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SOMENTE MINHA

Oeste 02

Elizabeth Lowell
À Denisse Litle,
que tem a coragem de suas convicções.

Sarah y Edward Moran


Caleb Black Willow
Sólo Suya
Matt (Reno) Evelyn Starr
Sólo Tú
Rafe (Whip) Shannon Conner Smith
Sólo Amor

Wolfe Lonetree Jessica Charteris


Sólo Mía
Lord Robert Stewart - - - Shy Wolf
(cheyenne)
SINOPSE

Para fugir de um casamento arranjado Jessica Charteris,


envolve o homem cujas lembranças ela guarda em seu coração,
seu velho amigo Wolfe Lonetree. Ele é o único homem em quem
confia e o adora... E não hesita em forçá-lo a um casamento
que ele não deseja.
Contrariado, Wolfe se vê arrastado por aquela
temperamental e mimada dama inglesa, então impõe uma
condição para aceitar o casamento: deverão viver no selvagem
oeste americano. Wolfe sabe que aquela áspera e dura vida no
oeste americano não é como a vida que a mimada Jessi
levava... E espera que a dureza daquelas terras a convença a
aceitar a anulação do casamento e voltar à Inglaterra.
Mas ele não conhece Jessi a fundo e não sabe do que ela é
capaz, e Jessi não conhece Wolfe, nem seu endiabrado
temperamento... Duas personalidades vulcânicas condenadas a
se destruírem ou a se entenderem.
PRÓLOGO

Londres, 1867

1
― Casar-me com você, minha pequena elfo ?
Wolfe Lonetree riu em voz alta enquanto a fazia girar pela
pista de baile.
― Não sabe o que diz. O que faria um caçador mestiço do
Oeste com uma aristocrata inglesa?
― Sou escocesa, não inglesa. ― Jessica Charteris replicou
no instante.
― Eu sei. ― Wolfe sorriu como costumava fazer anos
antes, enquanto puxava suas longas tranças de brincadeira. ―
Ainda se incomoda quando a provoco.
Ocultando a urgência e o medo que conseguia disfarçar
com seu aparente comportamento alegre, Jessica inclinou a
cabeça para trás e sorriu para Wolfe.
― Seria uma união perfeita. ― Disse persuasiva. ― Você
não precisa de filhos porque não tem terras, nem títulos para
deixar de herança, e eu não tenho necessidade de dinheiro,
nem desejo de pertencer a nenhum homem. Ambos gostamos
do silêncio e de conversar. Gostamos de montar a cavalo, caçar
e ler diante do fogo. O que mais se poderia pedir de um
casamento?
A risada alvoroçada de Wolfe atraiu mais de um olhar
entre os cavalheiros e as nobres damas presentes no vigésimo
aniversário de Jessica. Wolfe ignorava tanto os olhares quanto
a aristocrática companhia. O homem ao qual chamavam o
Visconde Selvagem aprendera, fazia muito tempo, que seu
lugar se encontrava na América, não na Inglaterra, com seus
títulos e o frio desdém provocado por seu nascimento ilegítimo.
― Casar-me com você. ― Wolfe negava com a cabeça ao
repetir uma e outra vez as palavras, deleitando-se com a
companhia de uma elfo, cujos cabelos eram de um castanho
avermelhado tão escuro, que somente a luz do sol revelava seu
fogo oculto. ― Ah, pequena elfo, como senti falta de suas
travessuras e astúcias. Ri mais nestes poucos minutos que
estou aqui, do que durante todos os anos que passei sem você.
Direi para lorde Robert que a leve com ele em sua próxima
caçada. Talvez seu futuro marido também goste da caça. Gore,
é esse seu nome, não é? Ainda tenho que conhecer seu noivo.
Encontra-se aqui esta noite?
O medo fez Jessica errar o passo enquanto dançavam a
suave valsa. Wolfe a segurou e a devolveu ao seu lugar com a
mesma habilidade com que fazia tudo.
― Perdoe-me. ― Ele murmurou. ― Estou desajeitado esta
noite.
― Sabe tão bem quanto eu que o erro foi meu e não seu.
Apesar de Jessica falar com voz suave, Wolfe notou
alguma coisa oculta sob sua brilhante superfície. Observou-a
com seus olhos escuros enquanto dançavam a valsa, quase
incapaz de acreditar no que via. A garota magra com olhos da
cor do céu azul, com ardentes cabelos vermelhos e risada fácil,
havia desaparecido. Em seu lugar se encontrava uma
deslumbrante jovem que exercia uma influência perturbadora
sobre seus sentidos, uma influência que ele se negava a
reconhecer durante anos.
― Uma elfo desajeitada? ― perguntou ― Isso não é
possível, pequena. Assim como um casamento entre lady
Jessica Charteris e um mestiço bastardo.
Wolfe sorriu, deixando à mostra os fortes dentes brancos
que contrastavam com sua pele escura.
Jessica tropeçou outra vez, e de novo a força do homem
que a sustentava dentro dos civilizados confins da valsa a
resgatou sem esforço. Uma força que era evidente, mesmo na
pista de danças. Ela sempre pensava nele como um refúgio,
apesar de passar muitos anos sem vê-lo. Vivera alimentada por
suas lembranças, sabendo que havia um lugar na terra onde
poderia se refugiar. Aquela ideia sempre a protegera do pânico,
mesmo quando sua tutora insistiu em seu casamento com o
barão Gore.
Porém, o refúgio de Wolfe já não parecia estar aberto para
Jessica, então, deveria lutar por sua vida. Sozinha.
Meu Deus, o que vou fazer? Wolfe precisa aceitar o
casamento! Como posso convencê-lo?
― Tem os dedos frios, Jessi. ― Wolfe franziu o cenho. ―
Está tremendo. Não se encontra bem?
A patente preocupação na expressão e no tom de Wolfe
deram novas esperanças a Jessica.
Ele se importava com ela. Podia ver em seus
surpreendentes olhos que não eram negros, nem azuis, mas da
cor de um escuro crepúsculo ou das safiras à luz das velas.
Sorriu aliviada, sem imaginar como o sorriso iluminava seu
delicado rosto.
― Não é mais que a emoção de ver você, Wolfe. Quando
não respondeu a carta de lady Victoria, pensei que havia me
esquecido.
― Como poderia esquecer a elfo ruiva que me mortificava
costurando os punhos de minhas camisas com tanta destreza,
que não se viam as costuras? A elfo que trocava o sal pelo
açúcar e ria com tanta alegria das caretas que eu fazia? A elfo
que se escondeu em um palheiro durante uma tempestade até
que a encontrei e prometi afastá-la dos trovões?
― E você o fez com muita habilidade. ― De forma
inconsciente, Jessica se aproximou mais de Wolfe, como fazia
no passado, buscando o reconfortante calor de seu corpo, a
cobertura de sua força. ― Muito bem, na verdade.
― Foi mais acaso do que controle sobre os elementos. ―
Wolfe disse em tom seco, afastando Jessica de seu corpo. ― A
tempestade estava diminuindo.
― Depois daquilo, passei semanas chamando você de: O
senhor do trovão.
― E eu chamava você de: A dama do feno.
A risada prateada de Jessica atraiu olhares reprovadores
dos dançarinos próximos.
― Sua risada faria uma rocha sorrir. ― Wolfe comentou.
― Senti sua falta, milorde. Estou certa que não precisaria
se ausentar tanto tempo. O coração da duquesa se recobrou ao
final de meio ano e você poderia ter voltado muito antes.
― Não sou um lorde. Sou o Visconde Selvagem, o filho
bastardo de uma mulher cheyenne e lorde Robert Stewart,
visconde de... ― Jessica cobriu a boca de Wolfe com sua
pequena mão, calando suas palavras. Era um gesto tão antigo,
quanto o conhecimento de que seu nascimento ilegítimo o
deixava à mercê dos mesmos ataques dolorosos da aristocracia
inglesa, que a mãe plebeia e o aristocrata escocês, que era o pai
de Jessica, haviam sofrido.
― Não permitirei que se menospreze. Você é meu melhor
amigo. ― Disse com firmeza. ― As elfos possuem habilidades
mágicas. Você é um lorde para mim. Se me salva da
tempestade de gelo lá fora, eu o salvarei das luxuriosas
duquesas aqui dentro.
Sorrindo, Wolfe deixou de observar o elaborado penteado
de Jessica e dirigiu seu olhar à negra noite que se encontrava
atrás das janelas da mansão de lorde Stewart. A neve oferecia
um brilho embaçado graças ao reflexo da luz.
― Tem razão. ― afirmou ― Há tempestade. O tempo não
estava assim quando desembarquei.
― Sempre sabia quando haveria tempestade. ― Jessica
disse. ― Costumava observar as que desabavam sobre o mar e
contava os segundos que faltavam para chegar a casa.
Wolfe intuiu, mais do que sentiu, como Jessica reprimia
um estremecimento. Apertou os olhos ao observar a jovem que
se agarrava a ele um pouco mais do que o permitido pelas
regras sociais. Porém, não mostrava os sinais típicos de uma
mulher que procurava um amante.
― Você sentia medo das tempestades? ― Perguntou.
― Não me lembro.
A falta de musicalidade na voz de Jessica surpreendeu
Wolfe. Havia esquecido que ela falava pouco, se é que alguma
vez se manifestara, desde os primeiros nove anos de sua vida,
antes que o Conde de Glenshire morresse e ela se convertesse
na protegida de uma prima longínqua, a qual ela nunca havia
visto.
― Parece estranho que não se lembre.
― Você consegue recordar sua infância entre os
cheyennes?
― O cheiro da fumaça de certo tipo de madeira, uma
fogueira dançando na noite, os cânticos e os bailes para
invocar os espíritos... Sim, eu me lembro.
― Rendo-me diante de sua grande memória. ― Jessica
sorriu e ergueu o olhar através dos cílios, tal e como lady
Victoria lhe ensinara. ― Poderíamos dançar um pouco mais
distante da janela do jardim? Há uma corrente muito fria.
Wolfe percorreu com o olhar a graciosa linha do pescoço
de Jessica, seus ombros e as curvas mais íntimas de seus
seios, cuja parte superior mal estava coberta pela seda azul
clara. Um belo camafeu de ouro se aconchegava na escura
fenda que emoldurava seu decote. Aquela joia era um presente
que ele lhe dera bem antes de partir à América, para evitar que
a família Stewart sofresse a ira do desonrado duque. Wolfe se
perguntou se ela guardaria ali dentro o retrato de seu noivo.
Naquele momento, Jessica suspirou, e Wolfe afastou os
olhos da joia de ouro para se deter na delicada pele sobre a
qual ela repousava. Fazia-o pensar na maciez cálida. Sua
fragrância era a de um jardim de rosas sob um sol de verão e,
sua boca, um broto rosado do mesmo jardim. Descansava em
seus braços tão leve quanto um suspiro.
Possuia onze anos a menos do que ele, e o estava fazendo
arder.
― Se sente frio, lady Jessica, na próxima vez deveria usar
um vestido que cubra mais a sua pele.
A frieza impressa na voz de Wolfe sobressaltou a jovem. Só
a chamava de lady Jessica quando estava aborrecido com ela.
Perplexa, abaixou o olhar para o modesto decote de seu
vestido. Nenhuma outra mulher no salão estava tão coberta.
― Do que está falando, Wolfe? Lady Victoria ficou
aborrecida com o corte de meu vestido.
― Uma incomum demonstração de juízo da parte dela. ―
Ele replicou.
Jessica riu.
― Você me entendeu mal, ela queria o decote mais baixo, a
cintura mais apertada e uma armação da saia mais larga. Eu
preferi à moda francesa, sem aquelas irritantes armações.
Wolfe se recordava de Jessica correndo para ele quando o
divisou do outro lado do salão. Vira com muita clareza a curva
feminina dos seus quadris e das coxas sob o diáfano tecido;
uma lembrança indesejada mostrando que sua elfo havia
crescido..., e que logo se converteria na esposa de um barão.
― Eu não queria usar roupas íntimas pesadas, ou com
pérolas ou diamantes, ― Jessica continuou ― embora Lady
Victoria pense que o vestido e as joias que escolhi sejam
comuns demais. Ela até disse eu que parecia um pedaço de
pau que um dos cachorros pegou.
― Um pedaço de pau. ― Wolfe murmurou, olhando a
sombra aveludada que havia entre os suaves seios de Jessica.
― Sua tutora necessita umas lentes.
Se outro homem a tivesse olhado daquele modo, Jessica
teria encontrado uma desculpa para finalizar a dança. Porém,
Wolfe era diferente. Era um homem sem título, sem
necessidade de herdeiros. Não procurava uma égua de cria que
os proporcionasse.
O vento assoviava, e o granizo se precipitava sobre os
vidros como tiros. Tremendo por um medo cuja origem só
recordava em sonhos e esquecia antes de acordar, Jessica
tentou se aproximar mais de Wolfe, mas as saias reduzidas de
seu moderno vestido de baile a impediam. Tropeçou pela
terceira vez, e de novo as mãos que eram ao mesmo tempo,
fortes e gentis a prenderam. À sua volta, soavam os últimos
compassos da valsa, envolvendo o salão em música. Era quase
meia noite. Restava pouco tempo.
― Jessi, você está tremendo. O que acontece? Acreditei
que tivesse superado o medo das tempestades quando
completou dez anos.
― Só porque sabia que você me protegia.
― Sobreviveu muito bem em minha ausência. ― Wolfe
disse secamente.
― Só porque sabia que você voltaria. E você voltou. ―
Jessica ergueu os olhos para ele com uma súplica cuja
intensidade era maior por causa da falta de artifícios. ― Deve
se casar comigo, Wolfe Lonetree. Sem você, estou perdida.
No princípio, pensou que ela estivesse brincando outra
vez, mas depois percebeu que dizia cada palavra com
seriedade. Automaticamente, executou um gracioso giro e
soltou Jessica ao final da música. Ela se agarrou a mão dele
como fizera no final da primeira dança apenas alguns minutos
atrás.
― Pequena elfo, deve me soltar. ― Wolfe disse com voz
suave, abaixando o olhar para o rosto que, de forma tão
inesperada, se tornara tão perigosamente atraente para ele. ―
Não sou um lorde, e você já não é uma menina. É uma dama
do reino, cujo compromisso está a ponto de ser anunciado.
Uma dança com o Visconde Selvagem pode ser tolerada, mas
duas, provocará comentários. Três causarão um escândalo. Já
dançamos duas vezes e não dançaremos novamente.
― Wolfe. ― Ela sussurrou.
Era muito tarde. Ele fez uma reverência sobre sua mão e
se virou. Com os olhos escurecidos pelo medo, Jessica
observou Wolfe se afastar andando. Por maior que fosse o
número de pessoas, era fácil localizá-lo. Não por sua altura,
ainda que fosse mais alto que muitos homens. Também não se
tratava de seu aspecto, mesmo sendo indubitavelmente
atraente, com seus cabelos lisos e negros, a pele escura e os
sombrios olhos da cor das safiras. O que diferenciava Wolfe do
resto dos homens era sua forma de se mover, uma combinação
de força e graça inconsciente. Era um homem que se sentia
totalmente à vontade com seu corpo, do mesmo modo que um
gato se sente à vontade dentro de sua pele.
Jessica necessitava daquela força masculina, daquela
segurança em si mesmo. A esperança de que Wolfe voltasse
fora à única coisa que evitara que começasse a gritar, à medida
que a rede de circunstâncias e costumes se fechava mais
apertada a sua volta, dia após dia. De algum modo, precisava
fazer Wolfe compreender o problema no qual se encontrava.
Não estava brincando quando lhe propusera que se casasse
com ela. Nada mais longe. Nunca falara mais sério em todos os
seus vinte anos de vida.
Uma rajada de ar gemia no exterior do lar de lorde Robert
Stewart em Londres, e provocava tremores nos vidros das
janelas. O inverno estava chegando ao fim, mas a primavera
ainda não havia chegado completamente e agora, as estações
lutavam pela supremacia, sacudindo em sua batalha as
insignificantes cidades de pedra construídas pelo homem. O
coração de Jessica se apertou de medo quando o vento se
transformou em um uivo sem alma, que colocava em perigo
sua compostura. Instantaneamente, ela colocou a mão no
medalhão que escondia a imagem de Wolfe.
Estou a salvo. Wolfe não deixará que me façam mal. Estou
segura. O que quer que espreite na tempestade não pode me
alcançar.
O contato com o camafeu e a silenciosa prece aliviava
Jessica, durante os anos nos quais Wolfe se encontrava exilado
na América. Agora ele havia retornado... Mas ela se sentia até
mesmo, mais sozinha do que se sentia antes que ele a
encontrasse em seu perfumado esconderijo de feno e a
mantivesse alheia à tempestade, falando ao trovão com as
palavras de sua mãe cheyenne. Jessica entrelaçou os dedos
para disfarçar seu tremor; mas não conseguiu fazer nada para
ocultar a palidez de sua pele ou o desolado desespero de seu
olhar.
― Vamos, essa é a expressão adequada para celebrar seu
aniversário e seu compromisso de casamento? ― Lady Victoria
perguntou com uma voz tão gentil quanto sagaz era seu olhar.
― Não quero me casar nunca.
Victoria suspirou e apertou uma das frias mãos de Jessica
entre as suas.
― Eu sei querida, eu sei. Levei seus desejos em
consideração ao escolher seu marido. Você não precisará
carregar o Barão Gore por muito tempo. É muito velho e gosta
muito do vinho. Morrerá em poucos anos. Então, você será
uma viúva rica, com toda a vida pela frente. ― Sorriu
levemente. ― Poderá ser tão escandalosa quanto uma duquesa
francesa, se desejar.
― Prefiro morrer antes de deixar um homem colocar às
mãos em mim.
A única resposta de Victoria foi uma risada pesarosa.
― Ah, Jessica. Deveria ter nascido em uma família católica
tradicional que a enviasse a um convento. Mas não foi assim.
Você é a única descendente de uma jovem protestante das
terras altas escocesas e um conde das terras baixas. Os títulos
e as terras passaram para as mãos de outros, pelo que não lhe
ficou riqueza própria. Sua única opção é se casar. Seu futuro
esposo, qualquer que sejam seus defeitos, como cavalheiro,
possui riquezas suficientes para manter no maior dos luxos a
própria rainha.
― Já ouvi esses argumentos muitas vezes.
― Tenho repetido esperando que algum dia me escute. ―
Victoria replicou.
― Na América libertaram os escravos. Quem dera que na
Inglaterra tratassem as mulheres da mesma forma!
Uma suave mão se fechou sobre o queixo de Jessica.
― É uma teimosa jovenzinha escocesa. ― Victoria afirmou.
― Porém, nisto sou até mais teimosa que você. Desfrutou dos
privilégios da aristocracia. Para uma mulher plebeia da sua
idade, faz anos que qualquer idiota a teria lançado ao chão e
decidido fazer criancinhas.
Jessica apertou os lábios.
― Meu segundo marido a protegeu; e a criou com carinho
como se fosse sua própria filha. ― Victoria continuou, com voz
distante e implacável. ― Educou-a para administrar uma
grande casa e uma grande fortuna. Apesar de que aquela
horrível criada americana, a quem imita, ensinou-a a falar
inglês corretamente e a ser uma dama decente. Agora deve
devolver a generosidade de sua educação trazendo à luz um
herdeiro que uma, para sempre, a fortuna da família do
visconde e a riqueza do império naval do barão Gore.
Os longos cílios avermelhados de Jessica foram abaixados
com rapidez, ocultando a repulsa que seus olhos expressavam.
― Milady, por favor...
― Não. ― A mulher mais velha a interrompeu. ― Estou
ouvindo suas súplicas há muito tempo. Não a eduquei direito,
mas isso se acabou. A meia noite seu noivado com o barão
Gore será anunciado. E você se casará dentro de um mês. Se o
velho bêbado for capaz de se deitar com você lhe dará um
herdeiro ao final de um ano e seu trabalho estará cumprido.
Então poderá viver como quiser.

― Oh, lady Jessica, ― Betsy disse com voz triste. ― não


acredito que deva ir aos aposentos do senhor Lonetree.
Jessica se afastou do toucador onde Betsy esteve ocupada
desmanchando o elaborado penteado com joias de sua
senhora, e escovando os longos e sedosos cabelos.
Normalmente, o ritual acalmava Jessica, mas naquela noite só
a impacientava. Começou a andar pelo quarto como uma gata
presa. Enquanto se movia, o roupão de renda com os tons
azuis claros que usava durante o banho rangia e ondulava.
― Não há outra solução.
― Mas...
― Eu não quero mais ouvir, ― Jessica a interrompeu
bruscamente. ― você está sempre me dizendo que as mulheres
na América possuem mais liberdade para escolher seus
maridos e viver sua vida. Se eu devo me casar, escolherei meu
marido e viverei a vida como achar melhor.
― Mas você não é americana.
― Eu serei. ― Jessica amarrou o roupão na cintura com
um puxão firme. Os homens americanos não possuem títulos
ou grandes riquezas, então eles não precisam de herdeiros. Eu
não terei que suportar deveres conjugais nauseantes ou
gravidezes indesejadas com um marido americano.
Duvidando, Betsy apontou:
― Os homens americanos gostam de dormir em uma cama
quente, milady.
― Então podem dormir com os cachorros.
― Meu Deus. Penso que a levei pelo mau caminho. O fato
de que os homens americanos não possuam títulos, não
significa que...
― Basta de discussões! ― Jessica exclamou, cobrindo as
orelhas com as mãos.
Durante um momento ficou muito quieta lutando contra o
medo que ameaçava sufocá-la. O contato das palmas suadas
do barão Gore, se fechando sobre as suas mãos, era muito
recente, assim como a lembrança da lascívia em seus olhos
injetados de sangue. A imagem daquelas mesmas mãos
tocando-a uma vez que estivessem casados, fez com que
sentisse o sabor da bile em sua garganta. Um pesadelo a
rondava bem no fundo de sua consciência, provocando-lhe
calafrios enquanto reforçava sua determinação. Abaixou as
mãos, endireitou as costas e se dirigiu à porta.
― Milady... ― a criada começou a falar.
― Querida Betsy, cale-se, por favor. ― Jessica sorriu para
sua criada com lábios trêmulos. ― Deseje-me sorte. Se eu tiver
êxito, fará a viagem à América que lhe prometi faz três anos.
Jessica abriu a porta e saiu para o corredor. O fraco
murmúrio de preocupação de Betsy foi interrompido pela suave
batida da porta ao se fechar. Segurando nas mãos as
escorregadias saias de seda de seu roupão, Jessica se apressou
em direção à ala da casa onde se encontravam os aposentos de
Wolfe. Perfumadas lâmpadas de azeite ardiam em nichos de
pedra no corredor, porque lorde Robert gostava especialmente
daquilo. A iluminação era fraca, mas Jessica não se
preocupava. Conhecia cada quarto e cada canto da mansão.
Com uma careta de desagrado ao passar junto às janelas
nas quais a tempestade batia sem misericórdia exigindo entrar
no edifício, Jessica correu pela enorme casa de pedra. Não
esperava encontrar ninguém nos corredores, porque havia
esperado tempo suficiente para que os serventes fossem para
suas camas. Porém, evitou a biblioteca, já que sabia que lorde
Robert ficava ali frequentemente, jogando até o amanhecer com
seus amigos. Apressou-se por outro corredor e subiu devagar
por uma escada. Quando alcançou o último degrau, deu de
cara com o barão Gore, que se encontrava consideravelmente
afetado pelo vinho.
― Meu Deus! ― Ela exclamou, endireitando-se
rapidamente.
Gore cambaleou e se agarrou à Jessica tentando manter o
equilíbrio. Mesmo bêbado, ainda era capaz de distinguir entre a
carne de um homem e a de uma mulher. Não era fraco.
Quando Jessica tentou se livrar dele, suas mãos a seguraram
com mais força. Uma delas se afundou em seu seio, e a outra,
machucou seu ombro.
― Maldição, mas se não é a minha pequena dama. ― Os
olhos de Gore se apertaram ao finalmente recuperar o
equilíbrio e se fixar na roupa de seda e renda que ela usava. ―
Uma camisola linda, minha querida. Não esperava achar você
tão desejosa de se deitar comigo. Se soubesse, teria bebido
menos porto e teria lhe dedicado toda minha atenção.
― Solte-me!
Gore a ignorou, absorto em tentar se aproximar mais da
suave e perfumada criatura que finalmente se encontrava ao
seu alcance. Parte do roupão de Jessica se rasgou em sua luta
para se libertar. Ele observou seus seios nus e agradeceu sua
boa sorte por ter encontrado uma noiva tão desejável, e que
fosse procurar por ele em seus aposentos, enquanto o resto da
casa dormia.
― Por Deus, tem uma boa dianteira. ― disse arrastando as
palavras ― Lorde Stewart pediu muito dinheiro por você, mas
valeu a pena até a última moeda.
Gore se inclinou sobre os seios de Jessica, cambaleou e
acabou enviando-a com um empurrão contra a parede, com
uma força que a deixou sem fôlego. Aquilo foi a única coisa que
evitou seu grito de dor, quando os dentes do bêbado se
fecharam sobre um de seus seios. Grunhindo com uma
excitação cada vez maior, ele ignorou seus esforços, amassou-a
contra a parede e tateando, tentou desabotoar as calças.
Desesperada, Jessica recordou o que Wolfe lhe ensinara bem
antes de se separarem, quatro anos antes. Com uma prece
silenciosa, ergueu um joelho com força contra a virilha de
Gore. No instante, ele deixou cair às mãos e cambaleou para
trás.
Segurando o roupão destruído em volta de seu corpo e
com os cabelos caindo como uma esteira escura atrás dela,
Jessica fugiu em direção aos aposentos de Wolfe. A porta se
abriu com facilidade em suas mãos trêmulas.
Wolfe saiu da cama com dossel com um único e ágil
movimento. Teve o tempo certo para reconhecer Jessica e
deixar seu punhal sobre o criado mudo, antes que ela se
lançasse contra seu peito. Seus braços se fecharam ao redor de
sua cintura nua; Jessica tremia tão violentamente como
quando a encontrara enrolada como um ovo, no palheiro.
Rapidamente, colocou-a sobre a cama e se sentou
abraçando-a com força, tentando acalmá-la. A alguns metros, a
tempestade se abatia sem controle contra as pedras e os vidros.
― Acalme-se, pequena. ― Wolfe murmurou. ― Comigo está
a salvo. A tempestade não pode alcançar você agora. Está
segura comigo. Olhe, vou acender a lâmpada para que possa
ver. A tempestade está lá fora e você está aqui dentro.
Inclinou-se, acendeu a lâmpada com uma mão, e colocou
Jessica sobre seu colo.
― Olhe pequena elfo. Melhor assim? Sabe que está a salvo,
certo? Sabe que... Deus bendito!
Wolfe emudeceu incapaz de falar. Os seios de Jessica
estavam descobertos e pareciam tremendamente bonitos,
apesar das brilhantes gotas de sangue e dos hematomas negros
e azulados sobre sua pele.
De alguma outra parte da casa, podiam se ouvir vozes
elevadas. Wolfe mal percebeu aquilo. Ao perceber que um
homem havia rasgado a suave pele de Jessica com os dentes e
machucado sua delicada carne com os dedos, ficou
encolerizado.
― Quem foi o maldito bastardo que lhe fez isto? ―
Perguntou selvagemente.
― O... o... ba... ― Jessica, aterrorizada, inspirou fundo e
tentou deter o tremor de seu corpo para conseguir falar. ― O
barão Gore.
Com extremo cuidado, Wolfe colocou as pontas rasgadas
do roupão de Jessica no lugar, cobrindo seu seio.
― Silêncio, pequena elfo. ― Beijou seus cabelos com
ternura. ― Silêncio, pequena. Está a salvo. Não deixarei que ele
lhe faça mal outra vez.
― Promete?
― Sim.
Jessica deixou escapar um suspiro quebrado. Durante
alguns momentos, não houve mais som que o do vento e o de
seu fôlego se acalmando lentamente. A seguir, Gore irrompeu
no quarto. Seu rosto se encontrava suado e estava um pouco
mais sóbrio do que antes, já que a dor havia feito desaparecer
em parte a bebedeira.
― Precisa provar o sangue, pequena prostituta. ― Disse
friamente, avançando ameaçador à cama. ― E eu lhe darei para
provar. Tire o traseiro da cama desse selvagem.
Com um só movimento, Wolfe afastou Jessica para um
lado e se ergueu. Pela primeira vez, ela percebeu que Wolfe
estava completamente nu. A luz da lâmpada percorria seu
corpo, ressaltando a força que corria por ele como um
relâmpago.
― Imagino que você é o bastardo que maltratou Jessi, não
é? ― Perguntou com voz suave.
Jessica esqueceu a nudez de Wolfe quando sua voz a
alcançou. Nunca o ouvira falar naquele tom. Um calafrio
percorreu todo seu corpo quando percebeu que Wolfe poderia
matar..., e que o faria para defendê-la. Antes que Gore pudesse
responder, lady Victoria entrou apressada no quarto, seguida
de uma Betsy angustiada.
― Desculpe. ― A donzela explicou, olhando para Jessica. ―
Não podia deixar você vir ao quarto do senhor Lonetree. Ele
tem uma má reputação com as damas.
― Totalmente merecida, pelo que parece. ― Victoria disse
secamente, assimilando a imagem da fúria de Gore, a bata de
Jessica e a nudez de Wolfe. ― Cubra-se.
Ele a ignorou. Sua mão saiu disparada e se fechou ao
redor da garganta de Gore. Do corredor chegava um murmúrio
de vozes sobressaltadas. A mais notável era a de lorde Robert
Stewart.
― Minha querida dama, poderia me explicar que
demônios...? Wolfe! Por Deus Santo!
Lorde Robert fechou a porta do dormitório às suas costas,
com um empurrão. Mas o mal já estava feito; cinco dos nobres
convidados à festa haviam olhado para dentro do quarto de
Wolfe. O escândalo se estenderia por toda Londres ao
amanhecer. Sombrio, lorde Robert enfrentou seu filho.
― Solte o barão.
― Acredito que não. ― Wolfe respondeu no mesmo tom. ―
Este homem atacou Jessi.
― É um mentiroso, além de um bastardo. ― Gore acusou.
Teria dito mais, mas a mão de Wolfe se apertou. Os
poderosos dedos oprimiram as carótidas do barão, e o deixou
inconsciente com brutal eficácia. De má vontade, Wolfe abriu a
mão e deixou Gore cair pesadamente no chão.
― Por Deus. Você o matou! ― Victoria exclamou com voz
horrorizada.
― Na América eu o teria feito. Desgraçadamente, não
estamos lá.
― Logo estará. ― Robert disse. ― Maldição! Tem um dom
para o escândalo, meu filho.
― Não foi algo que tenha herdado de minha mãe. ― Wolfe
afirmou com voz fria. ― O escândalo é um conceito criado pela
civilização.
Virou-se para ver se Jessica se recuperara do susto. Viu
como ela arregalava os olhos ao baixar o olhar para seu corpo.
Ela se ruborizou e afastou os olhos tão rápido que quase
perdeu o equilíbrio. Com calma, Wolfe se dirigiu ao armário e
pegou uma camisa de dormir. Ele as odiava, mas não queria
perturbar mais a Jessica. Gore começou a roncar e Robert teve
tempo de lhe dar uma olhada irritada, antes de voltar a atenção
para Jessica. Não queria ser brusco, mas estava muito zangado
para perder seu filho novamente, por ser amável.
― Wolfe é seu amante?
A pergunta lhe recordou o ataque de Gore. Jessica
empalideceu, e depois corou de tal forma que se sentiu
enjoada. Cobriu seu ardente rosto com as mãos e estremeceu,
lutando para se controlar e pensando que estivesse presa em
um de seus pesadelos, nos quais o vento gritava com voz de
mulher e o amanhecer se encontrava a uma eternidade de
distância.
― Não posso... Lorde Robert... eu... ― Jessica disse
desesperadamente, tentando fazê-lo compreender que não
podia se casar com Gore. ― Meu Deus. Foram tão amáveis
comigo... Desculpe.
Sua voz se quebrou e começou a tremer. Seu descontrole
assombrou o casal Stewart, já que Jessica nunca perdia o
controle; nem mesmo quando perdera seus pais, sendo ainda
uma menina.
― O que Jessi tenta dizer, ― Wolfe falou com tranquilidade
enquanto abotoava a camisa. ― é que não somos amantes.
― Mas teria sido se Betsy não tivesse me avisado. ―
Victoria disse. ― Deseja Jessica desde que ela estava com
quinze anos.
Até mesmo ao abrir a boca para negar, Wolfe sabia que era
verdade. A repentina descoberta de que levava anos desejando
a Jessica o impediu de falar.
― Wolfe... ― Victoria suspirou com voz cansada. ― Se não
foi capaz de manter seu desejo sob controle dentro dos calções
por respeito ao seu pai, pelo menos poderia limitar suas
atenções às mulheres casadas e às rameiras.
― Já chega mulher. ― Robert disse. ― Wolfe é meu filho.
Sabe qual é seu dever.
― E qual é? ― Wolfe perguntou suavemente.
― Seduziu Jessica e se casará com ela.
― Não houve nenhuma sedução. Gore a atacou. Ela,
desesperada, se refugiou em meu quarto e ele a seguiu. Lady
Victoria chegou um minuto depois.
― Jessica..., ― Robert disse com voz seca. ― se ainda é
virgem, o compromisso pode ser salvo. O barão Gore está muito
satisfeito com você.
Jessica estendeu as mãos para Wolfe e sussurrou:
― Você me prometeu...
O silêncio se tornou violento, seguido por uma educada
ordem de Wolfe:
― Deixem-me com Jessica por um momento. E levem este
porco bêbado com vocês.
Quando Victoria começou a replicar, Robert se limitou a
agarrar Gore pelos pés e arrastá-lo para o corredor. O barão
nem acordou. Victoria passou ao seu lado, Betsy correu atrás
de seus amos e a porta se fechou com firmeza atrás deles.
Antes que Wolfe pudesse falar, Jessica se ajoelhou em frente a
ele.
― Por favor, Wolfe. Eu lhe suplico. Case-se comigo. Não
deixe que esse homem me leve com ele.
― É virgem? ― Ele perguntou secamente.
Jessica saltou e ergueu a cabeça.
―Pelo amor de Deus, sim! Não suporto que um homem me
toque, fico com o estômago revirado.
― Então, porque vinha ao meu quarto vestida..., ou
melhor desvestida, deste modo?
― Era o que eu usava quando lembrei que precisava falar
com você. ― Ela disse perplexa, enquanto alongava a mão para
ele em uma súplica silenciosa. Apesar do rígido controle que
exercia sobre sua voz, seus dedos tremiam. ― Vinha pedir a
você que me salvasse do barão Gore.
― Considere-se salva. Pense o que pense meu pai, duvido
que Gore aceite-a depois desta noite.
― Mas é possível que outro homem o faça. Victoria
arrumará outro casamento para mim.
Wolfe emudeceu durante um momento. Odiava a ideia de
que outro homem tivesse Jessica, mas não podia fazer nada a
respeito. Ainda que os Stewart lhe permitissem se casar com
ela, o casamento seria um desastre. Por mais que seu corpo o
tentasse, sabia que o casamento entre eles não funcionaria.
― Encontrar um marido adequado para você é assunto de
lady Victoria. ― Wolfe disse, firmemente.
― Não. Prefiro estar debaixo da terra antes de permitir que
um homem me toque.
A segurança com que Jessica falou fez Wolfe apertar os
olhos. Prefiro morrer antes de me casar com um homem.
Qualquer homem.
― Mas quer que eu me case com você. ― Disse em tom
neutro.
Jessica sorriu com os lábios trêmulos.
― Você nunca me tocaria assim. Os homens se casam
porque devem ter herdeiros, e as mulheres fazem isso para
obter segurança e riqueza. Você não necessita um herdeiro e eu
não necessito riqueza.
Uma quietude perigosa se apoderou de Wolfe ao assimilar
as palavras de Jessica.
― Até um bastardo tem... necessidades.
― O que tem a ver o fato de ser um bastardo? ― Jessica
perguntou, exasperada.
Durante um tenso intervalo, Wolfe não disse nada. Depois,
deixou escapar um suspiro silencioso, ao entender que Jessica
não tivera a intenção de insultá-lo, dando por certo que um
bastardo não desejasse se deitar com sua mulher;
simplesmente não percebia que os homens queriam algo mais
que herdeiros de um casamento.
― Wolfe, ― Jessica sussurrou com voz suave, tocando a
manga de sua camisa. ― case-se comigo. Somos bons amigos.
Seríamos tão felizes vivendo na América... Caçando, pescando e
comendo junto à fogueira...
― Meu Deus, realmente está falando sério. ― Disse
perplexo pela ideia tão equivocada que ela possuia sobre o
casamento.
― Oh, sim. ― Sorriu ao se livrar do medo que apertava seu
coração. ― Nunca me diverti tanto estando com alguém como
você, Wolfe. Agora podemos estar juntos outra vez. O que
poderia ser melhor?
Ele amaldiçoou, e passou a mão cansada pelos negros
cabelos.
― Jessi, você me estendeu uma armadilha? Enviou sua
criada para que trouxesse lady Victoria como testemunha,
enquanto corria para o meu quarto como uma mulher que vai
se encontrar com seu amante?
Jessica negou energicamente com a cabeça. O movimento
fez com que a luz da lâmpada brilhasse por seus longos
cabelos, como serpentinas de fogo.
― Não, não planejei. ― Deu um longo e triste suspiro. ―
Mas agora que aconteceu, posso jurar sobre o túmulo da
minha mãe, que nos deitamos juntos. Se você se casar comigo,
finalmente serei livre.
― E o que será de mim? E da minha liberdade?
Jessica o olhou com olhos claros e brilhantes.
― Também pensei nisso. Não lhe peço nada. Será livre
para ir e vir como lhe convier. Se quiser uma companheira de
tiro, caçarei com você. Se quiser viajar sozinho, não protestarei.
Se quiser uma isca especial para pescar, eu conseguirei para
você.
― Jessi...
Ela falou por cima da voz de Wolfe.
― Se quiser conversar comigo, estarei lá para você. Se
quiser silêncio, sairei do quarto. Cuidarei para que sua casa
esteja bem administrada e que só se sirva a comida que você
gostar. E quando acabarmos de jantar aquecerei um copo de
conhaque com as mãos até que seu aroma encha o globo de
vidro, e quando lhe entregar, nos sentaremos juntos e não
haverá tempestades que irrompam dentro...
O silêncio se alongava como a chama de uma vela
arrastada pelo vento. Finalmente, Wolfe lhe virou as costas
porque não podia confiar em continuar olhando para ela sem
perder o controle, como nunca o fizera até aquele momento.
― Jessi, ― ele disse com suavidade ― a vida da qual está
falando é a que poderiam levar um lorde e uma dama ingleses.
Eu não pertenço à nobreza. Minha esposa viverá na América.
Sua vida não terá nada a ver com a de uma dama da
aristocracia.
― Eu adoro a América. Estou desejando ver as pradarias e
os grandes búfalos outra vez. Senti falta do céu sem fim. Betsy
me ensinou os costumes americanos. Quando estou com ela,
quase ninguém nota meu sotaque britânico. Tenho me
esforçado muito para ser americana. ― Jessica disse com
veemência. ― Sabia que você não queria viver na Inglaterra.
― Você me estendeu uma armadilha! ― Exclamou,
virando-se. Jessica inclinou a cabeça e olhou suas mãos
firmemente entrelaçadas.
― Não, Wolfe. Quando soube que Victoria queria me ver
casada, tentei pensar no que seria estar com um homem. E
simplesmente não podia me imaginar pertencendo a outro que
não fosse você, assim, tive que aprender a pertencer a você.
Pensei muito sobre isto.
Wolfe permaneceu em silêncio e ela voltou a olhar para ele
com olhos luminosos, suplicando.
― Não quero decepcionar lorde Robert, nem mentir para
lady Victoria. E também não quero prender você em um
casamento.
― Mas o fará.
― Só se eu precisar fazer isso.
Wolfe disse algo feio em voz baixa, mas as palavras se
perderam no uivo do vento. Tremendo apesar de sua
determinação e suas costas eretas, Jessica continuou
aguardando.
Quando Wolfe finalmente se moveu, foi tão repentino que
ela deu um salto. Ele se dirigiu à porta do dormitório, abriu-a
de um golpe, e se encontrou com dois pares de olhos ansiosos.
Betsy e o adormecido Gore haviam desaparecido. Olhando
alternativamente a expressão impenetrável de Wolfe e a forçada
compostura de Jessica, o casal Stewart entrou no quarto e
fechou a pesada porta às suas costas.
― E então? ― Robert inquiriu.
― Lady Jessica está disposta a jurar que eu a tomei. ―
Wolfe explicou friamente. ― Não é verdade.
Robert olhou para Jessica.
― Isso é verdade?
― Eu me casarei com Wolfe, ― Ela afirmou em voz baixa. ―
ou não me casarei com ninguém mais.
― Maldição. ― O lorde murmurou. Dirigindo o olhar para
Wolfe, perguntou: ― O que devemos fazer?
― O que sempre fizemos... dar para a aristocrata mimada
o que ela quer.
― Você se casará com ela?
― De certo modo. ― Wolfe disse arrastando as palavras. ―
Lady Jessica tem certo capricho romântico de jovenzinha para
viver no Oeste.
― Não é em absoluto um capricho. ― Jessica afirmou. ―
Estive além do Mississippi. Sei o que me espera.
― Não faz nem ideia. ― Wolfe disse. ― Acredita que vão ser
umas longas férias de caça. Não será assim. Nem mesmo posso
me permitir esse tipo de coisas, e ainda que pudesse, não o
faria.
Victoria deixou de observar a sua teimosa afilhada para
olhar as indômitas linhas do rosto de Wolfe, e começou a rir
com suavidade.
― Ah, Wolfe, sua mente é tão rápida e afiada quanto uma
espada. Mas Jessica também é forte e teimosa, dura como o
granito escocês.
Wolfe grunhiu.
― Sou muito mais duro do que a pedra. Lady Jessica logo
perceberá que o casamento para mim, não é uma longa
expedição de caça com louças, talheres de prata e criados
suficientes para cozinhar um búfalo ao curry antes de matá-lo.
Se aguentar até chegarmos à minha casa na beira das
Rochosas, ficarei surpreso.
Jessica endireitou ainda mais as costas ao detectar a raiva
e a ironia na voz de Wolfe. O olhar desafiante que lhe dedicou
de seus escuros olhos não era muito mais amável.
― Quando superar sua insensatez, ― Wolfe continuou em
tom respeitoso, voltando a se dirigir a Victoria. ― anularei o
casamento e a devolverei do mesmo modo em que veio a mim,
completamente intacta.
― Oh, espero que não completamente. ― Victoria apontou
divertida. ― Ensine a esta pequena monja obstinada a não
temer um homem. Então os dois serão livres.
Wolfe virou as costas para Victoria e olhou para Jessica
com olhos frios.
― Ainda não é muito tarde para acabar com esta farsa,
milady. Logo se cansará de ser a mulher plebeia de um homem
plebeu.
― Não me cansarei de ser sua mulher. ― Aquilo era uma
promessa, e Jessica a pronunciou como tal.
― Sim, sim o fará. ― Wolfe afirmou.
E aquilo também era uma promessa.
CAPÍTULO 1

St. Joseph, Missouri, primavera de 1867

― Serei razoável, milorde. Não havia pensado em despedir


Betsy nem os serventes.
― Não sou seu lorde. Sou um bastardo, lembra-se?
― Noto que minha memória melhora por momentos. ―
Jessica murmurou. ― Ai! Está me apertando.
― Então deixe de se mexer tanto. Ainda restam mais de
vinte botões e são tão pequenos como ervilhas. Maldição! No
que um estúpido ignorante pensava ao fazer um vestido que
não permite que uma mulher se vista sozinha?
Nem tirá-lo. E aquilo era o pior. Wolfe sabia que chegaria o
momento em que precisaria desabotoar todos aqueles
brilhantes botões negros, e cada um deles revelaria mais pele
quente e perfumada, e a mais delicada lingerie de renda. Era
uma elfo que mal chegava ao seu queixo e, no entanto, o fazia
cair de joelhos de puro desejo. Suas costas eram tão suaves e
elegantes quanto à de uma bailarina, graciosa como uma
chama; uma chama que o fazia arder.
― Sinto muito. ― Jessica sussurrou com tristeza quando
as palavras de seu esposo abrasaram seus ouvidos. ― Eu
esperava...
― Maldição, deixe de murmurar. Se você tem algo a dizer,
diga, e deixe de lado esse estúpido costume aristocrático de
falar em voz baixa, que faz com que um homem se veja
obrigado a se inclinar para ouvir.
― Pensei que se alegraria em me ver. ― Jessica continuou
com total sinceridade. ― Não ficamos juntos desde que
trocamos os votos, faz meses. E nem mesmo me perguntou
como foi à travessia, nem sobre a viagem de trem no qual
cruzei o continente, nem...
― Disse-me que não se queixaria se eu a deixasse sozinha.
― Wolfe a interrompeu, cortante. ― Por acaso o está fazendo,
agora, lady Jessica?
Ela lutou contra a onda de tristeza que a invadia. Não foi
assim que imaginara seu reencontro com Wolfe. Ansiara
cavalgar com ele pelo grande deserto americano sobre inquietos
cavalos puro-sangue. Desejara com todas as suas forças, que
chegassem aqueles longos dias de cômodos silêncios e
animadas conversas que recordava de suas viagens anteriores,
aquelas fogueiras noturnas sob o brilhante e limpo céu
americano. Mas, sobretudo, desejara voltar a ver Wolfe.
― Quando recebi a carta onde você me pedia que me
reunisse aqui com você, ― replicou ― pensei que tivesse
superado seu ressentimento.
― Ressentimento. Uma educada e delicada palavra
aristocrática. ― Seus dedos deslizaram rudemente, tocando sua
cálida pele. Amaldiçoando violentamente, afastou a mão
rapidamente. ― Não me conhece bem, milady. Não estava
ressentido, estava muito furioso. E continuarei assim até que
você amadureça, até que aceite a anulação e retorne à
Inglaterra, que é o seu lugar.
― Você também não me conhece. Pensou que cederia e lhe
suplicaria pela anulação diante da perspectiva de precisar
viajar sozinha até a América.
Wolfe soltou um grunhido. Era precisamente o que havia
pensado. Mas Jessica o surpreendera. Encarregara-se de
conseguir passagens para ela e sua donzela, e de contratar dois
serventes com a pequena herança que recebera por seu
casamento e, por último, atravessara o Atlântico à sua procura.
― Duvido que viajar comigo tivesse sido tão agradável
quanto foi fazê-lo sozinha. Embora não tenha sido exatamente
sem companhia. Seu séquito esteve à sua disposição para
todas as suas necessidades. Maldição, você não consegue nem
manter seus cabelos sob controle? ― Perguntou bruscamente,
quando uma longa e sedosa onda escapou das mãos dela e
caiu sobre seus dedos.
Os braços de Jessica estavam cansados de segurar seus
cabelos sobre a cabeça, mas a única coisa que respondeu
quando recuperou a mecha fugitiva foi:
― Uma donzela e dois serventes não são um séquito.
― Na América são. Uma mulher americana cuida de seu
marido e de si mesma sem ajuda.
― Betsy me contou que trabalhou em uma casa, onde
havia doze serventes.
― Sua donzela devia trabalhar para um charlatão
oportunista do norte.
Jessica piscou.
― Não mesmo. Aquele homem era do norte e comerciante,
mas não era muito falante.
Wolfe pensou que a ingenuidade e ignorância dela não
suavizavam seu aborrecimento. Não o conseguiu totalmente.
― Um charlatão é uma espécie de vigarista. ― Esclareceu.
― Não entendo que relação há.
Wolfe soltou um grunhido apagado.
― Você está rindo, não é? ― A voz de Jessica refletia prazer
e alívio, assim como seu rosto quando o olhou virando a cabeça
por cima do ombro. ― Vê? Não será tão horrível estar casado
comigo.
Os lábios de Wolfe se apertaram uma vez mais. De sua
posição, a única coisa que conseguia ver era um vestido mal
abotoado e a curva delicada do pescoço de uma mulher. Mas
Jessica não era uma mulher. Não de verdade. Era uma fria e
mimada aristocrata inglesa; justamente o tipo de mulher que
ele odiava desde que teve idade suficiente para compreender
que as altivas damas privilegiadas não o desejavam como
homem. A única coisa que queriam era saber o que se sentia ao
serem possuídas por um selvagem.
― Wolfe? ― Jessica sussurrou, tentando ver o rosto que,
outra vez, se convertera no de um estranho.
― Vire-se. Se não acabar com esta terrível tarefa, não
chegaremos à diligência.
― Mas não estou adequadamente vestida para fazer
diligências em nenhum tribunal.
― Em um tribunal? ― Finalmente, Wolfe entendeu. ― Não
é o que imagina, mas também não está vestida para viajar.
Estas armações ocuparão a metade do assento da cabina.
― Refere-se a uma espécie de carruagem? Uma diligência é
uma carruagem?
― Sim, milady. ― Wolfe respondeu zombando. ― Um meio
de transporte com quatro rodas, um condutor, cavalos...
― Basta. Já sei o que é uma diligência. ― Jessica o
interrompeu. ― Só me surpreendi. Antes íamos a cavalo ou em
uma carruagem.
― Então você era uma pequena aristocrata. Agora é uma
esposa americana plebeia. Quando se cansar disso, já sabe o
que deve fazer.
Wolfe continuou com outro botão. Uma corrente dourada
brilhava bem por baixo de seus dedos. Recordou o momento
em que lhe presenteara aquele camafeu. Era um símbolo de
um tempo que não voltaria jamais, uma época na qual ele e
aquela alegre menina de cabelos avermelhados, podiam
desfrutar um do outro sem que houvesse problemas no
horizonte.
Excetuando uma ou outra maldição que soltou em voz
baixa, Wolfe acabou de abotoar em silêncio os exasperantes
botões pretos do vestido de Jessica.
― Pronto. ― Exclamou aliviado enquanto se afastava. ―
Onde estão seus baús?
― Meus baús? ― Ela perguntou distraidamente, desejosa
de gemer aliviada por não precisar manter durante mais tempo
sua pesada e escorregadia cabeleira sobre a cabeça.
― Deve guardar suas roupas em algum lugar. Onde estão
seus baús?
― Os baús.
― Lady Jessica, se quisesse um louro, teria me convertido
no capitão do barco. Onde estão seus malditos baús?
― Não sei. ― Respondeu por fim. ― Os serventes se
ocuparam deles uma vez que Betsy tirou tudo.
Wolfe passou a mão pelos cabelos, tentando não ficar
cativado pela adorável imagem que Jessica apresentava com
seu vestido azul claro. Mas não conseguiu evitar olhar
disfarçadamente o brilhante fogo de seus cabelos soltos.
― Maldita dama inútil.
― Insultar-me não serve para nada. ― Repreendeu-o com
voz fria.
― Não esteja tão certa.
Wolfe saiu do dormitório do hotel batendo a porta.
Jessica quase não dispôs do tempo suficiente para ocultar
sua tristeza atrás de uma expressão serena, antes que Wolfe
reaparecesse com um baú em cada ombro. Atrás dele vinham
dois estranhos de aspecto rude, que eram quase meninos.
Cada um segurava um baú vazio. Os dois meninos deixaram
sua carga no piso e olharam com grande interesse à elegante
mulher cuja cabeleira solta caía em brilhantes ondas até seus
quadris.
― Obrigado. ― Wolfe disse aos meninos que o ajudaram.
― Foi um prazer. ― Respondeu o mais jovem. ― Tínhamos
ouvido que uma dama inglesa estava na cidade. Nunca
pensamos que teríamos a oportunidade de ver uma.
― Na verdade, sou escocesa.
O rapaz sorriu.
― De qualquer forma, você é belíssima. Se necessitar que
a ajudemos a carregar os baús na diligência, só precisa gritar e
viremos correndo.
Jessica corou diante da admiração que o jovem mostrava
tão abertamente para ela.
― Isso é muito amável de sua parte.
Wolfe grunhiu e dirigiu um olhar aos meninos que os fez
saírem correndo do dormitório. O mais descarado se virou e
saudou Jessica levantando o chapéu antes de fechar a porta.
― Prenda os cabelos. ― Wolfe lhe ordenou friamente. ―
Mesmo aqui, na América, uma mulher não deixa que ninguém,
exceto sua família, a veja com os cabelos caindo até os quadris.
Sem pronunciar uma palavra, Jessica se dirigiu ao
pequeno toucador e pegou uma das escovas que Betsy havia
tirado antes de sair. Sentindo-se atraído pela intimidade
implícita na cabeleira solta flutuando ao redor de seus quadris,
Wolfe observou com o canto do olho, como Jessica começava a
escovar os cabelos.
Após alguns minutos, ficou evidente que Jessica não sabia
utilizar a escova. Não fazia mais que trocar o modo de segurá-
la, tentando encontrar a melhor maneira de dominar seus
revoltosos e sedosos cabelos, para penteá-lo da forma como
Betsy fazia. A escova escorregou de sua mão duas vezes. Na
terceira vez que caiu, Wolfe a recolheu, deslizou as pontas dos
dedos pelo cabo de marfim e a olhou com curiosidade.
― É suave, mas não escorregadia. ― Comentou,
oferecendo-a de novo.
― Obrigada. ― Jessica ficou olhando o desconcertante
utensílio que parecia não fazer outra coisa mais, que alvoroçar
seus cabelos. ― Não entendo qual é o problema. Funcionava
bem com Betsy.
― Funcionava bem com... ― A voz de Wolfe se apagou.
― Você tem razão. Parece que há um louro solto neste
dormitório. ― Ela afirmou suavemente.
― Meu Deus! Nem mesmo sabe como arrumar os cabelos.
― Claro que não. Era o trabalho de Betsy, e se dava muito
bem. ― Jessica o olhou com precaução. No rosto de Wolfe podia
ler uma expressão de espanto. ― Devo entender que as
mulheres americanas se arrumam sem ajuda de ninguém?
― Meu Deus!
― Ah, então é um costume religioso. ― Jessica suspirou. ―
Muito bem, se todas as mulheres daqui podem fazer isso, eu
também. Entregue a escova, por favor.
Wolfe estava muito admirado para se negar. Atônito,
observou como Jessica deslizava a escova por seus cabelos com
grande determinação e nenhuma delicadeza. Aquele movimento
muito rápido não ajudou em absoluto a dominar seus cabelos,
que se abriram em um leque, enroscando-se com os botões e
aderindo a qualquer objeto que tocassem.
Uma das coisas que eles tocaram foi a mão de Wolfe. Finos
cabelos envolveram sua pele e se enroscaram, como amantes. A
sensação foi indescritivelmente íntima. Suas batidas se
aceleraram. Amaldiçoando, retirou a mão e, ao fazê-lo, puxou
os cabelos de Jessica, sem querer.
Jessica soltou um gemido de surpresa enquanto as
lágrimas lhe saltavam dos olhos.
― Isso não era necessário.
― Não fiz de propósito. Seus cabelos me atacaram.
― Atacaram você?
― Tem razão. Deveríamos fazer algo com esse maldito
louro.
Ela se virou e viu como seus cabelos envolviam o punho
dele e se enroscavam no botão da manga.
― Seus dentes são muito afiados?
― O quê?
― Betsy me avisou sobre o insaciável apetite de meus
cabelos pelos botões, ― Jessica continuou muito séria. ― mas
não me disse que também gostavam da carne humana. Espero
que o ferimento não seja muito grave.
Os ombros de Wolfe se moviam enquanto tentava conter a
risada que a brincadeira de Jessica provocara. Riu
disfarçadamente enquanto desenroscava as mechas do botão.
― Talvez fosse melhor que eu fizesse isso. ― acrescentou ―
Se assustá-los ainda mais, os meus cabelos poderão morder
você com muita violência.
Wolfe se rendeu e riu em voz alta, apesar de saber que era
um erro. Mas simplesmente, era incapaz de fazer outra coisa
naquele momento. De todas as pessoas que conhecera ao longo
de sua vida, somente Jessica conseguia fazê-lo rir com tanta
facilidade.
― Maldita seja, pequena elfo...
Jessica sorriu e tocou a mão dele. Aquela leve carícia fez
Wolfe parar durante um momento, mas não disse nada.
Quando os últimos fios foram liberados de sua roupa, se dirigiu
ao toucador e despejou água limpa do jarro sobre suas mãos.
Sacudindo-as e deixando cair algumas gotas, voltou para junto
de Jessica.
― Não se mexa.
Lentamente, deslizou as mãos úmidas sobre seus cabelos
do alto da cabeça até os quadris. Assim sua cabeleira voltou a
cair em obedientes cachos.
― Dê-me a escova. ― ordenou.
Sua voz soou baixa, quase rouca, e seus olhos estavam
praticamente negros. Umedeceu um pouco a escova e voltou a
se ocupar dos cabelos de Jessica. Em vez de ficar às suas
costas, como fazia sua donzela, ficou em frente a ela e começou
a escovar seus cabelos.
― Wolfe?
― Sim?
― Minha donzela fica atrás de mim.
― Muitos botões. Não quero tentar meu apetite selvagem.
Jessica ergueu os olhos para Wolfe, intrigada pela
aveludada rudeza de sua voz, e ficou sem fôlego ao perceber
que estava mais perto dele do que quando dançaram a valsa na
noite de seu vigésimo aniversário. Nunca gostara de estar tão
perto de um homem, mas tudo era diferente com Wolfe;
aborreceu-se que as regras do decoro a impediram de se
aproximar ainda mais a ele.
Observou que a pulsação em seu pescoço batia com força,
intrigando-a. Se ficasse nas pontas dos pés e se inclinasse para
frente só um pouco, poderia sentir sua pulsação.
― Doeu-lhe?
― Doeu?
― Pequeno louro de cabelos avermelhados. ― murmurou.
Pegou uma mecha de cabelos, elevou-a afastando-a do seio de
Jessica e começou a escovar devagar até as pontas, enquanto
falava. ― Quando fez esse estranho barulhinho, pensei que eu
tivesse puxado outra vez.
Ela negou com a cabeça lentamente, tocando com a fria
seda de seus cabelos soltos as mãos de Wolfe.
― Não, estava só pensando.
― No que pensava?
― Nunca havia notado a pulsação em seu pescoço.
Quando vi, pensei em tocá-lo, em sentir sob as pontas de meus
dedos o pulso que lhe dá vida.
A mão de Wolfe parou diante da repentina força com que
seu coração começou a bater. O movimento quase fez com que
tocasse os seios dela.
― Alguns pensamentos são perigosos, Jessi.
Havia parado de escovar seus cabelos.
― Por quê?
― Porque fazem com que um homem deseje que toque a
vida que há nele.
― E porque isso é perigoso?
Wolfe baixou o olhar para os olhos dela e soube que ela
não fazia a mínima ideia de quanto suas palavras podiam
excitar um homem.
Ensina esta pequena monja teimosa a não temer um
homem. Então vocês dois serão livres.
Wolfe se perguntou se Jessica não estaria brincando com
ele outra vez, como fizera ao se referir à ferocidade de seus
cabelos soltos e sedosos. Pouco a pouco, foi tomando
consciência de que ela não estava brincando. Realmente não
sabia do que estava falando. A magnitude de sua inocência o
assombrou. As damas que conhecera na Inglaterra trocavam de
amantes da mesma forma que um jogador comprava cartas
novas: com frequência e frieza.
― Nunca tocou um homem dessa forma, sentindo a vida
que há nele? ― Wolfe lhe perguntou, erguendo a escova uma
vez mais.
― Não.
― Porque não, se tanto a intriga?
― Nunca percebi antes. E se me tivesse acontecido, não
teria feito nada.
― Por quê?
― Precisaria estar muito perto de um homem para tocá-lo
assim. ― Respondeu. ― Só a ideia me horroriza.
― Está muito perto de mim e eu sou um homem.
― Sim, mas com você é diferente. Quando a tempestade
me segurava entre suas garras, você me abraçou com força e
conteve o trovão. Quando outros meninos zombavam de mim
com crueldade por meu sangue plebeu, você me defendia e os
obrigavam a pararem. Ensinou-me a atirar, a cavalgar e a
pescar. E era igual quando o irritava, nunca foi cruel com sua
pequena elfo.
― Poucos homens são cruéis com as elfos.
Um delicado tremor percorreu a pele de Jessica quando
Wolfe começou a escovar seus cabelos novamente.
― Está tremendo. Quer algo para se cobrir?
― É o prazer e não o frio, o que me fez estremecer.
De novo, a mão de Wolfe hesitou quando o significado
oculto sob as palavras de Jessica o atravessou como uma
pontada de desejo.
― Lady Victoria a ensinou a flertar assim? ― Perguntou
com curiosidade.
― Flertar consiste em desmaiar, suspirar e mentir. Eu
simplesmente digo a verdade. Nunca imaginei que o fato de
alguém me pentear, pudesse me dar tanto prazer.
Houve um momento de silêncio, só interrompido pelo
sussurro da suave escova ao deslizar sobre os cabelos de
Jessica. Finalmente, Wolfe os deixou a um lado, a fez se virar
até ficar de costas para ele e dividiu a escura massa
avermelhada em três partes iguais. O toque de suas mãos na
nuca de Jessica a fez estremecer de novo.
― É uma lástima que não sejamos adequados um para o
outro. ― Wolfe comentou em voz baixa enquanto entrelaçava
seus cabelos em uma grossa trança. ― Há muita paixão em seu
interior, Jessi.
De repente, o corpo dela ficou rígido.
― Não acredito. ― Repôs com firmeza. ― A ideia de me
deitar com um homem faz meu estômago se revolver.
― Por quê?
A tranquila pergunta a surpreendeu.
― Você gostaria que um homem lhe fizesse isso? ―
Perguntou.
― Um homem? ― Wolfe riu. ― Não, um homem não. Mas
uma mulher..., isso é totalmente diferente.
― É diferente só para o homem ― protestou ― Ele é forte o
bastante para dizer sim ou não, segundo desejar. Quando
finalmente acaba, não fica deitado chorando na cama. Nem
grita desesperadamente meses depois, quando o que foi posto
no corpo da mulher a rasga tentando sair.
― Alguém encheu sua cabeça de tolices. Isso não é assim.
― Não para um homem, claro.
― Nem para uma mulher.
― De qual grande fonte de sabedoria tirou essa conclusão?
― Jessica perguntou com sarcasmo. ― Você atendeu alguma
vez a uma mulher em um parto?
― Claro que não. Nem você. Passe-me o laço azul claro.
― Eu sim o fiz. ― Protestou enquanto pegava o laço e o
aproximava por cima do ombro.
― O quê? Não imagino a Victoria permitindo a você fazer
isso.
― Foi antes que eu fosse viver com ela.
As mãos de Wolfe pararam. Pegou o laço e começou a
enrolá-lo sobre a ponta da trança.
― Você tinha somente nove anos quando lady Victoria se
tornou sua tutora. O que fazia uma menina tão pequena em
um parto?
Jessica encolheu os ombros.
― Minha mãe precisava de mim; ficou grávida muitas
vezes antes que a cólera a levasse.
― Não sabia que tivesse irmãos.
― Não tenho. ― Um involuntário calafrio percorreu Jessica
quando suas lembranças tentaram aflorar; algumas
lembranças que se manifestavam em seus pesadelos, faziam
anos.
― Jessi, ― Wolfe murmurou enquanto acariciava com
extrema delicadeza a curva de seu pescoço com a ponta do
dedo índice. ― uma menina nem sempre compreende o que vê
e, sobretudo o referente aos mistérios do sexo e da vida. Se de
verdade fosse tudo tão terrível, nenhuma mulher teria mais de
um filho.
― Voluntariamente, não. Não percebe milorde, que os
homens são consideravelmente mais fortes que as mulheres, e
que estão muito mais interessados que elas em brincar? ― De
repente, Jessica começou a esfregar os braços com as mãos
para aquecer sua pele gelada. ― Tem razão. Faz frio aqui. Eu
me pergunto, onde será que Betsy colocou meu xale chinês?
Você o viu em algum lugar?
Durante um segundo não houve resposta. Depois Wolfe
suspirou e aceitou a mudança de assunto.
― Eu o trarei quando acabar de trançar seus cabelos.
Jessica virou a cabeça e o olhou por cima do ombro.
Sorriu mostrando os lábios que estavam muito pálidos.
― Obrigada, milorde.
― Não sou seu lorde. ― O protesto foi automático. Mas não
estava zangado. Notava a gratidão em seus olhos, e o medo que
se ocultava atrás deles.
― Então, obrigada, esposo.
― Também não sou seu esposo. Uma mulher se deita com
seu esposo. Ou está planejando cumprir as promessas que
fizemos na cerimônia do casamento escocês?
― O quê?
― Com meu corpo o honro. ― Wolfe citou com suavidade.
― Está pensando em me honrar, esposa?
Jessica virou a cabeça outra vez, mas não rápido o
bastante, para que Wolfe não detectasse o horror em seus
olhos. Ser consciente de que lhe repugnava como homem, fez
com que a ira o invadisse tão profundamente quanto o desejo.
Saber que agora dispunha de uma arma com a qual forçar
Jessica a aceitar a anulação deveria deixá-lo satisfeito, mas
não era assim.
― O que aconteceria se exigisse meus direitos como
esposo?
Ela estremeceu, mas respondeu no instante.
― Não faria isso.
― Parece muito convencida.
― Você não queria se casar comigo. Se me forçar, não
poderá reclamar a anulação.
Os lábios de Wolfe se curvaram em uma careta de
amargura.
― Tem razão, lady Jessica. Nunca a forçaria. Não quero
pensar em ter uma vida com uma criatura tão mimada e inútil,
que nem mesmo sabe se pentear. ― Afirmou enquanto
amarrava o laço com movimentos bruscos.
― Wolfe, eu...
― Comece a arrumar a bagagem. ― Interrompeu-a
cortante. Com sinistro prazer, observou o olhar de surpresa e
incerteza de Jessica.
― Não sabe como fazer? Que surpresa! Será melhor que
aprenda rápido, lady Jessica. A diligência sai em uma hora, e
você subirá nela com ou sem seus seis baús.
Ela ficou olhando os armários e guarda-roupas que o
pessoal do hotel trouxera ao seu dormitório para que pudesse
guardar seu enxoval. Observou os baús fechados. Parecia
impossível que tanta roupa houvesse saído de espaços tão
pequeno.
― Betsy demorou quase uma semana para arrumar a
bagagem. ― Protestou debilmente.
Wolfe jogou uma olhada ao quarto.
― Isso é porque você trouxe muitas coisas. Pegue o que
necessita para um mês. O resto deixe aqui.
― Voltaremos tão cedo?
― Nós não. Você. Estará de volta assim que colocar nessa
teimosa cabeça escocesa, que não quer ser uma esposa
americana casada com um plebeu mestiço.
Jessica ergueu a cabeça.
― Lembro outras promessas, Wolfe Lonetree: Onde você
for eu irei. Onde você se alojar, eu me alojarei. Seu povo será o
meu povo, e seu Deus, será o meu Deus.
― Meu avô, o xamã, ficaria encantado de ter uma neta tão
obediente. ― Os lábios de Wolfe se curvaram, mas seu rosto
permaneceu sombrio. ― Pergunto-me como você ficará com
roupa de anta, contas e outros adornos; se gostará de mastigar
a carne, antes de colocá-la em minha boca para que minha
comida esteja macia, e também minhas roupas, para que
fiquem suaves e flexíveis sobre minha pele.
― Não fala sério.
― Não? ― Wolfe sorriu, mostrando seus dentes brancos em
uma expressão que não foi nada reconfortante. ― Vou à oficina
da diligência para comprar dois bilhetes. Quando voltar, espero
encontrar os baús alinhados e prontos para irmos, e você com
eles.
A porta se fechou atrás dos largos ombros de Wolfe.
Jessica ficou olhando o marco de madeira mal acabado, e as
dobradiças de latão sem brilho. Ao se virar, se viu refletida no
espelho do toucador. O estranho e simples penteado a deixava
parecida com uma menina que brincava de usar as roupas de
sua mãe. Cada vez que se mexia, a trança se enganchava nos
numerosos botões do vestido. Com um gemido impaciente,
colocou a pesada trança sobre seu ombro de modo que
pendesse entre seus seios, onde lhe daria menos problemas.
Apertando seus lábios em um gesto de determinação,
Jessica tirou um chaveiro do bolso da saia, abriu os cadeados
de todos os baús e deixou as chaves sobre o criado mudo. A
seguir, se dirigiu para os armários e começou a avaliar seu
conteúdo.
O primeiro armário continha sapatos, botas, caixas de
chapéus, porta moedas, jaquetas e capas. Jessica fechou as
portas e se dirigiu para outro guarda-roupa. Continha
corseletes, armações para as saias de diversas larguras, luvas e
lingeries. O terceiro estava cheio de vestidos de uso diário. No
quarto, havia vestidos de montaria. O quinto continha o vestido
do baile de seu vigésimo aniversário. E assim continuou até
repassar todos.
Jessica ergueu a tampa do baú mais próximo, que
precisamente era um dos que Wolfe trouxera. Um gemido de
surpresa escapou de seus lábios quando percebeu que já
estava cheio. Pensava que os dois baús estivessem vazios pela
facilidade com que Wolfe os carregara, mas aquele continha
seu equipamento de caça e pesca, seus livros preferidos e uma
pequena sela de aspecto elegante, apesar de seu pomo pouco
convencional.
Por cima de tudo aquilo, protegido por uma caixa de couro
belamente gravada, estava o presente de casamento de lorde
Robert: um rifle Winchester e uma escopeta combinando, as
fundas para segurá-los na sela e cartuchos suficientes para
começar uma guerra. As armas possuiam incrustações com
intrincados desenhos de ouro e prata. A recâmara da escopeta
incluía treze cartuchos e o rifle, quinze. O carregador estava tão
habilmente situado, que os cartuchos podiam ser carregados
com a mesma rapidez com que podiam ser disparados. Wolfe
dera uma olhada ao presente, pegara o rifle de repetição e
deslizara suas mãos sobre ele, como um homem acariciaria a
sua amante.
Quase vale a pena se casar com uma inútil aristocrata
para possuir um rifle assim. Quase, ainda que não compense o
suficiente.
A lembrança das sarcásticas palavras de Wolfe fez Jessica
suspirar enquanto deixava a caixa e se dirigia para um baú
vazio. A bandeja superior cedeu após resistir um pouco,
deixando à vista o fundo do baú. No início, tentou trabalhar
como Betsy fizera, colocando cada peça como se fosse uma
peça de um quebra cabeças muito frágil.
Logo, Jessica percebeu que se continuasse colocando as
peças uma a uma, não acabaria até o amanhecer. E, de
qualquer forma, nenhuma delas se encaixava com as outras.
Começou a colocar nos baús tudo o que pudesse segurar
em seus braços. Após esvaziar o armário de sapatos, porta
moedas e abrigos, já havia enchido três baús com montes de
peles, caixas e roupas. Franzindo o cenho, tentou recordar se
havia tantos baús cheios de acessórios, quando Betsy
arrumara a bagagem.
― Estou certa que não havia mais que um baú e, talvez,
uma parte de outro, cheio destas coisas.
Com um grunhido de exasperação, Jessica amontoou
mais coisas em dois dos baús que já estavam cheios. Quando
tentou fechá-los, não conseguiu encaixar as tampas. O
conteúdo era difícil de ajeitar e assumia formas estranhas. Não
importava o quanto empurrasse com suas mãos, as tampas
não se encaixavam o suficiente, para fechá-los.
Finalmente, subiu em uma das tampas e saltou sobre ela
para tentar fechá-la. Só então conseguiu unir as partes. No
momento em que desceu para trancar o baú, a tampa se
ergueu de novo. No final, teve que se sentar sobre a tampa e,
dali, lutar de bruços com a fechadura para colocar o cadeado,
de tal modo, que esteve a ponto de trancar, por duas vezes, a
ponta de sua longa trança com o conteúdo do baú.
― Fazer a bagagem nunca deu tantos problemas para
Betsy. ― Murmurou.
Depois de encher outros dois baús, abriu o relógio de ouro
preso ao vestido, olhou a hora e entortou o rosto. Wolfe estaria
de volta a qualquer momento. Queria demonstrar-lhe que não
era uma aristocrata inútil. Teria preparado a bagagem e ela,
também estaria pronta.
― Quanto antes começar, antes acabará. ― Jessica
pensou, animando a si mesma e afastando com um sopro, as
desordenadas mechas que cobriam seu rosto avermelhado.
Amontoou o restante dos vestidos de uso diário sobre os
outros e começou a empurrá-los no baú, apoiando-se com força
sobre o flexível material para tentar reduzir o volume. Antes de
saltar sobre a tampa para fechá-la, se lembrou do vestido de
gala e dos trajes de montar. Ficou olhando o baú onde estivera
colocando as roupas e observou o único que ainda não abrira.
O que estava sob suas mãos era definitivamente maior.
― Maldição. ― Jessica murmurou. ― O vestido de gala
precisará ir neste.
O vestido era suave e leve como uma pluma, mas possuia
metros e metros de tecido. Não importava quanto o enrolasse,
apertasse, dobrasse e batesse; não conseguia que ficasse
dentro dos limites do baú.
Esgotada, Jessica se ergueu. A voz de um vendedor de
roupas velhas, anunciando suas mercadorias na rua, fez
Jessica se aproximar da janela. Quando olhou para fora, viu
uma silhueta alta e familiar que percorria a rua dirigindo-se
para o hotel.
Jessica se virou e se jogou sobre sua bagagem.
Desesperada, amassou o vestido de gala, fechou a tampa com
violência e deixou cair seu peso sobre ela. No início, a tampa
resistiu, mas finalmente cedeu. Jessica tateou, procurando a
fechadura e conseguiu fechar o baú com uma batida.
― Só falta um.
Quando se ergueu e se virou para continuar a tarefa, foi
retida por um puxão de sua trança. Ao olhar por cima do
ombro, notou que a terceira parte de seus cabelos
desapareciam no interior do baú fechado. Segurou a trança
com as mãos e esticou, mas nada aconteceu. Desesperada,
puxou com mais força, mas os cabelos continuaram
firmemente presos. Puxou outras vezes, mas continuou presa
pelo baú.
― Maldição! Precisarei abri-lo e começar tudo de novo.
Então, percebeu que, de onde estava não alcançava o
chaveiro que deixara sobre o criado mudo e que também não
conseguia arrastar o baú até ele. Talvez se o empurrasse...
Entre ofegos e realizando um grande esforço, Jessica alternou o
ombro com as mãos para mover lentamente o teimoso baú e
aproximá-lo, assim, do criado mudo. Mas um dos cantos
recobertos de latão se enroscou em uma das tábuas salientes
do piso de madeira e por mais esforços que fizesse, foi incapaz
de mover o baú.
A ideia de Wolfe entrando no quarto e a encontrando
prisioneira de um de seus próprios baús deu a Jessica uma
força, fruto do desespero e empurrou repetidamente a parte
superior do baú tentando desenroscá-lo.
Sem aviso prévio, o pesado baú virou e tombou sobre um
de seus lados, arrastando a sua presa com ele e derrubando-a.
Jessica deu um grito de surpresa ao cair rodando e
aterrissando no piso em um emaranhado de suave tecido azul.
Um instante depois, a porta se abriu de repente. Wolfe
ficou na entrada com um aspecto tão perigoso, quanto o longo
punhal que segurava na mão. A lâmina de aço contrastava com
seu escuro e bem cortado traje de lã, e sua camisa branca de
linho.
― Jessi? Onde está?
Ela fez uma careta, mas sabia que não tinha escapatória.
― Aqui.
Wolfe entrou no quarto e dirigiu o olhar para o lugar de
onde partira a voz. Viu um baú virado, um emaranhado de
tecido azul, lingerie de cor creme e os elegantes sapatos azuis.
Em três passadas, chegou junto a ela.
― Está bem?
― Muito bem. ― Respondeu entre dentes.
― O que faz no chão?
― Faço a bagagem.
Wolfe ergueu as sobrancelhas negras.
― Será mais fácil se o baú estiver de boca para cima.
― Maldição!
Os olhos de Wolfe seguiram a trança avermelhada de
Jessica até o lugar onde desaparecia dentro do baú. Começou a
dizer algo, mas foi dominado pela risada e foi incapaz de falar.
Normalmente, o som de sua risada fazia Jessica sorrir,
mas dessa vez foi diferente. No momento, a raiva e a
humilhação fizeram suas faces arder.
― Meu Deus, se pudesse ver você mesma... ― A risada
voltou a impedir Wolfe de continuar falando.
Jessica permanecia no chão enquanto pensava com ânsia
na caixa e nas armas que havia dentro da bagagem. Por azar,
estavam tão fora de seu alcance, quanto às chaves do cadeado.
Rindo, Wolfe guardou o punhal antes de se aproximar.
Agarrou a trança e puxou com suavidade, depois, com mais
força, mas nada aconteceu. Estava realmente presa.
― A chave ― ela disse com determinação ― está no criado
mudo.
― Não se vá pequena elfo. Volto em seguida.
A ideia de que sua esposa pudesse ir a algum lugar, presa
como estava, lhe provocou outro ataque de risos. Para Jessica,
o tempo que ele demorou a se sentar junto dela sobre seus
calcanhares e começar a experimentar as chaves no cadeado
para encontrar a certa, parecera eterno. O fato de continuar
rindo a intervalos inesperados fez o processo de livrá-la, ainda
mais longo.
Na terceira vez que Wolfe se inclinou sobre o baú quase
morrendo de rir, Jessica arrancou as chaves da sua mão e
abriu o cadeado. Lamentavelmente, não ficaria livre até que ele
levantasse o baú e o abrisse. Percebeu que não conseguiria
fazer aquilo sozinha, no entanto, podia derrubar seu risonho
esposo, e foi o que fez.
Ainda rindo, Wolfe se ergueu rapidamente e pegou o baú,
endireitando-o. Ergueu a tampa e puxou a trança.
― Isto é seu, suponho. ― Murmurou, aproximando-se de
Jessica.
Ela a pegou com dedos trêmulos, desejando que a trança
fosse a garganta de Wolfe. A expressão nos olhos de seu esposo
lhe indicou que ele sabia perfeitamente o que ela estava
pensando.
― Não há de quê. ― Wolfe acrescentou com gravidade.
Sem estar convencida de conseguir, Jessica se virou e
abaixou a tampa de uma vez, fechando-o e se dirigiu ao sexto
baú. Quando o abriu, descobriu que estava cheio de todo tipo
de coisas: pinças, escovas de roupa, chapas de ferro, papel de
seda, roupas de cama, produtos de higiene pessoal...
― Oh, não. ― Jessica murmurou.
Wolfe respirou, tentando conter sua risada.
― Problemas?
― Falta um baú.
Ele os contou com um olhar preguiçoso e sem vontade.
Seis.
― Estão todos aqui.
― Não pode ser.
― Por quê?
― Ainda não empacotei meus trajes de montaria e não há
lugar para eles.
Wolfe balançou a cabeça.
― Não sei por que, mas não me surpreende. Pegue um
pouco desse papel de seda.
― Por quê?
― Eu a ajudarei.
― Mas, para que o papel de seda? ― Insistiu.
Wolfe lhe deu uma olhada com o canto do olho.
― O papel de seda evita que se formem rugas na roupa.
― Rugas?
― Sim, você sabe esses amassados que se tiram com o
ferro de passar.
Ela piscou.
― Pode fazer isso?
― Não, eu não. Passar é uma tarefa que corresponde à
esposa. Também, lavar, esfregar os pratos e dobrar as roupas.
― E o que faz o esposo enquanto sua mulher trabalha?
― Suja tudo outra vez.
― Um trabalho realmente esgotante. ― Repôs sarcástica.
O sorriso de Wolfe se apagou.
― Quando desejar voltar a ser lady Jessica Charteris, com
donzelas e serviçais que façam tudo o que você desejar, é só me
dizer.
― Segure a respiração enquanto espera milorde. Isso fará
com que todo esse tempo seja muito mais agradável para os
dois!
CAPÍTULO 2

