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Acórdãos STA Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo

Processo: 01362/12
Data do Acordão: 28­01­2016
Tribunal: 1 SECÇÃO
Relator: CARLOS CARVALHO
Descritores: RECURSO CONTENCIOSO
DEFESA DO AMBIENTE
ACÇÃO POPULAR
LEGITIMIDADE ACTIVA
ACTO RECORRÍVEL
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
PERDA DE OBJECTO
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
PROVA PERICIAL
SEGUNDA PERÍCIA
Sumário: I ­ A legitimidade processual ativa duma «ONGA» para a
dedução de recurso contencioso de impugnação de ato jurídico
radica no facto de estarem ou haverem sido violadas pelo ato
impugnado “disposições legais que protegem o ambiente” [arts.
02.º, 03.º e 07.º, 10.º, al. c), da Lei n.º 35/98, e 03.º da LAP].
II ­ Com o emprego de tal expressão ter­se­ão querido abarcar
todas as disposições legais em cuja esfera de proteção se
incluam, ou se visem prosseguir ou defender, o ambiente nas
suas várias componentes de harmonia com aquilo que são os
comandos decorrentes do art. 66.º da CRP e da Lei de Bases do
Ambiente e isso independentemente do assento, natureza,
catálogo e/ou inserção sistemática das mesmas disposições.
III ­ Tal impõe a adoção dum sentido amplificador, abrangente, do
conceito de “ambiente” que albergue no seu seio também regras
doutros domínios, nomeadamente, do urbanismo, do
ordenamento do território, da arquitetura urbana, do domínio
público, já que o que releva e se exige é que as mesmas visem
prosseguir a defesa e valorização do ambiente, do património
natural (v.g., preservação da paisagem da orla costeira) e
edificado, ou a conservação da Natureza.
IV ­ Um ato é lesivo quando o mesmo seja apto a produzir efeitos
negativos na esfera jurídica dos particulares e estes efeitos não
possam ser afastados por meios administrativos.
V ­ A garantia do recurso contencioso mostra­se focalizada no
conceito da “lesão das posições subjetivas dos particulares” pelo
que um ato é recorrível se, definindo autoritariamente a sua
situação jurídica concreta, o mesmo constitua uma decisão
produtora de efeitos jurídicos ablativos na esfera de direitos e
interesses do recorrente.
VI ­ É ilegal interposição de recurso contencioso dirigido a actos
administrativos que haviam sido revogados, por substituição,
mercê da falta de objeto.
VII ­ Em recurso contencioso a questão da tempestividade da
sua dedução [art. 28.º da LPTA] só releva para quando se
invoquem fundamentos de ilegalidade determinantes de mera
anulabilidade e não de nulidade.
VIII ­ Mostrando­se os fundamentos de ilegalidade invocados
fulminados, em termos legais, com o desvalor da nulidade e não
com a mera anulabilidade terá de improceder a exceção de
caducidade do direito de ação.
IX ­ Não viola do disposto no art. 38.º da LPTA a dedução de
recurso contencioso de anulação dirigido contra vários atos
praticados por órgãos administrativos pertencentes à mesma
pessoa coletiva já que relativos a procedimentos conexos,
promovidos por um mesmo requerente junto daquela mesma
pessoa, e em que, em termos de causa de pedir, a invocação
das ilegalidades foi feita, no essencial, de forma comum, e sem
que as impugnações dos vários atos estivesse sujeita a outra
forma de processo e a competência para delas conhecer fosse
pertença doutro tribunal.
X ­ Nos termos do art. 589.º, n.º 1, do CPC [redação anterior à
Lei n.º 41/2013], é ilegal indeferir o requerimento de uma
segunda perícia quando o requerente dela alegar “fundadamente
as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial
apresentado”.
Nº Convencional: JSTA00069540
Nº do Documento: SA12016012801362
Data de Entrada: 03­12­2012
Recorrente: A... SA E CM DE SANTA CRUZ E OUTRO
Recorrido 1: B...
Votação: UNANIMIDADE
Meio Processual: REC JURISDICIONAL
Objecto: SENT TAF FUNCHAL
Decisão: PROVIDO
Área Temática 1: DIR ADM CONT ­ ACTO.
Legislação Nacional: CONST ART52 N3 ART66 ART9 ART268.
L 35/98 ART10.
L 83/95 ART1 ART2 ART12.
L 10/87 ART7 ART3 ART4 ART5 ART6 ART13 ART17 ART18 ART19 ART27.
LPTA ART25 ART55 ART28 ART29 ART31 ART38.
CPA91 ART134 ART137 ART127 ART136 ART141 ART135 ART133.
LAL84 ART88 ART89.
CPC ART589 ART587 ART712.
Jurisprudência Nacional: AC STA PROC047701 DE 2002/02/07.; AC STA PROC047545 DE 2003/04/29.; AC STA
PROC0413/04 DE 2004/06/03.; AC STAPLENO PROC01334/03 DE 2004/06/29.; AC STA
PROC0308/05 DE 2006/03/07.; AC STAPLENO PROC044960 DE 2004/03/09.; AC STA
PROC0896/03 DE 2004/03/18.; AC STA PROC0963/03 DE 2004/06/22.; AC STA
PROC01115/04 DE 2005/01/11.; AC STA PROC01127/05 DE 2006/01/25.; AC STAPLENO
PROC046262 DE 2007/05/03.; AC STAPLENO PROC044141 DE 2005/11/12.; AC STA
PROC0713/13 DE 2013/06/20.; AC STJ PROC4B3648 DE 2004/11/25.
Referência a Doutrina: JOSÉ ALBERTO DOS REIS ­ CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO VOLIV PAG302­
303.
J. ANTUNES VARELA E OUTROS ­ MANUAL DE PROCESSO CIVIL 2ED PAG600.
J. LEBRE DE FREITAS ­ CÓDIGO PROCESSO CIVIL ANOTADO VOLIII PAG521.
C. LOPES DO REGO ­ COMENTÁRIOS AO CÓDIGO PROCESSO CIVIL VOLI 2ED
PAG508.
Aditamento:

Texto Integral

Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção de Contencioso
Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 
1. RELATÓRIO
1.1. “B…………….”, organização não governamental de ambiente
[«ONGA»] sediada no Funchal e melhor identificada nos autos,
intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal [doravante
TAF/F], contra a “CÂMARA MUNICIPAL DE SANTA CRUZ”
[«CMSC»], “VEREADOR DA CÂMARA MUNICIPAL SANTA
CRUZ COM PELOURO DAS OBRAS PARTICULARES” e
C…………….., este último na qualidade de recorrido particular e,
entretanto, substituído na sequência de habilitação de adquirente
por “A……………, SA” [cfr. decisão de fls. 39/41 do apenso A], o presente
recurso contencioso de anulação no quadro de ação popular
administrativa prevista no art. 12.º da Lei n.º 83/95, pedindo, pela
motivação aduzida no articulado inicial, a declaração de nulidade
das deliberações daquela edilidade, datadas de 22.09.1982, de
05.09.1984, de 20.03.1985, de 17.12.1986 e de 09.10.2000 e,
bem assim, dos atos praticados pelo referido Vereador, ao abrigo
de subdelegação de competências [seus despachos de 21.02.2000,
de 08.10.2000 e de 16.10.2000], respeitantes ao licenciamento das
operações de loteamento e de licenciamento de obras
particulares promovidas pelo recorrido particular no prédio rústico
sito em ……….. (……….), freguesia de ………., concelho de
Santa Cruz.

1.2. No prosseguimento dos autos veio a ser proferido, em
18.02.2004, despacho saneador [cfr. fls. 385 e segs.] no qual se
julgaram improcedentes as exceções de ilegitimidade processual
ativa, de intempestividade/caducidade do direito, de
irrecorribilidade [quanto às deliberações impugnadas] e de ilegal
cumulação de pedidos e de coligação de recorridos.

1.3. Inconformados com tal decisão as entidades recorridas
«CMSC» e Vereador da «CMSC» interpuseram recurso
jurisdicional [cfr. fls. 425 e 460 e segs. e fls. 1088/1089 na sequência de convite
inserto no despacho do Relator de fls. 1083 v.], apresentando o seguinte
quadro conclusivo que se reproduz:
“...
1. Essencial à legitimidade da ora recorrida seria o facto de as normas
ditas violadas pelos atos impugnados visarem a proteção do ambiente, o
que não acontece, pois, os interesses ou valores que tutelam não têm
esse objetivo e incidência.
2. Ao considerar a «B…………..» como dispondo de legitimidade ativa o
despacho agravado violou o art. 53.º, n.º 2, da CRP, o art. 10.º da Lei n.º
35/98 e os arts. 1.º, 2.º e 12.º da Lei n.º 83/95, de 31 de julho.
3. O recurso de impugnação dos atos em questão é intempestivo,
porquanto, os poucos vícios que importariam «nulidade» não ocorrem e
os demais, importam mera anulabilidade, pelo que, de há muito, haviam
precludido os prazos de impugnação.
4. As certidões dos atos em causa, não suspendem os prazos de
impugnação e, por isso, ocorre, em todos os casos, intempestividade.
5. Dada a revogação das deliberações de 22.09.82 e 05.09.84, apenas
subsistiu a deliberação de 20.03.85, e só esta é sindicável.
6. O despacho recorrido lavrou em erro, quando considera que as
deliberações de 22.09.82 e de 05.09.84, eram suscetíveis de
impugnação.
7. O despacho do Vereador recorrido, de 08.10.2000 é meramente
confirmativo do despacho de 21.02.2000 e, como tal, não é impugnável.
8. Por sua vez, o despacho do Vereador, de 16.10.2000, é um mero ato
de execução de decisão anterior o despacho de 21.02.2000, não sendo,
também, impugnável.
9. Por outro lado, verifica­se que, com a impugnação das deliberações
camarárias e a dos atos individuais do Vereador, têm distintas causas de
pedir, pelo que ocorre uma cumulação ilegal de pedidos, ao contrário do
decidido no despacho recorrido, que violou o disposto no art. 38.º da
LPTA...”.

1.4. Devidamente notificada a aqui ora recorrida «B……………»
após apresentação, na sequência de despacho do Relator, das
conclusões das alegações que haviam sido omitidas, a mesma
não veio, entretanto, produzir quaisquer contra­alegações [cfr. fls.
496 e segs. e fls. 1087 e segs.].

1.5. No decurso dos ulteriores termos veio a ser proferido, em
27.02.2006, despacho a indeferir o requerimento para realização
de uma 2.ª perícia [cfr. fls. 687], despacho esse que foi, igualmente,
objeto de impugnação por parte das entidades recorridas «CMSC»
e Vereador da «CMSC» [cfr. fls. 701 e 719 e segs. e fls. 1088/1089 na sequência
de convite inserto no despacho do Relator de fls. 1083 v.], apresentando como
quadro conclusivo o seguinte:
“...
1. Na resposta ao quesito 6.º os peritos consideraram que não foram
encontrados sinais que afetem a solidez e a estabilidade da arriba, não
havendo risco de desmoronamento das construções.
2. Já na resposta aos quesitos 7.º e 8.º admitem que, teórica e
potencialmente, tal possa eventualmente acontecer.
3. Nos esclarecimentos que prestaram a tal respeito os peritos dizem, por
um lado, não haver dados suficientes para admitir tal probabilidade, e, ao
mesmo tempo, referem que é «fortemente provável» que isso aconteça,
sem adiantar, no entanto, qualquer previsão temporal para tanto.
4. A insuficiência do esclarecimento, que não foi concludente por parte
dos peritos, em matéria relevante, justificava, assim, uma 2.ª perícia, que
o despacho recorrido recusou.
5. O despacho recorrido que recusou a 2.ª perícia, não está
fundamentado, e violou o disposto no art. 589.º do CPCivil ...”.

1.6. Notificada devidamente a aqui ora recorrida «B…………»
após apresentação, na sequência de despacho do Relator, das
conclusões das alegações que haviam sido omitidas, a mesma
também não veio, entretanto, produzir quaisquer contra­
alegações [cfr. fls. 741 e segs. e fls. 1087 e segs.].

1.7. Após instrução e julgamento naquele TAF/L veio a ser
proferida sentença [cfr. fls. 917/945], datada de 25.05.2012, a julgar,
por um lado, procedente a exceção de irrecorribilidade dos atos
praticados pelo Vereador da «CMSC» de 08.10.2000 [por ser mero
ato confirmativo do despacho de 21.02.2000] e de 16.10.2000 [por
constituir mero ato de execução do despacho de 21.02.2000] e, por
outro lado, também procedente o presente recurso contencioso
de anulação, declarando­se “a nulidade de todos os atos impugnados
e atrás identificados, com exceção dos de 8.10.2000 e de 16.10.2000
(estes por não serem impugnáveis)”, dada a verificação dos
fundamentos de ilegalidade consubstanciados: i) na violação dos
arts. 01.º, 03.º, 05.º, 08.º, 10.º, 17.º, 18.º, todos do DL n.º 468/71,
dada a falta de reconhecimento estatal da propriedade privada
ou concessão de uso privativo; ii) na falta de consulta prévia a
entidades externas competentes como a Administração Central
do Estado e da Direção Regional de Portos ou depois da
Administração dos Portos da Madeira [DR 20/81/M e DLR 13/96/M]
o que nos termos dos arts. 14.º, n.º 1, do DL n.º 289/73, 65.º, n.º
1, do DL n.º 400/84, 56.º, n.º 1, do DL n.º 448/91, 68.º, al. c) do
RJUE é gerador de nulidade; iii) na ofensa aos arts. 18.º e 128.º,
1.ª parte do RGEU conducente à anulabilidade da “licença de
construção e seus atos consequentes”; iv) na violação do art. 24.º, n.º
1, als. a) e c), do DL n.º 289/73 dada a caducidade da licença de
20.03.1985; v) na violação dos arts. 12.º do DL n.º 468/71, 48.º e
52.º, n.º 2, al. c), do DL n.º 445/91, por parte do despacho de
21.02.2000, dado não haver sido precedido das consultas e
autorizações exigidas; vi) nas várias disparidades e divergências
entre o alvará de loteamento e o pedido de licenciamento e o
alvará de construção conducentes à nulidade dos atos recorridos
nos termos do art. 52.º, n.º 2, al. b) in fine, do DL n.º 445/81; vii)
sendo que as “cit. nulidades e anulabilidades dos atos relativos ao
loteamento têm como consequência legal e lógica a nulidade da licença
de construção (v. art. 133.º­2­i CPA)”. No mais foram julgados
improcedentes os fundamentos invocados referentes a: i)
violação dos arts. 66.º, n.ºs 1 e 2, al. b), da CRP, 121.º in fine do
RGEU, 17.º e 18.º da Lei n.º 11/87; ii) a violação dos arts. 14.º e
40.º do DL n.º 448/91 quanto à caducidade da licença de
loteamento de 09.10.2000; iii) a revogação das deliberações de
22.09.1982 e de 05.09.1984 pelas deliberações de 05.09.1984 e
de 20.03.1985.

