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GUEROULT, Martial. Descartes segundo a ordem das razões. São Paulo: Discurso
Editorial, 2016.

Capítulo III: O Cogito I: Conhecimento de minha existência, conhecimento de


minha natureza
(obs.: estas são, segundo Gueroult, a primeira e a segunda razões ou verdades incluídas
na cadeia de demonstrações de Descartes: 1ª conhecimento da existência do Cogito; 2ª
conhecimento da essência do Cogito)

O Cogito foge à dúvida universal porque está fora das condições que se encontram na
dúvida universal. A dúvida envolve a afirmação do eu sobre algo exterior. O Cogito
envolve afirmações sobre o próprio eu.

Proposições matemáticas: certeza (há certeza quanto ao conteúdo das proposições


matemáticas, mas não há certeza desta certa, porque não sobrevive à hipótese do Gênio
Maligno)
Cogito: certeza da certeza (há certeza ligada ao conteúdo do “eu penso, logo existo” e
há certeza desta certeza porque ela sobrevive à hipótese do Gênio Maligno)

O Cogito fundamenta as proposições matemáticas porque é a condição de possibilidade


da matemática e porque há uma subordinação da matemática para com o Cogito.

Ordem crescente de certeza: 1º representações; 2ª ideias matemáticas; 3º Cogito.

As ideias matemáticas são condições de possibilidade para os conteúdos dos


pensamentos e das representações. O Cogito é condição de possibilidade para os
próprios pensamentos e as próprias representações, não importando seus conteúdos.

O Cogito é aquilo que subsiste quando se abstrai o resto. Contudo, o resto não subsiste
por si e, portanto, não pode ser abstraído do Cogito. O Cogito tem, assim, as seguintes
características: (a) substância epistemológica; (b) simples; (c) absoluto; (d) primeiro por
si; (e) concreto; (f) completo.
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Cogito=aquilo do qual tudo (representações sensíveis e ideias matemáticas) depende e


que de nada depende. Aquilo que basta a si mesmo e que pode ser conhecido de maneira
separada do resto.

Trata-se inicialmente o eu pensante geral como condição de todo conhecimento possível


e não do eu concreto. Em outras palavras, o Cogito é a coisa pensante, a essência
pensante, a inteligência pura comum a todos os indivíduos.

Autossuficiência do Cogito: o Cogito é concebido clara e distintamente, em sua


totalidade, separado do resto e é o que sobre depois de um longo processo de
eliminação.

O critério pelo qual se estabelece o que é ou não é uma substância (aquilo que
permanece diante da eliminação e da mudança dos acidentes) não conduz a um
conhecimento do que é uma substância (pois a substância só é conhecida, em sua
natureza, através dos seus modos). Para Gueroult, Descartes está ainda analisando a
substância em nível epistemológico. Caso o ponto de partido fosse ontológico, ele não
poderia conhecê-la sem os seus acidentes.

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Obs.:
a) Distinção modal: diferença entre substância e modos. Há uma separabilidade
unilateral, pois os modos dependem da substância para serem conhecidos clara e
distintamente e, logo, para existir, mas a substância não depende dos modos para ser
conhecida e, consequentemente, para existir. Por exemplo, a mente (substância) pode
ser conhecida e existir sem a imaginação (modo); a imaginação (modo) não pode ser
conhecida e nem pode existir sem a mente (substância).
b) Distinção de razão: diferença entre substância e atributo principal. Provém de uma
simples abstração mental ou de pontos de vista diferentes pelos quais a substância é
analisada. Por exemplo, o intelecto (atributo principal ou essência) pode ser abstraído da
mente (substância), embora existam de maneira inseparável; a extensão (atributo
principal ou essência) pode ser abstraída do corpo (substância), embora existam de
maneira inseparável.
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c) Distinção real: diferença entre duas substâncias. Há separabilidade bilateral, pois as


substâncias não dependem uma da outra para serem conhecidas clara e distintamente e,
consequentemente, para existir. Por exemplo, o corpo (substância) pode ser conhecido e
existir sem a mente (substância); a mente (substância) pode ser conhecida sem o corpo
(substância).
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Verdade certa para a ciência: sou uma inteligência pura (Cogito=razão universal).
Aquilo que não pode ser abstraído na cadeia de abstrações realizada.
Esta inteligência condiciona e está presente em todos os pensamentos. Algumas
características da inteligência pura: (a) máximo de realidade; (b) máximo de
universalidade. (c) encontra-se em todos os compostos, permanecendo simples; (d)
máxima certeza; (e) máxima indubitabilidade; (f) ser abstrato; (g) este ser simples,
universal e abstrato está em um ser complexo, individual e concreto; (h) conhecida
intuitivamente.

