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FOCO E Desenvolvimento

no Novo Testamento
CARLOS OSVALDO CARDOSO PINTO
www.hagnos.com.br
© 2008 por Carlos Osvaldo Cardoso Pinto
Revisão
Artemis Fernandes Pinto Todos os direitos desta edição reservados para:
João Guimarães Editora Hagnos
Design gráfico Av. Jacinto Julio, 27
Patricia Caycedo 04815-160 - São Paulo, SP
1ª edição – Outubro - 2008 (11) 5668-5668
Gerente editorial hagnos@hagnos.com.br
Juan Carlos Martinez www.hagnos.com.br

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Pinto, Carlos Osvaldo Cardoso


Foco e desenvolvimento no Novo Testamento / Carlos Osvaldo Cardoso Pinto. – São Paulo :
Hagnos, 2008.
ISBN 978-85-7742-034-6
Bibliografia.
1. Bíblia. N. T. - Crítica e interpretação. I. Título.
08-06585 CDD-225.6
Índices para catálogo sistemático:
1. Novo Testamento : Interpretação e crítica 225.6
2. Novo Testamento : Teologia 225.6

DEDICATÓRIA
À Artemis, amiga, namorada e esposa – por seu incentivo constante, pelas críticas
oportunas, pela companhia e pelas caminhadas, por acreditar em mim, mesmo quando
eu pensava em desistir. Amor assim não tem preço!
Ao Nathan, que chegou quando o livro estava quase terminado, alegrando três
gerações. Que você dê ao seu avô a alegria adicional de estudar o Novo Testamento
com ele, algum dia.

PREFÁCIO
ARY VELLOSO
Por muitos anos, este nosso Brasil sofre pela carência de boas ferramentas para um
estudo sério da Bíblia. Hoje este já não é o caso. Temos bons e ótimos recursos a nossa
disposição para entendermos melhor a Palavra de Deus.
Depois de nos dar Foco e Desenvolvimento no Antigo Testamento, uma obra
riquíssima, a qual eu consultei várias vezes, ora buscando subsídios para uma
mensagem, ora para esclarecer uma dúvida sobre o autor ou data em que foi escrito
determinado livro, o Dr. Carlos Osvaldo Cardoso Pinto, agora coloca a nossa disposição
o Foco e Desenvolvimento no Novo Testamento.
Como fizera no primeiro volume sobre o Antigo Testamento, cujo objetivo, diz o
próprio Dr. Carlos. ―não é o púlpito (i.e., não é um livro de esboços de sermão), mas o
escritório, particularmente aquelas longas horas em que buscamos, como expositores,
tornar nossas a história em que cada livro se insere e a mensagem que ele comunica‖,
ele agora faz o mesmo com o Novo Testamento.
O pastor, o líder, a pessoa estudiosa do Novo Testamento será muito enriquecida
com este precioso volume onde livro por livro do Novo Testamento é tratado com
seriedade, erudição e lógica.
O leitor verá que para cada livro o autor oferece o argumento do livro, isto é, ele
apresenta a estrutura do mesmo, o propósito daquele livro e um esboço sintético, que é
de grande valor, rico em idéias e percepções espirituais — uma preciosidade para toda
pessoa séria no seu estudo e exposição da Palavra de Deus.
Foco e Desenvolvimento no Novo Testamento não é um livro de esboço de sermão,
mas contém muito material enriquecedor para um bom sermão. Precisamos deste livro.
Livro que leva Deus e sua Palavra a sério. Obra esta escrita por alguém que de fato crê
que a Bíblia é a Palavra do Deus vivo. Eu sei, querido leitor, que você também será
ajudado por esta obra.

ABREVIATURAS
AB Anchor Bible
ARA Versão Revista e Atualizada de Almeida, Sociedade Bíblica do Brasil
BA Biblical Archaeologist
BAGD W. Bauer, W. Arndt, F. Gingrich e F. Danker, A Greek-English Lexicon of the New
Testament and other Early Christian Literature
BECNT Baker Exegetical Commentary on the New Testament
BHS Biblia Hebraica Stuttgartensia
BKCNT Bible Knowledge Commentary–New Testament
BSac Bibliotheca Sacra
DITNT Colin Brown (ed.) Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento
EBC Frank E. Gaebelein (ed. geral) Expositor’s Bible Commentary
GTJ Grace Theological Journal
ISBE International Standard Bible Encyclopaedia
ICC The International Critical Commentary
JBL Journal of Biblical Literature
JETS Journal of the Evangelical Theological Society
JSNT Journal for the Study of the New Testament
KJV Versão Autorizada Inglesa de 1611.
LXX Septuaginta, versão grega do Antigo Testamento
NA27 The Greek New Testament, 27ª edição
NCB New Century Bible
NICNT New International Commentary on the New Testament
NVI Nova Versão Internacional
SCB Série Cultura Bíblica
TDNT Gerhard Kittel e Wilhelm Friedrich (eds.), Theological Dictionary of the New Testament
TM Texto Massorético
NT Novum Testamentum
WBC Word Biblical Commentary
WTJ Westminster Theological Journal
ZPEB Zondervan Pictorial Encyclopaedia of the Bible

Índice
Dedicatoria
Prefácio
Abreviaturas
O período intertestamental
O argumento de Mateus
Esboço sintético
O argumento de Marcos
Esboço sintético
O argumento de Lucas
Esboço sintético
O argumento de João
Esboço sintético
O argumento de Atos
Esboço sintético
O argumento de Romanos
Esboço sintético
O argumento de 1Coríntios
Esboço sintético
O argumento de 2Coríntios
Esboço sintético
O argumento de Gálatas
Esboço sintético
O argumento de Efésios
Esboço sintético
O argumento de Filipenses
Esboço sintético
O argumento de Colossenses
Esboço sintético
O argumento de 1Tessalonicenses
Esboço sintético
O argumento de 2Tessalonicenses
Esboço sintético
O argumento de 1Timóteo
Esboço sintético
O argumento de 2Timóteo
Esboço sintético
O argumento de Tito
Esboço sintético
O argumento de Filemom
Esboço sintético
O argumento de Hebreus
Esboço sintético
O argumento de Tiago
Esboço sintético
O argumento de 1Pedro
Esboço sintético
O argumento de 2Pedro
Esboço sintético
O argumento de 1João
Esboço sintético
O argumento de 2 e 3 João
Esboço sintético 2João
Esboço sintético 3João
O argumento de Judas
Esboço sintético
O argumento de Apocalipse
Esboço sintético
Bibliografia
Biografia
O período
INTERTESTAMENTAL
A compreensão do Novo Testamento será grandemente auxiliada se o leitor tiver
uma noção razoável do longo período que vai da composição do último livro do Antigo
Testamento até o limiar da era neotestamentária com o advento de João Batista. As
páginas seguintes fornecem um resumo funcional desse período.
I. CONTEXTO POLÍTICO
A. O Domínio Persa sobre a Palestina
Quando o Antigo Testamento se encerrou, por volta de 430 a.C., os persas ainda
eram o poder dominante no Oriente Médio. Seu império se estendia da Índia à Turquia e
não havia ameaça imediata à sua hegemonia.
Depois de suas derrotas humilhantes diante dos gregos no começo do século V a.C.
os persas conduziram uma política mais cautelosa, jogando os espartanos contra os
atenienses durante as Guerras do Peloponeso (431-404 a.C.) e assim tirando partido da
falta de unidade dos gregos, para manter e, ocasionalmente, recuperar território na Ásia
Menor.
O relacionamento dos persas com os judeus se manteve amistoso, apesar de
ocasionais concessões à intriga internacional dos samaritanos e outros povos
circunvizinhos, conforme registrado em Esdras 4 e em várias passagens de Neemias.
Um exemplo dessa política amistosa foi o decreto favorável de Dario II (em 419 a.C.),
permitindo aos judeus de Elefantina, no Egito, reconstruir seu templo a Yaho e oferecer
sacrifícios animais, apesar de episódios violentos de oposição dos egípcios às práticas
religiosas dos colonos judeus.
Depois que Artaxerxes II subiu ao trono (404 a.C.), o império persa começou a
desmoronar. Rebeliões estouraram no Egito, e uma tentativa frustrada de recuperar
aquela satrapia teve o efeito colateral de violência contra Jerusalém e taxação pesada
sobre os judeus.
Sob o governo de Artaxerxes III (358-338 a.C.), o Egito foi reconquistado pelos
persas, mas nem mesmo este sucesso permitiu ao monarca escapar a um golpe palaciano
que culminou com seu envenenamento. Arses, filho de Artaxerxes, ficou menos de três
anos no trono, sendo também ele envenenado por ordem de um ministro influente, de
nome Bagoas, em 336 a.C.
Um novo imperador, Dario III, foi designado em 336 a.C. Dario conseguiu escapar a
um novo golpe arquitetado por Bagoas, mas não teve herdeiros no trono persa que
dominassem o Oriente Médio. Na Macedônia, um novo poder se erguera e iria,
eventualmente, engolfar o gigantesco império persa.
B. O Domínio Macedônio sobre a Palestina
Filipe da Macedônia morreu em 334 a.C., antes de realizar seu sonho de unir os
gregos e de espalhar a cultura grega pelo mundo. Essa tarefa caiu sobre os ombros de
seu filho e herdeiro, Alexandre, que tinha então vinte anos de idade.
O jovem príncipe, que fora pupilo de Aristóteles, partilhava do sonho e visão de seu
pai. Depois de derrotar e arrasar Tebas, que se revoltara contra a dominação macedônia,
Alexandre motivou os gregos a se juntarem a ele na tarefa hercúlea de conquistar a
Pérsia.
Alexandre mobilizou um exército de dimensões modestas, quando comparado aos
mastodônticos exércitos mercenários dos persas. Suas forças tinham, porém, um
treinamento superior e muito maior mobilidade. A primeira batalha decisiva foi travada
junto ao rio Granico, na Ásia Menor, em 334 a.C., e abriu as comportas da influência
grega sobre o Oriente Médio. Dario III foi derrotado mais uma vez em Isso, na Cilícia
(333 a.C.), e fugiu de volta para a Pérsia.
Alexandre desviou sua marcha para o sul, conquistando a Palestina e o Egito, tarefa
facilitada pela boa vontade egípcia em escaparem à odiosa dominação persa e
completada em 331 a.C. No Egito, fundou Alexandria, uma cidade grega destinada a ser
um centro irradiador da cultura helênica e fundamental mais tarde na moldagem tanto
do judaísmo quanto do cristianismo. Reza a tradição judaica que ao aproximar-se de
Jerusalém, Alexandre se defrontou com uma embaixada judaica, encabeçada pelo sumo
sacerdote Jadua, que lhe mostrou o livro de Daniel e as profecias de que fora objeto, e
mudou sua disposição para com Jerusalém e os judeus, liberando-os do pagamento de
tributos no ano sabático.1
A ascensão meteórica de Alexandre continuou quando ele marchou para o norte e
derrotou Dario III na planície de Gaugamela, a noroeste da antiga Nínive (também
conhecida como batalha de Arbela) em 1º de outubro de 331 a.C. Apesar de lutar contra
forças numericamente superiores, Alexandre empregou táticas brilhantes que garantiram
sua vitória. Pouco a pouco o jovem general foi ocupando as principais cidades do
império — Babilônia, Susa e Persépolis.
Quando Dario III foi assassinado, Alexandre lhe concedeu pompas fúnebres dignas
de um rei, e assumiu para si o título de Rei da Ásia. Sua marcha para o leste continuou
até chegar ao vale do rio Indo, em 325 a.C. De lá, retornou para o ocidente,
estabelecendo pelo caminho outras Alexandrias, como nas províncias de Bactria e
Sogdiana. Nem tudo foi tranqüilo nessa marcha de conquista, pois os generais de
Alexandre lhe deram quase tanto trabalho quanto as províncias do império que ainda
restavam para conquistar. Ao voltar, ainda teve que corrigir distorções administrativas
impostas por seus representantes durante sua ausência de cinco anos. Quando de sua
volta, aceitou a deificação, recebendo a πποςκτνήςιρ proskunēsis dos persas, mas
isentando os gregos de tal prática.
A morte de Alexandre foi tão súbita quanto sua carreira de líder mundial. Em 13 de
junho de 323 a.C., com a idade de 32 anos, Alexandre morreu, provavelmente de
malária, sem deixar sucessor. Sua esposa, a princesa sogdiana Roxane, com quem se
casara como garantia da pacificação daquela província, estava grávida, mas seu filho
jamais chegou a ser considerado herdeiro do trono. O chifre notável da profecia de
Daniel 8 fora quebrado, e outros quatro chifres emergiriam do seu gigantesco império.
C. A Divisão do Império Macedônio
Uma longa disputa sobre os direitos de governar os territórios de Alexandre foi
finalmente resolvida em 301 a.C., quando Antígono, o general que tentara obter a
exclusividade do poder, foi morto em batalha. Quatro sátrapas, que haviam previamente
(303 a.C.) concordado em dividir o império em quatro partes, assumiram seus governos
como reis sobre territórios independentes. O gráfico a seguir indica como o império
macedônio foi dividido:

Governantes Territórios
Ptolomeu Egito e Palestina
Seleuco Frígia, Síria, Mesopotâmia e Pérsia
Cassandro Macedônia e Grécia
Lisímaco Trácia e Bitínia
Este arranjo durou apenas vinte anos, depois dos quais os selêucidas estabeleceram
controle sobre a Ásia Menor, e Antígono Gônatas, neto do general de Alexandre,
assumiu o controle da Macedônia. Esses três reinos (Egito, Síria e Macedônia) duraram
até o advento de Roma como uma superpotência.

1
Flávio Josefo, Antiguidades dos Judeus, 11.8.4-6.
D. O Domínio Ptolemaico sobre a Palestina
Os primeiros herdeiros do império macedônio prestaram pouca atenção à Judéia, que
continuou a ser controlada pelo sumo sacerdote, que era diretamente responsável por
enviar a Alexandria o tributo anual.
A segunda geração de líderes, porém, Antíoco I e Ptolomeu II, começou a competir
pelo controle da Palestina, e assim começaram as chamadas guerras sírias. Na gangorra
política e militar que se seguiu, a Síria e a Fenícia trocaram de mãos várias vezes, mas a
Judéia permaneceu sob controle egípcio por quase um século.
E. O Domínio Selêucida sobre a Palestina
Quando o segundo século a.C. começou, Antíoco III (o Grande) tentou unificar
(militarmente) os reinos rivais (Síria e Egito), mas fracassou em suas tentativas de
invasão do Egito. Depois de duas fragorosas batalhas nas mãos dos romanos
(Termópilas [191 a.C.] e Magnésia [190 a.C.]), Antíoco recorreu a uma política de
saques, que acabou por se transformar num esforço de helenização quando Antíoco IV
(Epífanes) subiu ao trono em 175 a.C.
Seus esforços para helenizar os judeus foram canalizados primeiramente pela
venalidade das lideranças judaicas. A corrupção era tal que Menelau, um judeu pró-
helênico e não arônico, veio a ser sumo sacerdote!
Em suas lutas contra o Egito, Antíoco Epífanes acabou por despertar a ira dos
romanos, que dependiam da agricultura egípcia e não queriam perdê-la para quem já era
seu inimigo na Ásia Menor. Humilhado pelos romanos, que o forçaram a sair do Egito,
Epífanes voltou à Síria firmemente decidido a helenizar totalmente os judeus, de modo a
ter uma retaguarda confiável entre si e as legiões romanas do cônsul Popillius Laenas,
estacionadas no Egito.
Antíoco entrou à força em Jerusalém e iniciou seu programa de helenização
profanando o Templo. Em 25 de quisleu de 167 a.C., um altar ao Zeus Olímpico foi
erigido no lugar do altar do holocausto, e ali foi sacrificada uma porca. A circuncisão
foi proibida por lei e a adoração compulsória de deuses gregos era exigida em bases
mensais.2
Isto levou à revolta dos macabeus, que começou com a reação de Matatias, um velho
sacerdote que matou um judeu apóstata e um representante sírio em sua aldeia, Modina.
O terceiro filho de Matatias, Judas, liderou os judeus numa luta de guerrilhas que logo
escalou para uma guerra convencional. Depois de três anos Judas conseguiu derrotar os
sírios em toda a Palestina, e obteve a libertação de Jerusalém, onde o Templo foi
purificado e o culto normal restabelecido. A data da purificação, 25 de quisleu de 164
a.C., marca o começo da celebração de Chanukkah, a festa da dedicação.
F. O Domínio Hasmoneano sobre a Palestina
A despeito das vitórias espetaculares de Judas e seus irmãos, e do fato de que a
liberdade religiosa dos judeus foi assegurada a partir do reinado de Antíoco V, a
verdadeira independência política ainda demoraria 22 anos para surgir. A instabilidade
política crescente na Síria permitiu ao irmão de Judas, Simão, obter concessões
significativas de Demétrio, um dos rivais ao trono da Síria.
Simão estabeleceu a Judéia como uma nação independente, e sua própria família
como príncipes-sacerdotes sobre Israel. Seu filho, João Hircano (135-104 a.C.), perdeu
e reconquistou a independência da Judéia e, com o consentimento de Roma, estendeu as

2
E. Schurer indica que esse processo já estava adiantado entre os mais cultos e
aristocráticos em Judá, e que esses grupos de fato promoveram o programa de Antíoco, que se
tivesse continuado teria destruído o judaísmo, que já naquela ocasião tinha os contornos
básicos da era do Mishnah (The History of the Jewish People in the Age of Jesus Christ, edição
revisada, 1:142, 145).
fronteiras judias de modo a incluir Edom, Samaria e Galiléia. Foi durante seu reinado
que se definiu a duradoura rixa entre os fariseus (descendentes religiosos dos hasidim da
época dos macabeus) e os saduceus, a classe sacerdotal dominante, que apoiava os
governantes hasmoneanos.
Alexandre Janeu, um dos filhos de João Hircano, conquistou ainda mais território,
tornando o reino hasmoneano quase tão extenso quanto o de Davi. A conseqüência de
seu reino de violência foram lutas internas que duraram quase quarenta anos, e que
virtualmente extinguiram a linhagem hasmoneana.
Depois de quase um século de auto governo, os judeus voltaram a ser dominados por
uma potência estrangeira quando Pompeu interveio na Judéia para pôr fim aos conflitos
surgidos entre os filhos de Salomé Alexandra, viúva de Alexandre Janeu. O quadro
abaixo resume a história dos macabeus e seus descendentes político-religiosos, os
hasmoneanos.

Governantes Hasmoneanos na Palestina


Governantes Datas Eventos Principais
Simão Macabeu 143-135 Independência da Síria
Invasão síria. Aliança com Roma e reconquista da
João Hircano 135-104 independência. Expansão territorial. Cunhagem de
moedas.
Aristóbulo I 104-103 Conquista da Galiléia
Conquistas territoriais. Lutas internas. Perdas de
Alexandre Janeu 103-76
território para os nabateus.
Salomé
76-67 Crescimento da influência dos fariseus.
Alexandra
Luta fratricida contra Hircano II. Roma intervém e
Aristóbulo II 67-63
termina a soberania da Judéia.
Líderes perdem o título de rei, retendo apenas o
Hircano II 63-40 sumo sacerdócio. Crescimento do controle idumeu
sobre a política judaica.
Conflito contra Hircano II. Roma designa Herodes
Antígono 40-37 como rei. Antígono é decapitado. Fim da linhagem
hasmoneana pura.
G. O Domínio Romano sobre a Palestina
Os romanos, que tinham o controle efetivo da Palestina desde a invasão de Pompeu
em 63 a.C., finalmente desistiram de arbitrar as intermináveis lutas entre os
hasmoneanos, e indicaram Herodes, filho de Antipatro, chefe de uma família iduméia
que crescera em prestígio fazendo o jogo político e econômico dos romanos na
Palestina, como o rei dos judeus. Com ajuda romana, ele conquistou a Galiléia e depois
Jerusalém. Escolhendo cuidadosamente a quem apoiar nas lutas que se seguiram ao
assassinato de Júlio César em 44 a.C., Herodes reconquistou muito território.
Sistematicamente eliminou a competição no cenário doméstico, matando sem hesitar até
esposas e filhos para assegurar sua posição.
Herodes foi um administrador e negociador capaz, conseguindo agradar tanto a
romanos quanto a judeus, que sempre se ressentiram de sua ascendência iduméia e de
como mandara matar os últimos governantes hasmoneanos. Foi um ávido construtor de
palácios, fortalezas, monumentos e templos, um dos quais dedicado a Otávio Augusto.
O Templo de Jerusalém, sua obra máxima, foi começado por ele, mas ainda estava em
construção parcial ao tempo do ministério de Jesus, mais de trinta anos depois da sua
morte .
Os muitos casamentos de Herodes fomentavam a intriga palaciana e as lutas
domésticas. Isso levou a seis testamentos diferentes e a uma série de execuções de suas
próprias esposas e filhos, o que levou Otávio a dizer que preferiria ser o porco de
Herodes (ὕρ em grego) a ser o filho de Herodes (τἱόρ huios).
Herodes o Grande morreu por volta de 4 a.C. Depois de sua morte, e com base em
seu testamento, Otávio dividiu o território sobre o qual Herodes reinara entre seus três
filhos, Arquelau, Filipe e Antipas. Arquelau rapidamente conquistou a reputação de ser
incapaz e cruel, o que fez a família de Jesus mudar-se para Nazaré (Mt 2:22). Devido às
constantes reclamações do povo, Otávio o removeu e baniu, substituindo-o por
procuradores romanos. Filipe governou a parte mais setentrional da Palestina e não teve
influência direta nos acontecimentos do Novo Testamento. Antipas era ambicioso e
satisfazia seus próprios desejos, e eventualmente perdeu o favor de Roma e foi banido.
Seu território esteve brevemente sob o governo de procuradores até que Herodes Agripa
I recebeu o reino em a.D. 41. No Novo Testamento, todos esses são mencionados com
seu nome familiar (Herodes), mas o que teve maior contato com Jesus foi Antipas. O
quadro a seguir apresenta essas divisões.
Áreas Geográficas e Distritos Administrativos da
Palestina
Governados pelos Herodes3
Nordeste
Sul
Norte – Leste Ituréia, Traconite,
Samaria, Judéia, e
Galiléia e Peréia Gaulanite, Auranite,
Iduméia
Batanéia
Herodes o Grande
37 – 4 a.C.
Arquelau Filipe
4 a.C. - a.D. 6 4 a.C. - a.D. 34
Antipas
4 a.C. - a.D. 39 Governadores
Governadores romanos
romanos 34 - 37
a.D. 6 - 41 Agripa I Agripa I
39 – 44 37 - 44
Agripa I
41 – 44
Governadores
Governadores romanos
romanos
44 - 56
Governadores 44 – 53
romanos Agripa Governadores
44 - 66 Agripa II II romanos
53 – 66 53 -
56 - 66
66
Rebelião dos judeus contra Roma
66 – 70
Província da Palaestina
70 – 135
Colonia Aelia Capitolinia
depois de 135
Herodes Agripa I foi o neto de Herodes o Grande, que assumiu o controle do
território de Filipe em 37. Depois que Antipas foi banido, recebeu controle de seu
território também e acabou por reinar sobre um território tão grande quanto o de seu
avô. Agripa I foi responsável pela primeira perseguição ―governamental‖ enfrentada
pelos cristãos (At 12.1-3).
Depois de sua morte, em 44, seu filho Agripa II (Marco), que estava em Roma, foi
mantido lá por ser considerado ainda muito jovem para o trono. Oito anos depois,
todavia, foi-lhe concedido o território de seu tio, Herodes de Cálcis, e no ano seguinte

3
O território hoje conhecido como Palestina foi dividido em diferentes distritos
administrativos em ocasiões diferentes pelo governo romano e administrado por vários níveis
da burocracia política romana. A liderança política era concedida como recompensa por
amizade ou favores ao imperador e poderia ser retirada com igual facilidade. Como resultado,
partes diferentes do território passaram de governo monárquico supervisionado a completo
controle de Roma por meio de procuradores ou governadores.
as tetrarquias de Filipe (Batanéia, Traconite e Gaulanite) e de Lisânias (Abilene).
Quando Nero subiu ao trono, Agripa II recebeu ainda a Peréia e a Galiléia. Ele foi o
―Herodes‖ diante de quem Paulo compareceu e apresentou sua defesa (At 25:13-26:32).
A região da Palestina esteve unificada durante o reinado de Herodes, o Grande (37-4
a.C.) e por três anos (41-44) durante o reinado de Agripa I. O reino de Agripa II não
incluía a Judéia e, embora tenha subsistido até à destruição de Jerusalém, nada mais era
que uma fachada para o governo romano (de quem ele foi ferrenho aliado). Depois da
primeira revolta (66-70), a região foi organizada como uma província imperial -
Palaestina – e governada por um legado imperial residente em Cesaréia. A decisão de
Adriano de converter o território de Israel numa colônia romana precipitou a segunda
revolta (liderada por Bar Kochba, 132-135). Depois dessa revolta ter sido sufocada, os
judeus foram expulsos e a região se tornou uma colônia romana, como o nome de
Colonia Aelia Capitolinia.
Quando o Senhor Jesus Cristo iniciou seu ministério, a Judéia estava sob governo
romano direto. Arquelau, o etnarca idumeu, havia sido deposto e banido, e o governo
era exercido por procuradores romanos. Os outros dois filhos de Herodes retiveram suas
posições, mas viviam debaixo de supervisão romana. Antes que o Novo Testamento
fosse concluído, Israel desaparecera como nação instalada em sua própria terra. O
quadro a seguir alista imperadores romanos e governantes romanos na Palestina entre 27
a.C. e a.D. 96, bem como sua relação com eventos do Novo Testamento.
Governantes romanos e sua relação com o Novo Testamento
Procuradores e
Imperadores Datas Eventos bíblicos
datas
27 a.C.- Copônio
Otávio César Nascimento e infância de Jesus
a.D. 14 (a.D. 6-10)
Ambívio (10-13)
Anio Rufo (13-15)
Ministério público de Jesus.
Valério Grato
Tibério 14-37 Pentecostes.
(15-26)
Conversão de Paulo.
Pôncio Pilatos (26-
36)
Marcelo (36-37)
Caio Calígula 37-41 Marulo (38-41)
Morte de Tiago.
Cláudio 41-54 ***4 1ª viagem de Paulo.
Concílio de Jerusalém.
2ª viagem de Paulo
Cuspio Fado
(44-46)
Tibério Júlio
(46-48)
Ventídio (49-52)
3ª Viagem de Paulo. Prisão.
Marco Félix Ministério pós-prisão.
Nero 54-68
(52-59) Martírio de Paulo.
Perseguição aos cristãos.
Pórcio Festo
(60-62)
Albino (62-64)
Géssio Floro
(65-70)5
Galba, Otão,
68-69
Vitélio
Vespasiano 69-79 Vetuleno (70-72) (Destruição de Jerusalém)
Lucílio Basso
Tito 79-81
(72-75)
Domiciano 81-96 Salvieno (75-86) Perseguição. Exílio de João.

4
De 41 a 44 não houve procurador romano na Judéia, pois Herodes Agripa I reinou sobre
toda a Palestina, inclusive a Judéia.
5
De 66 a 70 Jerusalém esteve em revolta contra Roma e foi sitiada por Vespasiano e por
Tito.
II. CONTEXTO RELIGIOSO
A. Templo, Sinagoga e Torah
Depois de seu retorno de Babilônia, os judeus não mais se deixaram enredar pela
idolatria, sua antiga nêmesis. Durante sua permanência em Babilônia, uma nova ênfase
surgira no estudo e aplicação cuidadosos da Torah, e isso foi levado de volta à Palestina.
Assim, quando o Templo foi reconstruído, enfrentou feroz competição do que
poderia ser chamado ―a religião da pequena comunidade‖, centrada na sinagoga, que
estava presente em quase todas as cidades dos judeus, e onde uma religião mais pessoal
podia ser buscada por meio do estudo da Torah.
B. Expectativas Messiânicas
Quando o Antigo Testamento se encerrou, Malaquias apontava para a vinda do
profeta Elias antes do aparecimento do Dia do Senhor. Na medida em que os anseios
judaicos por independência eram continuamente abafados por uma série de nações
conquistadoras, suas expectativas messiânicas ganhavam um sabor distintamente
político, associado a um cenário apocalíptico, extraído e desenvolvido da profecia
vétero-testamentária. A literatura pseudepigráfica judaica e os documentos de Qumran
oferecem exemplos eloqüentes disso, enfatizando figuras messiânicas de caráter político
e religioso.
Épocas como a perseguição de Antíoco IV Epífanes e a opressão dos romanos
geraram um messianismo que era ao mesmo tempo especulativo e prático, com graus
variados de mobilização popular. O testemunho do Novo Testamento é que movimentos
messiânicos estavam em voga quando o cristianismo adentrou no cenário religioso do
primeiro século (cf. Atos 4.36-37; 21.37-38).
C. Grupos Religiosos
A tensão religiosa já mencionada entre o Templo e a sinagoga encontrou expressão
humana nos dois principais grupos do judaísmo, os fariseus e os saduceus.
Os fariseus eram os herdeiros espirituais dos hasidim, os judeus piedosos que haviam
se alinhado com Matatias e seus filhos na luta contra a helenização no século II a.C.
Consideravam revelação divina todo o Antigo Testamento e reverenciavam a tradição
oral, a ponto de fazê-la mais importante que a própria Escritura (cf. Marcos 7). Vinham
das camadas inferiores e médias da população e tinham a sinagoga por plataforma de
expressão. Sua teologia enfatizava a predestinação, a imortalidade, a ressurreição e a
vinda de um Messias libertador político. Opunham-se sistematicamente a qualquer
cooperação com as potências opressoras.
Os saduceus eram a classe sacerdotal elitista cujo envolvimento religioso se limitava
ao Templo. Sua religiosidade era mais formal e elaborada, e por isso menos pessoal.
Sua origem é obscura; alguns a fazem remontar a Zadoque, mas os próprios saduceus
não o faziam. Sua origem como classe parece ter ocorrido na agitada segunda metade do
segundo século a.C., quando judeus ricos competiam pelo sumo sacerdócio e pelo poder
e prestígio que o acompanhavam. Sua teologia era bem menos rígida que a dos fariseus;
aceitavam apenas o Pentateuco como revelação, acreditavam na autonomia do homem,
negavam completamente a imortalidade e a existência de seres espirituais, quer
angélicos quer demoníacos. Por estarem no topo da pirâmide social israelita, não
desfrutavam de grande prestígio com as massas.6
Os essênios têm sido associados e desassociados da comunidade de Qumran por
várias vezes nas últimas décadas. Parece agora que essênios e qumranitas eram um e o
mesmo grupo, também historicamente relacionados aos hasidim, zelosos por pureza

6
Josefo afirma: “Eles só atraem os ricos; o povo não está ao seu lado” (Antiquidades dos
Judeus, 13.10.6).
religiosa e ainda mais radicais em suas expectativas messiânicas.7 W. S. LaSor vê uma
ruptura histórica nos hasidim que acabou por produzir essênios e qumranitas.8
Os essênios eram separatistas, praticavam batismo (não como rito iniciatório) e vida
comunitária, e submetiam-se a um ascetismo rigoroso.9 Tal como os fariseus, os
essênios eram deterministas, criam em anjos e demônios, tinham uma vaga concepção
de ressurreição individual, e criam numa iminência messiânica, afirmando que viviam
nos últimos dias.
Embora fossem mais um fenômeno sócio-político do que um grupo religioso, os
zelotes eram uma continuação dos macabeus, e acrescentaram o aço de seus punhais às
esperanças de libertação que outros centravam
no futuro, mais ou menos próximo. Atos 5.37 menciona um certo Judas, o galileu, que
pode ter sido o originador do movimento contra o domínio romano. Josefo pode fazer
menção a esse indivíduo, que o situaria em Seforis, na Galiléia, por volta de a.D. 6.10
Um dos discípulos de Jesus pode ter participado deste movimento (cf. Mateus 10.4).
D. Produção Literária.
O período intertestamental foi uma época fértil em termos de aparecimento de
literatura religiosa. Por toda a parte os judeus se dedicaram a desenvolver algumas de
suas lendas e a incorporar as experiências de suas perseguições aos grandes nomes de
seu passado, numa tentativa de produzir esperança em meio ao intenso sofrimento de
um povo constantemente achado entre o malho e a bigorna das ambições políticas de
seus vizinhos e de potências distantes.
Essa literatura abrangeu tipos distintos e possui valor histórico variado, indo desde
relatos fidedignos das atividades sociais e bélicas do Israel hasmoneano até as fábulas
sobre antigas invasões e grandes atos de heroísmo que os próprios judeus admitem ser
indignos do nome de história.
A classificação que fornecemos a seguir é a classicamente adotada pelos estudiosos.
Os livros apócrifos são aqueles que encontraram algum tipo de canonização entre
diversos grupos cristãos, ainda que jamais tenham sido assim considerados pelos judeus.
Os pseudepigráficos são aqueles livros que ninguém inseriu em listas canônicas mas
que refletem preocupações de ordem teológica (apocalíptica ou didática) ou narram
lendas que refletem preocupações pontuais da comunidade israelita.
Algumas dessas obras datam realmente do período intertestamental. Outras foram de
composição tão longa (e variada) que tiveram partes escritas já no período
neotestamentário, tendo algumas de fato recebido toques (ou retoques) cristãos.
Os quadros a seguir resumem essa imensa produção:
Quadro resumo dos livros apócrifos do Antigo Testamento

7
Concordam com essa posição os seguintes estudiosos: Geza Vermes, E. L. Sukenik, A.
Dupont-Sommer, Roland de Vaux e W. F. Albright.
8
William S. LaSor, “The Dead Sea Scrolls”, em The Expositor’s Bible Commentary, 1:398-399.
9
Novamente é Josefo quem afirma: “Eles evitam os prazeres como um vício, e consideram a
moderação e o controle das paixões como a essência da virtude” (Guerras Judaicas, 2.8.2). O
historiador indica ainda que comiam apenas o bastante para aplacar a fome e a sede (Ibid.,
2.8.5), “contentando-se com a mesma alimentação dia após dia, pois amavam a frugalidade e
rejeitavam o luxo como uma doença da alma e do corpo” (Filo de Alexandria, Hypothetica
11.11).
10
Antiguidades dos Judeus, 17.10.5.
Livro Língua Data Conteúdo Comentário
Século I Apocalipse (hebraico, O mais ―eclético‖ dos
2 Esdras Grego
a.D. grego e cristão) apócrifos
Hebraico Mistura de lenda, com
Século Crivado de erros
Tobias ou piedade judaica
II a.C. históricos
aramaico intertestamental
Uma história de
Hebraico, Século Erros históricos bem
Judite coragem e heroísmo de
via grego II a.C. gritantes
uma jovem judia
107 versículos Supostos conteúdos de
Adições a
Grego inseridos no texto orações, discursos e
Ester
canônico decretos
Aforismos e Combate à influência da
125-75 provérbios no estilo da cultura grega sobre a
Sabedoria Grego
a.C. literatura sapiencial ética e a religião dos
canônica judeus
180 a.C.
Ponto de vista
/ (trad. Temas típicos da
Eclesiástico Hebraico esquizofrênico sobre a
gr.) 130 sabedoria
mulher
a.C.
Hebraico
com Exortações ao
Baruque — Inexatidão histórica
tradução arrependimento
grega
Oração de Azarias,
Inseridos nos lugares
Adições de 125-75 Cântico dos Três
??? apropriados na Bíblia de
Daniel a.C. Rapazes, Bel e o
Jerusalém
Dragão, Susana
Oração de Língua II – I Arrependimento e Paralelos entre a oração
Manassés semítica a.C. [??] confissão de Manassés e o texto de 2Cr 33. 6-12
Período das guerras Historicamente
1 Macabeus Hebraico 100 a.C.
siro-egípcias fidedigno
Paralelo a 1Mc 1.10— Menos histórico, mais
2 Macabeus Grego ??
7.50 teológico
Quadro resumo dos livros pseudepigráficos
Categori Língu Conteú Comentá
Nome Data
a a do rios
Livro dos
Vigilantes
Visões (1-36) [1]
Hebraic sobre Parábolas
Apocalípt 1 o e III a.C. – futuro da de Enoque
icos Enoque Aramaic a.D. I humanid (37-71) [5]
o ade e dos Astronômi
anjos co (72-82)
[2]
Sonhos e
Visões (83-
90) [3]
Admoestaç
ões (91-
107) [4]
7 Visões.
Hebraico Análise
Uma visão
e pessimista
interpreta
Aramaico do
4Esdras a.D. I Daniel 7
(sobreviv problema
messianicament
ente em do
e
Latim) sofrimento
de Israel
Material
judaico-
Oráculo
cristão;
s 150 a.C. Profetisa –
resenha
Sibilino – a.D. Nora de Noé
histórica
s
em forma
de verso
Hebraico
Visão
ou 1750 anos entre
Ascensã apocalíptic
Aramaico a morte de
o de a.D. I a da
(sobreviv Moisés e a
Moisés história de
ente em parousia
Israel
Latim)
Vislumbra
2Baruqu
a esperança Texto
e
messiânica composto
(Apocali a.D.
Siríaco depois da (Apocalipse –
pse de 75-150
destruição 1-77) (carta –
Baruque
de 78-87)
)
Jerusalém
Exortações
Testame
morais e Conceitos
nto dos
II a.C. – expectativa semelhantes
Doze Grego
a.D. II s aos do NT e
Patriarc
escatológic AT
as
as
Escrito
Curso da Semanas
em
história de sete
hebraico
de anos estão
, daí
Gênesis presentes
traduzid
c. 100 dividido (cf. Dn 9).
Lendário Jubileus o para
a.C. em Fragmento
s siríaco e
períodos s
grego e
de 49 encontrado
daí para
anos (cf. s em
latim e
Lv 25) Qumran.
etiópico
Carta de Grego c. 170- Histórico Elementos
Aristeas 100 a.C. da tradução fantasiosos com
da Lei para um cerne de
o grego verdade
Transcendência
Reinterpret de Deus
ação descrita
Vida de
a.D. 70- lendária de antropomorfica
Adão e Hebraico
100 Gn 1-5 e mente.
Eva
da história Restauração da
de Israel vida plena na
ressurreição.

Martírio Referência à
Martírio Martírio de
– morte de Isaías;
e Isaías e
ascensã Hebraico II a.C. - suas visões
idéia de que
a.D. I-II Nero voltaria
o de Ascensão sobre Jesus
como o
Isaías – Grego e a Igreja
Anticristo
Ficção
histórica.
Defesa Tecnicame
das nte não
tradições deveria se
3Macab I a.C. – de Israel chamar
Grego
eus a.D. I em meio Macabeus,
a crises e pois sua
persegui narrativa é
ções anterior
Didáticos aos
macabeus.
Exortações
4Macab c. a.D. estóicas ao
Defesa da lei
eus 40-50 controle
das paixões
Parte em Aventuras
História
acádico, c. VI e aforismos Sabedoria pagã,
de
parte em a.C. (?) de um vizir politeísmo
Ahiqar
aramaico assírio
Fases da
Poemas
vida do
de sabor
Messias;
cristão
Odes de descrição
Siríaco c. a.D. em
Salomã bizarra do
(?) 100 louvor a
o Messias
Deus e
como o
Poéticos ao
leite de
Messias
Deus
Hebraico, Poemas de Vaga esperança
Salmos traduzido
I a.C. – lamento messiânica;
de para pela triste Messias como
a.D. I
Salomão grego e situação de fruto da
siríaco Israel linhagem
(destruição davídica
de
Jerusalém)

O argumento de
MATEUS
Questões introdutórias
TÍTULO E AUTORIA
O sobrescrito do manuscrito mais antigo do Evangelho é ΚΑΣΑ ΜΑΘΘΑΙΟΝ, segundo
Mateus. Isto aponta para a antiga tradição cristã de que Mateus, ou Levi, o discípulo
publicano de Jesus, escreveu o primeiro evangelho.
A evidência externa em favor da autoria mateana é a seguinte. (1) o Didaquê,
composto por volta de a.D. 110, cita mais deste evangelho que de qualquer outro; (2) o
testemunho de Papias (c. a.D. 135) de que Mateus compusera sua logia no idioma
hebreu (trata-se de uma citação muito debatida que, à primeira vista, sugere que Mateus
teve um original em hebraico ou aramaico, mas que já foi interpretada de outras
maneiras);11 (3) vários dos primeiros pais da Igreja citam Mateus como o autor, entre
eles Pseudo-Barnabé, Clemente de Roma, Policarpo, e Justino Mártir.
A evidência interna em favor da autoria mateana gira em torno de detalhes que se
encaixam muito bem com a pessoa do discípulo publicano. Em primeiro lugar, este é o
evangelho que tem mais referências e explicação de questões relativas a dinheiro, o que
se poderia esperar de um publicano (i.e., um coletor de impostos); em segundo lugar, o
autor usa continuamente o termo ofensivo ―publicano‖ ou ―coletor de impostos‖ para
descrever Mateus, ao passo que Marcos e Lucas evitam o termo; em terceiro lugar, o
autor se refere à festa oferecida por Mateus a Jesus um ―jantar‖ (9.9-10), ao passo que
Lucas a chama de ―um grande banquete‖ (Lc 5.29); por fim, circunstâncias e ensinos
que exaltavam os publicanos foram aqui omitidas (cf. Lc 18.9-14; 19.1-10).
DATA
Uma vez que o livro contém a predição da destruição de Jerusalém por Jesus (Mt
24.1-28), deve ser datado de antes de a.D. 70. Isso está ligado à questão de que
Evangelho foi o primeiro a ser escrito.
Se Marcos foi, de fato, o primeiro evangelho, escrito como registro das memórias de
Pedro próximo do tempo de sua morte (c. a.D. 68), então seria necessário algum tempo
para que o evangelho fosse aceito com a autoridade de Escritura e Mateus, que
supostamente cita da obra anterior, teria que ter escrito seu livro depois da queda de
Jerusalém, que serviria como poderosa apologética para a fé cristã, mas que nunca foi
usada no Novo Testamento.
O Evangelho de Mateus contém mais advertências e críticas contra os saduceus que
qualquer outro livro do Novo Testamento. Uma vez que os saduceus deixaram de ser
uma força viva no judaísmo depois de a.D. 70, o evangelho deve ser datado antes da

11
D. A. Carson, “Mateus,” Expositor`s Bible Commentary, 8:11-13.
destruição de Jerusalém. Bo Reicke pensa que o Sitz im Leben de Mateus reflete a
situação da Palestina entre a.D. 50 e 64.12 Robert Gundry também defende uma data em
torno da metade do primeiro século.13
Parece haver razão suficiente para acreditar que o original do Evangelho de Mateus
foi escrito antes dos outros três evangelhos, por volta de a.D. 50.
LOCAL DE ORIGEM E DESTINO
Antioquia da Síria, uma cidade grega cosmopolita com numerosa população judaica
é o lugar favorito dos estudiosos para a origem do evangelho. Uma razão particular para
isso é que a primeira menção ao Evangelho de Mateus vem da pena de Inácio, então
bispo de Antioquia.
As pessoas que argumentam em favor de um original em hebraico ou aramaico
preferem localizar o evangelho na Palestina. Na verdade, não há maneira de determinar
claramente onde o livro foi escrito.
Os destinatários do Evangelho de Mateus constituem uma questão igualmente
incerta. Que tenha sido escrito primariamente para uma audiência judaica parece claro
em vista das frequentes alusões ao Antigo Testamento, da ausência de explicações sobre
expressões e costumes judaicos, da ênfase nas reivindicações messiânicas a partir do
primeiro versículo do livro, e da ênfase no Reino dos céus. Isso, todavia, não oferece
qualquer prova da localização exata dos leitores originais. A única declaração
inequívoca quanto a esses assuntos interrelacionados é que o Evangelho de Mateus foi
escrito em e enviado para pessoas que viviam na província romana da Síria (que incluía
a Palestina).
Qualquer que tenha sido a sua localização, os leitores originais ao Evangelho de
Mateus eram judeus de fala grega que precisavam de uma clara explicação da natureza
da messianidade de Jesus e do programa divino para o Reino prometido. Sua menção do
mundo como o campo (13.38) e da última ordem de ―fazer discípulos de todas as
nações‖ (28.19) sugere que havia uma perspectiva e uma preocupação universais no
primeiro Evangelho.
OCASIÃO E PROPÓSITO
A data designada para o Evangelho de Mateus nesta obra aponta para o período em
que a cisão entre a Igreja e o judaísmo estabelecido estava se tornando mais e mais
pronunciada. Era importante que os judeus que tinham confiado em Jesus como Messias
soubessem que não haviam traído os ideais de Yahweh para a nação de Israel por
tomarem o partido dAquele que a nação havia oficialmente rejeitado.
Ao mesmo tempo, o evangelho apresenta uma apologética da messianidade de Jesus
dirigida a judeus que pudessem fazer objeção a um Messias crucificado. Mateus
concretiza esse objetivo primariamente por uma demonstração de como a vida, o ensino,
a morte e a ressurreição de Jesus cumpriam predições do Antigo Testamento. Nove
textos-prova são utilizados para demonstrar as credenciais de Jesus como Messias
(1.22-23; 2.15; 2.17-18; 2.23; 4.14-16; 8.17; 12.17-21; 13.35; 27.9-10).
Os milagres de Jesus também são apresentados como prova de Suas reivindicações
messiânicas. Alguns de seus milagres (como o acalmar da tempestade no mar e as
multiplicações dos pães) estavam associados a atividades manifestamente divinas no
Antigo Testamento, servindo também como prova de Sua divindade.
O caráter messiânico de Jesus também é enfatizado por meio de Seu ensino,
especialmente por aquelas porções contidas nos cinco grandes discursos - o Sermão do
Monte (5.1-7.27), os deveres dos discípulos (10.5-42), as parábolas do Reino (13.1-52),
os relacionamentos no Reino (18.1-35), e o sermão profético (24.3–25.46) - nos quais

12
Bo Reicke, “Synoptic Prophecies on the Destruction of Jerusalem”, em Studies in New
Testament and Early Christian Literature, p. 133.
13
Robert H. Gundry, Mateus: A Commentary on His Literary and Theological Art, pp. 599ss.
Sua penetrante aplicação da Lei, Sua exigência de que os discípulos Lhe obedecessem,
Seu programa para o Reino, Seus elevados princípios de relacionamento interpessoal, e
Suas ameaçadoras previsões sobre o futuro (respectivamente) apontam para uma pessoa
especial, cujas alegações de messianidade só aceitam duas opções - serem descartadas
como refinada loucura ou aceitas com fé e submissão.
CONTEXTO HISTÓRICO
Mateus registra toda a vida de Jesus, de 5/4 a.C. a 3 de abril de a.D. 33. Estas datas
foram obtidas a partir da observação de que Herodes, o Grande, ainda estava vivo
quando Jesus nasceu, que não mais de dois anos poderiam ter passado entre o
nascimento de Jesus e o infanticídio ordenado por Herodes, e que Jesus nasceu depois
do recenseamento ordenado por Augusto por volta de 6 a.C.
O fato da morte de Jesus ter sido posterior a a.D. 30 se percebe na resposta atípica de
Pilatos às ameaças dos judeus de denunciá-lo como um ―não-amigo‖ de César. Uma vez
que seu mentor e protetor Marcus Sejanus tinha o controle virtual do império até a.D.
32, quando foi confrontado, removido e executado por ordem de Tibério César, é
melhor datar a morte de Cristo em a.D. 33.14
Esse intervalo entre 5 a.C. e a.D. 33 foi marcado pelo começo da tensão política na
Palestina, à medida que grupos armados de judeus começaram a atacar soldados
romanos. Quando o imperador Tibério tomou Marcus Sejanus como conselheiro e
confidente, uma onda de anti-semitismo varreu o império, e culminou com a indicação
de Pôncio Pilatos como procurador da Judéia.
Profundamente anti-semita, Pilatos esforçou-se ao máximo para provocar os judeus,
e respondeu de madeira rápida e brutal às provocações dos judeus radicais (cf. Lucas
13.1 para encontrar um exemplo da crueldade de Pilatos).
Na Palestina, o cenário político incluía, além dos fariseus, saduceus, e zelotes, o
partido dos herodianos, um grupo que não tinha convicções religiosas próprias ou
definidas, mas seguia uma política de conveniência, argumentando que o governo
romano por meio da linhagem iduméia de Herodes era a melhor linha de ação. No
devido tempo, essas facções rivais ajuntaram forças e idéias contra Jesus (cf. Mt 22.15-
22).
Também havia uma certa tensão entre Herodes Antipas e Pôncio Pilatos por causa da
maneira que o procurador romano tratara cidadãos galileus. Essa querela terminou por
ocasião do julgamento e crucificação de Jesus.
Socialmente havia uma pequena minoria que desfrutava melhor que o mundo
oferecia, enquanto a maioria da população gemia sob uma carga extremamente pesada
de impostos, que era agravada pela desonestidade notória dos publicanos, que era
tolerada pelos romanos, mas fazia dos publicanos uma classe detestada pelo povo. Os
escribas, especialistas na Lei de Moisés, sobrecarregavam o povo com miríades de leis
supostamente derivadas da Torah. Apesar de serem apoiados pelo povo, desprezavam
profundamente o populacho ignorante a quem deviam instruir (cf. Mt 23.4;
Mc 12.40; Jo 7.49).
Argumento básico
PROPÓSITO
O propósito do Evangelho de Mateus é duplo. Tem um aspecto didático e um aspecto
apologético, ambos relacionados ao conceito fundamental do Reino messiânico. Aqui
está um resumo que envolve o conteúdo e o propósito do livro.
Eventos e ensinos selecionados do ministério público e particular de Jesus foram
registrados para provar a uma audiência judaica que Jesus de Nazaré era o Messias

14
Detalhes minuciosos podem ser obtidos consultando Harold W. Hoehner, Chronological
Aspects of the Life of Christ, passim.
prometido de Israel, e para esclarecer o programa divino para o Reino nesta presente
era, à luz da ultrajante rejeição do Rei-Messias por Israel.
DESENVOLVIMENTO
Mateus conseguiu seu propósito duplo de provar que Jesus era o Messias e que Deus
não abandonara Seus planos do estabelecimento de Seu Reino ao organizar Seu
evangelho em torno de cinco discursos principais, que sempre fornecem o clímax para
os blocos de material narrativo que os precedem.
O esboço do livro, em termos do seu propósito, é o seguinte:
Provar o caráter messiânico de Jesus e esclarecer o programa divino do Reino para a
presente era à luz da rejeição de Jesus por Israel...
… narrando a encarnação e preparação do Rei (1.1 - 4.25).
… apresentando a proclamação dos princípios do Rei para a vida no Reino (5.1 - 7.29).
… descrevendo o poder manifesto pelo Rei como Sua autenticação perante Israel (8.1 -
11.1).
… relatando o aumento da oposição oficial ao Rei à medida que Suas reivindicações se
chocam contra as tradições da liderança judaica (11.2 - 13.53).
… resumindo a preparação dos discípulos pelo Rei para o tempo de Sua rejeição
definitiva pelo judaísmo oficial (13.54 - 19.2).
… narrando a apresentação e a rejeição oficiais do Rei em Jerusalém (19.3 - 25.46).
… apresentando a vindicação definitiva do Rei em Sua morte, ressurreição e comissão
(26.1 - 28.20).
I. A encarnação e preparação do Rei (1.1 - 4.25).
O propósito dessa divisão dentro do propósito geral do Evangelho é autenticar as
reivindicações messiânicas de Jesus narrando as circunstâncias que fizeram tão
peculiares o Seu nascimento e o início de Seu ministério.
Desde o princípio Mateus deixou claro quais eram as questões a respeito de Jesus.
Mateus 1.1 corresponde perfeitamente ao propósito do livro. Jesus de Nazaré é
apresentado como o judeu por excelência; além de ser descendente de Abraão, com
direito às promessas da aliança abraâmica (cf. Gn. 12.1-3, 15.1-21), é também
descendente de Davi, com direito às promessas da aliança davídica (cf. 2 Sm. 7).
Significativamente, Jesus é apresentado primeiro como o Filho de Davi, um título
claramente messiânico. Sua segunda credencial é ser ―Filho de Abraão‖, um título que
O associa às bênçãos universais prometidas ao patriarca.
A genealogia seletiva de Mateus também sugere que em Sua longa preparação para a
encarnação do Messias, Deus tinha em mente os gentios (1.5, 6). A genealogia também
enfatiza as reivindicações reais de Jesus ao registrar sua linhagem leal até Davi, com a
dinastia ininterrupta até o exílio em Babilônia. O arranjo em três blocos de quatorze
gerações indica uma preocupação com simetria, mas também pode conter um toque de
polêmica – ligando Jesus a Davi por meio do número 14, que era o valor numérico das
consoantes hebraicas do nome ‫( ָד ִרד‬dāwiḏ, Davi).
Na medida em que está apresentando uma pessoa incomum, Mateus enfatiza a
maneira divina e miraculosa em que Jesus de Nazaré foi concebido - cumprindo uma
profecia do Antigo Testamento (cf. Is 7.14). Também aqui há um elemento polêmico, à
luz de acusações de ilegitimidade dos judeus contra Jesus (cf. Jo 8.41, 48).
Além disso, quando o anjo revela o plano de Deus para a criança que haveria de
nascer, a natureza redentiva do Reino e a natureza divina do Rei são enfatizadas (1.21,
23). O nascimento incomum não é percebido pelos líderes judaicos, mas será notado
pelos gentios, um tema bastante comum no Evangelho de Mateus.
A descrição da infância de Jesus (2.1-23) é outro dos meios usados por Mateus para
apresentar os temas paralelos de indiferença e oposição ao Messias por parte da
liderança religiosa judaica. Os escribas e sacerdotes são informados de Seu nascimento
mas não se importam com o fato, ao passo que o líder político, Herodes, o Grande,
planeja eliminar ainda no berço o Rei que ameaçava sua posição real. A nação, por sua
vez, está preocupada com mais uma crise de fúria do monarca idumeu, imaginando de
quem será a próxima cabeça que Herodes mandará cortar. Num contraste dramático, os
magos gentios reconhecem a Jesus como Rei e O adoram como tal, na própria cidade
em que o Filho de Davi deveria nascer, de acordo com a profecia.
Mateus inclui a fuga para o Egito e a permanência da sagrada família ali para
demonstrar como a vida de Jesus é uma perfeita recapitulação da existência de Israel
como nação, apontando assim para Ele como o Israel ideal. Cada uma das citações do
Antigo Testamento confirma as reivindicações messiânicas de Jesus.15
Mateus não fornece outros detalhes da vida de Jesus por um período de
aproximadamente trinta anos, depois dos quais ele enfoca o assunto da preparação do
Rei para Sua missão (3.1 - 4.11). Esta seção contém três áreas que serão significativas
para validar as reivindicações messiânicas de Jesus. Ele possui, em primeiro lugar, um
arauto que proclama a Sua vinda real (3.1-12); a alusão ao ―deserto‖ aponta para a
profecia de Isaías sobre os preparativos para a manifestação de Yahweh ao Seu povo (Is
40). Em segundo lugar, ele é adequadamente ungido em Seu batismo (3.12-17). Por fim,
ele vence a tentação ao ser confrontado pelo próprio Satanás (4.1-11), em contraste com
Israel, que fracassara miseravelmente no deserto.
Com o ministério de João Batista surge a primeira referência ao Reino dos céus no
livro. A semelhança entre João e Elias e sua mensagem de arrependimento a fim de
participar nos privilégios do Reino fazem reverberar as profecias vétero-testamentárias
sobre o Messias e o Dia do Senhor (cf. Malaquias 3 e 4, por exemplo). O Messias viria
como juiz, separando para condenação todos os pecadores impenitentes antes de
estabelecer o Seu Reino, e também batizaria com o Espírito Santo (cf. Ez 36.24-28;
39.25-29).
A seção sobre o batismo de Jesus (3.13-17) tem como propósito identificá-lo com o
programa divino do Reino conforme delineado nos profetas. A despeito de Sua
perfeição moral, Jesus veio a João para ser batizado a fim de ―cumprir toda a justiça‖,
ou seja, autenticar o ministério de João como uma ordenança divina a que todos
deveriam se submeter à luz da iminência do Reino. Imediatamente depois do batismo
Jesus foi ungido pelo Espírito Santo, outra marca autenticatória de Sua realeza e
messianidade (cf. Is 61.1).
Legal e religiosamente Jesus estava capacitado para Seu papel messiânico. Como o
Israel da antiguidade Ele fora chamado desde o Egito e fora identificado com Yahweh
pelo batismo (cf. 1 Co 10.2). A pergunta seguinte era. ―Estaria Ele moralmente
qualificado para ser o Messias?‖ Sua tentação por Satanás e Sua vitória sobre o tentador
revelaram inegavelmente que sim. Tentado em três áreas que afetavam diretamente Seu
ministério como Messias, Ele emergiu triunfante por apegar-se à Palavra de Deus. No
aspecto pessoal de Sua tentação o Rei foi tentado a agir independentemente de Deus; no
aspecto nacional, o Rei foi tentado a duvidar da fidedignidade de Deus; no aspecto
universal, o Rei foi tentado a ignorar o decreto de Deus sobre o Reino (Sl 2.7-8). Ao
vencer as três tentações, Jesus demonstrou ser moralmente capaz de ser o Messias
Redentor, tanto no nível nacional quanto no nível universal.
Mateus 4.12-25 é uma passagem de transição no livro. Preocupado com o aspecto
real da vida de Cristo, Mateus omite o primeiro ministério na Judéia, onde Jesus e João
ministraram juntos (ou pelo menos próximos) durante cerca de nove meses (cf. Jo 4.1).
Em Mateus o Rei só aparece depois que o precursor sai de cena. A mensagem de Jesus
15
A referência a Jesus como Nazareno em Mateus 2.23 tem sido muito debatida. Uma
análise detalhada das possibilidades interpretativas se encontra em “A Suposta Citação do
Antigo Testamento em Mateus 2.23”, deste autor, em Chamado para Servir. Estudos em
Homenagem a Russell P. Shedd, pp. 51-63 (São Paulo. Edições Vida Nova, 1995?).
era basicamente a mesma que João pregara, mas Seu status messiânico distinto foi
demonstrado desde o princípio pelos Seus milagres e pelo Seu poder de atrair
seguidores a Si. Seu ministério introdutório na Galiléia prepara o caminho para a
proclamação de Seus princípios para a vida no Reino.
II. A proclamação dos princípios do Rei
para a vida no Reino (5.1 - 7.29).
Essa divisão principal se encaixa no propósito geral do livro ao demonstrar que a
mensagem pregada pelo Rei era verdadeira conformidade com a Torah oferecida por
Yahweh a Israel, em contraste com a justiça hipócrita e autocomplacente exibida pelos
líderes religiosos de Israel. Uma vez que tanto João Batista quanto Jesus haviam
denunciado laços sanguíneos e adesão formal à tradição religiosa como meios
insuficientes de acesso ao Reino, era necessário que o Rei oferecesse um padrão
adequado pelo qual Seus discípulos mais próximos verificassem sua posição em relação
do Reino. O Sermão do Monte responde a duas perguntas. ―Que tipo de justiça é
exigido para ingresso no Reino?‖ e ―Como deveríamos viver uma vez que nos juntemos
às fileiras dos que aguardam a manifestação do Reino?‖
A primeira seção (5.2-16) descreve os súditos do Reino em suas qualidades pessoais
e suas recompensas (5.2-12) e em sua função na sociedade (5.13-16).
Um amante do Reino deveria exibir esses atributos relacionais, todos eles
encontrados no próprio Rei, e esperar colher suas recompensas. À luz da iminência do
Reino, os discípulos de Cristo deveriam funcionar como poderosos motivadores para
que outros viessem ao Messias em fé. Nesse sentido eles são comparados ao sal e à luz.
O trecho que vai de 5.17 a 7.12 apresenta a justiça do Reino. A passagem crucial é
5.17-20, onde o relacionamento entre a ética do Reino e a Lei de Yahweh é definido.
Jesus negou veementemente que tivesse vindo abolir a Lei, pois ela oferecia um
referencial verdadeiro para avaliar os que professavam ter parte no Reino. O conceito de
justiça proposto pelo Rei, no entanto, vai além da mera observância da letra da Lei, pois
exige obediência interna, de coração, ao espírito da Lei. Na verdade, Ele viera para
cumprir a Lei (obedecendo-a perfeitamente) e as predições dos profetas concernentes ao
Messias e Seu Reino.
Em 5.21-48, Jesus contrasta Sua interpretação de seis passagens da Lei com a
interpretação dos líderes judaicos contemporâneos a fim de demonstrar a natureza da
verdadeira justiça. Sua ênfase era a superioridade da ética do Reino sobre a piedade
hipócrita dos escribas e fariseus. Para o Rei, a verdadeira interpretação e o verdadeiro
cumprimento da Lei constituem uma questão de pensamentos e intenções, não de ações
externas somente!
6.1-18 trata da prática da justiça. Uma vez mais Jesus enfatiza a importância da
motivação do indivíduo para a prática de boas obras. Orações, esmolas e jejuns (as três
expressões máximas de piedade no judaísmo) não passam de ações vazias se feitas por
amor ao aplauso humano. Essa seção está tematicamente ligada a 5.20 e prova que
quem faz boas obras com vistas à aprovação terrena fecha contra si mesmo as portas do
Reino messiânico.
As consequências da justiça do Reino são apresentadas em 6.9 a 7.11. O parágrafo
anterior apresentara a consciência de ter Deus por pai como a base para a prática da
verdadeira justiça. Aqui Jesus exorta Seus discípulos a concentrarem seus esforços em
tal prática, ao invés de lutarem por ganho e posição terrenos (6.19-34). Isso significa dar
prioridade a Deus e a Seu Reino em suas vidas.
A verdadeira justiça deve ser manifesta em termos de uma atitude positiva para os
outras pessoas, ao invés de (pré) julgar suas intenções e criticar ferinamente (7.1-5). É
necessário, todavia, que o discípulo utilize bem suas faculdades críticas para não cair no
erro de compartilhar as boas-novas do Reino com os inimigos do Rei (os cães e porcos
de 7.6). Finalmente, a capacidade de viver de acordo com o padrão do Rei depende da
relação do discípulo com Deus; vê-lo como Pai amoroso permitirá que o discípulo lhe
peça tudo aquilo que é necessário para uma vida justa (7.7-11).
Um resumo da justiça do Reino é oferecido em 7.12. Esse é um versículo-chave pois
nele se acha a expressão ―a Lei e os profetas‖, também encontrada em 5.17. Este arranjo
deliberado indica que o Reino messiânico seria calcado verdadeiro significado da
revelação divina.
A seção final nessa divisão contém o apelo a que os ouvintes se juntem ao Reino
(7.13-27). Essas três parábolas visavam basicamente a multidão de seguidores
―periféricos‖ que acompanhavam Jesus por causa de Seus milagres mas ainda não se
haviam comprometido como verdadeiros discípulos.
As parábolas mostram que participação no Reino exige auto-sacrifício (7.13-14), que
o discípulo será capaz de discernir falsos mestres por sua doutrina (7.15-23), e que o
verdadeiro discípulo do Reino é a pessoa que além de ouvir o Rei faz do Seu ensino o
alicerce sobre o qual constrói a sua vida (7.24-27).
Os dois versículos finais do capítulo 7 apresentam o resultado do ensino do Rei. Essa
conclusão é polêmica à luz do propósito do Evangelho e das confrontações que se
seguiriam entre Cristo e os escribas. A mensagem do Rei tinha uma vida genuína a
apoiá-la e, por isso, atraía a atenção daqueles que estavam acostumados ao palavrório
vazio dos rabis. Jesus tinha autoridade, pois era o próprio Rei (7.28-29). Esse parágrafo
oferece uma perfeita transição para a divisão seguinte, na qual o poder e a autoridade de
Jesus serão demonstrados.
III. A manifestação do poder do Rei
como sua autenticação perante Israel (8.1 - 11.1).
Essa divisão é particularmente importante no argumento do livro, pois é usada por
Mateus para provar quem Jesus é, bem como para mostrar a proximidade do Reino. Há
uma ênfase especial nos milagres de cura, que, mais que quaisquer outros, atraíam
multidões ao Senhor e davam autoridade adicional à Sua mensagem.
Mateus 8.1 - 9.38 exibe uma disposição simétrica em que milagres e ensinos se
intercalam. Jesus demonstra Sua autoridade messiânica por meio de milagres de cura,
milagres sobre as forças da natureza, e milagres de restauração. Em cada uma dessas
três áreas, três eventos ilustram o poder messiânico de Jesus. Ao mesmo tempo,
inseridas entre as três seções de milagres, encontramos o Messias ativamente engajado
no ministério de fazer discípulos. O gráfico na página 43 visualiza o arranjo literário da
divisão.
Os milagres de cura registrados nesta seção (8.1-17) refletem de modo incomum a
perspectiva total do Evangelho de Mateus. Demonstra como os pobres e desprezados
vinham ao Messias em fé, ao passo que os ―herdeiros do Reino‖ preferiam rejeitá-lo.
Ele, no entanto, Se faz disponível a todos que dEle precisam (8.16-17). Essa seção do
Evangelho de Mateus contempla profeticamente o futuro quando, na consumação do
Reino messiânico, toda doença será eliminada.

A manifestação do poder messiânico de Cristo


Cristo realiza três milagres de cura (8.1-17)
O leproso impuro.
O servo do centurião.
A sogra do discípulo.
Cristo apresenta as exigências do discipulado (8.18-22)
Compromisso antes do conforto.
Compromisso sem concessões.
Cristo realiza três milagres de poder (8.23–9.8)
Acalma o mar.
Expulsa demônios.
Cura um paralítico.
Cristo apresenta as marcas distintivas do discipulado (9.9-17)
Ao convocar um rejeitado.
Ao desafiar a hipocrisia dos fariseus.
Ao esclarecer a natureza do discipulado messiânico.
Cristo realiza três milagres de restauração (9.18-34)
Restauração de uma situação de doença e morte.
Restauração de uma situação de cegueira.
Restauração de uma condição de domínio satânico.
Cristo demonstra a necessidade de compaixão
por parte do discípulo (9.35-38)
A condição das pessoas exige isso.
A convocação de novos discípulos flui a partir disso.
1. A MANIFESTAÇÃO DO PODER MESSIÂNICO DE CRISTO
A seção de discipulado que alterna com a descrição dos milagres foi inserida aqui
para confrontar os leitores com as árduas exigências do discipulado até a chegada do
Reino. Uma vez que muitas pessoas haviam sido atraídas a Jesus simplesmente por
causa de Suas demonstrações de poder, o Senhor deixou bem clado que a lealdade ao
Messias implicava abrir mão dos confortos básicos da vida e dos mais íntimos laços
familiares; o Rei que exigia verdadeira justiça, exigia também compromisso total.
A manifestação do Rei continuou com uma série de milagres que, de maneira velada,
apontavam para a divindade do Messias. Primeiramente, Jesus aparece acalmando uma
tempestade no mar da Galiléia (8.23-27), uma atividade normalmente atribuída a
Yahweh no Antigo Testamento (cf. Sl 106.9, 11).
Os próprios demônios reconhecem quem Jesus é (o Messias) e temem Seu poder
sobre o mundo sobrenatural. Em contraste, os gergesenos rejeitam Seu poder e até Sua
presença entre eles.
A alegação final de divindade é feita pelo próprio Jesus, quando pronuncia perdão
para os pecados de um paralítico pouco antes de o curar. Essa é a primeira confrontação
registrada entre Jesus e os escribas, e o tema de sua oposição é introduzido
imediatamente. Daqui por diante eles andarão no rastro de Jesus e procurarão uma
oportunidade para eliminá-lo. Mateus indica assim, a partir daqui, que a cruz não foi um
incidente fortuito, mas o resultado de uma oposição prolongada, deliberada, ferina e
desleal.
O tema do discipulado é retomado uma vez mais num contexto de controvérsia. Os
fariseus criticam Jesus por Sua associação com ―pecadores‖ notórios. A resposta de
Jesus revela mais uma vez o pensamento subjacente ao Evangelho de Mateus - de quão
pouco dispostos estavam os judeus a saírem de sua concha teológica para aceitarem a
verdadeira religião apresentada pelo Messias, que buscava os pecadores para restaurá-
los à comunhão com Deus.
O incidente com os discípulos de João sobre o jejum traz à tona, mais uma vez, as
reivindicações messiânicas de Jesus. A ilustração do banquete nupcial usada por Jesus
aparece profeticamente no Antigo Testamento como uma prefiguração da Era
Messiânica (cf. Is 25.6; Mt 22.1-14; 25.19; 26.19). Indica, ainda, que as esperanças
messiânicas já eram uma realidade à luz da presença do Messias, de modo que a ênfase
não deveria mais cair sobre rituais que expressavam dor e expectativa, mas sobre um
relacionamento pessoal e jubiloso com o próprio Messias.
A seção seguinte contém três eventos que englobam quatro milagres (9.18-34) e traz
à luz o fato de que a oposição não era absoluta entre a liderança (9.18), que um rumor
messiânico a respeito de Jesus se espalhava por Israel (9.27), e que as autoridades
religiosas já haviam chegado a uma conclusão a respeito de Jesus, considerando-O
como um indivíduo controlado por Satanás. Essa seção demonstra ainda que o
necessário para partilhar das bênçãos do Messias não é uma grande fé, mas fé colocada
corretamente nEle.
A passagem final sobre discipulado (9.35-38) constitui uma dobradiça para a seção
seguinte, na qual os discípulos serão enviados para disseminar a mensagem do Reino. O
próprio Jesus já viajara pelas aldeias e vilas apresentando-se como Messias, e
encontrara uma nação extremamente necessitada, mas sem desejo de compromissar-se
com Ele, pois fora enganada e maltratada pelos seus líderes religiosos. Assim, Mateus
condena não tanto a nação, mas os seus líderes. A urgência da necessidade de Israel
move Jesus à compaixão, o que, por sua vez, motiva os discípulos à ação, ao serviço
como apóstolos do Messias - Seus representantes oficiais.
A comissão dos discípulos e o material discursivo a ela relacionado foram usados
aqui por Mateus para indicar que uma oferta bona fide legítima do Reino fora feita
exclusivamente à nação de Israel (10.1 - 11.1).16
Os versículos 10.1-4 registram a investidura dos discípulos à autoridade e ao
apostolado messiânico. A sua nomeação aos pares provavelemnte indica uma parceria
no ministério de anúncio do evangelho do Reino.
Os versículos 10.4-42 registram as instruções de Jesus a Seus representantes oficiais.
Ao contrário de Lucas, Mateus omite os resultados espetaculares de seu ministério,
concentrando-se na natureza de sua tarefa (10.5-16), em sua atitude no ministério
(10.18-39), e nas recompensas pela recepção de sua mensagem (10.40-42). No final
dessa seção Mateus coloca um marcador literário (um resumo da tarefa discipuladora de
Jesus, 11.1).
Os esforços dos discípulos deveriam limitar-se a Israel, pois a plena manifestação do
Reino era contingente à resposta da nação. A mensagem dos discípulos era preparatória
para tal manifestação, tal como haviam sido as mensagens de João e do próprio Jesus.
A dependência de Deus para o suprimento de suas necessidades devia ser a mesma
que tinha até então caracterizado o Filho do Homem (vv. 9-11). Seu julgamento contra
as cidades incrédulas serviria para sublinhar a rejeição final que resultaria quando a
nação como um todo recusasse receber a Jesus como Messias.
O tema subjacente da rejeição continuou a ser desenvolvido quando Jesus assegurou
a Seus discípulos que encontrariam oposição. Ele deixou claro, todavia, que receberiam
ajuda de Deus para testemunharem a respeito do Messias, mesmo quando todos os
homens rejeitassem o Rei e a mensagem do Reino. Essa seção transcende os eventos
históricos da época de Jesus e aguarda pleno cumprimento no futuro, quando uma vez
mais o Reino será proclamado a Israel como uma realidade que está ―às portas‖.

16
Esta é uma das muitas controvérsias quanto ao Reino entre amilenistas e pré-milenistas
dispensacionais. Os primeiros negam que tenha havido qualquer oferta de um Reino terreno e
político − que Jesus sempre prometeu um Reino que não é deste mundo. Os últimos afirmam
que houve uma oferta legítima de um Reino terreno, com base no conhecimento comum aos
judeus de que o Messias cumpriria as promessas da aliança davídica, e que este Reino tinha a
sua manifestação contingente ao seu recebimento por parte de Israel, o que não aconteceu.
Interessantemente, muitos que argumentam que tal oferta (cujo resultado Deus já sabia ser
negativo) não é legítima, defendem fervorosamente que a tentação de Jesus (cujo resultado
Deus já sabia ser negativo) foi legítima, sem levantarem suspeitas sobre a legitimidade da ação
divina nesse incidente.
Em face de tal oposição, o discípulo deve temer somente a Deus, não aos homens,
que podem apenas matar o corpo. O pensamento que está por trás dessa admoestação é
que verdadeiros discípulos suportam até a própria morte por amor a Cristo e Seu Reino.
Os discípulos deveriam se conscientizar também que a mensagem do Reino pode
eventualmente romper os relacionamentos mais íntimos, pois é altamente exclusiva,
exigindo dedicação e compromisso totais.
Por fim, os discípulos foram instruídos quanto ao significado da recepção de sua
mensagem. A igualdade velada entre Jesus e o Pai é a característica mais notável da
passagem. Mateus quer deixar claro a seus leitores que qualquer pessoa que recebesse a
mensagem do Reino se identificaria com o Deus que havia prometido o Reino a Israel.
Da mesma forma, seus leitores, ao confiarem em Jesus como o Messias, haviam
recebido as promessas de Deus e, por isso, o próprio Deus (10.40).
Mateus registrou a retomada do ministério de pregação de Jesus para indicar que as
cidades às quais os discípulos haviam ido como arautos do Reino foram visitadas por
Jesus com Sua oferta genuína do Reino. Assim, Israel ficou sem desculpa e não poderia
alegar ignorância ao rejeitar o Messias que por tanto tempo havia esperado.
IV. A oposição oficial ao Rei aumenta à medida que Suas
reivindicações se chocam com as tradições da liderança judaica (11.2 -
13.53).
Essa divisão maior do Evangelho de Mateus é crítica para a compreensão do
programa de Deus para o Reino. Mateus relata os incidentes de modo a demonstrar a
inescapável realidade da rejeição, mesmo que esta ainda não estivesse formalizada na
vida da nação. Seu outro propósito para essa divisão de seu livro era indicar que a
rejeição de Israel para com o Messias e Seu Reino não havia eliminado o programa
divino, embora tivesse ―causado‖ o seu ―adiamento‖. Um paralelo na história de Israel
pode nos ajudar a entender essa tensão entre a vontade soberana de Deus e a experiência
negativa do povo. Yahweh fizera uma oferta genuína ao povo na saída do Egito. ―Eu
lhes darei a terra que sob juramento prometi a seus pais‖. A oferta foi legítima, ainda
que 39 anos antes da conquista Deus já tivesse deixado claro que aquela geração não
entraria em Canaã. A conquista da terra, ainda que ―adiada‖ por causa da incredulidade
em Cades-Barnéia, não foi descartada por Deus, pois estava baseada em uma aliança
incondicional, outorgada por Yahweh a Abraão. O mesmo se pode dizer da geração
contemporânea a Jesus. A manifestação do Reino messiânico, ainda que ―adiada‖ por
causa da incredulidade do povo e de seus líderes, não foi descartada por Deus, pois
estava baseada em uma aliança incondicional, outorgada por Yahweh a Davi.
Mateus começa essa seção oferecendo evidências da oposição ao Rei (11.2-30). A
oposição se reflete primeiramente nas dúvidas do próprio Precursor (11.2-6). A prisão
de João Batista foi um rude golpe para o remanescente fiel em Israel. Certamente
homens violentos estavam tentando suprimir o Reino. As dúvidas de João Batista não
constituem motivo de espanto ou surpresa para o Rei. No entanto, ao ser questionado
quanto à sua messianidade, Jesus a afirmou categoricamente por meio de milagres
associados a profecias reconhecidamente messiânicas.
A seguir a oposição foi demonstrada na rejeição definitiva do precursor pela
liderança nacional (11.7-19). A apologia de Jesus a João é importante não apenas por
causa da grandeza atribuída ao Batista, mas primariamente porque afirma a contingência
da manifestação do Reino à resposta daquela geração – καί εἰ θέλεσε δέξαςθαι, αὐσορ
ἐςσιν Ἠλίαρ ὁ μέλλψν ἔπφεςθαι (kai ei thelete dexasthai, autos estin Ēlias ho mellōn
erchesthai, 11.14). A prótase (oração condicional) indica a real possibilidade de que
João pudesse ter cumprido plenamente o ministério prometido do Elias escatológico.
Prova ainda que a nação havia de fato rejeitado o Reino, uma vez que não tinha aberto o
coração nem para o grave reformador nem para o gracioso Redentor.
A seguir Mateus indica que a oposição se refletia na incredulidade das três cidades
impenitentes que haviam testemunhado os grandes milagres de Jesus mas não haviam
crido nEle como Messias. A maior tolerância prometida por Jesus àqueles que, no
passado, teriam se arrependido de seus hediondos pecados se tivessem recebido luz
comparável, aponta também para a oportunidade que seria estendida aos gentios depois
da consumação da rejeição israelita ao Messias (11.20-24).
A evidência final da oposição é a mudança ministerial de Jesus - deixando de lado
uma proclamação e uma oferta de âmbito nacional e passando a um convite de natureza
pessoal a que os desencantados e afadigados com as falsas promessas do judaísmo
viessem a Ele para encontrar verdadeira paz (11.25-30). Neste parágrafo, Jesus
reconheceu a soberania de Deus em Sua rejeição pela liderança e pela nação em geral.
Em flagrante contraste Ele agora apela a indivíduos que venham a Ele para encontrar
libertação dos fardos do sistema farisaico. Ele pode fazer isso, pois recebeu do Pai toda
autoridade. Aqui percebemos a mudança de ênfase do estabelecimento imediato do
Reino para a própria Pessoa do Rei.
A próxima seção nessa divisão lida com áreas diversas de oposição ao Rei (12.1-50).
A primeira confrontação narrada por Mateus diz respeito à quebra da tradição oral do
judaísmo (12.1-21). Dois incidentes revelam que Jesus definitivamente considerava
espúrio o zelo com que os fariseus guardavam o sábado. O Rei via pessoas e suas
necessidades como mais importantes que as tradições religiosas da liderança, e não
hesitou em quebrar estas últimas. Em Sua defesa Ele invoca dois precedentes - um deles
envolvendo o rei Davi, e o outro envolvendo o sacerdócio. Ao fazer isso, apontou
veladamente para Si e para Sua autoridade como o Rei-sacerdote de Israel!
A esta altura, a oposição já havia dado à luz sua filha, a rejeição definitiva, que
ganhava contornos claros. os líderes de Israel começam a fazer planos concretos de
eliminar Jesus.
A seguir, Mateus registra a oposição quanto à fonte do poder do Rei (12.22-34). Aqui
encontramos o âmago amargo da rejeição; confrontados com a realidade de um milagre
tríplice, os líderes de Israel categorizam Jesus como endemoninhado e capacitado pelo
próprio Satanás, ao passo que as multidões expressam dúvidas sobre Sua messianidade.
A forma em que Mateus registra a indagação das multidões revela essa mistura de
desejo e incredulidade (Μήσι οὗσορ ἐςσιν ὁ τἱορ Δατίδ, mēti houtos estin ho huios
dauid, 12.23).
A resposta de Jesus é acusar os líderes de darem mais crédito aos dúbios relatos de
exorcismo supostamente realizados pelos discípulos (―filhos‖) dos fariseus que ao óbvio
testemunho do Espírito sobre Sua messianidade; isso constituía um pecado imperdoável.
A rejeição de um Messias tão incontestavelmente aprovado confirmava, aos olhos de
Jesus e, por extensão, para os leitores de Mateus, a natureza corrompida daquela
geração.
A oposição é dirigida, a seguir, à natureza dos milagres do Rei (12.35-45). O
parágrafo indica que Israel já havia passado do ponto de não-retorno espiritual.
Hipocritamente, os líderes pedem um sinal (Lucas acrescenta aqui a expressão ςημεῖον
ἐξ οὐπανοῦ [sēmeion ex ouranou, ―um sinal vindo do céu‖, Lc 11.16], indicando que
queriam algo de natureza espetacular, que merecesse a sua fé). Tal sinal lhes é negado
por causa de sua recusa em aceitar o testemunho do Espírito por meio de João Batista e
de Jesus.17 O único sinal que lhes restava era o sinal de Jonas, que ilustrava a vindoura
ressurreição do Messias.
17
Esse áspero diálogo entre Jesus e a liderança reflete uma verdade presente em todo o
Novo Testamento, mas tristemente ignorada e até contradita por muitos evangélicos em
nossos dias. No Novo Testamento, pedir milagres não é prova de fé, mas de falta de fé. Paulo,
décadas depois de Jesus, enfrentou o mesmo problema entre os judeus (cf. 1Co 1.22).
Os ninivitas e a rainha do sul são apenas dois exemplos do recorrente tema da
preferência salvífica pelos gentios em lugar dos judeus devido à incredulidade destes. A
parábola do espírito imundo antecipa o terrível juízo que se abateria sobre a nação por
haver rejeitado o Rei prometido.
O incidente final da oposição nessa divisão é o mais desanimador de todos. Mesmo a
família do Rei o rejeita! Mateus inclui esse incidente aqui, pois ele claramente serve ao
seu propósito de delinear o programa do Reino na presente era. O Reino do Messias não
será povoado com base em relacionamentos naturais; ser judeu já não é o fator
determinante. A questão central é obedecer à vontade de Deus confiando em Jesus como
Messias.
À luz da rejeição corporativa da nação na pessoa de seus líderes, o Rei adaptou Sua
mensagem de modo a preparar Seus discípulos para as novas condições sob as quais o
programa divino do Reino iria operar (13.1-53). Esse capítulo é crucial no
desenvolvimento do argumento de Mateus. Daqui em diante as referências ao Reino
serão esparsas, ao passo que menções aos sofrimentos do Rei serão mais freqüentes e
mais próximas umas das outras.
A nação chegara a uma daquelas crises cíclicas em que sua incredulidade havia
fechado a porta da oportunidade e um endurecimento judicial se abatera sobre Israel. A
citação de Isaías 6.9-10 é usada para reforçar esse conceito. Para evitar o acúmulo de
culpa e condenação sobre Israel, Jesus abandona gradativamente seu ministério de
ensino público e aberto sobre a proximidade e os requisitos do Reino e adota um ensino
mais restrito em alcance e parabólico em natureza para apresentar uma nova fase do
programa divino para o Reino. Assim, ele vela a verdade aos incrédulos enquanto lança
luz adicional sobre aqueles que confiaram nEle.
O desvendamento parcial da nova fase do programa divino para o Reino é feito por
meio de parábolas, quatro delas pronunciadas perante a multidão junto ao mar, e quatro
pronunciadas para os discípulos, numa casa.
As parábolas são analisadas brevemente abaixo quanto ao seu assunto central e o
ensino que Cristo queria comunicar com cada uma delas. Depois disso, um quadro
resumo encerra nossa consideração sobre esta importante seção.
As parábolas de Mateus 13
PARÁBOLAS PRONUNCIADAS JUNTO AO MAR
1. Parábola dos solos (13.3-23).
Questão tratada: A falta de resposta de Israel à apresentação de Jesus como Messias.
Verdade central: A receptividade ao Messias determina a produtividade em prol do
Messias.
2. Parábola do joio e do trigo (13.24-30, 36-43).
Questão tratada: A coexistência de lealdades verdadeiras e falsas para com o Reino.
Verdade central: O Reino de Deus tem um rival no domínio fraudulento do Inimigo e a
distinção entre eles só será feita no eschaton.
3. Parábola do grão de mostarda (13.31-32).
Questão tratada: A probabilidade de crescimento para o Reino à luz da rejeição de
Israel.
Verdade central: Pequenos começos trarão notável progresso até que se chegue a uma
completude global.
4. Parábola do fermento (13.33-34).
Questão tratada: O processo de crescimento do Reino.
Verdade central: O Reino crescerá de maneiras sutis, com vitalidade e dinâmica internas
próprias.
PARÁBOLAS PRONUNCIADAS NA CASA
1. Parábola do tesouro escondido (13.44).
Questão tratada: Quão importante é o Reino para o israelita como indivíduo?
Verdade central: Filiar-se ao Reino é mais importante do que tudo que uma pessoa
possuir.
2. Parábola do comerciante de pérolas (13.45-46).
Questão tratada: Quão importante é o Reino para o israelita como indivíduo?
Verdade central: Filiar-se ao Reino é mais importante do que tudo que uma pessoa
possuir.
3. Parábola da rede (13.47-50).
Questão tratada: A extensão da proclamação do Reino e as normas que serão seguidas.
Verdade central: A proclamação do Reino é uma tarefa abrangente que produzirá
resultados mistos até que venha o juízo divino.
4. Parábola do dono da casa (13.51-52).
Questão tratada: Como é que discípulos conhecedores da verdade devem se comportar
no Reino?
Verdade central: O equilíbrio na vida do Reino vem de aplicar velhas e novas verdades
sobre o Reino.
Como o gráfico na página abaixo demonstra, as duas parábolas iniciais lidam com a
questão do estabelecimento do Reino; as duas seguintes lidam com seu crescimento no
mundo; a quinta e a sexta lidam com seu valor, e as duas últimas tratam das
responsabilidades dos discípulos no Reino.

Quadro resumo das parábolas de Mateus 13


Parábola Interpretação
Semeador A mensagem do Reino apresenta uma variedade de
(13.3-8, 18-23) resultados.
Haverá mistura de mal e bem durante o intervalo, com
Joio (13.24-30, 36-43)
uma separação escatológica definitiva.
Grão de Mostarda Crescimento muito rápido da mensagem do Reino; com
(13.31-32) todo tipo de gente sob sua esfera de influência.
Crescimento do elemento maligno no período do
Fermento (13.33)
intervalo até o fim desta era.
O supremo valor do Reino exige prioridade absoluta no
Tesouro (13.44)
coração dos que se defrontam com ele.
O supremo valor do Reino exige prioridade absoluta no
Pérola (13.45-46)
coração dos que se defrontam com ele.
Haverá uma mistura de bem e mal até que o juízo
Rede (13.47-50) anterior ao estabelecimento do Reino faça a separação
final.
Certa continuidade nas promessas e expectativas do
Dono da casa (13.52)
Reino; certa descontinuidade também.
2. QUADRO RESUMO DAS PARÁBOLAS DE MATEUS 13
Todas as parábolas refletem uma polêmica contra os judeus, que depois de rejeitarem
o Rei, continuavam a adotar um sistema religioso superado, em oposição à verdade. O
judaísmo foi representado pelo joio e pelos peixes ruins (cerimonialmente impróprios
para consumo), e coexistiria com a verdadeira manifestação do Reino até a implantação
definitiva deste sobre a terra.
Os leitores de Mateus são assim informados da nova fase que Deus iniciava em Seu
programa do Reino, e são informados também de que o discípulo capaz de absorver
novas verdades sobre o Reino se beneficiará tanto das esperanças messiânicas do Antigo
Testamento quanto das novas verdades sobre o Reino no panorama da história
apresentado pelo Rei.
V. Preparação para a rejeição
final do Rei (13.54 - 19.2).
Nessa divisão Mateus utiliza uma série de milagres e de reações a Jesus e Seu ensino
a fim de demonstrar tanto a intensificação da rejeição dos judeus a Ele quanto o
aprofundamento do Seu compromisso para com aqueles que O haviam recebido como
Messias, quer judeus ou gentios.
A primeira seção lida com a primeira retirada de Jesus (13.54 - 16.12). Sua rejeição
em Nazaré confronta o leitor com a típica incredulidade judaica e o alastramento da
rejeição (13.54-58).
A referência à reação de Herodes às notícias sobre Jesus é outro indício dado pelo
autor quanto à divindade do Messias, contrastando o judaísmo oficial - que afirmara que
Jesus era energizado por Satanás - com a opinião do ímpio rei Herodes Antipas, que
podia reconhecer o caráter sobrenatural dos milagres de Cristo, embora de maneira
confusa e contrária à verdade revelada (14.1-12).
Mesmo tendo sido desprezado pela nação, Jesus continua a revelar indícios de Sua
messianidade e de Seu amor por Israel. A primeira multiplicação dos pães mostrou
Cristo como um novo Moisés, capaz de suprir muito além das necessidades de Seu povo
(14.13-21).
O acalmar da tempestade foi um incidente dirigido especialmente aos doze
discípulos. Preparou-os para mais tarde tomarem posição quando à divindade de Jesus.
Ainda não houve aqui um pleno reconhecimento da divindade, mas este incidente teve,
sem dúvida, influência na posterior confissão de Pedro (14.22-33).
A descrição do ministério de Cristo em Genesaré (14.34-36) parece positiva a
princípio, uma vez que as multidões acorreram para ver Jesus. Na verdade, ela
simplesmente reflete a tendência verificada antes, de multidões acorrerem até onde
Jesus estava apenas para se beneficiarem de Seu ministério de curas, sem qualquer
interesse em Sua pessoa ou Seu programa.
O conflito aberto com a liderança irrompeu uma vez mais sobre a questão da tradição
oral (15.1-20). A esta altura, a oposição já havia ganho em intensidade, pois vinha
diretamente de Jerusalém. A chave do parágrafo, e talvez de toda a seção é a citação de
Isaías: ―Este povo me honra com seus lábios, mas o seu coração está longe de mim. Em
vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens‖ (15.8-9; cf. Is
29.13). Uma vez mais Jesus instou Seus seguidores a se desassociarem dos falsos
ensinos dos fariseus - insistindo numa justiça interior como fizera no Sermão do Monte.
O problema da contaminação, que Jesus definiu como um problema do coração, não
das mãos, é contrastado de maneira bela, pela narrativa da mulher siro-fenícia, que a
despeito de sua condição de cerimonialmente impura como gentia, não abriu mão de sua
oportunidade de exercitar fé no Messias (15.21-28), e pela reação do populacho gentio,
que glorificou o Deus de Israel (15.31).
A segunda multiplicação dos pães faz eco a essa bela resposta gentia, demonstrando
a maneira em que Jesus, como Messias, tem tanto a misericórdia quanto o poder para
estender Suas bênçãos a todo o mundo (15.21-39).
O fariseus, sempre presentes, agora se associam a seus arquiinimigos, os saduceus e
renovam seu ataque contra Jesus quando Ele retorna do território gentio, solicitando
dEle um sinal milagroso, vindo diretamente do céu, com a intenção de expo-lo ao
ridículo. Desta vez, todavia, Jesus já não tem paciência com sua hipocrisia e
incredulidade. Parte definitivamente (κασαλείπψ Kataleipō), deixando a elite religiosa
de Israel a sós com Sua acusação de adultério espiritual e incapacidade de perceber os
sinais dos tempos, que apontavam para Ele como o Messias prometido. A advertência
de Jesus a Seus discípulos, portanto, é contra o tipo de incredulidade disfarçada de
religiosidade, frequentemente demonstrada pelos escribas e fariseus (16.1-12).
Dentro do propósito do livro, a divisão seguinte (16.13 - 19.2) desempenha o
importante papel de apresentar instruções aos discípulos sobre a vida nesta nova fase do
programa divino para o Reino. Uma questão crucial para o assunto de como viver nas
circunstâncias causadas pela rejeição do Messias era uma compreensão correta de quem
realmente era Jesus de Nazaré. Mateus 16.13-17 revela o coração do Evangelho - o fato
de que Jesus é o Messias, o Filho de Deus. Ao contrário de declarações prévias, a
inferência direta da confissão de Pedro é a divindade do Messias.
A revelação sobre a pessoa do Rei leva à revelação sobre o Seu programa (16.18-26),
que serve ao propósito de explicar a necessidade da cruz. Nesta passagem encontramos
pela primeira vez o conceito de um intervalo até o pleno estabelecimento do Reino, à
medida que Jesus apresenta Sua ἐκκληςία [ekklēsia], a assembléia messiânica. Essa
ἐκκληςία desfrutaria a autoridade do Messias e acabaria por derrotar Satanás, vencendo
a morte. Como representante dos apóstolos, Pedro teria um papel preponderante em
trazer homens ao Reino durante o período em que seria povoado na nova fase do
programa divino.
É somente aqui (cf. σόσε ἤπξασο [tote ērxato]) que Jesus começa a confrontar os
discípulos com o fato de que o programa divino para o Reino incluía a morte e a
ressurreição do Rei. Não havia, entre os discípulos, uma noção clara de que o Reino
teria que ser oferecido com base na morte do Messias (cf. 1.21). Por isso Pedro se
apressa a contradizer as palavras de Jesus e recebe uma severa repreensão do Mestre
(16.21-23).
O aspecto aplicativo dessa verdade é que não cabe apenas a Jesus levar a cruz, mas
as exigências do discipulado incluem uma cruz para todos os que desejam segui-lo. Para
aqueles que o fizerem, o estabelecimento do Reino será um tempo de recompensa.
A seguir, Mateus acrescenta mais revelação sobre o Reino vindouro (16.28 - 17.13).
A transfiguração serviu como uma prévia do Reino vindouro, uma vez que Cristo
apareceu em Seu estado glorificado, com santos do Antigo Testamento. A declaração de
Jesus sobre uma vinda futura e uma vinda passada de Elias confirma o propósito de
Mateus de demonstrar que o Reino viera e fora rejeitado, mas que seria oferecido mais
uma vez no futuro.
A seção seguinte, que combina material narrativo e didático, esboça as prioridades do
Rei para Seus discípulos até a vinda do Reino. Os princípios aqui contidos incluem a
necessidade de fé (17.14-21), a necessidade de evitar ofensas aos descrentes por amor
ao Reino (17.22-27), a necessidade de humildade e de cuidado para com outros crentes
(18.1-14), a necessidade de disciplina na igreja (18.15-20), e a necessidade de perdão
entre os crentes (18.21-35).
O indicador literário em 19.1 indica que uma nova fase no ministério de Jesus estava
prestes a começar. Depois de terminar Suas instruções aos discípulos sobre a
comunidade de crentes, Jesus partiu para o sul a fim de enfrentar a consumação de Seu
ministério messiânico, que continuou a incluir a misericórdia aos carentes (19.2).
VI. A apresentação oficial e
a rejeição definitiva do Rei (19.3 - 25.46).
Enquanto Jesus viajava em direção ao sul para Jerusalém, usou incidentes ao longo
do caminho para ensinar a Seus discípulos certos princípios que afetariam suas vidas
como súditos do Reino, mas também se aplicavam às presentes condições de Israel em
sua rejeição ao Rei. O casamento deveria ser permanente, mas Israel havia rejeitado esta
verdade em favor de um divórcio fácil (19.3-9); o discipulado tem um alto custo em
vista de outras responsabilidades da vida, como o casamento (19.10-13); uma
humildade e confiança infantis deveriam substituir arrogância e autoconfiança baseadas
na raça como pré-requisitos para entrada no Reino (19.13-15).
A mais dramática dessas lições foi o encontro de Jesus com o jovem rico e piedoso,
que revela as duas coisas em que os israelitas mais confiavam para entrar no Reino -
justiça baseada em obras e riqueza - não podiam garantir salvação. A lição de Jesus aos
discípulos é que o compromisso da própria pessoa e das suas riquezas ―com o Reino‖ é
uma indicação melhor de um relacionamento correto com Deus. Esse tipo de auto-
negação será recompensado quando o Reino for estabelecido na terra (19.16 - 20.16).
O quarto anúncio da morte de Jesus é feito no contexto de uma disputa sobre o lugar
de honra no Reino. Ao apresentar o fato de que Sua morte será um resgate por muitos
(20.28), Jesus confronta o persistente desejo dos discípulos de receberem honra em
lugar de serviço, que era o padrão que o Messias exemplificara diante deles. As sete
profecias específicas de Jesus sobre Sua morte vindoura também sugerem que o plano
de Deus para o Reino não fora alterado pela rejeição israelita, e que a cruz não era um
acidente.
O último estágio da viagem de Jesus a Jerusalém contém uma narrativa que parece
incidental, mas que tem grande significado à luz dos eventos que se seguiram. Trata-se
de uma polêmica, pois Mateus apresenta dois cegos ―vendo‖ Jesus como o Filho de
Davi, um título claramente messiânico, enquanto os líderes da nação permanecem cegos
à incrível realidade.
Mateus 21.1-17 contém a apresentação oficial do Rei na cidade real. O conteúdo
obviamente messiânico dessa passagem não pode ser ignorado. Jesus se esforçou para
fazer Sua aparição tão próxima quanto possível da profecia de Zacarias 9.9, não com o
propósito de enganar o povo, mas de cumprir a Palavra da Deus a respeito dEle. O
versículo cinco é a chave de toda a passagem, uma vez que informa aos leitores as
expectativas básicas da multidão que acompanhava Jesus no caminho para Jerusalém.
Embora conhecesse parcialmente as reivindicações messiânicas de Jesus, a multidão
ainda está longe de compreender completamente Sua natureza e mensagem (21.1-11).
Seu conceito de um Rei é apenas o de Guerreiro-Libertador, não de um servo sofredor.
O primeiro e único ato de Jesus como ―Rei‖ é a segunda purificação do Templo, que
cria mais um choque entre Ele e os interesses escusos dos líderes religiosos. Enquanto
as crianças O louvam, os líderes reagem negativamente por se sentirem ameaçados por
Sua popularidade.
A seção seguinte teve o propósito de destacar a natureza definitiva e a mutualidade
da rejeição. Mateus 21.18-22, associado às parábolas de 21.28-32 e 21.33-46, demonstra
que a falta de resposta de Israel à revelação de Jesus causara ao povo escolhido a sua
rejeição como herdeiros imediatos do Reino.
O outro lado dessa mútua rejeição é a longa narrativa da rejeição da autoridade de
Cristo pelos líderes (cf. 21.23-27), autoridade que não podem negar mas se recusam a
aceitar como vinda de Deus. Cada uma das parábolas anteriores apresentava os líderes
religiosos como opositores da vontade de Deus revelada em Cristo. Os encontros que se
seguiram colocaram Cristo face a face com Seus adversários, a quem Ele silenciou ao
responder sabiamente às perguntas cujo propósito era fazê-lo cair numa cilada ético-
religiosa. A improvável associação de fariseus e herodianos falhou ao confrontar o
Mestre com a questão do tributo a César (22.15-22), ao passo que os cínicos saduceus
foram derrotados ao interrogarem Jesus sobre a ressurreição em que nem acreditavam
(22.22-33). As credenciais de Cristo como Rabi se demonstraram inatacáveis com Sua
resposta sobre o maior dos mandamentos (22.34-40). O resultado final dessas
confrontações foi a absoluta admiração das multidões com o ensino de Jesus, um
fenômeno semelhante ao observado depois do Sermão do Monte. Mateus registra esse
fato para uma vez mais chamar atenção à superioridade de Jesus sobre os líderes
religiosos de Israel.
O conflito sobre a autoridade de Cristo termina quando os líderes são forçados a
evitar o inevitável, o reconhecimento de Sua divindade (22.41-46). Completamente
cegos por sua incredulidade, uma vez mais eles tramam a morte de Jesus, ainda que
temendo a reação das multidões.
O capítulo 23 contém a seqüência à rejeição do Rei pela nação. Isso já fora antevisto
no incidente da figueira infrutífera, mas aqui a questão é tratada mais claramente. O Rei
rejeitado agora rejeita a nação.
Em Sua acusação, Jesus dá importância primordial à Lei que viera cumprir. A
acusação básica contra os líderes religiosos era sua hipocrisia, seu fingimento de seguir
a Lei enquanto ignoravam completamente seu ingrediente básico - o amor ao próximo.
O peso da condenação de gerações anteriores seria lançado sobre aquela geração
hipócrita que, ao rejeitar o Rei, dava sua aprovação ao juízo contra aqueles que haviam
assassinado os profetas da antiguidade (23.29-36).
Apesar dessa acusação aos líderes, toda a nação será culpada de rejeitar o Messias,
conforme indicado pelo lamento sobre Jerusalém (23.37-39). Mateus relata esse
incidente aqui, fora de sua seqüência cronológica (cf. Lc 13.34), para indicar a realidade
de uma nova oferta futura do Reino a Israel. Um dia, gritos de Hosana! voltarão a ser
ouvidos em Jerusalém.
A próxima seção contém o último discurso de Jesus no evangelho de Mateus. É bem
apropriado que, à luz de Israel ter sido rejeitado pelo Rei, Ele instruísse Seus discípulos
sobre o que esperar no futuro, tendo em vista especialmente a reabilitação de Israel (cf.
23.39).
O discurso em si é uma resposta a duas perguntas formuladas pelos discípulos.
―Quando acontecerão essas coisas?‖, isto é, o juízo sobre Jerusalém e a destruição do
Templo (cf. 23.35-38; 24.4-28), e ―Qual será o sinal da tua vinda e do fim dos tempos?‖
A primeira sub-seção (24.4-28) deixa claro que a destruição de Jerusalém não será o
fim.18 Jesus a seguir responde à segunda pergunta (Lucas registrou Sua resposta à
primeira pergunta). Para os discípulos, o tempo do fim será um período de perseguição,
mas também de produtividade enquanto levam o evangelho do Reino a todo o mundo.
Será o tempo da abominação da desolação e a era áurea dos falsos messias. Jesus os
adverte, todavia, de que não será possível ignorar a Sua vinda, apesar do enxame de
falsos profetas que se abaterá sobre Israel (24.27-28).
Em vista de seu propósito de informar os cristãos sobre o programa para o Reino,
Mateus registra a advertência de Jesus quanto à diferença entre Sua aparição e a dos
falsos messias. Sua vinda será algo tão tremendo que pessoa alguma será capaz de
ignorar. Ela acontecerá depois de um período de tribulação que culminará com a reunião
dos eleitos em Israel.
A preocupação de Jesus com a atitude adequada dos Seus discípulos leva-O a ilustrar
a necessidade de vigilância com cinco parábolas. A implicação é que eles não devem
viver despreparados como Israel estivera quando de Sua primeira vinda. Ao passo que a
primeira parábola (a da figueira, 24.32-35) fala da iminência da vinda do Rei à luz dos
eventos da tribulação, todas as outras parábolas implicam uma demora no Reino, de
acordo com o propósito do livro. A falta de preparo generalizada que caracterizara a
geração de Noé deveria ser substituída por uma atitude de alerta (24.42-44), serviço fiel
(24.45-51), prontidão (25.1-13), e diligência no uso do que o Messias confiara a cada
um de Seus discípulos (25.14-30).
A última subdivisão do Sermão Profético lida com o julgamento das nações (25.31-
46), e ocupa nêle uma posição de climax,, uma vez que se trata do prelúdio do
estabelecimento do Reino adiado. Jesus estabelece uma correlação entre a vida eterna e
o Reino (v. 46), e oferece uma indicação de que tal Reino era o ideal de Deus para a
humanidade desde a fundação do mundo. A questão tratada na passagem é quem, dentre
os gentios, será aprovado para entrar no Reino para o qual os israelitas eleitos já tinham
18
Os eventos descritos por Jesus neste capítulo são paralelos próximos da ordem de
eventos em Apocalipse 6, apresentando assim uma visão unificada da Grande Tribulação.
Seções posteriores nesses dois capítulos têm paralelos nos juízos escatológicos preditos em
Ezequiel 20 [Israel] e Joel 3 [nações].
sido reunidos (os que foram deixados em 24.31, 40-41, a passagem que antecede
tematicamente a 25.31-46).
A conclusão deste discurso é dramática, à medida que Jesus passa do limiar do Reino
à chocante realidade de Sua crucificação iminente. No entanto, o primeiro é
inteiramente dependente da última, e Mateus descreve Jesus como Aquele que enfrentou
a morte com uma sensação de propósito e destino (26.1-2).
VII. A crucificação e a ressurreição do Rei (26.3 - 28.20).
À medida que Mateus começa a descrever os eventos relacionados à morte de Jesus
Cristo, ele cria um verdadeiro estudo em contrastes para seus leitores, antepondo às
sinistras maquinações dos líderes judeus e Judas Iscariotes o serviço sincero e a
adoração da mulher em Betânia e do proprietário da casa em que a última Páscoa seria
celebrada (26.3-19).
O publicano-que-virou-Apóstolo descreve a Páscoa de modo a indicar claramente
que Jesus conhecia e controlava cada situação ligada à Sua morte, inclusive a traição de
Judas e as negações de Pedro (26.20-35). O versículo 27 indica que outros ainda viriam
a ser beneficiários da Nova Aliança até que o Reino fosse finalmente estabelecido.
Jesus aparece como um servo plenamente submisso à vontade de Deus (26.36-46).
Depois de orar, Jesus está pronto a enfrentar Seu destino, a cruz.
A prisão e o julgamento de Jesus foram descritos por Mateus de modo a sugerir que
mesmo na hora mais escura o Rei manteve Sua incomparável majestade e dignidade,
enquanto que, por outro lado, Seus vários julgamentos ilegítimos servem apenas para
ressaltar Sua absoluta inocência (26.47 - 27.26). A decisão final quanto a Jesus já fora
tomada muito antes do julgamento, e não precisava de provas adicionais para receber
sua sanção legal.

1. Perante Anás João 18.12-14


2. Perante Caifás Mateus 26.57-68
3. Perante o Sinédrio Mateus 27.1-2
4. Perante Pôncio Pilatos João 18.28-38
5. Perante Herodes Antipas Lucas 23.6-12
6. Perante Pôncio Pilatos João 18.39 - 19.6
3. ORDEM CRONOLÓGICA DOS JULGAMENTOS
Uma tremenda polêmica, que segue a linha do tema do Evangelho de Mateus, é que
as duas acusações contra Jesus convergem para formar o propósito do primeiro
evangelho - que Jesus era o Messias, o Filho de Deus, o Rei de Israel (26.63; 27.11, 37).
Mateus dá seqüência ao seu estudo em contrastes apresentando as diferentes reações
de Pedro e Judas aos eventos que se seguiram ao Getsêmani (26.69–27.10). A negação
covarde, seguida de arrependimento, deu lugar à recuperação. A traição cínica, seguida
de remorso, levou à ruína. Com isso, Mateus sugere que ainda há esperança para judeus
como indivíduos, a despeito da rejeição nacional, que atinge sua hora mais crítica
quando a nação grita em favor de um criminoso condenado e pede a crucificação do
verdadeiro Rei de Israel (27.11-26).
A apologética de Mateus em favor da messianidadde de Jesus é fortalecida por
alusões ao Antigo Testamento (veja quadro número 4) com respeito à Sua crucificação
(27.27-50). Ele também enfatiza que a morte de Jesus foi voluntária, implicando que a
autoridade de Jesus se estendia além da morte.

Ref. no AT Evento descrito Passagem no NT


27.26 Jesus é açoitado Isaías 53.5
27.34 Recebe fel para beber Salmo 69.21
27.35 Sortes são lançadas por suas roupas Salmo 22.18
27.38 Esteve com os criminosos em Sua morte Isaías 53.12
27.43 Zombam dele por Sua fé em Deus Salmo 22.8
27.46 Pede auxílio divino Salmo 22.1
27.48 Recebe vinagre para beber Salmo 69.21
27.59 Esteve com o rico em Seu sepultamento Isaías 53.9
4. REFERÊNCIAS AO AT NA CRUCIFICAÇÃO DE JESUS
Outro forte elemento apologético se acha nos eventos sobrenaturais ligados à morte
de Cristo (27.51-56). O rasgo do véu do Templo indicava a ab-rogação do sistema
religioso judaico. O tremendo poder da redenção de Cristo foi demonstrado na
ressurreição de judeus piedosos. A última alfinetada apologética de Mateus contra os
líderes judeus é a ênfase na aceitação de Jesus pelos gentios, demonstrada pelo
reconhecimento de Jesus pelo centurião (27.54), em contraste com a zombaria dos
judeus contra o Rei.
Há uma alusão sutil à profecia de Isaías sobre o Servo Sofredor na narrativa do
sepultamento de Jesus (27.57-66). Quanto às exigências dos judeus a Pilatos, Mateus as
usa como mais uma afirmação do glorioso poder o Messias sobre a morte; os líderes
judeus temiam a própria verdade que haviam rejeitado!
O ponto culminante da carreira messiânica de Jesus aparece em 28.1-20. Aqui
Mateus registrou Sua suprema demonstração de divindade e poder, pois Sua promessa
de ressurreição, muitas vezes mal compreendida, se cumpriu e foi proclamada por um
anjo a duas mulheres, às quais Jesus posteriormente apareceu (28.1-10). A maneira
casual em que Mateus usa duas mulheres como as primeiras testemunhas da
ressurreição revela a autenticidade da narrativa, uma vez que um documento forjado
sem dúvida usaria um testemunho legalmente mais forte (o testemunho de mulheres não
era aceito em tribunais israelitas). Trata-se também do último toque da apologética de
Mateus contra a rejeição israelita, pois ele aponta a farsa engendrada pela liderança na
tentativa fútil de escapar à inescapável realidade da ressurreição (28.11-15).
O último parágrafo do livro (28.16-20) deve ser comparado em primeiro lugar ao
capítulo 10, para a que a mudança seja vista em toda a sua magnitude. Ali (cap. 10),
Cristo, o Filho de Davi, delegou Seu poder para a evangelização de Israel. Aqui, Cristo,
o Filho de Abraão, delega Sua autoridade para a evangelização do mundo.
Em segundo lugar, deve ser comparado ao capítulo 16.17-26, na medida em que
28.18-20 oferece a função e o propósito da Igreja, ou seja, testemunhar a homens de
todas as nações e fazer deles discípulos, ensinando-lhes a obedecerem a Cristo.
A presença e a provisão de Cristo até o fim do tempos sugerem mais que
simplesmente o fim do mundo. À luz do sermão profético, aponta para o
estabelecimento do Reino, do qual a Igreja também participará.
ESBOÇO SINTÉTICO
Mensagem
A rejeição do Rei dos judeus estende as bênçãos do Reino prometido a todas as
nações na expectativa de seu estabelecimento definitivo.
I. O Rei é apresentado à nação como o cumprimento das mais altas esperanças de Israel (1.1
- 4.25).
A. O nascimento e a primeira infância de Jesus indicam a legitimidade de Suas
reivindicações de messianidade e governo em Israel (1.1 - 2.23).
1. A genealogia de Jesus aponta para Sua legítima reivindicação ao trono como descendente
de Abraão e Davi, cumpridor das três alianças fundamentais – abraâmica, davídica e
nova (1.1-17).
2. O nascimento incomum de Jesus aponta para Sua natureza divina e Sua missão salvadora
(1.18-25).
3. A chegada do Rei produz reações contrastantes de antagonismo pelos judeus e adoração
pelos gentios (2.1-12).
4. A oposição de Herodes, o Grande, a Jesus e a fuga de Sua família para o Egito
recapitulam o traço de oposição ao plano de Deus na história de Israel (2.13-18).
5. A fixação da família de Jesus em Nazaré prepara o caminho para o desprezo que Israel
eventualmente devotaria ao Rei (2.19-23).
B. A preparação de Jesus para Seu ministério público envolveu Sua anunciação ao povo
pelo precursor, Sua aprovação pelo Pai, e um ataque pelo inimigo - todos voltados para
expressar Sua qualificação para a tarefa messiânica (3.1 - 4.11).
1. O ministério de João Batista, o precursor prometido, anunciava a aparição do Messias e
convocava a nação ao arrependimento como preparação para o Reino (3.1-12).
2. O batismo de Jesus O identificou como Aquele que fora aprovado por Deus e ungido
pelo Espírito para a tarefa messiânica (3.13-17).
3. A tentação no deserto demonstrou as qualificações morais de Jesus para ser o Messias
redentor, capaz de vencer os ataques de Satanás com base na Palavra da Deus (4.1-11).
C. O surgimento de Jesus como um rabi itinerante sugere Seu papel messiânico por Sua
localização, Sua mensagem, e por Seu poder de atrair seguidores e curar os enfermos
(4.12-25).
1. A localização do ministério inicial de Jesus aponta para Sua missão messiânica (4.12-16).
2. A mensagem do ministério inicial de Jesus aponta para Sua auto-consciência messiânica
(4.17).
3. O poder que a mensagem de Jesus tinha de atrair seguidores e curar os enfermos aponta
para Sua messianidade (4.18-25).
II. O Rei proclama Sua mensagem autorizada à nação - Acesso ao Reino depende de uma
verdadeira justiça interior baseada na fé no Rei, expressa por obediência à Sua palavra
(5.1 - 7.29).
A. Os verdadeiros súditos do Reino desfrutarão das bênçãos prometidas do Reino à medida
que desempenham seu papel vital na sociedade pré-Reino (5.1-16).
1. Os verdadeiros súditos do Reino, que demonstram o caráter justo do Rei, serão
recompensados de acordo com a Palavra de Deus no Reino vindouro (5.1-12).
• Os humildes entrarão no Reino (5.1-3; cf. Is 57.15; 66.2; Sl 51.17).
• Os verdadeiros lamentadores serão consolados (5.4; cf. Is 61.2-3; Zc 12.10-14).
• Os mansos herdarão a terra (5.5; cf. Sl 37.11; Is 29.18-20).
• Os que anseiam por justiça serão satisfeitos (5.6; cf. Is 55.1; 66.1-2).
• Os misericordiosos receberão misericórdia (5.7; cf. Sl 18.25).
• Os puros de coração verão a Deus (5.8; cf. Sl 15.2-3; 24.3-5).
• Os pacificadores desfrutarão da paz do Reino (5.9; cf. Is 32.17-18).
• Os que forem perseguidos por amor ao Reino receberão pleno galardão (5.10-12; cf. Dn
7.25-27).
2. Os verdadeiros súditos do Reino agirão na sociedade como motivadores de uma ânsia
pela manifestação do Reino (5.13-16).
B. A justiça exigida para entrada no Reino é de acordo com a Lei divina, mas se encontra na
obediência de coração ao espírito da Lei, não numa pretensa conformidade externa à
letra da Lei (5.17 - 7.12).
1. Os requisitos éticos do Rei não estão em contradição com a Lei, oferecendo, isto sim, seu
verdadeiro cumprimento (5.17-20).
2. A justiça do Reino é exemplificada pela interpretação que o Rei oferece de seis princípios
da Lei, em contraste com tradições judaicas a seu respeito (5.21-48).
• O homicídio acontece quando o coração abriga o ódio deliberadamente (5.21-26).
• O adultério acontece quando os olhos disparam a cobiça no coração (5.27-30).
• O casamento não é um contrato que termina com uma carta de divórcio, mas um
compromisso de buscar o bem do cônjuge em lugar de expô-lo ao mal (5.31-32).
• A veracidade não é questão de quão solenes sejam os votos, mas de coerência entre as
ações e as palavras do indivíduo (5.33-37).
• Mansidão não é questão de obedecer à lex talionis, mas de abrir mão de direitos pessoais
[dependendo da ação de Deus] (5.38-42).
• O amor não é um sentimento limitado aos que o reciprocam, mas um dever a ser estendido
até os inimigos (5.43-48).
3. A justiça do Reino é aplicada à vida cotidiana em contraste a práticas judaicas vigentes
(6.1 - 7.12).
• Atividades religiosas não devem ser praticadas de maneira autocongratulatória, mas de
modo discreto, de modo a receber a recompensa que realmente importa (6.1-18).
• Recursos não devem ser acumulados mas consagrados a Deus, que pode suprir as
verdadeiras necessidades daqueles cuja primeira preocupação é Seu Reino (6.19-34).
• Relacionamentos devem ser governados por dependência em Deus como juiz e provedor,
que capacitará o indivíduo a tratar e avaliar corretamente outras pessoas (7.1-12).
C. A justiça do Reino deveria ser a primeira prioridade para aqueles que aspiram a uma
vida sob a autoridade messiânica de Jesus (7.13-27).
1. A Ilustração dos dois caminhos – A lealdade não deveria ser determinada pelo número de
pessoas que seguem pelo caminho proposto para a vida, pois o caminho do Messias não
será favorecido pelas multidões (7.13-14).
2. A Ilustração das duas árvores - A lealdade não deveria ser medida em termos de um
condicionamento verbal às circunstâncias, mas de conformidade prática à vontade de
Deus (7.15-23).
3. A Ilustração das duas casas – A lealdade não é questão de conscientização intelectual do
Reino [que não pode impedir a ruína], mas de sua apropriação interior [que conduz à
recompensa] (7.24-27).
D. A autoridade inerente ao ensino do Rei atrai as multidões (7.28-29).
III. O Rei atesta Sua mensagem e Sua chamada ao discipulado com demonstrações de Seu
divino poder (8.1 - 11.1).
A. A autoridade messiânica de Jesus e Sua chamada ao discipulado são apoiadas por três
séries de milagres (8.1 - 9.38).
1. A autoridade messiânica de Jesus é demonstrada por três milagres de cura (8.1-17).
• A cura do leproso revela o poder incomum de Jesus, bem como Sua compaixão e Sua
obediência à Lei como um testemunho ao establishment religioso (8.1-4).
• A cura do servo do centurião revela a importância da fé em Cristo para o desfrute das
bênçãos liberadas por Seu poder messiânico (8.5-13).
• A cura da sogra de Pedro e de muitos outros revela a compaixão de Jesus e a natureza
messiânica de seu ministério de cura, que será plenamente consumado no Reino (8.14-
17).
2. Jesus confronta Seus seguidores em potencial com os requisitos do discipulado (8.18-22).
• Um discípulo messiânico deve compromissar-se a ponto de abrir mão de seu conforto
(8.18-20).
• Um discípulo messiânico deve compromissar-se sem quaisquer reservas ou transigências
(8.21-22).
3. A autoridade messiânica de Jesus é demonstrada por três milagres de poder (8.23 - 9.8).
• O acalmar da tempestade aponta para as prerrogativas divinas de Jesus como Messias
(8.23-27).
• O exorcismo dos endemoninhados revela o poder divino de Jesus, que é reconhecido até
pelos demônios, apesar de rejeitado pelos gergesenos (8.28-34).
• A cura do paralítico revela a divindade de Jesus apesar de rejeição deliberada de tal idéia
pela liderança religiosa (9.1-8).
4. Jesus apresenta a natureza distinta do discipulado messiânico (9.9-17).
• O discipulado é para aqueles que se consideram necessitados da ajuda do Messias,
conforme ilustrado por Mateus, o publicano (9.9-13).
• O discipulado representa uma ruptura radical com a antiga confiança na tradição humana
em favor de lealdade exclusiva ao Messias (9.14-17).
5. A autoridade messiânica de Jesus é demonstrada por quatro milagres [três eventos] de
restauração (9.18-34).
• A cura da mulher hemorrágica e a ressurreição da filha de Jairo revelam o poder de Jesus
sobre a vida [sangue] e a morte (9.18-26).
• A restauração da vista aos cegos revela o poder que Jesus tem de recompensar a fé nEle
(9.27-31).
• A cura da surdez causada por demônios revela o poder inigualável de Jesus e a crescente
incredulidade dos líderes judeus (9.32-34).
6. Jesus confronta os discípulos com a necessidade que tinham de compaixão pelas massas
desvalidas de Israel (9.35-38).
B. A comissão dos discípulos como representantes messiânicos
enviados exclusivamente à casa de Israel indica que Jesus fez uma oferta legítima do
Reino à nação (10.1 - 11.1).
1. A investidura dos discípulos pelo Rei deu a eles autoridade apostólica (10.1-4).
2. As instruções aos discipulos definem o escopo de sua missão, o assunto de sua
mensagem, os sinais de seu apostolado messiânico, e os símbolos de sua resposta
mediatória a seus ouvintes (10.5-16).
3. Os impedimentos à missão dos discípulos seriam a reação humana à sua mensagem e seu
próprio desejo de se protegerem dos riscos inerentes à sua tarefa (10.17-39).
4. O incentivo aos discípulos era a promessa de que alguns receberiam a eles e à sua
mensagem, recebendo assim a recompensa prometida pelo Rei (10.40-42).
5. Um resumo do ministério de Jesus é fornecido (11.1).
IV. O Rei enfrenta crescente oposição da liderança judaica à medida que Suas exigências
contrariam as tradições religiosas (11.2 - 13.53).
A. A oposição se manifesta primeiro nas dúvidas do Precursor quanto ao caráter e à missão
de Jesus, os quais Ele confirma prontamente por meio de milagres messiânicos (11.2-6).
B. A oposição se reflete a seguir na maneira ilógica em que a nação nega tanto o severo
pregador do deserto quanto o sociável rabi da Galiléia (11.7-19).
1. A atitude da nação para com João Batista estava errada (11.7-8).
2. A avaliação que a nação fizera de João Batista e sua missão estava errada (11.9-15).
3. A reação de Israel ao ministério conjunto do Rei e Seu Precursor era errada e ilógica
(11.16-19).
C. A oposição por incredulidade nacional é contrastada com a confiante recepção individual
da oferta de descanso [vida do Reino] pelo Messias (11.20-30).
1. A oposição pela incredulidade é lamentável à luz das muitas provas oferecidas, que
tornarão o juízo severo e inevitável (11.20-24).
2. A recepção confiante será recompensada com o conhecimento de Deus e o descanso para
a alma (11.25-30).
D. A oposição progride até se tornar rejeição aberta quando a demonstração da autoridade
do Rei gera tramas assassinos e acusações destrutivas contra Ele pela liderança nacional
(12.1-45).
1. O Rei condena o zelo espúrio com que os fariseus observavam o sábado (12.1-14).
• O zelo dos fariseus pela tradição do sábado é contrastado com seu descaso para com a
necessidade humana (12.1-8).
• O zelo dos fariseus pela tradição do sábado é contrastado com sua insensibilidade para
com o sofrimento humano (12.9-14).
2. O Rei se afasta do debate e ministra às necessidades das pessoas, de acordo com a
profecia de Isaías (12.15-21).
3. A oposição da liderança a Jesus é refletida na controvérsia sobre a origem dos sinais que
Ele realizava (12.22-45).
• A ocasião desta controvérsia são as especulações messiânicas do povo causadas pelo
tríplice milagre da cura de um endemoninhado cego e mudo (12.22-23).
• A oposição dos líderes a Jesus, quando confrontados com Seu tríplice milagre, levou à
maldosa acusação de que Seu poder derivava de Satanás (12.24).
• A resposta de Jesus foi uma denúncia da incoerência dos líderes e uma advertência contra
a rejeição do testemunho do Espírito Santo sobre Sua pessoa por meio de Seus milagres
(12.25-37).
4. A oposição da liderança a Jesus se intensifica na controvérsia sobre o sinal que
solicitaram (12.38-45).
• O cínico pedido da liderança foi por um sinal cataclísmico que tinha como objetivo
desacreditar Jesus (12.38).
• A resposta de Jesus foi uma condenação de sua hipocrisia e incredulidade, contrastadas
com respostas históricas de fé por parte de gentios (12.39-42).
• A advertência de Jesus à nação é que sua presente incredulidade levaria a uma situação
espiritual ainda pior que a anterior [à manifestação do Messias] (12.43-45).
• A advertência adicional de Jesus às multidões é que somente a lealdade exclusiva a Deus
por meio dEle, não os laços de sangue, poderia garantir participação no Reino (12.46-
50).
B. A oposição proporciona uma mudança na revelação do programa de Deus para o Reino -
passando de proclamação aberta à nação para o ensino particular dos discípulos (13.1-
53).
1. A parábola dos solos retrata a resposta variada de Israel ao Rei e a necessidade de receber
Sua mensagem para produzir fruto no Reino (13.1-23).
• A parábola é apresentada (13.1-9).
• O propósito das parábolas é apresentado - confirmar Israel em sua rejeição e instruir os
discípulos (13.10-17).
• A parábola é explicada aos discípulos (13.18-23).
2. A parábola do trigo e do joio retrata a rivalidade entre o verdadeiro Reino e um Reino
falso até o juízo escatológico (13.24-30, 36-43).
3. A parábola do grão de mostarda explica como o Reino crescerá até atingir proporções
universais apesar de seu humilde começo devido à rejeição de Israel (13.31-32).
4. A parábola do fermento explica como o Reino crescerá dinamicamente, mas sem
grandiosidade exterior (13.33-34).
5. A parábola do tesouro escondido indica quanto valor o israelita deveria dar ao Reino
(13.44).
6. A parábola do mercador de pérolas indica quanto valor o israelita deveria dar ao Reino
(13.45-46).
7. A parábola da rede indica que a proclamação do Reino produzirá resultados mistos até o
juízo escatológico (13.47-50).
8. A parábola do sábio dono da casa indica o tipo de comportamento que os discípulos
deveriam ter em sua vivência do Reino - aplicar verdades antigas e novas sobre o Reino
(13.51-52).
V. A atenção do Rei se volta para a preparação de Seus representantes autorizados (13.54 -
19.2).
A. Uma razão para a mudança da proclamação pública para a retirada e a instrução
particular foi a rejeição do Rei em Nazaré com escárnio e incredulidade (13.54-58).
B. Outra razão para a mudança da proclamação pública para a retirada e a instrução
particular foi a ameaça de Herodes Antipas, que tinha executado João Batista a despeito
de sua admiração pelo Precursor (14.1-12).
C. A preparação dos discípulos acontece por meio de milagres que revelam a compaixão, o
poder e a divindade do Rei (14.13-36).
1. A primeira multiplicação dos pães revela o poder e a compaixão de Jesus para com um
povo desvalido (14.13-21).
2. O acalmar da tempestade revela aos discípulos a divindade de Cristo e a necessidade de
fé inabalável nEle (14.22-33).
3. O ministério em Genesaré revela o poder de Jesus e Sua compaixão por pessoas que O
procuravam apenas pelo que poderiam obter dEle (14.34-36).
D. A preparação dos discípulos acontece pela denúncia do falso sistema de justiça e pureza
utilizado pelos fariseus (15.1-20).
1. A questão da purificação externa foi uma fachada para acusação contra Jesus por oficiais
vindos de Jerusalém (15.1-2).
2. A resposta de Jesus revela a natureza do problema de Israel - abandonar a Palavra de
Deus em favor das tradições humanas, conforme denunciado pelos profetas (15.3-9).
3. A natureza da verdadeira contaminação e da verdadeira pureza perante Deus é explicada
à multidão e depois aos discípulos (15.10-20).
E. A preparação dos discípulos acontece pelo prolífico ministério entre os gentios, num
contraste marcante com a falta de resposta positiva em Israel (15.21-39).
1. A cura da filha da cananita retrata o triunfo da fé sobre a contaminação cerimonial
(15.21-28).
2. As curas e a segunda multiplicação dos pães provocam louvor ao Deus de Israel pela
extensão das bênçãos messiânicas aos gentios (15.29-39).
F. A preparação dos discípulos acontece pela denúncia da hipocrisia dos fariseus ao
pedirem sinais, desprezando a evidência já disponível (16.1-12).
1. O pedido dos fariseus por um sinal do céu é confrontado por Jesus com um sinal
oferecido pelos céus como uma denúncia da hipocrisia dos líderes (16.1-4).
2. A instrução dos discípulos é que creiam no poder da palavra de Cristo e não se tornem
hipócritas caçadores de sinais (16.5-12).
G. A preparação dos discípulos acontece pelas revelações sobre a pessoa do Rei e Seu
futuro programa (16.13 - 19.2).
1. O Rei oferece revelação sobre Sua pessoa e Seu programa (16.13-28).
• A pergunta sobre a identidade de Jesus é respondida por Pedro por meio de uma revelação
vinda de Deus - Jesus é o Messias divino (16.13-17).
• A revelação do programa do Rei inclui a criação de Sua εκκλεςία ekklēsia e a necessidade
de Sua morte e ressurreição (16.18-23).
• A revelação do programa do Rei inclui a exigência de entrega de vida pelo discípulo
(16.24-28).
2. A preparação dos discípulos acontece por meio da revelação da glória divina do Messias
e da Sua aprovação perante testemunhas escolhidas (17.1-13).
• A transfiguração revela a aprovação divina ao Messias e o Seu cumprimento da Lei e dos
profetas (17.1-5).
• A transfiguração proporcionou confirmação da necessidade da cruz no plano de Deus,
conforme indicado pela rejeição a João Batista (17.6-13).
3. A preparação dos discípulos acontece por meio de milagres e ensinos que esboçam as
prioridades do Rei para Seus seguidores (17.14 - 19.2).
• A necessidade de fé é demonstrada pela cura de um menino endemoninhado (17.14-21).
• A realidade da crucificação do Rei é destacada mais uma vez (17.22-23).
• A necessidade de evitar escândalo aos incrédulos por amor ao Reino é demonstrada pela
provisão miraculosa para o tributo do Templo (17.24-27).
• A necessidade de humildade é demonstrada pelo ensino de Cristo quanto à preocupação
dos discípulos com a prioridade no Reino (18.1-6).
• A necessidade de cuidado para com outras pessoas, tanto dentro quanto fora do Reino, é
demonstrada pelo ensino sobre os tropeços (18.7-14).
• A necessidade de disciplina é demonstrada pelo ensino sobre como lidar com o pecado na
ekklēsia (18.15-20).
• A necessidade de perdão mútuo é demonstrada pela parábola do credor incompassivo
(18.21-35).
• A necessidade de compaixão mesmo em face da incredulidade é ilustrada pelo ministério
de Cristo a caminho de Jerusalém (19.1-2).
VI. O Rei instrui Seus discípulos e anuncia ao povo Sua pessoa e Seu programa profético à
luz da Sua rejeição definitiva por Israel (19.3 - 25.46).
A. As instruções aos discípulos a caminho de Jerusalém preparam-nos para um discipulado
leal em face da rejeição e crucificação do Messias por Israel (19.3 - 20.28).
1. A instrução aos discípulos quanto ao casamento é que o considerem como permanente
em contraste com o divórcio fácil praticado em Israel (19.3-12).
2. A instrução aos discípulos quanto aos pré-requisitos para entrada no Reino é que
valorizem a humildade e a confiança infantis em vez de arrogância racial e
autoconfiança (19.13-15).
3. A instrução aos discípulos quanto à admissão no Reino é não confiarem em riquezas e
justiça à base de obras (19.16-26).
4. Os discípulos são instruídos quanto às abundantes recompensas no Reino para a
autonegação (19.27 - 20.16).
• O princípio é estabelecido (19.27-30).
• A parábola dos trabalhadores ilustra o princípio da graciosa recompensa no Reino (20.1-
16).
5. A instrução aos discípulos quanto à honra definitiva é que ela vem por meio de um
serviço fiel até à morte, seguindo o exemplo de Jesus (20.17-28).
B. Transição – A tragédia de Israel se manifesta no fato de cegos serem capazes de
identificar Jesus como o compassivo Filho de Davi, enquanto a nação O ignora ou O
rejeita (20.29-34).
C. A apresentação oficial do Rei em Jerusalém resulta em conflitos que evidenciam a
rejeição do Messias por Israel (21.1 - 23.39).
1. Jesus é oficialmente apresentado como Rei-Messias a uma nação ainda indecisa quanto à
sua opinião sobre Ele (21.1-11).
2. A (segunda) purificação do Templo exacerba o conflito entre Jesus e a classe sacerdotal
que se beneficiava do comércio ilícito (21.12-17).
3. A maldição da figueira ilustra a difícil situação de Israel diante de Deus, rejeitado por
falta de fruto digno do Reino (21.18-22).
4. O desafio à autoridade do Rei revela a falência espiritual dos líderes de Israel, exposta
nas parábolas do Rei (21.23 - 22.14).
• O desafio à autoridade do Rei é desmascarado quando Cristo revela a desonestidade
intelectual e espiritual dos líderes em sua avaliação de João Batista (21.23-27).
• As parábolas apresentadas por Jesus enfatizam a progressiva perda de privilégios causada
pela incredulidade e falta de receptividade ao Rei (21.28 - 22.14).
- A parábola dos dois filhos revela a rejeição dos líderes impenitentes, em contraste com a
aceitação dos pecadores arrependidos (21.28-32).
- A parábola da videira infrutífera revela o severo juízo que Israel receberia por sua longa
história de rejeição espiritual (21.33-46).
- A parábola das bodas revela a rejeição iminente da nação por não se conformar às
exigências do Rei (22.1-14).
5. Os ataques feitos pelos líderes, projetados para enredar o Rei e minar Sua autoridade,
acabam por aumentar o prestígio de Jesus entre o povo comum (22.15-46).
• O ataque político pelos fariseus e herodianos falhou quando Jesus invocou a lealdade a
Deus como a questão crucial na vida (22.15-22).
• O ataque teológico dos saduceus quanto à ressurreição falhou quando Jesus invocou o
poder de Deus conforme retratado nas Escrituras (22.23-33).
• O ataque escriturístico a respeito do grande mandamento falhou quando Jesus resumiu
apta e prontamente a Lei (22.34-40).
• O desmascaramento da falida liderança religiosa de Israel revela sua incapacidade de lidar
com a questão de um Messias divino (22.41-46).
6. A condenação dos líderes religiosos e seu sistema hipócrita pelo Rei põe em destaque a
rejeição de Israel por Deus (23.1-39).
• A religiosidade hipócrita e egocêntrica dos fariseus é denunciada perante o povo que se
deixava seduzir por ela (23.1-12).
• As muitas maneiras farisaicas de demonstrar descaso pelo ingrediente básico da Lei - o
amor leal - são denunciadas em oito ais (23.13-36).
- Sua distorção do meio de salvação designada por Deus é denunciada (23.13).
- Sua dilapidação dos bens das viúvas para seu próprio ganho é denunciada (23.14).
- Sua degeneração dos prosélitos do judaísmo é denunciada (23.15).
- Seu dolo disfarçado por votos altissonantes é denunciado (23.16-22).
- Seu descaso para com a essência da Lei a despeito de sua observância de aplicações
insignificantes é denunciado (23.23-24).
- Sua contaminação interior disfarçada por manifestações exteriores de pureza é denunciada
(23.25-26).
- Sua aparência enganosa de justiça é denunciada (23.27-28).
- Seu desrespeito pelos profetas no passado e no presente é denunciado e ameaçado com
pesado juízo (23.29-36).
• A condenação dos líderes se espalha por toda a nação que rejeitou o Rei (23.37-39).
D. O programa profético para Israel até o retorno do Rei e o estabelecimento do Reino é
delineado no Sermão Profético (24.1 - 25.46).
1. O assunto do Sermão Profético é a preocupação dos discípulos com a predição da
destruição de Jerusalém feita por Cristo e sua relação com o fim dos tempos [=
estabelecimento do Reino messiânico] (24.1-3).19
2. O fim dos tempos será caracterizado por convulsões físicas, sociais e religiosas em todo o
mundo até a vinda do Filho do Homem (24.4-28).
• O fim dos tempos será caracterizado por falso messianismo (24.4-5).
• O fim dos tempos será caracterizado por convulsões sociais e físicas em todo o mundo
(24.6-8).
• O fim dos tempos será caracterizado por produtividade para o evangelho em meio a
apostasia e perseguição (24.9-14).
• O fim dos tempos será caracterizado pelo cumprimento da septuagésima semana profética
[Dn 9.24-27], com crescente pressão sobre Israel para aceitar um falso Messias até que
venha o retorno do Rei (24.15-28).
- A abominação da desolação será manifesta no Templo e causará perseguição generalizada
entre os judeus (24.15-20).
- Haverá sofrimento e agitação sem precedentes no mundo (24.21-22).
- Haverá uma explosão de falso messianismo (24.23-26).
- Haverá o inconfundível aparecimento do Messias com suas terríveis conseqüências
(24.27-28).
3. A segunda vinda do Messias será um evento súbito para o qual os discípulos deveriam
estar preparados, em contraste com a completa falta de preparação da humanidade em
geral (24.29-51).
• A segunda vinda do Messias será caracterizada por fenômenos celestes e pela aparição do
Seu sinal (24.29-30).
• A segunda vinda do Messias será caracterizada pela reunião de Israel em sua terra (24.30).
• A parábola da figueira ilustra a necessidade de estar atento aos sinais escatológicos em
meio a uma geração indiferente que será levada de roldão no juízo divino (24.32-41).
• A parábola do administrador vigilante ilustra a necessidade de estar preparado (24.42-44).
• A parábola do mordomo insensato ilustra a necessidade de sabedoria e fidelidade à luz da
ignorância quanto ao tempo da volta de Cristo (24.45-51).
4. A segunda vinda do Messias será um tempo de acerto de contas para o qual o povo de
Israel deveria se preparar (25.1-30).
• A parábola das dez virgens ilustra a necessidade de prontidão individual para entrada no
Reino (25.1-13).
• A parábola dos talentos ilustra a necessidade de fidelidade para obter recompensas no
Reino (25.14-30).

19
Mateus não registra a resposta de Cristo à primeira pergunta dos discípulos, embora deixe
implícito que a destruição de Jerusalém não é o fim. Lucas registra detalhes sobre a destruição
de Jerusalém (Lc 21).
5. A segunda vinda do Messias será um tempo de acerto de contas para os gentios com o
fim de determinar se participarão do Reino ou não (25.31-46).
• A gloriosa vinda do Messias será seguida de uma reunião das nações diante dele para
julgamento (25.31-33).
• Aqueles que o Messias considerar como ovelhas [por exercerem sua fé em bondade para
com as testemunhas do evangelho] partilharão as bênçãos do Reino sobre a terra (25.34-
40).
• Aqueles que o Messias considerar como bodes [por terem rejeitado as testemunhas e sua
mensagem] serão destinados ao tormento eterno (25.41-45).
• A humanidade será perfeitamente julgada e recompensada por ocasião da segunda vinda
(25.46).
VII. O Rei reaparece, depois de sofrer zombaria e morte vergonhosa na cruz, publicamente
vindicado e invencível além da morte, para comissionar Seus representantes (26.3 -
28.20).
A. O Rei anuncia soberanamente a seus discípulos a ocasião [Páscoa] e o modo
[crucificação] de Sua morte (26.1-2).
B. O Rei é o centro de uma contradição nacional, gerando ao mesmo tempo ódio e traição,
amor e serviço (26.3-19).
1. Os líderes de Israel planejam destruir o Rei a seu próprio tempo, ignorantes de Seus
desígnios soberanos (26.3-4).
2. Uma mulher oferece serviço sacrificial ao Rei, ungindo-O em preparação para Seu
sepultamento (26.5-13).
3. Judas proporciona à liderança a oportunidade da traição que esta esperava para prender e
eliminar o Rei (26.14-16).
4. O proprietário de uma casa em Jerusalém oferece serviço sacrificial ao Rei provendo o
lugar para que o Rei coma a Páscoa de acordo com Seu soberano desígnio (26.17-19).
C. A celebração da Páscoa indica que a morte do Rei cumpriria o significado da festa
judaica e instituiria a Nova Aliança (26.20-35).
1. O anúncio da traição indica que o Rei tem pleno controle sobre as circunstâncias que
cercam Sua morte iminente (26.20-25).
2. A refeição pascal é investida de um significado mais profundo quando Jesus anuncia a Si
mesmo como o sacrifício da Nova Aliança (26.26-30).
• Seu corpo será quebrado como o pão (26.26).
• Seu sangue será derramado como o vinho (26.27-28).
• Sua oferta apontava para a consumação do Seu programa para o Reino em Sua segunda
vinda (26.29-30).
3. O anúncio da fuga dos discípulos e das negações de Pedro garante que o Rei tem pleno
controle das circunstâncias que cercam Sua morte iminente e Sua ressurreição (26.31-
35).
B. A oração do Rei no Getsêmani o retrata como o Servo do Senhor, plenamente submisso
à vontade de Deus em meio a companheiros descompromissados (26.36-46).
1. As três preces de Jesus revelam ao mesmo tempo Sua angústia e Sua determinação de
enfrentar o sofrimento iminente (26.36-39, 42, 44, 46).
2. A incapacidade dos discípulos de persistir na oração explica sua incapacidade posterior
de permanecerem fiéis ao Rei (26.38, 40-41, 43-45).
C. Os eventos do aprisionamento de Jesus revelam que o plano dos líderes para prendê-lo
estavam todos contidos no soberano plano de Deus prenunciado nas Escrituras (26.47-
56).
D. Os eventos dos julgamentos ilegítimos de Jesus colocam em relevo marcante Sua
inocência e Sua submissão à vontade determinada de Deus (26.57 - 27.26).
1. O julgamento dirigido por Caifás condena Jesus por blasfêmia (26.57-68).
• A promotoria dependeu de testemunhas falsas e contraditórias (26.57-62).
• A declaração condenatória foi a afirmação do próprio Jesus identificando-se com o Filho
do Homem da profecia de Daniel (26.63-68).
2. O trauma de Pedro após suas negações de Jesus demonstra a intensidade do sofrimento
associado a negar o Mestre (26.69-75).
3. O suicídio de Judas revela a enormidade da culpa associada a renegar a Jesus como o
verdadeiro Rei (27.1-10).
4. O julgamento dirigido por Pilatos condena Jesus por sedição contra Roma por fazer-se
passar por rei dos judeus (27.11-26).
• A silente admissão da acusação de sedição por Jesus deixa Pilatos surpreso (27.11-14).
• Convencido da inocência de Jesus e advertido por sua esposa, Pilatos tenta libertar o réu
(27.11-19).
• Pressionado pela multidão e protestando sua própria inocência no caso, Pilatos consente
em condenar Jesus pela acusação de sedição (27.20-26).
E. Os eventos ligados à crucificação de Jesus identificam-nO com o Justo Sofredor [dos
salmos] e como o Filho de Deus (27.27-61).
1. Jesus é ridicularizado e maltratado fisicamente [conforme fora profetizado a respeito do
Servo do Senhor] (27.27-31).
2. Jesus é maltrado e zombado pelos soldados romanos [de maneira semelhante às
descrições do Justo Sofredor nos salmos] (27.32-37).
3. Jesus é vilipendiado pelos judeus quando estes zombam de Suas reivindicações de
divindade e realeza [num uso blasfemo dos salmos] (27.38-44).
4. Os eventos sobrenaturais ligados à morte de Cristo revelam a veracidade de Suas
reivindicações (27.45-53).
• O período estranhamente longo de escuridão reflete a escuridão espiritual da hora (27.45-
50).
• O véu do Templo é rasgado de alto a baixo revelando a ab-rogação do sistema religioso
judaico (27.51).
• O terremoto e a ressurreição de judeus piedosos apontam para o supremo poder redentor
do Crucificado (27.51b-53).
5. O duro centurião romano reconhece a divindade de Jesus (27.54).
6. A solidão do Salvador em Sua morte é captada no testemunho distante das mulheres que
haviam ministrado a Jesus durante Seu ministério terreno (27.55-56).
7. O sepultamento de Jesus Lhe deu um lugar entre os ricos [conforme a profecia de Isaías]
(27.57-61).
F. Os eventos ligados à ressurreição de Jesus revelam Sua gloriosa divindade e Seu poder
para ordenar a expansão da mensagem do Reino a todo o mundo (27.62 - 28.20).
1. A solicitação de uma custódia oficial para a tumba pelos líderes judaicos revela seu
receio da verdade que haviam rejeitado (27.62-66).
2. A proclamação angélica da ressurreição e o recebimento de adoração pelo Cristo
ressurreto apontam para Sua divindade (28.1-10).
3. As incoerências latentes no plano dos líderes judeus para encobrir a ressurreição
reforçam a verdade do evento (28.11-15).
4. A comissão a fazer discípulos [messiânicos] de todas as nações é apresentada aos
apóstolos com base na autoridade universal de Jesus Cristo à luz do estabelecimento
escatológico do Reino (28.16-20).
O argumento de
MARCOS
Questões introdutórias
TÍTULO E AUTORIA
Não há debate quanto ao título do livro, uma vez que mesmo os manuscritos mais
antigos apresentam o sobrescrito grego ΚΑΣΑ ΜΑΡΚΟΝ. Embora isso não seja prova
definitiva de autoria, já que o texto em si é anônimo, acrescenta peso ao ponto de vista
de que João Marcos, filho de Maria, uma mulher cristã de proeminência em Jerusalém
(At 12.12), missionário em treinamento com Paulo (At 13.5, 13), primo e ministro
associado de Barnabé (Cl 4.10; At 15.36-39), companheiro de Paulo em seus últimos
anos de ministério (2 Tm 4.11), e filho ―espiritual‖ de Pedro (1Pe 5.13), foi o autor do
segundo evangelho sinótico.
Tradição cristã antiga e substancial aponta para ele como o autor. Papias é a menção
mais antiga (c. 140), e indica que Marcos estivera associado a Pedro e recebera dele, em
forma homilética, as informações sobre a vida de Cristo, que Marcos anotara e
registrara com grande cuidado.20
Outros pais da Igreja que afirmam a autoria de Marcos são: Justino Mártir (Diálogo
com Trifo), Ireneu de Lyon (Adversus Heresiae), Taciano, Clemente de Alexandria,
Tertuliano (Contra Marcion), Orígenes, e Eusébio (que cita Papias como testemunha
autorizada; História Eclesiástica).
O conteúdo do livro oferece evidência circunstancial de que João Marcos tenha sido
o seu autor. O primeiro argumento em favor da autoria de Marcos é que o evangelho
sugere um conhecimento funcional de aramaico pelo seu autor, que com grande
possibilidade teria sido um judeu palestino. Em segundo lugar, apenas Marcos, entre os
sinóticos, relata o incidente do jovem que fugiu nu da cena da prisão de Cristo no
Jardim do Getsêmani (14.51-52; alguns comentaristas especulam que Marcos era o tal
jovem). Por fim, o autor descreve em considerável detalhe o Cenáculo (chamando-o de
sala de hóspedes) onde o Senhor celebrou a última Páscoa (14.14); isto sugere que
estava bem familiarizado com o local. O fato de que a casa da mãe de Marcos se tornou
um ponto de encontro nos primeiros anos da igreja em Jerusalém acrescenta ainda mais
peso a este argumento.
LEITORES ORIGINAIS
A tradição cristã afirma que Marcos escreveu seu evangelho para benefício de
leitores romanos (assim diz Clemente de Alexandria). A evidência interna também
aponta nessa direção. Argumentando negativamente, há apenas uma citação do Antigo
Testamento pelo autor com o uso de uma fórmula introdutória (1.2-3),21 o que faz
sentido se os leitores originais não estivessem familiarizados com a tradição hebraica.
Argumentando positivamente, Marcos oferece a tradução de termos aramaicos
empregados (e.g., 5.41; 7.11, 34; 9.43), explica costumes judaicos (e.g., 7.1-3;
14.12),oferece detalhes da topografia ao redor de Jerusalém (13.3), traduz palavras
gregas para o latim (e.g., 15.16), heleniza palavras latinas (e.g., flagellare em 15.15,
centurio em 15.39), menciona líderes cristãos identificados com a igreja em Roma (cf.
Alexandre e Rufo em 15.21 [veja também Rm 16.13]), e usa um centurião romano
como testemunha chave em sua vindicação de Jesus como Filho de Deus (cf. 15.39).
20
A única ocorrência bíblica de uma pregação de Pedro aos gentios se acha em Atos 10.37-
43, e contém um esboço semelhante ao conteúdo do evangelho de Marcos.
21
Há, no entanto, várias ocorrências de citações eventuais, quando Jesus cita as Escrituras
para Sua audiência (Por exemplo: 4.12; 7.6-7; 9.48; 11.17).
OCASIÃO E DATA
A data deste evangelho está presa à questão sinótica. Um terminus ad quem seguro
seria a.D. 70, quando Jerusalém foi destruída. O terminus a quo varia de acordo com a
prioridade dada a Mateus ou a Marcos.
Pode-se presumir seguramente que Marcos estava em companhia de Pedro ao fim da
vida do apóstolo (cf. 1Pe 5.13). Se a primeira epístola petrina se originou em Roma, é
bem provável que o evangelho tenha se originado também ali, na segunda metade dos
anos 60. Isto concorda com a tradição cristã antiga, que coloca o segundo evangelho
próximo à morte de Pedro; concorda também com o testemunho de Clemente de
Alexandria, que afirmou ter sido o evangelho escrito a pedido dos crentes romanos, com
o fim de preservar a tradição apostólica petrina.
Este autor sustenta a prioridade de Mateus, optando assim para uma data mais
tradicional para Marcos por volta de 65, em Roma. Seria uma época de crescente
provação para os crentes romanos, quando um exemplo de perseverança em meio às
provas era necessário e bem-vindo.
Ralph Martin observou vários indicadores de um Sitz im Leben de perseguição.22 Os
mais importantes são: envergonhar-se do Messias (8.38), a inclusão de perseguições
como o preço de seguir o Messias (10.30), e o testemunho em contexto de julgamentos
e interrogatórios (13.11). O freqüente tema do segredo também se encaixaria com a
necessidade de cuidado entre os discípulos para que as pérolas do evangelho não fossem
lançadas aos porcos.
PROPÓSITO
Embora não haja afirmações diretas do propósito com que o evangelho de Marcos foi
escrito, há indicações de que sua preocupação principal fosse comunicar a verdade da
divindade e da messianidade de Jesus Cristo.
Isto é enfatizado no princípio do evangelho, tanto no título dado a Jesus quanto na
profecia messiânica citada em relação a João Batista (1.1-3). Aparece claramente
também nas duas confissões a respeito de Jesus: a de Pedro (8.29) e a do centurião
romano (15.39).
A quantidade de narrativas relacionadas a serviço sugere que Marcos queria que seus
leitores absorvessem o conceito de que serviço (atitude de servo) é um conceito
essencial para o discipulado, com base no exemplo de Cristo como O Servo, cujo
serviço autenticava Sua mensagem, e cuja morte sacrificial tornava a salvação acessível
a todos os perdidos (cf. 10.45).
CARACTERÍSTICAS
Marcos é um evangelho de ação concentrada, onde as multidões estão continuamente
a cercar Jesus, cujas ações são com freqüência precedidas pela palavra grega εὐθύρ
[euthus], traduzida por ―imediatamente‖ (usada um total de 41 vezes neste evangelho).
O tema do segredo messiânico é predominante na primeira parte do livro (1.1 -
10.45). Esse Messiasgeheimnis23 levou alguns eruditos a lançar dúvida sobre a exatidão
de afirmações sobre a pessoa de Jesus, mas parece mais lógico (e coerente com uma
visão mais elevada das Escrituras) entender essas ordens para que se guarde segredo
como uma indicação acurada dos esforços de Jesus para evitar que as pessoas
chegassem a conclusões erradas sobre Sua pregação e Seu programa. A reação
entusiasmada que era típica dos judeus, bem como seu entranhado desejo de um Reino
político-militar, justificava a precaução do Mestre.

22
R. Martin, Mark. Evangelist and Theologian, pp. 65-66.
23
Termo clássico (que significa “segredo messiânico”) entre os eruditos para essa ênfase dos
primeiros capítulos de Marcos.
Marcos dedica grande parte de seu livro à última semana da vida de Cristo,
colocando assim considerável ênfase em Sua paixão. Isso se encaixa bem com um
contexto de perseguição para seus leitores originais. O retrato que Marcos pinta dos
Doze está longe de ser lisonjeiro, talvez com o propósito de usar sua falta de
perseverança, e posterior restauração ao ministério apostólico, como um meio de
encorajar seus leitores, que passavam por duras provas à sua fé.
Outra característica do Evangelho de Marcos é sua elevada cristologia. Algumas de
suas características mais notáveis se encontram na tabela abaixo.

Qualidades ou atividades de Jesus Cristo Passagem


Divindade ou filiação divina 1.1; 8.29; 15.39
Aquele que batiza com o Espírito Santo 1.8
Identificação com o Servo de Yahweh 1.11
Identificação com o Santo de Isaías 1.24
Capacidade de perdoar pecados 2.10
Autoridade sobre a Lei e as tradições judaicas 2.27-28
Identificação como Filho de Deus 2.11
Identificação como Messias, o Filho do Altíssimo 5.7
Reivindicação direta de messianidade 14.60
Ênfase nas emoções humanas de Jesus 1.41; 3.5; 10.14
Posse de conhecimento sobrenatural 2.8; 5.32; 8.16; 13.1
1. A CRISTOLOGIA DE MARCOS
É necessária aqui uma palavra sobre o fim do Evangelho de Marcos, um tópico
acaloradamente debatido ao longo dos últimos quinze séculos. Creio que os doze
últimos versículos de Marcos (16.9-20) pertencem ao lugar em que se acham e foram
escritos pelo próprio Marcos, sob a direção do Espírito Santo. A seguir seguem minhas
razões:
I. Razões textuais
A. As duas principais testemunhas textuais da omissão, os manuscritos Vaticanus (B) e
Sinaiticus (‫)א‬, deixam toda uma coluna em branco, como testemunho tácito de que seus
copistas sabiam que algum texto deveria ser inserido ali.
B. O testemunho patrístico que se alega contra a inclusão dos doze versículos finais não é,
de forma alguma, definitivo, servindo antes para confundir as coisas.
1. A homilia atribuída a Gregório de Nissa, na qual os versículos são negados a Marcos, não
pode ser atribuída a Gregório, e sim a Hesíquio de Jerusalém, cerca de dois séculos
depois de Gregório (que viveu de 330 a 395). Alguns defensores da omissão creditam
indevidamente essa homilia aos dois autores ao mesmo tempo.
2. Clemente de Alexandria supostamente não faz referência aos últimos doze versículos de
Marcos. Tal silêncio, todavia, não é mencionado como testemunha contra o último
capítulo de Mateus, do qual ele também não cita.
3. Clemente de Roma também é usado como testemunha silenciosa contra os últimos doze,
mas os defensores da omissão omitem o fato de que Clemente jamais cita o Evangelho
de Marcos!!!
4. As afirmações supostamente atribuídas a Eusébio sobre a omissão dos últimos doze mais
provavelmente são parte de palavras que Eusébio de fato escreveu, mas que foram por
ele colocadas nos lábios de um suposto adversário, um recurso literário comum nos
primeiros séculos do cristianismo.
5. A suposta citação de Jerônimo contra os últimos doze não passa, na realidade, de sua
tradução da Epístola a Marino de Eusébio. Jerônimo, que tão escrupulosamente omitia
ou incluía textos em sua Vulgata, deu aos últimos doze um lugar em seu texto e fez
citações desses versículos.
6. Vítor de Antioquia, que supostamente nega a autenticidade dos últimos doze, meramente
cita a Epístola a Marino de Eusébio na famosa passagem em que o historiador ecoa o
pensamento de seus adversários. O testemunho do próprio Vítor é positivo em
favor dos últimos doze, pois ele especificamente afirma que alguns os haviam omitido
de suas cópias por considerarem que eram espúrios.
II. Razões léxicas
A. Farmer demonstrou, conclusivamente a meu ver, que o vocabulário dos últimos doze é
coerente com a autoria por Marcos, embora certas diferenças sejam encontradas. Ele
conclui, com base em uma minuciosa análise léxica, que ―A evidência contra Marcos
como autor parece ser preponderante no versículo 10. Os versículos 12, 14, 16, 17, 18 e
19 parecem ser basicamente neutros. Evidência a favor de Marcos como autor parece
ser preponderante nos versículos 9, 11, 13, 15 e 20‖.24
B. O estilo supostamente abrupto e entrecortado dos últimos doze também é encontrado no
capítulo 1 do mesmo evangelho.25 Ao mesmo tempo, Marcos também apresenta
narrativas extensas de episódios extremamente breves da vida de Jesus (cf. a cura do
endemoninhado gadareno). Tais fatores constituem prova de que o estilo dos últimos
doze não exige a sua omissão.

