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9 788538 762744
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
__________________________________________________________________________________
C986
84 p. : il. ; 28 cm.
ISBN 978-85-387-6274-4
Referências ............................................................................................................................83
A função social da escola
Ida Regina Moro Milléo de Mendonça
O professor pensa ensinar o que sabe, o que recolheu dos livros e da vida. Mas o aluno
aprende do professor não necessariamente o que o outro quer ensinar, mas aquilo que quer aprender.
Assim, o aluno pode aprender o avesso ou o diferente do que o professor quer ensinar. Ou aquilo
que o mestre nem sabe que ensinou, mas o aluno reteve. O professor, por isso, ensina também
o que não quer, algo de que não se dá conta e passa silenciosamente pelas paredes da sala.
N
ossa intenção, neste capítulo, é promover uma reflexão crítica sobre a função social da escola,
à luz das ideias e das concepções desenvolvidas e discutidas ao longo do texto que apresentare-
mos. Analisar e discutir a função e o papel que a escola ocupa na sociedade contemporânea não
é tarefa muito fácil, mas, aviso de antemão, é fascinante. É comum alunos saírem das universidades
e, ao iniciar suas atividades de docência, perceber o grande distanciamento entre as expectativas da
sociedade e a função da escola que nela está inserida.
Proponho que deixemos de lado preconceitos ou conceitos cristalizados para, juntos, chegar-
mos ao final deste capítulo com uma concepção mais clara e coerente da função social da escola como
instituição específica de educação.
De acordo com Gomes (2000), a educação nas sociedades primitivas acontecia, de modo geral,
por meio da socialização em atividades cotidianas, entre os membros das gerações mais novas e os
próprios adultos da comunidade.
Todavia com as mudanças ocorridas na sociedade, seguidas de uma diversificação de funções e tarefas, essa forma
de educação torna-se ineficiente. Isso significa que as demandas de interesses e necessidades de uma sociedade mais
povoada e complexa não comportavam uma educação direta das novas gerações nas células primárias de convivên-
cia: a família, o grupo de iguais, os centros ou grupos de trabalho e produção. (GOMES, 2000, p. 13)
Surgem então novas formas de se efetivar o processo educacional de crianças e de jovens, por
exemplo: a tutoria, o preceptor, as academias etc. Essas maneiras de educar as novas gerações ante-
cedem o contexto da sociedade contemporânea, na qual a forma predominante de educação tem sido
a escolar.
No entanto, alerta-nos Delval (2001) que, apesar das significativas mudanças ocorridas ao longo
da história da humanidade – a vida social, a organização política, o trabalho – a prática no contexto
escolar continua reproduzindo um modelo de educação semelhante ao de tempos remotos.
Então, nos tempos atuais, qual é a função social da escola?
Segundo Dürkheim (1972), “quando se estuda historicamente a maneira de se formarem e de-
senvolverem os sistemas de educação, percebe-se que eles dependem da religião, da organização
política, do grau de desenvolvimento das ciências, do Estado, das indústrias etc. Separados de todos
essas causas históricas, tornam-se incompreensíveis”.
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A função social da escola
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A função social da escola
Entendemos que a escola possui outras funções distintas das que citamos
neste capítulo. Uma delas é o currículo oculto, ou seja, tudo aquilo que não está
explicitado de forma intencional no desenvolvimento da proposta educativa reali-
zada pela escola. Todavia, é vivenciado pelo aluno na dinâmica das relações inter-
pessoais (professor-aluno e aluno-aluno), bem como no desempenho do trabalho
pedagógico realizado diariamente no contexto escolar.
É na vivência coletiva travada dentro do espaço escolar que o aluno poderá
perceber e tomar consciência a respeito de si mesmo,dos seus parceiros, das afini-
dades e amizades que podem ser construídas e, sobretudo, da necessária disciplina
em termos de horários, hábitos de estudo e realização de tarefas.
Enfim, é no convívio diário da escola que o aluno poderá gradativamente
conhecer a si mesmo, o outro, e construir sua autoimagem e identidade de sujeito
social.
1. Leia novamente e discuta com seus colegas as sete competências da escola, elaboradas por Toro.
Entre elas, escolha e analise três competências que você considera que sejam mais importantes
para a concretização do processo educacional na escola.
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A função social da escola
2. Qual é sua concepção de educação? Qual é a função social da escola em nossa sociedade?
3. Assista ao filme Meu adorável professor com seus colegas. Analise e discuta as transformações
do processo educativo da escola, apresentadas no referido filme. Em seguida, realize uma entre-
vista com um professor de uma escola de seu município para que ele possa lhe contar sobre de
que maneira, em diferentes momentos, sua escola tem desempenhado seu papel na sociedade.
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A função social da escola
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O processo de ensino e as
teorias de aprendizagem nas
práticas educativas
Ida Regina Moro Milléo de Mendonça
Há de se cuidar do broto para que a vida nos dê flores e frutos.
Milton Nascimento
N
este capítulo, pretendemos discutir as teorias de aprendizagem de Rogers, Bruner e Ausubel.
Nossa escolha por essas três abordagens está relacionada às valiosas contribuições dessas
teorias para ensino e aprendizagem escolar. Outro motivo que reforça nossa escolha é o de
que essas teorias têm sido, de modo geral, pouco conhecidas entre os professores.
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O processo de ensino e as teorias de aprendizagem nas práticas educativas
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O processo de ensino e as teorias de aprendizagem nas práticas educativas
sugere metas e meios para a efetiva ação do professor. Conforme Giacaglía, “a ma-
neira de ensinar irá depender não apenas do que se souber sobre como se aprende,
também dos conhecimentos relativos ao estádio de desenvolvimento cognitivo em
que o aluno se encontra; [...]” (1980, p. 47).
O referido autor expressa que um dos pontos fundamentais da teoria de instru-
ção é a concepção de Bruner sobre o desenvolvimento cognitivo do ser humano.
Explica que existem três níveis de representação cognitiva. São eles:
Enativo – a representação do mundo é demonstrada pela criança por meio
da sua ação. Neste nível, a criança não é capaz de explicar verbalmente
um caminho que lhe é conhecido. No entanto, no campo da ação, é capaz
de reproduzi-lo.
Icônico – mesmo sem manipular os objetos, a criança é capaz de repre-
sentá-los mentalmente.
Simbólico – sem fazer uso da ação ou da representação de imagens, a
criança pode representar o mundo abstratamente por meio de símbolos.
Nesse processo evolutivo dos níveis de representação cognitiva, a linguagem
tem um papel preponderante na teoria de Bruner. É por meio da linguagem que a
criança consegue evoluir hierarquicamente de níveis inferiores para o nível de repre-
sentação simbólica – o pensamento evolui pela linguagem, portanto, dela depende.
Segundo Giacaglía, “a linguagem é, pois, uma das principais maneiras de
que o homem dispõe para lidar inteligentemente com o ambiente [...] é a ferramenta
que amplia a capacidade humana” (1980, p. 48).
Os três tópicos principais que sustentam a teoria de Bruner são:
estrutura das matérias de ensino e sua sequenciação;
a motivação intrínseca – predisposição do aluno para aprender;
reforço.
Por motivação intrínseca entende-se o interesse e a necessidade do próprio
aluno pelo conteúdo a ser aprendido, ou seja, pelo conhecimento a ser conquistado,
pela realização do desejo de conhecer.
Jerome Bruner não inventou o método da aprendizagem por descoberta.
Todavia, deu-lhe fundamentação teórica e o divulgou para que esse método fos-
se um desafio à atividade e à curiosidade da criança, afastando o aluno das es-
tratégias motivacionais extrínsecas, isto é, de prêmios e elogios, pois promove
experiências e desperta o gosto pelo estudo.
O professor apresenta o conteúdo ou o assunto a ser tratado em forma de
questão a ser resolvida. Pode, ainda, auxiliar o aluno a resolvê-lo discutindo dife-
rentes alternativas de solução.
De acordo com Giacaglía (1980), a maior dificuldade atribuída a esse méto-
do é a sua execução, pois exige condutas adequadas do professor, tais como:
o conhecimento dos conteúdos a serem trabalhados;
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O processo de ensino e as teorias de aprendizagem nas práticas educativas
Pilares do conhecimento
Considerações sobre os sustentáculos da educação para o terceiro milênio
(PILARES, 2002, p. 47-48)
Convidamos você, leitor, a fazer uma reflexão. Principalmente você, professor. Por quantas
mudanças e transformações o mundo já passou? Desde a descoberta do fogo, grande trunfo da
raça humana, até o computador, braço direito – talvez também o esquerdo –, quase já podemos
promovê-lo a melhor amigo do homem, nos dias atuais. Vejamos alguns exemplos. Bicicletas têm
18, 20 ou até mais marchas, cada qual com sua utilidade plenamente justificada. Nossos carros: a
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O processo de ensino e as teorias de aprendizagem nas práticas educativas
cada dia, aparece um novo modelo, um novo motor, mais resistente, mais potente, mais econômico
ou mais qualquer outra coisa. Para as donas de casa, muitas novidades ao longo da evolução hu-
mana. Para citar algumas: máquina de lavar roupas, ferro elétrico, forno de micro-ondas e tantas
outras facilidades.
A esta altura, o leitor deve estar perguntando o que isso tudo tem a ver com a educação. Veja
bem: se, ao longo da evolução da espécie humana, o homem foi capaz de produzir para si tantas
facilidades, por que na área da educação tudo continua tão complexo?
Sabemos que antigamente existiam sociedades sem escolas, e ainda hoje existem, nas quais a
educação se dava e se dá pela vivência diária na comunidade, pela interação dos mais novos com
os mais velhos. Nessa interação, o jovem apreendia valores e comportamentos e o meio em que
se situava era um contexto permanente de formação. Um bom exemplo desse tipo de educação
é a sociedade africana pré-colonial, na qual não havia professores e aprendia-se fazendo. É este
aprender fazendo que tornava importante o aprendizado, já que o que se aprendia tinha um signi-
ficado útil para aquela comunidade: era uma necessidade.
E hoje?
Bem. Hoje, há quem diga que se a escola não se renovar, não se esmerar para proporcionar
aos alunos uma razão para sua existência, um aprendizado de qualidade e que venha ao encontro
de sua realidade, irá fracassar.
Vivemos a era do conhecimento, mas só a mera transmissão de conhecimento não garante
a educação plena. Pelas ondas da internet, pelas páginas de um livro ou de um jornal, comparti-
lhando experiências com as pessoas com as quais convivemos são algumas das várias formas de
se adquirir conhecimento. E é certo que a educação do novo milênio precisa estar cada vez mais
atenta aos movimentos e avanços mundiais. Informação e conhecimento continuaram a ser como
que molas propulsoras para o crescimento e desenvolvimento do planeta.
O que cabe à educação nesse contexto?
