Terceira Civilização - Edição 416 - 01/04/2003 - pág.
4 - Diálogo Sobre Religião Humanística
Terceira Civilização - Diálogo Sobre Religião Humanística
Uma perspectiva sobre o significado de “paz
da nação” focalizado nas pessoas
Esta é a quinta parte da série “Diálogo sobre a religião
humanística” publicada na revista de estudo mensal da
Soka Gakkai, Daibyakurengue, edição de maio de 2002.
Neste diálogo, o presidente da Soka
Internacional, Daisaku Ikeda, o coordenador e o
vice-coordenador do Departamento de Estudo de
Budismo da Soka Gakkai, Katsuji Saito e Masaaki
Morinaka, enfocam vários fatos relacionados à história
do budismo e à vida de Nitiren Daishonin de forma
abrangente e profunda. Com certeza, este artigo
contribuirá para facilitar a compreensão
ensinamentos budistas e da filosofia humanística que
cada vez mais atrai a atenção das pessoas do mundo
inteiro.
Katsuji Saito: Nesta oportunidade, daremos
seqüência à nossa discussão sobre a “Tese
sobre o estabelecimento do ensino correto
para a paz da nação”. Da vez passada,
enfocamos o significado de
“estabelecimento do ensino correto”.
Dando prosseguimento, gostaria de sugerir
que nos concentrássemos na frase “paz da
nação”.
Presidente da SGI, Daisaku Ikeda: Revendo
o que tratamos na última ocasião, a relação
entre esses dois conceitos poderia ser
resumida da seguinte forma: “o
estabelecimento do ensino correto” é a
condição básica para realizar a paz da
nação; e “paz da nação” é o objetivo
fundamental do estabelecimento do
ensino correto.
O “ensino correto” ao qual Nitiren
Daishonin se refere em sua “Tese sobre o
estabelecimento do ensino correto para a
paz da nação” é “o único verdadeiro
veículo, a única boa doutrina” (Os Escritos
Gakkai de Nitiren Daishonin [END], pág. 60.) Em
outras palavras, é o ensino do Sutra de
Lótus, que possibilita a todas as pessoas
revelarem o poder fundamental da
natureza de Buda inerente em sua vida e
atingir a iluminação. Em termos de pessoa,
“estabelecer o ensino correto”
dos corresponde a desenvolver forte fé no
Sutra de Lótus. Isso significa que cada
pessoa aspira a atingir a felicidade para si e
para os outros.
A prática para “estabelecer o ensino
correto” consiste em abraçar sinceramente
e defender o Nam-myoho-rengue-kyo dos
Três Grandes Ensinos Fundamentais — o
ensino que possibilita às pessoas comuns
dos Últimos Dias da Lei manifestarem o
estado de Buda. Além disso, defender os
conceitos de dignidade da vida e
integridade humana, que são os princípios
centrais do Sutra de Lótus, como filosofias
orientadoras de todas as questões da
sociedade corresponde a “estabelecer o
ensino correto” no nível social.
Realizar a “paz da nação”, o objetivo de
“estabelecer o ensino correto”, significa
criar uma sociedade pacífica na qual as
pessoas possam desfrutar felicidade e
segurança e desenvolver sua humanidade
ao máximo. Em síntese, atingir a paz e
segurança para todas as pessoas é o que
Daishonin quer dizer com “paz da nação”.
Maria Antonieta Ross de Albuquerque (12651-9) / pág. 1.
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Está claro que ele não enfocava o
bem-estar de uma elite ou daqueles no
poder.
Masaaki Morinaka: O significado da frase
“paz da nação” difere grandemente
dependendo da compreensão das
pessoas sobre o que está implícito na
palavra “nação”. Seria uma nação em que
as pessoas são colocadas em primeiro
plano? Ou uma nação em que tudo está
centralizado naqueles no poder? A
confusão acerca dessas questões é uma
das principais razões pelas quais essa tese
