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TEORIA DOS

SENTIMENTOS MORAIS
ou
Ensaio para uma análise dos princípios pelos quais os homens
naturalmente julgam a conduta e o caráter, primeiro de
seus próximos, depois de si mesmos.

Acrescida de uma
Dissertação sobre a origem das línguas

de

AdamSmith
Biografia crítica por
DUGALD STEWART

Tradução
LYA LUFf

Revisão
EUNICE OSTRENSKY

Martins Fontes
São Paulo 2002
TEORIA DOS
SENTIMENTOS MORAIS
ou
Ensaio para uma análise dos princípios pelos quais os homens
naturalmente julgam a conduta e o caráter, primeiro de
seus próximos, depois de si mesmos.

Acrescida de uma
Dissertação sobre a origem das línguas

de

AdamSmith
Biografia crítica por
DUGALD STEWART

Tradução
LYA LUFf

Revisão
EUNICE OSTRENSKY

Martins Fontes
São Paulo 2002
---r

Esta obra foi puMiwda 01 igiualmcnte em in~li:J com u lílulu


THEORY OF MORAL SENTIMEI'ITS
Copyri1:ht © 1999, Livrmia Mmtins Fontes Editora Ltda ..
São Paulo , para a preseme edição

11 edição
novembro de 1999
21 tiragem
uovemhro de 2002

Tradução
LYA LUFT Sumário
Revisão da tradução
Eunice Ostreft:rky
Revisão gráfica
lva11y Picas:w Batista
/vete Batista dos Santos Biografia crítica, por Dugald Stewart .. ....... .... ... ..... .. .... .. .. XI
Produção gráfica
Geraldo Alves
Paginação/Fotolitos
Studio 3 Dese/IPolllimento Editorial PRIMEIRA PARTE
DA CONVENIÊNCIA DA AÇÃO
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP. Brasil) SEÇÃO I- Do senso de conveniência ............... ..... ...... ... .
Smith, Adam, I 723·1790
Teoria dos sentimentos morais, ou, Ensaio para uma análise dos
I. Da simpatia ..... ..................... .. ..................................... .
princípios pelos quais os homens naturalmente julgnm a conduta e II. Do prazer da simpatia mútua .................................... ..
t~crescidu
o caráter, primeiro de seus próximos, depois de si me.';;mos, III. Da maneira pela qual julgamos a conveniência ou
de uma dissertaçfio sobre a origem das lfngu"s I de Adam Smith ;
traduç~o Lya Luft; revisão Eunice Ostrensky. - São Paulo: Martins
inconveniência dos afetos alheios, por sua conso-
Fontes, 1999.- (Paidéia) nância ou dissonância em relação aos nossos .......... . 15
Título original: Theory of mowl sentirnents. IV. Continuação do mesmo assunto ............................... .. 19
ISBN 85·336- 11 04·8 V. Das virtudes amáveis e respeitáveis ........................ .. . 24
1, Ética - Obras ante1 i ores a 1800 I. Título TI . Título: Ensaio
para uma análise dos princípios pelos qu<1is os homens natuml- SEÇÃO II - Dos graus das diversas paixões compatíveis
mcnte julgam a conduta e o caráter. primeiro de seus próximos,
depois de si mesmos, acrescida de uma disserwção sobre a origem com a conveniência ................. ... ................... . 29
dils línguas , IH Série.

99·)416 CDD·l70 Introdução ....... .. .............. .. ........................ ... .. ... ........ .. ..... . 29
Índices para calálogo sislemálico:
1. Teoria dos sentimentos morais : Ética 170
I. Das paixões que se originam do corpo......... ... ......... . 30
Ir. Das paixões que se originam de um pendor ou há-
Todos os direitos desta edição para a língua p01 tu;:uesa rese1 vados à bito p articular da imaginação...................................... 34
Livraria Martins Fontes Editora Ltda. III. Das paixões insaciáveis. .. ........................ .. ... ... ............ 38
Rua Conselheiro Ramalho, 330/340 Oi 325·000 São Paulo SP Bmsil
IV. Das paixões sociáveis.................... .. .. ........... .. .... .. ..... .. 44
Te/. (11) 3241.3677 Fax (li) 3105.6867
e·nwil: infv@mattinsfvntes.com ,hr iltlp:llwww.mattin.ifvntes.cmn.hr V. Das paixões egoístas............ ........... ..... .. .... ....... ..... .. .... 46
---r

Esta obra foi puMiwda 01 igiualmcnte em in~li:J com u lílulu


THEORY OF MORAL SENTIMEI'ITS
Copyri1:ht © 1999, Livrmia Mmtins Fontes Editora Ltda ..
São Paulo , para a preseme edição

11 edição
novembro de 1999
21 tiragem
uovemhro de 2002

Tradução
LYA LUFT Sumário
Revisão da tradução
Eunice Ostreft:rky
Revisão gráfica
lva11y Picas:w Batista
/vete Batista dos Santos Biografia crítica, por Dugald Stewart .. ....... .... ... ..... .. .... .. .. XI
Produção gráfica
Geraldo Alves
Paginação/Fotolitos
Studio 3 Dese/IPolllimento Editorial PRIMEIRA PARTE
DA CONVENIÊNCIA DA AÇÃO
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP. Brasil) SEÇÃO I- Do senso de conveniência ............... ..... ...... ... .
Smith, Adam, I 723·1790
Teoria dos sentimentos morais, ou, Ensaio para uma análise dos
I. Da simpatia ..... ..................... .. ..................................... .
princípios pelos quais os homens naturalmente julgnm a conduta e II. Do prazer da simpatia mútua .................................... ..
t~crescidu
o caráter, primeiro de seus próximos, depois de si me.';;mos, III. Da maneira pela qual julgamos a conveniência ou
de uma dissertaçfio sobre a origem das lfngu"s I de Adam Smith ;
traduç~o Lya Luft; revisão Eunice Ostrensky. - São Paulo: Martins
inconveniência dos afetos alheios, por sua conso-
Fontes, 1999.- (Paidéia) nância ou dissonância em relação aos nossos .......... . 15
Título original: Theory of mowl sentirnents. IV. Continuação do mesmo assunto ............................... .. 19
ISBN 85·336- 11 04·8 V. Das virtudes amáveis e respeitáveis ........................ .. . 24
1, Ética - Obras ante1 i ores a 1800 I. Título TI . Título: Ensaio
para uma análise dos princípios pelos qu<1is os homens natuml- SEÇÃO II - Dos graus das diversas paixões compatíveis
mcnte julgam a conduta e o caráter. primeiro de seus próximos,
depois de si mesmos, acrescida de uma disserwção sobre a origem com a conveniência ................. ... ................... . 29
dils línguas , IH Série.

99·)416 CDD·l70 Introdução ....... .. .............. .. ........................ ... .. ... ........ .. ..... . 29
Índices para calálogo sislemálico:
1. Teoria dos sentimentos morais : Ética 170
I. Das paixões que se originam do corpo......... ... ......... . 30
Ir. Das paixões que se originam de um pendor ou há-
Todos os direitos desta edição para a língua p01 tu;:uesa rese1 vados à bito p articular da imaginação...................................... 34
Livraria Martins Fontes Editora Ltda. III. Das paixões insaciáveis. .. ........................ .. ... ... ............ 38
Rua Conselheiro Ramalho, 330/340 Oi 325·000 São Paulo SP Bmsil
IV. Das paixões sociáveis.................... .. .. ........... .. .... .. ..... .. 44
Te/. (11) 3241.3677 Fax (li) 3105.6867
e·nwil: infv@mattinsfvntes.com ,hr iltlp:llwww.mattin.ifvntes.cmn.hr V. Das paixões egoístas............ ........... ..... .. .... ....... ..... .. .... 46
SEÇÃO nr-Do: ~/ei!O.'i de: prosperidade e da adu?l:'>i-
tlade sobre o ;ulgctm ~nw dos homens qttan-
to à conveniência da ação; e por que é mais SEÇÃO II - Da;"ust·zça e d a ben~,r,·zcencza ........................ .
A •

fácil obter sua aprovação numa situação


mais que em outra ..................................... ··· 51·-· < I. Comparação entre aquelas duas virtudes ................. .. 97 '
II. Do senso de justiça, de remorso, e da consciência
L Que embora nossa si~patia_ pe~o sofrimento se!a ge- do mérito ...................................................................... 102
ralmente uma sensaçao ma1s v1va que nossa simpa- III. Da utilidade dessa constituição da natureza ............. . 106
tia pela alegria, é em g ral muito mei1 s intensa que
a naturalmente senti la p ~)a pessoa diretamente
atingida ............ ... ...... ............ ....... ....... ......... ..... ........... . 51 SEÇÃO III - Da influência da fortuna sobre os senti-
n. Da origem da ambi ão e da d istinção social ........... .. 59 .\ mentos da humanidade quanto ao mérito
nr. Da corrupção de nossos sentimentos moral , provo- ou demérito das ações ............................... . 115
cada por essa disposição de admirar os ricos e gran-
des, e desprezar ou negligenciar os de condição po- Introdução ............................................................. ........... . 115
bre ou mesquinha ................................... ............ ........ . 72
I. Das causas dessa influência da fortuna..................... . 117
II. Dos limites dessa influência da fortuna ...................... 121 ,- /
III. Da causa final dessa irregularidade dos sentimentos 130 ·J- '·
SEGUNDA PARTE

DO MÉRITO E DO DEMÉRITO ou DOS OBJETOS


DE RECOMPENSA E DE CASTIGO TERCEIRA PARTE

DO FUNDAMENTO DE NOSSOS JUÍZOS


SEÇÃO I- Do senso de mérito e demérito. ......... .............. 81 QUANTO A NOSSOS PRÓPRIOS SENTIMENTOS
E CONDUTA, E DO SENSO DE DEVER
Introdução......................................................................... 81
< L O que par c oi jeto próprio de gratidilo pare ·e me- I. Do princípio da aprovação e de desaprovação de si
recer re omp nsa; e, do mesmo mo l , o qu , pare- mesmo ......... ................................................................ . 139<
ce objeto próprio de ressentimento parece merecer li. Do amor ao louvor, e do amor ao que é louvável; e
puniçãt ...................... ..... ......... ...... .. .. ........................... 82 do horror à censura, e ao que é censurável ............ .. 143 '
li. Dos objl:!lc>s apr priad s de g~<Hi lão r s entim nto 84 III. Da influência e autoridade da consciência ............... . 164 ~ ;(
III. Quand não há apr va ão da · nduta da pesso;:t IV. Da natureza do auto-engano, e da origem e utilidade
JU, ·onf re beneficio, há pouca simpatia pela gra- de regras gerais ................................................................ . 189 .-
tidão daquele que o recebe; e, inversamente, quan- V. Da influência e da autoridade de regras gerais da
do há desaprovação dos motivos da pessoa que co- moralidade, que são justamente consideradas como
mete o dano, não há nenhuma espécie de simpatia as leis da Divindade ................................................... .. 195 \
pelo ressentimento de quem o sofre ... .. ... .. .. .. .. .. .. .. .. .. 87 VI. Em que casos o senso de dever deveria ser o único
·< IV. Recapitulação dos capítulos anteriores..................... .. 89 princípío de nossa conduta; e em que casos deveria
V. A análise do senso de mérito e demérito................... 90 coincidir com outros motivos ........................................ .. 207\:
SEÇÃO nr-Do: ~/ei!O.'i de: prosperidade e da adu?l:'>i-
tlade sobre o ;ulgctm ~nw dos homens qttan-
to à conveniência da ação; e por que é mais SEÇÃO II - Da;"ust·zça e d a ben~,r,·zcencza ........................ .
A •

fácil obter sua aprovação numa situação


mais que em outra ..................................... ··· 51·-· < I. Comparação entre aquelas duas virtudes ................. .. 97 '
II. Do senso de justiça, de remorso, e da consciência
L Que embora nossa si~patia_ pe~o sofrimento se!a ge- do mérito ...................................................................... 102
ralmente uma sensaçao ma1s v1va que nossa simpa- III. Da utilidade dessa constituição da natureza ............. . 106
tia pela alegria, é em g ral muito mei1 s intensa que
a naturalmente senti la p ~)a pessoa diretamente
atingida ............ ... ...... ............ ....... ....... ......... ..... ........... . 51 SEÇÃO III - Da influência da fortuna sobre os senti-
n. Da origem da ambi ão e da d istinção social ........... .. 59 .\ mentos da humanidade quanto ao mérito
nr. Da corrupção de nossos sentimentos moral , provo- ou demérito das ações ............................... . 115
cada por essa disposição de admirar os ricos e gran-
des, e desprezar ou negligenciar os de condição po- Introdução ............................................................. ........... . 115
bre ou mesquinha ................................... ............ ........ . 72
I. Das causas dessa influência da fortuna..................... . 117
II. Dos limites dessa influência da fortuna ...................... 121 ,- /
III. Da causa final dessa irregularidade dos sentimentos 130 ·J- '·
SEGUNDA PARTE