Proporcionar meios eficazes para que saibamos selecionar tudo o que chega até nós, de ma-
neira que se tire proveito do que realmente é relevante, não só para nós como também para as
pessoas que nos rodeiam e, portanto, fazem parte da nossa realidade.
Pois bem, se a educação não deve mais se deter apenas em transmitir conhecimentos a que
ela deve ater-se, então? Para responder a essa questão, em 1996, a Comissão Internacional sobre
Educação pra o Século XXI produziu um relatório para a Unesco, delineando o que podemos dizer
que são os objetivos da educação do novo milênio recém-nascido. É Jacques Delors quem nos diz
“para poder dar resposta ao conjunto das suas missões a educação deve organizar-se em torno de
quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão de algum modo para cada
individuo os pilares do conhecimento: aprender a conhecer, [...], aprender a fazer, [...], aprender a
viver juntos, [...] e, finalmente aprender a ser”.
Delors ainda complementa dizendo que esses quatro pilares constituem-se em um só, devido
à forte ligação existente entre eles. Passemos, então, à análise do tema.
Aprender a conhecer
A educação brasileira, talvez a mundial, preocupou-se durante muito tempo em atender seus
educandos no sentido de que eles adquirissem apenas o referencial suficiente para que, ao saírem
da escola, encontrassem algo que lhes garantisse o sustento, ainda que esse algo não lhes ofereces-
se tudo o que de fato desejavam para suas vidas. Educou-se, e ainda se educa infelizmente, para
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O processo de ensino e as teorias de aprendizagem nas práticas educativas
conformidade, para subserviência. Educou-se um ser humano que se contentava com pouca esco-
lha que lhe ofereciam, porque convenceram-no de que ele não dava para o estudo. É esse tipo de
educação que tem que ser urgentemente transformada, não só porque a escola corre o risco de se
perder, mas porque nós próprios corremos o risco de perder nossa identidade humana se continuar-
mos a agir dessa maneira. Perdemos a oportunidade de auxiliar os nossos alunos a desenvolverem
o aprender a conhecer, um dos quatro pilares propostos pela comissão, que vem com significado de
oportunizar a descoberta do mundo como espaço de crescimento e de aprendizagens constante.
É claro que antes devemos exercitar o aprender a aprender. Segundo a comissão, esse apren-
der a aprender dá-se pelo exercício de atenção, da memória e do pensamento. Atenção para propor
às crianças algo que venha, verdadeiramente, ao encontro de suas necessidades e enriqueça suas ex-
periências. E a memória? Facilmente pensamos que memória é coisa de educação tradicional. Não
é. O que seria da humanidade sem memória? Certamente não teríamos tido conhecimento de muitos
acontecimentos, anteriores à escrita, por exemplo, se não fosse pela memória de nossos antepassa-
dos. Quanto ao pensamento, compete ao professor oportunizar ao aluno situações para que ele possa
desenvolvê-lo adequadamente, sem repressões, pois é justamente por saber pensar que o humano
chegou aonde está, por saber pensar e repensar suas práticas, aprimorando-as para o seu próprio
benefício. Aprender a conhecer, por fim, significa não conceber o conhecimento como algo imutável,
mas sim como algo que se constrói ao longo de toda a existência, onde quer que estejamos.
Aprender a fazer
A educação não poderá limitar-se a formar pessoas para realizarem uma atividade única. O
mundo evoluiu a passos largos, e o que é moderno, hoje, muito em breve estará obsoleto. Então,
nossos educandos devem estar preparados para enfrentar situações novas que exijam deles mais
do que executar uma tarefa já interiorizada e mecânica. Aprender a fazer quer dizer fazer de
diferentes formas, de maneira que não se fique preso a um único meio de chegar aos resultados
desejados. Significa não apenas desenvolver uma qualificação profissional, mais sim um leque de
competências que o levam a uma qualificação cada vez melhor. Inclui, também, saber trabalhar
conjunta e harmoniosamente em busca de objetivos comuns. Em outras palavras, apropriar-se do
sentido implícito em uma frase já nossa velha conhecida: A união faz a força.
Aprender a ser
Segundo a comissão, e isto já é consenso entre nós, educadores, a educação deve preocupar--
-se com o desenvolvimento pleno de seus educandos. Isto inclui tornar possível a sua formação
cognitiva, afetiva, psicomotora etc. É necessário conhecer-se a si mesmo para que se possa conhe-
cer o outro e aceitá-lo. Como aceitar o outro sem aceitar a si próprio primeiro? Nisso consiste o
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O processo de ensino e as teorias de aprendizagem nas práticas educativas
quarto pilar da educação do novo milênio que propõe conhecer-se a si mesmo, aprendendo a ser
cada vez melhor. Enxergando a si mesmo como sujeito de capacidades múltiplas e como sujeito de
relações, o educando tem condições de desenvolver-se de maneira mais significativa. Máquinas
podem ser muito úteis, mas jamais substituirão o prazer do contato pessoal entre os seres. Somos
seres humanos e, só por isso, já não nos é possível viver isoladamente. E não é exagero dizer que
não se aprende a ser sozinho, pois é no contato com o outro que nos revelamos. O outro nos mostra
quem somos, ainda que muitas vezes nos neguemos a enxergar quem somos.
Enfim, para concluir, a educação desse novo milênio, que em breve já não será mais tão
novo assim, nos reserva novos desafios, com certeza, novas conquistas. Sabemos que não é tarefa
fácil essa de educar. Nunca foi e jamais será. Também temos consciência, enquanto educadores de
nossa importante missão.
Para ajudar nossos alunos a desenvolverem esses quatro pilares – aprender a conhecer,
aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser –, é preciso tê-los assimilados em nossa
vivência, em nossa pratica diária. Não podemos esquecer que também educamos pelo exemplo.
Se falamos uma coisa e fazemos outra, nossa atitude incoerente continuará a provocar insucessos.
Ao contrário, se acreditarmos no que falamos, não teremos dificuldades em comunicá-lo aos nos-
sos alunos. Então, grande parte de nossos objetivos terá sido alcançada.
Ao educador cabe não desanimar. Se a escola sobreviveu a tantas turbulências e já praticou
tantos erros, que hoje já conseguimos detectar, é sinal de que ela é necessária e de que está no
caminho certo. Sejamos fortes e estejamos unidos, nunca esquecendo que nosso maior objetivo
é sempre o aluno, este ser que chega até nós e é dada a oportunidade de indicar o caminho que o
transformará em humano. Ou não.
1. Escolha três princípios básicos da aprendizagem significativa de Rogers e discuta com seus
colegas os aspectos relevantes (positivos e negativos) de cada um deles.
2. Qual é o seu ponto de vista sobre a aprendizagem dos alunos em escolas públicas e privadas no
Brasil?
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O processo de ensino e as teorias de aprendizagem nas práticas educativas
3. A partir da leitura do texto complementar, explique, do seu modo, os quatro pilares do conheci-
mento e, se possível, explicite de que forma eles vêm sendo abordados no contexto escolar.
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Aprendizagem escolar –
a reconstrução da cultura na
sala de aula
Irene Carmen Piconi Prestes
[...] é difícil dizer se o que exerceu mais influência sobre nós e teve importância maior foi a nossa preocupação pelas
ciências que nos eram ensinadas, ou pela personalidade de nossos mestres.
Sigmund Freud
A
educação escolar é feita dentro da sala de aula, na qual se reúnem um professor e uma turma
de alunos. Professores e alunos com características próprias e histórias diferentes, formam um
grupo social. Neste espaço relacional do cotidiano escolar, aprende-se a conviver democrática
e socialmente, exercitando valores, como respeito ao outro, justiça, diálogo e solidariedade.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais de 1997, a escola deve dar lugar no seu
cotidiano às questões sociais, à ética, aos valores implícitos e explícitos que regulam as ações dos
agentes escolares e que são determinantes do processo de ensinar e aprender, no qual professor e
aluno se encontram, interferindo, portanto, na formação pessoal de cada aluno. O contexto escolar
pode ser visto por nós como um ambiente que acolhe e coloca o sujeito na esfera das relações sociais.
Faz-nos pensar que as experiências vividas na escola serão significativas para o modo de se colocar
no mundo a nas relações com o “outro”.
A escola, segundo Carvalho (2000, p. 180), é um
espaço plural, extremamente complexo, impregnado de regras, de valores (nem sempre consensuais) e de muitos
sentimentos contraditórios quanto às funções políticas e sociais da escola. Inúmeras e diversas são as expectativas
da sociedade, das famílias, dos alunos, de toda a comunidade escolar, interferindo direta ou indiretamente no dia a
dia das escolas.
Conforme o proposto pela Lei de Diretrizes e Bases de 1996, exige-se, hoje, que para ser consi-
derada inclusiva a escola esteja voltada à construção de uma estrutura que corresponda às mudanças
curriculares, à reorganização do espaço educacional, à constante formação dos profissionais da edu-
cação, a fim de que as situações de aprendizagem promovam o aluno e que ele seja o autor de suas
ideias. Isso é fundamental em uma escola realmente inclusiva. É por meio da mediação das situações
de conflito, com a prática do ensino de valores, da ética e de uma educação voltada para a construção
da cultura da paz, de relações de convivência, que será possível um ensino cuja lógica seja inclusiva.
Este ensino deve tornar os alunos conhecedores das suas potencialidades e capacidades, res-
peitosos e atentos às diferenças, pois é na diferença que se criam novas práticas, novos olhares
sobre a vida.
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Aprendizagem escolar – a reconstrução da cultura na sala de aula
Isso quer dizer que tanto do ponto de vista pedagógico como cultural, não
se trata apenas de informar, mas trata-se de formas de conhecimento que influen-
ciarão o comportamento das pessoas de maneiras cruciais e até vitais.
O grupo-classe
Uma turma é um grupo formal que obedece a características especiais: o grupo não se constituiu
de forma voluntária; os fins que unem seus membros são igualmente impostos; o grupo tem um líder
formal oficialmente designado. No entanto, no seio desse grupo formal geram-se grupos informais
determinados por razões de vizinhança ou por afinidades várias, e dentro desses grupos, verificam-
-se os fenômenos relacionais próprios dos pequenos grupos, como luta pela liderança, emergência de
líderes informais, pressão para a conformidade, procura de fins comuns que assegurem a coesão e a
moral do grupo, existência de bodes expiatórios sobre os quais se descarrega a frustração e a agres-
sividade do grupo, rivalidade entre os grupos [...] Entre os membros do grupo há partilha de papéis,
o que gera expectativas. Instituem-se redes de comunicação, criam-se normas.
