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EDIÇÕES ANTÍGONA

R. da Trindade, n.O5 - 2.° F -1200-467 Lisboa


I 1

Título' ...................................................................................
OS AMERICANOS
Dissidente é aquele que, numa determi-
nada fase da sua vida, se afasta
momentaneamente do rebanho e se
põe a pensar por ele próprio.
Archibald Macleish Preço: .

Henry Louis Mencken (1880-1956)


nasceu em Baltimore, Maryland, e foi
exactamente a controvérsia susci-
tada pela coluna que assinava no
Baltimore Sun que lhe granjeou noto-
riedade a nível nacional, marcando
indelevelmente os EUA do século XX.
Mencken destacou-se, de facto,
enquanto jornalista, ensaísta, crítico
literário e analista político, um «liber-
tário» precoce, autor de uma prosa
clara como água e mortal e certeira
como um tiro, da qual faz parte,
por exemplo, American Language,
In Dejense of Women, A New
qictionary ot Quotations e Prejudices \
(série de seis volumes publicada entre
1919
o presente
American»,
assombrosa
e 1927,
ensaio,
onde está
«On Being
no original). Com efeito, a
modernidade
incluído

deste texto,
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publicado em 1922, deve muito à


lucidez dissidente de Mencken, que,
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Título original ON BEING AN AMERICAN

in Prejudices, yd series, 1922


Autor Henry Louis Mencken
Tradução Femando Gonçalves
Revisão Cada da Silva Pereira
Capa Ricardo Tadeu Barros / TI design
Fotografias Robert Frank (1958)
Paginação Leonel Matias
c/ Cada da Silva Pereira
Impressão Guide - Artes Gráficas
Copyright Publicado com a autorização
da l'Enoch Pratt Free Library de Baltimore
conforme acordado com os herdeiros
de Henry Louis Mencken
Antígona para a língua portuguesa 2005
1. a edição portuguesa Maio de 2005
Antígona Editores Refractários
Rua da Trindade, n." 5_2.° F
1200-467 Lisboa - Portugal
Telefone 213244170 - Fax 213244171
www.antigona.ptinfo@antigona.pt
Depósito legal n. ° 226068/05
ISBN 972-608-171-8

=8

S?lo que tudo indica, alguns começam a
achar a tarefa desagradável, ou melhor, impos-
sível. A sua infelicidade enche as páginas dos
semanários liberais, e todos os navios que saem
de Nova Iorque transportam uma carga geme-
bunda com destino a Paris, Londres, Munique,
Roma e locais ainda mais longínquos. Qual-
quer destino serve para escaparem às grandes
maldições e atrocidades que lhes infernizam a
vida na terra natal. Deixem-me desde já afirmar
que pouco tenho a objectar às suas principais
queixas. De facto, em mais do que um aspecto,
vou talvez muito mais longe do que os Jovens
Intelectuais 1• Por exemplo, uma das minhas
mais firmes e sagradas crenças, resultado de
mais de vinte anos de estudo e apoiada em ora-

9
ção e meditação constantes, é que o governo Por isso, tudo somado, estou com os fugiti-
dos Estados Unidos, tanto no ramo legislativo vos Jovens Intelectuais - mesmo para além das
como no executivo, é ignorante, incompetente, Terras Más'. Estes são, em suma, os artigos car-
corrupto e repulsivo, e não isento deste julga- deais da minha fé política, fervorosamente pro-
.mento mais do que vinte legisladores no activo fessados desde a minha admissão à cidadania,
e outros tantos agentes do poder executivo. e deles estou cada vez mais convicto à medida
Não deixo também de acreditar piamente que que me vou desintegrando no carbono, oxigé-
a administração da justiça no seio da República nio, hidrogénio, fósforo, cálcio, sódio, nitrogé-
é estúpida, desonesta e contrária a toda a razão nio e ferro de que sou constituído. É nisto que
e equidade, e não isento deste julgamento mais acredito e é isto que prego, in nomine Domini,
do que trinta juízes, incluindo dois com assento ámen. E no entanto, quando zarpam os Jovens
no Supremo Tribunal dos Estados Unidos. Es- Intelectuais, quedo-rne no cais, embrulhado na
tou igualmente convencido de que a política bandeira. E no entanto, aqui permaneço, sem
externa dos Estados Unidos - o seu modo usual
vacilar e sem desesperar, um Americano leal e
de lidar com outras nações, amigas ou inimigas
devotado, pagando os impostos sem queixumes,
- é hipócrita, dissimulada, desonesta e deson-
obedecendo a todas as leis a que fisiológica-
rosa, e deste julgamento não admito quais-
mente se pode obedecer, aceitando sem protes-
quer excepções, recentes ou remotas. É minha
tar os deveres e as responsabilidades fundamen-
quarta (e última, para evitar um balanço dema-
tais da cidadania, investindo os parcos usufrutos
siado deprimente) convicção que o povo ame-
da minha ingrata labuta em títulos da dívida
ricano, grosso modo, constitui a mais timorata,
pública, evitando qualquer convivência com
choramingas, pusilânime e ignominiosa multi-
dão de servos e praticantes de ordem unida que homens empenhados em derrubar o governo,
alguma vez se juntou sob a mesma bandeira em dando a minha modesta contribuição para a gló-
toda a Cristandade desde o fim da Idade Média, ria das artes e ciências nacionais, adornando e
ficando mais timorata, mais choramingas, mais enriquecendo a língua nativa, rejeitando todos
pusilânime e mais ignominiosa cada dia que os engodos (e mesmo todos os convites) para
passa. ir para fora e por lá ficar: eis-me, um solteiro

10 11
desafogado, quarenta e dois anos, sem dívidas Stearns e os emigrés de Greenwich Village lan-
ou preocupações que me constranjam, livre de çaram os seus apelos sucessivos à intelligentsia
ir aonde me apetecer e de ficar o tempo que bem nutrida para que abandonassem a choldra,
me apetecer; eis-me, prazenteiro, ufano até, ao rum ando a terras mais justas, livrando-se da
abrigo da bandeira nacional, melhor cidadão, maldição para sempre? A resposta, obviamente,
atrevo-me a dizê-Ío, e de certeza menos quei- deve ser procurada na natureza da felicidade, o
xinhas e menos exigente, do que milhares que que predispõe à metafísica. Mas vou manter-me
põem Sua Ex." Warren Gamaliel Hardíng' ao com os pés assentes no chão. Para mim (e posso
lado de Frederico Barbaruiva e Carlos Magno, apenas seguir o meu próprio faro), a felicidade
que defendem ser o Supremo Tribunal direc- apresenta-se como um todo, pelo menos, tripar-
tamente inspirado pelo Espírito Santo, que tido. Para ser feliz (reduzindo tudo ao essencial)
são membros fervorosos de tudo o que é Clube preciso de estar:
Rotário, Ku Klux Klan e Liga Anti~Saloon4,
que sufocam de emoção quando a filarmónica a. Bem alimentado, livre de preocupações mes-

executa «The Star-Spangled Banner-? e que quinhas, à vontade na mãe-pátria;


acreditam, à maneira das criancinhas, que um b. Repleto de um reconfortante sentimento de
dos Nossos Rapazes, escolhido ao acaso, é capaz superioridade em relação à grande massa dos
de arrumar, numa luta justa, dez ingleses, vinte meus compatriotas;
alemães, trinta franciús, quarenta italianos, c. Permanentemente divertido, com finura de
cinquenta japonocas ou cem bolcheviques. espírito e de acordo com o meu gosto.
Assim sendo, por que continuo aqui? Por
que sou tão complacente (ao ponto, talvez, É minha opinião que, caso esta definição seja
de ser ofensivo), tão pouco bilioso, tão pouco aceite, não existe país à face da Terra onde um
tomado de cuidados e de indignação, tão intri- homem com uma maneira de ser parecida com
gantemente feliz? Por que me limitei a respon- a minha - um homem com as minhas fraque-
der com uns poucos «Muito bem» académi- zas e vaidades, os meus apetites, preconceitos
cos quando Henry James, Ezra Pound, Harold e aversões - possa ser tão feliz, ou mesmo feliz

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pela metade, como aqui, nestes estados livres e minável de extorsões e fraudes governamentais,
independentes. Vou mais longe postulando que de bandidos e comerciantes sem escrúpulos, de
é fisicamente impossível para um homem como palhaçadas teológicas, de brejeirices estéticas,
eu viver Nestes Estados e não ser feliz. É isto tão de vigarices e aleivosias legais, de uma misce-
impossível como vermos um rapazinho chorar lânea de imoralidades, torpezas, imbecilidades,
por descobrir incendiada a sua escola. Quem fenómenos grotescos e luxuosidades - é tão
disser que não é feliz aqui, ou mente ou é louco. extraordinariamente alarve e ridículo, de tal
Aqui, arranjar um modo de vida, especialmente modo elevado à mais alta voltagem, tão regu-
desde que a guerra trouxe o saque de toda a larmente enriquecido com uma audácia e uma
Europa para os cofres nacionais, é incompara- originalidade quase para além dos limites da
velmente mais fácil do que em qualquer outra imaginação, que é preciso termos nascido com
terra cristã: tão fácil, de facto, que, para fracas- o diafragma petrificado para não adormecermos
sar, qualquer pessoa culta e com capacidades todas as noites contorcidos de riso, e não acor-
tem de desenvolver esforços deliberados nesse darmos todas as manhãs com a ânsia pueril de
sentido. Aqui, a média geral de inteligência, um catequista que faz o circuito dos peep~shows
de conhecimento, de competência, de inte- de Paris.
gridade, de respeito próprio e de honra é tão Talvez sopre aqui uma leve brisa retórica.
baixa que qualquer homem conhecedor do seu Talvez me entregue às palavras à guisa de um
ofício, que não receie fantasmas, que haja lido conferencista do método chautauqua", culti-
cinquenta bons livros e pratique os bons costu- vando e estimulando os camponeses com a sua
mes, dá tanto nas vistas como uma verruga na Mensagem vinda directamente da Nova [erusa-
cabeça de um careca e é atirado, quer queira, lém. Mas, na essência, sou tão sincero quanto
quer não, para o seio de uma limitada e exclu- ele. E sou-o no que diz respeito, por exemplo,
siva aristocracia. E aqui, mais do que em qual- a sentir-me à vontade na mãe-pãtria, a obter
quer outro lugar que conheça ou de que tenha o meu quinhão do bolo nacional, actualmente
ouvido falar, o panorama da vida quotidiana, com dimensões astronómicas. É minha opi-
da estupidez pública e privada - o desfile inter- nião que hoje, nos Estados Unidos, aquele que

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fracassar neste aspecto deve ser um tanto ou absurdo alguém querer oferecer ao público uma
quanto estúpido, talvez não à primeira vista, mercadoria que apenas uns quantos americanos
mas lá no fundo seguramente. Das duas uma: suspeitos estão dispostos a comprar, e depois
ou fica com as pernas cortadas por, digamos, bater com a mão no peito lamuriando-se com
constituir família antes de angariar meios para falta de clientes. Quem quiser ganhar a vida
a sustentar, fazer mau negócio na venda da sua num dado país tem de considerar as necessi-
mercadoria ou preocupar-se demasiado com o dades e os gostos desse mesmo país. Aqui, nos
negócio dos outros; ou então tenta presunçosa- Estados Unidos, não há lugar nem para grão-
mente vender algo em que nenhum americano -duques, nem para Conselheiros Secretos, nem
normal está interessado. Sempre que ouço um para eunucos do palácio, nem para treinado-
professor de filosofia queixar-se de que a mulher
res de cães de caça, e também já não para os
fugiu com um qualquer actor de cinema ou com
Todsaufer7 que enchem as cervejarias, e muito
um mixordeiro que podem ao menos alimentá-
pouco para tocadores de oboé, metafísicos,
-la e vesti-Ia, aquilo que seria a minha compai-
astrofísicos, assiriologistas, aguarelistas, asce-
xão natural pelo infeliz vê-se minada pelo des-
tas e poetas épicos. Tempos houve em que o
prezo que me suscita a sua falta de bom senso.
Todsaufer servia o interesse público e recebia por
Estaria em seu perfeito juízo aquele que percor-
isso a recompensa adequada, mas esse tempo já
resse o Sudão tentando vender canetas de tinta
lá vai. Virá talvez o tempo em que o compo-
permanente, ou quisesse ensinar contabilidade
ou contraponto na Gronelândia? Mais perto sitor para quartetos de cordas receberá tanto
de nós, teriam os espíritos mais sensatos pena como o chefe de um comboio, mas ainda lá não
de alguém que abrisse uma livraria especializada chegámos. Por que exercer então estas activi-
em incunábulos em Little Rock, no Arkansas, dades, pelo menos encaradas como profissões?
ou que esperasse fazer negócio em McKeesport, O homem de recursos pode aventurar-se nelas
na Pensilvânia, só com o argumento de saber com prudência; não correrá grandes riscos, e
ler sumério? Ou seria antes motivo de escárnio? pode até dizer-se que presta um serviço público
Do mesmo modo, parece-me completamente ao abraçá-las. Mas o homem que precisa de