Cogito: é o eu comum a todos os homens, que fundamenta a diferença entre o ser


humano e o animal, mas não a diferença entre indivíduos humanos. É, como diz
Gueroult, a “forma específica”, a “espécie humana” (cf. Discurso do Método, Primeira
parte).

Conforme Descartes, o eu individual seria um modo (acidente) do Cogito (eu geral).

O Cogito (eu geral) é tão real quanto (e até mais real do que) os entes concretos. O
papel de Descartes consiste em fazer com que o filósofo se acostume a eliminar o eu
empírico e passe a usar o eu abstrato como fundamento da ciência. Neste ponto, o
filósofo se distingue do não-filósofo, já que este só concebe o eu empírico.

O Cogito não é uma tomada da consciência de si, mas sim a afirmação de um intelecto
puro.

O Cogito só corresponderá a uma substância concreta (eu individual) e a metafísica às


verdades das coisas a partir da 3ª Meditação (prova da existência de Deus).
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O Cogito é uma natureza puramente intelectual que se diferencia de uma natureza


puramente corpórea. A partir da 6ª Meditação isto será utilizado para provar a distinção
real entre mente e corpo.

O conhecimento da existência do Cogito não dependeu da imaginação e nem do


conhecimento do corpo, mas somente do conhecimento do pensamento.

A reflexão sobre a reflexão pela qual se chega à existência do Cogito permite a


Descartes conhecer a natureza do Cogito.
Vendo que a intuição da existência do Cogito não foi condicionada pela imaginação,
pelos sentidos e nem, por consequência, pelo corpo, percebe-se que o Cogito não
depende da imaginação e do corpo e que, portanto, a imaginação, os sentidos e o corpo
não fazem parte da natureza do Cogito.
Conhece-se o Cogito somente pelo intelecto, sem recurso ao corpo, à imaginação e aos
sentidos. Assim, conhece-se que o Cogito é somente intelecto, não estando em sua
essência o corpo, a imaginação e os sentidos. Há, portanto, uma bi-implicação entre
conhecer apenas pelo intelecto e ser apenas intelecto (do conhecer ao ser a consequência
é boa).

A exclusão da imaginação e dos sentidos da essência do Cogito dá-se na medida em que


a imaginação e os sentidos são modos do Cogito, propriedades que não podem ser
compreendidas sem o Cogito, mas da qual o Cogito não depende para ser
compreendido. Assim, da reflexão sobre a intuição da existência do Cogito chega-se: (a)
à uma distinção real entre a natureza do Cogito e a do corpo; (b) à uma distinção modal
entre a natureza do Cogito e as faculdades (sentidos, imaginação, vontade e etc.).

A reflexão sobre as condições para o conhecimento da existência do Cogito levaram a


conhecer: (a) que o Cogito é apenas intelectual; (b) que o Cogito não é corpóreo; (c) que
há dois tipos de distinção: modal (critério para classificar aquilo que é modo) e real
(critério para classificar aquilo que é substância).

O Gênio Maligno pode anular do Cogito (ou seja, por em dúvida) tudo aquilo que é
corporal, mas não pode anular o pensamento. Ele também não pode anular as faculdades
do Cogito (sentidos, imaginação, vontade e etc.), pois, embora sejam modos, estas
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faculdades estão incluídas no atributo principal do pensamento (ou seja, na essência do


Cogito).
O Gênio Maligno é, na realidade, um artifício para o uso da cadeia de abstrações, até
que sobre somente aquilo que não pode ser abstraído: o Cogito.

