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CONSCIÊNCIA
Sumário
2 Perspectiva bíblica
3 Perspectiva histórica
Sumário
1 Definição
2 O contexto do mundo do trabalho
3 Doutrina Social da Igreja
4 América Latina
5 Sistematização
6 Referências bibliográficas
1 Definição
O trabalho é o âmbito da existência em que a pessoa se depara com todos os
aspectos que marcam sua identidade como indivíduo e como ser social. O verbo
trabalhar vem do latim tripaliare (torturar), derivado de tripalium, uma espécie de
instrumento de tortura composto de tres e palus. Em quase todos os idiomas, se utiliza
esse verbo para expressar ideia de fadiga. O conceito alemão arbeit se usa com um
significado equivalente. No idioma português e no espanhol, é derivado de tripalium,
assim como travailler, em francês significou “sofrer” pelo menos até o século XVI.
Na história do Ocidente, o sentido do trabalho sofre mutações segundo os
contextos históricos (cf. MERCURE e SPURK, 2005). Na civilização greco-romana,
estruturada sobre o modo de produção escravista, o trabalho não era um elemento da
vida boa. Em Histórias, Heródoto registra que os trabalhos manuais (cheirotecnai)
eram rejeitados pelos homens livres. Filósofos como Platão ensinavam que tanto os
cheirotecnai como o trabalho artesanal (banausia) eram atividades inferiores. Cícero
classificava o trabalho manual no nível mais baixo da hierarquia dos valores. O
trabalho para a sobrevivência era identificado à palavra negócio, literalmente,
“negação do ócio”. O ócio era a forma nobre de ocupar o tempo com a arte do governo
da pólis (política) e com a filosofia (contemplação das ideias). As atividades
relacionadas com a sobrevivência material ficavam a cargo dos servos, escravos e
camponeses, pessoas de segunda categoria (ARENAS POSADAS, 2003).
O Cristianismo inaugura uma lenta e progressiva mudança de perspectiva.
Nela, os monges tiveram influência inquestionável. São Basílio (330-379) ensinava
que “sobram palavras para mostrar os males da ociosidade, como ensina o Apóstolo:
‘Aquele que não trabalha que não coma’ (2Tes 3,10). Do mesmo modo que cada um
tem necessidade do alimento, assim também deve trabalhar segundo suas forças”
(BASÍLIO, 1857-1866, p.37).
Os monges não estavam submetidos a critérios econômicos, mas à
espiritualidade. Isso explica sua preocupação com as distrações da vida
contemplativa: “Ocupa-te em algum trabalho, de modo que o diabo te encontre sempre
com as mãos na obra”, exortava São Jerônimo (347-420). A sentença ora et labora,
da Regra de São Bento (século VI), é origem da moderna ética do trabalho. A regra
sobre o trabalho manual – De opere manuum Quotidiano – instrui que a ociosidade é
inimiga da alma; por isso, em determinados tempos, os monges ocupem-se dele. Os
monges que se ocupavam em fazer cestas para rompê-las em seguida e refazê-las
tinham como fim “juntar tesouros no céu” (Mt 6,20). O trabalho era motivado pela
caridade. A preocupação em garantir o sustento estava acompanhada pelo socorro
aos necessitados (JACCARD, 1971).
Santo Agostinho (354-430) aprofunda esta vinculação entre trabalho, oração
e caridade. Em seu estado original, o trabalho era agradável ao corpo e à mente, um
livre exercício da razão e uma forma de louvar a Deus. O cansaço é uma
consequência da finitude humana e uma recordação da primitiva infidelidade. Seu
extremo é a ociosidade. Monges de Cartago defendiam a renúncia ao trabalho manual
para dedicar-se totalmente à contemplação. Em resposta, Agostinho escreveu o livro
De Opere monachorum. A razão fundamental para o trabalho, sem dúvida, é a
edificação da cidade de Deus, concretizando o conceito cristão de charitas na história
da humanidade. O trabalho e os bens materiais bem ordenados ajudam a edificar a
cidade de Deus – núcleo da intenção bem ordenada (AGOSTINHO, Cidade de Deus).
A tradição escolástico-tomista acentuou novos sentidos ao trabalho. Na Suma
Teológica, de Tomás de Aquino (1225-1274), o trabalho é abordado a partir do
princípio universal da preservação da vida. A necessidade de sobrevivência é sua
primeira razão. O trabalho pertence à ordem da matéria e não se deve buscar mais
do que o sustento. Outro critério é o da utilidade comum. O valor de uma coisa
depende da sua utilidade para a comunidade (ST II-II q.179-189).
Na modernidade ocorre uma mudança radical no conceito de trabalho (DÍEZ,
2001). Abandona-se o sentido religioso em favor de fins primordialmente materiais. A
revolução industrial irá solidificar este processo de mudança. John Locke, um dos pais
da economia política do liberalismo, vê no trabalho a origem da propriedade privada
(LOCKE, 1990). Adam Smith, fundador da moderna ciência econômica, vê no trabalho
a principal origem da riqueza das nações (SMITH, 1996). Com a consolidação do
capitalismo, o trabalho na indústria e a relação salarial passam a definir todas as
demais relações sociais (PARIAS, 1965). O processo de proletarização é um
acontecimento nuclear da consolidação da modernidade ocidental. Na economia de
mercado, o valor dos bens é estabelecido pela lei da oferta e da procura. O salário é
o preço da mercadoria trabalho (POLANYI, 2000). O indivíduo configura sua
personalidade através do trabalho. Os “melhores” trabalhos são os mais bem
remunerados e prestigiados. Max Weber (1864-1920), ao investigar as origens do
racionalismo ocidental do Capitalismo, conclui que a espiritualidade do trabalho da
Reforma Protestante impulsionou uma ética profissional (WEBER, 2004). A teoria da
predestinação individual do calvinismo ampliou o conceito de vocação a todas as
profissões honestas. O homem deve agradar a Deus com seu trabalho.
Para Karl Marx, o trabalho é, primeiramente, uma categoria antropológica,
pois se trata de uma atividade essencial da natureza humana. O progresso econômico
e cultural acontece em torno do aperfeiçoamento dos meios de trabalho (MARX,
2013). O trabalho livre é a essência do homem e o motor da história das civilizações.
A história universal é a criação do homem pelo trabalho (cf. MARX, 2007). Contudo, a
economia política o conduziu ao processo de degradação traduzido pelo conceito de
alienação. O trabalhador foi convertido em uma besta de trabalho, cujas exigências
são reduzidas a necessidades físicas essenciais dos animais (MARX, 2004). O
mecanismo da mais-valia e a propriedade privada reduziram o trabalhador a esta
condição (MARX, 2013). O trabalho alienado representa uma verdadeira mutilação da
humanidade e uma nova forma de escravidão (cf. MARX, 2004). Aqui está a origem
do conflito entre trabalho e capital, a luta de classes (cf. MARX, 2007).
a) Rerum novarum
b) Concílio Vaticano II
c) Laborem exercens
e) Papa Francisco
4 América Latina
5 Sistematização
6 Referências bibliográficas
JUSTIÇA SOCIAL
Sumário
1 Status questione
2 Escolástica-tomista
6 Sistematização
7 Referências bibliográficas
1 Status questione
Parece ter sido abraçada por amplo segmento do clero de todas as tendências
do cristianismo, as quais, à medida que perderam a fé numa revelação sobrenatural,
parecem ter buscado refúgio e consolo numa nova religião “social” que substitui uma
promessa celeste de justiça por outra temporal, e esperam poder assim prosseguir na
sua missão de fazer o bem. A Igreja Católica Romana, especialmente, fez da meta de
“justiça social” parte de sua doutrina oficial (HAYEK, 1985, p. 84).
2 Escolástica-tomista
A economia é seu campo de aplicação mais imediato. Para Pio XI, existe uma
lei de justiça social que deveria reger qualquer modelo econômico:
A igualdade fundamental entre todos os homens deve ser cada vez mais
reconhecida, uma vez que, dotados de alma racional e criados à imagem de Deus,
todos têm a mesma natureza e origem; e, remidos por Cristo, todos têm a mesma
vocação e destino divinos. Mas deve superar-se e eliminar-se, como contrária à
vontade de Deus, qualquer forma social ou cultural de discriminação, quanto aos
direitos fundamentais da pessoa, por razão do sexo, raça, cor, condição social, língua
ou religião (…) Com efeito, as excessivas desigualdades econômicas e sociais entre
os membros e povos da única família humana provocam o escândalo e são obstáculo
à justiça social, à equidade, à dignidade da pessoa humana e, finalmente, à paz social
e internacional (GS 29).
muitas vezes falta uma consciência clara dos problemas que afetam
particularmente os excluídos. Estes são a maioria do planeta, milhares de milhões de
pessoas (…) Uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem
social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto
o clamor da terra como o clamor dos pobres (LS 49).
