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Do Instituto Histórico e Geográfico
de São João de Meriti
Da Arcádia de Letras e Artes
de Nova Iguaçu
Da Academia de Letras e Artes de
São João de Meriti
Do Instituto de Pesquisas e Análises Históricas
e Ciências Sociais da Baixada Fluminense
Sócio do “Amigos do Instituto Histórico
Vereador Thomé Siqueira Barreto da
Câmara Municipal de Duque de Caxias”
BAIXADA FLUMINENSE
___________________________________________________
UM LUGAR
NO PASSADO
ENSAIO
Editora IPAHB
2006
AGRADECIMENTOS
Apresentação 11
Prefácio 15
Transporte Coletivo 18
Sto. Antônio de Jacutinga 46
Porto da Estrela 82
Epidemias 103
Guilherme
Peres
TRANSPORTE COLETIVO
PIONEIRISMO NA BAIXADA FLUMINENSE
NO SÉCULO XIX
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ESTRADA REAL DE STA. CRUZ
VEÍCULOS
“OMNIBUS”
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Barbosa a se ausentar da cidade em busca de tratamento:
“Se S. Exa. quiser tomar ares em algum município de
serra acima, tem hoje a comodidade de poder fazer a
viagem de sege pela excelente estrada da bocaina dos
Mendes. Ainda a pouco tempo, no dia 24 do mês passado,
a Exma. Sra. marquesa de Baipendi saiu dessa Corte pela
madrugada e no dia seguinte, às quatro horas da tarde,
estava em sua fazenda de Santa Mônica a vinte léguas de
distância, no município de Valença, com excelente
viagem, tendo-a feito quase toda de sege, apeando-se em
alguns pontos, que ainda inspiravam-se receios”. E
acrescentava Otaviano mostrando os benefícios das boas
estradas construídas: “Terminados os trabalhos de
melhoramentos dessa estrada, pode-se ir daqui até ao
Paraíba, por Vassouras, de sege, em dia e meio”.
Segundo Alípio Goulart, Francisco Otaviano cometeu
um engano quando se referiu à sege como veículo para
viagens de longa duração, principalmente serra acima.
Confundindo diligência com sege, esclarece que esta era
apenas “veículo citadino; e, no interior, serviu em pequenos
percursos ao luxo e ao exibicionismo de seus possuidores”.
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ESTRADA UNIÃO E INDÚSTRIA
“COMPANHIA IGUASSUANA”
VILA DE IGUASSÚ
A importância de seu porto no século XIX, com a
expansão econômica do café, refletiu em sua elevação
condição de Vila em 15 de janeiro de 1833,
“compreendendo no seu Termo as Freguesias de Iguassú,
Inhomerim, Pilar, Santo Antônio de Jacutinga, São João de
Meriti e a parte da Freguesia de Marapicu que fica à
margem direita do Guandu e Ribeirão das Lages”.
Daniel Kidder, em suas “Reminiscências de Viagens e
Permanência no Brasil”, escritas durante o período que aqui
esteve, entre 1837 e 1840, afirmou: “apesar de muito sinuoso
é navegável por lanchas grandes até a Vila... Aos poucos,
porém os fazendeiros do interior, foram se convencendo de
que para eles era mais interessante descarregar em Iguassú o
café, o feijão, a farinha de mandioca, o toucinho, e o algodão;
daí era mais econômico mandar as mercadorias para os
mercado por via marítima que por terra... é agora
considerada como a Vila mais
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próspera da Província do Rio de Janeiro, com uma
população de cerca de 1200 habitantes”.
Waldick Pereira assim nos conta os aspectos
da vila: “descendo pela estrada do Comércio, tinha dois
caminhos para o porto; depois de passar pelo riacho do
Lava-pés, adjacente a fralda do morro do Vitor (assim
chamado, o riacho, por ter um chafariz onde os viajantes
refrescavam-se e lavavam os pés para entrar na vila),
podia seguir pela rua do Comércio ou contornar pelo
caminho dos Velhacos”. O Cel. Alberto de Mello explicou
a Waldick que o caminho tinha esse nome “por razões
óbvias, pois quem devia aos comerciantes da rua do
Comércio... fazia um percurso em curva, desde a entrada
da Vila, até o Porto”.
“No centro da Vila, perto do porto, estavam
os edifícios da Câmara, Cadeia, Fórum, armazéns e casas
comerciais... Ao longo do rio Iguassú, em direção ao
“Caminho da Serra”, estavam os portos do Pinto, do
Viana e dos Soares de Mello. Atrás da igreja de N. S. da
Piedade e em frente ao cemitério de N. S. do Rosário
(chamado “dos ricos”), a rua da Igreja se bifurcava: um
braço seguia para Machambomba e outro, era o caminho
das Palmeiras, atravessava a rua do Cachimbau para se
encontrar com a estrada da Olaria”.
“O riacho Lava-pés tinha dois chafarizes”,
prossegue o Cel. Alberto de Mello: “um à entrada da Vila,
a que já nos referimos, e o outro, mais junto do centro,
entre o Largo dos Ferreiros e a rua da Mata. Este ponto
vivia constantemente alagado e sujo, em virtude do
desperdício d’água e dos porcos que andavam soltos por
ali”. O Cel. Alberto afirmava ainda que as únicas ruas
calçadas eram as Ruas do Comércio, o Caminho dos
Velhacos e a Rua da Igreja. No centro da Vila, a cadeia era
composta por quatro celas e, segundo o Relatório da
Província de 1874, “todas com sofríveis condições de
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salubridade e segurança, as quais podem acomodar até 50
presos... todas assoalhadas, é segura e salubre, e tem
tarimbas”.
ESTRADA DO COMÉRCIO
Iniciando em Vila de Iguaçu sua trajetória
de 10 léguas, essa estrada subia a Serra do Tinguá e da
Viúva, passava por Pati do Alferes, Vassouras e
atravessava o Rio Paraíba do Sul em direção a Minas
Gerais.
Com um traçado proposto pelo sargento-
mor Inácio de Souza Werneck, três anos após a vinda do
príncipe D. João ao Brasil, já era estudada sua abertura
aproveitando as trilhas abertas pelos tropeiros, e abraçado
pelo também sargento Francisco José Soares de Andréia,
“Luminar da Engenharia Militar e Cartográfica do Brasil”,
cujos trabalhos duraram de 1813 até 1817.
Esquecida em sua manutenção, a chuva
começou a fazer seu estrago natural. Com o aumento da
produção cafeeira e gêneros de primeira necessidade,
seguindo para o porto do Rio de Janeiro, sede do Império,
através de um percurso longo, cansativo e perigoso para
as tropas, com os precipícios que surgiam durante a
caminhada, começou a pensar-se no seu calçamento, o
que foi mais tarde determinado pelo Presidente da
Província Fluminense, Conselheiro Paulino Soares de
Souza, sua reconstrução e “empedramento”, mediante
contrato assinado em 1839 com o cel. de engenheiros
Conrado Jacob Niemeyer.
Como eixo central de ligação entre o interior e a Corte,
essa estrada tornara-se geograficamente estratégica e de
vital importância para a economia fluminense, indo ao
encontro do seu sistema hidrográfico, com “tropas de
carga e passageiros, vindo ou indo para aquelas
províncias, forçosamente tinham que se demorar em
Iguassú, sede da Vila, ou mais longe dela, como em
Sant’Ana das Palmeiras, no alto da serra”.
O assoreamento dos rios, provocando extensas
inundações em época de chuvas, fez surgir a malária, e
com ela a epidemia de cólera morbos em 1855, assolando
todas as freguesias da Baixada.
A construção em 1858 da Estrada de Ferro
D. Pedro II, partindo do Rio de Janeiro até Queimados,
alcançaria logo a freguesia de N. Sra. de Belém e do
Menino Deus (hoje Japeri), em busca do Vale do Paraíba.
Como aconteceu à margem dos rios, à
margem da via férrea povoados iam surgindo, entre elas
“Maxambomba” (hoje Nova Iguaçu), velha fazenda por
onde cargas e passageiros circulando com freqüência,
iriam atingir um desenvolvimento tal que “Iguassú” teve
sua sede transferida para ali em 1891, e nesse mesmo ano
agraciada com foros de cidade.
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movimento político local.
