, por estar em consonância com os objetivos primários
constitucionais tais quais a igualdade, a proibição da discriminação, a dignidade da
pessoa humana e a busca da felicidade individual.
Afirmou-se que, então, quando há abuso de linguagem o Estado pode e
deve atual para a proteção dos grupos mais vulneráveis, tais qual a parcela da
população LGBTT.
Demonstrou-se, ainda, que é necessário que se leve em conta a
autoridade (mesmo que artificial) de quem fala, ao analisar um discurso, pois o efeito
incitador e reprodutivo de tal discurso é muito maior nesses casos.
Por fim, advogando pela adoção do exemplo Canadense para a criação
de uma legislação que penalize e proíba a homofobia, uma vez que tal lei teria um
efeito simbólico e educativo, segue a lição de Rios, Golin e Leivas (2011, p. 31): “A
mudança no direito não apenas se segue às mudanças culturais, mas ajuda a
promovê-las.”
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REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Conceito e validade do direito. São Paulo: WMF Martins Fontes,
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ANEXOS
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