Argumento Básico
PROPÓSITO DO LIVRO
Produzir nos leitores um compromisso de fé com Jesus Cristo, que é o Servo de
Deus e o Sacrifício pela humanidade.
DESENVOLVIMENTO
O propósito de Marcos - produzir um compromisso de fé com Jesus Cristo nas vidas
de leitores profundamente afetados por perseguição e provações - é alcançado por duas
ênfases pictóricas em seu evangelho.
Os primeiros dez capítulos lidam com o serviço de Jesus Cristo ao povo carente de
Israel. Esse serviço oferece uma autenticação de Sua mensagem.
Os seis capítulos finais tratam do sacrifício de Jesus Cristo, cuja vida será oferecida
como resgate em favor da humanidade.
Em ambas as divisões, o alto custo do compromisso é enfatizado, primeiro na
pregação e nas parábolas de Jesus (1.1-10.45), e depois nos sofrimentos e na morte de
Jesus (11.1-16.20).
O Evangelho de Marcos começa com uma declaração da natureza e do conteúdo do
livro. Trata-se de um evangelho, uma proclamação de boas-novas, de triunfo, de vitória
e libertação. Quanto ao seu conteúdo, o livro fala de Jesus o Messias, o Filho de Deus.
A despeito de sua audiência gentílica, Marcos não explica esse título tão carregado de
significado, que fala de salvação por intermédio do Ungido, que era também
―verdadeiro Deus de verdadeiro Deus‖. Essa mesma característica da pessoa de Jesus
será reiterada num ponto crucial do evangelho, a morte do Servo como sacrifício vicário
(cf. 15.39).
Marcos indicou que escreveu sobre o princípio do evangelho. Embora alguns tenham
tomado tais palavras como indicação de que a pregação de João Batista foi o ponto de

24
William Farmer, The Last Twelve Verses of Mark, p. 103.
25
John Burgon, The Last Twelve Verses of Mark, pp. 222-223.
partida do evangelho de Cristo,26 parece melhor entender a frase como uma indicação de
que a proclamação dos apóstolos, resumida em 16.20, é a continuação da mensagem
inicialmente proclamada pelo próprio Servo.
Em contraste com Mateus, Marcos não estava preocupado em estabelecer
reivindicações genealógicas para o Servo. Sua melhor apresentação aqui é como o
cumprimento de esperanças há muito acalentadas e preservadas nos profetas (1.2-3). A
citação aplicativa composta revela uma abordagem hermenêutica que via em Jesus
ninguém menos que Yahweh encarnado, pois Yahweh é o objeto da profecia de
Malaquias (Ml 3.1) e da grandiosa visão de Isaías (Is 40.3).
A mensagem de João (1.4-8) era essencialmente a mesma de Malaquias, seu distante
predecessor. Somente o arrependimento, expresso pela identificação batismal com a
mensagem de João, permitiria que tanto o indivíduo quanto a nação vissem e
desfrutassem da vinda de Alguém maior, que traria as bênçãos prometidas do Reino
messiânico (o batismo com o Espírito Santo era uma das marcas distintivas da era
messiânica nas profecias do Antigo Testamento; cf. Jl 2.28; Ez 36.24-27; 39.29). A
aparência de João se adequava à sua mensagem profética, sem dúvida acendendo
esperanças de que ele fosse o Elias prometido (1.6).
Infelizmente, tanto o homem quanto a mensagem foram oficialmente rejeitados e seu
ministério a la Elias sucumbiu diante da incredulidade de Israel, a despeito do furor que
causou entre os judeus mais messianicamente inclinados (cf. 9.8-13).
A narrativa de Marcos sobre o batismo de Jesus por João (1.9-11) omite a relutância
do precursor em realizar a cerimônia. O propósito do evangelista parece ser a indicação
da aprovação de Deus para com Jesus, que se identificara plenamente com as
necessidades do povo. Além do mais, a narrativa identifica Jesus, desde o princípio de
Seu ministério, como o Filho Messiânico escolhido pelo Pai e como o Servo de
Yahweh, ungido pelo Espírito (cf. Sl 2.7 e Is 42.1).
O relato conciso que Marcos faz da tentação (1.12-13) parece ajustado à mentalidade
romana, com a visão de um homem impelido por convicções interiores, levado a um
ambiente desfavorável para combater contra um inimigo poderoso. O longo período, a
presença de feras, tudo aponta para coragem e resistência, virtudes que os romanos
consideravam extremamente valiosas. Seu triunfo sobre o tentador fica implícito no
serviço que os anjos prestam a Jesus depois dos quarenta dias de tentação.
Marcos omite o primeiro ministério de Jesus na Judéia, que foi parcialmente
contemporâneo ao de João Batista (cf. Jo 3.23-24), indicando assim que a tarefa
divinamente designada para o precursor já fora cumprida. Além disso, Marcos sugere
com essa observação a natureza ameaçadora e sombria do ministério do Servo; Seu fim
designado é a morte e assim a sombra da cruz se estende até o próprio começo da obra
de Cristo.
A descrição do ministério inicial de Jesus (1.14-20) aponta para a continuidade entre
Sua mensagem e a de João Batista. É o evangelho de Deus, uma vez que se origina em
Deus e proclama a iminência do Reino de Deus. Como João o fizera, Jesus exigia
arrependimento e fé à luz de tal iminência, que Ele proclamou ao longo de todo o Seu
ministério (cf. Mt 12.28, onde o verbo υθάνψ phthanō significa ―chegou perante
vocês‖).
Em contraste com João Batista, que era até certo ponto um obreiro solitário, a
abordagem ministerial do Servo era partilhar com outros a responsabilidade de conduzir
pessoas ao Reino. Esses associados eram convocados ao serviço com irresistível
autoridade (1.16-20).
Essa mensagem e esse chamado necessitavam de autenticação diante dos leitores do
seu evangelho e, por isso, Marcos oferece a descrição do crescente ministério de

26
C. E. B. Cranfield, The Gospel According to St. Mark, p.35.
milagres realizado por Jesus, ministério esse que provava a mensagem e a autoridade
messiânicas do servo (1.21 - 2.12).
O primeiro milagre registrado por Marcos é a cura de um endemoninhado na
sinagoga de Cafarnaum. Isso demonstrou que Jesus tinha autoridade sobre os demônios,
e lhe valeu a reputação de ser um Rabi que combinava ensino sadio e poder (1.21-28).
O registro de muitas curas demonstra não apenas a autoridade do Servo sobre as
doenças, mas também Sua grande compaixão pelos carentes (1.29-34). Esta seção do
evangelho oferece o primeiro indício de um conflito silencioso entre o Servo de Deus e
as forças do mal que procuravam sabotar o Seu ministério por meio de seu testemunho
enganoso ou incoerente a respeito de Sua pessoa.
Um parágrafo muito importante aparece em meio a quatro seções que relatam
milagres. 1.35-39 indica que o profundo senso de missão demonstrado por Jesus era
fruto de Sua íntima comunhão com o Pai por meio da oração. Além disso, o parágrafo
revela a razão pela qual Jesus obrigava os espíritos malignos a guardarem silêncio sobre
Sua identidade. O coração de Seu ministério era κήπτγμα [kērugma], a proclamação, ao
passo que as curas eram confirmações da mensagem - não o seu centro - como os
demônios levariam as multidões a pensar, dadas suas expectativas messiânicas
materialistas.
Esta preocupação que o Servo demonstrava com a compreensão correta de Sua
pessoa e Seu ministério se reflete na cura do leproso (1.40-45). Aqui Jesus demonstra
Sua autoridade sobre a contaminação, mas vai além disso, revelando também Sua
atitude para com a Lei (i.e., que Se preocupava com o seu verdadeiro cumprimento) e
Seu desprezo para com o ritualismo vazio, desprovido de compaixão.27
O incidente final dessa divisão revela a autoridade do Servo sobre as deformidades,
que serviu como atestado de que Ele possuía poder divino e prerrogativa divina de
perdoar pecados (2.1-12). Marcos coloca a conclusão lógica dessa série de milagres nos
lábios dos mais acirrados inimigos de Jesus, os mestres da Lei (2.7).
Uma divisão maior do Evangelho de Marcos (2.13 - 8.26) transfere o foco primário
do ministério público geral de proclamação e compaixão para um ministério mais
exclusivo e particular a um pequeno grupo de discípulos. Os milagres continuam a
servir como ferramentas didáticas para o preparo dos doze. À medida que isso acontece,
a oposição aumenta e o ensino público adota uma forma parabólica, velando a verdade
às multidões e oferecendo instrução mais clara ao grupo pequeno.
A primeira controvérsia focaliza a atitude do Servo para com a tradição judaica (2.13
- 3.6).
O chamado de Levi, tradicionalmente identificado com Mateus (2.13-17), oferece a
base do conflito, indicando como os fariseus zombavam de Jesus por Sua escolha de
companheiros. O contexto da comunhão à mesa oferece ao Servo a oportunidade de
uma resposta irônica - a participação no grande banquete messiânico dependia da
percepção humana de sua necessidade espiritual e da provisão divina do perdão28 (2.17).
Ele, assim, repreende os líderes por sua insensibilidade espiritual.
O próximo foco de disputa é o apego aos rituais (2.18-22). A prática do jejum tinha
limitações bem claras na Lei, mas fora exageradamente ampliada pelos judeus, que lhe
atribuíam grande valor. Os discípulos de João Batista, que praticavam o jejum por
outras razões (talvez pesar pela prisão, talvez esperança de libertação para seu líder),
também se envolveram nessa controvérsia.
A tese de Jesus é, em primeiro lugar, que rituais estabelecidos pelo homem não
constituem a essência do discipulado que, naquela ocasião, significava regozijar-se na
Sua presença como o Messias prometido. Mais tarde, disse Ele, haveria dias de tristeza

27
Walter W. Wessel, “Mark”, EBC 8.630.
28
William L. Lane, The Gospel According to Mark, p. 106.
e anseio por Sua vinda (deixando antever, assim, Sua morte). Em segundo lugar, Ele
indica a impossibilidade de reter a religiosidade tradicional dos judeus e ser Seu
discípulo (i.e., um discípulo messiânico). As três ilustrações usadas aqui - o banquete
nupcial, as vestes novas, e o novo vinho - têm, todas, claras conotações e alusões à era
messiânica nos profetas (cf. Is 54.5; 62.4; Jl 3.18; Am 9.13; Is 61.10).
O debate sobre o sábado é o mais significativo dos três aqui registrados, à luz da
extrema reverência que os judeus demonstravam para com as tradições quanto ao sinal
da aliança mosaica (2.23 - 3.6). A acusação de que os discípulos estavam violando o
sábado ao apanharem grãos não se baseava na lei, mas na tradição judaica.29 A resposta
de Jesus, baseada no exemplo de Davi, significava que a necessidade humana é mais
importante que o ritualismo. O versículo 28 pode refletir um comentário editorial do
próprio Marcos sobre essa perícope.
A segunda fase do ataque dos fariseus foi dirigida contra o próprio Servo (3.1-6).
Uma vez mais, o objetivo dos fariseus não era proteger a Lei, mas sua própria
interpretação da Lei. Essa tradição afirmava que somente doenças terminais urgentes
podiam ser curadas no sábado. Embora reconhecendo o poder que Jesus tinha de curar
as doenças, preferiam condená-lo por usar tal poder no sábado a reconhecer o mesmo
como prova das reivindicações messiânicas de Jesus! Tal insensibilidade espiritual fazia
que valorizassem mais as suas tradições que o sofrimento das pessoas à sua volta e o
possível alívio que pudessem receber. A repreensão implícita de Jesus e a cura poderosa
do deficiente valeram ao Mestre a ira assassina da liderança religiosa e sua improvável
associação com os herodianos com o propósito de eliminar o inimigo comum, Jesus de
Nazaré.
Em seguida a esta controvérsia, Marcos indica como Jesus começou a mudar Sua
ênfase para um ministério mais direto com Seus discípulos (3.7-19).30 Isto não
significava abandonar os atos de misericórdia, pois as multidões continuavam a segui-
LO por toda parte (3.7); significava, isto sim, restringir o testemunho desorientador dos
espíritos malignos a Seu respeito,31 e limitar o número de Seus discípulos imediatos a
doze, o núcleo de uma nova comunidade messiânica. A esses Ele designou como Seus
ἀπόςσολοι [apostoloi], Seus representantes autorizados que Ele enviou às vilas e
cidades da região a fim de prepararem o caminho para Sua proclamação pessoal na
Galiléia (cf. 6.7).
A oposição, enquanto isso, crescia em amplitude e profundidade (3.20-25). Enquanto
as massas carentes e desinformadas acorriam para ver e ouvir Jesus, aqueles que
detinham a informação O rejeitavam sob a falsa impressão de que Ele estava louco, e a
própria família de Jesus procurou removê-lo de Seu ministério público (3.20-21).
Com base na conclusão estapafúrdia de que os exorcismos de Jesus eram originados
pelo próprio Satanás, os líderes religiosos acusaram Jesus de estar sob o poder de
Belzebu (3.22).
Num arranjo literário quiástico, Marcos registra primeiramente como Jesus
demonstra a inconsistência lógica dos fariseus e como os adverte solenemente contra
blasfemarem contra o Espírito Santo (3.23-30); registra depois como Cristo renega Sua

29
Mishnah, Shabbath 7.2.

30
O verbo grego ἀναφψπέψ [anachōreo], usado freqüentemente em Mateus, mas apenas aqui
em Marcos, pode sugerir um abandono da sinagoga como o local costumeiro ou formal de
ensino. Assim pensa R. H. Lightfoot, The Gospel Message of Mark, p. 39.
31
Lane sugere que sua “confissão” estava relacionada ao conceito dominante no Antigo
Oriente Médio de que era possível obter autoridade sobre uma pessoa ao lhe conferir um
nome, Mark, p. 130.
família carnal em favor de Sua família espiritual (3.31-35). Ao fazer isso, Jesus indicou
que a fé obediente em Deus era a condição sine qua non para uma comunhão íntima
com o Messias.
A reação do Servo à oposição crescente condizia com Seu próprio ensino de não
lançar pérolas aos porcos. Por isso, recorria às parábolas como Seu principal método de
ensino, pronunciando-as em público e explicando-as em particular (4.1-34). Tal como
no registro de Mateus, a parábola dos solos abre o caminho para a compreensão de todo
o conjunto de parábolas, indicando que a mensagem do Reino seria anunciada e, a
despeito da incapacidade (ou da indisposição) de crer por parte da maioria dos ouvintes,
produziria uma colheita abundante.
O fato do endurecimento de Israel (4.10-12) é contrabalançado pelo desafio aos
indivíduos que ouviam a ―considerar a parábola‖, o que era facilitado pelo contexto
rural em que fora pronunciada. Seus discípulos, todavia, tinham o pleno benefício da
explicação (4.13-20).
O dito sobre a candeia não se encaixa no formato tradicional de uma parábola, mas
sua natureza implicitamente figurativa justifica sua inclusão e seu tratamento como
material parabólico. Encontrada em outro contexto em Mateus e Lucas, ela aqui aponta
para a necessidade de que aqueles que foram iluminados pelo Servo passem tal luz para
outras pessoas, de modo que a realidade escondida do Reino seja plenamente revelada
(4.21-23). Essa metáfora traz consigo dois outros ditos que devem aqui ser aplicados ao
contexto primário. a medida do envolvimento do indivíduo na divulgação da mensagem
do Reino determinará a quantidade de nova revelação a ser recebida (4.24). De igual
modo, a pessoa que mais intensamente se apropriar da mensagem do Reino mais
ricamente será abençoada; aquele que presume já possuir lugar garantido no Reino
perderá até suas supostas credenciais (4.25).
A parábola da semente que germina (4.26-29) aponta para o crescimento progressivo
da mensagem do Reino até sua consumação escatológica (cf. o uso das metáforas da
foice [δπέπανον, drepanon] e da colheita [θεπιςμόρ, therismos] em Apocalipse 14.14-
16 e seu equivalente no Antigo Testamento em Joel 3.13).
A última parábola aponta para o triunfo final do Reino messiânico que, a despeito de
seu começo insignificante, alcançará uma grandeza superior à de qualquer outro Reino
(4.30-33). O imaginário desta perícope não se deriva da experiência cotidiana na região
rural de Israel; vem provavelmente do livro de Daniel, no Antigo Testamento, onde
Nabucodonosor e o império neobabilônico são comparados a uma imensa árvore (cap.
4). O Reino de Deus é o verdadeiro e legítimo domínio mundial sob cuja sombra a
humanidade encontrará abrigo.
Os versículos 33 e 34 oferecem um resumo desta fase do ensino de Jesus. O
conteúdo de sua mensagem era a palavra [σόν λόγον, ton logon], expressão com a qual
Marcos indica a mensagem do Reino. As multidões, embora capazes de perceber o
sentido geral das palavras de Jesus, não podiam, àquela altura, compreender todo o
escopo da mensagem do Reino; mesmo os discípulos, com acesso a informação
privilegiada, demoraram muito para captá-la. O princípio enunciado em 4.25 foi
praticado pelo Mestre em Seu ensino.
A seção seguinte oferece apoio muito necessário às parábolas no capítulo 4. Lá no
fundo das mentes dos discípulos, e sem dúvida entre os leitores originais do evangelho,
a pergunta dominante deve ter sido. ―Que tipo de poder será necessário para implantar o
Reino de Deus num mundo tão hostil?‖ Os milagres nessa seção demonstram a natureza
e o poder divinos do Servo; Ele vence os elementos, os espíritos malignos, a
enfermidade e, por fim, a morte.
Sua autoridade divina brilha quando Ele acalma a tempestade no mar da Galiléia
(4.45-41). Ainda assim, Sua humanidade o deixa cansado e necessitado de sono e
descanso. Deste modo, sob a aparente fragilidade do Galileu, o próprio Deus exerceria
Sua prerrogativa de Criador e Controlador dos elementos - particularmente do mar e do
vento (cf. Sl. 89.8-9; 104.5-9; 107.23-32).
O quadro que Marcos pinta a seguir diante de seus leitores (5.1-20) contrasta o poder
de Cristo com a impotência do homem diante do poder dos espíritos malignos que
amiúde se manifestavam em Israel ao tempo de Jesus. Marcos contrasta ainda o
reconhecimento que os demônios prestavam da divindade de Cristo com a deliberada
rejeição da presença e da mensagem de Cristo por parte dos gerasenos.
De novo em território judeu, Jesus revela ao mesmo tempo Sua compaixão e Seu
poder (5.21-43). Em dois episódios entrelaçados a vida ia se esvaindo. No caso da
mulher hemorrágica, lentamente; no caso da filha de Jairo, muito depressa. Em ambos
os casos, a fé encontrou uma resposta de empatia e compaixão da parte de Jesus, e uma
completa reversão - da perda de vida para a plenitude de vida. Em ambos os casos, a fé
foi fundamental, apesar de não ser, em qualquer dos dois casos, uma fé madura e bem
informada. Ao final de mais este ciclo de milagres, no entanto, o Messias ainda não
permite a exposição pública de Suas obras. Era necessário que o povo aceitasse Sua
mensagem, não apenas admirasse Seus atos de poder.
A divisão seguinte é situada por volta do final do chamado ―ano de popularidade‖,
durante o outono [setembro - dezembro] de a.D. 31. A oposição já era um fator a se
levar em conta, e Marcos registra exemplos de oposição vindos de três fontes. Ainda
assim, tal oposição tem como resposta generosas demonstrações de poder e compaixão
por parte do Servo (6.1 - 8.26).
A rejeição em Nazaré (6.1-6) deve ter sido dolorosa para Jesus, pois ali as pessoas O
rejeitaram por Ele ser um homem comum, e com o agravante de uma origem nebulosa.
Sua repulsa em relação a Jesus é expressa pelo verbo ςκανδαλίζομαι [skandalizomai,
―escandalizar-se‖]; mais adiante, Marcos usará essa palavra para descrever a reação dos
discípulos à prisão e aos julgamentos de Jesus (14.27).
Foi por essa ocasião que os doze foram enviados, de dois em dois (de modo que seu
testemunho fosse válido, segundo a Lei), precedendo Jesus nas vilas onde Ele iria
pregar o Evangelho do Reino e realizar os milagres comprobatórios (6.7-13).
À medida que a fama de Suas grandes obras se espalhava pela Galiléia [υανεπόν γάπ
ἐγένεσο σό ὄνομα αὐσοῦ phaneron gar egeneto to onoma autou, 6.14], o Servo passou
a experimentar a hostilidade latente de Herodes Antipas, cujo tratamento cruel de João
Batista agora constituía uma ameaça direta a Jesus e servia como prenúncio de Sua
futura paixão.32
Apesar disso, tal oposição encontra o Servo ainda mais sensível e compassivo para
os carentes que O procuram, conforme demonstrado pela milagrosa provisão de comida
para milhares de Seus seguidores (6.30-44). A passagem enfatiza o papel de Jesus como
um novo Moisés, capaz de fazer provisão no deserto (um tema que é bastante explorado
em João 6, passagem paralela a esta). Em Marcos a ênfase recai sobre a disposição e
capacidade do Servo para suprir o que aos olhos dos homens claramente impossível.
Fica claro, também, que esses milagres tinham como propósito adicional fortalecer a
fé dos discípulos na pessoa de Jesus, como comprova a perícope seguinte. Em 6.45-52,
Marcos relata o soberano controle de Jesus sobre as forças e as leis da natureza,
realidades que deixam os discípulos boquiabertos. Marcos menciona o detalhe
significativo de Jesus orando no monte, enquanto os discípulos lutavam contra o mar
revolto; esta é a segunda de três referências às orações de Jesus neste evangelho, e todas
vêm em momentos quando Seu compromisso com Sua missão messiânica estava sendo

32
Wessel (“Mark”, EBC 8.669) observa que a morte de João desempenha um papel
importante no Evangelho de Marcos, que dedica três versículos ao seu ministério, mas detalha
a sua morte em dez versículos.
testado (é preciso ler o relato joanino deste evento para perceber este fato neste
contexto).
Marcos omite o conhecido incidente de Pedro caminhando sobre as águas (o que
pode ser uma indicação de que se trata de uma descrição pessoal de Pedro para o
evento) porque Seu interesse maior parece ser contrastar a magnitude dos milagres que
Jesus realiza com a morosidade da percepção espiritual dos discípulos (cf. ἐξίςσανσο
[existanto, ―ficaram fora de si‖] e πεπψπψμένη [pepōrōmenē, ―endurecido‖].
Outro contraste poderoso entre o ódio dos líderes e a compaixão do Servo surge
quando os fariseus O atacam ao acusarem Seus discípulos de quebrarem a tradição do
lavar das mãos (7.1-23).
Sua resposta é ir além da tradição e recuperar aquilo que deveria ser verdadeiramente
obedecido, a Lei de Deus. Jesus reverte a acusação apontando para a tradição como uma
cortina de fumaça para a impureza pessoal e vida egoísta em desobediência à vontade de
Deus (7.6-13). A seguir, Ele adverte Seus discípulos e as multidões a se precaverem
contra a hipocrisia crônica dos líderes religiosos (7.14-23), indicando que a verdadeira
contaminação é interior, não exterior, afetando o centro da vida do homem - seu
coração.
Esse incidente, que relata o ataque final (em Marcos) contra o Servo antes de Seu
aprisionamento, julgamento e crucificação, reflete a reação negativa de Israel ao Servo,
e é seguido, em agudo contraste, pela reação de fé e louvor que Ele encontrou entre os
gentios (7.24 - 8.9). Bem adequadamente, o debate sobre a contaminação cerimonial é
seguido pela perícope da mulher cananita (siro-fenícia), cuja fé superou a discriminação
racial e religiosa (cerimonial) entre os judeus e os gentios, além de lhe dar uma
experiência significativa do ministério e do poder de Jesus, um belo prenúncio da
extensão das bênçãos messiânicas aos gentios (7.24-30).
Continuando o seu ministério aos gentios próximos a Israel, Jesus cura um homem
surdo e [virtualmente] mudo (μογιλάλορ, mogilalos)33 em Decápolis (7.31-37). Esse
milagre é narrado exclusivamente por Marcos e oferece outro contraste entre as atitudes
de gentios e judeus ao ministério terapêutico do Servo. Os teólogos judeus atribuem
Suas obras a Satanás, ao passo que gentios ignorantes reconhecem Sua bondade,
sabedoria e poder (cf. 7.37).
O último milagre em solo gentio é a segunda multiplicação dos pães. Detalhes da
narrativa exigem que se trate de um incidente distinto da primeira, descrita em 6.31-44.
É uma manifestação do Servo como o grande provedor divino também em favor dos
gentios (8.1-10).
Ao voltar do território gentio, Jesus enfrenta mais uma vez a incredulidade dos
fariseus (8.11-13). Seu pedido de um sinal vindo do céu (ἐκ, ek) foi uma obra-prima da
hipocrisia, uma vez que haviam deliberadamente atribuído a evidência disponível do
poder à atividade do príncipe dos demônios (cf. 3.22). A reação de Jesus foi, a princípio,
de desapontamento (evidenciado em Seu profundo suspiro [ἀναςσενάζψ, anastenazō]);
depois, Ele condena sua incredulidade ao negar-lhes qualquer outro sinal confirmatório.
Deixando os fariseus para trás, Jesus adverte Seus discípulos espiritualmente míopes
contra a hipocrisia dos fariseus (8.14-21), o fermento que corrompia todo o seu sistema
religioso. Ele também cura um homem cego, cujos três estágios progressivos de visão
oferecem uma perspectiva das condições espirituais da passagem, os líderes cegos, os
discípulos míopes e aqueles que podiam ver claramente quem Jesus realmente era (os

33
Esta palavra incomum só ocorre uma outra vez no grego bíblico, na tradução grega de Isaías
35.6, uma passagem messiânica. Marcos, sem dúvida, tencionava que sua alusão messiânica
fosse percebida por seus leitores.
gentios!). Esse milagre em duas fases demonstra a necessidade que Israel tinha de uma
visão espiritual clara (8.24-26).
A segunda divisão principal da Primeira Parte confronta os discípulos do Servo com
o programa de Deus para Ele, que incluía oposição e, por fim, o martírio, e com um
estilo de vida que acabaria por levá-los a experimentar o mesmo destino de seu Mestre
(8.27 - 10.52).
Na primeira seção, o Servo desvenda aos doze os sofrimentos e a glória que O
aguardavam como Messias (8.27 - 9.13). O primeiro passo nesse desvendamento é Sua
apresentação como Messias, que vem por meio da confissão de Pedro (8.29). Mesmo
aqui, onde a compreensão de Sua pessoa foi um pouco mais clara, Jesus exigiu silêncio
para evitar que o testemunho dos doze provocasse falsas esperanças nos menos
conhecedores. Isso obedece ao padrão geral observado nas perícopes de exorcismo e
cura (cf. 8.22-26). O fato de os discípulos não terem indicado, em suas respostas, uma
opinião pública de que Jesus era o Messias sugere que, a despeito das muitas
―confissões‖ feitas pelos espíritos malignos e da muita publicidade derivada de outras
curas, a população em geral ainda não havia compreendido o caráter e o papel de Jesus
como ‫יח‬ַ ַ ‫( ָמ ִש‬maš’aḥ, ―Messias‖).
A percepção de Pedro, ainda que suprida por Deus (cf. Mt 16.17), era limitada, como
se vê na abrupta repreensão que recebe por desafiar Jesus quando Ele ensina sobre a
necessidade de Sua morte sacrificial (cf. δεῖ [dei] in 8.31). A passagem inclui tanto a
morte quanto a ressurreição, mas aparentemente apenas o aspecto negativo da
experiência do Messias, que os judeus sempre tiveram problemas em aceitar, fora
percebido pelos discípulos.
Enquanto o Rabi e Seus doze discípulos viajavam pela Galiléia, em preparação para
sua última viagem para a Judéia, durante o verão [junho-setembro] de a.D. 32, Ele
instruiu os doze (e outros seguidores) quanto à sua atitude face a Sua morte e
glorificação iminentes, e como eventualmente eles enfrentariam o mesmo destino (8.34-
9.1). Wessel afirma que esses pronunciamentos foram agrupados por Marcos (i.e.,
tirados de seu contexto original) ou pela pessoa responsável pela tradição que Marcos
usou;34 não há razão, todavia, que impedisse Jesus de repetir pronunciamentos para
audiências diferentes em contextos diferentes.
Marcos 8.34 - 9.1 teria tido um impacto tremendo em seus leitores, uma vez que se
aplicava à realidade cotidiana - a possibilidade de ser levado perante um magistrado
romano e ali receber a escolha entre renunciar a Cristo ou sofrer por Ele. Autonegação,
aceitação de sofrimento, e perseverança em seguir a Jesus (cf. ἀκολοτθεῖσο,
akoloutheito) eram verdadeiras marcas do discipulado. O amor à vida material
implicaria a perda de uma existência significativa, bem como vergonha diante do
Messias em Sua glorificação, ao passo que a perda da vida física por amor ao Messias
traria significado à vida presente e recompensa na vida ―escatológica‖ (futura).
A promessa em 9.1 relaciona a glorificação do Servo à promessa de recompensa por
fidelidade a Ele; quando cumprida - uma semana mais tarde - serviu como garantia de
que a vida do discípulo estava segura no Mestre que ele escolhera seguir (9.2-13). O
Servo demonstrou, sobre o monte da Transfiguração, quem realmente era e como Se
encaixava no plano de Deus, cumprindo a revelação iniciada por Moisés e continuada
pelos profetas.
As observações de Pedro, muitas vezes mal entendidas, sugerem que ele entendera as
palavras de Jesus literalmente, uma vez que a referência a tendas (9.5) mais
provavelmente fora motivada pela idéia [bem bíblica] de que a Festa dos Tabernáculos
seria celebrada no Reino (cf. Zc 14.16-19). Esse tempo, todavia, ainda não havia

34
Wessel, “Mark,” EBC 8.696,7.
chegado; o tempo presente seria a ocasião para ouvir o Filho de Deus, cuja morte e
ressurreição faziam parte do bom propósito do Pai (cf. εὐδόκηςα [eudokēsa], Texto
Majoritário). Isso se acha implícito na descrição que Jesus faz do papel de João e da
rejeição que este experimentara por parte de Israel (9.8-13).
A segunda seção dessa divisão apresenta o estilo de vida esperado de um discípulo
num contexto de provas e oposição. A necessidade de fé e de uma oração constante é
ilustrada pela cura do menino endemoninhado, a quem os nove discípulos que haviam
ficado ao pé do monte não haviam conseguido curar durante a ausência de Jesus (9.14-
29).
Um segundo anúncio da morte do Servo também não consegue captar a compreensão
dos discípulos (9.30-32), bem possivelmente porque seus pensamentos estão focalizados
no aspecto do poder do Reino tal como o entendiam, o que os levou a discutir
intensamente sobre quem teria o lugar de honra quando o Reino finalmente se
manifestasse (9.33-37). Jesus, assim, separa algum tempo para instruí-los sobre a
necessidade de serem humildes e demonstrarem um coração de servo.
Tal era o espírito de orgulho e competição entre os discípulos que haviam proibido
um discípulo de Jesus que não seguia com o grupo de dar continuidade a um ministério
de exorcismo; talvez a visão de seu sucesso fosse demais em vista das lembranças do
recente fracasso dos nove ao pé do monte. Jesus toma tempo, portanto, para instilar
neles o conceito de aceitação mútua entre os co-discípulos, uma vez que todos os que O
servem irão, eventualmente, desfrutar das recompensas de tal serviço (9.38-41).
Deixar de agir em mútua aceitação seria colocar tropeços diante de outros, com
conseqüências temporais devastadoras (9.42). A necessidade de auto-exame e de
remoção de pensamentos e ações malignos (mão, pé e olho são metonímias) era
imperativa porque a pessoa que deixa de fazê-lo indica sua falta de compromisso com
Cristo e o destino de sofrimento no inferno (a explicação de γεέναν [geenan] em 9.48
deriva de Isaías 66.24, uma passagem messiânica). No caso de um verdadeiro discípulo,
o pecado fará que ele perca seu papel na sociedade messiânica. Como sal que perdeu
suas características,35 um compromisso com Cristo é muito difícil de recuperar (9.43-
50).
A estrada levara o Servo e Seus discípulos à Peréia, onde uma vez mais Ele
ministrou às multidões enquanto instruía os seguidores mais próximos. Seus perenes
inimigos, os fariseus, agora procuram colocá-lo em rota de colisão com Herodes
Antipas (uma vez que a Peréia era parte da tetrarquia de Herodes) por causa da questão
do divórcio. O perigo era real, uma vez que esta fora a causa da morte de João. O Servo
não só expõe as práticas pecaminosas dos judeus na área do casamento, mas também
encoraja os discípulos a tratar o casamento como uma instituição divina e indissolúvel
(10.1-12).
Duas outras lições sobre o discipulado oferecem idéias antitéticas para enfatizar a
importância da fé na obtenção de acesso ao Reino. Na primeira passagem (10.13-16),
humildade e fé infantis são apresentadas como essenciais a tal acesso. Na segunda
passagem (10.17-27), a arrogância produzida pelas riquezas e pela autojustificação é
exposta como o principal obstáculo à entrada no Reino. Isso era tão contrário à doutrina
oficial do judaísmo que os discípulos chegaram à conclusão [falsa] de que ninguém
entraria no Reino, o que leva Jesus a explicar que tal entrada é um ato exclusivo de
Deus (10.26-27).

35
Para ver um ponto de vista alternativo (que pessoalmente prefiro) do sentido de sal neste
contexto, ler E. P. Deatrick, “Salt, Soil, Savior,” BA 25.2 (Maio, 1962): 41-48. Deatrick
argumenta que na Palestina o sal de rocha era usado como fertilizante e que sua
decomposição química o deixava ao mesmo tempo insosso − i.e., inútil como tempero − e
inadequado como fertilizante.
A lição a ser extraída desses contrastes é que o compromisso dos discípulos com o
evangelho renderia dividendos temporais e eternos, a despeito da rejeição humana que
viessem a experimentar (10.28-31).
O anúncio final da morte e ressurreição de Cristo é feito num contexto de incerteza e
medo por parte dos discípulos (10.32-34). A perplexidade dos discípulos estava, sem
dúvida, relacionada às suas expectativas erradas sobre o futuro imediato, o que é
evidente no pedido feito por João e Tiago para terem lugares de honra. A resposta de
Cristo indica, uma vez mais, que a auto-afirmação deve dar lugar ao serviço sacrificial,
de acordo com o exemplo da morte substitutiva do Servo (cf. λύσπον ἀνσί πολλ῵ν
[lutron anti pollōn], 10.35-45).
O parágrafo final da primeira parte do Evangelho de Marcos oferece uma ilustração
vívida de seu conceito de discipulado; assim como Bartimeu recebeu vista e começou a
seguir a Jesus, o discípulo cristão é alguém que é iluminado pelo Messias e O segue na
estrada rumo ao martírio (10.46-52).
A segunda parte do livro apresenta o sacrifício do Servo (11.1 - 16.20). A extrema
importância desse evento para Marcos se vê no fato de que um terço do seu evangelho é
dedicado à última semana da vida de Jesus.
Marcos apresenta um resumo do ensino de Jesus, suas últimas confrontações com as
autoridades judaicas, Seu julgamento, Sua crucificação e ressurreição.
A apresentação oficial de Jesus a Israel como Messias ocorreu de acordo com as
profecias veterotestamentárias sobre o Rei que viria (Zc 9.9); a resposta popular foi de
aclamação enquanto grandes multidões de judeus se dirigiam a Jerusalém para celebrar
a Páscoa (11.1-11).
No resumo de Marcos o começo do ministério de Jesus durante a semana de Sua
paixão consistiu de intensas confrontações com a liderança religiosa nas dependências
do Templo (11.12-25). A primeira acusação contra eles foi por sua ganância e pelo
arremedo em que haviam transformado a religião judaica com seu comércio ilícito nos
pátios do Templo (11.12-19). Marcos é bastante explícito em sua ênfase aqui,
apresentando o Templo como casa de oração para todas as nações (11.17), um
propósito que o chamado ―Bazar de Anás‖ inviabilizava, porque ocupava com seu
comércio o pátio dos gentios. Mais adiante, questões como ganância e hipocrisia
voltariam à tona.
O episódio da figueira reflete a acusação contra a nação, mas também serve como
estímulo a que os discípulos continuem a confiar na palavra de Deus com respeito ao
Reino, apesar de Israel ter rejeitado a Jesus (11.12-14, 20-26).
Críticas tão contundentes não poderiam passar sem resposta, e a seção seguinte
(11.27 - 12.44) contém o contra-ataque dos líderes. A tentativa óbvia é provar que Jesus
não tinha autoridade para desafiar o status quo religioso; seu ataque agressivo foi
frustrado, todavia, pela maneira sábia em que Jesus lidou com sua pergunta (11.27-33).
Por terem deixado de reconhecer a óbvia autoridade celestial que Jesus demonstrara em
Seus milagres, atribuindo-a, antes, a Satanás, os líderes já tinham sido desqualificados
(cf. 3.22); a contrapergunta feita por Jesus, um método de debate aceitável entre os rabis
judeus, expõe a falta de integridade dos líderes para sequer questionar o Mestre. O fato
de não terem respondido adequadamente à mensagem de João já os havia desqualificado
como líderes e, por isso, Jesus não sentiu que era necessário afirmar o que eles já
presumiam ser falso.
A iniciativa passa para o Servo, que por meio de parábolas revela que a rejeição
sistemática dos mensageiros de Deus por parte de Israel - que culminaria com a rejeição
do Filho - acabaria por trazer o juízo divino (12.1-12).
Precisando dar uma resposta, os líderes se ajuntaram de maneiras incomuns para
derrotar o Rabi galileu. As respostas sábias de Jesus revelam ainda mais claramente as
falhas morais e teológicas da liderança de Israel, e fazem Sua autoridade brilhar ainda
mais diante do povo (12.13-37).
O ataque político pelos fariseus e herodianos (companhia incomum) é frustrado pelo
apelo de Jesus a uma lealdade maior que o nacionalismo dos fariseus e o oportunismo
político dos herodianos - lealdade e submissão a Deus, cuja imagem fora gravada no
homem (12.13-17).
A armadilha teológica apresentada pelos saduceus foi frustrada quando Jesus apelou
às Escrituras e ao poder de Deus, que eventualmente ressuscitaria os patriarcas de modo
que estes desfrutassem as promessas (12.18-27).
O ataque escriturístico ou legal sobre uma questão muito debatida no judaísmo foi
frustrado quando Jesus resumiu perfeitamente a lei. A afirmação sobre a proximidade
daquele escriba ao Reino destaca o ensino prévio de que o conhecimento da verdade
deveria ser seguido por um compromisso de fé com Jesus como Messias.
A despeito de Seu completo triunfo sobre Seus adversários (12.34), Jesus considerou
necessário enfatizar ainda mais Suas reivindicações de divindade, assim oferecendo a
resposta esperada à pergunta inicial sobre Sua autoridade. Ele o fez ao reivindicar, com
base no Salmo 110, ser ao mesmo tempo filho (i.e., descendente) e senhor (κύπιορ,
kurios) de Davi, o que na mentalidade judaica era o equivalente a reivindicar divindade
(12.35-37).
Esta seção termina com um contraste entre a liderança falida e o castigo que haveria
de receber (12.38-40), e o ato de adoração genuína de uma viúva pobre, que entregara a
Deus tudo que possuía (12.41-44). Ela, em toda sua pobreza e humildade, ofereceu um
retrato perfeito do Servo altruísta que estava prestes a morrer pela nação.
As freqüentes menções de julgamento contra Israel nos debates entre o Servo e os
líderes desembocam numa revelação profética sobre o futuro da nação naquele que é o
mais longo discurso de Jesus no Evangelho de Marcos (13.1-37). Essa revelação tinha o
propósito didático de promover vigilância entre os discípulos à luz das perseguições e
enganos que viriam antes da volta do Servo.
A ocasião para o ensino foi a preocupação dos discípulos com a predição que Jesus
fizera sobre a destruição de Jerusalém (13.1-4). Sua preocupação é expressa em duas
perguntas. ―Quando acontecerão essas coisas?‖ e ―Qual será o sinal [ςεμεῖον, semeion]
de que estão prestes a se cumprir?‖ Os discípulos interpretaram a destruição de
Jerusalém como um evento simultâneo à consumação do século (cf. ςτνσελέψ,
sunteleō).
A resposta de Jesus, como no Evangelho de Mateus, diz respeito em primeiro lugar à
segunda pergunta, lidando com a invasão e destruição definitivas de Jerusalém,
conforme preditas por Zacarias.
Ele indica, primeiro, que o fim desta era será caracterizado por uma enxurrada de
falso messianismo e por grandes convulsões mundiais, como guerras, terremotos e
fomes (13.5-8). Além disso, haverá perseguição generalizada aos discípulos do Messias,
que exigirá vigilância por parte deles. A promessa de Jesus, todavia, é que o Espírito
Santo haveria de prestar assistência em tempos de perseguição, de modo que o
testemunho messiânico fosse apresentado a todo o mundo (13.9-13).
A segunda marca identificatória dos tempos do fim é o cumprimento da
septuagésima semana profética de Daniel (13.14-23). Isso significaria pressão crescente
sobre Israel para aceitar um falso Messias, com o estabelecimento da abominação da
desolação (ou o sacrilégio terrível, a βδέλτγμα σῆρ ἠπημώςεψρ, bdelugma toēs
ērēmōseōs, um objeto de idolatria tão repugnante que fará que o Templo seja
abandonado).36 Esse aumento na pressão trará consigo uma necessidade ainda maior de

36
Embora Jerusalém tivesse sido arrasada durante a Guerra Judaica contra Roma, nada que
pudesse ser classificado como “a abominação desoladora” ocorreu durante aqueles dias.
Somos levados a crer, portanto, que estes versículos ainda não se cumpriram e aguardam
vigilância espiritual e fidelidade para os discípulos do Messias, que têm a promessa de
libertação em meio a muito sofrimento e apostasia (13.19-23).
Então o sinal sobre o qual os discípulos haviam perguntado é mencionado, pois o fim
da era será marcado por sinais cósmicos e pela aparição do Filho do Homem de acordo
com a profecia de Daniel (13.26; cf. Dn 7.13-14). A terceira aplicação de Jesus também
é relacionada à vigilância, e à percepção espiritual que capacitará os discípulos a
discernir os sinais dos tempos (13.28-31). A referência muito debatida à geração que irá
testemunhar o cumprimento da profecia é melhor entendida como uma indicação de que
os eventos aqui preditos terão um rápido desenvolvimento (se esta interpretação do
Sermão Profético estiver correta, tudo irá durar apenas sete anos), permitindo aos
sobreviventes da tribulação testemunhar todos os assustadores eventos do tempo do fim.
A exortação final é à fidelidade em vigilância e serviço, à luz da natureza súbita da
segunda vinda do Filho (13.32-37). Cinco imperativos ousadamente exigem que os
cristãos (cf. 13.37), em toda parte e a todo tempo, permaneçam vigilantes.
A divisão final do Evangelho apresenta o ponto culminante da missão do Servo - Sua
morte sacrificial e substitutiva e Sua triunfante ressurreição e ascensão como o Filho de
Deus glorificado (14.1 - 16.20).
A morte do Servo é tramada pelos líderes, que esquecem suas diferenças diante de
seu ódio comum ao homem que tornara pública sua falência religiosa (14.1-2). Suas
tentativas de controlar a cronologia do evento e com isso obter vantagens, sem causar
revolta popular de conseqüências trágicas, irão fracassar sob a intervenção providencial
de Deus.
Enquanto isso, em Betânia, uma mulher [aqui anônima] antecipa a morte de Cristo ao
ungi-lo com um caríssimo perfume (14.3-9). Cronologicamente recolocado por Marcos,
esse parágrafo serve como contraste entre a mais intensa devoção (gastar o que era de
mais precioso em Jesus) com a mais intensa degradação (vender o mais Precioso por tão
pouco) - quando Judas vende Jesus à morte ao concordar entregá-lo aos líderes
religiosos (14.10-11).
A descrição da Páscoa que Jesus celebrou com Seus discípulos indica que Sua morte
iria cumprir, ou seja, exaurir, o significado da festa e instituir a Nova Aliança (14.12-
26). A descrição dos preparativos indica que Jesus tinha pleno controle das
circunstâncias que cercaram a Sua morte. Em obediência à tradição judaica, uma pessoa
específica (tinha de ser um homem) supriu o aposento em que o grupo iria celebrar a
Páscoa e participar da refeição pascal.
O anúncio da traição chocou os discípulos, mas também confirmou a realidade do
Antigo Testamento e das predições de Jesus sobre Sua morte (14.17-21). No ambiente
de consternação geral depois da partida de Judas, Jesus investiu a Páscoa de um
significado mais profundo, anunciando a Si mesmo como o sacrifício da Nova Aliança
(14.22-25). Marcos 14.24 ecoa Êxodo 24.8, o sangue da aliança que o Senhor faz com
vocês.
É digno de nota o fato de que mesmo aqui a esperança do Reino é colocada diante
dos discípulos (14.25). A parte triste, conforme encontrada no relato de Lucas, é que os
discípulos ainda estavam preocupados com quem seria o maior no Reino. Com o
cântico da segunda parte dos Salmos do Hallel (Sl 115-118), o grupo deixou a casa em
direção ao Getsêmani. Significativamente, as últimas palavras do Salmo 118 dizem:
Não morrerei, antes viverei e anunciarei as obras do Senhor.
Os dois parágrafos seguintes apresentam mais um contraste interessante. Marcos
14.27-31 retrata o Servo como alguém onisciente, capaz não apenas de prever o futuro,
mas também de estabelecê-lo. Marcos 14.32-41, todavia, retrata o Servo como alguém
plenamente submisso e dependente da vontade de Deus, a despeito da falta de apoio e

cumprimento futuro quando da segunda vinda do Messias. Na melhor das hipóteses, a.D. 70
serve como uma ilustração de tais eventos.
encorajamento de Seus amigos mais íntimos. A descrição feita por Marcos enfatiza a
luta emocional de Jesus (cf. ἐκθαμβεῖςθαι [ekthambeisthai] e ἀδημονέψ [adēmoneō],
14.33), uma característica singular de Sua humanidade.
A chegada de Judas com a patrulha de soldados enviados para prender Jesus serve
apenas para confirmar o soberano plano de Deus predito nas Escrituras. O
comportamento de Judas reflete as práticas dos inimigos do Sofredor Justo dos Salmos
(cf. Salmo 41.9); a fútil tentativa de Pedro de impedir a prisão cumpre a profecia de
Isaías de que o Servo seria contado entre os transgressores (Is 53.9); por fim, a deserção
de todos os Seus companheiros, tanto os próximos quanto os ocasionais, confirmou Sua
própria aplicação da profecia de Zacarias (Zc 13.7).
Tal como Mateus fizera antes dele, Marcos narra os julgamentos de Jesus de modo a
colocar em destaque o fato de Sua inocência e Sua submissão à vontade de Deus (14.53
- 15.15).
O primeiro julgamento, sob a direção de Caifás, foi ilegalmente realizado no meio da
noite, e condenou Jesus ilegitimamente com base em testemunhos contraditórios. É
verdade que Jesus afirmou ser o Filho do Homem, e isso deu aos líderes judeus as
razões religiosas para Sua condenação (14.53-65).
A perícope que contém as negações de Pedro tem um propósito editorial subjacente,
uma vez que pouco acrescenta à trama. Focalizando a hora mais escura da vida de Pedro
e confrontando-a com a fidelidade de Jesus, Marcos expõe a completa infelicidade
produzida pela negação e encoraja seus leitores à fidelidade usando Pedro como prova
de que a misericórdia e a graça de Cristo superam a infidelidade do homem (14.65-72).
Condenado pelas autoridades judaicas, Jesus ainda precisava ser formalmente
acusado e condenado num tribunal romano antes que pudesse ser executado, o que era o
plano da liderança. Assim, foi levado perante Pôncio Pilatos, possivelmente no palácio
de Herodes, não muito distante da casa de Caifás.
Marcos registra apenas uma das acusações trazidas perante Pilatos, precisamente
aquela que iria atrair a atenção de um procurador anti-semita - sedição e traição contra
Roma. Percebendo o ódio e a inveja que motivavam o Sinédrio, Pilatos se mostrou
ansioso por libertar Jesus, de modo a deixar os judeus ainda mais irados (10.9-10). No
entanto, preso entre o seu ódio aos judeus e a possibilidade de uma insurreição num
momento em que Jerusalém estava apinhada de gente, Pilatos finalmente concordou e
entregou Jesus aos soldados para ser crucificado, soltando então Barrabás, o revoltoso
(10.12-15).
Marcos descreve a seguir alguns eventos relativos à crucificação de Jesus (15.16-47).
Esses eventos foram selecionados e dispostos de modo a indicar que Jesus era o Servo
Sofredor e o Filho de Deus. Isaías tinha profetizado que o Servo do Senhor sofreria mau
tratos verbais e físicos (Is. 50.6; 53.3, 5) e assim aconteceu com Jesus (15.16-20).
Marcos é compreensivelmente breve com respeito à própria crucificação. Há um
esforço controlado de não incriminar os romanos além da admissão de que haviam
efetivamente causado a morte do Servo. A maior parte do escárnio contra o Servo vem
dos circunstantes judeus, particularmente dos líderes religiosos, que zombam de Suas
reivindicações reais e messiânicas, blasfemando descaradamente de Deus ao citarem as
Escrituras em sua zombaria contra o Servo (15.29-32).
Marcos é, mais uma vez, bastante frugal nos detalhes da crucificação, omitindo até
eventos notáveis. Assim mesmo, registra aqueles eventos que revelam a verdade das
reivindicações de Cristo por causa de sua natureza singular (15.33-41). Esses eventos
incluem (1) o período incomum de escuridão; (2) o rasgo do véu do Templo; (3) a
confissão do centurião romano; e (4) o sepultamento incomum, que cumpriu a profecia
de Isaías de que o Servo estaria com o rico na sua morte (Is 53.9).
A presença das mulheres na hora final da vida de Jesus (15.40-41, 47) acha um
equivalente em sua presença no evento glorioso do primeiro dia da semana. Sua
fidelidade diante das provações é recompensada com a primeira alegria da ressurreição
e a primeira responsabilidade da proclamação (16.1-8).
Já apresentamos uma breve defesa da autenticidade de Marcos 16.9-20 na discussão
das Questões Introdutórias. Do ponto de vista da doutrina e da hermenêutica, o chamado
final breve virtualmente nega a alegação do próprio autor de que sua obra é um
evangelho. Além do mais, o quadro que esses versículos pintam dos apóstolos não é
nada lisonjeiro, contendo uma crítica ácida à sua incredulidade, algo que igualmente
serve como argumento para a autenticidade dos doze últimos versículos (16.9-14).
O triunfo definitivo do Servo aparece em Sua comissão a que Seus discípulos levem
o Evangelho a toda a criatura (16.15-20). A questão central desse κήπτγμα [kērugma] é
o assunto da fé. Aqueles que crerem serão eventualmente batizados (16.16, conforme
sugerido pelo único artigo grego para os dois particípios), mas a condenação é causada
apenas pela incredulidade. Assim como os milagres do Servo haviam servido como
autenticação de Sua mensagem, Ele agora oferece soberanamente, em favor daqueles
que vão levar adiante a Sua mensagem, alguns milagres confirmatórios que irão
autenticar a verdade de sua fé, ―não a confiança pessoal que qualquer um deles viesse a
exercer‖.37
A evidência histórica e a simples lógica de um período confirmatório para os sinais
durante o processo de consolidação da fé cristã sugerem que tais milagres foram
designados para um uso de apenas algumas décadas, conforme sugerido pelo linguajar
de Hebreus 2.3-4. Os sinais confirmatórios eram: (1) exorcismos; (2) glossolalia; (3)
imunidade a veneno; e (4) curas.
O Evangelho termina com uma visão do Servo glorificado, subindo aos céus e
ocupando o lugar de honra e autoridade à destra do Pai (16.19-20). A imagem é
messiânica, tomada mais uma vez de Daniel 7. Desde os céus, o Servo dirigiria e
capacitaria a continuação do Evangelho de Jesus Cristo, o Filho de Deus (cf. 1.1).

ESBOÇO SINTÉTICO
Mensagem
O padrão do discipulado cristão se encontra no Servo de Deus, cujo serviço
autentica Sua mensagem, e cuja vida é um sacrifício por toda a humanidade.
PARTE I – O SERVIÇO DO SERVO
O padrão do discipulado cristão se encontra no Servo de Deus, cujo ministério
autentica Sua mensagem em meio a oposição e má compreensão (1.1 - 10.52).
I. O ministério do Servo às multidões de Israel autentica Sua mensagem a despeito de Sua
rejeição pela nação (1.1 - 8.26).
A. O ministério do Servo recebe o selo divino de aprovação (1.1-13).
1. O ministério do Servo é adequadamente identificado como Boas-
novas sobre um Salvador divino, o Messias (1.1).
2. O ministério do Servo é adequadamente introduzido por um precursor profeticamente
prometido (1.2-8).
• O precursor do Servo foi prometido pelos profetas da antiguidade (1.2-3).
• A mensagem do precursor do Servo foi a necessidade de arrependimento por parte de
Israel (1.4-6).

37
John D. Grassmick, “Mark,” in BKC - New Testament Edition, 196.
• O incentivo apresentado pelo precursor do Servo era a vinda do grande Rei que traria as
bênçãos prometidas do Reino messiânico (1.7-8).
3. O ministério do Servo é adequadamente identificado pela proclamação de Sua aprovação
por Deus quando de Seu batismo (1.9-11).
4. O ministério do Servo é adequadamente assegurado pela Sua vitória sobre a tentação no
deserto (1.12-13).
B. O ministério inicial do Servo é uma chamada ao discipulado messiânico à luz da oferta
de salvação motivada pela iminência do Reino de Deus (1.14-20).
1. A proclamação do Servo era a iminência do Reino de Deus e a necessidade de uma fé
penitente para alcançá-lo (1.14-15).
2. A convocação do Servo era ao envolvimento com Ele na tarefa de atrair homens para o
Reino (1.16-20).
C. O crescente ministério de milagres realizado pelo Servo autentica Sua mensagem e
autoridade messiânicas diante do povo (1.21 - 2.12).
1. A cura de um endemoninhado na sinagoga de Cafarnaum demonstra a autoridade do
Servo sobre os demônios e lhe granjeia ampla reputação (1.21-28).
2. O ministério de compaixão a multidões de pessoas carentes demonstra a autoridade do
Servo sobre as doenças, mesmo enquanto Ele silencia o testemunho desorientador de
Seus inimigos demoníacos (1.29-34).
3. O crescimento do ministério de compaixão e proclamação do Servo está relacionado a
um senso pessoal de missão baseado na comunhão com Deus por meio da oração (1.35-
39).
4. A cura de um leproso demonstra a autoridade do Servo sobre a contaminação e Seu
desejo de que Ele mesmo e Sua mensagem sejam corretamente compreendidos (1.40-
45).
5. A cura de um paralítico demonstra a prerrogativa divina do Servo de perdoar pecados,
demonstrando Sua autoridade sobre a deformidade (2.1-12).
D. O amplo ministério de cura e pregação realizado pelo Servo dá lugar a um ministério
mais restrito de preparação dos discípulos à medida que a oposição à Sua pessoa e à Sua
mensagem surge e cresce em Israel (2.13 - 8.26).
1. Uma aguda controvérsia se forma entre o Servo e a liderança religiosa judaica por causa
de Sua atitude para com a tradição rabínica (2.14 - 3.6).
• O Servo critica a insensibilidade espiritual dos líderes quando eles O atacam por Se
associar com pessoas de má reputação e inseri-las em Seu programa de discipulado
(2.13-17).
• O Servo critica o apego a rituais, que segundo Ele se tornariam inúteis porque o
verdadeiro discipulado significa desfrutar da Sua presença como o Messias prometido
(2.18-22).
• O Servo critica os líderes por sua observância cega do sábado, despida de qualquer
preocupação genuína com as pessoas em favor de quem o sábado fora instituído (2.23 -
3.6).
- A acusação dos líderes contra os discípulos de violarem o sábado é refutada pela maneira
que o Servo aplica as Escrituras contra meras tradições humanas (2.23-28).
- A tentativa dos líderes de acusar o Servo de violar o sábado é frustrada pela Sua cura de
um homem deformado, a qual expõe a insensatez de sua tradição, provocando assim na
ira assassina da liderança (3.1-6).
2. Um contexto melhor de ministério se apresenta quando o Servo reúne um grupo de
discípulos que aprenderão em contato com Ele à medida que ensina e ministra às
multidões carentes de Israel (3.7-19).
• A retirada do Servo com os discípulos não O impede de ministrar às multidões carentes
(3.7-10).
• A restrição imposta pelo Servo aos espíritos malignos é necessária por causa de sua
tentativa de sabotar Sua mensagem chamando atenção indevida a Seus poderes
milagrosos (3.11-12).
• A escolha do Servo para a plena continuidade de Seu ministério foi um grupo de doze
homens com os quais Ele iria compartilhar Sua vida, Sua mensagem e Sua autoridade
(3.13-19).
3. A oposição ao Servo se espalha e se aprofunda à medida que Sua própria família e a
liderança de Israel atribuem Seus milagres a fontes malignas e Ele se desassocia de
ambos os grupos (3.20-35).
• A oposição por parte da família terrena do Servo foi causada pela impressão errada de que
Ele tinha enlouquecido (3.20-21).
• A oposição por parte da liderança religiosa de Israel veio da conclusão errada de que os
exorcismos realizados pelo Servo eram originados em Satanás (3.22).
• A resposta do Servo aos líderes revela sua incoerência e os adverte contra o irreversível
pecado da blasfêmia contra o Espírito Santo (2.23-30).
• A resposta do Servo à Sua família indica que a verdadeira comunhão com Ele não
depende de relacionamentos de sangue ou raça, mas de uma fé submissa (3.31-35).
4. A mudança de ênfase no ministério do Servo, induzida pela oposição, levou-O a velar a
proclamação pública das verdades do Reino por meio de parábolas, enquanto as
revelava em particular aos discípulos (4.1-34).
• A parábola dos solos retrata as variadas reações em Israel à mensagem do Reino
proclamada pelo Servo e a necessidade de recebê-la em fé para produzir fruto no Reino
(4.1-20).
- A parábola é apresentada às multidões (4.1-9).
- O propósito da parábola é apresentado - confirmar Israel em sua rejeição e instruir os
discípulos (4.10-12).
- A parábola é explicada aos discípulos (4.13-20).
• A parábola da candeia indica que aqueles que recebem iluminação do Servo devem passá-
la adiante a outros (4.21-25).
• A parábola da semente que germina indica que o Reino crescerá com sua dinâmica própria
até o tempo do juízo escatológico (4.26-29).
• A parábola da semente de mostarda explica como o Reino irá crescer até atingir
proporções universais apesar de seu humilde começo (4.30-32).
• A nova ênfase no ministério do Servo se acha na preparação particular de Seus discípulos
(4.33-34).
5. Os notáveis atos de poder do Servo demonstram a realidade de Seu ensino sobre o Reino
(4.35 - 5.43).
• A autoridade divina se revela no Servo quando Ele acalma uma tempestade no mar (4.35-
41).
• A cura do endemoninhado revela o poder divino do Servo, reconhecido pelos demônios,
mas rejeitado pelos gerasenos (5.1-20).
• A cura da mulher hemorrágica e a ressurreição da filha de Jairo revelam a compaixão do
Servo e Seu poder sobre a vida e a morte (5.21-43).
- O comovente pedido de Jairo encontra uma resposta terna e compassiva por parte do
Servo (5.21-24).
- A fé sincera, ainda que imperfeita, da mulher hemorrágica é recompensada pelo Servo
com a cura e a promessa de contínuo bem-estar (5.25-34).
- A ressurreição da filha de Jairo destaca o poder do Servo sobre a morte (5.35-43).
6. A crescente oposição ao Servo por pessoas comuns e pelas autoridades de Israel é
respondida com generosas demonstrações de poder em Seu ministério (6.1 - 8.26).
• A rejeição pública do Servo em Nazaré, sua ―cidade natal‖, é respondida com o ministério
comissionado dos discípulos como Seus representantes autorizados (6.1-13).
• A reação ameaçadora de Herodes Antipas ao ministério do Servo é respondida com uma
demonstração milagrosa de misericórdia e poder (6.14-56).
- O tratamento brutal dispensado por Herodes a João Batista torna-se uma ameaça à vida do
Servo (6.14-29).
- A provisão de alimento para uma grande multidão manifesta a misericórdia do Servo e
Seu cuidado para com os carentes (6.30-44).
- A caminhada do Servo sobre as águas e o acalmar da tempestade manifestam o Seu divino
poder (6.45-56).
• A oposição legalista dos fariseus e escribas tem como reação a extensão do ministério
misericordioso de milagres ao território gentio (7.1 - 8.9).
- As objeções dos fariseus ao estilo de vida do Servo são denunciadas como cortina de
fumaça para sua falta de pureza interior (7.1-23).
• A questão da purificação interna aparece como pretexto contra o Servo (7.1-5).
• O Servo traz a lume o problema dos líderes de Israel - o abandono da Palavra de Deus
em favor de tradições humanas (7.6-13).
• As multidões e os discípulos são advertidos contra a hipocrisia crônica dos líderes
religiosos (7.14-23).
- O ministério aos gentios revela a extensão das bênçãos do Reino a todas as nações à luz da
resposta negativa de Israel ao Servo (7.24 - 8.9).
• A cura da filha da mulher siro-fenícia ilustra o triunfo da fé sobre a contaminação
cerimonial aos olhos de Deus (7.24-30).
• A cura do surdo-mudo revela a resposta positiva dos gentios aos atos de misericórdia
do Servo (7.31-37).
• A alimentação milagrosa de quatro mil pessoas apresenta o Servo como o provedor
divino para as necessidades dos gentios (8.1-10).
• A oposição hipócrita dos fariseus incrédulos é condenada e contra-atacada pela cura de
um cego (8.9-26).
- O Servo condena a incredulidade que ignora a evidência disponível e exige sinais
adicionais como se isso fosse marca de piedade (8.11-13).
- O Servo adverte os discípulos sobre a maneira em que a incredulidade prejudica a
percepção espiritual do indivíduo (8.14-21).
- O Servo demonstra a necessidade de uma visão espiritual clara ao curar um cego por meio
de um milagre em duas fases (8.22-26).
II. O ministério do Servo aos discípulos desvenda o programa divino para Ele e o estilo de
vida que se espera do discípulo num contexto de provações e oposição (8.27 - 10.52).
A. O ministério do Servo aos discípulos desvenda o programa divino de sofrimento e
glorificação para Ele como o Messias (8.27 - 9.13).
1. A confirmação da messianidade de Jesus para os discípulos vem por meio da confissão
de Pedro (8.27-30).
2. A instrução referente ao programa divino para o Servo diz respeito à necessidade de seu
sofrimento, morte e ressurreição (8.31-33).
3. A instrução sobre a atitude dos discípulos em face do sofrimento do Servo (e do seu
próprio) e de Sua posterior glorificação deveria ser de autonegação e aceitação das
provas devidas ao seu compromisso com Ele (8.34 - 9.1).
4. A transfiguração oferece um estímulo à fé e ao compromisso dos discípulos ao confirmar
a autoridade real designada para o Servo no programa de Deus (9.2-13).
• A transfiguração revela a aprovação de Deus ao Servo e Seu papel chave no programa
divino (9.1-7).
• A transfiguração confirma a necessidade da morte do Servo sobre a cruz, prefigurada na
rejeição de João Batista por Israel (9.8-13).
B. O ministério do Servo aos discípulos desvenda o estilo de vida esperado de um discípulo
num contexto de provações e oposição (9.14 - 10.52).
1. Os discípulos precisam de fé e oração poderosa para vencer forças demoníacas conforme
demonstrado na cura de um menino endemoninhado (9.14-29).
2. O segundo anúncio da morte e ressurreição do Servo revela a falta de compreensão da
missão do Servo por parte dos discípulos (9.30-32).
3. Os discípulos precisam de humildade e de uma atitude de serviço entre a comunidade da
fé conforme ilustrado pelo lugar e papel de uma criança em sua sociedade (9.33-37).
4. Os discípulos precisam aceitar outros seguidores do Servo porque o compromisso com
Ele trará recompensa divina a despeito das associações terrenas (9.38-41).
5. Os discípulos precisam evitar tornar-se pedras de tropeço a todo custo, pois um
compromisso perdido com o Messias é difícil de recuperar (9.42-50).
6. Os discípulos precisam tratar o casamento como uma instituição divina e rejeitar o
divórcio fácil dos judeus (10.1-12).
7. Os discípulos precisam valorizar a humildade e a confiança infantis como as qualidades
exigidas para a entrada no Reino (10.13-16).
8. Os discípulos precisam abandonar a confiança nas riquezas e na justiça baseada em obras
como garantias de entrada no Reino (10.17-27).
9. Os discípulos precisam lembrar que o compromisso com o evangelho não trará apenas
vida eterna, mas o paradoxo de recompensas e rejeição na terra (10.28-31).
10. O terceiro anúncio da morte de Cristo reforça a necessidade dos discípulos assumirem
uma atitude de serviço e não de auto-afirmação (10.32-45).
C. Transição - A cura de Bartimeu, o cego, retrata o verdadeiro significado do discipulado -
ser iluminado pelo Messias e segui-LO na estrada rumo ao martírio (10.46-52).
PARTE II - O SACRIFÍCIO DO SERVO
O padrão do discipulado cristão se encontra no Servo de Deus, cuja vida é oferecida
como um sacrifício por toda a humanidade (11.1 - 16.20).
I. A apresentação oficial do Servo como Messias provoca o tipo de oposição oficial que
levará à Sua rejeição definitiva pela nação (11.1 - 12.44).
A. A apresentação do Messias de acordo com as profecias do Antigo Testamento encontra
boa recepção e exuberante alegria por parte das multidões que acorrem a Jerusalém
(11.1-11).
B. O início do ministério do Servo durante a Semana da Paixão prepara o caminho para sua
confrontação posterior com os líderes religiosos por causa de Sua condenação da
ganância e da falsa religiosidade da liderança (11.12-25).
1. Jesus condena os líderes por sua ganância e pela paródia de religião que criaram com seu
comércio ilícito dentro das dependências do Templo (11.12-19).
2. A maldição contra a figueira serve como encorajamento aos discípulos para que
continuem a crer em Deus a despeito da rejeição do Servo por Israel (11.20-26).
C. A contestação da autoridade do Servo pelos líderes de Israel fracassa quando Ele revela
sua falência espiritual e Sua superioridade moral em relação a eles (11.27 - 12.44).
1. A contestação da autoridade do Servo é frustrada quando Ele expõe a incapacidade
espiritual dos líderes, evidenciada em sua reação a João Batista (11.27-33).
2. A rejeição sistemática do plano de Deus por Israel, que culminou com a rejeição do
Servo pelos líderes, trará juízo divino sobre a nação (12.1-12).
• A parábola dos agricultores perversos retrata a longa história de rejeição do plano de Deus
por Israel (12.1-9).
• A aplicação de passagens messiânicas à rejeição do Servo pelos líderes comunica a
mensagem de juízo contra a liderança (12.10-12).
3. A maneira sábia como o Servo lidou com os ataques das diversas facções da liderança
judaica desmascara sua inépcia espiritual e deixa Sua autoridade intocada diante do
povo (12.13-37).
• O ataque político pelos fariseus e herodianos foi frustrado pelo apelo do Servo à lealdade
a Deus como a questão fundamental da vida (12.13-17).
• O ataque teológico pelos saduceus quanto à ressurreição foi frustrado pelo apelo do Servo
às Escrituras e ao poder de Deus, dos quais Seus adversários eram vergonhosamente
ignorantes (12.18-27).
• O ataque escriturístico por um mestre da Lei quanto ao maior dos mandamentos foi
frustrado pela capacidade do Servo de resumir a Lei (12.28-34).
• O desmascaramento da inépcia espiritual da liderança foi completo quando eles se
mostraram incapazes de lidar com a reivindicação de divindade do Servo com base nas
Escrituras [Salmo 110] (12.35-37).
4. A condenação dos líderes religiosos e de seu sistema hipócrita de religião pelo Rei retrata
e define a rejeição divina de Israel (12.38-40).
5. O contraste entre os líderes, hipócritas e egoístas, e o Servo, autêntico e altruísta, foi
ilustrado pelo compromisso total da viúva e sua pequena oferta (12.41-44).
II. O desvendamento do programa profético de Deus pelo Servo contribui para intensificar
a necessária atitude de vigilância entre os discípulos em vista das perseguições e dos
enganos vindouros (13.1-37).
A. A ocasião para o Sermão Profético foi a preocupação dos discípulos com a predição da
destruição de Jerusalém por Jesus (13.1-4).
B. Convulsões cósmicas, perseguição e apostasia generalizadas caracterizarão o fim desta
era, exigindo vigilância dos discípulos (13.5-23).
1. O fim desta era será caracterizado por falso messianismo e por convulsões físicas e
sociais no mundo (13.5-8).
2. O fim desta era será caracterizado por oposição generalizada ao evangelho e perseguição
aos crentes (13.9-13).
3. O fim desta era será caracterizado pelo cumprimento da septuagésima semana de Daniel,
com pressão aumentada sobre Israel para aceitar um falso Messias, exigindo assim a
vigilância dos discípulos (13.14-23).
• A abominação desoladora será manifestada no Templo e trará ampla perseguição entre os
judeus (13.14-18).
• Haverá libertação para os eleitos, apesar de sofrimento e agitação sem precedentes no
mundo (13.19-20).
• Haverá uma explosão de falso messianismo (13.21-23).
C. A vinda do Filho do Homem será marcada por sinais cósmicos e pela reunião universal
dos eleitos de Deus (13.24-27).
D. A vigilância é necessária para discernir os sinais dos tempos e para ser encontrado fiel
quando da vinda do Filho do Homem (13.28-37).
1. Os discípulos deveriam ser capazes de identificar os sinais do fim dos tempos tão
claramente quanto identificam as estações do ano, bem como estar prontos para a vinda
iminente do Filho do Homem (13.28-31).
2. Os discípulos deveriam ser vigilantes para serem encontrados fiéis à luz da natureza
súbita da vinda do Filho do Homem (13.32-37).
III. O ponto culminante da missão do Servo surge com Sua morte sacrificial como resgate
por muitos e com Sua triunfante ressurreição e ascensão como Filho de Deus (14.1 -
16.20).
A. O ponto culminante da missão do Servo surge com Sua morte sacrificial como resgate
por muitos (14.1 - 15.47).
1. O cenário para a morte do Servo é preparado por uma conspiração, uma unção e uma
traição (14.1-11).
• Os líderes religiosos conspiram para eliminar o Servo sem causar um levante popular
(14.1-2).
• A mulher de Betânia antecipa a morte do Servo ungindo-O com um caro perfume (14.3-
9).
• Judas Iscariotes oferece aos líderes a oportunidade de que precisavam para eliminar Jesus
(14.10-11).
2. A celebração da Páscoa indica que a morte do Servo daria pleno cumprimento ao
significado da festa judaica e instituiria a Nova Aliança (14.12-26).
• Os preparativos para a Páscoa refletem o controle que o Servo exercia sobre as
circunstâncias que cercavam Sua morte próxima (14.12-16).
• O anúncio da traição confirma a realidade das predições do Servo sobre Sua morte (14.17-
21).
• A refeição pascal é investida de sentido mais profundo quando Jesus anuncia-Se a Si
mesmo como o sacrifício que garante a Nova Aliança (14.22-25).
- Seu corpo seria quebrado como o pão (14.22).
- Seu sangue seria derramado como o vinho (14.23-24).
- Sua oferta apontava para a consumação do programa do Reino em Sua segunda vinda
(14.25).
- Um hino [salmos do Hallel] foi cantado em louvor a Deus (14.26).
3. O Servo soberanamente prediz o Seu abandono pelos discípulos e a negação de Pedro,
indicando quão terrivelmente só Ele ficaria por ocasião de Sua morte (14.27-31).
4. As orações de Jesus no Gêtsemani apresentam-nO como o Servo do Senhor, plenamente
submisso à vontade de Deus embora cercado por amigos descompromissados (14.32-
42).
5. Os eventos da prisão de Jesus revelam que o plano para eliminá-lo estava dentro do
escopo do plano soberano de Deus predito nas Escrituras (14.43-52).
• O sinal de Judas para os aprisionadores foi o sinal universal de amizade [cf. Salmo 41.9]
(14.43-46).
• A fútil tentativa de afastar os aprisionadores deu a Jesus uma associação formal com os
violentos [cf. Is 53.9] (14.47-49).
• A deserção de todos os Seus companheiros, tanto os próximos quanto os casuais,
confirmou Seu próprio uso da profecia [cf. Zc 13.7] (14.50-52).
6. Os eventos relacionados aos julgamentos ilegítimos de Jesus colocam em alto relevo Sua
inocência e Sua entrega à vontade determinada de Deus (14.53 - 15).
• O julgamento conduzido por Caifás condenou Jesus por blasfêmia com base em
testemunho contraditório e em Sua alegação de ser o Filho do Homem (14.53-65).
- A tentativa dos líderes de incriminar Jesus falhou por causa do uso de evidência
contraditória (14.53-59).
- A acusação de blasfêmia foi lançada contra Jesus por causa de Sua alegação de ser o Filho
do Homem (14.60-64).
- O tratamento brutal dispensado a Jesus revela a natureza ilegítima do julgamento (14.61-
65).
• As negações de Pedro revelaram tanto a completa solidão de Jesus em Seu julgamento
quanto a enormidade da culpa resultante de negar a Jesus (14.65-72).38
• O julgamento conduzido por Pilatos condena Jesus por sedição contra Roma com base em
Sua alegação de ser Rei dos Judeus (15.1-15).
- A resposta de Jesus à acusação trazida contra Ele deixou Pilatos perplexo (15.1-5).
- A tentativa pífia de Pilatos de libertar Jesus foi superada pela incitação da multidão pelos
líderes religiosos (15.6-11).
- A motivação determinante para a condenação do Servo foi agradar uma multidão
descontrolada (15.12-15).
7. Os eventos relacionados à crucificação de Jesus claramente O identificam como o Servo
Sofredor e o Filho de Deus (15.16-47).
• Jesus é ridicularizado e maltratado fisicamente [como fora profetizado sobre o Servo
Sofredor] (15.16-20).
• Jesus é vilipendiado pelos judeus quando estes zombam de Suas reivindicações de realeza
e messianidade [num uso errado e blasfemo dos Salmos] (15.21-32).
• Os eventos sobrenaturais ligados à morte de Cristo revelam a verdade de Suas alegações
(15.33-47).
- O período de escuridão estranhamente longo reflete a escuridão espiritual da hora (15.33-
37).
- O véu do Templo é rasgado de alto a baixo, revelando a ab-rogação do sistema religioso
judaico (15.38).
• A admissão da deidade de Cristo por um centurião romano estabelece um forte contraste
com a zombaria dos judeus (15.39).
• A presença de algumas seguidoras de Jesus que observavam a cena a distância atesta o
absoluto abandono do Servo na hora de Sua morte (15.40-41).
• O sepultamento de Jesus por José de Arimatéia deu ao Servo um lugar entre os ricos, em
cumprimento da profecia de Isaías (15.42-47).
B. O ponto culminante da missão do Servo vem com Sua triunfante ressurreição e Sua
ascensão como o Filho de Deus (16.1-20).
1. A ressurreição é anunciada a um grupo de mulheres como prova das reivindicações de
divindade e messianidade por parte de Jesus (16.1-8).
• A expectativa das mulheres era encontrar um cadáver a quem iriam ungir com especiarias
(16.1-3).
• O anúncio da ressurreição de Cristo e de Sua presença na Galiléia por meio de um jovem
cuja presença não era esperada deixou as mulheres confusas e temerosas (16.4-8).
2. As aparições pós-ressurreição confirmam a realidade do anúncio de que Jesus estava
vivo, descrevendo como foi difícil vencer o ceticismo dos discípulos (16.9-14).
• O primeiro relatório por Maria Madalena não foi crido pelos discípulos (16.9-11).
• O segundo relatório pelos dois discípulos que viajavam não foi crido pelos onze (16.12-
13).
• A aparição do próprio Jesus aos onze trouxe consigo uma repreensão por sua
incredulidade (16.14).
3. O Servo triunfante comissiona e capacita Seus discípulos a levarem o Evangelho a toda a
criatura (16.15-18).
• A mensagem que deveriam proclamar era de salvação por meio da fé e condenação pela
incredulidade (16.15-16).
38
À luz do propósito de encorajar um discipulado fiel num contexto de perseguição, esta
passagem é muito importante para o desenvolvimento da mensagem do livro. Cf. 16.7, onde
Pedro é especialmente ajudado com o encorajamento de Cristo. Marcos usou a experiência de
seu mentor para encorajar os crentes a perseverarem.
• A confirmação que apresentariam consistiria de sinais milagrosos concedidos a eles pelo
próprio Servo (16.17-18).
4. O servo triunfante subiu ao lugar de autoridade no céu, de onde dirige a proclamação e a
confirmação do Evangelho (16.19-20).

O argumento de
LUCAS
Questões introdutórias
TÍTULO
A maioria dos manuscritos mais algumas testemunhas ocidentais e alexandrinas
contêm o sobrescrito εὐαγγέλιον κασά Λοτκᾶν (euangelion kata Loukan). Alguns
manuscritos da tradição bizantina mais ‫ א‬e B têm apenas κασά Λοτκᾶν.
AUTORIA
O terceiro Evangelho é anônimo. Seu autor, porém, deixou algumas informações
sobre si mesmo no prólogo (1.1-4): (a) a conformidade aos padrões literários do seu
tempo indica que ele era um homem bastante culto; (b) ele afirma especificamente que
pesquisou seu material a partir de testemunhas oculares dos eventos, o que sugere que
não estava entre os seguidores originais de Jesus.
Evidências externas: Evidências de uma autoria lucana para esse evangelho vêm
principalmente da segunda metade do século II. Marcion, o herege, aceitava apenas
Lucas como um evangelho verdadeiro, embora com algumas excisões.39 Justino Mártir
(c. 100-165) cita Lucas 22.44 e 23.46, sem, contudo, especificamente identificar Lucas
como o autor.40 A primeira evidência bem definida da autoria lucana vem do Cânon
Muratoriano (c. 180), cujas linhas 2 a 8 dizem:
O terceiro livro do Evangelho: Segundo Lucas. Este Lucas era um médico. Depois da
ascensão de Cristo, quando Paulo o levara com ele como um dedicado a letras. Ele
escreveu sob seu próprio nome, a partir de relatos alheios. Ele mesmo, pois, não tinha
visto o Senhor pessoalmente, mas, na medida em que era capaz de seguir (tudo),
começou o seu relato com o nascimento de João.41
Irineu de Lyon (c. 140-203) escreve especificamente. ―Lucas também, o
companheiro de Paulo, levou adiante num livro o evangelho, como fora pregado por
ele.‖42 Talvez a declaração mais completa de autoria lucana se encontra no prólogo

39
Tertuliano Contra Marcion, 4.1.
40
D. Edmond Hiebert, An Introduction to the New Testament, 1:115.
41
Citado por Joseph A. Fitzmyer, The Gospel According to Luke I-IX, AB 28A, p. 37.
42
Contra Heresias 3.1.1. A simplificação exagerada do papel de Lucas como um autor não
invalida o fato da sua autoria. Este ponto de vista de Lucas como um mero copista ou
amanuense provavelmente nasceu de um desejo de dar autoria apostólica ao livro.
Antimarcionita, que data de cerca de 18043. A estes se acrescentam os testemunhos de
Tertuliano (c. 150-220), Orígenes (185-254), Eusébio (324), Jerônimo (340-420), que
recapitula esta sólida tradição da igreja.44 Todos os antigos cânones, versões, e listas
canônicas conciliares contêm o Evangelho e apontam solidamente para o médico amado
como seu autor.
Evidência interna: Esta precisa levar em conta a evidência obtida do livro de Atos,
principalmente seu prólogo e as chamadas ―passagens inclusivas‖.45 Assim, ambos os
livros são dedicados ao mesmo indivíduo, um certo Teófilo; Atos faz referência ao
primeiro volume (σόν ππ῵σον λόγον, ton prōton logon); os livros contêm semelhanças
de estilo e vocabulário, partilham de preferências teológicas semelhantes;46 a noção
definida de progressão geográfica encontrada em ambos os livros.
A semelhança de estilo e vocabulário entre as passagens inclusivas e o resto de Atos
indica que foram escritos pela mesma pessoa. Visto que apenas Lucas e Tito entre os
companheiros não são mencionados especificamente em Atos, um dos dois deve ser o
autor. Tito, cuja ausência em Atos é, de fato, surpreendente, nunca foi indicado como o
autor de Atos, deixando assim Lucas como o único verdadeiro candidato para a autoria
do terceiro Evangelho.
A partir do Evangelho de Lucas apenas se descobre que a grande precisão com a qual
o autor se referiu a e usou termos médicos sugere que alguém envolvido com medicina
escreveu o livro. Assim, tanto a evidência externa quanto a interna apontam para Lucas
como o autor.
Lucas deve ter sido um gentio porque Paulo o diferenciava dos ―da circuncisão‖ (Cl
4.10-14) e por causa do seu comentário distanciado sobre a língua hebraica, ―em sua
própria língua‖ (At 1.19). Além de ser um companheiro chegado de Paulo, ele foi
chamado ―o médico amado‖ pelo Apóstolo (Cl 4.14).
O médico juntou-se a Paulo em Trôade na segunda viagem missionária de Paulo (cf.
At 16.10, a primeira ―passagem inclusiva‖ em Atos). Ele provavelmente ficou em
Filipos e se tornou um líder importante depois da partida de Paulo (At 16). Uns seis
anos depois, Lucas se reuniu a Paulo quanto este foi a Filipos em sua terceira viagem
missionária e permaneceu com ele até chegar à Palestina. Lucas permaneceu com Paulo
durante o seu aprisionamento de dois anos em Cesaréia e depois o acompanhou a Roma
(At 28). Ele foi visto novamente ao lado de Paulo durante o terceiro aprisionamento do
Apóstolo.
DATA E ORIGEM
O final do livro de Atos, às vezes chamado de ―abrupto‖ por pessoas que não
percebem plenamente o propósito de Lucas para o segundo volume da sua obra, sugere

43
E. E. Ellis, The Gospel of Luke, NBC, 41, e Fitzmyer, Luke I-IX, pp. 38-39, ambos citam o
texto. Fitzmyer, no entanto, argumenta em favor de duas composições separadas e destaca
que a especulação sobre as origens do Novo Testamento já era um fato comum no século II.
Sua conclusão, porém, é que “descartar a substância da tradição – que Lucas escreveu o
terceiro Evangelho e Atos – parece desnecessário”.
44
De viris illustribus 7.
45
As chamadas “we-passages” nos comentários ingleses.
46
F. F. Bruce lista as seguintes: simpatias católicas (i.e. universais), interesse pelos gentios,
proeminência a mulheres, tendências apologéticas semelhantes, aparições pós-ressurreição
limitadas à Judéia, e o julgamento de Cristo diante de Herodes Antipas (The Acts of the
Apostles, p. 2).
que Lucas concluiu sua composição pouco tempo depois da soltura de Paulo em a.D.
62.
Essa data, então, seria o terminus a quo para a composição do Evangelho de Lucas,
que é o primeiro volume da descrição que Lucas fez do progresso soberano da
mensagem do Reino de Jerusalém a Roma.47
Durante os dez anos em que Lucas ministrou com Paulo, ele teve muitas
oportunidades de coletar seu material, mas o melhor período para essa atividade foram
os dois anos que Paulo passou como prisioneiro romano em Cesaréia. O sabor
nitidamente hebraísta dos capítulos 1 e 2 do seu Evangelho pode ser devido a
entrevistas ―ao vivo‖ com Maria, mãe do nosso Senhor, ou um dos irmãos de Jesus.
A data mais provável para o Evangelho, então, é por volta de a.D. 58-59, antes que
Paulo e Lucas partissem para Roma. À luz do relato do naufrágio em Atos 27, pode-se
supor que, onde quer que tenha morado Teófilo, Lucas provavelmente enviou o original
para lá, de Cesaréia, antes da sua viagem.48
Há cinco outros locais de origem propostos para o Evangelho de Lucas. O(s)
prólogo(s) Anti-Marcionita(s) afirma(m) que ele foi composto na Acaia.49 Jerônimo
propõe duas origens diferentes: Beócia (onde Lucas teria morrido, segundo o prólogo) e
Roma. Outras candidatas são Alexandria e Decápolis.50 Este escritor prefere uma
origem cesareana para o Evangelho e uma origem romana para Atos, o segundo volume.
DESTINATÁRIOS
Há indicações literárias e contextuais de que o público alvo de Lucas era
predominantemente gentio. Fitzmyer alista as seguintes: (a) as porções com orientação
judaica dos discursos que se encontram em Mateus e Marcos estão ausentes em Lucas
(e.g., as antíteses de Mateus 5.21-48 estão ausentes no Sermão do Monte [?] em Lucas);
(b) expressões gregas substituem títulos hebraicos/aramaicos (por exemplo, ἐπιςσάσψ
[epistatō] em lugar de Ραββί [Rabbi] e νομικόρ [nomikos] em lugar de γπαμμασεύρ
[grammateus]); (c) a genealogia de Jesus é levada até Adão, em vez de até a Abraão (cf.
Mt 1.1); (d) a maioria das citações de Lucas vem da Septuaginta (com pequenas
modificações editoriais); e (e) o uso de ―Judéia‖, às vezes, para incluir Samaria e
Galiléia (por exemplo, 1.5; 4.44). O exemplo mais óbvio, porém, se encontra em Lucas
22.1, onde a Festa dos Pães Asmos recebe o adendo, ―chamada páscoa‖.
A pessoa especificamente denominada como o recipiente da obra, Teófilo, não é
conhecida. Seu nome era comum, e isso pode ter ocasionado a idéia de que ele
represente ―os amigos de Deus‖, isto é, cristãos em geral. Isto, porém, é uma
desnecessária falta de consideração pela dedicatória formal de Lucas, que está ausente
nos outros Evangelhos, supostamente direcionados a certos grupos.

47
É notável que a maioria dos autores que defendem a existência de várias fontes primitivas
das quais os Evangelhos Sinópticos derivam sua informação argumentam que visto que Lucas
menciona “muitas” tentativas de compor uma história da vida terrena de Cristo, seu Evangelho
precisa ser tardio. Assim diz Fitzmyer, Luke I-IX, 54, e implicitamente N. Geldenhuys,
Commentary on the Gospel of Luke, NICNT, 33.
48
J. A. T. Robinson, Redating the New Testament, 50-60, coloca a data de Lucas por volta de
57-60, refutando acusações de vaticinia ex eventu para as profecias sobre a destruição de
Jerusalém (cf. Lc 21.20-24) e argumentando por menos dependência literária entre os
Sinópticos.
49
Fitzmyer, Luke I-IX, p. 38.
50
Hiebert, Introduction, 1.140.
Pressupondo, então, a sua existência individual, Teófilo deve ter sido um gentio de
certa riqueza ou importância na sociedade, talvez até na hierarquia imperial, como se vê
pela designação κπάσιςσε (kratiste, 1.3). Hiebert indica que era costume que ―um livro
assim dedicado se tornasse a propriedade daquele ao qual era dedicado com o
entendimento de que o recipiente assumia a responsabilidade por sua publicação.‖51
O propósito imediato de Lucas com respeito a Teófilo era garantir que sua
informação sobre a pessoa e a obra de Jesus Cristo seria precisa. Este prólogo sugere
que ou alguns dos movimentos cismáticos já estavam publicando evangelhos suspeitos
ou que obras difamatórias haviam sido escritas contra Jesus.
CARACTERÍSTICAS
Lucas foi escrito do ponto de vista de um historiador. O autor estava preocupado com
precisão cronológica e geográfica. Lucas é o único evangelista que liga seus eventos
narrativos à história secular.52 Ele também prestou atenção a pequenos detalhes
pessoais, como a intensidade de uma febre ou a extensão da lepra de um homem (4.38;
5.12).
Ademais, Lucas é o mais literário de todos os Evangelhos. Embora não se alcance o
nível estilístico de Hebreus, o grego de Lucas é muito mais polido e gramatical do que
de qualquer outro autor do Novo Testamento. Isto não o impede de permitir alguns
hebraísmos e aramaísmos em seu texto; estes servem, na verdade, para destacar sua
abordagem de testemunha ocular para coletar dados.53
As preocupações teológicas de Lucas incluem o Espírito Santo (com atenção
específica para o fenômeno que ele descreve como ἐπλήςθη πνεύμασορ ἁγίοτ [eplesthē
pneumatos hagiou], que é freqüente em Atos), o escopo universal da missão redentora
de Cristo como o Filho do Homem (cf. 19.10 e 24.47), o ministério dos anjos em
relação à pessoa de Jesus Cristo (mais de vinte referências), e o deslocamento
deliberado de Cristo (e sua mensagem do Reino) rumo a Jerusalém, que cobre doze
capítulos no livro.54
Argumento Básico
PROPÓSITO
A discussão do propósito do Evangelho de Lucas precisa levar em consideração dois
fatores importantes diretamente relacionados ao seu texto. O primeiro é o prólogo (1.1-
4), que oferece uma clara indicação dos resultados que Lucas esperava alcançar com a
composição da sua obra, a saber, dar uma base histórica para a fé que Teófilo exercia
em Cristo. Isto é o que poderíamos chamar um propósito pastoral-apologético para o
Evangelho.
Segundo, é preciso considerar o epílogo (24.45-53), que aponta para uma
continuação da saga do Reino, visto que as testemunhas permanecem em Jerusalém

51
Hiebert, Introduction, 1:130.
52
Para uma excelente defesa da precisão de Lucas como um historiador, veja I. Howard
Marshall, Luke: Historian and Theologian. Veja também capítulos pertinentes em Harold W.
Hoehner, Chronological Aspects of the Life of Christ. Para fins de contraste, Fitzmyer acusa
Lucas de desrespeitar a História para favorecer suas preocupações teológicas (Luke I-IX, p. 16).
53
Donald Guthrie, New Testament Introduction, pp. 115-116, sugere que essa
adaptabilidade era a maior virtude de Lucas como um autor, misturando o grego polido no
prólogo, com bom coinê literário e grego semitizado nas narrativas da infância (para dar cor).
54
Isto certamente é paralelo à progressão do Evangelho rumo a Roma no livro de Atos.
esperando o cumprimento da promessa para que a mensagem do Reino seja
efetivamente levada a todas as nações. Essa última observação é bem resumida por
Guthrie, que propõe que o propósito de Lucas era de descrever os primórdios de um
processo que se espalhou além de Jerusalém até o coração do próprio Império
Romano.55 Ainda assim, o Evangelho está completo em si e carrega esse propósito
teológico de demonstrar que a pregação da mensagem do Reino aos gentios é legítima à
luz da rejeição de Israel para com Jesus como o Filho do Homem.
Outra teoria muito mencionada sobre o propósito de Lucas-Atos é a teoria da defesa
legal, que vê a obra de dois volumes como uma vindicação do cristianismo como uma
religião que desde o princípio encontrou favor com as autoridades romanas (cf. a tripla
referência à opinião de Pilatos de que Jesus era inocente).
Tendo em mente essas observações, o propósito do Evangelho de Lucas pode ser
resumido da seguinte maneira:
Demonstrar historicamente que a mensagem do Reino, conforme pregada aos
gentios para a sua salvação era uma continuação legítima do plano de Deus à luz
de como Israel rejeitou Jesus como seu Rei.
DESENVOLVIMENTO
O Evangelho de Lucas tem cinco grandes divisões. Estas estão resumidas na tabela
abaixo:

Prólogo Preparação Proclamação Proposta Propagação


1.1-4 1.5–4.13 4.14–9.50 9.51–19.27 19.28–24.53
Anunciações Entrada triunfal
Discipulado
Nascimentos Mini-rejeição Purificação
72
precursor Provas Confrontação
Fontes Controvérsia
O batismo de Instrução Profecia
Propósito Ensinamentos do
Jesus Milagres Páscoa
Reino
Genealogia Revelação Paixão
Fim da jornada
Tentação Ressurreição
A mensagem soberana do Reino foi estendida a todas as nações em vista da rejeição
de Israel para com Jesus, o Filho do Homem, como seu Messias.
O livro abre com um prólogo (1.1-4), escrito em forma grega clássica, que enuncia
um dos propósitos para a sua composição e os métodos pelos quais a informação foi
coletada para esse fim.
A seção chamada Preparação (1.5 - 4.13) descreve os eventos sobrenaturais que
precederam a manifestação do Filho do Homem, Jesus de Nazaré, ao qual o trono de
Davi, Seu pai (antepassado), fora prometido (1.32-33). Essa seção está repleta de
profecia, especialmente profecia messiânica, e de passagens relativas à aliança do
Antigo Testamento.
Essas últimas estão mais evidentes no Benedictus. O cântico de louvor de Zacarias
por ocasião do nascimento de João, que se tornaria o predecessor do Rei (cf. 1.76).
O cântico apresenta alguns dos mais destacados temas da esperança messiânica,
organizados numa estrutura quiástica centrada na aliança abraâmica (fato muito
significativo em vista do tom universal do evangelho).56

55
Guthrie, Introduction, p. 95.
56

Estrutura Quiástica do Benedictus


Tais elementos de esperança messiânica incluem o livramento dos inimigos (1.71),
um Salvador da casa de Davi (1.69), o cumprimento da promessa de terra na Aliança
Abraâmica (1.74-75), a chegada de um mensageiro profético (1.76), o perdão da Nova
Aliança (1.77), o nascer do sol da justiça (1.78), e o cumprimento da promessa da Nova
Aliança de restauração da terra em paz (1.74-75).
Com tais expectativas, o Rei e Seu predecessor entraram na cena da Palestina
dominada por Roma. O nascimento do Rei é anunciado por anjos e reconhecido por
pastores, na combinação de glória e humildade que caracterizaria a Sua futura vida
terrena (cap. 2). Na verdade, toda essa seção prenuncia o caráter e o ministério de Jesus
como o Filho do Homem, o Rei que seria também o Salvador (cf. 2.11, 30-32). As
palavras de Simeão de que Jesus seria um ςημεῖον ἀνσιλεγόμενον (sēmeion
antilegomenon, 2.34) são abundantemente demonstradas nas passagens posteriores no
livro.
Lucas é o único Evangelho que apresenta cenas da infância de Jesus, enfatizando seu
completo crescimento até a perfeita varonilidade, inclusive a Sua obediência aos Seus
pais e Sua consciência de Si mesmo como Filho de Deus (2.39-52).
O capítulo 3 e o primeiro parágrafo do capítulo 4 registram a última fase da
preparação de Jesus para Seu ministério terreno. O ministério de João e o batismo de
Jesus, a genealogia de Jesus e Seu triunfo sobre o tentador servem para autenticar Jesus
tanto como Filho do Homem quanto como Filho de Deus.
A seção denominada Proclamação (4.14 - 9.50) se encaixa no propósito de Lucas ao
descrever a apresentação e a autenticação da mensagem do Reino perante a nação
enquanto o Filho do Homem ministra na Galiléia.
Ela começa com um incidente cronologicamente deslocado, a rejeição de Jesus em
Nazaré (cf. 4.23), que Lucas coloca no começo dessa seção como um artifício literário e
teológico para indicar que a rejeição nacional seria o modo sob o qual o ministério de
Jesus seria efetuado.
Nazaré era uma amostra grátis da nação, e a denúncia que Jesus fez da rejeição de
Israel para com as bênçãos de Deus em favor dos gentios serviu como um prenúncio da

o Senhor... visitou [o Seu povo] (1.68a)

e redimiu o Seu povo (1.68b)

suscitou plena e poderosa salvação (1.69)

como prometera... seus santos profetas (1.70)

nos libertar de nossos inimigos (1.71)

lembrar-se da Sua santa aliança (1.72)

do juramento que fez a Abraão (1.73)

... livres de nossos inimigos (1.74)

... serás chamado profeta do Altíssimo (1.76)

conhecimento da salvação (1.77a)

... no redimi-lo dos seus pecados (1.77)

nos visitará o sol nascente das alturas (1.78)


extensão das bênçãos do Reino para todo o mundo por causa da rejeição de Israel para
com sua bênção máxima, a pessoa e o ministério do Messias (4.24-27).
Começando em 4.31, Lucas alterna a descrição de milagres e interações com pessoas
para demonstrar a singularidade de Jesus como um líder. A autoridade soberana de
Jesus como Messias é demonstrada em Seu ministério a indivíduos e Sua confrontação
com líderes espirituais (5.1 - 6.16).
Depois de revelar a autoridade de Cristo, Lucas apresenta Seus ensinamentos sobre a
vida no Reino, que são incorporados num sermão apresentado aos Seus discípulos e às
multidões (6.17-49). Essa vida devia ser marcada por dependência em Deus (destacada
nas condições em que a bem-aventurança se manifesta; 6.20-23), amor sem hipocrisia
(estendido aos inimigos e cuidadoso em não julgar; 6.27-38) e conformidade aos
ensinamentos do Rei (6.39-49).
Depois de apresentar a autoridade e os ensinamentos do Rei, Lucas retrata a Sua
compaixão, que é demonstrada quando Ele expande o Seu ministério a várias
necessidades humanas apesar de rejeição e oposição continuadas (7.1 - 8.56).
Essa seção contém milagres, uma gentil repreensão das dúvidas do precursor sobre a
identidade do Messias (7.18-23), a censura contra a nação por sua falta de reação diante
do ministério de João (7.24-35), e a reprimenda contra um representante da liderança
por sua falta de compaixão para com pecadores (7.36-50).
Numa passagem crucial, o Rei abandona o ensino ―no atacado‖ a multidões
indiferentes e recorre a parábolas, que encorajam os que se comprometeram a aprender
e informam os curiosos sobre o Reino (8.1-21). A culminação da prova do poder e da
compaixão de Jesus vem quando Ele derrota os quatro inimigos implacáveis do homem:
a natureza, demônios, a doença e a morte (8.22-56).
No contexto do Evangelho de Lucas, esta seção indica que ―o Reino livrará o homem
da morte e do mal e até restaurará a natureza à sua ordem pretendida.‖57 9.1-50 é o
ponto culminante do ministério na Galiléia, e Lucas o usa como o ápice da auto-
revelação do Rei. Em resposta à pergunta de Herodes em 9.9, σίρ δέ ἐςσιν οὗσορ (tis de
estin houtos), a narrativa progride das explanações populares (João Batista, Elias ou um
dos profetas; 9.19), à resposta divinamente originada de Pedro (o Messias de Deus,
9.20), até a máxima autenticação, que Deus faz do seu Rei eleito.No cume do Monte da
Transfiguração, onde Jesus é identificado como o Filho aprovado, cuja mensagem Israel
deveria ouvir (9.35).
Com o desenrolar dessa revelação, o Rei confidencia a Seus discípulos a Sua
identidade messiânica divina e o propósito final da Sua vida e morte e exige que Seus
seguidores entreguem suas vidas a Ele a fim de serem recompensados quando Ele for
vindicado em glória (9.23-27). A última sub-seção do ministério na Galiléia apresenta
traços de caráter necessários para partilhar do propósito final do Rei - fé, humildade e
tolerância (9.27-50).
A divisão maior do Evangelho de Lucas enfatiza a passagem de Cristo rumo a
Jerusalém.
Toda a seção é elaboradamente construída em forma quiástica,58 às vezes fugindo a
um referencial cronológico preciso a fim de alcançar uma continuidade temática (Ex.: a
57
E. E. Ellis, The Gospel of Luke, NCB, p. 123.
58

Embora esta estrutura quiástica não tenha sido seguida no esboço e no desenvolvimento,
esta é sua forma conforme proposta por Mark Bailey (Notas de aula do curso profetas Pós-
Exílicos e Evangelhos, DTS, Outono de 1989).

A A Jerusalém e ascensão (9.51)


B Samaritanos e salvação (9.52-56)

C Discipulado e continuidade (9.57-62)

D 70 e rejeição da mensagem (10.1-24)

E Mestre da lei e vida eterna (10.25-42)

F Oração e dependência (11.1-13)

G Blasfêmia dos fariseus (11.14-28)

H O sinal de Jonas (11.29-36)

I Ai dos líderes (11.37-54)

J Ensinando os discípulos (12.1-34)

K Parábolas de vigilância (12.35-48)

L Discipulado (12.49-53)

M Hipocrisia (12.54-59)

N Parábola de graça (13.1-9)

O Cura no sábado (13.10-17)

P Crescimento do Reino (13.18-21)

P' Juízo sobre Israel (13.22-35)

O' Cura no sábado (14.1-6)

N' Parábolas de convite (14.7-15)

M' Rejeição (14.16-24)

L' Discipulado (14.25-35)

K' Parábolas de reconciliação (15.1-32)

J' Parábola do mau administrador (16.1-13)

I' Condenação dos líderes (16.14-18)

H' O homem rico e Lázaro [pós-morte] (16.19-31)

G' Juízo na Segunda Vinda (17.1-37)

F' Oração e dependência (18.1-14)

E' O jovem rico e a vida eterna (18.18-30)

D' Anúncio da rejeição em Jerusalém (18.31-34)

C' Bartimeu segue Jesus (18.35-43)


inserção do ensinamento sobre divórcio em 16.18 como um exemplo do desrespeito dos
líderes para com o verdadeiro significado da Lei). Esses dez capítulos contêm o pivô
teológico para o propósito geral de Lucas para sua obra de dois volumes, nos quais ele
demonstra que a mensagem soberana do Reino é nacionalmente rejeitada enquanto o
Rei passa rumo à Sua morte predita em Jerusalém (9.51 - 19.27).
O material de ensino alterna entre instrução direta aos discípulos e debate (às vezes
conflito) com a oposição. O esboço apresenta três seções dentro desta divisão maior: os
capítulos 9.51 - 11.54 apresentam uma rejeição generalizada do Rei apesar das muitas
provas de poder oferecidas por Ele e Seus representantes enquanto proclamam a
mensagem por toda a Judéia.
Isto faz a Judéia tão culpada em sua rejeição quanto as cidades galiléias que tinham
testemunhado o começo do ministério de Cristo e permanecido impenitentes. Essa culpa
alcança o seu clímax na acusação dos líderes de que Ele é controlado por Satanás,
acusação que revela sua cegueira espiritual e risco iminente de juízo (11.14-54).
A segunda seção do que é chamado ―O Diário de Viagem‖ contém a resposta de
Jesus a essa completa rejeição da Sua autoridade divina. Concentrando-se
primariamente em Seus discípulos, Jesus minuciosamente instrui Seus seguidores
quanto à qualidade da vida no Reino (12.1 - 17.10).59
Os discípulos precisam resistir às pressões do seu ambiente (12.1-53), como
hipocrisia, materialismo e intimidação; eles precisam também ter uma noção adequada
da natureza e dos efeitos da manifestação do Rei, de modo a não serem iludidos pela
oposição (12.49-53).
A seguir, o Rei instrui as multidões que O seguiam sobre sua falta de verdadeira
reação à mensagem do Reino (12.54 - 13.21). A falta de arrependimento e o amor à
tradição são destacados como a pedra de tropeço que impede Israel de provar a
libertação que o Messias traz aos filhos de Abraão que crêem nele. Apesar de tal
rejeição, a mensagem do Reino cresceria muitíssimo por causa do seu poder inerente,
como ilustrado pelas duas parábolas (13.18-21).
A subseção final condena a nação ao mostrar que a natureza do Reino é tal que entrar
nele será o privilégio de alguns candidatos improváveis fora da estrutura religiosa de
Israel (13.22 - 17.10). Isto é uma condenação direta contra os líderes cujos corações
estavam fechados para a compaixão divina e eram insensíveis ao seu próprio pecado.
O judaísmo era uma porta larga que levava à destruição, a menos que fosse
abandonado em favor da porta estreita do discipulado no Reino (13.22-30).
Conspirações políticas contra o Rei apenas tornaram a culpa de Israel mais profunda e
sua rejeição mais certa, como demonstrado na lamentação de Cristo quanto a Jerusalém
(13.31-35).
Dois capítulos enfatizam a verdade de que a entrada no Reino é um privilégio dos
deserdados que se arrependem diante do Rei em vez dos dignitários que se amotinam
contra o Rei.
As parábolas de Lucas 15 claramente colocam os pródigos de Israel contra os
puritanos de Israel, e as estatísticas do Rei favorecem os primeiros. Em último lugar,
mas não em importância, Jesus aponta para o fato de que a riqueza não era um requisito
em para a entrada para o Reino; na verdade era um empecilho a ela (16.1-31); os

B' Zaqueu e a salvação (19.1-10)

A' Parábola das dez minas (19.1-27)


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Ellis (Luke, p. 148) está correto ao afirmar que a ênfase de Lucas é em Jesus como um
Mestre, não um viajante. As viagens são o contexto necessário para o ensino, que aponta para
Seu “êxodo”, logo a ser realizado. Enfatizar a jornada e desprezar a mensagem, porém, é
ignorar o elemento mais importante de Lucas.
discípulos, portanto, deveriam ter em vista um galardão celestial, não recompensas
terrenas, e serem mais dedicados ao cuidado mútuo do que a preocupações egoístas
(17.1-10).
A terceira divisão do ―Diário de Viagem‖ focaliza as atitudes adequadas que os
discípulos deviam exibir à luz da tensão entre a proximidade da paixão do Rei e a oferta
válida de um Reino iminente (17.11 - 19.27). Oração persistente e humilde e
dependência infantil em Deus são qualidades que os discípulos não podem se dar ao
luxo de ignorar enquanto ao seu redor a ingratidão e a cegueira espiritual impedem que
a nação reconheça Jesus como Messias, preferindo antes a falsa certeza da justiça diante
da lei e da riqueza (18.18-29).
A realidade da condição espiritual de Israel é que homens cegos vêem melhor do que
fariseus, e publicanos têm mais sensibilidade espiritual do que escribas (18.35 - 19.10),
e a nação cai sob juízo por deixar de tomar posse dos privilégios do Reino que recebera
(19.11-27).
A última divisão se desenrola totalmente em Jerusalém e abrange a última semana da
vida de Jesus na terra com suas controvérsias com a liderança da nação, que realçou sua
rejeição, e introduziu o juízo que Deus traria contra a nação (19.28 - 21.38).
A rejeição de Israel para com Jesus como Messias culmina na Sua traição, na
deserção dos discípulos, no julgamento parcial e na Sua crucificação injusta como um
criminoso comum (22.1 - 23.56). Os detalhes da crucificação apresentados por Lucas,
em particular, mostram que a morte de Cristo foi a base do perdão e da segurança da
vida eterna (23.26-56).
Assim como fez Marcos, Lucas tem um oficial romano como testemunha da
inocência de Cristo no tempo da Sua morte; isto se encaixa com o propósito apologético
do livro.
O clímax da narrativa de Lucas é o relato da ressurreição de Jesus, pela qual ele O
autentica como o Messias glorificado que cumpriu as Escrituras e estendeu a bênção da
salvação [= mensagem do Reino] a todas as nações (24.1-53). Lucas escolhe como suas
testemunhas principais os dois discípulos na estrada para Emaús, mais provavelmente
porque eles se encaixam na sua necessidade de apoiar o argumento de que a mensagem
do Reino deveria ser estendida a todo o mundo (24.46-47).
O livro encerra com um tom de expectativa, enquanto os discípulos esperam pelo
elemento necessário para a realização bem-sucedida da nova missão messiânica, a vinda
do Espírito Santo prometido (24.48-53). A última frase do livro, εὐλογοῦνσερ σόν θεόν
(eulogountes ton theon), aparece no começo do livro (1.64; 2.28, 34) em contextos
messiânicos de esperança de intervenção divina em favor do Seu povo. O mesmo é
verdadeiro para o último versículo do livro. O que Jesus continuaria a fazer por meio de
Suas testemunhas escolhidas é o assunto do segundo volume, Atos dos Apóstolos.
ESBOÇO SINTÉTICO
Mensagem
A mensagem soberana do Reino foi estendida a todas as nações por meio da
rejeição de Israel para com Jesus, o Filho do Homem, como o seu Messias.
I. Prólogo: Esta versão dos primórdios do cristianismo foi projetada para fortalecer as
convicções dos seus leitores sobre a veracidade e confiabilidade da mensagem cristã
(1.1-4).
II. A mensagem soberana do Reino é introduzida nos nascimentos e preparações
sobrenaturais do Rei e Seu predecessor (1.5 - 4.13).
A. Os nascimentos milagrosos de João e Jesus antecipam a intervenção de Deus na História
por meio deles (1.5-2.52).
1. As anunciações angelicais dos nascimentos revelam o caráter incomum da vinda dos
meninos (1.5-38).
• A anunciação angelical a Zacarias revela o papel incomum do seu filho como o ministério
nazireu de preparar Israel para a vinda do Messias (1.5-25).
• A anunciação angelical a Maria revela a natureza singular do seu Filho como um Filho
divino e Sua missão como Filho de Davi, o Salvador prometido (1.26-38).
2. O contato entre Maria e Isabel revela a sua consciência da operação singular de Deus em
suas vidas rumo ao cumprimento das promessas da aliança de Israel (1.39-56).
3. O nascimento de João é apresentado como o cumprimento de promessas do Antigo
Testamento a respeito do precursor (1.57-80).
4. As narrativas sobre a infância de Cristo apontam para Ele como o Salvador e Rei
prometido de Deus (2.1-51).
• O nascimento do Messias ocorre segundo a profecia divina ainda que sob a tutela do
domínio romano (2.1-7).
• A vinda do Salvador é anunciada aos humildes e pobres, que se tornaram Seus primeiros
arautos (2.8-20).
• A infância de Jesus fornece testemunho adicional da Sua missão como salvador universal
e libertador de Israel (2.21-39).
• O primeiro ato público de Jesus em Israel revelou Sua submissão ao plano terreno de Deus
e Sua consciência de Si mesmo como Filho de Deus (2.40-52).
B. A messianidade real de Jesus é atestada pelo ministério de João em favor dEle e com
respeito a Ele, por Sua genealogia e pelo Seu triunfo sobre a tentação (3.1 - 4.13).
1. A messianidade real de Jesus é atestada pelo ministério de João a Ele e a respeito dEle
(3.1-22).
2. A messianidade real de Jesus é atestada por Sua genealogia (3.23-38).
3. A messianidade real de Jesus é atestada por Seu triunfo sobre a tentação (4.1-13).
III. A mensagem soberana do Reino é apresentada e autenticada diante da nação enquanto o
Filho do Homem ministra na Galiléia (4.14 - 9.50).
A. A rejeição de Nazaré para com as declarações do Rei baseadas nas Escrituras serve como
uma amostra grátis da rejeição de Israel para com Jesus e da extensão da mensagens do
Reino aos gentios (4.1-30).
B. O ministério de cura de Jesus autentica o ministério de ensino que Ele realiza por toda a
Galiléia (4.31-44).
C. A autoridade soberana de Jesus como Messias é demonstrada em Seu ministério a
indivíduos e Seu confronto com líderes religiosos (5.1 - 6.16).
1. Sua autoridade sobre a natureza e homens é demonstrada pela pesca milagrosa e o
chamado dos seguidores (5.1-11).
2. Sua autoridade sobre a doença é demonstrada na purificação de um leproso (5.12-16).
3. Sua autoridade sobre o pecado é demonstrada na cura de um paralítico (5.17-26).
4. Sua autoridade sobre a tradição e o preconceito humanos é demonstrada em Suas
controvérsias sobre o jejum e o sábado (5.27 – 6.11).
5. Sua autoridade é demonstrada pelo chamado soberano dos Seus doze discípulos e futuros
apóstolos (6.12-16).
D. A declaração do Rei sobre os princípios da vida no Reino está incorporada a um sermão
apresentado aos Seus discípulos e às multidões (6.17-49).
1. A congregação de uma audiência nacional é o contexto para o sermão (6.17-19).
2. A santidade do Reino não é para os auto-suficientes, mas para os que vieram a depender
de Deus através da fidelidade ao Filho do Homem (6.20-26).
3. O comportamento dos súditos do Reino devia ser marcado por um amor que perdoa e dá
sem preconceito ou hipocrisia (6.27-38).
4. Pertencer ao Reino seria evidenciado por palavras e obras em conformidade aos
ensinamentos do Rei (6.39-49).
• Pertencer ao Reino seria evidenciado pela capacidade de levar outros a dependerem da
pessoa certa [o Rei] e serem guiados por ela (6.39-40).
• Pertencer ao Reino seria evidenciado pela capacidade de ajudar outros a dependerem da
aplicação da mensagem do Rei às próprias necessidades (6.41-42).
• Pertencer ao Reino seria evidenciado por palavras moralmente boas, que provariam a
fidelidade de uma pessoa ao Rei (6.43-45).
• Obras de obediência seriam a prova máxima da vida do Reino (6.46-49).
E. A compaixão do Rei é demonstrada quando Ele expande Seu ministério às várias
necessidades humanas, apesar da contínua rejeição e oposição que recebe (7.1 - 8.56).
1. O Rei recompensa a confiança notável curando a distância o servo de um gentio (7.1-10).
2. O Rei restaura o sentido da vida a uma viúva ao ressuscitar seu único filho dentre os
mortos, ratificando assim Sua reputação (7.11-17).
3. O Rei reage compassivamente a dúvidas erguidas pelas circunstâncias desanimadoras de
João Batista (7.18-23).
4. O Rei reprova a Sua geração por sua rejeição incoerente do ministério de João e da Sua
própria pessoa (7.24-35).
5. O Rei repreende um representante da liderança de Israel por sua falta de entendimento e
prática de perdão enquanto restaura uma pecadora penitente (7.36-50).
6. O Rei restringe Seus ensinamentos mais profundos àqueles que responderam com
obediência ao Seu chamado, ao passo que ainda estendia a mão através de parábolas
(8.1-21).
• Os discípulos e mantenedores de Jesus eram agora Seu círculo mais próximo de
relacionamento (8.1-3).
• A parábola do semeador e dos solos, publicamente pronunciada e particularmente
explanada, enfatiza a importância da obediência para a comunhão íntima com o Rei
(8.4-15).
• A parábola da candeia enfatiza a importância da atenção obediente para que alguém se
torne mensageiro do Reino e partilhe ainda mais dos seus benefícios (8.16-18).
• A família imediata de Jesus é substituída por aqueles que obedecem à Sua mensagem
como Seu círculo mais íntimo de relacionamentos (8.19-21).
7. O Rei revela Seu poder ao derrotar os quatro inimigos implacáveis do homem (8.22-56).
• O Rei refreia a natureza a fim de demonstrar Seu divino poder aos Seus discípulos (8.22-
25).
• O Rei restaura um endemoninhado indefeso, livrando-o do poder de Satanás (8.26-39).
• O Rei restabelece uma mulher à vida normal, curando-a de uma hemorragia anormal
(8.40-48).
• O Rei resgata uma menina da morte apesar da predominante incredulidade ao Seu redor
(8.49-50).
F. O foco do ministério do Rei passa das multidões para os Seus discípulos, os quais Ele
comissiona como testemunhas e aos quais Ele confidencia Sua identidade messiânica
divina e o propósito máximo da Sua vida e morte (9.1-50).
1. O Rei comissiona e envia Seus discípulos como arautos da mensagem do Reino em
palavra e obras de poder do Reino (9.1-9).
• A missão deles era de tornar conhecido Jesus e o Reino como iminente, demonstrando
total dependência no poder de Deus (9.1-6).
• O sucesso da missão deles é medido pela perplexidade de Herodes Antipas quanto à fonte
de tal poder (9.7-9).
2. O Rei demonstra-Se como plenamente capaz de sustentar Seu povo ao alimentar
milagrosamente e abundantemente mais de 5.000 pessoas (9.10-17).
3. O Rei confidencia Sua identidade messiânica divina e o propósito máximo da Sua vida e
morte (9.18-36).
• A confissão de Pedro de Jesus como o Messias leva à revelação dos sofrimentos e
ressurreição do Filho do Homem (9.18-22).
• A rejeição máxima do Messias exige que Seus seguidores entreguem suas vidas a Ele a
fim de serem recompensados quando Ele for vindicado em glória (9.23-27).
• A transfiguração de Jesus estabeleceu a necessidade da Sua morte vindoura e a certeza da
Sua glorificação final como o Filho-Rei aprovado por Deus (9.28-36).
4. O Rei ensina que partilhar do Seu propósito máximo exige fé, humildade e tolerância
(9.37-50).
• O incidente do menino endemoninhado revela a necessidade dos discípulos de
crescimento e discernimento (9.37-45).
• O conflito quanto à grandeza no Reino leva à lição de Cristo sobre a nossa carência de
humildade (9.46-48).
• O excessivo zelo partidário de João leva à lição de Cristo sobre tolerância (9.49-50).
IV. A mensagem soberana do Reino é nacionalmente rejeitada enquanto o Rei ruma à Sua
morte predita em Jerusalém (9.51 - 19.27).
A. O Rei e Sua mensagem são rejeitados pela maioria, apesar das provas de poder
oferecidas por Ele e Seus representantes (9.51 - 11.54).
1. A rejeição samaritana se depara com o perdão do Rei ao prenunciar a resposta nacional a
Ele (9.51-56).
2. O preço de seguir Jesus desencoraja três aspirantes ao discipulado que serviram como
exemplo (9.57-62).
3. A missão bem-sucedida dos 72 de proclamar a mensagem do Reino deu uma
oportunidade legítima para Israel responder ao Messias (10.1-24).
• As instruções aos 7 2 incluem urgência, dependência em Deus e proclamação de juízo
contra aqueles que recusavam a mensagem do Reino (10.1-13).
• A condenação do Rei contra as cidades galiléias que O haviam rejeitado dá o tom para a
missão dos 72 (10.13-16).
• A alegria do Rei com o relato dos 72 vem do fato de que este relato prenunciava a derrota
final de Satanás (10.17-24).
4. O ensinamento do Rei enfatiza a preocupação com os necessitados, a atenção voltada
para Ele e confiança em Deus por meio da oração (10.25 - 11.13).
• A exigência do Rei de que Seus discípulos se envolvam com os necessitados é ilustrada
pela parábola do Bom Samaritano (10.25-37).
• A exigência do Rei por prioridade na atenção das pessoas é ilustrada por Seu diálogo com
Maria e Marta (10.38-42).
• A exigência do Rei por confiança na bondade de Deus por meio da oração é reforçada
com exemplo e ilustração (11.1-13).
- O exemplo de oração de Jesus leva à Sua oração modelo para aqueles que aguardam o
Reino (11.1-3).
- A oração eficaz depende da perseverança (11.5-10).
- A esperança na oração do Reino se baseia na bondade de Deus e em Sua disposição para
derramar as bênçãos do Reino (11.11-13).
5. A oposição ao Rei tem seu clímax na acusação dos líderes de que Ele é controlado por
Satanás, que revela a sua cegueira espiritual e elegibilidade para a punição (11.14-54).
• A conclusão dos líderes de que o poder de Jesus é derivado de Satanás é contestada por
Ele com base na lógica (11.14-22).
• O desafio de Jesus aos líderes hipócritas de Israel é que não é possível nenhuma
neutralidade a respeito da Sua pessoa e Seu Reino (11.23-28).
• A hipocrisia espiritual e ganância material dos líderes de Israel precipitam o juízo de Deus
contra a sua geração (11.37-52).
• A oposição contra o Rei começa a passar de palavras para planos de assassinato (11.53-
54).
B. A resposta do Rei à crescente oposição é de instruir meticulosamente Seus discípulos e
ouvintes sobre a qualidade da vida no Reino (12.1 - 17.10).
1. A instrução de Jesus para o círculo mais íntimo de Seus discípulos diz respeito às
respostas adequadas de súditos do Reino às pressões do ambiente (12.1-53).
• Testemunhas do Reino devem guardar-se contra a hipocrisia farisaica (12.1-3).
• Testemunhas do Reino não devem temer a intimidação humana (12.4-11).
• Testemunhas do Reino não devem permitir que o materialismo controle sua perspectiva de
vida (12.13-34).
- A parábola do homem rico revela a tragédia de confiar nos tesouros (12.13-21).
- A atitude do discípulo deve ser de confiar no Pai para as provisões terrenas enquanto
busca os galardões celestes (12.22-34).
• Testemunhas do Reino não devem permitir que o desleixo reduza a sua firmeza espiritual
(12.35-48).
- A vigilância no serviço do Reino será recompensada com honra da parte do Rei, cuja
vinda será inesperada (12.35-40).
- O descuido com as oportunidades relativas ao Reino será punido na vinda inesperada do
Rei (12.41-48).
• Testemunhas do Reino não devem aceitar falsos conceitos sobre o Reino (12.49-53).
- A vinda do Rei produz o juízo do mundo após o sofrimento de Cristo (12.49-50).
- A natureza controversa da mensagem do Reino produz divisão (12.51-53).
2. As instruções de Jesus para as multidões que O seguiam dizem respeito à sua falta de
resposta genuína à mensagem do Reino (12.54 - 13.21).
• A falta de arrependimento da nação diante de Deus à luz dos sinais dos tempos a expõe à
condenação do Rei (12.54-59).
• A falta de arrependimento da nação com respeito ao Reino é o que finalmente a destruiria
no final do tempo de oportunidade concedido por Deus (13.1-9).
- Tragédias recentemente acontecidas a alguns não isentam a maioria do juízo devido em
vista de sua impenitência (13.1-5).
- A parábola da figueira ilustra a iminência do juízo sobre o Israel impenitente, adiado
apenas pela misericórdia de Deus (13.6-9).
• A cura de uma mulher enferma - Os líderes se recusam a aceitar a liberdade oferecida pelo
Rei por causa de sua escravidão à tradição, trazendo sobre si a condenação do Rei
(13.10-17).
• O crescimento do Reino é inevitável, apesar da rejeição, devido a seu poder inerente
(13.18-21).
- A parábola da semente de mostarda – O Reino crescerá rápida e surpreendentemente
(13.18-19).
- A parábola do fermento – O Reino crescerá e se disseminará muito (13.20-21).
3. A natureza do Reino é tal que entrar nele será o privilégio de alguns candidatos
improváveis, que estavam fora da estrutura religiosa de Israel (13.22 - 17.10).
• A entrada para o Reino não é para aqueles que optam pela porta larga do judaísmo, mas
para aqueles que escolhem a porta estreita do discipulado (13.22-30).
• Jerusalém e os líderes judeus que conspiraram juntos e usaram uns aos outros nas suas
tentativas de se livrarem de Jesus são desmascarados pelo Rei (13.31-35).
- O programa do Reino proposto por Jesus não é afetado pelas conspirações de Herodes e
dos fariseus (13.31-33).
- Jerusalém é entregue à destruição pelo Rei por recusar-se a aceitar Sua oferta de amor
(13.34-35).
• Convidado à casa de um fariseu – A admissão ao Reino não é para tradicionalistas sem
amor ou caçadores de fama, mas para os quebrantados que Deus escolhe chamar (14.1-
24).
- A cura de um hidrópico aponta para a disposição divina de trazer aos humanamente
indesejáveis as bênçãos do Reino (14.1-6).
- A busca por fama entre os homens desqualifica uma pessoa para o Reino (14.7-14).
- A parábola do grande banquete – A resposta negativa dos religiosamente aceitáveis à
mensagem do Reino dá impulso à decisão divina de recompensar os gentios e judeus
rejeitados (14.15-24).
• O discipulado no Reino requer para com Jesus, o Rei, um compromisso total de vida, cuja
alternativa é uma vida sem propósito (14.25-35).
- A lealdade ao Reino deve ser maior do que a lealdade à família (14.25-26).
- A lealdade ao Reino significa seguir o Rei até à morte (14.27).
- A lealdade ao Reino exige planejamento e sacrifício (14.28-33).
- A alternativa ao compromisso total com o Reino é uma vida sem propósito (14.35-36).
• Aqueles que os homens consideram estar totalmente excluídos do Reino serão
introduzidos por Deus no Reino, do qual serão excluídos os ensoberbecidos por sua
religiosidade (15.1-32).
- O contexto deste ensinamento era o desprezo dos fariseus pela recepção que Jesus oferecia
aos socialmente marginalizados e pela comunhão que mantinha com eles (15.1-2).
- A parábola da ovelha perdida - Todo pecador que se arrepende traz mais alegria para o céu
do que 99 que se auto-intitulam justos (15.4-7).
- A parábola da dracma perdida - A busca de Deus pelo pecador é tão intensa quanto a
alegria no céu quando este se arrepende (5.18-20).
- A parábola do filho pródigo – A busca pelos rejeitados de Israel e sua recepção no Reino
são justificadas apesar da oposição dos fariseus em sua justiça própria (15.11-32).
• A riqueza não é necessariamente um sinal da bênção de Deus, servindo antes como um
empecilho para a entrada no Reino (16.1-31).
- A parábola do administrador infiel – A riqueza não deve ser o mestre do discípulo, mas
sua serva para a expansão do Reino (16.1-13).
- O amor dos fariseus pela riqueza revelava seu desprezo pelo Reino e pela Lei, que é
exemplificado na sua atitude para com o divórcio (16.14-18).
- A história do rico desconhecido e Lázaro – A condição econômica de uma pessoa não é a
medida da sua justiça ou aceitação com Deus (16.19-31).
• As responsabilidades inescapáveis dos discípulos como servos no Reino são o cuidado
mútuo e o perdão baseados na fé (17.1-10).
- O cuidado mútuo e o perdão são necessários por causa da inevitável presença de ofensas
(17.1-5).
- O cuidado mútuo e o perdão não são opções, mas sim deveres dos servos do Reino, que
precisam de fé para agir em obediência (17.5-10).
C. A tensão entre a proximidade da paixão do Rei e a iminência do Reino exige atitudes
adequadas dos discípulos (17.11 – 19.27).
1. A cura dos dez leprosos ilustra a necessidade de se reconhecer Jesus como o Messias em
vez de meramente gozar dos benefícios do Seu ministério (17.11-19).
2. A vinda efetiva do Reino, potencialmente expressa na presença do Rei, não será questão
de especulação, mas uma manifestação óbvia do poder de Deus por meio do
aparecimento do Filho do Homem (17.20-37).
• O desafio aos fariseus é reconhecerem a presença do Rei entre eles (17.20-21).
• O ensinamento aos discípulos é que a repentina manifestação do Reino será precedida
pelos sofrimentos do Filho do Homem (17.22-25).
• O Reino virá repentinamente como o juízo de Deus sobre um mundo despreocupado com
a realidade espiritual (17.26-37).
3. A oração é a comunicação vital dos discípulos com Deus nos tempos perigosos até o
estabelecimento do Reino (18.1-14).
• A parábola da viúva persistente – A oração persistente em tempo de crise é o meio pelo
qual os discípulos do Reino se valem da justiça de Deus a seu favor (18.1-8).
• A parábola do fariseu e do publicano – A dependência humilde de Deus em vez de justiça
própria é a base para a resposta de oração (18.9-14).
4. A dependência infantil de Deus é o ingrediente essencial para a entrada no Reino (18.15-
30).
• A bênção de Jesus sobre as criancinhas aponta para a qualidade que se precisa ter para
entrar no Reino - a dependência infantil (18.15-17).
• A entrevista de Jesus com o homem rico aponta para o perigo de confiar nas riquezas
terrenas em vez de depender de Deus para ter riqueza celestial [= uma parte no Reino]
(18.18-30).
- Justiça perante a Lei não dá a segurança de salvação até para aqueles que os judeus
pensavam estar sob a bênção de Deus, os ricos (18.18-21).
- Abrir mão das posses como um sinal de dependência em Deus permite que se partilhe do
Reino, embora pareça loucura para os homens (18.22-27).
- A dependência em Deus, como demonstrada pelos discípulos, terá recompensas temporais,
bem como eternas, muito superiores às que a riqueza pode trazer (18.28-30).
5. O ensinamento que os discípulos não entendem sobre o Filho do Homem é que Ele será
crucificado e ressurgirá ao terceiro dia (18.31-34).
6. Os eventos em Jericó resumem e retratam a resposta esperada da nação à mensagem do
Reino e os tristes resultados da sua rejeição (18.35 - 19.27).
• A fé de um cego em Jesus como o Filho de Davi restaura a sua visão [em contraste com a
cegueira obstinada da nação] (18.35-42).
• O arrependimento de um publicano desonesto traz salvação e comunhão com o Rei [em
contraste com a impenitência da nação] (19.1-10).
• A parábola das dez minas – A má administração de Israel quanto aos seus privilégios do
Reino resulta em seu juízo e serve como um aviso para os discípulos do Reino (19.11-
27).
V. A mensagem soberana do Reino proclama a vitória sobre a morte e o perdão a todas as
nações em nome de Cristo depois da rejeição oficial em Jerusalém (19.28 - 24.53).
A. A rejeição oficial do Rei depois da Sua apresentação em Jerusalém acarreta a Sua
declaração de juízo contra a nação (19.28 – 21.38).
1. A apresentação que Jesus faz de Si mesmo como o Messias e Rei em Jerusalém é
recebida com júbilo, o qual Ele sabe ser superficial e que se tornará em rejeição e juízo
(19.28-44).
• Jesus Se apresenta como o Messias-Rei prometido em conformidade com as profecias no
Antigo Testamento (19.28-36).
• Discípulos peregrinos recebem Jesus como Rei com júbilo enquanto os fariseus
questionam Jesus por aceitar tal idéia (19.37-40).
• Jesus lamenta a natureza superficial da resposta de Jerusalém a Ele, sabendo que seu final
será juízo (19.41-44).
2. O ministério de Jesus em Jerusalém é recebido com oposição pelos líderes judeus, que
questionam a Sua autoridade e tentam incriminá-lO diante do governo romano (19.45 –
21.4).
• A purificação do Templo precipita a confrontação entre Jesus e a liderança, que se
beneficiava do comércio ilícito (19.45-48).
• O desafio dos líderes à autoridade do Rei serve para expor sua falência espiritual (20.1-
19).
• A resposta da liderança para a sentença de Jesus é uma tentativa de desacreditá-lO diante
do povo e incriminá-lO diante do governador (20.20-39).
• A exposição final que Jesus fez da falência espiritual dos líderes revela a sua falta de
discernimento espiritual e seu mau uso da autoridade em sua busca por prestígio, sua
ganância e sua hipocrisia (20.41-47).
- A falta de discernimento espiritual dos líderes é revelada em sua incapacidade de entender
a origem divina do Rei (20.41-44).
- O mau uso da autoridade da parte dos líderes é revelado em sua busca por prestígio
(20.45-46).
- O mau uso da autoridade da parte dos líderes é revelado na maneira em que eles usam a
religião para acobertar sua ganância (20.47).
• O contraste entre os líderes hipócritas e egoístas e o Rei genuíno e altruísta é ilustrado no
total compromisso da viúva pobre e sua doação de duas moedas (21.1-4).
3. O ministério do Rei em Jerusalém termina em Seu pronunciamento de juízo sobre a
nação por ela se recusar a aceitar a Ele e a Sua mensagem (21.5-38).
• O motivo do pronunciamento de juízo era a preocupação dos discípulos com a predição de
Cristo sobre a destruição do Templo (21.5-7).
• A destruição de Jerusalém virá num tempo que espelha as condições do fim da era - falso
messianismo, tumultos mundiais e perseguição generalizada - exigindo vigilância dos
discípulos (21.8-19).
• O sinal de uma punição longa e terrível sobre Israel seria o cerco a Jerusalém (21.20-24).
• A seqüela da longa punição contra Israel será a volta do Filho do Homem em poder
(21.25-28).
• A vigilância na oração é necessária para que os discípulos discirnam os sinais dos últimos
dias e compareçam aprovados quando o Filho do Homem vier em glória (21.25-28).
4. A última semana de ministério aos peregrinos da Páscoa é resumida (21.37-38).
B. A rejeição de Israel para com Jesus como Messias culmina na traição, na deserção dos
discípulos, no julgamento ilícito e na Sua crucificação injusta como um criminoso
comum (22.1 - 23.56).
1. A oportunidade dos líderes destruírem Jesus vem por meio do controle de Satanás sobre
Judas, que concorda em traí-lO.
2. A celebração da Páscoa indica que a morte de Jesus cumpriria o significado da festa
judaica e instituiria a Nova Aliança (22.7-23).
• Os preparativos para a Páscoa refletem o controle de Jesus sobre as circunstâncias que
cercaram Sua rejeição e morte (22.7-13).
• A refeição da Páscoa é investida com significado mais completo quando Jesus anuncia
que Ele mesmo é o sacrifício da Nova Aliança (22.14-20).
• O anúncio da traição confirma a realidade das predições anteriores de Cristo sobre Sua
morte e a oposição humana a Ele (22.20-23).
3. A necessidade dos discípulos no tempo da rejeição do Rei não é de autoridade, mas de
humildade e fidelidade que garantem recompensa quando o Reino for estabelecido
(22.24-30).
4. O anúncio da traição de Pedro revela o cuidado de Cristo pelos Seus apesar dos fracassos
deles (22.31-34).
5. A rejeição do Rei finalmente seria direcionada aos discípulos que, como Ele, seriam
rejeitados como criminosos (22.35-38).
6. A oração de Jesus no Getsêmani revela a intensidade da Sua submissão ao Pai e de Sua
luta interior com a proximidade da consumação de Sua missão (22.39-46).
7. Os eventos em torno da prisão de Jesus revelam a Sua consciência e aceitação do plano
que dava às trevas triunfo temporário sobre a luz (22.47-53).
• Cristo estava ciente do desprezível ato de traição de Judas (22.47-48).
• Cristo aceitou a violência feita contra Ele e mostrou compaixão aos Seus opositores
(22.49-51).
• Cristo ligou a Sua prisão noturna à hipocrisia dos líderes (22.52-53).
8. A negação de Pedro encontra o olhar compassivo do Rei que gera verdadeiro
arrependimento (22.54-62).
9. Os eventos em torno dos julgamentos ilícitos de Jesus destacam Sua inocência e a culpa
daqueles que O condenaram (22.36 - 23.25).
• Jesus foi ilegalmente maltratado (22.63-64).
• Jesus foi condenado pelo Sinédrio com base em Sua declaração de ser o Messias, o Filho
Real de Deus (22.65-71).
• As acusações de sedição diante de Pilatos não bastam para criar um veredicto de culpa
(23.1-5).
• O interrogatório diante de Herodes Antipas não fornece nenhum veredicto de culpa apesar
das acusações dos líderes (23.6-12).
• A acusação de sedição diante de Pilatos finalmente tem êxito quando o governador abre
mão da justiça em favor da conveniência (23.13-25).
- As tentativas que Pilatos fez para achar um meio termo ao flagelar Jesus apesar da Sua
inocência fracassam devido à intransigência judaica (23.13-16).
- Os judeus pedem a soltura de um verdadeiro criminoso em vez de desistir da condenação
de Jesus (23.17-19).
- Pilatos entrega o Rei para execução a fim de poupar-se o incômodo de uma revolta
popular (23.20-25).
10. Os eventos em torno da crucificação de Jesus apontam para seu propósito de fornecer
perdão por meio do sacrifício voluntário do compassivo Rei (23.26-49).
• Simão é forçado a carregar a cruz de Cristo (23.26).
• Jesus mostra a Sua compaixão pelas pessoas que O crucificaram, enquanto indicava a
certeza do Seu juízo (23.27-31).
• Jesus demonstra Seu amor perdoador para aqueles que zombavam dEle e escarneciam Sua
declaração de ser o Messias Rei de Israel, como fora acusado (23.31-38).
• Jesus demonstra Seu amor perdoador ao prometer a salvação a um criminoso arrependido
que era crucificado com Ele (23.39-43).
• A inocência de Jesus foi conformada pelas circunstâncias incomuns em torno do tempo da
Sua morte (23.44-48).
- Trevas prevaleceram durante o tempo da crucificação (23.44).
- O grosso véu do Templo foi rasgado no momento da morte de Jesus (23.45-46).
- O centurião romano que liderara os procedimentos da crucificação confessou a inocência
de Jesus (23.47).
- As próprias pessoas que haviam motivado a crucificação e escarneciam o Crucificado
foram dominadas por remorso (23.48).
• Os seguidores de Jesus observaram Sua paixão de longe (23.49).
11. O sepultamento de Jesus por José de Arimatéia revelou a realidade da morte de Cristo e
a existência de um remanescente fiel dentre a nação rebelde (23.50-56).
C. A vindicação de Jesus como Messias e Rei vem em cumprimento das Escrituras por
meio da Sua ressurreição, que fornece a base para a proclamação universal da
mensagem do Reino (24.1-53).
1. A ressurreição é anunciada por um grupo de mulheres crentes como o cumprimento das
predições sobre o Filho do Homem (24.1-8).
2. O relato das mulheres aos discípulos é ouvido com incredulidade e perplexidade por
Pedro (24.9-12).
3. O aparecimento de Jesus aos discípulos na estrada para Emaús atesta a Sua morte e
ressurreição como o cumprimento das Escrituras do Antigo Testamento (24.13-35).
• A conversa na estrada revela a desesperança dos discípulos (24.13-24).
• A comparação dos eventos com as profecias do Antigo Testamento revela o verdadeiro
significado da morte e ressurreição de Cristo (24.25-27).
• A comunhão à mesa revela a realidade da ressurreição de Cristo (24.28-32).
• A comparação de experiências em Jerusalém ratifica a realidade da ressurreição (24.33-
35).
4. A manifestação aos discípulos reunidos prova a realidade da ressurreição e os prepara
para a proclamação da mensagem do Reino a todas as nações (24.36-49).
• A manifestação aos discípulos reunidos prova a realidade da ressurreição, superando as
suas dúvidas racionalistas (24.36-43).
• A manifestação aos discípulos reunidos os prepara para a proclamação da mensagem do
Reino a todas as nações (24.44-49).
- Jesus lhes revela o plano bíblico da salvação centrado em Sua morte e ressurreição (24.44-
45).
- Jesus recapitula a missão deles de proclamar o perdão a todas as nações com base na Sua
obra (24.46-47).
- Jesus os relembra da Sua promessa de equipá-los com poder para a sua tarefa ao receber a
promessa do Pai (24.48-49).
D. A ascensão de Cristo aos céus aponta para a aceitação de Deus para com a Sua obra
redentora, que os discípulos exuberantes exaltam no Templo em obediência à ordem de
Jesus (24.50-53).
O argumento de
JOÃO
Questões introdutórias
TÍTULO
Os manuscritos gregos variam levemente quanto ao sobrescrito deste Evangelho. A
maioria dos manuscritos, além de P66, P75. A, C, D, L, e ƒ1 traz Εὐαγγέλιον κασά
Ἰψάννην, ao passo que ‫ א‬e B trazem apenas Κασά Ἰψάννην. Ambos os sobrescritos
refletem tradição antiga e forte da autoria apostólica do livro.
AUTORIA
Donald Guthrie afirma que a autoria do quarto evangelho é um assunto polêmico e
emocionalmente carregado.60 A crítica radical nega ao evangelho a autoria apostólica, e
tal posição precisa ser respondida com base em evidência interna e externa.
Evidência interna. O autor alega ter sido testemunha ocular dos eventos do evangelho
(1.14, ἐθεαςάμεθα [etheasametha]; 19.35, ὁ ἑψπακώρ [ho heōrakōs]; 21.24-25, ὁ
μαθησήρ ὁ μαπστπ῵ν [ho mathētēs ho marturōn]). Além disso, exibe bom
conhecimento de costumes judaicos como rituais de purificação (2.6), cerimônias de
libação e iluminação durante a Festa dos Tabernáculos (7.37 e 8.12), e contaminação
devida à Páscoa (19.31ss.). Conhece também teologia judaica, como a legislação sobre
o sábado (6.10; 9.14ss.) e o conceito da transmissão hereditária da culpa (9.2).
Em terceiro lugar, é conhecedor da geografia da Palestina e até pequenos detalhes da
arquitetura de Jerusalém. Exemplos específicos são as menções às duas Betânias (1.28;
12.1), à proximidade entre Enon e Salim (3.23), e a um poço nas cercanias do monte
Gerizim (4.21). Com referência a Jerusalém, o autor sabia dos detalhes da planta do
Tanque de Betesda (5.1-2) e da existência de um pavimento ao redor do Pretório,
conhecido pelo nome aramaico de Gábata (19.13).61
Em quarto lugar, ele usa a expressão ὁ μαθησήρ ὃν ἠγαπα ὁ Ἰηςοτρ, (ho mathētēs
hon ēgapa ho Iēsous, 13.23; 19.26) para descrever a si mesmo. Embora alguns tomem
esse título como indício de autoria não-joanina, ou de um caso patológico de orgulho
por parte de João, parece claro que essas não são as duas únicas opções. Ao invés de
suprir seu próprio nome, João preferiu descrever-se por aquilo que era sua maior honra -
o fato de que apesar de seus tropeços iniciais como discípulo, Jesus Cristo, o Filho de
Deus, de fato o amava. Esta pode ter-se tornado sua identificação entre as pessoas para
quem o evangelho foi escrito, de modo que especulações sobre a identidade do
―discípulo amado‖ são inúteis.
Outras tentativas de identificar o tal ―discípulo amado‖ com o jovem rico (cf. Mc
10.21) ou com Natanael encontraram (com justiça) pouco apoio entre os estudiosos. A
posição de intimidade desfrutada por João nos sinóticos confirma a veracidade do título
por ele empregado, ὁ μαθησηρ ὃν ἠγαπα ὁ Ιηςοτρ.

60
D. Guthrie, New Testament Introduction, p. 241.
61
O fato de que a maior parte de Jerusalém foi arrasada pelos romanos entre 66 e 70 torna
altamente improvável que um não-palestino fosse capaz de fornecer tais detalhes, ou mesmo
estivesse interessado em fornecê-los, por estar distante dos eventos reais no tempo e no
espaço.
Por fim, o autor demonstra intimidade com os discípulos com sua conduta e até
mesmo com seus processos mentais (2.11-12; 6.19; 12.16; 13.22), o que sugere alguém
que era membro do grupo apostólico.
Três objeções comuns à autoria joanina a partir da evidência interna são: (a) o modo
abrupto como a messianidade de Jesus é introduzida, em contraste com a abordagem
gradativa dos sinóticos; (b) a escatologia realizada do evangelho, em contraste com o
retrato iminente e apocalíptico da παποτςία (parousia) que se vê nos sinóticos; e (c) a
diferença radical entre os discursos de Jesus em João e nos sinóticos.
As respostas a essas objeções são simples, embora não sejam simplistas.
Primeiramente, se for presumido que João escreveu com a consciência de que outros
evangelhos já haviam sido escritos e estavam em circulação (o que não é impossível
mesmo se uma data bem recuada for aceita), a maneira direta da introduzir a
messianidade é algo a se esperar. Além do mais, o que se percebe em João é um
crescimento gradativo na percepção da messianidade de Jesus por parte dos discípulos.
A própria maneira em que João usa o verbo πιςσεύψ [pisteuo] sugere isso (cf. 2.11, 22-
24).
Em segundo lugar, a escatologia de João nem sempre é realizada, conforme visto nas
promessas que Jesus faz sobre o juízo escatológico (5.5-29) e sobre o Seu retorno (14.1-
4). Além disso, os sinóticos também apresentam ―escatologia realizada‖ (cf. Lc 17.21,
por exemplo). É melhor afirmar que tanto João quanto os sinóticos apresentam
exemplos de escatologia ―inaugurada‖, ao passo que João tem uma ênfase apocalíptica
menor (possivelmente porque os outros três evangelhos já houvessem suprido material
suficiente desse gênero).
Em terceiro lugar, diferenças de conteúdo e forma de expressão não exigem
diferença de origem. As diferenças encontradas entre os discursos de João de maneira
alguma contradizem os ensinos contidos nos sermões e discursos dos sinóticos. A
observação de Lightfoot é bem oportuna.
A Igreja jamais se mostrou cônscia de qualquer incompatibilidade fundamental entre o
retrato de nosso Senhor neste Evangelho e aquele encontrado nos outros três. Esse
assunto de há muito foi resolvido pela consciência religiosa da Cristandade.62
Um argumento persuasivo com respeito a essa objeção é que as mesmas pessoas que
a invocam aqui querem negar a Mateus a autoria de Mateus 11.25-30 com a alegação de
que aquela passagem é joanina demais. Assim, diferença e semelhança são convocadas
a servir o mesmo senhor de maneira ilógica e equivocada. Esse tipo de erudição é
evidência de noções preconcebidas e traz consigo sua própria refutação!
Essa observação não procura minimizar as diferenças entre João e seus companheiros
sinóticos,63 cada um dos quais tinha seu propósito para o qual escolheu a forma e o

62
R. H. Lightfoot, St. John’s Gospel. A Commentary, p. 1.
63

Os verdadeiros contrastes entre João e os sinóticos são resumidos na tabela abaixo:

O Evangelho de João Os Evangelhos Sinóticos

Pouco movimento Muito movimento

Centralizado na Judéia Centralizado na Galiléia

Ênfase na pessoa de Jesus Ênfase no Reino


estilo que julgou melhor. O fato de o evangelho de João ter escolhido romper com um
padrão tradicional revela ainda mais claramente o gênio criativo e a autoridade pessoal
de seu autor; um indivíduo de menor porte teria permanecido leal à tradição já aceita.
Evidência externa. A tradição universal confirma João como autor do quarto
evangelho. Há alusões em vários autores pós-apostólicos como Clemente de Roma (c.
95), Policarpo (69-155), Inácio de Antioquia (m. 110) e Justino Mártir (c. 100-165).64
Irineu de Lyon, discípulo de Policarpo, discípulo de João, escreveu no segundo século:
―João, o discípulo do Senhor, que também se reclinara sobre o Seu peito, ele mesmo
publicou um evangelho durante sua residência em Éfeso na Ásia‖.65
Outros autores que confirmam a autoria joanina são Taciano (c. 170, no seu
Diatessaron), Teófilo de Antioquia (c. 180), Clemente de Alexandria, Tertuliano,
Orígenes e Eusébio. Esse último é responsável pela preservação de uma frase de Papias,
que identificava o autor como ―João, o presbítero‖. Tenney argumentou, corretamente,
que é ilógico dar precedência a uma referência secundária mais recente (que pode ser
interpretada de mais de uma maneira) que à referência de Irineu, direta e mais antiga.66
Morris sugere que mesmo Marcion, o arqui-herege do segundo século, atribuiu o
quarto evangelho a João, o apóstolo, ainda que argumentando que as teses de Marcion
estavam erradas.67
DATA
A data do quarto evangelho já tem sido situada entre a década de 40 no primeiro
século até à metade do segundo século. Essa grande variedade não significa incerteza,
todavia.
John Robinson, em seu livro Redating the New Testament, defendeu uma data
anterior a a.D. 70, com base em João 5.2, onde se lê: ἔςσιν δέ ἐν σοῖρ Ἰεποςολύμοιρ …
κολτμβήθπα (estin de en tois Ierosolumois … kolumbēthra, ―existe em Jerusalém …
um tanque). Argumentando a partir do tempo presente do verbo, Robinson propõe que
Jerusalém ainda não havia sido destruída quando o evangelho foi escrito.68 Embora tal
argumento pareça colocar peso excessivo sobre um simples tempo verbal, e uma data

Jesus como Filho de Deus Jesus como Homem, Filho de Davi

Ênfase em discursos Ênfase em narrativas

Muito material editorial Pouco material editorial

Longos pronunciamentos de Jesus Pronunciamentos breves de Jesus

Ênfase no significado de Jesus Ênfase na história de Jesus

64
D. Edmond Hiebert, An Introduction to the New Testament, 1:195.
65
Adversus Heresiae 3.1. Ele se identifica como discípulo de Policarpo na mesma obra
(3.3.4).
66
A verdade é que mesmo a frase de Papias não indica que outro João tenha sido o autor, pois
nela Papias chama outros apóstolos de “presbíteros”.
67
Leon Morris, The Gospel According to John, NICNT, p. 26.
68
John T. Robinson, Redating the New Testament, pp. 227 -278.
anterior à destruição de Jerusalém não seja imprescindível, concordo com Robinson
quanto à composição inicial do evangelho, seguido por Apocalipse e pelas cartas.
Por outro lado, a presença de elementos antignósticos no evangelho não o torna
posterior ao ano 80, pois elementos gnósticos foram encontrados na Palestina e no Novo
Testamento ainda nos anos 50 (cf. O Argumento de Colossenses).
Do outro lado do espectro estão os antigos estudiosos da Universidade de Tübingen e
seus seguidores, que postulam uma data na metade do segundo século com base no
conteúdo teológico e na idéia de que João reflete uma abordagem profundamente
helênica da cristologia, algo que não poderia ter sido produzido por um galileu, ainda
mais um pescador analfabeto.
Numa resposta sucinta a tais teorias, pode-se dizer que a educação de João pode ter
sido melhor que a de seus companheiros de apostolado, uma vez que sua família
aparece nos evangelhos como bem afluente, contando com servos (Mc 1.20) e
auxiliando no ministério de Jesus (Lc 8.2-3). Além do mais, o comentário negativo de
que foi objeto em Atos 4.13 pode ser uma referência não à condição de analfabeto, mas
à de não ter recebido treinamento rabínico formal.
Descobertas em Qumran também contribuíram para diminuir o entusiasmo
acadêmico com uma data recente para o quarto evangelho, demonstrando que
concepções supostamente helênicas do universo e da natureza humana eram bastante
comuns na Palestina do primeiro século, a ponto de penetrarem numa comunidade
hermética e isolada, que vivia na periferia do judaísmo.
Guthrie indica, corretamente, que os que atribuem uma data recente a João
presumem, de maneira totalmente gratuita, que Jesus teria sido incapaz de formular
Seus conceitos de maneira adequada à expressão em formas gregas de pensar,69 o que é
uma pressuposição injustificada, para dizer o mínimo.
O golpe de misericórdia para a teoria da data recente foi a descoberta de P52, um
dos papiros John Rylands, um fragmento de João 18.31-33, 37-38, que foi
paleograficamente datado por volta de a.D. 130. O período de circulação e cópia teria
que ter começado décadas antes dessa data. Além disso, o Papiro Egerton 2, datado da
mesma década,70 preserva parte de um evangelho apócrifo cuja fraseologia, na avaliação
de Tenney, incorporava alusões inconfundíveis ao quarto evangelho.71
ORIGEM E DESTINATÁRIOS
A origem do quarto evangelho é nebulosa, embora a tradição eclesiástica antiga
aponte solidamente para Éfeso, seguindo Irineu e Eusébio. Se uma data mais remota for
presumida, não há razão para rejeitar a Palestina como lugar de origem. Minha
preferência por uma data anterior a a.D. 70 leva-me a deixar em aberto a questão de
uma origem palestina.
Os destinatários constituem questão igualmente aberta a debate. A tendência de
interpretar nomes hebraicos e de situar localidades na Palestina sugere leitores gentios.
Os supostos versículos-chave, 20.30-31, têm sido usados para provar que João tinha em
mente pessoas não-salvas, mas isso parece pouco provável quando se considera que
todos os outros livros do Novo Testamento foram dirigidos a comunidades ou a
indivíduos cristãos.
O propósito geral do evangelho, encorajar a fé, pode indicar uma audiência mista, em
que cristãos precisavam de confirmação e interessados podiam encontrar um
testemunho direto sobre a pessoa e obra de Cristo que os levasse a crer nele e, assim, ser
salvos.

69
Guthrie, Introduction, p. 256.
70
Hiebert, Introduction, 1:196.
71
Tenney, “John,” EBC 9.9.
ARGUMENTO BÁSICO
Características
João apresenta características próprias em contraste com os evangelhos sinóticos. Por
isso, muitos eruditos continuam a negar sua historicidade, sem levar em conta
propósitos diferentes entre os autores e o fato de João ter escrito mais tarde, e
provavelmente com conhecimento do material já registrado pelos sinóticos.
Uma característica marcante de João são os longos discursos de Jesus (o pão da vida
[cap. 6], a luz do mundo [cap. 8], o bom pastor [cap. 10] e o discurso do cenáculo [caps.
14-16]) e Seus debates (alguns tranqüilos, outros inflamados) com a liderança judaica
(caps. 5, 8, 10 e 12). Notáveis nesses discursos são as auto-afirmações de Jesus com a
frase ἐγώ εἰμί, egō eimi (o pão da vida [6.35], a luz do mundo [8.12], a porta [10.7], o
bom pastor [10.11], a ressurreição e a vida [11.25], o caminho a verdade e a vida [14.6].
Como disse Ladd: ―todas essas declarações são reflexos de uma autoconsciência
absoluta: ‗antes que Abraão fosse, eu sou‘ (8.58)‖.72
Outra característica do quarto evangelho são os diálogos com indivíduos que
eventualmente chegam a confiar em Jesus como Messias. João utiliza a crença dos
primeiros discípulos (cap. 1), Nicodemos (cap. 3), a mulher samaritana (cap. 4), o cego
de nascença (cap. 9) e a família de Lázaro (cap. 11) como um refletor que ilumina a
trágica rejeição de Jesus por Israel, já prenunciada em 1.11-12, e que se intensifica no
transcorrer do evangelho.
João ainda se distingue dos evangelhos sinóticos por aquilo que é chamado de
escatologia realizada, a súbita irrupção do mundo ―de cima‖ na pessoa de Jesus. Essa
distinção, todavia, não pode ser absolutizada, já que João contém promessas de
julgamento escatológico (5.25-29) e a promessa da volta de Jesus (14.1-4).
Há ainda uma diferença em cronologia e geografia entre João e os sinóticos. João
deixa claro que o ministério de Jesus envolveu pelo menos três Páscoas (caps. 2, 6, 13)
e dá ênfase ao ministério realizado na Judéia, em contraste com o foco galileu dos
sinóticos. Uma vez mais encontramos o fenômeno da complementação entre os
evangelhos.
Uma última característica do quarto evangelho é o seu dualismo vertical, entre o
mundo e a vida superiores, e suas contrapartidas terrenas. Enquanto os sinóticos
estabelecem o contraste entre esta era a e era do Reino por vir, João trabalha com as
categorias ―este mundo‖ e o ―mundo de cima‖, entre Deus e o diabo, entre a luz e as
trevas. Neste caso, Ladd parece exagerar a distinção entre o Reino de Deus nos sinóticos
e a vida eterna em João.73 Os diálogos de Jesus com o jovem rico e Nicodemos
combinam as duas expressões de maneira notável, com uma inversão de ordem de
aparição mas uma equivalência de significado.
PROPÓSITO
João é o único evangelho que claramente anuncia seu propósito. Ele aparece em
20.31. σαῦσα δέ γέγπαπσαι ἵνα πιςσεύςησε ὅσι Ἰηςοῦρ ἐςσιν ὁ Φπιςσορ ὁ τἱόρ σοῦ θεοῦ,
καί ἵνα πιςσεύονσερ ζψήν ἔφησε ἐν σῶ ὀνόμασι αὐσοῦ (tauta de gegraptai hina
pisteusēte hoti Iēsous estin ho Christos ho huios tou theou, kai hina pisteuontes zōēn
echēte en tō onomati autou, ―Na verdade fez Jesus diante dos discípulos muitos outros
sinais que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram registrados para que creiais
que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em Seu nome‖).

72
George E. Ladd, Teologia do Novo Testamento, p. 202.
73
Ibid., p. 201.
Infelizmente, a maioria dos comentaristas tem enfatizado o aspecto evangelístico
deste propósito, sem atentar para os aspectos apologético ou polêmico do evangelho, em
que João enfatiza a glória do Verbo (cf. 1.14; 17.1, 5) e a realidade de sua encarnação.74
O alvo de João era ―estabelecer e confirmar a realidade histórica sobre a natureza do
homem Jesus‖.75 Fez isso enfatizando, desde o princípio (1.19ss.) até o dramático fim
(12.12-19; 18.19-21.25) os seguintes tópicos: (a) a natureza e a missão messiânica de
Jesus; (b) a singularidade de Jesus como ―o Filho de Deus‖, ou seja a pessoa
verdadeiramente divina cujos milagres atestam a realidade das ousadas afirmações que
João fez a Seu respeito no capítulo 1; e (c) o escopo universal de Sua obra redentora
(3.16-17; 6.40). Assim, João consegue ser ao mesmo tempo evangelístico, polêmico, e
pastoral.
Acompanhando seus companheiros sinóticos, o Evangelho de João visa estabelecer
relações pessoais de fé para com Deus mediante Jesus Cristo. A maneira peculiar
adotada por João para conseguir isso é proclamando a glória do eterno Filho agora
encarnado, que por meio de Sua vida, morte e ressurreição, media a graça e a verdade
divinas para aqueles que crêem.
O propósito do Evangelho de João pode ser assim formulado:
Estabelecer relacionamentos de fé com Deus proclamando a glória de Jesus, o
Messias, o Filho encarnado, cuja vida, morte e ressurreição mediam vida eterna,
graça e verdade aos crentes.
MENSAGEM E DESENVOLVIMENTO
A maioria dos comentários de João dá a devida atenção a João 20.30-31 como
passagem determinativa para o propósito e a mensagem do quarto Evangelho. Embora
este autor não negue que João 20.30-31 seja uma declaração de propósito, crê que o
propósito de João não era exclusivamente soteriológico,76 nem didático,77 mas também
doxológico, com o prólogo, especialmente 1.14, operando em conjunto com 20.30-31
para provocar nos leitores a apreciação correta da divindade e da majestade de Jesus
Cristo. Na verdade, os termos δόξα (doxa) e δοξάζψ (doxazō) têm uma ocorrência
combinada de 39 vezes, fazendo o conceito de glorificação ser menos importante apenas
que πιςσεύψ (pisteuō) na determinação do propósito e mensagem do quarto Evangelho.
Outro fator importante na busca dessa mensagem é o constante conflito entre a fé e a
incredulidade que João sintetiza em 1.11-12: ―Veio para o que era seu, mas os seus não
o receberam, mas a todos quantos o receberam deu-lhes o poder de se tornarem filhos de
Deus, aos que crêem no seu nome.‖
A incredulidade jamais é neutra nas Escrituras, e João freqüentemente a relaciona à
oposição que crescia contra Jesus à medida que Seu ministério se desenvolvia. Isso
cresceu de um simples preconceito na mente de Seus primeiros discípulos (1.46) ao

74
Há indícios de que João queria esvaziar um gnosticismo incipiente, de tendências
docéticas, enfatizando a encarnação e a realidade da natureza humana de Jesus. Ele relata
como atividades de Jesus comer, chorar e sentir-se cansado, bem como oferece o testemunho
importantíssimo do tórax perfurado, do qual fluíram sangue e água (19.34-35). Outro
elemento polêmico no quarto evangelho é sua quase-obsessão com a verdade e a verificação
objetiva por meio de testemunho. Isto se vê pelo uso freqüente de ἀλήθεια (alētheia) e seus
cognatos (55 vezes) e de μαπστπία (marturia) e seus cognatos (47 vezes).