1.8. A recorrida­particular «A…………, SA» e as entidades
recorridas «CMSC» e Vereador da «CMSC», inconformadas,
interpuserem, de per si, recursos jurisdicionais, formulando o
quadro conclusivo que se reproduz:
i) recorrida­particular «A………., SA» [cfr. fls. 951 e segs.]
“...
A) Como certamente decidirá o Venerando Supremo Tribunal
Administrativo, assiste inteiramente razão aos Recorridos no que
concerne às suas alegações de agravo de fls. 460 a 473 e 719 a 722 dos
autos, devendo julgar­se procedentes as exceções de ilegitimidade ativa,
de intempestividade, de irrecorribilidade e de ilegalidade da cumulação
dos pedidos e da coligação, assim como, caso assim não se entenda, a
pretensão dos Recorridos em verem realizada uma segunda perícia.
B) A resposta à questão de saber qual a área afeta à extinta Direção
Regional de Portos, e consequentemente se o terreno em causa nos
autos se enquadra nessa área, resulta diretamente de disposições legais
que definem a mesma, não podendo ser objeto de prova testemunhal.
C) O Tribunal a quo fez mau julgamento da prova produzida em juízo,
não se podendo manter a Sentença recorrida na parte em que dá como
provado o facto 87. apenas com base na prova testemunhal produzida, a
qual sempre se diga, nem tão pouco surge especificada.
D) Nem se poderá manter a Sentença recorrida na parte em que dá como
provado o facto 88. por não existir qualquer prova produzida nos autos
que o sustente.
E) Sendo uma das questões controvertidas dos presentes autos, não
podia o Tribunal a quo deixar de cumprir o dever de fundamentar a sua
conclusão de que «o terreno sobre o qual incidiram os atos
administrativos aqui em causa se situa em domínio público marítimo»,
explicitando os factos, o Direito e os elementos de prova constantes dos
autos com base nos quais formou a sua convicção. Não o tendo feito, é
nula a Sentença recorrida nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do
CPC, ex vi do artigo 1.º da LPTA. 
F) O douto Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento quanto à
questão da alegada dominialidade pública do terreno sobre o qual
incidiram os atos administrativos recorridos, nomeadamente ao não
interpretar e aplicar corretamente o disposto no … artigo 5.º n.º 1 e n.º 4
do Decreto­Lei n.º 468/71 de 5 de novembro.
G) Conforme resulta de fls. 413 a 422, o Recorrido Particular fez prova de
que o terreno objeto dos atos administrativos impugnados é sua
propriedade, não existindo nada nos presentes autos de onde resulte o
inverso, estando o terreno excluído do domínio público marítimo nos
termos do artigo 5.º n.º 1 do Decreto­Lei n.º 468/71, de 5 de novembro.
H) O terreno dos autos situa­se junto à crista de uma arriba alcantilada da
ilha da Madeira, pelo que, sendo o n.º 4 do artigo 5.º do Decreto­Lei n.º
468/71, de 5 de novembro, uma norma com carácter especial face à
regra geral determinada no n.º 1 dessa disposição legal, sempre estaria
afastada a presunção de dominialidade a favor do Estado.
I) Resultando diretamente do n.º 4 do artigo 5.º do Decreto­Lei n.º 468/71,
de 5 de novembro que o terreno em causa é propriedade privada, ou uma
presunção legal nesse sentido que não foi elidida.
J) Resulta dos presentes autos que a verificação dos pressupostos a que
alude o artigo 5.º n.º 4 do Decreto­Lei n.º 468/71, de 5 de novembro, já se
encontra reconhecida por Sentença transitada em julgado proferida no
processo n.º 1224/08.8TBSCR que correu termos no 1.º juízo do Tribunal
Judicial de Santa Cruz.
K) Embora não existam quaisquer dúvidas sobre a competência da
jurisdição administrativa para julgar a presente ação, o douto Tribunal a
quo teria de se abster de julgar se o terreno em causa nos autos se situa
em domínio público, uma vez que é materialmente incompetente para o
efeito, sendo nula a Sentença recorrida nos termos do artigo 668.º, n.º 1
alínea d), do CPC, ex vi do artigo 1.º da LPTA.
L) Tendo em conta o teor da Sentença e do Acórdão juntos aos autos
pela Contrainteressada ora Recorrente como documentos n.º 6 e 7 do
seu requerimento de 26/04/2012, é manifesto que o douto Tribunal a quo
estava obrigado a verificar a existência de caso julgado no que diz
respeito à questão da dominialidade pública do terreno em causa nos
presentes autos, pelo que, não o tendo feito é nula a Sentença recorrida
nos termos do artigo 668.º, n.º 1 alínea d) do CPC, ex vi do artigo 1.º da
LPTA.
M) É nula a Sentença recorrida por ter violado o caso julgado constante
da Sentença proferida em 1/10/2009 no âmbito do processo n.º
1224/08.8TBSCR do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Santa Cruz, e do
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 12/01/2012.
N) O Tribunal a quo apreciou, ainda que indiretamente, uma questão que
não podia conhecer, designadamente a questão da legitimidade da
Região Autónoma da Madeira para transigir nos termos em que o fez no
processo n.º 1224/08.8TBSCR do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Santa
Cruz, sendo nula a Sentença recorrida, nos termos do artigo 668.º, n.º 1
alínea d) do CPC, ex vi do artigo 1.º da LPTA.
O) Ao dizer que a transação é irrelevante «porque é apenas a RAM a
reconhecer um direito sobre uma coisa que não lhe pertence, mas sim
pertence ao Estado», o Tribunal a quo incorreu num gritante erro de
julgamento, tendo desconsiderado por completo o disposto no artigo
144.º do Estatuto Político­Administrativo da Região Autónoma da
Madeira, de onde resulta que em nenhum caso se poderia afirmar a
irrelevância da transação, pois, a existir domínio público sobre o terreno
dos autos, o que não se verifica, este sempre pertenceria à Região
Autónoma da Madeira e não ao Estado.
P) O artigo 5.º do Decreto­Lei n.º 468/71, de 5 de novembro, ou o artigo
4.º da Lei n.º 54/2005, de 11 de novembro, sempre serão
inconstitucionais quando interpretados no sentido constante da Sentença
recorrida, ou seja, de que todo o domínio público marítimo situado nas
Regiões Autónomas pertence ao Estado, atendendo à violação de lei de
valor reforçado, constitucionalmente garantido, designadamente por
violação do artigo 144.º do Estatuto Político­Administrativo da Região
Autónoma da Madeira, o que expressamente se invoca.
Q) Andou mal o douto Tribunal a quo ao decidir que «Está provado que o
terreno sobre o qual incidiram os atos administrativos aqui em causa se
situa em domínio público marítimo, domínio público necessariamente do
Estado, como definido no DL 468/71 de 5.11», sendo que, e ao invés,
resulta dos factos alegados e da prova produzida nos presentes autos
que, por força da lei, designadamente do artigo 5.º n.º 1 e n.º 4 do
Decreto­Lei n.º 468/71, de 5 de novembro, o prédio em causa nos autos
integra o domínio privado não obstante a sua localização, como de resto
já foi judicialmente reconhecido.
R) Sendo o terreno objeto dos presentes autos propriedade privada,
falece o julgamento do Tribunal a quo quanto à nulidade dos atos
recorridos por alegada falta de consulta prévia «a entidades externas
competentes: seja a Direção Regional de Portos (v. D.R 20/81/AI) ou
depois a Adm. dos Portos da Madeira (v. DLR13/96/M,), seja a Adm.
Central do Estado».
S) É manifesta a falta de fundamentação de facto e de direito de que
padece a Sentença recorrida na parte em que, na sua página 23, vem
julgar verificar­se a nulidade dos atos recorridos com base na afirmação
de que «há aqui falta de consulta prévia a entidades externas
competentes: seja a Direção Regional de Portos (v. DR 20/81/M) ou
depois a Adm. dos Portos da Madeira (v. DLR1S/96/M,), seja a Adm.
Central do Estado», sendo nula nos termos do artigo 668.º n.º 1 alínea b)
do CPC, ex vi do artigo 1.º da LPTA.
T) A alínea c) do artigo 68.º do Decreto­Lei n.º 555/99, de 16 de
dezembro, (RJUE) só foi introduzida pela alteração legal operada pelo
Decreto­Lei n.º 177/2001, de 4 de junho, ou seja, em momento posterior
à prática de qualquer um dos atos administrativos em causa nos autos,
pelo que, ao julgar verificada a nulidade dos atos administrativos
recorridos por força da referida disposição legal, o douto Tribunal a quo
incorreu num gritante erro de julgamento quanto ao Direito aplicável.
U) Atendendo à data em que foram praticados, os atos administrativos
recorridos de 09/10/2000 e 21/02/2000 nunca poderiam ser julgados
nulos com base no artigo 56.º n.º 1 do Decreto­Lei n.º 448/91, de 29 de
novembro, porquanto esta disposição legal, na redação que lhe foi dada
pela Lei n.º 26/96, de 1 de agosto, sanciona com mera anulabilidade os
atos administrativos que violam a sua previsão, tendo o Tribunal a quo
incorrido num evidente erro de julgamento quanto ao Direito aplicável.
V) Os alegados vícios geradores do desvalor de anulabilidade não
poderiam ser conhecidos e apreciados pelo Tribunal a quo, porquanto,
aquando da interposição do presente recurso contencioso há muito
estava ultrapassado o prazo legal para a sua interposição com tal
fundamento, nos termos do artigo 28.º n.º 1 alínea a) e do artigo 29.º n.º
1 ambos da LPTA.
W) Contrariamente ao que resulta da Sentença recorrida, o terreno objeto
dos atos administrativos recorridos não se incluía na área de jurisdição
da Direção Regional de Portos ou posteriormente da Administração dos
Portos da Região Autónoma da Madeira, nada na lei impondo a sua
audição, ou a audição da Administração Central do Estado, devendo
julgar­se não verificada a nulidade dos atos recorridos nos termos dos
artigos 14.º n.º 1 do Decreto­Lei n.º 289/73, 56.º n.º 1 do Decreto­Lei n.º
400/84, 56.º n.º 1 alínea a) do Decreto­Lei n.º 448/91, ou do artigo 68.º
alínea c) do RJUE.
X) A perícia realizada nos autos não incidiu sobre as fundações dos
edifícios construídos, sobre as características dos edifícios em si ou
sobre os elementos de construção, nem dos autos resultam quaisquer
factos ou outros elementos de prova de onde se possa extrair a
conclusão de que as fundações dos edifícios não foram estabelecidas em
terreno estável e suficientemente firme, por natureza ou consolidação
artificial, para suportar com segurança as cargas que lhe são transmitidas
pelos elementos da construção.
Y) Também não resultando dos autos quaisquer elementos ou factos
provados que permitam concluir que as edificações não foram delineadas
e construídas de forma a ficar sempre assegurada a sua solidez.
Z) Ao invés do que resulta da Sentença recorrida, impunha­se julgar não
verificada a violação do disposto nos artigos 18.º e 128.º do RGEU, uma
vez que dos presentes autos não só não resultam quaisquer elementos
que permitam concluir que a construção violou as referidas disposições
legais, como da prova testemunhal produzida se pode retirar a conclusão
absolutamente inversa, tendo o douto Tribunal a quo incorrido num
gritante erro de julgamento na interpretação e aplicação do Direito, bem
como na valoração dos factos e elementos de prova constantes dos
autos.
AA) Das disposições conjugadas dos artigos 9.º, 24.º n.º 1 alíneas a) e c)
do Decreto­Lei n.º 289/73, de 6 de junho, e do artigo 135.º do CPA,
resulta que a caducidade das licenças, conduz, quando muito, ao
desvalor da anulabilidade dos atos praticados ao seu abrigo, e à
consequência a que alude o artigo 24.º n.º 3 do Decreto­Lei n.º 289/73,
de 6 de junho, não podendo tal vício ser conhecido e apreciado pelo
Tribunal a quo, porquanto, aquando da interposição do presente recurso
contencioso há muito estava ultrapassado o prazo legal para o efeito nos
termos do artigo 28.º n.º 1 alínea a) e do artigo 29.º n.º 1 ambos da LPTA.
BB) Face à gritante falta de especificação dos fundamentos de facto que
justificam a decisão sobre a alegada caducidade das licenças de
22/09/1982 e de 20/03/1985, é nula a Sentença recorrida nos termos do
artigo 668.º n.º 1 alínea b) do CPC, ex vi do artigo 1.º da LPTA.
CC) O Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento ao julgar
verificada a caducidade das licenças de loteamento aprovadas em
22/09/1982 e em 20/03/1985, uma vez que, como resulta dos autos, o
Requerente do loteamento respeitou os prazos fixados nos arts. 9.º n.º 1
e 24.º n.º 1 alínea) c) do Decreto­Lei n.º 289/73, de 6 de junho.
DD) Nada nos autos permite a conclusão de que as obras de
urbanização não foram iniciadas no prazo de um ano a contar da data do
alvará de loteamento, ou concluídas no prazo fixado pela câmara
municipal, pelo que, em qualquer caso, não poderia o Tribunal a quo
decidir pela caducidade da deliberação de 20/03/1985 com base na
violação do artigo 24.º n.º 1 alínea c) do Decreto­Lei n.º 289/73, de 6 de
junho,
EE) A decisão sobre a nulidade do despacho de 21/02/2000 do Recorrido
Vereador está logo à partida completamente inquinada por erro nos seus
pressupostos, porquanto resulta dos factos alegados e da prova
produzida nos presentes autos que, por força da lei, designadamente do
artigo 5.º n.º 1 e n.º 4 do Decreto­Lei n.º 468/71, de 5 de novembro, o
terreno é propriedade privada não obstante a sua localização, como de
resto já foi judicialmente reconhecido.
FF) Ao decidir que «Tal despacho, licença de construção, é nulo (arts.
48.º e 52.º­2­c do DL 445/91), porque, além do mais, efetivamente não foi
precedido da consulta e autorizações exigidas no DL 468/71, dado
estarmos em DPM» o Tribunal a quo não especificou os fundamentos de
facto e de direito que justificam a decisão, sendo nula a Sentença
recorrida nos termos do artigo 668.º n.º 1 alínea b) do CPC, ex vi do
artigo 1.º da LPTA.
GG) O artigo 12.º do Decreto­Lei n.º 468/71 e o artigo 48.º e seguintes do
Decreto­Lei n.º 445/91, de 20 de novembro, têm âmbitos de aplicação
diferentes, sendo inaplicável o artigo 48.º n.º 1 e 2 do Decreto­Lei n.º
445/91, de 20 de novembro, à licença prevista no artigo 12.º do Decreto­
Lei n.º 468/71.
HH) As obras de construção em causa nos presentes autos não
necessitavam da aprovação da Administração Central, estando fora do
âmbito de aplicação do artigo 48.º n.º 1 e 2 do Decreto­Lei n.º 445/91, de
20 de novembro.
II) O despacho do Recorrido Vereador de 21/02/2000 não padece do
desvalor que lhe é imputado nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo
52.º do Decreto­Lei n.º 445/91, de 20 de novembro, tendo o douto
Tribunal a quo incorrido em erro de julgamento ao julgar verificada a
nulidade do referido ato administrativo.
JJ) Não estando as deliberações da Recorrida Câmara Municipal de
Santa Cruz referentes ao loteamento feridas de qualquer nulidade,
também não poderia ser julgado nulo o ato administrativo do Recorrido
Vereador de 21/02/2000 com esse fundamento.
KK) Contrariamente ao que diz a Sentença recorrida, as nulidades dos
atos relativos ao loteamento não têm «como consequência legal e lógica
a nulidade da licença de construção», porque a licença de construção
não é um ato consequente do ato administrativo de licença de
loteamento, não estando preenchida a previsão do artigo 133.º n.º 2
alínea i) do CPA.
LL) Conforme é possível constatar inequivocamente da própria letra do
artigo 133.º n.º 2 alínea i) do CPA, da referida disposição legal não
resulta de forma direta a nulidade dos atos consequentes de atos
administrativos anteriormente anulados ou revogados, uma vez que só
serão nulos os atos consequentes de atos administrativos anteriormente
anulados ou revogados quando não se verifique a condição de haver
«contrainteressados com interesse legítimo na manutenção do ato
consequente»:
MM) Ao decidir pela aplicação do artigo 133.º n.º 2 alínea i) do CPA
estava o douto Tribunal a quo obrigado a fundamentar e julgar inaplicável
a condição prevista na 2.ª parte do artigo, pelo que, não o tendo feito,
incorreu num gritante erro na aplicação do Direito.
NN) A Sentença recorrida padece de um evidente erro de julgamento ao
julgar verificada a nulidade do despacho do Recorrido Vereador de
21/02/2000 com base na aplicação do artigo 133.º n.º 2 alínea i) do CPA.
OO) Não é correto o julgamento contido na Sentença recorrida ao afirmar
que «os atos administrativos praticados pelo Vereador recorrido, que
licenciaram as indicadas obras de construção civil, violam assim o dito
alvará de loteamento», uma vez que não corresponde minimamente à
realidade que o despacho de 21/02/2000 tenha permitido obras de
construção em termos diferentes, diversos e antagónicos dos
expressamente previstos e licenciados naquelas operações de
loteamento.
PP) Não padecendo o despacho do Recorrido Vereador de 21/02/2000
de vício de violação de lei e do consequente desvalor de nulidade que lhe
é imputada na Sentença recorrida nos termos da alínea b) do n.º 2 do
artigo 52.º do Decreto­Lei n.º 445/91, de 20 de novembro ...”;
ii) entidades recorridas «CMSC» e Vereador da «CMSC» [cfr. fls. 1036 e
segs. e fls. 1078 e segs. na sequência de convite inserto no despacho do Relator de fls.
1073 v.]
“...
1. A douta decisão sobre a matéria de facto enferma de nulidade (alínea
b) do n.º 1 do art. 668.º CPCivil), por total falta de fundamentação exigida
pelo art. 653.º, n.º 2 do CPCivil, ex vi do art. 1.º da LPTA, preceitos que a
decisão recorrida violou, nulidade esta que terá de ser suprida, por força
do art. 712.º, n.º 5 do CPCivil ex vi do art. 102.º da LPTA.
2. Igualmente, a decisão de mérito enferma de nulidade por falta de
fundamentação (alínea b) do n.º 1 do art. 668.º do CPCivil), tendo a
sentença recorrida violado o disposto nos arts. 158.º e 659.º do CPCivil,
ex vi do art. 1.º da LPTA, designadamente no que toca à alegação de que
terá havido preterição da audiência de terceiras entidades.
3. Acresce que a douta sentença recorrida enferma de erro ao considerar
que o terreno em causa integrava área afeta à extinta Direção Regional
de Portos e, posteriormente, a chamada «zona adjacente» ao «cais de
pesca», quando os elementos disponíveis nos autos apontam
exatamente em sentido contrário (V. art. 4.º do Decreto Legislativo
Regional n.º 20/81/M, de 2 de outubro), uma vez que a única área de
jurisdição da DRP é a ocupada pelo próprio cais.
4. Dos elementos constantes dos autos (fls. 458, 520 e 760) resulta que a
resposta dada ao quesito 1, com referência ao ponto 88 deveria ser «não
provado».
5. Na sentença recorrida o Tribunal a quo incorreu em grave erro de
julgamento, na apreciação jurídica da causa, quando afirma
perentoriamente que o terreno em causa nos autos integra o Domínio
Público Marítimo que pertenceria ao Estado, decisão que contradiz tudo
quanto ficou provado nos autos.
6. Mas mais do que isso, tal ofende o caso julgado constituído pelo
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.01.2012, de que estão
juntas aos autos certidões, com menção do seu trânsito em julgado.
7. O argumento da sentença recorrida vai no sentido de que tal caso
julgado não relevaria, pela circunstância de o Estado não ter sido parte
na ação que deu lugar à sentença de 1.10.2009, do Tribunal Judicial de
Santa Cruz, no processo n.º 1224/08.8TBSCR, e que a Relação de
Lisboa confirmou por Acórdão de 12.01.2012.
8. Ora, acontece que o recurso daquela sentença de 01.10.2009, que o
Venerando Tribunal da Relação confirmou, assenta exatamente na
defesa de que o Estado teria de ser parte na referida ação, o que foi
contrariado pelo Acórdão da Relação de Lisboa em causa, tendo
concluído que, por força do disposto no art. 144.º da Lei n.º 13/91, de 3
de junho (Estatuto Político­Administrativo da RAM), o domínio público sito
na Região, pertence exclusivamente à Região, e só assim não seria se
estivesse afeto à defesa nacional, e não está, pelo que a sentença
recorrida violou o disposto no n.º 2, do art. 205.º da CRP e o art. 671.º do
CPCivil.
9. Ora, resultando daquele caso julgado que o terreno em causa é
domínio privado, a sentença recorrida não podia decidir, como decidiu,
que o terreno dos autos integra o domínio público.
10. Tal, aliás, resulta do art. 5.º, n.º 4, do Dec.­Lei n.º 468/71, de 5 de
novembro, uma vez que se trata de terreno implantado em escarpa ou
arriba, o que, na Madeira e nos Açores, é, desde tempos imemoráveis,
considerado domínio privado, disposição que a sentença recorrida,
igualmente, violou.
11. Aliás, face à presunção que decorre do art. 5.º, n.º 4, do Dec.­Lei n.º
468/71, de 5/11, que não foi ilidida, temos que é secundário, ou
irrelevante, querer saber se, no caso, o domínio público é do Estado ou
da Região, na medida em que, na realidade, se está perante domínio
privado (V. documentos juntos aos autos, e Parecer da Comissão do
Domínio Público Marítimo).
12. A sentença recorrida ao errar sobre a natureza do terreno em causa
nos autos e sua titularidade, acabou por errar também, ao considerar que
se está perante ato ilegal de licenciamento de loteamento e de obras de
construção sobre domínio público marítimo.
13. Em qualquer caso, e ao contrário do decidido na sentença recorrida,
o licenciamento de operações urbanísticas sobre terrenos de domínio
público, não consubstancia vício gerador de nulidade dos respetivos atos
administrativos de controlo prévio, já que tal possível invalidade está
submetida ao regime geral de anulabilidade previsto no art. 135.º do CPA.
14. Assim sendo, atentas as datas dos atos impugnados e a
circunstância de, a enfermarem de qualquer vício (e não enfermam),
seria de mera anulabilidade, quando a petição de impugnação dá entrada
em juízo ­ 27.05.2002 ­, de há muito que havia precludido o prazo do art.
28.º, n.º 1, alínea a) da LPTA, que a sentença recorrida violou.
15. Assim, a ter havido quaisquer vícios, os mesmos estariam há muito,
completamente sanados.
16. A sentença recorrida enferma, igualmente, de erro de julgamento, ao
considerar que ocorre falta de consulta prévia de entidades terceiras ­
DRP, APRAM ou a Administração Central do Estado ­, pela razão simples
de que não estava em causa domínio público, registando­se, a este
propósito, uma total falta de fundamentação bem como a violação do
DLR n.º 20/81/M e do DLR n.º 13/96/M, que não exigiam tal consulta.
17. Mas mesmo que tais consultas fossem necessárias (e não são), ao
contrário do decidido, tal omissão não geraria qualquer nulidade, pois a
lei só comina de nulidade a falta de consulta da Direcção­Geral dos
Serviços de Urbanização (art. 14.º, n.º 1 do Dec.­Lei n.º 289/73), na RAM,
Secretaria Regional do Equipamento Social, por referência ao Dec.­Lei
n.º 365/79, de 4/9, o qual foi violado pela sentença recorrida.
18. Ainda no que respeita ao art. 65.º do Decreto­Lei n.º 400/84, de 31 de
dezembro, com referência ao Decreto Legislativo Regional n.º 19/86/M,
de 1 de outubro, artigo 56.º n.º 1 do Decreto­Lei n.º 448/91, de 29 de
novembro, com referência ao Decreto Legislativo Regional n.º 16/92/M,
de 30 de abril, sempre estaríamos perante meras anulabilidades, já
sanadas ao tempo da interposição do recurso contencioso de
impugnação em causa.
19. Acontece ainda que a sentença recorrida enferma de erro de
julgamento, ao aplicar o Dec.­Lei n.º 448/91, de 29 de novembro, sem ter
em conta a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 26/96, de 1 de agosto.
20. Enferma ainda de erro, a sentença recorrida, quando entende que
foram violados os arts. 18.º e 128.º do RGEU, já que, dos factos
provados, nada se retira que autorize semelhante conclusão e, tanto
assim, que não há quaisquer sinais de menor instabilidade ou
insegurança da construção em causa.
21. A peritagem é insuficiente para permitir tal conclusão e a prova
testemunhal vai em sentido contrário.
22. Ao invés do decidido, não é verdade que não tenham sido
respeitados os prazos dos arts. 9.º, n.º 1 e 24.º, n.º 1, alíneas a) e c) do
Dec.­Lei n.º 289/73, que a sentença recorrida violou.
23. A deliberação de 22.09.82 aprovou, condicionalmente, o projeto de
loteamento, sendo que só em 23.02.1984 foram verificadas as condições,
pelo que a produção de efeitos do ato de deferimento do loteamento só
se deu nesta última data, não ocorrendo assim qualquer caducidade,
que, ao contrário do decidido, não é automática.
24. E no mesmo erro incorreu a sentença recorrida, relativamente à
licença de 20.03.1985, que também não caducou, por não ter havido ato
administrativo expresso para tanto, como o exige a lei, a Jurisprudência e
a Doutrina.
25. A exigência da apresentação de um projeto de infraestruturas já
anteriormente entregue, constituiria um ato de todo inútil, por elementares
razões de economia e de simplificação procedimental.
26. É igualmente absurda, e ilegal, a decisão de considerar nula a licença
de construção, já que a sentença recorrida insistiu em considerar
«domínio público», terreno que é do domínio exclusivamente privado.
27. 0 licenciamento também não enferma de qualquer ilegalidade, pela
razão simples de que se trata de licenciamento sob condição suspensiva
(art. 129.º, alínea b) do CPA), ou seja, a obtenção das necessárias
alterações ao alvará de loteamento, o que é inteiramente legal,
alterações que foram aprovadas por deliberação de 09.10.2000.
28. Enferma, pois, de erro, a sentença recorrida, ao decidir que ocorre a
nulidade prevista na alínea c) do n.º 2, do art. 52.º, do Dec­Lei n.º 445/91,
pois tal não acontece ...”.