foi tão desvirtuada.
Saito: Desde que foi introduzido no Japão
(no sexto século), o budismo tinha como
preocupação primária a proteção do
Estado — ou seja, a segurança dos
governantes. Uma nação nessas condições
é controlada por uma estrutura de poder
centralizado no governante.
Parece que há muitas pessoas que
desvirtuam o conceito de Daishonin de
“estabelecer o ensino correto para a paz da
nação” de acordo com essa idéia
prevalecente de que o budismo existe
para proteger o Estado. Porém, na época
de Daishonin, embora as escolas budistas
exercessem poder e influência
comparáveis aos das autoridades
seculares, em termos religiosos estavam
completamente falidas.
A Revolta de Jokyu,1 que irrompeu um ano
antes de Daishonin nascer, foi um reflexo
desse declínio do budismo centrado no
Estado. Eis por que, apesar das intensas
orações realizadas em benefício da corte
imperial, esta ainda veio a sofrer uma
derrota devastadora. Desde jovem, Nitiren
Daishonin deve ter tido sérias dúvidas
sobre essas instituições budistas e orações
centralizadas no Estado. E acredito que foi
seu tratado “Sobre o estabelecimento do
ensino correto para a paz da nação” que
transcendeu esse pensamento.
Pres. Ikeda: Sim. Daishonin propagou o
Sutra de Lótus — o ensino que possibilita
às pessoas acesso à fonte de energia vital
— o Nam-myoho-rengue-kyo, a essência
desse ensino, como a prática correta para
os Últimos Dias da Lei. Com isso ele
almejava concretizar a paz e a segurança
para todas as pessoas. A idéia de criar uma
nação pacífica na qual as pessoas fossem
o foco está expressa no diálogo inicial da
própria “Tese sobre o estabelecimento do
ensino correto para a paz da nação”, em
que o anfitrião e o viajante lamentam a
miséria das pessoas e a incapacidade das
religiões em oferecer ajuda.
“Quero livrar o mundo da miséria”
Morinaka: A tese começa da seguinte
forma: “Um viajante lamentou certa vez
para seu anfitrião: “— Nos últimos anos
vêm ocorrendo alterações incomuns no
céu e estranhos acontecimentos na terra. A
fome e a peste afetam cada canto do
Império e se propagam por toda a nação.
Bois e cavalos morrem pelas estradas e
seus ossos amontoam-se pelo caminho.
Mais da metade da população já foi
dizimada e não há uma única pessoa que
não tenha chorado a perda de um ente da
família.” (END, vol. 1, pág. 9.) O viajante
continua: “— A fome e as doenças assolam
com uma fúria nunca antes vista. Os
mendigos estão em todas as partes e a
visão da morte enche nossos olhos.
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Cadáveres amontoam-se como torres de
observação e os mortos jazem lado a lado
como tábuas de uma ponte.” (Ibidem, pág.
10.)
Pres. Ikeda: Embora breves, essas
passagens revelam uma miséria extrema.
A descrição de bois e cavalos mortos pelas
estradas mostram exatamente como a
época era tenebrosa e angustiante e o
quanto aquelas pessoas devem ter sofrido!
Morinaka: Em particular, durante o período
de 1257 a 1260, quando Daishonin
submeteu essa tese, ocorreram uma
sucessão de calamidades terríveis. Em
agosto de 1257, um grande terremoto
arrasou Kamakura. No ano seguinte,
ocorreram fortes ventos e inundações. E
um ano depois, a fome e a peste
castigaram toda a nação e essa situação
ainda continuou no ano seguinte. Esses
acontecimentos deixaram as pessoas
totalmente sem esperança.
Pres. Ikeda: Em resposta a essas
observações do viajante, o anfitrião diz:
“Tenho meditado sozinho sobre esse
assunto com indignação em meu coração.”