75
Hiebert, Introduction, 1:214-215..
76
B. F. Westcott, The Gospel According to John, p. xl.
77
William Hendriksen, The Gospel of John, NTC, p. 34.
ódio declarado e às intenções assassinas (15.18; 10.31; 12.10-11). A princípio, a reação
a Jesus e Seu ministério é favorável entre a população, embora nem sempre
corretamente motivada; assim, em 2.24, encontramos discípulos que não são dignos de
confiança, e em 6.66 muitos que abandonam Jesus ante a possibilidade de terem que se
identificar com Seu sofrimento. Alguns, ainda, permanecem discípulos secretos por
temerem perder prestígio e posição (7.50-52; 12.42-43; 19.38-39). A oposição cresce de
um simples questionamento de Sua ousada purificação do Templo (2.18), a um debate
ferrenho sobre Seus pontos de vista quanto ao sábado (cap. 5) e, principalmente, sobre
sua reivindicação de divindade (cap. 10). A tragédia da liderança israelita preferir
destruir as evidências ao invés de se submeter a elas sublinha a realidade das palavras
proféticas de Isaías. ―Cegou os seus olhos, e endureceu-lhes o coração, para que não
vejam com os olhos, nem percebam com o coração, e se convertam e eu os cure‖ (Is
6.10, conforme parafraseado em João 12.40).
Outra fibra no tecido da mensagem de João é a natureza expiatória da missão de
Cristo na terra. Esta é anunciada ao início do evangelho, em 1.29, e recebe confirmação
de fontes inesperadas, como camponeses samaritanos (4.42) e um sumo Sacerdote
cínico (11.49-50).
Com base nesses elementos, foi formulada a seguinte mensagem de João.
A encarnação do Filho de Deus revela Sua glória divina àqueles que, a despeito da
oposição generalizada, desfrutam de graça e verdade mediante a fé em Jesus como
a provisão divina para o pecado do mundo.
O Evangelho de João muitas vezes é chamado de ―o Evangelho da Fé‖; bem poderia
ser chamado de ―O Evangelho do Conflito entre a Fé e a Incredulidade‖, porque desde o
princípio até os eventos finais do livro, a apresentação do Messias provoca confiança e
incredulidade, com os resultados naturais de bênção e condenação.
Esse contraponto se vê no desenvolvimento da narrativa. O prólogo (1.1-18)
estabelece os dois temas básicos da natureza essencial (divindade) e missão (revelar a
glória de Deus) de Jesus; depois disso encontra-se a apresentação inicial de Jesus por
seu precursor (1.19-51), que provoca uma reação cética por parte da liderança judaica e
uma resposta superficial de fé por parte de Seus primeiros discípulos.
A terceira divisão principal (2.1-4.54) apresenta o crescimento da fé entre pessoas de
contextos diferentes em Israel, mas isso é contrabalançado pelo crescimento da
controvérsia sobre Jesus (5.1-47), que acaba por degenerar em conflito aberto (6.1-
12.50), causado pela rejeição das reivindicações de divindade e messianidade de Jesus
por parte dos líderes representativos de Israel.
Apenas João, entre os evangelistas, registra as importantes instruções de Cristo na
véspera de Sua crucificação (13.1-17.26), palavras que Jesus usou para encorajar Seus
seguidores a não abrirem mão da fé nEle por causa de Sua morte iminente, de Sua
partida e da demora no estabelecimento do Reino (cf. a pergunta de Judas em 14.22). Os
acontecimentos dramáticos da prisão, julgamento e crucificação de Cristo (18.1-19.42)
retratam a consumação da incredulidade de Israel (já sugerida no Prólogo, em Jo 1.11,
ειρ σά ἴδια ἦλθεν, καί οἱ ἴδιοι αὐσόν οὐ παπέλαβον (eis ta idia ēlthen kai hoi idioi
auton ou parelabon, ―veio para o que era seu e os seus não o receberam‖).
O livro termina com duas divisões que ressaltam a fé. A vindicação da fé por meio da
ressurreição (20.1-31) e as recompensas [ou responsabilidades] da fé (21.1-23). Mesmo
o pós-escrito de João oferece um desafio à fé, na medida que atesta a verdade do relato e
oferece a possibilidade de mais provas (21.24-25).
O Prólogo, simples mas profundo, lança os alicerces literários e teológicos do
Evangelho ao apresentar Jesus Cristo como o λόγορ (logos, ―Palavra, Verbo‖), ―Deus de
Deus e Luz de Luz‖, o Filho encarnado de Deus, vindo à terra para revelar o Pai e
redimir o homem. O prólogo estabelece as duas únicas respostas possíveis à mensagem
de Jesus sobre Sua pessoa e Sua obra; não há neutralidade com respeito a Jesus, e o
leitor se defronta, desde o princípio, com a necessidade de escolher entre a fé (que
restaura o privilégio [ἐξοτςία, exousia, ―poder‖] de tornar-se corretamente relacionado
a Deus) e a incredulidade (que significa negar a Jesus o controle que é, por direito, Seu).
O tema de Jesus como Luz, o Revelador adequado do Pai, aparece no prólogo (1.14-
18) e reaparece em várias das confrontações e dos diálogos de Jesus (cf. 5.18-19; 8.26-
27; 14.9-11).
A segunda divisão do livro lida com reações diferentes ao testemunho do precursor
do Messias, João Batista, ou João o Batizador (1.19-51). A resposta oficial à mensagem
de João foi de interesse nascido do ceticismo (um fato amplamente atestado nos
sinóticos [cf. Mt 21.23-27] e já atestado no prólogo [1.8, 10]). João Batista não deixara
dúvidas quanto à identidade dAquele para Quem preparava o caminho. Ele chamou
Jesus de kuvrio~ (kurios, ―senhor‖, 1.23), citando Isaías 40, e assim igualou Jesus a
Yahweh, o Deus de Israel; identificou, ainda, Jesus como ὁ ἀμνόρ σοῦ θεοῦ ὁ αἴπψν σήν
ἁμαπσίαν σοῦ κόςμοτ (ho amnos tou theou ho airōn tēn hamartian tou kosmou, ―o
Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo‖, 1.29), deixando claro, assim, desde o
começo do evangelho, a essência da missão de Cristo e a natureza de Sua morte. Por
fim, identificou Jesus como Aquele que batizaria com o Espírito Santo, o que parece ser
uma alusão às promessas escatológicas que Ezequiel e Joel haviam feito a Israel -
restauração por meio de intervenção divina, com o estabelecimento da Nova Aliança a
restauração do Reino davídico. Israel jamais poderia alegar falta de conhecimento dos
fatos sobre Cristo como causa de sua rejeição.
Em contraste com isso, um pequeno grupo de indivíduos respondia à mensagem de
João com interesse e uma fé incipiente (1.35-51). Críticos radicais sugerem que João
não é exato em sua descrição desses primeiros encontros porque ela apresenta (ou
transforma) os discípulos como messianistas ardentes desde o princípio, um quadro que
os sinóticos não confirmam. Talvez a melhor resposta a tal acusação venha do próprio
João, que no capítulo 2 fala de crentes indignos de confiança (2.23-25), em cujo caso a
fé estava presente, embora ainda não fosse testada e desenvolvida.
A técnica joanina de delimitar seu livro com expressões de profunda convicção
religiosa (Natanael no capítulo 1 e Tomé no capítulo 20) destaca a natureza dinâmica da
fé neste Evangelho; o que começava com um rompante de entusiasmo genuíno, mas
superficial, à vista de uma demonstração sobrenatural de conhecimento (1.49)
amadureceu até o ponto de tornar-se convicção de Sua soberania divina (20.28). Em
ambos os incidentes, Jesus prenuncia que coisas maiores estavam por vir para aqueles
que cressem, confirmando assim o conceito de progresso na fé e suas recompensas.78
A parte principal do livro compreende o relatório joanino do ministério público do
Filho de Deus (2.1-12.50). O centro deste relato é uma série de sete milagres em torno
dos quais se agregam conversas particulares e discursos públicos nos quais se revelam a
glória divina de Jesus e Sua missão redentora.
A primeira seção desta divisão fala de uma ampla reação de crença em Jesus como
resultado de milagres (2.1-25),79 diálogo (3.1-21), testemunho (3.22-36), diálogo (4.1-

78
Ver Zane C. Hodges, “Untrustworthy Believers - John 2.23-25,” Bibliotheca Sacra 135.538
(Ab. - Jun. 1978): 139-152.
79
A primeira purificação do Templo ocorreu no contexto dos milagres realizados na Judéia e
serviu para estabelecer o tom básico do diálogo (ou da confrontação) entre Jesus e o judaísmo
oficial. Este incidente é significativo também por seu valor cronológico para estabelecer a
duração do ministério terreno de Cristo.
42), e milagre (4.43-54).80 A disposição quiástica das narrativas é claramente
intencional, e o mesmo se pode dizer da sua distribuição geográfica, que englobam a
Galiléia, a Judéia e a Samaria. O Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo
considerou imperativo (δεῖ, dei, ―era necessário‖, 4.4) compartilhar Sua mensagem de
redenção até mesmo com os desprezados samaritanos.
Os dois diálogos nessa seção são positivos, e resultam em conversões;81 o diálogo
com Nicodemos (3.1-21) revela a necessidade de abandonar a confiança na própria
condição de judeu para poder ingressar no Reino (que mais adiante Jesus relaciona à
vida eterna, 3.16), ao passo que a longa conversa entre Jesus e a mulher samaritana
revela que a salvação está acessível a todos que corretamente reconheçam a Jesus como
Messias e Salvador (4.25-26, 29, 42).
A seção seguinte descreve o desenvolvimento e aprofundamento da incredulidade
nacional contra Jesus (5.1-12.50). O entusiasmo geral gerado pelos milagres realizados
por Jesus não é suficiente para superar a natureza controversa de Sua mensagem como
Messias e Deus (cf. 5.18 – ἀλλά καί πασέπα ἴδιον ἔλεγεν σόν θεόν, ἴςον ἑατσόν ποι῵ν
σῶ θεῶ, alla kai patera idion elegen ton theon ison heauton poiōn tō theō, ―também
dizia que Deus era seu próprio Pai, igualando-se a Deus‖). A liderança religiosa de
Israel, em particular, reagiu contra o aparente descaso de Jesus para com o sinal da
aliança mosaica, o sábado (5.16). Isso foi provavelmente agravado pela irritação
causada pelos ataques de Jesus contra os líderes por sua incapacidade de entender o
testemunho das Escrituras com respeito a Ele (5.39-47), e pela perplexidade das
multidões
diante de um operador de milagres que recusava o apelo e a aclamação populares para
torná-lo Rei (6.15).
O primeiro milagre nesta seção, a cura do paralítico no tanque de Betesda (5.1-18),
foi o estopim para o debate sobre a relação de Jesus para com o Pai, que Ele defendeu
com base em cinco testemunhos - o de João Batista (5.33), o de Suas próprias obras
(5.36), o do Pai (5.37), o das Escrituras (5.39), e o de Moisés (5.46). O segundo milagre
nesta seção (o quarto no cômputo geral) é o único narrado por todos os quatro
evangelhos. Ele é o ponto de partida para o debate sobre o pão da vida, que enfatiza a
obra salvadora de Jesus (cf. 6.35-40), em contraste com o esforço insano dos judeus
para obterem salvação guardando a Lei (cf. 6.29). Como nos evangelhos sinóticos, os
judeus recusam as evidências oferecidas e a mensagem atestada por elas. e exigem outro
ςημεῖον (sēmeion, ―sinal‖, 6.30), o que apenas confirma sua incredulidade
profundamente arraigada. A esta altura, o entusiasmo inicial acaba por desvanecer e a
maré da opinião pública se volta contra Jesus (6.66). A partir deste ponto, também, a
oposição parte da palavra para a ação.
O quinto discurso de Jesus no livro ocorre por ocasião da Festa dos Tabernáculos
(7.1-52). Esse capítulo retrata de maneira bem vívida a confusão em que se encontrava a
nação com respeito à pessoa de Jesus.
As pessoas que vinham a Jerusalém estavam divididas em sua opinião a respeito dEle
(7.12-13, 20, 31), ao passo que os moradores de Jerusalém demonstravam apatia com

80
Todos esses incidentes contêm algum comentário editorial feito pelo evangelista, algumas
vezes tão bem integrados à narrativa e ao tema da conversa que comentaristas e tradutores
têm dificuldade de determinar exatamente onde terminam os diálogos e começam os
comentários (por exemplo, o que são as palavras em João 3.16 − as ipsissima verba de Jesus ou
o comentário teológico de João?).
81
A confiança de Nicodemos em Jesus não foi revelada senão mais tarde no livro (7.50-51;
19.39), embora o desfecho positivo possa ser lido nas entrelinhas do capítulo 3.
respeito à Sua pessoa e Suas obras (7.25). Somente os líderes têm opinião formada e
estão decididos a fazer oposição a Jesus (7.14-15, 30, 45-52), mas sua tentativa de
prendê-lo acaba falhando. Mesmo nesse ambiente misto de dúvida e oposição, alguns
crêem em Jesus, imaginando que seria impossível ao Messias fazer coisas maiores que
as que Jesus fizera (7.31; Ὁ Φπιςσόρ ὃσαν ἔλθῃ μή πλείονα ςημεῖα ποιήςει ὧν οὗσορ
ἐποίηςεν [ho Christos hotan elthē mē pleiona sēmeia poiēsei hōn houtos
epoiēsen,―quando o Cristo vier, acaso fará milagres maiores do que este tem
realizado?‖] Não é uma crença madura e fidedigna, mas oferece um contraste salutar
para a incredulidade e hostilidade da liderança.
Neste ponto da narrativa Jesus se apresenta como a consumação das esperanças
israelitas preservadas na Festa dos Tabernáculos, reivindicando ser, Ele mesmo, a
provisão de Deus para a sede espiritual (7.37-39) e para a escuridão espiritual do
homem (8.12), trazendo assim as bênçãos espirituais do Reino esperado (a alegação de
ser a Luz identificava Jesus com a coluna de fogo no deserto e com o Servo de Yahweh
em Isaías 49.6,‫ַה ָא ֶרץ‬
ָ ‫ַק ֵצה‬
ְ ‫ַעד‬
ַ ‫שּוע ִתי‬
ָ ‫ַל ְהיֹות ַ ְי‬ ְ ‫[ ּונְ ַת ִתיָך‬ûneṯatîḵā leʾôr
ִ ‫ַלאֹור ַּגֹויִ ם‬
gôyim lihyôt yešûʿāṯ’ ‘aḏ qeṣēh hāʾāreṣ ―e te constituí como luz para os gentios, para
seres minha salvação até os confins da terra‖]).
A famosa perícope de adultera (parágrafo da mulher adúltera) se encaixa no tema da
seção e oferece uma transição entre a rejeição de Jesus por causa de Sua origem galiléia
e Seu inestimável valor como a Luz do mundo (8.12).82 As alusões na passagem
apontam para seu encaixe temático no desenvolvimento do argumento. O abandono com
o qual os judeus celebravam a Festa dos Tabernáculos se prestava aos excessos do tipo
apresentado na passagem; somente no último dia da festa os participantes voltavam
realmente a seus lares; a exigência da Lei, escrita com o dedo de Deus na pedra, foi
refocalizada pelo dedo de Deus escrevendo na areia; assim como Israel fora objeto da
graça no Sinai, a despeito de seu adultério espiritual, assim a mulher recebeu graça no
Templo depois de seu adultério físico.83
O conflito com a liderança continuou à medida que Jesus se apresentou como um
objeto fidedigno da fé (8.21-30), e desafiou a falsa segurança que os judeus derivavam
de sua descendência física de Abraão (8.31-47). Sua alegação de ser maior que Abraão
provocou tamanha fúria nos judeus que ali mesmo eles tentaram apedrejá-lo (8.48-59).
O aprofundamento do conflito e da cegueira de Israel à verdade espiritual é
destacado no capítulo 9, quando Jesus cura um homem cego, que progride da absoluta
ignorância quanto a Jesus até chegar a crença nEle e adoração a Ele, em contraste com
os líderes judeus, que se firmam ainda mais em sua obstinada recusa em aceitar a

82
Zane C. Hodges apresenta evidências convincentes em favor da inclusão desta perícope
no texto original de João. Seus argumentos principais são os seguintes: (1) Apocalipse 22.18-
19, que sugere que bem cedo no primeiro século houve adulteração do texto do Novo
Testamento; (2) embora a evidência textual para a omissão seja antiga, isso não significa que a
inclusão seja posterior a tais testemunhas textuais; (3) há dependência literária entre as
principais testemunhas textuais da omissão, o que reduz o peso de seu testemunho; (4) a
localização é segura em 450
manuscritos; (5) a maioria dos manuscritos da mais antiga das versões, a Itala, contém a
passagem; e (6) argumentos a partir da evidência patrística são, em sua maioria, a partir de
silêncio, silêncio esperado em vista da natureza controversa da história (“The Woman Taken in
Adultery (John 7.53−8.11). The Text,” BibSac 136.544 (Oct.-Dec. 1979), pp. 318-332.
83
Hodges, “The Woman Taken in Adultery (John 7.53−8.11).Exposition,” BibSac 137:545 (Jan.-
Mar. 1980): pp. 41-53.
autoridade e as reivindicações de autoridade de Jesus, mesmo em face de evidência
irrefutável, como a cura do cego de nascença (9.32). Assim, o sinal que haviam
previamente solicitado (6.30) lhes foi, de certa maneira, concedido, e rejeitado.
O chamado ―Discurso do Bom Pastor‖ (10.1-21) é, na realidade, uma continuação do
tema da insensibilidade espiritual ilustrado pelo incidente do
cego de nascença. Jesus reivindica ser o Messias ao usar uma metáfora messiânica
tradicional (cf. Isa 40.11 e Ez 34.11-16); ao mesmo tempo, Ele acusa a liderança
judaica, cuja única preocupação era seu próprio bem-estar, não o das ovelhas. Além do
mais, o conteúdo do discurso é ilustrado pelo cego, que se tornara uma das ovelhas de
Jesus, uma vez que ouvira Seu chamado, ao contrários dos fariseus, que o haviam
rejeitado. O resultado final dessa confrontação foi controvérsia renovada (ςφίςμα,
schisma, ―divisão‖) entre o povo (10.19-21).
O debate seguinte (10.22-42) ocorre por ocasião de Hanukkah,84 a festa da
Dedicação, que celebrava a purificação do Templo por Judas Macabeu em dezembro de
165 a.C. Comentaristas não indicam um elo entre a Festa e o conteúdo do discurso, mas
parece que Jesus estava estabelecendo um contraste entre a segurança que os judeus
pensavam ter nas dependências do Templo e aquela que Ele podia oferecer às Suas
ovelhas (10.28). Quando se pensa no massacre romano de vários milhares de judeus no
monte do Templo, a verdade das palavras de Cristo se torna ainda mais pungente.
É neste contexto que Jesus faz Sua mais clara reivindicação de divindade em Seus
discursos públicos ao dizer ἐγώ καί ὁ πασήπ ἕν ἐμεν (egō kai ho patēr hen esmen, ―eu e
o Pai somos um‖, 10.30), frase que os judeus entenderam como uma blasfêmia,
preparando-se mais uma vez para apedrejá-lo. Jesus evitou uma morte prematura
citando as Escrituras e empregando o que intérpretes judeus chamavam de argumento
‫( קֹלַוָ א ֵֹמר‬a fortiori). Se juízes corruptos são funcionalmente rotulados como ―deuses‖,
o Filho que não conheceu corrupção tem todo o direito de se intitular Deus,
especialmente à luz de Suas provas funcionais (σοῖρ ἔπγοιρ πιςσεύεσε, tois ergois
pisteuete, ―crede por causa das obras‖, 10.38).
A crise precipitada por essa confrontação foi tão séria que Jesus Se retirou para a
Peréia (10.40-42), onde o povo se mostrou mais receptivo à Sua mensagem. De lá Ele
voltou à Judéia motivado pela doença e morte de Seu amado amigo Lázaro (11.1-44).
Este capítulo retoma temas já introduzidos (ζψή [zōē, ―vida‖] e ἀνάςσαςιρ [anastasis,
―ressurreição‖]) e os entrelaça com as palavras de consolo que Jesus oferece a Maria e
Marta.
As circunstâncias nas quais a ressurreição de Lázaro aconteceu fazem deste o clímax
dos milagres no Evangelho de João, aquele que serve como estopim da decisão
definitiva de matar Jesus (11.45-53), em vista da resposta popular ao evento.85 A
inferência feita pelos líderes é que a mensagem de Jesus continha um elemento político
que, uma vez percebido
pelo populacho, traria o poderio romano contra a Judéia, aniquilando seu estado
centrado no Templo. Assim, o veredicto de morte já fora decidido, e a verdade da Sua
morte substitutiva foi inferida na observação cínica (mas profética) de Caifás (11.49ss.).
O capítulo 12 leva ao seu ápice a controvérsia iniciada dois anos antes (cap. 5, mais
provavelmente na Páscoa de a.D. 31). Em contraste com o amor sacrificial demonstrado
por Lázaro (com seu testemunho), Marta (com seu serviço), e, especialmente, Maria

84
Isso se deu aproximadamente dois meses depois dos eventos relatados nos capítulos 7 e 8.
85
S. D. Toussaint associa a ressurreição ao sinal de Jonas em Mateus 12.38-41 (notas de aula
do curso 380 Seminário em Teologia Joanina, DTS, primavera de 1989).
(com seu precioso ungüento),86 a traição exibe seu rosto disforme dentro do círculo dos
mais íntimos discípulos de Jesus, de acordo com Seu próprio conhecimento e desígnio
(cf. 6.70). O tema do martírio aparece veladamente quando a vida de Lázaro é ameaçada
por causa de sua identificação com Jesus.
A entrada triunfal (12.12-19) deixa claro para os líderes que o povo em geral está
pronto para assumir Jesus como seu campeão e seu Rei (segundo sua compreensão
desse papel) com conseqüências catastróficas (12.19). As esperanças patrióticas dos
peregrinos são expressas nas palavras messiânicas do Salmo 118.25-26. O fato de Jesus
ter escolhido um jumentinho para Seu meio de transporte adiciona lenha à sua fogueira
messiânica, à luz da predição feita por Zacarias de que o Rei viria desta maneira
(Zc 9.9). A entrada do Filho de Davi estabelece um contraste marcante com a partida
vergonhosa de Seu antepassado (cf. 2Samuel 15.13ss.)

A relação entre milagres, discursos,


e respostas no Evangelho de João
Resposta da
Milagre Discurso Cap.
audiência
Água transformada Primeiros discípulos
- 2
em vinho crêem
O novo
- Nicodemos crê 3
nascimento
Água, Messias,
- Os samaritanos crêem 4
Salvador
Cura do filho do
- Alguns galileus crêem 4
oficial
A autoridade do
Cura do paralítico Oposição dos líderes 5
Filho
A (primeira) As multidões querem
- 6
multiplicação dos pães entronizar Jesus
Caminhada sobre as Os discípulos ficam
- 6
águas aterrorizados
Oposição; discípulos
- O Pão da Vida 6
se afastam
Os líderes decidem
- A água viva 7
matar Jesus
A luz do mundo; Líderes tentam
- 8
maior que Abraão apedrejar Jesus
Cura do cego de Os líderes rejeitam as
- 9
nascença evidências; o cego crê
Líderes tentam
- O Bom Pastor 10
apedrejar Jesus
Reivindicação de Líderes tentam prender
- 10
divindade Jesus
Ressurreição de Muitos crêem; líderes
- 11
Lázaro se endurecem

86
Há debate quanto à natureza dessa unção − se teria sido tencionada como uma unção real
ou não. Uma vez que João não menciona a unção da cabeça de Jesus, é melhor não ver tal
implicação aqui, embora seja uma possível inferência a extrair do relato de Marcos.
Discurso do Discípulos ficam
- 13-17
Cenáculo perplexos
Um último incidente prepara o leitor para a eventual resolução do conflito. A
chegada de alguns gregos provoca uma resposta emocionada por parte de Jesus (cf.
12.27) pois Ele percebe que a hora crucial de Sua morte finalmente chegou (cf. ὁ
κόκκορ σοῦ ςίσοτ, ho kokkos tou sitou, ―o grão de trigo‖, 12.24); assim, Ele prediz a
glória que Deus irá receber pela ampliação de Sua obra redentora a todas as nações da
terra. A chegada desses gregos ―tementes a Deus‖ é importante para validar a predição
feita por João Batista de que Jesus seria ―o Cordeiro de Deus que tira o pecado do
mundo‖. Em contraste, os judeus afundam cada vez mais em sua incredulidade (12.37-
50), cumprindo assim as sombrias profecias de endurecimento nacional encontradas em
Isaías 6.10. Apesar disso, como em Isaías, um pequeno remanescente confia em Cristo,
embora que ainda debilmente a esta altura (12.42-43).
A quarta divisão principal do Evangelho de João contém Suas instruções quando ao
intervalo entre Sua morte iminente e Seu segundo advento (13.1-17.26). Cristo prepara
Seus discípulos oferecendo um conjunto de prioridades pelas quais deveriam pautar sua
vida sob a égide do Espírito Santo (13.1-16.33).
A cerimônia do lava-pés durante a Páscoa revela o Filho como Servo e instrui os
discípulos em humildade e perdão mútuo, mesmo em face da traição (13.1-30). Seu
exemplo de humildade contrasta com a atitude egoísta dos discípulos em sua
desorientada preocupação com a grandeza no Reino (cf. Lc 22.24-30).
Do exemplo o Senhor passa à descrição dos relacionamentos funcionais dentro da
comunidade dos seguidores do Filho (13.31-16.33). Esses relacionamentos devem ser
moldados de acordo com Seus preceitos (resumidos no novo mandamento, 13.34-35),
Suas promessas (Sua preparação de um lugar para os Seus, Seu retorno, e Seu traslado
de Seu povo com Ele, 13.36-14.15), e Suas provisões (o ministério vindouro do
Espírito, 14.16-26, e a dádiva da paz, 14.27-31). O ciclo de preceito, promessa, e
provisão é retomado uma vez mais no capítulo 15, onde Jesus apresenta como
equivalentes o amor e a obediência perseverante;87 a promessa contém um elemento
positivo e um negativo - o primeiro sendo a certeza de que o discípulo que permanece
em Cristo produzirá muito fruto (15.9-17), e o segundo sendo a oposição engendrada
pelo mundo que antes se opusera ao próprio Mestre e O rejeitara (15.18-25). A
provisão, uma vez mais, seria o Espírito Santo, desta feita em Sua missão como
παπάκλησορ (paraklētos, ―consolador‖) e διδάςκαλορ (didaskalos, ―mestre‖, 15.26-
16.16), acompanhado da paz divina em meio a circunstâncias desanimadoras (16.17-
33).
A última seção dessa divisão é a verdadeira oração do Senhor, Seu louvor a Deus em
vista do cumprimento iminente de Sua missão redentora e reveladora (17.1-5), e Sua
intercessão por Seus discípulos, presentes (17.6-19) e futuros (17.20-26).
A seguir João relata como a obra redentora do Filho de Deus foi culminada com Sua
prisão (18.1-11), dois julgamentos injustos (18.12 - 19.16), o abandono e a negação por
Seus amigos mais próximos, e uma morte ignominiosa (19.17-42), tudo isso culminado
e colocado em perspectiva correta por Sua gloriosa ressurreição (20.1-31).

87
Há debate considerável quanto à identificação dos ramos infrutíferos. Eu acredito que
eles descrevem uma pessoa salva. Minha razão principal é que a passagem está
principalmente preocupada com o relacionamento funcional entre um discípulo e um Messias
ausente, não com um relacionamento essencial entre um crente e o Cristo que nele habita (o
conceito paulino de ἐν Φπιςσῳ). O versículo chave deste conceito é 15.5b, “sem mim nada
podeis fazer”.
Em sua descrição da prisão de Jesus no Jardim do Getsêmani, João dá ênfase ao
contraste entre a glória e o poder demonstrados na revelação da identidade de Cristo
(ἐγὼ εἰμί) e Seu compromisso com a missão redentora que recebera do Pai, com todo o
sofrimento e humilhação que essa missão envolvia (σό ποσήπιον ὃ δέδψκεν μοι ὁ
πασήπ, to potērion ho dedōken moi ho patēr, ―o cálice que o Pai me deu‖, 18.11).
O julgamento religioso (realmente três seções que João condensa em uma só)
culmina uma série de rejeições que eventualmente confirmaram Israel em sua
incredulidade e levaram os judeus a crucificar seu Messias pelas mãos dos romanos. A
ironia dessa seção é a narrativa paralela das negações de Jesus por Pedro. É como se
João usasse Pedro, a quem Jesus mais tarde restaura, como uma amostra ou exemplo da
nação, que um dia será restaurada.
O relato do julgamento civil (realmente três seções que João condensa numa só)
revela a natureza injusta de Sua morte redentora, causada pela rebelião dos judeus e a
má compreensão de Suas reivindicações de realeza e autoridade por parte de Pilatos
(18.27 - 19.16). Esta seção é quiasticamente disposta de acordo com o esquema abaixo.
A. Os judeus exigem a execução de Jesus (18.28-32).
B. Jesus reivindica ser um Rei (18.33-38a).
C. Pilatos considera Jesus inocente (18.38b-40).
D. Jesus é açoitado e zombado (19.1-3).
C1. Pilatos pronuncia Jesus inocente (19.4-7).
B1. Jesus reivindica ser um Rei maior que Pilatos (19.8-11).
A1. Os judeus exigem a execução de Jesus (19.12-16).
Assim como João havia usado a double entendre de Caifás para retratar a
necessidade da morte redentora de Cristo, Ele agora usa a reação mal-humorada de
Pilatos aos eventos perturbadores daquela manhã de sexta-feira para proclamar a
realidade daquilo que Jesus ali realizou; Jesus é publicamente declarado Rei dos Judeus.
A obra redentora de Jesus, o Filho de Deus, foi cumprida (σεσέλεςθαι, tetelesthai, cf.
17.4), proclamando Sua glória como Rei de Israel a despeito de Sua rejeição pela nação
(19.17-42). O cuidado dispensado ao Salvador morto, com embalsamamento e
sepultamento adequados, revelou que Ele era um Rei digno de honra, e que ainda se
achava em Israel uma certa medida de fé, mesmo em face da morte (19.38-42).
João registrou a seguir a ressurreição e apenas três das dez aparições que se podem
encaixar no referencial de tempo dos Evangelhos. Essas aparições (a Maria Madalena,
junto ao túmulo, 20.11-18; a dez apóstolos, 20.19-23; e aos onze, 20.24-30) comprovam
as reivindicações de divindade e messianidade feitas por Jesus e trazem a compreensão
e a fé dos discípulos à plena fruição (cf. Tomé em 20.24-30). Uma das características
notáveis dessa seção é que, a despeito das falhas de lealdade dos discípulos, as primeiras
palavras de Jesus a eles são o cumprimento de Sua promessa de paz e do Espírito Santo
(20.19-23; cf. 14.15, 27).
O epílogo do livro foi escrito como uma última manifestação de Jesus, cujo propósito
era encorajar os leitores a perseverarem na confiança e no serviço à luz do
misericordioso tratamento de Jesus para com Seus discípulos. Ao invés de criticar os
sete discípulos que foram pescar, Jesus, o Senhor ressurreto, realizou um milagre que
provou Sua suficiência como a fonte de sua vida e ministério (21.1-14); ao invés de
repreender Pedro por sua infidelidade, Jesus o restaurou a uma vida de comunhão e
serviço (21.15-23). O livro termina com um colofão a respeito da natureza parcial, mas
fidedigna da evidência oferecida pelo autor (21.24-25).
ESBOÇO SINTÉTICO
Mensagem
A encarnação do Filho de Deus revela Sua glória divina àqueles que, a despeito da
oposição generalizada, desfrutam graça e verdade mediante a fé em Jesus como a
provisão divina para o pecado do mundo.
I. Prólogo – Os relacionamentos de Jesus, o Logos, com Deus e com a humanidade formam
a base de Sua Missão como Vida e Luz, Salvador do homem e Revelador de Deus (1.1-
18).
A. Jesus, o Logos, é Deus na própria essência de Seu ser e no exercício de Seus atributos
(1.1-5).
B. Jesus, o Logos, aparece como Vida e Salvador em Sua expressão ao mundo (1.6-13).
C. Jesus, o Logos, ministra como Luz e Revelador na exposição do caráter glorioso,
gracioso e verdadeiro de Deus (1.14-18).
II. A Apresentação do Filho de Deus. Os primeiros relatos sobre Jesus geram uma reação
mista de crença e incredulidade no começo de Seu ministério público (1.19-51).
A. Os relatos do precursor a respeito de Jesus apontam para Ele como o Messias divino e o
cordeiro sacrificial de Deus diante de uma audiência marcada pelo ceticismo (1.19-34).
1. A auto-identificação de João Batista como o precursor aponta para Jesus como o Messias
(1.19-23).
2. O ministério batizador de João Batista aponta para a vinda de Jesus como o Messias
(1.24-28).
3. O testemunho de João Batista identifica Jesus à sua audiência como o sacrifício
designado por Deus, como Messias e Filho de Deus (1.29-34).
B. Os relatos do precursor sobre Jesus apontam para Ele como o Cordeiro sacrificial de
Deus para um pequeno grupo de homens que se dispõem a crer (1.35-51).
III. O Ministério Público do Filho de Deus. A glória divina e a missão redentora de Jesus
são reveladas por meio de uma série de milagres, diálogos e discursos públicos que
provocam reações de fé, de poucos, e de incredulidade, na maioria (2.1 - 12.50).
A. O início do ministério de Jesus provoca uma reação positiva de fé numa variedade de
camadas do povo de Israel (2.1 - 4.54).
1. O milagre em Caná revela a glória de Jesus e provoca fé em Seus primeiros discípulos
(2.1-11).
2. A purificação do Templo e os milagres realizados por Jesus Lhe granjeiam inimigos e
amigos em Jerusalém (2.12-25).
3. O diálogo com Nicodemos revela a exigência messiânica de que Israel recebesse o
Messias e o novo nascimento que Ele oferece aos que nEle crerem (3.1-21).
4. O testemunho de João Batista sobre Jesus confirma Seu papel como Messias [i.e., o
Noivo] (3.22-36).
5. O diálogo com a mulher samaritana identifica Jesus como Messias e Salvador diante dos
samaritanos, que nEle crêem sem necessidade de sinais (4.1-45).
6. A cura do filho do oficial demonstra o poder de Cristo e destaca que a fé dos galileus era
dependente de milagres (4.43-54).
B. A natureza controvertida da mensagem de Jesus como Messias e Deus provoca uma
reação crescente de incredulidade da liderança religiosa de Israel (5.1 - 12.50).
1. A cura do paralítico junto ao Tanque de Betesda provoca um conflito com a liderança
judaica quanto à autoridade de Jesus, por causa da cura no dia de sábado (5.1-18).
2. O discurso sobre a autoridade divina recebida por Jesus invoca um testemunho quíntuplo
em favor de Suas reivindicações de divindade (5.19-47).
• A autoridade de Jesus procede do Pai, Que confiara a Ele os papéis de doador da vida e
Juiz (5.19-30).
• A autoridade de Jesus é testemunhada por João, por Suas próprias obras, pelo Pai, pelas
Escrituras, e por Moisés (5.31-47).
3. A alimentação milagrosa de milhares de pessoas apresenta Jesus como um novo Moisés,
a Quem o povo deseja fazer Rei, com motivos exclusivamente materiais (6.1-15).
• O milagre da caminhada sobre as águas apresenta Jesus como Deus, o Regente da
natureza, para admiração e perplexidade de Seus discípulos (6.16-21).
• O discurso sobre o Pão da Vida confronta os seguidores de Jesus com as realidades
espirituais de Sua morte e de sua necessidade de se identificarem com Ele, o que gera
rejeição generalizada (6.22-71).
- Jesus confronta Sua audiência com seus motivos errados e com a necessidade de confiar
nEle e não em sua prática da Lei (6.22-29).
- Jesus aponta para sua necessidade maior de suprimento espiritual, que somente Ele, o Pão
do Céu, pode oferecer (6.30-40).
- A resposta de Jesus às acusações dos judeus sobre Sua origem e Sua oferta de vida é
apontar à incapacidade da Lei mosaica de oferecer verdadeiro alimento espiritual (6.41-
59).
- A reação dos ouvintes de Jesus à Sua exigência de abandonarem Moisés e confiarem nEle
provoca o abandono de muitos de Seus seguidores (6.60-66).
- A reação dos Doze é se apegarem a Jesus como o único doador da vida eterna (6.67-71).
3. O ensino de Jesus durante a Festa dos Tabernáculos alimentou a oposição da liderança e
a controvérsia entre o povo (7.1-53).
• O ensino de Jesus alimentou a oposição da liderança quando Ele reivindica autoridade
divina sobre o sábado (7.1-24).
• O ensino de Jesus alimentou a controvérsia entre o povo quando Ele reivindica ser o
cumprimento das esperanças judaicas relacionadas à Festa dos Tabernáculos (7.25-44).
• A reação oficial ao ensino de Jesus é a decisão de eliminá-lo, a despeito do protesto legal
de Nicodemos (7.45-53).
4. O discurso sobre a Luz do mundo com suas reivindicações de origem divina e
superioridade a Abraão provoca uma tentativa de apedrejar a Jesus (8.1-59).
• O contexto em que o discurso aconteceu foi a demonstração da sabedoria e do perdão de
Jesus, em contraste com a desonestidade intelectual e insensibilidade espiritual dos
líderes (8.1-11).
• A reivindicação de Jesus de ser a Luz do mundo é apoiada pelo testemunho do Pai (8.12-
20).
• O apelo de Jesus a que o povo confie que Ele veio de Deus e é Deus é recebido com
perplexidade por muitos e com fé por uns poucos (8.21-30).
• A promessa de liberdade feita por Jesus aos que haviam crido nEle provoca uma resposta
irracional de orgulho judaico por Sua audiência (8.31-41).
• A reivindicação de Jesus de Sua superioridade a Abraão provoca uma acusação implícita
de blasfêmia e uma tentativa de apedrejá-lo (8.42-59).
5. O irrefutável sinal da cura de um cego de nascença é recusado pela liderança, que passa a
hostilizar aqueles que professam fé em Jesus (9.1-42).
• A cura do cego de nascença gera controvérsia em Jerusalém (9.1-12).
• A reação imediata da liderança ao milagre é ignorar a evidência que conflita com sua
tradição quanto ao sábado (9.13-23).
• A reação final ao milagre é hostilizar o ex-cego que os confrontara com sua ilógica
incredulidade (9.24-34).
• A cura do cego de nascença acaba por levá-lo a crer em Jesus, aumentando assim a
condenação aos líderes por sua cegueira espiritual (8.35-42).
6. A auto-apresentação de Jesus como o Pastor Messiânico de Israel, cuja vida será
oferecida pelas ovelhas gera controvérsia entre Seus ouvintes (10.1-21).
• Jesus estabelece um contraste entre Seu papel amoroso e sacrificial como o Pastor
Messiânico e as práticas autogratificantes dos falsos pastores de Sua época (10.1-13).
• Jesus anuncia que por meio de Sua morte Ele reuniria um rebanho muito maior (10.14-
18).
• As opiniões do povo quanto a Jesus ficam divididas (10.19-21).
7. O discurso sobre a segurança oferecida às ovelhas de Deus por seu divino Pastor provoca
violenta oposição (10.22-42).
• A promessa de segurança às Suas ovelhas é uma reivindicação de igualdade a Deus por
parte de Jesus (10.22-30).
• A reação contra Jesus é tão violenta que Ele se retira para a Peréia, onde muitos crêem
nEle (10.31-42).
8. A ressurreição de Lázaro promove fé entre discípulos e seguidores, ao mesmo tempo que
confirma a liderança em seu pecado de incredulidade (11.1-54).
• O milagre tem como objetivo revelar o poder de Cristo e promover a glória de Deus
provocando crença entre discípulos céticos (11.1-16).
• O contato entre Jesus e as irmãs de Lázaro ressalta Seu papel como doador da vida bem
como a necessidade da fé nEle (11.17-37).
• O milagre em si ocorre para a glória de Deus à medida que Jesus demanda a fé (11.38-44).
• A reação da liderança ao milagre e suas conseqüências é planejar o assassinato de Jesus
(11.45-53).
• A resposta de Jesus a essa nova ameaça é retirar-se para Efraim, enquanto uma nação
perplexa diante dEle se prepara para a Páscoa (11.54-57).
9. Os eventos finais do ministério público de Jesus levam à confrontação final entre a
oposição da liderança, as evidentes reivindicações messiânicas de Jesus, e a
perplexidade da nação (12.1-50).
• O ministério da família de Lázaro a Jesus atrai ainda mais a curiosidade popular para Ele,
atraindo assim contra eles a ira da liderança (12.1-11).
• A entrada triunfal destaca Jesus como Messias aos olhos dos peregrinos da Páscoa e no
entendimento da liderança (12.12-19).
• O pedido dos gregos piedosos de verem a Jesus assinala a aproximação do tempo de Sua
morte e glorificação (12.20-33).
• As palavras finais de Jesus à multidão constituem uma convocação a que creia nEle
enquanto isso ainda é possível (12.34-36).
• A incredulidade nacional, da qual poucos escapam, é resultado de um endurecimento
profetizado como juízo divino pela falta de reação à verdade revelada (12.37-50).
II. O Ministério Particular do Filho de Deus. A glória de Deus e o ministério redentor do
Filho por meio de Seus seguidores capacitados pelo Espírito Santo prometido são
revelados nas últimas instruções quanto à Sua paixão e ausência prolongada (13.1 -
17.26).
A. A cerimônia da lavagem dos pés durante a Páscoa revela o Filho como Servo e instrui os
discípulos em humildade e perdão mútuo mesmo em face da traição (13.1-30).
1. A cerimônia da lavagem dos pés serve como a lição última de Jesus sobre a necessidade
de humildade e perdão mútuo (13.1-20).
2. A traição é predita (13.21-30).
B. Os relacionamentos funcionais dentro da comunidade do Filho devem ser moldados de
acordo com Seus preceitos, Suas promessas, e Suas provisões (13.31 - 16.33).
1. Os relacionamentos funcionais dentro da comunidade dos seguidores do Filho devem ser
moldados de acordo com Seu preceito de amor sacrificial (13.31-35).
2. Os relacionamentos funcionais dentro da comunidade dos seguidores do Filho devem ser
moldados de acordo com Suas promessas (13.36 - 14.15).
• A promessa de Jesus quanto à Sua vinda é que retornará para os Seus a despeito das falhas
destes (13.36 - 14.4).
• A promessa de Jesus quanto à continuidade de Sua obra é que Seus discípulos seriam
capacitados, em virtude de sua fé nEle, a fazer coisas maiores do que Ele para a glória
do Pai (14.5-15).
3. Os relacionamentos funcionais dentro da comunidade dos seguidores do Filho devem ser
moldados de acordo com Suas provisões (14.16-31).
• A provisão capacitadora de Jesus para Seus seguidores seria o Espírito Santo como seu
mestre e guia (14.16-26).
• A provisão interior de Jesus para Seus seguidores seria paz inigualável em meio a aflições
(14.27-31).
4. Os relacionamentos funcionais dentro da comunidade dos seguidores do Filho devem ser
moldados de acordo com Seu preceito de permanecer nEle por meio da obediência
(15.1-8).
5. Os relacionamentos funcionais dentro da comunidade dos seguidores do Filho devem ser
moldados de acordo com Suas promessas (15.9-25).
• O discípulo que permanece será frutífero para a glória do Senhor (15.9-17).
• O discípulo que permanece será perseguido tal como foi o seu Mestre (15.18-25).
6. Os relacionamentos funcionais dentro da comunidade dos seguidores do Filho devem ser
moldados de acordo com Suas provisões (15.26 - 16.33).
• O Espírito suprirá orientação e apoio para o ministério em meio a aflições (15.26 - 16.16).
• Os discípulos terão alegria e paz depois que Jesus voltar para o Pai apesar de
experimentarem fracassos e aflições (16.17-33).
C. A posição privilegiada dos discípulos como recipientes da obra revelatória do Filho, bem
como sua responsabilidade como propagadores dessa obra, são o objeto da oração
sacerdotal de louvor e petição feita por Jesus (17.1-26).
1. Jesus solicita ao Pai a Sua intervenção para que o Filho seja glorificado no cumprimento
de Sua missão (17.1-5).
2. Jesus solicita ao Pai Sua proteção para os discípulos de modo que permaneçam em
unidade e verdade enquanto dão continuidade à missão do Filho (17.6-19).
3. Jesus solicita ao Pai Sua intervenção para que futuros crentes experimentem unidade e
amor de modo que o mundo reconheça que Ele foi enviado pelo Pai (17.20-26).
III. A Paixão do Filho de Deus. A glória divina e a missão redentora do Filho de Deus são
vindicadas por Sua morte expiatória e Sua ressurreição, nas quais Seus discípulos vêm a
crer (18.1 - 20.31).
A. A prisão do Filho de Deus ressalta o contraste entre Sua glória essencial e Seu
compromisso prático à missão redentora que recebera do Pai (18.1-11).
B. O julgamento religioso do Filho de Deus retrata a resposta definitiva de incredulidade e
rejeição pela nação, que entrega seu Messias aos gentios para crucificação, enquanto
Seus discípulos O abandonam (18.12-26).
1. Jesus comparece perante Anás para uma audiência prévia (18.12-14).
2. Pedro nega a Jesus pela primeira vez (18.15-18).
3. Jesus comparece perante Anás para interrogatório com respeito a Seu ensino (18.19-24).
4. Pedro nega a Jesus duas outras vezes (18.25-26).
C. O julgamento civil do Filho de Deus revela a natureza injusta de Sua morte redentora,
causada pela rebelião dos judeus e pela má compreensão de Suas alegações de realeza e
domínio por parte de Pilatos (18.27 - 19.16).
1. Jesus é levado perante Pilatos com a vaga acusação de ser um criminoso (18.27-32).
2. A má compreensão de Pilatos das reivindicações de realeza e domínio por parte de Jesus
leva o romano a aceder às exigências judaicas apesar da inocência legal de Jesus (18.33
- 19.7).
3. O receio de Pilatos quanto a acusações dos judeus perante César leva-o a condenar Jesus
Cristo por sedição como Rei dos Judeus (19.8-16).
D. A crucificação do Filho de Deus cumpre Sua obra redentora e proclama Sua glória como
Rei de Israel de acordo com a profecia messiânica, a despeito de Sua rejeição pela nação
(19.17-42).
1. O titulum sobre a cruz e a disputa pela túnica de Jesus por meio de sortes revelam Sua
glória como o Rei sofredor prometido nas Escrituras (19.17-24).
2. Jesus faz provisão para o cuidado de Sua mãe por meio do discípulo amado (19.25-27).
3. A morte de Jesus cumpre Sua obra redentora de acordo com a Escritura (19.28-37).
4. O sepultamento de Jesus foi efetuado por um pequeno grupo de crentes (19.38-42).
E. A ressurreição e as aparições do Filho de Deus vindicam Suas reivindicações de
divindade e messianidade, que são finalmente cridas por Seus discípulos (20.1-31).
1. Os primeiros relatos da ressurreição de Jesus geram perplexidade em alguns e crença em
outros (20.1-9).
2. A aparição de Jesus a Maria Madalena oferece a prova oficial de Sua ressurreição (20.10-
18).
3. A aparição de Jesus a dez discípulos oferece a eles a evidência necessária para crerem em
Sua ressurreição e se tornarem Seus enviados (20.19-22).
4. A aparição a Tomé e aos dez produz a confissão vital de fé em Jesus como Deus e
Messias (20.23-31).
IV. Epílogo. A fé no Filho de Deus ressurreto se apropria das bênçãos de Sua glória e é
recompensada pela comunhão com Ele e pelo serviço a Ele (21.1-25).
A. O milagre realizado perante sete discípulos demonstrou a suficiência de Jesus como a
fonte e da fé como o meio da vida e do ministério de Seus seguidores (21.1-14).
B. A restauração de Pedro demonstra a disposição de Jesus para restaurar aqueles que O
amam à plena comunhão e ao serviço (21.15-21).
C. A natureza original da evidência sobre Jesus garante sua fidedignidade a despeito de seu
escopo limitado (21.24-25).
O argumento de
ATOS
Questões introdutórias
TÍTULO
O sobrescrito tradicional é ππάξειρ ἀποςσόλψν (praxeis apostolōn), embora alguns
dos manuscritos contenham o adjetivo ἁγίψν (hagiōn) entre as duas palavras. Um
número pequeno de manuscritos atribui a obra a ―Lucas, o evangelista‖. A primeira
evidência para o título tradicional vem do(s) Prólogo(s) Anti-Marcionita(s) ao
Evangelho de Lucas, datados entre a.D. 150 e 180. 88
Embora esse título não seja preciso no sentido de que o livro se concentra nas
atividades de apenas dois dentre treze indivíduos reconhecidos como apóstolos, Pedro e
Paulo, e dedica porções consideráveis a não-apóstolos, como Estêvão e Filipe, o título é
aceitável, visto que os apóstolos foram os instrumentos pelos quais Jesus Cristo
continuou a difundir a mensagem do Reino (cf. ὣν ἔπξασο ὁ Ἰνςοῦρ ποιεῖν καί
διδάςκειν 1.1).
AUTORIA
Embora Atos tenha permanecido como obra anônima, a evidência externa e interna
aponta fortemente para Lucas como seu autor.
Evidência externa. A tradição uniforme da igreja primitiva atribui o livro a Lucas,
sem quaisquer alternativas. O documento fragmentário chamado Cânon Muratoriano (c.
180) atribui os ―Atos de todos os apóstolos‖ a Lucas. Esse documento, todavia, sugere
indiretamente que o livro foi escrito depois da morte de Pedro, mencionando ainda que
a partida de Paulo de Roma fora posterior a este evento, o que torna sua afirmação sobre
a autoria um tanto ou quanto questionável.
Poucos anos depois, Irineu de Lyon indicava sua aceitação de Lucas como o autor
(Adversus Heresiae), como também o fez Clemente de Alexandria (c. 155-215;
Stromata 5.12). Tertuliano (c. 150-220) também atesta a autoria lucana (Do Jejum 10).
O testemunho explícito de Eusébio (História Eclesiástica 3.4.7) traz a confirmação de
que nenhum outro autor fora proposto pela igreja primitiva.89
Evidência interna. Tanto Lucas quanto Atos foram dedicados ao mesmo indivíduo,
um certo Teófilo. Atos faz referência ao primeiro volume (σόν ππ῵σον λόγον, [ton
prōton logon]). Os livros contêm semelhanças de estilo e vocabulário e compartilham
preferências teológicas.90 Além disso, ambos os livros partilham um sentido definido de
progressão geográfica - para Jerusalém no evangelho e para Roma em Atos.
Alguns comentaristas e críticos têm buscado estabelecer uma distinção entre as
passagens de Atos narradas na primeira pessoa do plural e o restante do livro. A

88
F. F. Bruce sugere que a expressão “Atos dos Apóstolos” pode ter sido uma reação contra
Marcion e sua doutrina de um só apóstolo, que preservava Paulo e seus escritos e descartava
os demais apóstolos e suas cartas.
89
D. Edmond Hiebert, An Introduction to the New Testament, 1:249.
90
F. F. Bruce alista as seguintes: Sentimentos católicos (i.e. universais), interesse pelos
gentios, importância às mulheres, tendências apologéticas semelhantes, aparições do Cristo
ressurreto limitadas à Judéia e o julgamento de Cristo perante Herodes Antipas (The Acts of
the Apostles, p. 2).
semelhança de estilo e de vocabulário, todavia, indica que foram escritas pela mesma
pessoa. Uma vez que apenas Lucas e Tito jamais são mencionados especificamente
entre os companheiros de Paulo em Atos, presume-se que um dos dois tenha sido aquele
que, anonimamente, se incluiu entre os ―nós‖. Tito, cuja ausência em Atos é
surpreendente, jamais foi defendido como o autor do livro, deixando assim Lucas como
candidato único à autoria.
Mais uma vez em Atos, tal como acontecera no Evangelho de Lucas, descobrimos
que a grande precisão que o autor se referiu a casos de doença e usou termos médicos
sugere alguém envolvido com medicina. Assim, tanto a evidência externa quanto a
interna apontam para Lucas como o autor de Atos.
Embora comentaristas críticos continuem demonstrando ceticismo quanto à autoria
de Lucas,91 a crítica mais recente vem se mostrando crescentemente favorável a Lucas
como autor de Lucas-Atos. As palavras de I. Howard Marshall são um bom resumo do
crescimento da posição tradicional entre os críticos. ―A conclusão de que o autor de
Lucas-Atos era companheiro de Paulo e que, de fato, era Lucas, o médico, ainda
permanece a explicação histórica mais provável dos fenômenos [literários de Atos]‖. 92
DATA
A erudição radical do século XIX defendia uma data no segundo século para o livro
de Atos com base na aparente discrepância entre a figura de Paulo na narrativa, que
difere substancialmente do Apóstolo das Hauptbriefe (cartas principais – Romanos, 1 e
2 Coríntios e Gálatas). Nessas, ele é ferozmente oposto ao judaísmo como o inimigo da
fé, ao passo que em Atos ele freqüentemente se acomoda ao judaísmo, e adota aspectos
rituais da sua religião de origem.
Esse ponto de vista foi corrigido, entre outras coisas, por uma leitura mais precisa de
Paulo em Atos e em suas cartas. Ele aparece pronto a negociar o que não é essencial em
Romanos 14, por exemplo, e se mostra inflexível com a incredulidade dos judeus em
quase todos os lugares por onde passa em Atos. Além disso, as situações de vida de
cada cidade visitada e a da igreja onde os problemas se manifestaram haviam mudado
drasticamente (cf. Gl 3.1; 4.15-20).
Além disso, os estudos de William Ramsay demonstraram que Lucas foi
extremamente preciso em termos históricos e geográficos.93 Mais recentemente, F. F.
Bruce argumentou que a data de composição de Atos deve ser decidida com base no
propósito claramente apologético do livro.94 Apesar de não assumir qualquer
compromisso a não ser o de uma data dentro do período dos Flávios, Bruce indica que a
absoluta falta de referências à revolta judaica e à subseqüente destruição de Jerusalém
podem colocar o livro de Atos entre a libertação de Paulo de Roma e a destruição de
Jerusalém por Tito, em a.D. 70. 95

91
Ernst Haenchen, The Acts of the Apostles, é o exemplo par excellence. Tendências
recentes de analisar Lucas-Atos como uma unidade literária são mais favoráveis à autoria
lucana, e não mais refletem as opiniões radicais de críticos passados.
92
I. Howard Marshall, Luke: Historian and Theologian, p. 220.
93
Richard N. Longenecker, “The Acts of the Apostles,” EBC, pp. 9:208-212, indica que a obra
de Ramsay negou definitivamente as idéias da escola de Tübingen, que considerava o autor de
Atos tão distante dos eventos de sua narrativa que teria cometido graves erros históricos.
94
Bruce, Acts, pp. 6-13.
95
Argumentos adicionais em favor de uma data recuada se acham em Longenecker, “Acts”,
pp. 9:236-238. Veja também John A. T. Robinson, Redating the New Testament, pp. 86-92.
Este autor prefere uma data entre 62 e 70, concordando com Bruce que a falta de
referências à morte de Paulo não torna obrigatória uma data anterior a 68. Se o
propósito subjacente de Lucas era indicar o progresso do cristianismo de uma seita
judaica a uma religião universal por meio do ministério autorizado de Paulo, não
haveria necessidade de incluir a morte do Apóstolo, pois sua missão já fora cumprida,
conforme descrito em Atos 28, onde ―o Reino de Deus‖ é proclamado em Roma ―sem
impedimento algum‖. O mesmo argumento se aplica à perseguição de Nero, que
começou no verão de 64.
ORIGEM E DESTINATÁRIOS
A composição do livro de Atos pode ter levado um tempo considerável. A admissão
do próprio Lucas de que usou fontes (Lc 1.1-4) e a distinção de estilo entre os capítulos
1 a 15 e o restante do livro (de um grego aramaizado para um grego mais helênico)96
fornecem razão para crermos que, com o passar dos anos, fontes como tradição oral (de
acesso tão fácil quanto uma simples viagem de Cesaréia a Jerusalém durante o cativeiro
de Paulo), notas abreviadas de discursos anteriores,97 e o próprio ―diário de bordo‖ de
Lucas foram combinadas para formar nosso atual documento. Fica a pergunta se esse
material teria sobrevivido ao naufrágio. Presumindo que tenha, e sabendo que Lucas
esteve com Paulo em seu primeiro cativeiro romano (cf. Cl 4.14), Roma aparece como o
local mais provável para a origem do segundo volume da obra de Lucas.
O livro foi dedicado, tal como o evangelho de Lucas, a Teófilo, um indivíduo
proeminente, que pode ter patrocinado sua publicação. Se o propósito apologético for
visto como a razão dominante da composição de Atos, os leitores podem ter sido, como
Teófilo, oficiais romanos cuja simpatia Lucas esperava conquistar. Certamente a igreja
primitiva precisava obter a visão de que o cristianismo havia de fato rompido as
algemas do judaísmo e era agora uma religião universal, graças principalmente à visão e
aos esforços do ―vaso escolhido‖ de Deus, o Apóstolo Paulo.
CRONOLOGIA
Um entendimento adequado de Atos e das epístolas Paulinas é impossível sem um
referencial cronológico razoável. O que é apresentado aqui é derivado da dissertação e
de anotações da aula de Harold Hoehner sobre o assunto. As referências a estações do
ano dizem respeito ao hemisfério norte.

Uma cronologia da primeira parte da era apostólica


Evento Passagem Data
Crucificação de Jesus Lucas 23 3 de abril de 33
Dia de Pentecostes Atos 2 24 de maio de 33
Pedro perante o Sinédrio Atos 4 Verão de 33
Morte de Ananias e Safira Atos 5 33-34
Parecer de Gamaliel sobre o cristianismo Atos 5 34-35
Martírio de Estêvão Atos 7 Abril de 35
Conversão de Paulo Atos 9 Verão de 35
Atos 9.8-25; Gl Verão de 35 a verão
Paulo em Damasco e na Arábia
1.16-17 de 37

96
Longenecker, “Acts”, p. 9:222.
97
Veja W. Harold Mare, “The Role of the Note-taking Historian and His Emphasis on the
Person and Work of Christ,” JETS 15 (Primavera 1972):107-121.
Primeira visita de Paulo a Jerusalém Atos 9.26-29; Verão de 37
Paulo ministra na região de Tarso Atos 9.30; Outono 37
Primeiras conversões de gentios Atos 10-11 40-41
Barnabé se muda para Antioquia Atos 11.19-24 41
Barnabé leva Paulo para Antioquia Atos 11.25-26 Primavera de 43
Ágabo prediz fome Atos 11.28 Primavera de 44
Herodes Agripa I ordena a execução de
Atos 12.1-23 Primavera de 44
Tiago
Paulo visita Jerusalém (2) com ajuda para
Atos 11.30; Outono de 47
fome
Atos 12.25 – Outono de 47 a
Paulo e Barnabé ministram em Antioquia
13.1 primavera de 48
Primavera de 48 a
Primeira viagem missionária Atos 13-14
outono de 49
Pedro ministra em Antioquia Gl 2.11-16 Outono de 49
Gálatas escrita de Antioquia Outono de 49
Paulo visita Jerusalém (3) para o concílio Atos 15 Outono de 49
Paulo e Barnabé retornam a Antioquia Atos 15.24-41 Inverno de 49-50
Na medida em que a narrativa se concentra no ministério de Paulo, ele se torna o
foco da cronologia. 98

Uma cronologia da primeira viagem missionária de Paulo


Evento Passagem Data
Partida de Antioquia 13.4 Abril de 48
Ministério em Chipre 13.5-12 Abril a junho de 48
Panfília. João Marcos deserta 13.13 Julho de 48
Julho a setembro de
Ministério em Antioquia da Pisídia 13.14-52
48
Outubro de 48 a
Ministério em Icônio 14.1-5
fevereiro de 49
Ministério em Listra-Derbe 14.6-21a Março a junho de 49
Revisitam as igrejas 14.21b-25 Junho a agosto de 49
Retorno a Antioquia da Síria 14.26-28 Setembro de 49

Uma cronologia da segunda viagem missionária de Paulo


Evento Passagem Data
Partida de Antioquia 15.40 Abril de 50
Ministério em Síria e Cilícia 15.41 Abril 50
Ministério na Galácia do Sul 16.1-6 Maio a julho de 50
Parada em Troas 16.7-10 Julho de 50

98
Eventos não especificamente mencionados no livro de Atos aparecem em itálico.
Agosto a outubro de
Ministério em Filipos 16.11-40
50
Novembro de 50 a
Ministério em Tessalônica 17.1-9
janeiro de 51
Ministério em Beréia 17.10-15 Fevereiro de 51
Fevereiro a março de
Ministério em Atenas 17.16-34
51
Chegada a Corinto 18.1-18 Março de 51
Silas e Timóteo chegam a Corinto 18.5 Abril a maio de 51
1Tessalonicenses escrita de Corinto Verão de 51
2Tessalonicenses escrita de Corinto Verão de 51
Começo de setembro
Partida de Corinto 18.19
de 52
Meados de setembro
Breve estada em Éfeso 18.19-21
de 52
Começo de outubro de
Paulo visita (4) Jerusalém 18.22
52
Retorno a Antioquia 18.22 Novembro de 52

Uma cronologia da terceira viagem missionária de Paulo


Evento Passagem Data
Partida de Antioquia 18.23 Primavera de 53
Primavera - inverno
Visita a igrejas da Galácia 18.23
de 53
Chegada a Éfeso 19.1 Setembro de 53
1Coríntios é escrita de Éfeso Primavera de 56
Agitação e partida de Éfeso 20.1 Maio de 56
Permanência em Troas 2Coríntios 2.12 Maio de 56
Chegada a Macedônia 20.2 Junho de 56
2Coríntios escrita da Macedônia Outono de 56
Partida da Macedônia Novembro de 56
Fim de novembro de
Chegada a Corinto 20.2-3
56
Romanos escrita de Corinto Inverno de 56-57
Partida de Corinto 20.4 Fim de fevereiro de 57
Permanência em Filipos 20.6 6 a 14 de abril de 57
Permanência em Troas 20.6-13 19 a 25 de abril de 57
Viagem de Troas a Mileto 20.13-17 25 a 29 de abril de 57
30 de abril a 2 de
Permanência em Mileto 20.17-38
maio de 57
Viagem de Mileto a Tiro 21.1-3 3 a 9 de maio de 57
Permanência em Tiro 21.4-6 10 a 16 de maio de 57
Viagem de Tiro a Cesaréia 21.7-8 17 a 19 de maio de 57
Permanência em Cesaréia 21.9-14 19 a 25 de maio de 57
Viagem de Cesaréia a Jerusalém 21.15-16 25 a 27 de maio de 57

Uma cronologia dos capítulos finais de Atos


Evento Passagem Data
Paulo visita (5) Jerusalém 21.13-23 28 de maio de 57
Paulo é preso no Templo 21.27 - 22.29 2 de junho de 57
Paulo comparece perante o Sinédrio 22.30 - 23.11 3 de junho de 57
Paulo é transferido para Cesaréia 23.23-35 4-5 de junho de 57
Paulo é julgado perante Félix 24.1-21 9 de junho de 57
Paulo comparece perante Félix e Drusila 24.24-26 Junho de 57
Junho de 57 a agosto
Paulo fica preso em Cesaréia 24.26-27
de 59
Paulo é julgado por Pórcio Festo 25.7-12 Julho de 59
Começo de agosto de
Paulo é julgado por Herodes Agripa II 26
59
Agosto de 59 a
fevereiro de 60
Viagem para Roma 27.1 - 28.29
Agosto de 59
Partida de Cesaréia 27.1-2
Setembro de 59
Lícia 27.5
Outubro 5-10, de 59
Creta 27.7-9
Fim de outubro de 59
Naufrágio em Malta 27.27-44
Começo de fevereiro
Partida de Malta 28.11
de 60
Chegada a Roma 28.16
Meados de fevereiro
de 60
28.30 Março de 60 a março
Primeira prisão em Roma
de 62
Efésios,
Efésios escrita de Roma
Colossenses Outono de 60
Colossenses e Filemom escritas de Roma
Filemom Outono de 61
Filipenses escrita de Roma
Filipenses Começo de 62
Argumento básico
PROPÓSITO
Atos talvez seja o melhor exemplo no Novo Testamento da multiplicidade de
propósitos de uma obra. Estudiosos enfatizam qualquer um desses propósitos de acordo
com sua abordagem específica.
Apologético. Lucas pretendia defender o apostolado de Paulo, complementando,
assim, com base histórica, as defesas do próprio Paulo em tais cartas como Gálatas e
2Coríntios. Lucas descreve o poder e a autoridade de Paulo como sendo comparáveis
aos de Pedro.99 Sua conversão e seu chamado pelo Senhor ressurreto são registrados três
vezes (9, 22, 26), cada vez enfatizando sua condição de ―vaso escolhido‖, o que dá uma
medida de quanta importância Lucas dava ao evento. Isto, contudo, não pode ser o
único propósito de Lucas porque grande parte de Atos não contribui diretamente a ele
(e.g., relatos de outros líderes, como Estêvão e Filipe).
A isso muitas vezes é acrescentada a idéia de que Lucas-Atos foi escrito como um
dossiê jurídico para o primeiro julgamento de Paulo em Roma, com vistas a demonstrar
que o Apóstolo não se envolvera com atividades anti-romanas, já que esta seria a
principal acusação a ser levantada contra ele pelos queixosos judeus (cf. 24.5).
A possibilidade de que as intenções apologéticas de Lucas fossem mais amplas do
que a pessoa e o papel de Paulo foi defendida por vários estudiosos e é enfatizada por
Bruce.100 Opositores judeus haviam dado ao cristianismo uma boa dose de difamação.
Por conta das más línguas, que precederam Paulo e Lucas à capital do Império Romano
(e.g., ―em toda parte é impugnada‖ 28.22), Lucas oferecia provas de que a fé não era um
movimento subversivo, uma ameaça à Pax Romana.
Ele cuidadosamente indica que as perseguições em Atos eram de origem religiosa,
não política. Elas nasciam da incredulidade e intolerância dos judeus, exceto em Éfeso e
Filipos, onde os motivos eram puramente econômicos, visto que o evangelho tinha de
tal modo transformado vidas que outras atividades religiosas eram ameaçadas ou
totalmente descontinuadas.
Levando-se em conta os dois volumes, descobre-se que nada menos do que três
vezes foi registrada pelo evangelista a declaração da inocência de Jesus feita por Pilatos
(Lc 23.4, 14, 22). Em Pafos, o procônsul de Chipre, Sérgio Paulo, foi convertido ao
cristianismo (13.6-12). Em Filipos os magistrados pediram desculpas a Paulo e Silas por
açoitá-los e os prender ilegalmente (16.35-39). Em Corinto, o procônsul de Acaia,
Gálio, considerou Paulo e Silas inocentes de qualquer ofensa contra a lei romana
(18.12-17). Em Éfeso, alguns dos oficiais da província eram amigos de Paulo, e o
tabelião da cidade o absolveu da acusação de sacrilégio (19.31, 35-41). Na Palestina, os
governadores Félix e Festo consideraram Paulo inocente da acusação contra ele, com o
rei Agripa II concordando que Paulo não merecia morte nem aprisionamento e que ―este
homem bem podia ser solto, se não tivesse apelado para César‖ (24.1–26.32).

99

As seguintes comparações podem ser feitas entre os dois apóstolos no livro de Atos:

Os atos poderosos de Pedro Os atos poderosos de Paulo

3.1-11 Curou um homem paralítico de


14.8-18 Curou um homem paralítico de nascença.
nascença.

19.11-12 Lenços e aventais de Paulo curavam


5.15-16 Sua sombra curava pessoas.
pessoas.

8.9-24 Lidou com Simão, um ilusionista. 13.6-11 Lidou com Bar-Jesus, um feiticeiro.

9.32-35 Curou Enéias de paralisia. 28.7-9 Curou o pai de Públio e outros.

9.36-41 Trouxe Dorcas de volta à vida. 20.9-12 Trouxe Êutico de volta à vida.

100
Bruce, Acts, pp. 8ss.
Teológico. Este ponto de vista do propósito vê uma afirmação teológica primária que
Lucas tentava fazer através de sua obra de dois volumes. O tema do Reino de Deus
continua no livro de Atos. O livro começa com uma pergunta escatológica (εἰ ἐν σ῵
φπόνῳ σούσῳ ἀποκαθιςσάνειρ σήν βαςιλείαν σῶ Ἰςπαήλ ei em tō chronō toutō
apokathistaneis tēn basileian tō Israēl, 1.6) e conclui com terminologia escatológica
(κηπύςςψν σήν βαςιλείαν kērussōn tēn basileian, 28.31).101
Lucas buscava explicar o relacionamento entre a igreja e o Reino de Deus, i.e., como
a mensagem do Reino soberanamente passara de um fenômeno principalmente judaico
para um movimento principalmente gentio, com seu centro passando de Jerusalém a
Roma. Ele mostrou ao(s) seu(s) leitor(es) que ―é a intenção de Deus que o Seu Reino
milenar inclua uma população de crentes retirados dentre judeus e gentios durante a
presente era‖. 102
Assim como ele fizera antes em seu Evangelho, Lucas vindicou essa mudança na
operação divina em Atos ao relatar a oferta autorizada da mensagem cristã aos judeus,
sua rejeição não só na Palestina, mas por todo o Império Romano, e a extensão aos
gentios. Assim, as palavras de Paulo e Barnabé na sinagoga em Antioquia na Pisidia são
significativas: ―era mister que a vós se pregasse em primeiro lugar a palavra de Deus;
mas, visto que a rejeitais, e não vos julgais dignos da vida eterna, eis que nos viramos
para os gentios‖ (13.46). Para os judeus incrédulos em Roma, Paulo citou Isaías 9.9-10
para mostrar o juízo de Deus sobre Israel (28.26-27) e disse: ―Seja-vos pois notório que
esta salvação de Deus é enviada aos gentios, e eles ouvirão‖ (28.28).
Assim a historiografia de Lucas é teologicamente fundamentada e orientada.
Enquanto documentava precisamente a disseminação da mensagem do evangelho de
Jerusalém a Judá, a Samaria e aos confins da terra, ele ligou a história ao propósito
divino de Deus para o povo escolhido de Israel e para o mundo, que o acesso ao Reino e
ao gozo de suas bênçãos espirituais sejam partilhados por judeus e gentios igualmente
até o tempo da restauração de Israel (cf. o uso de ἀποκαθιςσάνψ apokathistanō em 1.6).
Didático. Quando Lucas mencionou ―o primeiro tratado‖ que compôs, ele se referiu
a esse propósito declarado em seu evangelho, dar um relato preciso e sistemático do
desenvolvimento do cristianismo. No Evangelho, ele contou as palavras e obras de
Jesus Cristo, e em Atos, ele contou a obra do Cristo ressurreto feita por meio dos Seus
apóstolos. Ele fez isso para que Teófilo e outros leitores conhecessem plenamente as
coisas em que foram instruídos. Lucas escreveu para fortalecer e edificar.
Outro aspecto da historiografia teológica de Lucas é sua ênfase no fato de o
progresso da mensagem do Reino ser uma obra do Senhor ressurreto por intermédio do
Espírito Santo, não o resultado de esforços humanos. A ênfase no Espírito Santo não só
provou o cumprimento da promessa de Jesus, mas O mostrou invisível operando entre o
Seu povo, manifestando Seu poder por intermédio do Espírito em poderosos milagres e
livramentos. Isto é ainda mais enfatizado pelo cumprimento implícito das profecias de
Jesus em Atos.103

101
A expressão profética basileia tou theou ocorre 32 vezes em Lucas e 6 vezes em Atos,
além de alusões ao Reino de Deus em 1.6 e 20.5 (cf. 1.3; 8.12; 14.22; 19.8; 28.23, 31).
102
Stanley D. Toussaint, “Acts,” em The Bible Knowledge Commentary. New Testament
Edition, p. 351.
103

A tabela abaixo indica o tema do desenvolvimento/cumprimento em Atos:


Assim, o propósito do livro de Atos pode ser formulado da seguinte maneira.
Validar a missão gentílica como a continuação legítima da
mensagem do Reino segundo a promessa e o poder do Rei.
DESENVOLVIMENTO
O tema central do livro de Atos é o progresso da mensagem do Reino das ruas
estreitas de Jerusalém no começo da década de a.D. 30 às colinas abafadas de Roma no
verão de a.D. 60. Este livro trata das forças, humanas e sobrenaturais, que permitiram
que o Evangelho de Jesus Cristo atingisse o centro do Império Romano em menos de
uma geração.
Atos tem sido dividido de várias maneiras. A mais comum é de acordo com seu
suposto verso-chave, Atos 1.8, com uma introdução, a proclamação em Jerusalém,
Judéia e Samaria, e no mundo todo. Outros dividem Atos de acordo com seus
personagens principais, dedicando a Pedro os primeiros doze capítulos e a Paulo os
últimos dezesseis.
Outra maneira comum de esboçar o livro de Atos é seguir os ―relatórios de
progresso‖ inseridos por Lucas em certos pontos da narrativa. Esses variam, de acordo
com o expositor, entre seis e nove.
Este autor optou por uma divisão do livro em duas partes, observando os seus limites
racial-geográficos, com os doze primeiros capítulos tratando do crescimento do
evangelho no mundo judaico ou palestiniano, e os últimos dezesseis descrevendo o

Temas do ensino de Jesus continuados em Atos

Lucas registrou o começo e a expansão da


Jesus profetizou a edificação da igreja, que
Igreja e a conquista dos domínios das trevas e
seria vitoriosa contra Satanás (Mt 16.18).
do mal.

Jesus disse aos líderes religiosos que somente A morte, ressurreição e ministério continuado
mais um sinal seria dado a Israel, a Sua de Jesus Cristo formam o pano de fundo e o
ressurreição (Mt 12.38-40; cf. Jo 2.19). alicerce do livro de Atos.

Jesus declarou que a cidade de Jerusalém seria


destruída, porque aquela geração de israelitas Os apóstolos instaram urgentemente com os
estava debaixo de julgamento divino pelo judeus para que se arrependessem, a fim de se
pecado nacional de rejeição do Messias (Lc salvarem daquela geração perversa (At 2.40).
21.23-24).

(1) O Reino permaneceu em foco (1.3; 28.31).


(2) Jesus não negou a restauração do Reino a
Israel (1.6-7). (3) Ele esboçou para os
discípulos o seu trabalho, até a época
Jesus declarou que o Reino fora tirado de
determinada pelo Pai em Sua autoridade (1.8).
Israel (aquela geração) e dado a outro povo (os
(4) O ministério dos apóstolos, especialmente
gentios/a Igreja), até o cumprimento futuro de
de Paulo, confirmaria ainda mais a rejeição
Suas alianças com Abraão e Davi (Mt 21.43).
nacional do Messias pelos judeus, e mostrava
um movimento da obra de Deus entre os
judeus para uma obra entre os gentios por
meio da Igreja.
mesmo fenômeno no mundo gentílico. Com isso, combinou uma divisão em seis
―livros‖, três em cada divisão, cada um deles terminando com um ―relatório de
progresso‖.
Assim, a Parte I abre com o Livro das doze testemunhas (1.1– 6.7). Este livro contém
o registro de como as doze testemunhas autorizadas efetivamente permearam Jerusalém
com a mensagem do Reino a despeito da oposição sistemática do judaísmo estabelecido.
O livro começa com o que Longenecker chama de prefácio retrospectivo,104 um curto
parágrafo que recapitula uma obra anterior e estabelece a ligação entre esta e a obra
atual (1.1-5). Uma das chaves neste livro é a expressão ἤπξασο … ποιεῖν erxato poiein
(1.1), que caracteriza os eventos de Atos como pertencentes à mesma esfera daqueles
narrados no Evangelho - atos sobrenaturais do Rei Soberano, que atestam a validade de
Sua mensagem.
A capacitação para a próxima tarefa seria a influência e o poder do Espírito Santo
(1.8), dados como a promessa do Pai para os discípulos enquanto eles esperam a
cumprimento (literal) das promessas do Reino depois da ascensão de Cristo.105 Essa
expectativa messiânica continua bem presente na vida e na pregação da igreja primitiva
ao longo do livro.
Como preparação para a promessa vindoura, a comunidade messiânica (os apóstolos
mais uns cem discípulos) se dedica à oração e a conseguir um substituto para Judas,
Matias (1.12-26).
O cumprimento da promessa no Dia de Pentecostes capacita as Doze Testemunhas a
proclamar efetivamente a mensagem do Reino a judeus de todo o Império Romano
(2.41). O elemento milagroso de falar em línguas gera espanto na maioria e zombaria
em outros, mas quando a atenção geral é dada aos apóstolos, a mensagem de Pedro lhes
mostra de perto a realidade de bênçãos semelhantes às do Reino em seu meio (2.14-
21)106 e a magnitude do seu pecado quando rejeitaram a fonte de tais bênçãos (2.22-36).
O desafio aos ouvintes de Pedro é que eles se arrependam da sua blasfema rejeição de
Jesus e se desassociem da perversa geração que o Rei colocara sob juízo (2.38-40).
Com as pessoas que responderam à pregação de Pedro, uma comunidade messiânica
é estabelecida em Jerusalém, cujo estilo de vida reflete a expectativa do retorno do
Messias em breve (2.42-27).107

104
Longenecker, “Acts,” p. 9:244.
105
A expectativa dos discípulos quanto ao estabelecimento de um Reino físico não é negada
por Jesus. Ele apenas corrige o seu calendário.
106
Há uma variedade de posições interpretativas quanto à relação entre a profecia de Joel e
seu uso por Pedro em Atos 2. Amilenistas geralmente vêem um cumprimento total e não
literal no Dia de Pentecostes. Alguns pré-milenistas advogam um cumprimento parcial, com as
promessas espirituais se cumprindo em Pentecostes e os elementos cósmicos aguardando
cumprimento na Segunda Vinda de Cristo. Uma variante dessa posição fala de cumprimento
condicional, dando a entender que tudo teria sido cumprido se Israel tivesse respondido
positivamente às reivindicações de Cristo. O ponto de vista que prefiro é a chamada posição
ilustrativa, que entende a frase de Pedro σοῦσό ἐςσιν (touto estin “isto é”) como metafórica ou
comparativa em seu sentido, estabelecendo um paralelo mas não uma correspondência
unívoca entre Atos e Joel. A ausência de uma fórmula de citação é um argumento forte em
favor dessa posição, que vê o cumprimento de Joel 2.28-32 como algo totalmente futuro.
107
Particularmente relevantes para essa expectativa são a venda de propriedades, a vida
comunitária, e a presença diária no Templo, onde os “salvos” da profecia de Joel seriam
A expansão dessa comunidade do Reino continuou através de obras de poder e
proclamação (3.1-26), apesar da crescente oposição do judaísmo oficial (4.1-22).
Altamente motivados pelo privilégio de sofrer por amor a Cristo, os apóstolos se unem à
igreja em súplicas por intrepidez contra esse ataque contínuo contra o Messias (4.23-
31). O estilo de vida singelo e altruísta da comunidade é ameaçado por obstáculos
internos – ganância e hipocrisia. O fato de serem estes dois pecados tratados de modo
tão severo (5.1-11) evitou falsas profissões de fé, mesmo quando grandes números
vinham à fé como resultado de obras de poder (5.12-16) e proclamação à sombra da
oposição (5.17-42). Os obstáculos internos de descontentamento e murmuração são
resolvidos quando novos líderes assumem responsabilidades na comunidade (6.1-6).
Lucas conclui O livro das doze testemunhas com o relatório de que Jerusalém fora
permeada com a fé (6.7).
O passo seguinte no avanço soberano da mensagem do Reino é ultrapassar as
fronteiras do mundo cultural e racial de Israel por meio de três pregadores, Estêvão,
Filipe e Saulo (6.8 – 9.31).
Com grande habilidade literária Lucas provoca seus leitores com a pergunta. ―Quem
há de levar a mensagem do Reino aos confins da terra, conforme ordenado pelo Rei?‖
Estêvão, que aparece plenamente preparado para a missão, tanto espiritualmente (6.5, 8)
quanto culturalmente (6.9-10), morre como mártir depois de denunciar cortantemente
sua geração (7.1 – 8.1a). Aparece brevemente Saulo, um jovem fariseu, cuja devoção ao
judaísmo o leva a apoiar a morte de Estêvão e iniciar a sua própria cruzada contra a
igreja (8.1-3).
Entra em cena Filipe, que parece lançar-se rumo ao mundo, levando as novas a
Samaria (8.4-13), além das fronteiras raciais do judaísmo, num ministério pessoalmente
autenticado pelos dois apóstolos principais, Pedro e João (8.14-25), e a um oficial etíope
solitário numa estrada deserta (8.26-40). Seu sucesso o leva a Cesaréia, um local
promissor, por ser um centro do governo romano. Entretanto, como Lucas o relatou,
Filipe permanece lá, como será visto no capítulo 21.
Saulo entra novamente em cena. Sua conversão é um evento chave no enredo do
livro (9.1-19a).108 Esse incidente foi narrado a fim de demonstrar a realidade do poder
que fora desencadeado em Pentecostes e ainda operava em Damasco dois anos depois.
Ainda assim, Lucas mantém o suspense ao relatar como as primeiras tentativas de Paulo
de ministrar entre os judeus foram frustradas pela incerteza dos novos amigos e pela
vingança dos velhos (9.19b-30). Como um indivíduo encrenqueiro assim podia ser o
vaso escolhido de Deus?
Com essa pergunta no ar, Lucas encerra o Livro II – O livro dos três pregadores,
com um segundo relatório, observando o crescimento quantitativo e qualitativo da
Igreja em toda a Palestina.
A terceira divisão da Parte I, denominada aqui Livro das quatro cidades, contém o
relato da soberana intervenção de Deus para que Pedro, o personagem central deste
livro, entrasse em contato com gentios a quem Deus preparara para receber a salvação
por meio de Cristo.
O ministério de Pedro incluiu cura e pregação em duas cidades, Lida e Jope (9.32-
43), que pode refletir o seu ministério futuro aos gentios em Cesaréia.109 Vê-se a ação

encontrados. Isso pode explicar em parte por que os discípulos se mostraram tão relutantes
em deixar Jerusalém.
108
Lucas a relata três vezes (caps. 9, 22, e 26) com o propósito de estabelecer sua
significância para o propósito do livro − demonstrar que a missão aos gentios era a
continuação legítima da soberana proclamação da mensagem do Reino feita por Jesus Cristo.
109
Richard B. Rackam, The Acts of the Apostles, 143-144, sugere que a cura de Enéias é
representativa da cura espiritual a ser efetuada entre os gentios. Embora possa haver um
soberana de Deus na preparação de ambos os homens, Cornélio e Pedro, para o seu
encontro (10.1-23) e no derramar do Espírito em resposta à fé mesmo antes que se
formulasse um apelo formal ao arrependimento (10.44-48).
A relutância da igreja de Jerusalém em aceitar a realidade da salvação de gentios foi
temporariamente superada pelo relatório de Pedro e pelo fato inegável do batismo do
Espírito, um sinal que a promessa fora formal e soberanamente estendida aos gentios
(11.1-18).
A reação fria e cética em Jerusalém (11.1-18) é contrastada com um quadro de
abertura e exuberância em Antioquia, onde uma igreja vibrante e cosmopolita é
estabelecida pelo testemunho de crentes comuns (11.19-21). Pedro abrira as comportas
e a mensagem soberana do Reino fluía com a força de uma torrente. Outro contraste
desse capítulo é a receptividade dos gentios no capítulo 11 e a oposição violenta dos
judeus no capítulo 12, evidenciada na ação de Agripa I contra os apóstolos. A sua
morte, preservada em detalhes por Josefo também,110 é um testemunho dramático do
juízo divino contra os que se opõem ao progresso soberano da mensagem do Reino
(12.1-23).
O último relatório de progresso da Parte I enfatiza o contínuo crescimento e
progresso da Igreja a despeito de muita oposição (12.24).
A Parte II descreve a irrupção da mensagem soberana do Reino no mundo gentílico
ou mediterrâneo (12.25 – 28.31). Mais uma vez, a parte é dividida em três livros com
relatórios de progresso ao final de cada um. A estratégia de Lucas é seguir o movimento
no epicentro da irradiação cristã, que começa em Antioquia e termina em Roma. Esses
movimentos seguiam uma estratégia bem definida, concebida e executada pelo
instrumento escolhido de Deus, Paulo. A tabela abaixo define os elementos dessa
estratégia:
1. Concentrar-se em centros estratégicos por motivos práticos;
2. Pregar aos judeus na sinagoga primeiro pelo motivo teológico de oferecer o Reino,
suscitar um remanescente fiel e verificar a incredulidade de Israel (cf. Rm 11.5-7);
3. Demonstrar integridade de motivação ao trabalhar com as próprias mãos para que
ninguém o acusasse de pregar por dinheiro;
4. Enfatizar a Palavra de Deus ao pregar Cristo.
A primeira divisão na Parte II é O livro de expansão e separação, onde é descrito o
período em que, além de aparecer no mapa do Mediterrâneo, o cristianismo gentílico
afirmou sua independência do judaísmo e sua distinção do cristianismo judaico (12.25 –
16.5).
Os dois grandes eventos nesse livro são a primeira viagem missionária (12.25 –
14.28) e o Concílio de Jerusalém (15.1-35). A primeira viagem missionária foi o
produto da obra do Espírito Santo na igreja predominantemente gentia em Antioquia.
Lucas finalmente resolve o suspense sobre Paulo, começado no capítulo 8, quando o
Espírito dá a ordem que lançou a primeira onda de atividade missionária cristã,
Αυοπίςασε εἰρ σό ἔπγον ὃ πποςκέκλημαι αὐσούρ aphorisate eis to ergon ho
proskeklēmai autous (13.2). A primeira viagem missionária disseminou a mensagem do
Reino entre judeus e gentios no leste da Ásia Menor. Ao longo dos quase dezoito meses
dessa primeira viagem, a rejeição generalizada de Israel para com Jesus como o Messias
se torna um dos temas predominantes, visto que em cidade após cidade um pequeno
remanescente crê enquanto a vasta maioria não só rejeita a oferta de salvação, mas

paralelo na natureza dos milagres e as realidades, reluto em aceitar tal semelhança como
intencional.
110
Antiguidades dos Judeus, 18.6.7.
persegue os apóstolos e assedia os convertidos (cf. 14.22). Paulo claramente viu isso
como um sinal de que a sua missão e a rejeição da Diáspora para com o Evangelho se
encaixavam com a profecia de Isaías do Servo como uma luz às nações (cf. 13.46-47; Is
49.6).111
Quando retornaram a Antioquia, o preconceito que fervilhara em Jerusalém desde a
conversão de Cornélio finalmente transbordou numa tentativa de forçar a circuncisão
aos crentes como uma condição para a salvação (15.1). O Concílio de Jerusalém foi
convocado a pedido dos crentes antiocanos para resolver a questão. Sua decisão,
baseada nos testemunhos de Pedro, Paulo, Barnabé e Tiago, foi manter [no ínterim até a
chegada do Reino]112 o princípio de que a salvação é pela graça por meio da fé sem
ligação com obras da Lei.
O Concílio passou uma resolução aprovando restrições mínimas sobre práticas
ofensivas por causa do testemunho a Israel, sem implicações para a salvação. Esse
capítulo é fundamental no livro de Atos, e seu propósito é validar a missão gentílica
como a continuação legítima da mensagem do Reino.
Enquanto Paulo e Barnabé se preparavam para lançar um segundo esforço
missionário, uma desavença entre eles levou-os a quebrar sua associação missionária e
tomar cada qual o seu rumo. A missão de Barnabé a Chipre permaneceu desconhecida
quanto ao seu desenrolar e seus resultados, pois o foco da mensagem do Reino passaria
agora às costas do mar Egeu.
Depois de relatar as visitas de Paulo e Silas às igrejas fundadas na primeira viagem,
Lucas insere o quarto relatório de progresso (16.5), indicando como a missão gentílica
produzira igrejas fortes e crescentes.
A segunda divisão da Parte II é chamada O livro do desenvolvimento e do desafio
(16.6 - 19.20). Nessa parte, a mensagem soberana do Reino é espalhada pelos grandes
centros da cultura grega e ali é desafiada pelo judaísmo e pelo paganismo helênico. Os
pontos altos desta divisão são: (1) a soberana direção do Espírito Santo, que ―empurra‖
os apóstolos para Macedônia e Acaia, não permitindo que Paulo concretize nessa
ocasião seus planos de alcançar a Ásia [Éfeso] (16.6-10); (2) a receptividade sôfrega dos
gentios; (3) uma combinação de oposição econômica e religiosa ao evangelho (Filipos e
Tessalônica); e (4) uma atitude de ―deixar o barco correr‖ pelas autoridades romanas em
relação ao cristianismo, exemplificada por Gálio em Corinto (18.12-17).
O estabelecimento do cristianismo em Macedônia e Acaia, com centros vigorosos em
Filipos, Tessalônica e Corinto, intensificou a oposição judaica depois que a crise
messiânica ocorreu nas sinagogas. Ainda assim, sempre há um remanescente que se une
aos apóstolos e seus convertidos gentios, como exemplificado em Corinto (18.7).
Na viagem de volta a Antioquia, Paulo se prepara para seu alvo a longo prazo - fazer
de Éfeso o centro irradiador do cristianismo - ao deixar lá seus assistentes fiéis, Áquila e
Priscila (18.18-22). Fecha-se o ciclo missionário com o retorno de Paulo e o relatório a
Jerusalém e Antioquia.
A terceira viagem missionária segue o padrão e a estratégia da segunda, com a
consolidação da obra anterior e a conquista de novo território. O alvo principal, Éfeso, a
maior cidade na Ásia Menor, foi o centro de operações missionárias por quase três anos.
Os esforços de Paulo em Éfeso resultam num triunfo da mensagem soberana do Reino
sobre a oposição judia e pagã (19.1-19). Nesse ponto, Lucas insere seu quinto relatório

111
Esta associação da missão gentílica com os temas de rejeição e salvação em Isaías atinge
seu clímax em 28.26-27, onde Paulo (e Lucas) apresentam a rejeição universal de Jesus Cristo
por Israel como o resultado do endurecimento disciplinar divino (cf. Is 6.9-10).
112
A idéia que Tiago pretende demonstrar a partir das Escrituras (Am 9.11-12) é que na era
do Reino os gentios serão salvos como gentios, o que certamente impede que qualquer pessoa
os submeta a um processo de judaização no tempo da proclamação do Reino.
de progresso, indicando que a mensagem acerca do Senhor Jesus tinha um efeito cada
vez mais abrangente e profundo na província da Ásia (19.20).
A última divisão da Parte II é chamada O livro do conflito e da chegada, e seu
resumo é que a mensagem soberana do Reino sofre conflito da parte de judeus e gentios
que procuram eliminar Paulo. Apesar disso, ele chega a Roma, o centro do império,
onde a rejeição israelita atinge seu triste final (19.21 - 28.31).
Mais uma vez, o conjunto de fatores religiosos e econômicos é responsável pela feroz
oposição contra o Evangelho (19.23-41). A razão pela qual Lucas escolheu começar
essa seção com o protesto em Éfeso, em vez de ligar essa narrativa com o ministério de
Paulo ali, é que no tempo em que se deu o protesto, Paulo já começara seu esforço de
levantar ofertas para os crentes necessitados em Jerusalém e Judéia, um plano que seria
instrumental para o cumprimento do objetivo final de Deus de levar o Evangelho a
Roma.
Seu ministério em Macedônia e Acaia, depois de sair de Éfeso, é certamente um
misto de consolidação da obra ali (com muito a fazer em Corinto) e arrecadação das
ofertas levantadas nas igrejas individuais (como evidenciado pela lista de companheiros
de viagem a caminho de Jerusalém, 20.4).
Lucas dá atenção especial à viagem de Paulo a Jerusalém, pois ela ressalta seu poder
apostólico e seu compromisso com o chamado que recebera do Senhor (20.4 - 21.16).
Sua determinação em ir a Jerusalém apesar dos muitos avisos e pedidos dos seus
irmãos, que eram guiados pelo bom senso, serve para provar que sua missão gentílica
não era o produto de algum tipo de anti-semitismo, mas o resultado da dura cerviz de
Israel ao rejeitar a mensagem do Reino.
O testemunho de Paulo em Jerusalém ocorre em meio a uma violência injustificada
dos judeus para com um homem que estava disposto a se conformar com adiaphora
(elementos não essenciais à fé) a fim de ter uma oportunidade de testificar sobre Jesus
(21.17 - 23.30). Duas vezes o seu testemunho é interrompido pela intransigência da
audiência para com os pontos-chave do seu ministério - seu chamado à proclamação do
Evangelho aos gentios (21.37 - 22.21) e a ressurreição de Jesus (22.30 - 23.10).
À medida que a narrativa se desenrola, Roma dá proteção contra as conspirações dos
judeus (23.12-30), e acusações injustas (23.31 - 24.23). A política, porém, começou a
ameaçar a sua segurança quando um novo governador entra em cena, e Paulo apela para
César, o que era direito seu como cidadão romano (25.1-12). A promessa de ser uma
testemunha diante de reis é cumprida quando Festo pede a Herodes Agripa II uma
opinião especializada sobre o caso de Paulo.
O testemunho do Paulo diante de Agripa é preservado em grandes detalhes porque o
Rei se torna, em termos literários, um representante de Israel em sua indecisão entre
professar a crença nas Escrituras e rejeitar o evento factual para o qual todas as
Escrituras se dirigiam e apontavam – a ressurreição de Jesus Cristo (25.23 - 26.29).
O subpropósito apologético de Lucas é vindicado no acordo entre Festo e Agripa
quanto à inocência de Paulo. A ironia do destino de Paulo é que a liberdade que ele
merecia como um homem inocente só poderia ser preservada se ele fosse mantido
prisioneiro até que César o julgasse (26.30-32).
O capítulo 27 é notável devido à sua detalhada descrição de como se viajava na
antigüidade e porque destaca a sabedoria e a compaixão de Paulo. A idéia básica desse
―diário de bordo‖ é que a viagem de Paulo a Roma o revela como o vaso escolhido de
Deus, cuja vida Ele protegia e cujo ministério entre os gentios Ele fazia prosperar (27.1
- 28.10).
Na sua chegada a Roma, Paulo segue sua estratégia de ministrar ―primeiro ao judeu‖.
Sejam as afirmações dos líderes judeus verdadeiras ou não,113 o ministério de Paulo aos

113
Bruce sugere que houve mais diplomacia do que verdade nessas afirmações, uma vez
que a conexão entre Jerusalém e Roma era muito forte (Acts, p. 506). Pode ser que, depois de
judeus em Roma traz a um fim trágico a história nacional de rejeição da mensagem do
Reino, conforme profetizada nas Escrituras (28.17-28).114 Esse ponto culminante da
rejeição judia assinalava que o foco principal do ministério cristão dali em diante seriam
os gentios (28.28-29).
O livro de Atos termina com o sexto relatório de progresso, no qual o cristianismo é
vindicado em Roma, onde a mensagem do Reino é livremente proclamada (28.30-31).

ESBOÇO SINTÉTICO
Mensagem
A mensagem soberana do Reino iniciada por Jesus encontra culminação
autorizada em sua proclamação por todo o mundo gentio.
PARTE I –
A MENSAGEM SOBERANA DO REINO É PROCLAMADA NO MUNDO JUDAICO (1.1 -
12.24)
I. O livro das doze testemunhas - As Doze Testemunhas autorizadas permeiam Jerusalém
com a mensagem do Reino (1.1 - 6.7).
A. Prólogo. O tema do livro é a continuação da obra do Messias ressurreto por meio de
Suas testemunhas oficiais capacitadas pelo Espírito Santo (1.1-5).
1. O antecedente desta obra foi o relato lucano do ministério de Jesus até o tempo de Sua
ascensão (1.1-2).
2. A autenticação da história a ser contada é o fato seguro da ressurreição de Jesus (1.3).
3. O agente principal da história a ser contada é o Espírito Santo prometido (1.4-5).
B. Partida. A ascensão de Jesus estabelece os apóstolos como testemunhas do Reino sob a
influência e o poder do Espírito prometido, enquanto esperam o retorno do Messias
(1.6-11).
1. Os apóstolos são comissionados como testemunhas do Reino a todo o mundo enquanto
esperam pelo tempo indicado pelo Pai para o seu estabelecimento (1.6-8).
• O conceito que os discípulos tinham do estabelecimento do Reino é refinado por Jesus no
que diz respeito ao seu tempo (1.6-7).
• A comissão de Jesus aos discípulos é que sejam testemunhas do Rei sob o poder do
Espírito Santo que lhes seria concedido (1.8).
2. A ascensão de Jesus perante Seus discípulos é acompanhada pela promessa de sua volta
pessoal e corporal (1.9-11).
C. Preparação. A preparação dos discípulos para o cumprimento da promessa do Messias
consistiu de oração unida e complementação do número oficial das testemunhas da
ressurreição (1.12-26).
1. A comunidade do Reino ora unida na expectativa da promessa de Cristo (1.12-14).

dois anos, e sem material para formular uma acusação estruturada, os judeus tivessem
diminuído suas tentativas de eliminar Paulo.
114
Esta é a quarta e última vez que Isaías 6.9-10 é citado no Novo Testamento, e desta vez
traz em si uma nota de finalidade. Desde Jerusalém até Roma a oportunidade havia sido
rejeitada e a porta parecia se fechar definitivamente para Israel como nação.
2. A comunidade do Reino seleciona a décima segunda testemunha com base na Palavra e
na soberania de Deus (1.15-26).
• A comunidade reconhece a soberania de Deus na obra e na morte de Judas (1.15-20).
• A comunidade concorda em encontrar outra testemunha entre os primeiros seguidores de
Jesus (1.21-22).
• Sortes soberanamente designadas indicam Matias como a décima segunda testemunha
(1.23-26).
D. Pentecostes, o cumprimento da Promessa. A chegada do Espírito capacita as Doze
Testemunhas a lançar com sucesso a mensagem do Reino entre os judeus (2.1-41).
1. O Espírito manifesta Sua chegada visível e audivelmente às Doze Testemunhas (2.1-4).
• A ocasião da manifestação é a Festa das Semanas [Pentecostes] (2.1).
• A forma da manifestação foi por meio de som e visão de acordo com os símbolos do
Antigo Testamento (2.2-3).
• O resultado da manifestação foi o controle das testemunhas pelo Espírito, demonstrado
pelo falar em outras línguas [terrenas] (2.4).
2. O testemunho a respeito de Jesus, o Messias, é apresentado aos peregrinos em seus
dialetos nativos, causando ao mesmo tempo surpresa e zombaria (2.5-13).
• Judeus palestinos e prosélitos peregrinos reagem com surpresa à proclamação do Reino de
Deus em seus próprios dialetos (2.5-12).
• Alguns dos ouvintes [os residentes] zombam dos mensageiros, atribuindo suas atividades
e capacidades ao efeito do vinho (2.13).
3. A mensagem de Pedro. Os fenômenos observados pela multidão testificam a realidade da
messianidade de Jesus e da manifestação do Reino de Deus, exigindo arrependimento e
identificação com Jesus, o Messias (2.14-41).
• A seção da polêmica [ἀπολογία, apologia] – Os fenômenos observados pelo povo não são
resultado de pecado humano, mas da soberania divina em manifestar Seu Reino de
acordo com as Escrituras (2.14-21).
- Pedro nega a acusação de embriaguez afirmando sua piedade judaica tradicional (2.14-15).
- Pedro define os eventos como uma manifestação soberana do Reino de Deus de acordo
com a profecia de Joel (2.15-21).
• A seção da proclamação [κήπτγμα, kērugma] – Os fenômenos observados pelo povo são
prova de que Jesus de Nazaré, rejeitado e crucificado pela nação, era de fato o Messias,
que ressurgira dos mortos e concedera o Espírito prometido pelos profetas (2.22-36).
- A ressurreição de Jesus é apresentada como o cumprimento das Escrituras concernentes ao
Messias (2.22-31).
- A ressurreição de Jesus é apresentada como a causa do cumprimento da promessa do
derramamento do Espírito, o que testemunha de Sua divina messianidade (2.32-36).
• As respostas necessárias à realidade da ressurreição e à manifestação do poder de Jesus
são o arrependimento nacional do pecado de rejeitar a Jesus e a identificação com Ele
mediante o batismo (2.37-41).
- A resposta da multidão à proclamação de Pedro é de contrição e boa vontade (2.37).
- A exigência da hora é arrependimento e identificação com Jesus, o Messias, por meio do
batismo, para desfrute de Sua promessa (2.38-40).
• O arrependimento é a chave do perdão individual (2.38).
• A identificação por meio do batismo é a chave para o recebimento da promessa e o
livramento do juízo iminente contra a nação (2.38-40).
• A resposta dos ouvintes acrescenta três mil pessoas à comunidade do Reino (2.41).
E. Prática. O início da vida da comunidade do Reino - O crescimento da comunidade do
Reino é baseado na demonstração do poder divino pelos apóstolos e na qualidade de sua
vida comunitária (2.42-47).
1. Sua vida comunitária era marcada pela unidade e pela comunhão centradas no ensino dos
apóstolos e dependentes da oração (2.42-44).
2. Sua vida comunitária era marcada pelo partilhar mútuo das necessidades e pelo
testemunho no Templo (2.45-47a).
3. O resultado de sua vida e testemunho era o crescimento regular da comunidade (2.47b).
F. Expansão em Jerusalém. O progresso da comunidade do Reino em Jerusalém ocorre num
contexto de oposição externa e obstáculos internos (3.1 - 6.7).
1. O progresso da comunidade do Reino em Jerusalém ocorre num contexto de oposição
externa (3.1 - 4.31).
• A cura de um paralítico oferece a oportunidade para uma segunda proclamação em
Jerusalém (3.1-10).
• O sermão de Pedro no Templo convoca o povo a aceitar a realidade da ressurreição de
Jesus para poder partilhar das bênçãos prometidas da aliança que Deus concentrou em
Jesus (3.11-26).
- O poder de Jesus, o Ressurreto, a Quem a nação crucificara, foi a base para o milagre que
o povo testemunhara (3.11-18).
- A promessa de Jesus, o Ressurreto, é que o arrependimento da rejeição do Messias trará a
restauração às bênçãos prometidas da aliança, que Deus concentrou em Jesus (3.19-26).
• A reação do judaísmo oficial ao crescimento excepcional da comunidade do Reino foi de
assédio e intimidação (4.1-22).
- A resposta à proclamação de Pedro é grande, a despeito da ríspida prisão de Pedro e João
(4.1-4).
- A resposta apostólica ao assédio do Sinédrio foi afirmar sua obrigação de continuar a
proclamar salvação exclusivamente em Jesus Cristo (4.5-12).
- A resposta do Sinédrio ao desafio de Pedro foi intimidar os apóstolos em vista da inegável
evidência do poder de Cristo operando por meio dos apóstolos (4.13-18).
- A resposta apostólica à intimidação do Sinédrio foi afirmar a necessidade de seu
testemunho em prol de Jesus (4.19-22).
• A reação da comunidade do Reino à pressão externa foi amparar-se na soberania e no
poder de Deus para manter um compromisso contínuo com a tarefa de proclamar Jesus
(4.23-31).
- Eles reconhecem a oposição do Sinédrio como parte do soberano plano de Deus com
respeito ao Messias (4.23-26).
- Eles pedem poder divino de modo a permanecerem firmes e ousados em sua missão como
testemunhas (4.27-30).
- Eles experimentam capacitação divina e dão continuidade à sua missão com ousadia
(4.31).
2. O progresso da comunidade do Reino em Jerusalém ocorre apesar de obstáculos internos
(4.32 - 5.11).
• A vida na comunidade do Reino era marcada por altruísmo e por contínuas demonstrações
de poder em testemunho (4.32-35).
• A contribuição generosa de Barnabé para o sustento dos pobres demonstra a prática do
amor na igreja primitiva (4.36-37).
• A tentativa satânica de minar a eficácia do testemunho da Igreja por meio do engano de
Ananias e Safira foi frustrada por uma drástica disciplina divina (5.1-11).
3. O progresso da comunidade do Reino em Jerusalém ocorre num contexto de oposição
externa renovada (5.12-42).
• Os efeitos da disciplina divina foram o crescimento quantitativo e qualitativo na
comunidade do Reino à medida que os milagres messiânicos prosseguiam sem
diminuição (5.12-16).
• A oposição do Sinédrio chega ao ponto de maus-tratos físicos, a despeito do conselho à
prudência por parte de Gamaliel (5.17-42).
- O assédio humano é superado pela assistência angelical (5.17-24).
- O assédio humano é desafiado pela afirmação apostólica de seu papel como testemunhas e
da culpa do Sinédrio na morte de Jesus (5.25-32).
- O conselho de Gamaliel à prudência em vista de problemas anteriores impede a morte
prematura dos apóstolos (5.33-40a).
- O castigo corporal causa regozijo ao invés de recuo na atividade dos representantes do
Ressurreto (5.40b-42).
4. O progresso da comunidade do Reino em Jerusalém ocorre apesar de obstáculos internos
renovados (6.1-6).
• Diferenças culturais dentro da comunidade do Reino geram conflito à medida que as
necessidades materiais aumentam (6.1).
• A solução apostólica para o problema é a escolha de homens piedosos que conduzam o
ministério social no seio da comunidade do Reino (6.2-6).
5. Relatório nº 1 – Jerusalém está permeada com a fé (6.7).
II. O livro dos três pregadores – A mensagem do Reino chega além dos confins do Israel
racial por meio da missão de três indivíduos escolhidos - Estêvão, Filipe e Saulo (6.8 -
9.31).
A. A proclamação provocativa de Estêvão precipita uma perseguição que promove o plano
de Deus para o Seu povo (6.8 - 8.1a).
1. A prisão de Estêvão é causada por sua veemente apologia de Jesus como Messias (6.8 -
7.1).
• O ministério de Estêvão atrai a oposição de judeus helenistas (6.8-9a).
• A apologia que Estêvão faz de Cristo como Messias leva à sua prisão, acusado falsamente
de blasfêmia (6.9b - 7.1).
2. O discurso de Estêvão denuncia a presente rejeição de Jesus por Israel como o ponto
culminante de sua longa rejeição da mensagem e dos mensageiros de Deus (7.2-53).
• A posição de Israel desde o princípio foi privilegiada como recipiente da revelação e das
promessas de Deus (7.2-8).
• A rejeição da mensagem e dos mensageiros de Deus por Israel foi exemplificada na
rejeição de José pelos patriarcas (7.9-16).
• A rejeição da mensagem e dos mensageiros de Deus por Israel foi exemplificada na
resposta negativa da nação a Moisés (7.17-43).
- A tentativa de libertação feita por Moisés no Egito foi motivo de zombaria (7.17-29).
- A graciosa libertação divina realizada por meio de Moisés foi retribuída com idolatria
(7.30-43).
• A rejeição da mensagem e dos mensageiros de Deus por Israel foi exemplificada em sua
excessiva confiança no Templo e seu desprezo pelas promessas encontradas na Lei
(7.44-53).
3. O ataque contra Estêvão demonstra a culpa continuada do Sinédrio ao rejeitar a
mensagem messiânica (7.54 - 8.1a).
• A aplicação de Estêvão quanto ao papel de Jesus como Filho do Homem precipita o
ataque do Sinédrio contra ele (7.54-58).
• O apedrejamento de Estêvão contrasta seu espírito perdoador e a fria concordância de
Saulo com sua morte (7.59 - 8.1a).
4. A conseqüência da morte de Estêvão foi o espalhamento da igreja de Jerusalém pela
Judéia e Samaria e sua perseguição sistemática pelo Sinédrio por meio de Paulo (8.1b-
3).
B. A comunidade perseguida leva a mensagem do Reino além dos limites raciais da Judéia
no ministério evangelístico de Filipe (8.4-40).
1. Filipe proclama eficazmente o Reino de Deus e Jesus como Messias na região de Samaria
(8.4-13).
• A confirmação da pregação Filipe por meio de sinais atrai muitas pessoas (8.4-8).
• O poder do Evangelho é demonstrado pela conversão de um farsante chamado Simão, o
Mago (8.9-13).
2. A missão de Pedro e João autentica a expansão do Evangelho para os não-judeus (8.14-
25).
• O pleno privilégio do batismo do Espírito chega por meio da oração apostólica (8.14-17).
• A severa repreensão da visão distorcida de Simão quanto ao poder do Reino estabelece a
distinção clara entre o cristianismo e o paganismo (8.18-24).
• O sinal definitivo da expansão é o envolvimento apostólico na evangelização dos
samaritanos (8.25).
3. O ministério de Filipe ao oficial etíope confirma a expansão da mensagem do Reino a
gentios prosélitos (8.26-40).
• O ministério de Filipe ao oficial etíope é soberanamente dirigido por Deus (8.26-30a).
• A interação entre Filipe e o oficial quanto à profecia de Isaías resulta na proclamação do
Evangelho de Jesus (8.30b-35).
• O resultado do ministério de Filipe é a fé do oficial em Cristo e sua identificação com Ele
por meio do batismo (8.36-38).
• A resposta do oficial é a alegria da salvação (8.39).
• O ministério de Filipe leva o testemunho do Reino até a cidade romana de Cesaréia (8.40).
C. A mensagem do Reino alcança além dos limites da raça israelita pela conversão e
chamada de Saulo, o instrumento escolhido de Deus (9.1-31).
1. A conversão de Saulo é o meio usado por Cristo para preparar a Igreja para levar a
mensagem do Reino aos gentios (9.1-19).
• A conversão de Saulo ocorreu num momento em que ele tentava extirpar o cristianismo
(9.1-2).
• A conversão de Saulo ocorreu por meio de uma aparição do Cristo ressurreto e glorificado
(9.3-9).
• A comissão de Saulo é apresentada a Ananias, que foi o instrumento divino para
apresentar o novo convertido à sua nova comunidade (9.10-19).
- A relutância de Ananias quanto ao passado de Saulo é superada pela revelação quanto ao
futuro de Saulo (9.10-16).
- O ministério de Ananias a Paulo, o novo convertido, incluiu seu batismo e sua
apresentação à igreja em Damasco (9.17-19).
2. Os primeiros conflitos de Saulo com os judeus por causa da messianidade de Jesus dão
destaque ao seu chamado para ministrar aos gentios (9.19-30).
• O ministério convincente de Paulo aos judeus em Damasco causa tamanho antagonismo
que ele é forçado a fugir (9.20-25).
• Os contatos de Paulo com a desconfiada igreja de Jerusalém são mediados por Barnabé
(9.26-27).
• A continuidade do ministério apologético de Estêvão aos judeus helenistas por meio de
Paulo provoca sua retirada prematura para Tarso (9.28-30).
3. Relatório de progresso no 2 – O crescimento quantitativo e qualitativo da Igreja estende-a
por toda a Palestina de acordo com a ordem de Cristo (9.31).
III. O livro das quatro cidades – A mensagem do Reino é oficialmente estendida aos
gentios por meio de Pedro e encontra expressão vibrante em seu futuro centro,
Antioquia (9.32 - 12.24).
A. A mensagem do Reino é oficialmente estendida aos gentios por meio de Pedro (9.32 -
11.18).
1. O ministério terapêutico e proclamativo de Pedro em Lida leva a Cristo uma grande
multidão (9.32-35).
• A cura de Enéias chama a atenção do povo para o evangelho(9.32-34).
• Um grande número de pessoas se volta para o Senhor por meio do ministério da pregação
de Pedro (9.35).
2. O ministério terapêutico e proclamativo de Pedro em Jope leva a Cristo uma grande
multidão (9.36-43).
• A ressurreição de Dorcas é a avenida para que o Evangelho chegue à cidade de Jope
(9.36-41).
• Um grande número de pessoas se volta para o Senhor por meio do ministério proclamativo
de Pedro (9.42-43).
3. O ministério proclamativo de Pedro em Cesaréia oficialmente introduz os gentios ao
Reino de Deus (10.1-48).
• Cornélio foi preparado para a pregação do Evangelho por sua devoção ao judaísmo e por
uma revelação divina sobre a pessoa de Pedro (10.1-8).
• Pedro é preparado para pregar o Evangelho aos gentios por uma revelação divina do novo
programa de Deus e da prontidão de Cornélio para ouvir a mensagem (10.9-23a).
• A proclamação do Evangelho a Cornélio e sua família resulta em fé e recepção do Espírito
Santo pelos ouvintes (10.23b-48).
- O ato de reverência de Cornélio perante Pedro é polidamente recusado pelo Apóstolo
(10.23b-26).
- A razão de Pedro para aceitar o convite de Cornélio foi a revelação divina concernente aos
gentios (10.27-29).
- A razão para o convite de Cornélio a Pedro foi a comunicação feita pelo anjo (10.30-33).
- A mensagem de Pedro resume o plano divino de salvação pela fé em Jesus, Aquele que foi
crucificado e ressurreto (10.34-43).
- A descida do Espírito Santo sobre Cornélio e sua família confirma a inserção dos gentios
na igreja e lhes oferece identificação com Cristo por meio do batismo (10.44-48).
4. O relatório de Pedro à igreja em Jerusalém ganha aprovação (relutante) para a inclusão
dos gentios no Reino (11.1-18).
• O preconceito dos judeus questiona a sabedoria de Pedro ao compartilhar o Evangelho
com os gentios (11.1-3).
• O relatório de Pedro sobre as circunstâncias incomuns do evento convence os cristãos
racialmente preconceituosos em Jerusalém (11.4-18).
- Pedro relata sua visão incomum (11.4-11a).
- Pedro relata o testemunho comprobatório de seis irmãos de Jope bem como a história do
próprio Cornélio (11.11b-14).
- Pedro relata o fato indiscutível do batismo do Espírito e sua conclusão sobre o assunto
(11.15-17).
- Os judeus cristãos aceitam o fato da inclusão dos gentios na Igreja (11.18).
B. O estabelecimento de uma igreja cosmopolita em Antioquia dá expressão vibrante à
mensagem do Reino entre os gentios (11.19-30).
1. A expansão do Evangelho entre os gentios aconteceu primeiro em Antioquia como
resultado da proclamação dos ―leigos‖ depois da perseguição em Jerusalém (11.19-21).
2. A solidificação da presença do Evangelho entre os gentios aconteceu quando Barnabé
confirmou sua direção divina e trouxe Paulo como um auxiliar para o ministério (11.22-
26).
3. O apoio oferecido por Antioquia à igreja em Jerusalém em resposta à revelação divina
liga as comunidades gentia e judaica (11.27-30).
C. A perseguição em Jerusalém oferece um contraste entre a abertura dos gentios e a
intolerância dos judeus para com o cristianismo (12.1-23).
D. Relatório nº 3 - O crescimento e o progresso da igreja continuam a despeito da oposição
(12.24).
PARTE II –
A MENSAGEM SOBERANA DO REINO É PROCLAMADA NO MUNDO GENTÍLICO
(12.25 - 28.31).
I. O livro da expansão e separação - A mensagem soberana do Reino é proclamada com
sucesso entre os gentios e alcança status independente perante a igreja judaica (12.25 -
16.5).
A. A mensagem soberana do Reino é proclamada com sucesso entre os gentios na primeira
viagem missionária de Paulo (12.25 - 14.28).
1. Barnabé e Saulo são divinamente designados para promover a expansão do ministério
aos gentios (12.25 - 13.3).
2. A primeira viagem missionária espalha o evangelho entre judeus e gentios no leste da
Ásia Menor sob o poder e a proteção do Espírito Santo (13.4 - 14.28).
• O ministério em Chipre revela o poder do Evangelho para cegar falsos profetas e iluminar
―homens de discernimento‖ (13.4-12).
• O ministério em Antioquia da Pisídia apresenta a base escriturística da pregação
apostólica e as respostas contrastantes de judeus - rejeição - e gentios tementes a Deus -
regozijo (13.13-52).
- Marcos abandona a missão e retorna para Jerusalém (13.13).
- O ministério em Antioquia da Pisídia apresenta a base bíblica da pregação apostólica
sobre o Jesus ressurreto como o Messias (13.14-41).
- O ministério em Antioquia da Pisídia apresenta as respostas contrastantes de judeus -
rejeição - e gentios tementes a Deus - regozijo (13.42-52).
• O ministério em Icônio recapitula a recepção dos gentios e a rejeição dos judeus, que
cresce ao ponto destes planejarem a morte dos apóstolos (14.1-7).
• O ministério em Listra apresenta a interação dos apóstolos com pagãos idólatras e o ápice
da oposição judaica, o apedrejamento de Paulo (14.8-20).
- A pregação apostólica a pagãos idólatras aponta primeiramente para a revelação natural, e
depois para Cristo (14.8-18).
- A oposição judaica atinge seu ápice com o apedrejamento de Paulo (14.19).
• O ministério em Derbe transcorre com considerável sucesso e sem perseguições (14.20-
21).
3. A viagem de retorno a Antioquia da Síria é usada para fortalecer e estabelecer os
convertidos em cidades previamente visitadas (14.21-25).
4. O relatório dos apóstolos à igreja que os enviara enfatizou a resposta positiva dos gentios
à sua mensagem (14.26-28).
B. A mensagem soberana do Reino alcança status independente perante a igreja judaica
depois que o Concílio de Jerusalém declara os gentios livres da observância da Lei
(15.1-35).
1. A ocasião que provocou o Concílio foi o debate envolvendo, de um lado, Paulo e
Barnabé, e do outro, cristãos legalistas da Judéia, sobre a necessidade de observância da
Lei como condição para salvação (15.1-2, 5).
2. A reação da igreja gentílica foi enviar uma delegação para uma consulta em Jerusalém
(15.3-4).
3. A deliberação no Concílio incluiu testemunhos de pessoas envolvidas na evangelização
dos gentios (15.5-12).
• Pedro testificou que sua experiência demonstrava que a graça recebida por fé era o meio
de receber a salvação (15.5-11).
• Paulo e Barnabé testificaram da validade da missão aos gentios com base nos atos
poderosos de Deus entre eles durante sua viagem missionária (15.12).
4. A deliberação do Concílio incluiu uma proposta de Tiago que demonstrava pelas
Escrituras que os gentios seriam salvos sem se tornarem israelitas e fazia provisão para
reduzir ao mínimo o conflito nas relações entre judeus e gentios no processo de
disseminação da fé (15.13-21).
• A deliberação do Concílio incluiu uma proposta de Tiago que demonstrava pelas
Escrituras que os gentios seriam salvos sem se tornarem israelitas (15.13-18).
• A deliberação do Concílio incluiu uma proposta de Tiago que fazia provisão para reduzir
ao mínimo o conflito nas relações entre judeus e gentios no processo de disseminação
da fé (15.19-21).
5. As resoluções do Concílio foram oficialmente enviadas às igrejas gentias em forma de
uma carta (15.22-31).
6. Os portadores da carta ministram à igreja em Antioquia (15.32-33).
7. Paulo e Barnabé retomam seu ministério à igreja gentia independente em Antioquia
(15.34-35).
C. A segunda viagem missionária solidifica o trabalho na Ásia Menor Oriental em preparo
para alcançar a Ásia Menor Ocidental e a Europa (15.36 - 16.5).
1. Uma discordância entre Barnabé e Paulo leva à formação de duas equipes missionárias,
que dividem seu itinerário anterior de acordo com a origem de cada um dos líderes
(15.36-40).
2. A missão ao leste da Ásia Menor tem como propósito fortalecer as igrejas e confirmar
sua liberdade, fazendo valer as decisões do Concílio de Jerusalém (16.1-4).
D. Relatório nº 4 – A missão aos gentios produz igrejas fortes e crescentes (16.5).
II. O livro do desenvolvimento e do desafio – A mensagem soberana do Reino é levada
aos centros da cultura grega e ali seu progresso é desafiado pelo judaísmo e pelo
paganismo (16.6 - 19.20).
A. A direção providencial do Espírito Santo dirige os esforços apostólicos para a região do
mar Egeu (16.6-10).
1. A intenção dos apóstolos de ministrar nas províncias da Ásia e da Bitínia é indeferida
pelo Espírito Santo (16.6-7).
2. A revelação da vontade de Deus vem por meio de uma visão em que um macedônio pede
ajuda a Paulo, indicando assim o alvo seguinte da atividade missionária - a Europa
(16.8-10).
B. O ministério da mensagem do Reino na Macedônia resulta na implantação de igrejas a
despeito de oposição econômica e religiosa (16.11 - 17.15).
1. O ministério em Filipos resulta no estabelecimento de uma igreja depois de
demonstrações de poder apostólico em meio a perseguições (16.11-40).
• A equipe missionária começa seu ministério em Filipos, uma cidade estratégica da
Macedônia (16.11-12).
• A primeira oportunidade de ministério - a proclamação do Evangelho a algumas mulheres
piedosas - produz a primeira conversão na Europa - uma mulher gentia (16.13-15).
• O exercício do poder apostólico para curar uma adivinhadora endemoninhada leva Paulo e
Silas à prisão por causa de interesses econômicos frustrados (16.16-24).
- A cura da adivinhadora endemoninhada precipita a crise (16.16-18).
- As acusações trazidas contra os apóstolos são de ordem religiosa, embora os motivos
sejam econômicos (16.19-21).
- A justiça romana contra a suposta conversão ilícita é apressada pela violência da multidão
(16.22-24).
• Os apóstolos são açoitados antes de serem julgados formalmente (16.22-23a).
• Os apóstolos são aprisionados sob segurança máxima (16.23b-24).
• O estabelecimento da igreja em Filipos acontece à medida que Deus intervém
sobrenaturalmente para vindicar publicamente os Seus servos (16.25-39).
- A conduta incomum dos prisioneiros e a violência do terremoto levam o carcereiro à
salvação pela fé em Cristo (16.25-34).
- A retratação dos magistrados traz libertação aos apóstolos e segurança para a igreja
nascente (16.35-39).
• Os apóstolos partem de Filipos depois de encorajarem a jovem igreja [e deixarem ali a
Lucas, para cuidar dela] (16.40).
2. O ministério em Tessalônica estabelece uma igreja e desencadeia a oposição sistemática
dos judeus contra a mensagem apostólica (17.1-9).
• O ministério na sinagoga ganha alguns judeus, um número significativo de gregos
piedosos, e algumas mulheres de influência (17.1-4).
• A reação oficial dos judeus à proclamação da mensagem do Reino é montar uma
campanha de difamação com o propósito de acusar os cristãos de sedição (17.5-9).
3. O ministério em Beréia produz fruto entre judeus e gregos até que a oposição vinda de
Tessalônica obriga os apóstolos a partirem da cidade (17.10-15).
C. O ministério da mensagem do Reino na Acaia resulta no estabelecimento de um centro
cristão em Corinto depois de magros resultados em Atenas (17.16 - 18.17).
1. Os esforços missionários de Paulo em Atenas produzem parcos resultados tanto entre os
judeus quanto entre os gentios (17.16-34).
• Paulo ministra, angustiado, entre judeus e gregos tementes a Deus (17.16-17).
• A curiosidade ateniense quanto a novas correntes de pensamento oferece a Paulo uma
oportunidade de proclamar o Evangelho no Areópago (17.18-31).
- A oportunidade de ministério surge por meio de intelectuais que haviam debatido com
Paulo por causa de seu inusitado ensino público sobre a ressurreição (17.18-21).
- A mensagem de Paulo no Areópago enfatizava o progresso da revelação divina e a
maneira definitiva de Deus lidar com a humanidade por meio do Messias ressurreto,
Jesus, o futuro Juiz (17.22-31).
- A pregação de Paulo em Atenas produz alguns convertidos apesar da reação fria da
maioria de seus ouvintes à idéia de uma ressurreição corporal (17.32-34).
2. Os esforços missionários de Paulo em Corinto resultaram no estabelecimento de uma
grande igreja contra a qual os judeus não conseguiram cooptar a ação legal de Roma
(18.1-17).
• A primeira parte do ministério de Paulo na sinagoga foi realizada às custas de seu próprio
trabalho manual (18.1-4).
• A dedicação completa de Paulo à pregação na sinagoga produziu poucos resultados,
levando-o a concentrar seus esforços primariamente entre os gentios (18.5-8).
• O compromisso de Paulo com o estabelecimento de um centro cristão na cosmopolita
Corinto é reforçado por uma visão pessoal do Senhor Jesus Cristo (18.9-11).
• A oposição judaica contra o cristianismo é incapaz de conquistar o apoio legal das
autoridades romanas, uma vez que Gálio determina que as diferenças entre os dois
grupos transcendem a lei romana (18.12-17).
D. O retorno dos apóstolos a Antioquia prepara o caminho para o antigo objetivo de Paulo
de estabelecer um centro cristão em Éfeso (18.18-22).
1. Paulo estabelece um posto avançado em Éfeso ao pregar na sinagoga e deixar ali o casal
Áquila e Priscila (18.18-21).
2. Paulo e Silas prestam relatório à igreja que os enviara depois de saudarem a igreja-mãe
em Jerusalém (18.22).
E. O ministério da mensagem do Reino em Éfeso resulta no estabelecimento de um centro
cristão que permite a expansão do evangelho a toda a província da Ásia (18.23 - 19.19).
1. A estratégia paulina de fortalecer as igrejas leva o Apóstolo a revisitar as antigas
congregações na primeira fase de sua terceira viagem missionária (18.23).
2. A estratégia de deixar antecipadamente um núcleo de crentes traz dividendos quando
Áquila e Priscila orientam Apolo a uma compreensão correta sobre Jesus e a um
ministério frutífero de proclamação (18.24-28).
3. O trabalho de Paulo em Éfeso resulta no triunfo da mensagem soberana do Reino sobre a
oposição judaica e pagã (19.1-20).
• O encontro com os discípulos de João aponta para o ministério de Paulo em Éfeso como
uma reedição de Pentecostes (19.1-7).
• A rejeição na sinagoga leva a um ministério de discipulado que permite a proclamação do
Evangelho por toda a província da Ásia (19.8-10).
• O ministério apostólico de curas fez crescer a visibilidade do Evangelho, à medida que
este é contrastado com o fracasso dos exorcistas judeus (19.11-16).
• O respeito conquistado pelo cristianismo entre os efésios é medido pela confissão pública
de pecados e pela queima de livros de mágica e feitiçaria (19.17-19).
F. Relatório nº 5 – A mensagem sobre o Senhor Jesus tem efeito amplo e profundo na
província da Ásia (19.20).
III. O livro do conflito e da chegada – A mensagem soberana do Reino é antagonizada
nas tentativas gentias e judaicas de eliminar Paulo, que assim mesmo chega a Roma,
onde a rejeição judaica do Messias chega ao seu trágico final (19.21 - 28.31).
A. A estratégia de Paulo o leva a planejar uma visita a Jerusalém antes de ir a Roma, o
centro último de propagação do evangelho (19.21-22).
B. A oposição econômico-religiosa ao Caminho, que encontrou expressão no motim de
Éfeso, demonstra a extensão e profundidade da influência do evangelho na Ásia e
justifica a expansão do ministério para Roma (19.23-41).
1. Pressões econômicas causadas pelo declínio na devoção e nas práticas religiosas pagãs
provocaram um apelo ao orgulho cívico- religioso dos efésios contra o cristianismo
(19.23-27).
2. A ameaça contra os cristãos nos distúrbios em Éfeso é minorada pelo escrivão da cidade
que invoca o sistema legal romano como o fórum para resolver as diferenças religiosas
(19.28-41).
• Paulo foi persuadido pelos discípulos e oficiais da cidade a não se apresentar perante a
multidão exaltada (19.28-31).
• A tentativa judaica de trazer novas acusações contra Paulo aumenta a sensação difusa de
uma revolta popular contra religiões ―estrangeiras‖ (19.32-34).
• A intervenção prudente do escrivão da cidade faz a turba cair em si, restaurando a paz
(19.35-41).
- Ele isenta o cristianismo das acusações de sacrilégio (19.35-36).
- Ele dirige o protesto contra o cristianismo para seu foro legítimo, o sistema judicial
romano (19.37-39).
- Ele aponta para o perigo de uma acusação de sedição contra a cidade (19.40-41).
C. O ministério de Paulo na Macedônia e na Acaia segue sua estratégia de confirmar igrejas
previamente estabelecidas e fazê-las participar de seus planos (20.1-3).
1. Paulo encorajou os crentes na Macedônia (20.1-2a).
2. Paulo permaneceu em Corinto por três meses (20.2b-3a).
3. Uma tentativa judaica de assassinar Paulo faz que ele decida iniciar a viagem para
Jerusalém por terra, e não por mar (20.3b).
D. A descrição dos ministérios de Paulo a caminho de Jerusalém destaca sua autoridade
apostólica e sua dedicação à orientação que recebera do Senhor (20.4 - 21.16).
1. Os companheiros de Paulo na viagem eram representantes de diversas igrejas regionais
[encarregados de levar o dinheiro das ofertas para os pobres da Judéia] (20.4-5).
2. O ministério de Paulo em Trôade revela seu poder apostólico e seu compromisso com a
edificação dos irmãos (20.6-13).
3. O ministério de Paulo aos presbíteros da igreja de Éfeso em Mileto revela sua filosofia de
ministério e sua preocupação com o bem-estar espiritual da igreja (20.14-35).
• Paulo convocou os presbíteros a Mileto para não correr o risco de demorar em Éfeso
(20.14-16).
• Ele recapitulou sua filosofia de ministério durante seu tempo em Éfeso (20.17-21).
• Ele reafirmou seu compromisso em fazer a vontade de Deus ao viajar para Jerusalém sob
a direção do Espírito Santo (20.22-24).
• Ele recordou a abrangência de seu ensino como a base para sua paz de espírito quanto ao
destino espiritual de seus ouvintes (20.25-27).
• Ele aconselhou os presbíteros a se apoiarem e ajudarem mutuamente e a protegerem a
igreja como pastores, à luz do surgimento futuro da heresia (20.28-31).
• Ele encomendou os presbíteros à graça de Deus com uma exortação a um ministério auto-
sustentado e sacrificial (20.32-35).
• A afetuosa despedida dos presbíteros a Paulo contrasta com as intenções assassinas dos
judeus (20.36-38).
4. O contato de Paulo com os crentes em Tiro revela uma vez mais seu compromisso para
com sua missão em Jerusalém a despeito dos conselhos dos irmãos para que a evitasse
(21.1-6).
5. O contato de Paulo com os crentes em Cesaréia confirma o ameaçador destino que o
esperava bem como sua submissão ao plano divino (21.7-14).
6. Paulo chega em segurança a Jerusalém (21.15-16).
E. O ministério de Paulo em Jerusalém oferece evidência de que ele (e os gentios crentes)
não deram a judeus ou romanos qualquer razão válida de acusação exceto sua
proclamação da ressurreição de Jesus Cristo (21.17 - 23.30).
1. O encontro com os presbíteros da igreja revela a disposição de Paulo a adotar práticas
judaicas não-essenciais à fé cristã para poder ministrar entre seu povo sem causar ofensa
(21.17-26).
2. O quase linchamento de Paulo no Templo foi causado por suposições errôneas e não
provadas, e executado com violência abusiva, da qual somente a intervenção romana o
salvou (21.27-36).
3. O discurso de Paulo à turba judaica foi uma tentativa de defender sua lealdade a Israel e
sua obediência à revelação divina em sua missão aos gentios (21.37 - 22.21).
• Paulo recebe permissão de falar à multidão depois de corrigir a falsa impressão do tribuno
quanto à sua identidade (21.37-40).
• Paulo recorda sua antiga lealdade a Israel e ao judaísmo (22.1-5).
• Paulo recapitula sua experiência de conversão perante o povo para fazê-los entender sua
missão (22.6-16).
• Paulo recorda a determinação do Senhor de enviá-lo aos gentios apesar de seu desejo de
ministrar em Israel (22.17-21).
4. A defesa de Paulo diante da tentativa do tribuno de açoitá-lo para descobrir a causa do
furor da multidão é apelar para sua cidadania romana (22.22-29).
5. O comparecimento de Paulo diante do Sinédrio destaca a incapacidade judaica de lidar
com ele e com sua mensagem cristã (22.30 - 23.10).
• A agressão instigada pelo sumo sacerdote prova a atitude preconceituosa do Sinédrio
contra Paulo (22.30 - 23.5).
• O conflito interno do Sinédrio quanto ao assunto da proclamação de Paulo indica sua
incapacidade de julgar o caso (23.6-10).
6. A aparição do Senhor a Paulo assegura a ele que a custódia romana é o meio que Deus
usará para levá-lo como testemunha a Roma (23.11).
7. O plano judaico de assassinar Paulo é providencialmente exposto pelo sobrinho do
Apóstolo e impedido pelo tribuno romano ao transferir Paulo para a jurisdição do
governador (23.12-30).
• O plano judaico de assassinar Paulo é providencialmente exposto pelo sobrinho do
Apóstolo (23.12-22).
• O plano judaico de assassinar Paulo é impedido pelo tribuno ao transferir Paulo para a
jurisdição do governador (23.23-30).
F. O tempo passado por Paulo sob custódia imperial em Cesaréia vindica sua inocência aos
olhos das autoridades seculares romanas e judaicas (23.31 - 26.32).
1. O tamanho da escolta militar de Paulo revela a preocupação romana com a violência
judaica e a segurança de um cidadão romano (23.31-33).
2. Os procedimentos pré-julgamento do governador Félix revelam um tratamento justo do
caso (23.34-35).
3. O primeiro julgamento civil de Paulo põe em destaque a intensidade do ódio judaico,
evidente nas falsas acusações que ele facilmente refuta (24.1-21).
• As acusações apresentadas contra Paulo eram de perturbação, promoção de uma religio
illicita, e profanação do templo (24.1-9).
• A defesa de Paulo foi afirmar a natureza pacífica de sua visita, a relação não-contraditória
entre o cristianismo e o judaísmo, e a natureza adequada de sua conduta no templo
(24.10-19).
• A percepção de Paulo quanto à sua situação é que ela se deve ao fato de ele pregar a
ressurreição (24.20-21).
4. Uma demora no veredicto de Felix é causada pela natureza contraditória da evidência, o
que exigiu o testemunho do tribuno (24.22-23).
5. As razões egoístas de Felix para manter Paulo como prisioneiro dão ao Apóstolo uma
oportunidade de pregar o evangelho ao governador e sua esposa (24.24-26).
6. A conveniência política leva Felix a manter Paulo como prisioneiro de Roma por ocasião
de sua saída do cargo (24.27).
7. A inclinação pró-judaica de Festo no caso de Paulo convence o Apóstolo de que sua
única opção viável é apelar a César como cidadão romano (25.1-12).
• A disposição de Festo para levar o caso de volta para Jerusalém fica evidente em sua
consulta prévia com os judeus (25.1-5).
• O julgamento dirigido por Festo em Cesaréia repete a natureza inconclusa da audiência
anterior (25.6-9).
• A inclinação pró-judaica de Festo fica evidente em sua proposta de mudar o foro do
julgamento para Jerusalém (25.9-10).
• A decisão de Paulo de apelar para César é [alegremente] aceita por Festo (25.11-12).
8. O desejo de Festo de ter uma segunda opinião no caso de Paulo abre a oportunidade a
Paulo de proclamar o Evangelho ao rei Agripa II e seu séquito (25.13 - 26.29).
• Festo solicita a Agripa que ouça o caso de Paulo que parece estar fora do escopo da
jurisprudência romana (25.13-22).
• A audiência de Paulo perante Agripa assume uma natureza religiosa quando Paulo relata
sua conversão e proclama a ressurreição como cumprimento das esperanças judaicas
(25.23 - 26.29).
- Festo apresenta o prisioneiro ao seu régio juiz (25.23-27).
- Paulo dirige o tema do julgamento para a questão básica da ressurreição de Jesus como a
esperança de Israel (26.1-8).
- Paulo relata sua conversão para demonstrar que não nutria qualquer animosidade contra o
judaísmo ao dedicar-se à missão de alcançar os gentios (26.9-18).
- Paulo testifica que a proteção divina lhe permitiu estar ali e testificar da esperança de todo
o Israel, a ressurreição do Messias (26.19-23).
- A exclamação de espanto de Festo quanto ao compromisso de Paulo para com um
conceito aparentemente sem sentido oferece a Paulo a oportunidade de pôr em relevo a
questão da fé perante Agripa (26.24-29).
• A ironia do destino de Paulo é que a liberdade que ele merecia como homem inocente só
podia ser preservada se ele permanecesse como prisioneiro até que César o julgasse
(26.30-32).
G. Os eventos da viagem de Paulo a Roma revelam-no como vaso escolhido, cuja vida
Deus protegeu e cujo ministério entre os gentios Deus fez prosperar (27.1 - 28.10).
1. O primeiro estágio da viagem [de Cesaréia a Creta] transcorre sem problemas (27.1-8).
2. O segundo estágio da viagem destaca a posição de Paulo como um homem de Deus, cuja
vida Ele protege de modo a beneficiar aqueles que estão a seu redor (27.9 - 28.6).
• O conselho de Paulo quanto à continuação da viagem é ignorado (27.9-14).
• A condição de Paulo passa de prisioneiro a capelão, encorajando e motivando as pessoas a
bordo enquanto a tempestade lança o navio de um lado a outro do Mediterrâneo (27.13-
26).
• A condição de Paulo passa de capelão a comandante, determinando o que deveria ser feito
à medida que o naufrágio se torna inevitável (27.27-44).
• A condição de Paulo passa de humano a ―divino‖ à medida que Deus milagrosamente
poupa sua vida quando é mordido por uma víbora na praia depois do naufrágio (28.1-6).
3. O terceiro estágio da viagem destaca a posição de Paulo como o homem de Deus, cujo
ministério entre os gentios Ele faz prosperar (28.7-10).
H. A chegada de Paulo à Itália é saudada pelos discípulos, que encorajam o Apóstolo em
seu cárcere privado (28.11-16).
I. O ministério de Paulo aos judeus em Roma traz a um fim trágico a história nacional de
rejeição da mensagem do Reino, conforme profetizado na Escritura (28.17-28).
1. A disposição de Paulo em explicar sua situação aos líderes judaicos encontra eco em seu
interesse em ouvir sobre o cristianismo (28.17-22).
2. A proclamação paulina da mensagem do Reino com base nas Escrituras é rejeitada pelos
judeus como comunidade, tal como Isaías profetizara (28.23-27).
3. A rejeição nacional dos judeus, culminada em Roma, assinala que o foco primário do
ministério cristão dali em diante seriam os gentios (28.28-29).
J. Relatório nº 6 – O cristianismo é vindicado em Roma à medida que a mensagem do
Reino é livremente proclamada com aquiescência romana (28.30-31).
1. Paulo, o prisioneiro romano, recebia livremente aqueles que desejavam ouvi-lo (28.30).
2. A mensagem do Reino foi livremente pregada a despeito da condição de Paulo como
prisioneiro (28.31).
O argumento de
ROMANOS
Questões introdutórias
TÍTULO
A primeira e maior das epístolas de Paulo tem como seu título ΠΡΟ΢ ΡΩΜΑΙΟΤ΢,
derivado do nomen patrium dos destinatários. Embora o título não seja parte do texto
original, sua ampla atestação prova o verdadeiro destino da carta.115
AUTORIA
Romanos é uma das cartas paulinas mais amplamente aceitas, especificamente por
causa da grande similaridade de conteúdo entre ela, Gálatas e 1Coríntios (i.e.,
justificação pela fé [Rm 3.20-22 e Gl 2.16] e a distribuição individual dos dons no
Corpo [Rm 12 e 1Co 12]), as quais são indiscutivelmente paulinas.
O testemunho da tradição, as várias referências pessoais na própria carta (1.10-13;
11.1; 15.15-27; 16.3), e a aceitação virtualmente universal por parte dos estudiosos
críticos, todos sugerem que Paulo foi o autor de Romanos.
Tércio, o amanuense de Paulo, tem o privilégio de ser o único amanuense conhecido
por nome em todo o Novo Testamento.
DATA E OCASIÃO
Ao admitir-se a integridade da epístola (em particular dos capítulos 15 e 16), a data
de Romanos pode ser estabelecida como a.D. 57, escrita de Corinto, durante a terceira
viagem missionária de Paulo.
As seguintes indicações textuais sugerem esse fato: (a) a arrecadação para os santos
pobres da Judéia havia sido concluída (15.22ss.); (2) Febe, que vivia e servia em
Cencréia, foi recomendada à igreja em Roma, o que reforça a idéia de que a carta foi
escrita da Acaia (16.1-2); (3) as saudações de Gaio e Erasto, ambos mencionados em
relação a Corinto [1Co 1.14 e 2Tm 4.20, respectivamente] apontam para Corinto como
o lugar de origem (16.23).
A ocasião da carta não é completamente clara, uma vez que deveria estar de acordo
com os planos de Paulo e com a constituição básica da igreja romana na época.
Ao final de sua terceira viagem, depois de ter proclamado a Palavra de Jerusalém até
o Ilírico (15.19), a intenção de Paulo era ir para Jerusalém para cumprir seus planos para
a arrecadação e dali para a Espanha (15.28). Embora uma visita a Roma não fosse de
maneira nenhuma um imprevisto, somente em Jerusalém Paulo obteve a confirmação de
que Deus o queria na capital do Império como uma testemunha, κήπτξ kērux ―arauto‖
(Atos 23.11). Paulo queria compartilhar com a igreja algum dom espiritual (1.11), e isto
pode refletir sua preocupação com um entendimento adequado do Evangelho e suas
implicações, tanto teológicas quanto práticas. O fato de ele desejar estar e ministrar ali,
onde a igreja já existia, indica que a(s) igreja(s) de Roma não havia(m) sido fundada(s)
por um Apóstolo.

115
A ausência das palavras ἐν Ρώμῃ em algumas testemunhas (G, itg, Orígenes), além da
posição diferente da doxologia de 16.25-27 em p46 (fim do capítulo 15), levou T. W. Manson e
alguns outros estudiosos a propor que nossa versão atual era uma cópia de “Efésios” que
incorporava alguns nomes de pessoas que moravam em Éfeso. Essa teoria embora engenhosa,
não recebeu muito apoio.
Presumindo, à luz de um número razoável de indicações textuais (1.5; 1.12-14; 6.19;
11.13 – gentios; caps. 14-15 - judeus), uma congregação mista de maioria gentílica,
parece que uma das razões para a carta foi uma definição clara do Evangelho e uma
compreensão do papel de Israel no plano de Deus para o presente e o futuro a partir da
pena de um Apóstolo. Uma vez que Roma estava dentro de sua jurisdição, Paulo sentia
que escrever para eles era sua obrigação como Apóstolo.
Além do mais, é possível que Paulo quisesse que Roma se tornasse sua base de
operações no oeste, tal como Antioquia o fora no leste, e isso exigia um conhecimento
maior de sua ―filosofia‖ e do Evangelho que ele pregava.
Portanto, uma combinação de fatores pessoais e ministeriais serviu como motivação
para escrever Romanos.
Argumento básico
PROPÓSITO
Intenções ministeriais, apologéticas e pastorais são combinadas em Romanos para
fornecer o propósito geral da carta.
Em termos de ministério, Paulo queria que a(s) igreja(s) romana(s) se envolvesse(m)
com o apoio financeiro e espiritual à sua planejada viagem missionária à Espanha.116
Em termos de apologia, a carta fornece uma certa teodicéia ao apresentar o plano de
redenção de toda humanidade, e a realidade de que Israel ainda tinha um lugar nesse
plano, a despeito de sua rejeição obstinada de Jesus como Messias e de sua subseqüente
remoção do fluxo central da obra redentora de Deus.
Como pastor, Paulo tenta abafar as primeiras chamas de disputa e divisão entre os
judeus e gentios em Roma. A expulsão dos judeus, ordenada por Cláudio (a.D. 49 ou
50) ainda era uma memória recente, e certamente seria lembrada, de modo que tensões
em ebulição abaixo da superfície na sociedade romana poderiam facilmente encontrar
espaço de manifestação na igreja. Portanto, ao expor a terrível necessidade dos judeus e
gentios, e a graça transformadora de Cristo, igualmente disponível a ambos, Seu
chamado irrevogável de Israel, e a responsabilidade mútua dos cristãos, tanto judeus
quanto gentios, de viver buscando o benefício dos outros, Paulo buscava reconciliar
aqueles que comiam e aqueles que não comiam (cf. caps. 14-15).
O propósito da epístola aos Romanos pode ser assim expresso:
Encorajar os crentes de Roma a partilhar em sua compreensão e ministério do
Evangelho como o meio gracioso e eficaz de Deus para satisfazer as necessidades
morais dos homens diante dEle e suas necessidades relacionais entre si mesmos.
DESENVOLVIMENTO
A introdução da carta (1.1-17) serve para determinar o direito de Paulo de ministrar
aos romanos, por carta no momento e pessoalmente no futuro. É seu chamado como
Apóstolo de Jesus Cristo que o motiva a partilhar suas perspectivas espirituais acerca do
Evangelho, o qual proclama a dádiva da justiça de Deus, recebida por meio da fé em
Jesus, o Filho encarnado de Deus.
Em sua saudação (1.1-7), Paulo declara sua comissão para pregar o Evangelho de
Jesus Cristo entre os gentios, como meio de estabelecer suas credenciais para pregar em
Roma e para apresentar sua preocupação com os santos de lá. Os versículos seguintes
(1.8-15) contêm sua expressão comum de interesse por seus destinatários, seu
conhecimento de suas virtudes e sua intercessão por eles. A intercessão de Paulo e sua

116
A Espanha era, àquela época, o local favorito da nobreza romana e da hierarquia militar
reformada. Portanto, Paulo estava provavelmente querendo atingir um segmento da
população romana que ainda tinha importância estratégica para o progresso do Evangelho.
Alguns dos últimos imperadores vieram da Espanha, o que mostra a perspicácia missionária do
Apóstolo Paulo.
esperança de ministrar entre os romanos eram parte de seu sentimento intenso de dívida
(1.14) pela bênção do Evangelho em sua própria vida.
A introdução (1.16-17) contém a declaração de que o Evangelho era o poder
sobrenatural de Deus em oferecer [imputar] a justiça por meio da fé. Paulo inicia e
encerra a introdução (1.1-16) com a palavra ―Evangelho‖, enfatizando, portanto, sua
centralidade na carta.
A segunda divisão maior (1.8 - 3.20) na carta é um exemplo clássico na psicologia,
uma vez que nela o Apóstolo intensifica o desejo dos leitores de participar do seu
conhecimento acerca do Evangelho ao descrever a necessidade universal do homem
pela justiça divina alcançada pela fé. Os gentios são justamente condenados por causa
de sua rejeição intencional de Deus, conforme revelado na Criação, com o resultado da
queda na direção da idolatria e imoralidade, sendo punidos junto com aquilo que eles
escolheram por causa de seu estilo de vida (1.18-32). O moralista gentio também é
condenado porque, a despeito de ter uma consciência que o alerta da violação da
vontade de Deus, ele não consegue viver à altura desses padrões (2.1-16). Os judeus, a
despeito de suas vantagens evidentes como um povo da Lei e da circuncisão, também
estavam sob condenação por desobedecer à primeira e confiar falsamente na última
(2.17 - 3.8).
A seção é resumida com a merecida condenação do mundo inteiro, já que, de acordo
com as Escrituras, a humanidade tornou-se totalmente corrupta, e os gentios, assim
como os judeus, estão sob a condenação decretada pela Lei; os judeus pecando ―sob a
lei‖ com pleno conhecimento dela, e os gentios tornando-se culpados diante de Deus em
virtude de sua inclinação natural (3.9-20).
Na última seção, Paulo prova a completa depravação da humanidade. Isso não
significa que todos os homens são tão maus quanto podem ser, embora alguns o sejam,
mas que todos os homens são indignos ou não merecedores da aprovação de Deus. O
homem não possui mérito diante de um Deus justo, e essa depravação é total porque
afeta todos os aspectos do ser humano e cada membro da raça humana.
Nesta seção (3.21-5.21), em contraste, Paulo declara, que há uma base para aceitação
diante de Deus e para o recebimento de Sua justiça (imputação); estas são recebidas pela
fé, sem qualquer esforço ou mérito humanos, já que foram fornecidos por Deus por
meio da morte sacrificial de Jesus Cristo. Esse meio exclusivamente divino de salvação
pode ser encontrado já nas páginas do Antigo Testamento e está disponível para todos
os homens.
No restante do capítulo 3, Paulo explica o processo divino de justificação (3.21-31).
Sua apresentação indica que é independente da Lei e, no entanto, é atestada por ela,
sendo recebida por todos aqueles que crêem (3.21-23). Sua provisão baseia-se na graça
por meio da redenção de Cristo, que é apropriada pela fé para a justificação de Deus
(3.24-26). Suas proposições são de que: (1) a fé não deixa espaço para a vanglória
humana; e (2) a fé, ao mesmo tempo, valida a Lei (3.27-31).
A seguir Paulo ilustra a justificação pela fé a partir da vida de Abraão e das palavras
de Davi (4.1-25), extraindo seus argumentos de textos anteriores e posteriores ao
recebimento da Lei, para indicar a validade eterna do princípio de fé para a justificação.
A seção final desta divisão relaciona a fé/certeza da justificação com as provações
associadas à vida cristã. Ao argumentar duas vezes do menor para o maior, (πολλῶ
μᾶλλον pollō mallon, 5.9-10), Paulo testifica que aqueles a quem Deus reconciliou
consigo mesmo, Ele também irá proteger e abençoar com uma perseverança
sobrenatural (ὑπομονή uhpomonē ) e um caráter fornecido por Cristo (5.1-11).
Depois de demonstrar a certeza da justificação pela fé, o passo seguinte de Paulo é
apresentar sua necessidade e aplicabilidade universal (5.12-21), o que ele faz ao
estabelecer o contraste entre Adão e Cristo, e o destino do homem sob a tutela dessas
duas pessoas representativas da raça humana. O pecado entrou no mundo, e a morte
com ele, por meio da justa punição de um ato de transgressão, cujos resultados foram
transmitidos para as gerações seguintes daqueles que estavam em Adão. Em contraste,
diz Paulo, não por obras ou mérito, a vida foi dada de graça para aqueles que estão em
Cristo.117 Deve-se observar atentamente, aqui, que a mesma palavra πολλοί polloi se
refere a dois grupos diferentes de pessoas, duas humanidades, por assim dizer.
A quarta divisão principal lida extensamente com a espinhosa questão de como a
justiça imputada se torna justiça prática na vida de um crente (6.1 - 8.39). A
preocupação imediata de Paulo era uma possível acusação de antinomismo (6.1), que
ele refuta veementemente. Seu argumento contra isso é de que o crente está agora morto
para o controle do pecado em virtude de sua co-crucificação, uma doutrina fundamental
no pensamento paulino (cf. Ef 4.17-24; Gl 2.20; Cl 3.1-11). O fato é que a morte e
ressurreição com Cristo libertou os crentes da sua escravidão adâmica ao pecado.
Portanto, ὁ παλαιόρ ἡμ῵ν ἄνθπψπορ ςτνεςσατπώθη[ho palaios hēmōn anthrōpos
sunestaurōthē, ―o nosso velho homem foi co-cruficado‖] aponta não para a
autocrucificação diária, mas para um momento definitivo em que o controle de Adão
sobre ele foi cancelado, e uma nova união tomou posse, permitindo ao homem dizer
―não‖ ao pecado e viver uma nova vida de obediência a Deus (6.12-14), desde que ele
continuamente se considere (λογίζομαι, logizomai) morto. Essa ―consideração‖ não
produz união com Cristo em Sua morte, mas torna tal união uma realidade viva na vida
do crente.118 Portanto, a graça não é um incentivo para o pecado (6.15), já que o tipo de
escravidão que alguém escolhe revela o seu mestre (6.16-20) e seu destino (6.21-23).
No capítulo sete, Paulo questiona a possibilidade da Lei servir como um auxílio para
tirar alguém do domínio do pecado em sua vida (7.1-25). Sua resposta é um sonoro
NÃO, não porque a Lei seja má ou imperfeita, mas porque: (1) o crente morreu para a
Lei como uma regra para a vida (7.1-6); e (2) a Lei não foi planejada para reprimir o
pecado, apenas para destacá-lo (7.7-25). Sua própria tentativa de viver em justiça ao
guardar a Lei é oferecida como exemplo de como o pecado humano impede que a Lei
realize aquilo que, desde o início, não tinha o propósito de alcançar... (7.7-13). A
questão freqüentemente levantada de se Paulo aqui está descrevendo uma pessoa salva
ou não salva deve ser respondida com a primeira opção, por causa: (1) do uso do tempo
presente; (2) da posição desta seção na carta, bem no meio da seção de santificação; (3)
da descrição de seu eterno conflito entre desejar a vontade de Deus e descobrir sua
incapacidade em fazê-la, em contraste com a rebelião da pessoa não-salva contra Deus
(cf. Rm 8.7); (4) da natureza representativa de sua luta, facilmente verificável na
experiência cristã; (5) da estreita conexão entre essa seção e o final do capítulo, onde
Paulo claramente se identifica como cristão.
A cena de conflito no capítulo 7 leva à cena de triunfo no capítulo 8, à medida que o
relacionamento de submissão do crente ao Espírito Santo garante a vitória na vida cristã,
a despeito das provações que ela apresenta.
Portanto, a vida em submissão ao Espírito traz liberdade da possibilidade sempre
presente de controle pela natureza humana pecaminosa (8.1-11), não com base na Lei,
mas na morte de Cristo como um sacrifício pelo pecado. Além disso, a vida em
submissão ao Espírito produz segurança e regozijo de filiação (8.12-17), estabilidade e
117
A frase “todos pecaram” em 5.12 pode apontar para um conceito seminal de que todos
os homens estavam presentes em Adão e pecaram com ele (cf. Hb 7.9-10) já que eles estavam
potencialmente nele. Outra idéia possível é a de que a culpa de Adão foi imputada a todos os
seus descendentes. Uma terceira idéia é a de que o versículo descreve atos reais de pecado, e
que o aoristo ἥμαπσον (hēmarton) é proléptico, vendo toda a história humana da perspectiva
do dia final de juízo divino.
118
Everett F. Harrison, “Romans”, EBC 10:71.
expectativa de glória futura em meio às provações do presente (8.18-25), e garante o
auxílio do trino Deus cujo plano é levar os cristãos à semelhança de Cristo nesta vida e
à glorificação na vida seguinte, com alegria triunfante sobre as provações que são
produzidas pelo discipulado cristão, e sobre as vicissitudes da existência humana (8.26-
39).
Depois de afirmar e provar a necessidade que o homem tem de uma justiça
divinamente imputada, demonstrar como o homem se apropria dela, e que tipo de efeito
deve ter na vida de um crente, Paulo precisa lidar com uma possível objeção de seus
ouvintes gentios, qual seja, que tal plano grandioso deveria ter funcionado para Israel,
que tinha tamanhos privilégios (cf. 1.16; 3.1ss.). Se o Evangelho era o poder de Deus
para a salvação primeiro dos judeus, teria sido o plano um completo fracasso por causa
da rejeição obstinada de Israel para com Jesus como seu Messias? Em lugar de ser um
apêndice, sem relação com o restante da epístola, esta longa passagem (caps. 9 - 11) lida
com e menciona muitos dos mesmos assuntos dos primeiros oito capítulos, como
ςψσηπία [sōtēria, ―salvação‖], ςῴζψ [sōzō, ―salvar‖], δικαιοςύνη [dikaiosunē,
―justiça‖], πιςσεύψ [pisteuō, ―crer‖], e πίςσιρ [pistis, ―fé‖]. Harrison diz que existe uma
―conexão com o fim do capítulo 8; a eleição, que é tratada de forma individual em 8.28-
30, 33, é agora vista a partir da perspectiva nacional de Israel. A adoção é um elemento
comum a ambas as porções (8.15; 9.4), bem como o conceito de ‗chamar‘ ou ‗chamado‘
(8.20-30; 5 vezes no cap. 9)‖.119
A idéia de Paulo neste segmento maior é de que Deus é justo ao rejeitar Israel no
presente, já que a nação escolhida rejeitou a oferta da justiça pela fé. Nenhuma das duas
rejeições, entretanto, é final ou completa, para que Israel perceba o propósito divino
para ele, pelo qual Deus deve ser adorado (9.1-11.36).
Em 9.1-29, Paulo mostra que o fracasso de Israel não invalida a promessa de Deus
nem nega a Sua justiça. Seu profundo lamento por Israel indica que foi culpa da nação,
e não de Deus, que seu excepcional conjunto de privilégios tenha sido desperdiçado
(9.1-5).
A suposta inconsistência entre a promessa e a realidade não é válida porque: (1) nem
todos os israelitas por descendência física são verdadeiramente israelitas (9.6-9); e (2) o
programa de Deus sempre foi a seleção de alguns, mas não de todos (9.10-13).
A suposta inconsistência entre justiça e rejeição não é válida porque: (1) Ele é
soberano ao dispensar misericórdia, conforme ilustrado no caso de Faraó (9.14-18); (2)
Ele é paciente com aqueles que se rebelam, mas não irá tolerar o questionamento
arrogante de Sua soberania, uma vez que Seu propósito é manifestar a Sua glória (9.19-
24). As palavras dos profetas do Antigo Testamento comprovam as declarações de
Paulo, já que a misericórdia divina tinha sido estendida aos gentios (9.25-26) e
preservara alguns em Israel que estavam dispostos a receber a Sua graça (9.27-29).120
Cranfield, que não é amigo do dispensacionalismo, é bastante enfático ao afirmar que a
Igreja não tomou o lugar de Israel, e bate no próprio peito para reforçar a idéia. Ele diz:

119
Harrison, “Romans”, EBC 10:201.
120
Esta passagem não indica que a Igreja é um novo Israel. Paulo usa a promessa de Oséias
de restauração final para Israel e a aplica ao novo status dos gentios como um povo pactual de
Deus. Israel, por sua idolatria, tinha cortado sua aliança com Yahweh; Sua promessa de
restauração da aliança para Israel no futuro ainda será cumprida, independente do enxerto
dos gentios nas bênçãos da aliança. A ausência de uma fórmula introdutória de citação é uma
indicação de que Paulo está usando Oséias como uma ilustração, não como uma predição já
cumprida. Igualmente, a omissão da primeira parte de Oséias 1.10 indica uma distinção entre
os objetos da aplicação de Paulo e os destinatários da promessa de Oséias.
―Eu confesso com vergonha que em mais de uma ocasião usei na página impressa essa
linguagem da substituição de Israel pela Igreja‖.121
O próximo passo de Paulo é demonstrar que o fracasso de Israel não pode ser
atribuído a nenhuma falha inerente ao Evangelho, ou injustiça em Deus, mas à tentativa
culpável dos judeus de obter mérito com Deus por meio de obras de justiça humana, e
não pela fé (9.30 - 10.21). A tragédia de tal fracasso é que Cristo, o Messias, a quem
eles rejeitaram em favor de sua tradição, era o σέλορ σοῦ νόμοτ (telos tou nomou, ―o
fim da lei‖, cf. Mt 5.17), que, por causa da incredulidade deles, tornou-se uma pedra de
tropeço para Israel (9.30 - 10.4). A tragédia era combinada ao fato de que a oferta divina
de justiça estava disponível e reconhecível não apenas no Antigo Testamento (10.5-13),
mas ainda mais na proclamação do Evangelho, que Israel rejeitara tão obstinadamente
(10.14-21). A triste condição de Israel é que eles tinham zelo por Deus sem a submissão
ao Messias (isso é ἐπιγνώςιρ, epignōsis, ―entendimento‖, 10.1), eles tinham a
consciência da verdade sem obedecê-la (10.18-21).
Além disso, em sua tentativa de motivar os romanos a valorizarem o plano de Deus e
acompanhá-lo em seus esforços para alcançar os judeus e gregos, Paulo mostra que o
fracasso de Israel não é completo nem final (11.1-36). A história prova que a rejeição de
Israel não é final. Recentemente, o próprio exemplo de Paulo garante esse fato; mais
distante disso, o remanescente da época de Elias prova isso, e a oposição a Davi
confirma isso (11.1-10).
A lógica prova que a rejeição de Israel não é final. Já que sua queda significou a
extensão da bênção a todos, as realidades da restauração definitiva do mundo e as
promessas da restauração de Israel se sustentam mutuamente. Parece que aqui Paulo
presume a certeza das promessas do Antigo Testamento de restauração de Israel, e as
utiliza para o benefício de seus leitores gentios (11.13), menos familiarizados com tais
assuntos (11.11-15). Seu argumento baseia-se na realidade do relacionamento de Deus
com os patriarcas e das Suas promessas feitas a eles, os destinatários da Aliança
Abraâmica, que são descritos como ἀπαπφή [aparchē, ―primícias‖] e ῥίζα [riza, ―raiz‖],
duas figuras que sugerem a continuidade dos propósitos divinos de salvação.
Começando pelo versículo 17, Paulo fornece uma mudança prática em seu
argumento ao sugerir que aqueles que são beneficiados com o fracasso de Israel não
devem presumir serem superiores a eles, ou então estariam caindo no mesmo erro de
basear sua posição no mérito humano, já que tudo é fruto da graça e é apropriado pela
graça (11.17-24). Esta passagem muito possivelmente reflete o Sitz im Leben da
epístola. As promessas de restauração no Antigo Testamento são um impedimento
contra o orgulho dos gentios, pois o verdadeiro Israel de Deus, o remanescente fiel
daquela era escatológica, irá desfrutar as bênçãos irrevogáveis do chamado pactual de
Deus para com Israel (11.27, 29). Assim, Paulo chega ao ponto em que estava em 3.9,
todos estão debaixo de pecado, mas todos têm a misericórdia divina estendida a eles, e
disponível a todos por meio da fé.
Tal sabedoria, que permite que a bênção universal flua a partir da rejeição nacional, e
ainda garante a recuperação definitiva de Israel, é motivo de louvor. O homem não tem
qualquer reivindicação para com Deus e não pode, sozinho, entender Seu plano ou
perceber o Seu propósito. Deus é o início, o meio e o fim de toda a história, e portanto é
digno de todo louvor.
Quando se chega ao capítulo 12, a transição comum de indicativos a imperativos
mostra que Paulo mudou dos ―o quê‖ e ―porquê‖ para os ―e daí?‖ de sua epístola. Em
sua tentativa de motivar os romanos a participar de seu ministério, ele agora confronta
seus leitores com a forma pela qual o Evangelho irá suprir as necessidades relacionais
do homem, uma vez aceito por ele. Trata aqui da prática da justiça de Deus (12.1 -

121
C. B. E. Cranfield, Romans, ICC New Series, 2:448.
15.13) como um servo dentro do corpo (12), como um cidadão em seu país (13), e como
um irmão na comunidade cristã (14.1 - 15.13).
―A idéia principal que transita por toda a seção parece ser a de uma paz e unidade
para a Igreja em todos os seus relacionamentos, tanto internos quanto externos.‖122
Paulo começa com o compromisso individual com Deus (12.1-2), muda para o
compromisso mútuo com o corpo por meio dos dons (12.3-8) e por atos de amor (12.9-
21). Depois ele relaciona a obrigação social dos crentes para com o governo
estabelecido (13.1-7), e as responsabilidades morais do amor para com todos os homens
e da pureza perante Deus (13.8-14). Ele finalmente aborda questões delicadas de
relacionamento entre irmãos de diferentes níveis de maturidade cristã e sua relação com
a liberdade cristã (14.1 - 15.8), concluindo suas aplicações práticas com louvor a Deus,
em quem a nossa esperança, alegria e paz são encontradas (15.9-13).
À luz do plano inigualável de Deus de conceder misericórdia para os redimidos, os
crentes devem tornar sua vida totalmente consagrada a Jesus e estabelecer o ritmo de
sua vida espiritual por meio da constante recusa de ser dominado pelos padrões de
comportamento dirigidos pela carne (12.1-2).123
Em lugar da autovalorização, o crente justificado deve praticar a auto-avaliação de
acordo com os talentos que recebeu para o serviço do corpo (12.3-8). Os diversos dons
fornecem a multiplicidade que, embora essencial para o funcionamento apropriado do
corpo, também permite a comparação e a competição (como em Corinto). O ideal de
Paulo é que o corpo funcione em cooperação.
A lista de dons é mais curta do que a de 1Coríntios 12.8-10 e apresenta algumas
diferenças. Não há ―dons de sinais‖ apresentados em Romanos 12.6-8, enquanto alguns
dos dons relacionados ao serviço estão ausentes em 1Coríntios 12.8-10, mas são
mencionados na lista das pessoas dotadas de dons no final daquele capítulo. Parece
haver uma conexão entre os dons de ensino e exortação em Romanos 12 e aqueles de
palavra de sabedoria e palavra de conhecimento em 1Coríntios 12.