DO MÉRITO E DO DEMÉRITO ou DOS OBJETOS


DE RECOMPENSA E DE CASTIGO TERCEIRA PARTE

DO FUNDAMENTO DE NOSSOS JUÍZOS


SEÇÃO I- Do senso de mérito e demérito. ......... .............. 81 QUANTO A NOSSOS PRÓPRIOS SENTIMENTOS
E CONDUTA, E DO SENSO DE DEVER
Introdução......................................................................... 81
< L O que par c oi jeto próprio de gratidilo pare ·e me- I. Do princípio da aprovação e de desaprovação de si
recer re omp nsa; e, do mesmo mo l , o qu , pare- mesmo ......... ................................................................ . 139<
ce objeto próprio de ressentimento parece merecer li. Do amor ao louvor, e do amor ao que é louvável; e
puniçãt ...................... ..... ......... ...... .. .. ........................... 82 do horror à censura, e ao que é censurável ............ .. 143 '
li. Dos objl:!lc>s apr priad s de g~<Hi lão r s entim nto 84 III. Da influência e autoridade da consciência ............... . 164 ~ ;(
III. Quand não há apr va ão da · nduta da pesso;:t IV. Da natureza do auto-engano, e da origem e utilidade
JU, ·onf re beneficio, há pouca simpatia pela gra- de regras gerais ................................................................ . 189 .-
tidão daquele que o recebe; e, inversamente, quan- V. Da influência e da autoridade de regras gerais da
do há desaprovação dos motivos da pessoa que co- moralidade, que são justamente consideradas como
mete o dano, não há nenhuma espécie de simpatia as leis da Divindade ................................................... .. 195 \
pelo ressentimento de quem o sofre ... .. ... .. .. .. .. .. .. .. .. .. 87 VI. Em que casos o senso de dever deveria ser o único
·< IV. Recapitulação dos capítulos anteriores..................... .. 89 princípío de nossa conduta; e em que casos deveria
V. A análise do senso de mérito e demérito................... 90 coincidir com outros motivos ........................................ .. 207\:
II. Da ordem em que as sociedades são por natureza
recomendadas à nossa beneficência ........................... 285 ·;
QUARTA PARTE
III. Da benevolência universal .............................. ............ 293
DO EFEITO DA UTILIDADE SOBRE
O SENTIMENTO DE APROVAÇÃO SEÇÃO III- Do autodomínio ............... ..... ......... ... ......... .. 297

I Da beleza que a aparência de utilidade confere a to- CONCLUSÃO DA SEXTA PARTE .. ...... ... .. ....... ............ .... .. 327
. dos os produtos de arte, e da ampla influência des-
sa espécie de beleza .. ............................ ................ .... .. 219 '
n. Da beleza que a aparência de utilidade confer~ aos SÉTIMA PARTE
caracteres e ações dos homens; e em que med1da a
per e çào dessa beleza pode ~er c~nsid~rada como DOS SISTEMAS DE FILOSOFIA MORAL
um do princípios de aprova ao agLna1s ............... .. 229 ,·
SEÇÃO I - Das questões que deveriam ser examinadas
numa teoria dos sentimentos morais ............. 333
QUINTA PARTE
SEÇÃO II - Das diferentes descrições quanto à nature-
DA INFLUÊNCIA DOS USOS E COSTUMES za da virtude .................................................. 335
SOBRE OS SENTIMENTOS DE APROVAÇÃO
E DESAPROVAÇÃO MORAL Introdução.. .................. ............................... .......... ............ 335
r. Da influência dos usos e costumes sobre nossas no- I. Dos sistemas que fazem a virtude consistir na conve-
ções de beleza e deformidade ..................................... 239 niência ..... .... ...................... ........................ ........ ............... 336
II. Da influência dos usos e costumes sobre os senti- II. Dos sistemas que fazem a virtude consistir na pru-
mentos morais.............................................................. 246 dência .... ........................................ ............................... 366
III. Dos sistemas que fazem a virtude consistir na bene-
volência ............ .............. ........................ .:. .. ..... ..... .... ... 372
SEXTA PARTE IV. Dos sistemas licenciosos .................................... ..... .... 380
DO CARÁTER DA VIRTUDE
SEÇÃO III - Dos diferentes sistemas que se formaram
quanto ao princípio da aprovação .............. 391
Introdução ......................................................................... 263,·-
Introdução .......... .. ............................................................. 391
SEÇÃO I- Do caráter do indit,ídtto na medida en~ q1~e
afettl sua própria jelici.dade; ou d.&f. pmdeucta 265 , I. Dos sistemas que deduzem do amor de si o princí-
pio da aprovação ......................................................... 392
SEÇÃO II - Do ca1ií.le1· do indivíduo Jut medtck1 em que II. Dos sistemas que fazem da razão o princípio da
pode cif&tctr a.fi li itlade de outrer 1 es oas ..... 273 aprovação ..................................................................... 395
III. Dos sistemas que fazem do sentimento o princípio
Introdução ........................................................................ . 273 da aprovação ................................................................ 399
I. Da ordem em que indivíduos são recomendados
por natureza aos nossos cuidados e atenção ............. 274
II. Da ordem em que as sociedades são por natureza
recomendadas à nossa beneficência ........................... 285 ·;
QUARTA PARTE
III. Da benevolência universal .............................. ............ 293
DO EFEITO DA UTILIDADE SOBRE
O SENTIMENTO DE APROVAÇÃO SEÇÃO III- Do autodomínio ............... ..... ......... ... ......... .. 297

I Da beleza que a aparência de utilidade confere a to- CONCLUSÃO DA SEXTA PARTE .. ...... ... .. ....... ............ .... .. 327
. dos os produtos de arte, e da ampla influência des-
sa espécie de beleza .. ............................ ................ .... .. 219 '
n. Da beleza que a aparência de utilidade confer~ aos SÉTIMA PARTE
caracteres e ações dos homens; e em que med1da a
per e çào dessa beleza pode ~er c~nsid~rada como DOS SISTEMAS DE FILOSOFIA MORAL
um do princípios de aprova ao agLna1s ............... .. 229 ,·
SEÇÃO I - Das questões que deveriam ser examinadas
numa teoria dos sentimentos morais ............. 333
QUINTA PARTE
SEÇÃO II - Das diferentes descrições quanto à nature-
DA INFLUÊNCIA DOS USOS E COSTUMES za da virtude .................................................. 335
SOBRE OS SENTIMENTOS DE APROVAÇÃO
E DESAPROVAÇÃO MORAL Introdução.. .................. ............................... .......... ............ 335
r. Da influência dos usos e costumes sobre nossas no- I. Dos sistemas que fazem a virtude consistir na conve-
ções de beleza e deformidade ..................................... 239 niência ..... .... ...................... ........................ ........ ............... 336
II. Da influência dos usos e costumes sobre os senti- II. Dos sistemas que fazem a virtude consistir na pru-
mentos morais.............................................................. 246 dência .... ........................................ ............................... 366
III. Dos sistemas que fazem a virtude consistir na bene-
volência ............ .............. ........................ .:. .. ..... ..... .... ... 372
SEXTA PARTE IV. Dos sistemas licenciosos .................................... ..... .... 380
DO CARÁTER DA VIRTUDE
SEÇÃO III - Dos diferentes sistemas que se formaram
quanto ao princípio da aprovação .............. 391
Introdução ......................................................................... 263,·-
Introdução .......... .. ............................................................. 391
SEÇÃO I- Do caráter do indit,ídtto na medida en~ q1~e
afettl sua própria jelici.dade; ou d.&f. pmdeucta 265 , I. Dos sistemas que deduzem do amor de si o princí-
pio da aprovação ......................................................... 392
SEÇÃO II - Do ca1ií.le1· do indivíduo Jut medtck1 em que II. Dos sistemas que fazem da razão o princípio da
pode cif&tctr a.fi li itlade de outrer 1 es oas ..... 273 aprovação ..................................................................... 395
III. Dos sistemas que fazem do sentimento o princípio
Introdução ........................................................................ . 273 da aprovação ................................................................ 399
I. Da ordem em que indivíduos são recomendados
por natureza aos nossos cuidados e atenção ............. 274
SEÇÃO IV- Da maneira como diferentes autore' trata-
ram as regras práticas da mm·atidade........ 409

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRfMElRA F RMA ,À DAS


LÍNGUAS E SOBRE A DIFEREN ,A DE ÊNI ENTRE AS
LÍNGUAS ORIGINAIS E COMPOSTAS .............................. .429

Biografia crítica, por Dugald Stewart*

Do nascimento à publicação da
Teoria dos sentimentos morais

Adam Smith, autor de Investigação sobre a natureza e as


causas da riqueza das nações, era filho de Adam Smith, inter-
ventor de alfândegas em Kirkaldy\ e de Margaret Douglas, fi-
lha do Sr. Douglas de Strathenry. Era filho único do casal, e nas-
ceu em Kirkaldy, em 5 de junho ele 1723, poucos meses antes
da morte de seu pai.
Na infância, sua constituição era fraca e doentia, exigin-
do toda a ternura ele sua mãe, que se censurava por tratá-lo
com tanta indulgência. Isso, entretanto, não produziu efei-

• Dugalcl Stewarr, amigo pessoal de Adam Smirh, escreveu a primeira


versão destas MeulÔJ'ias em 1793, provavelmente para a sexta edição da
obra. Esta, a versão definitiva, data ele 1811. (N. da R. T.)
1. O Sr. Smith, o pai, nasceu em Aberdennshire, e na juventude foi juiz
defensor ( writer to the signet') em Edimburgo. Mais tarde veio a se tornar
sccr rário pmtku lm- d11 onde de J.ond< un, du 1~Ull <l período t!lll que ~::st •
oc:up u us .:argCls de senctârio·Chd ' · ele Estado c Cha ncelc r. 1 essa condi-
~·. os· mant ·ve mé 1713 ou 171 , quando follndk~Ido r:>am <)cargo de i nt~r­
vcntor de al fândega~ em Kirl ,J idy. 'f'nmb · m fo i j ul~ cl:1s ·•mes 111arci:JiS ·do.
con:;clhos ú gu crm da Escóeia, cargo em q ue se mn nteve de i707 uté a .sua
monc. omo já fa'l. 70 ~IJ] O$ {jlle morreu, Oli relatos s Jbre sua vida s:. o b:~S­
tant • i1nprc isos . Mas , p\!lo. dcta lh -s m;ima mencionados, pod ·-se pi' 'Sum ir
que fosse homem ele qualidades incomuns.
• Writer to the signet: de acordo com a lei escocesa, uma espécie ele
profissional do direito em Edimburgo que atua junto à Corte Suprema.
(N. ela R. T.)
SEÇÃO IV- Da maneira como diferentes autore' trata-
ram as regras práticas da mm·atidade........ 409

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRfMElRA F RMA ,À DAS


LÍNGUAS E SOBRE A DIFEREN ,A DE ÊNI ENTRE AS
LÍNGUAS ORIGINAIS E COMPOSTAS .............................. .429

Biografia crítica, por Dugald Stewart*

Do nascimento à publicação da
Teoria dos sentimentos morais

Adam Smith, autor de Investigação sobre a natureza e as


causas da riqueza das nações, era filho de Adam Smith, inter-
ventor de alfândegas em Kirkaldy\ e de Margaret Douglas, fi-
lha do Sr. Douglas de Strathenry. Era filho único do casal, e nas-
ceu em Kirkaldy, em 5 de junho ele 1723, poucos meses antes
da morte de seu pai.
Na infância, sua constituição era fraca e doentia, exigin-
do toda a ternura ele sua mãe, que se censurava por tratá-lo
com tanta indulgência. Isso, entretanto, não produziu efei-