Na vida de uma turma há, portanto, um fervilhar de fenômenos relacionais que poderão explicar
a disciplina ou a indisciplina na aula. Se a moral e a produtividade do grupo dependem do interesse
suscitado pela prossecução dos fins estipulados, a inadequação dos fins propostos, ou a falta de moti-
vação dos alunos para atingi-los, pode originar situações de frustração e de descontentamento que se
expressam por meio da agressividade, da fuga ao trabalho ou da apatia. Esse mal-estar pode voltar-se
contra os colegas ou contra o professor. E se o grupo ganhar coesão nos seus sentimentos negativos
pode tirar o máximo efeito da lei do número (Festinger e Newcombe) sem que haja necessidade de
um instigador para desencadear a descarga dos sentimentos negativos. Daí a importância da ade-
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Aprendizagem escolar – a reconstrução da cultura na sala de aula
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Aprendizagem escolar – a reconstrução da cultura na sala de aula
ser úteis para o diagnóstico dos problemas de indisciplina e para o qual remetemos o leitor. Em-
bora não seja uma obra recente, continua a ser uma das que explora de um modo mais sistemático
a possível aplicação dos princípios da dinâmica de grupos à sala de aula. Note-se, porém, que
essa aplicação é dedutiva e que carecemos de trabalhos experimentais dentro da sala de aula que
demonstrem que a especificidade das situações pedagógicas não produz alterações em princípios
que foram verificados em situações diferentes das situações de ensino.
Por isso, nas páginas que se seguem, faremos uma análise de alguns aspectos da vida das
turmas que têm sido nelas estudadas e que atendem às características específicas dos fenômenos
pedagógicos, começando por analisar o sistema de comunicações na aula.
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Aprendizagem escolar – a reconstrução da cultura na sala de aula
interpretado por este como um sinal de insolência. Por outro lado, tenho recolhido registros de in-
cidentes disciplinares provocados pela interpretação ofensiva que o professor faz de certos gestos
dos alunos, gestos que têm significado diferente em função do meio social de pertença.
As regras pedagógicas impostas ou negociadas pelo professor enquanto agente norma-
tivo (por inerência da delegação social que recebeu para exercer a sua função educativa) de-
terminam e circunscrevem as condições gerais e específicas em que deve decorrer o processo
pedagógico e especificam algumas características da produção que se transformam em crité-
rios da sua avaliação (por exemplo, uma composição sem erros, bem estruturada logicamente
e com boa apresentação gráfica).
2. Qual é o papel do educador para criar um ambiente relacional propício para o processo de ensi-
nar e de aprender?
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Aprendizagem escolar – a reconstrução da cultura na sala de aula
3. Apresente uma reflexão sobre os textos complementares e a música proposta para a conclusão
deste capítulo.
A Paz
(DONATO; GIL, 2004)
25
Aprendizagem escolar – a reconstrução da cultura na sala de aula
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Os fundamentos do currículo –
desenvolvimento, cultura,
escolarização e educação
Marcos Antonio Cordiolli
O
s seres humanos por não serem autossuficientes, estabelecem relações entre si e com a na-
tureza para satisfazerem as suas necessidades.
[...] para viver, é preciso antes de tudo comer, beber, ter habitação, vestir-se e alguma coisa mais. O primeiro
ato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação dessas necessidades, a produção da
própria vida material; e de fato este é um ato histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda
hoje, como há milhares de anos, deve ser cumprido todos os dias e todas as horas, simplesmente para manter os
homens vivos. (MARX & ENGELS, 1989, p. 39)
As ações materiais e culturais para satisfação das necessidades dos seres humanos provo-
cam o surgimento de novas necessidades, pois “[...] satisfeita esta primeira necessidade, a ação de
satisfazê-la e o instrumento de satisfação já adquirido conduzem a novas necessidades” (MARX &
ENGELS, 1989, p. 40).
Os seres humanos possuem a distinta faculdade de criar, recriar e desenvolver necessidades,
enquanto que, para os demais animais, as necessidades estão determinadas, de maneira geral, por
fatores genéticos e biológicos. Mas, os seres humanos podem constituir diferentes necessidades em
função de determinações sociais, de classe, de cultura, de tempo e de espaço, como o de uma bebida
requintada, um automóvel, um aparelho eletrônico ou uma peça de vestuário.
Teleologia e objetivação – as diferentes atividades humanas (físicas e mentais) possuem
sentido/finalidade, intenção preconcebida, que se organiza com objetivo/alvo determinado,
ou seja, com teleologia, com finalidades e intenções preconcebidas, e dessa maneira, são
objetivações. As ações humanas expressam-se em modificações – a produção implica em
modificação (de algo) e não apenas “a criação de algo do nada” – e quem trabalha também
se modifica em contato com o que deseja, planeja, pensa e aprende com o outro. Tudo que é
produzido/objetivado implica em teleologia e sempre modifica o ser humano.
Subjetivação – os seres humanos, em suas atividades, são levados a dispor de seu cérebro,
mentalizando as suas ações (planejando-as, organizando-as, avaliando-as) desenvolvendo
a capacidade de compreender e explicar a realidade. Ao agir sobre a natureza os seres
humanos desenvolveram (e desenvolvem) as suas capacidades mentais que permitem am-
pliar a capacidade de intervenção sobre a natureza. Os seres humanos preconcebem a
imagem mental de tudo que planejam executar, e toda atividade humana é um processo de
mentalização e, portanto, de subjetivação. Assim, amplia-se a capacidade de pensamento
e criação, que permite as diferentes manifestações da cultura e do real e as possibilidades
de criar, recriar e desmontar o real e o simbólico.
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Os fundamentos do currículo – desenvolvimento, cultura, escolarização e educação
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Os fundamentos do currículo – desenvolvimento, cultura, escolarização e educação
A educação e a formação
A formação humana é caracterizada pelos processos de socialização e inte-
ração que promovem a constituição da identidade dos seres humanos, a forma de
ver e sentir o mundo, em sintonia com o seu ambiente cultural. Portanto, constitui
os alicerces básicos para todas as atividades da vida humana, dotando os indiví-
duos de características fundamentais que constituem o seu caráter, mentalidade
e cultura. A formação relaciona-se aos processos de constituição, reelaboração e
ressignificação de valores e padrões de conduta, que ocorre fundamentalmente
pela e na interação entre os seres humanos em suas vidas cotidianas.
A educação, por outro lado, é também característica cultural de nossa espé-
cie, com pelo menos duas funções básicas:
de inserção das novas gerações na cultura da comunidade a que pertencem;
de socialização dos novos elementos culturais.
A cultura humana expressa valores, padrões de conduta e regras morais,
linguagens e códigos, padrões cognitivos, tecnologias e saberes, padrões esté-
ticos, hábitos e crenças. As constituições dos elementos culturais ocorrem pela
interação nos grupos de convívio e pelas influências de instituições de formação
humana com as quais os seres humanos convivem por toda a vida, como a família,
a igreja, a escola, os grupos de convívio, associações várias, as mídias etc.
Os processos de ensino-aprendizagem constituem uma das dimensões da
educação, incluindo-se entre os processos de socialização nos quais alguém que
sabe mais se relaciona com outro que sabe menos ou sabe de forma diferente.
Aquele – o que ensina – passa a ser o promotor do processo de aprendizagem ao
orientar/organizar situações de reprodução, reflexão, transmissão ou produção de
saberes. Os processos de ensino-aprendizagem, portanto, não ocorrem apenas em
29
Os fundamentos do currículo – desenvolvimento, cultura, escolarização e educação
A escolarização
A escolarização forma processo restrito entre as atividades culturais huma-
nas, sendo que só recentemente, há menos de um século, passou a ser frequentada
por parcelas significativas da população.
A instituição escolar é também um espaço de relação cultural entre diversas
gerações, particularmente entre experientes e/ou com pouca experiência ou inex-
perientes, possibilitando os processos nos quais os seres humanos educam e são
educados, incorporando e transformando a cultura de suas comunidades.
A escola é fundamentalmente um processo institucionalizado, portanto com
objetivação, e sistêmico, com espaços, tempos, regras e processos definidos. Como
instituição social, caracteriza-se por efetivar processos organizados e dirigidos para
o ensino-aprendizagem. A instituição escolar possui uma cultura própria que não
se desvincula da sociedade na qual está inserida, mas que possui autonomia para
promover mudanças dentro das possibilidades e limites que dispõe. A escola, em
suas particularidades, parece viver sempre na tensão que opõe: as possibilidades e
desejos de se renovar e refazer, e o peso da tradição que também é sempre presente
com intensa força em seu interior.
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Os fundamentos do currículo – desenvolvimento, cultura, escolarização e educação
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Os fundamentos do currículo – desenvolvimento, cultura, escolarização e educação
1. Após a leitura do texto, escolha pontos que você considerou importantes em cada subitem. De-
pois reúnam-se em trios para debater:
a) Humanização, cultura e desenvolvimento.
b) A educação e a formação.
c) A escolarização.
2. Compare essa parte retirada do texto com os fundamentos do currículo da sua escola.
Os processos de ensino-aprendizagem constituem uma das dimensões da educação, incluindo-se entre os pro-
cessos de socialização, nos quais alguém que sabe mais se relaciona com outro que sabe menos ou sabe de forma
diferente. Aquele – o que ensina – passa a ser o promotor do processo de aprendizagem ao orientar/organizar
situação de reprodução, reflexão, transmissão ou produção de saberes. Os processos de ensino-aprendizagem,
portanto, não ocorrem apenas em instituições escolares, mas em todos os espaços sociais, no quais os seres hu-
manos interagem com a troca de saberes, tecnologias, habilidades, mitos etc.
32
Conceito de currículo e
considerações gerais
Irene Carmen Piconi Prestes
Maria de Fátima Minetto Calderari
Antonio Machado
E
screver este início não nos parece fácil, pois ao escrevê-lo temos que construir um caminho que
amplie nosso horizonte de compreensão sobre o tema. O que queremos neste texto é apresentar
alguns pontos referentes ao currículo, às adaptações curriculares e suas possíveis articulações
com o aluno com necessidades educativas especiais, os quais, possam servir de estímulo para a reflexão
ao final desta leitura.
O que é currículo?
Numa perspectiva histórica, podemos contar que é por volta de 1920, nos Estados Unidos, que
aparecem os primeiros estudos sobre o currículo (BOBBIT, 1918). Nesse período, também acontece
o processo de industrialização e os movimentos migratórios, que intensificam a busca pela escola.
Assim, o currículo, como tal, compreende historicamente uma série de dimensões, que vão desde
uma proposta de organização do conhecimento, organização das disciplinas, que modela o contexto
em objetivos, até procedimentos, métodos e resultados mensuráveis, ou seja, concentram-se mais
na técnica de “como as coisas devem ser”. “Como sabemos as chamadas teorias do currículo estão
recheadas de afirmações que dizem o que fazer para que a realidade se torne o que elas dizem que é
ou deveria ser” (SILVA, 1999, p. 13).
Numa dimensão mais atualizada do currículo, temos que constitui um campo de conhecimento,
um excelente contexto para a descoberta de ideias e de conhecimento às pessoas. Concluindo, temos
que o modo como o currículo é definido depende necessariamente do modo como é concebido pelos
seus autores.
Para ilustrar, Silva (1993, p. 15) nos aponta uma importante questão do currículo relativa à sua
implicação subjetiva na constituição da identidade de cada ser humano.
