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desta publicação, no todo ou
em parte, constitui violação
do copyright (Lei 9.610).
GUILHERME  PERES

Do Instituto Histórico e Geográfico
de São João de Meriti

Da Arcádia de Letras e Artes
de Nova Iguaçu

Da Academia de Letras e Artes de
São João de Meriti

Do Instituto de Pesquisas e Análises Históricas 
e Ciências Sociais da Baixada Fluminense

Sócio do “Amigos do Instituto Histórico
Vereador Thomé Siqueira Barreto da
Câmara Municipal de Duque de Caxias”

BAIXADA  FLUMINENSE
___________________________________________________

UM  LUGAR
NO  PASSADO
ENSAIO
Editora IPAHB
2006
AGRADECIMENTOS

Quero registrar meus agradecimentos aos


amigos e professores que, de algum modo,
contribuíram com essa modesta tarefa, indicando
leituras, orientando pesquisas, incentivando, etc.

Antonio Lacerda de Menezes


Luzimar Cotta
Maurício Thomaz de Araujo
Milton Cabral
Maria Rita
Newton Menezes
Ney Alberto de Barros
Paulo Clarindo
Pedro Marcílio da Silva Leite
Rogério Torres da Cunha
Stélio Lacerda
Tânia Maria da Silva Amaro

Minha gratidão especial aos professores que


colaboraram diretamente com esse trabalho:
Arnaldo José de Castro
Gênesis Pereira Torres

Aos amigos do IPAHB:


Ápio Rodrigues Neto, Mônica Ferreira Barreto,
Patrícia Silvia de Campos, Nilce Campos, Carlos
Rogério da Silva Brito, Carlos Alberto Azevedo
Ferreira, Fábio Francisco de Souza.
Meus agradecimentos.

P ara estudar o passado de um povo, de uma
instituição, de uma classe, não basta aceitar
ao pé letra tudo quanto nos deixou a simples
tradição escrita. É preciso fazer falar a multidão
imensa dos figurantes mudos, que enchem o
panorama da história e são muitas vezes mais
interessantes e mais importantes do que os
outros, os que apenas escrevem a história”.

Sérgio Buarque de Holanda

À meus pais, e a minha irmã a quem


dedico este modesto trabalho, uma só
palavra: SAUDADE
SUMÁRIO

Apresentação 11
Prefácio 15
Transporte Coletivo 18
Sto. Antônio de Jacutinga 46

Vila de Santo Antônio de Sá 60

Porto da Estrela 82
Epidemias 103

Engenho Gericinó 120


APRESENTAÇÃO
Arnaldo José de Castro

Dos 43.907 km² que compõem o Estado do Rio de


Janeiro, cerca de 0,6% do território nacional, 5.000 km²
formam o Grande Rio Fluminense, região litorânea de
relevo baixo entre elevações que se estendem até às
Serras de Tinguá, da Estrela e dos Órgãos e lindes de
Japeri e Queimados.
Reduzido às moderadas proporções de uma
miniatura, esse espaço bem se trata de expressiva síntese da
terra fluminense. Na unidade da geografia continental não
há monotonia de paisagem. O território contínuo – visto a
começar da Baia de Guanabara, em prossecução até aos seus
confins – depara dinamismo em sua fisiografia de quadros
alternados – planícies e montes de variada altitude.
O território geopoliticamente indiviso, ocorrido o
achamento do Brasil em 1500, assim permaneceu ao
longo do tempo, enquanto as configurações institucionais
se sucediam. Vem o período pré-colonial, ou de
colonização eventual, em que se realiza a exploração
geográfica; a colonização sistemática, iniciada em 1530
com Martim Afonso de Souza; a chegada dos escravos, a
partir de 1532, fator estruturante da economia
exportadora fundada no trabalho servil; a fundação de
São Sebastião do Rio de Janeiro, em 1565, por Estácio de
Sá ...Por iniciativa estratégica do marquês de Pombal
(Sebastião José de Carvalho e Melo - 1699-1782), a capital
da Colônia, em 1763, transfere-se de Salvador para o Rio
de Janeiro. A orla litorânea marcada por ancoradouros ou
portos, torna-se convergência de caminhos de circulação
das mercadorias, metais e pedras preciosas.
O espaço do hoje Grande Rio Fluminense, capital do
Brasil-Colônia (1763), dos Reinos Unidos – Portugal, Brasil,
Algarves (1815), íntegro, sem divisões político-
administrativas, foi até à criação do Município Neutro ( Ato
Adicional à Constituição – 1834 ), sede da Corte e dos
poderes do Império. Esse ato desincorpora da Província
Fluminense a área de 1.171 km².
A criação do Município Neutro, com administração
própria, faz de Niterói (1835) capital provincial . Criou-se
a vila de Iguaçu (1833), origem do município-mãe da
região, desdobrado em unidades politico-administrativas
autônomas, anos depois.
Em 1858 o primeiro trecho da estrada de ferro chega
a Queimados, sobretudo para o transporte de
mercadorias. A começar do Rio de Janeiro, toda a região
sempre se pontilhara de sítios, fazendas, chácaras, em
produção contínua . Os proprietários, muitos nobilitados
(barões, comendadores etc.) pelo monarca, residiam nas
casas-grandes ou vivendas e revezavam idas e vindas à
Corte onde cuidavam de interesses ou ocupavam cargos
de relevo social.
De molde a tais contornos político-administrativos
(sumariamente delineados), Guilherme Peres, autor
consagrado de “Caminhos do Ouro” (1993) e de “Tropeiros
e Viajantes” (2000), formado no humanismo socialista, vai
buscar a dimensão humana, a dor e o sofrimento que
intercorre os albores de uma sociedade injusta, de senhores
e escravos, que em parte não se teme de torturar até à
morte. Apoia-se em fontes primárias e aprofunda aspectos
das relações sociais, que estão na base da formação
metropolitana. Atento ao meio físico põe-se ombro por
ombro com geógrafos-historiadores como Alberto (Ribeiro)
Lamego em obras capitais – O Homem e o Brejo (1945), e O
Homem e a Guanabara (1964) – no desvendamento dos
fenômenos de povoação e desenvolvimento.
As densas páginas de “Um Lugar no Passado”
abrem-se para as cogitações da história social e da
sociologia histórica nesse capítulo da história fluminense.
Perpassam os comportamentos da vida religiosa, da vida
familiar, os problemas de consciência na hora de testar as
últimas vontades, as generosidades e os seus contrários.
A utilização de pesquisa em jornais, na melhor linha
metodológica, de que dá notícia, representa o sucedâneo
para a ausência de documentos próprios dos negros
(ausência que GP lamenta), a considerar que a escravaria era
ágrafa, talvez com raras exceções. Outra saída não há que
buscar em cartórios, igrejas, na imprensa abolicionista e nos
anúncios sobre escravos o registro dos fatos.
Autoridade sem contraste pela inexcedível
contribuição de sua obra, Gilberto Freire ensina: ...“como a
história econômica do Brasil é, até a Abolição, em grande
parte, a história do trabalhador negro – a significação dos
anúncios relativos a escravos torna-se capital. Por algum
tempo, chegaram esses anúncios a ocupar 1/3 e até ½ da
parte ineditorial dos diários. Sem comparação – a parte mais
humana e mais viva dos mesmos diários. A mais ligada à
economia da época – a patriarcal e agrária; a mais ligada à
vida então vivida pelos brasileiros, tanto nas cidades como,
principalmente, nas fazendas, nos engenhos, nas chácaras, -
mais ou menos grandes às quais eram indispensáveis senão
senzalas, escravos...” (O Escravo nos Anúncios de Jornais
Brasileiros do Século XIX
– Imprensa Universitária, Recife, 1963.)
Cumpre assinalar que “Um Lugar no Passado” não
se desvincula do movimento de dinamização cultural do
Grande Rio Fluminense, que data da implantação das
instituições universitárias. Fruto desse processo, de que
são partes – UERJ, UNIG, UNIGRANRIO FEUDUC,
IPAHB, e autores – Gênesis Torres, Ondemar Ferreira
Dias, Stélio Lacerda, Alexandre dos Santos Marques,
Antônio Lacerda de Menezes, Rogério Torres, Ney
Alberto, Selma Chagas de Oliveira, Ercília Coelho de
Oliveira et alii – desaparecem as assimetrias culturais.
À bibliografia historiográfica fluminense, em posição
de relevo, acede “Um Lugar no Passado” a projetar sobre o
futuro o acervo de experiência modeladora da sociedade a
que se aspira - justa e fraterna.

Dia de Corpus Christi, 15 de junho de 2006.


PREFÁCIO

Deve-se, em grande parte, ao estudo das


sobrevivência religiosas, ou as culturas que a elas vieram
se integrar, a bibliografia do negro no Brasil. A escassez
de documentação histórica sobre as conseqüências da
escravidão, tendo por objetivo o cativo, relega ao negro
um papel passivo de personagem que, sem ter deixado
um registro histórico de seus conflitos, fica à mercê do
pesquisador, obrigado a valer-se de jornais e
documentação da época, gerados pelo opressor.
Embora o resultado alcançado neste setor constitua
hoje um acervo considerável, é impossível negar que esse
unilateralismo tem prejudicado a avaliação da pesquisa. A
condição de escravo nunca ofereceu, ao negro, a
oportunidade de registrar sua experiência de oprimido
nas senzalas.
Não só os negros que fugiam ao rigor do cativeiro,
mas também os crioulos (negros nascidos no Brasil) mais
adaptados aos costumes do branco e do indígena, no
trabalho diário dos engenhos e na casa do senhor, não
deixaram registrados, de alguma forma, seu sofrimento.
A sociedade definida em duas classes, mantinha
entre si grande distância social, e mesmo entre os
componentes da classe dominante, eram raros os
conhecimentos mais elementares, como ler e escrever,
privilégio monopolizado pelas ordens religiosas.
Seria de esperar que ao menos nos quilombos,
pudessem ser recuperados, através de alguns valores de
sua cultura, denúncias dessa forma de relacionamento.
Entretanto, o exame dessa amostragem, garimpado em
pacientes trabalhos arqueológicos, demonstra que alguns
dos aspectos primitivos foram reconstituídos, ainda assim
com total ausência desses registros, mesmo numa etapa
avançada no processo de aculturação.
Os registros dos livros paroquiais são um dos poucos
recursos para se reconstruir o passado. Os laços familiares,
as relações e os conflitos estão dispersos para serem
garimpados nas entrelinhas dos textos, único auxílio para se
reconstruir o cenário da vida dos cativos, pinçadas de uma
mesma cultura, economia e sociedade. São histórias
coletadas e recuperadas, muitas vezes contadas pelos
próprios protagonistas a partir de fontes originais.
Ao estudar o negro integrado na economia
fluminense, vamos encontrá-lo na Baixada fazendo parte
de pequenos plantéis em torno de engenhos ou
engenhocas, que se espalhavam por toda a orla da Baia de
Guanabara ou em seu interior. Mercadorias socialmente
baratas durante a segunda metade do século XVIII,
constatam o aparecimento de uma camada social entre o
senhor de engenho e os cativos, no processo das relações
pré-capitalistas: a pequena burguesia.
A maioria dos homens livres era proprietária de
pelo menos um escravo, não só pelo baixo preço, mas pela
condição de ser “senhor de escravo”, mesmo que fosse
para a ocupação de pequenas tarefas domésticas.
Descrevendo um pouco os meios e instrumentos de
transportes usados no interior do Estado, afastamo-nos da
faixa litorânea da Baia de Guanabara, freqüentemente
descritas pelos viajantes do século XIX e reproduzida por
historiadores dedicados à história de seus portos fluviais.
Ao contribuir com este pequeno trabalho para o
estudo de uma economia escravista, que durante mais de
trezentos anos dominou também esta região fluminense e
relegou ao negro sua condição nem sempre passiva de
escravo, queremos abrir um caminho para os futuros
pesquisadores se apoiarem em alguns documentos
inéditos publicados neste ensaio.

Guilherme
Peres
TRANSPORTE COLETIVO
PIONEIRISMO NA BAIXADA FLUMINENSE
NO SÉCULO XIX

A ntecipando-se à era dos bondes de tração animal, ainda


na primeira metade do século XIX o Rio de Janeiro conheceu
as primeiras diligências através do Aviso Régio de 18 de
outubro de 1817, assinado pelo
príncipe regente D. João, concedendo a Sebastião Fábrigas
Surigué “estabelecer a circulação desses veículos entre a
Cidade e os palácios da Boa Vista (em São Cristóvão) e a
fazenda Santa Cruz”. Sebastião Serigué era proprietário
da “Real Fábrica de Tecidos de Santo Agostinho,
construída em 1815 pelos índios, às margens do rio
Guandu” com mão de obra escrava e livre, onde “havia
uma oficina de teares com dez escravos aprendizes fiando
o algodão”. Editando no Rio de Janeiro o “Almanaque da
Cidade”, Serigué também era ligado aos serviços de
iluminação à azeite, empregados na metrópole.
Um ano depois, era autorizado a transportar
passageiros Joaquim José de Melo “para o serviço em
carros de seis assentos e três parelhas”. Outro nome
ligado ao transporte para Santa Cruz foi Nicolau Viegas
de Proença, que apesar de não possuir concessão, alugava
carros, pois era “Secretário da Intendência de Polícia e
corretor da Igreja de Nossa Senhora da Conceição e Boa
Morte”. Segundo Fania Fridman, “quando chegavam a
Santa Cruz, os passageiros eram alojados em prédio
próprio da companhia. Do Paço a Santa Cruz o bilhete
custava 8$000”.
A concessão tinha dois objetivos, diz Noronha
Santos: “facilitar o transporte de malas do correio e
proporcionar uma condução cômoda às pessoas que
quisessem ter a honra de beijar a augusta mão de sua
18
Alteza”.
Assemelhando-se “a um caixão retangular, com
vigias envidraçadas laterais, montados sobre molas e
sustentados por quatro rodas sendo as dianteiras de
diâmetro menor que as traseiras”, levavam em seu
interior os bancos destinados aos passageiros, “e sobre o
teto eram acumuladas as bagagens”. Diz Alípio Goulart:
“O veículo era puxado por quatro cavalos atrelados por
meio de correntes e correias de couro. Pelo caminho havia
mudas de animais que iam substituindo aqueles já
cansados no trajeto percorrido”. Entretanto, o transporte
parecia destinado aos privilegiados e abastados da Corte,
pois o preço da passagem era caríssimo.
Em direção à fazenda Santa Cruz, os lugares eram
numerados e a passagem custava 8$000. Alguns desses
veículo puxado por quatro animais partia do centro da
cidade às quatro horas da manhã “e como a Estrada Real
de Santa Cruz costumava ser freqüentada por salteadores,
a viagem demorava em média de oito a dez horas”, diz
Fania Fridman em “Donos do Rio em Nome do Rei”
Durante o trajeto havia quatro paradas para troca de
animais, serventia, refeição e descanso dos passageiros
nas localidades de Campinho, Realengo, Venda do
Santíssimo e Mato da Paciência. Com o início da volta
marcada às cinco e meia da tarde, a hora da chegada
ficava à mercê dos imprevistos na estrada.
Graças às obras de melhoria executadas nessa
estrada pelo intendente geral de Polícia Paulo Fernandes
Viana, a estrada recebeu cuidados especiais com a
construção das pontes do Piraquara, Bangu e Cabuçu,
aumentado em suas margens o número de casas
avarandadas de comércio e hospedagem, recebendo
tropeiros e viajantes. “A freqüente passagem do séquito
real, de tropas a cavalo e a pé, dava ao antigo caminho o
aspecto de verdadeira avenida”.
Com o regresso de D. João VI a Portugal e o
conseqüente desligamento do cargo em 1821, Paulo
19
Fernandes deixou para a posteridade um relatório de
prestação de contas, garimpado nos textos de Brasil
Gerson:
“Por fora da cidade melhorei todas as estradas,
tanto da banda daqui, como dalém d’ela, com aterrados,
partes novas e consertos para facilitar a condução de
víveres e promover a abundância na Corte. Tive o gosto
de ver sua Majestade por esse meio viajar de carruagem
por Maricá, São Gonçalo, Engenho Novo, Tambi, e depois
fazer a picada com que de Iguaçu pudesse sua Majestade
mesma ir em sege e entrar na comarca de São João D’el
Rei, província de Minas Gerais; ajustei essas estradas com
todas as pontes precisas e cobertas”.
“Antônio Dias Pavão, futuro conde de Itaguaí,
proprietário de armazéns na Pedra e em Sepetiba possuía
em 1822 uma casa de secos e molhados no Curral Falso,
“porta de entrada” e sede do posto de fiscalização da
fazenda, local de pouso preferido dos viajantes, também
conhecido como Rancho Real”. Em seu trajeto foram
fincados “12 marcos de pedra ao longo da estrada,
indicando outras tantas léguas, suposta distância entre a
cidade e Santa Cruz”.
D. João e sua família por ali transitavam a bordo do
coche real acompanhados do séqüito, e descansavam uma
vez por outra na fazenda do Bangu, propriedade de D.
Anna de Morais e Castro. A velha casa da fazenda Sta.
Cruz era pequena para acomodar toda a comitiva que
seguia com a corte, ficando ali com a família real só a
criadagem. O restante hospedava-se na sede da fazenda
do Mato da Paciência, de propriedade de João Francisco
da Silva e Sousa. “A generosidade desses abastados
fazendeiros chegava ao ponto de darem quartel à guarda
da Polícia e a sustentá-la durante meses”, diz Vieira
Fazenda em “Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro”.

20
ESTRADA REAL DE STA. CRUZ

A história dessa estrada tem inicio no ano de 1725 com o


coronel Rodrigo César de Meneses recebendo da Coroa
autorização para abrir uma via de transporte terrestre que
ligasse o Rio de Janeiro a
São Paulo, aproveitando a trilha já aberta pelos jesuítas
desde São Cristóvão até a fazenda de Santa Cruz, o que
suscitou protestos dos inacianos alegando prejuízos.
Entretanto o trabalho continuou e a estrada foi concluída
em 1754.
Com uma extensão de mais de 60 quilômetros, esse
caminho longo e sinuoso começava no atual largo da
Cancela em São Cristóvão, e terminava nos “campos
alagados de Santa Cruz”. Passando por vários engenhos
pertencentes à freguesia de Irajá, era usada para o
transporte de produtos da lavoura, e cerca de 500 cabeças
de gado transitavam anualmente enviados pelos jesuítas
para venda, e destinadas à manutenção do colégio no Rio
de Janeiro, pertencente à Ordem.
Na Carta Topográfica do Rio de Janeiro ”Feita por
ordem do Conde da Cunha, por Manoel Vieira Leão” em
1767, vê-se o trecho fluminense dessa estrada que, partindo
do centro urbano seguia por Campinho, Engenho dos
Afonsos e inúmeros outro engenhos. Passando pela
freguesia de Santa Cruz (assinalado no mapa por eng. D’el
Rei, pois os inacianos haviam sido expulsos em 1759),
Guarda, sobre o Rio Guandú, e Itaguaí, deixava o litoral em
busca da Guarda do Pouso Frio, Ribeirão das Lages, Pouso
do Vigário (Rio Piraí) e a Guarda do Coutinho, entrando no
sertão paulista através de florestas.
Em outro mapa datado de 1801 “da Capitânia do
Rio de Janeiro oferecido a D. Antônio Roiz de Aguiar”, a
21
estrada de Santa Cruz inicia-se no Caminho de Terra
Firme entre as terras do Eng. Novo e os “Campos de
Irajá”, até atravessar a fazenda, assinalada no mapa com o
nome de “Santa Cruz D’el Rei”
No litoral, vários portos serviam de embarque do
açúcar e cereais que chegavam através de rios navegáveis
e canais artificiais, beneficiando os engenhos de Fora,
Novo, do Morgado e da Ilha. Na Freguesia de Guaratiba o
porto da Pedra embarcava cereais e animais domésticos.
Evidenciando a dinâmica de Santa Cruz, “foi ali
instalada a primeira agencia dos Correios do país em
1842”diz Fania Fridman.

VEÍCULOS

Usada como transporte durante longo período da


vida nacional, a sege “consistia em uma carruagem
pequena de um só assento e dois varais, com cortina de
couro na frente. Com teto, lateralmente fechada e apoiada
sobre o jogo de duas ou quatro rodas grandes, puxada por
uma besta”. Tradicionalmente usadas nas aldeias
portuguesas, um desses modelos foi trazido pelo príncipe
regente D. João em 1808 para seu uso, mas já eram
conhecidas no Brasil desde o século anterior.
É Luís Edmundo quem nos conta os hábitos de D.
João em seus passeios pelos arredores da cidade: “Se a
tarde não estava chuvosa ou muito quente, vinha o Conde
de Parati anunciar que a sege estava pronta para sair. À
frente da carruagem ia um batedor, dentro do seu fardão
ganga encarnada. A seguir ia o lacaio no degrau, e mais
um outro lacaio na sua dupla função de guarda-comida e
criado mudo, levando dois alforges. Num deles, achava-
se a malotagem do Príncipe: uns dois frangos tostados ao
forno ou ao espeto, pão e água, e no outro alforje, que
22
segundo a frase do revelador de tão curiosos detalhes, era
igual às que, mesmo nas alcovas, discretamente se
escondem.
Em dado momento D. João reclamava o alforje das
comesainas. A coisa ia por ordem. Parava-se a sege. O
camarista aí tomava conta do protocolo. Por que um
Príncipe não come, assim como nós outros. Vinha o lacaio
dos alforjes. Desatava os cordões da primeira bolsa. O aio
metia a mão até o fundo da mesma, pescando um frango,
que era a quem rápido e guloso, o encostava à mancha
branca da dentuça forte...Em torno era como se o Príncipe
estivesse rezando. Todos punham os olhos no chão,
respeitosamente em silencio...E a carruagem partia. Mais
adiante, a carruagem estaca. De novo o lacaio dos alforjes,
ativo e solícito funcionário. O caso agora é mais
complicado. O sítio é um tanto ermo. O objeto retirado do
segundo saco é posto sobre uma tripeça em forma de
retrete. Há historiadores que vão a detalhes menos
elegantes, completando a ignomínia do quadro.
Preferimos ficar aí”...

Henderson, cônsul inglês residente no Rio de


Janeiro, citado por Oliveira Lima, também descreve o
Príncipe atravessando a cidade “num carrinho aberto que
ele próprio guiava, de um feitio único entre o carro de
guerra romano com o anteparo para trás, e a tina de
banho de que se perdeu o modelo”.
Nos primeiros dias de grande gala passados
no Rio, descreve o aniversário da Rainha: “formavam todo o
cortejo seis seges abertas puxadas por mulas e guiadas por
negros pouco asseados”, poucos anos depois “se viam nas
ocasiões de beija-mão rodar muitas carruagens decentes,
algumas até esplêndidas, atreladas com cavalos finos e
conduzidas por lacaios brancos de libré”.
Oliveira Lima em “Dom João VI no Brasil”
23
afirma que nessa época a carestia de vida era uma
preocupação constante entre os diplomatas residentes no
Rio de Janeiro. Segundo um registro existente no Arquivo
do Ministério dos Negócios Estrangeiros de França,
datado de 1818: “Uma excursão a Santa Cruz, quinze
léguas distante da Capital, custava no cálculo de Maler,
400 francos: por isso, não tendo ainda recebido seus
ordenados ao tempo do convite de Dom João para que
fosse passar alguns dias na antiga fazenda dos Jesuítas,
vira-se compelido a declinar a honra”. Registrava ainda
que as viagens e o aluguel de cavalos “é de uma carestia
inconcebível. Não há cantinho do universo onde se seja
pior alimentado, pior alojado e por preços tão excessivos.”

No mesmo registro o cônsul queixava-se que:


“Um carro, ou para melhor dizer uma suja traquitana,
custava 26 francos por meio dia e 50 francos pelo dia todo.
Nada era barato...a própria água – inútil é observar que
não havia canalizada em casa – pagava-se 1 franco o
barril”. Descrevendo os veículos usados pela Corte
chamando-os de “ridículos, podiam antes chamar-se
pobres berlindas. A Princesa Real, mais enérgica e varonil
que o marido, preferia muito sair a cavalo, a ser sacudida
pelas ruas mal calçadas e pelas estradas esburacadas
numa sege incômoda.”
Servidos como táxis no Rio de Janeiro a partir
de 1822, eram os veículos preferidos pelos membros da
corte e “almofadinhas” da época, fazendo ponto na porta
dos teatros e praças da cidade, sofrendo a concorrência
das gôndolas, diligências, berlindas e tilburis,
pertencentes a inúmeras empresas de transporte que, com
a expansão da cidade, serviam à formação de novos
bairros e subúrbios.
A intensificação do comércio no centro atraia
consumidores principalmente em busca das confeitarias
24
sortidas e de artigos finos importados, ponto de encontros
literários e boêmios.
O aumento da indústria açucareira fluminense, e a
expansão cafeeira no século XIX transformaram o Rio de
janeiro no núcleo concentrador de comercio,
desencadeando um processo de acumulação mercantil,
que reunia grandes comerciantes identificados com o
tráfego escravo.
DILIGÊNCIAS

As três primeiras décadas do século XIX ocorreram


sem novidades no campo do transporte, até que em 1844
uma autorização a um tal Jacques Bourbousson para o
serviço de diligências na corte, permitindo um contrato de
cinco anos, foi acompanhado de um anúncio no “Jornal
do Comércio” no qual J.B. se declarava inventor de um
novo sistema de montar carros e carruagem, com oficina
na rua do Lavradio.
Alguns anos depois Theodoro Klett fabricou e pôs
em circulação outras diligências, “inaugurando desde
logo uma linha de veículos dessa espécie para São
Cristóvão”. Tendo como ponto inicial o Largo de São
Francisco de Paula, outras empresas surgiram: “a das
diligências roxas, de Antonio José Gonçalves; a das
amarelas, de Vila Real & C, com cocheiras situadas no
campo de São Cristóvão; e das brancas e azuis, de
propriedade de Cândido Marques da Cruz”.
Ainda é Noronha Santos que cita o nome do
comendador Jerônimo José de Mesquita, capitalista e
fazendeiro na Baixada Fluminense, do qual falaremos
mais tarde, pedindo permissão ao Ministério da
Agricultura, Comércio e Obras Públicas - “Para
estabelecer uma linha que terminasse na Tijuca, a partir
do cruzamento das ruas Estácio de Sá e São Cristóvão”.
Com a linha inicial do trajeto entre o centro da cidade
25
e Botafogo, “em janeiro de 1839 trafegaram mais dois
carros, com horário muito espaçado – um para Engenho
Velho e outro para o bairro de São Cristóvão”.