(Ibidem, pág. 11.) A frase “indignação em
meu coração” sugere que seu sentimento
transcendia em muito a mera tristeza,
atingindo uma condição de indignação
irreprimível. Essa passagem mostra
claramente o verdadeiro espírito de
Daishonin — o de compartilhar o
sofrimento de outros.
Saito: Por ter testemunhado o sofrimento
terrível de seus concidadãos, Nitiren
Daishonin descreve claramente a situação
por meio das lamentações do viajante. Seu
único desejo era fazer todo o possível para
livrar as pessoas da miséria e agonia e
levá-las à felicidade.
Pres. Ikeda: A profunda empatia de Nitiren
Daishonin com a dor e o sofrimento das
pessoas é a base de sua tese. Suas ações
não se baseavam no mero
sentimentalismo nem na comiseração. A
missão do Buda é possibilitar às pessoas
tornarem-se felizes. Esse é um ato que
requer uma luta contra a natureza
malévola inerente na vida que causa
sofrimento às pessoas. Por essa razão,
Daishonin mostra a realidade exatamente
como ela é.
Defender a causa daqueles que sofrem e
combater as forças do mal que provocam
esse sofrimento — esta é a nossa missão.
Na edição de janeiro de 1957 da revista
mensal de estudo Daibyakurengue, o
segundo presidente da Soka Gakkai, Jossei
Toda, escreveu: “Oro para que todos os
meus companheiros na fé que
compartilham meu espírito, lutem para
criar um mundo, um país, uma vida que
desconheça a palavra ‘miséria’. Com esse
pensamento, vamos iniciar este novo ano
cheios de esperança.”2 A única coisa a
fazer para livrar o mundo da miséria é
jamais abandonar a luta contra a natureza
malévola que causa sofrimento às
pessoas. Esse é o espírito e a
determinação do Buda, o espírito de uma
pessoa de coragem. Se não nos
basearmos nesse espírito, não poderemos
trilhar o caminho do Kossen-rufu.
No início da tese Daishonin fala sobre o
que o motivou a escrevê-la: em essência,
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sua empatia com as pessoas. Deduz-se
portanto que, com “paz da nação” ele quis
dizer acima de tudo, concretizar a paz e a
segurança para as pessoas.
Morinaka: Nós já apresentamos muitas
evidências para sustentar essa afirmação,
mas uma prova significativa também é
encontrada ao longo de todo o tratado nos
caracteres chineses usados por Daishonin
para expressar a palavra “nação”. Ele usa
três caracteres diferentes. Um ideograma
representa um rei dentro de seu domínio.
Um outro retrata um tipo de arma dentro
do domínio que indica a defesa armada.
Porém, em quase 80% dos casos em que a
palavra “nação” aparece no tratado,
Daishonin emprega um caractere chinês
que representa as pessoas dentro de um
domínio.
Pres. Ikeda: Esse caractere corresponde à
nação como o lugar onde as pessoas
habitam. Pode-se dizer que a intenção de
Daishonin era mostrar uma nação que
atribui a máxima importância à felicidade
das pessoas.
A respeito da relação entre o governante
do país e o povo, Daishonin diz: “Os
governantes deveriam considerar as
pessoas como seus pais.” (Gosho Zenshu,
pág. 1.554.) Se aqueles que estão no poder
não recebem o apoio do povo, logo
sucumbirão. As pessoas comuns são, de
fato, os pais que dão vida e criam o
governante. Saito: Nitiren Daishonin
também declara que os governantes são
os “braços e as pernas do povo” (Gosho
Zenshu, pág. 171). É protegendo e servindo
às pessoas — os pais —, fazendo de tudo
para ajudá-las, que o governante conquista
o respeito como um ser humano.
Sempre junto com o povo
Pres. Ikeda: Está claro que a filosofia de
Daishonin está focalizada nas pessoas. No
