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Capitulo 58: Virus da Hepatite

Chapter · January 2014

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6 authors, including:

Ana Casaca Carolina Alves


Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC)
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Celso Cunha
New University of Lisbon
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58
Vírus da Hepatite
Ana Casaca, Carolina Alves, Celso Cunha, Cristina Luxo, Cristina Valente, Natália Freitas

Sumário
As hepatites virais afetam milhões de pessoas em todo o mundo e são um problema de saúde
pública importante devido à sua elevada morbilidade e mortalidade. Podem ser causadas pelos
vírus da hepatite A, B, C, D e E. O vírus da hepatite D é o mais pequeno agente patogénico
humano e é considerado um vírus satélite do vírus da hepatite B. Os vírus das hepatites A, C e E
são vírus ARN enquanto o vírus da hepatite B é um vírus ADN. Os vírus das hepatites A e E não

r
têm invólucro ao contrário do que acontece com os vírus B e C. Estes são transmitidos fundamen-

-
talmente por via sexual, parenteral ou perinatal enquanto o vírus da hepatite A se transmite por

to
via fecal-oral e o vírus da hepatite E se transmite através de consumo de água contaminada com
de a
matéria fecal e de animais infetados. Enquanto as infeções pelos vírus A e E apresentam quase
sempre evolução benigna, as infeções pelos vírus B, C e D podem causar fibrose hepática pro-

au
v
gressiva, evoluindo em alguns doentes para cirrose e carcinoma hepatocelular. A vacinação é a
melhor forma de prevenir as hepatites A e B. Para as hepatites C e E não há ainda vacinas efica-
ão o
zes. A prevenção da hepatite E baseia-se em cuidados de higiene e alimentação; a melhor forma
de prevenir a infeção pelo vírus da hepatite C é evitar a exposição a sangue contaminado.
is pr

Vírus da hepatite A
ev a
R tim

Introdução Estas vacinas são utilizadas na prevenção do


aparecimento dos sintomas da hepatite A.
O vírus da hepatite A (HAV) foi identificado O HAV é um vírus da família Picornavi-
pela primeira vez em 1973, por microscopia ridae. Contudo, apresenta algumas caracte‑
l

eletrónica, em suspensões de amostras fecais rísticas únicas, incluindo não produzir efeitos
Ú

de indivíduos infetados. Os únicos hospedei‑ citopáticos em culturas de células, resistência


ros conhecidos do HAV são o Homem e algu‑ a pH 1, a existência de apenas um serotipo e
mas espécies de primatas não humanos. Logo diferenças a nível da sequência do genoma e da
após a sua descoberta foi demonstrado que o poliproteína. Foi por isso classificado no género
HAV pode ser propagado em cultura de célu‑ Hepatovirus. Até hoje foram classificados sete
las de diferentes origens. Apesar de ser o único genótipos diferentes do HAV com distribuição
vírus com tropismo hepático capaz de produ‑ geográfica distinta.
zir infeção persistente in vitro, a replicação do
HAV em cultura é inicialmente muito lenta,
requerendo longos períodos de adaptação que Estrutura do virião
resultam na atenuação da virulência do vírus.
A propagação do HAV in vitro foi fundamental O virião do HAV apresenta uma estrutura ico‑
para o desenvolvimento e otimização de méto‑ saédrica com cerca de 27 a 32 nm de diâmetro.
dos para a produção em larga escala de vacinas Trata‑se de um vírus muito resistente a agen‑
baseadas em preparações de vírus inativado. tes físicos e químicos podendo permanecer viá‑
vel na Natureza durante vários meses. A sua
Vírus da Hepatite 723

inativação pode ser efetuada a temperaturas ele‑ dessas proteínas não estruturais é a proteína 3B
vadas (acima dos 85 ºC), ou por incubação com ou VPg que funciona como primer (iniciador
formaldeído ou cloro. proteico) para a síntese do ARN do HAV, per‑
O HAV é desprovido de um envelope lipí‑ manecendo covalentemente ligada à extremi‑
dico, encontrando‑se o genoma do vírus reves‑ dade 5’ das moléculas do ARN do vírus.
tido por uma cápside formada por 60 cópias de O ARN genómico do HAV é poliadenilado,
cada uma das proteínas estruturais. O genoma terminando numa cauda poli‑A de compri‑
do HAV consiste numa molécula de ARN de mento variável. Foram identificados vários ele‑
cadeia simples linear, de polaridade positiva, mentos cis no genoma do HAV, com função na
com cerca de 7500 nucleótidos. replicação e na tradução. A região não codifi‑
Tal como os demais membros da famí‑ cante 5’NTR, com cerca de 0,75 kb, possui dois
lia Picornaviridae, o genoma do HAV pode elementos cis estruturalmente complexos que

r
-
ser dividido em três elementos funcionais: se encontram separados por uma região rica em

to
duas regiões não codificantes (non-translated polipirimidinas. O primeiro domínio é neces‑
de a
region), 5’NTR e 3’NTR, situadas nas extremi‑
dades 5’ e 3’, respetivamente, e uma região cen‑
sário para a replicação do genoma do HAV e
o segundo representa um local interno de liga‑

au
v
tral codificante que representa cerca de 90% do ção a ribossomas, fundamental para a tradução
genoma do vírus (Figura 58.1A). do ARN genómico do vírus. Outros elementos
ão o
A região codificante contém uma única fase reguladores em cis com função na replicação do
is pr

de leitura aberta que codifica para uma polipro‑ genoma do HAV foram identificados na extre‑
teína com 2225 ou 2227 aminoácidos, depen‑ midade 3’, um deles localizado na região não
dendo da tradução ser iniciada no primeiro ou codificante 3’NTR e outro, designado elemento
no segundo codão AUG. O segmento termi‑ cre, situado na região da grelha aberta de leitura
ev a

nal‑N da poliproteína, designado P1, inclui as que codifica para a proteína não estrutural 3D,
proteínas estruturais do vírus que irão formar uma polimerase de ARN dependente de ARN.
R tim

a cápside, enquanto os restantes dois terços da


poliproteína, segmentos P2 e P3, compreendem
uma série de proteínas não estruturais envol‑
vidas na replicação do genoma do HAV. Uma
l
Ú

P1 P2 P3

A VPg 1A 1B 1C 1D 2A 2B 2C 3A 3B 3C 3D

B 1A 1B 1C 1D 2A 2B 2C 3A 3B 3C 3D

C 1A 1B 1C 1D 2A 2B 2C 3A 3B 3C 3D
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D VP4 VP2 VP3 VP1 2A 2B 2C 3A 3B 3C 3D

Figura 58.1  Representação esquemática da estrutura do genoma do HAV. (A) O genoma do HAV consiste numa molé-
cula de ARN de polaridade positiva com 7,5 kb. Contém uma única grelha aberta de leitura flanqueada por duas regiões
não codificantes. A extremidade 5’ do ARN do HAV encontra‑se covalentemente ligada à proteína viral 3B ou VPg. (B) Da
tradução do genoma do HAV é produzida uma poliproteína com 2225/2227 aminoácidos. (C, D) A poliproteína é clivada,
durante e após a tradução, pela protease 3C, de origem viral, gerando proteínas precursoras mais pequenas. Sucessivas cli-
vagens proteolíticas culminam na formação de uma série de proteínas estruturais (VP4, VP2, VP3 e VP1, também conheci-
das por 1A, 1B, 1C e 1D, respetivamente) e proteínas não estruturais (2A, 2B, 2C, 3A, 3B, 3C e 3D).
724 Microbiologia Médica – Virologia Médica

As proteínas do vírus da conformacionais das proteínas da cápside,


hepatite A induzidas por pH ácido no interior dos endos‑
somas. O ARN genómico do vírus, livre no
As proteínas estruturais e não estruturais do citoplasma, é utilizado diretamente na tradu‑
HAV são geradas através de uma série coor‑ ção de uma poliproteína precursora. Esta poli‑
denada de clivagens proteolíticas que ocorrem proteína é processada proteoliticamente origi‑
durante e após a tradução da poliproteína codi‑ nando novas proteínas precursoras ou formas
ficada pela única fase de leitura aberta presente proteicas maduras que irão formar novas cáp‑
no genoma do HAV. A maior parte das cliva‑ sides e os complexos replicativos associados a
gens proteolíticas são levadas a cabo por uma membranas. Destes complexos fazem parte a
protease codificada pelo genoma do vírus, a polimerase de ARN dependente de ARN que
protease 3C. A primeira clivagem, que ocorre catalisa a síntese de moléculas de ARN de pola‑

r
-
na junção das proteínas 2A/2B, dá origem a ridade negativa. A transcrição de novas cadeias

to
duas proteínas precursoras, as proteínas P1 e de ARN inicia‑se com a adição de dois resíduos
de a
P2/P3 (Figura 58.1C). A proteína precursora
P1 é alvo de duas hidrólises originando duas
de uridina a um resíduo de tirosina da proteína
VPg. A forma uridilada da proteína VPg liga‑se,

au
v
proteínas precursoras da cápside, as proteínas de seguida, à cauda poli‑A do ARN viral, ser‑
VP0 (VP4‑VP2) e VP1‑2A, e a proteína estrutu‑ vindo de iniciador da transcrição de molécu‑
ão o
ral VP3 que se associam em subunidades pen‑ las de ARN complementares à cadeia molde.
is pr

taméricas importantes durante a morfogénese As moléculas de ARN de polaridade negativa


dos viriões. Após sucessivas clivagens, as pro‑ são depois usadas como molde para a síntese
teínas não estruturais, 2B, 2C, 3A, 3B, 3C e 3D, de novas cadeias de ARN de polaridade posi‑
contidas na proteína precursora P2/P3 (Figura tiva, por um mecanismo semelhante. Parte des‑
ev a

58.1D), associam‑se para formar complexos tas novas cadeias de ARN genómico irá ligar‑se
macromoleculares ligados a membranas deri‑ às proteínas da cápside, arranjadas em 12 pen‑
R tim

vadas do retículo endoplasmático (RE) e envol‑ tâmeros, e formar partículas virais infeciosas.
vidos na replicação do ARN do HAV. Outra parte será traduzida em novas poliproteí‑
nas virais ou usada como molde na transcrição
de novos ARN de cadeia negativa, dando con‑
l

Replicação tinuidade ao ciclo replicativo viral. A morfogé‑


Ú

nese dos viriões termina com as clivagens pro‑


A replicação do HAV ocorre quase exclusiva‑ teolíticas das proteínas intermédias VP1‑2A e
mente em hepatócitos embora os mecanismos e VP4‑VP2. A saída dos viriões maduros é feita
aspetos moleculares que determinam o tropismo através da membrana apical dos hepatócitos
do HAV pelo fígado estejam ainda pouco claros. nos capilares biliares. Estes são transportados
O ciclo replicativo do HAV inicia‑se com a liga‑ através do sistema biliar até ao intestino, sendo
ção do vírus a recetores específicos presentes depois excretados juntamente com as fezes.
na membrana da célula hospedeira. Foi identifi‑
cado um recetor para o HAV em células de rim
de macaco, uma glicoproteína transmembranar Epidemiologia
do tipo mucina, com funções celulares desco‑
nhecidas. Todavia, o HAV parece ligar‑se espe‑ Transmissão
cificamente à proteína homóloga humana.
Após entrada na célula, o genoma do HAV A transmissão do HAV ocorre, predominan‑
é libertado no citoplasma, através de um pro‑ temente, por via fecal‑oral através do con‑
cesso que, provavelmente, envolve alterações tacto próximo com pessoas infetadas ou pela
Vírus da Hepatite 725

ingestão de alimentos ou água contaminada algumas regiões da Ásia e da América Cen‑


pelo vírus. Outros meios de contágio, embora tral e do Sul), em que devido às melhores con‑
raros, incluem o contacto sexual, a transfusão dições sanitárias e socioeconómicas se observa
de sangue ou de produtos derivados do sangue uma redução na incidência da infeção e, conse‑
durante a fase da infeção em que o HAV está quentemente, da proporção de indivíduos com
presente nesse fluido. imunidade contra o HAV. Nestes países, o con‑
tacto com o HAV, embora frequente na infân‑
cia, ocorre mais tardiamente e geralmente mais
Prevalência global de 50% da população é infetada até aos 15 anos
idade. São por isso mais frequentes os casos de
O HAV apresenta uma distribuição generali‑ doença atribuíveis ao HAV e mais comuns os
zada por todo o globo, embora relativamente surtos epidémicos, geralmente envolvendo água

r
-
assimétrica. O grau de endemicidade do HAV e alimentos contaminados pelo vírus.

to
numa população é geralmente avaliado pela Os países desenvolvidos representam áreas
de a
prevalência de anticorpos totais contra o vírus
e sua distribuição por grupos etários. Tanto os
de baixa endemicidade, em que a incidência
de hepatite A é muito baixa e a prevalência de

au
v
níveis de endemicidade da infeção pelo HAV anticorpos anti‑HAV pode variar entre os 0 e
como os grupos mais suscetíveis estão inversa‑ 10% até aos 15 anos, com tendência a aumen‑
ão o
mente relacionados com os hábitos de higiene, tar gradualmente com a idade. Nestas áreas, a
is pr

saneamento básico e as condições socioeco‑ maioria das infeções pelo HAV é esporádica e,
nómicas. Em países de baixa renda (parte da regra geral, restrita a grupos de risco acrescido.
África, Ásia, América do Sul e Central), em que Podem, no entanto, suceder episódios epidémi‑
as condições sanitárias e os padrões de higiene cos ao nível da comunidade e em que grande
ev a

não são frequentemente adequados, o contacto parte da população é suscetível à infeção.


com o HAV ocorre principalmente na primeira O perfil epidemiológico mundial da infe‑
R tim

infância, até os 5 anos, e quase toda a popula‑ ção pelo HAV encontra‑se em permanente
ção é infetada antes dos 9 anos de idade. mudança, e regiões inicialmente classifica‑
A gravidade da infeção pelo HAV varia em das como sendo de alta endemicidade são hoje
função da idade do hospedeiro, sendo a probabi‑ áreas de transição para endemicidade intermé‑
l

lidade de desenvolver hepatite A com manifes‑ dia ou mesmo baixa.