Se a terra nos é dada, não podemos pensar apenas a partir dum critério
utilitarista de eficiência e produtividade para lucro individual. Não estamos a falar
duma atitude opcional, mas duma questão essencial de justiça, pois a terra que
recebemos pertence também àqueles que virão (LS 159).
6 Justiça socioambiental
7 Sistematização
8 Referências bibliográficas
1 Definição
2 História
2.1 Platão
2.2 Aristóteles
2.3 Cícero
2.4 Agostinho
4.2 Bioética
4.3 Ecologia
5 Conclusão
6 Referências bibliográficas
1 Definição
O bem comum diz respeito à realização última das capacidades individuais,
seja em relação a cada indivíduo em particular, seja no grupo. O bem comum não é a
soma dos bens desejados e buscados individualmente, nem o que concerne a cada
um na busca de obter aquilo que se deseja. O bem comum não é nem mesmo aquilo
que a coletividade impõe de modo totalizante e que não considera ou absolutamente
elimina a atenção a cada cidadão e à autonomia individual.
Em terceiro lugar, o bem comum pode ser definido como um bem institucional,
para indicar as condições sociais e institucionais que são necessárias para promover
o bem comum de cada cidadão e de toda a coletividade. Este modo de compreender
o bem comum é considerado por importantes documentos do magistério católico.
Na carta encíclica Mater et magistra (1961), o papa João XXIII afirmou que o
bem comum é “o conjunto daquelas condições sociais que consentem e favorecem
nos seres humanos o desenvolvimento integral da sua pessoa” (João XXIII, 1961,
n.51). Poucos anos depois, o Concílio Vaticano II, na Constituição Pastoral sobre a
Igreja no mundo contemporâneo, a Gaudium et spes, indicou que “o bem comum é o
das condições da vida social que permite tanto aos grupos, quanto a cada um de seus
membros atingir de maneira mais completa possível a própria perfeição” (CONCILIO
VATICANO II, 1965a, n.26). Outros documentos do magistério católico tem
confirmado esta questão: a declaração sobre a liberdade religiosa Dignitatis humanae
do Concílio Vaticano II (CONCILIO VATICANO II, 1965b, n.6), o Catecismo da Igreja
Católica (1992, n.1006) e o Compêndio da Doutrina Social da Igreja (PONTIFICIO
CONSIGLIO DELLA GIUSTIZIA E DELLA PACE, 2004, n.164).
2 História
O bem comum é um conceito com uma longa história. No âmbito judeu cristão,
o mandamento bíblico que exorta a amar o próximo como a si mesmo pede que se
faça o quanto possível para promover o bem de cada pessoa – perto ou longe,
conhecido ou desconhecido, inclusive. Este mandamento do amor propõe o bem
comum, tende para a sua realização e o torna possível.
2.1 Platão
2.2 Aristóteles
Para Aristóteles (384-322 aC), a política consente definir aquilo que é o bem
para o ser humano. “O bem é aquilo a que todas as coisas tendem” (ARISTÓTELES,
I, 1, 1094a, 3) e o tratado sobre o bem é um tratado de política (ARISTÓTELES, I, 2,
1094b, 11). Por consequência, o bem do ser humano, qual animal social, político (zôon
politikón), é inseparável daquele da pólis. É só na pólis que a vida boa e virtuosa do
corpo social é possível. Além disso, o bem da pólis tem a supremacia sobre o bem do
indivíduo, porque o bem cumulativo da coletividade é mais importante do que o bem
de cada indivíduo. A pólis grega, porém, é de elite. É a união de muitas cidades,
famílias, estirpes e o bem da pólis diz respeito apenas aos que são considerados
cidadãos, mas não as mulheres, os escravos e os estrangeiros.
2.3 Cícero
Com Marco Túlio, Cícero (106-143 aC) traz uma visão crítica do bem público
(res pública) porque, nos dez anos que precedem o nascimento de Jesus, o império
romano não possui a capacidade de tender ao bem público, comum, necessário para
ser povo. Não obstante isso, o bem pessoal e social são inseparáveis (Cícero I, 25,39).
Pelo contrário, ocorreria antepor a utilidade geral à própria. Além disso, a existência
da res pública exige um acordo entre a pessoa e aquilo que seja correto, justo e sobre
o bem que se compartilha em comum (HOLLENBACH, 2002, p.122). Tanto para
Cícero, como para Aristóteles, a igualdade entre os cidadãos não é inanimada.
2.4 Agostinho
Agostinho afirma com clareza que nenhuma cidade terrena poderá realizar a
plena comunhão com Deus que caracterizará a cidade de Deus, mas já agora é
possível a vida comum de uma res pública com o bem comum partilhado
(HOLLENBACH, 2002, p.126). Em outras palavras, a visão teológica agostiniana não
é um obstáculo para a vida comum. De tal modo, Agostinho integra a crítica de Cícero
valorizando a relação fundada sobre a amizade e o amor, que caracterizam a
experiência de cada pessoa e que consentem em construir o bem comum da
sociedade.
Além disso, para Tomás, o adjetivo “comum” pode indicar aquilo que é comum
a muitos por motivo de sua natureza (secundum res), como um lugar comum no qual
nos reunimos, ou então secundum rationem, isto é, que pertence a muitos, mas do
qual a unidade depende de uma abstração, como o gênero animal (TOMÁS DE
AQUINO, I, q. 13, a. 9).
O bem comum não é somente o bem individual, nem a soma aritmética dos
bens individuais e privados. Isto criaria divisões na sociedade. Ao contrário, o bem
comum almeja uma ordem social de grau mais elevado em relação ao que se pode
conseguir somando os bens de cada cidadão. Portanto, em Tomás, a noção de bem
comum depende da convicção que a pessoa humana é intrinsecamente social,
orientada naturalmente ao bem e parte de um universo ordenado naturalmente.
Finalmente, o princípio do bem comum tem um componente sobrenatural (Deus é o
sumo bem comum) e um natural (a exigência prática do viver social).
Por causa da tensão entre o bem temporal e o bem último, entre o cidadão, a
civitas e Deus, a sociedade política é essencialmente relação e é caracterizada pelas
relações dinâmicas entre indivíduos, sociedade de Deus. Quanto mais se compreende
e se vive tais relações, tanto mais cada cidadão compreende e vive na sociedade
política perseguindo o bem comum da sociedade civil. Ao mesmo tempo, cada uma
destas relações, e todas juntas, constituem aproximações do bem comum, em menor
medida do bem comum temporal e, em grau máximo, do bem comum último. Como
consequência, ao se pretender definir o bem comum de modo não aproximado se
recai num bem particular. Tomás define três aproximações.
O Papa João XXIII, na Encíclica Mater et magistra (1961), afirma que o Estado
existe para organizar o bem comum, com a responsabilidade de promover a justiça
social (GIOVANNI XXIII, 1961, n.12 e 41).
Também na Encíclica Pacem in terris (1963), João XXIII pede que os poderes
públicos se esforcem para realizar o bem comum, promovendo os bens materiais e
espirituais, criando uma comunidade mundial na qual todos os cidadãos sejam iguais.
Ainda exorta que sejam protegidos e promovidos os direitos humanos (GIOVANNI
XXIII, 1963, n.35 e 40). Como na Mater et magistra, a Pacem in terris de João XXIII
alarga a perspectiva de pertença de toda a humanidade ao bem comum (GIOVANNI
XXIII, 1963, n.54).
Para o Papa Bento XVI, na encíclica Caritas in veritate (2009), “querer o bem
comum e trabalhar para isso é uma exigência de justiça e caridade. O compromisso
com o bem comum é cuidar, por um lado, e usar, por outro lado, esse complexo de
instituições que legalmente, civilmente, politicamente e culturalmente estruturam a
vida social, que se torna uma cidade” (BENTO XVI, 2009, n.7). Além disso, a atividade
econômica “deve ser voltada para a busca do bem comum, e deve ser cuidada,
sobretudo, pela comunidade política” (BENTO XVI, 2009, n.36).