Dons Requisito Descrição


Profecia Capacidade de falar em nome de
De acordo com sua fé10.
(ππουησεία) Deus e revelar Sua vontade.
Serviço Capacidade sobrenatural de se dar
[Que ele] sirva.
(διακονία) para ajudar aos outros.

Ensino Capacidade de descobrir e


[Que ele] ensine. transmitir a verdade de forma
(διδαςκαλία) convincente.
Encorajamento [Que ele] dê animo. Capacidade de confortar e motivar

122
W. Sanday e A. Headlam, A Critical and Exegetical Commentary on the Epistle to the
Romans, ICC, p. 351.

123
O uso do verbo παπακαλέψ parakaleō tem sido debatido com respeito à força relativa do
significado tencionado por Paulo. Alguns comentaristas preferem um sentido mais forte de
“ordeno, mando”, enquanto outros sugerem um significado mais brando, tal como “suplico,
peço”. Não há dúvida de que Paulo poderia fazer uso de sua autoridade apostólica quando
havia necessidade disso. Aqui, entretanto, parece que ele está apelando mais à boa vontade
dos romanos do que à sua obediência por constrangimento exterior, isto é, ele não está
lançando mão de seu status como Apóstolo, mas persuadindo gentilmente estas pessoas que
ele quer recrutar como parceiros de ministério.
(παπάκληςις) outros para Cristo.

Contribuição Com sinceridade, Capacidade sobrenatural de


generosidade, sem levantar e doar bens materiais para
(μεσαδίδομι) motivações ocultas. a obra do ministério.
Liderança Capacidade de coordenar esforços
Com diligência. e facilitar o trabalho de outras
(πποίςσημι) pessoas no corpo.
Misericórdia Capacidade de perceber e
Com um sentimento de
preencher diversas necessidades
(ἔλεος) alegria.
no corpo.
124
1. A LISTA DE DONS EM ROMANOS 12
Como era o caso em 1Coríntios, Paulo passa de uma descrição de dons variados para
a forma que tais capacidades, e o restante dos relacionamentos interpessoais e o corpo
deveriam ser exercitados, isto é, num espírito de amor e auto-entrega (12.9-21). Morris
aponta para o fato de que Paulo faz o mesmo em Gálatas, e descreve essa passagem
como ―um soletrar do significado do amor‖.125
A lista de virtudes a serem praticadas inclui amor fraternal, respeito mútuo, zelo
espiritual, alegria, perseverança, fidelidade na oração, generosidade, compaixão cristã,
humildade, tolerância, e bondade. Esta passagem é mais uma das descrições por itens do
que o amor ἀγάπη significa, a busca ativa do bem maior da outra pessoa.
As obrigações do cristão como cidadão são citadas em 13.1-7. Ele deve se submeter
às autoridades à luz do completo controle de Deus sobre elas, e deve pagar tributo e
respeito, não apenas para evitar a punição, mas também por causa de sua própria
consciência diante de Deus (13.5).
À medida que o cristão vive em meio a uma sociedade caída, e à luz da proximidade
do dia da redenção, ele deve considerar-se um devedor do amor a todas as pessoas (cf.
1.9, onde o termo ουειλέσηρ [opheiletēs, ―devedor‖] derivado do verbo utilizado aqui,
aparece). O amor satisfaz a lei e resulta num estilo de vida de pureza à medida que as
obras da carne são colocadas de lado (ἀποσίθημι, apotithēmi) e o caráter de Cristo é
assimilado com regularidade (cf. ἐνδτςώμεθα, endusōmetha, ―revistamo-nos‖, 13.12 e
ἐνδύςαςθε, endusasthe―revistam-se‖ 13.14).126
Como irmãos numa comunidade cristã, os romanos são exortados, então, a praticar a
aceitação e encorajamento mútuos (seguindo o exemplo de Cristo) em áreas de
liberdade cristã e questões sensíveis relacionadas à cultura e raça (14.1-15.13). O
argumento de Paulo é que as diferenças que estavam ameaçando a unidade da igreja de
Roma eram, em si mesmas, indiferentes. Portanto, aqueles que tinham assimilado
firmemente o conceito da liberdade cristã não iriam desprezar os escrúpulos daqueles
que continuavam achando que era uma ofensa comer certos tipos de comida e não

124
A expressão aqui utilizada, ἀναλογία σῆρ πίςσεψρ, também tem sido interpretada com o
significado de “a medida de sua fé” (NVI) ou “o padrão de (que é a) fé cristã”. Leon Morris, em
The Epistle to the Romans, pp. 440-441, prefere a segunda, e alega que a base bíblica para isso
se acha em 1Coríntios 14.29. Isso forneceria alguma medida de controle objetivo sobre os
excessos carismáticos, não desconhecidos no cristianismo do primeiro século
125
Morris, Romans, p. 443
126 12
A semelhança dos temas entre esta passagem e Romanos 6, Efésios 4 e Colossenses 3 é
um fator para a determinação de uma autoria comum para essas epístolas.
observar certos dias (14.1-5). Sua preocupação deveria ser, entretanto, agradar a Cristo,
que é Senhor de tudo e diante de Quem teremos que prestar contas (14.6-12). O
chamado irmão ―mais fraco‖ não deveria julgar aquele que goza de sua liberdade
cristã;127 o irmão ―mais forte‖, por outro lado, deveria valorizar mais o bem estar
espiritual de seu irmão do que o exercício de sua liberdade, pois o estar no Reino não é
determinado nem pelo desfrute nem pela abstinência. Uma convicção pessoal firme e a
honestidade diante de Deus em fé, por outro lado, são mandamentos universais (14.13-
23).

Aceitar pessoas com opiniões diferentes sem desprezá-


Aceitação las ou julgá-las.
Possuir uma opinião pessoal definida e viver por dela,
Honestidade porque a oscilação revela falta de interesse pelo caráter
e vontade de Deus.
Lembrar que nossa lealdade última e nossa prestação
Prestação de contas de contas definitiva são para com o Senhor no Seu
βῆμα bēma, ―trono de juízo‖.
Embora o cristão seja liberto pela graça, ele é
Paradoxo constrangido pelo amor.
As preferências pessoais não-essenciais deveriam ser
Paz sacrificadas no altar da paz.
Os direitos pessoais de uma pessoa deveriam ser
Entrega de direitos entregues para promover a edificação de seu irmão.
Seguir o exemplo de Cristo, de aceitar a todos e servir a
Imitação todos.
2. PRINCÍPIOS DE LIBERDADE CRISTÃ EM ROMANOS 14-15
O apelo final de Paulo é para o exemplo de Cristo, cuja maior preocupação não era
Sua própria pessoa ou bem-estar, mas as outras pessoas (15.1-7). O principal critério é
buscar aquilo que trará o bem maior de nosso próximo (15.2), sua edificação espiritual.
O resumo da exortação de Paulo é encontrado em 15.5-7, num apelo que combina
esperança cristã, unidade e obediência, como meios para a glória de Deus e de Jesus.
Em 15.8-13, a universalidade da missão de Cristo é citada como um argumento final
para a unidade. Sendo ambos beneficiários da obra salvífica do Messias, profetizada
pelo legislador, pelo profeta e pelo salmista, gentios e judeus deveriam unir-se em
louvor a Deus, que lhes dá paz e alegria por meio da esperança.
Ao contrário da opinião de Sanday e Headlam, este escritor não crê que a essência da
epístola tenha se esgotado neste ponto.128 Esta seção final contribui com o propósito de
Paulo ao demonstrar seu genuíno interesse não apenas pelos romanos como indivíduos,
mas pela(s) igreja(s) de Roma como parte integral de seu plano de levar a mensagem do
Evangelho aos limites extremos de seu mundo de forma pioneira (15.14-21). Portanto,
seu desejo de visitar os romanos era parte de um plano maior que incluía a entrega da
oferta de amor dos gentios para os cristãos pobres na Judéia, um lembrete sutil da dívida
contraída por partilhar das bênçãos da salvação (15.22-33). Os cumprimentos finais

127
Uma clara distinção precisa ser feita entre essa pessoa e o legalista em Gálatas,
Colossenses e Filipenses 3, que claramente buscava impor a observância da tradição para
obter mérito diante de Deus, para a salvação ou para a santificação.
128
Sanday and Headlam, Romans, ICC, p. 403.
revelam a amplitude de sua familiaridade e a profundidade de sua preocupação com
pessoas cristãs em todos os lugares (16.1-16).
Seu coração pastoral se mostra novamente no final de sua epístola quando ele alerta
seus leitores contra os sempre ameaçadores judaizantes (cf. δοτλεύοτςιν … σῇ ἑατσ῵ν
κοιλίᾳ; douleuousin tē heautōn koilia, ―servem o seu próprio ventre‖, e Fp 3.19), que
perseguiam Paulo na sua jornada em direção ao ocidente, e certamente gostariam muito
de tomar partido de qualquer divisão menor quanto ao assunto da observância da lei,
conforme apresentado nos capítulos 14 e 15. Sua esperança era de que, obedientes, os
romanos não seriam enganados pelo discurso vazio dos judaizantes, e de que Deus iria
destruir rapidamente tais instrumentos de Satanás (16.17-20).
A epístola se encerra com saudações aos cooperadores de Paulo (16.21-24) e com sua atribuição de glória ao sábio Deus que,
tendo revelado o Evangelho da graça a todo o mundo, também é capaz de estabelecer para sempre aqueles que o recebem (16.25-
27).129

ESBOÇO SINTÉTICO
Mensagem
O Evangelho de Cristo estabelece graciosa e eficazmente judeus e gentios em
justiça diante de Deus e num viver sadio entre si depois de satisfazer, por meio da
fé, suas necessidades morais perante Deus.
I. Introdução. A comissão de Paulo como Apóstolo de Jesus, o Messias, o motiva a usar
seus dons para fortalecer a igreja em Roma com uma explicação detalhada do
Evangelho, por meio do qual o dom divino da justiça é revelado e recebido pela fé no
Filho de Deus encarnado (1.1-17).
A. A comissão de Paulo para pregar o Evangelho entre os gentios serve como uma
credencial para validar seu esperado ministério em Roma (1.1-7).
B. Um sentimento de Paulo de dívida para com toda a humanidade é a compulsão para seus
planos de partilhar seus dons com os romanos para estabelecê-los (1.8-15).
C. A confiança de Paulo no poder do Evangelho para dar salvação por meio da fé pela
imputação da justiça divina lhe dá coragem para proclamá-lo a judeus e gentios (1.16-
17).
II. O Evangelho satisfaz as necessidades morais dos homens diante de Deus (1.18 - 8.39).
A. A necessidade moral dos homens é de justiça diante de Deus, sob cujo julgamento todos
eles são culpados (1.18 - 3.20).
1. O gentio pagão é justamente condenado a sofrer horríveis efeitos morais por ter rejeitado
deliberadamente a revelação divina na natureza (1.18-32).
• A ira evidente de Deus é justificada por causa da ignorância obstinada de Seus atributos
revelados (1.18-20).

129
O verbo grego ςσηπίζψ stērizōēō é de fundamental importância para o propósito e a
mensagem deste livro, uma vez que é também encontrado em 1.11 (ςσηπιφθῆναι stērichtenai),
formando assim um inclusio ao redor do qual a totalidade da carta está contida. Paulo via
claramente como sua responsabilidade apostólica a presença de uma igreja forte e voltada
para a causa missionária em Roma, por causa do papel estratégico da cidade na evangelização
do Ocidente.. Portanto, o verbo “estabelecer” aparece tanto no propósito quanto na
mensagem de Romanos, conforme proposto neste argumento.
• A rejeição do conhecimento de Deus levou os homens a um estado de vazio intelectual e
escuridão espiritual (1.21-23).
• A rejeição do conhecimento de Deus levou os homens à auto-degradação, quando Deus os
abandonou aos seus desejos ímpios (1.24-32).
• A punição de Deus serve para permitir que os homens sigam suas escolhas pecaminosas
com seus desfechos amargos (1.24).
• A rejeição da verdade levou à falsidade da idolatria (1.25).
• A idolatria levou a um uso não-natural e pecaminoso do corpo (1.26-27).
• A imoralidade corrompeu totalmente cada aspecto da vida humana (1.28-32).
2. O pagão moralista é justamente condenado por causa de seu fracasso em viver à altura
dos preceitos e sua consciência, dados por Deus (2.1-16).
• O juízo hipócrita que o moralista faz de seus iguais não o isenta do verdadeiro juízo de
Deus por sua rebelião e pecado (2.1-5).
• O juízo de Deus será baseado nas obras do homem, não em seus conceitos éticos (2.6-11).
- O juízo divino das obras humanas será individualizado (2.6).
- Deus irá determinar de forma justa o destino eterno de cada pessoa de acordo com o
caráter moral de sua vida (2.7-10).
- As pessoas com uma vida moral limpa receberão a vida eterna, independente de sua raça
(2.7, 10).
- As pessoas com uma vida corrupta receberão a condenação eterna, independente de sua
raça (2.8-9).
- A base do justo juízo de Deus é Sua imparcialidade (2.11).
• O juízo de Deus reflete o montante de revelação dado a cada pessoa (2.12-16).
- O tipo de revelação que alguém possui determina o critério de seu julgamento (2.12).
- Conhecimento é uma base inadequada de esperança aos olhos de Deus, já que Ele exige
obediência (2.13).
- A resposta do coração ao tipo de revelação recebida determina o resultado do julgamento
de alguém, independente de sua raça (2.14-16).
3. O judeu é justamente condenado por causa de sua confiança em aspectos religiosos
externos, que não são acompanhados por uma obediência de coração e por fé num Deus
que é justo (2.17 - 3.8).
• A confiança arrogante do judeu na posse da Lei não tem sentido, uma vez que não é
acompanhada pela obediência de coração aos seus princípios (2.17-24).
- Os privilégios que os judeus alegavam possuir estavam relacionados à Lei (2.17-20).
- A prática que os judeus demonstravam desonrou a Deus ao contradizer suas
reivindicações de um relacionamento especial com Ele (2.21-24).
• A confiança dos judeus na circuncisão não tem sentido, já que não é acompanhada pela
obediência de coração à Lei para a qual apontava (2.25-29).
- A circuncisão equivale à incircuncisão se não for acompanhada pela obediência de
coração à Lei, e vice-versa (2.25-27).
- A submissão do coração à lei de Deus, e não a circuncisão física, é o verdadeiro critério de
avaliação de um judeu (2.28-29).
• As objeções dos judeus às palavras de Paulo são rejeitadas por sua falta de coerência com
o plano e caráter de Deus (3.1-8).
- A objeção baseada na suposta falta de privilégio é negada por causa da realidade da
revelação de Deus a Israel (3.1-2).
- A objeção baseada na natureza automática da bênção de Deus a despeito do caráter de
Israel é negada porque Deus é fiel ao Seu justo caráter (3.3-4).
- A objeção baseada na necessidade do pecado para que a justiça possa sobressair é negada
porque um Deus transigente não estaria moralmente qualificado para julgar o mundo
(3.5-6).
- A objeção baseada na glória última de Deus por meio do pecado do homem é negada
porque tal pensamento revela o caráter distorcido de quem a propõe e sua justa
condenação (3.7-8).
4. O mundo inteiro é justamente condenado porque todos estão debaixo de pecado,
conforme argumentado anteriormente e demonstrado pelas Escrituras (3.9-20).
• O judeu e o gentio, conforme argumentado anteriormente, estão sob a justa condenação de
Deus (3.9).
• As Escrituras provam a universalidade do pecado (3.10-12).
• As Escrituras provam que a depravação do homem é total (3.13-18).
- É evidente em suas palavras (3.13-14).
- É evidente em suas ações (3.15-17).
- É evidente em sua perspectiva (3.18).
• As tentativas humanas de superar a condenação guardando a Lei estão condenadas ao
fracasso, já que o seu propósito não é remover o pecado, mas revelá-lo (3.19-20).
B. O Evangelho satisfaz as necessidades morais dos homens por meio da imputação da
justiça de Cristo, recebida pela fé por todos os que crêem em Jesus, o novo cabeça
representativo da humanidade (3.21 - 5.21).
1. A justificação universalmente disponível de Deus é a concessão de uma posição perfeita
perante Deus com base na propiciação de Cristo, recebida pela fé de acordo com a lei
(3.21-31).
• A manifestação da justiça de Deus à parte da Lei está universalmente disponível para
aqueles que crêem (3.21-23).
• A base legal para a concessão divina de uma posição perfeita é a morte de Jesus Cristo,
que satisfez as exigências da justiça de Deus para todos os pecados do homem,
permitindo-Lhe executar justiça e, ao mesmo tempo, justificar (3.24-26).
• A livre concessão da justiça de Deus pela fé aos judeus e gentios elimina a vanglória
humana e comprova a Lei (3.27-31).
2. O princípio de que a justificação ocorre pela fé de acordo com a Lei é ilustrado na vida
de Abraão (4.1-25).
• O testemunho das Escrituras acerca da justificação aponta para a fé, não para as obras,
como o meio de recebê-la (4.1-8).
- O testemunho das Escrituras acerca de Abraão é de que ele foi justificado por meio da fé
(4.1-3).
- A verdade sobre trabalho e recompensas na vida real é contrastada com a dádiva do
perdão de Deus por meio da fé (4.4-5).
- As palavras de Davi confirmam a tese de Paulo de que o perdão é um presente de Deus
(4.6-8).
• O testemunho das Escrituras acerca da justificação é de que ela já estava disponível pela
fé antes que a circuncisão fosse instituída, para que todos pudessem desfrutar dela (4.9-
12).
- Abraão foi justificado pela fé antes de sua circuncisão (4.9-10).
- A circuncisão não era o meio, mas o sinal da justificação de Abraão, o que dá aos gentios
uma relação de fé com ele (4.11-12).
• O testemunho das Escrituras acerca da justificação é de que já estava disponível pela fé,
por meio da promessa, antes que a Lei fosse promulgada (4.13-15).
• O testemunho das Escrituras acerca da justificação pela fé é que a promessa que a garante
é fidedigna, uma vez que se baseia no poder do Deus doador da vida (4.16-25).
- A promessa de justificação pela fé se estende a todos os filhos de Abraão na fé, quer sejam
judeus ou gentios (4.16-17).
- A experiência de Abraão testifica a capacidade que Deus tem de realizar o que é
impossível para o homem (4.18-22).
- A implicação da justificação de Abraão pela fé é a justificação garantida para os crentes
em Jesus Cristo, com base em Sua morte vicária e ressurreição (4.23-25).
3. O efeito da justificação é uma vida de vitória em meio às tribulações, por causa da vitória
representativa sobre os efeitos do pecado de Adão, realizada por Cristo (5.1-21).
• A vida do crente é uma experiência de vitória em meio às tribulações terrenas por causa
do amor de Deus, evidenciado na obra de Cristo (5.1-11).
- A vida de vitória do crente é caracterizada por paz com Deus e exultante segurança de
glorificação, como resultado da justificação (5.1-2).
- A vida de vitória do crente é caracterizada pela superação nas tribulações da vida por meio
do ministério de amor efetuado pelo Espírito que neles habita (5.3-5).
- A vida de vitória do crente é caracterizada por uma alegre segurança de que o amor de
Deus irá sustentá-lo, à luz da provisão definitiva realizada em Cristo (5.6-11).
• A vida do crente é uma experiência de vitória por causa da vitória representativa sobre os
efeitos do pecado de Adão, realizada por Cristo (5.12-21).
- O efeito fatal do pecado de Adão sobre a raça humana foi derrotado pela justiça de Cristo,
dada de forma graciosa a todos que Ele representa (5.12-17).
- O princípio da representação tem vigorado tanto na esfera da condenação quanto na esfera
da justificação (5.18-19).
- O aumento do peso do pecado, produzido pelo conhecimento da Lei foi derrubado pela
superabundância da graça, que é a base da justiça imputada (5.20-21).
C. O Evangelho satisfaz as necessidades morais dos homens por meio da santificação, pela
qual Deus, por meio do Espírito Santo, torna a justiça imputada uma realidade prática
para o crente (6.1 - 8.39).
1. O princípio de santificação é de que os crentes morreram para o pecado e foram
vivificados com Cristo para viver para Deus por meio dEle (6.1-14).
• A morte do crente para o pecado torna a licenciosidade impensável para ele (6.1-2).
• A identificação do crente com Cristo torna possível para ele uma vida de liberdade (6.3-
10).
- O crente foi sepultado com Cristo (6.3-4a).
- O crente foi ressuscitado com Cristo para uma nova vida (6.4b-5).
- A escravidão do crente ao pecado foi cancelada por meio de sua co-crucificação com
Cristo (6.6-7).
- O triunfo do crente sobre o pecado e a morte é garantida pelo próprio Cristo (6.8-10).
• A obrigação do crente perante Cristo é de considerar-se morto para o pecado, mas vivo
para Deus (6.11).
• A obrigação do crente para consigo mesmo é trocar o objeto de sua auto-entrega (6.12-
14).
2. O processo de santificação significa que os crentes devem se conformar à sua nova
posição como justos, reconhecendo a quem pertencem agora e refletindo sobre os
respectivos destinos de sua antiga e de sua nova vida (6.15-23).
• A nova posição do crente debaixo da graça não significa permissão para continuar
pecando (6.15).
• Os crentes devem se conformar à sua nova posição de justos reconhecendo a quem
pertencem agora (6.16-18).
- A escolha do indivíduo quanto ao mestre a quem vai obedecer determina seu destino final
(6.16).
- A posição do crente mudou de escravidão ao pecado para escravidão à justiça (6.17-18).
• Os crentes devem se conformar à sua nova posição como justos refletindo nos respectivos
destinos de sua antiga e de sua nova vida (6.19-23).
- A obrigação do crente é de reverter sua auto-entrega do pecado para a justiça (6.19).
- O resultado justo da escravidão ao pecado era a vergonha, e, por fim, a morte (6.20-21).
- O resultado gracioso da escravidão à justiça é santidade e vida eterna (6.22-23).
3. O problema da santificação é que os crentes não serão capazes de completá-la por meio
do próprio esforço para guardar a Lei, cujo propósito é revelar, e não reprimir o pecado
(7.1-25).
• Os crentes não têm obrigação para com a Lei uma vez que morreram para ela por meio de
Jesus Cristo (7.1-6).
- O casamento e a viuvez ilustram a libertação do crente para com a Lei (7.1-3).
- A escravidão do crente para com o pecado, acentuada pela Lei, foi removida em virtude de
sua identificação com a morte de Cristo (7.4-6).
• A Lei, que não foi criada para reprimir o pecado, mas para revelá-lo, acentua o conflito
interior do crente, do qual apenas Jesus pode livrar (7.7-25).
- O fato de que a Lei revela o pecado e expõe sua hediondez não invalida seu caráter santo,
justo e bom (7.7-13).
- A realidade do conflito de que o pecado, embora derrotado, ainda se levanta contra o bem
que o cristão deseja em sua alma, ressalta a inutilidade da Lei e nos impulsiona em
direção à dádiva divina de libertação, Jesus Cristo (7.14-25).
• A incapacidade do homem de fazer o bem que ele aprova mostra que ele é o problema,
e não a Lei (7.14-17).
• A incapacidade do homem de evitar o mal que ele desaprova mostra que um princípio
mais forte que sua vontade está em operação (7.18-20).
• A falta de esperança quanto ao conflito interior conduz o crente desgostoso à dádiva
divina da libertação, Jesus Cristo (7.21a).
• O princípio do conflito é recordado [para que os crentes possam lembrar da futilidade
de se buscar solução na Lei] (7.21b).
4. O poder da santificação permite que os crentes desfrutem do ministério do Espírito, que
dá segurança de vitória na vida cristã (8.1-39).
• A vida em submissão ao Espírito traz liberdade da possibilidade sempre presente de
controle pela natureza humana pecaminosa (8.1-11).
- A base da libertação dos cristãos não é a Lei enfraquecida pela carne, mas a morte vicária
de Jesus Cristo aplicada pelo Espírito que neles habita (8.1-4).
- O processo de libertação do cristão é a superação da mentalidade carnal que conduz à
morte pela mentalidade espiritual que conduz à vida (8.5-11).
- Uma mente inclinada para a carne está em oposição a Deus e conflito com Ele (8.5-8).
- Uma mentalidade controlada pelo Espírito traz harmonia com Deus por meio da justiça
(8.9-11).
• A vida em submissão ao Espírito é um padrão que os crentes irão obedecer à medida que
são guiados pelo Espírito a desfrutar de sua filiação (8.12-17).
- O padrão esperado para os crentes é a obediência à orientação do Espírito, abandonando
os padrões antigos de pecado (8.12-14).
- O padrão esperado para os crentes é a alegria crescente em seu relacionamento de filhos,
na segurança e esperança de glorificação (8.15-17).
• A vida em submissão ao Espírito fornece segurança de uma bênção futura incomparável,
que capacita os crentes a perseverar nas tribulações do presente com esperança (8.18-
30).
- Os crentes devem perseverar com esperança nas tribulações que ocorrem em sua vida no
presente, à luz de uma glória muito maior reservada para eles (8.18-25).
- Os crentes podem perseverar com esperança nas tribulações que ocorrem em sua vida
presente à luz do ministério do Espírito em suas mais íntimas necessidades (8.26-27).
- Os crentes irão perseverar com esperança nas tribulações de sua vida presente à medida
que percebem Deus movendo todas as coisas para cumprir Seu plano bondoso de
redimir completamente os que são Seus (8.28-30).
• A vida em submissão ao Espírito fornece segurança em Cristo pelas evidências do
incomparável amor de Deus (8.31-39).
- A segurança do crente repousa na provisão única de Deus o Pai (8.31-33).
- A segurança do crente repousa na obra intercessória de Deus o Filho (8.34).
- A segurança do crente repousa no amor inabalável de Deus em Cristo, que supera
qualquer circunstância (8.35-39).
III. Vindicação – O plano de Deus para suprir as necessidades morais do homem por meio
do Evangelho não é frustrado pela resposta negativa de Israel à oferta divina de justiça
por meio da fé e por seu temporário alijamento como resultado disso (9.1 - 11.36).
A. A rejeição da oferta divina de justiça pela fé por Israel não é contraditória à promessa ou
à justiça de Deus (9.1-29).
1. O profundo sofrimento de Paulo por Israel indica que o desperdício dos privilégios da
nação era culpa dos israelitas, e não de Deus (9.1-5).
2. A suposta contradição entre promessa e realidade não é real por causa do testemunho da
História quanto ao princípio da eleição (9.6-13).
• Nem todos os israelitas por descendência física são filhos na fé de Abraão, como prova a
escolha de Isaque em lugar de Ismael (9.6-9).
• Nem todos os israelitas por descendência física são filhos eleitos de Isaque, como prova a
escolha de Jacó em lugar de Esaú (9.10-13).
3. A presente rejeição do Israel físico não é contraditória com a justiça de Deus porque é
equilibrada por Sua misericórdia e paciência soberanas (9.14-29).
• A rejeição não é injusta porque é equilibrada pela demonstração soberana da misericórdia
de Deus, conforme ilustrado pelo papel de Faraó na história de Israel (9.14-18).
• A rejeição não é injusta porque é equilibrada pela demonstração soberana da paciência de
Deus para com as Suas criaturas rebeldes (9.19-24).
• A misericórdia soberana de Deus em favor de alguns dentre os muitos que não a mereciam
foi predita pelos profetas (9.25-29).
B. A presente rejeição de Deus para com Israel não é devida ao fracasso em Seu plano mas
à tentativa reprovável da nação de obter mérito com Deus por meio de obras, em vez de
fazê-lo pela fé, conforme oferecido nas Escrituras (9.30 - 10.21).
1. A maneira reprovável de Israel buscar justiça por meio de obras da Lei, e não pela fé,
acarretou o seu profetizado tropeço no requisito da fé voltada para o Messias, que era o
alvo final da Lei (9.30 - 10.4).
• A razão porque Israel perdeu acesso à justiça de que os gentios agora desfrutam foi sua
rejeição da exigência de fé no Messias (9.30-33).
• A razão porque Israel recusou a sua exigência de fé foi que seu zelo por Deus era fruto de
uma [deliberada] ignorância quanto ao papel da fé (10.1-4).
2. A maneira reprovável de Israel buscar justiça por meio de obras da Lei e não pela fé é
trágica, porque a exigência de fé já estava evidente nas Escrituras (10.5-13).
• A impossibilidade da perfeição exigida pela Lei apontava para a necessidade de fé na
graça de Deus (10.5).
• A disponibilidade da justiça baseada na fé no Antigo Testamento apontava para a presente
oferta em Cristo (10.6-13).
• Nunca foi exigida uma tarefa impossível para Israel (10.6-8).
• A exigência presente de Deus é razoável: crer em Jesus como Messias e Deus (10.9-13).
3. A maneira reprovável de Israel buscar justiça pelas obras da Lei e não pela fé é trágica
por causa da proclamação mundial do Evangelho (10.14-21).
• Os elementos necessários para que o Evangelho seja crido pelos judeus em toda parte
foram fornecidos em harmonia com a palavra dos profetas (10.14-15).
• A resposta de Israel à mensagem do Messias tinha sido majoritariamente negativa, em
harmonia com a palavra dos profetas (10.16-18).
• A resposta dos gentios ao Evangelho deveria ter servido para Israel como um sinal
profetizado de seu próprio estado de desobediência (10.19-21).
C. O plano de Deus para satisfazer as necessidades morais do homem por meio do
Evangelho não é frustrado por Sua rejeição de Israel, pois esta não é completa nem
definitiva (11.1-32).
1. A rejeição de Israel não é completa porque Deus sempre possuiu um remanescente (11.1-
10).
• A própria conversão de Paulo é prova de que Israel não havia sido completamente
rejeitado (11.1-1).
• A experiência de Elias na história prova que Deus não irá abrir mão de Sua eleição de
Israel (11.2-4).
• A existência de um remanescente nos dias de Paulo comprova a verdade profética do
endurecimento parcial de Israel (11.5-10).
2. A rejeição de Israel não é completa porque Deus irá utilizar esse período de bênção para
os gentios para levar Israel à inveja espiritual, de modo a tornar-se, uma vez mais, o
canal de bênção de Deus (11.11-24).
• Explicação – O propósito divino ao rejeitar Israel foi estender sua misericórdia ao mundo
inteiro para trazer Israel de volta a uma bênção ainda maior (11.11-16).
• Aplicação – Os gentios não devem menosprezar orgulhosamente os judeus, agora que
desfrutam das bênçãos abraâmicas (11.17-24).
- O orgulho dos gentios por sua posição privilegiada no presente iria sujeitá-los ao final à
mesma disciplina que Israel recebeu (11.17-21).
- O perfeito equilíbrio divino entre bondade e severidade pode tanto derrubar ou soerguer,
de acordo com a reação do homem (11.22-24).
3. Expectativa – A restauração de Israel é certa por causa das irrevogáveis promessas da
aliança com os patriarcas (11.25-32).
• Israel está parcialmente endurecido no presente (11.25).
• Israel será totalmente salvo no futuro, de acordo com a promessa (11.26-27).
• O propósito final de Deus no exercício de Seu plano soberano é tornar Sua misericórdia
disponível a todos os homens (11.28-32).
- A presente inimizade de Israel será mudada à luz das promessas irrevogáveis da aliança
(11.28-29).
- A inversão de destino experimentada pelos gentios irá acontecer também com Israel, para
que a misericórdia de Deus se torne disponível a todos (11.30-32).
D. Exaltação – Deus é digno de todo louvor pela profundidade de Sua incomparável
sabedoria [no planejamento de uma salvação como essa] e por Sua plena suficiência
universal (11.33-36).
IV. O Evangelho de Cristo estabelece graciosa e eficazmente os judeus e gentios num viver
sadio entre si, pela prática da justiça (12.1 - 15.13).
A. O crente justificado precisa praticar a justiça como um servo no Corpo de Cristo (12.1-
21).
1. O requisito essencial para a prática da justiça pelos crentes é a consagração da vida ao
Senhor (12.1-2).
• Eles devem se apresentar como sacrifício (12.1).
• Eles devem evitar contaminar-se (12.2a).
• Eles devem mudar por meio de uma renovação da mente (12.2b).
• Eles perceberão a vontade de Deus para sua vida (12.2c).
2. A exigência corporativa para os crentes quanto à prática da justiça é o serviço humilde,
de acordo com o dom que receberam de Deus (12.3-8).
• O serviço deve proceder de uma atitude humilde (12.3).
• O serviço deve ser sincero e intenso, de acordo com as capacidades variadas recebidas de
Deus (12.4-8).
3. A exigência comunitária para os crentes quanto à prática da justiça é o de estender o
amor a todos (12.9-21).
• Cada crente deve estender o amor para com os irmãos (12.9-13).
… sem hipocrisia (12.9a).
… sem dolo (12.9b).
… com devoção (12.10a).
… com humildade (12.10b).
… com zelo (12.11).
… com alegria e perseverança (12.12).
… com generosidade (12.13).
Cada crente deve estender o amor para o mundo (12.14-21).
… abençoando os que amaldiçoam (12.14).
… tendo empatia com os outros (12.15).
… sem tolerar o orgulho nos seus relacionamentos (12.16).
… não buscando vingança (12.17-21).
B. O crente justificado deve praticar a justiça na sociedade como cidadão do Estado (13.1-
14).
1. O crente deve sujeitar-se às autoridades, à medida que isso mostra sua submissão a Deus
(13.1-7).
• A autoridade civil é uma instituição divina (13.1-2).
• A autoridade civil é instituída para promover o bem e evitar o mal (13.3-4).
• A desobediência à autoridade civil traz o juízo de Deus e uma consciência culpada (13.5).
• A sujeição à autoridade inclui o pagamento apropriado dos impostos (13.6-7).
2. O crente deve amar seu próximo na sociedade como cumprimento da Lei de Deus (13.8-
10).
3. O crente deve viver uma vida pura na sociedade à luz da proximidade do dia (13.11-14).
• Não há espaço para apatia espiritual à luz de nossa iminente redenção (13.11-12a).
• Os antigos hábitos pecaminosos devem ser abandonados (13.12b-13).
• Uma mentalidade como a de Cristo deve substituir o pensamento mundano (13.14).
C. O crente justificado deve praticar a justiça como um irmão atencioso na comunidade
cristã (14.1 - 15.13).
1. Os crentes devem aceitar uns aos outros a despeito de suas diferentes opiniões pessoais
(14.1-12).
• Opiniões diferentes em questões de liberdade cristã [alimentos, dias] precisam ser tratadas
num espírito de aprovação mútua (14.1-5).
- As diferenças não devem levar a atitudes de julgamento (14.1-2).
- Desprezo pelo imaturo e condenação do maduro devem ser evitados à luz da provisão de
Deus para ambos os indivíduos (14.3-5).
• Deus os aceitou (14.3).
• Deus, como Mestre de cada pessoa, capacita cada um a permanecer firme em sua
opinião (14.4-5).
• Opiniões diferentes em questões de liberdade cristã devem ser negociadas com a
consciência da responsabilidade individual diante de Cristo (14.6-12).
- Preferências pessoais em questões de liberdade não determinam a devoção ou gratidão de
um indivíduo a Deus (14.6-8).
- Preferências pessoais em questões de liberdade serão definitivamente resolvidas no juízo
divino, não por avaliações humanas (14.9-12).
2. Os crentes maduros não devem ofender seus irmãos imaturos (14.13-23).
• O princípio para o indivíduo maduro é não criar obstáculos para o imaturo apesar da sua
convicção quanto à liberdade cristã (14.13-14).
• A prática para o indivíduo maduro é valorizar o irmão imaturo mais do que sua própria
liberdade individual (14.15-21).
• A prioridade para o crente é de manter suas convicções diante do Senhor (14.22-23).
3. Os crentes maduros devem ajudar seus irmãos imaturos a crescer rumo ao exemplo de
Cristo (15.1-6).
• O princípio para o crente maduro é encorajar o imaturo rumo à maturidade, em lugar de
agradar a si mesmo (15.1-2).
• O padrão para o crente maduro é a auto-humilhação de Cristo por nós (15.3-4).
• O pedido aos romanos é que eles vivam em unidade em meio à diversidade para a glória
de Deus (15.5-6).
4. Os crentes devem aceitar uns aos outros com suas diferenças assim como Cristo aceitou
judeus e gentios de acordo com as promessas feitas aos patriarcas (15.7-13).
V. Conclusão. A explicação do ministério de Paulo e de seus planos procura motivar a
igreja romana a apoiá-lo, à medida que completa seu ministério (15.14-33).
A. A razão de Paulo escrever aos romanos era sua preocupação com o desenvolvimento de
igrejas gentias, que eram a razão de ser de seu ministério (15.14-21).
B. O desejo de Paulo de visitar os romanos se realizará depois da entrega da oferta de amor
em Jerusalém (15.22-29).
C. O pedido de Paulo é de que os romanos o apóiem em seu ministério (15.30-33).
VI. Saudações Finais. As saudações de Paulo revelam o tamanho de sua familiaridade e a
profundidade de sua preocupação para com os cristãos em Roma (16.1-16).
A. A recomendação de Febe revela o apreço de Paulo pelo ministério dela (16.1-2).
B. Vários crentes recebem saudações pessoais (16.3-16).
C. O alerta final de Paulo é contra os judaizantes enganadores e causadores de divisão, a
quem Deus irá derrotar por meio dos romanos (16.17-20).
D. Os amigos de Paulo saúdam a igreja (16.21-24).
E. Louvor – O Deus que é capaz de estabelecer os romanos por meio do Evangelho merece
glória eterna (16.25-27).
O argumento de
1CORÍNTIOS
Questões introdutórias
TÍTULO
O título desta epístola, ΠΡΟ΢ ΚΟΡΙΝΘΙΟΤ΢ Α, é derivado de seus destinatários,
membros de uma igreja nova em Corinto. Acredita-se que seja a segunda carta escrita
por Paulo aos convertidos na Acaia. Uma carta anterior, mencionada em 5.9, foi
perdida, e esta epístola canônica tornou-se tradicionalmente conhecida como Primeira
aos Coríntios.
AUTORIA
1Coríntios pertence às epístolas paulinas não questionadas pelos críticos. Os
relacionamentos pessoais de Paulo com os destinatários durante sua segunda viagem
missionária, as duas referências à sua autoria no livro (1.1; 16.21), e o testemunho da
tradição cristã primitiva (Por exemplo, Clemente de Roma) garantem sua aceitação
generalizada.
DATA
É geralmente aceito que Paulo escreveu 1Coríntios próximo ao final de seu
ministério de três anos em Éfeso. Isso é indicado por 1Coríntios 16.8, onde Paulo
expressa seu desejo de permanecer em Éfeso até o Pentecostes. O ano preciso varia de
acordo com cada esquema cronológico dos eruditos. Tenney sugere a.D. 55, Hoehner
propõe a.D. 56, e Guthrie pensa que a.D. 57 é a data mais provável.130
CONTEXTO HISTÓRICO
História e cultura. A cidade de Corinto, na época da chegada de Paulo, pouco
deveria às modernas metrópoles em termos de atividade comercial, ambiente
internacional, e depravação geral. Corinto era tão famosa por causa desta última
característica que Aristófanes, o comediante grego, cunhou um termo específico para
―viver uma vida desregrada‖, κοπινσιανίζομαι [korintianizomai].
Corinto era o centro comercial do Império Romano, uma cidade com dois portos -
Lequeu no mar Jônico, e Cencréia no mar Egeu. Por meio da cidade fluía a riqueza do
Império, em larga escala, porque os comerciantes marítimos preferiam empurrar seus
navios sobre troncos pelo istmo a empreender viagens traiçoeiras em torno da Península
do Peloponeso.
Corinto esteve sob domínio estrangeiro durante a maior parte de sua existência. Do
quarto século a.C. até 196 a.C. ela foi controlada pelos macedônios. Os romanos
libertaram a cidade naquela época, apenas para destruí-la cinqüenta anos mais tarde, sob
a liderança do cônsul Lucius Mummius.
Em 46 a.C., Júlio César ordenou a reconstrução da cidade, da qual apenas o templo a
Apolo havia sido poupado. Mais tarde, Otavio tornou Corinto a capital da província da
Acaia, e deu-lhe o status de colônia romana.
Quando Paulo chegou em Corinto, a cidade ostentava, além do templo a Apolo, o
tristemente famoso templo a Afrodite, localizado na Acrocorinto, um majestoso
precipício de cerca de 550 metros de altura. Ali, cerca de 1000 prostitutas cultuais
promoviam um culto que fez de Corinto um exemplo proverbial de sensualidade. Essa
familiaridade com a imoralidade certamente desempenhou um papel nos problemas que
Paulo buscava resolver ao escrever esta carta. A situação moral era tal que Corinto foi

130
Harold W Hoehner, Notas de aula de Cronologia Bíblica. Seminário Teológico de Dallas,
verão de 1988.
certa vez descrita como ―o paraíso do marinheiro, o céu do bêbado, e o inferno para uma
mulher decente‖.
Política e população. Corinto era uma colônia romana, e ali localizava-se o βῆμα
bēma, o trono do governo proconsular. Seus habitantes eram isentos dos impostos, mas
seu número preciso não pode ser determinado. Algumas estimativas sugerem 100.000
habitantes em Corinto, enquanto outros estimam uma população elevada de cerca de
700.000.
Como é o caso da maioria das cidades cosmopolitas de hoje, Corinto possuía uma
população misturada (romanos, gregos e pessoas vindas do Oriente). Uma parte
considerável da população era de escravos, e o número de judeus provavelmente
também era grande.
Clima social. Os moradores de Corinto foram influenciados pelo espírito
competitivo da cultura greco-romana, valorizando em demasia o status e a glória. Os
vencedores eram respeitados e honrados - os vencedores nos jogos Olímpicos e
Ístmicos, conquistadores das batalhas, debatedores e oradores eloqüentes, aristocratas,
ou até proprietários ricos de grande número de escravos. Assim como em toda a Grécia,
a sabedoria (ou melhor, os sofismas filosóficos) era muito estimada, e essa preferência
tornou-se apreciada na igreja.
À medida que os cristãos em Corinto assumiam essas preferências, sua condição
espiritual tendia para o mundanismo. Na igreja de Corinto, ser espiritual significava ser
sofisticado, quer social, intelectual ou espiritualmente (i.e., em termos de dons). A
transformação interna era demonstrada pela exibição ostentosa da sofisticação, em
termos de capacidades e resultados. Quando a sabedoria desta era tomou conta dos
membros da igreja, as pessoas começaram a procurar marcas de sucesso e
espiritualidade, e se entregaram à competição, particularmente no exercício do dom de
línguas. A comparação e a competição resultaram em conflito e divisões. Os processos
eram levados a cortes pagãs, porque ninguém queria ser visto como perdedor. Até
mesmo mulheres cristãs eram pegas na luta pelo poder, aparentemente buscando afirmar
sua liberdade usurpando papéis de liderança e perturbando o andamento dos cultos para
expressar suas opiniões. Talvez mulheres que tinham sido ἥσαιπαι (hētairai), as
sofisticadas e estudadas garotas de programa do primeiro século, com quem os homens
gregos e romanos discutiam filosofia e política, tivessem se tornado crentes e estavam
enfrentando problemas para se adaptar a uma nova posição e realidade.
OCASIÃO E DATA
Paulo chegou a Corinto em a.D. 51, vindo de Atenas, onde havia pregado o
Evangelho com alguns poucos resultados tangíveis (não há evidência de uma igreja
fundada em Atenas).
Paulo permaneceu em Corinto por cerca de dezoito meses, vivendo com um casal de
judeus, Áquila e Priscila, fazedores de tendas como ele. Algum tempo depois da
chegada de Paulo, Silas e Timóteo chegaram da Macedônia, trazendo uma oferta que
possibilitou que Paulo dedicasse todo o seu tempo e energia para pregar o Evangelho e
plantar uma igreja.
Depois do contato inicial com a sinagoga local, Paulo sofreu dura oposição da
liderança judaica, que o arrastou a um tribunal romano. Gálio, procônsul da Acaia
naquela época, recusou-se até a julgar o caso, considerando o conflito messiânico entre
a igreja e a sinagoga como uma questão puramente judaica, que deveria ser tratado pelo
tribunal judaico em Corinto. Essa decisão marcante forneceu, sem dúvida, um refúgio
legal para a igreja local durante as duas décadas seguintes.
Uma vez fundada e estabelecida a igreja, Paulo mudou-se para Éfeso com Áquila e
Priscila, deixou-os ali e viajou para a Judéia. Enquanto isso, em Éfeso, Áquila e Priscila
encontraram e discipularam Apolo, um judeu alexandrino. Eventualmente, Apolo
chegou até Corinto, onde sua eloqüência gerou um entusiasmo desproporcional entre os
coríntios imaturos.
Esse amor pela sabedoria mundana, com um grupo de judaizantes e o pano de fundo
imoral de muitos na igreja, criou uma grande variedade de problemas, com os quais a
primeira epístola lida.
A CORRESPONDÊNCIA DE CORINTO
Muito papel e tinta já foi utilizado na tentativa de estabelecer uma ordem precisa na
qual as várias cartas e visitas de Paulo a Corinto devem ser relacionadas. Entre as
questões a serem determinadas, estão: (1) a natureza da ―carta anterior‖, que alguns
dizem conter 2Coríntios 6.14 - 7.1, por causa de uma similaridade de assunto; (2) a data
da ―visita dolorosa‖, quer antes ou depois da composição de 1Coríntios; e (3) a
identificação e a natureza da ―carta severa‖, que alguns afirmam que fosse 1Coríntios
(uns poucos a relacionam com 2Coríntios 6.14 - 7.1), e maioria afirma que também foi
perdida. A tabela abaixo contém a preferência do autor quanto a esse assunto.

Visitas de Paulo a Corinto e correspondência com a Igreja


Evento Referência Data
A igreja é fundada na segunda viagem At 18.1-17 51
Paulo deixa Corinto e vai a Éfeso At 18.18-19 53
Paulo faz uma visita ―constrangedora‖ a Corinto 2Co 2.1; 12.14 54?
Paulo escreve a ―carta perdida‖ 1Co 5.9-13 55?
Relato negativo dos familiares de Cloé e carta
1Co 1.11 e 7.11 56?
de Corinto com perguntas
Paulo escreve 1Coríntios 1Coríntios 56
1Co 4.17; 16.10; At
Paulo envia Timóteo e Erasto a Corinto Final de 56
19.22
Crise em Corinto porque judaizantes não 2Co 10.10; 11.23;
56-57
aceitam a autoridade apostólica de Paulo 12.6-7
Paulo escreve a carta pesarosa 2Co 2.3-9; 7.8-12 Final de 56
Paulo deixa Éfeso rumo a Trôade e não Meados de
2Co 2.12-13
consegue encontrar Tito lá 57
Paulo encontra Tito na Macedônia e ouve que o Meados de
2Co 7.6-16
pior já passou em Corinto 57
Paulo escreve 2Coríntios 2Coríntios 57
At 19.21; 20.3; 2 Co Verão de
Paulo visita Corinto pela terceira vez
13.1 57
1. A CORRESPONDÊNCIA COM A IGREJA EM CORINTO

Argumento básico
ESTRUTURA
1Coríntios contém claros indicativos dos assuntos tratados por seu autor. Nos
capítulos 1 a 6, Paulo lida com problemas comunicados a ele pelas pessoas da casa de
Cloé (1.11), isto é, divisões (caps. 1-4) e desordens (caps. 5-6).
Começando no capítulo 7, Paulo responde perguntas que pessoas na igreja lhe
haviam enviado. Tais respostas são introduzidas pela expressão grega πεπί δέ peri de. O
capítulo 15 é aparentemente isolado. Uma vez que contém correção doutrinária e novas
informações acerca da segunda vinda de Cristo, ele aparentemente reflete outra área
problemática em Corinto, possivelmente relatada oralmente por Estéfanas, Fortunato e
Acaico, que teriam sido os portadores da carta dos coríntios a Paulo (16.17).
LUGAR NO CÂNON DO NOVO TESTAMENTO
Se considerarmos apenas os temas principais e as estruturas dos livros do Novo
Testamento no sentido mais amplo, 1Coríntios pertence à porção aplicativa do Novo
Testamento. Com 2Coríntios, 1 e 2 Timóteo, e Tito, esta epístola lida com questões de
Eclesiologia, especialmente com questões práticas sobre essa doutrina, tais como: (1)
unidade e divisões; (2) disciplina moral na igreja; (3) práticas duvidosas; (4) tradições
apostólicas relacionadas ao culto público; e (5) galardões divinos como recompensa
eterna.
PROPÓSITO
É difícil, se não impossível, determinar um propósito único para 1Coríntios. Sua
preocupação central é o desenvolvimento de um comportamento maduro dentro da
igreja. Paulo demonstra essa preocupação: (1) ao identificar os problemas básicos
relacionados aos relatórios negativos que havia recebido, e às perguntas que os coríntios
haviam lhe enviado; (2) ao oferecer soluções por meio da doutrina e exemplo pessoal;
(3) ao ensinar doutrinas específicas e sua relação com a vida da igreja em Corinto; e (4)
ao defender seu apostolado e usar seu próprio exemplo em relação com a questão da
liberdade cristã.
DESENVOLVIMENTO
Paulo inicia sua carta com saudações pessoais e de Sóstenes, que pode muito bem ter
sido o antigo líder da sinagoga espancado pelos judeus por não ter conseguido que
Paulo fosse condenado por Gálio (Atos 18.17). A introdução focaliza não naquilo que
os coríntios tinham realizado por Deus (em contraste com os tessalonicenses, por
exemplo), mas naquilo que Deus havia realizado por eles. Alguns dos temas tratados
posteriormente são mencionados aqui, tais como dons espirituais e a esperança da
ressurreição. O tema geral da carta, maturidade espiritual, é apresentado em 1.8, e a
esperança de Paulo de que seria alcançada, repousa na fidelidade de Deus (1.9).
A primeira divisão principal (1.10 - 4.21) trata do problema das divisões. Para
corrigi-las, Paulo demonstra que esse problema se origina primeiro de uma concepção
errônea da mensagem do Evangelho (1.10 - 3.4), e depois de uma concepção errônea do
ministério do Evangelho (3.5 - 4.21).
Os coríntios haviam perdido a percepção da centralidade da pessoa de Cristo (1.10-
17), e lidavam tão ineptamente com opiniões diferentes que a igreja realmente havia se
dividido em quatro facções, cada uma seguindo um homem e as tradições associadas a
ele. Desenvolvimentos posteriores na carta sugerem que a facção de Pedro pode ter sido
um grupo orientado por δύναμιρ [dunamis], a facção de Apolo pode ter sido orientada
por ςουία [sophia], a facção de Paulo era orientada por παπάδοςιρ [paradosis], e a
facção ―de Cristo‖ era orientada por ἐλετθηπία [eleuthēria].
Além disso, em seus conflitos internos, os coríntios haviam perdido a perspectiva da
centralidade da missão de Cristo (1.18-25). Sua tentativa de parecerem sábios e
sofisticados fez que perdessem a perspectiva de apresentar uma mensagem simples que
poderia de fato resolver os problemas cruciais do homem - a justiça, a santidade, e a
libertação da escravidão do pecado (cf. 1.30). Ao utilizar um padrão secular de medida,
os coríntios deixaram de valorizar o sábio plano de Deus para a salvação.
O fato que Paulo deseja destacar no capítulo 1 é que, conforme demonstrado pela
constituição humilde de sua assembléia, a sofisticação humana, não importa qual a sua
capa espiritual, não é um substituto de Cristo como ponto de convergência para todos os
crentes (1.26-31).
Em sua tentativa de fazer os coríntios entenderem a verdadeira natureza da
mensagem do Evangelho, Paulo continua descrevendo seu próprio ministério, por meio
do qual eles haviam crido. Seu trabalho indicava que a sabedoria que os coríntios tanto
estimavam não era a essência do evangelho (2.1-16). A eloqüência, abundantemente
demonstrada por Apolo, tinha um lugar secundário em relação ao poder do Espírito,
como alicerce do seu ministério (2.1-5), ao passo que o conteúdo dele não era ςουία
humana, mas uma sabedoria revelada diretamente aos mensageiros apostólicos por meio
do Espírito (2.6-16). Essa explicação contém algumas indicações da futura defesa de
Paulo e de seu ministério apostólico, em 2Coríntios , e uma indicação do que era a
verdadeira espiritualidade (2.15-16), antecipando os problemas descritos nos capítulos
12 a 14.
A razão fundamental porque os coríntios estavam fracassando tão miseravelmente
em reter a verdadeira natureza da mensagem apostólica era sua imaturidade espiritual
(3.1-4), pela qual Paulo os repreende. O desapontamento de Paulo com seus filhos
espirituais se demonstra nessa passagem, em particular por causa de sua lealdade
infantil aos homens, em vez de se submeterem ao Senhor Jesus, por meio da obediência
à Sua palavra revelada.
Na segunda seção desta primeira divisão, Paulo promove a maturidade espiritual ao
apontar para a causa básica das divisões entre os coríntios (3.5 - 4.16). Ele primeiro
chama a atenção de seus leitores para o papel subserviente de qualquer pessoa a quem
se submetessen quando comparada a Deus, Aquele que era o autor final da vida e do
crescimento (3.5-9). Ao trocar as metáforas da vida vegetal para a atividade de
construção, Paulo pressiona os líderes auto-indicados em Corinto ao apontar para o
temível juízo das obras dos cristãos (3.10-17). A qualidade do serviço de um indivíduo
na terra irá determinar a natureza de sua recompensa no céu.
Depois de se dirigir aos líderes, Paulo volta-se à congregação e aponta para as
riquezas disponibilizadas para eles em Cristo como uma motivação para perdoar e
esquecer suas disputas sobre liderança e sabedoria humana (3.18-22). Além do mais, ele
aponta para a insuficiência das avaliações humanas como base para estabelecer o valor
de um indivíduo como líder (4.1-5). Paulo não está defendendo a falta de
responsabilidade aqui, mas afirmando que apenas à luz da eternidade um ministério
poderá ser mensurado e recompensado de forma apropriada. Portanto, ele equilibra as
motivações negativa e positiva relacionadas ao tribunal de Cristo (cf. 3.10-17; 2 Co
5.10).
O sarcasmo é sua próxima arma, ao contrastar os orgulhosos coríntios e seus líderes
arrogantes com o estilo de vida humilde dos verdadeiros apóstolos de Deus (4.6-13).
Apesar do sarcasmo, sua crítica possui um tom pastoral e um apelo fraterno, uma vez
que seu desejo é que eles endireitem seus caminhos. Por isso, Timóteo seria enviado
[com a carta] como representante com a autoridade de impor a disciplina apostólica
(4.14-17); se mesmo isso falhasse, então o próprio Paulo teria que lidar com aqueles
líderes orgulhosos ensoberbecidos (πευτςιψμένψν [pephusiōmenōn]) (4.18-21). A
ameaça de Paulo não era vazia, à luz da primeira ação disciplinar apostólica do Novo
Testamento (cf. Atos 13.9-11).
A segunda divisão principal no livro lida com as desordens na vida da igreja, a saber,
imoralidade e litígios; a visão de Paulo nessa porção da epístola é que os crentes
maduros não apenas se tolerem mas, em lugar disso, procurem a unidade em pureza
para o bem de todo o corpo (5.1 - 6.20).
Paulo começa esta seção ao indicar aos coríntios quão baixo a reputação deles havia
chegado: eles eram piores do que pagãos, conforme evidenciado por sua complacência
com um caso de incesto na congregação (5.1-2). Ele diz, de fato, que a complacência é
tão ruim quanto a cumplicidade, porque compromete a pureza da igreja (5.6-8).
Conseqüentemente, a disciplina prescrita é severa - rejeição e excomunhão - tanto para
o atual transgressor (5.3-5) quanto para quaisquer pessoas que reivindiquem ser cristãs
mas levem vidas imorais (5.9-13). Aqui Paulo esclarece sua carta anterior, que
aparentemente fora mal compreendida pela igreja.
A auto-indulgência era levada a tamanhos extremos que as pessoas estavam levando
umas às outras ao tribunal por questões que deveriam ser resolvidas e estabelecidas
dentro dos limites da assembléia local. Guthrie sugere que a presença de dois parágrafos
sobre imoralidade depois de 6.1-11 aponta para a imoralidade como causa dos
processos;131 isto, entretanto, não é necessário, uma vez que as perguntas no versículo 7
sugerem a idéia de perda financeira (ἀδικέψ [adikeō], ἀποςσηπέψ [apostēreō]).
Essencialmente, ambos os problemas (ganância e imoralidade) eram sub-produtos da
mentalidade egocêntrica, auto-indulgente de Corinto. A repreensão de Paulo é destacada
pela ocorrência repetida (6 vezes) da pergunta retórica οὐκ οἴδασε (ouk oidate), sem
dúvida um doloroso lembrete de como a igreja havia negligenciado o conhecimento
anterior com base no qual eles deveriam estar agindo.
O ponto básico aqui é que os processos julgados por descrentes sem discernimento
espiritual destruíam a unidade e o testemunho da igreja. Frustrado com o absurdo de tal
prática (6.1), Paulo oferece três razões pelas quais os problemas deviam ser tratados
dentro da igreja (6.2-8): o papel futuro dos crentes como juízes, a falta de discernimento
espiritual dos descrentes e a exposição de sua falência espiritual.
O tratamento de Paulo para este problema termina com uma perspectiva apropriada
sobre a ganância e o orgulho revelados por esses processos; estes eram tão maléficos
quanto os pecados vulgares que faziam que as pessoas não entrassem no reino (6.9-10).
Para agir de uma maneira consistente com sua posição de justiça e santidade, dada pelo
Espírito, tais práticas teriam que ser abandonadas (6.11).
A correção de Paulo para o espírito de auto-indulgência dos coríntios aborda a seguir
o uso errado do corpo em imoralidade (6.12-20). Parece claro, a partir desse texto, que
alguns conceitos gregos acerca do corpo haviam se imiscuído de volta, e ao encontrar
um solo favorável nos antigos hábitos da congregação, haviam se espalhado e
contaminado a vida dela.
O gráfico abaixo compara as visões grega, hebraica e cristã do corpo:

Três conceitos diferentes do corpo


Grego Hebraico Cristão
O que o indivíduo faz O que o indivíduo faz O que o indivíduo faz com
com seu corpo não tem com seu corpo é muito seu corpo afeta vitalmente
qualquer relevância para importante para sua vida seu relacionamento com
sua vida espiritual. espiritual. Deus.
2. CONCEITOS SOBRE O CORPO
Paulo corrige duas falsas premissas que os coríntios haviam adotado: primeiro, de
que o crente é absolutamente livre (6.12); segundo, que o sexo é uma função biológica
simples, assim como comer (6.13).132 O corpo humano é investido por Deus com uma
santidade que exige pureza sexual como um meio de glorificá-lo (6.15-20). Portanto, a
pureza significa autopreservação e o cumprimento do propósito de Deus para o corpo.
Ao se conservarem puros, os cristãos iriam honrar a presença do Espírito, reconhecer a
propriedade de Deus em suas vidas, e valorizar o sacrifício do Filho pela redenção deles
(6.19-20).
A quarta divisão principal é a maior de toda a carta (7.1 - 14.40) e trata de várias
questões apresentadas ao apóstolo pela própria igreja. Estas questões são relacionadas

131
Donald Guthrie, New Testament Introduction, p. 444.
132
Este autor adota a visão de que as declarações iniciais em 6.12 e 6.13 não são
declarações paulinas de fato, mas sim sua citação de visões contrárias à sua, propostas pelos
falsos líderes em Corinto, que ele então passa a refutar. O mesmo ocorre em 10.23,
fornecendo, portanto, o padrão da pedagogia paulina.
ao mau uso de privilégios cristãos, a tradições apostólicas, e a dons espirituais tanto na
vida particular quanto na adoração corporativa. Todas elas refletem o mesmo espírito de
egocentrismo que penetrara na vida da igreja em Corinto. O propósito de Paulo é
mostrar a seus leitores que a verdadeira maturidade espiritual não busca o bem-estar
individual, mas o bem comum maior, que resulta numa glória maior a Deus (10.31).
No capítulo 7 Paulo expõe sua visão acerca do casamento cristão e do celibato,
estabelece paralelos e conexões com os ensinos de Cristo acerca do assunto, e relaciona
as questões de casamento e ministério cristão.
Ele começa observando que, embora o celibato seja uma opção para os crentes, o
casamento é um estado desejável no qual as necessidades básicas de uma pessoa são
supridas (7.1-9). A união sexual no casamento não deve nunca ser proibida porque a
satisfação sexual mútua é a norma de Deus para o casamento (7.2-6), e o celibato para
os cristãos depende de uma capacitação especial de Deus (7.7; cf. Mt 19.10-12).
Aparentemente, casais cristãos estavam se separando devido a uma reação exagerada
aos desvios de ordem sexual na igreja, tanto no passado quanto no presente. Em
resposta a esse problema, Paulo indica que a estabilidade na família é o alvo para os
crentes, em conformidade com o ensinamento de Cristo e de seu apóstolo (7.10-16). Em
caso de casamentos mistos, Paulo apela para o equilíbrio e harmonia como os principais
fatores a se considerar. Um crente nunca deveria iniciar uma separação, já que a
presença dele em casa possui um efeito santificador (7.12-14); se o descrente, por outro
lado, exige a separação, o crente não está preso a permanecer casado com a outra pessoa
(7.15-16), já que ele não possui garantia de que o cônjuge descrente será salvo.133
Paulo expande seu apelo por estabilidade de modo a abranger as situações social,
racial e religiosa de um indivíduo, oferecendo encorajamento para utilizar as
oportunidades sem transtornar a vida simplesmente por causa da mudança (7.17-24).
Já que a pergunta mais geral vinda de Corinto lidava com o ministério cristão, Paulo
declara, com base em sua própria experiência, que sua preocupação básica é que aqueles
que não são casados, quer solteiros ou viúvos, aproveitem sua liberdade no presente
para se empenhar no ministério do Senhor, já que o tempo para isso seria breve (ὁ
καιπόρ ςτνεςσαλμένορ ἐςσιν [ho kairos sunestalmenos estin]; cf. 10.11, onde Paulo
fala de σά σέλη σ῵ν αἰώνψν [ta telē tōn aiōnōn] como uma realidade presente para os
cristãos).
O próximo alvo de Paulo é o mau uso da liberdade pelos coríntios, que se
manifestava primeiramente em comer carnes sacrificadas a ídolos e, eventualmente,
levava à participação deles em festas pagãs. Ao utilizar sua própria experiência como
um exemplo positivo, e a história de Israel como um exemplo negativo, Paulo indica
que esse uso incorreto é completamente incompatível com o privilégio de partilhar da
mesa do Senhor. A lição que Paulo quer transmitir é que a forma madura de desfrutar
dos privilégios da liberdade cristã é demonstrar compreensão e preocupação pelos
outros (8.1 - 11.1).
O capítulo 8 destaca a necessidade da preocupação pelos outros no exercício da
liberdade cristã. Paulo começa observando que o conhecimento não é uma base
apropriada para decidir o que fazer ou não fazer, uma vez que pode levar ao orgulho
(8.1-3). Os coríntios haviam se tornado tão autocentrados que justificavam seu uso dos
privilégios com o argumento correto de que os ídolos nada são, mas com a atitude

133
Há um grande debate sobre o significado de οὐ δεδούλψσαι (ou dedoulōtai) (7.15), com
um número crescente de intérpretes usando esta expressão para permitir o recasamento
entre cristãos. Este escritor crê que é melhor entender isso como uma permissão para o
cônjuge cristão se separar de um cônjuge incrédulo, e permanecer no celibato depois disso. A
regra para um crente nesses casos deriva de 1Coríntios 7.39 e Romanos 7.1-3.
errada de falta de amor pelos irmãos mais fracos (8.4-8). Fazer isso iria causar a queda
de um cristão menos esclarecido e iria constituir uma ofensa contra a expiação efetuada
por Cristo (8.9-12). A proposta de Paulo é que seus leitores exercitem a autolimitação
por causa do bem-estar coletivo (8.13). Para reforçar seu argumento, ele fornece a
ilustração do capítulo 9. A entrega de seus direitos apostólicos ilustra a atitude madura
que ele espera dos coríntios sobre a questão da liberdade cristã. Em 9.1-12 Paulo
estabelece a base para seu direito a sustento (sua autoridade apostólica [9.1-6], as
realidades da vida diária [9.7, 11-12a], e as Escrituras [9.8-10]).
O exemplo do próprio Paulo era apropriado porque ele havia aberto mão de
privilégios que até os pagãos religiosos dispensavam a seus ministros! E não apenas
isso, o próprio Cristo havia prometido esse sustento para os Seus apóstolos; ainda assim,
por causa do Evangelho, Paulo havia aberto mão deles (9.12b-15a), agindo sem
segundas intenções ou motivos escusos (9.15b-18) para ganhar o máximo de pessoas
para Cristo (9.19-23).
O reforço positivo de Paulo se encerra com a ilustração de um atleta (9.24-27), um
assunto bastante familiar para os coríntios, cuja cidade era a sede dos Jogos Ístmicos,
um evento bienal que só perdia em importância para os Jogos Olímpicos. A vida cristã
exige um nível de renúncia aos direitos comparável ao de um atleta; à luz do valor
incomparavelmente maior de nossa recompensa e da perda em caso de
desqualificação,134 os coríntios deviam agir como Paulo, para serem aprovados como
ministros do Evangelho (9.26-27).
Concluindo sua motivação positiva, Paulo oferece uma negativa, a saber, as trágicas
perdas de Israel devido ao mau uso dos privilégios (10.1-13). Ele primeiro demonstra
que possuir grandes privilégios coletivos não é garantia de bênção individual (10.1-5).
Os israelitas partilhavam da redenção, da identificação com o libertador, da provisão
sobrenatural,135 e mesmo assim sua grande maioria não agradou a Deus por causa de sua
incredulidade e desobediência.
O que Paulo queria comunicar era que assim como o mau uso dos privilégios havia
levado Israel a pecados graves como a idolatria e a imoralidade e os juízos resultantes
disso, a atitude dos coríntios iria levá-los a pecado e punição maiores (10.6-13). Sua
advertência é que, a despeito da auto-confiança de um indivíduo, abandonar o caminho
certo é sempre uma possibilidade; a mão auxiliadora de Deus, entretanto, é sempre uma
segurança da qual podemos depender.
Os parágrafos finais do capítulo 10 fornecem as conclusões de Paulo acerca do
assunto da liberdade cristã. Tomando como ponto de partida a instância específica
levantada pelos coríntios, Paulo afirma que a liberdade cristã não dá a alguém o
privilégio de partilhar das festas pagãs (10.14-22). Essas festas eram, aparentemente,
grandes oportunidades para socializar e melhorar, de graça, a dieta de um indivíduo.
Ainda assim, eles se expunham ao perigo de profanar a comunhão de alguém com

134
Esta passagem é freqüentemente citada como prova da perda de salvação,
especialmente por causa da palavra ἀδόκιμορ (adokimos), que possui significados negativos de
rejeição em algumas passagens (cf. Hb 6.8). O contexto, entretanto, é de recompensas
merecidas por meio de esforço pessoal, não de dons espirituais recebidos com base nos
méritos de Cristo. Portanto, a interpretação apropriada é que o mau uso do privilégio leva à
perda do galardão.
135
Os adjetivos πνετμασικόν e πνετμασική nesta passagem sugerem não substância, mas
origem. Era uma provisão originada de outro reino que não o natural ou físico. Portanto, a
frase “e essa rocha era Cristo” deve ser tomada num sentido metafórico. Este texto possui
uma forte conotação litúrgica, porque Paulo estava preocupado com as distorções do batismo
e com a Ceia do Senhor em Corinto.
Cristo pelo contato próximo com a idolatria (10.14-22). A história de Israel demonstra
que qualquer um que participa de uma refeição cerimonial participa do sacrifício que a
precedeu, reconhecendo, de fato, o deus ao qual foi oferecido, como sendo um objeto
passível de adoração. Isso, Paulo disse, era absolutamente incompatível com uma
comunhão íntima com Cristo. De fato, equivalia a uma negação da singularidade de
Cristo como nosso Deus (10.21-22).
Essa negação abrupta, entretanto, não esgota o assunto da liberdade cristã. Em
circunstâncias onde a singularidade de Cristo não estivesse em jogo, e a consciência de
um irmão não fosse ameaçada, comer carne sacrificada, que havia sido vendida no
açougue (a um preço menor) era possível. Isso se daria utilizando a liberdade individual,
mostrando consideração pelas necessidades daqueles ao redor, e buscando a glória de
Cristo (10.23 - 11.1). Nos versículos 10.31 a 11.1 Paulo resume sua idéia acerca da
liberdade cristã: (1) ela precisa ser usada para a glória de Deus (10.31); (2) ela precisa
ser usada para influenciar positivamente todos os tipos de pessoas (10.32); (3) ela
precisa ser exercida numa imitação do exemplo de Cristo [de autonegação], espelhado
pelo apóstolo (10.33 - 11.1).
A terceira seção nesta divisão maior é devotada ao assunto do culto público, onde
mais uma vez a liberdade estava sendo mal utilizada. Para os coríntios, a grandeza era
demonstrada por meio de auto-expressão e auto-promoção. Paulo os corrige ao dizer
que a submissão à tradição apostólica revelada era a forma madura de agir no culto
público (11.2 - 14.40).
Aqui Paulo começa dizendo que as mulheres não deveriam usar sua liberdade de
modo a subverter seu papel divinamente instituído dentro da igreja (11.2-16). O ponto
crucial da questão em Corinto era a rejeição da tradição apostólica do véu.136 Paulo
argumenta que a liberdade deles deve ser acompanhada pela observância da tradição, já
que esta reflete a ordem estabelecida por Deus, ou seja, a cadeia de comando [Deus –
Messias – Marido – Esposa] por Ele instituída (11.2-6). Além do mais, a liberdade para
exercer os dons não permitia que a mulher ignorasse as razões para utilizar o véu (11.7-
16), isto é, a hierarquia na criação (com base na prioridade e posição, não no valor
intrínseco), a presença de anjos durante a adoração cristã pública, o testemunho da
natureza (o uso de ἀνσί πεπιβολαίοτ [anti peribolaiou] indica que o véu era a reação
espiritual esperada a uma característica física), e a prática universal da igreja.
A próxima tradição (cf. o uso de παπαδίδψμι [paradidōmi] em 11.23 e παπάδοςιρ
[paradosis] em 11.2) que os coríntios estavam violando descaradamente era a Ceia do
Senhor. Eles a haviam transformado numa ocasião para egoísmo e segregação, e Paulo
os alerta que tal atitude não iria escapar da severa punição de Deus (11.17-34). Paulo
condenou a formação de partidos ou ―panelinhas‖ (11.17-19), que estavam levando os

136
Há basicamente três pontos de vista acerca desta passagem. Alguns vêem as exigências
de Paulo como limitadas em termos de local e cultura, muito embora o princípio de submissão
ainda esteja operando hoje; outros, vêem as exigências como sendo supraculturais, uma vez
que sua base é puramente teológica e transcende a história; um terceiro grupo entende tanto
as exigências quanto o princípio subjacente como ligados à cultura e, de fato, já superados por
outras passagens das Escrituras (i.e. Gl 3.28). Este escritor crê que a segunda visão é a melhor
opção exegética. Suas razões para isto são: (1) ordem divina: Deus - Messias - Homem - Mulher
(vv. 3-6); (2) criação. a mulher originada do homem (vv. 7-8); (3) anjos: eles observam a
conduta dos crentes na reunião da igreja e ficariam ofendidos por ver uma mulher descoberta
[o que significaria insubordinação] (v. 10); (4) natureza: o cabelo comprido foi dado à mulher
como uma cobertura natural; esta deve ser correspondida por uma cobertura física em
reuniões públicas (vv. 13-15); (5) prática da igreja (v. 16).
coríntios mais abastados a ostentar sua riqueza e a humilhar os irmãos mais pobres. Eles
devoravam avidamente sua comida enquanto os menos favorecidos ficavam com fome,
quando a igreja se reunia para uma refeição de comunhão servida com a Ceia do Senhor
(11.20-22). Tal falta de ―discernimento do corpo‖ (cf. 11.29) significava, na prática, a
anulação do significado espiritual da Ceia.
Para se beneficiar completamente da Ceia do Senhor, os coríntios precisavam
compreender sua natureza e suas implicações para o corpo (11.23-34). A Ceia era tanto
um memorial da obra passada de Cristo quanto uma proclamação de Sua vinda futura, e
participar dela com uma atitude de egoísmo ou impureza era causa de disciplina divina
(κπίμα [krima], utilizada num sentido genérico), como de fato alguns coríntios já
haviam experimentado (11.27-32). A comunhão na Igreja, Paulo conclui, deveria ser
uma ocasião de autocontrole e altruísmo (11.33-34). Os três capítulos seguintes lidam
com a questão de dons espirituais (σά πνετμασικά [ta pneumatika]). Esta é uma área
em que podemos presumir que desinformação era uma das principais causas do
problema. O propósito de Paulo nesta seção é mostrar que o uso dos dons espirituais
não deveria visar a glória ou edificação pessoal, mas a edificação do corpo numa atitude
de amor (12.1 - 14.40).
O espírito egoísta dominante em Corinto não permitia que eles vissem quão rica e
diversificadamente a igreja havia sido abençoada para servir o Deus Trino (12.1-31a).
Sua experiência anterior na idolatria certamente havia contribuído para sua ignorância e
para a manifestação de falsos dons, que explicava até a ocorrência de blasfêmias contra
Cristo no culto em Corinto (12.1-3).
Para responder a essas tendências, Paulo explica que os verdadeiros dons, seu
exercício, e seus resultados são intervenções soberanas do Deus Trino (Espírito, Filho e
Pai, respectivamente), dados individualmente para o progresso do corpo (12.4-11).137

Definição de manifestações do Espírito em


1Coríntios 12.8-10
Mensagem de sabedoria – Aplicação prática de conhecimento espiritual.
Mensagem de conhecimento – Percepção especial de realidades espirituais.
Fé – Capacidade de confiar em Deus e obter dEle respostas incomuns.
Dons de curar – Capacidade de curar sem recurso à medicina e sem depender da fé do
doente.
Realização de milagres – Desempenhar ações sobrenaturais no poder de Deus.
Profecia – Capacidade de predizer o futuro e revelar verdade divina.
Discernimento de espíritos – Percepção da origem de fenômenos espirituais.
Variedade de línguas – Capacidade de expressar-se numa língua não aprendida.
Interpretação de línguas – Capacidade de traduzir de/para uma língua não aprendida.
3. DEFINIÇÃO DE MANIFESTAÇÕES DO ESPÍRITO
A ilustração do corpo humano foi particularmente útil para demonstrar aos elementos
exclusivistas da igreja a importância da diversidade dentro da unidade (12.12-26). A
tese de Paulo, portanto, é que deve haver harmonia na Igreja para que ela funcione
como um corpo unido. Uma vez que eles haviam sido unidos pelo batismo do Espírito
de modo a formar um corpo (12.13), ter inveja dos dons de outras pessoas, ou

137
Este escritor crê que apenas Romanos 12.6-8 apresenta φαπίςμασα. As listas em
1Coríntios 12.28-31 e Efésios 4.11 referem-se a pessoas dotadas de dons e suas atividades na
Igreja. A presente lista indica formas pelas quais os dons eram manifestos.
menosprezar o papel dos outros, eram atitudes contraproducentes que não contribuíam
com o propósito de Deus, o crescimento e o progresso do corpo.
Paulo conclui esta seção acerca do corpo ao citar vários papéis desempenhados por
indivíduos dentro do corpo, insinuando, portanto, que em sua busca frenética pelo
sobrenatural ou pelos dons miraculosos, os coríntios estavam correndo na direção
contrária ao plano de Deus para a Igreja (12.27-31a).
O caminho mais excelente de Paulo era que os coríntios demonstrassem amor em
seus relacionamentos, porque apenas quando usados em amor os dons iriam contribuir
para a maturidade espiritual (12.31b - 13.13). Com o uso de merisma e hipérbole, Paulo
argumenta que mesmo as realizações mais impressionantes, religiosas ou não, são
inúteis sem uma motivação de amor altruísta (ἀγάπη [agapē], 13.1-3). A descrição das
características do amor não é ocasional ou separada do contexto da carta; como a tabela
abaixo indica, cada uma dessas características se relaciona a um ou mais problemas
mencionados na carta (13.4-7).

O amor
É paciente – O problema dos processos judiciais diante de pagãos.
É amável – O problema de carnes sacrificadas a ídolos.
Não é invejoso – A busca de superioridade por meio do uso dos dons.
Não é arrogante – A busca de superioridade por meio de discórdias.
Não é orgulhoso – Exibir riquezas na Ceia do Senhor; véu.
Não é rude – Rejeição dos irmãos mais pobres na Ceia do Senhor.
Não busca os próprios interesses – Uso imaturo da liberdade; carnes; maus líderes.
Não se ira facilmente – Invejas e discussões; processos.
Não guarda rancor dos erros – Processos.
Não se alegra com o mal – O problema do incesto e da imoralidade.
Alegre-se com a verdade – Incesto; as chamadas coisas lícitas.
Suporta todas as coisas – A questão da auto-restrição; processos.
Sempre crê – Desconfiança mútua; processos.
Sempre espera – A questão da disciplina na igreja e seu fruto.
Sempre persevera – Abrir mão de privilégios em favor dos irmãos.
4. RELAÇÃO DO AMOR AOS PROBLEMAS EXISTENTES EM CORINTO
Além do mais, em contraste com os dons que eram transitórios, a permanência do
amor torna-se o fator definitivo de crescimento de uma igreja (13.8-13).138

138
Essa passagem é alvo de interpretações diversas. Alguns acham que ela se refere ao
fechamento do cânon do Novo Testamento, e relacionam-na à maturidade espiritual da Igreja.
Embora essa visão se relacione bem com o propósito geral da carta, não explica o
conhecimento final mencionado em 13.12. Outros crêem que ela se refere à morte de um
cristão, talvez pelas várias referências à cessação; isto, entretanto, não se encaixa com o
contexto nem com a palavra σό σέλιον (to telion). A outra possibilidade, minha favorita, é a de
que esses versículos referem-se à segunda vinda de Cristo, quando a maturidade da Igreja irá
chegar ao ápice de repente, quando a morte finalmente irá render-se a Cristo, e os cristãos
irão desfrutar uma comunhão sem impedimentos com o seu Senhor, e com pleno
conhecimento dEle.
O capítulo 14 é a aplicação prática da informação fornecida no capítulo 12, e da
motivação oferecida no capítulo 13. Em resumo, Paulo diz aos coríntios que se
quisessem utilizar de forma apropriada seus dons, eles teriam que buscar e dar
prioridade para aquelas capacitações espirituais que iriam levar à edificação da igreja e
atender às instruções apostólicas acerca da adoração (14.1-40).
Na primeira parte desse capítulo (14.1-25), Paulo define o que é mais proveitoso ou
edificante para a igreja. Ele primeiro estabelece um valor de comparação entre línguas e
profecia, para mostrar que os coríntios estavam se concentrando no dom menos
importante (14.1-19). As duas razões contra a manifestação de línguas são sua natureza
não-conclusiva (14.6-12) e seus efeitos não-abrangentes quando ele é exercido sem o
complemento necessário da tradução e da profecia (14.13-19). Em segundo lugar, Paulo
estabelece uma comparação de resultados entre profecia e línguas (14.20-25), que
mostra as línguas como restritas principalmente ao uso como um instrumento de
julgamento contra a incredulidade dos judeus (ou descrentes), enquanto a profecia
possui um espectro mais amplo de efeitos sobre todos os tipos de descrentes.
Além de estabelecer uma prioridade para a busca de dons (cf. 12.31a), Paulo fornece
diretrizes para seu exercício no culto público. Disciplina e auto-restrição, de acordo com
a tradição apostólica eram a marca de maturidade no uso dos dons (14.26-40). Dentro
do princípio de variedade, tanto as línguas (14.27-28) quanto a profecia (14.29-33a)
deveriam ser limitadas e organizadas, buscando a edificação da igreja.
A proibição quanto à mulher falar na igreja (14.33b-36) tem levado alguns estudiosos
a postular um tipo de esquizofrenia teológica em Paulo, que permitia que elas falassem
no capítulo 11 e as proibia aqui. Se, entretanto, permite-se que cada passagem fale por si
mesma, elas se harmonizam, e não entram em conflito. O uso de λαλέψ [laleō] no
capítulo 14 deve ser entendido em conjunção com seu contexto de dons mal utilizados e
de perguntas sendo levantadas acintosamente durante a parte do culto dedicada à
profecia.139
Paulo conclui essa divisão com um resumo de seu ensino acerca dos dons e de seu
uso. o uso maduro e apropriado dos dons espirituais exige obediência às instruções
apostólicas, que possuem um status de mandamentos divinos, e a observância de suas
prioridades, no valor e exercício dos dons (14.37-40).
O capítulo 15 não é introduzido por πεπί δέ [peri de], o que sugere que esta não é
uma parte das perguntas enviadas a Éfeso pelos coríntios. Relaciona-se, entretanto, ao
propósito final da carta, uma vez que a corrupção da doutrina eventualmente levava à
corrupção da moralidade,140 frustrando assim a maturidade cristã.
O centro do problema era se a ressurreição era uma doutrina essencial para a fé.
Parece que alguns em Corinto estavam negando pelo menos isso, talvez até negando
totalmente a realidade da ressurreição. A correção de Paulo primeiro aponta para o fato
de que a fidelidade à realidade da ressurreição é essencial para a fé cristã (15.1-11). A
ressurreição não era apenas parte integral do Evangelho (15.3-4), era também
amplamente atestada como um fato digno de confiança (15.5-10). As testemunhas
oculares ainda podiam ser consultadas e o próprio pai espiritual deles havia visto o

139
O uso do verbo διαλέγεςθαι (διαλεγεςσηαι) em Atos 17.2, 17; 19.8-9; e 20.7, sugere que
um estilo de profecia conversacional era comum na igreja primitiva. Portanto, a proibição de
Paulo seria a ruptura ou o domínio do diálogo, violando o papel de submissão da mulher. As
limitações paulinas seriam, então, o uso do véu, e um papel não autoritário, não didático
durante o ensino no culto público.
140
Paulo faz isso ao citar a tragédia de Menandro, Taís, dando a entender, por metonímia,
que as ὁμιλίαι κακαί (homiliai kakai) vinham daquelas pessoas que negavam a ressurreição.
Senhor ressurreto! Abrir mão disso seria abandonar um fato da tradição cristã deles
(outro exemplo do verbo παπαδίδψμι [paradidōmi]). Em segundo lugar, ele declara que
negar a ressurreição implica a impossibilidade da ressurreição de Cristo, que equivale a
uma negação da fé cristã (15.12-19). Ele demonstra, mais adiante, que a realidade da
ressurreição de Cristo é o alicerce indispensável para a esperança cristã e para a
autêntica vida cristã (15.20-34).
Aqui Paulo detalha o plano de Deus para a redenção definitiva de um mundo caído,
argumentando que assim como Adão tinha sido o instrumento de trazer a morte, um
Cristo ressurreto era o instrumento necessário para redimir o homem e seu mundo da
morte, e para restabelecer o governo legítimo de Deus sobre todas as coisas. De
qualquer forma, os coríntios deveriam estar cientes de tais fatos, pois até mesmo as
pessoas envolvidas em cultos pagãos (os mistérios eleusinos, muito populares em
Corinto naquela época) agiam com a convicção de que a ressurreição era uma realidade
(15.29).141
Seu terceiro argumento é que a ressurreição não é uma idéia absurda, uma vez que
seu princípio opera na própria natureza, ou seja, que suas maiores expressões de vida
procedem de formas inferiores, e que há manifestações crescentes de glória entre as
diversas partes da criação (15.35-49). O uso de sementes (transformação subterrânea) e
de estrelas (glória visível) cria um contraste notável que destaca a humildade presente
do homem e a glória final da vida ressurreta.
Seu argumento final (15.50-58) é de que a ressurreição é uma realidade necessária
para a παποτςία [parousia], a época em que os crentes vivos serão transformados e os
cristãos mortos serão ressurretos para se unirem, com corpos incorruptíveis, à esfera
maior da vida, onde Deus habita (cf. 1Tm 6.16). Essa passagem complementa
1Tessalonicenses 4.13-18 acerca do arrebatamento; a carta anterior indica o fato, e esta
passagem fornece seus detalhes. O gráfico abaixo indica porque os coríntios teriam tido
tantos problemas ao aceitar o fato da ressurreição; o desejo deles de competir com a
elite intelectual da Grécia não era apenas uma característica imatura, mas também um
perigo insidioso para seu compromisso cristão. A exortação de Paulo em 15.58 revela
sua preocupação com a estabilidade espiritual e fidelidade a Cristo na conduta deles.

Razões filosóficas para os problemas com


a ressurreição em Corinto
Epicureus Negavam qualquer possibilidade de vida depois da morte.
Criam que a alma do indivíduo se fundia com a divindade, o que
Estóicos
equivalia à perda da existência individual.
Negavam veementemente a possibilidade de ressurreição corpórea, a
Platônicos
despeito da crença na imortalidade da alma.
Se a sinagoga tivesse uma orientação dos saduceus, eles iriam negar a
Judeus
possibilidade da ressurreição (cf. Mt 22.23).

141
Este versículo tem recebido uma grande variedade de interpretações. Três das mais
comuns são: (1) os crentes vivos eram vicariamente batizados (ὑπέπ, [huper]) em favor dos
crentes que haviam morrido sem receber o batismo; (2) os crentes vivos eram batizados para
preencher as fileiras cristãs, tomando o lugar dos crentes mortos; e (3) cristãos eram batizados
na expectativa da ressurreição. Este escritor prefere considerar a referência de Paulo a esta
prática como uma repreensão aos coríntios por terem abandonado uma doutrina na qual até
os pagãos apoiavam suas vidas.
5. OS CORÍNTIOS E A RESSURREIÇÃO
Na divisão final de sua carta, Paulo lida com uma variedade de assuntos. Ainda
assim, suas palavras revelam um coração compassivo, ansioso por alcançar aquilo que
iria trazer benefícios para as outras pessoas. Portanto, ele encoraja os coríntios a
levarem adiante a arrecadação para os pobres em Jerusalém (16.1-4).
Os planos de Paulo para o futuro revelam sua preocupação com as pessoas a quem
ele havia ministrado. Seu desejo de estar em Corinto e partilhar da vida deles era
genuíno (16.5-7), bem como o seu desejo de aproveitar ao máximo a abertura da Ásia
para o Evangelho (16.8-9; cf. Atos 19.10). A preocupação de Paulo com Timóteo e seu
encorajamento a Apolo para mais uma vez ministrar em Corinto fornece um exemplo da
maturidade que Paulo buscava provocar entre os cristãos ali (16.10-12). O fato de que
Paulo encorajava um ―rival em potencial‖ (pelo menos aos olhos dos coríntios) a
ministrar onde sua imagem havia sido tão manchada é uma lição notável de altruísmo.
A conclusão (16.13-24) encoraja a maturidade (ἀμδπίζεςθε [andrizesthe], v. 13), o
amor, e a pureza na devoção dos coríntios a Cristo (16.22), cuja graça Paulo deseja para
eles.
ESBOÇO SINTÉTICO
Mensagem
A verdadeira maturidade espiritual na vida de uma igreja desenvolve
relacionamentos de amor sob o poder libertador e a graça unificadora de Cristo.
I. Introdução (1.1-9).
A. Os escritores são identificados (1.1).
B. Os leitores são identificados (1.2).
… por seu relacionamento (1.2a).
… pela sua posição (1.2b).
… pelo seu chamado (1.2c).
C. A saudação aos leitores (1.3).
D. A oração de Paulo em favor dos crentes de Corinto expressa sua gratidão pela obra de
Cristo entre eles (1.4-9).
1. As razões para a gratidão de Paulo são encontradas na obra de Cristo pelos coríntios e
entre eles (1.4-6).
• Ele os colocou sob a graça (1.4).
• Ele lhes deu a capacitação espiritual (1.5).
• Ele realizou a sua conversão espiritual (1.6).
2. A razão para a carta é sugerida (1.7-9).
• Lidava com a questão dos dons (1.7a).
• Lidava com a questão da volta de Cristo (1.7b).
• Lidava com a questão da maturidade (1.8).
• A expectativa de Paulo estava alicerçada na fidelidade de Deus (1.9).
II. A maturidade espiritual verdadeira não busca a divisão, mas a unidade do corpo (1.10 -
4.21).
A. O problema das divisões vem de uma percepção errônea da mensagem do evangelho
(1.10 - 3.4).
1. Os coríntios haviam perdido a percepção da centralidade da pessoa de Cristo (1.10-17).
• O problema é definido como falta de unidade (1.10-11).
• O tratamento inadequado das diferenças de opinião levou à formação de grupos rivais
(1.12).
• O fato de que todas as bênçãos cristãs estão centradas em Cristo, e não no homem e em
suas tradições, argumenta em favor da unidade da igreja (1.13-17).
2. Os coríntios haviam perdido a percepção da centralidade da missão de Cristo (1.18-25).
• A missão de Cristo revela a sabedoria e o poder de Deus (1.18).
• As Escrituras provam que a natureza do homem é reagir contra a simplicidade do plano de
Deus (1.19).
• A missão de Cristo foge do critério pelo qual os homens não salvos avaliam sucesso e
valor (1.20-25).
- Nem a sofisticação religiosa nem a intelectualidade secular podem apropriar-se da
sabedoria de Deus (1.20-21).
- Os instrumentos humanos de medição são inadequados para o plano de redenção do
homem (1.22-23).
- Apenas os homens salvos podem perceber como a missão de Cristo realiza as maiores
aspirações da humanidade (1.24-25).
3. Os coríntios haviam perdido a percepção do padrão do chamado de Cristo para eles
(1.26-31).
• A constituição de sua assembléia deveria ter-lhes ensinado que a sofisticação não é o que
agrada a Deus (1.26).
• O chamado deles como povo de Deus servia para mostrar quão inútil é a sofisticação
humana como base de vanglória (1.27-29).
• Os privilégios que o chamado de Cristo lhes dava apontavam para Ele como seu ponto de
convergência (1.30-31).
4. O ministério de Paulo em Corinto era a prova de que a essência do Evangelho não é
encontrada na sabedoria humana (2.1-16).
• A base de seu ministério não era a eloqüência, mas o poder do Espírito de Deus (2.1-5).
• O conteúdo de seu ministério não era a sabedoria humana, mas uma sabedoria
sobrenatural ensinada pelo Espírito para os agentes da revelação (2.6-16).
5. A imaturidade espiritual dos coríntios evita que eles percebam a verdadeira natureza da
mensagem apostólica (3.1-4).
B. O problema das divisões vem de uma concepção errônea do ministério cristão (3.5 -
4.21).
1. Os coríntios estavam apegando-se a homens e abandonando sua lealdade mais
importante, ao Senhor da obra (3.5-9).
2. Aqueles que reivindicavam a liderança com base em seu pregador favorito
demonstravam não se importar com a grande responsabilidade, à luz do juízo de Cristo
(3.10-17).
3. A divisão da igreja com base na sabedoria humana ou no nome dos mensageiros do
Evangelho é tolice, à luz das riquezas que Cristo torna disponíveis para os crentes (3.18-
22).
4. As divisões com base na avaliação humana dos mensageiros do Evangelho são incorretas
porque apenas o juízo de Deus é perfeito e definitivo (4.1-5).
5. As divisões alicerçadas em preferências pessoais revelam a imaturidade dos coríntios
com relação aos ministros que eles diziam seguir (4.6-13).
6. A correção iria vir apenas se a igreja se submetesse à reprovação apostólica (4.14-21).
• Timóteo traria uma repreensão terna (4.14-17).
• Paulo iria trazer uma disciplina mais dura para os coríntios insubordinados (4.18-21).
III. A verdadeira maturidade espiritual não busca a auto-indulgência, mas a unidade em
pureza para o corpo (5.1 - 6.20).
A. A imoralidade entre os membros da igreja deve ser disciplinada para que esta possa
recobrar sua pureza e alcançar a maturidade (5.1-13).
1. A complacência da igreja com o problema do incesto é condenada (5.1-2).
2. A disciplina para o transgressor é definida (5.3-5).
3. A complacência arrogante dos coríntios com o pecado compromete a pureza da igreja
(5.6-8).
4. A atitude exigida por Paulo contra os pecadores impenitentes que alegavam ser irmãos é
a rejeição e a excomunhão (5.9-13).
B. Os processos de crentes contra crentes em Corinto deviam cessar, porque destroem a
unidade da igreja e seu testemunho na comunidade (6.1-11).
1. O absurdo dessa prática frustra o apóstolo Paulo (6.1).
2. As disputas legais entre os crentes devem ser resolvidas dentro da igreja (6.2-8).
… porque os cristãos irão julgar o mundo (6.2-3).
… porque não faz sentido pedir que os incrédulos, que não têm discernimento, decidam as
questões dos crentes (6.4-5).
… porque buscar soluções com incrédulos revela a falência espiritual dos coríntios (6.6-8).
3. A tentativa de lesar um irmão para tirar proveito é inconsistente com a nova posição dos
coríntios (6.9-11).
• Tal atitude é tão ruim quanto os pecados que não deixam que os pagãos entrem no reino
de Deus (6.9-10).
• A nova posição dos coríntios é de justiça e santidade por meio do Espírito Santo (6.11).
C. A atitude irresponsável dos coríntios para com o uso do corpo deve ser alterada se a
igreja deseja alcançar a maturidade espiritual (6.12-20).
1. Paulo corrige duas premissas falsas dos coríntios (6.12-14).
• O crente é absolutamente livre (6.12).
• O sexo é uma função biológica simples, como comer (6.13-14).
2. A santidade que Deus atribui ao corpo humano exige a pureza sexual como um meio de
glorificá-lO (6.15-20). Portanto ...
• Quem está unido com Cristo não pode se envolver em imoralidade sexual (6.15-17).
• Quem se dá à impureza sexual está destruindo sua própria vida (6.18).
• Quem se mantém sexualmente puro cumpre o propósito de Deus para o corpo [que
significa a maturidade nessa área da vida] (6.19-20).
… ao honrar a presença do Espírito Santo (6.19a).
… ao respeitar a propriedade de Deus sobre o seu corpo (6.19b).
… ao valorizar o alto preço que o Filho pagou para a redenção (6.20).
IV. A verdadeira maturidade espiritual não busca o bem-estar individual, mas o bem-estar
comum (7.1–14.40).
A. As questões acerca do casamento são tratadas de uma forma madura, levando em
consideração os mandamentos do Senhor e o conselho do apóstolo (7.1-40).
1. O casamento é desejável como um estado no qual as necessidades básicas de uma pessoa
são supridas (7.1-9).
• O celibato é uma opção para os crentes (7.1).
• A satisfação sexual mútua é a norma de Deus para o casamento (7.2-4).
• A abstinência sexual no casamento é uma possibilidade, mas apenas temporariamente
(7.5-6).
• O celibato entre os cristãos é aceitável, mas depende de uma capacitação especial de Deus
(7.7).
• Os crentes solteiros devem escolher sua condição de acordo com a medida de sua
capacitação divina (7.8-9).
2. A estabilidade da família é o alvo para o crente em obediência a Cristo e a Seu apóstolo
(7.10-16).
• A permanência do casamento é uma ordenança de Cristo para os casais cristãos (7.10-11).
• Equilíbrio e harmonia são os fatores principais em relacionamentos matrimoniais mistos
(7.12-16).
- O casamento nunca deve ser quebrado pelo crente (7.12-14).
• por uma questão de mandamento (7.12-13).
• por uma questão de lógica (7.14).
- visando a santificação do companheiro.
- visando a santificação dos filhos.
- A separação imposta pelo incrédulo não deve ser resistida pelo crente (7.15-16).
• Deus não deseja uma vida de conflito para o crente (7.15).
• O cristão não tem garantia de que seu(sua) compa-nheiro(a) incrédulo(a) irá se
converter (7.16).
3. A estabilidade é o ideal divino para os cristãos em cada situação de vida (7.17-24).
• As situações individuais diante de Deus devem ser aceitas (7.17).
• A condição racial-religiosa de um indivíduo não precisa ser alterada (7.18-19).
• A condição social de um indivíduo não precisa ser alterada, mas oportunidades nessa área
precisam ser plenamente aproveitadas (7.20-23).
• As situações individuais diante de Deus precisam ser aceitas (7.24).
4. A liberdade para abraçar o ministério pelo Senhor em tempos difíceis é o ideal proposto
por Paulo para os solteiros e viúvos (7.25-40).
• A proposta de Paulo vem de sua própria experiência (7.25).
• Preferivelmente, um cristão não deveria mudar sua situação de vida durante situações de
crise (7.25-27).
• A situação atual de crise torna o casamento menos atrativo (7.28-31).
- O casamento, embora santo, traz consigo certas pressões peculiares (7.28).
- A urgência da hora exige o sacrifício de lealdades terrenas (7.29-31).
- A proposta de permanecer no celibato busca maior liberdade para uma consagração
completa para a obra de Cristo (7.32-35).
- A decisão de levar adiante os planos de casamento é individual e não envolve pecado
(7.36-38).
- A liberdade dos(as) viúvos(as) para o recasamento depende do novo cônjuge ser cristão
(7.39-40).
B. As questões relacionadas com a liberdade cristã são resolvidas de uma forma madura
quando os privilégios são desfrutados com discernimento e interesse pelos outros (8.1–
11.1).
1. As questões relacionadas à liberdade cristã são resolvidas de uma forma madura quando
os privilégios são desfrutados com interesse pelos outros (8.1-13).
• Decisões baseadas somente no conhecimento, sem amor, revelam imaturidade e
insensibilidade (8.1-3).
• O fato dos ídolos nada serem não evita que irmãos mais fracos sejam desencaminhados
pelo uso egoísta da liberdade cristã (8.4-8).
• A insistência em desfrutar da liberdade cristã às custas de um irmão espiritualmente mais
fraco é uma ofensa contra o sacrifício expiatório de Cristo (8.9-12).
• A decisão madura proposta por Paulo é restringir a liberdade pessoal por causa do bem-
estar coletivo (8.13).
2. A renúncia aos direitos apostólicos por parte de Paulo ilustra a atitude madura que ele
espera dos coríntios na questão da liberdade cristã (9.1-27).
• Os direitos de Paulo a sustento e cuidado das igrejas são afirmados com base em sua
autoridade, nos exemplos da vida diária, e nas Escrituras (9.1-12).
- Os direitos de Paulo a sustento e cuidado das igrejas são afirmados com base em sua
autoridade (9.1-6).
- Os direitos de Paulo a sustento e cuidado das igrejas são afirmados com base nos
exemplos da vida diária (9.7, 11-12a).
- Os direitos de Paulo a sustento e cuidado das igrejas são afirmados com base nas
Escrituras (9.8-10).
• Os direitos de que Paulo abriu mão são encontrados em todas as religiões e são garantidas
pela própria palavra de Cristo (9.12b-15a).
• A renúncia de Paulo aos seus direitos visava o progresso do Evangelho (9.12b).
• A renúncia de Paulo foi além das expectativas de todas as religiões e além do próprio
mandamento de Cristo (9.13-15a).
- A renúncia aos seus direitos dá a Paulo a liberdade para pregar o evangelho com base em
obediência genuína sem motivos escusos (9.15b-18).
• Sua pregação altruísta é uma razão para se gloriar (9.15b).
• Sua motivação como uma pessoa chamada para pregar o evangelho não vem de
motivos escusos (9.16-18).
• A renúncia de Paulo aos seus direitos visava ganhar o máximo possível de pessoas para
Cristo (9.19-23).
• A renúncia de Paulo aos seus direitos significava tornar-se um servo para todos os
tipos de pessoas (9.19).
• A renúncia de Paulo aos seus direitos significava adaptar-se a seus ouvintes (9.20-22).
• A renúncia de Paulo aos seus direitos significava uma tentativa constante de se
envolver com o Evangelho (9.23).
• O apelo para que os coríntios sigam os passos de Paulo na renúncia aos seus direitos é
reforçado pela ilustração do atleta (9.24-27).
- A corrida cristã exige a mesma renúncia a direitos que a vida de um atleta (9.24-25).
- O exemplo de Paulo na corrida cristã é de renúncia a direitos, com vistas a alcançar seus
alvos ministeriais e ser aprovado como ministro (9.26-27).
3. Os tristes resultados do mau uso dos privilégios por Israel servem como alerta para os
coríntios (10.1-13).
• Os altos privilégios nacionais de Israel não garantiram a bênção individual para todos
(10.1-5).
- Eles partilharam da libertação (10.1).
- Eles partilharam na identificação com o libertador (10.2).
- Eles partilharam da provisão (10.3-4).
- A grande maioria não partilhou da recompensa da Terra Prometida (10.5).
• O mau uso dos privilégios pelos israelitas e a punição que se seguiu alertam os coríntios
contra sua arrogância espiritual em meio à tentação (10.6-13).
- O mau uso dos privilégios que levou Israel a se entregar a pecados grosseiros e a sofrer a
punição divina serve como alerta para a igreja (10.6-11).
… Israel entregou-se à cobiça (10.6).
… Israel entregou-se à idolatria (10.7).
… Israel entregou-se à imoralidade (10.8).
… Israel entregou-se à obstinação (10.9).
… Israel entregou-se à murmuração (10.10).
- Os erros do passado servem como exemplo para aqueles que vivem no final dos tempos
(10.11).
- O exemplo assustador de Israel motiva os coríntios a desistir de sua arrogância e a buscar
ajuda divina (10.12-13).
• A queda é sempre uma possibilidade (10.12).
• A ajuda de Deus é sempre uma certeza (10.13).
4. A liberdade dos cristãos não lhes dá o privilégio de partilhar das festas pagãs (10.14-22).
• Contexto cultural. Sacrifícios em templos pagãos eram oportunidades para socializar e
comer carne (de graça!).
• Os cristãos são exortados a fugir da idolatria em vista de sua comunhão íntima com Cristo
e Seu corpo (10.14-17).
• Um cristão que aceita participar numa festa pagã onde os demônios são adorados profana
sua comunhão com Cristo (10.18-22).
- A história de Israel demonstra que quem participa de uma refeição cerimonial, participa
do sacrifício que a precedeu (10.18).
- Partilhar de uma refeição no templo de um ídolo envolve alguma comunhão com o
demônio que está por trás do ídolo [que em si mesmo não é nada] (10.19-20).
- Partilhar de adoração idólatra é negar a singularidade do Senhor nosso Deus (10.21-22).
5. A liberdade cristã não nos dá o direito de desfrutar indiscriminadamente de tudo, antes
nos encoraja a considerar primeiro as necessidades daqueles ao nosso redor e a glória de
Deus (10.23 - 11.1).
• A liberdade é limitada pelo bem comum (10.23-24).
• Contexto cultural. O mesmo tipo de carne, vendida no mercado por um preço menor, e
oferecida numa refeição na casa de alguém.
• A liberdade pode ser exercida nesta situação doméstica (10.25-26).
• A liberdade pode ser exercida no contexto da casa de um amigo não-cristão (10.27).
• A liberdade em qualquer contexto deve ser regulada pela possibilidade de escândalo
[interno/externo] (10.28-30).
• A liberdade dos coríntios deve ser exercida com objetivos altruístas, de acordo com o
exemplo de Paulo (10.31 - 11.1).
- Deve ser usada para a glória de Deus (10.31).
- Deve ser usada para influenciar positivamente a outros (10.32).
- O exemplo altruísta de Paulo deve ser imitado, uma vez que se origina em Cristo (10.33 -
11.1).
C. A maturidade espiritual na esfera da atividade religiosa não é demonstrada por meio da
auto-expressão e autopromoção, mas por meio da submissão à tradição apostólica
revelada (11.2 - 14.40).
1. As mulheres cristãs não devem usar sua liberdade para subverter seu papel divinamente
instituído dentro da igreja (11.2-16).
• A liberdade para exercer os dons na assembléia exige a observância da tradição do véu,
que reflete a ordem estabelecida por Deus (11.2-6).
• A liberdade para exercer dons na assembléia não permite que alguém ignore as razões
para o uso do véu (11.7-16).
- A ordem na criação exige isso (11.7-9).
- A presença de anjos exige isso (11.10).
- A ordem natural exige isso (11.11-15).
- A prática apostólica em outras igrejas exige isso (11.16).
2. A Ceia do Senhor não pode ser realizada em um ambiente de egoísmo e segregação
(imaturidade) sem a severa punição de Deus (11.17-34).
• O egoísmo e a segregação durante a Ceia do Senhor em Corinto tiram a aprovação de
Paulo para a igreja (11.17-22).
- O egoísmo e a segregação se manifestam na formação de partidos que, embora úteis às
vezes, prejudicam a igreja (11.17-19).
- O egoísmo e a segregação na Ceia do Senhor fazem dela uma cena patética (11.20-22).
• Alguns cristãos ostentavam sua riqueza com excesso de comida e bebida, enquanto
outros passavam fome (11.20-21).
• Alguns cristãos humilhavam intencionalmente outros, trazendo vergonha para a igreja
e para a Ceia do Senhor (10.22).
• A Ceia do Senhor deve ser entendida de acordo com sua natureza e suas implicações para
o corpo de Cristo (11.23-34).
- A Ceia do Senhor é um memorial e uma proclamação da obra de Cristo (11.23-26).
- A Ceia do Senhor possui implicações de disciplina física contra os cristãos egoístas que
não discerniam o corpo (11.27-32).
- A Ceia do Senhor deve ser desfrutada em unidade e altruísmo (11.33-34).
3. O uso de dons espirituais não deve visar glória ou edificação pessoais, mas a edificação
do corpo numa atitude de amor (12.1–14.40).
• A Igreja foi generosamente abençoada para funcionar como um corpo no serviço do Deus
Trino (12.1-31a).
- A necessidade de informação acerca dos dons espirituais é levantada pela possibilidade de
confusão nessa área (12.1-3).
• A necessidade de informação em Corinto se originava de seu envolvimento passado
com a idolatria pagã (12.1-2).
• A necessidade de informação em Corinto vinha da manifestação de dons falsos dentro
da igreja (12.3).
- A capacitação da igreja por meio dos dons espirituais vem de Deus por meio da ação do
Espírito Santo (12.4-11).
• O serviço cristão resulta da atividade das três pessoas da Trindade (12.4-6).
- O Espírito capacita com dons (12.4).
- O Filho oferece oportunidades para o serviço (12.5).
- O Pai garante o cumprimento da tarefa (12.6).
• A diversidade dos dons dados à Igreja visa seu bem comum (12.7-11).
- O propósito das manifestações individuais é o progresso do corpo (12.7).
- As manifestações do Espírito variam de pessoa para pessoa (12.8-10).
- As manifestações do Espírito são soberana e individualmente distribuídas (12.11).
- O uso apropriado dos dons é ilustrado pela diversidade e unidade dentro do corpo humano
(12.12-26).
• O corpo da Igreja, formado pelo Espírito, é um, como o corpo humano (12.12-13).
• O funcionamento adequado do corpo depende da harmonia entre suas partes (12.14-
26).
- A harmonia é quebrada quando as partes desprezam seu próprio papel e invejam as outras
partes (12.15-20).
- A harmonia é quebrada quando as partes desprezam o papel das outras partes (12.21-24a).
- A harmonia que Deus planejou para o corpo é demonstrada quando cada parte busca o
bem estar dos outros (12.24b-26).
- A variedade das funções no corpo de Cristo ordenado por Deus indica aos coríntios que
sua busca por dons miraculosos segue na direção oposta ao plano divino (12.27-31a).
• O uso maduro e apropriado dos dons espirituais exige um amor capaz de superar as
deficiências espirituais em Corinto (12.31b - 13.13).
- O amor oferece uma alternativa para a forma invejosa que os coríntios buscavam e
usavam seus dons (12.31b).
- O uso dos dons espirituais sem uma motivação de amor torna inúteis até mesmo as
realizações mais impressionantes (13.1-3).
- As características do amor indicam que sua presença iria resolver a maioria dos problemas
encontrados em Corinto (13.4-7).
- A superioridade do amor como um meio para o crescimento da igreja repousa em sua
permanência (13.8-13).
- Os dons irão passar quando o plano de Deus estiver cumprido, ao passo que o amor
permanecerá (13.8-10).
- A vida oferece exemplos de coisas boas que são abandonadas em favor de coisas maiores
(13.11-12).
- O amor é superior às outras virtudes cardeais porque é permanente (13.13).
• O uso maduro e apropriado dos dons espirituais exige a busca do que é mais edificante
para a igreja e a obediência às instruções apostólicas para a ordem na adoração cristã
(14.1-40).
- O uso maduro e apropriado dos dons espirituais exige a busca do que é mais edificante
para a igreja (14.1-25).
• A comparação de valor entre línguas e profecia indica que os coríntios estavam se
concentrando no que era menos importante (14.1-19).
- O dom de profecia é superior à manifestação de línguas (14.1-5).
- A manifestação de línguas não é a mais desejável devido à sua natureza não-conclusiva
(14.6-12).
• Línguas não contribuem diretamente para o bem da igreja (14.6).
• Línguas são susceptíveis a confusão (14.7-11).
• O desejo de usar dons espirituais exige a busca do melhor entre eles (14.12).
- Línguas não são as manifestações mais desejáveis, porque, por si mesmas não edificam
quem as usa nem quem as ouve (14.13-19).
• São úteis apenas quando a interpretação está presente (14.13-15).
• São válidas apenas quando seu uso traz edificação (14.16-17).
• Paulo preferia profetizar, embora fosse capaz de falar em línguas (14.18-19).
• O uso maduro e apropriado dos dons espirituais exige a busca daquilo que mais
impacta os incrédulos (14.20-25).
- Línguas servem para comunicar uma mensagem [de juízo] para os incrédulos [judeus]
(14.20-22).
- A profecia é mais eficaz para comunicar a verdade para os incrédulos (14.23-25).
- O uso maduro e apropriado dos dons espirituais exige obediência às instruções apostólicas
para a ordem na adoração cristã (14.26-40).
• O princípio básico é que a variedade de dons seja utilizada para a edificação (14.26).
• O uso das línguas deve ser limitado, organizado, e seguido por interpretação (14.27-
28).
• O uso da profecia deve ser limitado, organizado e administrado com autocontrole para
o propósito da edificação (14.29-33a).
• A participação das mulheres na adoração pública deve ser regulamentada pelo
princípio da submissão e pelas instruções dos apóstolos (14.33b-36).
• Resumo – O uso maduro e apropriado dos dons espirituais exige a obediência às
instruções apostólicas e a observância de suas prioridades (14.37-40).
V. A maturidade espiritual não se concentra na vida terrena, mas na vida ressurreta (15.1-
58).
A. A fidelidade à realidade da ressurreição é essencial para manter a fé cristã (15.1-11).
1. Os coríntios estavam vacilando em sua fidelidade à ressurreição (15.1-2).
2. A ressurreição é uma parte integral do verdadeiro evangelho (15.3-4).
3. A ressurreição é amplamente atestada como um fato digno de confiança (15.5-10).
4. A crença na ressurreição era um fato na vida dos coríntios (15.11).
B. A fidelidade à realidade da ressurreição é essencial para manter a esperança cristã viva e
a vida cristã autêntica (15.12-34).
1. A fidelidade à realidade da ressurreição é essencial para manter viva a esperança cristã
(15.12-28).
• É essencial para nossa esperança de salvação (15.12-19).
- As dúvidas dos coríntios acerca da ressurreição eram espantosas (15.12).
- A falta de uma ressurreição iria significar uma fé vazia, um testemunho falso, e uma vida
sem sentido para o cristão (15.13-19).
• É essencial para a nossa esperança na consumação do plano de Deus (15.20-28).
- A ressurreição é o penhor histórico do triunfo divino sobre o mal (15.20).
- A ressurreição é a provisão divina para a consumação do plano de Deus (15.21-22).
- A ressurreição é as primícias da vitória divina em Cristo (15.23-28).
2. A fidelidade à realidade da ressurreição é essencial para manter a vida cristã autêntica
(15.29-34).
• Negar a ressurreição era algo que nem mesmo as pessoas com uma visão distorcida da
vida cristã e do batismo fariam (15.29).
• Negar a ressurreição iria tornar sem sentido todos os perigos a que os apóstolos estavam
se expondo por causa de Cristo (15.30-32).
• Negar a ressurreição corrompe as perspectivas de vida e o comportamento cristão (15.33-
34).
C. A perspectiva futura para os cristãos é uma ressurreição semelhante à de Cristo (15.35-
58).
1. A realidade da ressurreição é ilustrada por exemplos da natureza (15.35-41).
2. A natureza da ressurreição é passar de uma esfera inferior de vida para uma esfera
superior em Cristo (15.42-49).
• A fraqueza terrena herdada de Adão dará lugar ao poder celeste em Cristo (15.42-44)
• A imagem terrena de Cristo dará lugar à imagem celestial em Cristo (15.45-49).
3. O processo da ressurreição inclui a transformação dos corpos dos crentes (15.50-57).
• Essa transformação é necessária para o acesso à glória de Deus (15.50).
• Essa transformação acontecerá num momento único para todos os cristãos, vivos e mortos
(15.51-52).
• Essa transformação é necessária para que o plano de Deus de conquistar a morte seja
cumprido nas vidas dos cristãos (15.53-57).
4. Conclusão – A esperança da ressurreição encoraja os cristãos a perseverar no serviço
com suas recompensas em vista (15.58).
VI. A maturidade espiritual busca benefícios para outras pessoas (16.1-12).
A. A coleta para os cristãos pobres na Judéia precisa ocorrer regular e generosamente entre
os coríntios (16.1-4).
B. Os planos de Paulo visavam benefício daqueles com quem ele tinha contato (16.5-12).
1. Sua presença em Corinto e a participação dos coríntios em sua vida são importantes para
ele (16.5-7).
2. Sua presença em Éfeso é necessária para o desenvolvimento de seu ministério (16.8-9).
3. Uma boa recepção para Timóteo entre os coríntios é uma preocupação de Paulo (16.10-
11).
4. O encorajamento de Paulo a Apolo para visitar Corinto revela seu altruísmo e seu
interesse pelo benefício da igreja (16.12).
VII. Conclusão (16.13-24).
A. Ajam de forma madura (16.13-14).
B. Recebam meus mensageiros com amor (16.15-18).
C. Recebam as saudações de nossos irmãos na Ásia (16.19-21).
D. Permaneçam puros e desfrutem a graça de Cristo (16.22-24).
O argumento de
2CORÍNTIOS
Questões introdutórias
TÍTULO
A carta é intitulada ΠΡΟ΢ ΚΟΡΙΝΣΙΟΤ΢ Β, segundo o nomen patrium dos seus
recipientes, com o indicador que a distingue da primeira carta.
DATA E AUTORIA
Há pouco debate quanto à data e à autoria desta carta. Ela foi escrita na Macedônia
(cf. 7.5; 8.1;9.2-4) por volta do final de a.D. 56, depois de Paulo deixar Éfeso a fim de
completar o circuito de coleta pela Macedônia e Acaia em preparação para enviar a
oferta em dinheiro para a igreja de Jerusalém.142
Há abundantes evidências internas de que Paulo foi o autor da carta, principalmente
por causa da intensidade de emoção presente na carta e a variedade de detalhes
relacionados ao ministério de Paulo para Cristo. O autor duas vezes se identifica como
Paulo (2Co 1.1 e 10.1), e é muito improvável que um impostor retrataria um apóstolo
sob tais ataques, precisando defender com tanto vigor seu próprio apostolado.
A evidência externa para a autoria paulina da carta é razoavelmente boa. Embora não
seja mencionada por Clemente de Roma (a.D. 96), ela é citada por Policarpo (c. a.D.
105), Ireneu (c. a.D. 135), Clemente da Alexandria (c. a.D. 210) e Tertuliano (c. a.D.
215). Ela é alistada por Marcion (a.D. 140) e é também encontrada no Cânon
Muratoriano (c. a.D. 180).143
UNIDADE
Este tem sido o cenário da mais feroz batalha sobre 2Coríntios desde que Semler
propôs pela primeira vez, em 1776, que os capítulos 10-13 eram originalmente uma
composição diferente.
Que este ponto de vista tenha obtido tão tremendo apoio144 é um tanto surpreendente,
visto que nenhuma evidência manuscritológica existe para sustentá-lo. Nenhuma das
variantes textuais encontradas para passagens como Marcos 16.9-20, João 7.53–8.11, ou
mesmo tão escassas quanto aquelas para Romanos 16, existem em qualquer porção de
2Coríntios! As bases para tal divisão são totalmente internas, tanto filológicas quanto
temáticas, baseadas em tentativas subjetivas de explicar a seqüência de eventos relativos
à correspondência coríntia enquanto se ignoram algumas das ligações entre as duas
cartas existentes.
Uma leitura detalhada de 2Coríntios indica que a epístola tem três divisões distintas.
A primeira abrange os capítulos 1 a 7 e lida com o ministério e os planos do apóstolo
quanto aos coríntios; a segunda divisão abrange os capítulos 8 e 9, lidando com a
questão da participação coríntia na coleta para os santos na Judéia; finalmente, os

142
PARA UMA DISCUSSÃO DETALHADA DA SEQÜÊNCIA DE EVENTOS RELACIONADOS À CORRESPONDÊNCIA
CORÍNTIA, VEJA O ARGUMENTO DE 1CORÍNTIOS.
143
Murray J. Harris, “2 Corinthians,” ECB, 10:306.
144
Os seguintes comentaristas e estudiosos argumentam a favor de várias unidades distintas
que compõem o texto preservado de 2Coríntios. Alfred Plummer (A Critical and Exegetical
Commentary on 2 Corinthians, ICC), Werner Kummel(Introduction to the New Testament), Jean
Héring, The Second Epistle of Saint Paul to the Corinthians, Charles K. Barrett (A Commentary
on the Second Epistle to the Corinthians, HNTC), and Ralph P. Martin (2 Corinthians, WBC).
capítulos 10 a 13 formam a terceira divisão que lida principalmente com uma defesa do
apostolado de Paulo e como os coríntios reagiam a essa autoridade apostólica.
O primeiro desafio à unidade se encontra nos capítulos 10-13, os quais
aparentemente contradizem o espírito alegre da primeira seção e apresentam um ataque
tão cáustico aos opositores de Paulo que os estudiosos propõem que sejam parte de
outra carta, possivelmente a carta severa de 2Coríntios 2.3-4; 7.8,12.
O segundo desafio é o parágrafo de 6.14 a 7.1, que aparentemente quebra a
continuidade entre 6.13 e 7.2. Assim, alguns estudiosos propõem que este parágrafo é
parte da primeira carta escrita por Paulo aos Coríntios, que lidou com o problema da
imoralidade e foi mencionada especificamente em 1Coríntios 5.9; outros o atribuem a
um redator, chamando-o de uma interpolação não-paulina.
Uma solução conservadora para o problema é a adotada por Hiebert e Hughes, que a
carta severa é, na realidade, 1Coríntios.145 Embora o conteúdo de 1Coríntios
ocasionalmente se encaixe na descrição de uma carta escrita ―com muitas lágrimas‖,
não é impossível que Paulo tenha escrito outra carta mais dura do que a primeira
epístola canônica e ainda distinta de
2Coríntios 10-13. Guthrie afirma que ―este ponto de vista encontra menos dificuldades
do que os outros, embora nos deixe sem muitos dados para reconstruir o assunto da
carta.‖146 Este escritor prefere a segunda opção, ou seja, que houve uma carta perdida.
A questão da autenticidade de 2Coríntios 6.14–7.1 precisa ser abordada em três
níveis. Há, primeiro, o problema filológico de seis hapax legomena do Novo
Testamento; segundo, há o problema temático de uma aparente quebra na continuidade
encontrada em 6.13 e 7.2; terceiro, há um problema teológico de uma expressão não-
paulina, καθαπίςψμεν ἑασούρ ἀπό πανσόρ μολτςμοῦ ςαπκόρ καί πνεύμασορ
(katharisōmen heautous apo pantos molusmou sarkos kai pneumatos).
A questão de vocabulário não é um fator decisivo, pois também outras partes de
cartas paulinas contêm alta incidência de hapax legomena (cf.
147 148
1Co 4.7-13 e 2Co 6.3-10), e 2Coríntios sozinha contém cinqüenta.
A questão temática é até menos problemática, por qualquer uma das seguintes
razões: (1) Paulo era um divagador crônico, como a maioria dos comentadores
concorda.149 A possibilidade de uma quebra no ditado ou da chegada de notícias, ou
mesmo de uma lembrança, poderia ter feito com que Paulo mudasse de assunto. (2) Não
há nenhuma grande divergência de temas entre 6.13 e o parágrafo seguinte, visto que
Paulo poderia estar se referindo a uma área específica na qual os coríntios ainda
estavam relutando em sua lealdade à autoridade e ao ensino apostólico dele, a saber, sua

145
D. Edmond Hiebert, An Introduction to the New Testament, 2:140ss. Philip E. Hughes, Paul’s
Second Epistle to the Corinthians, NICOT, pp. xxix-xxx. Este ponto de vista antigo e venerado se
baseia na identificação entre o ofensor em 2Coríntios 2 e o homem que estava vivendo um
relacionamento incestuoso em 1Coríntios 5.
146
Donald Guthrie, New Testament Introduction, p. 437.
147
Ralph Martin, 2 Corinthians, p. 192, observa que estes são comuns naquilo que ele chama
de “explosões paulinas”, passagens onde todo o peso emocional de uma situação vem à tona
no vocabulário. Ele também indica outros três hapax legomena, que são citações diretas de
textos do Antigo Testamento e não devem ser vistas como palavras paulinas.
148
Hughes, 2 Corinthians, p. 242.
149
Veja Martin, 2 Corinthians, p. li, que cita D. Guthrie virtualmente palavra por palavra no
assunto(sem referências).
incapacidade de abrir mão das suas associações pagãs. Harris o diz bem: ―Seja uma
citação paulina ou uma breve divagação, estes seis versículos podem indicar o motivo
para esse elemento de inquietude e constrangimento (2Co 6.12-13; 7.2) que poluiu a
reconciliação dos coríntios com Paulo, ou seja, uma indisposição para renunciar a toda
transigência com a idolatria pagã.‖150
Terceiro, o uso ocasional da antítese entre carne e espírito não está além do alcance
teológico de Paulo, como fica evidente em Romanos 8, por exemplo. O uso singular do
incomum substantivo μολτςμόρ (molusmos) para expressar o conceito de impureza é
adequadamente abordado na seção sobre vocabulário acima.151
Assim, pode-se argumentar validamente que não há motivo forçoso para extirpar
2Coríntios 6.14–7.1 da epístola, ora atribuindo a passagem a uma fonte não paulina (por
que alguém a inseriria neste local improvável?) ou a uma carta perdida (a carta anterior
mencionada em 1Co 5.9).
Este autor crê que 2Coríntios é, na verdade, uma unidade, como foi primorosamente
afirmado por Theodore Zahn.
Em espírito o leitor segue Paulo de Éfeso, por Trôade até a Macedônia (caps. i-vii); daí
permanece com ele por um momento nas Igrejas da Macedônia (caps. viii-ix);
finalmente ele é levado à consideração de condições na igreja em Corinto do ponto de
vista da futura visita de Paulo àquela cidade. As três seções da carta tratam,
respectivamente, o passado imediato com seus mal-entendidos e explicações, o presente
com seus problemas práticos, e o futuro com suas ansiedades.152
CONTEXTO HISTÓRICO
Há um debate contínuo sobre este assunto, com grande variedade de pontos de vista
quanto ao número de cartas enviadas a Corinto (de três a nove) e o número de visitas
(três ou quatro)153. Meu resumo do fundo histórico de 1 e 2 Coríntios se encontra na
tabela abaixo.

Visitas de Paulo a Corinto e correspondência com a igreja


EVENTO REFERÊNCIA DATA
A igreja é fundada na segunda viagem. At 18.1-17 51
Paulo deixa Corinto e vai a Éfeso. At 18.18-19 53
Paulo faz uma ―constrangedora‖ visita a Corinto. 2Co 2.1; 12.14 54?
Paulo escreve a ―carta perdida‖. 1Co 5.9-13 55?
Relato negativo dos familiares de Cloé e carta de
1Co 1.11 e 7.11 56?
Corinto com perguntas.
Paulo escreve 1Coríntios. 1Coríntios 56
1Co 4.17; 16.10;
Paulo envia Timóteo e Erasto a Corinto. Final de 56
At 19.22

150
Murray J. Harris, “2 Corinthians,” ECB 10:303.

151
Pode ser que Paulo, depois de usar o verbo καθαπίζψ (katharizō) escolheu μολτςμόρ
(molusmos), que é menos comum, para evitar dois cognatos tão próximos um do outro.

152
Theodore Zahn, Introduction to the New Testament, 1:312.
153
Martin, 2 Corinthians, pp. xli-xlii; Harris, “2 Corinthians,” p. 302.
Crise em Corinto porque judaizantes não aceitam 2Co 10.10; 11.23;
56-57
a autoridade apostólica de Paulo. 12.6-7
Paulo escreve a carta pesarosa 2Co 2.3-9; 7.8-12 Final de 56
Paulo deixa Éfeso rumo a Trôade e não consegue
2Co 2.12-13 Meados de 57
encontrar Tito lá.
Paulo encontra Tito na Macedônia e ouve que o
2Co 7.6-16 Meados de 57
pior já passou em Corinto.
Paulo escreve 2Coríntios. 2Coríntios 57
At 19.21; 20.3;
Paulo visita Corinto pela terceira vez. Verão de 57
2Co 13.1
1. O CONTEXTO HISTÓRICO DE 2CORÍNTIOS

MOTIVO
A chegada de Tito. Dois fatores levaram Paulo a enviar 2Coríntios e ambos estavam
relacionados à chegada de seu assistente pastoral, Tito, à Macedônia. Paulo esperara
encontrar Tito em Trôade e a ausência de seu associado lá deixou Paulo tão inquieto que
ele deixou para trás uma vibrante oportunidade de ministério (2Co 2.12-13) e correu à
Macedônia. Lá ele encontrou Tito, que lhe trouxe boas e más notícias. A boa notícia era
que a maioria da igreja em Corinto reagira favoravelmente à ―carta severa‖ (2.4, 9; 7.6-
16). A má notícia era a existência de um grupo que continuava a se opor a ele e minar
sua autoridade, agora sob o amparo de alguns homens que se declaravam superiores a
Paulo e mais dignos da obediência e do apoio da igreja.
Os opositores de Paulo. Os opositores de Paulo aparentemente eram judeus (11.22),
―agentes autodesignados da Judéia que apelavam para a autoridade dos Doze,
especialmente Pedro‖.154 Harris levanta quatro pontos para sustentar este ponto de vista:
(1) O termo ἗βπαίοι (hebraioi, 2Co 11.22; cf. Fp 3.5) se refere a judeus de
descendência palestina, com referência à herança lingüística e cultural, especificamente.
(2) O contraste irônico que Paulo fez entre ―os superapóstolos‖ (2Co 11.5; 12.11) e os
―falsos apóstolos‖ (χετδαπόςσολοι [pseudapostoloi], 11.13) implicava a tentativa
injustificada destes em apelar para aqueles em sua apropriação do apostolado. Estes
impostores pregavam ―outro evangelho‖ (εὐαγγέλιον ἕσεπον [euangelion heteron], 2Co
11.4). (3) De fato, tais atividades ilícitas não eram sem precedentes, visto que algumas
pessoas da Judéia tinham invocado a autoridade dos Doze sem sua autorização (At
15.24; cf. Gl 2.4). (4) Finalmente, um grupo em Corinto já apelara a Jerusalém por usar
o nome de Pedro (1Co 1.12).155
Esses pseudolíderes declaravam ser apóstolos (11.5, 13; 12.11), mas pregavam um
falso evangelho (11.4) e estavam dominando, ameaçando e liderando com fins egoístas
(11.20). Eles eram judaizantes cujo ponto de contenda não era tanto a circuncisão (cf. Gl
6.12-13), mas, mais provavelmente, algumas condições menos conspícuas, como as leis
alimentares propostas pelo concílio de Jerusalém.156

154
Harris, ”2 Corinthians”, EBC, 10:313
155
Ibid., pp. 312-314.
156
Harris, p. 313. David Lowery propõe duas alternativas para a identificação destes
inimigos: (1) Judeus helenistas; (2) Judeus de uma doutrina gnóstica ou docética que negava os
sofrimentos de Jesus e defendia uma teologia de glória como uma norma para a vida; The Bible
Knowledge Commentary, New Testament edition, pp. 552-553.
O conteúdo da carta nos permite traçar sua estratégia para ganhar o controle da igreja
em Corinto. Suas declarações principais eram: (1) sua posse de cartas de recomendação
(3.1); (2) suas habilidades retóricas (11.6); (3) suas visões e revelações (5.13; 12.1, 7);
(4) seus milagres (12.12); (5) sua suposta honestidade, implícita na sua disposição de
aceitar dinheiro (11.7; cf. 1Co 9.5-7, 11-12); (6) sua origem palestina (11.22); (7) terem
sido discípulos de Cristo (10.7); (8) e sua suposta pregação do evangelho de Jesus
(11.4).
A fim de garantir seu controle recém-ganhado sobre os coríntios, estes pseudolíderes
tentaram minar e destruir a autoridade apostólica de Paulo. Eles atacaram Paulo de
todos os ângulos. Primeiro, sua aparência era impressionante a distância, mas fraca e
desprezível quando pessoalmente presente (10.1-2, 9-11; 11.6; 13.3, 4, 9); segundo, sua
autoridade era duvidosa, visto que não carregava nenhuma carta de recomendação (3.1;
10.13-14), e ele não podia mais curar, estando ele mesmo enfermo (12.7-10). Terceiro,
suas ações eram questionáveis por ser ele imprevisível, constantemente mudando seus
planos (1.17-18; 10.2-4) e mostrando-se indigno de confiança, visto que não recebia
remuneração por seu ministério (11.5, 7-11, 13; 12.11-15; 13.3a, 6) mas tinha
organizado uma coleta para os santos em Jerusalém, cujos fundos alegadamente teriam
acabado em seus bolsos (12.16-18). Quarto, sua atitude era reprovável pela maneira
como ele exercia autoridade excessiva sobre seus convertidos (1.24; 7.2), em que ele se
vangloriava indevidamente (4.2, 5; 5.12; 6.4; 10.12, 18; 12.11), e que exagerava as
afirmações sobre suas experiências religiosas (5.13).
Argumento básico
PROPÓSITO
Nenhuma outra epístola paulina apresenta tantas dificuldades para o comentarista que
busca discernir um único propósito nela. Ela é, de fato, um livro de múltiplos
propósitos, criado para cumprir vários subpropósitos. Estes são os mais importantes: (1)
expressar alegria com o triunfo da verdade do evangelho em Corinto, reconhecendo a
―tristeza piedosa‖ e o arrependimento da maioria dos crentes lá; (2) expor a verdadeira
natureza e as verdadeiras intenções dos falsos mestres por meio de uma detalhada
descrição do ministério da Nova Aliança (1-7) e das verdadeiras credenciais de um
apóstolo (11-12); (3) instigar os cristãos em Corinto a cumprir sua promessa de fazer
uma contribuição generosa para os pobres entre os cristãos na Judéia, que demonstraria
ao mesmo tempo o amor cristão e a unidade de judeus e gentios em Cristo (8-9).
Estes subpropósitos podem ser combinados em um propósito geral para a carta como
se segue:
Reconquistar os coríntios a uma verdadeira lealdade ao evangelho confrontando a
sua aceitação de falsos mestres com um ministério realmente cristão e digno de ser
seguido.
DESENVOLVIMENTO
A preocupação de Paulo com o bem-estar de sua amada igreja coríntia envolvia mais
do que corrigir suas doutrinas e práticas errôneas. Pouco tempo depois de ser escrita
1Coríntios, uma nova leva de problemas surgiu, instigada por indivíduos que alegavam
possuir maior autoridade do que a de Paulo, e desviaram a igreja da lealdade ao apóstolo
e seus ensinamentos. Uma pessoa em particular parece ter liderado este grupo
antipaulino, e ele pode ser aquele mencionado em 10.7, que seria também a pessoa que
fora disciplinada em 2.5-11, embora esta última identificação seja questionada.
Uma visita mal sucedida resultou em insulto e tristeza pessoal para Paulo (2.5-8;
7.12), e isto provocou uma carta severa (2.3-4; 7.8-12; 10.10), carregada por Tito e
parcialmente eficaz em reduzir as tensões.
A segunda carta aos coríntios é fruto da preocupação de Paulo em relação ao sucesso
de Tito e a carta que ele carregava, tanto ao expressar o seu alívio pela melhora nas
atitudes para com ele em Corinto quanto ao dar voz às suas preocupações sobre a
capacidade dos coríntios para discernir entre ministros e ministérios dignos e indignos.
Os vários assuntos abordados dentro da carta (i.e., a mudança nos planos de Paulo
quanto à sua visita a Corinto, a explanação do fundo de auxílio, e a vindicação da
autoridade de Paulo) estão todos relacionados à questão de qual o tipo de ministério (ou
ministro) que os coríntios escolheriam seguir. Apesar do seu recente crescimento, eles
ainda tendiam para os judaizantes egoístas e arrogantes que haviam ―invadido o
território de Paulo‖ (10.12-18). A defesa que Paulo faz do seu ministério apostólico e de
sua autoridade apostólica, portanto, não é uma vindicação para lucro pessoal ou
elevação do ego, mas uma tentativa de colocar os coríntios no caminho certo pela
provisão de um modelo digno a seguir.
A carta começa com a saudação costumeira de graça e paz (1.1-2). Há uma indicação
do conteúdo da carta na apresentação de Paulo como um apóstolo διά θελήμασορ θεοῦ
(dia thelematos theou).
A introdução de Paulo é um pouco incomum ao dar graças a Deus não pelo que Ele
realizara em favor dos coríntios e por meio deles, mas pelo que Ele fizera pelo próprio
escritor. Esta porção (1.3-11) buscava indicar aos leitores que Deus definitivamente não
tinha terminado com Paulo como Seu instrumento, visto que Ele providenciara
abundantemente os recursos que fariam a vida e o ministério de Paulo uma bênção
contínua para os outros. A natureza específica da aflição de Paulo não é conhecida, mas
sua severidade é inquestionável. O veterano experiente chegara ao ponto de
ἐξαποπηθῆναι … καί σοῦ ζῆν ([exaporēthēnai … kai tou zēn], 1.8). Isto está de algum
modo relacionado ao ministério de Paulo na Ásia e pode ter precipitado algumas das
mudanças que seus adversários costumavam denunciar diante dos coríntios.
A primeira e maior divisão da carta propriamente dita começa a lidar com acusações
lançadas contra Paulo e acaba por desenvolver uma descrição completa do ministério
cristão sob a Nova Aliança (1.12 – 7.16).
A fim de alcançar seu propósito de ganhar os coríntios de volta para a verdadeira
lealdade a Cristo, Paulo achou necessário provar que os recentes acontecimentos no seu
ministério não eram o produto de capricho humano ou insinceridade, mas o resultado da
operação da graça da nova aliança (1.12 – 2.13).
Paulo primeiro afirma que os planos relatados em sua comunicação prévia com os
coríntios (1Co 16.5-7) não foram mudados por que sua motivação para com os coríntios
havia se deteriorado. Ele afirma que sua consciência estava limpa diante de Deus (1.12-
14) e que tinha pelos coríntios um amor fiel, que preferia sofrer a causar tristeza, que o
movera a mudar de duas visitas curtas para uma estadia mais prolongada em Corinto
(1.15–2.4). A menção de outra visita ἐν λύπῃ ([en lupē], 2.1) indica que ainda existiam
em Corinto problemas que precisavam de tratamento apostólico.
O próximo parágrafo trata sobre o assunto da disciplina que Paulo prescrevera para
um certo indivíduo na igreja. Paulo se defende de qualquer acusação de vingança ao
declarar revogada a disciplina já que seus efeitos haviam sido alcançados (2.5-11). Se
esse é o homem imoral de 1Coríntios 5 ou o instigador de 2Coríntios 7.12, a
preocupação de Paulo não era a sua própria reputação, mas o bem-estar da igreja.
O último parágrafo enfatiza a preocupação de Paulo pelos outros, neste caso pelo seu
representante, Tito, e o resultado da sua missão. Incerto quanto à reação coríntia à ―carta
severa‖ que Tito carregara, e preocupado com o destino deste como possível portador da
oferta coríntia, Paulo reforça a idéia de que sua mudança final de planos não fora outro
arroubo temperamental, mas o resultado de amor genuíno (2.12-13).
Começando com 2.14, Paulo expõe seu ponto de vista quanto ao ministério cristão
(2.14 – 6.10). O fator essencial é a graça da nova aliança, que fornece a dinâmica do
comportamento de Paulo em meio a muita oposição e aflição produzidas por serviço
leal a Cristo. Em vez de ver esta passagem como uma ―grande digressão‖157, este
escritor concorda com Martin que esta seção é, na verdade, o ―tema principal‖ da
carta.158
Em 2.14-17 Paulo louva a Cristo por Sua posição como conquistador, na qual Paulo
se tornou parceiro, seja como um escravo conquistado, seja como um soldado vitorioso.
Harris corretamente sugere que ―Cristo assumiu uma batalha que não lhe pertence por
direito, nós partilhamos em um triunfo que não nos pertence por direito‖.159 Isto
capacita Paulo a ministrar fielmente e produzir evidência de ministério genuíno, sem
necessidade de louvor humano (3.1-3).
Este ministério é contrastado com o ministério mosaico a fim de ajudar os coríntios a
valorizarem seu privilégio, e também para fazer que eles contrastem a intrepidez e a
competência de Paulo, resultantes de um glorioso e vivo relacionamento com o Deus
Triúno (3.4-18), com a competência reivindicada pelos judaizantes (11.4, 13), baseada
numa tradição mosaica que ia aos poucos desaparecendo (3.11-13).
A próxima reivindicação de Paulo a um ministério legítimo parte da perseverança
dada pela esperança da nova aliança (4.1 – 5.10). Os muitos obstáculos que Paulo
enfrentava no ministério não o podiam derrubar; a cegueira dos seus ouvintes não o
podia levar à desonestidade (4.1-6); os rigores do ministério e sua própria fragilidade
não o podiam desencorajar de servir a Cristo (4.7-15); a sempre presente possibilidade
de morte não o podia levar ao desespero por causa da esperança oferecida pela nova
aliança, da restauração interior na terra e da ressurreição eterna no céu (4.16 – 5.10).
O clímax desta seção sobre ministério cristão surge em 5.11?- 6.2, onde Paulo
esclarece sua motivação interna e sua mensagem intrínseca. A motivação de Paulo era
baseada no amor reconciliatório de Jesus, não na aprovação humana baseada em forma
exterior (5.11-13), no senhorio de Cristo sobre toda a vida (5.14-15), e nas mudanças
radicais que Ele propiciou para aqueles que a Ele vieram (5.16-17). A mensagem de um
ministério realmente cristão é reconciliação através de Cristo, que foi nosso sacrifício
pelo pecado. Esta era uma mensagem que os coríntios precisavam pôr em prática em
suas vidas ao submeterem-se mais uma vez a Paulo como o representante indicado de
Deus. Seu perigo atual era desperdiçar a graça que os redimira (5.18 – 6.2).
Paulo se permite outro parágrafo apologético ao demonstrar seu genuíno
compromisso com o ministério (6.3-10). A sua aprovação vinha da sua disposição para
submeter-se a tribulações e traumas sem fazer concessões, aproveitando ao máximo os
paradoxos do ministério. Rebaixado pelos homens, ele se regozijava na aprovação de
Deus; humilde na estimativa dos homens, era rico e importante aos olhos de Deus.
A longa descrição que Paulo fez do ministério é interrompida por uma preocupação
pastoral. Depois de abrir o coração na descrição da sua conduta, ele pede que os
coríntios façam o mesmo (6.11-13). Paulo, que nunca foi homem de pedidos vagos,
explicou bem o que deveria ser feito. os coríntios precisavam abandonar suas
associações pagãs (6.14 – 7.4). Só assim eles alcançariam o que Paulo considerava o
objetivo do seu ministério, maturidade em santidade no temor de Deus. 160 A lista de

157
Harris, “2 Corinthians,” p. 10:317.
158
Martin, 2 Corinthians, p. xxxvii.
159
Harris, “2 Corinthians,” p. 10:332.
160
Em vários lugares na epístola Paulo enfatiza a idéia de crescimento ou maturidade,
usando palavras diferentes. Aqui ele usa ἐπισέλψ (epitelō), enquanto em 10.15 ele emprega
αὐξάνψ (auxanō), οἰκοδομέψ (oikodomeō) em 12.19, κασάπσιςιρ (katartisis) em 13.9 e
κασαπσίζψ (katartizō) em 13.11.
práticas deploráveis em 12.20-21 demonstra que a exortação de Paulo neste parágrafo é
uma parte integral da sua epístola.
Os dois temas, ministério cristão e a vindicação da lealdade de Paulo aos coríntios, se
mesclam enquanto ele descreve a alegria do verdadeiro ministro – o crescimento na vida
daqueles a quem ele ministra (7.4-16). Reconhecendo a resposta positiva dos coríntios e
o seu tratamento cordial para com Tito, Paulo prepara seus leitores para o segundo item
de sua agenda epistolar, a questão da participação deles no fundo de auxílio.
Esta porção da carta (8.1?–?9.15) tem dois propósitos: ela encoraja os coríntios a
cumprirem suas promessas de apoio para o fundo de auxílio e, ao mesmo tempo,
fornece uma defesa de como Paulo lida com assuntos financeiros, visto que
aparentemente havia pessoas em Corinto que questionavam sua honestidade e suas
motivações. Paulo primeiro estabelece os macedônios como um padrão a ser seguido
em Corinto (8.1-7), e então exorta os coríntios com base na generosidade máxima de
Cristo, a Encarnação (8.8-12). Em tudo isto, Paulo esperava plenamente que Deus Se
mostrasse fiel em suprir o que fosse necessário àqueles que contribuíssem em
obediência (8.13-15).
A próxima seção introduz as pessoas que Paulo designara como os encarregados das
doações coríntias (8.16-24). A excelente reputação desses homens os tornava
administradores ideais. A esta altura, Paulo mostra como levava a sério o risco de
desacreditar o ministério (6.3); ele não se satisfazia apenas com fazer o que era certo,
querendo antes que toda essa operação multi-igreja permanecesse visível e acima de
qualquer suspeita.
Paulo não era apenas responsável. Ele também era amável, positivo, na maneira
como expressava suas expectativas aos coríntios (9.1-5), pondo ênfase no compromisso
deles, não na sua própria autoridade. Esta exortação termina com um lembrete dos
benefícios outorgados por Deus sobre aqueles que contribuem generosamente - provisão
e participação na Sua glória.
A terceira e maior porção da epístola é uma confrontação direta entre as más
doutrinas e práticas dos pseudo-apóstolos e a realidade de Cristo na vida de Paulo. Em
10.1-18 Paulo responde às acusações lançadas contra ele. Os ataques à sua coragem
moral são confrontados pela promessa de uma demonstração de poder espiritual na
chegada (10.1-6). A questão de autoridade é invocada quando Paulo responde aos
ataques contra sua força moral, prometendo o uso de sua plena autoridade apostólica,
que poderia incluir disciplina sobrenatural (cf. At 13.10-11).
O último ataque a ser contido e voltado contra os oponentes de Paulo estava
relacionado aos seus direitos ministeriais (10.12-18). Aqueles que reivindicavam o
direito de liderar os coríntios acusavam Paulo de violações territoriais, aos quais o
apóstolo respondeu reivindicando Corinto não só como seu território no passado, mas
como seu trampolim para o futuro (10.15-16).161
Da defesa contra os ataques que sofria, Paulo parte para autenticar seu ministério
diante dos coríntios (11.1 – 12.13). Embora em sua própria estimativa tal defesa fosse
ἀυποςύνη (aphrosunē), ele a achou necessária para que a igreja decidisse corretamente
que tipo de líder ela queria seguir.
Nos primeiros quatro versículos, Paulo descreve seu anseio pela verdade na vida dos
Coríntios (11.1-4); no parágrafo seguinte Paulo se refere jocosamente aos seus
oponentes como ―super-apóstolos‖, afirmando sua superioridade sobre eles em termos
de conhecimento e serviço sacrificial (11.5-12) e tachando-os como o que eles de fato
eram, servos de Satanás (11.13-15).

161
Como 2Coríntios precede Romanos por alguns meses, estes versículos parecem ser uma
alusão ao Projeto Ocidental de Paulo, que ele especificamente menciona em Romanos 15.
Ao descrever, a seguir, os sofrimentos que o seu ministério gerara, Paulo confronta
sua vida abnegada com a folga em que viviam os que se auto-intitulavam apóstolos
(11.16–12.10). A lista inclui tanto aqueles sofrimentos que foram gerados por
problemas na proclamação, tais como perseguição, maus-tratos e desastres naturais
(11.16-33), quanto aqueles sofrimentos relacionados aos privilégios que Deus lhe
outorgara (12.1-10).
A última reivindicação de Paulo vem do exercício da sua autoridade apostólica por
meio de sinais (12.11-13). Sua referência aos ―superapóstolos‖ sugere que a
comparação terminou.162
A última área em que Paulo confronta o mal no ministério em Corinto é sua
incansável busca de aperfeiçoamento para seus filhos espirituais sem se beneficiar
materialmente à custa deles (12.14 – 13.10). Ao tentar ganhar os coríntios de volta à
total lealdade a Jesus, Paulo lembra seu serviço desinteressado a eles (12.14-18),
lamenta a falta de obediência a Cristo por parte deles (12.19-21), promete chegar ao
fundo dos problemas que ainda restavam (13.1-4), preparando-se para administrar
disciplina, mas ainda esperando reconciliação (13.5-10).
A saudação final (13.11-13) contém uma exortação ao aperfeiçoamento mútuo
(κασαπσίζεςθε [katartizesthe]) e à união, uma saudação e uma bênção.

ESBOÇO SINTÉTICO
Mensagem
Um ministério digno de ser seguido reflete o poder da vida na nova aliança àqueles
cuja lealdade a Cristo ele busca renovar.
SAUDAÇÃO (1.1-2)
I. Introdução: Um ministério digno de ser seguido exulta na abundante provisão que Deus
faz dos recursos necessários para que o ministro seja uma bênção para outros (1.3-11).
A. O louvor é devido a Deus pelo consolo divino que transforma o sofrimento por Cristo
em uma avenida para o ministério aos outros (1.3-7).
B. A gratidão é devida a Deus, cuja intervenção em resposta à oração livrou Paulo da morte
e o capacitou à dependência (1.8-11).
II. Um ministério digno de ser seguido encontra na graça da nova aliança sua
determinação e dinâmica (1.12 – 7.16).
A. Um ministério digno de ser seguido encontra sua determinação na graça da nova
aliança mesmo em meio à mudança imprevista e crítica injusta (1.12 - 2.13).
1. As recentes ações de Paulo em relação a Corinto eram motivadas não por segundas
intenções, mas pela graça de Deus nele (1.12-14).
• Sua consciência testifica da sinceridade das suas motivações (1.12).
• O conteúdo da sua comunicação anterior com os coríntios não deixa margem para má
interpretação das suas motivações (1.13-14).
2. A recente mudança dos planos de Paulo era motivada não por capricho, como se dizia,
mas por amor fiel que prefere sofrer a causar tristeza (1.15 - 2.4).