Jessica se moveu meio adormecida e se aproximou mais


do calor que mantinha afastado o frio do amanhecer.
― Pelo amor de Deus. ― Wolfe murmurou.
O peso de Jessica sobre seu rígido membro era muito para
ele. Quando suas pequenas mãos se deslizaram por baixo do
abrigo procurando o calor do corpo masculino, seu coração se
acelerou. Sem acordar, ela colocou seu rosto contra o pescoço
de Wolfe e suspirou.
Ele fechou os olhos, mas aquilo não o ajudou. A
lembrança daqueles seios cor de creme com pontas rosadas,
surgindo do que restava de seu roupão o perseguia. Antes
daquele momento, nunca se permitira pensar em sua pequena
elfo de cabelos avermelhados, como em algo mais do que uma
menina.
Agora Wolfe não conseguia pensar em nada mais que não
fosse a plenitude de seus seios.
Sofria um martírio insuportável cada vez que Jessica
adormecia na interminável viagem. Constantemente, os
movimentos erráticos da diligência ameaçavam derrubá-la.
Várias vezes, ele a pegava, a segurava e acabava mexendo-a em
seu colo enquanto dormia, e suas respirações se misturavam.
Várias vezes, ele descobria a si mesmo desejando-a com uma
urgência que o enfurecia, pois sabia que ela não o desejava.
E mesmo que não fosse assim, também não a teria
tomado. Não era a esposa adequada para alguém como ele. Por
mais que a desejasse, aquilo não mudaria.
Porém, o calor da respiração de Jessica contra sua boca
subia-lhe à cabeça como se fosse vinho, a suavidade de seus
seios suplicava que suas mãos os embalassem e acariciassem,
e o doce peso de seus quadris contra sua carne rígida era um
tormento que saboreava enquanto rogava que acabasse logo.
Jessica murmurava e se aconchegava contra seu esposo,
meio adormecida, sendo consciente unicamente de que ele a
protegia do frio. O toque de seus lábios sobre sua pele fez com
que uma dolorosa pontada de desejo percorresse oura vez o
corpo de Wolfe.
― Acorde! Maldição! ― Sussurrou. ― Não sou um colchão
de penas.
Jessica soltou um grunhido de protesto, mas não se
moveu. Então, os braços de Wolfe a apertaram com mais força,
apesar de saber que era um erro. Procurou seu rosto, dizendo a
si mesmo que era o amanhecer cinzento, mais do que o
esgotamento, o que fazia desaparecer o brilho da pele dela e
fazia surgir sombras sob seus olhos. Mas sabia que não era um
efeito da luz simplesmente. Se viajar em diligência era duro
para um homem, para uma jovem que estava acostumada a
viver no meio de comodidades, uma viagem assim era uma
prova de resistência que não podia esperar ganhar.
Maldita seja Jessi. Porque não cede e volta ao lugar ao
qual pertence?
No entanto, apesar de seus sombrios pensamentos,
afastou os rebeldes tufos avermelhados de seu rosto com uma
ternura que era incapaz de combater. Parecia ser feita de fina
porcelana, indefesa diante de um mundo feito com mais dureza
do que ela possuía.
De repente, os olhos de Jessica se abriram e se
encontraram em cheio com os de Wolfe. Nem mesmo o
amanhecer conseguiu ocultar o impacto que lhe causou
encontrar-se em uma posição tão íntima.
― Wolfe?
Com mais rapidez do que delicadeza, Wolfe colocou
Jessica no assento que estava em frente a ele, puxou seu
chapéu para baixo cobrindo os olhos e a ignorou. No instante
seguinte, adormeceu.
Atordoada ainda pelo sono e assustada por ter acordado
nos braços de Wolfe, quando recordava ter adormecido em um
duro e frio canto do assento, Jessica ficou quieta olhando para
seu esposo e tentou recordar onde estava e por quê. Tentando
se orientar, abriu a cortina lateral da diligência.
O amanhecer só era outro tipo de escuridão um pouco
menos intensa que a noite, que se estendia ao longo do céu.
Onde olhasse, a terra era plana, inóspita e monótona,
excetuando os sulcos gelados que marcavam o caminho da
diligência. Nenhum rastro de fumaça se elevava até o céu,
anunciando a presença de seres humanos. Nenhuma vala
delimitava os pastos. Nenhum caminho levava até casas ou
granjas longínquas.
No início, a ausência de árvores e de qualquer tipo de
habitantes fascinou Jessica, mas, depois de um tempo, a
ininterrupta monotonia da paisagem a fez cochilar, tanto
quanto o vento frio que se infiltrava pelos espaços das cortinas
laterais.
Finalmente, se recostou contra o incômodo assento e
lutou para se manter ereta. Tudo estava borrado em sua mente
desde que saíram de St. Joseph. Não conseguia recordar se
tinham viajado três, cinco ou cinquenta e cinco dias. As horas
e os dias passavam, confundindo-se sem que nada pudesse
diferenciar um dos outros, porque Wolfe insistia em que
viajassem sem pausa, dormindo na diligência e parando
somente para usar o banheiro, quando trocavam os cavalos em
um dos miseráveis postos que salpicavam a rota para o Oeste.
Outros passageiros iam e vinham nas diferentes paradas,
e comiam ou dormiam nos toscos postos. Mas não era o caso
de Jessica e Wolfe. Ele trazia a comida e comiam dentro da
diligência, onde também dormiam. Pelo menos na última noite
desfrutaram de certa intimidade, porque nenhum outro
passageiro quisera suportar àquelas horas gélidas, na
diligência. Mas, em consequência daquela viagem sem trégua,
Jessica estava com a impressão de ter nascido naquela maldita
cabine que não parava de dar solavancos, sacudidas e batidas,
e que acabaria morrendo naquele miserável lugar.
Esperava que fosse logo. Cansada, Jessica esticou e
massageou seu dolorido pescoço. Prendeu os cabelos com suas
mãos geladas, e tentou arrumá-los um pouco, trançando-os.
Os dolorosos comentários de Wolfe sobre as mulheres que eram
muito inúteis para pentear seus próprios cabelos, a tinham
magoado profundamente, assim como a lembrança de suas
risadas quando a encontrou com a longa trança presa no baú.
Quando finalmente conseguiu fazer duas tranças
desiguais e prendê-las em um coque sobre a cabeça, a
diligência começou a diminuir a marcha. Com uma enxurrada
de gritos e maldições, o condutor fez com que os cavalos
parassem junto a um posto feito de barro e palha que, no
melhor dos casos, parecia pouco acolhedor. Apesar disso,
Jessica estava ansiosa para fazer uma parada que permitisse
uma pausa naquela dura viagem.
Wolfe acordou e se esticou. Com seus longos e poderosos
braços e seus largos ombros, parecia preencher o interior da
diligência. A necessidade de completar a viagem até Denver,
sem passar nem uma noite em algum dos postos, conseguira
abalar sua resistência. Pelo menos, Jessica acreditava naquilo,
porque fazia seus nervos saltarem à mínima provocação.
Ainda assim, Wolfe não mostrava nenhum sinal de mal
estar. Desceu da diligência com uma agilidade que era parte
dele, assim como suas pronunciadas maçãs do rosto e seus
escuros olhos azuis. Jessica admirava a capacidade de
recuperação do corpo de seu esposo, mas também a detestava.
Ela se sentia como se houvesse levado uma surra.
Apesar de tudo, sorriu alegremente para seu esposo
quando dirigiu o olhar para ela, porque estava decidida a não
voltar a perder a paciência. Nenhum homem queria viver com
uma bruxa, e a verdade é que Wolfe nem mesmo tivera a
oportunidade de escolher sua esposa. Dependia de Jessica ser
uma pessoa sempre doce, terna e agradável de conviver. Então,
ele deixaria de estar tão irritado, seria mais amável e voltaria a
ser o maravilhoso companheiro que Jessica guardava em sua
lembrança.
Quando se virou e lhe estendeu a mão, Jessica deixou cair
todo seu peso sobre ela enquanto descia torpemente em um
gesto verdadeiramente impróprio de uma dama.
― Uma manhã linda, não é? ― Comentou, sorrindo apesar
do vento gelado.
Wolfe soltou um grunhido.
― Não me lembro de ter visto tantos matizes de cinza. ―
Continuou em tom alegre. ― Faz uma manhã linda.
Wolfe dirigiu a Jessica um olhar de incredulidade.
― Já escutei definirem as frias manhãs de março como
esta, com muitos adjetivos, mas nunca ouvi alguém descrevê-
las como bonitas.
Ela suspirou. Talvez Wolfe se sentisse melhor depois de
tomar aquele horrível café que os americanos tanto gostavam.
Em sua opinião, não existia açúcar suficiente no mundo para
adoçar aquela asquerosa bebida.
Não houve mais trocas de palavras enquanto Wolfe
passava junto a Jessica, em direção às miseráveis condições do
banheiro. Quando ela saiu do quarto agarrando com firmeza
seu lenço perfumado, o vento gelado da planície atravessou sua
capa de lã e seu vestido como se fossem feitos da seda mais
fina. Não conseguiu evitar olhar com melancolia a fumaça que
saía da chaminé inclinada do posto.
A ideia de estar perto do calor de uma lareira fez com que
estremecesse de prazer. Desde que Wolfe a colocara
bruscamente no canto mais afastado da cabine da diligência,
sentia cada vez mais frio. E se fosse pouco, o som do vento
estivera atormentando-a, pondo à prova seus nervos e minando
seu controle.
― Wolfe, vamos comer lá dentro esta vez.
― Não.
― Mas, porque não? Somos os únicos passageiros. É certo
que...
― Vê esses cavalos? ― Interrompeu-a cortante.
Jessica os olhou. Vários cavalos permaneciam amarrados
ao abrigo do rudimentar estábulo, que era mais um galpão
independente do posto, do que um verdadeiro estábulo.
― São cavalos de montaria. ― Continuou.
Jessica transformou sua expressão em um gesto de
interesse.
― Claro que são. Não possuem nada de extraordinário, são
cavalos normais e de corrida; pode se saber pelo número de
pernas que possuem.
Wolfe começou a falar, e soltou uma gargalhada,
balançando a cabeça. O fato de que alguém que parecia tão
extenuado e frágil pudesse continuar brincando daquela
maneira, era algo que não conseguia entender. Estendeu a mão
e, com delicadeza, afastou um tufo de cabelos castanho
avermelhado que se soltara da coroa formada pelas tranças.
― Isso significa que a estação está cheia de homens que
estão esperando a diligência. ― Wolfe explicou.
― Por quê? Podem ir em seus próprios cavalos.
― Pode ser que sejam emprestados. Em qualquer caso,
estão esgotados. Nenhum homem com um pouco de
inteligência, empreenderia uma viagem tão longa com um
cavalo meio arrebentado. ― Wolfe encolheu os ombros. ― Mas,
ainda que o posto estivesse vazio, não lhe permitiria entrar;
pertence a Joe, o Bizco.
― Conhece-o?
― Todos entre St. Joseph e Denver o conhecem. Seu posto
é o pior que conheço e o dono faz honra à sua propriedade. Não
é mais que um maldito bêbado grosseiro e mal falado, cujo
fôlego espanta qualquer um.
Jessica piscou.
― E então, como é que conserva seu trabalho?
― Cuida bem dos cavalos. Neste território, ficar sem
montaria pode ser uma sentença de morte. É possível perdoar o
cheiro de Joe quando se observa como cuida dos cavalos e lhes
devolve a força.
― Porque ficar sem montaria é tão perigoso? Lorde Robert
nunca mencionou nenhum perigo quando estivemos aqui.
― Os guias de lorde Robert lutavam, inclusive melhor, do
que caçavam. ― Wolfe explicou secamente. ― Nenhum índio ou
foragido gostaria de enfrentar vinte homens bem armados por
mais tentador que fosse o prêmio.
Wolfe observou pensativo, os cavalos eram de linhas
surpreendentemente elegantes e com evidentes mostras de
cansaço, que permaneciam amarrados ao abrigo do posto.
Talvez aqueles cavalos pertencessem a homens honrados em
vez de outros, cujas vidas dependessem da capacidade de sua
montaria para deixar atrás a lei.
Talvez..., mas Wolfe duvidava. O olhar de Jessica seguiu o
de seu esposo até a estação, mas por uma razão diferente. Uma
semana antes, não teria permitido que nem mesmo um de seus
cachorros entrasse em um lugar de tão má fama quanto aquela
casa, mas agora lhe parecia um bom lugar onde se refugiar da
inóspita paragem. Quando visitara a planície durante as
caçadas de seu tutor, lhe parecera que o lugar era lindo, com
suas enormes pradarias e as inesperadas lagunas, os pássaros
melodiosos e seu céu azul, além de suas maravilhosas e limpas
paisagens.
Naquele momento, a imagem que Jessica via da planície
era menos amável. A paisagem estava consumida nas
agonizantes garras do inverno. E a terra plana, monótona, sem
árvores, vazia de lagos ou rios, e habitada somente pelo grave e
constante uivo do vento do norte, se estendia meio congelada a
sua volta, por quilômetros sem fim. Na planície só habitava a
desolação, e o som que o vento emitia era o grito incrédulo de
alguma alma recém-condenada.
Jessica ouvia aquele som em seus pesadelos.
Estremecendo, afastou o olhar do vazio, e soube que deveria
ficar fora do alcance daquele vento, ainda que só fosse durante
alguns minutos.
― Wolfe, por favor.
― Não, não é um lugar adequado para uma dama inglesa.
― Sou escocesa. ― Corrigiu-o no instante.
Wolfe sorriu, mas não houve sinal de humor em sua
expressão.
― Eu sei. Dá no mesmo, que seja: escocesa, inglesa ou
inclusive francesa; esse lugar continua sendo inadequado para
uma dama.
Jessica estava cansada de escutar o que era ou não,
adequado, para uma dama porque parecia que aquelas regras
sempre iam contra ela. Por outro lado, perdendo o controle a
única coisa que conseguiria, seria dar mais munição para
Wolfe poder usar contra ela.
― Sou uma esposa americana, ― respondeu, sorrindo
entre dentes ― deixei de ser uma dama estrangeira.
― Então, obedeça a seu esposo. Trarei o desjejum, se for
comestível. Mas duvido que seja. A comida deste lugar afastaria
até mesmo os gambás.
― Nada pode ser tão ruim.
― Pode sim. Se tiver fome, comeremos mais adiante. Uma
das esposas dos soldados consegue dinheiro extra,
proporcionando comida caseira na próxima parada da
diligência.
O estremecido uivo do vento angustiou Jessica de tal
forma que a fez estremecer e olhar para Wolfe com uma súplica
inconsciente em seus olhos azuis.
― Wolfe, só por esta vez, só alguns minutos.
― Não.
O medo e o esgotamento inundaram Jessica, mas ela
combateu ferozmente o desejo de chorar. A experiência com
sua mãe lhe ensinara que as lágrimas só serviam para mostrar
fraqueza. E também sabia que os fracos sempre eram atacados.
― Volte à diligência, milady. ― Wolfe lhe ordenou
bruscamente. ― Trarei algo que possa comer.
Jessica se ergueu ao sentir como a raiva a atravessava,
eliminando o cansaço e o medo a sua passagem durante uns
poucos segundos.
― Que amável de sua parte. Diga-me, o que fazia para se
divertir antes de ter a mim para martirizar? Arrancava as asas
das borboletas?
― Se tentar ser uma esposa americana em vez de uma
dama inglesa...
― Escocesa.
― ... É um martírio tão grande, ― continuou ignorando
sua interrupção ― só precisa me dizer uma palavra e ficará
livre desta vida que gosta tão pouco.
― Bastardo.
― Na verdade, eu sou. Mas, anulação era a palavra que eu
tinha em mente.
O vento gemia com uma gélida promessa de condenação
que despertava os pesadelos de Jessica. Pelo menos, enquanto
a diligência se movia, o contínuo chacoalhar e as batidas das
rodas amorteciam a voz do vento. Mas agora o veículo estava
parado, e a cruel força da natureza a fazia balançar e
estremecer.
Jessica sabia que se sentasse naquela frágil estrutura e
ouvisse o vento uivando, não conseguiria se segurar de
começar a gritar. Porém, não se atrevia a mostrar sua fraqueza
diante de Wolfe. Se notasse quanto ela temia o vento, usaria
aquilo contra ela, a enviaria à Inglaterra e então, ela se veria
obrigada a aceitar um casamento com alguém como o barão
Gore.
Então seus pesadelos se tornariam realidade, em vez de
continuar sendo escuros sonhos, que nunca conseguia se
recordar quando acordava.
Sem qualquer palavra, Jessica segurou a saia e passou
junto a Wolfe, que olhava fixamente os cansados cavalos. Tal e
como imaginava, alguns deles carregavam as marcas que os
identificavam como pertencentes à porção Sul na recente
guerra. Mais de um bando de foragidos surgira do deteriorado
exército que defendeu uma causa perdida. Alguns também
haviam chegado do Norte; eram homens que gostavam de
saquear e matar durante a guerra, e aquele prazer não havia
desaparecido ao terminar a luta fratricida.
Queria que Caleb ou Reno estivessem aqui, pensou Wolfe
gravemente. Toda ajuda será pouca diante do que nos espera.
Um movimento que detectou pelo rabo do olho captou sua
atenção. Era a longa saia de Jessica açoitada pelo vento.
Dirigia-se à estação em vez da diligência vazia.
― Jessi!
Ela nem mesmo olhou para trás. Wolfe começou a correr
em direção à diligência. Sabia que não teria nenhuma
possibilidade de alcançá-la antes que entrasse. Abriu a porta
da cabine e deslizou para dentro com a agilidade de um gato. A
caixa de couro que continha o rifle e a escopeta estava sobre o
assento.
Quando Jessica fechou a porta da estação deixando o
vento para fora, olhou para trás esperando encontrar Wolfe
pisando seus calcanhares. Ao comprovar que não era assim,
deixou escapar um suspiro de alívio. O suspiro se converteu
em um grito sufocado, ao se virar e enfrentar os ocupantes da
sala.
Wolfe tinha razão. Não era lugar para uma dama. Não era
o interior da sala, escuro e cheio de fumaça, a sujeira ou o
cheiro animal, o que o convertia em um lugar proibido para
qualquer mulher, mas sim, os penetrantes olhos masculinos,
que a avaliavam da mesma forma que um comerciante
observaria o ouro em pó: deleitando-se com cada partícula.
Um homem que estava sentado longe dos outros, se
ergueu da mesa estragada que ocupava e tirou o deteriorado
chapéu.
― Deseja algo, senhora? ― Perguntou com voz cansada.
Mesmo sob a escassa luz, Jessica reconheceu o longo e
espesso bigode do condutor da diligência. Sorriu com alívio,
sem perceber que belo poderia parecer seu sorriso, para alguns
homens que não viram nenhuma mulher branca fazia meses e,
muito menos, uma que usava um vestido feito por experientes
costureiras, para que se ajustasse aos seus seios e cintura
como uma suave sombra azul. Até mesmo desalinhada e
despenteada pela longa viagem, continuava parecendo uma flor
exótica no meio do inverno.
― Estava gelada, ― Jessica respondeu em voz baixa. ― e vi
a fumaça.
― Adiante. ― Animou-a um dos homens enquanto se
levantava, fazendo um gesto com a mão para o banco que
estivera ocupando instantes antes. ― Aqui todos estão quentes
e dispostos a cavalgar.
Ouviu-se o som de várias risadas masculinas.
O homem que acabava de falar deveria ter lhe parecido
elegante. Era alto e bem proporcionado, sua dentadura era
perfeita e possuía alguns traços bem definidos. Jessica
percebeu que o corte de suas roupas era impecável, apesar de,
tanto a capa de montaria, quanto o restante das peças que
vestia estarem desgastados. Era o único que não usava barba e
adotava uma postura tão orgulhosa quanto a de qualquer
cavalheiro.
No entanto, havia alguma coisa nele que incomodava
Jessica profundamente. Seus olhos eram como o vento, frios,
vazios e sem cor. Observava-a com uma intensidade que fazia
os pelos de seus braços se eriçarem, como se um instinto
primitivo a avisasse do perigo. Desejou voltar à diligência e que
Wolfe estivesse ao seu lado.
Jessica teria se virado e fugido, mas estava totalmente
certa de que mostrar fraqueza diante daquele homem, teria o
mesmo efeito que fazer oscilar uma presa ferida diante de uma
matilha de cães famintos.
― Chamo-me Raleigh, ― disse o jovem, levantando o
chapéu em um gesto mais informal, que educado ― mas as
mulheres bonitas me chamam de Lee.
― Obrigada, senhor Raleigh, ― Jessica lhe respondeu com
formalidade cortante. ― mas não é necessário que renuncie ao
seu lugar. Para mim, é suficiente estar aqui, em pé, ao abrigo
do vento.
― Que tolice. ― Protestou se aproximando de Jessica e
afastando a pontapés os homens que encontrou em seu
caminho. ― Aqui estará quente. ― Sem deixar de olhá-la nem
um instante, gritou em direção a Joe: ― Cozinheiro levante o
traseiro e traga alguma comida para esta bonita dama inglesa.
― Escocesa. ― Corrigiu em voz baixa, forçando-se a
manter a calma, apesar de todos os nervos de seu corpo gritar
que fugisse.
― O quê?
― Sou escocesa.
Raleigh sorriu friamente ao agarrá-la pelo braço.
― O que você disser, querida. Agora mexa suas bonitas
curvas e diga-me o que faz uma jovem como você por aqui.
A porta se abriu atrás de Jessica, deixando entrar uma
rajada de vento gelado e dando passagem a Wolfe. Parecia fora
de lugar com sua roupa da cidade. Sob a tênue luz, as
incrustações de ouro e prata sobre a escopeta, brilhavam como
gotas d’água. Causava o efeito das escamas de uma serpente:
uma advertência, mais que uma reclamação.
― Bom dia, senhores. ― Wolfe disse.
Alguns grunhidos foram as respostas de surpresa e
olhares de lado. Apesar de sua roupa, o sotaque e a entonação
da voz de Wolfe eram, inequivocamente, do Oeste.
Com um olhar lento que era mais que ofensivo Wolfe
percorreu o salão. Ainda que seus olhos não se detivessem em
nenhum dos sete homens que estavam ali, todos sentiram que
haviam ficado marcados. Raleigh era o único que não parecia
perceber o perigo nos sombrios olhos de Wolfe.
― Sopra um vento muito desagradável. ― Wolfe comentou
com voz calma.
Ouviu-se um murmúrio de assentimento, que percorreu o
salão. Raleigh deixou cair a mão e ficou de pé relaxado e
tranquilo, observando Wolfe. Jessica percebeu que o casaco de
Raleigh estava aberto. A parte direita deixava ver o revólver que
levava preso ao quadril.
― Olhe isso. ― Raleigh disse soprando entre os dentes. ―
Um rifle muito bonito. Nunca havia visto igual.
Estendeu a mão, certo de que aquele homem da cidade
bem vestido não negaria seu pedido.
― Importa-se que o pegue?
― Sim.
Por um momento, não captou a negativa de Wolfe. Quando
o fez, um leve rubor se estendeu por seu rosto.
― Você não é muito simpático, é? Alguns poderiam dizer
que é até mesmo ofensivo.
Wolfe sorriu.
O corpo de Raleigh se enrijeceu um pouco.
― Só tentava lhe evitar dor. ― Wolfe respondeu. ― O
gatilho é muito sensível. Pode disparar só ao passar das mãos
de um homem às do outro. Seria uma verdadeira lástima. Um
jovem tão elegante como você, certamente deixaria alguns
corações quebrados no caminho. Haveria mais prantos e
gemidos sobre seu túmulo, do que quando Lee se rendeu
diante de Grant em Appomattox.
Raleigh se enfureceu.
― Está insultando o Sul?
― Não, mas você sim. Qualquer homem que use galões de
tenente em seu casaco deveria ter melhores modos e não pegar
uma dama pelo braço. ― Sem deixar de olhar a enfurecida cara
de Raleigh, Wolfe continuou. ― Tom, ajude Joe, o Bizco a
enganchar os cavalos descansados à diligência.
― Sim, senhor. ― O condutor respondeu.
Colocou o chapéu e se apressou à porta evitando se
interpor entre Wolfe e o jovem que havia lutado nas fileiras do
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bando perdedor da Guerra da Secessão . Devagar, quase
imperceptivelmente, a mão de Raleigh começou a se mover
para a culatra de seu revólver.
Assustada, Jessica respirou.
― Eu sei. ― Wolfe disse, antes que ela pudesse falar.
Voltou a sorrir para Raleigh. ― Não deixe que todos estes
adornos o confundam. Armas de repetição como esta
reduziriam a pedaços de carne e rios de sangue os regimentos
do Sul. Se não acredita, não pare e tente pegar esse revólver.
Terei metido três balas no seu corpo antes que perceba o que
está acontecendo, e ainda me restarão outras dez para seus
amigos.
Atrás de Raleigh, os homens haviam começado a se
afastar para os lados da mesa.
― Dispararei no próximo homem que se mover. ― Wolfe
advertiu.
Ninguém duvidou e todos se sentaram.
Jessica se esqueceu de respirar enquanto o silêncio se
alongava, destruindo seus nervos mais selvagemente do que o
vento. Então, o jovem riu e voltou a relaxar.
― Não há razão para se irritar. ― Disse com desenvoltura.
― Só estava divertindo-me um pouco enquanto esperávamos a
diligência.
― Vai para o Leste? ― Wolfe perguntou.
― Não, para o Oeste.
― A próxima diligência passará amanhã por esta hora.
― Amanhã? ― Raleigh exclamou surpreso. ― O que
acontece com a de hoje?
― Está lotada.
― Mas só vai você e a mulher...
― Minha esposa. ― Wolfe o interrompeu bruscamente.
― São os únicos ocupantes dessa maldita diligência!
― Já lhe disse que está lotada.
O corpo do homem ficou tenso outra vez.
― Deixe-o já, Raleigh. ― Exclamou um dos homens
friamente. ― Se o cavalheiro do rifle bonito quiser lutar contra
os índios, sozinho, deixe-o ir. Não me importará se houver um
bastardo ianque a menos. Tenho melhores presas para caçar.
Raleigh dirigiu um olhar pouco amistoso ao homem que
falara, mas não discutiu com ele.
― Seu amigo lhe deu um excelente conselho. ― Wolfe
acrescentou. ― Aqui tem outro, fique aqui dentro até que a
diligência tenha saído.
Jessica não esperou que Wolfe lhe abrisse a porta. Não
queria que tivesse que dar as costas àqueles homens. Sem
dizer palavra, abriu a porta e atravessou correndo o trecho frio
que a separava da diligência. Só começou a relaxar quando
estava dentro dela.
Não foi o caso de Wolfe, que mantinha a escopeta sobre
seu colo e observava a estação com atenção de um predador.
Ninguém saiu do posto.
De repente, o chicote do condutor estalou como o disparo
de uma pistola, os cavalos se puseram em movimento e a
diligência se afastou da estação, como se as rodas estivessem
queimando.
― Nos seguirão? ― Jessica perguntou tensa.
― Duvido. Seus cavalos estão esgotados. ― Wolfe desviou
seu olhar da janela e o dirigiu à esposa que não havia
escolhido, a jovem que fazia seu corpo arder de desejo, a
delicada aristocrata que era totalmente incompatível com as
terras do Oeste, as quais ele amava mais que tudo no mundo.
― Vai conseguir que alguém morra milady. Este não é seu
lugar.
―Também não é o seu.
― Claro que sim.
― Aqueles homens souberam que era forasteiro só de olhá-
lo.
Wolfe sorriu.
― Ninguém no oeste do Mississipi me viu vestido assim.
Não gostaria de parecer um servente de milady. Tivemos sorte.
― continuou ― Jericho Slater estava entre aqueles homens. Se
tivesse me reconhecido, teria havido briga.
― Quem é Jericho Slater?
― Um dos poucos membros sobreviventes do bando de Jed
Slater.
― Porque o odeia?
― Caleb, Reno e eu tentamos matar a todos. ― Wolfe
sorriu friamente. ― Quase conseguimos. A única coisa que
lamento é que Jericho não estivesse com eles naquele
momento. Ele é quase pior que seu irmão Jed.
Jessica franziu o cenho.
― Porque enfrentou um bando de foragidos?
― Slater cometeu o erro de sequestrar Willow.
A troca que se produziu na voz e no rosto de Wolfe quando
pronunciou o nome de Willow, fez com que o ar fechasse a
garganta de Jessica. De repente, não teve nenhuma dúvida de
que estava se referindo a uma mulher.
― Quem é Willow?
A curta pergunta de Jessica fez Wolfe olhar para ela.
― Uma mulher.
― Imagino.
― Uma mulher do Oeste.
― O que quer dizer? ― Jessica perguntou tensa.
― Uma mulher forte o bastante para lutar junto ao seu
homem se for necessário, e doce o suficiente para deixá-lo
louco de prazer quando finaliza a luta. Ela sim é uma mulher
de verdade.
Jessica se forçou a continuar falando para descobrir mais
coisas sobre a mulher que podia encher de doçura os olhos e a
voz de Wolfe enquanto falava dela.
― Foi por isso que se enfureceu tanto comigo quando nos
casamos? ― Perguntou com voz forçada. ― Queria se casar com
Willow e não comigo?
― Nem fale. Teria que enfrentar Caleb Black para fazer
isso, e só um louco o faria. ― Wolfe respondeu com voz dura. ―
Não é um tipo muito dado ao perdão.
― Quem é Caleb Black?
― O marido de Willow, e um dos melhores amigos que um
homem pode ter.
Wolfe observou o alivio que Jessica sentiu e que não
conseguiu ocultar por completo.
― Entendo. ― Respirou profundamente, antes de fazer a
pergunta que na verdade lhe importava. ― Você ama a Willow?
― É difícil não fazê-lo. Ela possui tudo o que desejo em
uma mulher.
Jessica notou que o sangue fugia de seu rosto. Até aquele
momento, não percebera como estava segura que Wolfe era
seu, que era seu desde que ele a tirara daquele palheiro e que
sempre seria seu.
Nunca imaginara que Wolfe amasse outra mulher. A dor
que sentiu a atravessou como um punhal. Fez desaparecer
qualquer outra realidade, deixando só um estranho vazio que a
enjoava.
A diligência balançava e cambaleava sobre um terreno
desigual, e os gritos do condutor e os estalidos do chicote
competiam com o chacoalhar das rodas para ensurdecer os
passageiros. Por uma vez, Jessica se alegrou com aquele
violento movimento. Tornava impossível continuar a conversa.
Acomodou-se o melhor que conseguiu, fechou os olhos e se
perguntou como podia sentir tanta dor e não ter nenhuma
ferida visível.
Wolfe dirigiu a Jessica um olhar de soslaio. Sabia que ela
fingia dormir, porque seu corpo estava muito tenso e
estremecia de vez em quando, como se estivesse em meio de
um vento gelado. Estava claro que não havia mais perguntas
sobre Willow Black. Também era evidente que Jessica não
desejava, absolutamente, ouvir falar mais sobre as mulheres do
Oeste.
Sorrindo apesar de tudo, Wolfe inclinou o chapéu sobre
seus olhos, acomodou os pés no assento da frente e felicitou a
si mesmo, por ter descoberto uma brecha na aristocrática
couraça que rodeava lady Jessica Charteris Lonetree. Havia
começado a se perguntar se encontraria alguma. Sua teimosia
o surpreendia. Esperava que cedesse e voltasse à Inglaterra
muito tempo antes. Estava acostumada a que a atendessem, a
uma rotina interminável de chás e bailes, a que a protegessem,
e, a que todo o mundo, ao alcance de seu cativante sorriso,
velasse por sua comodidade.
Tudo aquilo havia desaparecido na América. Wolfe a
deixara sozinha, deliberadamente, e quando viu que aquilo não
afetava a sua determinação, a obrigou a viajar sem serviçais.
Mas no final, fora mais duro para ele do que para ela. Nunca
esqueceria a sedosa suavidade de seus cabelos aderindo-se a
ele enquanto os escovava, ou a elegante linha de suas costas
sob o fino lingerie, enquanto abotoava cada diminuto botão de
seu vestido. Também não esqueceria o medo que sentiu
quando a ouviu gritar no quarto do hotel, ou a risada de alívio
que seguiu aquele episódio, quando a encontrou a salvo, ainda
que com sua trança presa.
Uma mulher tão indefesa não duraria muito tempo ali,
repetiu a si mesmo em silêncio. O Oeste requeria uma mulher
com coragem. Uma mulher como Willow.
Mas não eram os cabelos loiros de Willow, nem seus olhos
cor de avelã, que obcecavam Wolfe e invadiam seu inquieto
sono. Era uma sensual elfo de cabelos avermelhados que
derramava lágrimas cristalinas.
CAPÍTULO 3

O silêncio entre Wolfe e Jessica não se rompeu até bem


tarde, quando uma jovem grávida subiu à diligência. Seu único
baú fora amarrado à cabine, porque os de Jessica ocupavam
toda a parte de cima, apesar de Wolfe ter decidido que só três
iriam com eles na diligência. O resto fora enviado em um carro
de mercadorias com destino a Denver.
― Obrigada, senhor. ― Disse a jovem, quando Wolfe a
ajudou a subir à diligência. ― Penso que a cada dia estou mais
desajeitada.
― É uma etapa difícil. ― Wolfe lhe respondeu, olhando
discretamente a cintura da jovem. Sob a luz interior da
diligência, parecia estar grávida de uns seis meses. ― Viaja
sozinha?
A amabilidade da voz de Wolfe fez a jovem sorrir
timidamente, com os olhos fixos em suas mãos.
― Sim, senhor. Não podia suportar estar longe de meu
esposo por mais tempo. Meus tios queriam que ficasse em Ohio
até o bebê nascer, mas não posso esperar. Veja, meu esposo
está lotado no Forte Bent.
― Então, tem uma viagem muito mais longa que nós, pela
frente. Nós desceremos em Denver.
A jovem se sentou agradecida, e passou as mãos por seu
vestido. O traje era tão caro quanto o de Jessica e estava em
melhores condições. Não aparentava ter mais de dezessete
anos. Era óbvio que estava preocupada diante da perspectiva
da viagem em diligência.
― Eu me sentarei com o condutor. ― Wolfe comentou. ―
Será mais cômodo para você.
― Oh, não, senhor. ― Protestou rapidamente, sem levantar
os olhos além do peito de Wolfe. ― O tempo que deve fazer ali
fora não é apropriado nem mesmo para os animais. Por outro
lado, é o deserto que me deixa nervosa, não você. Existem
rumores de que há índios. ― Ela disse estremecendo. ― A ideia
de que esses infiéis assassinos estejam em algum lugar perto
de mim me dá calafrios.
Wolfe tentou ocultar um sorriso divertido.
― Nem todos os índios são assassinos. ― Jessica afirmou.
― Alguns são bem hospitaleiros. Passei algum tempo em seus
acampamentos.
― Sequestraram você? ― Perguntou entre horrorizada e
fascinada.
― Em absoluto. Meu tutor, lorde Robert Stewart, era
amigo dos cheyennes. Consideravam-nos seus convidados.
― Preferia ser amiga do diabo a ser de um pele vermelha,
posso afirmar. Não se pode confiar neles. ― Alisou seu vestido
outra vez e mudou de assunto com clara resolução. ― Seu
vestido é lindo, senhora. É francês?
― Sim. Meu tutor preferia o estilo inglês, mas eu gosto da
simplicidade da nova moda francesa.
A jovem olhou rapidamente para Wolfe, perguntando-se
ele era o tutor em questão.
― Meu esposo, ― Jessica acrescentou, enfatizando a
palavra levemente. ― Não gosta de nenhum estilo. Não é assim,
senhor Lonetree?
― No Oeste, as sedas e os adornos não servem para nada,
lady Jessica.
― Lady? ― A jovem perguntou com rapidez. ― Você é
inglesa?
Jessica resistiu à tentação de corrigi-la.
― Mais ou menos.
― Uma verdadeira lady, com título? ― A jovem insistiu.
― Não aqui. ― Jessica respondeu. ― Aqui sou a senhora
Lonetree.
― Eu sou a senhora O'Conner. ― Disse hesitando. ―
Lonetree é um nome pouco comum.
― Meu verdadeiro nome cheyenne é Árvore Solitária, mas
Lonetree é mais fácil para a maioria das pessoas. ― Wolfe
esclareceu.
― Parece índio.
― E é.
A jovem empalideceu. Olhou fixamente para Wolfe
percebendo pela primeira vez o homem que havia sob as
roupas caras da cidade.
― Meu Deus, você é um pele vermelha!
― Nem sempre. ― respondeu ― Algumas vezes sou um
civilizado cidadão do Império Britânico. Mas na maior parte do
tempo sou unicamente um homem do Oeste.
A jovem senhora O'Conner soltou um agudo e triste
gemido, e começou a retorcer um lenço entre seus dedos
trêmulos, procurando evitar olhar para Wolfe.
Ele suspirou, afundou o chapéu na cabeça e se virou à
porta da cambaleante diligência. Abriu a porta, se acomodou
ali e procurou a barra de segurança da bagagem que percorria
a parte superior da cabine.
― Wolfe, que demônios...? ― Jessica perguntou.
― A senhora O'Conner se sentirá mais confortável se eu
não estiver aqui, entre as pessoas civilizadas.
Depois de dizer aquelas palavras, Wolfe subiu ao teto da
diligência com graça felina e se dirigiu à parte dianteira, para
se sentar com o espantado condutor. A porta da cabine se
fechou com uma batida.
― Está agindo como uma completa tola ignorante. ―
Jessica espetou, olhando a jovem com frieza. ― Meu esposo é
um cavalheiro muito mais civilizado que qualquer outro homem
com quem me encontrei na América.
― Os pele vermelha assassinaram a minha família quando
eu estava com doze anos. Eu me escondi, mas vi o que fizeram
para minha mãe e para Sissy. Minha mãe estava grávida de
sete meses. ― A jovem passou as mãos por seu ventre inchado.
― Aquela pobre criança morreu antes de nascer. São selvagens,
uns selvagens assassinos. Espero que o exército envie a todos
para o inferno que foi de onde saíram.
Jessica fechou os olhos, pois os pesadelos giravam e
davam voltas além do alcance de sua memória. Ela também
vira bebês mortos nascendo. A horrível sensação que a visão
daqueles diminutos corpos imóveis despertava não podia ser
descrita com palavras.
Tremendo, Jessica ajustou firmemente sua pesada capa
de viagem ao redor de seu corpo. Desejando que Wolfe a
apertasse no calor de seus braços fez a única coisa que podia
fazer naquele momento, se encolheu abraçando a bolsa de
viagem que continha a caixa do rifle.
Percorreram muitos quilômetros no meio do frio, mas
Jessica não se esforçou em entabular conversa com a senhora
O'Conner. O ódio e o medo que impregnavam a voz da jovem
quando falava dos índios, a faziam se lembrar das aristocratas
que falavam do Visconde Selvagem. Também não conseguiu
convencê-las, para que vissem o homem que havia além de seu
sangue cheyenne e de sua posição de bastardo. Quando,
finalmente, Jessica adormeceu, o som de disparos e dos
agudos gritos de terror da senhora O'Conner a acordaram.
― Índios! ― Gritava a jovem uma e outra vez, enquanto se
benzia. ― Meu Deus, proteja-me!
Jessica se ergueu e afastou a cortina lateral, enquanto os
gritos da senhora O'Conner atravessavam o interior da cabine.
No princípio, não conseguiu ver nada exceto a paisagem plana.
Logo, percebeu que o terreno não era tão plano quanto parecia.
A terra se dobrava suavemente oferecendo cobertura tanto aos
homens, quanto aos animais. Também havia lugares ideais
para estender emboscadas a viajantes desprevenidos.
Aparentemente, um grupo de índios havia esperado em uma
daquelas dobras, até a diligência se aproximar.
― Meu Deus. ― Jessica sussurrou quando ouviu os
disparos das escopetas.
Wolfe estava na parte superior, exposto a todos aqueles
tiros. Podia usar a escopeta do condutor, mas não era uma
arma muito precisa. Poderia utilizá-la para dissuadir os
atacantes, mas não era ideal para fazer frente a um ataque dos
índios.
O condutor fazia seu chicote estalar uma e outra vez,
enquanto gritava aos cavalos exigindo-lhes a máxima
velocidade, e a cabine balançava a cada vez que passavam
pelos numerosos trechos desiguais do caminho. Jessica tentou
se segurar o melhor que conseguiu e continuou olhando
fixamente pela janela.
Os índios se aproximavam pela esquerda do caminho da
diligência e ainda se achavam muito longe para disparar com
precisão, mas era evidente que cada vez se aproximavam mais
e não paravam de atirar. Apesar de tudo, Jessica havia caçado
o suficiente para notar que a armadilha, se realmente fosse
isso, fora revelada muito cedo.
Os gritos da senhora O'Conner aumentaram de volume até
o ponto de se tornarem insuportáveis, e começou a se agarrar
com desespero à porta como se acreditasse que estaria mais
segura, fora que dentro da diligência. Quando Jessica pegou as
mãos da desesperada jovem e as afastou da porta, a senhora
O'Conner se virou para ela como uma fera. Jessica lhe deu
uma bofetada com tal força que interrompeu o ataque de
histeria. De repente, seus gritos abriram caminho para o
pranto, se afundou no chão e escondeu o rosto entre as mãos.
No meio do silêncio, Jessica ouviu a voz rouca voz de
Wolfe e seu punho batendo no exterior da diligência.
Aparentemente, estivera tentando se fazer ouvir entre os gritos,
tempo suficiente para perder a paciência.
― Jessica, pare esses malditos gritos e me passe a caixa
do rifle!
A assustada senhora O'Conner só escutou uma áspera voz
masculina que pedia algo desconhecido.
― O quê? ― Gritou com uma voz tão aguda que era quase
irreconhecível.
― A caixa do chão! ― Wolfe gritou ferozmente. ― Passe-me!
Jessica já estava com a caixa nas mãos e a empurrava
através da abertura da janela. Antes que pudesse passá-la
toda, a caixa foi arrancada de suas mãos; deslizou para cima
como se tivesse asas e desapareceu da vista. Lutando contra o
selvagem balanço da diligência, Jessica olhou pela janela. Os
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índios haviam desaparecido atrás de uma dobra de terra .
De repente, um cavalo surgiu de uma pendente próxima, e
saiu galopando pela planície. Um cavaleiro permanecia
inclinado sobre o pescoço do animal, incitando o suado cavalo
a continuar.
Uma linha desigual de índios que subiam a pendente a
várias centenas de metros perseguia o homem por trás.
Disparavam esporadicamente tentando derrubar o cavaleiro
fugitivo.
Na parte superior da diligência, Wolfe se acomodou e
apontou através do reluzente cano. Os índios estavam a mais
de trezentos metros de distância e a diligência cambaleava sem
aviso prévio. Disparar com precisão deveria ser impossível
naquelas condições, mesmo para alguém com a assombrosa
pontaria de Wolfe.
Começou a disparar metodicamente escolhendo o alvo,
apertando o gatilho, carregando outro cartucho, movendo o
cano para um novo alvo, apertando o gatilho de novo e
ignorando os disparos que lhe devolviam, apesar de sua
vulnerável posição sobre a diligência. O homem perseguido
pelos índios estava em pior situação que Wolfe.
A velocidade do cavalo diminuiu quando ele estava a
alguns metros da diligência. A única coisa que impedia os
índios de se aproximarem para matá-lo era o fogo letal que
Wolfe mantinha sobre eles de sua cambaleante posição.
Rezando em silêncio e com as mãos apertadas, Jessica
observou como o homem freava seu cavalo, fazendo-o traçar
uma longa curva que o levou até a diligência. Quando o
cavaleiro chegou a sua altura, Jessica abriu a porta com um
chute e afastou a senhora O'Conner.
O cavaleiro se ergueu sobre os estribos, se agarrou à barra
de segurança da bagagem com a mão direita, e saltou ao
interior da diligência através da porta aberta. Jessica fechou a
porta com uma pancada atrás do desconhecido e, de repente,
percebeu que se tratava de um homem corpulento, maior do
que Wolfe.
Uma bala rebateu sobre o aro de ferro de uma roda
produzindo um assovio assustador.
― Obrigado, senhora. ― Disse o estranho. ― Sabe se o
homem do rifle ali de cima está ficando sem munição?
― Oh, Deus! ― Jessica pegou a bolsa de viagem de Wolfe e
procurou com rapidez em seu interior. ― Tem alguma munição
aqui. Foi um de nossos presentes de casamento, assim como o
rifle de repetição.
― Um grande presente de casamento. Sim, senhor.
Jessica ergueu os olhos para um par de olhos cinzas,
cansados, ainda que de expressão divertida. Sem mais
palavras, estendeu as mãos. Havia uma caixa cheia de
cartuchos em cada uma. Quando viu o sangue que brotava por
baixo do punho da jaqueta do desconhecido, conteve a
respiração soltando um gemido discordante.
― Está ferido!
― Viverei, graças a você e ao seu esposo. Sou muito ruim
para disparar com a mão direita, e teria acabado com meu
cavalo tentando me desfazer desses índios.
De forma instintiva, Jessica e o homem se abaixaram ao
notar que as balas se chocavam contra a diligência outra vez.
Uma flecha atravessou uma das cortinas laterais e sua ponta
letal se afundou no outro lado da diligência, onde se encolhia a
senhora O'Conner. A visão da flecha fez com que começasse a
gritar de novo.
O desconhecido ignorou a mulher grávida. Colocou as
duas caixas de cartuchos em sua poderosa mão e dirigiu-se
para uma das janelas dianteiras. Seu agudo assovio atravessou
o som dos gritos. Passou seu braço pela cortina destruída e
estendeu as caixas para cima tão perto do teto da diligência,
quanto conseguiu. Os cartuchos desapareceram de sua mão no
mesmo instante.
A diligência deu um guincho e cambaleou, fazendo o
desconhecido cair sobre seu braço ferido. Reprimindo uma
maldição, se sentou sobre um dos bancos, estendeu a mão
direita ao longo de seu corpo procurando seu revólver na parte
esquerda e o tirou com dificuldade.
A senhora O'Conner continuava gritando. Jessica se
inclinou por cima do enorme desconhecido e chacoalhou a
jovem. Quando viu que aquilo não surtia efeito, a esbofeteou
bem forte para atrair sua atenção. Os gritos pararam tão
repentinamente, quanto haviam começado.
― Acalme-se, acalme-se! ― Jessica murmurou abraçando
a aterrorizada jovem e acariciando seus alvoroçados cabelos. ―
Gritar não ajuda em nada. Só faz mal a sua garganta.
Estaremos bem. Não há ninguém que maneje melhor um rifle
que meu esposo.
― Estou de acordo com isso. ― O desconhecido
acrescentou sem deixar de olhar pela janela. ― Está ali
sentado, calmo como um cavalheiro em uma caçada de perus e
sempre acerta seu alvo.
A senhora O'Conner se encolheu quando Wolfe abriu fogo
outra vez, mas não voltou a gritar. Limitou-se a rodear seu
ventre com seus trêmulos braços, enquanto a diligência se
sacudia e balançava ao seu redor. Jessica lhe deu um sorriso
alentador antes de se virar para o desconhecido.
― Deixe-me ajudá-lo, senhor.
― Faz muito tempo que ninguém me chama senhor. ―
Disse sorrindo de forma estranha. ― Meu nome é Rafe.
― Senhor Rafe. ― Jessica insistiu.
― Só Rafe.
Apertou o gatilho, soltou um bufido entre dentes quando a
diligência se sacudiu e ele bateu o braço ferido.
― Reserve suas balas. ― Jessica o aconselhou enquanto
começava a desabotoar os botões da jaqueta do desconhecido.
― Wolfe tem o suficiente para um bom tempo. Deixe-me ver seu
ferimento.
― Wolfe? É esse o nome de seu marido?
Ela assentiu.
― É um homem de sorte.
Surpresa, Jessica ergueu a cabeça. Rafe a observava com
seus olhos cinza. Havia agradecimento em seu olhar, mas nada
mais. Ela sorriu com ar hesitante e continuou concentrada em
tirar a jaqueta.
― Isso é uma questão de opinião. ― Jessica respondeu. ―
Pode tirar o braço direito da jaqueta?
Ouviram-se disparos que provinham da parte superior da
diligência. Logo, os índios responderam com alguns mais, mas
soaram longínquos. Rafe olhou pela janela, colocou seu
revólver no coldre e tirou a pesada jaqueta. Jessica percebeu
novamente como ele era grande. Se não fosse pela amável
expressão de seus olhos cinza, seria um homem aterrorizante.
― Ainda nos perseguem, mas não por muito tempo. ― Rafe
comentou. ― Seu esposo é muito bom com o rifle. Por outro
lado, seus cavalos não aguentarão muito mais. Estavam me
perseguindo há muito tempo, antes que pudesse encontrar a
rota da diligência.
Com seu braço sadio, Rafe segurava a si mesmo e a
Jessica na cabina que não parava de balançar enquanto ela
examinava o ferimento. Seus lábios ficaram tensos ao ver a
quantidade de sangue que cobria a camisa cinza de lã. Sem
dizer nada, rasgou o tecido que cobria o ferimento. Após
observar melhor o musculoso braço de Rafe, deixou escapar
um suspiro de alívio.
― Não é tão grave quanto eu temia. ― Jessica comentou
enquanto levantava a bainha de seu vestido. ― A bala não
chegou ao osso. Perdeu um pedaço de pele e algum músculo,
mas não precisa se preocupar. Precisarei de um punhal.
Rafe puxou um longo punhal de uma bainha presa em seu
cinturão e o estendeu oferecendo-o pelo cabo.
― Tenha cuidado, eu me barbeio com ele.
Ela pegou a arma com cuidado, deu uma olhada rápida à
barba recortada entre dourado e bronze que cobria seu rosto, e
seus lábios traçaram um sorriso disfarçado.
― Sério? Quando?
Ele riu, balançando a cabeça e respondeu com saudade.
― Lembra a minha irmã. Ela também é uma pequena
descarada. Pelo menos, costumava ser. Não a vejo faz anos.
Muitos anos. O desejo de conhecer o mundo pode manter um
homem afastado de sua família, tanto quanto a febre do ouro.
Era evidente que o punhal estava muito afiado, pois
Jessica cortou várias tiras da fina anágua de seda que
combinava com a cor de seu vestido, com rapidez e facilidade.
Quando começou a enfaixar o braço de Rafe, se ouviram de
novo disparos procedentes da parte superior da diligência.
Rafe inclinou a cabeça, tentando escutar. Não houve
disparos de resposta.
― Parece que se renderam.
― Graças a Deus. ― Jessica acrescentou com fervor. ―
Wolfe estava tão exposto ali em cima...
― Vocês também não estavam a salvo dos tiros, senhora.
As paredes da diligência não são muito grossas para deter as
balas a uma distância curta.
― Não havia pensado nisso. ― Reconheceu. ― Estava
muito preocupada com Wolfe.
― Como já disse, ele é um homem de sorte.
― Tomara ele pense o mesmo..., algum dia. ― Jessica
murmurou. Cortou outra tira de seda e amarrou a bandagem.
― Pronto. Isso deterá a hemorragia. Na próxima parada que
fizermos, eu lavarei o ferimento com água limpa e sabão.
― Não é necessário.
― Sim, sim, é. ― Insistiu enquanto ajudava Rafe a vestir a
jaqueta. ― Um homem chamado Semmelweis, descobriu que as
horríveis infecções que atacam as mulheres grávidas podem ser
evitadas, se o doutor lavar as mãos antes de tratar cada
paciente. Se uma infecção assim pode ser evitada com água, é
lógico que as outras também.
― E você é enfermeira? ― Rafe perguntou, introduzindo o
braço na manga da jaqueta com sua ajuda. ― Tem boas mãos
para fazer curativos. Suaves e rápidas.
Jessica sorriu.
― Obrigada, mas não tenho formação acadêmica. Meu
tutor me educou para ser capaz de fazer frente a emergências
comuns que pudessem se produzir em uma fazenda no campo:
ossos quebrados, febres, cortes profundos e coisas assim.
Também tenho experiência com gravidez e partos.
O suficiente para saber que não quero passar por
nenhuma das duas coisas acrescentou Jessica em silêncio,
enquanto se virava para comprovar como estava a outra
ocupante da cabina, que ainda continuava encolhida. Isso foi a
única coisa que aprendi durante os anos que vivi com minha
mãe.
― Você está bem senhora O'Conner? ― Jessica lhe
perguntou.
A jovem, ainda atordoada, assentiu com a cabeça.
― E o bebê? ― Jessica continuou sem rodeios, enfiando as
mãos por baixo da capa da jovem e apertando levemente seu
ventre. ― Está bem?
A jovem ficou olhando-a, arrancada de sua apatia pelas
explorações suaves e inesperadas das mãos da outra mulher.
― Dói? ― Jessica perguntou.
A senhora O'Conner balançou a cabeça e Jessica soltou
um baixo suspiro de alívio. O abdômen da jovem estava brando
e flexível em vez de rígido por causa de contrações prematuras.
Sorrindo animada, Jessica voltou a lhe colocar a capa e se
sentou junto a ela, cedendo a Rafe o banco da frente.
― Diga-me se notar alguma mudança. ― Jessica pediu.
A jovem assentiu e sorriu hesitante.
― Obrigada, senhora. Lamento ter insultado seu esposo. É
que... ― Sua voz se apagou enquanto se benzia com mão
trêmula. ― É que os índios me assustam tanto... Sinto-me
muito envergonhada.
― Não se preocupe por isso. ― Jessica respondeu. Uma
repentina e insuportável sensação de cansaço a invadiu, uma
vez passada a urgência do momento, deixando-a exausta. ― Sei
o que são os pesadelos e os medos diurnos melhor que
ninguém.
A jovem olhou às mãos de Jessica, viu como tremiam e
deu um gemido de surpresa.
― Você também está assustada!
― Claro que estou. Não sou tão estúpida para não
perceber quando podem me ferir ou me matar. Simplesmente
aprendi a disfarçar o medo.
Jessica enfiou as mãos debaixo de sua capa, puxou as
pesadas dobras para ajustá-la mais ao seu corpo, e fechou os
olhos lutando para se controlar. Era muito mais fácil enquanto
tivera algo para fazer, em vez de se sentar e esperar.
Finalmente, o som dos tiros perdeu a intensidade, voltou a
ser esporádico e desapareceu completamente. A diligência não
reduziu a velocidade. Uma das sacudidas foi tão forte que uma
roda traseira perdeu totalmente o contato com o chão
derrubando as duas mulheres sobre Rafe. Jessica bateu a
cabeça contra a lateral da diligência, ficando atordoada por um
momento.
Rafe a agarrou com seu braço direito e a segurou contra
seu peito até que a diligência voltou a se apoiar sobre as quatro
rodas.
― Lamento muito, senhor. ― A senhora O'Conner se
desculpou envergonhada enquanto se erguia e voltava a se
sentar em seu lugar.
― Não se preocupe. ― Rafe respondeu. ― Senhora? Está
bem?
Enjoada, Jessica assentiu com a cabeça tentando se
orientar. Parecia como se os sons viessem de todas as direções,
acertando-a e tornando-lhe impossível pensar ou falar. A
escuridão deu voltas ao seu redor se abatendo sobre ela.
Lutando, apesar de estar convencida que não poderia
vencê-la, Jessica fez frente à onda de escuridão que a rodeava.
Seu último pensamento antes de se afundar nela, foi de que
tinha certeza que era assim que se sentia sua mãe cada vez
que o conde a arrastava até o leito do casal apesar de seus
gritos e esforços, forçando-a a aceitar a semente que algum dia
a rasgaria.
A senhora O'Conner soltou um gemido de horror e se
ajoelhou no estreito corredor em frente à Jessica.
― Senhora Lonetree?
Rafe não se preocupou em chamá-la. Sentira como seu
corpo perdia as forças. Segurou seu rosto contra seu peito,
cobriu a orelha que ficava exposta com a mão e deu um assovio
muito estridente para fazer em pedaços um cristal, com o fim
de chamar a atenção dos homens que viajavam na parte
superior da diligência.
― Diminua! ― Rafe gritou. ― Uma das mulheres está
ferida!
Aquelas palavras fizeram um calafrio atravessar Wolfe.
Agarrou a barra de segurança e se inclinou para baixo até
conseguir ver o interior da diligência através da cortina
rasgada. No instante, não foi capaz de distinguir nada. Então, a
senhora O'Conner se afastou e viu Jessica nos longos braços
do cavaleiro desconhecido.
A diligência seguia em marcha quando Wolfe saltou,
correu junto a ela e abriu a porta. Com uma rapidez que
surpreendeu a todos, deslizou para dentro da cabine.
― Atiraram nela? ― Wolfe perguntou, deixando ao lado o
rifle que ainda levava na mão.
― Não. ― Rafe respondeu. ― A diligência balançou e a fez
cair. Bateu a cabeça tão forte que perdeu os sentidos.
Wolfe grunhiu.
― Bem, isso explica porque os gritos cessaram.
Rafe lhe deu uma olhada de surpresa, mas ele não notou.
Estava muito ocupado pegando Jessica do colo do
desconhecido e colocando-a no seu. A senhora O'Conner se
afastou até o outro extremo do assento para lhe deixar espaço.
Wolfe quase não notou o movimento da jovem. Estava muito
concentrado em controlar a raiva irracional que o dominara, ao
ver Jessica nos braços de outro homem.
― Fez uma manobra extraordinária. ― Wolfe comentou
enquanto examinava a leve contusão que estava se formando
na fronte de Jessica. ― Não me lembro de ter visto um homem
subir em uma diligência assim.
― Meu nome é Rafe, e não teria nada a fazer se não fosse
sua pontaria e a astúcia de sua esposa. Se ela não tivesse
aberto a porta, eu não teria conseguido subir ao teto da
diligência só com uma mão.
― Você se refere à senhora O'Conner. Penso que minha
esposa foi educada com muita delicadeza para ser de utilidade
em um momento assim. ― Wolfe o interrompeu. Depois, olhou
à mulher grávida. ― Permita-me lhe agradecer. Se não tivesse
se exposto aos tiros o tempo suficiente para que eu pudesse
pegar o rifle, todos teríamos passado muito pior.
― Eu... ― A voz da jovem enfraqueceu quando viu as
tensas linhas do rosto de Wolfe e percebeu o selvagem que
havia atrás delas. Afastou o olhar rapidamente. ― Eu não fiz
nada.
Wolfe assumiu que a senhora O'Conner simplesmente
estava sendo modesta. Sorriu e voltou a dirigir seu olhar para
Jessica. Seu sorriso diminuiu. Parecia muito pequena e frágil, e
seu rosto havia perdido a cor. Até mesmo seus lábios, que
normalmente mostravam a cor das cerejas maduras, haviam
empalidecido.
Admitirá agora o que sempre soube? Wolfe perguntou em
silêncio a sua esposa inconsciente. Não é o tipo de mulher que
pode sobreviver no Oeste e criar filhos nele. É uma criatura
feita de rendas e luz da lua, uma aristocrata que não poderá
suportar este tipo de vida. Precisa de um homem rico e nobre
que possa envolver você com seda e cetim, e protegê-la de
qualquer mal.
Sinto não poder ser esse homem. Nunca o serei. Nem eu
posso mudar o que sou, nem você se converter em uma mulher
como Willow. Só posso tentar manter você viva até que sua
teimosia ceda diante da realidade. Não fomos feitos um para o
outro.
Em silêncio, Wolfe segurou seu delicado peso, e
amaldiçoou a si mesmo e a Jessica pelo nefasto enredo no qual
a jovem transformara suas vidas e, além de tudo aquilo,
amaldiçoou o desejo que sentia por ela e que o dominava
inclusive naquele momento, pois seu corpo respondia ao
contato e ao aroma da mulher que não deveria tomar, porque,
então, seu casamento seria tão real e definitivo quanto a morte.
Quando Jessica abriu os olhos, sentiu que o mundo girava
vertiginosamente ao seu redor, e que o centro daquele mundo
era um pesadelo que a olhava com raiva, através de uns olhos
escuros. Com um gemido sufocado, forçou com aquele sonho
ruim. A mão de Wolfe cobriu sua boca enquanto a segurava
com força. A facilidade com que dominava seus esforços para
se soltar a teria feito sentir pânico se seus olhos finalmente não
tivessem conseguido focar o suficiente para reconhecer Wolfe.
Deixou de resistir no mesmo instante, porque sabia que ele
nunca lhe machucaria.
― Acabou? ― Wolfe perguntou.
Jessica assentiu, já que a mão dele não lhe permitia falar.
― Bem. Já suportamos muito os seus gritos.
― Ela não gritou nem uma vez enquanto eu estive aqui. ―
O outro ocupante da diligência replicou sem se alterar.
Wolfe dirigiu ao outro homem um olhar que teria
congelado um raio. Rafe o devolveu.
― Aliás, ela tem uma boa mão com as bandagens. ―
Acrescentou, abrindo sua jaqueta o suficiente para que ele
visse seu braço.
Pela primeira vez, Wolfe notou que Rafe estava ferido.
Então, observou que a bandagem fora feita com uma seda azul
celeste que era do mesmo tom que os olhos de Jessica. Olhos
que o olhavam com a frieza do gelo. No instante, retirou a mão
de sua boca.
― Obrigada, milorde. ― Jessica disse com um tom tão
glacial quanto seus olhos.
― Não sou um lorde.
― Nem eu uma estúpida gritona.
― Posso ter me confundido.
― Não é difícil que um homem surdo, mudo e cego se
confunda.
Rafe ocultou sua risada atrás de uma tosse.
― Como está sua cabeça, senhora?
― Ainda em seu lugar. ― Jessica fechou os olhos por um
momento. ― Igual a minha língua.
Ergueu a cabeça para Wolfe e se lembrou de todas as suas
promessas de ser doce, amável, divertida e sociável. Uma
escura onda de cansaço a invadiu. Estar casada com um
homem que a olhava sem um mínimo de ternura em seus
implacáveis olhos, a fez se sentir muito só.
― Sinto muito. ― Jessica disse com tristeza, em um tom
tão baixo que só Wolfe conseguiu ouvir. ― Não tenho feito outra
coisa que irritar você. Tomara pudéssemos voltar àqueles dias,
nos quais você corria sob uma violenta tempestade para me
encontrar. Mas já não podemos, não é? Também lamento por
isso.
― Podemos acabar com isto, lady Jessica. Só dizer a
palavra certa.
― Nunca, meu querido lorde bastardo. ― Disse em voz
baixa, recordando o horror de sentir os dentes e as mãos do
barão Gorem percorrendo sua carne nua. ― Nunca.
Incapaz de manter o olhar de Wolfe por mais tempo,
Jessica afastou o olhar. Não possuia mais energia para lutar
contra ele ou contra a dor que se cravava em suas têmporas, a
cada balanço da diligência. A escuridão a arrastava, uma
escuridão que levava toda a força que a ajudava a se conter. No
entanto, não era a pancada na cabeça que a consumia, mas a
necessidade de evitar a terrível escuridão dos sonhos que não
conseguia recordar.
Em algum lugar no mais profundo de seu íntimo, uma
menina gritava de terror, no meio do vento e recebia como
resposta lembranças ainda mais terríveis que se escondiam em
lugares onde ninguém estivera antes.
― Jessica?
Não houve resposta. No princípio, Wolfe pensou que ela
tivesse desmaiado novamente. Mas então, viu que seus olhos
estavam abertos, fixos em alguma coisa que só ela conseguia
ver. Alguma coisa terrível. Um calafrio percorreu as costas de
Wolfe, quando percebeu a profundidade que devia ter sido seu
medo, durante o ataque. Apesar da promessa que fizera a si
mesmo de pôr à prova sua resistência até que aceitasse a
anulação, não conseguiu evitar apertá-la contra seu corpo,
embalar Jessica e protegê-la, porque naquele momento estava
muito indefesa para proteger a si mesma.
― Jessi, ― sussurrou em seu ouvido ― deixe-me ir. Não me
obrigue a lhe fazer mais mal.
Mesmo que tivesse certeza que o escutava, ela não
mostrou nenhuma intenção em responder.
― É isso o que quer? ― Ele perguntou bruscamente. ―
Uma guerra sem quartel?
Jessica não se moveu, nem falou. Também não deu
nenhum sinal de ter escutado o que lhe dizia seu esposo.
― Que assim seja. ― Wolfe sentenciou em tom sombrio.
CAPÍTULO 4

As Montanhas Rochosas surgiam de forma abrupta atrás


da casa de Wolfe; suas ladeiras se achavam sulcadas pela
variação das estações, seus picos gelados estavam envolvidos
pelas nuvens, e suas saias se ancoravam firmemente nas
planícies que Jessica aprendera a amar durante as expedições
com seu tutor. Nunca estivera na casa de Wolfe, porque lorde
Stewart preferia caçar no Território de Wyoming. Ainda assim,
não esperava que fosse grande, pois sabia que a maioria dos
americanos não podiam se permitir a magnificência dos solares
familiares aos quais ela estava acostumada.
Porém, Jessica não imaginava o que significava viver em
uma casa pequena com seu esposo. Wolfe, sim. Estivera
imaginando sua consternação com verdadeiro prazer,
assumindo que aquilo lhe proporcionaria uma rápida vitória na
batalha pela anulação.
― Sua casa é muito bonita, mas... ― A voz de Jessica se
perdeu.
― Sim? ― Wolfe a animou a continuar, sendo consciente
do que a preocupava.
― Só há um dormitório.
Wolfe ergueu suas sobrancelhas em um gesto de irônica
diversão.
― Está certa?
― Muito. ― Jessica respondeu, voltando ao tom cortante
que se esforçava tanto para evitar. ― E dentro desse quarto só
há uma cama.
Ele assentiu.
Sorrindo e se esforçando para adotar um tom brincalhão,
Jessica fez a pergunta que a atormentava:
― Vai dormir sobre os salgueiros com os pássaros, em
plena natureza, como você tanto gosta?
― Porque precisaria fazer isso? A cama é grande o
bastante para os dois.
― Wolfe, falo sério.
― Eu também. Não sou um aristocrata, milady. Sou um
bastardo sem título. Na América, as classes mais baixas têm
um costume pitoresco: os casais compartilham o mesmo leito.
O coração de Jessica começou a bater freneticamente.
Juntou as mãos com força para ocultar seu tremor e sorriu de
forma persuasiva.
― Tenho certeza que está brincando.
Ele riu e disse com voz firme:
― Não, não brinco.
― Com certeza, sim. ― Jessica insistiu com voz suave
apesar da súplica que se lia em seus olhos. ― Nenhuma mulher
sofreria com a presença de seu esposo em sua cama todas as
noites.
― Não uma aristocrata, isso é verdade. ― Wolfe replicou. ―
Mas uma mulher do Oeste, sim. Pergunte a Willow Black. Ela e
Caleb compartilham a mesma cama noite após noite e,
acredite-me, não poderiam parecer mais felizes.
A nua melancolia na voz de Wolfe enfureceu tanto Jessica,
que esqueceu seu medo de compartilhar, não só o dormitório
com ele, mas também a cama.
― Outra vez Willow. ― Exclamou ocultando sua raiva sob
um suspiro. ― Que mulher virtuosa deve ser.
― Sim.
― Onde dormem as mulheres do Oeste que não são tão
perfeitas quanto ela? ― Jessica perguntou em tom suave. ― No
estábulo?
― Só se não assustarem os cavalos.
― Então, não poderei dormir lá. ― Tirou o chapéu e deixou
cair suas tranças meio desmanchadas. ― Quando os cavalos
olharem para os meus cabelos, pensarão que o feno está em
chamas.
De má vontade, Wolfe suavizou sua expressão. Nos dias
que seguiram o ataque da diligência, tinha sido impossível
estar com Jessica e não desfrutar de sua companhia.
Mostrava-se indefectivelmente alegre, agradável, encantadora e
inteligente. Conseguira que a viagem fosse prazerosa para
todos, com exceção de uma pessoa.
A exceção era o forte desconhecido loiro que só lhes dera
um nome: Rafe.
Wolfe e Rafe perceberam que acabariam se enfrentando,
se ambos tivessem permanecido fechados com uma alegre
jovem dançando entre eles. Sem trocarem uma só palavra a
respeito, Rafe passou o resto da viagem com o condutor. Na
segunda parada da diligência, comprou um cavalo e uma sela
de um nostálgico cidadão do Leste, e cavalgou para o pôr do sol
após expressar, uma vez mais, seu agradecimento a Jessica por
seus cuidados como enfermeira.
Para Wolfe pareceu que Rafe se mostrava muito
agradecido com ela. Observar como Jessica seguia com o olhar
àquele homem de voz suave até ele desaparecer sob a
incandescente luz do sol, fez que se sentisse profundamente
magoado. Não podia evitar se perguntar se também havia
olhado assustada para Rafe como fez com ele, quando
despertou na diligência e se encontrou em seus braços.
― Pode dormir em minha cama como uma esposa do
Oeste, ou pode dormir em frente à lareira do salão como se
fosse meu cachorro preferido. ― Wolfe esclareceu friamente. ―
Você decide. Assim como decidiu que nos casássemos.
Jessica se obrigou a sorrir.
― Isso é muito generoso de sua parte. Sei quanto você
gosta dos cachorros.
Wolfe apertou os olhos, mas antes que pudesse dizer algo,
Jessica se virou e observou o dormitório uma vez mais. A
princípio, não o olhava realmente, mas, pouco a pouco, as
linhas e cores foram cativando-a como fizeram à primeira vista.
O dormitório era como o próprio Wolfe: sóbrio e muito
masculino. Possuia a elegância de um falcão ou um puma;
uma estranha mistura de equilíbrio e força, mais do que
delicadeza.
Assim como o exterior da casa, as paredes do dormitório
eram feitas de troncos sem casca. O interior fora lixado e polido
até conseguir um suave acabamento, que dava ao quarto um ar
acolhedor e sutilmente suntuoso. Mesmo os móveis sendo
desenhados por um homem que amava destacar as linhas e a
riqueza da madeira, a severa simplicidade do desenho era
quase surpreendente para os olhos de alguém acostumado ao
luxo europeu.
No entanto, as linhas da cama, do armário, da mesa e da
cadeira atraíam a atenção de Jessica uma e outra vez.
Cativavam-na. As mantas de bonitas cores e a pálida e
luminosa colcha de pele, dobrada aos pés da cama, poderiam
ter pertencido a um duque por seu luxuoso aspecto. No criado
mudo, como se fosse um ramo de flores, repousava uma peça
de cristal em forma de sol, mas, diferente das flores, o cristal
nunca murcharia, nem morreria.
― Tem um agudo senso da textura e de proporção. ―
Jessica comentou em voz baixa. ― O dormitório é muito bonito.
Os móveis são..., extraordinários.
― Está sendo sarcástica, lady Jessica? ― Wolfe respondeu
dando uma olhada ao dormitório.
Ela ficou olhando-o, surpresa por seu tom mordaz. Antes
que pudesse falar, ele continuou.
― Os móveis foram de um membro da seita dos Shaker,
famosa pela austeridade e sua simplicidade, que os fez, em
troca de comida e alojamento durante um inverno
especialmente longo. As mantas, assim como a de pele, não
têm nada de especial; provém da companhia Hudson Bay.
― Se quisesse ser sarcástica, ― Jessica respondeu
asperamente ― não precisaria me perguntar. Você saberia.
― Verdade? Então me diga o que vê neste dormitório que
possa agradar a uma dama tão bem educada como você.
― Muitas coisas. ― Jessica respondeu, aceitando o tácito
desafio. ― As linhas dos móveis são simples até o ponto de
serem austeras o que ressalta: a atração quente do fogo, as
ricas cores das mantas e a atraente textura da pele. A lareira é
muito engenhosa, porque está situada de tal forma que fornece
calor a dois aposentos ao mesmo tempo. E o que há atrás do
biombo é uma banheira?
― Sim.
― É muito grande.
― Eu também sou.
Wolfe observou como Jessica passava os dedos pelas
costas de uma cadeira próxima.
― Tem tudo o que necessita para sua comodidade, além de
ser bonito. ― Disse em voz baixa. ― Quem fez isto era um
magnífico artesão que amava a madeira. Observe como se
ajustam as veias da madeira, como seguem as linhas das
cadeiras.
Wolfe via alguma coisa mais que aquilo. Via a
sensualidade latente em Jessica, o evidente prazer que lhe
aportava o contato da suave madeira sob seus dedos.
― E a pele, ― acrescentou se aproximando aos pés da
cama ― é magnífica.
― É de raposa ártica. Vivem aos pés dos glaciares cujas
aberturas são da mesma cor azul que seus olhos.
― É uma cor bonita? ― Ela perguntou suavemente.
― Sabe que é.
― Nunca me pareceu.
Jessica afundou seus dedos na grossa pele branca,
buscando e encontrando suas suaves texturas. O gemido de
prazer que deu ao acariciar a pele deixou em alerta todos os
famintos sentidos de Wolfe. A ideia daqueles finos dedos se
enroscando em seus cabelos, provocou uma onda de desejo
percorrendo seu corpo.
Virou, afastando-se bruscamente.
― Trarei seus baús para cá. Independentemente de onde
decida dormir, usará este quarto como trocador.
Jessica ergueu a cabeça com curiosidade, surpresa pelo
tom rouco na voz de Wolfe.
― Enquanto termino de descarregar as coisas, ― Wolfe
continuou. ― comece a preparar um jantar frio e um pouco de
café quente. As provisões estão nos sacos. Esvazie-os e guarde
tudo; assim saberá onde encontrar as coisas quando necessitar
delas para cozinhar.
― Wolfe. ― Jessica exclamou com rapidez.
Ele se virou.
Jessica ia explicar que não fazia a mínima ideia de como
preparar um jantar, fosse frio ou quente, mas o ar de
expectativa de sua postura, a fez saber que estava esperando
aquela oportunidade, para zombar dela novamente por sua
incompetência como esposa. Não estava certa se seus nervos
suportariam naquele momento.
A longa e desconfortável viagem na carroça desde o
terminal da diligência em Denver pusera à prova as forças de
Jessica e a levara até o limite. Estava apertada, gelada,
magoada e mais cansada do que já estivera antes. Mas
esperava-se que ela fosse risonha e preparasse uma comida à
pessoa mais exigente que já conhecera: seu esposo.
― Sim? ― Wolfe perguntou com voz suave.
― Só... só me perguntava onde deveria por minhas roupas.
― Como não sabia que voltaria com uma esposa da
Inglaterra, não comprei nenhum armário. ― Seu sorriso era
uma fina linha branca ressaltando em seu escuro rosto. ―
Também não importa, porque não ficará o tempo suficiente
para se desfazer de um baú.
― Oh, isso significa que logo faremos outra viagem? ―
Jessica perguntou com um tom forçadamente alegre.
― Nós, não. Você. E será de volta a Londres.
― Ah, essa viagem! Bem, já sabe que não é bom adiantar
os acontecimentos. Eu em seu lugar eu não teria muitas
ilusões.
Wolfe observou o radiante sorriso de Jessica e sentiu que
começava a perder a paciência. Se ela tivesse se aborrecido ou
queixado, poderia tê-la repreendido, mas sua inesgotável fonte
de alegria tornava isso impossível. E o pior era que ela sabia
tão bem quanto ele. Talvez, até mesmo fosse mais consciente
daquilo que ele mesmo.
― A cozinha, milady, está atrás dessa porta.
― Claro. Já imaginava.
Segurou a saia do destruído traje com as mãos e se
aproximou da entrada, onde permanecia de pé, seu pouco
disposto esposo.
― O jantar deveria estar pronto em uma hora. ― Wolfe
anunciou enquanto metros de suave lã tocavam suas coxas
enrijecendo todos os músculos de seu corpo. ― E espero que o
café esteja pronto muito antes.
― Não se preocupe, estará.
Mas não estava tão segura que fosse assim. O piso da
cozinha era de ladrilhos e havia armários por todas as partes,
uma bomba de água, uma pia e uma grande estufa. E ao longo
do piso da cozinha, se achavam alinhados os sacos com as
provisões. Era evidente que a mesinha colocada em um canto
fora fabricada pelo mesmo artesão que desenhara os móveis do
dormitório.
Agora que Wolfe não estava presente para avaliar o estado
de ânimo de Jessica, seu sorriso desapareceu como se nunca
houvesse existido. Em lugar de sua decidida alegria, se refletia
em seu rosto um cansaço físico, que convertia em um suplício
o simples fato de se manter em pé. Mentalmente também não
possuia mais forças. E o que era pior: não existia nenhum
alívio à vista. Não importava que se esforçasse em conseguir
algum simples calor humano em Wolfe, desde o ataque dos
índios, se mostrava brusco, intratável, frio e impossível de
satisfazer. E se aquilo não fosse suficiente, o vento não deixava
de gemer sobre a terra. Quando estava sozinha, podia ouvi-lo
com terrível clareza.
A solidão se convertera em sua constante companheira,
sobretudo, quando Wolfe estava perto. Automaticamente, levou
a mão ao peito. Sob a roupa, o camafeu estava pendurado
oculto entre as suaves dobras da renda. O contato com o colar
a tranquilizou.
― Bem. ― Jessica disse, obrigando-se a impregnar de
alegria a sua voz, pois qualquer coisa era melhor que o horror
que se aproximava arrastado pelo vento. ― Onde se supõe que
escondeu a cafeteira? E que aspecto se supõe que deva ter?
O agudo uivo do vento lhe ofereceu mais respostas do que
Jessica desejava ouvir. Apressadamente, procurou tateando, os
fósforos e acendeu uma lâmpada, pois Wolfe havia fechado as
janelas antes de ir para Londres. Vira uma multidão de criados
acenderem diferentes lâmpadas ao longo de sua vida, mas
precisou tentar várias vezes até acertar a combinação do fogo,
mecha e azeite. A fumaça que a lâmpada começou a soltar
quando finalmente a acendeu, a aborrecia, mas era melhor que
nada.
O vento soprava sobre o telhado e fazia a tampa do
conduto da estufa bater e soar como o arrastar de correntes
longínquas, que lhe recordavam sua infância na Escócia,
quando se escondia na cozinha com as donzelas porque não
podia suportar mais os sons que saíam dos aposentos de seu
pai. Fazia muito tempo que Jessica não pensava naquelas
coisas. Não desejava começar agora.
Cantarolando para silenciar tanto o vento quanto as suas
sinistras e comoventes lembranças, Jessica se pôs a trabalhar.
A canção que cantarolava era sua favorita. Tratava-se de uma
canção popular escocesa. A letra sempre lhe parecera muito
simples, mas a melodia possuia uma delicada cadência que a
animava. Quanto mais violentamente soprava o vento, mais
alto Jessica cantava, enquanto abria e fechava os armários em
busca da cafeteira.
Depois de ter aberto todos os armários e de revisá-los
enquanto segurava a fumacenta lâmpada na altura dos olhos,
continuava sem encontrar nada que se parecesse a aquele
elegante recipiente de prata de lei, com o qual os serventes de
lorde Robert serviam o café. Também não encontrava nada
parecido às pequenas cafeteiras baixinhas e gordas, também de
prata, ou as taças finíssimas de porcelana que se usava para
servir o chá no dormitório.
― Maldição! ― Murmurou.
Jessica começou de novo a procura e a canção. Quando
estava a ponto de abrir outro armário, sentiu que não estava
sozinha na cozinha e virou sobre seus pés.
Wolfe estava apoiado na soleira da porta, com os braços
cruzados sobre seu peito e uma estranha expressão iluminava
seu rosto.
― Essa canção... ― sussurrou.
― Bonnie Laddie, Highland Laddie. É uma canção um
pouco tola sobre um escocês que usa um boné.
Wolfe limpou a garganta e tentou reprimir a risada que
lutava para sair de sua garganta.
― Sim, claro. Faz muito tempo que não ouvia a letra
original. Eu havia esquecido.
Ele soltou um som estrangulado e desviou seus olhos por
um momento.
― Está bem, Wolfe?
Em silêncio, Wolfe resistiu a sorrir.
― Já sei que não tenho uma voz prodigiosa, ― Jessica
murmurou, sorrindo com ironia ― mas até agora ninguém
havia rido dela, mas se lhe parece divertido, cantarei mais
vezes.
― Duvido muito que a letra que você conhece seja tão
divertida quanto a que eu me lembro. ― Wolfe observou como
Jessica inclinava a cabeça e o olhava com seus olhos cor de
água-marinha, muito abertos. ― Parece um gato quando me
observa com tanta calma.
A intensidade dos olhos de Wolfe deixou Jessica sem
respiração. Notava uma estranha sensação na boca do
estômago, como se ele estivesse acariciando seus cabelos. Mas
não a estava tocando. Só a observava.
Fazendo um grande esforço, se obrigou a falar.
― Como é a letra que você conhece?
― É muito longa.
― Melhor. Ensine-me e a cantaremos juntos.
Wolfe apertou seus lábios para conter o sorriso que
ameaçava vencer seus esforços para se controlar.
― A letra que eu conheço a deixaria horrorizada.
― Por quê?
― Fala do bastão de Adão, entre outras coisas. ― Wolfe
respondeu sem mostrar nenhuma emoção.
Jessica parecia perplexa.
― Porque teria que me horrorizar falar do bastão de Adão?
― Também é conhecido como a enxada, a vara de pescar,
a baqueta do tambor, a vela romana, o ferro de marcar, a
adaga, a espada, a varinha de vidente, o bastão, a pistola e,
ultimamente, o rifle de repetição. ― A voz de Wolfe vibrava,
tentando reprimir a risada. ― Também tem outros nomes.
Muitos mais. E cada um, é um verso da canção que cantava.
Jessica franziu o cenho.
― Uma ferramenta que serve para muitas coisas, não é?
Wolfe se rendeu afinal, jogou a cabeça para trás e riu sem
poder se conter.
Aquele profundo e masculino som fez Jessica se sentir
como se estivesse perto de uma fogueira, conseguindo fazer
parte da tensão que a agoniava desaparecer. Foi inundada por
uma sensação de alívio que quase a enjoou e que a fez ser
consciente do quanto havia temido não conseguir fazer seu
esposo sorrir nunca mais.
― Como você disse, ― Wolfe conseguiu dizer finalmente. ―
é uma ferramenta com múltiplas utilidades. Por sorte, Eva era
igualmente bem dotada.
Jessica piscou.
― Como?
― O bastão de Adão possuia seu complemento em Eva.
― Não entendo.
― Eva dispunha de um campo fértil que Adão podia
cultivar, ― Wolfe explicou sério. ― Um tanque onde podia
pescar, um poço muito profundo que precisava descobrir com
sua vara de mago, uma suave bainha para que seu punhal ou
espada descansassem dentro... Ah, vejo que o entendimento
começa a iluminar seu rosto.
Jessica se ruborizou e cobriu a boca com as mãos, mas
não conseguiu evitar que se escapassem algumas risadas. Sua
risada era contagiosa e fez Wolfe explodir de novo. Logo,
Jessica ria tanto que teve de se apoiar na porta de um armário
para não cair.
Wolfe não estava em melhores condições. Fazia anos que
não zombava de Jessica até o ponto de ambos ficarem
esgotados de tanto rir. Não percebera, até aquele momento, do
quanto sentira falta daquilo.
― Senti sua falta. ― Confessou antes de poder pensar
duas vezes.
― Não tanto quanto eu de você.
― Você sentiu minha falta?
― Oh, sim. ― Ela respondeu secando as lágrimas que
caíam por suas faces de tanto rir. ― Quando está comigo,
nunca ouço o vento.
― Que estranha razão para sentir falta de alguém.
― As elfos são criaturas estranhas.
Wolfe ficou olhando as portas dos armários abertos.
― Sim, são. Porque abriu todos os armários, pequena elfo?
― Procurava a cafeteira.
― Está sobre a estufa.
Jessica se ergueu e olhou fixamente a pançuda estufa.
Não viu nada mais que um recipiente amassado que parecia
uma jarra alta e bem estreita. Era mais larga na parte de baixo
que na parte superior e possuia uma leve protuberância na
borda. Uma asa metálica sobressaía por cima da tampa.
― Uma cafeteira sobre a estufa. ― Disse em tom neutro.
― Mmm...
O som que Wolfe soltou era parecido ao que faria um
grande gato satisfeito. Jessica o olhou por baixo de seus
espessos cílios avermelhado.
― E como funciona esta cafeteira?
― É muito fácil. Você a enche de água, a coloca na estufa
até ferver, acrescenta o café, deixa ferver um pouco mais e
acrescenta um pouco de água fria para que o café se deposite
no fundo.
― Ah! ― Sussurrou animando-se. ― É realmente simples.
Jessica se aproximou da estufa, tirou a tampa e procurou
ao seu redor uma jarra de água. Não havia nenhuma.
― A água sai da bomba. ― Wolfe comentou. ― Estou certo
que sabe que aspecto tem uma bomba, certo?
― Está zombando de mim?
― Não sei. As elfos são criaturas imprevisíveis. É difícil ter
certeza do que sabem.
Jessica nunca havia usado uma bomba de água, mas vira
como os outros faziam. Aproximou-se da pia, colocou a
cafeteira debaixo do cano da bomba e ergueu a longa alavanca.
Precisou ficar nas pontas dos pés para erguê-la ao máximo.
― Espere.
Jessica ficou imóvel, cambaleou e começou a perder o
equilíbrio. Antes que pudesse cair e fazer a alavanca descer
sem querer, Wolfe correu para ela e a pegou. Ela soltou um
gemido de surpresa.
― Esqueceu algo. ― Ele disse com calma, levantando-a até
que sua cabeça esteve ao nível da dele.
Jessica ficou olhando os olhos azuis escuros que estavam
a poucos centímetros dos seus, e perguntou:
― O que esqueci?
― Não cevou a bomba.
O olhar de perplexidade que Jessica lhe dirigiu, fez Wolfe
entender que não sabia do que ele falava. Começou a baixá-la,
mas ter sua fina e quente cintura entre suas mãos o fazia se
sentir muito bem para deixá-la ir ainda.
― Vê esse jarro de água junto à bomba? ― Perguntou.
Sua voz, que se tornara mais profunda, agitou os nervos
de Jessica de uma forma que a fez tremer, e só lhe permitiu
assentir brevemente. Moveu-a de repente, virando-a e
colocando-a de costas para ele. O gemido entrecortado de
Jessica ficou oculto sob as palavras de Wolfe.
― Pegue o jarro, pequena elfo.
Ela se inclinou sobre a estante e, ao se mover, apertou
suas nádegas contra os músculos de Wolfe. Ele fechou os olhos
e disse a si mesmo que deveria soltá-la. Em vez disso, apertou
mais suas mãos, saboreando sua suave calidez contra o
doloroso apetite masculino e a necessidade que se concentrara
entre suas pernas.
― Agora coloque a água na abertura da parte de cima da
bomba. ― Continuou em voz baixa.
Os movimentos de Jessica a aproximaram ainda mais da
faminta carne de Wolfe. A água salpicou e bailou brilhando sob
a luz da lâmpada. Ainda que um pouco tarde, Wolfe recordou
afinal o que se supunha que deveria fazer. Voltou a mudar
Jessica de posição, mantendo-a encostada ao seu corpo com
um braço enquanto com o outro movia a alavanca da bomba.
Em seguida, a água saiu aos borbotões indo parar na cafeteira
até transbordar.
― A isso, ― Wolfe disse, deixando que Jessica deslizasse
por seu corpo até tocar os pés no chão ― se chama cevar uma
bomba.
Arrependido, percebeu que a bomba não fora a única que
fora alimentada durante a lição, mas não podia culpar Jessica
por isso. Ela não era consciente do que fazia quando apertou
as nádegas contra sua carne ereta, até conseguir sentir a forma
de seus quadris debaixo das dobras do tecido de sua saia.
― Porque fez isso? ― Ela perguntou.
Por um momento, Wolfe pensou que Jessica se referia ao
modo como a sustentara enquanto lhe ensinava a lição. Depois,
entendeu que se referia a bomba. Abriu a boca para responder,
mas a ideia de explicar a uma elfo inocente as complexidades
da sucção, da pressão e do bombeamento que faziam parte do
mecanismo enquanto, ao mesmo tempo, seu corpo ardia de
paixão, o superou.
― Pense nisso como em um ritual religioso. ― Respondeu
finalmente.
Jessica jogou sua cabeça para trás para poder olhá-lo, e
voltou a ter consciência da corpulência de seu esposo. No
entanto, estar entre seus braços não a assustara, nem a fizera
se sentir incômoda. Pelo contrário, havia gostado, assim como
gostava de olhar as profundezas de seus olhos tão de perto e
sentir o calor de seu peito no rosto. A poderosa força de seu
braço segurando-a, fora até mesmo mais atraente que o
movimento de seu corpo, enquanto acionava a bomba. A ideia
de que voltasse a segurá-la daquele modo fazia doces
sensações a percorrerem.
― Um ritual religioso. ― Jessica repetiu atordoada.
― Devo ter soltado o louro quando desempacotei sua sela.
Rindo em voz baixa, Jessica balançou a cabeça.
― Cevar a bomba é um ritual religioso, soltar o louro
enquanto desempacotou minha sela... Oh, Wolfe, acredita que
perdemos o juízo por causa da longa viagem?
― Muito provavelmente.
Por um momento, ela submergiu na profundeza de seus
olhos e sentiu como aumentava a suave sensação que surgia
na boca de seu estômago.
― Você provoca reações muito curiosas em meu estômago.
― Comentou com voz rouca.
― Náuseas, perda de apetite? ― Wolfe tentou adivinhar
com ironia.
― Nada mais longe. Faz-me sentir como se eu tivesse
engolido borboletas douradas.
A inocente confissão obrigou Wolfe a fechar os olhos,
porque se continuasse olhando para ela, estenderia a mão para
traçar as delicadas curvas de seu lábio superior com os dedos
e, depois o faria com a ponta da língua. Se já foi muito difícil
afastar suas mãos dela, seria impossível evitar, se continuasse
observando-o com olhos luminosos e cheios de assombro,
enquanto lhe falava dos primeiros tremores da paixão que ele
despertava em seu corpo intacto.
O desejo o agitava em fortes ondas, mas permaneceu
imóvel. Se a tocasse, não sabia se poderia se controlar. Se
respondesse a uma carícia com o riso ou com a honestidade
que acabava de mostrar, não poderia parar de acariciá-la até se
encontrar em seu interior. Então, o casamento seria muito real.
Ela se veria amarrada para sempre a um caçador mestiço do
Oeste e ele a uma jovem que sentia medo de virar mulher.
― Acredito, ― Wolfe anunciou abrindo os olhos. ― que já é
hora de continuar lhe ensinando como fazer café. Há muita
água na cafeteira. Coloque a sobra na jarra para cevar. E na
próxima vez, encha primeiro a jarra.
― Por quê?
― Porque se estiver vazia, precisará ir até o manancial
buscar água antes de poder tirá-la da bomba.
― Devo despejar a água na bomba antes de conseguir tirar
água dela. ― Jessica balançou a cabeça. ― Isso não faz sentido.
― A maioria dos rituais não têm sentido.
― O que acontece se eu bombear sem acrescentar água
antes?
― O mecanismo não foi feito para funcionar a seco. Ficaria
estragado.
― E você se irritaria. ― Jessica supôs.
― Pode estar certa disso. E também irritaria Reno. Foi ele
quem me ajudou a colocar a bomba.
― É um vizinho?
― Não. ― Wolfe respondeu. ― Procura tesouros espanhóis
no deserto quando não está com Willow nas montanhas de São
João.
― Verdade? E o que Caleb pensa disso?
― Parece-lhe bem.
― Isso..., isso é bastante curioso.
― Reno é o irmão de Willow.
Jessica piscou e sussurrou:
― Deve ser desalentador ser irmão de alguém tão perfeito.
Wolfe aproximou a cafeteira de Jessica e assinalou à
estufa. Quando a colocou sobre ela, a água salpicou na
superfície negra.
O ferro fundido estava frio. Após apalpar a portinhola da
estufa, tateando durante um tempo Jessica conseguiu abri-la e
olhar em seu interior. Os gravetos para acender o fogo estavam
colocados de forma metódica.
― Procura isto? ― Wolfe perguntou.
Jessica se ergueu. Ele segurava uma taça cheia de
fósforos que pegara de uma estante próxima da estufa.
― Sabe qual ponta deve esfregar contra o ferro, certo? ―
Perguntou secamente.
― O lampião não se acendeu sozinho. ― Ela apontou.
Wolfe olhou o lampião que fumegava alegremente sobre o
banco.
― Já vejo. Planejava fazer pescado defumado na lareira?
― Não seja tolo. Eu sei diferenciar entre um lampião e um
defumador de pescado.
Jessica esfregou um fósforo sobre a parte superior da
estufa. Quebrou e pegou outro da taça de estanho.
― Por outro lado, a fumaça não é culpa minha. ―
Murmurou enquanto fazia nova tentativa. ― A única coisa que
fiz foi acender o lampião.
O fósforo não se acendeu. Tentou outra vez apertando
mais forte, mas não surgiu nenhuma faísca da ponta.
― A fumaça se deve ao azeite que se utiliza.
― Não, é pela mecha que utilizou. Não tem o comprimento
certo. ― Wolfe explicou. ― Se a recortar como deve a lâmpada
não soltará fumaça.
― Então, corte-a bem. ― Ela falou.
Jessica deslizou o fósforo sobre a estufa uma vez mais. A
cabeça do fósforo se acendeu e se quebrou ao mesmo tempo,
fazendo uma chuva de enxofre em chamas cair sobre sua saia.
― Maldição! ― Sussurrou enquanto sacudia as faíscas.
Quando Wolfe acabou de ajustar a mecha devidamente, se
aproximou de novo da estufa. Jessica acabava de partir pela
metade outro fósforo tentando acendê-lo sobre a parte suave e
gordurosa da superfície metálica da estufa. Sussurrando uma
maldição, pegou outro novamente do monte cada vez mais
reduzido na taça.
― Aqui. ― Wolfe disse adiantando-se a Jessica e colocando
a mão sobre a dela. ― Pegue o fósforo com força. Agora passe
pelo ponto onde o fogo ardeu com mais força na última vez. O
metal está limpo aí. Não há fuligem, nem gordura que estrague
a ponta do fósforo.
Enquanto falava, arrastou a mão de Jessica pela estufa
com um golpe rápido e firme. O fósforo ardeu no instante.
― Entendeu?
Jessica olhou para Wolfe por cima de seu ombro. O fósforo
aceso se refletia em seus olhos. O contraste entre a chama e o
azul escuro a cativou, assim como seus longos cílios negros e o
pronunciado arco de suas sobrancelhas. A intensidade e
inteligência de seus olhos eram mais brilhantes e até mais
sedutores que a dança da chama.
De repente, voltou a notar em seu estômago aquelas
estranhas e trêmulas sensações.
― Jessi?
― Sim, entendi.
― Certeza? Parece um pouco desconcertada.
― Só um pouco impressionada.
― Por acender um fósforo?
Ela sorriu de forma estranha.
― Não, por você. Acabo de notar como você é bonito.
Wolfe abriu os olhos levemente e depois os apertou. O
pulsar em sua garganta se acelerou.
― O que quero dizer é que sempre soube que você era
bonito. ― Jessica continuou, tentando se explicar. ― Durante
anos, todas as mulheres, desde as duquesas até as donzelas,
falavam sem parar sobre seu aspecto, mas nunca havia me
fixado realmente. É bastante desconcertante ver você, de
repente, como elas devem ter visto sempre. ― Jessica riu
hesitante. ― Não me olhe assim. Já me sinto bastante estúpida.
Como deixei passar por alto algo tão óbvio para tantas
mulheres? Ai!
Jessica sacudiu a mão quando a chama queimou sua
pele. Levou os dedos à boca soltando o fósforo ainda aceso
sobre a estufa.
― Está bem? ― Wolfe perguntou.
Jessica soprou as pontas dos dedos antes de olhá-los com
olhos críticos.
― Só estão um pouco chamuscados.
― Deixe-me ver.
Ele ficou olhando as pontas de seus dedos, então
aproximou a cabeça e com ternura passou a ponta da língua
sobre eles. Quando voltou a levantar a cabeça, Jessica o
observava com uma expressão que tanto podia ser de espanto
quanto de desgosto.
― Não precisa me olhar tão horrorizada. ― Wolfe exclamou
de forma cortante. ― É só uma forma de fazer você esquecer a
dor.
Jessica abriu a boca, mas não soube o que dizer. Ambos
notaram como um calafrio a percorria. Wolfe se virou e
acendeu outro fósforo com um rápido movimento da mão.
― Vá desfazer sua bagagem, milady. ― Ordenou-lhe
enquanto acendia o fogo com o fósforo. ― O Visconde Selvagem
vai preparar o jantar hoje.
Jessica estremeceu. Não percebeu como a voz de Wolfe
havia se tornado quente e carinhosa até que a comparou com
seu atual tom glacial e distante.
― Wolfe, o que eu fiz?
― Quando terminar com a bagagem, assegure-se de pegar
alguns dos lençóis de linho, dignos de uma princesa, e prepare
uma cama junto à lareira. Uma puritana como você não vai
querer fazer algo tão monstruoso como dormir com um homem
e, muito menos, com um selvagem como seu esposo.
Wolfe se levantou. Atrás dele, as chamas do fogo
cresceram em intensidade.
― Mas... ― ela começou.
― Você me disse que quando eu me cansasse de sua
companhia você me deixaria sozinho. ― Wolfe a interrompeu,
fechando a portinhola da estufa, com uma pancada. ― Faça-o
então, lady Jessica. Agora.
Mesmo uma aristocrata como ela possuia algum juízo.
Segurou a saia e saiu correndo para o dormitório de Wolfe.
Mas, nem mesmo ali, encontrou paz.
O som do vento ressoava com força no silêncio.
CAPÍTULO 5