Ú

tações clínicas maior nos grupos de idade mais


avançada. A maioria das crianças com menos
de 6 anos não apresenta sinais ou sintomas de Prevalência em Portugal
infeção pelo HAV. Por outro lado, contrastando
com as infeções assintomáticas ou subclínicas Um estudo epidemiológico nacional efetuado
na população infantil, 40‑50% dos jovens com nos anos 80 do século passado estimou uma
idades entre os 6 e 14 anos, e 70‑80% dos adul‑ prevalência de anticorpos anti‑HAV de 84,9%
tos irá desenvolver hepatite A e apresentar icte‑ na população em geral e de cerca de 93,4% em
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rícia. Deste modo, em regiões de elevada ende‑ indivíduos com idades compreendidas entre
micidade, uma vez que a maioria da população os 15 e 20 anos, colocando Portugal como um
possui imunidade natural, o número de casos país de alta endemicidade para o HAV. A ele‑
clínicos de hepatite A é baixo e são raros os sur‑ vada taxa de imunidade natural em adolescen‑
tos epidémicos. tes e jovens adultos e o facto de apenas uma
Os países em desenvolvimento correspon‑ minoria (5,3%) ter tido sintomas da doença são
dem geralmente a áreas de endemicidade inter‑ indicativos de que em Portugal, na década de
média do HAV (países do Sul e Leste Europeu, 80 do século passado, a infeção pelo HAV era
726 Microbiologia Médica – Virologia Médica

inaparente e ocorria principalmente na infân‑ apontem para 10 milhões de novos casos por
cia, um padrão epidemiológico típico dos paí‑ ano. As manifestações clínicas associadas
ses pobres. a infeção pelo HAV são em tudo idênticas às
Dados mais recentes, nomeadamente os do demais hepatites agudas causadas por agentes
2.º Inquérito Serológico Nacional, realizado em virais, não sendo possível distinguir a hepatite
2001‑2002, mostram uma alteração no padrão A sem recorrer a testes serológicos.
epidemiológico do HAV em Portugal conti‑ A hepatite A aguda apresenta quase sempre
nental. Há uma diminuição importante na pre‑ evolução benigna, não existindo registos de pro‑
valência de anticorpos anti‑HAV na população gressão para doença crónica. Durante o período
em geral (57,7% em 2001‑2002 versus 84,9% de incubação, que pode variar entre os 10 e os 50
em 1980), mas muito mais significativa é a redu‑ dias, os pacientes apresentam‑se assintomáticos.
ção observada na prevalência de anticorpos con‑ É nesta fase que a produção de HAV é máxima

r
-
tra o HAV nos grupos etários mais jovens. As e o vírus é excretado em grandes quantidades

to
crianças com menos de 14 anos apresentam uma nas fezes, até 109 partículas virais por grama de
de a
prevalência <10%, com exceção do grupo etá‑
rio dos 5 aos 9 anos que apresenta uma seropre‑
fezes. Como consequência, a fase de incubação
corresponde ao período de maior risco de trans‑

au
v
valência de 20%. O grupo etário dos 15 aos 19 missão do HAV. A viremia acompanha a mesma
anos apresenta, agora, uma prevalência de anti‑ tendência, embora a concentração de HAV no
ão o
corpos contra o HAV de 22,6%, 4 vezes infe‑ sangue seja sempre inferior ao título viral dete‑
is pr

rior à encontrada em 1980. Como seria de espe‑ tado nas fezes (103‑105 partículas virais/ml)
rar, a presença de anticorpos anti‑HAV aumenta (Figura 58.2). O HAV pode ainda ser detetado
em função da idade atingindo os valores mais na saliva, em quantidades 1 a 3 unidades loga‑
elevados (>90%) nos grupos etários com idades rítmicas inferiores às detetadas no sangue. Não
ev a

superiores a 40 anos. Os primeiros resultados de existem, porém, indícios que suportem o papel
baixa endemicidade em Portugal foram obtidos da saliva como fonte de transmissão do HAV.
R tim

em crianças com 5 e 8 anos de idade, em 2003 e Os primeiros sintomas da hepatite A aguda


2004, no concelho de Braga. A percentagem de são inespecíficos (fase pré‑ictérica) e surgem
indivíduos com anticorpos anti‑HAV é de 1,6% e geralmente de modo abrupto. A fase pré‑icté‑
3,9% nos dois grupos estudados, respetivamente. rica é de curta duração, não mais de 10 dias,
l

A melhoria das condições sanitárias e socio‑ e caracteriza‑se por sintomas como a anorexia,
Ú

económicas parece ser a principal razão para as fadiga, mal‑estar geral, febre, mialgia, náuseas
alterações do padrão epidemiológico da infeção e vómitos. As náuseas, os vómitos e a diarreia
pelo HAV em Portugal. Uma tendência seme‑ são mais frequentes nas crianças do que nos
lhante tem sido observada noutros países euro‑ adultos. A entrada na fase ictérica, fase em que
peus, como Espanha, Grécia, República Checa se observam as primeiras evidências específi‑
e Itália, aproximando‑os das prevalências mais cas de disfunção hepática, é marcada por sinais
baixas, típicas dos países com boas condições como o escurecimento da urina, o embranque‑
sanitárias. cimento das fezes e icterícia.
A recuperação da hepatite A é total sendo o
vírus eliminado do organismo e induzida imuni‑
Curso natural da infeção dade duradoura contra a reinfeção. No entanto,
existem casos (3‑20%) em que os sintomas per‑
A Organização Mundial da Saúde (OMS) sistem até 6 meses ou em que se registam relap‑
estima que o HAV é responsável por cerca de sos da hepatite 4 a 15 semanas depois do desa‑
1,5 milhões de casos clínicos de hepatite todos parecimento dos primeiros sintomas. Em raras
os anos, embora os estudos de seroprevalência ocasiões (0,01%‑2%), a infeção pelo HAV pode
Vírus da Hepatite 727

10

8
IgG
anti-HAV
fezes
6
log10 HVA

4 IgM
anti-HAV
sangue

r
-
2

to
ALT

de a
au
v
2 4 6 8 10 12 14
Semanas
ão o
Figura 58.2  Evolução de parâmetros associados ao curso natural da infeção pelo HAV.
is pr

causar necrose extensa do fígado resultando em primeiros sintomas clínicos, atingindo o pico de
falência hepática. Estes casos de hepatite ful‑ produção máxima entre as 4 e 6 semanas após
minante, geralmente letais, são mais frequen‑ infeção (ver Figura 58.2). Posteriormente, os
ev a

tes entre adultos com mais de 50 anos ou entre níveis de IgM anti‑HAV começam a diminuir
indivíduos com hepatite B ou C crónica. tornando‑se geralmente indetetáveis após 3 a 6
R tim

meses. O desaparecimento dos anticorpos IgM


anti‑HAV coincide, em 85% dos casos, com a
Resposta imunológica e diagnóstico normalização dos níveis das enzimas hepáticas
como, por exemplo, a transaminase de alanina
l

No decurso da infeção pelo HAV é produzida (ALT). A produção transitória e limitada ao perí‑
Ú

uma resposta humoral com atividade neutrali‑ odo inicial da infeção faz com que os anticorpos
zante contra o vírus. A deteção de imunoglo‑ IgM anti HAV sejam determinantes no diagnós‑
bulinas específicas dirigidas contra os deter‑ tico e usados como marcadores serológicos da
minantes antigénicos presentes nas partículas hepatite A aguda. Os anticorpos IgG‑anti‑HAV
virais do HAV é a abordagem mais comum no surgem logo a seguir aos anticorpos IgM, porém
diagnóstico da hepatite A. Existem dois tipos a sua produção mantém‑se ativa por muitos anos,
de testes que utilizam métodos imunoenzimáti‑ conferindo imunidade duradoura.
cos para a deteção de anticorpos anti‑HAV em Um resultado positivo para o anticorpo total
© Lidel – Edições Técnicas

amostras de sangue: os que permitem detetar as anti-HAV, na ausência de sintomas associados


IgM específicas anti‑HAV e os testes que ava‑ à hepatite aguda (negativo para IgM anti‑HAV),
liam a presença de anticorpos totais contra o indica uma infeção prévia ou imunidade após
HAV (IgA, IgM e IgG anti‑HAV). vacinação. Por este motivo, os testes seroló‑
Durante a infeção pelo HAV os anticorpos gicos que permitem a deteção indiscriminada
IgM anti‑HAV são os primeiros a ser produzidos. dos anticorpos anti‑HAV não devem ser utiliza‑
A sua presença no sangue é geralmente detetada dos isoladamente no diagnóstico da hepatite A
antes ou em simultâneo com o aparecimento dos aguda.
728 Microbiologia Médica – Virologia Médica

O HAV induz também uma resposta imu‑ constitui uma contraindicação para a utilização
nológica celular que parece estar implicada na das vacinas de HAV inativado.
patogénese da hepatite A aguda. Estudos reali‑ Na era pré‑vacina, a imunização passiva
zados na década de 80 do século passado reve‑ através da administração de imunoglobulinas
laram a presença de linfócitos T CD8+ especí‑ humanas constituía a única medida preventiva
ficos para o HAV em pacientes com episódios contra a hepatite A. As imunoglobulinas confe‑
de hepatite A aguda e em indivíduos na fase rem uma proteção de 85%, geralmente durante
de convalescença. Os linfócitos T CD8+ espe‑ 3 a 6 meses, quando administradas antes da
cíficos para o HAV mostraram‑se capazes de exposição ao HAV ou nas duas primeiras sema‑
mediar a morte celular de fibroblastos humanos nas a seguir à infeção. Porém, a sua aplica‑
infetados com o HAV in vitro. Estes resultados ção como método profilático pós‑exposição ao
sugerem um possível envolvimento dos linfóci‑ HAV tem sido abandonada em muitos países e

r
-
tos T citotóxicos na eliminação de hepatócitos vindo a ser substituída pelas vacinas de HAV

to
infetados pelo HAV e na inflamação do fígado. inativado.
de a As recomendações para a vacinação con‑
tra a infeção pelo HAV variam consideravel‑

au
v
Prevenção mente de país para país e a extensão da sua
aplicação relaciona‑se com o padrão epidemio‑
ão o
Existem pelo menos cinco vacinas disponí‑ lógico de cada local e a relação custo‑benefí‑
is pr

veis no mercado que conferem imunidade con‑ cio. Em países desenvolvidos, a vacinação con‑
tra a infeção pelo HAV. Todas as vacinas con‑ tra a infeção pelo HAV está particularmente
tra o HAV consistem em suspensões estéreis de recomendada a indivíduos com risco acres‑
vírus propagado em células diploides humanas cido de infeção ou em que a transmissão do
ev a

que, após purificação, é inativado com formal‑ HAV possa agravar condições clínicas prévias,
deído e adsorvido em hidróxido de alumínio ou como é o caso dos indivíduos com hepatite cró‑
R tim

em virossomas (mistura de antigénios de super‑ nica. Do primeiro grupo, fazem parte os indi‑
fície do vírus da gripe e fosfolípidos). Há ainda víduos em viagem para países com endemi‑
uma vacina combinada contra a hepatite A e cidade intermédia ou alta, os utilizadores de
B que é constituída por HAV inativado e pelos drogas injetáveis, os indivíduos com múltiplos
l

antigénios de superfície do vírus da hepatite B. parceiros sexuais e os indivíduos em contacto


Ú

As vacinas de HAV inativado estão indi‑ com pessoas infetadas, nomeadamente os que
cadas na imunização ativa de indivíduos com pertencem a comunidades onde seja detetado
idade igual ou superior a 1 ano. Não são reco‑ um surto ou para os quais a hepatite constitua
mendadas em crianças abaixo dos 12 meses um risco profissional.
porque a presença de imunoglobulinas mater‑ Os EUA, em 1999, alargaram o programa,
nas anti‑HAV pode diminuir os títulos de anti‑ que inicialmente recomendava a vacinação con‑
corpos protetores e também porque em menos tra o HAV aos grupos de risco acrescido, a todas
de 10 anos uma proporção das crianças vaci‑ as crianças residentes nos 17 estados com mais
nadas apresentará valores indetetáveis de elevada incidência. Os estudos epidemiológicos
anti­corpos. que avaliaram a incidência da hepatite A, antes
Os vários estudos clínicos efetuados indi‑ e depois da vacinação em massa das crianças
cam que as vacinas de vírus inativado são bas‑ nos estados selecionados, mostraram que a inci‑
tante seguras e eficazes como medida profilática dência diminuiu em 88% nessas áreas e em 76%
pré‑exposição contra a hepatite A, conferindo em todo o país, estimando‑se que a vacinação
mais de 90% de proteção nos grupos vacina‑ tenha contribuído em 39% para a redução regis‑
dos. A presença de anticorpos anti‑HAV não tada. Curiosamente, a diminuição da incidência
Vírus da Hepatite 729

da hepatite A não se verificou apenas nos gru‑ grande parte são assintomáticas e podem excre‑
pos etários mais jovens mas igualmente entre a tar vírus nas fezes por longos períodos de tempo.
população adulta. Estes resultados sugerem que Outras medidas que contribuem para pre‑
a vacinação de rotina na primeira infância repre‑ venir a infeção incluem: não partilhar agulhas
senta uma medida preventiva adequada para ou seringas, evitar lesões com objetos cortan‑
interromper a transmissão do HAV em comuni‑ tes, usar agulhas limpas para fazer tatuagens e
dades onde se observa uma elevada incidência. colocar piercings, não partilhar objetos pesso‑
Neste locais a transmissão do HAV é mantida, ais nomeadamente navalhas, escovas de dentes
principalmente pela infeção das crianças, que em e corta‑unhas.

r
-
Vírus da hepatite B

to
de a
Introdução possui três codões de iniciação ATG que o divi‑

au
v
dem nas regiões pré‑S1, pré‑S2 e S. Este gene
O vírus da hepatite B (HBV) é um vírus hepa‑ codifica para o antigénio de superfície da hepa‑
ão o
totrópico que infeta o Homem e alguns prima‑ tite B (AgHBs) que é habitualmente constituído
is pr

tas. O HBV pertence à família Hepadnaviridae por três glicoproteínas de diferentes dimensões:
e ao género Orthohepadnavirus, sendo o único grande (constituída pelos polipéptidos pré‑S1,
vírus humano incluído nesta família. As infe‑ pré‑S2 e S), média (pré‑S2 + S) e pequena (S).
ções primárias por este vírus podem ser autoli‑ O gene C (core ou nucleocápside) codifica a
ev a

mitadas ou tornar‑se persistentes durante mui‑ proteína estrutural da cápside viral designada
tos anos, por vezes para o resto da vida. por antigénio do core da hepatite B (AgHBc).
R tim

Estrutura Pré-S2
-S1
Pré
l

O vírus da hepatite B é um vírus pequeno,


Ú

esférico com cerca de 42 nm diâmetro. O seu S


genoma é de ADN, de cadeia dupla e circu‑ P
lar. A cadeia de polaridade negativa é com‑
pleta e tem cerca de 3200 nucleótidos. A cadeia
de polaridade positiva é incompleta, variando
entre 50‑70% da cadeia de polaridade nega‑ - +
tiva. O genoma é envolvido por uma cápside
com simetria icosaédrica, constituída por uma
© Lidel – Edições Técnicas

proteína estrutural designada por AgHBc. A C


camada externa do vírus corresponde ao invó‑
lucro onde se inserem três glicoproteínas, pro‑
Pré
teína S, proteína M e proteína L, que consti‑ -C
tuem o AgHBs. A cadeia de polaridade positiva
do genoma tem uma região codificante consti‑
X
tuída por quatro genes denominados S, C, P, X
(Figura 58.3). O gene S (superfície ou invólucro) Figura 58.3  Estrutura genómica do vírus da hepatite B.
730 Microbiologia Médica – Virologia Médica

