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CDD: 149.7
Departamento de Filosofia
Universidade Federal do Rio de Janeiro/CNPq
RIO DE JANEIRO, RJ
ethel.rocha@pq.cnpq.br
Resumo: No presente artigo pretendo examinar a função do conceito de idéia inata no contexto da argu-
mentação cartesiana da V Meditação das Meditações Metafísicas. Minha hipótese é a de que se trata de
um conceito fundamental para garantir a distinção entre idéias de essências forjadas pelo pensamento de
idéias de essências verdadeiras e imutáveis. Com essa análise pretendo mostrar que a V Meditação, bem
como todas as outras tem um caráter fundamentalmente epistemológico: Descartes ali pretende apresentar os
critérios para o reconhecimento das idéias que representam essências verdadeiras o que permite dissipar a
possível objeção de que a idéia de Deus como Perfeição, utilizada na III Meditação para provar sua exis-
tência, poderia ser uma idéia fictícia.
Palavras-chave: Idéia inata. Idéia fictícia. Naturezas verdadeiras e imutáveis. Essências fictícias.
Argumento ontológico.
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Aqui assumo que não há uma diferença fundamental entre os dois argu-
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Hipótese geral
Segundo essa leitura alternativa, na V Meditação Descartes já su-
pondo a legitimidade da regra da verdade segundo a qual toda percepção
efetivamente clara e distinta é verdadeira e, portanto, já supondo como
provada a existência de Deus, pretende lidar com dois problemas: 1)
mostrar que o fato de ser uma idéia clara e distinta e, portanto, verdadeira
num certo sentido, a saber, na medida em que exibe uma essência, não
antecipa que a essência exibida não seja fictícia. Para isso Descartes irá
fornecer critérios para distinguir dentre as idéias claras e distintas
aquelas que exibem essências fictícias daquelas que exibem essências ver-
dadeiras e imutáveis, o que será feito através da introdução de uma Teo-
ria das Naturezas (ou essências) Verdadeiras e Imutáveis; e 2) mostrar
que o fato de certas idéias exibirem no entendimento naturezas verdadei-
ras e imutáveis não antecipa a existência das coisas de que são essência, o
que será feito através da introdução da tese de que existência é uma per-
feição. Nesse sentido, o objetivo central de Descartes na V Meditação
seria 1) fornecer critérios que permitem a distinção entre idéias claras e
distintas fictícias de idéias claras e distintas inatas mostrando que as fictí-
cias, mas não as inatas exibem essências que dependem do pensamento e,
2) fornecer uma explicação de por que uma idéia clara e distinta que exi-
be uma essência verdadeira e imutável, isto é, uma idéia inata, não exibe
uma coisa que necessariamente existe fora do pensamento.
Essa leitura alternativa parece, por sua vez, envolver duas dificul-
dades que, entretanto, são apenas aparentes dificuldades: 1) assumimos
que a V Meditação tem um caráter essencialmente epistêmico que se tra-
duz no fornecimento de critérios para a distinção entre idéias claras e
distintas fictícias de idéias claras e distintas inatas, o que supõe a legitimi-
dade da regra da verdade dada pela já provada existência de um Deus
veraz. A partir dessa suposição, afirmamos não fazer sentido Descartes
apresentar uma argumentação com o fim de mais uma vez provar a exis-
tência de Deus. Apesar disso, o título da V Meditação, a saber, “Da Es-
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sência das Coisas Materiais; e, Novamente, de Deus, que Ele Existe” su-
gere que a existência de Deus, de alguma maneira, será ali tratada. Como
veremos, parece plausível afirmar então que a existência de Deus será ali
tratada na medida em que a questão epistêmica tratada (a saber, da possi-
bilidade de se distinguir idéias claras e distintas fictícias de idéias claras e
distintas inatas) vem resolver uma possível objeção à primeira (e única)
prova da existência de Deus, a saber, a de que a idéia de Deus, ponto de
partida da prova, poderia ser uma idéia fictícia e, nesse sentido, represen-
tar uma essência fictícia. Como se observa na III Meditação, após provar
a existência de Deus, Descartes parece se dar conta dessa possível obje-
ção anunciando a futura tarefa de mostrar que a idéia de Deus é inata.