1.9. Devidamente notificada a aqui ora recorrida «B……….» não
veio produzir quaisquer contra­alegações [cfr. fls. 957 e segs.].

1.10. O Digno Magistrado do Ministério Público (MP) junto deste
Tribunal teve vista dos autos e emitiu parecer no sentido: i) da
parcial procedência do recurso jurisdicional dirigido ao despacho
saneador apenas no segmento relativo à insindicabilidade
contenciosa das deliberações camarárias de 22.09.1982 e de
05.09.1984, por terem sido revogadas, por substituição, pela
deliberação de 20.03.1985; ii) da improcedência, do mesmo
passo, do recurso jurisdicional relativo ao despacho que indeferiu
a segunda perícia requerida, por serem claros os fundamentos
de facto e de direito dele constante; iii) do provimento parcial dos
recursos jurisdicionais interpostos da sentença final, devendo
esta “ser anulada por falta de fundamentação de facto e de direito e, em
consequência, ser ordenada a baixa dos autos ao tribunal recorrido para
efeito da sua reforma, de acordo com o disposto no art. 731.º, n.º 2 CPC,
por não ser possível o conhecimento em substituição do tribunal a quo
nos recursos interpostos para este STA das decisões dos tribunais
administrativos de círculo, uma vez que o preceituado no art. 715.º, n.º 1,
do CPC para os Tribunais Relação, em recurso de apelação, tem carácter
excecional, ao suprimir um grau de jurisdição, não sendo aqui aplicável”
[cfr. fls. 1098 e segs.].

1.11. Tal pronúncia objeto de contraditório mereceu apenas a
resposta em parte discordante das entidades recorridas «CMSC»
e Vereador da «CMSC» [cfr. fls. 1120/1121].

1.12. Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à
Conferência para decisão. 
 

2. DAS QUESTÕES A DECIDIR
Presentes os termos dos recursos jurisdicionais que se mostram
interpostos nos autos e do parecer do Digno Magistrado do MºPº
junto deste Supremo Tribunal [cfr. fls. 1098/1106] importa que se
aprecie:
a) quanto ao recurso dirigido ao despacho saneador de fls. 385 e
segs., do alegado erro de julgamento assacado à referida
decisão no segmento em que improcedeu as exceções de
ilegitimidade processual ativa [por infração do disposto nos arts. 53.º,
n.º 2, da CRP, 10.º da Lei n.º 35/98, 01.º, 02.º e 12.º, todos da Lei n.º
83/95 («LAP»)], de intempestividade/caducidade do direito [por
violação do disposto nos arts. 28.º, n.º 1, al. a), 29.º e 31.º, todos da
LPTA], de irrecorribilidade [por incorreta aplicação, mormente, do
previsto nos arts. 25.º e 55.º, ambos da LPTA] e de ilegal cumulação
de pedidos [por violação do disposto no art. 38.º da LPTA], assim
como, da questão da rejeição do recurso contencioso por falta de
objeto, enquanto fundada na ilegalidade da sua interposição
relativamente às deliberações da edilidade de 22.09.1982 e de
05.09.1984 dado as mesmas haverem sido revogadas, questão
essa veiculada no parecer do MP junto deste Supremo;
b) quanto ao recurso interposto relativamente ao despacho de fls.
687 que, no âmbito da fase de instrução probatória, indeferiu o
requerimento de realização duma 2.ª perícia, do alegado erro de
julgamento assacado à referida decisão por infração ao
preceituado no art. 589.º do CPC [na redação anterior às alterações
produzidas pelo DL n.º 303/2007 e pela Lei n.º 41/2013 ­ redação essa a
que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele
Código sem expressa referência em contrário];
c) quanto aos recursos dirigidos à sentença de fls. 917 e segs.,
das alegadas nulidade de decisão [por ofensa aos arts. 158.º, 653.º,
659.º e 668.º, todos do CPC, este último no seu n.º 1, als. b) ­ por: i) falta
de explicitação/fundamentação da factualidade fixada como provada de
que o terreno sobre o qual incidiram os atos recorridos se situa em
«domínio público marítimo» ­ n.ºs LXXXVII) e LXXXVIII); ii) por falta de
fundamentação/especificação de facto e de direito relativamente ao
julgamento de verificação de nulidade dos atos recorridos por falta de
consulta prévia das entidades externas, mormente, da que justificam a
decisão de declaração de nulidade do despacho recorrido de 21.02.2000
por falta de consulta e de autorizações exigidas pelo DL n.º 468/71; iii)
por falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a
decisão sobre alegada caducidade das licenças de 22.09.1982 e de
20.03.1985; e d) ­ por ofensa do caso julgado quanto à questão da
dominialidade do terreno firmado na ação n.º 1224/08.8TBSCR e
incompetência do tribunal para a apreciação da mesma questão (arts.
66.º, 67.º, ambos do CPC, 26.º da LOTJ, 211.º, n.º 1, e 212.º, n.º 3, da
CRP, 04.º do ETAF/84, e 04.º do ETAF/02), bem assim, pela apreciação
de questão que não podia conhecer relativa à legitimidade da Região
Autónoma da Madeira ­ «R.A.M.» ­ para transigir nos termos em que o
fez na referida ação], e dos alegados erro de julgamento de facto
[quanto aos n.ºs LXXXVII) e LXXXVIII) dos factos provados ­ pelo facto
dos mesmos deverem ser considerados não provados; quanto aos n.ºs
XCII) e XCIII) ­ pelo facto dos mesmos não poderem ser dados como
provados na sua integralidade] e de direito [por ofensa ao disposto: nos
arts. 05.º, n.ºs 1 e 4, do DL n.º 468/71 (quanto à questão da
dominialidade pública do terreno); no art. 144.º da Lei n.º 13/91 ­ Estatuto
Político­Administrativo da «R.A.M.», e inconstitucionalidade dos arts. 05.º
do DL n.º 468/71 e 04.º da Lei n.º 54/2005; no DR 20/81/AI e no DLR
13/96/M e nos arts. 14.º, n.º 1, do DL n.º 289/73 por referência ao DL n.º
365/79, 65.º, n.º 1, (não «56.º, n.º 1» como por lapso se refere nas
conclusões), do DL n.º 400/84, 56.º, n.º 1, do DL n.º 448/91, 68.º, al. c),
do RJUE (quanto à nulidade dos atos recorridos por alegada falta de
consulta prévia às entidades externas competentes ­ Direção Regional de
Portos, Adm. dos Portos da Madeira e Adm. Central do Estado visto o
terreno em questão não se incluir no domínio público marítimo e como tal
não haver lugar à audição das mesmas entidades externas); no art. 68.º,
al. c), do RJUE (por à data da prática dos atos a redação o preceito
introduzida pelo DL n.º 177/2001 ainda não estar em vigor); nos arts.
28.º, n.º 1, al. a), e 29.º, n.º 1, da LPTA e 56.º, n.º 1, do DL n.º 448/91 (por
esta última disposição da redação dada pela Lei n.º 26/96 sancionar as
ilegalidades com a mera anulabilidade e nunca com a nulidade dos atos
como se veio declarar quando tais ilegalidades já não poderiam ser
conhecidas e apreciadas pelo tribunal dada a caducidade do direito de
ação); nos arts. 18.º e 128.º, ambos do «RGEU» (dada a ausência de
prova de que a construção haja infringido as referidas normas); nos arts.
09.º, 24.º, n.ºs 1, als. a) e c), e 3, do DL n.º 289/73, 135.º do CPA, 28.º,
n.º 1, al. a), e 29.º, n.º 1, da LPTA (dado a ilegalidade gerar apenas a
anulabilidade dos atos e a mesma já não poderia ser conhecida e
apreciada pelo tribunal dada a caducidade do direito de ação); nos arts.
09.º, n.º 1, e 24.º, n.º 1, al. c), do DL n.º 289/73 (por nada nos autos
permitir que se conclua pela verificação da caducidade das licenças de
loteamento); nos arts. 48.º, 52.º, n.º 2, al. c), do DL n.º 445/91, 05.º, n.ºs 1
e 4, do DL 468/71 (por erro sobre os pressupostos dado o despacho
recorrido de 21.02.2000 haver incidido sobre terreno privado e não
público); nos arts. 12.º do DL n.º 468/71, 48.º e segs. do DL n.º 445/91
(pelo facto das obras em causa não necessitarem de aprovação da Adm.
Central); no art. 52.º, n.º 2, al. c), do DL n.º 445/91 (dado o despacho
recorrido de 21.02.2000 não padecer do desvalor imputado naquele
preceito); no art. 133.º, n.º 2, al. i), do CPA (em virtude da nulidade dos
atos relativos ao loteamento não possuir como consequência legal e
lógica a nulidade da licença de construção); no art. 52.º, n.º 2, al. b), do
DL n.º 445/91 (dado os atos recorridos praticados pelo Vereador da
«CMSC» não violarem o alvará de loteamento); nos arts. 144.º do
Estatuto Político­Administrativo da «R.A.M.», 205.º, n.º 2, da CRP, 671.º
do CPC (por ofensa ao caso julgado firmado na ação n.º
1224/08.8TBSCR)] [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas ].
 