A utilização de um codão de iniciação que pre‑ com a ligação do virião a recetores presentes na
cede o codão de iniciação que origina o AgHBc membrana do hepatócito, um processo mediado
permite ao gene C codificar uma poliproteína pela glicoproteína de superfície pré‑S1 (Figura
pré‑C (pré‑core) que, uma vez clivada, dá ori‑ 58.4). Têm sido sugeridos vários recetores celu‑
gem ao antigénio da hepatite B (AgHBe), uma lares nomeadamente, o recetor de transferrina,
proteína solúvel imunologicamente distinta do o recetor para asialoglicoproteínas e o recetor
AgHBc. O AgHBe é secretado no soro e não se de endonexina hepática humana. A penetração
agrupa como antigénio da cápside. A sua função ocorre por fusão do invólucro viral com a mem‑
in vivo é desconhecida. O gene P (pol ou poli‑ brana da célula hospedeira. De seguida a nucle‑
merase) codifica uma proteína que desempenha ocápside é libertada no interior do hepatócito,
várias funções: polimerase de ADN dependente dirige‑se para o núcleo da célula e aí liberta o
de ADN, transcriptase reversa e ribonuclease ADN viral associado à polimerase viral. No inte‑

r
-
H (ARNase H). Esta polimerase está associada rior do núcleo é completada a cadeia de polari‑

to
ao genoma viral. Finalmente, o gene X codi‑ dade positiva por ação da polimerase de ADN e
de a
fica para a proteína X, uma pequena proteína
reguladora que influencia a expressão de genes
o genoma viral é convertido num ADN circular
fechado covalentemente (cccADN) que serve de

au
v
virais e celulares e está associada ao desenvol‑ reservatório viral. O ADN de dupla cadeia serve
vimento do cancro do fígado. de molde para a transcrição do genoma, dando
ão o
origem a quatro ARN mensageiros (ARNm)
is pr

de tamanhos diferentes (900, 2100, 2400, 3500


Replicação pares de bases), incluindo um ARN mensageiro
maior (3500 pares de bases) do que o genoma
Os hepadnavírus têm um ciclo replicativo único, viral – ARN pré‑genómico. Os ARN men‑
ev a

uma vez que sintetizam o seu genoma de ADN sageiros deslocam‑se para o citoplasma onde
por transcrição reversa, a partir de um inter‑ são traduzidos em proteínas: AgHBs, AgHBc,
R tim

mediário de ARN. O ciclo replicativo inicia‑se AgHBe, proteína X e polimerase.


l
Ú

HBV Secreção de Esferas e filamentos


Recetor? antigénio HBe contendo antigénio HBs Libertação
? Correcetor?

Entrada e Pré-cápside
descapsidação Proteína XHB RE
HBs pequenas
HBs médias Invólucro
Tradução HBs grandes

Importe Transporte
nuclear de ARNm Ribossoma
Citoplasma Aparelho de Golgi

Polimerase
Cápside
ARNm
subgenómico Transcrição Polimerase
ARN pré-genómico
e genómico
g de ARNm (3,5 kb)
Encapsidação e
Núcleo transcrição reversa ADN(+)
ADNc
DN ffechado
h
covalentemente Minicromossoma
nicrom
cromoss ARN(+) ADN(-)

Figura 58.4  Ciclo replicativo do HBV. (Adaptado de Rehermann B. & Nascimbeni M., 2005).
Vírus da Hepatite 731

As proteínas do core agrupam‑se em volta Patogénese e imunidade


de uma molécula de ARN pré‑genómico e
da polimerase viral, sendo esta encapsidação Fatores relacionados com o hospedeiro, nomea‑
muito seletiva, uma vez que apenas os ARN damente a resposta imunológica, são mais im‑
virais pré‑genómicos são eficientemente incor‑ portantes do que os fatores virais nas conse‑
porados pelas proteínas do core. Uma vez for‑ quências patológicas da infeção. A replicação
mado o complexo ARN pré‑genómico‑polime‑ viral por si não é nociva para as células. Se o
rase inicia‑se a transcrição reversa, funcionando vírus fosse diretamente citopático seria de pre‑
esta molécula de ARN como molde para a sín‑ ver lesão hepática significativa em todos os por‑
tese da cadeia de ADN de polaridade negativa. tadores crónicos com elevados níveis replicati‑
À medida que a cadeia ADN de polaridade vos virais. No entanto, muitos destes doentes
negativa vai sendo sintetizada, a polimerase, apresentam valores normais de enzimas hepá‑

r
-
através da sua atividade ARNase H, vai des‑ ticas com histologia hepática normal ou eviden‑

to
truindo o molde de ARN pré‑genómico. De ciando lesões mínimas.
de a
seguida a cadeia de ADN de polaridade posi‑
tiva é sintetizada a partir da cadeia de ADN
A resposta imunológica está envolvida na
eliminação do vírus, na cura da infeção aguda

au
v
de polaridade negativa. No entanto, este pro‑ e na evolução e prognóstico da infeção cró‑
cesso é interrompido quando as nucleocápsi‑ nica. Indivíduos que desenvolvem hepatite B
ão o
des adquirem o invólucro a partir de membra‑ aguda autolimitada possuem respostas vigoro‑
is pr

nas do RE contendo AgHBs, resultando por sas mediadas por células T CD4+ e células T
isso cadeias de ADN de polaridade positiva de CD8+ dirigidas contra diversos antigénios vi‑
comprimento variável. O virião é depois liber‑ rais. A resposta antiviral mediada por linfócitos
tado dos hepatócitos por exocitose. Alguns dos T citotóxicos (CTL) é policlonal e multiespe‑
ev a

cores com genomas maduros, em vez de adqui‑ cífica, isto é, dirigida contra diversas proteí‑
rirem o invólucro, podem voltar a entrar no nas virais. A amplitude desta resposta provavel‑
R tim

núcleo do hepatócito e produzir mais cccADN mente limita a probabilidade do aparecimento


mantendo assim um pool intranuclear de trans‑ de mutantes capazes de escapar ao reconhe‑
critos de ARN. O ADN do HBV pode também cimento dos CTL. Contrariamente, em porta‑
ser parcial ou totalmente integrado no genoma dores crónicos de HBV as respostas mediadas
l

da célula infetada, no entanto a replicação do por células T específicas do vírus (tanto CD4+
Ú

vírus não é possível a partir destas sequências como CD8+) são muito atenuadas. A produção
integradas. de anticorpos neutralizantes pelas células B
Além dos viriões, as células infetadas com contribui também para a eliminação dos viri‑
HBV libertam partículas subvirais lipopro‑ ões circulantes. A resposta imunológica humo‑
teicas contendo AgHBs – partículas de Dane. ral é vigorosa e está preservada quer na infeção
Estas partículas não são infeciosas pois não aguda quer na infeção crónica. Os anticorpos
contêm genoma nem polimerase. Estas partícu‑ podem proteger contra a infeção inicial. No en‑
las podem ser esféricas ou filamentosas e são tanto, numa fase mais tardia da infeção (infe‑
© Lidel – Edições Técnicas

libertadas no soro de indivíduos infetados em ção crónica) a grande quantidade de AgHBs no


maior número do que os viriões. São imuno‑ soro liga e bloqueia a ação de anticorpos neu‑
génicas e partilham determinantes antigénicos tralizantes, limitando a capacidade destes an‑
com a superfície dos viriões. ticorpos para resolverem a infeção. Os imuno‑
complexos formados entre AgHBs e anti‑HBs
contribuem para o desenvolvimento de reações
de hipersensibilidade conduzindo a manifesta‑
ções tais como artralgias, vasculites e lesões re‑
732 Microbiologia Médica – Virologia Médica

nais. O anticorpo anti‑HBs é protetor e está as‑ Transmissão


sociado com a resolução da doença.
O único reservatório de vírus para as infeções
humanas é o Homem. O vírus da hepatite B é
Epidemiologia transmitido fundamentalmente por via sexual,
parenteral e perinatal. Em cerca de 30% das
Prevalência infeções não é possível determinar a fonte de
contaminação. O modo principal de transmis‑
A infeção pelo vírus da hepatite B é um pro‑ são de HBV varia nas diferentes áreas geográfi‑
blema global de saúde pública sendo uma das cas. A transmissão perinatal é a principal forma
doenças infeciosas mais frequentes em todo o de transmissão em áreas de elevada prevalên‑
mundo. A nível mundial estima‑se que existam cia enquanto em áreas de baixa prevalência as

r
-
350‑400 milhões de indivíduos cronicamente relações sexuais não protegidas e o uso de dro‑

to
infetados com HBV, morrendo anualmente gas intravenosas são as principais formas de
de a
cerca de 1 milhão de indivíduos com doença
hepática relacionada com esta infeção. A imple‑
transmissão.

au
v
mentação em muitos países de um programa ƒƒTransmissão sexual – A transmissão
eficaz de vacinação resultou num decréscimo por via sexual, quer entre homossexuais quer
ão o
significativo na incidência de hepatite B aguda. entre heterossexuais, é uma via comum de
is pr

Apesar disso, a hepatite B continua a ser uma transmissão de HBV, constituindo a principal
causa importante de morbilidade e mortalidade. forma de transmissão em países desenvolvidos.
Esta infeção pode ser encontrada em todos Estima‑se que nos EUA a transmissão heteros‑
os continentes, com diferentes prevalências e sexual corresponda a cerca de 39% das novas
ev a

padrões de transmissão. A prevalência de por‑ infeções entre adultos e a transmissão entre


tadores de HBV varia: entre 0,1‑2% em áreas homens homossexuais corresponda aproxima‑
R tim

de baixa prevalência (EUA e Canadá, Europa damente a 24%.


Ocidental, Austrália e Nova Zelândia); 3‑5% em ƒƒTransmissão perinatal – A transmissão
países de prevalência intermédia (países medi‑ de HBV a partir de mães portadoras crónicas e
terrânicos, Japão, Ásia Central, Médio Oriente de mães com hepatite B aguda pode ocorrer no
l

e América Latina e do Sul); 10‑20% em áreas terceiro trimestre de gravidez, na altura do nas‑
Ú

de prevalência elevada (Sudeste da Ásia, China cimento ou nos primeiros 2 meses pós‑parto.
e África subsariana). Cerca de três quartos da No entanto, apenas 5‑10% dos casos de trans‑
população mundial vive em áreas onde existe missão perinatal ocorrem in utero. A maioria
uma elevada prevalência da infeção. Em Por‑ das infeções ocorre na altura do nascimento por
tugal o perfil epidemiológico da infeção alte‑ contacto com sangue ou fluidos biológicos da
rou‑se, especialmente nas camadas mais jovens mãe ou nos meses após o nascimento por con‑
da população, após se ter iniciado a campanha tacto direto com a mãe. A taxa de infeção entre
de vacinação e se ter introduzido a vacina no crianças nascidas de mães com AgHBe posi‑
Plano Nacional de Vacinação. Estima‑se que tivo é de cerca de 90%, enquanto a taxa de infe‑
existam em Portugal cerca de 120 000 porta‑ ção de crianças nascidas de mães com AgHBe
dores crónicos de AgHBs, o que corresponde a negativo é de cerca de 32%. Atualmente não
uma taxa de prevalência de cerca de 1,4%. existe evidência de que a cesariana previna a
infeção.
ƒƒTransmissão percutânea – A trans‑
missão percutânea é outra via importante de
transmissão. A inoculação percutânea direta
Vírus da Hepatite 733

do vírus pode ocorrer através de agulhas con‑ risco mais elevado de contrair infeção por HBV.
taminadas com sangue ou produtos derivados No entanto, a vacinação deste grupo populacio‑
do sangue. Certas práticas como a acupuntura, nal e o uso de procedimentos que previnem a
as tatuagens, os piercings, utilizando material exposição a agentes patogénicos transmitidos
não esterilizado e contaminado, permitem a pelo sangue conduziram a uma diminuição sig‑
transmissão por esta via. A partilha de serin‑ nificativa desta ocorrência.
gas durante o uso ilícito de drogas ou as pica‑ ƒƒTransmissão do vírus nos agregados
das acidentais dos profissionais de saúde têm familiares – A transmissão de HBV pode ocor‑
sido também associadas à transmissão de HBV. rer através de pequenas lesões na pele ou nas
Na atualidade, são especialmente os toxicode‑ membranas mucosas. O HBV é um vírus rela‑
pendentes, que devido à partilha de agulhas e tivamente estável, podendo sobreviver fora do
seringas contaminadas, mantêm a transmissão organismo humano por um período de tempo

r
-
por via percutânea em percentagens muito ele‑ prolongado. Esta característica permite a sua

to
vadas (~21%). transmissão através de artigos de uso domés‑
de a
As transfusões de sangue contaminado
tico, como escovas de dentes, lâminas de bar‑
bear e até brinquedos. Estes casos ocorrem,

au
v
foram, no passado, uma importante via de con‑ particularmente, em comunidades de higiene
tágio. A pesquisa de AgHBs e de anti‑HBc nos deficiente onde o contacto íntimo leva, entre
ão o
dadores de sangue e a substituição de dado‑ outros riscos, à partilha frequente de objetos
is pr

res remunerados por dadores voluntários não cortantes contaminados. A transmissão hori‑
remunerados reduziu substancialmente a hepa‑ zontal no contexto do agregado familiar repre‑
tite B pós‑transfusão nos anos 70 do século pas‑ senta um risco de 3‑6%.
sado, mas não a eliminou completamente. Entre
ev a

2005 e 2007, alguns países, incluindo Portu‑


gal, implementaram um teste de amplificação Manifestações clínicas
R tim

de ácidos nucleicos que deteta ADN de vírus


da imunodeficiência humana (HIV) e vírus da A infeção pelo vírus da hepatite B não evolui do
hepatite C (HCV). Após a implementação des‑ mesmo modo em todos os indivíduos (Figura
tes testes, o risco de transmissão por transfusão 58.5). Os fatores que determinam a evolu‑
l

sanguínea, em países desenvolvidos, é residual. ção da infeção por este vírus não estão total‑
Ú

