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profundas. Defender suas idéias através de duras polê micas não lhe era algo novo,
ninguém esquecera, por certo, seu confronto co m o jovem José de Alencar em 185 6. De
havia morrido (1877), mas deixava registradas suas divergências com o “bando de idéias
teorias de Darwin serviram de muni ção para os ataques dos “jovens” contra os “velhos”. i
Tal não será o caso co m Magalhães, seu ensaio demonstra um conh ecimento
razoável da teoria de Darwin, por ele inserida no inter ior de um dif uso materialismo
moderno. Afrânio Coutinho afirma que “por volta de 1880 o romantismo estava morto”, ii se
este é o caso, o ensaio de Magal hães foi se u canto do cisne. Em seu texto figura m
seu materialismo radical era host ilizado, Büchner, Oersted, Zeise, John Stuart Mill,
Excetuando alguma eventual refer ência a e sses nomes de autores célebres, não há
registro de livros consultados, com a única exceção de “Força e Matéria”, do Dr. Büchner.
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ANPUH – XXIII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Londrina, 2005.
Mesmo assim, não há qualquer indí cio do nível real de fam iliaridade de Magalhães com
as obras d os autores que cita. R aramente são transcritas passagens literais, algumas
vezes cita trechos que atribui a Darwin, sem indicar o livro ou artigo.
Araguaya. Esse recurso parece d eixar claro o caráter d e testamento geraciona l que o
ensaio assume. Alertar a juventude para os falsos caminhos do mundo moderno, para os
perigos que uma ciência da moda pode conduzir o e spírito mais inexperiente. Na
dedicatória, antecipa o argumento de que as te orias materialistas são aceitas apenas por
ciência. Seu livro deve funcionar como denúncia de u ma concepção de ciê ncia que
novas leis e fatos descobertos, mas não admitia que esses conhecime ntos autorizassem
Aquiles por onde pretende derrubar o materialismo, que é apenas uma interpretação
improvável:
Essa teoria [de Lamarck] restaurada e desenvolvida nos nossos dias, com o talento de
um engenhoso romancista, pelo célebre naturalista Carlos Darwin, que a tornou quase
popular, é uma concepção contrária à ordem conhecida dos fatos, e inteiramente
hipotética, não ob stante todos o s esforços da imaginação dos se ctários, que a
preconizam como científica [...]. iii
obscurantista em luta contra a ciên cia moderna. É no interior dessa ciê ncia que pretende
teorias.
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que o fazia sair da qu ietude que sua idade p oderia sugerir para con frontar os jovens
modismos? Nas página s finais do ensaio, sem que tivesse antecipado uma única vez o
problema nas mais de 150 pág inas anteriores, o literato demo nstra a profunda
ou o realismo de certa escola de literatura moderna, que se apraz nas descrições sem
pejo das coisas mais indecentes, infames e asquerosas, é o com plemento do grosseiro
materialismo do nosso t empo, que afoitamente nega Deus e a moral, e converte o
homem em um macaco transformado pela seleção; e o homem, assim desaforado, não
se envergonha de assumir a impudência e a petulância do macaco. iv
Não sejamos inju stos com o livro de Magalhães. A passa gem, com a famosa
estava em jogo. Para Magalhães, o romantismo não era só aquilo que orientava as
criações artísticas, mas uma manifestação do idealismo como visão de mundo. Por isso, a
homem ao animal tem seu ponto central na questão da finalidade da criação. É nesse
[...] não explicam a geração, a nutrição, a produ ção de órgãos novos, de instintos e
faculdades intelectuais e mora is. [...] Todos esses f atos da vitalidade orgânica supõem
causas fundamentais, e uma finalidade imperiosa, que re siste a todos os sofismas do
materialismo. v
para o pensamento. O novo precisava ser incorporado a uma forma d e reflexão histórica.
