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A Cisão Entre Capital Fictício e

Real e as Novas Figuras do


Trabalho*
Giuseppe Cocco11

*Este artigo foi extraído do livro Trabalho e Cidadania. Produção e Direitos na Era da Globalização. São
Paulo, Editora Cortez, 2000.
1
Giuseppe Cocco é Professor Titular da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (ESS, UFRJ) e Coordenador do Laboratório Território e Comunicação (LABTeC, CFCH/UFRJ).
Formado em Ciências Políticas pela Universidade de Padova (Itália), doutorou-se em História Social pela
Universidade de Paris 1 (Panthéon-Sorbonne). Colaborou, no âmbito da revista francesa Futur Antérieur (Ed.
L’Harmattan, Paris), com Antonio Negri, Maurizio Lazzarato, Jean-Marie Vincent, Yann Moulier Boutang,
Michèle Collin e Thierry Baudouin. Radicado no Brasil desde 1995, ensina na área de “trabalho” e realiza
diversas pesquisas sobre as dinâmicas produtivas dos territórios.

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Desde a crise asiática de 1997, a chamada mas muitos apostam na defesa de formas e de
globalização econômico-financeira assumiu uma conteúdos institucionais que só podem ser
nova e dramática visibilidade. A integração de sustentados ou reivindicados numa perspectiva
cada país numa circulação mundializada de “conservadora”. Essas ambigüidades estão
créditos, aplicações financeiro-monetárias e embutidas em análises das transformações político-
mercadorias aparece, ao mesmo tempo, como um econômicas do mundo contemporâneo que não
fato incontornável e como a maior responsável conseguem estabelecer um distanciamento entre,
pela atual desordem econômica. A globalização por um lado, a sacrossanta crítica ao pano de fundo
desempenha um papel paradoxal. Por um lado, é ideológico da globalização (pós-moderno e
o bode expiatório ao qual os governos podem neoliberal) e, por outro lado, as bases materiais que
imputar a falência de suas políticas (no caso do tornam eficaz essa investida ideológica.
Brasil, a falência do Plano Real); por outro, é nas Com efeito, precisamos abordar o debate
instituições (FMI, Banco Mundial etc.) e nos sobre a pós-modernidade do ponto de vista das
mercados (pelas políticas cambiais, das taxas de transformações do trabalho. A reflexão sobre
juros, etc.) da globalização que se buscam as a crise do capital financeiro globalizado deve ser
receitas e os remédios para a crise. trilhada a partir deste recorte. Ao contrário, as
Mais uma vez, a tragédia confunde-se com a análises de tipo neo-industrial acabam trans-
farsa. Atribui-se à “globalização”, como fenômeno formando a autonomização da esfera financeira em
genérico, as responsabilidades pela crise para, ao objeto fundamental de análise. Não é possível analisar
mesmo tempo, entregar definitivamente às mãos a crise financeira em si. A nosso ver sua qualidade
desta “globalização”, como preciso conjunto de completamente nova depende dos (e não os
instituições transnacionais, a definição e gestão das determina) paradigmas que caracterizam os processos
políticas para se sair da crise. de trabalho no capitalismo contemporâneo.
A tautologia irresponsável dos “responsáveis”
políticos certamente não encontrará soluções nas
Entre os buracos negros da
arbitrárias identificações entre os esforços de crítica financeirização e a crise do
da economia política da globalização e a volta ao Estado nacional
passado. A impossibilidade de se “retornar ao
tempo da pré-globalização” não significa Robert Kurz vê a crise financeira como uma
certamente que as “reformas de FHC” sejam mera conseqüência de um “colapso do sistema
inevitáveis e invencíveis. A identificação “período mundial [que] desdobra-se em três planos lógicos
pré-globalização/período pré-liberal” traduz-se na dispostos de certa forma em camadas su-
afirmação ideológica de que o futuro será perpostas” (Kurz, 1999). O primeiro tem a ver
necessariamente globalizado e liberal. Trata-se de com um descompasso: o crescente aumento das
uma operação intelectual e teoricamente simplória. forças produtivas ultrapassaria as capacidades de
Mas ela se baseia nas insuficiências teóricas que, a modernização do sistema monetário. O segundo,
nosso ver, caracterizam as abordagens críticas e diretamente determinado pelo primeiro, tem a ver
suas articulações políticas. com a “antecipação de uma criação de valor futura
A face mais imediata dessas limitações que jamais ocorre”. A dinâmica do endividamento
encontra-se na falta de clareza acerca das que esse plano supõe, e ao mesmo tempo reforça,
ambigüidades que caracterizam a relação entre a traduz-se num capital monetário fictício que – e
crítica da economia política da globalização e a aqui temos o terceiro plano –, desemboca na
“defesa” (implícita ou explícita) do “passado”. É “crise financeira, e esta, por seu turno, [na] crise
claro, ninguém defende o passado enquanto tal, monetária” (ibid.).