Nas palavras de Descartes “Resta-me apenas examinar de que maneira
adquiri essa idéia [a idéia de Deus]”, o que será feito na V Meditação. Na
V Meditação, ao garantir a possibilidade de se distinguir as idéias fictícias
(claras e distintas) das idéias inatas (também claras e distintas), Descartes
mostra que a prova da existência de Deus introduzida na Terceira Medi-
tação não pode ser rejeitada pela suposição de que seu ponto de partida
(a idéia de Deus como ser perfeito) é uma idéia fictícia. A relação da V
Meditação com a existência de Deus, portanto, seria não a de apresentar
mais uma prova dessa existência, mas sim, aliás, como precisamente diz o
título, mais uma vez considerar a existência de Deus, mostrando a in-
viabilidade de certa objeção até então ainda possível, e 2) Se o objetivo
essencial da V Meditação não é fornecer mais uma prova da existência de
Deus, então a função da tese de que existência é uma propriedade não é
propriamente a de colaborar para uma nova prova da existência de Deus.
Veremos que os critérios para o reconhecimento das idéias não fictícias
se baseiam numa Teoria das Essências Verdadeiras e Imutáveis, o que
permite que Descartes assimile, em certo sentido, a idéia de Deus às idéi-
as da matemática: em ambos os casos a essência exibida por idéias claras
e distintas são essências que não dependem da mente, do pensamento e
não podem, por isso mesmo, ser modificadas pelo pensamento. Tanto a
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Afirmar que uma idéia é inata significa dizer que, se ela representa
uma essência, a essência que ela representa é “verdadeira e imutável” e, co-
mo tal, não depende do pensamento da mesma maneira que a idéia fictí-
cia. Assim, pela noção de idéia inata, Descartes pretende mostrar que,
embora por ser idéias, em certo sentido as idéias inatas são dependentes
do pensamento (ter uma idéia é um modo de pensar), as propriedades
exibidas dos objetos representadas pelas idéias inatas não dependem do
pensamento, pois pertencem a essências ou naturezas imutáveis.
Admitindo-se então que a idéia de Deus e as idéias matemáticas
satisfazem esses critérios, pode-se afirmar que a idéia de Deus e as idéias
matemáticas são inatas e, portanto, representam essências imutáveis. A
idéia inata, clara e distinta de Deus e as idéias inatas, claras e distintas da
matemática permitem, portanto, que se passe da representação da essên-
cia de Deus para o conhecimento da essência verdadeira de Deus, da re-
presentação das essências matemáticas para o conhecimento das essên-
cias matemáticas.
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Conclusão
A reconstrução apresentada da argumentação cartesiana da V Me-
ditação se apóia na possibilidade da distinção entre essência imutável e
essência fictícia. As essências imutáveis seriam representadas pelas idéias
inatas, claras e distintas, e as essências fictícias pelas idéias fictícias tam-
bém claras e distintas. Se as idéias fictícias podem ser claras e distintas, a
clareza e a distinção não são condições suficientes para que se tenha uma
representação de essências imutáveis, pois as idéias claras e distintas po-
deriam representar ou bem essências imutáveis ou bem essências fictícias.
Em conseqüência, dentre as idéias claras e distintas será necessário dis-
tinguir aquelas que representam essências imutáveis daquelas que repre-
sentam essências fictícias. Segundo a reconstrução apresentada, a função
do conceito de idéia inata seria exatamente o de mostrar quais as condi-
ções que deve satisfazer uma idéia clara e distinta para representar essên-
cias imutáveis. Por outro lado, se as idéias imaginativas não podem ser
claras e distintas, só as essências imutáveis poderiam ser representadas
por idéias claras e distintas e, portanto, a clareza e a distinção seriam con-
dições suficientes para a representação de essências imutáveis. Nesse ca-
so, a noção de idéia inata não desempenharia qualquer função relevante
na argumentação da V Meditação. Como em princípio nenhuma tese da
teoria cartesiana das idéias impede que as idéias fictícias possam ser con-
sideradas claras e distintas, parece plausível afirmar que a noção de idéia
inata desempenha uma função importante na argumentação da V Medi-
tação.
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