Ao mesmo tempo, na ausência de uma teoria da evoluçã o que ident ificasse na lógica
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A realidade natural ou h umana não poderia ser pensada meramente como frut o
do acaso. Deveria ser possível, mesmo que não atravé s de simples procedimentos da
ciência positiva, identificar essa idéia ou telos que orienta a formação d o mundo. Ora, era
justamente a necessidade desse telos para o mundo natural que Darwin tornava obsoleta.
plano pré-estabelecido. Se não havia necessi dade de plano, tampouco haveria a d e uma
Deus, mas ele tornara-se obsoleto como hipótese explicativa para o mundo natural.
que Magalhães pretend e confrontar Darwin. A teoria da e volução não seria capaz de
explicar a causa primeira da vida, o “milagre” da criação. Se o “milag re” não podia ser
eliminado, porque então acreditar q ue fora produzido pelo acaso, ao invés de por uma
concepção de ciência positiva que negava, a priori, tudo o que lembrasse metafísica. Por
isso, Magalhães defende que exis te um ca mpo do conhecimento que a ciência positiva
não pode penetrar, pois seus fatos, mesmo que não positivamente acessados, podem ser
necessidade da razão.
“evolução lenta e contínua”. A própria paleontologia não mostraria indí cios para apoiar as
“adaptações lentas e int ermediárias”. vii Mais de uma vez, ao l ongo do ensaio, Magalhães
muitos dos quais arro lados pelo próprio Darwin. O q ue falta e m Magalhães é o
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referência aparece também como mais uma forma de impedir o con traditório. Como
los. À noção de continuidade lenta da evolução através da seleção nat ural do mais apto,
confronta o fato de que seres muito inferiores co ntinuariam a existir ao longo do tempo. O
hierárquico, uma gran de cadeia cujo ponto mais alto era ocupado pelo homem. Da
Ou ainda:
O que sabemos positivamente a respeito das espécies biológicas, salvo qualquer engano
na sua classificação, é que elas são fixas e persistentes desde a mais remota antiguidade,
e que a seleção artificial cuidadosamente feita, ainda não produziu uma só espécie nova
que comprove a possibilidade de uma metamorfose pela imaginária seleção natural; a
qual, dependendo de um concurso de circunstâncias repetidas em tão grande escala, seria
impossível sem milagre. ix
A divergência pode então ser resumida da se guinte forma: existe ou não uma
força vital que organiza e direcio na o processo de formação da vida. A ênf ase nos
tradição do pensamento vitalista. É a essa tradição que recorre Magalh ães ao utilizar o
Essa força, como t odas as mais emanadas do Cri ador supremo, só se revela pelos
seus efeitos; mas a sua existência, distinta essencialmente de todas as outras fo rças
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positiva como aquela fundada em um absoluto empirismo. A dedução dessa fo rça vital
superior não está nos limites empíricos da ciên cia, mas cabe à razão superior. Esse tipo
de raciocínio é o mesmo que leva o histor iador “romântico” a vislu mbrar o sentido da
história nos vestígios das épocas passadas. Tanto na natureza qu anto na história a
totalidade organizada é pressuposta, mesmo que não po ssa ser analisada em seus
princípios, mas apenas deduzida a partir de seus efeitos. Não é de se admirar, portanto,
que a aplicação das t eorias evolucionistas na história provoquem uma demanda por
novas categorias explicativas de tip o causal. Essa totalidade compreensiva já não pode
materialista vago não são sempre claras. Não é sem razão que Magalhães cha ma de
potássio, fosfato de soda, cal, magnésia, ferro, ácido sulfúrico e sílice, é de um modo ideal
de Darwin. Discutindo o argumento que explica a exuberância das flores, transcreve uma
passagem supostamente retirada de um te xto do naturalista: “As flo res [...] entram n o
número das mais belas produções da natureza; mas elas se fizeram brilhantes, e por
conseguinte belas, para contrastar com a verdura das folhas, de modo que os insetos a
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pudessem ver facilmente”. Forçando o texto de Darwin contra seu argumento,
que considera uma prova da finalidade natur al, “as flore s se fizera m brilhantes”. De
produções da natureza, mesmo no colorido e beleza das flores e dos frutos! E o sábio
naturalista.