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ganhar a vida é néscio se assim agir; parece-se A doutrina segundo a qual é infra digitatem
com um soldado que se lança sobre o campo de para um homem culto participar na captura
batalha com um caixão às costas. Que se deixe, deste passarão não me convence minimamente.
pois, de vaidades pueris e se dedique ao seu Professam-na sobretudo aqueles, creio, que se
próprio aperfeiçoamento moral e intelectual, aventuraram no empreendimento e fracassa-
a exemplo do que fizeram milhares de outras ram, refugiando-se depois na ideia pueril de que
vítimas do sistema industrial. Não se esqueça existe honra na pobreza per se: é o complexo
ele que, apesar da sua negligência em relação de Greenwich Village. Tudo isto não passa de
às humanidades e seus monges, a República puro disparate. A pobreza pode às vezes ser uma
está em défice permanente de corretores, char- desgraça inevitável, mas isso não a torna mais
latães, dirigentes políticos locais, frenologistas, honrada do que um olho vesgo o é pelas mes-
evangelistas metodistas, palhaços, ilusionistas, mas razões. Quer isto dizer que preconizo um
soldados, agricultores, autores de canções popu- incessante e insensato desejo de dinheiro? Não
lares, destiladores clandestinos, falsificadores propriamente. Tudo o que defendo - e acho
de rótulos de gin, guardas de minas, detectives, louvável - é que se deve amealhar o suficiente
espiões, bisbilhoteiros e agents provocateurs. para nos proporcionar segurança e bem-estar.
As regras são fixadas pela Omnipotência; o Apesar de todas as superstições românticas em
homem discreto respeita-as. Respeitando-as, sentido contrário, o artista não dá o melhor de
está a salvo debaixo das mantas, faça chuva ou si quando oprimido por necessidades não satis-
faça sol. O boobus americanus é uma ave que se feitas. Nem tão pouco o filósofo. Ou o homem
pode caçar todo o ano, e mesmo que não mos- de ciência. Não são os famintos, maltrapilhos e
tre interesse pelas acções do petróleo do Texas, com preocupações de toda a ordem que produ-
pelas curas instantâneas do cancro ou lotes para zem o pensamento mais profundo e mais claro,
urbanizar em Swampshurst, há-de sempre vir ou a arte mais refinada, mas antes os bem ali-
comer à mão da Inspiração e do Optimismo, mentados, gozando de conforto e despreocu-
sejam estes políticos, teológicos, pedagógicos, pação. O primeiro dever do artista para com a
literários ou económicos. sua arte é obter esta tranquilidade. Shakespe-

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-,
are tentou-o, assim como Beethoven, Wagner, excepto os mais orgulhosos. Existir é até capaz de
Brahms, Ibsen e Balzac. Goethe, Schopenhauer, ser demais, como atestam as frequentes acções
Schumann e Mendelssohn tiveram-na desde a do Ku Klux Klan, da Legião Americanas, da
nascença. [oseph Conrad, Richard Strauss e Liga Anti~Saloon e outros comités de vigilância.
Anatole France conseguiram-na bem no nosso Eis um país onde todo o pensamento e activi-
tempo. No Velho Continente, onde a compe- dade políticas se encontram reduzidos à disputa
tência está muito mais generalizada, tornando, por bons lugares, onde o político vulgar, seja ele
por isso, a competição bastante mais renhida, presidente ou inspector de estradas municipais,
esta tarefa assume frequentemente uma cruel não hesita em renunciar aos seus princípios,
dificuldade e, por vezes, é praticamente impos- por mais caros que lhe sejam, para cometer as
sível. Mas nos Estados Unidos, com um pouco maiores tropelias, por mais repugnantes que
de sorte, é absurdamente fácil. Qualquer pes- lhe pareçam, com vista a manter o seu lugar na
soa que ponha um ar de superioridade, com a gamela. Experimente alguém entrar na política
inteligência de um corretor de bolsa e a deter- sem procurar ou desejar um bom emprego, e
minação de uma empregada de bengaleiro, em logo dará tanto nas vistas como um preto ruivo.
suma, qualquer pessoa que acredite nela própria Na verdade, talvez ainda mais, pois pretos rui-
o suficiente para merecer o título de aprendiz, vos não são propriamente novidade; mas quem
pode sacar dinheiro suficiente, nesta gloriosa já viu ou ouviu falar de qualquer político ame-
comunidade de imbecis, para que a existência ricano, Democrata ou Republicano, Socialista
lhe corra de feição. ou Liberal, Whig9 ou Tory que não estivesse em
E assim como é fácil rechear a bolsa, com pulgas para arranjar um emprego? Eis um país
um pouco de prudência e de engenho, também que construiu um axioma segundo o qual todo
o bálsamo para o ego se pode facilmente obter, o homem de negócios será forçosamente mern-
desde que observados os princípios da digni- bro de uma Câmara de Comércio, admirador de
dade e do decoro. De facto, na nossa República, Charles M. Schwab'", leitor do Saturday Eve~
o homem civilizado só tem de existir para obter ning Post e jogador de golfe; em suma, um vege-
uma distinção que a todos devia contentar, tal. Experimentem passar os vossos momentos

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J j
de ócio lendo Remy de Gourmont ou a praticar a paixao teológica de Brvan'", venera [ohn
violoncelo, e logo o jornal local de domingo Pierpont Morgan!', leva o Congresso a sério; a
I vos há-de descobrir e louvar come=se de um nação ficaria chocada e sem palavras se lhe dis-

r prodígio se tratasse; melhor ainda: o vosso ban-


queiro há-de convocar-vos para discutir a vossa
sessem (apresentando as respectivas provas) que
os seus juízes, em grande medida, são completos
conta, e os vossos rivais hão-de espalhar a notí- ignorantes, e que uma respeitável minoria não
cia (provavelmente verdadeira) de que eram passa de uma corja de malfeitores. O fabrico
pró-alemães durante a guerra. No entanto, e artificial de altezas reais e até de deuses pros-
mais uma vez, eis uma terra em que as mulhe- segue a ritmo alucinante; a vontade de venerar
res são os amos e os homens os escravos. Edu- mostra-se inquebrantável. Dez ferreiros reúnem-
quem as vossas mulheres para vos trazerem as -se nas traseiras de um bar, criam uma loj a da
pantufas e a vossa má reputação será igual à de Nobre e Mística Ordem dos Rosa-cruzistas
Galileu ou Darwin. Uma vez mais, esta terra é o americanos e elegem um mecânico de carro-
paraíso das palmadinhas nas costas, dos demo- ças para Coisa e Tal Supremo. Um mês depois,
cratas, dos demagogos e dos que nunca perdem mandam um anúncio para o jornal local dando
uma oportunidade. Se mantiverem uma atitude conta da grande honra que constituiu a visita
reservada, atrairão de imediato a atenção e a oficial desse Coisa e Tal e que planeiam oferecer-
vossa mão será beijada por multidões que, não -lhe uma corrente ornamentada para o seu
obstante a democracia, são tomadas pelo desejo relógio de bolso. Os principais heróis nacionais
:11 insaciável de humilhação e adulação, tão carac- - Lincoln, Lee, e por aí fora - não podem ficar
terístico do homem inferior. confinados ao estatuto de meros seres huma-
Em nenhum outro lugar do mundo é a supe- nos. O misticismo do campesinato medieval
rioridade tão facilmente alcançada ou mais insinua-se na visão comunitária destas persona-
prontamente reconhecida. A principal ocupa- gens, às quais começam rapidamente a nascer
ção da nação, enquanto tal, é a produção de asas e halos. Como já afirmei, nenhum mérito
heróis, sobretudo falsos. A nação admirava o intrínseco - proporcional, pelo menos, ao jul-
estilo literário do falecido Woodrow", respeita gamento das massas - é necessário para aceder
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ao estatuto destas augustas dignidades. Tudo o mas sei do que gosto.» O mais ilustre estadista
que é americano tem um toque de amadorismo que os Estados Unidos produziram desde Lin-
e de infantilidade, mesmo os deuses nacionais. coln foi enganado por Arthur James Balfour"
O mais conspícuo e respeitado americano em e enganou-se no cálculo do seu apoio popular
quase todos os domínios empresariais, exceptu- por uma diferença superior a cinco milhões de
ando apenas o puramente comercial (e excluo votos. E o mais alto magistrado da nação - a
até o financeiro), é um homem que pouca aten- nossa réplica do tzar e do kaiser - é um editor de
ção chamaria em qualquer outro país. O mais província que, quando deseja divertir-se, con-
eminente crítico literário americano, passa- vida um médico homeopata, um pregador da
dos vinte anos a expor diligentemente as suas Igreja Adventista do Sétimo Dia e umas quan-
ideias, ainda não conseguiu dizer com clareza o tas actrizes de cinema.
que prefere e porquê. Em quase todas as cidades
americanas, a rainha da alt~ciedade é uma
mulher que considera Lord Reading" um aris-
tocrata e seu superior, e cujo avô dormia com a
roupa interior vestida. Se fosse para Leipzig, o
mais eminente maestro americano seria incum-
bido de polir os trombones e de copiar os tre-
chos referentes aos timbales. O mais importante
militar americano vivo - o herdeiro nacional de
Frederico, Marborough, Wellington, Washing~
ton e do príncipe Eugênio" -, é membro dos
Elks", e com muito orgulho. O mais notável
filósofo americano (já falecido e sem sucessor
conhecido do pedagogo comum) passou a vida
a construir a defesa epistemológica da máxima
estética nacional: «Não sei nada de música,

25
24

III
rm:UdO o que acabo de dizer resume-se no
seguinte: os Estados Unidos são essencialmente
uma comunidade de gente de terceira catego-
ria; esta é uma distinção fácil de fazer devido
ao baixíssimo nível de cultura, de informação,
de gosto, de capacidade crítica e de competên-
cia. Nenhuma pessoa em seu perfeito juízo, ao
chamar um canalizador americano para reparar
uma fuga, espera que ele o faça à primeira ten-
tativa; do mesmo modo, não esperará mais do
que um desempenho mediano de um secretá-
rio de Estado americano em negociações com
ingleses ou japoneses. Está claro que gente de
terceira categoria existe em todos os países, mas
só aqui lhes é confiado o leme do Estado e, ao
mesmo tempo, a guarda dos valores nacionais.

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o país foi povoado não por esforçados e lendá- tado contra a injustiça, o sectarismo e o obs-
rios aventureiros, mas muito simplesmente por curantismo dominantes nos países de origem,
incompetentes que nunca saíram da cepa torta está rapidamente a desmoronar-se perante os
na terra natal. A natureza pródiga que aqui vie- resultados surpreendentes da análise que tem
ram encontrar e a facilidade com que podiam sido feita sobre a imigração destes últimos anos.
ganhar a vida apenas confirmaram e aumenta- A verdade é que a maioria dos imigrantes não
ram a sua incompetência natural. Mesmo nos anglo-saxões desde a Revolução, assim como a
piores momentos das guerras índias, nenhum maioria dos imigrantes anglo-saxões antes da
colono americano teve de enfrentar as prova- Revolução, não é ou não foi constituída pelos
ções por que passaram os camponeses da Europa melhores dos respectivos países, mas sim pelos
Central durante a Guerra dos Cem Anos, ou falhados e pelos inadaptados: irlandeses a mor-
mesmo aquelas que oprimiram as classes baixas rerem de fome na Irlanda, alemães incapazes
inglesas no século que precedeu a reforma elei- de resistir ao Sturm und Drang da reorganiza-
toral de 1832. De facto, na maioria das coló- ção pós-napoleónica, italianos enlutados num
nias, raramente um colono se cruzou com um solo esgotado, escandinavos só pele e osso e
índio: a única coisa que lhe fazia a vida difícil sem cérebro, judeus demasiado incompetentes
era a sua cretinice congénita. A conquista do até para enrolar os bárbaros camponeses rus-
Oeste, vastamente celebrada em obras de estilo sos, polacos ou romenos. De tempos a tempos,
grandiloquente, custou menos vidas do que a bem entendido, lá se encontra um bravo, ou até
batalha de Tannenberg", e a vitória foi muito um super-homern por entre os imigrantes - por
mais fácil e segura. Os imigrantes que foram exemplo, os antepassados de Volstead, Ponzi,
chegando desde esses primeiros tempos têm Jack Dempsey, Schwab, Daugherty, Debs ou
revelado, quanto mais não seja, ainda menos Pershing19 - mas o recém-chegado é, e sempre
qualidade do que os seus antecessores. O mito foi, fraca rês.
de que os Estados Unidos foram povoados pelos Do mesmo modo, também não há base
descendentes de minorias corajosas, idealistas sólida para a afirmação comum, tão querida no
e amantes da liberdade, que se haviam revol- seio dos idealistas profissionais e dos fazedores