[...] etimologia da palavra currículo, que vem do latim curriculum, pista de corrida, podemos dizer que no curso
dessa corrida que é o currículo acabamos por nos tornar o que somos. Nas discussões [...] quando pensamos em
currículo pensamos apenas em conhecimento, esquecendo-nos de que o conhecimento que constitui o currículo
está vitalmente [...] envolvido naquilo que somos, naquilo que nos tornamos: na nossa identidade. Talvez possa-
mos dizer que, além de uma questão de conhecimento, o currículo é uma questão de identidade.
33
Conceito de currículo e considerações gerais
No nosso texto, entendemos que o currículo tem como foco o aluno, o qual
encontra-se em determinado momento de sua vida, a infância, a adolescência, a
vida adulta etc., em geral no percurso de um momento educativo na direção de
outro conhecimento.
Sob esse ponto de vista, o currículo carateriza-se por uma estratégia de
abordagem do objeto, que é o aluno. Para nós, estratégia significa um modo de
observar, de pensar e de agir do educador sobre o aluno.
O termo estratégia, segundo o Dicionário Aurélio (1986), significa “arte mi-
litar de planejar e executar movimentos e operações de tropas, visando a alcançar
posições e potenciais favoráveis a futuras ações sobre determinados objetivos”.
Nesse sentido, toda estratégia tem um caráter intencional consciente, ou seja,
quem a emprega deve saber porque e para que a utiliza.
Com base no que foi exposto, podemos dizer que o caminho de uma estra-
tégia corresponde a critérios conscientes e inconscientes, que decorrem do lugar
subjetivo do educador, diante do processo de ensinar e de aprender. Esse lugar se
constrói tanto a partir das teorias que suportam a formação profissional do educador
como sobre a sua experiência, sistema de valores, ideologia e estilo pessoal.
Acrescentamos que qualquer estudo que se proponha a uma análise da es-
trutura curricular deverá levar em conta também a estrutura da escola dentro do
contexto mais amplo que a condiciona. Muitas propostas de reestruturação de
currículo respondem a interesses imediatistas do mercado de trabalho e deixam
de lado o desenvolvimento de um projeto educativo voltado para a competência
pedagógica, científica, ética e política alicerçada a partir de uma perspectiva do
conhecimento.
No ensino atual, sofremos da excessiva compartimentalização do saber. A
organização curricular das disciplinas coloca-as como realidades estanques, sem
interconexão alguma, dificultando a compreensão do conhecimento como um todo
integrado, a construção de uma visão abrangente que lhe permita uma percepção
totalizante da realidade. Uma das tentativas de superação dessa fragmentação tem
sido a proposta de se pensar uma educação interdisciplinar (JAPIASSU, 1976;
FAZENDA, 1991), isto é, uma forma de se organizar os currículos escolares de
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Conceito de currículo e considerações gerais
Refletir sobre as premissas do currículo nos parece essencial para um exercício profissional
comprometido e responsável, já que muitas são as teorias do currículo. Dessa maneira, vamos discutir
um texto que, com certeza, vai “incomodar” e expandir nosso horizonte de compreensão.
A aparente disjunção entre uma teoria crítica e uma teoria pós-crítica do currículo tem sido
descrita como uma disjunção entre uma análise fundamentada numa economia política do poder
e uma teorização que se baseia em formas textuais e discursivas de análise. Ou ainda, entre uma
análise materialista, no sentido marxista, e uma análise textualista. A cisão pode ser descrita,
ainda, como uma cisão entre a hipótese da determinação econômica e a hipótese da construção
discursiva; ou entre, de um lado, marxismo e, de outro, pós-estruturalismo e pós-modernismo. A
tensão entre os conceitos de ideologia e de discurso, mesmo que eles se combinem em algumas
análises, é uma demonstração dessa fratura no campo da teoria social crítica.
É preciso reconhecer que a chamada “virada linguística” pode nos ter levado a negligenciar
certos mecanismos de dominação e poder que tinham sido detalhadamente analisados pela teoria
crítica. Embora seja evidente que somos cada vez mais governados por mecanismos sutis de poder
[...], é também evidente que continuamos sendo também governados, de forma talvez menos sutil,
por relações e estruturas de poder baseadas na propriedade de recursos econômicos e culturais.
O poder econômico das grandes corporações industriais, comerciais e financeiras não pode ser
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Conceito de currículo e considerações gerais
facilmente equacionado com as formas capilares de poder [...]. De forma similar, o poder político
e militar de nações imperiais como os Estados Unidos não pode ser facilmente descrito pela “mi-
crotísica” foucaultiana do poder.
É também verdade que a teorização pós-crítica tornou problemáticas certas premissas e aná-
lises da teoria crítica que a precederam. Assim, parece incontestável, por exemplo, o questiona-
mento lançado às pretensões totalizantes das grandes narrativas. Não há como refutar, tampouco,
a crítica feita tanto pelo pós-modernismo quanto pelo pós-estruturalismo ao sujeito autônomo e
centrado das narrativas modernas. No campo mais especificamente educacional, os questiona-
mentos feitos aos impulsos emancipatórios de certas pedagogias críticas, à medida que estão fun-
damentados no pressuposto do retorno a algum núcleo subjetivo essencial e autêntico, dificilmente
podem deixar de ser levados em consideração.
As teorias pós-críticas também estenderam nossa compreensão dos processos de dominação.
Como procurei demonstrar em alguns dos tópicos deste livro, a análise da dinâmica de poder
envolvida nas relações de gênero, etnia, raça e sexualidade nos fornece um mapa muito mais com-
pleto e complexo das relações sociais de dominação do que aquele que as teorias críticas, com sua
ênfase quase exclusiva na classe social, nos tinham anteriormente fornecido. A concepção de iden-
tidade cultural e social desenvolvida pelas teorias pós-críticas nos tem permitido estender nossa
concepção de política para muito além de seu sentido tradicional – focalizado nas atividades ao
redor do Estado. A conhecida consigna “o pessoal também é político”, difundido pelo movimento
feminista, é apenas um exemplo dessa produtiva tendência.
Não se pode tampouco negar que a crítica feita pelas teorias pós-críticas ao conceito de ideo-
logia tem ajudado a desfazer alguns dos embaraços do legado das teorias críticas. Particularmente,
a oposição entre ideologia e ciência, que, explícita ou implicitamente, fazia parte da conceitualiza-
ção de ideologia desenvolvida por várias vertentes marxistas, e não pode, depois do pós-estrutu-
ralismo, ser tão facilmente sustentada. Depois do pós-estruturalismo e particularmente depois de
Foucault, a oposição entre ciência e ideologia, fundamentada como é na oposição verdadeiro-falso,
simplesmente se desfaz. Nesse sentido, as teorias pós-críticas, ao contrário das acusações que lhes
são feitas, ao deslocarem a questão da verdade para aquilo que é considerado verdade, tornam o
campo social ainda mais politizado. A ciência e o conhecimento, longe de serem o outro do poder,
são também campos de luta em torno da verdade. Parece, pois, inquestionável que, depois das
teorias pós-críticas, a teoria educacional crítica não pode voltar a ser simplesmente “crítica”.
O legado das teorias críticas, sobretudo aquele de suas vertentes marxistas, não pode, entre-
tanto, ser facilmente negado. Não se pode dizer que os processos de dominação de classe, baseados
na exploração econômica, tenham simplesmente desaparecido. Na verdade, eles continuam mais
evidentes e dolorosos do que nunca. Se alguma coisa pode ser salientada no glorificado processo
de globalização é precisamente a extensão dos níveis de exploração econômica da maioria dos pa-
íses do mundo por um grupo reduzido de países nos quais se concentra a riqueza mundial. Nesse
contexto, nenhuma análise textual pode substituir as poderosas ferramentas de análise da socie-
dade de classes que nos foram legadas pela economia política marxista. As teorias pós-críticas
podem ter ensinado que o poder está em toda parte e que é multiforme. As teorias críticas não
nos deixam esquecer, entretanto, que algumas formas de poder são visivelmente mais perigosas e
ameaçadoras do que outras.
Ao questionar alguns dos pressupostos da teoria crítica de currículo, a teoria pós-crítica
introduz um claro elemento de tensão no centro mesmo da teorização crítica. Sendo “pós”, ela
não é, entretanto, simplesmente superação. Na teoria do currículo, assim como ocorre na teoria
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Conceito de currículo e considerações gerais
social mais geral, a teoria pós-crítica deve se combinar com a teoria crítica para nos ajudar a com-
preender os processos pelos quais, por meio de relações de poder e controle, nos tornamos aquilo
que somos. Ambas nos ensinaram, de diferentes formas, que o currículo é uma questão de saber,
identidade e poder.
Depois das teorias (críticas e pós-críticas) do currículo, torna-se impossível pensar o currículo
simplesmente por meio de conceitos técnicos, como os de ensino e eficiência ou de categorias
psicológicas, como as de aprendizagem e desenvolvimento ou ainda de imagens estáticas, como
as de grade curricular e lista de conteúdos. Num cenário pós-crítico, o currículo pode ser todas
essas coisas, pois ele é também aquilo que dele se faz, mas nossa imaginação está agora livre para
pensá-lo por outras metáforas, para concebê-lo de outras formas, para vê-lo de perspectivas que
não se restringem àquelas que nos foram legadas pelas estreitas categorias da tradição.
Com as teorias críticas aprendemos que o currículo é, definitivamente, um espaço de poder.
O conhecimento corporificado no currículo carrega as marcas indeléveis das relações sociais de
poder. O currículo é capitalista. O currículo reproduz – culturalmente – as estruturas sociais. O
currículo tem um papel decisivo na reprodução da estrutura de classes da sociedade capitalista. O
currículo é um aparelho ideológico do Estado capitalista. O currículo transmite a ideologia domi-
nante. O currículo é, em suma, um território político.
As teorias críticas também nos ensinaram que é por intermédio da formação da consciência
que o currículo contribui para reproduzir a estrutura da sociedade capitalista. O currículo atua
ideologicamente para manter a crença de que a forma capitalista de organização da sociedade é
boa e desejável. Pelas relações sociais do currículo, as diferentes classes sociais aprendem quais
são seus respectivos papéis nas relações sociais mais amplas. Há uma conexão estreita entre o
código dominante do currículo e a reprodução de formas de consciência de acordo com a classe
social. A formação da consciência – dominante ou dominada – é determinada pela gramática
social do currículo.