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A tese de Kurz pode ser resumida nos seguintes isso, a modernidade chegou ao fim de suas
termos: a crise, como descompasso entre esfera real possibilidades, justamente porque não há mais
e esfera fictícia, seria a conseqüência da progressiva protestos” (Kurz, 1998).
autonomização de uma esfera financeiro-monetária Em face do desmoronamento do capitalismo-
que, falsificando-a, torna insolúvel a crise que subjaz cassino, Kurz (1997) está firmemente convencido
ao capital produtivo. Em última instância, a crise de que “o sistema capitalista destrói-se [apenas] pela
nada mais é que um poder de compra estrutural- sua lógica interna”. As possibilidades de transfor-
mente subdimensionado com relação às capacidades mação radical estão embutidas em sua catástrofe
produtivas. A tentativa de solucionar esse des- anunciada, como conseqüência dela e não como
compasso por meio do endividamento produz o que causa. A vontade de transformação do autor torna-
Kurz chama de falsificação. A relação entre crédito se simples espera do “dilúvio” bíblico. Não há saída,
e produção se inverte, uma vez que o “real” (a nem mesmo do lado de um eventual “novo
produção) se torna um elemento secundário do fictício hiperkeynesianismo estatal ou supra-estatal” que
(o monetário-financeiro). Enfim, “não há nenhuma necessariamente seria o “último buraco negro que o
solução possível de política monetária, porque os capitalismo poderia criar, a fim de prolongar
próprios fundamentos do moderno sistema produtor artificialmente sua vida” (Kurz, 1998). Assim, as
de mercadorias estão em xeque” (Kurz, 1999). propostas de “regulação supra-estatal”, em particu-
O aparelho conceitual de Kurz oferece um lar as articuladas em torno da idéia de impor uma
esquema interpretativo, como acabamos de ver, taxa sobre transações financeiras, o “Imposto
relativamente simples e claro. Porém, se alguns Tobin”, estão, segundo Kurz, “fadadas à crise”.
autores (cf. Fiori, 1997 e 1999) tentam encontrar As abordagens da globalização (e da crise)
nele bases de sustentação para uma alternativa em termos de separação entre as esferas real e
política à financeirização, e portanto à globalização, financeira não se limitam aos ensaios de Robert
eles não percebem que essa abordagem constitui Kurz, constituindo uma quase unanimidade no
um tipo de atualização do pensamento negativo campo do pensamento crítico.
frankfurtiano aos sabores da pós-modernidade: Esse núcleo teórico norteia um amplo leque
“Hoje o capitalismo devorou tudo, ocupando-se de tentativas de redefinir os espaços da política
agora em digeri-lo ou transformá-lo em lixo. Com em face do império da economia. Embora tais