Segundo José Mattoso Maia Forte, Soares foi
eleito vereador da Câmara, atuando como seu presidente
entre os anos de 1837 a 1840. Fez parte de um corpo de
milícias em 1842 e assumindo o posto de tenente-coronel,
partiu para as margens do Rio Preto no comando da
artilharia contra os revoltosos de Minas.
Viajando pela Província em 1848, D. Pedro II
chegou a “Vila de Iguassú” hospedando-se em sua
residência, ocasião em que ofereceu um conto de réis para
a construção do chafariz da Vila.
Casado com D. Carlota Joaquina Soares,
tiveram cinco filhos. Uma de suas filhas “D. Maria
Angélica, casou-se com o comendador Manoel Luiz de
Souza e Mello; a outra, D. Cypriana Maria casou-se com
Bernardino José de Souza e Mello, ambos sobrinhos de
seu sócio, Jacinto Manoel de Souza e Mello, este com
Soares compunham a firma Soares & Mello”. Casa
Comissária que atuou durante muitos anos no comércio
de Café e demais gêneros, estabelecida no porto da Vila,
não é de se estranhar portanto que Francisco José Soares
tenha participado, mesmo por curto período de tempo,
como sócio da “Companhia Iguassuana”.
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um caminho que, partindo da estação e ladeado por uma
alameda de palmeiras imperiais, ia terminar à entrada
principal desse palacete.
ESTRADA DA POLÍCIA
43
TEATRO LÍRICO
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Examinando o número de freguesias pertencentes
ao distrito de Guaratiba, identificamos, arroladas pelo seu
administrador mestre de campo Ignácio de Andrade
Soutomayor Rendon a Freguesia de Sto. Antonio de
Jacutinga, juntamente com outras freguesias.
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Testamento feito na fazenda da Posse, “com casas
e sítios”, freguesia de Sto. Antonio de Jacutinga em
novembro de 1786, pelo vigário Pe. Manoel Pinto do
Pinho, “estando com saúde completa e em meu perfeito
juízo”, deixa transparecer que era fazendeiro nessa
freguesia, e possuía além de numerosa escravaria, um
valioso patrimônio considerável para a época: “dezesseis
bois de carro, dois carros ferrados, seis vacas, um
engenho, um garrote, três vitelas” e declarando “que tudo
se venderá pelo melhor modo que for possível”, após a
sua morte, naturalmente.
Declara também, que ficará “com o testamenteiro
um rol por mim feito, e assinado com os nomes e clareza
do dito gado, alguns bens e trastes da casa”.
Quanto aos escravos, o padre Manoel deixava
para 13 cativos “deste engenho...” “Quatro varas de
algodão de Sam Paulo a cada um que importa em
cinqüenta e duas varas” e nomeava os escolhidos, alguns
com o nome das nações de origem: “Simão Angola, Joana
Benguela sua mulher, Antonio Rebolo, Vicente Joaquim,
Thomas Crioulo, José Crioulo, Gervázio, Basílio Crioulo,
Agostinho, Joaquim Crioulo, Anna Crioula, Izabel
Angola, Maria Filha, Miguel Filho, Joaquim Banguella.”
As cartas de liberdade eram concedidas com
parcimônia. Neste texto o padre Manoel faz referência a
dois escravos, Simão e Antonio Rebolo: “desejando fazer-
lhes algum bem pelo amor de Deus...” “lhes concedo
depois do meu falecimento o prazo de três anos para
neste tempo ganharem cada um a quantia de três doblas”,
recomendando ao testamenteiro que ao receber este
valor” lhe passará logo as cartas de liberdade”.
Recomendava ainda, a não vender “meus escravos
por empenho nem contra a sua vontade, senão as pessoas
que eles escolherem...” “porque por caridade, desejo que eles
acertem um bom cativeiro”.Em seguida, determina ao
testamenteiro que “poderá logo sem mais figura, vender a
quem der mais e melhor cobrir as suas avaliações, o que
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poderão fazer em praça, na porta da igreja, ou em sua
casa, amigavelmente, fazendo sempre pelos respeitar sem
que sejam obrigados a levá-los as (...) praças da cidade”.
A “uma escrava velha por nome Graça”, o
vigário deixava-a “forra e liberta”.
Também a “mulatinha Joaquina”, por “gratidão e
piedade”, dava liberdade pedindo ao testamenteiro
passar “sua carta, sem condição alguma.”
Preocupado com algumas dívidas, lembrava
procurar José Fernandes “ao pé da Candelária” onde
“costumo comprar vinho, azeite, e vinagre por bilhetes.”
Também a “João Barboza de Azevedo, na rua Direita, perto
dos contos”, onde “costumo quando vou a cidade pousar.”
Participante das festas na freguesia da Posse, padre
Manoel não se negava a contribuir com “meia arroba de
carne fresca”, ou algum “quarto de carne de porco” que
comprava com crédito “a vários sujeitos” e “se alguém disser
que lhe devo alguma coisa, informando se meu
testamenteiro dos meus escravos, achando ser certo, e o
sujeito de boa nota, se lhe pague tudo sem mais justificação”.
Livrando-se da doença que o acamara, viveu
mais seis anos depois de ter elaborado este testamento. O
padre Manoel Pinto do Pinho, vigário da dita Freguesia,
estando “doente de cama” nos primeiros dias de setembro
de 1792, ditava um novo testamento conhecido como
codicilo, alterando alguns parágrafos e acrescentando
outros ao texto anterior.
CODICILO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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UMA VIAGEM AO PASSADO
HISTÓRICO, ECONÔMICO,
SOCIAL E POÉTICO DA
VILA DE SANTO ANTONIO DE SÁ
CAMINHO NOVO
Durante o início da mineração no final do século
XVII, ao partir do centro da Cidade de São Sebastião do Rio
de Janeiro, para se alcançar o caminho Velho das Minas que
começava em Parati, o viajante tinha duas opções: atravessar
a Baia de Sepetiba em direção a Parati e subir a trilha dos
Guaianazes, ou alcançar a mesma baia em busca dessa trilha,
pelo caminho de terra através da futura estrada Real de
Santa Cruz, até o embarque na Ilha da Pescaria à sua
margem, pertencente aos padres da Companhia.
Transferindo a sede administrativa do Rio de
Janeiro para a região mineradora, segundo a carta régia
de 1696 “para ficar mais próximo às minas”, o governador
Artur de Sá e Menezes, percorreu esse caminho “longo,
penoso e temerário”, mas até então o único existente.
Durante seu regresso em 1699, o governador contratou
com Garcia Rodrigues Pais, “na Borda do Campo”, explorar
a possibilidade da abertura de um novo caminho que
partindo dali, alcançasse as margens do Rio Paraibuna, e
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subisse a Serra das Abóboras, atravessando o Rio Paraíba
em busca de uma saída para o mar. Segundo proposta do
próprio Garcia Pais, “em vez de três meses, tempo que até
então se gastava, se poriam apenas quinze dias” entre a
capital do sul e o longínquo interior do ouro.
No período de 18 meses, o filho do “Caçador de
Esmeraldas” internou-se na floresta seguindo antigas trilhas
indígenas, “com alguns homens brancos e mais de 40 negros
(dos quais lhe morreram cinco) e fizera despesas
consideráveis, saídas exclusivamente do seu próprio bolso”.
JOHN MAWE
Especializado em pedras preciosas e aventuras, esse
inglês chegou ao Brasil em 1809 logo após o decreto de D.
João VI concedendo visto de entrada a estrangeiros.
Percorreu as principais regiões mineradoras, e voltando em
seguida para seu país, publicou um livro com o relato dessa
viagem. Em um dos capítulos pinçamos suas observações
durante passagem por Santo Antônio da Sá. Observador
atento, John Mawe partiu do Rio de Janeiro com destino a
Cantagalo, no dia 10 de abril de 1809 acompanhado do Dr.
Gardner, professor de química de um colégio local.
Navegando em um barco a vela tipo falua tripulado
por remadores, “favorecido por forte brisa, rumamos para a
entrada do belo rio Macacu”, que após cessar o vento
durante sua subida, foram impelidos pelos remos, até chegar
em “uma casa denominada Vila Nova, onde inúmeros
barcos de carga destinados ao Rio, aguardavam o vento da
terra e a maré alta”. Depois do descanso continuaram a
viagem até a estreiteza do rio “que o barco freqüentemente
tocava nas margens, obrigando os homens a afastá-lo com
paus”. Acreditamos que Mawe viajou durante a madrugada,
pois descreve a chegada a Porto das Caixas ao amanhecer.