“OMNIBUS”

Em 1837 desembarcaram no Rio de Janeiro, vindo


da Europa, alguns veículos destinados a transportar
passageiros denominados “omnibus”. Pintados de
vermelho, com quatro rodas e tração animal de dois ou
quatro muares causaram sensação na cidade. Era o
resultado da organização de uma empresa “para
exploração, uso e gozo do novo meio de transporte que,
com grande sucesso, ia sendo adotado em cidades
européias e na América do Norte”, conhecidos na França
com o nome de “omnibus”, “que não passavam de
diligências melhoradas no aspecto e no conforto”.
Formada a diretoria encabeçada pelo desembargador
Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, promoveu-se a
subscrição de trezentas ações que tiveram aceitação em
pouco tempo. “Um vasto terreno foi adquirido nos primeiros
anos de funcionamento da Companhia entre as ruas do
Lavradio e Inválidos, no qual se fizeram várias instalações”,
quando assumiu a presidência o capitalista Jerônymo José de
Mesquita, mais tarde barão de Bonfim”.
Um dos grandes fazendeiros do Município de Iguaçu,
Jeronymo José de Mesquita além de comerciante fortemente
estabelecido na praça do Rio de Janeiro, “foi o primeiro
Barão de Mesquita, vereador da Câmara daquela cidade,
filantropo, diretor do Banco do Brasil, fundador de inúmeros
institutos de beneficência e ordens religiosas”, diz Rui
Afrânio Peixoto em “Imagens Iguaçuanas”.
Em 1854, José Francisco de Mesquita, o visconde de
26
Bonfim, comprou a fazenda São Matheus (Nilópolis), de
d. Clara Augusta de Bulhões, viuva de Vicente de Souza
Coutinho, “que chegou a ser Juiz de Paz na Freguesia de
Meriti”, diz Marcus Monteiro em “A Fazenda São
Matheus”. Proprietário também da fazenda Cachoeira,
fazendo limites com aquelas terras.
“Nove anos depois o visconde passaria a fazenda
para seu irmão, Jerônimo José de Mesquita o barão de
Mesquita, que possuía também uma feitoria de café na
Serra da Chatuba”, tendo construído a casa grande da
fazenda em Mutambó, onde existiu à margem da linha
férrea a parada Mutambó, hoje Mesquita. Seu filho,
Jerônimo Roberto de Mesquita, o 2º. barão de Mesquita,
herdou do pai, após o seu falecimento em 1886, os direitos
dessa propriedade.
Segundo Brasil Gerson, esses dois grandes
nomes estiveram ligados em seus destinos: o visconde,
conde e marquês de Bonfim e o barão e conde de
Mesquita, ambos proprietários de terras em “Iguassú”. “O
primeiro vindo de Minas, homem de negócios, banqueiro,
amigo pessoal do imperador, era membro também da
Legião de Honra dos franceses, e isso apenas bastaria para
que se pudesse fazer uma idéia do papel que representou
na vida carioca e brasileira do seu tempo”.
O segundo foi o barão de Mesquita. Ao contrário
porém do que se afirma, Mesquita não era filho nem irmão
de Bonfim “como geralmente se pensa”, nomeado seu
herdeiro universal era apenas seu afilhado ou protegido,
como ele mesmo se refere no seu testamento, “aberto depois
de seu falecimento, em 1886, no seu solar da Rua Haddock
Lobo, hoje Instituto Lafayette”, ao pedir aos seus amigos que
o enterrassem sem pompa no carneiro que tinha no cemitério
de São Francisco de Paula, no Catumbi “próximo ao meu
respeitável amigo e protetor, o finado Sr. Marquês de
Bonfim, de saudosa memória”.
27
“COMPANHIA DE OMNIBUS”

O “Almanak Laemmert”, do ano de 1851, anotava


em suas páginas que uma “Companhia de Omnibus” que
dera “princípios aos seus trabalhos no dia 1 º de julho de
1838”, estava naquele momento em pleno progresso com
o capital de 72:000$000. Divididos em ações de 100$00,
registrava com otimismo que fabricava “todo o seu trem
em oficinas próprias montadas dentro do seu
estabelecimento”.
Distribuiu dividendos de 1% ao mês desde dezembro
de 1844, mesmo tendo “grandes despesas que tiveram lugar
com a mudança do local do estabelecimento e do grande
melhoramento e aumento de todo o material”. O “Almanak”
também divulgava que: “emprega nas linhas atuais 10 carros
de diversas lotações e tem em reserva outros tantos, com
cerca de 300 bestas muares em serviço”. Ocupando os
serviços de “40 pessoas livres e 20 a 25 escravos”, suas ações
rendiam um “prêmio de 25%”.
Para o biênio 1850 e 1851, a diretoria era composta
pelo Presidente: Joaquim José dos Santos Júnior. Secretário:
Dr. João Eleutério Garcez e Gralha. Tesoureiro: Barão de
Bonfim e Inspetor Geral o Sr. Geraldo Caetano dos Santos.
Aqui vemos com o cargo de tesoureiro, Jerônymo José de
Mesquita, que continuava fazendo parte da diretoria
Realizando viagens para o interior da
Província, servido mais tarde pela Estrada de Ferro D.
Pedro II, vários veículos de tração animal eram
constantemente solicitados por viajantes a subirem a serra
em busca de tratamento de saúde ou “tomar ares”,
conforme nos conta Noronha Santos, transcrevendo
Francisco Otaviano em sua crônica semanal no Jornal do
Comércio, no dia 6 de novembro de 1853, aconselhando o
presidente da Província do Rio de Janeiro, conselheiro

28
Barbosa a se ausentar da cidade em busca de tratamento:
“Se S. Exa. quiser tomar ares em algum município de
serra acima, tem hoje a comodidade de poder fazer a
viagem de sege pela excelente estrada da bocaina dos
Mendes. Ainda a pouco tempo, no dia 24 do mês passado,
a Exma. Sra. marquesa de Baipendi saiu dessa Corte pela
madrugada e no dia seguinte, às quatro horas da tarde,
estava em sua fazenda de Santa Mônica a vinte léguas de
distância, no município de Valença, com excelente
viagem, tendo-a feito quase toda de sege, apeando-se em
alguns pontos, que ainda inspiravam-se receios”. E
acrescentava Otaviano mostrando os benefícios das boas
estradas construídas: “Terminados os trabalhos de
melhoramentos dessa estrada, pode-se ir daqui até ao
Paraíba, por Vassouras, de sege, em dia e meio”.
Segundo Alípio Goulart, Francisco Otaviano cometeu
um engano quando se referiu à sege como veículo para
viagens de longa duração, principalmente serra acima.
Confundindo diligência com sege, esclarece que esta era
apenas “veículo citadino; e, no interior, serviu em pequenos
percursos ao luxo e ao exibicionismo de seus possuidores”.

Na Baixada Fluminense, vamos encontrar o


primeiro registro sobre o surgimento desse tipo de
transporte coletivo no porto da Estrela, por H. Raffard em
1844, citado por Regis Bittencourd em “Caminhos e
Estradas”: “O sistema de viajar tinha sido transformado
para melhor e torna-se interessante mencioná-lo para
comparar-se com o de hoje, tão fácil e tão agradável.
Para se ir a Petrópolis tomava-se na praia dos
Mineiros, no Rio de Janeiro passagem em uma falua, as 11
horas da manhã e aproava-se ao porto da Estrela em
qualquer dos ancoradouros de Francisco Alves Machado
Martinho e de Joviano Varela, às 5 horas da tarde, quando
o tempo favorecia; aí pernoitava-se em qualquer das casas
dessas pessoas que davam franca hospitalidade, ou em
uma estalagem do lugar.
29
No outro dia, seguia-se a cavalo ou de carro,
fornecido pelo cidadão de nome Albino José de Siqueira
Fragoso, pela estrada de Minas, até o Fragoso, importante
paragem obrigatória de todo o comércio dessa Província.
Do Fragoso subia-se a serra velha da Estrela para chegar a
Petrópolis, com uma viagem de duas a cinco horas.”
Moacir Silva nos dá detalhes do tipo de
veículo usado por José Fragoso, extraído do “Itinerário
para Petrópolis” do barão de São Joaquim: “Embarca-se
aqui no vapor para o porto da Estrela, cujo vapor se acha
todos os dias na praia dos mineiros, que costuma largar às
11 horas. Chegado que seja no porto da Estrela, costuma
aí haver um ônibus, o qual admite dez pessoas; porém
muitas vezes são tantos os passageiros que não há lugar, e
por isso é bom prevenir o dono dos ônibus que mora
debaixo da serra, no lugar denominado Fragoso e chama-
se Tenente–Coronel Albino José Siqueira Fragoso,
também o mesmo Albino tem sociáveis para duas ou
quatro pessoas e então manda-se ver um, e nesse caso faz-
se a viagem independente de ir com outro.
Logo que chegue abaixo da serra, lugar do
Fragoso, e além do mencionado Albino, tem aí de mudar
de condução por causa da Serra e portanto tomará
cavalgadura ou liteira, e qualquer dessas conduções o
Albino manda aprontar. Segue depois para Petrópolis,
que é no alto da Serra. Aí tem vários hotéis, e todos bons,
logo na entrada da cidade tem o chamado de Bragança e
onde se pode hospedar com toda a comodidade.”
O preço do vapor para Estrela em Réis era:
1$500. Para pessoa descalça: $500. De ônibus da Estrela
até Fragoso: 2$000. Do sociável da Estrela até o Fragoso:
8$000. Para duas pessoas: 6$000. Uma liteira para subir a
serra: 10$000. Em um animal idem idem 4$000: Um preto
para levar alguma mala: 1$000

30
ESTRADA UNIÃO E INDÚSTRIA

A quela manhã do dia 23 de junho de 1861


ainda alvorecia, “quando os cocheiros de sobrecasaca azul
com botões amarelos e boné com galão de ouro, contavam
com o clarão da lua alumiando o caminho que seguiam os
viajantes”, conforme descreveu o “Jornal do Comércio do
Rio de Janeiro”, seria o cenário de inauguração da
primeira estrada de rodagem “macadamizada” do Brasil,
ocasião em que D. Pedro II, D. Teresa Cristina, a Princesa
Isabel e a comitiva imperial deixaram Petrópolis em
“carros especiais” para inaugurar o percurso de 144 km.
da Estrada União e Indústria, até Juiz de Fora.
O imperador teria o dia inteiro para percorrer
as onze estações de parada ao longo da estrada, em
diligências tracionadas por dois pares de cavalos,
“levando quatro passageiros na berlinda (bancos internos)
e mais dez sobre o teto (sic), com o cocheiro e seu
ajudante, fazendo a viagem em nove horas”.
As estações de muda, onde os animais eram
trocados, dispunham de edifícios para a administração,
depósito de carga e sal para os animais, estrebaria, oficina
de reparos e pensão onde os passageiros podiam
alimentar-se, descansar e até tomar banho.
Curiosos eram os nomes das diligências como a
“Favorita”, “Traviata” e “Mazeppa”, sendo que o último
era dado popularmente a esse tipo de transporte, sendo
provavelmente originário de um herói cossaco, Ivan
Mazeppa.
As ligações terrestres com Minas Gerais através
dessa rodovia seria o resultado da iniciativa do mineiro
Mariano Procópio Ferreira Lage, que após uma viagem à
Europa introduziu no Brasil as novidades tecnológicas
aplicadas na época. Conheceu a mistura de cascalho e
piche que aplicada ao solo transformava os velhos
caminhos carroçáveis em boas estradas para diligências,
inventada pelo escocês John Loudon MacAdam.
31
Para a União e Indústria cumprir seu papel
comercial e industrial, Mariano Procópio montou um
verdadeiro complexo assistencial de manutenção com
olarias, carpintarias, serralharias, ferradores, marceneiros
etc., que formavam uma imensa retaguarda. A
Companhia tinha por norma usar o mínimo de escravos
em seus serviços, preferindo contratar mão de obra
assalariada, sendo a maioria imigrantes alemães.
A exploração da União e Industria foi um
êxito financeiro até enfrentar a concorrência da Estrada de
Ferro D. Pedro II. À medida que as pontas dos trilhos se
aproximavam do Rio Paraíba, caía o transporte de cargas
e passageiros, fazendo com que seu acervo fosse entregue
ao Governo Imperial em 1864, que passou a administrar
um mau negócio.
Em 1865, o naturalista suíço Jean Louis
Rodolphe Agassiz, chefiando uma missão científica ao
Brasil, deixou esse depoimento: “Esta estrada é célebre
pela sua beleza como pela sua perfeita execução... Há
doze anos atrás, o único meio de sair de Petrópolis era
uma estreita trilha de burros, esburacada, perigosa, onde
uma viagem de centenas de milhas exigia uma caminhada
de dois ou três dias. Agora se vai de Petrópolis a Juiz de
Fora, de carro, do levantar ao pôr-do-sol, numa boa
estrada de rodagem que não faz inveja a qualquer outra
do mundo. A cada intervalo de dez a doze milhas
encontra-se uma muda de animais descansados em
elegantes estações em forma quase sempre chalés suíços”.

“COMPANHIA IGUASSUANA”

Em outro volume do “Almanak”, referente ao ano


de 1854, vamos encontrar a inédita referência a uma nova
“Companhia de ômnibus” denominada “Companhia
Iguassuana”, composta de carruagens com tração animal
32
transportando de 8 a 12 pessoas por viagem, como
predecessora das linhas de transporte regular para o
interior da Província, cujos serviços estavam implantados
e destinados ao centro da cidade desde 1838.
Essas viagens eram feitas todos os domingos, terças e
quintas-feiras com início da partida marcada para as “6:30
horas da manhã”, sendo os “bilhetes” vendidos
antecipadamente na “Côrte, na rua do Hospício 32, saindo
do Campo da Aclamação defronte do Museu”, com destino a
“Vila de Iguassú”, passando por Pavuna. Com uma parada
nesse local “de ¾ de hora” para troca dos animais, ao lado
do “Hotel do Templo”, cujos proprietários Srs. Souza
Amaral & Faria, também vendiam “bilhetes”.
As partidas “de Iguassú” eram pela manhã às 6:30,
“todas as segundas, quartas e sextas-feiras”, e os preços
das passagens custavam: “Da Côrte a Pavuna 4$000. Da
Côrte a Iguassú 6$000”.
No “Almanak“ do ano de 1855 encontramos
anúncio dessa mesma Companhia fazendo transporte
para Itaguaí. “Preço das Viagens: da Côrte a Itaguahy e
vice-versa, 10$000. Da Côrte ao Campo Grande e vice-
versa, 5$000”, com venda de passagens e partidas da
Corte feitas no mesmo local destinadas a “Iguassú”, e no
horário “das 6 horas da manhã”. A venda de passagens
em “Itaguahy” eram feitas na casa do “Sr Comendador
Azevedo, e no Campo Grande no Hotel da Flôr”.

No ano de 1855, a “Companhia Iguassuana”


continuava funcionado com o mesmo roteiro e horário.
Havia porém alterado os preços, e mudado na Corte, o local
para a compra dos “bilhetes”; os passageiros deviam
“dirigir-se ao Campo da aclamação, 32”, local das partidas.
Nesse anuário, formando a diretoria do biênio
1855/1857, encontramos como presidente o Sr. Victorino
José Gonçalves, e como um dos diretores, mais uma vez o
nome de Jeronymo José de Mesquita, fazendo crer que a
33
“Iguassuana” era a mesma Companhia que se iniciara em
1838, desmembrada posteriormente em uma nova razão
social. Provavelmente admitido como sócio e também
fazendo parte da diretoria, aparece curiosamente o nome
Francisco José Soares, do qual falaremos adiante.
O preço das passagens haviam sido
reajustadas: “Da Côrte a Pavuna e vice-versa 5$000. Da
Côrte a Iguassú e vice-versa 8$000”. Para Itaguaí também
houve aumento: “Da Côrte a Itaguahy e vice-versa
13$000”, divulgando que seria cobrada passagem “nos
postos intermediários na razão de 1$000 por légua”. Os
“bilhetes” vendidos na Corte, passaram a ser adquiridos
na Rua da Quitanda nº.21. Em Itaguaí “na casa do gerente
Antônio Rodrigues de Azevedo, e em Iguassú na casa dos
Srs. Soares & Mello”.

VILA DE IGUASSÚ
A importância de seu porto no século XIX, com a
expansão econômica do café, refletiu em sua elevação
condição de Vila em 15 de janeiro de 1833,
“compreendendo no seu Termo as Freguesias de Iguassú,
Inhomerim, Pilar, Santo Antônio de Jacutinga, São João de
Meriti e a parte da Freguesia de Marapicu que fica à
margem direita do Guandu e Ribeirão das Lages”.
Daniel Kidder, em suas “Reminiscências de Viagens e
Permanência no Brasil”, escritas durante o período que aqui
esteve, entre 1837 e 1840, afirmou: “apesar de muito sinuoso
é navegável por lanchas grandes até a Vila... Aos poucos,
porém os fazendeiros do interior, foram se convencendo de
que para eles era mais interessante descarregar em Iguassú o
café, o feijão, a farinha de mandioca, o toucinho, e o algodão;
daí era mais econômico mandar as mercadorias para os
mercado por via marítima que por terra... é agora
considerada como a Vila mais
34
próspera da Província do Rio de Janeiro, com uma
população de cerca de 1200 habitantes”.
Waldick Pereira assim nos conta os aspectos
da vila: “descendo pela estrada do Comércio, tinha dois
caminhos para o porto; depois de passar pelo riacho do
Lava-pés, adjacente a fralda do morro do Vitor (assim
chamado, o riacho, por ter um chafariz onde os viajantes
refrescavam-se e lavavam os pés para entrar na vila),
podia seguir pela rua do Comércio ou contornar pelo
caminho dos Velhacos”. O Cel. Alberto de Mello explicou
a Waldick que o caminho tinha esse nome “por razões
óbvias, pois quem devia aos comerciantes da rua do
Comércio... fazia um percurso em curva, desde a entrada
da Vila, até o Porto”.
“No centro da Vila, perto do porto, estavam
os edifícios da Câmara, Cadeia, Fórum, armazéns e casas
comerciais... Ao longo do rio Iguassú, em direção ao
“Caminho da Serra”, estavam os portos do Pinto, do
Viana e dos Soares de Mello. Atrás da igreja de N. S. da
Piedade e em frente ao cemitério de N. S. do Rosário
(chamado “dos ricos”), a rua da Igreja se bifurcava: um
braço seguia para Machambomba e outro, era o caminho
das Palmeiras, atravessava a rua do Cachimbau para se
encontrar com a estrada da Olaria”.
“O riacho Lava-pés tinha dois chafarizes”,
prossegue o Cel. Alberto de Mello: “um à entrada da Vila,
a que já nos referimos, e o outro, mais junto do centro,
entre o Largo dos Ferreiros e a rua da Mata. Este ponto
vivia constantemente alagado e sujo, em virtude do
desperdício d’água e dos porcos que andavam soltos por
ali”. O Cel. Alberto afirmava ainda que as únicas ruas
calçadas eram as Ruas do Comércio, o Caminho dos
Velhacos e a Rua da Igreja. No centro da Vila, a cadeia era
composta por quatro celas e, segundo o Relatório da
Província de 1874, “todas com sofríveis condições de
35
salubridade e segurança, as quais podem acomodar até 50
presos... todas assoalhadas, é segura e salubre, e tem
tarimbas”.

ESTRADA DO COMÉRCIO
Iniciando em Vila de Iguaçu sua trajetória
de 10 léguas, essa estrada subia a Serra do Tinguá e da
Viúva, passava por Pati do Alferes, Vassouras e
atravessava o Rio Paraíba do Sul em direção a Minas
Gerais.
Com um traçado proposto pelo sargento-
mor Inácio de Souza Werneck, três anos após a vinda do
príncipe D. João ao Brasil, já era estudada sua abertura
aproveitando as trilhas abertas pelos tropeiros, e abraçado
pelo também sargento Francisco José Soares de Andréia,
“Luminar da Engenharia Militar e Cartográfica do Brasil”,
cujos trabalhos duraram de 1813 até 1817.
Esquecida em sua manutenção, a chuva
começou a fazer seu estrago natural. Com o aumento da
produção cafeeira e gêneros de primeira necessidade,
seguindo para o porto do Rio de Janeiro, sede do Império,
através de um percurso longo, cansativo e perigoso para
as tropas, com os precipícios que surgiam durante a
caminhada, começou a pensar-se no seu calçamento, o
que foi mais tarde determinado pelo Presidente da
Província Fluminense, Conselheiro Paulino Soares de
Souza, sua reconstrução e “empedramento”, mediante
contrato assinado em 1839 com o cel. de engenheiros
Conrado Jacob Niemeyer.
Como eixo central de ligação entre o interior e a Corte,
essa estrada tornara-se geograficamente estratégica e de
vital importância para a economia fluminense, indo ao
encontro do seu sistema hidrográfico, com “tropas de
carga e passageiros, vindo ou indo para aquelas
províncias, forçosamente tinham que se demorar em
Iguassú, sede da Vila, ou mais longe dela, como em
Sant’Ana das Palmeiras, no alto da serra”.
O assoreamento dos rios, provocando extensas
inundações em época de chuvas, fez surgir a malária, e
com ela a epidemia de cólera morbos em 1855, assolando
todas as freguesias da Baixada.
A construção em 1858 da Estrada de Ferro
D. Pedro II, partindo do Rio de Janeiro até Queimados,
alcançaria logo a freguesia de N. Sra. de Belém e do
Menino Deus (hoje Japeri), em busca do Vale do Paraíba.
Como aconteceu à margem dos rios, à
margem da via férrea povoados iam surgindo, entre elas
“Maxambomba” (hoje Nova Iguaçu), velha fazenda por
onde cargas e passageiros circulando com freqüência,
iriam atingir um desenvolvimento tal que “Iguassú” teve
sua sede transferida para ali em 1891, e nesse mesmo ano
agraciada com foros de cidade.

FRANCISCO JOSÉ SOARES


Detentor da “Ordem de Christo”, oferecida
pelo Imperador D. Pedro II, Francisco José Soares foi
durante muito tempo “patriarca de uma numerosa família
de Iguassuanos” e proprietário da fazenda Morro Agudo.
Vindo de Portugal onde nasceu, chegou ao Rio de Janeiro
com 17 anos de idade. Dirigindo-se para “Iguassú”,
dedicou-se ao trabalho da lavoura cujo progresso
evidenciou-se ao abrir um estabelecimento comercial na
“Vila de Iguassú”, quando passou a interessar-se pelo

37
movimento político local.
Segundo José Mattoso Maia Forte, Soares foi
eleito vereador da Câmara, atuando como seu presidente
entre os anos de 1837 a 1840. Fez parte de um corpo de
milícias em 1842 e assumindo o posto de tenente-coronel,
partiu para as margens do Rio Preto no comando da
artilharia contra os revoltosos de Minas.
Viajando pela Província em 1848, D. Pedro II
chegou a “Vila de Iguassú” hospedando-se em sua
residência, ocasião em que ofereceu um conto de réis para
a construção do chafariz da Vila.
Casado com D. Carlota Joaquina Soares,
tiveram cinco filhos. Uma de suas filhas “D. Maria
Angélica, casou-se com o comendador Manoel Luiz de
Souza e Mello; a outra, D. Cypriana Maria casou-se com
Bernardino José de Souza e Mello, ambos sobrinhos de
seu sócio, Jacinto Manoel de Souza e Mello, este com
Soares compunham a firma Soares & Mello”. Casa
Comissária que atuou durante muitos anos no comércio
de Café e demais gêneros, estabelecida no porto da Vila,
não é de se estranhar portanto que Francisco José Soares
tenha participado, mesmo por curto período de tempo,
como sócio da “Companhia Iguassuana”.

Aos Souza e Mello deve-se a construção sede


da fazenda São Bernardino (hoje em ruínas), onde se via à
margem da Estrada de Ferro Rio d’Ouro, sua bela casa
assobradada em uma elevação do terreno e sinalizada por

38
um caminho que, partindo da estação e ladeado por uma
alameda de palmeiras imperiais, ia terminar à entrada
principal desse palacete.

FIM DA “COMPANHIA IGUASSUANA”

No “Almanak” referente ao ano de 1859,


encontramos a “Companhia de Omnibus” ocupando “um
vasto terreno de sua propriedade na rua do Senado, entre
as ruas do Lavradio e a rua dos Inválidos”, revelando que
a partida dos “omnibus” havia mudado para o Largo de
São Francisco de Paula, não fazendo referência à
“Companhia Iguassuana”, provavelmente extinta após a
inauguração da Estrada de Ferro D. Pedro II. Fazendo
parte da diretoria como tesoureiro, continuava o Sr.
Jerônymo José de Mesquita, e não constava mais o nome
do Sr. Francisco José Soares.