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esforços às vezes divirjam com relação ao modo desenvolvimentismo conservador dos militares”
de apreender a “globalização”, quer se propondo – agora, contudo, aliadas a um componente da
a resistir (cf. Fiori, 1997), a esse processo, quer frente democrática que abandonou o campo
aceitando-o como irreversível, a maioria assume progressista. Por duas vezes, portanto, a
um ponto de partida comum. Trata-se do Estado- constituição de um Estado democrático teria sido
nacional (e de sua soberania), considerado como inibida. O Golpe de 64 impediu a reforma do
o espaço fundamentalmente insuperável da getulismo de Kubitschek; Fernando Henrique
política e da construção de uma alternativa ao Cardoso esvaziou a Constituição de 88. Mas
mercado. Essas teses vêem o Estado como o enquanto os militares mantiveram, ainda que de
baluarte a partir do qual seria possível combater forma autoritária, o rumo desenvolvimentista, a
a ditadura do capital fictício “nova liderança intelectual”
e manter a centralidade da
PRECISAMOS PASSAR do antigo bloco de centro-
esfera real e, portanto, da di- direita converteu-se ao
nâmica do desenvolvimento. AO CRIVO neoliberalismo. Hoje, “após
É a posição de Maria Con- DA CRÍTICA, POR UM dez anos de destruição, o
ceição Tavares (1999), que LADO, OS Estado já não dispõe dos
afirma: “O Real morreu. PRÓPRIOS instrumentos indispensáveis
Salvemos a nação!”. PRESSUPOSTOS a uma retomada desenvol-
Embora o faça a partir de vimentista”, conclui Fiori.
HILFERDINGUIANOS
bases teóricas mais complexas O debate sobre a crise
(até porque elas “misturam” [DAS] financeira global aponta,
Kurz e a teoria dos ciclos de INTERPRETAÇÕES pois, para dois eixos inter-
longa duração), José Luís DA GLOBALIZAÇÃO ligados de discussão teórica.
Fiori coloca-se na mesma E, POR Um tem a ver com a questão
perspectiva. Num belo artigo, OUTRO, A da autonomização da esfera
publicado no mesmo número do capital fictício em relação
PERTINÊNCIA DA
do caderno “Mais!” (Fiori, à esfera “real”. O outro com
1999) dedicado à crise, Fiori CLIVAGEM REAL/ a questão do Estado como
lembra as derrotas das duas FICTÍCIO espaço de resistência e
grandes tentativas de demo- democratização . Esses dois
cratização do modelo de desenvolvimento no eixos aparecem, implícita ou explicitamente,
Brasil contemporâneo. A “primeira tentativa de profundamente interligados. Digamos que à
reforma social democratizante do desen- financeirização como diminuição da esfera real
volvimentismo” foi derrotada pela “coalizão de corresponderiam os espaços políticos da
poder conservadora que sustentou o golpe de 64 globalização (um Estado privado de sua
e todo o período do regime militar”. Bloqueados soberania). Em contrapartida, o Estado (com sua
os programas socioecônomicos “univer- soberania) permaneceria como baluarte de uma
salizantes”, o desenvolvimentismo conservou a possível retomada da esfera real e, portanto, como
“marca autoritária e anti-social” que caracterizara condição sine qua non de uma verdadeira
o getulismo até o período de Juscelino democratização. No âmbito deste artigo, nos
Kubitschek. Nos anos 90 também, a constituição limitaremos a um aprofundamento acerca das
democrática e universalizante (de 1988) é implicações teórico-políticas do primeiro eixo de
derrotada e será destruída pelas “mesmas forças discussão, o que enfatiza os fenômenos ligados à
de centro-direita que haviam sustentado o financeirização.

