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Celso Cunha
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Sumário
As hepatites virais afetam milhões de pessoas em todo o mundo e são um problema de saúde
pública importante devido à sua elevada morbilidade e mortalidade. Podem ser causadas pelos
vírus da hepatite A, B, C, D e E. O vírus da hepatite D é o mais pequeno agente patogénico
humano e é considerado um vírus satélite do vírus da hepatite B. Os vírus das hepatites A, C e E
são vírus ARN enquanto o vírus da hepatite B é um vírus ADN. Os vírus das hepatites A e E não
r
têm invólucro ao contrário do que acontece com os vírus B e C. Estes são transmitidos fundamen-
-
talmente por via sexual, parenteral ou perinatal enquanto o vírus da hepatite A se transmite por
to
via fecal-oral e o vírus da hepatite E se transmite através de consumo de água contaminada com
de a
matéria fecal e de animais infetados. Enquanto as infeções pelos vírus A e E apresentam quase
sempre evolução benigna, as infeções pelos vírus B, C e D podem causar fibrose hepática pro-
au
v
gressiva, evoluindo em alguns doentes para cirrose e carcinoma hepatocelular. A vacinação é a
melhor forma de prevenir as hepatites A e B. Para as hepatites C e E não há ainda vacinas efica-
ão o
zes. A prevenção da hepatite E baseia-se em cuidados de higiene e alimentação; a melhor forma
de prevenir a infeção pelo vírus da hepatite C é evitar a exposição a sangue contaminado.
is pr
Vírus da hepatite A
ev a
R tim
eletrónica, em suspensões de amostras fecais rísticas únicas, incluindo não produzir efeitos
Ú
inativação pode ser efetuada a temperaturas ele‑ dessas proteínas não estruturais é a proteína 3B
vadas (acima dos 85 ºC), ou por incubação com ou VPg que funciona como primer (iniciador
formaldeído ou cloro. proteico) para a síntese do ARN do HAV, per‑
O HAV é desprovido de um envelope lipí‑ manecendo covalentemente ligada à extremi‑
dico, encontrando‑se o genoma do vírus reves‑ dade 5’ das moléculas do ARN do vírus.
tido por uma cápside formada por 60 cópias de O ARN genómico do HAV é poliadenilado,
cada uma das proteínas estruturais. O genoma terminando numa cauda poli‑A de compri‑
do HAV consiste numa molécula de ARN de mento variável. Foram identificados vários ele‑
cadeia simples linear, de polaridade positiva, mentos cis no genoma do HAV, com função na
com cerca de 7500 nucleótidos. replicação e na tradução. A região não codifi‑
Tal como os demais membros da famí‑ cante 5’NTR, com cerca de 0,75 kb, possui dois
lia Picornaviridae, o genoma do HAV pode elementos cis estruturalmente complexos que
r
-
ser dividido em três elementos funcionais: se encontram separados por uma região rica em
to
duas regiões não codificantes (non-translated polipirimidinas. O primeiro domínio é neces‑
de a
region), 5’NTR e 3’NTR, situadas nas extremi‑
dades 5’ e 3’, respetivamente, e uma região cen‑
sário para a replicação do genoma do HAV e
o segundo representa um local interno de liga‑
au
v
tral codificante que representa cerca de 90% do ção a ribossomas, fundamental para a tradução
genoma do vírus (Figura 58.1A). do ARN genómico do vírus. Outros elementos
ão o
A região codificante contém uma única fase reguladores em cis com função na replicação do
is pr
de leitura aberta que codifica para uma polipro‑ genoma do HAV foram identificados na extre‑
teína com 2225 ou 2227 aminoácidos, depen‑ midade 3’, um deles localizado na região não
dendo da tradução ser iniciada no primeiro ou codificante 3’NTR e outro, designado elemento
no segundo codão AUG. O segmento termi‑ cre, situado na região da grelha aberta de leitura
ev a
nal‑N da poliproteína, designado P1, inclui as que codifica para a proteína não estrutural 3D,
proteínas estruturais do vírus que irão formar uma polimerase de ARN dependente de ARN.
R tim
P1 P2 P3
A VPg 1A 1B 1C 1D 2A 2B 2C 3A 3B 3C 3D
B 1A 1B 1C 1D 2A 2B 2C 3A 3B 3C 3D
C 1A 1B 1C 1D 2A 2B 2C 3A 3B 3C 3D
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Figura 58.1 Representação esquemática da estrutura do genoma do HAV. (A) O genoma do HAV consiste numa molé-
cula de ARN de polaridade positiva com 7,5 kb. Contém uma única grelha aberta de leitura flanqueada por duas regiões
não codificantes. A extremidade 5’ do ARN do HAV encontra‑se covalentemente ligada à proteína viral 3B ou VPg. (B) Da
tradução do genoma do HAV é produzida uma poliproteína com 2225/2227 aminoácidos. (C, D) A poliproteína é clivada,
durante e após a tradução, pela protease 3C, de origem viral, gerando proteínas precursoras mais pequenas. Sucessivas cli-
vagens proteolíticas culminam na formação de uma série de proteínas estruturais (VP4, VP2, VP3 e VP1, também conheci-
das por 1A, 1B, 1C e 1D, respetivamente) e proteínas não estruturais (2A, 2B, 2C, 3A, 3B, 3C e 3D).
724 Microbiologia Médica – Virologia Médica
r
-
na junção das proteínas 2A/2B, dá origem a ridade negativa. A transcrição de novas cadeias
to
duas proteínas precursoras, as proteínas P1 e de ARN inicia‑se com a adição de dois resíduos
de a
P2/P3 (Figura 58.1C). A proteína precursora
P1 é alvo de duas hidrólises originando duas
de uridina a um resíduo de tirosina da proteína
VPg. A forma uridilada da proteína VPg liga‑se,
au
v
proteínas precursoras da cápside, as proteínas de seguida, à cauda poli‑A do ARN viral, ser‑
VP0 (VP4‑VP2) e VP1‑2A, e a proteína estrutu‑ vindo de iniciador da transcrição de molécu‑
ão o
ral VP3 que se associam em subunidades pen‑ las de ARN complementares à cadeia molde.
is pr
58.1D), associam‑se para formar complexos tas novas cadeias de ARN genómico irá ligar‑se
macromoleculares ligados a membranas deri‑ às proteínas da cápside, arranjadas em 12 pen‑
R tim
vadas do retículo endoplasmático (RE) e envol‑ tâmeros, e formar partículas virais infeciosas.
vidos na replicação do ARN do HAV. Outra parte será traduzida em novas poliproteí‑
nas virais ou usada como molde na transcrição
de novos ARN de cadeia negativa, dando con‑
l
r
-
assimétrica. O grau de endemicidade do HAV e alimentos contaminados pelo vírus.
to
numa população é geralmente avaliado pela Os países desenvolvidos representam áreas
de a
prevalência de anticorpos totais contra o vírus
e sua distribuição por grupos etários. Tanto os
de baixa endemicidade, em que a incidência
de hepatite A é muito baixa e a prevalência de
au
v
níveis de endemicidade da infeção pelo HAV anticorpos anti‑HAV pode variar entre os 0 e
como os grupos mais suscetíveis estão inversa‑ 10% até aos 15 anos, com tendência a aumen‑
ão o
mente relacionados com os hábitos de higiene, tar gradualmente com a idade. Nestas áreas, a
is pr
saneamento básico e as condições socioeco‑ maioria das infeções pelo HAV é esporádica e,
nómicas. Em países de baixa renda (parte da regra geral, restrita a grupos de risco acrescido.
África, Ásia, América do Sul e Central), em que Podem, no entanto, suceder episódios epidémi‑
as condições sanitárias e os padrões de higiene cos ao nível da comunidade e em que grande
ev a
infância, até os 5 anos, e quase toda a popula‑ ção pelo HAV encontra‑se em permanente
ção é infetada antes dos 9 anos de idade. mudança, e regiões inicialmente classifica‑
A gravidade da infeção pelo HAV varia em das como sendo de alta endemicidade são hoje
função da idade do hospedeiro, sendo a probabi‑ áreas de transição para endemicidade intermé‑
l
rícia. Deste modo, em regiões de elevada ende‑ indivíduos com idades compreendidas entre
micidade, uma vez que a maioria da população os 15 e 20 anos, colocando Portugal como um
possui imunidade natural, o número de casos país de alta endemicidade para o HAV. A ele‑
clínicos de hepatite A é baixo e são raros os sur‑ vada taxa de imunidade natural em adolescen‑
tos epidémicos. tes e jovens adultos e o facto de apenas uma
Os países em desenvolvimento correspon‑ minoria (5,3%) ter tido sintomas da doença são
dem geralmente a áreas de endemicidade inter‑ indicativos de que em Portugal, na década de
média do HAV (países do Sul e Leste Europeu, 80 do século passado, a infeção pelo HAV era
726 Microbiologia Médica – Virologia Médica
inaparente e ocorria principalmente na infân‑ apontem para 10 milhões de novos casos por
cia, um padrão epidemiológico típico dos paí‑ ano. As manifestações clínicas associadas
ses pobres. a infeção pelo HAV são em tudo idênticas às
Dados mais recentes, nomeadamente os do demais hepatites agudas causadas por agentes
2.º Inquérito Serológico Nacional, realizado em virais, não sendo possível distinguir a hepatite
2001‑2002, mostram uma alteração no padrão A sem recorrer a testes serológicos.
epidemiológico do HAV em Portugal conti‑ A hepatite A aguda apresenta quase sempre
nental. Há uma diminuição importante na pre‑ evolução benigna, não existindo registos de pro‑
valência de anticorpos anti‑HAV na população gressão para doença crónica. Durante o período
em geral (57,7% em 2001‑2002 versus 84,9% de incubação, que pode variar entre os 10 e os 50
em 1980), mas muito mais significativa é a redu‑ dias, os pacientes apresentam‑se assintomáticos.