ESTRADA DA POLÍCIA

Durante quase cem anos, a Baixada Fluminense viu


passar por seus caminhos toda a riqueza mineral que se
extraía das Minas Gerais. Esgotados os veios auríferos no
final do século XVIII, essas veredas foram preteridas por
outras que encurtavam distâncias, facilitavam o
transbordo ou levavam as mercadorias diretamente para a
Corte, no momento em que se iniciava o ciclo de uma
nova opulência: o café.
Antes que as vias férreas deslocassem o eixo
comercial desse trânsito; antes que a Estrada do Comércio,
ainda na primeira metade do século XIX, tivesse sido
39
calçada em grande extensão sobre a Serra do Tinguá, pelo
engenheiro militar coronel Conrado Jacob Niemeyer, um
novo caminho iria surgir: a Estrada da Polícia.
Caminho de referência aos viajantes que partiam
da Corte por terra em direção a Minas Gerais ou ao interior
da Província nas primeiras décadas do século XIX,
testemunhou a descida “dos cargueiros gemendo ao peso
dos algodões, dos açúcares, dos rolos de fumo, dos cafés, dos
toucinhos, dos queijos e outros produtos da Capitania, bem
como as boiadas do sertão, as récuas de mulas e varas de
porcos. Por ele subiam as tropas carregadas de ferramentas e
baetas para os escravos empregados na mineração e na
lavoura, as bruacas de sal, para o gado, as fazendas e alfaias
de luxo, as finas iguarias, os vinhos capitosos. Era um
movimento contínuo de grandes comitivas, com a sua
escravatura, as suas liteiras, os seus cavalos e bestas
ricamente ajaezadas”, registra Daniel de Carvalho em
“Estudos e Depoimentos”.
Partindo da Pavuna, atravessava o engenho do
Brejo, do marquês de Barbacena, hoje Belford Roxo,
engenho de Maxambomba, hoje Nova Iguaçu, freguesia
de N. S. de Belém e Menino Deus, atualmente Japeri,
contornando a Serra Velha que era a parte mais íngreme
da Serra do Tinguá, atravessava a Serra de Sant’Ana e o
rio do mesmo nome, descendo a Serra do Botais passava
pela região da futura Vila de Vassouras, atravessava o Rio
Paraíba no local denominado Desengano, passando pela
futura Vila de Valença, atingindo só então, a margem
direita do Rio Preto. A abertura desse caminho, projetado
e iniciado em 1817, deve-se ao Intendente Geral de Polícia
da Corte, Paulo Fernandes Viana, “futuro sogro de
Caxias”, que além de dirigir um organismo policial,
também era encarregado de cuidar das obras públicas,
originando-se daí o nome, “da Polícia”.
Luiz Gonçalves dos Santos, o “Padre Perereca”,
40
registra em seu livro de 1817 “Memórias Para Servir a
História do Reino do Brasil”: “Tendo El-Rei Nosso Senhor
mandado que se abrisse uma nova estrada entre esta
província do Rio de Janeiro e a de Minas Gerais, pelas
freguesias da Sacra Família, e de nossa senhora da Glória
no sertão de Valença, com o interessante projeto de
facilitar as comunicações das ditas duas províncias pelo
sertão, que medeia entre os rios Preto e Paraíba, a fim de
animar o comércio interior, aumentar a lavoura e ampliar
a povoação”. Entregues as obras ao major Felipe Ferreira
Gularte pelo Intendente Geral, este comunicava o
adiantamento das obras: “pouco adiante do alto da Serra
da Viúva, e continua até o barranco do Rio Paraíba em
distância de três léguas, e três quartos, tendo de largura
nove a doze palmos nos sítios”.
Louvando o trabalho de sua majestade o
Príncipe D. João, o “padre Perereca” assinala que dentro
em breve, se poderia trafegar por essa estrada, “livre de
subidas e descidas ásperas... a trote e mesmo a galope
como se fosse uma planície... para que hajam de passar
muito comodamente carros, seges e carruagens o que
geralmente se tinha por impossível”.
Estrada de custosa conservação por atravessar
uma planicie freqüentemente alagada, em conseqüência
dos trasbordamentos dos rios em tempos chuvosos que
esta transpunha: os afluentes do Guandú, o Camboatá, o
d’Ouro, o Santo Antonio, o São Pedro e o Sant’Ana,
entroncando-se em Mangangá nas proximidades do
Riachão, com outra estrada ligada a Vila de Iguassú, que
era muito freqüentada pelos tropeiros e moradores da
região: “Comunicando-se com a Corte ao rio Preto, era
das mais movimentadas, preferida por passageiros”, diz
Clodomiro de Vasconcellos na edição do “O jornal”
comemorativa ao segundo centenário do café em 1927.
Ali também vamos encontrar referência às
estradas dos Fazendeiros e do Rodeio encontrando-se com
41
a de Mato Grosso “na zona de Marapicú e por esta seguia
até entroncar, logo adiante no lugar denominado
Calhamaço, com a da Polícia, indo pelo ramal desta a
Iguassú” encaminhando-se também para esse porto “a
produção de outras regiões de serra acima, como do Piraí
e de Valença”.
Obra empreitada por Custódio Ferreira Leite,
o futuro barão de Aiuruoca, durante dois anos, teve suas
21 léguas (140 km.) do trecho básico construído em
território Fluminense.
Para conservação dessa estrada, eram
freqüentemente publicadas licitações para sua
recuperação. Divididas em quatro seções, conforme lemos
no Relatório da Província do Rio de Janeiro de 1858, o
primeiro trecho ia do “rio Pavuna a S. Antônio do Mato, o
2º e 3º do rio S. Antônio ao Paraíba, e o 4º do Rio Paraíba
ao Rio Preto”, em São José do Rio Preto, 1º distrito de
Paraíba do Sul.
Em 1876, quando da abertura da Estrada de
Ferro Rio d’Ouro, a chamada “ferrovias das águas”, para
sua captação nas serras que contornam a Baixada
Fluminense, em função do abastecimento da corte, seus
trilhos foram assentados sobre esta estrada a partir da
Pavuna, até seu entroncamento no Brejo, hoje Belford
Roxo. Após o desaparecimento desse trecho, o caminho
continuou a ser trafegado, conforme vemos no Relatório
da Secretaria de Obras Públicas do Rio de Janeiro,
publicado em 1902, “a partir do Brejo, passando por Cava,
Rio d’Ouro, São Pedro, Sant’Ana das Palmeiras e
terminando na Estrada de Belém ao Pati do Alferes”,
desaparecendo assim aos poucos, uma das vias mais
movimentadas no “ciclo do café” que abasteciam a Corte
diretamente, ou através dos portos de “Iguassú”, Brejo ou
Pavuna.
Saindo da cidade em direção à Baixada o
42
caminho inicial era seguido pela estrada Real de Santa
Cruz, como vemos em Moacir Silva em seu livro
“Kilômetro Zero”, descrevendo a construção da “Estrada
do Automóvel Club” em 1926: “O trecho até Pavuna pode
ser facilmente melhorado, pois é em parte a antiga Est.
Real de Santa Cruz, que, bifurcando-se continua à direita
em direção ao rio Pavuna, afluente do Meriti”.
Na “Carta Topográfica da Capitania do Rio de
Janeiro feita por Manoel Vieira Leão por ordem do Conde
da Cunha no ano de 1797”, vemos que a saída do Rio de
Janeiro era comum aos dois itinerário: tanto para a
Baixada da Guanabara como para a Baixada de Sepetiba.
Segundo Noronha Santos, “o caminho tinha início
próximo da travessa da Vala, hoje rua Uruguaiana.
Passava pela Capela de Catumbi, costeando o “salgado”
até a atual praia de São Cristóvão, que figura na Carta
com o nome de Lázaros”. Em seguida atingia a matriz de
São Tiago de Inhaúma, nas vizinhanças de uma olaria,
ponto em que a estrada se bifurcava.
“O galho esquerdo tomava a direção nascente
poente, tocava em Campinhos e, em seguida transpunha o
“Ingenho dos Afonsos”, Freguesia de N. Sra. do Desterro
do Campo Grande, “Ingenho do Lamarão” e “Ingenho
Inhuaiba”, atingindo Santa Cruz (fazenda d’El-Rei). Desta
propriedade que pertenceu aos jesuítas até a expulsão da
Companhia, partiam duas veredas: uma margeava o Rio
Guandu, passava pela matriz de “N. Sra. da Conceição do
Marapecu” e ia se ligar ao “Caminho da Terra Firme”, na
freguesia de Sto. Antônio de Jacutinga, assinalada na
Carta com a letra L.
O galho direito se dirigia para Minas, conhecido
como “Caminho de Terra Firme”, passando por Irajá e
Pavuna sem transpor a Baia de Guanabara, “cuja viagem
marítima era temerosa para os mineiros”.

43
TEATRO LÍRICO

Em 1854, toda uma companhia de teatro


lírico italiano passou por essa estrada a caminho da Vila
de Vassouras, já então com um grande teatro, graças a
riqueza que ia sendo saboreada no ciclo do café.
Liderados pela “aclamadíssima Signora Augusta
Candiani” e o “apreciadíssimo tenor Licori que por tantas
vezes arrebatara a platéia do Rio”, veio também o Prof.
Orlandini “tão provecto na música como no manejo de
línguas”, como nos conta Inácio Raposo no livro “A
História de Vassouras”.
Assim, no dia 8 de setembro de 1854, partia do
Rio de Janeiro pela madrugada “acompanhados de
vultoso séquito”, a grande estrela do teatro lírico italiano
em busca da Vila de Iguassú, ponto de referência para a
subida da serra pela Estrada do Comércio.
Imagine a surpresa dos fazendeiros, escravos e
pequenos comerciantes que se espalhavam às margens
das estradas, vendo adentrar por essas terras uma tropa
de mais de duzentos animais de tração, entre carroças e
carroções transportando “uns trinta professores de
orquestra a conduzir consigo imenso instrumental com
baixos, bombardões, violinos, címbalos e rabecões, além
de fardos, embrulhos, cenários e caixotes a atravessar
estradas escabrosas, repousando em pobres estalagens,
dormindo ao tempo e finalmente entrando pela Vila a
dentro, onde seriam poucos os hotéis para acomodar tanta
gente”.
44
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS, Ney Alberto Gonçalves de – “De Iguassú


a Iguaçu” – Apostila, 1993 - RJ
CARVALHO, Daniel de – “Estudos e Depoimentos”
– José Olympio Ed. RJ - 1953
FORTE, José Mattoso Maia – “Memória da
Fundação de Iguassú” Jornal do Comércio – 1933 – RJ
GERSON, Brasil – “Histórias das ruas do Rio” - 5ª.
Edição
Lacerda Editores – 2000 - RJ
GONÇALVES DO SANTOS, Luiz –“Memórias para
servir a História do Reino do Brasil” – USP – Editora
Itatiaia 1981 – Belo Horizonte - MG
GOULART, José Alípio - “Meios e Instrumentos de
Transporte no Interior do Brasil”. MEC – 1959 - RJ
LAEMMERT, Almanak, “Eduardo & Henrique
Editores” - RJ 1851
LAEMMERT, Almanak, “Eduardo & Henrique
Editores” - RJ 1854
LAEMMERT, Almanak, “Eduardo & Henrique
Editores” - RJ 1855
LAEMMERT, Almanak, “Eduardo & Henrique
Editores” - RJ 1856
LAEMMERT, Almanak, “Eduardo & Henrique
Editores” - RJ 1859
LIMA, M. de Oliveira – “Dom João VI no Brasil” –
Liv. José Olympio Ed. Volume I – 1945 - RJ
KIDDER, Daniel Parish -“Reminiscência de viagens e
permanência no Brasil” Livraria Martins Ed. – 1972 – SP
PERES, Guilherme – “Canal e Porto da Pavuna”
Revista Memória, nº 5 – 1999 – IPAHB
PERES, Guilherme –45 “Os caminhos do ouro” Consórcio
Adm. Edições – 1993 – RJ
PEREIRA, Waldick – “A mudança da Vila”
Arsgráfica – 1970 – RJ
RAPOSO, Inácio – “História de Vassouras” – Inst.
STO. ANTONIO DE JACUTINGA

O motivo de havermos escolhido esta freguesia


para comentar alguns capítulos de sua história é termos em
mãos alguns documentos inéditos sobre a vida social de sua
comunidade através das igrejas, engenhos, fazendas,
escravos, testamentos, capelas filiais, óbitos, etc., e esta
representar em termos gerais, todo o imenso conjunto de
freguesias e propriedades produtivas que salpicavam a
Baixada Fluminense no final do século XVIII.

Ao exumar os livros de assentamento desta matriz,


através dos inventários coloniais, vamos encontrar escravos
fazendo parte dos bens que eram deixados para os herdeiros,
como gado a ser trocado de curral, e ouvir das entrelinhas
rendadas pelas traças, o grito desses esquecidos.

Textos preciosos nos fazem adentrar na casa do


senhor de engenho. Ao ranger do tabuado largo do assoalho,
nos levam aos cômodos sem luz, e à ausência quase total do
mobiliário. No quarto, a cama com colchão de lã, ornada
com sobrecéu rendado, guarnecidas de franjas empoeiradas.
Ao lado, uma arca de cedro ou jacarandá chapeada de ferro,
que ao abrir-se liberta um leve cheiro de mofo, saindo de
velhas camisolas bordadas, baetas coloridas e lençóis de
cetim. Na cozinha, pratos e talheres de estanho ornamentam
o fogão a lenha permanentemente aceso, complementado
com panelas de ferro. Alguns talheres de prata fazem parte
desses “trens”, metal nobre que também encontramos na
estrebaria compondo fivelas, adornos de cela, pedais, etc.

Da janela, vê-se a escravaria que se agita em torno


do velho moinho gemendo sonolento, tangido pela água
que brota da montanha, aninhando canaviais. Próximo à
casa, um conjunto de portas com paredes de taipa,
cobertas de palha, denunciam a senzala.
46
Diz Milliet de Saint-Adolphe, ainda na primeira
metade do século XIX: “É ao pé desta Igreja Matriz que se
acha assentada a povoação, cujas casas são telhadas, e
onde se vêem alguns mercadores de retalho”.

O Professor Ney Alberto de Barros, presidente do


Instituto Histórico e Geográfico de Nova Iguaçu, afirma com
muita propriedade que a freguesia de Santo Antonio de
Jacutinga foi a única do município de Iguassú a incorporar o
nome de aldeia indígena, a de Jacutinga (da família dos
Tupinambás). O 1o templo, dedicado a Santo Antonio, foi
levantado no lugar chamado JAMBUÍ. Depois, o padroeiro
foi transferido para outra “igrejinha” desta vez levantada no
lugar denominado Calhamaço (2o templo). Em seguida foi
transferido para um 3o lugar, cuja construção, com algumas
alterações, se conserva até hoje, desde o ano de 1733, com o
popular título de Santo Antonio da Prata. Após a entrega ao
tráfego da Estrada de Ferro de Dom Pedro II (1858), será
mais uma vez transferido para o arraial de Maxambomba
(atual Nova Iguaçu), onde a ferrovia plantou insignificante
“parada”. Em 1795 esta paróquia foi visitada pelo
historiador Monsenhor Pizarro. Limites ao norte: Freguesia
de Nossa Senhora da Piedade de Iguassú (em cujo território
ficava a Vila de Iguassú, sede do município que, também por
causa da ferrovia, será em 1891, transferida para
Maxambomba); sul: Freguesia de São João de Miriti; leste:
também com Miriti e, a oeste: “separa-se da Freguesia de
Nossa Senhora da Conceição de Marapicu, ou Maripocu (...)
no rumo das terras do Engenho de Madureira, onde
principiam as do Engenho de Caboçu” (Pizarro). Em 1795
possuía “350 fogos e mais de 3.500 pessoas adultas” (Obs.: a
palavra “fogo” significa residência, com fogão a lenha).

Cinco capelas filiais faziam parte de seu termo: 1 o -


capela de Nossa Senhora do Rosário do Iguassú (na Fazenda
de São Bento, fundada pelos padres beneditinos), 2 o - de
Nossa Senhora da Conceição, em Sarapuí, supõem-se que
47
fundada por Afonso de Gaia; 3o - de Nossa Senhora do
Livramento, erigida por João Ferreira; 4 o - de Nossa Senhora
da Conceição, no Sítio da Cachoeira por Manoel Correia
Vasques, para substituir a que houve na fazenda de
Machambomba (às margens do rio da Cachoeira, Serra da
Cachoeira - que os angolanos chamavam de Quanza). (Obs.:
o rio da Cachoeira é, atualmente, chamado de Canal Dona
Eugênia e, nas terras da Fazenda da Cachoeira, junto à
mesma dita ferrovia, havia a “parada” Mutambó, atual
Mesquita ; 5o filial de Nossa Senhora Madre de Deus, no
atual bairro da Posse, construída por João de Veras Ferreira
com provisão de 1743; 6o - Nossa Senhora da Conceição, no
lugar denominado Pantanal, edificada por João Ferreira
Quintanilha, com provisão de 1753.
“Onze fábricas de açúcar, uma de aguardente e
algumas de barro (...) se cultiva a cana, a mandioca, o café, o
milho e legumes. Banham o terreno da Freguesia os rios
Cachoeira de Santo Antonio do Mato, Douro e Riachão que,
engrossados por outros, desde as serras da Cachoeira e de
Tinguá, despejam volumosas águas nos rio Iguaçu, Guandu
e Sarapuí, pelos quais navegam barcas, lanchas e canoas
carregadas de efeitos do Continente, recebendo-os nos 5
portos dispersos pelo rio Iguaçu e nos 4 espalhados pelo rio
Serapuí. Na vizinhança da Matriz tem formado o povo um
pequeno arraial com casas cobertas de telha, onde se aloja os
seus proprietários, e vivem por todo o ano alguns
moradores, por motivo de mercâncias”. (Pizarro 1795)

Nas relações parciais entregues ao marquês do


Lavradio, pelos Mestres de Campo dos Distritos milicianos
em 1779, durante o governo Luiz de Vasconcellos,
compreendendo as diversas freguesias do recôncavo do Rio
de Janeiro, vamos encontrar dados estatísticos que servem
para avaliar o grau de prosperidade da agricultura das
redondezas da capital do Vice-Reinado do Brasil.

48
Examinando o número de freguesias pertencentes
ao distrito de Guaratiba, identificamos, arroladas pelo seu
administrador mestre de campo Ignácio de Andrade
Soutomayor Rendon a Freguesia de Sto. Antonio de
Jacutinga, juntamente com outras freguesias.

Começa registrando os párocos existentes: Vigário


encomendado Reverendo Luiz Ignº de Pinna, e dois
sacerdotes anexos; o Reverendo Padre Antonio Maciel da
Costa e o Reverendo Padre Manoel Pinto, Capelão da Posse.
Seria esse o nosso Padre Manoel Pinto de Pinho, que fomos
encontrar nos testamentos registrados nessa paróquia em
1786, e que publicamos nas relações testamentárias em outro
capítulo desse livro? Acreditamos que sim!

Em seguida assinala a existência de 7 engenhos nessa


freguesia: o 1o chamado Madureira, de Manoel Luiz de Oliveira
com 70 escravos, fazia 40 caixas de açúcar e 30 pipas de
aguardente; o 2o chamado Posse, dos herdeiros do capitão
Francisco de Veras Nascentes, com 25 escravos, fazia 20 caixas de
açúcar e 5 pipas de aguardente; o 3 o chamado Machambomba, do
sargento mor Marinho Corrêa de Sá, com 12 escravos, fazia 15
caixas de açúcar e 4 pipas de aguardente; o 4 o chamado do Brejo, o
capitão Apolinário Maciel, e seu irmão o Reverendo Padre Antonio
Maciel, com 35 escravos, fazia 25 caixas de açúcar e 8 pipas de
aguardente; o 5o chamado Cachoeira, do capitão Manoel Corrêa
Vasquez com 80 escravos, fazia 60 caixas de açúcar e 30 pipas de
aguardente; o 6o chamado de Sto. Antonio do mestre de campo
Ignácio Soutomayor Rendon com 30 escravos. Assinala o
administrador desse distrito, que esse engenho que pertenceu ao
sargento mor Francisco Sanchez de Castilho, faleceu deixando
dívidas e por falência “não moeu mais”, sendo arrematado pelo
“dito mestre de campo em 1778, e que se acha fabricando
inteiramente para moer nesse ano de 1779”; o 7o chamado da
Conceição dos herdeiros de Ignácio Gomes, com 14 escravos, fazia
3 caixas de açúcar e meia pipa de aguardente “por que cuidão mais
em mandioca”.
49
TESTAMENTOS

A morte nos tempos coloniais era esperada


com serenidade, bastando estar em dia com as
irmandades da Igreja local. Organizações religiosas alheia
à sua hierarquia, mas que atendia a seus membros na hora
da agonia. As irmandades se dividiam em classes sociais
formadas por ricos, pobres e até escravos. Para participar
dessa confraria, o membro tinha obrigações a seguir:
comparecer às missas, ladainhas, procissões, enterros e
novenas, contribuindo com esmolas para a reforma da
igreja, altar e paramentos, além de pagamento anual.
Na Freguesia de Santo Antônio de Jacutinga,
Monsenhor Pizarro assinala a existência de quatro
irmandades: a 1a. do santíssimo, criada em 1751; a 2a. das
Almas, em 1719; a 3a. da Senhora do Socorro dos Homens
Pardos em 1686; a 4a. da Nossa Senhora dos Rosários dos
Homens Pretos, em 1724, todas recebendo críticas pelo
desleixo com os respectivos altares, e a falta de
pagamento das anuidades, registrado durante sua visita
pastoral em 1794.
Começa repreendendo a primeira que, “vendo-se
isenta da inspeção dos Párocos...tem caído na mais
deplorável relaxação, que apenas assiste com azeite para a
lâmpada, e cêra para a banqueta do altar”.
Sobre a segunda, lamenta que “depois que
passou para a administração Secular, foi descaindo até
aniquilar-se, com notável detrimento dos Fiéis Defuntos, e
lamentável escândalo dos vivos. Ficou enfim reduzida ao
miserável estado de não parecer, que houvera nesta
Freguesia tal Irmandade”.
Na terceira, “seguiu a mesma sorte da das Almas:
e de forma decaiu que hoje não existe: porque a 4 anos
que não congrega à Mesa, não se fazem Eleições, não tem
Administradores, e só se dizem algumas poucas Missas
pelos vivos, defuntos, por zelo do antigo Escrivão, que
procura cobrar algum anual para o dito fim”.
50
Na Quarta, referente à Senhora dos Rosários dos
Homens Pretos, “decaiu e esfriou de modo que apenas
conserva hoje os vestígios do que fôra; e tanto assim que,
para fazer pintar de novo a Imagem de sua Padroeira , no
ano de 94, foi necessário tirarem-se esmolas fora da
Irmandade porque esta, se não achava com a módica
quantia do 32$Rs., em que importou a pintura”.
A presença do padre na hora da morte, fazia parte
do compromisso da Igreja. Se o doente estivesse moribundo,
recebia a confissão, perdoado com a unção dos santos óleos.
Se “doente de cama” era solicitado a redigir o texto de seu
testamento. “Encomendava-se a alma a alguns santos, eleitos
protetores, escolhia-se o tipo e a cor da mortalha, o lugar do
sepultamento, os padres e as pessoas que acompanhariam o
cortejo fúnebre, determinava-se as missas para a própria
alma e para a de outras pessoas”.
O reconhecimento de dívidas era comum para
evitar a maldição do lesado, e ajudar na salvação de sua
alma. Os devedores também eram citados nominalmente
e arrolados no espólio do defunto.
“Os rituais da morte, nos séculos XVII e XVIII, no
Brasil, assim como na sociedade ocidental moderna e
cristã tem no estilo “barroco” sua principal característica.
Tornava-se necessário, estando em perigo de morte,
colocar em ordem os bens terrenos e preparar o melhor
possível o caminho da alma. Os testamentos, um dos
mecanismos essenciais de se “estar em paz com a
consciência”, segue padrões homogêneos de redação por
todo o século XVIII e XIV, o que possibilita questionar se a
fórmula notarial se estaria sobrepondo ao ato individual.”
De uma maneira geral, todos se iniciavam com o
mesmo texto:
“Em nome da Santíssima Trindade, Padre, Filho e
Espírito Santo, três pessoas distintas em um só Deus
Verdadeiro. Saibam quantos este público instrumento
virem, que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus
Cristo de (...) aos (...) dias do mês de (...) eu (...)”. etc. etc.
51
Na freguesia de Jacutinga, encontramos o
testamento de Manoel de Souza Costa, datado do ano de
1785 que “Estando em meu perfeito juízo e entendimento
que Nosso Senhor me deu, doente na cama temendo-me
da morte e desejando por minha alma, no caminho da
salvação!”
Manoel devia ser dono de uma roça, (“uns chãos”)
com engenhoca, que no leito de morte, querendo a “salvação
da alma” recorre a boas ações dando liberdade “ao meu
pardo Baltazar pelos bons serviços que me tem feito”.
Declarava também a “Liberdade por cinco doblas
ao pardo Gaspar”, que recebera de herança de sua mãe, e
recomendava ao testamenteiro, acompanhar o
recebimento da venda que fizera de seis escravos que
também recebera como herança a saber: “Roque e sua
mulher, Faustina, Luiz, Francisco, Xico, Joaquim e mais
duas crias, Martinha e Cipriana, filhas da dita Faustina”.
Declarava também que havia vendido “o moleque
Joaquim ao padre Alcântara, por cinco doblas” e que não
havia recebido. A julgar pelo testamento, o padre Alcântara
havia morrido sem pagar a dívida da compra do escravo, e
“o resto da fatura que tinha no casco do engenho”. (“Casco”-
Diz-se da fazenda que perdendo toda a benfeitoria fica
apenas com suas terras - Peq. Dic. Bras. Ling. Port.).
Manoel lembra também que havia muito tempo,
dois escravos seus, Antonio e Francisco, serviam a seu
sobrinho, Luiz de Souza. Declara a “venda de todas as
ferragens do engenho” e reclama o recebimento de “doze
mil réis” pela construção de um engenho de mandioca e
casa de farinha a Francisco José Sanches.
Rita Maria de Souza em seu testamento datado
de 10 de maio de 1787, na “Paragem do Veloso” distrito
da freguesia de Sto. Antonio de Jacutinga, “doente de
cama”, declarava ser “solteira natural” e “batizada nesta
mesma freguesia”, não possuindo “nenhum herdeiro,
nem dependente e ascendente”, instituía sua “alma por
herdeira”.
52
Declarava, também, que possuía um “escravo por
nome Cristóvão, o qual meu testamenteiro venderá a
quem mais lhe der... em sua casa ou em leilão na porta da
igreja aqui, ou em Aguassú”.
Vemos, assim, que leilões de escravos eram
comumente realizados nos pátios das igrejas da Baixada
Fluminense, provavelmente nos fins de semana, em que era
maior o movimento de tropeiros e realização de missas.
Rita Maria recomenda deixar “por esmola” o
dinheiro da venda do escravo para “duas sobrinhas: Jacinta,
filha de Manoel de Pontes, e Anna filha de Juliana... o qual
dividirão entre si!. Porém a parte que tocar a Jacinta não se
entregará a seus pais ficando com o testamenteiro até ela se
casar, ou não casando ela passar de 24 anos.”
Finaliza dizendo que se este documento “não valer
como testamento, valha como codicilo” e “por não saber ler
nem escrever, roguei ao Padre Manoel Pinto do Pinho, desta
mesma freguesia, que este me fizesse e por mim assinasse.”

O sargento-mor Manoel José de Abreu, estando


“doente de cama” mas em perfeito juízo, ditou seu
testamento no dia 4 de abril de 1786, na freguesia de Sto.
Antonio de Jacutinga.
Português e natural da Vila do Viana, Manoel
declara não ter filhos “legítimos nem naturais” portanto,
“não tenho herdeiro algum”.
Governou a fazenda do mestre de campo Inácio
de Andrade “vendendo os efeitos dela”.
Deixou a seu “afilhado de crisma” Bonifácio, uma
carta de liberdade, e uma dobla para ajuda na pintura de
uma urna da igreja de Sto. Antonio, e que “se mande dizer
dez missas pelas almas de meus escravos falecidos”.

Na freguesia de Sto. Antonio de Jacutinga, em


1786, Dona Inácia Maria Tavares, “natural deste bispado”
e batizada na “freguesia de Na. Sra. da Ajuda de Guapy”
nomeava seus dois filhos e seu sobrinho “testamenteiros,
53
procuradores e administradores” de seus bens, para
poderem “vender, cobrar e arrecadar”.
Declarava a viúva ter sido casada com o sargento-mor
Francisco Sanches de Castilho, de cujo matrimônio tiveram
quatro filhos, registrando os seguintes bens: “umas terras em
Guapy” e “um quarto das casas de trás do Carmo”.
Anotava também que “dei liberdade a um preto
chamado Manoel Gago, por preço e quantia de três
doblas, que recebi do dito preto em moeda corrente, este
mesmo escravo era de minha filha Ignácia Francisca, que
lhe deixou seu tio, o reverendo Antonio Vaz Tavares”.
Finaliza pedindo a Francisco Manoel Monteiro,
que “por mim escrevesse e também assinasse por me
achar com o braço direito quebrado”.
Agostinho Alves de Carvalho, “estando molesto em
uma cama”, em junho de 1787 na “paragem do Baby desta
freguesia de santo Antônio de Jacutinga casado nesta mesma
freguesia com Thereza de Jesus, de cujo matrimônio tenho
seis filhos...” todos maiores de vinte e cinco anos.
Declarava entre os seus bens “uma sorte de terras
citas no Baby” que recebera por herança de seu sogro,
“pedidas por sesmarias.”
“Dentro da dita data, tenho minha moradia com
casas de telhas, e mais bem feitorias... e assim mais os
escravos seguintes: José Maria e sua mulher. Joaquim
mulatinho, Margarida Crioulinha, Florência Crioulinha,
filhas da dita Maria, Romana, Antonia, Manoel, e os
demais trastes da casa”.
Declarava que “fiz doação de um mulatinho de
menor de idade por nome André a meu filho Francisco
José de Carvalho, por preço de cinqüenta e hum mil e
duzentos em que foi avaliado”.
Agostinho também revelava a existência de uma
filha que tivera com uma escrava: “que Quitéria Parda, que
está em minha companhia é minha filha, que a tive depois de
casado, e dita Quitéria, a deixo forra e liberta como se livre
nascesse, tanto pela razão de ser minha filha, com bons
54
serviços que sempre tive dela, e meu testamenteiro lhe
passe sua carta de liberdade sem condição alguma.”
Lembrava também no testamento que sua filha
Anna Maria possuía três escravos que ele havia comprado
com “uma esmola que lhe deu seu tio José da Foncequa
Dorea: Sebastiana Crioula, Feliz Cabra” e “uma negrinha
por nome Thereza”.
Declarava uma dívida de “dezesseis mil réis” a
seu genro Manoel Ignácio, e “quarenta e três alqueires de
farinha, que soma vinte mil, seiscentos e quarenta réis”.
A preocupação com os pagamentos de dívidas
era ponto de honra; “e se lhe ficar restando alguma coisa,
se lhe pague”.
Por ocasião do casamento, era comum as filhas
receberem escravos como dote; Agostinho confirmava a
doação: “declaro que dei a cada uma de minhas filhas
casadas, duas escravas como dote.”