A reflexão teológica enfatiza que o bem comum não é a soma dos bens
particulares, nem a soma dos bens possuídos por muitos cidadãos, visando a sua
utilidade pessoal, nem alguma coisa a ser alcançada (uma herança comum),
contribuindo o mínimo possível e nem substituindo os bens individuais. O bem comum
também não é o bem da maioria dos membros da comunidade (NEBEL, 2006). O bem
comum inclui todos os bens sociais, também os espirituais, morais e materiais, que o
homem busca sobre a terra de acordo com as necessidades de sua natureza pessoal
e social.
Além disso, a reflexão teológica chama a atenção para o que já está sendo
implementado na sociedade civil – por exemplo, através das ciências sociais (FINN,
2017) – mesmo quando é tematizada como uma promoção do bem comum. Somos
convidados a reconhecer e identificar o que realmente promove o bem comum local e
universal (MICHELINI, 2007).
4.2 Bioética
Além disso, para Cahill, o bem comum na esfera social exige a promoção da
comunicação social e da cooperação (CAHILL, 2004a, p.8). No atual contexto
globalizado, os problemas individuais e sociais causados pela pobreza, pelo sexismo
e pelo racismo aumentaram o número de pessoas vulneráveis a doenças. Por esta
razão, no campo católico, a bioética deve favorecer o compromisso de promover a
justiça social e o bem comum (CAHILL, 2004a, p.75-6).
Essa abordagem que considera questões bioéticas como questões sociais e
enfatiza a importância de promover o bem comum não está isolada. Na Grã-Bretanha,
os bispos católicos indicaram repetidamente o bem comum como um recurso e um
objetivo ético tanto para enfrentar os desafios políticos como bioéticos (CATHOLIC
BISHOPS OF ENGLAND AND WALES SCOTLAND AND IRELAND JOINT
COMMITTEE ON BIO-ETHICAL ISSUES, 2001; CATHOLIC BISHOPS
CONFERENCE OF ENGLAND AND WALES, 1996, n.66-68).
Muitos autores compartilham essa ênfase (RYAN, 2004; ARIAS, 2007; VICINI,
2011), enquanto outros afirmam que a necessidade de promover o bem comum exige
solidariedade (HOSSNE & LEOPOLDO E SILVA, 2013; GARRAFA & PEREIRA
SOARES, 2013).
Para o brasileiro Márcio Fabri dos Anjos, o bem comum exige uma abordagem
legislativa nacional e internacional, uma vez que muitas empresas de biotecnologia
são multinacionais e porque muitas populações, que são objeto de pesquisas
genéticas – como tribos amazônicas e grupos étnicos em várias partes do mundo –
são geneticamente estudados sem a necessária proteção (FABRI DOS ANJOS, 2005,
p.152-3).
4.3 Ecologia
O bem comum pressupõe o respeito pela pessoa humana como tal, com
direitos fundamentais e inalienáveis ordenados para seu desenvolvimento integral.
Também requer sistemas de segurança social e o desenvolvimento dos vários grupos
intermediários, aplicando o princípio da subsidiariedade. Entre eles, a família é
especialmente a célula primária da sociedade. Finalmente, o bem comum exige a paz
social, isto é, a estabilidade e a segurança de uma determinada ordem, que não se
realiza sem atenção especial à justiça distributiva, cuja violação sempre levanta
violência. Toda a sociedade – e especialmente o Estado – tem a obrigação de
defender e promover o bem comum (….) Sob as condições atuais da sociedade
mundial, onde há tantas desigualdades e cada vez mais pessoas que estão sendo
privadas dos direitos humanos fundamentais, o princípio do bem comum se torna
imediato, como consequência lógica e inevitável, em um apelo à solidariedade e em
uma opção preferencial pelos mais pobres. (FRANCISCO, 2015, n.157-158)
Deste modo, o papa Francisco acrescenta as vozes de muitos que nos
convidam a tomar consciência da urgência em proteger nosso planeta, o bem comum
da humanidade (CASTILLA, 2015; SCHEID, 2016).
5 Conclusão
Referências bibliográficas
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<http://www.vatican.va/archive/ITA0014/_INDEX.HTM>. Acesso em: 28 dez 2016.
CAHILL, L. S. AIDS, Justice, and the Common Good. In: KEENAN, J. F., S.J.;
FULLER, J., S.J.; CAHILL, L. S.; KELLY, K., (Eds.). Catholic Ethicists on HIV/AIDS
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CICERONE, M. T. De Republica.
CLARK, M. Health Equity, Solidarity and the Common Good: Who Lives, Who
Dies, Who Tells Your Story. Health Progress, v. 97, n. 6, p. 9-12, 2016.
NAIRN, T. Health Care Decisions for the Common Good. Health Progress, v.
97, n. 6, p. 4-7, 2016.
PLATONE. Repubblica.
______. A Public Faith: How Followers of Christ Should Serve the Common
Good. Grand Rapids: Brazos Press, 2011.
[1] Nesta seção me refiro a um artigo não ainda publicado do professor David
Hollenbach, S.J., apresentado e discutido no contexto do seminário de Ética, em
Boston College em setembro de 2014.
1 Significado da sexualidade
1.1 Definição
1.2 Desafios
3.2 Desafios
4.2 Perspectivas
5 Referências bibliográficas
1 Significado da sexualidade
1.1 Definição
1.2 Desafios
Integrada num projeto de vida, isto é, fazendo parte do sentido mais profundo
dado à existência, a sexualidade humana é chamada a ser linguagem deste
significado. Por mais diversas que sejam as razões pelas quais as pessoas vivem,
todas querem amar e ser amadas. Neste sentido, o amor, enquanto “afetiva, afirmativa
participação na bondade de um ser” (VACEK, 1994, p.34), não apenas pode ser
assumido como o significado último de todo projeto de vida, mas pode ser “o” projeto
de vida por excelência. É o amor a única realidade que, de fato, humaniza a
sexualidade (CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA, 1983, n.6); é ele
que permite discernir os apelos que provêm das relações que estabelecemos com
quem faz parte da nossa vida. Quando autêntico, o amor leva-nos para fora de nós
mesmos e abre-nos ao outro. E, ao reconhecermos o outro como alguém a ser amado,
reconhecemos todos os seus direitos de se realizar como pessoa.
2.2 Desafios
De acordo com a Humanae Vitae – que bem sintetiza a doutrina católica até
os dias de hoje – existe uma
conexão inseparável que Deus quis e que o homem não pode alterar por sua
iniciativa, entre os dois significados do ato conjugal: o significado unitivo e o significado
procriador. Na verdade, pela sua estrutura íntima, o ato conjugal, ao mesmo tempo
que une profundamente os esposos, torna-os aptos para a geração de novas vidas,
segundo leis inscritas no próprio ser do homem e da mulher. Salvaguardando estes
dois aspectos essenciais, unitivo e procriador, o ato conjugal conserva integralmente
o sentido de amor mútuo e verdadeiro e a sua ordenação para a altíssima vocação do
homem para a paternidade (PAULO VI, 1968, n.12).
Fora do contexto matrimonial, portanto, toda relação de intimidade sexual
constitui uma “desordem grave”, porque expressa uma realidade que ainda não existe,
a da comunidade definitiva de vida com o necessário reconhecimento e garantia da
sociedade civil e, para os cônjuges católicos, também religiosa (CONGREGAÇÃO
PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA, 1983, n.95). Ao assumir o matrimônio como o
“único” lugar que torna possível a totalidade da doação (JOÃO PAULO II, 1981, n.11)
e, portanto, como “único” contexto lícito para os relacionamentos sexuais
responsáveis, são exclusos “outros contextos” e “outras narrativas” feitas por tantas
pessoas não casadas, pois todas elas, sem exceção, deveriam ser sexualmente
abstinentes (HARTWIG, 2000, p. 90).
3.2 Desafios
Se o amor se caracteriza por ser uma efetiva e/ou afetiva afirmação do outro,
é preciso que o meu amor seja reconhecido como amor. Se isso não acontecer, não
haverá reciprocidade. Mas, para que isso ocorra, é preciso que haja certo grau de
compromisso entre as partes. Relações extraconjugais que se caracterizam por serem
anônimas, promíscuas, adúlteras, mentirosas carecem de um contexto que favoreça
a mutualidade e, portanto, não poderão contar com legitimidade ética, pois nunca
serão promotoras do humano. Somente um compromisso que se prolongue no tempo
poderá conferir à relação o contexto adequado para o amadurecimento. Pode ser que
tal compromisso dure para sempre; pode ser que não. Isso não é o mais importante,
do ponto de vista ético, pois se trata de uma realidade totalmente dependente da
capacidade de amar e da intensidade do amor das pessoas envolvidas. O mais
importante é que esse compromisso, enquanto durar, expresse-se como afeto,
responsabilidade, cuidado. Tudo isso faz parte da experiência amorosa e, à medida
que as pessoas vão crescendo e amadurecendo na capacidade de amar e, portanto,
na experiência de mutualidade ou reciprocidade, o compromisso também vai
amadurecendo e solidificando-se. Mesmo que o compromisso não seja necessário
como ponto de partida para relações de intimidade sexual, ele deverá ser o ponto de
chegada daquelas que, de fato, são expressão de amor.