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“Lugar muito procurado pelos viajantes do interior, por
ser o posto onde as mulas descarregam suas cargas,
oriunda de muitas plantações dos arredores”.
Aqui ele registra vários armazéns servindo de
depósito para produtos a serem embarcados, em torno de
arruamentos salpicados de habitações pobres. A viagem
prosseguiu atravessando um grande pântano em direção
a Vila de Macacu “erguida sobre pequena elevação, no
centro de bela planície”. Ali, um tal coronel José,
“comandante” local, recebeu-os com atenção, “o mesmo
fazendo os irmãos do convento que visitei”.
Estranhamos a maneira rápida com que Mawe se
refere ao conjunto arquitetônico do mosteiro, pois a
grandiosidade deveria surpreendê-lo, e levá-lo a tecer algum
comentário sobre sua construção no fundo daquele vale
distante. È provável que sua crença religiosa contrária a
religião católica a tenha discriminado, ignorando o registro
da presença de uma Ordem Franciscana.
Digno de comentário são suas anotações sobre o
caminho aberto por Félix Madeira no início do século XVIII
descrito no capítulo anterior, e que seria usada para alcançar
“os sertões de Cantagalo” pelos tropeiros no transporte do
café. Apesar da falência das minas de ouro, essas veredas
continuavam a ter seus viajantes e tropeiros fiscalizados
pelas diversas patrulhas que se estabeleciam em suas
margens, conforme comenta Mawe: “Depois de atravessar o
rio pela segunda vez, chegamos ao que denominam o
primeiro registro ou casa de investigação, a duas milhas da
fazenda. Este posto é guardado por um cabo e um praça,
encarregado de cobrar as taxas e com poderes para revistar
os viajantes, visando impedir o contrabando do ouro.”
Ao entardecer, chegaram num segundo registro onde
resolveram passar a noite. “Um lugar miserável, habitado
por cinco ou seis soldados, sob o comando de um sargento.
Este bom homem acolheu-nos afetuosamente e, com auxílio
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de seus camaradas preparou-nos galinhas, regalando-nos
com tudo que a sua escassa dispensa podia proporcionar”.
IMIGRANTES
Em fins de 1820, Santo Antônio de Sá assistiu a uma
das últimas cenas dramáticas da viagem dos primeiros
imigrantes destinados à colonização na Província do Rio de
Janeiro. Originários da Suíça, do cantão de Fribourg,
viajaram para este país centenas de famílias dispostas a
“fazer a América”, em direção aos assentamentos de Morro
Queimado, mais tarde Nova Friburgo. Durante oitenta dias
atravessando o oceano, sofreram na companhia “do enjôo,
da diarréia e da morte! Nos sete veleiros que partiram da
Holanda, conduzindo de início um total de 2013 passageiros,
sucumbiram e tiveram o oceano por túmulo 311 deles”, diz
Rafael Luiz de Siqueira Jaccoud em seu livro “Os Colonos”.
Ao desembarcarem no Rio de Janeiro, foram
transportados em pequenos barcos até Itamby, “pequeno
porto fluvial, próximo à foz do Rio Macacu, onde havia
sido improvisado um hospital para receber os colonos
doentes”. Em seguida foram transferidos para o convento
de São Boaventura na Vila de Santo Antônio de Sá, já
sendo desativado quer pela decadência da construção que
ameaçava desabar, quer pelas febres palustres que
começavam a fazer suas primeiras vítimas.
Ali o anjo da morte continuou estendendo suas asas
“sobre aquela pobre gente durante seis meses. As doenças
contraídas na Holanda, a bordo dos navios e na baixada
paludosa do Macacu, ainda fizeram várias vítimas.
Naquele interregno morreram mais 131 colonos, fora os 35
que foram sepultados na Vila de Macacu, inclusive o
padre Joseph Aeby que se afogou no rio quando nele se
banhava”, registra Rafael Jacoud.
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PORTO DAS CAIXAS
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a falta de polícia tem atrasado o adorno público,
satisfazendo-se a Câmara com o cuidado de conservar
desimpedidas e sempre limpas as estradas, a benefício de
quem as cultiva até as Minas Novas de Cantagalo”, diz
Pizarro, beneficiando também os lavradores e tropeiros
que desciam a produção pela estrada do “Quebra
Frascos” na Serra dos Órgãos passando por Teresópolis.
O açúcar era embalado em caixas destinados ao
embarque “onde embarcações de até quarenta toneladas
içavam velas, proporcionando significativo elemento de
composição da paisagem”. Ruas calçadas facilitavam o
trânsito das mulas em volta dos armazéns que surgiam,
para se destacarem na província do Rio de Janeiro como
significativo entreposto comercial, durante a expansão da
cafeicultura fluminense.
Itaboraí, distrito sede ao qual pertencia Porto das
Caixas, orgulha-se de ali ter nascido o escritor Joaquim
Manoel de Macedo. Segundo sua descrição, a “Vila se
assentava sobre graciosa colina pouco elevada mas em
situação tão feliz que do alto dela se domina e aprecia o
mais belo quadro de natureza campestre”.
Além da igreja Matriz, completava o seu conjunto
arquitetônico a Câmara Municipal, o mercado público e
um teatro, além de um prédio “que havia hospedado D.
João VI e D. Pedro II, quando em visita ao município”.
DECADÊNCIA
D epois de um longo ciclo de esplendor, essa região voltou
ao estado de insalubridade e abandono. Com a fúria que se atacou
as florestas, transformadas em lenha para alimentar os fornos
domésticos e os engenhos, a natureza cobrou seu preço. As
precipitações intensas na Serras do Mar determinando grandes
chuvas, concorreram para a inundação da várzea onde lençóis de
vegetação aquática impediam as correntes retardando o
escoamento. Com o leito do rio assoreado e a conseqüente
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diminuição da lâmina d’água, inundaram-se os campos
adjacentes transformando-se em focos de malária e
impossibilitando seu aproveitamento agrícola.
Navegável de sua foz até o porto num percurso de 34
quilômetros, o Rio Macacu continuava servindo ao trânsito da
produção de açúcar embalado em caixas, razão da qual deu o
nome ao porto, recebendo também no início do século XIX a
produção do café dos “sertões de cantagalo”, exportados para a
Corte pelo Rio da Aldeia, afluente do Macacu.
É desse período a decadência em virtude das febres
palustres que assolavam a região e ficaram conhecidas como
“febres de Macacu”, constituídas da malária, cólera morbus
e febre amarela. Despovoaram-se as fazendas. Vilas e
freguesias ficaram desertas ocasionando a falência da
produção, que aos poucos vinha definhando desde o início
desse século graças às endemias, sem que nenhuma
providência fosse tomada e agravada ainda mais com a falta
do braço escravo, devido à proibição do tráfego em 1850.
Moreira Pinto, no seu “Dicionário Geográfico”, registra a
tese do Dr. Antônio Martins de Azevedo Pimentel apresentada à
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1884 relatando que
“Tornou-se Macacu célebre pela mortífica epidemia de frebres
paludosas, conhecidas nos anais da medicina sob o título de “febres
de Macacu”, a qual se originou em suas margens no princípio de
1830, depois da grande seca dos últimos meses de 1829. Desolou a
Vila de Macacu, levou a devastação e a morte a Magé. Transpôs a
baia, acometendo o Rio de Janeiro; chegou ao sul, à cidade de
Santos e ao norte da Província do Espírito Santo”.
Praticamente durante todo o restante do século XIX, o surto
diminuía em certos períodos, para voltar mais tarde ceifando vidas.
Em 1839 o Presidente da Câmara comunicava ao Governo da
Província que as febres palustres “devastavam o Município por
falta de socorro”, confirmado três anos depois por Honório
Hermeto Carneiro Leão, Presidente da Província, que dizia em seu
relatório anual: “A vila de Santo Antônio de Sá quase
completamente abandonada de habitantes, tendo ser sujeita a
jurisdição do Juiz Municipal de Itaboraí, conviria extinguir-se,
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reunindo duas de suas freguesias à Vila de Itaboraí e uma à
Magé”. Apesar de todo o mal causado pelas “febres” à lavoura
e ao comércio, seus portos continuavam recebendo através de
tropas, a produção de café que descia de Nova Friburgo,
Cantagalo e regiões periféricas além da Serra do Mar,
destinado à capital do Império, e recebendo também cargas e
viajantes com destino serra acima, transportados nos barcos
a vapor a partir de 1850, quando estes começaram a trafegar.
