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ANPUH – XXIII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Londrina, 2005.

Os limites do tempo: Gonçalves de Magalhães contra Darwin

Valdei Lopes de Araujo *

Em 1880, o velho Gonçalves de Magalhães sai em defesa de suas crenças mais

profundas. Defender suas idéias através de duras polê micas não lhe era algo novo,

ninguém esquecera, por certo, seu confronto co m o jovem José de Alencar em 185 6. De

algum modo, o tempo aproximara os dois titãs do romantismo brasileiro. As diferenças do

passado pareciam pequenas se confrontadas com o novo inimigo. Em 1880 Alencar já

havia morrido (1877), mas deixava registradas suas divergências com o “bando de idéias

novas” da geração emergente. Em 1875, em sua polêmica com Joaquim Nabuco, as

teorias de Darwin serviram de muni ção para os ataques dos “jovens” contra os “velhos”. i

Alencar demonstrara, naquele momento, ter um conta to muito s uperficial com o

darwinismo, confundido-o com as teorias transformistas do século XVIII.

Tal não será o caso co m Magalhães, seu ensaio demonstra um conh ecimento

razoável da teoria de Darwin, por ele inserida no inter ior de um dif uso materialismo

moderno. Afrânio Coutinho afirma que “por volta de 1880 o romantismo estava morto”, ii se

este é o caso, o ensaio de Magal hães foi se u canto do cisne. Em seu texto figura m

nomes de célebres cientistas contemporâneos, tais como Agassiz, o botânico francês

Charles Victor Naudin, o fisiolo gista, professor da Universidade de Turim, Jakob

Moleschott (1822-1893), celebrizado por ter deixado a Universidade de Heidelberg, onde

seu materialismo radical era host ilizado, Büchner, Oersted, Zeise, John Stuart Mill,

Auguste Comte, entre outros.

Uma dificuldade que chama a atenção do leitor é a c ompleta ausência de

documentação das fo ntes utilizadas por Magalhães na comp osição do ensaio.

Excetuando alguma eventual refer ência a e sses nomes de autores célebres, não há

registro de livros consultados, com a única exceção de “Força e Matéria”, do Dr. Büchner.

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Mesmo assim, não há qualquer indí cio do nível real de fam iliaridade de Magalhães com

as obras d os autores que cita. R aramente são transcritas passagens literais, algumas

vezes cita trechos que atribui a Darwin, sem indicar o livro ou artigo.

O ensaio está dedicad o ao seu filho, o Dr. Amadeus M. J. G. de Magalhães

Araguaya. Esse recurso parece d eixar claro o caráter d e testamento geraciona l que o

ensaio assume. Alertar a juventude para os falsos caminhos do mundo moderno, para os

perigos que uma ciência da moda pode conduzir o e spírito mais inexperiente. Na

dedicatória, antecipa o argumento de que as te orias materialistas são aceitas apenas por

modismo, vaidade e vontade de alguns em parec erem atualizados com os progressos da

ciência. Seu livro deve funcionar como denúncia de u ma concepção de ciê ncia que

avança os limites autorizados pelas suas pr óprias descobertas. Magalhães aceita va as

novas leis e fatos descobertos, mas não admitia que esses conhecime ntos autorizassem

a ciência a invadir o campo reservado à me tafísica, ou seja, esse s progressos não

autorizavam a cosmovisão materialista.

Por isso, os fundamentos indutivos da teoria de Darwin são o calcanhar de

Aquiles por onde pretende derrubar o materialismo, que é apenas uma interpretação

improvável:

Essa teoria [de Lamarck] restaurada e desenvolvida nos nossos dias, com o talento de
um engenhoso romancista, pelo célebre naturalista Carlos Darwin, que a tornou quase
popular, é uma concepção contrária à ordem conhecida dos fatos, e inteiramente
hipotética, não ob stante todos o s esforços da imaginação dos se ctários, que a
preconizam como científica [...]. iii

O velho ro mântico não estava pronto para assumir o papel de atrasado

obscurantista em luta contra a ciên cia moderna. É no interior dessa ciê ncia que pretende

refutar os defensores do materialismo moderno. Não pretendia der rubar apenas os

conteúdos de suas int erpretações, também a pontaria o caráter anticientífico d essas

teorias.