ção observada na prevalência de anticorpos con‑ É nesta fase que a produção de HAV é máxima
r
-
tra o HAV nos grupos etários mais jovens. As e o vírus é excretado em grandes quantidades
to
crianças com menos de 14 anos apresentam uma nas fezes, até 109 partículas virais por grama de
de a
prevalência <10%, com exceção do grupo etá‑
rio dos 5 aos 9 anos que apresenta uma seropre‑
fezes. Como consequência, a fase de incubação
corresponde ao período de maior risco de trans‑
au
v
valência de 20%. O grupo etário dos 15 aos 19 missão do HAV. A viremia acompanha a mesma
anos apresenta, agora, uma prevalência de anti‑ tendência, embora a concentração de HAV no
ão o
corpos contra o HAV de 22,6%, 4 vezes infe‑ sangue seja sempre inferior ao título viral dete‑
is pr
rior à encontrada em 1980. Como seria de espe‑ tado nas fezes (103‑105 partículas virais/ml)
rar, a presença de anticorpos anti‑HAV aumenta (Figura 58.2). O HAV pode ainda ser detetado
em função da idade atingindo os valores mais na saliva, em quantidades 1 a 3 unidades loga‑
elevados (>90%) nos grupos etários com idades rítmicas inferiores às detetadas no sangue. Não
ev a
superiores a 40 anos. Os primeiros resultados de existem, porém, indícios que suportem o papel
baixa endemicidade em Portugal foram obtidos da saliva como fonte de transmissão do HAV.
R tim
A melhoria das condições sanitárias e socio‑ e caracteriza‑se por sintomas como a anorexia,
Ú
económicas parece ser a principal razão para as fadiga, mal‑estar geral, febre, mialgia, náuseas
alterações do padrão epidemiológico da infeção e vómitos. As náuseas, os vómitos e a diarreia
pelo HAV em Portugal. Uma tendência seme‑ são mais frequentes nas crianças do que nos
lhante tem sido observada noutros países euro‑ adultos. A entrada na fase ictérica, fase em que
peus, como Espanha, Grécia, República Checa se observam as primeiras evidências específi‑
e Itália, aproximando‑os das prevalências mais cas de disfunção hepática, é marcada por sinais
baixas, típicas dos países com boas condições como o escurecimento da urina, o embranque‑
sanitárias. cimento das fezes e icterícia.
A recuperação da hepatite A é total sendo o
vírus eliminado do organismo e induzida imuni‑
Curso natural da infeção dade duradoura contra a reinfeção. No entanto,
existem casos (3‑20%) em que os sintomas per‑
A Organização Mundial da Saúde (OMS) sistem até 6 meses ou em que se registam relap‑
estima que o HAV é responsável por cerca de sos da hepatite 4 a 15 semanas depois do desa‑
1,5 milhões de casos clínicos de hepatite todos parecimento dos primeiros sintomas. Em raras
os anos, embora os estudos de seroprevalência ocasiões (0,01%‑2%), a infeção pelo HAV pode
Vírus da Hepatite 727
10
8
IgG
anti-HAV
fezes
6
log10 HVA
4 IgM
anti-HAV
sangue
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-
2
to
ALT
de a
au
v
2 4 6 8 10 12 14
Semanas
ão o
Figura 58.2 Evolução de parâmetros associados ao curso natural da infeção pelo HAV.
is pr
causar necrose extensa do fígado resultando em primeiros sintomas clínicos, atingindo o pico de
falência hepática. Estes casos de hepatite ful‑ produção máxima entre as 4 e 6 semanas após
minante, geralmente letais, são mais frequen‑ infeção (ver Figura 58.2). Posteriormente, os
ev a
tes entre adultos com mais de 50 anos ou entre níveis de IgM anti‑HAV começam a diminuir
indivíduos com hepatite B ou C crónica. tornando‑se geralmente indetetáveis após 3 a 6
R tim
No decurso da infeção pelo HAV é produzida (ALT). A produção transitória e limitada ao perí‑
Ú
uma resposta humoral com atividade neutrali‑ odo inicial da infeção faz com que os anticorpos
zante contra o vírus. A deteção de imunoglo‑ IgM anti HAV sejam determinantes no diagnós‑
bulinas específicas dirigidas contra os deter‑ tico e usados como marcadores serológicos da
minantes antigénicos presentes nas partículas hepatite A aguda. Os anticorpos IgG‑anti‑HAV
virais do HAV é a abordagem mais comum no surgem logo a seguir aos anticorpos IgM, porém
diagnóstico da hepatite A. Existem dois tipos a sua produção mantém‑se ativa por muitos anos,
de testes que utilizam métodos imunoenzimáti‑ conferindo imunidade duradoura.
cos para a deteção de anticorpos anti‑HAV em Um resultado positivo para o anticorpo total
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O HAV induz também uma resposta imu‑ constitui uma contraindicação para a utilização
nológica celular que parece estar implicada na das vacinas de HAV inativado.
patogénese da hepatite A aguda. Estudos reali‑ Na era pré‑vacina, a imunização passiva
zados na década de 80 do século passado reve‑ através da administração de imunoglobulinas
laram a presença de linfócitos T CD8+ especí‑ humanas constituía a única medida preventiva
ficos para o HAV em pacientes com episódios contra a hepatite A. As imunoglobulinas confe‑
de hepatite A aguda e em indivíduos na fase rem uma proteção de 85%, geralmente durante
de convalescença. Os linfócitos T CD8+ espe‑ 3 a 6 meses, quando administradas antes da
cíficos para o HAV mostraram‑se capazes de exposição ao HAV ou nas duas primeiras sema‑
mediar a morte celular de fibroblastos humanos nas a seguir à infeção. Porém, a sua aplica‑
infetados com o HAV in vitro. Estes resultados ção como método profilático pós‑exposição ao
sugerem um possível envolvimento dos linfóci‑ HAV tem sido abandonada em muitos países e
r
-
tos T citotóxicos na eliminação de hepatócitos vindo a ser substituída pelas vacinas de HAV
to
infetados pelo HAV e na inflamação do fígado. inativado.
de a As recomendações para a vacinação con‑
tra a infeção pelo HAV variam consideravel‑
au
v
Prevenção mente de país para país e a extensão da sua
aplicação relaciona‑se com o padrão epidemio‑
ão o
Existem pelo menos cinco vacinas disponí‑ lógico de cada local e a relação custo‑benefí‑
is pr
veis no mercado que conferem imunidade con‑ cio. Em países desenvolvidos, a vacinação con‑
tra a infeção pelo HAV. Todas as vacinas con‑ tra a infeção pelo HAV está particularmente
tra o HAV consistem em suspensões estéreis de recomendada a indivíduos com risco acres‑
vírus propagado em células diploides humanas cido de infeção ou em que a transmissão do
ev a
que, após purificação, é inativado com formal‑ HAV possa agravar condições clínicas prévias,
deído e adsorvido em hidróxido de alumínio ou como é o caso dos indivíduos com hepatite cró‑
R tim
em virossomas (mistura de antigénios de super‑ nica. Do primeiro grupo, fazem parte os indi‑
fície do vírus da gripe e fosfolípidos). Há ainda víduos em viagem para países com endemi‑
uma vacina combinada contra a hepatite A e cidade intermédia ou alta, os utilizadores de
B que é constituída por HAV inativado e pelos drogas injetáveis, os indivíduos com múltiplos
l
As vacinas de HAV inativado estão indi‑ com pessoas infetadas, nomeadamente os que
cadas na imunização ativa de indivíduos com pertencem a comunidades onde seja detetado
idade igual ou superior a 1 ano. Não são reco‑ um surto ou para os quais a hepatite constitua
mendadas em crianças abaixo dos 12 meses um risco profissional.