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO 
Resulta como assente na decisão judicial recorrida o
seguinte quadro factual:
I) Por requerimento, com data de entrada nos serviços do
Município de Santa Cruz de 01.04.1982, o ora recorrido particular
requereu o licenciamento de operações de loteamento para um
prédio rústico situado ao sítio das ….. (……..), freguesia de
………, concelho de Santa Cruz, que confronta a norte com a
Estrada Regional ….., a sul e oeste com a ………. e a leste com
herdeiros de Dr. ………, com a área de 7.000 m2 ­ documento junto n.º
01 [fls. 01 e 06].
II) As quais operações de loteamento consistiriam, segundo a
memória descritiva e justificativa, na ocupação de 5.599 m2 e na
criação de oito lotes de terreno, sendo sete destinados para
moradia unifamiliares, com um índice de ocupação de 0,5 ­ cfr. doc.
junto n.º 01 [fls. 03 e 04].
III) Com um número máximo de dois pisos, a partir das cotas do
terreno, com exceção de caves, e um lote destinado para
apartamentos em banda, com índice de ocupação de 0,3 e com o
mesmo número de pisos ­ cfr. doc. junto n.º 01 [fls. 03 e 04].
IV) As infraestruturas propostas pelo recorrido particular
consistiam em acessos, abastecimento de água, esgotos e
eletricidade, conforme melhor consta da memória descritiva e
justificativa do documento n.º 01, que aqui se dá por
integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
V) A Câmara Municipal recorrida solicitou, por ofício n.º 361, de
12.04.1982, o parecer da Comissão do Plano Diretor da Frente
………… ­ cfr. doc. junto n.º 01 [fls. 08].
VI) Por ofício, com data de entrada de 06.07.1982, a Direção
Regional do Turismo comunicou ao órgão recorrido o teor do
parecer n.º 13, de 23.06.1982, da firma “D………….., Lda.”, que
aqui se dá por integralmente reproduzido, a qual sociedade era a
encarregada pelo estudo do referido plano ­ cfr. doc. junto n.º 01 [fls. 12,
13, 10]. 
VII) Posteriormente, a Câmara Municipal recorrida na sua
reunião de 22.09.1982, e conforme consta da ata respetiva,
deliberou o seguinte: 
“Aprovado nas seguintes condições: Um ­ o índice de ocupação dos
terrenos ser zero virgula três; Dois ­ Nos lotes números um e dois o
número de pisos acima do nível da Estrada Regional atual ser um; Três ­
ser mantida uma zona pública para passagem de peões ao longo da
falésia com a largura dois metros. A passagem do respetivo alvará fica
pendente da apresentação dos seguintes documentos: Um ­ correção de
acordo com a informação prestada pela D……………; Dois ­ Documento
comprovativo de que o requerente é proprietário do terreno a lotear ou
possui poderes bastantes para o fazer; Três ­ Projeto de águas e
esgotos, eletricidade e arruamentos; Quatro ­ Estudo económico do
empreendimento e cinco ­ Orçamento do custo total dos trabalhos a
realizar” ­ cfr. doc. junto n.º 01 [fls. 17].
VIII) O recorrido particular foi notificado desta deliberação por
ofício datado de 20 do mesmo mês e ano ­ cfr. doc. junto n.º 01 [fls. 18].
IX) No dia 23.02.1984, o mesmo recorrido particular apresentou o
projeto das infraestruturas e requereu a emissão do respetivo
alvará de loteamento ­ cfr. doc. junto n.º 01 [fls. 25].
X) O Presidente da Câmara Municipal por despacho de
29.03.1984 ordenou que fosse solicitado parecer à Secretaria
Regional do Equipamento Social ­ cfr. doc. junto n.º 01 [fls. 25].
XI) Pelo ofício de 02.08.1984, o Chefe de Gabinete do Secretário
Regional do Equipamento Social emitiu o referido parecer, em
termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos ­ cfr. doc.
junto n.º 01 [fls. 39 e 40].
XII) A Câmara Municipal recorrida, na sua reunião de
05.09.1984, deliberou o seguinte:
“Deverá rever o projeto de acordo com a informação do Gabinete
Técnico” ­ doc. ora junto sob o n.º 01 [fls. 25 v.].
XIII) O mencionado Gabinete Técnico prestou informação nos
seguintes termos: 
“Face à informação prestada pela Secretaria Regional do Equipamento
Social ofício 7374, o processo de loteamento não poderá ser aprovado.
Conforme focado no ofício atrás referido, no caso de o requerente manter
a intenção de lotear o terreno deverá ser observado as alíneas do ponto
2” ­ cfr. doc. junto n.º 01 [fls. 25].
XIV) O recorrido particular foi notificado desta deliberação por
ofício datado de 20 de setembro do mesmo ano ­ cfr. doc. junto n.º 01
[fls. 38].
XV) Por ofício com data de entrada nos serviços do órgão
recorrido de 13.03.1985, o Chefe de Gabinete do Secretário
Regional do Equipamento Social comunicou o seguinte:
“Face aos antecedentes de todo este processo, é autorizado o
loteamento na base do deferimento e respetivos condicionamentos da
deliberação da Câmara Municipal de 22 de setembro de 1982. (…) Trata­
se de um caso isolado que não poderá constituir precedentes, já que pela
legislação em vigor a anterior Câmara só poderia aprovar os loteamentos
após parecer prévio da SRES”­ cfr. doc. junto n.º 01 (fls. 54).
XVI) A Câmara Municipal recorrida, por deliberação de
20.03.1985, e constante de fls. 152 do Livro de Atas n.º 38,
aprovou as operações de loteamento requeridas ­ cfr. doc. junto n.º 01
[fls. 41].
XVII) Novamente por ofício de 08.03.1986, o Chefe de Gabinete
do «SRES» informou o órgão recorrido do seguinte:
“1. O processo foi autorizado por esta Secretaria Regional. 
2. No entanto essa Câmara deveria salvaguardar as áreas cedências
exigidas por lei em benefício do Património Camarário” ­ cfr. doc. junto n.º 01
[fls. 55].
XVIII) No dia 09.06.1986 foi emitido o alvará de loteamento n.º 68
(sessenta e oito), conforme se extrai das referências do recorrido
particular e desta autoridade recorrida a fls. 56, 58, 62 e 63 do
documento junto n.º 01.
XIX) Por requerimento com data de entrada de 20.11.1986, o
recorrido particular requereu a “harmonização do referido alvará com
a nova matriz cadastral, já em vigor neste concelho” e sobre o mesmo
recaiu informação do Gabinete Técnico, os quais documentos
dão­se aqui por reproduzidos ­ cfr. doc. junto n.º 01 [fls. 56, 57 e 58].
XX) Sobre este requerimento, a Câmara Municipal recorrida, na
sua reunião de 17.12.1986, deliberou o seguinte:
“Deferido, de harmonia com a informação da Secretaria” ­ doc. ora junto sob
o n.º 01 (fls. 56).
XXI) No dia 10.02.1987 foi emitido o alvará de loteamento n.º 86
(oitenta e seis), que aqui se dá por integralmente reproduzido para
todos os efeitos legais ­ cfr. doc. junto n.º 01 [fls. 62 e 63].
XXII) Por requerimento, com data de entrada de 06.07.1999, o
recorrido particular requereu “um pedido de informação prévia,
relativo à alteração das especificações do alvará de loteamento n.º 86/87,
de uma urbanização, ao sítio das ……., freguesia de ……, concelho de
Santa Cruz” ­ documento junto n.º 02 [fls. 02]. 
XXIII) Para tanto juntou a respetiva memória descritiva e
justificativa ­ que aqui se dá por integralmente reproduzida ­, nos termos da
qual as operações envolveriam a constituição de três únicos lotes
de terrenos:
“Lote A ­ área de 785 m2; unificação dos lotes 1 e 2; destinado a espaços
de utilização coletiva, sendo de 672 m2 de espaços verdes e 113 m2 para
a construção de um edifício de 2 pisos destinado a equipamentos,
ficando o piso superior (à cota da antiga estrada regional) com o uso de
comércio e o piso inferior com o uso de serviços.
Lote B ­ área de 1.348 m2; unificação dos lotes 3, 4, 5 e 6; destinado a
habitação coletiva; número de pisos acima da cota de soleira; 3 (três);
números de fogos: 21 apartamentos (18 T2 + 3 T3) índice de ocupação
previsto 40% (539 m2); índice de utilização previsto: 120% (1.617 m2).
Lote C ­ área de 2.150 m2; unificação dos lotes 7 e 8; destinado a
habitação coletiva; número de pisos acima da cota de soleira; 3 (três);
número de fogos: 298 apartamentos (21 T2 + 7 T3 (Índice de ocupação
previsto: 35% (753 m2); Índice de utilização previsto: 110% (2.365 m2)” ­
cfr. doc. ora junto sob o n.º 02 [fls. 03 a 08].
XXIV) Pelo ofício n.º 1821 de 09.07.1999, o Presidente da
Câmara Municipal de Santa Cruz solicitou à Secretaria Regional
do Equipamento Social parecer e o Vereador insistiu no sentido
da sua obtenção através do ofício n.º 2248 de 10 de agosto do
mesmo ano ­ cfr. doc. junto n.º 02 [fls. 12 e 14].
XXV) A Secretaria Regional do Equipamento Social, pelo ofício
com data de entrada nos serviços do Município de 07.09.1999,
comunicou o parecer da “DRU e DRE”, e que aqui se dá por
integralmente reproduzido para todos os efeitos legais ­ cfr. doc.
junto n.º 02 [fls. 15 e 16]
XXVI) No dia 07.04.2000, o recorrido particular requereu o
licenciamento das “... alterações das especificações do referido alvará
de loteamento” que, como o próprio fazia ver, “... vem no seguimento
do pedido de informação prévia de 1991­ junho ­21, do parecer da
Secretaria Regional do Equipamento Social e Ambiente S 9702
1999/09/02 e do projeto de licenciamento de 1999­outubro­21 para
permitir a edificação de habitação coletiva a custos controlados ...” ­ cfr.
doc. junto n.º 02 (fls. 18). Mantinha o requerente e ora recorrido
particulares os três lotes de terreno, assim identificados:
“Lote A ­ área de 653 m2; unificação dos lotes 1 e 2; destinado a espaços
de utilização coletiva, sendo 216 m2 de espaços verdes e 236 m2 para a
construção de um edifício de três pisos destinado a equipamentos,
ficando o piso superior (à cota da antiga estrada regional) com o uso de
comércio e os restantes pisos com o uso de serviços.
Lote B ­ área de 1.375 m2, unificação dos lotes 3, 4, 5 e 6; destinado a
habitação coletiva, número de pisos acima da cota de soleira: 3 (três);
número de fogos: 18 apartamentos (9 T2 + 9 T3); índice de ocupação
previsto: 40% (551 m2); índice de utilização previsto: 120% (1.653 m2).
Lote C ­ área de 2.224 m2; unificação dos lotes 7 e 8; destinado a
habitação coletiva; número de pisos acima da cota da soleira: 3 (três);
número de fogos: 30 apartamentos (T2); índice de ocupação previsto
35% (771 m2); índice de utilização previsto: 104% (2.313 m2)”.
XXVII) Por ofício de 12.04.2000, foi solicitado à Secretaria
Regional do Equipamento Social e Ambiente parecer sobre a
alteração do loteamento n.º 86/87.
XXVIII) Este departamento do Governo Regional, por ofício com
data de entrada nos serviços do Município de 28.09.2000,
comunicou o parecer da “DRU” do teor seguinte: 
“O processo destina­se à implementação de um conjunto habitacional a
custos controlados e foi seguido nas fases anteriores pela DRU e IHM,
pelo que não se vê inconveniente na sua viabilização, desde que sejam
cumpridas as premissas subjacentes ao mesmo” ­ cfr. doc. junto sob o n.º 02
[fls. 24].
XXIX) A Câmara Municipal recorrida, por deliberação tomada na
sua reunião de 09.10.2000, aprovou as operações de loteamento
peticionadas pelo recorrido particular ­ cfr. doc. junto n.º 02 [fls. 18, 26 e
27].
XXX) No dia 09.02.2001 foi emitido o “Aditamento ao Alvará de
Loteamento n.º 86/87”, que aqui se dá por integralmente
reproduzido para todos os efeitos legais ­ cfr. doc. junto n.º 02 [fls. 30 e
31].
XXXI) O mesmo recorrido particular, por requerimento com data
de entrada de 03.10.2001, requereu “a alteração das especificações”
do alvará n.º 86 (oitenta e seis) relativamente ao lote A, que
passaria a ter a seguinte descrição:
“Lote A­ área de 653.00 m2, destinado a espaços de utilização coletiva,
sendo 80,85 m2 de espaços verdes e 274.00 m2 para a construção de um
edifício de 3 pisos + 1 cave, destinado a equipamentos, com os usos de
comércio e serviços ficando o piso superior (à cota da antiga estrada
regional)” ­ cfr. doc. junto n.º 02 [fls. 34].
XXXII) No dia 19 de novembro do mesmo ano, o recorrido
particular repete o mesmo requerimento e no dia 16.01.2002
junta os elementos em falta ­ cfr. doc. junto n.º 02 [fls. 36, 38 a 42].
XXXIII) Foi solicitado parecer à Secretaria Regional do
Equipamento Social e Transportes pelo ofício datado de 30 de
janeiro e este departamento do Governo Regional, por
documento com data de entrada de 02 de março último,
comunicou o “parecer da DROT” do teor seguinte: 
“A alteração proposta do alvará de loteamento n.º 86/87, é viável nos
moldes pretendidos” ­ cfr. doc. junto n.º 02 [fls. 46].
XXXIV) O recorrido particular, por requerimento com data de
entrada nos serviços do Município de Santa Cruz de 15.11.1999,
requereu o licenciamento “de uma habitação coletiva a custos
controlados...” a “...levar efeito no Sítio das ….. ­ ……., Concelho de
Santa Cruz” ­ documento junto n.º 03 [fls. 01].
XXXV) Instruiu o referido pedido com o alvará de loteamento n.º
86 (oitenta e seis) e com o respetivo projeto de arquitetura que
aqui se dá por reproduzido ­ cfr. doc. junto n.º 03 [fls. 02 a 32].
XXXVI) Por ofício número 3.150, de 17.11.1999, foi solicitado
parecer à Secretaria Regional do Equipamento Social e do
Ambiente, que o emitiu nos termos do documento com data de
entrada de 28.12.1999 e que aqui se dá por integralmente
reproduzido ­ cfr. doc. junto n.º 03 [fls. 35].
XXXVII) O Arquiteto E……………., por informação de
16.02.2000, após reproduzir o parecer da SRES de 02.09.1999
[que considera viável a alteração ao alvará de loteamento desde que se
destine à promoção de habitação da responsabilidade direta ou indireta
de entidades públicas], informa o Vereador com o Pelouro das
Obras do seguinte “... o que existe nesta Câmara é um estudo prévio
da alteração do alvará de loteamento n.º 86/87, pelo que o presente
pedido de licenciamento dum conjunto habitacional deverá aguardar pela
evolução e aprovação daquela alteração, ainda não efetuada, a fim de
procederemos a uma apreciação segundo o disposto no ofício da SRESA
n.º S 13757, de 99/12/23...” ­ cfr. doc. junto n.º 03 [fls. 38].
XXXVIII) O qual ofício, continuava o indicado funcionário,
expressava que “... não existem objeções à viabilização deste conjunto
habitacional apresentado desde que esteja conforme o loteamento
suporte, competindo a esta autarquia verificar e garantir o cumprimento
das questões formais e legais inerentes e respeitar os condicionamentos
previstos no ponto 2 daquele ofício” ­ cfr. doc. junto n.º 03 [fls. 38].
XXXIX) Ao abrigo de subdelegação de competências do
Presidente da Câmara Municipal, o Vereador com o Pelouro das
Obras Particulares, …………., exarou, no dia 21.02.2000, o
seguinte despacho:
“Deferido nos termos da presente informação” ­ cfr. doc. junto sob o n.º 03 [fls.
38 e 39].
XL) O Recorrido particular foi notificado do indicado despacho
pelo ofício de 22.02.2000 ­ cfr. doc. junto n.º 03 [fls. 39].
XLI) No dia 13.03.2000, o recorrido particular requereu a junção
ao procedimento administrativo dos documentos a fls. 44 a 56 do
documento junto n.º 03 ­ cfr. doc. junto n.º 03 [fls. 43].
XLII) E, no dia 13 de outubro, requereu a emissão do
correspondente alvará de licença de construção ­ cfr. doc. junto n.º 03
[fls. 57].
XLIII) O Diretor Regional do Gabinete de Gestão Litoral ­ por ofício
com data de entrada nos serviços do Município de 18.10.2000 e sob a
epígrafe “Escavação em curso em área do domínio público marítimo, no
sítio das ……., freguesia de …….., concelho de Santa Cruz” ­ dá conta
que “foi detetada uma escavação ...” e que “... pelas características do
local, a área onde parece estar prevista a construção das casas constitui
ainda domínio público marítimo, pelo que qualquer aprovação, carecerá
da apreciação e decisão de atribuição do direito de uso privativo” ­ cfr. doc.
n.º 03 [fls. 64].
XLIV) A 23 do mesmo mês e ano, o Vereador recorrido mandou
juntar aos autos procedimentais aquele ofício e a fazer constar
que “... volte a despachar” ­ cfr. doc. junto n.º 03 [fls. 64].
XLV) Este mesmo Vereador com o Pelouro das Obras
Particulares, por seu despacho de 08.10.2000, ordenou a
emissão da licença e, por seu despacho de 16 do mesmo mês e
ano, voltou a ordenar a “emissão da licença condicionada aos
processos em falta” ­ doc. junto n.º 03 [fls. 43 e 57].
XLVI) No dia 03.11.2000, foi emitido o alvará de construção n.º
580/2000, que aqui se dá por integralmente reproduzido ­ cfr. doc.
junto n.º 03 (fls. 43 e 69) ­, do qual alvará consta expressamente que a
licença “... fica condicionada aos pareceres em falta, nomeadamente,
Empresa de Eletricidade da Madeira, …………., Projeto de Estabilidade,
Projeto de Gás e Projetos de Águas e Esgotos” ­ cfr. doc. ora junto sob o n.º
03 [fls. 69].
XLVII) Por ofícios com data de entrada de 08.11.2000 e
27.12.2000, a «……» e a «Electricidade da Madeira» aprovaram os
projetos de especialidade apresentados ­ doc. junto n.º 03 [fls. 71 e 72].
XLVIII) O prédio rústico sobre o qual o recorrido particular
requereu o licenciamento de todas as operações de loteamento e
o licenciamento das obras particulares fica situado no sítio das
………. (……….), freguesia da ……, concelho de Santa Cruz ­ cfr.
docs. n.ºs 01 [fls. 03 a 07, 24, 46, 64, 65], 02 [fls. 02 a 08, 18 e 19, 47 e 48], 03 [fls. 10,
13 a 29, 96 a 99, 115, 124 a 129].
XLIX) E com “uma ampla vista panorâmica sobre o Oceano Atlântico e
as ilhas Desertas” ­ cfr. doc. junto sob o n.º 02 [fls. 05].
L) O dito prédio, como mostram as plantas de localização com
que o recorrido particular instruiu os procedimentos
administrativos, fica implantado à direita ­ de quem vê do Mar ­
da enseada ou baia natural do ……….. ­ cfr. docs. juntos n.ºs 01 [fls. 03 a
07, 24, 46, 64, 65], 02 [fls. 02 a 08, 18 e 19, 47 e 48], 03 [fls. 10, 13 a 29, 96 a 99, 115,
124 a 129], 04, 05, 12 a 15.
LI) Ou à esquerda dessa mesma enseada para quem a
vislumbra da terra para o Mar ­ cfr. docs. junto n.ºs 01 [fls. 03 a 07, 24, 46, 64,
65], 02 [fls. 02 a 08, 18 e 19, 47 e 48], 03 [fls. 10, 13 a 29, 96 a 99, 115, 124 a 129], 04,
05, 12 a 15.
LII) E implantado e situado no cimo de uma arriba, escarpa ou
margem elevada ­ cfr. docs. juntos n.ºs 01 [fls. 03 a 07, 24, 46, 64, 65], 02 [fls. 02
a 08, 18 e 19, 47 e 48], 03 [fls. 10, 13 a 29, 96 a 99, 115, 124 a 129], 04 a 13.
LIII) Esta dita margem, escarpa ou arriba é, por seu turno, um
alcantil, posto que cai, de forma abrupta, a prumo e a pique
sobre as águas do Mar ­ cfr. docs. juntos n.ºs 01 [fls. 03 a 07, 24, 46, 64, 65], 02
[fls. 02 a 08, 18 e 19, 47 e 48], 03 [fls. 10, 13 a 29, 96 a 99, 115, 124 a 129], 04 a 13.
LIV) O prédio tem por limite a oeste ­ à direita de quem vê do mar ­ a
crista da mencionada arriba alcantilada ­ cfr. docs. juntos n.ºs 01 [fls. 03 a
07, 24, 46, 64, 65], 02 [fls. 02 a 08, 18 e 19, 47 e 48], 03 [fls. 10, 13 a 29, 96 a 99, 115,
124 a 129], 04 a 15.
LV) Todas e cada uma das operações de loteamento vão até
aquela concreta aresta da elevação rochosa que do mar se
levanta ­ cfr. docs. juntos n.ºs 01 [fls. 03 a 07, 24, 46, 64, 65], 02 [fls. 02 a 08, 18 e 19,
47 e 48], 03 [fls. 10, 13 a 29, 96 a 99, 115, 124 a 129], 04 a 15.
LVI) E as obras de urbanização e de construção civil objeto do
licenciamento das obras particulares ficam implantadas no
terreno a leste da mencionada aresta da elevação rochosa ­ cfr.
docs. juntos n.ºs 01 [fls. 03 a 07, 24, 46, 64, 65], 02 [fls. 02 a 08, 18 e 19, 47 e 48], 03
[fls. 10, 13 a 29, 96 a 99, 115, 124 a 129], 04 a 15.
LVII) A distância para o limite do alcantil varia entre os quatro a
oito metros ­ cfr. docs. juntos n.ºs 01 [fls. 03 a 07, 24, 46, 64, 65], 02 [fls. 02 a 08, 18
e 19, 47 e 48], 03 [fls. 10, 13 a 29, 96 a 99, 115, 124 a 129], 06 a 09, 12 a 14.
LVIII) Por outro lado, as águas do Mar e do Oceano Atlântico
banham diretamente parte da arriba e o limite do seu leito é parte
da própria escarpa ­ cfr. docs. juntos n.ºs 04 a 12.
LIX) Em cerca de um quarto da extensão do mesmo lado ­ a
oeste ­ e na confrontação sul, o referido prédio divisa diretamente
com parte do cais do ………… ­ cfr. docs. juntos n.ºs 01 [fls. 03 a 07, 24, 46,
64, 65], 02 [fls. 02 a 08, 18 e 19, 47 e 48], 03 [fls. 10, 13 a 29, 96 a 99, 115, 124 a 129],
04 a 08, 12 a 15.
LX) O qual cais, com uma largura de 12 metros, deita, também e
por sua vez, para sul diretamente para o calhau e para as águas
do Mar ­ cfr. docs. juntos n.ºs 01 [fls. 03 a 07, 24, 46, 64, 65], 02 [fls. 02 a 08, 18 e 19,
47 e 48], 03 [fls. 10, 13 a 29, 96 a 99, 115, 124 a 129], 04 a 08, 12 a 15.
LXI) A sul, entre o leito do Oceano Atlântico e o prédio em
apreço vai uma largura não superior a 30 metros.
LXII) A implantação e situação física e real do prédio contígua
àquele troço da costa marítima da enseada do ……….., sítio das
……….., mantêm­se inalterada, desde 1982 até à presente data ­
cfr. docs. juntos n.ºs 01 [fls. 03 a 07, 24, 46, 64, 65], 02 [fls. 02 a 08, 18 e 19, 47 e 48],
03 [fls. 10, 13 a 29, 96 a 99, 115, 124 a 129].
LXIII) Dou como reproduzida fls. 64 do doc. junto como n.º 03 [fls.
209 deste processo].
LXIV) De todos e de cada um dos descritos procedimentos
administrativos não consta qualquer ato de licença praticado por
qualquer das entidades estatais.
LXV) Em todos os procedimentos administrativos em apreço e
relativos ao licenciamento das operações de loteamento e obras
de urbanização, a Autoridade Recorrida não realizou consultas a
órgãos do Estado.
LXVI) A «CMSC» não consultou a «DRP» nem a «APRAM».
LXVII) A deliberação da Autoridade Recorrida «CMSC» de
22.09.1982 foi precedida dos docs. de fls. 08 a 13 do doc. junto à
«p.i.» com o n.º 01 [fls. 33 a 38 deste processo], que dou aqui como
reproduzidos.
LXVIII) A alteração do local pelas obras é visível a várias
dezenas de quilómetros de distância, seja do mar ou da terra ­ cfr.
docs. juntos n.ºs 04 a 09, 12 a 15.
LXIX) A área bruta total de construção é de 3.797.46 m2 e a área
do terreno é de 6.330 m2 ­ cfr. doc. junto n.º 03 [fls. 21].
LXX) Após a deliberação de 20.03.1985 da Autoridade Recorrida
«CMSC», o recorrido particular não requereu o licenciamento de
quaisquer obras de urbanização, que efetivamente executou ­ cfr.
doc. junto n.º 01 [fls. 58 e 59].
LXXI) Nem muito menos declarou nos respetivos autos
procedimentais que reiterava o projeto de infraestruturas
apresentado no dia 23.02.1984.
LXXII) O recorrido particular não formulou nem reiterou pedido
de emissão do alvará de loteamento.
LXXIII) O mesmo voltou a suceder com a emissão do alvará
consequente à deliberação de 09.10.2000.
LXXIV) Em outubro de 2000, o recorrido particular pediu ao
Presidente da «CMSC» a passagem da certidão de aditamento
ao alvará de loteamento n.º 86/87 [fls. 119 destes autos; fls. 28 do doc. n.º
02 da «p.i.»].
LXXV) Em 24.01.2001, o Vereador despachou:
«Emita­se o alvará de loteamento em virtude de as obras de
infraestruturas se encontrarem todas executadas» [fls. 117 destes autos; fls.
26 do doc. n.º 02 da «p.i.»].
LXXVI) Este despacho está exarado sobre ofício da «CMSC»,
assinado pelo Vereador ……….., datado de 13.12.2000,
destinado ao recorrido particular, donde consta que:
­ por deliberação da «CMSC» de 09.10.2000, foi deferido o
pedido de licenciamento da operação de loteamento urbano;
­ poderá requerer o licenciamento das obras de urbanização no
prazo de 01 ano a contar do recebimento da notificação, devendo
apresentar certos documentos;
­ caso não cumpra o prazo, caduca a deliberação.
LXXVII) Não houve, quanto às obras particulares, a
apresentação ou obtenção de documento com a licença prévia
referida nos art. 12.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto­Lei n.º 468/71, de 5
de novembro, e art. 48.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto­Lei n.º 445/91, de
20 de novembro.
LXXVIII) Dou aqui como reproduzido o teor do doc. de fls. 64 do
documento da «p.i.» junto como n.º 03 [fls. 209 destes autos].
LXXIX) O recorrido particular, aquando da apresentação do
requerimento inicial no sentido do licenciamento das obras de
construção civil, instruiu­o com o alvará de loteamento n.º 68
(sessenta e oito) ­ cfr. doc. junto n.º 03 (fls. 02 a 04).
LXXX) Dou aqui como reproduzidos os teores do documento
junto à «p.i.» como n.º 01 ­ fls. 62 e 63, e n.º 03 ­ fls. 02, 13, 18, 21 a
24, 53, 54, 67 a 69.
LXXXI) Em 15.11.1999, o recorrido particular pediu à «CMSC» o
projeto de licenciamento para uma habitação coletiva a custos
controlados [fls. 146 deste processo ­ fls. 01 do doc. n.º 03].
LXXXII) Por ofício de 08.09.1999, o Vereador notificou o
recorrido particular do parecer da «SRES», comunicado à
«CMSC» pelo ofício da «SRES» de 02.09.1999 [fls. 106 a 108 deste
processo ­ fls. 15 a 17 do doc. n.º 02], donde consta:
«Assunto: parecer sobre alteração do alvará de loteamento n.º 86/87,
Sítio das ………, …….
(…) desde que a intervenção se enquadre no preconizado no art. 45.º­B
(exceções específicas) do DLR 9/97/M de 18.7, que altera o POTRAM, e
se destine à promoção de habitação da responsabilidade direta ou
indireta de entidades públicas, a intenção, em termos urbanísticos,
poderá ser viabilizada, devendo a CM garantir a apresentação da
documentação que comprove tal situação (…)».
LXXXIII) Por ofício de 17.11.1999 dirigido à «SRES», sobre o
“Assunto: Pedido de parecer sobre construção de habitação coletiva,
Sítio das ………., ………”, o Vereador informou que, em
06.07.1999, fora apresentado na autarquia um pedido de
informação prévia de alteração do alvará de loteamento n.º
86/87, que fora enviado à SRES em 09.07.1999 [fls. 178 deste
processo ­ fls. 33 do doc. n.º 03].
LXXXIV) Por ofício da «SRES» de 23.12.1999 [fls. 180 deste processo ­
fls. 35 do doc. n.º 03], a «CMSC» obteve o parecer da «DRU» e
«DRE» sobre a viabilidade de construção de habitação coletiva
no local:
«(…) não existem objeções à viabilização do mesmo, desde que este
esteja conforme com o loteamento de suporte, o que competirá à Câmara
Municipal verificar (…)».
LXXXV) De todos e de cada um dos descritos procedimentos
administrativos não consta qualquer contrato de concessão de
usos privativos que incida sobre o trato de terreno contíguo e
sobranceiro ao Mar e situado naquele troço da respetiva costa
marítima.
LXXXVI) A deliberação da Autoridade Recorrida de 22.09.1982
não foi precedida de qualquer parecer da «DRUHA».
LXXXVII) O trato do terreno ficava situado em área afeta à
extinta Direção Regional de Portos [v. prova testemunhal e fls. 458 e 509].
LXXXVIII) E, mais recentemente, integra a denominada “zona
adjacente” do referido cais de pesca [v. perícia, prova testemunhal e fls. 458
e 509].
LXXXIX) O alcantil em questão é objeto de erosão marinha
provocada pelas ondas do Mar [v. perícia].
XC) E, na parte do alcantil diretamente banhada pelas ditas
águas do Mar e para leste tendo por ponto de referência a crista
daquele e da arriba, existem escavações/grutas [v. perícia].
XCI) Estas são visíveis com a baixa­mar, algumas das quais têm
entre 01 e 10 metros e são causadas pela ação erosiva do Mar [v.
perícia].
XCII) As operações de loteamento e edificação licenciadas pela
Autoridade Recorrida podem diminuir as condições de
estabilidade da arriba [v. perícia].
XCIII) As construções acentuam o processo [natural] de
desagregação da arriba [v. perícia].
XCIV) O «INH» homologou em análise final, em agosto 2000, o
projeto do empreendimento de 48 fogos no Sítio das ……….. ­
Santa Cruz [doc. a fls. 198]. 
XCV) Dou aqui por reproduzido o doc. n.º 06 [transação no processo n.º
1224/08.8TBSCR] junto pelo requerimento de 27.04.2012 [v. art. 524.º, n.º
2, CPC].
 