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de vento, segundo a qual o povo americano O americano comum é intrinsecamente pudi-
é «o mais jovem dos grandes povos». Volta bundo e puritano, e este facto toma-se ainda
não volta, lá temos esta expressão em letra de mais evidente quando tenta desmentí-Io. Os
imprensa; o editorialista comum ficaria blo- seus vícios não são os de um rapaz saudável, mas
queado caso os Correios de súbito a interditas- os de um velho paralítico que escapou do asilo.
sem, como interditaram a expressão «o direito Se quiserem conhecer as razões, desloquem-se
à rebelião» durante a guerra. O que dá a esta simplesmente a Ellis Island e observem a última
ideia uma credibilidade enganadora é o facto de carga de imigrantes. Neles não vereis o andar
a República Americana, comparada com outros vigoroso da juventude, mas o passo arrastado de
tantos governos, ser relativamente jovem. Mas homens exaustos. E foi destes homens exaus-
a República Americana não se confunde neces- tos que nasceu a cepa americana. Era-lhes mais
sariamente com o povo que a habita; este pode- fácil sobreviver aqui do que no país de origem,
ria derrubá-Ia amanhã e instaurar uma monar- mas essa facilidade, dando-lhes uma impres-
quia, mas não deixaria de ser o mesmo povo. são de força, não os tomou afinal mais fortes.
A verdade é que a nação, reconhecida enquanto Deixou-os exactamente como eram à chegada:
tal, já conta com uns bons três séculos, e o res- camponeses fatigados, aspirando apenas à segu-
pectivo governo é mesmo mais antigo do que rança e ao aconchego que o porco encontra na
o da maioria das nações, sejam elas a França, pocilga. Foi dessa aspiração que brotaram muitas
a Itália, a Alemanha ou a Rússia. Mais ainda: das mais nobres manifestações da Kultur ameri-
é absurdo afirmar que existe algo a que se possa cana: o ódio nacional à guerra, a desconfiança
chamar «juventude de espírito» na mentalidade geral em relação aos objectivos e intenções de
americana. A mentalidade americana prevale- todas as outras nações, a crença inquebrantável
cente não é a dos jovens, mas antes a dos velhos. em demónios, a hostilidade implacável a qual-
Nela podemos encontrar todas as características quer ideia ou ponto de vista novo.
da senilidade: grande desconfiança das ideias, Todas estas maneiras de pensar são caracte-
atitude geral timorata, fidelidade agressiva a rísticas do camponês - sobretudo do camponês
meia dúzia de dogmas, um toque de misticismo. há muito enterrado na lama do seu chiqueiro

34 35
e determinado a dela não sair - que renun- puritano, membro dos Odd Fellows, do Ku
ciou definitivamente a qualquer desejo lúbrico Klux Klan e do partido Know-Nothing". Este
de contemplar as estrelas. Os hábitos mentais indivíduo encontra-se em todo o lado, mas os
deste sempiterno e estúpido fellah20, o homem Estados Unidos são o único país onde é ele a
mais antigo da Cristandade, são, com ligeiras governar; só nos Estados Unidos os seus medos
alterações, os hábitos mentais do povo ameri- e raivas antropóides são tomados seriamente
cano. O camponês caracteriza-se pela manha e como ideias lógicas, e toda a discordância des-
pelo sentido prático das coisas, mas é incapaz tas é punida como se de um crime público se
de ver para além da quinta ao lado. Gosta de tratasse. À volta de cada uma das suas ilusões
dinheiro e sabe juntar bens, mas o seu desen- - carácter sagrado da democracia, viabilidade
volvimento cultural está ao nível do dos ani- de leis sumptuárias, pecaminosidade incurável
mais domésticos. É profunda e orgulhosamente de todos os outros povos, natureza ameaçadora
moral, mas a sua moral e os seus interesses pes- das ideias, corrupção moral inerente a todas as
soais são grosseiramente idênticos. É emotivo artes - ergue-se uma barreira de tabus, e desgra-
e assusta-se facilmente, mas a sua imaginação çado do anarquista que pense derrubá-Ia!
é incapaz de entender uma abstracção. É vio- A multiplicação destes tabus não é, obvia-
lentamente nacionalista e patriota, mas tem mente, característica de uma cultura que se
admiração pelos escroques no poder e foge aos move de um estádio inferior para um superior,
impostos sempre que pode. Tem opiniões ina- isto é, de uma cultura ainda no vigor da sua
baláveis sobre todos os assuntos de Estado, mas juventude. Bem ao contrário, é sinal de uma
noventa por cento delas são puras imbecilida- cultura em curva descendente, uma cultura
des. Defende ciosamente o que considera serem regredindo em direcção aos valores e modos de
os seus direitos, mas mostra brutal desrespeito pensamento mais primitivos. O tabu é, efecti-
pelos dos outros. É religioso, mas a sua religião vamente, a marca registada do selvagem e, onde
é completamente desprovida de beleza e digni- quer que exista, é inimigo declarado e feroz do
dade. Este homem, quer seja do campo ou da progresso civilizacional. O selvagem é o mais
cidade, é o americano comum, cem por cento escrupulosamente moral de todos os homens;

36 37
poucos são os actos do seu quotidiano não con- admiradores. Procuraram criar uma máquina
dicionados por implacáveis proibições e obri- governativa que se resguardasse não apenas
gações, a maioria dificilmente compreensível dos seus inimigos externos, mas também dos
do ponto de vista racional. O homem das mas- internos, criando mecanismos engenhosos para
sas, um selvagem transplantado para o meio da manter o controlo sobre as massas, de modo
civilização, é guiado por um código da mesma a proteger a política nacional das suas fúrias
natureza draconiana. O homem das massas tem efémeras e inconsequentes e a pôr os grandes
a firme convicção de que o bem e o mal são assuntos de Estado nas mãos de uma aristocra-
coisas imutáveis, que têm uma existência real e cia dissimulada, mas não menos real por isso.
inalterável, e qualquer contestação desta ideia, Nada poderia estar mais longe das intenções
por palavras ou actos, constitui crime contra de Washington, Hamilton, e mesmo de [effer-
a sociedade. A isto junta-se a confusão entre a son, do que verificar que as doutrinas oficiais
ideia de mal e a de simples diferença: para ele da nação, no ano de 1922, se confundiriam
estes dois conceitos não se distinguem. Tudo com os disparates proferidos pelos conferen-
o que for estranho deve ser combatido, pois é cistas do método chautauqua, pelos pregadores
obra do Diabo. O homem das massas é inca- evangélicos ou por políticos em comícios de
paz de captar uma ideia na sua nudez original. rua. Mas [acksorr" e a sua trupe descobriram
Primeiro é preciso dramatizá-Ia e personalizá- uma passagem por entre o arame farpado tão
-Ia, dotando-a com um par de asas brancas ou habilmente entrelaçado, e desde 1825 até hoje
uma cauda bifurcada. Todo o debate de ideias, a vox populi tem sido a verdadeira voz da nação.
para lhe interessar, deve tomar a forma de uma Na política americana dos nossos dias já não
caça às bruxas. É-lhe impossível falar numa é mais possível falar da arte de bem governar.
heresia sem pensar em apanhar um herege, O único caminho para o êxito na vida pública
condená-lo e queimá-lo. americana é a adulação e a deferência servil
É meu entendimento que os Pais da nossa perante as massas. Qualquer candidato a um
República tiveram ainda mais visão do que a cargo governativo, mesmo os mais elevados,
que lhes é atribuída pelos seus mais românticos ou adopta en bloc todas as modas do momento

39
38
ou é suficientemente hipócrita para conven- o tratado. Os poucos que se mantiveram coeren-
cer as massas de que assim é, conservando in tes, votando quer contra quer a favor em ambos
petto todas as suas dúvidas. Enquanto resultado os casos, foram acusados pela imprensa de estra-
desta atitude, apenas dois tipos de homem têm gar deliberadamente os planos estabelecidos e
alguma hipótese de chegar ao poder: primeiro, viram os seus eleitores virar-se contra eles.
homens saídos das massas, que acreditam since- O público havia-se de tal modo acostumado à
ramente no que as massas acreditam e que são mais desbragada demagogia que a honestidade
por elas glorificados; em segundo lugar, os videi- pura e simples lhe parecia incompreensível e,
rinhos, dispostos a sacrificar as suas convicções logo, abominável!
e o seu amor-próprio por um cargo. Jackson Como já referi em anterior obra minha, este
e Bryan são exemplos perfeitos do primeiro domínio exercido pelo pensamento das massas,
tipo. Por entre os políticos que de forma tão esta poluição de toda a vida intelectual do país
tocante se converteram à abstinência alcoólica, pelos preconceitos e pelos humores da turba,
votando a favor da lei seca com lágrimas nos constituem fenómenos que não enfrentam opo-
olhos e o cantil de uísque no bolso, encontra- sição devido ao facto de o sistema industrial
mos centenas de especímenes do segundo tipo. ter engolido e quase obliterado a velha aris-
Mesmo ao seu mais alto nível, a nossa política tocracia rural sem que nenhuma outra tivesse
parece irremediavelmente entregue a vendedo- surgido no seu lugar, de modo a desempenhar
res de banha da cobra. Os mesmos senadores as suas insubstituíveis funções. Não quer isto
que lançaram estridentes gritos de alarme con- dizer que não existe uma classe alta, cujo poder
tra a Sociedade das Nações votaram a favor do tem vindo a aumentar nos últimos tempos, só
Tratado de Desarmamento, capitulação bem que, do ponto de vista cultural, .mal se distin-
mais flagrante perante a hegemonia britânica. gue das massas: falta-lhe em absoluto qualquer
E os mesmos senadores que se mostraram a coisa que se assemelhe,mesmo remotamente, a
favor da Sociedade das Nações, argumentando uma visão aristocrática. Bem podemos procurar
que o seu fracasso destroçaria o coração do algum sinal do verdadeiro espírito Junker23 nos
mundo, revelaram-se eloquentemente contra Vanderbilts, Astors, Morgans, Garys e outros

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duques e barões da plutocracia, mas em vão: até hoje não surgiu qualquer sucessor. Deste
a sua cultura, bem como as suas aspirações, são modo, não existe uma força organizada que se
iguais às do prestamista. Bem podemos procu- oponha aos humores irracionais das massas. Os
rar pelo ar altivo do professor por entre a intelli~ ramos legislativo e executivo submetern-se-lhes
gentsia oficial das universidades americanas, sem resistência; o ramo judicial já começou a dar
mas, de novo, em vão; timoratos e ortodoxos, os mostras da mesma cedência cobarde, sobretudo
professores constituem-se numa reptilínea Con- quando se trata de caça às bruxas; fora dos círcu-
gregatio de Propaganda Fide, digna da Reptilien~ los oficiais não existe qualquer oposição que se
exprima de forma inteligível. Os piores excessos
presse de Bismarck. Em qualquer outro lugar da
Terra, não obstante o avanço da democracia, são ignorados. O debate, quando existe, é pobre
existe uma minoria organizada de aristocratas e superficial, refém dos tabus a que já aludi.
que vai sobrevivendo; mesmo considerando A algazarra à volta do Ku Klux Klan, há dois ou
uma certa decadência dos seus membros e o três anos, é elucidativa. Os jornais discutiram
declínio dos respectivos poderes legais, esta meses a fio o pasmoso programa desta organi-
minoria manteve, pelo menos, a sua tradicional zação, o Congresso constituiu, com pompa e
circunstância, uma comissão de inquérito para
independência de espírito, e a inveja continua
a garantir-lhe o direito de se fazer ouvir sem investigar as suas actividades, mas, que seja do
que por isso seja punida. Mesmo em Inglaterra, meu conhecimento, nem um único jornal ou
onde a aristocracia caiu para o nível de uma membro do Congresso referiu o mais óbvio e
fonte baptismal política para agiotas judeus importante facto acerca desta organização,
e fabricantes de sabão metodistas, as duas a saber: o Ku Klux Klan, para todos os efeitos,
mais antigas universidades ainda constituem é simplesmente o braço secular da Igreja Meto-
um santuário para a velha classe e a população dista, e os seus métodos não são mais do que
a concretização física das excentricidades da
rural ainda lhe guarda um certo respeito. Mas,
Liga Anti~Saloon. As relações íntimas entre a
nos Estados Unidos, a aristocracia foi vítima de
J ackson, em primeiro lugar, e Grant aplicou- lhe Igreja e o Klan, quase ao ponto de se confundi-
depois o golpe de misericórdia. Desse momento rem, deviam ser óbvias para qualquer americano