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A financeirização como ditadura A constituição do Império tem como base
do capital “fictício” sobre o capi- uma situação em que, “desfeitas as fronteiras en-
tal “real” ou o “fictício” como tre moeda, finanças e capital, as políticas monetárias
forma de ser do capital? se transformam em alavancas simultâneas da
competição entre os estados e do jogo especulativo
Há um grande consenso sobre o fato de a e de acumulação da ‘riqueza abstrata’”. Portanto,
financeirização constituir o verdadeiro pano de fundo o Império não exprime nenhuma nova hegemonia,
da globalização. Os problemas aparecem quando se mas uma concentração da concorrência
trata de interpretar a financeirização como tal. Por intercapitalista e interestatal entre “grandes blocos
exemplo, José Luís Fiori apreende com força a de poder de tipo schumpeteriano”.
dinâmica do Império e sua relação com o Dinheiro. Luiz Gonzaga Belluzzo reforça a mesma tese
Mas o instrumental teórico dos ciclos de longa duração e a ultrapassa, ainda que de maneira parcial. A
(cf. sobretudo Arrighi, 1994), por um lado, e neo- relação entre “fictício” e “real” é objeto de uma
hilferdinguiano (Hilferding, 1920), por outro, não é interpretação que não privilegia a separação en-
suficiente para enxergar as bases materiais tre as duas esferas, mas a integração da segunda
completamente novas da constituição do Império. A (a produtiva) na primeira (a financeira). Gonzaga
financeirização constituiria, segundo essa abordagem, Belluzzo aponta o papel conjunto da “sensibi-
o outono de mais um ciclo econômico da economia- lidade à inflação e [da] aversão à iliquidez. [Estes
mundo. Sua dinâmica confirma e “indica um reforço dois mecanismos] funcionam como freios auto-
e expansão das mesmas tendências fundamentais” máticos, cuja função é conter o crescimento da
apontadas por Rudolf Hilferding (Fiori, 1997:141) economia real (...)” (Belluzzo, 1997:189). Desta
quanto às correlações entre financeirização do capi- maneira, aparece claramente que a verdadeira
tal e cartelização mundial (e, portanto, o papel dos novidade está no fato que a “acumulação produ-
grandes monopólios) que acabam se encontrando nos tiva vem sendo ‘financeirizada’” (ibid., p. 191).
níveis mais estratégicos do poder político. Ou seja, o capital financeiro proporciona os novos

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padrões disciplinares de blocos de capital ainda nos parecem insuficientes. Por quê?
transnacional que lideram “uma nova etapa de Fundamentalmente por não abrirem nenhuma
reconcentração e recentralização” monopolista. perspectiva para uma crítica da economia política
Sob as aparências da “vitória dos mercados (...) da globalização. O ponto de vista nelas desenvolvido
estamos assistindo à reiteração da famigerada é o da longa duração da economia-mundo (Fiori)
‘politização’ da economia” (Belluzzo, 1997:192). ou o da lógica sistêmica da economia monetária
O Estado torna-se fundamental para assegurar (Belluzzo e Braga). Tanto num caso como no
as externalidades das grandes empresas trans- outro, é impossível encontrar o ponto de
nacionais. As novas problemáticas “produtivas” vista do trabalho vivo. A única opção política,
da financeirização são alcançadas. Mas, a nosso quando ela ainda existe, encontra-se do lado do
juízo, a clivagem entre o “real” e o “fictício” im- Estado ou eventualmente da soberania nacional. O
pede que se veja o verdadeiro deslocamento para- fato é que os embasamentos teóricos valorizados
digmático. José Carlos Braga parece consciente nessas abordagens vetam a possibilidade de
desse desafio e apresenta explicitamente a apreender o novo pela negação, a priori, do
necessidade de ultrapassar o paradigma clássico deslocamento paradigmático. No eterno retorno do
(cf. Souza, 1997:196-197, esp.. nota 2 da p. 197). capital e de seus ciclos de longa duração, as
A financeirização não se justapõe à produção dimensões sistêmicas da financeirização afirmam,
“real”, mas constitui “o modo de ser da riqueza muito mais que a autonomização do capital “fictício”
contemporânea, sua gestão e aspectos de sua do capital “produtivo”, a autonomização
dinâmica sistêmica, (...)” (ibid.). Mas nem essa determinista da economia política em face das
intuição pioneira alcança o deslocamento. O dimensões concretas das contradições de classe.
paradigma da autonomização das esferas é mantido. Precisamos passar ao crivo da crítica, por um
Não poderíamos deixar de ressaltar a lado, os próprios pressupostos hilferdinguianos
importância dessas análises para a compreensão da dessas interpretações da globalização e, por outro,
atual etapa do capitalismo. Ao mesmo tempo, elas a pertinência da clivagem real/fictício.