*

3.2. DE DIREITO
Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à
apreciação dos recursos jurisdicionais e questões que se nos
mostram dirigidos, apreciação essa que se fará considerando a
sua ordem de interposição, na certeza de que, no caso, tal
conhecimento se imporá assim dever ser feito até pelas
consequências ou implicações preclusivas advenientes duma
eventual procedência das questões que nos mesmos foram
suscitadas.
 
 
*

3.2.1. DO RECURSO JURISDICIONAL INTERPOSTO DO
DESPACHO SANEADOR[18.02.2004]
3.2.1.1. DA EXCEÇÃO DE ILEGITIMIDADE PROCESSUAL ATIVA

I. Sustentam as entidades recorridas, aqui ora recorrentes, que
não assiste legitimidade processual ativa à recorrente
contenciosa para a dedução do presente recurso contencioso de
anulação no quadro da ação popular administrativa já que, pese
embora aquela constituir uma associação destinada à defesa e
promoção do ambiente, os fundamentos de ilegalidade e normas
tidas por violadas pelos atos administrativos impugnados e que
se mostram invocados na petição de recurso não visam a defesa
do ambiente nem tal faz parte da esfera de proteção do invocado
quadro normativo. 
Ao assim não haver considerado a decisão judicial em crise
infringiu o disposto nos arts. 53.º, n.º 2, da CRP, 10.º da Lei n.º
35/98, 01.º, 02.º e 12.º, todos da Lei n.º 83/95 [doravante «LAP»].

II. Argumentou­se na decisão judicial sob impugnação que a
recorrente contenciosa “por ser uma ONG dedicada ao ambiente e à
qualidade de via, tem a legitimidade processual conferida pelo art. 10.º da
Lei n.º 35/98 …”, sendo que “as normas que, segundo a recorrente,
foram violadas (inseridas em sede de urbanismo e ordenamento do
território, bem como de domínio público marítimo) também visam
proteger o ambiente e a qualidade de vida dos cidadãos, onde se
inserem as questões da paisagem e da orla marítima, aqui em causa”,
termos em que improcedeu a exceção em epígrafe.

III. Através do pressuposto processual relativo à legitimidade visa­
se proceder à seleção dos sujeitos de direito que são admitidos a
participar ou a intervir em cada processo e litígio submetido a
tribunal.

IV. Estamos em presença de recurso contencioso de anulação
deduzido pela aqui recorrida no quadro da ação popular
administrativa tendo para o efeito a mesma invocado o disposto
nos arts. 52.º, n.º 3, da CRP, 10.º, al. c), da Lei n.º 35/98, 01.º,
02.º, 03.º e 12.º, todos da «LAP».

V. Convocando o quadro normativo tido por violado e, bem assim,
aquele que se reputa como pertinente para a análise da questão
temos que, em termos da Constituição da República, se prevê no
n.º 3 do art. 52.º que “[é] conferido a todos, pessoalmente ou através
de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de ação
popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de
requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização,
nomeadamente para: a) Promover a prevenção, a cessação ou a
perseguição judicial das infrações contra a saúde pública, os direitos dos
consumidores, a qualidade de vida e a preservação do ambiente e do
património cultural; b) Assegurar a defesa dos bens do Estado, das
regiões autónomas e das autarquias locais”, sendo que, entre as
“tarefas fundamentais do Estado”, se conta, nomeadamente, a
defesa do ambiente [art. 09.º, al. e)], para além de que decorre do
seu art. 66.º que “[t]odos têm direito a um ambiente de vida humano,
sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender” [n.º 1] e
que “[p]ara assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um
desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de
organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos
cidadãos: (…) b) Ordenar e promover o ordenamento do território, tendo
em vista uma correta localização das atividades, um equilibrado
desenvolvimento sócio­económico e a valorização da paisagem; (…) e)
Promover, em colaboração com as autarquias locais, a qualidade
ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano
arquitetónico …” [n.º 2]. 

VI. No quadro da lei ordinária e para além do acervo normativo
inserto na Lei de Bases do Ambiente aplicável [«LBA»] [Lei n.º
11/87, de 07.04, vigente à data dos factos em discussão e, bem assim, à
data da propositura do recurso contencioso ­ diploma entretanto
revogado pela Lei n.º 19/2014, de 14.04 (cfr. art. 24.º)] [no caso,
nomeadamente, os arts. 02.º, 04.º, 05.º, 06.º, 17.º, 18.º, 27.º e 45.º
daquela Lei], estipula­se no art. 10.º da Lei n.º 35/98, no que
releva, que “[a]s ONGA, independentemente de terem ou não interesse
direto na demanda, têm legitimidade para: (…) c) Recorrer
contenciosamente dos atos e regulamentos administrativos que violem as
disposições legais que protegem o ambiente”, para além de que as
mesmas gozam do “direito de consulta e informação junto dos órgãos
da Administração Pública sobre documentos ou decisões administrativas
com incidência no ambiente, nomeadamente em matéria de: a) Planos e
projetos de política de ambiente, incluindo projetos de ordenamento ou
fomento florestal, agrícola ou cinegético; b) Planos setoriais com
repercussões no ambiente; c) Planos regionais, municipais e especiais de
ordenamento do território e instrumentos de planeamento urbanístico …”
[art. 05.º, n.º 1]. 

VII. E resulta, por sua vez, do art. 12.º, n.º 1, da «LAP» [na redação à
data vigente e considerando a Retificação n.º 4/95] que “[a] ação popular
administrativa compreende a ação para defesa dos interesses referidos
no artigo 1.º e o recurso contencioso com fundamento em ilegalidade
contra quaisquer atos administrativos lesivos dos mesmos interesses”,
sendo que, de harmonia, com o art. 01.º, n.º 2, da mesma Lei,
“[s]ão designadamente interesses protegidos pela presente lei a saúde
pública, o ambiente, a qualidade de vida, a proteção do consumo de bens
e serviços, o património cultural e o domínio público”, prevendo­se,
ainda, no seu art. 02.º, n.º 1, que “[s]ão titulares do direito
procedimental de participação popular e do direito de ação popular
quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as
associações e fundações defensoras dos interesses previstos no artigo
anterior, independentemente de terem ou não interesse direto na
demanda”, na certeza de que constituem “requisitos da legitimidade
ativa das associações e fundações: a) A personalidade jurídica; b) O
incluírem expressamente nas suas atribuições ou nos seus objetivos
estatutários a defesa dos interesses em causa no tipo de ação de que se
trate; c) Não exercerem qualquer tipo de atividade profissional
concorrente com empresas ou profissionais liberais” [art. 03.º do mesmo
diploma]. 

VIII. Estamos em face de recurso contencioso de anulação no
qual se impugna a legalidade de atos administrativos praticados
por órgãos da administração pública local e que se regia e rege
pela LPTA [cfr. art. 05.º da Lei n.º 15/2002], bem como, naquilo que
não se mostra nela previsto, pelo que decorre do Código
Administrativo e legislação complementar deste [cfr. arts. 51.º, n.º
1, al. c), do ETAF/84, 24.º, al. a), da LPTA], sendo que, neste último,
continham­se normas que definiam, em termos de regra geral,
aquilo que era a legitimidade processual ativa [cfr. arts. 821.º
(legitimidade dos recorrentes contenciosos: i) legitimidade ativa pública ­
MP; ii) legitimidade ativa dos particulares ­ quem, na terminologia legal,
fosse “titular de interesse direto, pessoal e legítimo no provimento do
recurso”, terminologia essa devidamente lida, interpretada e adaptada
pela jurisprudência à luz do preceituado, mormente, no art. 268.º, n.º 4,
da CRP), 822.º (legitimidade na ação popular “corretiva”) e 823.º
(legitimidade nos recursos de deliberações dos órgãos das pessoas
coletivas de utilidade pública administrativa)].

IX. O direito de ação popular consagrado e previsto no quadro
normativo supra enunciado, sendo um direito de ação judicial,
traduz­se, por definição, num alargamento do aludido regime
regra da legitimidade processual ativa [cfr., entre outros, os Ac.
deste STA de 07.02.2002 ­ Proc. n.º 047701, de 29.04.2003 ­ Proc. n.º
047545, de 03.06.2004 ­ Proc. n.º 0413/04, de 29.06.2004 (Pleno) ­ Proc.
n.º 01334/03, de 07.03.2006 ­ Proc. n.º 0308/05, todos in:
«www.dgsi.pt/jsta»], tanto mais que esta afasta­se da noção de
interesse direto e pessoal e não é averiguada de modo concreto
e casuístico, mas antes é aferida em termos gerais e abstratos,
independentemente do seu interesse individual ou da sua relação
específica com os bens ou interesses em causa, já que por
referência ou a partir da integração objetiva de certas qualidades
ou inserção em determinada categoria de indivíduos/entes.

X. O referido direito constitui um instrumento que visa assegurar a
proteção de interesses difusos e coletivos, sendo que, à luz do
que decorre, nomeadamente, dos arts. 52.º, n.º 3, da CRP, e
01.º, n.º 2, da «LAP», compreende­se no mesmo a defesa de
interesses que se prendam com a saúde pública, o ambiente, a
qualidade de vida, a proteção do consumo de bens e serviços, o
património cultural e o domínio público, defesa essa realizada no
quadro dos meios processuais previstos à data no contencioso
administrativo, mormente, o recurso contencioso de anulação,
cientes de que no n.º 1 do art. 12.º daquela Lei não se instituiu no
contencioso administrativo um qualquer processo especial de
“ação popular” para além dos meios processuais que estavam
previstos na LPTA [cfr., por todos, o citado Ac. do Pleno deste
Supremo de 29.06.2004 ­ Proc. n.º 01334/03].

XI. No caso vertente discute­se se a recorrente contenciosa,
enquanto «ONGA», goza de legitimidade processual ativa à luz,
nomeadamente, do art. 10.º, al. c), da Lei n.º 35/98, para vir
impugnar os atos administrativos em crise à luz dos fundamentos
de ilegalidade que se mostram invocados dado, no entendimento
das entidades recorridas, as disposições tidas por alegadamente
violadas não constituírem normas de proteção do ambiente para
cuja defesa apenas aquela estaria habilitada, visto, tão­só,
estarem em crise alegadas violações de regras de direito
urbanístico.

XII. É certo que, como resulta do teor do referido normativo na
sua articulação com os arts. 02.º, 03.º e 07.º do mesmo diploma
e 03.º da «LAP» [pressuposto da especialidade das atribuições
estatutárias], a legitimidade processual ativa duma «ONGA» para
a dedução de recurso contencioso de impugnação de ato jurídico
radica no facto de estarem ou haverem sido violadas pelo ato
impugnado “disposições legais que protegem o ambiente”, exigência
essa que implica que seja precisado, para esse efeito, o conceito
de “ambiente” inserto na referida al. c) do art. 10.º.

XIII. De notar que tal como já havia sido feito antes na Lei n.º
10/87 [cfr. art. 07.º, n.º 1, al. b)] o legislador, ao disciplinar aquilo
que sejam os termos exigidos para a legitimação processual
ativa das «ONGA’s» no quadro do exercício do direito de ação
popular em matéria ambiental, não o fez dum modo amplo e
irrestrito porquanto circunscreveu ou condicionou a legitimidade
popular daqueles entes em termos daquilo que podem constituir
os fundamentos de ilegalidade invocados no quadro
impugnatório não a todos os interesses acobertados naquele
direito e a um qualquer quadro normativo tido por violado, mas
apenas ao “ambiente” e aos normativos com o mesmo
conexionados, e fê­lo mediante a introdução no preceito ora em
referência da aludida exigência. 

XIV. Ora enquanto concretização no plano da lei ordinária do
comando constitucional relativo ao direito de ação popular em
matéria de “ambiente” temos que a definição daquilo que no
referido preceito seja uma disposição legal em matéria de
proteção de “ambiente” terá de ser encontrada com suporte
naquilo que se mostre enunciado pela «LBA» dado, por um lado,
a própria indefinição do bem jurídico “ambiente” que o art. 66.º da
CRP não soluciona e quiçá “agrava”, e, por outro lado, a própria
perceção de que “hoje tudo é ambiente”.

XV. O ambiente constitui um bem jurídico merecedor de tutela e
que, enquanto tal, é tutelado em si e por si mesmo, já que o
Direito o protege e regula, quer encaremos o mesmo na sua
globalidade, quer sob a perspetiva dos seus diversos
componentes, dos vários bens ambientais considerados em
sentido estrito.

XVI. Assim e considerando tal enquadramento temos que no
conceito de disposição legal em matéria de proteção do
“ambiente” se terão querido abarcar todas as disposições legais
em cuja esfera de proteção se incluam, ou se visem prosseguir
ou defender o ambiente nas suas várias componentes e isso
independentemente do assento, natureza, catálogo e/ou inserção
sistemática das mesmas disposições. 