“com o comércio de madeira, lenha, carvão, farinha e cereais,
procedentes das zonas não alagadas, e com a produção de
seus engenhos de açúcar e aguardente, que chegaram a ser,
em 1850, em número de 38”.
Em 1855, uma nova epidemia representada pelo cólera
morbus chegou à região espalhando-se por toda a província.
Multiplicaram-se os túmulos do cemitério local já quase
totalmente ocupado pelas vítimas das “febres de Macacu”,
obrigando que os sepultamentos, “se fizessem em terrenos
pertencentes ao convento de Boaventura, abandonado e já
em princípio de ruínas, o que motivou protestos dos
Franciscanos, sendo necessária uma composição entre estes e
o Governo Provincial, que os indenizou”.
No relatório da província do Rio de Janeiro do ano de 1855,
encontramos essa afirmação de abandono feito por Mattoso Maia
Forte, em que se encontrava o mosteiro: “Os religiosos
Franciscanos possuem na Vila de Sto. Antônio de Sá um convento,
sob a invocação de São Boaventura, mas esse convento a muito se
acha abandonado e em ruínas. Tinha ele um patrimônio em terras
na mesma Vila, as quais estão ocupadas por pessoas que pagam
renda aos religiosos do convento da Corte”.
No dia 23 de abril de 1860, em meio a discursos de
autoridades locais e a presença do presidente da Província,
dava entrada em Porto das Caixas com um apito estridente
agredindo o vale do Macacu, uma locomotiva “chaminé
balão” puxando dois vagões e inaugurando o tráfego
ferroviário entre aquela estação e Cachoeiras do Macacu.
A chegada do trem de ferro a Porto das Caixas trouxe um
novo ânimo econômico e social à Vila, escoando para o Rio de
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Janeiro através do Rio da Aldeia, todo o café produzido em Nova
Friburgo e Cantagalo, entretanto, diz Noronha Santos “dos trinta e
oito armazéns que ali existiram poucos restaram em 1866”.
Santo Antônio de Sá, entregue ao isolamento devido
às doenças, sofria um novo revés comercial. As tropas que
desciam a serra evitavam alagadiços e brejais embarcando
suas mercadorias em Cachoeiras, transportadas por via
férrea até Porto das Caixas, à margem do Rio da Aldeia
afluente do Rio Macacu, “pejado de barcaças, ondulado
de frotas mercantes, numa trama de mastros e cordames”.
O progresso seria efêmero repetindo o que aconteceu com a
Vila de Macacu. Porto das Caixas conheceria o abandono com a
inauguração em 18 de agosto de 1866 de um novo trecho da estrada
de ferro direto do litoral destinada a Friburgo, Cantagalo e Santa
Maria Madalena, importantes centros de produção cafeeira.
Elevada à condição de Vila em 15 de janeiro de 1833,
Itaboraí desmembrou-se de Santo Antônio de Sá, anexando a
seu território grande parte da antiga Vila da qual fizera parte
como Freguesia.
GUILHERME DE ALMEIDA
80
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
81
PORTO DA ESTRELA
IMIGRANTES E COLONOS
NO SEU CAMINHO DE PEDRAS
82
poucos meios, como a da Polícia. O pouco que estava
feito recebemo-lo nós em ruínas”.
No restante da mensagem Paulino José faz um
roteiro do início desses caminhos abertos em várias
direções, premidos pelo aumento da população e a
necessidade de comunicação, “à medida que iam
tornando indispensáveis para o trânsito, sem métodos e
pouco duradouras, para satisfazer as necessidades do
momento e sem previdências do Futuro”.
Transformado em Lei de 19 de dezembro de 1836, esse
projeto foi referendado por Paulino José, já na Presidência da
Província, que ultimou as obras de reparo da estrada que,
partindo de Porto da Estrela seguia até o Rio Paraibuna.
Com a instalação desse novo órgão público, Paulino
encarregou “O muito ativo engenheiro e tenente Júlio
Frederico Koeler, que já vinha a alguns anos trabalhando
empregado na Província, na chefia da segunda seção”.
OS FARÓIS
Durante a primeira metade do século XIX, os
“viandantes para as Minas” a partir do Rio de Janeiro,
embarcavam na Praia dos Mineiros (Praça Mauá) em
saveiros, fuluas ou canoas, e atravessavam a Baia de
Guanabara rumo à foz do Rio Inhomirim, em busca do
Porto da Estrela.
Navegável numa extensão de quase 15 quilômetros
com qualquer maré, esse rio apresentava uma grande
vantagem sobre os outros da Baixada, pois atingia seu porto
principal sem a necessidade de transbordo de passageiros ou
mercadorias, além da vantagem de situar-se na linha do
83
vento, que da Baia sopra para o interior diariamente a
partir das 11 horas, fazendo com que esses barcos
chegassem rapidamente ao seu destino.
Naquele período, a sinuosidade e o grande
tráfico de embarcações pelo crescente transporte do café,
o Inhomirim recebeu cuidados especiais para facilitar a
sua navegabilidade desde a sua embocadura até o porto.
Em 1836 por determinação do presidente da Província,
“em atenção ao comércio e a freqüência do Porto da
Estrela” determinava em seu relatório de 7 de novembro
daquele ano, a colocação de lampiões que sinalizassem à
noite “os lugares onde demoram as pedras, que lhe são
perigosas e, as vezes fatais”.
Responsável pela segunda seção das obras de
recuperação da Estrada da Estrela iniciadas no mesmo ano, o
então primeiro tenente Júlio Frederico Koeler recebeu a
tarefa de providenciar os lampiões que atendessem à
necessidade da navegação. Por recomendação, comprou de
um francês chamado Duprat, um lampião por quarenta mil
réis, cuja bonita aparência era enganadora “e não prestava
senão nas primeiras noites, em que depois de consertado e
arranjado pelo vendedor, se acendia”, convencido da
deficiência do sinalizador, ficou o tenente-coronel Bento José
Veloso de arranjar outro lampião “a fim de indicar a pedra
sobre a qual estava posto e não de servir de farol”.
Era necessário porém mantê-lo suspenso e iluminar
o obstáculo, por isso foi recomendado ao mesmo Bento
Veloso “construir uma barra de ferro de 25 palmos de altura
com três roldanas” e colocar bóias de cobre “no lugar
verdadeiro”, ficando a sinalização desse rio a cargo do citado
tenente-coronel que era também vereador em Magé.
Em um relatório assinado por Frederico Koeler em
janeiro de 1840 sobre o farol e as bóias do Rio Inhomirim,
relata: “Continuou a ser aceso com regularidade todo o ano
o lampião que serve de farol aos navegantes do Porto
84
da Estrela, em substituição das bóias de cobre que marcavam o
canal da Barra do Inhomirim ou da Estrela, colocaram-se bóias
de madeira, fabricadas e fornecidas pelo arsenal de Marinha à
requisição de V. Exª. (o presidente da Província). Essas bóias
são bem feitas e preenchem atualmente o seu fim”.
Durante muitos anos, da entrada da Barra até o
Porto, os obstáculos que ofereciam perigo para a
navegação noturna estiveram iluminados, guiando os
navegantes na faina incansável dos transportes de
mercadorias e passageiros.
REFORMA DA ESTRADA
85
redação do contrato em seu artigo 2º., a estrada prestasse
“cômodo serviço para o trânsito de carro e carruagens e se
conserve sempre livre de atoleiro. A ponte do rio Paraíba
será edificada de pedra”.
Sem a presença de empresas que executassem a
obra, modificou-se o plano anterior, desmembrando-se a
construção da ponte sobre o Rio Paraíba do resto da
estrada, ficando ambas sob a responsabilidade de Koeler
que aproveitou um projeto por ele elaborado alguns anos
antes. “É de se notar que fora intentada desde 1818 a
construção das pontes sobre o Paraíba, que se iniciava em
1936, dezoito anos depois, e sobre o paraibuna, mais feliz
do que a outra, pois construída, foi queimada em 1842
pelos revoltosos e reconstruída pouco depois. No decreto
de 20 de fevereiro de 1818, referiu-se D.João VI aos
incômodos que sofriam os viajantes na passagem dos rios
Paraíba e Paraibuna, sendo esta feita em barcos ou canoas,
principalmente nos tempos das cheias destes rios”.