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O CAPITAL FINANCEIRO trabalho, uma qualidade que os mercados
NÃO SE DESLOCA MAIS conseguem (ou tentam) medir e, portanto,
controlar. A força dos mercados financeiros
ENTRE OS SETORES
globalizados (a força do “fictício”) está, na
PRODUTIVOS EM FUNÇÃO DA realidade, no fato de serem mais adequados do
COMPOSIÇÃO ORGÂNICA DO que os tradicionais arranjos industriais (do capi-
CAPITAL. AS BASES tal “real” e de sua composição orgânica) para
MATERIAIS DA enfrentar os novos processos de valorização.
“CARTELIZAÇÃO” Como aponta Negri, Marazzi indica que,
“paradoxalmente, só os mercados financeiros
NÃO SE ENCONTRAM MAIS
seguem o trabalho em seu êxodo da velha base
NA GRANDE industrial, em que o taylorismo, o fordismo e o
INDÚSTRIA PESADA ... OU NA keynesianismo (...) o confinavam, antecipando e
GRANDE INDÚSTRIA prefigurando valores que correspondem mais
TAYLORISTA DO PERÍODO precisamente às novas medidas sociais da
FORDISTA produtividade” (Negri, 1998).
O “novo modo de ser” da riqueza contem-
Em um livro recente o economista suíço porânea não se deve a uma guinada antiprodutiva
Christian Marazzi aponta o cerne da questão. A do capital, mas é o único meio que lhe resta para
atualidade da obra de Hilferding é apenas aparente. tentar retomar o controle sobre um trabalho cujas
“O capital financeiro contemporâneo não é o dimensões produtivas independem, cada vez
resultado da fusão entre grande capital industrial e mais, de sua submissão ao capital produtivo e a
capital bancário, mas da fusão institucional das seu chão fabril. No pós-fordismo, é a essência
funções do dinheiro (meio de troca, meio de do capital que é “fictícia” (parasitária) e,
entesouramento, meio de investimento) de maneira portanto, não tem mais condições de ser “real”.
a poder dominar sem obstáculos os mercados É por isso que os investimentos financeiros não
globais” (Marazzi, 1998:94-95). Até aqui estamos acompanham mais, como na teoria de Hilferding,
no mesmo nível do uso crítico de Hilferding que os diferentes níveis de composição orgânica do
Belluzzo e Braga propõem ao indicar que a lógica capital, aponta Marazzi. Não é apenas o capital
financeira condiciona as escolhas de investimento “fictício” que é improdutivo, mas o capital em
e de reestruturação produtiva, tornando geral que é cada vez menos capaz de ser “real”,
“financeira” a própria produção. Mas a produção ou seja, cada vez menos capaz de se pôr como
da qual está se falando já não é mais a condição necessária das combinações produtivas.
mesma. O capital financeiro não se desloca mais
entre os setores produtivos em função da A VALORIZAÇÃO
composição orgânica do capital. As bases materiais FINANCEIRA TEM BASES EM
da “cartelização” não se encontram mais na grande UM NOVO
indústria pesada (da época de Hilferding) ou na REGIME DE ACUMULAÇÃO
grande indústria taylorista do período fordista. É
CUJA DINÂMICA DE
nesse nível que Marazzi atinge o deslocamento do
paradigma. O que atribui esse novo poder ao PRODUTIVIDADE
dinheiro (ao capital na forma de dinheiro) não são NÃO PODE SER MEDIDA
nem as técnicas nem as políticas financeiro- PELOS PADRÕES
monetárias em si, mas a nova qualidade do TRADICIONAIS