Método da segregação (2ª Meditação):


a) Aspecto negativo: elimina do Cogito o corpo
b) Aspecto positivo: mantém no Cogito as faculdades não-intelectuais
(propriedades contingentes que são inseparáveis do Cogito).

Para Descartes vale o seguinte raciocínio: se se pode conceber clara e distintamente X


sem Y, então X pode existir sem Y (ou seja, X é distinto de Y). Novamente, é aplicação
da regra que do conhecer ao ser a consequência é boa (tal regra é o oposto do que era
defendido na escolástica: do ser ao conhecer a consequência é boa).

As faculdades não intelectuais são modos porque são acidentes impostos à mente pelo
fato de ela estar unida a uma substância realmente distinta dela: o corpo. Assim, neste
caso, a distinção real fundamenta a distinção modal.

Problema: faculdades não-intelectuais não parecem ser simples modos, porque a


vontade é vista por Descartes como inseparável do intelecto e mais perfeita do que ele.
Assim, parece haver uma inseparabilidade bilateral entre intelecto e vontade.
Para Gueroult, o fato de Descartes dar primazia ao pensamento como único capaz de
não se abalar pela dúvida e de levar à conclusão da existência do Cogito (idealismo)
explica porque Descartes enxerga a vontade como um modo do intelecto, ainda que a
vontade seja finita e o intelecto finito. O idealismo constrange Descartes a ter de
concluir isto.

O intelecto recebe duas conceituações em Descartes:


1. Essência da mente: o intelecto está presente em todos os modos de pensamento
(querer, imaginar, sentidos e etc.)
2. Acidente (modo) da mente: a mente nem sempre consegue aparecer a si como
puro intelecto por causa das faculdades não-intelectuais.
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A manifestação do intelecto puro é contingente, mas não o próprio intelecto puro. Por
outro lado, a manifestação das faculdades e elas próprias são contingentes.

Definição verdadeira: definição pela enumeração dos modos. O Cogito é pensar, querer,
duvidar, imaginar, sentir e etc.
Verdadeira definição: definição pela essência ou atributo principal do Cogito do qual
dependem os outros modos. O Cogito é puro intelecto ou puro pensar.

Em Descartes há o seguinte caminho: 1º) conheço clara e distintamente que X


necessariamente exclui todo o resto de sua definição (ou seja, X exclui de sua definição
Y e Z); 2º) conheço o que X é (quid); 3º) conheço que X existe (quod).

A passagem da definição verdadeira para a verdadeira definição mostra que as


faculdades não intelectuais se reduzem ao atributo principal (ou seja, ao pensamento) e
que a consciência ordinária (psicológica) é reconstruída a partir da essência do Cogito
(obs.: a definição verdadeira está ligada à “consciência psicológica” ou “eu concreto”.
A verdadeira definição está ligada à “consciência (ou psicologia) racional” ou “eu
geral”). Tal reconstituição da consciência ordinária a partir da essência do Cogito leva a
um conhecimento da realidade, já que o que existe, conforme Descartes, são as
essências (essência e existência são sinônimos para Descartes).

O método cartesiano descobre a essência do Cogito e as leis que se encontram em sua


essência. Tais leis determinarão a estrutura do Cogito individual, explicarão o valor
objetivo das ideias e das ciências (vale lembrar que, segundo Descartes, aquilo que é
clara e distintamente conhecido pode ser criado por Deus).

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Obs.: ideias claras e distintas
a) Clareza: evidência, sem chance de erro ou dúvida.
b) Distinção: separado das outras ideias, sem chance de confusão com outras ideias
Aplica-se às ideias de Deus, do Cogito e da matemática.
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Problemas:
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1. Se a ciência cartesiana não tem valor objetivo, então do fato de eu conhecer a


mente sem o uso da ideia do corpo não se segue que a mente, em si, exclua a
corporeidade.
2. Se a ciência cartesiana não é um conhecimento completo da natureza da mente,
então do fato de eu abstrair a ideia do corpo da ideia da mente não se segue que
a ideia do corpo não faça parte da ideia da mente.
Resposta: a ciência conclui que o pensamento constitui a natureza completa da
mente (resposta a (2)), mas não há como saber se esta conclusão tem valor objetivo,
devido à hipótese do Deus Enganador (resposta a (1)).