Wolfe observou como Jessica se ajoelhava sobre a tina de


lavar que se achava no barracão anexo a uma das paredes de
sua cabana.
― Penso precisa lavar a camisa, não rasgá-la toda. ― Wolfe
disse.
― Não vejo grande diferença no processo.
― Não da forma que você faz, claro. Diga-me, milady,
enquanto os serventes realizavam todas as tarefas domésticas
na casa de lorde Robert, o que você fazia?
― Lia, tocava o violino, supervisionava o serviço, bordava...
― Meu Deus. ― Wolfe a interrompeu. ― E não havia
nenhuma tarefa prática em sua rotina diária? Isso significa que
será capaz de arrumar as costuras que está destruindo com a
desculpa de lavar minhas roupas?
― O que prefere suas iniciais, um escudo de armas ou
flores no estilo jacobino bordadas nas costuras? ― Jessica
perguntou em tom agradável.
Wolfe deu um grunhido de desgosto. Ela nem mesmo se
dignou a levantar a cabeça da tina ou das ripas espaçadas do
galpão. Sabia o que veria se olhasse para seu esposo. Ele a
estaria observando com olhos frios e uma implacável careta de
desgosto desenhada na boca. Fora assim durante os três dias
que se seguiram desde o momento em que a surpreendera, ao
passar a ponta da língua por seus dedos queimados. E, ao
longo daqueles três dias, ela mantivera um sorriso cravado em
seus lábios até conseguir acabar com a face dolorida. Por azar,
naquelas alturas, o rosto não era a única parte do corpo que
doía. Estava tão exausta naquela tarde como estivera após a
viagem na diligência. Quando não estava bombeando água
para lavar e enxaguar as roupas, estava carregando um balde
após outro até à estufa para aquecê-la. De lá, levava os baldes
até o galpão, despejava a água na grande tina, se ajoelhava e
começava a esfregar e esfregar, cada peça de roupa. Precisava
repetir tudo por três ou quatro vezes até que as camisas
passassem pelo crítico exame de Wolfe.
― Acredito que essa pobre camisa não suportará que a
esfregue mais. ― Ele comentou.
― Eu acredito que sim, milorde. Ainda não está totalmente
limpa.
― Já é suficiente, lady Jessica. Essa é minha camisa
favorita. Willow a fez para mim, no verão passado.
O som de tecido se rasgando foi ouvido com toda clareza
por cima das últimas palavras de Wolfe.
― Jessica!
― Oh, vá! Olhe o que aconteceu. Eu pensava que uma
mulher tão inteligente quanto ela escolheria um tecido menos
frágil, não acha? ― Jessica tirou a camisa destruída da água e
a torceu com verdadeiro prazer. ― Mas não está totalmente
perdida, milorde. Será um maravilhoso trapo para limpar o
banheiro.
― Você! Pequena bruxa! Deveria...
Wolfe interrompeu suas palavras com uma maldição
enquanto se afastava para se esquivar, bem a tempo, de uma
corrente de água com sabão que saiu disparada quando
Jessica virou a tina.
― Perdão, você disse alguma coisa? ― Ela perguntou.
Um tenso silêncio se produziu enquanto marido e mulher
trocavam olhares. Então, Wolfe sorriu. Jessica, esperançosa,
lhe devolveu o sorriso.
― Acredito que seja hora de milady aprender a esfregar
alguma coisa mais duradoura do que uma camisa. ― Wolfe
anunciou.
― E do que se trata?
― Do piso.
O sorriso de Jessica diminuiu, mas em seguida voltou a
aparecer.
― Ah, outro pitoresco ritual típico de uma esposa do
Oeste. Agora entendo a razão porque os americanos não têm
serviçais. As esposas acabam sendo muito mais baratas.
― É uma pena que jogou a água fora. ― Wolfe continuou,
virando-se. ― Agora precisará bombear mais. Lembra-se onde
está a lenha, certo?
― Sim, muito bem.
― Então se levante e vá buscá-la.
― Por acaso pareço um cachorrinho, para que me dê
ordens dessa forma? ― Jessica murmurou.
Wolfe se virou.
― Apresse-se, meu cachorrinho ruivo. A luz do sol é grátis,
mas a dos lampiões é cara. Aqueles que não têm a sorte para
nascer dentro do seio da aristocracia, devem se preocupar com
esse tipo de coisas.
Levantar-se não foi tarefa fácil para Jessica. Com grande
esforço, Wolfe reprimiu um movimento instintivo para ajudá-la.
Em vez de fazê-lo, observou sem se mexer, como ela se
levantava com dificuldades.
Apesar de tentar por todos os meios permanecer
silenciosa, deixou escapar um gemido. Wolfe o interpretou
como um sinal de que estava ganhando a batalha. Pelo menos,
esperava que fosse assim. Não sabia quanto tempo poderia
continuar sem fazer nada enquanto as sombras sob os olhos de
Jessica se escureciam mais e mais. O duro trabalho doméstico
debaixo de sua crítica supervisão estava esgotando as poucas
forças que lhe haviam sobrado após a longa e extenuante
viagem até seu lar.
Mesmo que Jessica tivesse forçado Wolfe a se casar com
ela, guardava boas lembranças dos tempos passados, para se
alegrar escravizando-a daquela forma. Ainda assim, obrigou a
si mesmo a observar seus desajeitados movimentos sem
hesitar. Mostrava-se amável, poderia interpretar aquilo como
uma fraqueza, que só alongaria ainda mais o processo de
convencer Jessica do absurdo de seu casamento.
Mesmo se repetindo que precisava ser forte, ouviu a si
mesmo dizendo:
― Diga só uma palavra e suas delicadas mãos não
precisarão voltar a lavar.
Jessica se ergueu e suspirou.
― Na última vez que me fez essa oferta não gostou da
palavra que eu disse.
Bastardo.
Wolfe sorriu de má vontade ao recordar. Jessica notou
como se suavizava a expressão dele, e rezou para que ele
cedesse com respeito ao assunto de esfregar o piso.
Wolfe observou sua expressão cheia de esperança e soube
que não deveria se render. Em silêncio, pegou o balde e lhe
estendeu. Percebeu a consternação em seus olhos, e como suas
costas ficavam rígidas ao pegar o balde de suas mãos.
Não conseguiu evitar sentir admiração por ela. A firme
determinação de Jessica era maior que a de qualquer homem
que a dobrava em tamanho. Mas não importava sua teimosia,
sua resistência ficaria limitada por sua força. Afinal, utilizaria
aquela teimosia como uma arma contra ele. No final, ele
venceria.
A única coisa que deveria fazer seria suportar a
repugnância que sentia de si mesmo enquanto a esgotava.
― Jessica, ― Wolfe disse com suavidade. ― deixe disso já.
Não foi feita para ser a esposa de um plebeu e sabe tão bem
quanto eu.
― Melhor ser sua esposa do que a do barão Gore.
Wolfe perdeu o controle, porque não conseguia se forçar a
fazer nada a ela que pudesse igualar a brutalidade ébria do
barão Gore. Estava ficando sem argumentos que pudessem
convencer Jessica a pôr fim àquele absurdo casamento.
― Melhor para você, ― Wolfe respondeu friamente. ― mas
não para mim. Há muitas mulheres que seriam melhores
esposas do que você.
― Não conte com isso. ― Jessica respondeu enquanto se
afastava. ― As mulheres perfeitas não abundam.
― Não quero uma mulher perfeita. Quero uma esposa.
― Que sorte tem a virtuosa Willow de já estar casada.
Quebraria seu coração se descobrisse que nem mesmo sua
assombrosa perfeição basta para satisfazer você.
Primeiro Wolfe não entendeu ao que ela se referia. Quando
compreendeu, sorriu. Era o primeiro indício real de que Jessica
estava ressentida por seus frequentes elogios às habilidades de
Willow. Dera-lhe uma arma com a qual solapar a enorme
confiança que ela possuia em que seu casamento. Funcionaria.
― Willow é apaixonada. ― Wolfe respondeu. ― Mas isso é
algo que uma puritana como você não pode entender, e muito
menos igualar.
Não houve mais resposta do que o som da alavanca da
bomba da cozinha, enquanto Jessica bombeava a água para
esfregar o piso.

Para frente e para trás, para frente e para trás, submerja


na água, incline-se mais, um pouco mais, para frente e para
trás, para frente e para trás.
Jessica repetira tantas vezes aquele cântico silencioso em
sua cabeça que já não era consciente dele. Também não notou
que já era tarde. Seu mundo se reduzira a um espaço não
maior que a cerâmica ao alcance de sua escova.
Quando viu pela primeira vez a cozinha da cabana, se
surpreendeu com o quanto era pequena. Agora, parecia ter o
tamanho de um salão de baile.
Para frente e para trás, para frente e para trás.
Com o ocaso do dia, se ergueu um pouco de vento. Agora
gemia com força entre os beirais e xeretava com dedos
transparentes em cada espaço, procurando um lugar por onde
entrar. Jessica começou a cantarolar para silenciar os
espantosos e desalmados uivos que interrompiam até mesmo o
exausto sono ao qual ela sucumbia a cada noite. Não
importava o ímpeto com que cantarolasse, o som do vento era
cada vez mais forte.
Incline-se mais, um pouco mais.
A escova se movia lentamente sobre as cerâmicas apesar
do desejo de Jessica de acabar. Com desespero, notou que seus
braços haviam ficado sem forças. Apertou os cotovelos e deixou
cair todo seu peso sobre a escova, que rodou por seus dedos
cheios de sabão e escapou saltando pelo piso. Antes de
perceber, estava caída de bruços sobre as cerâmicas.
Quando Jessica finalmente deixou a escova para enxaguar
o piso com água limpa, já deveria ter começado a preparar o
jantar. Ainda que não se importasse. Dava no mesmo o que
preparasse, porque, de qualquer modo, Wolfe olharia como se
fosse alguma coisa arrastada de uma escarradeira até seu
prato.
― Bem, não posso culpá-lo por isso. Até um gambá
recusou o cozido que fiz ontem à noite. Mas também não é
culpa minha. Ninguém me disse que eu precisava tampar a
caçarola e ir acrescentando água enquanto cozinhava.
A lembrança do silencioso visitante noturno fez Jessica rir
apesar da constante dor que invadia seu corpo, enquanto
sacudia o que restava da sua elegante roupa de viagem. A saia
já não combinava com seus olhos cor de água marinha. Na
verdade, o tecido recordava mais um charco cheio de lodo, com
manchas negras onde seus joelhos se apoiaram contra o piso,
ou contra as ripas de madeira do galpão onde havia trabalhado
duro diante da tina de lavar.
― Maldição! ― Jessica murmurou. ― Deveria ter pegado a
roupa da donzela encarregada da limpeza e ter deixado a
minha na Inglaterra.
Aproximou-se da estufa, abriu a portinhola com a ajuda
de um gancho de metal e olhou no interior. Como sempre,
precisava acrescentar mais lenha. Sem dúvida, também seria o
caso da lareira do salão, que, graças ao engenho, servia para
aquecer também o dormitório. Sentira-se muito intrigada pela
lareira com dupla saída e pela mestria da pessoa que a havia
desenhado. Surpreendeu-se ao descobrir que Wolfe era essa
pessoa.
Depois de alimentar a estufa e a lareira para aquecer os
baldes de água que alinhara de ambos os lados para seu
banho, Jessica quase não tinha mais tempo para preparar algo
para o jantar.
― Maldição! ― Exclamou quando o punhal de cozinha
escorregou várias vezes de suas inexperientes mãos. ― Hoje
surpreenderei Wolfe. Esta noite jantaremos purê de batatas,
costeletas de porco fritas e cerejas em conserva. Poucas coisas
poderiam sair mal com aquele jantar. ― Deu um suspiro. ― Não
precisarei escutar os elogios de Wolfe para Willow Black, a
virtuosa das artes culinárias.
Jessica continuou falando sozinha enquanto trabalhava.
Falar a ajudava a manter o uivar do vento sob controle, pois
seus contínuos gemidos conseguiam minar sua compostura.
Sentiu-se agradecida quando a água, ao ferver com força,
acrescentou seu som aos ruídos da cozinha.
Logo o aroma das batatas cozinhando eliminou o aroma
acre da lixívia que havia invadido tudo, após esfregar
conscienciosamente as cerâmicas. O crepitar da frigideira de
ferro fundido ao ser colocada sobre a estufa soou quase alegre,
igual ao crepitar das costeletas quando a frigideira estava bem
quente para cozinhar a carne.
Cantarolando uma canção, apesar do esmagador cansaço
que se apoderava de seu corpo, Jessica cevou a bomba e
encheu uma enorme panela de sopa com água. Derramou uma
quarta parte ao aproximá-la da estufa, mas mal percebeu que
já havia o suficiente nos sete litros restantes. Abriu a
portinhola frontal da estufa, enfiou vários pedaços de madeira
e a fechou com uma batida.
― E agora o quê? ― Jessica se perguntou, repassando uma
lista mental. ― Ah, sim, devo preparar a mesa.
Outra toalha que se sujaria e deveria lavar pendurar para
secar e depois acrescentar ao grande monte de roupas que
esperavam para ser passadas. Graças a Deus que Wolfe não
insistira que passasse outra camisa depois da primeira. Como
ela saberia que o tecido se queimava tão rápido?
Jessica se aproximou do aparador, passou a mão por ele,
admirando o maravilhoso desenho e abriu uma gaveta. Para
seu alívio, ainda restava outra toalha. A que usaram na noite
anterior ficara perdida quando Wolfe cuspiu nela, o gole de café
que acabava de beber, enquanto afirmava que ela tentara
envenená-lo.
Fechando os olhos, Jessica recordou a si mesma que
algum dia tudo aquilo pareceria tão divertido para ela, quanto
parecia para Wolfe às vezes. Até aquele momento, precisaria
continuar sorrindo e aprendendo a desempenhar as tarefas o
mais rápido possível.
Não havia outra escolha. Cada vez que seu sorriso se
enfraquecia ou se mostrava como estava cansada, se virava e
encontrava Wolfe observando-a, catalogando cada sinal de
fraqueza, esperando o momento em que ela renunciasse a ser
sua esposa.
Diga a palavra, Jessica.
Já não precisava dizer em voz alta. Podia ler na linha que
seus lábios desenhavam, em como seus olhos a examinavam,
em sua atenção de predador observando seus fracassos, que
era como um vento gelado que a atravessava. No entanto, ela
não podia se render. Não importava quanto estivesse cansada,
ou quanto era difícil se adaptar a sua nova vida, como se
sentisse desesperadamente sozinha em uma terra estranha na
qual só possuia um amigo: Wolfe.
Wolfe, que a queria fora da sua vida.
― Nunca! ― Jessica jurou em voz alta. ― Você verá Wolfe.
Voltaremos a rir outra vez, voltaremos a cantar e a ler junto ao
fogo. Voltaremos a ser amigos. Você verá. Não pode ser de
outra forma. E se não acontecesse...
A garganta de Jessica se fechou. Precisava conseguir.
― Serei mais forte. ― prometeu ― Aprenderei. Qualquer
coisa que me aconteça aqui, no Oeste, não pode ser pior do que
aquilo que minha mãe sofreu, estando casada com um
aristocrata escocês, que só desejava dela um herdeiro
masculino.
O som do vento se converteu em um esmagador alarido,
no pranto de uma mulher que cedia ao desespero, que gritava
agonizante. Jessica levou as mãos aos ouvidos e começou a
cantar tão alto quanto conseguiu. O vento continuava gritando
imperturbável, porque não soprava na selvagem terra do Oeste,
mas em sua mente.
Com um grito sufocado, Jessica saiu apressadamente da
cozinha para comprovar o fogo da lareira. Acrescentou lenha,
depois entrou no dormitório e ficou olhando com nostalgia à
grande banheira. A ideia de vê-la cheia de água quente e
salpicada com gotas cheirosas de óleo de rosas fez um calafrio
de prazer a percorrer. Nunca se preocupara com o
extraordinário luxo que representava um banho quente. Agora,
sim. Desde que chegara à casa de Wolfe, Jessica tivera que se
conformar em se assear no lavabo antes de se vestir. Estava
muito ocupada durante o dia e muito esgotada à noite para
bombear água, esquentá-la e encher a banheira com ela.
Aquela noite o faria, ainda que tivesse que se arrastar
para isso. Não podia suportar passar outra noite sem um
banho de verdade.
Também olhou com melancolia à cama de Wolfe, que lhe
transmitia um suave convite, mas não queria manchar a
requintada pele com suas roupas sujas. Fazendo uma careta,
se sentou junto à lareira apoiando-se na pedra que o fogo havia
aquecido. As noites de sono constantemente interrompido
sobre seu duro colchão junto ao fogo, e os dias cheios de um
trabalho ao qual não estava acostumada, a estavam esgotando.
Quase imediatamente, adormeceu.
Os gritos de Wolfe vindos da parte dianteira da casa a
acordaram surpresa. A primeira coisa que viu foi uma nuvem
de fumaça que flutuava no teto e escapava por uma janela
aberta.
― Jessi! Responda-me! Onde está?
Fracassou em sua primeira tentativa em se levantar,
porque seus extenuados braços se negaram a colaborar. Em
sua segunda tentativa, teve mais êxito.
― Wolfe! ― Gritou com voz rouca pelo sono.
A porta principal se abriu de repente e Wolfe se jogou para
o interior. Seu sombrio rosto refletia uma profunda
preocupação.
― Jessi, você está bem? ― Gritou, dirigindo seu olhar para
a cozinha onde a fumaça era mais densa.
― Estou bem. ― Ela respondeu.
Wolfe se virou e viu Jessica de pé na entrada do
dormitório com os cabelos revoltos e os olhos muito claros, em
contraste com as escuras olheiras que os circundavam. Fechou
os olhos, relaxou os músculos e deixou escapar com violência
uma baforada de ar.
― Wolfe, o que acontece?
Seus olhos se abriram depressa. Eles estavam apertados e
emitiam um sinal de perigo.
― Pensei que a casa queimava, e você com ela.
― Que queimava? Oh, meu Deus, as costeletas!
Wolfe a seguiu até a cozinha. Quando Jessica alongou a
mão à frigideira, ele a afastou com um golpe.
― Não! Você se queimará!
Wolfe se dirigiu ao salão e voltou com umas pinças para
lareira. Ajudando com elas, conseguiu levar para fora a
fumegante frigideira e as costeletas que ardiam alegremente. Às
suas costas, Jessica suspirou fundo.
― Acredita que o gambá terá mais fome que ontem?
Wolfe demorou a se virar, já que não estava certo de poder
reprimir uma gargalhada. Ele também havia pensado o mesmo.
Mas compartilhar risadas com sua indomável esposa era
muito agradável, muito excitante, muito... viciante. Cada vez
que se permitia baixar a guarda, a animava a acreditar que
poderia vencê-lo. Não deveria consentir, porque aquilo não
aconteceria. Nunca aceitaria aquela farsa de casamento; o que
significava que qualquer ato amável de sua parte, seria, na
verdade, uma crueldade disfarçada, e só conseguiria alongar o
doloroso processo de convencer Jessica a aceitar a anulação.
Wolfe não queria prolongar aquele suplício nem um
segundo a mais. Não sabia quanto tempo mais poderia
continuar olhando a sua exausta e pequena elfo sem tomá-la
em seus braços.
Quando se virou para enfrentar Jessica novamente, ele
não mostrava nenhuma expressão em seu rosto.
― O que mais o gambá tem para jantar esta noite? ―
Perguntou em um tom cuidadosamente neutro.
Jessica lhe deu um sorriso forçado.
― Nada mais. Coloquei muita água nas batatas e ainda
não abri as cerejas em conserva.
― Enlatadas.
― O quê?
― Aqui se chamam cerejas enlatadas.
― Oh.
Wolfe podia ver como a ágil mente de Jessica tomava nota
das peculiaridades da fala para usá-las no futuro. Estava
perdendo os últimos traços de seu sotaque britânico e as
expressões típicas de lá, tão rápido quanto perdeu seu sotaque
escocês, quando a levaram à Inglaterra. Assim como Wolfe,
havia aprendido desde menina como era importante saber se
adaptar para sobreviver. Não podia mudar o fato de ser a filha
de uma mulher plebeia escocesa, assim como também não se
podiam alterar as circunstâncias do nascimento de Wolfe. Mas
ele sim podia mudar suas roupas e sua forma de falar,
dependendo do tipo de gente que encontrasse. E assim o fizera.
Poucas pessoas podiam ver além da aparência exterior a qual
Wolfe tão bem se adaptava. Aquilo lhe permitia se mover
livremente por onde desejasse. Pensava se Jessica havia
encontrado, ou mantido, uma liberdade pessoal similar, sob
uma aparência de conformidade. Suspeitava que sim. E não
gostava daquela ideia, pois faria sua luta contra a anulação
mais dura, já que a liberdade de Jessica dependia do mesmo
casamento que tanto limitava a dele.
Jessica atravessou a fumegante cozinha passando junto
ao seu silencioso esposo. Ele a seguiu, observando os
numerosos buracos que havia entre os diminutos botões às
suas costas. Não conseguira abotoar o vestido e o fizera da
forma incorreta. A raiva o invadiu diante da ideia de que
Jessica não suportava o contato das mãos dele sobre seu
corpo, a ponto de não lhe pedir ajuda para abotoar aquele
maldito vestido. Mesmo sabendo que deveria agradecer por não
ter se proposto a seduzi-lo em um casamento real e desastroso,
não ficava nada satisfeito com a aversão dela ele a que a
tocasse, nem mesmo da forma mais casual.
Maldita puritana. Porque me escolheu para atormentar
com esse corpo perfeito?
Através de seus olhos apertados, observou como Jessica
mantinha a porta da cozinha aberta para que a fumaça saísse
antes de entrar e comprovar as batatas. Ergueu a tampa e se
inclinou sobre a panela.
― Maldição! ― Murmurou com tristeza. ― Para onde
foram?
― Para onde foram quem?
― As batatas.
Wolfe olhou por cima da cabeça de Jessica. Não havia
nada visível que se parecesse a uma batata na água opaca.
― Ontem à noite as batatas estavam queimadas por fora e
cruas no centro. Esta noite conseguiu que desaparecessem.
― Não fazia nem ideia de que as batatas fossem hortaliças
tão perversas. ― Jessica murmurou.
― Não estranho que as pessoas deixem em suas portas
leite e biscoitos para as elfos. As muito inúteis morreriam de
fome se não fosse assim. ― Wolfe balançou a cabeça e olhou
para Jessica com evidente curiosidade. ― O que fez com as
cerejas enlatadas? Enterrou-as no sal ou na soda?
― Não é lógico que espere que eu aprenda em três dias o
que os cozinheiros experimentados demoram anos para
aprender. ― Jessica respondeu, mantendo o tom controlado de
sua voz com dificuldade. ― Estou me esforçando ao máximo
para ser uma boa esposa. De verdade.
― Estou começando a me assustar. O que aconteceu com
as cerejas?
Ela fez uma careta e finalmente precisou admitir.
― Não consegui abrir a lata.
― Por estas pequenas coisas, Senhor, estarei eternamente
agradecido.
Wolfe pegou um pano grosso para não se queimar, cobriu
a asa da panela e saiu pela porta traseira. Jessica escutou um
repentino silvo e uma explosão de vapor quando Wolfe virou o
conteúdo da panela sobre as fumegantes costeletas.
― Bon appétit, senhor gambá. ― Wolfe exclamou.
Aquelas sarcásticas palavras fizeram Jessica tremer.
Duvidava muito que o pequeno animal tivesse mais interesse
do que Wolfe por sua comida.
Então, percebeu que não sentia fome. Formara-se um nó
em seu estômago, a garganta doía e seus olhos estavam cheios
de lágrimas que não deveria derramar. Suspeitava, pela rigidez
dos ombros de Wolfe e de sua mandíbula quando entrou na
cozinha, que estava esperando um sinal de fraqueza de sua
parte. Ele não se abrandaria, não compreendia as dificuldades
que ela enfrentava não a consolaria quando tentasse fazer as
coisas e fracassasse de uma forma tão espetacular. Estava
impaciente para se desfazer de uma esposa que nunca
desejara.
Usando suas últimas forças, Jessica se endireitou, pegou
dois grossos panos e se aproximou da estufa. Mas quando
tentou levantar a grande panela de sopa cheia de água, seus
braços falharam antes de conseguir erguê-la um centímetro. O
recipiente caiu com estrépito sobre o negro metal derramando
parte de seu conteúdo no processo, e ela evitou se queimar com
a água fervendo, mais por sorte do que por outra coisa.
Apertando os dentes, pegou com mais força os panos e voltou a
se dirigir à grande panela, decidida a tomar um banho quente
custasse o que custasse. No entanto, sentiu como foi levantada
em um voo, e virada até se encontrar em frente aos olhos
enfurecidos de Wolfe.
― É muito estúpida para não saber que a água fervendo
levantará bolhas em sua aristocrática pele?
Como resposta às palavras de Wolfe, Jessica apertou os
olhos até se converterem em faíscas de cor azul gelo. Por um
momento, ela não respondeu, porque teve receio de começar a
gritar.
― Nem você é tão estúpido, milorde. ― Respondeu, por fim,
com suavidade. ― Mas, por acaso conseguiu ensinar a uma
panela fervendo que o siga como um cachorrinho caçador?
― Do que está falando?
― De levar uma panela de água da cozinha até a banheira.
― Respondeu sucintamente.
― Se acredita que pode acalmar minha raiva pelo jantar
oferecendo-me um banho quente...
Jessica abriu a boca para esclarecer que o banho era para
ela, não para ele, mas Wolfe começou a falar outra vez.
― Tem razão. ― continuou ― Tinha muito mais vontade de
desfrutar de um banho, do que de comer qualquer coisa que
você houvesse preparado. Foi um gesto muito inteligente de
sua parte perceber isso.
― As mulheres que não são perfeitas fazem o melhor que
podem. ― Jessica respondeu entre dentes.
― Recordarei enquanto você esfregar minhas costas. ―
Wolfe sorriu para a enfurecida jovem suspensa no ar e segura
por suas fortes e poderosas mãos.
― Diga-me, querido esposo, as mulheres virtuosas do
Oeste também são amazonas altas e fortes?
― Willow só é três ou quatro centímetros mais alta do que
você.
― Mas tem costas largas e braços fortes? ― Jessica
sugeriu com doçura.
― É tão delicada e feminina quanto seu nome indica.
― Então, como uma delicada mulher como ela enche de
uma só vez a banheira de água quente?
― Willow não precisa levar a água quente até a banheira.
A natureza o faz por ela.
― Eu sabia! ― Jessica sussurrou. ― É uma bruxa.
Wolfe apertou os lábios com força, decidido a não permitir
que Jessica o persuadisse com sua mente rápida e sua língua
ainda mais veloz.
― Não é nada tão sinistro. ― Disse com suavidade. ―
Caleb construiu seu lar junto a um manancial de água termal e
Reno instalou os canos que chegam até a casa.
― Na falta de um marido tão inteligente quanto Caleb e
um irmão tão habilidoso quanto Reno, preciso me arrumar
para levar a água quente até a banheira do modo habitual no
Oeste: balde a balde.
Wolfe avaliou a determinação nos olhos de Jessica e soube
que ela não se jogaria para trás naquela decisão. Podia
carregar a panela para ela ou não fazer nada e ver como ela
tirava os sete litros de água fervendo.
― Eu o farei. ― Grunhiu.
Dez minutos mais tarde, Wolfe havia enchido a longa e
estreita banheira, e colocara mais baldes para aquecer para o
banho de Jessica e jogado mais lenha na estufa. Quando
acabou, tirou as roupas e se afundou na água.
― Muito bem, milady. ― exclamou ― Venha lavar seu
esposo.
― O quê?
― Lave-me. ― Wolfe repetiu com impaciência. ― Isso é algo
que até mesmo você será capaz de fazer.
O incrédulo olhar no rosto de Jessica quando chegou à
porta do dormitório, deveria ter feito Wolfe rir. No entanto, o
enfureceu. Estivera desejando colocar em prática o conselho de
lady Victoria.
Ensine a esta pequena monja obstinada a não temer um
homem.
― Não se preocupe irmã Jessica, ― Wolfe disse de forma
cortante, colocando-se de costas para ela quando se aproximou
da banheira. ― lavar-me não fará que fique grávida.
Jessica não respondeu. Nem mesmo ouviu as palavras de
seu esposo. Ficara sem fôlego só em ver Wolfe nu, na banheira.
Estava muito atordoada na noite em que foi atacada pelo barão
Gore para perceber o magnífico corpo de Wolfe. Mas agora não
havia pânico, nem dor que a distraíssem. Agora não existia
nada mais que o bronzeado e úmido corpo de Wolfe brilhando
sob a tênue luz e se enrijecendo com cada movimento.
Um curioso calor se expandiu pela boca do estômago de
Jessica, que teve a estranha sensação de ter engolido uma
minúscula borboleta de asas formadas por chamas douradas.
Por um momento, recordou a fervente onda de calor e prazer
que a percorreu no hotel de St. Joseph, quando Wolfe escovou
seus cabelos.
Há paixão em seu interior, Jessi.
De repente, sentiu um calafrio de medo percorrendo suas
costas, fazendo desaparecer o suave calor que a dominara ao
ver Wolfe sentado na banheira.
Não pode ser paixão. Não sou um estúpido cordeiro que
vai correndo para o matadouro. Se noto algo estranho no
estômago é porque estou tão cansada que enjoo.
― Estou esperando, mulher. ― Wolfe insistiu.
Jessica abriu a boca, mas tudo o que saiu dela foi um som
entrecortado. A figura elegante e totalmente masculina de
Wolfe surgia da fumegante banheira, como uma escultura feita
por um artista italiano, serena, poderosa, de fortes músculos.
A luz das velas bailava sobre sua reluzente pele como a luz
do sol faria sobre a água, acentuando o jogo dos músculos sob
a macia pele. A combinação de poder e beleza fez uma nova
onda de calor invadir Jessica, deixando-a sem respiração.
Quase podia sentir as mãos de Wolfe sobre ela. Só pensar
naquilo a assustava e a fascinava ao mesmo tempo. Com dedos
trêmulos, Jessica pegou um pouco do suave sabão com aroma
de rosas e começou a espalhar pelos cabelos de seu esposo. Por
alguns segundos, reinou um silêncio só interrompido pelo som
da água ao salpicar, quando Wolfe se mexia na banheira e pelo
suave rumor dos dedos de Jessica ao espalhar o sabão pelos
negros cabelos.
Poucas partes do corpo de Wolfe eram visíveis, com
exceção de sua cabeça, seus ombros e boa parte de suas
costas. Do resto de seu corpo só podia distinguir uma borrada
mancha dourada sob a água, que pareceria negra se não fosse
pela espuma do sabão e o brilho da luz das velas sobre sua
superfície. Apesar da dor que invadia seus braços após horas
de esfregar o piso, Jessica descobriu que gostava de lavar os
negros e espessos cabelos de Wolfe. Sentia um estranho prazer
fazendo aquilo. O calor e a suavidade da espuma deslizando
por suas mãos era outro incentivo. Quando desceu desde seu
couro cabeludo até a pele de seu pescoço, percebeu que
desejava acariciá-lo, pondo à prova sua força e resistência. A
dourada borboleta do estômago de Jessica estendeu de novo as
asas, fazendo o calor atravessá-la e o prazer a deixar sem
respiração.
Não, não é uma borboleta, pensou com dureza. É uma
mariposa. Uma estúpida mariposa que voa ao redor de uma
grande chama quente, sem saber nunca que o segundo
seguinte será o último!
O medo e a paixão batalhavam no íntimo de Jessica,
fazendo-a tremer. E, apesar de tudo, não conseguia evitar se
perguntar como seria girar e girar em espiral, cada vez mais
perto da chama, deixando que o fogo a consumisse até o mais
fundo de seu ser.
Wolfe se mexeu bruscamente, produzindo ondas que
lamberam as laterais da banheira. As lentas carícias dos dedos
de Jessica sobre sua cabeça estavam conseguindo que um
calor mais intenso que o da água se concentrasse entre suas
pernas.
― Estou fazendo certo? ― Jessica perguntou.
O som de sua própria voz a assustou. Era muito rouca,
refletindo assim a dura batalha que liberava o medo arraigado
e o florescente desejo. Gostava muito de tocar Wolfe. E, no
entanto, apesar do perigo, estava desejando se arriscar. Sentia-
se atraída irremediavelmente por sua proximidade.
― Sim. ― Wolfe respondeu. ― Está fazendo muito bem.
Sua voz era profunda, escura, cálida. Seu som acariciou
Jessica, cujos suaves dedos seguiam a linha do pescoço e dos
ombros de Wolfe. Podia sentir os poderosos músculos sob a
bronzeada pele. O poder que havia em Wolfe a cativava,
porque, ainda que para ele fosse tão normal quanto respirar,
para ela não fora real até aquele momento. E perceber aquilo
provocava tremores em seu íntimo.
― O que... o que fazia antes que eu viesse aqui? ― Jessica
perguntou atropeladamente.
Wolfe fechou os olhos e lutou contra a reação primitiva de
seu corpo, diante da rouca musicalidade de sua voz e da magia
de seus dedos. Então, encolheu os ombros e deixou de lutar
contra seu instinto, sabendo que não havia nada que ele
pudesse fazer para evitar.
― Caçava, comprava, vendia, criava e domava cavalos. ―
Respondeu.
As mãos de Jessica pararam.
― Mas aqui não há cavalos, excetuando o que você
comprou junto com o carro em Denver.
― Vendi todos os que eu possuia, exceto os melhores,
quando decidi ir à Inglaterra para assistir ao seu baile de
noivado.
― E onde estão aqueles que não vendeu?
― Deixei-os com Caleb. Passei a maior parte do ano nas
montanhas, ajudando-os a construir sua casa. Em troca, ele e
Willow cuidam de minhas éguas para mim. Além de cruzá-las
com seu garanhão árabe.
― São todas mustangs?
― Sim. Uma delas é um animal extraordinário, elegante,
forte, feroz e inteligente. É da cor do aço. A partir dela, criarei
minha futura manada.
― Quando vai trazer seus cavalos de volta?
― Não acredito que o faça. Esta parte das Rochosas está
se povoando muito. É hora de levantar o acampamento e me
mudar.
― Muito povoada? Brinca?
― Não. Geralmente, me dou bem com os rancheiros e os
soldados, mas as pessoas da cidade são muito intolerantes com
os mestiços. Se acontecer algo ruim, se apressam a procurar o
índio mais próximo para culpá-lo de qualquer coisa que lhes
ocorra.
As mãos de Jessica pararam.
― Isso é terrível.
Wolfe voltou a encolher os ombros.
― É algo humano. Se vivessem aqui o tempo suficiente,
poderiam conviver com a maioria das pessoas da cidade. O
resto lhes faria frente até que mudassem de opinião, lhes
fecharia a boca ou se largariam para algum outro lugar com
um clima mais saudável.
― Se pode fazer com que o aceitem, porque não fica?
― Meu nome cheyenne é Árvore Solitária, e corresponde
com minha forma de ser.
― Mas construiu uma casa muito acolhedora aqui.
― Construirei outra em qualquer outro lugar. Talvez sobre
a bacia hidrográfica da Grande Divisão, onde Willow e Caleb
possuem seu rancho. Com certeza é muito mais simples que ir
e vir frequentemente como tenho que fazer.
As mãos de Jessica ficaram tensas sobre os cabelos de
Wolfe.
Willow outra vez. Maldita mulher perfeita. Que
possibilidades tenho de convencer Wolfe sobre meu valor como
esposa quando ele sempre está pensando nela?
― Respire fundo. ― Jessica murmurou.
Antes de acabar a frase, empurrou a cabeça de Wolfe com
bastante força sob a água. Ele a tirou no instante e a balançou
como se fosse um cachorro, molhando-a no processo.
― Outra vez. ― Pediu com voz suave.
Jessica empurrou de novo com força.
Sorrindo para si, Wolfe deslizou sob a água uma vez mais.
Desta vez ficou submerso o tempo suficiente para inquietá-la.
― Wolfe?
Puxou seus ombros, mas ele não se mexeu.
― Wolfe, já chega. Wolfe? Está...?
A água saiu jorrando quando Wolfe tirou metade do corpo
da banheira, se virou e pegou Jessica mantendo-a suspensa no
ar sobre a água.
― Abaixe-me! ― Jessica exigiu sem fôlego.
― Será um prazer.
― No chão! Maldito demônio! No chão!
Mas Jessica ria tanto que não conseguia ficar em pé,
assim, Wolfe precisou segurá-la. Apoiou os cotovelos contra a
banheira, segurando-a, sorrindo, insultando-se sem cessar.
Deveria se afastar dela e não fazer brotar risadas de seus
lábios, não se sentir orgulhoso por conseguir que suas faces
voltassem a ter cor. Nunca ganharia aquela guerra se
continuasse ficando ao lado do inimigo. Com muito cuidado, a
soltou.
― Acredito que agora já está bem enxaguado. ― Jessica
disse, virando-se para sair. ― Avise-me quando acabar com seu
banho.
De novo, sua voz era alarmantemente rouca. Ao ouvir seu
som, Wolfe apertou os olhos. Puritana ou não, ela gostara de
lavar seus cabelos. Perguntou-se o que lhe pareceria lavá-lo por
completo. De repente, soube que descobriria. Estendeu um
braço e a rodeou pelos quadris antes que pudesse se afastar.
― Esqueceu alguma coisa. ― Wolfe comentou.
― O quê?
― De lavar o resto de meu corpo.
CAPÍTULO 6

― Não está falando sério. ― Jessica afirmou.


Wolfe sentiu calidez e tensão no corpo dela, e sorriu.
― Sim, sim falo sério. Pegue a esponja.
Ela se jogou à frente com um pouco de dificuldade, já que
o braço de Wolfe continuava ao redor de seus quadris. Só
quando se inclinou totalmente, sentiu sua mão acariciando e
apertando seu quadril como se estivesse examinando sua
forma e a resistência de sua pele. Ergueu-se tão rapidamente
que quase caiu.
― Wolfe!
Ele soltou um profundo som que podia ter sido uma
risada sufocada ou uma pergunta apagada.
― Sua mão, quero dizer... ― balbuciou. ― Você...
Wolfe lhe deu um sorriso vago e perigoso.
― Eu... ― convidou-a a continuar.
Jessica piscou. Nunca vira uma expressão assim no rosto
de Wolfe. De repente o achou tremendamente atraente; parecia
o demônio com o qual o comparara alguns minutos antes. Se a
chama fosse metade de atraente para a mariposa, não se
surpreendia que a pobre acabasse se aproximando tanto.
― Você... bem... nada. ― Jessica murmurou.
Apressadamente, começou a esfregar a esponja até que
surgiu uma espessa camada de espuma. Wolfe avaliou seu
rubor e o pulso que batia com rapidez em sua garganta. O
aspecto que oferecia enquanto lavava o rosto e os ombros,
indicava que estava nervosa e, ao mesmo tempo, intrigada por
seu corpo.
Victoria tiro o meu chapéu diante de você... junto com
tudo o mais, pensou Wolfe divertido. É tão, impiedosamente,
sábia com respeito à natureza humana quanto eu recordava.
Jessica não é mais monja do que eu.
Movendo-se depressa, Jessica enxaguou Wolfe, tentando
não olhar para baixo da misteriosa e reflexiva superfície da
água. Era impossível. Fechou os olhos, acreditando que aquilo
tornaria o banho menos íntimo. Equivocou-se. Com os olhos
fechados, suas mãos pareciam muito mais sensíveis. O
brilhante e quente poder do corpo de Wolfe sob suas mãos a fez
estremecer. As diferentes texturas da pele de Wolfe provocavam
uma nova onda de prazer a cada vez que suas mãos se moviam
por seu peito. O calor surgia suavemente através da boca de
seu estômago, provocando-lhe um prazer inesperado. Percorreu
o peito de Wolfe com as mãos uma vez mais, dizendo a si
mesma que estava enxaguando-o e sabendo que estava
mentindo. Desejava esfregar-se contra ele como uma gata e,
como tal, sabia que ronronaria o tempo todo.
Desesperada, Jessica abriu os olhos bem a tempo de ver
como surgia da água uma das longas e poderosas pernas de
Wolfe. Escuros desenhos do pelo molhado apareciam por cima
de seu tornozelo, e continuavam por sua musculosa coxa até
mais acima do que estava preparada para descobrir.
Wolfe percebeu para onde se dirigia seu olhar e soube que
a água não estava ocultando tanto dele quanto antes. Esperou
um longo e tenso instante, avaliando a combinação de medo e
desejo que a dominava. Saber que ele a intrigava como homem,
despertou uma violenta excitação que fez a rigidez de seu
membro emergir acima da superfície da água.
― Wolfe?
― Estou certo que não sou mais difícil de esfregar que as
cerâmicas. ― Disse com indiferença. ― Lave-me, mulher.
Com cuidado, tentando não olhar além da coxa de Wolfe,
Jessica passou a esponja ensaboada por sua perna, em um
único movimento que a deixou sem fôlego.
― Já pode se enxaguar. ― Anunciou.
O tom rouco de sua voz foi como outro tipo de carícia à
receptiva pele de Wolfe. Sua perna direita desapareceu, só para
ser substituída pela esquerda. Ela esfregou com a esponja os
músculos flexionados desde a panturrilha até o joelho, onde fez
um movimento desajeitado e perdeu a esponja que no instante,
afundou abaixo da superfície da água entre as pernas dele.
Jessica esperou que Wolfe a recuperasse para ela. Quando
viu que ele não fazia nenhum movimento, ergueu a cabeça.
Acreditou ver o brilho de seus olhos por baixo de seus negros
cílios, mas pensou que tivesse se enganado. Com cuidado,
procurou por baixo da água. Suas mãos encontraram a carne
dura e suave em vez da esponja. O ar assoviou entre os dentes
apertados de Wolfe.
― Sinto muito... ― Ela disse entrecortadamente, jogando a
cabeça para trás. ― Não era minha intenção...
― Tocar-me? ― Wolfe sorriu sem abrir os olhos. ― Eu a
perdoo, doce monja.
― A esponja... ― Começou a dizer.
― Esqueça a esponja. Seus dedos são muito mais
agradáveis.
Jessica estava muito nervosa para discutir. Fez mais
espuma com o sabão e a espalhou pelos poderosos músculos
das coxas de Wolfe, percorrendo-os em segundos. Então,
contra sua vontade, suas próprias mãos a traíram e voltou a
desfrutar do contato da pele dele sob as mãos.
― Enxague-se. ― Indicou em voz baixa e entrecortada.
A perna desapareceu sob a água. A espuma se juntou e
flutuou se afastando. Antes que Wolfe pudesse exigir algo mais
para seu banho, Jessica se ergueu com rapidez e saiu correndo
do dormitório, murmurando algo sobre verificar a temperatura
da água para seu próprio banho.
O olhar faminto de Wolfe a seguiu até ela desaparecer de
sua visão. Contrariado, procurou a esponja e terminou de se
lavar sabendo que a provocara mais do que podia se permitir...,
no momento.
Quando a água do banho esquentou e Jessica voltou
cautelosamente ao dormitório, seu coração batia a um ritmo
menos frenético e deixara de tremer com cada fôlego. Observou
por baixo de seus cílios como Wolfe colocava o tampão de
madeira em seu lugar, fechando o buraco por onde escoava a
água da banheira através de outro buraco abaixo dos ladrilhos.
Jessica admirou a flexibilidade e os movimentos do corpo
de Wolfe enquanto ele esvaziava um balde de água fervente
atrás do outro na banheira e depois bombeava mais água para
temperar o banho. Estava muito consciente da ágil potência de
Wolfe, pois usava somente uma toalha de linho enrolada ao
redor dos quadris. O pálido brilho do tecido em contraste com
sua pele avermelhada a cativava. Logo começou a sentir de
novo a sensação, cada vez mais familiar, de ter engolido
borboletas douradas. Em consequência, seus dedos se
mostraram desajeitados quando tentou desabotoar os botões
da parte de trás de seu vestido. E o que era pior, seus braços
se negavam a realizar quase qualquer movimento. Seus
músculos estavam tão tensos, depois de tantas horas de
trabalho duro, que já não possuiam mais flexibilidade. Com um
gemido apagado de frustração, agarrou com os dedos ambos os
lados do vestido na altura do pescoço e puxou. Alguns botões
saltaram e caíram sem fazer ruído sobre o grosso tapete de lã
junto à cama.
Os dedos quentes e fortes de Wolfe afastaram as mãos de
Jessica e ele começou a desabotoar seu vestido em um silêncio
que se tornava cada vez mais espesso, com cada botão que
ficava livre de sua diminuta casa. Finalmente, só as mangas
mantiveram o vestido em seu lugar. A requintada renda da
camisola de seda revelava mais pele do que ocultava.
― Obrigada. ― Jessica disse entrecortadamente. ― Já
posso continuar sozinha.
― Não quer que a lave?
― Não, isso não será necessário. Obrigada. ― Respondeu,
com as palavras surgindo de forma atropelada em seus lábios
pela pressa em pronunciá-las.
O longo dedo indicador de Wolfe percorreu a coluna de
Jessica.
― Tem certeza?
Ela estremeceu, notando um calafrio a percorrendo ao
sentir o contato dele.
― Sim.
O dedo parou antes de subir, seguindo o mesmo caminho
enquanto voltava a perguntar.
― Refere-se a que tem certeza de que deseja que a lave?
Jessica deu um pequeno gemido enquanto estranhas e
desconcertantes sensações surgiam na boca do estômago.
― Não, posso tomar banho sozinha.
― Se mudar de opinião, me chame.
Assim que Wolfe fechou a porta atrás dele, Jessica deixou
escapar um longo suspiro que nem sabia que estava
reprimindo e começou a retirar as roupas com mais pressa que
cuidado. Com o recipiente do suave sabão perfumado de rosas
em uma mão e a esponja na outra, entrou na banheira.
Um delicioso calafrio a percorreu ao se deslizar no cálido
abraço da água. O tremor de puro prazer que sentiu, era muito
semelhante ao que notara durante o longo e lento passeio do
dedo de Wolfe por suas costas. Descobrir aquilo foi quase tão
desconcertante, quanto o contato dele havia sido.
Rapidamente, submergiu a cabeça sob a água para molhar
seus cabelos antes de começar a lavá-lo com sabão.
Quando Jessica já o enxaguara e começava a ensaboar a
cabeça pela segunda vez, o tremor dos músculos de seus
braços se tornaram, de repente, em algo mais alarmante. Seus
braços se bloquearam a meia altura. Não importava o tanto que
se esforçasse tentando, não conseguia erguê-los mais. Na
verdade, nem conseguia mantê-los erguidos. O sabão começou
a escorrer pelo seu rosto e seus olhos enquanto seus braços
caíam inúteis aos lados.
― Wolfe! ― Jessica gritou. ― Não sei o que acontece aos
meus braços!
Temerosa de abrir os olhos pelo sabão, Jessica não soube
que Wolfe havia entrado no dormitório, até notar um quente
tecido se movendo sobre seu rosto. Assustada, se afastou.
― Acalme-se, Jessi. ― Wolfe murmurou. ― Não lhe farei
mal.
― Eu sei. Eu me assustei. Meus braços, Wolfe, não
posso...
― Sim, já vi. ― Ele a interrompeu.
Percorreu seus braços suavemente com as mãos. Os finos
músculos estavam tensos e duros sob sua suave pele.
― Doem? ― Perguntou.
Jessica afirmou com a cabeça.
― Não muito. Acredito que meus músculos simplesmente
deixaram de funcionar. O mesmo ocorreu com minhas pernas
naquele dia que tentei saltar o arroio como você fez. Você se
lembra?
Wolfe sorriu levemente.
― Quantas vezes você tentou?
― Não sei. Passei a maior parte da manhã correndo e
saltando.
― E aterrissando na água.
― E aterrissando na água. ― Assentiu suspirando. ― Eu
me enfurecia porque você podia voar com tanta facilidade sobre
o riacho, várias vezes, e eu não conseguia nem uma vez. À
noite não podia nem andar.
― Nunca me contou isso.
― Era muito orgulhosa.
― Tão orgulhosa como foi hoje ao não dizer que não
conseguia trabalhar mais.
Jessica não disse nada.
― Primeiro, me ocuparei do sabão que tem no rosto. ―
Wolfe continuou. ― Seus braços podem esperar. Tombe a
cabeça para trás e mantenha os olhos fechados.
A suavidade da voz de Wolfe correspondia com a dos seus
dedos deslizando pelos cabelos ensaboados de Jessica e
empurrando sua cabeça para trás, enquanto afastava os restos
da espuma.
― Não, não abra os olhos ainda. Ainda tem sabão.
Jessica escutou o som da esponja ao ser escorrida, sentiu
a água borbulhando sobre seus seios e ruborizou ao recordar
sua própria nudez. A água escorria suavemente sobre seus
olhos fechados, suas faces, seu pescoço...
Wolfe observou cada esteira dourada de umidade com
alguma coisa parecida à inveja. Invejava a água que escorria
sobre sua pele sem encontrar nenhum obstáculo. Sentiu-se
estúpido por sentir aquilo.
― Os olhos estão ardendo?
― Não. ― Jessica respondeu hesitante, sem compreender a
raiva reprimida que percebia na voz de Wolfe.
― Mantenha-os fechados até que acabe de enxaguar seus
cabelos.
― Não precisa fazê-lo. Eu posso...
― Não pode fazer absolutamente nada. ― Interrompeu-a
com impaciência. ― Os músculos de seus braços estão
totalmente amarrados. Respire fundo.
Jessica quase não teve tempo de respirar antes que ele
afundasse sua cabeça sob a água. Diferente de Wolfe, quase
podia se esticar toda na estreita banheira.
Movendo-se com rapidez, Wolfe enxaguou os longos
cabelos castanho-avermelhados até que todo o sabão
desapareceu. Só então, voltou a segurar sua cabeça por cima
da água, apoiando-a contra a beirada da banheira.
― Isto deve ser suficiente.
Jessica tentou afastar um cacho solto de seus olhos, mas
seus braços continuavam sem querer colaborar. Quando
tentou de novo, a luta fez as pontas rosadas de seus seios
surgirem por cima da água. Imediatamente, seus mamilos se
endureceram com o ar frio do dormitório.
Quando Wolfe baixou o olhar, desejou não ter olhado. Seu
corpo se endureceu como se tivesse levado uma chicotada e
caído de joelhos se estivesse em pé. Mas estava ajoelhado junto
a uma pequena monja aristocrática que trabalhara demais,
desempenhando tarefas as quais não estava acostumada, e
seus braços haviam se rendido. Teria se sentido pior por ele ser
um tirano tão selvagem, se não fosse porque a vingança de
Jessica, ainda que não deliberada, estava sendo completa. A
lembrança de seus seios culminados por aqueles duros e
rosados mamilos o atormentaria sem piedade.
― Inútil monja de sangue azul. ― Wolfe soltou entre os
dentes apertados. ― Respire outra vez.
― Eu não fiz isso de propósito. ― Jessica replicou,
magoada pelo tom de voz de Wolfe. ― Entre a roupa e o piso da
cozinha, eu...
As palavras se transformaram em sons sem sentido
quando Wolfe afundou sua cabeça sob a água. Alguns
segundos depois voltou a colocá-la em posição vertical. Com
movimentos rápidos e eficazes, ergueu sua longa cabeleira e a
escorreu.
― Onde está sua toalha? ― Perguntou.
Apenas o silêncio seguiu um suspiro quando Jessica teve
que admitir enfim:
― Sentia tanta vontade de entrar na água que me esqueci
de tirá-la do baú.
― Mantenha os cabelos fora da água enquanto eu...
Maldição, não pode levantar os braços.
Wolfe colocou os cabelos de Jessica de tal modo que
ficaram pendurados na beirada da banheira até o piso.
― Não se mexa. Se afundar sob a água, se afogará. Volto
em seguida.
Pouco depois, Wolfe estava de volta com algumas toalhas
de linho e uma suave manta de flanela. Secou a cabeleira de
Jessica da melhor forma, envolveu-a em uma toalha e a
segurou por cima de sua cabeça como um turbante.
― Como estão os braços?
― Bem, se não tentar movê-los.
Wolfe se virou, pegou a esponja e esfregou o sabão com
ela. Lavou suas costas, seus ombros e seus braços. Enxaguou
tudo e voltou a aplicar sabão na esponja.
― Não fique nervosa, pequena monja.
― O quê?
O ar ficou preso na garganta de Jessica quando notou que
a esponja se deslizava por suas clavículas, seus seios, costelas,
seu ventre.
― Levante uma perna. ― Pediu enquanto aplicava sabão
na esponja uma vez mais.
― Wolfe. ― Protestou debilmente.
― Apoie o pé contra a beirada da banheira como eu fiz
antes. Não se preocupe. Não deixarei que se afogue.
Lentamente, Jessica ergueu sua perna direita. Como se
fosse algo que fizesse todos os dias, Wolfe lavou o delicado e
arqueado pé, o fino tornozelo e a panturrilha. Ela o observava
com uma sensação de incredulidade enquanto a esponja era
deslizava sob a água e subia ao longo de sua perna.
― Agora a outra.
Atordoada, Jessica obedeceu baixando uma perna e
erguendo a outra. A esponja começou a se mover sobre ela
novamente. Quando deslizou do pé à panturrilha e dali à coxa,
tremores de prazer a percorreram. Mas a esponja não parou ali.
Tocou o triângulo de pelo e logo desceu até a suave carne que
palpitava. Um estranho som saiu da sua garganta. No instante,
a esponja deixou de se mover e ficou parada entre seus
músculos.
― Acontece alguma coisa? ― Wolfe perguntou suavemente,
erguendo a cabeça.
Jessica emitiu outro ruído.
― Sim? ― Ele perguntou.
Ela corou o suficiente para deixar em evidência a vergonha
que sentia.
― Wolfe, por favor.
― Por favor, o quê?
Colocando suas mãos sobre o punho de Wolfe, ela puxou,
mas seus braços não possuiam força. A mão dele nem se
moveu.
― Quer que eu mova a mão? ― Wolfe perguntou.
― Sim. ― Ela respondeu, estremecendo.
― Então, abra as pernas.
Jessica percebeu, muito tarde, que apertara as pernas
com tanta força, em um esforço instintivo de se proteger do
contato de Wolfe, que prendera seus dedos e a esponja entre
elas.
― Lamento. ― Sussurrou.
Wolfe não. Encantara-se por estar preso em sua sedosa e
secreta calidez.
Apressadamente, ela se moveu, liberando-o. A lenta
retirada da esponja e a insinuação de uma suave e íntima
carícia, a fizeram tontear. O rubor subiu dos seios até a fronte.
― Não tem porque se envergonhar. ― Wolfe comentou com
naturalidade. ― Mesmo que um marido e sua esposa nunca
compartilhem a cama, é inevitável que entre eles haja certo
nível de intimidade.
Jessica engoliu a saliva e observou com os olhos muito
abertos como Wolfe se levantava e sacudia a suave manta de
flanela.
― Consegue se levantar?
Seus olhos ficaram ainda maiores.
― Não.
― Então eu a ajudarei.
― Mas não visto nada! ― Replicou com desespero.
Wolfe suspirou e respondeu com tom muito paciente:
― Eu sei. O normal é tomar banho sem roupas. Pode se
levantar ou necessita que a ajude?
― Mas...
― Jessica, ― a interrompeu ― deixe de titubear e saia daí
antes que se resfrie.
― Feche os olhos.
― Isto é coisa de loucos. ― Wolfe murmurou, mas fechou
os olhos.
Apesar do lamentável estado de seus braços, Jessica
conseguiu ficar de joelhos. Já estava quase em pé quando
escorregou.
― Wolfe!
Ele a agarrou, a tirou da banheira e a deixou de pé no
chão. Mostrando o maior desinteresse que conseguia, começou
a secá-la com brio.
― Feche os olhos! ― Jessica gemeu.
― Não posso ver o que faço com os olhos fechados. Porque
não fecha os seus?
Jessica piscou.
― Do que serviria isso?
― Foi só uma ideia.
Wolfe reprimiu um sorriso e fechou os olhos. Quase
imediatamente suas mãos escorregaram se moveram
desajeitadamente e acabaram se deslizando sobre o quadril
dela, sem a toalha entre elas.
― Isto não funciona. ― Jessica protestou ofegando.
Ele pensava que estava vendo muito bem, mas não disse
nada.
― Tem uma ideia melhor?
― Segure a manta com força e eu me secarei nela.
Em poucos segundos, Wolfe soube que era uma ideia
ruim... e, também, boa. Notar como o pequeno e feminino corpo
de Jessica se esfregava contra o tecido que suas mãos
seguravam, o inflamou tanto quanto o fato de lavá-la. Quando
a manta escorregou e conseguiu sentir a inconfundível textura
de um mamilo se esfregando contra sua palma, precisou lutar
para respirar.
― Bem, já é suficiente. ― Jessica anunciou finalmente.
Wolfe não sabia se devia se alegrar ou se entristecer pelo
fato de terminar o maravilhoso tormento. Virou-se e se dirigiu à
cama. Com um ágil movimento de seu braço, estendeu a colcha
de pele sobre os lençóis.
― Venha aqui e deite-se. ― Disse, tendo o cuidado de não
olhar a monja nua tão intensamente feminina, e que
permanecia em pé tremendo junto à banheira. ― Vejamos se
posso desfazer a tensão que se formou em seus braços e em
suas costas.
Jessica olhou com ar hesitante para aquele homem alto
que estava junto à cama. Nu e com apenas o tecido de linho
alvo que usava enrolado com cuidado ao redor dos quadris,
acariciado pela luz e tocado pelas sombras, o corpo de Wolfe
era bonito e, ao mesmo tempo, aterrorizante por sua evidente
força.
― Milady, se tivesse a intenção de atacar você como o
barão, a estas alturas, já o teria feito mais de dez vezes.
A fria raiva na voz de Wolfe fez Jessica tremer.
― Sim. ― respondeu debilmente ― Eu sei. É que... Isto é
novo para mim.
― Também é para mim.
Jessica o olhou, espantada.
― Verdade?
― Nunca dei um banho em uma mulher antes. Mas, bem,
você não é uma mulher. É uma monja.
Sem dizer nada, Jessica se aproximou da cama e se deitou
de boca para baixo. A suavidade da pele contra seu corpo nu a
fez deixar escapar um grito sufocado.
― E agora o que foi? ― Wolfe perguntou impaciente
enquanto estendia a manta de flanela sobre ela.
Jessica estremeceu.
― É estranho não notar nada contra meu corpo mais do
que a pele.
― Acabará gostando.
Jessica exalou e se mexeu para experimentar a
maravilhosa e nova sensação. A pele em troca lhe ofereceu seu
calor. Um pequeno e trêmulo suspiro a percorreu.
― Tem razão. A pele é muito... agradável.
Sem ser consciente, voltou a se mexer, acariciando seu
corpo contra a luxuosa colcha. A sensualidade implícita no
movimento atravessou Wolfe como um punhal. Ocorreu-lhe que
valia a pena levar em conta as palavras de lady Victoria.
Ensine a esta pequena monja teimosa a não temer um
homem.
Wolfe estivera tentando ignorar a paixão que havia no
íntimo de Jessica. Mas, naquele momento, decidiu que seria
mais inteligente despertá-la. Se conseguisse, a ideia da cama e
o corpo de um homem não lhe pareceriam tão horríveis.
Jessica acabaria com a farsa de seu casamento e procuraria
uma união mais adequada para sua posição social. Então,
Wolfe poderia procurar um casamento e uma mulher mais
adequados aos seus desejos, uma companheira forte e
resistente que pudesse se adaptar à sua paixão, ao trabalho
junto a ele naquela terra selvagem e que pudesse lhe dar filhos.
Em comparação com essas coisas essenciais, uma elfo
divertida era simplesmente isso, uma diversão. E se a ideia de
que outro homem tomasse o corpo intacto de Jessica o fazia se
enfurecer de algum nível primitivo de seu ser, pior para ele. A
vida o ensinara que o apetite que sentia por uma mulher era
temporal, mas que um casamento de verdade não era.
Até que a morte nos separe.
― Primeiro, acredito que lhe fará bem tomar um pouco de
conhaque. ― Wolfe comentou pensativo.
― Conhaque?
― Mmm.
Seu gesto de assentimento fez Jessica sorrir.
― Obrigada, mas a verdade é que não gosto do álcool.
― Pense nisso como em um remédio.
― Um remédio?
― Sim. Trarei um pouco mais para o louro.
― Para o louro? Oh, esse louro. Sim, deve estar solto por
aqui. ― Riu suavemente e esfregou seu rosto contra a pele,
esquecendo por um momento a dor e a alarmante fraqueza de
seus braços. ― Adoro a textura da pele.
Wolfe ficou quieto um instante, paralisado pela visão de
Jessica esfregando seu corpo contra a colcha de pele como se
fosse o corpo de um amante. De repente, ele se virou e saiu do
dormitório. Quando voltou, trazia um copo de conhaque na
mão.
― Sente-se, Jessi.
Ela rodou sobre seu lado, mas quando seus braços
deveriam ajudá-la a se erguer, não foram capazes.
― Não acredito que possa. ― Confessou.
Wolfe deixou o copo a um lado e a ajudou a se sentar. A
manta de algodão começou a deslizar até sua cintura. Ela deu
um gemido de surpresa e tentou segurá-la, mas seus reflexos
eram muito lentos, porque seus braços simplesmente negavam
a se mover. A manta caiu por baixo de seus seios antes que
pudesse alcançá-la.
Fechando os olhos, Wolfe disse a si mesmo que era um
estúpido ao reagir como se nunca tivesse visto uma mulher
nua até a cintura. No entanto, a imagem das suaves curvas de
Jessica e de seus rosados mamilos, ardia sob suas pálpebras,
intensificando e acelerando suas pulsações como se estivesse
correndo colina acima. Reprimindo uma maldição, Wolfe abriu
os olhos, segurou a manta por cima de seus seios e apoiou a
borda do copo contra o suave lábio inferior de Jessica.
― Beba.
A voz de Wolfe estava cheia de desejo, mas seu tom
autoritário era inconfundível. Fazendo uma careta, Jessica
abriu a boca e bebeu. Um instante depois ofegava em busca de
ar e tossia. Com calma, Wolfe encheu o copo com água de uma
garrafa do criado mudo e a estendeu. Ela bebeu rapidamente.
Ainda assim, o conhaque deixou um sabor ardente de sua
língua até o estômago.
― Melhor?
Jessica assentiu porque não podia falar.
― Volte a se deitar de barriga para baixo.
Com naturalidade, Wolfe ergueu a manta, sacudiu-a e
deixou cair sobre as tentadoras curvas de suas nádegas e na
escura fenda entre elas.
― Onde está seu óleo de rosas? ― Wolfe perguntou.
― Na garrafa de cristal que está em seu armário.
― Tem nove garrafas assim.
― A que tem a tampa da cor de minhas faces.
―murmurou.
― Ah, essa. ― Wolfe olhou a ardente cor do rosto de
Jessica. ― Voltou a se ruborizar, pequena elfo?
Ela virou a cabeça e o olhou com os olhos apertados. Em
contraste com a intensa cor de seu rosto, seus olhos pareciam
gemas.
― Isso o diverte. ― recriminou.
Wolfe se virou antes que Jessica pudesse ver seu sorriso e
tirou a garrafa do armário.
― Tenha cuidado. ― Ela o avisou. ― É frágil.
― Não se preocupe. Sei tratar as coisas pequenas e
delicadas.
Ela riu baixinho e confessou:
― Eu sei. É o único homem a quem vi colher um buque de
rosas sem se furar nos espinhos.
Sorrindo, Wolfe ergueu a frágil tampa e derramou um
pouco do óleo sobre a palma da mão. Quando se sentou na
cama junto a Jessica, ela deu um grito de surpresa. Soltou
outro quando Wolfe começou a esfregar seu corpo com as
mãos.
Como suspeitava, as costas de Jessica estavam tão duras,
quanto os braços. Ao se aquecer com o calor de pele contra
pele, o óleo deixou escapar seu aroma pelo silencioso quarto.
Quando suas mãos massagearam as costas dela percorrendo-a
da cintura até a nuca, Jessica soltou outro gemido grave.
― Muito forte? ― Wolfe perguntou.
― Muito... maravilhoso. ― Jessica suspirou. ― Ah… é
como estar no céu.
Wolfe sorriu e continuou fazendo desaparecer as
contraturas de suas costas. Cada vez fazia um caminho mais
amplo com suas palmas, aproximando-se mais e mais aos seus
seios. E cada vez que se aproximava da sua cintura, descia um
pouco mais. A suave flanela escorregou para seus quadris e
depois para o início da aveludada fenda de suas nádegas. A
tentação de passar um dedo pela enigmática sombra quase o
dominou, mas Wolfe resistiu. Sabia que Jessica se assustaria.
― Diga-me onde dói. ― Wolfe moveu as mãos para os
ombros de Jessica. ― Aqui?
Ela assentiu com a cabeça sem abrir os olhos. Quando
sentiu a pressão dos fortes dedos massageando seus doloridos
músculos, gemeu.
― Prazer ou dor? ― Wolfe perguntou com voz suave.
Jessica assentiu com a cabeça.
― Qual das duas coisas?
― As duas. ― Jessica suspirou, esticando suas mãos aos
lados do corpo.
Ele riu baixinho, colocou mais óleo na palma da mão e
continuou esfregando.
― Que tal aqui? ― Perguntou.
A suave massagem de suas mãos sobre os antebraços de
Jessica era maravilhosa. Ela gemeu e se relaxou ainda mais
sob seu contato. Enquanto trabalhava sobre os músculos
endurecidos do braço esquerdo de Jessica, do ombro até a
ponta dos dedos, suas mãos não deixavam de deslizar entre
seu braço e seu corpo. Nas primeiras vezes, Jessica ficou tensa
e tentou se afastar. Depois, se esqueceu de ser tímida diante de
seu contato, porque simplesmente gostava muito, para
protestar quando o dorso de seus dedos tocavam as laterais de
seus seios, suas costelas, a curva de sua cintura e a suave
turgência de seus quadris.
Na terceira vez que Wolfe percorreu o corpo de Jessica
com as mãos sem que ela tentasse se afastar, ele sorriu e virou
sua atenção ao outro braço. Enquanto massageava seu braço
direito, foi deslizando a manta cada vez mais e mais para baixo
até que as curvas de suas nádegas ficaram à vista. Ao olhar a
pele macia e cremosa, e a feminina promessa de prazer que
estava tão perto dele, ficou sem respiração.
― Que tal aqui? ― Perguntou, percorrendo os longos
músculos que se estendiam a ambos os lados da coluna de
Jessica. ― Está duro, não é?
― Sim. ― Ela suspirou.
Wolfe o comprovou e reprimiu um comentário sobre sua
própria dureza. O tecido que havia enrolado ao redor de sua
cintura não conseguia conter a mudança que a paixão
provocava em seu corpo. A visão dos graciosos quadris de
Jessica erguendo-se por cima da enrugada manta era um doce
tormento. A ideia de abrir suas pernas e se introduzir em seu
corpo com a colcha de pele sob ela o fez gemer.
― Wolfe?
Por um momento, ele não respondeu. Então as garras da
necessidade se afrouxaram e conseguiu respirar outra vez.
― O quê? ― Perguntou.
Jessica tremia de prazer enquanto as mãos de Wolfe
massageavam suas costas até a cintura, se entretinham ali, e
voltavam a subir com uma combinação de força e suavidade
que era magia para seu dolorido corpo.
― É tão maravilhoso, ― suspirou, e inconscientemente se
arqueou sob seu contato. ― que me faz sentir enjoada.
― Deve ser o conhaque.
― Não acredito milorde. Acredito que são suas mãos. Não
sabia que existisse algo tão prazeroso.
― Tem certeza? Faz um momento, não conseguia
diferenciar entre o prazer e a dor.
― Tenho certeza. ― O som que Jessica fez era mais
parecido a um suave gemido que a um suspiro. ― Sinto como
minha pele arde sem dor, como o prazer que me dá chega até o
centro de meus ossos.
Wolfe notou que sua respiração parava antes de conseguir
expulsar o ar em uma surda rajada, porque o que ela estava
descrevendo era a essência da verdadeira paixão.
― Sim. ― Ele sussurrou. ― É isso, como um fogo sem dor.
Durante alguns minutos, não se ouviu nenhum som no
dormitório, com exceção do leve sussurro da chama na lareira e
o toque das palmas das mãos de Wolfe sobre a perfumada pele
de Jessica. Quando suas mãos continuaram além de sua
cintura e chegaram aos seus glúteos, por um momento, ela não
foi consciente daquilo, mas logo seu corpo ficou tenso.
― Wolfe?
― Aqui também tem músculos. ― Ele afirmou com total
naturalidade.
― Sim, mas...
― Silêncio, Jessi. ― Wolfe a interrompeu com firmeza. ―
Imagine que ainda estou massageando seus ombros.
― Mas não é assim!
― Aí é onde entra a imaginação.
Durante alguns instantes, um silêncio, que era como a
pele que Wolfe estava esfregando, dominou, suave, tenso e
trêmulo diante das possibilidades.
― Você não está imaginando isso.
― Como você sabe? ― Jessica perguntou.
― O louro me disse.
Ela soltou uma risadinha. Depois riu alto, imaginando um
louro voando pelo dormitório e contando segredos.
― Sinto-me atordoada.
― Por um pouco de conhaque? Duvido.
― Sou uma mulher fraca, lembra-se? Você me repetiu isso
muitas vezes.
Não é a única que se encontra atordoada, Wolfe pensou
em silêncio, enquanto afundava os dedos na carne firme de sua
esposa. Eu também estou.
Jessica soltou o ar em um suspiro irregular.
― Perdoe, não queria machucá-la. ― Wolfe disse,
esfregando a palma da mão sobre a macia curva das nádegas.
― Talvez se usar mais óleo...
― Não me machuca. ― Jessica respondeu
preguiçosamente.
― Então, porque fez esse ruído?
― Não fui eu. ― Sorriu. ― Foi o louro. Ele também se sente
atordoado.
― Um louro bêbado. Sua mente dá voltas?
― Ou o estômago.
― Por um gole de conhaque? Impossível.
― Então devem ser as borboletas.
― Que borboletas?
― As do meu estômago. Cada vez que me toca desse modo,
elas voam como as folhas ao vento.
Jessica voltou a dar uma risadinha, depois gemeu
suavemente quando os polegares de Wolfe se afundaram ainda
mais, nas curvas de suas nádegas, evitando o lugar onde suas
coxas se uniam.
― Assim? ― Perguntou, com voz rouca.
― S... sim.
― Então provarei com isto.
Jessica respirou dando gemidos entrecortados quando os
delgados e fortes dedos de Wolfe massagearam a parte de trás
de suas pernas até seus joelhos. Uma sensação curiosa a
invadiu; uma combinação de enjoo causado pelo conhaque e de
trêmula calidez provocada pela magia das mãos de Wolfe, que
espalhavam o óleo e prazer em sua pele. Sem perceber, gemeu
baixinho e relaxou a tensão que mantinha suas pernas
fechadas fortemente.
Wolfe lançou uma olhada à escura sombra castanho-
avermelhada que seu relaxamento deixara descoberto, e
apertou a mandíbula para conter um som de apaixonada
necessidade. Rapidamente, desviou os olhos, se concentrando
nas elegantes pernas que estavam sob suas mãos. Mas
também ali, a feminilidade de Jessica era evidente em cada
suave curva de sua coxa e de sua panturrilha, na perfeita
maciez de sua pele nunca vista antes por um homem, e na
trêmula resposta que a percorria quando ele acariciava a
sensível pele atrás de seus joelhos.
― Vire-se, pequena.
Desconcertada por uma inesperada moleza, Jessica
respondeu a suave ordem. Não parou para pensar em sua
nudez até que sentiu a carícia da colcha de pele da nuca até os
tornozelos. Abriu os olhos lentamente, mas voltou a fechar
quando Wolfe deixou cair a suave manta de flanela sobre ela,
cobrindo-a dos seios até a metade das coxas. Ela suspirou e se
aconchegou ainda mais sobre a pele traçando movimentos
lentos e sensuais com seus quadris.
Wolfe desviou os olhos com uma maldição muda, por sua
própria estupidez, ao oferecer a si mesmo uma tentação assim.
Mas seus escuros olhos se voltaram outra vez, atraídos
inevitavelmente pelos pequenos movimentos dos quadris de
Jessica, a turgência de seus seios e a reveladora rigidez de suas
nádegas.
― Tem frio? ― Wolfe perguntou com voz rouca.
Jessica negou lentamente com a cabeça.
― Como se sente?
― Como um ovo... ao qual se retira a casca pouco a pouco.
O sorriso de Wolfe era tão quente quanto ardente o sangue
que corria por suas veias. Mas Jessica não notou. Ela ia à
deriva sobre uma suave balsa de pele, enquanto as mãos fortes
massageavam seu pescoço e seus ombros, seus braços e as
pontas dos dedos. Enquanto Wolfe desmanchava cada nó de
seus doloridos braços, ela emitia pequenos gemidos. Cada um
era um punhal que deslizava pela correia que mantinha Wolfe
sob controle, enfraquecendo-a, até que suas mãos
escorregaram até seus punhos e seus dedos se entrelaçaram
com os dela.
― Doem? ― Perguntou, esfregando suas mãos
suavemente.
O gemido irregular que Jessica deu foi de prazer, não de
dor. Seus cílios se agitaram preguiçosamente, deixando ver
uma centelha de cor água marinha em seus olhos. Quando
Wolfe moveu a mão novamente, os dedos de Jessica se
esticaram e se entrelaçaram com força com os dele, até tornar
impossível que as mãos estivessem mais unidas.
― Gosto... ― sussurrou com voz rouca.
― Disto?
As mãos de Wolfe se moveram de novo, acariciando a
sensível pele que havia entre os dedos de Jessica, apertando
suas palmas contra as dele e esfregando-as uma e outra vez.
Sussurrando, Jessica assentiu.
― Sim, isso. ― sorriu ― As borboletas também gostam.
Wolfe continuou fazendo sua magia sobre as mãos de
Jessica até que ela se moveu com ele, estendendo os dedos em
um silencioso convite, suspirando enquanto ele acariciava suas
palmas das pontas à base, até que seus dedos se fecharam
prendendo sua mão com a dela.
Com um apertão final, Wolfe liberou seus dedos,
ignorando o suave murmúrio de protesto de Jessica.
― Wolfe? Não vai parar, vai?
― Não. ― Respondeu enquanto aplicava mais óleo de rosas
na sua palma. ― Vou me concentrar em suas pernas um pouco
mais. Deixe que seus braços relaxem ou endurecerão
novamente. Seus músculos estão fracos por nunca ter
trabalhado.
― Eu sei. ― O suspiro de Jessica foi tão profundo que mais
parecia um gemido. ― Mas valeu a pena.
― O quê?
― Todo o trabalho. Sem ele, nunca teria descoberto o
prazer que suas mãos podem me oferecer.
Os olhos de Wolfe se apertaram diante da violenta onda de
desejo que o apertou. Começou a esfregar as pernas de Jessica
desde os tornozelos, movendo-se lentamente para cima.
Quando chegou à metade da coxa, ela se esticou sobre a pele,
arqueando suas costas e encolhendo os dedos de seus pés. Sua
resposta foi como um punhal se cravando na sua dura
masculinidade, pedindo-lhe que tomasse o que ela lhe oferecia
tão inocentemente.
― Jessi. ― Wolfe sussurrou.
Seus longos dedos faziam pressão entre suas coxas
enquanto rodeava uma perna e começava a massageá-la
devagar, a fundo, desmanchando a tensão ainda mais. Quando
suas mãos deslizaram por baixo da manta, Jessica se
enrijeceu. Wolfe hesitou, esperando uma objeção, mas não
houve nenhuma. Deixou escapar uma exalação silenciosa e,
lentamente, moveu suas mãos mais para cima. A deliciosa
pressão fez Jessica suspirar e voltar a relaxar.
― Porque nunca me fez isto antes? ― Ela murmurou.
― Estava me perguntando o mesmo.
Suas palmas deslizaram ganhando mais terreno. Ela
suspirou e se moveu languidamente.
― Sinto-me tão relaxada. É maravilhoso.
― Sim. ― Wolfe respondeu com voz rouca.
Fechando os olhos, saboreou a suave elasticidade da
carne de Jessica, o cálido movimento de seu corpo, os
lânguidos suspiros. Sabia que logo precisaria parar de tocá-la,
porque o apetite de seu próprio corpo estava ficando
incontrolável.
Porém, a suave e cálida tentação de sua pele estava tão
perto de sua mão, que não conseguia forçar a si mesmo a se
afastar. O fato de que ela era uma fragrância embriagadora e
uma grande tentação que corroía seu controle, era tão certo,
quanto o seu medo pelo contato com um homem estar
desaparecendo. A manta se afastava diante de suas suaves e
insistentes mãos, deixando seus segredos protegidos só pelo
avermelhado que ele ansiava tocar com seus dedos.
Naquele momento, Jessica se moveu e abriu as pernas,
arrancando um gemido de desejo de Wolfe. Sua mão se moveu,
tocou, se entreteve e ardeu. Seus dedos procuraram,
encontraram e experimentaram a suavidade que lhe revelara.
A íntima carícia fez Jessica se erguer com um grito
sufocado de prazer e surpresa ao mesmo tempo. Quando viu a
mão de Wolfe entre suas pernas, desapareceu o prazer, e a
surpresa se converteu em um medo alimentado por uma
corrente de recordações brutais. Em sua mente, apareceu uma
noite de tempestade e a figura de sua mãe gritando do chão do
corredor quando seu pai abriu as pernas dela, sem piedade.
― Não! ― Jessica gritou.
― Acalme-se, pequena ― Wolfe respondeu com voz
profunda. ― Não lhe farei mal. É uma parte natural de...
Suas palavras se perderam por baixo do cruel grito que
saiu da garganta de Jessica. Mexeu-se convulsivamente para
se defender, mas seus braços estavam muito fracos para
afastar um homem com a força de Wolfe. Respirou fundo para
gritar outra vez, mas uma forte mão se fechou sobre sua boca,
forçando-a a se deitar de novo sobre a cama.
Seu pesadelo estava se repetindo: os gritos de uma
mulher, interrompidos pela força bruta de um esposo que
tentava entrar à força no corpo de sua esposa. Jessica se
agitou e se revirou de um lado para o outro, mas não conseguia
se livrar da mão que cobria sua boca ou da pesada coxa que
pressionava suas pernas contra a cama. Tremendo, morta de
medo, agitou seus fracos braços contra Wolfe até que ele
conseguiu segurar seus punhos com uma mão e mantê-las
contra seu estômago nu.
― Jessi, escute-me, não vou fazer nada contra você.
Se o escutou, não deu sinais disso.
Quando Wolfe baixou os olhos para o corpo de Jessica que
não deixava de se revirar, sentiu uma volátil combinação de
clara luxúria, vergonha por sua perda de controle e raiva pelo
medo injustificado dela.
― Acalme-se, maldição. ― Acrescentou cortante. ― Não
vou tocar em você. Escute-me, Jessica!
Wolfe precisou repetir várias vezes antes que ela se
acalmasse e parasse de se mexer, com exceção dos tremores
involuntários que sacudiam seu corpo, prova muda de seu
terror.
― Vou afastar minha mão de sua boca, mas se gritar outra
vez, que Deus me ajude, eu a esbofetearei como faria com
qualquer outra pessoa histérica.
Jessica observava Wolfe com olhos brilhantes e
assustados. Seu rosto não a reconfortava em absoluto. Seus
olhos eram negros, a expressão de seu rosto sombria e séria, e
sua boca se convertera em uma fina linha. Ainda assim, ela
assentiu com a cabeça, porque sua mão já não invadia seu
corpo. Lentamente, Wolfe afastou a mão de sua boca. Jessica
não gritou, ainda que estivesse pálida e trêmula. Quando
finalmente falou, sua voz parecia com vidros quebrados, e
respirava inalando quantidades irregulares de ar. Apesar de
tudo, suas palavras foram muito claras.
― Não estranho que o chamem de Visconde Selvagem. Os
cavalheiros que não conseguem controlar suas necessidades
mais básicas devem fazer uso de prostitutas, não das esposas.
Se tivesse imaginado que me faria algo tão espantoso, nunca
teria tentado me casar com você. Você não necessita de um
herdeiro ao qual deixar um título ou um grande patrimônio.
Não há razão para que tome meu corpo. No entanto, me
atravessaria como uma besta!
Wolfe baixou o olhar para o rosto de Jessica e sentiu seu
desprezo batendo-lhe como bastões grossos e invisíveis. O
silêncio se alongou mais e mais, até se transformar em algo
vivo que vibrava entre eles.
― O que esperava? ― Wolfe grunhiu. ― Desde que subimos
à diligência, estive observando-a e vi como me olha quando
pensa que não percebo.
Jessica não negou porque era verdade. Sempre o
observava. Ele a fascinava. E quanto mais tempo passava com
ele, maior era sua fascinação.
Wolfe continuou falando com uma voz cheia de frustração
e raiva.
― Continua me olhando com olhos famintos e pensando
como seria se deitar com um selvagem, mas quando eu...
― Nunca! ― Jessica o interrompeu com violência. ―
Nunca! Eu nunca pensei em me deitar com você. Só a ideia me
horroriza!
Wolfe apertou os olhos até se transformarem em pouco
mais que alguns riscos negros.
― Então, aceitará a anulação.
Pronunciou as palavras tão suavemente, que, no início,
Jessica não entendeu. Quando o fez, fechou os olhos e tentou
controlar o medo que a ameaçava.
― Não. ― Jessica respondeu com voz trêmula. ― Pode ser
um selvagem, mas não me tomará pela força.
Deliberadamente, Wolfe deixou cair sua mão sobre o velo
avermelhado que havia entre suas coxas.
― Não? ― Perguntou com suavidade.
Ela ficou tensa como se ele tivesse lhe mostrado um
chicote. Quando seus olhos se abriram, estavam tão dilatados
pelo medo que quase não havia nenhuma cor neles. Jessica
tentou levantar suas mãos em uma súplica muda, mas seus
braços não lhe responderam. Tentou falar, mas tudo o que saiu
de sua boca foi um rouco sussurro que poderia ser o nome de
Wolfe.
Com uma fúria mal controlada, alimentada pelo medo de
sua esposa e aquela farsa de casamento, Wolfe se levantou
junto à cama.
― Vá. ― Ordenou terminante.
Jessica o olhou sem compreender.
― Saía da minha cama, lady Jessica. Você me repugna
tanto quanto eu a aterrorizo. Não poderia tomar você se tivesse
que fazê-lo. Não é uma mulher, é uma menina cruel e mimada.
Jessica se moveu muito lentamente, e aquilo acabou com
a paciência de Wolfe, que se inclinou e a levantou com um
puxão.
― Aceite a anulação. ― Ordenou-lhe em voz baixa. ―
Maldita seja, deixe-me livre!
Ela engoliu a saliva e balançou a cabeça.
Wolfe olhou para Jessica durante um longo momento
antes de falar em um tom baixo e frio, que era mais duro que
qualquer pancada.
― Lamentará o dia em que me obrigou a me casar com
você. Há coisas piores que ser acariciada por um selvagem e
você conhecerá todas.
CAPÍTULO 7