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A valorização financeira tem bases em um medida. Precisamos entender o modo de ser
novo regime de acumulação cuja dinâmica de “financeiro” da riqueza a partir de um processo
produtividade não pode ser medida pelos padrões de valorização completamente novo. Com a
tradicionais. As abordagens em termos de sepa- unidade de mensuração, o que entra em crise é a
ração das “duas” esferas apreendem corretamente própria noção de “fictício” e de “real”. Mas a
a mudança mas, quase que de maneira pós- clivagem “fictício versus real” implica uma
moderna, ficam na superfície dela. Assim, Belluzzo discussão que não se limita à oposição entre
pode afirmar: “Diante do desempenho da financeiro e produtivo.
acumulação de capital, não é surpreendente que A noção de capital fictício faz referência à
a produtividade cresça mediocremente, as taxas sua dimensão improdutiva de valores “reais”.
de desemprego sejam tão elevadas ou que os Embora nas situações de efetivo subde-
assalariados sofram com o declínio dos salários senvolvimento essa dimensão possa parecer

reais” (Belluzzo, 1997:190; grifos nossos). Na intuitivamente clara, ela está longe de ser efetiva.
realidade, a produtividade não cresce porque seu Ela implica, por um lado, que se aceite a
indicador não muda. Ou seja, medida pelos tradicional clivagem entre trabalho produtivo e
tradicionais padrões de cunho industrial, a trabalho improdutivo e, por outro, que se ignorem
produtividade fica estagnada. A medida oficial da as complexas correlações que ligam a produção
produtividade deve ser necessariamente errada, ao consumo. Desde os trabalhos da escola de
pois a definição é sempre a mesma, ou seja, “a Frankfurt, não é mais possível aceitar esse deter-
quantidade de produto por hora de trabalho” minismo produtivista segundo o qual, por exem-
(Marazzi, 1998:99-100; grifo do autor). A plo, produzir carros (e estradas engarrafadas) seria
definição é sempre a mesma, mas os processos de “real” (e produtivo) ao passo que as redes de
valorização mudam radicalmente. intercâmbio comunicativo seriam fictícias e
A crise da produtividade aponta para um “irreais”. Entre essas duas esferas, na realidade,
verdadeiro enigma, que não reside no esgotamento a verdadeira clivagem encontra-se na dinâmica
de seu crescimento, mas da própria unidade de da criação de emprego assalariado como critério

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de acesso à riqueza socialmente produzida. distribuição da riqueza socialmente produzida está
Veremos que uma das características do pós- reaberta. É nessa re-abertura que reaparece a
fordismo é a de difundir socialmente o trabalho clivagem “real versus fictício”. Agora, a menos que
ao mesmo tempo em que o emprego formal dimi- se transforme a produção industrial e o emprego
nui. Ao desassalariamento formal corresponde, na assalariado (e a própria condição da exploração)
verdade, uma expansão do assalariamento de fato. em metas (e não em bases de transformação so-
Quando temos como referente as economias centrais cial), o problema, este sim “real”, é a distribuição
(mas isso vale também para os segmentos urbanizados da riqueza. Um problema que o fordismo conseguia
das economias periféricas), podemos facilmente ver controlar pelos seus arranjos técnico-produtivos e
que as capacidades produtivas alcançaram níveis tais que, no pós-fordismo, aparece em toda sua
que os problemas de abastecimento dos mercados se essência sóciopolítica.
tornaram qualitativos. Nesta perspectiva crítica (ou seja, na
A questão central, portanto, é cada vez menos perspectiva da emancipação), a produção de carros
a da produção da riqueza e cada vez mais a de sua pela Ford pode ser tão fictícia quanto a
distribuição e da circulação, uma circulação que financeirização da tesouraria da firma multinacional.
se torna tendencialmente produtiva. Já o fordismo O emprego representa uma variável importante
encontrara a chave do problema na dupla arti- apenas na medida em que é condição de acesso à
culação do salário. O fator de custo (de produção) riqueza e não enquanto tal. Os próprios mercados
integrava o vetor da demanda. No pós-fordismo, a financeiros, bem como as “sete vidas” do welfare
relação salarial (formal) perdeu sua dinâmica state dos países centrais, apesar de quase 20 anos
universalizante e, logo, sua capacidade de funcionar de reação liberal, mostram que a riqueza socialmente
como motor, ao mesmo tempo, da formação da produzida está cada vez mais distribuída para além
mais-valia e de sua realização. A questão da da relação salarial. Paradoxalmente, na época da