162
As suas referências aos ὑπεπλίαν ἀπόςσολοι (huperlian apostoloi) em 11.5 e 12.11
formam um inclusio para esta seção.
• O plano original de duas visitas estava baseado na sinceridade motivada pelo padrão de
fidelidade de Deus (1.15-22).
• O plano revisado de uma visita está baseado num sincero desejo de evitar tristeza
renovada aos coríntios (1.23 - 2.4).
3. A exigência anterior que o ofensor seja disciplinado não era motivada por vingança,
como se alegava, mas por genuína preocupação, como seu atual perdão demonstra (2.5-
11).
• A natureza geral da ofensa em termos da igreja indica que o motivo de Paulo para a
disciplina não era uma vingança pessoal (2.5-6).
• O conselho e a promessa de perdão de Paulo à luz da disciplina eficaz demonstram que
sua motivação original era o bem estar da igreja (2.7-11).
4. A mudança final dos planos de Paulo não era motivada por capricho egoísta, mas por
uma verdadeira preocupação por Tito e pelo resultado da missão dele (2.12-13).
B. Um ministério digno de ser seguido encontra sua dinâmica na graça da nova aliança
apesar das aflições e ansiedades que enfrenta (2.14 - 6.10).
1. Um ministério digno de ser seguido encontra seu valor no relacionamento que a nova
aliança provê entre o ministro e Deus (2.14 - 3.18).
• O triunfo dado por Cristo em meio às aflições capacita o ministro a dispensar fielmente a
palavra de Deus (2.14-17).
• A autenticação dada pelo Espírito na vida dos convertidos capacita o ministro a dispensar
elogios humanos (3.1-3).
• A competência dada por Deus confere a Paulo confiança como um ministro da Nova
Aliança (3.4-6).
• A alegria maior dada por uma contemplação direta de Deus na pessoa de Cristo por meio
do Espírito confere ao ministro intrepidez e liberdade (3.7-18).
- A eterna Nova Aliança mediada pelo Espírito é mais gloriosa do que a temporária Aliança
Mosaica mediada pelo homem (3.7-11).
- A certeza de glória maior traz intrepidez na proclamação e liberdade na transformação
espiritual (3.12-18).
2. Um ministério digno de ser seguido encontra sua perseverança em meio às tribulações
na esperança fornecida pela Nova Aliança (4.1 - 5.10).
• Ministros da nova aliança permanecem sinceros, sem lançar mão do engano, frente à
cegueira induzida por Satanás (4.1-6).
• Ministros da nova aliança permanecem contentes, sem reagir com desânimo frente a sua
própria fragilidade e os rigores do ministério (4.7-15).
• Ministros da Nova Aliança permanecem esperançosos, sem cair no desespero frente à
constante ameaça de morte, por causa das realidades da restauração, ressurreição e
recompensa (4.16 - 5.10).
- A esperança é mantida pela realidade da restauração espiritual em meio à deterioração
física (4.13-18).
- A esperança é mantida pela realidade da ressurreição para a imediata presença do Senhor
(5.1-8).
- A esperança é mantida pela realidade da recompensa diante do βῆμα (bēma) de Cristo
(5.9-10).
3. Um ministério digno de ser seguido encontra motivação e mensagem no amor
reconciliador de Jesus Cristo (5.11 - 6.2).
• Um ministério digno de ser seguido encontra sua motivação no amor reconciliador de
Jesus Cristo (5.11-17).
- A motivação de Paulo não era a aprovação humana baseada no exterior (5.11-13).
- A motivação de Paulo era o senhorio de Cristo, demandado por Seu amor sacrificial (5.14-
16).
- A motivação de Paulo era o novo status dado pela nova vida em Cristo (5.16-17).
• Um ministério digno de ser seguido encontra sua mensagem no amor reconciliador de
Jesus Cristo (5.18–6.2).
- A mensagem e o ministério de reconciliação foram confiados a Paulo por Deus, o Autor
da reconciliação (5.20 - 6.2).
- A mensagem aos coríntios recalcitrantes era praticarem a reconciliação que tinham
recebido, submetendo-se a Paulo como representante designado por Deus (5.20 – 6.2).
4. Um ministério digno de ser seguido encontra sua recomendação em atitude e
comportamento positivos em meio à dificuldade (6.3-10).
• O padrão de Paulo nunca foi fazer que os outros rejeitassem sua mensagem por causa do
seu comportamento (6.3).
• A recomendação de Paulo como um servo de Deus vinha da sua disposição para sofrer
dificuldades por amor ao ministério (6.4-5).
• A recomendação de Paulo como um servo de Deus vinha da sua atitude positiva no
ministério (6.6-7).
• A recomendação de Paulo como servo de Deus vinha do fato dele aproveitar ao máximo
os paradoxos do ministério apostólico (6.8-10).
C. Um ministério digno de ser seguido apela à lealdade demonstrada em contínua pureza à
luz de genuíno amor dedicado aos coríntios e sua resposta positiva anterior (6.11 - 7.4).
1. O amor genuíno de Paulo para com os coríntios pede uma resposta equivalente deles
(6.11-13).
2. O apelo de Paulo é que os coríntios abram mão do apego às coisas não cristãs a fim de
desfrutarem aprovação de Deus (6.14 - 7.1).
• O motivo para o apelo de Paulo é a incompatibilidade entre a posição deles em Cristo e
suas antigas práticas (6.14-16a).
• O objetivo do apelo de Paulo é o crescimento na santidade pela consistente separação do
mal com base nas promessas de Deus (6.16 - 7.1).
3. O comportamento genuíno e as esperanças otimistas de Paulo para com os coríntios
pedem deles uma resposta de amor (7.2-4).
D. Um ministério digno de ser seguido encontra sua alegria em meio à aflição ao ser o
agente de crescimento na vida de outros (7.5-16).
1. As notícias de Tito sobre mudança de atitudes em Corinto aliviaram as ansiedades de
Paulo na Macedônia (7.5-7).
2. A notícia sobre o arrependimento induzido por Deus e impulsionado por sua carta
transformou a decepção de Paulo em júbilo (7.7-13a).
3. A alegria de Paulo pelo arrependimento dos coríntios é aumentada por sua evidência na
maneira como receberam Tito (7.13b-16).
III. Um ministério digno de ser seguido lida sábia e generosamente com recursos da igreja
(8.1?-?9.15).
A. Um ministério digno de ser seguido mistura exemplo e exortação de modo a encorajar a
contribuição (8.1-15).
1. A generosidade incomum demonstrada pelos macedônios estabelece o padrão da
expectativa de Paulo para os coríntios (8.1-7).
2. A graça ímpar demonstrada por Jesus Cristo ao esvaziar-se para o nosso enriquecimento
estabelece o motivo para a exortação de Paulo a que os coríntios cumpram seu
compromisso financeiro (8.8-12).
3. A provisão incomum de Deus para as necessidades do Seu povo é o modelo para o
projeto de Paulo de apoio gentio para as necessidades dos cristãos judeus (8.13-15).
B. Um ministério digno de ser seguido mostra-se responsável e amável ao lidar com
assuntos financeiros (8.16 - 9.5).
1. O envolvimento de Tito, Lucas (?) e do irmão fiel como administradores do fundo de
auxílio garante a prestação de contas diante do público cristão (8.16-24).
2. A maneira como Paulo pede ação urgente em relação ao fundo de auxílio foi amável, pois
apelou ao compromisso deles e não à sua autoridade apostólica (9.1-5).
C. Um ministério digno de ser seguido encoraja a generosidade ao destacar sua provisão e
sua promessa (9.6-15).
1. A generosidade é encorajada pelo princípio de que Deus amorosamente provê o
enriquecimento daqueles que contribuem com alegria (9.6-11).
2. A generosidade é encorajada pela promessa de que Deus será louvado e os coríntios serão
lembrados em oração como resultado da contribuição (9.12-15).
IV. Um ministério digno de ser seguido confronta o mal em mensagem e em experiências
práticas com Cristo (10.1-13.10).
A. Um ministério digno de ser seguido atesta sua autoridade com base em suas realizações
(10.1-18).
1. A resposta de Paulo aos ataques feitos contra sua coragem moral é prometer uma
demonstração de poder espiritual na disciplina de crentes recalcitrantes quando ele
retornar a Corinto (10.1-6).
2. A resposta de Paulo aos ataques contra sua força moral é prometer que ele fará uso da sua
autoridade apostólica não apenas em carta, mas também durante sua estadia em Corinto
(10.7-11).
3. A resposta de Paulo aos ataques contra os seus direitos ministeriais é reivindicar Corinto
como seu território legítimo e seu trampolim para um ministério mais abrangente
(10.12-18).
B. Um ministério digno de ser seguido afirma sua autenticidade com base em atributos
apostólicos (11.1-12.13).
1. Um ministério autêntico anseia pela verdade na vida do seu povo (11.1-4).
2. Um ministério autêntico atenta para as suas forças (11.5-12).
3. Um ministério autêntico aborrece a mentira em nome de Cristo (11.13-15).
4. Um ministério autêntico avalia-se pelos sofrimentos que gerou (11.16-12.10).
• Um ministério autêntico avalia-se pelos sofrimentos relacionados aos problemas que gera
para o minístro (11.16-33).
• Um ministério autêntico avalia-se pelos sofrimentos relacionados aos privilégios que gera
para o ministro (12.1-10).
5. Um ministério autêntico aquilata-se pelos seus sinais sobrenaturais (12.11-13).
C. Um ministério digno de ser seguido almeja o aperfeiçoamento daqueles que alcança sem
se beneficiar das vantagens que outros gozam (12.14-13.10).
1. Um ministério digno de ser seguido se doa gratuitamente para o progresso dos outros
(12.14-18).
2. Um ministério digno de ser seguido lamenta o crescimento incompleto daqueles que
alcança (12.19-21).
3. Um ministério digno de ser seguido se esforça para chegar ao fundo dos problemas e da
disciplina que estes requerem (13.1-4).
4. Um ministério digno de ser seguido se prepara para a ação disciplinar enquanto espera
produzir reconciliação (13.5-10).
V. Saudações e Bênção (13.11-14).163

163
A NVI segue algumas versões inglesas ao dividir o versículo 13 em duas partes, chegando
assim a 14 versículos, contra os treze versículos de outras Bíblias em português.
O argumento de
GÁLATAS
Questões introdutórias
TÍTULO
O título grego desta epístola é ΠΡΟ΢ ΓΑΛΑΣΑ΢ (pros galatas), refletindo o nomem
patrium da região em que as igrejas endereçadas se localizavam.
AUTORIA
Historicamente Gálatas desfruta de uma aceitação plena de sua autoria paulina.
Desde os primórdios ela recebeu atestação externa forte. Clemente de Roma, a Epístola
de Barnabé, Policarpo (Epístola aos Filipenses) e O Pastor de Hermas têm alusões a
ela. Marcion a colocou em primeiro lugar no seu Apostolicon, e ela é citada por Justino
Mártir, Ireneu, Tertuliano e Clemente de Alexandria, todos os quais a atribuem a
Paulo.164
Internamente, o autor duas vezes se identifica como Paulo (1.1; 5.2) e apresenta-se
como o fundador das igrejas (4.19-20), e alguém que tinha uma enfermidade física
(4.13). Isto põe a autoria paulina além de qualquer questionamento.
DESTINAÇÃO E DATA
A tradição antes apoiava solidamente o distrito geográfico da Galácia, localizado na
parte setentrional da província romana da Galácia. Isso colocaria a composição de
Gálatas durante a terceira viagem missionária de Paulo, visto que as igrejas teriam então
sido fundadas durante a segunda viagem missionária (cf. At 16).
No século XIX, contudo, uma nova teoria foi proposta que passou a destinação da
Galácia geográfica para a política, mais especificamente na porção sulina da província
romana, onde Paulo fundara igrejas durante sua primeira viagem missionária (cf. At 13-
14).
Argumentos para estes pontos de vista opostos são considerados abaixo:
Teoria da Galácia do Norte: (a) a palavra ―gálatas‖ deveria ser considerada em seu
sentido étnico, como é sugerido pelo epíteto volúvel (cf. o De Bellum Gallicum IV.5 de
Júlio César); (b) a narrativa de Lucas em At 16 não concorda com as palavras de Paulo
em Gl 4.13, 14 quanto à sua ―enfermidade física‖; (c) Lucas parece empregar o termo
Galácia num sentido popular, visto que ele não a menciona até a segunda viagem
missionária em Atos 16.6. Ele consistentemente emprega nomes geográficos como
Panfília (13.13), Pisídia (13.14) e Licaônia (14.6); (d) a tradição afirma que a referência
era às igrejas do norte; (e) a absoluta falta de menção do concílio de Jerusalém sugere
que algum tempo já havia se passado para que as decisões não parecessem tão fortes
como haviam sido uns cinco anos antes; (f) esta teoria fornece tempo suficiente para
todos os eventos e visitas descritos em Gálatas 1 e 2.
Teoria da Galácia do Sul: (a) A melhor maneira de interpretar Atos 16.6 é
considerá-lo uma referência à parte frígia (étnica) da província romana da Galácia
[política]; 165 (b) a falta de informação sobre as igrejas gálatas do norte em Atos é um

164
Henry C. Thiessen, Introduction to the New Testament, pp. 212-213.
165
Isto fica complicado quando se aceita o Texto Majoritário, que tem dois artigos, σήν
υπτγίαν καί σήν γαλασικήν φώπαν (tēn phrugian kai tēn galatikēn chōran). Uma explicação
possivel para este problema seria propor que ali a conjunção καί (kai) tem o sentido de “isto
é”.
silêncio eloqüente, visto que havia tanto em jogo lá; (c) a menção de Barnabé seria
inútil se as igrejas em Gálatas houvessem sido fundadas na segunda viagem missionária,
quando Barnabé não era mais o companheiro de Paulo. Gálatas 2.13 sugere que ele era
conhecido intimamente pelos leitores; (d) Paulo não precisava seguir o hábito de Lucas
de usar nomes geográficos. Na verdade, ele usava títulos provinciais muito
consistentemente quando se referia à localização de igrejas (cf. Gl 1.2; 1 Co 16.19); (e)
a gramática de Atos 16.6 permite uma atividade restritiva do Espírito subseqüente à
viagem deles à Frigia e à Galácia. O particípio aoristo κψλτθένσερ (kōluthentes) não
significa necessariamente ação antecedente ao particípio aoristo διελθόνσερ
(dielthontes, At 16.6);166 (f) a ausência de qualquer menção ao concílio de Jerusalém
indica que a carta foi escrita antes que aquelas decisões obrigatórias fossem tomadas.
Isto explicaria a insegurança de Pedro quanto ao contato com gentios. Depois do
concílio, tal comportamento teria sido surpreendente; (g) σό ππόσεπον (to proteron) em
Gl 4.13 não significa ―a primeira vez‖ como se implicasse uma segunda visita [terceira
viagem]. Significa ―uma vez, anteriormente, antes‖.167
A preferência pessoal deste autor é pela teoria da Galácia do Sul, embora ele
reconheça o peso da tradição a favor da Galácia do Norte.
À luz de tal escolha quanto à destinação da epístola, sua data precisa ser designada ao
período do intervalo entre a primeira e a segunda viagem missionária de Paulo. A data
exata depende de (1) a questão de Paulo ter visitado os gálatas uma vez ou duas antes de
escrever a carta, baseada em 4.13; e (2) a identificação da segunda visita de Paulo a
Jerusalém em 2.1.
Optando-se por duas visitas antes de escrever a carta, a data precisa ser entre a.D. 52
e 57, provavelmente durante a permanência de Paulo em Éfeso,168 ou durante sua
permanência em Corinto, pouco tempo depois da composição das epístolas aos
Tessalonicenses.169
Optando-se por apenas uma visita à Galácia, um ponto de vista reforçado pelo
advérbio σαφέψρ (tacheōs) em 1.6, a escolha natural seria de ter Antioquia como o lugar
da composição, e uma data antes do concílio de Jerusalém, assim tornando Gálatas a
primeira epístola de Paulo.170 Isto porém, exige uma explicação adequada de Gálatas
1.13–2.16 e a cronologia dos primeiros anos de Paulo como um apóstolo. A questão
chave é ―Qual visita é a mencionada em Gálatas 2.1, a visita de auxílio ou do concílio?‖
A minha preferência é a visita de auxílio porque: (a) Se Atos 15 estivesse em vista,
Paulo teria dado aos seus opositores base para dizer que ele ocultara evidência que
provaria sua dependência dos apóstolos de Jerusalém; (b) as decisões do concílio de
Jerusalém são completamente omitidas em Gálatas, onde elas teriam sido vitais à luta de

166
Esta é a leitura do Texto Majoritário. Nestle-Aland (27ª ed.) tem o indicativo aoristo
διῆλθον (diēlthon).

167
Walter Bauer, W. F. Arndt, W. Gingrich, A Greek-English Lexicon, p. 729.
168
Assim prefere James M. Boice, “Galatians”, EBC 10:420. Porém, Boice adota uma data de
52 A.D.
169
Assim prefere D. Edmond Hiebert, An Introduction to the New Testament, 2:87-88.
170
Esta é a minha preferência pessoal. Donald Guthrie, New Testament Introduction, pp.
461-463, e Harold W. Hoehner, “Chronology of the Apostolic Age”, Notas de aula de
Cronologia Bíblica, Seminário Teológico de Dallas verão 1988, optam por esta data e
localidade.
Paulo contra os judaizantes; (c) a visita em Gálatas 2 é particular, limitada a σοῖρ
δοκοῦςιν (tois dokousin), não como em Atos 15; (d) se Gálatas 2 for identificado com
Atos 15, não seria necessário que Paulo repreendesse Pedro tão severamente em
Antioquia, pois a questão teria sido resolvida recentemente em Jerusalém; (e) o número
de 14 anos, algumas vezes considerado excessivo para encaixar-se na cronologia do
Novo Testamento, pode ser explicado da seguinte maneira:

a. Os 14 anos precisam ser considerados desde a sua conversão, como o texto de


Gálatas certamente permite (embora não o exija).
b. O costume judaico de contar uma parte de um ano como um ano poderia reduzir 14
anos contados a apenas 12 anos cronológicos mais alguns meses. Assim, a conversão de
Paulo teria acontecido por meados de A.D. 35, e a visita de Gl 2.1 no final de A.D. 47.
c. A fome precisa ser posicionada entre 46–48, possivelmente em 47. Esta hipótese
presume que Lucas intencionalmente trocou a ordem cronológica de Atos 11 e 12
porque queria situar todos os primeiros ministérios gentílicos dentro de uma mesma
porção da sua obra.
d. O comportamento de Pedro em Antioquia (assim como a incoerência implícita de
Barnabé) torna impossível que Gálatas 2.11-16 tenha ocorrido depois do concílio de
Jerusalém, tornando assim impossível trocar a ordem de Gálatas 2.1-10 e 2.11-16.
A tabela seguinte resume a posição adotada acima:

Uma cronologia da atividade apostólica inicial de Paulo


A crucificação de Cristo. Lucas 23 3 de abril, 33
Dia de Pentecostes. Atos 2 24 de maio de 33
Pedro e João diante do Sinédrio. Atos 4 Verão 33
A morte de Ananias e Safira. Atos 5 33-34
A posição de Gamaliel quanto ao
Atos 5 34-35
cristianismo.
O martírio de Estevão. Atos 7 Abril 35
A conversão de Paulo. Atos 9 Verão 35
Atos 9.8-25; Gl Verão 35 a verão
Paulo em Damasco e na Arábia.
1.16-17 37
Atos 9.26-29; Gl
A primeira visita de Paulo a Jerusalém. Verão 37
1.18-20
Atos 9.30; Gl
Paulo ministra na região de Tarso. Outono 37
1.21
As primeiras conversões gentias. Atos 10-11 40-41
Barnabé se muda para Antioquia. Atos 11.19-24 41
Barnabé traz Paulo a Antioquia. Atos 11.25-26 Primavera 43
Ágabo prediz fome. Atos 11.28 Primavera 44
Herodes Agripa ordena a execução de Tiago. Atos 12.1-23 Primavera 44
Atos 11.30; Gl
A visita de auxílio (2ª) de Paulo a Jerusalém. Outono 47
2.1-10
Outono 47 a
Paulo e Barnabé ministram em Antioquia. Atos 12.25–13.1
primavera 48
Primavera 48 a
A primeira viagem missionária. Atos 13-14
outono 49
Pedro ministra em Antioquia. Gl 2.11-16 Outono 49
Gálatas é escrita em Antioquia. Outono 49
A visita de Paulo a Jerusalém (3ª) para o
Atos 15 Outono 49
concílio.
Paulo e Barnabé retornam a Antioquia. Atos 15.24-41 Inverno 49-50
FUNDO HISTÓRICO
Dos destinatários. Os γαλάσαι (galatai) eram originalmente uma tribo indo-ariana,
ligada aos celtas ou gauleses. No início do século III a.C. uma parte da tribo invadiu a
Macedônia. Depois de serem derrotados pelos gregos em 278 a.C., seus remanescentes
atravessaram o Helesponto até a Ásia Menor, onde causaram mais distúrbios até que
Átalo I, rei de Pérgamo, os derrotou e fixou limites ao seu território em torno de três
cidades, Ancira (atual Ancara), Pessino e Távio, entre os rios Halis e Sangário.
Seu histórico de assédio aos povos vizinhos continuou até que os romanos entraram
em cena e conquistaram o seu reino em 189 a.C. Os γαλάσαι foram então usados pelos
romanos como um Estado-tampão contra os reis de Pérgamo. Mesmo durante a guerra
contra Mitridates, rei de Ponto, eles permaneceram leais a Roma, e como resultado o
seu reino foi generosamente expandido por seu suserano. Por volta de 40 a.C., algumas
das regiões mencionadas em Atos, tal como Pisídia, Frígia e Licaônia foram
adicionadas ao seu território.
Todo o reino foi doado para os romanos e feito província do império depois da morte
do seu último rei, Amintas, em 25 a.C. Nos tempos do Novo Testamento a população da
Galácia, a província, era bastante mista, incluindo descendentes etnicamente puros dos
gauleses,171 romanos, judeus e gallograeci.172 A escolha da Galácia do sul como a
destinação da epístola exige que este último grupo, gentios de raças miscigenadas,
sejam os recipientes da carta, visto que gauleses de sangue puro mantinham seus centros
originais de população no norte.
Da epístola. O pano de fundo de Gálatas é a controvérsia legalista que deu ocasião
ao concílio de Jerusalém em Atos 15.
Paulo e Barnabé tinham visitado a parte sul da província romana da Galácia em sua
primeira viagem missionária (At 13-14; a.D. 48-49). Depois de seu retorno a Antioquia,
Pedro visitou aquela igreja, e por ocasião dessa visita aconteceu a controvérsia relatada
em Gálatas 2.11-16.
A questão claramente percebida por Paulo era a natureza tanto da justificação quanto
da santificação; seriam elas produtos exclusivos da fé ou seria exigida alguma medida
de lealdade à Lei? Que toda a questão estava longe de ser resolvida naquela altura
parece evidente não só devido à relutância de Pedro em manter sua comunhão com os
gentios, mas também às exigências impostas pelos enviados de Tiago. Parece que a

171
Três tribos compunham o grupo de ocupadores originais, os Tolistobogii, os Tectosages, e
os Trocmi. Estes adotaram a religião dos habitantes nativos mas retiveram a sua própria como
uma identificação étnica até o século II A.D. (W. M. Ramsay e C. J. Hemer, “Galatia”, ISBE,
2:378). Isto sugere que tentativas de determinar a destinação da carta apelando à volubilidade
dos gálatas/gauleses não é um argumento muito forte (cf. J. B. Lightfoot, Saint Paul’s Epistle to
the Galatians, pp. 13ss.).
172
Este grupo era uma mistura étnica entre gauleses e os habitantes gregos originais da
região.
pressão inicial que Pedro sentira depois de levar Cornélio à fé em Jesus (cf. At 11.2)
havia retornado com suficiente força para afetar até os líderes da igreja em Jerusalém.
Logo depois disso Paulo recebeu notícia que as mesmas pressões estavam sendo
aplicadas às jovens igrejas que ele e Barnabé haviam fundado menos de um ano antes.
A ênfase na circuncisão, um item claro na agenda do concílio, sugere mais uma vez que
a carta precedeu aquele encontro.
Assim, esta epístola fervorosa, nascida de uma controvérsia que ameaçava os
fundamentos do cristianismo, foi escrita como uma defesa da salvação (= justificação +
santificação) somente por meio da fé.
Argumento básico
PROPÓSITO
Gálatas não é exceção à regra de que as cartas de Paulo combinam vários objetivos
sob um propósito geral. Pelo menos três objetivos podem ser determinados para esta
epístola.
O primeiro era a vindicação do ministério apostólico de Paulo, que era normalmente
atacado no começo da uma campanha judaizante a fim de desacreditar a mensagem
desvalorizando o mensageiro. Isto é evidente no tom apologético dos capítulos 1 e 2,
onde Paulo afirma sua independência dos outros apóstolos tanto na fonte quanto no
conteúdo da sua mensagem. Isto aparece em 6.17 também, à luz do qual parece que os
judaizantes questionavam a lealdade de Paulo a Cristo.
O segundo objetivo era definir e defender a salvação pela fé, o que é feito nos
capítulos 3 e 4. Há ocasional debate se a preocupação principal de Paulo era justificação
ou santificação, mas a carta parece apontar para ambas as questões como parte de um
pacote, como sugerido em 3.3, onde a questão é crescimento até a ―perfeição‖
(ἐπισελέψ [epiteleō]), e 3.11, onde o centro é a justificação (δικαιόψ [dikaioō]).
O terceiro objetivo era definir os limites da liberdade cristã, a fim de evitar a
acusação de promover antinomianismo (cf. Rm 3.8; 6.1; 6.15).
O propósito geral da epístola parece ter sido:
Levar os cristãos gálatas de volta ao desfrute total da sua liberdade ao reivindicar
a origem e autoridade divina para o evangelho da graça, denunciando o
cristianismo judaizado como um evangelho falso, e encorajando santidade e amor
induzidos pelo Espírito.
DESENVOLVIMENTO
A epístola começa com a saudação usual de Paulo, φάπιρ καί εἰπήνη (charis kai
eirēnē) para seus leitores. A característica incomum nesta saudação é a ênfase no seu
ַ ַ ‫( ָש ִל‬sālîaḥ), um ἀπόςσολορ (apostolos),
apostolado. Paulo afirma seu status como um ‫יח‬
um representante autorizado. Isto era necessário porque o ataque contra o evangelho da
graça na Galácia era primariamente um ataque contra seu mensageiro. Assim, a fim de
validar a mensagem, era necessário defender o mensageiro.
Paulo então expressa sua reação à chocante notícia da ameaça de abandono da fé em
favor de um cristianismo judaizado (1.6-9). Primeiro ele expressa seu espanto com a
volubilidade dos gálatas, passando tão rápido da verdade para o erro. Ele então
pronuncia um forte anátema contra qualquer um que ousar propor outro (um tipo
diferente de) evangelho (1.8-9)
O corpo da carta começa com Paulo defendendo seu papel como apóstolo e sua
autoridade apostólica (1.10–2.21). Isto era necessário porque os proponentes do
cristianismo judaizante estavam atacando Paulo como um não-apóstolo, ou, na melhor
das hipóteses, um mensageiro com mensagem e autoridade secundárias.
A primeira contestação de Paulo era que a fonte da sua mensagem era divina, não
humana, visto que fora recebida por meio de ἀποκάλτχιρ (apokalupsis, 1.10-12). Ele
argumenta que a formulação do seu evangelho de graça não podia ter vindo de sua
religião antiga, na qual ele era radicalmente oposto ao cristianismo (1.13-14); nem podia
ser dos líderes cristãos na Palestina, com os quais ele não tivera interação (1.15-17) por
pelo menos três anos depois da sua conversão,173 durante os quais ele já estava
proclamando o Evangelho. Isto tornava a mensagem e o ministério de Paulo totalmente
independentes de qualquer agência humana, como indicado por seu contato bastante
limitado com os apóstolos durante sua primeira visita a Jerusalém, quando Barnabé o
apresentou a Pedro e Tiago (cf. At 9.26-30). Além do mais, seu ministério inicial não
fora dependente da aprovação de igrejas judaicas (1.20-21), com as quais seu contato
fora limitado ao nível de informação indireta (1.22-24).
A partir da defesa do seu apostolado, que é a sua autoridade como mensageiro, Paulo
segue adiante para defender a própria mensagem, indicando que o evangelho da graça
mediado por ele tinha a aprovação dos outros representantes autorizados de Cristo. A
primeira seção lidou com sua autoridade, esta lida com sua ortodoxia.
A questão da visita à qual ele se refere em 2.1-10 já foi abordada acima (cf. p. 279).
A visita veio como uma resposta à revelação de Ágabo sobre uma fome, e deu a Paulo
uma oportunidade de ―trocar figurinhas‖ com os outros apóstolos quanto à sua
mensagem, que ele defendia acirradamente, não contra os apóstolos, mas contra os
χετδαδέλυοτρ (pseudadelphous), judaizantes que haviam se infiltrado nas trincheiras
em Jerusalém para espiar (κασαςκοπέψ, kataskopeō) a liberdade cristã e subvertê-la de
dentro para fora. Esses indivíduos precisam ser identificados com aqueles mencionados
em 2.12 e não estão relacionados à controvérsia gerada pela conversão de Cornélio (cf.
At 10.45–11.3).
O desejo de Paulo de ter este encontro não era medo de que sua mensagem não seria
aprovada pelos outros apóstolos. Ele queria, antes, antecipar-se aos ataques judaizantes
contra seu ministério em Antioquia e na Ásia Menor. Este é o significado da expressão
μή πψρ εἰρ κενόν σπέφψ ἢ ἕδπαμον (mē pōs eis kenon trechō ē edramon, 2.3). O medo
de Paulo não era intrínseco à sua mensagem, e sim extrínseco.
O argumento de Paulo foi reforçado pela presença de Tito, um gentio de Antioquia,
com ele. A igreja de Jerusalém, nas pessoas de seus líderes, tinha reconhecido o
ministério e a mensagem de Paulo aos gentios como plenamente apostólicos (2.6-10) ao
dar total aceitação a Tito como um crente incircunciso. Assim, a tentativa dos
judaizantes de forçar os gálatas à circuncisão era uma violação de decisões anteriores da
igreja mãe (2.3-5).
Não só foram autenticados o ministério e a mensagem de Paulo pela igreja, mas ele
também era suficientemente digno de respeito para corrigir um dos pilares e seu próprio
companheiro de missão, Barnabé, quando a verdade foi ameaçada pelo legalismo (2.11-
21). A confrontação de Paulo com Pedro girou em torno da incoerência deste na crença
e prática com respeito a sola gratia; embora Pedro reconhecesse a suficiência da graça
pela fé, ele foi desviado pelos judaizantes quando visitou Antioquia.
Esta é muito provavelmente a situação descrita em Atos 15.1.174 A reação de Paulo à
incoerência de Pedro foi repreensão pública (2.14)175, feita para efetivamente evitar que

173
Isto está implícito no texto de Atos 9.23, onde as palavras Ὡρ δέ ἐπληποῦνσο ἡμέπαι
ἱκαναί (hōs de eplērounto hēmerai hikanai) indicam o intervalo entre a conversão de Paulo e
sua fuga de Damasco (cf. 2 Co 11.33).
174
A cronologia adotada aqui supõe que algum tempo se passou entre os eventos de
Gálatas 2.13 e a solidariedade de Barnabé com Paulo em Atos 15.2 e sua defesa da liberdade
cristã da lei em Atos 15.12.
a heresia se espalhasse, uma possibilidade bem real, visto que até Barnabé fora presa da
ὑπόκπιςιρ (hupokrisis) dos judaizantes.
O último parágrafo desta divisão serve um propósito duplo na carta. Ele resume a
defesa de Paulo do seu ministério e sua mensagem, e dá um resumo do restante do livro.
Assim, 2.15-16 fala de justificação pela fé, correspondendo aos capítulos 3 e 4,
enquanto 2.17-21 falam da santificação pela fé, correspondendo aos capítulos 5 e 6.
Como de costume, Paulo se defende contra a acusação de antinomianismo (2.17), e
apresenta a verdade do privilégio duplo do crente, co-crucificação com Cristo e vida
diária de fé baseada na graça de Deus (2.20-21). O versículo 21 é uma chave na epístola
porque Paulo afirma a necessidade de viver pelo mesmo sistema sob o qual se é salvo;
uma pessoa que se declara salva pela graça não pode buscar santificação por meio de
legalismo e vice-versa. Sua acusação mais séria contra os gálatas (5.4) contém um
paralelo a esse versículo; aqui ele fala de anular (ἀθεσέψ, atheteō) a graça de Deus (cf.
também 3.15), enquanto em 5.4 ele usa o verbo ―cair‖ (ἐκπίπσψ, ekpiptō).
A segunda grande divisão da carta lida com os valores relativos de graça/fé e
Lei/obras para a salvação. Fazendo isso, Paulo finalmente denuncia o sistema Lei/obras
como uma perversão do verdadeiro evangelho, contrário ao programa histórico de Deus
e prejudicial àqueles que o adotam (3.1–4.31).
Em sua tentativa de atrair os gálatas para longe do cristianismo judaizado, Paulo usa
três argumentos. a própria experiência de salvação dos gálatas (3.1-5), o testemunho das
Escrituras (3.6-14), e lógica (3.15-29).
Paulo contrasta os dúbios métodos de persuasão usados pelos judaizantes (a palavra
grega βοςκαίνψ [boskainō] indica ―enfeitiçar, lançar feitiço mágico, tentar prejudicar
uma pessoa através de mau olhado ou palavra pronunciada‖) com sua proclamação
aberta da morte de Cristo como pagamento suficiente para o pecado do homem. A
própria experiência de salvação por meio da fé tornava totalmente desnecessária a atual
fascinação dos gálatas com o legalismo (3.1-2).
Além do mais, os gálatas tinham sofrido por sua fé, e seu atual flerte com o
legalismo era contraditório à sua lealdade anterior a Jesus e ao evangelho da graça pela
fé (3.3-4). Além disso, tal mudança para o legalismo era injustificada por sua atual
experiência do poder de Deus entre eles (cf. o uso de particípios no presente
ἐπιφοπηγ῵ν [epichōrēgōn, suprir] e ἐνεπγ῵ν [energōn, desempenhar]), visto que tal
poder fora recebido somente pela fé.
O segundo argumento de Paulo se baseava no testemunho das Escrituras e, como de
costume, Abraão é a principal testemunha. Ao citar Gênesis 15.6, Paulo deixa claro que
aqueles que escolhem o caminho da graça/fé ao invés de Lei/obras partilham do caráter
(e dos privilégios, 3.9) de Abraão (o grego τἱοί [huioi, filhos] pode ter este sentido,
como em Efésios 2.2). Paulo liga a atual expansão do Evangelho aos gentios com a
promessa universal de bênção por intermédio da linhagem abraâmica, que seria
impossível em termos de circuncisão, mas possível em termos de fé.
Não só iria Abraão condenar tal abordagem, mas a própria Lei se mostraria fútil,
disse Paulo (3.10-14). A Lei exigia obediência perfeita e amaldiçoava aqueles que nisto
falhavam (3.10), enquanto apresentando um paradoxo entre fé e obras; tendo já
insinuado que a salvação por Lei/obras é impossível por causa de suas exigências, Paulo
apresenta a incompatibilidade entre os dois sistemas. Ambos exigem total lealdade
(―viver‖) e os gálatas não podiam tentar misturá-las e encaixá-las ao seu bel-prazer. A

175
Há ampla divergência sobre onde termina a repreensão que Paulo fez a Pedro no texto
de Gálatas. Este escritor crê que 2.15-21 não fornece o conteúdo da repreensão, mas os
comentários ou reflexões de Paulo sobre o incidente para o benefício dos gálatas.
única saída era aceitar a provisão feita pela morte substitutiva de Cristo (3.13), que
tornou possível que gentios partilhassem as promessas abraâmicas(3.14).
Finalmente, mas nem por isso menos importante, Paulo ataca o cristianismo
judaizado como uma afronta à lógica. A partir da lei comum (3.15), Paulo argumenta
que obras não podem suplantar a fé, visto que a aliança da promessa tinha precedência
cronológica sobre a Lei (3.15-18).176 No argumento de Paulo, a singularidade do meio
de bênção (ςπέπμα, [sperma], ―semente‖) exige que os gálatas rejeitem outros que
afirmam ser semente de Abraão e apontam para qualquer outra coisa além da fé como
um meio de salvação.
O argumento seguinte de Paulo é que a Lei tinha um propósito temporário como
instrumento de Deus (3.19-25) para suscitar a consciência do pecado (3.19a) e encorajar
a dependência de Deus ao apontar para o Messias vindouro (3.21-25). A razão de deixar
a Lei para trás e apegar-se à fé somente era que a fé se baseava numa aliança superior,
unilateral e não-mediada, enquanto a Lei era bilateral e mediada (3.19b-20); nestes
versículos Gálatas ecoa o livro de Hebreus.
Para ilustrar, Paulo emprega a figura do παιδαγψγόρ [paidagōgos], o escravo que
acompanhava a criança e exercia um certo grau de disciplina até um certo ponto do
tempo quando a criança era aceita como um membro adulto da família. Este versículo
não deve ser entendido como se a Lei servisse para nos levar a Cristo; o grego
παιδαγψγόρ ἡμψν γέγονεν εἰρ Φπιςσόν (paidagōgos hēmōn gegonen eis Christon)
deveria ser traduzido ―tornou-se nosso tutor até Cristo‖, com uma idéia totalmente
temporal, não funcional.
O último golpe de Paulo contra o cristianismo judaizado é um panorama dos
privilégios pertinentes à posição do crente em Cristo (3.26-29). Esses privilégios advêm
a nós pela fé por meio de uma aliança superior, a aliança abraâmica, na qual distinções
176

O número de 430 anos tem suscitado muita discussão. Ele aparentemente se choca com
Atos 7.6, que diz 400 anos. Supondo que se tome 1Reis 6.1 literalmente e uma data recuada
para o período patriarcal, estes 430 anos seriam deduzidos a partir de 1875 a.C., a data
quando Jacó e sua família migraram para o Egito, e terminaria em 1445 a.C. com o êxodo. As
três referências no Novo Testamento ao período do cativeiro seriam assim explanadas:

1875

430 anos de permanência (Êx 12.40-41; Gl 3.17) 1445

400 anos de opressão (At 7.6)

Cerca de 450 anos de opressão, peregrinação e conquista (At 13.19-20)

1395
humanas anteriores dão lugar à união em posição e privilégio espirituais. Portanto, seria
ilógico para os gálatas agirem como se fossem inferiores aos judaizantes, aceitando sua
exigência quanto à circuncisão.
No capítulo 4, Paulo desenvolverá mais sua metáfora de infância a fim de encorajar
os gálatas à maturidade. Isto exigia que eles abandonassem o cristianismo judaizado
como um sistema prejudicial (4.1-31).
Sua primeira afirmação é a superioridade da fé sobre a lei porque ela oferece
liberdade e herança como filhos adultos, em contraste com a lei, que prendia a pessoa
como criança imatura e, até pior, sob escravidão (4.1-7). A Lei, que Paulo descreve
como σά ςσοιφεία σοῦ κόςμοτ (ta stoicheia tou kosmou, ―rudimentos do mundo‖, 4.3),
servira como um curador, mas efetivamente mantivera os judeus sob escravidão, assim
como os gentios gálatas tinham sido escravizados por ídolos pagãos (que Paulo também
denomina ςσοιφεία, ―rudimentos‖ em 4.8, assim sutilmente igualando as duas
escravidões). A fé tinha o mesmo efeito libertador que a cerimônia romana de Liberalia,
pela qual um filho era ―adotado‖ como um adulto em sua própria família e recebia
plenos privilégios como um indivíduo responsável. Sua mudança de status era
simbolizada pela remoção da toga praetexta e pelo vestir da toga virilis.177
Tendo assim expressado a superioridade da fé, Paulo verbaliza sua ansiedade pelos
gálatas, que estavam prestes a fazer do seu árduo trabalho entre eles um desperdício de
tempo (não porque sua salvação viesse a ser perdida, mas porque ela permaneceria
infrutífera devido à escolha errada deles quanto à santificação, 4.8-11).
Em sua tentativa de afastá-los de tal asneira espiritual, Paulo apela ao zelo exibido
pelos gálatas quando o Evangelho lhes fora pregado (4.12-20). A essência de seu pedido
é que os gálatas, como Paulo, permaneçam firmes na liberdade pela fé em vez de
submeterem-se à escravidão sob a Lei (4.12). Sua feroz lealdade anterior ao Evangelho
e a Paulo como seu mensageiro torna a quase deserção atual muito mais frustrante.178 A
resposta anterior deles era prova da realidade da mensagem que eles agora arriscavam
abafar sob o fardo do legalismo. Além do mais, a motivação das pessoas às quais eles
estavam agora dispostos a se submeter estava longe das motivações puras e quase
maternais de Paulo (4.19). Em vez de buscar o progresso dos gálatas, os judaizantes
queriam lucrar com a generosidade deles.
O último golpe de Paulo contra o legalismo vem por meio de uma aplicação
alegórica do episódio histórico de Sara e Hagar (4.21-31). Ele primeiro exorta os gálatas
a permitirem que a Lei fale por si mesma. O argumento de Paulo é que a história da
família de Abraão sustenta seu ponto de vista sobre a superioridade da fé. Todo o seu
argumento gira em torno do status social das duas esposas e dos métodos pelos quais
seus filhos foram concebidos. O que Abraão gerou em Hagar, a escrava, era o resultado
de obras, e portanto, era corretamente rejeitado como impróprio para a continuação da
sua linhagem; o que ele gerou em Sara, por outro lado, era totalmente sobrenatural, um
resultado da promessa capacitadora de Deus, obtida por meio da fé (4.21-27).
Paulo faz três aplicações com base nesta interpretação ilustrativa do relato de
Gênesis. Primeiro, em conformidade com o nascimento sobrenatural de Isaque, cristãos
têm experimentado um nascimento sobrenatural e receberam a promessa da salvação

177
Em contraste com o costume grego, no qual a maioridade vinha aos 18 anos, a cerimônia
romana era celebrada em 17 de março à discrição do pai, o que harmoniza com as palavras de
Paulo em 4.4, ὅσε δέ ἦλθεν σό πλήπψμα σοῦ φπόνοτ (hote ēlthen to plērōma tou chronou).

178
Há grande divergência quanto à natureza da doença de Paulo. Entre as enfermidades
propostas estão. malária, epilepsia, oftalmia (4.15), deformidades causadas por seu
apedrejamento em Listra, e o muito debatido “espinho na carne”. Era obviamente algo
repulsivo que, contudo, não evitou que os gálatas aceitassem a ele e sua mensagem.
(cf. Gl 3.9, 22, 29). Segundo, em conformidade com a perseguição de Ismael (nascido
da carne) para com Isaque (nascido do Espírito), falsos mestres agora se opõem a Paulo
e perseguem os crentes (4.28-29). Terceiro, em conformidade com a aquiescência de
Abraão ao pedido de Sara de expulsar a escrava e seu filho, os gálatas deveriam
excomungar os judaizantes e aqueles que adotam sua falsa doutrina (4.30-31).
A terceira ênfase de Paulo em seu objetivo de levar os gálatas de volta à plena
liberdade envolve encorajar santidade e amor induzidos pelo Espírito (5.1–6.10). O
resumo da sua exortação prática se encontra em 5.1, que ecoa as palavras de Jesus em
João 8.32, 36, assim como o freqüente grito de guerra de Paulo, ςσήκεσε (stēkete, cf. 1
Co 16.13; Fp 1.27; 4.1; 2 Ts 2.15).
Paulo primeiro demonstra que sua opção pelo legalismo em vez de fé como um meio
para a santificação é totalmente indesejável (5.2-9). Antes de tudo, significa abrir mão
do poder santificador de Cristo (5.2). Este escritor prefere esta interpretação do
versículo à noção que vê nele uma referência à salvação, visto que implicaria ou que os
gálatas nunca haviam recebido Cristo, ou que sua salvação em Cristo poderia de alguma
maneira ser perdida pela adesão ao legalismo.179
Segundo, o cristianismo judaizado é indesejável porque não é um empreendimento
onde se escolhe o que se gosta, mas uma declaração de sujeição à obediência de toda a
Lei Mosaica (5.3-4; cf. Tg 2.10). Isto significaria colocar-se fora da esfera da graça para
o desenvolvimento da sua salvação (i.e. santificação). As duas expressões, κασηπγήθησε
ἀπό Φπιςσοῦ (katēergēthēte apo Christou) e σῆρ φάπισορ ἐπέςασε (tēs charitos epesate),
mais uma vez não podem se referir à perda de salvação, mas à repressão da santificação.
O próximo ataque de Paulo contra o legalismo (5.5-6) era pela sua maneira de anular
as virtudes que tornavam o cristianismo singular - uma esperança ativa [= certeza]
quanto ao veredicto final de Deus que opera por meio de uma fé que produz o amor.
Estas três virtudes cardeais que Paulo tantas vezes esperava em suas igrejas seriam
perdidas quando a escolha pelo legalismo fosse feita.
A decepção de Paulo foi ainda maior porque os gálatas tiveram um começo tão
auspicioso e agora estavam em perigo de serem desqualificados da corrida por causa da
sua tolerância para com aquilo que apenas parecia ser uma questão pequena, mas era
muito grave (5.7-9).180
Entretanto, apesar de suas severas exortações e duras palavras contra os judaizantes,
a atitude de Paulo para com os gálatas era otimista (5.10-12). Ele esperava que eles
rompessem as cadeias do legalismo e que os defensores deste ruíssem sob escrutínio.
Para o benefício de seus leitores ele deixa claro que, contrário aos boatos (espalhados,
sem dúvida, por judaizantes), ele não pregava nem jamais pregara a circuncisão como
um meio de salvação. Quanto aos ἀναςσασοῦνσερ (anastatountes, ―perturbadores‖),
Paulo sarcasticamente comenta que eles deveriam se castrar, assim indicando que em

179
Donald K. Campbell, “Galatians,” The Bible Knowledge Commentary. New Testament
Edition, p. 605, sugere o primeiro ponto de vista. James M. Boice, “Galatians”, EBC 10:487,
sugere o segundo ponto de vista. Ele escreve “Deus colocará um sinal de menos antes de
Cristo na vida dos gálatas se eles colocarem um sinal de mais antes de qualquer outra coisa”.
180
A referência de Paulo ao fermento pode ser entendida como uma referência àquele (ou
ao maior) promotor do legalismo, ou ao próprio erro como estava presente dentro das igrejas
da Galácia, ou ainda à exigência individual por circuncisão.
vez de alcançar a graça de Deus, esta circuncisão enganosa na verdade os tornava
inaceitáveis, pois um homem castrado não tinha parte no culto de adoração de Israel.181
Evidentemente o conflito entre fé e legalismo já estava a todo vapor na Galácia, e por
isso Paulo usa o próximo parágrafo para exortar as igrejas para usar sua liberdade em
amor, não egoísmo ou licenciosidade. Isto finalmente os traria ao cumprimento da lei,
não como um meio de salvação, mas como um resultado da salvação. De outra maneira,
as igrejas lá se autodestruiriam (5.13-15).
O parágrafo mais famoso da epístola lida com o processo de santificação, que
consiste em vencer os impulsos pecaminosos da natureza humana por meio do controle
do Espírito, com a resultante humildade, paz e harmonia que Ele provê e produz (5.16-
25). Muitos têm identificado Gálatas 5.16-25 com Romanos 7.13-24, mas há várias
distinções que tornam os dois conflitos diferentes um do outro.182

Dois conflitos do cristão


Aspectos do conflito Em Romanos Em Gálatas
Naturezas diferentes. Experiência anormal Experiência normal
O indivíduo como um
Oponentes diferentes da ςάπξ. O Espírito Santo
todo
Esferas diferentes. Puramente sob a lei Sob lei e graça
Resultados diferentes. Derrota total Vitória ou derrota
Paulo prossegue explicando aos gálatas que escolher o controle do Espírito em lugar
do controle da carne capacita a pessoa a triunfar sobre o pecado e sobre a Lei (5.16-18).
Isto não é uma opção, mas uma ordem (πεπιπασεῖσε, [peripateite], ―andai‖) sem a qual
nenhum cristão jamais alcançará uma liberdade constantemente crescente em sua vida.
A motivação para obedecer tal mandamento vem da descrição do tipo de vida
produzido pelas obras da carne (5.19-21). Sua imoralidade, sua religião corrupta, seus
pecados sociais e sua intemperança levam à máxima rejeição por parte de Deus. Uma
vida controlada pelo Espírito, por outro lado, promove genuína liberdade da Lei ao
gerar qualidades mentais e interpessoais positivas (o fruto do Espírito, 5.22-23). O
contraste entre estes dois pacotes de ações e atitudes é bem resumido por Constable, que
diz. ―Há leis contra as obras da carne porque elas são destrutivas, mas não contra o fruto
do Espírito, pois é edificante.‖183
O último comentário de Paulo sobre este conflito enfrentado por todo cristão é que o
controle do Espírito e a vitória são possíveis por causa da participação de cada crente na
morte de Cristo (cf. o aoristo ἐςσαύπψςαν, [estaurōsan] 5.24-25).
O último capítulo lida com compromissos mútuos necessários entre os membros da
igreja (5.26–6.10), de modo a indicar que a liberdade da Lei não significa ausência de
responsabilidade. Precisa haver humildade pessoal, ou uma visão adequada de si mesmo
e do seu papel no corpo (5.26), um humilde esforço para restaurar, curar (κασαπσίζψ,

181
O culto de Cibele, a deusa-mãe da Ásia, empregava sacerdotes castrados. O sarcasmo de
Paulo pode ser direcionado a esta comparação, que faria a prática dos judaizantes equivalente
à idolatria aos olhos de Deus.
182
A tabela acima foi adaptada de Stanley D. Toussaint, “The Contrast Between the Spiritual
Conflict in Romans 7 and Galatians 5”, Bibliotheca Sacra 123:492 (Out-Dec 1996): 310-314.
183
Thomas L. Constable, “Notes on Galatians”, anotações de aula para 308 Epístolas
Paulinas e Apocalipse, Seminário Teológico de Dallas, 1990.
[katartizō]) um irmão em pecado (6.1) e um crente espiritualmente sobrecarregado
(6.2). Individualmente, cada crente deve assumir total e humilde responsabilidade por si
mesmo diante do Senhor (6.3-5).
A liberdade em Cristo precisa ser refletida no mútuo suportar de fardos materiais
também (6.6-10). Isto significa que cristãos serão generosos para com aqueles que lhes
dão conhecimento e discernimento espiritual, e que eles o serão liberalmente,
reconhecendo o caráter generoso de Deus, e que eles serão incansáveis na prática de
boas obras generosas, principalmente dentro da ―família dos crentes‖. Isto está longe do
―morder e devorar‖ induzido pelo legalismo no capítulo 5.
A conclusão de Paulo resume seu propósito, reafirmando seu interesse apostólico
neles, repreendendo os judaizantes, e expressando sua confiança na resposta positiva
dos gálatas (6.11-16). A questão chave era a reação da pessoa à cruz (vergonha) de
Cristo. Para os judaizantes isso era uma pedra de tropeço e um motivo de vergonha;
para Paulo era um trampolim e um motivo para glória, visto que era o instrumento que
Deus usara para a salvação. Sua esperança era que os gálatas e outros gentios, assim
como judeus convertidos, percebessem que a circuncisão não era nem uma boa base
para a salvação nem um bom motivo para brigar. Àqueles, ele deseja paz e misericórdia,
uma ligeira variação da sua saudação tradicional (6.16).184
O último apelo de Paulo é que seus prolongados sofrimentos pela causa de Cristo
sejam levados a sério na Galácia com o fim de sua controvérsia de acordo com os
pontos de vista e as instruções de Paulo (6.17). O último desejo de Paulo para os gálatas
é que eles experimentem a graça de Cristo no âmago do seu ser (6.18).
ESBOÇO SINTÉTICO
Mensagem
A verdade do evangelho da graça estabelece os crentes na liberdade para viver em
amor pelo poder do Espírito.
I. Introdução (1.1-10).
A. Saudação – Paulo deseja graça e paz aos gálatas, ele, um representante do divino
Messias e de Deus Pai, cujo amor é a fonte de tais bênçãos e aos quais pertence eterna
glória (1.1-5).
1. O status de Paulo é o de um representante autorizado de Deus e do Messias que Ele
ressuscitou dos mortos (1.1-2).
2. Graça e paz são desejadas para os gálatas do Pai soberano e do Salvador Messias, aos
quais pertence eterna glória (1.3-6).
B. Denúncia – A reação de Paulo à possibilidade de uma deserção gálata do verdadeiro
evangelho para uma falsa mensagem é de espanto e anatematização (1.6-7).
1. Paulo reage com espanto à possibilidade de uma deserção gálata do verdadeiro evangelho
para uma falsa mensagem pregada por agitadores (1.6-7).
2. Paulo reage à possibilidade de uma deserção gálata do verdadeiro evangelho com um
anátema contra qualquer um que a tenha induzido [ou que a possa induzir] (1.8-9).

184
A expressão “Israel de Deus” é muitas vezes considerada como uma referência à igreja
como o novo povo de Deus. Contudo, as outras 65 ocorrências da palavra Israel no Novo
Testamento se referem invariavelmente ao Israel físico ou nacional. Além do mais, a tentativa
de traduzir καί (kai) por “ou seja” tropeça na presença de uma segunda preposição, ἐπί (epi),
que exige que se refira a um segundo grupo. Isto também é apoiado pelo desejo de Paulo de
certificar-se que sua carta nao tivesse insinuações antijudaicas.
II. Vindicação – O evangelho da graça é verdade, mediada por intermédio de Paulo pelo
próprio Cristo, independente de homens, aprovada pelos outros apóstolos, e com
autoridade para corrigir erros (1.10–2.21).
A. O evangelho da graça é verdade, mediada por intermédio de Paulo pelo próprio Cristo,
independente de homens (1.10-24).
1. A responsabilidade de Paulo como mediador do Evangelho não é de agradar homens,
mas ser um servo de Cristo (1.10).
2. A fonte do evangelho de graça de Paulo não era o homem, mas o próprio Messias (1.10-
12).
3. A formulação do evangelho da graça de Paulo não aconteceu por meio de agentes
humanos, mas pela interação pessoal com Cristo sem recurso à religião organizada
(1.13-17).
• O encontro de Paulo com o evangelho da graça significou um rompimento radical com sua
religião anterior [que não poderia ter sido a fonte do seu evangelho] (1.13-14).
• O chamado de Paulo para o evangelho da graça não foi seguido pela instrução de outros
líderes cristãos (1.15-17a).
• A formulação de Paulo do evangelho da graça aconteceu por meio da interação pessoal
com Cristo sem recurso à religião organizada [judaica ou cristã] (1.17b).
4. Os primeiros contatos de Paulo com os apóstolos foram breves demais para sugerir sua
dependência deles (1.18-20).
5. Os primeiros contatos com as igrejas judias foram muito superficiais para sugerir sua
dependência delas (1.21-24).
• Paulo deixou a Judéia rapidamente e assumiu um ministério independente na Síria e
Cilícia (1.21).
• Os contatos de Paulo com as igrejas judias permaneceram num nível de informação
secundária (1.22-24).
B. O evangelho da graça é verdade, responsavelmente mediada por intermédio de Paulo
com a aprovação dos outros representantes autorizados de Cristo (2.1-10).
1. A apresentação paulina do evangelho da graça aos outros apóstolos veio quatorze anos
depois de sua conversão com o propósito de protegê-lo de falsos ataques (2.1-2).
2. O evangelho da pura graça pregado por Paulo foi vindicado pelos apóstolos frente a
oposição dos judaizantes (2.3-5).
3. O evangelho da pura graça pregado por Paulo foi vindicado pelos apóstolos como a
extensão divinamente aprovada da Sua palavra aos gentios (2.6-10).
• Os apóstolos que os homens consideravam mais importantes só podiam reconhecer o
evangelho de Paulo, mas não acrescentar a ele (2.6-7).
• Os apóstolos que os homens consideravam mais importantes reconheciam o evangelho da
graça pregado por Paulo como uma extensão divinamente aprovada da sua própria
mensagem (2.8-9).
• A única exigência apostólica para Paulo era de orientar os gentios a ajudar os cristãos
judeus necessitados, o que ele já começara a fazer (2.10).
C. O evangelho da graça é verdade, sendo mediada por meio de Paulo com autoridade para
corrigir o erro até no nível apostólico (2.11-21).
1. A correção pública que Paulo fez a Pedro em Antioquia foi devida à incoerência deste na
questão de liberdade cristã por meio da graça (2.11-14).
• A ocasião para a confrontação Paulo-Pedro foi quando Pedro se retirou da comunhão à
mesa com os cristãos gentios devido à pressão dos judaizantes (2.11-13).
• O conteúdo da confrontação Paulo-Pedro era a exposição da incoerência entre a crença de
Pedro em sola gratia e sua prática de segregação (2.14).
2. O conteúdo do evangelho da graça é confiança em Jesus, o Messias, que conduz a uma
nova vida nEle, ao invés de observância à Lei com vistas a ser declarado justo por Deus
(2.15-21).
• A observância à Lei é inadequada como um meio de alcançar status de justiça com Deus
(2.15-16).
• A observância à Lei, para pessoas que dizem confiar em Jesus, gera inconsistência na vida
e idéias incorretas sobre o Messias (2.17-18).
• O evangelho da graça traz uma vida ressurreta de identificação com Cristo depois da
morte com Ele para as exigências da Lei (2.19-20).
- A condenação recebida por meio da lei libertou os crentes da sua observância para uma
nova vida para Deus (2.19).
- A vida ressurreta do crente é um resultado da sua co-crucificação com seu divino e
amoroso Salvador (2.20).
• A observância à Lei nega o evangelho da graça tornando a morte de Cristo inútil (2.21).
III. Elucidação – A superioridade do programa divino de salvação [justificação +
santificação] pela fé exige que os gálatas abandonem o cristianismo judaizado como um
falso evangelho contrário ao programa de Deus e prejudicial àqueles que o adotam (3.1–
4.31).
A. A superioridade do programa divino de salvação [justificação + santificação] pela fé
exige que os gálatas abandonem o cristianismo judaizado como um falso evangelho
contrário ao programa de Deus (3.1-29).
1. O cristianismo judaizado é um falso evangelho negado pela experiência de salvação dos
gálatas pelo ministério suficiente do Espírito Santo através da fé (3.1-5).
• A fascinação injustificada dos gálatas por esse cristianismo judaizado é incoerente com os
meios pelos quais eles primeiro receberam o cristianismo (3.1-2).
• A tola tentativa dos gálatas de aperfeiçoar por meio de esforço humano aquilo que Deus
começara pelo Espírito Santo é incoerente com sua disposição anterior a sofrer por sua
fé (3.3-4).
• As tendências dos gálatas ao cristianismo judaizado são incoerentes com sua atual
experiência do ministério do Espírito (3.5).
2. O cristianismo judaizado é um falso evangelho negado pelo testemunho das Escrituras
(3.6-14).
• O testemunho de Abraão é que fé é suficiente como meio de justificação diante de Deus
(3.6-9).
• O próprio testemunho da Lei quanto à superioridade da fé sobre o esforço humano aponta
para a obra redentora de Cristo (3.10-14).
3. O cristianismo judaizado é um falso evangelho negado pela lógica (3.15-29).
• A lei humana sobre testamentos garante que uma aliança justamente estabelecida não pode
ser revogada (3.15).
• A prioridade cronológica da aliança da promessa sobre a aliança da lei torna o
cristianismo judaizado uma escolha inválida e ilógica (3.15-18).
• O papel temporário da lei como mero indicador e encorajamento à fé torna o cristianismo
judaizado uma escolha ilógica (3.19-25).
- A Lei é um acréscimo temporário dado para suscitar a consciência do pecado (3.19a).
- A Lei é uma aliança bilateral mediada, enquanto a promessa é unilateral e não-mediada
(3.19b-20).
- A Lei serviu o propósito temporário de apontar para a escravidão do homem ao pecado e
encorajar fé no Messias vindouro (3.21-25).
• O privilégio de filiação divina estende-se para todos os povos em virtude da sua posição
em Cristo, que os liga à superior aliança de promessa de Abraão (3.26-29).
B. A superioridade do programa divino de salvação por meio da fé exige que os gálatas
abandonem o cristianismo judaizado como um sistema que é prejudicial à sua vida
espiritual (4.1-31).
1. A salvação pela fé é superior porque oferece liberdade e herança como filhos adultos,
enquanto o cristianismo judaizado prende sob a escravidão (4.1-7).
• A situação espiritual do homem sob a lei e a fé é ilustrada pela prática romana da
Liberalia (4.1-5).
• Os privilégios da filiação são intimidade com Deus por intermédio do Espírito e herança
(4.6-7).
2. A ansiedade de Paulo quanto aos gálatas é que eles estão abrindo mão do exercício da sua
filiação em favor de um sistema que faria deles escravos, assim tornando o trabalho dele
infrutífero (4.8-11).
3. O apelo fervoroso de Paulo aos gálatas é que seu antigo zelo pelo verdadeiro evangelho
suprima sua atração injustificada pelo legalismo de pessoas insinceras e os mantenha na
estrada da fé rumo à maturidade cristã (4.12-20).
• A essência do apelo é que os gálatas assumam a posição dele com respeito à superioridade
da fé sobre a lei (4.12).
• Seu antigo zelo pelo verdadeiro evangelho, evidenciado pelo amor deles por ele e por sua
alegria em Cristo, é o motivo para o apelo de Paulo (4.13-16).
• A genuína preocupação de Paulo pelo progresso dos gálatas na maturidade cristã é
contrastada com o zelo egoísta dos judaizantes (4.17-20).
4. A alegorização que Paulo fez da narrativa Sara-Hagar mostra aos gálatas que estão em
perigo de submeter-se à escravidão reservada para o ramo inferior da família abraâmica
(4.21-31).
• O desejo dos gálatas de colocarem-se sob a Lei deveria ser informado pela própria Lei
(4.21).
• A história bíblica da família de Abraão aponta para as diferenças entre fé e legalismo
(4.22-23).
- Abraão teve um filho com uma escrava e um filho com uma mulher livre (4.22).
- Abraão teve um filho que nasceu naturalmente e um filho que nasceu sobrenaturalmente
(4.23).
• A natureza e o destino das esposas de Abraão encontram correspondência histórica nos
dois sistemas de salvação que competem pela lealdade dos gálatas (4.24-27).
- O status de Hagar como escrava aponta para o judaísmo e sua escravidão legalista (4.24-
25).
- Sara (por implicação) aponta para o cristianismo e a liberdade sobrenatural de que ele
goza (4.26-27).
• A natureza e o destino dos filhos de Abraão encontram correspondência histórica na luta
entre o judaísmo e o cristianismo (4.28-29).
• A rejeição final da esposa escrava e seu filho aponta para a necessidade de agarrar-se ao
verdadeiro cristianismo com seus privilégios e rejeitar a escravidão dos judaizantes
(4.30-31).
IV. Aplicação – A verdadeira liberdade espiritual, produzida pela fé, não por observância à
Lei, precisa levar os gálatas a uma vida de amor e santidade produzidos pelo Espírito
(5.1–6.10).
A. O dever dos gálatas é de manter sua liberdade em vez de entregar-se à escravidão ao
legalismo (5.1).
B. A opção por santificação pela Lei ao invés da fé é totalmente indesejável (5.2-9).
1. A opção por santificação pela Lei ao invés da fé significa abrir mão do poder santificador
de Cristo (5.2).
2. A opção por santificação pela Lei ao invés da fé significa sujeição a todo o corpo da Lei
Mosaica e rejeição da graça como o veículo de Deus para a santificação (5.3-4).
3. A opção por santificação pela Lei ao invés da fé significa renunciar ao que vale para
Deus [esperança, fé e amor] em favor daquilo que conta para homens, a circuncisão
(5.5-6).
4. A opção por santificação pela Lei ao invés da fé significa ser indevidamente retardado na
corrida cristã por permitir que a mentira contamine a verdade (5.7-9).
C. A expectativa de Paulo é que os gálatas rejeitem o falso sistema e seus proponentes, que
falsamente usam o nome dele para espalhar sua fútil mentira (5.10-12).
1. A certeza de Paulo era uma reação positiva dos gálatas e a derrota dos judaizantes (5.10).
2. A cautela de Paulo aos gálatas era que ele não era um defensor da circuncisão, como suas
perseguições provavam (5.11).
3. O desprezo de Paulo pelos judaizantes se revelava em sua comparação da circuncisão
deles à castração (5.12).
D. A ordem de Paulo é que os gálatas usem sua liberdade para o amor, não para a
licensiosidade, a fim de evitar a autodestruição como igreja (5.13-15).
1. O chamado à liberdade não deve ser mal aproveitado com egoísmo, mas usado com amor
(5.13).
2. O amor fornece um relacionamento adequado para com a Lei (5.14).
3. Liberdade mal utilizada produz autodestruição para uma igreja (5.15).
E. A verdadeira liberdade espiritual consiste em vencer os impulsos pecaminosos da
natureza humana por meio do controle do Espírito com humildade e harmonia
resultantes (5.16-25).
1. A escolha pelo controle do Espírito em lugar do controle da carne capacita o crente a
triunfar sobre o pecado e sobre a Lei (5.16-19).
2. Uma vida controlada pela carne resulta em total rejeição por parte de Deus (5.19-21).
... por causa da imoralidade (5.19).
... por causa da religião corrupta (5.20b).
... por causa de pecados sociais (5.20b-21).
... por causa de pecados de intemperança (5.21b).
3. Uma vida controlada pelo Espírito traz máxima liberdade da Lei para aqueles que
pertencem a Cristo (5.22-23).
... ao gerar qualidades mentais positivas (5.22a).
... ao gerar qualidades interpessoais positivas (5.22b-23).
4. O controle por meio do Espírito e a vitória conseqüente são possíveis em virtude da
participação do crente na morte de Cristo (5.24-25).
F. Verdadeira liberdade espiritual resulta no mútuo e humilde suportar de fardos com
responsabilidade diante de Deus (5.26–6.10).
1. A verdadeira liberdade espiritual resulta no mútuo e humilde suportar de fardos morais
(5.26–6.5).
• A verdadeira liberdade espiritual resulta em humildade (5.26).
• A verdadeira liberdade espiritual resulta em mútuo suportar de fardos em caso de pecado
(6.1-2).
• A verdadeira liberdade espiritual resulta em humilde responsabilidade diante de Deus
(6.3-5).
2. A verdadeira liberdade espiritual resulta no mútuo suportar de fardos materiais (6.6-10).
• A verdadeira liberdade espiritual resulta em generosidade para com guias espirituais (6.6).
• A verdadeira liberdade espiritual resulta em liberalidade à luz da lei divina de retorno
proporcional (6.7-9).
• A verdadeira liberdade espiritual resulta em altruísmo infatigável, especialmente entre o
povo de Deus (6.10).
V. Conclusão
A. O resumo da mensagem de Paulo aos gálatas contém uma referência ao seu interesse
pessoal por eles, uma repreensão aos judaizantes, uma reafirmação da sua confiança, e
um rogo por paz (6.11-16).
1. A saudação pessoal de Paulo é uma referência ao seu interesse pessoal pelos gálatas
(6.11).
2. A repreensão final de Paulo contra os judaizantes é contra suas segundas intenções de
autoproteção e vanglória (6.12-13).
3. A reafirmação da confiança de Paulo era que sua glória estava na cruz, não na
circuncisão (6.14-15).
4. O rogo de Paulo é que todos os crentes, judeus e gentios, gozem da paz e da misericórdia
de Deus (6.16).
B. O pedido de Paulo por respeito pela sua autoridade apostólica se baseia na evidência de
sofrimento por Cristo (6.17).
C. O desejo de Paulo para os gálatas é que eles experimentem a graça de Cristo no âmago
do seu ser (6.18).

O argumento de
EFÉSIOS
Questões introdutórias
TÍTULO
O título desta epístola, ΠΡΟ΢ ΕΥΕ΢ΙΟΤ΢, vem do nomen patrium de seus
destinatários, como na maioria das epístolas paulinas. É possível que a epístola original
não tivesse nenhum sobrescrito, visto que Marcion a chama Epístola aos Laodicenses.
AUTORIA
Há consenso geral que Paulo escreveu a epístola, embora alguns estudiosos
argumentem contra isto por causa de (1) ausência de referências pessoais numa carta
supostamente escrita para uma igreja na qual Paulo teve sua maior permanência como
pastor-fundador; (2) um grande número de palavras ou frases não encontradas em
nenhum outro lugar nas cartas de Paulo, mas encontradas em outros escritos
neotestamentários e sub-apostólicos; (3) o estilo complexo e pesado, particularmente
nos capítulos 1 e 4; (4) dependência teológica de Colossenses; e (5) conceitos
conflitantes ou ―avançados‖ em relação a outras composições paulinas.
Apesar da impressionante lista de argumentos contra ela, a autoria paulina precisa ser
mantida, em primeiro lugar, com base na atestação externa. Kummel indica que
―Efésios era extraordinariamente bem atestada na igreja primitiva‖,185 fato facilmente
confirmado por sua inclusão no cânon de Marcion, que admitia apenas material paulino
e lucano. Ela também estava inclusa dentre as epístolas paulinas no Cânon Muratoriano,
próximo do fim do século II.
Há alusões a Efésios em Clemente de Roma, Inácio e Policarpo, e possivelmente no
Didaquê,186 assim como referências específicas a ela em Tertuliano, Clemente de

185
W. G. Kummel, Introduction to the New Testament, p. 251.
186
Donald Guthrie, New Testament Introduction, p. 480.
Alexandria e Orígenes. Tudo isto aponta para uma atestação paulina desde a virada do
século I.
Em resposta à suposta evidência interna de autoria não-paulina, deve-se observar
que: (1) a ausência de referências pessoais pode ser explicada pela possibilidade de
Paulo ter em mente uma carta geral que seria lida em outros lugares; (2) o argumento do
vocabulário é fraco, visto que circunstâncias e tema podem bem determinar a escolha de
palavras; além do mais, não pode ser provado que tal vocabulário estava fora da
abrangência ou uso de Paulo;187 (3) a questão de estilo pode ser atribuída mais uma vez
ao fato de que ele não estava escrevendo para corrigir um problema específico, como
era o caso na maioria das suas epístolas, e poderia, portanto, ser mais geral e reflexivo;
(4) a suposta dependência de Colossenses é facilmente explicada pela semelhança entre
temas e sua proximidade cronológica. Além do mais, este argumento se enfraquece pelo
fato de que a mesma razão é usada contra a autoria paulina de Colossenses; (5) embora
haja usos incomuns de tais expressões como ἐν φπιςσῶ [en Christō] (de um significado
posicional para um instrumental), não há desvio teológico da teologia paulina, e, como
Dodd observou, Efésios precisa trazer alguma medida de avanço teológico, como o opus
magnum teológico de Paulo.188
Visto que aqueles que defendem uma autoria não-paulina admitem que sua posição é
um tanto especulativa,189 é preciso concordar com J. N. Sanders quando ele declara
Efésios como uma epístola paulina até que se prove ser ela não-paulina.190 É isto que
fazem as pessoas que aceitam o texto (1.1; 3.1; 4.1) ao pé da letra.
DESTINATÁRIOS
Se estudiosos conservadores estão unidos em relação à autoria de Efésios, tal unidade
desaparece em relação ao seu destino, visto que a tradição (refletida na presença maciça
do título ΠΡΟ΢ ΕΥΕ΢ΙΟΤ΢) é enfraquecida por dúvidas sobre o texto de Efésios 1.1, onde
as palavras críticas ἐν ἖υέςῳ(em Éfeso) não aparecem em alguns manuscritos famosos
(P46, ‫ א‬, e B).191
Testemunhos antigos de Irineu (Adversus Haeresiae v.2.36), Clemente de Alexandria
(Stromata, iv.65), e Tertuliano (Adversus Marcion v.11.17) sugerem que estes homens
consideravam a epístola como sendo endereçada à igreja efésia, independente do estado
textual de 1.1.

187
J. L. Houlden, que não é um defensor da autoria paulina, admite que este argumento é
fraco. Veja Paul’s Letters from Prison, p. 249.
188
C. H. Dodd, “Colossians and Philemon,” ABC, pp. 1224-1225.
189
C. L. Mitton, The Epistle to the Ephesians, pp. 7ss.
190
J. N. Sanders, Studies in Ephesians, p. 16.
191
Este escritor dá ao Texto Majoritário bem mais crédito do que ele tem recebido de
autores de introduções ao Novo Testamento, e assim não fará uma discussão prolongada do
problema textual em Efésios 1.1. Basta dizer que há representantes do tipo textual
Alexandrino que contém as palavras “em Éfeso”, que a maioria dos representantes dos tipos
textuais ocidentais contém as palavras, que a tradição bizantina solidamente apóia sua leitura,
e que todas as versões primitivas importantes as contêm. Mesmo o ecleticista teria
dificuldades para negar atestação externa tão volumosa!
Várias teorias têm sido propostas para explicar a destinação da carta por aqueles que
rejeitam sua atestação textual. A tabela abaixo identifica as mais significativas, seus
defensores e sua lógica.192

Teorias sobre o destino de Efésios


Uma carta a Laodicéia. Marcion Colossenses 4.16
Uma carta circular. Abbott, Wood Omissão em 1.1
O testamento espiritual de Paulo. J. N. Sanders Natureza reflexiva
Introdução ao corpo epistolar Goodspeed, Knox,
Caráter geral da epístola
paulino. Mitton
Filosofia cristã de religião. Beare Semelhança a Colossenses
Defesa contra a heresia Omissão em 1.1 e
Michaelis
colossense. semelhança
1. TEORIAS SOBRE O DESTINO DE EFÉSIOS
A força das evidências textual e tradicional, a falta da palavra ἐν seguida por uma
lacuna em pelo menos um manuscrito, a falta de um propósito claro para uma carta
cíclica, e a ausência geral de tal prática no cristianismo primitivo (cf. Gálatas, que
certamente era uma carta circular) mostram que é pouco provável que Efésios tenha
sido uma encíclica não endereçada.193 Ela pode ter sido adaptada para tal uso depois de
alcançar Éfeso; isto explicaria a omissão de ἐν ἖υέςῳ em alguns manuscritos
alexandrinos.
LUGAR E DATA DE ORIGEM
Paulo estava preso quando escreveu Efésios (3.1; 4.1; 6.20). A divisão tradicional
entre estudiosos quanto à origem desta carta é um tanto menos aguda do que em
Filipenses e Colossenses, visto que Éfeso não é uma opção. Para detalhes quanto à
preferência por Roma em relação a Cesaréia, veja O ARGUMENTO DE COLOSSENSES.
Visto que Paulo não oferece nenhuma indicação de um veredito futuro ou de sua
esperada soltura do cárcere, é possível que Efésios pertença ao início da sua primeira
prisão em Roma, por volta de 60 A.D.
FUNDO HISTÓRICO
A Cidade. Éfeso era a maior e mais importante cidade na província romana da Ásia,
situada na atual Turquia Ocidental. Ela se localizava próximo à foz do rio Caister, entre
a serra de Coresso e o mar. Seu porto era o ponto final para as caravanas asiáticas de
comércio e o ponto de chegada para navios mercantes romanos.
Os fundadores anatolianos do povoado cultuavam uma deusa da fertilidade, depois
identificada com Ártemis, deusa favorita dos conquistadores iônios. Apesar do nome
grego, seu caráter de deusa da fertilidade foi mantido, visto que imagens e efígies
preservadas mostram uma figura com múltiplos seios da ―estátua que caiu do céu‖ (At
19.35). O templo de Ártemis era o maior edifício do mundo grego; continha
originalmente esculturas do grande Fídias e permaneceu um dos maiores monumentos
da Antigüidade até sua destruição pelos godos em a.D. 256.
Éfeso foi conquistada primeiramente por Creso, rei da Lídia, que embelezou a cidade
até sua conquista pelos persas em 546 a.C. Depois da dominação dos gregos no início

192
Esta tabela foi adaptada do material em Guthrie, Introduction, pp. 510-514.
193
Assim diz Harold Hoehner, “Ephesians,” The Bible Knowledge Commentary, New
Testament Edition,, p. 613.
do século III a.C., ela caiu sob o controle de Átalo III, rei de Pérgamo, que entregou a
cidade a Roma em 133 a.C.
Em seu auge, Éfeso tinha uma população de cerca de 300.000 habitantes. O teatro
acomodava 25.000 pessoas. A cidade tinha uma forma regional de governo, composto
por Ἀςιαπφοί (asiarchoi, com os quais Paulo fez amizade, At 19.31), geralmente
envolvidos na promoção do culto ao imperador. Éfeso era também a sede do governo
proconsular (cf. At 19.38).
Éfeso tinha uma colônia judaica considerável, que gozava de privilégios religiosos e
fiscais sob o governo romano.194
Éfeso permaneceu uma cidade importante por vários séculos, mas o paulatino
assoreamento de seu porto contribuiu para seu declínio.
A Igreja. O cristianismo chegou ―oficialmente‖ a Éfeso em a.D. 52, perto do fim da
segunda viagem missionária de Paulo. Fiel a sua estratégia de atingir os maiores centros
populacionais do Império, Paulo parou brevemente em Éfeso, depois de deixar Corinto.
Lá ele deixou seus companheiros Áquila e Priscila, que conheceram e discipularam
Apolo, um judeu alexandrino que tivera muito sucesso na pregação messiânica,
apresentando Jesus como o Messias esperado.
Depois, Paulo se reuniu a seus amigos e ministrou em Éfeso por uns trinta meses,
tanto evangelizando quanto preparando plantadores de igrejas e evangelistas que
disseminaram o Evangelho pela província da Ásia.
O crescimento dramático do cristianismo afetou os interesses econômicos de outras
religiões em Éfeso – a feitiçaria pagã e o culto a Ártemis, sendo ambos os incidentes
relatados em Atos 19.
Depois da partida de Paulo e seu breve contato com os presbíteros da igreja em
Mileto (a.D. 57, cf. At 20.17ss.), Éfeso foi visitada, e a igreja foi pastoreada por
Timóteo, o sucessor de Paulo (cf. 1 Tm 1.3). Em seguida, de acordo com a tradição
cristã (Eusébio), o apóstolo João morou lá, e Éfeso recebeu uma das sete cartas de
Apocalipse. Éfeso foi a sede do terceiro Concílio Geral em 431 A.D., quando o
nestorianismo foi condenado.
Argumento básico
PROPÓSITO
Em contraste com Gálatas, 2 Coríntios e Colossenses, Efésios não nasceu de uma
confrontação doutrinária ou ministerial. Ela tem um tom mais sereno e reflexivo. Em
Efésios, Paulo realizou (como disse J. A. Robinson) uma ―suprema exposição, não
controversa, positiva, fundamental da grande doutrina da sua vida … a doutrina da
unidade da humanidade em Cristo e o propósito de Deus para o mundo por intermédio
da Igreja‖.195
Pode-se deduzir a partir do discurso de Paulo aos presbíteros que ele estava
preocupado com invasões de falsos mestres (At 20.29-30). A partir de 1Timóteo 1.3
pode-se depreender que a outra preocupação de Paulo era a realidade de um amor que
germinava em corações limpos, boas consciências e fé genuína. Finalmente, na carta em
Apocalipse 2.1-7 encontra-se que o amor se tornara um artigo raro em Éfeso, apesar da
preservação da ortodoxia.
A estrutura da carta também dá indícios do seu propósito. A primeira parte contém
uma exposição detalhada dos privilégios dados à igreja em virtude da sua posição em
Cristo, enquanto a segunda parte apresenta as implicações terrenas de tal posição
celestial. Assim, Paulo quer que a Igreja ponha em prática o amor gracioso e celestial do
qual ela foi feita participante.

194
Josefo, Antigüidades dos Judeus, 14.225ss., 14.262ss.
195
J. Armitage Robinson, Commentary on Ephesians, p. 10.
Esse propósito pode ser resumido da seguinte maneira:
Encorajar o desfrute da posição privilegiada da Igreja em Cristo e sua aplicação
na vida cotidiana para Cristo no mundo.
DESENVOLVIMENTO
O livro de Efésios tem sido tradicionalmente dividido em duas ou em três partes.
Aqueles que defendem a divisão em duas partes argumentam que os capítulos 1 a 3
apresentam a posição do crente, enquanto os capítulos de 4 a 6 apresentam a prática do
crente. Aqueles que defendem uma divisão em três partes argumentam que o Apóstolo
enfatizou o chamado do cristão (cap. 1-3), sua conduta (4.1–6.9), e seu conflito (6.10-
24).196 Independente de qual ponto de vista se adota, é claro que a ênfase nos primeiros
três capítulos está no chamado do cristão, enquanto, nos últimos três, a ênfase recai
sobre a sua conduta (que de fato inclui seu conflito com as forças espirituais do mal).
Estas duas áreas da vida precisam ser coerentes, e este é um resumo do livro.
Na primeira divisão de Efésios (1.1–3.21), Paulo apresenta de modo bastante
detalhado a posição privilegiada desfrutada pelo cristão à luz do seu chamado.
A saudação introduz os destinatários como os santos que estão em Éfeso (veja
Questões Introdutórias, p. 335). A tentativa de omitir ἐν ἖υέςῳ levou alguns a
traduzir o versículo ―aos santos que são fiéis‖, mas isso estende em demasia o
significado de καί (kai, ―e‖) e produz uma construção incomum.
O mais longo parágrafo de Paulo (1.3-14) contém um hino de louvor a Deus (cf.
εὐλογησόρ, eulogētos, ―bendito‖) pela obra de redenção realizada pela Trindade. As três
―estrofes‖ desta celebração são marcadas, em sua conclusão, pela expressão εἰρ ἔπαινον
[σῆρ] δόξηρ (eis epainon tēs doxēs, ―para louvor da glória‖).
Ele esboça, antes de tudo, todas as bênçãos do Pai concedidas aos cristãos, sua
eleição para a santificação, sua predestinação para a adoção e a manifestação da graça
em Cristo (1.3-6). Em seguida, ele apresenta a obra do Filho na redenção (1.7-8), na
revelação da vontade de Deus (1.9-10), e na recepção do crente por Deus (1.11).
Finalmente, ele exalta o Espírito Santo pela obra de selar os crentes como uma garantia
da sua salvação eterna. A expressão σῶ πνεύμασι σῆρ ἐπαγγελίαρ σῶ ἁγίψ) (tō
pneumati tēs epangelias tō hagiō, ―o Espírito Santo prometido‖) é, provavelmente, uma
lembrança das palavras de Cristo em Atos 1.4-5).
De acordo com seu propósito, Paulo expressa sua oração que os efésios, de cuja fé e
amor ele está ciente, gozem de um conhecimento íntimo e prático da pessoa, do plano e
do poder de Deus (1.17-23), cujo propósito máximo é trazer todas as coisas sob o
domínio de Cristo (καθίςαρ ἐν δεξία αὐσοῦ … πάνσα ὑπέσαξεν, kathisas en dexia autou
… panta hupetaxen, ―fazendo-o assentar à Sua destra … tudo [lhe] submeteu‖ ).
Na divisão seguinte, Paulo busca fornecer uma visão ampla do plano cósmico de
Deus e descrever como exatamente essa nova entidade chamada Igreja nele se encaixa
(2.1–3.21). Sua tese é que, por meio da obra reconciliatória de Cristo os crentes foram
feitos a prova máxima da sabedoria de Deus, desde que estejam se valendo de Seu poder
capacitador e de Seu amor.
A descrição começa com uma lembrança do privilégio individual dos gentios. vida
espiritual recém-alcançada e garantida (cf. o importante prefixo ςτν- (sun) com os
verbos ζψοποιέψ [zōopoieō, ―vivificar‖], ἐγείπψ [egeirō, ―erguer, ressuscitar‖], e
καθίζψ [kathizō, ―assentar‖], enfatizando a união do crente com Cristo) por meio da

196
Esta posição foi popularizada pelo comentário devocional de Watchman Nee, Sit, Walk,
Stand (Paz, Ação e Firmeza).
graciosa obra divina de salvação visando boas obras (2.4-6). Isto é pintado contra o
fundo de sua lamentável condição anterior - escravidão a Satanás, à carne e ao mundo
(2.1-3). Para Paulo, a salvação foi toda pela graça, apropriada somente pela fé, com o
resultado esperado de vida piedosa (2.7-10).
A lente didática de Paulo se abre para capturar, a seguir, a posição corporativa dada
aos gentios - antes alienados e desprezados - em virtude da obra reconciliatória de
Cristo (2.11-22). O efeito desta obra é que os crentes gentios não estão mais separados
do povo de Deus por causa de sua indiferença à Lei, visto que esta fora anulada pela
morte de Cristo (2.15-16); eles agora desfrutam de uma nova cidadania, são parte da
família de Deus, e se tornaram habitação de Deus pelo Espírito (2.19-22).
Paulo depois quer chamar a atenção deles ao fato de que, a fim de desfrutarem
plenamente dos seus privilégios e servirem como prova cósmica da misericórdia e
sabedoria de Deus, eles precisam recorrer ao poder, à presença e ao amor de Deus (este
é o conteúdo básico da sua segunda oração; 3.14-21), mas ele se sente constrangido a
demonstrar que um retrato tão grandioso não era incoerente com sua posição de
prisioneiro romano (3.13).
Isto ele faz ao delinear seu papel no plano recém-revelado de Deus (μτςσήπιον,
mustērion) para os gentios (3.1-6), e o papel deles como prova viva, de dimensões
cósmicas, de Sua sabedoria (3.7-12). Esta divisão termina com outra exaltação a Deus
por Sua capacidade de cumprir, muito além da imaginação do homem, Seu sábio plano
em favor da Igreja e por meio dela (3.20-21).
A segunda grande divisão de Efésios está crivada de imperativos, pois Paulo parte
dos privilégios concedidos e concentra sua atenção nas exigências feitas aos crentes
(4.1, cf. o verbo chave, πεπιπασέψ [peripateō, ―andar‖], é usado cinco vezes nesta
divisão). Três áreas básicas são destacadas como temas para as exortações de Paulo:
unidade (4.2-16), santidade (4.17–6.9), e conflito espiritual (6.10-20).
A exortação básica de Paulo é que a vida de um crente deve ser coerente com a
posição que ele recebeu em Jesus. Este caminhar deve respeitar a unidade do corpo por
meio de uma atitude de humilde altruísmo para com outros membros, com base no
envolvimento do Deus Triúno com o corpo (4.1-6) e na diversidade na qual tal união
deve ser expressa.
Na verdade, o que Paulo quer dizer é que a Igreja precisa se beneficiar da sua
diversidade (4.7-16), visto que cada crente foi graciosamente capacitado para servir
(4.7-10), e visto que a Igreja recebeu indivíduos com dons para desenvolver
(κασαπσίζψ, katartizō, ―aperfeiçoar‖) os santos rumo à maturidade espiritual (ἄνδπα
σέλειον, andra teleion, ―varão perfeito‖) em seu serviço, sua união, sua estabilidade
espiritual e seu crescimento (4.11-16).
As exigências quanto à vida de santidade do crente começam com a necessidade de
rejeitar antigos padrões de comportamento que são incoerentes com a renovação que
Cristo trouxe à sua vida (4.17-24). Neste parágrafo, o despojar-se do antigo eu
(ἀποθέςθαι … παλαιόν ἄνθπψπον, apothesthai … palaion anthrōpon, a antiga
escravidão do crente ao pecado em Adão) e o revestir-se do novo homem (ἐνδύςαςθαι
σόν καινόν ἄνθπψπον, endusasthai ton kainon anthrōpon) são fatos realizados (cf. Cl
3.9-10; Rm 6.6), o que deixa os leitores sem desculpas para não se tornarem aquilo que
já são em Cristo.
Passando da teoria para a prática, Paulo coloca exigências específicas de retidão
divina sobre relacionamentos cotidianos (4.25-32). A mentira, a ira, a desonestidade,
palavreado torpe e amargura precisam ser substituídos por atitudes que refletem a
renovação do seu caráter possibilitada por Cristo.
Essa nova vida de retidão precisa ser sustentada pela atitude interior de amor, na qual
os crentes imitam o modelo sacrificial de Cristo e rejeitam o estilo de vida egoísta que
antes adotavam, que levava a todo tipo de impureza e imoralidade (5.1-6).
Assim, os crentes são obrigados a viver em pureza (5.7-14), dissociando-se dos que
praticam o mal (cf. 1.Co 5.11) e expondo a impureza na vida de outros crentes para que
estes deixem para trás sua letargia espiritual (καθεύδψ, katheudō, ―dormir‖) e retornem
a uma vida de comunhão com seu Senhor (ἐπιυαύςει ςοι ὁ Φπιςσόρ, epiphausei soi ho
Christos, ―e Cristo te iluminará‖).
Outra exigência quanto ao estilo de vida dos crentes é que ele deve ser caracterizado
por sabedoria, aquela cuidadosa aplicação de conhecimento espiritual a situações
práticas da vida (5.15-20). Eles devem demonstrar discrição (5.15-16), discernimento
quanto à vontade de Deus (5.17) e disciplina sob o controle do Espírito Santo (5.18-20).
Esta última passagem precisa ser compreendida à luz dos mistérios dionisianos, um
fator religioso forte na Ásia; durante seus festivais a embriaguez era induzida como um
meio de estabelecer contato com Dionísio (o Baco grego). Buscando sabedoria, eles se
tornavam ἄυπονερ (aphrones, ―insensatos‖), e isso, disse Paulo, era inaceitável para um
cristão.
Relacionamentos interpessoais entre crentes devem ser controlados pelo princípio de
submissão mútua dentro do corpo (5.21-33). Isto não significa anarquia e remoção de
posições hierárquicas dentro do corpo, mas uma busca consciente do bem-estar dos
outros antes do próprio. Esposas fazem isto submetendo-se à autoridade delegada dos
maridos (5.22-24); maridos o fazem amando suas esposas sacrificialmente e buscando
seu crescimento máximo (5.25-30), e ambos cumprem essas exigências divinas a fim de
serem uma ilustração válida do relacionamento entre Cristo e a Igreja.
Filhos submetem-se por meio da obediência (6.1-3) e pais (ambos os cônjuges, mas
especialmente os πασέπερ, pateres) por meio de uma criação bíblica coerente (6.4).
Escravos devem mostrar reverência por Cristo servindo sincera, zelosa e
respeitosamente, tendo como seu alvo a recompensa celestial, não o elogio humano
(6.5-8). Finalmente, senhores de escravos precisam mostrar ―submissão mútua‖ por
meio do tratamento compassivo e respeitoso para com seus escravos à luz do tratamento
amoroso e justo de Cristo como seu Mestre (6.9).
O último conjunto de exortações ou exigências dá um passo adiante nos
relacionamentos, visto que lida com o combate espiritual em que os efésios estavam
envolvidos (6.10-20). Isto pode estar relacionado com o intenso envolvimento com
magia negra e seitas pagãs na Ásia, como demonstrado em Atos 19. O retrato que Paulo
pinta para seus leitores é o de um soldado romano completamente trajado para a guerra.
Dada a aparente invencibilidade das legiões romanas na época, ele está basicamente
pintando o retrato de triunfo para o crente, visto que seu relacionamento com Deus, por
intermédio de Jesus, o capacita a derrotar as várias categorias de inimigos espirituais
entrincheiradas contra ele (6.12). Os elementos descritos (todos eles ligados à pessoa e à
obra de Jesus) são integridade pessoal (cinto), retidão prática (couraça), segurança e paz
dadas pelo evangelho (calçados), confiança pessoal em Jesus (escudo), esperança [i.e.
certeza] da salvação (capacete), e as ministrações pessoais da Palavra de Deus pelo
Espírito (espada). Assim armado e mantendo constante comunicação intercessora por
meio da oração (6.18-20), os crentes serão triunfantes no conflito. O próprio Paulo
confessou sua necessidade de intercessão por outros guerreiros a fim de permanecer fiel
e intrépido em sua posição como embaixador acorrentado de Cristo.
A carta é concluída com uma nota pessoal de preocupação pelos efésios e a
costumeira bênção, aqui enfatizando amor e fé (ἀγάπη [agapē] e πίςσιρ [pistis]), de
acordo com as virtudes já demonstradas pelos efésios (cf. 1.15).
ESBOÇO SINTÉTICO
Mensagem
Privilégios espirituais no Cristo exaltado devem levar o corpo ao crescimento em
união, à santificação na vida diária e ao triunfo no conflito espiritual.
I. Saudação – O desejo de Paulo para seus leitores efésios é que eles gozem da graça
fornecida por Deus Pai e Jesus, o divino Messias (1.1-2).
II. Os mais elevados privilégios espirituais foram dados à Igreja em seu exaltado – o
Cabeça, Jesus, o Messias (1.3–3.21).
A. A intervenção harmoniosa da Trindade em fornecer privilégios espirituais aos crentes
leva Paulo a louvar o Deus Triuno (1.3-14).
1. O Pai é louvado por ter concedido toda sorte de bênçãos espirituais aos crentes (1.3-6).
• Ele elegeu crentes para a santificação (1.3-4).
• Ele predestinou crentes para adoção (1.5).
• Ele concedeu graça aos crentes por intermédio de Jesus (1.6).
2. O Filho é louvado por ter realizado a salvação para os crentes (1.7-12).
• Ele ofereceu redenção através do perdão dos pecados em Seu sangue (1.7-8).
• Ele ofereceu revelação do plano de Deus de trazer todas as coisas sob o controle de Cristo
(1.9-10).
• Ele ofereceu aceitação diante de Deus segundo Seus propósitos soberanos de eleição
(1.11-12).
3. O Espírito é louvado por selar os crentes para o dia da redenção (1.13-14).
• Ele selou aqueles que crêem no evangelho como um sinal da posse de Cristo (1.13).
• Ele selou aqueles que crêem no evangelho como uma garantia da sua máxima salvação
(1.14).
B. A oração esperançosa e constante de Paulo pelos efésios é que, à luz dos seus privilégios,
eles gozem de um conhecimento íntimo da pessoa, do plano e do poder de Deus
conforme revelados e centrados em Jesus Cristo (1.15-23).
1. O motivo de Paulo para sua oração esperançosa e constante é a consciência da fé e do
amor dos efésios (1.15-16).
2. O pedido de Paulo em sua oração esperançosa e constante é por um conhecimento
existencial pessoal de Deus (1.17-23).
• Ele pede por conhecimento da pessoa de Deus (1.17).
• Ele pede por conhecimento do plano de Deus (1.18).
• Ele pede por conhecimento do poder de Deus (1.19-23).
- O poder de Deus foi exercido na ressurreição de Cristo (1.19-20a).
- O poder de Deus foi exercido na elevação de Cristo ao lugar de máxima autoridade
(1.20b-21).
- O poder de Deus foi exercido na sujeição de todas as coisas à autoridade de Cristo como o
cabeça da Igreja (1.22-23).
C. Os elevados privilégios espirituais dados aos cristãos fazem deles participantes ativos do
grande plano de validar a sabedoria de Deus diante de todo o universo por meio da obra
reconciliatória de Cristo, à medida que eles experimentam Seu poder fortalecedor e Seu
amor (2.1–3.21).
1. A nova posição individual recebida por meio da salvação em Jesus capacita os cristãos a
andarem segundo a vontade de Deus (2.1-10).
• Os cristãos foram chamados e libertados de uma situação desesperadora (2.1-3).
- Eles estavam mortos no pecado (2.1).
- Eles eram levados pelas tendências deste sistema mundial e controlados por Satanás (2.2).
- Eles eram dominados por sua natureza pecaminosa (2.3).
• Os cristãos foram chamados a uma posição privilegiada em relação a Jesus Cristo por
causa do gracioso amor de Deus (2.4-6).
- A causa do seu novo chamado foi o gracioso amor de Deus (2.4).
- O canal do seu novo chamado foi a dádiva de um novo relacionamento com o Messias
ressurreto (2.5-6).
• Eles foram vivificados nEle depois de estarem espiritualmente mortos (2.5).
• Eles receberam vida ressurreta em Jesus (2.6a).
• Eles receberam uma posição poderosa e gloriosa com Cristo (2.6b).
• Os cristãos foram graciosamente chamados a andar segundo a vontade de Deus, de modo
a revelar Sua inexaurível misericórdia (2.7-10).
- O propósito do seu chamado é revelar a inexaurível misericórdia de Deus (2.7).
- A base do seu chamado é a graça de Deus [favor não merecido] obtida por meio de fé, não
de mérito (2.8-9).
- O padrão do seu chamado é a prática de boas obras sob o plano e a direção de Deus (2.10).
2. A nova posição corporativa dos cristãos, obtida pela reconciliação efetuada por Jesus,
permite que Deus habite num corpo universal unificado cujos alicerces são Jesus e Seus
representantes autorizados (2.11-22).
• A posição anterior dos gentios era de alienação de Deus e dos privilégios de conhecê-lO
(2.11-12).
• A posição atual dos gentios é de comunhão com Deus e Seu povo por meio da
reconciliação efetuada por Jesus (2.13-18).
- O canal da reconciliação foi o sangue de Cristo (2.13).
- O processo da reconciliação foi a remoção da Lei como uma barreira entre aqueles que a
conheciam e os que a ignoravam (2.14-17).
• O processo da reconciliação estava centrado em uma pessoa [Jesus] (2.14).
• O processo da reconciliação foi cumprido pela morte corporal de Jesus como
pagamento pelas exigências da Lei (2.15a).
• O processo da reconciliação foi destinado a criar uma nova raça unificada, onde
nenhuma hostilidade existiria entre os povos (2.15b-16).
• O processo da reconciliação foi pregado a homens de toda espécie (2.17).
- O resultado da reconciliação é acesso livre a Deus Pai tanto para judeus quanto para
gentios (2.18).
• A nova posição dos gentios lhes dá privilégios espirituais que não possuíam antes (2.19-
22).
- Eles agora têm cidadania divina e status familiar (2.19).
- Eles agora constituem a habitação de Deus na terra à medida que a Igreja é edificada sobre
Cristo e os apóstolos (2.20-22).
3. O privilégio dado aos efésios de desempenhar um papel crucial como provas cósmicas da
multiforme sabedoria de Deus, segundo a revelação do Seu mistério por Paulo, deveria
evitar que eles se sentissem envergonhados porque seu mentor era agora um prisioneiro
(3.1-13).
• A administração do mistério de Deus - a igualdade universal na partilha de privilégios
espirituais em Cristo - por tanto tempo oculto, foi confiada a Paulo para o benefício dos
gentios (3.1-6).
- A atual condição de Paulo como prisioneiro é resultado do seu compromisso com o papel
de administrador do mistério de Deus para os gentios (3.1-3).
- A visão de Paulo quanto ao procedimento de Deus com os homens é que, por meio do
Evangelho, os gentios desfrutam dos mesmos privilégios espirituais que judeus crentes
(3.4-6).
• Este mistério revelado a Paulo é um novo procedimento de Deus com os homens (3.4-
5).
• Os gentios foram feitos herdeiros em Cristo com os judeus, e membros de um corpo
novo e singular (3.6).
• O mistério de Deus, conforme proclamado por Paulo, o servo mais humilde de Cristo, faz
dos gentios crentes provas cósmicas da multiforme sabedoria de Deus segundo o Seu
plano eterno (3.7-12).
- Paulo, o servo mais humilde de Cristo, recebeu graça para tornar-se administrador do
mistério de Deus (3.7-9).
- O mistério de Deus de dar livre acesso a Si mesmo a todos os homens por meio da fé em
Jesus faz dos crentes provas cósmicas da sabedoria divina (3.10-12).
• Os crentes não devem se envergonhar da sua fé porque seu mentor está no cárcere (3.13).
4. O meio pelo qual os efésios realizarão seu papel de testemunhas cósmicas da sabedoria
de Deus é a experiência compartilhada de poder, presença e amor divinos, pelos quais
Paulo reverentemente ora ao Pai Soberano e O louva (3.14-21).
• A oração de Paulo pelos efésios é direcionada ao Pai soberano (3.14-15).
• O pedido de Paulo é que os efésios experimentem coletivamente o poder fortalecedor de
Deus (3.16).
• O pedido de Paulo é que os efésios experimentem individualmente a rica presença de
Cristo (3.17).
• O pedido de Paulo é que os efésios experimentem coletivamente a plenitude do amor de
Cristo a fim de desfrutar plenamente do seu relacionamento com Deus (3.19).
• O tributo de louvor de Paulo a Deus se baseia em Sua capacidade de cumprir, muito além
das expectativas humanas, Seu sábio plano por intermédio da Igreja (3.20-21).
III. As mais elevadas exigências espirituais são feitas à Igreja como o corpo unificado,
santo e triunfante de Cristo (4.1–6.20).
A. Resumo – A vida prática da Igreja precisa ser coerente com o alto chamado que ela
recebeu (4.1).
B. As mais elevadas exigências espirituais são feitas à Igreja como o corpo unificado de
Cristo (4.2-16).
1. A Igreja precisa andar em união (4.2-6).
• Os crentes precisam ter uma atitude de humilde altruísmo para com os outros membros do
corpo (4.2).
• Os crentes precisam ser diligentes para preservar a união promovida pelo Espírito vivendo
em paz uns com os outros (4.3).
• A união da Igreja se baseia na singularidade do plano de Deus em relação à Trindade (4.4-
6).
- O corpo é um porque é habitado pelo mesmo Espírito (4.4a).
- A esperança cristã é uma porque se concentra em um Senhor, por meio de uma fé expressa
por um só batismo (4.4b-5).
- O único Deus e Pai é a autoridade, o facilitador e o fortalecedor da Igreja (4.6).
2. A igreja deve se beneficiar da sua diversidade (4.7-16).
• Uma medida de graça divina foi dada a todo crente em Cristo como um presente triunfal
depois da Sua encarnação e exaltação ao papel de governante cósmico (4.7-10).
• Indivíduos especialmente capacitados foram dados à Igreja a fim de levá-la à maturidade
em serviço, união, estabilidade e crescimento sob a autoridade de Cristo (4.11-16).
- Indivíduos especialmente capacitados foram dados à Igreja (4.11).
• Apóstolos – para estabelecer a palavra como testemunhas oculares de Cristo;
• Profetas – para revelar a vontade [até então] desconhecida de Deus, encorajar e
exortar;
• Evangelistas – para proclamar a mensagem da salvação em Cristo; e
• Pastores e mestres – para ensinar e guiar rebanhos locais de crentes.
- O propósito de tais dádivas [humanas] é o desenvolvimento da Igreja rumo à maturidade
espiritual (4.12-16).
• A Igreja precisa se desenvolver a fim de que todo crente desempenhe seu ministério
designado (4.12).
• A Igreja precisa se desenvolver a fim de desfrutar da sua união (4.13).
• A Igreja precisa se desenvolver a fim de que todos alcancem estabilidade espiritual,
intelectual e emocional (4.14).
• A Igreja precisa se desenvolver a fim de crescer harmoniosamente em amor sob a
autoridade do Cabeça (4.15-16).
C. As mais elevadas exigências espirituais são feitas à Igreja como corpo santo de Cristo
(4.17–6.9).
1. A nova vida dos crentes precisa ser caracterizada pela rejeição do antigo comportamento
ímpio à luz da renovação que Cristo produziu dentro deles (4.17-24).
• O antigo comportamento dominado pelo mundo e pela carne precisa ser abandonado
(4.17-19).
• A renovação produzida pela presença de Cristo exige que velhos padrões de
comportamento sejam abandonados em favor de mente e caráter renovados (4.22-24).
2. A nova vida dos crentes precisa ser caracterizada pela justiça (4.25-32).
• A mentira precisa dar espaço à verdade por causa da interdependência dos membros do
corpo (4.25).
• A ira precisa de tratamento imediato para que não induza ao pecado (4.26-27).
• A diligência no sustento de si mesmo e de outros precisa substituir a desonestidade (4.28).
• A linguagem suja e destrutiva precisa ser substituída por palavras que curam ao transmitir
o amor de Deus (4.29).
• As atitudes amarguradas que entristecem o Espírito Santo precisam ser abandonadas em
favor de um temperamento amoroso baseado no perdão gratuito de Cristo (4.30-32).
- O Espírito que garante a redenção definitiva do crente não pode ser entristecido por
comportamento contrário ao amor de Cristo (4.30).
- Emoções, palavras e pensamentos destrutivos precisam ser abandonados (4.31).
- O amor perdoador precisa ser o fator que controla os relacionamentos cristãos baseados no
modelo de Cristo (4.32).
3. A nova vida do crente precisa ser caracterizada pelo amor (5.1-6).
• Crentes precisam imitar o amor sacrificial de Deus demonstrado em Cristo (5.1-2).
• Crentes precisam eliminar hábitos egocêntricos que marcam aqueles que não pertencem a
Deus (5.3-5).
• Crentes não devem permitir que mentiras mundanas os lancem sob a ira de Deus (5.6).
4. A nova vida dos crentes precisa ser caracterizada pela pureza (5.7-14).
• O princípio da pureza é não se envolver com os que praticam o mal (5.7).
• A premissa da pureza é que filhos de um Pai puro reflitam Seu caráter bom, reto e
verdadeiro (5.8-10).
• A prática da pureza é expor o pecado dentro da comunidade a fim de trazer irmãos
errantes de volta à luz de Deus (5.11-14).
5. A nova vida do crente precisa ser caracterizada por sabedoria (5.15-20).
• Crentes devem esforçar-se para viver prudentemente a fim de aproveitar ao máximo suas
oportunidades na vida (5.15-16).
• Crentes devem buscar o conhecimento da vontade de Deus (5.17).
• Crentes devem se submeter ao controle do Espírito (5.18-20).
- Os crentes efésios não devem se conformar à prática pagã de embriaguez cultual como um
caminho para a sabedoria (5.18).
- Crentes devem demonstrar o controle do Espírito por meio de comunicação edificante e
criativa (5.19).
- Crentes devem demonstrar o controle do Espírito expressando gratidão a Deus em toda
situação (5.20).
6. A nova vida do crente precisa ser caracterizada por submissão (5.21–6.9).
• Submissão cristã mútua é uma ordem baseada na reverência ao exemplo de Cristo (5.21).
• Esposas cristãs demonstram tal reverência submetendo-se ao seu marido como a Igreja é
submissa a Cristo (5.22-24).
• Maridos cristãos demonstram tal reverência amando sua esposa sacrificialmente como
Cristo amou a Igreja (5.25-30).
- Este amor exige abnegação (5.25).
- Este amor exige esforço para fazer da esposa a melhor pessoa que ela pode ser como
Cristo fez pela Igreja (5.26-30).
- Resumo – os casamentos cristãos devem ser caracterizados por compromisso abnegado
como uma ilustração do relacionamento Cristo-Igreja (5.31-33).
• Filhos cristãos demonstram tal reverência obedecendo a seus pais à luz da bênção
prometida de Deus (6.1-3).
• Pais demonstram tal reverência dando uma criação significativa e estável baseada nos
princípios de Deus (6.4).
• Escravos cristãos demonstram tal reverência servindo seus mestres como ao próprio
Cristo, sincera, zelosa e respeitosamente, com vistas à recompensa de Cristo (6.5-8).
• Mestres cristãos demonstram tal reverência com tratamento compassivo e respeitoso à luz
do exemplo de Cristo como seu Mestre justo e amoroso (6.9).
D. As mais elevadas exigências espirituais são feitas à Igreja como o corpo triunfante de
Cristo (6.10-20).
1. Cristãos precisam continuar a se fortalecer em Cristo e no poder que Ele coloca a seu
dispor (6.10).
2. Cristãos têm ordem de estar plenamente equipados para o confronto espiritual contra
forças espirituais malignas (6.11-13).
3. Cristãos precisam ir para a batalha com todo o seu equipamento (6.14-17).
• Eles precisam vestir a integridade pessoal como seu cinto (6.14a).
• Eles precisam vestir a justiça prática como sua couraça (6.14b).
• Eles precisam calçar os pés com a segurança e a paz dadas pelo evangelho (6.15).
• Eles precisam vestir sua confiança pessoal em Jesus como seu escudo contra dardos
flamejantes (6.16).
• Eles precisam vestir sua esperança pessoal de salvação como capacete (6.17a).
• Eles precisam carregar a ministração da Palavra de Deus pelo Espírito como sua espada
(6.17b).
4. Cristãos têm a ordem de demonstrar cuidado mútuo por meio de comunicação constante
com Deus em oração intercessora por todos os crentes (6.18-20).
• A oração na linha de batalha deve ser constante, diversa e universal (6.18).
• Paulo pede oração por si mesmo para que ele permaneça preparado e intrépido no
ministério a despeito do seu encarceramento (6.19-20).
IV. Epílogo – O desejo de Paulo para os leitores efésios é que eles se regozijem nas
circunstâncias dele ao desfrutarem da paz e do amor que Deus graciosamente oferece
àqueles que verdadeiramente amam a Jesus (6.21-24).
O argumento de
FILIPENSES
Questões introdutórias
TÍTULO
O título grego deste livro é ΠΡΟ΢ ΥΙΛΙΠΠΗ΢ΙΟΤ΢ (Pros Philippēsious), o nomem
patrium da cidade na qual se localizava a igreja. Não se encontra nenhum título variante
nas versões.
AUTORIA
A autoria paulina de Filipenses era universalmente aceita na igreja primitiva e
dificilmente é questionada hoje, embora alguns estudiosos defendam a presença de
interpolações.
A evidência interna aponta para a autoria paulina, visto que a saudação não só inclui
o nome de Paulo, mas também o de seu companheiro de trabalho mais próximo,
Timóteo (1.1). O esboço biográfico do capítulo 3 é muito pessoal, assim como os
detalhes de 4.10-16. Clemente de Roma (Epístola aos Coríntios), Policarpo e Irineu
oferecem atestação externa.
É comum entre estudiosos rotular Filipenses 2.6-11 como um hino cristão, tomado de
empréstimo por Paulo a um compositor anônimo do século I. Parece bem mais fácil
aceitar que o maior teólogo da igreja primitiva tenha sido o autor desta jóia teológica.
UNIDADE
Alguns estudiosos modernos detectaram em Filipenses supostas evidências de uma
natureza mista. Em geral, a autoria paulina não é negada, mas a relevância de algumas
partes nas suas atuais posições no texto é questionada.
Isto é particularmente sentido no capítulo 3, pelas seguintes razões: (1) a frase σό
λοιπόν, to loipon (―quanto ao mais‖) em 3.1 sugere que o fim da carta está próximo, (2)
o tom muda abruptamente de cordial para belicoso nesse mesmo versículo, (3) parece
haver dois problemas distintos no capítulo 3, judaizantes e libertinos.
Estes problemas podem ser resolvidos satisfatoriamente para quem não traz idéias
preconcebidas à leitura do livro. Antes de tudo, σό λοιπόν não significa necessariamente
que o final está próximo (cf. 1Ts 3.1; 4.1), embora muitas vezes signifique isto.
Segundo, a mudança de tom pode ser devida a alguma informação recente recebida pelo
apóstolo, ou a um tratamento do assunto adiado por causa de uma interrupção,197 ou a
uma combinação de ambos. Terceiro, a presença de mais de um assunto não exige

197
Assim diz J. B. Lightfoot, Commentary on St. Paul’s Epistle to the Philippians, pp. 69-70.
Donald Guthrie favorece a idéia à luz do estilo de vida de Paulo na prisão, com muitos
visitantes indo e vindo (cf. New Testament Introduction, p. 537).
autoria mista, e além do mais, a tentativa de tornar aqueles cujo ―deus … é o ventre‖ em
libertinos antinomianos parece afrontar um contexto caracteristicamente judaico (cf.
circuncisão, inimigos da cruz, a vergonha deles). Quarto, há ligações literárias e
temáticas íntimas entre o capítulo 3 e o resto da epístola, tal como alusões à cruz (2.8;
3.18), o apelo ao orgulho dos filipenses em sua cidadania romana (πολίσετμα,
politeuma) em 1.27 e 3.20, e o uso do verbo grego ςσήκψ (stēkō, ―permanecer‖) em
1.27 e 4.1.198
O chamado hino de Filipenses 2.6-11 foi muitas vezes atribuído a Paulo, que o teria
composto em outra ocasião,199 em cujo caso nenhum problema doutrinário está ligado à
sua inserção na carta. Outros sugerem que Paulo tomou emprestado um hino cristão
bem conhecido, como evidenciado pelo estilo (ritmo) e por uma cristologia não-paulina.
Embora não haja problema doutrinário com a citação de um hino, isto parece
desnecessário porque não há nada realmente não-paulino na passagem, e Paulo era
plenamente capaz de compor literatura altamente poética (cf. Rm 8 e 1 Co 13).
O que é inaceitável é a teoria de que Paulo tomou emprestado um hino de um deus-
herói pagão e o adaptou à pessoa de Cristo, visto que esta teoria implicaria que tais
doutrinas como a exaltação e glorificação máxima de Cristo são resquícios do
paganismo.
Em resumo, o conteúdo altamente pessoal da epístola permite uma forma menos
rígida, assim explicando a mudança entre exortação e testemunho e a presença de um
parágrafo severo abordando um problema que ameaçava a igreja amada de Paulo.
DATA E ORIGEM
Três vezes na epístola, Paulo indica que ele é um prisioneiro (1.7, 13, 16). Fixando-
se a data do seu aprisionamento, o lugar de onde a carta foi escrita será determinado.
Três teorias principais foram propostas. Roma, Cesaréia e Éfeso.
Roma como lugar de origem. Roma tem o peso da tradição a apoiá-la, e isso se
encaixa bem com a referência à guarda pretoriana (1.13) e à casa de César (4.22), com o
otimismo cauteloso de Paulo quanto ao desenrolar do seu julgamento (1.19, 26) e com
aparente irreversibilidade de tal veredicto (1.19-24). Embora os dois primeiros itens se
apliquem a Cesaréia e Éfeso, os dois últimos se aplicam apenas a Roma. Por semelhante
modo, a aparente liberdade de Paulo para receber hóspedes e visitas e para manter
correspondência com suas congregações aponta para Roma em vez de Cesaréia, onde
ele não estivera sob prisão domiciliar.
Os principais fatores contra Roma são: (1) a grande distância entre esta e Filipos e o
grande número de viagens entre as duas cidades implícito no livro e (2) o fato de que os
filipenses não tinham tido oportunidade de ajudar Paulo financeiramente (4.10), que
seria improvável no suposto intervalo de 10 anos entre o estabelecimento da Igreja e a
composição da carta em Roma.
Cesaréia como lugar de origem. Cesaréia tem a seu favor o fato de ter Paulo sido
mantido como prisioneiro lá por dois anos e com acesso limitado aos seus amigos (cf.
At 24.23-27). Cesaréia também proporciona um clima emocional adequado para a
diatribe em Filipenses 3.1-16.
Os seguintes argumentos militam contra Cesaréia: (1) a irreversibilidade do veredicto
esperado; (2) a extensa atividade cristã descrita na carta também não se encaixa nem
com o tamanho da cidade nem com o da sua comunidade cristã; (3) a esperança de
Paulo era de visitar Filipos, enquanto em Cesaréia Deus lhe dera certeza de que seu
próximo destino era Roma (cf. At 23.11); (4) a distância entre as duas cidades; (5) o

198
Para uma boa abordagem do assunto de unidade, veja Moisés Silva, Philippians, WEC, pp.
14-18, pp. 165-167.
199
Ralph P. Martin, Carmen Christi.
longo intervalo [seis anos] durante o qual não houve nenhuma oportunidade dos
filipenses ajudarem Paulo financeiramente.
Éfeso como lugar de origem. Esta hipótese tem ganho cada vez mais preferência em
anos recentes.200 Suas principais vantagens são: (1) a pequena distância entre Éfeso e
Filipos, permitindo as várias viagens implícitas no texto201 e (2) o intervalo de tempo
menor entre o estabelecimento da igreja e a composição da carta, assim explicando a
falta de oportunidade para contribuições financeiras ao ministério de Paulo. Outros
argumentos a favor de Éfeso são o desejo expresso de Paulo de ir à Espanha após pregar
em Roma, as descrições de grande aflição na Ásia (1Co 15.32, 2Co 1.8-10 e 11.23)
como indicações de aprisionamento durante seu ministério em Éfeso, e a ausência de
Lucas no lugar onde Paulo escreveu Filipenses, como implícito no comentário de Paulo
em 2.20.
Argumentos contra Éfeso se baseiam primariamente na natureza especulativa de toda
a posição, visto que nenhum aprisionamento é mencionado em Atos 19, o relato mais
detalhado da permanência de Paulo em qualquer cidade.
Ademais, os planos de Paulo em relação à Espanha poderiam ter mudado durante os
cinco anos entre Romanos e Filipenses (adotando-se a origem romana).202 Além disso, a
natureza do ministério de Paulo depois de deixar Corinto em a.D. 52 era tal que ele não
teria recebido dinheiro de nenhuma fonte para não dar motivo para suspeita quanto à
oferta que buscou levantar entre as igrejas gentias para os cristãos pobres na Judéia (cf.
2Co 8–9).
A ausência de Lucas é basicamente um argumento de silêncio, e pode ser explicada
de duas maneiras. A referência em 2.20 pode ser uma referência a um representante
apostólico tal como Tito e Timóteo, uma posição não atribuída a Lucas no Novo
Testamento. Além disso, Lucas pode ter sido enviado em outra missão por Paulo, sendo
assim omitido aqui.
O último argumento contra Éfeso é que o suposto tempo passado em viagem não era
tão grande quanto os defensores da origem efésia sugerem. Em vez de 45 dias indicados
por alguns, a viagem Roma-Filipos podia ser feita em quatro semanas. Aliado a isto está
o verdadeiro argumento que nem todas as viagens implícitas precisavam ter ocorrido.
Assim, notícias da prisão de Paulo em Roma podem ter alcançado Filipos antes que o
apóstolo sequer chegasse a Roma (cf. At 28.11), e a oferta poderia ter chegado dentro de
alguns meses após sua chegada a Roma. Semelhantemente, Epafrodito poderia ter tido

200
Veja Guthrie, Introduction, pp. 146-154.
201

Um total de seis viagens é possível, como se segue:

1. Notícias do aprisionamento de Paulo chegam a Filipos;

2. Epafrodito viaja ao lugar de aprisionamento de Paulo com a oferta dos filipenses;

3. Notícias da doença de Epafrodito chegam a Filipos;

4. Notícias da preocupação dos filipenses com a sua doença chegam a Epafrodito;

5. A visita de Timóteo a Filipos; e

6. O regresso de Timóteo ao local onde Paulo estava preso.


202
Veja O ARGUMENTO DE COLOSSENSES, data e origem, para saber mais sobre este
assunto.
um companheiro de viagem que retornara a Filipos depois de ele adoecer, mas antes de
chegar a Roma, e isto eliminaria a necessidade de uma segunda viagem. A suposta
viagem de Timóteo, se baseada em 2.18ss., é melhor entendida como ainda futura, e
assim duas outras viagens são eliminadas, permitindo tempo suficiente para viagens de
até dois meses.
Conclusão sobre lugar de origem. A origem tradicional para a carta, Roma, ainda
se mantém na opinião do escritor, sendo Éfeso uma segunda opção atraente, apesar de
sua base textual não confirmada.
Data da epístola. Com base nessa escolha, a data seria algum tempo em a.D. 60-61,
mais provavelmente na fase final do aprisionamento de Paulo em Roma, visto que
estava próximo um veredicto no seu caso diante de César. Esta parece ter sido a última
carta da primeira prisão de Paulo em Roma.
CONTEXTO HISTÓRICO
A Cidade. A cidade, originalmente conhecida como Crenides, ficava a
aproximadamente 16 quilômetros do mar Egeu, na Macedônia, atual norte da Grécia.
Em 356 a.C., Crenides recebeu o nome de Filipos em homenagem a Filipe II, rei da
Macedônia, pai de Alexandre o Grande, que embelezara e aumentara a cidade.
Na história subseqüente, Filipos se beneficiou de batalhas importantes travadas nas
suas proximidades. A batalha de Filipos (42 a.C.) entre o Segundo Triunvirato (Otávio,
Marco Antônio e Lépido) e os republicanos (Bruto e Cássio) proporcionou a Filipos a
posição de colônia militar. Quando, doze anos depois, Otávio e Antônio estavam em
lados opostos na batalha de Áctio, Otávio, o vencedor e único governante da ainda
República Romana, fez da cidade uma colônia romana oficial, com o nome Colonia
Iulia Philippensis, depois promovida a Colonia Augusta Iulia Philippensis (27 a.C.).
Assim, os filipenses eram isentos de tributos, tinham uma forma autônoma de
governo e eram tratados como plenos cidadãos romanos. Isto explica a ira e as
exigências de Paulo à luz dos maus-tratos que recebeu de pessoas que conheciam muito
bem as imunidades de um cidadão romano.
A Igreja. Filipos foi a primeira cidade em solo europeu a receber o testemunho do
Evangelho. Em a.D. 51, durante a segunda viagem missionária de Paulo, ele foi movido
pelo Espírito, por meio de uma visão, a atravessar o mar Egeu rumo à Macedônia para
lá pregar a Palavra.
É possível que o forte orgulho romano dominante em Filipos desencorajara a
presença de qualquer população judaica expressiva, visto que não existia lá uma
sinagoga para a abordagem paulina inicial, ―primeiro ao judeu‖.
O primeiro lugar onde o cristianismo foi pregado na Europa era próximo ao rio
Gangites, ao sul da cidade. Algumas mulheres tementes a Deus203 se encontravam lá
para orar e lá Lídia se tornou a primeira convertida ―oficial‖ à nova fé. Depois do seu
batismo, a equipe missionária (Paulo, Silas, Timóteo e Lucas) ficou hospedada na casa
dela, onde a recém-nascida igreja provavelmente se reuniu em seus primeiros estágios
(cf. 16.40).
Três incidentes marcaram essa fase inicial. O exorcismo de uma escrava explorada
(16.16-18), que levou ao aprisionamento e tortura de Paulo e Silas (16.19-24), que levou
à conversão do carcereiro e sua casa (16.25-34). Com um início tão modesto,
estabeleceu-se uma das igrejas mais fiéis do Novo Testamento. Lucas parece ter
assumido o cuidado do rebanho por até seis anos,204 depois dos quais Epafrodito pode
ter assumido tal função.

203
O termo significa alguém que se fez praticante parcial do judaísmo.
204
As passagens na primeira pessoa do plural desaparecem do texto de Atos até 20.5-6,
quando Paulo visita a Macedônia pela terceira vez em sua terceira viagem missionária (c. a.D.
57).
Argumento básico
OCASIÃO E PROPÓSITO
A ocasião para a carta foi o envio de uma oferta financeira da igreja a Paulo pelas
mãos de Epafrodito (4.18), com instruções para ministrar (cf. λεισοτπγόν, leitourgon,
2.25) às necessidades do apóstolo em Roma.
Muito provavelmente, Epafrodito também levou relatos sobre o progresso e os
problemas da igreja. Agradecendo à igreja por sua generosidade, Paulo também queria
encorajar a perseverança nos traços positivos e oferecer correção para as áreas nas quais
a igreja se achava deficiente.
Outros motivos para a carta foram a correção de qualquer desentendimento sobre o
desempenho de Epafrodito como mensageiro e ministro (2.25-30) e a iminente visita de
Timóteo (2.19-24).
Esta breve carta é a mais pessoal e carinhosa de todas as epístolas paulinas escritas a
uma igreja. Há correção, mas não crítica severa; avisos são profiláticos em vez de
cirúrgicos; exemplos são todos positivos e há um tom afirmativo nas referências a
pessoas, com exceção dos ―cães‖ do capítulo 3.
É difícil definir um único propósito para a carta. Parece que ao expressar seu
agradecimento pelo envolvimento passado dos filipenses em seu
ministério, dar exemplos positivos de compromisso sob pressão e exortar à união em
meio a circunstâncias difíceis, Paulo ternamente exige contínuo progresso (πποκοπή,
prokopē, 1.12, 25) do Evangelho na vida deles como igreja para que o Evangelho
pudesse continuar a avançar por intermédio deles como acontecera no passado. Assim, o
propósito da carta pode ser formulado da seguinte maneira:
Promover a vitalidade contínua do Evangelho entre os filipenses para que este
pudesse continuar a progredir por intermédio deles.
Paulo alcança este propósito demonstrando quão valiosa lhe fora a participação
anterior dos filipenses em seu ministério. Além disso, chega ao propósito expressando
sua grande esperança quanto ao futuro deles (1.3-11), ao encorajá-los, com base em seu
próprio exemplo (1.12-26), a resistirem às pressões externas (1.27-30) e à tentação de
auto-engrandecimento na vida da igreja (2.1-4), tendo em vista o exemplo de Cristo
(2.5-11), e a servirem fielmente (2.12-18) tal como Timóteo e Epafrodito (2.19-30).
O aviso contra os judaizantes (baseado no exemplo de vida de Paulo) se encaixa com
o propósito ao fornecer o ponto de partida para um verdadeiro relacionamento com o
Messias (3.1-11), com base no qual as exortações à perseverança na caminhada cristã
são apresentadas (3.12–4.1).
O capítulo 4 contribui para o propósito total exortando à união a despeito das
diferenças de opinião, permitindo que Deus cuide das dificuldades dos relacionamentos
interpessoais (4.2-9). Os agradecimentos (4.10-20) também encorajam a vitalidade no
Evangelho ao mostrar como a participação deles fora significativa em meio às suas
tribulações por amor a Cristo.
DESENVOLVIMENTO
Paulo abre esta, a mais pessoal das suas epístolas a igrejas, com o costumeiro desejo
de graça e paz aos seus destinatários. Mantendo o espírito de humildade que permeia a
carta, ele não se apresenta como apóstolo (cf. Coríntios e Colossenses), mas como um
servo de Jesus Cristo (δοῦλορ Φπιςσοῦ Ἰηςοῦ, doulos Christou Iēsou, 1.1). Timóteo é
seu companheiro e seus destinatários são chamados de santos (ἅγιοι, hagioi). A menção
específica de bispos e diáconos (ἐπιςκόποιρ καί διακόνοιρ, episkopois kai diakonois) é
uma indicação precoce de que havia uma circunstância incomum no ar exigindo o apoio
de Paulo à liderança da igreja.
Como em todas as cartas de Paulo, sua oração introdutória (1.3-11) dá o tom para o
resto da epístola. Era a convicção e oração de Paulo que o envolvimento passado dos
filipenses com a graça divina (1.5) levaria ao crescimento contínuo do Evangelho na
vida deles. Sua oração específica é que o amor e o discernimento tenham caminho livre
na vida deles como igreja (1.9), para que os filipenses levassem uma vida espiritual
madura (πεπληπψμένοι καππόν δικαιοςύνηρ, peplērōmenoi karpon dikaiosunēs),
―cheios do fruto de justiça‖) que resultaria em glória e louvor oferecidos a Deus (1.11).
Ao longo da carta, Paulo tecerá os fios de exemplo e exortação de modo a esclarecer
suas idéias para os filipenses. Na primeira grande divisão (1.12–2.30), ele se concentra
em atitudes que permitirão o progresso do Evangelho entre os filipenses e por meio
deles. As três atitudes que ele destaca são otimismo frente a tribulações (1.12-30),
humildade (2.1-11) e serviço com alegria (2.12-30).
Em cada uma dessas seções, Paulo usa exemplos para reforçar suas exortações. Na
primeira seção (ou ciclo), o exemplo precede a exortação; nas segunda e terceira, a
ordem se inverte.

Exemplo – As circunstâncias de Paulo.


Exortação – Os filipenses devem ser contentes.
Exortação – Os filipenses devem ser humildes.
Exemplo – A humildade e a recompensa de Cristo.
Exortação – Os filipenses devem servir sem murmuração.
Exemplo – O serviço sacrificial de Timóteo e Epafrodito.
1. ARRANJO DE FILIPENSES 1.12–2.30
Este mesmo padrão será observado no restante da carta. Em duas seções (1.12-30 e
3.12–4.1), o exemplo precede a exortação duas vezes onde Paulo usa suas próprias
ações ou atitudes como um modelo a ser seguido.
O primeiro exemplo de Paulo é sua própria experiência como prisioneiro em Roma.
Ao descrever suas dificuldades, ele busca encorajar os filipenses a manter o otimismo
em meio às tribulações. Ele afirma que suas circunstâncias um tanto difíceis resultaram
em progresso para o Evangelho e até em crescimento para outros crentes (1.12-26). Ele
estava otimista quanto ao seu longo aprisionamento porque este levara outros cristãos a
proclamar a mensagem (1.12-14); ele estava otimista quanto ao progresso do
Evangelho, mesmo que alguns pregadores não tivessem a motivação correta (1.15-18), e
ele estava otimista quanto à incerteza do seu veredicto diante de César, visto que Cristo
seria glorificado por meio dele, quer na vida e no serviço, quer na morte e comunhão
imediata com Cristo (1.19-26).
A exortação seguinte lida com a questão da resposta da igreja à oposição externa.
Paulo não afirma a natureza do problema, mencionando apenas σ῵ν ἀνσικειμένψν (tōn
antikeimenōn, ―os adversários‖). A oposição enfrentada por Paulo e seus companheiros
(At 16) provavelmente teria se acendido novamente devido ao orgulho demasiadamente
romano da cidade. Paulo queria lhes trazer à lembrança que sofrer por amor a Cristo é
parte integral do pacote da graça de Deus (1.29), como o conhecimento das
circunstâncias passadas e presentes de Paulo testifica (1.30).
A pressão externa, fosse qual fosse sua natureza, não era o único problema brotando
em Filipos. Internamente, uma atitude egocêntrica ameaçava rasgar o tecido da igreja, e
Paulo fornece o antídoto para isso na pessoa e na atitude de Jesus Cristo (2.1-11).
A exortação começa com a lembrança dos privilégios que os filipenses gozavam em
virtude do seu relacionamento com Deus por meio de Jesus (2.1-2). À luz disto, Paulo
pede que eles o agradem como seu pai espiritual, unindo-se em singeleza de mente e
propósito, deixando interesses pessoais de lado e concentrando-se nos interesses dos
outros (2.3-4).
O exemplo que Paulo oferece contém um imperativo ético: tenham entre si a mesma
disposição mental que caracterizava Jesus, o Messias.205 O objetivo de Paulo ao
descrever a humilhação histórica de Cristo e revelar Sua futura exaltação é reforçar o
ensinamento do próprio Cristo sobre a humildade como o caminho para a verdadeira
grandeza.
O ensinamento sobre a kenosis de Cristo tem sofrido grandes abusos e tem sido
utilizado para dizer coisas contrárias à ortodoxia. As palavras ἑατσόν ἐκένψςεν
(heauton ekenōsen, ―a si mesmo se esvaziou‖) descrevem não uma perda ou um
decréscimo na essência de Cristo, mas uma suspensão voluntária da manifestação
gloriosa de tal essência; elas também se referem a sua condescendência em compartilhar
da fragilidade humana, e sua suspensão voluntária do uso independente dos Seus
atributos divinos.206
A ênfase mais importante recaía na abnegação de Cristo ao assumir o papel de servo,
muito obviamente um reflexo das Suas próprias palavras (cf. Mc 10.45). Se tais fossem
as atitudes em Filipos, a igreja seria capaz de vencer tanto a luta interna quanto a
pressão externa. O desejo por um lugar de honra devia esperar pelo tempo de Deus, tal
como acontecera com Jesus, o Messias.
O terceiro ciclo de exortação-exemplo (2.12-30) precisa ser relacionado à menção de
bispos e diáconos em 1.1. Evidentemente alguns filipenses se recusavam a obedecer à
liderança estabelecida e murmurando abertamente contra ela. A exortação de Paulo é
que o desenvolvimento da salvação de uma pessoa (i.e. crescimento cristão) dependia de
se perceber a mão soberana de Deus nas circunstâncias (2.13, que precisa ser
relacionado a 1.6)207 e de se manter uma atitude de alegria no serviço para que sua vida
comunitária fosse luz numa sociedade perversa (uma alusão interessante às palavras de
Jesus no Sermão do Monte e às palavras de Moisés em seu cântico [Dt 32.5]).
Os dois exemplos de serviço alegre e desinteressado são os de Timóteo (2.19-24) e
Epafrodito (2.25-30). O valor de Timóteo era conhecido pelos filipenses por meio do
seu ministério com Paulo em Filipos; a medida do seu serviço era o de amor filial e o
alvo do seu ministério era o avanço da causa de Cristo, não lucro pessoal (2.21-22). A
implicação de Paulo era que Timóteo, o qual ele esperava enviar para Filipos, era um
exemplo digno e um líder a ser seguido até que o próprio Paulo viesse (2.24).
Epafrodito é apresentado como um exemplo de genuína preocupação pelo bem-estar
emocional e físico dos outros. Ele incorporava os atributos que Paulo exigia em 2.1-4.
Sua dedicação, a ponto de arriscar a vida, ao ministério que a igreja lhe confiara (2.30) e
sua preocupação com a igreja (2.26) mereceram os mais altos elogios de Paulo; a igreja
também devia lhe dar tratamento ―vip‖. Este parágrafo ganharia importância se
Epafrodito tivesse sido um dos líderes em Filipos, mas não há evidência tradicional que
o sugira.

205
Este escritor prefere manter a interpretação ética tradicional em vez de adotar um
significado posicional para a expressão ἐν Φπιςσῶ. Para uma discussão mais extensa do
significado de 2.5, veja Silva, Philippians, pp. 107-111.
206
Charles C. Ryrie, Teologia Básica, pp. 299-302.

207
É melhor entender a expressão ἐν ὑμιν (en humin) num sentido coletivo, entre vós, e
interpretar ςψσηπία (sōtēria) como a experiência coletiva da salvação (livramento do pecado +
santificação + glorificação final). R. Martin, Philippians, NCB, apóia este ponto de vista. Para
posições diferentes, veja Moisés Silva, Philippians, pp. 138-140.
O capítulo três contém o severo aviso de Paulo contra o perigo representado por
mestres judaizantes que se infiltravam na igreja em Filipos. O tom altamente emocional
da passagem e o vocabulário diferente indicam que estes não são os mesmo indivíduos
de que Paulo falou no capítulo 1, visto que aqueles eram considerados ―irmãos‖,
enquanto estes são classificados como cães (3.2). O grande objetivo do apóstolo é dizer
que Cristo é suficiente como a base da santificação, e que os filipenses deviam ver a
vida dele, Paulo, como o exemplo adequado em vez de seguir falsos mestres.
A preocupação de Paulo é que os filipenses se beneficiem plenamente do seu
relacionamento com Cristo, mas isto seria impossível se eles se entregassem às
exigências de circuncisão dos judaizantes (3.1-3). A realidade na religião é encontrada
apenas numa dependência exclusiva de Jesus Cristo, sem nenhuma provisão para
confiança em mérito humano (o termo grego ςάπξ, [sarx, ―carne‖] é mais do que
natureza humana, refletindo também tentativas humanas de ganhar aceitação divina,
3.3).
A fim de reforçar sua admoestação, Paulo apresenta seu próprio testemunho de
encontrar um relacionamento muito mais gratificante com Deus por meio da fé em
Cristo do que por meio dos esforços legalistas da sua religião farisaica (3.4-11). Paulo
indica que embora pudesse reivindicar para si muito mais mérito humano do que os
judaizantes em Filipos (3.4-6), tudo que ele pudesse fazer nunca poderia se comparar ao
conhecimento pessoal, crescente e experimental de Jesus, o Messias (3.7-11).
Este último parágrafo é praticamente um resumo da teologia paulina e inclui os
conceitos da justificação pela graça por meio da fé, de união mística e prática com
Cristo e da volta iminente de Cristo para arrebatar Seu povo.208
Paulo prossegue expressando sua certeza de que os filipenses adotariam seu ponto de
vista e os relembra, a partir da sua própria experiência, mais uma vez, que não existe um
platô final no relacionamento de uma pessoa com Cristo (3.12-14). Seus leitores deviam
não só rejeitar a auto-satisfação legalista, mas também buscar a maturidade Cristo tal
como ele, o referencial dos filipenses, buscava (3.15-16). A prova máxima pela qual
deviam avaliar aqueles que almejavam a liderança entre eles era o seu relacionamento
com a cruz de Cristo. A identificação mais natural deste grupo é que eles são os mesmos
judaizantes contra os quais Paulo falou em 3.1-3.209 A postura desses homens é evitar a
vergonha messiânica associada com a cruz de Cristo, em contraste com Paulo, para o
qual ela era a única base de glória (Gl 6.14). Essas pessoas caminhavam rumo à eterna
destruição, visto que haviam escolhido servir leis alimentícias humanas em vez do Deus
que criou o homem e o alimento, e que haviam tornado seus órgãos circuncidados
(normalmente algo vergonhoso e escondido) em seu orgulho jactancioso. Tais atitudes

208
Há grande debate sobre o versículo 11. A primeira questão lida com a natureza da
expressão εἰ π῵ρ (ei pōs, “se, porventura”), se ela expressa dúvida ou não. Suas outras
ocorrências no Novo Testamento (At 27.17; Rm 1.10; 11.14) sugerem que sim. Se sim, Paulo
estaria expressando dúvidas quando à sua parte na ressurreição? Isto só é necessário para
quem não leva em conta a troca das palavras de Paulo entre 3.10 e 3.11, de ἀνάςσαςιρ
(anastasis) para ἐξανάςσαςιρ (exanastasis). Esta palavra incomum (hapax legomenon) sugere
que Paulo tinha em mente um evento especial no qual a sua participação não era certa, não
por causa de mérito insuficiente, mas devido ao seu tempo de vida insuficiente. A esta altura
da sua vida, Paulo ainda esperava estar vivo para a segunda vinda de Cristo (como expresso
em 1Ts 4.15 e 1Co 15.52), embora ele tenha percebido posteriormente (2Tm 4.6-8) que a
morte chegaria primeiro.
209
Para uma discussão quanto a se isso se refere a judaizantes ou libertinos, veja M. Silva,
Philippians, pp. 208-210, e W. Hendriksen, Philippians, NTC, p. 158.
provavam sua mentalidade presa às coisas da terra e completo desligamento de Cristo
(cf. Cl 2.18-19).
Uma perspectiva realmente cristã, diz Paulo, concentrava afetos e expectativas no
Salvador e Senhor por vir, o Qual verdadeiramente dará aos crentes um corpo do qual se
orgulhar, feito semelhante ao Seu próprio glorioso corpo ressurreto (3.20-21). Tal
atitude mental permitiria que os filipenses permanecessem firmes (ςσήκψ, stēkō) em
Cristo.
A última seção da carta (4.2-20) lida com relacionamentos interpessoais dentro da
igreja, principalmente com o problema de contendas e ansiedades delas derivadas (4.2-
10). A fim de demonstrar que tais ansiedades e estresse não se justificavam, Paulo mais
uma vez parte da sua própria experiência a fim de mostrar que Deus pode e vai capacitar
Seus filhos (cf. o termo grego αὐσάπκηρ, autarkēs, ―contente, satisfeito‖ em 4.11) a
lidar com qualquer situação na vida.
Na primeira parte do capítulo 4, Paulo roga por um esforço comunitário para curar
feridas relacionais à luz da sua camaradagem passada no Evangelho (4.3) e a
proximidade (cronológica?) de Cristo (4.5), em virtude da qual o egoísmo e a ansiedade
que ele produz devem dar lugar à longanimidade, ao perdão e às ações de graças (4.6-7).
Assim, alegria e paz no Senhor seriam a experiência dos filipenses.
Ademais, depois que se fizesse isso e que se curassem os relacionamentos, seria
necessário cultivar um compromisso mútuo a uma disposição mental (e subseqüente
conduta) saudável e piedosa, exemplificada pela vida de Paulo entre eles (4.8-10).
O último parágrafo da carta (4.10-20) contém o reconhecimento pela oferta dos
filipenses, mas também este é recheado de exemplos instrutivos. Assim como em 2.13
ele enfatizara a harmonia entre a soberania divina e a responsabilidade humana no
desenvolvimento da sua vida cristã, aqui Paulo usa suas próprias experiências de
carência e abundância para mostrar que Deus usa ambas para tornar Seus filhos
adequados para a tarefa que Ele lhes apresenta. Em 4.10-14 Paulo testifica que Deus dá
contentamento em qualquer circunstância na qual um cristão possa se encontrar; em
4.15-20 ele assegura aos filipenses que seu envolvimento resultará em provisão divina
abundante para todas as suas necessidades (4.19). Usando termos também encontrados
em 1.9-11 (πληπόψ [plēroō, ―suprir‖] e καππόρ [karpos, ―fruto‖]) e concluindo sua
carta com uma atribuição de glória (δόξα, doxa) a Deus, Paulo indica que o
envolvimento recente deles era um prenúncio do seu futuro crescimento rumo à
maturidade espiritual.
As saudações finais refletem a idéia geral do progresso do Evangelho, visto que
mesmo dentro da casa de César, muito provavelmente oficiais no palácio imperial
(4.22), alguns vieram a crer nele. A oração ou desejo final de Paulo é que a graça
capacitadora de Deus esteja com o espírito dos filipenses (4.23), talvez um lembrete
sutil do desejo do apóstolo de união entre eles (cf. 1.27).

ESBOÇO SINTÉTICO
Mensagem
A vitalidade contínua do evangelho entre os filipenses e a garantia de que o
evangelho continuará a crecer por meio deles.
I. Saudação – Paulo e Timóteo desejam graça divina aos crentes e líderes cristãos em
Filipos (1.1-2).
II. Oração – O envolvimento passado dos filipenses com ele na graça e no ministério de
Deus motiva Paulo a orar pelo contínuo crescimento do Evangelho na vida deles (1.3-
11).
A. A atitude de Paulo para com os filipenses era de ação de graças por sua parte na graça e
no ministério de Deus e de confiança no contínuo progresso e envolvimento deles (1.3-
8).
B. A petição de Paulo em favor dos filipenses é que o amor e o discernimento cresçam entre
eles, levando-os à maturidade para o louvor de Deus (1.9-11).
III. Exortação e Exemplo – As atitudes que permitirão o progresso do Evangelho nos
filipenses e por intermédio deles se baseiam no exemplo de Cristo e Seus servos (1.12–
2.30).
A. Primeiro ciclo – Os filipenses precisam responder com otimismo em fé e união às
pressões externas por amor ao Evangelho, como demonstrado pelo exemplo de Paulo
(1.12-30).
1. Exemplo – As circunstâncias aparentemente negativas de Paulo resultaram no progresso
para o Evangelho e em crescimento pessoal para Paulo e outros crentes (1.12-30).
• Seu aprisionamento resultara em extensiva pregação do Evangelho e zelo renovado entre
os irmãos (1.12-14).
• Sua atitude abnegada para com o privilégio de pregar permitiu que ele se regozijasse no
progresso do Evangelho independente da motivação dos outros pregadores (1.15-18).
• A ameaça de martírio ou o fardo do ministério no final do seu aprisionamento foram
enfrentados com otimismo por causa da centralidade de Cristo na vida de Paulo (1.19-
26).
- O otimismo de Paulo sobre seu futuro se baseava no ministério externo de intercessão dos
filipenses e o ministério interno de provisão espiritual do Espírito (1.19).
- A ameaça do martírio por Cristo era enfrentada com otimismo porque resultaria em glória
na terra para Jesus, o centro da vida de Paulo, e lucro para Paulo ao alcançar o céu
(1.20-23).
- A possibilidade de ministério continuado era enfrentada com otimismo por causa do
progresso que encorajaria na vida dos filipenses (1.23-26).
2. Exortação – Os filipenses devem enfrentar a oposição por causa do Evangelho com
otimismo em fé e união firmes (1.27-30).
• Paulo esperava que os filipenses respondessem aos desafios externos em união de
pensamento e propósito para abalar a falsa confiança dos seus opositores (1.27-28).
• Paulo queria que os filipenses percebessem que eles também haviam recebido o privilégio
de sofrer pelo progresso do Evangelho (1.29-30).
B. Segundo ciclo – Os filipenses precisam responder à ameaça de conflitos internos e
dissensão com uma atitude de humildade segundo o exemplo dado por Cristo (2.1-11).
1. Exortação – Os filipenses precisam enfrentar a ameaça de conflitos internos e dissensão
com uma atitude de humildade (2.1-4).
• Os privilégios que os filipenses gozam em virtude do seu relacionamento com Deus em
Cristo exigem que eles andem em união (2.1-2).
• O segredo para andar em união é uma atitude pessoal de humildade que busca o bem-estar
dos outros em vez do próprio (2.3-4).
2. Exemplo – A auto-humilhação altruísta de Cristo precisa ser seguida pelos filipenses
como comunidade cristã à luz de sua recompensa última (2.5-11).
• A ordem de Paulo é de seguir o exemplo de Cristo (2.5).
• Cristo abriu mão da Sua posição privilegiada na glória para assumir a natureza e o papel
de um servo (2.6-8).
• A posição privilegiada de Cristo será restaurada para a glória de Deus como uma
recompensa por sua auto-humilhação (2.9-11).
C. Terceiro ciclo – Os filipenses precisam reagir às tribulações com uma atitude de
obediência contente, servindo sem murmurar segundo o exemplo dos companheiros de
Paulo (2.12-30).
1. Exortação – Os filipenses devem enfrentar suas tribulações com uma atitude de
obediência contente, servindo sem murmurar, de modo a contribuir para o progresso do
Evangelho (2.12-18).
• Paulo espera que os filipenses continuem a avançar no Evangelho (2.12-13)…
… à luz do seu desempenho passado (2.12).
… à luz da obra soberana de Deus na vida deles como comunidade (2.13).
• Paulo exorta os filipenses a não se entregarem à murmuração em seu serviço cristão para
que seu testemunho permaneça eficaz (2.14-16a).
- Serviço obediente sem murmuração tornaria o testemunho deles mais crível e eficaz (2.14-
16).
- Serviço obediente sem murmuração provaria cabalmente a validade do ministério de Paulo
entre eles (2.16b).
• Paulo expressa a necessidade de contentamento mútuo em seus papéis como servos de
Cristo (2.17-18).
- Ele se regozija com o que eles realizaram em seu serviço sacrificial (2.17).
- Ele espera que eles continuem se regozijando nele apesar de sua condição como um
prisioneiro (2.18).
2. Timóteo e Epafrodito exemplificam a atitude humilde e abnegada que Paulo exige para o
progresso do Evangelho entre os filipenses (2.19-30).
• O amor humilde e abnegado de Timóteo pela causa do Evangelho impulsionou Paulo a
enviá-lo a Filipos para ministrar lá até que ele pudesse ir (2.19-24).
- Paulo esperava enviar Timóteo a fim de certificar-se da natureza do problema dos
filipenses e fornecer auxílio por intermédio de um ministro de confiança (2.19-21).
- Timóteo demonstrou amor humilde e abnegado na maneira como serviu ao lado de Paulo,
buscando o interesse de Cristo (2.22).
- Paulo tinha certeza de que logo se juntaria a Timóteo no ministério aos filipenses (2.23-
24).
• A dedicação humilde e abnegada de Epafrodito a Paulo e aos filipenses impulsionou Paulo
a enviá-lo de volta para aliviar sua grande preocupação com a igreja, a qual deveria
valorizar tal exemplo (2.25-30).
- A preocupação de Epafrodito com a igreja impulsionou Paulo a enviar este homem tão
louvável de volta a Filipos (2.25-28).
- A dedicação abnegada de Epafrodito à causa de Cristo precisa ser muito valorizada pela
igreja (2.29-30).
IV. Aviso e exemplo – A vitalidade do Evangelho entre os filipenses dependia de repudiar
doutrinas judaizantes e agarrar-se somente a Cristo como a base suficiente para a
santificação, segundo o exemplo de Paulo (3.1–4.1).
A. Aviso – A ordem de Paulo de regozijar-se em Cristo se apoia num forte aviso contra
aqueles que substituíssem Cristo com exigências legalistas que exaltam o mérito
humano (3.1-3).
B. Exemplo – A ordem de Paulo de regozijar-se no Senhor se apóia no seu testemunho da
superioridade da intimidade pessoal com Jesus em relação a tentativas legalistas de
farisaísmo (3.4-11).
1. Os próprios antecedentes de Paulo no judaísmo eram insuperáveis por aqueles que
tentavam promover o legalismo em Filipos (3.4-6).
• Suas reivindicações eram muito superiores às de qualquer judaísta (3.4).
• Sua linhagem familiar era irrepreensível (3.5).
• Sua afiliação religiosa era conservadora (3.5b).
• Seu zelo pelo judaísmo era indiscutível como um perseguidor de cristãos (3.6a).
• Seu mérito na justiça perante a Lei não tinha paralelos (3.6b).
2. A superioridade do conhecimento íntimo de Cristo e da experiência da justiça concedida
por Deus mediante a fé era tal que os privilégios legalistas de Paulo foram alegremente
abandonados como refugo (3.7-11).
• Conhecer Cristo na prática tornava os antigos privilégios de Paulo completamente fúteis
(3.7-8a).
• O conhecimento crescente e a intimidade com Cristo tornaram-se a motivação
controladora de Paulo (3.8b-11).
- A posição justa de Paulo em Cristo por meio da fé ultrapassava justiça por obras (3.8b-9).
- O desejo de Paulo era experimentar Cristo completamente até Sua vinda prometida (3.10-
11).
• Ele queria experimentar o poder da ressurreição em sua vida cotidiana (3.10a).
• Ele queria partilhar dos sofrimentos messiânicos (3.10b).
• Ele esperava partilhar da ressurreição ligada ao arrebatamento (3.11).
C. A expectativa de Paulo é que os filipenses sigam o seu exemplo de visar exclusivamente
Jesus Cristo, rejeitando aqueles que renegam a vergonha da cruz e permanecendo firmes
na obediência à luz da Sua segunda vinda (3.12–4.1).
1. Exemplo – O testemunho de Paulo é que não há um platô final no conhecimento prático
de Cristo, visto que este exige constante e consistente esforço rumo a uma recompensa
celestial (3.12-14).
2. Exortação – O pedido de Paulo é que os filipenses não se entreguem à auto-satisfação
legalista baseada em esquemas que descartam a cruz, mas mantenham-se fiéis a seu
Salvador e Senhor, que está preste a retornar (3.15–4.1).
• Os filipenses deviam mostrar sua maturidade permanecendo no modelo apostólico de
espiritualidade (3.15-16).
• Os filipenses deviam observar e categorizar líderes aspirantes e segregar aqueles que
rejeitam a cruz como a base essencial da fé cristã (3.17-19).
- Os filipenses deviam observar e categorizar líderes aspirantes segundo o padrão dado por
Paulo (3.17).
- Os filipenses deviam segregar aquelas pessoas que rejeitam a cruz como a base essencial
da fé cristã (3.18-19)…
… porque eles foram enfaticamente avisados sobre a inimizade delas contra o Messias
(3.17-18).
… porque tais pessoas terão um foco errôneo que distorcerá seus valores e destruirá seu
futuro (3.19).
• Os filipenses deviam concentrar sua lealdade no céu e seu Salvador e Senhor que está
prestes a retornar, a fim de permanecerem firmes nEle (3.20–4.1).
- Lealdade ao céu é expressa pela ardente expectativa da volta de Cristo para colocar todas
as coisas sob Seu controle (3.20-21).
- Uma permanência firme em Cristo por parte dos amados filipenses dependia de seguir os
conselhos de Paulo (4.1).
V. Exortação e exemplo – A vida comunitária na igreja filipense devia ser controlada pela
paz fornecida por um Deus capaz de suprir todas as necessidades dos Seus filhos, como
exemplificado na vida do próprio Paulo (4.2-20).
A. Relacionamentos interpessoais precisam ser governados por um espírito contente e
manso que busca a reconciliação e entrega ansiedades a Deus em grata oração (4.2-7).
1. A rixa criada entre Evódia e Síntique devia ser sanada num esforço comunitário à luz dos
seus esforços e expectativas comuns em Cristo (4.2-3).
2. Atitudes amargas e egoístas que geram ansiedade precisam ser substituídas à luz da
proximidade e provisão de Cristo (4.4-7).
• A amargura precisa ceder à alegria em Cristo enquanto os filipenses exibem um estilo de
vida desinteressado à luz da proximidade de Cristo (4.4-5).
• A ansiedade das tensões e pressões dos relacionamentos cederá à provisão de paz de
Cristo à medida que ela for apresentada a Deus em grata oração (4.6-7).
B. Relacionamentos devem ser governados por aquela disposição piedosa demonstrada na
vida de Paulo, o que garantiria a bênção da presença de Deus entre eles (4.8-10).
C. A alegria e gratidão de Paulo pela oportuna oferta dos filipenses acentuam a capacidade
de Deus de dar contentamento em toda situação e provisão para toda verdadeira
necessidade (4.10-20).
1. A oportuna oferta dos filipenses foi um motivo para maior alegria de Paulo no Deus que
lhe dera contentamento em todas as outras situações (4.10-14).
2. A oportuna oferta dos filipenses era uma demonstração de que Deus supriria as
necessidades de uma igreja generosa e amorosa (4.15-20).
• A associação filipense ao sustento de Paulo fora importante para o apóstolo (4.15-16).
• A associação filipense ao sustento de Paulo era importante e benéfica também para a
igreja (4.17-20)…
… porque aumentava a sua recompensa diante de Deus (4.17).
… porque supria as necessidades de Paulo como um sacrifício agradável a Deus (4.18).
… porque carregava a promessa de uma provisão abundante de Deus, a Quem a glória é
devida (4.19-20).
VI. Conclusão – Paulo envia saudações pessoais e de seus companheiros romanos aos
filipenses (4.21-23).

O argumento de
COLOSSENSES
Questões introdutórias
TÍTULO
O título tradicional desta epístola é ΠΡΟ΢ ΚΟΛΟ΢΢ΑΕΙ΢ (pros kolossaeis), o nomen
patrium das pessoas que viviam em Colossos. Não se encontra nenhum outro título nas
versões.
AUTORIA
A autoria paulina de Colossenses permaneceu praticamente inconteste até o século
XIX. Embora sua atestação primitiva não seja dramática, autores do século II como
Justino Mártir, Irineu de Lyon e Clemente de Alexandria usaram a carta e se referiram a
ela como sendo paulina. Assim também fez Marcion, o herege, por volta do meio
daquele século.
No século XIX, alguns estudiosos de Tübingen questionaram a autoria paulina
porque sentiam que o autor se opunha ao gnosticismo extremo, que não apareceu até o
segundo quarto do século II. Depois, outros estudiosos adotaram um ponto de vista de
interpolação, argumentando que uma carta mais breve aos colossenses foi estendida
com material de Efésios e pseudepigraficamente atribuída a Paulo, o Apóstolo.
Os motivos para essas tentativas eram tanto doutrinários quanto léxicos. Pode-se
dizer, pelo lado doutrinário, que pesquisas mais recentes indicaram que idéias gnósticas
não só estavam presentes por volta do início da quinta década depois de Cristo, mas já
se infiltravam em vários sistemas
religiosos do mundo greco-romano. A ausência de alguns temas tipicamente paulinos
foi invocada como prova de uma autoria não paulina, mas isto pode ser facilmente
explicado pela diferença em assunto. Finalmente, a cristologia da carta é rotulada como
sendo muito joanina e avançada para ter sido escrita por Paulo, como se dois apóstolos
não pudessem partilhar noções semelhantes da pessoa e da obra de Cristo.
No lado léxico, o vocabulário incomum é muitas vezes invocado como prova de que
alguém, que não Paulo, escreveu a epístola, mas, novamente, o vocabulário é uma
categoria muito fluida, visto que os termos do autor muito provavelmente refletem a
terminologia dos adversários que ele tentava desmascarar. Diferenças nas construções
também são inadequadas para negar a autoria paulina, visto que também variam de
acordo em circunstância e assunto.210
Um argumento convincente a favor da autoria paulina é o fato de que Filemom, que é
incontestavelmente paulina, menciona as mesmas pessoas encontradas em Colossenses
(Timóteo, Onésimo, Arquipo, Epafras, Marcos, Aristarco, Demas e Lucas) e é enviada à
mesma cidade.
LOCAL E DATA DE COMPOSIÇÃO
O testemunho maciço da história põe a composição desta carta durante o primeiro
aprisionamento de Paulo em Roma. O prólogo marcionita à epístola foi uma voz
dissidente na antiguidade, sugerindo Éfeso como local de composição,211 mas esta teoria
foi efêmera.
Mais recentemente, Cesaréia foi escolhida como o local de origem por alguns
estudiosos (Lohmeyer e Dibelius), mas isso parece improvável porque Cesaréia não era
um destino provável para um escravo fugitivo. Ademais, Paulo foi mantido numa prisão
romana em Cesaréia, e acesso a ele certamente seria impedido para Onésimo, e tal não
era o caso em Roma, onde escravos podiam se perder nas multidões e o apóstolo estava
em prisão domiciliar, facilmente acessível aos amigos.
Finalmente, em Filemom, Paulo expressa seu desejo de ser recebido como hóspede
em Colossos, o que certamente não está de acordo com suas circunstâncias em Cesaréia.
Apenas Éfeso apresentou um verdadeiro desafio a Roma,212 embora fraco. Isto
depende de pressuposições impossíveis de provar: (1) que Éfeso era o lugar mais
provável para o qual Onésimo fugiria, visto que era mais próximo ao lar do seu mestre;
e (2) que Paulo foi aprisionado enquanto esteve em Éfeso, uma pequena impossibilidade
à luz do espaço que Lucas dedica para o seu ministério efésio em Atos. É preciso
admitir que uma origem efésia explicaria melhor o pedido de Paulo por hospitalidade, à
luz da curta viagem de Éfeso para Colossos e os planos de Paulo de rumar oeste para a
Espanha depois de pregar em Roma.
Tais argumentos, porém, são facilmente refutados. A distância dava a Onésimo sua
melhor chance na fuga, e dinheiro não era uma preocupação, à luz de Filemom 18. Os
planos de Paulo, embora bem conhecidos, não eram imutáveis, e podem, de fato, ter
mudado com sua permanência prolongada em Roma, quer pela presença de outro
apóstolo na Espanha,213 quer pela ameaça apresentada pela heresia colossense, insidiosa
o suficiente para justificar a longa jornada que Epafras empreendeu até Roma. A

210
Donald Guthrie, New Testament Introduction, p. 553.
211
O testemunho de Marcion é contraditório porque ele afirma que Filemom foi escrito em
Roma, e suas semelhanças apontam para tempo e local comuns, assim como autoria.
212
Ralph P. Martin, Colossians, é um bom exemplo de um conservador que defende a origem
efésia da carta.
213
Um dos padroeiros da Espanha é Santiago de Compostela, que pode ser uma alusão a
Tiago, o Menor, um apóstolo do qual pouco se sabe.
presença de Lucas com Paulo argumenta fortemente a favor de um aprisionamento
romano, visto que Atos 19 não é uma das conhecidas passagens na primeira pessoa do
plural – passagens de Atos que indicam a presença de Lucas com o apóstolo. Além do
mais, a referência de Paulo a Aristarco como seu companheiro de prisão
(ςτναιφμάλψσορ, sunaichmalōtos) está bem de acordo com sua presença com Paulo
durante sua conturbada viagem a Roma (At 27.2).
A menos que se mantenha uma hipótese efésia, em cujo caso a carta precisaria ser
escrita em algum tempo entre 56 e 57 A.D., Colossenses deve ser datada na segunda
metade do primeiro aprisionamento em Roma, ou seja, próximo do final do ano a.D. 61.
Um motivo para isso é seu desejo expresso de ser um hóspede de Filemom em Colossos
dentro de pouco tempo (Fm 22).
A EPÍSTOLA AOS LAODICENSES
A frase ἐκ Λαοδικείαρ (ek Laodikeias, ―de Laodicéia‖) e a sugestão feita por Paulo
de uma troca de cartas entre as duas igrejas tem causado muita especulação.
A preposição ἐκ levou pais da igreja primitiva como Teodoro de Mopsuéstia a crer
que Paulo se referia a uma carta escrita de Laodicéia, mas isso parece um tanto
improvável. A preposição seria melhor interpretada como indicando a fonte pela qual a
carta de Paulo chegaria a Colossos.
Em tempos medievais, uma carta falsificada apareceu em manuscritos latinos
recentes e foi posta em circulação como a epístola aos Laodicenses. Isto não tem
nenhum apoio textual e se encaixa melhor sob ingenuidade religiosa do que sob estudos
bíblicos.
Como foi visto, no argumento de Efésios, aquela carta foi identificada com a dos
―Laodicenses‖. Além dos problemas textuais relacionados a esta hipótese, a semelhança
em conteúdo entre Colossenses e Efésios/Laodicenses tornaria a sugestão de uma troca
desnecessária, se não puramente inútil (na melhor das circunstâncias seria uma
reafirmação de idéias semelhantes apenas com uma ênfase diferente).
CONTEXTO HISTÓRICO
A cidade de Colossos ficava no vale do rio Lico, na porção sul da antiga Frígia, que
agora faz parte da Turquia.
Localizada na rota comercial de Éfeso ao Oriente, partilhando com suas vizinhas
uma indústria têxtil bem conhecida, Colossos conheceu dias de grandeza e
prosperidade, como testemunharam dois grandes historiadores gregos. Heródoto
chamou Colossos ―uma grande cidade‖ (História, VII.30), e Xenofonte se refere a ela
como ―uma cidade populosa, não só próspera mas também extensa‖ (Anabasis I.2.62).
Como todas as coisas boas precisam terminar, assim terminou a prosperidade de
Colossos. As rotas comerciais mudaram e Colossos se encontrou à margen da
prosperidade romana; enquanto suas vizinhas Hierápolis e Laodicéia cresciam em
importância e fama, Colossos diminuía. Estrabo, o geógrafo grego, escrevendo duas
gerações antes de Paulo, chamou Colossos de πόλιςμα (polisma, ―cidadezinha‖, xii
8.13).
Aparentemente, a geologia complicava o caso, visto que o vale Lico era
repetidamente atingido por terremotos, o que contribuiu para o declínio de Colossos.
Sua indústria têxtil, seu comércio e suas associações de tecelões não foram fortes o
suficiente para parar sua decadência.
A cidade tinha uma população mista, com um grande número de judeus, cujos
antepassados haviam sido levados para lá à força por Antíoco III (o Grande) por volta
de 190 a.C. Outros componentes étnicos eram os frígios (um povo muito
supersticioso),214 e colonos gregos (com seu gosto tradicional por filosofia). Esta
mistura étnica sem dúvida contribuiu para o crescimento da heresia colossense.
214
J. B. Lightfoot, Saint Paul’s Epistles to the Colossians and to Philemon, p. 12.
A igreja em Colossos era, mais provavelmente, um resultado dos esforços
missionários de Paulo, mesmo que o próprio apóstolo não tivesse se envolvido
diretamente na sua fundação. É bastante razoável supor que Epafras, fundador e pastor
da igreja em Colossos (1.7; 4.12-13), tivesse sido um dos discípulos de Paulo durante o
tempo que o apóstolo ministrou em Éfeso.
O motivo para a carta sem dúvida era uma séria ameaça à unidade ou sobrevivência
da igreja, que levou Epafras a viajar a Roma (e sofrer encarceramento lá) para uma
consulta pessoal com Paulo sobre a heresia sincrética que infectava Colossos. Árquipo
pode ter sido o ―pastor interino‖ durante a ausência de Epafras (4.17).
A HERESIA COLOSSENSE
Sua natureza
O problema teológico em Colossos não pode ser definido exatamente como um
sistema religioso, tal como o gnosticismo se tornaria um século depois. Ele era
multifacetado, mas aparentemente bastante fluido para acomodar tendências tão
diversas como a filosofia grega e o tradicionalismo judaico. Era uma forma sincrética de
crença e culto que roubava o cristianismo da sua identidade ao diminuir Cristo e exigir
acréscimos à fé como um meio de salvação. Vaughan provavelmente forneceu a sua
melhor definição chamando-a ―uma atitude filosófica, não um sistema bem definido‖.215
Seus elementos
Há quatro componentes desta heresia. Primeiro, há um componente intelectual, ao
qual Paulo se opôs muito intensamente, usando palavras cáusticas como παπαλογίζομαι
(paralogizomai, ―enganar, iludir‖) e πιθανολογία (pithanologia, ―[falsa] conversa
persuasiva‖). Este elemento da heresia declarava fornecer γν῵ςιρ (gnōsis,
―conhecimento‖) especial, e insistia em raciocínio filosófico segundo a ―tradição dos
homens‖ e os ςσοιφεία σοῦ κόςμοτ (stoicheia tou kosmou). Esta expressão foi objeto de
muito debate, com alguns comentaristas relacionando-a a forças naturais supostamente
ligadas ao culto astral, e outros relacionando-a aos rudimentos da lei. O uso da mesma
frase em 2.20 e em Gálatas sugere que a segunda opção é a melhor.
Assim, a primeira característica da heresia colossense poderia ser chamada de
―filosofismo‖, talvez uma aplicação de sofismas ao pensamento legalista judaico, assim
criando o que Paulo chamou de κένη ἀπάση (kenē apatē, ―vãs sutilezas‖, 2.8).
O segundo elemento desta heresia era o legalismo judaico (2.8, 11, 16; 3.11), com
uma ênfase em circuncisão, observância de dias e abstinência de certos alimentos. Esta
combinação teria um apelo mais forte para a grande população judaica na Frígia do que
o rompimento total com a Lei proposto por Paulo. Bruce diz que isso era diferente do
legalismo farisaico que Paulo enfrentou em Gálatas,216 mas os problemas levantados
aqui são os mesmos que Paulo encontrava onde quer que judaizantes tentavam frustrar
sua obra, a saber, circuncisão, observância do Sábado e abstinência de alimentos (cf. 1
Tm 4.3-4).
O terceiro elemento era o misticismo, representado pelo culto a anjos (2.18). Este
não era o sistema completamente desenvolvido de emanações presente posteriormente
no gnosticismo, mas a severa condenação de Paulo sobre tal prática, acoplada com sua
exaltação da pessoa e obra salvadora divinas de Cristo, sugere que os hereges

215
Curtis Vaughan, “Colossians,” EBC, 11.166.
216
F. F. Bruce, Commentary on the Epistle to the Colossians, NICNT, p. 166.
colossenses davam a esses seres espirituais um lugar indevido em sua devoção
religiosa.217
O elemento final era o ascetismo, a tentativa de alcançar graus mais elevados de
santidade por meio da abstenção de alimentos e de contato com objetos ou pessoas
impuras (2.16a, 21, 23). Esta era a tendência mais palatável de vários sistemas
gnósticos, que viam o corpo como sendo mau e exigiam a repressão dos seus instintos e
impulsos. Ensinamentos pré-gnósticos posteriores encorajavam um estilo de vida
sensual ao afirmar que o corpo e a alma eram tão distintos que nada que aquele fizesse
afetaria esta.
O seguinte quadro resume a heresia colossense e seu efeito na vida e no pensamento
da jovem igreja em Colossos:

Filosofism Misticism Asceticism


Legalismo
o o o
Circuncisã
o. Autodegra-
Uso de argumentos Leis dação. Abstinênci
persuasivos.Dualis alimentare a sexual.
Elemento mo de matéria e s.
Mortificaçã
o. Restrições
s espírito. alimentare
Observânci Adoração
Ênfase em a de dias s.
de anjos.
princípios especiais Restrições
elementares. para culto Visões de contato.
ou extáticas.
devoção.
Ataca a Ataca a
Ataca as doutrinas Ataca a
doutrina doutrina da
Ataques da de reconciliação e doutrina da
união dos
identificação com santificação
iluminação crentes
Cristo. .
. com Deus.
1. A HERESIA EM COLOSSOS

Argumento básico
PROPÓSITO
A epístola aos colossenses exalta de maneira notável a pessoa e a obra do Senhor
Jesus Cristo, visto que Ele havia sido tão severamente diminuído pelos hereges em
Colossos, que O consideravam apenas um dos muitos agentes num processo bastante
complicado de livramento deste mundo perverso.
O tom polêmico de uma boa parte da epístola sugere que Paulo pretendia convencer
os indecisos e corrigir os instáveis que já tinham aceitado os falsos ensinamentos dos
hereges, trazendo assim ambos os grupos a uma atitude de compromisso e lealdade
renovados para com Cristo. Assim, o propósito da carta pode ser formulado como:
Promover dedicação exclusiva a Cristo como Cabeça todo suficiente da Igreja ao
confrontar Suas perfeições com o falso sistema religioso que era ensinado em
Colossos.
DESENVOLVIMENTO

217
Uma hierarquia angélica e um papel mediatório são uma característica importante das
obras pseudepigráficas judaicas tais como O Livro de Enoque e Os Testamentos dos Doze
Patriarcas.
A introdução à epístola tem as características tradicionais da maioria das cartas
paulinas. Ele afirma a sua autoridade para escrever aos colossenses e ministrar às suas
necessidades como um representante autorizado de Jesus, o Messias, um apóstolo
escolhido pelo próprio Deus (cf. At 9.15).
A ênfase da carta já se encontra em 1.2, onde Paulo chama seus leitores de πιςσοῖρ
ἀδελυοῖρ (pistois adelphois, ―fiéis irmãos‖). Esta designação dos leitores de Paulo só é
encontrada aqui e em Efésios. Este fato, acrescentado ao tom apologético/polêmico da
carta, sugere que Paulo queria provocar os colossenses a querer perseverar em sua
antiga dedicação a Cristo.
Como de costume, Paulo expressa sua gratidão a Deus pelo que Ele realizou na vida
de seus leitores e por intermédio deles (apenas Gálatas não possui tal parágrafo). Aqui,
Paulo agradece a Deus pelo progresso passado dos colossenses (1.3-8) e ora por suas
perspectivas futuras (1.9-14).
A fé dos colossenses em Jesus e o seu amor pelos santos eram triunfos passados
derivados da sua esperança na vida e recompensa celestial (1.3-4), uma realidade que a
proclamação do Evangelho tornava disponível a todo o mundo, em contraste com a
mensagem exclusivista dos hereges. A fonte de informação de Paulo sobre o progresso
deles era Epafras, aparentemente fundador e pastor da igreja em Colossos (1.7-8), com o
qual os leitores associariam o ministério de Paulo aos colossenses e os pontos de vista
expressos na carta.
A oração de intercessão de Paulo pelos colossenses contém algumas das palavras
chave da epístola - πληπόψ (plēroō, ―encher‖), ἐπιγνώςιρ (epignōsis, ―conhecimento‖) e
δύναμιρ (dunamis, ―poder‖), e reflete a posição básica de Paulo de que novo
conhecimento não era necessário para aqueles que já desfrutavam do conhecimento
salvador de Deus por intermédio de Cristo Jesus.
Este ἐπιγνώςιρ da vontade de Deus era tanto teórico quanto prático e vinha por meio
de ςουία (sophia, ―sabedoria‖, i.e., a capacidade de discernir o que é certo aos olhos de
Deus) e ςύνηςιρ πνετμασική (sunēsis pneumatikē, ―discernimento espiritual‖), a
capacidade de aplicar a verdade descoberta à vida. Esta oração expõe a falácia do tipo
de conhecimento exclusivo promovido pelos hereges. O alvo de Paulo com um pedido
tão elevado era que a vida dos colossenses fosse digna do Deus que os chamara e
capacitava por Seu glorioso poder para frutificar, crescer em conhecimento e força
espiritual e perseverar alegremente em Cristo, por intermédio de Quem eles tinham sido
libertos da escravidão às trevas. Esta última referência - ἀπολύσπψςιρ (apolutrōsis,
―redenção‖) - provavelmente é o golpe decisivo de Paulo contra as redefinições hereges
do termo.
Começando com 1.15, Paulo descreve a supremacia da pessoa e da obra de Cristo,
numa tentativa de recapturar o afeto dos colossenses pelo Senhor que fizera tanto por
eles.
Cristo é supremo, antes de tudo, por causa da Sua singular relação com Deus. Em
contraste com um sistema de emanações progressivamente inferiores de um Deus
distante, santo demais para entrar em contato com o universo, Jesus Cristo era a εἰκών
(eikōn), a perfeita representação de Deus, a ―iluminação de [Seu] âmago e essência‖.218
Ele é supremo, a seguir, em virtude da Sua relação com o universo criado. Em
contraste com o Demiurgo gnóstico, um criador semidivino, Paulo apresenta Jesus não
só como criador divino (1.16a), mas como o fim último da criação (1.16c) e aquele que
tem o direito de exercer autoridade sobre ela como ππψσόσοκορ (prōtotokos,

218
H. Kleinknecht, “εἰκών” em TDNT 2.389.
―primogênito‖).219 Ele tem autoridade sobre espíritos, e anjos de qualquer categoria que
possa ser invocada (1.16d). Além do mais, Ele é responsável por sustentar a integridade
do universo (1.17).
Ele é supremo também por causa da Sua relação especial com a Igreja, sobre a qual
Ele tem suprema autoridade como Cabeça, e privilégios cronológicos como o
primogênito dentre os mortos (1.18). Ele também é o agente divino da reconciliação, a
qual Ele realizou por meio da Sua sangrenta morte, o sacrifício dAquele no qual
habitava (κασοικέψ, katoikeō) permanentemente a soma total de tudo que Deus é
(πλήπψμα, plērōma). O conceito de Paulo sobre reconciliação (κασαλλάγη, katallagē)
não é a salvação final de todos os seres, ou universalismo, mas a idéia de trazer todas as
coisas sob a autoridade e controle de Deus, algumas para a salvação, outras para juízo.
Os colossenses tinham parte nos benefícios da salvação por meio da crença deles no
Evangelho (1.21-23), que Paulo teve o privilégio de ministrar a outros. Sua referência
ao seu próprio ministério serve o propósito de ilustrar seu argumento de devoção
exclusiva a Cristo.
O próprio sucesso do Evangelho da reconciliação tinha levado Paulo a partilhar das
aflições de Cristo, sofrimentos associados ao ministério messiânico (cf. Hebreus 11.26).
Sua completa dedicação a Cristo é vista no nível em que ele se aplica para tornar
conhecido aos gentios o mistério que ele define como Φπιςσόρ ἐν ὑμῖν (Christos en
humin, ―Cristo em [entre] vós‖). Esta frase pode significar a presença interior de Cristo
ou, mais provavelmente, a bendita presença do Messias entre os gentios, um fato no
máximo insinuado no Antigo Testamento e plenamente revelado no Novo. Paulo luta e
se desgasta a fim de realizar seu objetivo e apresentar os cristãos maduros diante de
Deus (σέλειοι, teleioi, um termo preferido dos grupos gnósticos).
Cristo era digno de tamanha lealdade que Paulo foi às últimas conseqüências para
defender e proteger pessoas que ele não conhecia pessoalmente. Os crentes no vale Lico
eram o objeto do ἄγψν (agōn, ―competição atlética‖) de Paulo. Tal exemplo devia
motivar os colossenses a igual compromisso com Cristo, no Qual toda sabedoria e
conhecimento podiam se encontrados (2.3), sem espaço para os raciocínios enganosos
dos hereges. Esta seção se encerra numa nota alegre, na qual Paulo expressa sua
confiança de que os colossenses permanecerão firmes na fé.
A segunda grande divisão da epístola contrasta as frágeis tentativas dos hereges e as
poderosas realizações de Jesus Cristo. Em 2.6-10, Paulo demonstra que Cristo é
superior ao ―filosofismo‖ porque só Ele possui plena divindade (2.9) e sabedoria. Paulo
não está desmerecendo a busca pelo significado da vida e o entendimento das relações
entre Deus e o homem que caracterizam a verdadeira filosofia; ele está acusando os
hereges de raciocínios falsos e enganosos, de especulações e sofismas que excluíam
Cristo em favor da tradição humana. Em resposta a isto, os colossenses deviam perceber
e relembrar que todas as suas necessidades foram supridas em Cristo, Que era superior a
qualquer outra pessoa e sistema que os hereges pudessem apontar como mediador.
O forte elemento judaico da heresia é atacado em 2.11-15. Paulo contrasta a
circuncisão judaica, externa e humana, com a ―circuncisão‖ cristã, realizada não por
mãos humanas e eficaz no espírito humano para unir o indivíduo não meramente a
Moisés, mas Àquele no qual habitava a divindade (2.11-12). A identificação do crente
com Cristo por meio do batismo reflete a realidade interna de abandonar a natureza

219
Este termo não pode ser considerado em sentido essencial, como vários hereges ao
longo da história fizeram, implicando que Cristo foi o primeiro ser criado. Ele precisa ser
tomado em sentido de posição, indicando o papel privilegiado designado a Jesus como o
governante vindouro sobre a “casa” de Deus.
pecaminosa como a força controladora na sua vida (cf. ἀπεκδύςιρ, apekdusis, ―despir-
se‖).
A realidade produzida pela fé no Cristo ressurreto (2.12) é uma nova vida que extrai
o crente do seu prévio isolamento pecaminoso em relação a Deus com base no perdão
divino (cf. o verbo φαπίζομαι, charizomai), o cancelamento do escrito de dívida
(φειπόγπαυον, cheirographon), nossa dívida espiritual para com Deus, expressa na Lei
não cumprida. Ao tomar sobre Si a nossa condenação, Jesus desarmou os poderes do
mal e roubou-lhes sua posse legítima sobre a humanidade. Como conquistador, Ele
publicamente exibiu-os mesmo na hora da sua aparente derrota na cruz.
Esses cinco versículos compactam muita teologia paulina. Sua essência é que Cristo
excede sobremaneira qualquer coisa que os hereges esperavam realizar com sua ênfase
no legalismo judaico, especialmente a circuncisão.
Em 2.16-19, Paulo lida com uma tendência mística ligada a normas judaicas e culto a
anjos. Estes tinham ganho atenção indevida na literatura judaica intertestamentária, e
essa referência pode refletir tal tendência. Isso tinha chegado a um ponto tão extremo
que aqueles que não se conformavam às normas dos hereges e sua adoração a anjos
eram rejeitados como criaturas inferiores (cf. o verbo κασαβπαβεύψ [katabrabeuō],
traduzido de várias maneiras, basicamente com a idéia de desprezar e depreciar). Os
colossenses deviam resistir a tamanho esnobismo espiritual, confrontando essas pessoas
com sua absoluta inadequação para servir como árbitros espirituais na igreja, visto que
não estavam realmente relacionadas ao Cabeça (2.19).
O último parágrafo nesta seção doutrinária (2.20-23) confronta o ascetismo exigido
pelos hereges como prova de espiritualidade. O argumento de Paulo é triplo. Primeiro,
os crentes não precisam se envolver com tal abstinência porque eles estão mortos para a
vida que viviam anteriormente (2.21); segundo, tais normas são humanas e passageiras
(2.22); e terceiro, porque tais práticas podem eliminar uma ação mas não eliminam o
desejo produzido pela ―carne‖ (2.23).
Tendo exposto a falácia da heresia e exaltado Cristo como o suficiente Salvador e
Senhor ao qual os colossenses devem se apegar, Paulo agora traçará as implicações de
tal escolha.
No capítulo 3, Paulo passa da parte polêmica para a prática da carta, usando 3.1-4
como uma dobradiça ou transição. Este parágrafo forma com Romanos 6.1-11 e Efésios
4.17-25 uma trilogia paulina sobre a nova vida espiritual do crente, que é encontrada e
preservada plenamente em Jesus Cristo (κέκπτπσαι ςύν σῶ Φπιςσῶ, kekruptai sun tō
Christō).
Este parágrafo está relacionado ao anterior, no qual Paulo criticava os hereges por
serem incapazes de fornecer um meio de controlar os impulsos da carne; aqui ele
demonstrará a resposta cristã para tal problema– nossa união com Cristo. Em virtude
desta união, o crente morre para o pecado e as maneiras terrenas de pensar e se
comportar. Nessa base, os colossenses são exortados a ―não só buscar o céu, [mas]
pensar o céu‖! 220 Os prazeres e glórias do mundo devem ser deixados de lado em vista
da glória que será nossa quando Cristo, a fonte e o poder da nossa vida, se manifestar. A
ética cristã se baseia na escatologia.
Da base conceitual do comportamento cristão, Paulo passa a lidar com problemas
específicos e menciona quais pecados devem ser abandonados para que a verdadeira
devoção a Jesus Cristo seja mantida (3.5-11). A lista de vícios sugere que nem todos os
hereges eram ascéticos em seu estilo de vida, e o exemplo deles pode ter induzido
alguns dos colossenses ao erro na prática tanto quanto na doutrina.