porque a presença de imunoglobulinas mater‑ Os EUA, em 1999, alargaram o programa,
nas anti‑HAV pode diminuir os títulos de anti‑ que inicialmente recomendava a vacinação con‑
corpos protetores e também porque em menos tra o HAV aos grupos de risco acrescido, a todas
de 10 anos uma proporção das crianças vaci‑ as crianças residentes nos 17 estados com mais
nadas apresentará valores indetetáveis de elevada incidência. Os estudos epidemiológicos
anticorpos. que avaliaram a incidência da hepatite A, antes
Os vários estudos clínicos efetuados indi‑ e depois da vacinação em massa das crianças
cam que as vacinas de vírus inativado são bas‑ nos estados selecionados, mostraram que a inci‑
tante seguras e eficazes como medida profilática dência diminuiu em 88% nessas áreas e em 76%
pré‑exposição contra a hepatite A, conferindo em todo o país, estimando‑se que a vacinação
mais de 90% de proteção nos grupos vacina‑ tenha contribuído em 39% para a redução regis‑
dos. A presença de anticorpos anti‑HAV não tada. Curiosamente, a diminuição da incidência
Vírus da Hepatite 729
da hepatite A não se verificou apenas nos gru‑ grande parte são assintomáticas e podem excre‑
pos etários mais jovens mas igualmente entre a tar vírus nas fezes por longos períodos de tempo.
população adulta. Estes resultados sugerem que Outras medidas que contribuem para pre‑
a vacinação de rotina na primeira infância repre‑ venir a infeção incluem: não partilhar agulhas
senta uma medida preventiva adequada para ou seringas, evitar lesões com objetos cortan‑
interromper a transmissão do HAV em comuni‑ tes, usar agulhas limpas para fazer tatuagens e
dades onde se observa uma elevada incidência. colocar piercings, não partilhar objetos pesso‑
Neste locais a transmissão do HAV é mantida, ais nomeadamente navalhas, escovas de dentes
principalmente pela infeção das crianças, que em e corta‑unhas.
r
-
Vírus da hepatite B
to
de a
Introdução possui três codões de iniciação ATG que o divi‑
au
v
dem nas regiões pré‑S1, pré‑S2 e S. Este gene
O vírus da hepatite B (HBV) é um vírus hepa‑ codifica para o antigénio de superfície da hepa‑
ão o
totrópico que infeta o Homem e alguns prima‑ tite B (AgHBs) que é habitualmente constituído
is pr
tas. O HBV pertence à família Hepadnaviridae por três glicoproteínas de diferentes dimensões:
e ao género Orthohepadnavirus, sendo o único grande (constituída pelos polipéptidos pré‑S1,
vírus humano incluído nesta família. As infe‑ pré‑S2 e S), média (pré‑S2 + S) e pequena (S).
ções primárias por este vírus podem ser autoli‑ O gene C (core ou nucleocápside) codifica a
ev a
mitadas ou tornar‑se persistentes durante mui‑ proteína estrutural da cápside viral designada
tos anos, por vezes para o resto da vida. por antigénio do core da hepatite B (AgHBc).
R tim
Estrutura Pré-S2
-S1
Pré
l
A utilização de um codão de iniciação que pre‑ com a ligação do virião a recetores presentes na
cede o codão de iniciação que origina o AgHBc membrana do hepatócito, um processo mediado
permite ao gene C codificar uma poliproteína pela glicoproteína de superfície pré‑S1 (Figura
pré‑C (pré‑core) que, uma vez clivada, dá ori‑ 58.4). Têm sido sugeridos vários recetores celu‑
gem ao antigénio da hepatite B (AgHBe), uma lares nomeadamente, o recetor de transferrina,
proteína solúvel imunologicamente distinta do o recetor para asialoglicoproteínas e o recetor
AgHBc. O AgHBe é secretado no soro e não se de endonexina hepática humana. A penetração
agrupa como antigénio da cápside. A sua função ocorre por fusão do invólucro viral com a mem‑
in vivo é desconhecida. O gene P (pol ou poli‑ brana da célula hospedeira. De seguida a nucle‑
merase) codifica uma proteína que desempenha ocápside é libertada no interior do hepatócito,
várias funções: polimerase de ADN dependente dirige‑se para o núcleo da célula e aí liberta o
de ADN, transcriptase reversa e ribonuclease ADN viral associado à polimerase viral. No inte‑
r
-
H (ARNase H). Esta polimerase está associada rior do núcleo é completada a cadeia de polari‑
to
ao genoma viral. Finalmente, o gene X codi‑ dade positiva por ação da polimerase de ADN e
de a
fica para a proteína X, uma pequena proteína
reguladora que influencia a expressão de genes
o genoma viral é convertido num ADN circular
fechado covalentemente (cccADN) que serve de
au
v
virais e celulares e está associada ao desenvol‑ reservatório viral. O ADN de dupla cadeia serve
vimento do cancro do fígado. de molde para a transcrição do genoma, dando
ão o
origem a quatro ARN mensageiros (ARNm)
is pr
uma vez que sintetizam o seu genoma de ADN sageiros deslocam‑se para o citoplasma onde
por transcrição reversa, a partir de um inter‑ são traduzidos em proteínas: AgHBs, AgHBc,
R tim
Entrada e Pré-cápside
descapsidação Proteína XHB RE
HBs pequenas
HBs médias Invólucro
Tradução HBs grandes
Importe Transporte
nuclear de ARNm Ribossoma
Citoplasma Aparelho de Golgi
Polimerase
Cápside
ARNm
subgenómico Transcrição Polimerase
ARN pré-genómico
e genómico
g de ARNm (3,5 kb)
Encapsidação e
Núcleo transcrição reversa ADN(+)
ADNc
DN ffechado
h
covalentemente Minicromossoma
nicrom
cromoss ARN(+) ADN(-)
Figura 58.4 Ciclo replicativo do HBV. (Adaptado de Rehermann B. & Nascimbeni M., 2005).
Vírus da Hepatite 731
r
-
através da sua atividade ARNase H, vai des‑ ticas com histologia hepática normal ou eviden‑
to
truindo o molde de ARN pré‑genómico. De ciando lesões mínimas.
de a
seguida a cadeia de ADN de polaridade posi‑
tiva é sintetizada a partir da cadeia de ADN
A resposta imunológica está envolvida na
eliminação do vírus, na cura da infeção aguda
au
v
de polaridade negativa. No entanto, este pro‑ e na evolução e prognóstico da infeção cró‑
cesso é interrompido quando as nucleocápsi‑ nica. Indivíduos que desenvolvem hepatite B
ão o
des adquirem o invólucro a partir de membra‑ aguda autolimitada possuem respostas vigoro‑
is pr
nas do RE contendo AgHBs, resultando por sas mediadas por células T CD4+ e células T
isso cadeias de ADN de polaridade positiva de CD8+ dirigidas contra diversos antigénios vi‑
comprimento variável. O virião é depois liber‑ rais. A resposta antiviral mediada por linfócitos
tado dos hepatócitos por exocitose. Alguns dos T citotóxicos (CTL) é policlonal e multiespe‑
ev a
cores com genomas maduros, em vez de adqui‑ cífica, isto é, dirigida contra diversas proteí‑
rirem o invólucro, podem voltar a entrar no nas virais. A amplitude desta resposta provavel‑
R tim
da célula infetada, no entanto a replicação do por células T específicas do vírus (tanto CD4+
Ú
vírus não é possível a partir destas sequências como CD8+) são muito atenuadas. A produção
integradas. de anticorpos neutralizantes pelas células B
Além dos viriões, as células infetadas com contribui também para a eliminação dos viri‑
HBV libertam partículas subvirais lipopro‑ ões circulantes. A resposta imunológica humo‑
teicas contendo AgHBs – partículas de Dane. ral é vigorosa e está preservada quer na infeção
Estas partículas não são infeciosas pois não aguda quer na infeção crónica. Os anticorpos
contêm genoma nem polimerase. Estas partícu‑ podem proteger contra a infeção inicial. No en‑
las podem ser esféricas ou filamentosas e são tanto, numa fase mais tardia da infeção (infe‑
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350‑400 milhões de indivíduos cronicamente relações sexuais não protegidas e o uso de dro‑
to
infetados com HBV, morrendo anualmente gas intravenosas são as principais formas de
de a
cerca de 1 milhão de indivíduos com doença
hepática relacionada com esta infeção. A imple‑
transmissão.
au
v
mentação em muitos países de um programa Transmissão sexual – A transmissão
eficaz de vacinação resultou num decréscimo por via sexual, quer entre homossexuais quer
ão o
significativo na incidência de hepatite B aguda. entre heterossexuais, é uma via comum de
is pr
Apesar disso, a hepatite B continua a ser uma transmissão de HBV, constituindo a principal
causa importante de morbilidade e mortalidade. forma de transmissão em países desenvolvidos.