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Mas afinal, o que tanto provocava o poeta, historiador e filósofo Magalhães? O

que o fazia sair da qu ietude que sua idade p oderia sugerir para con frontar os jovens

modismos? Nas página s finais do ensaio, sem que tivesse antecipado uma única vez o

problema nas mais de 150 pág inas anteriores, o literato demo nstra a profunda

consciência da ameaça que a s novas idé ias representavam. Essa pseudociência

penetrava a arte do tempo. “O naturalismo”, nos diz Magalhães,

ou o realismo de certa escola de literatura moderna, que se apraz nas descrições sem
pejo das coisas mais indecentes, infames e asquerosas, é o com plemento do grosseiro
materialismo do nosso t empo, que afoitamente nega Deus e a moral, e converte o
homem em um macaco transformado pela seleção; e o homem, assim desaforado, não
se envergonha de assumir a impudência e a petulância do macaco. iv

Não sejamos inju stos com o livro de Magalhães. A passa gem, com a famosa

referência à suposta origem simiesca do homem, não corresponde ao esforço reflexivo do

autor. Se a ntecipamos o fragmento final, é apenas para demonstrar a gravidade do que

estava em jogo. Para Magalhães, o romantismo não era só aquilo que orientava as

criações artísticas, mas uma manifestação do idealismo como visão de mundo. Por isso, a

identificação do darwinismo como inimigo mortal do idealismo já demonstra uma

compreensão bastante sofisticada da teoria da evolução.

A ligação entre a decadência moral e uma te oria que supostamente equipara o

homem ao animal tem seu ponto central na questão da finalidade da criação. É nesse

ponto que Magalhães identifica o escândalo de Darwin. A “adaptação mecânica” e a

seleção natural “sem plano nem fim”

[...] não explicam a geração, a nutrição, a produ ção de órgãos novos, de instintos e
faculdades intelectuais e mora is. [...] Todos esses f atos da vitalidade orgânica supõem
causas fundamentais, e uma finalidade imperiosa, que re siste a todos os sofismas do
materialismo. v

O romantismo sempre identificou nas potencias criadore s do “novo” o desaf io

para o pensamento. O novo precisava ser incorporado a uma forma d e reflexão histórica.

Ao mesmo tempo, na ausência de uma teoria da evoluçã o que ident ificasse na lógica

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interna do movimento as fontes da criação, o romantismo recorreu sempre ao conceito de

ação providencial em suas mais diversas configurações. vi

A realidade natural ou h umana não poderia ser pensada meramente como frut o

do acaso. Deveria ser possível, mesmo que não atravé s de simples procedimentos da

ciência positiva, identificar essa idéia ou telos que orienta a formação d o mundo. Ora, era

justamente a necessidade desse telos para o mundo natural que Darwin tornava obsoleta.

Os princípios da seleção natural explicavam a evolução da vida sem a necessidade de um

plano pré-estabelecido. Se não havia necessi dade de plano, tampouco haveria a d e uma

mente pré-existente responsável pela criação. Poderíamos contin uar acreditando em

Deus, mas ele tornara-se obsoleto como hipótese explicativa para o mundo natural.

É exatamente nesse ponto, ou seja, na ausência de uma finalidade na criação,

que Magalhães pretend e confrontar Darwin. A teoria da e volução não seria capaz de

explicar a causa primeira da vida, o “milagre” da criação. Se o “milag re” não podia ser

eliminado, porque então acreditar q ue fora produzido pelo acaso, ao invés de por uma

mente/força organizadora. A exclusão de Deus seria ap enas o preconceito de uma

concepção de ciência positiva que negava, a priori, tudo o que lembrasse metafísica. Por

isso, Magalhães defende que exis te um ca mpo do conhecimento que a ciência positiva

não pode penetrar, pois seus fatos, mesmo que não positivamente acessados, podem ser

perscrutados pela ra zão. A existência de uma força orientador a da vida é uma

necessidade da razão.

A vida foi criada em algum mo mento específico, e não o produto de uma

“evolução lenta e contínua”. A própria paleontologia não mostraria indí cios para apoiar as

“adaptações lentas e int ermediárias”. vii Mais de uma vez, ao l ongo do ensaio, Magalhães

demonstra familiaridade com os principais argu mentos contrários à teoria da evolução,

muitos dos quais arro lados pelo próprio Darwin. O q ue falta e m Magalhães é o

compromisso em fazer falar o outro lado do debate. A já mencio nada ausência de

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referência aparece também como mais uma forma de impedir o con traditório. Como

mencionar o problema dos registro s fósseis se m apresentar os célebr es argumentos de

Darwin para contornar a questão?