Descartes afirma que há duas maneiras de conhecer algo:


1. Conhecer completamente: conhecer todas as propriedades
2. Conhecer como completo: conhecer clara e distintamente a essência
Não conheço como completo aquilo que não pode ser separado de outra coisa para
ser conhecido (não posso conhecer clara e distintamente a soma dos ângulos de um
triângulo, porque só a conheço enquanto fazendo parte do triângulo).
Conheço como completo aquilo que pode ser separado de outra coisa para ser
conhecido (posso conhecer clara e distintamente a mente, porque a conheço
separada do corpo, mas não do pensamento. Donde concluo que a mente é
pensamento).
Tal conhecimento como completo pode ser adquirido: (a) pela intuição de uma
propriedade da ideia que é o oposto de uma propriedade que se encontra em outra
ideia; (b) pela análise do processo envolvido no conhecimento da ideia (este é o caso
do conhecimento da essência do Cogito).

Há uma ligação necessária entre o Cogito e a representação feita por mim de sua
essência. Contudo, tal ligação é certa somente para mim, não havendo (ainda)
correspondência disto no exterior.
a) Conhecimento da existência do Cogito: é certo para mim e, além disso, tem
valor objetivo (se penso que existo, então em si existo)
b) Conhecimento da essência do Cogito: é certo para mim, mas não tem valor
objetivo (se me penso como puro pensamento, isto não significa que sou puro
pensamento).
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A ciência que conhece a essência imaterial do Cogito é certa e necessária (tal como o
conhecimento da existência do Cogito), mas ainda não se sabe se ela tem valor objetivo,
ou seja, se o modo pelo qual a natureza do Cogito é representada por mim corresponde à
natureza do Cogito em si (diferentemente do que ocorre no conhecimento da existência
do Cogito).

Posso excluir o corpo da ideia clara e distinta da natureza do Cogito, mas ainda não
posso excluir o corpo da própria natureza do Cogito (o que só será feito na 6ª
Meditação).

Aquilo que, no campo das ideias, é separado por exclusão (ou seja, é concebido clara e
distintamente como separado do resto e diferente do resto) pode, no campo das coisas
externas, estar separado somente por abstração (ou seja, por uma separação mental, de
algo que de fato não pode ser separado).
I) Na ciência
a) exclusão: rejeitar de uma ideia o que não lhe pertence, obtendo dela, assim,
um conhecimento claro e distinto
b) abstração: separar arbitrariamente uma parte da ideia, obtendo desta parte,
assim, um conhecimento obscuro e confuso
II) Na coisa
a) exclusão: rejeitar da coisa aquilo que legitimamente se rejeita da ideia da
coisa
b) abstração: separar arbitrariamente da coisa aquilo que arbitrariamente se
separa da ideia da coisa

É a 3ª Meditação que irá garantir objetividade às conclusões sobre a natureza do Cogito,


pois aquilo que é concebível clara e distintamente é possível de ser criado por Deus.

É uma ciência ainda subjetivamente certa que não atingiu uma certeza objetiva. Provar o
valor objetivo das conclusões da minha ciência é necessário, pois, do contrário, toda a
ciência humana será impossível.
A certeza objetiva da ciência é atingida mediante a sua certeza subjetiva (vale lembrar:
aquilo que é concebível clara e distintamente é possível de ser criado por Deus).
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Na minha ciência (e nas ciências matemáticas) importa que haja um encadeamento de


razões, de modo que de um conhecimento claro e distinto passe-se a outro. Na filosofia,
entra o conhecimento claro e distinto do Deus Veraz na cadeia de razões, garantindo
valor objetivo ao que, até então, na minha ciência, tinha somente valor subjetivo.