Esta infeção pode ser encontrada em todos Estima‑se que nos EUA a transmissão heteros‑
os continentes, com diferentes prevalências e sexual corresponda a cerca de 39% das novas
ev a
e América Latina e do Sul); 10‑20% em áreas terceiro trimestre de gravidez, na altura do nas‑
Ú
de prevalência elevada (Sudeste da Ásia, China cimento ou nos primeiros 2 meses pós‑parto.
e África subsariana). Cerca de três quartos da No entanto, apenas 5‑10% dos casos de trans‑
população mundial vive em áreas onde existe missão perinatal ocorrem in utero. A maioria
uma elevada prevalência da infeção. Em Por‑ das infeções ocorre na altura do nascimento por
tugal o perfil epidemiológico da infeção alte‑ contacto com sangue ou fluidos biológicos da
rou‑se, especialmente nas camadas mais jovens mãe ou nos meses após o nascimento por con‑
da população, após se ter iniciado a campanha tacto direto com a mãe. A taxa de infeção entre
de vacinação e se ter introduzido a vacina no crianças nascidas de mães com AgHBe posi‑
Plano Nacional de Vacinação. Estima‑se que tivo é de cerca de 90%, enquanto a taxa de infe‑
existam em Portugal cerca de 120 000 porta‑ ção de crianças nascidas de mães com AgHBe
dores crónicos de AgHBs, o que corresponde a negativo é de cerca de 32%. Atualmente não
uma taxa de prevalência de cerca de 1,4%. existe evidência de que a cesariana previna a
infeção.
Transmissão percutânea – A trans‑
missão percutânea é outra via importante de
transmissão. A inoculação percutânea direta
Vírus da Hepatite 733
do vírus pode ocorrer através de agulhas con‑ risco mais elevado de contrair infeção por HBV.
taminadas com sangue ou produtos derivados No entanto, a vacinação deste grupo populacio‑
do sangue. Certas práticas como a acupuntura, nal e o uso de procedimentos que previnem a
as tatuagens, os piercings, utilizando material exposição a agentes patogénicos transmitidos
não esterilizado e contaminado, permitem a pelo sangue conduziram a uma diminuição sig‑
transmissão por esta via. A partilha de serin‑ nificativa desta ocorrência.
gas durante o uso ilícito de drogas ou as pica‑ Transmissão do vírus nos agregados
das acidentais dos profissionais de saúde têm familiares – A transmissão de HBV pode ocor‑
sido também associadas à transmissão de HBV. rer através de pequenas lesões na pele ou nas
Na atualidade, são especialmente os toxicode‑ membranas mucosas. O HBV é um vírus rela‑
pendentes, que devido à partilha de agulhas e tivamente estável, podendo sobreviver fora do
seringas contaminadas, mantêm a transmissão organismo humano por um período de tempo
r
-
por via percutânea em percentagens muito ele‑ prolongado. Esta característica permite a sua
to
vadas (~21%). transmissão através de artigos de uso domés‑
de a
As transfusões de sangue contaminado
tico, como escovas de dentes, lâminas de bar‑
bear e até brinquedos. Estes casos ocorrem,
au
v
foram, no passado, uma importante via de con‑ particularmente, em comunidades de higiene
tágio. A pesquisa de AgHBs e de anti‑HBc nos deficiente onde o contacto íntimo leva, entre
ão o
dadores de sangue e a substituição de dado‑ outros riscos, à partilha frequente de objetos
is pr
res remunerados por dadores voluntários não cortantes contaminados. A transmissão hori‑
remunerados reduziu substancialmente a hepa‑ zontal no contexto do agregado familiar repre‑
tite B pós‑transfusão nos anos 70 do século pas‑ senta um risco de 3‑6%.
sado, mas não a eliminou completamente. Entre
ev a
sanguínea, em países desenvolvidos, é residual. ção da infeção por este vírus não estão total‑
Ú
No entanto, o risco de transmissão por trans‑ mente esclarecidos, no entanto, a resposta imu‑
fusão continua elevado em países em desenvol‑ nológica do hospedeiro, a idade em que ocorre
vimento. Em 19% dos países do mundo ainda a infeção e a estirpe viral são fatores determi‑
não se fazem testes de rastreio em todas as nantes do curso clínico da infeção. A evolução
hemodoações. para hepatite B crónica parece ser causada por
O uso de material não esterilizado e conta‑ uma falha da resposta imunológica aos antigé‑
minado também permite a transmissão por via nios do HBV.
percutânea. A taxa de progressão de infeção aguda para
© Lidel – Edições Técnicas
Hepatite B
90-95% aguda 0,5-1%
5-10%
Resolução ≈100% nos recém-nascidos
Hepatite fulminante
≈50% nas crianças
Resolução
AgHBe-
Portador crónico Portador crónico
inativo ativo
r
AgHBe+
-
to
de a Doenças extra-hepáticas:
au
poliartrite nodosa; Carcinoma
v
glomerulonefrite Cirrose hepatocelular
ão o
Figura 58.5 Evolução da hepatite B aguda.
is pr
vem hepatite ictérica. A insuficiência hepática A infeção crónica pode evoluir diretamente de
Ú
fulminante é invulgar, ocorrendo em aproxi‑ uma forma aguda sintomática, ou pode surgir
madamente 0,5‑1% dos doentes. A infeção pelo sem que tenham sido detetados quaisquer sin‑
vírus da hepatite B pode ser mais severa em tomas. A maioria dos casos de hepatite B cró‑
doentes coinfetados com outros vírus hepato‑ nica entre os adultos ocorre em doentes que
trópicos ou com doença hepática subjacente. A nunca tiveram um episódio de hepatite aguda
hepatite aguda sintomática manifesta‑se geral‑ viral clinicamente aparente. Muitos dos doen‑
mente por um início gradual de fadiga, perda tes com hepatite B crónica são assintomáticos,
de apetite, náuseas e dores abdominais. Com o enquanto outros têm sintomas inespecíficos,
envolvimento do fígado, ocorre um aumento de tais como fadiga crónica. Os portadores cróni‑
colestase e, deste modo, as fezes ficam desco‑ cos do vírus apresentam vários padrões clínicos
radas, a urina fica escura e há aparecimento de de evolução da doença. A maioria é assintomá‑
icterícia. Os sintomas e a icterícia normalmente tica. São indivíduos que, apesar da infeção cró‑
desaparecem após 1 a 3 meses, mas alguns nica pelo HBV, não apresentam manifestações
doentes apresentam fadiga prolongada, mesmo clínicas indicativas de lesão hepática. Estes
após normalização das concentrações séricas indivíduos têm AgHBs, mas têm níveis nor‑
das transaminases. Nos doentes que resolvem mais de enzimas hepáticas, histologia hepática
Vírus da Hepatite 735
r
-
ria crónica do fígado. O diagnóstico é feito com cos. Em doentes que resolvem a infeção, nor‑
to
base na presença de AgHBs no soro, níveis de malmente torna‑se indetetável ao fim de 4‑6
de a
ADN de HBV >10 000 cópias/ml e níveis eleva‑
dos de aminotransferases séricas. Cerca de 30%
meses. Após o desaparecimento do AgHBs, o
anti‑HBs torna‑se detetável no soro. Apesar do
au
v
destes indivíduos desenvolvem problemas hepá‑ anti‑HBs ser produzido precocemente no curso
ticos severos, tais como cirrose e carcinoma da infeção aguda só é geralmente detetável após
ão o
hepatocelular após 30 anos de infeção. A pre‑ um período janela de várias semanas a meses.
is pr
sença de AgHBe durante a hepatite B crónica Neste período, tanto o AgHBs como o anti‑HBs
está associada a replicação viral ativa, infecio‑ são negativos.
sidade e avanço da lesão hepática. A presença de anti‑HBs é indicativa de reso‑
lução da infeção e de imunidade para o HBV.
ev a
frite, crioglobulinemia mista essencial, acroder‑ soro, existe uma pequena percentagem de indi‑
Ú
matite papular. As manifestações extra‑hepáticas víduos com infeção crónica ou aguda que podem
ocorrem em cerca de 10‑20% dos doentes com possuir os dois marcadores em simultâneo.