No entanto, o risco de transmissão por trans‑ mente esclarecidos, no entanto, a resposta imu‑
fusão continua elevado em países em desenvol‑ nológica do hospedeiro, a idade em que ocorre
vimento. Em 19% dos países do mundo ainda a infeção e a estirpe viral são fatores determi‑
não se fazem testes de rastreio em todas as nantes do curso clínico da infeção. A evolução
hemodoações. para hepatite B crónica parece ser causada por
O uso de material não esterilizado e conta‑ uma falha da resposta imunológica aos antigé‑
minado também permite a transmissão por via nios do HBV.
percutânea. A taxa de progressão de infeção aguda para
© Lidel – Edições Técnicas

infeção crónica é principalmente determinada


ƒƒInfeção nosocomial – HBV é o vírus pela idade em que ocorre a infeção. A taxa de
transmitido pelo sangue mais frequentemente evolução para a cronicidade é de aproximada‑
adquirido em ambiente hospitalar. A transmis‑ mente 90% quando a infeção é adquirida no
são ocorre geralmente de doente para doente período perinatal, 20‑50% nas infeções adqui‑
ou de doente para pessoal de saúde, através de ridas entre 1‑5 anos e cerca de 5% na idade
picadas acidentais ou golpes com objetos con‑ adulta.
taminados. Os profissionais de saúde têm um
734 Microbiologia Médica – Virologia Médica

Hepatite B
90-95% aguda 0,5-1%

5-10%
Resolução ≈100% nos recém-nascidos
Hepatite fulminante
≈50% nas crianças

50% AgHBs durante mais de 6 meses

Resolução
AgHBe-
Portador crónico Portador crónico
inativo ativo

r
AgHBe+

-
to
de a Doenças extra-hepáticas:

au
poliartrite nodosa; Carcinoma
v
glomerulonefrite Cirrose hepatocelular
ão o
Figura 58.5  Evolução da hepatite B aguda.
is pr

Hepatite B aguda a infeção, a normalização das aminotransfera‑


ses ocorre, normalmente, dentro de 1‑4 meses.
O período de incubação da hepatite B dura em Uma elevação persistente de ALT (transami‑
ev a

média entre 1 a 4 meses. nase pirúvica) sérica durante mais de 6 meses


As manifestações da hepatite aguda variam indica progressão para hepatite crónica.
R tim

desde formas subclínicas, anictéricas, até for‑


mas mais graves. Aproximadamente 70% dos
doentes com hepatite B aguda desenvolvem Hepatite B crónica
hepatite subclínica, enquanto 30% desenvol‑
l

vem hepatite ictérica. A insuficiência hepática A infeção crónica pode evoluir diretamente de
Ú

fulminante é invulgar, ocorrendo em aproxi‑ uma forma aguda sintomática, ou pode surgir
madamente 0,5‑1% dos doentes. A infeção pelo sem que tenham sido detetados quaisquer sin‑
vírus da hepatite B pode ser mais severa em tomas. A maioria dos casos de hepatite B cró‑
doentes coinfetados com outros vírus hepato‑ nica entre os adultos ocorre em doentes que
trópicos ou com doença hepática subjacente. A nunca tiveram um episódio de hepatite aguda
hepatite aguda sintomática manifesta‑se geral‑ viral clinicamente aparente. Muitos dos doen‑
mente por um início gradual de fadiga, perda tes com hepatite B crónica são assintomáticos,
de apetite, náuseas e dores abdominais. Com o enquanto outros têm sintomas inespecíficos,
envolvimento do fígado, ocorre um aumento de tais como fadiga crónica. Os portadores cróni‑
colestase e, deste modo, as fezes ficam desco‑ cos do vírus apresentam vários padrões clínicos
radas, a urina fica escura e há aparecimento de de evolução da doença. A maioria é assintomá‑
icterícia. Os sintomas e a icterícia normalmente tica. São indivíduos que, apesar da infeção cró‑
desaparecem após 1 a 3 meses, mas alguns nica pelo HBV, não apresentam manifestações
doentes apresentam fadiga prolongada, mesmo clínicas indicativas de lesão hepática. Estes
após normalização das concentrações séricas indivíduos têm AgHBs, mas têm níveis nor‑
das transaminases. Nos doentes que resolvem mais de enzimas hepáticas, histologia hepática
Vírus da Hepatite 735

normal e ausência de sintomas. Este estado é pesquisar antigénios e anticorpos específicos.


designado por portador crónico inativo de Estes marcadores virais são normalmente dete‑
AgHBs e é definido como infeção persistente tados por técnicas imunoenzimáticas e/ou de
por HBV sem doença necroinflamatória sig‑ radioimunoensaio. Atualmente, existem testes
nificativa. Este estado pode ser diagnosticado específicos e muito sensíveis para pesquisa de
com base na presença de AgHBs e ausência de AgHBs, anti‑HBs, AgHBe, anti‑HBe, anti‑HBc
AgHBe no soro, ausência ou níveis baixos de total e anti‑HBc IgM.
ADN de HBV (<10 000 cópias/ml) e níveis nor‑ O AgHBs é o marcador característico de
mais de aminotransferases séricas durante um infeção por HBV. O AgHBs aparece no soro
período de 6 meses. Pelo contrário, o portador 1-10 semanas após uma exposição aguda ao
crónico ativo é um indivíduo com AgHBs, com HBV e 2‑6 semanas antes da elevação das ami‑
ou sem AgHBe e com doença necroinflamató‑ notransferases séricas e dos sintomas clíni‑

r
-
ria crónica do fígado. O diagnóstico é feito com cos. Em doentes que resolvem a infeção, nor‑

to
base na presença de AgHBs no soro, níveis de malmente torna‑se indetetável ao fim de 4‑6
de a
ADN de HBV >10 000 cópias/ml e níveis eleva‑
dos de aminotransferases séricas. Cerca de 30%
meses. Após o desaparecimento do AgHBs, o
anti‑HBs torna‑se detetável no soro. Apesar do

au
v
destes indivíduos desenvolvem problemas hepá‑ anti‑HBs ser produzido precocemente no curso
ticos severos, tais como cirrose e carcinoma da infeção aguda só é geralmente detetável após
ão o
hepatocelular após 30 anos de infeção. A pre‑ um período janela de várias semanas a meses.
is pr

sença de AgHBe durante a hepatite B crónica Neste período, tanto o AgHBs como o anti‑HBs
está associada a replicação viral ativa, infecio‑ são negativos.
sidade e avanço da lesão hepática. A presença de anti‑HBs é indicativa de reso‑
lução da infeção e de imunidade para o HBV.
ev a

Em muitos indivíduos o anti‑HBs persiste toda


Manifestações extra‑hepáticas a vida conferindo imunidade. Quando o AgHBs
R tim

persiste durante 6 meses ou mais, considera‑se


Várias síndromas adicionais com manifestações que o indivíduo evoluiu para infeção crónica.
extra‑hepáticas têm sido associadas com a infe‑ Apesar de o AgHBs e de o anti‑HBs normal‑
ção pelo HBV: poliarterite nodosa, glomerulone‑ mente não estarem presentes em simultâneo no
l

frite, crioglobulinemia mista essencial, acroder‑ soro, existe uma pequena percentagem de indi‑
Ú

matite papular. As manifestações extra‑hepáticas víduos com infeção crónica ou aguda que podem
ocorrem em cerca de 10‑20% dos doentes com possuir os dois marcadores em simultâneo.
infeção crónica por HBV e parecem ser media‑ O AgHBc é um antigénio interior que é
das por imunocomplexos circulantes. detetado no tecido hepático, mas não no san‑
gue. O seu anticorpo, anti‑HBc, surge no soro
durante o curso da infeção. O anti‑HBc IgM
Diagnóstico laboratorial está presente durante a infeção aguda e, oca‑
sionalmente, poderá estar presente em níveis
Diagnóstico serológico
© Lidel – Edições Técnicas

baixos em portadores crónicos. Este anti‑


corpo poderá ser muito útil para fazer o diag‑
O diagnóstico inicial de hepatite pode ser feito nóstico da infeção, uma vez que está presente
com base nos sintomas clínicos e na elevação quando o AgHBs já não está presente no soro
das concentrações séricas de enzimas hepá‑ e o anticorpo anti‑HBs ainda não é detetável.
ticas. No entanto, a identificação do agente Quando ocorre resolução da infeção, o título de
viral responsável pela infeção só pode ser feita anti‑HBc IgM diminui e o título de anti‑HBc
recorrendo a testes particulares que permitam IgG aumenta. O anti‑HBc pode estar presente
736 Microbiologia Médica – Virologia Médica

simultaneamente com o AgHBs ou com o a diminuir o processo necroinflamatório do


anti‑HBs. A presença de anti‑HBc não signi‑ fígado e, assim, impedir a progressão da fibrose.
fica imunidade ao HBV. A resposta ao tratamento deve ser ava‑
O AgHBe é um marcador replicativo viral liada em três vertentes: a resposta bioquímica
ativo. Em doentes que resolvem a infeção aguda (normalização da ALT), a resposta virológica
o aparecimento de anti‑HBe normalmente pre‑ (diminuição do ADN sérico para níveis indete‑
cede o aparecimento de anti‑HBs. O AgHBe e táveis e perda do AgHBe em doentes inicial‑
o anti‑HBe não são necessários para o diagnós‑ mente AgHBe positivos) e a resposta histoló‑
tico da infeção aguda ou crónica mas são úteis gica (redução da atividade necroinflamatória e
para avaliar a atividade da doença. Existe um da progressão da fibrose na biopsia hepática).
grupo de doentes com infeção crónica por HBV
progressiva que não possuem AgHBe detetável,

r
-
apesar de haver outras evidências da existência Critérios para tratamento

to
replicativo viral ativa. Estes doentes estão infe‑
de a
tados com um vírus que tem uma mutação na
região pré‑core do genoma viral, que se traduz
Atualmente as indicações para tratamento são
idênticas para indivíduos AgHBs+/AgHBe+ e

au
v
pela incapacidade de sintetizar AgHBe. AgHBs+/Anti‑HBe+. A decisão de tratamento
baseia‑se na combinação de três critérios: os
ão o
níveis de transaminases e de ADN‑HBV e no
is pr

Pesquisa de ADN viral estadiamento histológico [atividade necroin‑


flamatória (A) e grau de fibrose (F)]. Devem
A pesquisa de ADN normalmente não é neces‑ ser propostos para tratamento os doentes com
sária para fazer o diagnóstico de infeção aguda ADN‑HBV >2000 UI/ml (aproximadamente
ev a

ou crónica. Na infeção aguda o ADN viral é 10 000 cópias/ml) e/ou níveis de ALT acima do
detetável durante um período de tempo curto, limite da normalidade, e histologia revelando
R tim

desaparecendo antes da perda de AgHBs e de moderada a severa atividade necroinflamatória


AgHBe e da normalização das aminotransfe‑ e/ou fibrose (como exemplo, se utilizado o score
rases. Em doentes que não têm AgHBe detetá‑ de Metavir tratar quando grau >A2F2).
vel, a deteção de ADN viral permite concluir
l

da existência de replicação de HBV e constitui


Ú

uma medida de infeciosidade. A pesquisa/quan‑


tificação de ADN viral é também útil na seleção C aixa 58.1
de doentes que serão submetidos a terapêutica e
na avaliação da resposta ao tratamento. Score de Metavir
É um sistema que avalia lesões histológicas usando dois
scores. Um avalia o grau da atividade necroinflamatória
(A) e o outro avalia o estado de fibrose (F) de uma biop-
Tratamento, prevenção sia hepática.
ƒƒA0 – sem atividade histológica.
e controlo ƒƒA1 – atividade mínima.
ƒƒA2 – atividade moderada.
Tratamento
ƒƒA3 – atividade severa.
ƒƒF0 – fígado normal (sem fibrose).
Objetivos do tratamento ƒƒF1 – fibrose portal sem septos.
ƒƒF2 – fibrose portal com alguns septos.
O principal objetivo do tratamento é a supres‑ ƒƒF3 – numerosos septos sem fibrose.
são mantida da replicação do HBV, de forma ƒƒF4 – cirrose.
Vírus da Hepatite 737

Existem atualmente seis fármacos, perten‑ fazer 1 mg/dia. O seu perfil de resistências é
centes a três grupos diferentes, aprovados para muito baixo (1,2% ao fim de 5 anos), por se tra‑
o tratamento da hepatite B crónica. O grupo dos tar de um fármaco de alta barreira genética. O
interferões, com atividade antiviral e imuno‑ tenofovir é um análogo nucleótido e tem uma
modeladora, inclui o interferão-α-2a (ou 2b) e o dupla ação contra o HBV e o HIV, o que per‑
interferão-α-2a (ou 2b)-peguilado; o grupo dos mite o seu uso em indivíduos coinfetados pelos
análogos dos nucleósidos inclui a lamivudina e dois vírus. Trata‑se de um medicamento muito
o entecavir; e o grupo dos anólogos dos nucle‑ potente, não tendo sido identificadas mutações
ótidos inclui o adefovir e o tenofovir. Estes dois de resistência até ao momento. Quer o enteca‑
últimos grupos de fármacos inibem a replica‑ vir, quer o tenofovir constituem os fármacos de
ção do ADN, possuindo unicamente uma ação 1.ª linha no tratamento da hepatite B crónica.
antiviral. A vigilância do tratamento deve ser baseada

r
-
Os interferões têm a vantagem de constituir na avaliação bioquímica e virológica. É muito

to
uma terapêutica finita e não levam ao desen‑ importante o cumprimento do tratamento, visto
de a
volvimento de resistências; no entanto, têm o
inconveniente de originar vários efeitos adver‑
este poder comprometer o seu sucesso devido à
emergência de mutações que levam à resistência

au
v
sos, induzindo uma tolerância mais pobre. aos fármacos.
Os análogos dos nucleósidos/nucleótidos são
ão o
em geral bem tolerados, mas têm de ser usados
Prevenção
is pr

por longos períodos de tempo e levam à emer‑


gência de resistências ao fim de algum tempo.
Saliente‑se, no entanto, que os fármacos mais A OMS tem vindo a desenvolver grandes esfor‑
recentemente aprovados, tais como o entecavir ços a nível mundial para controlar a hepatite B.
ev a

e o tenofovir, têm uma elevada barreira gené‑ As medidas que passamos a enumerar têm sido
tica, logo não induzem o aparecimento de resis‑ usadas com sucesso para prevenir a dissemina‑
R tim

tências tão facilmente. ção do HBV.