• Dugalcl Stewarr, amigo pessoal de Adam Smirh, escreveu a primeira


versão destas MeulÔJ'ias em 1793, provavelmente para a sexta edição da
obra. Esta, a versão definitiva, data ele 1811. (N. da R. T.)
1. O Sr. Smith, o pai, nasceu em Aberdennshire, e na juventude foi juiz
defensor ( writer to the signet') em Edimburgo. Mais tarde veio a se tornar
sccr rário pmtku lm- d11 onde de J.ond< un, du 1~Ull <l período t!lll que ~::st •
oc:up u us .:argCls de senctârio·Chd ' · ele Estado c Cha ncelc r. 1 essa condi-
~·. os· mant ·ve mé 1713 ou 171 , quando follndk~Ido r:>am <)cargo de i nt~r­
vcntor de al fândega~ em Kirl ,J idy. 'f'nmb · m fo i j ul~ cl:1s ·•mes 111arci:JiS ·do.
con:;clhos ú gu crm da Escóeia, cargo em q ue se mn nteve de i707 uté a .sua
monc. omo já fa'l. 70 ~IJ] O$ {jlle morreu, Oli relatos s Jbre sua vida s:. o b:~S­
tant • i1nprc isos . Mas , p\!lo. dcta lh -s m;ima mencionados, pod ·-se pi' 'Sum ir
que fosse homem ele qualidades incomuns.
• Writer to the signet: de acordo com a lei escocesa, uma espécie ele
profissional do direito em Edimburgo que atua junto à Corte Suprema.
(N. ela R. T.)
XII TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTlCA XIII

tos desfav ráveis ~ I r o temp ~ rame nto ou o ·comporla- colegas ainda vive 3: e à sua bondade devo as minguadas in-
men lO lo filh , qu ~ pôcl , e nfim, usufruir a rara satisfa .ão formações que constituem a primeira parte desta narrativa.
de re tribuir a a~ i .-o :1 mãe, com a maior dedi cação que a Entre esses companheiros de seus primeiros anos, o Sr.
gratidão filial poderia ditar, durante o longo período de ses- Smith logo chamou atenção por sua paixão pelos livros e pe-
senta anos. los extraordinários poderes de sua memória. Embora a debi-
uando contava três anos foi vítim de um incid nt que, lidade física o impedisse de tomar parte nas diversões que
p r ser bastanlé cur.i ·o. não s deve omitir d · ru ntá rio de fossem mais enérgicas, os amigos o amavam muito por seu
un1a vida Lâo valit>S't. ua m'l leva ra a Slralhe nry, em visi- temperamento que, apesar de apaixonado, era extraordina-
ta a seu tio, Sr. Douglas, quando, ce1to dia, dive1tindo-se sozi- riamente amigável e generoso. Mesmo então, era notável por
nho à p01ta de casa, foi seqüestrado por um bando de vaga- aqueles hábitos que o acompanharam por toda a vida, como
bundos conhecidos na Escócia pelo nome de 'latoeiros'•. Por falar sozinho, e estar alheio à presença de outros.
sorte, o tio logo sentiu sua falta e, ouvindo dizer que um grupo Da escola primária de Kirkaldy, foi enviado em 1737 à
desses vagabundos passara por ali, saiu a persegui-los, pedin- Universidade de Glasgow, onde permaneceu até 1740, quan-
do aj u la a quem p dia, até alcan çá-los na floresl:I cle Leslie. do foi ao Baliol College como bolsista da Snell Foundation.
Assim, gra ·as a seu inlermécUo, preservou-s um gêni para o O Dr. Maclaine, de Haia, colega do Sr. Smith em Glas-
mundo, deslinado nà.o ape nas a ampliar as frontei ra · da ciên- gow, contou-me há alguns anos que seus interesses favoritos
cia, como a iluminar e reformar a política comercial da Europa. na Universidade eram matemática e filosofia natural; e recor-
A escola de Kirkaldy, onde o Sr. Smith recebeu os seus do-me de ter ouvido meu pai lembrá-lo de um problema de
primeiros rudimentos de educação, era então dirigida pelo geometria de bastante dificuldade de que se ocupava quan-
Sr. David Miller, professor de considerável reputação em seu do se conheceram, e que fora proposto como exercício pelo
tempo, cujo nome merece ser lembrado por conta dos emi- famoso Dr. Simpson.
nentes homens que aquele seminário tão obscuro produziu Mas essas não eram as ciências em que se destacaria;
sob sua direção. Alguns deles foram o Sr. Oswald, de Duni- nem o afastaram por muito tempo das atividades mais ade-
keir'; seu irmão, Dr. John Oswald, mais tarde bispo de Raphoe; quadas a seu espírito. O que Lorde Bacon diz de Platão apli-
e nosso excelente colega falecido, Rev. Dr. John Drysdale: ca-se muito bem ao Sr. Smith: "Illum, licet ad republicam non
todos quase contemporâneos do Sr. Smith, a ele unidos, pela accessisset, tamen natura et inclinatione omnino ad res civi-
vida toda, pelos mais estreitos laços de amizade. Um de seus les propensum, vier eo praecipue intendisse; neque de Phi-
losophia Naturali admodum sollicitum esse; nisi quatenus ad
Philosophi nomen et celebritatem tuendam, et ad majestatem
• "Tinkers" no original. Trata-se de artesãos itinerantes que consertam quandam moralibus et civilibus doctrinis addendam et asper-
utensílios domésticos de metal. Na Escócia e Irlanda do Nmte, o nome é
gendam sufficeret. "' Todas as divisões do estudo da natureza
comumente atribuído a ciganos. (N. da R. T.)
2. O falecido cavalheiro j ames Oswald, por muito tempo um de nos- humana, mais precisamente a história política da humanida-
sos representantes escoceses no Parlamento mais ativos, capazes e de maior de, revelaram um vasto campo para sua curiosidade e dese-
espírito público. Distinguiu-se particularmente por seus conhecimentos em jo de saber; e ao mesmo tempo em que lhe ofereciam um
, assuntos de finanças e por sua atenção a tudo o que dissesse respeito aos amplo espectro de possibilidades para os diversos poderes
interesses comerciais e agrícolas do país. Pela maneira como é mencionado
num texto do Sr. Smith que pesquisei, a essas informações detalhadas, que
manifestamente possu ía como estadista e homem de negócios, mesclava um
gosto por discussões de econom ia política mais gerais e filosóficas. Manti- 3. George Drysdale, cavalheiro de Kirkaldy, irmão do falecido Dr.
nha grande intimidade com Lorde Kames e com o Sr. Hume, e dos amigos D1ysdale.
do Sr. Smith era o mais antigo e o maior confidente. 4. Redarguito Philosophimum.
XII TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTlCA XIII

tos desfav ráveis ~ I r o temp ~ rame nto ou o ·comporla- colegas ainda vive 3: e à sua bondade devo as minguadas in-
men lO lo filh , qu ~ pôcl , e nfim, usufruir a rara satisfa .ão formações que constituem a primeira parte desta narrativa.
de re tribuir a a~ i .-o :1 mãe, com a maior dedi cação que a Entre esses companheiros de seus primeiros anos, o Sr.
gratidão filial poderia ditar, durante o longo período de ses- Smith logo chamou atenção por sua paixão pelos livros e pe-
senta anos. los extraordinários poderes de sua memória. Embora a debi-
uando contava três anos foi vítim de um incid nt que, lidade física o impedisse de tomar parte nas diversões que
p r ser bastanlé cur.i ·o. não s deve omitir d · ru ntá rio de fossem mais enérgicas, os amigos o amavam muito por seu
un1a vida Lâo valit>S't. ua m'l leva ra a Slralhe nry, em visi- temperamento que, apesar de apaixonado, era extraordina-
ta a seu tio, Sr. Douglas, quando, ce1to dia, dive1tindo-se sozi- riamente amigável e generoso. Mesmo então, era notável por
nho à p01ta de casa, foi seqüestrado por um bando de vaga- aqueles hábitos que o acompanharam por toda a vida, como
bundos conhecidos na Escócia pelo nome de 'latoeiros'•. Por falar sozinho, e estar alheio à presença de outros.
sorte, o tio logo sentiu sua falta e, ouvindo dizer que um grupo Da escola primária de Kirkaldy, foi enviado em 1737 à
desses vagabundos passara por ali, saiu a persegui-los, pedin- Universidade de Glasgow, onde permaneceu até 1740, quan-
do aj u la a quem p dia, até alcan çá-los na floresl:I cle Leslie. do foi ao Baliol College como bolsista da Snell Foundation.
Assim, gra ·as a seu inlermécUo, preservou-s um gêni para o O Dr. Maclaine, de Haia, colega do Sr. Smith em Glas-
mundo, deslinado nà.o ape nas a ampliar as frontei ra · da ciên- gow, contou-me há alguns anos que seus interesses favoritos
cia, como a iluminar e reformar a política comercial da Europa. na Universidade eram matemática e filosofia natural; e recor-
A escola de Kirkaldy, onde o Sr. Smith recebeu os seus do-me de ter ouvido meu pai lembrá-lo de um problema de
primeiros rudimentos de educação, era então dirigida pelo geometria de bastante dificuldade de que se ocupava quan-
Sr. David Miller, professor de considerável reputação em seu do se conheceram, e que fora proposto como exercício pelo
tempo, cujo nome merece ser lembrado por conta dos emi- famoso Dr. Simpson.
nentes homens que aquele seminário tão obscuro produziu Mas essas não eram as ciências em que se destacaria;
sob sua direção. Alguns deles foram o Sr. Oswald, de Duni- nem o afastaram por muito tempo das atividades mais ade-
keir'; seu irmão, Dr. John Oswald, mais tarde bispo de Raphoe; quadas a seu espírito. O que Lorde Bacon diz de Platão apli-
e nosso excelente colega falecido, Rev. Dr. John Drysdale: ca-se muito bem ao Sr. Smith: "Illum, licet ad republicam non
todos quase contemporâneos do Sr. Smith, a ele unidos, pela accessisset, tamen natura et inclinatione omnino ad res civi-
vida toda, pelos mais estreitos laços de amizade. Um de seus les propensum, vier eo praecipue intendisse; neque de Phi-
losophia Naturali admodum sollicitum esse; nisi quatenus ad
Philosophi nomen et celebritatem tuendam, et ad majestatem
• "Tinkers" no original. Trata-se de artesãos itinerantes que consertam quandam moralibus et civilibus doctrinis addendam et asper-
utensílios domésticos de metal. Na Escócia e Irlanda do Nmte, o nome é
gendam sufficeret. "' Todas as divisões do estudo da natureza
comumente atribuído a ciganos. (N. da R. T.)
2. O falecido cavalheiro j ames Oswald, por muito tempo um de nos- humana, mais precisamente a história política da humanida-
sos representantes escoceses no Parlamento mais ativos, capazes e de maior de, revelaram um vasto campo para sua curiosidade e dese-
espírito público. Distinguiu-se particularmente por seus conhecimentos em jo de saber; e ao mesmo tempo em que lhe ofereciam um
, assuntos de finanças e por sua atenção a tudo o que dissesse respeito aos amplo espectro de possibilidades para os diversos poderes
interesses comerciais e agrícolas do país. Pela maneira como é mencionado
num texto do Sr. Smith que pesquisei, a essas informações detalhadas, que
manifestamente possu ía como estadista e homem de negócios, mesclava um
gosto por discussões de econom ia política mais gerais e filosóficas. Manti- 3. George Drysdale, cavalheiro de Kirkaldy, irmão do falecido Dr.
nha grande intimidade com Lorde Kames e com o Sr. Hume, e dos amigos D1ysdale.
do Sr. Smith era o mais antigo e o maior confidente. 4. Redarguito Philosophimum.
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA XV
X1V

de seu gênio versátil e abrangente, satisfaziam sua paixão · o consegL1i obt r n nhu ma informação so bre o perío-
uominanl · d ntribuir para a fel! idad aper~~içoa m ent do de sua juv ntud passado na Inglaterra. uvi-o diz r q u
da s 'ed 1 . ess stud , substituído m su~1s h ras de la- fr qüentem nte praticava tradu .âo (parri •ularm nt do fr•tn - ·
z r, pel s atividades meno árdua. da lit f' llll ra ' ru dita, pa- cês a fim d me lhorar seu próprio stilo; e c m freqü o ia A