infeção crónica por HBV e parecem ser media‑ O AgHBc é um antigénio interior que é
das por imunocomplexos circulantes. detetado no tecido hepático, mas não no san‑
gue. O seu anticorpo, anti‑HBc, surge no soro
durante o curso da infeção. O anti‑HBc IgM
Diagnóstico laboratorial está presente durante a infeção aguda e, oca‑
sionalmente, poderá estar presente em níveis
Diagnóstico serológico
© Lidel – Edições Técnicas
r
-
apesar de haver outras evidências da existência Critérios para tratamento
to
replicativo viral ativa. Estes doentes estão infe‑
de a
tados com um vírus que tem uma mutação na
região pré‑core do genoma viral, que se traduz
Atualmente as indicações para tratamento são
idênticas para indivíduos AgHBs+/AgHBe+ e
au
v
pela incapacidade de sintetizar AgHBe. AgHBs+/Anti‑HBe+. A decisão de tratamento
baseia‑se na combinação de três critérios: os
ão o
níveis de transaminases e de ADN‑HBV e no
is pr
ou crónica. Na infeção aguda o ADN viral é 10 000 cópias/ml) e/ou níveis de ALT acima do
detetável durante um período de tempo curto, limite da normalidade, e histologia revelando
R tim
Existem atualmente seis fármacos, perten‑ fazer 1 mg/dia. O seu perfil de resistências é
centes a três grupos diferentes, aprovados para muito baixo (1,2% ao fim de 5 anos), por se tra‑
o tratamento da hepatite B crónica. O grupo dos tar de um fármaco de alta barreira genética. O
interferões, com atividade antiviral e imuno‑ tenofovir é um análogo nucleótido e tem uma
modeladora, inclui o interferão-α-2a (ou 2b) e o dupla ação contra o HBV e o HIV, o que per‑
interferão-α-2a (ou 2b)-peguilado; o grupo dos mite o seu uso em indivíduos coinfetados pelos
análogos dos nucleósidos inclui a lamivudina e dois vírus. Trata‑se de um medicamento muito
o entecavir; e o grupo dos anólogos dos nucle‑ potente, não tendo sido identificadas mutações
ótidos inclui o adefovir e o tenofovir. Estes dois de resistência até ao momento. Quer o enteca‑
últimos grupos de fármacos inibem a replica‑ vir, quer o tenofovir constituem os fármacos de
ção do ADN, possuindo unicamente uma ação 1.ª linha no tratamento da hepatite B crónica.
antiviral. A vigilância do tratamento deve ser baseada
r
-
Os interferões têm a vantagem de constituir na avaliação bioquímica e virológica. É muito
to
uma terapêutica finita e não levam ao desen‑ importante o cumprimento do tratamento, visto
de a
volvimento de resistências; no entanto, têm o
inconveniente de originar vários efeitos adver‑
este poder comprometer o seu sucesso devido à
emergência de mutações que levam à resistência
au
v
sos, induzindo uma tolerância mais pobre. aos fármacos.
Os análogos dos nucleósidos/nucleótidos são
ão o
em geral bem tolerados, mas têm de ser usados
Prevenção
is pr
e o tenofovir, têm uma elevada barreira gené‑ As medidas que passamos a enumerar têm sido
tica, logo não induzem o aparecimento de resis‑ usadas com sucesso para prevenir a dissemina‑
R tim
niente de selecionar grande número de muta‑ A melhor forma de prevenir a infeção pelo vírus
ções ao fim de pouco tempo de utilização. O da hepatite B é a vacinação. A vacina disponí‑
adefovir foi o primeiro análogo dos nucleótidos vel é uma vacina recombinante contendo o gene
aprovado na hepatite B crónica tanto para indi‑ S (gene que codifica o AgHBs). O poder imu‑
víduos AgHBe positivos como para indivíduos nogénico destas vacinas é elevado, induzindo
AgHBe negativos e nos indivíduos com resis‑ proteção (produção de anti‑HBs) em cerca de
tência à lamivudina. Tal como a lamivudina, 90‑97% dos indivíduos saudáveis. Quanto mais
induz o aparecimento de resistências que com‑ elevado é o título de anti‑HBs após vacinação,
© Lidel – Edições Técnicas
prometem o seu uso ao fim de algum tempo. No mais tempo persiste o anticorpo.
caso do entecavir, a resistência a este fármaco Em Portugal, a vacina faz parte do Programa
resulta da acumulação de múltiplas mutações Nacional de Vacinação desde 2000 cobrindo
na polimerase do HBV, incluindo as que estão todos os recém‑nascidos. Quando a mãe não
associadas à lamivudina, pelo que nos doentes é portadora do vírus, o esquema de vacinação
que nunca tenham sido tratados com lamivu‑ pode iniciar‑se em qualquer momento durante
dina, a dose é de 0,5 mg/dia, enquanto que os o primeiro ano de vida, embora a recomenda‑
previamente tratados com este fármaco devem ção seja aplicar a primeira dose nas 12 horas a
738 Microbiologia Médica – Virologia Médica
r
-
rado componente básico dos cuidados pré‑con‑
to
cecionais preconizados pela Direção‑Geral da
de a
Saúde (DGS) para a futura mãe a determinação
do estado de portador de hepatite B e a vaci‑
Outras medidas preventivas
au
v
nação de acordo com o Programa Nacional de A transmissão sexual da hepatite B pode ser
Vacinação 2012. É também recomendada a rea‑ prevenida através de práticas sexuais seguras,
ão o
lização do rastreio da hepatite B no futuro pai. nomeadamente pelo uso de preservativo, parti‑
is pr
Um potencial problema para as vacinas da cularmente por indivíduos com múltiplos par‑
hepatite B são os mutantes que ocorrem natu‑ ceiros. Os hábitos sexuais mais seguros ado‑
ralmente ou por seleção farmacológica dos anti‑ tados para prevenir a transmissão de HIV têm
virais e que alteram a especificidade de AgHBs, sido responsáveis pelo decréscimo da transmis‑
ev a
permitindo aos vírus mutantes escapar à res‑ são de HBV por esta via.
posta imunológica induzida pela vacinação. O rastreio das dádivas de sangue reduziu
R tim
Vírus da hepatite C
r
-
gressiva, evoluindo em alguns doentes para cir‑ região codificante formada por cerca de 9000
to
rose e para carcinoma hepatocelular. nucleótidos e localizada entre duas regiões
de a
A hepatite C foi reconhecida pela primeira
vez no início dos anos 70 do século passado
não traduzidas, muito conservadas, nas extre‑
midades 5’ e 3’ (5’‑UTR e 3’‑UTR). A região
au
v
quando surgiram os primeiros testes serológi‑ codificante contém uma única fase aberta de
cos para diagnóstico de hepatite A e hepatite leitura e a sua tradução conduz à síntese de
ão o
B. Nesta altura tornou‑se evidente que muitos uma poliproteína de cerca de 3000 amino‑
is pr
casos de hepatite associados a transfusão não ácidos que é clivada durante e após a tradu‑
eram causados por nenhum daqueles vírus, sur‑ ção por proteases virais e celulares em pelo
gindo o termo hepatite não‑A e não‑B. O seu menos 10 proteínas. Estas incluem quatro pro‑
agente causal (vírus da hepatite C) foi identifi‑ teínas estruturais (proteína do core, proteínas
ev a
cado em 1989 por Choo e colaboradores após E1 e E2 do invólucro e p7) e seis não estrutu‑
ter sido isolado ARN viral a partir de um chim‑ rais (NS2‑NS3‑NS4A‑NS4B‑NS5A‑NS5B). As
R tim
panzé infetado com sangue de um indivíduo proteínas não estruturais desempenham várias
com hepatite não‑A e não‑B. funções ao nível da replicação do ARN viral
e do processamento da própria poliproteína.
l
Ú
Local interno de
ligação a ribossomas
3’X
Descapsidação Tradução
Protease do hospedeiro
SP
SPP
© Lidel – Edições Técnicas
Figura 58.6 Estrutura do genoma do vírus da hepatite C. O genoma é constituído por uma molécula de ARN de cadeia
simples de polaridade positiva. Contém uma região codificante localizada entre duas regiões não traduzidas, nas extremida-
des 5’ e 3’ (5’‑UTR e 3’‑UTR) que codifica para uma poliproteína de cerca de 3000 aminoácidos que é clivada durante e após
a tradução por proteases virais e celulares em pelo menos 10 proteínas. SP – signal peptidase; SPP – signal peptide peptidase.
(Adaptado de Matsuura Y, et al., 2009)
740 Microbiologia Médica – Virologia Médica
A proteína E2 do invólucro possui duas regi‑ em cultura eficaz que possibilite o estudo deste
ões muito variáveis: regiões hipervariáveis 1 processo. Por outro lado, a única espécie não
(HVR‑1) e 2 (HVR‑2). A variabilidade destas humana que pode ser infetada por HCV é o
regiões tem sido associada à fuga ao sistema chimpanzé (Pan troglodytes) que, embora cons‑
imunológico do hospedeiro. A região não tra‑ tituindo um valioso modelo de estudo da infe‑
duzida localizada na extremidade 5’ (5’‑UTR) ção por este vírus, é pouco acessível.
contém um domínio funcional e estrutural O vírus adsorve à superfície da célula hos‑
essencial para a tradução do genoma do vírus, pedeira, através de uma interação específica
designado por local interno de ligação a ribos‑ entre a proteína de adsorção viral (proteína E2)
somas. Esta estrutura permite a interação e um recetor específico presente na membrana
direta do ARN do vírus com a subunidade 40S celular. Vários recetores celulares têm sido
do ribossoma da célula hospedeira. A região propostos, nomeadamente a molécula CD81
r
-
3’‑UTR desempenha também um papel muito humana, o recetor scavenger classe B tipo 1
to
importante na replicação viral visto que pos‑ (SR‑B1) e o recetor de lipoproteínas de baixa
de a
sui o local de iniciação da síntese da cadeia de
ARN de polaridade negativa.
densidade (LDL) (Figura 58.7). Após adsorção
à célula‑alvo, o HCV entra na célula por endoci‑
au
v
tose. No interior da célula e uma vez no endos‑
soma, o pH ácido altera a conformação das
ão o
Replicação proteínas do invólucro e estas fundem‑se com
is pr
Recetor?