início de seu tratado Shugo Kokka Ron
(Sobre Proteger a Nação), que ele
escreveu um ano antes da tese “Sobre o
estabelecimento do ensino correto”,
Daishonin afirma claramente que um
regente que ignora a voz do povo cairá nos
três maus caminhos de Inferno, Fome e
Animalidade (cf. Gosho Zenshu, pág. 36).
Daishonin submeteu a tese “Sobre o
estabelecimento do ensino correto”, um
tratado de admoestação, a Hojo Tokiyori, a
pessoa mais poderosa de seus dias.
Admoestar significa protestar contra uma
pessoa que exerce poder ou autoridade
absoluta. Uma pessoa não consegue
repreender as autoridades sem a forte
determinação de enfrentar até mesmo
uma perseguição que ameace sua vida. Foi
com esse espírito que Daishonin entrou em
ação. Ele não podia simplesmente reprimir
seu desejo de livrar as pessoas do
sofrimento. Ao mesmo tempo, ele ainda
tinha alguma esperança em Tokiyori como
ser humano. Isso pode ter sido devido ao
fato de Tokiyori, durante seu governo, ter
implementado várias políticas que
beneficiaram o povo.
Morinaka: Correto. No vigésimo terceiro dia
do mês intercalado de dezembro de 1248,
foi emitida uma declaração advertindo aos
membros da classe guerreira por tiranizar
o povo. Nela lê-se: “Garantir a segurança
das terras e da população [os camponeses,
por exemplo] deveria ser a conduta padrão
dos administradores regionais e dos
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vassalos imediatos da sede do xogunato
de Kamakura.”3 E no dia 5 de junho de
1251, uma declaração foi emitida proibindo
os altos oficiais do governo de se
envolverem em extravagâncias que
viessem a causar sofrimento ao povo.4
Pres. Ikeda: Tokiyori parece ter sido uma
pessoa simples e de coragem. Seu caráter
também é revelado em um episódio
relatado em Tsurezuregusa (Ensaios em
Ociosidade).5 Uma cena descreve Tokiyori
sorvendo as sobras de caldo de miso
(iguaria de soja fermentada) em uma tigela
de cerâmica acompanhado de um copo de
saquê.
Tokiyori também atribui importância ao
escrito chinês Fundamentos do Governo
na Era Chen-kuan6, um registro das
palavras e ações do Imperador T’ai-tsung,
que assegurou a base para o voltava para a Zen, que havia sido
desenvolvimento da dinastia T’ang na
China. Esse texto cita repetidamente a
“auto-reforma” e “saber ouvir as
admoestações dos vassalos” como
qualidades de um governante sábio. Saito:
A reputação de Tokiyori de prezar as
opiniões dos outros deve ter sido o que
levou Daishonin a enviar-lhe a tese “Sobre
o estabelecimento do ensino correto” por
intermédio do sacerdote leigo Yadoya.7
Pres. Ikeda: Em “Seleção do tempo”,
Daishonin declara que além de refutar a
escola Nembutsu em “Sobre o tecnologias vieram a contribuir para a
estabelecimento do ensino correto”, ele
também apresentou por intermédio de
Yadoya sua refutação à escola Zen, da
qual Tokiyori era adepto.8
Saito: Além disso, de acordo com uma das
cartas de Daishonin9, é possível que ele
tenha se encontrado com Tokiyori antes de
ter-lhe enviado a tese, e que também
nessa ocasião tenha refutado a escola Zen.
A devoção de Tokiyori à Zen era extrema.
Embora num nível pessoal isso pareça ter
sido em parte por sua inclinação ao ensino,
de uma perspectiva social essa devoção
pode estar relacionada à sua forte
oposição a Quioto, onde a corte imperial
estava localizada. Acredito que ele estava
tentando estabelecer uma cultura em
Kamakura que pudesse fazer frente a
Quioto. Apesar de ter deixado de ser uma
cidade rural para tornar-se o centro
político efetivo da nação [após a Revolta