Foi também com as teorias críticas que pela primeira vez aprendemos que o c urrículo é uma
construção social. O currículo é uma invenção social como qualquer outra: o Estado, a nação, a
religião, o futebol[...] Ele é o resultado de um processo histórico. Em determinado momento, por
processos de disputa e conflito social, certas formas curriculares – e não outras – tornaram-se
consolidadas como o currículo. É apenas uma contingência social e histórica que faz com que o
currículo seja dividido em matérias ou disciplinas, que o currículo se distribua sequencialmente
em intervalos de tempo determinados, que o currículo esteja organizado hierarquicamente[...]. É
também por meio de um processo de invenção social que certos conhecimentos acabam fazendo
parte do currículo e outros não. Com a noção de que o currículo é uma construção social, apren-
demos que a pergunta importante não é “quais conhecimentos são válidos?”, mas sim “quais
conhecimentos são considerados válidos?”. As teorias pós-críticas ampliam e, ao mesmo tempo,
modificam aquilo que as teorias críticas nos ensinaram. As teorias pós-críticas continuam a enfa-
tizar que o currículo não pode ser compreendido sem uma análise das relações de poder nas quais
ele está envolvido. Nas teorias pós-críticas, entretanto, o poder torna-se descentrado. O poder não
tem mais um único centro, como o Estado, por exemplo. O poder está espalhado por toda a rede
social. As teorias pós-críticas desconfiam de qualquer postulação que tenha como pressuposto
uma situação finalmente livre de poder. Para as teorias pós-críticas, o poder transforma-se, mas
não desaparece. Nas teorias pós-críticas, o conhecimento não é exterior ao poder, o conhecimento
não se opõe ao poder. O conhecimento não é aquilo que põe em xeque o poder: o conhecimento é
parte inerente do poder. Em contraste com as teorias críticas, as teorias pós-críticas não limitam
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Conceito de currículo e considerações gerais
a análise do poder ao campo das relações econômicas do capitalismo. Com as teorias pós-críticas,
o mapa do poder é ampliado para incluir os processos de dominação centrados na raça, na etnia,
no gênero e na sexualidade.
Embora as teorias críticas sustentassem que o currículo é uma invenção social, elas ainda
mantiveram uma certa noção realista do currículo. Se a ideologia cedesse lugar ao verdadeiro
conhecimento, o currículo e a sociedade seriam finalmente emancipados e libertados. Se pudés-
semos nos livrar das relações de poder inerentes ao capitalismo, o conhecimento corporificado no
currículo já não seria um conhecimento distorcido e espúrio. Com sua ênfase pós-estruturalista na
linguagem e nos processos de significação, as teorias pós-críticas já não precisam da referência de
um conhecimento verdadeiro baseado num suposto “real” para submeter à crítica o conhecimento
socialmente construído do currículo. Todo conhecimento depende da significação e esta, por sua
vez, depende de relações de poder. Não há conhecimento fora desses processos.
As teorias pós-críticas continuam enfatizando o papel formativo do currículo. Diferente-
mente das teorias críticas, entretanto, as teorias pós-críticas rejeitam a hipótese de uma consci-
ência coerente, centrada, unitária. As teorias pós-críticas rejeitam, na verdade, a própria noção
de consciência, com suas conotações racionalistas e cartesianas. Elas desconfiam também da ten-
dência das teorias críticas a postular a existência de um núcleo subjetivo pré-social que teria sido
contaminado pelas relações de poder do capitalismo e que seria libertado pelos procedimentos
de uma pedagogia crítica. Para as teorias pós-críticas, a subjetividade é já e sempre social. Não
existe, por isso, nenhum processo de libertação que torne possível a emergência – finalmente – de
um eu livre e autônomo. As teorias pós-críticas olham com desconfiança para conceitos como
alienação, emancipação, libertação, autonomia, que supõem, todos, uma essência subjetiva que foi
alterada e precisa ser restaurada.
Em suma, depois das teorias críticas e pós-críticas, não podemos mais olhar para o currículo
com a mesma inocência de antes. Os currículos têm significados que vão muito além daqueles aos
quais as teorias tradicionais nos confinaram. O currículo é lugar, espaço, território. O currículo
é relação de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa
vida, curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade. O currículo é texto, discurso, docu-
mento. O currículo é documento de identidade.
1. Destaque do texto cinco palavras ou frases que são significativas para você. Em seguida reú-
nam-se em grupos e discutam o que foi destacado.
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Conceito de currículo e considerações gerais
2. Questões para serem respondidas antes desta aula. Logo após, retome-as para um exercício
crítico reflexivo sobre questões pertinentes ao âmbito do currículo.
a) O que ensinar?
b) Como ensinar?
c) Por que determinado conhecimento pertence a um currículo e não a outro?
d) Por que alguns conhecimentos são considerados válidos e não outros?
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Conceito de currículo e considerações gerais
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A função dos conteúdos do
ensino no currículo
Vilmara Sabim Dechandt
C urrículo não pode ser concebido como um elemento natural, fixo e estável, mas como um
artefato histórico, social e passível de mudanças e transformações.
Tendo em mente estas questões, as escolas seriam uma forma particular de vida organizada com
o objetivo de produzir e legitimar a cultura, sendo essa a função dos conteúdos de ensino.
A cultura, para Giroux (1999), é uma esfera pública que amplia as capacidades humanas, a
fim de habilitar as pessoas a intervir na formação de sua própria subjetividade e a serem capazes de
exercer poder para transformar as condições ideológicas e materiais de dominação, em práticas que
promovam o fortalecimento do poder social e demonstrem as possibilidades da democracia.
Deve ser uma cultura que leve em conta como as transações simbólicas e materiais do cotidiano
fornecem a base para repensar a forma como as pessoas dão sentido e substância ética às suas ex-
periências e vozes. A cultura baseada em um currículo crítico, procura questionar de que forma po-
demos trabalhar para a reconstrução da imaginação social em benefício da liberdade humana.
Na ótica sociopolítica de Herbert de Souza (Betinho), a cultura está presente nos pressupostos
filosóficos do movimento Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida. Betinho insere na palavra
vida, não apenas o alimento físico, mas a defesa pela vida digna e pelos direitos humanos. Sua luta é
contra a pobreza e a desigualdade.
Ao articular ações buscou mudar a face do Brasil de desumana para humana, do tomar para dar, da
agressão para o abraço, da fome para a fartura, do desrespeito para a união, da ignorância para a educação
igualitária, da ausência absoluta da cidadania e dos direitos para o estado e o exercício da cidadania.
Na concepção de Betinho, esse movimento que quer recriar o país depende e ssencialmente da
confiança que cada um deve ter em si mesmo, na cidadania, na ação solidária e conjunta para trans-
formar a realidade. Essa ação de cidadania aposta na consciência, na mudança de visão que vai se
transformar em ação e “virar” comida, emprego, sociedade, educação eficiente e democracia.
Ao analisar a sociedade, Betinho aponta categorias que, no conjunto, podem ser estudadas
como elementos da “representação da vida”. Essas categorias citadas por Betinho foram utilizadas
por Marx em seu estudo da Revolução Francesa, no 18.º brumário.
Uma das categorias definidas é a dos atores, que representa um determinado indivíduo ou grupo
social. Este ator social significa uma ideia, uma representação, uma interferência na sociedade (SOU-
ZA, 1996, p. 12).
O professor é um ator social, pois é um elemento de ação política (efeito-causa) com base na
possibilidade de interferência na sociedade. Essa interferência tem articulação com a história, com
relações sociais, econômicas e políticas, tudo isso num contexto.
Na escola, quando o professor não apresenta compromisso sociopolítico e competência técnica,
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A função dos conteúdos do ensino no currículo
1. Leia a obra de José Elias, Uma escola assim eu quero para mim, e categorize as diferentes fun-
ções do conteúdo de ensino que o texto apresenta.
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A função dos conteúdos do ensino no currículo
2. Debater com seus pares como está sendo enfocada a cultura presente nos currículos escolares,
qual sua função (domesticação ou emancipação).
45
A função dos conteúdos do ensino no currículo
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A diversidade e o currículo –
da exclusão à inclusão
Irene Carmen Piconi Prestes
Maria de Fátima Minetto Calderari
Igualdade de oportunidades é um amplo conjunto de valores comuns e de propósitos que estão subjacentes ao
currículo e ao trabalho das escolas. Eles também incluem um compromisso com nossa própria valorização, de nossa
família e de outras relações, dos grupos abrangentes aos quais pertencemos, da diversidade em nossa sociedade e do
ambiente em que vivemos.
Peter Mitler
M
itler (2003, p. 139) é fatídico ao afirmar: “inclusão e exclusão começam na sala de aula”. Por
mais comprometidos que estejam a sociedade e o governo com a inclusão, são as relações
cotidianas em sala de aula que oferecem ou não a possibilidade de experiências de aprendi-
zagem. As interações entre os membros da comunidade escolar promovem a inclusão e podem, se for
a sua intenção, prevenir a exclusão. Para o autor, aí está o cerne da qualidade de viver e aprender.
Quando o aluno não entende o professor e suas solicitações, sente-se excluído. O professor, por
sua vez, deve estar atento a essas situações e investir fortemente no restabelecimento da comunicação.
Quanto menos ele percebe essa ruptura na relação, menos tenderá a restaurá-la. Assim questionamos:
será que a criança que experimenta com frequência essa dificuldade de entender e ser entendida, de
compreender e ser compreendida, acreditará que a falha está exclusivamente nela? Será que essa falha
não é responsabilidade da escola, do currículo, do professor ou do planejamento das atividades?
Esse texto está voltado para os profissionais da educação que têm interesse em refletir sobre os
valores, a palavra, a subjetividade, a identidade presentes, mas nem sempre conscientes na estrutura
curricular da educação brasileira. Ressaltando para nós que é o processo curricular educativo, enten-
dido aqui enquanto uma vivência, em que cada um busca sua forma de pesquisar, seguindo cada um
o seu próprio caminho, podemos admitir que o currículo seja “individual”, se o entendemos em uma
visão particular, que considere cada situação como singular.
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A diversidade e o currículo – da exclusão à inclusão
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A diversidade e o currículo – da exclusão à inclusão
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A diversidade e o currículo – da exclusão à inclusão
Desaprendendo a lição
(SANT’ANNA, 1994, s.p.)
“Há uma idade em que se ensina o que se sabe, mas em seguida vem outra idade em que
se ensina o que não se sabe”. Esta frase de Barthes é instigante. Desmistifica a prática usual do
ensino. Por isso, ele continua seu pensamento afirmando que é preciso “desaprender”, “deixar tra-
balhar o imprevisível” até que surja a chamada “sapiência”, uma sensação de “nenhum poder, um
pouco de saber”, mas “com o maior sabor possível”.
E num seminário em Paris praticando a errância do saber, propôs aos alunos que o encontro
na classe não tivesse tema predeterminado. O desejo inconsciente do saber é que deveria aflorar o
tema. Ali os alunos deveriam não apenas desejar saber, mas saber desejar. Desejar o saber é uma
primeira etapa, mas saber desejar é uma atitude refinada. Entre um e outro vai a distância do canibal
ao gourmet.