r e 1er-s dedi ado quase in t ·imm m apô. d ixar f rei· expressava uma opinião fav ráv 1 quanto à utilidade de tais
entretanto ainda conservava, mesm >rn idad avan ada , lem- c;:x rdcios para tod que ul rivnm a arte da omposiç:ão.
brança de suas primeiras aquisições, o que não só aumenta- E Iam ntável que nenh uma d ssas experiên ias juv nis tenha
va o esplendor de sua conversa, como também lhe permitia sido preservada; e, embora poucas passagens de seus textos
ex rnpU11 ar algumas d sua:; teoria fav riras q uanlo ao 1 ro- revelem sua habilidade como tradutor, bastam para mostrar
gress n ~uur::tl do espírito na illve:-;tiga ·ã da v rdad ~ c >rn n sua excelência naquele estilo literário que, em nosso país,
h.i.stórfa daq uelas ciê n in m q ue onexà :;ucessão de tem sido tão pouco freqüentado por homens de gênio.
descobertas pode ser determinada om a mal r va nt, gem. , Foi provavelmente nessa época de sua vida que se dedi-
não estou enganado, além disso, a influência de seu gosto cou com o maior afinco ao estudo das línguas. O conheci-
pre ·o· pela cometrla r ga p de . r n tada na d ar za e mento que tinha delas, fossem antigas ou modernas, era ex-
traordinariamente amplo e acurado. E não se servia desse co-
, : lmpli idade, por vezes b in 1ndo a prolixida te, com q u fre-
nhedm nro para exibir uma erudição de mau-gosto, mas para
; qüentemente demonstra seus ra iodnios p líti s. A <..:on~ '­
estabel er um elo de ligação com tudo o qu pudesse lançar
r ~ nda do grave e loqüenre Dr. Hutch ·son , a qu · as. istira
luz sobre as instituições, os costumes, e as idéias de diversas
antes de sua partida para Glasgow, elas quais s rn1 r fa lc.l- ép cas e na~ -s. A segurança com que r cimva obras de poe-
va com a mais entusiasmada admiração, tiveram - podemos ra gr gos, r mano , fran ese italianos, mesmo após ter-se
presumir - considerável ef, !to na orientação de seus talentos clecücado, na maturidade, a várias outras ocupações e inv sti-
p ara seus assuntos apropria I s5 • gações, permitia ver que conhecera a fundo as artes do bem
falar 6• Na língua inglesa, a variedade de trechos poéticos, que
não apenas citava eventualmente, mas sabia reproduzir com
5. s que c<mhereram Dr. Hwch · on apen:.IS p r mdo de suns precisão, surpreendia mesmo àqueles cuja atenção nunca se
publicl(;õcs lálvez se In Unem a conlest:Jr a convcnién I~ de s apli 1r <>
acljdiv~· efoq11r!rlf'n 1ualflliCr 1.1111 de scüs textos, notad:unenteo s •·11 5)>st m
voltara pa a os haveres mais importantes.
of .Moml Pbllo:sopby (Sistcm~ de 11losoAa mor:tl), pubJiç;1do pela prhn Ira Depoi ' de residir em Oxford por sete anos, voltou a
vez d •pois de sua morte. M:1:; s us t:.llemos como orador devem ter ·ic:)() Kirkaldy e morou dois anos com sua mãe; dedicou-se aos es-
rn•• ito su p · riort."S ~to qu I •monsll'tlVil 'é mo ·scrlto r. Todos os ' eus alunos tudos, mas sem nenhum firme desígnio para sua vida futura .
'Olll q~1 em me encontre (a lguns dos quais CCJ1amentc críticos mu il com[),_
A princípio, fora destinado a servir à Igreja Anglicam1 , · om
tentes) foram unânimes ao comentar a extraordinária impressão que causava
no espírito de seus ouvintes. e. s propósito fora enviado a Oxfo.rd; mas, re e::~ nd que a
As obras do Sr. Hutcheson, Inquiry into our Ideas of Beauty and profissão eclesiástica não combinasse com . u gosto decidiu
Virtue (Investigação sobre nossas idéias de beleza e virtude), Discourse on
the Passions (Discurso sobre as paixões) e Illustrations of the Moral Sense
(Ilustrações sobre o senso moral), trazem muito mais fortes as marcas do 6. O grau incomum em que o Sr. Smith retinha, mesmo perto do fim
Se lJ gêniw do que su;l ohr;l póstuma. S ~l :l gr:mdc lll · re •ida rama, porém, da vida, lembrança de diferentes espécies de conhecimento que há muito
r ·pml <l a.~(lm sobrctudtJ na lr:t tli ·ion~J história de suas conferencia :t OJ- cessara de cultivar me foi comentado por meu erud ito colega e amigo Sr.
dêm.i as, ilS ([llHb par · ·em ter contribuído ~ rtt!meJ1t• p:tm lif\ lndir n:t Es- Dn.ll\ •1, r r >f !.Wr ele gr ·go nesta nivcrs h.liidC. r :uticu lannt:lllC, o Sr. Da lzt:l
c6cia o gosto pcln cliEcuss:io analítica e :~quel e e~> pírito de lnvc rlga~':i.o 111 ·- n1cn ·ionou a pre 'lt'Z:t ·atidão dn o1e.m6 rl a tio Sr. Smith em questões nlo-
r:l l - um;J das mafs vali sns pr duçóes d sél.-ul XVU qu e u mundo lhe lógk::ls e a prt!dsão c llabil idacle que demonstrava em onver:;as sohre algu-
deve. mas minutiae da gramática grega.
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA XV
X1V

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uominanl · d ntribuir para a fel! idad aper~~içoa m ent do de sua juv ntud passado na Inglaterra. uvi-o diz r q u
da s 'ed 1 . ess stud , substituído m su~1s h ras de la- fr qüentem nte praticava tradu .âo (parri •ularm nt do fr•tn - ·
z r, pel s atividades meno árdua. da lit f' llll ra ' ru dita, pa- cês a fim d me lhorar seu próprio stilo; e c m freqü o ia A