Referências bibliográficas
BENTO XVI. Carta Encíclica Deus Caritas Est. Sobre o amor cristão
(25.12.2005). São Paulo: Paulinas, 2006.
JESUS, Ana Márcia Guilhermina de; OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de.
Teologia do Prazer. São Paulo: Paulus, 2014.
JOÃO PAULO II. Exortação Apostólica Familiaris Consortio. Sobre a função
da família cristã no mundo de hoje (22.11.1981). 15.ed. São Paulo: Paulinas, 2001 (A
Voz do Papa 100).
KELLY, Kevin T. New Directions in Sexual Ethics: Moral Theology and the
Challenge of AIDS. London/Washington: Geoffrey Chapman, 1998.
LIMA, Luís Corrêa (org.). Teologia e sexualidade: portas abertas pelo papa
Francisco. São Paulo: Reflexão, 2015.
MOSER, Antônio. Casado ou solteiro, você pode ser feliz. Petrópolis: Vozes,
2006.
VACEK, Edward C. Love, Human and Divine: the Heart of Christian Ethics.
Washington: Georgetown University Press, 1994.
1 Introdução
2.1 Princípios
2.2 Valores
7 Referências bibliográficas
1 Introdução
2.1 Princípios
Eis os seis princípios da doutrina social da Igreja (CDSI p.99-122):
3º. A destinação universal dos bens: ou princípio do uso comum dos bens,
que precede às diversas formas concretas de propriedade (Sollicitudo Rei Socialis,
em diante SRS, n.42); a distribuição da propriedade deve ser tal que todos tenham
pelo menos o necessário para viver com dignidade.
2.2 Valores
3º. A justiça: consiste em dar a cada um aquilo que lhe é devido; a justiça pode
ser: comutativa; distributiva; legal; social e restaurativa.
4º. O amor: é a forma de todas as virtudes, que anima por dentro todo
empenho social. Ele se expressa como benevolência e misericórdia.
Na encíclica Laudato Si’, o papa Francisco associa o uso social dos bens a
uma “ecologia humana”, que por sua vez, “é inseparável da noção do bem comum,
princípio este que desempenha um papel central e unificador na ética social” (LS
n.156). O bem comum “pressupõe o respeito pela pessoa humana enquanto tal, com
direitos fundamentais e inalienáveis, orientados para seu desenvolvimento integral”
(LS n.156), que exige a criação de dispositivos de bem-estar e segurança social e o
desenvolvimento de grupos intermédios. Exige também a aplicação do princípio de
subsidiariedade, com destaque para a família. Requer, ainda, a paz social, a
segurança e a justiça distributiva (cf. LS n.156).
É preciso evitar que o motivo para o emprego dos recursos financeiros seja
especulativo, cedendo à tentação de procurar apenas o lucro a breve prazo, sem
cuidar igualmente da sustentabilidade da empresa a longo prazo, de seu serviço
concreto à economia real e de uma adequada e oportuno promoção de iniciativas
econômicas, também nos países necessitados de desenvolvimento. (CV n.40).
O papa Francisco, por sua vez, diagnostica uma crise antropológica profunda
na base do sistema de economia de marcado. Escreve ele na Exortação Apostólica
Alegria do Evangelho:
A ambição do poder e do ter não conhece limites. Neste sistema, que tende a
fagocitar tudo para aumentar os benefícios, qualquer realidade que seja frágil como o
meio ambiente, fica indefesa diante dos interesses do mercado divinizado,
transformado em regra absoluta. (EG n56).
7 Referências bibliográficas
Lista das grandes encíclicas sociais dos papas, em ordem cronológica, com
sigla e ano de publicação:
LEÃO XIII. Rerum Novarum (RN). Sobre a condição dos operários, 1891.
JOÃO PAULO II. Laborem Exercens (LE). Sobre o trabalho humano. No 90º
aniversário da Rerum Novarum, 1981.
______. Laudato Si’ (LS) – Louvado Sejas. Sobre o cuidado da casa comum,
2015.
Aborto
Sumário
1 Introdução
5 Considerações finais
6 Referências bibliográficas
1 Introdução
O aborto, compreendido como retirar o feto antes que ele tenha condições de
sobreviver fora do útero, é um dos temas mais debatidos na história da Igreja e
continua a dividir opiniões nos nossos dias. É necessário explicitar que quando se
trata do aborto no contexto da reflexão moral e ética refere-se, evidentemente, ao
aborto provocado. O aborto espontâneo, que ocorre por inúmeras causas, não implica
em questões morais, por mais doloroso que possa ser para as pessoas envolvidas.
Grisez (1972) em sua grandiosa obra sobre o aborto, enfatiza que também
Pio XII repete incansavelmente a doutrina católica tradicional – aos médicos, biólogos,
parteiras e políticos de seu tempo – rechaçando a morte direta do feto, dizendo que
nunca se pode suprimir a vida de um inocente e que a paz social depende da
inviolabilidade da vida humana. Pio XII recusa o “ou a mãe ou o filho” em favor de
ambos, “a mãe e o filho”. Levar isto a cabo pertence à técnica médica; quando essa
não consegue, há de recorrer à divina providência e não à escolha humana de uma
vida em preferência à outra.
Para desenvolver a posição que revela essa Igreja Mãe, podemos iniciar por
um recente documento da Igreja na América Latina e Caribe – o Documento de
Aparecida (DAp) – que em sintonia com o Sumo Pontífice, exorta todos a “acolher
com misericórdia aquelas que abortaram, para ajudá-las a curar suas graves feridas
e convidá-las a ser defensoras da vida” (n.469). Esta exortação a “acolher com
misericórdia aquelas que abortaram” nasce da compreensão que a mulher que
praticou o aborto muitas vezes é uma vítima – e como tal ela sofre com a situação,
mais do que a promove – ou se torna uma vítima de seu ato ao praticá-lo. “O aborto
faz duas vítimas: por certo a criança, mas também a mãe” (n.469). A Igreja na América
Latina tem consciência de que oferece um “serviço de caridade” (n.98) aos povos
deste Continente e, em situações concretas, precisa ser rápida em prestar serviço e
lenta no julgamento, manifestando ciência de que está inserida num contexto
dramático, pois se estima que na América Latina e no Caribe ocorram anualmente 18
milhões de gestações, sendo que, dessas, 23% terminam em abortamento e no Brasil
o índice estimado é de 31% (BRASIL, 2005, p.7).
Quando a Igreja vê a mulher que pratica o aborto como vítima, ela manifesta
uma clara percepção da realidade social que promove uma cultura da morte (EV n.12)
com situações viciadas por uma cultura de “permissividade hedonista e de machismo
agressivo”. É nesse contexto que João Paulo II se pronuncia também na Carta às
Mulheres: “Nestas condições, a escolha do aborto, que permanece sempre um
pecado grave, antes de ser uma responsabilidade atribuível à mulher, é um crime que
deve ser imputado ao homem e à cumplicidade do ambiente circundante” (CM n.5).
Esse pronunciamento de João Paulo II demonstra que a Igreja tem uma visão da
complexidade dos contextos sociais que levam ao aborto, e indica que atribuir a
responsabilidade do aborto primeiramente à mulher que abortou seria injusto, e
refletiria uma visão reducionista que ocultaria – e ocultando inocenta – os outros
agentes morais envolvidos na problemática do aborto. Aqui a Igreja, e junto com ela
muitos movimentos feministas, se perguntam: Onde está o homem? Ou será que a
mulher engravidou sozinha? Qual a atitude do homem quando soube que sua
companheira estava grávida? O aborto começa a ocorrer quando um homem não
assume a paternidade e diz para sua companheira que “isto é problema dela”. Esta
fuga da responsabilidade por parte do homem tem sido denunciada por estudiosos na
América Latina (PESSINI e BARCHIFONTAINE, 1997, p.266) e o próprio João Paulo
II deixa claro que a responsabilidade do aborto – em tal situação – é antes atribuível
a este homem do que à mulher.