Dona Maria Rosa de Menezes, no seu testamento


datado de dezembro de 1790, em seu “sitio chamado
Pedreira” na freguesia de Sto. Antonio de Jacutinga,
declarava que era casada com Euzébio Manoel Ferreira e
desse matrimônio tivera quatro filhos, e que haviam
forrados “liberalmente” as escravas Fabiana e Thereza “com
a condição de nos acompanharem enquanto fossem vivos.”
Anotava também que “sobejando de minha terça
alguma coisa” se repartiria entre seus filhos e “a mulatinha
Joaquina pelos bons serviços que me tem feito”. Que “o ouro
que tenho e a minha roupa deixo a meus netos”.
O ouro de Dona Maria era o seguinte: “uns
brincos de diamantes, duas meadas de aljôfares, dois
pares de botões de ouro dos punhos grandes.”
Deixava liberta a “mulatinha Joaquina” por
“gratidão de piedade” pedindo ao testamenteiro “passar
sua carta de liberdade sem condição alguma.”

55
Testamento feito na fazenda da Posse, “com casas
e sítios”, freguesia de Sto. Antonio de Jacutinga em
novembro de 1786, pelo vigário Pe. Manoel Pinto do
Pinho, “estando com saúde completa e em meu perfeito
juízo”, deixa transparecer que era fazendeiro nessa
freguesia, e possuía além de numerosa escravaria, um
valioso patrimônio considerável para a época: “dezesseis
bois de carro, dois carros ferrados, seis vacas, um
engenho, um garrote, três vitelas” e declarando “que tudo
se venderá pelo melhor modo que for possível”, após a
sua morte, naturalmente.
Declara também, que ficará “com o testamenteiro
um rol por mim feito, e assinado com os nomes e clareza
do dito gado, alguns bens e trastes da casa”.
Quanto aos escravos, o padre Manoel deixava
para 13 cativos “deste engenho...” “Quatro varas de
algodão de Sam Paulo a cada um que importa em
cinqüenta e duas varas” e nomeava os escolhidos, alguns
com o nome das nações de origem: “Simão Angola, Joana
Benguela sua mulher, Antonio Rebolo, Vicente Joaquim,
Thomas Crioulo, José Crioulo, Gervázio, Basílio Crioulo,
Agostinho, Joaquim Crioulo, Anna Crioula, Izabel
Angola, Maria Filha, Miguel Filho, Joaquim Banguella.”
As cartas de liberdade eram concedidas com
parcimônia. Neste texto o padre Manoel faz referência a
dois escravos, Simão e Antonio Rebolo: “desejando fazer-
lhes algum bem pelo amor de Deus...” “lhes concedo
depois do meu falecimento o prazo de três anos para
neste tempo ganharem cada um a quantia de três doblas”,
recomendando ao testamenteiro que ao receber este
valor” lhe passará logo as cartas de liberdade”.
Recomendava ainda, a não vender “meus escravos
por empenho nem contra a sua vontade, senão as pessoas
que eles escolherem...” “porque por caridade, desejo que eles
acertem um bom cativeiro”.Em seguida, determina ao
testamenteiro que “poderá logo sem mais figura, vender a
quem der mais e melhor cobrir as suas avaliações, o que
56
poderão fazer em praça, na porta da igreja, ou em sua
casa, amigavelmente, fazendo sempre pelos respeitar sem
que sejam obrigados a levá-los as (...) praças da cidade”.
A “uma escrava velha por nome Graça”, o
vigário deixava-a “forra e liberta”.
Também a “mulatinha Joaquina”, por “gratidão e
piedade”, dava liberdade pedindo ao testamenteiro
passar “sua carta, sem condição alguma.”
Preocupado com algumas dívidas, lembrava
procurar José Fernandes “ao pé da Candelária” onde
“costumo comprar vinho, azeite, e vinagre por bilhetes.”
Também a “João Barboza de Azevedo, na rua Direita, perto
dos contos”, onde “costumo quando vou a cidade pousar.”
Participante das festas na freguesia da Posse, padre
Manoel não se negava a contribuir com “meia arroba de
carne fresca”, ou algum “quarto de carne de porco” que
comprava com crédito “a vários sujeitos” e “se alguém disser
que lhe devo alguma coisa, informando se meu
testamenteiro dos meus escravos, achando ser certo, e o
sujeito de boa nota, se lhe pague tudo sem mais justificação”.
Livrando-se da doença que o acamara, viveu
mais seis anos depois de ter elaborado este testamento. O
padre Manoel Pinto do Pinho, vigário da dita Freguesia,
estando “doente de cama” nos primeiros dias de setembro
de 1792, ditava um novo testamento conhecido como
codicilo, alterando alguns parágrafos e acrescentando
outros ao texto anterior.

CODICILO

O dote de cinco doblas que ele deixaria à Narciza


“para casar”, é suprimido e “como já está casada, e também
satisfeita da dita esmola prometida, ordeno a meu testamenteiro
lhe dê somente a meia dobla para uma capa e mais nada.”
Declarava algumas dívidas que fizera a João
Marques Barboza, com a compra de “três bois que lhe
57
comprei, que logo sem trabalharem, morreram dois”, e
reclamava algum desconto por esse motivo: “se quiser
abater alguma coisa, muito bem.”
Também registrava uma dívida com a viúva
Joaquina Roza de Torres, moradora no “morro azul da
Sacra Família”, pela compra de “dois bois que comprei
sem preço, que um valia meia dobla, e o outro, quatro mil
réis, que este logo me morreu, e sem fazer serviço algum”.
Quanto aos escravos, dois já haviam sido vendidos ou
falecidos, “já estão de menos dois”, e se alegrava com o nascimento
de uma “cria”: “mas de presente tenho uma crioulinha de ano e
meio chamada Anacleta, filha de minha escrava Joana”, e que seria
entregue a seu sobrinho Manoel dos Santos, “pois lha deixo por
esmola por ser esta minha última vontade”.
O escravo Antonio, cotado em três doblas no
testamento anterior, era agora desvalorizado, por estar velho
e cansado, “e só dará uma dobla por ser preto idoso, e me
compadecer dele”, o mesmo fazendo com o escravo Thomaz
“em uma dobla, e que lhe faço por esmola”.
Era a oportunidade oferecida ao escravo para a
compra de sua alforria, com trabalhos feitos fora de sua
obrigação, cujo pagamento teria que ser efetuado ao
testamenteiro, “e dado que seja a dita dobla cada um, o mesmo
meu testamenteiro lhes passará as suas cartas de alforria”.
Com o agravamento da doença, padre Manoel falecia
aos oitenta anos, no dia 10 de setembro do mesmo ano “com
todos os sacramentos... e foi encomendado e amortalhado, a
maneira de sacerdote, e sepultado em cova dos vigários.”
No “Livro de Visitas Pastorais”, fontes primárias
de Monsenhor Pizarro feitas em 1794, vamos encontrar o
nome desse sacerdote no trabalho de recuperação da
igreja Matriz de Sto. Antônio de Jacutinga. Descrevendo a
58
decadência em sua arquitetura, assinala a rachadura no
frontispício de pedra “ameaçando ruína próxima”.
Registra que a “Capela Mór é nova, e acabada de pedra no
ano de 1785”, assim como a “Sacristia que é do mesmo
tempo”. A ”Torre muito mais moderna por ser obra do
tempo do R. Vigário também encomendado Manoel Pinto
do Pinho, que a fez de pedra e cal com muita fortaleza, e
duração, e a concluiu no ano de 1791, igualmente com a
casa da Fábrica, e muro que tem hoje o cemitério”.
Em relação aos altares, também vamos encontrar seu
nome ligado ao N. 1, “O maior”, em que estava a imagem do
Santo Padroeiro e o Sacrário. “O seu ornato que corre por conta
da Irmandade, e a fábrica é decente e por zelo ativo do atual
Vigário, acha-se hoje pintado, e doirado o seu retábulo com
gosto, tendo sido feita a sua talha em madeira, pelo R. Vigário
antecessor, Manoel Pinto do Pinho”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

PIZARRO e Araújo, José de Souza Azevedo – “Memórias


Históricas do Rio de Janeiro” – I. N. L. Imprensa Nacional,
1945 – Rio
MAIA FORTE, José Mattoso —“Memória da Fundação de
Iguassú” Tip. Jornal do Comércio – 1933 – RJ. GONÇALVES
DE BARROS, Ney Alberto - “Assentamentos de Óbitos,
seguidos de Testamentos no livro da Matriz da Freguesia de
Santo Antônio de Jacutinga – Apostila 1972 - RJ LAVRADIO,
Marquês do – “Relatório apresentado a D. Luiz de
Vasconcelos” – Revista do IHGB - Tomo 76 Imp. Nacional -
RJ FARIA, SHEILA DE CASTRO — “A Colônia em
Movimento” Editora Nova Fronteira – 1998, RJ

59
UMA VIAGEM AO PASSADO
HISTÓRICO, ECONÔMICO,
SOCIAL E POÉTICO DA
VILA DE SANTO ANTONIO DE SÁ

As primeiras sesmarias concedidas em terras do


recôncavo da Baia de Guanabara, referentes à bacia do Rio
Macacu, o foram por Mem de Sá, atendendo, a pedido de
Cristóvão de Barros, à Miguel de Moura em 1567, obtendo este
“9.000 braças de largo em meio do Rio Macacu e doze mil para
o sertão”. Em 1571, o mesmo Moura “doou-a aos padres
jesuítas”, diz Monsenhor Pizarro, “em carta lavrada a seis de
dezembro do mesmo ano” e confirmada por El Rei D. Sebastião.
Parte dessas terras foram vendidas mais tarde, pelo Colégio, a
Manoel Fernandes Ozouro e sua mulher Izabel Martins, onde
fundaram a capela mais antiga da região, por volta de 1592
“com permissão do Prelado Aborim, em suas terras do
Cassarebu” sob o orago de Santo Antônio.
Entregue aos cuidados da Cúria do Rio de Janeiro,
juntamente com 100 braças em quadra por detrás da
Igreja, mais os ornamentos e as imagens com a condição
“de nela fazer Freguesia Curada”. Segundo Frei Basílio
Rower a capela recebeu seu cura em 1624, sendo elevada a
Freguesia em 1644, confirmada pela carta régia vinda de
Portugal, três anos depois.
Outras concessões se seguiram destinadas aos que
ajudaram a combater os franceses e a dizimar as tribos
Tupinambás, entre elas também foram “concedidas” terras
aos índios que restaram do massacre, e estavam reunidos na
aldeia de São Lourenço em 1579 “de 12.000 braças além do
Macacu, e para o sertão além da Serra dos Órgãos”.
Nesse primeiro século de ocupação trataram os
sesmeiros de plantarem cana de açúcar e mandioca, para
abastecerem os engenhos que começavam a fumegar. São
esses engenhos que fixaram o homem na Baixada. A zona
60
rural periférica à Cidade do Rio de Janeiro já iniciava a
função de produzir alimentos para seu consumo, e açúcar
para a exportação.
Essa dependência entre os engenhos da Baixada e a
cidade eram favorecidas pela imensa bacia hidrográfica
do recôncavo e a própria baía, concentrando nela toda a
atividade urbana e impedindo que até o final do século
XVII outro aglomerado rural se desenvolvesse. Os
numerosos portos fluviais que salpicavam os rios do
recôncavo, permaneceram nessa fase canavieira apenas
núcleos de embarque e desembarque, sem que o seu
crescimento formasse um povoado.
Após a criação do curato, estes aumentaram a
“doação de mais 100 braças em quadro atrás do pequeno
templo” e ofereceram as alfaias para o mesmo, segundo a
“escritura lavrada em 11 de agosto de 1624, quando ainda
era prelado do Rio de Janeiro Monsenhor Mateus da
Cunha Aborim”. Foi elevada à categoria de paróquia,
“confirmada por alvará régio de 10 de fevereiro de 1647”,
por Monsenhor Antônio Marins loureiro.
Este Monsenhor era filho de Antônio de Marins
Loureiro e Izabel Velho, cujo irmão Diogo de Marins
Loureiro sucedeu ao pai na provedoria da cidade do Rio
de Janeiro, e no mesmo ano também criou as freguesias de
Irajá e São João de Trairaponga (Meriti).
Segundo Monsenhor Pizarro, “sendo pouco própria a
capela erecta pelos fundadores, o povo deliberou levantar uma
nova com paredes de pedra e cal, concorrendo a Fazenda Real
com a metade das despesas, como determinou uma Ordem de 5
de dezembro de 1697”. Em 1704, um grande templo estava
pronto para receber a torre sineira. “Medindo cerca de 19 ms. de
comprimento desde a porta principal até o arco do Cruzeiro,
por 8,5 ms. de largura. Do arco ao fundo media 15 ms. de
comprimento por 5,5 ms. de largura mais ou menos. Possuía
quatro altares, além do altar-mór”.
As normas administrativas municipais que vigoraram
no Brasil a partir de sua descoberta, obedeceram aos códigos
61
chamados Ordenações, sujeitos à vontade dos monarcas, dos
ministros e das Ordens religiosas. Após as Ordenações
Afonsinas que vigoraram até 1521, Portugal governou suas
colônias sob a tutela das Ordenações Manuelinas até 1603,
período em que Estácio de Sá fundou a Cidade do Rio de
Janeiro em 1565. Mas foram as Ordenações Filipinas de 1603
a 1828, as de mais longa duração, que regularam o
ordenamento municipal com a criação de vilas e cidades.
Artur de Sá e Menezes, governador da Capitania do Rio de
Janeiro com a patente de capitão general, elevou este povoado à
categoria de Vila em 5 de agosto de 1697, com sede no lugar da
igreja matriz da Freguesia de Santo Antônio de Cacerebú.
Na casa em que estavam hospedados nesse dia “na
freguesia de Casarabú, junto ao Rio Macacu” o governador
Artur de Sá “sentado à cabeceira da mesa” com autoridades
locais, segundo a ata da solenidade registrada por José
Mattoso Maia Forte, “tendo a sua direita o Ouvidor Geral
Manoel de Souza Lobo. “A sala estava cheia de homens
nobres e cidadãos da Cidade do Rio de Janeiro, da qual até
então era termo o referido lugar e Freguesia”, quando o
governador declarou “por ordens de Sua Majestade” que
fora ali para a erigir em Vila com seu Distrito e Termo.
Em seguida foi proposta a retirada do nome da
nova Vila, argumentando-se que o nome de Macacu, até
então corrente, “era menos curial”, concordando todos
com a denominação de “Santo Antônio” que era o orago
da freguesia. Foi também prestado uma homenagem ao
representante de Sua Majestade a qual ficou registrada em
Ata: “que em obséquio e gratulação do trabalho que o
Governador tivera em ir formar a Vila, por ser a primeira
que ilustrava com a sua presença, pela excelência dessa
primazia, queriam condecorar mais o dito nome com o
apelido de “Sá’, por ser o primeiro com que se ornava o
próprio dele Governador”.
À nova Vila de Santo Antônio de Sá anexou ao seu
termo, desde a entrada da barra do Rio Macacú, e segundo
Pizarro “em volta das freguesias de Itambi, e Tapocorá, todo
62
o sertão sem limite da mesma freguesia de Santo Antônio e
de Cernambitiba até o Rio Magepe ou Magepe-Guapi, como
consta dos documentos lançados no livro 1.º da Câmara da
mesma Vila”. Ficou também estabelecido que todo o termo
de Magé, se transferisse para o termo da Vila de Santo
Antônio de Sá. Esses limites permaneceram até que se erigiu
em Vila, a freguesia de N. Sra. da Piedade de Magé em 1789.
Nomeado o Ouvidor Geral, este fez “levantar e
formar as insígnias e demonstração da República que
eram pelourinho e praça, casa de cadeia e Conselho, forca
e curral do Conselho”, nomeando Baltazar da Costa “para
as funções da Vila que criara”.

Para se construir a cadeia e a Casa da Câmara, uma


carta régia de 1710 autorizava conceder “um imposto de
20 reis em cada medida ou camada de aguardente da terra
ou do Reino, e do vinho que se consumisse, como havia
ofertado os moradores”.
Segundo o Prof. Ondemar Dias, o termo de criação
dessa Vila se encontra no Arquivo Nacional, e pelo
documento seus limites compreendiam “o rio Macacu,
fazendo cabeça da República no povoado da dita Freguesia
onde está situado o convento de São Boa Ventura”
No final do século XVIII, inúmeros engenhos e
engenhocas absorviam o canavial que se estendia pelos vales
e colinas da bacia do Rio Macacu e seus afluentes, que além
da freguesia sede, inúmeras outras cresciam, com seu
povoado aglomerado em torno da igreja e das capelas,
fundadas nos primeiros dois séculos do descobrimento.

CONVENTO DE SÃO BOAVENTURA

Próximo da igreja Matriz existia um grande convento


dos padres capuchos, iniciada sua construção em 1649 e
inaugurada em 1670 “com a dedicação de São Boaventura”,
e denominado Convento de São Boaventura de Macacu.
63
Recebendo 90.000 réis anuais “de El Rei D. João IV, com a
obrigação de conservar duas aulas das primeiras e
segundas letras, mas essa condição não se cumpre há
muitos anos”. Junto à igreja do convento está a “capela
dos Terceiros de São Francisco, que o prelado da Casa
dirige em conformidade dos seus presumidos e
fantásticos privilégios”, diz Pizarro.
Afastado a 5 Km. de Porto das Caixas, esse santuário
foi celeiro de nomes que se destacaram nas ciências e na
poesia. Nesse convento estudou durante alguns anos o
ilustre Frei Francisco de São Carlos, preparando-se “para
imortalizar-se como orador e como poeta”. Outro notável
pregador foi frei Manoel do Desterro que ali faleceu em 1706.
Frei Francisco Solano Benjamim, ilustrador emérito da obra
“Flora Fluminensis”, de autoria de frei Mariano Veloso,
cujos dados biográficos damos a seguir, por ali passou.
Frei José Mariano da Conceição Veloso, entrou para
o convento aos 19 anos. Nascido em 1742 na comarca do
Rio Grande das Mortes, Minas Gerais, dedicou-se ao
estudo da teologia e da filosofia, porém sua inclinação era
a “história natural”, da qual tornou-se especialista sem
nunca haver freqüentado a Universidade de Coimbra.
Ligado a uma pequena comunidade científica que
atuava no Horto Botânico do Rio de Janeiro, teve o
incentivo dos vice-reis marquês do Lavradio e depois Luís
de Vasconcelos, que o convidou para viajar e se
estabelecer no reino, levando sua coleção de insetos,
peixes e borboletas, e especialmente de plantas, coletadas
para publicação no livro “Flora Fluminensis”, e mais tarde
serem oferecidos ao museu da Ajuda, em Portugal.
Aperfeiçoando sua obra dedicada à botânica, graças
ao relacionamento com a comunidade européia,
encaminhou seu trabalho para ser editado pela Academia
de Ciências, quando teve o mesmo recusado sob a
alegação dos altos custos que envolviam a edição.
Mesmo atuando na direção da Tipografia do Arco
do Cego em Lisboa, entre 1799 e 1801, não teve o seu livro
64
publicado. Durante a invasão de Portugal por tropas
francesas em 1808, voltou com a comitiva real para o Rio de
Janeiro, onde faleceu no convento Santo Antônio em 1811.
Homenageado pelo novo governo imperial brasileiro, frei
Mariano teve sua obra “Flora Fluminensis” postumamente
publicada entre 1825 e 1827, redimindo para a posteridade,
esse personagem que se destacou como referência na história
da pesquisa botânica no Brasil.

A criação do convento deve-se a Frei João Batista,


primeiro “Custódio” da Província Fluminense, durante
sua visita em 1649 aos conventos do Sul, “percorreu a área
em companhia de outros frades naquela oportunidade,
nomeando seu primeiro Superior, Frei Gerardo de São
Boa Ventura, e dando início as obras do recolhimento”.
Com a imagem de seu padroeiro no altar-mor,
ostentava em seus nichos laterais “as imagens de N. Sra.
da Conceição e São Francisco, e entre as colunas, Santo
Antônio e São Benedito”, conforme registro de Frei Basílio
Rower “é possível que a pequena imagem desse último
santo, hoje na capela de Porto das Caixas seja a mesma
que pertencia ao convento”.
No final do século XVIII (1784), as paredes do prédio
estavam ameaçadas de ruir, principalmente a igreja, quando foi
demolida em parte tendo sido ampliadas e “eretas a nova igreja
da Ordem e a igreja da Ordem Terceira, toda formada por
pessoas de fora por não existirem em Macacu moradores que
pudessem estar na Ordem”. A grandiosidade da torre sineira,
integrada ao conjunto arquitetônico, foi aumentada durante sua
restauração e até hoje impressiona, apesar das ruínas.
É ainda Frei Basílio Rower quem nos conta em sua
“História da Província Franciscana” que a reforma desse
convento foi planejado pela Mesa Provincial, confirmando o
estado em que se achava, mandando “alguns oficiais que
todos opinaram pela reconstrução a “fundamentis”. À vista
disso, reuniu-se a Mesa no dia 20 de fevereiro de 1784 “e
deram-se as necessárias ordens a Frei Inácio da Anunciação
65
recomendando que se acostasse aos votos de oficias
inteligentes e segundo o risco que fosse conforme aos
preceitos da arte”.
Desenvolvendo intensa atividade, Frei Inácio
“conseguiu levantar de pedra e cal as paredes da frente,
não obstante de reunir o material preciso, que lá perto não
há. Custou mais quatro anos até o acabamento de todo o
lanço da frente do Convento e da Igreja. Foi dito que o
Prelado obedecesse aos preceitos da arte. É o que se fez,
resultando daí o belo frontispício da igreja e da torre,
estilo barroco, que ainda hoje aparece nas ruínas”
Com uma porta e três janelas, situada à esquerda do
observador, a igreja da Ordem Terceira “ligava-se à Igreja do
convento por uma parede com arco”. Essa igreja principal
que ostentava a torre tinha três portas de entrada, encimadas
por três janelões do andar superior. O mosteiro completava o
conjunto num corpo de dois andares vazados de janelas.

Localizado às margens do Rio Macacu, facilitava o


intercâmbio comercial e cultural com esse mosteiro
franciscano, que abrigava entre “25 a 30 religiosos”,
rivalizando-se com Porto das Caixas que, numa febril
agitação de embarque e desembarque, tornara-se o
empório comercial da Velha Província, recebendo
centenas de caixas de açúcar e tonéis de aguardente

Sendo a primeira das freguesias criada no recôncavo,


Santo Antônio de Sá tinha seu território estendido por uma
vasta extensão de terras, cortadas pelos Rios Macacu,
Aguapei-açu, Cassarebu e seus afluentes, da qual se
desmembraram mais tarde, as freguesias de Itambí, Itaboraí,
Trindade, Maricá e Sernambetiba
Desenvolvendo uma agricultura de subsistência e de
exportação, esses núcleos de povoamento, representavam
um papel importante no desenvolvimento econômico do Rio
de Janeiro. Situados à margem dos rios, constituíam a
principal via de comunicação por onde se conduziam “os
66
efeitos da lavoura para a cidade”.
Além de açúcar e aguardente, eram numerosos os
engenhos de farinha. Com a fuga da população do Rio de
Janeiro no início do século XVIII, para as “minas de ouro”,
as lavouras “ficaram ao abandono” e a população
assolada pela fome. “Em 1702 a câmara da Vila de Santo
Antônio de Sá, era convocada para remeter farinha com
toda a brevidade”.
Conta o prof. Ondemar Dias que quando da invasão do Rio
de Janeiro por Duguay Trouin em 1711, “coube a Vila participar do
pagamento do resgate com uma parcela correspondente a 50.000
cruzados”. Só que os vereadores e o “povo” resistiram e
reclamaram dizendo-se multados e apelaram
para o rei. Até 1715, pelo menos, não tinham pago nada.

CAMINHO NOVO
Durante o início da mineração no final do século
XVII, ao partir do centro da Cidade de São Sebastião do Rio
de Janeiro, para se alcançar o caminho Velho das Minas que
começava em Parati, o viajante tinha duas opções: atravessar
a Baia de Sepetiba em direção a Parati e subir a trilha dos
Guaianazes, ou alcançar a mesma baia em busca dessa trilha,
pelo caminho de terra através da futura estrada Real de
Santa Cruz, até o embarque na Ilha da Pescaria à sua
margem, pertencente aos padres da Companhia.
Transferindo a sede administrativa do Rio de
Janeiro para a região mineradora, segundo a carta régia
de 1696 “para ficar mais próximo às minas”, o governador
Artur de Sá e Menezes, percorreu esse caminho “longo,
penoso e temerário”, mas até então o único existente.
Durante seu regresso em 1699, o governador contratou
com Garcia Rodrigues Pais, “na Borda do Campo”, explorar
a possibilidade da abertura de um novo caminho que
partindo dali, alcançasse as margens do Rio Paraibuna, e
67
subisse a Serra das Abóboras, atravessando o Rio Paraíba
em busca de uma saída para o mar. Segundo proposta do
próprio Garcia Pais, “em vez de três meses, tempo que até
então se gastava, se poriam apenas quinze dias” entre a
capital do sul e o longínquo interior do ouro.
No período de 18 meses, o filho do “Caçador de
Esmeraldas” internou-se na floresta seguindo antigas trilhas
indígenas, “com alguns homens brancos e mais de 40 negros
(dos quais lhe morreram cinco) e fizera despesas
consideráveis, saídas exclusivamente do seu próprio bolso”.