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42
inteligente, mas o tabu que interdita a análise se lembra dos feitos extraordinários alcançados
realista das questões eclesiásticas é suficiente pelos especialistas ingleses em propaganda de
para afastar do assunto os adivinhos oficiais. guerra entre 1914 e 1917 - e pelas posteriores
Interrogo-me com frequência se existiria de e ainda mais espantosas confissões acerca dos
facto alguma vida intelectual nos Estados Uni- métodos utilizados -, está em condições para,
dos, não fora a importação grossista e perma- seriamente, perguntar a si mesmo se pertence
nente de ideias, nos últimos tempos oriundas a uma nação livre ou a uma colónia da coroa.
sobretudo de Inglaterra. O que seria do erudito Tudo foi feito às claras, despudaradamente,
americano se não pudesse recorrer em larga cinicamente e com desdém, mas obtendo um
escala aos seus colegas ingleses? Como pode- êxito retumbante. Desde o fim do mandato
ria uma juventude curiosa descobrir o que se grotesco de Bryan até ao fim da administra-
encontra sob a superfície da nossa vida política ção Wilson, o gabinete do secretário de Estado
se não existissem anatomistas como Bryce24? não passou de uma espécie de ante câmara do
Quem diria aos nossos estadistas onde assinar ministério dos Negócios Estrangeiros britânico.
se não existissem Balfours e Lloyd-Georges"! Na condução da sua política, o próprio Wilson
Como poderiam os nossos jovens professo- tinha apenas algumas divergências legais em
res formular juízos estéticos, especialmente relação a primeiros-ministros coloniais como
no campo das letras, sem a ajuda de talento- Hughes e Smuts". Mesmo após a entrada dos
sos mentares ingleses como Robertson N icoll, Estados Unidos na guerra, os jovens americanos
Squire e Clutton-Brocké? Por último, através sentiam-se mais vaidosos no uniforme britânico
de que meio poderíamos determinar o verda- do que no americano. Nenhum americano põe
deiro estilo a que deve obedecer um cartão de seriamente em questão um inglês ou uma inglesa
visita e a maneira mais requintada de comer que ocupe uma posição oficial ou socialmente
alcachofras se não nos chegassem relatórios do relevante no seu país. O larde Birkenhead foi
Mavfair-"? Sob certos aspectos, esta subservi- aceite como gentleman por todo o lado nos
ência na'ive irrita e desilude obrigatoriamente Estados Unidos; as imbecilidades inauditas da
qualquer americano que se preze. Quando ele senhora Asquith foram ouvidas num silêncio

44 45
fascinado, e até lady Astor", uma americana pertencente à maioria anglo-saxónica é, muito
casada com um americano de ascendência simplesmente, um inglês de segunda catego-
alemã, expatriado, feito visconde em Inglaterra, ria, não admirando, por isso, e não obstante
foi recebida com efusividade solene. No final de a sua recusa democrática de qualquer forma
1917, numa altura em que as missões militares de superioridade, o seu servilismo espontâneo
britânicas enxameavam Nova Iorque, pude ler perante o que para ele são ingleses de primeira
no periódico Town Topics um protesto em tom categoria. Este americano corresponde, mais
reservado contra um hábito elucidativo de cer- ou menos, a um inglês não-conformista'? bem
tos oficiais: o de se apresentarem nos bailes com nutrido, revelando todas as características pró-
as esporas nas botas, lacerando assim os vestidos prias desta espécie. É belicoso e empertigado,
e os calcanhares dos embevecidos pares. Este mas sabe como tirar o chapéu quando se cruza
protesto, ao que parece, não saiu da boca dos com um bispo. É ferozmente contra os duques,
anfitriões e anfitriãs destes curiosos oficiais; por mas o seu coração rejubila quando na presença
eles, tê-los-iam acolhido não só com as esporas de um duque em carne e osso. É minha convic-
nas botas, mas com estas todas cobertas de lama ção que este anglo-saxão inferior está a perder
das trincheiras. Publicado num hebdomadário o seu estatuto dominante nos Estados Unidos,
duvidoso, o protesto ficou-se por um tom ado- pelo menos do ponto de vista biológico. Mas
cicado. a sua supremacia cultural há-de prevalecer por
Este espectáculo, já o disse, tem o condão de muito, muito tempo, apesar da afluência em
exasperar o americano afectado pela fraqueza do massa de gente de outras origens, mais não seja
nacionalismo, e vem sendo denunciado desde os porque os recém-chegados são ainda mais visi-
tempos de LoweU, ou até mesmo desde os tem- velmente inferiores. Noventa por cento dos
pos de Cooper e Irving. Mas, por mais desagra- italianos que deram a estas costas nos últimos
dável que possa ser, é inegável que resulta de um anos, por exemplo, trouxeram tanto da cultura
encadeamento de causas lógicas que não podem nuclear do seu país como muito gado com cor-
ser escamoteadas apenas por a elas objectarmos. nos o teria feito. Se algum dia chegarem a ser
Em abono da verdade, o americano comum civilizados, será por intermédio da civilização

46 47
da maioria anglo-saxónica, isto é, da civilização corrupção política e social. Quanto aos judeus,
dos ingleses de tabela inferior. O mesmo vale mudam os nomes para Burton, Thompson e
para os alemães, escandinavos, e até judeus Cecil, de modo a passarem por verdadeiros ame-
e irlandeses. Os alemães, grosso modo, situam-se ricanos, e a partir do momento em que são acei-
ao nível cultural dos merceeiros. Tenho contac- tes e começam a ser recompensados em moeda
tado com bom número deles desde 1914, alguns nacional renunciam por completo a Moisés e
de posses consideráveis e com pretensões à alta fazem-se baptizar na igreja de S. Bartolomeu.
sociedade. Deste vasto conjunto, não consigo Todas as ideias que chegam do estrangeiro
lembrar-me de mais de uma vintena ou duas aos Estados Unidos passam por Inglaterra. O que
que conseguisse dizer de cor o nome das princi- o Times de Londres noticia hoje sobre a política
pais obras de Thomas Mann, Otto [ulius Bier- ucraniana, a revolta na Índia, uma remodelação
baum, Ludwig Thoma ou Hugo von Hofrnanns- ministerial na Itália, a personalidade do rei da
thal. Conhecem muito melhor Mutt e Jefrl do Noruega ou a situação petrolífera na Mesopo-
que Goethe. Os escandinavos são ainda piores. tâmia, há-de ser notícia uma semana depois no
Na sua grande maioria não passam de uns paro- Times de Nova Iorque e um mês oú dois depois
los, recrutados logo à chegada pelos Cavalei- em todos os outros jornais americanos. Nos
ros de Pítias", pelos Chautauqua e pela Igreja Estados Unidos, nem mesmo os jornalistas pro-
Metodista. Não é por mero acaso que a lei seca fissionais dão conta da dimensão do controlo
tem o nome de um homem em princípio des- da opinião americana pelos fazedores ingleses
cendente de Gustavo Vasa, Svend da Barba de notícias. Quatro quintos de todas as notícias
Bifurcada e Erico, o Vermelho. Os irlandeses do estrangeiro nos jornais americanos chegam
presentes nos Estados Unidos mal se interes- via Londres, e quase tudo o resto é fornecido ou
sam pelo renascimento da cultura irlandesa, por ingleses ou por judeus (na sua maioria nas-
apesar da sua preocupação melodramática com cidos aqui) que mantêm relações estreitas com
a política irlandesa. Durante a guerra fornece- o meio jornalístico inglês. Entre 1914 e 1917
ram agentes expeditos e de confiança ao Terror foi talo número de agentes ingleses infiltrados
Branco anglo-saxão, e são bastante receptivos à na Alemanha fazendo-se passar por correspon-

48 49
dentes americanos - muitas vezes com pleno porque não conseguem contratar correspon-
consentimento dos seus anglomaníacos patrões dentes competentes. Se os jornalistas autóc-
americanos - que os alemães, pouco antes da tones que se ocupam da nossa política interna
entrada dos Estados Unidos na guerra, chega- evitam de forma timorata as questões fulcrais,
ram a considerar proibir todo e qualquer corres- então os que se aventuram na análise da polí-
pondente americano de entrar no seu país. Em tica internacional mal têm consciência dessas
1917 estive em Copenhaga e em Basileia, e as questões. Muito simplesmente, não formámos
duas cidades - cada uma fonte importante de especialistas nestas matérias. Não existem nos
notícias da guerra - estavam pejadas de judeus Estados Unidos homens que se comparem ao
cuja identificação enquanto correspondentes Dr. Dillon, a Wickham Steed, ao conde Zu
da imprensa americana servia de capa a um Reventlow ou a Wilfrid Scawen Blunr", por
trabalho bem mais delicado e confidencial para exemplo. No Verão de 1920, quando a direc-
o departamento inglês de propaganda jomalís- ção do Sun de Baltimore começou a prepa-
tica. Ainda hoje, um número considerável de rar uma cobertura extensiva e inteligente da
correspondentes americanos na Europa guarda cimeira para o tratado sobre o desarmamento
influências inglesas, e no Extremo Oriente que iria decorrer em Washington, viu-se obri-
este número é ainda maior. No entanto, estes gada, sem apelo nem agravo, a contratar jor-
homens raramente lidam com notícias verda- nalistas ingleses para fazer o trabalho. Homens
deiramente importantes. Todas estas são tra- como Brailsford e Bywater", trabalhando a
tadas por Londres e por britânicos dignos de partir de Londres, a quase cinco mil quilórne-
confiança. Tudo o que não for enviado directa- tros de distância, estavam mais bem prepara-
mente para os jornais e associações de imprensa dos para interpretar o desenrolar da cimeira do
americanas é mais tarde recortado de jornais que os correspondentes americanos presentes
ingleses e impresso como falsos telegramas. no local, poucos dos quais capazes de ir para
Os jornais americanos aceitam este mate- além do mexerico mesquinho. Durante toda a
rial duvidoso, não por serem incuravelmente cimeira não houve um único correspondente
estúpidos ou anglomaníacos, mas sobretudo profissional de Washington - a nata do jorna-

50 51
lismo político americano - que tivesse escrito Goethe; leu Carlyle. O povo americano, do
um artigo sequer que fosse além da superfície final de 1914 ao final de 1918, não teve acesso a
dos acontecimentos. Antes do fim das sessões, qualquer descrição em primeira mão da situação
esta dependência da opinião inglesa teve um alemã; teve acesso a interpretações inglesas des-
resultado inesperado e eloquente. Enfrentando sas descrições. É em Londres que se encontram
uma sólida aliança anglo-nipónica, os franceses o centro de triagem e a estação transformadora.
viraram-se para a delegação americana à pro- É aí que as últimas ideias chegadas do conti-
cura de apoio. O que estava especificamente em nente passam pela peneira, antes de serem bem
discussão na cimeira deveria fazer convergir os diluídas com água inglesa e cuidadosamente
interesses americanos e os interesses franceses. embaladas a pensar no mercado ianque. Deste
No entanto, os ingleses tinham tal controlo modo, os ingleses não só têm uma oportuni-
sobre os mecanismos de distribuição da infor- dade para melhorar ou embelezar, como para
mação que foram capazes, em menos de uma determinar em grande escala quais as ideias que
semana, de virar a opinião pública americana devem chegar aos ouvidos dos americanos. Tudo
contra os franceses e de suscitar até uma franco- o que não lhes interessar ou considerarem per-
fobia activa. Nenhum americano, nem mesmo nicioso, tem parcas possibilidades de atravessar
qualquer dos delegados americanos, foi capaz de o oceano. É isto que explica por que motivo os
contrariar esta propaganda. Os ingleses foram mais cultos americanos têm uma ignorância tão
donos e senhores da cimeira, impondo uma vasta em relação a tantos continentais há muito
série de tratados indecentemente favoráveis à célebres nos respectivos países: Huysmans, Har-
Inglaterra. Mais: estabeleceram até a doutrina tleben, Vaihinger, Merezhkovsky, Keyserling,
segundo a qual qualquer oposição a esses trata- Snoilsky, Mauthner, Altenberg, Heidenstam e
dos era imoral! Alfred Kerr, por exemplo. Explica igualmente
Quando ideias continentais, seja no campo por que sobrestimam largamente vários auto-
da política, da metafísica ou das belas-artes, res medíocres, alvo de chacota no país deles,
penetram nos Estados Unidos, fazem-no quase como Brieux, por exemplo. Acontece que estes
sempre através da Inglaterra. Emerson não leu indivíduos suscitam algum interesse na intelli-