O que mais escandaliza a sociedade brasileira atual no contexto da discussão
sobre o aborto é o inaceitável número de casos de violência sexual contra as mulheres
– infelizmente um dado também presente em outras sociedades. Entre as causas do
abortamento está a violência de gênero e, particularmente, a violência doméstica.
Esse tem sido o motivo que leva muitas mulheres a procurar o aborto: quando a
consequência do estupro é uma gravidez indesejada, o que, conforme estudos
indicam, é também uma das causas de mortalidade materna (MARSTON e CLELAND,
2004, p.15).
5 Considerações finais
6 Referências bibliográficas
https://w2.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents.
Acesso em: 3 jan 2016.
NOONAN JR. John Thomas. The morality of abortion: legal and historical
perspectives. Harvard University Press / Cambridge, Massachusetts, 1970.
[2] Mater et Magistra de João XXIII, em 1961, onde ele aborda o problema de
excesso de população e se refere às leis divinas invioláveis e imutáveis que governam
o matrimônio e a transmissão da vida humana. A expressão em outros documentos
da Igreja, como em Familiaris Consortium, de João Paulo II, é claramente relacionada
ao contexto familiar: “Também no campo da moral conjugal a Igreja é e age como
Mestra e Mãe.” (n.33)
[4] Mário Antônio Sanches é Doutor em Teologia pela EST/IEPG, RS, com
pós-doutorado em Bioética (2011) pela Pontifícia Universidade de Comillas (Madrid).
É professor titular da PUCPR onde atua no Programa de Pós-graduação em Teologia
e coordena o Mestrado de Bioética. E-mail: m.sanches@pucpr.br.
Moral Social
Sumário
4 Âmbitos de aplicação
8 Referências Bibliográficas
De que adianta, meus irmãos, alguém dizer que tem fé, se não tem obras?
Acaso a fé pode salvá-lo? Se um irmão ou irmã estiver necessitando de roupas e do
alimento de cada dia e um de vocês lhe disser: ‘Vá em paz, aqueça-se e alimente-se
até satisfazer-se’, sem porém lhe dar nada, de que adianta isso? Assim também a fé,
por si só, se não for acompanhada de obras, está morta (Tg 2,14-17; cf. 1 Jo 4,19-21).
A experiência do amor se faz solicitação e busca de configuração de uma
sociedade justa, onde todos estão incluídos para participar em sua organização e
desfrutar de bem-estar. O social forma parte essencial do ser humano e, por isso, com
toda a razão, os bispos latino-americanos declararam: “o nosso comportamento social
é uma parte integrante do nosso seguimento de Cristo” (Puebla, n.476).
3 Princípios permanentes
4 Âmbitos de aplicação
4.1 Economia
4.2 Política
O pobre que aceita essa relação com Deus não se sente excluído, mas
reconhecido. Essa aceitação é a fonte da vida, porque lhe permite encarar a realidade
e se relacionar com outros nela. Já não cabe a resignação, porque a descoberta do
respeito por si próprio se abre em direção ao outro e ao compromisso com a realidade.
Aquele de outro grupo social que opta pelos pobres ingressa em uma relação
que significa dar-se. O dar-se pressupõe criar as condições de igualdade. É a lógica
da encarnação: Jesus não se agarra à sua condição divina, mas se despoja de todos
os privilégios tornando-se semelhante aos seres humanos (Fil 2,6-7). Então, dar a si
mesmo também inclui dar o que se tem. Por isso, Jesus fala àquele que quer segui-
lo para vender tudo e se dar aos pobres (Mt 19,21). Esta opção “está implícita na fé
cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para nos enriquecer com a sua
pobreza” (Documento de Aparecida: discurso inaugural, n.3).
Tony Mifsud Buttigieg SJ. Universidad Alberto Hurtado, Chile. Texto original
em espanhol.
8 Referências Bibliográficas
Não foi possível optar apenas por uma referência bibliográfica destes textos
pontifícios da DSI. Assim, a lista já está no início do texto. São documentos de domínio
universal. Todos estão disponíveis na Internet, bem como nas várias versões das
editoras espalhadas por todo o continente latino-americano.
SOLS LUCIA, José. (ed.) Pensamiento social cristiano abierto al siglo XXI. A
partir de la encíclica Caritas in veritate. Santander: Sal Terrae, 2014.
ZAMAGNI, Stefano. Por una economía del bien común. Madrid: Ciudad
Nueva, 2012.
A questão do mal
Sumário
Introdução
2 Características do mal
3 Simbólica do mal
4 Culpa e pecado
5 Formas de expressão
6 Resposta ao mal
Referências
Introdução
Todo o enigma do mal radica em que entendemos sob o mesmo termo, pelo
menos na tradição judaico-cristã ocidental, fenômenos tão diversos como, em uma
primeira aproximação, o pecado, o sofrimento e a morte. Pode-se mesmo dizer que,
se a questão do mal se distingue de pecado e culpa, é porque o sofrimento é
constantemente tomado como um termo de referência (RICOEUR, 2007, p. 23-24).
Além disso, o fenômeno do mal é um fato indiscutível na experiência humana
(BRAVO, 2006, p. 17). De uma coisa, todos os seres humanos, e não apenas os
cristãos, estamos cientes: a existência do mal. Nós não precisamos de uma revelação
particular ou uma demonstração específica para verificar a experiência dos seus
efeitos (GUTIERREZ, 2014, p. 21). Todos nós podemos ver como “o problema do mal
corta como uma espada, dura e terrível, toda a história da humanidade. Nenhuma
cultura, e dentro dela nenhum indivíduo poderia escapar de seu enfrentamento”
(TORRES, 2011, p. 11). A partir desta experiência do mal surgem questões
prementes. Por que a fome? Por que os genocídios? Por que tal crueldade? Por que
tantas guerras sem sentido? Por que o sofrimento de tantos seres humanos
inocentes? (RUBIO, 1999, p. 151-155).
2 Características do mal
Todas as etapas da história são atravessadas pela presença do mal que, sob
diversas formas, chega até o presente. O mal, pelo menos como uma ameaça, é
encontrado em todas as realidades criadas e adota uma multiplicidade de formas,
portanto, podemos dizer que a sua presença é universal e pluridimensional
(GELABERT, 1999, p. 191-192). O mal é irracional. O mal é sempre irracional, não
tem razão de ser e está além de toda razão (GELABERT, 1999, p. 192-193). Como
exemplo, podemos ver essa irracionalidade nos campos de concentração de
Auschwitz, nos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki, apenas para ilustrar o que
dizemos. No entanto, são muitas as situações que mostram a irracionalidade do mal.
3 Simbólica do mal
4 Culpa e pecado
Foi dito no primeiro ponto deste escrito que o mal é concebido não só como
falta ou negatividade, mas também como livre escolha do ser humano. É que “o mal
pertence ao drama da liberdade humana. É o preço da liberdade” (SAFRANSKI, 2005,
p. 10). Assim, é a partir dessa abordagem que deveríamos falar, já não do mal, mas
do pecado constitutivo[2]. No entanto, falando do pecado, devemos dar um passo
adiante, e é o passo da razão à fé, porque, como Ricoeur observa, o relacionamento
pessoal com Deus estabelece o espaço espiritual no qual se tenta explicar o mal, mas
no nível do pecado. Portanto, a categoria que rege a noção do pecado é a que o
compreende como algo feito “diante de Deus”. Assim, o pecado é uma magnitude
religiosa antes de ser ético, não há a lesão de uma regra abstrata ou a violação de
uma lei ou regulamento, mas, principalmente, é a quebra de uma ligação pessoal
(RICOEUR, 2004, p. 214). E o mal não aparece apenas como uma carência, mas
como o rompimento de um relacionamento (BRAVO, 2006, p. 218).
5 Formas de expressão
É um fato indiscutível que o ser humano habita um mundo onde o mal existe
e no qual se podem reconhecer vários tipos ou formas como ele se expressa
(MONTERO, 2010, p. 7). Entre as várias manifestações do mal, que o homem
reconhece, estão os desastres naturais, o mal físico que se manifesta em doenças
como o câncer, a AIDS, o Ebola, as doenças mentais etc. No entanto, a presença do
mal moral – como as guerras, o terrorismo, a fome, a crueldade, a pena de morte, a
exploração e o abuso de mulheres e crianças, o mal disfarçado de progresso, a
corrupção e um sem fim de eteceteras (LOPEZ, 2012, 20-49) – deve nos fazer pensar
que somos todos responsáveis. Para ilustrar isso, apresentamos alguns dados. Em
2000, o presidente do Banco Mundial, disse:
Assim como o mandamento “não matar” põe um limite claro para assegurar o
valor da vida humana, assim também hoje devemos dizer não a uma economia da
exclusão e da desigualdade social. Esta economia mata. Não é possível que a morte
por enregelamento dum idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é a descida de
dois pontos na Bolsa. Isto é exclusão. Não se pode tolerar mais o fato de se lançar
comida no lixo, quando há pessoas que passam fome. Isto é desigualdade social.
Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso
engole o mais fraco. Em consequência desta situação, grandes massas da população
veem-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem perspectivas, num beco sem
saída. (FRANCISCO, 2013, n. 53)
6 Resposta ao mal
Deveria ser um fato indiscutível que “o mal convoca todos para lutar em uma
frente comum: encontrar respostas que, apesar dos terríveis e intermináveis desafios
do mal, permitam viver sem sucumbir ao absurdo e sem render-se para reparar os
danos e procurar as melhorias possíveis” (TORRES, 2011, p. 111). No entanto, contra
o mal encontramos uma variada gama de respostas, entre as quais estão: a aceitação
alegre do mal (atitude que encontra no mal satisfação ou complacência); a aceitação
resignada (atitude passiva ou racionalizada ante o mal); o desespero (atitude de
escape psicológico); a adesão (atitude de submissão ou reconciliação com o mal); e,
finalmente, a ação (atitude de confronto e contestação) individual e comunitária
(FERRATER MORA, 1979, p. 2084).
Porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era
forasteiro, e me hospedastes; estava nu, e me vestistes; enfermo, e me visitastes;
preso, e fostes ver-me (…). Em verdade vos afirmo que, sempre que o fizestes a um
destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes. (Mt 25, 31-46)
Porém, Jesus não fica apenas no tratamento misericordioso, solidário e
compassivo com os que sofrem, Ele vai além e denúncia os poderes religiosos,
políticos, sociais e econômicos que estão causando esse sofrimento (Mt 23,1-32; Lc
11,37-54). Poderíamos dizer que sua atitude com os marginalizados, excluídos e
estigmatizados por todos esses poderes já é uma denúncia e um confronto contra o
mal, esse mal que teologicamente identificamos com o pecado social ou com as
estruturas de pecado (NEBEL, 2001, p. 292-340; SARMIENTO, 1987, p. 869-881;
MOSER, 1992, p. 1369-1383)
A atitude de Jesus contra o mal mostra que nem o pecado nem a morte têm
a última palavra. A última palavra é a proximidade amorosa e clemente do Deus que
se comunicou a si mesmo e quis vir fazer parte da nossa história.
Referências
BRAVO, L., C. S.J. (ed. Germán Neira F. S.J.) El problema del mal. Bogotá:
PUJ, 2006.
KIM, JIMYONG. Discurso del presidente del grupo del Banco mundial, ante el
Consejo de Relaciones exteriores. Washington, DC Estados Unidos, abril, 2014.
Disponível em: http://www.bancomundial.org/es/news/speech/2014/04/01/speech-
world-bank-group-president-jim-yong-kim-council-on-foreign-relations Acesso em: 5
dez 2014.
LÓPEZ R., M. A. Los rostros del mal hoy. In: GÓMEZ-NOVELLA, A. D. (Dir.)
Misterio del mal y fe cristiana. Valencia: Tirant Humanidades, 2012. p.19-50.
ABINGDON, O. The origin of our knowledge of right and wrong. New York:
Routledge: Taylor & Francis Group, 2009.
AYAN, S. Más allá de la maldad. Mente y Cerebro, n.52, Ene-Feb 2012. p.75-
77.
BOTERO, A. G. El mal radical y la banalidad del mal. Las dos caras del horror
de los regímenes totalitarios desde la perspectiva de Hannah Arendt. Universitas
Philosophica, v.30, n.60, Ene-Jun 2013. p.99-126.
CE.DO. MEI. Le religioni e il problema del male. Livorno: Pharus, 2014. p.31-
44.
DUQUOC, Ch. O.P. El mal, enigma del bien. Selecciones de Teología, v.l30,
n.118, Abr-Jun 1991. p.83-90.
NEIRA, E. S.J. Problemas theilardianos II: el problema del mal y del pecado.
Revista Javeriana, v.75, n.372, Mar 1971. p.169-181.
NEUSCH, M. El enigma del mal. Maliaño, Cantabria: Sal Terrae, 2010. 216
N38.
[1] “O mal está nos mitos mais antigos como um poder cujas raízes estão em
um caos primordial ou nos domínios do divino. Pertence, como disse M. Eliade, o
mundo da religião e supera as possiblidades do conhecimento da ação humana até
que, nos tempos modernos, começa a sofrer um processo de secularização.”
(Montero, 2010, 6-7)
3 A biotecnologia
7 Referências bibliográficas
À medida que o mundo se tornar mais global, a justiça terá um lugar evidente
também na resposta às possíveis pandemias, como na recente epidemia do vírus
ebola. A decisão de simplesmente fechar as fronteiras já não é uma opção no mundo
globalizado, onde a linguagem da ética da saúde pública é a justiça. No crescente
mundo globalizado, a pergunta é: desenvolveremos um protocolo internacional para
uma “ética pandêmica” (pandemic ethics)?
3 A biotecnologia
Além disso, assim como o exército aproveita a situação dos veteranos para
desenvolver um exército robótico, ele está entrando rapidamente em outros campos
na crescente globalização do mundo. Essa crescente militarização tem que ser
examinada, porque seu aceso à tecnologia se desenvolve exponencialmente.
Por exemplo, “as forças policiais das áreas urbanas maiores” são
progressivamente militarizadas com armas sofisticadas para o controle de multidões,
ameaçando as liberdades civis dos cidadãos. Essas capacidades tecnológicas foram
também usadas por estados para escutar ilegalmente as comunicações de outros
governos soberanos, de tal forma que os escândalos de espionagem se tornaram
lugar comum.
De modo similar, não se examinou “a militarização do espaço”, nem a questão
da privacidade das pessoas. A presença dos drones em qualquer lugar aeroespacial
é uma indicação clara da militarização do planeta e de sua capacidade para tomar
decisões baseadas não na lei, mas no poder. Só os drones (e em particular sua
efetividade em matanças seletivas e assassinatos) já requerem que os especialistas
da ética elaborem, urgentemente, ferramentas para avaliar a legitimidade moral
dessas estratégias militares.
Por esta razão, nos faz muita falta uma teologia moral fundamental na qual
os temas do pecado e da santidade não sejam pensados a partir do indivíduo, e sim
a partir do relacional e coletivo. As noções do pecado e da graça, tão frequentemente
analisadas em relação às ações do individual, já não são adequadas. A linguagem do
pecado social não deve ser vista como secundária, mas deve ser posta em primeiro
plano. Além disso, necessitamos pensar as virtudes e os mandamentos desde seu
aspecto social, e a ação mais na perspectiva da participação, mais institucional e
estrutural.
Junto com isso, carecemos também de uma noção muito mais robusta da
consciência, mais atenta e vigilante às necessidades e ao sofrimento no mundo.
Devemos desenvolver dentro da Igreja uma valorização da consciência como a que
foi reconhecida no Concílio Vaticano II, e precisamos inculcar nos leigos e na
hierarquia um apreço da consciência que não seja conhecida primeiramente por sua
capacidade de discrepar, mas por sua capacidade de ser responsiva socialmente.
Também necessitamos de uma noção da consciência que vá além da “noção medieval
da consciência como ato”: precisamos de uma ideia que represente a consciência
como vigilância moral durável e sustentável que está atenta às necessidades dos
tempos. Aqui nos urge pensar em maneiras para formar a consciência cristã e, neste
sentido, a recuperação da ética da virtude deveria ajudar os especialistas a encarar
os temas emergentes em torno da formação contemporânea da consciência cristã.
Precisamos desenvolver uma teologia moral que seja global, que saiba
valorizar a natureza relacional da pessoa e que mantenha a influência formativa das
forças culturais e sociais. Esta nova teologia moral tem de ser fundamentalmente
bíblica. Já passaram 50 anos desde a famosa admonição de Optatam totius 16, que
nos instruiu ser mais bíblicos. Esses passos são importantes, mas necessitamos de
mais especialistas da ética, especialmente católicos, para enriquecer-nos com uma
nova ética bíblica, que abrace a dupla competência da exegese bíblica e da
hermenêutica ética complementar, sendo assim capaz de aplicar exigências bíblicas
à vida contemporânea. Esta dupla competência talvez exija que os especialistas da
ética colaborem mais extensivamente com os teólogos bíblicos para lembrar-lhes que,
no passado, seus intentos em realizar uma ética bíblica sem uma hermenêutica ética
adequada mostraram que devem procurar uma colaboração mais extensiva com a
ética teológica.