A ENTRADA DE FELIX MADEIRA


Preocupado com a demora em receber informações
sobre a difícil diligência a cargo de Garcia Pais, e tudo
lavando a crer que esse problema da ligação Rio-Minas era
uma das tarefas mais importantes para os governantes da
época, o governador D. Álvaro da Silveira de Albuquerque
(1702–1705), optou por uma segunda solução, encarregando
Félix Madeira e Gusmão e seu filho Félix Gusmão Mendonça
y Bueno, “tidos e havidos por homens nobres” a abrirem um
caminho em direção às minas partindo da Vila de Santo
Antônio de Sá, às margens do Rio Macacu.
Segundo Enéas Martins Filho, o mapa da América
Portuguesa reproduz essa trilha que corresponde “grosso
modo, ao traçado que ligam Sant’Ana de Japuíba-Nova
Friburgo-Sumidouro-Carmo no Estado do Rio, a São José
de Além Paraíba, em Minas”.
Entretanto com a notícia da chegada de Garcia Pais ao
alto da Serra do Couto, que segundo o padre Antonil “em
dia claro se descobre o Rio de Janeiro, e inteiramente o
68
seu recôncavo”, e continuava acompanhando a descida do
Rio Pilar um dos formadores do Iguaçu, o governador
expediu uma ordem a Félix Madeira, para que “não faça a
entrada que intentava fazer no sertão e a suspenda até
nova ordem minha”.
Estava assim suspensa oficialmente a abertura dessa
trilha, mas que provavelmente foi usado pelos
“descaminhos” durante a primeira metade do século
XVIII, até que em 1765, atendendo às ordens de Sua
Majestade, o Conde da Cunha expediu um “aviso”: “que
se extinguisse até a memória do que se intentara”.
O regime de clausura a que ficou submetido o Brasil
durante o período da mineração aurífera, foi tratado com
rigor na fiscalização dos caminhos a partir da descoberta
dos diamantes em 1728, atingindo o isolamento quase
total do Distrito Diamantino.
No mapa feito pelo sargento-mor Manoel Vieira
Leão em 1767, por ordem do próprio conde da Cunha,
vice-rei do Brasil, a passagem desse caminho é assinalado
com uma legenda lacônica; “Fazendas que se demoliram”.
Estava assim extinto para a história, mais uma variante do
caminho de Garcia Pais, que partindo de Santo Antônio
de Sá, buscaria o caminho das Gerais.

A INVASÃO DOS “SERTÕES DO MACACU”


Com a distribuição de sesmarias aos que
participaram do massacre aos Tupinambás, a bacia do rio
Macacu e seus afluentes foram ocupadas já no final do século
XVI, surgindo no século seguinte, pequenos núcleos de
69
povoamento como “São João de Itaborahí, Nossa Senhora
do Desterro de Thambi, Santana de Japuhíba e Porto das
Caixas”. Criada a Vila de Santo Antônio de Sá, cuja
extensão pertencia “aos desconhecidos”, além da serra do
Mar, os cursos d’água ali existentes foram invadidos por
garimpeiros clandestinos, sofrendo rigorosa perseguição
por parte da Coroa.
A carta régia de 27 de abril de 1727 proibindo a
abertura de picadas para as minas, era confirmada pelo
Alvará de 23 de outubro de 1733, determinando aos que
ousassem penetrar nas “Areas Prohibidas” (compreendendo
os sertões do leste e do Macacu,) que fossem interditadas, “e
o descobrimento de novas jazidas sem prévia autorização,
além de instituir o confisco do ouro”.
Estimulando a delação, premiava com metade do
produto arrecadado “todos aqueles que denunciassem a
prática do descaminho”, e mantivessem sigilo absoluto
sobre as novas fontes de mineração.
A organização das tropas regulares, compostas de
soldados fardados pagos pelo Império, foi instituída a partir
dessa data. “As variantes” que surgiram após a abertura dos
caminhos novo do Pilar e do Inhomirim, eram percorridos
diariamente pelos “regimentos de Bragança, Moura e
Extremós, no Rio, e os Dragões de Vila Rica, na região das
minas”, além dos “Registros”, postos de fiscalização que
revistavam as tropas e seus condutores.
A vertente interior das serras que contornam Macabu,
Boa Vista, Macaé e Subaio, “com uma área de quase seis mil
quilômetros quadrados, hoje pertencente aos municípios de
Cantagalo, Cordeiro, São Sebastião do Alto, Itaocara, Carmo,
Sumidouro, Nova Friburgo, Duas Barras, Bom Jardim,
Trajano de Morais, Santa Maria Madalena e Teresópolis”,
permaneciam no mais denso mistério até quase o final do
século XVIII, apesar do Rio de Janeiro ter se transformado na
Capital da Colônia em 1763.
70
Conhecido como os “Sertões de Macacu”, a região do
médio Paraíba situada atrás da serra do Mar, mesmo estando
longe da bacia desse rio, e sendo registrado em 1767 no
mapa de Vieira Leão como “sertão ocupado por índios
brabos”, continuava a ser invadido por garimpeiros
sequiosos de ouro e pedras preciosas. Informado dessas
ocupações, de homens que faiscavam na aba da serra e no
seu interior, o governo da metrópole determinou “por Carta
de Ofício de 31 de janeiro de 1765” ao Vice-Rei Conde da
Cunha, “que proibisse tais incursões”.

JOHN MAWE
Especializado em pedras preciosas e aventuras, esse
inglês chegou ao Brasil em 1809 logo após o decreto de D.
João VI concedendo visto de entrada a estrangeiros.
Percorreu as principais regiões mineradoras, e voltando em
seguida para seu país, publicou um livro com o relato dessa
viagem. Em um dos capítulos pinçamos suas observações
durante passagem por Santo Antônio da Sá. Observador
atento, John Mawe partiu do Rio de Janeiro com destino a
Cantagalo, no dia 10 de abril de 1809 acompanhado do Dr.
Gardner, professor de química de um colégio local.
Navegando em um barco a vela tipo falua tripulado
por remadores, “favorecido por forte brisa, rumamos para a
entrada do belo rio Macacu”, que após cessar o vento
durante sua subida, foram impelidos pelos remos, até chegar
em “uma casa denominada Vila Nova, onde inúmeros
barcos de carga destinados ao Rio, aguardavam o vento da
terra e a maré alta”. Depois do descanso continuaram a
viagem até a estreiteza do rio “que o barco freqüentemente
tocava nas margens, obrigando os homens a afastá-lo com
paus”. Acreditamos que Mawe viajou durante a madrugada,
pois descreve a chegada a Porto das Caixas ao amanhecer.

71
“Lugar muito procurado pelos viajantes do interior, por
ser o posto onde as mulas descarregam suas cargas,
oriunda de muitas plantações dos arredores”.
Aqui ele registra vários armazéns servindo de
depósito para produtos a serem embarcados, em torno de
arruamentos salpicados de habitações pobres. A viagem
prosseguiu atravessando um grande pântano em direção
a Vila de Macacu “erguida sobre pequena elevação, no
centro de bela planície”. Ali, um tal coronel José,
“comandante” local, recebeu-os com atenção, “o mesmo
fazendo os irmãos do convento que visitei”.
Estranhamos a maneira rápida com que Mawe se
refere ao conjunto arquitetônico do mosteiro, pois a
grandiosidade deveria surpreendê-lo, e levá-lo a tecer algum
comentário sobre sua construção no fundo daquele vale
distante. È provável que sua crença religiosa contrária a
religião católica a tenha discriminado, ignorando o registro
da presença de uma Ordem Franciscana.
Digno de comentário são suas anotações sobre o
caminho aberto por Félix Madeira no início do século XVIII
descrito no capítulo anterior, e que seria usada para alcançar
“os sertões de Cantagalo” pelos tropeiros no transporte do
café. Apesar da falência das minas de ouro, essas veredas
continuavam a ter seus viajantes e tropeiros fiscalizados
pelas diversas patrulhas que se estabeleciam em suas
margens, conforme comenta Mawe: “Depois de atravessar o
rio pela segunda vez, chegamos ao que denominam o
primeiro registro ou casa de investigação, a duas milhas da
fazenda. Este posto é guardado por um cabo e um praça,
encarregado de cobrar as taxas e com poderes para revistar
os viajantes, visando impedir o contrabando do ouro.”
Ao entardecer, chegaram num segundo registro onde
resolveram passar a noite. “Um lugar miserável, habitado
por cinco ou seis soldados, sob o comando de um sargento.
Este bom homem acolheu-nos afetuosamente e, com auxílio
72
de seus camaradas preparou-nos galinhas, regalando-nos
com tudo que a sua escassa dispensa podia proporcionar”.

IMIGRANTES
Em fins de 1820, Santo Antônio de Sá assistiu a uma
das últimas cenas dramáticas da viagem dos primeiros
imigrantes destinados à colonização na Província do Rio de
Janeiro. Originários da Suíça, do cantão de Fribourg,
viajaram para este país centenas de famílias dispostas a
“fazer a América”, em direção aos assentamentos de Morro
Queimado, mais tarde Nova Friburgo. Durante oitenta dias
atravessando o oceano, sofreram na companhia “do enjôo,
da diarréia e da morte! Nos sete veleiros que partiram da
Holanda, conduzindo de início um total de 2013 passageiros,
sucumbiram e tiveram o oceano por túmulo 311 deles”, diz
Rafael Luiz de Siqueira Jaccoud em seu livro “Os Colonos”.
Ao desembarcarem no Rio de Janeiro, foram
transportados em pequenos barcos até Itamby, “pequeno
porto fluvial, próximo à foz do Rio Macacu, onde havia
sido improvisado um hospital para receber os colonos
doentes”. Em seguida foram transferidos para o convento
de São Boaventura na Vila de Santo Antônio de Sá, já
sendo desativado quer pela decadência da construção que
ameaçava desabar, quer pelas febres palustres que
começavam a fazer suas primeiras vítimas.
Ali o anjo da morte continuou estendendo suas asas
“sobre aquela pobre gente durante seis meses. As doenças
contraídas na Holanda, a bordo dos navios e na baixada
paludosa do Macacu, ainda fizeram várias vítimas.
Naquele interregno morreram mais 131 colonos, fora os 35
que foram sepultados na Vila de Macacu, inclusive o
padre Joseph Aeby que se afogou no rio quando nele se
banhava”, registra Rafael Jacoud.
73
PORTO DAS CAIXAS

Nos primeiros anos de ocupação, a rede hidrográfica


determinou a expansão desses povoamentos. Itaboraí
tinha seu território cortado por vários rios e a sua
produção era transportada através do Porto das Caixas.
Nossa Senhora da Piedade do Iguaçu possuía ao longo do
seu território dezenas de portos dispersos pelos Rios
Iguaçu, Mantiquira, Bananal, Saracuruna, Pilar, Meriti e
Sarapuí, todos navegáveis.
Em suas visitas pastorais a partir de 1794 às
freguesias do recôncavo, Monsenhor Pizarro registrava
em seus apontamentos: “A maior parte dos habitantes
desse distrito se exercita na lavoura da cana para açúcar,
trabalhada em quinze fábricas e para aguardente em duas
engenhocas, na mandioca para farinha, milho, feijão e
arroz, entretanto que outros se aplicam pelos matos ao
trato de madeira de falquejo e de serra, e ao comércio de
lenha e de carvão, cujos efeitos são transportados por
canoas desde as origem dos rios principais, Aquapeí-açu,
Aquapeí-mirim e Cassarebu, até algumas léguas acima do
lugar da freguesia, onde chegam as barcas a carregar
madeiras, se conduzem os sobreditos efeitos, dali ou
continuam as canoas com as suas cargas até a cidade”.
Surgido no mesmo período da criação da Vila de Santo
Antônio de Sá, um porto surgido à margem do Rio da
Aldeia, afluente do Macacu, era o ponto de referência do
aglomerado urbano que crescia em torno da igreja,
tornando-se lugar de descanso dos tropeiros que desciam as
serra em busca desse porto. “Suficiente número de casas,
quase todas térreas, fazem aparatoso o lugar da vila, que
pudera ser mais brilhante se com perfeição se executasse o
delineamento das propriedade e se calçassem as ruas; mas

74
a falta de polícia tem atrasado o adorno público,
satisfazendo-se a Câmara com o cuidado de conservar
desimpedidas e sempre limpas as estradas, a benefício de
quem as cultiva até as Minas Novas de Cantagalo”, diz
Pizarro, beneficiando também os lavradores e tropeiros
que desciam a produção pela estrada do “Quebra
Frascos” na Serra dos Órgãos passando por Teresópolis.
O açúcar era embalado em caixas destinados ao
embarque “onde embarcações de até quarenta toneladas
içavam velas, proporcionando significativo elemento de
composição da paisagem”. Ruas calçadas facilitavam o
trânsito das mulas em volta dos armazéns que surgiam,
para se destacarem na província do Rio de Janeiro como
significativo entreposto comercial, durante a expansão da
cafeicultura fluminense.
Itaboraí, distrito sede ao qual pertencia Porto das
Caixas, orgulha-se de ali ter nascido o escritor Joaquim
Manoel de Macedo. Segundo sua descrição, a “Vila se
assentava sobre graciosa colina pouco elevada mas em
situação tão feliz que do alto dela se domina e aprecia o
mais belo quadro de natureza campestre”.
Além da igreja Matriz, completava o seu conjunto
arquitetônico a Câmara Municipal, o mercado público e
um teatro, além de um prédio “que havia hospedado D.
João VI e D. Pedro II, quando em visita ao município”.

DECADÊNCIA
D epois de um longo ciclo de esplendor, essa região voltou
ao estado de insalubridade e abandono. Com a fúria que se atacou
as florestas, transformadas em lenha para alimentar os fornos
domésticos e os engenhos, a natureza cobrou seu preço. As
precipitações intensas na Serras do Mar determinando grandes
chuvas, concorreram para a inundação da várzea onde lençóis de
vegetação aquática impediam as correntes retardando o
escoamento. Com o leito do rio assoreado e a conseqüente
75
diminuição da lâmina d’água, inundaram-se os campos
adjacentes transformando-se em focos de malária e
impossibilitando seu aproveitamento agrícola.
Navegável de sua foz até o porto num percurso de 34
quilômetros, o Rio Macacu continuava servindo ao trânsito da
produção de açúcar embalado em caixas, razão da qual deu o
nome ao porto, recebendo também no início do século XIX a
produção do café dos “sertões de cantagalo”, exportados para a
Corte pelo Rio da Aldeia, afluente do Macacu.
É desse período a decadência em virtude das febres
palustres que assolavam a região e ficaram conhecidas como
“febres de Macacu”, constituídas da malária, cólera morbus
e febre amarela. Despovoaram-se as fazendas. Vilas e
freguesias ficaram desertas ocasionando a falência da
produção, que aos poucos vinha definhando desde o início
desse século graças às endemias, sem que nenhuma
providência fosse tomada e agravada ainda mais com a falta
do braço escravo, devido à proibição do tráfego em 1850.
Moreira Pinto, no seu “Dicionário Geográfico”, registra a
tese do Dr. Antônio Martins de Azevedo Pimentel apresentada à
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1884 relatando que
“Tornou-se Macacu célebre pela mortífica epidemia de frebres
paludosas, conhecidas nos anais da medicina sob o título de “febres
de Macacu”, a qual se originou em suas margens no princípio de
1830, depois da grande seca dos últimos meses de 1829. Desolou a
Vila de Macacu, levou a devastação e a morte a Magé. Transpôs a
baia, acometendo o Rio de Janeiro; chegou ao sul, à cidade de
Santos e ao norte da Província do Espírito Santo”.
Praticamente durante todo o restante do século XIX, o surto
diminuía em certos períodos, para voltar mais tarde ceifando vidas.
Em 1839 o Presidente da Câmara comunicava ao Governo da
Província que as febres palustres “devastavam o Município por
falta de socorro”, confirmado três anos depois por Honório
Hermeto Carneiro Leão, Presidente da Província, que dizia em seu
relatório anual: “A vila de Santo Antônio de Sá quase
completamente abandonada de habitantes, tendo ser sujeita a
jurisdição do Juiz Municipal de Itaboraí, conviria extinguir-se,
76
reunindo duas de suas freguesias à Vila de Itaboraí e uma à
Magé”. Apesar de todo o mal causado pelas “febres” à lavoura
e ao comércio, seus portos continuavam recebendo através de
tropas, a produção de café que descia de Nova Friburgo,
Cantagalo e regiões periféricas além da Serra do Mar,
destinado à capital do Império, e recebendo também cargas e
viajantes com destino serra acima, transportados nos barcos
a vapor a partir de 1850, quando estes começaram a trafegar.
“com o comércio de madeira, lenha, carvão, farinha e cereais,
procedentes das zonas não alagadas, e com a produção de
seus engenhos de açúcar e aguardente, que chegaram a ser,
em 1850, em número de 38”.
Em 1855, uma nova epidemia representada pelo cólera
morbus chegou à região espalhando-se por toda a província.
Multiplicaram-se os túmulos do cemitério local já quase
totalmente ocupado pelas vítimas das “febres de Macacu”,
obrigando que os sepultamentos, “se fizessem em terrenos
pertencentes ao convento de Boaventura, abandonado e já
em princípio de ruínas, o que motivou protestos dos
Franciscanos, sendo necessária uma composição entre estes e
o Governo Provincial, que os indenizou”.
No relatório da província do Rio de Janeiro do ano de 1855,
encontramos essa afirmação de abandono feito por Mattoso Maia
Forte, em que se encontrava o mosteiro: “Os religiosos
Franciscanos possuem na Vila de Sto. Antônio de Sá um convento,
sob a invocação de São Boaventura, mas esse convento a muito se
acha abandonado e em ruínas. Tinha ele um patrimônio em terras
na mesma Vila, as quais estão ocupadas por pessoas que pagam
renda aos religiosos do convento da Corte”.
No dia 23 de abril de 1860, em meio a discursos de
autoridades locais e a presença do presidente da Província,
dava entrada em Porto das Caixas com um apito estridente
agredindo o vale do Macacu, uma locomotiva “chaminé
balão” puxando dois vagões e inaugurando o tráfego
ferroviário entre aquela estação e Cachoeiras do Macacu.
A chegada do trem de ferro a Porto das Caixas trouxe um
novo ânimo econômico e social à Vila, escoando para o Rio de
77
Janeiro através do Rio da Aldeia, todo o café produzido em Nova
Friburgo e Cantagalo, entretanto, diz Noronha Santos “dos trinta e
oito armazéns que ali existiram poucos restaram em 1866”.
Santo Antônio de Sá, entregue ao isolamento devido
às doenças, sofria um novo revés comercial. As tropas que
desciam a serra evitavam alagadiços e brejais embarcando
suas mercadorias em Cachoeiras, transportadas por via
férrea até Porto das Caixas, à margem do Rio da Aldeia
afluente do Rio Macacu, “pejado de barcaças, ondulado
de frotas mercantes, numa trama de mastros e cordames”.
O progresso seria efêmero repetindo o que aconteceu com a
Vila de Macacu. Porto das Caixas conheceria o abandono com a
inauguração em 18 de agosto de 1866 de um novo trecho da estrada
de ferro direto do litoral destinada a Friburgo, Cantagalo e Santa
Maria Madalena, importantes centros de produção cafeeira.
Elevada à condição de Vila em 15 de janeiro de 1833,
Itaboraí desmembrou-se de Santo Antônio de Sá, anexando a
seu território grande parte da antiga Vila da qual fizera parte
como Freguesia.

GUILHERME DE ALMEIDA

O chamado “Príncipe dos Poetas Brasileiros”,


membro da Academia Brasileira de Letras, Guilherme de
Almeida, teve, sua vida ligada à Porto das Caixas, berço
natal de seu pai e tios, deixando interessante descrição sobre
sua visita a esse distrito. Publicada em 1934 no livro: “O café
no 2º Centenário de sua introdução no Brasil”, se constitui de
extrema beleza literária, razão pela qual não poderia deixar
de transcrever o seu texto para finalizar esta crônica.
“Foi numa terça feira enlameada deste último junho
que eu vi Porto das Caixas, cidade de meu pai. Ambos
morreram. Tantas vezes o homem santo, que fez o meu
78
corpo e o meu espírito, quis rever e nunca reviu a sua
cidadezinha esquecida! Eu guardei com cuidado nos meus
olhos, a imagem suave de meu pai, para trazê-la um dia, à
terra em que nasceu. Aí naquela terça feira enlameada de
junho, abri sobre o cenário de morte os meus olhos: e, numa
lágrima, entreguei à terra o que era seu.
Será verdade que eu vi Porto das Caixas? – Não vi, revi.
O passado a gente revê. E Porto das caixas é só um pedacinho
do passado. Revi a cidade que tantas vezes eu já tinha visto nas
palavras e no olhar da minha gente, quando, durante as simples
conversas de família, a saudade batia as asas naqueles lábios e
punha uma alma líquida naqueles olhos.
Ao entrar na pequenina Vila, senti pedras sob a relva
brava da estrada, onde meu passo incerto cantou com um
ritmo de geração: - E aquelas lajes contaram-me que aquilo
fora uma rua onde faiscaram cascos de cavalos de estirpe
conduzindo grandes senhores de numerosa escravatura e
barcos muitos. Toquei farrapos de paredões espessos,
pesados de granito britado e terra socada, apegados ainda
com terror a largos portais talhados numa só pedra:- e
aqueles paredões contaram-me a glória e o brilho da chácara
de meus avós, dos nobres casarões hospitaleiros, acessos de
vida rica, num tempo feliz que desmoronou com eles.
Desdobrei o olhar sobre um úmido capinzal espetado de um
verde tenro: - e aquela ervas narraram-me a história
irrequieta do Rio da Aldeia, pejado de barcaças, ondulado de
frotas mercantes, numa trama de mastros e cordames, que
levavam a riqueza do altiplano à Guanabara.
Procurei à margem do rio extinto um vestígio de cais:
79
- e as pedras enormes que vi falaram-me de um porto
onde as caixas de açúcar se empilhavam de mil em mil,
depois barganhadas pelo café que descia no lombo das
tropas tributárias de Friburgo, Cantagalo, Santa Maria
Madalena...Olhei de olhos admirados para os doze portais
graníticos, intactos de um trapiche; e aqueles arcos de
pedra, e aqueles argolões de ferro, pendurados entre os
pilares, disseram-me da importância antiga de um grande
armazém... todo atulhado de gente e mantimentos, com
barcas ariscas oscilando na água, atadas aos anéis de
metal; tropas inquietas escouceando às portas entre gritos
roucos de tropeiros nus, ativos, contando pratas; vozes de
feitos, ásperas, rápidas como chicotadas estalando sobre
filas fulas de escravos...Porto das Caixas.
Naquela rua Santo Antônio, à esquerda, entre a trama
verde e brava de uma capoeira alta, qualquer coisa de ouro
brilhou para os meus olhos. Rompi o mato e vi. Vi os restos
– a capela-mor de uma igreja rica. A igreja de Santo
Antônio. Nos altares ainda intactos, os santos coloridos
velavam. Mas as imagens tinham os olhos apagados e os
dedos descarnados. E nas suas órbitas vazias os
marimbondos fizeram ninhos, e entre as suas mãos
plangentes a aranha felpuda esticou a teia hipócrita. E no
meio de toda aquela desolação, como que prosseguindo
no seu exemplo de amor, de abnegação, de martírio, um
Cristo mutilado, caído de sua cruz, morria mais uma vez
sobre a pedra santa do altar. Pareceu-me um símbolo. Era
o símbolo daquela cidade tão desgraçada e tão só...“.

80
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTONIL, André João – “Cultura e opulência do


Brasil” Ed. Melhoramentos – 1976 – S.P.
DIAS, Ondemar – “Itaboraí – Pesq. Arqueológicas do
Projeto SAGAS e seu Contexto Histórico” – IAB – CEG
2003, RJ DUNLOP, Charles J. – “Petrópolis Antigamente”
2ª. Edição – ERCA Ed. e Graf. – 1986
FILHO, Enéas Martins – “Os três caminhos para as
Minas Gerais” Revista do IHGB – Imp. Nac. 1963 – RJ
JACCOUD, Rafael Luiz de Siqueira – “Os Colonos” –
Friburgo – 1998, RJ
MAIA Forte, José Mattoso – “Vilas Fluminenses
desaparecidas” Pref. Munic. de Itaboraí – 1984, RJ
PACHECO, Jacy “Paisagem Fluminense” – Imp.
Oficial de Niterói 1969 RJ
PIZARRO e Araújo, José de Souza Azevedo –
“Memórias Históricas do Rio de Janeiro” – I.N.L. –
Imprensa Nacional, 1945 – Rio
JACCOUD, Raphael Luiz de Siqueira – “Os Colonos” – 
Múltipla Cultural Nova Friburgo – 2001 ­ RJ MAWE, John –
“Viagens ao Interior do Brasil”­ Ed.Itatiaia/USP­1978­SP

81
PORTO DA ESTRELA
IMIGRANTES E COLONOS
NO SEU CAMINHO DE PEDRAS

Beneficiada com a criação de diversos órgãos no


serviço público a partir de 1835, a Província do Rio de
Janeiro, através de seu primeiro presidente Joaquim José
Rodrigues Torres, o visconde de Itaboraí, estabeleceu
secretarias a fim de planejar os trabalhos de
administração. Foi, porém, seu segundo presidente,
Paulino José Soares de Souza, o visconde do Uruguai,
quem criou, dentro desse contexto a Diretoria de Obras
Públicas destinada à construção e reconstrução de
caminhos e estradas, facilitando o transporte de
mercadorias para os portos de embarque e desembarque
dessa Província, principalmente o café transportado em
lombo de mulas organizadas em “tropas”, circulando em
número cada vez maior.
Em carta aos deputados fluminenses em março de
1836, assim se expressava:
“Vós não ignoreis, senhores, que recebemos esta
Província das mãos da Administração Geral do País,
carecedora de melhoramentos em todos os ramos, e
unicamente com algumas estradas feitas sem sistema, a
medida que o clamor da necessidade as pedia,
abandonadas pouco depois de construídas como a de
Itaguaí e a do Comércio, ou inteiramente entregue à ação
do tempo, depois de imperfeitamente concluída, com

82
poucos meios, como a da Polícia. O pouco que estava
feito recebemo-lo nós em ruínas”.
No restante da mensagem Paulino José faz um
roteiro do início desses caminhos abertos em várias
direções, premidos pelo aumento da população e a
necessidade de comunicação, “à medida que iam
tornando indispensáveis para o trânsito, sem métodos e
pouco duradouras, para satisfazer as necessidades do
momento e sem previdências do Futuro”.
Transformado em Lei de 19 de dezembro de 1836, esse
projeto foi referendado por Paulino José, já na Presidência da
Província, que ultimou as obras de reparo da estrada que,
partindo de Porto da Estrela seguia até o Rio Paraibuna.
Com a instalação desse novo órgão público, Paulino
encarregou “O muito ativo engenheiro e tenente Júlio
Frederico Koeler, que já vinha a alguns anos trabalhando
empregado na Província, na chefia da segunda seção”.