52 53
gentsia inglesa, que depois os despacha para os
com uma falta de qualidade atroz, mas ainda
colonos papa-açordas do território ianque. No
assim melhores do que nada. O mesmo se passa
caso de Brieux, a mistificação foi obra de um
com as obras de Nietzsche, Anatole France,
só homem, George Bernard Shaw, puritano
Georg Brandes, Turgeniev, Dostoievski, Tols-
escocês disfarçado de patriota irlandês e profeta
toi e outros autores modernos. Só consigo
inglês. No fundo, as ideias de Shaw são em tudo
lembrar-me de uma excepção relevante: a
semelhantes às de um velho presbiterano. Atra-
obra de Gerhart Hauptmann, traduzi da para
ído pelo delírio moral de Brieux, Shaw recolheu
inglês por Ludwig Lewisohn, responsável igual-
ao seu quarto, escreveu uma brieuxada em tom
mente pela respectiva supervisão. Mas mesmo
inflamado para consumo americano e lançou a
neste caso, Lewisohn serviu-se de bom número
última moda do Dr. Sylvanus Stall" neste lado
de traduções inglesas de peças isoladas; os ingle-
do oceano.
ses estavam ainda à frente dele, mesmo tendo
Os benefícios desta actividade de importa-
parado a meio caminho. Em todo o caso, Lewi-
ção e exportação grossistas de fantasias conti-
sohn é um americano notável que o ministério
nentais para a maioria dos americanos, como é
da Justiça manteve debaixo de olho durante
óbvio, não são de desprezar. Se este fluxo não
a guerra. O professor universitário americano
existisse, a maioria dos americanos provavel-
médio é demasiado obtuso para se lançar em
mente nunca ouviria falar dos continentais
empreendimento tão difícil. Mesmo quando
mais eminentes, pois a incompetência notória
exibe um doutoramento em literatura alemã,
de grande parte dos que lhes apresentam estes
um escrutínio atento revela normalmente que
embaixadores intelectuais, nativos ou ape-
tudo o que sabe sobre literatura alemã moderna
nas residentes, suscita- lhes desconfiança, até
é que, em Munique, uma Mass37 de Hofbrau
mesmo daqueles que, como Boyd e Natharr",
custava noutros tempos vinte e sete Pfennig38
são totalmente competentes. Até hoje, não
no rés-do-chão e trinta e dois Pfennig no pri-
se conhece nenhuma tradução americana das
meiro andar. Noutros tempos, as universidades
peças de Ibsen; servimo-nos das traduções em
alemãs mostravam-se bastante tolerantes com
inglês escocês de William Archer, a maioria
os estrangeiros. Muitos americanos, na sua pre-

54
55
paração para ensinar em Harvard, passaram
alguns anos a saltitar de umas para outras sem
aprender alemão suficiente para ler o Berliner
Tageblatt39• Estes impostores enxameiam as
nossas pequenas universidades, e muitos deles,
durante a guerra, tornaram-se grandes autori-
dades sobre os crimes de N ietzsche e os erros de
Treitschke.

56
~M tempo húmido, quando as minhas
velhas maleitas se ressentem e os quatro humo-
res se põem às voltas no baço, dou muitas vezes
por mim a meditar amargamente sobre o futuro
da nossa República. Segundo a opinião nativa,
evidentemente, o futuro está garantido e será
glorioso. A superstição segundo a qual o pro-
gresso se faz em frente e a subir mantém-se
inabalável, só igualando em virulência e popu-
laridade a que diz que com dinheiro tudo é pos-
sível. Esta visão, no entanto, não é partilhada
por estrangeiros dados à reflexão, o que todos
podem. descobrir folheando obras como Der
Amerikamüde, de Ferdinand Kürnberger, Ame-
rica, de Sholom Asch, Ein Dichter in Dollarica,
de Ernest von Wolzogen, Hail, Columbia!, de

61
W. L. George, Der Amerikanische Mensch, de quos e extenuantes empreendimentos coloni-
Annalise Schmidt e After Bread, de Sienkiewicz. ais, como os Ingleses. Todas as suas guerras com
Ou então, se possível, ouvindo no seu regresso países estrangeiros foram travadas ou com ini-
as confidências de imigrantes como Georges migos demasiado fracos para poderem resistir,
Clemenceau, Knut Hamsun, George San- ou demasiado empenhados noutras paragens
tayana, Clemens von Pirquet, [ohn Masefield para se entregarem ao combate de corpo inteiro.
ou Máximo Gorki; e, por telepatia, as de Ante- Os combates com o México e a Espanha não
nín Dvoeák, Frank Wedekind e Edwin Klebs. foram guerras; foram, pura e simplesmente,
A República Americana, enquanto nação, tem linchamentos. Mesmo a Guerra da Secessão,
tido vida despreocupada e confortável, sem ini- comparada com os principais conflitos europeus
migos perigosos, externos ou internos, que a desde a invenção da pólvora, foi insignificante e
ameacem, e sem ter de lutar contra a miséria. os seus efeitos transitórios. Quando os primeiros
Ganhar a vida aqui sempre foi mais fácil do que combates tiveram lugar, os Estados Unidos con-
em qualquer outro lugar da Cristandade; gru- tavam com trinta e um milhões e quinhentos
pos inteiros de homens condenados à pobreza mil habitantes, aproximadamente noventa por
e à exclusão na Europa encontraram aqui refú- cento da população francesa em 1914. Ao fim
gio seguro, como bem demonstra o carácter de quatro anos de luta, o número de mortos em
da nossa plutocracia, assim como o da nossa combate ou na sequência de ferimentos graves,
intelligentsia. O povo americano nunca teve de no conjunto dos dois exércitos, quedou-se pelos
enfrentar agressões em larga escala como aque- duzentos mil, talvez pouco mais de um sexto do
Ias de que foram vítimas os povos da Holanda, total de baixas sofridas pela França entre 1914
da Polónia e meia dúzia de outros pequenos e 1918. E a extensão dos danos materiais tam-
países; nunca viveu rodeado por inimigos pode- bém foi limitada. No Norte, excepto numa
rosos e impiedosos, como os Alemães desde a pequena área, nem sequer houve danos mate-
Idade Média, nunca foi dilacerado por guerras riais, e mesmo no Sul só alguns lugares de redu-
de classes, como os Franceses, os Espanhóis e zida importância foram destruídos. Não fossem
os Russos; não gastou as suas forças em longín- as notícias que iam chegando, o comum dos'

62 63

(
habitantes do Norte teria passado quatro anos uma breve análise do comportamento da nação.
sem saber que havia uma guerra. O sopro abra- Durante os primeiros meses, a nação assistiu ao
sador de Marte varreu o Sul com mais intensi- conflito de forma indolente e basbaque, como
dade, mas mesmo aí muitos homens escaparam boi a olhar para palácio. De seguida, vislum-
ao alistamento, e o sofrimento geral fica muito brando oportunidade para lucrar, dedicou-se
aquém do sofrimento dos Belgas, dos france- com súbita alacridade ao sinistro ofício de Krie-
ses do Norte, dos alemães da Prússia Oriental, gslieferant40. Estando um dos beligerantes impe-
dos Sérvios e dos Romenos na Grande Guerra. dido de comprar, pelas vicissitudes da guerra, a
O sofrimento do Sul foi muito exagerado pela nação empenhou todas as suas energias, durante
imaginação popular; foi provavelmente muito dois anos, no abastecimento do outro, desen-
mais grave durante a Reconstrução, porque de volvendo em simultâneo todos os esforços para
carácter eminentemente psicológico, do que abrigar o seu cliente sob o manto da neutrali-
durante a guerra propriamente dita. O general dade, o que lhe permitia gozar todos os privi-
Robert E. Lee estava seguramente em posição légios desse estatuto enquanto se aplicava dili-
privilegiada para fazer o balanço do desempe- gentemente na promoção da guerra. No plano
nho militar da Confederação. Ora bem: Lee era oficial, esta neutralidade constituiu uma fraude
de opinião que o seu exército estava longe de desde o início, como pode ser comprovado pelas
ter o apoio necessário da população civil e que declarações do Sr. Tumulty", Para grande parte
a derrocada final se deveu em boa parte a essa da população, esta mentira ficou cada vez mais
falta de apoio. clara à medida que se acumulavam as dívidas
Voltando à Grande Guerra, são muito pou- do cliente beligerante, tornando-se cada vez
cos os sinais de que o povo americano, perante mais evidente que essas dívidas - facto volun-
um adversário de igual poder e com as mãos tariamente reconhecido pelos seus partidários
livres, pudesse dar boa conta de si próprio. - nunca seriam saldadas em caso de derrota.
O papel americano nesse grande conflito ficou Por fim, a ajuda clandestina transformou-se em
marcado pela poltronaria de forma quase tão ajuda expressa. E sob que heróicas condições!
conspícua como pela velhacaria. Façamos então Resumindo, uma nação de 65 milhões de habi-

64 65
tantes, sem verdadeiros aliados, que chegara ao dignidade, decência e respeito próprio. Estes
fim de dois anos e meio de uma luta homérica factos devem ser lembrados com vergonha por
infligindo uma derrota total a um país inimigo todos os americanos civilizados e, para que não
com 135 milhões de habitantes e a dois países sejam esquecidos pelas gerações vindouras,
mais pequenos totalizando mais de 10 milhões estou a trabalhar, com a ajuda de vários cola-
pessoas, confrontou-se depois com uma aliança boradores, num registo exaustivo dos mesmos
de, pelo menos, 140 milhões. Foi sobre este em vinte volumes ín-fólio. Por agora, interessa-
adversário esgotado pela sangria da guerra que -rne reter dois factos essenciais que não devem
se lançou uma república de 100 milhões de ser negligenciados: o primeiro é que a guerra
homens livres, fixando assim as hipóteses em foi «vendida» ao povo americano, segundo
quatro para um. E ao fim de mais ano e meio de a expressão consagrada, apelando não à sua
conflito, a nação emergiu triunfante: honrosa coragem, mas antes à sua cobardia; resumindo,
vitória, sem dúvida! partindo do pressuposto de que os americanos
Não será necessário recordar as impressio- não eram nem belicosos nem, muito menos,
nantes e inauditas torpezas que acompanharam bravos e lutadores, mas simplesmente tíbios e
este glorioso empreendimento, desde o colos- medrosos. O primeiro argumento dos que quise-
sal desperdício de dinheiros públicos, a bár- ram vender a guerra aos americanos assentava
bara perseguição de todos os que se opuseram à na premissa de que os alemães, empenhados
guerra e a criticaram, a forma como a força de ainda em combates devastadores em ambas as
trabalho foi subornada, a diabolização insana frentes, se preparavam para invadir os Estados
do inimigo, a fabricação de notícias falsas, Unidos, queimar tudo à sua passagem, matar
a vil pilhagem a que se sujeitaram os civis da todos os homens e levar todas as mulheres; a
nacionalidade do inimigo, a ininterrupta caça vitória alemã teria ainda como consequência
aos espiões, o lançamento de títulos da dívida represálias terríveis pela violação da neutrali-
pública através de um processo de chantagem, dade por parte dos Estados Unidos. O segundo
a manipulação da Cruz Vermelha para fins par- argumento tinha por sustentação a ideia de que
tidários, até à renúncia a qualquer espécie de a entrada nos Estados Unidos na guerra poria

66 67
fim quase instantâneo a esta, pois os alemães o outro facto que deve ser lembrado é o efeito
seriam de tal modo suplantados, em homens e duradouro deste empreendimento tão cobarde
.armamento, que não teriam nem possibilidade e desonesto sobre o carácter nacional, já de si
de se defenderem eficazmente nem, sobretudo, tão inclinado para empresas fáceis com riscos
de infligirem qualquer dano grave ao seu novo mínimos. Algures nos seus diários, Wilfrid Sca-
inimigo. Nenhum destes argumentos, sejamos wen Blunt recorda o aviltamento notório que
claros, tinha por pressuposto qualquer fé na afectou o espírito inglês após a pilhagem e os
destreza guerreira e na coragem do povo ame- assassinatos brutais nas repúblicas sul-africanas.
ricano, enraizando-se antes na teoria confessa Os heróis que a multidão seguiu após os acon-
de que a única maneira de convencer as massas te cimentos de Mafeking" eram bem inferiores
a lutar é assustá-las de morte e depois mostrar~ aos heróis que havia seguido antes da guerra.
~lhes um meio de combater sem grandes riscos: O gentleman inglês começou a desaparecer da
cravar um punhal nas costas de um adversário vida pública e a dar lugar a labregos incitando a
impotente, tudo isto reforçado e suavizado ao revolta da populaça - em tudo comparáveis com
mesmo tempo pela sugestão de que tão nobre o político profissional americano - do género
agressão, para além de não acarretar riscos, seria Lloyd George, Chamberlain, F.E. Smith, Isaacs-
ainda extremamente lucrativa ao converter -Reading, Churchill, Bottomley e Northclíffe'".
cobranças duvidosas em pagamentos certos e Pior ainda, os velhos ideais desapareceram com
ao eliminar para sempre um diligente e temível os velhos heróis. A liberdade pessoal e a lega-
concorrente comercial, sobretudo na América lidade estrita, afirma Blunt, foram apagadas das
Latina. As baboseiras idealistas proferidas pelo tábuas inglesas da lei, ao mesmo tempo que o
Dr. Wilson e companhia foram a cereja em cima centro de gravidade social e político se deslo-
do bolo. Boa parte desta conversa foi abando- cou para um plano inferior. É exactamente esse
nada assim que as balas começaram a zunir, res- efeito que se observa hoje nos Estados Unidos.
tando apenas palavras ocas: balbucios idiotas de A esmagadora maioria dos recrutas foi alistada
um evangelista presbiterano transformado em contra a própria vontade; uma vez no exército,
profeta e vidente. estes viram-se corrompidos pelas forças gémeas