Magalhães continua arrolando os argumentos da teoria da evolução para refutá-

los. À noção de continuidade lenta da evolução através da seleção nat ural do mais apto,

confronta o fato de que seres muito inferiores co ntinuariam a existir ao longo do tempo. O

argumento demonstra como ainda compreendia as esp écies formando um sistema

hierárquico, uma gran de cadeia cujo ponto mais alto era ocupado pelo homem. Da

mesma maneira, a suposta recapit ulação da evolução no desenvolvimento embriológico

não provava a evolução, mas apenas indicava a simplicidade d os tipos b ásicos

formadores de todos os seres vivos. O ponto é assim resumido:

A transformação sistemática do óvulo em um complicado organismo, que reproduz o tipo


de seus progenitores, como se uma idéia artística o dirigisse com admirável previsão
de vários fins a que destina as suas diversas partes, não é u m fenômeno que se
explique pela simples adaptação mecânica; e a chamada lei da h erança é um fato
misterioso [...]. viii

Ou ainda:

O que sabemos positivamente a respeito das espécies biológicas, salvo qualquer engano
na sua classificação, é que elas são fixas e persistentes desde a mais remota antiguidade,
e que a seleção artificial cuidadosamente feita, ainda não produziu uma só espécie nova
que comprove a possibilidade de uma metamorfose pela imaginária seleção natural; a
qual, dependendo de um concurso de circunstâncias repetidas em tão grande escala, seria
impossível sem milagre. ix

A divergência pode então ser resumida da se guinte forma: existe ou não uma

força vital que organiza e direcio na o processo de formação da vida. A ênf ase nos

processo contingentes e mecânicos do dar winismo confrontava-se com uma longa

tradição do pensamento vitalista. É a essa tradição que recorre Magalh ães ao utilizar o

conceito de força vital:

Essa força, como t odas as mais emanadas do Cri ador supremo, só se revela pelos
seus efeitos; mas a sua existência, distinta essencialmente de todas as outras fo rças

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que constituem a natureza, é tão incontestável como a multiplicidade de suas criações, o


maravilhoso dos seus processos, e a variedade de seus fenômenos. x

Entende-se facilmente a ênfase d e Magalhães na co ncepção de u ma ciência

positiva como aquela fundada em um absoluto empirismo. A dedução dessa fo rça vital

superior não está nos limites empíricos da ciên cia, mas cabe à razão superior. Esse tipo

de raciocínio é o mesmo que leva o histor iador “romântico” a vislu mbrar o sentido da

história nos vestígios das épocas passadas. Tanto na natureza qu anto na história a

totalidade organizada é pressuposta, mesmo que não po ssa ser analisada em seus

princípios, mas apenas deduzida a partir de seus efeitos. Não é de se admirar, portanto,

que a aplicação das t eorias evolucionistas na história provoquem uma demanda por

novas categorias explicativas de tip o causal. Essa totalidade compreensiva já não pode

ser tranqüilamente pressuposta e interpretada.

A leitura do ensaio de Magalhã es não deve apenas ser orientada pela

identificação de algum tipo de incompreensão ou “desleit ura”. O ensaio nos aju da a

compreender também os abusos interpretativos de um cientificism o pouco d ado à

autocrítica. As teorias d e Darwin nã o foram menos distorcidas por seu s admiradores do

que por seus detratores. As fronteiras entre as descobertas científica s e um cientificismo

materialista vago não são sempre claras. Não é sem razão que Magalhães cha ma de

fantasiosas afirmações do tipo: “Uma garrafa contendo carbonato de amoníaco, cloreto de

potássio, fosfato de soda, cal, magnésia, ferro, ácido sulfúrico e sílice, é de um modo ideal

o princípio vital completo”. xi

Em diversas passagens Magalhães demonstra ter contato direto com os escritos

de Darwin. Discutindo o argumento que explica a exuberância das flores, transcreve uma

passagem supostamente retirada de um te xto do naturalista: “As flo res [...] entram n o

número das mais belas produções da natureza; mas elas se fizeram brilhantes, e por

conseguinte belas, para contrastar com a verdura das folhas, de modo que os insetos a

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pudessem ver facilmente”. Forçando o texto de Darwin contra seu argumento,

demonstrando desconhecer as sutilezas da teoria da evolução, Magalhães grifa no texto o

que considera uma prova da finalidade natur al, “as flore s se fizera m brilhantes”. De

imediato conclui: “Admirável! Assim pois, há desígnio, há manifesta finalidade nas

produções da natureza, mesmo no colorido e beleza das flores e dos frutos! E o sábio

corifeu da teoria da evolução das espécies o reconhece, e proclama!”. xiii

O ensaio prossegue sempre na tentativa de mostrar as contradições internas à

teoria de Darwin no qu e se refere a negação de um princ ípio teleológico para o mundo

orgânico. Nem sempre a divergência está assentada em algum tipo de incompreensão, na

maior parte das vezes Magalhães apenas resiste a aceitar as interpretações do

naturalista.