Correcetor? Exocitose
l
HCV e
lipoproteínas
Ú
Genoma
progénito Associação
Aparelho
de Golgi
Endossoma?
Descapsidação
E1-E2
NS3-
NS4A NS5A
NS2
Tradução NS4B NS5B Cápside
E2
E1
Ribossoma
Figura 58.7 Ciclo replicativo do HCV. (Adaptado de Rehermann B. & Nascimbeni M., 2005)
Vírus da Hepatite 741
r
-
viral associam‑se, constituindo a nucleocáp‑ mas muito relacionadas entre si. As quasispé‑
to
side, adquirindo o invólucro viral por gemu‑ cies desenvolvem‑se no organismo do hospe‑
de a
lação através das membranas do RE. O vírus
é então libertado através do aparelho de Golgi
deiro infetado durante o curso da infeção. O seu
aparecimento constitui um mecanismo viral de
au
v
em vesículas que se fundem com a membrana evasão ao sistema imunológico, assim como um
plasmática. dos fatores que dificulta o desenvolvimento de
ão o
uma vacina. As implicações clínicas das qua‑
is pr
grande diversidade genética viral, característica incapacidade em obter uma resposta imunoló‑
Ú
Os anticorpos para HCV não são protetores e a e em países desenvolvidos resulta essencial‑
reinfeção é possível. mente da quebra de protocolos de controlo da
infeção. A transmissão perinatal ocorre, espe‑
cialmente durante o parto, em cerca de 5% das
Epidemiologia crianças cujas mães estão infetadas com HCV.
O risco de infeção é cerca de duas vezes mais
Prevalência elevado quando as mães estão coinfetadas com
HIV. O maior risco de transmissão estará pro‑
A infeção por vírus da hepatite C apresenta vavelmente relacionado com viremia mais ele‑
uma elevada incidência a nível mundial, esti‑ vada na altura do parto.
mando‑se que existam cerca de 170 milhões de
infetados, o que corresponde a 3% da popula‑
r
Manifestações clinicas
-
ção mundial. Nos países desenvolvidos, a pre‑
to
valência de HCV é de 1‑2%. A prevalência da
de a
infeção é bastante elevada entre utilizadores de
drogas injetáveis (>70%) sendo muito menor em
Hepatite C aguda
au
v
doentes submetidos a hemodiálise ou a transfu‑ O período de incubação da infeção por vírus
sões de sangue ou produtos derivados (~10%). A da hepatite C é em média de 6 a 10 semanas.
ão o
prevalência da coinfeção por HCV em doentes A maioria dos indivíduos (~80%) com infeção
is pr
infetados pelo HIV ronda os 30%, sendo parti‑ aguda é assintomática (Figura 58.8). Os sin‑
cularmente elevada (60‑90%) entre utilizadores tomas mais vulgares são mal‑estar, náuseas,
de drogas intravenosas. dores abdominais e icterícia, em 25% dos doen‑
tes. A hepatite fulminante associada à infeção
ev a
Transmissão
R tim
Hepatite C
15% aguda
O vírus da hepatite C é transmitido na maio‑
ria das vezes por exposição percutânea ao san‑ 85%
gue ou produtos derivados. Até à implementa‑
l
aguda é muito rara. A taxa de mortalidade asso‑ a coinfeção por HBV e HIV, responsáveis por
ciada a hepatite C aguda é inferior a 1%. Apro‑ acelerar o desenvolvimento de cirrose e carci‑
ximadamente 70‑90% dos doentes com hepa‑ noma hepatocelular.
tite C aguda são incapazes de eliminar o vírus
durante a fase aguda da doença e desenvolvem
infeção crónica (Figura 58.8). O mecanismo C arcinoma hepatocelular
responsável pela elevada prevalência de infe‑
ção crónica é desconhecido, mas poderá estar O carcinoma hepatocelular primário é uma
relacionado com a diversidade genética do vírus complicação tardia da hepatite C crónica ocor‑
e com a sua capacidade para sofrer mutações rendo normalmente em indivíduos com cirrose.
rápidas escapando constantemente ao sistema O tempo entre o início da infeção e o início do
imunológico. carcinoma varia entre 10‑30 anos. Os meca‑
r
-
nismos envolvidos no desenvolvimento desta
to
patologia são desconhecidos. O HCV não inte‑
de a
Hepatite C crónica gra o seu material genético no genoma do hos‑
pedeiro, não devendo por isso ser diretamente
au
v
O HCV constitui a principal causa de hepatite oncogénico. O papel do vírus no desenvolvi‑
crónica viral na maioria dos países desenvolvi‑ mento de carcinoma poderá resultar dos vários
ão o
dos. ciclos de destruição e regeneração dos hepató‑
is pr
A hepatite C crónica pode ser definida como citos que ocorrem durante anos ou da desregu‑
uma reação inflamatória mantida do fígado lação de vias de sinalização pró e pré‑apoptóti‑
durante pelo menos 6 meses, com diversos cas, que conduzem a modificações neoplásicas
graus de necroinflamação e estádios de doença e à progressão para carcinoma. A incidência
ev a
peso. Os sintomas normalmente não são inca‑ Algumas doenças extra‑hepáticas têm sido
pacitantes e é difícil associá‑los a doença hepá‑ associadas com a infeção crónica por HCV,
tica. Dos doentes com doença hepática cró‑ nomeadamente:
nica, 5‑20% podem desenvolver cirrose e cerca
de 5% destes doentes podem morrer das con‑ Doenças hematológicas, como a crioglo‑
sequências da infeção a longo prazo. A cirrose bulinemia mista essencial, gamapatias mono‑
e o carcinoma hepatocelular são as sequelas clonais e linfomas.
mais tardias da hepatite C crónica. O desenvol‑ Doença renal, particularmente glomeru‑
© Lidel – Edições Técnicas
r
-
a hepatite não são evidentes, deve recorrer‑se a caso dos genótipos 2 e 3. Normalmente a resposta
to
testes de confirmação. Nestes casos a maioria à terapêutica é melhor em doentes que têm valores
de a
dos hepatologistas recomenda pesquisar dire‑
tamente ARN de HCV. A deteção de ARN de
iniciais de ARN viral baixos e uma menor hete‑
rogeneidade em quasispécies, entre outros fatores
au
v
HCV por uma PCR antecedida de uma reação tais como idade, grau de fibrose e até marcadores
de transcrição reversa (RT‑PCR) tem‑se tor‑ genéticos (por exemplo, IL28B-alelo CC).
ão o
nado um método cada vez mais importante para O tratamento normalmente está indicado
is pr
confirmar o diagnóstico de HCV e para avaliar em todos os doentes com infeção crónica por
a resposta à terapêutica. A pesquisa de ARN de HCV (ARN viral detetado no sangue) e evidên‑
HCV é extremamente útil em doentes serone‑ cia de doença hepática com atividade necroin‑
gativos com hepatite C, particularmente indi‑ flamatória. Em finais de 2011, foram aprovados
ev a
víduos imunodeprimidos, que não apresentam dois novos fármacos, inibidores da protease, o
evidência serológica de infeção por HCV apesar boceprevir e o telaprevir, que conjuntamente
R tim
após a infeção. Saliente‑se que a positividade 75-88% em recidivantes e 38% em não respon‑
Ú
Prevenção
Tratamento, prevenção
e controlo Atualmente não existe uma estratégia de imu‑
nização para prevenção da hepatite C. A forma
Tratamento mais eficaz de prevenir a infeção pelo vírus da
hepatite C é evitar comportamentos de risco,
O tratamento de referência da hepatite C inclui tais como a exposição a sangue contami‑
a associação de interferão-α-peguilado com nado. O rastreio dos dadores de sangue dimi‑
ribavirina administrado durante 24, 48 ou 72 nuiu significativamente a incidência de hepatite
semanas, dependendo do genótipo do vírus e C pós‑transfusão. As campanhas de troca de
da resposta virológica ao longo do tratamento seringas implementadas para prevenir a infeção
(avaliação à 4.ª e 12.ª semanas). por HIV têm também contribuído para dimi‑
nuir a transmissão de HCV.