220
Lightfoot, Colossians, p. 209.
Dois imperativos aoristos - νεκπώςασε (nekrōsate, ―fazei morrer‖) e ἀπόθεςθε
(apothesthe, ―deixai de lado‖) - expressam a urgência da exigência que σά μέλη σά ἐπί
σῆρ γῆρ (ta melē ta epi tēs gēs, ―os membros que estão sobre a terra‖ - uma metonímia
de causa por efeito) sejam abandonados pelos crentes. A primeira lista de vícios (3.5)
lida com pecados sexuais,221 enquanto a segunda lida com pecados do falar. A razão de
tais exigências (3.9-11) é que o velho eu, a dependência de Adão e sua fraqueza, foi
lançada fora como fator controlador; ele não tem mais domínio e só pode manter sua
posição se os crentes falharem conscientemente em tomar posse da sua nova vida em
Cristo. Esta nova vida era o verdadeiro equalizador, visto que a nova humanidade em
Cristo tinha desfeito as distinções de raça, ritual, educação e classe social (3.11).
Passando do negativo para o positivo, Paulo exorta os colossenses à devoção
exclusiva a Cristo por meio de relacionamentos interpessoais baseados em amor
altruísta e paz (3.12-17). O apelo urgente de Paulo - usando o imperativo aoristo
ἐνδύςαςθε (endusasthe, ―revesti-vos‖) - baseia-se nos novos privilégios dos seus
leitores, como eleitos de Deus, santos e muito amados (3.12). Como se fosse um
crescendo musical, Paulo pede a prática de cinco virtudes cristãs (compaixão,
benignidade, humildade, mansidão e paciência), as quais ele posteriormente subordina
sob o guarda-chuva da virtude máxima do cristianismo, o amor (ἀγάπη, agapē, 3.14).
A paz que lhes fora desejada (1.2) agora é invocada como o árbitro sobre seus
relacionamentos (3.15). Esta paz que Cristo dá precisa ser vista como a harmonia
corporativa que devia prevalecer sobre interesses e desejos pessoais sempre que
confrontações ocorrerem. Isto está intimamente associado ao domínio interno da
mensagem a respeito de Cristo (o Evangelho) na vida dos crentes (3.16); tal domínio
deveria permitir que eles ministrassem um ao outro e partilhassem da sabedoria que
Deus lhes dera. O retrato de uma congregação alegre, mutuamente edificada, adoradora
e grata, permanece um desafio para as igrejas hoje.
Em 3.18–4.6 Paulo trata de relacionamentos específicos aos quais as diretrizes dos
parágrafos anteriores precisam ser aplicadas. Ele lida primeiro com o mais básico dos
relacionamentos humanos, o casamento, onde a submissão voluntária por amor a Cristo
e o amor sacrificial sem amargura (cf. o verbo πικπαίνψ, pikrainō) são o ideal de Deus
(3.18-19).
Na vida familiar, pais tanto quanto filhos têm responsabilidades, se o que se deseja é
desfrutar uma vida de paz. Filhos devem habitualmente ouvir e obedecer as ordens dos
pais a fim de agradar a Deus (3.20), enquanto os pais (πασέπερ [pateres] sugere que a
responsabilidade primária cabe ao pai) precisam ser sensíveis para com seus filhos e a
maneira como são treinados. O desencorajamento é o resultado direto de disciplina
excessiva ou incoerente (3.21).
Visto que escravos eram considerados parte da casa de uma pessoa, Paulo lida com o
assunto dentro de relacionamentos familiares. As exigências de Paulo são: (1) total
obediência, mas isto pressupõe compatibilidade com as leis de Deus e (2) serviço de
coração com vistas à recompensa do Mestre Supremo, o Qual justamente recompensará
ou punirá todo homem, independente de classe social (3.23-25). Proprietários ou
mestres, por outro lado, são exortados a tratarem seus escravos de forma benévola,
reconhecendo-se a si mesmos como servos de um Mestre bondoso (4.1). Tal conjunto
de instruções é sobrenaturalmente sábio no contexto de uma sociedade onde a
escravidão era um modo de vida e o governo reprimia brutalmente o menor indício de
revolta escrava.

221
πλεονεξία (pleonexia) precisa ser visto no contexto aqui como indicador de ganância ou
concupiscência sexual. Esta mesma nuança está presente em 1Tessalonicenses 4.
O último pedido de Paulo liga oração ao ministério a incrédulos (4.2-6). O verbo
grego πποςκαπσεπεῖσε (proskartereite, ―perseverai‖) sugere intensa persistência e fervor
em qualquer atividade. Paulo cobiçava as orações dos colossenses em seu favor
enquanto ele ministrava a palavra no difícil contexto do aprisionamento. Para eles
mesmos, por outro lado, os colossenses deviam agir sabiamente para com os incrédulos,
usando ao máximo toda oportunidade (καιπόρ, kairos) para testemunhar (4.5). O seu
falar devia revelar graça ou cordialidade e pureza (ἅλασι ἠπστμένορ, halati ērtumenos,
―temperado com sal‖), isto é, deveria ser atraente, um trunfo para o Evangelho,
enquanto se relacionavam com diferentes tipos de pessoas.
As saudações finais de Paulo não são saudações desconexas. Elas muitas vezes
fornecem exemplos das virtudes que ele encoraja no corpo das epístolas. Tal é o caso
em Colossenses, onde um bom número dos seus associados demonstra profunda
dedicação a Jesus Cristo (4.7-8).
Tíquico aparece como um fiel ministro e colega no serviço. Onésimo também é um
irmão fiel. Aristarco é um co-prisioneiro, o que dá a medida da sua dedicação à causa de
Cristo. Marcos e Justo são destacados como judeus, um elogio implícito pois, nessa
altura da vida de Paulo, a associação com ele significava marginalização social e
religiosa por parte do judaísmo normativo.
Epafras merece atenção especial de Paulo, visto que está tão direta e intensamente
envolvido com os colossenses. Ele aparece como um guerreiro na oração e um servo
esforçado em favor dos crentes no vale do rio Lico. Arquipo, que provavelmente foi o
substituto de Epafras, é exortado à mesma fidelidade demonstrada pelo fundador da
igreja em Colossos. O último exemplo de dedicação de Paulo aparece em seu último
pedido, ―Lembrai-vos das minhas algemas‖. Ele também exemplificava aquilo que ele
queria que seus leitores praticassem.

ESBOÇO SINTÉTICO
Mensagem
A superioridade e suficiência da pessoa de Cristo e de Sua obra como Cabeça da
Igreja exigem dedicação exclusiva em atitude e ação.
I. Saudação (1.1-2).
II. O progresso e as perspectivas dos colossenses na caminhada cristã indicam verdadeira
dedicação a Cristo (1.3-14).
A. O progresso deles na caminhada cristã é o motivo da gratidão de Paulo (1.3-8).
B. As perspectivas deles na caminhada cristã são o motivo da intercessão de Paulo (1.9-
14).
1. Paulo pede a Deus que os colossenses tenham conhecimento espiritual da Sua vontade
(1.9-10).
2. Paulo pede a Deus que os colossenses tenham força espiritual e gratidão pelas bênçãos
recebidas em Cristo (1.11-14).
III. A grandeza de Cristo e a suprema importância da Sua mensagem exigem verdadeira
dedicação a Ele, como o ministério de Paulo ilustra (1.15–2.5).
A. O caráter e a obra de Cristo são supremos em sua eficácia em favor do Universo e
especialmente da Igreja (1.15-23).
1. A supremacia de Cristo se estende por toda a Criação (1.15-28).
2. A supremacia de Cristo se baseia na Sua natureza divina e na Sua obra reconciliatória
(1.19-23).
B. O caráter e a obra de Cristo motivam a verdadeira dedicação de Paulo a Ele,
exemplificada em seu ministério de levar a Igreja à maturidade (1.24–2.5).
1. A verdadeira dedicação de Paulo se expressava em seu esforço infatigável de apresentar
o mistério aos gentios e de aperfeiçoar a Igreja (1.24-29).
2. A verdadeira dedicação de Paulo se expressava no seu zelo pela preservação da lealdade
dos colossenses a Cristo (2.1-5).
IV. A superioridade da obra de Cristo sobre o sistema religioso que tanto atraía os
colossenses exige total dedicação intelectual e religiosa a Ele (2.6-10).
A. Cristo é superior ao ―filosofismo‖ porque apenas Ele possui verdadeira divindade e
sabedoria (2.6-10).
B. Cristo é superior ao legalismo porque apenas Ele oferece um verdadeiro relacionamento
com Deus por meio da fé (2.11-15).
C. Cristo é superior ao misticismo porque apenas Ele oferece verdadeira realidade espiritual
(2.16-19).
D. Cristo é superior ao asceticismo porque apenas Ele oferece triunfo sobre a sensualidade
(2.20-23).
V. A suficiência da obra de Cristo em favor dos cristãos exige sua dedicação exclusiva a
Ele na sua vida prática (3.1–4.6).
A. Dedicação exclusiva a Cristo significa enfrentar a vida com uma perspectiva celestial
(3.1-4).
B. Dedicação exclusiva a Cristo significa pureza pessoal à luz da nova posição em Cristo
(3.5-11).
C. Dedicação exclusiva a Cristo significa relacionamentos interpessoais que são coerentes
com a nova posição em Cristo (3.12-17).
D. Dedicação exclusiva a Cristo significa vida na comunidade sob Seu senhorio (3.18–4.6).
1. O senhorio de Cristo precisa ser manifesto na vida conjugal (3.18-19).
2. O senhorio de Cristo precisa ser manifesto na vida familiar (3.20-21).
3. O senhorio de Cristo precisa ser manifesto em relacionamentos de trabalho (3.22–4.1).
4. O senhorio de Cristo precisa ser manifesto em oração perseverante e sábio testemunho
(4.2-6).
VI. Saudações finais – A supremacia de Cristo na vida dos companheiros de Paulo ilustra o
tipo de dedicação exclusiva que Ele merece (4.7-18).
O argumento de
1TESSALONICENSES
Questões introdutórias
TÍTULO
O título grego desta carta é ΠΡΟ΢ ΘΕ΢΢ΑΛΟΝΙΚΕΙ΢ (pros thessalonikeis), e reflete o
nomem patrium da cidade à qual foi enviada, Tessalônica.
AUTORIA E DATA
Há muito pouco debate quanto à autoria paulina de 1Tessalonicenses. Há ampla
atestação externa com alusões em Inácio de Antioquia (Ad Romanos) e O Pastor de
Hermas, com sua inclusão na lista de escritos sagrados de Marcion, sua inclusão no
Fragmento Muratoriano e de citações em Irineu de Lyon.222 Autores posteriores como
Tertuliano e Clemente de Alexandria se referem à carta como paulina e sua aceitação
primitiva como sendo canônica é verificada por sua inclusão nas antigas versões latina e
siríaca.223
Internamente encontra-se evidência suficiente de autoria paulina em uma data
primitiva. Duas vezes a carta declara ser de Paulo (1.1; 2.18). Os parceiros do autor
eram os companheiros de Paulo durante a sua visita a Tessalônica, a linguagem e as
idéias são paulinas, o afeto demonstrado combina com o coração pastoral do apóstolo, a
organização da igreja parece bastante rudimentar (5.12-13), a controvérsia teológica é
apropriada para um estágio primitivo de cristianismo (4.13-18) e a perseguição parte de
círculos judaicos e gregos, em vez de romanos (2.14-16).
Além do mais, nenhum autor pseudepigráfico seria tão ingênuo a ponto de escrever
uma carta que expressa a esperança de Paulo de estar vivo no tempo da παποτςία
(parousia) de Cristo (4.15) depois da morte do apóstolo.224 Assim, esta carta goza
praticamente do mesmo status que as epístolas não contestadas (Romanos, Gálatas, 1 e
2 Coríntios).

222
Leon Morris, The First and Second Epistle to the Thessalonians, NICNT, p. 27.
223
Donald Guthrie, New Testament Introduction, p. 567.
224
Morris, Thessalonians, p. 27.
1Tessalonicenses é considerada por alguns a primeira carta canônica de Paulo. Este
escritor prefere Gálatas como a primeira carta, mas 1Tessalonicenses veio logo em
seguida, sendo escrita durante a segunda viagem missionária de Paulo. O texto indica
que ela foi escrita pouco depois que Timóteo chegou e se juntou a Paulo (3.6), e não
muito tempo depois da passagem de Paulo por Atenas, onde Silas e Timóteo estiveram
brevemente com ele (3.1). Outras indicações, porém, apontam para um tempo posterior,
quando Timóteo novamente se juntou a Paulo no ministério. Segundo Atos 18.5, isto
aconteceu em Corinto. Esta parece uma alternativa melhor do que Atenas, visto que
permitiria mais tempo para que a perseguição se levantasse (2.14), para estabelecer-se
uma reputação de fidelidade tessalonicense (1.8), para que um número razoável de
cristãos tivesse morrido (4.13) e para idéias não-paulinas sobre a segunda vinda de
Cristo se infiltrarem na igreja (5.1-2, 14). A tabela a seguir oferece um panorama da
segunda viagem missionária de Paulo e das cartas relacionadas a ela.225

Uma cronologia da segunda viagem missionária de Paulo


Evento Escrituras (Atos) Data
Partida de Antioquia. 15.40 Abril de 50
Trabalho na Síria e Cilícia. 15.41 Abril de 50
Trabalho no sul da Galácia. 16.1-6 Maio – julho de 50
Parada em Trôade. 16.7-10 Julho de 50
Trabalho em Filipos. 16.11-40 Agosto – outubro de 50
Trabalho em Tessalônica. 17.1-9 Novembro de 50 – janeiro de 51
Trabalho em Beréia. 17.10-15 Fevereiro de 51
Trabalho em Atenas. 17.16-34 Fevereiro – março de 51
Chegada em Corinto 18.1-8 Março de 51
Silas e Timóteo chegam 18.5 Abril – maio de 51
1Tessalonicenses é escrita Verão de 51
2Tessalonicenses é escrita Verão de 51
Partida de Corinto 18.19 Início de setembro de 52
Breve estadia em Éfeso 18.19-21 Meio de setembro de 52
Quarta visita a Jerusalém 18.22 Início de outubro de 52
Retorno a Antioquia 18.22 Novembro de 52
2. UMA CRONOLOGIA DA SEGUNDA VIAGEM MISSIONÁRIA DE PAULO

FUNDO HISTÓRICO
A Cidade. Tessalônica era uma grande e próspera cidade localizada no extremo
norte no Golfo Termaico na Macedônia. Sua importância datava da divisão do império
de Alexandre o Grande, quando Cassandro, o cunhado de Alexandre, ampliou e
fortificou a vila. A cidade recém-formada recebeu o nome em homenagem à meio-irmã
de Alexandre.
Sua posição estratégica para o comércio, junto à Via Egnatia, logo transformou
Tessalônica em uma cidade importante e rica. Com o advento da dominação romana,
Tessalônica tomou o partido de Otávio e recebeu o status de capital provincial e cidade

225
Adaptada de Harold W. Hoehner, “Chronology of the Apostolic Age”, anotações de aula
para Cronologia Bíblica, Seminário Teológico de Dallas, verão de 1988.
livre, com um governo local soberano de indivíduos chamados πολισάπφαι (politarchai,
At 17.6).
Sua excelente posição comercial atraiu uma grande colônia de judeus, com uma
sinagoga, onde muitos ςεβομένψν (sebomenōn), gentios tementes a Deus, foram
atraídos do paganismo para o monoteísmo ético judaico, e daí para o cristianismo. O
poder político e econômico da comunidade judaica naquela região é visto em sua
capacidade de mobilizar a população grega contra a igreja recém-formada.
Como Morris indica, ―Tessalônica tinha tudo que esperaríamos para atrair Paulo,
conhecendo o que conhecemos dos seus métodos missionários‖.226 A cidade era um
centro de administração e comércio romanos, um marco da civilização grega e um foco
de influência religiosa judaica.
A Igreja. A igreja em Tessalônica foi o resultado direto dos esforços missionários de
Paulo. A equipe missionária de Antioquia já havia revisitado as igrejas fundadas durante
a primeira viagem e pretendia, sem dúvida, alcançar Éfeso, a principal cidade da Ásia
Menor. Impedidos de fazer isto pela intervenção do Espírito de Cristo (At 16.6), Paulo e
seus companheiros tentaram pregar na Bitínia, mas novamente o Espírito Santo não
permitiu que eles o fizessem (At 16.7). Isto levou a um pernoite em Trôade, onde Paulo
recebeu sua visão macedônica que, por sua vez, levou à introdução do Evangelho na
Europa (At 16.10ss.).
Depois de estabelecer com sucesso uma igreja em Filipos, onde ele e Silas foram
fisicamente maltratados, Paulo e seu grupo viajaram para o oeste pela Via Egnatia,
passando por Anfípolis e Apolônia, fixando-se em Tessalônica.
O evangelismo na sinagoga local se estendeu por três sábados, com bastante sucesso
(At 17.2-4). O primeiro grupo de convertidos incluía alguns judeus, gregos tementes a
Deus e algumas mulheres proeminentes; entre estes estavam Aristarco, que permaneceu
como companheiro no ministério por muito tempo (cf. At 20.4; Cl 4.10-11), e Jasom,
anfitrião de Paulo e o primeiro tessalonicense a sentir o calor da perseguição judaica
(At. 17.6-9).
As acusações dos judeus contra os cristãos sugerem que Paulo ensinava o futuro
estabelecimento de um reino messiânico (cf. At 17.7). Distorcendo o significado das
palavras de Paulo, os judeus tiravam partido do medo dos tessalonicenses livres, que
poderiam ser coletivamente acusados de sedição ou traição. Esta foi a acusação oficial
contra Jesus, e que os judeus finalmente levantariam contra Paulo em Jerusalém (At
24.5).
A permanência de Paulo na cidade deve ter abrangido mais do que as três semanas de
evangelismo na sinagoga, visto que ele pôde trabalhar e se sustentar (2.9). Isto teria
exigido um pouco mais do que três semanas. Além do mais, os filipenses tiveram a
oportunidade de lhe enviar duas doações monetárias durante sua permanência em
Tessalônica (Fp 4.16), e isto certamente exigiria um período de tempo mais longo. As
estimativas vão de três a seis meses.
MOTIVO PARA A CARTA
Precisando deixar uma obra promissora em Tessalônica e fugir para Beréia, era
natural que Paulo levasse consigo uma paixão especial pelos crentes naquela região.
Timóteo e Silas certamente relataram ao apóstolo quais eram as condições em
Tessalônica (3.1) e foram despachados de volta para ajudar e encorajar os irmãos (3.2).
Hiebert sugere que Timóteo foi enviado porque ele era desconhecido dos agitadores em
Tessalônica, em virtude de ter permanecido em Filipos.227

226
Morris, Thessalonians, p. 16.
227
D. Edmond Hiebert, An Introduction to the New Testament, 2:39.
O motivo imediato para a carta foi o segundo relato sobre Tessalônica apresentado a
Paulo em Corinto (3.6-7). Incapaz de retornar para lá, Paulo escreveu a carta para
vindicar seu ministério, encorajar e corrigir seus filhos espirituais.
Argumento básico
PROPÓSITO
Como ocorre também em outras escrituras paulinas, 1Tessalonicenses apresenta o
mesmo fenômeno de uma multiplicidade de subpropósitos que se combinam para
formar um objetivo que abrange toda a epístola.
Assim o primeiro capítulo expressa a alegria e a gratidão pelo progresso e a firmeza
dos tessalonicenses. Consagração é uma palavra que pode resumir o propósito desse
capítulo.
Vindicação é uma palavra adequada para os capítulos 2 e 3, onde Paulo defende a
legitimidade do seu ministério e a pureza das suas intenções para com os
tessalonicenses. A primeira parte do capítulo 4 apresenta várias exortações relacionadas
à caminhada cristã dos tessalonicenses.
A seção doutrinária da carta (4.13–5.11) poderia ser descrita como Informação ou
Revelação, com outro conjunto de Exortações logo em seguida, a maioria das quais está
ligada à vida eclesiástica.
Ao discutir o propósito de 1Tessalonicenses é necessário enfatizar o papel importante
da segunda vinda de Cristo. Todos os cinco capítulos contêm referências a ela, e,
ademais, todos os cinco capítulos terminam com uma referência à παποτςία (1.10; 2.19;
3.13; 4.16-17; 5.23).
Assim, o propósito geral do livro pode ser formulado da seguinte maneira:
Encorajar uma igreja vibrante a perseverar na conduta cristã adequada em meio a
tribulações em vista da esperança da manifestação iminente de Cristo.
DESENVOLVIMENTO
A carta se inicia com a costumeira saudação paulina de graça e paz, sua linda
combinação de saudações grega e judaica expressando seu desejo de que seus leitores
desfrutem de pleno bem-estar com base na graça de Deus. O elemento incomum desta
saudação é a referência à igreja como sendo ἐν θεῶ πασπί (en theō patri),
possivelmente uma medida a mais da segurança de que os tessalonicenses desfrutavam
em seu relacionamento com Jesus Cristo.
A primeira divisão da carta (1.2-10) expressa a empolgação de Paulo em relação à
conduta dos tessalonicenses até então. Eles demonstravam uma expressão vibrante e
equilibrada do cristianismo, que deixava Paulo confiante e grato diante de Deus (1.2-4).
A fé daquela jovem igreja florescia em boas obras, seu amor os capacitava a trabalhar
por Deus sob circunstâncias difíceis, enquanto sua esperança cristã os capacitava a
permanecerem firmes sob fogo cerrado.
Paulo e seus companheiros não só sentiram profundamente a eleição dos
tessalonicenses no tempo do seu ministério em Tessalônica (1.4-7),228 mas esta
impressão parcialmente subjetiva foi confirmada pelo amplo testemunho da genuína
conversão e fidelidade dos tessalonicenses.
Notícias da sua nova vida haviam se espalhado por toda a Grécia, refletindo a
percepção apostólica da sua resposta à proclamação primária do evangelho lá. Sua
antiga idolatria (apesar do número inicial dos judeus tementes a Deus, os

228
Alguns comentaristas sugerem que sua ἐκλογή (eklogh) foi realizada no tempo em que
Paulo pregou lá, mas isto é esticar demais a teologia, pois reconhecimento não significa
realização; o conceito paulino de eleição está estabelecido claramente em Efésios 1.4, ππό
κασαβολῆρ κόςμοτ (pro katabolēs kosmou).
tessalonicenses formavam congregações gentias em sua maioria) dera lugar à adoração
correta do verdadeiro Deus. Suas perspectivas futuras, enquanto esperavam a vinda de
Cristo, haviam mudado radicalmente de enfrentamento para livramento da ira divina.229
A segunda divisão da carta lida com o relacionamento ministerial de Paulo com os
tessalonicenses (2.1–3.13). Evidentemente Paulo fora caluniado por seus adversários
depois da sua partida da Macedônia. Sua resposta é que sua motivação tinha sido pura e
seus métodos honestos. Seu amor pelos tessalonicenses fora altruísta (2.1-4), seu
trabalho fora incessante (2.5-9), e sua vida permanecera imaculada (2.10-12). Seu afeto
por eles fora materno (2.7) e seus conselhos foram paternos (2.11).
Não só fora a sua conduta passada irrepreensível para com eles, diz Paulo, a sua atual
preocupação era sincera e almejava a sua maturidade (2.13 – 3.13). Embora grato pela
resposta genuína deles para o Evangelho e confiante de que a ira de Deus alcançaria
seus perseguidores (2.13-16), Paulo sentia a necessidade de fortalecer os tessalonicenses
para que eles permanecessem fiéis mesmo em meio à tribulação. Isto o levou a liberar
Timóteo da sua tarefa em Atenas (3.1) para que este pudesse ministrar aos
tessalonicenses (2.17 – 3.5).
A preocupação de Paulo para com os tessalonicenses era visível também na alegria
que ele sentiu pelo progresso espiritual deles e em seu desejo ardente de ajudá-los a
superar suas deficiências (3.6-13). Seus sentimentos para com eles são resumidos em
sua oração (3.11-13): ―que Deus remova o que me impede de estar com vocês, e que
vocês alcancem um amor plenamente maduro e uma vida irrepreensível até a segunda
vinda do Senhor Jesus Cristo‖.
Além de servir os propósitos de vindicação de Paulo, essa seção anterior também
forneceu um exemplo de maturidade que os tessalonicenses fariam bem em imitar (cf.
1.6; 2.14; 2Ts 3.9).

229

“Ira” (ὀπγή [orgē] ) tem três significados no Novo Testamento. Pode estar presente como em
Romanos 1.18, em que a ὀπγή de Deus já está sendo revelada na terra, onde malfeitores
colhem em sua vida atual as conseqüências do seu pecado e sua rebelião contra Deus (cf. Jo
3.36). Pode ser também futura, como em Romanos 2.5, 16, onde a ira de Deus será consumada
no “dia da ira de Deus, quando se revelará o seu justo julgamento” – no dia, diz Paulo, “em
que Deus julgar os segredos dos homens mediante Jesus Cristo, conforme declara o meu
evangelho.” Ela é o julgamento do grande trono branco (Ap 20.11-15). Finalmente, ela pode
também se referir ao “tempo de angústia para Jacó” (Jr 3.4-7), também chamado a “grande
tribulação” (Ap 7.14). Este será um período na história durante o qual a ira de Deus será
derramada sobre a terra como jamais foi (cf. Ap 6–19).

Em 1.10 é certo que a referência é às opções 2 e 3. Os cristãos tessalonicenses escaparão de


todos os aspectos da ira de Deus, gerais e específicos, inclusive a Tribulação. A frase σόν
ῥτόμενον ἡμᾶρ ἐκ σήρ ὀπγῆρ σῆρ ἐπφομένηρ (ton ruomenon hēmas ek tēs orgēs tēs
erchomenēs) significa que cristãos são guardados dela, não extraídos dela. Compare 2Coríntios
1.10 em que Paulo diz que ele foi liberto de (ἐκ) um perigo mortal. Ele foi liberto da morte, e
não extraído dela, como se ele fora morto e ressuscitado. Semelhantemente em Apocalipse
3.10, καγώ ςε σηπήςψ ἐκ σῆρ ὧπαρ σοῦ πειπαςμοῦ (kagō se tērēsō ek tēs hōras tou peirasmou),
e João 17.15, em que Jesus orou para que o Pai os guardasse da ação do maligno − σηπήςερ
αὐσούρ ἐκ σοῦ πονηποῦ (tērēses autous ek tou ponērou). A terceira opção é a mais provável,
especialmente à luz de 5.9, onde o arrebatamento pré-tribulacional está em vista.
A terceira divisão (4.1-12) fornece conselhos práticos na área de comportamento
moral e ético, cuja ênfase é agradar a Deus (4.1-2). O alvo de Paulo para os
tessalonicenses era excelência na pureza à luz da santa vocação (4.3-5) e dura punição
(4.6-8) de Deus.
Os tessalonicenses partilhavam com o resto do mundo romano um padrão bastante
livre de conduta sexual. Assim, a exigência de Paulo é que eles busquem a excelência
ao fazer aquilo que agradava a Deus em sua vida sexual. A exortação cristalina de Paulo
é, ―que vos abstenhais da prostituição‖. ποπνεία (porneia) primariamente denota
relacionamento com as πόπναι (pornai, ―meretrizes‖), mas pode indicar qualquer forma
de relacionamento sexual ilícito.230 A exortação era necessária por causa da frouxidão
da moralidade sexual no mundo greco-romano. Bruce descreve adequadamente a
situação que confrontava os cristãos do século I.
Um homem podia ter uma ἥσαιπα (hetaira, ―companheira amante‖) que lhe fornecia
companhia intelectual; a instituição da escravidão lhe tornava fácil ter uma παλλακή
(pallakē, ―concubina‖), enquanto a gratificação ocasional era prontamente disponível
com uma πόπνη (pornē, ―meretriz‖) … Não havia o peso da opinião pública para
desencorajar a ποπνεία.231
Na verdade, as palavras de Paulo podem ser um reflexo da solução buscada pelo
Concílio de Jerusalém dois anos antes de 1Tessalonicenses ser escrita, ―que vos
abstenhais da prostituição‖ (cf. ἀπέφεςθαι … ποπνείαρ, [aperchesthai porneias] , At
15.22, 27).
A parte positiva da exigência apostólica de Paulo, εἰδέναι ἕκαςσον ὑμ῵ν σό ἑατσοῦ
ςκεῦορ κσᾶςθαι (eidenai hekaston humōn to heautou skeuos ktasthai, 4.4), há muito é
motivo de debate. Há evidência léxica de que a combinação do verbo κσάομαι
(ktaomai) e o substantivo ςκεῦορ (skeuos) era usada para indicar casamento; por outro
lado, há também indicações do uso de ςκεῦορ para o corpo humano, que torna a escolha
entre ―encontre uma esposa‖ ou ―possua seu próprio corpo‖ bastante difícil.
Visto que κσάομαι também tem evidência de manuscritos para o significado ―ter‖, e
que o léxico de Liddell e Scott cita Lucas 18.12 como um exemplo, este escritor prefere
a segunda opção como a mais adequada para o contexto.
O castigo prescrito para a inevitável ―defraudação‖ de um irmão em casos de
fornicação e/ou adultério era a intervenção direta de Deus. Estando em Corinto naquela
época, Paulo certamente tinha várias ilustrações do fato.
A próxima exortação é mais um encorajamento para buscar a excelência naquilo que
já estavam praticando em suas difíceis circunstâncias, seu amor fraternal υιλαδελυία
(philadelphia, 4.9-10).
Segue-se uma exortação para desenvolver um estilo de vida que combinava
docilidade, discrição e diligência e que lhes conquistaria a independência e o interesse
dos não crentes. O motivo para esta exortação era provavelmente a inferência errônea a
que os tessalonicenses haviam chegado, a partir da vinda iminente de Cristo, de que os
cristãos devem abandonar seu papel adequado na sociedade.
Essa próxima divisão (4.13–5.11) ilustra o envolvimento de Paulo com as
―deficiências da vossa fé‖, ὑςσεπήμασα σῆρ πίςσεψρ ὑμ῵ν (husterēmata tē pisteōs
humōn, 3.10). Embora lhes tivessem sido ensinadas as doutrinas da ressurreição

230
Morris, Thessalonians, p. 122.
231
F. F. Bruce, 1 & 2 Thessalonians, WBC 45, p. 82.
corporal e da segunda vinda de Cristo, os tessalonicenses não tinham conseguido uni-las
adequadamente.
A morte de alguns deles havia conturbado a sua confiança quanto à salvação final
dos mortos (e possivelmente também suas convicções quanto à vinda de Cristo). Esses
dois parágrafos são a resposta de Paulo às suas dúvidas.
Dentro do propósito da carta eles servem para promover uma atitude de alegria e
vigilância esperançosas. Eles também o fazem ao enfatizar a certeza da ressurreição
cristã à luz da ressurreição de Cristo (4.13-14), ao fornecer uma palavra autorizada de
revelação divina a respeito do destino dos cristãos mortos na παποτςία gloriosa de
Cristo (4.15-17).
O encorajamento que os tessalonicenses deveriam derivar desta passagem (4.18)
ainda está disponível e é igualmente importante para os crentes hoje. A tabela seguinte
resume o ensino escatológico contido em 1Tessalonicenses 4.13 - 5.11.

Resumo teológico de 1Tessalonicenses 4.13 - 5.11


Doutrina Texto
Presença dos cristãos mortos com Cristo. 4.14 – Jesus, trará em sua companhia.
Apenas cristãos serão ressuscitados no
4.14 – os que dormem.
Arrebatamento.
A iminência do Arrebatamento. 4.15 – nós, os vivos.
A precedência da ressurreição à
4.15 – de modo algum precederemos.
transformação.
A manifestação de Jesus Cristo. 4.16 – o Senhor… descerá.
O Arrebatamento não será um evento
4.16 – voz… ressoada a trombeta.
silencioso.
4.16 – os mortos em Cristo
A ressurreição dos cristãos mortos.
ressuscitarão.
Reunião dos cristãos vivos e mortos com
4.17 – arrebatados juntamente.
Cristo.
O Arrebatamento é distinto da Segunda
4.17 – encontro com o Senhor nos ares.
Vinda.
O Arrebatamento precede o Dia do Senhor. 5.2 – como ladrão de noite.
O Dia do Senhor virá num tempo de
5.3 – Paz e segurança.
complacência.
O Dia do Senhor é um tempo de juízo para
5.3 – repentina destruição.
a humanidade.
Os cristãos estão isentos da ira do Dia do
5.9 – não nos destinou para a ira.
Senhor.
Depois de fornecer instrução quanto aos mortos, Paulo fornece informação prática e
exortação a respeito dos vivos (5.1-11). Seu propósito era de encorajar a vigilância e o
viver justo. O conhecimento prévio deles sobre o Dia do Senhor era obviamente o
resultado do ministério de Paulo lá, mas o apóstolo não tomou tal conhecimento por
certo; conhecimento intelectual nem sempre produz conduta santa.
A fim de fazer valer suas exortações, Paulo estabelece o contraste entre os
tessalonicenses e os pagãos ao seu redor (5.1-3); este contraste é mais do que
meramente uma questão de conhecimento, pois crentes se caracterizam por pertencerem
à luz (i.e., Deus e a verdade), em contraste com a escuridão (i.e., Satanás e a falsidade),
e por comportarem-se como luz (5.4-5).
Paulo os adverte, porém, sobre a possibilidade de um cristão regredir a um estilo de
vida dormente (cf. o verbo grego καθεύδψ [katheudō] em contraste com κοιμάομαι
[koimaomai], usado com respeito à morte do crente), marcado pela complacência para
com o pecado. Em vez de fazer isto, os cristãos devem ser vigilantes e disciplinados
(5.6-8), alinhando sua vida ao seu destino de livramento da ira (5.9-10; cf. 1.10).
Curiosamente, o meio de desenvolver tal disciplina é cultivar a fé, o amor e a esperança,
as três virtudes pelas quais Paulo já havia elogiado a igreja (cf. 1.3).
Enquanto o parágrafo anterior devia ser usado para conforto e encorajamento no
nível emocional (παπακαλέψ, parakaleō), este parágrafo vai além do emocional para os
níveis volitivo e prático (παπακαλέψ e οἰκοδομέψ [oikodomeō]).
Outro conjunto de exortações (5.12-24) fecha a seção doutrinária de Paulo. A
presença de provações e algumas noções mal concebidas sobre a vinda do Senhor
causaram desordem e desequilíbrio entre os tessalonicenses. As exortações de Paulo
almejam restaurar ordem e equilíbrio no nível coletivo (5.12-15), promovendo
apreciação e respeito pela liderança da igreja e respostas adequadas a diferentes classes
de cristãos deficientes (5.14) num ambiente de perdão mútuo (5.15).
No nível pessoal, a vida cristã deveria ser caracterizada pelo equilíbrio (5.16-22),
com gratidão contente, regada com oração (5.16-18) e discernimento espiritual (5.18-
22). Paulo pôs ênfase especial na receptividade ao ministério do Espírito por intermédio
de outros crentes, um problema tristemente comum em igrejas onde há discórdia de
qualquer tipo. Contudo, abertura espiritual não é sinônimo de ingenuidade; cristãos
precisam ser sábios em suas escolhas e cônscios das diversas formas como o mal
aparece (5.21-22). Paulo termina esta seção com a petição confiante de que Deus
santificará plenamente os tessalonicenses até a vinda do Senhor (5.23-24).
A conclusão de Paulo (5.25-28) revela seus calorosos sentimentos para com os
tessalonicenses. A carta devia ser lida a todos (todas as congregações?) em Tessalônica
para garantir seu máximo proveito. Seu último desejo é o abundante favor do Senhor
sobre seus amados irmãos.

ESBOÇO SINTÉTICO
Mensagem
A conduta cristã em meio a provações e tristeza precisa ser continuamente
caracterizada por pureza, esperançosa alegria e ordem à luz da verdade do
Evangelho que os tessalonicenses receberam de Paulo e da iminente manifestação
de Cristo.
I. Saudação – Paulo e seus companheiros saúdam os tessalonicenses com base em na sua
posição em Deus e Cristo (1.1).
II. Consagração – A conduta dos tessalonicenses até então fora motivo de gratidão (1.2-10).
A. A expressão vibrante e equilibrada de cristianismo por parte dos tessalonicenses dava a
Paulo constante motivo para louvar e agradecer a Deus por eles (1.2-4).
1. As orações de Paulo a respeito deles eram constantes (1.2).
2. Sua fé produzira resultados tangíveis (1.3a).
3. Seu amor produzira trabalho diligente (1.3b).
4. Sua esperança produzira perseverança firme (1.3c).
B. O relato geral sobre a conversão dos tessalonicenses confirma para Paulo a certeza da
eleição deles (1.4-10).
1. A convicção de Paulo de que os tessalonicenses eram verdadeiramente escolhidos por
Deus se devia à sua resposta ao ministério do apóstolo entre eles (1.4-7).
• A convicção de Paulo se baseava na natureza genuína do seu ministério aos
tessalonicenses (1.4-5a).
- Paulo afirma a sua convicção quanto à eleição dos tessalonicenses (1.4).
- O seu ministério foi fortalecido pelo Espírito e pela sua convicção quanto à mensagem
(1.5a).
• A convicção de Paulo se baseava na resposta positiva dos tessalonicenses apesar das
circunstâncias adversas (1.5b-7).
- A resposta dos tessalonicenses foi conformidade ao estilo de vida exibido por Paulo (1.5b-
6a).
- A resposta dos tessalonicenses foi aceitação alegre do Evangelho em meio à perseguição
(1.6b).
- A resposta dos tessalonicenses fez deles um modelo para outros crentes (1.7).
2. A confirmação de Paulo era a ampla fama que a genuína conversão dos tessalonicenses
lhes outorgara (1.8-10).
• A sua proclamação do evangelho tornara a sua fé famosa por toda a Grécia (1.8).
• O testemunho público sobre os tessalonicenses era que o ministério de Paulo entre eles
resultara numa total reviravolta nas suas vidas (1.9-10).
- A idolatria deles deu lugar à adoração do verdadeiro Deus (1.9).
- As suas expectativas passaram da ira para o livramento por intermédio de Jesus (1.10).
III. Vindicação – A relação ministerial de Paulo com os tessalonicenses fornecia um
exemplo impecável de comportamento cristão (2.1–3.13).
A. A conduta de Paulo para com os tessalonicenses no passado foi marcada por extrema
dedicação (2.1-12).
1. A conduta de Paulo foi marcada por amor altruísta (2.1-4).
2. A conduta de Paulo foi marcada por diligência dadivosa (2.5-9).
3. A conduta de Paulo foi marcada por vida virtuosa (2.10-12).
B. A conduta de Paulo para com os tessalonicenses no presente é marcada por preocupação
sincera (2.13–3.13).
1. A preocupação de Paulo pelos tessalonicenses era que eles não abrissem mão da sua
fidelidade em meio às suas severas provações (2.13–3.5).
• A sua resposta genuína ao Evangelho (pela qual Paulo era grato) fez deles o objeto de
perseguição renovada pelos judeus, que Deus finalmente punirá (2.13-16).
• A sua necessidade de fortalecimento em meio às provações impulsionou Paulo a abrir mão
da presença de Timóteo consigo por causa dos seus amados tessalonicenses, dos quais
ele sentia saudades (2.17 – 3.5).
2. A preocupação de Paulo pelos tessalonicenses era expressa na alegria pelo seu progresso
e no desejo de ajudá-los a superar as suas atuais deficiências espirituais (3.6-13).
• A preocupação de Paulo pelos tessalonicenses era expressa na alegria pelo seu progresso
(3.6-9).
• A preocupação de Paulo pelos tessalonicenses era expressa no desejo de ajudá-los a
superar as suas atuais deficiências espirituais (3.10-13).
- O desejo de Paulo aparece em sua constante oração por uma oportunidade de ministrar às
necessidades deles (3.10).
- O desejo de Paulo aparece em sua petição por progresso provocado por Deus para os
tessalonicenses (3.11-13).
• Paulo pede a remoção divina das barreiras que impediam a reunião com eles (3.11).
• Paulo pede o crescimento deles em amor (3.12).
• Paulo pede força que fará os tessalonicenses puros na vinda do Senhor (3.13).
IV. Exortação – A conduta cristã em meio a provações precisa sempre ser agradável a Deus
(4.1-12).
A. A bondosa exigência de Paulo é que os tessalonicenses continuem a obedecer às suas
instruções e a viver mais intensamente para agradar a Deus (4.1-2).
B. O comportamento cristão na área da sexualidade precisa ser marcado pela pureza, à luz
do chamado e do castigo de Deus (4.3-8).
1. O comportamento cristão na área da sexualidade precisa ser marcado por pureza à luz do
chamado de Deus (4.3-5).
2. O comportamento cristão na área da sexualidade precisa ser marcado por pureza à luz do
castigo de Deus (4.6-8).
C. O comportamento cristão nos relacionamentos na igreja precisa ser marcado por
crescente amor fraternal (4.9-10).
1. O amor fraternal já estava em prática em Tessalônica (4.9).
2. Paulo exigia crescimento no amor fraternal (4.10).
D. O comportamento cristão nos relacionamentos interpessoais precisa ser marcado por
independência atraente (4.11-12).
1. O mandamento para o comportamento cristão é que cada um estabeleça sua
independência através de trabalho diligente e discreto (4.11).
2. A conseqüência do comportamento cristão genuíno é um estilo de vida independente e
atraente (4.12).
V. Revelação – A conduta cristã em meio a tristezas precisa ser continuamente
caracterizada por esperançosa alegria e vigilância à luz da iminente segunda vinda de
Cristo (4.13–5.11).
A. A conduta cristã em meio a tristezas precisa ser continuamente caracterizada por
esperançosa alegria à luz da iminente segunda vinda de Cristo (4.13-18).
1. A resposta adequada à realidade da morte não é o luto pagão, mas esperançosa alegria à
luz da certeza que a ressurreição de Cristo dá para a nossa crença na ressurreição cristã
(4.13-14).
2. A revelação de Deus a respeito dos mortos é que eles partilharão da ressurreição com
aqueles que permanecerem até a παποτςία (4.15-17).
• Crentes mortos não serão deixados para trás no programa divino de ressurreição (4.15).
• Crentes mortos terão prioridade quando a παποτςία acontecer em sua glória (4.16).
• Crentes mortos e vivos serão reunidos para o encontro com Cristo nos ares (4.17).
3. A resposta dos tessalonicenses a tal conhecimento devia ser encorajamento mútuo (4.18).
B. A conduta cristã em meio a tristezas precisa ser continuamente caracterizada por
vigilância à luz da iminente segunda vinda de Cristo (5.1-11).
1. O contraste entre os tessalonicenses e os pagãos à sua volta era a sua fonte interna de
informação sobre o tempo do juízo que Paulo chama de o Dia do Senhor (5.1-3).
• Os tessalonicenses conheciam a natureza súbita do Dia do Senhor (5.1-20).
• Os incrédulos complacentes não conheciam a natureza inescapável do Dia do Senhor
(5.3).
2. O contraste entre os tessalonicenses e seus contemporâneos pagãos devia ser uma atitude
de santa vigilância em vez de complacência para com o pecado à luz do nosso destino
(5.4-10).
• O caráter dos tessalonicenses como filhos da luz exige uma distinção daqueles que vivem
na ignorância (5.4-5).
• A conduta dos tessalonicenses precisa ser de vigilância santa em vez de complacência
para com o pecado como os pagãos (5.6-8).
- Cristãos devem ser vigilantes e disciplinados em contraste com a depravação pagã (5.6-7).
- O meio de alcançar a disciplina é cultivar fé, amor e esperança (5.8).
• O destino do cristão não é a ira divina, mas a salvação em união com Cristo que morreu
por nós (5.9-10).
3. A exortação aos tessalonicenses visava o encorajamento e a edificação mútua com base
na vinda iminente de Cristo (5.11).
VI. Exortação – A vida eclesiástica dos tessalonicenses em meio a provações e tristezas
precisa ser continuamente e plenamente caracterizada por ordem e equilíbrio (5.12-24).
A. A vida eclesiástica dos tessalonicenses em meio a provações e tristezas precisa ser
caracterizada por ordem (5.12-15).
1. Os tessalonicenses precisam respeitar e valorizar seus líderes espirituais (5.12-13a).
2. Os tessalonicenses precisam viver em harmonia (5.13b).
3. Os tessalonicenses precisam ajudar aqueles que são espiritualmente deficientes (5.14).
• Cristãos ociosos devem ser confrontados (5.14a).
• Cristãos desanimados devem ser consolados (5.14b).
• Cristãos fracos devem ser confirmados (5.14c).
• Deve-se condescender com todos os cristãos (5.14d).
4. Os tessalonicenses precisam buscar o benefício do próximo, não a própria vingança
(5.15).
B. A vida eclesiástica dos tessalonicenses em meio a provações e tristezas precisa ser
caracterizada por equilíbrio (5.16-22).
1. A alegria deve ser uma atitude constante (5.16).
2. A oração deve ser uma ação constante (5.17).
3. A gratidão deve ser constante, de acordo com a vontade de Deus (5.18).
4. Assuntos espirituais precisam ser tratados com discernimento (5.19-22).
• As manifestações do Espírito não devem ser menosprezadas (5.19).
• As comunicações da vontade de Deus não devem ser rejeitadas (5.20).
• Idéias e conceitos precisam ser todos examinados com vistas à retenção do que é
moralmente bom (5.21).
• Todas as formas do mal precisam ser expurgadas (5.22).
C. A oração confiante de Paulo é que Deus santifique completamente os tessalonicenses até
a vinda do Senhor (5.23-24).
1. A oração de Paulo é que Deus os santifique completamente (5.23).
2. A confiança de Paulo na santificação dos chamados se baseia na fidelidade de Deus
(5.24).
VII. Conclusão (5.25-28).
A. Paulo pede oração por ele mesmo e seus companheiros (5.25).
B. Paulo manda saudações a todos os tessalonicenses (5.26).
C. Paulo exige a leitura pública da carta (5.27).
D. Paulo deseja a graça de Cristo sobre eles (5.28).
O argumento de
2TESSALONICENSES
Questões introdutórias
TÍTULO
O título grego desta epístola é ΠΡΟ΢ ΘΕ΢΢ΑΛΟΝΙΚΕΙ΢ Β, refletindo tanto o nomen
patrium da cidade a que foi enviada, como o fato de ser esta a segunda epístola
destinada aos Tessalonicenses.
AUTORIA E DATA
A evidência externa de ser Paulo o autor de 2Tessalonicenses é mais antiga e forte
que a da primeira epístola. Policarpo e Justino Mártir aludem a ela, enquanto Irineu de
Lyon a menciona pelo nome. Clemente de Alexandria e Tertuliano a citam como sendo
paulina. Ela é encontrada no Cânon Muratoriano, nas antigas versões latina e siríaca,
como também no Apostolicon de Marcion.
A autoria paulina também recebe apoio de evidências internas. Por duas vezes o
autor se identifica como Paulo (1.1; 3.17). O estilo e vocabulário são tão semelhantes
que alguns eruditos críticos chegaram à conclusão que 2Tessalonicenses consiste de
uma ―fraude piedosa‖ designada a imitar a correspondência apostólica com os
tessalonicenses.
Outros eruditos de posição igualmente liberal, por outro lado, argumentam que a
seção central da epístola, o capítulo 2, é tão diferente dos escritos paulinos que não
deixa dúvidas quanto a vir de outro escritor. Este é um caso em que o zelo crítico
excessivo derrota seus próprios propósitos, pois se semelhanças forem usadas como
prova de outra autoria, então diferenças não poderiam ser usadas para provar a mesma
tese. Os dois argumentos se cancelam mutuamente.
É melhor ver semelhanças em conteúdo e vocabulário como indicação de que a
mesma pessoa escreveu as duas epístolas; as diferenças são adequadamente justificáveis
pela variação do assunto.
2Tessalonicenses 3.17 é outra passagem invocada como prova de uso de
pseudônimo, já que assinar cartas não era costumeiro na época do Novo Testamento.
Dois argumentos negam esta afirmação: (a) Paulo escreveu a parte final de Gálatas de
próprio punho, e não há razão para negar que ele tenha assinado aquela carta; e (b) o
fato de alguém ter mandado uma carta forjada em nome de Paulo (2.2) tornaria
necessária uma assinatura pessoal. Portanto, a defesa da autoria paulina é muito boa.
Quanto à data, não há muito debate, já que os eruditos em geral concordam que essas
cartas foram escritas em pouco espaço de tempo. Há algum debate, no entanto, quanto à
ordem em que foram escritas. Já que a ordem canônica se baseava primariamente em
extensão, é bom observar este debate.
Os melhores argumentos para a prioridade de 2Tessalonicenses são: (a) cronológico
– a perseguição parece atual em 2Tessalonicenses, enquanto em 1Tessalonicenses
parece coisa do passado; (b) quanto à atitude dos leitores – a preguiça e a desordem
parecem ser fator novo na segunda epístola, ao passo que na primeira, parecem algo
corriqueiro; (c) quanto à identificação – a assinatura faz sentido na primeira carta, mas
não na segunda, particularmente pelo curto intervalo entre elas; (d) quanto à informação
– as palavras de 1Tessalonicenses 5.1, não há necessidade de que eu vos escreva, fazem
mais sentido se outra carta com informação escatológica tivesse sido enviada antes; (e)
quanto à atitude do autor – 2Tessalonicenses parece mais fria e impessoal, ao passo que
1Tessalonicenses é calorosa e íntima.
Em resposta aos argumentos acima, não se faz necessário postular uma diversidade
de documentos combinados nas duas cartas existentes, já que há explicações
convincentes para cada argumento: (a) cronológico – a perseguição poderia ter
recomeçado entre 1 e 2Tessalonicenses; (b) quanto à atitude dos leitores –
2Tessalonicenses 3.11 sugere que informações mais recentes teriam esclarecido Paulo
da natureza específica do problema (σιναρ tinas, ao contrário de uma ordem mais geral
em 1Tessalonicenses 4.11-12); (c) quanto à identificação – o fato de que uma
falsificação teria influenciado negativamente os tessalonicenses tornara necessária a
assinatura na segunda carta; (d) quanto à informação – 1Tessalonicenses 5.1 claramente
se refere à tradição oral de Paulo, repassada em sua primeira visita. Além disso,
2Tessalonicenses 2.15 indica que quando esta epístola foi escrita, a igreja já tinha
recebido uma carta de Paulo; (e) quanto à atitude do autor – Paulo (como qualquer outro
autor) não precisa ter a mesma disposição durante todo o tempo; o tom mais severo da
segunda carta se fazia necessário, ao menos em parte, pelo fato de suas prescrições
anteriores não terem sido atendidas e mais crédito ter sido dado a uma falsificação do
que aos seus ensinos orais e textuais.
Portanto, conclui-se que a ordem tradicional das epístolas aos tessalonicenses deve
ser mantida, e que elas devem ser consideradas como produzidas em breve espaço de
tempo. Se Timóteo fora enviado com a primeira carta no início do verão do ano 51
A.D., a segunda epístola poderia ter sido enviada no meio do verão do mesmo ano.
Sendo assim, haveria tempo para a chegada da carta forjada e a viagem de Timóteo de
ida e volta de Tessalônica. Veja cronologia da segunda viagem missionária de Paulo,
pp. 360 – 361.
OCASIÃO
O motivo mais provável para o envio de uma segunda carta foi o relatório confuso
recebido justamente no momento em que o trabalho de Corinto começara a atrair
oposição mais acirrada (3.2). A igreja permaneceu fiel apesar da renovada e crescente
oposição; doutrinariamente, no entanto, novas dúvidas quanto ao programa futuro de
Deus com relação à Igreja haviam surgido. O sofrimento e a desinformação teológica da
época podem ter levado muitos a crer que o Dia do Senhor já chegara. Na prática,
alguns insistiam em manter um estilo de vida desordenado e confrontativo, resultado
aparente da adesão a falsos ensinos concernentes à volta do Senhor Jesus Cristo. Como
um bom pastor, Paulo repete alguns assuntos tratados em 1Tessalonicenses e coloca
mais firmeza em seu tratamento dos intrometidos desordeiros, cujo número ele parece
explicitar, sem contudo identificar diretamente. O problema se tornara mais sério e era
necessário aplicar disciplina (inicial) . Esse conjunto de circunstâncias pode explicar a
composição de 2Tessalonicenses.
Argumento Básico
PROPÓSITO
A proximidade entre as cartas e a semelhança de Sitz im Leben dos destinatários
indica que o propósito das duas cartas é substancialmente o mesmo. Uma clara
distinção, no entanto, é que em 2Tessalonicenses Paulo não se preocupa tanto em
defender a validade do seu ministério e mensagem quanto em 1Tessalonicenses.
Portanto, o propósito de 2Tessalonicenses pode ser assim definido:
Encorajar os tessalonicenses a buscarem excelência numa vida cristã equilibrada
em meio à perseguição, animando-os à luz de sua vindicação definitiva,
consolando-os com uma visão correta do seu relacionamento com o Dia do Senhor,
e confrontando-os com a necessidade de uma abordagem realista da vida e do
trabalho.
DESENVOLVIMENTO
Paulo inicia sua carta com sua costumeira saudação de graça e paz, enquanto deseja
aos seus leitores pleno desfrute das bênçãos de Deus com base na graça divina (1.1-2).
Como na primeira epístola, os tessalonicenses são descritos com a expressão ἐν θεῶ
πασπί καί κτπίῳ Ἰηςοῦ en theō patri kai kuriō Iēsou, uma indicação da segurança da
sua posição em face às tribulações pelas quais passavam.
O propósito geral de Paulo – encorajar a excelência na vida cristã – é primeiramente
buscado pelo elogio que faz aos tessalonicenses por sua perseverança em meio a muito
sofrimento (1.3-12).
Esse elogio se expressa em sua constante e entusiasmada gratidão a Deus por eles,
uma vez que as provações pelas quais os tessalonicenses haviam passado não tinham
enfraquecido sua fé nem esfriado o seu amor (1.3-4). O último elemento na costumeira
tríade paulina, todavia, não está presente; no intervalo entre 1Tessalonicenses 1.3 e
2Tessalonicenses 1.3, a igreja em Tessalônica tinha passado da esperança para o
desespero devido à sua percepção errônea da natureza das provações. Isso aponta para a
necessidade de encorajamento à excelência, uma vez que uma igreja sem esperança é
uma igreja sem motivação. Neste sentido, 2Tessalonicenses é uma epístola profilática,
na qual Paulo procurava evitar a perda daquela vitalidade que tornara os tessalonicenses
famosos (cf. 1Ts 1.3). Isso ressalta a necessidade de um conhecimento apropriado de
escatologia entre o povo.
Em 1.5-10 Paulo os encoraja explicando o resultado de passar por tais provações. A
frase εἰρ σό κασαξιοθῆναι ὑμᾶρ σῆρ βαςιλείαρ σοῦ θεοῦ eis to kataxiothēnai humas tēs
basileias tou theou (1.5) tem sido erradamente entendida por alguns como se os
sofrimentos dos tessalonicenses lhes tivessem conquistado o direito ao reino; o sentido
da frase, no entanto, é ―ser um participante digno do reino‖ ou ―ser digno de
recompensa quando o reino for estabelecido‖.
O encorajamento que Paulo oferece provém do fato de que Deus, no futuro, irá
recompensar seus leitores com alívio e paz, ao passo que seus perseguidores serão
castigados. À primeira vista esta passagem parece ensinar um arrebatamento pós-
tribulacional, uma vez que o tempo do alívio e o tempo do castigo são descritos como
ἐν σῇ ἀποκαλύχει σοῦ κτπίοτ Ἰηςοῦ ἀπ᾿ οὐπανοῦ μεσ᾿ ἀγγέλψν δτνάμεψρ αὐσοῦ en tē
apokalupsei tou kuriou ap’ouranou met’angelōn dunameōs autou (1.7).
O que Paulo quer indicar com este versículo, todavia, não é o livramento, mas a
vindicação da relação especial dos tessalonicenses com Deus e de seu valor diante dEle.
A inclusão dos tessalonicenses neste parágrafo se deve à convicção de Paulo de que ele
e seus leitores viviam à sombra da vinda iminente de Cristo que iria, se acontecesse
então, trazer alívio por meio do arrebatamento para os leitores, e tormento para os
perseguidores por meio da Tribulação, imediatamente depois.
Os versículos 9 e 10, em que Paulo descreve as conseqüências da intervenção
escatológica de Deus, acrescentam prova de que esta passagem fala de vindicação e não
de livramento. O versículo 10 fala de Cristo ser glorificado e ser objeto de admiração,
com ambos os verbos seguidos por uma expressão no dativo em que o sentido de
agência é a melhor opção sintática. A imagem seria então paralela à do casamento
hebreu, no qual o noivo recebia aplauso público pela magnificência das vestes que havia
provido para sua noiva. Assim, a escolha da preposição ―em‖, tanto na ARA como na
NVI, não é a mais adequada – os santos serão o instrumento da exaltação de Cristo. Eles
retornarão com Jesus no tempo de sua vindicação, serão com Ele objeto da admiração
dos adversários escatológicos, cujo destino será a eterna destruição (1.9).
O entusiasmo de Paulo e a perseverança dos tessalonicenses, todavia, não os colocam
além da necessidade de ajuda divina (1.10-12). Daí vem a menção da necessidade de
oração constante. A presença do verbo ἀξιόψ axioō (1.11) revela mais uma vez a
preocupação de Paulo com a excelência na avaliação espiritual dos tessalonicenses. Esta
passagem reflete um conceito elevado da operação soberana de Deus na vida dos
crentes (1.11; cf. Fp 2.13), produzindo neles o que irá glorificá-lO e enriquecendo suas
vidas por toda a eternidade (1.12).
Como um bom pedagogo/pastor, Paulo usou a primeira terça parte de sua carta de
encorajamento num elogio efusivo a seus leitores. Quando o tempo de corrigi-los se
apresenta (2.1-17), ele não foi menos intenso, uma vez que havia tanto em jogo.
Confusos por causa de uma carta que supostamente teria sido enviada por Paulo,
alguns (talvez a maioria) tessalonicenses tinham presumido que o Dia do Senhor já
havia chegado. Esse engano poderia tê-los levado a uma de duas posições erradas,
conhecidas em nosso tempo como pós-tribulacionismo e arrebatamento parcial. Destas,
a primeira era provavelmente o problema enfrentado em Tessalônica, onde algum outro
mestre teria insistido que o Dia do Senhor, de que Paulo tratara em 1Tessalonicenses, já
havia chegado, e que as aflições presentes pelas quais a igreja passava eram parte das
dores de parto que o apóstolo mencionara em 1Tessalonicenses 5.3.
Paulo oferece uma exortação à mudança em sua resposta, passando de pânico sem
esperança a perseverança esperançosa; a base para tal exortação é que os sinais que
evidenciariam a intervenção definitiva de Deus contra o pecado do homem ainda não
estavam presentes (2.3b). O apóstolo prossegue, então, descrevendo em detalhe o
segundo desses sinais – a manifestação e a carreira do ὁ ἄνθπψπορ σῆρ ἀνομίαρ ho
anthrōpos tēs anomias (2.4-12).
Este indivíduo é um dos personagens mais sinistros das Escrituras e já prendeu, com
justiça, a atenção (e a imaginação) de teólogos ao longo dos séculos. A tabela que se
segue resume a sua não invejável carreira.

A carreira bíblica do homem da iniquidade


Gn 3.15 Ele é a semente definitiva da serpente.
Ele faz uma aliança com Israel no início da septuagésima semana de
Dn 9.27a
Daniel.
Quando ele quebrar a aliança três anos e meio depois, será amplamente
Dn 9.27b reconhecido como quem realmente é. Isso pode ser aquilo que Paulo se
refere com a expressão ―seja revelado o homem da iniqüidade‖.
Dn 11.36- Ele se exalta a si mesmo, como o rei conquistador que invadirá Israel no
45 tempo do fim.
Na metade da semana da Tribulação o Anticristo abolirá os sacrifícios
Dn 12.11
judaicos (9.27; Mt 24.15; 2Ts 2.4).
Ele é o falso pastor a quem Israel dará ouvidos depois de rejeitar o
Zc 11.16
verdadeiro pastor.
Jesus prediz sua aparição. Ele é a ―abominação desoladora‖ mencionada
Mt 24.15
por Daniel. Ele se colocará no lugar santo.
1Jo 2.18 Ele é chamado de Anticristo, um pseudo-Cristo hostil ao Senhor.
O cavaleiro num cavalo branco do primeiro selo é provavelmente uma
Ap 6.2
referência ao Anticristo.
Ap 11.7 Ele é a Besta que matará as duas testemunhas.
Ele é chamado de ―a Besta que vem do mar‖. Satanás lhe dará poder e o
restaurará à vida depois de um ferimento fatal. Ele será adorado e
Ap 13.1-10
receberá autoridade por 42 meses (= 3 ½ anos). Ele blasfema contra
Deus e faz guerra contra os santos..
Adoradores da Besta que receberem a marca em suas testas sofrerão a
Ap 14.9, 11
ira de Deus.
Aqueles que vencerem na luta contra a Besta e sua imagem, que não
Ap 15.2 receberem a sua marca e seu número, cantarão diante do Cordeiro junto
ao mar de cristal.
Ap 16.2 O primeiro juízo das taças será derramado sobre os adoradores da Besta.
Ele é chamado de a ―besta escarlate‖ sobre a qual a grande meretriz está
Ap 17.3, 13
assentada.
Ele chefia o movimento de apostasia religiosa e lidera a oposição
Ap 17.8, 16
política a Deus.
Ele é a Besta que reunirá os reis da terra e seus exércitos para
Ap 19.19-
guerrearem contra Deus na campanha de Armagedom. Será derrotado,
20
preso e lançado no lago de fogo.
Ele é a Besta que sofrerá eternamente no lago de fogo com Satanás e o
Ap 20.10
falso profeta.
1. A CARREIRA BÍBLICA DO HOMEM DA INIQUIDADE
O ensino de Paulo é que três eventos dariam início ao Dia do Senhor:

A ―apostasia‖ (2.3)
A aparição do homem da iniqüidade (2.4-5, 8-12)
O afastamento daquele que restringe (2.6-7)
A razão pela qual Paulo sequer discutiu o primeiro sinal ainda não foi tratada
adequadamente. A interpretação dominante, em todas as linhas de interpretação
escatológica, é que a palavra grega ἀποςσαςία apostasia deve ser entendida apenas
como sua transliteração, apostasia, com o significado de abandono, declínio ou
completa deserção espiritual, quer por cristãos (visão majoritária), quer por judeus (E.
Best, A Commentary on the First and Second Epistles to the Thessalonians, HNTC, p.
282), ou ainda a rebelião final de Satanás contra Deus (L. Morris, Thessalonians, pp.
218-219).
Minha preferência pessoal é por uma posição minoritária que entende que 2.3 é uma
referência explícita ao arrebatamento. Esta posição foi proposta pela primeira vez por
um estudioso chamado E. Schuyler English em seu livro Rethinking the Rapture
[Repensando o Arrebatamento].
Enquanto o argumento de English (assumido, mais tarde por J. D. Pentecost) se
baseava no sentido léxico e nas ocorrências neotestamentárias do verbo ἀυίςσημι
aphistēmi,232 meu argumento incorpora, além disso, as razões lógicas pelas quais Paulo
não se deteve a explicar este sinal – já o havia explicado em 1Tessalonicenses 4, e a
estrutura quiástica da passagem (indicada no quadro abaixo). Este texto está estruturado
de tal modo que qualquer outra interpretação a não ser ―partida‖ não fará sentido. Minha
posição vai contra a maioria dos intérpretes pré-tribulacionistas (por exemplo: E.
Hiebert, The Thessalonian Epistles, p. 309).
A. Juízo παποτςία parousia.
B. Livramento ἐπιςτναγψγή episunagōgē.

232
H. Wayne House desenvolve em muitos detalhes, e de maneira persuasiva, a questão do
uso do verbo e do substantivo dele derivado em seu ensaio “Apostasy in 2 Thessalonians 2”,
parte do livro When the Trumpet Sounds, eds. Thomas Ice e Timothy J. Demy, pp. 261-286.
(Porland, OR: Harvest House, 1995).
C. Erro μή σαφέψρ ςαλετθῆναι mē tacheōs saleuthēnai.
D. Assunto central ἡ ἡμέπα σοῦ κτπίοτ hē hēmera tou kuriou.
C’. Erro μή σιρ ὑμᾶρ ἐξαπασήςῃ mē tis humas exapatēsē.
B’. Livramento ἐάν μή ἔλθῃ ἡ ἀποςσαςία ean mē elthē hē apostasia.
A’. Juízo ἀποκαλτυθῃ ὁ ἄνθπψπορ σῆρ ἀνομίαρ … σῆρ παποτςίαρ αὐσοῦ
apokaluphthē ho anthrōpos tēs anomias … tēs parousias outou.
Pode-se, à luz do quadro exposto, perceber que o sentido ―tradicional‖ de apostasia
não apenas não se encaixaria num exemplo perfeito de quiasma no texto, mas o
arruinaria completamente, já que tal sentido tradicional é basicamente negativo. O
aparente desequilíbrio na estrutura deve ser entendido em termos da ênfase de Paulo
nesta epístola. Se ele tivesse usado a mesma técnica literária em 1Tessalonicenses, a
ênfase recairia sobre o tema do livramento. Além disso, o tema do erro será tratado nos
parágrafos seguintes da epístola, de modo que Paulo estava livre para lidar com o tema
principal e demonstrar como a vinda do Senhor se relaciona em juízo com o Dia do
Senhor.
A descrição detalhada que Paulo faz do Homem da Iniqüidade e suas atividades era
prova importante para os tessalonicenses de que o Dia do Senhor ainda não havia
chegado. A identificação daquilo/daquele que restringe a manifestação definitiva da
rebelião humana também cobre um amplo espectro de opiniões, passando pelo império
romano, pelo apóstolo Paulo, e até a simples noção de governo em geral. O uso de
artigos neutro e masculino, sugerindo identificação pessoal e impessoal parece-me
justificativa válida para identificar o restringidor com o Espírito Santo em Seu
ministério corporativo por meio da Igreja, fazendo assim outra contribuição ao pré-
tribulacionismo. Alguns defensores desta linha escatológica, todavia, têm prestado um
desserviço à própria teoria por afirmarem que o Espírito Santo será retirado da Terra.
Isso é claramente contraditório à natureza divina da terceira pessoa da Trindade. Por
isso o correto é afirmar que Ele deixará de exercer Seu ministério corporativo, pois a
Igreja de Cristo, como força ética e social em nosso mundo não mais estará presente, e o
Espírito se limitará a agir de maneira individual para a conversão e salvação de pessoas
durante o Dia do Senhor.
A repetição de ὀυείλομεν εὐφαπιςσεῖν opheilomen eucharistein (2.13; cf. 1.3)
oferece um inclusio de grata oração para o elogio e a exortação de Paulo a seus leitores
em Tessalônica. A gratidão de Paulo é pela participação dos tessalonicenses na eleição
divina, ao passo que seu pedido em favor deles é por firmeza que os capacite a valorizar
o ensino apostólico e apegar-se a ele como fonte de sua confiança (2.14-17).
A terceira fase do encorajamento de Paulo começa com uma proposta de oração
mútua entre o apóstolo e seus leitores (3.1-5). Este parágrafo serve para estabelecer
mais um ponto de contato com a igreja à qual vai confrontar com seus erros; tanto Paulo
em seu ministério quanto a igreja nas perseguições que enfrenta precisam triunfar sobre
a iniqüidade, e a oração mútua era o meio de obter tal triunfo.
Além de ter que desmascarar uma escatologia relapsa, Paulo ainda tinha que eliminar
práticas corruptas que surgiam dela (3.6-15). O que ele deseja provar é que o dever
precisa tomar o lugar da desordem à medida que os tessalonicenses buscam a direção de
Deus e se submetem a ela. Esta exigência era sustentada pelo ensino prévio do apóstolo
e pelo seu próprio exemplo (3.6-10), e deveria ser observada sob pena de disciplina da
igreja (há outro inclusio neste parágrafo, com as idéias de manterem-se afastados de
qualquer comunhão com os desordeiros e desordenados (3.6) e de manterem os
desocupados intrometidos longe de qualquer comunhão social com a igreja (3.11-15).
Tal ostracismo tinha como propósito causar vergonha aos desordeiros e desocupados e
fazer que corrigissem seu estilo de vida egoísta e deixassem de explorar a bondade e a
paciência dos demais irmãos.
Cônscio do potencial de divisão inerente a um problema teológico-prático, Paulo
encerra a carta com uma oração por paz ente os tessalonicenses (3.16). Nenhuma dúvida
deveria pairar sobre a origem desta carta, pessoalmente assinada por Paulo (3.17). Seu
último pedido em favor dos tessalonicenses foi a concessão da graça de Cristo para
todos (3.18). Numa carta onde recursos literários são tão significativos, não é
surpreendente encontrar outro inclusio no seu final, já que ela começa com graça e paz
e termina com paz e graça.

ESBOÇO SINTÉTICO
Mensagem
Os atuais sofrimentos por Cristo não devem ser encarados em pânico como o
derramar da ira de Deus, mas em perseverança, como uma oportunidade de
aprovação enquanto Ele prepara Seu povo para Sua vinda como Supremo Juiz da
rebelião humana.
I. Saudação – Paulo e seus companheiros saúdam os tessalonicenses com graça e paz de
Deus e Jesus Cristo, sob cujos cuidados eles estão (1.1-2).
II. Elogio – A perseverança dos tessalonicenses em meio aos sofrimentos presentes
confirma o plano divino para aprová-los por meio das provações e punir seus opressores
quando Ele vier como Supremo Juiz (1.3-12).
A. Seu crescimento e constância são motivo de ações de graças (1.3-4).
B. Os tessalonicenses serão vindicados como povo considerado digno do reino de Deus
quando Cristo voltar para retribuir-lhes com justiça (1.5-10).
1. A vindicação acontecerá num julgamento justo (1.5-7a).
2. A vindicação acontecerá num momento glorioso da História (1.7b).
3. A vindicação resultará em punição eterna para os desobedientes a Deus (1.8-9).
4. A vindicação resultará em glória para Cristo, partilhada também pelo Seu povo (1.10).
C. A oração de Paulo é que Deus capacite os tessalonicenses a viver de maneira a serem
aprovados por Ele em meio àquelas provações (1.11-12).
III. Correção – O pânico desesperado não deveria substituir a perseverança esperançosa em
meio à provação, pois sua presente condição ainda não é o derramar da ira de Deus,
cujos sinais ainda não estão presentes (2.1-17).
A. A exortação de Paulo é que eles não permitam que uma carta forjada perturbe seu
equilíbrio espiritual (2.1-2).
B. Os sinais que evidenciam a vinda do Dia do Senhor ainda não aconteceram (2.3-12).
1. Acontecerá o arrebatamento (2.3a).
2. Haverá a manifestação do Homem da Iniqüidade (2.3b-12).
• Sua natureza é sem lei e seu destino é a perdição (2.3b).
• Sua paixão é a autopromoção a ponto da idolatria grosseira (2.4).
• O Homem da Iniqüidade teve a sua manifestação sobrenaturalmente ―atrasada‖ como
previamente ensinado por Paulo (2.5-7).
• Sua manifestação final será abreviada pela volta e intervenção de Cristo (2.8).
• O Homem da Iniqüidade controlará efetivamente os corações dos perdidos por meio de
maravilhas satânicas, iludindo aqueles que rejeitam a verdade (2.9-12).
C. A oração de Paulo é para que os tessalonicenses, em gratidão pelo privilégio de terem
sido graciosamente eleitos por Deus para a salvação, tomem posse da esperança e do
encorajamento produzidos pela graça (2.13-17).
IV. Confrontação – O dever diligente, ao contrário do ativismo desordenado, deve ser
promovido por meio da devida punição pela desobediência, à medida que os
tessalonicenses se submetem à direção divina (3.1-15).
A. A oração mútua em meio à provação deveria apoiar Paulo em seu ministério, como
também fortalecer e guiar os tessalonicenses a obedeceram à vontade de Deus (3.1-5).
B. Os tessalonicenses devem promover diligência em vez de permitir a desordem, que
contradiz o exemplo e ensino de Paulo (3.6-12).
C. Os tessalonicenses devem promover punição fraternal em caso de desobediência, com o
fim de alcançar arrependimento por meio da vergonha (3.13-15).
V. Saudações – O desejo de Paulo para os tessalonicenses é o constante desfrute da paz de
Deus e da graça de Cristo (3.16-18).

O argumento de
1TIMÓTEO
Questões introdutórias
TÍTULO
O sobrescrito na maioria dos manuscritos gregos é ΠΡΟ΢ ΣΙΜΟΘΕΟΝ Α, indicando o
destinatário da primeira carta canônica de Paulo desde sua libertação da primeira prisão
em Roma.
LOCAL NO NOVO TESTAMENTO
Cronologicamente, as duas epístolas a Timóteo e a epístola a Tito compreendem o
último grupo existente dos escritos paulinos, produzidos durante seus últimos anos de
sua vida.
Tematicamente, elas são associadas a 1 e 2 Coríntios, uma vez que lidam com
questões eclesiológicas. Elas pertencem a uma classe especial, no entanto, porque são
endereçadas a pessoas que serviam como embaixadores ou representantes apostólicos
em certas regiões (principalmente
1Timóteo e Tito). Por causa disso, tornaram-se conhecidas como as epístolas pastorais,
um título apresentado nos primórdios do século XVIII por D. N. Berdot e, desde então,
universalmente adotado.233
A AUTORIA DAS EPÍSTOLAS PASTORAIS
A autoria paulina das epístolas pastorais tem sido desafiada por quase dois séculos
por críticos eruditos. Seu ataque normalmente vem em quatro linhas. Em lugar de
reproduzir séries extensas de argumentos, este estudo irá resumir os argumentos pró e
contra a autoria paulina.234

233
D. Edmond Hiebert, An Introduction to the New Testament 2:307.
234
As fontes básicas para esta tabela foram Donald Guthrie, New Testament Introduction, D.
Edmond Hiebert, An Introduction to the New Testament, Theodor Zahn, Introduction to the
New Testament, e J. N. D. Kelly, A Commentary on the Pastoral Epistles, HNTC.
Resumo dos argumentos a favor e contra
a autoria paulina das epístolas pastorais
Contra A favor
Argumentos Históricos
Estes homens eram hereges gnósticos e todos
tinham ―uma sardinha para onde puxar a brasa‖
As epístolas pastorais estão
(cf. 1Tm 6.20, onde Paulo alertou contra as
ausentes dos primeiros cânones, tais
falsas contradições do saber). Além do mais, os
como o Apostolicon de Márcion, o
primeiros autores do segundo século citam as
de Taciano, e o de Basilides.
epístolas pastorais como Escritura (veja data
abaixo).
Argumentos Cronológicos
Este argumento presume que Paulo foi
executado ao final de sua primeira prisão em
Os acontecimentos descritos nas
Roma (Atos 28). Entretanto, Filemom 22 indica
epístolas pastorais não podem ser
sua esperança de libertação, e Filipenses 2.24 a
encaixados em qualquer período
dá como fato consumado. Além disso, a tradição
conhecido da vida de Paulo,
cristã primitiva assegura a libertação de Paulo
conforme descrito em Atos,
(Clemente de Roma, Aos Coríntios é o mais
portanto são de origem pós-
antigo e crucial, já que fala da ida de Paulo para
apostólica.
o extremo oeste, o que confirma Romanos
15.28).
Argumentos Eclesiásticos
As epístolas pastorais revelam uma A hierarquia que encontramos nos escritos de
igreja altamente organizada, com Inácio é muito mais complexa do que a das
uma hierarquia muito avançada epístolas pastorais, indicando um bispo
(bispos, presbíteros e diáconos) residente por cidade. Nas pastorais, encontramos
para ter sido descrita por Paulo, e ἐπίςοκοποι episkopoi e ππεςβύσεποι presbuteroi
mais alinhada com um autor do utilizados intercambiavelmente de acordo com o
segundo século (especialmente por uso do próprio Paulo em Atos 20; Timóteo e
causa do aparente papel de Timóteo Tito não tiveram episcopados vitalícios, mas
e Tito como bispos monárquicos). posições transitórias como legados apostólicos.
Argumentos Doutrinários
Há temas paulinos nas epístolas pastorais (por
Há uma ausência notável dos temas exemplo justificação pela graça, por meio da fé,
paulinos; além disso, há um grande Tt 3.5); no que tange à aparente formalização da
número de ocorrências de palavras doutrina, o próprio Paulo falou acerca da fé em
que sugerem que a doutrina cristã Gl 1.23, Fp 1.27, e Ef 4.5. O argumento de que
tinha sido codificada há muito Paulo estava combatendo o gnosticismo é
tempo (ἡ πίςσιρ ὑγιαιούςη respondido negativamente no fato de que não há
διδαςκαλία, παπαθήκε pistis, um conteúdo definido desta suposta heresia
exceto os mitos judaicos (Tt 1.14), as
hugiainousē didaskalia parathēke, genealogias (1Tm 1.3-7), e controvérsias vagas
o que aponta para uma autoria no (1Tm 6.3-5). Mesmo que se argumente a
segundo século; por último, o falso presença de um sabor de gnosticismo, este não é
ensinamento atacado é a heresia mais desenvolvido do que aquele que Paulo
gnóstica do segundo século. enfrentou em Colossos, que é anterior às
pastorais.
Argumentos Lingüísticos
A ausência de certas palavras não é um
argumento conclusivo, uma vez que várias
dessas palavras também estão ausentes em livros
Os problemas aqui são a ausência
reconhecidamente paulinos.3 A presença de
de palavras típicas de Paulo
tantos hapax legomena pode ser justificada pelo
(preposições, pronomes e
assunto diferente, pelo crescimento do
partículas), e a presença de nada
vocabulário de Paulo, ou mesmo pelo uso de
menos que 175 hapax legomena,
diferentes amanuenses.4 Os hapax legomena das
alguns dos quais são encontrados na
Pastorais encontrados nos documentos do
literatura do segundo século.
segundo século possuem uma freqüência tão
baixa que não podem ser considerados um
vocabulário típico do segundo século.
235 236

O resumo acima indica que não há razão persuasiva para se abrir mão da autoria
paulina das epístolas pastorais. Elas se encaixam numa cronologia razoável dos anos
finais da vida de Paulo; seus temas são coerentes com o desenvolvimento da doutrina,
da prática e do governo na sétima década do primeiro século da era cristã. Seu estilo e
vocabulário, embora um tanto diferentes das epístolas anteriores, são compatíveis com o
vocabulário e o estilo paulinos, e a sua rápida atestação na literatura cristã invalida
reivindicações de autoria no segundo século.
DATA DAS EPÍSTOLAS PASTORAIS
Uma vez que os argumentos para a autoria paulina tenham sido aceitos, a data das
epístolas pastorais não constitui um problema. Elas se encaixam na cronologia paulina
de acordo com a tabela abaixo.

Uma cronologia do final da vida de Paulo


Evento Escritura Data
Paulo chega a Jerusalém (5ª
Atos 21.13-23 28 de maio de 57
visita).
Paulo é preso no Templo. Atos 21.27 – 22.29 2 de junho de 57
Paulo fica diante do Sinédrio. Atos 22.30 – 23.11 3 de junho de 57
Paulo é levado a Cesaréia. Atos 23.23-35 4-5 de junho de 57
Julgamento diante de Félix. Atos 24.1-21 9 de junho de 57
Paulo diante de Félix e Drusila. Atos 24.24-26 Junho de 57
Paulo aprisionado em Cesaréia. Atos 24.26-27 Junho de 57 – agosto de 59
Julgamento diante de Pórcio
Atos 25.7-12 Julho de 59
Festo.

235
Partículas e preposições são mais importantes e frequentes nas seções doutrinárias das
cartas de Paulo, e tais seções são notavelmente raras nas epístolas pastorais, onde assuntos de
natureza prática compõem a maior parte do texto.
236
J.N.D. Kelly atribui o estilo das epístolas pastorais a Lucas, que teria servido como
amanuense de Paulo e tinha maior liberdade de composição. Lucas poderia ter usado
reminiscências e fragmentos de textos paulinos não-canônicos [hino em ITm 3.16]. Há alguma
semelhança entre os vocabulários de Atos e das pastorais, o que pode indicar a veracidade da
teoria (Kelly, Commentary, pp. 25-27).
Julgamento diante de Herodes
Atos 26 Início de agosto de 59
Agripa II.
Viagem a Roma Atos 27.1 – 28.29 Ago. de 59 – fev. de 60
Partida de Cesaréia. 27.1-2 Agosto de 59
Lícia. 27.5 Setembro de 59
Creta. 27.7-9 5-10 de outubro de 59
Naufrágio em Malta. 27.27-44 Final de outubro de 59
Partida de Malta. 28.11 Início de fevereiro de 60
Chegada a Roma. 28.16 Fim de fevereiro de 60
Primeira prisão em Roma Mar. de 60 – mar. de 62
Efésios Outono de 60
Colossenses e Filemom Atos 28.30 Outono de 61
Filipenses Início de 62
Absolvição das acusações. Março de 62
Timóteo enviado a Filipos. Filipenses 2.23 Março de 62
Paulo visita Éfeso e Colossos. 1Timóteo 1.3 Primavera - outono de 62
Paulo visita a Macedônia. Outono de 62 – inverno de
1Timóteo 1.3
1Timóteo 63
Primavera de 63 –
Paulo na Ásia Menor.
primavera de 64
Primavera de 64 –
Paulo visita a Espanha5. Romanos 15.28
primavera de 66
Paulo visita Creta. Tito 1.5 Primavera de 66
Paulo na Ásia Menor.
Outono de 66
Tito
Paulo em Nicópolis. Tito 3.12 Inverno de 66 – 67
Paulo na Macedônia. Início da primavera de 67
Paulo preso em Trôade. 2Timóteo 4.13 Primavera de 67
Paulo preso em Roma. Primavera de 67 –
2Timóteo 1.16-17
2Timóteo primavera de 68
Paulo decapitado em Roma. Primavera de 68
237
. UMA CRONOLOGIA DO FINAL DA VIDA DE PAULO

A ORDEM DAS EPÍSTOLAS PASTORAIS


Os eruditos que rejeitam a autoria paulina das epístolas pastorais sustentam a idéia de
que 2Timóteo é a primeira das três, em primeiro lugar porque contém a maior
quantidade de texto qualificado como ―fragmentos genuínos‖,238 dizeres e pedaços de
informação que o suposto autor paulino do segundo século teria utilizado em sua colcha
de retalhos epistolar.
237
Há a possibilidade de que a ordem das visitas à Espanha e a Creta seja invertida, uma vez
que o ministério em Creta provavelmente não teria sido permitido se o cristianismo já se
tivesse tornado uma religio illicita, depois do incêndio de Roma e do começo da perseguição
promovida por Nero. Tal ponto de vista pode ser encontrado em Hiebert, Introduction, 2:212-
213.
238
Donald Guthrie, New Testament Introduction pp. 590-591.
1Timóteo e Tito são consideradas ―imitações‖ (para não utilizar o termo apropriado,
―falsificação‖) das composições paulinas. Além do mais, a descrição mais específica
dos falsos mestres nestas duas cartas supostamente aponta para sua origem posterior.
A natureza das cartas, e a autoria demonstrável de Paulo de todas as três, entretanto,
tornam essas especulações desnecessárias. 2Timóteo é mais pessoal em caráter e
propósito, e deveria igualmente ser mais pessoal no conteúdo. Quanto à ordem relativa
de 1Timóteo e Tito, parece que a anterior foi escrita antes da última, uma vez que Paulo
esperava que Tito se encontrasse com ele em Nicópolis, onde passaria o inverno (Tt
3.12), ao passo que o apóstolo expressa a esperança de retornar em breve para Éfeso
(1Tm 3.14), o que não iria dizer se já tivesse escrito a Tito.
O DESTINATÁRIO
Timóteo era morador de Listra, uma cidade da Licaônia, uma região da província da
Galácia. Ele nasceu de um casal racialmente misto, pai grego e mãe judia (Atos 16.1),
cujo nome era Eunice (2Tm 1.5). Timóteo foi criado sob a influência das Escrituras
hebraicas, por meio da instrução de sua mãe e de sua avó Lóide (2Tm 3.15; 1.5),
embora sua condição de incircunciso na época de sua conversão apontasse para um
cenário familiar não-legalista.
A seqüência de eventos em Atos sugere que Timóteo foi convertido ao cristianismo
durante a primeira viagem missionária de Paulo, muito provavelmente por meio do
ministério pessoal do apóstolo (cf. 1Co 4.17; 1Tm 1.2; 2Tm 1.2). Quando Paulo voltou
para a Galácia, alguns anos mais tarde, Timóteo já era um jovem obreiro cristão
reconhecido (Atos 16.2), e Paulo o tomou sob seu cuidado como companheiro de
viagem, depois de tê-lo circuncidado (Atos 16.4). Parece que antes de partir em sua
primeira viagem com Paulo, Timóteo foi ―ordenado‖ pelos presbíteros da igreja de
Listra (1Tm 4.14; 2Tm 1.6). Timóteo foi um dos amigos mais próximos de Paulo, e o
apóstolo o utilizou bastante como seu representante na Macedônia (Atos 19.22; Fp
2.23), Acaia (1Co 4.17), e Ásia (1Tm 1.3). Paulo desejava ter Timóteo ao seu lado no
final de sua vida (2Tm 4.9). A tabela a seguir contém um resumo da carreira de
Timóteo:

Principais eventos na vida de Timóteo


EVENTO ESCRITURA DATA
Conversão. Atos 14.8-20 48
Chamado para o ministério. Atos 16.1-4 Maio de 50
Ministra em Beréia. Atos 17.14 Fevereiro 51
Enviado de Atenas a Tessalônica. 1Tessalonicenses 3.2 Março de 51
Encontra-se com Paulo em Corinto. Atos 18.5 Abril-maio 51
Com Paulo em Éfeso. Atos 20.22 Outono de 53
Enviado à Macedônia. Atos 20.22 Primavera de 56
Com Paulo na Macedônia. 2Coríntios 1.1 Outono de 56
Com Paulo em Corinto. Primavera de 56-57
Viaja com Paulo para Jerusalém. Atos 20.3-5 Abril-setembro 57
Com Paulo na primeira prisão em
Colossenses 1.1 Outono de 61
Roma.
Enviado a Filipos depois da absolvição
Filipenses 2.23 Março de 62
de Paulo.
Primavera-outono de
Encontra Paulo em Éfeso. 1Timóteo 1.3
62
Permanece em Éfeso como Outono de 62-
1Timóteo 1.3
representante de Paulo. inverno de 62/63
Chamado (de Éfeso?) a Roma por
2Timóteo 4.9, 13 Início de 68
Paulo.
Aprisionado pelo Evangelho. Hebreus 13.23 68-69(?)
OCASIÃO
Depois de sua libertação de Roma, Paulo mudou seus planos originais de ir à
Espanha para lidar com a insidiosa heresia que ameaçava as igrejas da Ásia. Ele voltou
a Éfeso e Colossos. Muito provavelmente ele lidou com o problema na cidade menor
antes de chegar a Éfeso.
Conforme ele havia previsto (Atos 20.29-30), ―lobos ferozes‖ haviam atacado seu
rebanho em Éfeso, e ele teve que lidar com dois, possivelmente três deles, Himeneu,
Alexandre, e possivelmente Fileto (1.20; 2Tm 2.17) muito severamente.239 Além disso,
uma nova erupção de legalismo judaizante havia começado (1.7-11; 6.4; 4.8), o que
exigia atenção. Quando a época de sua partida chegou, Paulo julgou necessário deixar
Timóteo em Éfeso como seu representante, ajudando presbíteros locais a manter a
ordem e a sã doutrina na igreja. Esta carta serviu como um vade mecum de Timóteo
para a árdua tarefa à sua frente.
Argumento básico
PROPÓSITO
Há pelo menos duas passagens que sugerem que a carta era um tipo de estímulo
moral para Timóteo, deixado sozinho numa situação bastante delicada (4.11-13; 15-16).
A própria existência da carta seria uma prova de legítima autoridade para corrigir e
disciplinar os hereges, bem como para defender-se contra os contra-ataques dos falsos
líderes.
Num viés mais positivo, a carta fornece instruções acerca do ministério de Timóteo
em três níveis: atitude (4.12, 14; 6.11), palavras (4.11, 13, 16; 6.2), e ações (2.1-12; 3.1-
13).
Esta combinação de subpropósitos pessoais e eclesiásticos fornece o seguinte
propósito geral para a carta:
Capacitar Timóteo a fornecer uma orientação eficaz para a igreja de Éfeso de
modo que sua conduta seja coerente com seu caráter.
DESENVOLVIMENTO
Paulo inicia a carta com sua identificação comum, um apóstolo de Jesus Cristo pela
divina comissão (1.1). À luz dos fatos de que Timóteo estava lidando com os hereges e
de que a carta visava uma audiência maior do que seu destinatário principal, sua
autoridade apostólica era importante para Timóteo. Ao representante de Paulo, descrito
como um discípulo genuíno (γνηςίῳ σέκνῳ gnēsiō teknō), é desejada uma bênção
tríplice de Deus (1.2). Essa tríade é encontrada apenas nas epístolas pastorais, como que
para indicar que os homens num papel pastoral precisam de uma provisão extra de
capacitação divina.
O restante do capítulo 1 contribui para o propósito de capacitar Timóteo como um
guia para a igreja de Éfeso, ao ressaltar sua responsabilidade como guardião dela contra
os falsos mestres (1.3-20). O objetivo de Paulo é que a igreja de Éfeso viva no

239
A propagação das heresias havia provavelmente reduzido em muito as fileiras do que
parecia ser uma liderança bem estabelecida, discipulada pelo próprio Paulo por quase três
anos. Este problema é refletido na necessidade de escolher novos líderes e na usurpação de
autoridade pelas mulheres.
verdadeiro amor cristão, alicerçado em motivações puras, padrões piedosos e uma fé
genuína.
Timóteo foi encarregado de defender a igreja contra os falsos mestres, que ―em lugar
de serem esmagados pela lei moral de Deus ... [utilizavam] a lei como um ponto de
partida para narrativas fictícias acerca dos antepassados‖.240 Estes homens estavam
promovendo seu falar inútil (1.3-6), posando como mestres da Lei (1.7), e pervertendo o
uso legítimo da Lei, que era de expor o pecado em suas variadas formas (1.8-11).
Com medo de que Timóteo pensasse que não havia esperança para sua tarefa, Paulo
cita o testemunho daquilo que a graça de Deus pode fazer, pois ele se considerava o
maior troféu da graça (1.12-17). Tal poder transformador, que torna Deus digno de todo
o louvor, estava disponível a Timóteo, à medida que ele procurasse cumprir sua tarefa.
O perigo, por outro lado, espreitava de perto conforme exemplificado pela tragédia
de Himeneu e Alexandre, a quem Paulo teve que disciplinar severamente (cf. 1Co 5.5,
onde a mesma expressão παπαδίδψμι σῶ ΢ασανᾷ paradidōmi tō Satana é utilizada). Ao
ministrar para outros, Timóteo não deveria baixar suas próprias defesas espirituais
(πίςσιν καί ἀγαθήν ςτνείδηςιν pistin kai agathēn suneidēsin). Se o Alexandre aqui
mencionado é o mesmo de 2Timóteo 4.14, este pode ter sido o incidente que estimulou
a inimizade dele para com o apóstolo.
Nos capítulos 2 e 3, Paulo fornece instruções acerca da adoração e organização na
igreja. Considerando que a(s) igreja(s) de Éfeso tinha(m) existido por cerca de dez anos
na época em que esta epístola foi escrita, e que era o modus operandi de Paulo nomear
presbíteros assim que as circunstâncias permitissem (cf. Atos 14.23), é provável que a
previsão de Paulo para os presbíteros de Éfeso (Atos 20.29) tenha se cumprido
rapidamente. Portanto, Timóteo tinha que dar o máximo para encontrar homens de
confiança de modo a suprir a necessidade de uma nova geração de líderes.
Isto também explicaria as instruções acerca das mulheres e de seu papel na adoração
pública. Se as mulheres de Éfeso tinham dado um passo para preencher um vazio na
liderança causado pelo avanço das heresias, como a experiência moderna pode
comprovar, então as limitações de Paulo quanto ao papel das mulheres se tornam muito
mais relevantes hoje.
A primeira obrigação de Timóteo na área da adoração na igreja era de assegurar um
suprimento contínuo de oração (2.1-7), já que a oração em favor de todos os tipos de
homens, indiferente de sua posição social, se enquadra com o plano único e mundial de
redenção de Cristo, o qual Paulo tinha sido encarregado de levar aos gentios.
Apesar de todo o seu valor, a oração precisava ser acompanhada pela paz (2.8-10).
Numa igreja crivada de ensinamento falso, a divisão e a animosidade iriam destruir a
santificação e tornar a oração ineficaz. Para as mulheres, sua contribuição com a oração
envolvia também um estilo de vida decente e sem vaidade.
Timóteo deveria providenciar para que a adoração e organização da igreja seguissem
um padrão estabelecido pelo apóstolo e aceito pelas igrejas gentílicas (cf. 1Co 11.16;
14.32). Durante a adoração pública, as mulheres deveriam aprender, em lugar de
ensinar,241 seguir em vez de liderar. Além do mais, Paulo oferece duas razões para tais
240
William Hendriksen, I & II Timothy and Titus, NTC, p. 88.
241
O uso do tempo presente para os verbos em 2.11-12 sugere que a proibição de Paulo não
era absoluta. O que não é permitido que a mulher faça é assumir uma posição de ensino ou
direção na adoração pública, ou que ocupe papéis de liderança na “hierarquia” da igreja.
Portanto, a aparente tensão entre 1Timóteo 2 e 1Coríntios 14 é resolvida. Não é permitido que
as mulheres “se tornem mestres” (διδάςκειν … οὐκ ἐπισπέπψ didaskein ouk epitrepō), nem
que atuem como presbíteras (οὐδέ αὐθενσεῖν oude authntein), nem que avaliem a profecia da
igreja (uma vez que isso seria equivalente a exercer autoridade, 1Co 14.29, 35). Elas podem
exigências – nenhuma das quais é limitada por tempo e cultura; a saber, a prioridade de
Adão na criação e a natureza hierárquica da transgressão de Eva.242

Qualificações para bispos e diáconos


Qualificações Ofício Significado Passagem
Sem falhas não tratadas de
Irrepreensível. Bispo 3.2, 9; 1.6
caráter e conduta.
Marido de uma só
Bispo/Diácono Casado uma só vez; fiel. 3.2, 12; 1.6
mulher.
Temperante,
Bispo/Diácono Sóbrio, equilibrado. 3.2, 8; 1.7
moderado.
Sensato. Bispo Ter autocontrole, bom senso. 1.8
Respeitável. Bispo/Diácono Decente, digno na conduta. 3.2, 8
Compartilha generosamente
Hospitaleiro. Bispo 3.2; 1.8
seu lar.
Competente para ensinar e
Apto para ensinar. Bispo 3.2; 1.9
defender a Palavra.
Não apegado ao Não dominado por qualquer
Bispo/Diácono 3.3, 8; 1.7
vinho. vício.
Não violento. Bispo Não violento ou agressivo. 3.3; 1.7
Amável. Bispo Paciente, perdoador. 3.3; 1.7
Pacifico. Bispo Não ser encrenqueiro. 3.3
Não apegado ao
Bispo Não dominado pela ganância. 3.3
dinheiro.
Governa bem a Exerce autoridade
Bispo/Diácono 3.4, 12
família. adequadamente no lar.
Não um recém- Bispo Maduro o suficiente para não 3.6

profetizar (uma manifestação de dom ocasional) e orar em público, desde que demonstrem
apropriadamente sua submissão, e devem, sempre, manter uma atitude serena (ἡςτφία
hēsuchia, em contraste com ςιγάψ sigaō, termo bem mais forte em 1Co 14.34). Ensinar per se
é possível para as mulheres, se estiverem discipulando mulheres mais novas (Tt 2.3-5),
instruindo crianças (2Tm 1.5; 3.15), ou mesmo instruindo homens (Atos 18.26), desde que
feito em ocasiões que não durante a adoração comunitária.

242
A expressão bastante debatida ςψθήςεσαι δέ διά σῆρ σεκνογονίαρ sōthēsetai de dia tēs
teknogonias tem recebido inúmeras interpretações, ressaltando tanto o verbo [passar em
segurança pelo parto, ou ser eternamente salva por dar à luz a filhos] quanto o substantivo [O
parto]. Nenhuma destas faz jus ao contexto ou à teologia paulina. Ao fazer referência a Eva e à
sua transgressão, Paulo parece pressupor uma maldição “secundária” à mulher, da qual elas
serão libertas (ou salvas) por meio de dar à luz e criar filhos que permaneçam fiéis e santos ao
longo da vida (o verbo μείνψςιν meinōsin pode se referir aos filhos implicados no substantivo
σεκνογονίαρ. Mulheres com tais “produtos” estariam qualificadas para exercer um ministério
de ensino dentro das diretrizes fornecidas em outras passagens.
convertido. se orgulhar.
Não causar vexame ao nome
Ter boa reputação. Bispo 3.7
de Cristo.
Não orgulhoso,
Bispo Não egocêntrico. 1.7
arrogante.
Não briguento. Bispo Calmo e tranqüilo. 1.7
Busca os valores mais
Amigo do bem. Bispo 1.8
elevados.
Justo. Bispo Correto em sua conduta. 1.8
Emoções e impulsos sob
Disciplinado. Bispo 1.8
controle.
3.4-5, 12;
Ter filhos obedientes. Bispo/Diácono Filhos leais a sua autoridade.
1.6
Não ávido por lucro
Bispo/Diácono Satisfeito. 1.7; 3.8
desonesto.
Conhecedor da doutrina e fiel
Apegado à palavra. Bispo/Diácono 1.9; 3.9
a ela.
Homens de palavra. Diácono Sincero, genuíno na fé. 3.8
Experimentados. Diácono Aprovado na prática. 3.10
[As referências em negrito referem-se a Tito]
Das regras acerca da adoração, Paulo parte para a questão da liderança qualificada. A
urgência da necessidade não deveria levar a padrões mais baixos, já que os dois ofícios
(presbiterato e diaconato) eram importantes e chamavam a atenção do público, tornando
seus ocupantes em vitrinas para o cristianismo. A tabela acima resume os requisitos
para o ofício eclesiástico, conforme apresentados em 1Timóteo e Tito.
A menção de mulheres em 3.11 tem sido interpretada de três formas básicas: o termo
γτναῖκαρ gunaikas refere-se a diaconisas, esposas de diáconos, ou assistentes diaconais
do sexo feminino.243 Este escritor prefere a terceira opção, porque não há menção de
esposas de bispos (eliminando, portanto, a segunda opção), por causa da posição
incomum ocupada por esta lista de qualificações (tornando improvável, portanto, um
ofício separado), e por causa da provável associação entre essas mulheres e as viúvas de
5.9-10, cujas qualificações são muito semelhantes. As quatro qualidades exigidas delas
estão centradas no equilíbrio (na conduta [ςεμνάρ semnas], no falar [μή διαβόλοτρ mē
diabolous], nos hábitos [νευαλίοτρ nephalious] e na lealdade [πιςσάρ ἐν πᾶςιν pistas
en pasin]).
O problema mais sério que Timóteo teve que enfrentar, já que foi provavelmente a
causa do colapso na organização e conduta, foi a disseminação da heresia, cujos
primeiros sinais perturbadores já estavam sendo sentidos em Éfeso. Assim, Paulo dedica
a porção central de sua epístola ao assunto (3.14 – 4.16). Paulo começa declarando a
raison d’être para a epístola (3.14-16). Tal era a magnitude da Igreja no plano de Deus
para o mundo que era absolutamente imperativo que o Seu povo fosse instruído

243
Para uma argumentação detalhada de cada perspectiva, veja Robert M. Lewis, “The
“Women” of 1 Timothy 3.11,” BibSac 136:542 (Abril-Junho 1979): 167-175, e H. Wayne House,
“The Ministry of Women in the Apostolic and Postapostolic Periods,” BibSac 145:580 (Out.-
Dez. 1988): 387-399.
apropriadamente com relação à sua missão e à necessidade de uma conduta coerente
com seu caráter.
A Igreja é apresentada como casa de Deus, cujo comportamento deveria refletir o
caráter do Mestre (3.15b). A natureza da Igreja como ςσῖλορ καί ἐδπαίψμα stilos kai
edraiōma da verdade sugere que igrejas locais possuem a capacidade de fornecer o
suporte e os meios para demonstrar a verdade no testemunho e na vida.244
O parágrafo seguinte contém uma das estruturas mais complexas do Novo
Testamento. Este suposto hino sintetiza o κήπτγμα kērugma cristão, trazendo os verbos
em paralelismo sintético e os substantivos em paralelismo antitético, de modo que o
fluxo de pensamento pareça reproduzir os padrões gregos de desenho arquitetônico.245
Tal estrutura exige que a palavra inicial do hino seja ―Deus‖ em lugar de, como em
algumas versões, ―Aquele que‖, já que esta opção textual destrói o paralelismo.246
A despeito da glória da mensagem e dos privilégios dos mensageiros, a apostasia
aguardava na esquina da história, conforme predito pelo Espírito (4.1-5). As marcas da
apostasia seriam sua origem demoníaca, sua disseminação por meio de hipócritas
religiosos, e seu legalismo. Ao combater esses erros, Timóteo não deveria se concentrar
nos mitos em que estavam alicerçados (4.7), mas em expor as falácias e exemplificar a
piedade (4.6-10). Se Timóteo tivesse um ministério como esse, ele seria o ministro
realizado de uma congregação espiritualmente saudável (4.11-16).247
Em seu propósito de capacitar Timóteo a ser um ―facilitador‖, Paulo lida, a seguir,
com a forma que seu representante deveria tratar diversos grupos dentro da igreja (5.1–
6.10). Os primeiros dois versículos do capítulo 5 fornecem diretrizes gerais acerca da
atitude do ministro com respeito a grupos etários e aos sexos.
As condições sociais dos dias de Paulo tornavam virtualmente impossível a uma
viúva prover o seu próprio sustento, um problema acentuado pela presença de filhos
pequenos. Já que as sinagogas judaicas proviam cuidadosamente em prol de suas
viúvas,248 as assembléias cristãs deveriam ser ainda mais cuidadosas com elas (5.3-16).
Paulo utiliza dois princípios como limites funcionais para três qualificadores no trato
com a questão das viúvas. O primeiro princípio declara que a igreja deveria sustentar as
viúvas desamparadas; o segundo declara que apenas as viúvas maduras e
espiritualmente devotas deveriam ser alistadas para um sustento regular.249 Os
qualificadores fornecem sugestões de bom senso para evitar sobrecarregar a igreja com

244
Walter A. Lock, A Critical and Exegetical Commentary on the Pastoral Epistles, ICC, p. 44.
245
Ver Hendriksen, 1 Timothy, pp. 315-316.
246
A diferença entre as duas variantes textuais seria insignificante no original grego e
facilmente perdida se ΘC estivesse no original, mas não tanto se o original fosse ΟC.
247
A linguagem desta passagem pode levar à idéia de que a salvação depende de
desempenho (cf. a observação de Hendriksen. “É no caminho de uma vida santa e da diligência
no estudo e no observar da vida e ensinar a outros, que a salvação (tanto presente quanto
futura ...) é obtida” (1 Timothy, p. 160, itálico dele). Quando todo o contexto da carta, com a
ênfase na aprovação como ministro, e o trágico exemplo de Himeneu e Alexandre, são levados
em consideração, o verbo ςώςειρ sōseis exige o sentido de “livrarás”.

248
Ralph Earle, “1 Timothy” EBC, 11:377.
249
Este escritor concorda com a visão de Hendriksen de que estas viúvas são idênticas com
as γτναῖκαρ gunaikas de 3.9; cf. seu livro 1 Timothy, pp. 172-173.
o cuidado das viúvas que também possuíam outros meios de sustento ou que não fossem
moral ou espiritualmente dignas do sustento.
Outra área (permanentemente) delicada dos relacionamentos interpessoais seria seu
trato com os presbíteros. Os problemas que haviam gerado a necessidade de substituir
presbíteros ainda existiam, e exigiam um tratamento. Timóteo deveria mostrar
deferência e honra aos presbíteros compromissados (com a possibilidade de recompensa
financeira, 5.17-18), deveria equilibrar o respeito pela pessoa com a severidade para
com o pecado eventual (5.19-20), e deveria utilizar o discernimento ao conceder
reconhecimento ou condenação para com presbíteros ou presbíteros em potencial (5.21-
25).250
A seguir, Paulo lida com os relacionamentos entre escravos e seus senhores,
encorajando o respeito e o serviço de qualidade, independente da condição espiritual
destes últimos (6.1-2).
Depois disso, Paulo alerta a Timóteo do perigo de ser enlaçado pelos caminhos
corruptos e pelo estilo de vida ganancioso dos hereges de Éfeso (6.3-10). O contraste de
Paulo é entre a vida gratificante de um ministro piedoso (verdadeiramente religioso) e
satisfeito e o estado miserável de um mercenário religioso, ambicioso, confuso e
egocêntrico. A esta cobiça não se deve enfrentar; deve-se, isto sim, dela fugir.
O parágrafo final contém uma exortação ao zelo pela própria vocação espiritual de
Timóteo, de maneira a manter Éfeso em seu caminho apropriado (6.11-21). Isto
significaria estar espiritualmente ativo à luz da volta de Cristo (6.11-16), ajudando sua
congregação a focalizar-se na riqueza
espiritual, e não material (6.17-19), e mantendo suas prioridades espirituais e
doutrinárias alinhadas (6.20-21a).
A carta se encerra com a extensão da graça de Deus para um grupo mais amplo de
leitores, a congregação de Éfeso (6.21b).

ESBOÇO SINTÉTICO
Mensagem
A vida da igreja deve ser coerente com seu caráter de casa de Deus e guardiã da
verdade divina.
I. Saudação – A capacitação divina para o ministério é desejada para Timóteo, um genuíno
discípulo de Paulo, um representante divinamente ordenado de Jesus, o Messias (1.1-2).
A. O autor é Paulo, um representante divinamente ordenado de Jesus, o Messias (1.1).
B. O destinatário é Timóteo, discípulo genuíno de Paulo (1.2a).
C. O desejo de Paulo para Timóteo é de que Deus dispense graça, misericórdia e paz para
ele (1.2b).
II. O dever de Timóteo é guardar a vida da igreja dos falsos mestres à luz da graça e do
senhorio de Cristo (1.3-20).
A. A tarefa de Timóteo é defender a igreja dos falsos mestres que promovem discussões
inúteis, posam como mestres da lei, e pervertem o uso da lei (1.3-11).

250
O melhor candidato para o título de “O Versículo Mais Mal Empregado da Bíblia” (5.23)
realmente se encaixa bem com esta passagem, uma vez que Paulo estava falando da pureza
das motivações, tornando, portanto, a necessidade de saúde física e “pureza” tanto uma
ilustração viva quanto um lembrete pessoal.
1. O dever de Timóteo é defender a igreja dos falsos mestres que promovem discussões
inúteis (1.3-6).
2. O dever de Timóteo é defender a igreja dos falsos mestres que posam como mestres da
lei (1.7).
3. O dever de Timóteo é defender a igreja dos falsos mestres que pervertem o uso da lei
(1.8-11).
• A Lei é boa por natureza e tem uma finalidade apropriada (1.8).
• A Lei como uma regra de vida não é imposta sobre os justos (1.9).
• A Lei serve o propósito de expor os diversos tipos de pecado a que as pessoas se entregam
(1.10-11).
- A Lei é para as pessoas com atitudes pecaminosas (1.9a).
- A Lei é para pessoas com ações pecaminosas (1.9b-11).
B. O testemunho de Paulo fornece a esperança necessária para realizar a tarefa de
confrontar a heresia e os hereges (1.12-17).
1. A graça de Cristo era suficiente para transformar um homem indigno como Saulo num
ministro fiel do Evangelho (1.12-14).
2. A graça de Cristo foi planejada para salvar radicalmente homens pecadores, conforme
exemplificado por aquele que Paulo considerava o principal pecador, ele mesmo (1.15-
16).
3. A graça de Cristo O torna digno de louvor como Rei e Deus (1.17).
C. A tragédia da disciplina de Himeneu e Alexandre alerta Timóteo para a necessidade de
pureza pessoal na busca de seu ministério (1.18-20).
III. O dever de Timóteo é garantir que a vida da igreja seja marcada pela prece, pela paz e
pela padronização (2.1–3.13).
A. O dever de Timóteo é garantir que a vida da igreja seja marcada pela prece (2.1-7).
1. A oração pública deveria incluir petição geral, intercessão e ações de graça (2.1).
2. A oração pública deveria incluir as autoridades, para que a vida promova a piedade (2.2).
3. A oração pública deveria ser motivada por sua relação com os propósitos salvíficos de
Deus, com base na obra redentora de Cristo (2.3-6).
4. A oração pública está, portanto, de acordo com a missão designada para Paulo, um arauto
da fé entre os gentios (2.7).
B. O dever de Timóteo é de garantir que a vida da igreja seja marcada pela paz, já que a
oração em grupo é sustentada por vidas santas e modestas (2.8-10).
1. Os homens deveriam ter vidas santas, sem ressentimento ou ira (2.8).
2. As mulheres deveriam ter vidas santas, sem vaidade ou indecência (2.9-10).
C. O dever de Timóteo é garantir que a vida da igreja seja padronizada em sua adoração e
organização (2.9—3.13).
1. O dever de Timóteo é garantir que a vida da igreja seja padronizada ao regulamentar a
participação feminina na adoração (2.11-15).
• As mulheres deviam demonstrar submissão em sua participação na adoração pública
(2.11).
• As mulheres não deveriam se dedicar a papéis de liderança na adoração pública (2.12).
• As razões para esses mandamentos eram o padrão de Deus na criação e a conseqüência da
usurpação representativa de Eva (2.13-14).
• A esfera apropriada e realizadora para que as mulheres obtenham o direito de exercer
influência espiritual na Igreja é a maternidade (2.15).
D. O dever de Timóteo é garantir que a vida da Igreja seja padronizada na organização por
meio do estabelecimento de uma liderança qualificada (3.1-13).
1. O papel desejável e importante do bispo deve ser realizado apenas por homens
espiritualmente qualificados (3.1-7).251
2. O papel respeitável e recompensador papel do diácono deve ser realizado apenas por
homens espiritualmente qualificados (3.8-10,12-13).
3. O papel das auxiliadoras deve ser realizado por mulheres espiritualmente qualificadas
(3.11).
IV. Timóteo deve guardar a vida da igreja da crescente apostasia (3.14 – 4.16).
A. Propósito da carta – A grandeza da igreja e de sua missão em promover o grandioso
projeto de piedade revelado por Deus exige que os crentes sejam instruídas na conduta
cristã apropriada (3.14-16).
1. A carta era necessária por causa da exigência urgente de um comportamento que fosse
coerente com o caráter da igreja (3.14-15).
• A carta era necessária a despeito da chegada iminente de Paulo a Éfeso (3.14).
• Os cristãos deveriam se comportar como membros da família de Deus (3.15a).
• Os cristãos deveriam se comportar de uma forma coerente com a natureza pública da
Igreja (3.15b).
2. A carta era necessária por causa da grandeza da mensagem que os cristãos proclamam –a
encarnação, a ressurreição, proclamação e glorificação de Deus em Jesus Cristo (3.16).
B. A apostasia é uma realidade crescente que Timóteo teria que confrontar diligentemente
ao proclamar a verdade, e ao cultivar e modelar a piedade com base na sã doutrina (4.1-
16).
1. A apostasia é uma realidade crescente profetizada pelo Espírito para os últimos dias (4.1-
5).
• A apostasia seria motivada por forças demoníacas (4.1).
• A apostasia seria disseminada por pessoas espiritualmente insensíveis e hipócritas (4.2).
• A apostasia seria caracterizada pelo legalismo nas áreas de casamento e alimentos, em
rebelião contra a apreciação dessas bênçãos, ordenada por Deus (4.3-5).
2. O dever de Timóteo em face da apostasia é de expor as falácias e fornecer um exemplo
ao evitar as fábulas profanas e cultivar a piedade (4.6-10).
• Expor as falácias da apostasia aos seus ouvintes fará de Timóteo um ministro bom e
coerente (4.6).
• Fornecer um exemplo de piedade irá mostrar a seus ouvintes as realidades mais elevadas
da eternidade (4.7-8).
• A promoção da piedade merece o intenso labor dos ministros, à luz do compromisso
cristão de fé para com Deus, o Salvador dos homens (4.9-10).
3. O dever de Timóteo em face à apostasia é ser coerente na proclamação e no exemplo,
para que seja um ministro realizado de uma congregação espiritualmente saudável
(4.11-16).
• Timóteo deveria ser coerente na proclamação (4.11, 13).
• Timóteo deveria ser coerente no exemplo (4.12, 14, 16a).
• Timóteo deveria se esforçar em busca de realização no ministério e na saúde espiritual de
sua congregação (4.15,16b).
V. Timóteo tinha que cuidar para que a vida da Igreja fosse bem ordenada em suas várias
facetas (5.1 – 6.10).
A. Timóteo tinha que lidar apropriadamente com o sexo oposto e com faixas etárias
diferentes na igreja (5.1-2).

251
Para uma lista de qualificações, veja o quadro QUALIFICAÇÕES PARA BISPOS E
DIÁCONOS, nas páginas 435-436..
1. Os homens mais velhos deveriam ser tratados com respeito, como pais (5.1a).
2. Os homens mais jovens deveriam ser tratados como irmãos (5.1b).
3. As mulheres mais velhas deveriam ser tratadas com consideração, como mães (5.2a).
4. As mulheres mais jovens deveriam ser tratadas com total pureza como (se fossem) irmãs
(5.2b).
B. O trato de Timóteo com as viúvas deveria basear-se em seu estado familiar, espiritual, e
em sua idade (5.3-16).
1. Princípio – A igreja deveria sustentar as viúvas [destituídas] (5.3).
2. Qualificador 1 – As viúvas com famílias deveriam ser sustentadas por estas (5.4, 7-8,
16).
3. Qualificador 2 – As viúvas que buscavam prazer e não a Deus não deveriam ser
financeiramente sustentadas pela igreja (5.5-6).
4. Qualificador 3 – As viúvas mais jovens não deviam ser financeiramente sustentadas pela
igreja, devido aos riscos de inatividade, mas deveriam ser encorajadas a casar
novamente e a servir os outros (5.11-15).
5. Princípio – Apenas as viúvas maduras e espiritualmente devotas deveriam ser incluídas
na lista de sustento [e ministério] da igreja (5.9-10).
C. O trato de Timóteo com os presbíteros deveria ser regido por honra, respeito e
discernimento (5.17-25).
1. O trato de Timóteo com os presbíteros deveria ser regido por honra (5.17-18).
• O trabalho diligente em favor da igreja deveria ser recompensado em dobro (5.17).
• A recompensa para o trabalho diligente é um princípio das Escrituras (5.18).
2. O trato de Timóteo com os presbíteros deveria ser regido por respeito aos presbíteros e à
igreja (5.19-20).
• Nenhuma acusação deveria ser aceita sem a apropriada certificação (5.19).
• Nenhum presbítero impenitente deveria ficar sem punição, mas deveria ser publicamente
disciplinado, como alerta para os outros (5.20).
3. O trato de Timóteo com os presbíteros deveria ser regido pelo discernimento (5.21-25).
• O trato de Timóteo com os presbíteros deveria ser imparcial (5.21).
• A consagração de presbíteros em potencial por Timóteo não deveria ser apressada, para
que ele não partilhasse de suas falhas (5.22).
• A necessidade de pureza de motivos é ressaltada pela necessidade de Timóteo de purificar
seu sistema com vinho misturado com água (5.23).
• Timóteo deveria ser sábio ao discernir quais ações exigiam reconhecimento ou punição
pública (5.24-25).
D. O trato de Timóteo com escravos deveria encorajar o respeito e o serviço de qualidade
(6.1-2).
1. Os escravos de descrentes deveriam tratar seus senhores de forma respeitosa, para dar um
testemunho genuíno de Deus e da doutrina cristã (6.1).
2. Os escravos de crentes não deveriam permitir que sua igualdade espiritual com seus
senhores diminuísse os padrões de respeito e serviço (6.2).
E. O trato de Timóteo com falsos mestres gananciosos implica compreender seus caminhos
corruptos e fugir de seu estilo de vida avarento (6.3-10).
1. Timóteo deveria compreender que aqueles falsos mestres gananciosos já haviam
corrompido a verdade e confundido piedade com ganância (6.3-6).
2. Timóteo devia fugir da cobiça destrutiva e adotar a satisfação piedosa de forma a evitar a
punição da avareza (6.7-10).
VI. Timóteo devia ser zeloso com sua própria vocação espiritual, para ajudar Éfeso a
permanecer uma igreja vibrante (6.11-21).
A. Ele deve levar uma vida ativa de ministério à luz da volta de Cristo (6.11-16).
B. Ele deve ajudar os ricos a focalizar sua perspectiva espiritual no céu e em sua
recompensa celestial, não nas coisas da terra (6.17-19).
C. Ele devia ser zeloso em manter suas prioridades alinhadas, preservando a verdadeira
doutrina e rejeitando o falso conhecimento e suas conseqüências espirituais prejudiciais
(6.20-21a).
VII. Saudação Final – Paulo deseja graça sobre todos os leitores da epístola (6.21b).

O argumento de
2TIMÓTEO
Questões introdutórias
TÍTULO
O sobrescrito grego da epístola é ΠΡΟ΢ ΣΙΜΟΘΕΟΝ Β, indicando o destinatário desta
que é a última das cartas canônicas de Paulo.
DATA E AUTORIA
Estes dois assuntos já foram tratados na introdução a 1Timóteo. A data mais
provável da epístola fica entre o fim da primavera e o começo do verão de 67, à luz dos
pedidos de Paulo - que Timóteo trouxesse sua capa (4.13) e viesse antes do inverno
(4.19).252 Uma vez que Paulo também solicitou a presença de Marcos com ele (4.11)
com base em sua utilidade para o ministério, bem como seus livros (rolos) e
pergaminhos, pode-se conjeturar que seu julgamento final ainda não havia sido
marcado, ou que ainda era algo distante.
2Timóteo é usada na virada do primeiro século na obra Pseudo-Barnabé 5.6 (2Tm
1.10), e no Pastor de Hermas, Mandato 3.2 (2Tm 1.14).253
OCASIÃO
Durante o verão de 64 (no dia 19 de julho), um enorme incêndio destruiu grande
parte da cidade de Roma. Devido aos insistentes e amplos rumores de que
intencionalmente ateara fogo à cidade para reconstruí-la a seu próprio gosto, Nero fez
espalhar a ―desinformação‖ oficial de que os cristãos tinham sido responsáveis pela
tragédia.
A suspeita geral contra os cristãos, devida em parte ao seu estilo segregado de vida,
deu lugar ao ódio e à violência quando Nero publicou um edito declarando o
cristianismo uma religio illicita (religião ilegal).
Isto provavelmente aconteceu enquanto Paulo estava na Espanha, afetando-o apenas
quando de seu regresso da distante província ocidental . Se a cronologia adotada neste
trabalho estiver correta, passou-se algum tempo antes que o edito fosse colocado em
vigor fora da Itália, permitindo assim que Paulo ministrasse em Creta ao voltar para o
lado grego do império. Quando, todavia, a proibição foi estendida a todo o império,

252
Considerando o tempo de viagem de Roma a Éfeso e fazendo provisão para duas viagens,
a de Tíquico levando a carta, e a de Timóteo, atendendo o pedido de Paulo, é melhor colocar
esta carta um pouco mais cedo do que Hoehner sugeriu, no final de 67 ou começo de 68 (“A
Chronology of the Life of Paul”, notas de aula da matéria Cronologia Bíblica, Seminário
Teológico de Dallas, 1988).
253
N. Geisler e W. Nix, Introdução Bíblica, p. 107.
mesmo os antigos amigos de Paulo que trabalhavam para o governo romano na
província da Ásia (cf. At 19.31) abandonaram o apóstolo (1.15), possivelmente uma
referência à falta de disposição de testemunharem a seu favor.
Mais provavelmente, depois de sair de Creta, Paulo retornou à província da Ásia,
detendo-se em Éfeso para visitar Timóteo, e eventualmente chegou a Trôade (talvez
pensando em mais uma visita à Macedônia e a Acaia). É quase certo que tenha sido
aprisionado em Trôade, uma vez que seus objetos pessoais foram deixados na casa de
Carpo naquela cidade (4.13).
Levado prisioneiro a Roma, foi levado a juízo sem que tivesse advogado para
defendê-lo oficialmente (4.16). Assim mesmo, sua auto-defesa impediu um veredito de
―culpado‖, e por isso foi enviado de volta à Prisão Mamertina (segundo a tradição), para
ali aguardar a segunda fase de seu julgamento.
Abandonado por alguns de seus colaboradores (4.10a), privado da companhia de
outros por causa das exigências do ministério (4.10b,c), Paulo manteve Lucas consigo e
enviou Tíquico a Éfeso,254 levando a carta e, provavelmente, instruções para substituir
Timóteo na condução da igreja, de modo a permitir a viagem deste a Roma.
A mudança drástica na política governamental e as novas ameaças que ela
certamente traria, associadas com a possibilidade iminente de sua própria morte, foram
as razões externas para Paulo escrever esta carta a seu discípulo mais próximo.
Argumento básico
PROPÓSITO
Três subpropósitos, todos razoavelmente óbvios, se combinam para formar o
propósito principal desta carta.
Em primeiro lugar, havia a necessidade de encorajar Timóteo em face do sofrimento
inescapável. Paulo, que tinha sofrido muito nas mãos dos judeus, agora encoraja seu
jovem parceiro a levar adiante o seu trabalho e participar dos sofrimentos como ―um
bom soldado de Cristo Jesus‖ (2.3), agora que Roma, não mais Jerusalém, seria a
principal fonte de oposição.
Em segundo lugar, havia a necessidade da presença de Timóteo ao lado de Paulo à
medida que se aproximava o tempo de sua morte. 2Timóteo não é tanto um testamento
quanto uma convocação a que Timóteo viesse ter com Paulo e assumisse o bom
combate da fé em lugar do apóstolo (cf. 2.2).
Em terceiro lugar, há o testemunho de um veterano servo de Deus a uma geração
mais jovem, com o propósito de promover a causa a despeito das severas conseqüências
de uma lealdade constante a Jesus Cristo.
À luz do exposto acima, o propósito da carta seria:
Motivar Timóteo a assumir sua parte no ministério de Paulo suportando as provas
do ministério com perseverança e pureza.
DESENVOLVIMENTO
2Timóteo é a mais pessoal e reveladora das cartas de Paulo. A afeição do apóstolo
para com Timóteo contrasta com sua dureza contra os heréticos; sua fragilidade como
um ser humano solitário contrasta com sua fortaleza espiritual em face de extremo
sofrimento; a incerteza humana quanto ao destino terreno contrasta com suas firmes
convicções quanto ao seu destino último.
A carta contém dois temas básicos entretecidos em torno do conceito da identificação
ministerial entre Timóteo e Paulo. Para poder de fato levar o ministério do Apóstolo às
últimas conseqüências, Timóteo deveria dispor-se a enfrentar provações e sofrimento
com perseverança (1.3 - 2.13), e combater a heresia com pureza (2.14 - 4.8).

254
O aoristo ἀπέςσειλα é entendido aqui como epistolar, indicando assim que Tíquico
partiria levando a carta.
A saudação inicial contém o ponto de vista de Paulo quanto à sua pessoa e ministério
(1.1) e seu apreço por Timóteo, a quem ele deseja a tríplice bênção de φάπιρ, ἔλεορ, e
εἰπήνη ([charis, eleos, eirēnē], 1.2).
Com boa pedagogia, Paulo elogia antes de exortar. Ele expressa sua gratidão por
Timóteo, que compartilha com ele um coração dedicado a Deus (cf. δακπύψν
[dakruōn] e πίςσεψρ [pisteōs]), e uma herança piedosa de serviço a Deus (1.3-5).
Em vista de seu elo comum (cf. δι᾿ ἣν αἰσία [di hēn aitia]), Paulo prossegue
encorajando Timóteo a cultivar qualidades essenciais de um ministro fiel (1.6 - 2.2).
Essas qualidades são o zelo, que seria evidenciado no uso regular das capacidades
espirituais concedidas a ele pela imposição das mãos do apóstolo; ―usar ou desperdiçar‖
não é apenas um princípio administrativo, mas também espiritual. Timóteo deveria
enfrentar as circunstâncias adversas trazidas pelo novo status do cristianismo como
religio illicita com a plena capacitação concedida por Deus, δύναμιρ [dunamis], ἀγάπη
[agapē], e ςουπονιςμόρ [sophronismos].255
A segunda qualidade a ser cultivada para partilhar do ministério de Paulo era a
coragem (1.8-12). A expectativa de Paulo era que Timóteo partilhasse do poder
enquanto partilhasse do sofrimento associado ao Evangelho. Como medida de
encorajamento ele indica que anos de sofrimento e proximidade da morte não o
puderam afastar de seu propósito inicial, nem da posição que havia recebido como um
κῆπτξ [kērux] do Evangelho (1.9-11). Sua certeza, que ele obviamente gostaria que
Timóteo compartilhasse, é que Cristo iria preservar perfeitamente aquilo que Deus
confiara a ele, Paulo.256
A terceira virtude a ser cultivada era firmeza (1.13 - 2.2). Manter-se fiel à doutrina
apostólica - σήν καλήν παπαθήκην [tēn kalēn parathēkēn] - impediria que Timóteo se
desviasse para um modo de ministério mais seguro, menos ameaçador, como alguns já
haviam feito desde o início da perseguição. Depois de oferecer o padrão a ser seguido,
Paulo relembra uma vez mais a Timóteo o poder disponível para vitória contra a
deserção ministerial, o Espírito de Deus (1.14; este versículo acrescenta peso à
interpretação proposta para πνεῦμα [pneuma] no versículo 7 como uma referência ao
Espírito Santo).
Sempre prático e cheio de exemplos, Paulo oferece uma perspectiva de reações
corretas e erradas em face à perseguição. Fígelo e Hermógenes, desconhecidos exceto
por esta referência, podem ter sido dois dos asiarcas (Atos 19.31), que poderiam ter
vindo em auxílio de Paulo em alguma fase de seu processo legal mas que escolheram
permanecer a distância por medo das prováveis conseqüências. Onesíforo, por outro
lado, demonstrara ser amigo para todas as horas e ocasiões, mostrando frente ao perigo
o mesmo cuidado que demonstrara em tempo de paz.

255
Há debate sobre o significado de πνεῦμα em 1.7. Adoto aqui o ponto de vista de que se
trata de uma referência ao Espírito Santo, com as três virtudes derivadas da Sua presença.
Embora os três genitivos possam ser considerados como descritivos, ou mesmo atributivos,
isso não exige um sentido de “atitude” ou “disposição”.
256
Uma vez mais os genitivos levam os intérpretes em direções diferentes. Embora este
versículo seja um favorito em termos de segurança de salvação (ver o hino famoso) se o
genitivo for tratado como subjetivo (aquilo que Paulo confiara a Deus), o contexto da carta e a
idéia subjacente da passagem de um bastão sugerem a opção sintática por um genitivo
objetivo (aquilo que Deus confiou a Paulo) como a nuança preferível.
Paulo encerra esta seção de encorajamento com o programa que Timóteo deveria
seguir a fim de ―guardar o bom depósito‖ (2.1-2). Este programa envolvia o
desenvolvimento pessoal de Timóteo na graça, e o discipulado pessoal de homens
fidedignos, que levariam adiante a sucessão doutrinária.
Parece que o temperamento mais introvertido de Timóteo o tornava particularmente
vulnerável ao desânimo, de modo que Paulo destaca e enfatiza a necessidade de
perseverança na terceira seção desta divisão (2.3-13). Por meio de três ilustrações,257
Paulo aponta para a necessidade de perseverança em meio às dificuldades e ao trabalho
árduo (2.3-7).
O parágrafo seguinte oferece um pouco de motivação extrínseca ao apontar para
Jesus como o supremo exemplo de perseverança debaixo de um sofrimento imerecido e
injusto (2.8-10). Timóteo deveria meditar no sofrimento de Cristo (ἐγηγεπμένψν ἐκ
νεκπ῵ν [egēgermenōn ek nekrēn]) e na sua vitória final e definitiva (ἐκ ςπέπμασορ
Δατίδ [ek spermatos Dauid]) de modo a experimentar a mesma disposição de sofrer por
Cristo que Paulo demonstrara, entendendo que os sofrimentos contribuem para a plena
experiência da salvação por aqueles a quem Deus tinha chamado (2.10).
Um pouco mais de encorajamento vem do que muitos consideram um hino ou
fórmula batismal da igreja primitiva (2.11-13).258 Enquanto os três primeiros pares
seguem uma forma de paralelismo sinônimo, o último amarra o pensamento com um
toque de realismo e realidade. o fracasso humano é um fato consumado e tido como
certo (e Timóteo mesmo irá falhar), mas do mesmo modo, e ainda mais, é certa e real a
fidelidade de Deus. A certeza de tal fidelidade oferece o encorajamento básico à
perseverança debaixo do fogo inimigo.
Na segunda metade do livro, Paulo desafia Timóteo a partilhar do ministério
apostólico mantendo sua pureza pessoal e defendendo a pureza de outros em meio à
heresia (2.14 - 4.8). Em parágrafos sucessivos em que a natureza destrutiva da heresia é
contrastada com a atitude positiva do bom ministro, Paulo exorta Timóteo a buscar o
alvo da aprovação divina rejeitando o non sense teológico dos heréticos, tanto em
palavra quanto em ação (2.14-19).
A ambição de Timóteo deveria ser alcançar o reconhecimento divino como um servo
pronto, útil e capaz, o que demandaria separação da impureza tanto doutrinária quanto
prática (2.20-26). Tal separação, no entanto, não significa tornar-se uma pessoa áspera
ou amargurada. Significa, isto sim, cultivar um caráter que ajuda outras pessoas a
perceberem seu erro e a escaparem das garras de Satanás (2.24-26).
Como se para impedir que Timóteo caia numa introspecção excessiva em busca de
virtude, Paulo o força a abrir sua janela ministerial e olhar para fora, estando alerta para
o crescimento da apostasia durante o intervalo entre os dois adventos de Cristo - ἐν
ἐςφάσαιρ ἡμέπαιρ [en eschatais hēmerais] (3.1-9). Timóteo precisava tomar ciência
tanto do caráter e da conduta de tais homens, particularmente de suas táticas sedutoras,
de modo a poder melhor refutá-las (3.6-9) .

257
Paulo oferece um total de sete ilustrações para o ministro no capítulo 2. Embora estejam
espalhadas em diferentes seções lógicas do livro, vale a pena alistá-las: mestre (2.2), soldado
(2.3-4), atleta (2.5), lavrador (2.6), um artífice [joalheiro?] (2.15), vaso (2.21), e escravo (2.24-
25).
258
J. N. D. Kelly, Pastoral Epistles, p. 179. A passagem tem um forte sabor paulino se o
intérprete tomar ςτνεπάθομεν em seu sentido de Romanos 6 (contra Hendriksen, I & II
Timothy, p. 255 n. 134), e associar 2.12 a Romanos 8. Não há razão para atribuir este versículo
a qualquer outra pessoa que não Paulo.
Com base em sua associação prévia a Paulo em seu ministério (3.10-11), Timóteo já
sabia que a perseguição era o preço da piedade. Em meio a todas essas demandas
ministeriais, havia apenas um porto seguro de verdade no qual Timóteo poderia ser
equipado e revigorado para sua contínua batalha contra o mal e para a perseguição que
viria por tomar posição ao lado de Jesus e da justiça (3.12). As Sagradas Escrituras
inspiradas por Deus deveriam ser a base sobre a qual Timóteo construiria sua vida e seu
ministério. Assim, seu abrigo na tempestade de heresia que rugia em Éfeso seriam ―as
sagradas letras‖ - σά ἱεπά γπάμμασα (ta hiera grammata) - e o seu complemento
autorizado por Deus, a tradição apostólica (3.14-17).
O último parágrafo de Paulo nesta longa convocação apresenta a atividade - assumir
o lugar de Paulo em confrontar o amor humano pela heresia com a Palavra pregada e a
força diante do sofrimento (4.1-8). Essa tarefa compreendia a proclamação constante e
competente do Evangelho. O uso do imperativo κήπτξον (kēruxon, 4.2) estabelece o
elo entre a missão de Paulo (cf. ἐσέθην ἐγώ κῆπτξ, etethēn egō kērux, 1.11) e a de
Timóteo, e oferece o tom oficial ao desafio de evangelizar um mundo afastado de Deus
e amante dos mitos (4.3-4).
Nos versículos 5 a 8, Paulo oficialmente passa o bastão, anunciando o fim de sua
carreira e sua expectativa da justa recompensa da parte de Cristo, e exortando Timóteo a
calçar as sandálias ministeriais que até então ele, Paulo, usara (4.5).
A seção final da carta tem um tom ainda mais pessoal. Agora a relação apóstolo-
legado apostólico dá lugar à relação entre pai e filho, como no começo da carta. O
desejo de Paulo é desfrutar da companhia de Timóteo, de modo que o discípulo/filho
possa participar de seu julgamento secular (não com habilidades judiciais mas com
empatia amorosa) e de seu triunfo secreto, a certeza de que as masmorras e os carrascos
de Nero não poderiam privá-lo da eterna recompensa que Jesus Cristo tinha reservada
para ele.
A presença de Timóteo era urgente porque o inverno agravaria o desconforto do
aprisionamento (4.9, 13, 21), por causa do decréscimo do número de colaboradores de
Paulo (4.10-11), e por causa do desejo do apóstolo de interagir com suas próprias cópias
das ―sagradas letras‖ (4.13). Em um nível mais profundo e pessoal, a presença de
Timóteo era desejável porque Paulo poderia compartilhar com ele o paradoxo de estar
confiante da libertação definitiva no reino celestial de Cristo e experimentar solidão e
rejeição pelas próprias pessoas que ele se esforçara para ganhar para Jesus Cristo (4.16-
18).
As saudações finais de Paulo revelam seu amor por antigos amigos e benfeitores
recentes, e sugerem que seu isolamento não era total em Roma (o que torna a presença
de Timóteo ainda mais significativa). A saudação final indica que a carta teria outros
leitores (pelo menos outros discípulos em Éfeso) além do destinatário principal.

ESBOÇO SINTÉTICO
Mensagem
A participação de Timóteo no ministério de Paulo só será realizada se ele
demonstrar perseverança em meio às provações e pureza em meio à heresia.
I. Saudação – Paulo, escolhido por Deus como representante de Cristo Jesus, deseja ao seu
verdadeiro discípulo Timóteo capacitação divina para o ministério (1.1-2).
A. Paulo escreve como escolhido por Deus para representar Cristo, a fim de promover a
vida prometida em Jesus (1.1).
B. O desejo de Paulo para seu discípulo Timóteo é a bênção tríplice de Deus - graça,
misericórdia e paz (1.2).
II. A parte de Timóteo no ministério de Paulo só será alcançada por meio de perseverança
no sofrimento e tribulações (1.3 - 2.13).
A. Paulo é grato por Timóteo partilhar com ele de um coração dedicado a Deus e uma
herança piedosa de serviço a Ele (1.3-5).
B. A responsabilidade de Timóteo nas circunstâncias presentes é cultivar as qualidades
essenciais para um ministro fiel (1.6 - 2.2).
1. Zelo – Timóteo deve cultivar zelosamente seu dom ministerial à luz da capacitação
espiritual fornecida pelo Espírito de Deus (1.6-7).
2. Coragem – Timóteo deve se apossar do poder de Deus para não se envergonhar do
Evangelho em meio ao sofrimento que ele traz àqueles chamados por Deus a serem seus
arautos e mestres (1.8-12).
• A expectativa de Paulo era de que Timóteo se associasse a ele na experiência do poder de
Deus enquanto sofrendo por causa do Evangelho, em vez de se retrair por causa da
vergonha provocada por ele (1.8).
• O exemplo de Paulo a Timóteo é de que, apesar das tribulações que sofrera, Paulo não
desistiu do propósito e posição dada a ele no Evangelho da graça de Deus revelada em
Cristo Jesus (1.9-11).
- O propósito do Evangelho revelado em Cristo é uma vida santa (1.9).
- A posição de Paulo no Evangelho era de um arauto, apóstolo, e mestre (1.10-11).
• A exclamação triunfante de Paulo em meio à tribulação é de que Cristo preservaria o que
Deus lhe confiara (1.12).
3. Firmeza – Timóteo deve permanecer firme ao preservar a fé apostólica e discipular
homens fiéis à luz da inconstância de outros companheiros (1.13 - 2.2).
• O ensino de Paulo era o padrão que Timóteo deveria guardar em atitude de fé e amor
(1.13).
• O auxílio do Espírito era o poder com o qual Timóteo deveria contar para preservar a
pureza do Evangelho (1.14).
• Os exemplos de deslealdade fornecem uma perspectiva do que espera Timóteo como
sucessor de Paulo (1.15-18).
- Antigos amigos em cargos importantes haviam abandonado Paulo (1.15).
- Outros amigos merecem a misericórdia de Deus por sua fidelidade tanto em cadeias como
em liberdade (1.16-18).
• O crescimento pessoal na graça e no discipulado de homens fiéis era o programa que
Timóteo deveria seguir para ―guardar o bom depósito‖ (2.1-2).
C. A necessidade de Timóteo diante das circunstâncias presentes é desenvolver
perseverança à luz das necessidades dos eleitos e das promessas do Cristo fiel (2.3-13).
1. A promessa de participação no triunfo do Evangelho é o motivo para perseverança na
provação, como indicado por três ilustrações (2.3-7).
• Como soldado, o objetivo principal de Timóteo é agradar seu comandante com lealdade
exclusiva (2.3-4).
• Como atleta, o objetivo principal de Timóteo é receber seu prêmio por obedecer as
diretrizes de Cristo (2.5).
• Como agricultor, o objetivo principal de Timóteo é participar da colheita suprema de
Cristo tornando-se um trabalhador incansável do Evangelho (2.6).
• A responsabilidade de Timóteo era meditar no desafio de sofrer provações por Cristo
(2.7).
2. A lembrança dos sofrimentos e triunfo de Jesus Cristo como relatados no Evangelho
provê perspectiva para Paulo no sofrimento presente e para Timóteo nos sofrimentos
por vir por causa dos eleitos (2.8-10).
• A convicção de Paulo, à luz do triunfo e reino vindouro de Cristo, lhe dá a certeza de que
a palavra de Deus não é limitada por suas algemas (2.8-9).
• O consolo de Paulo em seus sofrimentos era saber que eles contribuiriam para a salvação
efetiva daqueles que Deus chamara (2.10).
3. A certeza da fidelidade de Cristo no seu trato com seus servos traz encorajamento para
perseverar na provação (2.11-13).
• Partilhar da Sua morte significa partilhar do Seu reino (2.11).
• Perseverar [em Sua vida] significa partilhar da Sua autoridade (2.12a).
• Negá-lO significa ser negado por Ele perante Seu trono de juízo (2.12b).
• Ser-Lhe infiel não invalida Sua fidelidade pois Ele é incapaz disso (2.13).
III. A participação de Timóteo no ministério de Paulo só será alcançada através de pureza
em meio à heresia (2.14 - 4.8).
A. Seu alvo deve ser permanecer aprovado perante Deus ao rejeitar práticas fúteis e
proposições falsas (2.14-19).
1. Timóteo deveria lembrar seus discípulos de evitar altercações inúteis e prejudiciais
(2.14).
2. Timóteo deveria se esforçar por ser aprovado por Deus como alguém que maneja a
palavra de Deus honestamente (2.15).
3. Timóteo deveria se abster de conversa profana, pois ela leva à impiedade e incredulidade
(2.16-18).
• Conversa profana age como gangrena num corpo (2.16-17).
• Falsos ensinos sobre a ressurreição por Himeneu e Fileto são exemplo desse deslize de
conversa profana para doutrinas destrutivas (2.18).
4. Timóteo não deveria vacilar diante da heresia, pois a verdade divina nunca seria retirada
de seu duplamente firme fundamento (2.19).
• A verdade divina não é ameaçada pela presença da idolatria (2.19a).
• A verdade divina está segura nos eleitos de Deus (2.19b).
• A verdade divina está segura na separação do mal pelos verdadeiros crentes (2.19c).
B. Sua ambição deve ser separar-se de impureza prática e doutrinária de modo a tornar-se
um obreiro útil, pronto e capaz (2.20-26).
1. Utilidade na obra de Deus é ilustrada por utensílios de uma casa, na qual vasos puros são
usados para propósitos nobres, e vasos impuros para tarefas indignas (2.20-21).
2. Timóteo deve separar-se da impureza prática e adotar um estilo de vida puro (2.22).
3. Timóteo deve separar-se da impureza doutrinária que conduz à dissensão (2.23).
4. Timóteo deve cultivar as qualidades que o ajudarão a libertar outros das ciladas de
Satanás (2.24-26).
- Deve ser bondoso para com todos (2.24a).
- Deve ser capaz de ensinar com mansidão (2.24b).
- Deve ser paciente e perdoador (2.24c).
• Deve reagir à oposição com mansidão (2.25a).
• Deve sempre esperar o melhor no trato de Deus com pessoas espiritualmente
desorientadas (2.25b-26).
C. Seu alerta seria estar preparado para tempos em que a apostasia seria a norma (3.1-9).
1. Timóteo deveria estar alerta ao caráter e à conduta dos falsos mestres nos últimos dias e
ficar separado deles (3.1-5).
• Os falsos mestres dos últimos dias seriam caracterizados por extremo egocentrismo (3.1-
4).
• Os falsos mestres dos últimos dias exibiriam religião, mas negariam sua realidade (3.5).
2. Timóteo deveria ter conhecimento das táticas dos falsos mestres dos últimos dias (3.6-9).
• Eles se infiltrariam nas famílias (3.6a).
• Eles instigariam mulheres inseguras a aceitarem ensino falso (3.6b-7).
• Eles imitariam apóstatas do passado em sua oposição à verdade e em seu fim vergonhoso
(3.8-9).
D. Seu abrigo deveriam ser as Sagradas Escrituras que ele conhecia há tanto tempo, com a
consciência de que obediência a elas traz perseguição, conforme exemplificado por
Paulo (3.10-17).
1. A associação prévia de Timóteo a Paulo deixava claro que opor-se ao erro com uma vida
e um ensino corretos produz perseguição (3.10-13).
2. A futura substituição de Paulo por Timóteo deve ter como base a doutrina apostólica,
firmada nas Escrituras Sagradas inspiradas por Deus (3.14-17).
• Seu dever é permanecer fiel à doutrina apostólica, confirmada pelas Sagradas Escrituras
que Timóteo conhecia (3.14-15).
• Sua garantia é que as Escrituras inspiradas por Deus o capacitarão para realizar seu
trabalho (3.16-17).
E. Sua atividade seria assumir o lugar de Paulo na confrontação do amor humano pela
heresia com a Palavra pregada e com a força em meio ao sofrimento (4.1-8).
1. A solene e urgente responsabilidade de Timóteo perante Deus e Jesus Cristo é proclamar
o Evangelho de modo constante e competente à luz da apostasia iminente (4.1-4).
• A responsabilidade de Timóteo como arauto é solene à luz do juízo de Deus e urgente à
luz da vinda de Cristo (4.1).
• A responsabilidade de Timóteo é proclamar o evangelho constantemente (4.2a).
• A responsabilidade de Timóteo é proclamar o evangelho competentemente (4.2b).
• A responsabilidade de Timóteo é aumentada pelo ataque maciço da apostasia e pela
tendência humana de crer em mitos (4.3-4).
2. A responsabilidade de Timóteo é assumir com sobriedade a tarefa de Paulo uma vez que
o apóstolo em breve cessaria sua obra e receberia sua recompensa (4.5-8).
• A carreira futura de Timóteo exige equilíbrio e perseverança (4.5).
• A carreira completa de Paulo aguarda a justa recompensa que Cristo tem para Seus servos
fiéis (4.6-8).
- Paulo está cônscio de que seu ministério está completo (4.6).
- Paulo está cônscio de que cumpriu seu ministério fielmente (4.7).
- Paulo está cônscio da recompensa que Cristo tem reservada para os fiéis (4.8).
IV. A participação de Timóteo no ministério de Paulo exigia sua presença com o apóstolo
para participar de seu julgamento secular e de seu triunfo secreto (4.9-18).
A. A presença de Timóteo era necessária em vista das necessidades ministeriais e pessoais
de Paulo (4.9-15).
1. A resposta de Timóteo deveria ser imediata (4.9).
2. A razão para a urgência era a diminuição de obreiros no quadro de legados apostólicos
(4.10-11).
• Demas havia desertado por razões egoístas (4.10a).
• Crescente e Tito tinham partido para realizar outras missões (4.10b).
• O papel solitário de Lucas como auxiliar demandava a presença de Marcos em Roma
(4.11).
3. A chegada de Tíquico a Éfeso deixaria Timóteo livre para vir a Roma e ministrar às
necessidades de Paulo (4.12).
4. Timóteo deveria trazer os objetos pessoais de Paulo de Troas e, enquanto ali, cuidar-se
contra o traiçoeiro Alexandre (4.13-15).
B. A presença de Timóteo era necessária porque o apóstolo, embora confiante em Cristo,
queria que seu filho partilhasse de sua última defesa diante das autoridades romanas
(4.16-18).
1. A presença de Timóteo era necessária porque pessoas que poderiam ter ajudado Paulo em
seu julgamento o haviam abandonado à própria sorte (4.16).
2. A ajuda de Cristo capacitara Paulo não só a evitar a pena de morte, mas também a pregar
o Evangelho diante do mais alto tribunal romano (4.17).
3. A confiança de Paulo é que, a despeito de sua morte iminente, seu destino espiritual
estava assegurado em Cristo (4.18).
V. Despedida – As saudações finais de Paulo refletem seu cuidado com seus companheiros
de ministério e seus amigos cristãos (4.19-22).
A. Paulo saúda seus velhos companheiros e recentes benfeitores (4.19).
B. Paul relata as circunstâncias de dois outros companheiros cuja ausência torna a presença
de Timóteo ainda mais urgentemente necessária (4.20-21a).
C. Os amigos cristãos de Paulo em Roma enviam saudações a Timóteo (4.21b).
D. Paulo deseja a presença de Deus na vida de Timóteo e a graça divina à igreja (4.22).