XVII. Por outras palavras, para uma adequada tutela e
concretização do direito de ação popular em matéria de defesa
do ambiente por parte duma «ONGA», nomeadamente do uso de
meios contenciosos de impugnação de atos jurídicos, terá de
estar na mira da al. c) do art. 10.º da Lei n.º 35/98 a inclusão de
todas disposições legais infringidas que, nos seus fins, se
encontrem também preocupações de natureza ambiental ou de
defesa deste bem jurídico, as quais, aliás, não têm de ser
exclusivas, impondo­se, desta feita, a adoção dum sentido
amplificador, abrangente, do conceito de “ambiente” que
albergue no seu seio também regras doutros domínios,
nomeadamente, do urbanismo, do ordenamento do território, da
arquitetura urbana, do domínio público, já que o que releva e se
exige é que as mesmas visem prosseguir a defesa e valorização
do ambiente, do património natural (v.g., preservação da
paisagem da orla costeira) e edificado, ou a conservação da
Natureza.

XVIII. É esse sentido amplo do conceito de “ambiente” que se
colhe da leitura quer da CRP [cfr. arts. 09.º e 66.º], quer da «LBA»
[cfr., entre outros, seus arts. 03.º, 04.º, als. a) e b), 05.º, n.ºs 1, als. a) e
d), e 2, als. a), b) e c), 06.º, 13.º, n.ºs 1 e 5, 17.º, 18.º, 19.º e 27.º, n.º 1,
als. c) e e)] e donde se extrai uma clara interligação e
interpenetração, mormente, entre o ambiente e o ordenamento
território/urbanismo, o papel que estes últimos representam e
potenciam para a construção, manutenção e existência dum
ambiente equilibrado, sadio e sustentável, e, bem assim, a
afirmação do solo e do subsolo como elementos componentes do
ambiente e pelo mesmo abrangidos.

XIX. E é em face ou tendo presente um tal sentido do conceito de
“ambiente” que importa fazer, também, da norma de contencioso
em crise uma leitura que se mostre adequada e compatível com
o mesmo de molde a que se permita efetivar uma plena e ampla
tutela jurisdicional da defesa do bem jurídico “ambiente” por parte
das «ONGA’s» sem que as mesmas vejam a sua legitimidade
processual ativa fortemente cerceada ou limitada. 
XX. De fora ficarão, necessária e nomeadamente, todas as
disposições legais contendo regras procedimentais, de
competência, de organização administrativa, conferindo garantias
procedimentais e/ou definindo trâmites e procedimentos, que não
contem o bem jurídico “ambiente” como abrangido na sua esfera
de proteção, ou que não integrem um qualquer procedimento em
matéria ambiental. 

XXI. A recorrente contenciosa, aqui ora recorrida, impugnou os
atos administrativos em crise por, alegadamente, estarem em
infração: 
1) as operações de loteamento e de urbanização [deliberações
da edilidade recorrida tomadas em 22.09.1982, 05.09.1984, 20.03.1985,
17.12.1986 e 09.10.2000], dos: i) arts. 03.º, 05.º, 08.º, 12.º a 17.º,
18.º, 21.º e 22.º, todos do DL n.º 468/71, dado respeitarem a
zona de propriedade pública do Estado os entes públicos
recorridos careciam de competência para a sua aprovação e
licenciamento o que conduz à sua nulidade por incompetência
absoluta [cfr., ainda, os arts. 363.º, n.º 1, do Cód. Administrativo, 88.º,
n.º 1, al. a), do DL n.º 100/84 («LAL») e 133.º, n.º 2, al. b), do CPA]; ii)
arts. 05.º, n.º 2, 08.º, 12.º a 16.º, do DL n.º 468/71, 02.º, n.º 1,
14.º, n.º 1, do DL n.º 289/73, 03.º, n.ºs 1, als. a) e b), 4, 12.º, n.ºs
1, 2, 4 e 5, 24.º, n.º 2, e 65.º, n.º 1, do DL n.º 400/84, 02.º, n.º 2,
42.º e 56.º, n.º 1, al. a), do DL n.º 448/91, por ausência de
realização de consultas prévias junto de entidades exteriores à
edilidade recorrida legalmente exigidas no âmbito dos
procedimentos administrativos em referência e ainda que a faixa
de terreno do prédio em apreço fosse objeto de propriedade
privada, e que seria gerador do desvalor da nulidade [cfr., ainda,
os arts. 14.º, n.º 1, do DL n.º 289/73, 65.º, n.º 1, do DL n.º 400/84, 56.º,
n.º 1, al. a), do DL n.º 448/91]; iii) arts. 04.º do DR n.º 20/81/M, 03.º e
04.º do Anexo I e Anexo II do DLR n.º 13/96/M, 01.º do DL n.º
299/79, por ausência de realização de consultas prévias junto da
extinta Direção Regional de Portos e da Administração dos
Portos da Região Autónoma da Madeira no âmbito dos
procedimentos administrativos em referência exigidas pelo facto
do prédio numa sua parte a oeste e a sul ser contíguo aos cais
do …………, omissão essa sancionada com o desvalor da
nulidade [cfr., os mesmos arts. 14.º, n.º 1, do DL n.º 289/73, 65.º, n.º 1,
do DL n.º 400/84, 56.º, n.º 1, al. a), do DL n.º 448/91]; iv) arts. 02.º, n.º
1, do DL n.º 289/73, 03.º, n.ºs 1, als. a) e b), 12.º, n.ºs 1, 2, 24.º,
n.º 2, do DL n.º 400/84, 40.º e 43.º, do DL n.º 448/91, 01.º, 02.º e
03.º do DL n.º 365/79 por ausência de realização de consultas
prévias junto de entidades exteriores à edilidade recorrida [da
Adm. Central e da Adm. Regional (sucessivamente, “Direção Regional
Habitação, Urbanismo e Ambiente”, “Direção Regional Urbanismo e
Ambiente” e “Direção Regional de Ordenamento do Território”)]
legalmente exigidas no âmbito dos procedimentos
administrativos em referência e por audição de entidades sem
competência [arts. 26.º, n.ºs 1 e 2, al. a), 30.º, n.º 2, al. p), 31.º, n.º 1, al.
c) e d) DRR n.º 13/80/M, 16.º do DL n.º 289/73, 08.º, 14.º, 25.º e 28.º do
DL n.º 400/84], ilegalidade esta que seria geradora do desvalor da
nulidade [cfr., ainda, os arts. 02.º, n.º 1, 14.º, n.º 1, do DL n.º 289/73,
26.º, n.ºs 1 e 2, al. a), 30.º, n.º 2, al. p), 31.º, n.º 1, al. c) e d) DRR n.º
13/80/M]; v) arts. 06.º, 14.º e 18.º da Lei n.º 11/87 [«LBA»], 66.º,
n.º 1, da CRP, e 128.º do DL n.º 38282 [«RGEU»], pelo facto das
operações de loteamento e das obras de urbanização ficarem
situadas e localizadas no topo da falésia e confinam com a
aresta desta, como tal em zona sujeita a forte erosão marinha,
sendo que a falta ou diminuição da solidez e da estabilidade da
arriba é agravada pelas referidas operações urbanísticas,
desfigurando as mesmas a paisagem natural envolvente,
ilegalidades essas conducentes ao desvalor da nulidade
porquanto se traduzem numa “ofensa ecológica/ambiental” lesivas
do núcleo essencial do direito fundamental ao ambiente e à
qualidade de vida [cfr. arts. 66.º, n.º 1, 17.º e 18.º da CRP, 133.º, n.ºs 1,
2, als. c) e d), do CPA]; vi) arts. 09.º, n.º 1, 24.º, n.º 1, al. a) do DL
n.º 289/73, 14.º e 40.º do DL n.º 448/91, dada a caducidade do
deliberado em 22.09.1982 quando foi apresentado o projeto de
infraestruturas, e da impossibilidade de revogação de
deliberações nulas, sendo nulas por natureza as deliberações de
05.09.1984 e de 20.03.1985; 
2) o licenciamento das obras particulares [despachos do
Vereador recorrido de 21.02.2000, 08.10.200 e 16.10.2000], dos: i) arts.
12.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 468/71, 04.º, n.º 3, e 48.º, n.ºs 1 e 2, do
DL n.º 445/91, pelo facto do licenciamento de construção haver
sido feito com base em operações de loteamento e de
urbanização nulas e, assim, gerando igual nulidade aos referidos
atos de licenciamento [arts. 52.º, n.º 2, al. c), do DL n.º 445/91,
133.º, n.º 2, als. b) e i), do CPA]; ii) do alvará de loteamento
dadas as disparidades, contrariedades e divergências entre
aquele, o pedido de licenciamento e o alvará de construção de
obras, gerador, também, de nulidade [cfr. art. 52.º, n.º 2, al. b) in fine,
do DL n.º 445/91]; iii) do art. 133.º, n.º 1, do CPA, porquanto ao
despacho datado de 21.02.2000 falta um seu elemento essencial
e que é o da existência duma vontade manifesta do
licenciamento ou de aprovação das obras de construção civil que
haviam sido requeridas, e como tal é nulo; iv) os despachos de
08.10.2000 e de 20.10.2000 “são consequentes” do despacho de
21.02.2000 e como tal, igualmente, nulos; v) os mesmos
despachos “manifestam uma vontade contrária àquele outro ato” de
21.02.2000, mas não podem ser revogatórios deste [art. 139.º, n.º
1, al. a), do CPA], sendo nulos, nos termos do art. 133.º, n.º 2, al.
c), do CPA, porquanto têm um objeto impossível. 

XXII. Presentes aqui os antecedentes fundamentos de ilegalidade
invocados pela recorrente contenciosa e o respetivo quadro
normativo tido por infringido importa, então, aferir da legitimidade
processual ativa da mesma à luz daquilo que foi a linha de
entendimento definida supra quanto ao comando inserto na al. c)
do art. 10.º da Lei n.º 35/98.

XXIII. A decisão judicial recorrida após invocação do preceito em
referência improcedeu, como vimos, a exceção em epígrafe
sustentando, para o efeito, que todas as disposições legais que
se mostram invocadas pela recorrente contenciosa visavam a
proteção do ambiente.

XXIV. Ora tal juízo não se revela como acertado na sua plenitude
já que nem todo o acervo legal invocado se pode integrar naquilo
que constitui a exigência condicionadora de atribuição à
recorrente contenciosa, enquanto «ONGA», de legitimidade
processual ativa nos termos daquela alínea.

XXV. Na verdade, é de aceitar como integrando tal exigência
aquilo que constituem os fundamentos de ilegalidade e os
normativos legais descritos em 1) als. ii), iii), iv) e v) e 2) al. i) do
antecedente ponto XXI), já que respeitantes a disposições legais
relativamente às quais se pode considerar haver finalidades e
objetivos de defesa, valorização e proteção ambiental com os
contornos atrás enunciados. 

XXVI. Para além da generalidade das disposições legais aludidas
em 1) al. v), em que o objetivo da proteção ambiental se ressalta
evidente não só pela sua inserção mas também pelo seu
expresso teor e finalidades, incluem­se, ainda, naquela
exigência, desde logo, as disposições que, incidindo,
nomeadamente, sobre a orla marítima, sobre as zonas costeiras,
visam disciplinar, em primeira linha e no que releva para o litígio,
aquilo que é o domínio público marítimo e hídrico, sua definição,
titularidade e formas de uso, bem como sua delimitação com
propriedade privada. Tal orla marítima e zonas costeiras
mostram­se dotadas de importância estratégica para o nosso
país, constituem zonas densamente povoadas e que são fonte
de riqueza, de cultura e de lazer, estando sujeitas também, por
isso, a fortes pressões a vários níveis, mormente urbanístico e
com as claras implicações em termos da
ocupação/artificialização da linha da costa, das alterações das
drenagens, duma potencial ou efetiva degradação global da
biodiversidade dos ecossistemas e da paisagem natural, em
suma, do ambiente, pelo que tais normas que as disciplinam e
regulam, assim como as relativas ao regime jurídico das
operações urbanísticas particulares respeitantes ao uso,
ocupação e transformação do solo, constituem normas
funcionalmente protetoras do ambiente. 

XXVII. Mas também idêntica conclusão se chega quanto às
normas referentes quer às condições de solidez e segurança dos
próprios edifícios, por aquilo que aportam ao bem­estar, à
promoção da qualidade de vida e a um ambiente sadio, quer às
relativas à realização de prévias audições e da necessidade de
obtenção de pareceres, dado na emissão e elaboração dos
mesmos presidirem finalidades ou estarem também
preocupações no domínio da proteção do ambiente.

XXVIII. Já o mesmo não se passará quanto aos fundamentos de
ilegalidade e os normativos legais que constam em 1) als. i) e vi)
e 2, als. ii) a v) do mesmo ponto.

XXIX. Com efeito, relativamente a estes últimos não se divisa nos
normativos convocados para sustentar os fundamentos de
ilegalidade em questão e naquilo que constitui a sua esfera de
proteção quaisquer finalidades, ainda que remotas, de defesa,
preservação e/ou valorização do ambiente, visto aos mesmos
presidirem ou objetivos de afirmação e/ou definição de regras de
competência administrativa para emissão de decisão de certos
procedimentos por determinadas entidades, ou então de
enunciação de regras relativas à legalidade e às garantias ao
nível procedimental, propósitos esses em nada conexionados
com a defesa daquele bem jurídico.

XXX. Nessa medida, assistia e assiste legitimidade processual
ativa à recorrente contenciosa, aqui recorrida, quando, no
respeito e prossecução dos seus fins estatutários, impugnou os
atos administrativos em crise relativos à aprovação e
licenciamento de operações urbanísticas [de loteamento, de
urbanização e de construção] em terreno contíguo ou sobranceiro
ao mar com os fundamentos de ilegalidade e normativos tidos
por violados referidos em 1) als. ii), iii), iv) e v) e 2) al. i) do
antecedente ponto XXI), carecendo, todavia, de tal legitimidade
processual quanto ao que de mais se mostra invocado como
fundamento impugnatório e cujo conhecimento, assim, fica
precludido, termos em que o recurso jurisdicional apenas neste
âmbito procede.
 
*

3.2.1.2. DA EXCEÇÃO DE IRRECORRIBILIDADE
Sustentam os aqui recorrentes jurisdicionais que o juízo de
improcedência da exceção firmado em sede do despacho
saneador se mostra contrário ao disposto, mormente, nos arts.
25.º e 55.º da LPTA, porquanto as deliberações da edilidade
recorrida que foram tomadas em 22.09.1982 e em 05.09.1984
não constituíam atos recorríveis e, como tal, eram insuscetíveis
de impugnação contenciosa [mercê de haverem sido revogadas a
primeira pela segunda e esta pela deliberação de 20.03.1985], o mesmo
ocorrendo quanto aos despachos do Vereador proferidos em
08.10.2000 [já que meramente confirmativo do que havia sido prolatado
em 21.02.2000] e em 16.10.2000 [visto ser ato de mera execução
daquele mesmo ato de 21.02.2000].

XXXI. A decisão judicial recorrida conheceu e improcedeu a
exceção em epígrafe apenas no segmento relativo às
deliberações de 22.09.1982 e de 05.09.1984, sustentando que
ambas constituíam atos autónomos e recorríveis, dado a
deliberação de 20.03.1985 não haver revogado àquelas visto, por
um lado, ser em parte meramente confirmativa da deliberação de
22.09.1982 e, por outro lado, não tem conteúdo e campo de
incidência coincidente com a de 05.09.1984, sendo que ao
decidir e aprovar o projeto de infraestruturas apresentado em
23.02.1984 a mesma é, também ela, autónoma e recorrível.
Vejamos.

XXXII. Pese embora resultar do teor da previsão do art. 25.º, n.º 1,
da LPTA de que só era admissível interpor recurso contencioso
dos atos que fossem “definitivos” temos que, após a revisão
constitucional realizada em 1989, o critério da recorribilidade
contenciosa passou a ser o da “lesividade” daqueles mesmos
atos de direitos ou interesses legalmente protegidos [cfr., entre
outros, os Acs. do STA de 09.03.2004 (Pleno) ­ Proc. n.º 044960, de
18.03.2004 ­ Proc. n.º 0896/03, de 22.06.2004 ­ Proc. n.º 0963/03, de
11.01.2005 ­ Proc. n.º 01115/04, de 25.01.2006 ­ Proc. n.º 01127/05, de
03.05.2007 (Pleno) ­ Proc. n.º 046262, de 12.11.2015 (Pleno) ­ Proc. n.º
044141 todos in: «www.dgsi.pt/jsta»], carecendo aquele normativo de
ser lido e interpretado à luz do comando constitucional inserto no
art. 268.º, n.º 4, da CRP, na certeza de que o princípio da
impugnação unitária tinha de ser visto àquela luz e deveria ceder
sempre que pusesse em crise a garantia da tutela judicial efetiva
em relação a um ato imediatamente lesivo. 

XXXIII. E para efeitos deste comando constitucional um ato é
lesivo quando o mesmo seja apto a produzir efeitos negativos na
esfera jurídica dos particulares e estes efeitos não possam ser
afastados por meios administrativos.

XXXIV. Nessa sequência, da redação dada e mantida do citado
preceito constitucional, temos que a garantia do recurso
contencioso passou a estar focalizada no conceito da “lesão das
posições subjetivas dos particulares”, impondo­se que o ato em
questão, definindo autoritariamente a sua situação jurídica
concreta, constitua uma decisão produtora de efeitos jurídicos
ablativos na esfera de direitos e interesses do recorrente.

XXXV. Cientes destes considerandos de enquadramento e
presentes os termos fundamentadores do juízo recorrido afigura­
se que a argumentação expendida pelas entidades recorridas no
quadro da matéria de exceção em análise e reiterada em sede
de recurso jurisdicional deverá improceder.

XXXVI. Assim, por um lado, temos que o presente recurso falha
por completo a crítica que dirige à decisão judicial em crise no
segmento relativo à exceção de irrecorribilidade relativamente
aos despachos do Vereador da «CMSC» de 08.10.2000 e de
16.10.2000, porquanto a mesma, tendo relegado o seu
conhecimento para final, não emitiu qualquer pronúncia quanto a
tal questão.

XXXVII. Nessa medida, não sendo assacado ao juízo sob
impugnação uma qualquer ilegalidade quanto àquilo que seriam
os deveres e ordem de conhecimento das matérias de exceção
ou qualquer nulidade, soçobra, por falta de objeto, uma qualquer
crítica feita no quadro do recurso jurisdicional que se mostre
dirigido contra segmento da decisão judicial que efetivamente
inexiste já que não constante da pronúncia firmada, sendo certo
que a final, como se extrai da sentença proferida, tal matéria de
exceção veio a ser julgada procedente [cfr. fls. 07/08 daquela
decisão ­ fls. 923/924 dos autos] e tal juízo não foi impugnado.