Havia interesse dos produtores mineiros e
fluminenses na reconstrução dessa estrada principal, para
circulação de suas tropas de bestas no transporte não só
do café, mas ainda de “gêneros de consumo” destinados à
Corte.
A mão de obra escrava alugada, criava dificuldades
para a continuidade das obras dos caminhos, pois seus
senhores não permitiam que esses se afastassem muito do
local de trabalho temendo que facilitasse sua fuga, tendo o
empreiteiro que ensinar o serviço a outro plantel alugado
mais à frente, com perda de tempo “e a prática do trabalho,
86
que já haviam os primeiros, adquiridos”, com isso o
serviço tornava-se vagaroso e imperfeito.
IMIGRANTES ALEMÃES
Em 1836, era criada na Corte a Sociedade Promotora
de Colonização do Rio de Janeiro com a participação de
diversos acionistas, tornando-se idônea graças a sua boa
situação financeira e exemplo de organização, com o objetivo
de promover a “vinda de colonos brancos úteis”. Entretanto
essa promoção nunca foi efetuada pois era grande a chegada
de imigrantes na sede do Império, bastando apenas pagar-
lhes a passagem e albergá-los com alimentação, depois
naturalmente da assinatura de um contrato, cuja
Organização se comprometia a arranjar-lhes emprego.
“Instalara-se a Sociedade na rua do Passeio 34, onde
funcionava a sua secretaria”, Possuindo, “no Largo da
Lapa, um depósito para alojar os colonos”. Segundo uma
estatística de 1836, entraram cerca de 9.000 imigrantes no
Rio de Janeiro.
Entretanto, o transporte de escravos continuava
abarrotando o mercado dessa Província. Segundo a
mesma estatística, cerca de 150 navios aportaram na
cidade trazendo 40.000 negros vindos da África, a maior
parte destinados às fazendas de café.
Quanto aos imigrantes, o “Jornal do Commércio”, de
15 de novembro de 1837, trazia um anuncio que é exemplo
dos muitos que essa Sociedade publicava durante todo o ano
nessa cidade: “Pela Sociedade Promotora de Colonização se
hão de contratar os serviços de alguns colonos, vindos
diretamente das Ilhas dos Açores, dos ofícios de carpinteiros,
pedreiros, sapateiros, calceteiros, serrador e tanoeiro, assim
como mulheres de todas as idades, próprias para o serviço
doméstico; as pessoas que os
87
quiserem tomar a contrato ou a jornal, podem dirigir-se
ao depósito no Largo da Lapa”.
Passagem obrigatória dos navios que se dirigiam às
possessões européias na África ou Austrália, o porto do Rio
de Janeiro recebia anualmente centenas de embarcações
conduzindo imigrantes ou condenados destinados a essas
colônias. Um desses navios, o “Justine”, entrou na Barra no
dia 13 de novembro de 1837, comandado pelo mestre J.
Bernard Lucas, originário do porto francês de Havre,
trazendo a bordo 238 passageiros de nacionalidade alemã
que seguiam para Sidney, na Austrália.
Esses imigrantes não eram simples passageiros
indigentes, mas famílias que haviam fretado o “Justine”
para ir ao encontro dessas novas terras. Depois de várias
divergências com o Comandante, “pelo mau tratamento
que este lhes dispensara”, resolveram desembarcar e
permanecer no Rio de Janeiro, aceitando a oferta da
Sociedade em alojá-los e arranjar-lhes emprego.
Sabedor da chegada à Corte desses patrícios, Koeler
desceu a serra buscando conhecê-los, e oferecer-lhes
trabalho na estrada da futura Colônia de Petrópolis.
Comunicando ao presidente da Província, Paulino de
Souza e, segundo o relatório de 8 de fevereiro de 1838, foi
autorizado a contratar “29 famílias dos alemães existentes
no depósito da Lapa”.
Em relatório redigido pelo próprio Koeler endereçado
ao Presidente, relatava: “recebi e coloquei na estrada da
Estrela 29 famílias alemães, e entre elas 32 trabalhadores. À
distância de uma légua do porto da Estrela ficaram seis que
se empregaram em consertar e aperfeiçoar os importantes
aterros na vizinhança”. Koeler segue descrevendo a
distribuição dos obreiros ao longo da estrada, finalizando
com a colocação de “cinco trabalhadores e três carpinteiros”
próximos à fábrica de pólvora, aqueles empregados no
aterro do Fragoso, e estes em fazer “portas e janelas para os
88
ranchos que para todos eles se estão construindo no
Itamarati”.
Animado com os bons resultados dessa experiência,
Koeler solicitou à Sociedade de Colonização do Rio de
Janeiro mais trabalhadores, perfazendo um total de 51
famílias sempre elogiadas por Koeler em seus relatórios,
“sobre a maneira com que todos esses colonos trabalham,
sujeitando-se pacificamente em aceitar alimentos estranhos
aos seus costumes”. Provavelmente nasceria aí, as raízes da
colonização de Petrópolis, com imigrantes europeus.
Mas nem tudo foi bonança na recuperação dessa
estrada. As febres palustres dominavam a região, e vários
trabalhadores foram acometidos do mal, tendo sido prestado
toda a assistência necessária por Koeler, “Vi-me obrigado a
remeter um homem e uma mulher para a Misericórdia”,
ficando os remédios e demais despesas a cargo da Sociedade.
Do presidente da Província, foi dirigida ao ministro da
Guerra, Sebastião do Rego Barros, solicitando uma
autorização “para que os colonos alemães, empregados nas
obras da Serra da Estrela, possam nas suas moléstias serem
tratados no Hospital da Fábrica de Pólvora”.
Em um relatório de 1838 escreveu Koeler: “Um dos 24
africanos livres empregados nesta obra, de nome Félix, caiu
gravemente doente e se remeteu, na forma das ordens, para
o hospital da Fábrica, onde tem ido a melhor”.
A construção de ranchos que estavam sendo
erguidos no Itamarati para residência dos alemães eram
feitas “de madeira branca e cobertas de palha de
ouricana” construídos ao lado da habitação de 24
africanos livres e operários escravos”.
Satisfeita com o rendimento dessa pequena colônia de
trabalhadores, que faz parte dessa história de recuperação da
Estrada da Serra da Estrela, nasceria a idéia de se recrutar
imigrantes europeus. A Assembléia Legislativa por
solicitação de seu presidente, apresentou projeto de lei
89
autorizando estabelecer “colônias agrícolas e industriosas
na província”, sendo aprovada em 30 de maio de 1840.
Em virtude dessa lei, chegaram em 1845 por intermédio
da Casa Delrue, os primeiros imigrantes que deram início
a colonização de Petrópolis.
COLONOS FRANCESES
90
COLONIA DO AÇAÍ
92
Firmado o contrato desses colonos franceses que
ficaram no Rio de Janeiro, foram transferidos para a Serra da
Estrela. Em maio do mesmo ano, em um ofício
administrativo dirigido ao subdelegado Francisco Alves
Machado, o presidente da Província Caldas Viana afirmava:
“Envio cópia a Vossa Mercê do contrato celebrado pelo
Govêrno da Província com os colonos franceses empregados
nas obras da Estrela; e ordeno-lhe que a estes lhe pagará
todos os sábados o jornal que venceram na semana, e bem
assim as suas diárias durante um ano”.
Acelerada as obras com a chegada de mais esse
grupo de trabalhadores, o presidente da Província
recomendou em maio do mesmo ano, a “criação de uma
enfermaria nos ranchos formados na Estrela, para o
tratamento de doenças ligeiras que não exceda 5 dias”. A
existência da mão de obra escrava entre os trabalhadores
imigrantes e africanos livres é revelado no mesmo relatório
dizendo que “Os gastos com os curativos, remédios e dietas
seriam descontados nas férias dos operários e dos senhores
de escravos empregados nas obras”.