O argumento de
TITO
Questões introdutórias
TÍTULO E DESTINATÁRIO
O título grego para esta epístola é ΠΡΟ΢ ΣΙΣΟΝ [pros Titon], indicando seu único
destinatário. Tito não é mencionado em Atos, mas recebe nada menos do que treze
referências na literatura paulina. Nestas, ele aparece como um amigo chegado e
companheiro de confiança, um genuíno discípulo (Tt 1.4).
Ele era um gentio (Gl 2.3), possivelmente oriundo de Antioquia (seu nome está
associado à visita na época da fome, veja o argumento de Gálatas), um dos convertidos
por Paulo (Tt 1.4).
Tito aparece proeminentemente na correspondência coríntia como o enviado de
Paulo numa situação que provavelmente mostrou-se difícil demais para Timóteo
resolver (2Co 2.12-13; 7.5-7, 13-15; 8.6, 16-24). Um silêncio de, pelo menos, cinco
anos cai sobre a vida dele até ser encontrado na ilha de Creta, novamente como enviado
de Paulo, depois do trabalho evangelístico deste ali (Tt 1.5). A última menção de Tito
vem no final da vida de Paulo (2Tm 4.10); ele fora enviado de Roma em outra missão,
dessa vez à Dalmácia (região costeira das atuais Albânia, Sérvia e Croácia, onde o
apóstolo já proclamara o Evangelho, cf. Rm 15.19, onde é chamada Ilírico).
DATA E AUTORIA
A canonicidade (genuinidade) de Tito nunca foi questionada pela igreja primitiva.
Clemente de Roma (c. 95) cita Tito freqüentemente, no mesmo nível de outras epístolas
paulinas, em sua Primeira Epístola aos Coríntios. Pseudo-Barnabé (c. 70-130) cita Tito
1.1-3, 7 e 2.14, e a Epístola a Diogneto (c. 150) cita Tito 3.3-5.259 Irineu a cita e
259
N. Geisler e W. Nix, Introdução à Bíblia, p. 107,
Clemente de Alexandria a declara como paulina. Foi considerada paulina no Cânon
Muratoriano (c. 170), nas versões Latina Antiga (c. 200) e Siríaca Antiga (c. 400). Para
argumentos detalhados quanto à questão de autoria, veja o Argumento de 1Timóteo,
Questões introdutórias..
A data da carta depende do ponto de vista que se tem quanto às viagens de Paulo
depois da soltura da primeira prisão. O esquema cronológico adotado aqui vê Paulo
viajando para o leste (em vez de oeste) depois de sua soltura (meados de 62 d.C.),
conduzindo ―limpezas‖ teológicas na Ásia Menor (de 63 a 64), finalmente visitando a
Espanha (de 64 ao começo de 66), ministrando em Creta (verão 66), e escrevendo a
carta a Tito no começo do outono de 66 (cf. Tt 3.12).260
O local da composição não pode ser determinado, embora a Ásia Menor ou a Acaia
já tenham sido sugeridas,261 supondo que a Nicópolis mencionada em 3.12 seja a que se
localizava no Epiro, na costa ocidental da Grécia.
CONTEXTO HISTÓRICO E CULTURAL DE CRETA
A ilha de Creta foi o berço de uma civilização maravilhosa que floresceu durante o
segundo milênio a.C. e que ficou conhecida como a civilização minoana, um nome
derivado do semilendário rei de Creta, Minos.
Seguiu-se um período de declínio por volta de 1400 a.C., e, por volta desse tempo, a
maioria das cidades da ilha foi saqueada e destruída por piratas. Chegando ao final da
Era do Bronze, Creta foi invadida pelos gregos dóricos. Provavelmente, foi depois dessa
invasão que os cretenses tiveram contato com os israelitas durante a monarquia unida
(cf. 1Sm 30.14, os queretitas).
Os cretenses foram associados com as grandes ondas de migrações de Povos do Mar
à Ásia ocidental.262 Creta era a quarta maior ilha no Mare Nostrum, diretamente ao sul
do mar Egeu. Seus habitantes adquiriram, ao longo do tempo, uma reputação vil.
Autores antigos como Lívio, Plutarco, Políbio e Estrabo testificam disso,263 assim como
o profeta/poeta cretense Epimênides, que Paulo cita com aprovação quanto ao caráter
dos cretenses. Estes eram tão infames quanto os coríntios por sua baixa moral,
devassidão e mentira. O verbo κπεσίζψ foi criado para descrever mentir e enganar.264 Os
cretenses também eram um povo violento e amante de contendas.
Foi a esse povo que o Evangelho da graça chegou, provavelmente, pouco tempo após
o Pentecoste, viajando com aqueles que tinham ido a Jerusalém para o festival (cf. At
2.11). A breve estada de Paulo em Creta durante sua aventurosa viagem a Roma
certamente não lhe deu tempo para plantar uma igreja ali (cf. At 27.1-13).
Se Paulo seguiu sua filosofia ministerial tal como a delineou em Romanos 15.20,
deve-se concluir que nenhum apóstolo jamais estabelecera igrejas em Creta, deixando-o
livre para ir e começar seu trabalho lá depois de liberto do cativeiro. Não é certo se
Paulo e Tito estiveram juntos desde o princípio do trabalho lá. Tito pode ter sido
enviado antecipadamente (como acontecera Áquila e Priscila a Éfeso uma década antes,
cf. At 18.19) e permanecido depois de Paulo passar para outros campos de trabalho.
MOTIVO

260
Harold W. Hoehner, “Chronology of the Life of Paul”. Notas de aula de 311, Bible Cronology,
Seminário Teologico de Dallas, Verão 1988.
261
D. Edmond Hiebert, An introduction to the New Testament, 2:344.
262
T. C. Mitchell, “Crete”, The Illustrated Bible Dictionary, 1:337-339.
263
H. Alford, The Greek New Testament, 3:330-331.
264
Hiebert, Introduction, 2:342.
O motivo imediato para a carta parece ter sido o futuro ministério de Apolo e Zenas
em Creta (3.13). Paulo queria que Tito lhes desse assistência logística e financeira e
aproveitou os dois mestres viajantes para enviar instruções pastorais a Tito.
A situação em Creta, onde o ministério de Paulo fora limitado a plantar igrejas,
exigia instruções específicas quanto à preparação de liderança, a fim de defender a
jovem igreja cretense do ataque dos perenes adversários de Paulo, os judaizantes (1.10),
e lutar contra a típica inércia cretense que Tito precisava combater a fim de ter sob sua
liderança ―um povo... zeloso de boas obras‖ (2.14).
Argumento básico
PROPÓSITO
Três subpropósitos se combinam para formar o propósito geral da epístola a Tito. A
carta foi claramente projetada para dar a Tito uma autenticação apostólica ao seu
programa de formação de liderança em Creta. Visto que seu ministério exigia ação
disciplinar (1.11), Tito precisava de alguma prova escrita de que o exercício da sua
autoridade era legítimo para que ele não fosse ―desprezado‖ pelos indisciplinados
cretenses (2.15).
Um segundo propósito era dar instrução quanto aos deveres pastorais que Tito
cumpriria em Creta. São diretrizes amplas e básicas, em vez de um manual detalhado de
vida e disciplina eclesiásticas. Palavras do radical διδαςκ- ocorrem sete vezes, tornando
evidente a preocupação de Paulo com o ensino correto para a vida sadia na igreja.
Um último subpropósito é dar informação sobre os planos de Paulo e o papel de Tito
neles, tanto em Creta quanto em outros lugares, visto que o tempo de sua tarefa em
Creta estava chegando ao fim e haveria uma substituição, por Ártemas ou Tíquico
(3.12).
À luz do que foi dito acima, formula-se o seguinte propósito para a epístola a Tito.
Guiar Tito no papel de levar a igreja cretense à maturidade por meio de
desenvolvimento de liderança e promoção de um estilo de vida condizente com a
doutrina cristã.
DESENVOLVIMENTO
Tito tem a mais extensa das saudações paulinas (4 versículos). Isso pode ser devido
ao desejo de Paulo de definir adequadamente o ministério de Tito como uma
continuação do seu, e de estimular a autoconfiança de Tito quanto ao seu trabalho em
Creta.
Paulo se identifica como δοῦλορ doulos e um ἀπόςσολορ apostolos (1.1), sugerindo
tanto a humildade com que ele exerce sua autoridade quanto a autoridade incorporada
ao seu serviço. Sua missão era promover fé (i.e. confiança em Deus) e conhecimento
que leva à prática da verdade religiosa (1.1b).265
Com base na fidelidade de Deus, Paulo cumpriu o seu papel de κῆπτξ kērux (1.2-3).
Ao chamar Tito de seu γνηςίῳ σέκνῳ κασά κοινήν πίςσιν gnēsiō teknō kata koinēn
pistin, Paulo revela seu apreço por Tito e também o confirma como seu representante
autorizado em Creta, qualificado para agir em nome de Paulo.
O restante do capítulo um lida com a necessidade de liderança adequada a fim de
alcançar o alvo de endireitar (ἐπιδιοπθόψ epidiorthoō) a situação da igreja em Creta
(1.5). O primeiro meio de se realizar isso era o estabelecimento de uma liderança
espiritualmente qualificada (1.5b).

265
O uso da preposição grega κασά kata não é o costumeiro “de acordo com”; ela indica
propósito ou resultado, como em João 2.6, “talhas ... para as purificações”.
As qualificações exigidas por Paulo podem ser agrupadas em três áreas: presbíteros
em potencial precisam ser espiritualmente maduros (1.6-7), socialmente equilibrados
(1.8) e doutrinariamente sãos (1.9).
A responsabilidade de Tito, assim como dos futuros presbíteros, seria de refutar as
doutrinas de falsos mestres, especialmente aqueles que promoviam a circuncisão (1.10).
Esses judaizantes eram capazes de subverter a fé de lares inteiros enquanto sugavam os
recursos cristãos para os próprios bolsos gananciosos (1.11).
O curto tempo que se passou entre a presença de Paulo em Creta e a composição da
carta (nada mais do que três meses) mostra a tenaz determinação dos judaizantes de
frustrar o ministério de Paulo, baseado na graça. As falhas arquetípicas no caráter dos
cretenses forneciam solo fértil para a disseminação do erro, especialmente um que
promovia ociosidade e especulação (1.12-14).
Os presbíteros devem se esforçar para preservar a liberdade cristã, a qual os
judaizantes restringiam por suas regras sobre pureza cerimonial. O padrão de Paulo de
que a verdadeira pureza é interna e não pode ser afetada por ações externas (1.15-16) se
conforma perfeitamente com as palavras do próprio Cristo no assunto (cf. Mc 7.1-16), e
não pode ser considerado como um cheque em branco para a libertinagem.
A segunda responsabilidade que Tito tinha que cumprir a fim de levar as igrejas de
Creta à maturidade era de treinar os cristãos na prática coerente de boas obras,
consoante o caráter santificador da graça que os tinha redimido (2.1–3.11).
A fim de fazer isso, Tito precisaria traduzir a sã doutrina para a prática sadia na vida
de diferentes grupos na igreja, tanto pelo ensino direto quanto pelo exemplo pessoal
(2.1-10). O primeiro grupo, homens mais velhos [da meia idade adiante], era encorajado
a se tornar exemplo espiritual e moral, exibindo, entre outros traços, a tríade paulina de
πίςσιρ pistis, ἀγάπη agapē e ὑπομονή hupomonē [= ἐλπίρ elpis] (2.2).
O segundo público alvo em Creta era de mulheres mais velhas, cuja responsabilidade
era de discipular mulheres mais jovens. A palavra grega ὡςατσ῵ρ hōsautōs indica que
mulheres mais velhas deveriam se tornar exemplo de vida equilibrada (ἱεποππεπεῖρ
ςψυπονίζψςιν hieroprepeis sōphronizōsin), assim como homens mais velhos, na sua
esfera específica de ação, seus lares e famílias, para que pudessem dar treinamento
sensato sobre o lar cristão a convertidas mais jovens (2.3-5). O resultado de tal
treinamento seriam esposas que seriam um exemplo, não um empecilho para o
Evangelho.
A fim de tornar homens mais jovens em canais de maturidade para a igreja em Creta,
Tito precisava tornar-se o modelo e exemplo de conduta e conversação para eles,
levando-os à prática de boas obras por meio de ensino sério e sadio (2.6-8).
O último grupo é o dos escravos, que representavam um grande segmento da igreja
primitiva. A responsabilidade de Tito era fazer deles uma vitrina do cristianismo por
meio de submissão, respeito e honestidade (2.9-10).
Tal tarefa parecia tão monumental que Paulo inseriu um parágrafo inteiro resumindo
a motivação e a capacitação divina para realizá-la, a saber, a graça abrangente de Deus
que salva o homem do pecado, ensina-o a renunciar ao pecado, e faz que ele espere pela
redenção completa na vinda futura de nosso Deus e Salvador, Jesus Cristo.266
A última parte dessa divisão lida com o dever de Tito na preparação dos crentes para
viverem vidas maduras na sociedade (3.1-11). Esse estilo de vida é definido em 3.1-2 e
pode ser resumido pela palavra ―moderação‖. A base para tal estilo de vida, novamente,
é a incomparável atividade salvadora de Deus. A Sua salvação, operada em nós pela

266
Um caso claro da regra Granville-Sharp, um artigo com dois nomes próprios ou títulos
[Θεόρ, ςψσήπ], esse versículo sustenta a doutrina da divindade de Cristo.
regeneração e renovação produzida pelo Espírito Santo,267 livrou os crentes das garras
do pecado e da concupiscência (3.3), oferecendo uma posição de justiça diante de Deus
(δικαιψθένσερ dikaiōthentes) e esperança de vida eterna (3.7). A resposta adequada a
tal dádiva, resposta que Tito deveria enfatizar adequadamente (διαβεβαιοῦςθαι
diabebaiousthai), seria intensa dedicação à prática de boas obras (um tremendo
contraste com o estilo de vida assumido pelos cretenses; cf. 1.12).
Um último fator que Tito precisava enfrentar era a presença de falsos mestres entre o
povo. Contra estes ele precisaria usar seu mandato apostólico e a provisão disciplinar
estabelecida pelo próprio Senhor (cf. Mt 18.15-19). A fim de alcançar o objetivo
paulino de produzir igrejas maduras, Tito teria que: (1) recusar a tática deles de
introduzir debates aparentemente teológicos e assim causar divisões sobre detalhes do
Antigo Testamento (3.9), e (2) excomungar vigorosamente aqueles que recusassem a
correção (3.10-11).
A última divisão da carta serve para informar Tito quanto aos planos futuros de
Paulo, que incluíam a retirada dele da tarefa em Creta, com sua substituição por
Ártemas ou Tíquico, e sua remoção a Nicópolis, onde ele encontraria Paulo em questão
de meses (3.12). O ministério itinerante de Zenas (provavelmente um perito em Lei
Mosaica) e Apolo (um excelente orador) foi, sem dúvida, projetado por Paulo para
proteger os cristãos cretenses ainda mais contra os judaizantes. Também serviu o
propósito prático de desafiar as igrejas cretenses a se envolverem ativamente no
ministério, ―fazendo o bem‖ e levando vidas produtivas (3.13-14).
A carta se encerra com saudações dos companheiros de Paulo (anônimos aqui) e sua
bênção costumeira (3.15).

ESBOÇO SINTÉTICO
Mensagem
O estabelecimento de igrejas maduras, nas quais a doutrina é confirmada pela
vida, depende da presença ativa de liderança espiritualmente qualificada e da
prática de boas obras por parte de cada crente por meio da graciosa capacitação
de Deus.
I. A saudação de Paulo revela sua atitude quanto ao ministério e sua apreciação por Tito
(1.1-4).
A. A saudação de Paulo revela a sua atitude quanto ao ministério (1.1-3).
1. A posição de Paulo era tão humilde quanto a de um escravo e tão altiva quanto a de um
embaixador (1.1a).
2. A missão de Paulo era promover a fé e o conhecimento prático da verdadeira piedade
entre os eleitos (1.1b).
3. A base para o ministério de pregação de Paulo são a fidedignidade e a soberania de Deus
(1.2-3a).
4. O papel de Paulo era ser um arauto, comandado pelo Deus Salvador (1.3b).
B. A saudação de Paulo revela a sua apreciação por Tito (1.4).
1. Tito é um genuíno discípulo no elo de fé entre eles (1.4a).

267
Esta passagem anda de mãos dadas com Ezequiel 36 e Jeremias 31 e liga a atual experiência
da salvação cristã com as bênçãos prometidas na Nova Aliança.
2. A Tito, Paulo deseja graça e paz divinas (1.4b).
II. O estabelecimento de igrejas maduras nas quais a doutrina é confirmada pela vida
depende da presença ativa de liderança espiritualmente qualificada (1.5-16).
A. As responsabilidades de Tito em Creta são definidas como o aperfeiçoamento das igrejas
e a indicação de liderança qualificada segundo o plano de Paulo (1.5).
B. Os homens a serem indicados como presbíteros em Creta precisam ser espiritualmente
maduros, socialmente equilibrados e doutrinariamente sãos (1.6-9).
1. Presbíteros devem ser espiritualmente maduros (1.6-7).
• Precisam ter reputação irrepreensível (1.6a).
• Precisam ser exemplo de fidelidade conjugal (1.6b).
• Precisam ter filhos obedientes (1.6c).
• Precisam estar acima de qualquer repreensão porque são despenseiros de Deus (1.7a).
• Precisam ser humildes (1.7b).
• Precisam ser mansos (1.7c).
• Precisam ser moderados (1.7d).
• Precisam ser pacíficos (1.7e).
• Precisam ser honestos (1.7f).
2. Presbíteros precisam ser socialmente equilibrados (1.8).
• Precisam ser hospitaleiros (1.8a).
• Precisam ser estimuladores à boa conduta (1.8b).
• Precisam ser sensíveis (1.8c).
• Precisam ser justos (1.8d).
• Precisam ser santos em sua conduta (1.8e).
• Precisam ter domínio de si (1.8f).
3. Presbíteros precisam ser doutrinariamente sãos (1.9).
• Precisam estar absolutamente convencidos da mensagem do evangelho (1.9a).
• Precisam ser capazes de estimular os crentes e refutar os opositores com a doutrina que
conhecem e em que crêem (1.9b).
C. A missão dos presbíteros em potencial é refutar eficazmente as doutrinas de falsos
mestres e confrontar o erro para que os crentes sejam sadios em sua crença (1.10-16).
1. A missão dos presbíteros em potencial é refutar eficazmente as doutrinas de falsos
mestres que tiram proveito do caráter falho dos cretenses (1.10-13a).
• A natureza da missão dos presbíteros seria de oposição a pessoas rebeldes e enganosas que
promoviam doutrinas judaizantes (1.10).
• A urgência da missão dos presbíteros jazia no fato de que famílias inteiras estavam sendo
desviadas por falsos mestres gananciosos (1.11).
• A dificuldade da missão dos presbíteros jazia no caráter falho dos cretenses (1.12-13a).
2. A missão dos presbíteros em potencial é de confrontar o erro para que os crentes sejam
sadios em sua crença (1.13b-16).
• O alvo da missão de confrontação dos presbíteros é levar os crentes a descartar a lealdade
aos judaizantes e suas doutrinas (1.13-14).
• O padrão para a missão dos presbíteros é a liberdade cristã que os hereges profanos negam
e distorcem em suas vidas inúteis, inconsistentes com a sua profissão de fé (1.15-16).
III. O estabelecimento de igrejas maduras, nas quais a doutrina é confirmada pela vida,
depende da prática de boas obras por parte de cada crente por meio da graciosa
capacitação de Deus (2.1–3.11).
A. O dever de Tito é traduzir a doutrina sadia para a prática sadia nas vidas de grupos
diferentes na igreja cretense por meio do ensino e do exemplo (2.1-10).
1. O dever de Tito é ensinar segundo a sã doutrina (2.1).
2. O alvo do ministério de Tito para homens mais velhos era de fazer deles exemplos
morais e espirituais (2.2).
• Ao tornarem-se moderados.
• Ao tornarem-se sóbrios.
• Ao tornarem-se disciplinados.
• Ao tornarem-se piedosos por meio da confiança em Deus, do amor pelas pessoas e da
esperança perseverante.
3. O alvo do ministério de Tito para mulheres mais velhas era fazer delas discipuladoras de
mulheres mais jovens (2.3-5).
• Mulheres mais velhas devem ser levadas à maturidade espiritual (2.3).
- Evitando, assim, a fofoca.
... e o apego ao vinho,
... e transformando-as em mestras do bem.
• Mulheres mais velhas devem se tornar discipuladoras de mulheres mais jovens para que
elas sejam um exemplo do evangelho... (2.4-5).
... amando suas famílias,
... sendo sensíveis e puras,
... sendo diligentes no lar,
... sendo bondosas,268
... sendo submissas aos seus maridos.
4. O alvo do ministério de Tito para homens mais jovens era estimulá-los a uma vida de
domínio próprio que silenciaria a oposição, tornando-os exemplos de conduta e palavra
(2.6-8).
5. O alvo do ministério de Tito para os escravos era fazer deles vitrinas de doutrina cristã ao
serem... (2.9-10).
... completamente submissos aos seus mestres,
... respeitosos,
... honestos e fidedignos.
B. A motivação e capacitação de Tito para o ministério eram a disponibilidade e o poder
transformador da graça divina oferecida por meio do sacrifício de Jesus Cristo (2.11-
14).
1. A divina graça salvadora se fez disponível a todos os homens (2.11).
2. A divina graça salvadora capacita os crentes a renunciarem o mal e viverem vidas
piedosas (2.12-14).
• Ela capacita os crentes a renunciarem ao mal (2.12a).
• Ela capacita os crentes a viverem vidas piedosas… (2.12b-14).
… sendo moderados, justos e tementes a Deus (2.12b),
… mantendo viva a esperança na volta de Cristo (2.13),
… tornando-se puros e zelosos na prática do bem como povo purificado de Deus (2.14).
3. A obrigação de Tito era ensinar, estimular e confrontar fielmente e com autoridade o seu
povo com doutrina apostólica (2.15).
C. O dever de Tito é preparar os crentes a viver vidas excelentes e proveitosas na sociedade,
à luz da misericórdia de Deus em suas vidas (3.1-8).
1. O dever de Tito é relembrar aos crentes o estilo de vida que Deus espera deles na
sociedade (3.1-2).
• Os crentes devem ser submissos às autoridades (3.1a).
• Os crentes devem estar prontos a fazer o bem aos outros (3.1b).

268
A palavra grega ἀγαθάρ não se encontra na maioria dos manuscritos.
• Os crentes não devem caluniar (3.2a).
• Os crentes devem ser pacíficos (3.2b).
• Os crentes devem ser longânimos (3.2c).
• Os crentes devem ser humildes (3.2d).
2. O dever de Tito é motivar os crentes a um estilo de vida excelente e proveitoso tendo em
mente a transformação não merecida que o amor de Deus operou na vida deles (3.3-8).
• A antiga vida dos crentes era maculada pelo pecado como a sociedade é agora (3.3).
- Eles eram insensatos (3.3a).
- Eles eram desobedientes (3.3b).
- Eles eram facilmente enganados (3.3c).
- Eles eram escravizados por concupiscências e prazeres pecaminosos (3.3d).
• A salvação graciosa e vivificadora de Deus foi dada generosamente para produzir um
povo que será dedicado à prática do bem por causa da sua justificação e esperança de
vida eterna (3.4-8).
- O Filho de Deus é a fonte da salvação que nos vivifica (3.4).
- A misericórdia de Deus é a base da salvação que nos vivifica (3.4-5a).
- O Espírito de Deus é o agente da salvação que nos vivifica (3.5b-6).
- A justificação pela graça de Deus e a esperança da vida eterna são o conteúdo da salvação
que nos vivifica (3.7).
- Boas obras condizentes com a nossa fé são o resultado da salvação que nos vivifica (3.8).
D. O dever de Tito é proteger a igreja da fé vazia rejeitando debates infrutíferos e lançando
fora falsos mestres que provocam divisão (3.9-11).
1. O dever de Tito é proteger a igreja da fé vazia rejeitando debates infrutíferos… (3.9).
… sobre genealogias do Antigo Testamento (3.9a);
… sobre detalhes rabínicos quanto à interpretação da Lei (3.9b).
2. O dever de Tito é proteger a igreja da fé vazia lançando fora falsos mestres que provocam
divisão (3.10-11).
• Falsos mestres que provocam divisões devem ser tratados segundo a regra de Cristo para a
disciplina na igreja (3.10-11).
• O motivo para expulsar tais indivíduos é seu estilo de vida deturpado, evidente na forma
deles recusarem a correção (3.11).
IV. Informação – Os planos de Paulo para Tito são brevemente esboçados (3.12-14).
A. Tito devia encontrar Paulo em Nicópolis depois de ser substituído em seus deveres por
Ártemas ou Tíquico (3.12).
B. Tito devia usar o ministério de Zenas e Apolo em Creta como uma oportunidade para os
crentes cretenses praticarem boas obras ao receberem bem esses verdadeiros mestres
(3.13-14).
V. Trocam-se saudações e deseja-se graça a todos [que lêem ou ouvem a carta] (3.15).
O argumento de
FILEMOM
Questões introdutórias
TÍTULO
O título grego para esta que é a menor das epístolas de Paulo era ΠΡΟ΢ ΥΙΛΗΜΟΝΑ,
indicando o nome do seu primeiro destinatário.269
AUTORIA E DATA
Não há quase nenhuma dúvida quanto à autoria paulina de Filemom. Apesar de sua
natureza pessoal, esta epístola aparece nos primeiros cânones como o Fragmento
Muratoriano e o Apostólicon, de Marcion. Algumas dúvidas foram consideradas no
quarto século, pela razão de que a espístola não contém ensino doutrinário específico,
porém foi defendida por Jerônimo, Crisóstomo, e Teodoro de Mopsuéstia.270
No século XIX a escola de Tübingen subjetivamente atribuiu esta epístola ao
segundo século, já que ela lidava com a questão da escravatura no contexto da Igreja,
mas principalmente pelas suas associações com a epístola aos Colossenses, a qual eles
consideravam pós-paulina.271
A evidência interna claramente indica Paulo como o autor ao identificá-lo como tal
(1, 9, 19), e ao mencionar vários dos seus associados também citados em Colossenses e
no livro de Atos (23-24; cf. Cl 4.10-17).
A data da epístola caminha lado a lado com a data já proposta e defendida quanto à
epístola aos Colossenses (veja o argumento de Colossenses na p. 375).
Consequentemente, Filemom foi escrita de Roma, para onde Onésimo teria fugido após
prejudicar e roubar seu senhor, Filemom.
Duas considerações internas prestam apoio à hipótese de uma origem romana:
Primeiro, algum tempo deveria ter se passado desde a conversão de Filemom
(provavelmente durante a visita de Paulo a Éfeso) e seu importante papel como líder e
hospedeiro da igreja (2); segundo, Paulo se designa ππεςβύσηρ presbutēs (9), o que se
encaixa melhor com uma data posterior para a epístola. Portanto, Filemom é datada por
volta do outono de 61, por volta da metade da primeira prisão de Paulo em Roma.272
OCASIÃO
O conteúdo da carta oferece um retrato claro das circunstâncias nas quais ela foi
escrita. Onésimo, um dos escravos de Filemom, fugira da casa de seu senhor em
Colossos depois de roubá-lo (15-16, 18). Após sua chegada a Roma, Onésimo de
alguma forma encontrou o apóstolo Paulo e se converteu. Por algum tempo ele prestou
serviço valioso a Paulo (10,11) e demonstrou desejo de retornar ao seu senhor.

269
Há evidência de que outras pessoas eram destinatárias nos versículos 1, 2, e 25. John
Knox desenvolveu uma teoria de que Arquipo teria sido o dono do escravo fugido Onésimo, e o
destinatário principal numa petição para confiar Onésimo permanentemente ao serviço de
Paulo. Apesar de criativa e complicada, esta teoria não foi aceita pelos eruditos (cf. D. Guthrie,
New Testament Introduction, pp. 635-637).
270
J. B. Lightfoot, Saint Paul’s Epistles to the Colossians and Philemon, pp. 314-315).
271
D. E. Hiebert, An Introduction to the New Testament, 2:242.
272
Harold W. Hoehner, “A Chronology of the Life of Paul”. Notas de aula de 311 Bible
Chronology, Seminário Teológico de Dallas, 1988.
A par de toda a situação, Paulo agora escreve a outro de seus convertidos, Filemom,
explicando a situação e pedindo, com base no amor cristão (e seu próprio papel de pai
espiritual), que Filemon recebesse de volta o seu escravo fugido como irmão, em vez de
sujeitá-lo à pena de morte, comum entre os romanos.273 Conforme um costume secular,
Paulo propõe que reparações fossem feitas, não por Onésimo, mas pelo próprio Paulo
quando chegasse a Colossos (17-19).
CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS
Esta breve epístola é cheia de peculiaridades emocionais do apóstolo Paulo. Seu
coração compassivo, seu senso de humor, seu tato (nem sempre demonstrado em outras
epístolas do Novo Testamento) e cortesia.
O apelo de Paulo é organizado da forma expressa pelos autores e oradores da Roma
antiga. Os versículos 4-9 estabelecem relacionamento com os leitores; os versículos 10-
19 os persuadem intelectualmente; e os versículos finais, 20-24, apelam para as
emoções. Hiebert oferece como modelo de comparação uma das cartas de Plínio, o
moço, a um certo Sabiniano, que também fora prejudicado por um escravo.274 Apesar do
formato ser semelhante, Filemom deixa transparecer uma atitude diferente, onde
vingança futura e punição não são mencionadas, e amor, em vez de conveniência, é a
razão maior para perdão e restauração.
Argumento Básico
PROPÓSITO
Quase não há qualquer dúvida quanto ao propósito imediato de Filemom. Paulo quer
que seu amigo e filho na fé, Filemom, demonstre amor cristão perdoando a ofensa de
seu escravo fugido Onésimo, por amor a Paulo, com base em seus laços fraternos no
evangelho de Cristo Jesus.
No entanto, pode ser que alguém faça especulação quanto a um propósito subjacente
ao Sitz im Leben da carta. Nenhum dos escritos do Novo Testamento condena
abertamente a escravatura e esta é uma degradação horrível da dignidade humana;
apesar disso, as prescrições tanto de Paulo como de Pedro impõem aos senhores de
escravos cristãos padrões tão altos que fazem a abolição parecer quase óbvia, sem
contudo jamais mencionar as palavras ―alforria‖ ou ―revolta‖.
Filemom, de todos os escritos paulinos, tão pessoal mas também investido de
autoridade apostólica, é o que chega mais perto de sugerir abolição. Rupprecht escreve:
Filemom não deve obrigação ao apóstolo. Ele deve ser motivado pelo amor de Cristo
brotando em seu interior. Disso, Paulo sugere, deve vir mais que reconciliação, sabendo
que farás ainda mais do que eu te peço (v. 21). A libertação dos escravos, como
qualquer libertação, deve vir do coração de homens inspirados por Cristo. Sob esta
compulsão, a escravatura deve finalmente murchar e morrer ... Mesmo que todo
comportamento cristão deva surgir do amor, em vez de regras e constrangimento,
apenas discípulos plenamente compromissados conseguem colocá-los em prática.275
À luz dessas observações, este autor propõe que a espístola de Filemom tinha o
seguinte propósito:
Encorajar a aplicação completa do princípio de igualdade dos irmãos em Cristo
por meio do perdão de Onésimo, o escravo, por Filemom, um senhor de escravos.
DESENVOLVIMENTO

273
Lightfoot, Colossians and Philemon, p. 312.
274
Hiebert, Introduction, 2:246-7.
275
Arthur A. Rupprecht, “Philemon,” EBC 11:457.
A saudação paulina normal, Graça e Paz (3), é precedida por sua introdução como
um δέςμιορ desmios de Jesus Cristo (1), que pode ter servido como um meio inicial de
abrandar o coração de Filemom para o assunto delicado da epístola.
Timóteo junta-se a Paulo em seu apelo como testemunha a favor de Paulo, enquanto
Áfia (provável esposa de Filemom) e Arquipo (tradicionalmente identificado como seu
filho),276 assim como a igreja que se reunia em sua casa, σῇ κασ᾿ οἶκόν ςοτ ἐκκληςία tē
kat ’oikon sou ekklēsia (2), servem como testemunhas (e motivadores adicionais) sendo
também destinatários da correspondência.
Como antes mencionado, Paulo usa os versículos 4 a 9 para estabelecer harmonia
com seu (s) leitor (es). Primeiro Paulo o faz expressando sua gratidão pelos excelentes
relatórios por ele recebidos (ἀκούψν akouōn) sobre a fé e o amor de Filemom, sua fé
pessoal em Jesus e sua dedicação prática àqueles que a Ele pertencem (4-5).
A oração de Paulo é que essa dedicação cresça,277 para que também cresça em
Filemom o desfrute das bênçãos de Cristo. Este é mais um encorajamento para Filemom
aceder ao pedido de Paulo, já que o perdão a Onésimo seria um exemplo sublime do
reconfortante (ςπλάγφνα splanchna), contagiante amor que Filemom demonstrara até
então.
Mesmo que o pedido em si comece no versículo 8, Paulo ainda usa dois versículos
nesta seção, para alavancar sua proposta. no versículo 8 ele descarta sua autoridade
(παππηςία parrēsia) enquanto indica que o seu iminente pedido é uma obrigação moral
(ἀνῆκον anēkon). Em seguida, porém, no versículo 9, ele ressalta sua dupla condição
de idoso e prisioneiro por amor a Cristo. Tudo isso não significa que Paulo esteja
tentando manipular Filemom. Conhecendo a delicada situação de Onésimo, ele coloca
as cartas na mesa e apela com base no amor sacrificial (ἀγάπη agapē).
O propósito de Paulo ao encorajar a aplicação plena do princípio da igualdade entre
irmãos em Cristo, leva-o a descrever o novo Onésimo como um filho (σέκνον
teknon)278 cujo nascimento espiritual acontecera durante a prisão de Paulo (10). Além
disso, ele descreve a mudança de caráter que marcou a conversão de Onésimo. Ao usar
paronomásia e assonância, Paulo tece o conceito de Cristo (Φπιςσόρ christos)
transformando Onésimo (um nome grego comum que significa ―útil‖) de um indivíduo
inútil (ἄφπηςσορ achrēstos) para útil (εὔφπηςσορ euchrēstos) (11). A medida da afeição
de Paulo por Onésimo se vê na descrição metonímica do escravo como seu próprio
ςπλάγφνα splanchna (ventre ou entranhas, 12).
A cuidadosa persuasão de Paulo continua com seu próprio papel no caso. No
versículo 13 Paulo indica seu desejo de manter Onésimo consigo para servi-lo,279 o que,
276
Lightfoot, Colossians and Philemon, p. 308, citando Teodoro de Mopsuéstia.

277
Não existe um verbo propriamente dito no versículo 6, mas a presença de ὅπψρ hopōs
indica que um verbo de oração está subentendido.
278
Este é o termo favorito de Paulo para seus convertidos e discípulos; é como ele designa
Timóteo (1Tm 1.2) e Tito (Tt. 1.4).
279
Este versículo tem sido usado por teólogos conservadores para ilustrar a doutrina da
expiação substitutiva de Jesus, à vista do seu uso claro da preposição ὑπέπ huper para indicar
“no lugar de”, reagindo assim à idéia apresentada por teólogos liberais de que esta palavra
significa apenas “em favor de” ou “em benefício de”.
pela lei romana, ele tinha direito de fazer, desde que ele tivesse dado garantia a um
oficial público de que o escravo fugido fosse devolvido após algum tempo.280
Isto abre caminho para sua prova de boa fé quanto a Filemom, demonstrada no
versículo 14, ao declarar que ele não quisera confrontá-lo com um fato consumado, mas
decidira submeter toda a situação ao seu amigo.
O toque final desse apelo está nos versículos 15-16 quando Paulo sugere que a
vontade soberana de Deus está por trás deste duplo benefício oferecido a Filemom, um
escravo melhor por muito mais tempo, com a vantagem espiritual de partilhar
fraternidade em Cristo com Onésimo. A expressão ἐν ςαπκί en sarki pode sugerir
igualdade baseada na condição humana (um notável conceito para aquela época), mas
pode ser uma simples distinção entre o secular e o espiritual, como observado por
Lightfoot.281
A essência do pedido se encontra em 17-21, e inclui: (a) o recebimento de Onésimo
desfrutando do mesmo status de Paulo (17), baseado em sua ―parceria‖ em Cristo (cf.
6); (b) o lançamento da dívida de Onésimo na conta de Paulo(18);282 (c) a garantia
pessoal de Paulo quanto à quitação da dívida (19);283 (d) o pedido de que Filemom
fizesse por ele aquilo pelo que era conhecido, reanimar seus irmãos espiritual e
emocionalmente (cf. o uso de ἀναπαύψ anapauō nos versículos 7 e 20); e (e) a
expressão confiante de Paulo de que Filemom superaria aquele pedido.
Esta última parte do pedido de Paulo é equivalente a um pedido de alforria para um
leitor cuidadoso, mas é tão cuidadosamente expressa que nem mesmo um oficial
romano conseguiria detectar nele qualquer ameaça de rompimento da fibra social do
Império.
A conclusão de Paulo fornece mais um incentivo sutil à aquiescência ao seu pedido,
já que expressa seu desejo e expectativa em logo visitar Filemom (22). As saudações
dos auxiliares em Roma (23-24) são seguidas de sua bênção habitual, invocando graça
messiânica sobre seus leitores (cf. o genitivo plural ὑμ῵ν humōn).

ESBOÇO SINTÉTICO
Mensagem
O amor de Deus no evangelho quebra barreiras sociais e falhas pessoais,
fornecendo plena aceitação nos laços fraternos.
I. Saudação – O desejo de Paulo é que Filemom e sua casa experimentem graça e paz de
Deus em Cristo (1-3).
A. Os autores são Paulo e Timóteo (1).
B. Os destinatários são Filemom e sua casa (2).

280
Rupprecht, “Philemon,” EBC, 11:460.
281
Lightfoot, Colossians and Philemon, p. 343. Citando Meyer, “na primeira carta Filemom
tinha um irmão como escravo; na segunda ele tinha um escravo por irmão.”
282
Este pedido comovente retrata o fato da imputação, em que nossa dívida para com Deus
é assumida por Jesus Cristo e Sua posição privilegiada é imputada aos que nEle crêem.
283
Paulo mais uma vez impele Filemom a aceder, lembrando-lhe o quanto devia
espiritualmente ao seu amigo.
C. O desejo é que eles desfrutem da graça de Deus (3).
II. Ações de Graças – O caráter e comportamento de Filemom no Evangelho são motivo da
gratidão e intercessão de Paulo diante de Deus (4-7).
A. A gratidão de Paulo quanto a Filemom é constante (4).
B. As razões para a gratidão de Paulo são o amor e a fé em Cristo demonstrados por
Filemom (5).
C. A intercessão de Paulo por Filemom é que seu constante comportamento cristão lhe
proporcione maior desfrute das bênçãos de Cristo (6).
D. A reação de Paulo ao ministério compassivo de Filemom é de alegria e encorajamento
(7).
III. Apelo – A intervenção soberana e transformadora de Deus na vida do escravo
anteriormente inútil de Filemom constrange-o a receber e restaurar Onésimo além dos
limites do status social, com base no amor cristão (8-21).
A. As circunstâncias do retorno de Onésimo a Filemom foram controladas por Deus para o
benefício de todos os envolvidos (8-16).
1. A posição de Paulo em Cristo o intitula a ir além do pedido que ele pretende apresentar
(8-9).
2. A condição e caráter de Onésimo foram mudados como resultado de sua exposição ao
evangelho por Paulo (10-11).
3. A devolução de Onésimo por Paulo revela suas boas intenções e confiança às quais
Filemom deve responder com amável boa vontade (12-14).
• A ação de Paulo reflete sua disposição em sofrer perda por amor a outros (12).
• O desejo de Paulo era de ter Onésimo como cooperador no evangelho (13).
• O exemplo de Paulo é de sacrificar seu desejo para dar a Filemom a oportunidade de fazer
a escolha certa (14).
4. A percepção de Paulo quanto à situação é de que Deus coordenou soberanamente as
circunstâncias para maior ganho de Filemom (15-16).
• A perda temporária levará à possessão permanente (15).
• O distanciamento anterior dará lugar à comunhão próxima em Cristo (16).
B. O pedido de Paulo a Filemom por misericórdia para com Onésimo tem em vista a
restauração do escravo às custas de Paulo (17-21).
1. A participação de Filemom no Evangelho é o contexto para o pedido de Paulo em favor
de Onésimo (17).
2. A garantia amorosa de Paulo é de que ele assumirá a dívida de Onésimo para com
Filemom (18-19).
3. A expectativa de Paulo é de que a reação de Filemom alegraria seu coração além do que
esperava (20-21).
4. O pedido pessoal de Paulo a Filemom, de que este esteja pronto para sua visita,
acrescenta firme prazo para que seu pedido seja correspondido (22).
IV. Conclusão – Paulo transmite saudações de seus cooperadores e clama pela graça de
Cristo sobre seus leitores (23-25).
O argumento de
HEBREUS
Questões introdutórias
TÍTULO
O título grego para esta epístola é ΠΡΟ΢ ἗ΒΡΑΙΟΤ΢, indicando a crença da igreja
antiga quanto ao grupo para o qual ela foi originalmente enviada, uma comunidade
predominantemente composta de crentes judeus. Esta tradição remonta pelo menos ao
último quarto do século II, pois esse título aparece na maioria dos manuscritos do Novo
Testamento, e a carta é desta forma designada pelos primeiros escritores cristãos.
AUTORIA
A autoria de Hebreus permanece como o segredo mais bem guardado nos estudos do
Novo Testamento. Apesar das inúmeras tentativas no decorrer da História, a afirmação
de Orígenes permanece verdadeira e aplicável hoje: ―Somente Deus sabe quem escreveu
Hebreus‖.284
No Oriente, inicialmente em Alexandria, a epístola foi atribuída a Paulo por volta da
metade do século II pelo venerável Panteno, o predecessor de Clemente. Orígenes,
conquanto reconheça a presença de conceitos paulinos, argumenta que o estilo de escrita
não é paulino. Sua própria opinião era de que Hebreus foi escrito por um discípulo de
Paulo, empregando o material compilado por ele acerca das pregrações de Paulo.285
No Oriente, encontramos a epístola citada como autorizada por Clemente de Roma,
por volta de a.D. 95, em sua primeira carta aos Coríntios. Ela também é utilizada em O
Pastor de Hermas (c. 115-140). Sua ausência no Cânon Muratoriano não diminui sua
autenticidade, uma vez que aquele documento, embora importante, não é completo.
Tertuliano (c. 150-220) foi o primeiro escritor ocidental a citar o livro (apenas uma
vez), e atribuiu-o a Barnabé.286 A ausência de certeza com relação à autoria no Oriente
manteve a epístola numa espécie de limbo canônico (ela foi omitida no cânon africano
mais recente, também chamado de Cheltenham, a.D. 360) até a época de Hilário de
Poitiers, Jerônimo e Agostinho, ao final do século IV.
No Ocidente, entretanto, a tradição de uma autoria paulina a colocou entre as
epístolas paulinas em vários manuscritos antigos.287
Tentativas mais recentes com relação à identificação do autor incluem Apolo, Lucas,
Barnabé, Clemente de Roma, Silas, Filipe o evangelista, e Priscila (com ou sem a ajuda
de seu marido Áquila). Cada uma das tentativas anteriores (incluindo a de Paulo) possui
seus pontos fortes e suas fraquezas. Bons tratamentos do assunto podem ser encontrados
em várias introduções e comentários acerca de Hebreus.288

284
Mencionado por Eusébio, História Eclesiástica, 6.25.11-14.
285
Donald Guthrie, New Testament Introduction, p. 686.
286
De pudicitia, 20. T. Zahn (Introduction to the New Testament, 2:295, 310) fornece
evidência de que Ireneu (c. 130-202) já tinha usado Hebreus, considerando-a não-paulina.
287
Guthrie, Introduction, p. 686.
288
Dentre outros estão D. E. Hiebert, An Introduction to the New Testament, 3:71-81; D.
Guthrie, New Testament Introduction, pp. 685-698; Leon Morris, Douglas Moo e Donald
Carson, Introdução ao Novo Testamento, pp. 437-440, e F. F. Bruce, The Epistle to the Hebrews,
Edição Revisada NICNT, pp. 14-22 (Bruce oferece bom material sobre fontes primárias). Para
Evidências internas sugerem que o autor, quem quer que seja, desfrutava de
autoridade na igreja apostólica, era bem conhecido de seus leitores (uma vez que não
existem alegações de autoridade ou indicação de nome), e possuía um profundo
conhecimento do Antigo Testamento. Este escritor vê Barnabé como a escolha menos
problemática, pois ele poderia se encaixar em ambas as descrições de Hebreus 2.3 (não
sendo uma testemunha ocular do ministério de pregação de Cristo, embora
possivelmente sendo uma testemunha de Sua ressurreição), e a exigência de um
conhecimento extensivo do Antigo Testamento (ser um levita da Diáspora [Chipre], e,
portanto, mais familiarizado com a Septuaginta, que o autor usa exclusivamente para
citações do Antigo Testamento).
Em última análise, a questão da autoria não é crucial; Guthrie afirma corretamente
que associar a carta a qualquer pessoa ―não afetará materialmente nossa compreensão
do pano de fundo histórico.‖289 Embora sua canonicidade em certos segmentos da Igreja
possa ter sido atribuída a uma suposição não comprovada da autoria paulina, Bruce
comenta apropriadamente que ―em última análise é bom que a canonicidade e autoria
sejam distinguidas uma da outra pelo reconhecimento do direito que uma obra anônima
tem de figurar no Novo Testamento por causa de sua qualidade essencial‖.290 Calvino,
embora negando a autoria paulina, afirma em sua introdução ao seu comentário acerca
de Hebreus: ―Classifico-a sem hesitação entre os escritos apostólicos‖ - ―apostólico‖ em
doutrina e autoridade, ainda que não em autoria.
DATA
A data de Hebreus é praticamente o único elemento que tem um grau considerável de
certeza em toda discussão introdutória. Uma vez que a carta foi obviamente utilizada
por Clemente de Roma por volta do ano 95, ela não poderia ter sido escrita depois disso.
A evidência interna leva a carta para uma data mais recuada, uma vez que referências
ao sistema sacrificial (7.8; 8.4; 10.1) sugerem que os sacrifícios judaicos ainda
estivessem sendo utilizados. Além do mais, a ausência de referências à destruição do
Templo sugere que o mesmo ainda estava em pé quando a epístola foi composta. Seria
difícil imaginar que um argumento poderoso como este para a superioridade do
cristianismo fosse deixado de fora pelo autor de Hebreus, caso pudesse ser usado.
A referência a Timóteo pode ser indicação de uma origem romana. Supõe-se que ele
tenha respondido ao apelo de Paulo para vir a Roma antes da morte do apóstolo e
acabou como prisioneiro também (13.23). A referência em 12.4: Na luta contra o
pecado, vocês ainda não resistiram até o ponto de derramar o próprio sangue, sugere
que outros já o tinham feito, sugerindo assim uma data após o início da perseguição de
Nero (supondo-se origem romana).
O sentimento de urgência pressuposto em 10.25, καί σοςούσῳ μᾶλλον ὅςῳ βλέπεσε
ἐγγίζοτςαν σήν ημέπαν (kai tosoutō mallon hosō blepete eggizousan tēn hēmeran), de
fato sugere uma data próxima ao julgamento de a.D. 70, quando a nação e o sistema
religioso de Israel foram eliminados pelos romanos.
PÚBLICO ALVO
Apesar do título tradicionalmente consagrado ―Aos Hebreus‖, o texto da carta não
designa os leitores, quer como judeus ou gentios. A evidência interna, é verdade, sugere
fortemente que os recipientes eram crentes de ascendência judaica.

um bom resumo dos argumentos prós e contras de cada “autor” veja H. Wayne House, O Novo
Testamento em Gráficos, pp. 138-142.
289
Donald Guthrie, “Epistle to the Hebrews” em ISBE, 2:667.
290
F. F. Bruce, “Hebrews” em ZPEB, 3:93.
Alguns acham que as referências ao sistema sacrificial apontam para Jerusalém como
destino; entretanto, os pontos destacados pelo autor via de regra têm como referencial o
Tabernáculo, e não o Templo (9.1). Além disso, estes destinatários pertenciam ao grupo
que contribuía no esforço cristão de ajuda aos necessitados (6.10; 10.34), em contraste
com a pobreza muito bem comprovada da igreja na Judéia.
Reconhecendo sua dívida para com William Manson,291 F. F. Bruce propõe Roma
como o local de destino da carta. Os três motivos principais são citados: a carta aos
Hebreus foi citada por Clemente de Roma no ano de 95; a saudação em 13.24; e
referências no livro que se adequam às circunstâncias. Assim sendo, a perseguição de
10.32ss., que não envolveu martírio, está relacionada com a expulsão dos judeus de
Roma no ano 49, implementada por Cláudio (Atos 18.2). Hebreus 12.4 indicaria então
uma data anterior ao ano 64, quando houve a perseguição de Nero.292 Entretanto,
conforme Guthrie reconhece, as alusões podem ser explicadas com base em outros
destinos, e Hebreus 2.3 é um problema, porque diz que os leitores foram ensinados por
testemunhas oculares.293
Este escritor possui uma preferência da sugestão de Zane Hodges de que uma
comunidade cristã judaica em Cirene, África do Norte, foi o destino da carta.294 Pessoas
de Cirenaica estiveram presentes no evento de Pentecostes, e desta forma poderiam ter
ouvido a mensagem de ―testemunhas oculares‖ (2.3); cireneus estavam presentes nas
primeiras fases da proclamação cristã na Palestina (Atos 13.1), desta forma permitindo
um contato entre a cidade e Barnabé, um dos candidatos mais fortes para a autoria do
livro. Por fim, caso as alusões constantes à experiência de Israel no deserto tenham algo
a dizer acerca da determinação do pano de fundo histórico dos destinatários, Cirene (ou
qualquer localidade no norte da África) se encaixaria muito bem.295 A história, pelo
menos, demonstra que o povo do norte da África possuía uma tendência a uma retirada
ascética da civilização, tornando assim mais provável esta proposta.296
Argumento básico
PROPÓSITO

291
William Manson, The Epistle to the Hebrews. F. F. Bruce, “Recent Contributions to the
Understanding of Hebrews” The Expository Times 80 (1969): 260-261.
292
F. F. Bruce, “Hebrews” em ZPEB 3:88.. Veja também William Lane, Hebrews, pp. 20-25,
para uma reconstrução vívida do cenário. Sob a perseguição de Nero, a condição romana para
se libertar um preso era uma negação pública de Cristo, e o autor procurou encorajar estes
cristãos judeus a aceitar “o preço do discipulado” permanecendo firmes em sua fé, alertando-
os do perigo de permanecerem imaturos.
293
Donald Guthrie, “Hebrews” em ISBE, 2:667.
294
Zane C. Hodges, “Hebrews”, The Bible Knowledge Commentary - New Testament Edition,
p. 779.
295
Esta idéia incorpora a possibilidade de que os leitores foram de alguma forma influenciados
pela teologia de Qumran, conforme defendido por C. Spicq (L’êpitre aux Hebreux 1:242ss.), Y.
Yadin (“The Dead Sea Scrolls and the Epistle to the Hebrews”, Scripta Hyerosolymitana 4
[1958]:36-55.), e sugerido por Hodges (The Bible Knowledge Commentary, New Testament
Edition, p. 779).
296
Guthrie, Introduction, p. 715, apresenta uma gama de outras sugestões.
As opiniões variam, mas três posições podem ser distinguidas. Primeira, alguns
enxergam o alvo do autor como sendo apresentar o caráter absoluto do cristianismo.
Scott diz:
No cristianismo, portanto, o mundo deve reconhecer a religião definitiva. Judeus e
gentios, devotos de todos os credos e filosofias, verão suas diferenças reconciliadas
nesta nova mensagem que reúne em si todas as mensagens enviadas aos homens por
Deus … Assim sendo, a epístola toma a forma de uma demonstração do valor absoluto
do cristianismo.297
Fazendo uma abordagem similar ao livro, Moffatt acrescenta que para os leitores,
independentemente da raça, ―ele era um perigo moral e mental, que o escritor procura
satisfazer demonstrando quão grande sua religião era intrinsecamente.‖298
Segunda, outros intérpretes vêem que o propósito tencionado pelo autor era
despertar cristãos judeus estagnados à ação missionária. William Manson crê que o
autor estava escrevendo para um pequeno enclave de cristãos conservadores em Roma
que ainda estavam apegados à sua fé ancestral por causa da segurança que o judaísmo
oferecia como religio licita, persuadindo-os a missões mundiais. Ele explica:
O pecado do grupo de ―Hebreus‖ não foi abandonar o cristianismo pelo judaísmo, mas
permanecer como cristãos debaixo da proteção do judaísmo, vivendo exageradamente
no lado judaico de seu cristianismo, e assim perdendo o verdadeiro horizonte da
vocação escatológica.299
Terceira, relacionada à segunda, mas com um sentido mais agudo de perigo, alguns
compreendem o propósito do escritor como sendo alertar os cristãos judeus contra a
apostasia. Bruce comenta acerca dos leitores:
Muito provavelmente eles estavam relutantes em cortar seus últimos vínculos com uma
religião que desfrutava da proteção da lei romana e encarar os riscos do compromisso
irrevogável para com o caminho cristão. O escritor os alerta contra voltarem atrás, pois
isso poderia resultar em abandonar completamente a fé
cristã; ele os encoraja com a segurança de que têm tudo a perder caso voltem atrás, mas
tudo a ganhar se perseverarem.300
Hughes, que crê que a carta foi escrita aos cristãos hebreus convertidos dentre os
essênios, chega a uma conclusão semelhante:
É evidente, portanto, que a ênfase prática da epístola é persuadir aqueles para quem foi
escrita a resistir à forte tentação de buscar um alívio das dificuldades associadas à sua
confissão cristã ao acomodá-la ao regime da aliança anterior, o qual professaram ter
deixado para trás quando foram batizados no nome dAquele que é o Mediador da nova
aliança, e que, em qualquer caso se havia tornado obsoleta pelo advento de Cristo e a
inauguração da nova e eterna ordem do sacerdócio … Comprometer este evangelho
singular é perdê-lo; e perdê-lo significa perder tudo.301
A chave para o propósito da epístola é 13.22, que a descreve como uma λόγοτ σῆρ
παπακλήςεψρ (logou tēs paraklēseōs). Guthrie afirma que ―os argumentos do escritor

297
E. F. Scott, The Epistle to the Hebrews, pp. 27-28.
298
James Moffatt, A Critical and Exegetical Commentary on the Epistle to the Hebrews, ICC,
p. xvi.
299
William Manson, The Epistle to the Hebrews, p. 24.
300
F. F. Bruce, Hebrews, p. xxx.
301
Hughes, Hebrews, p. 10.
não devem ser considerados como um tratado teológico ou um exercício intelectual,
mas como uma questão ardente de importância prática vital‖.302
Os cristãos judeus em Hebreus estavam sob perseguição por causa de sua fé. A
hostilidade era intensa porque eles eram considerados traidores de sua antiga religião e
identidade étnica, e foram dolorosamente tentados a adquirir tranqüilidade e aprovação
ao comprometerem sua confissão no batismo (10.23) e acomodarem-se às práticas e
crenças judaicas. Eles estavam em perigo de se distanciarem da revelação principal de
Deus em Cristo, de deixarem de entrar no descanso de Deus por não crerem, de ficarem
estagnados e de sofrerem a disciplina de Deus.
O propósito da epístola pode ser assim formulado:
Encorajar estes cristãos hebreus à perseverança fiel em meio à perseguição
demonstrando a superioridade de Cristo em Sua pessoa e obra e expondo as
sinistras conseqüências da incredulidade.
DESENVOLVIMENTO
Esta carta não possui uma introdução formal, o que levou algumas pessoas a tratá-la
como um sermão, posteriormente adaptado para a forma de carta.303 Ela se inicia com
uma afirmação acerca da tese básica do livro (1.1-3), a saber, a superioridade de Jesus
Cristo a toda revelação anterior de Deus por causa da Sua posição como Filho e
Herdeiro divino, por causa de Sua perfeita representação do caráter de Deus, por causa
do Seu papel como criador e mantenedor de tudo que existe, e, sobretudo, por causa de
seu papel inigualado como Redentor (καθαπιςμόν σ῵ν ἁμαπσι῵ν ποιηςάμενορ;
katarismon tōn hamartiōn poiēsamenos), que agora está completo, pois Ele está
assentado à destra do Pai nos céus. É este útimo aspecto, a natureza definitiva do
programa redentor de Cristo, que ocupa o interesse do autor ao longo de toda a epístola.
A primeira divisão do livro (1.4 - 7.28) estabelece o conceito de superioridade da
pessoa de Cristo dentro do plano redentor de Deus como uma motivação poderosa para
a submissão exclusiva a Ele de forma que os crentes possam desfrutar da plenitude da
bênção de Deus.
Uma vez que os anjos haviam desfrutado de elevada reputação entre os judeus
durante o período intertestamentário e uma vez que a tradição judaica os tinha como
sendo instrumentos na transmissão da Lei (cf. Dt 33.2; Sl 68.17; At 7.38, 53; Gl 3.19), o
escritor de Hebreus lida primeiro com a superioridade de Cristo com relação a eles (1.4
- 2.18). Esta superioridade é demonstrada primeiramente numa série de sete citações do
Antigo Testamento, por meio das quais o autor estabelece a divindade e a autoridade de
Cristo sobre toda criação como Filho do Homem e Filho de Davi, em contraste com os
anjos, que são espíritos ministradores (Ele assenta e governa, enquanto eles se colocam
em pé e servem).
A outra metade do argumento em favor da superioridade de Cristo com relação aos
anjos é precedida pela primeira de cinco passagens de advertência, por meio das quais o
autor direciona a consciência de seus leitores a permanecerem fiéis como μέσοφοι
(metochoi, ―companheiros‖) do Supremo (1.9). Existia a possibilidade de que eles
negligenciassem a mensagem que haviam abraçado, desta forma incorrendo em
disciplina divina. O escritor utiliza um argumento a fortiori, relembrando os leitores da
punição de Israel por seu menosprezo para com a revelação inferior, apontando para o

302
Guthrie, Introduction, p. 704.
303
Guthrie, Introduction, pp. 724-727 apresenta e avalia diversas teorias. Parece muito
melhor aceitar a forma como é e dizer que uma homilia acerca da superioridade de Cristo e do
cristianismo foi intencionalmente (embora não totalmente) adaptada a propósitos de
correspondência.
resultado inevitável de não se obedecer à revelação principal de Deus feita por meio do
Filho e Suas testemunhas (2.1-4).304
Em 2.5-18, o autor retoma seu argumento acerca da superioridade de Cristo
descrevendo Sua glória futura (2.5-9) e Seu auxílio presente aos crentes (2.10-18). O
versículo 5 pode ser um golpe direto contra alguns ramos do judaísmo que criam que
Miguel e anjos subordinados governariam a próxima era.305 Ao descrever a ajuda
presente de Cristo, o autor enfatiza Sua identificação com os homens em Sua
humanidade, Seu sofrimento e morte (2.10, 14), e especialmente Seu triunfo sobre o
pecado, que O capacitou não apenas a compadecer-se dos homens, mas na realidade a
sustentá-los durante a tentação e salvá-los do pecado (2.16-18). A indicar que o próprio
Cristo havia sido aperfeiçoado (σελειόψ, teleioō) pelo sofrimento (i.e., em Sua aptidão
para o papel de salvador, 2.10), o autor cutuca gentilmente os leitores rumo ao seu alvo
de uma lealdade inabalável a Cristo no meio de provações, que não deveria ser visto
como motivo para deserção mas como motivação para identificação com o Messias.
Uma vez que a pessoa e honra de Moisés aparecem em primeiro plano em qualquer
discussão religiosa, o autor continuou sua argumentação demonstrando a superioridade
de Cristo sobre o grande intermediador da Lei (3.1 - 4.13).
A superioridade é vista primeiro com relação à posição; ambos haviam sido fiéis,
mas enquanto Moisés era parte do sistema de adoração de Israel, Jesus era o projetista
divino do sistema; Moisés era um servo, enquanto Jesus era o Filho (3.1-6). Bruce
aponta para a correção necessária na visão dos leitores acerca de Cristo quando afirma:
―Em algumas seções do cristianismo judaico o papel de Cristo era considerado o de um
segundo Moisés; aqui Ele é apresentado como muito mais do que isso‖.306
Isto é sucedido por uma segunda passagem de advertência, na qual os leitores são
alertados contra o perigo sutil da incredulidade, que privara Israel de seus privilégios de
sacerdócio nacional e descanso imediato em Canaã (3.7-11; cf. Salmo 95.7-11), e agora
poderia roubar aos crentes o seu privilégio de serem μέσοφοι no sacerdócio de Cristo e
de participarem na vida de descanso da plenitude da bênção do reino (3.12-19).
A comparação com Moisés continua, implicitamente, em 4.1-10, onde a incapacidade
de Israel de entrar na plenitude das bênçãos que Deus tinha preparado para a nação, bem
como a incapacidade de seus líderes (Moisés e Josué) de conduzí-los a tal plenitude,
apontam para a superioridade de Cristo, pois Ele tornou tais bênçãos completamente
disponíveis para aqueles que perseveram na confiança nEle. O conceito de descanso
aqui adotado combina a interpretação mais restritiva que iguala descanso com a
manifestação terrena do reino, com a visão geral de que ela aponta para a vida de fé e
descanso em relação às obras como meio de salvação.
A conclusão da presente exortação se encontra em (4.11-13). Entrar no descanso
depende do árduo esforço (ςποτδάςψμεν, spoudasōmen), o que não indica que
qualquer conceito de salvação em seu sentido mais amplo esteja em evidência; a idéia
dominante da passagem é a plenitude de privilégio e recompensa. Motivações adicionais

304
O uso do pronome “nós” indica que a possibilidade de retrocesso espiritual existia até
mesmo para o escritor. Isto deveria ditar o rumo e o escopo para as seguintes advertências;
elas não são direcionadas a meros falsos mestres que jamais foram salvos, nem para apóstatas
que perderam sua salvação, mas para crentes que estão em perigo de perder o prazer de sua
salvação, a vitalidade de sua crença, sua utilidade para o reino, e sua principal recompensa.
Conforme o autor sugere mais tarde (cap. 10), eles estão em perigo de perderem suas vidas
físicas por meio da disciplina da aliança.
305
Hodges, “Hebrews”, p. 783.
306
Bruce, Hebrews, p. 58.
para que os leitores permanecessem fiéis eram o ministério da Palavra de Deus que
podia expor motivações e avaliar ações com precisão e poder (4.12), e a realidade do
olhar penetrante e do juízo final de Deus (4.13).
Em vista da tese inicial do livro, e particularmente da referência à purificação de
pecados feita por Cristo (1.3), era inevitável que uma comparação entre Jesus e Aarão
deveria seguir-se àquela feita entre Ele e Moisés. Esta comparação se estende de 4.14 a
7.28, com a terceira passagem de advertência contida nela.
A seção se inicia com uma avaliação introdutória de Cristo como nosso sacerdote
(4.14-16), na qual Ele emerge como superior aos sacerdotes aarônicos porque, além de
ser capaz de Se compadecer conosco, pecadores, Ele demonstrou Seu poder para nos
socorrer derrotando o pecado por meio de uma vida perfeita.
O autor então alista as qualificações para o sacerdócio (5.1-4), todas as quais são
perfeitamente satisfeitas por Cristo (5.5-10). Ele precisa compartilhar nossa humanidade
(5.1), ser compassivo (5.2-3), e ter autoridade vinda de Deus (5.4). Cristo satisfez a
última qualificação ao ter sido apontado como Rei e Sacerdote (5.5-6); satisfez a
segunda ao interceder pelos homens (e por si mesmo, 5.7), e satisfez a primeira
compartilhando nossa humanidade em sua fragilidade e sofrimento (5.8). Ele é,
portanto, um Salvador e Sacerdote capaz, segundo a ordem de Melquisedeque (5.9-10).
A terceira passagem de advertência se inicia em 5.11 com a acusação aos leitores por
sua permanência deliberada num estado espiritual infantil (5.11-13); no momento que
deveriam ser mestres, ainda necessitavam de instruções básicas!
A passagem seguinte (6.1-8) é uma famosa crux interpretum, cuja discussão tem
produzido muito mais calor do que luz em círculos cristãos. Este escritor crê que o
objetivo do autor era demonstrar que a permanência deliberada na imaturidade
desqualifica um crente para o serviço frutífero a Deus (e por implicação para desfrutar
pleno do descanso prometido mencionado). As quatro visões principais acerca da
passagem estão resumidas na tabela da p. 495:
Esta passagem de advertência possui um final brilhante no qual o autor espera que
seus leitores deixem para trás sua imaturidade e alcancem uma vida frutífera e uma
segurança espiritual subjetiva (πληπουψπία, plērōphoria) que vem com ela (6.9-12).
Sua esperança com relação a eles e suas perspectivas futuras estavam baseadas
primariamente na certeza das promessas de Deus (6.13-20); o exemplo de Abraão é
apresentado porque a promessa que o patriarca recebeu era humanamente impossível,
embora tenha sido divinamente cumprida. A idéia, então, é que a promessa de uma
salvação plena por meio de Cristo, que parecia improvável à luz das provações que os
leitores experimentavam, estava, assim como a de Abraão, garantida pelo próprio
caráter imutável de Deus (6.17-18) e por meio da entrada triunfante de Cristo no Santo
dos Santos celestial segundo o sacerdócio melquisedequeano (6.19-20).
Esta divisão principal conclui com a comparação direta entre os sacerdócios arônico
e melquisedequeano (7.1-28), como se o autor estivesse respondendo a uma possível
objeção à introdução do assunto ao final do capítulo 6.
O autor primeiro recusa uma possível objeção contra a validade, ou valor, ou mesmo
a necessidade de outra ordem sacerdotal demonstrando quão grande Melquisedeque foi
(7.1-3) e como a aceitação de Melquisedeque por Abraão como seu sacerdote estabelece
uma superioridade final com relação a Arão (7.1-10).
Quatro pontos de vista acerca de Hebreus 6.4-6
Termos cruciais na Proble
interpretação mas Que
de Hebreus 6.6 teológi m
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de Meros Renu
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oportun profess nciar
idade Ser versículos d,
idade os do a
para salvo. 4,5 Bruce,
para a cristiani Cristo
a indicam Hughe
salvaçã smo. .
salvaçã salvação. s.
o.
o.
Ele continua afirmando que as imperfeições da ordem aarônica apontam para a
necessidade do sacerdócio perfeito de Cristo (7.11-25). Ele conclui seu argumento
alistando seis características da pessoa e obra de Cristo que apontam para a Sua
suficiência como nosso sacerdote – santidade, perfeição, pureza, separação do pecado,
transcendência e imunidade ao pecado (7.26-28).
Na segunda parte do livro o autor analisa a superioridade da obra redentora de Cristo
(8.1-10.18). Ele começa indicando que o local de ministério de Cristo era superior, uma
vez que era o santuário celestial (8.1-5). Sua obra suplantou o ministério da Velha
Aliança pois Ele intermedia uma nova e melhor aliança (8.6-13), que se tornou
necessária, visto que a antiga não podia garantir sua própria observância (8.6-9), ao
passo que a Nova capacita o homem a obedecer por meio do perdão (8.10-13).
Uma razão adicional para obediência à Nova Aliança é que Cristo opera como
sacerdote de um sistema sacrificial superior (9.1-12), não dependente de sacrifícios
incompletos e repetitivos, mas de um sacrifício singular, perfeito e suficiente, realizado
por Jesus Cristo. Este tema é desenvolvido em 9.13-10.18, onde o autor afirma que o
sacrifício de Cristo alcançou a purificação de consciências (9.13-22) e a consagração
celestial de uma nova ordem de sacerdotes perfeitamente salvos (9.23-28). O golpe final
no antigo sistema acontece quando o autor apresenta o contraste entre os efeitos
superficiais e temporários dos sacrifícios da velha aliança e a eficácia perfeita e eterna
da expiação de Cristo (10.1-18), comprovada pela Sua glorificação (10.11-14), pelo Seu
testemunho por meio do Espírito (10.15-17), e pelo nosso perdão (10.18).
A terceira seção principal do livro (10.19-13.17) lida basicamente com aplicações da
mensagem da superioridade de Cristo. A primeira implicação da obra perfeita de Cristo
é que os crentes precisam ser leais às suas comunidades cristãs (10.19-25). A segunda
implicação é a quarta passagem de advertência: os crentes não deveriam deprezar a obra
santificadora de Cristo ou estariam sob a disciplina punitiva de Deus (10.26-31;
contraste-se isso com Sua disciplina didática no capítulo 12). Assim como aconteceu
nas três anteriores, esta passagem de advertência também é seguida por uma palavra
positiva a respeito dos leitores (10.32-39), a quem o autor considera destinados à
perseverança e perservação da alma (=vida), em vez de disciplina e morte (física).
A avaliação otimista dos leitores é sucedida por exemplos e encorajamento à lealdade
extraídos de passagens do Antigo Testamento (11.1-40). A idéia do capítulo não é
assegurar o cumprimento das expectativas por causa de fé, mas a necessidade de
fidelidade enquanto se exerce a esperança no cumprimento final das promessas de Deus.
Isto leva ao exemplo de Cristo como nosso padrão para uma vida de fé (12.1-3). Uma
resposta negativa à disciplina didática de Deus [παιδεία, paideia] por meio das
provações tornaria os leitores insensíveis às exigências morais de sua honrosa posição
como herdeiros da aliança (cf. o exemplo de Esaú, 12.16-17) e incapazes de
reconquistar as bênçãos da fidelidade (cf. 6.6-8). A resposta apropriada à nova revelação
de Deus, à luz de Seu tremendo poder para disciplinar, é a aceitação reverente de Suas
exigências (12.18-29).
Uma lealdade perseverante ao nosso supremo Messias é traduzida no capítulo 13
como uma vida equilibrada nas áreas pessoal (13.1-3), conjugal (13.4), e comunitária
(13.5-17). O último aspecto envolve lealdade a líderes passados (13.7-8) e atuais
(13.17),307 lealdade à doutrina (13.9-10), e a aceitação do estigma de Cristo numa
sociedade anticristã (13.11-14) com uma atitude alegre de louvor a Deus e generosidade
para com aqueles em grande necessidade (13.15-16).
O epílogo de Hebreus assemelha-se muito com as cartas de Paulo, com um pedido
por oração (13.18-19), uma bênção (13.20-21), novas de interesse e saudações (13.22-
25).

ESBOÇO SINTÉTICO
Mensagem
A superioridade de Cristo em Sua pessoa e obra fornece aos crentes vacilantes um
forte incentivo em direção à maturidade e à perseverança na fé.

PRÓLOGO
A palavra revelatória final de Deus foi dada por meio do Filho, que espelha
perfeitamente Seu caráter e também foi Seu agente para a criação e redenção do mundo,
pelo que foi apontado Herdeiro de todas as coisas (1.1-3).

307
É interessante observar que a lealdade à liderança forma uma espécie de parênteses para
esta seção (vv. 7-8 e 17), como se a sugerir que dela depende, humanamente falando, o
sucesso espiritual da comunidade dos leitores. Literariamente esse recurso se chama de
inclusio.
PARTE I
A superioridade da pessoa de Cristo dentro do plano de redenção faz que a
obediência exclusiva a Ele seja fundamental para o desfrute das bênçãos de Deus (1.4 -
7.28).
I. O ministério de Cristo sobrepuja em muito o dos anjos, portanto, a mensagem que Ele
comunicou não deveria ser negligenciada em favor da mensagem mediada por eles (1.4
- 2.18).
A. A superioridade de Cristo aos anjos vem de Seu caráter como Deus e sua condição de
Regente do universo (1.5-14).
B. Primeira Passagem de Advertência – O princípio de que a negligência para com a
revelação divina sofre sempre severa disciplina deveria tornar os leitores vigilantes
contra a negligência da mensagem messiânica proclamada pelo Filho e comprovada por
sinais (2.1-4).
C. A superioridade de Cristo aos anjos vem do Seu papel determinado como Regente da era
vindoura (2.5-9).
D. A superioridade de Cristo aos anjos vem de sua plena identificação com a humanidade
como nosso Redentor vicário e sacerdote compassivo (2.10-18).
II. A liderança de Cristo sobrepuja em muito a de Moisés, portanto, o descanso que Ele
oferece não deveria ser negligenciado pela incredulidade em favor dos alvos não
alcançados do judaísmo (3.1 - 4.13).
A. Cristo foi superior a Moisés em Sua condição de Filho e em Seu papel como Arquiteto
da casa de Deus (3.1-6).
B. Segunda Passagem de Advertência – O princípio de que a incredulidade acarreta a perda
da participação nas bênçãos divinas deveria tornar os leitores vigilantes com relação a
descrerem que Cristo proveria plenamente suas necessidades (3.7-19).
1. Israel fornece um triste exemplo de perda espiritual por causa da incredulidade (3.7-11).
2. A incredulidade atual levaria à perda de uma parceria plena com Cristo desfrutada por
aqueles que perseveram (3.12-19).
C. Cristo foi superior aos grandes líderes de Israel pelo fato de que Ele proveu um descanso
perfeito para o Seu povo (4.1-10).
D. Exortação – Os cristãos hebreus deveriam perseverar na confiança em Cristo à luz do
exemplo passado de Israel e do ministério presente da Palavra de Deus (4.11-13).
III. O sacerdócio de Cristo sobrepuja em muito o de Aarão, portanto, o auxílio que Ele
fornece não deveria ser desperdiçado em letargia espiritual que leva à esterilidade e à
disciplina divina (4.1 - 7.28).
A. A compaixão e a vida impecável de Cristo são encorajamentos a que os crentes
continuem a buscá-lO como sua fonte de auxílio (4.14-16).
B. Cristo satisfaz completamente as qualificações para o sacerdócio, para o qual Ele foi
apontado como Sacerdote Real segundo a ordem de Melquisedeque (5.1-10).
C. Terceira Passagem de Advertência – A permanência deliberada na imaturidade espiritual
pode levar os leitores a abrirem mão de Cristo e sofrerem disciplina espiritual ao invés
do crescimento esperado no desfrute e na segurança da salvação (5.11–6.20).
1. A imaturidade espiritual deliberada tornou os leitores incapazes de compreenderem o
risco que corriam ao considerarem um retorno ao judaísmo (5.11-14).
2. A conseqüência da imaturidade espiritual - o declínio espiritual - trará, eventualmente, a
disciplina divina sobre aqueles que abrem mão de Cristo (6.1-8).
3. O progresso e o desfrute espiritual da salvação virão à medida que os leitores confiarem
perseverantemente nas promessas seguras de Deus a despeito de sua aparente
impossibilidade (6.9-20).
D. O sacerdócio de Cristo segundo a ordem de Melquisedeque suplanta o sacerdócio
arônico (7.1-28).
1. A aceitação de Melquisedeque por Abraão como seu sacerdote estabelece a superioridade
final com relação a Arão (7.1-10).
2. As imperfeições da ordem arônica apontam para a necessidade do sacerdócio perfeito de
Cristo (7.11-25).
3. As virtudes de Cristo apontam para a Sua suficiência como nosso sacerdote (7.26-28).

PARTE II
A superioridade da obra de Cristo dentro do plano redentor de Deus torna a
obediência exclusiva a Ele fundamental para o desfrute da bênção de Deus (8.1 - 10.18).
I. A obra de Cristo é superior, pois Ele é ministro num santuário melhor (8.1-5).
A. A situação e a posição de Cristo são superiores às que qualquer sacerdote humano seria
capaz de alcançar (8.1-2).
B. O sacrifício que Ele ofereceu foi aplicado a um santuário superior, do qual o santuário
terreno nada mais é que uma sombra (8.3-5).
II. A obra de Cristo é superior como o mediador de uma aliança melhor (8.6-13).
A. A nova aliança, da qual Jesus é o ministro, era necessária porque a anterior não
capacitava as pessoas a manterem seus estatutos (8.6-9).
B. A nova aliança, que capacitará o homem perdoado a obedecer a Deus de coração,
suplanta a anterior e a torna imerecedora da lealdade dos leitores (8.10-13).
III. A obra de Cristo é superior, pois Ele é o sacerdote num sistema sacrificial melhor (9.1-
12).
A. O sistema sacrificial da primeira aliança dependia de objetos materiais para sua
expressão (9.1-5).
B. O sistema sacrificial da primeira aliança dependia de sacrifícios repetidos, incapazes por
natureza de lidar de forma permanente com o pecado interior (9.6-10).
C. O sistema sacrificial da nova aliança depende de um sacrifício infinito apresentado no
Tabernáculo definitivo e capaz de obter redenção absoluta (9.11-12).
IV. A obra de Cristo é superior, pois Ele é o provedor e a provisão de um sacrifício melhor
(9.13 - 10.18).
A. O auto-sacrifício de Cristo alcançou verdadeira purificação espiritual e o
estabelecimento da Nova Aliança com base em Seu sangue expiador (9.13-22).
1. O auto-sacrifício de Cristo alcançou a verdadeira purificação espiritual em contraste com
a purificação cerimonial parcial (9.13-14).
2. O auto- sacrifício de Cristo alcançou o estabelecimento da Nova Aliança com base em
Seu sangue expiador (9.15-22).
B. O sacrifício singular e eterno de Cristo alcançou a purificação celestial perfeita em favor
daqueles que confiam nEle (9.23-28).
1. A morte de Cristo foi necessária para alcançar a consagração do novo sistema sacerdotal
no céu (9.23-24).
2. A morte de Cristo foi suficiente para efetuar uma salvação perfeita em favor daqueles que
confiam nEle (9.25-28).
C. A eficácia do sacrifício expiatório de Cristo é perfeita e eterna em contraste com os
efeitos superficiais e temporários dos sacrifícios da velha aliança (10.1-18).
1. Os sacrifícios da velha aliança eram insuficientes para o perdão real e o acesso a Deus
(10.1-4).
2. O sacrifício de Cristo, designado por Deus e motivado pela obediência à vontade divina,
aboliu a velha aliança e estabeleceu a aceitação do crente perante Deus (10.5-10).
3. O papel de Cristo como sacerdote oficiante foi desempenhado de uma vez para sempre
por ter concedido um perdão completo (10.11-18).
• A glorificação de Cristo garante a natureza definitiva de Sua obra sacrificial (10.11-14).
• O testemunho do Espírito Santo garante a natureza definitiva de Sua obra sacrificial
(10.15-17).
• A realidade do nosso perdão garante a natureza definitiva de Sua obra sacrificial (10.18).
PARTE III
A resposta necessária dos cristãos hebreus à superioridade de Cristo era
permanecerem ferozmente leais a Jesus e Seu povo por meio de uma fé similar à
demonstrada pelos heróis antigos, de forma a escapar da disciplina inevitável de Deus
contra o retrocesso na fé (10.19 - 12.29).
I. Quarta Passagem de Advertência – O perigo da rejeição deliberada de Cristo e das
responsabilidades da Nova Aliança é cair sob a mão disciplinadora de Deus, da qual o
autor espera que seus leitores escapem por meio da perseverança (10.19-39).
A. A responsabilidade constante do crente à luz dos benefícios resultantes da obra
sacerdotal de Jesus é manter uma vida pura em lealdade à comunidade cristã (10.19-25).
B. A preocupação constante do crente é evitar menosprezar a obra superior de Cristo de
forma que não incorra na disciplina divina (10.26-31).
C. A necessidade constante do crente é perseverar em seu compromisso de forma a
desfrutar da plenitude da bênção ao invés do peso da disciplina (10.32-39).
II. Os exemplos fornecidos pelo autor a partir da história do Antigo Testamento ilustram a
necessidade da confiança perseverante até que as promessas de Deus sejam plenamente
cumpridas (11.1-40).
A. A fé é definida como uma atitude de confiança esperançosa que recebe aprovação divina
e motiva a compreensão espiritual (11.1-3).
B. Exemplos históricos de perseverança ilustram o triunfo da fé (11.4-38).
1. A fé de Abel foi demonstrada em seu sacrifício (11.4).
2. A fé de Enoque foi demonstrada em sua caminhada (11.5-6).
3. A fé de Noé foi demonstrada em seu trabalho diligente (11.7).
4. A fé de Abraão foi demonstrada em sua obediência inabalável (11.8-19).
• A fé obedeceu à ordem de buscar uma terra desconhecida (11.8-10).
• A fé obedeceu quando Abraão e Sara confiaram em Deus para um nascimento impossível
(11.11-12).
• A fé obedeceu contemplando as realidades celestiais (11.13-16).
• A fé obedeceu agindo de acordo com o caráter de Deus (11.17-19).
5. A fé dos patriarcas foi demonstrada por suas bênçãos e desejos finais (11.20-22).
6. A fé da geração pré-Êxodo foi demonstrada em sua busca pela justiça apesar dos riscos
envolvidos (11.23-28).
• Os pais de Moisés demonstraram fé desobedecendo à ordem do Faraó (11.23).
• Moisés demonstrou fé desprezando as riquezas do Faraó em favor da redenção de Israel
(11.24-27).
• Moisés demonstrou fé observando o ritual da Páscoa (11.28).
7. A fé de Israel permitiu que a nação experimentasse o poder de Deus exibido em
livramento e triunfo (11.29-30).
8. A fé de uma prostituta levou-a à lealdade ao povo de Deus para a preservação da sua vida
(11.31).
9. A fé heróica no Antigo Testamento conduziu ao grande triunfo temporal e a eterno
triunfo sobre a tragédia temporal num mundo que não era digno deles (11.32-38).
C. O triunfo da fé não significa uma ceifa imediata dos benefícios prometidos, a qual
aguarda o tempo de Deus (11.39-40).
III. Quinta Passagem de Advertência – A exortação apresentada pelo autor é que os leitores
considerem o próprio exemplo de perseverança de Jesus, de forma a reagirem
adequadamente aos desafios à sua fé (12.1-29).
A. O triunfo de Jesus sobre o sofrimento e a morte O qualifica como o Padrão de uma vida
de fé (12.1-3).
B. A perseverança capacita os crentes a reagir adequadamente às provações que Deus usa
como treinamento [παιδεία] em suas vidas (12.4-11).
1. Suas provações não haviam alcançado o estado crucial do martírio (12.4).
2. Sua atitude os levou a esquecerem o propósito paterno de Deus para as provações (12.5-
8).
3. Sua atitude os levou a esquecerem os efeitos da disciplina didática de Deus (12.9-11).
C. A perseverança capacita os crentes a encorajarem-se mutuamente à pureza ao invés da
profanidade (12.12-17).
1. Sensibilidade a Deus resulta em preocupação com o próprio aperfeiçoamento e o bem-
estar de outros (12.12-13).
2. Sensibilidade a Deus resulta em santidade pessoal e zelo para com a pureza no seio da
comunidade cristã a que se pertence (12.14-17).
D. Perseverança para com a Nova Aliança superior significa uma aceitação reverente de
Deus e de Suas exigências à luz da magnitude de Sua ira (12.18-29).
1. A superioridade da Nova Aliança é vista no contraste entre suas cerimônias de instituição
(12.18-24).
• A grandeza do Sinai despertou medo e insegurança (12.18-21).
• A grandeza de Sião transpira perdão e aceitação (12.22-24).
2. A perseverança significa uma aceitação reverente das exigências de Deus à luz da
tremenda magnitude da Sua ira (12.25-29).
IV. As implicações práticas da lealdade perseverante são uma vida equilibrada nas áreas
pessoal, conjugal e comunitária (13.1-19).
A. A lealdade perseverante produzirá uma vida de amor e uma preocupação para com os
outros (13.1-3).
B. A lealdade perseverante produzirá uma vida de pureza sexual antes e depois do
casamento (13.4).
C. A lealdade perseverante produzirá uma vida de contentamento na segurança que Cristo
provê (13.5-6).
D. A lealdade perseverante produzirá esprit de corps308 em torno da pessoa de Cristo e Sua
graça, e não do legalismo judeu (13.7-17).
1. Lealdade perseverante significa apreço pelo ensino e exemplo de seus líderes mortos,
uma vez que Cristo será tão justo agora como foi então (13.7-8).
2. Lealdade perseverante significa lealdade doutrinária em vista dos privilégios da graça
(13.9-10).
3. Lealdade perseverante significa aceitar a vergonha associada com Cristo em vista da
nossa cidadania celestial (13.11-14).
4. Lealdade perseverante significa uma oferta contínua de louvor a Deus por meio de Jesus
e um compartilhar das necessidades dos outros (13.15-16).
5. Lealdade perseverante significa submissão aos líderes espirituais (13.17).
EPÍLOGO
I. O pedido do autor para si mesmo é que seus leitores orem para que ele mantenha um
testemunho positivo e tenha oportunidade de visitá-los (13.18-19).
II. A oração do autor por seus leitores é que eles desfrutem da capacitação do poderoso
Deus da ressurreição de forma que realizem Sua vontade para a glória de Cristo (13.20-
21).
III. O pedido do autor é que os leitores acatem suas exortações e ordens (13.22).
IV. A promessa do autor é visitá-los com o recém liberto Timóteo (13.23).
V. Cumprimentos e saudação finais (13.24-25).

O argumento de
TIAGO
Questões introdutórias
TÍTULO
O título grego para este livro é ΙΑΚΩΒΟΤ (Iakōbou), o genitivo da forma helenizada
do nome ‫ יַ ֲעקֹב‬ya‘ăqōḇ, que foi, mais tarde, transliterada como Tiago em espanhol e
português. Alguns manuscritos acrescentam ao nome simples a expressão ―epístola
católica do apóstolo‖, enquanto a 26ª edição de Nestle-Aland traz Ἰακώβοτ ἐπιςσολή hē
Iakōbou epistolē.
AUTORIA
O autor se identifica como θεοῦ καί κτπίοτ Ἰηςοῦ Φπιςσοῦ δοῦλορ [theou kai kuriou
Iēsou Christou doulos] (1.1). Além de seu nome, Tiago, esta é a única referência
pessoal fornecida na carta, e pouco ajuda na identificação do autor.
Exceção feita àqueles que se recusam aceitar um autor na geração apostólica,309
estudiosos deste livro possuem quatro opções de identificação. O autor de Tiago

308
Espírito de equipe.
309
Bo Reicke, The Epistles of James, Peter, and Jude, pp. 11-12, é típico daqueles que
atribuem o livro a um discípulo de Tiago. Ele faz o mesmo com a epístola de Judas.
poderia ter sido: (1) Tiago, o pai de Judas, um dos apóstolos (Lucas 6.16), ou (2) Tiago,
o irmão de João e filho de Zebedeu (Mateus 4.21), ou (3) Tiago, o filho de Alfeu
(Mateus 10.3), ou (4) Tiago, o meio-irmão de Jesus (Mateus 13.55; Gálatas 1.19).
Uma vez que o pai de um dos discípulos teria dificilmente sobrevivido até a quinta
década do século I para ter escrito esta carta, a opção (1) está descartada. Tiago, o irmão
de João, foi martirizado por ordem de Herodes Agripa I em a.D. 44; os conservadores
argumentam que seria cedo demais para uma carta endereçada aos judeus cristãos no
exílio (cf. διαςποπᾷ, diaspora, em 1.1)310 e isso pode ser verdade. De qualquer forma,
espera-se que um apóstolo se identificasse como tal, e o autor não o faz, o que torna
suspeitas as opções (2) e (3).
Em contrapartida, a opção (4) se enquadra na descrição não-apostólica e ainda assim
fornece um escritor com suficiente cacife eclesiástico para escrever uma epístola
condizente com a posição de liderança de Tiago na igreja-mãe em Jerusalém (cf. Atos
12.17; 15.13-21; Gálatas. 2.9).
CANONICIDADE
A epístola de Tiago possui uma longa história de conflito antes de ser aceita no
cânon do Novo Testamento. Mesmo por volta do século XVI ela ainda possuía seus
detratores; ninguém menos do que o grande Martinho Lutero, chamou-a de ―uma
verdadeira epístola de palha‖, por sua aparente contradição com a teologia paulina.
Mais cedo na História, Eusébio a classificou entre as antilegomena, isto é, os livros
disputados por alguns segmentos da igreja primitiva, muito embora ele mesmo tenha
crido em sua autenticidade.311 As aparentes razões para tais dúvidas teriam sido a falta
de circulação e a falta de certeza com relação ao status apostólico de seu autor.
Evidência externa.
Possíveis referências a Tiago nas obras de Clemente de Roma (c. 30-100) e um uso
mais definido da epístola em O Pastor de Hermas (c. 110-140)312 sugerem que o livro
era conhecido bem cedo até mesmo pela Igreja Ocidental, que foi a última a lhe
conceder o status canônico. Irineu de Lyon (c. 140-203) foi o último autor ocidental a
usá-la antes de Hilário de Poitiers (315-368) e Agostinho (354-430) a reconhecerem, e o
Concílio de Hipona (393) a declarar como sendo canônica.313
A Epístola de Tiago teve melhor sorte no Oriente, onde Orígenes a citou pelo nome e
aparentemente a atribuiu a Tiago, irmão do Senhor. Tiago sofreu (na base da ―culpa por
associação‖) o mesmo desprezo de outras epístolas católicas, possivelmente porque, não
tendo sido escritas para nenhuma igreja em particular, sua preservação e circulação
foram mais restritas. Não é de se surpreender que sua aceitação no Oriente tenha
demorado até o século IV, com Epifânio (c. 315-403), Cirilo de Jerusalém (c. 310-386),
e Atanásio (c. 298-373). No início do século V, a Peshitta (versão siríaca do Novo
Testamento) incluiu Tiago, e Jerônimo a tinha em sua Vulgata, desta forma
estabelecendo sua aceitação tanto no Oriente quanto no Ocidente.
Evidência interna.

310
D. Edmond Hiebert, An Introduction to the New Testament, 3:39.
311
História Eclesiástica 3.25 e 2.23.
312
Visão 3.9.6 (Tg 5.4); Mandado 2.2.7 (Tg 4.11; 1.27) e 11.5 (Tg 3.15).
313
A evidência em Irineu é disputada. J. B. Mayor considera a posição de Irineu como prova
da autoria apostólica (The Epistle of St. James, pp. lii-lxvii). Donald Guthrie (New Testament
Introduction, p. 738) não a alista, e Hiebert parece ter mudado de idéia no intervalo entre sua
Introduction, na qual ele aceita o uso que Irineu faz de Tiago, e sua obra recente The Epistle of
James. Tests of a Living Faith, na qual ele a nega.
Existem três argumentos principais contra a autoria de Tiago: (a) a linguagem e estilo
são supostamente elaborados demais para um camponês galileu; (b) sua humilde
identificação como um servo, quando poderia ter se apresentado como irmão do Senhor;
e (c) não há a ênfase forte na Lei que se poderia esperar do principal representante do
cristianismo judaico.
Estes argumentos podem ser respondidos da seguinte forma: (a) pessoas que usam
este argumento ignoram de forma deliberada o fato de que a maioria dos galileus era
bilíngüe,314 e que Tiago, o irmão do Senhor, sem sombra de dúvidas havia tido contatos
contínuos com os judeus helenistas em Jerusalém, sem dúvida aumentando sua
capacidade numa língua em que já era fluente; (b) este argumento, ao invés de negar
uma data do século I, contribui para isso, uma vez que é muito provável que um
falsário, ou mesmo um discípulo bem intencionado (assim propõe a teoria), buscaria
reconhecimento utilizando sua reivindicação mais elevada; (c) embora não exista
menção à Lei cerimonial (na qual, segundo a tradição cristã, Tiago, o justo, esteve tão
profundamente envolvido), e embora o conceito de Lei na epístola seja quase que
exclusivamente moral, evitando até mesmo a questão crítica da circuncisão, tal omissão
poderia se dever ao fato de que a carta foi escrita em qualquer uma de duas ocasiões -
ou antes do Concílio de Jerusalém, ou depois que a questão havia sido resolvida pelo
Concílio e deixou de atormentar os cristãos judeus. Além disso, conforme Guthrie
aponta,
O retrato que Atos e Gálatas pintam de Tiago é naturalmente influenciado pelo conflito
quanto ao cristianismo helenístico, mas é necessário lembrarmos que em ambas as
fontes Tiago é representado como um líder de ação conciliatória e, de maneira
nenhuma, como um fanático defensor das exigências rituais judaicas.315
Desta forma, estes argumentos contra a autoria de Tiago podem ser revertidos
perfeitamente a seu favor. Além disso, a carta contém tantas similaridades com o
discurso e a carta atribuídos a Tiago no livro de Atos (uma porção muito pequena deste)
que é muito difícil estabelecer qualquer conexão a não ser a autoria comum entre os
dois documentos. Além disso, as similaridades temáticas entre Tiago e o Sermão do
Monte (veja a tabela abaixo) sugerem reminescências pessoais de seu conteúdo ao invés
da dependência literária de formas escritas.

Uma comparação dos conteúdos de Tiago e o sermão do monte


Passagem
Passagem em
Conteúdos do livro em
Tiago
Mateus
Alegria em meio à provação. 1.2 5.10-12
Exortação à perfeição. 1.4 5.48
O pedido por dons. 1.5 7.7ss.
Condenação da ira. 1.20 5.22
Acerca do ouvir e do praticar. 1.22 7.24ss.
Necessidade de se cumprir toda a Lei. 2.10 5.19
Bênçãos por se demonstrar misericórdia. 2.13 5.7
Bênçãos por causa da pacificação. 3.18 5.9

314
A. T. Robertson, A Grammar of the Greek New Testament in the Light of Historical
Research, p. 123.
315
Guthrie, Introduction, p. 751.
Incompatibilidade entre o amor a Deus e o amor ao
4.4 6.24
mundo.
Bênção por causa da humildade. 4.10 5.5
Condenação do juízo contra outros. 4.11, 12 7.1-5
Traça e ferrugem corrompendo a riqueza terrena. 5.2ss. 6.19
Profetas como exemplos. 5.10 5.12
Condenação dos juramentos. 5.12 5.33-37
UMA COMPARAÇÃO DOS CONTEÚDOS DE TIAGO E DO SERMÃO DO MONTE
Desta forma, tanto a evidência externa (embora não maciça) quanto a interna
confirmam a visão de que Tiago, o irmão de nosso Senhor, foi o autor desta epístola.
O AUTOR
Tiago, que era o irmão mais velho de Jesus (a julgar por sua prioridade em tais listas
familiares), aparentemente não creu em Cristo até depois de Sua ressurreição e aparição
(cf. Jo 7.5 e 1Co 15.7). Ele e seus irmãos estavam entre os crentes que aguardavam a
vinda do Espírito Santo (At 1.14). Logo ele foi reconhecido como um dos líderes da
igreja de Jerusalém (At 12.17; Gl 2.9, 12), e exerceu um papel de liderança no Concílio
de Jerusalém (At 15). Ele era um judeu cristão que continuou a observar a Lei Mosaica
como testemunho aos outros judeus até depois da terceira viagem missionária de Paulo
(a.D. 57; At 21.18-25); ao fazê-lo, entretanto, sua maior preocupação era manter abertas
as linhas de comunicação para a proclamação do Evangelho entre os judeus, ao invés de
considerar a observância da Lei como parte da mensagem do Evangelho.
Tiago foi louvado como homem justo tanto na tradição judaica como na cristã,
conforme conservadas por Josefo e Eusébio. Josefo, descrevendo o apedrejamento de
Tiago sob o sumo sacerdote Anano II em a.D. 62., diz que esse ato foi abertamente
lamentado pela população judaica;316 Eusébio, citando Hegesipo, fala da vida piedosa
de Tiago, que lhe rendeu o título de ―o Justo‖, e de sua vida de contínua devoção à
oração, que lhe rendeu o apelido de ―joelhos de camelo‖.317
ORIGEM, DATA E DESTINO
Uma vez que Tiago viveu a maior parte de sua vida adulta em Jerusalém, é muito
provável que sua epístola tenha sido escrita de lá.
Uma data recuada para a carta também é bem provável, desde que a autoria de Tiago
seja reconhecida. A morte de Tiago em 62 teria feito dessa data o terminus ad quem
para a composição da carta, mas existem motivos para que se postule uma data bem
anterior.
A ausência de referências a qualquer outro autor do Novo Testamento sugere que
Tiago foi a primeira das epístolas a ser escrita. A ausência de qualquer referência ao
Concílio de Jerusalém parece empurrar a data para antes de 49, embora o assunto da
discussão ali seja pouco relevante para a epístola, presumindo que ela tenha sido escrita
para cristãos judeus. A referência à necessidade de vestimentas e alimento sugere o
paralelo histórico com a fome que atingiu a Palestina de forma avassaladora por volta de
46, durante o reinado de Cláudio (cf. Atos 11.27-28).
Um argumento final acerca da data da epístola é o sabor judaico das assembléias
mencionado nela. Seu local de encontro é chamado de ςτναγογή [sunagogē] (2.2), seus
oficiais são simplesmente chamados de ππεςβτσέποτρ [presbuterous] (5.14) e de
διδάςκαλοι [didaskaloi] (3.1).

316
Antiguidades dos Judeus, 20.9.1.
317
História Eclesiástica, 2:23.
Desta forma, uma data entre 45 e 49 é proposta aqui para o livro de Tiago, fazendo
dele a primeira epístola do Novo Testamento.
A identificação dos leitores gira em torno das palavras σαῖρ δώδεκα υτλαῖρ ἐν σῇ
διαςποπᾷ [tais dōdeka phulais en tē diaspora] (1.1). Um ponto de vista entende a
expressão como uma indicação dos judeus não-palestinos em geral, uma vez que ―doze
tribos‖ descreve a nação de Israel em sua totalidade (cf. Mt. 19.28 e At 26.7), ao passo
que o termo ―dispersão‖ era um terminus technicus para os judeus que viviam fora da
Palestina (cf. João 7.35). Isto tornaria os destinatários uma mistura de judeus salvos e
não-salvos, uma situação mais improvável à luz de expressões como ―servo de Deus e
do Senhor Jesus Cristo‖ (1.1) e ―crentes em nosso glorioso Senhor Jesus Cristo‖ (2.1).
Um segundo ponto de vista sugere que a designação inicial aponta para a Igreja sob a
antiga designação de povo de Deus, que a Igreja substituiu, conforme indicado por
1Pedro 1.1. Entretanto, esse paralelo se rompe, pois Pedro não utiliza a expressão ―doze
tribos‖ (uma vez que a designação seria completamente inapropriada para gentios), e
muito de sua carta descreve seus leitores como gentios (ou, pelo menos, etnicamente
misturados; cf. 1Pe 4.1-6).
Um terceiro (e mais provável) ponto de vista é que a carta foi endereçada aos cristãos
judeus que viviam fora da Palestina, cuja assembléia poderia ser chamada ao mesmo
tempo de ςτναγογή (2.2) e de ἐκκληςία [ekklēsia] (5.14), pessoas basicamente
monoteístas (2.19), que lutavam com avareza (4.1-6) e desprezavam os pobres (2.1-7),
dois problemas tipicamente judeus.318
Argumento básico
PROPÓSITO
Tiago possui várias características singulares. Uma delas é seu caráter virtualmente
homilético ou exortativo, com pouca argumentação doutrinária e lógica. Isto fez de
Tiago um dos livros de esboço e propósito mais difíceis de determinar em todo o Novo
Testamento.319
Vários subpropósitos podem ser identificados na epístola, embora não sigam uma
ordem ―lógica‖:
Encorajar. Alguns dos leitores estavam passando por provações (1.2ss.; 5.7ss.).
Alguns deles podem ter sido de ―condição humilde‖ (1.9).
Advertir. Ele também escreve para admoestar os ricos contra a falsa noção judaica
de que as riquezas eram um sinal suficiente e necessário da bênção de Deus (1.10). Na
realidade, ele utiliza fortes palavras de condenação contra os extremos aos quais tal
conceito conduzia (5.1ss.). A igreja possuía tanto ricos quanto pobres e existia um
perigo de favoritismo para com a riqueza e o desprezo da pobreza (2.1ss.).
Exortar. A epístola possui a média de um imperativo a cada dois versículos, a maior
freqüência no Novo Testamento. Tiago tem a preocupação de que seus leitores se
tornem praticantes da palavra (1.22ss.). Ele ensina que a fé deve ser seguida de obras,
de modo que ―a fé sem obras é morta‖ (2.14ss., 26). Um homem sábio e compreensivo
demonstra, por meio de sua vida piedosa, por meio de obras realizadas com a humildade
que vem da sabedoria celestial (3.13), que sua fé é vital e operante, desta forma sendo
capaz de ―salvar sua vida‖.
Ele coloca muita ênfase no controle da língua como marca do homem ―religioso‖
(1.26) e do homem ―perfeito‖ (3.2). Isso pode se dever ao fato de que havia ―guerras e
contendas‖ (4.1) e ―maledicência‖ (4.11) entre seus leitores.

318
Toda esta discussão é baseada na obra James, de D. Edmond Hiebert, pp. 36-41.
319
Guthrie, na verdade, desiste de esboçar e simplesmente fornece uma análise das
diferentes seções sem qualquer subordinação entre elas (Introduction, pp. 767-770).
Ensinar. A ênfase de Tiago acerca da importância de ―obras‖ indica um problema
entre seus leitores com respeito à sua vida de fé. Alguns de seus leitores estavam
limitando a ―fé‖ a mera profissão verbal (2.19), e palavras encorajadoras mas despidas
de amor (2.15-16). À parte dessa idéia errada de fé, também é possível que outros
judeus crentes de tal modo se tivessem libertado do farisaísmo judaico320 (que baseava a
salvação nas obras da lei) que não produziram qualquer boa obra. Tiago tentou reparar
este erro declarando que: (1) eles estavam obrigados para com a lei de Cristo (cf. Gl
6.2); (2) que a fé sem obras é morta, e (3) que uma fé viva deveria ser caracterizada por
obras de justiça que se conformam ao caráter de Deus.
Desta forma, o propósito da epístola pode ser assim formulado:
Encorajar a aplicação do cristianismo à vida diária apresentando respostas
adequadas às provas da vida real que confrontavam seus leitores.
DESENVOLVIMENTO
A epístola de Tiago enfatiza a vitalidade do cristianismo como uma fé viva que
afetaria mais do que o cérebro de alguém, estendendo-se às emoções, vontade, e
relacionamentos. Tiago percebeu de forma precisa que a validade do cristianismo como
religião, e também a realidade da proclamação apostólica de Jesus como Messias aos
olhos do mundo, dependiam da qualidade da fé demonstrada pelos primeiros recipientes
daquela mensagem, os judeus que creram primeiro em Jerusalém e que foram
espalhados por toda Judéia, Samaria e pelo resto da Palestina.
Tiago não fornece uma base doutrinária extensa para sua exortação, como Paulo
geralmente fazia; pressupondo a teoria, ele inicia a epístola com aplicações práticas e
fornece o mínimo de argumento teológico onde necessário para apoiar as respostas que
propõe para as provas que a vida real apresenta à fé.
A saudação (1.1) enfatiza sua missão em vida (δοῦλορ, doulos) ao invés de enfatizar
sua posição (irmão do Salvador e líder dos santos).
Uma resposta adequada ao teste das provações é buscar a sabedoria divina por meio
da oração confiante num espírito de humildade perante o Deus imutável, nosso Pai
benevolente (1.2-18).
A atitude correta frente às provações é nos regozijarmos em vista do resultado
determinado por Deus - perseverança e maturidade (1.2-4).
O apelo adequado nos momentos de provação é por sabedoria divina numa atitude de
confiança completa (1.5-8). A abordagem correta da vida nos momentos de provação
significa enxergar-se da perspectiva de Deus - inestimável em posição, insignificante
em poder (1.9-11).
A expectativa adequada em meio às provações é reagir em amor para com Deus de
modo a receber Sua recompensa (1.12).
A inferência imprópria em meio às provações é a de que Deus tenha perdido o
controle da situação (1.13-18). A natureza santa de Deus O impede de expor Suas
criaturas ao pecado com a intenção de fazê-los tropeçar (1.13).
A natureza humana responde ao mal com desejo e gera a morte por meio do pecado
(1.14-15). Por outro lado, o caráter generoso e imutável de Deus, revelado na
regeneração, garante que as provações são ―boa dádiva e dom perfeito‖ (1.16-18).

320
Três tipos de judaísmo eram praticados com o propósito de cumprir a lei: (1) Guardar a
lei para a salvação. Este era o farisaísmo de Mateus 5.20. A prática era soteriológica. (2)
Guardar a lei para a identificação com os judeus, como em Atos 20.18ss. A questão era
cultural. Foram necessários vários anos para os cristãos judeus na igreja primitiva superarem
seus escrúpulos e práticas (por exemplo, Pedro em At 10 e Gl 2.11ss.). (3) Guardar a lei para
santificação. Este foi o problema de que Paulo tratou em Romanos 7 e Gálatas 5.
Uma resposta adequada ao teste da ira, que seria a reação humana normal às
provações que os leitores estavam enfrentando (cf. Ef 4.26), é permitir que a palavra
comunicada se torne prática na religião verdadeira (1.19-27). A ira é uma reação errada
às circunstâncias da vida mesmo quando ela tenta produzir o que é certo aos olhos de
Deus (1.19-20). A ira é motivada pelo acúmulo de mal que impede a Palavra de Deus de
produzir frutos (1.21). A ira, que expressa uma falta de domínio próprio, precisa ser
superada pela verdadeira obediência à Palavra, que se manifesta em amor pelos
necessitados (ὀπυανούρ καί φήπαρ, orphanous kai chēras) e em pureza pessoal (1.22-
27).
Uma resposta adequada ao teste do preconceito é a observação da lei de Cristo como
uma demonstração da fé viva diante dos homens (2.1-26).
Este autor crê que existe uma conexão mais próxima entre os doze primeiros
versículos deste capítulo e a famosa discussão da natureza da fé do que habitualmente se
percebe em literatura e pregação cristãs. Sua visão é de que Tiago utilizou a discussão
acerca da natureza da fé para encorajar seus leitores a desistirem de sua parcialidade e
se dedicarem a praticar o verdadeiro amor cristão por aqueles que não eram capazes de
retribuir sua generosidade, desta forma demonstrando a natureza viva (i.e.,
espiritualmente ativa) de sua fé cristã.321
Tiago argumenta primeiro que o preconceito é uma opção ilógica de estilo de vida
para os crentes, uma vez que é incompatível com a prática de Jesus, nosso glorioso
Senhor (2.1-4); além disso, porque ele é incoerente com o padrão divino de salvação
(2.5), e ainda mais, porque ele é irresponsável à luz dos males sociais (2.6-7). Por fim,
Tiago argumenta que o preconceito nada mais é que obediência incompleta ao padrão
divino de amor. Ceder ao preconceito resulta em condenação divina, que no contexto
significa disciplina temporal (2.8-13). Este conceito é fundamental para a discussão do
parágrafo seguinte, especialmente para a pergunta retórica em 2.14, μή δύνασαι ἡ πίςσιρ
ς῵ςαι αὐσόν; (mē dunatai hē pistis sōsai auton), ―Pode a fé salvá-lo?‖
A preocupação de Tiago com seus leitores é que eles cumpram a lei de Cristo
demonstrando misericórdia para com os outros, o que os livraria da disciplina divina
(2.13). Com este fim, ele apresenta a advertência contra a fé estéril, utilizando os
exemplos dos demônios, que crêem corretamente em Deus, mas sem qualquer efeito em
sua conduta, e de dois crentes do Antigo Testamento cuja fé resultou em obras de
obediência, Abraão e Raabe. Seu ponto principal é que a observância consistente da lei
do amor proposta por Cristo fornece evidência de uma fé viva que supera a inércia
espiritual (2.14-17).
O próximo assunto de Tiago é contra o uso indevido da fala, particularmente dentro
do sistema eclesiástico que permitia que muitos exercitassem seus dons na instrução da
congregação (cf. 1Co 14.26-34). A partir dessa situação, Tiago amplia seu apelo a todos
os crentes, opondo o desejo humano pela primazia por meio do uso indevido da fala
com a possibilidade de uma sabedoria superior, dada por Deus. A reação adequada ao
teste da fala descontrolada é buscar a sabedoria e os pensamentos do alto (3.1-18). Em
contraste com a sabedoria egoísta e destrutiva, a sabedoria celestial fornece os traços de

321
Existe uma discussão considerável sobre o propósito e significado desta passagem,
especialmente à luz do debate em torno da chamada “salvação pelo senhorio”. A posição aqui
adotada vê Tiago afirmando a possibilidade de uma fé espiritualmente improdutiva, e
debatendo com alguém que afirma que a fé é necessariamente seguida de obras. A resposta
do irmão de Jesus é que tal percepção é incorreta, embora uma fé espiritualmente ativa se
mostre em obras de obediência, que justifica diante dos homens a realidade e a vitalidade da
fé de alguém. Este autor crê que as palavras do oponente de Tiago nessa diatribe se estendem
até o fim de 2.18, com Tiago retomando seu argumento em 2.19.
caráter que capacitarão a pessoa a dominar a fala por meio do controle da mente, e desta
forma se tornar um ―mestre‖ (3.13-18).
Outro teste que as congregações judaicas enfrentavam estava relacionado ao
egocentrismo e ao conceito de auto-suficiência econômica que sempre atrapalhou a
humanidade (e os judeus em particular). O argumento de Tiago nessa seção (4.1-17) é
que a resposta adequada à prova do egocentrismo é a humilde submissão a Deus como
Mestre (4.1-5), Juiz (4.6-12), e Soberano (4.13-17).
A conseqüência natural do egocentrismo era uma busca desordenada por riqueza e
poder. Tiago indica que a resposta adequada ao teste da avareza é a confiança paciente
em Deus (5.1-12). Tiago prova primeiro que a avareza conduzirá à condenação divina,
uma vez que ela gera a insensibilidade e a falta de compaixão pelas pessoas com
necessidades maiores que as nossas (5.1-6). Por outro lado, a rebelião contra Deus não
faria do mundo um lugar perfeito; a mesma paciência exibida por homens piedosos no
passado era necessária para que os leitores vencessem a injustiça da ordem presente,
esperando pelo juízo de Deus na παποτςία [parousia] (5.7-12).
O último parágrafo do livro absorve os dois temas mencionados no primeiro, oração
e provações. Estas provações estão relacionadas aqui à disciplina divina na forma de
enfermidade física; tais provações precisam ser enfrentadas com a poderosa arma da
oração, tanto em confissão quanto em intercessão. O argumento de Tiago é que uma
resposta adequada ao teste da disciplina divina por causa da desobediência inclui
cuidado amoroso e oração confiante (5.13-20). Os versículos finais sugerem mais uma
vez que Tiago está lidando com o livramento da disciplina física final da morte; ele
contempla a situação de uma pessoa crente, porque ela se desviou da verdade, πλανηθῇ
ἀπό σῆρ ἀληθείαρ [planēthē apo tēs alētheias] (5.19), uma descrição que não se encaixa
com uma pessoa não-crente.
A epístola lidou, então, com sete testes do caráter da fé individual. Identificando os
problemas, Tiago forneceu também uma solução, e confrontou seus leitores com a tarefa
da busca de uma fé frutífera que suportaria as provações e seria aprovada por Deus (1.3,
12).
ESBOÇO SINTÉTICO
Mensagem
Respostas adequadas às provas que a vida real confronta o cristianismo indicam
uma fé madura e aprovada.
SAUDAÇÃO (1.1)
I. Uma resposta adequada à prova das provações é buscar a sabedoria divina por meio da
oração confiante num espírito de humildade diante do Deus, nosso Pai benevolente (1.2-
18).
A. A atitude correta frente às provações é regozijar-se em vista do resultado tencionado por
Deus – perseverança e maturidade (1.2-4).
B. O apelo adequado nos momentos de provação é pela sabedoria divina numa atitude de
plena confiança (1.5-8).
C. A abordagem adequada para com a vida em tempos de provação é ver-se da perspectiva
de Deus - inestimável em posição, insignificante em poder (1.9-11).
D. A expectativa adequada em meio às provações é reagir em amor a Deus de modo a
receber Sua recompensa (1.12).
E. A inferência inadequada em meio às provações é que Deus perdeu o controle da situação
(1.13-18).
1. A natureza santa de Deus O impede de expor Suas criaturas ao pecado com a intenção de
fazê-las tropeçar (1.13).
2. A natureza humana responde ao mal com desejo e gera a morte por meio do pecado
(1.14-15).
3. O caráter generoso e imutável de Deus, revelado na regeneração, garante que as
provações são ―boa dádiva e dom perfeito‖ (1.16-18).
II. Uma resposta adequada à prova da ira é permitir que a palavra comunicada se torne
prática na religião verdadeira (1.19-27).
A. A ira é uma reação errada às circunstâncias da vida mesmo quando ela tenta produzir o
que é certo aos olhos de Deus (1.19-20).
B. A ira é motivada pelo acúmulo de mal que impede a Palavra de Deus de produzir frutos
(1.21).
C. A ira, que expressa uma falta de domínio próprio, precisa ser superada pela verdadeira
obediência à Palavra, que se manifesta em amor pelo necessitado e em pureza (1.22-27).
1. O conhecimento da Palavra de Deus sem a prática é um exercício em futilidade e auto-
engano (1.22-24).
2. A perseverança na mensagem libertadora de Deus traz realização e sucesso (1.25).
3. A ira não contida revela uma religião enganadora e vã (1.26).
4. Amor e pureza revelam uma religião que agrada a Deus (1.27).
III. Uma resposta adequada à prova do preconceito é a observação da lei de Cristo como
uma demonstração da fé viva diante dos homens (2.1-26).
A. O preconceito é uma opção ilógica de vida para os crentes porque.… (2.1-13).
1. ... ceder ao teste do preconceito é algo incompatível com a fé em nosso glorioso Senhor
[Sua prática era contrária a isso] (2.1-4).
2. ... ceder ao teste do preconceito é algo incoerente com o caráter de Deus [Seu padrão de
salvação se opõe a isso] (2.5).
3. ...ceder ao teste do preconceito é algo irresponsável à luz dos males sociais (2.6-7).
4. ... ceder ao teste do preconceito é nada menos que obediência incompleta ao padrão de
amor de Deus, o que resulta em condenação divina (2.8-13).
B. A observação constante da lei de Cristo fornece evidências de uma fé viva que supera a
inércia espiritual (2.14-27).
1. Uma fé que não produz obras é espiritualmente inerte (2.14-17).
2. Entretanto, as obras não são um resultado automático de fé (2.18-19).
• Um opositor defende a natureza automática das obras na vida do crente (2.18).
• A resposta de Tiago é que a crença correta nem sempre produz o comportamento correto
(2.19).
3. Evidências das Escrituras indicam que as obras de obediência são uma evidência da fé
viva (2.20-26).
• A afirmação de Tiago é que as obras provam a condição viva da fé da pessoa (5.20).
• A obediência de Abraão ao mandamento de Deus de sacrificar Isaque tornou sua justiça
evidente para aqueles ao seu redor (2.21-24).
• A proteção fornecida aos espias por Raabe tornou sua justiça evidente aos outros (2.25).
• A conclusão de Tiago é que uma fé sem obras é espiritualmente inerte (2.26).
IV. Uma resposta adequada à prova do falar descontrolado é buscar a sabedoria e os
pensamentos celestiais (3.1-18).
A. A fala descontrolada é um teste que os humanos são incapazes de superar por si próprios
porque... (3.1-12).
1. O homem luta desordenadamente por posições de liderança espiritual a despeito dos
perigos que isso acarreta para pessoas espiritualmente imaturas (3.1-2).
2. O poder que alimenta o fogo de nossa fala está além do domínio humano (3.3-8).
3. A fala é um veículo da incoerência inata do homem que até mesmo a natureza condena
(3.9-12).
B. A sabedoria celestial fornece os traços de caráter que capacitarão a pessoa, pelo controle
da mente, a dominar a fala, e desta forma se tornar um ―mestre‖ (3.13-18).
1. A sabedoria celestial é aquela que produz bons frutos a partir da bondade e humildade
moral (3.13).
2. A ―sabedoria‖ que permite que alguém exiba atitudes pecaminosas e egoístas vem do
inferno e produz destruição (3.14-16).
3. A sabedoria que aplica características divinas a atitudes e ações vem do alto e produz
justiça (3.17-18).
• A verdadeira sabedoria produz pureza (3.17a).
• A verdadeira sabedoria produz uma atitude pacífica e pacificadora (3.17b).
• A verdadeira sabedoria produz tolerância (3.17c).
• A verdadeira sabedoria produz submissão (3.17d).
• A verdadeira sabedoria produz sensibilidade (3.17e).
• A verdadeira sabedoria produz imparcialidade (3.17f).
• A verdadeira sabedoria produz sinceridade (3.18g).
V. A resposta adequada à prova do egocentrismo é a humilde submissão a Deus como
Mestre, Juiz, e Soberano (4.1-17).
A. O egocentrismo produz conflitos pessoais internos e interpessoais, gerando inimizade
contra Deus, a Quem pertencemos (4.1-5).
B. A submissão a Deus em arrependimento e humildade evita a disciplina divina e provê o
livramento divino (4.6-10).
C. A submissão a Deus em humildade evita que os crentes assumam a prerrogativa divina
do juízo por meio da calúnia (4.11-12).
D. O egocentrismo produz arrogância em rebeldia contra a soberania de Deus sobre a frágil
vida humana (4.13-17).
VI. Uma resposta adequada à prova da avareza é a confiança paciente em Deus (5.1-12).
A. Riqueza material não é o bem a ser buscado como solução para as injustiças na vida por
causa do seu controle enganador sobre aqueles que a acumulam (5.1-6).
1. O juízo é o fim definitivo daqueles que são controlados pela sua riqueza (5.1).
2. O acúmulo de riquezas num momento de necessidades dramáticas resultará numa
condenação por insensibilidade espiritual (5.2-3).
3. Riqueza acumulada será uma acusação de assassinato por negligência e falta de
compaixão à luz da tragédia humana (5.4-6).
B. Confiança paciente ao invés da rebelião impertinente é a atitude adequada à luz das
injustiças da vida (5.7-12).
1. A natureza indica que nenhum resultado lucrativo é alcançado sem a confiança paciente
nas leis de Deus (5.7).
2. A confiança dos juízo de Deus na παποτςία evita atitudes rebeldes que geram disciplina
divina (5.8-9).
3. Depender pacientemente da intervenção de Deus foi a forma de bênção na história de
Israel (5.10-11).
4. Depender da intervenção divina evita juramentos irreverentes (5.12).
VII. Uma resposta adequada ao teste da disciplina divina por causa da desobediência inclui
cuidado amoroso e oração confiante (5.13-20).
A. A resposta a Deus em quaisquer situações deve incluir comunicação verbal com Ele
(5.13).
1. A aflição deveria gerar uma petição confiante (5.13a).
2. A alegria deveria gerar louvor (5.13b).
B. Confissão e intercessão mútuas são as formas corretas de reagir à disciplina divina pelo
pecado (5.14-16a).
1. A intercessão dos anciãos é apresentada como o instrumento de restauração
espiritual/física (5.14-15).
2. Confissão e intercessão mútuas são apresentadas como os meios para suspender a
disciplina divina pelo pecado (5.16a).
C. O poder da oração exibido na vida de Elias é um encorajamento a reagir com oração nos
momentos de angústia (5.16b-18).
D. Reagir com oração é encorajado pela promessa de que ela conduz ao arrependimento por
parte dos pecadores e ao perdão por parte de Deus (5.19-20).

O argumento de
1PEDRO
Questões introdutórias
TÍTULO
O título grego para este livro é ΠΕΣΡΟΤ Α (Petrou A), refletindo a autoria e ordem
tradicional do Novo Testamento.
AUTORIA
1Pedro é um dos livros mais bem certificados do Novo Testamento, possivelmente
por causa de sua influência precoce e ampla sobre a Igreja.
Evidência externa.
A primeira referência a 1Pedro encontra-se em 2Pedro 3.1, na qual o apóstolo
menciona uma primeira carta.322
Esta epístola também foi usada ou mencionada em Pseudo-Barnabé 4.12 (cf. 1.17),
6.2 (cf. 2.6), e 7.2 (cf. 4.5). O Pastor de Hermas também utiliza 1Pedro (4.13-16 e 5.7),
uma vez na seção Visões (3.11.3) e duas vezes na seção Similitudes (9.28.5-6).
Policarpo, bispo de Esmirna, citou de forma evidente 1Pedro em sua epístola aos
Filipenses.323
Na época de Irineu de Lyon (c. 130-202) a carta foi amplamente citada como obra do
apóstolo Pedro, com aprovação similar pelos escritores posteriores do século II tais
como Clemente de Alexandria (Oriente) e Tertuliano (Ocidente).
Evidência interna.
Os critérios seguintes de avaliação do texto foram utilizados por alguns estudiosos
para rejeitar a autoria de Pedro: (a) o vocabulário extensivo e a sintaxe refinada da carta

322
Veja O ARGUMENTO DE 2Pedro na página 539.
323
Donald Guthrie levanta o fato de que Policarpo não menciona Pedro como autor do
documento que ele cita, mas que ele nem sempre menciona Paulo, mesmo quando citando
documentos indiscutíveis (New Testament Introduction, pp. 771-772).
tornariam improvável que um rude pescador galileu pudesse tê-la escrito; (b) o uso
intenso da LXX associado a uma linguagem semelhante à da LXX aponta para uma
pessoa com prática literária, não para alguém com um mero conhecimento da versão
grega do Antigo Testamento, o que seria o máximo que poderia ter um pescador sem
instrução formal (ἀγπάμμασορ [agrammatos]; cf. Atos 4.13); (c) as circunstâncias
históricas de perseguição (1.6; 2.12; 4.12-16; 5.8-9) denunciam uma oposição mais
geral ao cristianismo a partir do império romano, quer durante os reinados de
Domiciano (85-96) ou Trajano (98-117); (d) o destino da carta (1.1) não se conforma
com a esfera de ação de Pedro no livro de Atos; (e) parece haver muita coisa tomada de
empréstimo dos escritos paulinos nesta carta para ter sido escrita pelo líder do grupo
apostólico.
Entretanto, estas objeções não são motivo para abandonarmos a autoria de Pedro de
1Pedro porque: (a) O próprio texto indica que Silas (΢ιλοτανόρ, silouanos 5.12,
também conhecido como ΢ιλᾶρ [Silvano]; cf. At 15.32), agiu como amanuense de
Pedro. Isto não apenas oferece uma explicação natural para o grego literário fluente da
epístola, mas também fornece uma explicação plausível acerca da similaridade de
pensamento entre 1Pedro e algumas cartas de Paulo, particularmente a correspondência
aos tessalonicenses, em cuja composição Silas participou com Paulo (cf. 1Ts. 1.1; 2.1);
(b) as extensas viagens de Silas com Paulo e seu ministério entre os gentios devem tê-lo
familiarizado suficientemente com a Septuaginta, capacitando-o assim a ajudar Pedro a
utilizar o Antigo Testamento grego tão livremente; (c) embora a famosa carta de Plínio,
o Jovem, a Trajano, por volta do ano a.D.110 venha da mesma área geral para qual a
epístola foi endereçada, a pergunta que fez e a resposta que recebeu indicam não ter
havido nenhuma mudança na política romana, enquanto a carta indica que os cristãos
não estariam acostumados ao tipo ou nível de perseguição que estavam prestes a
enfrentar (4.12). Além disso, o pogrom de Plínio foi localizado e breve, ao passo que a
perseguição que Pedro proclama será universal (4.17; 5.9); (d) quanto às associações de
Pedro com a área indicada em 1.1, é óbvio que o livro de Atos é tão seletivo em sua
informação que qualquer argumento de silêncio baseado nele está fadado ao fracasso. O
livro de Atos não menciona a presença de Pedro em Corinto ou Roma, mas as epístolas
(no caso de Corinto) e a tradição irrefutável (no caso de Roma) atestam o contrário.
Além disso, Paulo não havia visitado Roma quando escreveu Romanos, o que invalida
definitivamente a objeção; (e) a similaridade de conteúdo e teologia entre esta carta e as
epístolas paulinas existe mas não deveria ser enfatizada. Os serviços do mesmo
amanuense (ou, segundo E. Selwyn, co-autor),324 são parcialmente responsáveis pela
similaridade,325 ao passo que permitem as várias distinções, mais especificamente a
omissão das marcas características de Paulo como a justificação, lei, vida em Cristo, o
Novo Adão e a carne.326
Não é completamente improvável que Pedro possa ter se familiarizado com o
pensamento de Paulo à medida que ministrava mais diretamente entre os gentios,
conforme sugere 2Pedro 3.15-16.
DATA
Uma vez que não existe razão para se negar a Pedro a autoria desta carta, ela precisa
ter sido datada por volta da metade da sétima década do século I.

324
E. Selwyn, The First Epistle of St. Peter, pp. 365-466.
325
Bo Reicke diz que “O companheiro de viagem de Paulo, Silvano, deu ao conteúdo sua
forma e marca pessoais “ (The Epistles of James, Peter, and Jude, p. 70).
326
Guthrie, Introduction, p. 785.
Embora o termo ἀπολογία [apologia] (3.15) possa apontar para uma defesa legal
perante um magistrado oficial, também pode indicar um testemunho cristão individual
em resposta a um desafio particular da fé e conduta de alguém. Semelhantemente, a
expressão ―prova ardente‖ (πύπψςιρ [purōsis], 4.12) tem sido usada por algumas
pessoas para apontar uma época depois da eclosão da perseguição neroniana em 64, mas
outras passagens na carta sugerem que ela foi escrita algum tempo antes das
hostilidades para com os cristãos patrocinadas pelo Estado eclodirem. Algumas
expressões são: sofrer como um cristão em contraste com sofrer como um criminoso
comum (4.15-16); a reação dos antigos amigos e companheiros de pecado como fonte
de oposição aos cristãos (4.3-4); a fala ignorante dos tolos foi uma fonte de oposição
(2.15). Até mesmo o versículo utilizado para provar uma data posterior (3.15), pode
comprovar uma data anterior, uma vez que após o cristianismo ter sido declarado uma
religio illicita nenhuma quantidade de ἀπολογία alteraria a visão dos opositores acerca
do cristianismo, conforme pressupõe 3.15.
Um argumento final, ainda que a partir do silêncio, é que não existem sugestões da
adoração do imperador, uma vez que se considera que o livro tenha sido escrito na
época de Dominiciano. Apocalipse contém sugestões de tal atividade, enquanto 1Pedro
ordena confiantemente que os crentes ―honrem o rei‖.
A data para esta epístola, então, deve ser pouco antes da eclosão da perseguição de
Nero no verão de 64. Este escritor não encontra problema na idéia de que esta carta foi o
produto final do ministério de revelação do Espírito para e por intermédio de Pedro na
preparação para a provação que a Igreja enfrentaria nos anos vindouros.
ORIGEM
Os dois maiores candidatos ao lugar de origem de 1Pedro são Babilônia no Eufrates
e Roma.327 A primeira tem como os argumentos principais a seu favor o significado
literal da palavra e a existência de uma população judaica significativa na Mesopotâmia.
A origem de Roma deriva sua força da tradição de que Pedro passou os últimos anos
de sua vida lá, bem como do fato de que a própria Roma se prestava a ser identificada
como ―Babilônia‖, pois tipificava a oposição humana organizada contra o povo de
Deus. O fato de que outros elementos do versículo (5.13) também são figurativos (e.g.,
Marcos sendo filho de Pedro e a referência à igreja como mulher) também sugere que o
que alguns chamam de ―referência críptica‖ era uma forma razoavelmente natural de se
referir à fonte principal de oposição à Igreja sem levantar hostilidade desnecessária.
Uma abordagem menos comum à sua origem é dada por J. D. Pentecost, que sugere
Antioquia como lugar de origem traçando uma comparação entre Antioquia, o lugar
onde os cristãos judeus em exílio se estabeleceram, e Babilônia, o lugar onde os judeus
exilados se estabeleceram no Antigo Testamento.328
OCASIÃO
Parece haver duas causas principais para a composição desta epístola. A consciência
de que a igreja na parte norte central da Ásia Menor estaria experimentando um
episódio inédito de perseguição (1.6; 3.13-17; 4.12-19) era a primeira; a segunda é um
desprezo aparente da distinção que deveria haver entre cristãos e pagãos em termos de

327
D. Edmond Hiebert também menciona uma Babilônia no Egito, um pequeno posto militar
avançado perto da localização presente do Cairo (An Introduction to the New Testament, p.
3.117), mas esta teoria possui contra si a improbabilidade de Pedro, Silas e Marcos estarem
todos ao mesmo tempo num local remoto e insignificante; a falta de tradição é outro
obstáculo para este ponto de vista.
328
J. D. Pentecost, notas de aula do Seminário em Hebreus e Epístolas Gerais, Seminário
Teológico de Dallas, outono de 1990.
conduta e associação (2.11-12, 16; 4.1, 15). Estes dois elementos correspondem à ênfase
na esperança e no chamado celestial, que se oporia à tendência natural ao desespero e ao
relaxamento na conduta cristã.
Argumento básico
PROPÓSITO
1Pedro possui um tom acentuadamente pastoral, à medida que o apóstolo tenta
fornecer orientações e exortações para uma resposta cristã adequada à oposição da
sociedade mundana à luz da salvação celestial dos crentes.
A passagem em que Pedro chega mais perto de uma afirmação de propósito é 5.12,
na qual o apóstolo afirma: ... eu lhes escrevi resumidamente, encorajando-os e
testemunhando que esta é a verdadeira graça de Deus. Mantenham-se firmes na graça
de Deus. Evidentemente, o início da oposição e a oportunidade que isso proveu, para
negligenciar o comportamento espiritual, motivaram o apóstolo a passar do assunto de
salvação e seus privilégios para a responsabilidade de submissão e daí para a reação
adequada ao sofrimento.
Esta abordagem à carta observa o seguinte propósito para 1Pedro.
Encorajar o viver cristão que honra a Deus no meio de oposição crescente
refletindo sobre as reações exigidas pela vocação celestial do crente.
DESENVOLVIMENTO
O tema básico de 1Pedro é a reação adequada ao sofrimento e à oposição à luz da
nova posição privilegiada que os crentes receberam em virtude de sua salvação em
Cristo. Este tópico é bastante prático, mas a epístola contém várias das mais amadas
afirmações doutrinárias do Novo Testamento com relação à salvação cristã (1.3-12), à
natureza e ao processo de redenção (1.18-21), aos privilégios e missão da Igreja (2.9-
10), às definições precisas dos meios e propósitos da Expiação (2.24 e 3.18), bem como
o controvertido parágrafo em 3.19-22, visto por alguns como uma das passagens mais
difíceis do Novo Testamento.
A primeira divisão principal da carta (1.1–2.10) contém a saudação (1.1-2), que
define os destinatários como ἐκλεκσοῖρ … κασά ππόγνψςιν θεοῦ πασπόρ, ἐν ἁγιαςμῶ
πνεύμασορ εἰρ ὑπακοήν καί ῥανσιςμόν αἵμασορ Ἰηςοῦ Φπιςσοῦ (eklektois … kata
prognōsin theou patros e hagiasmō pneumatos eis hupakoēn kai rantismon haimatos
Iēsou Christou; ―eleitos segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito
para a obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo‖), passagem que estabelece os
papéis exercidos pelo Pai, pelo Espírito e pelo Filho na salvação. Esta apresentação de
Deus em relação à condição de ―exilados‖ dos leitores define o tom quanto ao tema do
sofrimento como parte da vontade de Deus para eles de forma a modelar efetivamente o
padrão de Cristo em suas vidas (cf. 2.21).
O parágrafo seguinte (1.3-12) analisa a salvação fornecida aos crentes por meio da
regeneração (ἀναγέννηςιρ [anagennēsis]) operada por Deus (1.3). Os crentes desfrutam
de uma esperança viva (1.3), de uma herança incorruptível (1.4), uma proteção
inviolável (1.5), uma fé valiosíssima (1.7), e uma alegria inexprimível (1.9). A
dimensão e a profundidade plenas de tal salvação constituem algo pelo qual os santos
sob a orientação divina e os anjos sob a glória divina sempre desejaram compreender
(1.10-12). Ao mencionar seus privilégios fabulosos, Pedro fornece uma perspectiva
apropriada para as provações que estão enfrentando por causa de sua submissão a
Cristo.
Começando com 1.13, Pedro combina a exposição e exortação à medida que observa
de forma mais profunda a salvação cristã, focalizando particularmente o seu preço - a
morte substitutiva do Messias (1.18-20) - e seu processo - a regeneração obtida por
meio da pregação da Palavra de Deus – (1.21-23). No processo de estabelecer o tom
para ordens específicas dadas na última parte da epístola, Pedro desafia seus leitores a
estarem esperançosos e serem santos, não apenas por causa do caráter de Deus (1.16),
mas também por causa do alto preço pago por seu livramento da conduta pecaminosa
herdada de seus antepassados (1.18-19).
Uma vida como essas deve ser marcada pelo desenvolvimento, à medida que aquelas
coisas das quais Cristo nos salvou por Sua morte são abandonadas e substituídas por
aquilo que Ele provê pela apropriação pessoal de Sua palavra (2.1-3).
Os dois privilégios desfrutados pelos crentes em seu relacionamento com Cristo são
considerados a seguir nesta porção motivacional da carta, o serem parte da habitação
espiritual de Deus, e o serem membros do sacerdócio santo de Deus (2.5-6); a
alternativa para tal privilégio é a condenação dos descrentes face à sua rejeição da Pedra
Viva, a base de toda esperança e privilégios cristãos (2.7-8).
A nova posição oferecida aos crentes como povo santo e escolhido de Deus, um
sacerdócio real, é a base para sua missão, declarar os atributos gloriosos de Deus
perante o mundo (2.9-10).329
A terceira divisão da carta enfatizará a resposta cristã de submissão nos diversos
relacionamentos nos quais os leitores se encontram (2.11 - 3.12). A exortação geral é
fornecida em 2.11-12, seguida de injunções concernentes à autoridade civil (2.13-17), às
relações familiares (2.18-25),330 aos relacionamentos matrimoniais (3.1-7), e aos
relacionamentos dentro da comunidade cristã (3.8-12).
A resposta adequada em cada uma dessas circunstâncias significava abrir mão de
direitos em favor de relacionamentos, mesmo debaixo de algum tipo de pressão,
conforme exemplificado pelo Servo Cristo (2.21ss.), pela submissa Sara (3.5-6), e pelo
salmista sofredor (3.10-12).331
A quarta seção (3.13 - 4.19) se encaixa com o propósito do livro ao apresentar as
expectativas que alguém pode ter do sofrimento justo (3.13-17), o encorajamento

329

Comentaristas não-dispensacionalistas usam esta passagem para afirmar a identidade entre


a Igreja e o “verdadeiro Israel” (cf. Reicke, Epistles, p. 93). Entretanto, o fato de que Pedro
utiliza a terminologia do Antigo Testamento não iguala a Igreja a Israel. O relacionamento
desfrutado pela Igreja é diferente ainda que sua missão seja similar; a linguagem é empregada
porque os gentios estavam sob a mesma condição (não sendo povo de Deus) em que uma vez
que Israel esteve sob maldição divina por causa da apostasia; por isso o uso de Oséias 1.6, 9;
2.1, 22. Conforme Blum assinala (“1Pedro,” em EBC 12:231), a reinstituição de Israel como
agência divina de bênção (Rm. 11.13-16, 23-24), nos impede de igualar a Igreja a Israel aqui e
em qualquer outro lugar.
330
Não pode haver dúvida de que a inserção que Pedro faz do exemplo de Cristo neste
momento se relaciona tanto ao tema geral de sofrimento e à sua visão de Cristo como Servo
de Yahweh, cujo sofrimento inocente (e vicário) deveria ser o modelo após o qual os crentes
deveriam enfrentar as injustiças que sofreriam como cristãos, considerando-as como uma
continuação da missão do Servo (assim como Paulo considerou sua pregação aos gentios como
outro aspecto de tal continuação).
331
A citação que Pedro faz do Salmo 34 é bastante oportuna aqui, uma vez que a postura de
Davi naquele Salmo é a de alguém que sofreu, mas foi aliviado do sofrimento pela misericórdia
e fidelidade de Deus, e pode, portanto, aconselhar outros que estão sofrendo a como se
apropriarem da paz de Deus por meio da oração e da prática da humildade (3.8-9).
originado a partir da experiência de Cristo como o Justo Sofredor (3.18-22),332. A
exortação a uma atitude de preparação espiritual contra a tentação para fugir do
sofrimento por meio da conformidade com o mundo à sua volta (4.1-11),333 e a
resistência necessária para permitir que o sofrimento alcance o propósito de abençoar e
aperfeiçoar crentes à medida que partilham dos sofrimentos de Cristo porque exibem
Seu caráter (4.12-19); tais sofrimentos precisam, portanto, ser encarados com alegria,
conforme instado no início da epístola (4.13, cf. 1.6, 8). A seção termina com a idéia de
que os crentes precisam refletir, em meio ao sofrimento, a mesma confiança tranqüila
que Cristo demonstrou na cruz. Pedro sugere isso empregando o mesmo verbo que
Jesus usou quando entregou Seu espírito ao Pai, παπασίθημι [paratithēmi] (4.19).
A quinta e última porção principal contribui para o propósito do livro apresentando o
sistema sob o qual os cristãos devem funcionar enquanto passam por perseguição (5.1-
11). A igreja precisa refletir em seus relacionamentos o amor dos pastores (5.1-4) e a
submissão das ovelhas (5.5-7), especialmente à luz dos ataques de Satanás como um
leão que ronda e que ruge, e que Deus derrotará à medida que graciosamente nos dá a
vitória sobre o sofrimento (5.8-11).
A conclusão (5.12-14) afirma o propósito da carta e menciona aqueles que se
associaram com Pedro em Roma na época da escrita da carta. A conclusão menciona os
dois elementos com os quais os leitores foram saudados na introdução. Pedro deixa
claro que uma vida marcada por sofrimento também é fruto da graça [φάπιρ, charis] de

332
A interpretação muito debatida desta passagem gira em torno de três focos, muito bem
resumidos por Blum: (1) Quem são os espíritos para quem Cristo fez esta proclamação? (2)
quando e como tal proclamação foi feita? (3) qual foi o conteúdo de tal proclamação? (Blum,
“1Peter,” em EBC 12:241).
A primeira linha de interpretação afirma que Jesus, durante o intervalo entre Sua morte e
ressurreição foi ao reino dos mortos e pregou aos espíritos desencarnados dos
contemporâneos de Noé, onde Ele pronunciou juízo sobre eles ou proclamou salvação a eles.
A segunda linha de interpretação enxerga Jesus em Seu estado pré-encarnado ou num sentido
espiritual (πνεύμασι) proclamando juízo à geração antediluviana através de Noé.
A terceira linha de interpretação enxerga a proclamação feita por Cristo, acerca de Seu triunfo,
a anjos caídos, quer durante os três dias entre a morte e a ressurreição ou em Seu estado
ressurreto. Este ponto de vista entende que os anjos caídos foram participantes da história
antediluviana, e que seu envolvimento com as filhas dos homens foi a ocasião para sua
“desobediência”. Este autor prefere o segundo ponto de vista pelas seguintes razões: (a) A
expressão pneuvmati acomoda tanto a idéia de um estado pré-encarnado de vida quanto o
conceito de Noé como o agente humano de tal proclamação; (b) a descrição da audiência
como σοῖρ ἐν υτλακῇ πνεύμαςιν (tois en fulakē pneumasin) está de acordo com sua condição
espiritual
presente; (c) sua descrição como ἀπειθήςαςίν ποσε … κιβψσοῦ (apeithēsasin pote … kibōtou)
aponta mais claramente para os contemporâneos humanos de Noé do que para anjos cujo
suposto relacionamento sexual com mulheres poderia ter acontecido séculos antes da vida de
Noé; (d) há um melhor paralelo contextual entre Noé como pregador, passando por provações
e sendo libertado, e os leitores de Pedro oferecendo uma ἀπολογίαν (apologian), passando
por provações, e esperando libertação.
333
Parece que aqui os cristãos são tentados à conformidade em duas áreas. primeira, eles
são tentados a viver na sensualidade (4.1-6) e tentados a agir com egoísmo (4.7-11).
Deus (5.12) e que mesmo em meio a tais conflitos todos que estavam em Cristo [ἐν
Φπιςσῶ, en Christō] (5.14) poderiam desfrutar de Sua paz (εἰπήνη, eirēnē).
ESBOÇO SINTÉTICO
Mensagem
O viver cristão que honra a Cristo depende da reação adequada às exigências da
vocação celestial dos crentes.
I. Saudação – Os eleitos a quem o Trino Deus abençoou recebem o desejo de abundante
graça e paz (1.1-2).
A. Os leitores recebem o título de ―peregrinos‖ (1.1).
B. Os leitores são reconhecidos como objetos da atividade salvadora do Trino Deus (1.2).
1. Eles foram escolhidos de acordo com a presciência do Pai (1.2a).
2. Eles foram separados pelo Espírito Santo (1.2b).
3. Eles foram destinados à obediência e ao perdão por intermédio de Jesus Cristo (1.3c).
II. A posição privilegiada da qual os crentes desfrutam em virtude de sua salvação dada por
Deus fornece incentivos espirituais à reação adequada às circunstâncias (1.3-12).
A. As bênçãos da salvação são a fonte de louvor para Pedro e seus leitores (1.3-9).
1. Os crentes desfrutam de uma esperança imortal (1.3).
2. Os crentes desfrutam de uma herança indestrutível (1.4).
3. Os crentes desfrutam de uma proteção inviolável (1.5).
4. Os crentes desfrutam de uma fé inestimável (1.7).
5. Os crentes desfrutam de uma alegria inexprimível (1.6, 8-9).
B. As bênçãos da salvação eram a fonte de reflexão para profetas e anjos (1.10-12).
1. Profetas previram tais bênçãos, mas não conseguiam compreendê-las bem (1.10-12a).
2. Os anjos anelam por compreender o mistério da redenção (1.12b).
III. A vida terrena do crente precisa refletir o caráter de Deus e respeitar a obra inestimável
de Cristo em seu favor na salvação (1.13 - 2.10).
A. A vida terrena do crente precisa refletir o caráter santo de Deus por meio de obediência e
temor (1.13-17).
B. A vida terrena do crente precisa respeitar a inestimável obra salvadora de Cristo em seu
favor (1.18–2.10).
1. Os crentes precisam conhecer e valorizar o custo de sua salvação (1.17-21).
2. Os crentes precisam permitir que sua nova natureza dada por Deus floresça em amor
mútuo e pureza de conduta (1.22 - 2.3).
3. Os crentes devem perceber seu novo papel na sociedade como comunidade espiritual
escolhida por Deus (2.4-10).
• Eles formam um novo Templo, edificado em Cristo, no qual como novo sacerdócio
oferecem sacrifícios de adoração espirituais e aceitáveis (2.4-8).
• Eles desfrutam novos relacionamentos para com Deus de forma a torná-lO conhecido
como o Deus Salvador misericordioso por meio do testemunho (2.9-10).
IV. Os relacionamentos terrenos do crente precisam refletir submissão à autoridade
decretada por Deus conforme exemplificada por Jesus, o Servo Sofredor (2.11 - 3.12).
A. Viver adequadamente como crente significa reconhecer sua posição de peregrino e a
necessidade de uma conduta inatacável como tal (2.11-12).
B. Os crentes precisam ser submissos às autoridades civis (2.13-17).
1. Motivo – Autoridades civis em diferentes níveis são instrumentos de Deus (2.13-14).
2. Propósito – Submissão é o método de Deus de silenciar a ignorante oposição ao
Evangelho (2.15-16).
3. Escopo – A submissão se expressa em todos os níveis de relacionamento cristão (2.17).
• Respeito é submissão a outros homens (2.17a).
• Amor é submissão aos irmãos (2.17b).
• Temor é submissão a Deus (2.17c).
• Honra é submissão ao rei (2.17d).
C. Os crentes escravos precisam ser submissos a seus senhores de forma a partilharem da
atitude de Cristo (2.18-25).
1. A submissão aos senhores é um dever a despeito do caráter deles (2.18).
2. Submissão sob pressão permite que um escravo crente partilhe da aprovação concedida
por Deus ao Seu Servo sofredor (2.19-21).
3. A submissão confiante a Deus debaixo de um sofrimento injusto capacitou Jesus a Se
tornar um Salvador e Pastor misericordioso (2.22-25).
D. Os crentes precisam demonstrar submissão em seus relacionamentos matrimoniais (3.1-
7).
1. Esposas crentes demonstram submissão sendo submissas (3.1-6).
• O propósito da submissão é ganhar maridos para Cristo através de um testemunho
silencioso (3.1-2).
• O exemplo de submissão eram as mulheres antigas que cultivavam a beleza interna por
meio da obediência (3.3-6).
2. Maridos crentes demonstram submissão sendo sensíveis às suas esposas (3.7).
• O exemplo de submissão é o manuseio de um vaso frágil (3.7a).
• O propósito de submissão é o desfrute pleno dos privilégios espirituais comuns (3.7b).
E. Os crentes precisam demonstrar submissão em seus relacionamentos comunitários (3.8-
12).
1. O modelo de submissão é uma vida plena em virtude e livre de índole vingativa (3.8-9).
• A vida de um crente precisa demonstrar um amor altruísta, harmonioso, compassivo e
humilde (3.8).
• A vida de um crente não deve ser marcada por uma índole vingativa, mas pela
demonstração de perdão de acordo com as bênçãos que recebeu de Deus (3.9).
2. O propósito de submissão é desfrutar a plenitude da provisão de Deus para aqueles que
abrem mão de seus direitos no sofrimento (3.10-12).
V. A reação do crente ao sofrimento por Cristo deveria ser positiva à luz do que Deus
produz, por meio das provações, na vida das pessoas compromissadas com Ele (3.13 -
4.19).
A. A expectativa do crente em meio ao sofrimento injusto é que Deus o abençoará e
fornecerá oportunidade para testemunhar de Cristo (3.13-17).
1. A expectativa do crente em meio aos maus-tratos pela prática das virtudes cristãs é que
mesmo sendo aqueles injustificados, não são inúteis para ele (3.13-14).
2. Os maus-tratos pela prática de virtudes cristãs fornecem aos cristãos de consciência limpa
oportunidades para o testemunho sensato (3.15-17).
B. O encorajamento do crente a uma atitude positiva em meio ao sofrimento injusto é que o
sofrimento não justificado foi o contexto no qual Deus forneceu a salvação (3.18-22).
1. O sofrimento injusto foi o contexto no qual Cristo realizou Sua obra de salvação em Sua
encarnação (3.18).
2. A rebelião humana contra a virtude e a verdade foi o contexto no qual a mensagem divina
de livramento foi proclamada antes da Encarnação (3.19-20).
3. A identificação com Cristo por meio do batismo pode causar sofrimento humano mas
fornece parte no triunfo celestial do Ressurreto (3.21-22).
C. A exortação do crente a uma atitude positiva em meio ao sofrimento injusto é abandonar
a conformidade ao mundo e demonstrar um compromisso pleno para com Cristo (4.1-
11).
1. Uma atitude positiva em meio ao sofrimento injusto significa abandonar a conformidade
para com o mundo (4.1-6).
• A adoção de Cristo como modelo do sofredor justo capacita o crente a apropriar-se de Sua
atitude e a vencer o pecado (4.1-2).
• A renúncia à conduta pecaminosa prévia acarretará aos crentes a rejeição de seus antigos
amigos pecadores (4.3-4).
• A prestação de contas no juízo final justificará os crentes sofredores vivos e mortos e
punirá os perseguidores ímpios (4.5-6).
2. Uma atitude positiva em meio ao sofrimento injusto significa um compromisso pleno da
pessoa para com Cristo (4.7-11).
• O motivo para o compromisso pleno é a iminência do fim (4.7a).
• O meio de se expressar o compromisso pleno é viver para os outros (4.7b-11a).
... por meio da oração (4.7b).
... por meio do amor (4.8).
... por meio da hospitalidade (4.9).
... por meio do uso dos dons (4.10-11a).
• O propósito do compromisso pleno é a glória maior de Deus por intermédio de Cristo
(4.11b).
D. A resistência do crente em meio ao sofrimento injusto é necessária porque esta é a forma
de Deus abençoar e aperfeiçoar Sua família (4.12-19).
1. Os cristãos deveriam resistir com alegria ao sofrimento, pois desta forma eles partilham
das provações e triunfos de Cristo (4.12-13).
2. Apenas o sofrimento em favor de Cristo qualifica um crente para a bênção (4.14-16).
3. A resistência é necessária porque o sofrimento é uma forma de Deus aperfeiçoar Sua
família (4.17-18).
4. A resistência evidenciada pela prática da justiça é o que capacita os sofredores justos a
demonstrarem confiança em Cristo (4.19).
VI. O sistema no qual os crentes confrontam o sofrimento é um sistema de amor e
humildade mútuos à medida que confiam em Deus contra as ameaças de Satanás (5.1-
11).
A. Os anciãos precisam agir como pastores do rebanho, líderes amorosos e altruístas que
guiam pelo exemplo na esperança de recompensas celestiais por parte do Supremo
Pastor (5.1-4).
B. Membros mais jovens precisam se submeter aos seus líderes como ovelhas e demonstrar
humildade em suas relações mútuas à medida que permitem que Deus cuide de suas
circunstâncias (5.5-7).
C. Pastores e ovelhas precisam estar atentos e resistir ao leão Satanás, cujo plano de destruir
os cristãos por meio do sofrimento será destruído pelo chamado eficaz de Deus à glória
(5.8-11).
Conclusão – Escrita de Roma, com a ajuda de Silvano, a carta tem o propósito de encorajar
os crentes que sofrem e testificar que a graça de Deus está presente no sofrimento, em
meio ao qual os que estão em Cristo podem achar a paz de Deus (5.12-14).
O argumento de
2PEDRO
Questões introdutórias
TÍTULO
O título grego para esta epístola é simplesmente ΠΕΣΡΟΤ Β (Petrou B), indicando o
nome do autor e a distinguindo da epístola anterior que possui um nome igual.
CANONICIDADE E AUTORIA
2Pedro é, sem sombra de dúvidas, o livro mais controverso do Novo Testamento.
Sua tardia aceitação no cânon e as dúvidas persistentes com relação à autoria de Pedro
ao longo da história da igreja ainda levam muitos a considerá-la suspeita.
Talvez este seja o sentimento dominante hoje entre os estudiosos, expresso por Bo
Reicke.
Sem dúvida, a epístola apresenta o apóstolo Pedro como seu autor … Entretanto,
precisamos reconhecer que aqui, ainda mais do que na primeira epístola, seja razoável
supor que um seguidor de Pedro tenha composto os escritos em nome desse grande
homem.334
Ainda assim, estudiosos conservadores crêem que a canonicidade do livro e a autoria
de Pedro podem e devem ser defendidas. Os argumentos em favor de sua autenticidade
são os seguintes:
Evidência externa. Existem possíveis referências a 2Pedro em Clemente de Roma
(Epístola aos Coríntios 11.1; cf. 2Pe 2.6-9) e Pseudo-Barnabé 15.4 (cf. 2Pe 3.8).335
Outras possíveis referências encontram-se nos escritos de Policarpo (c. 70-155), Inácio
de Antioquia (m. 116), Justino Mártir (100-165), O Pastor de Hermas (c. 140), e Irineu
(140-203). Embora nenhuma dessas referências possa ser provada de forma conclusiva,
como até mesmo um conservador como Hiebert indica336, seu peso cumulativo sugere
que menos de um século depois de sua composição a epístola possuía aceitação entre
autores cristãos por todo o império romano. Outra evidência antiga é o uso
inconfundível de 2Pedro pela obra pseudepigráfica Apocalipse de Pedro, datado de
cerca de a.D. 130.
Por outro lado, é necessário reconhecermos que nem o Cânon Muratoriano (170),
nem a Itala (antiga versão latina, c. a.D. 150), nem a antiga versão siríaca (c. 200)
contém 2Pedro. Entretanto, estas omissões podem se dever a outras causas. O Cânon
Muratoriano não está completo e também não possui 1Pedro, cuja autenticidade jamais
foi questionada no Ocidente. No que diz respeito à antiga versão siríaca, a omissão pode
se dever ao uso aparente de material extrabíblico em 2Pedro e na carta de Judas, que
também foi omitida.
Clemente de Alexandria (155-215) parece ter familiaridade com o livro embora não
existam referências a ele em seus escritos existentes. Eusébio, o historiador, afirma que
Clemente fez comentários até mesmo sobre os chamados antilegomena,337 ―o livro de

334
Bo Reikce, The Epistles of James, Peter, and Jude , AB 37, p. 143, itálico do autor.
335
Norman Geisler e William Nix, Uma Introdução Geral à Bíblia, p. 189.
336
D. Edmond Hiebert, An Introduction to the New Testament, 3:137.
337
Livros cuja autenticidade era contestada nos primeiros séculos da história da Igreja.
Judas e as outras epístolas católicas‖;338 isto incluiria 2Pedro de acordo com a
classificação de Eusébio.
No terceiro século, 2Pedro não é mencionado entre os primeiros escritores tais como
Tertuliano e Cipriano. Esses dois, embora autores proeminentes, vieram do Norte da
África, muito distante do destino original e da circulação inicial da epístola. Apesar
disso, Cipriano pode ter conhecido 2Pedro uma vez que Firmiliano, bispo de Cesaréia
Capadócia, escreveu a ele e atribuiu esta epístola a Pedro.339
Escritores posteriores do século III, como Orígenes, mencionam 2Pedro de uma
forma um tanto ambígua; a tradução latina das obras de Orígenes, entretanto, contém
inúmeras citações explícitas de 2Pedro sem indicações de dúvida.
No século IV, o quadro muda de forma dramática em favor da Epístola. Embora
ainda enfrentando resistência por parte da igreja síria (Crisóstomo e Teodoro de
Mopsuéstia não fazem referência a ela), ela foi recebida como sendo escrita por Pedro
no Egito (Atanásio, 298-373), Chipre (Epifânio, 315-403), Ásia Menor (Gregório de
Nazianzo, 330-390, e Basílio de Constantinopla, 329-379), Jerusalém (Cirilo 315-386),
Itália (Ambrósio, 340-397), Gália (Hilário de Poitiers, c. 300-367), e África do Norte
(Agostinho, 354-430). Além disso, Jerônimo (340-420) a incluiu na Vulgata, ainda que
tenha registrado sua opinião erudita de que ela possuía um estilo diferente de 1Pedro,
sendo desta forma sendo um livro discutido.
O testemunho de Eusébio já foi previamente mencionado; o aspecto significativo da
sua forma de lidar com 2Pedro é que ele não a classificou como o que ele sabia serem,
sem sombra de dúvidas, obras extracanônicas de Pedro (Evangelho, Atos e
Apocalipse).340
Perto do final do século IV, 2Pedro foi reconhecida como canônica pela Igreja
Oriental (Concílio de Laodicéia, 363) e pela Igreja Ocidental (Terceiro Concílio de
Cartago, 397).
Mais uma peça-chave na evidência precisa ser mencionada, a saber, o uso de 2Pedro
pela epístola de Judas. Este escritor crê que Judas fez uso das profecias de Pedro em sua
epístola canônica dentro de menos de um quarto de século. Os motivos para este ponto
de vista estão alistados na relação entre 2Pedro e Judas na p. 545.
Assim sendo, a evidência externa sugere que a igreja cresceu em sua conscientização
da carta e referências esporádicas facilitaram o reconhecimento popular que levou, por
fim, à aceitação erudita e eclesiástica. O ritmo lento desse processo pode ter a ver com
os seguintes fatores: (a) A carta não foi direcionada a qualquer congregação em
particular, e isso pode ter diminuído seu ritmo de propagação; (b) a abundância de obras
extracanônicas atribuídas a Pedro tornou as pessoas cautelosas com relação a
propagarem uma carta semi-apocalíptica sem destinatários específicos; e (c) a reação de
movimentos heréticos contra seu algoz pode ter contribuído para a cautela que os
ortodoxos lidaram com ela.341

338
História Eclesiástica, 6.14.
339
Sua Epístola 75 diz que Pedro execrou os heréticos e os alertou acerca deles. Uma vez
que 1Pedro não menciona heresia, esta deve ser uma referência a 2Pedro. Isto é considerado
por alguns como “a primeira referência certa à Epístola de São Pedro”, no Ellicott’s
Commentary on the Whole Bible, 8:438.
340
Hiebert, Introduction 3:134.
341
A discussão precedente é fortemente influenciada por Donald Guthrie, New Testament
Introduction, e E. Michael Green, The Second Epistle General of Peter and the General Epistle of
Jude, TNTC (esta última obra é um tratado brilhante acerca do problema).
Evidência interna. Os argumentos contra a autoria de Pedro e sua refutação estão
resumidos na tabela a seguir:

Evidência interna a favor e contra a autoria petrina de 2Pedro


Argumentos contrários Argumentos a favor
Embora seja verdade que um falsário
O autor oferece inúmeras referências piedoso seria capaz de fazer isso, é de se
pessoais (tais como seu nome duplo, a surpreender que apenas estes tenham
transfiguração e a profecia acerca da morte sido mencionados. Além disso, epístolas
de Pedro) de forma a convencer as pessoas genuínas tal como a de Gálatas abundam
a aceitarem essa carta como um documento em detalhes pessoais; não existe motivo
de Pedro. para o próprio Pedro não incluir uma ou
duas notas pessoais.
Esta falta de citações aponta antes para
Existem pouquíssimas referências às uma autoria apostólica, uma vez que
palavras de Jesus ou fatos a respeito de Sua Pedro não sentiria a pressão de uma
vida, conforme encontrados em 1Pedro. citação copiosa, prática que começou
com Clemente de Roma.
A ausência de indicação de um público
A realidade da Primeira Epístola,
específico indica que a segunda epístola foi
especialmente caso escrita pouco antes
direcionada para a igreja universal, desta
da Segunda, teria tornado a repetição
forma traindo a referência do autor à
dos destinatários algo desnecessário.
Primeira Epístola em 3.1.
Isto presume que o processo de
reconhecimento foi lento. Evidências
A referência à primeira epístola e às bíblicas e extrabíblicas, no entanto,
epístolas de Paulo como Escrituras demonstram que dentro de menos de
autorizadas denuncia uma data pelo menos duas décadas a literatura do NT já tinha
mais recente do que a morte dos dois sido reconhecida como Escritura (cf.
apóstolos, possivelmente no século II. 1Tm 5.18). Além disso, o argumento
despreza a autoconsciência da
inspiração pelos apóstolos.
O estilo de 2Pedro reflete um pano de
fundo aramaico e uma escola asiática do
grego. Isso pode ser explicado caso
Pedro tenha utilizado amanuense
(Silvano) para 1Pedro e tenha escrito ele
O estilo de 2Pedro difere abruptamente do
mesmo 2Pedro. O freqüente argumento
de 1Pedro, desta forma tornando
de que Pedro não podia escrever grego é
impossível a autoria da mesma pessoa nas
infundado, uma vez que pessoas na
duas epístolas.
Galiléia eram praticamente bilíngües e
algumas trilíngües (Aramaico, Grego e
Latim). Além disso, um falsário teria se
esforçado ao máximo para imitar o
estilo, de forma a garantir aceitação.