r e 1er-s dedi ado quase in t ·imm m apô. d ixar f rei· expressava uma opinião fav ráv 1 quanto à utilidade de tais
entretanto ainda conservava, mesm >rn idad avan ada , lem- c;:x rdcios para tod que ul rivnm a arte da omposiç:ão.
brança de suas primeiras aquisições, o que não só aumenta- E Iam ntável que nenh uma d ssas experiên ias juv nis tenha
va o esplendor de sua conversa, como também lhe permitia sido preservada; e, embora poucas passagens de seus textos
ex rnpU11 ar algumas d sua:; teoria fav riras q uanlo ao 1 ro- revelem sua habilidade como tradutor, bastam para mostrar
gress n ~uur::tl do espírito na illve:-;tiga ·ã da v rdad ~ c >rn n sua excelência naquele estilo literário que, em nosso país,
h.i.stórfa daq uelas ciê n in m q ue onexà :;ucessão de tem sido tão pouco freqüentado por homens de gênio.
descobertas pode ser determinada om a mal r va nt, gem. , Foi provavelmente nessa época de sua vida que se dedi-
não estou enganado, além disso, a influência de seu gosto cou com o maior afinco ao estudo das línguas. O conheci-
pre ·o· pela cometrla r ga p de . r n tada na d ar za e mento que tinha delas, fossem antigas ou modernas, era ex-
traordinariamente amplo e acurado. E não se servia desse co-
, : lmpli idade, por vezes b in 1ndo a prolixida te, com q u fre-
nhedm nro para exibir uma erudição de mau-gosto, mas para
; qüentemente demonstra seus ra iodnios p líti s. A <..:on~ '­
estabel er um elo de ligação com tudo o qu pudesse lançar
r ~ nda do grave e loqüenre Dr. Hutch ·son , a qu · as. istira
luz sobre as instituições, os costumes, e as idéias de diversas
antes de sua partida para Glasgow, elas quais s rn1 r fa lc.l- ép cas e na~ -s. A segurança com que r cimva obras de poe-
va com a mais entusiasmada admiração, tiveram - podemos ra gr gos, r mano , fran ese italianos, mesmo após ter-se
presumir - considerável ef, !to na orientação de seus talentos clecücado, na maturidade, a várias outras ocupações e inv sti-
p ara seus assuntos apropria I s5 • gações, permitia ver que conhecera a fundo as artes do bem
falar 6• Na língua inglesa, a variedade de trechos poéticos, que
não apenas citava eventualmente, mas sabia reproduzir com
5. s que c<mhereram Dr. Hwch · on apen:.IS p r mdo de suns precisão, surpreendia mesmo àqueles cuja atenção nunca se
publicl(;õcs lálvez se In Unem a conlest:Jr a convcnién I~ de s apli 1r <>
acljdiv~· efoq11r!rlf'n 1ualflliCr 1.1111 de scüs textos, notad:unenteo s •·11 5)>st m
voltara pa a os haveres mais importantes.
of .Moml Pbllo:sopby (Sistcm~ de 11losoAa mor:tl), pubJiç;1do pela prhn Ira Depoi ' de residir em Oxford por sete anos, voltou a
vez d •pois de sua morte. M:1:; s us t:.llemos como orador devem ter ·ic:)() Kirkaldy e morou dois anos com sua mãe; dedicou-se aos es-
rn•• ito su p · riort."S ~to qu I •monsll'tlVil 'é mo ·scrlto r. Todos os ' eus alunos tudos, mas sem nenhum firme desígnio para sua vida futura .
'Olll q~1 em me encontre (a lguns dos quais CCJ1amentc críticos mu il com[),_
A princípio, fora destinado a servir à Igreja Anglicam1 , · om
tentes) foram unânimes ao comentar a extraordinária impressão que causava
no espírito de seus ouvintes. e. s propósito fora enviado a Oxfo.rd; mas, re e::~ nd que a
As obras do Sr. Hutcheson, Inquiry into our Ideas of Beauty and profissão eclesiástica não combinasse com . u gosto decidiu
Virtue (Investigação sobre nossas idéias de beleza e virtude), Discourse on
the Passions (Discurso sobre as paixões) e Illustrations of the Moral Sense
(Ilustrações sobre o senso moral), trazem muito mais fortes as marcas do 6. O grau incomum em que o Sr. Smith retinha, mesmo perto do fim
Se lJ gêniw do que su;l ohr;l póstuma. S ~l :l gr:mdc lll · re •ida rama, porém, da vida, lembrança de diferentes espécies de conhecimento que há muito
r ·pml <l a.~(lm sobrctudtJ na lr:t tli ·ion~J história de suas conferencia :t OJ- cessara de cultivar me foi comentado por meu erud ito colega e amigo Sr.
dêm.i as, ilS ([llHb par · ·em ter contribuído ~ rtt!meJ1t• p:tm lif\ lndir n:t Es- Dn.ll\ •1, r r >f !.Wr ele gr ·go nesta nivcrs h.liidC. r :uticu lannt:lllC, o Sr. Da lzt:l
c6cia o gosto pcln cliEcuss:io analítica e :~quel e e~> pírito de lnvc rlga~':i.o 111 ·- n1cn ·ionou a pre 'lt'Z:t ·atidão dn o1e.m6 rl a tio Sr. Smith em questões nlo-
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deve. mas minutiae da gramática grega.
TEORIA DOS SENflMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA XVII
XVI
nsult.:u, a ess r p ilo, ' LWS próprias incl ina õ s, sempre- Nada ficou guardado das conferências do Sr. Smith en-
juízo das c.:xp tmivas de , us amigos; ignor u, p is, tod >S s qua~to foi professor em Glasgow, salvo o que ele mesmo
n elh os d e prucl ~n la, e decid iu ret m a r o s u próprio publ~cou na Teoria dos sentimentos morais e em A riqueza das
país rest cingin l sua am l içào à in rta per pe ·ri va de ·on- na.çoes. Devo o breve resumo dessas obras, que vem a se-
segu ir algum l ,, el' argos mod sLOs ao · quai a pr fi sã U- gLilr, a um cavalheiro que foi outrora aluno do Sr. Smith, e
terárh con luz a!' pessoas n·l Es óci::t. continuou, até a morte deste, a ser um de seus mais íntimos
No ano le 17 8, fixou r sld nd;t m Ediml urgo , du- dileto. anligos 7 •
·: , an e os anos seguinLes tendo L rd, Kam omo "Na adeira de Lógica, para a qual o Sr. Smith ~ i indi-
d u onfe rê n ia, · re r tóri a e lit ratura . Por es- cado m ua primeira nom~a ã nessa Un.iv rsí lade, I go
sa - 1 ' 1, também, in.iciou w11a amizad muito íntima, qLie perc b u a n. · ·• ·sidade l a tasta r-s a mpla m n~e d prog.ra-
~a que fora seguido por seus antecessores, e dirigir a aten-
c ntinu u inintc rru ptament a t sua rnort , ·om Alexander
Wcd lerburn , agora Lo rde Lo ug hb r )ugh e om Willi m
çao dos alunos para estudos mais interessantes e mais úteis
do que a lógica e a metafísica escolásticas. Assim, depois de
J bnstone, agora r. Pulteney.
aprese?t~r uma. visão geral dos poderes do espírito, e expli-
mom nto pr iso em que ·om ou seu relaciona-
car a log1ea antlga tanto quanto fosse preciso para satisfazer
mento com o Sr. Dav ld Hume não ap~u·ec em nenhuma in-
a curiosidade sobre um método artificial de raciocinar, que
formação que recebi; mas alguns documentos que ora estão
outrora ocupara a atenção de quase todos os eruditos, dedi-
em mãos do sobrinho do Sr. Hume, os quais gentilmente me
cou todo o resto do seu tempo a fornecer um sistema de re-
.f i pe1111 ilitl ~xa minar, d ixam ntr ver q ue antes ele 1752
tórica e literatura. O melhor método de explicar e ilustrar os
já hav iam pas ado cJ ~ conh idos a am igos. Tratava-se d
vários poderes do espírito humano - a parte mais útil da
uma a re i r -cípr ca, ba eacla na admiração pe lo talento metafísica - surge ele um exame dos vários modos de trans-
no a n or ã s.impU idade , e que consritu.i u ma cir m tância mitir nossos pensamentos por meio de discursos, e da aten-
interessante na história de cada um desses homens eminen- ç~o aos princípios daquelas composições literárias que con-
tes, pois ambos demonstraram o forte desejo de registrá-la tnbuem para a persuasão ou entretenimento. Por essas artes,
para a posteridade. tudo que percebemos ou sentimos, cada operação de nosso
Em 1751, o Sr. Smith foi escolhido professor de Lógica espírito, expressa e delineia-se de modo tal que pode ser dis-
na Universidade de Glasgow; e, no ano seguinte, foi nomea- cernido e rememorado com clareza. Ao mesmo tempo não
do professor de Filosofia Moral da m sma niv rsidatle, há parte da literatura mais adequada à juventude em se~ pri-
oc upa ndo o lugar deixad vago pela m rte d< Sr. Thoma meiro contato com a filosofia do que esta, que agrada ao seu
Craigie, sue sor lmecliaro do Dr. Hur h o n. N ssa ondi- gosto e aos seus sentimentos.
ção permaneceu por u·eze anos, período que retrospectiva- "É muito lamentável que o manuscrito contendo as con-
mente costumava c nsid rar o mais útil e feliz de sua vida. ferências do Sr. Smith sobre esse tema fosse destruído antes
Era realmente a situação ideal para que se destacasse, uma ~e sua morte. A primeira parte, sobre composição, estava pra-
vez que nos trabalhos diários de sua profissão sua atenção tiCamente pronta; e o conjunto deixava transparecer as mar-
constantemente se voltava para sua atividade favorita, fami- cas inequívocas do gosto e da originalidade. Por ter permiti-
liarizando seu espírito com aquelas importantes especula- do aos estudantes tomar notas, muitas opiniões e observa"
ções que mais tarde comunicaria ao mundo. Assim, embora
esse fosse um cenário muito pequeno para suas capacidades,
muito contribuiu, nesse ínterim, para a futura eminência de 7. O falecido Sr. Millar, celebrado professor de Direito na Universida-
seu caráter literário. de de Glasgow.
TEORIA DOS SENflMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA XVII
XVI
nsult.:u, a ess r p ilo, ' LWS próprias incl ina õ s, sempre- Nada ficou guardado das conferências do Sr. Smith en-
juízo das c.:xp tmivas de , us amigos; ignor u, p is, tod >S s qua~to foi professor em Glasgow, salvo o que ele mesmo
n elh os d e prucl ~n la, e decid iu ret m a r o s u próprio publ~cou na Teoria dos sentimentos morais e em A riqueza das
país rest cingin l sua am l içào à in rta per pe ·ri va de ·on- na.çoes. Devo o breve resumo dessas obras, que vem a se-
segu ir algum l ,, el' argos mod sLOs ao · quai a pr fi sã U- gLilr, a um cavalheiro que foi outrora aluno do Sr. Smith, e
terárh con luz a!' pessoas n·l Es óci::t. continuou, até a morte deste, a ser um de seus mais íntimos
No ano le 17 8, fixou r sld nd;t m Ediml urgo , du- dileto. anligos 7 •
·: , an e os anos seguinLes tendo L rd, Kam omo "Na adeira de Lógica, para a qual o Sr. Smith ~ i indi-
d u onfe rê n ia, · re r tóri a e lit ratura . Por es- cado m ua primeira nom~a ã nessa Un.iv rsí lade, I go
sa - 1 ' 1, também, in.iciou w11a amizad muito íntima, qLie perc b u a n. · ·• ·sidade l a tasta r-s a mpla m n~e d prog.ra-
~a que fora seguido por seus antecessores, e dirigir a aten-
c ntinu u inintc rru ptament a t sua rnort , ·om Alexander
Wcd lerburn , agora Lo rde Lo ug hb r )ugh e om Willi m
çao dos alunos para estudos mais interessantes e mais úteis
do que a lógica e a metafísica escolásticas. Assim, depois de
J bnstone, agora r. Pulteney.
aprese?t~r uma. visão geral dos poderes do espírito, e expli-
mom nto pr iso em que ·om ou seu relaciona-
car a log1ea antlga tanto quanto fosse preciso para satisfazer
mento com o Sr. Dav ld Hume não ap~u·ec em nenhuma in-
a curiosidade sobre um método artificial de raciocinar, que
formação que recebi; mas alguns documentos que ora estão
outrora ocupara a atenção de quase todos os eruditos, dedi-
em mãos do sobrinho do Sr. Hume, os quais gentilmente me
cou todo o resto do seu tempo a fornecer um sistema de re-
.f i pe1111 ilitl ~xa minar, d ixam ntr ver q ue antes ele 1752
tórica e literatura. O melhor método de explicar e ilustrar os
já hav iam pas ado cJ ~ conh idos a am igos. Tratava-se d
vários poderes do espírito humano - a parte mais útil da
uma a re i r -cípr ca, ba eacla na admiração pe lo talento metafísica - surge ele um exame dos vários modos de trans-
no a n or ã s.impU idade , e que consritu.i u ma cir m tância mitir nossos pensamentos por meio de discursos, e da aten-
interessante na história de cada um desses homens eminen- ç~o aos princípios daquelas composições literárias que con-
tes, pois ambos demonstraram o forte desejo de registrá-la tnbuem para a persuasão ou entretenimento. Por essas artes,
para a posteridade. tudo que percebemos ou sentimos, cada operação de nosso
Em 1751, o Sr. Smith foi escolhido professor de Lógica espírito, expressa e delineia-se de modo tal que pode ser dis-
na Universidade de Glasgow; e, no ano seguinte, foi nomea- cernido e rememorado com clareza. Ao mesmo tempo não
do professor de Filosofia Moral da m sma niv rsidatle, há parte da literatura mais adequada à juventude em se~ pri-
oc upa ndo o lugar deixad vago pela m rte d< Sr. Thoma meiro contato com a filosofia do que esta, que agrada ao seu
Craigie, sue sor lmecliaro do Dr. Hur h o n. N ssa ondi- gosto e aos seus sentimentos.
ção permaneceu por u·eze anos, período que retrospectiva- "É muito lamentável que o manuscrito contendo as con-