A lamivudina é um análogo dos nucleósi‑
dos, inicialmente utilizado apenas no HIV. É
administrado por via oral, na dose de 100 mg/ Vacina
l

dia, muito bem tolerado, mas com o inconve‑


Ú

niente de selecionar grande número de muta‑ A melhor forma de prevenir a infeção pelo vírus
ções ao fim de pouco tempo de utilização. O da hepatite B é a vacinação. A vacina disponí‑
adefovir foi o primeiro análogo dos nucleótidos vel é uma vacina recombinante contendo o gene
aprovado na hepatite B crónica tanto para indi‑ S (gene que codifica o AgHBs). O poder imu‑
víduos AgHBe positivos como para indivíduos nogénico destas vacinas é elevado, induzindo
AgHBe negativos e nos indivíduos com resis‑ proteção (produção de anti‑HBs) em cerca de
tência à lamivudina. Tal como a lamivudina, 90‑97% dos indivíduos saudáveis. Quanto mais
induz o aparecimento de resistências que com‑ elevado é o título de anti‑HBs após vacinação,
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prometem o seu uso ao fim de algum tempo. No mais tempo persiste o anticorpo.
caso do entecavir, a resistência a este fármaco Em Portugal, a vacina faz parte do Programa
resulta da acumulação de múltiplas mutações Nacional de Vacinação desde 2000 cobrindo
na polimerase do HBV, incluindo as que estão todos os recém‑nascidos. Quando a mãe não
associadas à lamivudina, pelo que nos doentes é portadora do vírus, o esquema de vacinação
que nunca tenham sido tratados com lamivu‑ pode iniciar‑se em qualquer momento durante
dina, a dose é de 0,5 mg/dia, enquanto que os o primeiro ano de vida, embora a recomenda‑
previamente tratados com este fármaco devem ção seja aplicar a primeira dose nas 12 horas a
738 Microbiologia Médica – Virologia Médica

seguir ao nascimento, a segunda aos 2 meses imunizações ativa e passiva é o procedimento


e a terceira aos 6 meses. Outra possibilidade é mais eficaz para prevenir a contaminação neo‑
administrar as doses aos 2, 4 e 6 meses de vida natal e o desenvolvimento de um estado crónico
juntamente com outras vacinas, para reduzir o no recém‑nascido. Estas crianças devem rece‑
número de picadas. No caso de adolescentes ber imunoglobulina humana anti‑hepatite B na
que não tenham sido vacinados durante a infân‑ sala de partos, seguida de três doses de vacina
cia, deverão receber um esquema de três doses para a hepatite B, começando 24 horas após o
entre os 11 e os 12 anos. nascimento. Uma combinação semelhante de
Além da vacinação universal contemplada imunização ativa e imunização passiva é utili‑
no Programa Nacional de Vacinação, a admi‑ zada em indivíduos não imunizados expostos a
nistração gratuita da vacina para o HBV é ainda sangue ou a fluidos corporais potencialmente
recomendada aos grupos de risco. É conside‑ infetantes.

r
-
rado componente básico dos cuidados pré‑con‑

to
cecionais preconizados pela Direção‑Geral da
de a
Saúde (DGS) para a futura mãe a determinação
do estado de portador de hepatite B e a vaci‑
Outras medidas preventivas

au
v
nação de acordo com o Programa Nacional de A transmissão sexual da hepatite B pode ser
Vacinação 2012. É também recomendada a rea‑ prevenida através de práticas sexuais seguras,
ão o
lização do rastreio da hepatite B no futuro pai. nomeadamente pelo uso de preservativo, parti‑
is pr

Um potencial problema para as vacinas da cularmente por indivíduos com múltiplos par‑
hepatite B são os mutantes que ocorrem natu‑ ceiros. Os hábitos sexuais mais seguros ado‑
ralmente ou por seleção farmacológica dos anti‑ tados para prevenir a transmissão de HIV têm
virais e que alteram a especificidade de AgHBs, sido responsáveis pelo decréscimo da transmis‑
ev a

permitindo aos vírus mutantes escapar à res‑ são de HBV por esta via.
posta imunológica induzida pela vacinação. O rastreio das dádivas de sangue reduziu
R tim

significativamente o risco de aquisição do vírus


a partir do sangue ou de produtos derivados de
Profilaxia pós‑exposição: administração de sangue contaminado. A utilização de agulhas e
imunoglobulina humana anti‑hepatite B outros materiais descartáveis e a esterilização
l

de outros instrumentos médicos são também


Ú

A imunoglobulina humana anti‑hepatite B con‑ medidas importantes na prevenção da transmis‑


fere proteção quando administrada em 48 horas são de HBV.
após a exposição ao HBV. A administração Outras medidas que contribuem para pre‑
desta imunoglobulina é recomendada em todos venir a infeção são: não partilhar agulhas ou
os indivíduos não vacinados após uma expo‑ seringas, evitar lesões com objetos cortan‑
sição direta aguda ao HBV (expostos a san‑ tes, usar agulhas limpas para fazer tatuagens e
gue ou secreções infeciosas contaminadas). colocar piercings, não partilhar objetos pesso‑
Outra situação em que é indicada a adminis‑ ais nomeadamente navalhas, escovas de dentes
tração desta imunoglobulina é em recém‑nasci‑ e corta‑unhas.
dos de mães com AgHBs. Uma combinação de
Vírus da Hepatite 739

Vírus da hepatite C

Introdução Estrutura do virião


O vírus da hepatite C (HCV) pertence à família HCV é um vírus esférico com cerca de 50 nm
Flaviviridae e ao género Hepacivirus. de diâmetro, rodeado por um invólucro.
A hepatite C é uma doença necroinflamató‑ O genoma do HCV é constituído por uma
ria do fígado, aguda ou crónica, que resulta da molécula de ARN de cadeia simples de pola‑
infeção por um vírus hepatotrópico. A principal ridade positiva com aproximadamente 9,6 kb
consequência clínica é a fibrose hepática pro‑ de comprimento (Figura 58.6). Contém uma

r
-
gressiva, evoluindo em alguns doentes para cir‑ região codificante formada por cerca de 9000

to
rose e para carcinoma hepatocelular. nucleótidos e localizada entre duas regiões
de a
A hepatite C foi reconhecida pela primeira
vez no início dos anos 70 do século passado
não traduzidas, muito conservadas, nas extre‑
midades 5’ e 3’ (5’‑UTR e 3’‑UTR). A região

au
v
quando surgiram os primeiros testes serológi‑ codificante contém uma única fase aberta de
cos para diagnóstico de hepatite A e hepatite leitura e a sua tradução conduz à síntese de
ão o
B. Nesta altura tornou‑se evidente que muitos uma poliproteína de cerca de 3000 amino‑
is pr

casos de hepatite associados a transfusão não ácidos que é clivada durante e após a tradu‑
eram causados por nenhum daqueles vírus, sur‑ ção por proteases virais e celulares em pelo
gindo o termo hepatite não‑A e não‑B. O seu menos 10 proteínas. Estas incluem quatro pro‑
agente causal (vírus da hepatite C) foi identifi‑ teínas estruturais (proteína do core, proteínas
ev a

cado em 1989 por Choo e colaboradores após E1 e E2 do invólucro e p7) e seis não estrutu‑
ter sido isolado ARN viral a partir de um chim‑ rais (NS2‑NS3‑NS4A‑NS4B‑NS5A‑NS5B). As
R tim

panzé infetado com sangue de um indivíduo proteínas não estruturais desempenham várias
com hepatite não‑A e não‑B. funções ao nível da replicação do ARN viral
e do processamento da própria poliproteína.
l
Ú

Local interno de
ligação a ribossomas

3’X

Descapsidação Tradução

Protease do hospedeiro
SP
SPP
© Lidel – Edições Técnicas

C E1 E2 NS2 NS3 NS4 NS5


A B A B
Cápside E1 E2 NS2 NS3 NS5A NS5B
p7
Protease Protease NS4A NS4B Polimerase
Helicase

Figura 58.6  Estrutura do genoma do vírus da hepatite C. O genoma é constituído por uma molécula de ARN de cadeia
simples de polaridade positiva. Contém uma região codificante localizada entre duas regiões não traduzidas, nas extremida-
des 5’ e 3’ (5’‑UTR e 3’‑UTR) que codifica para uma poliproteína de cerca de 3000 aminoácidos que é clivada durante e após
a tradução por proteases virais e celulares em pelo menos 10 proteínas. SP – signal peptidase; SPP – signal peptide peptidase.
(Adaptado de Matsuura Y, et al., 2009)
740 Microbiologia Médica – Virologia Médica

A proteína E2 do invólucro possui duas regi‑ em cultura eficaz que possibilite o estudo deste
ões muito variáveis: regiões hipervariáveis 1 processo. Por outro lado, a única espécie não
(HVR‑1) e 2 (HVR‑2). A variabilidade destas humana que pode ser infetada por HCV é o
regiões tem sido associada à fuga ao sistema chimpanzé (Pan troglodytes) que, embora cons‑
imunológico do hospedeiro. A região não tra‑ tituindo um valioso modelo de estudo da infe‑
duzida localizada na extremidade 5’ (5’‑UTR) ção por este vírus, é pouco acessível.
contém um domínio funcional e estrutural O vírus adsorve à superfície da célula hos‑
essencial para a tradução do genoma do vírus, pedeira, através de uma interação específica
designado por local interno de ligação a ribos‑ entre a proteína de adsorção viral (proteína E2)
somas. Esta estrutura permite a interação e um recetor específico presente na membrana
direta do ARN do vírus com a subunidade 40S celular. Vários recetores celulares têm sido
do ribossoma da célula hospedeira. A região propostos, nomeadamente a molécula CD81

r
-
3’‑UTR desempenha também um papel muito humana, o recetor scavenger classe B tipo 1

to
importante na replicação viral visto que pos‑ (SR‑B1) e o recetor de lipoproteínas de baixa
de a
sui o local de iniciação da síntese da cadeia de
ARN de polaridade negativa.
densidade (LDL) (Figura 58.7). Após adsorção
à célula‑alvo, o HCV entra na célula por endoci‑

au
v
tose. No interior da célula e uma vez no endos‑
soma, o pH ácido altera a conformação das
ão o
Replicação proteínas do invólucro e estas fundem‑se com
is pr

o endossoma libertando o ARN viral no cito‑


O ciclo replicativo é ainda pouco conhecido plasma. O ARN de HCV funciona diretamente
devido à inexistência de um sistema de células como ARN mensageiro iniciando a tradução
ev a
R tim

Recetor?
Correcetor? Exocitose
l

HCV e
lipoproteínas
Ú

Genoma
progénito Associação
Aparelho
de Golgi
Endossoma?

Descapsidação

E1-E2
NS3-
NS4A NS5A
NS2
Tradução NS4B NS5B Cápside
E2
E1
Ribossoma

Núcleo Replicação Citoplasma

Figura 58.7  Ciclo replicativo do HCV. (Adaptado de Rehermann B. & Nascimbeni M., 2005)
Vírus da Hepatite 741

e originando a produção de uma poliproteína. ao tratamento está demonstrado que existem


No retículo endoplasmático rugoso (RER) esta diferenças entre os genótipos: os genótipos 2 e
poliproteína é clivada por proteases virais e 3 apresentam taxas de resposta mais elevada,
celulares, conduzindo à formação de um com‑ enquanto os restantes genótipos são menos sen‑
plexo replicativo associado à membrana e com‑ síveis ao tratamento.
posto pelas proteínas NS3 a NS5B. A atividade
da polimerase de ARN (NS5B) deste com‑
plexo catalisa a formação de intermediários de Quasispécies
ARN de polaridade negativa, os quais servem
de molde à síntese de moléculas de ARN de O vírus circula sob a forma de quasispécies,
polaridade positiva, que farão parte das novas populações complexas de variantes de HCV
partículas virais. A proteína do core e o ARN que possuem sequências genéticas distintas

r
-
viral associam‑se, constituindo a nucleocáp‑ mas muito relacionadas entre si. As quasispé‑

to
side, adquirindo o invólucro viral por gemu‑ cies desenvolvem‑se no organismo do hospe‑
de a
lação através das membranas do RE. O vírus
é então libertado através do aparelho de Golgi
deiro infetado durante o curso da infeção. O seu
aparecimento constitui um mecanismo viral de

au
v
em vesículas que se fundem com a membrana evasão ao sistema imunológico, assim como um
plasmática. dos fatores que dificulta o desenvolvimento de
ão o
uma vacina. As implicações clínicas das qua‑
is pr

sispécies não são completamente conhecidas,


Diversidade genética no entanto, parecem ser importantes na persis‑
tência do vírus, na história natural da infeção e
O HCV apresenta uma elevada taxa de replica‑ na resposta ao tratamento.
ev a

ção, sendo introduzidos erros no genoma viral


durante este processo devido à baixa fidelidade
R tim

da polimerase de ARN dependente de ARN. Patogénese e imunidade


Por outro lado, esta enzima é incapaz de corri‑
gir erros de cópia ocorridos no processo repli‑ A elevada taxa de cronicidade que caracteriza
cativo. Estas características traduzem‑se numa a infeção por este vírus está associada a uma
l

grande diversidade genética viral, característica incapacidade em obter uma resposta imunoló‑
Ú

do HCV. gica precoce. Vários estudos apoiam a existên‑


cia de uma associação entre momento, vigor e
especificidade da resposta por parte dos linfó‑
Genótipos citos T CD4+ e CD8+ e a evolução da infeção
por HCV. Doentes que recuperaram espontane‑
Estão identificados seis genótipos (1‑6) subdivi‑ amente da infeção aguda apresentam respostas
didos em diferentes subtipos (a, b, c, d, e, etc.). celulares fortes e multiespecíficas. Pelo contrá‑
Os diferentes genótipos apresentam uma distri‑ rio, indivíduos que evoluíram para hepatite C
© Lidel – Edições Técnicas

buição geográfica distinta. Os genótipos 1a e crónica manifestaram respostas tardias, tran‑


1b são os mais comuns nos EUA e na Europa sitórias e limitadas a alguns epítopos. A imu‑
sendo responsáveis por 60‑70% das infeções. A nopatologia mediada por células é a principal
importância dos diferentes genótipos e subtipos responsável pela lesão tecidual. A extensão da
na doença hepática é controversa, uma vez que infiltração linfocítica, inflamação, fibrose por‑
fatores ambientais, genéticos e imunológicos tal e periportal e a necrose lobular são usadas
contribuem igualmente para as diferenças na para avaliar o grau de severidade da doença.
progressão da hepatite C. Em relação à resposta
742 Microbiologia Médica – Virologia Médica