O professor pensa ensinar o que sabe, o que recolheu dos livros e da vida. Mas o aluno apren-
de aquilo que quer aprender. Assim ele pode aprender o avesso ou diferente do que o professor
ensinou. Ou aquilo que o mestre nem sabe que ensinou, mas o aluno reteve. O professor por isso
ensina também o que não quer, algo de que não se dá conta e passa silenciosamente pelos gestos
e paredes da sala.
É, aliás, a mesma história que se dá com o texto. O autor se propõe a dizer uma coisa, mas o leitor
constrói sua leitura segundo suas carências e iluminações. Por isso equivocou-se o filósofo Derrida ao
dizer que o texto segue livre, sem paternidade, enquanto o discurso oral é tutelado pelo orador. O orador
também não controla o seu discurso, pelo simples fato de estar presente. A palavra ao ser pronunciada
já não nos pertence. O orador é falado pelo seu discurso. Fala-se o que se pensa que se sabe, ouve-se o
que se pensa que foi pronunciado. O sentido é construído a muitas vozes e ouvidos, harmonicamente.
Tinha razão o polifônico Sócrates “a verdade não está com os homens, mas entre os homens”.
O conceito de ensino como atividade oracular por parte do mestre, que se complementa
numa passividade auricular da parte do aluno é desmistificado por esse outro raciocínio. Assim
como o espaço em branco é importante no poema, assim como a pausa organiza a música, o saber
pode brotar do silêncio. O jorro contínuo de palavras pode ser ostentado apenas nas ditaduras. E,
por outro lado, durante as democracias se aprende que o discurso nem sempre diz.
Portanto, à audácia de desaprender o aprendido, soma-se a astúcia do silêncio. No princípio
era o verbo. A construção do silêncio exige muitas palavras. O escritor, por exemplo, constrói uma
casa de palavras para ouvir seu silêncio interior.
Enriquece-se o saber combatendo-se o poder que ele aparenta. E uma forma de incrementar o
poder é o perder. Assim o melhor professor seria aquele que não detém o poder nem o saber, mas
que está disposto a perder o poder, para fazer emergir o saber múltiplo. Nesse caso, perder é uma
forma de ganhar, e o saber é recomeçar. E segundo Guimarães Rosa: “mestre não é quem ensina,
mas aquele que de repente aprende”.
50
A diversidade e o currículo – da exclusão à inclusão
Refletir sobre as premissas da identidade do sujeito nos parece essencial para uma educação que
se quer inclusiva, quando se fala em adaptação curricular. Assim, propomos a leitura do texto
anterior. Destaque do texto frases que identificam a relação professor-aluno, sendo quatro frases
que revelam a posição transferencial do professor na sua relação com aluno e outras quatro
frases que revelam a posição transferencial do aluno com o professor. Em seguida, reúnam-se
em grupos e discutam o que foi destacado.
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A diversidade e o currículo – da exclusão à inclusão
Convidamos você a ler esse poema. Num primeiro momento leia de cima para baixo, e depois
de baixo para cima.
Não te amo mais
Estarei mentindo dizendo que
Ainda te quero como sempre quis.
Tenho certeza que
Nada foi em vão.
Sinto dentro de mim que
Você não significa nada.
Não poderia dizer jamais que
Alimento um grande amor.
Sinto cada vez mais que
Já te esqueci!
E jamais usarei a frase
Eu te amo!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais...
Anônimo
52
As contribuições dos
Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN) na
educação inclusiva
Maria Letizia Marchese
A
tualmente, o ensino brasileiro é norteado por um conjunto de documentos denominado Parâ-
metros Curriculares Nacionais (PCN), que foram elaborados no ano de 1998, pelo Ministério
da Educação e do Desporto, sob responsabilidade do então ministro Paulo Renato Souza. A
finalidade dos Parâmetros Curriculares Nacionais é servir como referência curricular nacional, que
possa ser adaptada a qualquer realidade brasileira, por meio de propostas regionais, possibilitando a
democratização do acesso aos conhecimentos.
É interessante perceber que existe a necessidade de se criar uma identidade única do ensino,
diferentemente do que nos mostra a história do país, que sempre elegeu a elite como cliente preferen-
cial. Se nos reportarmos ao início da educação brasileira, desde os jesuítas existia uma dedicação a
essa classe. Posteriormente, com as Leis de Diretrizes e Bases, cronologicamente falando, Lei 4.024/61,
Lei 5.692/71 e ainda a Constituição Nacional de 1988, “oficializou-se” uma caminhada em busca da
democratização do saber, o que veio fundamentar-se na Lei 9.394/96 e na proposta dos Parâmetros
Curriculares Nacionais. Não que os discursos anteriores não fossem democráticos; eram, mas apresen-
tavam-se sob a forma de propostas e currículos fechados, sem a possibilidade de adequação.
Ainda em se tratando dos PCN
[...] foram elaborados procurando, de um lado, respeitar diversidades regionais, culturais, políticas existentes
no país e, de outro, considerar a necessidade de construir referenciais nacionais comuns ao processo educativo
em todas as regiões brasileiras. Com isso, pretende-se criar condições nas escolas, que permitam aos nossos
jovens ter acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos como necessários ao
exercício da cidadania. (BRASIL, 1999, p. 5)
É possível perceber na citação que a flexibilidade e a dinamicidade são características mar-
cantes desses documentos, e por isso contribuem de forma muito positiva, pois possibilitam que a
adaptação curricular seja realizada em esferas superiores, nas instituições ou em salas de aula. Isso
não poderia ser diferente, uma vez que a percepção da diversidade humana é o ponto de partida para
a compreensão do processo inclusivo.
Cabe então aos órgãos regionais, às escolas e aos professores selecionar e adequar os conteúdos
da forma mais compatível à realidade local e às necessidades dos alunos.
Vale a pena lembrar que os Parâmetros Curriculares Nacionais dividem-se em áreas que correspon-
dem às disciplinas de cada série: Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais, História, Geografia,
Arte, Educação Física e Língua Estrangeira. Cada área possui o seu próprio documento (PCN) com os
objetivos, conteúdos, critérios de avaliação e orientações didáticas próprias. As áreas trabalham interati-
vamente entre elas e conjuntamente com os temas transversais: ética, saúde, meio ambiente, orientação
sexual, pluralidade cultural e trabalho e consumo. 53
As contribuições dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) na educação inclusiva
54
As contribuições dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) na educação inclusiva
Há muitos anos nos Estados Unidos, Virgínia e Maryland assinaram um tratado de paz
com os índios das Seis Nações. Ora, como as promessas e os símbolos da educação sempre foram
muito adequados a momentos solenes como aquele, logo depois os seus governantes mandaram
cartas aos índios para que enviassem alguns dos seus jovens às escolas dos brancos. Os chefes
responderam agradecendo e recusando. A carta acabou conhecida porque Benjamin Franklin ado-
tou o costume de divulgá-la aqui e ali. Eis o trecho que nos interessa:
[...] nós estamos convencidos que os senhores desejam o bem para nós e agradecemos de todo o coração.
Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo
assim, os senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa ideia de educação não é a mesma que a nossa.
[...] muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa
ciência. Mas, quando eles voltavam para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e
incapazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo e construir uma
cabana, e falavam a nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guer-
reiros, como caçadores ou como conselheiros.
Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a nossa
gratidão oferecemos aos nobres senhores da Virgínia que nos enviem alguns de seus jovens, que lhes ensina-
remos tudo o que sabemos e faremos deles homens.
55
As contribuições dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) na educação inclusiva
56
A função e a formação do
professor na escola inclusiva
Vilmarise Sabim Pessoa
Educar é um exercício de imortalidade.
De certa forma, continuamos a viver naqueles
cujos olhos aprenderam a ver a vida
pela magia de nossas palavras.
O educador, assim, não morre jamais.
Rubem Alves
A
s transformações de ordem política, social e econômica da sociedade contemporânea têm
exigido uma permanente reflexão sobre a função do professor. É necessário que o desempe-
nho deste profissional na escola contribua para a formação do aluno como cidadão crítico,
reflexivo e transformador da realidade. Não há mais espaço para professores que, diante de técnicas
de ensino, são meros transmissores de conhecimento.
De acordo com Giesta (2001) muitos aspectos devem ser considerados quando analisamos o
saber, o fazer e o ser professor.
Os instrumentos de avaliação
Giesta (2001, p. 37) questiona “a importância burocrática dada aos instru-
mentos de avaliação que desconsidera, em muitos casos, o nível de qualidade de
desempenho do estudante em favor da quantidade de informações, por vezes,
insignificantes para a vida do aluno no dia a dia e no seu futuro”.
Ainda, o uso excessivo de provas objetivas, e uma concepção de avaliação
meramente classificatória, apenas contribuem para prejudicar o processo de cons-
trução da aprendizagem pelo aluno. Leva à acomodação do aluno que, de certo
modo, estuda simplesmente para tirar notas suficientes para passar de ano. E o
que é mais grave, gera a falta de percepção ou de tomada de consciência de que as
aprendizagens construídas e conquistadas em sala de aula devem ser para auxiliá--
-lo na compreensão de todas as relações sociais que fazem parte de sua vida.
O professor pode assumir de forma efetiva seu papel de agente transforma-
dor, todavia é necessário que desenvolva sua capacidade de autonomia. Isto signi-
fica ser reflexivo e construtor de uma atitude consciente, que, por sua vez, implica
olhar para si mesmo e identificar (GIESTA, 2001, p. 38-39):
suas opções teóricas pessoais ou públicas;
as lacunas em seus conhecimentos;
seu nível de comprometimento para com aqueles que dependem de seu
trabalho;
sua competência técnica;
suas omissões;
seus preconceitos no exercício da profissão.
Sacristán (2001, p. 123) relata que novos materiais curriculares, novas tecno-
logias e outros meios de inovação podem contribuir para incrementar a qualidade
58
A função e a formação do professor na escola inclusiva
59
A função e a formação do professor na escola inclusiva
[...] Para Piaget (1970) a formação de professores é longa e complexa. Nesse processo, julgo
fundamentais quatro pontos. Primeiro, é importante para o professor tomar consciência do que
faz ou pensa a respeito de sua prática pedagógica. Segundo, ter uma visão crítica das atividades e
procedimentos na sala de aula e dos valores culturais de sua função docente. Terceiro, adotar uma
postura de pesquisador e não apenas de transmissor. Quarto, ter um melhor conhecimento dos
conteúdos escolares e das características do desenvolvimento e aprendizagem dos seus alunos.
Por mais que um professor faça cursos e fundamente sua prática pedagógica, a tendência é
ficar dominado pelos problemas práticos e pelo dia a dia, difícil e envolvente, da sala de aula. A
superação desta tendência pelo professor é importante, e não é fácil, porque supõe a tematização
de seu cotidiano, o que implica torná-lo público, sistematizar a metodologia, compartilhar com
colegas os problemas que enfrenta, discutir temas recorrentes em educação: avaliação, seriação
escolar, disciplina em sala de aula, livro didático, cópia, exercício, explicação dos conteúdos, mo-
tivação dos alunos.