mente costumava c nsid rar o mais útil e feliz de sua vida. ferências do Sr. Smith sobre esse tema fosse destruído antes
Era realmente a situação ideal para que se destacasse, uma ~e sua morte. A primeira parte, sobre composição, estava pra-
vez que nos trabalhos diários de sua profissão sua atenção tiCamente pronta; e o conjunto deixava transparecer as mar-
constantemente se voltava para sua atividade favorita, fami- cas inequívocas do gosto e da originalidade. Por ter permiti-
liarizando seu espírito com aquelas importantes especula- do aos estudantes tomar notas, muitas opiniões e observa"
ções que mais tarde comunicaria ao mundo. Assim, embora
esse fosse um cenário muito pequeno para suas capacidades,
muito contribuiu, nesse ínterim, para a futura eminência de 7. O falecido Sr. Millar, celebrado professor de Direito na Universida-
seu caráter literário. de de Glasgow.
TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍ11CA XIX
XVIII
. - n ss"< "Em nenhum momento as habilidades do Sr. Smith se ;
-- es expr ssas "'"' conferê n ias
. J)Ucleram e_r detalhada
.. _ mostraram tão superiores quanto na qualidade de professor. :
õcs s pandas, re umc.las em cole o s ge1au;, e
em difi erta . d Nas suas conferências, confiava quase inteiramente num dis-
enfim !adas a público. Mas, c?n:o e ra d s~erar, m,utl ~
riglnalidade e d arár r di tmt.Jvo que tlevtam a . s u pn- curso improvisado. Seus modos, embora não fossem grado- '
meiro autor se per I u, e stão n, o raro o b cure 1da pela sos, eram simples e sem afetação; e, como sempre parecesse
interessado no assunto, nunca deixava de provocar interesse
muiLipli idade dos a~sunto. banais em qu foram mergullla-
em seus ouvintes. Cada discurso consistia, habitualmente, de
das e ovo lvida ·. _ . . várias proposições distintas, as quais sucessivamente com-
" 'e rca d um an de poi dessa nomea ao para a d t Cl -
provava e esclarecia. Quando anunciadas em termos gerais,
lina de Lógi a o Sr. , mith fo i le ito para a cadeira d Filo-
essas proposições freqüentemente, pela sua extensão, tinham
~ofia Mo ra l. Seu curso br s e obj to djvidiu-se em qua- algo de paradoxal. E, tentando explicá-las, de início parecia
tro partes. A primeira, r !ativa à Teol gia Natural, tra~av, ~a não dominar inteiramente o assunto, falando com alguma
pr vas da existência do attibut? de D eus, e os ~~mCJpl hesitação. Mas, na medida em que avançava, o tema parecia
lo espúiro huma no s bre , s qu~us fund a .a religt~o . A s - afluir, seu comportamento tornava-se então apaixonado, o
gunda, compreend endo a Etica e m seu sentido st:1ro, ccm- que o fazia exprimir-se com fluência e simplicidade. Em
sistia principalmente n.as doutrinas mais tarde publtcadas na pontos controversos, era possível perceber que secretamente
Teoria dos senlimentos morais. Na t r eira pane, tratou ma is aguardava a oposição às suas opiniões, para defendê-las com
dernoradam nte a parte da Moral relativa à justiça que, su- maior vigor e veemência. Pela amplitude e variedade de suas
bordinando-se a regras precisas e acuradas, p de, portanto, explicações, o assunto aos poucos avolumava em seu discur-
ser explicada d modo tã mplet quan.to mi nucioso . so, adquirindo uma dimensão que, sem tediosa repetição dos
''Quanto a esta pari- , seguiu a ordem que Mont squieu mesmos pontos de vista, era calculada para prender a aten-
pa re· ter sugerido: prime iro d lineou o gradual pr gres o ção da platéia, proporcionando-lhe prazer, bem como ins-
da juris prud ~ nda públi a e privada, da ' poca mai timiti- truindo-a a acompanhar o mesmo objeto através de toda a
'l às mais civilizadas, para então in Ucar que efeito. da réc- diversidade de nuanças e aspectos em que era apresentado.
nica.s contribuem para a ub istê ncia e acumula à de pr - Depois, fazia o caminho de volta até aquela proposição ori-
p riedade, produzind m lhori<U ou alt raç-es orret>J?Onden- ginária ou verdade geral da qual nascera aquele belo enca-
t s na lei e no governo. Tam bém pretendia qu essa impor- deamento de especulações.
tante patte de s us rral alh fos a·azicla a públi ·o; mas "Assim, sua reputação como professor espalhou-se por
e ·sa iot n ão, m ndonada na ond usão da Teoria dos senti- toda parte, e uma multidão de estudantes vinha de grandes
mentos mm· zis, não che ou a viver para vê-la r al izada. distâncias para essa Universidade apenas para vê-lo. Os ob-
"Na última parte de suas conferências, o Sr. Smith exa- jetos da ciência que lecionava tornaram-se moda naquele lu-
min u aquelas normas políti a qu · fundam ntam menos gar, e suas considerações tornaram-se tópicos principais nas
s i r o princípio da justiça qu da u.ttlídade. n rmas ·uja fi - discussões de associações e sociedades literárias. Mesmo as
nalidad é aumentar a riqueza p d r pro. p ricla le d um pequenas peculiaridades de sua pronúncia ou modo de falar
Estado. Assim, considerou as instituições políticas relaciona- foram freqüentemente imitados."
das com o comércio, finanças, instituições eclesiásticas e mi- Enquanto o Sr. Smith se distinguia, portanto, por seu
litares. O que proferiu sobre essas questões continha o ger- zelo e habilidade como orador, ia aos poucos estabelecendo
me da obra depois publicada sob o título de Investigação so- os fundamentos de uma reputação ainda maior, pois prepa-
bre a natureza e as causas da riqueza das nações. rava-se para publicar o seu sistema de moral. A primeira edi-
TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍ11CA XIX
XVIII
. - n ss"< "Em nenhum momento as habilidades do Sr. Smith se ;
-- es expr ssas "'"' conferê n ias
. J)Ucleram e_r detalhada
.. _ mostraram tão superiores quanto na qualidade de professor. :
õcs s pandas, re umc.las em cole o s ge1au;, e
em difi erta . d Nas suas conferências, confiava quase inteiramente num dis-
enfim !adas a público. Mas, c?n:o e ra d s~erar, m,utl ~
riglnalidade e d arár r di tmt.Jvo que tlevtam a . s u pn- curso improvisado. Seus modos, embora não fossem grado- '
meiro autor se per I u, e stão n, o raro o b cure 1da pela sos, eram simples e sem afetação; e, como sempre parecesse
interessado no assunto, nunca deixava de provocar interesse
muiLipli idade dos a~sunto. banais em qu foram mergullla-
em seus ouvintes. Cada discurso consistia, habitualmente, de
das e ovo lvida ·. _ . . várias proposições distintas, as quais sucessivamente com-
" 'e rca d um an de poi dessa nomea ao para a d t Cl -
provava e esclarecia. Quando anunciadas em termos gerais,
lina de Lógi a o Sr. , mith fo i le ito para a cadeira d Filo-
essas proposições freqüentemente, pela sua extensão, tinham
~ofia Mo ra l. Seu curso br s e obj to djvidiu-se em qua- algo de paradoxal. E, tentando explicá-las, de início parecia
tro partes. A primeira, r !ativa à Teol gia Natural, tra~av, ~a não dominar inteiramente o assunto, falando com alguma
pr vas da existência do attibut? de D eus, e os ~~mCJpl hesitação. Mas, na medida em que avançava, o tema parecia
lo espúiro huma no s bre , s qu~us fund a .a religt~o . A s - afluir, seu comportamento tornava-se então apaixonado, o
gunda, compreend endo a Etica e m seu sentido st:1ro, ccm- que o fazia exprimir-se com fluência e simplicidade. Em
sistia principalmente n.as doutrinas mais tarde publtcadas na pontos controversos, era possível perceber que secretamente
Teoria dos senlimentos morais. Na t r eira pane, tratou ma is aguardava a oposição às suas opiniões, para defendê-las com
dernoradam nte a parte da Moral relativa à justiça que, su- maior vigor e veemência. Pela amplitude e variedade de suas
bordinando-se a regras precisas e acuradas, p de, portanto, explicações, o assunto aos poucos avolumava em seu discur-
ser explicada d modo tã mplet quan.to mi nucioso . so, adquirindo uma dimensão que, sem tediosa repetição dos
''Quanto a esta pari- , seguiu a ordem que Mont squieu mesmos pontos de vista, era calculada para prender a aten-
pa re· ter sugerido: prime iro d lineou o gradual pr gres o ção da platéia, proporcionando-lhe prazer, bem como ins-
da juris prud ~ nda públi a e privada, da ' poca mai timiti- truindo-a a acompanhar o mesmo objeto através de toda a
'l às mais civilizadas, para então in Ucar que efeito. da réc- diversidade de nuanças e aspectos em que era apresentado.
nica.s contribuem para a ub istê ncia e acumula à de pr - Depois, fazia o caminho de volta até aquela proposição ori-
p riedade, produzind m lhori<U ou alt raç-es orret>J?Onden- ginária ou verdade geral da qual nascera aquele belo enca-
t s na lei e no governo. Tam bém pretendia qu essa impor- deamento de especulações.
tante patte de s us rral alh fos a·azicla a públi ·o; mas "Assim, sua reputação como professor espalhou-se por
e ·sa iot n ão, m ndonada na ond usão da Teoria dos senti- toda parte, e uma multidão de estudantes vinha de grandes
mentos mm· zis, não che ou a viver para vê-la r al izada. distâncias para essa Universidade apenas para vê-lo. Os ob-
"Na última parte de suas conferências, o Sr. Smith exa- jetos da ciência que lecionava tornaram-se moda naquele lu-
min u aquelas normas políti a qu · fundam ntam menos gar, e suas considerações tornaram-se tópicos principais nas
s i r o princípio da justiça qu da u.ttlídade. n rmas ·uja fi - discussões de associações e sociedades literárias. Mesmo as
nalidad é aumentar a riqueza p d r pro. p ricla le d um pequenas peculiaridades de sua pronúncia ou modo de falar
Estado. Assim, considerou as instituições políticas relaciona- foram freqüentemente imitados."
das com o comércio, finanças, instituições eclesiásticas e mi- Enquanto o Sr. Smith se distinguia, portanto, por seu
litares. O que proferiu sobre essas questões continha o ger- zelo e habilidade como orador, ia aos poucos estabelecendo
me da obra depois publicada sob o título de Investigação so- os fundamentos de uma reputação ainda maior, pois prepa-
bre a natureza e as causas da riqueza das nações. rava-se para publicar o seu sistema de moral. A primeira edi-
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA XXI
XX
ção de sua obra apareceu em 1759 com o título de Teoria dos Sobre a Teoria dos sentimentos morais e a Dissertação
sobre a origem das línguas
enttmentos morais. . .
Até ent , mu ndo de onhecm o Sr. Sn11th c~mo au-
- me · nsta qu ]lo uves e po to sua capactdade a A ciência ela Ética foi dividida pelos escritores moder-
tOL Na < · d
· lgRmento p r alguma o i ra n ~ nima, ex e to num perió 1- nos em. duas partes: uma compreende a teoria da Moral e a
JU0 •bamad . 11:Je Edinbwgb R 1..ew, cn.a d no ano cIe 175-) outra, as doutrinas práticas. As questões sobre as quais se
por alguns cava lheir s I hal_~dades. notii~eis ma. cu!o dedica a primeira são principalmente as duas que seguem:
c rnpromi.ssos com ou lr s n go 10~ o · H~p dt ram de_ u· a lem primeiro, por qual princípio ele nossa constituição somos
tos dois prim iros nú rn ros. O r. Smtth contribuiu para levados a formar a noção de distinções morais - pela facul-
esse perióclic m uma r s nha do D icionário da Ungua dade que, nos outros objetos de conhecimento humano,
Jngte.sa do Dr . .Johnson ta ~l l ém o m uma cart~ nder. - percebe a distinção entre o verdadeiro e o falso, ou por al-
:ada ao. d ito r , m q ue fazta algumas observa oes germs gum. poder peculiar da percepção (chamado por alguns de
sobre a situa a la lit ratura nos diferentes pais · da E l - Senso moral) a que agrada um conjunto de qualidades e
rapa. No úlLi m de ses textos, aponta alguns der ito oa desagrada outro? Segundo, qual o objeto próprio de aprova-
o br:l do Dr. }o hnson a qu al cen sura pela in ufi iêo ia ção moral? Ou, em. outras palavras, qual a qualidade ou
d ·pecto gramati al. "Os dife rentes signifl ·ados 1· uma qualidades comuns a todos os diferentes tipos de virtude? É
palavra, bserva, são realmente ol tado mas raramem ã a benevolência um amor de si racional, ou uma disposição
sumariza lo. em classes gerais u o rgan izad s segu ndo o (resultante do predomínio da Razão sobre a Paixão) para
ignitkacl principal da pabvr : E não se t ma ufi ient agir adequadamente nas diferentes relações em que somos
uidaclo m di t ingui r as palavra apar nte m nle sinAn l- colocados? Essas duas questões parecem esgotar toda a teoria