Entretanto, esse tipo de trabalho estranho a suas
profissões, precipitaram o abandono desses franceses em
fuga “para as vilas e cidades, próximas sem ao menos
indenizar a Província das despesas efetuadas
adiantadamente”. José Antonio Soares, na revista do IHB,
cita o registro de suas profissões em seus passaportes,
concedidos no consulado do Brasil em Paris: homem de
negócios, cozinheiros, carpinteiros, sapateiros, talhadores
de mármore, professor, jardineiros e cozinheira.
Muitos acompanhados de mulher e filhos e
profissão definida, tratava-se de pequenos artesãos e
comerciantes “mais ou menos aburguesados, com
tendências ou aspirações a donos de negócios”. Estranho
também o número de “costureiras” que se apresentaram
para embarque, levando a crer que essa profissão encobria
“outras atividades”, e não a relacionada nos passaportes.
93
AÇORIANOS
REFORMA DO PORTO
A nova Estrada designada Normal da Estrela, em
1843, era o começo de uma outra etapa com a reconstrução
do Porto, em decorrência do início da colonização de
Córrego Seco (Petrópolis). Desde então passou a figurar nos
relatórios da Diretoria das Obras Públicas em duas
referências: Estrada Velha da Estrela, e Estrada Normal da
Estrela. A publicação do edital para a concorrência de suas
obras no governo de Honório Hermeto registra no seu artigo
1º. que “A Estrada principia no Porto da Estrela a beira do
94
rio Inhomirim , no lugar do atual embarque, e segue pelo
trilho da estrada atual até Paraibuna”.
Esse relatório faz referência aos trabalhos dos
imigrantes alemães chegados no Rio de Janeiro em 1837
pelo barco francês “Justine”, contratados pelo major Julio
Frederico Koeler, então responsável pelas obras de
recuperação da Estrada Velha. O parágrafo 3º relata que
“Toda a estrada será empedrada; a largura desse
empedramento será de 25 palmos... feito de pedras
quebradas e de tal modo socadas, que sua superfície
pareça unida, e formada de pedras menores de uma
polegada, conforme o sistema seguido entre a ponte de
João Cândido Fragoso e a fazenda do Itamarati”.
Iniciados os trabalhos nesse mesmo ano em ritmo
acelerado, foi dado especial atenção ao cais de
desembarque do Porto da Estrela com obras de infra-
estrutura, mandando demolir o telheiro pertencente ao
subdelegado Francisco Alves Machado e denominando a
praça em frente ao porto de Praça Santo Honório,
justificando a escolha para “honrar a memória do
conselheiro de Estado, ex-presidente dessa Província, nos
seus importantes serviços e profícuos trabalhos para a
construção da Estrada da Estrela e com especialidade a do
cais de desembarque do arraial do Porto da Estrela”.
Segundo o “Correio Oficial da Província”, em uma
portaria assinada por Caldas Viana, assinalava “notável
incremento no arraial da Estrela”, devido o início da
“construção da Estrada Normal da Estrela e a fundação da
povoação de Petrópolis no alto da serra”, atraindo “para esse
ponto grande população”, e ordenando ao engenheiro
Campo Belo que “levante a planta e o orçamento de um cais
de pedra ou cantaria com cem braças de extensão para ser
colocado na praça santo Honório, do referido arraial ao
longo do rio Inhomirim, no lugar do projetado de madeira,
tendo além dele duas formosas rampas”.
95
No final do relatório Caldas Viana prevê a breve
transformação do arraial em vila, recomendando que seu novo
projeto de remodelação seja abrangente “dada ao plano da
futura vila, que nesse lugar, tem necessariamente de fundar-se”.
Antevisão confirmada, pois três anos depois, mesmo
sem estar pronto o prédio para abrigar a câmara e a cadeia, a
Lei Provincial de 20 de maio de 1846 elevou à Vila, o arraial
da Estrela, abrangendo em seu termo as freguesias de Guia
de Pacopaiba, Pilar, Inhomirim e o curato de Petrópolis.
COLONOS ALEMÃES
97
da Estrela, os demais “alojaram-se nos depósitos da Rua
da Glória e no Quartel do Corpo Policial em Niterói”.
Algumas dessas famílias que não seguiram para a
serra, fizeram uma petição ao Imperador “pedindo-lhe a
graça de serem enviados para São Leopoldo” pois eram
lavradores acostumados com a cultura do arroz e “onde
eles já têm seus parentes e conhecidos”.
Em fins de 1845 era tal o número de colonos chegados no
porto do Rio de Janeiro e transferido para a serra, que achando-
se esgotada a capacidade de “hospedagem” na região,
amontoavam-se nos vários pousos da estrada, conforme
assinalado no relatório de Koeler, que só no porto da Estrela
achavam-se arranchados esperando acomodações cerca de 400
alemães, acrescentando mais 300 na Fábrica de Pólvora; 550 no
Meio da Serra, 140; na Volta do Conselheiro, 550; em
Munginagens, perto da Vila Real, 100; em Sciência, 215.
PETRÓPOLIS
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
AULER, Guilherme – “Registro de Estrangeiros – 1840/
1842” Min. Just. Neg. Int. 1964 – RJ
SOARES DE SOUZA, José Antonio – “A Estrada da
Estrela e os Colonos Alemães” Revista do IHGB – Volume
322 Janeiro/Março 1979 – DIM – RJ
VASCONCELLOS, Francisco de – Revista do Instituto
Histórico de Petrópolis V 4 – 1985 – Petrópolis – RJ
BITTENCOURT, Edmundo Regis – “Caminho e Estradas
na Geografia dos Transportes” Ed. Rodovia – 1958 – RJ
RELATÓRIO DA PROVÍNCIA – “Colônia de Petrópolis”
– Tip. do Diário – 1853 – RJ
PONDÉ, Francisco de Paula Azevedo - “O Porto da Estrela”
– Revista do IHGB Volume 293 – 1971 – RJ SAINT-
HILAIRE, Auguste de – “Viagem pela província do Rio de
Janeiro e Minas Gerais” – 1938 – SP
102
EPIDEMIAS
CAUSAS E CONSEQÜENCIAS NA
BAIXADA FLUMINENE
DURANTE O SÉCULO XIX
105
Apesar de todo o mal causado pelas “febres” à lavoura
e ao comércio, seus portos continuavam recebendo através
das tropas a produção do café, que descia de Nova Friburgo,
Cantagalo e regiões periféricas além da Serra do Mar,
destinado à Capital do Império. Recebam também cargas e
viajantes com destino serra acima, que chegavam até ao
porto transportados em barcos a vapor a partir de 1850,
quando estes começaram a trafegar. “havia o comércio de
madeira, lenha, carvão, farinha e cereais, procedentes das
zonas não alagadas, e com a produção de seus engenhos de
açúcar e aguardente, que chegaram a ser, em 1850, em
número de 38”.
Atacada por essa “doença endêmica” em 1829 e
após um ano de seca “um exame profunctório como
permitiam os conhecimentos da época” diz Mattoso Maia
Forte, “atribuiu a origem do mal invasor ao costume, em
que estavam os moradores da Vila, de se servirem, para
beber, da água estagnada de um pântano que havia por
trás da povoação, de preferência da água do rio que a
banhava. Pouco teria aquela que invejar, em pureza, as
águas do Macacu.
Ambas corrompidas, malsãs, nas proximidades da
Vila onde os rios chegavam, depois de grande curso,
levando detritos vegetais e animais de toda a espécie”.
Segundo um Relatório da Câmara Municipal, em
1836 houve novos surtos assinalando “o aparecimento em
alguns indivíduos, de simples febres precedidas de
calefrios de curta duração, cedendo com pequeno
tratamento”. Entretanto em março já o mal era maior, não
atendendo às medicações. E descrevia a sintomatologia:
“celfagia hemicrania, delírios, prisão de ventre, língua
crostosa...vômitos biliosos e secos. Uma erupção cutânea
por todo o corpo do doente, sintoma que era funesto”.
Um apelo dramático feito em 1839 pelo Presidente da
Câmara ao Governo provincial, declarava que por falta de
106
socorro o “surto endêmico” devastava o município, e que
a própria Câmara “deixa de se reunir por que os
vereadores haviam sido cometidos de febres, e o próprio
médico também estava grandemente enfermo”.