de Jokyu], Kamakura ainda era pouco
desenvolvida culturalmente. Talvez
porque a atenção de Tokiyori estivesse
recém-propagada da China, em oposição
às instituições budistas estabelecidas de
forte tradição.
Morinaka: Além do budismo, o Japão
obteve muitos outros benefícios de seu
intercâmbio com a China.
Pres. Ikeda: É verdade. Na época, a China
vivia um período de grande
desenvolvimento tecnológico, com
invenções como a da bússola, da tipografia
e da pólvora. Mais tarde, essas novas
modernização do Ocidente. Era uma época
em que o Japão, recém-saído de um longo
período de isolamento nacional datado de
meados do período Heian (794–1185),
competia ativamente para se sobrepor ao
avanço tecnológico e cultural da China,
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que era então líder mundial nesses
campos.
Morinaka: O clã governante Hojo equipou
as embarcações e investiu no comércio. Os
monges freqüentemente serviam como
intérpretes.
Pres. Ikeda: Apesar de o clã Hojo ter
assegurado sua autoridade política com a
vitória militar na Revolta de Jokyu, carecia
de uma sustentação espiritual, e
empenhava-se em empregar pessoas e
instituições necessárias para governar
efetivamente o país. Houve uma certa
inquietação enquanto tentavam preencher
essa lacuna. E foi a escola Zen que se
alojou nesse vazio espiritual. Percebendo
claramente a realidade, Nitiren Daishonin
afirmou que era o Sutra de Lótus e não a
Zen que de fato poderia oferecer apoio
espiritual à sociedade.
Saito: Embora a dinastia Sung da China
(960–1279) tivesse obtido avanços notáveis
nas áreas da agricultura, do comércio e da
indústria, entrou em crise devido à guerra
e à administração arbitrária das finanças.
Com vizinhos poderosos como os mongóis
ao norte, a China estava seriamente
ameaçada. A pedido do Estado, os monges
chineses ofereciam orações para a
proteção do imperador e da nação.
Os monges chineses da Zen, que foram
para o Japão durante a era Sung
sustentavam o firme propósito de proteger
a nação. Mais tarde, quando os
governantes japoneses receberam uma
carta oficial dos mongóis (que haviam
derrubado a dinastia Sung) exigindo
tributo, os sacerdotes da Zen
aconselharam as autoridades japonesas a
tomarem medidas enérgicas contra os
mongóis. Assim, seus adeptos tomaram a
iniciativa de orar pela derrota do inimigo.
Morinaka: Os próprios sacerdotes zen do
Japão seguiram o exemplo. Eisai10 da
escola Rinzai do zen-budismo japonês já
havia escrito o Kozen Gokoku Ron (A
propagação da Zen para a proteção da
nação) antes de 1198. Nesse texto, ele
afirma que o florescimento da Zen
protegeria o Estado. Um dos discípulos de
Eisai, um sacerdote chamado Shoiti11, é
identificado nos escritos de Daishonin
como um exemplo do terceiro dos três
poderosos inimigos — sacerdotes
amplamente reverenciados que, temendo
perder fama ou lucro, induzem as
autoridades a perseguirem os devotos do
Sutra de Lótus (cf. WND, 275).
Tokiyori também construiu um templo Zen
chamado Kentyoji, dirigido pelo sacerdote
Rankei Doryu12. O nome completo do
templo era Kentyo-kokozu-zen-ji —
literalmente “Templo Kentyo Zen para a
Prosperidade da Nação”. Ele foi
estabelecido para orar pelo reinado eterno
do imperador japonês, pela longevidade
dos líderes militares e partidários
importantes, pela paz perene da nação e
também em memória dos três xoguns do
clã Guenji e membros falecidos do clã Nii
[de Masako Hojo, esposa de Minamoto no
Yoritomo] e do clã Hojo. Basicamente, foi
construído em benefício exclusivo de um