Identidade entre sujeito (pensamento enquanto ato de pensar) e objeto (pensamento


enquanto pensado): O Cogito consiste tanto no ato de pensar quanto no objeto pensado.
Deste modo, pensar em X envolve, ao mesmo tempo, pensar que pensa X (obs.: esta
identidade entre pensar e pensado também aparece em Aristóteles e em Tomás. Em
Deus, há identidade atual entre pensar e pensado. No homem, a identidade entre pensar
e pensado se dá mediante a atualização do intelecto).
A diferença entre pensamento enquanto ato de pensar e pensamento enquanto ato de
pensar o pensamento é uma distinção de razão.
Segundo Descartes, a ciência e a filosofia se baseiam no pensamento do pensamento, já
aquilo que não é ciência e nem filosofia se baseia somente no pensamento.

A reflexão não consiste em uma contemplação exterior do pensamento sobre si (o


pensamento sai de si para retornar a si e pensar sobre si em seguida. Talvez este
caminho esteja na reflexão tal como entendida por Aristóteles e por Tomás), mas sim
em uma operação pela qual se abstrai certos elementos, mantendo a atenção
exclusivamente no pensamento.
A reflexão consiste, portanto, em dar melhor atenção ao que sou, não dando importância
ao resto.

Em um mesmo instante, conheço: (a) que penso; (b) que existo; (c) que minha essência
é pura consciência (ou puro pensamento); (d) que em um instante anterior, minha
essência era a mesma que agora conheço.

Segundo Descartes, o fato de um conceber clara e distintamente X sem ter de incluir Y


neste conhecimento permite tanto conhecer as substâncias criadas universais
(pensamento e extensão) quanto as substâncias criadas particulares (corpos e almas).
Fundamento para a distinção entre substâncias individuais e universais: pode-se
conceber clara e distintamente X sem ter de incluir Y. Uma pedra é uma substância
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porque posso concebê-la clara e distintamente sem ter de incluir a substância universal
extensa como um todo ou outros corpos.
A pedra é um modo da substância universal extensa que é também uma substância pelo
fato de ser conhecida clara e distintamente sem ter de incluir, neste conhecimento, a
substância universal extensa como um todo e os outros modos da substância universal
extensa (como um pedaço de cera ou de madeira).
Ademais, um determinado modo da substância universal é uma substância se a este
modo estiverem conectados outros modos subalternos que não podem ser conhecidos
clara e distintamente sem ele.

Substância: substância universal extensa e substância universal pensante.


Modo imutável: modos da substância universal extensa e da substância universal
pensante.
Modo mutável: modos dos modos da substância universal extensa e da substância
universal pensante.

Em Descartes, não há univocidade no conceito de substância:


a) Deus: substância de 1ª ordem (é causa e é concebido por si)
b) Substâncias universais: substância de 2ª ordem (necessita de Deus, mas não das
substâncias particulares)
c) Substâncias particulares: substância de 3ª ordem (necessita das substâncias
universais, mas não dos modos mutáveis)

Substância individual pensante: minha alma é concebida clara e distintamente sem ter
de incluir outra alma e a extensão (cf. Princípios da Filosofia, I, art. 60).

Problemas:
1. Descartes normalmente não vai do universal (substância universal) ao individual
(substâncias particulares), mas do particular ao universal
2. Substâncias individuais extensas não são substâncias, mas sim modos perecíveis
3. Somente a substâncias universal extensa e as almas humanas são substâncias e
indestrutíveis.
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Além das substâncias que são autenticamente imperecíveis (substâncias de direito)


existem substâncias com um tal grau de permanência e de indestrutibilidade que
merecem ser chamadas de substâncias (substâncias de fato). Este é o caso das
substâncias individuais extensas.

No conhecimento do Cogito tanto se produziu quanto se aplicou a regra. Aplicou-se a


regra pelo fato de que, diante das diversas exclusões, somente o Cogito permaneceu
autossuficiente, como substância. Produziu-se a regra, porque se estabeleceu o critério
para determinar o que é uma substância: aquilo que é concebido clara e distintamente
sem incluir o resto.

A maneira como Descartes entende as almas individuais parece endossar que não existe
uma substância pensante da qual as almas são modos (tal como ocorre no caso dos
corpos), mas sim que já há várias substâncias pensantes, ou seja, várias almas. Assim,
haveria várias substâncias pensantes e uma substância extensa.
Contudo, a maneira como Descartes concebe o Cogito nas Meditações dá a entender que
há somente uma substância pensante e que, consequentemente, as almas individuais são
modos desta substância.