Um ponto p arece, entretanto, interpor o limite para a rece pção de Magalhães.

Ponto este que Darwin, consciente de sua centralidade e ao mesmo tempo dificuldade de

apreensão, fez quest ão de esclarecer sucessivamente em A origem das espécies.

Falamos da enorme modificação na escala de tempo que a teoria exigia, alargamento que

havia sido permitido pelos avanços nos estudos geológicos. Mesmo o paciente Darwin foi

taxativo sobre esta questão. Para ele, o leitor incapaz de visualizar como

“incompreensivelmente vastos f oram os períodos passados d e tempo” deveria

simplesmente abandonar a leitura de seu livro maior. xiv

Todas as vezes que Magalhães refere-se aos longos intervalos de tempo

requeridos para explicar os fenômenos geológi cos ou fisiológicos sua escala permanece

amarrada à dimensão secular. Co mo medir os 300 milhões de anos a que chega Darwin

em um de seus cálcu los pensando em termos de séculos? Mesmo tratando dos registros

fósseis presentes nas camadas geológicas, Magalhães fala em seres “produzidos durante

séculos”. Em outra passagem, afirma que os “tipos [orgânicos] espe cíficos se transmitem

e perpetuam de geração em geração, durante séculos [.. .]”.Somente por isso Magalhães

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pode concluir que “origem das espécies [...] não passa de uma hipótese cont rária à

observação de séculos”. xv

Na impossibilidade de compreender a nova escala de tempo qu e tornava

possível pensar a organização do mundo da vida através de uma evol ução contingente e

não teleológica, Magalhães permanecia fiel à crença na força vital e na providência como

condições para a inteligibilidade dos mundos natural e humano.

*
Professor Adjunto da área de Teoria e metodologia do Departamento de História da Universidade Federal de
Ouro Preto (UFOP). Este projeto conta com a participação do bolsista Ezequiel Barel Filho, Pibic/Cnpq.
i
Em um trecho, no mínimo curioso, Nabuco criticava o fato de Alencar ter criado um episódio em “O Guarani”
em que uma índia pede um beijo a Peri. Ora, argumenta Nabuco, Darwin havia provado em seu livro “A
expressão das emoções nos homens e animais” que o beijo como forma de demonstração de afeto não
existiria em os indígenas. Cf. Coutinho, Afrânio (Org.). A polêmica Alencar-Nabuco. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1978, p. 91. O leitor cuidadoso poderá verificar o us o pragmático que Nabuco faz do livro de
Darwin, pois o único trecho em que trata da questão, o célebre naturalista não menciona os indígenas do
Brasil. Cf. Charles Darwin. The expressions of emotions in man and animals, pp. 439-40.
ii
Afrânio Coutinho (Org.). A Polêmica Alencar-Nabuco, p. 5.
iii
Gonçalves de Magalhães Comentários e Pensamentos. Rio de Janeiro: Livraria de B. L. Garnier, 1880, pp.
1-2
iv
Gonçalves de Magalhães. Op. cit., p. 163.
v
Gonçalves de Magalhães. Op. cit. pp. 2-3.
vi
No contexto germânico, a bi ologia vitalista manteve poderosa influência ao longo do s éculo XIX. Sobre a
questão, ver T imothy Lenoir. The strategy of life: teleology and mechanics in nineteenth-century German
biology. Chicago, London: The University of Chicago Press, 1998, pp. 246-75.
vii
Gonçalves de Magalhães. Op. cit., p. 6.
viii
Gonçalves de Magalhães. Op. cit. p. 9. Grifo meu.
ix
Gonçalves de Magalhães. Op. cit., p. 12.
x
Gonçalves de Magalhães. Op. cit., p. 22.Grifo meu.
xi
Gonçalves de Magalhães. Op. cit., p. 25.
xii
Darwin apud Gonçalves de Magalhães. Op. cit., p. 40. Grifo do autor.
xiii
Gonçalves de Magalhães. Op. cit., p. 41.
xiv
“He who can read Sir Charles Lyell's grand work on the Principles of Geology, which the future historian will
recognise as having produced a revolution in natural science, yet does not admit how incomprehensibly vast
have been the past periods of time, ma y at once close this volume” Charles Darwin. On the origins of
species. Cambridge: Harvard University Press, 2001, p. 282.
xv
Gonçalves de Magalhães. Op. cit., p. 6; 15; 47.

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