Vírus da Hepatite 745
Vírus da hepatite D
r
-
mas homologias com as observadas em viroi‑ tir do ARN genómico, ARN mensageiros com
to
des de plantas. Contudo, o HDV não se asse‑ cerca de 800 nucleótidos que codificam para
de a
melha com nenhum agente infecioso animal
conhecido. Em consequência, este vírus apre‑
uma das formas do AgHD, a forma pequena
(P‑AgHD) com 195 aminoácidos e cerca de
au
v
senta‑se como o único representante do género 24 KD. Numa fase mais tardia do ciclo repli‑
Deltavirus. cativo do vírus, algumas moléculas de ARN
ão o
são alvo de uma modificação pós‑transcricio‑
is pr
rica com cerca de 36 nm de diâmetro que apre‑ uma variante do AgHD com 214 aminoácidos,
senta um invólucro viral composto por gli‑ a forma grande (G‑AgHD). As duas proteínas
R tim
r
-
portam a hipótese do ARN genómico servir de durante infeções crónicas, podendo persistir por
to
molde para a replicação que ocorre através de vários anos. A resposta humoral parece, con‑
de a
um mecanismo de duplo círculo rolante. Uma
fração dos transcritos produzidos consiste em
tudo, não possuir atividade neutralizante não
sendo capaz de modular o curso da infeção.
au
v
moléculas de ARN antigenómicos multiméri‑ Não se encontra bem esclarecido o papel
cos. Estas moléculas possuem uma atividade das células T na infeção pelo HDV. Em indiví‑
ão o
autocatalítica de ribozima que permite cli‑ duos negativos para o ARN do HDV e positivos
is pr
var o ARN em monómeros a intervalos preci‑ para os AgHD foram detetadas respostas fracas
sos. Estes monómeros são seguidamente liga‑ mediadas por células CD4+ específicas para os
dos pela ação de uma ligase de ARN celular AgHD, sugerindo a participação das células T
obtendo‑se moléculas de ARN circulares. Estas na eliminação do vírus.
ev a
estrutura do tipo cap em 5’ e são processados A OMS estima que entre 15 e 20 milhões de
Ú
de modo a formar um ARN mensageiro polia‑ indivíduos (cerca de 5%) dos portadores cróni‑
denilado. Este ARN mensageiro é exportado cos do HBV, se encontravam igualmente infe‑
para o citoplasma onde é traduzido em AgHD tados pelo HDV. A distribuição mundial da
(P‑AgHD ou G‑AgHD) que são imediatamente infeção pelo HDV apresenta um padrão gene‑
importados para o núcleo. No núcleo, as molé‑ ralizado mas pouco uniforme que não é total‑
culas de P‑AgHD e G‑AgHD formam comple‑ mente coincidente com o do HBV. As regiões
xos ribonucleoproteicos com moléculas nascen‑ descritas como endémicas incluem um grande
tes de ARN genómico. Numa fase mais tardia número de países africanos, o Médio Oriente,
do ciclo replicativo, as ribonucleoproteínas vi‑ a Ásia Central, algumas ilhas do Pacífico e a
rais são exportadas para o citoplasma onde a bacia do Amazonas. No caso da região Amazó‑
G‑AgHD promove a interação das ribonucleo‑ nica brasileira, a hepatite D representa um pro‑
proteínas do HDV com os AgHBs do HBV, for‑ blema grave de saúde pública, chegando a atin‑
mando‑se partículas virais maduras de HDV. gir valores de prevalência superiores a 85% em
Estes viriões são libertados do hepatócito atra‑ pacientes com hepatite B crónica.
vés da rede trans‑Golgi e infetam novas células A análise da variabilidade genética do HDV
propagando, assim, a infeção. revelou a presença de oito genótipos distintos.
Vírus da Hepatite 747
Genótipo 1
Genótipo 1
Elevado
Intermédio
Baixo Genótipo 1
r
Muito baixo
-
dados insuficientes
to
Genótipo 1/2/4
de a
au
v
Genótipos 1/3 Genótipos 5-8
ão o
Figura 58.10 Prevalência mundial do HDV e distribuição geográfica dos genótipos. (Adaptado de Hughes et al., 2010)
is pr
Na década de 90 do século passado verifi‑ tágio, sendo a exposição por via parenteral a
caram‑se algumas mudanças no padrão epide‑ principal forma de transmissão do vírus. Nas
miológico da hepatite D. A circulação do vírus regiões não endémicas, a exposição percutânea
diminuiu significativamente em algumas zonas é a via de transmissão mais frequente, princi‑
endémicas, nomeadamente no Sul da Europa. A palmente em utilizadores de drogas intraveno‑
diminuição verificada na prevalência do vírus sas. É também frequente a infeção entre prosti‑
resultou da implementação de medidas de pre‑ tutas e homossexuais masculinos, evidenciando
venção contra o HIV, vacinação global con‑ que o contacto sexual com portadores do vírus
© Lidel – Edições Técnicas
tra o HBV, assim como alterações nos padrões também representa uma importante via de
de comportamento. Apesar desta tendência de transmissão do HDV.
redução da prevalência, atualmente a Europa
permanece um reservatório para a infeção pelo
HDV, suportado principalmente por uma popu‑ Manifestações clínicas
lação jovem, com infeções recentes, que migrou
para a Europa, a partir de áreas onde o vírus O HDV é responsável por uma das mais gra‑
permanece endémico. Em Portugal, não se ves formas de doença hepática. Do ponto de
748 Microbiologia Médica – Virologia Médica
vista histológico, as alterações patológicas limi‑ grave do que a monoinfeção por HBV com
tam‑se ao fígado e coincidem com as observá‑ uma progressão rápida de fibrose no fígado. Em
veis noutras hepatites virais, nomeadamente cerca de 60‑80% dos casos observa‑se o desen‑
necrose hepatocelular e inflamação. volvimento de cirrose, o que constitui uma
O quadro clínico de uma infeção pelo HDV taxa cerca de três vezes superior à observada
pode ser bastante variável, podendo causar para a infeção apenas com HBV. A percenta‑
doenças agudas ou crónicas. Após o período de gem de indivíduos em que a doença evolui para
incubação, que varia de 3 a 7 semanas, obser‑ carcinoma hepatocelular é também cerca de
vam‑se os primeiros sintomas que incluem três vezes mais elevada do que a verificada em
fadiga, letargia, anorexia e náuseas. monoinfeções com HBV.
O HDV pode ser transmitido por coinfe‑
ção ou superinfeção, se transmitido em simul‑
r
-
tâneo ou a indivíduos previamente infetados Diagnóstico laboratorial
to
pelo HBV, respetivamente. No caso de coinfe‑
de a
ção, a expressão clínica do HDV varia muito,
ainda que raramente evolua para hepatite cró‑
O diagnóstico laboratorial da infeção por HDV
baseia‑se principalmente em técnicas imunoen‑
au
v
nica. A taxa de cronicidade é inferior a 5%, ou zimáticas e de radioimunoensaio para deteção
seja, semelhante à observada em infeções isola‑ de antigénios e anticorpos específicos, no soro
ão o
das por HBV. No entanto, a superinfeção pelo de pacientes. O AgHD é o marcador específico
is pr
As infeções agudas por HDV podem causar Esta tecnologia tem‑se revelado bastante útil na
Ú
r
-
é muitas vezes detetável um novo aumento da venção da superinfeção pelo HDV em indiví‑
to
carga viral. duos cronicamente infetados pelo HBV. Tanto a
de a
Alguns agentes antivirais, incluindo famci‑
clovir, lamivudina e adefovir, que não mostra‑
utilização direta de AgHD como vacina, como
a imunização recorrendo a vacinas de ADN
au
v
ram eficácia na inibição da replicação do HDV, que codificam para o AgHD não demonstra‑
mas são ativos contra o HBV, foram utilizados ram possuir capacidade de induzir imunidade
ão o
em monoterapia ou em combinação com inter‑ protetora contra a infeção pelo HDV. Assim, a
is pr
ferão sozinho.
l
Vírus da hepatite E
Ú
O genoma viral consiste numa molécula de casos de infeção no Homem por um vírus de
ARN linear de cadeia simples com aproxima‑ hepatite E que aparentava ser mais semelhante
damente 7,5 kb e polaridade positiva. Apresenta à estirpe suína do que à estirpe humana. Estas
uma região onde se encontram três fases de lei‑ descobertas levaram à procura de outros vírus
tura aberta (ORF1‑ORF3) rodeada por duas semelhantes ao HEV capazes de infetar outras
pequenas regiões não codificantes nas extremi‑ espécies animais. Descobriram‑se estirpes de
dades 5’e 3’. A primeira fase de leitura aberta HEV de porco, javali, coelho, veado e, mais
(ORF1) parece codificar para poliproteínas recentemente, galinha. Verifica‑se, assim, que a
virais não estruturais e envolvidas na replica‑ hepatite E é uma doença de animais transmissí‑
ção. A sua sequência apresenta diversos domí‑ vel ao Homem sendo, por isso, considerada uma
nios funcionais putativos (metiltransferase, pro‑ zoonose.
tease de cisteínas, helicase, polimerase de ARN
r
-
dependente de ARN). Ainda não é claro se a
to
ORF1 codifica para uma única proteína de múl‑ Classificação taxonómica
de a
tiplos domínios ou para várias proteínas distin‑
tas mais pequenas. A ORF2 e a ORF3 sobre‑ Originalmente integrado na família Calicivi-
au
v
põem‑se. A ORF2 codifica para a proteína da ridae, o HEV não apresentava, contudo, uma
cápside que possui capacidade de ligação ao homologia significativa com outros membros.
