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GUEROULT, Martial. Descartes segundo a ordem das razões. São Paulo: Discurso
Editorial, 2016.
O Cogito foge à dúvida universal porque está fora das condições que se encontram na
dúvida universal. A dúvida envolve a afirmação do eu sobre algo exterior. O Cogito
envolve afirmações sobre o próprio eu.
O Cogito é aquilo que subsiste quando se abstrai o resto. Contudo, o resto não subsiste
por si e, portanto, não pode ser abstraído do Cogito. O Cogito tem, assim, as seguintes
características: (a) substância epistemológica; (b) simples; (c) absoluto; (d) primeiro por
si; (e) concreto; (f) completo.
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O critério pelo qual se estabelece o que é ou não é uma substância (aquilo que
permanece diante da eliminação e da mudança dos acidentes) não conduz a um
conhecimento do que é uma substância (pois a substância só é conhecida, em sua
natureza, através dos seus modos). Para Gueroult, Descartes está ainda analisando a
substância em nível epistemológico. Caso o ponto de partido fosse ontológico, ele não
poderia conhecê-la sem os seus acidentes.
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Obs.:
a) Distinção modal: diferença entre substância e modos. Há uma separabilidade
unilateral, pois os modos dependem da substância para serem conhecidos clara e
distintamente e, logo, para existir, mas a substância não depende dos modos para ser
conhecida e, consequentemente, para existir. Por exemplo, a mente (substância) pode
ser conhecida e existir sem a imaginação (modo); a imaginação (modo) não pode ser
conhecida e nem pode existir sem a mente (substância).
b) Distinção de razão: diferença entre substância e atributo principal. Provém de uma
simples abstração mental ou de pontos de vista diferentes pelos quais a substância é
analisada. Por exemplo, o intelecto (atributo principal ou essência) pode ser abstraído da
mente (substância), embora existam de maneira inseparável; a extensão (atributo
principal ou essência) pode ser abstraída do corpo (substância), embora existam de
maneira inseparável.
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Verdade certa para a ciência: sou uma inteligência pura (Cogito=razão universal).
Aquilo que não pode ser abstraído na cadeia de abstrações realizada.
Esta inteligência condiciona e está presente em todos os pensamentos. Algumas
características da inteligência pura: (a) máximo de realidade; (b) máximo de
universalidade. (c) encontra-se em todos os compostos, permanecendo simples; (d)
máxima certeza; (e) máxima indubitabilidade; (f) ser abstrato; (g) este ser simples,
universal e abstrato está em um ser complexo, individual e concreto; (h) conhecida
intuitivamente.
O Cogito (eu geral) é tão real quanto (e até mais real do que) os entes concretos. O
papel de Descartes consiste em fazer com que o filósofo se acostume a eliminar o eu
empírico e passe a usar o eu abstrato como fundamento da ciência. Neste ponto, o
filósofo se distingue do não-filósofo, já que este só concebe o eu empírico.
O Cogito não é uma tomada da consciência de si, mas sim a afirmação de um intelecto
puro.
O Gênio Maligno pode anular do Cogito (ou seja, por em dúvida) tudo aquilo que é
corporal, mas não pode anular o pensamento. Ele também não pode anular as faculdades
do Cogito (sentidos, imaginação, vontade e etc.), pois, embora sejam modos, estas
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As faculdades não intelectuais são modos porque são acidentes impostos à mente pelo
fato de ela estar unida a uma substância realmente distinta dela: o corpo. Assim, neste
caso, a distinção real fundamenta a distinção modal.
A manifestação do intelecto puro é contingente, mas não o próprio intelecto puro. Por
outro lado, a manifestação das faculdades e elas próprias são contingentes.
Definição verdadeira: definição pela enumeração dos modos. O Cogito é pensar, querer,
duvidar, imaginar, sentir e etc.
Verdadeira definição: definição pela essência ou atributo principal do Cogito do qual
dependem os outros modos. O Cogito é puro intelecto ou puro pensar.
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Obs.: ideias claras e distintas
a) Clareza: evidência, sem chance de erro ou dúvida.
b) Distinção: separado das outras ideias, sem chance de confusão com outras ideias
Aplica-se às ideias de Deus, do Cogito e da matemática.
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Problemas:
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Há uma ligação necessária entre o Cogito e a representação feita por mim de sua
essência. Contudo, tal ligação é certa somente para mim, não havendo (ainda)
correspondência disto no exterior.
a) Conhecimento da existência do Cogito: é certo para mim e, além disso, tem
valor objetivo (se penso que existo, então em si existo)
b) Conhecimento da essência do Cogito: é certo para mim, mas não tem valor
objetivo (se me penso como puro pensamento, isto não significa que sou puro
pensamento).
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A ciência que conhece a essência imaterial do Cogito é certa e necessária (tal como o
conhecimento da existência do Cogito), mas ainda não se sabe se ela tem valor objetivo,
ou seja, se o modo pelo qual a natureza do Cogito é representada por mim corresponde à
natureza do Cogito em si (diferentemente do que ocorre no conhecimento da existência
do Cogito).
Posso excluir o corpo da ideia clara e distinta da natureza do Cogito, mas ainda não
posso excluir o corpo da própria natureza do Cogito (o que só será feito na 6ª
Meditação).
Aquilo que, no campo das ideias, é separado por exclusão (ou seja, é concebido clara e
distintamente como separado do resto e diferente do resto) pode, no campo das coisas
externas, estar separado somente por abstração (ou seja, por uma separação mental, de
algo que de fato não pode ser separado).