Contudo, esta nova teologia moral deve ser teológica. A Igreja necessita em
suas dioceses e paróquias dessa nova teologia moral. Deve encarar claramente os
temas da graça e do pecado, da criação e da redenção, dos mistérios da encarnação,
da Trindade e da promessa da liberação escatológica; do chamado para o discipulado
e para o Reino de Deus. E, finalmente, tem que encarar os temas das virtudes de fé,
esperança e caridade.
Esta guinada para a antropologia teológica foi acompanhada com uma
mudança no desenvolvimento da ética da virtude. O desenvolvimento da ética da
virtude requer que não somente desenvolvamos as virtudes que adequadamente se
configurem com a imagem de Cristo, mas também que tenhamos consciência
metódica de como essa ética proporciona normas e funciona como guia concreto e
prudente. Ou seja, se as virtudes nos dizem como ser, também nos ensinam o que
fazer.
James F. Keenan S.J. – Boston College, Chestnut Hill, US. Texto original
Inglês
7 Referências bibliográficas
CAHILL, Lisa Sowle. Sex, Gender, and Christian Ethics. New York:
Cambridge University Press, 1996.
______. The Ethics of Targeted Killing and Drone Warfare. Lanham: Rowman
and Littlefield, 2014.
HOLLENBACH, David. The Common Good and Christian Ethics. New York:
Cambridge UP, 2002.
______. The Global Face of Public Faith: Politics, Human Rights, and Christian
Faith. Washington: Georgetown UP, 2003.
MANN, Jonathan. Medicine and Public Health, Ethics and Human Rights. The
Hastings Center Report, n.27, p. 6-13. 1997.
MANN, Jonathan (ed.). Health and Human Rights. New York: Routledge,
1999.
MERCER, Calvin; MAHER, Derek, (eds.). Transhumanism and the Body: The
World Religions Speak. New York: Palgrave/Macmillan, 2014.
Teologia moral
Sumário
1 Lições da História
7 Pecado e culpa
8 O pecado coletivo
9 Referências bibliográficas
1 Lições da história
Não há dúvida que a teologia moral sofreu uma forte desvalorização em nosso
mundo contemporâneo. Muitas pessoas, educadas em ambiente cristão, deixaram de
acreditar nos ensinamentos éticos recebidos. Durante muito tempo, no entanto, tais
ensinamentos éticos tiveram forte influência entre os crentes e orientavam a vida
concreta. O poder da Igreja para interpretar e aplicar estes ensinamentos éticos à
diferentes situações era considerado uma expressão explícita da vontade de Deus. A
promessa do Espírito dava-lhe uma garantia firme para não cometer um erro em seus
ensinamentos. Os fiéis não tiveram alternativas senão a obediência e a submissão.
O problema metodológico que emerge é saber qual deve ser nosso ponto de
partida. Se partimos da razão para construir uma ética humana, razoável, válida e
universal para todos, ou se é a revelação que nos deve garantir, como crentes, a
firmeza e a segurança plena de nossa conduta. Devemos evitar as opiniões
extremistas, tanto daqueles que, por um lado, negam a baliza da fé em defesa da
plena autonomia humana, quanto, por outro lado, a visão daqueles que desejam
recorrer apenas à palavra literal das Escrituras. A ética secular seria um bom
representante da primeira opção. Proclama e defende a consistência humana das
regras e obrigações, sem fazer uso de justificativas externas. Na divindade se
encontrava a resposta à ignorância que impedia de descobrir um fundamento racional.
A hipótese de um Deus que se revela ou de uma igreja que ensina com autoridade
passou para o museu da história. O progresso científico certificou sua morte definitiva.
Quero dizer que tudo que é moralmente considerado inaceitável ou, do ponto
de vista religioso, é classificado como um pecado, tampouco é, do ponto de vista
humano, a melhor maneira de se realizar como pessoa.
Tudo isso significa que não é possível uma moral autêntica sem que se apoie
em bases científicas, pois, de outro modo, suporíamos a defesa de uma moral sem
fundamentação. A dificuldade está no fato de que a ciência nem sempre possui
conclusões unânimes que permitem a avaliação do comportamento. O campo da
bioética é um exemplo claro dessa dificuldade. Também é digno de nota que, com o
progresso e as novas descobertas da ciência, as soluções que têm sido tomadas
antecipadamente devem ser repensadas ou reinterpretadas de forma diferente para
que possam integrar as novas possibilidades.
Finalmente, existe hoje uma dupla forma de aplicar à realidade alguns valores
éticos. Nem tudo que na teoria é apresentado como princípio válido e aceitável pode
ser aplicado em situações concretas. Valores evidentes e aceitáveis como não mentir,
respeitar a vida, pagar a cada um conforme seu merecimento etc., devem ser
analisados verificando se vale a pena cumpri-los na eventual possibilidade de que sua
execução provoque uma mal maior. A mesma moral tradicional afirma que quando
uma ação implica consequências boas e negativas, no caso de perplexidade, todos
devem escolher o mal que parece menor. O chamado princípio do duplo efeito, a lei
da gradualidade, a distinção entre a cooperação formal e material e a virtude da
epiqueia indicam que não se pode julgar uma ação enquanto não se considere
especificamente como ela se realiza concretamente.
Não me parece que esta última perspectiva, à qual a maioria dos atuais
moralistas se inclina, seja contra os ensinamentos fundamentais da Igreja, embora a
doutrina oficial faça críticas a muitas de suas formulações. Tampouco penso que com
essa abordagem estejamos entrando em uma moral de pura eficácia ou de benefícios
imediatos. Também não se nega a existência das chamadas ações intrinsecamente
pecaminosas, quando não existe nenhuma razão ou motivo que pudesse justificar a
sua não observância. Contudo, é verdade que nem sempre coincidem na mesma
valoração.
Pode-se dizer que, para o legalista, a regra conserva sempre sua validez,
como o caminho mais seguro para evitar erros. O antinomista, pelo contrário, anula
sua validez a fim de seguir os ditames de sua decisão pessoal (ética situacional). Já
a pessoa madura aceita, por um lado, a obrigatoriedade das exigências éticas, mas
sabe também relativizá-las quando se encontra diante de outros valores importantes,
desde que tais ações não sejam consideradas intrinsecamente pecaminosa, como já
dissemos.
Esta visão personalista da consciência integra harmoniosamente a dialética
entre a dupla dimensão objetiva e subjetiva da moral, sem cair nos extremos de uma
moral legalista ou de uma ética subjetivista. Uma pedagogia da moral deveria consistir
em despertar consciências livres e responsáveis, que se deixem conduzir sempre
pelo chamado ou apelo a um bem maior.
7 Pecado e culpa
São muitos os que não querem reconhecer a sua própria sua culpa, como se
fosse uma decisão que brota dela própria. O erro e o equívoco fazem parte do nosso
patrimônio, como uma consequência inevitável de nossa finitude. A falta, no entanto,
não se deve à liberdade de quem assim atua, mas constitui um fracasso pelo qual
ninguém pode sentir-se responsável. É um evento que nos deixa chateado e
magoado, que nos comove, pois afeta as fibras mais íntimas da personalidade, mas
sobre o ser humano, mesmo que ele cometa o mal, não se pode lançar qualquer
condenação acusatória. Ninguém escolhe algo contra si e, por isso, quando rejeita
Deus ou recusa um valor ético, é porque encontrou outra atração pela qual se sente
inevitavelmente seduzido sem outra possibilidade de eleição.
Ainda que pareça estranho, não é fácil uma prova evidente de nossa
liberdade. Aquele que insiste em negá-la verá, por detrás de cada escolha, um mundo
de certas experiências, pressões, lembranças, interesses, expectativas etc., que
inclinam a balança para um lado de uma forma inevitável. A hipótese de sua
existência, no entanto, não é um dado anticientífico. Os múltiplos mecanismos que a
ameaçam não tem porque destruir a capacidade básica da autodeterminação.
Contudo, não devemos defendê-la com uma ingenuidade excessiva. São muitos
fatores que a condicionem, embora não a eliminem. É possível que, às vezes,
queiramos e não possamos, contudo, mais frequente é a situação na qual podemos e
não queremos. A liberdade é também uma conquista que cada pessoa deve realizar
com o seu esforço.