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da propaganda oficial que já mencionei e por de mulheres, acções de fura-greves ou a perse-
uma disciplina estúpida e severa. A primeira guição de estrangeiros indefesos, independen-
incapacitou-os quase totalmente de pensar e temente da nacionalidade.
agir enquanto verdadeiros soldados; a segunda Durante os últimos meses da guerra, quando
transformou-os em servis executantes de ordem começaram a chegar aos Estados Unidos relatos
unida. As consequências deste processo são de maus tratos infligidos aos recrutas, esperava-
bem visíveis nas espantosas actividades da -se que estes exigissem punição para os culpa-
Legião Americana e no avanço de organizações dos quando regressassem a casa e, caso o castigo
afins como o Ku Klux Klan. É tarefa impossível demorasse a ser aplicado, eles mesmos fariam
querer encontrar qualquer coisa que se apro- justiça pelas próprias mãos. Esperava-se ainda
xime de um código de conduta militar no modo que se levantassem contra os excessos de Pal-
de agir da Legião. Os seus membros comportam- mer, Burleson'" e companhia, insistindo na res-
-se como uma seita indisciplinada de cruzados tauração da liberdade democrática pela qual
puritanos contra a corrupção da moral e dos haviam teoricamente lutado. Mas, na verdade,
bons costumes ou como um bando de sulistas não fizeram nenhuma destas coisas. Que seja
sempre prontos para linchar o primeiro negro do meu conhecimento, nem um único ofi-
que lhes apareça à frente. Estão sempre a des- cial tirano foi importunado pelas suas vítimas.
cobrir assaltantes imaginários debaixo da cama O máximo que fizeram foi recorrer ao Congresso
nacional, lançando-se ao ataque, não de forma clamando vingança e pedindo indemnizações,
corajosa e em condições de paridade, mas cobar- Nem tão-pouco exerceram a sua influência
demente e em número esmagador. Alguns dos contra o despotismo medieval que se desenvol-
seus feitos, a serem incluídos no registo a que já veu no país durante a guerra; pelo contrário,
aludi, são de uma torpeza inqualificável: ataques apoiaram-no activamente, e se este diminuiu
a socialistas inofensivos, proibição de concertos a partir de 1919, a mudança operou-se sem a
executados por músicos de nacionalidade ini- sua ajuda e apesar da sua oposição. Resumindo,
miga, mutilação de gado destinado a alimentar revelaram todos os estigmas dos homens infe-
crianças famintas no estrangeiro, brutalização riores, cuja inferioridade natural se viu agra-

70 71
'111111,

vada pela opressão. A sua principal organização cas? Ouso duvidar, contra a opinião dos Cha-
é dominada por antigos oficiais oportunistas tauquas, do Congresso e da imprensa patriótica.
que dela se servem para atingirem fins pesso- Tenho por certeza quase absoluta que se um
ais: políticos em busca de cargos, caça às bruxas exército representativo do povo americano
na Câmara do Comércio e outros vermes do tivesse de se bater com outro exército vaga-
mesmo género. Parece totalmente desprovida mente semelhante em poder, seria derrotado, e
de patriotismo, coragem ou bom senso. Nada essa derrota seria total. Aposto mesmo, dois
que se lhe assemelhe existia no país antes da para um, que até o exausto exército alemão de
guerra, nem mesmo no Sul. E não há nenhuma 1918 o derrotaria, e nesta opinião sou seguido
outra igual à face da Terra. Trata-se de um pro- por muitos cujo conhecimento da matéria é
duto típico de dois anos de esforço heróico para bem melhor do que o meu, sobretudo muitos
suscitar em proveito próprio os piores instintos oficiais franceses. As alterações no carácter
das massas, simbolizando ao mesmo tempo e de americano desde a Guerra da Secessão, devido,
forma espectacular os efeitos perniciosos desse por um lado, ao desgaste da velha matriz anglo-
esforço sobre o espírito americano em geral. -saxónica, já de si inferior, e, por outro lado, à
Seriam homens com tão baixa escala de valen- introdução dos piores elementos de outras ori-
tia e honra, totalmente expurgados de qualquer gens, não deram seguramente grande contri-
virtude militar, mergulhados no que de mais vil buto para a promoção das virtudes militares.
existe no espírito humano, sim, seriam estas A cabeça fria de outros tempos já não existe e a
deploráveis caricaturas de soldados capazes de nossa velha obstinação já não é o que era.
opor resistência suficiente a um inimigo público O americano comum dos nossos dias perdeu
com igualou superior número de homens e todo o amor pela liberdade que caracterizava os
recursos, cheio de confiança, audácia e deter- seus antepassados, bem como o resguardo devido
minação, digamos a Inglaterra apoiada pela às emoções e o orgulho na auto-suficiência. Já
Alemanha no fornecimento de material de não há Oavid Crocketts a conduzi-lo, mas antes
guerra e pelos seus inevitáveis aliados conti- chefes de claque, agências noticiosas, merceei-
nentais, ou o Japão seguido pelas hordas asiáti- ros de palavras e pregadores de virtudes morais.

72 73
Não acredito que indivíduo tão timorato e tibieza, esta credulidade e pobreza de espírito,
bilioso, empurrado para uma guerra exigindo podem, num futuro não muito longínquo,
todas as reservas de coragem, engenho e perti- transformá-lo num rebelde particularmente
nácia, desse boa conta de si. Está mais talhado desvairado, capaz de mergulhar a República
para sessões de linchamento e caça às bruxas do em dificuldades internas tão adversas como
que para ultrapassar situações difíceis e desfa- as que ameaçam afligi, Ia a partir do exterior.
voráveis. Aquilo a que James N. Wood chama o «pirata
No entanto, este carácter submisso e pusi- da democracia» - o manipulador profissional
lânime pode ser sobrestimado. Acho mesmo de massas, o vendedor de ilusões, o explorador
que os seus actuais amos o sobrestimam quando dos medos e das iras populares -, ainda se sente
assumem não haver qualquer limite para a sua bem trabalhando para o capitalismo e o capita-
capacidade de ser ludibriado ou maltratado, lismo sabe como recompensã-lo de acordo com
quando se convencem de que aceitará qualquer os seus desejos. Torna-se estadista eloquente,
ofensiva contra a sua liberdade e a sua digni- director de jornal patriota, fonte de inspiração,
dade, mais infame ou menos infame, desde jovial vaca leiteira do optimismo. Chega a diri-
que lha pintem em tons suaves. Permitiu que gente político, governador, senador, presidente.
a última guerra lhe fosse «vendida» por prego, Chama-se Bíllv Sunday, Cvrus K. Curtis, Dr.
eiros de casas de diversão. Submeteu-se ao alis- Frank Crane, Charles E. Hughes, Taft, Wilson,
tamento sem nenhuma da resistência demons- Cal Coolidge, general Wood, Harding". O seu
trada pelos seus irmãos democratas do Canadá e ofício é talvez o melhor de todos numa demo'
da Austrália. Não foi além de protestos formais cracia, mas tem as suas tentações! Imaginemos
contra a brutalidade de que foi vítima no exér- que um chefe dos piratas, perito na condução
cito. Quando chegou a casa impuseram, lhe a das massas pela rédea, se lembra de repente de
lei seca, e ele ficou, se por meia dúzia de páli- Pepino, o Breve", dando por ele dono do palá-
dos protestos. É escravo dócil do capitalismo, cio e coroando-se rei dos Francos. Nessa mesma
sempre pronto para reprimir os companheiros linha de horizonte viram-se relâmpagos na época
de escravatura que ousem revoltar-se. Mas esta de Roosevelt e os trovões ribombaram quando

74 75
Bryan surgiu das estepes do Nebraska. Num dia abarrotar de gente sem trabalho, mas o campo
marcado pelo destino, que está no segredo dos é quase sempre deficitário em mão-de-obra.
deuses, um professor da fulcral ciência demo- E quando todos os outros recursos se esgotam,
crática há-de despedir os seus empregados e há sempre instituições públicas prontas para ali-
criar uma empresa unipessoal. Quando esse dia mentar os famintos: o capitalismo zela para que
chegar, as parangonas nas primeiras páginas dos não desesperem. Nenhum americano passou
jornais ver-se-ão inteiramente justificadas. alguma vez pelo que passaram milhões de euro-
Inclino-me para a ideia de que o desas- peus durante a guerra e pelo que alguns ainda
tre militar há-de fornecer-lhe a inspiração e a hoje passam desde essa altura: o pão reduzido
oportunidade; e o nosso pirata há-de surgir sob a metade do tamanho e os talhos sem carne.
a forma, tão cara às nossas democracias, de um Mas não estão livres de que isso lhes suceda, e
homem a cavalo. As probabilidades para que esse dia pode não vir longe. Um desastre mili-
isto seja possível nos nossos dias são escassas,· tar nacional desorganizaria toda a indústria
muito simplesmente porque as massas se sen- americana, já de si perdulária e caótica, lan-
tem relativamente satisfeitas, uma vez que o çando o povo americano, pela primeira vez na
capitalismo lhes trouxe algum conforto e muita sua história, na verdadeira necessidade, a que
comida em troca pela sua docilidade. A verda- o capital não seria capaz de dar resposta. Este
deira pobreza é rara nos Estados Unidos, como desastre trará consigo o tão desejado salvador.
é rara a privação de bens essenciais. Pode haver Os escravos segui-le-ão, os olhos extaticamente
momentos em que o proletariado não tem postos na nova Nova Jerusalém. Os homens
dinheiro para discos, camisas de seda ou para amestrados para reagirem como robôs a lemas
ir ao cinema, mas raramente lhe falta comida. doutrinários, seguirão automaticamente a nova
Mesmo durante as mais graves crises económi- doutrina, bem mais perversa e demente. O bol-
cas, com centenas de milhares de desemprega- chevismo, nas palavras do general Foch, é a
dos, a maioria destas supostas vítimas, desde que doença das nações vencidas.
o queira, consegue ganhar para comer fazendo Não quero, porém, que as minhas palavras
outro género de trabalhos. As cidades podem sejam mal interpretadas: não prevejo qualquer

76 77
grande revolução, nenhuma derrocada melodra- Os lucros usurários que a nação sacou durante
mática do capitalismo, nenhuma repetição do a última guerra são tão tentadores como títu-
que se passou na Rússia. O proletariado ameri- los de crédito pendurados no arame da roupa
cano não tem coragem nem romantismo sufi- ou como uísque em caves a céu aberto antes
cientes para tal empreendimento e, justiça lhe da lei seca. O tratamento imbecil dado tanto
seja feita, também não é suficientemente tolo a amigos como a inimigos, deixou-a só com
para isso. A longo prazo, o capitalismo triun- inimigos. Está mal apetrechada para se lançar
fará nos Estados Unidos, quanto mais não seja numa competição de vida ou de morte por um
porque cada americano vive a esperança de se papel dominante no mundo. Os recentes trata-
transformar num capitalista antes de morrer. dos sobre o desarmamento deixaram-na prati-
O capitalismo lança raízes até aos níveis mais camente paralisada. Antes da cimeira, tinha o
profundos e obscuros do solo nacional; é profun- Pacífico nas mãos, o que lhe permitia negociar
damente americano em tudo o que o caracteriza, boa parte do Atlântico. Mas quando os japone-
particularmente na sua hostilidade aos sonhos ses e os ingleses concluíram a lavagem ao cére-
da humanidade. Hoje parece gozar de segu- bro de um jovem, presunçoso e enfatuado Teddy
rança a toda a prova, no actual contexto de paz Roosevelr'? e ao resto de uma cambada anuente
e abundância, e nem todos os demagogos do de lorpas, ficou claro que se havia operado uma
país juntos numa missão sagrada conseguiriam perniciosa reviravolta. A nossa República está
abalá-lo. Só mesmo um cataclismo o poderá hoje exposta a sérias ameaças em ambas as fren-
fazer. E é este cataclismo concebível? Não são tes e mais o estará amanhã. E não conta com
os Estados Unidos o país mais rico que alguma amigos.
vez existiu, e não é um facto que as guerras No entanto, como dizia anteriormente,
modernas são ganhas com dinheiro? Não, não não receio pelo capitalismo. Há-de sobreviver
é um facto. Como no tempo de Napoleão, as à tempestade, dela saindo ainda mais forte.
guerras hoje são ganhas pelas maiores legiões, e O homem inferior abomina-o, mas este ódio
as maiores legiões, no próximo grande conflito, está eivado de demasiada inveja, na terra dos
podem não estar do lado da nossa República. homens teoricamente livres, para que seja seu

78 79
desejo destruí-lo completamente ou, mesmo,
para lhe infligir ferimentos incuráveis. Luta
contra o capitalismo, mas quase a contragosto
e sempre com dissimulado respeito. É possível
que tente um ataque mais violento no dia do
Apocalipse. Mas a longo prazo sairá derrotado.
A longo prazo, os piratas acabarão por vergá-
-lo e entregá-Io ao seu inimigo. Talvez, quem
sabe, este combate outorgue um poder legítimo
e confira verdadeira dignidade a esse inimigo.
E dele talvez nasça o super-homem.