OS FARÓIS
Durante a primeira metade do século XIX, os
“viandantes para as Minas” a partir do Rio de Janeiro,
embarcavam na Praia dos Mineiros (Praça Mauá) em
saveiros, fuluas ou canoas, e atravessavam a Baia de
Guanabara rumo à foz do Rio Inhomirim, em busca do
Porto da Estrela.
Navegável numa extensão de quase 15 quilômetros
com qualquer maré, esse rio apresentava uma grande
vantagem sobre os outros da Baixada, pois atingia seu porto
principal sem a necessidade de transbordo de passageiros ou
mercadorias, além da vantagem de situar-se na linha do

83
vento, que da Baia sopra para o interior diariamente a
partir das 11 horas, fazendo com que esses barcos
chegassem rapidamente ao seu destino.
Naquele período, a sinuosidade e o grande
tráfico de embarcações pelo crescente transporte do café,
o Inhomirim recebeu cuidados especiais para facilitar a
sua navegabilidade desde a sua embocadura até o porto.
Em 1836 por determinação do presidente da Província,
“em atenção ao comércio e a freqüência do Porto da
Estrela” determinava em seu relatório de 7 de novembro
daquele ano, a colocação de lampiões que sinalizassem à
noite “os lugares onde demoram as pedras, que lhe são
perigosas e, as vezes fatais”.
Responsável pela segunda seção das obras de
recuperação da Estrada da Estrela iniciadas no mesmo ano, o
então primeiro tenente Júlio Frederico Koeler recebeu a
tarefa de providenciar os lampiões que atendessem à
necessidade da navegação. Por recomendação, comprou de
um francês chamado Duprat, um lampião por quarenta mil
réis, cuja bonita aparência era enganadora “e não prestava
senão nas primeiras noites, em que depois de consertado e
arranjado pelo vendedor, se acendia”, convencido da
deficiência do sinalizador, ficou o tenente-coronel Bento José
Veloso de arranjar outro lampião “a fim de indicar a pedra
sobre a qual estava posto e não de servir de farol”.
Era necessário porém mantê-lo suspenso e iluminar
o obstáculo, por isso foi recomendado ao mesmo Bento
Veloso “construir uma barra de ferro de 25 palmos de altura
com três roldanas” e colocar bóias de cobre “no lugar
verdadeiro”, ficando a sinalização desse rio a cargo do citado
tenente-coronel que era também vereador em Magé.
Em um relatório assinado por Frederico Koeler em
janeiro de 1840 sobre o farol e as bóias do Rio Inhomirim,
relata: “Continuou a ser aceso com regularidade todo o ano
o lampião que serve de farol aos navegantes do Porto
84
da Estrela, em substituição das bóias de cobre que marcavam o
canal da Barra do Inhomirim ou da Estrela, colocaram-se bóias
de madeira, fabricadas e fornecidas pelo arsenal de Marinha à
requisição de V. Exª. (o presidente da Província). Essas bóias
são bem feitas e preenchem atualmente o seu fim”.
Durante muitos anos, da entrada da Barra até o
Porto, os obstáculos que ofereciam perigo para a
navegação noturna estiveram iluminados, guiando os
navegantes na faina incansável dos transportes de
mercadorias e passageiros.

REFORMA DA ESTRADA

Tratando-se da principal via de comunicação entre


a Corte e Minas Gerais, e segundo o próprio Koeler
revelava nos “assentos”, colhidos nos registros e barreiras,
“constava a passagem de 150.000 animais, contada ida e
volta. Vinham de Minas Gerais pela ponte do Paraibuna
100.000. Pelo ramal do Sumidouro mais 30.000”. Em seu
relatório afirmava que “é a mais freqüentada da
província, de maneira que nela só transitam mais
viandantes que nas outras do centro reunidas”.
No final de seu relatório Koeler apresenta o orçamento
da Seção compreendida entre Porto da Estrela e o Itamaratí,
fixando o preço de 2:000$000, para os trabalhos realizados
nesse trecho, “algumas calçadinhas a fazer, para o esgoto das
águas, e 400 braças de terreno pantanoso a corrigir por meio
de faxina”. Relaciona também a calçada da Serra com “120
braças arruinadas” e roçar em ambos os lados da estrada.
Autorizando o Governo a contratar uma companhia
para realização da obra, a Assembléia determinava que na

85
redação do contrato em seu artigo 2º., a estrada prestasse
“cômodo serviço para o trânsito de carro e carruagens e se
conserve sempre livre de atoleiro. A ponte do rio Paraíba
será edificada de pedra”.
Sem a presença de empresas que executassem a
obra, modificou-se o plano anterior, desmembrando-se a
construção da ponte sobre o Rio Paraíba do resto da
estrada, ficando ambas sob a responsabilidade de Koeler
que aproveitou um projeto por ele elaborado alguns anos
antes. “É de se notar que fora intentada desde 1818 a
construção das pontes sobre o Paraíba, que se iniciava em
1936, dezoito anos depois, e sobre o paraibuna, mais feliz
do que a outra, pois construída, foi queimada em 1842
pelos revoltosos e reconstruída pouco depois. No decreto
de 20 de fevereiro de 1818, referiu-se D.João VI aos
incômodos que sofriam os viajantes na passagem dos rios
Paraíba e Paraibuna, sendo esta feita em barcos ou canoas,
principalmente nos tempos das cheias destes rios”.
Havia interesse dos produtores mineiros e
fluminenses na reconstrução dessa estrada principal, para
circulação de suas tropas de bestas no transporte não só
do café, mas ainda de “gêneros de consumo” destinados à
Corte.
A mão de obra escrava alugada, criava dificuldades
para a continuidade das obras dos caminhos, pois seus
senhores não permitiam que esses se afastassem muito do
local de trabalho temendo que facilitasse sua fuga, tendo o
empreiteiro que ensinar o serviço a outro plantel alugado
mais à frente, com perda de tempo “e a prática do trabalho,
86
que já haviam os primeiros, adquiridos”, com isso o
serviço tornava-se vagaroso e imperfeito.

IMIGRANTES ALEMÃES
Em 1836, era criada na Corte a Sociedade Promotora
de Colonização do Rio de Janeiro com a participação de
diversos acionistas, tornando-se idônea graças a sua boa
situação financeira e exemplo de organização, com o objetivo
de promover a “vinda de colonos brancos úteis”. Entretanto
essa promoção nunca foi efetuada pois era grande a chegada
de imigrantes na sede do Império, bastando apenas pagar-
lhes a passagem e albergá-los com alimentação, depois
naturalmente da assinatura de um contrato, cuja
Organização se comprometia a arranjar-lhes emprego.
“Instalara-se a Sociedade na rua do Passeio 34, onde
funcionava a sua secretaria”, Possuindo, “no Largo da
Lapa, um depósito para alojar os colonos”. Segundo uma
estatística de 1836, entraram cerca de 9.000 imigrantes no
Rio de Janeiro.
Entretanto, o transporte de escravos continuava
abarrotando o mercado dessa Província. Segundo a
mesma estatística, cerca de 150 navios aportaram na
cidade trazendo 40.000 negros vindos da África, a maior
parte destinados às fazendas de café.
Quanto aos imigrantes, o “Jornal do Commércio”, de
15 de novembro de 1837, trazia um anuncio que é exemplo
dos muitos que essa Sociedade publicava durante todo o ano
nessa cidade: “Pela Sociedade Promotora de Colonização se
hão de contratar os serviços de alguns colonos, vindos
diretamente das Ilhas dos Açores, dos ofícios de carpinteiros,
pedreiros, sapateiros, calceteiros, serrador e tanoeiro, assim
como mulheres de todas as idades, próprias para o serviço
doméstico; as pessoas que os

87
quiserem tomar a contrato ou a jornal, podem dirigir-se
ao depósito no Largo da Lapa”.
Passagem obrigatória dos navios que se dirigiam às
possessões européias na África ou Austrália, o porto do Rio
de Janeiro recebia anualmente centenas de embarcações
conduzindo imigrantes ou condenados destinados a essas
colônias. Um desses navios, o “Justine”, entrou na Barra no
dia 13 de novembro de 1837, comandado pelo mestre J.
Bernard Lucas, originário do porto francês de Havre,
trazendo a bordo 238 passageiros de nacionalidade alemã
que seguiam para Sidney, na Austrália.
Esses imigrantes não eram simples passageiros
indigentes, mas famílias que haviam fretado o “Justine”
para ir ao encontro dessas novas terras. Depois de várias
divergências com o Comandante, “pelo mau tratamento
que este lhes dispensara”, resolveram desembarcar e
permanecer no Rio de Janeiro, aceitando a oferta da
Sociedade em alojá-los e arranjar-lhes emprego.
Sabedor da chegada à Corte desses patrícios, Koeler
desceu a serra buscando conhecê-los, e oferecer-lhes
trabalho na estrada da futura Colônia de Petrópolis.
Comunicando ao presidente da Província, Paulino de
Souza e, segundo o relatório de 8 de fevereiro de 1838, foi
autorizado a contratar “29 famílias dos alemães existentes
no depósito da Lapa”.
Em relatório redigido pelo próprio Koeler endereçado
ao Presidente, relatava: “recebi e coloquei na estrada da
Estrela 29 famílias alemães, e entre elas 32 trabalhadores. À
distância de uma légua do porto da Estrela ficaram seis que
se empregaram em consertar e aperfeiçoar os importantes
aterros na vizinhança”. Koeler segue descrevendo a
distribuição dos obreiros ao longo da estrada, finalizando
com a colocação de “cinco trabalhadores e três carpinteiros”
próximos à fábrica de pólvora, aqueles empregados no
aterro do Fragoso, e estes em fazer “portas e janelas para os
88
ranchos que para todos eles se estão construindo no
Itamarati”.
Animado com os bons resultados dessa experiência,
Koeler solicitou à Sociedade de Colonização do Rio de
Janeiro mais trabalhadores, perfazendo um total de 51
famílias sempre elogiadas por Koeler em seus relatórios,
“sobre a maneira com que todos esses colonos trabalham,
sujeitando-se pacificamente em aceitar alimentos estranhos
aos seus costumes”. Provavelmente nasceria aí, as raízes da
colonização de Petrópolis, com imigrantes europeus.
Mas nem tudo foi bonança na recuperação dessa
estrada. As febres palustres dominavam a região, e vários
trabalhadores foram acometidos do mal, tendo sido prestado
toda a assistência necessária por Koeler, “Vi-me obrigado a
remeter um homem e uma mulher para a Misericórdia”,
ficando os remédios e demais despesas a cargo da Sociedade.
Do presidente da Província, foi dirigida ao ministro da
Guerra, Sebastião do Rego Barros, solicitando uma
autorização “para que os colonos alemães, empregados nas
obras da Serra da Estrela, possam nas suas moléstias serem
tratados no Hospital da Fábrica de Pólvora”.
Em um relatório de 1838 escreveu Koeler: “Um dos 24
africanos livres empregados nesta obra, de nome Félix, caiu
gravemente doente e se remeteu, na forma das ordens, para
o hospital da Fábrica, onde tem ido a melhor”.
A construção de ranchos que estavam sendo
erguidos no Itamarati para residência dos alemães eram
feitas “de madeira branca e cobertas de palha de
ouricana” construídos ao lado da habitação de 24
africanos livres e operários escravos”.
Satisfeita com o rendimento dessa pequena colônia de
trabalhadores, que faz parte dessa história de recuperação da
Estrada da Serra da Estrela, nasceria a idéia de se recrutar
imigrantes europeus. A Assembléia Legislativa por
solicitação de seu presidente, apresentou projeto de lei
89
autorizando estabelecer “colônias agrícolas e industriosas
na província”, sendo aprovada em 30 de maio de 1840.
Em virtude dessa lei, chegaram em 1845 por intermédio
da Casa Delrue, os primeiros imigrantes que deram início
a colonização de Petrópolis.

COLONOS FRANCESES

A passagem do brigue francês “Curieux” pelo porto


do Rio de Janeiro em abril de 1843, destinando-se à colônia
do Saí em Santa Catarina, com 127 colonos a bordo, trouxe
mudança aos planos daquele objetivo. O desembarque dos
passageiros para conhecer a cidade, os colocou em contato
com velhos amigos e patrícios, já adaptados à vida social e
econômica da Capital do Império.
Motivados pelo movimento cultural envolvendo a
comunidade francesa, com uma “sociedade de beneficência
em pleno apogeu, um teatro de comédias no São Januário, e
a rua do Ouvidor ostentando imponentes rótulos franceses”,
parte desses colonos se recusaram a prosseguir viagem.
Ao continuar o seu destino, o “Corieux” deixava no
porto do Rio de Janeiro 59 franceses dispostos a iniciarem
suas vidas em terras fluminenses. Aproveitando a carência
de trabalhadores livres (mais produtivos e especializados),
em substituição à mão de obra escrava, a administração da
Província agilizava a contratação de colonos recém-
chegados, dispostos a trabalhar nas obras das estradas.

90
COLONIA DO AÇAÍ

Antes de seguirmos relatando o destino desses


franceses, e fugindo do nosso tema central, queremos
contar um pouco da curiosa história dessa colônia do Açaí
em Sta. Catarina, e considerarmos esses desistentes que
ficaram na sede do Império verdadeiros felizardos.
Em novembro de 1840, atracou no porto do Rio
de Janeiro o navio “Eole”, trazendo os porões abarrotados
de fazendas, e entre os passageiros o médico francês Dr.
Benoit Mure, hospedando-se no Hotel Europe. Com a
idade de 32 anos “Estatura alta, côr clara, olhos azuis,
nariz e boca regulares, rosto redondo e barba regular”, diz
sua ficha de Registro de Estrangeiros, era acompanhado
por mulher, filha e criada.
Demorou-se pouco na Corte. Em dezembro do
mesmo ano embarcou no navio “Pernambucana” com
destino a Santa Catarina. Na ficha de embarque mudou-se
um pouco as informações fisionômicas e pessoais: “Usa
óculos e possui cerrada barba ruiva e olhos grandes. A
francesa designada por sua mulher, chama-se Anabelle
Cretiat. A filha, da lista de passageiros do “Eole”,
transforma-se na sobrinha Camille Lallement e a criada
continua acompanhando”.
Adepto da escola de Hahnemann e diplomado em
medicina pela Universidade de Paris, o Dr. Mure fundou na
capital francesa o Instituto Homeopático, ingressando “nas
hostes de Charles Fourier, e participa do nascimento da
“Union Industrielle”, destinada a criar no Brasil, uma
colônia societária, segundo a ideologia falansteriana”.
Com a intenção de fundar naquela Província do
Sul uma “Colonia Industrial Francesa”, entre os Rios Saí-
Guaçu e Saí-Mirim, “o profeta de barbas ruivas” havia
conseguido do governo a doação de 4 léguas de terras, e
91
um substancioso auxílio financeiro de 60 contos de réis, se
comprometendo a introduzir 500 colonos no primeiro ano
de existência da colônia do Açaí.
Nos planos estavam as construções de grandes prédios
que abrigassem além do edifício sede, oficina, celeiro, cozinha,
restaurante, biblioteca, teatro, adega e “um museu de física”.
Também uma siderurgia, construção de máquinas a vapor,
navios e mecanização da lavoura. Através do “Jornal do
Comércio”, deixou artigos escritos para serem divulgados,
propagando seus projetos e idéias, amealhando “milhares de
adeptos que apenas aguardavam sua chamada”
Em janeiro de 1842 chegam a bordo do navio
“Caroline” os primeiros cem colonos, acompanhado
meses depois dos brigues “Virginie” e “St. Paul”
transportando mais 117 colonos. Nessa ocasião em Recife,
seu correligionário Eng. Louis Léger Vauthier, planejando
também fundar seu “falanstério caboclo”, no Nordeste, ao
saber que Mure havia conseguido terras e dinheiro com o
governo imperial, comentou: “Mure é um Charlatão, mas
enfim sabe usar a língua e palavras melífuas”.
Sucessivos desentendimentos e brigas com os
patrícios iludidos com falsas promessas, levaram ao fracasso
o tão sonhado paraíso social imaginado pelo falante francês,
resultando em debandada geral. “Aliás, o charlatanismo do
médico francês surge denunciado na correspondência de
Manoel Araújo Porto Alegre acrescentando: “A Colônia não
sei se prosperou; sei que muitos coloristas de litografias,
cabeleireiros, sirgueiros, etc. abandonaram as matas do Saí e
vieram para a cidade”.
Voltando ao Rio de Janeiro em março de 1844, o Dr.
Mure exerceu a medicina e fundou o Instituto Homeopático do
Brasil, causando polêmica e ressentimentos entre a classe médica
local. Editou a revista “A Ciência”, circulando apenas os primeiros
25 números. Viajando no ano seguinte para a França, encerrou de
forma melancólica sua carreira de aventureiro no Brasil.

92
Firmado o contrato desses colonos franceses que
ficaram no Rio de Janeiro, foram transferidos para a Serra da
Estrela. Em maio do mesmo ano, em um ofício
administrativo dirigido ao subdelegado Francisco Alves
Machado, o presidente da Província Caldas Viana afirmava:
“Envio cópia a Vossa Mercê do contrato celebrado pelo
Govêrno da Província com os colonos franceses empregados
nas obras da Estrela; e ordeno-lhe que a estes lhe pagará
todos os sábados o jornal que venceram na semana, e bem
assim as suas diárias durante um ano”.
Acelerada as obras com a chegada de mais esse
grupo de trabalhadores, o presidente da Província
recomendou em maio do mesmo ano, a “criação de uma
enfermaria nos ranchos formados na Estrela, para o
tratamento de doenças ligeiras que não exceda 5 dias”. A
existência da mão de obra escrava entre os trabalhadores
imigrantes e africanos livres é revelado no mesmo relatório
dizendo que “Os gastos com os curativos, remédios e dietas
seriam descontados nas férias dos operários e dos senhores
de escravos empregados nas obras”.
Entretanto, esse tipo de trabalho estranho a suas
profissões, precipitaram o abandono desses franceses em
fuga “para as vilas e cidades, próximas sem ao menos
indenizar a Província das despesas efetuadas
adiantadamente”. José Antonio Soares, na revista do IHB,
cita o registro de suas profissões em seus passaportes,
concedidos no consulado do Brasil em Paris: homem de
negócios, cozinheiros, carpinteiros, sapateiros, talhadores
de mármore, professor, jardineiros e cozinheira.
Muitos acompanhados de mulher e filhos e
profissão definida, tratava-se de pequenos artesãos e
comerciantes “mais ou menos aburguesados, com
tendências ou aspirações a donos de negócios”. Estranho
também o número de “costureiras” que se apresentaram
para embarque, levando a crer que essa profissão encobria
“outras atividades”, e não a relacionada nos passaportes.
93
AÇORIANOS

O início dos trabalhos de construção da Estrada


Normal da Estrela no começo de 1844, em conseqüência
da edificação do palácio imperial em Córrego Seco
(Petrópolis) mandado erguer por D. Pedro II e planos de
sua colonização, coincidiu com a oferta do vice-cônsul do
Brasil em Dunquerque M. Charles Delrue, também
armador e negociante, propondo colocar à disposição do
Governo suas embarcações “para o transporte de
quaisquer colonos que a província quisesse introduzir.
O Presidente da Província Caldas Viana aceitou o
oferecimento contratando 135 açorianos, empregando a
metade nas obras da matriz de São João em Niterói, e a
outra metade na Serra da Estrela, entre a Fábrica de
Pólvora e Petrópolis. Note-se que “antes de chegarem os
colonos alemães, a 29 de junho de 1845, já existiam
açorianos, empregados nas obras de Petrópolis e aí
instalados com o título de colonos”.

REFORMA DO PORTO
A nova Estrada designada Normal da Estrela, em
1843, era o começo de uma outra etapa com a reconstrução
do Porto, em decorrência do início da colonização de
Córrego Seco (Petrópolis). Desde então passou a figurar nos
relatórios da Diretoria das Obras Públicas em duas
referências: Estrada Velha da Estrela, e Estrada Normal da
Estrela. A publicação do edital para a concorrência de suas
obras no governo de Honório Hermeto registra no seu artigo
1º. que “A Estrada principia no Porto da Estrela a beira do
94
rio Inhomirim , no lugar do atual embarque, e segue pelo
trilho da estrada atual até Paraibuna”.
Esse relatório faz referência aos trabalhos dos
imigrantes alemães chegados no Rio de Janeiro em 1837
pelo barco francês “Justine”, contratados pelo major Julio
Frederico Koeler, então responsável pelas obras de
recuperação da Estrada Velha. O parágrafo 3º relata que
“Toda a estrada será empedrada; a largura desse
empedramento será de 25 palmos... feito de pedras
quebradas e de tal modo socadas, que sua superfície
pareça unida, e formada de pedras menores de uma
polegada, conforme o sistema seguido entre a ponte de
João Cândido Fragoso e a fazenda do Itamarati”.
Iniciados os trabalhos nesse mesmo ano em ritmo
acelerado, foi dado especial atenção ao cais de
desembarque do Porto da Estrela com obras de infra-
estrutura, mandando demolir o telheiro pertencente ao
subdelegado Francisco Alves Machado e denominando a
praça em frente ao porto de Praça Santo Honório,
justificando a escolha para “honrar a memória do
conselheiro de Estado, ex-presidente dessa Província, nos
seus importantes serviços e profícuos trabalhos para a
construção da Estrada da Estrela e com especialidade a do
cais de desembarque do arraial do Porto da Estrela”.
Segundo o “Correio Oficial da Província”, em uma
portaria assinada por Caldas Viana, assinalava “notável
incremento no arraial da Estrela”, devido o início da
“construção da Estrada Normal da Estrela e a fundação da
povoação de Petrópolis no alto da serra”, atraindo “para esse
ponto grande população”, e ordenando ao engenheiro
Campo Belo que “levante a planta e o orçamento de um cais
de pedra ou cantaria com cem braças de extensão para ser
colocado na praça santo Honório, do referido arraial ao
longo do rio Inhomirim, no lugar do projetado de madeira,
tendo além dele duas formosas rampas”.
95
No final do relatório Caldas Viana prevê a breve
transformação do arraial em vila, recomendando que seu novo
projeto de remodelação seja abrangente “dada ao plano da
futura vila, que nesse lugar, tem necessariamente de fundar-se”.
Antevisão confirmada, pois três anos depois, mesmo
sem estar pronto o prédio para abrigar a câmara e a cadeia, a
Lei Provincial de 20 de maio de 1846 elevou à Vila, o arraial
da Estrela, abrangendo em seu termo as freguesias de Guia
de Pacopaiba, Pilar, Inhomirim e o curato de Petrópolis.

COLONOS ALEMÃES

E m 13 de junho de 1845, atracava no porto do Rio de


Janeiro, o primeiro dos 13 barcos que se ocuparam do
transporte dos colonos alemães, o brigue francês “Virginie”,
trazendo a bordo 161 colonos contratados pelo Governo da
Província para serem assentados e trabalharem nas obras de
Petrópolis, dando início à sua colonização. O “Diário do Rio
de Janeiro”, citado por Soares de Souza, relata: “O número
destes colonos, transportados numa só embarcação é de 161
homens, mulheres e crianças; todos são robustos e de bela
aparência, não havendo nem um só falecido durante a
viagem, por terem vindos suficientemente acomodados e
bem tratados”.
Alojados em Niterói, onde aguardaram alguns dias
para embarcarem em direção à serra, tiveram a visita de D.
Pedro II. “Sua Majestade o Imperador, sempre solícito pela
prosperidade e engrandecimento do seu Império, logo que
chegou de Dunquerque o primeiro navio “Virginie”,
trazendo a seu bordo 160 colonos, não só autorizou o seu
mordomo a oferecer ao Governo da Província as suas terras
de Petrópolis para logo se estabelecerem os novos colonos
visto que eram destinados aos trabalhos de Serra da Estrela
como mesmo se dignou vê-los no Arsenal de Marinha,
quando, vindo de Niterói, partiram para Petrópolis, e lhe
assegurou a sua proteção por meio de alocuções, que lhes
96
mandou fazer, e de donativos pecuniários”.
Os transportes até Porto da Estrela foram feitos em
faluas, onde descansaram. Prosseguindo o caminho em
cima de carroças e lombo de mulas, fizeram uma segunda
parada na Fábrica de Pólvora: “O tempo que aí
permaneceram devera ser maior: um ou dois dias. Da
Fábrica subiram a serra pela estrada velha até Petrópolis,
onde chegaram a 29 de junho de 1845”.
Antecipando a chegada desses colonos, em um ofício
dirigido ao diretor da Fábrica de Pólvora, o major Koeler
solicitava: “...rogo a V. Exa. se digne mandar os carros,
carretas e a tropa da Fábrica para o Porto, coadjuvar não só o
transporte de crianças, velhos e doentes que hajam, como
das roupas e objetos mais precisos desta pobre gente”.
E em outro ofício: “Venho pedir a V. Exa. se digne
coadjuvar por todos os meios ao alcance de V. Exa. e
nominalmente com o carroção da Fábrica a condução dos
colonos alemães do Porto da Estrela à Fábrica; e de novo
peço a V. Exa. não só mandar dar quartéis mais
suficientes aos ditos colonos, como com especialidade um
cômodo para neles se recolherem os doentes”.
De acordo com o contrato celebrado entre a
presidência da Província e a Casa Delrue, chegaram ao
Rio de Janeiro nos meses seguintes em cinco navios, mais
de mil colonos. O primeiro dessa série foi o navio francês
“Marie”, que o “Jornal do Comércio” registrou:
“Chegaram ontem a bordo do Marie, 160 colonos alemães.
É a Segunda expedição feita pela Casa Delrue, em
conformidade com o contrato celebrado entre ela e a
presidência do Rio de Janeiro. Esses colonos são na maior
parte lavradores, carpinteiros, ferreiros, ferradores,
pedreiros, cavouqueiros e oleiros”.
O segundo a atracar foi o “Marie Louise”, trazendo 200
colonos. Seguiu-se a barca prussiana “Leopold” com 245. O brigue
francês “Curieux” com 180 e a barca inglesa “Agrepinne” com 210.
Os passageiros desembarcados dos navios “Curieux” e “Marie
Louise”, foram transportados diretamente para o Porto

97
da Estrela, os demais “alojaram-se nos depósitos da Rua
da Glória e no Quartel do Corpo Policial em Niterói”.
Algumas dessas famílias que não seguiram para a
serra, fizeram uma petição ao Imperador “pedindo-lhe a
graça de serem enviados para São Leopoldo” pois eram
lavradores acostumados com a cultura do arroz e “onde
eles já têm seus parentes e conhecidos”.
Em fins de 1845 era tal o número de colonos chegados no
porto do Rio de Janeiro e transferido para a serra, que achando-
se esgotada a capacidade de “hospedagem” na região,
amontoavam-se nos vários pousos da estrada, conforme
assinalado no relatório de Koeler, que só no porto da Estrela
achavam-se arranchados esperando acomodações cerca de 400
alemães, acrescentando mais 300 na Fábrica de Pólvora; 550 no
Meio da Serra, 140; na Volta do Conselheiro, 550; em
Munginagens, perto da Vila Real, 100; em Sciência, 215.