A menção de ―seus santos apóstolos‖ e de A referência aos apóstolos não exclui o


―todas‖ as epístolas de Paulo indica uma autor, que se inclui entre eles (1.1), e se
época na qual nenhum apóstolo estava por refere àqueles que ministraram na
perto quando o cânon paulino foi região para onde a (primeira) epístola
completado. foi enviada. “Todas” não significa
necessariamente a 13a epístolas
canônicas. Isso pode significar (e de fato
significa) aquelas que eram conhecidos
por Pedro no momento da escrita.
O contexto argumenta fortemente contra
A frase ―nossos antepassados morreram‖
a interpretação de “antepassados” como
(3.4) aponta para a primeira geração dos
cristãos; ela significa claramente
cristãos, desta forma indicando uma data
antepassados ou ancestrais no sentido
do século II.
genérico da palavra.
Existem mais semelhanças que
diferenças entre os vocabulários de 1 e
2Pedro; além disso, o número de
O elevado número de hapax legomena em expressões incomuns compartilhadas por
2Pedro sugere um autor diferente. 1 e 2Pedro, e as similaridades no
vocabulário entre 2Pedro e os discursos
de Pedro em Atos apontam claramente
para uma autoria petrina.
A questão de prioridade entre Judas e
2Pedro é, na melhor das hipóteses,
O uso flagrante de Judas por 2Pedro indica
indefinida; é possível argumentar
que outra pessoa escreveu 2Pedro, pois um
claramente contra isso. Em qualquer
apóstolo não ―plagiaria‖ de um autor ou
nível, a citação de Escritura inspirada não
escrito de menos autoridade.
é vergonha, nem mesmo para um
Apóstolo.
Os argumentos anteriores são prova de que 2Pedro é, de fato, uma carta legítima de
Pedro. Conforme indicou Gangel: ―nenhum argumento contra a autoria de Pedro é
conclusivo e nenhuma evidência nova refutou, de forma bem-sucedida, a reivindicação
de autoria apostólica da epístola‖.342
DATA, ORIGEM E DESTINO
Se alguém aceitar que os três últimos anos de Pedro foram passados em Roma, onde
Paulo esteve aprisionado uma vez por dois anos, onde escreveu quatro de suas epístolas
canônicas, e onde uma forte igreja recebeu a opus maximus de Paulo, a referência a
todas as epístolas de Paulo não exige uma data do século II para 2Pedro. A referência
teria sido às cartas paulinas existentes em Roma durante a segunda metade da sétima
década do século I. A data de 2Pedro deve ficar entre 65 e 67, quando Pedro foi
martirizado.
Um argumento adicional para essa data é a eclosão da heresia na Ásia Menor nesta
época, que é bastante evidente nas Epístolas Pastorais, e que forçou Paulo a alterar seus
planos originais de ir para o ocidente após sua ―visita‖ a Roma.
O destino mais provável da epístola é a área da atual Turquia que na época abrangia
―Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia‖ (1Pe 1.1), à luz de 3.1. Entretanto, existe a
possibilidade de que uma primeira carta a outra região não tenha sido preservada, desta
forma tornando o destino incerto. Uma perspectiva superior de inspiração tornaria essa
hipótese menos aceitável.
A RELAÇÃO ENTRE 2PEDRO E JUDAS
2Pedro e Judas estão numa relação do tipo ovo-galinha, com estudiosos defendendo a
prioridade de cada epístola sem uma palavra definitiva acerca do assunto. Guthrie, um
dos principais autores conservadores, classifica a questão como indefinida. 343 O motivo
342
Kenneth O. Gangel, “2 Peter,” em The Bible Knowledge Commentary: New Testament
Edition, p. 861.
343
Guthrie, Introduction, p. 926.
para o debate é a grande similaridade entre 2Pedro 2.1–3.4 e Judas 4-18. Estas duas
passagens partilham os seguintes temas: falsos mestres (antinomianos), sua imoralidade,
ganância, arrogância, engano, e juízo final.
Apesar da similaridade, as diferenças indicam que isso não foi um simples caso de
plágio ou cópia, mas de autores independentes lidando com os mesmos temas e
empregando terminologia e estilo similares.344 Dessa forma, a pergunta a ser respondida
é: Quem usou quem?
Quatro respostas foram propostas. Um extremo é que ambos escreveram de forma
completamente independente um do outro, desta forma fazendo da inspiração o único
motivo para a semelhança. Esta visão, embora divinamente possível, parece
humanamente improvável.
No outro extremo está o ponto de vista de E. Michael Green - que nenhum dos dois
foi o autor original, uma vez que ambos vieram de uma fonte comum. Isto, mais uma
vez, é possível, mas introduz o problema adicional de uma terceira obra, não
preservada, desconhecida, e sem qualquer atestação na História e na arqueologia.
Os outros dois pontos de vista propõem que um dos autores citou ou adaptou o outro.
Os seguintes argumentos podem ser levantados em defesa de cada ponto de vista.

Argumentos a favor da prioridade de 2Pedro sobre Judas


A confissão do próprio Judas foi de que sua carta foi
Urgência da carta resultado de uma necessidade urgente, desta forma
aumentando a probabilidade de ter utilizado fontes.
Judas demonstra propensão para citar, utilizando até mesmo
Uso de citações material extrabíblico; seria mais natural para ele citar de
Pedro, que raramente faz isso em sua segunda carta.
A prática demonstra que expansões de materiais mais antigos
Expansão mais eram mais comuns do que condensações; a referência à prisão
provável do que angelical é uma instância do caso em consideração, com
resumo Judas fornecendo um exemplo específico da afirmação de
Pedro.
A descrição que Judas faz do mal e de seu avanço na Igreja é
Crescimento do mal mais sinistra do que a de Pedro, desta forma sugerindo uma
data posterior.
É mais provável que um não-apóstolo citasse de um apóstolo
Autoridade do do que o primus inter pares do grupo apostólico citar um não-
escritor apóstolo.
2Pedro é primariamente profética e não possui aplicações
práticas com relação à presença de heresia. Judas descreve a
Natureza da carta heresia como atual e oferece orientações para se lidar com o
problema, desta forma implicando uma data posterior.
2Pedro amontoa sentenças e figuras de linguagem ―sem
Disposição do
cuidado com o equilíbrio e a clareza exigidos por um gosto
material
clássico‖.11 Judas dispõe de forma cuidadosa ilustrações,

344
Reicke (Epistles, p. 146) sugere que 2Pedro seja um testamento em termos de forma, um
gênero judaico modelado conforme o discurso de despedida de Moisés. Outros exemplos no
Novo Testamento seriam Atos 20 e 2Timóteo. Entretanto, isso não justifica sua negação do
gênero epistolar da obra, uma vez que a saudação formal está presente e o autor chama o
documento de uma ἐπιςσολή [epistolē].
títulos e exemplos em trios, o que reflete o uso de material
prévio.
Judas 17-18 cita efetivamente 2Pedro 3.3-4 conforme
indicado pelo uso comum do substantivo incomum ἐμπαῖκσαι
Uso direto de citação
[empaiktai]. Embora o plural ―apóstolos‖ inclua outros
(notavelmente Paulo), as palavras são de Pedro.
345

Argumentos a favor da prioridade de Judas sobre 2Pedro


Parece mais lógico que o documento maior deva incorporar
Tamanho material do menor do que vice-versa.
Caso Judas tenha usado 2Pedro, é estranho ele ter se limitado ao
Conteúdos capítulo 2 e não ter incluído ―o Dia do Senhor‖.
Parece mais natural que Pedro omitisse as citações duvidosas dos
Natureza livros pseudepigráficos do que Judas tê-las introduzido.
A vaga referência de Pedro ao comportamento dos anjos em 2.11
é virtualmente sem sentido a não ser que Judas já a tivesse
Definição tornado clara através de seu relato detalhado acerca da discussão
de Miguel com Satanás por causa do corpo de Moisés.
Judas é extremamente veemente e Pedro deve ter abrandado sua
Tom linguagem mais enfática.
Quando os argumentos acima são considerados e exclusões mútuas são feitas, a
evidência aponta para a prioridade de 2Pedro.
OCASIÃO
À medida que sua vida se aproximava do fim e as nuvens sombrias da perseguição de
Nero continuavam a se espalhar a partir da Itália para todos as partes do império, Pedro
percebeu que uma explosão de heresias aconteceria nas províncias da Ásia Menor para
quem ele havia escrito poucos anos antes (2.1; 3.3). A heresia promovida pelos falsos
mestres abrangia a negação do Mestre, Sua expiação (2.1), e Sua segunda vinda (3.4). A
vida dos falsos mestres seria caracterizada por seguirem ―os desejos impuros da carne e
[desprezarem] a autoridade‖ (2.10a). Eles seriam ―insolentes e arrogantes, tais homens
não têm medo de difamar os seres celestiais‖ (2.10b). Este tipo de influência encontraria
solo fértil no coração das igrejas perseguidas, pois o comportamento não-cristão que ela
promovia certamente diminuiria o impacto da oposição pagã.
Argumento básico
PROPÓSITO
As principais preocupações de Pedro estão alistadas no capítulo três. No versículo 1,
ele afirma que deseja ―despertar… sua mente sincera‖; no versículo 17, ele alerta acerca
do perigo de se perder a compreensão da vida cristã atentando para o erro dos falsos
mestres; por fim, no versículo 18, ele exorta seus leitores a continuarem crescendo
(αὐξάνεσε, auxanete) na graça, um tema que já havia sido desenvolvido em 1.3-8.
Desta forma, seu propósito pode ser afirmado da seguinte forma:
Encorajar o crescimento na apropriação pessoal da mensagem cristã como base
para a segurança pessoal à luz da apostasia crescente.
DESENVOLVIMENTO
345
Reicke, Epistles, p. 146
A saudação de Pedro o apresenta como servo (δοῦλορ, doulos) e apóstolo
(ἀπόςσολορ, apostolos), dessa forma apontando para seu humilde serviço e sua elevada
posição para com Jesus, o Messias (1.1). A designação dos leitores enfatiza a relação
causa-efeito entre o Salvador divino e a salvação que Ele proveu (πίςσιρ [pistis, ―fé‖]
deve referir-se aqui não apenas a ―confiança‖ ou mesmo à ―mensagem cristã‖, mas à
experiência plena do cristianismo).
A capacitação divina desejada aos leitores seria deles por meio de um relacionamento
íntimo e pessoal (ἐπιγνώςιρ, epignōsis) com Deus por intermédio de Jesus Cristo (2).
Este conhecimento pleno de Deus exigia duas coisas dos leitores de Pedro. Eles
deveriam se apropriar de tudo que Deus havia provido para seu bem-estar espiritual
(1.3-11), e deveriam apegar-se às promessas contidas na palavra profética (1.12-21),
tanto no testemunho apostólico sobre Cristo quanto na revelação fidedigna das
Escrituras do Antigo Testamento.
Se cumprissem a primeira condição, a vida divina que lhes havia sido concedida
(1.3-4), floresceria no caráter divino manifesto por intermédio deles (1.5-7). Esta
experiência teria o efeito objetivo de tornar os crentes frutíferos para Deus (1.8-9) e o
efeito subjetivo de dar a eles a segurança pessoal com relação à sua condição espiritual
com Deus (1.10-11).346
Ao cumprirem a segunda, os crentes garantiriam um fundamento adequado para sua
experiência cristã, uma mensagem atestada que o próprio Pedro tivera com a glória de
Cristo no Monte da Transfiguração (σῶ ἁγίῳ ὄπει, tō hagiō orei) e por meio de palavra
ainda mais firme (βεβαιώσεπορ, bebaiōteros), divinamente originada, sustentada pelo
Espírito por intermédio de homens orientados pelo Espírito (1.16-21). Pedro considerou
seu dever oferecer um alerta, não apenas lembrando os crentes da certeza da mensagem
que abraçaram (1.12-15), mas também alertando-os acerca do surgimento de uma
quinta-coluna dentro das fileiras do cristianismo, conforme 2.1 - 3.4 delineará.
No capítulo dois Pedro indicará, principalmente por implicação extraída de sua
análise acerca dos falsos mestres, que a apropriação da mensagem cristã exige a rejeição
dos falsos mestres uma vez que eles foram rejeitados por Deus (2.1-22).
A descrição que Pedro faz dos falsos mestres vindouros os liga aos antigos falsos
profetas, em contraste com os homens santos de 1.21. Estes homens santos tinham sido
guiados por Deus para fornecer uma mensagem originada por Deus; os falsos profetas
se auto-indicavam com uma mensagem própria. Assim como os antigos falsos profetas
negaram a singularidade de Yahweh, os falsos mestres negariam e repudiariam Jesus
como o único Soberano, desdenhando de Sua morte expiatória (2.1).
Apesar do sucesso de sua mensagem de vida desregrada (ἀςέλγεια, aselgeia), seu
juízo, de há muito antecipado pelo juízo de seus predecessores, logo os alcançaria (2.2-
3).
Para desencorajar até mesmo a aparência de interesse em tais homens, Pedro fornece
três exemplos óbvios acerca do juízo divino para com as pessoas do Antigo Testamento
que demonstraram o mesmo estilo de vida dos heréticos contemporâneos (2.4-10).

346

A expressão “consolidar o chamado e a eleição de vocês” (βεβαίαν ὑμ῵ν σήν κλῆςιν καί
ἐκλογήν ποιεῖςθαι, bebaian humōn tēn klēsin kai eklogēn poieisthai) está na voz média no
grego, o que elimina a idéia de que o homem pode “assegurar” sua eleição com Deus. Isto tem
a ver com a íntima confiança que alguém desenvolve à medida que o caráter de Cristo é
formado dentro dele e expresso em ações e palavras.
Anjos, homens pré-diluvianos e homens pós-diluvianos foram todos submergidos no
juízo divino, enquanto Ló surge como exemplo da disposição e da capacidade divinas
de poupar Seus filhos do juízo (2.9) antes que o juízo caia sobre o ímpio.347
A porção seguinte descreve mais uma vez os falsos mestres (2.10b-22), primeiro em
seu caráter (2.10b-17), como insubmissos (2.10b), ignorantes (2.11-12), imorais (2.13-
14a), insaciáveis (2.14b-16) e ilusórios (2.17). Pedro então retrata sua influência, ao
mesmo tempo sedutora e escravizante (2.18-19), e seu destino, uma recusa trágica a se
conformarem plenamente à fé cristã à qual chegaram tão perto de abraçar (ἐπιγνώςιρ,
epignōsis) e o retorno a um estado de corrupção moral ainda mais baixo, uma condição
que Pedro descreve graficamente usando dois dos animais mais imundos para os judeus,
o cachorro em seu vômito e o porco na lama (20-22).348
Em seu projeto para encorajar a apreensão da mensagem cristã como base para a
segurança pessoal, Pedro acha necessário defender o papel crucial da segunda vinda de
Cristo na vida da igreja.
Os falsos mestres tentariam negá-la com escárnio e ridículo, desta forma roubando o
cristianismo de seu fulcro e perspectiva eternos (3.1-7). Pedro apresenta suas negações
(3.1-4), demolindo-as como sendo enganosas (em seu uniformitarismo e sua
compreensão errada da paciência de Deus como indiferença) apontando para uma
intervenção divina contra o pecado (3.5-6), que garante a realidade do juízo futuro por
meio do fogo (3.7).
Os crentes precisam compreender o propósito global de Deus para que suas vidas
reflitam o caráter de Deus e um anelo por um universo controlado por Deus (3.8-13).
Eles também precisam tomar passos práticos para garantir que a vida de Deus esteja
sendo cada vez mais experimentada pela pureza pessoal (3.14), pela percepção
adequada do caráter de Deus conforme revelado nas Escrituras (3.15-16), e de uma
preparação esmerada na graça e no conhecimento contra as artimanhas dos heréticos de
forma a não perderem a segurança subjetiva [ςσηπιγμοῦ; {ςσέπιγμοτ} cf.
ἐςσηπιγμένοτρ {estērigmenous} em 1.12] (3.17-18a).349 Ao invés de terminar com uma
saudação, 2Pedro termina com uma breve doxologia (3.18b).

347
Este versículo fornece uma boa ilustração para um arrebatamento pré-tribulacional,
assim como desfecha um duro golpe na “salvação pelo senhorio”, uma vez que Ló dificilmente
seria um exemplo de “crente modelo”.
348
Esta passagem altamente debatida precisa ser vista em relação a outros textos do Novo
Testamento que falam especificamente acerca do destino eterno do homem depois de
confiarem em Jesus. Desta forma, o intérprete não deve impor ao verbo grego “conhecer”
(ἐπιγνώςκψ, epignōskō) as mesmas implicações que o substantivo “conhecimento”
(ἐπιγνώςιρ, epignōsis) possui em outras porções da carta, embora o significado geral,
“familiaridade pessoal com” permaneça o mesmo. Estas pessoas, a despeito dos privilégios e
mudanças superficiais, jamais conheceram a plena graça salvadora de Deus em Jesus Cristo.
Isso equivale a dizer que ἐπιγνώςκψ não é um termo técnico soteriológico; este escritor
concorda, então, com a visão de Edwin Blum de que este versículo “não utiliza terminologia
que afirma que eles eram de fato cristãos” (“2 Peter,” Expositor’s Bible Commentary, 12:282).
349
Nenhum crente deveria considerar-se suficientemente maduro para escapar de alguma
forma de influência dos heréticos. O verbo grego aqui usado para descrever o efeito do erro
(ςτναπάγψ, sunapagō) foi usado acerca de Barnabé em Gálatas 2.13, numa situação em que
um líder maduro foi desviado da verdade.
ESBOÇO SINTÉTICO
Mensagem
A segurança cristã repousa na apropriação firme e crescente da natureza da nova
vida do crente em Cristo a despeito do erro que se espalha.
I. Saudação – Pedro, servo e representante autorizado do Messias saúda seus companheiros
crentes com a abundante graça divina e a paz disponível por meio do relacionamento
pessoal com Deus (1.1-2).
II. A apropriação de nova vida em Cristo significa buscar Seu caráter e confiar em Suas
promessas (1.3-21).
A. A apropriação de nova vida em Cristo significa buscar Seu caráter de forma a se tornar
frutífero para Ele (1.3-11).
1. A vida espiritual e os recursos para o crescimento em bondade foram abundantemente
providos pelo nosso Deus glorioso e bom (1.3-4).
2. A tarefa cristã é incorporar características do caráter divino ao seu estilo de vida (1.5-7).
3. Os resultados da apropriação do caráter divino são a produtividade para Deus e a
confiança pessoal quanto à eleição e aos galardões (1.8-11).
B. A apropriação da nova vida em Cristo significa confiar em Suas promessas, que formam
uma base sólida para a vida cristã (1.12-21).
1. A preocupação de Pedro para que os crentes mantivessem as realidades espirituais como
seu foco principal foi a motivação de sua carta (1.12-15).
2. A confiança de Pedro na certeza da mensagem cristã advinha de sua objetividade
intrínseca (1.16-21).
• A base imediata de sua proclamação de Cristo era seu testemunho factual, pessoal e
objetivo da divindade e glória de Cristo (1.16-18).
• A base principal de sua proclamação de Cristo tinha origem nas Escrituras originadas por
Deus, mediadas pelo Espírito às quais os cristãos deveriam seguir, ao invés de seguir
mitos inventados pelo homem (1.19-21).
III. A apropriação da nova vida em Cristo significa rejeitar os falsos mestres à luz de sua
rejeição pelo Deus que livra o justo e destrói o ímpio (2.1-22).
A. O surgimento dos falsos mestres no cristianismo recapitularia a experiência de Israel
com os falsos profetas (2.1-3).
1. O erro repetiria seu curso mortal na História, desta vez atacando a pessoa e obra de Cristo
(2.1).
2. O erro desfrutaria de sucesso imediato à medida que uma vida moral frouxa dá aos falsos
profetas uma longa lista de seguidores (2.2).
3. O erro será finalmente julgado por sua exploração e falsidade (2.3).
B. A certeza do juízo de Deus para com os ímpios falsos mestres é amplamente ilustrada na
história sagrada (2.4-10a).
1. Anjos rebeldes foram confinados no Tártaro à espera de seu juízo final (3.4).
2. A ímpia humanidade pré-diluviana foi eliminada pelo dilúvio enquanto o justo Noé foi
poupado (3.5).
3. Os habitantes imorais de Sodoma e Gomorra foram consumidos pelo fogo divino
enquanto Ló, o justo (!), foi poupado antes da destruição das cidades (3.6-8).
4. A capacidade de Deus de administrar tanto livramento quanto destruição é um alerta para
aqueles que poderiam ser seduzidos pelos falsos mestres rebeldes e imorais (3.9-10a).
C. A carreira desastrosa dos falsos mestres é descrita de forma a desencorajar os leitores a
segui-los (2.10b-22).
1. Seu caráter é desprezível (2.10b-17).
• Eles são insubmissos (2.10b).
• Eles são ignorantes (2.11-12).
• Eles são imorais (2.13-14a).
• Eles são insaciáveis em cobiça e avareza (2.14b-16).
• Eles são ilusórios em sua aparência (2.17).
2. Sua influência é enganadora (2.18-19).
• Eles seduzem aqueles que, de outra forma, poderiam ser salvos (2.18).
• Eles escravizam com falsas promessas de liberdade (2.19).
3. Seu destino é deplorável (2.20-22).
• Sua recusa em se conformar à fé que conhecem os deixa num estado pior do que antes
(2.20-21).
• Sua verdadeira condição espiritual é revelada por sua escravidão a um estilo de vida
pecaminoso (2.22).
IV. A apropriação da nova vida em Cristo significa esperar em pureza pelo Seu retorno a
despeito dos escarnecedores (3.1-18a).
A. Os cristãos deveriam estar espiritualmente alertas pela lembrança constante do
ensinamento de Cristo transmitido a eles pelos apóstolos (3.1-2).
B. Os cristãos deveriam estar doutrinariamente informados de forma a evitar o engano com
relação ao juízo divino (3.3-13).
1. Os cristãos deveriam estar doutrinariamente cientes das negações heréticas quanto ao
juízo e das falácias de tais argumentos (3.3-7).
• Os heréticos dos últimos dias zombarão da promessa da vinda de Cristo com base numa
alegada uniformidade na história humana (3.3-4).
• Os heréticos praticam o auto-engano ao negarem a segunda vinda (3.5-7).
- Eles manipulam a evidência ignorando de modo deliberado o juízo do dilúvio (3.5-6).
- Eles ignoram as palavras proféticas de juízo pelo fogo no final dos tempos (3.7).
2. Os cristãos deveriam estar doutrinariamente informados quanto ao programa de Deus
para os últimos dias, de forma a permanecerem moralmente puros (3.8-13).
• Eles não deveriam confundir a misericórdia paciente de Deus para com a humanidade com
indiferença para com o pecado (3.8-9).
• Eles deveriam lembrar que o juízo final será súbito em natureza e universal em escopo
(3.10).
• Eles deveriam manter uma perspectiva adequada da vida, enfatizando bondade e
esperança no mundo por vir, e não neste, marcado pela destruição (3.11-13).
C. Os cristãos deveriam ser praticamente ativos no que diz respeito a desenvolverem um
estilo de vida apropriado para a época da heresia (3.14-18a).
1. Eles deveriam desenvolver pureza pessoal (3.14).
2. Eles deveriam cultivar uma percepção adequada do caráter de Deus, conforme revelado
nas Escrituras (3.15-16).
3. Eles deveriam se preparar esmeradamente na graça e no conhecimento de forma a
permanecerem firmes na fé (3.17-18a).
Doxologia (3.18b).

O argumento de
1JOÃO
Questões introdutórias
TÍTULO
A epístola leva a subscrição grega Ἰψάννοτ Α Iōannou A, indicando seu autor
tradicionalmente aceito, e a ordem em relação às outras epístolas joaninas canônicas.
AUTORIA
A epístola é anônima, ou seja, não contém o nome de seu autor. Há fortes evidências,
contudo, de que João, o apóstolo, seja o seu autor. Evidência externa do início do
segundo século (Policarpo, Aos Filipenses 7, cita virtualmente 1Jo 4.2) sugere autoria
joanina, já que é historicamente aceito que Policarpo foi discípulo de João. Mais tarde,
no quarto século, Eusébio indica que Papias, que foi bispo de Hierápolis, não muito
distante de Éfeso, ―usou testemunhos da primeira epístola de João‖350. Um pouco depois
de Papias, e escrevendo da região de Lyon, na França, Irineu cita 1João 2.18-19 e
afirma expressamente estar citando a carta de João.351 Pouco depois, o Cânon
Muratoriano incluiu 1João e atribuiu a epístola ao apóstolo do amor.
A evidência interna trata de características intrínsecas que denotam o autor. Este
reivindica ter sido testemunha imediata da presença corporal de Cristo na terra e acesso
de primeira mão aos elementos básicos do evangelho (cf. 1.1; 4.14). Além disso, a
epístola está impregnada de autoridade. O termo carinhoso, σεκνία (teknia), usado
freqüentemente, aponta para alguém idoso e respeitado. A maneira pela qual o autor
confronta o erro sugere autoridade (2.18; 4.1), bem como o fato de que ele esperava ser
obedecido (4.6).
A característica mais notável na evidência interna é a íntima conexão temática da
epístola com o quarto evangelho, especialmente com o discurso do Cenáculo. Embora
isso, per se, não garanta a autoria joanina (apenas autoria comum), o efeito cumulativo
da evidência externa e interna é forte demais para ser negado.352 O quadro nas páginas
557-558 contém alguns paralelos entre os dois escritos.
É verdade que C. H. Dodd apontou para diferenças significativas de vocabulário
entre os dois livros como indicação de autores diferentes. As mais importantes são: (1)
Ausência de palavras como salvação e destruição, cima e baixo, enviar e buscar em
1João; (2) diferenças teológicas entre as duas obras, tais como:
• a transferência de certas funções de Cristo para Deus em 1João (por exemplo 2.5);
• a ênfase em crença correta sobre Cristo em lugar de fé em Cristo;
• ênfase em Cristo como Vida, não como o Logos;
• uma escatologia mais ―primitiva‖ (mais iminente que realizada).
As diferenças em vocabulário são facilmente explicadas por ênfases diferentes, temas
diferentes e audiências diferentes nas duas obras, e mais que compensadas pela riqueza

350
História Eclesiástica, 3.39.
351
Adversus Heresiae 3.16.5.
352
Teorias alternativas de autoria são: (1) um desconhecido chamado João, o ancião (ou o
presbítero) escreveu as epístolas joaninas; e (2) um discípulo do apóstolo João escreveu a
primeira epístola. A primeira teoria tem o mérito dos sobrescritos na segunda e na terceira
cartas e as semelhanças entre essas duas e a primeira epístola, e ainda uma referência
controversa em Papias sobre João, o ancião. A segunda é advogada pelos estudiosos que
rejeitam a autoria joanina do quarto evangelho.
de semelhanças contidas no quadro da p. 557. As diferenças em ênfases teológicas
também podem ser esperadas à luz de um tom mais polêmico e de uma audiência
diferente. Além disso, pode-se afirmar, com respeito aos três pontos acima, que:
• o mesmo fenômeno acontece no mesmo documento na literatura paulina (cf. o intercâmbio
entre ―em Deus‖ e ―em Cristo‖ na correspondência tessalonicense);
• o contexto polêmico da carta tornaria a insistência na crença correta algo obrigatório, sem
criar uma dicotomia entre crer que e crer em;
• mesmo no evangelho, a ênfase no Logos é pequena, ao passo que a relação entre Cristo e a
vida é evidente em todo o quarto evangelho;
• a escatologia do evangelho, embora predominantemente inaugurada (termo mais exato
que realizada) tem claros elementos de iminência, como a promessa da volta ao Pai e
retorno aos discípulos (Jo 14.1-5; cf. 1Jo 2.28–3.3).

Palavras importantes e comuns a ambas as obras


Princípio (ἀπφή archē) 1.1 1.1

Verbo/palavra (λόγορ logos) 1.1 1.1-14

Consolador/advogado (παπάκλησορ paraklētos) 2.1 14.16

Crer (πιςσεύψ pisteuō) 5.1 3.16

Permanecer (μένψ menō) 2.6 15.7

Guardar (σηπέψ tēreō) 2.3-4 14.21

Mandamento (ἐνσολή entolē) 2.8 13.34-35

Verdadeiro(a) (ἀληθινόρ alēthinos) 5.20 7.28

Conhecer/saber (γινώςκψ ginōskō) 3.24 10.15, 27

Trevas/escuridão (ςκοσία skotia) 2.11 12.35

Testemunho (μαπστπία marturia) 5.9, 11 5.31-32


Expressões teológicas comuns a ambas as obras

Filho unigênito (τἱόρ μονογενήρ huios monogenēs) 4.9 3.16, 18


Salvador do mundo
4.14 4.42
(ςψσήπ σοῦ κόςμοτ sōtēr tou kosmou)
Espírito da verdade
4.6 14.17; 15.26
(πνεῦμα ἀληθείαρ pneuma alētheias)
Praticar a verdade
1.6 3.21
(ποιέψ σήν ἀληθείαν poieō tēn alētheian)

Nascido de Deus (γεγννημένορ ἐκ σοῦ θεοῦ gegennēmenos


3.9 1.13
ek tou theou)

Filhos de Deus (σέκνα θεοῦ tekna theou) 3.2 1.12; 11.52


Vencer o mundo 5.4 16.33
(νικάψ σόν κόςμον nikaō ton kosmon)
Entregar a vida
3.16 10.11
(σίθημι σήν χτφήν tithēmi tēn psuchēn)

Água e sangue (ὕδψπ καί αἷμα hudōr kai haima) 5.6 19.34
Filhos do diabo
3.10 8.44
(σέκνα σοῦ διαβόλοτ tekna tou diabolou)
Andar nas trevas (ejn th`/ skotiva peripatei`n
2.11 8.12
en th skotia peripatein)
Ver a Deus (σόν θεόν θεάομαι ton theon theaomai) 4.12 1.18
Características de estilo comuns a ambas as obras
Este é (αὕση ἐςσιν hautē estin) 3.11 15.12

Nisto (ἐν σούσῳ en toutō) 2.3 13.35

Todo aquele que ...(πᾶρ ὁ pas ho) passim passim


1. SEMELHANÇAS ENTRE 1JOÃO E O QUARTO EVANGELHO
Por outro lado, as semelhanças existentes entre as epístolas, particularmente a
primeira, e o evangelho são notáveis demais para serem fruto da especulação e ação
coletiva de alguma comunidade. Trazem a estampa do mesmo indivíduo, como a
tradição cristã tem reconhecido ao longo dos séculos.
OCASIÃO E DATA
1João é um dos livros de mais difícil datação no Novo Testamento. A maioria dos
comentaristas sugere uma data posterior à destruição de Jerusalém, aí por volta de A.D.
85, algum tempo depois do quarto evangelho, cuja linguagem e temas a epístola parece
presumir.
Com base em 2.19, Hodges sugere que o livro foi escrito de Jerusalém, pouco antes
da destruição da cidade, antes de João se estabelecer em Éfeso.353 A evidência interna
sugere, mais provavelmente, que a frase saíram de nosso meio em 2.19, se refere não a
deixar o círculo apostólico de influência em Jerusalém, mas a igreja estabelecida em
Éfeso.
A carta foi escrita a uma igreja (ou a igrejas) em que falsos profetas e falsos ensinos
haviam aparecido e feito progresso (4.1; 2.19). Esses indivíduos se inclinavam a uma
forma antinomiana de docetismo incipiente, negando a encarnação de Cristo (2.22;
4.1),354 ao passo que reivindicavam íntima comunhão com o Pai (2.23). Tais heréticos
também advogavam um estilo de vida moralmente frouxo (2.15-17), aparentemente
alegando que seus atos não afetavam sua relação com Deus (1.5-10). A característica
final de sua heresia era uma atitude de superioridade com base num conhecimento mais
elevado (ou profundo), que os levava a uma atitude de desprezo para com os não-
iniciados na confraria esotérica (4.7-21).
353
Zane C. Hodges, “1John” em Bible Knowledge Commentary. New Testament Edition, p.
882.
354
Havia duas formas distintas dessa negação. A primeira era o docetismo propriamente
dito, em que a realidade do corpo físico de Jesus era negada. A segunda, conhecida como
cerintianismo (por ter sido defendida por um certo Cerinto), afirmava que Jesus havia sido
tomado pelo Cristo divino por ocasião do batismo, e por Ele abandonado antes da crucifixão.
Os leitores eram antigos pagãos (5.21), já com algum tempo de experiência cristã
(2.7, 18, 20; 3.11). À vista do ministério tradicionalmente aceito de João na província da
Ásia, parece ser lógico localizar seus leitores na mesma região, que mais tarde receberia
Apocalipse. Como resultado do ensino falso, os leitores estavam em condição espiritual
sofrível. Demonstravam uma tendência ao pecado e ao mundanismo (1.5 - 2.6), falta de
amor fraternal (2.7-11; 3.13-24), e perda da certeza da salvação (5.13).
Evidentemente os leitores ainda não estavam sob perseguição, o que leva a crer que a
carta foi escrita no começo do reinado de Domiciano. Uma vez que Apocalipse refletia
um Sitz im Leben de perseguição e é tradicionalmente datado da parte final do reinado
de Domiciano, a data mais provável para 1João é o meio da década de 80 no primeiro
século.
PROPÓSITO
1João não sofre de falta de declarações de propósito. Em 1.3 descobrimos que um de
seus propósitos era promover a genuína comunhão cristã baseada no conhecimento
correto de Deus e de Cristo. Um versículo depois o autor expressa seu objetivo de
promover plena alegria entre seus leitores (1.4). Em 2.1 acha-se outro objetivo expresso
da carta - impedir que os crentes continuem pecando. Finalmente em 5.13, descobrimos
que, semelhantemente ao quarto evangelho, 1João tinha o objetivo de oferecer certeza
de salvação.
Esta multiplicidade de declarações de propósito provocou considerável debate quanto
ao tema e ao propósito principal da epístola, com duas posições principais disputando a
preferência dos comentaristas. Essas posições podem ser resumidas no debate entre João
ter apresentado ―critérios de salvação‖ ou ―critérios de comunhão‖.
Não se pode esquecer, todavia, o propósito implícito da carta, combater o docetismo
antinomiano que ameaçava a pureza doutrinária das igrejas a quem João escreveu. A
heresia era extremamente perigosa porque apesar de não ser abertamente hostil ao
Evangelho, procurava reinterpretar o cristianismo em termos do pensamento filosófico
dominante e introduzia elementos estranhos à mensagem cristã, destruindo sua
identidade singular.
À luz do exposto, o propósito da primeira carta de João pode ser assim formulado.
Conduzir os crentes ao pleno desfrute da comunhão espiritual e da certeza de
salvação pessoal, apresentando os critérios que definem a genuína comunhão cristã
com um Deus santo e amoroso.
DESENVOLVIMENTO E MENSAGEM
Há uma multidão de esboços para esta epístola nos muitos comentários que inspirou.
A maioria dos autores apresenta alguma ―desculpa‖ para seu esboço, ressaltando a
maneira bastante frouxa pela qual as divisões da carta estão ligadas. É comum a
alegação de I. Howard Marshall de que a epístola é composta de uma série de
parágrafos cuja relação é governada mais por associação de idéias do que por um plano
lógico.355 A idéia de que João utilizou as chamadas ―palavras-gancho‖ para retomar
idéias e temas também é muito comum.
Embora haja certa verdade em tais observações, é necessário estabelecer um esboço
mínimo para efeitos de um estudo prático da carta. O esboço que se segue divide 1João
em duas partes principais, baseadas nas duas declarações sobre o caráter de Deus,
especificamente que Ele é Luz (1.5), e que Ele é Amor (4.16).

Prólogo (1.1-4)
Critérios para comunhão com o Deus que é Luz (1.5–2.27)
A. Evitar o pecado (1.5–2.2).

355
I. Howard Marshall, The Epistles of John, p. 26.
B. Guardar os mandamentos (2.3-11).
A‘. Evitar o erro dos falsos mestres (2.12-19).
B‘. Guardar-se fiel à verdade (2.20-27).
Critérios para comunhão com o Deus que é amor (2.28–5.17).
A. Distinção entre filhos de Deus e de Satanás (2.28–3.10).
B. Amor fraternal (3.11-18).
C. Segurança como privilégio da filiação (3.19-24).
A‘. Discernimento entre influências divinas e satânicas (4.1-6).
B‘. Amor fraternal (4.7-21).
C‘. Segurança como resultado de crença correta (5.1-17).
Epílogo (5.18-21).
Depois do prólogo (1.1-4), que contém uma das principais idéias a serem tratadas na
carta, a Encarnação da Palavra Viva, João estabelece os critérios para a comunhão com
o Deus que é Luz (1.5–2.27). Estes critérios são apresentados em forma quiástica.
Em primeiro lugar João ressalta a importância de evitar o pecado, pois a presença do
pecado é incompatível com a natureza de Deus (1.5 - 2.2). Assim ele combate o erro
disseminado pelos hereges, que afirmavam ser possível experimentar comunhão a
despeito do caráter moral do indivíduo. Em segundo lugar, João apresenta o lado
positivo da comunhão com Deus, a obediência aos mandamentos de Cristo (2.3-11), dos
quais o principal é o amor pelos irmãos. Para João a prática do amor era um sinal da
autora de um novo tempo (2.8).
Essas duas ênfases são recicladas nas subdivisões seguintes. Em 2.12-19 João exorta
seus leitores a evitar os erros dos hereges, principalmente seu estilo de vida egoísta e
mundano (2.15-17) que sufocaria o amor a Deus. No entender de João, pessoas assim
caracterizadas eram a ponta de lança do movimento do Anticristo (2.18-19).356
Em 2.20-27 João retorna ao tema de fidelidade à verdade, da qual o Espírito Santo
(unção) era a fonte mais que suficiente. A ênfase da passagem claramente não é a de
que o crente independe de ensino humano por ter o Espírito, mas que o ministério de
ensino do Espírito Santo está disponível a todos os crentes, e não é privilégio de uma
minoria exclusiva e esnobe. Intimamente ligado a este ministério do Espírito está o
permanecer em Cristo (2.24).
A segunda divisão principal do livro trata dos critérios de comunhão com o Deus que
é Amor (2.28 - 5.12). Nesta divisão o fenômeno dos ciclos temáticos acontece
novamente. Em primeiro lugar João fala da distinção entre os filhos de Deus e os filhos
de Satanás (2.28 - 3.10). O primeiro é a permanência em Cristo, que conduz à prática da
justiça, que produz um ciclo positivo de semelhança a Cristo (3.1-2) e pureza renovada
(3.3). Os crentes não deviam permitir que a atitude leviana dos hereges para com o
pecado contaminasse a sua pureza.
Em 3.11-18 João aborda o assunto do amor fraternal, exortando à sua prática e
advertindo os crentes de que há outra semente no mundo, a de Caim, que odiará cristãos
que se amem assim como odiara o supremo exemplo do amor altruísta, Jesus Cristo, que
entregou Sua vida por nós (3.16; cf. Jo 10.17-18).
A terceira característica de um crente em comunhão com o Deus de amor é a certeza
produzida pelo privilégio da filiação (3.19-24). Mesmo quando os motivos de nosso

356
Estes dois versículos indicam que João conhecia uma escatologia inaugurada (não
plenamente realizada), pois entendia que ele e seus leitores já estavam vivendo na ἐςφάσῃ ὧπᾳ
(eschatē hora). Indicam também uma concordância geral entre os apóstolos quanto à
escatologia, com Paulo e João apontando para o mesmo fenômeno, cada um com seu
vocabulário peculiar.
coração sejam desconhecidos de outros e incertos para nós mesmos, o pleno
conhecimento de Deus O capacita a lidar justamente com Seus filhos (3.20-21). Assim,
o crente de coração puro tem ousadia para fazer pedidos e desejo de praticar a
obediência. A garantia definitiva é a presença íntima do Espírito, que transcende nossas
sensações imperfeitas da aprovação divina (3.24).
O ciclo temático recomeça quando João apresenta a necessidade de discernimento
entre influências divinas e satânicas no ensino ministrado às congregações (4.1-6). A
menção anterior do Espírito conduz a uma advertência contra o espírito do erro e os
falsos profetas. O crente em comunhão é capaz de vencer a influência enganosa dos
heréticos pelo poder superior do Espírito que nele habita (4.4; cf. 3.24).
A seguir João volta ao assunto do amor (4.7-21). Sua tese é que o crente que é
nascido de Deus deveria exibir o mesmo amor sacrificial, altruísta, que é o próprio
caráter de Deus. 4.7 parece ser o próprio resumo da epístola. A prática do amor permite
desfrutar de certeza e ousadia (4.17-18), os mesmos privilégios mencionados em relação
à justiça (2.28).
Novamente o tema da relação entre o amor e uma boa consciência volta a lume. Um
cristão que ame não teme o juízo de Deus (4.17-18). O amor pelos irmãos prova o amor
a Deus (4.20-21) e é, por sua vez, definido por obediência aos mandamentos de Deus
(5.2).
O critério final de comunhão com o Deus que é Amor, na verdade uma conseqüência
ou prova dela, é a certeza que procede da crença correta (5.1-17). A alegação de que
João transforma a fé num credo frio não leva em conta sua afirmação em 5.1. Quem lê e
ouve a palavra Cristo com os olhos e os ouvidos de um cristão do primeiro século não
pode deixar de ver e ouvir sobre o Escolhido de Deus que morreu como uma vítima
substitutiva pelos pecados do mundo. De igual modo, em 5.5, confessar Jesus como o
Filho de Deus é mais que assentimento mental a uma fórmula teológica, mas um
rompimento límpido com o tradicionalismo judeu e com a filosofia grega, por confessar
um Messias divino e um Deus encarnado. Era essa a fé correta que capacitava os crentes
a superar as pressões e tentações do mundo.
Além desse critério subjetivo, João oferece testemunhas externas quanto à pessoa de
Cristo (5.6-12), o Espírito (convencimento pelo ministério apostólico), a água (realidade
do batismo de Jesus como Ungido de Deus) e o sangue (realidade de Sua morte vicária).
O elemento-chave na visão joanina da segurança do crente é a crença correta com
respeito à pessoa e à obra de Jesus Cristo (cf. ὄνομα, onoma, em 5.13). Tal segurança é
demonstrada por uma oração ousada e confiante que muda vidas, desviando os irmãos
de padrões destrutivos de comportamento (5.16-17).357
O epílogo da carta e, ao mesmo tempo um resumo de seu conteúdo (5.18-21). As
realidades conhecidas da fé cristã exigem que os crentes repudiem todas as concepções
falsas de Deus.
ESBOÇO SINTÉTICO

357
A exceção levantada pelo próprio João, a de um pecado para a morte, tem provocado
uma multidão de interpretações. Este autor prefere a explicação que vê conotações apenas
físicas na palavra morte, com o pano de fundo do pecado deliberado na lei mosaica, que só
podia ser expiado (em termos de permanência na comunidade da fé) pela morte do ofensor.
Deve-se enfatizar a observação de que ambas as envolvidas, a pessoa que peca e a pessoa que
ora, são cristãs (ἀδελυόν, adelphon) e que, por isso, não está em vista morte eterna. Os
pecados em questão seriam violações voluntárias, deliberadas de mandamentos divinos,
possivelmente relacionados à falta de amor e incredulidade. O Novo Testamento contém
exemplos de tais pecados e seus efeitos (At 5.1-11; 1Co 5.5; 11.27-30).
Mensagem
A medida da comunhão de um indivíduo com Deus é sua experiência crescente do
caráter divino em sua vida.
I. Prólogo. A proclamação da vida eterna e das bênçãos de comunhão com Deus e plena
alegria dela decorrentes é baseada no testemunho pessoal da encarnação de Jesus Cristo
pelo autor (1.1-4).
A. O testemunho do autor quanto à Palavra da vida era pessoal e de primeira mão (1.1).
B. A manifestação da vida eterna ocorreu historicamente e foi testemunhada pelo grupo
apostólico (1.2).
C. A presente proclamação visa o pleno desfrute da comunhão com o Pai e o Filho (1.3-4).
II. A medida da comunhão de um indivíduo com Deus é sua experiência crescente do
atributo divino da santidade (1.5 - 2.27).
A. A comunhão do indivíduo com Deus é medida pelo grau em que ele evita o pecado (1.5 -
2.2).
1. A base da comunhão cristã e da separação do pecado é a perfeita santidade de Deus (1.5).
2. A prática da comunhão cristã demanda conformidade com a visão divina quanto ao
pecado e a confissão em caso de pecado (1.6-10).
3. A confiança que caracteriza a verdadeira comunhão cristã vem da completa obra de
redenção realizada por Jesus (2.1-2).
B. A comunhão do indivíduo com Deus é medida por sua observância dos mandamentos de
Cristo (2.3-11).
1. A obediência aos mandamentos de Deus é o critério genuíno pelo qual alegações de
comunhão com Deus são vindicadas (2.3-4).
2. A obediência aos mandamentos de Deus de maneira semelhante à de Cristo capacita o
indivíduo a experimentar e manifestar plenamente o amor de Deus (2.5-6).
3. A obediência ao sempre novo mandamento do amor evidencia comunhão com o Deus
que é luz (2.7-11).
C. A comunhão do indivíduo com Deus é medida por sua separação do erro doutrinário e
prático promovido pelos falsos mestres separatistas (2.12-19).
1. A confiança de que os leitores evitarão o erro promovido pelos hereges se baseia nos
privilégios que aqueles desfrutam como crentes (2.12-14).
• Os crentes desfrutam de perdão e comunhão com o Pai (2.12, 13b).
• Os crentes desfrutam de conhecimento pessoal prático de Jesus (2.13a, 14a).
• Os crentes desfrutam de vigor espiritual que os capacita a sustentarem sua vitória contra
Satanás (2.13b, 14b).
2. O cuidado com os leitores é que não se deixem enredar numa mentalidade mundana que
impeça a verdadeira comunhão com Deus (2.15-17).
• Uma mentalidade mundana impede o verdadeiro amor a Deus (2.15).
• Uma mentalidade mundana procede do mundo, não de Deus (2.16).
• Uma mentalidade mundana produz apenas prazeres transitórios em contraste com a
promessa divina de vida eterna (2.17).
3. A convicção que os leitores devem adquirir a respeito dos dissidentes heréticos é que
estes são adversários espirituais de Cristo (2.18-19).
D. A comunhão do indivíduo com Deus é medida por sua observância da verdade ensinada
pelo Espírito, que conduz à permanência em Cristo (2.20-27).
1. A razão da exortação apostólica não era ignorância da verdade, mas conhecimento dela
por meio do Espírito Santo (2.20-21).
2. O alvo da exortação apostólica eram as pessoas que negavam a Jesus como Messias,
distanciando-se assim do Pai (2.22-23).
3. O alvo da exortação apostólica era a permanência na fé vivificante conforme esta era
ministrada aos leitores por seu suficiente ensinador, o Espírito Santo (2.24-27).
III. A medida da comunhão de um indivíduo com Deus é sua experiência crescente do
atributo divino do amor (2.28 - 5.17).
A. A comunhão com o Deus de Amor é desfrutada pela prática constante da justiça, que
produz confiança e distingue nossa filiação divina (2.28 - 3.10).
1. A comunhão com o Deus amoroso produz confiança em vista da vinda iminente de
Cristo para os crentes, que agora conduzem suas vidas segundo o padrão da justiça de
Cristo (2.28 - 3.3).
2. A comunhão com o Deus amoroso baseada na prática da justiça ajuda a distinguir entre
filiação divina e satânica (3.4-10).
B. A comunhão com o Deus de Amor é desfrutada pela prática constante do amor fraternal,
que testifica da realidade de vida espiritual (3.11-18).
1. O amor fraternal deveria distinguir os crentes da descendência de Caim, que é marcada
pelo ódio (3.11-12).
2. O amor fraternal, que provoca o ódio do mundo, testifica da vida espiritual dos crentes
(3.13-15).
3. O verdadeiro amor cristão, cujo padrão é a entrega que Jesus fez de Sua própria vida,
significa uma entrega ativa de nossas posses terrenas em favor de irmãos necessitados
(3.16-18).
C. A comunhão com o Deus de Amor é desfrutada pela segurança baseada na obediência
aos Seus mandamentos de confiar em Jesus e amar aos irmãos (3.19-24).
1. A presença do amor em nossas vidas nos dá certeza de estarmos de bem com Deus apesar
de nossas deficiências (3.19-20).
2. A presença da obediência em nossas vidas nos dá certeza de termos nossas orações
respondidas (3.21-23).
3. A presença do Espírito Santo em nós nos dá certeza da vida de Cristo em nós (3.24).
D. A comunhão com o Deus de Amor é desfrutada por uma distinção cuidadosa entre as
influências espirituais divinas e satânicas (4.1-6).
1. A presença de muitas influências espirituais falsas exige que os crentes demonstrem
discernimento para poderem preservar a comunhão (4.1).
2. A realidade da encarnação de Deus em Jesus Cristo é o critério para discernir entre
influências espirituais verdadeiras e falsas (4.2-3).
3. A resposta de indivíduos à pregação e autoridade apostólicas identifica aqueles que ainda
vivem sob a influência que os crentes derrotaram por meio da fé (4.4-6).
E. A comunhão com o Deus de Amor é desfrutada pela prática constante do amor fraternal,
que procede de Deus e capacita o crente a partilhar da vida divina e experimentar plena
segurança (4.7-21).
1. A comunhão com o Deus de Amor é desfrutada pela prática constante do amor fraternal,
que procede de Deus (4.7).
2. A comunhão com o Deus de Amor é desfrutada pela prática constante do amor fraternal,
que capacita o crente a partilhar da vida divina (4.8-12).
• A ausência de amor significa falta de conhecimento pessoal de Deus (4.8).
• O verdadeiro amor foi manifesto na vinda e no sacrifício de Jesus em nosso lugar (4.9-10).
• O amor divino é a motivação para o amor fraternal, que capacita o crente a experimentar
plenamente a vida e o amor de Deus (4.11-12).
3. A comunhão com o Deus de Amor é desfrutada pela prática constante do amor fraternal,
que capacita o crente a experimentar plenamente o amor divino e plena segurança (4.13-
19).
• A presença do Espírito testifica do amor de Deus, presente naqueles que reconhecem a
Jesus (4.13-16a).
• A presença do amor pelos irmãos na vida do crente revela o caráter de Deus nele,
fornecendo segurança (4.16b-19).
• A ausência de amor pelos irmãos na vida do indivíduo revela falta de genuína comunhão
com Deus, cujo mandamento é o amor (4.20-21).
F. A comunhão com o Deus de Amor é desfrutada pela segurança baseada na crença correta
e documentada em Jesus (5.1-17).
1. A verdadeira crença em Jesus como Messias resulta em amor pelos filhos de Deus (5.1).
2. O verdadeiro amor se evidencia na obediência aos mandamentos de Deus por meio da fé,
que produz a vitória sobre a antiga conduta pecaminosa (5.2-5).
3. A certeza cristã se baseia no testemunho fiel a respeito de Jesus que foi oferecido por
Deus (5.6-12).
• O testemunho histórico externo envolveu o batismo e a morte física de Jesus (5.6-9).
• O testemunho pessoal interno assegura aqueles que têm o Filho de sua vida eterna em
conformidade com a mensagem de Deus (5.10-12).
4. A crença correta em Cristo conduz à certeza demonstrada pela oração confiante que é o
instrumento para transformar circunstâncias e vidas (5.13-17).
• A crença correta em Cristo produz certeza (5.13).
• A certeza é demonstrada pela oração confiante que muda circunstâncias de acordo com a
vontade de Deus (5.14-15).
• A certeza é demonstrada pela oração confiante que muda vidas, afastando os irmãos de
pecados destrutivos (5.16-17).
IV. Epílogo. As realidades conhecidas da fé cristã exigem que os crentes repudiem todas as
falsas concepções de relacionamento com Cristo e com Deus (5.18-21).
A. O novo nascimento do crente o capacita a manter-se afastado do pecado e do controle de
Satanás (5.18).
B. A nova posição do crente o coloca sob a autoridade paterna de Deus em contraste com o
domínio do mundo por Satanás (5.19).
C. O discernimento espiritual do crente, suprido pelo Filho de Deus encarnado, garante o
conhecimento experimental do Messias – verdadeiro Deus e verdadeira vida (5.20).
D. A responsabilidade do crente é repudiar todas as falsas concepções de Deus (5.21).
O argumento de
2 E 3 JOÃO
Questões introdutórias
TÍTULO
Estes dois livros, que são os mais curtos do Novo Testamento, trazem os sobrescritos
gregos Ἰψάννοτ Β Iōannou B e Ἰψάννοτ Γ Iōannou G, os quais apontam para sua
primitiva tradição de autoria e ordem de composição.
DATA E AUTORIA
2 e 3 João foram os livros que mais demoraram a ser reconhecidos como canônicos
pela Igreja. O historiador cristão Eusébio os alistou como antilegomena,1358 ou seja,
livros de autoria disputada. O fato de os livros serem anônimos, de terem destinatários
individuais e possuírem um estilo íntimo e pessoal contribuiu para essa demora.
A despeito disso, ambas as cartas são citadas em literatura patrística e ali são
referidas como canônicas. Entre outras se encontram referências em Policarpo (Aos
Filipenses), Irineu (Adversus Heresiae), Clemente de Alexandria e Cipriano.
O fato de o autor ter-se identificado como o presbítero (ou ancião) não exige que ele
seja distinguido de João, o apóstolo, pois a palavra grega poderia indicar simplesmente
idade, não função ou ofício religioso. O vocabulário reflete vários temas tratados em
1João. Exemplos disso são na verdade, conhecer a verdade, andar na verdade, novo
mandamento e Anticristo em 2João; na terceira epístola, andar na verdade e testemunho
verdadeiro.
Edmond Hiebert sugere que 2 e 3 João foram cartas complementares a 1João, o que
tornaria referências a elas menos específicas. Ainda assim, ele não encontra razões
necessárias para que se abandone a tradição de que João, o apóstolo, tenha escrito as
duas epístolas.2359
DESTINATÁRIOS
Não há problemas quanto ao destinatário de 3João, embora não se possa identificá-lo
com qualquer dos outros três Gaios mencionados no Novo Testamento (um da
Macedônia [At 19.29]; um de Derbe [At 20.4] e um de Corinto [1Co 1.14]). Era,
todavia, um líder leigo de alta reputação, envolvido com a tarefa missionária em
sustento e hospitalidade.
Quanto à segunda epístola, todavia, a situação é diferente. A destinatária é chamada
ἐκλεκσῇ κτπίᾳ (eklektē kuria), senhora eleita, o que tem levado comentaristas a
identificá-la com a Igreja universal ou com uma congregação local.
A analogia com 3João, que é uma carta pessoal, a falta de sentido para o versículo 13
caso a carta fosse destinada à Igreja universal, e a quebra da analogia pelo fato da
senhora e seus filhos serem ambos obrigados a representar a igreja e seus membros,
todos se combinam para favorecer uma interpretação individual, e não coletiva, para a
destinatária. Ela teria sido uma cristã não identificada, cujos filhos o apóstolo João
conhecia e pelos quais se alegrava.
OCASIÃO E PROPÓSITO
2João foi motivada pela persistência de falsos mestres que viajavam de cidade em
cidade disseminando suas heresias. A carta alerta contra o perigo de envolvimento com
tais pessoas. 3João foi ocasionada pela oposição interna causada por um certo Diótrefes,

358 1
Eusébio, História Eclesiástica, 3.25.
359 2
D. Edmond Hiebert, An Introduction to the New Testament, 3:217.
cuja sede pela liderança prejudicava a tarefa dos mensageiros cristãos associados com
os esforços missionários de João.
As duas epístolas se preocupam com os assuntos gêmeos de verdade e amor. Essas
duas palavras ocorrem nada menos que 17 vezes nos 28 versículos das duas obras. Em
ambas há ameaças à expressão do amor cristão; na segunda carta o problema era
heresia, ao passo que na terceira era ambição. Em ambas as epístolas o ministério de
hospitalidade é elogiado e encorajado, com um alerta para que ele não seja desvirtuado
por servir aos interesses de falsos mestres.
À luz dessas observações, o propósito de 2João pode ser assim formulado.
Estimular discernimento na prática do amor pela hospitalidade devido à presença
de falsos mestres que causam o desvio dos crentes.
MENSAGEM DE 2JOÃO
Em seguida à longa saudação em que expressa seu amor pelos destinatários (1-3),
João apresenta a necessidade de que a senhora e seus filhos perseverem na verdade,
praticando um amor fraternal expresso em obediência aos mandamentos divinos (4-6).
A razão de tal exortação se acha em 7-11, onde vemos que a falsidade dos
pregadores itinerantes que negavam a Encarnação ameaçava a fidelidade da senhora e
de sua casa. Dar lugar a tais pessoas e sua doutrina implicaria perda tanto para João
quanto para seus leitores. O apóstolo estava de tal modo cônscio do problema que tais
mestres representavam que proíbe não só o oferecimento de hospitalidade, mas a
simples saudação a eles. Apesar de sua importância, amor e hospitalidade devem ser
limitados e dirigidos pelo discernimento da verdade doutrinária.
A saudação final revela o apreço de João pela senhora e sua família (12-13).

ESBOÇO SINTÉTICO
Mensagem
O amor cristão deve ser exercido com discernimento quando o erro busca
conquistar espaço na Igreja.
1. Saudação. João saúda seus amados leitores com a graça, a misericórdia e a paz de Deus
com base em seu elo comum na verdade cristã (1-3).
2. A caminhada contínua na verdade de acordo com os mandamentos do Pai significa
perseverar em amor (4-6).
3. O cuidado contínuo com a verdade de acordo com a doutrina apostólica significa peneirar
os falsos mestres (7-11).
4. Saudação. João expressa seu desejo de compartilhar outras coisas pessoalmente com seus
leitores e envia saudações de outra família (12-13).

PROPÓSITO
O propósito de 3João pode ser definido assim.
Encorajar Gaio em seu ministério de hospitalidade amorosa para que ele não
assuma a atitude destrutiva de Diótrefes.
DESENVOLVIMENTO E MENSAGEM DE 3JOÃO
A saudação expressa o apreço de João por Gaio, a quem o apóstolo desejava bem-
estar físico e espiritual, em vista de seu bom testemunho de cristão (3) e seu
relacionamento de discípulo (4) com o apóstolo.
Nos versículos 5 a 8 João elogia Gaio por suas constantes demonstrações de amor
pelos irmãos que estão a serviço de Cristo (cf. ὄνομα, onoma). A figura notável de
Gaio, todavia, tinha a ameaçá-la a sombra de Diótrefes, cujo serviço era voltado para si
mesmo (9-11). A liderança pode tornar um homem orgulhoso e ditatorial, e Gaio deve
fugir desse modelo. João o anima a manter sua boa atitude prometendo lidar com o mau
líder (10) e recomendando Demétrio para que Gaio se associe ao líder em potencial
(12).
O epílogo expressa o desejo de comunhão direta entre o autor e seu destinatário, com
saudações de amigos comuns a João e Gaio.

ESBOÇO SINTÉTICO
Mensagem
O serviço amoroso prestado ao Corpo não deve ser abandonado por amor a uma
liderança egoísta.
1. Saudação. A reação do apóstolo ao bom testemunho quanto à vida de Gaio é alegrar-se e
desejar-lhe prosperidade espiritual e material (1-4).
2. O serviço amoroso de Gaio para com missionários cristãos necessitados é apreciado e
deve ser continuado (5-8).
3. A liderança egoísta de Diótrefes não deve ser imitada, pois não reflete o caráter de Deus
(9-11).
4. A atitude de Gaio para com o ministério seria vista em seu tratamento de Demétrio, um
irmão de excelente reputação a quem Deus enviaria (12).
5. Epílogo. João expressa sua vontade de lidar com o assunto pessoalmente e deseja paz a
Gaio e a outros crentes (13-15).
O argumento de
JUDAS
Questões introdutórias
TÍTULO
O sobrescrito grego a essa epístola é simplesmente ἸΟΤΔΑ (Iouda), refletindo o
nome do seu suposto autor.
CANONICIDADE
Desde a era cristã primitiva até os tempos modernos, a Epístola de Judas teve de lutar
vigorosamente contra aqueles que duvidam da sua autenticidade.
Os principais motivos para tais dúvidas historicamente têm sido o uso de literatura
pseudepigráfica e sua semelhança a 2Pedro.360
A evidência externa para essa epístola é bastante antiga e difundida. Há uma aparente
alusão em Clemente de Roma, escrito antes da virada do século I, assim como em
Pseudo-Barnabé (c. 130) e O Pastor de Hermas (c. 140), embora nenhuma dependência
literária absoluta possa se estabelecer.361
Uma alusão mais convincente se encontra no Didaquê (c. 120), que alude a Judas 22
(ii. 7) e Judas 8-10 (iii. 6). Mais adiante ainda, no século II, o Cânon Muratoriano (c.
170) e Atenágoras (c. 180) provêem provas definitivas da aceitação pela igreja
primitiva.362
Ainda cedo no século III, Tertuliano em Cartago e Orígenes em Alexandria revelam
aceitação oriental e ocidental para a Epístola.363 Apesar disso, Eusébio, o historiador do
século IV, listou Judas em sua categoria de antilegomena! Guthrie põe as coisas em
perspectiva ao escrever:
... a epístola tem uso considerável em tempos primitivos, e não se pode permitir que as
dúvidas posteriores que ocorreram obscureçam esse fato. A atestação para isso é
bastante forte e o questionamento parece ter surgido principalmente por causa do uso
que o autor faz de livros apócrifos.364
A evidência interna para a epístola sugere sua autenticidade porque teria sido quase
impossível que um falsificador tivesse escolhido um personagem tão obscuro do Novo
Testamento (seja qual for o Judas) para escrever uma carta tão corrosiva contra hereges.
Ademais, Judas se distingue dos apóstolos (17).
Apresenta-se muitas vezes o argumento de que a ênfase da carta, a luta pela fé, trai a
data, mas há suficientes exemplos de heresias na história da igreja primitiva (cf. o
quase-gnosticismo de Colossenses e o antinomianismo docético de 1João) para fazer de
uma epístola de Judas no século I
uma possiblidade real. Mesmo o uso da expressão ἠ πίςσιρ não trai a data, visto que
também foi usada por Paulo em Gálatas (1.23; 3.23) e por Lucas (At 6.7).
360
Para uma discussão do problema oposto, a suposta dependência de Pedro em Judas, veja
O Argumento de 2Pedro, p. 539.
361
Donald Guthrie, New Testament Introduction, p. 905.
362
Atenágoras menciona anjos caídos de tal modo que indica o uso de Judas.
363
George L. Lawlor, Translation and Exposition of the Epistle of Jude, pp. 6-7, contém mais
apoio significativo para a canonicidade de Judas.
364
Guthrie, Introduction, p. 907.
Assim, tanto externa quanto internamente, Judas passa na prova da autenticidade.
AUTORIA
O autor se denomina ―Judas, servo de Jesus Cristo, e irmão de Tiago‖ (1). Este seria
o nome hebraico ‫הּודה‬ָ ְ‫ י‬yehûḏâ, helenizado como Ἰοῦδα Iouda, um nome dado a cinco
indivíduos no Novo Testamento. Com a exclusão óbvia de Judas Iscariotes, os outros
quatro candidatos são o apóstolo conhecido como Judas ―de Tiago‖, uma expressão
grega que normalmente significa ―filho de Tiago‖, uma tradução que o dissocia do
―irmão de Tiago‖ que escreveu a epístola.365 Além disso, o autor Judas dissocia-se dos
apóstolos, o que Judas (também conhecido como Tadeu) não teria feito.
Dois outros Judas são mencionados no livro de Atos. Judas de Damasco era um
residente em Damasco em cuja casa Paulo ficou hospedado depois da sua conversão (At
9.11). A possibilidade de tal homem identificar-se como irmão de Tiago na epístola e
não ser identificado como tal em Atos é mínima; assim, ele também sai do quadro de
possíveis autores. O segundo Judas em Atos é chamado de Judas Barsabás (At 15.22),
um cristão mais proeminente que levou a decisão do concílio de Jerusalém a Antioquia.
A despeito de uma tentativa de descontar seu segundo nome como um ―apelido‖ de
igreja366, parece mais natural lê-lo como patronímico, o que enfraqueceria, é claro,
embora não contradissesse, a identificação ―irmão de Tiago‖ na epístola.
Sobra-nos, então, o último Judas, um dos irmãos do Senhor. Que ele tenha escolhido
identificar-se com seu irmão humano, Tiago, revela a sua humildade em não reivindicar
laços com o Salvador glorificado, o Qual ele rejeitara durante a vida terrena de Jesus (cf.
Jo 7.5).
Paulo mencionou que os irmãos do Senhor estavam engajados na pregação itinerante
e eram acompanhados por suas esposas (1Co 9.5), o que, ao menos, se encaixa com a
tradição preservada por Eusébio, de que Judas teve dois netos que foram questionados
pelo próprio imperador Domiciano e deram bom testemunho da fé cristã.367
MOTIVO E DATA
O motivo declarado para essa epístola era o crescimento de um movimento herege
dentro da porção da igreja à qual Judas escreveu. Embora a sua localização não esteja
designada no texto, a natureza específica do erro que ele combatia sugere uma
destinação localizada. A semelhança com o conteúdo de 2Pedro aponta para o centro-
norte da Ásia Menor como a residência dos destinatários, em acordo com 1Pedro 1.1 e
2Pedro 1.1. Bo Reicke sugere que Judas escreveu ―dizendo mais respeito a leitores
cristãos judeus do que 2Pedro‖, à luz das muitas alusões a eventos e personagens do
Antigo Testamento.368
Se essa linha de raciocínio estiver correta, Judas mostra que a complacência tinha, de
algum modo, se instalado, que talvez as provações tivessem cessado (cf. 1 Pe 4), e que a
Igreja tinha baixado a guarda contra o erro. Tais condições podem se refletir na década
de 60 A.D., depois da morte de Nero e a luta por poder entre os generais romanos.
Lawlor argumenta que a queda de Jerusalém ainda não ocorrera, ou Judas a teria
mencionado,369 mas isso não é necessário. Uma data por volta de 68-75 é provável,

365
A Versão Autorizada Inglesa traduziu o genitivo “de Tiago” como “irmão de Tiago” em Atos
1.13, mas isso não tem fundamento (cf. Lc 6.16).
366
E. Plumptre, The General Epistle of Peter and Jude, pp. 85-86.
367
D. Edmond Hiebert, An Introduction to the New Testament, 3:167.
368
Bo Reicke, The Epistles of James, Peter, and Jude, AB, p. 191.
369
Lawlor, Jude, p. 7.
embora alguns optem por uma data bem posterior.370 A data anterior tem o apoio da
tradição cristã de que os netos de Judas compareceram diante de Domiciano, apontando,
então, para um ministério anterior para Judas e, provavelmente, uma data anterior para a
epístola.
OS HEREGES DE JUDAS
A carta dá um retrato claro dos hereges. Quanto ao seu caráter, eram pessoas ímpias
(cf. 4 e 15, onde ἀςεβήρ asebhs ocorre quatro vezes), escarnecedores (ἐμπαῖκσαι
empaiktai, 18) que não eram salvos, desprovidos do Espírito (19) e marcados para
condenação (4). Quanto às suas convicções, eles ―transformam em libertinagem a graça
de nosso Deus, e negam o nosso único Soberano e Senhor, Jesus Cristo‖ (4); além do
seu óbvio antinomismo, esses indivíduos aparentemente rejeitavam a idéia de entidades
espirituais (8) e negavam a segunda vinda de Cristo (21). A sua conduta indica que
eram mundanos em seu pensamento (12), provocavam divisões (19), eram arrogantes
(8), sensuais (9) e gananciosos (11). A sua conseqüência para a Igreja era que eles
trariam destruição como rochas submersas (12) aos espiritualmente despreparados (22-
23).
O USO DE LITERATURA PSEUDEPIGRÁFICA
As aparentes citações de Judas a partir de literatura pseudepigráfica foram a principal
causa para a tensão sofrida pela epístola ao longo da História. O versículo 9 é reputado
como uma citação de A Assunção de Moisés, enquanto os versículos 14-15 parecem ser
uma citação quase palavra por palavra de O Livro de Enoque, uma obra pseudepigráfica
judaica de autoria composta (fim do séc. II a.C. – fim do séc. I A.D.).
Ainda que não esteja absolutamente claro se Judas citou Enoque ou vice-versa, as
chances pesam a favor da citação bíblica a partir de uma obra não bíblica. Isso subtrai
da veracidade ou canonicidade de Judas? De modo algum, pois o mesmo ocorre com
Paulo, que cita poetas e filósofos gregos, e até menciona uma referência não bíblica a
mágicos egípcios que se opuseram a Moisés. Tais usos não tiveram nenhum efeito ruim
na canonicidade de Atos 17, 1Coríntios 15, Tito 1 e 2 Timóteo 3. Por que o uso de
Enoque o teria aqui?
O alvo não é, como Lenski tentou fazer, negar que Judas usou de tais fontes.371 O
fato de uma tradição genuína ter sido preservada ao longo dos séculos antes de ser
adicionada a uma obra de autoria composta tal como Enoque não é acidente, mas um
testemunho do ministério preservador do Espírito, e seu uso por um autor bíblico não dá
mais credibilidade à fonte extra-canônica do que o fato de Paulo concordar com
Epimênides (cf. Tt 1.12) torna a obra do cretense ―inspirada‖. Uma visão adequada de
inerrância e inspiração resolve esse problema.
Argumento básico
PROPÓSITO
Judas tem uma declaração de propósito muito clara, encontrada no versículo 3,
―corresponder-me convosco, exortando-vos a batalhardes diligentemente pela fé que
uma vez por todas foi entregue aos santos‖. Ao urgir seus leitores a ―batalhar
diligentemente pela fé‖, Judas usou uma palavra grega forte, ἐπαγονίζεςθαι
epagonizesthai. Esse verbo composto dá a idéia de uma intensa batalha, de manter o
inimigo a distância por meio de esforço concentrado e sem reservas. Isso indica quão

370
Reicke, The Epistles of James, Peter, and Jude sugere por volta de 90 A.D.
371
R. C. H. Lenski, The Interpretation of the Epistles of St. Peter, St. John and St. Jude, pp.
610-612, 650-652.
séria a situação se tornara com a infiltração de um antinomismo quase gnóstico nas
igrejas às quais Judas escrevia.
Judas busca alcançar seu propósito recapitulando para seus leitores o trágico destino
de hereges e libertinos na história sacra (5-7), revendo o caráter, a conduta e a
condenação dos hereges (8-16) e relembrando-os da necessidade de estarem conscientes
do problema, serem constantes na obediência e serem compassivos para com os que
vacilam frente ao erro (17-23).
Assim, o propósito para esta epístola pode ser formulado da seguinte maneira.
Estimular os crentes a defender a fé cristã contra o antinomianismo recapitulando
o juízo de Deus sobre hereges, revendo o caráter dos adversários e relembrando-os
dos seus deveres frente ao erro.
DESENVOLVIMENTO
A epístola começa com a primeira de várias tríades, a identificação de Judas pelo
nome, pelo relacionamento com Jesus (δοῦλορ doulos), e pelo relacionamento com a
igreja como o irmão de Tiago (1).
Os leitores também são descritos com uma tríade, que enfatiza sua condição passada
(κλησοῖρ klētois), seu estado presente (ἠγαπημένοιρ ēgapēmenois), e sua segurança
futura (σεσηπημένοιρ tetērēmenois).
Uma saudação diferente daquelas encontradas em outras epístolas se encontra no
versículo 2, substituindo (φάπιρ charis) por (ἀγάπη agapē), com outros dois elementos
(ἔλεορ eleos) e (εἰπήνη eirēnē), formando a terceira tríade na carta.
Nos versículos 3 e 4, Judas apresenta o propósito de sua carta e a necessidade de sua
escrita, que fora planejada originalmente como um tratado sobre a vida cristã. O ataque
incisivo contra o cristianismo pelos herdeiros de falsos profetas denunciados no Antigo
Testamento (οἱ πάλαι ππογεγπαμμένοι εἰρ σοῦσο σό κπίμα hoi palai progegrammenoi
eis touto to krima) motivou a mudança de assunto, e certamente de tom desta epístola.
A natureza dupla do seu erro é apresentada no versículo 4; como a maioria dos erros
denunciados nas Escrituras, tem uma base doutrinária e uma conseqüência prática.
Esses hereges rejeitavam a cristologia adequada e acabavam com uma soteriologia
inadequada. Ao negar a divindade de Cristo (κύπιορ kurios), Sua singularidade como
soberano (δεςπόσηρ despotēs), e Sua Messianidade (Φπιςσόρ christos), eles não tinham
necessidade de declará-lO como Salvador ( Ἰηςοῦρ Iēsous)372 e podiam, portanto,
transformar a graça em licença para a imoralidade (ἀςέλγεια aselgeia).
A terceira divisão da epístola é uma recapitulação dos juízos históricos sobre alguns
que se rebelaram contra a soberania de Deus e adotaram um estilo de vida pecaminoso
(5-7). Judas cita os israelitas que preferiram perecer no deserto por sua incredulidade,
anjos que se rebelaram contra Deus, e o povo de Sodoma e Gomorra, que era imoral e
totalmente depravado.
A divisão seguinte revê a conduta (8-11), o caráter (12-13) e a condenação (14-16)
dos hereges. Como os rebeldes do passado, eles são insubordinados e imorais (8-10),
trilhando o caminho de Caim – muito provavelmente uma religião egocêntrica,373
372
Lawlor, Exposition pp. 55-56.
373
Reicke (Epistles, pp. 205-206) tenta ligar isto ao comportamento anti-social que levou
outros crentes à perseguição e morte ao apelar à carta de Clemente de Roma aos coríntios,
mas a analogia é fraca e não leva em consideração a referência anterior à negação deles
quanto ao papel de Jesus como Salvador e Senhor.
seguindo o erro de Balaão – prostituindo a verdade para corromper o povo de Deus de
modo a ter lucro financeiro,374 e adotando a posição rebelde de Coré – uma
conseqüência natural de rejeitar a autoridade máxima de Cristo.
O caráter dos hereges é retratado em seis ilustrações (12-13), resumidas na tabela a
seguir:

Descrição de Judas para hereges antinomianos


DESCRIÇÃO SIGNIFICADO
Os hereges eram tão destrutivos às pessoas quanto
Rochas [submersas].
rochas a navios.
Os hereges se apresentavam como líderes, mas se
Pastores de si próprios.
importavam apenas consigo próprios.
Os hereges prometiam alívio, mas não tinham vida
Nuvens sem chuva.
verdadeira a oferecer.
Os hereges pareciam frutíferos, mas não tinham
Árvores sem fruto.
conteúdo a oferecer.
Ondas furiosas do mar. Os hereges espalhavam seu erro por todo lugar.
Estrelas errantes. Os hereges não eram confiáveis como guias.
Em seguida, Judas discute a condenação de tais homens (14-16), enfatizando o seu
caráter impiedoso (ἀςεβήρ asebēs ou um cognato é usado três vezes nesses versículos) e
reafirmando a sua má conduta, dessa vez, com ênfase no seu falar corrupto (16). A
profecia contida aqui é, na opinião deste autor, um pronunciamento genuíno de Enoque
que foi preservado pela tradição oral até que ser incorporada ao pseudepigráfico Livro
de Enoque. Judas pode ter citado a partir do livro (ponto de vista da ―pérola-no-lixo‖),
ou ele pode ter recebido diretamente de Deus por inspiração (a autoria composta de
Enoque permite a possibilidade, embora pequena, de que essa obra citou a partir de
Judas).
A divisão seguinte da carta é aplicativa, e relembra os leitores das suas obrigações à
luz da atual crise. Era necessário lembrar-se (μνήςθησε mnēsthēte), isto é,
constantemente levar em conta, o ensinamento apostólico quanto ao fim dos tempos e
sua explosão de heresias (17-18). Judas, então, identifica a sua época com os ἐςφάσον
σοῦ φπόνοτ (eschatou tou chronou), e os divisionistas como os hereges de quem os
apóstolos tinham falado. A caracterização tripla pode ser uma última resposta para os
hereges, que podem ter dividido os homens em categorias ―espirituais‖ (πνετμασικοί
pneumatikoi) e ―sensuais‖ (χτφικοί psuchikoi). Judas os acusa com os próprios termos
deles e nega que tenham parte na vida espiritual, visto que não têm o Espírito de Deus.
A consciência dos tempos turbulentos em que viviam exigia constância na
caminhada espiritual (20-21), por meio do crescimento na santificação, na oração, e na
obediência a Deus, o meio pelo qual um crente se mantém no amor de Deus
(compreendendo o genitivo em ἀγάπη θεοῦ agapē theou como genitivo objetivo; cf. Jo
15.9-10).

374
É possível que, segundo o seu arquétipo, esses hereges tenham sido contratados por
alguém ou algum grupo fora da igreja com a promessa de dinheiro caso alcançassem a
corrupção moral e a perda do testemunho da igreja (cf. comentário de Reicke em 2Pedro 2.16,
a passagem paralela em Epistles, 170).
Essas duas virtudes devem ser acompanhadas por compaixão para com aqueles que
tinham caído sob a influência dos hereges (22-23), sabendo que ninguém é imune ao
erro. Essas pessoas parecem estar divididas em três classes (outra tríade), os duvidosos,
os ―dependurados‖375 e os desonrados; cada qual, a seu próprio modo, deve ser o objeto
da misericórdia cristã.
A conclusão de Judas é uma das mais belas doxologias do Novo Testamento (24-25),
contrastando o retrato sombrio dos hereges com o brilho da glória de Deus, a fim de dar
ânimo aos crentes em sua luta contra a heresia e repetir a promessa da proteção
(υτλάξαι phulaxai), já encontrada no começo da carta (2). Esse inclusio estabelece o
tom confiante para essa defesa veemente da ―fé que uma vez por todas foi entregue aos
santos‖.
ESBOÇO SINTÉTICO
Mensagem
Defender a fé do erro exige consciência dos desígnios de Deus para com hereges e
dos deveres do crente em tempos de heresia.
I. Saudação – Judas se apresenta e deseja aos crentes capacitação divina segundo a posição
segura deles diante de Cristo (1-2).
A. Judas se apresenta como servo de Cristo e irmão de Tiago (1a).
B. Judas identifica seus leitores com a obra salvadora de Deus (1b).
C. Judas deseja a eles capacitação divina na medida da sua posição e do desafio diante deles
(2).
II. Declaração de propósito – A atual apologia veio como uma reação ao ataque da heresia,
a fim de motivar os crentes a defender a sua fé (3-4).
A. O propósito inicial de Judas fora comentar a vida cristã (3a).
B. O propósito efetivo de Judas era motivar seus leitores a lutar pela fé cristã (3b).
C. O motivo para Judas escrever esta carta era o ataque da heresia contra a Igreja (4).
1. Os hereges tinham entrado na Igreja secretamente (4a).
2. Os hereges estavam prostituindo a doutrina da graça (4b).
3. Os hereges estavam pervertendo a doutrina de Cristo (4c).
III. Recapitulação – Defender a fé do erro exige consciência dos desígnios de Deus para
com hereges, visto que foram marcados pela severa punição por suas variadas formas de
rebelião (5-7).
A. Deus puniu a incredulidade dos israelitas errantes (5).
B. Deus puniu a insubordinação dos anjos caídos (6).
C. Deus puniu a imoralidade de Sodoma e Gomorra (7).
IV. Revisão – Defender a fé do erro exige consciência dos desígnios de Deus para com
hereges na medida em que apóstatas contemporâneos se encaixam no padrão histórico
na sua conduta, seu caráter e sua condenação (8-16).
A. Apóstatas contemporâneos se encaixam no padrão histórico em sua conduta (8-11).

375
Este adjetivo poderia designar pessoas que estão ameaçadas de destruição eterna, ou
talvez indivíduos que, por seguirem o ensino dos hereges, seriam disciplinadas segundo o
padrão prescrito por Jesus em João 15.6 (veja O ARGUMENTO DE JOÃO).
1. Eles estão alienados da realidade (8a).
2. Eles são imorais (8b).
3. Eles são duros e arrogantes em sua falta de conhecimento espiritual (8c-10).
4. Eles são egocêntricos quanto à religião (11a).
5. Eles são moralmente pervertidos por sua ganância (11b).
6. Eles são rebeldes contra a autoridade (11c).
B. Apóstatas contemporâneos se encaixam no padrão histórico em seu caráter (12-13).
1. Eles são destrutivos como rochas submersas (12a).
2. Eles são egoístas como pastores mercenários (12b).
3. Eles são enganosos como nuvens sem chuva (12c).
4. Eles são decepcionantes como árvores infrutíferas (12d).
5. Eles são inconstantes como ondas num mar revolto (13a).
6. Eles são indignos de confiança como estrelas errantes (13b).
C. Apóstatas contemporâneos se encaixam no padrão histórico em sua condenação (14-16).
1. A impiedade foi marcada para o juízo de Deus desde o início da história humana, como
se comprova pela profecia de Enoque (14-15).
2. Hereges contemporâneos demonstram sua impiedade em seu falar [marcando-se, assim,
para o juízo] (16).
V. Recordação – Defender a fé exige consciência dos deveres dos crentes em tempos de
heresia (17-23).
A. Os crentes devem constantemente levar em consideração os ensinamentos apostólicos
quanto aos últimos dias (17-19).
1. Lembrar-se das predições apostólicas é obrigatório (17).
2. O caráter dos hereges foi predito como sendo profano e pervertido (18).
3. A conduta dos hereges contemporâneos os confirma como o objeto da profecia apostólica
(19).
• Eles são eclesiasticamente divisivos (19a).
• Eles são moralmente dissimulados (19b).
• Eles são espiritualmente defuntos (19c).
B. Os crentes devem ser constantes em sua caminhada espiritual (20-21).
1. Eles precisam crescer na santificação (20a).
2. Eles precisam orar em sintonia com o Espírito (20b).
3. Eles precisam cultivar o seu amor por Deus por meio da obediência aos Seus
mandamentos na esperança da Sua vinda (21).
C. Os crentes precisam ser compassivos para com os espiritualmente carentes (22-23).
1. Eles devem ser compassivos para com os duvidosos (22).
2. Eles devem ser compassivos para com os ―dependurados‖ (23a).
3. Eles devem ser compassivos para com os desonrados mostrando temor a Deus (23b).
VI. Doxologia – O Deus que é completamente capaz de guardar os Seus até que se unam a
Ele na glória, é digno de todo o louvor e majestade por meio de Cristo (24-25).
O argumento de
APOCALIPSE
Questões introdutórias
TÍTULO
O título pelo qual o livro é comumente identificado, Apocalipse de João, não se
encontra no próprio livro, embora seja correto no sentido de que João é apresentado
como quem registrou a revelação.
O próprio autor, todavia, intitulou sua obra, ἀποκάλτχιρ Ἰηςοτ Φπιςσοῦ,
(apokalupsis Iēsou Christou) ―uma revelação de Jesus Cristo‖. Os termos gregos
significam basicamente um desvendamento de Jesus Cristo. A construção genitiva no
título pode ser entendida de várias maneiras diferentes, mas João parece
intencionalmente ambíguo, permitindo que o título seja entendido como uma revelação
feita por Jesus Cristo (genitivo subjetivo), ou como uma revelação sobre Jesus Cristo
(genitivo objetivo), já que Ele é o principal personagem do livro.
AUTORIA
Há boa evidência externa de que João, o apóstolo, foi o autor de Apocalipse. O
clássico cristão primitivo, O Pastor de Hermas, usa linguagem joanina e contém alusões
a temas encontrados em Apocalipse. Justino Mártir (c. a.D. 150) identifica o autor como
―João, um dos apóstolos de Cristo‖. Outros advogados da autoria joanina foram
Tertuliano, Clemente de Alexandria, Orígenes, e Eusébio.
O primeiro desafio à autoria joanina veio por volta da metade do século III, com
Dionísio de Alexandria. Sua base, todavia, era muito fraca, pois usou comparação de
vocabulário e estilo entre duas obras radicalmente diferentes (João e Apocalipse).376
Mais adiante, a autoria joanina foi rejeitada por grandes heróis da fé como Lutero e
Zuínglio, mas tal rejeição se deveu a preconceitos escatológicos contra um reino
milenar de Cristo.
A evidência interna indica um bom número de semelhanças entre Apocalipse e o
Evangelho de João.377 Em ambos os livros, Jesus é apresentado como o Verbo (λόγορ,
logos, Ap 19.13 e Jo 1.1, 14) . Em ambos, ainda, Jesus é chamado de Cordeiro (28
vezes em Apocalipse; Jo 1.29, 36).378 Nas duas obras a pessoa e a atividade de Satanás
recebem atenção (Ap 2.10; 12.9; 20.2, 7, 10; Jo 8.44; 13.2, 27; 14.30). Somente João e
Apocalipse, em todo o Novo Testamento, contêm a expressão fonte de águas vivas (Ap
7.17; 21.6; Jo 4.14; 7.38). Outras expressões comuns às duas obras são ἀληθινόρ
alēthinos (―verdadeiro‖), μαπστπία marturia (―testemunho‖) e σηπεῖν σάρ ἐνσολάρ
tērein tas entolas, (―guardar os mandamentos‖). Tais semelhanças indicam autoria
comum, e o único João que poderia ser conhecido de todas as sete igrejas da Ásia e
ousaria falar-lhes com tal autoridade seria o apóstolo João.
376
Citado por Eusébio na História Eclesiástica 7.25.7-27.
377
Para documentação extensiva, veja Donald Guthrie, New Testament Introduction, pp. 938-
940.
378
Para sermos justos com Dionísio, as palavras gregas usadas em João e Apocalipse são
diferentes, mas isso pode ser explicado pelo fato de João ter registrado as palavras de João
Batista, usando por isso a palavra ἀμνόρ (amnos), ao passo que ele mesmo preferia a palavra
ἀπνίον (arnion).
DESTINATÁRIOS
Os leitores são identificados como as sete igrejas da província romana da Ásia (1.4),
mais tarde identificadas como Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e
Laodicéia. Essas cidades estavam ligadas por uma importante estrada romana na qual,
partindo de Éfeso, um viajante chegaria a cada uma na ordem apresentada no livro.
As cartas são endereçadas ao ἄγγελορ angelos de cada igreja. Essa expressão tem
sido interpretada como ―anjo‖, por causa da associação destes com as igrejas locais no
Novo Testamento (cf. 1 Co 11), ou como ―mensageiro‖, entendendo que as igrejas
haviam enviado representantes até João, em seu lugar de exílio, e estes haviam sido
portadores das cartas a suas respectivas assembléias. Esta é a posição preferida por este
autor.
DATA
Há algum debate sobre a data de composição do livro. Eruditos como J. Robinson
preferem uma data mais recuada, anterior à queda de Jerusalém, já que essa cidade é
mencionada como ainda existente no capítulo 11.379 Outros preferem datar Apocalipse
por volta do reinado de Nero, porque 17.9-11 afirma que cinco reis já caíram e o sexto
ainda está no poder.
Tais argumentos não são conclusivos e devem ser contrastados com a forte tradição e
evidência interna. Tradição cristã antiga e forte indica o reinado de Domiciano (a.D. 81-
96) como a época da composição. Irineu afirma que Apocalipse foi escrito no final do
reinado de Domiciano (Adversus Heresiae 5.30.3). Eusébio especifica o décimo quinto
ano (História Eclesiástica 3.18), e Vitorino de Roma afirma que João foi libertado de
seu cativeiro em Patmos no ano em que Domiciano foi assassinado (a.D. 96).
A evidência interna exige que algum tempo tivesse se passado entre o
estabelecimento das igrejas na Ásia e a condição lamentável em que achavam algumas
na opinião de João. Éfeso é o exemplo mais gritante, já que a carta de Paulo, escrita por
volta de a.D. 61, não apresenta sinais de condenação. Além disso, a ênfase sobre a
perseverança sugere que a perseguição era a rotina diária dos cristãos, que era o caso do
final do primeiro século, quando a adoração ao imperador foi mais coerentemente
cobrada por todo o império.
Domiciano assumiu o título Dominus et Deus e proclamou a divindade de sua mãe e
de seu filho; a recusa em aceitar tais alegações blasfemas pode ter sido a causa de João
ter-se achado em Patmos. O fato de o livro que mais fortemente encoraja os cristãos a
perseverar sob perseguição ter sido escrito por alguém que experimentou, nas minas de
sal em Patmos, o preço de uma devoção exclusiva a Cristo revela a autoridade e a
idoneidade da Palavra de Deus.
O GÊNERO LITERÁRIO DE APOCALIPSE
Apocalipse pertence àquele gênero literário mais amplo chamado literatura
apocalíptica. Apresenta diversas semelhanças com a literatura apocalíptica extrabíblica,
tais como uma perspectiva e uma preocupação escatológica, a revelação e interpretação
de eventos por anjos, linguagem altamente simbólica, visões, dualismo radical e
acontecimentos cataclísmicos.
Por outro lado, Apocalipse tem muito que o distingue da literatura apocalíptica
extracanônica. Inicialmente, não é obra pseudônima como a maioria dos apocalipses
judaicos e cristãos. Além disso, é coerente em seu uso de símbolos e na sua descrição de
personagens, lugares e eventos.
Não fosse isso bastante, o livro é positivo em sua perspectiva, estimula uma
santidade prática em vez de mero escapismo, enfatiza a perseverança no presente à luz
das promessas do futuro, e apresenta o Senhor não apenas como Juiz, mas também
como Redentor.

379
J. A. T. Robinson, Redating the New Testament, pp. 221-253.
Apocalipse contém as pistas para sua própria interpretação, derivadas, em sua
maioria, de uso prévio das figuras e símbolos no Antigo Testamento (e.g. os termos
meretriz e prostituição nos capítulos 17 e 18 refletem a corrupção da religião descrita e
denunciada pelos profetas do AT). Assim, estrelas simbolizam anjos, candeeiros
representam igrejas, um cavalo branco retrata um conquistador político ou militar).
Nesse aspecto, Apocalipse ocupa um lugar único na literatura, quando comparado a
outras obras apocalípticas como 1 Enoque e o Apocalipse de Pedro.
ABORDAGENS INTERPRETATIVAS DO APOCALIPSE
Quatro escolas ou abordagens interpretativas têm tentado explicar a visão de João. A
mais comum, adotada quase que instintivamente (ou por falta de outra) por intérpretes
leigos é a abordagem idealista.
Historicamente, essa interpretação surgiu de uma reação alegórica a formas extremas
de pré-milenismo literal no terceiro e quarto séculos. Pode ter mais ênfase histórica
(Deus x Satanás na história da Igreja) ou mais cíclica (Bem x Mal na história em geral).
A abordagem preterista atribui a Apocalipse um sentido puramente contemporâneo
(do ponto de vista de seu autor) com apenas aplicações para o presente. Esse ponto de
vista virtualmente nega o caráter profético do livro e ignora a íntima relação temática
entre Apocalipse e muitas passagens proféticas do Antigo Testamento.
Uma terceira abordagem é a historicista, que vê o livro como uma crônica da
história da Igreja entre a Cruz e a Segunda Vinda. Essa abordagem, em que qualquer
interpretação de qualquer pessoa é possível, é derrotada pelo seu próprio sucesso, pois
obviamente nem todas as interpretações que pareciam tão lógicas num determinado
século serão assim entendidas no século seguinte. Nos tempos da Reforma, o papa era a
escolha lógica para o papel do Anticristo (pelo menos, para intérpretes protestantes); no
século XIX, essa identificação não era mais tão popular à luz de um contexto histórico
diferente. No esforço para tornar o livro relevante para a sua geração, o intérprete
historicista corre o risco de despir o livro de seu significado original.
A quarta abordagem, adotada por este autor, é a futurista, que entende a maioria dos
eventos relacionados no livro como ainda futuros, embora espelhados na situação
histórica em que o escritor e os leitores originais viveram.
Uma crítica comum a essa posição é que ele rouba à audiência original qualquer
conforto, já que os eventos descritos não eram contemporâneos aos seus sofrimentos.
Embora válida à primeira vista, essa crítica não é necessária, porque não leva em conta
a natureza da profecia no Antigo Testamento, que é o parâmetro de João.
Os escritos dos profetas eram freqüentemente derivados de eventos contemporâneos
que partilhavam características de promessas ou ameaças escatológicas. O mesmo é
verdade com respeito a Apocalipse. O quadro abaixo resume as diversas abordagens
interpretativas do Apocalipse.

Abordagens
Apocalipse 20-
interpretativas Apocalipse 1-3 Apocalipse 4-19
22
de Apocalipse
Conflito cíclico entre
Igrejas Triunfo final do
Idealista bem e mal na
históricas. bem sobre o mal.
História.
Descrição simbólica
Igrejas Descrição simbólica
Preterista de eventos
históricas. do céu.
contemporâneos.
Descrição simbólica
Igrejas
Historicista de eventos da história Estado eterno.
históricas.
da Igreja.
Descrição simbólica
Igrejas históricas e
de eventos literais
características de Reino milenar e
Futurista futuros anteriores à
igrejas ao longo da estado eterno.
segunda vinda de
História.
Cristo.
ABORDAGENS INTERPRETATIVAS
E SEUS PONTOS DE VISTA SOBRE GRANDES PORÇÕES DE APOCALIPSE

A CRONOLOGIA DE APOCALIPSE
Apocalipse tem sido submetido aos mais imaginativos esquemas cronológicos. Já foi
proposta uma tribulação de 40 anos e um reino descrito como milenar já foi comprimido
ou estendido de modo a cobrir toda a história cristã (dependendo da data do próprio
autor).
O esquema aqui adotado procura integrar Apocalipse com Daniel, Ezequiel e
Zacarias, entendendo os capítulos 4 a 19 como o período que vai da identificação do
Anticristo por meio da ―aliança feita com muitos‖ (Dn 9.26) até a volta do Messias ao
Monte das Oliveiras no tempo de uma conflagração mundial (Zc 14.1). Uma vez
presumido esse esquema, o problema cronológico mais crucial é determinar como os
selos, trombetas e taças se relacionam.
Três teorias principais afirmam que essas três descrições de julgamentos são. (1)
simultâneas; (2) seqüenciais; ou (3) sobrepostas.
As semelhanças entre as três séries levam muitos a identificá-las como um único
conjunto de juízos descritos de maneiras diversas. Tal posição desconsidera suas
notáveis diferenças em natureza e intensidade. As distinções entre eles levaram muitos
pré-milenistas a considerá-las como seqüenciais. Isso não leva em conta o fato de que
quando o sétimo selo é aberto, as condições já são idênticas às do final da Tribulação.
Parece preferível, portanto, ver as duas últimas séries de juízos como contidas no
sétimo selo, e a série das taças como contida na sétima trombeta, já que nem o sétimo
selo nem a sétima trombeta recebem descrição factual. Os gráficos a seguir ilustram
como os juízos deveriam ser cronologicamente distribuídos e a necessidade de haver
alguma distinção entre eles.
DISPOSIÇÃO CRONOLÓGICA DOS JUÍZOS DE APOCALIPSE

Comparação entre as três séries de juízos


Selos Trombetas Taças
(Capítulo 6) (Capítulos 8-9) (Capítulo 16)
Aparição do Tempestade de granizo Úlceras malignas contra
1 Anticristo destrói 1/3 da vegetação os adoradores da besta
Poluição total dos
Guerra em escala Meteoro(?) destrói 1/3
2 oceanos: toda vida
mundial da vida marinha
marinha destruída
Meteoro(?) envenena 1/3
Fome em escala Poluição total da água
3 da água potável do
mundial potável do mundo
mundo
Morte de 1/4 da Redução parcial da luz
4 Aumento do calor solar
população da terra solar e estelar
Orações
Hostes demoníacas
imprecatórias dos Trevas sobre o reino do
5 atormentam os homens
santos mártires da Anticristo
por 5 meses
tribulação
Terremoto Exército sobrenatural
Invasão da Palestina
6 gigantesco e mata 1/3 da população
pelos reis do Oriente
distúrbios cósmicos da terra
7 As sete trombetas As sete taças Megaterremoto e saraiva
OS JUÍZOS DE APOCALIPSE

O USO DE PARÊNTESES EM APOCALIPSE


Uma das características deste livro é a presença de parênteses que surgem a certos
intervalos, oferecendo, de um modo geral, informações complementares sobre o período
cronológico recém-descrito ou a ser descrito.
Assim, o capítulo 7 oferece informações sobre o tempo contido no sétimo selo (que
se estende do capítulo 8 ao capítulo 18). De modo semelhante, um segundo parênteses
(10.1–11.14) surge entre a sexta e a sétima trombetas. Um terceiro parênteses, capítulos
12 a 15, faz uma ponte entre as duas últimas séries de juízos, e um quarto (capítulos 17
e 18) detalha informações sobre Babilônia antes da invasão final por Cristo e Sua
conquista do sistema mundial na batalha de Armagedom.
PROPÓSITO E DESENVOLVIMENTO
O livro de Apocalipse muitas vezes foi chamado de um enigma insolúvel, uma obra
críptica impossível de se entender. Também já foi rotulado, um pouco mais
adequadamente, como um hino de louvor e adoração a Deus, sem quaisquer implicações
históricas ou proféticas, refletindo apenas o conflito cíclico entre o Bem e o Mal. Outros
consideram o livro como sendo limitado à situação na qual foi escrito, sem implicações
ou significados futuros. Variando ligeiramente, outros vêem o livro como já realizado
na história mundial subseqüente, tendo pouco ou nada a dizer sobre condições
específicas e futuras da terra.
Este autor pensa que nenhuma das abordagens mencionadas acima faz justiça à
forma, ao conteúdo ou ao propósito do livro de Apocalipse. Conforme mencionado
anteriormente, Apocalipse, pertencendo ao gênero de literatura apocalíptica,
compartilha com outras tais obras a intenção de revelar eventos futuros de modo a trazer
consolo ou ânimo a seus leitores. No entanto, em contraste com outra literatura
apocalíptica, o Apocalipse é historicamente datável e, mais que isso, relevante. Esse fato
não pode ser ignorado na sua interpretação.
Outro aspecto maltratado de Apocalipse é seu conteúdo altamente simbólico. O
simbolismo em Apocalipse está enraizado no Antigo Testamento, e o Antigo
Testamento deve ser o guia do intérprete e sua fonte primária de pistas quanto ao
significados dos símbolos. Livros como Daniel e Zacarias revelam muito do mesmo
imaginário encontrado em Apocalipse.380 A interpretação incauta da maioria dos
símbolos já trouxe muita confusão.
Apocalipse é narração simbólica de história futura literal. É também uma
apresentação do triunfo definitivo de Cristo na era escatológica, cujas condições eram
espelhadas pela situação histórica em que foi escrito, tornando a narrativa relevante às
condições em que viviam os leitores. Isso significa que, em seu movimento linear em
direção à consumação das eras, a História tem se movido e ainda se moverá
ciclicamente de tal modo que as condições vigentes nos dias de João espelhavam, ainda
que palidamente, algumas das condições que prevalecerão durante o tempo do fim.
A abordagem aqui empregada, de identificar referenciais próximos e distantes,
garante a relevância imediata e contínua de Apocalipse. Donald Guthrie, que não
compartilha a posição hermenêutica deste autor, afirma: ―É melhor concluir que,

380
Um profeta raramente ligado a Apocalipse, mesmo entre os dispensacionalistas, é Isaías,
ao qual João faz referência nada menos do que 65 vezes em Apocalipse.
alinhado com os profetas hebreus, há tanto pontos de vista próximos quanto distantes
neste livro, e sua relevância é portanto, ao mesmo tempo, histórica e escatológica‖.381
À exceção dos que negam a unidade do livro (especificamente quanto à integridade
dos capítulos 1 a 3), a maioria dos comentaristas aceita a premissa de que Apocalipse
foi escrito a um grupo específico de pessoas que tinham necessidades específicas (cf.
1.4 e 22.16). O contexto histórico pode ajudar a esclarecer as necessidades dos
destinatários e o propósito da composição de Apocalipse.
Sob a dinastia dos Flávios (Vespasiano, Tito e Domiciano) Roma havia expandido as
fronteiras do império. O comércio florescia com regiões distantes como a Bretanha e a
Arábia, tornando Roma mais próspera que nunca. A despeito de tais conquistas, a carga
de impostos era abusiva e o governo se tornara crescentemente repressivo e totalitário,
especialmente depois que Domiciano tornara obrigatório por todo o império o culto ao
imperador. Para a enorme massa humana do império, o destino era a mais abjeta
pobreza.
Depois de seu rompimento definitivo com o judaísmo, quando da destruição do
Templo, o cristianismo adquirira identidade própria. A princípio, atraiu a suspeita dos
romanos por sua ausência de imagens e separatismo. Da acusação genérica de ateísmo,
Roma partiu para a perseguição generalizada já que os cristãos se negavam
terminantemente a participar do culto ao imperador. A perseguição levou à pobreza, e
esta, ao desânimo, à falta de amor, à tolerância para com o erro e até mesmo à
imoralidade. João encara tais problemas nas cartas às sete igrejas, mas o tema geral do
livro é o antídoto para todos eles. A mensagem do livro se resume no seguinte:
A revelação de Jesus Cristo como soberano Senhor das igrejas e Juiz de todo o
mundo exige submissão e adoração a Ele.
Em outras palavras, o triunfo final de Deus em Cristo na παποτςία parousia era
motivo suficiente para que os cristãos não cedessem às pressões do sistema
governamental tirano ou da libertinagem moral da sociedade decadente em que os
leitores de João viviam.
À luz do exposto, o propósito do livro pode ser assim formulado:
Estimular submissão a Jesus Cristo e Sua adoração revelando Sua transcendência
divina, Seu controle soberano sobre as igrejas e Seu triunfo final sobre a
iniqüidade.
Esse propósito se desenvolve com base em Apocalipse 1.19 e uma abordagem
futurista, enquanto se busca dar ênfase ao contexto histórico do livro.
Desenvolvimento
A pessoa do Senhor Jesus Cristo é preeminente no livro de Apocalipse. João, o
apóstolo, cerca sua obra com a indicação de que Jesus é o centro do programa
escatológico de Deus (1.1) e com uma oração pelo breve regresso do Salvador (22.20).
A presença de Cristo permeia o livro, e a intenção clara de seu autor era de tal modo
expor a sublimidade de Jesus que a igreja perseguida do final do primeiro século não
tivesse alternativa senão submeter-se a Ele e adorá-lO.
I.
A revelação da transcendência divina de Cristo encoraja a submissão e a
adoração a Ele (1.1-19).
Esta seção focaliza a natureza da revelação de Cristo, Sua obra salvadora em nosso
favor e a visão dramática pela qual João se aprofunda no relacionamento de Cristo com
a Igreja.

381
Donald Guthrie, New Testament Introduction, p. 975.
A. A natureza divina da revelação de Cristo sobre as coisas futuras revela a transcendência
de Cristo (1.1-3).
Este não é ―O Apocalipse de João‖, como indicado pelo título comum do livro. A
natureza divina dessa revelação (note o singular) se mostra de duas maneiras.
1. A natureza divina da revelação de Cristo se mostra em sua origem (1.1-2).
Parece melhor tomar o genitivo na expressão ἀποκάλτχιρ Ἰηςοῦ Φπιςσοῦ
apokalupsis Iēsou Christou como subjetivo. O desdobrar do último capítulo da
humanidade foi dado primeiro a Cristo pelo próprio Deus Pai. Cristo, então,
comissionou um anjo para apresentar a revelação a João, e este, por sua vez, a levou às
sete igrejas. Como enfatizado no Antigo Testamento, apenas Deus pode comunicar
revelações de eventos futuros (cf. Is 46.9-10). A expressão ἐν σάφει en tachei, embora
futura no que diz respeito à visão geral do livro, tem, nesta passagem, a idéia principal
de ―rapidamente‖.
2. A natureza divina da revelação de Cristo se mostra em sua promessa (1.3).
O propósito de Apocalipse é ser um livro de consolo, de modo a trazer bênção aos
seus leitores, mas especialmente àqueles que atendem às exortações nele presentes. O
versículo 3 indica que João esperava que o livro fosse lido em voz alta nas
congregações às quais seria enviado.
A expressão ὁ γάπ καιπόρ ἐγγύρ ho gar kairos engus precisa ultrapassar a
proximidade profética382 para que o livro fosse relevante àqueles que o receberam
primeiro. Este autor considera a frase como uma referência à situação histórica que
espelhava parcialmente os eventos futuros que João descrevia. O conhecimento dos
leitores da vitória final de Cristo e do galardão celestial dos Seus mártires os motivaria a
terem um compromisso mais firme com Ele.
B. O retrato de Cristo em relação ao programa divino de redenção revela a Sua
transcendência divina (1.4-8).
A saudação é um dos destaques teológicos do livro, e nela a pessoa e a obra de Jesus
Cristo têm um papel central pelas seguintes razões.
1. Cristo está relacionado com o Pai e o Espírito Santo (1.4-5a).
Jesus aparece com o Pai e o Espírito como a fonte de graça e paz aos crentes. Não é
estranho, então, encontrar que as últimas linhas de Apocalipse também se refiram à
―graça do Senhor Jesus‖, a capacitação necessária em tempos de tribulação (cf. 22.21).
2. Cristo está relacionado com o tempo escatológico (1.5b).
No passado, Ele foi a testemunha fiel; agora, Ele é o primogênito (ππψσόσοκορ
prōtotokos; cf. Cl 1.16) da nova criação de Deus; e no futuro, Ele será o rei de toda a
Terra. Essa apresentação se conforma aos três papéis que Jesus tem no drama eterno,
Profeta, Sacerdote e Rei. Também serve para marcar as divisões do livro, visto que o
capítulo 1 fornece o testemunho de Cristo, os capítulos 2 e 3 apresentam o papel de
Cristo como Cabeça da Igreja, e o restante do livro retrata os eventos que levam ao Seu
reinado universal.
3. Cristo está relacionado com os crentes (1.5b-6).
Aqui João enfatiza o passado e o presente, Seu amor sacrificial e a posição exaltada
outorgada aos crentes com base na obra redentora de Cristo.
4. Cristo está relacionado com Sua futura vinda (1.7).
O conteúdo messiânico desse versículo não pode passar despercebido. A menção de
nuvens identifica Jesus Cristo com o Filho do Homem de Daniel 7.13 (Jesus tinha se

382
John F. Walvoord, The Revelation of Jesus Christ, p. 37.
identificado com essa figura escatológica e isso Lhe merecera a acusação de blasfêmia
diante do Sinédrio; cf. Mt 26.64), enquanto a alusão a Zacarias 12.10 relaciona a morte
de Jesus na cruz à esperança messiânica de Israel. Essa descrição especificamente
judaica de Jesus aponta para a ênfase em Israel que se encontra mais adiante no livro.
5. Cristo está relacionado com a divindade (1.8).
O uso de Alfa e Ômega aponta para a majestosa descrição de Deus em Isaías 40 e,
provavelmente, é um merisma usado para indicar que Cristo é tudo em todos. Esse
versículo também enfatiza a Sua eternidade e onipotência.
C. A visão simbólica de Cristo em Sua glória e em Seu relacionamento com a Igreja revela
a sua transcendência divina (1.9-20).
Embora esta visão esteja arraigada no Antigo Testamento, especificamente em
Daniel, ela tem um sabor distintivamente neotestamentário, visto que Jesus é
apresentado não apenas como Aquele que tem controle sobre a Igreja, mas também
como Aquele que está presente com ela e dela cuida.
1. Cristo é apresentado de modo a indicar Sua divindade e Seu poder (1.9-18).
Essa visão fala da autoridade de Cristo, que é vista em Sua voz (1.15), Suas vestes
(1.13), nas estrelas em Sua mão (1.16), na espada (1.16), e nas chaves da morte e do
Hades (1.18).
A visão fala também da Sua majestade, vista no cinto de ouro (1.13) e na Sua
aparência brilhante (1.16). É bastante óbvio que a memória da Transfiguração estava
vívida na mente de João mais de cinqüenta anos depois do ocorrido.
Finalmente, a visão fala também da divindade de Cristo, primariamente por causa da
reação de João à aparência de Cristo (cf. Dn 8.18). Percebe-se isso também na ênfase
redobrada em ser Cristo tudo em todos, e na Sua morte, ressurreição e existência eterna.
2. Cristo é apresentado de modo a indicar a Sua autoridade sobre a Igreja e Sua
preocupação com ela (1.19-20).
A autoridade de Cristo sobre a Igreja se vê no fato de que Ele segura as estrelas (i.e.,
os anjos, 1.16) em Sua mão direita, e Sua preocupação fica evidente em Sua presença
entre os candeeiros (1.13), assim como em Seu interesse em revelar seu propósito para
as eras às sete igrejas da Ásia. Esse interesse fica evidente, posteriormente, nas cartas
detalhadas escritas a cada congregação.
Assim, a primeira divisão do livro, o primeiro capítulo – as coisas que viste – tem como
propósito retratar Cristo em Sua transcendência divina, como o Deus eterno, que em
breve Se manifestará, Aquele que zela por Sua igreja e controla a História. O caráter
messiânico do livro é revelado pelas numerosas alusões ao Antigo Testamento,
particularmente à profecia de Daniel 7 sobre o Filho do Homem.

RESUMO DE APOCALIPSE 1

II.
A revelação do controle soberano de Cristo sobre as igrejas encoraja a
submissão e a adoração a Ele (2.1–3.22).
O propósito dessas sete cartas tem sido um assunto bastante disputado. A posição
adotada nesta obra é que elas eram destinadas a congregações locais existentes, com o
propósito de corrigir erros e encorajar submissão a Jesus Cristo como o grande vencedor
no conflito espiritual em que toda a Igreja estava envolvida. Contudo, a partir da
expressão μεσά σαῦσα meta tauta em 4.1, parece claro que as sete igrejas formam uma
unidade projetada para retratar, pelo menos em termos gerais, o curso dessa era da
Igreja. Isso não deve ser igualado à exata correspondência entre as cartas e os períodos
da história da Igreja, mas precisa ser visto como uma indicação de que os mesmos
conflitos enfrentados pelas igrejas da Ásia no século I têm estado e estarão presentes no
decorrer desta era.
As cartas seguem um padrão bem definido que será desenvolvido nos subpontos
seguintes. Uma tabela a seguir resume o padrão estabelecido por João.
Em vez de analisar cada uma das cartas, este autor optou por um breve panorama do
padrão seguido em cada carta, de modo a indicar como esses paralelos contribuem para
o propósito de João para o livro. Com variações mínimas, cada carta inclui uma
descrição de Cristo, um elogio, uma condenação, uma exortação e uma promessa para a
igreja.
A. A descrição de Cristo, em termos da Sua visão transcendente, revela o controle soberano
de Deus sobre as igrejas (2.1, 8, 12, 18; 3.1, 7, 14).
Além de estarem relacionadas com a visão do capítulo um, as descrições de Cristo
estão relacionadas a algum aspecto do contexto histórico ou cultural da cidade.
Assim, Cristo é apresentado como Aquele que tem autoridade à igreja da cidade onde
se encontrava o trono do governo proconsular.383 Para Esmirna, a cidade que fora
destruída por um terremoto e depois reconstruída, Ele aparece como o ressurreto.384
Pérgamo era outra cidade proconsular, portanto, a espada, símbolo de poder e
autoridade, vem a calhar. A menção de φαλκολίβανορ calkolibanos na carta a Tiatira
provavelmente é referência à sociedade de artífices em bronze que havia na cidade.385 A
descrição de Cristo como Aquele que tem os sete espíritos sugere a onisciência pela
qual Ele conhece tudo sobre a Igreja. Isso é um forte contraste com a tradicional falta de
vigilância em Sardes, que fez que a cidade fosse conquistada duas vezes, primeiro por
Ciro, depois por Antíoco.386 À igreja em Filadélfia, que fora, no passado, o centro de
dispersão ou a porta aberta pela qual a cultura grega se espalhou pela região, Cristo vem
como Aquele que tem as chaves de Davi, i.e., autoridade messiânica, e que abre uma
porta para o ministério deles, a qual homem algum pode fechar. No que diz respeito a
Laodicéia, a descrição não vem da visão em si, mas do prólogo do livro, e o contraste se
faz não com algum aspecto da cidade, mas com o caráter infiel da igreja.
B. O elogio de Cristo para cada congregação revela o Seu controle soberano sobre as igrejas
(2.2-3, 6; 2.9, 13, 19; 3.4[?], 8).
C. A condenação de Cristo para cada congregação revela o Seu controle soberano sobre as
igrejas (2.1; 2.14-15, 20; 3.1, 15-17).
Esses dois aspectos podem ser considerados juntos. Duas igrejas não recebem
nenhum elogio, Sardes e Laodicéia. Duas igrejas não recebem nenhuma condenação,
Esmirna e Filadélfia.
Assim, Éfeso é a igreja com o passado cheio de amor e o presente desprovido de
amor. Esmirna é a fiel igreja sofredora. Pérgamo fora fiel sob pressões externas, mas
estava sucumbindo às pressões internas dos hereges. Tiatira fizera progresso em suas
obras, mas prostituíra sua devoção. Sardes se tornara negligente e sua vida estava se
esvaindo. Filadélfia perseverara e seria preservada. Finalmente, Laodicéia seria
castigada por causa da sua complacência e acomodação. Esses dois aspectos indicam o
conhecimento absoluto de Cristo dos problemas e Sua perfeita capacidade de corrigi-
los, assim como o Seu desejo e Suas promessas de recompensar a virtude e a devoção.
D. A exortação de Cristo a cada congregação revela Seu controle soberano sobre as igrejas
(2.5, 10, 16, 24-25; 3.2-3, 11.18-20).

383
Leon Morris, The Revelation of Saint John, p. 58.
384
Idem, 53.
385
William Ramsay, The Letters to the Seven Churches, pp. 329-330.
386
Morris, Revelation, p. 75.
Essas exortações giram basicamente em torno do arrependimento e da perseverança.
Esmirna, Tiatira e Filadélfia são encorajadas a perseverar, enquanto as outras quatro são
exortadas a se arrependerem de vários fracassos ou erros.
E. As promessas de Cristo a cada congregação revelam Seu controle soberano sobre as
igrejas (2.7, 10-11, 17, 26-29; 3.4b-6, 12-13, 21-22).
As promessas, como tais, não são feitas diretamente às igrejas, mas ao ―vencedor‖,
que se refere não ao que, depois de uma vida de lutas, é considerado um vencedor, mas
sim àquele que crê e, tornando-se então um vencedor, persevera até o fim. A tentativa
de ligar esse vencer à perseverança na carta a Esmirna (2.10-11) é hermeneuticamente
incorreta porque não é possível de se fazer nas outras seis cartas. A inferência
necessária de tal pensamento é que um vencedor em Éfeso seria alguém que se lembra e
se arrepende, mas essas condições são demasiadamente fáceis para os que advogam a
salvação pelo senhorio. O mesmo raciocínio se aplica, mutatis mutandis, a todas as
outras cartas.
As promessas estão relacionadas ao próprio Cristo, ou em Sua pessoa ou em Sua
obra, e têm, às vezes, alguma relação com a cidade à qual a carta se destina. Assim, a
Éfeso é prometido partilhar da árvore da vida (2.7; uma referência a Gn 2.9 e 3.22, e Ap
22.3), a Esmirna é prometido o livramento da segunda morte (2.11; que remete às
palavras de Jesus em Jo 5.24), a Pérgamo é prometida a comunhão com Cristo (2.17; o
maná escondido é um retrato da provisão de Deus para o nosso sustento como
Anfitrião) e um veredicto de absolvição (a pedra branca).387 Tiatira recebe a promessa
de partilhar do governo milenar e desfrutar da própria pessoa de Cristo, a estrela da
manhã (2.26-28). Sardes recebe a promessa de vestes brancas – um símbolo de justiça
imputada – e presença no livro da vida (3.5). A Filadélfia são dadas a promessa
temporal de livramento (3.10) e a promessa eterna de ser parte do edifício que Deus está
construindo agora para ser Seu templo eterno (3.12), uma promessa significativa em
termos das condições geológicas instáveis da cidade, onde terremotos eram freqüentes e
devastadores. A Laodicéia, o Cristo que busca comunhão com uma igreja morna (3.20)
promete uma porção no Seu glorioso reino (3.21). A tabela a seguir resume as sete
cartas de Apocalipse 2 e 3.
As sete cartas servem, no propósito geral do livro, para motivar os leitores a adorarem a
Cristo e se submeterem a Ele, apresenando-O como o Soberano onisciente e amoroso,
mas severo, que demonstra amor e paciência, mas exige fidelidade daqueles que se
chamam pelo Seu grande nome.

Promess
Igreja Descrição Elogio Acusação Exortação
a
Boas obras,
Aquele que Perda do Arrependiment Partilhar da
perseverança
Éfeso tem primeiro o e prática das árvore da
e firmeza
autoridade. amor. primeiras obras. vida.
doutrinária.
Fidelidade Manter a Libertação
O
Esmirna em meio ao Nenhuma. fidelidade na da segunda
ressurreto.
sofrimento. provação. morte.
Autoridade Tolerância Comunhão
Fidelidade Arrependiment
da sua com falso com Cristo
Pérgamo apesar da o para evitar
palavra ensino e e
pressão. punição.
(espada). imoralidade. absolvição

387
Morris, Revelation, pp. 68-69. Esta parece ser a alternativa mais provável para esse símbolo
tão discutido.
judicial.
Olhos como Crescimento
Devoção
chama de em obras de Perseverar no Partilhar a
corrompida
fogo e pés amor e fé; que foi autoridade
Tiatira por ensino
como serviço realizado para real de
falso e
bronze perseverante Cristo. Cristo.
imoralidade.
polido. .
Lembrar-se do
A Justiça
Falta de ensino
autoridade imputada e
Sardis Nenhum. vigilância e apostólico e
suprema e comunhão
vitalidade. obedecer para
onisciente. com Cristo.
evitar punição.
Ser parte
Aquele que Perseverança Perseverar no
do templo
tem na provação que foi
Filadélfia autoridade Nenhuma. de Deus e
apesar da realizado para
identificar-
messiânica. fraqueza. Cristo.
se com ele.
Testemunh
Arrependiment Partilhar da
a fiel e Complacênci
Laodicéi o para ter autoridade
verdadeira, Nenhum. a e
a comunhão com real de
Senhor da conivência.
Cristo. Cristo.
criação.
QUADRO SINTÉTICO DAS CARTAS DE APOCALIPSE

III.
A revelação do triunfo final de Cristo sobre o impiedade encoraja à
submissão e adoração a Cristo (4.1–22.5)
A abordagem futurista da interpretação vê os eventos a partir de 4.1 como proféticos.
Este autor adota esse ponto de vista, renovando-se a indicação que, embora João não
tenha escrito Apocalipse como uma descrição de eventos relacionados à Igreja nos
tempos de Domiciano, havia semelhança suficiente com a situação vigente para que o
triunfo final de Cristo oferecesse consolo e encorajamento à Igreja perseguida.
Essa é uma seção difícil de expor de modo mais direcionado, devido à sua extensão e
à variedade de cenários que compõem todo o quadro. Há quatro grandes cenários que
constituem o triunfo final de Cristo sobre a impiedade. no primeiro e mais extenso, há a
apresentação do conflito em si, em seu último estágio, o qual João descreve como ἡ
θλἵχιρ ἡ μεγάλη hē thlipsis hē megalē (7.14); no segundo, aparecem as repercussões do
conflito, a saber, o estabelecimento do reino de Cristo sobre a terra (20.1-10); depois
disso, vem o juízo de Deus sobre a última rebelião humana e o julgamento dos ímpios
mortos (20.11-15); o último cenário é um retrato do grandioso e glorioso estado eterno,
onde os justos partilharão de tudo que o homem perdeu na queda e muito mais (21.1–
22.5).
A. A descrição da vitória de Cristo sobre o sistema mundial que se opunha a Ele revela Seu
triunfo final sobre a impiedade (4.1–19.21).
Esse segmento extenso de Apocalipse contém a batalha espiritual já presente nas
cartas, apenas magnificada pela intervenção direta de Satanás e seus dois principais
agentes na rebelião flagrante contra o Cordeiro.
A Igreja de Jesus Cristo é notória por sua ausência. Ela só aparece no capítulo 19, no
qual são descritas as bodas do Cordeiro. A força da ira de Satanás se concentra contra os
ἅγιοι hagioi, uma vasta multidão de pessoas de todas as nações, e especialmente da
nação de Israel.
O período descrito nesses capítulos se destaca pelos juízos devastadores derramados
do céu contra uma raça humana cada vez mais insensível; a atitude impenitente das
nações, evidente ao longo das três séries de juízos, serve como um argumento poderoso
a favor da submissão ao Cordeiro, de cuja ira apenas os ἅγιοι podem escapar (cf.
7.17ss.).388
A rebelião da Terra contra Deus se torna tão grande que, na volta do Senhor, seus
exércitos combatentes fazem guerra contra Ele. O resultado da batalha é óbvio dentro do
enredo do livro; os batalhões da besta e seus aliados são eliminados, e Cristo introduz o
reino messiânico prometido.
1. O retrato de Deus como o Criador soberano entronizado nos céus introduz o tema da
vitória sobre o sistema mundial oposto a Deus (4.1-11).
Comentaristas pré-milenistas tradicionalmente têm visto aqui um tipo ou uma
referência ao Arrebatamento, uma interpretação admissível mas não necessária, com
base na expressão grega μεσά σαῦσα meta tauta (4.1). A ênfase da passagem está na
adoração a Deus por causa do Seu poder e obra criativos. Seres celestes, cuja identidade
é muito discutida,389 tributam louvor a Deus sem cessar; com os quatro seres viventes,
24 anciãos se unem em louvor e adoração celestiais (4.4, 9-10).390 A cena é de
majestade e deslumbramento, e fornece um contraste marcante à sombria realidade do
juízo divino (6.1ss.).
2. A descrição de Cristo como Aquele que é digno de desvendar e executar o programa
divino de juízo antecipa a derrota do sistema mundial oposto a Deus (5.1-14).
O tema de adoração se mistura com o de juízo quando o rolo com sete selos e o
Leão/Cordeiro, que é digno de abri-lo, são apresentados. O papel do Cordeiro no
cenário celeste aponta para a Sua divindade; Seus sete chifres apontam para a Sua
onipotência, e Seus sete olhos indicam Sua onisciência (7.6). Quando o Leão/Cordeiro
se apresenta como Aquele que abrirá o rolo, que desvendará o plano eterno de Deus
para o último capítulo da história humana, três grupos distintos irrompem em louvor (os
quatro seres viventes, os 24 anciãos e muitos anjos). A adoração celestial é ecoada
prolepticamente pelo reconhecimento universal de Jesus Cristo (5.13).
3. A descrição do primeiro ciclo de juízos sobre a terra dá início à derrota do sistema
mundial oposto a Deus (6.1-17).
A essa altura, a ira de Deus começa a ser deflagrada contra a terra. A primeira série
de juízos, apresentada como os sete selos, é a mais amena das três, mas assombrosa

388
Leland Ryken, The Literature of the Bible, p. 349.
389
Esses quatro seres celestes têm sido identificados como símbolos dos atributos de Deus,
como representações zoomórficas de Cristo como é retratado nos Evangelhos, ou como anjos,
de acordo com representações vétero-testamentárias de seres angélicos (cf. Ez 1.10-11). Visto
que eles parecem ser distintos do Cordeiro e dAquele que se assenta no trono, parece que
seres angélicos representados de forma zoomórfica é a melhor interpretação.
390
A identidade desses 24 anciãos também é muito discutida. Eles já foram identificados
como anjos de ordem mais elevada (S. Lewis Johnson), como representações simbólicas da
Igreja (por causa da seu cântico de redenção), ou como representantes de toda a companhia
dos remidos, doze representando Israel e doze representando a Igreja. Se o número 24 aponta
para os cursos do sacerdócio de Israel, eles podem ser uma representação da Igreja, a qual
Pedro denomina uma nação de sacerdotes.
mesmo assim. Ela envolve o aparecimento do líder conquistador (6.2), de uma guerra
mundial (6.4), de fome (6.5-6) e de morte (6.7-8).
O quinto selo indica que, quando Deus começar a derramar Sua ira sobre a Terra, o
martírio terá se tornado um modo de vida para aqueles que preservam sua lealdade ao
Cordeiro. A idéia de uma santa vingança é clara demais para ser ignorada, e sua fúria é
vividamente descrita no sexto selo (6.12-14), que envolve eventos cataclísmicos e causa
pânico mundial, mas ainda sem arrependimento.
4. A apresentação proléptica daqueles que escaparam da ira do Cordeiro durante a
tribulação descreve a derrota do sistema mundial oposto a Deus (7.1-17).
Na abordagem usada aqui para interpretar o livro, esse capítulo é um parêntese
proléptico, no qual aqueles que recebem o selo da proteção divina, 144.000 judeus que
servem a Deus, aparecem pela primeira vez. Então, João descreve uma grande multidão,
composta de homens de todos os cantos do mundo, cuja presença no céu responde à
pergunta de 6.17, quem poderá subsistir? Parece haver uma relação de causa e efeito
entre a descrição dos 144.000 judeus e a presença da multidão inestimável de crentes
martirizados no céu, posto que o ministério daqueles de proclamar Cristo como
Salvador e Messias resultou na presença destes diante do Cordeiro.
O contraste entre o pânico dos sobreviventes durante a tribulação (6.16-17) e a paz
dos mártires (7.14-17) é outra das insinuações ocultas de João quanto à submissão
absoluta a Cristo.
5. A descrição do segundo ciclo de juízos contra pecadores impenitentes revela a derrota do
sistema mundial oposto a Deus (8.1–9.21).
Enquanto os juízos dos selos eram, em geral, causados pelo homem, os juízos
introduzidos pelas trombetas não podem ser controlados ou evitados pelo homem, sendo
de natureza catastrófica (8.7-12) ou demoníaca (9.1-20).
Ademais, há uma progressão na natureza e nos efeitos destrutivos dos juízos, quando
um terço dos recursos alimentícios e da vegetação da terra são destruídos (8.7-12).
A descrição da quinta trombeta traz o retrato mais sombrio do livro até agora, com a
libertação de influências malignas sob o controle de Satanás, seres demoníacos
destrutivos, que João descreve como gafanhotos (9.2-6), símbolos de devastação
impiedosa, recebem o poder para atormentar incrédulos, que ansiarão pela morte à luz
do seu intenso sofrimento. Embora muitos tenham tentado identificar essas criaturas
com máquinas bélicas modernas, a sua submissão a Abadom ou Apoliom, com o uso
intenso de comparativos, sugere que é melhor vê-las como entidades espirituais cuja
aparência, quando revelada, era grotesca e horripilante como João descreveu.
A sexta trombeta introduz um elemento de puro horror, quando uma hoste angelical,
em número de 200 milhões, elimina um terço da população terrestre numa destruição
sem precedentes (9.18). Novamente, a descrição sugere que esses não são exércitos
humanos, mas hostes demoníacas, visíveis ao observador, porém não necessariamente
àqueles a quem aniquilarão. João pode ter sido influenciado em sua descrição pelos
partos, um povo feroz, inigualável na arte da cavalaria, localizado perto do Eufrates, que
constituía a nêmesis de Roma no campo de batalha.
Entretanto, a humanidade, ou o que sobra dela (metade da população da terra no
início da tribulação), novamente recusará dobrar-se diante de Deus em arrependimento e
fé, abandonando suas idolatrias e imoralidades (9.20-21). Ryken diz: ―O retrato de uma
humanidade impenitente lança sobre o leitor a obrigação de reagir de maneira
apropriada à lógica da situação, em vez de seguir a incrível insensibilidade dos
personagens na obra, que não atendem às advertências de Deus.‖391
6. A revelação de que o plano de Deus, tanto em sua parte conhecida quanto nos seus
detalhes ocultos, será cumprido, garante a derrota do sistema mundial oposto a Ele
(10.1-11).

391
Ryken, Literature, p. 351.
Este é outro parêntese. Outro anjo se aproxima da terra, dessa vez servindo como um
mensageiro a João. Sua identidade é debatida, com alguns considerando-o como o
próprio Cristo, outros como um anjo. Visto que ele jura por Deus (10.5) usando a
terceira pessoa, parece melhor considerá-lo como outro anjo (cf. 5.2). Os principais
pensamentos da passagem são: (1) a existência de mais revelação de Deus sobre o
futuro, sobre a qual João foi proibido de escrever. Como os que foram registrados nas
Escrituras, contudo, esses novos fenômenos seriam cumpridos indubitavelmente (10.5-
7); e (2) a natureza dupla do ministério profético de João. Aos crentes, trazia paz e
consolo, sendo doce; aos incrédulos, falava de juízo e terror, sendo, portanto, amargo.
7. A descrição de como Deus é capaz de mostrar misericórdia e preservar Suas testemunhas
em meio à oposição satânica confirma a derrota do sistema mundial oposto a Deus
(11.1-14).
Esse capítulo pretende deixar claro que Deus não ficará sem testemunhas durante os
dias sombrios da tribulação. O ministério das duas testemunhas é um elemento
importante no drama dos últimos dias, visto que parecem ser os instrumentos por meio
dos quais os 144.000 judeus se tornam crentes no Messias. Ao vencer o Anticristo, esses
dois servos de Deus antecipam a derrota final do sistema mundial diante do Cordeiro.
O incidente de medir o Templo, mas não o pátio externo, se explica pelo propósito de
tais medições no Antigo Testamento. É mais provavelmente uma indicação de que, em
meio às coisas que serão destruídas pelas nações em sua fúria, Deus preservará um
remanescente.392 Para alguns, o Templo é uma figura da Igreja,393 mas uma
interpretação literal é consistente com a profecia dos Setenta Setes (Dn 9.24-26), e sua
confirmação pelo Senhor em Mateus 24.15-16, e por Paulo em 2Tessalonicenses 2.4.
Por três anos e meio, os gentios dominarão Jerusalém e o templo, mas o verdadeiro
dono é o Senhor Deus.
As duas testemunhas (11.3-6) são, muitas vezes, identificadas como Moisés e Elias,
por causa da semelhança de seus ministérios e milagres (11.6), ou como Enoque e Elias,
os quais nunca morreram fisicamente, mas parece melhor vê-las como dois indivíduos
do fim dos tempos que Deus capacitará sobrenaturalmente para cumprir esse ministério
incomum.394 Embora sejam aparentemente vencidas pela besta, elas são finalmente
ressuscitadas e arrebatadas ao céu, para o espanto público (11.7-11). O restante da
vingança de Deus pelos Seus servos envolve juízo (por meio de um terremoto) sobre a
cidade em que haviam morrido. A atitude dos habitantes de Jerusalém, embora
aparentemente positiva, é o mero reconhecimento da grandeza de Deus, sem a graça
salvadora ou temor piedoso (11.13).
8. A expectativa celeste pela hora em que Cristo finalmente conquistará o mundo descreve a
derrota do sistema mundial oposto a Deus (11.15-19).
A sétima trombeta, como o sétimo selo, não tem nenhum evento cronológico
associado a ela. Todo o parágrafo é um anúncio celeste do que está para acontecer na
Terra. Visto que a sétima trombeta contém as sete taças, e essa última série de juízos se
dá numa seqüência rápida, o anúncio é plenamente adequado. Isso deve ser visto, não
como prolepse, mas como um recurso literário para tornar o resultado ainda mais
dramático.

392
George E. Ladd, A Commentary on the Revelation of John, pp. 150-151.
393
Morris, Revelation, p. 146, diz dessa passagem: “A Igreja será protegida no desastre
vindouro”.
394
Comentaristas amilenistas vêem as duas testemunhas como representantes da Igreja e seu
testemunho ao longo das eras. Isso, é claro, exige uma ginástica hermenêutica nos versículos
de 7 a 13.
Aqui, novamente, há adoração a Deus, mas a ênfase passa para a ira de Deus e a
iminente conquista do mundo por Cristo. Mesmo assim, a guerra espiritual ainda está
presente na fúria das nações (11.18) e na ira satânica descrita na próxima seção.
9. A descrição dos repetidos fracassos de Satanás em frustrar os planos de Deus reforça a
derrota do sistema mundial oposto a Deus (12.1–13.18).
Esta peça controversa de literatura faz parte de uma lista de sete sinais, frouxamente
ligadas ao tema do conflito espiritual. Esta passagem se encaixa com o propósito do
livro ao fornecer informação que capacitará os leitores a compreender os personagens e
forças históricos que estiveram ativos no plano divino na História e como eles se
manifestarão nos últimos dias.
• As tentativas de Satanás de eliminar a nação de Israel fracassam por causa do cuidado
providencial de Deus pelo Seu povo (12.1-17).
Esse capítulo focaliza três personagens: uma mulher, que representa Israel (12.1-2),
um dragão, que representa Satanás (12.3-4, 9), e um filho varão nascido da mulher, que
representa Jesus, o Messias (12.5-6).
Enquanto o capítulo 11 retrata a adoração no céu, o capítulo 12 indica que há guerra
ali também. Dentro das margens da História, a primeira tentativa de Satanás é de
eliminar o filho cujo papel é de governar as nações. Esse conflito é travado por meio das
forças de Satanás, representadas por seu braço político de sete cabeças e dez chifres e
por seu exército espiritual de um terço das estrelas (muito provavelmente anjos caídos),
os quais ele arrasta consigo para a terra depois de expulso do céu.
Sem êxito na sua primeira tentativa, Satanás tenta destruir a própria nação, mas é
novamente frustrado pela intervenção sobrenatural de Deus (12.13-16). Frustrado pela
segunda vez, a última tentativa de Satanás será a perseguição do remanescente crente de
Israel durante a tribulação (12.17).
• Os dois principais agentes de oposição a Deus serão um líder político e um religioso que
imporão um governo anti-Deus no tempo do fim (13.1-18).
A frase no final do capítulo 12 estabelece a ligação entre os dois personagens no
capítulo 13 e o conflito contínuo entre Satanás e a Semente da mulher. Satanás é a fonte
da atividade e do poder deles.
A besta que sai do mar precisa ser identificada com o primeiro cavaleiro do capítulo
6. Ele é um conquistador impiedoso que exige adoração a ele próprio (13.1-4), que é
blasfemo em seu falar e tirânico em seu poder (13.5-10), sendo capacitado pelo próprio
Satanás. A descrição dada por João aponta para a visão daniélica dos quatro animais
(Dn 7) e para a culminação de um conflito entre o poder gentílico e o povo de Deus na
História.
Em seus esforços para alcançar a supremacia mundial e a adoração divina para si, a
primeira besta é auxiliada por uma segunda besta (13.11-18), cuja atividade é
principalmente religiosa, embora com o alvo de estabelecer o domínio da primeira besta
e a sua adoração pela humanidade. A intensidade do conflito é vista no grande número
de seguidores atraído pelas duas bestas, assim como nas medidas controladoras de
cunho político e econômico impostas sobre os homens a fim de garantir lealdade e
adoração à besta. Essa é a parte de Apocalipse na qual a correspondência com eventos
contemporâneos é bastante óbvia, à luz das exigências impostas395 aos crentes por
Domiciano. É aqui que os leitores de João precisariam enfrentar claramente a alternativa
final a submeter-se a Cristo e adorá-lO exclusivamente. Assim, esse capítulo tem um
papel crucial no desenvolvimento do propósito de João para Apocalipse. A sua
indicação para que esse esquema seja repudiado aparece no número que ele atribui à
besta, 666, uma indicação da tentativa humana de falsificar a divindade (777).
395
Ao longo do livro as múltiplas referências ao número sete apontam para os perfeitos
atributos divinos. Pode ser que João quisesse apontar a absoluta imperfeição da besta como
um homem absolutamente rebelde contra Deus.
10. O contraste entre a alegria dos remidos e a angústia daqueles que experimentam a ira de
Deus aponta para a derrota do sistema mundial oposto a Deus (14.1-20).
Em contraste com a cena anterior, esta perícope apresenta aqueles que foram remidos
e estão gozando das glórias do reino milenar. Toda a cena é proléptica e típica, visto que
apenas os 144.000 são vistos.
Apocalipse 14.7 é o versículo tema do livro, no ponto de vista deste autor, contendo
os dois elementos que João queria que seu livro produzisse nos seus leitores, submissão
e adoração. Em contraste com a alegria celestial, o ministério dos anjos prevê os
terríveis juízos das sete taças.
A abordagem proléptica a essa passagem permite ao intérprete compreender Monte
Sião (14.1) de maneira literal, em vez de o colocar no céu, como fazem até alguns
dispensacionalistas.396
O destino contrastante de crentes e incrédulos aparece no ministério dos três anjos. O
primeiro anuncia um evangelho eterno (14.6) e exige o temor a Deus; o segundo
anuncia a queda da Babilônia (14.8);397 enquanto o terceiro proclama a condenação
eterna dos adoradores da besta (14.9-13).
A última revelação proléptica do capítulo 14 (14.14-20) usa as figuras familiares da
foice, colheita e lagar, figuras de juízo comuns no Antigo Testamento para apontar para
o conflito final da humanidade. Nesse lugar e tempo, Cristo (14.14) acertará as contas
com Suas criaturas rebeldes.
11. O louvor celeste e a expectativa pelos justos juízos de Deus autenticam a derrota do
sistema mundial oposto a Deus (15.1-8).
O propósito desse capítulo no plano geral do livro é assegurar os cristãos do
resultado final da fé em Cristo (15.2), e aumentar a sua consciência dos espantosos
juízos que esperam o mundo incrédulo.
Os versículos 1-4 descrevem o louvor dos mártires redimidos diante do trono,
cantando o cântico de Moisés (Êxodo 15?) e a canção do Cordeiro (ou uma canção não
registrada ou versículos 3-4).
Os versículos 5-8 retratam as solenes preparações para o juízo. Sete anjos são vistos
segurando as últimas pragas (15.1) e eles surgem do Tabernáculo com taças em suas
mãos. Essas taças lhes foram dadas uma a uma pelos seres viventes e podem estar
ligadas com as orações dos santos em 5.8; pode haver também uma ligação causal entre
eles e os juízos dos sete anjos. A impossibilidade de entrar no Tabernáculo (15.8)
sugere a inexorabilidade desses juízos. não é mais possível interceder, não é mais
necessário imprecar. A hora final chegou!
12. A deflagração do último ciclo de juízos contra os habitantes impenitentes da terra
precipita a derrota do sistema mundial oposto a Deus (16.1-21).
Depois do prelúdio ao último ato da história humana no capítulo 15, o capítulo 16
tem o propósito de demonstrar aos leitores quão terrível será o destino daqueles que
declaradamente rejeitam a Deus e Seu Messias para aceitar a Besta e seu sistema
mundial idólatra.
Uma pista textual quanto à magnitude desses juízos é a ocorrência freqüente da
palavra grega μέγαρ megas nesse capítulo. Os juízos são devastadores e vêm em rápida
sucessão, acontecendo, provavelmente, bem no final dos sete anos do período da
tribulação. A semelhança entre esses juízos e as pragas contra o Egito provavelmente se
deve ao fato de que aquelas também serviram para castigar a idolatria e a dureza de

396
Veja Ryrie, Revelation, p. 88.
397
Conforme o seu método de apresentar personagens, João primeiro os retrata casualmente
na narrativa, para descrevê-los detalhadamente apenas depois (cf. capítulos 17 e 18). O
mesmo ocorre com a besta nos capítulos 11 e 13.
coração dos homens, bem como para vindicar o verdadeiro Deus contra os ídolos
humanos.
Esse capítulo se encaixa com outras passagens escatológicas no Novo Testamento
(cf. 2Ts 2.7-12) ao apontar para o paulatino endurecimento do homem depois dele
rejeitar a verdade revelada. Diante de juízos obviamente sobrenaturais, a humanidade
cerra o punho a Deus e O amaldiçoa, em vez de se arrepender. Confrontados com
absolutos, caos e destruição, líderes mundiais ainda entretêm pensamentos de conquista
à medida que Satanás os manipula para realizar seus propósitos malignos. Sem dúvida,
isso era um forte aviso aos leitores de João quanto às condições em que viviam na
virada do século I. João ecoa a advertência de Cristo quanto à iminência de Sua vinda
(cf. Mt 24.43) a fim de motivar a vida pura que não envergonhará os cristãos na volta de
Cristo (cf. 1 Jo 2.28–3.3).
13. A aniquilação da Babilônia como a força dominadora no fim dos tempos revela a
derrota do sistema mundial oposto a Deus (17.1–18.24).
Esses dois capítulos são parentéticos, o que significa que não há avanço cronológico
na revelação. Eles se referem a 14.8 e 16.9, onde prenúncios da queda da Babilônia
foram dados. O seu propósito no livro é esclarecer aos leitores o tipo de oposição que
enfrentavam e que os crentes enfrentariam no fim dos tempos, e como Deus julgaria
essa civilização organizada, porém ímpia.398
A ênfase de João está sobre o aspecto religioso desse sistema humanístico do fim dos
tempos no capítulo 17, enquanto, no capítulo 18, ele lida com a faceta político-
comercial da Babilônia.
• A aniquilação do falso sistema religioso oposto aos santos de Deus na terra é realizada
pelo próprio homem, cujo culto esse sistema ajudara a estabelecer (17.1-8).
A visão diz respeito a uma mulher que é sustentada por uma besta. Ela é descrita
como uma prostituta que se assenta sobre muitas águas (17.1), o que indica que sua
influência abrange toda a humanidade.
A descrição da Babilônia pelo anjo indica que a mulher simboliza um sistema
religioso corrupto, que se associa temporariamente com uma coalizão de poderes
políticos (17.2-3, 7, 16). O alvo de suas atividades pervertidas são a humanidade em
geral, a qual a mulher conduz em culto idólatra e imoralidade generalizada (17.2, 4), e
os santos de Deus, os quais ela persegue e mata sem misericórdia (17.6).
A descrição da besta nos versículos 7 a 9 indica muito claramente que, nos tempos de
João, o sistema representado pela mulher se identificava com a cidade de Roma (ἑπσά
κευαλαί ἑπσά ὄπη hepta kephalai hepta orē) e o sistema religioso projetado para
fornecer uma força unificadora dentro do Império, a saber, o culto ao imperador.
O aspecto profético vai além explicando que, nos últimos tempos, o falso sistema
religioso será destruído pela besta depois de ter cumprido o seu propósito de sujeitar a
humanidade à sua autoridade (17.12-18).
• A destruição do sistema político-comercial que governa o mundo em desafio à autoridade
de Deus se dá pela intervenção divina na História (18.1-24).
Dois grandes contrastes indicam que as duas Babilônias de que João fala são
entidades diferentes. No capítulo 17, a ênfase cai sobre a sua prostituição, que é um
símbolo de idolatria e falsa religião nas Escrituras; no capítulo 18, contudo, a ênfase cai
sobre a atividade comercial. Em segundo lugar, a cronologia da destruição dessas
entidades sugere que a Babilônia religiosa fora descartada pela coalizão política por
volta do meio da tribulação (os dez reis ainda estavam ativos e o governo absolutista de
42 meses da besta ainda não tinha começado; cf 13.5-8), enquanto a Babilônia político-
comercial permanece até o fim do período de sete anos (cf. 16.19-21). Em terceiro lugar,

398
A descrição foi tirada de Morris, Revelation, pp. 202-203.
enquanto a primeira foi destruída por meios humanos (17.16), a segunda é destruída por
intervenção divina (18.21).
O juízo da Babilônia é anunciado nos versículos 1 a 3, e uma exortação baseada nele
segue em 4 a 8. Reações à notícia são opostas no céu e na terra. Aqui, reis, comerciantes
e marinheiros lamentam a perda de lucro e prestígio que ganhavam com o comércio da
Babilônia (muito do imaginário aqui é por empréstimo de Ezequiel 28 e reflete o
comércio próspero do qual Roma era o centro na virada do século I); lá, os remidos são
conclamados a se regozijarem e darem louvor pois o triunfo final de Deus agora está
mais próximo do que nunca. O tema da vingança divina está presente e encerra a
descrição da destruição (18.24).
A mensagem aos crentes nas sete igrejas é clara. Tentativas humanas de viver sem
Deus ou em oposição a Deus são, finalmente, destinadas ao fracasso, independente de
quão sólidas e prósperas sejam. Portanto, eles devem manter-se afastados da Babilônia
(cf. 18.4)
14. A vitória militar final de Cristo sobre o Anticristo para estabelecer o reino messiânico
consuma a derrota do sistema mundial oposto a Deus (19.1-21).
Esse capítulo se encaixa com o propósito do livro ao deixar claro qual será o final da
história humana, encorajando, assim, o tipo correto de lealdade ao vencedor final.
O capítulo abre com louvores celestiais pela resposta de Deus às orações
imprecatórias do Seu povo, vingando-o pela destruição da Babilônia (19.1-4). A seguir,
vem o anúncio e o júbilo pela chegada da celebração das bodas, o terceiro estágio num
casamento judaico. Depois de ser chamada pelo Espírito e arrebatada pelo Noivo, a
Noiva agora está pronta para as alegres festividades no começo do reino messiânico na
terra (19.5-10). Esse grito de alegria antecipa o triunfo final da última batalha da terra.
A alegria celestial oferece um contraste agudo à grave carnificina que seguirá, e que
é descrita como σό δεῖπνον σό μέγα σοῦ θεοῦ to deipnon to mega tou theou (19.17).
Acompanhado por exércitos celestiais (santos e anjos), o Verdadeiro Rei retorna e
elimina os exércitos da besta. Aquele que é Fiel e Verdadeiro, que epitomiza o reino
realmente divino a ser estabelecido na terra, pessoalmente destrói o arrogante
governante auto-indicado do sistema mundial (cf. 2Ts 2.8). O Anticristo e seu lugar-
tenente, o falso profeta, serão lançados vivos no lago de fogo, seus exércitos serão
destruídos e a terra expurgada para o estabelecimento do reino messiânico.
Ao descrever a derrota do sistema mundial oposto a Deus, João retrata três séries de
juízos divinos contra a terra. Em meio a tormento e perseguição uma grande multidão se
volta para Deus pelo ministério de Seus servos escolhidos. A vasta maioria, porém,
recusa arrepender-se, prestando lealdade ao Anticristo, cujo reinado demoníaco culmina
numa confrontação definitiva com o Messias que volta à terra. Depois da eliminação
dos adversários do Messias, o caminho está livre para o estabelecimento do reino de
Deus sobre a terra.

RESUMO DE APOCALIPSE 4 A 19
B. A descrição do reino milenar revela o triunfo final de Cristo sobre o mal (20.1-10).
Esta perícope tem o papel importante de dar profundidade à esperança cristã. A terra,
a arena de sofrimento e tribulação cristãos, também será parte do galardão cristão na
partilha da autoridade do Messias (cf. 19.15).
1. O reino milenar será um período isento de influência satânica sobre a humanidade (20.1-
3).
A lógica simples indica que esse parágrafo segue o capítulo anterior de maneira
cronológica. Depois de lidar com as ferramentas, Cristo agora trata do controlador
delas, o próprio Satanás. O aprisionamento de Satanás tem um propósito divino, que é
oferecer à humanidade uma oportunidade de se relacionar apropriadamente com Deus
sem influências maléficas externas. O dispensacionalismo, assim, dá o único meio de
verificar a afirmação da indesculpabilidade do homem diante de Deus.399 O Milênio é a
melhor oportunidade do homem, e ele a desperdiçará.
2. O reino milenar será um tempo de juízo, ressurreição e recompensa (20.7-10).
João não especifica quem, a quem ou onde, mas ele indica que algum julgamento se
dará, pelo menos, nos primeiros estágios do Milênio. (20.4). Isso pode ser referência ao
julgamento de Israel (cf. Ez 20.30-44) ou ao julgamento dos gentios vivos (cf. Mt 25.31-
46).
O Milênio também será o tempo para a ressurreição dos mártires da Tribulação, cujo
sangue selou o seu testemunho. A descrição da primeira ressurreição (20.5-6) indica
que, em seu início, o reino messiânico será uma esfera de vida onde apenas os remidos
viverão.400
A recompensa dos ressurretos será compartilhar na adoração a Deus e na
administração da Terra durante o reino messiânico (20.6).
3. O reino milenar será um tempo em que os homens ainda se rebelarão contra Deus quando
tiverem a oportunidade de fazê-lo (20.7-10).
A rebelião final, liderada por Satanás, depois deste ter recebido uma suspensão da
sua sentença de mil anos no abismo, tem propósito duplo: primeiro, indica o completo
fracasso do homem em alcançar os padrões de Deus, mesmo sob condições ideais;
segundo, dá aos leitores a noção de que verdadeiro arrependimento e submissão a Deus
são as exigências de Jesus Cristo, não a mera presença entre aqueles que se chamam
pelo nome dEle. Esta é a última cena do longo conflito em que as sete igrejas da Ásia se
encontram envolvidas.
A rebelião final mostra-se fútil, e todos os que participam dela são divinamente
executados, e seu líder é sentenciado ao lago de fogo, onde se une aos seus antigos
servos em punição consciente (20.10). Toda oposição a Deus é vencida, e chega o
tempo em que o reino será entregue ao Deus e Pai (cf. 1Co 15.24-28).
C. O julgamento final dos mortos incrédulos revela o triunfo máximo de Cristo sobre o mal
(20.11-15).
A última cena do tempo como o homem o conhece segue a última rebelião, mas,
possivelmente, não mais na terra. O θπόνον μέγαν λετκόν thronon megan leukon
difere do trono divino dos capítulos 4 e 5 e não é claramente identificado com o trono
de Davi. Ademais, a referência a terra e céu fugindo da presença de Cristo (cf. Jo 5.22)
pode sugerir que a destruição do atual universo pode ocorrer entre 20.10 e 20.11
O julgamento, de qualquer modo, é literal para todos os ímpios mortos. A questão
claramente não é de salvação ou condenação, mas de gradação de punição, visto que o
critério é κασά σά ἔπγα αὐσ῵ν kata ta erga autōn. Todos os que participam desse
julgamento enfrentam uma condenação básica, a segunda morte, porque seus nomes não
foram encontrados no Livro da Vida. Eles serão ressuscitados (20.13), julgados,
declarados culpados e lançados no lado de fogo para a punição eterna. O mal, então, terá
chegado ao fim e, depois de reconquistar o universo para seu dono original, Cristo
entregará o poder ao Pai.
D. A descrição gloriosa do estado eterno revela o triunfo final de Cristo sobre o mal (21.1–
22.5).

399
Veja Norman Geisler, “Good, Evil and Dispensations”, em D. K. Campbell, ed., Walvoord. A
Tribute, pp. 95-112.
400
Sabe-se, a partir de Daniel 12.1-3, que nesse mesmo ponto no tempo, os justos das
dispensações do Antigo Testamento também serão ressuscitados.
O propósito desta passagem dentro do livro parece ser o de encorajar os crentes por
meio da descrição do gozo final e da eterna riqueza dos crentes na presença de Cristo no
céu.
A manifestação da Nova Jerusalém (21.2-3) significa que o ideal divino de habitação
entre os homens em comunhão com eles será realizado.401 Essa cidade, descrita em
termos de incrível brilho e riqueza, será o centro do novo universo. Parece que a
intenção de João para a descrição da Nova Jerusalém (21.10-27) era fazer que os
cristãos se sentissem seguros quanto à sua lealdade, visto que a Nova Jerusalém
ultrapassava em muito a grandeza de Roma naqueles tempos. A linguagem literal perde
o seu valor como meio de descrever o que os olhos podem ver; isso, porém, não
significa que a Nova Jerusalém não seja um lugar literal.402
As bênçãos de que os remidos gozam, a comunhão com Deus, amor e glória, são
descritas nos termos do paraíso primitivo (22.1-5), perdido no princípio por causa do
pecado. O propósito de João, novamente, parece ser fortemente encorajar a lealdade a
Cristo, à luz do tremendo futuro reservado àqueles que nEle confiam.
Os detalhes finais da última e definitiva intervenção de Deus na história humana
descrevem o estabelecimento de um reino no qual Satanás não terá vez nem voz, reino
em que a justiça é imposta pelo próprio Messias com vara de ferro. Este governo é, pela
permissão divina, desafiado por influência de Satanás ao fim do Milênio, dando ensejo
ao julgamento final sobre os ímpios, tanto os vivos quanto os mortos. A descrição do
novo universo, recriado por Deus, recapitula e retoma o paraíso outrora perdido pela
humanidade, e constitui também motivação à fidelidade e submissão ao Messias cuja
vinda é iminente - a Jesus, o Cordeiro.

RESUMO DE APOCALIPSE 20-22

CONCLUSÃO.
João estimula a submissão e adoração a Cristo pelo testemunho tríplice da veracidade
da revelação (22.6-11) e um lembrete da Sua volta iminente (22.12-21).
De forma tipicamente judaica, João destaca as palavras dessa profecia com um
testemunho do anjo enviado para auxiliá-lo a compreender a visão (22.6), um
testemunho do próprio Senhor Jesus (22.7) e o seu próprio testemunho (22.8-11).
Os temas de adoração e submissão ocorrem mais uma vez nessa seção, onde os
repetidos convites acentuam o caráter ―evangelístico‖ do livro. Tais convites se tornam
urgentes pela repetida ênfase no retorno iminente de Cristo (22.7, 10, 12, 20), pelo qual
João, como representante dos remidos, anseia e ora.
Apocalipse não é um livro selado (22.10), mas um que deve ser compreendido e
aproveitado. É um livro prático para os cristãos, quer eles enfrentem oposição direta ou
não, porque encoraja o tipo de atitude que os seguidores do Cordeiro devem demonstrar
a todo tempo nesse grande conflito cósmico em que as sete igrejas da Ásia se
encontravam, em que a Igreja ainda se encontra agora, e em que os santos de Deus se
encontrarão no futuro.

401
Para uma discussão do debate amilenista–pré-milenista sobre Apocalipse 21 e Isaías 65,
veja “As Citações de Isaías em Apocalipse”, Vox Scripturae, vol. 2:1 (1992): 35-54.
402
Contra Robert H. Gundry, “The New Jerusalem. People as Place, not Place for People”,
Novum Testamentum 29:3 (Julho 1987):256.
ESBOÇO SINTÉTICO
Mensagem
A revelação de Jesus Cristo como soberano Senhor das igrejas e Juiz de todo o
mundo exige submissão e adoração exclusivas a Ele.
I. A revelação da transcendência divina de Jesus Cristo estimula a submissão e a adoração a
Ele (1.1-19).
A. A natureza divina da revelação das coisas futuras feitas por Cristo revela Sua
transcendência divina (1.1-3).
1. A natureza divina da revelação de Cristo se mostra em Sua origem (1.1-2).
2. A natureza divina da revelação de Cristo se mostra em Sua promessa (1.3).
B. O retrato de Cristo em relação ao programa divino de redenção revela Sua
transcendência divina (1.4-8).
1. Cristo se relaciona com o Pai e o Espírito Santo (1.4-5a).
2. Cristo se relaciona com o tempo escatológico (1.5b).
3. Cristo se relaciona com os crentes (1.5b-6).
4. Cristo se relaciona com a Sua vinda futura (1.7).
5. Cristo se relaciona com a divindade (1.8).
C. A visão simbólica de Cristo em Sua glória e em Seu relacionamento com as igrejas
revela Sua transcendência divina (1.9-20).
1. Cristo é apresentado de um modo que indica a Sua divindade e Seu poder (1.9-18).
2. Cristo é apresentado de um modo que indica a Sua autoridade sobre e Sua preocupação
com a Igreja (1.19-20).
II. A revelação do controle soberano de Jesus Cristo sobre as igrejas estimula a submissão e
a adoração a Ele (2.1–3.22).
A. A descrição de Cristo em termos de Sua visão transcendental revela Seu controle
soberano sobre as igrejas (2.1; 2.8; 2.12; 2.18; 3.1; 3.7; 3.14).
B. Os elogios de Cristo a cada uma das igrejas revelam Seu controle soberano sobre as
igrejas (2.2-3, 6; 2.9; 2.13; 2.19; 3.8).
C. A acusação de Cristo a cada uma das igrejas revela Seu controle soberano sobre as
igrejas (2.1; 2.14-15; 2.20; 3.1; 3.15-17).
D. A exortação de Cristo a cada uma das igrejas revela Seu controle soberano sobre as
igrejas (2.5; 2.10; 2.16; 2.24-25; 3.2-3; 3.11; 3.18-20).
E. A promessa de Cristo a cada uma das igrejas revela Seu controle soberano sobre as
igrejas (2.7; 2.10-11; 2.17; 2.26-29; 3.4b-6; 3.12-13; 3.21-22).
III. A revelação do triunfo final de Jesus Cristo sobre a impiedade estimula a submissão e a
adoração a Ele (4.1–22.5).
A. A descrição da vitória de Cristo sobre o sistema mundial oposto a Ele revela Seu triunfo
final sobre a impiedade (4.1–19.21).
1. O retrato de Deus como o Criador soberano entronizado nos céus introduz o tema da
vitória sobre o sistema mundial oposto a Deus (4.1-11).
2. A descrição de Cristo como Aquele que é digno de desvendar e executar o programa
divino de juízo antecipa a derrota do sistema mundial oposto a Deus (5.1-14).
3. A descrição do primeiro ciclo de juízos sobre a terra desencadeia a derrota do sistema
mundial oposto a Deus (6.1-17).
4. A apresentação proléptica daqueles que escaparam da ira do Cordeiro durante a
tribulação descreve a derrota do sistema mundial oposto a Deus (7.1-17).
5. A descrição do segundo ciclo de juízos contra pecadores impenitentes revela a derrota do
sistema mundial oposto a Deus (8.1–9.21).
6. A revelação de que o plano de Deus, tanto em sua parte conhecida quanto nos seus
detalhes ocultos, será cumprido, garante a derrota do sistema mundial oposto a Ele
(10.1-11).
7. A descrição de como Deus é capaz de mostrar misericórdia e preservar Suas testemunhas
em meio à oposição satânica confirma a derrota do sistema mundial oposto a Deus
(11.1-14).
8. A antecipação do céu pela hora em que Cristo finalmente conquistará o mundo descreve
a derrota do sistema mundial oposto a Deus (11.15-19).
9. A descrição dos repetidos fracassos de Satanás em frustrar os planos de Deus reforça a
derrota do sistema mundial oposto a Deus (12.1–13.18).
• As tentativas de Satanás de eliminar a nação de Israel fracassam por causa do cuidado
providencial de Deus pelo Seu povo (12.1-17).
• Os dois principais agentes de oposição a Deus serão um líder político e um religioso que
imporão um governo anti-Deus no tempo do fim (13.1-18).
10. O contraste entre a alegria dos remidos e a angústia daqueles que experimentam a ira de
Deus aponta para a derrota do sistema mundial oposto a Deus (14.1-20).
11. O louvor celeste e a antecipação pelos justos juízos de Deus autenticam a derrota do
sistema mundial oposto a Deus (15.1-8).
12. A deflagração do último ciclo de juízos contra os habitantes impenitentes da terra
precipita a derrota do sistema mundial oposto a Deus (16.1-21).
13. A aniquilação da Babilônia como a força dominadora no fim dos tempos revela a
derrota do sistema mundial oposto a Deus (17.1–18.24).
• A aniquilação do falso sistema religioso oposto aos santos de Deus na terra é realizada
pelo próprio homem, cujo culto esse sistema ajudará a estabelecer (17.1-18).
• A destruição do sistema político-comercial que governa o mundo em desafio à autoridade
de Deus se dá pela intervenção divina na História (18.1-24).
14. A vitória militar final de Cristo sobre o Anticristo para estabelecer o reino messiânico
consuma a derrota do sistema mundial oposto a Deus (19.1-21).
B. A descrição do reino milenar revela o triunfo final de Cristo sobre a impiedade (20.1-10).
1. O reino milenar será um período isento de influência satânica sobre a humanidade (20.1-
3).
2. O reino milenar será um tempo de juízo, ressurreição e recompensa (20.7-10).
3. O reino milenar será um tempo em que os homens ainda se rebelarão contra Deus quando
tiverem a oportunidade de fazê-lo (20.7-10).
C. O julgamento final dos ímpios mortos revela o triunfo final de Cristo sobre a impiedade
(20.11-15).
D. A gloriosa descrição do estado eterno revela o triunfo final de Cristo sobre a impiedade
(21.1–22.5).
V. Epílogo. João estimula a submissão e a adoração exclusiva a Jesus Cristo por meio de
um testemunho tríplice da veracidade da revelação (22.6-11) e por um lembrete da volta
iminente de Jesus (22.12-21).
BIBLIOGRAFIA
Além dos livros citados nas notas de rodapé (muitos deles não acessíveis aos leitores
de fala portuguesa), as seguintes obras contribuem para o estudo proveitoso do conteúdo
e da mensagem do Novo Testamento.
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BIOGRAFIA
Carlos Osvaldo Cardoso Pinto apaixonou-se por línguas, literatura e música clássica
enquanto ainda era criança. Ao começar sua preparação para o ministério as línguas
bíblicas atrairam sua atenção e esforços, e nos seus 35 anos de serviço cristão essa
atração só aumentou. Com o apoio da esposa e filhas, preparou-se para ministrar a
verdade das Escrituras à Igreja brasileira, o que tem feito por mais de três décadas no
Seminário Bíblico Palavra da Vida e escolas e igrejas por todo o país. FOCO E
DESENVOLVIMENTO NO NOVO TESTAMENTO é a sua mais nova contribuição
para o estudo sério das Escrituras.

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