Os anticorpos para HCV não são protetores e a e em países desenvolvidos resulta essencial‑
reinfeção é possível. mente da quebra de protocolos de controlo da
infeção. A transmissão perinatal ocorre, espe‑
cialmente durante o parto, em cerca de 5% das
Epidemiologia crianças cujas mães estão infetadas com HCV.
O risco de infeção é cerca de duas vezes mais
Prevalência elevado quando as mães estão coinfetadas com
HIV. O maior risco de transmissão estará pro‑
A infeção por vírus da hepatite C apresenta vavelmente relacionado com viremia mais ele‑
uma elevada incidência a nível mundial, esti‑ vada na altura do parto.
mando‑se que existam cerca de 170 milhões de
infetados, o que corresponde a 3% da popula‑

r
Manifestações clinicas

-
ção mundial. Nos países desenvolvidos, a pre‑

to
valência de HCV é de 1‑2%. A prevalência da
de a
infeção é bastante elevada entre utilizadores de
drogas injetáveis (>70%) sendo muito menor em
Hepatite C aguda

au
v
doentes submetidos a hemodiálise ou a transfu‑ O período de incubação da infeção por vírus
sões de sangue ou produtos derivados (~10%). A da hepatite C é em média de 6 a 10 semanas.
ão o
prevalência da coinfeção por HCV em doentes A maioria dos indivíduos (~80%) com infeção
is pr

infetados pelo HIV ronda os 30%, sendo parti‑ aguda é assintomática (Figura 58.8). Os sin‑
cularmente elevada (60‑90%) entre utilizadores tomas mais vulgares são mal‑estar, náuseas,
de drogas intravenosas. dores abdominais e icterícia, em 25% dos doen‑
tes. A hepatite fulminante associada à infeção
ev a

Transmissão
R tim

Hepatite C
15% aguda
O vírus da hepatite C é transmitido na maio‑
ria das vezes por exposição percutânea ao san‑ 85%
gue ou produtos derivados. Até à implementa‑
l

ção de testes de rastreio para HCV, indivíduos Resolução


Ú

submetidos a diversas transfusões sanguí‑


80%
neas apresentavam uma elevada taxa de infe‑
Estável Crónica
HIV e álcool

ção, tendo muitos doentes hemofílicos e rece‑


tores de órgãos de dadores sido infetados por
HCV. A partir de 1992, o risco de transmis‑ 20%
são foi substancialmente reduzido com a intro‑
dução de testes específicos para o rastreio da
75%
infeção por HCV em dadores de sangue bem Progressão
Cirrose
como de procedimentos de inativação viral. lenta
Em países desenvolvidos, o consumo de dro‑
gas intravenosas através do uso de agulhas 25%
contaminadas representa o principal fator de
risco para a infeção por HCV. A transmissão
Carcinoma hepatocelular
por via sexual é rara, sendo superior em coin‑ Morte
Transplante
fetados com HIV. A transmissão nosocomial é
comum apenas em países em desenvolvimento, Figura 58.8  Evolução da hepatite C aguda.
Vírus da Hepatite 743

aguda é muito rara. A taxa de mortalidade asso‑ a coinfeção por HBV e HIV, responsáveis por
ciada a hepatite C aguda é inferior a 1%. Apro‑ acelerar o desenvolvimento de cirrose e carci‑
ximadamente 70‑90% dos doentes com hepa‑ noma hepatocelular.
tite C aguda são incapazes de eliminar o vírus
durante a fase aguda da doença e desenvolvem
infeção crónica (Figura 58.8). O mecanismo C arcinoma hepatocelular
responsável pela elevada prevalência de infe‑
ção crónica é desconhecido, mas poderá estar O carcinoma hepatocelular primário é uma
relacionado com a diversidade genética do vírus complicação tardia da hepatite C crónica ocor‑
e com a sua capacidade para sofrer mutações rendo normalmente em indivíduos com cirrose.
rápidas escapando constantemente ao sistema O tempo entre o início da infeção e o início do
imunológico. carcinoma varia entre 10‑30 anos. Os meca‑

r
-
nismos envolvidos no desenvolvimento desta

to
patologia são desconhecidos. O HCV não inte‑
de a
Hepatite C crónica gra o seu material genético no genoma do hos‑
pedeiro, não devendo por isso ser diretamente

au
v
O HCV constitui a principal causa de hepatite oncogénico. O papel do vírus no desenvolvi‑
crónica viral na maioria dos países desenvolvi‑ mento de carcinoma poderá resultar dos vários
ão o
dos. ciclos de destruição e regeneração dos hepató‑
is pr

A hepatite C crónica pode ser definida como citos que ocorrem durante anos ou da desregu‑
uma reação inflamatória mantida do fígado lação de vias de sinalização pró e pré‑apoptóti‑
durante pelo menos 6 meses, com diversos cas, que conduzem a modificações neoplásicas
graus de necroinflamação e estádios de doença e à progressão para carcinoma. A incidência
ev a

hepática, assim como diferentes prognósticos e anual de carcinoma hepatocelular em indiví‑


respostas ao tratamento. A maioria dos doen‑ duos com cirrose secundária à hepatite C é de
R tim

tes com hepatite C crónica é assintomática 3‑5%.


(60‑80%) ou apresenta sintomas ligeiros. O sin‑
toma mais frequente é a fadiga. Outros sinto‑
mas menos comuns incluem náuseas, perda de Manifestações extra‑hepáticas
l

apetite, mialgias, artralgias, fraqueza e perda de


Ú

peso. Os sintomas normalmente não são inca‑ Algumas doenças extra‑hepáticas têm sido
pacitantes e é difícil associá‑los a doença hepá‑ associadas com a infeção crónica por HCV,
tica. Dos doentes com doença hepática cró‑ nomeadamente:
nica, 5‑20% podem desenvolver cirrose e cerca
de 5% destes doentes podem morrer das con‑ ƒƒDoenças hematológicas, como a crioglo‑
sequências da infeção a longo prazo. A cirrose bulinemia mista essencial, gamapatias mono‑
e o carcinoma hepatocelular são as sequelas clonais e linfomas.
mais tardias da hepatite C crónica. O desenvol‑ ƒƒDoença renal, particularmente glomeru‑
© Lidel – Edições Técnicas

vimento de cirrose é silencioso na maioria dos lonefrite membranoproliferativa.


doentes. A progressão para cirrose é normal‑ ƒƒDoenças autoimunes, como tiroidite e
mente lenta decorrendo 20 anos ou mais entre presença de autoanticorpos.
a infeção e o desenvolvimento de complicações ƒƒDoenças dermatológicas, como a porfiria
sérias. Aspetos associados ao hospedeiro pare‑ cutânea tardia e o líquen plano.
cem desempenhar um papel importante na pro‑ ƒƒDiabetes mellitus.
gressão da hepatite C, nomeadamente a idade
no momento da infeção, o consumo de álcool,
744 Microbiologia Médica – Virologia Médica

Diagnóstico laboratorial O interferão foi o primeiro fármaco a ser


utilizado no tratamento da hepatite C, mas a
O diagnóstico de hepatite C baseia‑se na pes‑ associação interferão com ribavirina demons‑
quisa de anticorpos anti‑HCV, usando ensaios trou ser mais eficaz tanto no tratamento ini‑
imunoenzimáticos. A seroconversão ocorre cial como no tratamento de doentes que recaí‑
entre a sétima e a 31.ª semana da infeção. Em ram após terapia com interferão. Atualmente a
doentes anti‑HCV positivos, com enzimas monoterapia com interferão é reservada apenas
hepáticas elevadas e/ou com fatores de risco para doentes que apresentam contraindicações
para a infeção são normalmente desnecessários ao uso da ribavirina.
testes suplementares. Quando se obtêm resulta‑ Os genótipos virais têm um efeito significa‑
dos positivos anti‑HCV, em situações de baixa tivo na resposta ao tratamento, variando a taxa de
prevalência e quando os fatores de risco para resposta entre 45% para o genótipo 1 e 80% no

r
-
a hepatite não são evidentes, deve recorrer‑se a caso dos genótipos 2 e 3. Normalmente a resposta

to
testes de confirmação. Nestes casos a maioria à terapêutica é melhor em doentes que têm valores
de a
dos hepatologistas recomenda pesquisar dire‑
tamente ARN de HCV. A deteção de ARN de
iniciais de ARN viral baixos e uma menor hete‑
rogeneidade em quasispécies, entre outros fatores

au
v
HCV por uma PCR antecedida de uma reação tais como idade, grau de fibrose e até marcadores
de transcrição reversa (RT‑PCR) tem‑se tor‑ genéticos (por exemplo, IL28B-alelo CC).
ão o
nado um método cada vez mais importante para O tratamento normalmente está indicado
is pr

confirmar o diagnóstico de HCV e para avaliar em todos os doentes com infeção crónica por
a resposta à terapêutica. A pesquisa de ARN de HCV (ARN viral detetado no sangue) e evidên‑
HCV é extremamente útil em doentes serone‑ cia de doença hepática com atividade necroin‑
gativos com hepatite C, particularmente indi‑ flamatória. Em finais de 2011, foram aprovados
ev a

víduos imunodeprimidos, que não apresentam dois novos fármacos, inibidores da protease, o
evidência serológica de infeção por HCV apesar boceprevir e o telaprevir, que conjuntamente
R tim

da evidência clínica. A pesquisa de ARN viral com o interferão-peguilado e a ribavirina, e


pode também ser útil no diagnóstico da hepatite unicamente no tratamento do genótipo 1, con‑
C aguda, uma vez que o ARN viral é detetado seguem melhores taxas de resposta viral sus‑
muito mais precocemente do que os anticorpos tentada, da ordem de 66-75% em doentes naïve,
l

após a infeção. Saliente‑se que a positividade 75-88% em recidivantes e 38% em não respon‑
Ú

para o anticorpo anti‑HCV não significa neces‑ dedores a terapêuticas prévias.


sariamente que haja atividade viral.

Prevenção
Tratamento, prevenção
e controlo Atualmente não existe uma estratégia de imu‑
nização para prevenção da hepatite C. A forma
Tratamento mais eficaz de prevenir a infeção pelo vírus da
hepatite C é evitar comportamentos de risco,
O tratamento de referência da hepatite C inclui tais como a exposição a sangue contami‑
a associação de interferão-α-peguilado com nado. O rastreio dos dadores de sangue dimi‑
ribavirina administrado durante 24, 48 ou 72 nuiu significativamente a incidência de hepatite
semanas, dependendo do genótipo do vírus e C pós‑transfusão. As campanhas de troca de
da resposta virológica ao longo do tratamento seringas implementadas para prevenir a infeção
(avaliação à 4.ª e 12.ª semanas). por HIV têm também contribuído para dimi‑
nuir a transmissão de HCV.
Vírus da Hepatite 745

Vírus da hepatite D

Introdução O genoma viral possui cerca de 1679 nucle‑


ótidos e consiste numa molécula de ARN cir‑
O vírus da hepatite D (HDV), também denomi‑ cular de cadeia simples e polaridade negativa.
nado vírus da hepatite delta, é um vírus satélite Cerca de 70% do genoma possui um elevado
humano, hepatotrópico, que depende da fun‑ grau de emparelhamento intramolecular e
ção auxiliar do vírus da hepatite B (HBV) para adquire, em condições nativas, uma estrutura
completar o seu ciclo replicativo. A estrutura do secundária em forma de bastonete. Na fase ini‑
genoma e o mecanismo replicativo possui algu‑ cial da replicação viral, são transcritos, a par‑

r
-
mas homologias com as observadas em viroi‑ tir do ARN genómico, ARN mensageiros com

to
des de plantas. Contudo, o HDV não se asse‑ cerca de 800 nucleótidos que codificam para
de a
melha com nenhum agente infecioso animal
conhecido. Em consequência, este vírus apre‑
uma das formas do AgHD, a forma pequena
(P‑AgHD) com 195 aminoácidos e cerca de

au
v
senta‑se como o único representante do género 24 KD. Numa fase mais tardia do ciclo repli‑
Deltavirus. cativo do vírus, algumas moléculas de ARN
ão o
são alvo de uma modificação pós‑transcricio‑
is pr

nal que converte o codão de terminação (UAG)


Estrutura do virião num codão triptofano (UGG). A fase de lei‑
tura é estendida por mais 19 aminoácidos e
O virião do HDV consiste numa partícula esfé‑ da tradução destes ARN mensageiros resulta
ev a

rica com cerca de 36 nm de diâmetro que apre‑ uma variante do AgHD com 214 aminoácidos,
senta um invólucro viral composto por gli‑ a forma grande (G‑AgHD). As duas proteínas
R tim

coproteínas codificadas exclusivamente pelo exibem funções essenciais no ciclo replicativo


genoma do vírus da hepatite B (AgHBs) e por do HDV. A P‑AgHD é essencial para a acumu‑
lípidos celulares (Figura 58.9). A parte interna lação de ARN viral e a G‑AgHD é responsável
do virião compreende uma ribonucleoproteína pela interação com os HBAgs para formação de
l

que inclui o genoma viral e 70 a 200 cópias da partículas virais.