PETRÓPOLIS

No “Relatório da Província” que temos em mãos,


datado de 1853, referindo-se à colônia de Petrópolis,
afirma que esta “não apresenta uma perspectiva de uma
grande riqueza, nem possa ser considerada agrícola”,
entretanto “os colonos em geral continuam mostrar-se
satisfeitos, e a respeitar as leis do país, sendo quase todos
dotados de boa índole e ânimo pacífico”.
Referindo-se à falta de mercado de trabalho, relata que
“vão-se empregando utilmente nas obras da casa imperial,
nas da Província e nas particulares, já como oficiais de
diversas artes mecânicas, já como jornaleiros, e empreiteiros
de serviços de aterro e escavação; aplicam-se também ao
corte de madeiras, de que fazem não pequena exportação, ao
transporte de cargas e de passageiros por meio de carros e
de seges, de que muitos são proprietários”.
Lamenta que apesar da ajuda do governo, poucas
98
fábricas “foram estabelecidas” para o emprego dos colonos e
“com especialidade as crianças onde encontrem trabalho”.
Uma fábrica de sapatos que tanta esperança trouxe à
comunidade, “que já havia mais de 30 crianças trabalhando,
acha-se atualmente fechada por embaraços ocorridos”. Além
dessas, duas fábricas de cerveja trabalhavam em ritmo
irregular. Uma ocupava 5 operários, a outra produzia em
tempos alternados. Uma fábrica de “tecer algodão” operava
com 20 operários, “todos livres, e quase todos colonos”.
Aqui vemos que a falta de planejamento do
Governo Imperial em recrutar colonos, aliado a interesses
econômicos do vice-cônsul do Brasil em Dunquerque, o
armador e negociante M. Charles Delrue, trouxe
conseqüências desastrosas à nascente colônia de
Petrópolis. Sabendo-se que a maioria exercia a profissão
de lavrador, foi também a própria Sociedade Promotora
da Colonização sediada no Rio de Janeiro, “quem propôs
a locação dos serviços dos alemães, inculcando alguns
como práticos na construção de estradas”.
Preocupados em substituir a mão de obra escrava, e
apressados em ocupar os espaços daquela região serrana em
conseqüência de sua escolha para residência de verão da
família imperial, esses homens foram atirados ao trabalho
braçal das estradas e “brindados” com pedaços de terra fria
cobertas de matas, sem nenhum planejamento.
Aliado ao excessivo número de famílias que
chegavam em prazos sucessivos, as acomodações eram
escassas e sem infra-estrutura para atendimento coletivo.
Porto da Estrela, Fábrica de Pólvora e Petrópolis pareciam
abrigos de refugiados de guerra. Em setembro de 1845
anotava Koeler: “Todos os quartéis de Petrópolis estão
literalmente entupidos de colonos e trabalhadores”.
Em solicitação ao presidente da Província, também
reclamava da falta de acomodações na Fábrica de Pólvora:
“Entender-me pela vigésima vez com o diretor da fabrica, a
99
fim de que os colonos alemães sejam prontamente
removidos do Porto para a fábrica, onde apesar da
multiplicidade dos edifícios, estão pessimamente
acomodados”.
Alugando carroças e tropas disponíveis na estrada da
Estrela, demonstrava sua preocupação também com o
deslocamento dos patrícios: “todas as tropas que querem por
dinheiro pegar nas cargas dos colonos, se empregam nesse
serviço”. E mais adiante comunicava: ”todos os carros
alugáveis nas vargens da Estrela estão por minha ordem
alugados”. Em um desabafo ao Presidente da Província,
Koeler demonstra sua irritação ao denunciar o chefe da
Primeira Seção, ao qual havia pedido o uso dos quartéis de
obras na Serra Nova, para aquartelamento temporário dos
colonos e lhe foi negado: “Eu queria que neles ficassem os
colonos que estão mal na Fábrica, e determinar que os
doentes fossem ali reunidos e tratados”.
Escrevendo ao brigadeiro diretor da fábrica, Koeler
mostra sua decepção ao encontrar em suas dependências,
famílias totalmente desassistidas: “Em quanto as
providências que V. Exa. declara que deu para bem
acomodar os colonos alemães, julgo francamente declarar
a V. Exa. que elas me parece mais que insuficientes. No
dia que fui ver os colonos, fiquei horrorizado em ver
como eles estavam amontoados em localidades estreitas e
sem tarimbas”. O brigadeiro explicou em uma mensagem,
que fez o que podia para não “estorvar os trabalhos da
fábrica”. Koeler sentiu a falta de vontade desse senhor e,
desanimado escreveu-lhe que: “só me resta descobrir
quartéis melhores em outra parte”.
Preocupado com a dieta dos colonos doentes
alojados na Fábrica, que foi suspensa por economia,
Koeler dirigiu-se ao Dr. Guilherme Boedeker assinalando
que “A economia e a humanidade podem muito bem
andar de par, sem prejuízo uma da outra”.
100
FAMÍLIA BECK

É Francisco de Vasconcellos quem nos conta, na


Revista do Instituto Histórico de Petrópolis, a epopéia de
uma família de alemães que viajaram a bordo da barca
inglesa “George”. “Tratava-se de um navio de três
mastros com 283 toneladas comandado pelo capitão
Tood”. Foi o oitavo dos treze navios que chegaram ao
Brasil em 26 de agosto de 1845, trazendo colonos alemães.
“Os Beck, em número de quatro (o casal e dois filhos)
pagaram 250 francos de luvas, ao contratador. Chegaram
a Petrópolis entre outubro de 1845 e janeiro de 1846.
Receberam a gratificação de 20$000 e o prazo 1211 no
quarteirão Bingen”, cerca de 38.000 m2, onde construíram
um rancho e uma roça para sua subsistência.
“Em terreno acidentado onde jamais vingaria uma
videira, onde as terras uma vez desmatadas e em razão da
violência do trópico, não corresponderiam em termos de
produção por muito tempo”. Assim, esgotado o trabalho nas
estradas, o colono via-se obrigado a exercer inúmeras outras
atividades adaptados à sua habilidade manual: carpinteiro,
pedreiro, pintor etc, se oferecendo nas raras obras públicas
ou privadas, que se iniciavam na região, além da
concorrência do grande número de “profissionais”.
Lavouras e os poucos estabelecimentos fabris da periferia
também absorviam essa mão de obra disponível.
As fábricas construídas ao pé da serra na região de
Magé, envolvidas na produção de cerâmica e tecidos,
contribuíram de forma decisiva para a sobrevivência desses
colonos. Soares de Souza afirma ser grande a quantidade de
alemães que aparecem trabalhando nos arredores de
Petrópolis, “e até na fábrica de Santo Aleixo, onde em 1849,
de 116 operários ali existentes, 84 eram alemães”.
A história da colonização de Petrópolis e seu caminho
de pedras, vai aos poucos sendo contada, com a contribuição
101
de José Antônio Soares de Souza publicada na Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, de quem
garimpamos alguns tópicos neste modesto resumo. Com a
história admirável do Porto da Estrela, suas faluas e o
intenso movimento dos tropeiros, vão-se completando o
mosaico dos caminhos e portos fluviais que fizeram da
Baixada o ponto de referência para o progresso que viria a
seguir com as ferrovias. Portos que ficaram nos escritos
dos viajantes como o botânico francês Saint-Hilaire que
em 1819 dizia sobre Estrela: “lugar nenhum lhe havia
apresentado tanto movimento”, ou monsenhor Pizarro no
mesmo ano registrava: “um arraial belíssimo e
acomodavam notável porção de habitantes por todo o
ano, sem o menor embaraço de pousadas”.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
AULER, Guilherme – “Registro de Estrangeiros – 1840/
1842” Min. Just. Neg. Int. 1964 – RJ
SOARES DE SOUZA, José Antonio – “A Estrada da
Estrela e os Colonos Alemães” Revista do IHGB – Volume
322 Janeiro/Março 1979 – DIM – RJ
VASCONCELLOS, Francisco de – Revista do Instituto
Histórico de Petrópolis V 4 – 1985 – Petrópolis – RJ
BITTENCOURT, Edmundo Regis – “Caminho e Estradas
na Geografia dos Transportes” Ed. Rodovia – 1958 – RJ
RELATÓRIO DA PROVÍNCIA – “Colônia de Petrópolis”
– Tip. do Diário – 1853 – RJ
PONDÉ, Francisco de Paula Azevedo - “O Porto da Estrela”
– Revista do IHGB Volume 293 – 1971 – RJ SAINT-
HILAIRE, Auguste de – “Viagem pela província do Rio de
Janeiro e Minas Gerais” – 1938 – SP

102
EPIDEMIAS

CAUSAS E CONSEQÜENCIAS NA
BAIXADA FLUMINENE
DURANTE O SÉCULO XIX

Desde tempos imemoriais, as epidemias têm


dizimado populações inteiras que decidiram invadir
zonas pantanosas em busca de sua ocupação. Somente a
evolução do conhecimento de suas causas e os meios de
defesa permitiram ao homem superar essa adversidade
através do saneamento, eliminando a formação de brejais,
tornando as habitações higiênicas e conseqüentemente
reduzindo o foco do elemento transmissor.
No Rio de Janeiro, em torno da Baia de Guanabara,
ainda no século XVI, transformaram latifúndios em campos
de criação e de plantio, atraindo para seu porto grandes
produções de açúcar e aguardente, base econômica inicial do
colonizador, graças à facilidade permanente do transporte
por via fluvial e marítima, ali estabelecendo nos séculos
seguintes um grande centro consumidor e exportador.
Ao lado das primeiras capelas fundaram-se
fazendas e arraiais. Aos poucos o homem foi vencendo o
ambiente hostil que se apresentava na vastidão dos
pântanos. O esgotamento dessas águas feito através de
canais permitiu ao homem conquistar a terra, dominando
a impermeabilidade dos brejos, onde o solo fértil do
massapé recebia as mudas de cana e mandioca.
As primeiras grandes obras visando ao
aproveitamento do solo para a lavoura, e a facilitar o
escoamento das águas, foram empreendidas pelos jesuítas
em Santa Cruz, na Baixada de Sepetiba. Parte da fazenda
situada quase ao nível do mar era constantemente inundada,
103
dificultando o escoamento dos rios Guandu e Gandu-mirim,
tornando-a depois do enxugamento, ainda na primeira
metade do século XVIII, o celeiro que também abastecia o
Rio de Janeiro de mercadorias para exportação.
Expulsos os jesuítas em 1759, a conservação tornou-se
precária voltando os campos a se alagar, favorecendo a
proliferação das febres palustres com graves conseqüências
para a produção da então Fazenda Imperial.
Após a Independência, a prosperidade alcançava o
apogeu. Multiplicaram-se as moendas, alastraram-se os
rebanhos, cresceram as lavouras. Freguesias humildes
ascenderam à dignidade de vilas, transformando-se em
empórios de riquezas representadas pelo café, que descia a
serra do Mar no lombo das tropas em busca de seu destino.
Porto das Caixas, Magé, Estrela e Iguaçu transformaram o
recôncavo da Guanabara em uma colméia permanente.

“AS FEBRES DE MACACU”


Sendo a primeira das freguesias criadas no
recôncavo, Santo Antônio de Sá tinha seu território
estendido por uma vasta extensão de terras, cortadas pelos
Rios Macacu, Aguapei-açu, Cassarebu e seus afluentes, da
qual se desmembraram mais tarde, as freguesias de Itambí,
Itaboraí, Trindade, Maricá e Sernambetiba.
Desenvolvendo uma agricultura de subsistência e de
exportação, esses núcleos de povoamento representavam um
papel importante no desenvolvimento econômico do Rio de
Janeiro, quase sempre localizados à margem dos rios que
constituíam a principal via de comunicação, por onde se
conduziam “os efeitos da lavoura para a cidade”.
Navegável de sua foz até o porto num percurso de 34
quilômetros, o Rio Macacu continuava servindo ao trânsito
da produção de açúcar embalado em caixas, razão pela qual
deu o nome ao porto, recebendo também no início do século
104
XIX a produção do café dos “sertões de Cantagalo”,
exportados para a Corte pelo Rio da Aldeia, afluente do
Macacu.
É desse período o início da decadência em virtude
das febres palustres que assolavam a região, e ficaram
conhecidas como “febres de Macacu”, constituídas da
malária, cólera-morbo e febre amarela. Despovoaram-se
as fazendas. Vilas e freguesias ficaram desertas
ocasionando a falência da produção, que aos poucos
vinha definhando desde o início desse século graças às
endemias, sem que nenhuma providência fosse tomada.
Moreira Pinto, no seu “Dicionário Geográfico”,
registra a Tese do Dr. Antônio Martins de Azevedo Pimentel
apresentada à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em
1884 relatando que: “Tornou-se Macacu célebre pela
mortífica epidemia de febres paludosas, conhecidas nos
anais da medicina sob o título de “febres de Macacu”, a qual
se originou em suas margens no princípio de 1830, depois da
grande seca dos últimos meses de 1829. Desolou a Vila de
Macacu, levou a devastação e a morte a Magé, transpôs a
Baia, acometendo o Rio de Janeiro; chegou ao sul, à cidade
de Santos e ao norte da Província do Espírito Santo”.
Praticamente durante todo o restante do século XIX
o surto diminuía em certos períodos, para voltar mais
tarde ceifando vidas. Em 1839, o Presidente da Câmara
dessa Vila comunicava ao Governo da Província que as
febres palustres “devastavam o Município por falta de
socorro”, confirmado três anos depois por Honório
Hermeto Carneiro Leão, Presidente da Província, que
pedia em seu relatório anual a extinção da Vila: “A vila de
Santo Antônio de Sá quase completamente abandonada
de habitantes, tendo de ser sujeita a jurisdição do Juiz
Municipal de Itaboraí, conviria extinguir-se, reunindo
duas de suas freguesias à Vila de Itaboraí e uma a Magé”.

105
Apesar de todo o mal causado pelas “febres” à lavoura
e ao comércio, seus portos continuavam recebendo através
das tropas a produção do café, que descia de Nova Friburgo,
Cantagalo e regiões periféricas além da Serra do Mar,
destinado à Capital do Império. Recebam também cargas e
viajantes com destino serra acima, que chegavam até ao
porto transportados em barcos a vapor a partir de 1850,
quando estes começaram a trafegar. “havia o comércio de
madeira, lenha, carvão, farinha e cereais, procedentes das
zonas não alagadas, e com a produção de seus engenhos de
açúcar e aguardente, que chegaram a ser, em 1850, em
número de 38”.
Atacada por essa “doença endêmica” em 1829 e
após um ano de seca “um exame profunctório como
permitiam os conhecimentos da época” diz Mattoso Maia
Forte, “atribuiu a origem do mal invasor ao costume, em
que estavam os moradores da Vila, de se servirem, para
beber, da água estagnada de um pântano que havia por
trás da povoação, de preferência da água do rio que a
banhava. Pouco teria aquela que invejar, em pureza, as
águas do Macacu.
Ambas corrompidas, malsãs, nas proximidades da
Vila onde os rios chegavam, depois de grande curso,
levando detritos vegetais e animais de toda a espécie”.
Segundo um Relatório da Câmara Municipal, em
1836 houve novos surtos assinalando “o aparecimento em
alguns indivíduos, de simples febres precedidas de
calefrios de curta duração, cedendo com pequeno
tratamento”. Entretanto em março já o mal era maior, não
atendendo às medicações. E descrevia a sintomatologia:
“celfagia hemicrania, delírios, prisão de ventre, língua
crostosa...vômitos biliosos e secos. Uma erupção cutânea
por todo o corpo do doente, sintoma que era funesto”.
Um apelo dramático feito em 1839 pelo Presidente da
Câmara ao Governo provincial, declarava que por falta de
106
socorro o “surto endêmico” devastava o município, e que
a própria Câmara “deixa de se reunir por que os
vereadores haviam sido cometidos de febres, e o próprio
médico também estava grandemente enfermo”.

BACIA DO RIO MACACU


Localizado às margens do Rio Macacu, no fundo
da Baia de Guanabara, a freguesia de Santo Antônio de Sá
facilitava através de seu porto o intercâmbio comercial e
cultural com o Mosteiro Franciscano de São Boaventura,
abrigando entre “25 a 30 religiosos”, rivalizando com
Porto das Caixas, numa febril agitação de embarque e
desembarque, tornara-se importante empório comercial
da “Velha Província”, recebendo anualmente centenas de
caixas de açúcar e tonéis de aguardente.
Em 1855, a epidemia representada pelo cólera
morbus chegou à região espalhando-se por toda a
província. Multiplicaram-se os túmulos do cemitério local
já quase totalmente ocupado anteriormente pelas vítimas
das “febres”, obrigando que “os sepultamentos, se
fizessem em terrenos pertencentes ao convento de São
Boaventura, abandonado e já em princípio de ruínas, o
que motivou protestos dos Franciscanos, sendo necessária
uma composição entre estes e o Governo Provincial, que
os indenizou”.
No relatório da Província do Rio de Janeiro do ano de
1855, encontramos esse relato de abandono feito por Mattoso
Maia Forte, em que se encontrava o mosteiro: “Os religiosos
Franciscanos possuem na Vila de Sto. Antonio de Sá um
convento, sob a invocação de São Boaventura, mas esse
convento há muito se acha abandonado e em ruínas. Tinha
ele um patrimônio em terras na mesma Vila, as quais estão
ocupadas por pessoas que pagam renda aos religiosos do
convento da Corte”.
107
IMIGRANTES

Em fins de 1820, Santo Antônio de Sá assistiu a uma


das últimas cenas dramáticas da viagem dos primeiros
imigrantes destinados à colonização na Província do Rio de
Janeiro. Originários da Suíça, do cantão de Fribourg,
viajaram para este país centenas de famílias dispostas a
“fazer a América”, em direção aos assentamentos de Morro
Queimado, mais tarde Nova Friburgo. Durante oitenta dias
atravessando o oceano, sofreram na companhia “do enjôo,
da diarréia e da morte! Nos sete veleiros que partiram da
Holanda, conduzindo de início um total de 2013 passageiros,
sucumbiram e tiveram o oceano por túmulo 311 deles”, diz
Rafael Luiz de Siqueira Jaccoud em seu livro “Os Colonos”.
Ao desembarcarem no Rio de Janeiro, foram
transportados em pequenos barcos até Itamby, “pequeno
porto fluvial, próximo à foz do Rio Macacu, onde havia
sido improvisado um hospital para receber os colonos
doentes”. Em seguida foram transferidos para o convento
de São Boaventura na Vila de Santo Antônio de Sá, já
sendo desativado, quer pela decadência da construção
que ameaçava desabar, quer pelas febres palustres que
começavam a fazer suas primeiras vítimas.
Ali o anjo da morte continuou estendendo suas asas
“sobre aquela pobre gente durante seis meses. As doenças
contraídas na Holanda, a bordo dos navios e na baixada
paludosa do Macacu, ainda fizeram várias vítimas.
Naquele interregno morreram mais 131 colonos, fora os 35
que foram sepultados na Vila de Macacu, inclusive o
padre Joseph Aeby que se afogou no rio quando nele se
banhava”, registra Rafael Jacoud

108
CÓLERA-MORBO

Surgida no Rio de Janeiro Capital do Império em


1855, trazida pela galera portuguesa “Defensor” e se
espalhando para o interior, a epidemia de cólera-morbo
ceifou milhares de vidas em sua passagem por essa
Província, invadindo as vilas de comércio da Baixada
Fluminense. Iguaçu, Estrela, Magé e Sto. Antônio de Sá
tiveram seus movimentos comerciais reduzidos com essa
tragédia que enlutou lares de ricos fazendeiros e seus
escravos. Atingindo no início “quase que exclusivamente
aos pretos, cabras, caboclos e pardos”, em breve infectaria
indiscriminadamente toda população.
Na Vila de Iguaçu, segundo o relatório apresentado à
Assembléia Legislativa pelo presidente da Comissão
Sanitária, Dr. Francisco de Paula Cândido, “um escravo
empregado na cabotagem entre aquela Vila e esta Corte, em
torna-viagem, sentia na altura da Ponta do Galeão - Ilha do
Governador – as primeiras ameaças do cólera, e foi morrer
ao chegar à Vila. Outros companheiros foram em seguida
afetados ...a epidemia declarou-se em diferentes pontos”.
No mesmo Relatório, o Dr. Francisco relata ao “Exmo.
Sr. Ministro do Império” sua visita a Vila, descrevendo-a
como um “novo teatro de devastação”, e relatando “a grande
importância de médicos dedicados e inteligentes, de
autoridades que cumprem gloriosos deveres de cidadãos. Os
jovens doutores Luiz Alves de Souza Lobo, J. A. Gomes,
Saião Lobato, um aluno da Escola de Medicina, o
subdelegado Nascimento Faria e numerosos cidadãos da
Vila haviam em harmoniosa e exemplar cooperação tomado
mui profícuas e acertadas medidas”
Por esse tempo levado ao Iguaçu desta Corte, ou de
outros lugares, difundia-se também a epidemia por Macacu,
Magé, Marapicú, Jacotinga e Merity”, especialmente nas
109
fazendas da Cachoeira (Mesquita) e São Matheus
(Nilópolis) ambas do visconde de Bonfim
No início de setembro de 1855, Bento Rodrigues Viana,
fazendeiro da Vila, assiste a um de seus escravos “que se
torce em dores com os olhos esbugalhados”, ser atingido
com o mal que se espalhava por toda a região. “Os grandes
casarões de sobrados, os armazéns alpendrados e o colorido
das casas já não são palco do reboliço, da agitação nervosa,
do estonteante comércio de Iguaçu. Tudo é sossego, tudo é
tristeza”. De 11 a 24 daquele mês, 41 escravos morrem
atacados de cólera-morbo, diz o Professor Ruy Afrânio
Peixoto em seu livro “Imagens Iguaçuanas”.
Apesar do pronto atendimento médico com a
chegada também do acadêmico Francisco Potella,
acompanhado de “três irmãs da Congregação do
Santíssimo Coração de Maria,” só na Vila “de 11 a 24 de
setembro, 41 escravos haviam pago com a morte o seu
tributo ao mal” diz Mattoso Maia Forte.
A extensão da epidemia trouxe em conseqüência a
ameaça de fome, com o abandono do porto e das lavouras
fazendo com que o governo imperial providenciasse a
remessa de víveres para serem vendidos a preço de custo
em todas as freguesias da Baixada, “acompanhado do Dr.
Paula Cândido, a fim de verificar a extensão do mal”.
O Dr. Souza Lobo ofereceu sua residência “para
nela instalar-se um hospital”. Mobilizaram-se os
comerciantes locais se cotizando a favor da pobreza,
tendo à frente “o presidente da Câmara Municipal de
Iguassú, Ignacio Antônio de Souza Amaral”.
A chegada a São Matheus e Cachoeira do então
acadêmico de medicina Luiz de Queiroz Mattoso Maia,
“onde ocorreram 51 casos, sendo 21 graves além de nove
mortos” veio minorar o sofrimento daquela gente. Mesmo
assim, registrou-se em todo o município “338 casos, dos
quais 121 fatais”.
110
Nessas fazendas, os mortos foram sepultados no
cemitério junto à capela São Matheus (Nilópolis), “devido
a quantidade e por serem escravos, foram sepultados em
grupos, em grandes valas, envoltos apenas por uma
mortalha bastante parecida com sacos de estopa, de cor
roxa, conforme pesquisa arqueológica de 1987”, diz
Marcus Monteiro em seu livro “A Fazenda São Matheus”.
Nessa ocasião foram registrados em Meriti e Jacutinga
“mais de 64 óbitos” e em Marapicu “mais 46”, todos
vitimados pelo cólera. Segundo o Dr. Couto Ferraz “foi nos
barcos e margens dos rios onde primeiro fez explosão a
moléstia. A esclarecedora dedicação das autoridades, o
exemplar comportamento dos médicos, e a rigorosa
execução das medidas tomadas para extinguir o excitador
epidêmico, acabou ali repentinamente com a mais
ameaçadora calamidade. O rio entretanto foi o caminho”.
No porto de Iguaçu diminuiu a navegação. Barcos
vazios balançavam ao sabor das àguas enquanto os
trapiches estavam abarrotados de café, “acumulando-se
mais de 30.000 arrobas”. A ausência do braço escravo
devido às mortes ou doenças fez-se sentir durante o resto
daquele aquele ano. No porto dos saveiros a epidemia
“acometera dois terços dos escravos empregados no
serviço fluvial”, segundo Maia Forte.

VARÍOLA
No dia 28 de novembro de 1882, o subdelegado de
polícia de Jacutinga notificava a Câmara que haviam surgido
os primeiros casos de varíola em seu distrito, solicitando na
mesma nota que “os variolosos sejam tratados em uma casa
longe da povoação, com os recursos necessários. O livro da
Câmara Municipal de Iguassú do dia 24 de setembro de
1883, segundo Waldick Pereira, assinala que as verbas
votadas no ano 1878 foram “insuficientes para o socorro
111
aos indigentes atacados de varíola”, e o mal voltava
novamente a se alastrar.
A carência de socorro fez com que o Ministério do
Império autorizasse a despesa “com os variolosos até a
quantia de 1.000,000” recomendando “a mais severa
economia nessas despesas”; no ano de 1884 com o fantasma
da varíola presente em toda a extensão do município,
ocasionando um apelo da Junta do 1º. Distrito “No intuito de
impedir que a invasão da terrível enfermidade que está
assolando em ponto não muito distante providenciasse a
imediata remoção dos presos que se encontravam na cadeia
e a continuação assídua de desinfetantes”.
O mesmo pedido assinalava ainda uma “ordem
terminante ao médico da Câmara para comparecer
diariamente nesta cidade onde aconselhará o que for
conveniente”, autorizando a “obtenção de uma casa que
sirva para isolar-se pessoas atacadas do mal, se
porventura tivesse a desgraça de vir aqui a terrível peste”.
Atendendo às exigências da Câmara, os fiscais
tomaram as providências necessárias ordenando a todos
os moradores que “caiassem suas casas interna e
externamente removendo o lixo dos quintais, e por conta
da Câmara, o das ruas e praças para pontos distantes e em
seguida incinerados”. Ordenava também que “comprasse
barricas de alcatrão para serem queimados na rua”.
Para atender as pessoas pobres que eram maioria, a
Câmara fez contratar os serviços do Dr. Bernardo Xavier
Rabelo mediante gratificação como forma de pagamento
“até que se vote o orçamento”.
As medidas profiláticas se arrastaram durante os anos
seguintes, até que em dezembro de 1895 uma providência
mais eficaz de combate à varíola se efetuasse em Meriti
“quando José Manoel de Santa Rita, farmacêutico e juiz de
paz naquele distrito comunicava haver aplicado em 113
pessoas os seis tubos de “lympha” enviados pela Câmara, e
112
21 particularmente pelo dr. Presidente e não haver caso
algum de varíola no distrito”.
As remessas de “lympha” continuaram a ser
enviadas para esse distrito e “acusadas como recebidas”
no início de 1889, a maioria pela iniciativa da Diretoria de
Assistência Pública do Estado. Destinadas ao lazareto
instalado ali desde 1895, distribuiu-se também por toda a
região de “Maxambomba e Riachão”.
Com a desistência da maioria dos médicos que eram
nomeados para o serviço de “consulta e profilaxia” apesar
da remuneração tentadora, um médico sobressaiu em sua
tarefa: o Dr. Heitor Murat. Indicado “para prestar serviços
mediante a gratificação mensal de cem mil reis (100$000),
estabeleceu um consultório em Maxambomba com
designação de dia e hora e atender os chamados de
qualquer parte”.
No último ano do século XIX o surto de varíola
estava controlado, e o dr. Murat “dispensado dos seus
serviços médicos por não haver necessidade deles”,
confirmado pela Junta Distrital de Iguaçu anunciando
“Ter-se extinguido completamente a varíola” e pedindo o
reembolso das despesas “despendidos com os lazaretos
de Salto d’Agua e Cachoeira”.