O professor, que em sua sala de aula sabe também fazer falarem seus alunos, que sabe escutá--
-los e promover argumentações de diversos tipos, que é capaz de promover hipóteses e teorias
infantis, quando está em uma reunião docente, não sabe falar de sua prática (mesmo quando tem
espaço), preferindo escutar os especialistas e conhecer novas técnicas. Como fazer esse profes-
sor falar, tematizar sua prática, dar conteúdo a suas formas de trabalhar em sala de aula? Como
permitir-lhe uma discussão sobre suas dificuldades ou tomar consciência dos aspectos positivos
ou negativos de seu trabalho? De que modo fazê-lo valorizar sua prática, mas também criticá-la
ou aperfeiçoá-la? Nesse contexto, é muito importante a descrição, a discussão, os registros, a in-
teração entre professores. É importante que os professores tenham regularmente um tempo fora
da sala de aula, em um contexto em que se sintam bem, para falarem sobre seu trabalho, para
darem voz ao seu cotidiano escolar. Também é importante que os professores critiquem, para que
possam rever suas práticas, substituindo-as por outras melhor fundamentadas e que resultem mais
eficazes para os fins educacionais a que se propõem. Mais que isso, para que possam saber se suas
decisões educacionais estão de acordo com os projetos políticos e culturais de seu país, para que
se comprometeram desenvolver em suas aulas.
A adoção de uma perspectiva experimental (não é apenas de transmissão) é muito importante
no construtivismo de Piaget. Conforme essa posição, o professor deve ser um investigador. Inves-
tigador porque comprometido com o conhecimento de técnicas pedagógicas, com um domínio de
conteúdos escolares e com a experiência acumulada em seu trabalho docente. Além disso, porque
deve considerar algo que não está nos livros, que ele pode conhecer de antemão, uma vez que se
trata do saber dos seus alunos, das hipóteses, das relações que fazem, do sentido que o estudo e a
escola têm para eles.
A postura do professor construtivista é experimental porque se trata de dar aulas como um
projeto de trabalho, em que os conhecimentos são aprofundados e ampliados, em que se aperfei-
çoam as formas anteriores de ensinar. Experimental porque há um espírito de novidade, de criati-
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A função e a formação do professor na escola inclusiva
vidade, de ir mais fundo, porque é interesse, gozo na produção de conhecimento; mas, ao mesmo
tempo há sistematização, há transmissão, há compromisso com o que se sabe sobre os conteúdos,
há conservação das experiências passadas. Ou seja, o espírito experimental do professor é seu
compromisso com o futuro, no presente da sala de aula. O espírito transmissivo, igualmente, é seu
compromisso com o passado no presente, com as coisas que não podem esquecer. E isso o leva
à necessidade contínua de um melhor conhecimento, ou uma constante atualização com respeito
aos conteúdos escolares, junto com a correspondente consideração das c aracterísticas do desen-
volvimento e da aprendizagem de seus alunos. E, além disso tudo, pode-se acrescentar mais uma
outra necessidade: coordenar todos esses pontos de vista com uma educação comprometida com
a cidadania das crianças.
1. Na sua opinião, quais os aspectos fundamentais que o professor deveria desenvolver para tor-
nar-se um verdadeiro profissional da educação?
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A função e a formação do professor na escola inclusiva
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Atividades independentes –
uma estratégia de ação
comunitária na escola inclusiva
Ida Regina Moro Milléo de Mendonça
Não há no universo duas coisas iguais. Muitas se parecem umas com as outras; mas todas entre si diversificam.
Os ramos de uma só árvore, as folhas de uma mesma planta, os traços da polpa de um dedo humano, as gotas do mes-
mo fluido, os argueiros do mesmo pó, as raias do espectro de um só raio solar ou estrelar. Tudo assim, desde os astros
do céu, até os micróbios no sangue; deste as nebulosas no espaço, até os aljôfares do rocio da relva dos prados.
Rui Barbosa
D
iante de relatos como esse citado por Peterson, podemos ter inúmeras reações. Entendemos que
duas destas reações devam ser explicadas.
Podemos duvidar da qualidade de tal empreitada, uma vez que a diversidade entre os alunos é re-
levante ou podemos, a partir de uma “consciência cidadã”, perceber a necessidade como se propor ações e
que as diferenças étnicas, de cultura, de desenvolvimento e aprendizagem possam ser valorizadas e fazer
parte do cotidiano escolar.
A proposição de ações educativas deve constar em propostas pedagógicas que possibilitem ao aluno
construir uma boa imagem de si mesmo, e deve ainda ser condizente com sua realidade; propostas que o
auxiliem a construir um posicionamento firme contra o preconceito e a favor do respeito às diferenças.
Assim, nos respalda Dutra (2003, p. 46) ao expressar que “a inclusão postula uma reestruturação do
sistema de ensino, com objetivo de fazer com que a escola se torne aberta às diferenças e competente para
trabalhar com todos os educandos, sem distinção de raça, classe, gênero, ou características pessoais”.
Outro aspecto de grande importância, apresentado no relato de Peterson, é a aprendizagem comu-
nitária. Esta será nossa questão de reflexão e discussão neste capítulo.
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Atividades independentes – uma estratégia de ação comunitária na escola inclusiva
O planejamento da
aprendizagem comunitária
Ainda de acordo com Peterson (1999), o planejamento da aprendizagem
pode iniciar pela disciplina, ou seja, pela área do conhecimento. Para isso, é pre-
ciso que o professor se organize para ensinar os objetivos desta de forma prática
e integrada à comunidade. A organização de projetos que tenham potencial para
desenvolver os o bjetivos é uma boa alternativa.
Pode, ainda, iniciar pelos objetivos de aprendizagem para determinados alu-
nos e, finalmente, a aprendizagem comunitária pode começar na escola a partir de
uma observação cuidadosa sobre os tipos de resultados que se deseja para todos os
alunos, bem como a variedade de opções necessárias para alcançar tais objetivos.
Em síntese
Escola inclusiva não é aquela que somente mostra-se preparada para tratar
de forma adequada as diversidades que se apresentam de maneira implícita ou
explícita dentro do próprio espaço escolar.
Significa, sobretudo, que está integrada a todas as questões que envolvem a
comunidade e, inclusive, proporciona a todos os alunos uma vivência ativa e mais
próxima possível da realidade. Escola e comunidade devem estar unidas para ga-
rantir uma educação de qualidade e significativa para todos os alunos.
Entendemos, assim, que a implementação de práticas educativas eficientes
e consistentes podem contribuir para que o aluno assuma o papel de verdadeiro
agente da transformação de sua comunidade.
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Atividades independentes – uma estratégia de ação comunitária na escola inclusiva
Profundidade do conhecimento
O conhecimento pode ser considerado “superficial” quando “não lida com conceitos impor-
tantes de um tópico ou de uma disciplina” (NEWMANN; WEHLAGE, 1993, p. 9).
Quando os alunos estão envolvidos com ideias fundamentais, com o desenvolvimento de ar-
gumentos ou com a resolução de problemas, aprendem as informações em um nível mais substan-
cial. A aprendizagem superficial, em geral, ocorre quando um grande número de tópicos é coberto
de maneira fragmentada. Por isso, a profundidade do conhecimento pode ocorrer mais facilmente
quando um número menor de tópicos é coberto.
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Atividades independentes – uma estratégia de ação comunitária na escola inclusiva
Aprendizagem ativa
As atividades de aprendizagem comunitária proporcionam oportunidades para os alunos se-
rem construtores ativos, e não recipientes passivos, do processo de aprendizagem. Sob a orienta-
ção dos professores, os alunos identificam problemas, desenvolvem equipes de aprendizagem e
direcionam o curso da aprendizagem.
Grupos heterogêneos
Todos os alunos aprendem mais eficientemente quando sua educação é individualizada e
quando têm oportunidades para participar de um grupo heterogêneo. A maioria dos modelos de
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Atividades independentes – uma estratégia de ação comunitária na escola inclusiva
1. Observe o dia a dia de uma escola e verifique como as diferenças de raça, cultura e caracterís-
ticas pessoais são tratadas, dentro deste espaço, na relação professor-aluno.
Então, este é o momento de contar aos seus colegas e trocar suas experiências s ignificativas.
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Atividades independentes – uma estratégia de ação comunitária na escola inclusiva
3. Qual é o seu ponto de vista acerca da inclusão escolar e propostas de trabalho entre escola e
comunidade?
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Atividades independentes – uma estratégia de ação comunitária na escola inclusiva
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Avaliação diferenciada
Maria de Fátima Minetto Calderari
A individualização do ensino, e o respeito à diversidade implica em avaliar cada aluno
em função dos seus próprios objetivos.
César Coll
N
o capítulo anterior, iniciamos a discussão sobre avaliação e as modificações que vem sofrendo
impulsionadas pelas novas perspectivas da Lei de Diretrizes e Bases. Ainda no mesmo racio-
cínio, pretendemos aqui, abordar como avaliar alunos com necessidades educativas especiais.
A prática pressupõe adaptações que têm como finalidade a adequação dos modos de avaliação às
peculiaridades de cada aluno.
Apesar da conscientização da necessidade de modificações na forma de avaliar, ainda encontramos
com muita frequência a avaliação somente do aluno, com a intenção de medir seu desempenho com rela-
ção aos objetivos propostos, esperando-se dele um determinado rendimento. Como consequência, obser-
va-se o estabelecimento de categorias que restringem a rótulos os resultados obtidos pelos educandos.
Realmente acreditamos que a possibilidade de modificações dificilmente acontecerá de forma
isolada. A inclusão impulsionará melhoras na qualidade de ensino e de aprendizagem, se houver por
parte da escola como um todo (professores, diretores, orientadores, pais etc.) uma adequação, uma
capacidade de “ousar pensar diferente”. Somente uma mudança de paradigma possibilitará que esta-
beleçam mudanças em todos as âmbitos e isso inclui a avaliação.
Para caminharmos em direção a uma avaliação diferenciada precisamos entendê-la de forma
ampla, como um processo e não como um fim. Como vimos no capítulo anterior, dispomos de vários
modelos de avaliação; o que precisamos é entendê-los a fim de utilizá-los de forma construtiva.
A avaliação diferenciada
Quando vamos organizar o planejamento, esse deve ser feito baseado no aluno que temos em
sala, nunca baseado no aluno que “imaginamos que vamos ter”. Uma das minhas maiores críticas é
com relação a isso. Durante anos, passei as primeiras semanas do ano fazendo o planejamento “deta-
lhado” das atividades e objetivos para entregar para coordenação pedagógica. Quando meus alunos
chegavam, percebia que precisaria mudar e, muitas vezes, isso era quase impossível. Vejam bem, não
estou dizendo que não podemos fazer um esboço do planejamento, mas que esse só seja concluído a
partir de uma avaliação inicial dos alunos. Ou seja, primeiramente precisamos ver os alunos; fazer o
que sugere Coll (2000): uma avaliação inicial que norteará a ação pedagógica e que dirá quem são os
alunos e do que eles precisam.