108
CÓLERA-MORBO
VARÍOLA
No dia 28 de novembro de 1882, o subdelegado de
polícia de Jacutinga notificava a Câmara que haviam surgido
os primeiros casos de varíola em seu distrito, solicitando na
mesma nota que “os variolosos sejam tratados em uma casa
longe da povoação, com os recursos necessários. O livro da
Câmara Municipal de Iguassú do dia 24 de setembro de
1883, segundo Waldick Pereira, assinala que as verbas
votadas no ano 1878 foram “insuficientes para o socorro
111
aos indigentes atacados de varíola”, e o mal voltava
novamente a se alastrar.
A carência de socorro fez com que o Ministério do
Império autorizasse a despesa “com os variolosos até a
quantia de 1.000,000” recomendando “a mais severa
economia nessas despesas”; no ano de 1884 com o fantasma
da varíola presente em toda a extensão do município,
ocasionando um apelo da Junta do 1º. Distrito “No intuito de
impedir que a invasão da terrível enfermidade que está
assolando em ponto não muito distante providenciasse a
imediata remoção dos presos que se encontravam na cadeia
e a continuação assídua de desinfetantes”.
O mesmo pedido assinalava ainda uma “ordem
terminante ao médico da Câmara para comparecer
diariamente nesta cidade onde aconselhará o que for
conveniente”, autorizando a “obtenção de uma casa que
sirva para isolar-se pessoas atacadas do mal, se
porventura tivesse a desgraça de vir aqui a terrível peste”.
Atendendo às exigências da Câmara, os fiscais
tomaram as providências necessárias ordenando a todos
os moradores que “caiassem suas casas interna e
externamente removendo o lixo dos quintais, e por conta
da Câmara, o das ruas e praças para pontos distantes e em
seguida incinerados”. Ordenava também que “comprasse
barricas de alcatrão para serem queimados na rua”.
Para atender as pessoas pobres que eram maioria, a
Câmara fez contratar os serviços do Dr. Bernardo Xavier
Rabelo mediante gratificação como forma de pagamento
“até que se vote o orçamento”.
As medidas profiláticas se arrastaram durante os anos
seguintes, até que em dezembro de 1895 uma providência
mais eficaz de combate à varíola se efetuasse em Meriti
“quando José Manoel de Santa Rita, farmacêutico e juiz de
paz naquele distrito comunicava haver aplicado em 113
pessoas os seis tubos de “lympha” enviados pela Câmara, e
112
21 particularmente pelo dr. Presidente e não haver caso
algum de varíola no distrito”.
As remessas de “lympha” continuaram a ser
enviadas para esse distrito e “acusadas como recebidas”
no início de 1889, a maioria pela iniciativa da Diretoria de
Assistência Pública do Estado. Destinadas ao lazareto
instalado ali desde 1895, distribuiu-se também por toda a
região de “Maxambomba e Riachão”.
Com a desistência da maioria dos médicos que eram
nomeados para o serviço de “consulta e profilaxia” apesar
da remuneração tentadora, um médico sobressaiu em sua
tarefa: o Dr. Heitor Murat. Indicado “para prestar serviços
mediante a gratificação mensal de cem mil reis (100$000),
estabeleceu um consultório em Maxambomba com
designação de dia e hora e atender os chamados de
qualquer parte”.
No último ano do século XIX o surto de varíola
estava controlado, e o dr. Murat “dispensado dos seus
serviços médicos por não haver necessidade deles”,
confirmado pela Junta Distrital de Iguaçu anunciando
“Ter-se extinguido completamente a varíola” e pedindo o
reembolso das despesas “despendidos com os lazaretos
de Salto d’Agua e Cachoeira”.
MALÁRIA
Os surtos endêmicos da malária iam e vinham em
ondas acompanhando as grandes chuvas seguidas de estiagem.
No ano de 1897, segundo registro de Waldick, Pereira, o mal
voltou tão forte que durante a construção de pontes no distrito
de Pilar as obras foram paralisadas ”visto a epidemia de febres
ter obrigado o pessoal a abandonar o trabalho”.
Dando prosseguimento ao trabalho de minorar a
doença, foi nomeada “uma Comissão especial de hygiene
para em cada distrito proceder ao exame dos quintaes”,
113
distribuídas nos seguintes distritos: Marapicu, Merití e
Jacutinga, “não sendo nomeada para o Distrito de Pilar,
por estar vago o cargo de vereador distrital”, e Palmeiras,
“por não haver povoação”.
Segundo a Comissão, as chácaras e os quintais de
maxambomba “com honrosas exceções, encontramos absoluta
falta de hygiene, tal é a aglomeração de lixo, matérias deletérias,
provenientes em quase totalidade de pequenas valas sem o
indispensável asseio, o que é fácil de vencer-se, se os
respectivos moradores quiserem se compenetrar, de que um
pequeno serviço de pedreiro, lhes dará um meio de trazerem
sempre limpas as dependências de suas casas”.
PESTE BUBONICA
114
animais, a razão de 100 Réis cada um, os animais referidos
eram ratos”, diz Waldick Pereira.
FREGUESIA DE N. S. DO PILAR
P onto de referência para a partida e chegada através
do “Caminho Novo das Minas”, aberto por Garcia Pais em
1704, Pilar conheceu momentos de opulência econômica com
a ampliação de seu porto, recebendo e despachando
embarcações que escoavam produtos agrícolas e riquezas
minerais, merecendo cuidados especiais em seu controle,
tendo a Corte mandado construir ali, um “registro” para
fiscalização dos “quintos”.
Os engenhos de cana de açúcar e aguardente
dominavam a região. Liderados pelo capitão Luciano
Gomes Ribeiro “que todos os anos faz 40 caixas de açúcar,
entre branco e mascavo, e 17 pipas de aguardente,
ocupando 74 escravos”. Seguiam-se mais três engenhos: o
de Matheus Chaves e dos capitães Pedro Gomes de
Assunção e João Carvalho de Barros, produzindo
aguardente e “16.274 alqueires de farinha”.
“Em 1789”, diz Mattoso Maia Forte, “o povoado do
Pilar contava com 3.895 habitantes sendo 2727 livres e
1168 escravos, apresentando assim, maior densidade
demográfica em relação aos demais distritos constituídos
por Piedade de Iguassú, Jacutinga, Marapicu e Meriti”.
Segundo também o mestre de campo Fernando Dias Pais
Leme, no final do século XVIII “a Freguesia de N Sra. do
Pilar contava com 283 fogos”(casas).
O início da decadência deu-se ainda no período da
regência, “para depois enterrar todo o seu opulento passado,
agravado com a insalubridade de suas terras, nas quais reina
endemicamente desde 1833 o impaludismo”, diz Noronha
Santos. Com o desmatamento, o assoreamento dos rios fez-se
presente, formando pantanais causadores de febres palustres
que ceifaram centenas de vítimas.
Espalhando-se pela bacia hidrográfica do Iguaçu, “as
115
febres intermitentes, vulgarmente chamadas de Macacu,
atingiram centenas de vítimas nas freguesias de Irajá,
Iguaçu e Pilar, notadamente nesse arraial que era dos
mais prósperos e contava maior população”.
Apesar da desobstrução dos rios e a abertura de
canaletas para dessecamento do solo diminuindo os
“miasmas da terra”, grande parte dos moradores mais
abastados se afastaram para as serras, considerada até então
as mais salubres. No cemitério da velha matriz “onde se
faziam os sepultamentos, foi naquele ano interditado,
proibindo-se a abertura de novas catacumbas”.
Pertencente à Vila de Iguaçu conforme o Ato de sua
criação em 1833, passou-se para Vila da Estrela em 1846.
Com a extinção desta, volta ao termo de Iguaçu em 1892,
junto com a freguesia de N Sra. da Piedade do Inhomirim.
Em um fragmento de jornal, encontramos o
depoimento do escritor Magalhães Corrêa registrando um
passeio feito a esse distrito em 1936, dizendo que em volta
da igreja, caiada de branco “como uma garça pousada, casas
assobradadas em ruínas e outras em terrenos desabitados
resistiam ao abraço mortal das figueiras centenárias”.
Outrora morada de José Pedro da Motta Saião, à o
barão do Pilar, filiado a Irmandade da igreja e rico
proprietário de portos, barcos e fazendas, deixava para o
esquecimento os últimos vestígios de uma época faustosa,
onde o alarido constante dos tropeiros anunciavam a
nobiliarquia que se formava, saboreando a riqueza do café.