80
111

)=to correr das palavras quase me esque-


cia de apontar a terceira razão para me manter
fiel à Federação, não obstante os incitamentos
lascivos de muitos expatriados para me juntar a
eles além-mar, e todos os patriotas carrancudos
sugerindo que acabarei por ceder à tentação.
E esta razão está directamente ligada ao meu
gosto medieval, mas confessado, pelo excên-
trico e pelo grosseiro, e ao meu fraquinho con-
génito pela comédia nas suas mais vulgares
expressões. Na minha perspectiva, os Estados
Unidos são, incomparavelmente, o maior espec-
táculo do mundo. Um espectáculo que exclui
todo o tipo de palhaçadas que rapidamente me
entediam - o cerimonial monárquico, o mala-
barismo fastidioso da haute poli tique ou a atitude

85
séria perante a política, por exemplo -, pondo cialistas menores em charlatanice eclesiástica:
antes a ênfase no tipo de situações que me Loyolas, Savonarolas e Xavieres de latão, per-
. divertem incessantemente: as discussões brejei- tencentes a centenas de ritos fantásticos, todos
ras dos demagogos, as deliciosas e engenhosas comediantes infatigáveis, transbordando de
manigâncias dos mestres da pulhice, a persegui- uma ilimitada excentricidade grotesca. Qual-
ção a bruxas e hereges, as tentativas desespera- quer cidade americana, por mais pequena que
das dos homens inferiores para treparem até ao seja, tem o seu divino clérigo, de tal forma
Céu. Temos entre nós, em constante activi- talentos o na utilização do jazz para a salva-
dade, bobos que se destacam dos de qualquer ção dos pecadores que cada celebração ganha o
outro grande país, do mesmo modo que Jack colorido espalhafatoso de um circo com quatro
Dempsey se destaca de um paralítico; não ape- pistas; basta-lhe anunciar que em tal e tal noite
nas vinte ou trinta, mas verdadeiras manadas atacará o Inferno e logo se esvaziam todos os
deles. Aquilo que noutro país cristão qualquer bares clandestinos e bordéis da cidade, ficando
está irremediavelmente votado a um tédio o seu santuário a rebentar pelas costuras. Para o
incurável - coisas que, pela sua natureza, pare- acolitar e inspirar, conta ele ainda com especia-
cem desprovidas de toda a piada -, é aqui ele- listas itinerantes, para os quais está como uma
vado a um patamar de bufonaria que nos faz rir verruga para os Montes Apeninos, prodigiosos
a bandeiras despregadas. Tomemos como exem- mestres em imbecilidade teológica, artesãos de
plo o culto religioso. Em qualquer outro sítio do doutrinas completamente ridículas, herdeiros
globo este culto caracteriza-se por uma atitude da tradição de [oseph Smith, Mother Eddy e
solene e deprimente; em Inglaterra, claro está, John Alexander Dowiet'': Bryan, Sunday e com-
os bispos são despudorados, mas o comum dos panhia. São estas as eminências do Sagrado
mortais raramente tem a oportunidade de se Colégio americano. Fazem as minhas delícias.
divertir à conta deles. Aqui em casa não só As suas palhaçadas contribuem para que seja
temos bispos incomensuravelmente mais des- um americano mais feliz.
pudorados do que os mais versados bispos ingle- Viremo-nos agora para a política e tomemos
ses, como contamos com um exército de espe- como exemplo uma campanha para a presidên-

86 87
cia. É possível conceber espectáculo mais hila- nenhum lugar desta esfera desonrosa se elevou
riantemente estúpido - imaginem um ensur- a arte da falsa discussão a categoria tão refinada.
decedor, angustiante e mortal combate entre Vejamos dois exemplos do que acabo de afir-
Cara de um e Focinho do outro'", Arlequim mar. Durante o jogo com uma câmara-de-ar
e Sganarelle'", Gobbo e o Dr. COOpl -, com entre Harding e Cox, um artigo meu, onde me
o inominável engolindo o inconcebível por debruçava sobre as expressões mais melodramá-
entre grunhidos medonhos? Desafio qualquer ticas de ambos os candidatos, foi traduzido para
um a descobrir espectáculo equivalente nou- alemão e reproduzido num jornal de Berlim.
tro sítio qualquer do globo. Noutras paragens, O director desse jornal teve o cuidado de escre-
no mínimo, ainda encontramos tópicos de dis- ver um prefácio, explicando aos seus leitores,
cussão inteligíveis, ideias coerentes e persona- vivendo há bem pouco tempo sob os auspícios
lidades relevantes. Alguém intervém e outro da democracia, que os americanos inteligentes
riposta. Mas o que disse Harding em 1920 e o não levavam tais disputas a sério, ao mesmo
que respondeu COX52?Já agora, quem era Har- tempo que os aconselhava solenemente a não
ding e quem era Cox? Depois de aperfeiçoarmos se enervarem por causa da política. Por volta
a democracia, situamos o combate no plano do da mesma altura, tive a ocasião de jantar com
simbólico, do transcendentalismo e da metafí- um inglês. Desde as entradas até ao alka-seltzer
sica. Municiamos os nossos duvidosos canhões não parou de lamentar a lassidão política da
com cartuchos vazios, entretanto cheios com população inglesa, traduzida numa indiferença
pó de talco, e disparamos. Qualquer um pode crescente perante a arlequinada partidária.
fazer ouvir os seus grunhidos enquanto decorre Podemos distinguir aqui duas atitudes estran-
o espectáculo sem que ninguém lhe lembre, geiras típicas: os alemães corriam o risco de
de forma veemente, que as coisas são para ser encarar a política de forma austera e impla-
levadas a sério e que corre o risco de ferir algum cável, enquanto os ingleses pareciam já não
dos presentes. É minha convicção que esta querer saber da política para nada. Estas duas
elevação da política ao plano da pura comé- atitudes, sejamos claros, propiciam maus espec-
dia é peculiarmente americana, e que em mais táculos. Quando observamos uma campanha

88 89
respeito, faz de mim um homem mais satisfeito recebo sem encargos. Por menos quatro dóla-
e, por isso, melhor cidadão. Há quem prefira res divirto-me como Salomão nunca se diver-
a República porque paga melhores salários do tiu com a dança do ventre. O coronel George
que a Bulgária. Outros preferem-na porque tem Brinton McClellan Harvey custa-me cerca de
leis para os manter sóbrios e as filhas castas. Há vinte e cinco cêntimos por ano e Nicholas
também quem ache que viver aqui se justifica Murray Butler55 fica-me de graça. Por último,
pela leitura do EveningJournal, de Nova Iorque. temos o jovem Teddy Roosevelt, o especia-
Para não falar dos que têm um mandado de cap- lista em assuntos navais. O menino Teddy, de
tura contra eles noutro país qualquer. Quanto a acordo com os meus cálculos, fica-me por cerca
mim, gosto de viver aqui porque me diverte da de onze cêntimos por ano, isto é, menos de um
forma que mais gosto. O espectáculo nunca me cêntimo por mês. Ainda por cima diverte-me
entedia e vale cada cêntimo despendido. duas vezes pelo mesmo dinheiro: primeiro,
Este custo, aliás, parece-me bastante razo-
enquanto especialista em assuntos navais; em
ável. Os impostos nos Estados Unidos não são
segundo lugar, enquanto attentat ambulante à
assim tão elevados como dizem. Segundo os
democracia, prova inequívoca de que, afinal,
meus cálculos, o que me toca este ano para
nada existe nessa superstição. Nós, os america-
manter Sua Ex. a W. Harding na Casa Branca
nos, subscrevemos a doutrina da igualdade entre
não deverá ultrapassar os oitenta cêntimos.
os Homens, mas Roosevelt e seus apaniguados
Tentem imaginar melhores aplicações para o
reduziram-na a um absurdo de forma tão genial
dinheiro. Quem se quiser embebedar à vontade
em Nova Iorque gasta, no mínimo, oito dóla- como os descendentes de Veit Bach'". Onde
res e, em média, dezassete dólares e meio para está então a igualdade de oportunidades? Aqui,
beliscar o braço de uma rapariga. O Senado neste paraíso dos bobos, onde cada rapaz pobre
americano custa-me, por alto, uns onze dólares pode, teoricamente, alcandorar-se às mais altas
por ano; comparem este custo com os quinze recompensas da bufonaria, aqui, na própria
dólares que custa a subscrição do Congressio- cidadela da democracia, estamos em vias de
nal Record, que eu, na qualidade de jornalista, fundar e de venerar uma dinastia de bobos.

92 93
notas

Grupo de intelectuais de esquerda que emergiu nos


Estados Unidos nos anos 10 do séc. XX, defensores
do modernismo artístico, do radicalismo político e da
liberdade de costumes. [Todas as notas são da respon-
sabilidade do tradutor.]
2 Bad Lands, no original; antigo território sagrado dos
índios Sioux.
3 w.G. Harding (1865-1923), vigésimo nono pre-
sidente dos Estados Unidos, no cargo entre 1921 e
1923, ano em que faleceu. A sua administração ficou
marcada por um grande escândalo de corrupção.
4 Fundada em 1893 e extinta em 1933, esta associação
advogava a proibição do fabrico e venda de bebidas
alcoólicas.
5 O hino nacional dos Estados Unidos da América.

97
6 Método destinado essencialmente a favorecer a edu- 14 Rufus Daniel Isaacs (1860-1935), ministro da Justiça
cação de adultos, através de um sistema de conferên- britânico (1913-1921), embaixador da Grã- Bretanha
cias públicas, concertos e espectáculos teatrais, em nos Estados Unidos (1918-1919) e vice-rei da Índia
Chautauqua, junto ao lago com o mesmo nome, no (1921-1926), a quem foram concedidos vários títulos
estado de Nova Iorque. nobiliárquicos, entre os quais o de primeiro marquês
7 Em alemão, literalmente «aquele que bebe até mor- de Reading.
rer». 15 François Eugêne de Savoie-Carignan (1663-1736),
8 Associação de antigos combatentes fundada em Paris, príncipe de Sabóia e general austríaco nascido em
em 1919. França.
9 Na política americana, membro de um partido polí- 16 Benevolent and Protective Order ofElks (Ordem dos

tico (c. 1834-1855) formado em oposição ao Partido Alces), organização de caridade fundada em 1868.
17 Conde de Balfour (1848-1930), primeiro-ministro
Democrata, favorecendo a expansão económica
britânico de 1902 a 1905 e ministro dos Negócios
em conjugação com elevadas taxas proteccionis-
Estrangeiros de 1917 a 1919. Assinou o Tratado de
tas, opondo-se simultaneamente ao excessivo poder
Versalhes e participou na Conferência de Washing-
presidencial.
ton. Ficou mais conhecido pela Declaração Balfour
10 Charles Michael Schwab, presidente das principais
(1917).
indústrias de aço americanas (1862-1939).
18 Travada entre alemães e russos, em 1914 (26-30 de
11 Woodrow Wilson (1856-1924), vigésimo oitavo
Agosto), com vitória dos primeiros. Antigamente
presidente dos Estados Unidos (1913-21), prémio
situada na Prússia, Tannenberg faz hoje parte do ter-
Nobel da Paz (1919). Começou por defender a neu-
ritório polaco.
tralidade dos Estados Unidos na Grande Guerra, aca-
19 Andrew [ohn Volstead (1860-1947), autor da «Lei
bando depois por optar pela intervenção americana Volstead», conhecida entre nós por «lei seca», intro-
no conflito. Foi um dos promotores da Sociedade das duzindo a proibição de venda de bebidas alcoólicas a
Nações. partir de 1919-20; Carlo «Charles» K. Ponzi (1882-
12 William [ennings Bryan (1860-1925), político, exer- -1949), autor de um esquema fraudulento, desmas-
ceu as funções de secretário de Estado do presidente carado em 1920, muito semelhante ao esquema do
Wilson de 1913 a 1915. caso «Dona Branca»; WilliamHarrison «[ack- Dernp-
13 J.P. Morgan (1837-1913), fundador de um grande sey (1895-1983), campeão de boxe na categoria
império financeiro. de pesos pesados de 1919 a 1926; Charles M. Schwab,