Ocultando o temor que sentia, Jessica olhou pelo canto do


olho, como Wolfe dava um gole ao café que ela havia preparado.
Quando fez pouco mais que uma careta diante do sabor da
bebida, deixou escapar um suspiro de silencioso alívio, e lhe
estendeu um prato de compota de fruta e uma travessa de
presunto e pãezinhos.
Tentando que ele não notasse, Jessica observou como
Wolfe colocava o presunto no prato enquanto ignorava os
pãezinhos e se servia com umas colheradas de compota de
fruta em sua tigela. Esperava que não estivesse tão furioso
depois de ter comido. Talvez, depois ouvisse suas explicações.
Talvez então, a olhasse com menos desprezo.
Em silêncio, Wolfe comeu, notando como Jessica o vigiava.
Não lhe disse nada, nem mesmo a olhou. Era melhor assim. A
raiva que havia em seu íntimo ainda estava à flor da pele.
Acordara em um estado de excitação que se acrescentara
diante da simples visão de Jessica, coisa que não ajudava nada
a suavizar seu humor.
― Mais presunto? ― Jessica perguntou com voz suave.
― Não, obrigado.
Jessica se consolava pouco com a educação de Wolfe,
porque era tão natural nele quanto respirar e significava muito
menos do que isso. Na Inglaterra, seus modos eram tão
impecáveis quanto os de um duque. Mais ainda, já que Wolfe
não dispunha de riquezas ou poder que diminuíssem qualquer
inconveniência social que cometesse. Quando se encontrava
entre os ingleses, nunca esquecia que era um intruso. Ele fazia
de seu comportamento uma couraça e um sutil insulto ao
mesmo tempo. O Visconde Selvagem conseguia, com sua
elegância e educação, que os nascidos no seio da aristocracia
parecessem seres inferiores ao seu lado.
― Wolfe, ― Jessica disse. ― ontem à noite estava cansada
e assustada e...
Ele a interrompeu cortante.
― Explicou-se muito bem ontem à noite, milady. Não
consegue suportar que eu a toque.
― Não, não foi isso o que eu quis dizer.
― Ao inferno se não foi. Foi o que você disse.
― Por favor, escute-me. ― Protestou com urgência.
― Já ouvi tudo o que...
― Nunca estive nua diante de um homem, ― interrompeu,
levantando a voz ― e nenhum havia me tocado. Também não
havia visto nenhum homem quase nu e esqueci que você não
me faria mal. Eu... ― a voz de Jessica se quebrou ― estava
assustada. Eu me senti encurralada e entrei... entrei em
pânico. Peço-lhe, não fique tão zangado comigo. Eu... Wolfe, eu
gostei de tocar em você e que você me tocasse. Por isso estava
assustada.
― Deus. ― Wolfe murmurou indignado, afastando-se da
mesa do desjejum. ― Gostou tanto que se assustou? Vamos,
milady. Teve muitas horas para inventar desculpas, e isso é a
única coisa que lhe ocorreu? Ouvi a verdade de sua boca ontem
à noite e ambos sabemos.
― Não, ― respondeu com urgência. ― isso não é...
― Basta!
Jessica abriu a boca para protestar, mas a visão dos
gélidos olhos cor índigo de Wolfe fez as palavras desvanecerem
em sua garganta. Não havia nenhum tipo de indulgência em
Wolfe. Nem restava o mínimo sinal do desejo que ardera tão
claramente nele na noite anterior. Olhava-a como se fosse uma
estranha recém-chegada à sua casa, uma desconhecida não
bem-vinda.
Ela baixou o olhar para que ele não pudesse ver a tristeza
e o medo que a invadiam. Seria demorado e muito difícil,
recuperar a instável camaradagem que haviam compartilhado
durante a longa viagem até sua casa. Precisaria de um milagre
para voltar a ganhar a amizade que os unira antes do
casamento.
― Depois de limpar os pratos, ― Wolfe disse cortante. ―
deixe que o fogo se apague. Vamos partir.
― Voltamos à Inglaterra? ― Jessica perguntou.
― Não, lady Jessica. Se nunca mais voltar a ver a
Inglaterra, morrerei como um homem feliz.
― Não sabia que a odiava tanto.
― Há muitas coisas sobre mim que você não sabe.
― Descobrirei.
― Uma mulher nunca conhece verdadeiramente um
homem até que não se converta em seu amante.
― Então, precisarei falar com a duquesa. ― Jessica disse
antes de ter tempo para medir suas palavras. ― Estou certa
que será uma boa fonte de informação.
O sorriso de Wolfe fez seu rosto parecer mais duro do que
nunca.
― Não entendeu nada, milady.
― Por quê?
― Mesmo que o essencial do ato sexual seja praticamente
igual independente de quem o realize, as variações são
infinitas. Nenhum homem é o mesmo com todas as mulheres.
Nenhuma mulher responde da mesma forma a todos os
homens. Nessas diferenças se baseia a experiência humana.
― Isso é esperar muito de um ato tão primitivo.
― Fala como uma verdadeira monja, irmã Jessica.
― Não sou nenhuma monja.
― Tem mais de monja do que de esposa.
― Há mais coisas em um casamento do que a cama
conjugal. ― Jessica replicou com desespero.
― Não para um homem.
Jessica se ergueu da mesa sem ter comido mais que um
bocado.
― Lamento que nosso casamento seja uma decepção tão
grande para você.
― Você não lamenta tanto quanto eu, e eu não vou me
arrepender tanto quanto você vai. ― Wolfe jogou seu
guardanapo sobre a mesa. ― Há duas maletas de couro sob a
minha cama. Use-as para sua roupa. Sairemos em duas horas.
― Seria mais fácil para eu fazer a bagagem, se soubesse
para onde vamos e por quanto tempo.
― Iremos à Grande Divisão.
Os olhos de Jessica mostraram surpresa e alívio.
― Sério? Iremos caçar?
― Não. ― Wolfe respondeu impaciente.
― Então, para o que vamos?
― Verificar como estão os cavalos que deixei com Willow e
Caleb, sobretudo a égua cor de aço. E comer pãezinhos de
verdade. Willow faz os melhores nesta parte do estado.
Jessica tentou esconder sua consternação diante da ideia
de estar perto da mulher que Wolfe amava; a mulher perfeita
que não fazia nada errado, enquanto ela não conseguia fazia
nada direito.
― Por quanto tempo? ― Perguntou com voz tensa.
― Até que você aprenda a fazer bons pãezinhos ou aceite a
anulação. Se tivesse que apostar, eu escolheria a anulação.
A porta traseira se fechou com uma pancada, quando
Wolfe se dirigiu para o estábulo. Jessica esperou até sua
silhueta desaparecer antes de se virar e olhar os pratos com
aversão.
Meia hora depois, Jessica jogou a água suja onde lavara
os pratos pela porta traseira, ouviu o som do metal batendo
numa rocha e viu uma colher que caíra ao chão. Suspirando,
saiu da casa e recolheu a colher que havia passado por alto no
fundo da bacia.
Quando se ergueu, escutou o gorjeio de um pássaro oculto
e notou que os salgueiros que rodeavam o manancial,
ofereciam os brotos das folhas do verão na ponta de seus
ramos. A luz do sol se derramava em leques sobre as
esponjosas nuvens que eram tão brancas que umedeciam seus
olhos quando olhava para elas. A dourada calidez da luz era
um bálsamo e uma benção.
Desamarrou a toalha de linho que usara como turbante e
chacoalhou os limpos cachos de seus cabelos. A indômita
glória diurna do Oeste envolveu-a, levantando seu ânimo.
Debaixo da sombra do pequeno estábulo, Wolfe ficou
paralisado no instante em que Jessica deixou os cabelos
caírem por suas costas. Quando ergueu as mãos e os espalhou
como se prendesse a própria luz do sol, Wolfe sentiu uma
poderosa combinação de desejo e ternura atravessando-o.
Imóvel, quase incapaz de respirar, observou como Jessica
virava lentamente, fazia uma reverência e estendia os braços
para um imaginário par de danças. Enquanto deslizava, se
abaixava e dava voltas com a graça de uma chama no fogo, a
melodia da última valsa de Strauss flutuava sobre a terra
selvagem, cantarolada por uma resistente elfo, cuja beleza e
cruéis palavras eram um punhal que se retorcia no coração de
Wolfe.
Não estranho que o chamem de Visconde Selvagem. Se
tivesse imaginado que faria algo tão espantoso, nunca teria
tentado me casar com você.
Cheio de amargura, Wolfe deu as costas à visão banhada
pelo sol de uma pequena elfo dançando. Mas não havia
nenhum lugar onde pudesse escapar das palavras que ecoavam
em sua mente, ferindo-o de forma que não podia compreender;
só sentir. Movendo-se unicamente guiado pelo costume, se
preparou para a viagem. Era muito cedo para atravessar os
desfiladeiros, mas era mais seguro do que permanecer isolado
em sua própria casa, com Jessica ardendo como uma chama
protegida com gelo, sempre o tentando e sempre fora de seu
alcance.
Do que estou me queixando? Perguntou a si mesmo sem
piedade. Se me oferecesse seu corpo, não o tomaria.
Tem certeza? Contra atacou outra parte de seu ser.
Não o faria ainda que ela se oferecesse em uma bandeja
dourada com uma maçã na boca.
E se o fizesse na cama abrindo-se sem condições?
Não.
Eu a seguiria até o inferno.
Um inferno é uma boa descrição do que seria minha vida
depois. Não importa o quanto a deseje Jessica não é a esposa
que necessito. O sarcástico intercâmbio de opiniões que soava
na mente de Wolfe não era novo, mas produzia o efeito
desejado. Quando saiu à luz do sol e se dirigiu à casa, não
restava nem rastro do rebelde desejo e da dolorosa ânsia que o
ameaçava. Seu rosto se mostrou impassível quando entrou no
dormitório e encontrou Jessica no meio de um tumulto de
sedas e cetim.
As maletas estavam sobre a cama. Uma estava cheia de
livros, uma luneta, pequenas caixas de iscas, sua vara de
pescar de bambu desmontada em várias peças, um pacote de
agulhas e linha de seda para bordar e outros objetos. Com
curiosidade, Wolfe começou a levantar um livro após o outro.
― Coleridge, Burns, Blake, Donne, Shakespeare... ― Wolfe
deixou de lado um pesado exemplar. ― Deixe este aqui. Willow
tem as obras completas de Bard.
― Deveria ter esperado de uma mulher assim.
― Deixe também o do sacerdote.
― John Donne? ― Jessica ergueu suas sobrancelhas
avermelhadas. ― A virtuosa Willow também é culta.
― Neste caso, é o marido dela. Quando conhecer Cal, o
entenderá. É um homem apegado as ideias de uma justiça
extrema. Milton e Donne encaixam muito bem com ele.
― Então, foi uma sorte que Caleb se casasse com alguém
como Willow. ― Jessica replicou cortante. ― E o resto?
― Os poetas?
― Sim.
Wolfe encolheu os ombros.
― Leve-os, se são necessários.
― Acreditei que gostasse de poesia.
― E gosto. Mas tenho boa memória. ― Wolfe acariciou com
suavidade os volumes com a ponta dos dedos e recitou:

Posso visitar as cavernas incomensuráveis para o homem


sempre que o desejar. Posso ver a perigosa simetria do tigre
ardendo no bosque da noite sempre que desejar. E posso fazê-lo
sem causar sofrimento aos meus cavalos de carga.

Jessica sorriu quase com timidez para Wolfe.


― Se recitar meus poemas favoritos junto à fogueira do
acampamento, deixarei os livros aqui.
Ele lhe deu uma negra olhada de soslaio e viu refletidas as
lembranças de outros acampamentos em seus olhos água
marinha, dos tempos felizes nos quais haviam rido juntos e
trocado versos enquanto os guias índios e os caçadores se
aglomeravam ao seu redor, unidos pelos ritmos e visões de
homens que haviam morrido fazia tempo.
― Se quer poesia, será melhor que leve os livros. ― Wolfe
disse enquanto se virava. ― Meus dias de recitar versos se
acabaram.
O sorriso de Jessica se apagou e, após uma pequena
pausa, continuou fazendo a bagagem. Quando hesitou entre
dois trajes de montaria, Wolfe pegou o mais pesado e o enfiou
na maleta.
― Precisará de sua roupa íntima mais grossa. ― avisou ―
As terras altas são muito frias.
― Procurei as roupas de viagem que deixei aqui faz anos,
mas não a encontrei.
― Eu as dei para Willow no verão passado.
A boca de Jessica se apertou.
― Muito generoso de sua parte.
― Também lhe dei a sela masculina que você usava.
Cavalgar como homem com algumas calças de anta está bem
para uma mulher do Oeste ou uma teimosa menina escocesa,
mas nenhum dos dois casos é o seu. Você é lady Jessica
Charteris, filha de um conde. Cavalgará como é próprio de uma
dama de sua posição.
― Sou Jessica Lonetree.
― Então, cavalgará como pareça melhor ao seu esposo.
― Com uma sela de amazona? Através dessas vastas
montanhas das quais tanto ouvi falar? ― Perguntou,
estendendo um braço para o oeste, onde as Rochosas se
elevam bruscamente para o céu.
― Exato.
― Isso não é razoável.
― O nosso casamento também não é.
― Wolfe. ― Começou a dizer em voz baixa.
― Diga a palavra, lady Jessica. É tudo o que precisa. Diga
de uma vez.
Ele esperou escutá-la dizer: anulação. Houve uma pausa
antes que pronunciasse claramente:
― Sela de amazona.
― O quê?
― Sela de amazona. Isso é tudo o que eu preciso, não?
Instantaneamente, Wolfe se virou antes que Jessica
pudesse perceber a relutante onda de humor em seus olhos.
Mexeu com mãos rudes entre as pilhas de lingerie, procurando
não dedicar muita atenção aos vaporosos calções e camisolas, e
tentando não recordar a imagem de Jessica destruída, em sua
cama, revelando a turgidez de seus seios e as marcas da
brutalidade de um homem em sua luminosa pele.
Era estranho não ter ouvido Jessica gritar naquela noite
na casa, Wolfe pensou com sarcasmo. Mas claro, eram os
malditos dentes de um barão os que a atacaram em vez da mão
de um bastardo mestiço. Há uma grande diferença.
Amaldiçoando, Wolfe jogou as roupas íntimas na maleta.
Depois colocou outro traje de montaria. Quando Jessica
acrescentou umas meias de lã, a maleta já estava cheia até à
boca.
― Será melhor que tire algumas coisas da outra maleta. ―
Wolfe aconselhou, enquanto segurava as correias. ― Só leva
duas trocas.
― Excelente. Menos roupas para lavar.
Wolfe esboçou um sorriso fugaz sabendo que Jessica não
podia ver sua cara. Quando ergueu a cabeça da maleta, não
havia nem sinal do sorriso em seu rosto. Sua miúda e delicada
inimiga era muito boa encontrando brechas na couraça de sua
raiva.
― Falo sério sobre as roupas. ― Insistiu, apontando para
os montes de vestidos de fina lã e seda e os refinados sapatos
de cetim que estavam aos pés da cama. ― Não prefere as
roupas a uma vara de pescar e livros?
― Meus vestidos de seda não conhecem nem um só
poema, e duvido muito que possa pescar uma das legendárias
trutas das Montanhas Rochosas jogando-lhes um sapato.
No início, Wolfe pensou que Jessica voltava a brincar, mas
logo, percebeu que falava sério. Preferia levar a poesia e seu
equipamento de pesca a um de seus elegantes vestidos. Era o
tipo de escolha que a Jessi de antes teria feito, mas não, aquela
que Wolfe esperava da aristocrática criatura que estivera tão
perfeitamente penteada e perfumada no baile de seu vigésimo
aniversário.
― Coloque seu traje de montaria enquanto acabo com os
outros preparativos. ― Wolfe ordenou.
Afastou-se, mas parou, voltou sobre seus passos e puxou
a colcha de pele que ficara oculta sob a pilha de vestidos.
Quando ergueu a cabeça, Jessica o observava com olhos
curiosos e cautelosos.
― Precisaremos dormir sobre a neve. ― Wolfe explicou
cortante. ― Se colocar isto dentro do saco de dormir, não
sentirá tanto frio.
Jessica piscou, surpresa pela consideração de Wolfe
apesar de estar visivelmente zangado com ela.
― Obrigada.
― Não precisa se surpreender tanto, milady. Quero a
anulação, não um funeral.
Jessica ficou olhando as largas costas de Wolfe enquanto
ele se afastava e deixou escapar o ar que não notara que
estivera contendo. Franzindo o cenho, tentou alcançar suas
costas para desabotoar os exasperantes botões. O traje que
vestia possuia menos do que seu vestido de viagem, no
entanto, continuavam sendo muitos e continuavam muito mal
localizados para uma mulher se desvestir sozinha. Pensou em
chamar Wolfe para ajudá-la, mas descartou a ideia no instante.
Mesmo que soubesse poucas coisas sobre os homens e a
luxúria, ela intuíra que quanto menos roupa usasse uma
mulher, mais aquecia o sangue do homem, e mais se irritava
quando lhe era negado o que desejava.
As lembranças da noite anterior se aglomeravam na
cabeça de Jessica, fazendo-a tremer não só de medo. O prazer
que Wolfe lhe dera antes de se assustar, fora único e
requintado. Se tomar uma mulher lhe desse um prazer similar,
não se surpreenderia que estivesse tão irritado por ter sido
rejeitado. Viver com ele, forçando-o a respirar o mesmo ar que
ela respirava, era injusto. Não soubera antes, mas agora sim,
era consciente daquilo.
Não podemos passar toda a vida assim.
Então, Jessica pensou em qual seria a alternativa se
aceitasse a anulação e voltasse à Inglaterra, e nas incansáveis
e bem intencionadas tentativas de lady Victoria, para casá-la
com qualquer lorde velho o bastante, rico e ansioso para ter
descendência, para não levar em consideração a mãe plebeia de
Jessica. Somente a ideia de suportar um casamento assim
proporcionava a Jessica uma gélida determinação de ser livre,
que nem a razão, nem a coação, poderiam mudar. Wolfe
preferia uma anulação a um funeral, mas Jessica não. Havia
coisas piores que a morte. Estava tão certa daquilo como
estava das batidas de seu coração. Ela as experimentava em
seus sonhos, onde as lembranças proibidas e os horríveis
pesadelos se misturavam, e a voz desumana do vento lhe
prometia um inferno na Terra.
Com um pequeno gemido, Jessica cobriu o rosto com as
mãos.
― Meu Deus, ― sussurrou ― faça Wolfe ceder, porque eu
não posso.
CAPÍTULO 8

Com ar hesitante, Jessica permaneceu em frente a um dos


muitos balcões da única loja de mercadorias da cidade. Estava
acostumada de que enviassem rolos de tecidos e costureiras à
casa de Lorde Stewart; inclusive às vezes, visitava uma modista
especialmente popular em seu atelier. A ideia de comprar
roupas prontas intrigava Jessica pela rapidez e praticidade que
existia e, ao mesmo tempo, a inquietava por não saber como
proceder.
― Senhora Lonetree? É você?
A forma de arrastar as palavras ao falar, junto à voz suave
e grave permitiu a Jessica saber quem era o homem que se
dirigia a ela antes de se virar. Seus olhos brilharam de prazer
ao ver aquele enorme homem loiro com seu chapéu nas mãos e
um sorriso no rosto.
― Rafe! Que maravilhosa surpresa. O que faz em Canyon
City? Seu braço está bem?
Ele moveu o ombro esquerdo.
― Está um pouco duro e coça, mas, fora isso, tudo está
bem. Nunca me curei tão rápido. Sem dúvida foi devido as suas
mãos e a bonita bandagem de seda.
― E ao sabão.
― E ao sabão. ― Rafe repetiu com uma piscada.
― O que faz em Canyon City? ― Jessica voltou a perguntar
sem pensar. Depois, hesitou, pensando. ― Oh, vá. Desculpe.
Fui uma grosseira. E a única coisa que Betsy não me explicou
dos Estados Unidos.
Rafe ergueu suas douradas sobrancelhas.
― Betsy?
― Minha donzela americana. Bem, era até que chegamos
ao Mississippi. Ensinou-me muitos de seus costumes, mas não
o mais importante do Oeste.
― Talvez devesse me falar sobre ela. Sou novo no Oeste.
Jessica deu um suspiro de alívio.
― Oh, bem, então não o ofendi perguntando-lhe porque
está aqui. Wolfe foi muito claro a respeito. Nunca se pergunta a
um homem do Oeste qual é seu nome completo, sua ocupação,
ou a razão de ir e vir de onde quer que seja.
― Na Austrália também é assim. ― Rafe comentou
sorrindo. ― Assim como na maior parte da América do Sul.
― Na Inglaterra, não. Exceto com certas pessoas, claro.
― Com os delinquentes? ― Rafe perguntou.
― Oh, vá. Agora sim que o ofendi.
A risada de Rafe foi instantânea e incontrolável.
― Não, senhora, mas é um prazer fazer uma brincadeira.
Se outro homem dissesse aquilo, Jessica teria se retirado
com a fria altivez que lady Victoria lhe ensinara. Mas era
impossível fazê-lo com Rafe e, desnecessário. Seus olhos
mostravam admiração sem ser descortês, absolutamente.
― Não me importo de falar sobre o que faço aqui. ― Rafe
respondeu. ― Estou esperando para poder atravessar o
desfiladeiro. Cheguei bem quando a última tempestade fechou
a passagem.
― Então, esteve aqui o tempo suficiente para ver a cidade.
Wolfe me disse que não ficaríamos muito tempo.
― Um homem inteligente, seu esposo. Muitos vagabundos
se refugiam aqui, apostando e esperando que se abram as
passagens da montanha.
― Se o que Wolfe disse for verdade, não precisarão esperar
muito.
― As pessoas do lugar me disseram que Wolfe Lonetree
conhece as montanhas que se estendem daqui até o condado
de São João, como a palma de sua mão. ― Rafe comentou.
― Não me surpreende. Wolfe sempre gostou dos lugares
inexplorados. Pelo que ouvi as montanhas aí fora são um dos
lugares mais selvagens da Terra.
Por um momento, Rafe olhou através das poeirentas
janelas da loja de mercadorias, mas eram outras as montanhas
que viu, outros lugares selvagens. Então, seus olhos cinza
voltaram a enfocar e se dirigiram à delicada jovem cujos olhos
cor de água marinha mostravam mais sombras do que
deveriam.
― Veio aqui comprar provisões?
― Vim por algo que esteja na moda. Wolfe está comprando
o que ele chama de cavalos de Montanha. São grandes,
segundo me disse. O bastante para suportar os ventos de neve
com os quais nos encontraremos nos desfiladeiros.
Os olhos cinza de Rafe se abriram ainda mais e depois se
apertaram preocupados.
― O que há mais ao oeste daqui é um lugar muito duro,
senhora Lonetree. Muito duro para uma mulher como você.
― Já esteve alguma vez na Escócia? ― Jessica perguntou
com um toque de amargura.
Ele negou com a cabeça.
― Vá no inverno, ― Jessica continuou ― quando as
tempestades de vento bramam do Círculo Ártico. Então, poderá
ver ondas mais altas do que um homem a cavalo, rompendo
contra negros penhascos de rocha cobertos de gelo. Nessa
época é quando as ovelhas com uma capa de lã mais grossa
que seu braço congelam em pé, mesmo abrigadas por sólidos
muros de pedra. Os homens congelam muito mais
rapidamente.
― Você nasceu lá. ― Rafe afirmou, pois não havia dúvida
que aquela escura lembrança era o que deixava o rosto de
Jessica tenso.
― Sim.
― Ainda assim, senhora, agora parece esgotada. Espero
que seu esposo se engane quando afirma que os desfiladeiros
se abrirão logo. Assim poderá desfrutar de algumas noites de
sono.
Jessica sorriu de modo tranquilizador, mesmo sabendo
que não dormiria melhor naquela noite do que fizera desde a
terrível discussão com Wolfe.
Ele não cedera o mínimo. Não importava o quanto ela se
esforçasse para tentar ser uma boa companheira; ele
continuava tratando-a como a uma inimiga, ou pior, como a
uma traidora que o tivesse enganado.
― Temo que não será assim. Meu esposo me garantiu que
os desfiladeiros já estão abertos. ― Jessica insistiu.
― Falou com algum caçador de ouro?
― Não. Esteve observando os cumes durante todo o
caminho desde su... nossa casa. Quando viu que a neve recém
caída se derretia pelas ladeiras rapidamente, disse que o
desfiladeiro estaria aberto quando acabássemos nossas
compras em Canyon City.
― Tem certeza?
Jessica deu uma estranha olhada para Rafe.
― Você conheceu Wolfe. Parecia um homem indeciso?
Negando com a cabeça, Rafe riu, recordando-se da
assombrosa precisão da pontaria de Wolfe com o rifle e como
seus inimigos caiam um após o outro como se fossem peças de
xadrez, sem que houvesse uma pausa no implacável ritmo de
seus disparos.
― Não, senhora. Casou-se com um tipo duro.
O sorriso de Jessica se apagou.
― Não me interprete mal. ― Rafe continuou. ― Não era
minha intenção ofender você. Em uma terra selvagem, um
homem duro é o melhor, seja como esposo, irmão ou amigo.
Rafe olhou pela janela outra vez. O grupo de homens que
estivera se divertindo em frente a um dos três salões da rua
principal se movera até uma carroça, onde uma sela de
amazona estava pendurada sobre um saco de grãos.
― Senhora, seu esposo está no salão?
― Não. Tem má opinião sobre o whisky do lugar.
― Um homem inteligente. Matt me advertiu que o whisky
aqui, é quase pior que os índios Utes.
― Matt?
― Matthew Moran.
Ao ver que Jessica ficava pensativa, Rafe acrescentou:
― Conhece o nome?
― Não tenho certeza.
― E Caleb Black? Seus amigos o chamam Cal.
― Ah, sim. ― Jessica respondeu com suave ressentimento.
― Esse nome eu conheço. A maldita perfeição.
― Não saberia o que lhe dizer. ― Rafe respondeu divertido.
― Nunca o vi.
― Não me refiro a Caleb, mas a sua esposa. Ela é a mulher
perfeita, segundo Wolfe.
― Então deve se tratar de outro Caleb Black. Muitas
coisas podem ser ditas sobre Willy, mas desde já, não é
perfeita.
― Willy?
― Willow Moran. Bem, antes era uma Moran. Agora é
Willow Black.
Os lábios de Jessica se curvaram formando um atribulado
sorriso.
― Pobre Rafe. Fez uma longa viagem de diligência e
recebeu uma bala para nada. A mulher perfeita já está casada.
― Não é o que pensa. ― Rafe acomodou seu roído chapéu
com um puxão. ― Willy é minha irmã.
― Oh, vá! ― Jessica corou. ― Sinto muito. No pretendia
insultá-la. Bem, eu... Maldição! Quando aprenderei a controlar
minha indomável língua?
― Não se preocupe. ― Tranquilizou-a amavelmente. ―
Willy vai rir mais que ninguém diante da ideia de ser a mulher
perfeita. É tão descarada quanto ninguém. Mas, Deus, como
cozinha. Viajaria meio mundo somente para comer alguns de
seus pãezinhos. ―Rafe sorriu. ― Na verdade, foi o que eu fiz.
― Parece que essa... bem, sua irmã e eu temos algo em
comum.
― Os pãezinhos?
― Por assim dizer. Wolfe viajou por meio mundo, e
praticamente da única coisa que fala é do sabor ruim dos meus
pãezinhos em comparação com os de Willow.
Os olhos cinza de Rafe se iluminaram com um sorriso.
― Não se sinta mal por sua cozinha, senhora. Os
pãezinhos das recém-casadas são famosos em todo o mundo.
― Os meus são infames. Até mesmo um gambá os recusou
depois de cheirá-los com seu negro e pontiagudo nariz.
Rafe tentou disfarçar como aquilo lhe parecia divertido,
mas a ideia de um gambá rejeitando comida era muito. Jogou a
cabeça para trás e riu com vontade.
Jessica sorriu realmente satisfeita. Gostou de ouvir a
risada de um homem e saber que havia alguém no Oeste que
ficava satisfeito com sua companhia. Então, seu sorriso se
apagou ao recordar que também se divertira com Wolfe. Mas as
coisas haviam mudado muito. Agora a única coisa que ele
queria dela era ver suas costas enquanto ela saía de sua vida.
― Não fique triste, ruiva. Ehhh... quero dizer senhora
Lonetree. ― Rafe se corrigiu rapidamente.
― Por favor, me chame de ruiva, ― disse suspirando ― ou
Jessica, ou Jessi, ou como quiser.
― Obrigado.
― Não é necessário que me agradeça. Se aqui ninguém
quer ser conhecido pelo seu nome, é lógico que se usem
apelidos ou outros nomes. Afinal, temos que chamar os demais
de alguma forma.
O sorriso de Rafe se apagou quando olhou pela janela.
Uma tensão que lhe parecia familiar, o invadiu. Passara tempo
suficiente em lugares perigosos, com homens ainda mais
perigosos, para saber que se avizinhavam problemas.
Os homens que estavam ao redor da carroça dos Lonetree
faziam parte daquela multidão de vagabundos, bandidos e
caçadores de ouro que havia se reunido em Canyon City, à
espera que a passagem pelos desfiladeiros se abrisse. A ânsia
pelo ouro os dominava, mas no momento, não havia nada que
pudessem fazer para saciar sua terrível ânsia. Então, falavam
sobre mulheres esperando-os com suas brancas pernas
abertas, bebiam e intimidavam a boa gente da cidade.
Aqueles homens estavam se tornando cada vez mais
violentos a cada gole que tomavam da garrafa que passavam de
um para o outro. Quando Rafe passara junto a eles a caminho
da loja de mercadorias, ele ouvira seus comentários sobre
bonitas damas forasteiras que montavam seus homens da
mesma forma que faziam sobre seus cavalos. Rafe duvidava
que os pensamentos deles tivessem se tornado mais nobres a
cada trago de whisky.
― Senhora Lonetree...
― Isso é muito formal. ― Jessica insistiu com suavidade.
Rafe desviou os olhos da janela.
― Muito bem, Ruiva. Não volte à carroça a não ser que seu
esposo esteja com você.
― Por quê?
― Aqueles homens ali fora estão bêbados. Não estão
acostumados com as mulheres decentes.
― Entendo. ― Jessica suspirou. ― De todo modo, preciso
comprar algumas coisas mais.
Em silêncio, Rafe a acompanhou até os balcões cheios de
roupa.
― Talvez possa me ajudar. ― Acrescentou, depois de um
momento. ― Nunca comprei roupas prontas. E este corte está
certo?
Rafe olhou incrédulo para os jeans que ela segurava.
― Senhora, duvido que seu esposo passe por aí algum de
seus braços e, muito menos, uma perna.
Ela sorriu.
― Estava pensando em mim, não em Wolfe.
Rafe fez um som estranho, enquanto examinava o
tamanho das calças e o da delicada jovem cujas formas se
adivinhavam através do traje enrugado pela viagem.
― Essa roupa não tem a qualidade suficiente para alguém
como você. ― Comentou com simplicidade.
Jessica deu uma olhada de soslaio para Rafe e comprovou
que ele não brincava. Ele realmente pensava que ela era tão
delicada quanto parecia.
― Ficaria surpreso em descobrir como sou forte. ― Disse
suavemente.
Após sacudir as calças, Jessica a segurou sobre sua
cintura. As pernas se arrastaram no chão.
― Diabos.
Deixou as calças e andou em busca de algumas ainda
menores. Depois de algum tempo, encontrou algumas que
pareciam ter sido cortados para um menino e as segurou
diante dela. Pensou que ainda seriam grandes na cintura e
apertadas nos quadris, mas não tinha opção, foram as menores
que encontrara.
― Importa-se em segurá-las para mim? ― Jessica
perguntou enquanto estendia as calças para Rafe.
Ele aceitou sem dizer uma palavra e observou com
crescente diversão como Jessica procurava entre as camisas
uma que fosse pequena o suficiente. Ainda sorria com
indulgência quando sentiu uma presença às suas costas.
Virou-se e viu Wolfe Lonetree parado diante dele e
atravessando-o com os olhos.
― Rafe, o que acha de...? Oh, bem. Voltou! ― Jessica
exclamou, aproximando uma camisa a Wolfe. ― O que acha
desta?
― Muito pequena.
O tom de voz de Wolfe fez com que Jessica levantasse a
cabeça. Ficou olhando-o e sentiu a raiva que ardia sob seu
aspecto impassível.
― Na verdade eu penso que é muito grande. ― Murmurou,
comparando seu braço com a manga.
De repente, Wolfe notou que Jessica estava comprando
roupas para ela.
― Milady, já levamos roupas suficiente para dois cavalos
de carga. De toda forma, não deixarei que exiba seu corpo
como uma mulher de salão, por todo o Oeste.
Wolfe tirou as calças de Rafe e as jogou sobre uma mesa
antes de se virar de novo para Jessica.
― Conseguiu comprar as provisões que estavam na lista?
― Perguntou.
― Sim. ― Jessica respondeu.
Apesar do rubor nas faces de Jessica, sua voz era
educada, mas Wolfe não captou a indireta.
― Isso sim é incrível! ― Pegou a camisa das mãos de
Jéssica e a atirou sobre as calças.
Os olhos de Jessica se apertaram até se tornarem duas
frias fendas azuis, enquanto examinava as sérias linhas do
rosto de seu esposo.
― Buscarei os cavalos no estábulo. ― Acrescentou
cortante. ― Espero que quando voltar tenha sido capaz de
voltar à carroça. O ajudante do vendedor a ajudará a carregar
tudo.
Após dar uma negra olhada para Rafe, Wolfe se virou e
saiu da loja de mercadorias.
Rafe deixou escapar uma longa e silenciosa exalação. Ver
o esposo de Jessica com sua gasta roupa de viagem em vez do
traje da cidade convencera Rafe que Wolfe Lonetree era
realmente o mestiço famoso por conhecer tão bem as
montanhas. Aquele mesmo mestiço também era famoso por ser
o melhor atirador no oeste do Mississippi e um duro lutador.
Os rumores não falavam que fosse tão possessivo com sua
esposa, mas Rafe ficaria encantado de comentar aquilo ao
próximo pobre idiota, que, inocentemente, se reconfortasse com
o abrigo do sorriso de Jessica.
― Senhora. ― Rafe disse, levantando o chapéu. ― Foi um
prazer.
― Não é preciso que se vá. Wolfe não é tão feroz quanto
parece.
Rafe sorriu friamente.
― Estou convencido que você tem razão. Certamente é o
dobro de feroz. Também é malditamente... bem, muito protetor
com você. Não o culpo. Se eu tivesse algo que valesse o mínimo
de seu sorriso, também iria com muito cuidado.
O sorriso de Jessica brilhou, mas depressa se apagou.
Mas quando Rafe se virou para sair, não conseguiu evitar
sussurrar:
― Vá com Deus, Rafael Moran.
Pronunciou o nome com seu fluído espanhol, dando uma
elegante musicalidade às sílabas. Rafe se virou, surpreso por
ouvir seu nome tão maravilhosamente bem pronunciado.
― Como sabia que meu nome completo era Rafael?
― Porque combina com você. ― Obedecendo a um impulso
tocou a manga de Rafe. ― Cuide-se. É raro encontrar
cavalheiros em qualquer parte do mundo.
― Eu não sou um cavalheiro, senhora. Mas obrigado. Não
se separe de seu esposo, nem um momento. Esta cidade não é
um lugar muito agradável agora mesmo. Lembra-me de
Singapura, que é como dizer que me lembra do próprio inferno.
Rafe voltou a cumprimentá-la levantando o chapéu e se
dirigiu ao outro lado da loja, onde estavam expostos os
equipamentos. Pegou um longo chicote enrolado e, com suaves
e, quase invisíveis movimentos de seu punho esquerdo,
experimentou sua flexibilidade; mais de sete metros de sutil
couro que se retorciam como se estivessem vivos sob sua hábil
mão.
Suspirando por ter perdido uma agradável companhia,
Jessica se afastou. Deu uma nostálgica olhada às calças e à
camisa que Wolfe descartara, mas não fez nenhum esforço para
recuperá-las. Ainda estava impressionada pelo primitivo
instinto masculino de posse que ele mostrara. Gostaria de
poder dizer a Wolfe que ele não tinha o direito de estar com
ciúmes de Rafe. Preferia receber um único olhar amável dele no
lugar de uma semana de amabilidades de Rafael Moran.
Por outro lado, um pouco de amabilidade por parte de um
estranho era melhor que não receber absolutamente nada.
Jessica regressou até o balcão onde estavam alinhados os
alimentos, e descobriu que Wolfe já pagara as compras. Então,
esperou que o magrelo adolescente recolhesse todos os pacotes.
Teria terminado sua tarefa mais rapidamente se tivesse sido
capaz de se concentrar no que estava fazendo, e não no único
cacho castanho avermelhado que escapara por baixo do
chapéu de Jessica. O sutil e sedoso fogo da mecha fascinava o
jovem, assim como o leve sotaque estrangeiro e os lábios
suavemente curvados.
― Acontece algo? ― Jessica perguntou enfim.
O jovem corou até as pontas de seus cabelos mal cortados.
― Desculpe senhora. Nunca havia visto nada parecido a
você, exceto nos livros de contos de fadas que minha mãe
costumava ler para mim.
― Isso é muito amável de sua parte. ― Jessica respondeu,
ocultando seu sorriso. A evidente admiração do rapaz era um
bálsamo, depois da constante raiva de Wolfe. ― Espere. Deixe
que eu lhe abra a porta. Leva muitos pacotes.
Jessica abriu a porta, pegou um pacote que ameaçava cair
e segurou a saia até os tornozelos para evitar o barro e o
esterco da rua. Olhou para ambos os lados, porque antes
evitara um acidente a duras penas, quando um cavaleiro
passara correndo temerariamente pela rua, a galope, gritando e
rodando uma garrafa de whisky vazia sobre sua cabeça como
se fosse uma espada, enquanto disparava seu revólver com a
outra mão. A exibição teria sido mais impressionante se o
cavalo não tivesse parado de repente, enviando o cavaleiro de
cabeça contra o esterco.
― Tenha cuidado senhora. ― O rapaz avisou. ― A cidade se
animou muito desde que se falou em ouro.
― Ouro?
― Em algum lugar daquelas montanhas. No condado de
São João.
― Lá é aonde vamos.
― Já imaginava.
― Por quê?
― Seu esposo pagou com ouro puro. ― Limitou-se a dizer o
rapaz. ― E também comprou cavalos nos estábulos com ouro.
Aqui as notícias voam como o vento.
Quando chegaram mais perto do carro, o rapaz olhou para
Jessica com ar hesitante.
― Diga ao seu esposo que vá com cuidado, senhora. O
ouro tira o brilho do pior dos homens. Pelo que ouvi, Wolfe
Lonetree é muito bom lutando, mas é só um homem. Não
gostaria de ver uma dama tão delicada quanto você em
problemas.
Jessica olhou para os olhos marrom claro do rapaz e
percebeu que era mais velho em alguns aspectos do que ela
pensara ao ver sua falta de jeito diante dela. Suspeitava que
viver na fronteira acabava com a inocência da infância muito
cedo. O rapaz era, no mínimo, seis anos mais jovem do que ela,
mas compreendia a dureza da vida como um adulto.
― Obrigada. ― Respondeu com suavidade. ― Tenho certeza
que Wolfe...
― Mas, o que temos aqui? ― Perguntou uma voz grosseira,
interrompendo as palavras de Jessica. ― Uma roupa muito fina
e delicada para uma cidade como esta. E uma jovem muito
bonita, também. Venha aqui, linda. O velho Ralph quer lhe dar
uma boa olhada.
Jessica ignorou o homem que permanecia em pé na parte
de trás da carroça com um casaco roída, roupas cheias de
barro e um olhar lascivo.
― Coloque os pacotes na parte de trás, por favor. ― Jessica
pediu ao jovem.
Enquanto falava, subiu na parte da frente da carroça. Sob
sua longa saia, sua mão se fechou ao redor do chicote para os
cavalos.
― Senhora. ― O rapaz começou a falar. Seu rosto estava
pálido e sua voz refletia urgência.
― Obrigada. Pode voltar à loja.
Jessica lhe deu um sorriso tranquilizador, desejando que
ele estivesse fora do alcance dos homens que se reuniam ao
redor da carroça.
― Por favor, vá. Meu esposo chegará em seguida. Poderia
confirmar porque se demora tanto?
― Sim, senhora!
A mão de Ralph se moveu disparada, mas o jovem a
esquivou, evitando que ele o prendesse. Saiu correndo para o
estábulo, fazendo o lodo voar debaixo de seus pés.
Os dedos de Jessica se apertaram ao redor do chicote.
Permanecia sentada em silêncio, olhando para o horizonte,
agindo como se estivesse sozinha. Os comentários dos homens
que se reuniam ao redor da carroça a deixavam saber que não
era assim, mas não diziam nada que quisesse escutar.
Uma pesada e suja mão agarrou uma dobra da bainha de
seu vestido.
― Meu Deus, nunca toquei nada tão suave desde que
estive em Atlanta. Aposto o que quiserem que ainda é mais
suave por baixo.
Vários homens riram. O som de suas risadas era tão sujo
quanto o barro que enchia a rua. Os poucos habitantes
valentes o bastante para passarem diante do escandaloso salão
da rua principal, observaram o que estava acontecendo, mas
tiveram dúvidas em intervir. Os oito homens que rodeavam a
carroça estavam armados e estavam muito bêbados para serem
perigosos, mas ainda sem que a torpeza do álcool diminuísse
seus movimentos. Formavam um grupo aterrorizante.
Além de Jessica ser conhecida pelos vizinhos do lugar
como a esposa de um mestiço, não era um bom cartão de
visitas naquela cidade fronteiriça, onde se pensava que os
índios valiam muito menos do que um bom cachorro de caça.
― Aposto dez dólares que ela usa roupa íntima de seda. ―
Um dos homens exclamou.
A mão de Ralph agarrou com mais força a saia de Jessica.
― Bem, linda, o que me aconselha? Aposto ou não?
Aquele comentário fez com que um de seus companheiros
explodisse em gargalhadas até o ponto de precisar se apoiar no
carro para não cair.
― Vamos. ― Ralph insistiu. ― Mostre uma perna aos
jovens.
Jessica o ignorou.
― Olhe-me quando falo com você. ― Grunhiu. ― Qualquer
prostituta que se deita com um mestiço deveria se sentir
agradecida pelo fato de que um homem branco a toque.
Quando Jessica notou que sua saia se movia, puxou o
chicote e brandiu o pesado cabo sobre o nariz de Ralph com
toda a força de que foi capaz. Bramando de raiva e dor, Ralph
soltou sua saia e levou a mão ao rosto. O sangue fluía aos
jorros entre seus dedos. Antes que Jessica pudesse se virar
para fazer frente ao resto dos atacantes, Ralph a pegou pelo
punho, fazendo-a perder o equilíbrio.
Ouviu-se um som semelhante a um tiro, seguido de um
grito. A mão que rodeava seu punho a soltou. Pelo canto do
olho, Jessica viu Rafe correndo para ela, empunhando o
chicote com uma destreza letal. Observou como seu braço
esquerdo se movia levemente e o comprimento do chicote
avançava a grande velocidade. Voltou a ouvir aquele som
similar a um tiro. Perto dela, o chapéu de um dos atacantes
saiu voando e caiu partido em dois pedaços. O sangue brotava
de um corte profundo acima do olho do dono do chapéu. De
repente, os homens começaram a tentar pegar suas armas por
baixo de seus casacos.
― Estão armados! ― Jessica gritou.
Ela agitou o chicote tão forte quanto conseguiu, sobre o
homem que estava mais perto, mas sabia que não seria o
suficiente. Restavam cinco homens mais e outros quatro saíam
a toda pressa do salão. Todos estavam armados.
― Desça! ― Rafe gritou.
Jessica não lhe fez caso, pois estava muito ocupada dando
golpes com o chicote.
O chicote de Rafe estalou de novo, mas desta vez se
enroscou suavemente ao redor da cintura de Jessica. No
entanto, o puxão que Rafe deu não foi suave. Tirou-a da
carroça e a deixou cair em seus braços no momento em que
começaram a escutar tiros a sua volta. Protegida pela lateral da
carroça e o corpo de Rafe, Jessica viu pouco da luta.
O que viu a assustou. Wolfe estava no final da rua, em
frente ao estábulo, a quase sessenta metros dali, e estava
derrubando tantos homens quanto lhe permitia a rapidez de
giro do carregador do rifle. As balas gemiam e se estalavam
contra a carroça. A fulminante chuva de projéteis fez os
homens se dispersarem. A única coisa que evitava que todos os
atacantes morressem era o fato de Jessica estar no meio da
confusão.
― Que filho da puta. Esse tipo sabe disparar. ― Rafe
exclamou com admiração.
Os tiros pararam.
― Jessi! ― Wolfe gritou.
― Estou bem! ― Ela respondeu.
― Em seu lugar, ― Rafe avisou com tom calmo, dirigindo-
se aos assaltantes. ― comprovaria a profundidade do barro
antes que Lonetree recarregue o rifle.
A sabedoria do conselho de Rafe se fez evidente quando
Wolfe substituiu o rifle pela escopeta e abriu fogo novamente.
Os homens que ainda não haviam caído se atiraram ao chão
encharcado.
― Fique aqui, senhora. ― Rafe aconselhou.
Tateando, Jessica se agarrou à áspera madeira da carroça.
Rafe se jogou para trás até conseguir ver todos os homens.
― Mantenha a cabeça abaixada, se não quiser perdê-la.
Foi a única coisa que Rafe disse. A única que precisou
dizer, porque o chicote em sua mão era como um ser vivo,
golpeando sem descanso sobre os homens caídos, arrancando
seus chapéus e abrigos, mordendo os dedos que tentavam se
arrastar até as pistolas escondidas. Já não se ouviam mais
sons como tiros, do chicote, mas unicamente um silvo que
deixava os nervos aguçados, e um grito sufocado que se
produzia cada vez que o couro lambia levemente alguma carne.
Um dos homens gemeu e se benzeu.
― Essa é a ideia. ― Rafe falou. ― Nunca é muito tarde para
que um homem abrace a fé.
Wolfe chegou correndo com a escopeta na mão. Atrás dele
vinha o menino da loja, com o rifle vazio. Wolfe se aproximou
até cada um dos assustados homens, os virou com sua bota e
memorizou suas faces. Eles lhe devolveram o olhar e souberam
que nunca estiveram tão perto de morrer. Quando acabou, foi
até Jessica e falou:
― Se vir qualquer um de vocês perto de minha mulher
outra vez, o matarei.
Jessica olhou para Wolfe e esteve segura daquilo. Ainda
que repetisse a si mesma que deveria se sentir impressionada,
não estava. Sabia que poderia ter sido tratada brutalmente por
alguns homens que só conheciam seu nome e seu sexo.
― Contarei até dez. ― Wolfe continuou em um tom neutro
que era mais uma ameaça do que um grito, enquanto
recarregava a escopeta. ― Qualquer que estiver à vista quando
acabar será melhor que esteja disposto a morrer. Um, dois,
três, quatro...
Ouviu-se um alvoroço frenético quando os homens se
levantaram do barro e se dirigiram a duras penas para o final
da rua. A maioria mancava e alguns só conseguiam usar um
braço. Um nem se moveu.
De alguma forma, Jessica não se surpreendeu que fosse o
homem chamado Ralph que estivesse morto. Nem a Rafe.
Desviou seu olhar do homem imóvel para Wolfe e assentiu com
a cabeça.
― Bom trabalho, Lonetree. Parece que é verdade tudo o
que ouvi sobre você. Mas continua sendo só um homem e há
um longo caminho até o rancho de Cal.
Não havia nada amistoso nos escuros olhos azuis de Wolfe
quando desarmou o gatilho da escopeta e se virou para Rafe.
― Que diabos importa a você para onde vamos?
CAPÍTULO 9

― Rafe é o irmão da mulher perfeita. ― Jessica disse


rapidamente, colocando-se entre os dois homens.
Um tenso silêncio permaneceu antes que Wolfe falasse.
― O irmão de Willow? ― Perguntou, olhando o elegante
homem loiro por cima da cabeça de Jessica.
Rafe assentiu.
Houve uma mudança sutil em Wolfe à medida que o
entendimento percorreu a adrenalina emprestada à luta. Houve
uma visível diminuição da atitude de predador que irradiara
quando viu como Rafe estava perto de Jessica. Durante alguns
instantes, Wolfe observou atentamente o homem que era capaz
de usar o chicote com uma habilidade tão fora do comum. Por
último, assentiu lentamente.
Jessica deixou escapar um suspiro e se afastou outra vez.
― Deveria ter imaginado. ― Wolfe comentou. ― A mesma
forma de falar arrastando as palavras, os mesmos cabelos, a
mesma forma dos olhos...
Sorriu para Rafe pela primeira vez, voltou a colocar a
escopeta em segurança e estendeu sua mão direita.
― Ainda que Willow seja uma visão muito mais bonita.
― Ora! Assustou-me. ― Rafe sorriu lentamente e apertou a
mão que Wolfe lhe estendia. ― Suponho que não será a
primeira vez que lhe dizem, mas tem uma grande pontaria com
o rifle.
Jessica observou como os dois homens apertavam as
mãos, e sentiu que enfim conseguia relaxar. Ver Rafe e Wolfe
olhando-se como inimigos, em potencial deixava seus nervos
tensos, porque ambos eram perigosos.
― Você também é malditamente bom com esse chicote. ―
Wolfe replicou, enquanto ajudava Jessica a subir na carroça. ―
Nunca tinha visto nada igual. É condutor de diligências?
4
― Sou um jackaroo , entre outras coisas. Assim os
vaqueiros são conhecidos na Austrália. Lá os pecuaristas
utilizam chicotes e cachorros. ― Rafe fez uma pausa e
continuou: ― Normalmente viajo sozinho, mas suspeito que nos
dirigimos ao mesmo lugar, e muita gente está sabendo do ouro
que carrega.
Wolfe assentiu lentamente.
― Geralmente, eu também viajo sozinho, mas com
Jessica... ― Encolheu os ombros. ― Francamente, desejaria que
Caleb ou Reno estivessem por aqui. Toda ajuda será pouca
para o que nos aguarda.
― Então me ofereço como companheiro de viagem.
― Bem. ― Wolfe sorriu. ― Suba Rafe Moran, e seja bem-
vindo.
Wolfe fez um gesto ao rapaz da loja e ele se aproximou
correndo com o rifle coberto de incrustações douradas.
― Minha mãe, senhor! Nunca havia visto alguém atirar
assim! E esse chicote! ― Exclamou virando-se para Rafe. ―
Minha mãe, pensei que fosse o demônio.
― Será melhor que acredite em Deus. ― Rafe respondeu. ―
O demônio já tem muitos adeptos.
Wolfe tirou de sua bolsa de couro uma irregular pepita de
ouro.
― Obrigado por me avisar no estábulo. Se alguma vez
precisar de ajuda, faça correr a voz que procura Wolfe Lonetree.
Virei em seguida. Conte com isso.
O rapaz se ruborizou.
― Não precisa me pagar, senhor. Só estava preocupado
com a dama.
― É uma preocupação para todos.
Jessica deu uma olhada para Wolfe, mas sorriu
afetuosamente ao menino que a ajudara.
― Filho? ― Rafe disse em voz baixa.
Quando o menino afastou os olhos de Jessica, Rafe lhe
jogou uma pesada moeda de prata.
― Encarregue-se de que o enterrem de forma cristã. ―
Rafe lhe pediu, estalando o chicote em direção ao homem
morto. ― Penso que seja muito tarde para que possa fazer algo
bom, mas me ensinaram que uma alma imortal é algo muito
resistente, e nosso Deus sempre está disposto a perdoar.
― Isso não é o que o pastor Corman diz. ― O rapaz
murmurou, sopesando a moeda.
― Procure um pastor melhor. ― Rafe aconselhou com voz
seca. ― A vida já é muito dura para precisar suportar mais
sermões agourentos e imprestáveis.
O menino soltou uma risada.
― Sim, senhor.
A moeda brilhou e virou desenhando um rápido arco
quando o menino a jogou no ar. Voltou a pegá-la e a colocou no
bolso com um amplo sorriso. Atravessou a rua correndo à loja,
ansioso para compartilhar sua aventura com as pessoas que
observavam atrás da proteção das portas fechadas.
O assento da carroça se moveu e rangeu quando Wolfe
subiu. Jessica ergueu as rédeas e o chicote, preparando-se
claramente para conduzir. Wolfe ergueu suas sobrancelhas de
modo interrogativo.
― Havia mais homens no salão. ― Ela se limitou a dizer.
Ele deu uma olhada para o edifício, assentiu e começou a
recarregar o rifle enquanto abria lugar para Rafe no duro
assento da carroça. Quando Rafe subiu, o assento voltou a se
mover e a ranger, queixando-se do sobrepeso.
― Se pode manejar o gado tão bem quanto maneja esse
chicote, Cal acreditará que morreu e está no paraíso. ― Wolfe
comentou enquanto Jessica dirigia os cavalos até a cavalariça.
― Conta com índios e um escravo liberto que cuidam do gado
quando lhes dá vontade, e Reno os ajuda quando não vai a
procura de ouro, mas Cal nunca tem mão de obra suficiente.
Esta chegando a primavera, época dos partos. Sua ajuda lhe
cairá muito bem.
― Reno? ― Rafe ergueu os olhos do chicote que estava
limpando e enrolando com ar ausente. ― Não é esse o terceiro
homem que conhece São João como a palma de sua mão? Você
e Caleb são os outros dois, segundo me disseram.
― Reno conhece o condado inclusive melhor do que eu. É
assombrosa a forma que usa para se orientar. Mas suspeito
que chame Reno por outro nome. ― Wolfe afirmou, com tom
claramente divertido.
― Ao que se refere? ― Rafe perguntou pensativo.
― Matthew Moran. ― Wolfe se limitou a dizer.
O alivio se refletiu no rosto de Rafe.
― Matt? Então ele está bem? Em sua última carta parecia
estar metido em alguma confusão.
― Reno está bem, sempre que não se leve em conta sua
obsessão com o ouro.
― Como minha obsessão pelos horizontes longínquos. ―
Rafe sorriu e continuou. ― Os homens Moran não foram feitos
para viver com sua mulherzinha e... ― Parou no instante, ao
recordar a presença de Jessica. ― Bem, já me entende.
Wolfe sorriu levemente.
― Nenhum homem foi feito para isso até que encontre
uma mulher como Willow.
Jessica estalou o chicote muito acima do flanco do cavalo.
Os olhos cinza de Rafe pousaram sobre ela com apreço.
― Ou como sua esposa. ― Rafe acrescentou. ― Maneja
muito bem as rédeas.
Wolfe apertou os olhos e a suavidade se desvaneceu
completamente de sua expressão. Rafe sentiu como a tensão
serpenteava pelo homem que se sentava junto a ele no estreito
assento da carroça.
― O melhor de alguém que gosta tanto de viajar, ― Rafe
continuou com total naturalidade enquanto dirigia um olhar
impassível para Wolfe ― é que pode apreciar a beleza sem
desejar possui-la. As posses prendem os homens. E nada, não
importa o quanto seja raro ou bonito, será tão importante para
mim como um amanhecer que ainda não tenha visto.
Com um esforço visível, Wolfe controlou sua raiva. Sabia
que era pouco razoável reagir com tanta dureza a um simples
comentário amável de Rafe sobre Jessica. No entanto, não
podia fazer nada para evitar, fosse ou não razoável. E assim
continuaria sendo até que Jessica entrasse em razão e
aceitasse a anulação, libertando-os de uma situação
impossível.
Mas até aquele momento, Wolfe lutaria para manter um
controle que se tornava mais fraco a cada noite, a cada dia, a
cada hora que passava na companhia da mulher que não podia
ter, que nunca seria sua e a quem desejava até o ponto de viver
no limite da raiva, por precisar estar tão perto de algo que
sempre estaria fora do seu alcance.
― Você é muito amável. ― Jessica disse com rapidez, já
que também havia notado a raiva de Wolfe. ― Mas ninguém
pode se igualar a maravilh... ehhh, quero dizer, a Willow. Ainda
me falta muita coisa pela frente para chegar a ser uma esposa
do Oeste adequada.
Rafe franziu o cenho.
― Você é muito delicada para este tipo de vida.
― Você e meu esposo têm algo em comum. Ambos
identificam a força com os músculos.
― E com razão. ― Wolfe murmurou.
― Não, não acredito. ― Jessica replicou. ― As flores são
suaves, frágeis e, portanto, segundo suas avaliações
masculinas, débeis. A própria tempestade que derruba um
poderoso carvalho, faz pouco mais que lavar a delicada
superfície das violetas que vivem aos seus pés.
Rafe desviou o olhar, tentando ocultar quanto a astúcia de
Jessica parecia divertida, mas foi impossível. Dirigiu a Wolfe
um atribulado olhar e balançou a cabeça rindo baixinho.
― Zombou de nós, Wolfe.
Ele grunhiu e examinou a rua cheia de barro pela última
vez. Não havia ninguém à vista e esperava que continuasse
sendo assim.
― Pelo que vejo vai ver Willow, não? ― Wolfe perguntou
dirigindo sua atenção uma vez mais para o grande homem
loiro, que o observava entre compassivo e divertido.
― Na verdade, procuro Matt. Mas ouvi falar de uma dama
da Virginia que chegou aqui no ano passado com cinco
elegantes cavalos árabes. Procurava seu esposo, Matthew
Moran. ― Rafe encolheu os ombros. ― Imaginei que se tratasse
de Willy. É a única mulher que conheço com garras suficientes
para atravessar terras selvagens sozinha, tentando encontrar
um irmão que não via desde anos.
O rosto de Wolfe se suavizou com um meio sorriso.
― Essa é Willow. Nunca haverá outra mulher como ela.
Rafe foi consciente tanto do afeto na voz de Wolfe, como da
sombra que transformou o rosto de Jessica, enchendo-a de
tristeza. Ergueu o chapéu, alisou seus brilhantes cabelos com a
mão, voltou a colocar o chapéu com um puxão e pensou se
Caleb era um tipo ciumento.
― Parece que conhece Willow muito bem. ― Rafe comentou
a Wolfe depois de um momento.
― Muito bem.
― E Cal?
Wolfe, talvez um pouco tarde, percebeu para onde se
dirigiam os pensamentos de Rafe. Sorriu levemente.
― Cal é o melhor amigo que tenho. É tão grande quanto
você, tão resistente como um precipício de granito, mais rápido
que um raio desembainhando seu revólver e ama Willow de
uma forma que jamais acreditei ser possível em um homem tão
duro quanto Caleb Black.
Rafe ergueu as sobrancelhas.
― E o que sente a respeito de Willow?
― O mesmo que Cal: um amor que se pode tocar. Vê-los
juntos me faz acreditar que Deus realmente sabia o que fazia
quando criou um homem e uma mulher, e ofereceu a terra
para seus filhos.
Jessica observou a segurança e o sutil desejo na voz de
Wolfe. Não sabia se chorava ou gritava diante da nova
evidência da profunda admiração de Wolfe pela esposa de seu
melhor amigo.
Wolfe não se fixou na tensa e séria boca de Jessica. Toda
sua atenção estava posta em Rafe, que refletia sobretudo sobre
o que Wolfe dissera, e também sobre o que não havia falado.
Finalmente, Rafe suspirou e se mexeu, fazendo o assento se
queixar outra vez.
― Alegra-me ouvir isso. ― Respondeu. ― Willy era uma
menina tão doce... Sempre tive medo que a vida a engolisse aos
poucos e depois a cuspisse em pedaços.
― Comer aos poucos a uma mulher perfeita? ― Jessica
perguntou tensa, enquanto freava o carro em frente a
cavalariça. ― Duvido, Rafael. A vida se asfixiaria até morrer
diante da perfeição de Willow. Pensar na vida morta é um
paradoxo que dá dor de cabeça. Sem mencionar o estômago.
Após a última palavra, Jessica enfiou o chicote em seu
suporte. Quando ergueu os olhos, Wolfe a observava com
dissimulado interesse, avaliando sua raiva. De repente, soube
que a única coisa que ela estava fazendo era afiar uma arma
que ele usaria contra ela sempre que tivesse uma chance.
Mesmo sabendo disso, não conseguia parar as palavras ou
diminuir a doçura de sua voz quando falou.
― Seria possível deixar de elogiar as virtudes de alguém
tão perfeito o tempo suficiente para retomar o caminho? ―
Jessica inquiriu. ― Estamos deixando nervosos os vizinhos
desta cidade.