O ocaso da monarquia desfez o que restou da
opulência do recôncavo e da aristocracia rural que a
explorava. A lei áurea desmantelou a organização
agrícola, eliminando o trabalho escravo na limpeza dos
rios e córregos, ocupados por extensos lençóis de
vegetação aquática que os obstruíam, transformando a
planície em pântanos e lodaçais.
As construções das estradas de ferro e de rodagem,
concentrando aterro em suas vias, transformaram-se em
longas barragens por falta de escoamento, agravado por
estreitas pontes sobre córregos que entupiam em dias de
chuva, ampliando-se as áreas de alagamento. Depois de um
116
longo ciclo de esplendor, a República veio encontrar a Baixada
Fluminense em pleno estado de abandono e insalubridade.
MANTIQUEIRA
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
119
ENGENHO GERICINÓ
CONTRATO
ESCRAVOS
Ao arrolar o patrimônio referente aos cativos, ao
gado e demais criações, vemos que os bens do visconde
eram opulentos para os padrões da época, especialmente
na Baixada Fluminense onde proliferavam os pequenos
engenhos de açúcar, e engenhocas produtoras de
aguardente, cujo número de escravos não passava de
quarenta. Com um plantel de 94 escravos, e mais
123
trabalhadores assalariados, podemos ter uma idéia da
grande atividade econômica que esta fazenda desenvolvia
na região. Possuindo uma área de 18.7km2, “para esse
engenho já eram alugados, em 1862, escravos da Fazenda
Santa Cruz”.
Antes de comentar o contrato que temos em mãos,
queremos lembrar que a situação do escravo no início do
século XIX representava aproximadamente 50% da
população brasileira, na segunda metade diminuía para
16 %, e em 1888, ano da abolição, apenas 5 %.
No final do século XVIII, a produção mineradora
encontrava-se em total declínio e os grandes produtores
de açúcar voltam-se para o plantio do café. Com o
mercado consumidor em expansão na Europa e nos
Estados Unidos, a elite escravocrata brasileira da região
sudeste investiu nesse novo produto que exigia apenas
terra e mão de obra desqualificada, representada pelos
cativos, transformodo em altos rendimentos.
Apesar da pressão inglesa para a extinção do tráfico
à partir de 1810, interessada em substituir o trabalho
escravo pelo trabalho livre, criando assim um mercado
consumidor para seus produtos industrializados, o
governo brasileiro deu pouca atenção a essas exigências.
O trabalho escravo era mais lucrativo e a longa herança
cultural escravocrata era aceita como instituição nacional.
Considerado pirataria, qualquer navio encontrado
que transportasse cativos para o Brasil, a Lei Bill
Aberdeen votado pelo Parlamento inglês em 1845, trouxe
conseqüências desastrosas para esse comércio. À partir de
então, o valor dos escravos subiu de preço a cada ano,
premido também pela necessidade de atender a expansão
das lavouras cafeeiras, e agravado pela Lei Eusébio de
Queiroz, que a partir de 1850 extinguiu definitivamente o
tráfico internacional de escravos.
O valor de um escravo do sexo masculino, com idade
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entre 15 a 30 anos, passou a valer a partir dessa lei entre 500 a
600 mil réis. Dez anos mais tarde, como veremos na relação de
escravos pertencentes ao visconde, esse valor oscilava entre
1500 e 2000 contos de réis, dependendo da idade e profissão.
A possibilidade de empregar mão de obra livre
encontrou forte resistência, entretanto, sem opção para atender
à produção nos engenhos e lavouras, o fazendeiro foi buscar
nos escravos alforriados, mulatos, índios e brancos pobres, a
opção de dar continuidade à produção como assalariados,
sendo a eles destinados as tarefas mais perigosas, onde seu
afastamento por acidente ou morte, minimizaria o prejuízo,
resguardando o escravo por seu valor.
As regiões do país que apresentavam uma economia
em decadência, como o nordeste açucareiro ou o sudeste
minerador, após a Lei Eusébio de Queiróz contribuíram
para o tráfico interno, vendendo para as lavouras de café,
a mão de obra escrava ociosa, o que não ajudou diminuir
o preço do escravo em contínua ascensão.
Voltando a comentar o contrato feito pelo visconde
de Santo Amaro que temos em mãos, especialmente em
relação ao preço dos escravos, vemos que este valor
dependia da idade, e sua profissão. As “crias”, ao alcançar
o primeiro ano de vida, eram cotadas em 100 mil réis, e
assim iam dobrando a cada ano.
Os diversos ofícios vão desfilando diante dos nossos
olhos, assim como a idade, acompanhados dos
respectivos valores. Enfadonho seria citar todos os 94
nomes, idades e suas profissões, detendo-nos apenas nos
cativos que mais nos chamaram a atenção.
Entre os escravos de maior valor temos Zacarias, 25
anos com a profissão de “carreiro falquejador”(carpinteiro),
cujo preço alcançava a quantia de 2.000$000. Segue-se na
relação em ordem decrescente uma mulher: Justiniana, com
a idade de 18 anos, dominando os ofícios de costureira e
“roça”, cotada em 1.800$000. Augusta, 24 anos, “mucama,
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cozinha, lava”: 1.800$00. E assim os valores vêm decrescendo
de acordo com a atividade produtora e, a partir dos 30 anos
quando a força de trabalho já não correspondia
à expectativa do rendimento, pois a duração média de vida
era de 50 anos. Romana, 24 anos, “faz manteiga e queijos”,
1.700$00. Manoel Nagô, com a mesma profissão de Zacarias:
falquejador (carpinteiro) e serrador, alcançava apenas o
valor de 500$00, em conseqüência, talvez, da idade de 40
anos. Bernardo de 12 anos “campeiro”, devia ser vigia e
tocador de gado, valia 800$00.
Os servos envelheciam prematuramente devido à
rudeza do trabalho. Expostos diariamente às intempéries do
campo e subalimentados, contraiam freqüentemente doenças
que os deixavam com seqüelas. Encontramos aqui Josefa
Mina, com a idade de 50 anos, destinada ao “serviço do
paiol”, sem cotação de preço, pois era cega. José Maria, 50
anos, “serviço do paiol”, cego. Domingos, “penhor e fole”, 45
anos, cego. Antonia, com idade desconhecida, pois a relação
menciona apenas, “velha”, sem cotação, se refere apenas a
sua atividade: “criadeira de perús”.
A Lei dos Sexagenários, só votada em 1885, às portas
da Abolição, é mais uma página de crueldade gerada pela
elite escravocrata do que um benefício. Concedia a libertação
de todos os escravos com mais de sessenta anos, devendo
estes trabalharem mais três anos, ou pagar em uma
indenização a seus senhores de 100 mil réis. Nessa idade,
mesmo liberto, cansado e doente, não teria condições de
sustentar-se fora da fazenda, onde deixara toda sua vida.
Nessa época o insuspeito Rui Barbosa escrevia: “O velho
cativo, pela debilidade do corpo enfermo, pela tendência
irresistível de costumes inveterados, por laços de família,
pelas infinitas relações impalpáveis que afeiçoam a velhice
à terra... está preso à fazenda onde encaneceu. Em regra,
portanto, o liberto sexagenário, não deixa nem deixará a
casa do senhor”.
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Além dos cativos citados no relatório, o visconde
relaciona um grande número de bois de carro, gado,
carneiros, animais de montaria e carga, formas de barro e
de madeira para açúcar, pipas para transporte de
aguardente, balsas, enxadas, machados peças de
carpinteiro, mesas de jogo, quadro de santos, relógio,
louças etc. Deixa também para cobrança, sob a
responsabilidade do administrador, o aluguel “dos pretos
que andam trabalhando na estrada de Iguassú” a soldo do
Governo da Província: “sendo os cabouqueiros a 24$000 e
os outros a 15$000 por mês, cuja cobrança deve-se realizar
logo que o Governo Provincial, efetive o pagamento”.
Segundo Noronha Santos, parte do local em que
existiu a fazenda de Gericinó é hoje propriedade do
Exército, que o adquiriu em 1907 a Alexandrino Pires
Coelho por 600 contos de réis, destinando-a juntamente
com a de Sapopemba (Deodoro), incluída na compra,
“para a construção de uma Vila Militar e um campo de
treinamento”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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