Ú

única proteína codificada pelo HDV, o antigé‑


nio delta (AgHD).
Replicação
AgHBs
O ciclo replicativo do HDV inicia‑se com a
entrada do virião em hepatócitos. Uma vez que
ARN genómico
o invólucro do HDV é idêntico ao do HBV,
parece plausível que os dois vírus utilizem os
© Lidel – Edições Técnicas

mesmos recetores para entrar na célula hospe‑


deira. Contudo, estes recetores ainda não foram
G-AgHD identificados e o mecanismo de entrada na
célula não se encontra bem caracterizado. Após
P-AgHD
a entrada na célula hospedeira, as ribonucleo‑
proteínas virais são importadas para o núcleo
Figura 58.9  Estrutura do virião do HDV. (Adaptado de onde tem lugar a transcrição e replicação viral.
Hughes et al., 2010) Neste compartimento celular é produzido um
746 Microbiologia Médica – Virologia Médica

outro tipo de ARN viral exatamente comple‑ Patogénese e imunidade


mentar ao ARN genómico denominado de
ARN antigenómico. O conhecimento da patogénese da infeção pelo
Um dos aspetos mais interessantes do ciclo HDV é limitado. As observações clínicas não
replicativo do HDV reside no facto de este evidenciam a ocorrência de um efeito citopá‑
não codificar nenhuma polimerase de ARN e tico do vírus parecendo que a patogenicidade
depender totalmente da maquinaria enzimática é, sobretudo, mediada pela resposta imunoló‑
do hospedeiro para replicação do seu genoma. gica. No decurso da infeção pelo HDV são dete‑
De um modo geral, parece bem estabelecido tados anticorpos específicos contra os AgHD,
que a replicação do ARN do HDV depende da da classe IgM e IgG. Estes anticorpos encon‑
polimerase II de ARN celular. tram‑se em concentrações reduzidas durante
As evidências atualmente disponíveis su‑ infeções agudas e atingem valores elevados

r
-
portam a hipótese do ARN genómico servir de durante infeções crónicas, podendo persistir por

to
molde para a replicação que ocorre através de vários anos. A resposta humoral parece, con‑
de a
um mecanismo de duplo círculo rolante. Uma
fração dos transcritos produzidos consiste em
tudo, não possuir atividade neutralizante não
sendo capaz de modular o curso da infeção.

au
v
moléculas de ARN antigenómicos multiméri‑ Não se encontra bem esclarecido o papel
cos. Estas moléculas possuem uma atividade das células T na infeção pelo HDV. Em indiví‑
ão o
autocatalítica de ribozima que permite cli‑ duos negativos para o ARN do HDV e positivos
is pr

var o ARN em monómeros a intervalos preci‑ para os AgHD foram detetadas respostas fracas
sos. Estes monómeros são seguidamente liga‑ mediadas por células CD4+ específicas para os
dos pela ação de uma ligase de ARN celular AgHD, sugerindo a participação das células T
obtendo‑se moléculas de ARN circulares. Estas na eliminação do vírus.
ev a

moléculas servem de molde para a segunda


ronda da replicação por um mecanismo de cír‑
R tim

culo rolante semelhante, permitindo a produ‑ Epidemiologia


ção de monómeros de ARN genómico circular.
Além disso, da única fase de leitura aberta re‑ Prevalência
sulta a síntese de transcritos que adquirem uma
l

estrutura do tipo cap em 5’ e são processados A OMS estima que entre 15 e 20 milhões de
Ú

de modo a formar um ARN mensageiro polia‑ indivíduos (cerca de 5%) dos portadores cróni‑
denilado. Este ARN mensageiro é exportado cos do HBV, se encontravam igualmente infe‑
para o citoplasma onde é traduzido em AgHD tados pelo HDV. A distribuição mundial da
(P‑AgHD ou G‑AgHD) que são imediatamente infeção pelo HDV apresenta um padrão gene‑
importados para o núcleo. No núcleo, as molé‑ ralizado mas pouco uniforme que não é total‑
culas de P‑AgHD e G‑AgHD formam comple‑ mente coincidente com o do HBV. As regiões
xos ribonucleoproteicos com moléculas nascen‑ descritas como endémicas incluem um grande
tes de ARN genómico. Numa fase mais tardia número de países africanos, o Médio Oriente,
do ciclo replicativo, as ribonucleoproteínas vi‑ a Ásia Central, algumas ilhas do Pacífico e a
rais são exportadas para o citoplasma onde a bacia do Amazonas. No caso da região Amazó‑
G‑AgHD promove a interação das ribonucleo‑ nica brasileira, a hepatite D representa um pro‑
proteínas do HDV com os AgHBs do HBV, for‑ blema grave de saúde pública, chegando a atin‑
mando‑se partículas virais maduras de HDV. gir valores de prevalência superiores a 85% em
Estes viriões são libertados do hepatócito atra‑ pacientes com hepatite B crónica.
vés da rede trans‑Golgi e infetam novas células A análise da variabilidade genética do HDV
propagando, assim, a infeção. revelou a presença de oito genótipos distintos.
Vírus da Hepatite 747

Genótipo 1

Genótipo 1

Elevado
Intermédio
Baixo Genótipo 1

r
Muito baixo

-
dados insuficientes

to
Genótipo 1/2/4
de a
au
v
Genótipos 1/3 Genótipos 5-8
ão o
Figura 58.10  Prevalência mundial do HDV e distribuição geográfica dos genótipos. (Adaptado de Hughes et al., 2010)
is pr

O genótipo I é o mais frequente e encontra‑se conhecem dados recentes relativamente à pre‑


associado a um espectro alargado de patoge‑ valência do HDV.
nicidade. Os genótipos II e IV ocorrem, mais
ev a

frequentemente, no Extremo Oriente e causam


uma forma da doença relativamente moderada. Transmissão
R tim

O genótipo III tem sido associado ao desenvol‑


vimento de hepatites fulminantes na América Os modos de transmissão do HDV são seme‑
do Sul. Por último, os genótipos V a VIII têm lhantes aos observados no HBV. Em zonas
sido identificados principalmente em pacientes endémicas, a coabitação com indivíduos infe‑
l

africanos (Figura 58.10). tados contribui para o aumento do risco de con‑


Ú

Na década de 90 do século passado verifi‑ tágio, sendo a exposição por via parenteral a
caram‑se algumas mudanças no padrão epide‑ principal forma de transmissão do vírus. Nas
miológico da hepatite D. A circulação do vírus regiões não endémicas, a exposição percutânea
diminuiu significativamente em algumas zonas é a via de transmissão mais frequente, princi‑
endémicas, nomeadamente no Sul da Europa. A palmente em utilizadores de drogas intraveno‑
diminuição verificada na prevalência do vírus sas. É também frequente a infeção entre prosti‑
resultou da implementação de medidas de pre‑ tutas e homossexuais masculinos, evidenciando
venção contra o HIV, vacinação global con‑ que o contacto sexual com portadores do vírus
© Lidel – Edições Técnicas

tra o HBV, assim como alterações nos padrões também representa uma importante via de
de comportamento. Apesar desta tendência de transmissão do HDV.
redução da prevalência, atualmente a Europa
permanece um reservatório para a infeção pelo
HDV, suportado principalmente por uma popu‑ Manifestações clínicas
lação jovem, com infeções recentes, que migrou
para a Europa, a partir de áreas onde o vírus O HDV é responsável por uma das mais gra‑
permanece endémico. Em Portugal, não se ves formas de doença hepática. Do ponto de
748 Microbiologia Médica – Virologia Médica

vista histológico, as alterações patológicas limi‑ grave do que a monoinfeção por HBV com
tam‑se ao fígado e coincidem com as observá‑ uma progressão rápida de fibrose no fígado. Em
veis noutras hepatites virais, nomeadamente cerca de 60‑80% dos casos observa‑se o desen‑
necrose hepatocelular e inflamação. volvimento de cirrose, o que constitui uma
O quadro clínico de uma infeção pelo HDV taxa cerca de três vezes superior à observada
pode ser bastante variável, podendo causar para a infeção apenas com HBV. A percenta‑
doenças agudas ou crónicas. Após o período de gem de indivíduos em que a doença evolui para
incubação, que varia de 3 a 7 semanas, obser‑ carcinoma hepatocelular é também cerca de
vam‑se os primeiros sintomas que incluem três vezes mais elevada do que a verificada em
fadiga, letargia, anorexia e náuseas. monoinfeções com HBV.
O HDV pode ser transmitido por coinfe‑
ção ou superinfeção, se transmitido em simul‑

r
-
tâneo ou a indivíduos previamente infetados Diagnóstico laboratorial

to
pelo HBV, respetivamente. No caso de coinfe‑
de a
ção, a expressão clínica do HDV varia muito,
ainda que raramente evolua para hepatite cró‑
O diagnóstico laboratorial da infeção por HDV
baseia‑se principalmente em técnicas imunoen‑

au
v
nica. A taxa de cronicidade é inferior a 5%, ou zimáticas e de radioimunoensaio para deteção
seja, semelhante à observada em infeções isola‑ de antigénios e anticorpos específicos, no soro
ão o
das por HBV. No entanto, a superinfeção pelo de pacientes. O AgHD é o marcador específico
is pr

HDV, de indivíduos previamente infetados com da infeção aguda enquanto as imunoglobulinas


HBV, resulta num agravamento dos sintomas. específicas para o HDV, quando presentes em
A presença prévia de AgHBs promove a rápida elevadas concentrações, são indicativas de infe‑
formação de partículas de HDV infeciosas e, ção crónica.
ev a

em cerca de 70‑90% dos casos, verifica‑se a A presença de replicação ativa do HDV


progressão para doença crónica. pode ser confirmada pela deteção de ARN viral
R tim

no sangue de doentes infetados, pela técnica de


RT‑PCR. Mais recentemente, a quantificação
Hepatite D aguda da carga viral tem sido realizada através de pro‑
cedimentos baseados em PCR em tempo real.
l

As infeções agudas por HDV podem causar Esta tecnologia tem‑se revelado bastante útil na
Ú

falência hepática (hepatite fulminante) numa monitorização da resposta ao tratamento antivi‑


frequência que se estima ser cerca de dez vezes ral. No entanto, é desejável que sejam adotados
superior à observada em infeções por outros protocolos padronizados e comuns aos diferen‑
vírus causadores de hepatite. A hepatite fulmi‑ tes laboratórios com o objetivo de obter resulta‑
nante manifesta‑se por alterações de personali‑ dos comparáveis.
dade, dificuldades de concentração, distúrbios
de sono e, em situações mais graves, pode resul‑
tar em coma, sendo que a taxa de mortalidade Tratamento e prevenção
associada a estes casos é de aproximadamente
80%, independentemente do tratamento. Tratamento

Atualmente, não existe um tratamento especí‑


Hepatite D crónica fico para a hepatite D. A gravidade do quadro
clínico associado à hepatite D e algumas carac‑
A hepatite crónica por HDV resulta, na maior terísticas do HDV, nomeadamente a ausência de
parte dos casos, numa forma de doença mais uma função enzimática específica, tornam este
Vírus da Hepatite 749

vírus um alvo difícil para o desenvolvimento de Prevenção


uma terapêutica antiviral específica e eficaz.
O interferão-α é a única opção terapêutica Face à inexistência de uma terapia disponí‑
disponível para o tratamento da doença, reve‑ vel que seja consistentemente eficaz no trata‑
lando efeitos benéficos no tratamento de pacien‑ mento da hepatite D, a vacinação contra o HBV
tes com hepatite D crónica. No entanto, as taxas é a abordagem mais aconselhada para preve‑
de eliminação de ARN do HDV são geralmente nir igualmente a infeção pelo HDV. De facto, a
reduzidas. A utilização de interferão conjugado vacina contra o HBV é constituída pelos AgHBs
com o polietilenoglicol tem sido popularizada que constituem o invólucro de ambos os vírus
nos últimos anos. Contudo, não se tem obser‑ conferindo proteção contra ambos. Nos últimos
vado consistentemente uma resposta virológica anos têm sido realizados esforços com o obje‑
sustentada e, após interrupção do tratamento, tivo de desenvolver uma vacina eficaz na pre‑

r
-
é muitas vezes detetável um novo aumento da venção da superinfeção pelo HDV em indiví‑

to
carga viral. duos cronicamente infetados pelo HBV. Tanto a
de a
Alguns agentes antivirais, incluindo famci‑
clovir, lamivudina e adefovir, que não mostra‑
utilização direta de AgHD como vacina, como
a imunização recorrendo a vacinas de ADN

au
v
ram eficácia na inibição da replicação do HDV, que codificam para o AgHD não demonstra‑
mas são ativos contra o HBV, foram utilizados ram possuir capacidade de induzir imunidade
ão o
em monoterapia ou em combinação com inter‑ protetora contra a infeção pelo HDV. Assim, a
is pr

ferão, na tentativa de diminuir o nível repli‑ prevenção de comportamentos de risco conti‑


cativo do HBV e inibir a produção de AgHBs nua a ser a forma mais eficaz de evitar novas
necessários à formação de partículas de HDV infeções.
maduras. De um modo geral, estes agentes anti‑
ev a

virais, mesmo em combinação com o interferão


não se mostraram mais eficazes do que o inter‑
R tim

ferão sozinho.
l

Vírus da hepatite E
Ú

Introdução Balayan) com água contaminada com matéria


fecal de pacientes com hepatite não‑A e não‑B.
O vírus da hepatite E (HEV) só foi reconhecido
como agente causador de uma doença humana
distinta a partir de 1980. Nesse ano, testes sero‑ Estrutura do virião
lógicos para o diagnóstico de hepatite A foram
© Lidel – Edições Técnicas

realizados na Índia durante o estudo de um surto O HEV possui 27 a 34 nm de diâmetro e não


de hepatite viral. Os resultados mostraram que apresenta invólucro. O genoma é composto por
se estava perante um novo agente patogénico. ARN, o qual se encontra envolvido por uma
A confirmação da existência e da patogenici‑ cápside de homodímeros de uma proteína viral.
dade para o Homem deste vírus hepatotrópico Estes homodímeros projetam‑se para o exterior
até então desconhecido ocorreu em 1983 por do virião de modo a interagir com recetores da
Balayan e colaboradores. Para tal, recorreram célula hospedeira.
à inoculação de um voluntário (o próprio Dr.
750 Microbiologia Médica – Virologia Médica

O genoma viral consiste numa molécula de casos de infeção no Homem por um vírus de
ARN linear de cadeia simples com aproxima‑ hepatite E que aparentava ser mais semelhante
damente 7,5 kb e polaridade positiva. Apresenta à estirpe suína do que à estirpe humana. Estas
uma região onde se encontram três fases de lei‑ descobertas levaram à procura de outros vírus
tura aberta (ORF1‑ORF3) rodeada por duas semelhantes ao HEV capazes de infetar outras
pequenas regiões não codificantes nas extremi‑ espécies animais. Descobriram‑se estirpes de
dades 5’e 3’. A primeira fase de leitura aberta HEV de porco, javali, coelho, veado e, mais
(ORF1) parece codificar para poliproteínas recentemente, galinha. Verifica‑se, assim, que a
virais não estruturais e envolvidas na replica‑ hepatite E é uma doença de animais transmissí‑
ção. A sua sequência apresenta diversos domí‑ vel ao Homem sendo, por isso, considerada uma
nios funcionais putativos (metiltransferase, pro‑ zoonose.
tease de cisteínas, helicase, polimerase de ARN

r
-
dependente de ARN). Ainda não é claro se a

to
ORF1 codifica para uma única proteína de múl‑ Classificação taxonómica
de a
tiplos domínios ou para várias proteínas distin‑
tas mais pequenas. A ORF2 e a ORF3 sobre‑ Originalmente integrado na família Calicivi-

au
v
põem‑se. A ORF2 codifica para a proteína da ridae, o HEV não apresentava, contudo, uma
cápside que possui capacidade de ligação ao homologia significativa com outros membros.
ão o
ARN viral e é fundamental para a encapsidação Atualmente, é o único membro do género Hepe-
is pr

do vírus. A ORF3 codifica para uma pequena virus da família Hepeviridae. No entanto com a
fosfoproteína que se associa ao citosqueleto da recente identificação de novas estirpes infecio‑
célula e também se liga ao ARN viral e à pro‑ sas em animais distintos, incluindo aves, a clas‑
teína da cápside, sendo essencial para a infecio‑ sificação atual poderá vir ainda a ser alterada.
ev a

sidade do HEV.
R tim

Genótipos
Replicação
Na classificação atual, as estirpes de HEV res‑
A ausência de um sistema de cultura de célu‑ ponsáveis por infeções em mamíferos estão di‑
l

las eficiente para o estudo do HEV tem difi‑ vididas em quatro genótipos (1‑4) e pelo menos
Ú

cultado muito a compreensão dos mecanismos 24 subgenótipos (1a‑1e, 2a‑2b, 3a‑3j, 4a‑4g) (Fi‑
envolvidos na replicação deste vírus. Apesar de gura 58.11).
se terem estabelecido linhas celulares de hepa‑ Os genótipos apresentam uma distribui‑
toma onde ocorre a replicação do HEV, a quan‑ ção geográfica bastante específica. O genótipo
tidade de componentes virais produzidas é insu‑ 1 inclui estirpes isoladas de casos no Homem
ficiente para o seu estudo. Deste modo, os dados endémicos e esporádicos de algumas regiões da
até agora obtidos são ainda extremamente limi‑ Ásia e da África e de indivíduos que viajaram
tados. Trata‑se, sem dúvida, de um campo que até essas regiões. No genótipo 2 estão incluídos
carece de maior atenção e aprofundamento. isolados de surtos que ocorreram no México e
alguns casos da África Oriental. O genótipo 3
foi identificado em casos esporádicos de países
Diversidade genética industrializados e agentes infeciosos de outros
mamíferos como porco e veado. Ao genótipo 4
Um dos mais importantes avanços no estudo da correspondem estirpes responsáveis por infe‑
hepatite E foi a descoberta, em 1997, do vírus ções esporádicas na Ásia e algumas estirpes
da hepatite E suína. Seguiu‑se a observação de suínas. Os genótipos 3 e 4 aparentam ser menos
Vírus da Hepatite 751