― Essa é a engenhoca mais estranha que já vi, ― Rafe


disse, enquanto guiava seu cavalo junto ao de Jessica. ― e já vi
umas coisas raras em minhas viagens.
Apesar do cansaço que chegava até seus ossos e que a
atormentava, Jessica se ergueu sobre a sela de amazona e se
concentrou em Rafe, agradecida por falar de algo que desviasse
seu pensamento do vento.
Os dois cavaleiros estavam rodeados por esmagadoras e
enormes montanhas, cujos cumes permaneciam cobertos por
nuvens cor de ardósia. Subir por aquelas cumeeiras era como
cavalgar de volta ao inverno. O vento arrancava a neve das
nuvens e formava redemoinhos brancos. Também levantava a
neve do solo, elevando partículas de gelo e transformando-as
em lascas invisíveis e prejudiciais que feriam a pele
desprotegida. Mas, sobretudo, o vento se lamentava e gemia,
minando o controle de Jessica e trazendo à luz os pesadelos
que habitavam o mais profundo de suas lembranças.
― Não existe selas de amazona na Austrália? ― Perguntou
com rapidez, incapaz de suportar o vento ou seus próprios
pensamentos.
― Nunca vi nenhuma, mas só conheci poucas mulheres
brancas. ― Rafe a olhou de lado. ― É tão incômodo quanto
parece?
Com os dentes apertados e um gemido apagado, Jessica
se moveu tentando acomodar melhor a volumosa saia de seu
vestido de montaria ao redor do pouco convencional pomo.
― Sobre um bom cavalo, em terreno plano e durante
poucas horas, é bastante cômodo.
― Mas o velho Two-Spot não é precisamente um bom
cavalo. ― Rafe acabou por Jessica. ― Estamos cavalgando
dezesseis horas por dia durante três jornadas, e me parece tão
cansada e pálida que juraria que o sol poderia atravessar você.
O vento virou, rodopiou e uivou do desfiladeiro que se
apresentava diante deles, arrastando com ele a promessa
gelada de que traria mais neve.
― Não acredito que a presença do sol vá ser um problema.
― Jessica respondeu, dirigindo-lhe um breve sorriso.
― Não importa. Quando Wolfe voltar do reconhecimento do
terreno, vou sugerir que acampemos mais cedo esta noite.
― Não.
A clara ordem que se refletia em sua própria voz fez
Jessica estremecer.
― Não quero ser a causa de nenhum atraso. ―
Acrescentou com mais amabilidade. ― Sou mais forte do que
pareço. De verdade.
― Eu sei.
Jessica lhe dirigiu um incrédulo olhar de soslaio.
― Estou falando sério. ― ele insistiu. ― Não teria apostado
que aguentasse nem mesmo o primeiro dia e, muito menos, os
dois últimos. Mas se não descansar, amanhã precisaremos
amarrar você a essa maldita e ridícula sela.
― Então, será isso o que Wolfe fará. Precisamos chegar à
Grande Divisão antes que se produza uma tempestade de
verdade.
Os lábios de Rafe ficaram tensos sob a leve barba cor de
bronze de três dias. Sabia no que Wolfe estava pensando. Havia
encontrado rastros que indicavam que outros homens se
dirigiam para o desfiladeiro que atravessava a Grande Divisão.
Nas últimas seis horas, costearam áreas onde grupos de
homens haviam acampado, prevendo a tempestade que se
aproximava. Quanto mais se aproximassem do desfiladeiro,
mais possibilidades existia de encontrarem outros homens.
― A febre do ouro, ― Rafe murmurou. ― é pior que a
cólera.
― Duvido. Vi como a cólera arrasava um povoado como o
faria uma foice com um campo de trigo: matando todos os
adultos e deixando vivos somente um punhado de crianças
para enterrá-los e chorar por eles.
Rafe ficou olhando para Jessica, novamente surpreso.
― Você foi uma dessas crianças?
Ela assentiu.
― Eu tinha nove anos.
― Deus! ― Murmurou. ― Como sobreviveu?
Jessica sorriu cansada.
― Já lhe disse. Não sou tão frágil quanto pareço.
― Espero que não, ― Rafe disse sem rodeios. ― ou não
conseguirá atravessar o desfiladeiro. Estas montanhas são tão
duras quanto as que vi na América do Sul, e muito piores do
que qualquer coisa que se possa encontrar na Austrália.
― No entanto, há algo nestas montanhas que consegue
prender você.
Rafe hesitou, espantado pela perspicácia de Jessica.
― Não havia parado para pensar dessa forma, mas tem
razão. De todas as montanhas que vi, estas são as mais belas.
Mais altas que Deus e piores do que o demônio. Porém, há
beleza nas bacias hidrográficas e nos longos vales.
Emitiu um suave som de desconcerto.
― Fazem-me sentir como se em algum lugar existisse uma
cabana, uma mulher que nunca vi, e que ambos estão me
esperando, cheios de calor.
― É um bom homem, Rafael Moran. ― Jessica afirmou.
Sua voz soou rouca por uma emoção agridoce. ― Espero que as
encontre.
Rafe a olhou e observou que a tristeza e o cansaço de
Jessica conseguiram fazer seus lábios perderem toda a cor.
Um mínimo sinal de movimento na frente do caminho que
percorriam distraiu Rafe. No mesmo instante em que sua mão
se fechava ao redor da culatra do revólver que levava, a escura
cor tostada da grande égua que Wolfe comprara em Canyon
City se destacou sobre a paisagem em branco e negro.
― Wolfe já está aqui. ― Rafe anunciou, voltando a deixar o
revólver no coldre.
Jessica assentiu deixando-se levar novamente pelo meio
atordoamento que a invadia sempre que baixava a guarda. Em
silêncio, Rafe decidiu sugerir que acampassem mais cedo se
Wolfe não o fizesse primeiro. Mas quando chegou até eles,
conseguiu observar que uma aura quase tangível de alerta o
envolvia. Mesmo antes de falar, Rafe soube que naquele dia
não acampariam cedo.
― Está nevando no desfiladeiro. ― Wolfe anunciou com voz
desprovida de emoção. ― Se não o atravessarmos agora,
precisaremos acampar até que se abra de novo. Poderia
demorar uma semana ou mais. Mesmo não acendendo um
fogo, seria perigoso.
― Acampar sem fogueira? ― Rafe perguntou. ― Há homens
mais a frente?
Wolfe assentiu cortante.
― Viram você?
― Não. ― Wolfe alcançou a bolsa de sua montaria e tirou
uma caixa de cartuchos. ― Encurte pela direita depois de
atravessar o rio, circule a encosta da montanha e espere por
mim na floresta do outro lado.
Sem aviso prévio, lançou a caixa de cartuchos em direção
a Rafe. Quando ele a pegou com um rápido movimento da mão,
Wolfe sorriu.
― Nota-se que é irmão de Reno. Ele possui as mãos mais
rápidas que já vi, excetuando as de Cal. ― O sorriso de Wolfe se
apagou. ― E que tal é com uma escopeta?
― Melhor que alguns e muito pior que você.
― Pegue a escopeta de Jessica. Cavalgue com ela sobre
sua sela.
Rafe se inclinou, tirou a escopeta da funda da montaria de
Jessica e examinou a arma com os movimentos rápidos e ágeis
de um homem acostumado a fazê-lo.
― O que você fará?
― Há uma colina a uns trezentos metros do acampamento
deles. Dali posso vigiá-los. Se eles se puserem em movimento,
começarei a disparar. Ainda que tenha a certeza que alguns
conseguirão escapar. É impossível que eu alcance os nove
antes que consigam se esconder.
Rafe ergueu as sobrancelhas ao perceber que Wolfe estava
disposto a matar àqueles homens em uma emboscada, se fosse
necessário.
― Conhece àqueles tipos? ― Rafe perguntou.
― Troquei algumas palavras com eles em uma parada da
diligência.
Jessica respirou de forma audível.
Rafe a olhou e a seguir, olhou para Wolfe.
― Entendo. Nesse caso, será um prazer acabar com os
atrasados.
Wolfe sorriu levemente.
― Se algum escapar, tenha cuidado com o que usa uma
capa cinza da cavalaria e monta um cavalo Tennessee negro
com três patas brancas. Esconde um revólver atrás da fivela do
cinturão, mas não recomendo que lhe permita se aproximar o
suficiente para que possa usá-lo.
― Um velho amigo? ― Rafe perguntou secamente.
― Nunca o vi. Cal matou seu gêmeo, Reno matou seu
irmão mais novo, e eu a um par de primos, junto a outros
membros de seu bando.
― Ladrões de ouro? ― Rafe perguntou.
― Isso era o que tinham em mente. Mas primeiro levaram
Willow. Foi o último erro que aqueles tipos cometeram.
Rafe apertou os olhos.
― Não dê nem uma oportunidade a Jericho Slater. ― Wolfe
continuou. ― Aqueles Slater fazem os foragidos do temível
bando de Quantrill parecerem coroinhas. Se descobrir que é o
irmão de Reno, não hesitará em matá-lo.
― Sou um homem amável. ― Rafe respondeu com calma.
― Se um homem se aproxima de mim pensando na morte, me
esforço ao máximo para ajudá-lo a realizar seus desejos.
Wolfe ergueu os lábios.
― Aposto que o fará. Dê-me quinze minutos para me
colocar em posição. Tenha cuidado com as placas de gelo no
solo.
No momento em que fez sua montaria se virar, Jessica
exclamou com urgência:
― Wolfe!
Ele parou o cavalo e olhou por cima do ombro.
― Eu... ― Sua voz se enfraqueceu e fez um gesto inseguro
com as mãos. ― Vá com cuidado.
Wolfe assentiu, ergueu as rédeas outra vez e se afastou a
galope.
Quinze minutos depois, Rafe e Jessica o seguiram. Ela
cavalgava tensa sobre sua montaria, esforçando-se para ouvir
qualquer disparo do rifle. A única coisa que escutou foi o uivo
oco e gelado do vento que mexia com seus já alterados nervos,
até o ponto de sentir que deveria gritar para fazer calar seu
interminável lamento. Os minutos se alongaram atormentando-
a e quase agradeceu o trote de Two-Spot que sacudia todos os
seus ossos, porque supunha uma distração para ela. Rafe não
falou e ela também não tentou conversar.
A ladeira que rodearam estava coberta de abetos. As
árvores eram de um verde tão escuro que quase pareciam
negras. Ao longo dos barrancos cresciam esbeltos álamos,
trêmulos, com sua característica casca branca. Nem um
mínimo rastro de verde cobria os fantasmagóricos e graciosos
ramos dos álamos, porque a primavera não havia chegado
ainda às terras altas.
Nas breves pausas do vento, a respiração dos cavalos
surgia como colunas prateadas. Os animais estavam
trabalhando duro e a terra se elevava implacável sob seus
cascos. As brilhantes placas de gelo sob a neve recente
tornavam difícil manter o equilíbrio.
Jessica e Rafe rodearam a ladeira e atravessaram uma
pequena clareira para o bosque no qual Wolfe os esperava. O
coração de Jessica saltou de alegria quando observou seu
sombrio rosto e sua tangível força masculina. O
redescobrimento da beleza de seu esposo a invadiu como uma
onda. As roupas de viagem lhe assentavam bem, assim como
as austeras montanhas. Entre suas delgadas mãos, o rifle
recarregado se revelava como uma arma, perigosa, apesar de
seu desenho. E Wolfe se mostrava como o homem que
realmente era. Fora feito para aquela terra selvagem; não para
os brocados e o cetim da civilização. Jessica entendeu aquilo
enquanto soube que amava Wolfe pelo que ele era, que sempre
o havia amado e que sempre o amaria. Sua descoberta a deixou
atônita e abriu caminho através das camadas de esgotamento
até chegar ao mais profundo de sua alma.
― Não nos viram. ― Wolfe anunciou. ― Estão muito
ocupados bebendo e jogando cartas. Jericho os deixará mais
limpos que uma patena antes do desjejum.
― Ele é bom com as cartas, então? ― Rafe perguntou.
― Só o diabo o supera nisso.
Wolfe se colocou à frente uma vez mais, seguido por Two-
Spot e os cavalos de carga. Rafe esperou que estivessem a uns
cem metros de distância antes de obrigar seu cavalo a segui-
los. Ficara com a escopeta de Jessica e cavalgava com ela sobre
a montaria, atento a qualquer som que pudesse escutar às
suas costas.
O esgotamento arrastava o corpo de Jessica para uma
sonífera onda cinza, forçando-a a desabar sobre a sela.
Olhando o vazio, suportou a duras penas o caminho
interminável quando se tornou mais escarpado e agreste. À
esquerda, um manto de neve deslizou por uma encosta a
poucos metros de seu cavalo, mas Jessica nem mesmo notou.
Seguia adiante pela inércia. Era capaz de se manter ereta sobre
o cavalo, e nada mais.
Quando Two-Spot resvalou em uma poça gelada e caiu de
joelhos, ela procurou instintivamente o pomo da montaria, mas
era muito tarde. Em sua precária posição, o curvado e pouco
convencional pomo ficava fora de seu alcance. Two-Spot se
inclinou à direita tentando recuperar o equilíbrio. Aquele
movimento repentino foi decisivo à queda de Jessica, que saiu
voando da sela até a encosta cheia de neve e começou a rolar
entre um novelo de saias e membros se agitando.
O grito de surpresa que ela deu quando seu cavalo caiu de
joelhos foi o único aviso que Wolfe recebeu. Virou-se sobre sua
montaria, bem a tempo de ver como a cabeça de Jessica batia
contra o solo. Quando girou seu cavalo e alcançou Two-Spot,
alguns arbustos já haviam freado sua queda. De modo
temerário, Wolfe esporeou seu cavalo para descer a encosta até
o lugar onde ela estava imóvel.
― Jessica!
O grito de Wolfe ressoou, mas não houve resposta. A
poucos metros dela, saltou do cavalo e correu, escorregando
até ficar de joelhos junto ao seu corpo.
― Jessica? Está bem? ― Perguntou com urgência.
Ela não respondeu.
― Fale comigo, minha pequena elfo. ― Wolfe insistiu,
afastando a neve do rosto de Jessica com dedos trêmulos. ―
Não foi uma queda tão grave. A neve é suave e profunda, e não
havia nenhuma rocha. Jessica...
Seus dedos afastaram com cuidadosa ternura a neve de
suas sobrancelhas e cílios, que eram como uma sombra de
fogo. Pareciam muito escuros em contraste com a pele que
estava quase tão pálida quanto a neve.
― Não pode estar ferida. Meu Deus, diga que não.
Maldição, Jessica. Acorde.
Ela gemeu e tentou se sentar. Quando quase o conseguira,
suas próprias tranças, presas sob seu corpo, a puxaram de
volta. Muito atordoada para perceber, tentou se erguer de novo,
só para tornar a cair.
Wolfe a parou antes que suas tranças voltassem a puxá-la
para o chão.
― Devagar, Jessica. Seus cabelos estão prendendo você.
― Wolfe? ― Chamou entrecortadamente. ― É você de
verdade?
Seus olhos cor de água marinha olharam fixamente para
Wolfe e seus frios dedos acariciaram suas escuras faces.
― Sim, pequena elfo. Sou eu.
Descobrir que Jessica estava realmente bem fez Wolfe
sentir uma cascata de champanhe percorrer seu corpo,
atordoando-o, quase o deixando enjoado. A lembrança da outra
vez em que Jessica ficara presa por seus longos cabelos, fez um
sorriso iluminar o rosto de Wolfe. Seu sorriso se ampliou
enquanto a ajudava a se sentar.
― Não sei como faz, mas tem uma estranha habilidade
para ficar presa por suas tranças.
Quando Wolfe liberou os cabelos de Jessica, as
recordações e o alívio o invadiram. Começou a rir baixinho
enquanto lhe sacudia a neve.
O som da risada de Wolfe teve o efeito de uma brutal
bofetada no ânimo de Jessica. Tentou se afastar dele, mas não
conseguiu. Apesar das gargalhadas que o sacudiam, Wolfe a
colocou em pé como se tivesse levantado uma sela.
Para Jessica, aquela ofensa foi demais. Medo, raiva,
exaustão e humilhação explodiram com violência. Não parou
para pensar sobre aquilo, não pensou nada, não hesitou,
apenas pegou a faca de caça que levava no cinturão. A ação foi
tão inesperada que conseguiu desembainhá-la antes que ele
pudesse perceber. A mão de Wolfe se fechou sobre seu pulso
com a velocidade de uma cobra.
― O que acredita que está fazendo? ― Ele perguntou
assombrado.
Os lábios de Jessica se curvaram, emitindo um som
inarticulado. Mexia e retorcia seu punho, mas não conseguia
se libertar.
― Jessica! Que demônios...? A queda a fez perder o pouco
juízo que possuia?
Ela tremia a cada respiração. Estava esgotada e
assustada, e o frio e a dor agarravam seu tornozelo direito a
cada vez que se mexia, mas, acima de tudo, estava furiosa pela
crueldade de seu esposo, um homem que só se alegrava vendo-
a fracassar.
― Solte-me!
A evidente raiva refletida na voz de Jessica, apagou
qualquer sinal de sorriso dos olhos e da voz de Wolfe.
― Não até que me diga o que vai fazer com esse punhal. ―
Falou.
Durante longos segundos, Jessica olhou para Wolfe sem
responder. Finalmente, baixou o olhar para o punhal que
segurava na mão como se estivesse surpresa de vê-lo ali.
Quando voltou a olhar para Wolfe, não havia sinal de brilho ou
calor em seus olhos.
― Meus cabelos. ― Disse cansada.
― O quê?
― Vou cortar meus malditos cabelos.
Ele franziu o cenho.
― Não acredito. Em seu estado, certamente cortaria o
pescoço por engano.
Ou o dele, mas não por erro, ainda que nenhum dos dois o
dissesse em voz alta. Wolfe conseguiu liberar o punhal dos
dedos de Jessica com tal facilidade, que alimentou ainda mais
sua fúria.
― É um bastardo. ― Disse entre dentes.
Ele sorriu friamente.
― Tem razão, senhora.
― Duplamente bastardo. ― Ela retificou. ― Uma por
nascimento e outra por escolha. Trata-me como a uma simples
serviçal, menospreza meus esforços para ser uma boa esposa, e
ainda ri da minha dor quando caio do cavalo porque estou
muito cansada para me manter acordada sobre a sela durante
mais tempo. É um bastardo.
Toda expressão se apagou no rosto de Wolfe.
― Diga a palavra e será livre. Diga a palavra, milady. Diga!
Jessica foi invadida por uma calma que lhe deu força e
vontade, e endureceu suas faces.
― Esposo.
A palavra saiu de golpe de seus lábios, e o sorriso de
Jessica pareceu a Wolfe mais frio que a própria neve.
― Esse é o problema. ― Respondeu com voz entrecortada.
― Eu sou seu esposo, mas você não é minha mulher.
― Tenho uma solução: vá para o inferno. Lá encontrará
todo o sofrimento que quiser. Ficará tão divertido que se
arrebentará de tanto rir e morrerá ali mesmo. Será então ficará
livre de mim, meu querido esposo, e não antes.
Jessica se virou e começou a subir a escarpada encosta.
Enquanto Wolfe a observava, se desenhou em seus lábios um
leve sorriso que não possuia nada de divertido. Uma fúria
desenfreada emanava de cada poro do corpo de Jessica. Vira-a
de muitas formas, mas nunca assim. A pequena e delicada
aristocrata possuia um gênio que combinava com o glorioso
fogo oculto em seus cabelos. Wolfe não podia evitar se
perguntar se alguma vez se aproximaria da cama de um
homem, com uma mínima porção da paixão que mostrava
naquele ataque de raiva. A ideia de ser o homem que provocava
aquela primitiva sensualidade em Jessica, despertou uma
reação rápida e elementar no corpo de Wolfe que o
surpreendeu.
Amaldiçoando sua masculina vulnerabilidade por uma
mulher que desejava vê-lo no inferno, Wolfe afastou o olhar de
Jessica até que a dura rajada de necessidade cedeu caminho a
uma incômoda dor. Não podia pedir muito mais. O estado de
semi excitação se convertera em algo tão habitual para ele,
sempre que Jessica estava perto, que já não pensava no
incômodo como algo fora do normal. Wolfe voltou a olhar para
a encosta bem a tempo de ver Jessica tropeçar. Inicialmente,
pensou que sua torpeza se devia a sua raiva, mas então, viu
como ela se levantava com dificuldade, dava dois passos e
quase caía de novo. Algo ocorria em sua perna direita.
― Espere, Jessi. ― Wolfe gritou. ― Eu a ajudarei.
Jessica nem se preocupou em olhar por cima do ombro.
Também não parou suas desajeitadas tentativas para subir a
escarpada encosta.
Murmurando entre dentes, Wolfe guardou o punhal e
saltou sobre sua montaria, esporeando-a para que subisse pela
encosta. Sem se preocupar em frear, se inclinou e ergueu
Jessica nos braços ao passar junto a ela, segurando-a com
força contra sua coxa. Quando a égua chegou até o alto da
encosta, Wolfe a fez parar.
― Monte à minha frente. ― Ordenou com voz entrecortada.
Enquanto falava, ergueu Jessica por cima do lombo da
égua. A saia de montaria finalmente ficou acomodada a ambos
os lados do cavalo permitindo-lhe se sentar encavalada sobre a
grande sela. A intimidade da posição logo se refletiu no corpo
de Wolfe, fazendo que ardentes garras de necessidade se
afundassem nele. Sua respiração ficou mais profunda,
enquanto lhe vinham à cabeça o tipo de palavras que nunca
em sua vida havia utilizado em presença de uma mulher, e que
não desejava começar a usar agora.
― Fique quieta. ― Ordenou.
Jessica não respondeu, mas também não tentou
desmontar. Wolfe desceu pela parte direita do cavalo com um
único e ágil movimento. Suas mãos se dirigiram para o
pequeno pé afundado em uma bota de pele que aparecia sob as
dobras de tecido cheios de neve.
― Onde dói?
Jessica olhou para Wolfe. Não precisou olhar muito longe.
Mesmo sentada sobre um cavalo, não era muito mais alta do
que ele. Também não possuia a força dele. Não possuia nada
mais que a certeza que preferia morrer a voltar a ser uma carta
brilhante na mesa de jogo dos casamentos entre nobres.
Preferia morrer a viver como fizera sua mãe.
As lembranças e os pesadelos se misturaram de repente,
como um calafrio a percorrendo. Antes que o tremor tivesse
passado, Jessica compreendeu que também estava segura de
outra coisa. Wolfe nunca aceitaria aquele casamento, só se
tornaria cada vez mais cruel em seus esforços para afastá-la
dele.
Lamentará o dia em que me obrigou a me casar com você.
Há coisas piores que ser acariciada por um selvagem e você
conhecerá todas.
Agora, muito tarde, Jessica acreditava na veracidade das
palavras de Wolfe. Agora, muito tarde, sabia que não havia
nada que se interpusesse entre ela e o vento.
― Onde dói? ― Repetiu com impaciência.
― Não dói.
Wolfe ergueu a cabeça rapidamente. Nunca ouvira aquele
tom de voz em Jessica, um som tão frio e vazio de musicalidade
quanto uma pedra.
― Vi que você mancava.
― Não importa.
A centelha de raiva nos olhos de Wolfe foi substituída pela
inquietação.
― Jessi?
Perdida nos ecos de sua espantosa descoberta, Jessica
não escutou nem respondeu à pergunta de Wolfe. Seus olhos
pareciam vazios e não refletiam emoção alguma. Ele hesitou, e
começou a percorrer a suave pele da bota de Jessica, com
alguns dedos que eram suaves e firmes ao mesmo tempo.
Acreditou notar que ela tremeu quando apertou com força seu
tornozelo, mas era difícil estar certo.
― Pode montar? ― Perguntou, afastando-se.
― Já estou montada.
Não havia nem sinal de brincadeira nas palavras de
Jessica, só a confirmação de um fato: naquele momento, estava
montada sobre um cavalo.
― Jessi, o que acontece?
Ela olhou além de Wolfe, através dele, vendo só o vazio do
vento, escutando seu uivo grave e triunfante.
Com movimentos rápidos, quase violentos, Wolfe ergueu o
estribo direito de sua sela. Não podia deixá-lo muito curto para
que o delicado pé de Jessica o alcançasse.
― Maldição. ― Murmurou.
Se Jessica o escutou, não disse nada.
Uma rajada de vento trouxe consigo o som de um cavalo
se aproximando a meio galope. Wolfe ergueu os olhos, viu como
o cavalo de Rafe se aproximava e voltou a colocar o estribo em
sua posição original.
O caminho que Rafe seguia lhe contou o ocorrido. Um
cavalo que caíra de joelhos, uma franja desigual traçada pelo
corpo de Jessica e as profundas lacunas por onde a égua de
Wolfe descera a encosta. O pálido rosto de Jessica e a tensa
boca de Wolfe davam mais detalhes da história, mas não o
suficiente.
― Está ferida?
― Tem o tornozelo direito dolorido, mas foi seu orgulho
quem levou a pior parte.
Rafe a olhou, mas ela parecia ausente. Os olhos sem vida
de Jessica não pareciam ser capazes de ver nada. Havia algo na
quietude de seu corpo que fez Rafe apertar os olhos. Vira
homens com o mesmo aspecto, homens levados até o limite
pela dor, fome ou pela guerra.
― Ela está muito cansada. ― Comentou. ― Há um bom
lugar para acampar a um quilômetro e meio daqui.
O vento mostrou sua presença outra vez, levantando um
halo de neve sobre a terra fria.
― Continuaremos nosso caminho. ― Wolfe subiu ao cavalo
atrás de Jessica. ― Comprove se Two-Spot não se perdeu. Os
cavalos de carga estão acostumados a segui-lo.
Um toque com as esporas de Wolfe fez a égua sair em
trote. Um braço forte rodeou Jessica, segurando-a. Seu corpo
ficou rígido, mas não disse nada. Também não resistiu a ele.
Limitou-se a se afundar mais e mais em seu íntimo,
procurando uma forma de libertar tanto Wolfe quanto a si
mesma da cruel armadilha na qual se encontravam. Não
encontrou outra solução que aguentar e, continuar
aguentando.
Não posso.
E rezar para que Wolfe mudasse, porque ela não podia.
Não posso.
Devo ser forte. Só um pouco mais. Alguns minutos mais.
Os minutos se passaram.
Alguns poucos mais.
Quando aqueles minutos passaram, Jessica exigiu a si
mesma aguentar mais, e mais, até que passou meia hora, uma
hora, duas, três.
Lentamente, tomando ar uma e outra vez, aguentou,
aprendendo a viver sem Wolfe como talismã, aprendendo a
sobreviver em um mundo governado por um vento desalmado
cheio de recordações e pesadelos, que voltavam do passado
para atormentá-la.
CAPÍTULO 10

― Wolfe! Não posso acreditar que seja realmente você!


Caleb me disse que as passagens da montanha ficaram
enterradas sob a neve depois da última tempestade.
Os roucos gritos de Willow fizeram com que os lábios de
Jessica ficassem tensos até formar uma triste linha. Deveria ter
imaginado que aquela maldita mulher teria uma voz bonita.
Com serenidade, Jessica esperou para ver como ela era, mas
ainda estava oculta sob as densas sombras da varanda.
― Sim, sou eu. ― Wolfe respondeu, sorrindo enquanto
desmontava e percorria a grandes passos a distância que os
separava para dar um abraço a Willow. ― E lhe trouxe um
presente.
― Ver você já é um presente suficiente. ― Respondeu,
rindo e abraçando-o por sua vez.
O evidente afeto refletido na voz e no rosto de Willow era
correspondido por Wolfe, que a apertou com suavidade entre
seus braços. Uma escura combinação de ciúmes e desespero
percorreu Jessica surpreendendo-a, porque pensava que nada
mais poderia afetá-la, com exceção do vento negro sussurrando
em seus ouvidos segredos do passado, que se negavam a ficar
no esquecimento.
Poderia ter uma oportunidade com Wolfe se não fosse pela
maldita mulher perfeita. E saber disso está me matando tão
lentamente quanto faria um veneno.
Jessica olhou fixamente a sombra da varanda, mas não
conseguiu distinguir nada de Willow, com exceção dos delgados
braços que rodeavam a cintura de Wolfe.
Deve ser bonita, claro, pensou Jessica com amargura. Tão
bonita quanto este enorme prado e tão perfeita como aquelas
montanhas coroadas pelo gelo.
Com tristeza, Jessica olhou ao seu redor, avaliando a
beleza do rancho da montanha, em contraste com a escuridão
que se cristalizava em sua alma e ia eliminando a cor de sua
vida, assim como a lenta chegada da noite eliminava as cores
do dia.
― Venha e lhe mostrarei seu presente. ― Wolfe pediu,
sorrindo para Willow enquanto a soltava.
― Vai me mostrar meu presente?
― Mmm.
O ronronar prazeroso de Wolfe teve o efeito de uma
chicotada nas emoções de Jessica. Chegara a pensar que não
poderia sentir mais raiva, mais desespero do que sentira no dia
em que caiu do cavalo. Estava enganada. Parecia que se
enganar se convertera em um hábito para ela em tudo o que
dizia respeito a Wolfe.
Tomara que se retorça no inferno.
Então, Willow avançou à brilhante luz do sol e Jessica
respirou emitindo um rouco som. A mulher perfeita não
precisaria esperar o inferno. Este já havia afundado
profundamente suas poderosas garras em seu corpo. Willow
estava na última fase da gravidez; seu ventre abrigava uma
criança que a rasgaria tentando nascer.
Meu Deus, ajude-a quando precisar.
A silenciosa e involuntária oração que vibrava através de
Jessica, foi mais profunda e poderosa que o ciúme. Não podia
desfrutar pensando na agonia que esperava Willow no parto,
nem odiá-la por mais tempo. Só podia sentir uma terrível
empatia pela mulher cujo destino seria se retorcer e pedir a
gritos, uma clemência que nunca chegaria, um ciclo
interminável que a esposa deveria seguir, que se iniciava com
dor e finalizava com a tortura do parto. E, acima de tudo
aquilo, envolvendo tudo, consumindo tudo, estava o vento
negro e o grito incrédulo dos recém-condenados.
Ser consciente do que esperava Willow, fez com que o som
de sua risada e de sua voz brincalhona, fosse muito doloroso
para que Jessica pudesse suportar. Observou com impotente
agonia como Willow pegava Wolfe pelo braço para recobrar o
equilíbrio naquele terreno desigual, onde pequenas placas de
neve e barro competiam com o verde ressurgimento da vida.
Quando Willow passou junto a Two-Spot, ergueu o olhar
para a amazona com curiosidade e lhe dirigiu um rápido
sorriso que oferecia amizade. Jessica devolveu o sorriso, mas
Wolfe não parou. Nem mesmo a olhou.
― Wolfe? ― Willow perguntou, puxando seu braço.
― Seu presente está mais adiante.
Sorrindo, Rafe passou sua perna direita por cima do
lombo de seu cavalo e deslizou até o solo. Quando tirou o
chapéu, o sol resplandeceu sobre seus cabelos dourado que
eram da mesma cor que os de Willow.
Sua irmã ficou olhando-o, deu um gemido de alegre
incredulidade e começou a rir, a chorar e a pronunciar o nome
de seu irmão uma e outra vez. Rafe a ergueu em um forte
abraço e a segurou durante um longo momento, dizendo-lhe
coisas em voz baixa. Finalmente, a pousou no solo e secou as
lágrimas que caíam por seu delicado rosto.
― Bem, Willy, preciso admitir que você se converteu em
uma mulher. E pelo que Wolfe me contou, seu marido é um
bom homem. ― Rafe fez uma pausa e, depois, acrescentou com
malícia: ― E vejo que também é potente.
Willow corou, riu e bateu em seu irmão mais velho em seu
amplo peito.
― Deveria ter vergonha! Supõe-se que não devia notar.
― É como passar pelo alto de uma montanha. ― Ele
replicou. ― Quando vai me tornar um tio?
― Em poucas semanas. ― Dirigindo um sorriso ao seu
enorme irmão mais velho, exclamou: ― Meu Deus, Rafe. Alegro-
me tanto de ver você! Estou impaciente para que Caleb e Matt
voltem da inspeção da zona norte do prado.
― Não ficarei esperando, garanto. Sairei ao encontro deles
quanto tivermos descarregado os animais.
Willow deslizou seu braço pelo de Rafe e disse:
― Quase me dá medo perder você de vista. Fazia tantos
anos que não o via... ― Esfregou o rosto contra seu braço e
respirou profundamente. ― Agora, apresente-me a sua esposa.
É bonita, mas já esperava. Sempre teve bom olho para o belo,
para uma mulher, um cavalo ou às terras.
― A ruiva é bonita, claro, ― Rafe concordou ― mas é a
esposa de Wolfe, não minha.
Com a boca aberta, Willow se virou e olhou fixamente para
Wolfe. Todas suas perguntas se enfraqueceram sem serem
pronunciadas, quando viu seus sombrios e escuros olhos
azuis.
Engolindo com rapidez, Willow se virou para a jovem que
permanecia elegantemente sentada sobre a sela. Possuia um
rosto delicado, gemas cor de água marinha nos olhos e cabelos
cujo oculto fogo ondeava e reluzia a cada movimento de seu
corpo. O traje de montaria que usava estava desgastado, mas
suas linhas elegantes e seu fino tecido eram um eloquente
reflexo de riqueza.
De repente, Willow se recordou.
― Lady Jessica Charteris?
― Não mais. Agora meu nome é Jessica Lonetree. Ou
Jessi.
― Ou Ruiva? ― Willow perguntou inocentemente.
― Ou Ruiva. ― Jessica confirmou, dirigindo um breve
sorriso a Rafe. ― Segundo me disseram, nesta terra é costume
usar apelidos.
― Desmonte e entre em casa. Deve estar exausta. Lembro-
me de minha primeira viagem pela Grande Divisão. Se não
fosse por Caleb, não teria conseguido. Acabou me carregando.
― Tomamos o caminho fácil. ― Wolfe replicou. ― Lady
Jessica não tem nem sua força, nem seu poder de adaptação.
Willow deu a Wolfe um olhar inseguro, intrigada pelo tom
incisivo de sua voz.
― Não estou de acordo. ― Respondeu com calma. ―
Qualquer uma que atravesse essas montanhas montando sobre
uma sela de amazona é mais forte do que eu.
Wolfe bufou, mas não disse nada.
Jessica começou a desmontar movendo-se
desajeitadamente. Antes que pudesse descarregar seu peso
sobre a perna direita, Rafe a pegou pela cintura com suas
enormes mãos e a segurou até que conseguisse apoiar a maior
parte de seu peso sobre o pé esquerdo.
― Podia ter feito isso sozinha, ― Jessica protestou em voz
baixa. ― mas obrigada de todo modo.
Só Willow captou o instante de fúria que Wolfe sentiu
antes que pudesse se controlar, assim como fora a única a ver
o breve, quase involuntário movimento, que Jessica fizera
quando começara a desmontar.
― Não é necessário que tente a sorte. ― Rafe respondeu. ―
Seu tornozelo ainda não está totalmente recuperado.
― O que houve? ― Willow perguntou.
― Caiu. ― Wolfe respondeu cortante.
― Não é nada. ― Jessica comentou. ― Uma contusão.
Nada importante.
― Tolice. ― Willow afirmou, captando a tensão no rosto de
Jessica. ― Entre e sente-se. Vou preparar um pouco de chá.
― Chá? ― Jessica perguntou, admirada. ― Verdade que
você tem chá?
Willow riu.
― É o que resta da última visita de Wolfe. É o único que
bebe.
Jessica dirigiu a Wolfe um olhar indignado, recordando
quantas vezes desejara tomar uma reconfortante xicara de chá.
― Mas nós só tínhamos café. ― Disse em voz baixa.
― As esposas do Oeste bebem café. Você queria ser uma
esposa do Oeste, lembra-se?
O tom frio e ofensivo da voz de Wolfe era inconfundível.
Rafe apertou os olhos enquanto fazia uma careta e sussurrava
algo baixo, mas não disse nada em voz alta. Wolfe e ele haviam
alcançado um acordo tácito no referente a Jessica. Ela era
responsabilidade de seu esposo, não de Rafe. O irmão de
Willow não entendia porque Wolfe se comportava assim, pois
estava convencido de que ele não era um homem cruel por
natureza.
O mesmo pensava Willow, que olhando perplexa para
Wolfe, pegou Jessica pela mão.
― Venha comigo.
― Primeiro preciso me encarregar de meu cavalo. ―
Jessica protestou.
― Deixe que Wolfe o faça.
― As esposas do Oeste cuidam de seu próprio cavalo.
Escovam-no, encilham, colocam suas rédeas, limpam os cascos
e demais...
― Entre na casa. ― Wolfe ordenou com voz seca. ― Eu
cuidarei do seu cavalo.
― Bem, espero isso. ― Willow replicou com aspereza. ―
Jessi cavalgou o mesmo tempo que você e não possui nem a
terceira parte da sua força. Além de ter usado essa ridícula
sela. Gostaria de ver como você se sentiria se tivesse cavalgado
sobre ela. Sinceramente, Wolfe, não sei no que você estava
pensando.
Jessica se admirou diante das sombras vermelhas que
invadiram as faces de Wolfe quando se afastou e guiou os
cavalos para o estábulo, mas Willow puxou sua mão e a
distraiu.
― Nunca fui capaz de fazer uma boa taça de chá. ― Willow
lhe confessou, levando-a com firmeza para o terraço. ―
Precisará me ensinar.
― Alguém tão perfeito e não sabe fazer chá. ― Jessica
piscou. ― Impossível. Incrível.
Sorriu levemente e balançou a cabeça acrescentando:
― Na verdade, é maravilhoso.
― Quem disse que sou perfeita?
― Eu. ― Jessica admitiu. ― Guiada pelos comentários de
Wolfe.
― Meu Deus, por quê?
― Porque comparada comigo, é.
Willow emitiu um som brusco.
― Fez uma viagem muito longa. Deve ter afetado sua
cabeça. Para não falar de Wolfe. Nunca o vi tão tenso.
― Talvez uma xicara de chá ajude. ― Jessica sugeriu,
deixando escapar um suspiro inconsciente.
― Um bom chute em suas partes poderia ir muito melhor.
― Willow murmurou.
― As mulheres perfeitas não pensam essas coisas.
Uma centelha cor de avelã brilhou no mais profundo dos
olhos de Willow, enquanto lhe dirigia um irônico sorriso.
― Talvez. Ou talvez as mulheres perfeitas não são
flagradas pensando.
A porta dianteira se abriu e se fechou, fazendo
desaparecer o som das vozes femininas. Os homens não
haviam sido capazes de distinguir nem uma palavra nos
últimos segundos, mas não era difícil adivinhar qual fora o
assunto da conversa: os modos de Wolfe, ou melhor dizendo, a
ausência deles. Após alguns momentos de silêncio, Wolfe olhou
para os cavalos de carga nos quais estava trabalhando e exalou
um longo suspiro. Ao ouvi-lo, Rafe sorriu.
― Bem, vejo que o casamento não suavizou a língua de
Willy. ― Rafe comentou com ironia enquanto soltava a chincha
da sela. ― Ainda pode soltar uma boa bronca sobre alguém
quando acha necessário. A única coisa que sabe fazer melhor
são os pãezinhos.
Wolfe deu um grunhido.
― Claro que, ― Rafe acrescentou, levantando a sela do
lombo do cavalo. ― o fato de que um homem saiba o que o
espera não evita que doa igualmente.
Wolfe se virou disposto a se mostrar ofendido pelas calmas
palavras de Rafe, mas o outro homem já se afastara. Com a
sela sobre um ombro, e a mochila e o saco de dormir sobre o
outro, a figura de Rafe desapareceu dentro do estábulo.
Deixando escapar outro longo suspiro, Wolfe tentou dominar
seu gênio novamente. O único objetivo de trazer Jessica ao
rancho fora mostrar-lhe o pouco adequada que ela era para se
converter em uma esposa do Oeste. Não para ressaltar as
dificuldades que ele lhe criará. Isso já sabia. Assim como sabia
que seu plano para fazer Jessica aceitar a anulação estava
funcionando. Lentamente, dia a dia, hora a hora, minuto a
minuto, Wolfe ia reduzindo a confiança de Jessica de que ela
poderia ganhar a batalha.
Não me cansarei de ser sua esposa.
Sim, sim, se cansará.
Com cada fôlego que Jessica tomava, se aproximavam
mais do momento em que ela se veria forçada a reconhecer sua
derrota, e a libertá-los da cruel armadilha do casamento na
qual nunca deveriam ter caído.
Wolfe esperava que Jessica cedesse logo. Muito logo. Sabia
que não poderia continuar oprimindo a graciosa elfo durante
muito tempo mais. Nunca sentira tão claramente a dor de
outra pessoa. Ver Jessica sofrendo rasgava seu coração. Ele
aprendera a controlar sua própria dor fazia tempo, quando
percebeu que muita gente o considerava pessoa não grata, por
causa de sua mãe índia. Não era mais do que o Visconde
Selvagem. Mas não havia forma de controlar os efeitos da dor
que Wolfe estava causando a Jessica. Só estava certo de que
quando fosse muita dor, ela renunciaria a farsa do casamento
que estavam mantendo. Seu rosto não refletiu nada dos
amargos pensamentos que o invadiam, enquanto se
encarregava dos cavalos. Ou mais tarde, quando entrou na
casa e encontrou Jessica adormecida no quarto de hóspedes.
Sob a luz do dia que se filtrava pelas cortinas de musselina,
parecia quase etérea. Adormecida, a feroz vontade que ardia
sob sua frágil superfície se mantinha oculta, sem se mostrar
atrás das delicadas faces e dos finos ossos.
Com melancolia, Wolfe observou a pele quase
transparente de Jessica e as sombras azul lavanda sob seus
olhos. Vendo-a assim, quase não conseguia acreditar que tivera
força suficiente para se erguer e, muito menos para desafiá-lo,
quando homens muito mais fortes que ela, teriam abandonado
a partida muito antes.
De repente, uma lembrança aflorou na memória de Wolfe.
Um frio dia de primavera e um riacho transbordando. Entre o
lodo havia um filhote de lobo de olhos azuis com as costas
quebradas. O filhote grunhira baixinho para Wolfe, preparado
para morrer lutando com alguns dentes que só haviam
conhecido o leite materno. Wolfe lhe permitira afundar as
presas afiadas como agulhas até o osso, pois aquela era a
única forma de se aproximar o suficiente para colocar fim ao
seu sofrimento de forma limpa e rápida.
Com grande esforço, Wolfe fez desaparecer a lembrança e
o calafrio que o invadiu ao relembrar. Nunca pensara em fazer
mal a Jessica fisicamente e, muito menos, em matá-la. A
armadilha na qual estavam presos era menos letal do que o
desastre provocado por uma inundação. Ambos ficariam livres
com uma palavra que saísse da boca dela: anulação. Wolfe
desviou a atenção de Jessica e começou a procurar algum
lugar onde colocar as maletas e a colcha de pele que trouxera.
O canto mais afastado parecia prometedor, mas uma segunda
olhada confirmou que estava ocupado por um berço,
amontoado com outros móveis diminutos que esperavam o
nascimento da seguinte geração dos Black. A ideia do que
podia supor estar esperando o nascimento de um filho,
atravessou Wolfe como um relâmpago, deixando só escuridão
ao seu caminho. Deixou as maletas no piso, disposto a sair,
mas seus passos o guiaram à cama. Parou, preso por algo que
não podia definir.
Jessica se agitou e estremeceu pelos restos de inverno que
ainda envolvia a casa, mas apesar do calafrio, não acordou. Em
vez disso, se encolheu mais como se compreendesse, mesmo
adormecida, que deveria conservar seu próprio calor, já que
não havia ninguém que cuidasse dela.
Jessi... Maldita seja. O que está nos fazendo? Deixe-me ir
antes que faça algo do qual nós dois possamos nos arrepender
até o fim de nossos dias.
A suave colcha de pele caiu com a suavidade de um
suspiro sobre Jessica. Wolfe a estendeu até seu rosto, observou
a beleza de seus cabelos contra a suntuosa colcha e
abandonou o dormitório dando três longos passos.

― Porque me chamam de Reno? ― Ele disse repetindo a


pergunta de Jessica.
― Ora. ― Jessica o interrompeu rapidamente, levantando a
cabeça do delicioso prato de comida que Willow havia
preparado. ― Foi descortês de minha parte perguntar? Ainda
não conheço bem seus costumes.
Reno sorriu. O brilho de seus dentes em contraste com
seu bronzeado rosto era intenso, mas não tanto quanto o verde
de seus olhos, emoldurados por espessos cílios que qualquer
mulher teria invejado. Assim como Willow e Rafe, os olhos de
Reno eram levemente rasgados, impactantes como os de um
gato. No entanto, não havia absolutamente nada feminino nele.
Era tão grande e duro quanto Rafe. E, assim como o seu irmão,
Reno ficara cativado pela pequena elfo britânica, cujos olhos e
frio sotaque inglês não concordavam com o fogo oculto em seus
gloriosos cabelos.
― Ruiva, você não poderia ser descortês nem mesmo que
tentasse.
Enquanto falava, Reno seguia com os olhos a cesta de
pãezinhos que ia passando ao redor da mesa. Se não a vigiasse
de perto, Rafe ficaria com maior quantidade do que lhe
correspondia.
― Faz muito tempo, quando procurava ouro em Serra
Nevada, na Califórnia, ― Reno relatou com ar ausente, ― me
encontrei com um francês que tivera azar com uma jazida de
ouro ao qual chamava Reno's Revenge. Mais tarde, me
encontrei com os homens que roubaram o ouro do francês, e
lhes expliquei que o velho necessitava muito daquele ouro para
sua neta. Refletiram e o devolveram. Depois disso, as pessoas
começaram a me chamar de Reno.
Wolfe fez um som estranho e cobriu a boca com o
guardanapo. Junto a ele, Caleb mastigava, sem fazer ruído, um
pedaço de carne de veado. Jessica não precisou ver a risada
refletida nos olhos cor de whisky de Caleb, para saber que não
havia escutado a história completa sobre como começaram a
chamar Matthew Moran de Reno.
― Maldição, solte esses pãezinhos. ― Reno protestou.
― Ainda me correspondem mais e os pegarei. ― Rafe
replicou.
― Por cima de meu cadáver!
― O que você diz.
Willow deu uma palmada em seu marido em suas largas
costas e depois afundou o rosto no guardanapo, amortecendo
sua própria risada. Após um momento, Caleb se virou, pegou a
mão de Willow e a levou aos seus lábios. Ela abaixou o
guardanapo e rodeou seus dedos com os dele enquanto Caleb
baixava sua mão novamente ao colo. Marido e mulher
continuaram comendo com uma mão só, porque nenhum dos
dois queria separar seus dedos fortemente entrelaçados.
― Passem os pãezinhos, meninos. ― Caleb ordenou
secamente. ― Há mais na cozinha.
Uma curiosa sensação percorreu Jessica, enquanto olhava
de lado a elegante mão que permanecia cuidadosamente segura
pela de Caleb, que era muito mais forte. Quanto mais Jessica
observava o casal, mais evidente era para ela que existia um
afeto genuíno entre os dois. Apesar de sua avançada gravidez,
que a impedia de se levantar de uma cadeira sem que a
ajudassem, Willow olhava para seu esposo como se fosse o
responsável pelo nascer do sol. Por seu lado, Caleb a olhava
com um evidente brilho de amor em seus olhos dourados.
No entanto, em algum momento deixara aquele amor de
lado para dar rédea solta aos seus mais baixos instintos,
sabendo que o resultado seria a agonia de Willow durante o
parto. Caleb não possuia a desculpa do dever, para colocar sua
esposa em perigo. Não havia necessidade de que Willow
enfrentasse um destino tão doloroso, porque Caleb não possuia
títulos, riquezas nem pertencia a uma antiga estirpe que
justificasse a necessidade de ter um herdeiro. Não obstante, a
deixara grávida, mesmo sendo muito desconcertante, o fato de
que ela parecesse feliz por seu estado. Franzindo o cenho,
Jessica tentou conciliar a perigosa gravidez de Willow com o
evidente amor que Caleb sentia por sua esposa. Porém, ainda
era mais difícil conciliar a evidente adoração de Willow, para
com um homem que tivera tão pouca consideração por seu
bem estar. Mesmo assim, Jessica também não duvidava dos
sentimentos de Willow. Ela nunca se esquivava do contato com
seu esposo. Pelo contrário, o procurava de formas sutis, e
sempre atravessava a sala para ficar ao seu lado, enquanto
Caleb preparava o fogo na lareira.
― Está certo que foi assim que lhe puseram esse apelido?
― Wolfe perguntou em tom neutro.
― Mais ou menos. ― Reno respondeu.
― O que contou nem mesmo se aproxima da realidade. ―
Wolfe replicou, enquanto pegava um punhado de pãezinhos
antes de passar a cesta.
Uma semana observando como os dois irmãos roubavam
os pãezinhos de Willow, lhe ensinara a se apoderar deles
primeiro, e a se preocupar depois com as boas maneiras.
― O que me contaram, ― Wolfe continuou, partindo um
fumegante pãozinho, ― é que o velho francês encontrou uma
jazida de ouro e começou a explorá-la até que a deixou limpa.
Quando acabou, quatro homens se jogaram sobre ele, o deram
por morto e se mandaram com o ouro roubado.
Jessica ergueu os olhos, atraída pelo que percebia nas
palavras de Wolfe. Demorou um momento para identificar. Era
afeto. A camaradagem entre Wolfe e Reno era tão real e, a sua
maneira, tão profunda quanto a existente entre Reno e Rafe.
Aquele mesmo sentimento podia se aplicar a Caleb. O respeito
mútuo era surpreendente, pois não estava baseado na família,
no nome ou na posição, mas no que cada um daqueles homens
valorizava uns aos outros como dignos de amizade.
― Você encontrou aquele francês, tratou dele e depois
seguiu o rastro dos atacantes. ― Wolfe seguiu relatando. ―
Entrou no salão, os chamou de ladrões e covardes e outras
coisas que não é adequado mencionar na mesa, e depois exigiu
que devolvessem o ouro que haviam roubado de Reno's
Revenge. Em por isso, tentaram matar você.
O sorriso de Wolfe era tão frio e impiedoso quanto o fio de
um punhal.
― Pelo que ouvi, Reno esperou que pegassem as pistolas e
começassem a tirá-las dos coldres. Então, foi ele quem sacou a
pistola. Os dois primeiros nem mesmo chegaram a sacar as
armas dos coldres. Os outros chegaram a sacar, mas não
conseguiram atirar.
Jessica olhou para Reno com assombro. Ele estava
traçando um complicado desenho com mel sobre um pãozinho
fumegante, ignorando a conversa completamente.
― Depois daquilo, as pessoas começaram a contar a
história de Reno's Revenge e de um homem que era um
excelente pistoleiro. ― Wolfe acabou. ― Com o tempo,
começaram a falar de um homem apelidado de Reno, um
homem que o ajudaria se você fosse enganado por trapacear no
jogo, um homem que não procurava briga, mas que não
recuava se fosse envolvido em uma. Eu gostei do que ouvi,
então comecei a procurar aquele tal de Reno.
Quando Reno se virou para responder a Wolfe, Jessica,
com calma, pegou um pãozinho de seu prato. Rafe viu, lhe
piscou um olho e lhe passou o mel. Jessica sorriu e olhou de
canto para Reno. Sabia que seus rápidos olhos verdes tinham
visto o pequeno furto, assim como sabia que poderia ter lhe
tomado o pãozinho antes que ela tivesse a oportunidade de
piscar. Não conhecia ninguém que tivesse reflexos mais rápidos
que Mathew Moran.
― Passe-me os pãezinhos. ― Reno pediu. ― Uma pequena
ruiva roubou um dos meus.
― Ela só tenta evitar que você engorde muito. ― Rafe
respondeu com naturalidade.
― Então, seria preferível que comesse os seus também. Se
continuar comendo os pratos de Willy, a única coisa que ficará
bem em sua cintura será esse longo chicote que tanto gosta.
Jessica passou seu olhar de um forte e delgado irmão
Moran para o outro. Cobriu a boca com o guardanapo, mas o
simples tecido não conseguiu amortecer suas risadas. Reno a
ouviu e se virou para ela.
― Está rindo de mim?
Olhando por cima do guardanapo, Jessica assentiu com a
cabeça.
O rosto de Reno se suavizou com um sorriso.
― Atrevida como seus cabelos, não é?
A mão de Wolfe ficou tensa em volta do garfo quando viu
como os olhos de Jessica brilhavam divertidos. Disse a si
mesmo que Reno não conseguia evitar ser tão galante quanto o
demônio e tão letal quanto uma cobra. E Rafe também não
podia fazer nada para evitar seu aspecto de anjo caído e seu
poderoso encanto masculino. Mas nenhum dos irmãos Moran
tocaria na esposa de outro homem e, muito menos, na mulher
de um amigo como Wolfe Lonetree, e ele sabia.
No entanto, dia após dia, o fato de observar como Jessica
respondia aos galanteios masculinos como uma flor
absorvendo a cálida chuva, fazia estragos em Wolfe. Não
conseguia se lembrar da última vez que Jessica havia se virado
para ele com luz nos olhos e um sorriso nos lábios.
E deve continuar sendo assim. Recordou a si mesmo com
violência. Já era muito duro compartilhar a cama com ela
durante a última semana.
Se me olhasse, sorrisse e estendesse os braços para mim...
Um estremecimento de puro desejo percorreu Wolfe.
Pensou que havia sido um estúpido, por não dormir com Rafe e
Reno na pequena cabana que servira de lar para Caleb e Willow
enquanto construíam a casa principal. Se Wolfe estivesse na
cabana, não permaneceria acordado durante longas horas,
escutando a suave respiração de Jessica que estava perto dele,
e que nunca o tocava. Se estivesse na cabana, não se veria
obrigado a sofrer por um desejo que aumentava a cada
momento, nem seu rígido corpo lhe pediria o que sua mente
não lhe permitia tomar. E se Wolfe estivesse na cabana, não
ouviria o pranto entrecortado e os gritos apagados de Jessica,
nem sentiria os movimentos erráticos de seu corpo enquanto
lutava para escapar de um escuro sonho que chegava a cada
noite, despertando a ambos.
― O que acontece, Jessi?
― Nada, não me lembro.
― Maldição, o que é que a assusta tanto?
― Sou tola, meu querido lorde bastardo, mas não
estúpida. Não lhe darei armas para que possa usá-la contra
mim.
Assim, pelas noites, ficavam juntos, tensos, sem conseguir
dormir, escutando o vento gemer sobre o campo de batalha no
quais se enfrentavam o inverno e a primavera.

― Pescar? ― Jessica perguntou, levantando a cabeça da


costura que estava em seu colo. ― Por acaso ouvi mencionar a
palavra pescar?
Caleb e Wolfe estavam sentados à mesa, estudando um
mapa no qual se assinalava a localização de várias manadas
próximas de cavalos mustangs. Caleb desviou os olhos de Wolfe
e se virou para Jessica, que estava arrumando um dos vestidos
de Willow junto à luz da lâmpada.
― Gosta de pescar? ― Caleb perguntou.
― Não. ― Respondeu com calma. ― Adoro. Caminharia
descalça sobre o fogo para conseguir um bom peixe.
Caleb ergueu suas sobrancelhas e olhou para seu amigo.
― É a verdade. ― Wolfe admitiu. ― Ficaria vigiando um
pouco de água durante uma noite de tempestade enquanto os
demais estivessem em frente ao fogo falando sobre o peixe que
deixaram escapar.
― Porque não disse antes? ― Caleb perguntou a Wolfe. ―
Perto daqui, há bons lugares para pescar trutas.
― É muito cedo para que as trutas tenham saído de sua
letargia hibernal.
― Não ao longo de alguns trechos do Columbine. Há água
quente suficiente do manancial misturada no arroio para que
certos trechos voltem à vida muito antes que qualquer outra
coisa.
― Sério? ― Jessica perguntou.
Caleb sorriu.
― Sério.
― É fantástico!
Jessica deixou de lado a costura e correu para o
dormitório. Quando retornou, suas mãos estavam repletas de
pequenas caixas.
― Que aspecto possuem os insetos aqui dos arroios? ―
Perguntou entusiasmada enquanto abria as caixas e as deixava
sobre a mesa em frente aos homens. Dentro delas, havia
diminutas iscas, cuidadosamente amarradas. ― São escuros ou
claros, pequenos ou grandes, de cores ou cinzas?
― Sim.
Jessica lançou a Caleb uma olhada inclinada pelo canto
do olho.
― Sim?
Ele assentiu com gravidade.
― São escuros e claros, pequenos e grandes, de cores e
cinzas.
― Caleb deixe de zombar de Jessica. ― Willow pediu da
parte traseira da casa.
― Mas é tão fácil...
Jessica tentou não sorrir, mas não conseguiu. Caleb
começava a se dar muito bem fazendo brincadeiras.
Ouviu-se o som do vento batendo à porta traseira, seguido
dos passos de Willow ao atravessar a cozinha e se aproximar do
salão. O granizo brilhava no xale de lã que havia colocado para
ir ao banheiro. Sacudiu o xale e o pendurou no cabide perto da
porta, sabendo que precisaria dele logo. Não passaria muito
tempo antes que a necessidade superasse sua relutância em
enfrentar as frias rajadas do vento da primavera. À medida que
avançava sua gravidez, se via forçada com mais frequência a
visitar o conforto cheio de correntes de ar do banheiro.
― Os meus irmãos já brincam demais com Jessi. ― Willow
continuou, bocejando. ― Porque não tenta protegê-la em vez de
fazer o mesmo?
― Isso é trabalho de Wolfe. ― Caleb respondeu, dando
uma olhada divertida para Wolfe. ― E que Deus ajude o homem
que se cruzar em seu caminho.
Impassível, Wolfe lhe devolveu o olhar. O sorriso de Caleb
era feroz. Não importava quanto seu amigo se esforçasse para
ocultar sua irritação diante das galantes atenções dos
elegantes irmãos Moran para Jessica, Caleb notava o ciúme
que dominava Wolfe sob sua tranquila superfície. Sentiria mais
compaixão por seu amigo, se pudesse entender porque ele era
tão duro com sua jovem esposa.
― Não me importa que Rafe e Reno zombem de mim. ―
Jessica disse no momento em que Willow saia da cozinha,
escondendo outro bocejo. ― Nunca tive irmãos ou irmãs. Não
fazia nem ideia de como podia ser divertido.
― Verdade? ― Willow perguntou, surpresa. ― Pobrezinha.
Deve se sentir muito sozinha.
Jessica hesitou, e encolheu os ombros.
― Não conhecia outra coisa. E possuia o estuário e o
bosque para andar por eles.
― Não posso me imaginar tendo só um filho. ― Willow
afirmou, balançando a cabeça. ― Quero uma casa cheia de
meninos.
― Suponho que muitas mulheres sentem o mesmo antes
de passar por um parto.
O horror mal oculto na voz de Jessica criou um silêncio
que se estendeu e se fez mais profundo, até que percebeu seu
erro e mudou de assunto com um sorriso decidido.
― Gosta de pescar, Willow?
― Meu esposo é o pescador da família. Ele se sai muito
bem.
Caleb deu uma preguiçosa olhada para Willow e um
sorriso malicioso. Ainda que ninguém dissesse nada mais, as
faces dela adquiriram um tom rosado.
― Sou um bom pescador. ― Ele reconheceu. ― Mesmo não
dando muita importância às varas de pescar, nem as iscas.
― Não? ― Jessica perguntou. ― O que usa então? Redes
ou armadilhas? Ou você pesca como os esquimós, com arpões?
Caleb balançou a cabeça.
― Nada tão elaborado.
― Então, como você pesca?
― Com paciência, silêncio e as mãos.
Seu sorriso mudou quando observou a cor cada vez mais
escura das faces de Willow. Seus olhos dourados brilharam
com um desejo que surpreendeu Jessica. Até aquele instante,
não havia pensado em Caleb como em um homem
particularmente apaixonado. Equivocara-se. O apetite em seus
olhos ao olhar a sua esposa, estava mal velado por suas
pálpebras meio fechadas.
― Olhe. ― Caleb explicou, falando devagar e com voz
profunda. ― As trutas gostam que as acaricie por todas as
partes. Por isso se instalam nas correntes mais rápidas. Não é
verdade, querida? Ficam ali, estremecendo, esperando o
momento em que...
As mãos de Willow taparam a boca de seu esposo,
interrompendo suas palavras.
― Caleb Winslow Black, se não fosse tão grande, eu o
poria de boca para baixo sobre meus joelhos e lhe ensinaria o
que são modos!
Rindo, Caleb afastou seu rosto com rapidez, evitando as
tentativas de sua esposa para fazê-lo se calar. Acreditando que
a carícia ficaria oculta pelas mãos de Willow, passou a ponta
da língua entre dois de seus dedos, acariciando a sensível pele.
Mas Jessica viu a secreta carícia, assim como viu a troca no
sorriso de Willow e a breve e sensual carícia da ponta de seu
dedo, deslizando pelo lábio inferior dele. Por um instante, algo
primitivo surgiu entre marido e mulher; então Caleb sorriu e
colocou Willow sobre seu colo com mãos suaves.
― Sou muito grande para seus joelhos, querida. No
entanto, você é perfeita para os meus.
― Caleb...
A voz de Willow enfraqueceu. Ruborizou-se e olhou para
as outras duas pessoas que havia no local.
― Acalme-se, ― Caleb disse com suavidade, apertando o
rosto de Willow contra seu ombro. ― Wolfe e Jessi são casados.
Não se escandalizarão por ver você sobre meu colo.
Com um suspiro, Willow relaxou se recostando sobre seu
esposo. Ele a aproximou mais ao seu corpo, lhe deu um terno
beijo nos cabelos e se inclinou sobre as caixas cheias de iscas
de Jessi.
― Com certeza terá alguma sorte com esta. ― Indicou a
Jessica, apontando uma que se parecia a uma formiga negra. ―
Também temos iscas de maio e tricópteros, assim, com esta
caixa poderá encher muitas frigideiras.
― O arroio que mencionou está longe daqui? ― Jessica
perguntou.
Mas a pergunta ocupava só parte de sua mente. Ainda
estava avaliando a diferença entre como ela entendia o
casamento e como Willow e Caleb o viviam.
É por isso que Wolfe não consegue aceitar o nosso?
Esperava do casamento o que Willow e Caleb possuem, uma
união de duas vidas em vez de uma fusão de títulos e riquezas?
― O Columbine não está longe. ― Caleb respondeu. ―
Wolfe sabe como chegar até lá.
― Obrigada, ― Jessica disse rapidamente. ― mas se está
perto, irei sozinha.
― Nem pense nisso. ― Wolfe espetou. ― Se é o arroio que
eu acredito, há uma tribo de Utes que passa o inverno lá.
Gostam das fontes termais iguais aos brancos.
Caleb assentiu.
― Há um pequeno acampamento composto de três ou
quatro famílias. A maioria é de anciãos, mulheres e crianças.
Não tive nenhum problema com eles.
― Ainda assim. ― Wolfe replicou. ― Se abaixar a guarda,
perderá alguns cavalos rapidamente.
― É preciso se manter alerta. ― Caleb assentiu com
naturalidade.
Wolfe riu.
― Deveria ter sido um guerreiro.
― Ele é. ― Willow disse meio adormecida. Bocejou e se
aconchegou ainda mais ao abrigo da força de seu esposo. ― Se
não fosse, eu estaria morta faz um ano.
Seus longos cílios âmbar baixaram e Willow suspirou,
relaxando profundamente sobre seu marido, deixando que o
resto do mundo se desvanecesse e se abandonou ao sono.
― Reno e Wolfe me ajudaram. ― Caleb esclareceu
secamente.
Willow não respondeu. Ficara adormecida. Caleb sorriu e
afastou com suavidade um brilhante cacho do rosto de sua
esposa.
― É verdade isso do acampamento. ― Wolfe disse em voz
baixa. ― Não está longe da melhor área para pescar trutas, mas
enquanto mantiver o rifle à mão, não terá problemas. Os Utes o
conhecem. É uma lenda para eles.
― Estou certa que Wolfe tem melhores coisas para fazer do
que me proteger enquanto pesco. ― Jessica replicou em voz
baixa.
― Claro. ― Wolfe assentiu.
Caleb olhou alternativamente para Jessica e para Wolfe, e
reprimiu algumas impacientes palavras. Não sabia qual era o
problema entre eles, mas não fazia nenhuma dúvida de que
existia algum. O caráter de Wolfe, que no geral era controlado
ao extremo, se transformara em algo tão volátil quanto à
nitroglicerina. Passava os dias trabalhando como um possesso,
mesmo que por seu aspecto se adivinhasse que não descansava
durante as noites. Jessica não estava em melhores condições.
Quando chegou, estava exausta pela longa viagem e, no
entanto, dez dias depois, continuava parecendo esgotada.
― Que disparate. ― Disse com firmeza. ― Será bom para
Wolfe. Esteve trabalhando como dois homens.
― Tolice. ― Wolfe replicou. ― Cuidar das éguas não é um
trabalho, é um prazer.
― E cavar valas, limpar córregos, cercar precipícios e
cânions sem saída, cortar lenha...
― Disse que não me importo. ― Wolfe espetou,
interrompendo as palavras de Caleb.
― Não grite, vai acordar Willow. ― Jessica advertiu. ― De
todas as formas, não deixarei Willow sozinha, enquanto você
estiver fora trabalhando. A criança pode nascer a qualquer
momento. Já a espera muita agonia e terror. O mínimo que
posso fazer por ela é não deixá-la sozinha.
― Cale-se. ― Wolfe ordenou friamente. ― Nem todos
pensam o mesmo que você sobre ter filhos.
― Todos não. ― Jessica concordou igualmente fria. ― Mas
todas as mulheres sim.
― Já basta! ― Wolfe ordenou.
― Jessica tem razão. ― Caleb disse de repente. ― Que
Deus me ajude, tem razão sobre o perigo que implica. Quando
penso em como Becky morreu...
Sua expressão mudou ao olhar a mulher que dormia tão
confiantemente em seus braços.
― Willow é minha vida.
― Eu não queria... ― Jessica sussurrou, mas ninguém a
escutava.
Caleb se ergueu, levantando Willow com ele. Sem dizer
uma palavra, se dirigiu para seu dormitório com sua esposa
nos braços. A porta se fechou com suavidade atrás dele.
O granizo batia nas janelas, rompendo o silêncio que
Caleb deixara às suas costas. Os uivos do vento atravessavam
o aposento, preenchendo todo o espaço, todo o silêncio,
evocando tudo o que Jessica dedicara uma vida a tentar
esquecer. Apertou suas mãos até os dedos doerem, lutando
para não mostrar o medo com o qual convivia durante tanto
tempo, que não podia recordar uma época sem ele. A
necessidade de gritar fazia sua garganta doer constantemente.
Cada dia parecia mais difícil de esconder o seu medo, e as
noites sem descanso pareciam intermináveis. Logo escutaria os
gritos de uma mulher se misturando em horrível harmonia com
o uivo predador do vento.
Jessica se perguntava de quem seriam os gritos, de
Willow, ou dela própria.
CAPÍTULO 11

― Que pontos tão finos e delicados. ― Willow comentou


maravilhada, enquanto observava como Jessica bordava um
recarregado B em uma camisola de batismo. ― Tentei aprender
quando era menina, mas não tive paciência. Nem mesmo a
tenho agora.
― Preferia ser capaz de fazer pãezinhos.
― Seu cozido é excelente. ― Willow afirmou, reprimindo
um sorriso.
― Vamos dizer que se pode comer. ― Jessica corrigiu. ― E
é graças a você. Sem seus conselhos, ainda estaria tentando
que um gambá se interessasse por meus cozidos. Tem muita
paciência comigo.
― Foi um prazer. Gosto que esteja aqui. Nunca tive outra
mulher com quem pudesse falar desde que minha mãe morreu.
Jessica hesitou.
― Deve ter se sentido muito só.
― Não, desde que encontrei Caleb.
Com um suspiro, Willow se acomodou no sofá junto a
Jessica.
― Se há qualquer outra coisa sobre questões domésticas
que queira saber, só precisa perguntar. ― Willow comentou
bocejando. ― Vou ser preguiçosa e observar você bordando
enquanto asso o pão.
Jessica ficou muito quieta.
― Você está falando sério?
― Claro. Sinto-me muito preguiçosa.
― Refiro-me a fazer perguntas.
― Claro que sim. ― Willow suspirou e mudou de posição,
tentando apaziguar a inquietação do bebê. ― Adiante,
pergunte-me.
― O que necessito saber é muito... pessoal.
― Não acontece nada. Após a Guerra da Secessão nada
pode me impressionar. Pergunte o que quiser.
Jessica respirou fundo e disse rapidamente:
― Parece que desfruta com seu esposo.
― Oh, sim. Muito. É um homem maravilhoso. ― Os olhos
cor de avelã de Willow se acenderam de prazer e um
deslumbrante sorriso iluminou seu rosto.
― Não. Refiro-me a que desfruta com ele... fisicamente. No
leito conjugal.
Willow piscou.
― Sim, claro.
― Muitas mulheres gostam do leito conjugal?
Por um momento, Willow pareceu pensativa enquanto
recordava a risada de sua mãe e a voz grave de seu pai
murmurando no silêncio da noite. Também recordou como se
iluminavam os olhos da viúva Sorenson quando falava sobre o
prazer de compartilhar a vida com um homem.
― Acredito que sim. ― Willow disse lentamente. Depois,
reconheceu: ― Nunca entendi verdadeiramente até conhecer
Caleb. Estava noiva de um soldado que morreu na guerra.
Quando me beijava no rosto ou pegava minha mão, era
agradável, mas não me fazia desejar ser sua mulher. No
entanto, quando Caleb me olha, sorri ou me toca...
Hesitou, procurando as palavras.
― Não existe nada mais no mundo para você. ― Jessica
completou em voz baixa recordando como se sentira quando
Wolfe lhe sorria, enchendo os vazios de seu mundo.
Mas já não o fazia, e em seu mundo só existia um frio e
implacável vento.
― Sim, tudo o mais desaparece. ― Depois de um momento,
Willow acrescentou: ― Nunca imaginei que haveria prazer ao
conceber bebês até que conheci Caleb.
O fio de bordar se enroscou sob os tensos dedos de
Jessica ao ressurgir as recordações em sua mente.
― Nem todos se concebem assim. Os de minha mãe não.
Ela resistia ao meu pai. Meu Deus, como resistia.
Com tristeza, Willow observou Jessica, notando a violenta
tensão no delgado corpo de sua recente amiga. Rodeou Jessica
com o braço compadecendo-se em silêncio.
― Não havia amor entre eles? ― Willow perguntou
suavemente.
― Meu pai precisava um herdeiro masculino. Sua primeira
mulher foi uma aristocrata que não podia conceber filhos.
Quando morreu, tomou a minha mãe por esposa. Ela era só
uma criada, mas estava grávida de mim naquele momento. O
conde já havia se deitado com ela, entende?
― Então, havia afeto entre eles.
― Talvez. ― Jessica deixou de lado a costura e esfregou
suas mãos como se estivessem geladas. ― Mas não acredito.
Minha mãe era uma criada cuja família era muito pobre, e meu
pai ansiava desesperadamente ter um herdeiro homem.
Acredito que o desespero dê lugar a leitos conjugais muito
complicados. Sei que minha mãe preferia dormir sozinha, mas
ele não lhe permitia a não ser que estivesse grávida.
Os sombrios olhos de Jessica revelavam muitas coisas
mais, que suas palavras, escolhidas com muito cuidado, não
diziam.
― Nem todos os casamentos são assim. ― Willow afirmou.
― Assim são todos os casamentos que vi até agora. São as
famílias e as fortunas que se casam; não um homem e uma
mulher. O casamento que minha tutora tentou arrumar para
mim teria sido assim. ― Jessica se virou e olhou para Willow. ―
Mas não é igual para você e para Caleb. Você vai à sua cama
encantada. Ele não a... machuca, não é?
A risada e as lembranças se combinaram para tingirem as
faces de Willow de um rosa brilhante. Sob circunstâncias
normais não teria falado com tanta sinceridade sobre seu
casamento, mas sentia que Jessica não fora preparada para ser
uma esposa nos aspectos mais importantes do que sua falta de
habilidade na cozinha. Willow também suspeitava que aquilo
fosse a origem da tensão entre Wolfe e sua esposa.
― Penso que estou mais do que encantada em
compartilhar o leito com meu marido. Todo mundo sabe que fui
eu quem seduziu Caleb. ― Willow se inclinou e sussurrou no
ouvido de Jessica. ― De fato, quando for possível, depois que
nascer o bebê, desejo com todas minhas forças voltar a ser a
mulher de Caleb em todos os sentidos. Sinto sua falta... sinto-
me tão unida a ele quando compartilhamos nosso amor...
Jessica não conseguiu evitar sorrir em resposta aos
brilhantes olhos e as rosadas faces de Willow.
― Caleb tem sorte de ter você.
― Eu sou a afortunada. ― Disse com um sorriso. ―
Alguma pergunta mais? Não seja tímida. Crescendo como você
o fez, duvido muito que teve muitas mulheres com as quais
falar sobre estas coisas.
― Só contava com uma amizade.
― Deve sentir sua falta.
― Tratava-se de um homem, não de uma mulher. E sim,
sinto sua falta, terrivelmente. Nossa amizade não sobreviveu ao
casamento.
― Vendo como Wolfe é possessivo, posso entender. ―
Willow afirmou. ― Seu amigo deve ter decidido que a prudência
é a melhor das virtudes.
― Não me expliquei bem. Wolfe era meu amigo. Agora é
meu esposo. ―Jessica fez uma careta e mudou de assunto com
rapidez. ― Há outra coisa na qual é muito diferente da minha
mãe.
Willow sorriu animadora.
― Sim?
― As gravidezes eram muito difíceis para ela, mas parece
que você não sofre.
― Oh, gostaria de levar um bebê em meus braços em vez
de em meu ventre. ― Willow reconheceu. ― Assim como
gostaria de não cambalear facilmente quando ando, não ir ao
banheiro com tanta frequência e não necessitar dos fortes
braços de meu esposo para me levantar da cadeira favorita.
― Mas está saudável. ― Jessica comentou séria. ― Pode
atravessar a sala sem desmaiar, pode comer sem vomitar e
não...
A voz de Jessica diminuiu ao estremecer sob outra
torrente não desejada de recordações.
― O quê? ― Willow animou.
― Não chora, não grita, nem amaldiçoa sua sorte.
― Meu Deus. Era isso o que sua mãe fazia?
Outro calafrio sacudiu Jessica. Suas mãos se converteram
em punhos, como se aquilo pudesse evitar que as crescentes
pressões dos pesadelos fizessem surgir recordações que
esquecera fazia muito tempo, porque recordar era insuportável.
― E não amaldiçoa Caleb por ter deixado você grávida, ―
Jessica continuou com urgência, decidida a saber tudo, a
perguntar tudo. ― Não é verdade?
― Amaldiçoar Caleb? ― Willow parecia horrorizada. Em
um impulso, pegou os frios punhos de Jessica, esticou seus
dedos e colocou suas mãos sobre seu firme ventre. ― Sinta-o.
Sente como o bebê dá chutes, se vira e se mexe inquieto. Nota?
A princípio, Jessica tentou retirar as mãos, pois aquele
gesto lhe trazia mais recordações de sua infância, quando sua
mãe pegava as mãos de sua filha e as apertava contra seu
ventre, gritando-lhe que notasse o bebê, que sentisse seus
movimentos, tentando se assegurar que naquela ocasião não
nasceria morto. Mas ela nunca notava nada. As gravidezes
nunca acabaram bem e os bebês sempre nasciam mortos. O
ventre de Willow era quente, firme e resistente, e algo batia
contra as mãos de Jessica sob a macia pele.
― Mexe-se. ― Jessica sussurrou, admirada. ― Está vivo!
― Claro que sim. Esta bendita criança é muito ativa.
― Não, não entende. Está vivo.
Willow riu suavemente, desconcertada pelo espanto no
rosto de Jessica.
― Sim, está vivo. ― Willow assentiu. ― Uma nova vida está
crescendo em meu interior. Um bonito milagre. Como posso
amaldiçoar o homem que tornou isto possível?
Jessica não disse nada, estava tão paralisada pela latente
vida no ventre de Willow que não podia pensar com coerência.
― Aqui. ― Willow disse, movendo uma das mãos de
Jessica. ― Nota a cabeça do bebê? Nota?
Respirando de forma entrecortada, Jessica assentiu.
― Agora me dê a outra mão. ― Willow a dirigiu para o
outro lado de seu abdômen. ― Sente como chuta? Um pé
pequenino, mas forte. Cada semana fica maior e mais forte.
Willow riu e acrescentou:
― Logo terá força suficiente para nascer, e então verei
Caleb segurar seu filho e sorrir para mim.
― Não tem medo?
― Sou forte e estou sadia. Além de minha mãe ter tido
filhos sem dificuldade. ― Willow hesitou, e admitiu: ― Caleb
queria que fossemos ao forte faz alguns meses, mas fez um
tempo ruim. Por outro lado, eu desejava que nosso filho
nascesse aqui. Não quero estar em um lugar desconhecido com
estranhos a minha volta.
― Se lhe parece bem, eu a ajudarei quando chegar o
momento. ― Jessica assegurou. ― Lady Victoria se encarregou
que eu recebesse uma pequena formação, ainda que eu nunca
a tenha usado. Queria que estivesse preparada no caso de que
meu futuro esposo possuísse uma remota mansão no campo.
― Eu gostaria de ter você por perto. ― Willow respondeu.
― Então eu estarei.
Um pouco mais animada, Jessica pegou a costura
novamente e continuou trabalhando na camisola do batismo.
Pela primeira vez, se permitiu esperar que a camisola não fosse
usada como uma diminuta mortalha para uma criança nascida
morta.

― Por favor, toque um pouco. ― Jessica animou Caleb. ―


Reno me disse que você toca muito bem. Seria maravilhoso
voltar a escutar música.
― Esse é o problema de ser a esposa de um plebeu. ―
Wolfe comentou, olhando provocadoramente para Jessica. ―
Ver-se privada de todo tipo de coisas civilizadas.
― Da música não. ― Caleb replicou. ― A não ser que o
deseje.
Colocou a harmônica na boca e um bonito acorde vibrou
através da sala.
― Claro que, uma harmônica não pode ser comparada
com a música de câmara.
― Toque novamente. ― Jessica pediu, admirada. Então,
notou o tom autoritário em sua voz e corou. ― Por favor, foi
muito bonito.
― Não era Bach. ― Wolfe replicou.
― Cale-se. ― Jessica respondeu com suavidade. ― Se
desejasse ouvir Bach, teria trazido meu violino até as Rochosas
e os faria sofrer com um recital noturno.
Rafe riu.
― Bem falado, Ruiva.
Wolfe não conseguiu deixar de sorrir.
― A verdade é que eu gosto de Bach.
― Lógico. ― Reno comentou. ― Passou muito tempo na
civilização.
Caleb ergueu a harmônica e soprou com suavidade. Todas
as conversas pararam quando as primeiras e simples notas de
Amazing Grace encheram a sala. Reno e Willow começaram a
cantar, recordando com facilidade a melodia que aprenderam
quando eram crianças. Jessica deixou escapar o ar em um
suspiro de prazer, quando os dois irmãos cantaram com vozes
que se harmonizavam perfeitamente. Depois de um momento,
outra voz se acrescentou a dos dois em um rítmico eco que não
continha palavras. Quando Jessica olhou para Rafe, notou que
ele cantarolava em um impecável contraponto.
Com amargura, Wolfe observou o prazer e a admiração
que se refletiam no rosto de Jessica, enquanto escutava a voz
de Reno e o encantador sussurro de fundo de Rafe. Ainda que
Wolfe repetisse a si mesmo que ela estimava em igual medida a
Willow e a Caleb, Wolfe sabia que aquilo não importava. Era o
evidente apreço de Jessica pelos irmãos Moran que sacudia
como um chicote seus alterados nervos. Nem Reno, nem Rafe
eram imunes ao encanto natural de Jessica. Seus olhos se
iluminavam com um calor especial quando ela ria, quando
sorria, quando entrava na sala. Mesmo que nenhum dos
irmãos lhe desse uma olhada desonesta, saber que Jessica
desfrutava com a companhia deles, e não com a sua, era como
um ácido que corroía a alma de Wolfe. O fato de que tivesse
trabalhado sem descanso para fazê-la se sentir desconfortável
em sua presença, só tornava o resultado mais amargo.
Nunca devia tê-la trazido aqui. Deveria saber que Reno
passaria o inverno com sua irmã. Deveria saber o efeito que os
olhos de Jessica e sua risada provocariam em um homem
solitário. Só Deus sabe o efeito que causam em mim. Ou,
melhor dizendo, o diabo. Desejo-a com todas as minhas forças,
mas não posso suportar. Não posso suportar ver a Jessica
revoar como uma sedosa borboleta ao redor desses malditos e
galantes irmãos Moran. Deveria pegar a Jessi e levá-la daqui.
Mas Wolfe não podia fazer aquilo. Queria muito Willow
para privá-la da companhia de Jessica, sobretudo depois que
se negara a abandonar o rancho para dar à luz.
Quando Caleb começou uma balada em ritmo de valsa,
Jessica começou a cantarolar e a seguir o ritmo com a ponta
dos dedos.
― Wolfe? ― Perguntou esperançosa, desejando dançar.
Ele negou com a cabeça. A ideia o tentava, mas não
confiava em si mesmo. Se a segurasse em seus braços, seu
corpo não evitaria manifestar seu desejo por ela.
― Vou beber um pouco de água. ― Comentou, dirigindo-se
à cozinha.
Os olhos de Jessica o seguiram durante todo o percurso.
― Nunca permitirei que digam que Matthew Moran ficou
de braços cruzados enquanto uma mulher bonita deseja
dançar. ― Reno afirmou.
Aproximou-se de onde Jessica estava sentada, se inclinou
e estendeu a mão. Ela colocou seus dedos sobre os dele e se
ergueu.
― Obrigada, amável cavalheiro.
Jessica sorriu, fez uma reverência e se aproximou aos
braços de Reno com uma elegância que havia aprendido dos
melhores professores de dança do Império Britânico.
Na cozinha, Wolfe tomou dois copos de água,
amaldiçoando em silêncio todo o tempo. Desejava com todas
suas forças ter Jessica entre seus braços, sentir sua suavidade
e calor, estar tão perto dela que pudesse sentir seu delicado
perfume de rosas e ver a intensa luz de seus olhos. Agora outro
homem estava desfrutando daquilo que ele recusara. O copo
bateu na pia produzindo um som metálico que se perdeu na
música da harmônica de Caleb. Os silenciosos passos levaram
Wolfe até a porta do salão. Permaneceu entre as sombras,
apoiado no batente da porta, observando Jessica com um
desejo que já não conseguia esconder. Seu vestido de seda de
cor framboesa fazia sua pele brilhar como frágil porcelana
iluminada desde seu interior. O simples coque que Willow lhe
ensinara a fazer ressaltava as delicadas linhas de seu rosto e
algumas mechas escapavam para formar cachos sobre suas
têmporas, na nuca e nas orelhas.
Mesmo que Wolfe sentisse a ira serpenteando por seu
corpo diante da imagem de sua esposa nos braços de outro
homem, recordou a si mesmo que não havia nada desonesto na
valsa. Ainda que o tamanho incomum de Reno contrastasse
intensamente com a frágil feminilidade de Jessica, a segurava
corretamente, nem muito perto de seu corpo, nem com muita
familiaridade. Jessica também não se aproximava muito.
Simplesmente se inclinavam, giravam e saltavam com graça
por todo o salão ao ritmo da evocadora melodia que Caleb
tocava. Então, Reno sorriu para Jessica e começou a cantar
com voz elegante:

Uma manhã, uma manhã, uma manhã de maio... Um


soldado espiou uma jovem escocesa que sonhava junto a um
riacho em um prado. Os encantos varonis do soldado
rapidamente seduziram a bonita jovem, que suplicava por seus
braços e seu nome em casamento. Ela recebeu os braços, e
muito mais, mas não chegou ao altar; pois o soldado estava
casado com o exército e com outra mulher. E ainda que fosse um
homem forte, lhe disse que não estava preparado para fazer
frente às exigências de mais uma esposa...