98 99
cf. nota 10; Harry Micajah Daugherty (1860-1941), que levaram à apropriação e expropriação das terras
ministro da Justiça do presidente Harding, envolveu- pertencentes a diversas nações índias.
-se, juntamente com Albert B. Fali, ministro do Inte- 23 Membro de uma classe de aristocratas rurais, em par-
rior, num escândalo de corrupção que ficou conhe- ticular na Prússia Oriental, com um espírito forte-
cido por «Teapot Dome»; Eugene Victor Debs mente militarista e autoritário.
(1855 -1926), dirigente socialista condenado a dez 24 Sir James Bryce (1838-1922), primeiro visconde de
anos de prisão por antimilitarismo. Foi cinco vezes Bryce, diplomata, historiador e jurista britânico.
candidato à presidência de 1900 a 1920 (único a 25 A.J. Balfour, cf. nota 17; David Llovd George (1863-
candidatar-se na prisão); [ohn [oseph Pershing -1945), estadista britânico, primeiro-ministro de 1916
(1860-1948), general, comandante do Corpo Expedi- a 1922.
cionário Americano na Grande Guerra. 26 Sir William Robertson Nicoll (1851-1923), jorna-
20 Nome dos camponeses ou trabalhadores nativos no lista, escritor e teólogo escocês; Sir John Collings
Egipto, na Síria, etc. Squire (1884-1958), jornalista, poeta e crítico lite-
21 The Independent Order of Odd Fellows, organização rário; Arthur Clutton- Brock (1868-1924), jornalista,
de solidariedade social cuja fundação remonta ao séc. crítico e ensaísta britânico.
XVIll, em Inglaterra (em território norte-americano, 27 Bairro chique de Londres.
a ordem foi instituída em 1819). Odd Fellow signi- 28 William Morris «Billy» Hughes (1862-1952), pri-
fica literalmente «indivíduo excêntrico». O Know- meiro-ministro da Austrália de 1915 a 1923; Jan Chris-
-Nothing Party, ou American Party, proeminente de tiaan Smuts (1870-1950), general, primeiro-minis-
1853 a 1856, tinha por objectivo manter o poder nas tro da África do Sul de 1919 a 1924 e de 1939 a 1948.
mãos dos cidadãos autóctones, sendo, por isso, violen- 29 Frederick Edwin Smith (1872-1930), primeiro conde
tamente hostil aos imigrantes, sobretudo católicos. de Birkenhead, ministro das Finanças a quem Lloyd
O seu nome deve-se ao facto de os respectivos mem- George conferiu o título de lorde chanceler em
bros professarem ignorância relativamente às activi- 1919; Emma Alice Margaret «Margot- Tennant
dades do partido. (1864-1945), esposa do primeiro-ministro Herbert
22 Andrew Jackson (1767-1845), general, especulador Henry Asquith, primeiro conde de Oxford; Nancy
de terrenos, traficante de escravos, sétimo presidente Witcher Langhorne (1879-1964), esposa de Waldorf
dos Estados Unidos (1829-1837), defensor de uma Astor e primeira mulher a ter assento no parlamento
política populista e principal obreiro das políticas britânico.

100 101
'ORICAMP
-------- -- 1.fC.
8J.Uoteoa ~
r 6~gg!O
30 Protestante, mas que não é membro da Igreja Anglí- 38 Centésima parte do antigo marco alemão.
cana. 39 Diário de Berlim, em português.
31 .Personagens de uma banda desenhada americana 40 Fornecedor de material de guerra.
muito popular de 1915 a 1920, sendo uma muito alta 41 [oseph Patrick Tumulry (1879-1954), secretário par-
(Mutt) e outra muito baixa (Jeff). ticular de Thomas Woodrow Wilson de 1911 a 1921.
32 The Fraternal Order of Knights of Pythías, sociedade 42 Durante a guerra dos Boers, na África do Sul, os
secreta fundada em 1864. ingleses foram sujeitos a um cerco de oito meses na
33 John Dillon (1851-192 7), independentista irlandês; cidade de Mafeking antes de serem libertados.
Henry Wickham Steed (1871-1956), jornalista e his- 43 Horatio Bottomley (1860-1933), jornalista e escroque;
toriador; Ernst zu Reventlow (1869-1943), polemista Alfred Charles William Harmsworth (1865-1922),
alemão; W.S. Blunt (1840-1922), poeta e diplomata primeiro visconde de Northcliffe, jornalista, polí-
antí-imperialista. tico, fundador do Daily Mail (1896) e do Daily Mirrar
34 Henry Noel Brailsford (1873-1958), jornalista e histo- (1903 ).
riador socialista; Hector Charles Bywater (1884-1940), 44 Alexander Mitchell Palmer (1872-1936), nomeado
especialista em assuntos navais. ministro da Justiça em 1919, célebre pelos famosos
35 S. Stall (1847 -1915), doutor em teologia. Na sua obra raides anticomunistas de Janeiro de 1920; Albert
What a Young Boy/Young Man Ought to Know (O Que Sidney Burleson (1863-1937), advogado e congres-
um Rapaz/Jovem Adulto Deve Saber), publicada em sita, responsável pelo ministério dos Correios e Tele-
1897, advoga a tese dos malefícios, mentais e físicos, comunicações e pela imposição do Espionage Act
da prática da masturbação, propondo, por exemplo, (Lei da Espionagem), autorizando a apreensão de
a aplicação de um colete-de-forças para impedir tal toda a correspondência «suspeita» durante a Grande
prática. Guerra.
36 Ernest Augustus Boyd (1887-1946), tradutor, crítico 45 William Ashley «Billy» Sunday (1862-1935), evan-
e escritor, autor de uma obra dedicada a Mencken; gelista que liderou uma campanha contra o álcool;
George [ean Nathan (1882-1958), crítico literário, Cyrus Hermann Kotzschmar Curtis (1850-1933), pro-
autor e editor, fundou em 1924, juntamente com prietário de vários jornais; Frank Crane (1861-1928),
Mencken, a revista The American Century. autor de antologias de máximas de bom senso publi-
37 Em alemão, caneca de cerveja com a capacidade de cadas no início do séc. XX; Charles Evans Hughes
um litro. (1862-1948), candidato republicano à presidência

102 103
52 James M. Cox (1870-1957), governador do Ohio de
derrotado por W. Wilson, posteriormente secretá-
1913 a 1915 e de 1917 a 1921, candidato católico às
rio de Estado das administrações Harding e Coo-
eleições presidenciais de 1920.
lidge; William Howard Taft (1857-1930), vigésimo
53 Young Men's Christian Association, organização reli-
sétimo presidente dos Estados Unidos (1909-1913);
giosa protestante (fundada em Inglaterra, em 1844,
Calvin Coolidge (1872-1933), trigésimo presidente
chegando à América do Norte em 1851), neste caso
dos Estados Unidos (1923-1929); Leonard Wood,
formada por jovens do sexo masculino, conhecida
Sr. (1860-1927), médico militare reformado r do exér-
pelas suas posições extremamente conservadoras e
cito americano; W.G. Harding, cf. nota 3.
moralistas.
46 Pépin le Bref (c. 714- 768), pai de Carlos Magno,
54 «Bem-aventurados sois, quando vos injuriarem, e vos
proclamado rei dos Francos, primeiro em 751, com
perseguirem ... », na versão do Pe. António Pereira de
posterior confirmação em 753 pelo papa Estêvão 11.
Figueiredo (Lisboa, Depósito das Sagradas Escrituras,
47 Theodore Roosevelt, [r, (1887-1944), filho mais
1920, p. 836).
velho do presidente Theodore Roosevelt, fundador
55 G.B.M. Harvey (1864-1928), jornalista e diplomata
da Legião Americana e secretário de Estado da Mari- que apoiou as candidaturas de Wilson e Harding;
nha. N.M. Butler (1862-1947), dirigente republicano,
48 [oseph Smith (1805-1844), fundador da Igreja Mór- amigo de Theodore Roosevelt e Prémio Nobel da Paz
mon (1830); Mary Baker «Mother- Eddy (1821-1910), em 1931.
fundadora em 1866 da «Ciência Cristã» (Christian 56 Padeiro oriundo da Hungria, antepassado de J.S.
Science), sistema de ensinamento religioso assente Bach.
nas Escrituras; J.A. Dowie (1847-1907), fundador da
«Cidade de Sião», comunidade teocrática.
49 No original, «Tweedledum and Tweedledee», os gé-
meos de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Car-
roll.
50 Personagem de várias peças de Moliêre.
51 Launcelot Gobbo, criado bobo na peça O Mercador
de Veneza, de Shakespeare; Frederick Albert Cook
(1865-1940), alegou ter escalado o Monte Mckinley,
no Alaska.

104 105
o texto, incluindo as cortinas,
foi composto com caracteres
Goudy Old Style e as capitulares,
ao estilo gótico, com Goudy Text, ambos
os tipos desenhados pelo norte-americano
Frederic William Goudy (1865-1947),
o primeiro em 1915 e o segundo em 1928.
sem falsas ilusões ou demagogias,
sem quaisquer panos quentes, puxa
pela língua e não deixa ninguém
impune, nem mesmo o povo norte-
americano, «um rebanho de pal-
haços», desde os chamados pais da
nação aos respectivos filhos, uma vez
que todos fazem parte da mesma
classe que utiliza hipocritamente o
medo, o seu próprio medo, como
forma de manipulação. Satírico, mor-
daz, provocador, polémico, Mencken
lente é aquele que, numa determi-
fase da sua vida, se afasta
EMPRÉSTIMO DE leva o paraíso do «sonho americano»
'entaneamente do rebanho e se PUBUCAÇÃO ao inferno, revolvendo e expondo
Q pensar por ele próprio. as entranhas dos factos e das menta-
Archibald Macleish ação deverá ser lidades, até chegar às raízes do «mal
americano». Mencken não terá por-
tima data indicada.
I ventura previsto as guerras no Médio
ry Louis Mencken (1880-1956) Oriente (guerras já não tradicional-
u em Baltimore, Maryland, e foi mente imperialistas, mas agora em
amente a controvérsia susci- nome do controlo capitalista desa-
pela coluna que assinava no fiando o mundo inteiro), enfim, a
Imore Sun que lhe granjeou noto- dimensão tentacular da ganância do
de a nível nacional, marcando poder, mas, alterando as datas e os
~ !---------
'velmente os EUA do século XX, nomes citados, é fácil colocar este
ken destacou-se, de facto, texto na boca de qualquer refractário
ante jornalista, ensaísta, crítico moderno. CSP
rio e analista político, um «liber-
precoce, autor de uma prosa ___ .1

como água e mortal e certeira Qualquer homem decente se enver-


10 um tiro, da qual faz parte,
----._---- ---- gonha do governo sob o qual vive.
exemplo, American Language, H.L. Mencken

Defense of Women, A New


Inary of Quotations e Prejudices \
de seis volumes publicada entre
8 e 1927, onde está incluído
'esente ensaio, «On Being An
lcen», no original). Com efeito, a r 1 _
ISBN 972-608-171-8
brasa modernidade deste texto,
do em 1922, deve muito à
1111111111I1111111111111111111
IZ dissidente de Mencken, que, 9 789726 081715
A América é a terra da alegria, como a Alemanha é

a terra da metafísica e a França a terra da fornicação.

Aqui, a bufonaria não conhece descanso. Os Estados

Unidos são, incomparavelmente, o maior espectáculo do

mundo. Um espectáculo que exclui todo o tipo de

palhaçadas que rapidamente me entediam - o cerimonial

monárquico, o malabarismo fastidioso da haute polítique

ou a atitude séria perante a política, por exemplo -,

pondo antes a ênfase no tipo de situações que me

divertem incessantemente: as discussões brejeiras

dos demagogos, as deliciosas e engenhosas manigân-

cias dos mestres da pulhice, a perseguição a bruxas

e hereges, as tentativas desesperadas dos homens inte-.

riores para treparem até ao Céu. Temos entre nós, em

constante actividade, bobos que se destacam dos de

qualquer outro grande país; não apenas vinte ou trinta,

mas verdadeiras manadas deles. Aquilo que noutro país

cristão qualquer está irremediavelmente votado a um

tédio incurável- coisas que, pela sua natureza, parecem

desprovidas de toda a piada -, é aqui elevado a um pata-

mar de bufonaria que nos faz rir a bandeiras despregadas.

, -OviTI1A~

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