rnas." Pa ra ilustrar essa ríti a, opta do Dr. I h.ns n os v r- da Moral. A finalidade da primeira é verificar a origem de nossas
b te. 13 T e HUM UR on Lrastando-cr a v rbetcs que jul- idéias morais; a da outra, relacionar os fenômenos de percepção
ga m.ai.s ·onformes. Os várlos significado da palavra BUT moral a suas leis mais simples e mais gerais.
são enumerados I n.ttmei.ra m.ui t feliz e corr ta. O ou tro As doutrinas práticas da moralidade compreendem todas
verb te, p r outro lado, nã par ce ter sido reaHzado com as regras de conduta que pretendem indicar as finalidades pró-
.igual cuidado. prias da atividade humana e os meios mais eficazes de atingi-
As l serva ·ô s sobre a ncli ·fio elo aprendizado na Eu- las; ao que elevemos acrescentar todos aqueles textos literários,
ropn sã e · 'rita oro engenh c elegância; mas são intere - não importando qual seja sua forma particular, cujo propósito
, ntes 1 ri.n ipalm m p r r velar m interesse elo Autor em é fortalecer e animar nossas boas disposições, dando-nos no-
relaçã à fi! sofia lit ratura cl ontinente, num p riodo ções de beleza, de dignidade, ou de utilidade da Virtude.
em que não ram mu ito estudadas nesta llha. Não pretendo questionar, por ora, se essa divisão é
No mesmo volum ·' de Teo1"la dos sentim entos morais, o bem fundada. Comentarei apenas que as palavras Teoria e
Sr. Smith pulli ou uma "Dissertação sobre a origem das lln uas, Prática não são, neste caso, empregadas conforme seu sen-
e sobre os d iferentes car:.LCteres que as originam e ompõem". tido habitual. A teoria da Moral não admite, por exemplo, a
Os om ntários que tenho a oferecer sobre esses dois discur- mesma relação com a prática da Moral que a teoria da
sos serão tratados num capítulo à parte, para maior clareza. Geometria admite com. a Geometria prática. Nesta última
ciência, todas as regras práticas são fundadas sobre princí-
pios teóricos previamente estabelecidos. Mas, na ciência da
Moral, as regras práticas são claras para as faculdades de
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA XXI
XX
ção de sua obra apareceu em 1759 com o título de Teoria dos Sobre a Teoria dos sentimentos morais e a Dissertação
sobre a origem das línguas
enttmentos morais. . .
Até ent , mu ndo de onhecm o Sr. Sn11th c~mo au-
- me · nsta qu ]lo uves e po to sua capactdade a A ciência ela Ética foi dividida pelos escritores moder-
tOL Na < · d
· lgRmento p r alguma o i ra n ~ nima, ex e to num perió 1- nos em. duas partes: uma compreende a teoria da Moral e a
JU0 •bamad . 11:Je Edinbwgb R 1..ew, cn.a d no ano cIe 175-) outra, as doutrinas práticas. As questões sobre as quais se
por alguns cava lheir s I hal_~dades. notii~eis ma. cu!o dedica a primeira são principalmente as duas que seguem:
c rnpromi.ssos com ou lr s n go 10~ o · H~p dt ram de_ u· a lem primeiro, por qual princípio ele nossa constituição somos
tos dois prim iros nú rn ros. O r. Smtth contribuiu para levados a formar a noção de distinções morais - pela facul-
esse perióclic m uma r s nha do D icionário da Ungua dade que, nos outros objetos de conhecimento humano,
Jngte.sa do Dr . .Johnson ta ~l l ém o m uma cart~ nder. - percebe a distinção entre o verdadeiro e o falso, ou por al-
:ada ao. d ito r , m q ue fazta algumas observa oes germs gum. poder peculiar da percepção (chamado por alguns de
sobre a situa a la lit ratura nos diferentes pais · da E l - Senso moral) a que agrada um conjunto de qualidades e
rapa. No úlLi m de ses textos, aponta alguns der ito oa desagrada outro? Segundo, qual o objeto próprio de aprova-
o br:l do Dr. }o hnson a qu al cen sura pela in ufi iêo ia ção moral? Ou, em. outras palavras, qual a qualidade ou
d ·pecto gramati al. "Os dife rentes signifl ·ados 1· uma qualidades comuns a todos os diferentes tipos de virtude? É
palavra, bserva, são realmente ol tado mas raramem ã a benevolência um amor de si racional, ou uma disposição
sumariza lo. em classes gerais u o rgan izad s segu ndo o (resultante do predomínio da Razão sobre a Paixão) para
ignitkacl principal da pabvr : E não se t ma ufi ient agir adequadamente nas diferentes relações em que somos
uidaclo m di t ingui r as palavra apar nte m nle sinAn l- colocados? Essas duas questões parecem esgotar toda a teoria
rnas." Pa ra ilustrar essa ríti a, opta do Dr. I h.ns n os v r- da Moral. A finalidade da primeira é verificar a origem de nossas
b te. 13 T e HUM UR on Lrastando-cr a v rbetcs que jul- idéias morais; a da outra, relacionar os fenômenos de percepção
ga m.ai.s ·onformes. Os várlos significado da palavra BUT moral a suas leis mais simples e mais gerais.
são enumerados I n.ttmei.ra m.ui t feliz e corr ta. O ou tro As doutrinas práticas da moralidade compreendem todas
verb te, p r outro lado, nã par ce ter sido reaHzado com as regras de conduta que pretendem indicar as finalidades pró-
.igual cuidado. prias da atividade humana e os meios mais eficazes de atingi-
As l serva ·ô s sobre a ncli ·fio elo aprendizado na Eu- las; ao que elevemos acrescentar todos aqueles textos literários,
ropn sã e · 'rita oro engenh c elegância; mas são intere - não importando qual seja sua forma particular, cujo propósito
, ntes 1 ri.n ipalm m p r r velar m interesse elo Autor em é fortalecer e animar nossas boas disposições, dando-nos no-
relaçã à fi! sofia lit ratura cl ontinente, num p riodo ções de beleza, de dignidade, ou de utilidade da Virtude.
em que não ram mu ito estudadas nesta llha. Não pretendo questionar, por ora, se essa divisão é
No mesmo volum ·' de Teo1"la dos sentim entos morais, o bem fundada. Comentarei apenas que as palavras Teoria e
Sr. Smith pulli ou uma "Dissertação sobre a origem das lln uas, Prática não são, neste caso, empregadas conforme seu sen-
e sobre os d iferentes car:.LCteres que as originam e ompõem". tido habitual. A teoria da Moral não admite, por exemplo, a
Os om ntários que tenho a oferecer sobre esses dois discur- mesma relação com a prática da Moral que a teoria da
sos serão tratados num capítulo à parte, para maior clareza. Geometria admite com. a Geometria prática. Nesta última
ciência, todas as regras práticas são fundadas sobre princí-
pios teóricos previamente estabelecidos. Mas, na ciência da
Moral, as regras práticas são claras para as faculdades de
TEORIA DOS SENT7MENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍT1CA XXIII
XXII
to d OS OS h OInens ' ao passo que princípios
, _
teóricos
., .
formam
.
to, apresentam mais diferenças que semelhanças, se cotejados
um dos mais difíceis objetos de d1scussao que Ja mst1garam entre si. De acordo com o Sr. Hume, todas as qualidades deno-
ngenho do: mctafis i s. . , . , minadas virtuosas são úteis ou para nós ou para outros, e o
0
Par~ iJ LlSr.rar as domrinas da moralidade pratica se flZer- prazer que sentimos quando as observamos é o prazer da uti-
105 c n cssão pa.m algu n lnfelize pre on ·eitos produzi- lidade. Sem rejeitar inteiramente a doutrina do Sr. Hume, o Sr.
~0 ou encorajado pnr sist mas ele pol1ti violentos e opre - Smith propõe uma outra, bem mais abrangente; uma doutrina
siv s), os anrigos parecem ter- valido de roda lu z de ~ue a com a qual as mais famosas teorias de moralidade criadas por
naru reza prove\! a razão humana; e, realmen:e, o escr.1Lor~ seus predecessores concordariam em parte já que, segundo o
uc post do.rm o L • tnLL'II'<lm <> tema com m•uor .su sso .a Sr. Smith, todas de algum modo dela se originariam.
1
os que s~gu irom m~Li _d perto a~ p~a?as clos..ftló ofos_ ·r~­ Tentarei fazer um pequeno resumo dessa teoria tão ori-
gos e .r man s. T<tmbem a questao teonca relativa à e senoa ginal e tão engenhosa. Sei que, para os já familiarizados aos
da virtud , ou ao ol?ieli próprio da aprova ã moral, ra um d , termos com que o autor expõe sua teoria, a tentativa talvez
tópic: s pecUl to· nas discu sões das a ·ad mia · da anligui- pareça supérflua. Apesar disso, estou persuadido de que não
da.d e. A qu~ tão reL1.tiva ao p rincipio da aprovação moral, em- será inteiramente inútil aos que ainda não dominam essas
b ra não int irrunente de origem m derna, le m si prind pal- digressões abstratas, na medida em que, apresentando-lhes
m nt tis uticla desde os es rit s de udworrh, m opo. ição uma seqüência entre os princípios básicos do sistema, evita-
aos d, I Iohl ·s· e é essa que tão que ( uja novidad e dificulda- rá que sua atenção inevitavelmente se distraia com as várias
d aLracm d imed iat a curiosidade dos espú·.il s s peculati- e felizes ilustrações do autor, e as diversas e eloqüentes di-
vos) tem produzido a maior parte das teorias que tanto ca- gressões que animam e enfeitam seus textos.
racterizam como distinguem uns dos outros os mais recentes Conforme o princípio fundamental da teoria do Sr.
sistemas de filosofia moral. Smith, os objetos primários de nossas percepções morais são
Era opinià d Dr. u lw rth, e tamb ' m l Dr. larke, as ações de outros homens; além disso nossos juízos morais
que d if< ren ·tts m rais ão p r el ida por .' c poder do sobre nossa própria conduta são apenas aplicações, sobre
espírito apaz de d islinguir verda ira do falso. A refuta- nós mesmos, de decisões já proferidas a respeito da conduta
ão less sist •ma. ·on útuiu urn gra nde tema da filosofia d do nosso próximo. Desse modo, a obra do Sr. Smith com-
I r. Hur h ~s n qu , ao se op r àq u la opinião, pretend u preende duas investigações distintas que, embora possam
ll')O. trar que o · L rm s "c rro" "errado" expressam determi- convergir quanto a seu propósito geral, o leitor deve distin-
n.a das q ualidades agradáv i e desagradáveis das açõ · qua- gui-las cuidadosamente, para compreender todos os passos
lklad s ·sas as qua is nã cabe à razão per eber, mas ao da argumentação. A finalidade da primeira investigação é ex-
sentimento; e àquele poder de percepção que nos torna plicar como aprendemos a julgar a conduta de nosso próxi-
capaz de sentir prazer ou dor quando assistimos à prática mo; a da segunda, mostrar como, ao aplicarmos esses juízos
da virtude ou a do vício deu o nom l Senso Moral. Suas sobre nós mesmos, adquirimos um senso de dever e um sen-
demonstrações sobre esse assunto são, de modo geral, acei- timento de sua suprema autoridade sobre todos os nossos
tas tanto pelo Sr. Hume uanl p lo r. Smilh; div rgem outros princípios de ação.
dele no ~nra.mo, num ponto importa nte: enqua nto o Sr. Nossos juízos morais, quer relativos à nossa própria con-
Hutcheson sup e que o sens m ral seja um slmp le princí- duta, quer à de outros, encerram duas percepções distintas:
pio de nossa constituição que não pode ser descrito, os primeira, uma percepção da conduta, certa ou errada; segun-
outros dois filósofos tentaram analisar essa faculdade segun- da, uma percepção do mérito ou demérito do agente. Esse
do princípios mais gerais. Seus respectivos sistemas, entretan- atributo da conduta, a que os moralistas dão o nome de Re-
TEORIA DOS SENT7MENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍT1CA XXIII
XXII
to d OS OS h OInens ' ao passo que princípios
, _
teóricos
., .
formam
.
to, apresentam mais diferenças que semelhanças, se cotejados
um dos mais difíceis objetos de d1scussao que Ja mst1garam entre si. De acordo com o Sr. Hume, todas as qualidades deno-
ngenho do: mctafis i s. . , . , minadas virtuosas são úteis ou para nós ou para outros, e o
0
Par~ iJ LlSr.rar as domrinas da moralidade pratica se flZer- prazer que sentimos quando as observamos é o prazer da uti-
105 c n cssão pa.m algu n lnfelize pre on ·eitos produzi- lidade. Sem rejeitar inteiramente a doutrina do Sr. Hume, o Sr.
~0 ou encorajado pnr sist mas ele pol1ti violentos e opre - Smith propõe uma outra, bem mais abrangente; uma doutrina
siv s), os anrigos parecem ter- valido de roda lu z de ~ue a com a qual as mais famosas teorias de moralidade criadas por
naru reza prove\! a razão humana; e, realmen:e, o escr.1Lor~ seus predecessores concordariam em parte já que, segundo o
uc post do.rm o L • tnLL'II'<lm <> tema com m•uor .su sso .a Sr. Smith, todas de algum modo dela se originariam.
1
os que s~gu irom m~Li _d perto a~ p~a?as clos..ftló ofos_ ·r~­ Tentarei fazer um pequeno resumo dessa teoria tão ori-
gos e .r man s. T<tmbem a questao teonca relativa à e senoa ginal e tão engenhosa. Sei que, para os já familiarizados aos