Os olhos verdes de Reno brilhavam pelo riso contida ao


ver como Jessica reagia diante da irônica letra. A risada
brilhante da elfo ecoava contagiosamente, arrancando sorrisos
e mais gargalhadas de todos os presentes excetuando Wolfe.
Estava muito furioso para sorrir. O fato de ver a mudança
causada por Reno na frágil aparência de Jessica o fez se
enfurecer. A única coisa que o segurou para não entrar no
salão e arrancar sua esposa dos braços de Reno foi o fato de
que Rafe já estava lá para acabar com a situação.
― Agora eu, irmãozinho mais novo.
― Tenho quase a mesma idade que você. ― Reno
assinalou.
― É onze meses mais jovem.
Com um sorriso divertido, Reno fez uma reverência a
Jessica e a deixou nos braços de Rafe.
― Falta-me um pouco de prática. ― Rafe confessou. ― Os
australianos gostam mais de lutar e beber do que mover os
pés. Faz muito, muito tempo que não danço com uma dama.
― Tenho certeza que o fará bem. Qualquer um que ande,
cavalgue e maneje um chicote tão bem como você, não pode
dançar mal.
― Obrigado, mas talvez fosse melhor que subisse sobre
meus enormes pés. As flores silvestres não estão a salvo
quando um elefante dança.
Jessica baixou a cabeça e tentou não soltar uma
gargalhada, mas foi impossível. Rafe era muito mais alto que
ela e seus olhos cinza brilhavam intensamente rindo com
diversão. Apesar de sua advertência, dançou bem, girando-a
por todo o salão até que ela não conseguia respirar mais por
causa das risadas.
Ninguém percebeu a presença de Wolfe, que estava
apoiado contra a parede com os braços cruzados sobre o peito,
observando com expressão impassível e olhos que refletiam um
inferno.
Reno ajudou Willow a se levantar e dançou com cuidado
com ela pelo salão, movendo-se na metade da velocidade que
Rafe e Jessica. Caleb olhou por cima de sua harmônica para
sua esposa, lhe piscou um olho e reduziu a música ainda mais.
Ela lhe sorriu, mas, mesmo assim, não aguentou muito mais,
dando voltas pelo salão. Quando Reno a fez virar junto ao sofá
onde Caleb se sentava, ela se soltou de seu irmão e se sentou
ao lado de seu esposo. Ele a abraçou aproximando-a mais ao
seu corpo sem romper o ritmo da dança.
Reno se dirigiu para Rafe e Jessica, e bateu com firmeza
no ombro de seu irmão. Rafe piscou um olho para Jessica e a
virou rapidamente, colocando-a fora do alcance de Reno. Um
momento depois, Reno voltava a tentar.
― Esperem, ― Jessica disse, sorrindo para os dois irmãos.
― podemos dançar todos ao mesmo tempo.
Com umas poucas indicações e alguns suaves empurrões,
se colocou entre os irmãos e estendeu as mãos com
expectativa. Em cada lado, uma enorme e forte mão se fechou
ao redor da sua. Olhou a um lado e a outro, impressionada
pela semelhança na forma das mãos dos irmãos. Ainda que a
cor de seus cabelos e de seus olhos fosse bem diferente, sua
consanguinidade se evidenciava na força e na forma de suas
mãos.
― Agora me sigam. ― Jessica pediu. ― Um passo à direita,
cruzar a perna por trás, abaixar a cabeça e erguer, um passo à
direita...
Os dois homens acertaram os passos rapidamente. Em
seguida se moveram como uma só pessoa em ambos os lados
de Jessica.
Wolfe ficou na porta, olhando fixamente a bonita mulher
que dançava entre os dois irmãos Moran. Mal chegava a um
metro e sessenta de altura e os dois homens a ultrapassavam
em mais de trinta centímetros, mas não havia nada infantil nas
proporções de seu corpo. As curvas de seu seio e seus quadris,
de sua cintura e dos tornozelos, apareciam claramente sob as
suaves dobras de seu vestido, quando fazia girar o tecido com
seus fluidos movimentos. Finalmente a valsa desembocou em
um lento final. Rafe e Reno sorriram por cima da cabeça de cor
castanha avermelhada de Jessica. Ambos os homens
aproximaram a mão de Jessica aos seus lábios e a beijaram.
Ela fez uma profunda reverência, graciosa como a chama de
uma vela. Ainda que nenhum dos homens dissesse em voz alta,
era evidente por suas expressões que estavam encantados com
sua companheira de dança.
― Outra vez, Caleb. ― Willow murmurou. ― Esta melodia é
uma de minhas favoritas.
O compasso da valsa fluiu pelo salão uma vez mais, e os
irmãos trocaram um sinal. Sorrindo, Rafe soltou a mão de
Jessica e se sentou.
Em seguida, Reno e Jessica começaram a dar voltas pelo
salão outra vez. Reno segurava seu par levemente, baixando o
olhar para ela com seus olhos verdes cheios de aprovação e
cantando com sua elegante voz. Ninguém podia escutar as
palavras de Reno, exceto Jessica, que corou e depôs riu com
evidente prazer. Reno virou rapidamente arrastando seu par
com ele, fazendo sua saia se inflar como uma chama pelo
vento. Parou e se inclinou exageradamente, forçando-a a
depender de sua força para manter o equilíbrio. Quando notou
que ela aceitava que ele a dirigisse sem protestar, seu sorriso
brilhou, transformando seu rosto no de um homem muito
bonito para que uma mulher ficasse sem fôlego.
Uma ira glacial dominou Wolfe.
Quando eu a toco, se revolta contra mim chamando-me de
selvagem. No entanto, quando é o Reno, o olha com admiração.
Não sei quem é mais estúpido, se eu, por deixar que me
importe, ou Reno, por deixar que esta pequena aristocrata
manipuladora o engane.
Wolfe atravessou o salão com uma agilidade de predador
que deixou Rafe e Caleb de sobreaviso sobre o que aconteceria.
Reno não percebeu que Wolfe se aproximava, porque sua
atenção estava na risada de Jessica, na incomum cor de seus
olhos e na luz do fogo preso em seus cabelos. O forte golpe
varonil em seu ombro o pegou de surpresa.
― Paciência, irmão. ― Reno disse. ― Já vai chegar a sua
vez.
― Não haverá mais turnos.
A raiva fria que a voz de Wolfe refletia fez Reno virar a
cabeça no instante. Deu uma olhada ao seu amigo e soltou
Jessica sem uma palavra. Ela começou a sorrir para Wolfe,
mas quando viu seus olhos, seu sorriso se apagou e tropeçou
quando ele a fez se virar afastando-a de Reno.
― Perdão. ― Disse quando recuperou o equilíbrio,
apoiando-se em seu esposo. ― Assustou-me.
Wolfe nem se preocupou em fingir que fora ele a perder o
ritmo em vez de Jessica.
― Farei algo mais que a assustar se insistir em seduzir
qualquer homem que tenha ao seu alcance.
O tom de Wolfe era tão duro quanto seus olhos. Ainda que
falasse em um tom muito baixo para que alguém ouvisse, além
de Jessica, pronunciou cada palavra com clareza suficiente
para lhe provocar um calafrio.
― Eu não estava seduzindo...
― Claro que sim, milady. ― Wolfe espetou friamente,
interrompendo suas palavras. ― Agora me escute bem. Você
forçou este casamento. Até que aceite acabar com ele, se
comportará em público como uma mulher casada. Isto não é a
Inglaterra, nem os irmãos Moran são membros da aristocracia
britânica. Aqui e nesta época, as mulheres casadas não têm
outro homem mais que seu esposo, e os homens casados não
têm outras mulheres mais que sua esposa. Compreendeu? Não
haverá amantes para você ou para mim, enquanto estivermos
presos nesta farsa de casamento.
Antes que Jessica pudesse responder ou protestar, Wolfe a
soltou e se aproximou dos irmãos Moran. A música foi
interrompida.
― Cavalheiros, ― Wolfe disse com voz letal. ― não se
deixem enganar pelas aparências. Lady Jessica me obrigou a
me casar com ela afirmando que eu a havia seduzido. Não o fiz.
Seu corpo é tão virginal como era no instante de seu
nascimento. Porém, estamos casados. A monja prefere assim,
porque sabe que não a forçarei. Acredita que pode continuar
sendo para sempre uma menina mimada brincando de estar
casada, brincando de levar uma casa, brincando de ser uma
mulher.
O silêncio que seguiu as palavras de Wolfe foi tão
esmagador que o gemido do vento no exterior pareceu crescer.
Wolfe olhou para Rafe e para Reno, e continuou falando no
mesmo tom letal e extremamente controlado.
― Desfrutem do sorriso de Jessica, de sua risada, de sua
animada conversa, mas não permitam que se forme um nó nas
suas entranhas por uma pequena provocadora que choraminga
durante as tempestades e não sabe acender um fogo; nem na
cama, nem fora dela. Esperem a mulher adequada, uma como
Willow; uma mulher, não uma menina, alguém forte o bastante
para lutar ao lado de você se precisarem, apaixonada o
bastante para fazer arder suas almas assim como seus corpo e
muito generosa para lhes dar filhos apesar de que, com isso,
arrisquem sua própria vida. Jessica não é essa mulher.
Wolfe se virou e se dirigiu indignado à porta principal. O
barulho do vento aumentou quando a porta se abriu. Sem
dirigir uma palavra ou um olhar para sua esposa, Wolfe
desapareceu na noite dominada pelo vento.
CAPÍTULO 12

O sono de Jessica naquela noite foi muito pior do que o


habitual, porque o gélido resumo de Wolfe sobre seus fracassos
como mulher ainda ecoavam em sua cabeça, transpassando
todas suas barreiras íntimas e ferindo-a de uma forma que ela
não podia descrever. A única coisa que podia fazer era
aguentar como fizera no passado, deixando a dor e as
recordações para trás, obrigando-as a permanecer em recantos
de sua mente que só visitava em seus pesadelos.
Mas naquela noite, Jessica não podia lutar como fizera no
passado. Naquela noite notava como suas defesas
cuidadosamente construídas, vinham abaixo como um castelo
de areia sob uma crescente onda.
Jessica estava mais acordada que adormecida, quando
Wolfe entrou no dormitório, tirou as roupas em silêncio e se
deslizou sob os lençóis. Seu cheiro a invadiu. Deitada em uma
total quietude, certa de que ele notava que ela estava acordada,
Jessica esperou que Wolfe lhe falasse. Quando se limitou a se
virar para o lado, dando-lhe as costas, ela fechou os olhos e
disse a si mesma que deveria estar agradecida por não ouvir
mais palavras prejudiciais.
Mas não se sentia assim. Preferia que ele a tivesse
repreendido a continuar deitada na cama meio atordoada pelo
arrependimento e a solidão, escutando o gemido vitorioso do
vento. Tremendo por um frio que nem mesmo a colcha de peles
podia dissipar, esperou que o sono a libertasse. Pouco depois,
chegou algo parecido ao sono, mas não houve liberação nele,
apenas uma maior vulnerabilidade.
Fora da casa, cumprindo as cruéis promessas do vento, se
aproximava uma tempestade proveniente do norte. Uma
enorme foice com dentes de gelo composta de granizo, percorria
horizontalmente a terra. O granizo golpeava sobre o teto e
arranhava os vidros das janelas enquanto o vento gritava com
voz de mulher, descrevendo uma condenação eterna. Era a voz
de sua mãe. O terror, que era mais frio do que a tempestade, a
paralisava deixando-a congelada. Sem estar realmente
dormindo, nem acordada, apertou os dentes reprimindo os
gritos que se aglomeravam em sua garganta. Não permitiria
que Wolfe a escutasse.
... uma pequena provocadora que choraminga durante as
tempestades.
Com um grito mudo de desespero, Jessica afundou seu
rosto no travesseiro, lutando contra as recordações, contra os
pesadelos, contra si mesma. O vento sentia sua fraqueza e
uivava a sua volta. Seus gélidos dedos deslizavam por baixo de
seu controle, gritando-lhe com a voz de sua mãe.
Mas eram as palavras de Wolfe que Jessica escutava, as
palavras que a despiam até deixar sua alma a descoberto.
Esperem a mulher adequada, uma como Willow, uma
mulher, não uma menina... uma mulher apaixonada o bastante
para fazer arder suas alma... generosa o bastante para lhes dar
filhos apesar de que, com isso, arrisque sua própria vida.
Jessica não é essa mulher.
O vento uivou triunfante enquanto se misturava às
recordações, aos pesadelos e a tempestade, dizendo a Jessica
que estava sozinha e que as recordações eram sua única
companhia.
Os sons que se negava a emitir provocavam sacudidas em
seu tenso corpo. Ainda que conseguisse a duras penas não
gritar, não conseguia conter a negra onda de lembranças que a
sufocava, das imagens de uma infância recordada pela voz de
sua mãe gritando com o vento, dos incidentes que lhe
custaram toda uma vida esconder nos pesadelos que se negava
a recordar ao acordar. Mas agora estava acordada. Lembrava-
se dos gritos de sua mãe e das maldições de seu pai, das duas
figuras entrelaçadas no piso do corredor em um brutal combate
sexual.
Não quero me lembrar!
Porém, não podia frear as lembranças. De repente, soube
que não poderia reprimir seus gritos por mais tempo. Só havia
um lugar onde seria livre. Lá fora, no centro da violência do
vento, onde nada vivo poderia ouvi-la.
Bem quando as pernas de Jessica se deslizavam pela
beirada da cama, um forte braço rodeou sua cintura e a puxou
para trás. O contato foi inesperado, uma extensão de seu
pesadelo no qual o grosso braço de seu pai segurava sua mãe
que tentava escapar, arrastando-a para o acasalamento que
tentava evitar com toda a força de seu pequeno corpo.
Wolfe sentiu a violenta tensão em Jessica um instante
antes de explodir. Colocou a mão livre sobre sua boca,
cortando um grito enquanto a segurava sob ele na cama. Após
um esforço, venceu suas intenções de se libertar. Então se
encontrou indefesa, com os braços esticados sobre sua cabeça
e os punhos aprisionados sob uma das mãos de Wolfe. Sua
outra mão continuava sobre sua boca e seu enorme corpo a
imobilizava de tal maneira, que Jessica quase não podia
respirar. Escapar era impossível e também não podia gritar.
― Está louca, se acredita que vou deixar você sair nas
pontas dos pés para que um dos educados irmãos Moran a
console. ― Wolfe disse em voz baixa e brusca.
A princípio, suas palavras não conseguiram atravessar o
pânico de Jessica. Finalmente, o fato dele não querer machucá-
la, apesar de se encontrar indefesa, conseguiu penetrar em seu
medo. Era Wolfe quem a aprisionava. Era Wolfe quem lhe
falava. Wolfe, em quem ela confiara desde a primeira vez que o
vira. Wolfe, que nunca lhe faria o que fizeram para sua mãe.
Wolfe, que fora seu talismã contra os pesadelos e o terror ao
acordar. Wolfe, que podia odiá-la, mas nunca a violaria. Com
um violento estremecimento, Jessica deixou de resistir.
― Assim está melhor, milady. Sei que meu contato a
horroriza e lamento. Mas foi você quem quis se casar, não eu.
Jessica abriu ainda mais os olhos. Moveu a cabeça de um
lado ao outro, tentando escapar da mão de Wolfe que
permanecia sobre sua boca. Depois de um momento, ele
ergueu a palma. Jessica umedeceu os lábios e tentou falar. Em
sua terceira tentativa, as palavras surgiram.
― Não me aterroriza que você me toque. ― murmurou ―
De verdade, Wolfe.
― Mente muito bem, irmã Jessica, mas seu corpo me diz a
verdade. ― Disse com ironia. ― Teria gritado e teria arrancado
meus olhos se a tivesse deixado. Não é a reação de uma mulher
que gosta do contato de um homem.
― Não entende, estava me recordando. Você me prendeu e
não consegui distinguir entre a lembrança e a realidade.
― Guarde suas mentiras para os irmãos Moran. Eles
acreditam que é a mulher que parece ser. Eu sei que não é
assim.
Soltou Jessica e rodou para um lado como se lhe
repugnasse o simples contato com sua pele.
― Wolfe. ― Sussurrou entrecortadamente, aproximando-se
dele. ― Você é a única pessoa em quem confiei. Por favor, não
me abandone a mercê do vento. Fará com que eu enlouqueça
como fez com ela.
O tremor frio da mão de Jessica sobre seu braço impactou
Wolfe tanto quanto suas palavras.
― É só uma tempestade. ― Disse com aspereza.
― Não. ― Jessica sussurrou. ― Roubou sua alma. Não a
ouve gritar? Escute. É o grito de uma mulher recém-
condenada.
Um calafrio percorreu as costas de Wolfe. Os dedos frios
sobre seu braço lhe transmitiram os lentos estremecimentos
que abalavam o corpo de Jessica. Apesar de sua raiva, não
conseguiu continuar dando as costas às suas cruas súplicas,
assim como não poderia se livrar de sua própria pele. Colocou
sua mão sobre a dela, tentando transmitir calor aos seus
dedos.
― Jessi, é só o vento. Isso é tudo.
Ela não o ouvia. Só escutava os gritos de lamento de suas
lembranças. Com os olhos muito abertos, imóvel com exceção
daquele incontrolável tremor, ficou ali escutando o vento,
sabendo que sua mãe logo se arrastaria para fora da cama de
seu pai e percorreria os corredores de pedra, gritando e
gemendo, e seus gritos se misturariam na horrível harmonia
com o vento.
― Jessi?
Não houve resposta. Devagar, com infinita ternura, Wolfe
abraçou Jessica que respirava de forma rápida e superficial,
contra seu corpo. Mesmo estando tão tensa, permanecia quase
rígida, não resistiu contra seu abraço. Limitou-se a ficar
deitada junto a ele, tremendo como uma corda de arco esticada
até o limite. Notara aquele tremor nela somente em uma
ocasião, quando a abraçara no meio de um fragrante palheiro
enquanto uma selvagem tempestade caía com força ao seu
redor. Ela havia chorado de medo então. Wolfe desejou ouvir
seu pranto naquele momento. Mas agora ela não chorava.
Simplesmente estava ali e tremia sem parar, levada,
finalmente, até o limite de sua resistência. O fato de saber que
ele a empurrara até o limite, não fez Wolfe se sentir vencedor.
Se pudesse, teria apagado cada palavra dolorosa. Nunca
pretendera machucá-la tanto.
― Não acontece nada, minha pequena elfo. ― Wolfe disse
com suavidade. Acariciou as costas de Jessica, tentando
eliminar um pouco da tensão que sentia nela. ― Nada pode lhe
fazer mal. Eu a manterei a salvo.
― Eu acreditei nisso uma vez. ― Ela sussurrou. Um
calafrio sacudiu seu corpo. ― Mas nada pode conter o vento.
― O vento não pode lhe fazer mal. ― A mão de Wolfe
deslizava lentamente pelos suaves cabelos de Jessica. ― Está a
salvo comigo.
O silêncio se alongou durante tanto tempo que Wolfe se
inquietou. Virou-se um momento para acender uma vela,
pensando que a cálida dança da chama reconfortaria Jessica.
Quando voltou a se virar, ela observava a janela com um olhar
fixo que gelou seu sangue.
― Jessi? ― Sussurrou.
― Você também o escuta? ― Jessica perguntou. Sua voz e
seu sotaque eram os da menina escocesa que fora uma vez.
Um calafrio percorreu a espinha dorsal de Wolfe.
― Quem você está escutando?
Jessica piscou e sua voz mudou; seu sotaque agora era
inglês.
― O conde está com mamãe outra vez. Primeiro os gritos,
depois o sangue e depois os enterros.
Wolfe a observou com atenção. Seus olhos ainda estavam
muito abertos, fixos em algo que só ela podia ver, algo que a
horrorizava tanto que a impedia de se mover.
― Diga-me o que vê. ― Ordenou com voz suave.
Jessica fechou os olhos.
― Não quero recordar.
― Deve fazer isso. Está destruindo você. Fale em voz alta
de seus demônios e eles perderão o poder sobre você. Conte-
me, Jessi. Nada será pior do que o que está sentindo agora.
Um trovão explodiu fazendo a casa vibrar. Jessica não
tremeu, porque estava presa em uma tempestade muito mais
antiga, muito mais violenta. Seus olhos estavam abertos, mas
não viam nada. Estavam fixos em um passado que só ela podia
ver.
― O conde quer um filho varão. ― Murmurou. Sua voz
perdera o sotaque inglês e escocês. Agora era plana, sem
inflexões.
Wolfe acariciou seus cabelos, tentando tranquilizá-la.
― Continue. ― Disse com suavidade.
― O conde quer um filho varão.
― Continue.
― Minha mãe não quer ter filhos. Nunca quis ter mais
depois da primeira vez. Quase morreu quando me trouxe ao
mundo.
A mão de Wolfe hesitou ao recordar a certeza de Jessica
sobre as mulheres nunca desejarem mais filhos depois de ter o
primeiro. Lentamente, continuou acariciando seus cabelos.
― Seu pai está zangado com sua mãe?
― Sempre. Está bêbado. Percorre o corredor para o quarto
de minha mãe. A porta está fechada e ele bate uma e outra vez.
Não posso entender o que diz porque há tempestade e ela está
gritando outra vez.
Wolfe fechou os olhos durante um instante, esperando que
as suspeitas que revolviam seu estômago fossem erradas.
― Sua mãe abre a porta? ― Perguntou.
― Não.
Depois de deixar escapar um mudo suspiro de alivio,
Wolfe voltou a perguntar.
― O que mais vê?
― Bate na porta com um machado. Há trovões, machados
e gritos. Os gritos dela se confundem com os do vento.
Wolfe fechou os olhos por um instante e tocou sua fronte
com os lábios com requintada ternura. Sua pele estava suada.
― Ele a arrasta até o corredor, ― Jessica continuou. ―
jurando que conseguirá um filho varão dela ainda que ambos
morram na tentativa. Algumas noites eu pensava que isso
aconteceria.
Wolfe sentiu um aperto no coração, ao adivinhar o que
viria a seguir.
― Jessi...
Ela não o escutava.
― Minha mãe resistia e ele a golpeava até que ficava quieta
e podia tomá-la. Quando tudo acabava, ela se limitava a ficar lá
deitada até eu chegar, lavar o sangue e a levar de volta à cama.
― Meu Deus. ― Sussurrou, horrorizado. ― Você era só
uma menina!
Jessica continuou falando como se Wolfe não tivesse dito
nada. Já não queria conter a onda de lembranças. Só queria
fazer Wolfe compreender que ela não se afastara dele porque a
repugnava.
― Às vezes, sofria um aborto depois de se sentir mal
durante semanas. ― Continuou sem parar. ― Às vezes,
engordava apesar dos intermináveis vômitos e desmaios.
Então, pouco a pouco sua pele adquiria um tom enfermiço e a
levavam à cama para que parisse, sabendo que a criança em
seu interior estava morta. Ninguém do povoado a atendia,
porque acreditavam que era amaldiçoada. Eu ficava com ela.
― Jessi... ― A voz de Wolfe se quebrou.
― Quando tudo acabava eu me encarregava de lavar e
vestir o pequenino cadáver com uma camisola de batismo.
Eram como bonecos de cera, tão imóveis e pálidos quanto a
lápide de mármore que colocávamos sobre o túmulo. Seis
lápides, todas alinhadas.
Jessica olhou através de Wolfe com os olhos muito abertos
e dilatados.
― Fiz o que pude para evitar que o vento os levasse, mas,
ainda assim, os levou, e finalmente também a levou. Ouço suas
vozes em todas as tempestades, ainda que acima de tudo,
escute a dela. Está me chamando, lembrando-me o horror que
espera as mulheres no casamento.
Wolfe a acariciou para consolá-la, mas parou. Não queria
assustá-la. Agora, finalmente, entendia muito bem até que
ponto podia horrorizá-la o contato de um homem.
Um último e violento calafrio percorreu o corpo de Jessica.
Quando passou, olhou para Wolfe pela primeira vez desde que
as lembranças a haviam reclamado. Só podia ver seu perfil em
contraste com o brilho dourado da vela. Com ar hesitante,
ergueu as mãos para seu rosto, porque precisava confirmar se
ele estava ali de verdade.
― Você tem tanto calor. ― Jessica sussurrou.
Lentamente, acariciou as faces de Wolfe, aproveitando o
calor da vida que ardia sob sua pele, aquecendo a si mesma
como se ele fosse uma fogueira. A simples necessidade daquele
calor fez Wolfe entender o frio que ela sentia. Tentou falar, mas
não possuia palavras para expressar a mistura de emoções que
se misturavam em seu íntimo.
― Não pretendia lutar contra você. ― Jessica murmurou,
tentando sustentar sua voz. ― Nunca pretendi fazê-lo.
Seus braços rodearam o pescoço de Wolfe enquanto
apertava o rosto contra seu peito.
― Por favor, não me odeie. É a única pessoa em quem
confio.
Wolfe notou o repentino calor das lágrimas de Jessica
contra seu pescoço e sentiu que seus próprios olhos
queimavam. Emitiu um som grave e acariciou seu rosto apesar
do tremor de sua mão.
― Não a odeio, Jessi. ― Disse com voz rouca. ― Isso
nunca.
Ela se virou para beijar sua palma.
― Obrigada. ― Sussurrou.
― Não afunde mais o punhal. ― Ele disse, com voz
crispada. ― Deveria ser eu a pedir que não me odeie. Pensava
que era mimada e teimosa. Não sabia que a única coisa que
fazia era lutar para sobreviver.
Os lábios de Wolfe beijaram uma e outra vez as pálpebras
e os cílios de Jessica, levando com eles suas lágrimas.
― Não chore pequena elfo. Não chore. Rasga-me o coração.
Por favor, pare. Nunca mais voltarei a ser tão cruel.
― Eu... sinto. Sei que minhas lágrimas o... desgostam,
mas eu...
Wolfe pressionou os suaves lábios de Jessica com o
polegar.
― Acalme-se, pequena. Quando disse isso, estava furioso
porque pensava que meu contato a horrorizava.
― Nunca. ― Replicou no instante, apertando mais seus
braços ao redor do pescoço de Wolfe. ― Nunca, nunca, nunca!
Você era meu talismã contra o vento. Eu o levava em meu
coração, mas então, você começou a me odiar e o vento
começou a ganhar poder sobre mim.
A garganta de Wolfe se fechou enquanto uma angustiante
combinação de pena e desprezo por si mesmo o invadia. Seus
braços ficaram tensos e aproximou Jessica o suficiente contra
seu corpo para sentir sua respiração contra sua pele.
― Aonde ia quando a segurei faz alguns minutos? ― Ele
perguntou finalmente.
― Para o vento.
Quando Wolfe tentou falar, não conseguiu. Então, as
palavras saíram em uma rajada de sussurros, repetindo seu
nome com cada fôlego enquanto beijava suas pálpebras e seu
rosto. Queria dizer quanto sentia ter lhe magoado, mas a única
coisa que podia pensar era que não soubera entendê-la e que
havia falhado.
Quando estou com você, não escuto o vento.
Dera-lhe as costas e a empurrara para o que mais a
aterrorizava.
― Desculpe, Jessi. ― Murmurou afinal. ― Se soubesse,
nunca teria sido tão cruel. Acredita em mim?
Jessica assentiu enquanto repousava contra o peito de
Wolfe.
― Poderá me perdoar? ― Perguntou.
Ela assentiu de novo e o abraçou ainda mais forte.
Ele emitiu um som estranho.
― Não sei como pude fazer isso. Eu não posso perdoar a
mim próprio.
Em silêncio, Wolfe abraçou Jessica até sentir a violenta
tensão começando a desaparecer de seu corpo. Ainda
estremecia se o vento balançasse a janela, mas já não tremia
como a folha de um álamo em uma tempestade. Finalmente,
Jessica deixou escapar um longo e alquebrado suspiro, e beijou
a curva do pescoço de Wolfe onde mantinha seu rosto
apertado. A cálida pele estava úmida por causa de suas
lágrimas.
― Acredito que o molhei com meu pranto.
― Não me importa.
Jessica jogou a cabeça para trás até conseguir ver os
olhos de Wolfe.
― De verdade?
― De verdade.
Ela sorriu com os lábios que ainda tremiam levemente.
― Isso significa que me perdoa?
― Já disse, Jessi. Não era sério quando dizia que suas
lágrimas me pareciam odiosas.
― Não. Pergunto se me perdoa por ter prendido você no
casamento.
Houve um instante de silêncio antes que Wolfe suspirasse.
― Você acreditava que lutava para sobreviver. Não posso
culpá-la por isso.
― Não sabia como seria injusto para você. ― Jessica
murmurou enquanto as lágrimas brotavam de novo. ―
Acreditei que seria uma boa esposa, de verdade, acreditei. Não
sabia que nunca chegaria a ser o que você precisa.
O polegar de Wolfe deslizou pelos lábios dela, silenciando
as palavras de Jessica.
― Não se menospreze Jessi. Não é culpa sua que eu seja
um bastardo mestiço. Você será uma boa esposa para um
lorde.
― Não continue. ― Ela ordenou, apertando os dedos
contra sua boca.
Suavemente, ele afastou sua mão e continuou falando.
― É a verdade. Você nasceu e foi educada para honrar o
castelo de um lorde.
― Gostaria de honrar a sua casa. É um homem que pode
enlouquecer a cabeça de qualquer mulher e também seu
coração. Estou convencida de que sabe disso, Wolfe.
― Sei que o aspecto não é uma grande carta de
recomendação para os homens, os cavalos ou as mulheres. ―
Replicou secamente.
Jessica sorriu apesar das lágrimas que caíam lentamente
por suas faces.
― Mas não é só seu aspecto, meu querido lorde Wolfe, e
sabe muito bem. É você, sua honradez, sua personalidade...
Wolfe se inclinou e tocou com a boca a esteira prateada de
suas lágrimas.
― Fique sob os lençóis, Jessi. Volto em seguida.
Wolfe saiu da cama e vestiu as calças escuras que usava
antes. Quando se ergueu, notou que Jessica o observava.
Olhou por cima do ombro e viu a admiração em seus olhos ao
contemplar suas costas nuas. O desejo surgiu de seu íntimo,
mas a raiva não o seguiu. Finalmente, entendia que ela não
estava zombando dele para depois rejeitá-lo. Jessica não
percebia o convite que seu olhar indicava. Teria se assustado
se soubesse. Levando em conta o que ela conhecia do sexo, ele
não podia esperar nada mais.
Quando Wolfe voltou, trazia consigo um pequeno copo de
conhaque em uma mão e uma panela de água morna na outra.
Colocou a panela no criado mudo, se sentou na cama e
aqueceu o copo entre suas mãos. Logo o embriagador aroma do
conhaque encheu o quarto.
― Quero que pense nisso como em um remédio. ― Wolfe
disse. ― Eliminará os restos do frio que ficam em seu interior.
― Como sabe que sinto frio em meu interior?
Ele encolheu os ombros.
― Conheci a escura frieza do medo. Não é algo que se
esquece.
Assombrada, Jessica o observou com os olhos muito
abertos.
― Você?
Wolfe sorriu diante do seu olhar de incredulidade.
― Em muitas ocasiões.
― Quando?
― Uma das piores, foi quando vi um búfalo se dirigiu
rugindo para lorde Robert, depois que o cavalo dele tropeçou
na toca de um cachorro das pradarias e ele caiu. Eu estava no
outro extremo da manada e cavalguei para ele a galope. Já
havia visto como morriam os caçadores cheyennes sob a fúria
de um búfalo. Sabia o que aconteceria se falhasse com o tiro.
― Não falhou.
― Não, não o fiz. Mas, às vezes, acredito que teria sido
melhor se tivesse falhado.
Quando Wolfe viu o admirado rosto de Jessica, seus lábios
se curvaram para baixo. Em silêncio, a animou a beber um gole
de conhaque. Ela engoliu, fez uma careta e voltou a beber.
― Não queria dizer que desejava a morte de meu pai. ―
Wolfe continuou. ― Mas se não tivesse feito um disparo tão
espetacular, ele teria me deixado com os cheyennes. Estava
com treze anos e começava a descobrir os mistérios de ser um
guerreiro.
Jessica o observou por cima do copo de conhaque
enquanto que em seus atentos olhos se refletia a dança da luz
da vela.
― Talvez não tivesse havido nenhuma diferença se tivesse
ficado. ― Wolfe comentou, encolhendo os ombros. ― Nunca fui
totalmente um cheyenne. Uma parte de mim sonhava com a
terra no outro lado do mar onde vivia meu pai. No entanto,
também não me converti em um inglês por completo. Uma
grande parte de mim pertencia aos cheyennes e às terras
selvagens. Não sou mais que um maldito Visconde Selvagem.
Jessica emitiu um leve som de protesto.
Wolfe voltou a encolher os ombros.
― Afinal, não me converti em índio, nem em inglês. Fui
convertido em um homem que escolhe seu próprio caminho,
suas próprias regras, sua própria vida.
― Um homem do Oeste.
Ele sorriu de forma estranha.
― Sim. Um homem sem lar, nem família e com um
passado muito doloroso para recordar.
Durante um momento, Wolfe olhou através de Jessica. A
tristeza de sua expressão era quase tangível. As lágrimas
brilharam uma vez mais nos olhos de Jessica, porque sabia no
que ele estava pensando.
― Wolfe. ― Disse com voz rouca.
― Acabe o conhaque, pequena elfo. Lavarei seu rosto e
suas mãos com água de rosas. Depois, se quiser, a abraçarei
para que não possa ouvir o som do vento enquanto dorme.
Jessica começou a falar, mas Wolfe pressionou seus lábios
suavemente com o polegar.
― Beba. Fará desaparecer a rigidez de seus músculos,
assim como fez a massagem.
As recordações da noite em que Wolfe massageou com
azeite perfumado o dolorido corpo de Jessica surgiram entre
eles como um relâmpago invisível.
― Não se preocupe, Jessi. ― Ele assegurou,
tranquilizando-a. ― Nunca voltarei a assustar você assim.
Com os olhos fechados, Jessica ergueu o copo e acabou
com o que restava do aromático conhaque, perguntando-se
porque se sentia triste em vez de aliviada.
― Wolfe? ― Tossiu e engoliu rapidamente. ― São todos...
quero dizer... são a maioria...
Voltou a tossir.
― Acalme-se, pequena elfo. ― Wolfe acomodou Jessica com
cuidado sobre os travesseiros e a cobriu até o pescoço com a
colcha de pele, deixando seus braços descobertos. ― Relaxe.
Inclinou-se para o recipiente de água morna, pegou um
pano de linho e o escorreu. Com carinho, lavou seu rosto,
eliminando os sinais das lágrimas.
― Wolfe?
Ele emitiu um som como pergunta, semelhante ao
ronronar de um enorme gato.
― Pensava que todos os casamentos fossem como o da
minha mãe. ― Jessica afirmou.
― Agora percebo isso.
― Mas não é assim, verdade?
― Não.
― Nem mesmo na cama?
― Especialmente ali. ― Wolfe respondeu, escorrendo o
pano. ― Se existe afeto entre o marido e a mulher, a união de
seus corpos na cama ou em qualquer outro lugar, é uma fonte
de prazer para ambos. Se há amor... se houver amor, suspeito
que possa ser algo melhor que o paraíso.
O pano era deslizado suavemente pelo braço de Jessica.
Durante longos segundos, o perfumado tecido parou sobre a
parte interior mais sensível de seu punho, onde a vida pulsava
suavemente sob a macia pele.
― A maioria dos homens, ― Wolfe continuou enquanto
passava o pano pela palma de sua mão e por seus dedos. ― não
são bêbados ou pessoas cruéis. Não encontram prazer na dor
de uma mulher.
Jessica o observava com olhos muito abertos e atentos.
― Qualquer homem que se orgulhe de ser homem conhece
sua própria força. ― Wolfe continuou. ― Sabe que as mulheres
são delicadas, que ardem de paixão mais lentamente. Mas uma
vez que se acenda sua chama, não há nenhum fogo que a
iguale, nem mesmo a de um homem. E uma vez que isso
aconteça, a mulher compartilhará esse fogo generosamente
com seu companheiro.
― Apesar da dor?
― Quando uma mulher excitada tem um homem dentro de
seu corpo, a única coisa que sente é prazer. Esse ardor
compartilhado é o fogo mais doce que existe. Para ambos.
― Prazer sem dor. ― Jessica sussurrou recordando.
Uma onda de desejo percorreu Wolfe, mas ocultou sua
reação e se virou para escorrer o pano uma vez mais.
― Sim. ― Respondeu, enquanto lavava o outro braço de
Jessica. ― Prazer sem dor.
Imóvel, Jessica o observou, olhando encantada para os
escuros ângulos de suas sobrancelhas, a mata espessa e
levemente emaranhada de seus cabelos, o crepúsculo índigo de
seus olhos e as linhas claramente definidas de seu lábio
superior.
― Quando finalmente apagam o fogo, ― Wolfe continuou,
arrastando o pano ao longo do braço de Jessica. ― chega a
serenidade de ficarem deitados na obscuridade e de saber que
encontraram seu verdadeiro companheiro. Sentem uma certeza
de estarem unidos que chega até o fundo de sua alma.
Também desfrutam do poder sobre a outra pessoa, o poder de
serem capazes de levar ao êxtase o outro quando o desejarem.
É o máximo poder, o poder da criação, da própria vida.
― Você...? ― A voz de Jessica se quebrou ao sentir a
tristeza invadi-la. Quando falou de novo, era quase um
sussurro. ― Você sentiu isso com alguma mulher?
― Tive amantes e tenho certeza que isso não a surpreende.
― Não estava falando de seu interesse pelas duquesas.
Wolfe ergueu o olhar dos finos dedos que tanto desejava
beijar e viu que o brilho das lágrimas de Jessica transformava
seus olhos em gemas extraordinárias.
― O que tenta me perguntar?
Ela fechou os olhos e sussurrou:
― Você permaneceu deitado na obscuridade junto a sua
verdadeira companheira e sentiu que a certeza daquela união
chegava até o fundo de sua alma?
― Não. Se tivesse acontecido isso, teria me casado. No
entanto, sei que esse tipo de relação pode existir entre um
homem e uma mulher.
Jessica quis saber como ele sabia se não havia
experimentado, mas, de repente, soube.
― Willow e Caleb.
― Sim. ― Wolfe assentiu. ― Willow e Caleb.
A tristeza apertou a garganta de Jessica.
― Então..., quero dizer... Oh, maldição. ― Exclamou com
desespero por ser incapaz de ordenar seus dispersos
pensamentos.
Wolfe voltou a pressionar levemente os lábios dela com o
polegar.
― Acalme-se, pequena elfo. Não se inquiete. Quer mais
conhaque?
― Ficarei tonta. ― Murmurou por baixo de seu polegar.
Ele lhe deu um terno sorriso.
― Não acredito. Só tomou um pequeno gole.
Quando Wolfe começou a se levantar da cama, as mãos de
Jessica se fecharam ao redor de seu poderoso punho.
― Wolfe? O que aconteceria se...? Bem... Só as pessoas
como Willow e Caleb sentem prazer... se tocando?
Um lento e muito masculino sorriso foi toda a resposta
que Jessica necessitou.
― Você quer...? ― Sua voz se quebrou. Respirou
profundamente e se agarrou ao punho de Wolfe como se fosse
uma corda de salvação. ― Você quer me tocar, me ensinar?
Os olhos de Wolfe se abriram, mas se apertaram em
resposta à primitiva tensão de seu corpo.
― Não a tomarei, Jessi. Isso faria com que a anulação
fosse impossível. Não sou o esposo adequado para você. Deitar-
me com você seria o pior erro de minha vida.
Por um instante, as unhas de Jessica se afundaram
profundamente no punho de Wolfe. Depois o soltou e se
recostou com os olhos fechados, muito envergonhada, para
olhá-lo por mais tempo.
― Desculpe. ― Sussurrou em tom apagado. ― Durante um
momento, esqueci o que você pensava de mim. Devia deixar
que me fosse com o vento. Teria sido mais amável. Mas claro,
não sente mais que ódio por mim desde que corri ao seu quarto
depois que o barão Gore me atacou.
― Jessi, não está pensando concretamente no que diz. ―
Seus dedos deslizaram por seu pálido rosto até chegar a suave
curva de sua boca. ― Ou por acaso decidiu ficar grávida?
Seus olhos se abriram de repente e se escureceram pelo
medo, angustiados pelo temor dos pesadelos.
― Não se assuste. ― Wolfe a acalmou. ― Disse que não a
tomaria e não o farei. Não fomos feitos um para o outro, não
como esposos.
― Não posso deixar você ir. Desculpe, mas não posso. A
ideia de ficar debaixo de alguém como o barão... ― Uma
sensação de repugnância invadiu o corpo de Jessica.
― Nem todos os nobres são bêbados violentos.
Jessica fechou os olhos e negou com a cabeça. A luz da
vela se agitou e percorreu seus cabelos como fileiras de fogo. As
pontas dos dedos de Wolfe traçaram a linha de um de seus
longos cachos com tanta delicadeza que Jessica nem mesmo
notou sua carícia.
― Há nobres decentes, jovens e elegantes na Grã
Bretanha. ― Wolfe continuou, levantando a mão. ― Eu me
assegurarei que lady Victoria encontre um para você.
― Prefiro me casar com o vento antes de permitir que um
homem me toque.
― E um mestiço não é um homem, é isso? ― Wolfe
perguntou com dureza.
Jessica abriu os olhos surpresa.
― Nunca disse algo assim, nem mesmo me passou pela
imaginação!
― Não? ― Wolfe se inclinou sobre ela, apoiando as mãos a
ambos os lados do corpo de Jessica. ― Primeiro me pede que a
toque, depois diz que nunca permitirá que um homem o faça.
Por acaso eu não sou um homem?
― Mas você é muito mais que qualquer homem. ―
Sussurrou. Com as pontas de seus trêmulos dedos traçou o
negro arco das sobrancelhas de Wolfe e as linhas de sua boca.
― Muito mais...
Wolfe não conseguiu evitar o primitivo estremecimento de
resposta que o invadiu diante das palavras de Jessica, diante
de sua carícia, diante da emoção nua em seus olhos.
― Jessi. ― Murmurou comovido. Virou a cabeça e beijou a
ponta de seus dedos, e falou antes de poder pensar duas vezes.
― Há carícias que lhe proporcionarão um prazer intenso e que
permitirão que continue sendo virgem. Compreende?
Ela negou com a cabeça lentamente, observando-o com
olhos luminosos.
― Posso lhe dar prazer sem arrebatar sua virgindade. ―
Explicou.
Os olhos de Jessica se abriram ainda mais.
Wolfe sorriu.
― Oh, pequena elfo, esse olhar em seu rosto...
― Uma coisa assim é possível? ― Perguntou, ignorando o
crescente calor que subia por suas faces.
― Sim, é. Não sentirá dor, não haverá risco de que fique
grávida. E continuará sendo virgem.
― Como é possível?
Wolfe se inclinou e acariciou a orelha de Jessica com seus
lábios.
― Eu o demonstrarei, mas precisará me ajudar.
― Como?
― Eu direi como.
CAPÍTULO 13

Com infinita ternura, os dedos de Wolfe deslizaram pelas


selvagens e sedosas profundidades dos cabelos de Jessica,
acariciando lentamente sua cabeça.
― Tem mãos maravilhosas, ― ela disse suspirando ―
fazem eu me sentir relaxada.
Sorrindo, Wolfe seguiu o contorno da orelha de Jessica
com sua língua. Ela deu um gemido de surpresa ao sentir que
as sensações a invadiam, fazendo a pele de seus braços se
eriçarem.
― O que significa esse gemido? ― Perguntou. ― Eu a
assustei?
Jessica negou com a cabeça e o observou com os olhos
quase fechados. O aroma de rosas emanava de seus cabelos e
as fossas nasais de Wolfe se dilataram ao aspirar o perfume.
― Diga-me o que sente. ― Wolfe murmurou.
― É assim que vai me dar prazer?
― É uma forma.
― Faz-me estremecer e, ao mesmo tempo, me sentir
relaxada. ― Jessica explicou, enquanto o observava. ― Acredito
que o botão de uma rosa deve se sentir assim com a primeira
carícia do sol.
Wolfe expulsou o ar em uma rajada muda enquanto lutava
para manter o controle.
― Suas palavras me derrotam, Jessi.
Ela gostaria de perguntar por que, mas a ponta da língua
de Wolfe voltava a percorrer o contorno de sua orelha uma vez
mais, provocando outro delicado estremecimento. Ela voltou a
ficar sem fôlego.
― Não sabia.
― O quê? ― Wolfe murmurou junto ao seu ouvido.
― Que minha orelha fosse tão sensível. ― Suspirou e
esticou o pescoço, oferecendo-se em silêncio à sua boca. ― Nem
como é agradável sentir sua língua sobre a minha pele.
O coração de Wolfe parou, e as pulsações se
intensificaram ao sentir as garras do desejo afundando-se em
seu corpo. Acariciou o suave lóbulo da orelha de Jessica antes
de segurá-lo com muita suavidade entre seus dentes. Ouviu
como sua respiração se interrompia, e logo voltava a surgir com
um trêmulo suspiro.
― Também gosta sentir meus dentes em sua pele? ―
Sussurrou.
Jessica curvou seu corpo em resposta, enquanto as mãos
colocavam a longa cabeleira por cima de sua cabeça,
oferecendo o pescoço e a orelha à sua boca. Com um feroz
sorriso, Wolfe aceitou seu oferecimento. Deslizou a língua por
sua orelha uma vez mais, entrando nela até que Jessica ofegou
diante da cálida invasão. Continuou com a rítmica carícia até
que sua voz se quebrou pronunciando seu nome. Lentamente a
deixou livre e ergueu a cabeça, satisfazendo-se com a visão de
seus olhos meio fechados e os cabelos espalhados sobre o
travesseiro.
― Isso é tudo? ― Jessica perguntou aborrecida.
Rindo suavemente, Wolfe negou com a cabeça.
― Onde gostaria que a beijasse agora?
― Onde mais poderia gostar tanto?
― Há lugares nos quais gostaria mais.
Os olhos de Jessica se abriram admirados ao perceber a
segurança na voz de seu esposo.
― De verdade?
― Oh, sim. ― Wolfe deslizou o olhar de seus lábios
separados às curvas de seu corpo sob a colcha. ― Mas precisa
continuar me ajudando.
― Significa que tenho de morder sua orelha?
A combinação de malícia e inocente paixão na voz de
Jessica fez Wolfe rir apesar da rigidez de seu corpo.
― Significa que quero que continue me dizendo o que
sente quando toco você. ― Respondeu.
― Preferia morder sua orelha.
Ele riu, encantado pela brincadeira sensual de seus olhos.
― Ainda não, Jessi. Distrair-me-ia.
― Uma distração? É assim como chama a essa estranha
sensação de sentir borboletas na boca do estômago?
― Poderia ser. Essa sensação é o princípio da paixão, e a
paixão é uma maldita distração.
Jessica hesitou, dando uma olhada a Wolfe através de
seus olhos entrefechados.
― A paixão me assustava.
― Ainda a assusta?
― Não com você.
Wolfe a beijou com ternura.
― Bom, porque suspeito que nunca conheci uma mulher
mais apaixonada. Mas explorar sua paixão vai exigir que eu a
toque mais intimamente. Não haverá consumação. Só...
intimidade. E esse tipo de intimidade a horrorizava antes.
― Refere-se...? ― Jessica corou e engoliu. ― Ao que você
fez depois de me banhar, quando você...?
― Sim. Quando levei minha mão entre suas pernas.
Jessica cobriu suas ardentes faces com as mãos.
― Oh, Wolfe. É difícil falar disto.
― É muito desagradável? ― Perguntou em tom neutro.
Ela negou com a cabeça.
― Fale-me, Jessi. A última coisa que desejo é assustar ou
repugnar você.
― É o que parece me envergonhar? ― Ela sussurrou.
― Gosto da ideia. ― Wolfe olhou as curvas de seu corpo
sob a colcha de pele. ― Levarei em conta. Agora me fale.
― Falar-lhe? ― Perguntou com incredulidade. ― Nem
mesmo posso pensar em que me toque assim. Ainda lembro o
que senti quando prendi por acidente a sua mão entre minhas
pernas na banheira. Sentir seus dedos foi muito mais
agradável que a esponja, mas recordar me faz estremecer, meu
coração palpita com rapidez, e não posso respirar pelas
sensações que me preenchem. E você me pede que continue
falando como se estivéssemos na biblioteca de lorde Robert
analisando e comparando os méritos de Keats e Shelley!
Assim que Wolfe conseguiu entender o que ela queria
dizer, sorriu e beijou as mãos que protegiam suas ardentes
faces.
― Eu a senti incrivelmente suave tanto na banheira
quanto na cama, quando a massageei. ― Wolfe disse. ― Tocar
você me faz estremecer, meu coração bater com força contra
meu peito e não posso respirar.
Jessica baixou lentamente as mãos.
― E se sentir assim não o faz se sentir incômodo?
― Deveria ― reconheceu contrito ―, mas a única coisa em
que posso pensar é na doce agonia que me produz tocar em
você, e em como é valente ao confiar em mim apesar de seus
medos. ― Inclinou-se sobre a boca de Jessica, parando
somente quando esteve tão perto que conseguiu respirar seu
fôlego. ― Você me deixará tocá-la como quero fazer?
A respiração de Jessica parou.
― Como quer fazer?
― Suavemente. Completamente. Por todas as partes.
Ela deixou escapar o ar em uma suave rajada que Wolfe
saboreou, porque sua boca cobria a dela. Quando sua língua
traçou uma quente linha sobre a sensível beirada de sua boca,
ela a abriu surpresa. Então deslizou a língua em seu interior e
um inesperado prazer percorreu Jessica.
― Não queria assustar você. ― Wolfe disse contra seus
lábios. ― Eu a avisei que seria... Íntimo.
― Não me assustou. As borboletas fizeram isso.
― As borboletas?
― Não olhe atrás de você, mas o louro voltou.
― Esqueça-se do louro. ― Wolfe prendeu seu lábio inferior
com ternura entre os dentes. ― Fale-me das borboletas.
― São como chamas que me avisam que existe um fogo
que desconheço.
― Quer descobri-lo?
― Sim, mas, por favor, não me interprete mal se me
assusto ou me afasto. ― Suplicou em voz baixa. ― Não sinto
rejeição por você, Wolfe. É o homem mais belo que já vi.
― Mentirosa. ― Sussurrou com ternura. ― Qualquer dos
irmãos de Willow é mais bonito que eu.
― Wolfe, você está cego. Quando entra em uma sala, o
resto dos homens desaparece. Só você atrai os olhares.
Jessica sentiu o estremecimento que percorreu Wolfe e
soube que suas palavras o emocionaram.
― Significa que me deixará beijar você como desejo? ―
Perguntou quando finalmente foi capaz de falar.
― Sim. ― Ela sussurrou. ― Peço-lhe.
A paixão do beijo de Wolfe enviou relâmpagos de
sensações pelo corpo feminino. Jessica agarrou com força seus
negros cabelos, desejando acariciar mais dele, fundir-se com
ele, sentir mais daquele prazer que a seduzia.
O beijo se tornou mais profundo e mais intenso. Wolfe
devorou a suave calidez da boca de Jessica até que o mundo se
desvaneceu e tudo começou a girar ao redor dela. A sensação
era nova, mas não a assustava, porque era ele quem a
provocava, e quem estava ao seu lado. Ele era seu fôlego.
Jessica rodeou com força o pescoço de Wolfe com os
braços, sabendo que ele era muito forte para mantê-la a salvo
no mundo que havia criado com seu beijo; um beijo de
lânguida calidez e asas de borboletas feitas de fogo. Quando ele
tentou levantar a cabeça, ela protestou e procurou sua língua
com a dela, desejando que o beijo nunca acabasse.
Os fortes braços de Wolf deslizaram debaixo de Jessica
quando a ergueu dos lençóis. Sentir seu corpo contra o dela foi
outro tipo de carícia de fogo. A pele nua de seus seios, seus
braços e suas costas eram mais agradáveis para as palmas de
suas mãos que a suave colcha de pele sobre a qual estava. Ela
comprovou a força de seu torso, afundando as pontas dos
dedos nos resistentes músculos, acariciando-os suavemente
com as unhas.
Um profundo som vibrou através de Wolfe quando o desejo
se acumulou em seu corpo violentamente, fazendo seus
músculos se apertarem sob as delicadas mãos de Jessica.
― Wolfe? ― Jessica sussurrou. ― Acontece algo?
― Não. É só que descobri que as elfos têm diminutas
garras douradas, isso é tudo.
― O quê?
Ele riu profundamente enquanto olhava seus atordoados e
sensuais olhos, e seus lábios rosados.
― Tem gosto de conhaque. ― Wolfe disse.
― Você também.
― Meu sabor é o seu. Lamba meus lábios, Jessi. Deixe-me
sentir sua pequena e suave língua neles outra vez.
A surpresa a fez estremecer.
― Não percebi...
Wolfe fez um som de interrogação que também foi como o
ronronar de antecipação.
― O beijo, ― ela sussurrou ― não sabia como podia ser tão
íntimo até ouvir suas palavras. Agora sei qual é o seu sabor.
― O conhaque era todo seu.
― O resto não. Salgado e doce ao mesmo tempo. ― Jessica
estremeceu. ― Seu sabor tem tantos matizes quanto o vinho. É
igual ao vinho, me deixa atordoada.
― Jessi, ― ele disse com voz profunda ― vai me queimar
vivo.
Quando os braços de Wolfe a apertaram, levantando
Jessica para sua boca, ela o seguiu avidamente. Ele a provocou
jogando-a para trás, beijando-a suavemente até ela fechar os
braços em volta de seu pescoço com a intenção de mantê-lo
perto para receber o tipo de beijo que ele lhe ensinara a
desfrutar.
Mas Wolfe era muito forte para que ela o pudesse segurar.
Os suaves e exasperantes beijos continuaram.
― Wolfe?
Ele fez um ronronar interrogativo que alterou seus nervos.
Mas não havia nenhuma suavidade nos olhos que a
observavam. Ardiam violentamente atrás de seus espessos
cílios com paixão contida.
― Beije-me como fez antes. ― Jessica pediu. ― Beije-me
para eu saborear você com minha língua.
Wolfe gemeu e tomou sua boca com um ardente beijo que
foi mais excitante e mais satisfatório do que qualquer outro
beijo anterior. Suas mãos percorreram sua cabeça, a nuca e
chegaram aos quadris, adaptando sua forma ao seu corpo. A
seda de sua camisola era mais um estímulo do que uma
barreira para seus dedos, porque o tecido era tão fino que não
ocultava o calor nem as texturas de seu corpo. Sentiu a
flexibilidade sob a seda, curvando-se para ele em resposta à
carícia de suas mãos sobre as costas. Quando Wolfe finalizou o
beijo, ela tremia contra ele como se sentisse frio. Sua pele
ardia, corada pela paixão.
Lentamente o escuro e intenso olhar de Wolfe se dirigiu da
boca de Jessica à pulsação rápida em seu pescoço e nos seios.
Sua camisola era um véu translúcido muito fino para ocultar
seu corpo. Os mamilos tinham adquirido um tom rosado
escuro e o tentavam.
― Lembra-se que a avisei que a paixão é uma coisa
íntima? ― Wolfe perguntou com voz rouca.
― Descobri que com você eu gosto.
― Bom, porque começa a ficar íntimo agora.
― Começa? ― Os olhos de Jessica se abriram ainda mais.
― Começa?
― Pequeno e doce louro ruivo. ― murmurou ― Sim,
começa. Logo. Você gostará Jessi, até mais do que quando
acariciei sua língua com a minha.
Wolfe passou a mão do pescoço até a pele macia bem
debaixo de sua clavícula. Jessica ficou sem fôlego ao perceber,
de repente, o sensual peso de seus próprios seios. Ele beijou
seus lábios devagar, profundamente, até que ela lhe ofereceu
sua boca e exigiu a dele em troca. Só então sua mão se moveu,
cobrindo, sopesando, acariciando seus seios com o mesmo
ritmo lento e sedutor de sua língua se deslizando sobre a dela.
― Parece um pássaro preso em minha mão. ― Wolfe falou.
― Seu coração pulsa com muita violência. Eu a assusto?
Jessica tentou falar, mas tudo o que saiu de seus lábios
foi um som apagado. Terminações nervosas cuja existência
desconhecia estavam respondendo ao lento movimento dos
dedos de Wolfe. Uma rede de fogo se deslizava de seus seios até
o centro de seu ser, dificultando sua respiração.
― Ajude-me, Jessi. Deixe-me escutar suas palavras. Deixe-
me escutar como prende sua respiração se lhe dou prazer.
As pontas dos dedos de Wolfe se fecharam sobre a
aveludada ponta dos seios de Jessica. Puxou delicadamente,
escutou sua rouca respiração se prendendo ao pronunciar seu
nome e sentiu como seu mamilo se endurecia, pressionando a
branca e transparente seda de sua camisola.
― Diga-me se a assusto. ― Wolfe disse com voz profunda.
As pontas de seus dedos se moveram até que escutou um
pequeno grito surgindo da garganta de Jessica. Quando
finalmente desviou os olhos do faminto botão rosado para seus
olhos, descobriu que ela o observava com os olhos muito
abertos.
― Está tremendo. ― Wolfe afirmou.
― Não posso evitar. Quando me olha assim é tudo o que
posso fazer para respirar.
― Como a estou olhando?
― Como se desejasse...
A voz de Jessica se quebrou e Wolfe conseguiu sentir sob
sua mão o fogo que ardia em seu corpo.
― Como se desejasse...? ― perguntou ele com voz rouca.
― Beije-me. ― sussurrou ― Aí.
― Sim. Agarre-se a mim, Jessi. Agora começa tudo.
Entre a incredulidade e a antecipação, Jessica sentiu
como o corpo de Wolfe se movia sobre o seu, sentiu sua boca
contra a pulsação frenética em seu pescoço, sentiu como a pele
se abrasava sob seu fôlego, como deslizava primeiro o rosto
sobre seus seios. Entre a bruma de prazer que a atordoava,
percebeu que suas mãos também desciam por seu corpo. Os
pequenos fechos da frente de sua camisola cederam sob seus
ágeis dedos. A sensação da seda deslizando por seus seios a fez
estremecer enquanto seus mamilos se endureciam ainda mais.
Então, percebeu que ele pretendia deixá-la completamente
nua.
― Wolfe... ― Sua voz falhou.
― Isto é parte da intimidade. Não a machucarei, Jessi.
Deixe-me tirar sua roupa?
Ela deixou escapar o ar em um fôlego entrecortado.
― Sim.
O silêncio só foi interrompido pelos secretos sons da
camisola ao ser retirada de seu corpo pelas mãos de Wolfe. Ela
tremia visivelmente, mas não fez nenhum esforço para se cobrir
quando o ar fresco do quarto eriçou seus seios nus.
― Seu corpo é perfeito. ― Wolfe disse em voz muito baixa,
e, por fim, descobriu seu segredo: ― Sonhei ver você assim
desde que você estava com quinze anos.
A intensidade da voz de Wolfe e os olhos que a devoravam
fizeram Jessica se sentir linda e nervosa. Aquilo foi um instante
antes de suas palavras fazerem sentido.
― Desde que eu estava com quinze anos? ― Perguntou em
um sussurro.
― Lady Victoria estava certa. Eu a desejava tanto que não
me permitia pensar em você como mulher. Mas não conseguia
controlar meus sonhos. ― A voz de Wolfe se tornou mais
profunda. ― Em meus sonhos ia até você, tirava suas roupas e
a saboreava. Meus sonhos fizeram eu me afastar da Inglaterra.
― Não foi a duquesa e aquele escândalo?
Sem responder, Wolfe deslizou as pontas de seus dedos da
pulsação na garganta de Jessica, até o pelo castanho
avermelhado que cobria o mais íntimo segredo de seu corpo, e
depois subiu de novo. O som de seu nome vibrando nos lábios
dela o fez sorrir apesar do desejo que o apertava com garras de
fogo.
Houve um tempo em que Wolfe teria sentido medo de
continuar tocando Jessica, medo de confiar em seu próprio
controle. Mas agora não. Bastava pensar em sua infância, e o
gelo se condensava em seu íntimo, levando a dor do desejo não
satisfeito de seu corpo, e lhe dando forças para desfrutar dela
sem reclamá-la. No entanto, o desejo permanecia ali, crescendo
a cada fôlego.
― A duquesa foi só uma substituta. ― Wolfe se limitou a
dizer, traçando uma linha de fogo que descia pelo corpo de
Jessica uma vez mais. ― Pensei que se eu tivesse uma amante,
voltaria a ser dono dos meus sonhos.
― E foi assim?
As palavras saíram entrecortadas, quebradas pela tensão
na garganta de Jessica. Ela desejava se cobrir e se esconder... e
ronronar como um gato sob a mão de Wolfe. Os impulsos
enfrentados a percorriam, deixando seus nervos tensos,
conseguindo que o tremor de prazer a atravessasse.
― Meus sonhos não me pertenciam, desde o dia em que
nos protegemos de uma tempestade sob um carvalho. Você
estava molhada. O vestido se colava ao seu corpo e os mamilos
entumeceram sob o tecido.
Wolfe inclinou sua escura cabeça até conseguir beijar a
pulsação da garganta de Jessica.
― Perguntava-me se seus mamilos também se
entumeceriam assim por mim. ― Sussurrou.
O pequeno gemido que Jessica deu foi como uma carícia
para os sentidos de Wolfe, que apoiou os dentes com delicadeza
no lugar onde seu pescoço se curvava para se unir ao ombro.
― Fiquei obcecado por você. ― Wolfe continuou. ― Disse a
mim mesmo que era por minha idade, por meu corpo rebelde,
por não sentir nada mais que frio prazer com as damas da
aristocracia. Dizia muitas coisas a mim mesmo, exceto a
verdade: que eu a desejava até o ponto de não poder olhá-la
sem me excitar.
Deslizou a boca para baixo, explorando o cálido vale entre
seus seios. Suas próprias pulsações a impressionaram, mas
eram as palavras de Wolfe, além do calor de seu fôlego sobre a
pele nua, que a fazia tremer. A ponta de sua língua traçou uma
linha de fogo líquido sobre ela.
― Seu sabor me enlouquece. ― Ele sussurrou.
Wolfe moveu a cabeça de lado a lado, saboreando o calor e
o aroma de Jessica, desfrutando dela com uma sensualidade
que fazia o ar se apertar na garganta de Jessica, de forma
dolorosa. Dando um trêmulo gemido, ela se moveu lentamente
contra a boca que a acariciava, sem entender a razão.
― Me faz arder. ― Ele sussurrou.
― É você quem me faz arder. Sua boca provoca fogo em
meu íntimo.
O desejo percorreu Wolfe, deixando seu corpo tenso até
deixar escapar um longo e mudo suspiro.
― Desejei você assim, ― ele confessou ― e usei como
desculpa aquela birra da duquesa, em público, por minha
ausência em sua cama, para abandonar a Inglaterra.
Finalmente, lorde Robert esteve de acordo que poderia viver
sem a companhia de seu bastardo durante um tempo.
A escura face de Wolfe deslizou sobre os seios de Jessica.
Ela ergueu as mãos, mas não para afastá-lo. Suas palavras a
desarmaram, a seduziram.
― Chorei quando soube que você partia. ― Sussurrou
enquanto acariciava os espessos cabelos escuros de Wolfe.
― Verdade? Eu só vi seu sorriso e escutei sua afiada
língua falar sobre meu gosto pelas duquesas.
― Estava zangada com você.
― Sentia ciúmes de mim, Jessi. Da mesma forma que uma
mulher sente ciúmes de seu homem. Lady Victoria notou.
Assim como viu o que tentei inutilmente esconder.
― E o que era?
― Não podia ouvir sua voz nem passar por uma sala onde
você estivesse sem me excitar, porque podia sentir seu cheiro.
Estava vivendo um inferno que não possuia fim, nem alivio
mesmo com outras mulheres. Não havia nada que eu pudesse
fazer, exceto partir.
Wolfe ergueu os olhos para o rosto de Jessica, sem fazer
nenhum esforço para ocultar o desejo que se arraigara tão
profundamente nele ao longo dos anos, e que já fazia parte de
sua natureza.
― Não sabia. ― Jessica sussurrou.
Tremendo, olhou Wolfe nos olhos. A primitiva necessidade
que viu nele, percorreu-a como uma onda de fogo.
― Escondi-lhe meu desejo até com mais cuidado do que
escondi de mim mesmo.
Lentamente, Wolfe voltou a dirigir seu escuro olhar para
seu corpo. Cada vez que observava o contraste entre a pele
luminosa e pálida, e o fogo avermelhado de seus cabelos,
parecia que via tudo pela primeira vez. O mesmo acontecia ao
contemplar a plenitude de seus seios e quadris, uma
exuberante promessa feminina que se repetia nas elegantes
linhas de suas pernas.
― Você levou junto à luz quando partiu. ― Jessica
sussurrou. ― Oh, Wolfe, senti muito a sua falta e pensei que eu
morreria. Eu o queria tanto. Sempre o quis.
As pulsações de Wolfe se interromperam hesitantes, mas
continuaram com força.
― Não me queira Jessi. A única coisa que conseguirá, será
nos prejudicarmos. Deveria ter-lhe ocultado meu desejo,
mesmo agora. Mas não posso. É muito bela e sonhei com você
durante muito tempo.
Wolfe se inclinou sobre seus seios. Sua língua traçou o
círculo onde sua pele pálida se convertia em uma tentação
rosada, a que por fim podia se permitir ceder. A borda dos
dentes dele a colocou à prova levemente, arrancando um
gemido de espanto de Jessica e fazendo seus dedos se
apertarem nos cabelos de Wolfe.
― Não se assuste. ― Wolfe sussurrou contra sua pele. ―
Não sou um lorde bêbado que baterá em você até sangrar. Sou
um bastardo sem título que esperou toda uma vida para
acariciá-la.
Antes que Jessica pudesse falar, viu como os lábios de
Wolfe se abriam e sentiu o inesperado fogo de sua língua
lambendo seu mamilo e o íntimo calor de seu fôlego, quando o
tomou em sua boca. Suas costas se curvaram de forma
instintiva, enquanto um tremor de prazer e surpresa a
dominava. Pronunciou seu nome e viu a resposta pelo aumento
da pressão constante que a boca exercia em seu mamilo.
Inconscientemente, seus dedos puxaram os cabelos de Wolfe,
enquanto uma doce sensação a percorria uma vez mais.
Wolfe utilizou sua língua para brincar sensualmente com
a rígida ponta que surgia do seio de Jessica. Ela gemeu e se
arqueou. Então, Wolfe comprovou uma vez mais a dureza de
seu mamilo com os dentes. O fogo se expandiu, arrancando de
Jessica, um grito abafado cheio de paixão. Wolfe não ergueu a
cabeça até notar que sua respiração se cortava e ela se retorcia
lentamente sob sua boca. Muito devagar, soltou o seio e
admirou a coroa de cor de rubi intenso que sua boca criara.
― Está mais duro do que na vez em que nos refugiamos da
tempestade.
― O quê? ― Jessica perguntou atordoada.
― Veja. ― Prendeu uma das mãos de Jessica e a fez tocar
levemente em seu seio. ― Sinta sua paixão. Dureza e veludo
juntos.
Seus olhos se abriram atordoados.
Rindo suavemente, Wolfe beijou sua palma, mordeu a
carne na base de sua mão e sentiu como seu corpo se remexia
de prazer. Pegou os mamilos entre seus dedos e brincou com
eles até ela esquecer tudo exceto as sensações que a invadiam.
Quando uma das mãos de Wolfe desceu deslizando por
seu corpo, Jessica não protestou. O calor da mão percorrendo
suas pernas era parte da magia que a boca de seu esposo
criava em seu seio. Não percebeu que a cada doce pressão de
sua palma, suas pernas se abriam cada vez mais até que nada
ficou protegido por elas.
― Lembra-se como a luz do sol acaricia o botão? ― Wolfe
perguntou.
Sua voz era profunda, rouca, tão quente e pesada como a
mão que estava bem por cima do labirinto de cachos
avermelhados.
― Suavemente, ― Jessica sussurrou ― completamente.
― Por todas as partes.
De repente, o entendeu.
― Meu Deus, Wolfe. Até aí?
― Sobretudo aí. Vou fazer que se abra tão docemente
quanto um botão que mostra suas pétalas ao sol pela primeira
vez.
Imóvel, Jessica olhou fixamente o rosto escuro e
intensamente masculino de Wolfe.
― Não se assuste. ― disse ― Você o deseja. Posso sentir,
ainda que você não note, já está se abrindo para mim.
Seu som rouco conseguiu ser o nome de Wolfe, quando
sentiu que sua mão descia.
― Não aperte as pernas. ― Pediu em voz baixa. ― Isto é o
mais perto que estarei de tomar você. E desejo tanto fazê-lo...
A mão de Wolfe não se moveu enquanto estava imóvel
junto a Jessica, esperando que ela tomasse uma decisão.
― Wolfe... ― sussurrou, mas não conseguiu dizer nada
mais.
― Pequena elfo tímida.
Ele beijou seu ombro, tocou com os dentes o lugar onde
nascia seu pescoço. Jessica gemeu de surpresa e prazer.
― Sei que deseja o prazer que lhe darei. ― Wolfe afirmou.
― Deixe-me lhe dar isso.
A delicadeza de seus dentes acariciando seu ombro era
um gesto tranquilizador assim como uma sedutora promessa.
Lentamente Jessica deixou escapar um suspiro e relaxou a
tensão de suas pernas. Foi recompensada pela lenta carícia da
palma de Wolfe sobre seu ventre, seus quadris e suas coxas.
Sua boca brincou com os seios, provocando-a, fazendo que o
prazer a invadisse uma vez mais, envolvendo-a em sua magia.
Quando Wolfe tocou levemente com as unhas o interior de
suas coxas, uma violenta rede de prazer se apertou ao redor
dela fazendo-a gemer. Ele apoiou uma mão na parte interna de
sua coxa e estendeu os dedos. Acariciou-a lentamente com a
palma da mão, abrindo caminho entre suas pernas. Desta vez,
ela não impediu que suas pernas se abrissem sob as carícias.
― Jessi. ― Wolfe sussurrou, comovido por sua confiança.
Sua mão deslizou pelos escuros cachos que ansiava
acariciar, buscando o lugar secreto que suspirava por suas
carícias. Com suavidade, fez pressão com a mão entre suas
pernas. Os dedos buscaram entre os cachos que já não a
protegiam e encontraram seu lugar mais suave e sensível.
Quando ela notou seu contato, aspirou com um som
semelhante ao da seda se rasgando. Com muito cuidado, ele a
acariciou, dando vida ao lugar que não conhecia o contato de
nenhum outro homem.
― Que bonita você é. ― Disse com voz rouca. ― Está úmida
para mim?
Jessica não sabia a que Wolfe se referia até que notou
como ele a abria suavemente. A penetração do dedo que
deslizou em seu interior devia sobressaltá-la, mas não havia
lugar para a comoção, na bolha de sensações que se estendia
por ela, que explodia suavemente e a molhava de prazer.
― Wolfe.
― Eu sei. ― Respondeu com voz falha. ― Posso sentir. Na
verdade é muito melhor que nos meus sonhos.
Moveu a mão de novo com delicadeza, e sua resposta o
banhou, fazendo com que os dois ardessem. Ela gemeu no
mais profundo de sua garganta e se curvou buscando sua mão,
pois necessitava sentir o doce movimento em seu interior uma
vez mais. Wolfe conseguiu sentir a frágil barreira de sua
virgindade, amaldiçoou, e começou a sair daquela bainha de
cetim, que desejava mais do que o ar que respirava.
― Por favor. ― Jessica sussurrou, tentando mantê-lo
dentro dela. ― Acaricie-me.
― Assim não.
― Você... não se...? Você... não gosta...?
Wolfe riu baixinho e voltou a se introduzir levemente,
ansiando sentir uma vez mais sua cálida e úmida suavidade. O
gemido de Jessica o fez saber que ela observava o que ele lhe
fazia e que aquilo aumentava sua excitação.
― Sim, Jessi. Observe e sinta sua própria paixão. ― Wolfe
estremeceu.
Algo bonito e levemente aterrorizante invadiu Jessica.
Tentou sufocar aquela sensação, mas foi inútil.
― O que está me acontecendo? ― perguntou ― O que
está...? Não posso... Wolfe.
Jessica ofegou seu nome enquanto seu corpo se contraía
em volta do dedo dele, acariciando-o secretamente, arrastando-
o para seu interior, prendendo sua mão com a úmida paixão.
O desejo apertou Wolfe selvagemente, fazendo-o gemer
enquanto sua mão abandonava o corpo de Jessica. Com
impaciente urgência, estendeu o úmido calor de sua resposta,
sobre o lugar mais secreto e sensível de Jessica. Quando
acariciou o centro da paixão que desencadeara nela, Jessica
gritou de surpresa e de violento prazer. As pontas de seus
dedos rodearam sua excitada e sensível carne brincando com
ela, mantendo-a cativa sob o faminto exame de seu polegar.
Jessica se curvou em um abandono primitivo quando
Wolfe lhe mostrou que o prazer podia ser até mais intenso que
a dor, mais poderoso; um relâmpago de sensações que a
percorriam e chegavam ao próprio centro de seu ser.
O olhar de Wolfe percorreu Jessica, memorizando seu
corpo enquanto chegava ao êxtase ao qual ele a conduzira.
Desejava estar em seu interior outra vez, sentir sua liberação
em seus dedos, tremendo, acariciando, atraindo-o. Sabia que
não deveria se arriscar a rasgar o frágil véu de sua virgindade,
mas era incapaz de resistir.
Moveu a mão enquanto deslizava outra vez, com
requintado cuidado no interior de seu corpo. A lenta
penetração arrancou um trêmulo grito final dela.
― Está tão úmida que poderia tomar você e só sentiria
prazer. ― Wolfe sussurrou.
Seu polegar se moveu lentamente e Jessica gemeu ao ser
atravessada, uma vez mais, por um tremor de prazer.
― Não lhe tomarei a virgindade, ― Wolfe continuou com
voz quebrada, enquanto se inclinava sobre ela. ― mas a
possuirei como não possui nenhuma outra mulher.
Estremeceu e a acariciou intimamente, aproximando sua
boca a dela.
― Entregue-se a mim, Jessi. Deixe-me senti-la.
O prazer fazia Jessica vibrar. Com um grito sussurrado se
entregou a ele de novo, compartilhando o prazer enquanto sua
boca se movia sobre a dele com faminta necessidade até que,
exausta e trêmula, sussurrou uma última vez seu nome.
Então Wolfe a abraçou fortemente dizendo a si mesmo
como fora estúpido. Descobrira a intensa paixão de uma
mulher que nunca poderia ser sua verdadeira companheira.
Desejava-a mais que nunca e, no entanto, não podia tê-la. Não
deveria. Nada havia mudado. Ainda que na verdade, sim o
fizera. Tudo era pior.
Passou muito, muito tempo antes que Wolfe conseguisse
dormir.
CAPÍTULO 14

― Nem parece que está chegando a primavera. ― Willow


comentou, esfregando a parte baixa das costas com ar ausente.
― Primeiro a neve se derrete, depois vem uma geada, depois
neva, logo começa o degelo e agora que o tempo está limpo, o
vento do norte sopra com força. Você o ouve?
― Seria difícil não ouvi-lo. ― Jessica respondeu.
O longo e violento uivo do vento era tão selvagem quanto o
que escutava quando era criança na Escócia. Mesmo que seus
dedos se fechassem automaticamente ao redor do camafeu com
a foto de Wolfe em seu interior, percebia que o vento já não
possuia o poder de fazer sua alma se estremecer de terror.
Certamente nunca gostaria do angustioso lamento de uma
tempestade, mas já não tremia de medo. Agora conhecia a
diferença entre a realidade, os pesadelos e as terríveis
lembranças de uma criança. E devia tudo a Wolfe.
As lembranças da noite anterior percorreram Jessica,
formando atrás de si uma esteira de fogo que a deixou sem
fôlego. Nunca sonhara que o corpo de uma mulher tivesse a
capacidade de sentir um prazer assim. Já não acreditava que
todas as crianças, exceto o primeiro, fossem o resultado dos
esposos forçarem suas mulheres. Os riscos da gravidez e do
parto eram reais, mas também o êxtase era. Ela sabia. Wolfe
lhe mostrara. Depois, a abraçara até ela derramar a última
lágrima e desaparecerem os últimos tremores.
Wolfe me deu tanto, e eu... Não lhe dei nada.
― Que primavera instável. ― Willow comentou, suspirando
enquanto olhava pela janela.
Jessica seguiu seu olhar. Viu as pontas das ervas
tentando aparecer através dos bancos de neve meio derretidos,
arbustos e árvores que mudavam suas cores em diferentes tons
de verde, e o riacho no barranco atrás do estábulo correndo
com energia apesar do ar gelado.
Nem o frio, nem o selvagem bramido do vento tinham
inquietado Jessica na noite anterior. Conhecera o fogo que
trazia consigo o prazer em lugar da dor, e logo adormecera
protegida pelos braços de seu esposo, com o rosto apertado
contra a pele quente de seu peito. O aroma e o sabor de Wolfe
preencheram seus sonhos, afastando os medos de sua alma.
Deus, nunca se sentira tão perto de Wolfe. Jessica
estremeceu com desenfreadas lembranças. Nem conseguia
imaginar o que significava realmente a palavra intimidade.
― Jessi?
Ela piscou e olhou para Willow.
― Sim?
― Não se preocupe mais por ontem.
Por um instante, Jessica pensou que Willow, de alguma
forma, havia adivinhado o ocorrido, no silêncio cheio de
murmúrios do dormitório. Um intenso rubor tingiu seu rosto
antes de recordar o que acontecera no salão no dia anterior: a
enumeração pública e glacial de Wolfe de seus defeitos como
mulher.
― Wolfe se desculpou com todos esta manhã, ― Willow
continuou. ― pelo que imagino que se desculpou também com
você.
― Maravilhosamente. ― Jessica respondeu, consciente de
que ruborizava.
Willow sorriu apesar da tensão que seus lábios
desenhavam.
― Isso é a beleza do casamento. As desculpas são tão
apaixonadas quanto as brigas.
― Você e Caleb discutem? ― Perguntou, admirada.
― Não se surpreenda. Você já deve ter percebido que meu
marido pode ter a cabeça muito dura. ― Sorriu levemente. ―
Claro que discutimos.
― Você, claro, não é nada teimosa. ― Jessica comentou
com ironia.
― Claro que não. ― Willow replicou com cara inocente. ―
Não sou mais que uma frágil dama. Como poderia me ocorrer
contrariar o pistoleiro com o qual me casei?
Jessica riu.
― Ah, se Caleb pudesse ouvir isso.
― Sim. Talvez possa me ouvir.
A intensidade que se refletia sob as suaves palavras de
Willow atraiu a atenção de Jessica.
― Aconteceu algo?
― Sim, faz muito frio e muito vento. E o parto pode
começar a qualquer momento. Caleb disse ontem à noite que
as éguas também estavam a ponto de parir.
― Eu sei. Wolfe me acordou antes de sair. Disse algo sobre
animais vagando sob a tempestade. Estava preocupado com as
éguas prenhas.
― Não tivemos tempo de fechar os pastos dos cavalos. ―
Willow explicou, franzindo o cenho e olhando através da janela
à indômita terra. ― Ishmael, meu garanhão, esteve mantendo
as éguas a salvo, mas ele foi criado em estábulos e prados
cercados. A terra ao sul daqui é selvagem e irregular. Se a
tempestade empurrar as éguas até lá, será muito difícil
encontrar todas elas. O vento que sopra é muito frio e se as
éguas começarem a parir...
A voz de Willow se apagou. Permaneceu em pé, silenciosa
em frente à janela e observou a implacável violência do vento.
Jessica se aproximou dela e a abraçou para reconfortá-la.
― Os homens encontrarão as suas éguas.
― As éguas, as vacas, os novilhos jovens... Poderíamos
perder tudo por culpa deste maldito vento. Gostaria de estar lá
fora trabalhando junto a Caleb. Necessitamos de toda a ajuda
que pudermos conseguir. Sinto-me tão inútil. Eu...
A voz de Willow se quebrou enquanto fazia uma inspiração
profunda em busca do ar.
Primeiro Jessica pensou que as lágrimas haviam levado
sua voz, mas então, notou que Willow sentia os sintomas das
primeiras contrações.
― Quanto tempo faz que começou? ― Jessica perguntou
com urgência.
― A tempestade? Esta noite.
― Ao diabo a tempestade! Desde quando tem dores?
― Vão e vêm desde ontem à meia noite.
Jessica fechou os olhos por um instante. Quando os
abriu, brilhavam intensamente.
― Você disse a Caleb?
― Não. ― A voz de Willow era tensa, pesada. ― Minha mãe
me disse que os primeiros bebês são imprevisíveis. O parto
pode começar e se interromper, e depois recomeçar muitas
vezes.
Willow respirou fundo.
― Precisamos salvar os animais mais do que eu preciso
que Caleb me segure à mão, durante os falsos alarmes que
podem se alongar por dias.
Apesar de suas corajosas palavras, Jessica conseguiu ler a
inquietação nos grandes olhos cor de avelã de Willow. Soube,
sem que o dissesse, que gostaria de ter o consolo da presença
de seu esposo.
― É a primeira vez que sente dores?
― Vão e vêm durante quase dois dias. ― Willow
reconheceu. ― Mas esta última está diferente.
― Posso? ― Jessica perguntou, colocando as mãos sobre o
ventre de Willow.
Surpresa, Willow simplesmente assentiu.
Durante um momento, houve um silêncio só interrompido
pelo gemido do vento. Quanto mais a examinava, Jessica mais
se assustava. O bebê não se movia. Segundo os livros que lera,
os bebês permaneciam quietos durante horas antes do parto,
uma vez que haviam alcançado a posição adequada para
nascer.
Mas também permaneciam imóveis, quando já não
estavam vivos. Jessica descobrira aquela amarga realidade
observando os horríveis partos de sua mãe.
― Avise-me quando sentir a seguinte. ― Jessica pediu,
com uma calma que era tão superficial quanto seu sorriso. ―
Enquanto isso pode acabar de costurar a bainha das mantas
que teceu para o bebê.
Passou-se meia hora antes que outra onda de contrações
percorresse o corpo de Willow. Então, ergueu a cabeça da
manta que acabava de dobrar.
― Jessi! ― Gritou.
― Agora?
― Sim.
Jessica deixou cair a alavanca da bomba e correu da
cozinha até o salão, onde Willow estava sentada. Quando
colocou suas mãos sobre o enorme ventre de Willow, notou que
os músculos estavam muito tensos. Franzindo o cenho, Jessica
a examinou atentamente. Lera o suficiente sobre falsos alarmes
para saber que raras vezes afetavam até aquele ponto o corpo
da mulher. E além do que, o bebê não mudara de posição.
Após contar muito lentamente até três, os músculos de
Willow se relaxaram.
― Sentiu por todo o corpo? ― Jessica perguntou erguendo-
se.
― Começou por trás e se estendeu à frente. ― Willow
explicou.
― Pode se levantar? ― Jessica ajudou-a a se erguer.
― Sem o forte braço de meu marido para me ajudar? ―
perguntou ― Agora saberemos.
Quando Willow ficou em pé, Jessica se inclinou e passou
as mãos pelo abdômen inchado. Era evidente que o bebê
descera, ainda que não tanto quanto nos desenhos dos livros
de Jessica, que mostravam as mulheres que estavam a ponto
de dar à luz. Por outro lado, os primeiros bebês eram
imprevisíveis.
Ainda que Jessica esperasse e esperasse, não notou que o
bebê se movesse com muita força. Quando esteve certa que
nenhum de seus medos se refletissem em seus olhos, ergueu a
cabeça, sorriu e falou em tom brincalhão.
― Como seus irmãos diriam: bem, Willy, se deu bem outra
vez. O bebê se colocou, está de boca para baixo e está disposto
a ver como é o mundo.
Um pequeno sorriso suavizou os trêmulos lábios de
Willow. Segurou uma das mãos de Jessica entre as suas e a
apertou.
― Estou feliz que esteja aqui, Jessi.
― Eu também.
Era só uma mentira pela metade. Jessica estava feliz de
estar presente por Willow. Nenhuma mulher deveria enfrentar
aos perigos do parto, sozinha. Porém, também esperava nunca
mais precisar passar por uma agonia daquela, aquele terror e a
vã dor do parto.
― Você tomou o desjejum? ―perguntou Jessica.
― Não. Não senti apetite.
― Bem. Seu corpo tem coisas mais importantes para fazer
que se ocupar de pãezinhos e bacon. ― Jessica comentou com
energia. ― Onde guarda os lençóis limpos?
― Na arca aos pés da... Oh!
― O que acontece?
Assim que Jessica perguntou, viu os sinais inconfundíveis
da umidade que escorria por baixo da saia de Willow.
― Rompeu a bolsa.
― Sim, foi isso. ― Willow sorriu timidamente. ― Que tola
fui eu por me assustar. Esqueci que aconteceria. Que boba
sou.
Jessica abraçou Willow e acariciou seus cabelos como se
fosse uma criança.
― Não é tola. É normal estar um pouco inquieta,
sobretudo com o primeiro.
Por um momento, Willow se agarrou a sua amiga, depois
deu um passo para trás e se ergueu.
― Com certeza é melhor que Caleb não esteja aqui. ―
afirmou ― Ele se preocupa muito que possa ocorrer o mesmo
que à sua irmã.
Jessica recordou da noite em que Caleb levara nos braços
a sua adormecida esposa do salão. Seu rosto estava tão duro
quanto uma rocha, ainda que a emoção em seus olhos fizesse
com que Jessica tivesse um aperto no coração.
Ela é minha vida.
Jessica pensou o que se sentiria ao ser amada tão
profundamente por um homem. Ela moveria céus e terra, e
enfrentaria até mesmo o inferno para conseguir que Wolfe a
olhasse com aquela emoção. No entanto, sabia que aquilo não
aconteceria.
Não fomos feitos um para o outro.
Wolfe estava certo pela metade, mas só pela metade. Ele
era o homem adequado para ela. Mas ela não era a mulher
apropriada para ele. Fazendo um esforço, Jessica deixou de
lado sua própria confusão. Pegou Willow pela mão e a levou até
o dormitório.
― Queria pedir a Wolfe que falasse com Caleb, ― Jessica
comentou. ― mas nunca encontro o momento certo. Descobriu-
se que as febres que as mulheres sofrem depois do parto,
podem ser evitadas, se o médico lavar as mãos com água
quente e sabão entre um paciente e outro.
― Verdade? Por quê?
― Não sei. Ainda assim, lavar as mãos não custa nada. E
além de fazê-lo, tenho certeza de que devo colocar lençóis
limpos, e que sua camisola esteja limpa e também de lavar você
como precaução.
Willow sorriu levemente.
― Se funciona com as mãos, porque não com outras
coisas, não é isso?
― Exato. ― Jessica assentiu. ― Vamos, deixe que a ajude a
tirar as roupas.
― Posso fazê-lo sozinha.
― Mas fará melhor com minha ajuda. ― Jessica sorriu
para Willow e começou a desabotoar a saia. ― Não há lugar
para o pudor em um parto. O que tiver de acontecer
acontecerá, Willy, sem pedir permissão. E enquanto acontece,
nenhuma de nós pensará em outra coisa, que não seja fazer
bem nossa parte do trabalho.
Willow deixou escapar uma longa exalação.
― Nunca deixa de me surpreender.
― Refere-se a que sou um pouco menos inútil do que
Wolfe os fez acreditar?
― Que tolice. Deveria dar a Wolfe um bom chute no
traseiro por seu mau gênio. Você não pode mudar as
circunstâncias de seu nascimento, assim como ele também não
pode mudar as dele.
Jessica sorriu com amargura e não disse nada.
― O que me surpreende, ― Willow continuou. ― é que não
soubesse nada sobre..., bem... A parte física do casamento,
então, assumi que se mostraria reservada diante de tudo
relacionado com o corpo e, certamente, também terrivelmente
envergonhada. Mas sabe muito sobre partos, não é assim?
― Passei os nove primeiros anos de minha vida em um
solar familiar isolado. Com cachorros, ovelhas, gatos,
cavalos..., com todo tipo de animais que concebiam e pariam
com a mesma regularidade com que saía o sol.
― Sobretudo os coelhos. ― Willow sugeriu com um leve
sorriso.
Jessica riu.
― Esses benditos animaizinhos eram os únicos que não
falhavam, contra o vento ou a maré.
― Alegro-me que não seja uma aristocrática dama da
cidade. ― Willow confessou. ― Nunca atendi um parto, mas
acredito que vou precisar de você, mesmo que seja somente
para garantir que alguém se encarregará do bebê, se eu estiver
muito cansada no início.
O inquebrantável sorriso de Jessica quase desapareceu.
Nunca tivera a sorte de se encarregar de um recém-nascido
vivo. Mas não mencionaria isso a Willow. No momento, mantê-
la animada era a única coisa que importava. Falar de partos
difíceis e bebês mortos seria a última coisa.
― Agora, apoie-se em mim para tirar a saia e as anáguas.
― Jessica pediu.
Mexendo-se rapidamente, mas sem dar a impressão de ter
pressa, Jessica lavou Willow e lhe vestiu a camisola limpa.
Preparou a cama tirando os lençóis usados, estendeu uma lona
protetora sobre o colchão e colocou os lençóis limpos. Quando
Willow se deitou com dificuldade na cama, já sofrera outra forte
contração. Não havia dúvidas que o parto seria iminente.
― Agora volto. ― Jessica disse enquanto cobria Willow até
o queixo. ― Se escutar o rifle, não se preocupe. Serei eu
chamando os homens.
― Não, não o faça. Estou bem. Não preciso deles.
― Willow, o que acredita que Caleb fará à pessoa que o
mantiver longe de você quando precisar dele?
As lágrimas brilharam nos olhos de Willow.
― Mas as éguas precisam dele mais que eu.
― Wolfe se encarregará das éguas. Ele ama os cavalos
mais que tudo no mundo.
― Com exceção de você.
Jessica sorriu com tristeza.
― Wolfe não me ama. Preocupa-se comigo, isso é tudo. E é
mais do que mereço.
― Tolices. ― Willow replicou.
― Não. É só a verdade. Tudo o que Wolfe disse sobre mim
ontem à noite é certo. Eu o obriguei a se casar contra sua
vontade. Ele desejava se casar com alguém como você. Em vez
disso, tem como esposa uma aristocrata que mal sabe fazer
café.
Jessica sorriu diante do olhar admirado de Willow.
― Temo que seja a verdade. ― Jessica acrescentou. ― De
fato, nem sabia me pentear antes de me casar com Wolfe.
Nunca havia feito isso sozinha.
― Meu Deus. ― Willow sussurrou.
― Mas estou aprendendo. E em parte, graças a você. ―
Jessica acariciou os cabelos de Willow. ― Descanse. Você
Precisa reservar todas suas forças para trazer ao mundo o filho
de Caleb.
Willow se virou e olhou pela janela. Só se viam árvores que
se inclinavam e se balançavam com o vento.
― Não poderão escutar o rifle. ― Disse com calma. ― O
vento sufocará o som.
Jessica lhe deu razão em silêncio, mas saiu ao terraço da
mesma forma. O vento arrancou o pomo da porta, de sua mão
e a bateu estremecendo as paredes da casa. Tremendo e
sentindo o gélido vento no rosto, ergueu a escopeta que lorde
Robert lhes entregara como presente de um casamento que
nunca deveria ter se realizado. As incrustações douradas e
prateadas brilharam com a tênue luz da tempestade. Disparou
três vezes de forma espaçada, esperou, e voltou a disparar três
vezes mais. Tremendo violentamente, abaixou a escopeta e foi
se refugiar de novo na casa. Após uma breve luta, conseguiu
fechar a porta, deixando fora o vento gelado.
Durante um longo momento, Jessica permaneceu em pé
sozinha no salão, recompondo-se, e se preparando para o que
viria. Logo se decidiu.
Ignorando o tremor de suas mãos, esfregou suas afiadas
tesouras de cerzir, as envolveu em um pano limpo e as colocou
em cima das imaculadas mantas, que Willow havia preparado
com tanto amor para o bebê. A ideia de envolver outro
diminuto cadáver provocou uma onda de desespero em Jessica.
Vira a roupa do bebê e o berço feito com tanto cuidado.
Contemplara o amor de Caleb e o prazer de Willow, quando ele
colocava sua mão sobre seu ventre e notava como o bebê se
mexia.
Por favor, meu Deus, permita que este bebê nasça vivo.
O vento estremeceu a casa, fazendo um calafrio percorrer
Jessica. Rapidamente, pegou um livro e uma cadeira, e voltou
para junto de Willow.
― Minha mãe gostava que eu lesse para ela. ― Jessica
comentou com fingida calma. ― Se não gosta que o faça, me
sentarei em silêncio até que precise de mim.
― Por favor, ― Willow respondeu imediatamente, com voz
tensa ― Leia.
― Tente não segurar a respiração quando vier a dor. ―
Jessica pediu com doçura antes de começar a ler: O sonho de
uma noite de verão. ― Só pioraria.
O tempo passou rápido, marcado pelas contrações que
cada vez eram mais fortes e frequentes. As dores do parto
dominavam o rígido corpo de Willow, arrancando-lhe roucos
gemidos.
― Tente não resistir. ― Jessica aconselhou em voz baixa. ―
A natureza é mais forte do que qualquer de nós. Não podemos
vencê-la. Só podemos nos deixar levar e ajudar o bebê.
Muito lentamente, Willow conseguiu relaxar apesar das
contínuas rajadas de dor.
― Tome. ― Jessica disse, pegando um pedaço de couro de
seu bolso. ― coloque-o entre os dentes.
Nenhuma das mulheres ouviu quando a porta dianteira se
abriu, nem a voz de Caleb chamando Willow. Jessica percebeu
antes a sua presença, quando um par de luvas caiu no piso aos
seus pés, e uma enorme e masculina mão passou diante dela
para Willow.
― Não! ― Jessica gritou com violência, interpondo-se entre
Willow e a mão de Caleb. ― Primeiro, lave-se. Se a tocar com as
mãos sujas, existirá risco de infecção.
Caleb recolheu as luvas do chão e deixou o dormitório
apressadamente. Quando reapareceu, estava molhado,
cheirava a sabão e não usava nada, exceto alguns calções
limpos. Dirigiu-se ao armário, pegou roupa limpa e começou a
se vestir depressa.
Willow deixou escapar um grave gemido ao alcançar seu
nível mais alto de dor. Quando abriu os olhos, viu Caleb
abotoando as calças. Quase com ar de culpa, soltou a mão de
Jessica, pegou a tira de couro e a escondeu sob as mantas.
Não foi muito rápida. Poucas pessoas eram quando
tentavam esconder alguma coisa dos dourados olhos de Caleb.
― Disse a Jessi que não fizesse os disparos. ― Willow
disse. ― As éguas...
― Wolfe as encontrou. ― Caleb a interrompeu enquanto
vestia uma camisa. ― O que disse sobre disparos?
― Tentei avisá-los quando começou o parto. ― Jessica
explicou enquanto escorria um pano para refrescar o rosto de
Willow.
― Não ouvi nenhum disparo.
Jessica olhou pela janela, percebendo que ainda não havia
anoitecido. O vento continuava uivando e nenhum dos outros
homens havia voltado.
― Então, como soube que precisava vir? ― Perguntou.
― Ouvi a Willow me chamando.
Jessica olhou fixamente para Caleb, mas ele só possuia
olhos para sua esposa. Estava ajoelhado junto à cama com a
camisa abotoada descuidadamente. Ninguém, exceto Jessica,
percebeu a roupa meio desabotoada quando Caleb se inclinou
para Willow falando em voz baixa, acariciando seus cabelos e
sorrindo-lhe com tanta ternura que Jessica notou as lágrimas
se aglomerando em sua garganta.
Quando chegou a contração seguinte, foram as mãos de
Caleb que seguraram Willow. Ela tentou com todas suas forças
não gritar, mas não conseguiu conter um áspero gemido.
― Faça-o. ― Caleb ordenou. ― Grite, amaldiçoe, ou chore.
Faça o que necessitar.
Willow balançou a cabeça.
Quando a contração passou, Jessica pegou o pedaço de
couro que Willow escondera sob as mantas e o colocou sobre a
colcha.
― Preparei isto e o guardei perto porque sabia que
precisaria. ― Jessica comentou. ― Se não gritar ou usar este
pedaço de couro, pedirei a Caleb que saia. A última coisa que
deve fazer é se reprimir para não preocupar seu marido. Ele
também é responsável pelo bebê, então, pode compartilhar a
dor, assim como o prazer de trazer uma nova vida ao mundo.
A boca de Willow desenhou uma careta rebelde. Caleb
beijou sua esposa e lhe disse algo em uma voz tão baixa que
Jessica não conseguiu ouvi-lo.
― Não queria preocupar você. ― Willow respondeu. ― Meu
amor, você se assusta mesmo quando me provoco uma
pequena queimadura cozinhando.
Ele ergueu suas mãos e as beijou com infinita ternura.
Depois, pegou a tira de couro. Podiam ver claramente as
marcas de alguns dentes. Caleb apertou com força o escuro
tecido.
― Se pudesse fazer isto em seu lugar, o faria. ― Disse
asperamente.
― Eu sei. O simples fato de ter você aqui me ajuda.
Era verdade. Apesar da força das contrações, Jessica viu
que as linhas de tensão no rosto de Willow tinham se
suavizado. Quando Caleb inclinou a cabeça e lhe sussurrou
algo, o sorriso que sua esposa lhe deu estava tão cheio de amor
quanto seus olhos.
Então, o corpo de Willow foi reclamado de novo pelas
exigências do parto, e Caleb conseguiu notar a tensão de seus
músculos. Sem palavra, lhe estendeu a tira de couro. Willow a
mordeu com força bem no momento em que uma dolorosa
contração fez todo seu corpo se arquear.
Depois disso, não houve tempo para nada mais, além de
ajudar Willow com pequenos detalhes, enquanto ela fazia o
trabalho necessário para trazer a nova vida ao mundo. À
medida que a rítmica fúria do parto progredia, Jessica rogava
em silêncio com todas suas forças, para que não fosse tudo em
vão. Todo aquele sangue e aquela dor, a agonia que se instalara
no rosto de Caleb, refletindo de forma eloquente seu medo e
seu amor pela mulher que estava dando à luz ao seu filho.
Finalmente, as contrações foram tão rápidas que Willow
não tinha tempo de se recuperar entre uma e outra. Ofegando e
suando, tentou sorrir para Caleb no meio de seu atordoamento,
só para se ver arrastada de novo pela dor.
― Quanto tempo mais vai durar? ― Caleb perguntou para
Jessica, tenso.
― Tudo o que o bebê necessitar.
― Não poderá suportar muito mais.
― Você se surpreenderia saber quanto uma mulher pode
aguentar.
E assim foi.
Nos últimos momentos do parto, as mãos de Willow o
apertaram com uma força que assombrou Caleb, deixando
marcas em suas mãos endurecidas pelo trabalho; marcas que
não descobriu até mais tarde, pois só se preocupara por
Willow, por ajudá-la em tudo o que pudesse.
O som do pranto de um bebê chegou de surpresa.
― É um menino! ― Jessica anunciou, rindo e chorando ao
mesmo tempo. ― Um lindo menino de pele rosada, que está
vivo e não para de chorar!
Willow sorriu e fechou os olhos, deixando que tudo
desaparecesse exceto a existência de seu filho e o beijo de seu
esposo ardendo no centro da palma de sua mão.
Jessica se arrumou para cortar e atar o cordão apesar das
lágrimas de felicidade que corriam pelo seu rosto. Lavou o bebê
com água morna, o envolveu com uma manta e o estendeu ao
orgulhoso pai. Ficou atônita ao ver as lágrimas nos olhos de
Caleb quando olhou para seu filho.
― Mostre seu filho para Willow. ― Jessica disse com voz
rouca. ― Depois, coloque-o sobre seu seio. O bebê necessita
ouvir as batidas do coração de sua mãe outra vez, e ela
também necessita ouvir as do bebê.
Com muito cuidado, Caleb aproximou o filho de sua
esposa. Quando Jessica ergueu os olhos novamente, Willow
descansava entre os braços de seu esposo e o bebê se agarrava
com ânsia ao seio de sua mãe, enquanto Caleb segurava sua
pequenina cabeça com a enorme mão.