XXXVIII. Por outro lado, uma tal alegação fundamentadora da
matéria de exceção enquanto reportada e assente no facto das
deliberações da edilidade impugnadas de 22.09.1982 e de
05.09.1984 haverem sido revogadas, a primeira pela segunda e
esta última pela deliberação de 20.03.1985, também não conduz,
não integra ou preenche, manifestamente, aquilo que é o âmbito
da exceção de irrecorribilidade do ato, improcedendo,
necessariamente, o recurso jurisdicional que assim quer ver
afirmado já que a alegada revogação conduzirá ou implicará não
a irrecorribilidade do ato revogado, mas, ao invés, a ilegalidade
de interposição do recurso contencioso e sua consequente
rejeição por falta de objeto nesse âmbito.

XXXIX. Pelo exposto, improcede o recurso neste âmbito.
 
*

3.2.1.3. DA ILEGALIDADE DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
CONTENCIOSO RELATIVAMENTE ÀS DELIBERAÇÕES DA
EDILIDADE DEMANDADA DE 22.09.1982 e DE 05.09.1984
Sustenta­se no parecer do Digno Magistrado do MP junto deste
Tribunal que, no caso, deveria rejeitar­se a impugnação daquelas
deliberações no âmbito do presente recurso contencioso de
anulação dada a sua ilegal interposição, por falta de objeto, visto
as mesmas se mostrarem revogadas. 
Assegurado que se mostra o contraditório cumpre, pois,
conhecer de tal questão.

XL. E, desde já, para a julgar procedente porquanto,
efetivamente, o presente recurso contencioso de anulação, no
segmento que tem por objeto a impugnação das deliberações
referidas em epígrafe, enferma de ilegalidade na sua
interposição, por falta de objeto, impondo­se, nesse âmbito, a
sua rejeição já que tais atos recorridos se mostram revogados na
ordem jurídica.

XLI. Com efeito, a deliberação de 22.09.1982 aprovou
condicionadamente o pedido de licenciamento do loteamento em
causa apresentado pelo recorrido particular em 01.04.1982 [cfr.
n.ºs I) a IV), VI) e VII) dos factos provados], sendo que a deliberação
de 05.09.1984 acabou por vir revogar aquela deliberação,
porquanto esta indefere tal pedido de licenciamento do
loteamento dado o mesmo não estar em condições de poder ser
aprovado, convidando­se o requerente a rever o projeto
apresentado de acordo com a informação do gabinete técnico
[cfr. n.ºs IX), XII) e XIII) dos mesmos factos e ofício de 20.09.1984 ­ fls.
63 dos autos].

XLII. Já esta deliberação de 05.09.1984 se mostra, por sua vez,
revogada pela deliberação tomada em 20.03.1985 visto nesta
última se haver voltado a aprovar, também agora
condicionadamente e em termos correspondentes àquela
primeira deliberação de 22.09.1982, considerando os
antecedentes de todo o procedimento e que haviam sido
invocados quer no parecer da «SERES/RAM», quer em
requerimento do recorrido particular que o mesmo formulou uma
vez confrontado com a deliberação de 05.09.1984 a qual era
negativa e desfavorável para a sua pretensão [cfr. n.ºs XV) e XVI)
daquela factualidade; requerimento de fls. 66/67 dos autos; ofício da
SRES dirigido à edilidade de 12.03.1985 ­ fls. 79; e ata reunião da
edilidade de 20.03.1985 ­ fls. 373 e segs., especialmente, fls. 376/377].

XLIII. Daí que tal como se afirma no parecer do Digno Magistrado
do MP aludido “com fundamento na sua ilegalidade, cada uma das
duas primeiras deliberações foi revogada, por substituição, pela que se
lhe seguiu, tendo tal revogação operado o desaparecimento de ambas da
ordem jurídica”.

XLIV. Nestes termos e na procedência da questão sob análise,
importa rejeitar, com todas as legais consequências, o presente
recurso contencioso de anulação enquanto dirigidos contra as
deliberações de 22.09.1982 e de 05.09.1984 dada a sua ilegal
interposição mercê da falta de objeto. 
*

3.2.1.4. DA EXCEÇÃO DE INTEMPESTIVIDADE/CADUCIDADE
DIREITO DE AÇÃO
Argumentam os aqui recorrentes que a decisão judicial recorrida
ao improceder a exceção em referência violou o disposto nos
arts. 28.º, n.º 1, al. a), 29.º e 31.º, todos da LPTA, já que tendo o
recurso contencioso sido instaurado em 27.05.2002 foi­o
decorrido o prazo de dois meses para impugnação contenciosa
dos atos recorridos [atos esses datados dos anos de 1982, 1984,
1985, 1986 e 2000], porquanto, com exceção dos fundamentos
de ilegalidade invocados relativos à incompetência absoluta, à
violação do núcleo essencial de direito fundamental, à infração
dos arts. 14.º, n.º 1, do DL n.º 289/73, 65.º, n.º 1, do DL n.º
400/84, e 52.º, n.º 2, al. b), do DL n.º 445/91, todos os demais
fundamentos geram apenas a mera anulabilidade e, como tal,
tais atos estão consolidados na ordem jurídica por esgotado se
mostrar o prazo de impugnação com tal motivação.
Apreciemos, sendo que a decisão judicial sob impugnação, no
âmbito em análise desatendeu a exceção, afirmou para o efeito
que a recorrente contenciosa “invoca a nulidade dos atos
administrativos em causa, com base em vários motivos de direito e de
facto, que de facto correspondem a nulidade das decisões impugnadas.
E, de facto, com os fundamentos constantes da petição inicial, este
recurso é tempestivo, uma vez que a nulidade é invocável a todo o tempo
(art. 134.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo) …”.

XLV. Previa­se no art. 28.º da LPTA, sob a epígrafe de “prazos de
recurso”, que “[o]s recursos contenciosos de atos anuláveis são
interpostos nos seguintes prazos, salvo o disposto no n.º 5 do artigo 18.º
do Estatuto Orgânico de Macau: a) 2 meses, se o recorrente residir no
continente ou nas regiões autónomas; b) 4 meses, se o recorrente residir
no território de Macau ou no estrangeiro; c) 1 ano, se o recorrente for o
Ministério Público; d) 1 ano, se respeitarem a indeferimento tácito, nos
termos do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto­Lei n.º 256­A/77, de 17 de junho”
[n.º 1] e que “[o]s prazos estabelecidos no número anterior contam­se
nos termos do artigo 279.º do Código Civil, sem prejuízo do disposto nos
artigos 31.º, n.º 2, e 85.º” [n.º 2], sendo que, nos termos do art. 29.º
do mesmo diploma, relativo ao “recurso de ato expresso”, “[o] prazo
para a interposição de recurso de ato expresso conta­se da respetiva
notificação ou publicação, quando esta seja imposta por lei” [n.º 1], na
certeza de que “[o] disposto no número anterior não prejudica a
faculdade de o interessado interpor recurso antes da notificação ou
publicação do ato, se tiver sido iniciada a execução deste” [n.º 2], que
“[o] prazo para a interposição de recurso de ato não sujeito a publicação
obrigatória conta­se, para os interessados que não tenham de ser
notificados, a partir do conhecimento do início da respetiva execução”
[n.º 3] e que “[o] prazo para a interposição de recurso pelo Ministério
Público conta­se da data da prática do ato ou da sua publicação, quando
esta seja imposta por lei” [n.º 4].

XLVI. Estipulava­se ainda no seu art. 31.º que “[s]e a notificação ou a
publicação não contiver a fundamentação integral da decisão e as
demais indicações a que se refere o artigo anterior, pode o interessado,
dentro de um mês, requerer a notificação das que tenham sido omitidas
ou a passagem de certidão que as contenha” [n.º 1], que “[s]e o
interessado usar da faculdade concedida no número antecedente, o
prazo para o recurso conta­se a partir da notificação ou da entrega da
certidão que tenha sido requerida” [n.º 2], sendo que “[a] apresentação
do requerimento, previsto no n.º 1 pode ser provada por duplicado do
mesmo, com o registo de entrada no serviço que promoveu a publicação
ou a notificação, ou por outro documento autêntico” [n.º 3].
XLVII. No que releva para os autos e face àquilo que ainda
constituem os atos recorridos temos que a regulamentação legal
relativa à matéria das formas de invalidade constava dos arts.
88.º e 89.º da LAL/84 [DL n.º 100/84] e depois nos arts. 133.º a
136.º do CPA/91, sendo que, anteriormente, mostrava­se inserta
nos arts. 363.º e 364.º do Código Administrativo. 

XLVIII. A nulidade constitui a forma mais grave de invalidade,
tendo, em tese, como seus elementos caraterizadores, o facto do
ato ser ab initio totalmente ineficaz, não produzindo qualquer
efeito [cfr. n.º 1, do art. 134.º do CPA], ser insanável quer pelo
decurso do tempo, quer por ratificação, reforma ou conversão [cfr.
n.º 2, art. 88.º da LAL/84, n.º 2, do art. 134.º e n.º 1, do art. 137.º ambos
do CPA/91], ser suscetível de impugnação a todo o tempo e
perante qualquer tribunal, bem como ser conhecida a todo o
tempo por qualquer órgão administrativo. 

XLIX. Já a anulabilidade reveste um desvalor menos gravoso,
possuindo como traços essenciais o facto de o ato anulável ser
juridicamente eficaz e produzir todos os seus efeitos até ao
momento em que ocorra a sua anulação ou suspensão [cfr. n.º 2,
do art. 127.º do CPA/91 a contrario], de ser suscetível de sanação
pelo decurso do tempo, por ratificação, reforma ou conversão [cfr.
arts. 89.º, n.º 3, da LAL/84, 136.º, n.º 1, 137.º, n.º 2, e 141.º, todos do
CPA/91], de ser obrigatório para os particulares enquanto não for
anulado, de carecer de impugnação num prazo certo e
determinado ou fixado por lei [cfr. arts. 89.º, n.º 2, da LAL/84, 136.º,
n.º 2, do CPA/91, e 28.º da LPTA], de o pedido de anulação de
determinado ato administrativo ter de ser deduzido apenas
perante um tribunal administrativo [cfr. arts. 89.º, n.ºs 1 e 2, da
LAL/84, 136.º, n.º 2, do CPA/91], sendo que a sentença que procede
ao reconhecimento da anulabilidade do ato possui natureza
constitutiva. 

L. No nosso ordenamento jurídico­administrativo a forma de
invalidade da nulidade revestia e reveste de natureza excecional
porquanto o regime regra era e é o da anulabilidade [cfr. arts. 88.º,
89.º da LAL/84, e 135.º do CPA/91].

LI. Daí que os casos de nulidade no nosso ordenamento eram
aqueles que vinham estabelecidos em qualquer normativo em
diploma avulso, ou então que figuravam no art. 88.º da LAL/84 ou
no art. 133.º do CPA/91, na certeza de que este último normativo
encerra em si, para além duma remessa para o que se mostre
fulminado em lei especial com o desvalor da nulidade, um
enunciado genérico que contém a lista das nulidades.

LII. Ora considerando o que se mostra já consolidado e supra
decidido em matéria daquilo que ainda constitui objeto de
impugnação no presente recurso contencioso [atos administrativos
recorridos: deliberações da edilidade de 20.03.1985, 17.12.1986 e
09.10.2000 e despacho do Vereador de 21.02.2000] importa que, por
uma questão de utilidade de pronúncia, se cuide do acerto da
decisão judicial recorrida no que se reporta à impugnação dos
atos administrativos ainda recorridos, fazendo­o por referência
aos fundamentos de ilegalidade que lhes foram concreta e
respetivamente assacados.

LIII. E, nesse âmbito, afigura­se não assistir razão aos recorrentes
porquanto presentes aquilo que são os fundamentos de
ilegalidade assacados aos atos ainda recorridos os mesmos, a
verificarem­se, o que apenas diz respeito ao julgamento de
mérito e, nessa sede, deve ser analisado tanto mais que o
mesmo nada contende ou pode ser confundido com o julgamento
sobre a matéria de exceção em crise, são fulminados em termos
legais, tal como enunciado supra sob o ponto XXI), com o
desvalor da nulidade e não com a mera anulabilidade, termos em
que improcede sem necessidade de outros desenvolvimentos
também este fundamento de recurso.
 
*

3.2.1.5. DA EXCEÇÃO DE ILEGAL CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
Defendem os aqui recorrentes de que, no caso, ocorre ilegal
cumulação de pedidos impugnatórios já que formulados em
infração do disposto no art. 38.º da LPTA visto que os atos
recorridos têm natureza diversa porquanto praticados por autores
distintos e no exercício de diferentes competências, sendo que
também é substancialmente diferente a causa de pedir em
relação a cada um dos atos, pelo que a decisão judicial recorrida
ao assim não haver entendido violou tal regra processual.
Vejamos.

LIV. Dispunha­se no referido preceito, sob a epígrafe de
“cumulação e coligação”, que “[o] recorrente pode cumular a
impugnação de atos que estejam entre si numa relação de dependência
ou de conexão” [n.º 1] e que “[p]odem coligar­se vários recorrentes
quando impugnem o mesmo ato ou, com os mesmos fundamentos
jurídicos, atos contidos num único despacho ou outra forma de decisão”
[n.º 2], sendo que “[a] cumulação e a coligação não são admissíveis: a)
Quando a competência para conhecer das impugnações pertença a
tribunais de diferente categoria; b) Quando a impugnação dos atos não
esteja sujeita à mesma forma de processo” [n.º 3], na certeza de que
“[e]m caso de ilegal cumulação ou coligação, os recorrentes têm a
faculdade de interpor novos recursos, no prazo de um mês, a contar do
trânsito, em julgado da decisão, considerando­se as respetivas petições
apresentadas na data de entrada da primeira” [n.º 4].

LV. No caso em apreço não há dúvida de que as deliberações e o
despacho recorridos estão ligados, existindo entre si
dependência ou conexão, porquanto, em causa, estão atos de
licenciamento de operação de loteamento desenvolvidos e
praticados todos, sucessivamente, no mesmo procedimento, e
ato de licenciamento de obras particulares, atos esses que se
reportam e incidem, também todos, sobre um mesmo terreno
loteado e sendo que a recorrente contenciosa configura o ato de
licenciamento como consequente daqueles e reputa­o de
violador do respetivo alvará. 

LVI. Para além disso, os procedimentos foram promovidos pelo
mesmo requerente/recorrido particular junto da mesma pessoa
coletiva pública [«Município de Santa Cruz»] e os atos em crise
foram praticados por órgãos/autoridades da Administração local,
pertencentes à mesma pessoa coletiva [no caso a «CMSC» e o
Vereador da mesma «CMSC»], sendo que, em termos de causa de
pedir, a invocação das ilegalidades que se mostra feita é, no
essencial, de forma comum às deliberações impugnadas e, em
decorrência, por arrastamento ao despacho impugnado, na
certeza de que a competência para conhecer das impugnações
pertence ao mesmo tribunal e as impugnações dos atos em crise
está sujeita à mesma forma de processo.

LVII. Assim, não merece censura a decisão do julgador a quo, que
julgou legal a cumulação à luz do art. 38.º da LPTA, pelo que se
improcede o recurso jurisdicional com tal fundamento
 
*

3.2.2. DO RECURSO JURISDICIONAL INTERPOSTO DO
DESPACHO DE INSTRUÇÃO PROBATÓRIA [27.02.2006]
Insurgem­se os mesmos recorrentes quanto ao decidido no
despacho em referência [inserto, como referido, a fls. 687 dos autos],
o qual, no âmbito da fase de instrução probatória, indeferiu o
requerimento de realização duma 2.ª perícia, porquanto tal
decisão enferma de erro de julgamento por infração ao
preceituado no art. 589.º do CPC visto discutirem­se nos autos
questões “complexas e acentuadamente técnicas”, haver sido
fundadamente requerida uma 2.ª perícia e não assistir ao
julgador “o poder de avaliar do bom fundamento ou não, de tal pedido e,
por via dessa avaliação, deferir ou indeferir tal pedido”, não podendo
aquele “tolher a iniciativa das partes quando requerida uma 2.ª perícia”
já que “só poderá indeferir, se a mesma não for fundamentada e, mesmo
nessa hipótese, deverá notificar a parte que a tiver requerido para a
fundamentar e só no caso a parte não der cumprimento a esse ónus, é
que poderá indeferir a 2.ª perícia”.

LVIII. Reconduz­se a fundamentação do despacho de
indeferimento do pedido de realização de 2.ª perícia, aqui ora sob
impugnação, ao seguinte: “[o] tribunal (…) não considera fundadas as
razões da discordância em relação à perícia feita e complementada. De
facto, a dúvida suscitada pela Entidade Recorrida a fls. 663 foi
esclarecida suficientemente a fls. 673 ss.. Não existe qualquer
contradição nas respostas aos quesitos 6 a 8; e também não há
incompatibilidade entre o último parágrafo do ponto 1.2 do relatório,
referente às fachadas 2­A e 2­B e o esclarecimento adicional dado agora,
ficando claro que os peritos pretendem dizer que não conseguem dizer
quando é que ocorrerá ali desmoronamentos ou movimentos de massa”.

LIX. Dispunha­se no art. 589.º do CPC, relativo à “realização de
segunda perícia”, que “[q]ualquer das partes pode requerer que se
proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do
conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as
razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial
apresentado” [n.º 1], podendo o tribunal “ordenar oficiosamente e a
todo o tempo a realização de segunda perícia, desde que a julgue
necessária ao apuramento da verdade” [n.º 2], na certeza de que “[a]
segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre
que incidiu a primeira e destina­se a corrigir a eventual inexatidão dos
resultados desta” [n.º 3].

LX. Deste normativo e na sua conjugação com as demais regras
que disciplinam este meio probatório extrai­se que a 2.ª perícia: i)
tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre os quais
incidiu a 1.ª; ii) visa corrigir uma eventual inexatidão dos
resultados daquela; iii) realiza­se por determinação oficiosa do
tribunal, neste caso a todo o tempo, ou a requerimento de
qualquer uma das partes o qual terá de ser, então, deduzido no
prazo de 10 dias após notificação do relatório pericial relativo à
1.ª perícia ou do relatório complementar após reclamação nos
termos do art. 587.º CPC; iv) realizando­se a requerimento duma
das partes deverá, então, o requerente fundamentar as razões
[formais ou materiais] da sua discordância relativamente ao
relatório da 1.ª perícia.

LXI. Ora é neste último ponto que o regime introduzido pela
Reforma de 1995/1996 [DL n.º 329­A/95 e DL n.º 180/96] diverge
substancialmente do que anteriormente prescrevia o art. 609.º,
preceito que se bastava com a mera afirmação de discordância
do requerente quanto ao resultado da 1.ª perícia, sem que se lhe
exigisse, para a realização da 2.ª perícia, uma qualquer
fundamentação ou explicitação dos motivos dessa sua
divergência, a ponto de doutrinariamente se entendesse que, ao
abrigo do prescrito naquele preceito, o Tribunal nunca podia
indeferir a realização da 2.ª perícia quando ela fosse requerida
por alguma das partes [cfr., entre outros, J. Alberto dos Reis, in
“Código de Processo Civil Anotado”, vol. IV, págs. 302/303; J. Antunes
Varela e outros, in “Manual de Processo Civil”, 2.ª edição, pág. 600].