1 Hu

Japão 07 Hu
China 02 H

Sw
Chin

Sw
Japão 0

01
Índi

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Ch

ão

na
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Hu
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Ca
u
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2 Hu

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05 Ja
Hu Sw
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o 04 EUA
Hu
EUA 1
3 Hu
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ão 2 H
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Japão Sw
Hu

r
08 Hu

09

-
o

to
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Marrocos Hu
v
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Japão 2H
10 Hu h ina
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ria Birmânia 2 Hu C
viá rior) Paquistão Hu
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China 3 Hu

H a
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u M
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u
Índia LF Hu

1
H

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Ha

Í n
ia
Índ

Índia

0,1
ev a

Figura 58.11  Árvore filogenética baseada nas sequências genómicas completas de HEV de estirpes humanas e suínas.
As sequências humanas apresentam o sufixo Hu e as suínas o sufixo Sw. O número do genótipo está indicado dentro dos
círculos de cada ramo principal. A barra horizontal representa a escala de distância genética relativa. (Adaptado de Agga-
R tim

rwal, 2010)

patogénicos para o Homem do que as estirpes alguns dias o aparecimento de IgG anti‑HEV.
que integram os genótipos 1 e 2. Embora as IgM entrem em declínio no início
l

da convalescença, as IgG persistem por longos


Ú

períodos de tempo (mais de 14 anos), confe‑


Patogénese e imunidade rindo proteção contra infeções subsequentes.
O papel da resposta celular imunológica do
Os mecanismos pelos quais uma infeção por hospedeiro ainda se encontra insuficientemente
HEV provoca as patologias que lhe estão asso‑ estudada, especialmente no que concerne aos
ciadas ainda não são bem conhecidos. O alvo mecanismos de resposta específica à infeção
principal do vírus é o hepatócito onde se replica do fígado pelo HEV. Contudo, a infeção por
e de onde é libertado para a bílis e trato gas‑ HEV apresenta uma característica única, a ele‑
© Lidel – Edições Técnicas

trointestinal. Os níveis de viremia na bílis e vada taxa de mortalidade durante a gravidez. O


soro atingem o seu máximo durante o período motivo pelo qual a hepatite E é mais severa nes‑
de incubação e mantêm‑se elevados durante a tes casos ainda não está esclarecido.
fase aguda da infeção.
Os anticorpos anti‑HEV são produzidos ao
mesmo tempo que os sintomas se desenvolvem,
podendo ser detetados antes da fase ictérica.
O aparecimento de IgM anti‑HEV precede em
752 Microbiologia Médica – Virologia Médica

Epidemiologia Transmissão

Prevalência O HEV é geralmente transmitido pelo consumo


de água contaminada, podendo ocorrer também
A prevalência do HEV encontra‑se correlacio‑ outras formas de transmissão como a ingestão
nada com o nível socioeconómico das popula‑ de alimentos infetados, transfusão de sangue
ções, sendo mais elevada em países com condi‑ contaminado ou ainda transmissão vertical. Em
ções sanitárias deficientes. A maioria dos casos muitos casos a origem da doença não é identi‑
está relacionada com a ingestão de água conta‑ ficada, em particular quando se trata de ocor‑
minada com matéria fecal podendo, por vezes, rências em zonas de baixa endemicidade ou em
afetar centenas e até milhares de pessoas. Os casos esporádicos de regiões de elevada ende‑
surtos ocorrem frequentemente após períodos micidade. A dificuldade em encontrar a fonte de

r
-
de chuvas fortes e inundações pois propiciam contaminação poderá dever‑se ainda ao relati‑

to
a mistura de excrementos com água potável. vamente longo período de incubação da doença,
de a
No entanto, nalguns surtos verifica‑se o oposto,
ou seja, em períodos de clima seco e quente a
que se pensa poder variar entre 3 e 8 semanas.
Nas regiões não endémicas a emergência de

au
v
diminuição de caudais pode levar à concentra‑ casos esporádicos está normalmente associada
ção de contaminantes fecais. ao consumo de alimentos contaminados de ori‑
ão o
Apesar de só se encontrarem documenta‑ gem animal ou a indivíduos que regressam de
is pr

dos surtos epidémicos em regiões da Ásia e zonas de elevada endemicidade.


África, observam‑se casos esporádicos nos paí‑
ses industrializados. Foram ainda reportados
dois surtos na década de 1980, no México, mas Manifestações clínicas
ev a

não há registo de novas ocorrências nessa zona


do globo. As regiões de mais elevada endemici‑ Hepatite E aguda
R tim

dade incluem a Ásia Central e o Sudoeste Asi‑


ático, com mais de 20% de seroprevalência de Em zonas hiperendémicas a hepatite E mani‑
anticorpos anti‑HEV na China, 45% em zonas festa‑se normalmente sob a forma de hepatite
rurais da Malásia e mais de 20% na Índia. No ictérica aguda, autolimitante e indistinguível das
l

Norte de África e Médio Oriente podem ser causadas por outros vírus hepatotrópicos. As
Ú

observados 26% de seroprevalência no Egito e manifestações clínicas podem prolongar‑se por


17% na Arábia Saudita. Nos países industria‑ algumas semanas após o que se observam melho‑
lizados os valores de seroprevalência são mais rias espontâneas do estado de saúde. A idade da
baixos, apresentando valores entre 1‑3% na maior parte dos indivíduos afetados varia entre
Europa e cerca de 2% nos EUA. Nestes países os 15 e 40 anos. Alguns pacientes, contudo,
é curioso notar a existência de grupos com uma podem apresentar manifestações clínicas mais
seroprevalência mais elevada, nomeadamente, severas incluindo insuficiência hepática fulmi‑
agricultores, veterinários, pessoas que traba‑ nante, fenómeno mais frequentemente observado
lham em talhos e matadouros ou consumido‑ em grávidas. Os fatores que determinam a mani‑
res de carne de porco mal cozinhada. Tal obser‑ festação mais severa da doença são pouco conhe‑
vação deve‑se ao facto de a hepatite E ser uma cidos. Nalguns animais a dose inicial de inóculo
zoonose que afeta animais como o porco, javali viral parece determinar a severidade da doença.
e veado, que integram a dieta humana. Nas áreas endémicas ocorre frequente‑
mente superinfeção de HEV em pacientes com
doença hepática crónica preexistente, seja ela
de origem viral ou não. Esta situação tem como
Vírus da Hepatite 753

consequência um agravamento dos sintomas da Diagnóstico laboratorial


doença hepática. A taxa de mortalidade asso‑
ciada ao HEV varia entre 0,5‑4%. No entanto, O diagnóstico da hepatite E baseia‑se na dete‑
estes valores foram determinados em pacientes ção de anticorpos anti‑HEV. Em regiões endé‑
hospitalizados com manifestações mais seve‑ micas o diagnóstico é feito quando surgem sur‑
ras da doença. Estudos efetuados em popu‑ tos de hepatite com origem na ingestão de água
lações afetadas por surtos de HEV apresen‑ contaminada, especialmente se foi previamente
tam uma taxa de mortalidade mais baixa, entre excluída a hipótese da doença hepática ser cau‑
0,07‑0,6%. sada pelo vírus da hepatite A. Em regiões de
Em regiões de baixa prevalência as manifes‑ baixa prevalência a doença é normalmente diag‑
tações clínicas são semelhantes às observadas nosticada por testes serológicos em pacientes
nas regiões endémicas. No entanto, a maioria com lesões hepáticas não justificadas. Também

r
-
dos pacientes pertence a uma faixa etária supe‑ o ARN viral pode ser detetado por RT‑PCR em

to
rior e, geralmente, apresentam outras doenças. cerca de 50% dos casos, nas fezes de pacien‑
de a
As manifestações clínicas incluem hepatite icté‑
rica, doença anti‑ictérica sem sintomas especí‑
tes na fase aguda da doença. O diagnóstico por
microscopia eletrónica deteta apenas cerca de

au
v
ficos e aumento assintomático da concentração 10% dos casos positivos. Consequentemente, os
de transaminases. Alguns casos são inicial‑ ensaios serológicos são o método mais usado
ão o
mente atribuídos a lesões hepáticas provocadas para o diagnóstico da hepatite E.
is pr

pelo uso de drogas. O prognóstico é geralmente


pior do que nas zonas endémicas, principal‑
mente devido à elevada idade dos pacientes e à Tratamento e prevenção
existência de outras patologias associadas.
ev a

A hepatite E aguda é normalmente autolimitante


e não necessita de um tratamento específico. A
R tim

Hepatite E crónica recente descoberta de infeções crónicas por HEV


e o risco de lesões hepáticas que dela podem
Os primeiros casos de infeção crónica por HEV advir levou à pesquisa de tratamentos específi‑
foram descritos em 2008, em pacientes previa‑ cos e eficazes. Os resultados obtidos possuem
l

mente sujeitos a transplante de fígado. Todos um caráter ainda muito preliminar e baseiam‑se
Ú

os casos de hepatite E crónica registados desde num número limitado de casos em que se usa‑
então ocorreram em pacientes sob terapia imu‑ ram, com algum sucesso, interferão‑peguilado,
nossupressora e infetados com vírus perten‑ ribavirina ou a combinação de ambos.
cente ao genótipo 3. A prevenção baseia‑se essencialmente na
adoção de medidas de higiene e cuidados na
alimentação, uma vez que não há ainda vacina
Manifestações extra‑hepáticas contra o HEV. Nas regiões endémicas reco‑
menda‑se evitar o consumo de água, gelo e ali‑
© Lidel – Edições Técnicas

Existe um registo que associa a infeção pelo mentos mal cozinhados cuja origem e higiene
HEV do genótipo 3 a distúrbios neurológi‑ sejam desconhecidas.
cos. Baseia‑se num estudo de 126 doentes com
hepatite E aguda e crónica dos quais sete desen‑
volveram complicações neurológicas. Em qua‑
tro dos casos com doença crónica detetou‑se
ARN viral no líquido cefalorraquidiano.
754 Microbiologia Médica – Virologia Médica

C asos clínicos e perguntas de revisão

HAV
Jovem do sexo feminino, 25 anos, é admitida no hospital com um quadro clínico que se carac‑
teriza por febre, anorexia, vómitos e perda de peso. É residente em Lisboa, casada e com dois
filhos de 3 e 5 anos. Faz ainda parte do agregado familiar uma tia‑avó de 75 anos de idade. Ambas
as crianças frequentam o mesmo infantário e no momento não apresentam quaisquer sinais ou
sintomas de doença, embora duas educadoras da escola estejam de baixa médica por apresen‑
tarem icterícia. Testes serológicos efetuados no ano anterior indicam que a paciente é seroposi‑
tiva para anticorpos que reconhecem os antigénios de superfície do vírus da hepatite B. Análi‑
ses serológicas realizadas no dia da admissão hospitalar mostram valores de bilirrubina sérica

r
e ALT significativamente elevados, compatíveis com um quadro clínico de hepatite aguda.

-
to
1.  Qual é o agente etiológico, mais provavelmente, responsável por esta infeção?
2.  Quais são os testes serológicos que devem ser efetuados para confirmar o diagnóstico?
de a
3.  Atendendo ao agregado familiar, país e cidade que habitam qual é a mais provável via de

au
v
transmissão e fonte de contágio?
4.  Recomendaria a vacinação das crianças? E do marido, que tem 26 anos? E da tia‑avó? No
ão o
caso de optar pela vacinação de todos ou parte do agregado familiar, consideraria necessá‑
rio averiguar a imunidade dos indivíduos previamente à vacinação?
is pr

HBV
Doente do sexo feminino de 34 anos, casada, com AgHBs+ detetado em análises de rotina, sem
ev a

comportamentos de risco.
1.  Que outras análises pediria para completar o estudo?
R tim

2.  Que marcadores/análises lhe permitiriam saber se há ou não atividade da doença?


3.  Se o ADN‑HBV fosse negativo, que atitude recomendaria?
4.  Que medidas de saúde pública deviam ser tomadas com esta doente?
HCV
l
Ú

Jovem do sexo feminino, 29 anos, referenciada da consulta de hematologia por anti‑HCV posi‑
tivo.
Informação clínica: leucemia linfocítica aguda em remissão há mais de 20 anos. Terá feito
várias transfusões no passado. Assintomática; ALT – 74 UI/L (valor de referência até: 60 UI/L);
anti‑HBs 540 UI/ml.
1.  Que exames laboratoriais solicitaria para confirmar o diagnóstico? Justifique.
2.  Qual terá sido a via de transmissão?
3.  Qual o significado da presença de anti‑HBs?
4.  Qual o tratamento recomendado?
HDV
1.  Por que motivo se considera o HDV um vírus satélite do HBV?
2.  Qual a terapia mais frequentemente utilizada no tratamento da hepatite D?
3.  Qual é o modo mais eficaz de prevenir a doença?
Vírus da Hepatite 755

HEV
1.  Por que motivo se considera a hepatite E uma zoonose?
2.  Quais as principais fontes de contaminação com o HEV?
3.  Que cuidados devem ser tomados durante a estadia em zona endémica para a hepatite E?

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Fontes na Internet:
© Lidel – Edições Técnicas

http://www.apef.com.pt
http://www.ictvonline.org
http://www.who.int/csr/disease/hepatitis/whocdscsrlyo2003/en/index.html
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http://www.who.int/csr/disease/hepatitis/whocdscsredc200112/en//index.html

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