― Você está bem? ― Wolfe perguntou com urgência,


pegando Jessica entre seus braços antes que ela pudesse
responder.
― Foi Willow quem fez o trabalho, não eu.
Wolfe parecia não escutá-la e a abraçou com força contra
ele.
― Quando Reno me contou, não deixei de pensar em sua
mãe, no terror que você tem aos partos. Temia que se
aterrorizasse estar perto de outra mulher a ponto de dar à luz.
― Eu também temia. ― Jessica reconheceu, estendendo
seus braços ao redor da cintura de Wolfe. ― Tive medo que
nascesse morto, como meus irmãos.
Wolfe fez um som rouco, mas a mão que acariciava os
alvoroçados cabelos de Jessica foi muito suave.
― Mas este bebê está vivo. ― Continuou, com vibração em
cada palavra por seu entusiasmo. ― Estava com o rosto corado
e chorava, movia seus pequenos punhos e suas pequenas
pernas, e seus cabelos eram tão negros como o de seu pai. É
perfeito e está vivo!
Sorrindo, Wolfe se inclinou e a beijou. Quando ela lhe
devolveu o beijo em vez de se afastar, uma rajada de calor o
percorreu como um relâmpago. As lembranças da última noite
chegaram à memória ao longo de todo o dia, rasgando-o. Nunca
poderia imaginar desejar uma mulher de uma forma tão
intensa.
Incapaz de parar, Wolfe animou Jessica a abrir os lábios.
Apesar do primitivo desejo que endurecia seu corpo, saboreou-
a com requintada ternura, absorvendo seu calor e a suave
interrupção de sua respiração quando sua língua tocou pela
primeira vez a sua. Passou muito tempo antes que Wolfe
levantasse a cabeça.
― Reno disse que Willow e o menino estão bem. ― Wolfe
comentou finalmente, olhando para a porta fechada do
dormitório.
― Sim. ― Jessica sorriu e lhe deu um leve beijo nos lábios.
― Muito, muito bem. Oh, Wolfe, foi extraordinário. Segurar
uma nova vida é como tocar o céu com as mãos. E o olhar no
rosto de Caleb quando teve seu filho entre os braços indicava o
mesmo.
― Quando poderei ver esse pequeno milagre de carinha
rosada?
― Willow está desejando compartilhá-lo. Assim que se
lavar, poderá entrar.
― Estou limpo como uma patena. ― Wolfe replicou com
ironia. ― Reno me fez passar pessoalmente pelo lavador e se
encarregou de me lavar até a consciência. Disse-me que não
poria em perigo seu único sobrinho por culpa de um mestiço
sujo.
― O quê? ― Jessica ergueu a cabeça bruscamente. ― E
ainda está vivo?
― Não sabe? É tão rápido como um raio com aquele
revólver. Fui tão dócil como um cordeirinho, me lavei até atrás
das orelhas, duas vezes.
― Eu mesma cortarei as dele. ― Jessica murmurou. ―
Insultou você. Deveria estar envergonhado.
Wolfe fez um som sufocado e começou a rir enquanto
levantava Jessica do chão com carinho.
― Que pequena elfo feroz. ― Disse contra seus lábios. ― Só
estava brincando. Reno nunca diria nada sobre as
circunstâncias de meu nascimento.
A risada que se refletia nos olhos de Wolfe convertia a cor
de seus olhos em uma bonita cor azul escura e seu sorriso, em
vez de desenhar, acentuava as fortes faces de seu rosto. Jessica
voltou a ser intensamente consciente de como seu esposo era
atraente.
De repente, se perguntou como seria contemplar o rosto
de um bebê adormecido que se parecesse com Wolfe.
― Que expressão estranha. Está bem, Jessi?
― Sim. Não. Bem...
Os olhos cor de água marinha de Jessica olharam o rosto
de Wolfe. Deslizou os dedos por seus escuros cabelos e
descobriu que ainda estavam úmidos. Sentir sua textura a fez
estremecer de prazer e pronunciar seu nome enquanto o
observava com os olhos plenos de admiração.
― Jessi, está bem? Olha-me como se nunca tivesse me
visto.
― E assim é. ― Antes que ele pudesse responder, Jessica
aproximou sua boca a dele. ― Beije-me, Wolfe. Beije-me, lhe
peço.
O beijo que Wolfe lhe deu foi profundo, quente e cheio de
sincero desejo. Quando acabou, ambos respiravam muito
rápido. Bem quando ele se inclinava para beijá-la de novo, a
porta se fechou com uma batida.
― Continuem assim e teremos outro pequeno chorão no
próximo inverno. ― Rafe disse, tentando, sem êxito, disfarçar
seu sorriso.
Wolfe escondeu o rosto ruborizado de Jessica contra seu
peito.
― Estávamos nos preparando para admirar seu sobrinho.
― Ora. O que é isso que ouvi sobre um banho completo
antes de poder vê-lo?
― Pergunte ao Reno.
― Já tomei. Segurava uma enorme escova de esfregar e
seus olhos brilhavam cheios de maldade.
Jessica riu contra a camisa de Wolfe.
― Está asfixiando-a? ― Rafe perguntou educadamente.
Wolfe deslizou sua mão pelo rosto de Jessica, ergueu-o e
tocou seus lábios com um beijo.
― Por acaso você consegue respirar? ― Wolfe perguntou
em voz baixa.
Ela corou e disse algo que Rafe não conseguiu ouvir.
― O que ela disse? ― Rafe perguntou.
― Disse que aproveite seu banho.
― Maldição, eu temia isso. Vou, procure não sufocá-la com
seus beijos.
― Não sei se poderei me conter. ― Respondeu.
― Wolfe! ― Jessica exclamou, batendo em seu peito com a
mão.
Rafe ria enquanto fechava a porta atrás dele.
― Vamos querida. ― Wolfe disse com um sorriso, enquanto
voltava a deixar Jessica no chão. ― Mostre-me o pequeno
milagre.
O radiante sorriso de Willow não deixava aparecer à
palidez de sua pele, quando deu as boas-vindas a Wolfe. Caleb,
que estava sentado junto à cama com o bebê adormecido sobre
um de seus braços, passou o leve bebê para Wolfe quando se
aproximou.
― Coloque uma mão sob sua cabeça e a outra sob suas
nádegas. ― Jessica indicou ao seu esposo.
― Deus, ― Wolfe murmurou ― é diminuto.
― Não para um bebê. ― Caleb replicou. ― Deve medir uns
sessenta centímetros e, no mínimo, pesa quatro quilos.
― O que eu disse, diminuto.
Wolfe segurava o bebê adormecido em suas mãos e o
olhava com uma ternura que suavizava as duras faces de seu
rosto. Quando o bebê abriu os olhos sonolentos, Wolfe reteve o
ar com um som de admiração.
― Olhe esses olhos rasgados. Está claro que é seu filho.
O bebê observou Wolfe com olhos desfocados, bocejou, fez
uma borbulha de baba e voltou a dormir em segundos. Wolfe
riu baixinho e acariciou a pequena e perfeita face do bebê com
seu polegar.
Observar Wolfe provocou uma sensação semelhante à dor
em Jessica. Vira o espanto em seu rosto quando comparou os
olhos dourados do menino e os de Caleb. Mas também viu algo
mais. Viu o desejo de Wolfe de segurar algum dia um bebê em
suas mãos e saber que era seu.
Um homem não necessitava títulos nem riquezas para
desejar um filho. A dor que lhe produziu perceber aquilo foi tão
profunda, que Jessica mal conseguiu conter um grito.
― Será tão teimoso quanto seu papai, e se dedicará a
transmitir a justiça? ― Wolfe perguntou ao bebê em voz baixa.
― Isso eu espero. O mundo necessita de homens assim.
Wolfe ergueu a cabeça e sorriu para Willow.
― No entanto, espero que tenha uma menina na próxima
vez. O mundo também necessita de mais mulheres como você.
― Você tem uma. ― Caleb respondeu secamente.
Só Jessica notou como os olhos de Wolfe se escureciam.
Seus negros cílios baixaram como se estivessem contemplando
de novo o bebê, mas ela sabia que deveria estar pensando em
seu casamento, naquela armadilha estéril na qual estava preso.
Porém, quando Wolfe voltou a erguer os olhos e estendeu
o menino para Willow, havia um sorriso em seu rosto. O sorriso
era tão real, como havia sido a dor.
― Tem um bebê lindo. ― Disse a Willow.
― Contei com um pouco de ajuda.
― Diabos, não entendo como um homem tão feio como
Caleb pode ter colaborado para fazer um bebê tão bonito.
Willow sorriu e olhou para Caleb.
― Meu esposo é muito bonito.
― Para você, talvez. ― Disse secamente. ― Mas, para
mim... bem, só direi que já vi coisas com melhor aspecto no
chão após a passagem de uma manada de búfalos.
Caleb riu baixo. Wolfe se virou e deu a ele um rápido e
forte abraço, de irmão para irmão.
― Antes disto, podia considerá-lo um homem de sorte. ―
Wolfe afirmou. ― Mas agora..., agora tem tudo. Cuide bem da
sua família.
Depois de um momento, Jessica afastou os olhos, pois não
conseguia suportar por mais tempo, a tristeza que percebia sob
a alegria que Wolfe sentia por seu amigo.
CAPÍTULO 15

Estava nua em uma vasta planície de gelo. A sua volta não


havia mais que morte. Nada se mexia, exceto as múltiplas
vozes perdidas no vento. Ao longe, em frente a ela, crescia uma
poderosa árvore oferecendo segurança ao abrigo de seus
galhos. Deveria alcançar o refúgio daquela árvore, mas, quanto
mais se esforçava para correr, mais profundamente ficava
presa pelo gelo. O frio a mantinha prisioneira e não era mais do
que um joguete do vento. Ainda assim, continuou lutando para
chegar até a árvore enquanto o vento zombava dela.
Não é a mulher adequada para ele.
É o pior erro de sua vida.
Não são um para o outro.
Jessica se ergueu bruscamente sobre a cama quando a
primeira luz do amanhecer começava a tingir de cor o céu
vazio.
― Jessi? ― A mão de Wolfe acariciou seu ombro. ― Teve
pesadelos sobre o passado outra vez?
― Não. Sobre o passado, não.
― Deite-se e volte a se cobrir. ― Wolfe disse com
suavidade. ― Faz frio.
― Sim, faz muito frio. ― Ela sussurrou.
Recostou-se e se virou para Wolfe. Necessitava seu calor
para acabar com o frio no qual a envolviam seus próprios
sonhos.
― O que lhe acontece? ― Perguntou, acariciando seus
cabelos.
― Um pesadelo, isso foi tudo. Sonhei que estava sozinha.
― Agora já não está sozinha. Eu estou aqui.
Mas, por quanto tempo?
Wolfe notou como os braços de Jessica rodeavam seu
pescoço e como seus seios se esmagavam contra seu torso nu.
Ele acordara do seu próprio sonho já excitado. O contato de
seu corpo contra a pele fez seu desejo ser quase doloroso.
Quando Jessica se mexeu tentando se aproximar ainda mais
dele, tocou com seu quadril a carne endurecida de Wolfe. Ele
sentiu, mais que ouviu, como ela deixava escapar um grito
sufocado.
― Não se assuste. ― Wolfe pediu. ― Passou muitas noites
assim, e não a forcei. Nunca o farei. A única coisa que devo
fazer para me controlar é recordar o quanto se aterroriza com o
desejo de um homem.
― Não é isso. É só que... eu me surpreendi.
Jessica respirou lentamente, tentando afastar o sonho de
sua mente. Esfregou o rosto contra o reconfortante calor de
Wolfe, tentando que a abandonasse, o frio que havia deixado
em sua passagem as vozes do vento que repetiam sem cessar
as palavras de Wolfe, dizendo-lhe o pouco que valia como
mulher. Quando notou que se afastava dela, fez um som
quebrado e se agarrou a ele com uma força que a surpreendeu.
― Não se afaste de mim. ― Sussurrou com urgência.
― Acreditei que estivesse assustando-a.
Ela negou com a cabeça. O movimento fez as rebeldes
mechas de seus cabelos caírem sobre o peito de Wolfe.
― Tem certeza? ― Perguntou.
― Sim.
Devagar, com cuidado, Wolfe voltou a envolver Jessica
com seus braços e a aproximou dele. Ela relaxou apesar da
dura prova da excitação dele. Durante alguns minutos, reinou
o silêncio, só quebrado pelo vento que derrotava a tênue luz do
amanhecer.
― Wolfe?
Ele fez um ruído surdo como pergunta.
― Ver Willow... ― Jessica hesitou, sem saber como
expressar com palavras o que sentia. ― O parto foi...
Wolfe beijou Jessica na fronte.
― Trouxe de volta os pesadelos, verdade? Não se preocupe.
Desaparecerão. Mesmo nas melhores circunstâncias, um parto
é um processo duro e às vezes complicado. Com suas
lembranças do passado, deve ter sido aterrorizante.
― Não é isso o que eu queria dizer. Sim, um parto pode ser
duro e doloroso. Mas o resultado foi... maravilhoso.
Wolfe sorriu enquanto percorria com os lábios o rosto de
Jessica.
― Disse-lhe que é corajosa, Jessi?
― Sou uma maldita covarde e ninguém sabe melhor do
que você.
O tom sombrio da voz de Jessica o surpreendeu, e ergueu
seu rosto para poder olhá-la nos olhos.
― Isso não é verdade. ― Wolfe replicou. ― Você viveu
coisas que teriam acabado com um adulto e, naquela época,
você era só uma criança.
Sem dizer nada, Jessica fechou os olhos e balançou a
cabeça.
― Jessi. ― Wolfe sussurrou, beijando suas pálpebras. ―
Você possuia todo o direito de sair correndo e se esconder
quando seu pai violava a sua mãe, mas não o fez. Corria para o
lado dela e a ajudava em tudo o que podia.
― E foi muito pouco.
― Foi muito. Não há palavras para expressar como devia
se sentir aterrorizada, mas consolava precisamente a mulher
na qual deveria ter encontrado consolo.
― Nunca me ofereceu uma palavra de conforto. Acredito
que ficou louca no final de sua vida.
Wolfe fechou os olhos.
― Sua morte a libertou.
― Sim. Mas fiquei muito sozinha. Eu também esperava
morrer quando a cólera a levou. Sentia-me tão enferma...
Então, ele veio em minha ajuda, me banhou, me deu de comer
o que conseguiu e me deu calor até que a cólera também o
levou.
― Ele?
― O conde. Meu pai. Os outros estavam mortos ou
moribundos. Tentei ajudá-lo, mas, finalmente, o vento também
o levou. Acredito... Acredito que ele agradeceu.
Wolfe deu um gemido grave.
― Era tão jovem. Não posso suportar pensar que esteve
tão sozinha e assustada.
― Senti-me assim..., ― Jessica explicou. ― até que você
chegou. Tentei evitar que visse como eu era covarde, mas você
descobriu de todo modo.
― Não diga isso. ― Falou, beijando seus cílios. ― Se fosse
covarde teria saído correndo da casa e permitido que Willow
trouxesse o filho dela ao mundo, sozinha. Mas não o fez.
Apesar de suas horríveis lembranças, permaneceu junto dela,
guardou seus medos e não os demonstrou. Caleb me disse que
se manteve tão calma quanto qualquer médico teria feito.
― O medo teria complicado tudo para Willow. Não podia
lhe fazer isso. ― Um som entre a risada e o pranto surgiu de
Jessica. ― Você tinha razão sobre ela, Wolfe. É uma mulher
única e maravilhosa. Viver com ela o nascimento de seu filho
me fez... sentir menos medo.
Sorrindo, Wolfe passou o dorso dos dedos pelo rosto de
Jessica. Ela virou a cabeça até conseguir prender seu dedo
indicador entre os lábios. O fôlego entrecortado de Wolfe
enquanto saboreava sua pele, indicou que ele lhe dedicava toda
sua atenção.
― Caleb também me ensinou uma coisa. ― Jessica
continuou.
― Mmm.
O suave calor da língua de Jessica entre seus dedos fez
Wolfe se esquecer de respirar.
― Ver Caleb com seu filho, ― ela continuou, ― me fez
perceber que é mais importante ter filhos que legar títulos e
propriedades.
Wolfe mal conseguiu captar o significado de suas palavras.
Jessica estava mordendo-o tão delicadamente quanto ele
sonhava, mas, em seus sonhos, não havia sentido a provocação
do fio de seus dentes.
― Você também me ensinou algo. ― Jessica continuou.
― Outra vez. ― Wolfe sussurrou.
― O quê?
― Morda-me outra vez, pequena elfo.
Sorrindo, arrastou os dentes levemente pelo sensível
contorno de seu dedo. Quando chegou até a base, passou a
ponta da língua entre os dedos.
― Eu não lhe ensinei isso. ― Disse com voz rouca.
― Não, você me ensinou algo muito mais importante.
― Sim?
― Sim. ― Ela sussurrou. ― Vi seu desejo de ter um filho
próprio. Deixe-me lhe dar esse filho.
Wolfe ficou totalmente imóvel.
― Me ame, Wolfe. Deixe-me amar você. Deixe-me que lhe
dê ao menos uma parte da beleza que você me dá.
― Jessi. ― Sussurrou, parando suas palavras com uma
doce pressão de seu polegar. ― Não precisa nada. Não precisa
me pagar dessa forma.
― Quero fazê-lo.
Wolfe sorriu com tristeza.
― Você acordou assustada por antigos sonhos.
― Não eram antigos. Era um novo.
― E você se lembra?
― Meu Deus, sim, com muita clareza. Você havia partido e
eu estava sozinha, e o vento zombava de mim pelo pouco que
eu valia como esposa e como mulher...
Os braços de Wolfe ficaram tensos.
― Isso não é verdade.
― Então, porque não faz nosso casamento valer?
― Jessi... minha pequena elfo...
Ela esperou, observando-o enquanto a esperança brilhava
em seus olhos.
― Minha doce menina, ― Wolfe sussurrou, beijando
Jessica enquanto falava, ― não tem nada a ver com seu valor.
Não há nenhum futuro para uma aristocrata escocesa e um
bastardo mestiço. Você não foi feita à terra selvagem do Oeste.
Eu sim. Eu não fui feito para os elegantes salões de Londres.
Você sim. Precisa de um esposo mais civilizado do que eu. E
eu... ― sua voz se quebrou ― algum dia perceberá isso e pedirá
a anulação.
Quando Jessica abriu a boca para protestar, Wolfe
impediu que ela o fizesse beijando-a profundamente e
conseguindo lhe arrancar um gemido sufocado.
― Mas até esse dia, ― ele sussurrou, quando finalmente
ergueu a cabeça ― podemos desfrutar um do outro, de
maneiras que deixarão sua virgindade intacta para o lorde ao
qual aceitará como seu esposo, em todos os sentidos da
palavra.
― Nunca aceitarei outro homem que não seja você.
― Sim, o fará. ― Wolfe respondeu com voz suave. ― Tem
muita paixão em seu íntimo. Agora já sabe. E que Deus me
ajude, porque eu também sei. Morrerei recordando seu aroma,
seu sabor, os sons que faz quando arde sob minha boca.
Antes que Jessica pudesse falar, Wolfe voltou a beijá-la
apaixonadamente, seduzindo-a com cálidos movimentos de sua
língua. Quando acariciou seus seios com as mãos e fez
renascer os cumes aveludados com os círculos que seus
polegares traçavam, surgiu um gemido quebrado do mais
fundo da garganta de Jessica. Contrariado, Wolfe ergueu a
cabeça temendo assustá-la com sua paixão.
― Medo ou prazer? ― Perguntou com voz rouca.
― O quê? ― Ela perguntou, atordoada pelo calor que a
invadia.
As mãos de Wolfe se moveram, e o calor se tornou um
doce fogo fazendo-a se arquear para ele. Mal conseguiu
pronunciar seu nome entre os pequenos gemidos que
escapavam de seus lábios.
― Wolfe?
― Shhh... ― Ele sussurrou. Seus dedos acariciaram as
duras pontas dos seios de Jessica, transformando seus
mamilos em orgulhosas e desejosas coroas. ― Seu corpo me diz
tudo o que preciso saber agora.
Jessica queria tanto dar prazer quanto recebia, mas
sentiu o quente fôlego de Wolfe sobre seu mamilo e soube que
ele o levaria à boca e ela estaria perdida.
― Espere, ― disse ofegando ― desejo...
Quando tentou falar, não conseguiu encontrar as palavras
para o que queria expressar.
― Não acontece nada. ― Wolfe murmurou, tocando com os
lábios a aveludada dureza de seu mamilo. ― Sei o que deseja.
Eu também o desejo.
― Verdade?
O tom de espanto refletido na voz de Jessica fez Wolfe
parar. Lentamente, de má vontade, afastou a cabeça da
sensual tentação de seu mamilo.
― Não sabia? ― Sussurrou. ― Gosto tanto disto quanto
você.
― Nem tanto.
― Parece muito segura. ― Wolfe respondeu divertido.
As faces de Jessica coraram violentamente, mas ainda
assim, falou, porque a guiava uma necessidade maior que o
prazer que a invadia.
― Se continuar me acariciando, me fará arder. ― Ela disse.
A promessa sensual nos olhos de Wolfe era tão escura e
quente quanto o seu sorriso.
― Isso eu espero, Jessi. Gosto de ver você arder.
― Eu gostaria de lhe dar o mesmo prazer que você me dá.
Por um momento, Wolfe não disse nada. Não podia. Seu
coração ameaçava fechar sua garganta.
― Quer saber como fazer? ― Perguntou por fim.
― É possível? Posso lhe dar prazer?
― Não só é possível, mas seria muito fácil. Somente a ideia
de suas mãos... ― Um tremor primitivo de resposta invadiu
Wolfe.
― Minhas mãos? Onde, Wolfe? Como? Mostre-me.
A tentação era quase irresistível. Desejava Jessica com
desespero. Não acreditava que fosse possível sentir suas mãos
sobre ele sem perder o controle. Mas, não podia suportar a
ideia de assustá-la no instante em que ele sentisse o maior
prazer.
― Minha resposta poderia... assustar você. ― Wolfe
respondeu. ― Não precisa fazer isso, pequena elfo. Apesar de
nossas queixas, nenhum homem morreu por frustração sexual.
― Minha resposta assustou ou repugnou a você? ― Jessica
perguntou com curiosidade.
Seu sorriso era preguiçoso e se desenhava lentamente,
seus olhos brilhavam pelas lembranças.
― Nunca vi nada mais belo que você alcançando o clímax.
Jessica deslizou as mãos pelos cabelos de Wolfe,
abaixando sua cabeça para lhe dar o tipo de beijo que ele lhe
ensinara a desejar. Ele respondeu procurando-a com um
desejo que a excitou tanto quanto fizeram as mãos dele sobre
seus seios.
― Mostre-me como lhe dar prazer. ― Sussurrou.
Wolfe afastou as mãos de seus cabelos, beijou suas
palmas, fechou os dentes sobre a borda de sua mão quase com
violência e deixou escapar o fôlego entrecorto.
― Acredito que seria melhor que fossemos devagar. Dessa
forma, poderá parar quando desejar. ― Wolfe a olhou,
imobilizando-a com seu olhar escuro. ― Falo sério, Jessi. A
ideia de assustar você ou a repugnar é insuportável para mim.
As lágrimas arderam nos olhos de Jessica quando
compreendeu uma vez mais quanto o havia ferido ao lhe dizer
que odiava seu contato.
― Nunca, Wolfe. Nunca poderia fazer isso.
― Tenho certeza que o que provocar em mim pode chegar
a chocar você. ― Disse seco.
Ela lhe deu um sorriso trêmulo.
― Wolfe, não posso me sentir mais chocada do que já
estou. Suas carícias chegam até o mais profundo de meu ser.
Suas negras sobrancelhas se elevaram interrogativas.
― Sempre que me toca sinto que me acaricia a alma. ―
Acrescentou.
Wolfe respirou com um violento gemido.
― Isso é verdade, Jessi?
Ela estendeu a mão para que ele pudesse ver seu leve
tremor.
― Isto não é por medo ou repugnância. Isto é o que
acontece quando me toca ou quando lembro como me tocou.
Com ternura, Wolfe aproximou a mão de Jessica a sua
boca, a beijou e deixou seus dedos escorregarem.
― Porque não começa me tocando em todos os lugares
onde gostaria que eu acariciasse você? ― Wolfe sugeriu.
Jessica inclinou a cabeça enquanto olhava para Wolfe.
Mesmo com as mantas o cobrindo da cintura para baixo, seu
violento desejo por ela era mais que evidente. Quando voltou a
olhar seus penetrantes olhos, lhe deu um sorriso entre sensual
e malicioso.
― Eh... acredito que há um pequeno problema. ― Jessica
corou levemente e limpou a garganta liberando-a de sua
repentina aspereza. ― Bem, não é pequeno. Na verdade, é
muito... grande.
― Qual é?
O sorriso preguiçoso e brincalhão de Wolfe fez Jessica se
sentir como se a estivesse acariciando. A sensação era deliciosa
e um pouco desconcertante ao mesmo tempo.
― Por ser um homem que tem fama de ter visão de lince
quando aponta com um rifle, ― ela murmurou ― temo que está
um pouco cego nas distâncias curtas.
― É isso? ― Ele perguntou, contemplando o crescente tom
vermelho de suas faces.
― E você diz que eu sou inocente? Ainda não percebeu,
Wolfe? Somos completamente diferentes, e isso fará que seja
difícil seguir seu conselho sobre tocar onde eu gostaria que me
acariciasse.
― Nós dois temos orelhas. ― Wolfe se limitou a assinalar.
― Significa isso que finalmente posso morder as suas?
Antes que Wolfe pudesse responder, sentiu o calor do
fôlego de Jessica em sua orelha, o calor de sua língua, o
delicado contorno de seus dentes. Gemeu com prazer quando
sua língua brincou com ele, enviando doces calafrios que
atravessaram suas costas. Ela ergueu a cabeça e observou o
escuro brilho de seus olhos à luz do amanhecer.
― Você gostou. ― Jessica afirmou.
Ele sorriu com ferocidade.
― Sim.
― Perfeito. ― Murmurou, inclinando-se para ele de novo. ―
Eu também.
Jessica comprovou as diferenças entre a orelha e o lóbulo
com sua língua, seus dedos, seus lábios. Quando conseguiu
arrancar outro grave gemido de Wolfe, o beijou com ternura por
trás da orelha.
― Nós dois temos pescoço. ― Sussurrou.
― O quê?
― Pescoço. ― Jessica repetiu. ― Os dois temos um. Gostei
de sentir sua boca sobre o meu. Isso significa que você...?
― Sim. ― interrompeu ― Por favor.
Sorrindo, ela se moveu sem perceber que a parte dianteira
de sua camisola se abrira sob os dedos de seu esposo,
revelando seus seios. Estava muito distraída descobrindo a
forte coluna que formava o pescoço de Wolfe, e sentindo a
dureza e a resistência debaixo da pele macia. A vida palpitava
violentamente através de suas veias.
― Seu pescoço é muito mais forte do que o meu.
― Não seja suave comigo. ― Wolfe pediu. ― Morda-me,
pequena elfo. Deixe-me sentir seus dentes e sua cálida língua.
Não me machucará.
Um instante depois, sentiu como os dentes de Jessica o
punham à prova. Seu desejo em satisfazê-lo era tão excitante
quanto a própria carícia em si. Sabendo que não podia se
arriscar a tocá-la, Wolfe afastou a camisola de um de seus
seios e o observou. Seu dedo indicador rodeou sua aveludada
pele no ponto onde se unia ao veludo rosado de seu mamilo.
Jessica estremeceu e seus dentes se fecharam com mais
violência nos tensos músculos do pescoço de Wolfe. Um rasto
de calor atravessou o corpo dele. Jessica deslizou suas unhas
pelo peito dele em uma explícita carícia e notou que seus
mamilos ficavam tensos. Então hesitou, mas voltou a acariciá-
los para examinar a dureza que provocava.
― Sim, consegue me deixar duro ao ponto de doer. ― Wolfe
disse, sorrindo apesar dos violentos tremores de desejo que
prendiam seus músculos.
Os finos dedos percorreram o torso de Wolfe e
massagearam seus músculos, admirando sua força em silêncio,
desfrutando dos escuros redemoinhos de pelos, rodeando sem
tocar seus sensíveis mamilos. Inclinou a cabeça e deixou que
seus cabelos caíssem desordenadamente sobre eles. Justo
antes que os lábios de Jessica o tocassem, Wolfe viu a ponta de
sua língua. Com a delicada curiosidade de um gatinho, ela
saboreou seus mamilos. Os dedos de Wolfe se afundaram em
seus cabelos mantendo-a segura, e sua língua foi deslizada
sobre ele outra vez.
― Lembra-se como a beijei? ― Perguntou ele quase
bruscamente.
― Sim.
― Você gostou?
Sua risada foi tão sensual como o calor de sua língua.
― Está dizendo que gostaria que o beijasse assim?
― Só se você quiser.
A resposta de Jessica chegou com uma mudança de
intensidade em sua carícia. Seus lábios se abriram sobre ele,
provocando-o, lambendo os mamilos com sua língua,
mordiscando-o com suavidade. A tensão de seu corpo foi um
prêmio e uma reclamação ao mesmo tempo. Quando cobriu seu
mamilo com a boca e sugou suavemente, conseguiu perceber
com clareza o entrecortado som que saiu da garganta de Wolfe
e o rápido pulsar de seu coração.
Um calafrio percorreu Jessica ao ser consciente de que
uma rajada de calor se estendia sob a pele de Wolfe, provocada
pelo prazer que ela lhe dava. Nunca poderia imaginar que suas
carícias pudessem ter um efeito semelhante no poderoso corpo
de Wolfe, que o contato de seus dedos o excitaria. Mas assim
era. Descobriu-se desejando aprender todos os segredos de seu
corpo. Queria encher seus sentidos com ele até que não
houvesse nada, exceto Wolfe, em seu mundo.
Murmurando sons que não faziam nenhum sentido,
Jessica deslizou primeiro um lado do rosto e depois o outro
sobre o torso de Wolfe, acariciando-o, saboreando-o, sentindo
seu calor e sua força, perdendo-se em suas masculinas
texturas, notando, enfim, que estava realizando o que ansiava
fazia muito tempo. Tanto, que não podia recordar quando
começara a desejá-lo.
Agora Wolfe estava sob suas mãos, e ela estava mareada
pelo poder que ele transmitia.
Quando a mão de Jessica deslizou sob o lençol para
acariciar os tensos músculos de Wolfe, seus quadris se
ergueram famintos. Recordando as ondas de excitação que a
percorreram quando a mão dele se moveu entre suas pernas,
deslizou seus dedos sob o lençol, desejando lhe dar o mesmo
prazer que ela recebera. Mas, quando tentou acariciar com
seus dedos a face interna de seus músculos, Wolfe pegou com
força seu punho, impedindo-a.
― Não deseja que o toque? ― Jessica perguntou.
Wolfe não conseguia falar e se limitou a soltá-la e rogar
para que seu controle fosse tão bom quanto sempre acreditara.
A carne masculina que Jessica encontrou era
completamente desconhecida. A bolsa quente e apertada sob
seu duro e grosso membro, era tão sensível que a respiração de
Wolfe se alquebrou quando ela a acariciou, experimentando.
Sobressaltada, tentou voltar atrás, mas a mão dele se fechou
sobre a dela por cima do lençol e manteve sua palma apertada
contra ele enquanto línguas de fogo percorriam seu corpo.
Então, Wolfe percebeu o que fazia e a soltou com rapidez.
― Perdoe-me. ― Disse entrecortadamente. ― Não pretendia
forçar você a fazer algo que não deseja.
Com extrema ternura, Jessica beijou a tensa pele da
cintura de Wolfe que havia bem acima da linha que perfilava o
lençol.
― Desejo acariciar você, mas não sei como. E pelo que me
ensinou no verão em que completei quinze anos, e por sua
reação agora suspeito que um homem seja muito vulnerável
nesse lugar.
― O quê? Ah! ― Wolfe exclamou ao recordar. ― Refere-se a
aquele truque que lhe ensinei.
― Aquele truque me salvou do barão Gore.
― O que quer dizer?
― Ele me empurrou contra a parede com tanta força que
não conseguia respirar para protestar, e muito menos para
gritar pedindo ajuda. Se não tivesse usado o joelho como me
ensinou, ele teria me violentado naquele corredor como ocorreu
com minha mãe.
― Jessi.
Wolfe se ergueu apoiando-se em um cotovelo para ver seu
rosto. Mas o que viu foram os seios cremosos quase nus, o
brilho de seus cabelos e uma doce boca tão perto de sua
dolorida carne que o fez desejar coisas impossíveis. Sem
pensar, acariciou uma longa mecha castanho avermelhado que
se estendia sobre seu torso.
― Sua mão está tremendo. ― Ela sussurrou.
― Sim. ― Disse com voz rouca. ― Nunca deixa de me
surpreender. Tem poucas razões para confiar nos homens e, no
entanto, é mais generosa com sua sensualidade que qualquer
outra mulher que tenha conhecido.
― Só com você. Você nunca foi como os outros homens
para mim. Você é meu querido lorde Wolfe, o homem que
mantêm os trovões distantes em nome de uma pequena elfo
assustada.
Jessica o beijou suavemente onde a pele e o lençol se
uniam. O toque das pontas dos dedos de Wolfe sobre seus
lábios fez Jessica tremer ao recordar.
― Também tem outro nome. ― Ela continuou.
― Eu sei. O Visconde Selvagem.
― Não. ― Mordeu a tensa pele do ventre de Wolfe como
sensual castigo. ― Nunca um selvagem. Para mim, você sempre
será o homem que me fez arder de paixão.
Wolfe se perguntou da distância quantas vezes mais o
surpreenderia, e seu pensamento se perdeu quando ela
abaixou o lençol e beijou o grosso e poderoso membro que
tanto havia excitado.
O beijo foi tão delicado quanto o toque da asa de uma
borboleta, e o excitou como nada o fizera em sua vida... até que
Jessica segurou os cabelos e os deixou caírem sobre ele. As
mechas brincaram com seu membro, revelando e ocultando
sua excitação durante alguns instantes intermináveis e
aquecedores.
― Mostre-me como devo acariciar você. ― Jessica
sussurrou, erguendo a cabeça e substituindo os cabelos pelas
mãos. ― Deixe-me descobrir o que mais gosta.
Wolfe mal conseguiu sussurrar seu nome enquanto lutava
para controlar os primitivos impulsos que o arrastavam até a
borda do êxtase. Respirou fundo várias vezes tentando se
controlar, sem perceber que Jessica o observava com olhos
brilhantes de paixão. Finalmente, deixou escapar um longo e
trêmulo suspiro.
― Você me deixa sem fôlego. ― Wolfe disse.
― Então lhe darei o meu.
Jessica se ergueu para beijá-lo e sussurrou seu nome em
sua boca enquanto ambos compartilhavam um beijo que
refletia seu impaciente desejo. Com um sussurro, animou-a a
acariciar de novo seu ansioso corpo. Com um suave e sufocado
gemido de antecipação, ela beijou seus lábios, a veia que batia
com força em seu pescoço, a musculatura de seu peito. E
durante todo o tempo, suas mãos hesitaram bem acima de sua
pele violentamente excitada, acariciando-o só com o calor que
irradiavam.
Finalmente, Wolfe conseguiu falar de novo e a aspereza de
sua voz mostrou a Jessica o quanto estava excitado.
― Sim atrevida, pequena elfo, acaricie-me onde mais
desejo. ― Sussurrou enquanto pegava sua mão e a colocava
sobre sua ereção.
Guiada por ele, Jessica o tocou e acariciou com muita
suavidade, e conseguiu sentir o selvagem tremor que o
percorria. Wolfe fez sua mão deslizar ao longo de seu membro
várias vezes, animando-a a examiná-lo da base até a
arredondada ponta de cetim.
― Aí. ― Wolfe indicou roucamente. ― Esse é o centro do
meu prazer.
Jessica fez um som estranho, e explorou com seus dedos
as diferentes texturas de sua glande com curiosidade e extremo
cuidado. Wolfe sentiu o tremor de suas mãos e sorriu
maliciosamente.
― Há algo mais que queira saber? ― Perguntou.
― Sim. ― Ela sussurrou.
― O que é?
― Quero saber o que eu sentiria ao ser possuída por você.
― Isso não é possível. Mas isto... sim... preciso de suas
mãos, Jessi. Nunca necessitei tanto.
Suas mãos se moveram e o prazer percorreu Wolfe com
força. Ela beijou a parte interna de sua coxa, a macia calidez
de seu abdômen, o misterioso fundo de seu umbigo.
Com os olhos brilhantes, meio fechados, Wolfe observou
como ela o amava da única forma que ele lhe permitiria fazer.
O silêncio cheio de murmúrios do quarto se expandiu até ficar
tão tenso como o instante antes que um relâmpago formasse
um arco entre o céu e a terra.
O patente prazer que Jessica sentia ao tocar o corpo de
Wolfe e sua total ausência de medo, quase o fizeram perder o
controle. Precisou de um grande esforço para não virá-la de
costas na cama e devolver suas carícias. Mas sabia que se a
tocasse, não conseguiria parar até se afundar em seu interior, e
fazê-la sua, várias vezes, até ela estremecer ao seu redor e
explodir em chamas.
Os dedos de Wolfe se afundaram nos longos cabelos de
Jessica ao sentir a cálida boca acariciando sua pele. Não podia
continuar observando-a. Só podia fechar os olhos e lutar contra
o violento desejo que ameaçava dominá-lo. Sonhara tomá-la de
mil modos diferentes, mas nunca imaginara que ela o tomasse
com sua boca. Nunca estivera tão excitado, nem sentido tanto
seu poder como homem.
Quando a língua de Jessica tocou sua excitação, fez um
som próprio de um homem atormentado. Ela virou a cabeça
para ele rapidamente, fazendo seus cabelos se espalharem por
suas coxas como se fossem fogos sedosos; leves como um
suspiro e quente como uma chama. Um visível tremor o
invadiu.
― Wolfe? Machuquei você?
Ele sorriu, apesar das garras do desejo atormentando seu
corpo.
― Alguma vez a fiz sofrer?
Ela assentiu, e o movimento de sua cabeça fez uma chama
de fogo percorrer a rigidez de seu membro. Mal conseguiu
reprimir um gemido.
― Minha doce Jessi, só dói quando você para.
― Mas, como devo acariciá-lo agora? Somos tão diferentes.
― Nunca pedi isto a uma mulher. ― Wolfe olhou para
Jessica com olhos que eram ardentes gemas de cor azul
escuro. ― E também não pediria a uma inocente elfo.
― Quero deixar de ser inocente. Tenho muita...
Curiosidade.
― E eu acredito que nunca estive tão excitado. Pergunto-
me quanto mais poderei suportar. ― Wolfe respirou
profundamente e deixou sair o ar em rajadas. ― Vamos
descobrir juntos.
― Isto não pode ser novo para você.
Ele lhe deu um atribulado sorriso.
― Mas é.
― Suas duquesas...
― Esqueça-se das duquesas. ― Wolfe espetou com dureza.
― Não eram minhas, nem eu delas. Eu só fui um troféu para
elas. Nunca lhes importei realmente. Nenhuma me deu o
prazer que você me dá.
― Eu? ― Jessica sussurrou. ― Acariciando você onde é
duro e sensível ao mesmo tempo?
Wolfe sorriu e passou o polegar por seus lábios; a única
forma que se permitiria tocá-la. ― Sim, aí, e também antes,
quando desceu por meu corpo, quando parecia que queria se
banhar em mim.
― E eu queria. ― Jessica tocou seu rosto na dura carne
que evidenciava claramente o desejo de Wolfe. ― Eu gostaria...
― De voltar a provar meu sabor?
― Sim. ― Ela virou a cabeça e o acariciou com o outro lado
do rosto.
― Se continuar fazendo isso, ― disse com voz espessa ―
suas palavras se tornarão realidade.
Jessica fez uma pausa. Quando entendeu o que ele queria
dizer, sorriu e parecia estar cheia de segredos.
― Isso seria justo.
― Não.
― Sim. ― Moveu a cabeça de novo, mas desta vez foi sua
boca que o acariciou em lugar de seu rosto. ― Por acaso não se
banhou em mim?
Wolfe gemeu alguma coisa na língua cheyenne enquanto
seu corpo se endurecia e arqueava.
― Está muito duro, meu querido Wolfe.
O rouco som que fez não era uma palavra muito adequada
para os ouvidos de uma dama, mas não se importou.
― Está ardendo. ― Ela sussurrou, testando sua
temperatura com a ponta da língua.
― É uma provocadora. ― Disse com voz profunda.
― Sou? Seu sangue flui com força. Posso notar. ― Em
resposta, o coração de Jessica começou a bater selvagemente
contra seu peito. ― Bate com mais força aqui que no seu
pescoço.
Wolfe não respondeu. Não podia. Nunca poderia imaginar
como era violentamente excitante se ver através dos olhos de
Jessica, sentir suas mãos, ouvir suas palavras.
Então, a doce, curiosa e implacável calidez da boca de
Jessica avançou até encontrá-lo. Com um som de prazer e
surpresa que foi um murmúrio, o rodeou, tateou com sua
língua, brincou com as diferentes texturas de sua pele. Os
dedos de Wolfe se agarraram às mantas enquanto uma onda de
indescritível prazer explodia atravessando-o. Tentou controlar
os selvagens impulsos de sua liberação, mas apesar de tentar
resistir, soube que logo perderia a batalha.
Wolfe mal teve forças para afastar Jessica de seu corpo,
agarrá-la com força e saquear sua boca. Quando suas línguas
se misturaram saboreou a si mesmo, e gemeu como se
estivesse se rasgando.
Sentir como o duro e grosso membro de Wolfe estremecia
sob seus dedos, assustou Jessica. Sentiu como se derramava
em sua mão o sedoso calor do prazer de Wolfe e soube que
estava tocando o próprio início da vida. Não se afastou,
desejando com todo seu ser que sua vida a preenchesse.
― Não queria assustar você assim. ― Disse quando
conseguiu respirar novamente. ― Mas quando me tomou com
sua boca, perdi o controle.
― Não me assustou.
― Claro que sim. Perdi o controle e me derramei em você.
― Sim. ― Jessica sussurrou. ― Isso foi o melhor de tudo.
Gosto do seu sabor, é uma misteriosa e sedosa mistura de sal e
lágrimas.
Suas palavras o derrotaram, assim como fazia o
amanhecer sobre a noite, transformando-o e renovando tudo
em um único e mágico instante.
― Vai me fazer enlouquecer, pequena elfo. ― Wolfe
respondeu com voz rouca, enquanto se virava para prendê-la
entre seu corpo e a cama. ― Mas primeiro, serei eu que vou
fazer isso.
Jessica não entendeu suas palavras até que sentiu a boca
de Wolfe sobre seu seio e sua mão se deslizando por seu corpo
em busca do lugar secreto que guardava o centro de seu
prazer. Ela já estava preparada, desejosa, faminta, excitada por
ter conseguido satisfazê-lo. O primeiro toque de seus dedos a
fez gemer em um sussurro sufocado. O segundo a fez gritar. O
terceiro conseguiu que os dedos de Wolfe se umedecessem. O
quarto a fez explodir de paixão.
CAPÍTULO 16

Mesmo que a expressão de Wolfe fosse sombria quando


chegou a casa, a visão de sua esposa segurando uma enorme
bandeja e servindo a comida, o fez parar. O lento e masculino
sorriso que lhe deu enquanto tirava as luvas de couro que
utilizava para trabalhar, fez Jessica saber que estava
recordando o que acontecera entre eles no silêncio do
amanhecer cheio de murmúrios três dias antes, e que se
repetia a cada noite desde então.
Quando Wolfe pegou a bandeja enorme, deslizou as
palmas das mãos pelo dorso de seus dedos. Não se inclinou
para beijar sua suave boca com um beijo porque havia outras
pessoas perto, mas o desejava, e ao ver que Jessica ficava sem
fôlego ao sentir como suas palmas lhe tocavam a pele, Wolfe
soube que ela desejava aquele beijo tanto quanto ele.
― Que tal está o pequeno homenzinho? ― Wolfe perguntou
a Willow, afastando o olhar da tentação que era a boca de
Jessica.
Willow ergueu a cabeça da pequena bacia onde banhava
cuidadosamente o bebê, que parecia gostar da água morna e do
contato com sua mãe.
― Ethan Caleb Black está muito bem. ― Willow disse
sorrindo.
― Ethan? Afinal decidiu.
― Era o nome do pai de Caleb.
― Uma grande responsabilidade para alguém ainda tão
pequeno. ― Wolfe falou. Olhou para Willow examinando-a. ―
Está certa que pode se levantar e começar a trabalhar tão
cedo?
― Guardar a cama é para gente doente. Eu não estou.
Franzindo o cenho, Jessica ergueu a cabeça da frigideira
de pão de milho que segurava sobre a estufa para mantê-los
quentes.
― Na Inglaterra, as mulheres permanecem em repouso por
várias semanas depois de ter dado à luz. ― Comentou.
― Essas aristocratas não servem para muito. ― Wolfe
falou, e sua voz estava cheia de desprezo por aquelas mulheres
tão fracas.
― Quanto mais tempo permanecer na cama, mais fraca
está quando se levantar. ― Willow se limitou a dizer.
― Parece cansada. ― Jessica insistiu.
― Acredite-me, passei por coisas muito piores. Pergunte a
Caleb. ― Tirou Ethan da água e vestiu-o com uma suave fralda
de algodão enquanto continuava falando. ― Ethan e eu
dormimos um pouco esta manhã, não foi, menino? E depois de
comer vamos tirar uma sesta.
Wolfe balançou a cabeça. Mas foi um gesto mais de
admiração, que de desacordo.
― E eu que pensava que as mulheres cheyennes eram
duras. Caleb teve muita sorte no dia que a conheceu.
Jessica se inclinou sobre a frigideira de pão de milho,
ajeitando-a melhor para que não escapasse nenhum calor. Não
era necessário que o fizesse, mas serviu de desculpa para
esconder o rosto, até estar segura de que a dor que sentia pelos
comentários de Wolfe se refletisse em sua expressão. Mesmo
sabendo que não dizia aquelas palavras para ofendê-la, não
conseguia evitar sentir a dor que magoava seu coração.
Começava a abrigar a secreta esperança que ele aceitasse
seu casamento. Desde a noite em que Wolfe descobrira a
origem de seu medo pelos homens, o casamento e os partos,
voltara a ser o seu companheiro antigo. E também fora um
generoso e maravilhoso professor nas antigas artes da
sensualidade.
Mas agora Jessica percebia que Wolfe não a aceitara como
sua esposa e também não seria provável que o fizesse. Seu
desprezo pela aristocracia fazia parte dele assim como o sangue
que corria por suas veias.
Jessica nascera no seio de uma família nobre. Wolfe
nunca esqueceria aquilo; nem mesmo quando a paixão que ela
lhe despertava o prendia em suas garras e conseguia fazê-lo
tremer no mais íntimo de seu ser. Por essa razão, apesar de
terem se dado prazer mutuamente e ficarem saciados durante
as noites anteriores, Jessica continuava virgem. Ela fazia parte
da nobreza, o que a convertia no tipo de mulher com a qual
Wolfe poderia desfrutar sem pensar em nada sério, mas nunca
a consideraria o tipo de mulher adequada para ser sua
verdadeira companheira.
O vento golpeava contra a casa, pondo à prova sua firmeza
e recordando aos homens que a habitavam o que os esperavam
depois de comer. Um fraco som parecido ao de arranhados
surgiu das janelas. Pequenas lascas de gelo se chocavam
contra os vidros, arrastadas pelo crescente vento. Os homens
deixaram de comer e trocaram olhares cautelosos.
Sem palavra, Wolfe se ergueu e se dirigiu à porta traseira.
Ignorando o vento gelado, saiu ao exterior e se afastou da casa
até ter uma visão clara dos cumes das montanhas. O céu
carregava um brilho estranho. O vento parecia estar vivo,
soprava com força e cheirava a inverno.
Mesmo sendo apenas meio dia, os primitivos sons que as
manadas de lobos emitiam, mostravam que eles estavam em
vigia, vibrando através do bosque.
Imóvel, em silêncio, Wolfe permaneceu ali em pé e
absorveu as sutis mensagens do céu e da terra, do vento e da
natureza. Quando se virou e entrou, uma sombra cobria seus
olhos, apesar de seu rosto permanecer impassível.
Caleb observou como Wolfe se sentava.
― E então? ― Perguntou em voz baixa.
Wolfe hesitou, encolheu os ombros. A verdade chegaria
com o vento, independentemente do que se falasse dele.
― Parece que vai nevar.
Caleb murmurou algo que Jessica preferiu não ouvir. Em
silêncio, colocou sobre a mesa outra frigideira de pão de milho
quente e uma nova travessa de comida.
― Muito? ― Caleb perguntou.
― Vai ser um verdadeiro inferno. ― A voz de Wolfe foi
suave, mas ninguém duvidou de suas palavras.
― Então, ninguém, exceto eu, cavalgará. É muito fácil se
perder no meio de uma nevasca.
― Começarei a reunir as vacas e os bezerros. ― Rafe
comentou, ignorando Caleb. ― Meu chicote assusta os cavalos,
mas é muito útil com o gado.
― Eu o acompanharei para proteger você com o rifle. ―
Reno avisou. ― Temos sorte de que não nasceram muitos
bezerros ainda. Estarão muito mais seguros nos ventres de
suas mães. As éguas começaram a parir?
― Não ― Wolfe respondeu. ― Minha égua preferida, a de
cor do aço, com certeza, será a primeira, mas as outras não vão
demorar a seguir seus passos. E sabem que quando começam
a ter seus potrinhos no meio de uma nevasca...
Caleb apertou os olhos, mas não disse nada. Não havia
nada que pudesse dizer para parar o vento frio do norte.
― Assim que prendermos essa égua, ― Wolfe continuou. ―
Ishmael se encarregará que o restante da manada o siga.
― Maldição. ― Caleb disse bruscamente. ― Não imagina
como foi difícil jogar o laço a aquela égua na última vez que
tentei.
― É muito rápida, não é? E astuta. ― O sorriso de Wolfe se
apagou. ― Se não puder falar com ela...
― Falar? ― Jessica o interrompeu.
Caleb sorriu de forma estranha.
― Sim, sussurra-lhe palavras na língua cheyenne. É o
mais incrível que já vi. Se Wolfe se aproxima a um cavalo e lhe
fala, consegue que o siga como um enorme cachorro de caça.
― Assim os cheyennes chamam os cavalos: cachorros
grandes. ― Wolfe esclareceu. Depois, sua voz mudou. ― Se a
égua não entende as razões e não pudermos nos aproximar o
suficiente para prendê-la, precisarei tentar dobrá-la com uma
bala.
Jessica olhou com tristeza para Wolfe. Sabia que aquela
égua era essencial para a manada que ele queria criar.
― Se precisar fazê-lo, o farei. ― Wolfe encerrou.

No terceiro dia de nevasca os homens estavam exaustos


pela falta de sono e das longas horas que passavam cavalgando
nas piores condições imagináveis. Jessica se preocupava para
que sempre encontrassem na sua volta grandes quantidades de
cozido, pão de milho e litros de café. Mantinha tudo quente na
cozinha independente da hora que fosse, pois nunca sabia
quando algum dos quatro homens entraria pela porta traseira
tremendo de frio e com a fome de um urso.
― Volte à cama. ― Willow disse para Jessica.
― Esteve cozinhando desde o amanhecer. É muito tarde.
Deve estar esgotada.
― Estou bem. Sou mais forte do que pareço. Sempre fui.
Willow ficou olhando o rosto exausto de Jessica e
compreendeu o que a preocupava.
― Os homens estarão bem, Jessi. Estão acostumados a
cavalgar em condições extremas.
A única resposta de Jessica foi um tenso gesto de
assentimento. Desconhecia o que Caleb falava com sua esposa
sobre os problemas que estavam tendo com as manadas de
lobos que vagavam na tempestade, com o gado e com as vacas
que pariam no pior momento possível. Sem mencionar o
próprio vento, carregado com milhares de lascas de gelo que
rasgavam a pele e roubavam o calor da vida dos homens e do
gado.
Mas Jessica conhecia muito bem as dificuldades as quais
estavam se enfrentando. Wolfe lhe dissera muito mais do que
ele acreditava com suas lacônicas respostas e seus eloquentes
silêncios.
― Se pelo menos parasse este maldito vento. ― Jessica
soltou de repente.
― Sim, seria bom se parasse. Pelo menos já não neva. ―
Willow disse, se aproximando da janela e pegando a luneta em
uma mesinha próxima. Através dela, olhou além dos pastos e
contou os cavalos em voz baixa. Era impossível estar certa por
causa da neve, mas segundo suas contas, faltavam cavalos.
― O que acontece? ― Jessica perguntou, colocando-se
junto a Willow.
― Faltam quatro éguas, no mínimo.
― Ishmael as trará de volta.
― Não, se estiverem parindo. ― Willow sussurrou. ―
Nenhum garanhão mexe com uma égua quando se separa da
manada para dar à luz.
O silêncio ficou tenso antes que Willow acrescentasse:
― Vi pelo menos um lobo. As manadas voltam a ser
seguidas.
Durante um instante, Jessica fechou os olhos. Vira os
exemplares árabes de Willow quando os trouxeram até os
pastos próximos. Mesmo gordas e pesadas por causa das crias
ainda por nascerem, as éguas possuíam uma rara elegância
que cativara Jessica. A ideia de que aquelas éguas se deitassem
no meio do cruel vento para dar à luz, enquanto os lobos as
rodeavam, famintos, a fez se sentir doente. As éguas estariam
totalmente indefesas, presas pela necessidade de parir.
Durante um tempo, seriam quase tão vulneráveis quanto os
potros empurrados de um ventre quente para um solo gelado.
― Os potros... ― Jessica sussurrou.
Willow olhou através da luneta sem falar nada.
― Pode ver algum dos homens? ― Jessica perguntou.
― Não. Certamente estão inspecionando o bosque em
busca das vacas. Quando o vento começou a soprar do
noroeste antes do amanhecer, o rebanho se afastou do vale.
Com crescente tensão, Jessica esperou enquanto Willow
tentava ver além dos redemoinhos de neve. Quando bateu a
luneta com uma violência mal reprimida, Jessica soube que
ainda havia más notícias para escutar.
― Não vejo a égua cor de aço em nenhum lugar. ― Willow
comentou finalmente. ― Acredito que começou a parir.
― Meu Deus, não. ― Jessica sussurrou. ― Não podemos
perder aquela égua agora. Wolfe se sentiu tão aliviado quando
conseguiu prendê-la...
Willow deixou de lado a luneta.
― Dei de mamar para Ethan faz alguns minutos. Se chorar
antes que volte, só precisa...
― Não.
A firme negativa surpreendeu Willow.
― Fique com seu bebê. ― Jessica ordenou com firmeza. ―
Eu me encarregarei das éguas.
― Não posso permitir que faça isso. O frio é muito
perigoso.
― Por isso será você quem ficará com Ethan. Se acontecer
alguma coisa a você, o bebê morrerá. Eu não tenho um filho
e..., ― Jessica fez uma pausa e falou a crua verdade, sem
refletir um mínimo de amargura em sua voz, ― bem, acabariam
os problemas.
Willow apertou suas mãos até os nós dos dedos ficarem
brancos.
― Jessi, não deve sair. Não sabe como é o vento destas
montanhas. Poderia morrer em minutos.
― Sei o que é o vento e o frio. Vi ovelhas congelarem em pé
nos campos e a água congelar nos poços.
Surpresa, Willow abriu ainda mais seus olhos cor de
avelã.
― Não sabia que na Inglaterra fizesse tanto frio.
― E não faz. Falo da Escócia. Tem roupa de inverno que
possa me servir?
― Jessi...
― Tem ou não?
― Está em meu dormitório. Eu a trarei. ― Willow sorriu de
forma, estranha. ― Algumas das peças lhe serão familiares.
Wolfe as deu a Caleb. Eram suas. Há uma escopeta na porta
dianteira. Leve-a. Vou lhe dar a munição de reposição.
Pouco depois, Jessica se dispunha a abandonar a casa
envolvida em capas de lã e manta que lhe eram familiares, e em
uma jaqueta de couro com capuz. Vestia calças em vez de saia
e levava uma escopeta emprestada. Os bolsos da jaqueta
estavam cheios de munição de reposição.
O único cavalo que estava no estábulo parecia ser capaz
de enfrentar ao que os esperava. Era um exemplar castrado,
alto e negro. Não queria que lhe colocassem o arreio, a sela ou
que o montassem. Jessica tentou duas vezes, e quase a
derrubou antes de ceder, e sair do estábulo com as orelhas
aguçadas. Enquanto cavalgava no meio da tempestade,
agradeceu que Wolfe a tivesse obrigado a montar qualquer tipo
de cavalo por mais rebelde que fosse, e a fazer o trabalho
próprio dos rapazes de estábulos.
Jessica viu o primeiro dos lobos, antes de chegar aos
pastos. Uivavam ao vento e se moviam como se tivessem um
objetivo em mente. Agindo por instinto, seguiu-os, mas perdeu
seu rastro durante parte do caminho que atravessava um
bosque pouco denso. As árvores a protegeram, em parte, da
violência do vento.
Justo quando Jessica ia se render e voltar aos pastos
ouviu o inconfundível som de um cavalo relinchando
assustado. Virou sua montaria e se dirigiu a galope para o
lugar de onde vinha aquele som, esquivando-se dos galhos e se
agarrando ao pomo da sela, quando o cavalo atravessava
lugares onde a neve se amontoava tornando o caminho mais
duro.
No princípio, Jessica só viu lobos, depois, divisou a égua
cor de aço tentando se levantar para enfrentar os predadores
que a rodeavam. Jessica pegou a escopeta e disparou. Os lobos
se dispersaram, mas quase no instante rodearam a égua,
novamente. Desesperada, disparou duas vezes mais e
recarregou a arma rapidamente apesar das luvas que usava
dificultarem sua tarefa.
Após o terceiro disparo, os lobos abandonaram seu
propósito e desapareceram entre os redemoinhos de neve que o
vento formava. Jessica desmontou e se aproximou da égua. O
animal estremeceu e jogou para trás as orelhas, mas estava
muito absorto nos últimos momentos do parto para resistir as
suaves mãos que o ajudavam.
Assim que o potrinho nasceu, Jessica se sentou e o
colocou em seu colo, tentando protegê-lo do solo gelado. Em
pouco tempo, a égua voltou a se levantar e cheirou com
curiosidade o vulto escorregadio e úmido que sobressaía do
colo de Jessica. Uma língua rosada, surpreendentemente longa
e ágil, apareceu e começou a limpar com energia o potrinho,
sem se importar que a mão ou a perna de Jessica se
interpusessem em seu caminho.
De repente, a égua ergueu a cabeça e bufou. Tentou fugir,
mas desistiu no instante, porque o potrinho era uma exigência
ao qual não podia resistir. Bufou impaciente e, em resposta, o
potro tentou se levantar. Jessica o ajudou, mas o pequeno
animal resvalou e suas frágeis pernas se estenderam em todas
as direções.
Quando Jessica tentou pegá-lo de novo, uma áspera voz
masculina abriu caminho na tempestade.
― Que diabos acredita que está fazendo aqui fora?
Donzela, não tem nenhum juízo?
Antes que Jessica pudesse pronunciar uma palavra, duas
enormes mãos a levantaram do solo. Instantes depois, se
encontrou olhando cara a cara com um Caleb Black,
totalmente furioso. Não havia nem sinal do sensual amante de
Willow, do doce pai, ou do carinhoso esposo nele. Jessica
pensou que estava diante de um escuro anjo justiceiro com
cintilantes olhos dourados.
― Jessi!
Sorriu timidamente, mas sentia a boca muito seca para
falar. O aspecto de Caleb, francamente intimidante, conseguira
assustá-la.
― Deus! ― Exclamou, ainda incapaz acreditar em seus
olhos. ― Montando Diabo e com essa jaqueta de couro, pensei
que fosse Willow. Wolfe sabe que está aqui fora, no meio desta
maldita tempestade?
O aparecimento de uma multidão de espectros de cor
cinza bem no ponto onde se perdia a visibilidade, evitou que
Jessica tivesse de responder. Antes que pudesse respirar, se
viu presa pelo braço esquerdo de Caleb enquanto ele segurava
um revólver em sua mão direita. Os disparos foram muito
rápidos para poder contar e seu ensurdecedor eco atravessou o
selvagem lamento do vento. A, quase, trinta metros de
distância, um lobo caiu e permaneceu imóvel. O restante dos
predadores sumiu, tão silenciosamente como haviam
aparecido.
Jessica olhou fixamente para Caleb, assustada por sua
rapidez e pontaria. Protegidos pela neve, os lobos apareceram
sem aviso prévio e se foram da mesma forma. Mas Caleb não
parecia estar muito contente com o resultado de seus disparos.
― Maldição. Como podia errar tantos tiros? Deve ter uns
trinta lobos rondando por aqui.
Não se preocupou em soltar Jessica. Colocou-a sobre
Diabo, recarregou sua pistola com rapidez e se aproximou do
potrinho. Quando esteve perto, a égua jogou as orelhas para
trás.
― Acalme-se, égua endiabrada. Vou ajudar seu potrinho,
não vou machuca-la.
O animal bufou. Jessica estava impregnada do cheiro do
potrinho, e na refrega, passara para Caleb o cheiro suficiente
para confundir a mãe. Pisoteando o solo com suas patas,
movendo a cauda e relinchando nervosa, observou como Caleb
levantava seu potrinho e o colocava sobre o colo de Jessica.
― Leve-o até o estábulo. A mãe não gostará, mas a
seguirá.
― Faltam outras três éguas. ― Jessica sussurrou.
Sussurrando algo entre dentes, Caleb colocou as luvas.
― As desgraças nunca chegam sozinhas. Só uma égua
rebelde teria sua cria com este tempo.
― E só um macho rebelde se queixaria das consequências
de seus atos do último verão. ― Jessica replicou.
Caleb soltou uma gargalhada enquanto dava uma
palmada sobre a negra e musculosa garupa do cavalo.
― Vá depressa, Diabo. Os seres pequenos e descarados
como sua amazona e esse potrinho podem congelar com
rapidez no meio deste vento.
― Eu não sou pequena. ― Jessica disse quando o grande
cavalo começou a andar.
― Sabe de uma coisa? Willow vive dizendo-me isso desde
que a conheci. Não acreditava então, nem acredito agora.
Tenha cuidado com Diabo. Não gosta do vento.
― Já percebi. Voltarei pelos outros potrinhos.
― Não. O vento e os lobos são muito perigosos. Fique em
casa. Reno não demora a chegar, vinha atrás de mim. Nós
buscaremos as éguas que faltam.
― Mas, o que acontece com o gado? Precisam mais de você
do que os potrinhos, e a maioria dos cavalos são de Wolfe.
Caleb não respondeu. Em vez disso, subiu com um salto
sobre seu enorme cavalo e se afastou a trote entre os
redemoinhos de neve que o vento formava. Ao longe, a manada
de cavalos se apinhou tentando se proteger, dando as costas ao
vento gelado.
Com a égua de cor do aço seguindo-a ansiosa, Jessica
cavalgou com rapidez até o estábulo. A égua não queria entrar,
mas afinal a seguiu, assustando-se a cada passo do caminho.
Jessica colocou a mãe e o seu potrinho em um compartimento
vazio, arrastou até ali um balde de água e um monte de feno, e
voltou a montar no grande cavalo de Caleb.
Diabo não queria abandonar o galpão do estábulo. Após
uma dura batalha com sua amazona, o grande cavalo
reconheceu sua derrota, jogou para trás as orelhas e se expôs
às temíveis garras do maldito vento uma vez mais.
O som do disparo de um revólver indicou a Jessica onde
encontrar Caleb. Quando chegou lá, os lobos haviam partido.
Alto, de costas amplas e virando-as para Jessica, Caleb se
abaixava sobre um potrinho recém-nascido, enquanto
recarregava rapidamente seu revólver e observava as capas de
neve arrastadas pelo vento, em busca de qualquer movimento
que delatasse os lobos. Quando não percebeu nada, guardou o
revólver com um movimento rápido e se inclinou para pegar o
potrinho. A égua era muito mais dócil que a de Wolfe. Depois
de cheirar o potrinho insistentemente, não fez nenhum
movimento para interferir.
Como se soubessem que a atenção do homem já não se
centrava neles, os lobos se aproximaram apressadamente de
três direções diferentes.
Antes que Jessica pudesse pronunciar o nome de Caleb,
ele se ergueu, sacou o revólver e disparou, esvaziando o
revólver em milésimos de segundo. A velocidade de seus
movimentos assombrou Jessica, ainda que já a tivesse visto
antes em seu esposo.
Os lobos se espalharam deixando duas sombras escuras
atrás deles. No instante, Caleb começou a recarregar o revólver.
Então, escutou algo as suas costas e virou levantando a arma
com a mão esquerda. Os olhos verdes brilharam como gemas
em um rosto queimado pelo vento. Naquele instante, Jessica
recordou que Wolfe lhe dissera que era difícil saber qual dos
dois cunhados era mais rápido com o revólver.
― Willy, que demônios faz aqui? Como se atreveu a montar
Diabo? Caleb sabe a loucura que está cometendo?
Quando Jessica animou seu cavalo para que avançasse, o
capuz de sua jaqueta foi arrastado para trás pelo vento. Os
longos cachos avermelhados se agitaram e brilharam como
chamas sob a luz da tarde.
― Jessi! Por Deus, Wolfe sabe...?
― Só me dê o maldito potrinho antes que se congele no
solo. ― Jessica o interrompeu cortante, cansada de escutar os
homens altos e perigosos dizer que deveria ficar em casa junto
ao fogo. ― Necessitam de toda a ajuda que possam conseguir.
Com impaciência, voltou a cobrir seus cabelos com o
capuz e o amarrou forte ao redor do pescoço. Assim que
acabou, Reno colocou um potrinho coberto de cabelos crespos
e gelado sobre seu colo. Uma grande égua castanha, esbelta e
de linhas elegantes avançou para eles, seguindo Reno.
― Foi você quem disparou antes a escopeta? ― Reno
perguntou.
― Sim.
― Voltou a carregar?
― Wolfe me ensinou a caçar. ― Ela replicou. ― O que você
acha?
Reno sorriu.
― Acredito que a recarregou. Tenho seu rifle. Quer fazer
uma troca?
― Diferente de Wolfe, eu não posso disparar só com uma
mão enquanto cavalgo. ― Jessica respondeu secamente. ― Fico
melhor com a escopeta. A única coisa que devo fazer é apontar
na direção correta e apertar o gatilho.
― É isso, Ruiva. O cheiro do sangue dos partos e este
selvagem vento está provocando que todas as malditas
manadas de lobos que há entre este lugar e a Grande Divisão
nos persigam. Devem ter uns cinquenta lobos rondando por
aqui. É o pior que já vi. Se disparar a um, três tomam o seu
lugar. ― Reno deu um tapa na garupa do cavalo de Jessica. ―
Leve-a para casa, Diabo.
O cavalo cavalgou com impaciência para o estábulo uma
vez mais, seguido por uma égua que era quase tão grande
quanto ele. O potrinho resistiu um pouco, depois se rendeu e
permaneceu quieto enquanto o vento gelado gemia a sua volta.
Assim que Diabo deixou para trás a precária cobertura
dos pinheiros, redemoinhos de neve se ergueram do solo,
queimando a pele desprotegida. O cavalo puxou as rédeas e
encurvou o lombo como se pretendesse se rebelar outra vez.
― Nem lhe ocorra. ― Jessica murmurou, dominando o
enorme animal.
De repente, se viu rodeada pelos lobos.
Com um grito de terror, Jessica soltou as rédeas, ergueu a
escopeta e disparou para uma silhueta negra que saltava sobre
ela. Ao mesmo tempo, Diabo arremeteu com sua perna traseira
e a grande égua castanha escoiceou contra o lobo mais
próximo, forçando-o a retroceder. A égua se aproximou do
cavalo e, instintivamente, ambos os animais protegeram seus
vulneráveis tendões dando as costas um ao outro e encarando
os lobos que os rodeavam. Jessica não incentivou Diabo a
correr para o estábulo. Ela também sabia que os lobos
morderiam suas pernas traseiras e o fariam cair muito antes
que pudesse alcançar o refúgio do estábulo.
Enquanto Diabo girava sobre si mesmo e arremetia contra
os lobos que eram muito imprudentes para se aproximar dele,
Jessica tentava se manter ereta, segurando o potrinho sobre a
sela e recarregando a escopeta ao mesmo tempo. Mesmo
introduzindo outro cartucho, sabia que não conseguiria. Havia
muitos lobos.
Uma estranha calma invadiu Jessica quando ergueu a
arma disposta a disparar, pois sabia que precisaria ser muito
rápida para conseguir recarregá-la de novo antes que os lobos
se reagrupassem e se aproximassem ainda mais. Se não o
fizesse rápido o bastante, sua única esperança era que um dos
homens tivesse escutado os tiros e a encontrasse a tempo.
Apertou o gatilho. Os lobos se dispersaram enquanto os
chumbos grossos se abriam em leque como granizo arrastado
pelo vento. Alguns dos lobos se afastaram com um salto,
grunhindo e tentando morder o ar. Lutando para manter o
potrinho e a si mesma sobre a sela, Jessica conseguiu carregar
outro cartucho antes que os lobos recuperassem a coragem.
Quando ergueu a arma de novo, o potrinho começou a
escorregar. Desesperadamente, o manteve em seu lugar
enquanto tentava disparar ao lobo que encabeçava o ataque,
um grande macho cinza, que fora bem astuto para reconhecer
o perigo da escopeta e se afastar com um salto quando o cano
da arma apontou em sua direção. O grande macho avançou
correndo antes que Jessica pudesse usar a escopeta de novo.
Mas, de repente, deu uma volta no ar, caiu e não voltou a se
levantar. No momento em que o vento levava até Jessica o som
de um rifle ao ser disparado, outro animal rodou, afastando-se
da manada e caiu quieto.
Às costas de Jessica, onde o bosque perdia frondosidade,
Wolfe apontou e disparou de novo, derrubando o animal que
estava mais perto dos cavalos. Apesar do medo que martelava
suas têmporas, disparou com frieza, sem se alterar e com
precisão, usando uma chuva de balas para separar os
predadores de sua desejada presa.
Muitos lobos, pensou com ferocidade. Como diabos Caleb
permite que Willow saia com este vento?
De repente, os lobos se dispersaram, sumindo como
fumaça no violento vento.
Recarregando com rapidez, Wolfe cavalgou saindo da
pradaria. Viu Diabo se dirigir para o estábulo a galope, com seu
cavaleiro abaixado sobre a sela e segurando o potrinho. Uma
das enormes éguas de Montana de Caleb o seguia
ansiosamente. Mesmo Wolfe admirando a coragem de Willow
para enfrentar o maldito vento e os lobos, desejou que o casal
não estivesse tão desesperado, para necessitar de toda a ajuda
disponível. Mas aquela era a realidade: necessitavam todas as
mãos disponíveis, até mesmo as suaves mãos de uma mulher
que deveria estar mexendo um berço em vez de cavalgar com
uma escopeta e um indefeso potrinho.
Finalmente, o vento parou com o pôr do sol, trazendo
alívio tanto aos homens quanto aos animais. As éguas
descansavam no estábulo com seus potrinhos, as vacas com
seus bezerros recém-nascidos, estavam reunidas no curral e os
homens trabalhavam cavalgando ao redor do resto do gado.
Outro tipo de vento começou a soprar, uma suave brisa
proveniente do sul. Quando a lua saiu, a neve começava a se
derreter sob o calor do novo vento. Wolfe se ergueu sobre os
estribos e olhou para o horizonte. Esticou-se e suspirou fundo,
totalmente, esgotado.
― Volte para casa. ― Caleb gritou das sombras. ― O gado
poderá se arrumar sozinho daqui. Qualquer criatura que
morra, tendo nascido no meio de um vento cálido é muito fraco
para valer a pena ser salvo. Por outro lado, cansados como
estamos acabaremos atirando uns nos outros em vez de aos
lobos.
― Eles se foram. Não voltarão a se reunir assim, até que
esse amaldiçoado vento volte.
A segurança na voz de Wolfe fez um calafrio percorrer a
espinha dorsal de Caleb. Inclinou a cabeça e olhou o homem
que considerava como um irmão, apesar de que nem sempre o
compreendesse.
― Quanto tempo passará antes que um vento assim volte
a soprar? ― Caleb perguntou com curiosidade.
― Minha avó cheyenne viveu um assim quando era
menina. Pode ser que seus netos vejam outro, se viverem o
suficiente.
― Espero que tenham amigos como você para ajudá-los.
― E esposas como Willow. ― Wolfe disse em voz baixa.
Caleb não o escutou. Já havia se afastado com o cavalo e
cavalgava à manada de cavalos que Reno e Rafe vigiavam.
Wolfe se dirigiu às luzes que brilhavam formando sombras
douradas de boas-vindas.
Sabendo como Willow estaria cansada, a última coisa que
Wolfe esperava quando afinal entrou na casa, era encontrá-la
preparando uma saborosa comida. Uma panela de água quente
estava sobre a estufa, junto a um pano seco e sabão. Sorrindo,
captou a indireta e começou a tirar o chapéu e as luvas, a
pesada jaqueta, o colete e a camisa. Lavou-se como conseguiu,
desfrutando do contato com a água quente e com o pano seco.
O som de uma saia de mulher atrás dele lhe indicou que
já não estava sozinho. Seu sangue correu com força enquanto
se virava, ao pensar em abraçar apertadamente a Jessica. Ela
sempre cheirava bem. Abraçá-la trazia a sua memória belas
recordações da primavera. Mas não era Jessica quem o
aguardava com um sorriso, e sim Willow, que lhe estendeu
uma camisa limpa.
― Se sua roupa estiver como a de Caleb, tenho certeza que
pode ficar em pé sozinha e disparar sem sua ajuda.
Wolfe vestiu a camisa, apreciando a limpa suavidade e o
calor do algodão. Olhou para o cozido fervendo ao fogo lento
sobre o fogão e ao monte de pãezinhos, e balançou a cabeça em
sinal de mudo espanto.
― Não há ninguém como você, Willow. Tem um bebê para
cuidar e, alimenta quatro homens e lava suas roupa a toda
hora, sem importar que seja dia ou noite. E, além disso tudo,
resgata os potrinhos e atira nos lobos.
Willow lhe lançou um estranho olhar.
― Entendo o do bebê e o dos pãezinhos, mas penso que o
restante não é verdade. Jessi fez o resto, incluindo a comida.
Se algum potrinho foi resgatado, foi graças a ela, não a mim. A
única coisa que fiz foi lhe emprestar minhas roupas e uma
escopeta.
― De que diabo está falando?
― Foi Jessi quem enfrentou essa tempestade, não eu.
Os olhos de Wolfe se abriram ainda mais e suas mãos se
fecharam sobre os ombros de Willow bem fortes para fazer que
tremesse de dor.
― Eu vi você lá fora, montando Diabo. ― Ele afirmou
redondamente. ― Vi como um lobo saltava sobre você enquanto
segurava um potrinho em seu colo! Vi como atirou e carregou a
escopeta enquanto Diabo tentava se proteger! E eu não sabia
se poderia disparar naquele maldito lobo antes que derrubasse
você e o potrinho sobre a neve.
― A mulher que você viu era Jessi. ― Willow insistiu com
suavidade. ― Jessi, não eu.
Wolfe soltou Willow e começou a andar com rapidez para o
dormitório que compartilhava com Jessica.
― Se procura sua bonita dama aristocrática, ― Willow
disse secamente ― procure-a no estábulo.
Wolfe se virou.
― O quê?
― Jessi se preocupava que os lobos pudessem entrar no
estábulo. Ela sabe o que aquela égua significa para você. O fato
de não vê-la nos pastos foi a razão que a impulsionou a
cavalgar no meio da tempestade. Por isso agora está no
estábulo com uma escopeta. Está protegendo o seu futuro,
assim como eu faria, se estivesse no lugar dela.
Wolfe ficou olhando Willow incapaz de acreditar no que ele
estava ouvindo.
― Eu queria sair, ― Willow continuou. ― mas Jessi não me
deixou. Afirmou que se me acontecesse algo, Ethan morreria.
Mas que se algo chegasse a lhe acontecer, muitos problemas
acabariam.
― Pequena estúpida.
― Você acredita? Pode ser a filha de um conde e ter sido
educada como tal, mas ela não é o pequeno objeto de adorno
que você acredita.
Willow ficou falando sozinha. A porta se fechou com uma
batida atrás de Wolfe quando ele se dirigiu para o estábulo.
CAPÍTULO 17