LXII. Face ao regime entretanto introduzido, que, aliás, se mostra
mantido pela recente reforma operada em 2013 [cfr. art. 487.º do
CPC na redação introduzida pela Lei n.º 41/2013], vem sendo
doutrinária e jurisprudencialmente defendido que a alteração
operada veio aportar uma exigência nova à realização duma 2.ª
perícia, restringindo a amplitude com que a realização da mesma
era admissível anteriormente, exigência essa decorrente da
inclusão do advérbio “fundadamente” à motivação que terá e
deverá ser incluída no requerimento contendo tal pedido de
instrução probatória, termos em que a parte requerente não se
poderá bastar com uma simples dedução de pretensão nesse
sentido visto se lhe impor a explicitação dos pontos e razões da
sua discordância quanto ao resultado atingido na 1.ª perícia [cfr.,
entre ouros, J. Lebre de Freitas, in: “Código de Processo Civil Anotado”,
vol. II, pág. 521; C. Lopes do Rego, in: “Comentários ao Código de
Processo Civil”, vol. I, 2.ª ed., pág. 508; Ac. do STA de 20.06.2013 ­ Proc.
n.º 0713/13 consultável in: «www.dgsi.pt/jsta»; Ac. do STJ de 25.11.2004
­ Proc. n.º 04B3648 consultável in: «www.dgsi.pt/jstj»]. 

LXIII. Afirmou­se no acórdão do STJ de 25.11.2004 acabado de
citar que a “expressão adverbial «fundadamente», significa
precisamente que as razões da dissonância tenham que ser claramente
explicitadas, não bastando a apresentação de um simples requerimento
de segunda perícia. (…) Trata­se, no fundo, de substanciar o
requerimento com fundamentos sérios, que não uma solicitação de
diligência com fins dilatórios ou de mera chicana processual. E isto
porque a segunda perícia se destina, muito lógica e naturalmente, a
corrigir ou suprir eventuais inexatidões ou deficiências de avaliação dos
resultados a que chegou a primeira. (…) Trata­se da emissão de um
segundo juízo pericial a emitir por uma formação mais alargada, que tem
por objeto a averiguação dos mesmos factos (arts. 589.º, n.º 3 e 590.º do
Cód. Proc. Civil). (…) É, no fundo, como decorre do art. 591.º do Cód.
Proc. Civil, «uma prova a mais, que servirá ao tribunal para melhor
esclarecimento dos factos» ou seja uma prova adicional facultada pela lei
às partes”. 

LXIV. Note­se, todavia, que razões de discordância da parte
requerente não tem necessariamente de incidir sobre a
fundamentação e/ou os critérios utilizados no 1.º relatório pericial,
já que poderá incidir, tão­só ou apenas, sobre as conclusões do
mesmo relatório, porquanto no n.º 3 do art. 589.º do CPC ao se
referir que a 2.ª perícia se destina a corrigir a eventual inexatidão
dos resultados da 1.ª perícia tal implica que se mostre abrangida
qualquer inexatidão que seja relevante ao nível dos resultados da
perícia e possa influir no juízo de avaliação a efetuar pelo
tribunal. Nessa medida, estarão abarcadas as inexatidões da 1.ª
perícia que se reportem quer à fundamentação, como as
relativas à perceção dos peritos ou às conclusões a que
chegaram com base nos seus conhecimentos especializados.

LXV. Revertendo ao caso sub specie constitui factualidade
controvertida entre as partes e, por isso, levada ao questionário
elaborado nos autos [cfr. despacho saneador de fls. 385 e segs.] o
determinar e apurar­se se: i) o “alcantil em questão é objeto de
acentuada e rápida erosão provocada pelas ondas do Mar?” [quesito
03.º)]; ii) no mesmo “… existem inúmeras solapas ou
escavações/grutas?” [quesito 04.º)]; iii) “[t]ais escarpamentos afetam, do
ponto de vista geológico, a solidez e a estabilidade da arriba em razão do
seu previsível descalçamento e, consequente e provável,
desmoronamento?” [quesito 06.º)]; iv) “[a] falta ou diminuição de solidez
e estabilidade da arriba provocada pela erosão marítima é, ainda mais,
agravada pelas operações de loteamento e pela edificação das obras de
urbanização licenciadas pelas Autoridade Recorrida?” [quesito 07.º)]; e
v) “[e], bem assim, pelas construções que pelos referidos licenciamentos
a Câmara Municipal iria necessariamente permitir no futuro, como
efetivamente permitiu, naquela arriba alcantilada?” [quesito 08.º)].

LXVI. Na sequência do que se mostra peticionado e determinado
em sede de instrução probatória veio a realizar­se perícia, que
recaiu, nomeadamente, sobre tal matéria, solicitada ao “Centro
de Geologia da Universidade de Lisboa”, e que consta de
relatório pericial donde, no que releva, se extrai o seguinte na
resposta ao quesito 06.º) que “[n]ão foram encontrados sinais de que
a sua presença afete a solidez e estabilidade da arriba, nomeadamente,
por efeito de descalçamento e desmoronamento”, na resposta ao
quesito 07.º) que “[a]s operações de loteamento e edificação das obras
de urbanização licenciadas podem diminuir as condições de estabilidade
da arriba. A erosão marítima não provoca, no caso presente, falta ou
diminuição da solidez e estabilidade da arriba” e na resposta ao
quesito 08.º) que “[a]s construções referidas neste quesito não afetam
a solidez do maciço rochoso no que respeita às suas características
resistentes intrínsecas, visto que oferece capacidade de carga adequada;
no que respeita à arriba nas fachadas 2A e 2B, a sobrecarga decorrente
das construções é fator de acréscimo do processo de desagregação e da
eventual instabilização dessa arriba”, sendo que na motivação se
pode ler ainda que “[a] instalação de uma sobrecarga sobre o maciço
rochoso decorrente da construção dos edifícios previstos no loteamento,
origina acréscimo de pressão e portanto de tensões adicionais, que se
dissipam em profundidade como figura 15 esquematiza. No caso dos
edifícios implantados mais próximo da arriba e de acordo com a
Especificação LNEC E­217­1968, as fachadas 2A e 2B da arriba costeira
intersetam o campo de dissipação de tensões («bolbo de tensões»)
gerado pela construção pelo que, em parte da arriba, as tensões
horizontais sofrem algum incremento; este aumento, embora estimado de
intensidade baixa, contribui para a descompressão do maciço e joga a
favor da abertura de fraturas preexistentes” [cfr. decisões de fls. 445, 499
e relatório pericial de fls. 598/629].

LXVII. Confrontadas as partes com tal relatório pericial ambas
vieram pedir esclarecimentos, incidindo a pretensão da
recorrente contenciosa sobre as respostas deficientes ou
contraditórias dadas aos quesitos 03.º), 05.º) e 08.º) [cfr. fls.
662/662 v.] e a das autoridades recorridas, aqui recorrentes, sobre
as respostas dadas as quesitos 06.º) a 08.º), argumentando,
então, esta contradição no que havia sido respondido ao quesito
06.º) [de que “não encontrados sinais que afetem a solidez e
estabilidade da arriba (toda ela considerada), nomeadamente por efeito
de descalçamento e desmoronamento, confirmando assim que as
construções edificadas não tiveram quaisquer consequências a esse
nível”] e as respostas aos quesitos 07.º) e 08.º) [em que foi admitido
que as construções em causa “podem diminuir as condições de
estabilidade da arriba” e que a “sobrecarga das construções é fator de
acréscimo do processo de desagregação e da eventual instabilização da
arriba”], pelo que quiseram que fosse esclarecido se as “hipóteses
referidas nas respostas aos quesitos 7.º e 8.º não passam disso mesmo
(hipóteses) e de mera eventualidade longínqua ou remota” ou se “há
qualquer perigo imediato, ou a prazo, de desmoronamento das
construções em causa” [cfr. fls. 663/663 v.].

LXVIII. Solicitada resposta aos pedidos de reclamação que haviam
sido produzidos pelas partes os senhores peritos apresentaram,
então, relatório complementar onde sustentam a inexistência de
qualquer contradição porquanto “(…) nas fachadas 2A e 2B: a) na
resposta ao quesito 6. «tais escarpamentos» (solapas) não afetam a
solidez e a estabilidade da arriba, porque são de pequenas dimensões e
de evolução lenta; b) na resposta ao quesito 7. afirma­se que a erosão
marinha (porque secundária) não provoca falta ou diminuição de solidez
e estabilidade desta arriba. No entanto a solidez e estabilidade da arriba
dependem, neste caso, principalmente, de fatores naturais (e.g.
escorrência, infiltração), bem como antrópicos (e.g. imposição de
sobrecargas), que transcendem a erosão marinha; por isso se diz que
«no que respeita à arriba nas fachadas 2A e 2B a sobrecarga decorrente
das construções é fator de acréscimo do processo de segregação e da
eventual instabilização dessa arriba» (…)”, para depois, em resposta
ao pedido de esclarecimento dos aqui recorrentes afirmarem que
“(…) a resposta ao quesito 6. reduz­se exclusivamente à afirmação de
que não foram encontrados sinais de que a presença de solapas afetasse
a solidez e estabilidade da arriba (…). Não se diz que «não foram
encontrados sinais que afetassem a solidez e a estabilidade da arriba»
(…)”, sendo que nos elementos técnicos do relatório disse­se que
“(…) «não existem dados suficientes para se associar uma probabilidade
de ocorrência a eventos de desmoronamento num horizonte temporal
futuro». Tal não significa que estes sejam uma «mera eventualidade
longínqua ou remota»; de facto, em nossa opinião, esses
desmoronamentos ou movimentos de massa de vertente são fortemente
prováveis mas não é possível prever se ocorrerão amanhã ou num futuro
mais distante (…)”, para concluírem quanto à existência ou não de
perigo imediato de desmoronamento das construções em causa
que “(…) esse perigo existe e crescerá com o tempo, nas construções
mais próximo do bordo superior da arriba (Fachada 2) (…)” [cfr. fls.
674/676].

LXIX. Notificadas as partes deste relatório complementar de
resposta às reclamações as ora recorrentes, em discordância
com a fundamentação, perceções e conclusões a que os
Senhores Peritos haviam chegado nos relatórios periciais
apresentados mormente, quanto às implicações ou
consequências aportadas na solidez e estabilidade da arriba
decorrentes das operações licenciadas pelas mesmas de
loteamento e de edificação das obras de urbanização sobre
aquela, vieram, tempestivamente [pressuposto que não é
controvertido], requerer, nos termos dos art. 589.º e segs. do CPC,
a realização duma 2.ª perícia, para o efeito havendo alegado que
os “(…) esclarecimentos prestados suscitam a maior perplexidade em
matéria que se afigura da maior importância (…)”, que “(…) os senhores
peritos passam com grande facilidade de uma versão de que «não
existem dados suficientes para se associar uma probabilidade de
ocorrência a eventos de desmoronamento num horizonte temporal futuro
(…)» para a certeza de que «esses desmoronamentos ou movimentos de
massa de vertente são fortemente prováveis mas não é possível prever
se ocorrerão amanhã ou num futuro mais distante» (…)”, termos em
que não concordam, nem aceitam, que se passe “(…) do
reconhecimento de que existem dados suficientes para admitir uma mera
probabilidade para a conclusão de um «fortemente provável», sem
qualquer previsão temporal, mínima que seja (…)”.

LXX. É esta pretensão instrutória, desatendida pela decisão
judicial recorrida nos termos de fundamentação que supra se
enunciou, que cumpre equacionar e ponderar da sua pertinência
e procedência, à luz do que são os requisitos previstos e exigidos
pelo art. 589.º do CPC, no contexto daquilo que constitui a
factualidade controvertida e sobre a qual o julgador a quo terá de
efetuar e fundamentar seu julgamento, presente que com a
reforma processual civil levada a efeito em 1995/1996 se
acentuou a supremacia do direito substantivo face ao processual,
aprofundaram­se os poderes inquisitórios do julgador e
nomeadamente, o princípio da descoberta da verdade material,
privilegiando­se uma decisão de mérito justa face a uma decisão
de forma. 

LXXI. E, neste quadro, a decisão judicial recorrida não pode
manter­se já que contrária, mormente, ao art. 589.º do CPC.

LXXII. Na verdade, o despacho recorrido aprecia da bondade das
razões da discordância aduzidas pelas recorrentes quanto ao
relatório pericial e relatório complemento para concluir pela sua
improcedência, dado as dúvidas suscitadas pelas aqui
recorrentes se mostrarem devida e suficientemente esclarecidas
nos autos, inexistir qualquer contradição nos termos e teor dos
relatórios, razão pela qual desatende o pedido de realização de
2.ª perícia. 

LXXIII. Ora, a lei, no artigo em referência, confere às partes a
faculdade de requerer a 2.ª perícia, fazendo depender a sua
realização, somente, do seu requerimento tempestivo e da
explicitação das razões da sua discordância relativamente ao
relatório pericial apresentado, não podendo o juiz basear o
indeferimento deste requerimento por discordar das razões
aduzidas ou pelo facto de improcederem as razões invocadas
para a pretensão formulada.

LXXIV. Extrai e infere­se do sustentado nos vários
posicionamentos dos recorrentes, mormente, do requerimento
em questão, a total e frontal discordância dos mesmos quanto às
implicações ou consequências aportadas na solidez ou na
estabilidade da arriba em crise decorrentes das operações que
pelas mesmas haviam sido aprovadas e licenciadas [loteamento e
edificação das obras de urbanização sobre aquela arriba],
considerando que as mesmas não se mostravam devidamente
sustentadas e seguras, que não seriam fiáveis e credíveis já que
enfermavam de inconsistência.

LXXV. Do alegado e demais atuação processual desenvolvida
pelos ora recorrentes não se descortina que o pedido de
realização de 2.ª perícia constitua uma diligência impertinente ou
dilatória, que suporte uma adjetivação de mera “chicana”
processual, já que ela está integrada e fundamentada na lógica
de defesa de tese que as mesmas haviam apresentado na sua
contestação e que nega a existência de quaisquer efeitos
perniciosos advenientes dos atos de aprovação e licenciamento
aqui recorridos para a solidez da arriba e para a paisagem, ou
lesivos do ambiente [cfr., nomeadamente, arts. 148.º a 173.º daquela
peça processual], na certeza de que, como se afirmou, não cabe
ao julgador avaliar e ajuizar da procedência ou não da motivação
e razões invocadas, porquanto saber e determinar se os
fundamentos e razões invocadas têm, efetivamente, razão de ser
não constitui fundamento de indeferimento.

LXXVI. Se em face da fundamentação apresentada para o pedido
de realização duma 2.ª perícia surgir um estado de dúvida na
mente do julgador adveniente do facto de não ser possível saber
se as razões invocadas para pedir aquela diligência se
confirmarão ou não, já que tal só seria possível saber se se
conhecesse o resultado daquela diligência probatória, tal estado
de dúvida não significa, nem é suficiente, para fundamentar o
indeferimento daquele pedido, pois a existência da dúvida mostra
que a perícia já feita não as dissipou. 

LXXVII. Ou seja, o estado de dúvida criado será suficiente para
justificar a realização duma 2.ª perícia.

LXXVIII. Dada a natureza e delicadeza da matéria, dos contornos
da discussão quanto aos impactos, implicações e consequências
das operações de emparcelamento e edificação licenciadas na
arriba, na paisagem e no ambiente, bem como das dificuldades e
exigências que envolvem o ajuizamento da questão em
presença, temos que o julgador só poderia considerar a
fundamentação insuficiente se resultasse demonstrado, sem
margem para quaisquer dúvidas, que o pedido de realização
duma 2.ª perícia não colhia ou encontrava qualquer justificação.

LXXIX. Com afirmou este Supremo no seu acórdão de 20.06.2013
[Proc. n.º 0713/13 já supra citado] “(…) sendo sérios os fundamentos por
que o requerente da segunda perícia afirmava discordar da primeira,
nenhum motivo havia para que aquela fosse denegada; até porque, neste
domínio, o tribunal não se rege por critérios incontroláveis de simples
conveniência, mas por pressupostos legais. E, se é verdade que a lei de
processo é hoje mais restritiva do que o foi no passado no tocante à
realização de segundas perícias, também é certo que, ante uma
discordância fundada de alguma das partes em relação ao primeiro laudo
dos peritos, o tribunal não deve pôr­lhes obstáculos ­ pois está em causa
o apuramento da verdade”.

LXXX. Daí que encontrando­se expostas fundadamente as razões
que motivaram os aqui recorrentes a requerer a realização duma
2.ª perícia temos que, na procedência do presente recurso
jurisdicional, deve o despacho que indeferiu a sua realização ser
revogado.
 
*

3.2.3. DO RECURSO JURISDICIONAL INTERPOSTO DA
SENTENÇA [25.05.2012]

LXXXI. A procedência do recurso apreciado sob o ponto 3.2.2),
para a realização da 2.ª perícia requerida pelos recorrentes,
inutiliza o conhecimento do recurso dirigido à sentença, na
medida em que faz regredir o processo à fase do julgamento,
com a consequente anulação da sentença recorrida, sem
prejuízo do aproveitamento de todos os atos que não sejam
afetados pela anulação, nos termos previstos no n.º 4 do art.
712.º do CPC.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção
de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de
harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da
Constituição da República Portuguesa, em:
A) Conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional sub
specie dirigido ao despacho saneador, revogando aquela
decisão no segmento que improcedeu na totalidade a
exceção de ilegitimidade processual ativa da recorrente
contenciosa visto lhe assistir legitimidade processual ativa
apenas para a impugnação dos atos administrativos em
crise quanto aos fundamentos de ilegalidade e normativos
referidos no ponto XXI) ­ 1) als. ii), iii), iv) e v) e 2) al. i) do
antecedente, carecendo, no mais, de legitimidade
processual;
B) Julgar verificada ilegalidade na interposição do presente
recurso contencioso anulação, mercê da falta de objeto,
relativamente à impugnação dos atos recorridos da «CMSC»
de 22.09.1982 e de 05.09.1984, com todas as legais
consequências; 
C) Conceder provimento ao recurso jurisdicional sub specie
que se mostra interposto do despacho que indeferiu o
pedido de realização da 2.ª perícia, em revogar esse
despacho e em ordenar que, na vez dele, se profira outro
despacho a admitir a diligência;
D) Anular o processado subsequente ao despacho
revogado, com a consequente anulação da sentença
recorrida, sem prejuízo do aproveitamento de todos os atos
que não sejam afetados pela anulação, nos termos previstos
no n.º 4 do art. 712.º do CPC;
E) Não conhecer, por prejudicialidade, do recurso
jurisdicional sub specie deduzido da sentença. 
Não são devidas custas. 
D.N.

Lisboa, 28 de janeiro de 2016. – Carlos Luís Medeiros de
Carvalho (relator) – Vítor Manuel Gonçalves Gomes – Alberto
Augusto Andrade de Oliveira.

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