MALÁRIA
Os surtos endêmicos da malária iam e vinham em
ondas acompanhando as grandes chuvas seguidas de estiagem.
No ano de 1897, segundo registro de Waldick, Pereira, o mal
voltou tão forte que durante a construção de pontes no distrito
de Pilar as obras foram paralisadas ”visto a epidemia de febres
ter obrigado o pessoal a abandonar o trabalho”.
Dando prosseguimento ao trabalho de minorar a
doença, foi nomeada “uma Comissão especial de hygiene
para em cada distrito proceder ao exame dos quintaes”,
113
distribuídas nos seguintes distritos: Marapicu, Merití e
Jacutinga, “não sendo nomeada para o Distrito de Pilar,
por estar vago o cargo de vereador distrital”, e Palmeiras,
“por não haver povoação”.
Segundo a Comissão, as chácaras e os quintais de
maxambomba “com honrosas exceções, encontramos absoluta
falta de hygiene, tal é a aglomeração de lixo, matérias deletérias,
provenientes em quase totalidade de pequenas valas sem o
indispensável asseio, o que é fácil de vencer-se, se os
respectivos moradores quiserem se compenetrar, de que um
pequeno serviço de pedreiro, lhes dará um meio de trazerem
sempre limpas as dependências de suas casas”.

PESTE BUBONICA

Em 1899, junto com a República chegava ao Rio de


Janeiro a epidemia de peste bubônica, espalhando-se pela
Baixada Fluminense. Essa mesma Comissão deixou registrado:
“Encontramos logo órfãos e viuvas deixado pelo cólera, varíola
e malária”, acrescentando que um novo alarma era dado: “a
peste bubônica assolava Santos e a Capital Federal”.
A Comissão aconselhava ao Governo obrigar a
população para a “profilaxia da peste”, acrescentar às
“construções das casas, um assoalho de concreto ou
asfalto a fim de isolar da contaminação feita pelos ratos”,
naturalmente evitando o uso de porões, tão em moda nas
casas de alvenaria.
A Câmara de Iguaçu adiantou-se em desfazer o mal
que se anunciava “votando uma verba de 300$00 Rs”, a ser
distribuída por todas as pessoas que apresentarem ao fiscal
do Distrito, nas respectivas sedes, os cadáveres desses

114
animais, a razão de 100 Réis cada um, os animais referidos
eram ratos”, diz Waldick Pereira.

FREGUESIA DE N. S. DO PILAR
P onto de referência para a partida e chegada através
do “Caminho Novo das Minas”, aberto por Garcia Pais em
1704, Pilar conheceu momentos de opulência econômica com
a ampliação de seu porto, recebendo e despachando
embarcações que escoavam produtos agrícolas e riquezas
minerais, merecendo cuidados especiais em seu controle,
tendo a Corte mandado construir ali, um “registro” para
fiscalização dos “quintos”.
Os engenhos de cana de açúcar e aguardente
dominavam a região. Liderados pelo capitão Luciano
Gomes Ribeiro “que todos os anos faz 40 caixas de açúcar,
entre branco e mascavo, e 17 pipas de aguardente,
ocupando 74 escravos”. Seguiam-se mais três engenhos: o
de Matheus Chaves e dos capitães Pedro Gomes de
Assunção e João Carvalho de Barros, produzindo
aguardente e “16.274 alqueires de farinha”.
“Em 1789”, diz Mattoso Maia Forte, “o povoado do
Pilar contava com 3.895 habitantes sendo 2727 livres e
1168 escravos, apresentando assim, maior densidade
demográfica em relação aos demais distritos constituídos
por Piedade de Iguassú, Jacutinga, Marapicu e Meriti”.
Segundo também o mestre de campo Fernando Dias Pais
Leme, no final do século XVIII “a Freguesia de N Sra. do
Pilar contava com 283 fogos”(casas).
O início da decadência deu-se ainda no período da
regência, “para depois enterrar todo o seu opulento passado,
agravado com a insalubridade de suas terras, nas quais reina
endemicamente desde 1833 o impaludismo”, diz Noronha
Santos. Com o desmatamento, o assoreamento dos rios fez-se
presente, formando pantanais causadores de febres palustres
que ceifaram centenas de vítimas.
Espalhando-se pela bacia hidrográfica do Iguaçu, “as
115
febres intermitentes, vulgarmente chamadas de Macacu,
atingiram centenas de vítimas nas freguesias de Irajá,
Iguaçu e Pilar, notadamente nesse arraial que era dos
mais prósperos e contava maior população”.
Apesar da desobstrução dos rios e a abertura de
canaletas para dessecamento do solo diminuindo os
“miasmas da terra”, grande parte dos moradores mais
abastados se afastaram para as serras, considerada até então
as mais salubres. No cemitério da velha matriz “onde se
faziam os sepultamentos, foi naquele ano interditado,
proibindo-se a abertura de novas catacumbas”.
Pertencente à Vila de Iguaçu conforme o Ato de sua
criação em 1833, passou-se para Vila da Estrela em 1846.
Com a extinção desta, volta ao termo de Iguaçu em 1892,
junto com a freguesia de N Sra. da Piedade do Inhomirim.
Em um fragmento de jornal, encontramos o
depoimento do escritor Magalhães Corrêa registrando um
passeio feito a esse distrito em 1936, dizendo que em volta
da igreja, caiada de branco “como uma garça pousada, casas
assobradadas em ruínas e outras em terrenos desabitados
resistiam ao abraço mortal das figueiras centenárias”.
Outrora morada de José Pedro da Motta Saião, à o
barão do Pilar, filiado a Irmandade da igreja e rico
proprietário de portos, barcos e fazendas, deixava para o
esquecimento os últimos vestígios de uma época faustosa,
onde o alarido constante dos tropeiros anunciavam a
nobiliarquia que se formava, saboreando a riqueza do café.
O ocaso da monarquia desfez o que restou da
opulência do recôncavo e da aristocracia rural que a
explorava. A lei áurea desmantelou a organização
agrícola, eliminando o trabalho escravo na limpeza dos
rios e córregos, ocupados por extensos lençóis de
vegetação aquática que os obstruíam, transformando a
planície em pântanos e lodaçais.
As construções das estradas de ferro e de rodagem,
concentrando aterro em suas vias, transformaram-se em
longas barragens por falta de escoamento, agravado por
estreitas pontes sobre córregos que entupiam em dias de
chuva, ampliando-se as áreas de alagamento. Depois de um
116
longo ciclo de esplendor, a República veio encontrar a Baixada
Fluminense em pleno estado de abandono e insalubridade.

MANTIQUEIRA

No inverno de 1912, um repórter da “Gazeta de


Notícias”, tradicional jornal que circulava no Rio de
Janeiro, visitou a região da Mantiqueira, último baluarte a
ser vencido na guerra de abastecimento das águas para a
Capital, e deixou registrado o sofrimento de centenas de
trabalhadores e dirigentes, atacados pelas febres palustres
que grassavam naquele território.
Atravessando o Rio Iguassú, o repórter anota a
presença de imensos pântanos a margear os trilhos,
resultado da devastação sofrida durante séculos de
exploração. “Às 4:40 o lastro chegou ao lugar denominado
ponta dos trilhos, quilometro 27”.
Em Mantiqueira, posto central do imenso exército
de operários que trabalhava na serra, registrou: “uma
centena de ranchos de sapé dispostos sem simetria”. Em
um armazém onde os trabalhadores faziam compras “e o
proprietário deve enriquecer antes de nós termos água”,
dirigido por “um tal, seu Peixoto”. “Os operários sem
dinheiro, compram ali pelo sistema de vales ao portador
assinados pelo chefe da turma. O troco é dado por meio
de fichas, que só tem valor na mesma casa”.
Em frente ao armazém, um grande barracão coberto
de sapé servia de hospital, onde encontramos um médico
sanitarista já famoso trabalhando no “Serviço de Saúde
Pública”: o Dr. Carlos Chagas, junto com o Dr. Arthur Neiva
“a cargo dos quais está a profilaxia da febre palustre”.
Construído para abrigar 40 enfermos, só contava com 12
leitos. “Inaugurado no dia 20 de março, quarenta dias
depois, isto é, no dia 30 de abril, tinham dado entrada nesse
117
barracão necessário 119 enfermos, todos, absolutamente
todos, de febre palustre”.
Dos mais de mil homens contratados para captarem
água na serra do Mantiqueira, mais de uma centena lutava
para salvar a vida, vítimas dos desmatamentos que
transformaram charcos e pantanais no celeiro da febre
amarela. Recolhidos ao “hospital”, com o número reduzido
de leitos, o repórter deve ter visto homens semimortos
envolvidos em lençóis deitados no solo. “Olhando as janelas,
tapadas de telas de arame, para evitar a entrada dos
mosquitos, verdadeiros enxames pelo ar”.
“O volume de água captado é de 150 milhões de
litros... acham-se nesse serviço 1400 operários distribuídos
da maneira seguinte: 500 operários para a construção da
João Pinto, que dista 6 kilômetros do Mantiquira, sob a
direção dos Drs. Lima e Silva e Gonçalves Novaes; 300
operários para a canalização das águas, sob a direção do
Dr. Borges Fortes; 500 operários em Mantiqueira, Galrão e
Mato grosso sob a direção dos Drs. Galdino Faria e
Imbuzeiro. O chefe do prolongamento da estrada até o
quilometro 37 é o Dr. João Silva, ao cargo dos qual estão
as obras de arte da estrada”.
O repórter, obrigado a pernoitar no acampamento por
falta de transporte registrou: “foram armadas em frente de cada
tenda, grandes fogueiras para espantar os mosquitos,
verdadeiras nuvens de pernilongos”. De onde estava observa o
paredão da Serra dos Órgãos “tocado ao luar o negro áspero da
serra, nós estávamos nas fraldas dos Órgãos, a pegar entre os
horrores da morte, a água para a civilização”.
No delírio da febre, alguns gritavam vozes
desconexas, que agrediam o silêncio do “hospital”, a
poucos metros de onde estavam acampados: “- jacarés!
Há muitos jacarés! Vivem nos charcos os jacarés.. Os
jacarés e os mosquitos nesta terra nascem dos pauis como
o capim na terra, e eu tenho medo dos jacarés”.
118
Nossa homenagem a esses trabalhadores anônimos, e
ao repórter da “Gazeta de Notícias”, que em 1912 transitou
pela história, deixando registrado para a posteridade, o
único depoimento que temos notícia em forma de
reportagem, hoje transformado em um fragmento de jornal.
Descreveu a desdita desses homens em frangalhos. Mortos-
vivos perdidos na imensidão da serra, desafiando a morte na
captação de água potável tão necessário à vida. Relatou a
epopéia da luta de conquista do solo na Baixada Fluminense,
em busca de melhores condições sociais, e nos orgulharmos
hoje de transmitir esse conhecimento às novas gerações.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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D’Ouro” Apostila – 1999 – RJ
JACCOUD, Rafael Luiz de Siqueira – “Os Colonos” –
Múltipla Cultural Nova Friburgo, 2001 - RJ
MAIA FORTE, José Mattoso – “Memória da Fundação de
Iguaçu” Tip. Jornal do Comércio – 1933 - RJ
MAIA FORTE, José Mattoso – “Vilas Fluminenses
Desaparecidas” Prefeitura Municipal de Itaboraí - 1984
MONTEIRO, MARCUS – “A Fazenda São Matheus” -
Ed. Autor – 1987
GAZETA DE NOTÍCIAS – (Recortes) RJ- 1912
GERSON, Brasil – “O Ouro, o Café e o Rio” Editora
Brasiliana, 1970 – Rio
GÓES, Hildebrando de Araújo – “Relatório da Comissão
de Saneamento da Baixada Fluminense” – 1934 -RJ
PEIXOTO, Ruy Afrânio – Imagens Iguaçuanas Edição do autor -
PEREIRA, Waldick – “Endemias em Iguaçu” In. Revista
News, Ano II, N. 15 - 1970 RJ
RIO DE JANEIRO – “Relatório da Província” - Pres.
Luiz Antônio Barboza Niterói – RJ – 1855
SANTOS, Noronha – “Crônicas da Cidade do Rio de
Janeiro” Livraria Padrão – 1981 - RJ
VASCONCELOS, Max – “Vias Brasileiras de
Comunicação” Imprensa Nacional – 1935 – RJ

119
ENGENHO GERICINÓ

Pertencente à freguesia de São João Baptista de


Meriti, e relacionado na estatística realizada no Rio de
Janeiro durante o governo do marquês de Lavradio entre
os anos de 1769 e 1779, o engenho de açúcar da fazenda
Gericinó ou (Jerexinó) era propriedade de D. Maria de
Andrade que, com seus 37 escravos, produzia 7 caixas de
açúcar e 2 pipas de aguardente.
Situado na serra que deu origem a seu nome, esse
engenho fazia parte da grande sesmaria doada a Braz Cubas,
provedor da Fazenda Real em 1568, de “3.000 braças de
testada pela costa do mar, e 9.000 de fundos, pelo Rio Meriti,
correndo pela piassaba da aldeia de Jacotinga”.
Grandes latifúndios conforme o de Christovão de
Barros, governador do Rio de Janeiro e “comandante das
três naus que Portugal enviou em auxílio à Mem de Sá”,
também recebeu imensas doações de terras na região de
Magé, sendo posteriormente retalhadas e transformadas
em fazendas, para atender à crescente população da
cidade, no abastecimento de víveres: açúcar, cereais,
frutas, farinha de mandioca, aguardente etc.
Sua história se inicia com as terras recebidas com
os sobejos que se formaram “entre o Engenho na Pavuna
(ou Pabuna) e Gericinó por José Pereira Sarmento em
1680”, anexando ainda uma fração de terra, doada em
1603 ao vigário Martins Fernandes.
Solo rico e humoso, o colonizador venceu as
intempéries e os pântanos para plantar aqui, na Baixada
Fluminense, um “cinturão verde”, que durante três
séculos, contribuiu de modo significativo com o longo
ciclo econômico da cana de açúcar.
Estendendo-se da Baia de Guanabara até a serra, diz
Mattoso Maia Forte, “havia magníficos engenhos de açúcar
120
e aguardente, servido por numerosa escravatura com
esplêndidas residências, entre eles o da Covanca, Pavuna,
São Matheus, Palmeiras e Gericinó”.
Ao situar-mos esta fazenda ao pé da Serra de
Gericinó, vamos encontrá-la na carta topográfica da
Capitania do Rio de Janeiro “Feita por ordem do Conde da
Cunha, Capitão General e Vice Rey do Estado do Brasil, por
Manoel Vieira Leão, Sargento Mor e Governador da
Fortaleza do Castelo de São Sebastião da Cidade do Rio de
Janeiro em o ano de 1767”, início de uma série de engenhos
que se estendiam nas fraldas desta serra, a partir das
nascentes do Rio Pavuna, e que segundo monsenhor Pizarro,
nascia “entre charcos e pantanais” existentes “entre as
fazendas do Retiro e Gericinó”, seguindo-se o de São
Matheus (hoje parte de Nilópolis), da Cachoeira ou
“Caxueira” (Mesquita) e Machambomba (Nova Iguaçu).
Após o domínio de d. Maria de Andrade, vamos
descobrir o engenho de Gericinó, segundo Maia Forte, nas
mãos do visconde de Barbacena, Felisberto Caldeira
Brant, revelando durante sua gestão uma visão mais
ampla das atividades desse engenho.
O marquês de Barbacena, Felisberto Caldeira Brant,
neto de Felisberto Caldeira Brant, contratador de diamantes
em São João d’El-Rei, era filho de Gregorio Caldeira Brant e
d. Anna Francisca de Oliveira Horta ambos de Minas Gerais,
cujo consórcio geraram o marquês e seu irmão Ildefonso
Caldeira Brant, o visconde de Gericinó.
Este não deixou descendente, mas o marquês
casou-se com D. Anna Constança de Souza Menezes
Cardoso, natural da Bahia, e tiveram três filhos: Dona Anna
Constança Caldeira Brant, Pedro Caldeira Brant, o conde de
Iguassú, que, se casou com d.. Cecília Rosa de Araujo Vahia,
filha dos condes de Sarapuhí e, tendo enviuvado, casou-se
com D. Maria Isabel de Bragança, filha de D. Pedro I com a
marquesa de Santos, e finalmente o “nosso” viconde
121
de Barbacena Felisberto Caldeira Brant possuia nessa
região “uma área de 18,7km2”.
Nos registros de uma data de terra em 1854,
pertencentes ao Padre Inácio Coelho Borges e seus irmãos,
com 180 braças de frente e 1500 nos fundos, “no lugar
chamado engenhoca”, vamos encontrar essas terras, “ao
norte com a fazenda Gericinó, ao sul com as terras
realengas, a leste com a fazenda do Engenho Novo da
Piedade, e a oeste com as terras de Eugênia Theodoro de
Araujo. Dona Eugênia era “senhora e possuidora” de uma
data de terras com 60 braças de frente e 1500 de fundos
herdada de seu pai, o Alferes Joaquim Alves de Araujo”.
Seria esta senhora herdeira do engenho da “Caxueira”,
hoje em Mesquita, e deixada na lembrança de suas águas
formadoras do Rio Sarapuí, o canal Dona Eugênia?.
Segundo Noronha Santos, a fazenda Gericinó
possuía “vastas pastagens, muitas qualidades de madeiras,
confortável casa de moradia e na Serra do Gericinó uma
cachoeira. D. Pedro I costumava frequentá-la, e vimos há
tempos uma carta que lhe dirigiu o primeiro marquês de
Barbacena sobre o projeto de viagem ao local e providencias
dadas por Antonio Félix. Este Antonio Felix, de que trata o
documento guardado no Arquivo Municipal, foi de certo o
progenitor do comendador e capitão Antonio Félix Cabral e
Mello, proprietário da fazenda do Cabral”.

CONTRATO

Ao consultar os registros provenientes do arquivo


publicado pelos Anais da Biblioteca Nacional, vol. 108,
encontramos através do arrolamento de seus bens, parte do
patrimônio existente nesta fazenda, através de um contrato
com validade de 6 anos, feito entre o visconde, como dono
da fazenda de Gericinó e Geraldo Antônio Pimentel, na
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qualidade de administrador, no ano de 1860. Esse
contrato demonstra que o visconde, ao fazer uma viagem
para fora do Brasil, nomeia para administrador o sr.
Pimentel, deixando como seus procuradores o cunhado,
sr. visconde de Barbacena e seu sobrinho, sr. capitão José
Tomas de Almeida Pereira Valente.
Além do engenho “moente e corrente”, foram
arrolados noventa e quatro escravos de ambos os sexos,
noventa cabeças de gado vacum, trinta e seis ovelhas, três
cavalos e mulas, obrigando-se o contratante a pagar ao
contratador o valor de 10% sobre o faturamento líquido
durante um ano.
À firma José Antônio Pinheiro Bastos & Cia., estabelecida
à Rua das Violas n. 2, na Cidade do Rio de Janeiro, “deixa
ordens” para abastecer a fazenda com “mantimentos, ferragens,
remédios, pano de algodão, baeta, mantos, e tudo aquilo que for
preciso para seu custeio”, ficando também encarregado de
pagar aos “empregados assalariados”.
O contrato previa ainda que, se por fatalidade, “um
surto de cólera atacar os escravos”, ou o “mal do gado”,
“que Deus tal não permita”, o visconde levaria em
consideração esta calamidade no reajuste anual com o sr.
Pimentel, obrigando entretanto o administrador a tratar a
escravatura, “o melhor que puder” e usar uma rígida
disciplina, para evitar perdas “devidas e fugidas”.

ESCRAVOS
Ao arrolar o patrimônio referente aos cativos, ao
gado e demais criações, vemos que os bens do visconde
eram opulentos para os padrões da época, especialmente
na Baixada Fluminense onde proliferavam os pequenos
engenhos de açúcar, e engenhocas produtoras de
aguardente, cujo número de escravos não passava de
quarenta. Com um plantel de 94 escravos, e mais
123
trabalhadores assalariados, podemos ter uma idéia da
grande atividade econômica que esta fazenda desenvolvia
na região. Possuindo uma área de 18.7km2, “para esse
engenho já eram alugados, em 1862, escravos da Fazenda
Santa Cruz”.
Antes de comentar o contrato que temos em mãos,
queremos lembrar que a situação do escravo no início do
século XIX representava aproximadamente 50% da
população brasileira, na segunda metade diminuía para
16 %, e em 1888, ano da abolição, apenas 5 %.
No final do século XVIII, a produção mineradora
encontrava-se em total declínio e os grandes produtores
de açúcar voltam-se para o plantio do café. Com o
mercado consumidor em expansão na Europa e nos
Estados Unidos, a elite escravocrata brasileira da região
sudeste investiu nesse novo produto que exigia apenas
terra e mão de obra desqualificada, representada pelos
cativos, transformodo em altos rendimentos.
Apesar da pressão inglesa para a extinção do tráfico
à partir de 1810, interessada em substituir o trabalho
escravo pelo trabalho livre, criando assim um mercado
consumidor para seus produtos industrializados, o
governo brasileiro deu pouca atenção a essas exigências.
O trabalho escravo era mais lucrativo e a longa herança
cultural escravocrata era aceita como instituição nacional.
Considerado pirataria, qualquer navio encontrado
que transportasse cativos para o Brasil, a Lei Bill
Aberdeen votado pelo Parlamento inglês em 1845, trouxe
conseqüências desastrosas para esse comércio. À partir de
então, o valor dos escravos subiu de preço a cada ano,
premido também pela necessidade de atender a expansão
das lavouras cafeeiras, e agravado pela Lei Eusébio de
Queiroz, que a partir de 1850 extinguiu definitivamente o
tráfico internacional de escravos.
O valor de um escravo do sexo masculino, com idade
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entre 15 a 30 anos, passou a valer a partir dessa lei entre 500 a
600 mil réis. Dez anos mais tarde, como veremos na relação de
escravos pertencentes ao visconde, esse valor oscilava entre
1500 e 2000 contos de réis, dependendo da idade e profissão.
A possibilidade de empregar mão de obra livre
encontrou forte resistência, entretanto, sem opção para atender
à produção nos engenhos e lavouras, o fazendeiro foi buscar
nos escravos alforriados, mulatos, índios e brancos pobres, a
opção de dar continuidade à produção como assalariados,
sendo a eles destinados as tarefas mais perigosas, onde seu
afastamento por acidente ou morte, minimizaria o prejuízo,
resguardando o escravo por seu valor.
As regiões do país que apresentavam uma economia
em decadência, como o nordeste açucareiro ou o sudeste
minerador, após a Lei Eusébio de Queiróz contribuíram
para o tráfico interno, vendendo para as lavouras de café,
a mão de obra escrava ociosa, o que não ajudou diminuir
o preço do escravo em contínua ascensão.
Voltando a comentar o contrato feito pelo visconde
de Santo Amaro que temos em mãos, especialmente em
relação ao preço dos escravos, vemos que este valor
dependia da idade, e sua profissão. As “crias”, ao alcançar
o primeiro ano de vida, eram cotadas em 100 mil réis, e
assim iam dobrando a cada ano.
Os diversos ofícios vão desfilando diante dos nossos
olhos, assim como a idade, acompanhados dos
respectivos valores. Enfadonho seria citar todos os 94
nomes, idades e suas profissões, detendo-nos apenas nos
cativos que mais nos chamaram a atenção.
Entre os escravos de maior valor temos Zacarias, 25
anos com a profissão de “carreiro falquejador”(carpinteiro),
cujo preço alcançava a quantia de 2.000$000. Segue-se na
relação em ordem decrescente uma mulher: Justiniana, com
a idade de 18 anos, dominando os ofícios de costureira e
“roça”, cotada em 1.800$000. Augusta, 24 anos, “mucama,
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cozinha, lava”: 1.800$00. E assim os valores vêm decrescendo
de acordo com a atividade produtora e, a partir dos 30 anos
quando a força de trabalho já não correspondia
à expectativa do rendimento, pois a duração média de vida
era de 50 anos. Romana, 24 anos, “faz manteiga e queijos”,
1.700$00. Manoel Nagô, com a mesma profissão de Zacarias:
falquejador (carpinteiro) e serrador, alcançava apenas o
valor de 500$00, em conseqüência, talvez, da idade de 40
anos. Bernardo de 12 anos “campeiro”, devia ser vigia e
tocador de gado, valia 800$00.
Os servos envelheciam prematuramente devido à
rudeza do trabalho. Expostos diariamente às intempéries do
campo e subalimentados, contraiam freqüentemente doenças
que os deixavam com seqüelas. Encontramos aqui Josefa
Mina, com a idade de 50 anos, destinada ao “serviço do
paiol”, sem cotação de preço, pois era cega. José Maria, 50
anos, “serviço do paiol”, cego. Domingos, “penhor e fole”, 45
anos, cego. Antonia, com idade desconhecida, pois a relação
menciona apenas, “velha”, sem cotação, se refere apenas a
sua atividade: “criadeira de perús”.
A Lei dos Sexagenários, só votada em 1885, às portas
da Abolição, é mais uma página de crueldade gerada pela
elite escravocrata do que um benefício. Concedia a libertação
de todos os escravos com mais de sessenta anos, devendo
estes trabalharem mais três anos, ou pagar em uma
indenização a seus senhores de 100 mil réis. Nessa idade,
mesmo liberto, cansado e doente, não teria condições de
sustentar-se fora da fazenda, onde deixara toda sua vida.
Nessa época o insuspeito Rui Barbosa escrevia: “O velho
cativo, pela debilidade do corpo enfermo, pela tendência
irresistível de costumes inveterados, por laços de família,
pelas infinitas relações impalpáveis que afeiçoam a velhice
à terra... está preso à fazenda onde encaneceu. Em regra,
portanto, o liberto sexagenário, não deixa nem deixará a
casa do senhor”.
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Além dos cativos citados no relatório, o visconde
relaciona um grande número de bois de carro, gado,
carneiros, animais de montaria e carga, formas de barro e
de madeira para açúcar, pipas para transporte de
aguardente, balsas, enxadas, machados peças de
carpinteiro, mesas de jogo, quadro de santos, relógio,
louças etc. Deixa também para cobrança, sob a
responsabilidade do administrador, o aluguel “dos pretos
que andam trabalhando na estrada de Iguassú” a soldo do
Governo da Província: “sendo os cabouqueiros a 24$000 e
os outros a 15$000 por mês, cuja cobrança deve-se realizar
logo que o Governo Provincial, efetive o pagamento”.
Segundo Noronha Santos, parte do local em que
existiu a fazenda de Gericinó é hoje propriedade do
Exército, que o adquiriu em 1907 a Alexandrino Pires
Coelho por 600 contos de réis, destinando-a juntamente
com a de Sapopemba (Deodoro), incluída na compra,
“para a construção de uma Vila Militar e um campo de
treinamento”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

COARACY, Vivaldo — “O Rio de Janeiro no Século


Dezessete” José Olympio Editora – 1965 – RJ
MAIA FORTE – José Mattoso “Memória da Fundação de
Iguassú” Tip. Jornal do Comércio – 1933 RJ
PEIXOTO – Ruy Afrânio, - “Imagens Iguaçuanas” Ed. do
Autor, S/D
SANTOS, Noronha – “Memória Acerca dos Limites do
Distrito Federal com o Estado do Rio de Janeiro” Revista
da Sociedade de Geographia Imprensa Nacional, RJ - 1919
SCISSÍNIO, ALAÔR EDUARDO – “Dicionário da
Escravidão” Léo Cristiano Editorial – 1997 – RJ.
Anais da Biblioteca Nacional, vol. 108 - RJ.

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