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“ditadura” dos mercados e do Estado-mínimo, a universalizar a relação salarial (e, portanto, sem
distribuição da renda constitui-se em um campo distribuir riqueza!). Os investimentos recentes das
fundamentalmente político. firmas transnacionais do setor automotivo no
Nas economias periféricas, onde o desen- Brasil são um exemplo extremamente forte desses
volvimento da produção de massa aconteceu sem novos paradoxos. Os investimentos estatais (sob
uma verdadeira universalização da sociedade forma de incentivos fiscais, doações de terrenos,
salarial e de suas normas de consumo (de massa), infra-estruturas e até de participação acionária,
essa dimensão da “distribuição” da riqueza pode como no caso da Peugeot de Porto Real, no estado
parecer menos central em relação à questão da do Rio de Janeiro) são completamente des-
“produção” de riquezas. O que necessariamente medidos com relação aos retornos em termos de
se traduziria na renovada atualidade e urgência empregos (diretos e indiretos). Em alguns casos,
do projeto “desenvolvimentista”. Mas, feliz ou como acontece com a Ford, que devia abrir uma
infelizmente, o desenvolvimentismo não tem mais planta industrial no Rio Grande do Sul (e agora
nenhuma chance de ser uma saída viável dos im- na Bahia) e assim diminuir pela metade o emprego
passes neoliberais. Por quê? Porque no período em outra planta no ABC paulista, essas inter-
em que o modelo desenvolvimentista ainda tinha venções contribuem até para criar desemprego.
as possibilidades técnico-industriais de criar um Hoje em dia, “o desemprego é gerado tanto pela
círculo virtuoso entre produção e consumo não estagnação da economia quanto pelo seu
se deram as condições sociopolíticas para esse crescimento”, lembra Furtado. O que isso
deslocamento. O endividamento externo, significa? Que não é mais possível pensar que o
contraído para financiar a industrialização ao processo de assalariamento de massa (o desen-
longo dos anos 70, transformou-se nos anos 80 volvimento industrial) possa funcionar como
(por causa da brusca elevação da taxa de juros instrumento de integração cidadã, ou seja, de
dos mercados internacionais e da intensa distribuição da renda e de universalização dos
drenagem de capitais para os Estados Unidos) em direitos. A dinâmica está completamente
tremendo motor de transferência líquida de revertida. É a distribuição prévia da renda que
riqueza para o exterior. De receptores, os países pode permitir a universalização dos direitos, dos
do Terceiro Mundo passaram a supridores de capi- padrões de consumo e sobretudo da integração
tais internacionais, devendo, concomitantemente, produtiva. Ainda mais, na medida em que
aumentar o esforço de poupança e reduzir o entendemos que essa distribuição da riqueza
investimento interno (Furtado, 1998:35, 40-41). significa “melhoria” da qualidade de vida da
As conquistas formais de direitos sem população (isto é, antes de mais nada, educação
verdadeira redefinição das bases materiais destes e serviços universais e de qualidade), essa
(quer dizer, das relações de forças entre as classes) condição prévia constitui um elo essencial para
juntaram-se ao próprio modelo de consumo se evitar um reforço da marginalização do Brasil
hipersegmentado (quer dizer, limitado às classes dentro da nova divisão internacional do trabalho.
médias) para puxar o processo inflacionário. Lembramos, enfim, que a questão do
Neste período, no nível global, o regime de “fictício” deve também ser vista na perspectiva
acumulação mudou radicalmente. A produção se da relação cada vez mais complexa entre a
socializou e se transformou. Por um lado, ela se produção “material” e a exploração dos recursos
desmaterializou (é cada vez mais produção e naturais e ambientais, que aparecem limitados e
comunicação de informações) e, por outro, não renováveis. Os limites ecológicos de produção
conseguiu (exatamente graças a essa mobilização e consumo de massa aparecem para as economias
produtiva do imaterial) abastecer os mercados sem periféricas fortemente urbanizadas (como no caso