ão o
ARN viral e é fundamental para a encapsidação Atualmente, é o único membro do género Hepe-
is pr
do vírus. A ORF3 codifica para uma pequena virus da família Hepeviridae. No entanto com a
fosfoproteína que se associa ao citosqueleto da recente identificação de novas estirpes infecio‑
célula e também se liga ao ARN viral e à pro‑ sas em animais distintos, incluindo aves, a clas‑
teína da cápside, sendo essencial para a infecio‑ sificação atual poderá vir ainda a ser alterada.
ev a
sidade do HEV.
R tim
Genótipos
Replicação
Na classificação atual, as estirpes de HEV res‑
A ausência de um sistema de cultura de célu‑ ponsáveis por infeções em mamíferos estão di‑
l
las eficiente para o estudo do HEV tem difi‑ vididas em quatro genótipos (1‑4) e pelo menos
Ú
cultado muito a compreensão dos mecanismos 24 subgenótipos (1a‑1e, 2a‑2b, 3a‑3j, 4a‑4g) (Fi‑
envolvidos na replicação deste vírus. Apesar de gura 58.11).
se terem estabelecido linhas celulares de hepa‑ Os genótipos apresentam uma distribui‑
toma onde ocorre a replicação do HEV, a quan‑ ção geográfica bastante específica. O genótipo
tidade de componentes virais produzidas é insu‑ 1 inclui estirpes isoladas de casos no Homem
ficiente para o seu estudo. Deste modo, os dados endémicos e esporádicos de algumas regiões da
até agora obtidos são ainda extremamente limi‑ Ásia e da África e de indivíduos que viajaram
tados. Trata‑se, sem dúvida, de um campo que até essas regiões. No genótipo 2 estão incluídos
carece de maior atenção e aprofundamento. isolados de surtos que ocorreram no México e
alguns casos da África Oriental. O genótipo 3
foi identificado em casos esporádicos de países
Diversidade genética industrializados e agentes infeciosos de outros
mamíferos como porco e veado. Ao genótipo 4
Um dos mais importantes avanços no estudo da correspondem estirpes responsáveis por infe‑
hepatite E foi a descoberta, em 1997, do vírus ções esporádicas na Ásia e algumas estirpes
da hepatite E suína. Seguiu‑se a observação de suínas. Os genótipos 3 e 4 aparentam ser menos
Vírus da Hepatite 751
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Figura 58.11 Árvore filogenética baseada nas sequências genómicas completas de HEV de estirpes humanas e suínas.
As sequências humanas apresentam o sufixo Hu e as suínas o sufixo Sw. O número do genótipo está indicado dentro dos
círculos de cada ramo principal. A barra horizontal representa a escala de distância genética relativa. (Adaptado de Agga-
R tim
rwal, 2010)
patogénicos para o Homem do que as estirpes alguns dias o aparecimento de IgG anti‑HEV.
que integram os genótipos 1 e 2. Embora as IgM entrem em declínio no início
l
Epidemiologia Transmissão
r
-
de chuvas fortes e inundações pois propiciam contaminação poderá dever‑se ainda ao relati‑
to
a mistura de excrementos com água potável. vamente longo período de incubação da doença,
de a
No entanto, nalguns surtos verifica‑se o oposto,
ou seja, em períodos de clima seco e quente a
que se pensa poder variar entre 3 e 8 semanas.
Nas regiões não endémicas a emergência de
au
v
diminuição de caudais pode levar à concentra‑ casos esporádicos está normalmente associada
ção de contaminantes fecais. ao consumo de alimentos contaminados de ori‑
ão o
Apesar de só se encontrarem documenta‑ gem animal ou a indivíduos que regressam de
is pr
Norte de África e Médio Oriente podem ser causadas por outros vírus hepatotrópicos. As
Ú
r
-
dos pacientes pertence a uma faixa etária supe‑ o ARN viral pode ser detetado por RT‑PCR em
to
rior e, geralmente, apresentam outras doenças. cerca de 50% dos casos, nas fezes de pacien‑
de a
As manifestações clínicas incluem hepatite icté‑
rica, doença anti‑ictérica sem sintomas especí‑
tes na fase aguda da doença. O diagnóstico por
microscopia eletrónica deteta apenas cerca de
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ficos e aumento assintomático da concentração 10% dos casos positivos. Consequentemente, os
de transaminases. Alguns casos são inicial‑ ensaios serológicos são o método mais usado
ão o
mente atribuídos a lesões hepáticas provocadas para o diagnóstico da hepatite E.
is pr
mente sujeitos a transplante de fígado. Todos um caráter ainda muito preliminar e baseiam‑se
Ú
os casos de hepatite E crónica registados desde num número limitado de casos em que se usa‑
então ocorreram em pacientes sob terapia imu‑ ram, com algum sucesso, interferão‑peguilado,
nossupressora e infetados com vírus perten‑ ribavirina ou a combinação de ambos.
cente ao genótipo 3. A prevenção baseia‑se essencialmente na
adoção de medidas de higiene e cuidados na
alimentação, uma vez que não há ainda vacina
Manifestações extra‑hepáticas contra o HEV. Nas regiões endémicas reco‑
menda‑se evitar o consumo de água, gelo e ali‑
© Lidel – Edições Técnicas
Existe um registo que associa a infeção pelo mentos mal cozinhados cuja origem e higiene
HEV do genótipo 3 a distúrbios neurológi‑ sejam desconhecidas.
cos. Baseia‑se num estudo de 126 doentes com
hepatite E aguda e crónica dos quais sete desen‑
volveram complicações neurológicas. Em qua‑
tro dos casos com doença crónica detetou‑se
ARN viral no líquido cefalorraquidiano.
754 Microbiologia Médica – Virologia Médica
HAV
Jovem do sexo feminino, 25 anos, é admitida no hospital com um quadro clínico que se carac‑
teriza por febre, anorexia, vómitos e perda de peso. É residente em Lisboa, casada e com dois
filhos de 3 e 5 anos. Faz ainda parte do agregado familiar uma tia‑avó de 75 anos de idade. Ambas
as crianças frequentam o mesmo infantário e no momento não apresentam quaisquer sinais ou
sintomas de doença, embora duas educadoras da escola estejam de baixa médica por apresen‑
tarem icterícia. Testes serológicos efetuados no ano anterior indicam que a paciente é seroposi‑
tiva para anticorpos que reconhecem os antigénios de superfície do vírus da hepatite B. Análi‑
ses serológicas realizadas no dia da admissão hospitalar mostram valores de bilirrubina sérica
r
e ALT significativamente elevados, compatíveis com um quadro clínico de hepatite aguda.
-
to
1. Qual é o agente etiológico, mais provavelmente, responsável por esta infeção?
2. Quais são os testes serológicos que devem ser efetuados para confirmar o diagnóstico?
de a
3. Atendendo ao agregado familiar, país e cidade que habitam qual é a mais provável via de
au
v
transmissão e fonte de contágio?
4. Recomendaria a vacinação das crianças? E do marido, que tem 26 anos? E da tia‑avó? No
ão o
caso de optar pela vacinação de todos ou parte do agregado familiar, consideraria necessá‑
rio averiguar a imunidade dos indivíduos previamente à vacinação?
is pr
HBV
Doente do sexo feminino de 34 anos, casada, com AgHBs+ detetado em análises de rotina, sem
ev a
comportamentos de risco.
1. Que outras análises pediria para completar o estudo?
R tim
Jovem do sexo feminino, 29 anos, referenciada da consulta de hematologia por anti‑HCV posi‑
tivo.
Informação clínica: leucemia linfocítica aguda em remissão há mais de 20 anos. Terá feito
várias transfusões no passado. Assintomática; ALT – 74 UI/L (valor de referência até: 60 UI/L);
anti‑HBs 540 UI/ml.
1. Que exames laboratoriais solicitaria para confirmar o diagnóstico? Justifique.
2. Qual terá sido a via de transmissão?
3. Qual o significado da presença de anti‑HBs?
4. Qual o tratamento recomendado?
HDV
1. Por que motivo se considera o HDV um vírus satélite do HBV?
2. Qual a terapia mais frequentemente utilizada no tratamento da hepatite D?
3. Qual é o modo mais eficaz de prevenir a doença?
Vírus da Hepatite 755
HEV
1. Por que motivo se considera a hepatite E uma zoonose?
2. Quais as principais fontes de contaminação com o HEV?
3. Que cuidados devem ser tomados durante a estadia em zona endémica para a hepatite E?
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