punhado de autoridades governamentais
sem a menor consideração pelos cidadãos
comuns, que eram muito mais numerosos
e importantes para o bem-estar do país.
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Pres. Ikeda: Em contraste, Daishonin
sempre fez da felicidade das pessoas sua
prioridade máxima. Se as ações de um
indivíduo baseiam-se no Sutra de Lótus,
que ensina sobre a iluminação de todos os
seres vivos, as pessoas inevitavelmente
tornam-se o foco principal.
O presidente Toda disse certa ocasião:
“Quando a nossa perspectiva se amplia,
podemos perceber que todas as coisas,
como a constituição nacional e o poder
político, mudam de uma época para outra
de acordo com o desejo do povo. Se nos
deixarmos desviar por coisas tão
inconstantes e nos esquecermos de
ressaltar as pessoas, então a obra do
Kossen-rufu — a tarefa de transformar esta
sociedade regida por contendas em uma
terra da luz eternamente tranqüila —
definitivamente não será realizada.” O Sr.
Toda possuía esse profundo
discernimento. Se deixarmos de focalizar
as pessoas, o Kossen-rufu não avançará. A
humanidade continuará imersa na
escuridão para sempre, presa a um círculo
vicioso de infelicidade e miséria. Tenhamos
isso sempre em mente.
Essa é a razão de o empenho na
propagação dos ensinos de Daishonin de
pessoa a pessoa ser a essência das
atividades pelo Kossen-rufu. Como é
grandioso esse empreendimento que
estamos conduzindo dia a dia para criar
uma história maravilhosa e sólida!
Mesmo que nossos esforços não sejam
notados, e mesmo que sejamos mal
compreendidos ou julgados injustamente
pelos outros, não há absolutamente nada
com o que nos preocupar. Da perspectiva
da eternidade da vida e da história, essas
coisas são triviais, não possuem nenhum
significado. Aqueles que apreciam nossos
esforços estão observando. A cada ano
nosso movimento ganha amplo apoio de
pensadores do mundo inteiro. A Soka
Gakkai possui o mundo como seu aliado.
Esta é a era que adentramos, e o mais
importante é que nossas ações estão
sendo aplaudidas por Daishonin e pelos
budas e bodhisattvas das dez direções.
Saito: As várias homenagens de países e
instituições do mundo inteiro que têm sido
concedidas ao senhor, presidente Ikeda,
são provas da nobreza de nosso
empreendimento. Para nós, membros da
SGI, isso é motivo de imenso orgulho.
Pres. Ikeda: O propósito de nossas
atividades é a paz e a felicidade das
pessoas do mundo inteiro. Isso é
Kossen-rufu. É minha esperança e meu
sincero desejo que os jovens sucessores
expandam e estendam ainda mais o
caminho que abri, viajando para os lugares
mais remotos da Terra como emissários da
felicidade.
Se aceitamos essa perspectiva
centralizada nas pessoas como o ponto de
partida de Daishonin e a base de seu
conceito de “paz da nação”, então o
resultado lógico de estabelecer a “paz da
nação” é a paz mundial. Construir uma
nação pacífica significa concretizar a paz.
Na tese “Sobre o estabelecimento do
ensino correto” Daishonin adverte sobre os
dois desastres de lutas internas e invasão
estrangeira. Em outras palavras, ele alerta
sobre o perigo do irrompimento de uma
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guerra.
A guerra não é apenas cruel, horrenda e
deplorável. É a manifestação das funções
mais hediondas e abomináveis da vida
humana. É um ato de perversidade que
despoja as pessoas da nobreza e
dignidade, que as privam de tudo o que é
humano. Acabar com a guerra é a missão
natural do budismo, que visa a defender a
dignidade da vida e conduzir todas as
