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Na capital de Moçambique, Maputo, é habitual dividir a cidade entre o «cimento» (os bairros de prédios
e vivendas) e o «caniço», correspondente aos bairros pobres de auto-construção.
P. Granjo - Sortant «de la bouteille»: raisons et dynamiques des émeutes au Mozambique. Alternatives Sud, 17 (4): 179-185
paternalista (e relevância para a eclosão da “greve” de 2008) é sublinhado pelo facto de,
ao discuti-la, os meus interlocutores recorrerem sistematicamente a um lugar-comum
local: «o problema é que o governo não é mais pai; agora, é padrasto».
Mas esta visão popular do “contrato social” implica também que uma decisão
governativa não é automaticamente legítima por ser tomada de acordo com as
competências legais de um poder legítimo. Se ela fere a tal obrigação básica que os
governantes têm para com os governados, torna-se ilegítima e atacável, embora isso não
ponha em causa a legitimidade de poder que a tomou.
Contudo, as expressões de descontentamento são condicionadas pelo facto de a
acelerada liberalização do país, em curso desde o fim da Guerra Civil (1992), não ter
trazido apenas desemprego, economia de serviços, enormes fluxos financeiros
internacionais e o enriquecimento das elites políticas e seus associados (Sumich, 2008;
West, 2008). Trouxe também um estreito controlo partidário sobre as organizações da
chamada “sociedade civil” (a começar pelos sindicatos e com poucas excepções), a par
do esvaziamento das anteriores estruturas locais de controlo socio-político que, se
frequentemente reprimiam, também canalizavam problemas e queixas populares para
escalões superiores. Em virtude disto, reproduz-se nos bairros pobres um outro lugar-
comum, céptico quanto à possibilidade de fazer chegar as preocupações aos governantes:
«na democracia, você diz o que quer; mas ninguém liga ao que você diz».
Assim, a população pobre do Grande Maputo não recorreu ao protesto violento
por o preferir a formas de intervenção mais pacíficas; adoptou-o por sentir que não
existiam ao seu dispor nem instituições nem outras formas de protesto eficazes. E, a par
dos aumentos de preços, o que mais indignava os manifestantes era que tais decisões
fossem tomadas sem consideração pelas suas dificuldades e pelo impacto que elas
teriam sobre a sua precária subsistência. Não protestaram apenas contra decisões
económicas, mas também contra uma forma de exercício do poder que não cumpre
aquilo que consideram ser as suas obrigações básicas.
Apesar disso, e reproduzindo a referida diferenciação entre a legitimidade das
decisões e do poder que as toma, cerca de 80% dessa mesma população votou, em 2009,
na Frelimo e no seu candidato presidencial.
Não obstante, a 1 e 2 de Setembro de 2010 voltaram a viver-se acontecimentos
muito semelhantes aos de 2008. A “faísca” foi, desta vez, o anúncio de aumentos
substanciais e quase simultâneos da água, electricidade, pão e arroz.
P. Granjo - Sortant «de la bouteille»: raisons et dynamiques des émeutes au Mozambique. Alternatives Sud, 17 (4): 179-185
Paulo Granjo
Instituto de Ciências Sociais – Universidade de Lisboa
P. Granjo - Sortant «de la bouteille»: raisons et dynamiques des émeutes au Mozambique. Alternatives Sud, 17 (4): 179-185
Bibliografia:
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Sumich, J. (2008), “Construir uma nação: ideologias de modernidade da elite moçambicana”, Análise
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