Quando a égua cor de aço percebeu a presença de seu


dono no estábulo, relinchou suavemente em boas-vindas.
Quando Wolfe se inclinou sobre a porta do compartimento do
estábulo e olhou para o interior, ficou sem fôlego, como se
tivesse recebido um soco.
Jessica se deixara cair no canto mais afastado e dormia
como um bebê. A escopeta estava apoiada contra a parede ao
alcance de sua mão. Um potrinho recém-nascido de cor
castanho avermelhada estava enrolado junto a ela, de forma
que ambos compartilhavam seu calor. O silêncio pesou como
uma lousa enquanto Wolfe avaliava as mudanças entre a jovem
que dançara com ele em Londres e a que estava diante de seus
olhos naquele momento.
Em Londres, a pele de Jessica era tão suave e perfeita
quanto uma pérola. A América não a tratara tão bem.
Carregava arranhados e cortes em um lado do rosto, e a pele de
suas faces estava rachada pelo vento. Em Londres, seu sorriso
era brilhante, resplandecente. Agora seus lábios estavam
pálidos e o esgotamento formava círculos escuros ao redor de
seus olhos.
Aquilo era só o princípio das tristes comparações. Em
Londres, os cabelos de Jessica brilhavam com luz própria e as
joias refulgiam da profundidade de seus intrincados penteados.
Agora estavam revoltos, embaraçados pelo vento e cheios de
palha. Em Londres, suas roupas eram desenhadas e
costuradas com os materiais mais caros, e suas saias pareciam
flutuar como nuvens. Na América, usava roupa íntima de
homem, de flanela, camisas de anta e enormes calças, e as
provas de que atendera a vários partos se estendiam desde
seus ombros até suas pequenas e resistentes botas.
Em Londres, os dias de Jessica passavam entre reuniões
para tomar chá e bailes, obras de teatro e os últimos livros
publicados. Na América, alternava o trabalho de serviçal com o
de rapaz de estábulos. Em Londres, entretinha seus
convidados com seu gênio e sua risada brilhante. Na América,
raras vezes ria e estivera a ponto de morrer.
Jessica, o que eu lhe fiz?
Não havia outra resposta à silenciosa e angustiada
pergunta mais do que a verdade. Quase havia matado a doce
jovem que confiara nele como não confiava em nenhum outro
ser humano.
Sem fazer ruído, Wolfe entrou no estábulo. Pegou a
escopeta, tirou o cartucho da câmara e a fechou. O suave
estalido acordou Jessica, que se ergueu sobressaltada e
estendeu o braço automaticamente para o canto onde apoiara a
arma.
― Não acontece nada, Jessica. Os lobos se foram.
Ela fixou seu olhar em Wolfe, piscou e sorriu meio
adormecida.
― Todos exceto um. O que me protegerá de todos os
perigos. Estou a salvo com ele.
A dor percorreu Wolfe como se fosse um raio negro,
ferindo sua alma de forma que era incapaz de descrever. Podia
sentir uma angústia que não conhecera até então. Jessica
confiava nele sem reservas, e, ele só lhe oferecera infelicidade e
dor.
― Minha estupidez quase a matou, pequena elfo. Quando
penso como esteve perto de ser destruída pelos lobos...
― Não há ninguém melhor do que você com uma arma
longa. ― Murmurou, deixando-se levar de novo pelo sono.
― Sou um estúpido.
Mesmo que a voz de Wolfe fosse áspera, foi extremamente
cuidadoso ao pegar Jessica em seus braços. Quando ela
percebeu que pretendia levá-la do estábulo, acordou assustada.
― Espere. Nem viu a potrinha de sua égua preferida. ― Ela
protestou. ― Será uma magnífica égua de cria para nossa
manada. Nunca vi uma cabeça tão elegante em um potrinho,
nem uma curvatura tão profunda. É uma potranca. Não é
fantástico? Em alguns anos, ela...
― Ao diabo a égua e sua potranca. ― Wolfe a interrompeu
violentamente. ― Não entende? Você poderia ter morrido.
Jessica piscou.
― Você também.
― Isso é diferente. Acabou, Jessica.
― O quê?
― Eu a levarei de volta a Londres quando as passagens da
montanha forem seguras.
― Dará outra oportunidade àquela carruagem, não é
assim?
― Do que está falando?
Jessica sorriu e acariciou a pronunciada mandíbula de
Wolfe.
― Uma carruagem que quase me atropelou em Londres.
Lembra-se?
Os lábios de Wolfe relaxaram.
― Lembro.
― Não estranho, porque você bateu no condutor até quase
matá-lo.
― Deveria ter matado àquele maldito bêbado.
― Há muitos mais como ele. ― Jessica comentou.
― E o quê?
― Não estarei mais segura em Londres do que aqui. Não
acha?
A ponta da língua de Jessica percorreu a mandíbula de
Wolfe, deixando uma esteira de fogo a sua passagem.
― Essa não é a questão. ― Respondeu impaciente.
― Então, qual é?
― Quase a matei tentando convencê-la que não foi feita
para viver aqui, no Oeste. É uma aristocrata britânica e merece
levar uma vida elegante e folgada. Uma vida para a qual foi
educada, para a qual nasceu e a prepararam.
Enquanto falava, Wolfe saiu do estábulo à brilhante luz da
lua. O solo estava frio e brilhava, devido à neve que já
começava a derreter. O vento deixara de soprar e se convertera
em uma brisa de cálida seda.
― Tolices. ― Jessica replicou bocejando. ― Você não seria
feliz na Inglaterra.
― Isso não seria um problema.
Jessica ficou imóvel em seus braços. A sonolência
desapareceu diante da onda de inquietação que a percorreu.
― O que quer dizer? ― Sussurrou.
― Abandonarei a Inglaterra tão logo nosso casamento seja
anulado.
― Mas eu não aceitei...
― Não precisa aceitar.― Wolfe a interrompeu bruscamente.
― Serei eu a solicitar a anulação.
― Mas, por quê? ― murmurou ― O que lhe fiz para me
odiar tanto?
― Deus, Jessica, não a odeio. Nunca a odiei. Nem mesmo
quando desejava estrangular você por ter me enganado para
me casar.
― Então, porque temos...?
Jessica não acabou a pergunta, porque os lábios de Wolfe
desceram até os seus. Quando ele ergueu sua cabeça de novo,
os dois respiravam entrecortada e dificultosamente.
― Acabou, Jessica. Nunca devia ter começado.
― Wolfe, escute-me. ― Respondeu com urgência. ― Quero
ser sua esposa em todos os aspectos. Quero viver com você,
trabalhar junto com você, lhe dar filhos, cuidar de você quando
estiver doente e rir com você quando o resto do mundo estiver
cheio de escuras trevas.
Suas palavras eram punhais que se cravavam ainda mais
na ferida de Wolfe, tentando-o sem piedade, transformando em
cacos seu controle, fazendo-o sangrar por tudo o que nunca
poderia ser. A união de uma pequena elfo e um caçador
mestiço, seria impossível.
Desde que ela completara quinze anos ele soube o que era
o inferno: viver com aquilo que queria, mas estando sempre
fora de seu alcance, sentir sempre uma chamada do outro lado
de um abismo que não deveria cruzar, já que, se o fizesse,
destruiria aquilo que desejava.
Quase o fizera apesar de suas boas intenções.
― Eu o amo. ― Jessica lhe disse. ― Eu a am...
― Não continue. ― Wolfe interrompeu com brusquidão,
cortando aquelas palavras que eram mais dolorosas para ele do
que qualquer golpe que tivesse recebido. ― Não sou mais do
que um bastardo mestiço e você é lady Jessica Charteris. Não
tem nada a temer em Londres. Conseguirá um marido
adequado ou não se casará. Eu mesmo me assegurarei disso.
Wolfe preferia que ela não encontrasse ninguém. O fato de
pensar em outro homem tocando Jessica, dava outra dimensão
ao seu próprio inferno pessoal. Não estava certo de conseguir
suportar, mas precisaria fazê-lo. Respirou fundo, expirou, e
continuou com um tom de voz mais suave.
― Deveriam me enforcar por ter trazido você para esta
terra selvagem.
― Mas...
― Basta.
Jessica sentiu como se um chicote cortasse sua pele ao
perceber a intensa dor que se refletia na voz de Wolfe.
Paralisou-a como nada até agora o conseguira. Uma onda de
medo gelado a invadiu. Fechou os olhos e escondeu seu rosto
contra o pescoço de Wolfe, pois não desejava que ele visse seu
desespero.
Podia lutar contra sua raiva, e o fizera, mas sua dor a
derrotava.
Quando Wolfe abriu a porta da cozinha, Willow viu sua
sombria expressão e sussurrou uma silenciosa oração. Wolfe
passou junto a ela como se no mundo só existissem Jessica e
ele.
― O que acontece? Está ferida? ― Willow perguntou
inquieta, enquanto o seguia.
― Está esgotada, é isso.
Quando Wolfe fechou atrás de si a porta do dormitório
com o pé, viu que Willow lhes preparara comida, conhaque e
panelas de água quente. Na lareira, as chamas dançavam sem
cessar.
― Pode ficar em pé? ― Ele perguntou em voz baixa.
Jessica assentiu.
Wolfe a deixou no piso perto da lareira que ele construíra
na casa de Caleb e começou a retirar suas roupas com uma
ternura assombrosa em alguém como ele. Ela não ergueu os
olhos, nem protestou. Limitou-se a permanecer de pé com uma
docilidade que o fez olhá-la intensamente, de vez em quando.
Logo, só a separava da completa nudez suas vaporosas
anáguas de renda e sua camisa. Pareciam surpreendentemente
limpas, frágeis e femininas se comparadas com o aspecto e as
condições das roupas que as cobriam. Wolfe deslizou as roupas
íntimas por seu corpo tão delicadamente, como se fossem feitas
de luz da lua.
Jessica tremeu quando a última peça de renda caiu junto
à lareira, deixando seu corpo nu diante do fogo e do homem
que amava, o homem ao qual ela ferira com seu amor.
Wolfe pegou a colcha de pele da cama e a envolveu com
ela.
― Já está aquecida? ― Ele perguntou.
Sem olhá-lo, Jessica assentiu.
― Tem fome?
Ela voltou a assentir.
― Quando comeu pela última vez? ― Wolfe perguntou.
― Não me lembro.
A falta de inflexões na voz de Jessica atravessou Wolfe
como se fosse um vento gelado. Não havia musicalidade, nem
risada, nada da travessura e do calor que fazia parte de sua voz
desde que ele se convertera em seu amante em todos os
aspectos, com exceção da barreira de sua virgindade que ainda
permanecia entre eles. Uma barreira que ele não deveria
cruzar.
Uma aristocrata e um bastardo mestiço.
― Jessi... ― Wolfe sussurrou.
Mas não havia nada mais que ele pudesse dizer. A única
coisa que podia fazer seria levá-la de volta à terra e à vida para
as quais nascera; uma terra e uma vida que nunca poderia
compartilhar com ela.
Em silêncio, Wolfe encontrou a escova de Jessica e voltou
junto ao fogo, onde ela permanecia imóvel. Sem uma palavra,
começou a escovar seus embaraçados cabelos.
― Não é preciso que faça isso. Já aprendi a escová-los
sozinha.
Wolfe apertou os olhos diante da ausência de cor e de vida
na voz de Jessica. Ocorria o mesmo com seu corpo. Parecia tão
vencida quanto a erva amassada por uma tempestade. Assim
como a erva, recuperaria sua resistência quando a tempestade
passasse. Wolfe estava certo daquilo. Tudo o que ela precisava
era descansar e voltar ao lugar onde pertencia, com sua gente.
― Gosto de escovar seus cabelos. ―Ele disse ― É frio e
quente ao mesmo tempo, e cheira a rosas. Seu contato e seu
aroma sempre me perseguiram.
Jessica não fez nenhuma objeção, porque se falasse,
revelaria as lágrimas que estavam presas na garganta. Wolfe
estava de pé ao seu lado, mas se afastava dela a cada fôlego, e
a escova sussurrava sua despedida através de sua carícia.
Com os olhos fechados, Jessica aguentou com a paciência
dos condenados, enquanto o homem a quem amava a
atormentava com tudo o que nunca obteria da vida ou dele. Se
pudesse morrer de dor, naquele mesmo instante cairia morta.
Mas aquilo não era possível. Só podia suportar a dor e o prazer
de seu contato, e rogar para que o amanhã não chegasse
nunca, separando-a do único homem a quem amava, do único
homem ao qual amaria.
Quando finalmente os cabelos de Jessica caíram livres e
brilhantes por suas costas, Wolfe deixou de lado a escova de
má vontade. A luz do fogo se refletia nas mechas dos cabelos
recém-penteados.
Wolfe deixou escapar o ar em uma rajada silenciosa
enquanto memorizava a imagem de Jessica de pé, em frente ao
fogo. Desejava ver seus olhos cor da água marinha, mas eles
estavam velados pelas pálpebras fechadas e os espessos cílios,
como se estivesse muito cansada para suportar a visão do
homem que a arrastara até o inferno.
Wolfe levou as panelas de água quente até a lareira.
Escorreu um pequeno e suave pano em uma das panelas, o
ensaboou levemente e começou a lavar o rosto de Jessica. O
aroma de rosas do sabão se espalhou lentamente pelo quarto.
― Não sou tão inútil para não poder me lavar. ― Ela disse
em voz baixa, olhando à lareira de pedra em vez de olhar para o
homem que rasgava com tanta ternura seu coração.
― Eu sei, mas você está cansada. Deixe que me ocupe de
você como deveria ter feito desde o princípio.
As pálpebras de Jessica tremeram ao sentir o toque do
pano em seu rosto.
― Dói? ― Wolfe perguntou.
Ela negou levemente com a cabeça.
― Tem certeza? Estes cortes parecem muito recentes.
Como fez isso?
― Não me lembro. ― Jessica respondeu em tom apagado.
Quando as pontas de seus dedos acariciaram seu rosto
com infinita ternura, Wolfe sentiu como Jessica respirava
entrecortadamente, e voltava a respirar normalmente. Ao
deslizar a colcha de pele até sua cintura, ela fez um pequeno
som.
― Não se preocupe, pequena elfo. Não poderia lhe pedir
nada agora. Está muito cansada... e você esteve muito perto de
morrer, para confiar em meu controle esta noite.
Os olhos de Jessica se abriram, procurando Wolfe pela
primeira vez. Ele não percebeu, não podia afastar os olhos da
imagem de Jessica com a colcha prateada enrolada em seus
quadris, e a glória de seus cabelos avermelhados cobrindo as
suaves curvas de seus seios.
Devagar, Wolfe afastou os cabelos de Jessica e deixou que
caísse por suas costas. Mesmo antes do tecido tocar seus seios,
os mamilos já haviam se transformado em duros picos de
veludo, contrastando com força contra o pálido cetim do resto
de seus seios.
― É mais bonita do que o próprio fogo. ― Wolfe afirmou
com voz rouca. ― Eu a recordarei assim até a minha morte.
E também a amarei até morrer.
Mas, Wolfe não disse em voz alta, pois quando percebeu
aquilo, foi perfurado por um lampejo de dor que abria outra
ferida nas profundezas de sua alma.
Jessica expirou tremula quando viu a máscara de dor em
que se convertera o rosto de Wolfe. Desejava lhe perguntar o
que acontecia, mas não se atrevia a abrir a boca por medo de
gritar seu desejo e seu amor por aquele homem que não a
amava. Assim, permaneceu em pé em silêncio, incapaz de falar
devido a uma tristeza que apertava sua garganta.
A colcha escorregou pelos seus quadris, caiu e ficou
esquecida, porque as elegantes linhas das pernas de Jessica e
os escuros cachos, de cor castanho avermelhada, que
ocultavam o centro de sua feminilidade eram muito mais
atraentes para Wolfe do que aquela rara pele ártica.
Lentamente, ergueu o pano e continuou lavando Jessica
em um silêncio cada vez mais denso. O primeiro contato com a
água quente fez sua respiração surgir em uma rajada muda.
Quando Wolfe se ajoelhou aos seus pés e pediu sem palavras
mais liberdade de movimentos em seu corpo, ela se moveu,
dando-lhe mais intimidade. Durante longos minutos, só existiu
a água, o sussurro das chamas e o toque do pano sobre sua
pele. Finalmente, e muito a contra gosto, Wolfe abandonou o
pano que cheirava a rosas e a mulher.
― Pronto. ― Anunciou com voz rouca.
Levantou-se apressadamente e fechou os olhos, incapaz
de olhar Jessica por mais tempo sem tocá-la, de uma forma
que não tinha nada a ver com desculpas sem pronunciar, e sim
com aquele feroz desejo que o arrastava para aquilo que não
deveria nunca acontecer.
Jessica sentiu o desejo de Wolfe e também o seu próprio,
que ia muito além de uma simples necessidade física. Sem uma
palavra, começou a desabotoar a camisa de Wolfe.
Seus olhos se abriram de repente.
― O que faz? ― Ele perguntou bruscamente.
― Tiro suas roupas.
― Por quê?
― Quero banhá-lo com o mesmo cuidado com que você me
banhou.
― Não.
― Porque não?
― Está muito cansada.
Os elegantes dedos de Jessica continuaram sem fazer uma
pausa.
― Não mais do que você.
― Jessica...
Seus olhos se encontraram com os dele. Por um momento,
Wolfe não soube se poderia suportar o que via em sua clara
profundeza azul.
― Fez o que lady Victoria lhe pediu. ― Jessica continuou
em voz baixa. ― Ensinou-me a não temer seu contato. Agora
me expulsa de sua vida. Vai me privar também desta noite?
Wolfe sabia que deveria fazer justamente aquilo, mas não
conseguia fazer surgir às palavras de seus lábios. Finalmente,
Jessica acabara aceitando a saída da armadilha de seu
casamento. Já não se oporia à anulação.
Não havia esperado que a vitória fosse tão dolorosa.
Agora me expulsa da sua vida.
Em silêncio, Wolfe tirou as botas e as meias. Depois,
fechou os olhos e ficou imóvel enquanto Jessica tirava suas
roupas. Com uma longínqua sensação de surpresa, percebeu
que nunca se oferecera assim a uma mulher, confiando nela o
suficiente para deixar o controle em suas mãos.
A sensação que Jessica o fazia sentir, tirando sua camisa
era requintada. Após puxar seu cinturão e desabotoar o resto
de sua roupa, deslizando-as lenta e inexoravelmente por seu
corpo despertando a estranha sensação de estar nu pela
primeira vez. Sentindo que tudo parecia irreal, se libertou de
suas roupas e as empurrou a um lado com o pé.
O primeiro contato do cálido pano contra seu rosto fez
suas pálpebras tremerem.
― Dói? ― Perguntou ela em voz baixa, repetindo a
pergunta que Wolfe lhe fizera antes.
― Você estremeceu da mesma forma que fez quando a
toquei na primeira vez com o pano. Doeu?
― Não. Eu o desejava tanto que até o mínimo contato era
quase mais do que podia suportar.
― Assim como eu. ― Ele limitou-se a dizer, abrindo os
olhos e deixando de se esconder dela.
Quando Jessica o olhou aos olhos, Wolfe sentiu seu fôlego
como uma rajada de ar quente sobre seu peito.
― Nisto, pelo menos, concordamos. ― Ela sussurrou.
Wolfe não respondeu. Não conseguia. O contato da água
quente contra o pulso de seu pescoço o deixava sem respiração.
O som que Jessica fazia ao escorrer o pano no balde era
música celestial no meio do silêncio. O aroma de uma rosa
abrindo suavemente suas pétalas invadia seus sentidos e a leve
aspereza do pano levava o seu corpo até uma insuportável
plenitude.
Fechou os olhos uma vez mais, enchendo-se da presença
de Jessica enquanto o pano de linho deslizava devagar por seus
braços e ombros, levando consigo o cansaço com lentos
movimentos cheios de ternura, dissolvendo tudo exceto a
certeza do contato de Jessica, sua suave respiração, a
fragrância que o envolvia em uma sensualidade que nunca
conhecera. Durante um segundo, viveu suspenso entre a luz da
lareira e uma pequena elfo cujas carícias criaram um mundo
mágico onde só eles existiam.
A água liberava doces sons quando ela torcia o pano.
Então, sentiu como Jessica se ajoelhava diante dele para lavá-
lo sem nenhum tipo de dúvida ou reparo. Foi impossível
ocultar a rígida realidade de seu desejo por ela, porque ficava
mais dura e grossa com cada carícia.
Mas Wolfe já não se preocupava em escondê-la, porque
sabia que Jessica o desejava com a mesma intensidade.
Acariciava-o como se fosse um sonho que estivesse se tornando
realidade diante da luz da lareira, cuidando dele em um
silêncio que era, ao mesmo tempo, outro tipo de carícia.
O pano escorregou em seus dedos e caiu sobre a lareira. O
contato das mãos em seus músculos foi um alívio e, uma nova
sacudida de paixão. Sentir suas palmas deslizando sobre ele
provocou um prazer próximo à dor, enquanto o doce calor de
seu fôlego sobre a rigidez de seu membro o transportou no
mesmo instante ao céu e ao inferno.
Wolfe não conseguiu reprimir o débil gemido quando a
mão de Jessica o prendeu. Também não conseguiu evitar a
gota que mostrava, inequivocamente, o desejo que ardia em seu
íntimo.
Quando ela retirou com um beijo a prova de seu desejo, o
fez cair de joelhos, vencido.
― Está me deixando louco. ― Wolfe sussurrou com voz
quebrada.
― Não mais que você me deixou. ― Jessica replicou em um
sussurro, enquanto deslizava as mãos de Wolfe por seu corpo.
― Toque-me. Descubra o quanto o desejo.
Quando Wolfe fechou uma mão sobre os cachos
avermelhados que cobriam a união entre suas pernas, foi como
correr sobre o fogo. Não houve rejeição, nem tímida retirada,
mas uma total aceitação da masculinidade de Wolfe. A entrada
para o seu ser chorava e cedia diante dele, atraindo-o ao seu
interior. Jessica se agarrou a Wolfe, observando-o, percebendo
a estrema urgência de sua própria paixão em suas dilatadas
pupilas, sentindo-a no suave calor de sua mão.
Não conseguiu suportar e, com um rouco gemido, se
deixou cair sobre a colcha de pele, arrastando Wolfe e
mantendo sua mão fortemente apertada contra ela.
― Ensinou-me tanto sobre seu corpo... ― Jessica
sussurrou. ― Nunca imaginei que...
Sua voz se transformou em outro grito rouco quando
Wolfe introduziu um dedo nela com um único e suave
movimento. Incapaz de reprimir sua resposta, Jessica moveu
os quadris em um lento contraponto aos seus movimentos,
obrigando-o a aprofundar sua invasão.
Wolfe fechou os olhos e desfrutou da suavidade e da
umidade que ela lhe oferecia. Ela o desejava como nunca
ninguém o fizera e dizia a cada vez que se curvava contra ele,
chamando e atraindo-o à perdição com seu doce canto de
sereia.
― O que você nunca imaginou? ― Wolfe perguntou quando
esteve seguro de poder falar.
― Que fosse feito de mel e fogo.
― Você é que foi feita de mel e fogo, não eu.
Wolfe sussurrou seu nome e se retirou da envoltura de
cetim de seu corpo. Fechou os olhos quando a ouviu gritar pela
perda e resistiu durante um segundo, dois e ao terceiro se
declarou vencido e deslizou outra vez no interior dela. A úmida
contração de sua resposta lhe provocou uma doce angústia que
alcançou sua alma.
― Abrace-me. ― Jessica pediu em um sussurro. ― Preciso
me sentir muito perto de você. Por favor, Wolfe. Preciso de você.
― Não deveria fazê-lo.
― Por quê?
― É muito perigosa quando está neste estado. Faça com
que eu me esqueça de tudo.
Enquanto falava, Wolfe se movia sobre Jessica,
amassando-a com suavidade contra a colcha. Sentir o corpo nu
sob o seu provocou uma explosão de calor que o percorreu por
inteiro. Quando se curvou contra ele, Wolfe apertou seus
quadris contra os dela.
― Não se mova. ― Wolfe sussurrou contra sua boca. ― Vai
me fazer perder o controle. E não desejo que ocorra ainda.
― O que deseja então?
― Só um beijo.
― São todos para você, Wolfe. Só para você.
Ele aceitou o que ela oferecia, oferecendo a si mesmo em
troca. Foi diferente de qualquer outro beijo que conhecia.
Sentiu-se mais unido a ela do que já havia sentido antes. Era
fogo sob sua pele. Lentamente, seu corpo se moveu contra o
dela, tocando-a e provocando-a, satisfazendo a ambos. Jessica
respondeu instintivamente, abrindo-se para ele, buscando-o,
chorando por seu contato.
Mas Wolfe não cedeu.
― Wolfe. ― Jessica disse com voz contida. ― Não me
deseja? Mostrou-me muitas coisas sobre seu corpo e o meu.
Mostre-me também o que se sente ao ser possuída por você.
― Não, pequena elfo.
― Por acaso é tão doloroso? É isso que não quer que eu
saiba? Por acaso me envia de volta à Inglaterra para que
enfrente isso sozinha, sabendo que algum dia estarei gritando e
sangrando debaixo do homem que for designado como meu
novo esposo?
Wolfe tremeu de raiva diante da ideia de Jessica sob outro
homem. Seu controle começou a trincar sem que pudesse fazer
nada para evitar.
― Jessi, não. ― protestou. ― Não pode ser.
Mas nem mesmo Wolfe sabia se protestava diante da ideia
de que se deitasse com outro homem no futuro, ou diante do
fato de fazê-la sua por completo.
― Então, eu tinha razão. ― Jessica afirmou com violência.
― Ele me rasgará em duas. Seduziu-me com tudo exceto com a
verdade!
― Jessi, não sentirá dor quando chegar o momento.
― Não acredito em você. ― Ela protestou furiosa. ― Sei o
que um homem excitado pode fazer. Até agora a única coisa
que fez foi me enlouquecer com seus dedos. Está mentindo!
O corpo de Jessica se retorceu sob Wolfe, incitando-o além
do que podia suportar. Ainda que dissesse a si mesmo que
deveria se afastar, Wolfe a beijou com força e reprimiu seus
esforços com o peso de seu corpo. Sua língua a invadiu
enquanto ansiava preencher seu corpo, e seus quadris se
moveram acariciando com o movimento a carne que nenhum
outro homem havia provado.
O calor e a umidade que Jessica irradiava se espalhou
sobre Wolfe, aumentando a espantosa sensibilidade de sua
carne já super excitada. Não conseguiu evitar o sufocado som
de desespero que saiu de seus lábios, quando todos os
músculos de seu corpo ficaram presos pela paixão e o desejo
que o destruíam.
Com um grave gemido, Jessica se curvou selvagemente
contra ele, porque necessitava sentir o peso de seu corpo mais
que respirar.
― Quieta. ― Wolfe disse com voz rouca. ― Não se mova a
não ser que eu peça. Ouve-me, Jessi? Mostrarei o pouco que
deve temer de um homem. Mas deve ficar quieta.
Ela estremeceu e ficou imóvel.
Wolfe respirou fundo, tentando dominar a selvagem e
ardente violência de seu desejo por ela. Era impossível. O
controle escapava de suas mãos, sem deixar nenhuma
realidade atrás dele, mais que a mulher que estava preparada
sob seu corpo, observando-o com os olhos escurecidos pela
paixão.
― Rodeie meus quadris com suas pernas. Devagar, Jessi.
Muito devagar.
Sem parar de olhá-lo, Jessica obedeceu e se moveu
lentamente até se colocar como ele pedia.
― Assim? ― sussurrou.
Wolfe apertou a mandíbula quando seu duro e poderoso
membro tocou o sedutor calor de Jessica, indefesa sob ele. Um
longo calafrio sacudiu sua férrea disciplina, ameaçando fazê-lo
em pedaços. Tentando se acalmar, respirou fundo várias vezes.
― Sim, assim. ― gemeu ― Isso, não se mova, Jessi.
Mostrarei a facilidade com a qual aceitará um homem.
― Agora?
― Agora. Só por um momento. Só um pouco. O suficiente
para que não tenha medo. Não tomarei sua virgindade, mas
deve ficar muito, muito quieta.
Os olhos de Jessica se abriram ainda mais quando Wolfe a
acariciou, a abriu muito suavemente e penetrou em seu
interior tão lentamente que não podia acreditar que realmente
estivesse acontecendo.
E então, ela percebeu que não eram os dedos que a
preenchiam.
― Meu Deus. ― Jessica sussurrou.
― Sim, você disse.
Outro calafrio sacudiu Wolfe quando se adentrou ainda
mais no suave e tenso aperto do corpo de Jessica. Observou
como as pupilas de seus olhos se dilatavam, e saboreou seu
fôlego em seus lábios; sentiu sua cálida e sutil rendição diante
dele, e escutou o pequeno gemido que deu no mais fundo de
sua garganta, enquanto afundava as unhas em seus braços.
― Machuco-a? ―Ele sussurrou.
O gemido que surgiu da garganta de Jessica enquanto
fechava os olhos não foi uma resposta, mas a umidade que o
convidava a se aprofundar ainda mais profundamente em seu
interior, foi com certeza.
E o deixou sem respiração.
― Jessi, minha doce elfo...
Tremendo, Wolfe afundou seus dedos em suas longas
mechas e a manteve quieta. Não havia nada no mundo que
desejasse mais que mover seus quadris e afundar-se em sua
macia e complacente calidez.
Saber que Jessica o desejava com tanta ferocidade quanto
ele, o levava até um limite que sabia que não deveria cruzar.
― Olhe-me. ― Wolfe pediu ofegando. ― Quero ver você
enquanto estamos unidos desta forma. Deus sabe que não é
suficiente. Não é. Mas não podemos chegar mais longe. Olhe-
me, Jessi. Deixe-me ver a paixão que habita em sua alma.
Lentamente, Jessica abriu os olhos e observou as duras
linhas do rosto de Wolfe, seu corpo dominado pela contenção e
brilhante pelo suor. Seus olhos estavam cheios do mesmo
desejo que ela sentia.
Então, Wolfe se moveu levemente, saiu e avançou de novo
com muito cuidado.
Uma estranha mistura de prazer e dor invadiu o corpo de
Jessica. Wolfe notou, compartilhou e se moveu de novo,
acariciando-a com todo seu corpo. Ela deu um grito sufocado e
apertou suas pernas ao redor de seus quadris, tentando
instintivamente completar a união.
Os punhos de Wolfe se fecharam com força nos longos
cabelos de Jessica quando sentiu que seu controle se dissolvia,
por causa da força e da umidade que o envolvia. Sabia que
deveria se retirar, deixá-la intata, mas não conseguiu forçar a
si mesmo. Ela era tudo o que ele sempre desejara, e o fazia
durante muito tempo.
Afirmando a si mesmo que aquela seria a última vez,
voltou a se mover, atormentando a ambos com aquela união
incompleta.
― Machuco-a? ― Perguntou entre dentes.
Jessica balançou a cabeça enquanto se perguntava pela
discordância de sua voz. Ondas de calor e tensão a
percorreram, fazendo-a ofegar e se contrair ao redor de Wolfe.
Ao notar como a carne de Jessica se apertava, Wolfe
deixou escapar o ar de forma entrecortada. Um fino fio de suor
corria por suas costas. Sabia que deveria retroceder antes que
fosse muito tarde e ficasse preso por sua paixão.
― Não tem nada a temer de um homem quando estiver
dentro de seu corpo. ― Wolfe sussurrou com os dentes
apertados. Seu próprio desejo rasgava suas entranhas,
desejando gritar de angústia. ― Ouve-me, pequena elfo? Não
tem nada a temer.
Jessica deixou escapar o ar. Seus quadris se moviam
ritmicamente enquanto o prazer a envolvia e tomava o controle
de seu corpo.
― Pare. ― Wolfe ordenou. Os tremores o sacudiam a cada
vez que o corpo de Jessica se derretia ao seu redor. ― Jessi,
pare!
― Desculpe, mas não posso. Eu... Wolfe.
Viu como ela mordia o lábio inferior enquanto resistia ao
prazer que a dominava. Ele tocou seus lábios com a boca
aberta enquanto se movia muito devagar em seu interior.
― Não importa, pequena elfo. ― Sussurrou na boca. ― Não
acontece nada. Não resista. Deixe-me sentir seu prazer.
A mão de Wolfe se moveu entre seus corpos, buscando até
encontrar o tenso centro de seu prazer. Seu abandono e sua
confiança o levaram até o limite de seu controle, enquanto ela
se arqueava contra ele suplicando em silêncio mais daquele
contato.
― Há tanto fogo em seu interior. ― Wolfe murmurou. ―
Está me matando, Jessi. Está tão excitada que poderia fazê-la
minha sem que sentisse a menor dor.
Atordoada, abriu os olhos meio ocultos pelas pálpebras, e
observou como Wolfe tentava, pressionava e acariciava seu
lugar mais sensível, atormentando-a.
― A única coisa que sei é que você não é como os outros
homens. ― Jessica sussurrou.
― Nisto..., ― moveu seus quadris ― não sou diferente.
― Meu Deus. ― Ela sussurrou. ― Faça outra vez.
― O quê?
― Faça outra vez. Por favor, Wolfe. Outra vez.
Sussurrando uma maldição, se moveu no interior de
Jessica uma vez mais, enquanto continuava atormentando-a
com seus dedos.
Ela fez um som rouco enquanto se sentia invadida por
ondas de prazer que iam e vinham, deixando o êxtase
brilhando após sua passagem. Confiou e se deixou levar pelo
homem que lhe mostrava o que era a paixão. Cada vez que o
prazer a fazia tremer, o beijava sussurrando sua verdade,
dizendo-lhe o que importava.
― Você é... o homem que eu amo.
Suas palavras o atingiram e chegaram ao mais íntimo de
seu ser. Ver e escutar o prazer de Jessica o abalou de tal modo,
que não percebeu que sua batalha estava perdida. Um tremor o
atravessava a cada vez que o beijava, mas foram suas palavras
que finalmente conseguiram sua rendição, porque lhe disseram
o que sempre soubera.
― Nunca aceitarei... outro homem... em meu corpo.
As mãos de Jessica deslizaram pelas tensas costas de
Wolfe até chegar aos seus quadris, procurando sua rígida
excitação. Com muito cuidado, passou suas unhas sobre ele.
― Faça-me sua, Wolfe... só sua.
O nome de Jessica saiu da garganta de Wolfe em um grito
angustiado quando perdeu o controle. Afundou-se totalmente
em seu interior, possuindo seu corpo de forma total e
irrevogável.
A respiração de Jessica se quebrou quando pensou que
não poderia resistir mais. Ele estava tão profundamente
afundado em seu interior que não foi capaz de distinguir suas
pulsações das dele. Rodeou seu trêmulo corpo com os braços,
beijando seus olhos, as faces e os lábios até que ele conseguiu
ar suficiente para seus pulmões e conseguiu falar de novo.
― Agora é minha, Jessi. Só minha! ― Wolfe gemeu sobre
sua boca. ― Que assim seja.
― Wolfe? ― Seus braços se apertaram ao redor dele. ― O
que acontece?
― Nada, esqueça. Estou desejando você há tanto tempo
que o inferno não será novo para mim. Mas eu preciso lhe
mostrar coisas novas, Jessi. O céu e o inferno ao mesmo
tempo.
Antes que Jessica pudesse dizer algo mais, Wolfe selou
seus lábios com um beijo que reclamava sua boca tão
completamente quanto reclamara seu corpo. Então seus
quadris investiram com força e ela esqueceu tudo exceto a
sólida presença em seu interior.
O prazer a invadiu a cada movimento dos quadris de Wolfe
e seu corpo ficou tão tenso ao ponto de não conseguir respirar.
Mas Wolfe não teve piedade e continuou marcando um ritmo
infernal sobre ela, contra ela, dentro dela, fazendo arder cada
milímetro de seu ser, queimando-a viva.
Tentou falar, mas não conseguiu articular outra palavra
que não fosse o nome de Wolfe. Pronunciava-o várias vezes
como se fosse uma oração, até que o mundo se apagou e só
ficou Wolfe.
A tensão sexual exigia sua liberação e a fez ofegar em
busca do ar, convertendo seu corpo em um trêmulo arco que se
contraia ao redor do corpo de Wolfe de uma forma que a
aterrorizava por sua intensidade.
― Wolfe?
― Eu sei Jessi, eu sei. ― A voz de Wolfe refletia a escuridão
que habitava em seus olhos. ― Isto era o que desejava, Jessi.
Desejou desde que completou quinze anos. E eu sempre desejei
lhe dar desde então.
Jessica ofegou e seus olhos se abriram ainda mais pela
surpresa quando um relâmpago de sensações a atravessou,
fazendo-a se arquear selvagemente e sem controle contra o
corpo de Wolfe. Ele riu e mordeu seu pescoço com força
suficiente para lhe deixar uma marca de posse.
― O céu e o inferno ao mesmo tempo, Jessi. Vou fazer você
arder até o mais fundo de sua alma.
A contida ferocidade dos dentes de Wolfe contra o calor de
sua pele fez Jessica emitir sons inarticulados. Quando ouviu
seus gritos e gemidos de prazer, ele selou seus lábios com a
boca. Tomou seus gritos e arrancou ainda mais dela, desejando
tudo o que Jessica possuia para lhe oferecer.
Suas unhas arranharam a pele das costas de seu esposo,
fazendo um primitivo gemido escapar dos lábios de Wolfe e a
dor se acrescentar a ardente violência do prazer. Quando
moveu sua boca para alcançar a pulsação selvagem no pescoço
de Jessica, ela respondeu a mal oculta ferocidade da carícia se
arqueando com força.
Wolfe a aquietou durante um segundo e começou seus
embates outra vez, erguendo-a mais e mais alto a cada potente
movimento de seu corpo. Sua respiração ficou tão entrecortada
quanto à dele, até que a deixou louca de desejo pela
consumação que ele mantinha fora de seu alcance.
― Não posso suportar. ― Exclamou desesperada,
arrastando seus dentes pelo peito de Wolfe em um castigo
sensual e retorcendo-se sob ele em busca de alívio.
Wolfe riu e mordeu seu ombro enquanto a segurava com a
força de seus quadris.
― Estou sofrendo assim durante cinco anos. É certo que
pode suportar durante alguns minutos.
Quando as mãos de Jessica deslizaram pelo corpo de
Wolfe, ele estremeceu, prendeu seus punhos e os reteve com
uma mão por cima de sua cabeça, transformando-a em sua
prisioneira.
― Nada de truques, pequena elfo.
― Está me... torturando.
― Torturo a mim mesmo e ensino você. Envolva minha
cintura com suas pernas. Sim, isso. Agora levante os quadris,
― Wolfe falou contra a boca de Jessica, mordendo seus lábios
entre as palavras. ― e encontrará o que está procurando tão
ardentemente.
Jessica se elevou contra seu corpo enquanto ele se
afundava profundamente nela. O êxtase foi tão intenso que
teria gritado se pudesse, mas Wolfe a deixara sem fôlego e
reclamava sua boca sem piedade. Ele deslizou sua mão sob
seus quadris, segurou-a firmemente e empurrou para seu
interior com força, perguntando-se se ela o recusaria.
Diante de seu espanto, só encontrou rendição e aceitação.
Seu calor o apertou com força, o envolveu, queimou e o levou
ao céu e ao inferno ao mesmo tempo, enquanto se precipitava
junto a ela nos abismos da paixão.
Tarde, muito mais tarde, Wolfe continuava abraçando
Jessica e pensando no preço que teria de pagar pelo que havia
feito.
CAPÍTULO 18

Quando Jessica despertou na manhã seguinte, Wolfe


estava de pé junto à janela, tão nu e magnífico quanto as
montanhas que se elevavam para alcançar o amanhecer.
Olhava por cima da terra escarpada com uma expressão de
perda e desejo que o coração dela deu uma virada. Perguntou-
se o que poderia estar olhando no selvagem amanhecer e
porque o entristecia tanto.
― Wolfe?
Ao se aproximar da cama, sua expressão mudou. O
sorriso cheio de ternura que ele lhe dirigiu fez as lágrimas
arderem em seus olhos. Os olhos cor índigo a percorreram,
parando no fogo de seus cabelos e na cristalina perfeição de
seus olhos claros. Finos e longos dedos percorreram suas
sobrancelhas, as faces, as curvas de sua boca. Finalmente, se
sentou na cama junto a ela e a beijou com ternura.
― Bom dia, senhora Lonetree.
Wolfe nunca a chamara assim antes. Aquelas palavras se
cravaram tão profundamente em Jessica quanto a dor que
espreitava sob o sorriso de seu esposo. Tremendo, ergueu a
cabeça sorrindo-lhe em resposta e, então, seu coração parou e
seu sorriso ameaçou se apagar. Nunca vira nada tão comovente
quanto os angustiados olhos de Wolfe e seu terno sorriso.
― Lembrei-me ontem à noite de dizer como é bonita? ―
Wolfe perguntou.
― Você me fez sentir bonita.
― Você é. ― Seus olhos se fecharam durante um instante,
como se não pudesse resistir por mais tempo a dor que o
dominava. ― É tão frágil.
― O que acontece? ― Ela perguntou.
Wolfe retirou as mantas e acariciou cada pequena marca
que deixara na pele de Jessica, enquanto sussurrava:
― Nada. Exceto isto... isto... e isto.
O silêncio se encheu de emoções e palavras sem
pronunciar.
― Terei mais cuidado com você na próxima vez, pequena
elfo. ― Wolfe olhou fixamente seus olhos cor de água marinha.
― Se é que você deseja que tenha uma próxima vez.
Jessica pegou uma das mãos de Wolfe entre as suas,
beijou sua palma e a apertou contra seu rosto.
― Sinto-me feliz de, finalmente, pertencer a você, que
tenha me feito sua ontem à noite. ― Disse em voz baixa. ―
Gostaria que se repetisse outras vezes.
Os negros cílios de Wolfe se abaixaram, escondendo as
angustiadas profundezas de seus olhos.
― Tentarei não deixar você grávida, mas ontem... temo que
perdi o controle.
― Não deseja um filho?
― Já a fiz passar muito medo e sofrimentos. Não farei que
sofra trazendo filhos ao mundo que não terão títulos, nem
propriedades para herdar.
― Wolfe. ― Exclamou com voz entrecortada. ― Eu desejo
ter filhos seus!
― Não continue, pequena elfo. ― Ele falou, tocando seus
lábios com o polegar. ― Não é necessário. Não pedirei a
anulação por não ter filhos. Está a salvo comigo. Nunca voltará
a temer por sua vida.
As mãos de Jessica se fecharam com força sobre a de
Wolfe. O profundo pesar nele era tão real e intangível quanto a
noite. Rasgava-a de maneiras que ela não conseguia expressar.
― Eu o amo, meu querido lorde Wolfe. ― Ela disse,
aproximando seus lábios aos dele. ― Sempre o amei e sempre
amarei.
― Sim. Sempre soube.
Jessica esperou, mas ele não acrescentou nada mais. A
dor a invadiu quando finalmente compreendeu a origem da
tristeza de Wolfe.
― Você não me ama. ― Ela sussurrou, entendendo muito
tarde o que fizera ao homem que amava.
― Eu a desejo, Jessi. Sempre a desejei. Sempre a
desejarei.
Wolfe aproximou sua boca a de Jessica com muito
cuidado antes de introduzir a língua entre seus lábios. O beijo
ficou mais profundo e adquiriu mais intensidade até que ela
começou a respirar com dificuldade e a se mover com desejo
contra ele.
― Wolfe. ― Disse entrecortadamente.
― Deixe-me tomar você de novo, Jessi. Deixe-me adorar
seu corpo com o meu.
Jessica não conseguiu resistir ao desejo cru que habitava
no corpo e nos olhos de Wolfe. Permitiu-lhe se aproximar,
tomá-la em ardente silêncio, excitá-la de uma forma tão doce
que não soube o que acontecia até que o mundo se tornou
dourado a sua volta e chorou contra seu peito pronunciando
seu nome. Depois, ele a abraçou, deixando que suas lágrimas o
queimassem durante longos minutos antes de Jessica suspirar
tremula e adormecer.
Devagar, Wolfe saiu da cama, se vestiu, abriu a porta e a
fechou as suas costas sem fazer ruído. Momentos depois, os
olhos de Jessica se abriram e brilharam por causa das
lágrimas. Com impaciência, secou-as e procurou suas roupas.
Wolfe encontrou Reno na cozinha. Os pratos e taças vazios
sobre a mesa indicavam que Caleb e Rafe já haviam tomado o
desjejum e saíram para trabalhar. Do outro quarto surgia a voz
de Willow cantando em voz baixa para seu bebê enquanto o
ninava. A doce música queimava Wolfe como se fosse ácido,
recordando-lhe o que fizera à delicada elfo que sempre confiara
nele para protegê-la. Mas em vez disso, ele a fizera sua.
― Jessi está bem? ― Reno perguntou.
Wolfe lhe deu uma olhada cortante de soslaio, pensando
se o outro homem teria adivinhado, de algum modo, que
Jessica finalmente se tornara sua mulher.
― Está bem. ― Wolfe respondeu cortante. ― Disse-lhe que
dormisse até tarde. Por quê?
― Willow disse que ela não tinha bom aspecto ontem à
noite.
― Eu também não.
― Isso é verdade. ― Reno replicou.
― Três dias com um vento tão maldito como o que
aguentamos, fariam desfalecer o próprio diabo.
Reno sorriu e jogou o chapéu para trás, sobre seus
cabelos abundantes. Seus olhos verdes brilhavam como cristal
lapidado. Olhando-o, Wolfe se perguntou como Jessica
conseguira não sucumbir diante do escuro encanto de Reno
Moran. Ou diante de Rafe, que possuia o sorriso de um anjo
caído e olhos que viram o inferno. Wolfe não conseguia deixar
de pensar que qualquer Moran teria sido melhor para Jessica
do que um mestiço cujas únicas habilidades eram manejar
cavalos e disparar muito bem um rifle.
Porém, Wolfe sabia que teria matado qualquer um que
tentasse levar a bonita e sensual elfo que o cativara, e que o
fizera explorar limites que até então desconhecia.
― Tem uma esposa muito corajosa. ― Reno disse. ―
Poucas mulheres teriam saído para enfrentar àquela
tempestade por amor ou dinheiro e, muito menos, por uma
égua cor do aço, com um mau gênio a qual muitos homens
teriam matado no ato.
Os olhos de Wolfe se apertaram diante da escuridão e da
dor que o invadiram.
― Foi por minha culpa. Jessi tentava demonstrar que não
deveria enviá-la de volta à Inglaterra.
Reno dirigiu a Wolfe um olhar inquisitivo.
― Jessi me contou como você se manteve junto a mais de
um potrinho, fazendo os lobos se afastarem com seu revólver.
― Wolfe continuou, mudando de assunto, enquanto se servia
com uma taça de café. ― Estou em dívida com você.
― É um corno! Se não fosse por sua pontaria com o rifle,
Jed Slater nos teria matado a Willow, a Caleb e a mim.
― Pegue o melhor dos meus potrinhos. ― Wolfe
acrescentou como se Reno não tivesse falado.
― Lonetree, às vezes você pode ser um teimoso filho da
puta.
― Obrigado.
Reno lhe deu um olhar de incredulidade, e riu em voz alta.
Wolfe sorriu, mas seu sorriso se apagou rapidamente. A
sombra de um pássaro voando além da janela chamou sua
atenção. Durante alguns longos e dolorosos momentos,
observou a magnificência das montanhas de San Juan.
Realmente não percebera até que ponto faziam parte dele
aquelas montanhas até que as olhou e soube que deveria
deixá-las para trás. A dor de pensar naquilo formou profundos
sulcos ao redor de sua boca.
― Lembra-se daquele cavalo que tanto gostava? ― Wolfe
perguntou em voz baixa.
― Aquele cavalo selvagem que você prendeu faz alguns
verões?
Wolfe assentiu com a cabeça.
―Lembro. É um grande cavalo para o deserto. O melhor
que já vi.
― É seu.
― Espere um momento. ― Reno começou.
― Você o ganhará. ― Wolfe falou, interrompendo as
objeções de Reno. ― Custará a maior parte do verão e você não
poderá procurar ouro.
Reno apertou os olhos enquanto avaliava o homem que
estava sentado em frente a ele.
― Quero que cavalgue comigo e Jessi até o Mississippi. ―
Wolfe continuou. ― Entre os índios, os caçadores de ouro e a
escória dos soldados de ambos os lados da guerra...
Wolfe encolheu os ombros.
― A coisa pode ficar muito animada. ― Reno terminou por
ele.
― Se fosse só por mim, pouco importaria. Mas Jessi
também irá. Não posso me arriscar a que lhe aconteça algo.
A expressão de Reno se tornou mais inquisitiva quando
percebeu a inquietação atrás das tranquilas palavras de Wolfe.
― Cavalgaria encantado com você até mesmo no inferno, ―
Reno disse com calma. ― e você sabe.
― Não vou ao inferno. Bem, não exatamente. ― O sorriso
de Wolfe desapareceu.
― À Inglaterra? ― Reno adivinhou.
― É o lar de Jessi.
― Passará mal tentando ganhar a vida na Inglaterra.
― Lorde Stewart esteve desejando que trabalhasse para ele
durante anos. Cumprirei seu desejo.
Reno disse algo baixo em espanhol sobre Wolfe ter a
cabeça tão dura como um touro.
― Obrigado. ― Wolfe respondeu com ironia no mesmo
idioma.
Fez-se um silêncio, seguido pelo som das luvas de
trabalho de Reno batendo sobre sua palma.
― Quando quer partir? ― Reno perguntou finalmente.
― Logo. Jessi não foi feita para o Oeste.
― Eu não ouvi a Ruiva se queixar. Você ouviu?
Wolfe ignorou a pergunta. Após um momento, Reno se
levantou com enganosa lentidão.
― Amigo, acredito que está cometendo um erro.
― Não. Somente pago por um que já cometi.
― E qual foi? ― Jessica perguntou da porta.
― Meteu uma estúpida ideia na cabeça sobre... ― Reno
começou a falar, mas se calou de repente. O olhar que Wolfe
lhe lançou teria congelado um raio.
Amaldiçoando baixo, Reno bateu a palma da mão com as
luvas uma vez mais e saiu pela porta traseira sem dizer nada
mais.
Jessica olhou para Wolfe com curiosidade.
― Vou dar o melhor dos potrinhos para Reno. ― Wolfe
comentou.
― Isso não é um erro. Ele merece. Sem ele, teríamos
perdido mais de um.
― Isso foi o que lhe disse.
Como se fosse empurrado contra sua vontade, Wolfe se
ergueu e se dirigiu à janela. Jessica observou como uma
profunda emoção iluminava seus olhos. Mas, logo, se apagou,
deixando em seu lugar, às escuras sombras que já percebera
nele naquela manhã, enquanto contemplava o amanhecer.
Tentando aliviar sua angústia, Jessica se aproximou e ficou em
pé junto a ele. Através da janela não viu outra coisa que a
beleza da vasta terra.
― Wolfe, acontece alguma coisa?
Ele se virou e a olhou com olhos angustiados.
― Wolfe. ― Sussurrou, se aproximando mais a ele.
― Beije-me, Jessi. ― Disse se inclinando para ela. ― Beije-
me e faça-me esquecer. Quando me beija, não penso no que
preciso fazer.
Com um pequeno gemido, ela ficou nas pontinhas dos
pés, enquanto ele a erguia em seus braços, deixando que a
fúria em seu íntimo se concentrasse na paixão que só Jessica
era capaz de fazer surgir das profundezas de sua alma.
― Isso significa que perdoou Jessi por sair no meio da
nevasca? ― Willow perguntou da porta.
Contrariado, Wolfe deu fim ao beijo e apoiou o ruborizado
rosto de Jessica contra seu peito. Sorriu para Willow apesar da
ácida combinação de tristeza e desejo que o invadia.
― Estamos negociando. ― Wolfe respondeu.
― Sua rendição ou a dela? ― Willow replicou.
― A minha, claro. As elfos são muito frágeis. Ou ganham
ou morrem.
― Nesse caso, ― Willow respondeu secamente. ― Pegarei a
água do banho para Ethan e os deixarei com suas...
negociações.
Enquanto Wolfe a fazia descer até o piso, uma fria
premonição, provocada pelo eco das palavras de Wolfe,
atravessou a espinha dorsal de Jessica.
São muito frágeis. Ou ganham ou morrem.
Não disse nada até Willow sair da cozinha carregada com
uma panela de água quente nas mãos. Mas quando se virou
para Wolfe, o encontrou outra vez olhando fixamente pela
janela. A expressão de dor em seus olhos fez o medo se
apoderar de seu coração.
― Amor, o que acontece? ― Voltou a perguntar.
― Nada.
Ela negou com a cabeça devagar.
― Seus olhos refletem angústia.
― É imaginação sua. ― Wolfe sorriu e acariciou seu rosto
com ternura. ― As elfos são famosas por sua grande
imaginação.
― Wolfe. ― Jessica sussurrou. ― Não posso brincar sobre o
que vejo em seus olhos. Porque está chorando?
Wolfe apertou os olhos surpreso. Não esperava que Jessica
pudesse ver em seu íntimo, mais claramente que ele mesmo.
Chorando.
― Sempre me entristece dizer adeus a Willow e a Caleb. ―
Wolfe respondeu depois de um momento. Aquela era a única
parte da verdade que lhe falaria.
― Nós vamos partir? ― Jessica perguntou, surpresa.
― Esta terra é muito selvagem.
A voz de Wolfe ressoava cheia de determinação e dor.
― Do que está falando? ― Sussurrou, enquanto sentia um
calafrio percorrendo suas costas.
― Nós iremos à Inglaterra.
― Prefiro caçar cavalos. ― Ela respondeu. ― Porque não
esperamos o outono, quando os potrinhos deste ano
desmamarem?
Wolfe se virou sem responder.
― Wolfe?
― Estaremos na Inglaterra quando isso acontecer.
― Então, voltaremos na próxima primavera.
― Não. ― A palavra soou suave, mas definitiva.
― Porque não?
― Na primavera e no outono é quando os administradores
de lorde Robert são mais necessários em suas fazendas.
O calafrio que percorria Jessica se converteu em gelo e
formou um nó na boca de seu estômago.
― O que tem isso a ver conosco? ― Perguntou, tensa.
― Eu serei um desses administradores.
― Do que está falando?
Wolfe voltou a olhar pela janela.
― Viveremos na Inglaterra.
― Você odeia a Inglaterra.
― Há zonas da campina que eu gosto. ― Afirmou,
encolhendo os ombros.
― Não podem ser comparadas com isto. ― Jessica
respondeu, apontando a selvagem beleza das montanhas.
― Não. É verdade.
― E o que acontecerá com seus cavalos?
― Eu os darei para Caleb.
Jessica cambaleou e sussurrou.
― Então, não pensa voltar ao Oeste, nunca mais?
Wolfe não respondeu. Não precisava responder. As
sombras de seus olhos falavam por ele.
― Mas, por quê? Você ama esta terra. Eu vejo Wolfe. Olha
essas montanhas da mesma forma que um homem contempla
a mulher que ama.
― Pare já, Jessi.
― Não! Porque não podemos viver aqui? Porque devemos
viver na Inglaterra?
― Este não é lugar para você. ― Wolfe afirmou em voz
baixa. ― Precisaria ser feito de uma massa especial para viver
nesta terra. E esse não é seu caso.
― Mesmo que seja o seu.
Wolfe fez um estranho gesto que refletia seu desespero.
― Sim. Mas posso sobreviver na Inglaterra. Você não
poderia sobreviver no Oeste.
― Meu Deus, como você deve me odiar.
Rapidamente, Wolfe se virou e acariciou o rosto de
Jessica.
― Não a odeio pequena elfo.
― Mas o fará. Pagará um preço muito alto por mim. Eu lhe
custarei a única coisa que realmente ama. Estou certa que
chegará a me odiar tão profundamente quanto ama esta terra.
Wolfe observou o brilho cristalino das lágrimas nas faces
de Jessica e a pegou em seus braços.
― Cale-se, querida. Não se magoe mais.
― Não quero viver na Inglaterra. ― Replicou
redondamente, se afastando dele. ― Ouve-me? Amo as
montanhas. Porque não podemos viver aqui?
― Sou responsável por você. Não estou disposto a ver
como esta terra selvagem irá matá-la.
As mãos de Jessica se agarraram com força na camisa de
Wolfe.
― Wolfe, escute-me. Sou forte. Se fosse a mulher fraca que
acredita, teria morrido quando era menina!
Sua mão se curvou sob o queixo de Jessica. Em silêncio,
sentiu sob seus dedos a delicada estrutura óssea, a delicada
pele, e sorriu com tristeza.
― Não possui nem a metade de minha força. ― Wolfe
afirmou. ― Mas na Inglaterra, isso não terá importância.
― Na Inglaterra ninguém olha além de sua condição de
bastardo e de seu sangue índio. ― Jessica respondeu com
dureza. ― Aqui tem amigos e a oportunidade de construir uma
vida melhor. Não entende? Não vê o que...?
Wolfe pressionou os lábios de Jessica com seu polegar,
selando suas prementes palavras.
― Sempre soube disso. ― Disse com voz calma. ― Por isso
abandonei a Inglaterra, e abandonei você. Agora fiz outra
escolha. Tomei seu corpo, sabendo qual seria o final: a
Inglaterra.
― Mas eu...
― Já está decidido, Jessi. ― Interrompeu-a de forma firme.
― Ficou decidido quando a fiz minha.
― Wolfe, eu lhe peço, acredite-me. Eu não queria que isto
acontecesse! Não assim. Meu Deus, não assim!
Com ternura, Wolfe pegou as mãos de Jessica que
continuavam se agarrando a sua camisa.
― Eu sei. Mas suas súplicas e lágrimas não vão mudar
isso. Você é o que é e eu sou o que sou. Somos marido e
mulher e a Inglaterra será nossa casa.
Jessica fechou os olhos. Teria preferido que lhe batessem
antes de ser testemunha da tranquila capitulação de Wolfe
diante de seu casamento.
― Comece a fazer a bagagem. ― Wolfe continuou em voz
baixa. ― Ajudarei Caleb antes de partirmos.
A porta da cozinha se abriu e se fechou suavemente atrás
de Wolfe.
Durante um longo momento, Jessica olhou a porta sem
ver nada mais que as lágrimas que enchiam seus olhos,
compreendendo muito tarde o que Wolfe sempre soubera: seu
casamento destruiria um dos dois. Talvez a ambos.
Aceite a anulação. Maldição, deixe-me ir!
Não sou o esposo adequado para você, e você não é a
esposa adequada para mim. Deitar-me com você seria o pior
erro da minha vida. Você não foi feita à terra selvagem do
Oeste. Eu sim.
Não me queira, Jessi. Isso só magoaria a ambos.
Já está decidido, Jessi. Ficou decidido quando a fiz minha.
Você é o que é. Eu sou o que sou.
Jessica abriu os olhos e envolveu seu corpo com os
braços, com a intenção de combater o gelo que cobria sua
alma. Com a mesma feroz determinação que usara para
sobreviver quando era menina, procurou uma saída para a
armadilha com a qual envolvera Wolfe. Quando finalmente a
encontrou, apagou os sinais da dor de seu rosto e foi procurar
Caleb Black.
― Atrasá-la não servirá de nada. ― Wolfe disse,
continuando a discussão que começara no momento em que
Jessica o despertara na alvorada. ― Não importa se vamos hoje
ou dentro de dez dias. Não mudará o fato de que logo
iniciaremos a viagem de volta à Inglaterra.
― Eu disse que voltaria à Inglaterra sem armar nenhum
escândalo se fosse caçar cavalos uma última vez. ― Jessica
respondeu sem se alterar. ― E falava sério.
Wolfe olhou para Jessica com receio. Vira-a em muitos
estados, sentindo um intenso medo ou uma intensa paixão,
mas nunca a vira assim. Não havia nada fraco ou suave nela,
nem o sinal da frágil elfo. Só via uma grande concentração de
força e determinação que lhe lembrava das suas próprias.
― Não quero ir caçar cavalos. ― Wolfe respondeu com
cautela.
― Então, faça-o por Caleb. Necessita mais cavalos para
poder levar seu rancho de forma adequada. Ele mesmo disse
isso.
Wolfe a olhou com inquietação. Percebia a dor feroz nela
tão claramente quanto Jessica notara nele no dia anterior. No
entanto, não havia lágrimas em seus olhos, nem ressonâncias
de paixão em sua voz.
Ele não conhecia aquela faceta de sua personalidade.
Perceber aquilo o assustava. Estendeu suas mãos e a atraiu
aos seus braços.
― Não a levarei comigo. ― Disse com severidade.
― Eu sei.
― É por isso que está tão ansiosa que eu vá caçar? Já está
cansada de mim dentro de sua cama e de seu corpo?
As palavras não haviam acabado ainda de sair de sua
boca, quando Jessica o beijou como se esperasse morrer um
momento depois e desejasse que ele nunca a esquecesse. Wolfe
a beijou da mesma forma até que ambos começaram a respirar
rapidamente, consumidos pela paixão.
― Faça-me sua. ― Jessica sussurrou contra sua boca. ―
Faça-me sua até que não possa recordar o que é estar separada
de você. Faça amor comigo, como se fosse a última vez.
Com um gemido rouco, Wolfe deslizou as finas capas da
camisola de Jessica por cima de sua cintura. Sussurrou seu
nome enquanto abria suas pernas e se ajoelhava entre elas. A
facilidade com que a penetrou lhe disse mais sobre seu amor
do que as palavras poderiam dizer. A doçura de ser possuída
por ele e de possui-lo em troca, arrancou de Jessica um rouco
gemido de satisfação do fundo de sua garganta.
― Mais. ― Jessica pediu com urgência. ― Wolfe, devo ter
mais de você.
― É muito pequena. Eu a machucarei.
― Peço-lhe...
Ela se apertou contra ele, exigindo mais, pedindo tudo o
que ele tivesse para lhe oferecer. Suas palavras eram como um
fogo que deslizava sobre ele, fazendo-o tremer com um desejo
que não conhecia até aquele momento. Com um gemido rouco,
deslizou seus braços por baixo dos joelhos dela e ergueu suas
pernas, abrindo-a sem reservas, deixando-a completamente a
sua mercê. Ela gemeu, mordeu o lábio e se arqueou contra ele,
suplicando mais. Seu sedoso calor se espalhou sobre ele,
deixando-o consciente do muito que ela o desejava.
― E pensar que a chamava de monja. ― Wolfe disse com
voz rouca. ― É fogo, pequena elfo. Arde para mim.
Cumpriu seu desejo e a fez sua de forma selvagem,
preenchendo-a, completando e se afundando nela de uma
forma tão profunda que Jessica se sentiu possuída até o mais
íntimo de seu ser e conseguiu que uma dourada onda fervente
a levasse até a culminação.
Wolfe sentiu as selvagens contrações de Jessica em seu
membro e riu por seu primitivo triunfo. Diminuiu o ritmo e se
moveu devagar, fazendo-a sua até o mais profundo,
arrancando-lhe gritos, observando-a arder e ardendo com ela.
Investiu uma e outra vez, afundando-se cada vez mais no seu
interior, desejando que nunca acabasse. As palavras de
Jessica, seus gritos rasgados e seu macio corpo exigiam que ele
se entregasse tão completamente quanto ela se entregava a ele.
Mesmo quando Wolfe tentou retroceder, soube que era
muito tarde. Formavam um todo, seu corpo estava tão
intimamente unido ao dele que não sabia onde acabava ele e
onde começava ela; dois corpos entrelaçados, alcançando a
culminação. Sem resistir, Wolfe se entregou a ela e ao êxtase
que os reclamava, liberando-os, renovando-os e consumindo-os
até que se fundiram em uma única e inseparável chama.
Caleb esperava Jessica na cozinha. Olhou seu pálido e
esgotado rosto, as sombras sob seus olhos e grunhiu algo
baixo.
― Tem certeza de querer seguir adiante com esta maldita
ideia de loucos? ― Perguntou.
― Sim.
― Disse isso ao Wolfe?
― Isso não fazia parte de nosso trato. Estive de acordo em
não ir sozinha se você aceitasse não dizer a Wolfe que eu iria.
Caleb tirou o chapéu, passou os dedos pelos cabelos e
disse sem rodeios:
― Acredito que seja uma má ideia.
― Sou consciente disso. ― Jessica respondeu com voz
cortante. ― Também sou consciente de que Wolfe certamente
mataria Reno ou Rafe se me ajudassem. No entanto, a você ele
não matará.
― Está muito mais segura disso do que eu estou. ― Caleb
replicou.
― Wolfe se zangará, mas sabe que para você só existe
Willow. Reno ou Rafe também não me tocariam, mas tenho
medo de colocar o temperamento de Wolfe à prova até esse
ponto. Poderia atirar antes de fazer perguntas. Já sabe como
ele é bom com o rifle.
― Não acredita que o fato de que não deseje que tenha
algo com outros homens, indica que a quer?
― O desejo não é amor. ― Jessica respondeu, tensa.
― Jessi...
― Eu o prendi em um casamento que ele não desejava e
agora o deixarei livre. ― Interrompeu-o.
― Jessi...
― Os cavalos estão preparados? ― Perguntou, cortando
pela raiz as tentativas dele de falar.
Produziu-se um tenso silêncio.
― Estou muito tentado a sair cavalgando atrás de Wolfe. ―
Caleb disse finalmente.
― Não posso segurá-lo.
― Eu também não posso segurar você, não é? Aproveitará
qualquer oportunidade e escapará na primeira ocasião que
tiver, expondo-se a todo tipo de perigos.
― Não é essa a razão pela qual aceitou levar-me até a
diligência?
― Isso se chama chantagem.
― E é.
Os lábios de Caleb se curvaram formando uma careta ao
ver a escuridão nos olhos de Jessica. Sua determinação lhe
recordou da noite em que Willow preferiu escapar do
acampamento, antes de continuar com um casamento que ela
acreditava que Caleb não desejava. Sua esposa estivera muito
perto de morrer por causa de sua teimosia. A lembrança de ver
Willow tão perto da morte ainda o obcecava em alguns
momentos, obrigando-o a ir até Willow para abraçá-la com
força, confirmando assim que ela estava viva, a salvo e que era
sua.
Jessica não estava menos decidida que Willow em seu
momento para fazer o que acreditava ser o certo. Tudo o que
Caleb podia fazer era manter Jessica a salvo até que Wolfe
tivesse a oportunidade de solucionar aquele maldito problema.
Resmungando uma maldição, Caleb pegou o revólver,
girou o carregador para examinar se estava cheio e voltou a
colocá-lo no coldre com uma rapidez que falava de sua fama
como pistoleiro.
― Os cavalos estão esperando, senhora Lonetree.
Lágrimas incontidas ameaçaram cair por suas faces.
― Meu nome é Lady Jessica Charteris.

― O que prefere? ― Reno perguntou.


― Cara. ― Rafe disse.
― Coroa.
Rafe jogou a moeda.
Reno estendeu a mão com rapidez para pegar a moeda, a
deixou cair sobre o dorso de sua mão, e a colocou no bolso sem
se preocupar em olhá-la.
― Coroa ― Reno disse, virando-se.
Justamente antes de alcançar as rédeas de seu cavalo, o
chicote de Rafe vibrou como se estivesse vivo, e, de repente, a
ponta estalou emitindo o som de um tiro.
Reno se virou com rapidez para seu irmão, que estava
enrolando o chicote com rápidos movimentos de suas mãos.
― Por esta vez se livrou, Matt. ― Rafe disse com voz dura.
― Não volte a fazê-lo. Qual cavalo quer?
― Só um de nós irá. Eu. Você fica com Willow.
Rafe sorriu levemente.
― Imaginei que aconteceria isto. Mas o que você não sabe
é que Wolfe devia pressentir algo. Deixou a caçada e volta a
galope. ― Rafe assinalou a distante figura que se aproximava
com rapidez. ― A viagem deles será muito curta.
Reno hesitou enquanto escutava.
― Apesar de tudo, Caleb tem muita vantagem. Então, com
quais cavalos Wolfe pode contar para ganhar tempo em
terrenos montanhosos?
― Willow me pediu para ter certeza que um dos cavalos
que tivéssemos esperando para ele fosse Ishmael.
― Muito bem. Qual mais?
A dureza do sorriso de Reno se refletiu em seus olhos.
― Acalme-se. Caleb levou os piores cavalos que conseguiu
encontrar. Não tem nenhuma pressa para colocar distância
entre ele e Wolfe.
Rafe piscou e riu baixinho.
― Muito engenhoso.
― E muito astuto. Wolfe os alcançará logo.
― Tomara. Ou talvez Wolfe deixe que Jessi se vá. Pelo que
tenho visto, não parece estar muito contente com seu
casamento.
Reno examinou Rafe com seus olhos cor verde lima antes
de lhe dirigir um sorriso mordaz.
― Por isso queria ser você quem avisaria Wolfe, certo?
Para poder dizer na cara como é estúpido por não apreciar
alguém como Jessi.
O sorriso de Rafe refletiu a frieza de seus olhos.
― Tem sido muito duro com ela.
― Possuia suas razões para ser, e Jessi foi a primeira a
reconhecer.
― Ainda assim, gostaria de ser eu quem contaria a Wolfe.
― Sinto, saiu coroa. ― Reno saltou sobre a sela e olhou
para seu irmão.
― Estive pensando na razão que impulsionou Jessi a pedir
para Caleb que a acompanhasse. ― Rafe soltou. ― Porque o
escolheu, ele que tem esposa e um filho recém-nascido a quem
cuidar?
― Deixe de dar voltas. Caleb está casado e completamente
enamorado de Willow. Wolfe sabe que não tem nada a temer
dele, assim como Jessi.
― Nenhum de nós teria tocado em Jessi. ― Rafe respondeu
no instante. ― E ela sabe.
― Exato. E agora, quer ser você a explicar tudo a Wolfe
enquanto ele está a oitocentos metros de distância, observando
você por cima do cano de seu rifle?
― Se Jessi não amasse esse cabeça dura filho da puta,
gostaria de lhe explicar a pancadas.
― Eu também. ― Reno espetou redondamente. ― Mas ela o
ama.
Os lábios de Rafe ficaram tensos. Assentiu e se afastou do
caminho.
― Muito bem, Blackfoot. ― Reno disse, dirigindo-se ao seu
cavalo. ― Vejamos se é a metade rápido do que Jed Slater
acreditava que ele era.
O enorme cavalo negro deu um salto e começou a galopar,
alcançando boa velocidade em segundos.

Durante o segundo dia de viagem, Caleb passou mais


tempo olhando por cima de seu ombro que observando o
caminho que restava pela frente.
― Deixe de olhar para trás. ― Jessica exclamou,
exasperada, erguendo o olhar do arroio no qual os cavalos
bebiam. ― Wolfe não virá a minha procura.
― Surpreende-me que uma mulher tão inteligente como
você possa chegar a pensar coisas com tão pouco sentido. ―
Caleb comprovou a cincha do cavalo de carga e depois da sua
própria montaria. ― Wolfe a ama.
― Deseja-me. É diferente.
― Não para um homem. Pelo menos, não a princípio.
Caleb saltou sobre seu cavalo, se colocou em marcha
novamente e Jessica o seguiu. Manteve um ritmo estável, pois
não desejava que ela o acusasse de evitar sua parte no
combinado. No entanto, se assegurou de não evitar obstáculos
que alongassem seu caminho. Não havia razão que justificasse
aumentar a fúria de Wolfe.
Era tarde quando Caleb parou seu cavalo para estudar o
caminho que restava pela frente. Em ambos os lados, se erguia
um grupo de cumes de montanhas que estavam separadas por
uma ampla parte de terra coberta por árvores, arbustos e erva.
A divisão possuia vários quilômetros de largura no extremo e
menos de quilômetro e meio em seu ponto mais elevado.
― Acamparemos aqui. ― Caleb anunciou.
― Não se fará noite até dentro de duas horas.
Caleb lançou para Jessica um gélido olhar.
― Será mais difícil ainda atravessar a Grande Divisão. Se
não acamparmos agora, nos encontraremos avançando através
de pântanos meio gelados no meio da escuridão e nossa única
opção será dormir sentados sobre nossas montarias.
Jessica olhou para Caleb, nos olhos, suspirou e deu uma
inquieta olhada por cima de seu ombro. Acreditou ter visto
movimentos atrás deles, mas Caleb não parecia preocupado.
Quando recuperou sua posição normal na sela, percebeu que
ele a observava com um estranho sorriso no rosto.
― Não se inquiete, Ruiva. ― Caleb disse com amabilidade.
― Eu lhe dei vantagem suficiente para que Wolfe supere o pior
de sua raiva antes que nos alcance.
― Não virá.
― Tolices.
Jessica dirigiu a Caleb um olhar de espanto e ele lhe
correspondeu com um sorriso de afeto.
― Ainda que tenha razão, ― Jessica replicou com voz
trêmula. ― Wolfe não conseguirá nos alcançar sem arrebentar
seu cavalo. E sabe que ele nunca faria isso.
― Um cavalo não poderia conseguir. ― Caleb concordou. ―
Mas três sim: Diabo, Trey e Ishmael.
― O quê?
Caleb olhou por cima do ombro de Jessica para o terreno
que acabavam de percorrer.
― Se eu fosse você, ― continuou ― passaria os próximos
minutos pensando na maneira de acalmar a fúria de Wolfe.
A segurança na voz de Caleb provocou uma inquietação
que invadiu Jessica. Fez seu cavalo virar para enfrentar ao que
vinha e se colocou em pé sobre seus estribos.
Dois grandes cavalos negros e um alazão menor surgiram
do bosque e se aproximavam a galope para eles subindo a
grande extensão da pradaria coberta de erva. Só um dos
cavalos levava um homem. Diante do olhar assombrado de
Jessica, o cavaleiro deslizou do lombo de um dos cavalos
negros para o do alazão, sem reduzir um mínimo da velocidade.
― Meu Deus. ― Jessica sussurrou.
― Para mim parece mais com Wolfe Lonetree. ― Caleb
comentou com ironia.
Com olhos atentos, Caleb esperou até que os cavalos se
aproximassem mais. Quando viu que o rifle de Wolfe ainda
permanecia em sua funda, relaxou e dedicou a Jessica um
sorriso tranquilizador. Mas ela não notou. Sentou-se sobre
Two-Spot e esperou, sabendo que seu cavalo não poderia
superar o garanhão árabe.
Wolfe nem olhou para Caleb quando os alcançou e freou o
galope de Ishmael tão bruscamente, que o garanhão se
encabritou e se ergueu sobre suas duas pernas traseiras. Wolfe
só possuia olhos à jovem de cabelos vermelhos que permanecia
sobre Two-Spot com as costas muito eretas. Com calma, Wolfe
desmontou, açulou os cavalos em direção a Caleb e, no meio de
um aterrorizante silêncio, virou-se para olhar outra vez para
Jessica.
― Vou preparar o acampamento entre aquelas árvores. ―
Caleb disse, apontando para um bosque formado por algumas
árvores de folhas perenes que se erguiam a mais de um
quilômetro de onde se achavam.
Wolfe assentiu com a cabeça.
― Deveria levar em conta que ela só pretendia fazer o que
acreditou ser o melhor para você. ― Caleb acrescentou
enquanto pegava as rédeas de Ishmael. ― Assim como você
tentava fazer o que julgava melhor para ela.
― Adeus, Cal. ― Wolfe respondeu com tom seco.
Sem acrescentar nada mais, Caleb dirigiu sua montaria
para o pôr do sol, levando com ele todos os cavalos exceto o
que Jessica montava. Two-Spot se esticou contra o freio e
relinchou ao ver que ficava para trás.
Sem aviso prévio, Wolfe saltou sobre Two-Spot e montou
atrás de Jessica, pegou as rédeas e dirigiu o cavalo para um
grupo de álamos tremulantes, ali perto. Suas delicadas folhas
haviam adquirido uma estranha e mágica cor verde sob a luz
do ocaso. Quando se ergueu uma suave brisa, as folhas
tremeram como se estivessem vivas e respirassem.
Jessica se sentiu tão trêmula quanto aquelas folhas.
Olhou para baixo, para a escura e delgada mão que segurava
as rédeas e para o braço que a rodeava quase sem tocá-la. A
tentação de seguir o traçado das veias no dorso da mão de
Wolfe com a ponta de seus dedos foi tão grande que precisou
fechar os olhos para resistir. Um tremor quase oculto a
percorreu quando lutou para não mostrar seu desejo e sua
ânsia para tocar a vida que pulsava com tanta força sob o
controlado aspecto de seu esposo.
Wolfe desmontou e amarrou Two-Spot ao redor de um
delgado álamo. Virou-se e olhou para Jessica durante o minuto
mais longo de sua vida. Ela observou seus apertados olhos
azuis, negando-se a mostrar a dor ou o desejo que a
dominavam sob sua aparente calma.
― Parecia surpresa quando me viu chegar. ― Wolfe disse.
― Caleb não estava. Fez de tudo exceto atear fogo às
árvores para que você pudesse nos seguir.
― Eu os teria encontrado ainda que andassem descalços
sobre a rocha sólida.
― Por quê?
A pergunta acendeu a fúria de Wolfe.
― É minha esposa.
― O casamento não é válido.
― Claro que é. Eu a possui tão profundamente e com
tanta força que me espanta o fato de que qualquer um dos dois
possa caminhar neste momento.
Algumas manchas vermelhas iluminaram as faces de
Jessica, mas ela não cedeu.
― Disse que não me daria um filho apesar dos meus
desejos. ― Respondeu com cautela. ― Isso é uma razão sólida
para pedir a anulação.
― Tentava livrá-la dos perigos do parto!
― Essa é a sua versão. ― Jessica encolheu os ombros com
indiferença, apesar da tensão que fazia seu corpo parecer estar
a ponto de se quebrar. ― Um juiz não consideraria suas ações
como muito nobres.
― Precisamente. ― Wolfe espetou. ― Eu não sou nobre.
Você sim!
Foi inútil que tentasse se esforçar em ser forte. Não
conseguiu evitar derramar uma lágrima solitária que percorreu
seu rosto, deixando uma esteira prateada a sua passagem.
― Essa é a raiz do problema. ― Replicou. A combinação de
dor e raiva fez sua voz tremer. ― A única coisa que não posso
mudar e a única que você não pode perdoar.
― O que diz não tem sentido.
Seus olhos, tão sombrios e sem de vida quanto o gelo na
orla do riacho, se concentraram nele.
― Posso aprender a cozinhar, a limpar e a lavar as roupas.
― Jessica acrescentou. ― Posso arder em seus braços e você
nos meus... Mas não é suficiente. Nunca será suficiente.
Despreza a aristocracia, e eu nasci e cresci nela.
― Isso não é...
― Deseja-me, ― ela continuou implacavelmente ― mas não
como esposa. Não sou adequada para ser a mãe de seus filhos.
Não sou mais que uma menina cruel e mimada. Uma...
― Jessi, não é isso o que eu...
―... menina, não uma mulher, uma completa inútil, não
sou o que você...
― Maldição, isso não é verdade.
― Sim, sim, é! ― Ela exclamou, levantando a voz por cima
da sua. ― Nunca mentiu para mim, apesar do quanto pudesse
doer a verdade. Não comece agora, quando já não é necessário.
Eu o prendi e o deixei sem saída, mas agora o deixo livre. Fique
na terra que ama, a terra à qual foi feito, a terra à qual eu
nunca serei boa o bastante. Sou o que sou e...
― Maldição. Vai me escutar ou precisarei...
― ... ama estas terras mais que tudo, e se deitar comigo foi
o pior erro de sua vida!
― Não é isso. ― Wolfe replicou furioso. ― O pior erro de
minha vida foi prometer a Willow que tentaria conversar com
você!
Sem prévio aviso, Wolfe arrancou Jessica da sela e
saqueou sua boca com um longo e intenso beijo. Ela tentou
escapar e o golpeou, mas ele era muito forte. Resistiu aos seus
esforços até que a selvagem urgência de seu beijo a alcançou a
um nível mais profundo do que as palavras.
Incapaz de resistir a Wolfe ou a si mesma por mais tempo,
Jessica lhe deu o que ele já havia tomado, e compartilhou o
beijo com ele. Passou muito tempo antes que ele levantasse a
cabeça.
― Esta é a única verdade que importa, meu amor. ― Wolfe
disse finalmente, limpando com seus beijos as lágrimas de
Jessica. ― É minha, só minha. E eu sou seu.
― Devo ir. Eu o amo muito para permitir que sofra, que
abandone o que mais ama.
― Não há nada neste mundo que eu queira mais que você,
que seja mais importante, incluídas estas montanhas. Possui
meu coração. Não me deixe sem ele, Jessi.
Ela tentou falar, mas estava muito comovida pelo que via
em seus olhos para dizer algo mais que não fosse seu nome.
― Wolfe?
― Fique comigo, Jessi Lonetree. ― sussurrou ― Finalmente
compreendi o que tanto lutou para me dizer. Compartilhe esta
terra selvagem comigo. Ame a mim, tanto quanto eu a amo.
EPÍLOGO

Durante os meses seguintes, Wolfe mostrou a Jessica os


lugares das terras selvagens do Oeste que mais gostava.
Juntos, eles enfrentaram os ventos de chuva que sopravam
através do deserto, trazendo consigo relâmpagos e o milagre da
água para uma terra seca. Juntos, observaram um mar de
areia sem limites e atormentados penhascos ancorados como
enormes barcos.
Juntos, eles contemplaram um cânion, tão grande, que só
podia ser atravessado pelo sol e pelo rio que fluía aos seus pés
como uma serpente prateada, intacta, intocável. Juntos, eles
exploraram, no meio de um silêncio eterno, cidades
construídas por homens mortos muito tempo atrás. Aquelas
antigas e enigmáticas cidades, encontravam-se encravadas nos
escarpados precipícios de rocha, e possuiam como único
habitante o vento. Nenhum caminho conduzia até as ruinas e
nenhum se afastava delas. No entanto, as antigas construções
permaneciam ali, cheias de mistérios e de espíritos de um
tempo passado, desconhecido, e impossível de conhecer.
Juntos, eles seguiram riachos que não possuiam nome e
subiram por ladeiras de montanhas que também não possuiam
nome. Subiram cumes tão altos que quase puderam tocar o
céu com suas mãos, quando aparecia a lua. Beberam de lagos
da mesma cor que os olhos de Wolfe. Amaram-se e ficaram
adormecidos abraçados, despertando para encontrar os
brilhantes álamos, tremendo pelo primeiro beijo do inverno.
Finalmente, eles seguiram o sol nascente de volta para
San Juan e construíram sua própria cabana junto às
cristalinas águas do rio Columbine. Um preguiçoso passeio a
cavalo de uma hora, os separava do lar de Willow e Caleb. Ali,
Wolfe sussurrava aos cavalos e Jessica pescava nas profundas
lagoas do rio. Ali, sob um céu tão profundo e selvagem quanto
seu amor, eles formaram sua própria família: meninos com a
força de Wolfe e meninas com o sorriso e o fogo de Jessica.
E ao longo da paz e das tempestades de todos aqueles
anos, Jessica continuou sendo a dona do coração de Wolfe, e
trazendo luz e vida àquela Árvore Solitária.
Sobre a Autora

Elizabeth Lowell
Elizabeth Lowell é um nome habitual nos primeiros postos
dos livros mais vendidos das listas do New York Times. Lowell
vendeu mais de trinta milhões de exemplares em todo o mundo
e seus livros têm sido traduzidos em múltiplos idiomas. Ao
longo de sua vitoriosa carreira como novelista, foi agraciada
com numerosos prêmios no mundo da novela romântica,
incluindo um dos mais prestigiados: o Lifetime Achievement
from the Romance Writers of America. Dela se chegou a dizer
que dita sua lei no mundo do romance. Vive com seu esposo
em Washington e Arizona, com quem escreve novelas de
mistério sob o pseudônimo de Ann Maxwell.
Entre seus mais aclamados êxitos se
incluem Sólo mía (Novela que tem como
protagonistas Wolfe Lonetree e Jessica
Charteris.), Indómito, e Prohibido (onde se
submerge magistralmente na novela histórica medieval).
Notas

[←1]
Elfos: São seres geralmente mostrados como jovens de grande beleza vivendo
entre as florestas, sob a terra, em fontes e outros lugares naturais. Foram
retratadas como seres sensíveis, de longa vida ou imortalidade, com poderes
mágicos e grande ligação com a natureza.
[←2]
Guerra da Secessão ou Guerra Civil, foi um conflito militar que ocorreu nos
Estados Unidos, entre os anos de 1861 a 1865. De um lado estavam os estados
do Sul, chamados: Confederados, e separatistas, que usavam os trabalhos dos
escravos, contra os estados do Norte, denominados: Yanques, que lutavam
para manter a unidade do país e acabar com a escravidão, diferenças de
interesses que deflagraram o conflito. O norte saiu vencedor e deixando o sul
praticamente arrasado.
[←3]
Dobras da terra são ondulações ou depressões produzidas na crosta terrestre
pelos movimentos das rochas submetidas a pressões laterais, formando falhas,
como se fossem pregas horizontais de um tecido, capazes de dar abrigo a
homens e animais.
[←4]
Jackaroo: Na Austrália é o homem que vive como aprendiz em uma fazenda de
gado ou ovelhas.

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