pessoas à suprema condição de vida do
Buda.
É o destino das pessoas que vivem nos
Últimos Dias da Lei enfrentarem uma
sucessão de conflitos como se estivessem
no meio de uma torrente devastadora. O
único modo de romper esse ciclo é as
pessoas manifestarem sua própria
natureza de Buda. Esse é portanto o
caminho mais fundamental para a paz.
Daishonin engajou-se em uma luta para
tornar este um caminho eterno e seguro
para todos. E nós da SGI estamos
realizando esse trabalho.
Os erros das interpretações
nacionalistas
Saito: Compreendo agora que as frases
“centralizado nas pessoas” e “paz mundial”
são componentes essenciais do
pensamento de Daishonin de concretizar a
paz da nação. Porém, no Japão moderno a
imagem que apresentam de Nitiren
Dashonin é exatamente oposta, sendo que
ele é freqüentemente considerado como
uma pessoa de visão nacionalista
intolerante.
Morinaka: Essa idéia foi propagada pelos
chamados nitirenistas do Japão antes da
guerra como Tigaku Tanaka (1861–1939)13
e Nissho Honda (1867–1931).14 A propósito,
foram eles quem criaram o termo
“nitirenismo”. Como líderes da comunidade
budista durante o final do século XIX e
início do século XX, eles criaram uma
interpretação nacionalista do ensino de
Daishonin.
Essas pessoas usaram o Budismo Nitiren
para preparar o caminho para a guerra.
Suas idéias também exerceram grande
influência em figuras militares que
empreenderam invasões aos países
asiáticos vizinhos do Japão e nos mentores
de assassinatos e de outros atos de
terrorismo na época.
Saito: Os nitirenistas distorceram
completamente o ensino de Daishonin
para moldar uma ideologia nacionalista.
Fundamentados na ideologia do
nacionalismo e do estado xintoísta, sua
interpretação procurava tornar as palavras
de Daishonin compatíveis com seus
objetivos. E no clima nacionalista da época,
as pessoas aceitavam essa interpretação
como correta.
Notas: 1. Revolta de Jokyu: Um conflito que ocorreu em 1221, o terceiro ano da era Jokyu,
que trouxe fim às disputas pela supremacia entre o governo militar em Kamakura e a
corte imperial em Quioto. Kamakura derrotou a corte, dando aos regentes Hojo maior
controle sobre o Japão. Por meio da redistribuição das terras conquistadas na revolta
eles conquistaram a lealdade de pessoas influentes em toda a nação. Essa vitória
aconteceu apesar dos esforços de importantes templos budistas incumbidos pela corte
de realizarem rituais da Verdadeira Palavra e outras orações em seu benefício. 2. Jossei
Toda, Toda Josei Zenshu (Coletânea de Obras de Jossei Toda). Tóquio, Seikyo
Shimbunsha, 1983, vol. 3, pág. 290. 3. Shintei Zoho Kokushi Taikei — Azuma Kagami
(edição ampliada e revisada de Histórias do Japão — Espelho do Leste do Japão).
Tóquio, Yoshikawa Kobunkan, 1965, vol. 33, pág. 417. [Um registro histórico do xogunato
de Kamakura abrangendo 86 anos desde 1180, o início da Guerra Taira–Minamoto, até
1266.] 4. Em uma passagem de Azuma Kagami lê-se: “Sempre que as reuniões são
realizadas eles [o povo] são obrigados a preparar as refeições e as bebidas. E no calor
de pleno verão, vão apanhar neve do Monte Fuji como uma iguaria para servir aos
convivas. Essa série de sofrimentos causados ao povo deve cessar.” (Ibidem, pág. 475.) 5.
Tsurezuregusa (Ensaios em ociosidade): Uma coleção de ensaios líricos de autoria do
Maria Antonieta Ross de Albuquerque (12651-9) / pág. 8.
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monge budista Yoshida Kenko (1283–1350) que exerceu grande influência nos escritos