O conhecimento do meu eu como substância individual pensante dá-se na medida em


que me concebo clara e distintamente sem a necessidade de recorrer a outras substâncias
pensantes individuais. Contudo, não se sabe se estas outras substâncias individuais
existem de fato.

A substancialidade das almas individuais e dos corpos particulares não está entre os
temas tratados nas Meditações.
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Capítulo IV: O Cogito II: Prioridade do conhecimento da alma sobre o


conhecimento do corpo
(Obs.: esta é a terceira verdade demonstrada na cadeia de razões de Descartes)

Ainda que a cognoscibilidade do Cogito e a incognoscibilidade do corpo sejam


conclusões necessárias, dada a ordem das razões, elas não são verdades persuasivas, já
que a experiência comum nos faz ver o corpo como o mais conhecido, os sentidos como
a fonte do meu conhecimento e a alma como algo unido ao corpo.

Argumento da cera: analisa-se como se dá o conhecimento de um pedaço de cera. Se


este pedaço de cera é conhecido pelo puro entendimento, e não pelos sentidos, então o
corpo é conhecido por intermédio da alma. Sendo este o caso, então o conhecimento do
Cogito (alma) precede o conhecimento do corpo, tal como o conhecimento do imediato
e do incondicionado precede o conhecimento do mediato e do condicionado.

A imaginação e os sentidos conhecem confusamente a existência dos corpos e não


conhece a sua essência. O Cogito conhece clara e distintamente a sua essência e a sua
existência. Assim, é impossível ser enganado quanto ao conhecimento do Cogito, mas o
é quanto ao conhecimento dos corpos.

Há uma prioridade do Cogito também no que diz respeito à sua natureza intrínseca: O
Cogito, além de conhecer imediatamente a sua existência, está certo quanto ao
conhecimento de sua essência, já que este conhecimento não necessita da exclusão do
conhecimento proveniente dos sentidos e da imaginação. Entretanto, o Cogito conhece o
corpo por um grande esforço, pois, ainda que possa conhecer a existência destes corpos
pela imaginação e pelos sentidos, deve excluir o conhecimento previamente fornecido
pela imaginação e pelos sentidos para conhecer a essência dos corpos.

O conhecimento problemático da existência dos corpos através da imaginação e dos


sentidos acarreta nas seguintes conclusões: (a) conheço as faculdades (modos) pelos
quais o Cogito conhece os corpos, de modo que a imaginação e os sentidos me fazem
conhecer melhor o Cogito; (b) atribuo certamente um grande número de propriedades ao
Cogito, em uma quantidade muito maior do que as que podem, duvidosamente, ser
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atribuídas aos corpos. Assim, o conhecimento que se tem do Cogito é mais rico do que
o que tenho do corpo.
Posso ter dúvidas sobre a veracidade do que sinto e imagino dos corpos, mas não posso
ter dúvidas de que eu (enquanto Cogito) tenho a capacidade (modos) de sentir e de
imaginar. Assim, a análise da dúvida proveniente da imaginação e dos sentidos leva a
uma certeza sobre os atributos (modos) do Cogito.

A primazia do conhecimento da alma (Cogito) sobre o corpo abala algumas ideias da


escolástica: (a) o corporal é conhecido antes do espiritual; (b) todo conhecimento vem
dos sentidos; (c) do ser ao conhecer a consequência é boa; (d) conclui-se primeiro que
algo existe (quod) e depois a sua natureza (quid).
Segundo Descartes vale a seguinte inferência: se há conhecimento prioritário e certo do
Cogito e não do corpo (quid), então há existência prioritária e certa do Cogito e não do
corpo (quod). Ou seja, segue-se aqui, de novo, a regra: do conhecer ao ser a
consequência é boa.

No conhecimento do Cogito, há o caminho do ser ao conhecer e do conhecer ao ser: (a)


parte-se da existência do Cogito (ser/quod) para a sua essência (conhecer/quid), porque
a existência do Cogito é condição de possibilidade de qualquer conhecimento; (b) parte-
se da essência do Cogito (conhecer/quid) para a sua existência (ser/quod), porque se
conclui a existência do Cogito pelo fato de ela ser puro pensamento. Há, assim, uma
identidade entre sujeito e objeto.
No conhecimento do corpo há o caminho do conhecer a essência do corpo para o
conhecimento da existência do corpo.