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do Brasil) de maneira particularmente perversa. Oliveira tem exatamente o interesse de apontar
Por um lado, eles não são o fruto de uma verda- as dimensões contraditórias (e não apenas
deira democratização do consumo (como funcionais) das conquistas operárias cristalizadas
aconteceu nas economias centrais) e, portanto, no “fundo público” do Estado Social das
ainda constituem uma meta a ser atingida. Por economias centrais (Oliveira, 1997a). De maneira
outro lado, pelo próprio modelo de colonizacão, mais geral, precisamos repensar, em face dos
pelos níveis de densificação urbana e os evidentes desafios atuais, a própria noção de riqueza, ou
problemas de planejamento do espaço público seja, fugir às determinações quantitativas da
(cujos indicadores se encontram sobretudo no produção de objetos (que reificam os desejos nos
controle privado de serviços essenciais, como os valores de troca) para chegar às determinações
de transportes coletivos), eles indicam limiares de qualitativas da riqueza como fruição do mundo.
tolerância ambiental ainda mais frágeis Por um lado, temos a acumulação de objetos
(insustentáveis, para se usar o termo “na moda”). produzidos e consumidos à custa de um tempo
Por exemplo, metrópoles como o Rio de Janeiro e de vida reduzido aos espaços do trabalho abstrato.
São Paulo, com taxas de motorização bem inferiores A produção do mundo se separa das condições
aos Estados Unidos e à Europa, mostram-se de sua fruição, a forma de seu conteúdo. Por
incapazes de tolerar um crescimento significativo outro, a riqueza coincide com a cooperação so-
da circulação de automóveis sem riscos de colapso cial que a produz. O produto do trabalho não é
generalizado do trânsito e do meio ambiente. Aqui apenas mais-trabalho e mais-valia, mas criação
também a clivagem “material versus fictício” pode coletiva de um novo mundo (Negri, 1990:29).
ser submetida ao crivo da crítica. Produzir o mundo e gozá-lo constituem dois
Neste nível, é claro que a clivagem “real- momentos inseparáveis. Essa abertura não é
fictício” deve ser repensada numa perspectiva determinista, pois cresce dentro do antagonismo
crítica que necessariamente implica a produção entre essas duas determinações do valor, dentro
de novos valores, a produção de um novo mundo. da práxis da crítica, da luta e do antagonismo. É
A noção de antivalor proposta por Francisco de no limiar dessas novas contradições que o

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desenvolvimento se separa do crescimento, que ______. Il potere costituente. Saggio sulle alternative
o debate tecnocrático sobre “sustentabilidade” del moderno. Milão, Sugar & Co., 1992a.
NEGRI, Antonio. “A desmedida do mundo”, Folha
pode adquirir um sentido. de S. Paulo, 20 dez. 1998. (Caderno Mais!)
Concluindo, ainda que de maneira provisória, ______. “O nacionalismo de esquerda”, Folha de S.
temos a confirmação de que, para não restringir a Paulo, 7 fev. 1999. (Caderno Mais!)
crítica à análise da superfície dos fenômenos NEGRI, Antonio & HARDT, Michael. “Mutation
financeiros, devemos deslocar o debate para o d’Activités. Nouvelles formes d’organisation”, Bloc Notes,
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Proposta N o 86 Setembro/Novembro de 2000


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