I) Na ciência
a) exclusão: rejeitar de uma ideia o que não lhe pertence, obtendo dela, assim,
um conhecimento claro e distinto
b) abstração: separar arbitrariamente uma parte da ideia, obtendo desta parte,
assim, um conhecimento obscuro e confuso
II) Na coisa
a) exclusão: rejeitar da coisa aquilo que legitimamente se rejeita da ideia da
coisa
b) abstração: separar arbitrariamente da coisa aquilo que arbitrariamente se
separa da ideia da coisa
É uma ciência ainda subjetivamente certa que não atingiu uma certeza objetiva. Provar o
valor objetivo das conclusões da minha ciência é necessário, pois, do contrário, toda a
ciência humana será impossível.
A certeza objetiva da ciência é atingida mediante a sua certeza subjetiva (vale lembrar:
aquilo que é concebível clara e distintamente é possível de ser criado por Deus).
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Em um mesmo instante, conheço: (a) que penso; (b) que existo; (c) que minha essência
é pura consciência (ou puro pensamento); (d) que em um instante anterior, minha
essência era a mesma que agora conheço.
porque posso concebê-la clara e distintamente sem ter de incluir a substância universal
extensa como um todo ou outros corpos.
A pedra é um modo da substância universal extensa que é também uma substância pelo
fato de ser conhecida clara e distintamente sem ter de incluir, neste conhecimento, a
substância universal extensa como um todo e os outros modos da substância universal
extensa (como um pedaço de cera ou de madeira).
Ademais, um determinado modo da substância universal é uma substância se a este
modo estiverem conectados outros modos subalternos que não podem ser conhecidos
clara e distintamente sem ele.
Substância individual pensante: minha alma é concebida clara e distintamente sem ter
de incluir outra alma e a extensão (cf. Princípios da Filosofia, I, art. 60).
Problemas:
1. Descartes normalmente não vai do universal (substância universal) ao individual
(substâncias particulares), mas do particular ao universal
2. Substâncias individuais extensas não são substâncias, mas sim modos perecíveis
3. Somente a substâncias universal extensa e as almas humanas são substâncias e
indestrutíveis.
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A maneira como Descartes entende as almas individuais parece endossar que não existe
uma substância pensante da qual as almas são modos (tal como ocorre no caso dos
corpos), mas sim que já há várias substâncias pensantes, ou seja, várias almas. Assim,
haveria várias substâncias pensantes e uma substância extensa.
Contudo, a maneira como Descartes concebe o Cogito nas Meditações dá a entender que
há somente uma substância pensante e que, consequentemente, as almas individuais são
modos desta substância.
A substancialidade das almas individuais e dos corpos particulares não está entre os
temas tratados nas Meditações.
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Há uma prioridade do Cogito também no que diz respeito à sua natureza intrínseca: O
Cogito, além de conhecer imediatamente a sua existência, está certo quanto ao
conhecimento de sua essência, já que este conhecimento não necessita da exclusão do
conhecimento proveniente dos sentidos e da imaginação. Entretanto, o Cogito conhece o
corpo por um grande esforço, pois, ainda que possa conhecer a existência destes corpos
pela imaginação e pelos sentidos, deve excluir o conhecimento previamente fornecido
pela imaginação e pelos sentidos para conhecer a essência dos corpos.
atribuídas aos corpos. Assim, o conhecimento que se tem do Cogito é mais rico do que
o que tenho do corpo.
Posso ter dúvidas sobre a veracidade do que sinto e imagino dos corpos, mas não posso
ter dúvidas de que eu (enquanto Cogito) tenho a capacidade (modos) de sentir e de
imaginar. Assim, a análise da dúvida proveniente da imaginação e dos sentidos leva a
uma certeza sobre os atributos (modos) do Cogito.
Argumento da cera: decomposição da representação sensível da cera até chegar aos seus
elementos mais simples.
A ideia da substância extensa (que é uma ideia inata) fundamenta não só o conteúdo da
representação dos corpos, mas também a própria possibilidade produzir representações
dos corpos. Isto faz da extensão uma ideia indubitável tal como o Cogito e, ademais,
mostra que a extensão é uma ideia presente no Cogito.
O conhecimento (ou a representação) dos objetos materiais requer as ideias inatas (a
saber, a ideia inata da extensão) pelas quais se conhece que algo permanece diante das
variações dos modos.
O argumento da cera mostra que o intelecto não conhece somente a pura extensão
(substância universal extensa), mas também algo extenso que permanece o mesmo
diante da exclusão de suas qualidades (modo da substância universal extensa)
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Obs.:
Ideias
a) Inatas: já estão no homem em seu nascimento. São autoevidentes e fornecem
conhecimento claro e distinto: (a) Deus; (b) Cogito; (c) matemática e geometria;
(d) movimento; (e) figura; (f) extensão; (g) cor, som, cheiro, gosto e etc.
b) Adventícias: adquiridas por meio dos sentidos. Por exemplo, a ideia do sol, da
pedra e etc.
c) Inventadas: construções fictícias. Por exemplo, a ideia da sereia e do hipogrifo.
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Obs.:
Ideia
a) Ponto de vista psicológico: modificação do Cogito (realidade formal)
b) Ponto da vista representacional: conteúdo representado pela ideia (realidade
objetiva)
Entidades e objetos
a) Realidade formal: existência atual, extramental
b) Realidade objetiva: existência intencional, intramental
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O conhecimento que o Cogito tem do corpo diz respeito somente à essência, de modo
que o conhecimento da existência do corpo só se dá pelos sentidos. O conhecimento que
o Cogito tem de si mesmo diz respeito não só à sua essência, mas também à sua
existência. Assim, a superioridade do conhecimento do Cogito se dá por duas razões: (a)
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