A imaginação e os sentidos só podem conhecer a existência dos corpos, porque, antes, o


intelecto conheceu a essência destes corpos.

O conhecimento do corpo leva-nos a três conclusões: (a) o corpo é conhecido pelo


intelecto através da ideia clara e distinta da extensão; (b) a ideia da extensão, sendo
condição de possibilidade do conhecimento do corpo, é representada pelo intelecto
como uma substância; (c) as qualidades sensíveis do corpo não fazem parte da
representação da substância extensa.
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O conhecimento do Cogito é mais fácil do que o conhecimento do corpo por duas


razões: (a) conhece-se a essência e a existência do Cogito antes do conhecimento da
essência e da existência do corpo; (b) o conhecimento do Cogito condiciona o
conhecimento do corpo.

Argumento da cera: decomposição da representação sensível da cera até chegar aos seus
elementos mais simples.

A ideia da substância extensa (que é uma ideia inata) fundamenta não só o conteúdo da
representação dos corpos, mas também a própria possibilidade produzir representações
dos corpos. Isto faz da extensão uma ideia indubitável tal como o Cogito e, ademais,
mostra que a extensão é uma ideia presente no Cogito.
O conhecimento (ou a representação) dos objetos materiais requer as ideias inatas (a
saber, a ideia inata da extensão) pelas quais se conhece que algo permanece diante das
variações dos modos.

O argumento da cera mostra que o intelecto não conhece somente a pura extensão
(substância universal extensa), mas também algo extenso que permanece o mesmo
diante da exclusão de suas qualidades (modo da substância universal extensa)

O inatismo fundamenta: (a) a autonomia do Cogito (do qual provém todas as


representações e os pensamentos); (b) a representação sensível dos objetos corporais
(por causa da ideia inata da extensão).

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Obs.:
Ideias
a) Inatas: já estão no homem em seu nascimento. São autoevidentes e fornecem
conhecimento claro e distinto: (a) Deus; (b) Cogito; (c) matemática e geometria;
(d) movimento; (e) figura; (f) extensão; (g) cor, som, cheiro, gosto e etc.
b) Adventícias: adquiridas por meio dos sentidos. Por exemplo, a ideia do sol, da
pedra e etc.
c) Inventadas: construções fictícias. Por exemplo, a ideia da sereia e do hipogrifo.
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Em Descartes há o seguinte raciocínio: 1º) conhece-se, pelo intelecto, a essência da


coisa corpórea (extensão); 2º) conhece-se, pelos sentidos, que a coisa corpórea existe.

O modo como a essência do Cogito é representada por mim devido às condições


fornecidas pelo próprio Cogito (intelecto puro) não condiciona, ainda, de que modo é,
em si, a essência do Cogito. Igualmente, o modo como a essência dos corpos é
representada por mim devido às condições fornecidas pela ideia da extensão não
condiciona, ainda, de que modo é, em si, a essência dos corpos. Em outras palavras, não
se pode passar, ainda, da verdade para mim para a verdade das coisas.

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Obs.:
Ideia
a) Ponto de vista psicológico: modificação do Cogito (realidade formal)
b) Ponto da vista representacional: conteúdo representado pela ideia (realidade
objetiva)
Entidades e objetos
a) Realidade formal: existência atual, extramental
b) Realidade objetiva: existência intencional, intramental
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Há três níveis de conhecimento do corpo, com condições de possibilidade diferentes.


Nesta ordem: 1º) o conhecimento da ideia clara e distinta do corpo tem por condição da
possibilidade que se exclua desta ideia elementos que difiram da extensão; 2º) o
conhecimento claro e distinto da essência do corpo tem por condição de possibilidade
que a ideia clara e distinta do corpo tenha um valor objetivo; 3º) o conhecimento claro e
distinto da existência do corpo tem por condição que o Cogito tenha consciência de uma
paixão, ou seja, da ação do corpo sobre ele.
No conhecimento do Cogito, a ordem é alterada: 1º) o conhecimento da existência do
Cogito; 2º) o conhecimento da ideia clara e distinta da essência do Cogito; 3º) o
conhecimento claro e distinto da essência em si do Cogito.