A partir daí estenderíamos a avaliação em dois planos.
Avaliar constantemente as relações que se estabelecem no contexto educacional, que estão
diretamente ligadas ao processo ensino-aprendizagem. Devemos cuidar para não ficarmos “pa-
ralisados”, observando as reais dificuldades de aprendizagem, pois elas podem estar agravadas
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Avaliação diferenciada
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Avaliação diferenciada
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Avaliação diferenciada
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Avaliação diferenciada
pedagogia mais eficaz desencorajará menos os alunos, desesperados em ver que seus progressos
têm pouca relação com o tamanho dos esforços empenhados. Mas esse sentido também tem rela-
ção com o saber, com o projeto de vida. Por que eu aprenderia a jogar golfe ou a cozinhar se não
tenho necessidade ou vontade disso?
Hoje em dia, a escola mal consegue fazer com que todos compreendam o interesse em saber
ler ou contar. O que dizer, então, de saberes cuja utilidade não é fácil de imaginar, como a Álgebra,
a Biologia, a História, a Filosofia? A escola continua muito despreparada diante dos alunos que
não têm interesse em “encher a cabeça de coisas inúteis” e que não percebem o poder e o prazer
que esses saberes poderiam lhes trazer.
Os currículos por competências podem contribuir para dar sentido ao saber, l igando-os mais
explicitamente à ação. As tecnologias – simulação e realidade virtual – podem ajudar a obter uma
melhor representação das práticas sociais para as quais os conhecimentos e as competências são
essenciais. Mas não há computador capaz de convencer um aluno a aderir à cultura escolar. O
trabalho de mediação dos professores continua a ser essencial para seguir as pistas traçadas pela
nova pedagogia e pelas pesquisas sobre a relação entre o saber e a construção do sentido.
Do outro lado, o sistema educativo acolhe crianças e adolescentes muito diferentes. Caso
continue “indiferente às diferenças”, o fracasso escolar persistirá.
O objetivo é, com frequência, propor a cada aluno situações de aprendizagem adequadas para
ele – não padronizadas, mas construídas sob medida. A pedagogia diferenciada passa por uma nova
organização do trabalho (ciclos plurianuais de aprendizagem, cooperação entre professores). É pre-
ciso, igualmente, haver ferramentas mais precisas de avaliação formativa e de regulamentação.
Mas nenhuma tecnologia, nenhuma reforma estrutural poderá fazer efeito sem mediação
pedagógica. Mas esta, para ganhar eficácia, precisa ser confiada a professores cada vez mais
qualificados, com ampla cultura na área das ciências humanas, forte orientação para as práticas
reflexivas e capacidade de inovação.
Seria ilusório crer que basta o tempo para resolver os problemas.
A escola, daqui a 25 anos, pode ser ainda menos igualitária e ainda menos eficaz que hoje;
se não fizermos nada para enfrentar e resolver seus problemas com nossas próprias mãos. Uma
vontade política forte e duradoura pesará mais do que a fé no progresso...
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Avaliação diferenciada
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Pais, professores e alunos –
parceiros no processo inclusivo
Maria de Fátima Minetto Calderari
Às vezes, imagino a vida como uma viagem de trem, feita com companheiros que a compartilham em
determinados trechos [...]. Quando juntos, cada um dos companheiros de viagem faz suas descobertas
e procura passá-las para os outros, sabendo que a riqueza da luz se amplia quando é compartilhada.
Roberto Shinyashiki
A
responsabilidade da educação de crianças e adolescentes vem mudando ao longo da história
da humanidade. Podemos relatar que se encontra em permanente construção e, sobretudo,
tem uma estreita relação com o papel da mulher na sociedade.
Antes, a mulher/mãe era a figura principal na educação dos filhos. Com o ingresso da mulher no
mercado de trabalho, por opção ou necessidade, a responsabilidade da educação de crianças e jovens
passa para uma esfera coletiva. Ou seja, não apenas da responsabilidade da família, mas também da
sociedade, na qual a escola está inserida.
De acordo com Mittler (2003, p. 205) é preciso “repensar a base inteira das r elações entre a fa-
mília e a escola para todas as crianças. Ainda há uma cortina aveludada entre o lar e a escola. Os pro-
fessores e os pais podem ser amigáveis, úteis e corteses mutuamente, mas há uma tensão subjacente
inevitável que surge a partir do desequilíbrio de poder entre eles”.
De modo geral, os pais de alunos com necessidades especiais sentem-se ansiosos e apreensivos
quando seus filhos estão na escola. Essa situação ocorre e predomina quando eles percebem que a
forma de trabalho realizada dentro da escola com seus filhos diferencia-se da educação que muitos
deles tiveram quando crianças.
Ressaltamos ainda que os pais manifestam estas formas de sentimento por não compreenderem
com clareza o que de fato seus filhos realizam no dia a dia da escola.
Por outro lado, deparamo-nos com um grande número de professores que desconhecem o con-
ceito de inclusão, enquanto equiparação de oportunidades. Esse processo está ligado a uma mobiliza-
ção da sociedade em diversos países, inclusive no Brasil, que demonstram estar preocupados com a
inclusão social dos grupos minoritários de suas sociedades.
De certa maneira, os professores são resistentes à inclusão, uma vez que este processo vem acon-
tecendo em inúmeras escolas em nosso país, como uma simples colocação do aluno em sala de aula.
Todavia, os mesmos professores que explicitam suas resistências, ao receber uma ou mais crian-
ças com necessidades especiais, vão em busca de estratégias pedagógicas para, de certo modo, atender
às especificidades daquele ou daqueles alunos. Com isso, queremos afirmar que, atualmente podemos
visualizar atitudes isoladas de professores comprometidos com a educação de seus alunos especiais.
77
Pais, professores e alunos – parceiros no processo inclusivo
Vale ressaltar que ainda estamos longe de políticas públicas que conside-
rem as diferenças. Sobretudo de propostas pedagógicas e cursos de formação de
professores com o objetivo de efetivar o processo de ensino-aprendizagem para
atender às especificidades do aluno especial em condições de inclusão.
Assim, diante das questões apontadas, entendemos que é de fundamental
importância que escola, professores e pais desenvolvam uma relação de respeito e
confiança para juntos compartilharem a responsabilidade da educação das crian-
ças com necessidades especiais.
Assim Mittler (2003, p. 205) enfatiza que é preciso “inventar modos novos de
trazer os professores e os pais para uma relação de trabalho melhor, pois isso é vá-
lido para a própria causa e também beneficia todas as crianças, pais e professores”.
Compreendemos que a relação de trabalho melhor está relacionada a um envolvi-
mento permanente da família na escola, que tem como meta práticas inclusivas.
Assim, é necessário que exista um sistema de comunicação diário entre es-
colas e famílias por meio de telefonemas, anotações em agenda etc. As famílias,
devem ser reconhecidas pela escola como parceiras plenas e terem a oportunidade
de participar de reuniões de planejamento do trabalho pedagógico a ser desenvol-
vidos com seus filhos. É papel da escola estimular os pais a participar em todos os
aspectos operacionais da escola, seja como voluntários em sala de aula ou mem-
bros da a ssociação de pais e professores.
Ainda, é necessário que os pais recebam todas as informações relevantes
sobre as práticas educativas atuais. Assim, poderão demonstrar uma atitude de
respeito e confiança para com os professores e pela escola como um todo.
Com o intuito de reforçar nossas reflexões a respeito da importância da
parceria pais, professores e alunos no processo inclusivo, citaremos alguns indi-
cadores necessários à efetivação, bem-sucedida, neste processo. Estes indicadores
são apontados por Mittler (2003) que, por sua vez, baseia-se na publicação Early
learning goals (1999). São eles:
Pais e mães são os primeiros, os principais, e os mais duradouros educadores de suas
crianças. Quando pais e profissionais trabalham juntos durante a infância, os resultados
têm um impacto positivo no desenvolvimento da criança e na sua aprendizagem. Então,
cada etapa do desenvolvimento deve buscar uma parceria efetiva com os pais.
Uma parceria bem-sucedida precisa de um fluxo de informação, de conhecimento e de
perícias de duas direções. Há muitos modos de alcançar a parceria, mas o que se segue são
características comuns de uma prática efetiva:
os profissionais da área demonstram respeito e compreensão acerca do papel do pai e
da mãe na educação de sua criança;
a parte passada e futura desempenhada pelos pais na educação de suas crianças é re-
conhecida e é explicitamente encorajada;
os esquemas de adaptação são flexíveis e dão bastante tempo às crianças para que se
sintam seguras, e aos profissionais da área e pais para que discutam as circunstâncias
de cada criança, os interesses, as competências e as necessidades dela;
todos os pais devem sentir-se bem-vindos, estimados e úteis, a uma gama de oportuni-
dades diferentes para colaboração entre as crianças, os professores e os profissionais
nas escolas;
78
Pais, professores e alunos – parceiros no processo inclusivo
[...] Fica evidente que há muita ênfase nos alunos e nos professores ajudando-se e apoiando--
-se mutuamente nos esforços para construir comunidades inclusivas e estimulantes. Têm surgido
vários princípios básicos de redes de apoio que podem ser úteis, quando os temos em mente, ao
trabalhar para construir comunidades inclusivas.
1. A rede de apoio baseia-se na premissa de que cada um tem suas capacidades, potencialida-
des, dons e talentos, inclusive os alunos classificados como pessoas com deficiência, que
podem ser usados para proporcionar apoio e ajuda a seus companheiros da comunidade.
2. Na rede de apoio, todas as pessoas estão envolvidas na ajuda e no apoio mútuos, tanto em
arranjos formais quanto em arranjos informais. Os relacionamentos são recíprocos, em
vez de algumas pessoas serem sempre apoios, e outras sendo sempre os apoiados.
3. Relacionamentos em que o apoio é natural, em que os indivíduos apoiam um ao outro
como colegas, amigos ou companheiros de trabalho são tão importantes quanto o apoio
profissional. Um enfoque nos apoios naturais ajuda a conectar as pessoas nas classes e
nas escolas e, assim, estimula as comunidades que prestam apoio a seus membros.
4. Os indivíduos são únicos e diferem em suas necessidades, as quais, em geral, mudam
com o tempo. Por isso, os componentes de uma rede de apoio não devem ser baseados
em uma lista predefinida e rígida de opções de apoio que não podem ser modificadas para
satisfazer as necessidades individuais.
79
Pais, professores e alunos – parceiros no processo inclusivo
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Pais, professores e alunos – parceiros no processo inclusivo
1. Qual é o seu ponto de vista sobre a parceria de pais, professores e alunos no processo inclusivo?
81
Pais, professores e alunos – parceiros no processo inclusivo
3. Relate para os seus colegas alguma experiência de trabalho coletivo (família-escola) que tenha
sido significativo e registre as conclusões.
82
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Referências
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Anotações
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