Ponto este que Darwin, consciente de sua centralidade e ao mesmo tempo dificuldade de
Falamos da enorme modificação na escala de tempo que a teoria exigia, alargamento que
havia sido permitido pelos avanços nos estudos geológicos. Mesmo o paciente Darwin foi
taxativo sobre esta questão. Para ele, o leitor incapaz de visualizar como
requeridos para explicar os fenômenos geológi cos ou fisiológicos sua escala permanece
amarrada à dimensão secular. Co mo medir os 300 milhões de anos a que chega Darwin
em um de seus cálcu los pensando em termos de séculos? Mesmo tratando dos registros
fósseis presentes nas camadas geológicas, Magalhães fala em seres “produzidos durante
séculos”. Em outra passagem, afirma que os “tipos [orgânicos] espe cíficos se transmitem
e perpetuam de geração em geração, durante séculos [.. .]”.Somente por isso Magalhães
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pode concluir que “origem das espécies [...] não passa de uma hipótese cont rária à
observação de séculos”. xv
possível pensar a organização do mundo da vida através de uma evol ução contingente e
não teleológica, Magalhães permanecia fiel à crença na força vital e na providência como
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Professor Adjunto da área de Teoria e metodologia do Departamento de História da Universidade Federal de
Ouro Preto (UFOP). Este projeto conta com a participação do bolsista Ezequiel Barel Filho, Pibic/Cnpq.
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Em um trecho, no mínimo curioso, Nabuco criticava o fato de Alencar ter criado um episódio em “O Guarani”
em que uma índia pede um beijo a Peri. Ora, argumenta Nabuco, Darwin havia provado em seu livro “A
expressão das emoções nos homens e animais” que o beijo como forma de demonstração de afeto não
existiria em os indígenas. Cf. Coutinho, Afrânio (Org.). A polêmica Alencar-Nabuco. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1978, p. 91. O leitor cuidadoso poderá verificar o us o pragmático que Nabuco faz do livro de
Darwin, pois o único trecho em que trata da questão, o célebre naturalista não menciona os indígenas do
Brasil. Cf. Charles Darwin. The expressions of emotions in man and animals, pp. 439-40.
ii
Afrânio Coutinho (Org.). A Polêmica Alencar-Nabuco, p. 5.
iii
Gonçalves de Magalhães Comentários e Pensamentos. Rio de Janeiro: Livraria de B. L. Garnier, 1880, pp.
1-2
iv
Gonçalves de Magalhães. Op. cit., p. 163.
v
Gonçalves de Magalhães. Op. cit. pp. 2-3.
vi
No contexto germânico, a bi ologia vitalista manteve poderosa influência ao longo do s éculo XIX. Sobre a
questão, ver T imothy Lenoir. The strategy of life: teleology and mechanics in nineteenth-century German
biology. Chicago, London: The University of Chicago Press, 1998, pp. 246-75.
vii
Gonçalves de Magalhães. Op. cit., p. 6.
viii
Gonçalves de Magalhães. Op. cit. p. 9. Grifo meu.
ix
Gonçalves de Magalhães. Op. cit., p. 12.
x
Gonçalves de Magalhães. Op. cit., p. 22.Grifo meu.
xi
Gonçalves de Magalhães. Op. cit., p. 25.
xii
Darwin apud Gonçalves de Magalhães. Op. cit., p. 40. Grifo do autor.
xiii
Gonçalves de Magalhães. Op. cit., p. 41.
xiv
“He who can read Sir Charles Lyell's grand work on the Principles of Geology, which the future historian will
recognise as having produced a revolution in natural science, yet does not admit how incomprehensibly vast
have been the past periods of time, ma y at once close this volume” Charles Darwin. On the origins of
species. Cambridge: Harvard University Press, 2001, p. 282.
xv
Gonçalves de Magalhães. Op. cit., p. 6; 15; 47.