japoneses posteriores, como também na estética e nos padrões de comportamento. 6.

Fundamentos do governo na era Chen-kuan (Zhenguan Zhengyao): Obra escrita por Wu

Ching durante a dinastia T’ang. Discute as questões políticas do Estado entre o

imperador e seus subordinados durante a era Chen-kuan (600–649). 7. Yadoya Mitsunori:

Um oficial do governo Kamakura que serviu aos regentes Hojo Tokiyori e Hojo Tokimune.

Foi por seu intermédio que Nitiren Daishonin submeteu a tese “Sobre o estabelecimento

do ensino correto” ao regente aposentado Hojo Tokiyori em 16 de julho de 1260. Ele era

comumente chamado de “sacerdote leigo Yadoya” e conhecido como uma das sete

pessoas que tiveram acesso a Hojo Tokiyori quando este encontrava-se em seu leito de

morte. 8. Em “Seleção do Tempo”, Nitiren Daishonin diz: “A primeira vez [que obtive

distinção por minhas predições] foi no primeiro ano da era Bunno (1260), durante o ciclo

do signo kanoe-saru, no décimo sexto dia do sétimo mês, quando apresentei o tratado

“Sobre o estabelecimento do ensino correto para a paz da nação” a Vossa Senhoria, o

sacerdote leigo de Saimyoji, por intermédio do sacerdote leigo Yadoya Mitsunori. Na

época, eu disse ao sacerdote leigo Yadoya: ‘Por favor, avise a Sua Senhoria que a

devoção à Zen e à Nembutsu deve ser abandonada. Se esse aviso não for considerado,

conflitos irromperão dentro do clã regente, e a nação será atacada por uma força

estrangeira.” (WND, pág. 579.) 9. Em Ko Saimyo-ji Nyudo Kenzan Gosho (Sobre a visitação

ao ex-sacerdote leigo de Saimyoji), Daishonin diz: “‘Para o bem de toda a nação

japonesa, o senhor deve abandonar sua devoção aos templos antigos deste país. Isto

porque eles são habitados por demônios celestiais.’ Foi isso o que eu disse quando visitei

o ex-sacerdote leigo de Saimyoji [Hojo Tokiyori]. Eu também frisei essa questão em ‘Sobre

o estabelecimento do ensino correto para a paz da nação’.” Showa Teihon Nichiren

Shonin Ibun (Verdadeiro Jornal Showa dos Escritos de Nitiren). Tóquio, Rissho University’s

Institute of Nichiren Buddhist Studies, 1988, pág. 456. Nota: Esse trecho dos escritos de

Daishonin não está incluído no Gosho Zenshu publicado pela Soka Gakkai. 10. Eisai

(1141–1215): Fundador da escola Rinzai do zen-budismo no Japão. Apesar de não ter sido

o primeiro a introduzir as idéias da Zen no Japão, a Eisai é creditado o estabelecimento

da Zen como uma escola independente. 11. Shoiti (1202–1280): Um sacerdote da escola

Rinzai do zen-budismo no Japão. Ele estudou a Zen na China e depois de voltar ao Japão

propagou seus ensinamentos na corte e conseguiu o patronato da nobreza, tornando-se

o primeiro sacerdote-chefe do templo Tofukuji em Quioto. 12. Rankei Doryu (1213–1278):

(Chin Tao-lung) um sacerdote da escola Rinzai do zen-budismo. Em 1246, ele viajou da

China ao Japão. Quando o templo Kentyoji foi contruído por Hojo Tokiyori em Kamakura

em 1253, ele tornou-se o primeiro sacerdote-chefe. Opôs-se a Nitiren Daishonin e, junto

com Ryokan e outras pessoas, conspirou contra ele. 13. Tigaku Tanaka: Originalmente

um sacerdote da escola Minobu do Budismo Nitiren, ele deixou a escola durante o

período Meiji (1868–1912) para fundar a Associação Rissho Ankoku (conhecida mais tarde

como Kokuchukai, ou “Sociedade Pilar da Nação”). 14. Nissho Honda:

“Administrador-chefe da escola Kempon Hokke do Budismo Nitiren. Ele tomou a

iniciativa para que o imperador conferisse o título de “Grande Mestre” a Nitiren Daishonin,

da mesma forma que foi concedido a Dengyo e a Kobo havia alguns séculos.

Maria Antonieta Ross de Albuquerque (12651-9) / pág. 9.