Só há representação sensível do corpo se houver, antes, uma ideia clara e distinta da


extensão. Só se prova a existência do corpo se houver, antes, um conhecimento claro e
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distinto do corpo como essencialmente extensão: o conhecimento da essência do corpo


(quid) permite o conhecimento de sua existência (quod); o conhecimento da ideia clara
e distinta da essência do corpo (quid) permite a representação sensível de sua existência
(quod).

Se o objeto (e a realidade objetiva) e o sujeito (e a realidade formal) são idênticos, então


a coisa representada pela ideia será a inteligência pura e a própria ideia será inteligência
pura.
Se o objeto (e realidade objetiva) e o sujeito (e realidade formal) forma diferentes, então
na coisa representada pela ideia deve estar a extensão e na própria ideia não haverá
extensão.

As demonstrações da existência em si do Cogito e do corpo não envolvem nenhum tipo


de ordem de precedência, dado que ambas são consequências do fato de que o
conhecido clara e distintamente existir tal como é conhecido. As demonstrações da
natureza do Cogito e do corpo, ao contrário, envolve uma ordem da precedência, pois só
há conhecimento claro e distinto da natureza do corpo se houver, antes, conhecimento
claro e distinto da natureza do Cogito.

No conhecimento do Cogito, conheço clara e distintamente a sua existência, mas não


conheço clara e distintamente se a natureza do Cogito é tal como a represento a mim.
No conhecimento do corpo, conheço clara e distintamente a natureza do corpo, mas não
sei se o corpo existe e nem se a natureza do corpo corresponde à representação que
tenho do corpo.

O conhecimento da essência do Cogito ocorre pela exclusão do conhecimento do corpo.


O conhecimento da essência do corpo ocorre pela exclusão do conhecimento da sua
existência, já que este tipo de conhecimento necessita dos sentidos.

O conhecimento que o Cogito tem do corpo diz respeito somente à essência, de modo
que o conhecimento da existência do corpo só se dá pelos sentidos. O conhecimento que
o Cogito tem de si mesmo diz respeito não só à sua essência, mas também à sua
existência. Assim, a superioridade do conhecimento do Cogito se dá por duas razões: (a)
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este conhecimento elimina completamente o sensível; (b) este conhecimento permite


saber a essência e a existência.

Há uma dupla exclusão e uma dupla atribuição referente às qualidades sensíveis.


Enquanto sensível, tais qualidades estão excluídas da essência do Cogito e são
atribuídas ao corpo, já que a existência do corpo é conhecida através delas. Enquanto
representações, tais qualidades estão excluídas da essência do corpo e são atribuídas ao
Cogito, pois elas são representações e, por isso, são produzidas pelo Cogito.

A instauração do Cogito através de um processo de exclusão dos conteúdos


representados por suas ideias levou à seguinte consequência: a distinção entre as ideias
enquanto modos do pensamento (são provenientes do Cogito) e os conteúdos
representados pelas ideias (não são provenientes do Cogito, mas de Deus. Vale lembrar
que estamos lidando aqui com ideias inatas).
Por isso, Descartes defende que o Cogito é autossuficiente (na medida em que produz as
ideias) e é passivo (na medida em que o conteúdo destas ideias é produzido por Deus).

O Cogito percebe-se (ou seja, conhece-se clara e distintamente) como substância e


como autossuficiente pelo fato de ser a condição determinante de toda a representação
(ou conhecimento) possível, ou seja, pelo fato de ele pensar sobre si mesmo, de pensar
que ele pensa, de ser pensamento de pensamento, e não pelo fato de ela pensar certos
conteúdos.

O grau de realidade e de perfeição dos conteúdos representados pelas ideias e do Cogito


não é determinado pelo próprio Cogito, mas por algo externo a ele: Deus. O Cogito só
determina a possibilidade do conhecimento (ou representação) em geral, mas não a
legitimidade dos conteúdos conhecidos (ou representados).

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