É lógico que a pessoa que não quis responder ao chamado de um valor que
o desumaniza, ou como crente encontra-se fechado para a amizade com Deus,
experimente internamente algum desconforto. O fracasso de um projeto humano ou
religioso, embora não absoluto e definitivo, deve produzir determinadas reações
internas que não nos deixem tranquilos e imutáveis, como se nada tivesse acontecido.
A culpa, como a dor ou a febre nos mecanismos biológicos, faz sentir o mau
funcionamento da pessoa e o desejo de uma cura eficaz.
Este sentimento de culpa poderia ser causado por diferentes fatores. Uma
sensação de angústia por medo de uma perda, ou por medo de uma punição. O que
dói não é o mal praticado, mas as más consequências dele decorrentes. Em outras
ocasiões, é a ferida que causa o próprio narcisismo. É um fato que destrói o Eu ideal,
que humilha e corrói, com um remorso que se faz companheiro constante de
caminhada. Quando, em sua natureza mais profunda, radica na vergonha de haver
atentado contra o meu próprio bem, causado danos aos outros e, sobretudo, ter
quebrado a minha amizade com Deus.
8 O pecado coletivo
9 Referências bibliográficas
Aa.Vv. Que todo sea para edificación (1 Cor, 14,25. Leer el magisterio y la
tradición. Sal Terrae, v.97, p.781-879. 2009.
DEMMER, Klaus. Introdução à teologia moral. 2.ed. São Paulo: Loyola, 2007.
6 Referências bibliográficas
O ser humano se faz, expressa e se diz no corpo como sujeito sexuado. Por
isso a visão do sexo subjacente a essa antropologia não se restringe ao corpo-objeto
abordado pelas ciências empírico-formais, mas vincula-se ao corpo-subjetivo e à
ontologia do corpo veiculada pela filosofia e a teologia da carnalidade humana. Nessa
perspectiva, a sexualidade não é um dado amorfo nem algo pronto e acabado, já que
sempre referida ao advir da vida no homem com os outros em sociedade. Trata-se,
pois, do ponto de vista fenomenológico, de um evento enquanto a sexualidade já é e
está por edificar-se à medida que a carnalidade situa o ser humano no arco da
existência, isto é, o insere na natureza, na história, na cultura, enfim, no seio das
relações com e para os outros no mundo, na cidade (pólis). Nesse sentido, não há
como se distanciar do fenômeno da sexualidade para tematizá-la. Ela é da ordem do
aparecer e do manifestar-se de modo a escapar do saber teorético que prescinda do
coenvolvimento daquilo que aparece.
A ética da sexualidade tem como pressuposto o fato que corpo e sexo não
são considerados meros meios ou trampolim para outro fim (espírito), mas a maneira
pela qual se tem, concretamente, acesso à vida humanizada sexualmente, dita e
experimentada, em Cristo. Desse modo, a reflexão (cristã) da sexualidade trava-se na
interface entre Ética teológica fundamental e Ética teológico-cristã do corpo. Sem uma
antropologia teológica do corpo, a ética da sexualidade corre o risco de ser asséptica
e sem incidência na existência encarnada das pessoas que vivem tendo como
horizonte a fé cristã.
Por sua vez, o caráter sacramental da vida cristã abre a reflexão ético-
teológica da corporeidade para a dimensão pneumática da sexualidade. Ao humanizar
a humanidade assumindo-a por dentro – desde o mistério da encarnação e seu
desdobramento na criação, salvação e santificação –, o cristão é santificado na e pela
sexualidade, graças à filiação divina instaurada por Cristo. Sendo ele o Filho, a
encarnação do Verbo inaugura para o gênero humano a possibilidade de viver em
profunda comunhão com Deus e de incorporar-se à vida trinitária (VIDAL, 2002).
Uma vez inabitado pelo Espírito do Cristo, é concedido ao ser humano o dom
e a tarefa da santificação de sua vida a partir do próprio corpo e do sexo. A
sexualidade, portanto, lida à luz da Teologia cristã do corpo, afirma-se como caminho
de uma autêntica e fecunda vida espiritual. Abandona-se, portanto, de vez, o dualismo
entre corpo e espírito em voga na tradição greco-romano que, em certo sentido,
influenciou algumas abordagens depreciativas da sexualidade por parte do
cristianismo ao longo dos séculos (BROWN, 1990). Com isso, evita-se cair em dois
extremos, seja no espiritualismo ingênuo e idealista da sacralização da sexualidade,
seja na visão depreciativa do corpo em detrimento da supervalorização do espírito,
para o qual a encarnação é da ordem da contingência existencial.
A vida em Cristo, movido pelo seu Espírito, assegura a dessacralização da
sexualidade (ela é da ordem da criação e da santidade e não do sagrado). E, ao
mesmo tempo eleva a sexualidade à estatura de um autêntico caminho de
humanidade dos corpos existencialmente vividos na relacionalidade afetivo-sexual. A
vida espiritual já não é alheia à vivência da sexualidade humana. Essa, por sua vez,
é considerada como lugar da experiência da ternura, do amor, do dom e da entrega
mútua e, por isso, associada aos frutos do Espírito.
Dessa relação depreende-se uma ética cristã estoica, uma ética gnóstica da
sexualidade ou, o contrário, uma ética cristã do amor e do desejo calcada na
positividade da carnalidade humana como lugar da experiência salvífica mediatizada
pelo corpo e pelo sexo. Emergem, pois, dessa constatação duas perspectivas que,
em certo sentido, parecem antagônicas: ou ressalta-se o desejo, o erotismo e o prazer
como características inalienáveis da condição humana e da própria vida em Cristo ou,
pelo contrário, acaba-se por subestimá-los a ponto de comprometer inclusive a
novidade da visão cristã do corpo e do sexo (SALZMAN; LAWLER, 2012).
Isso implica dizer que o grande desafio para uma Ética teológico-cristã da
sexualidade na contemporaneidade passa pela premente necessidade de rearticular-
se Amor, Graça e Desejo a partir da relação entre os seres humanos e deles com o
Deus do cristianismo; e entre Prazer e Dom da carne (Eros), que a humanidade
recebeu na criação, e a plenitude da encarnação, na revelação e na redenção,
consumada na santificação (AZPITARTE, 2001).
Por isso compete à ética cuidar que a sexualidade se distancie de todo tipo
de fusão entre seres humanos, de modo a se preservar e promover um de seus
valores fundantes. Em outras palavras, a castidade emerge como exigência da própria
manutenção do caráter humanizante da sexualidade, suscitado pela experiência
vivida e não alheia a ela. Nesses termos a castidade é um valor intrínseco da
sexualidade humana (GONZÁLEZ-FAUS, 1993).
6 Referências bibliográficas
ANATRELLA, Toni. A diferença interdita. Sexualidade, Educação e Violência.
São Paulo: Loyola, 2001.
SESBOÜE, Bernard. Premier Temps: Jésus dans les jours de sua chair. In:
______. Jesus-Christ dans la tradition de L’eglise. Paris: Descleée, 1982. p.227-68.
Bioética
Sumário
2 Bioética Latino-Americana
3 Bioética e Teologia
5 Bioética Clínica
6 Bioética Sanitarista
7 Bioética Ambiental
8 Referências Bibliográficas
A bioética é uma das áreas de saber moral com maior incidência na sociedade
atual, devido aos desafios éticos da gestão da vida, sempre mais presentes nas
biotecnologias e suas dinâmicas políticas e econômicas. A Igreja vem incluindo a
bioética no seu discurso com a preocupação pelo respeito à vida humana nascente
(técnicas de reprodução artificial, anticoncepção, aborto, criogênese, estatuto do
embrião humano) e terminal (eutanásia, cuidados paliativos). Esse interesse levanta
o desafio epistemológico das interfaces entre a teologia e a bioética. Não se trata de
formular uma bioética teológica, mas de discutir sobre o papel da teologia no fórum
interdisciplinar e secular da bioética.
2 Bioética Latino-Americana
3 Bioética e Teologia
5 Bioética Clínica
Na análise do caso clínico, é bom ter presente e avaliar todas essas possíveis
exigências éticas do agir, não contraditórias entre si. No aspecto clínico, a teologia é
convidada a contribuir com os recursos simbólicos da rica tradição cristã concernente
ao enfrentamento da dor e do sofrimento.
6 Bioética Sanitarista
7 Bioética Ambiental
8 Referências Bibliográficas
JAHR, F. Bioethik: eine Übersicht der Ethik und der Beziehung des Menschen
mit Tieren und Pflanzen. Kosmos, Gesellschaft der Naturfreunde, 24, p.21-32. , 1927.