da virtud , ou ao ol?ieli próprio da aprova ã moral, ra um d , termos com que o autor expõe sua teoria, a tentativa talvez
tópic: s pecUl to· nas discu sões das a ·ad mia · da anligui- pareça supérflua. Apesar disso, estou persuadido de que não
da.d e. A qu~ tão reL1.tiva ao p rincipio da aprovação moral, em- será inteiramente inútil aos que ainda não dominam essas
b ra não int irrunente de origem m derna, le m si prind pal- digressões abstratas, na medida em que, apresentando-lhes
m nt tis uticla desde os es rit s de udworrh, m opo. ição uma seqüência entre os princípios básicos do sistema, evita-
aos d, I Iohl ·s· e é essa que tão que ( uja novidad e dificulda- rá que sua atenção inevitavelmente se distraia com as várias
d aLracm d imed iat a curiosidade dos espú·.il s s peculati- e felizes ilustrações do autor, e as diversas e eloqüentes di-
vos) tem produzido a maior parte das teorias que tanto ca- gressões que animam e enfeitam seus textos.
racterizam como distinguem uns dos outros os mais recentes Conforme o princípio fundamental da teoria do Sr.
sistemas de filosofia moral. Smith, os objetos primários de nossas percepções morais são
Era opinià d Dr. u lw rth, e tamb ' m l Dr. larke, as ações de outros homens; além disso nossos juízos morais
que d if< ren ·tts m rais ão p r el ida por .' c poder do sobre nossa própria conduta são apenas aplicações, sobre
espírito apaz de d islinguir verda ira do falso. A refuta- nós mesmos, de decisões já proferidas a respeito da conduta
ão less sist •ma. ·on útuiu urn gra nde tema da filosofia d do nosso próximo. Desse modo, a obra do Sr. Smith com-
I r. Hur h ~s n qu , ao se op r àq u la opinião, pretend u preende duas investigações distintas que, embora possam
ll')O. trar que o · L rm s "c rro" "errado" expressam determi- convergir quanto a seu propósito geral, o leitor deve distin-
n.a das q ualidades agradáv i e desagradáveis das açõ · qua- gui-las cuidadosamente, para compreender todos os passos
lklad s ·sas as qua is nã cabe à razão per eber, mas ao da argumentação. A finalidade da primeira investigação é ex-
sentimento; e àquele poder de percepção que nos torna plicar como aprendemos a julgar a conduta de nosso próxi-
capaz de sentir prazer ou dor quando assistimos à prática mo; a da segunda, mostrar como, ao aplicarmos esses juízos
da virtude ou a do vício deu o nom l Senso Moral. Suas sobre nós mesmos, adquirimos um senso de dever e um sen-
demonstrações sobre esse assunto são, de modo geral, acei- timento de sua suprema autoridade sobre todos os nossos
tas tanto pelo Sr. Hume uanl p lo r. Smilh; div rgem outros princípios de ação.
dele no ~nra.mo, num ponto importa nte: enqua nto o Sr. Nossos juízos morais, quer relativos à nossa própria con-
Hutcheson sup e que o sens m ral seja um slmp le princí- duta, quer à de outros, encerram duas percepções distintas:
pio de nossa constituição que não pode ser descrito, os primeira, uma percepção da conduta, certa ou errada; segun-
outros dois filósofos tentaram analisar essa faculdade segun- da, uma percepção do mérito ou demérito do agente. Esse
do princípios mais gerais. Seus respectivos sistemas, entretan- atributo da conduta, a que os moralistas dão o nome de Re-
1EORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA XXV
XXIV
Lid:Jo, 0 Sr. 'rnith d signa onveo iência e sua recria ·omeça. sempre correspondem aos sentimentos que imagina seriam os
com uma inveslig:lçâ sobre a natureza I s a trlluto, e de quem sofre.
como s mos I 'Vados a fo rmar uma idéia cl I ~. prop si- A esse princípio de nossa natureza, que nos faz experi-
à s , 1 a ixo om preenclero princípi s bási o::; d ua d li- mentar as situações de outros, e dividir com eles as paixões
trina a ess r ·speito: que essas situações tendem a despertar, o Sr. Smith dá o no-
1. É a pe na · a p·1rtir I nossa pr ' pria expe riência que me de simpatia ou solidariedade, palavras que emprega como
p demos forma r urna idéia ·obre o qu s ucede numa dada · sinônimos. Reconhece que em algumas ocasiões a simpatia
sjtuação n espírito d utra pessoa; e o único m do pelo se origina s impl sm ·nte da visão de certa emoção em outra
quaJ r c.1 m · formar essa idéia ··, supo.nd -nos em cir un - pessoa; em I ra ·geralm ~ nr se deva não tanto à visão da
1.:1n ias id ~ nti a·, imaginar com r agiríam s ne. s . a os. emoção, mas à visão da situação que a provoca.
Entr ·t.a nto, ' impossfve l c nceb"r-no. colo ad s m qual- 2. A simpatia ou solidariedade entre diferentes pessoas é
q uer : ituaçào, agradável 0 1.1 não, sem s ntirm um cl ito
sempre agradável a ambas. Quando estou numa situação
semelhante ao qu a própr(a situação em n ' s me mo · pro-
que excita uma paixão qualquer, é agradável saber que os
d uz.iria; con ·eqüe.nle m nte, a aten ào q ue dam , nw:n certo
que acompanham a minha situação experimentam comigo
mome nto s circunstân ·i<Js cl noss pr ' ximo cl ve nos afe-
tar de modo sem lhante, emb ra jamais com a mesma JnL n- todas as suas v{u·ias circunstâncias, e são por elas afetados da
ic.lad m que seríam afetados se n s mesmo e tivé ·se- mesma maneira que eu. De outro lado, é agradável ao es-
mos em tais circunstâncias. pectador observar essa correspondência entre suas emoções
O Sr. Smith se vale de vários exemplos para mostrar que e as minhas.
essa mudan ·a imaginãrla de po ·.i ·ã é a rig~ m c.l nos o 3. Quando o espectador da situação de outro homem,
r a! interesse pel s d srino de no. !-iO p r ' ximo : "Quando colocando-se em todas as diversas circunstâncias do outro,
vemos que um golpe est{J pr . tes a r desferido s bre a p e r- sente-se afetado da mesma maneira que a pessoa diretamen-
na ou bra · d utra p s a natmalm nr enc !hemos c re- te envolvida na ação, aprova a emoção ou paixão dessa pes-
Linun< , nossa. própria p rna Oll bra o· , 1uando o olpe fi- soa, julgando-a justa e correta além de adequada ao seu
nalmente é desferido, de algum modo o sentimos e somos objeto. As e ·ões a essa observação, segundo o Sr. Smith,
por ele tão atingidos quanto quem de fato o sofreu. Ao admi- são apenas aparentes. "Um estranho passa por nós na rua,
rar um bailarino na corda bamba, as pessoas da multidão na- com todos os sinais da mais profunda aflição, e imediata-
turalmente contorcem, meneiam e balançam seus corpos co- mente nos dizem que ele acaba de receber a notícia da mor-
mo o vêem fazer, e como sentem que teriam de fazer se esti- r do pai. É Impossível, neste caso, não aprovarmo sua dor.
vessem na mesma situação."" Segundo o Sr. Smith, o mesmo. ontudo, pode a onte ·er não raro, em qu isso indique
ocorre em todos os casos em que voltamos nossa atenção pa- d uma nidad de nossa p arte, que , impossibilitados de par-
I(!. a nclição d n . o próximo. · ja qual for a pal:xão sus- ri ., ar da violê n ia de sua dor, mal pudéssemos conceber os
citada por wn hj to qllalquer na 1 essoa di.reram ·nte envol- primeiros m vimemos de pr ocupação que o acom panham....
vicl<l na a :âo, uma m ç:-1o análoga brota no p lt d todo A exp l'iênda nos e nsinou , contudo, qu e um tal infortúnio
sp '[acJ r ate nto que se imagine em sua situ a ·ão. Em LO la natundment provoca tal grau de sofrimento; além disso sa-
paixão ele que é suscetíve.l espírito humano, a m õ s d bemos que, se nos detivéssemos em refletir plenamente, em
observador, a olo ·ar-s a i m sm todos os seus aspectos, sobre a situação do outro, sem dúvi-
da simpatizaríamos sin.ceram nle com ele. É sobre a consciên-
cia dessa simpatia condicional que se baseia nossa aprova-
• TSM, Parte I, Seção I, Cap. I, p. 6. (N. da R. T.) ção de seu pesar, até mesmo nos casos em que essa simpa-
1EORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA XXV
XXIV
Lid:Jo, 0 Sr. 'rnith d signa onveo iência e sua recria ·omeça. sempre correspondem aos sentimentos que imagina seriam os
com uma inveslig:lçâ sobre a natureza I s a trlluto, e de quem sofre.
como s mos I 'Vados a fo rmar uma idéia cl I ~. prop si- A esse princípio de nossa natureza, que nos faz experi-
à s , 1 a ixo om preenclero princípi s bási o::; d ua d li- mentar as situações de outros, e dividir com eles as paixões
trina a ess r ·speito: que essas situações tendem a despertar, o Sr. Smith dá o no-
1. É a pe na · a p·1rtir I nossa pr ' pria expe riência que me de simpatia ou solidariedade, palavras que emprega como
p demos forma r urna idéia ·obre o qu s ucede numa dada · sinônimos. Reconhece que em algumas ocasiões a simpatia
sjtuação n espírito d utra pessoa; e o único m do pelo se origina s impl sm ·nte da visão de certa emoção em outra
quaJ r c.1 m · formar essa idéia ··, supo.nd -nos em cir un - pessoa; em I ra ·geralm ~ nr se deva não tanto à visão da
1.:1n ias id ~ nti a·, imaginar com r agiríam s ne. s . a os. emoção, mas à visão da situação que a provoca.
Entr ·t.a nto, ' impossfve l c nceb"r-no. colo ad s m qual- 2. A simpatia ou solidariedade entre diferentes pessoas é
q uer : ituaçào, agradável 0 1.1 não, sem s ntirm um cl ito
sempre agradável a ambas. Quando estou numa situação
semelhante ao qu a própr(a situação em n ' s me mo · pro-
que excita uma paixão qualquer, é agradável saber que os
d uz.iria; con ·eqüe.nle m nte, a aten ào q ue dam , nw:n certo
que acompanham a minha situação experimentam comigo
mome nto s circunstân ·i<Js cl noss pr ' ximo cl ve nos afe-
tar de modo sem lhante, emb ra jamais com a mesma JnL n- todas as suas v{u·ias circunstâncias, e são por elas afetados da
ic.lad m que seríam afetados se n s mesmo e tivé ·se- mesma maneira que eu. De outro lado, é agradável ao es-
mos em tais circunstâncias. pectador observar essa correspondência entre suas emoções
O Sr. Smith se vale de vários exemplos para mostrar que e as minhas.
essa mudan ·a imaginãrla de po ·.i ·ã é a rig~ m c.l nos o 3. Quando o espectador da situação de outro homem,
r a! interesse pel s d srino de no. !-iO p r ' ximo : "Quando colocando-se em todas as diversas circunstâncias do outro,
vemos que um golpe est{J pr . tes a r desferido s bre a p e r- sente-se afetado da mesma maneira que a pessoa diretamen-
na ou bra · d utra p s a natmalm nr enc !hemos c re- te envolvida na ação, aprova a emoção ou paixão dessa pes-
Linun< , nossa. própria p rna Oll bra o· , 1uando o olpe fi- soa, julgando-a justa e correta além de adequada ao seu
nalmente é desferido, de algum modo o sentimos e somos objeto. As e ·ões a essa observação, segundo o Sr. Smith,
por ele tão atingidos quanto quem de fato o sofreu. Ao admi- são apenas aparentes. "Um estranho passa por nós na rua,
rar um bailarino na corda bamba, as pessoas da multidão na- com todos os sinais da mais profunda aflição, e imediata-
turalmente contorcem, meneiam e balançam seus corpos co- mente nos dizem que ele acaba de receber a notícia da mor-
mo o vêem fazer, e como sentem que teriam de fazer se esti- r do pai. É Impossível, neste caso, não aprovarmo sua dor.
vessem na mesma situação."" Segundo o Sr. Smith, o mesmo. ontudo, pode a onte ·er não raro, em qu isso indique
ocorre em todos os casos em que voltamos nossa atenção pa- d uma nidad de nossa p arte, que , impossibilitados de par-
I(!. a nclição d n . o próximo. · ja qual for a pal:xão sus- ri ., ar da violê n ia de sua dor, mal pudéssemos conceber os
citada por wn hj to qllalquer na 1 essoa di.reram ·nte envol- primeiros m vimemos de pr ocupação que o acom panham....
vicl<l na a :âo, uma m ç:-1o análoga brota no p lt d todo A exp l'iênda nos e nsinou , contudo, qu e um tal infortúnio
sp '[acJ r ate nto que se imagine em sua situ a ·ão. Em LO la natundment provoca tal grau de sofrimento; além disso sa-
paixão ele que é suscetíve.l espírito humano, a m õ s d bemos que, se nos detivéssemos em refletir plenamente, em
observador, a olo ·ar-s a i m sm todos os seus aspectos, sobre a situação do outro, sem dúvi-
da simpatizaríamos sin.ceram nle com ele. É sobre a consciên-
cia dessa simpatia condicional que se baseia nossa aprova-
• TSM, Parte I, Seção I, Cap. I, p. 6. (N. da R. T.) ção de seu pesar, até mesmo nos casos em que essa simpa-
XXVI TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA XXVII

tia nã h ga 11 rre r de fato . Assim, as regra gerais dedu- nossa própria dignidade e honra, e a conveniência de nossa
zJdas cJ nossa experiência ant ri r daquilo a qu no s s en- própria conduta.
Umento~ habitualmente c rr . ponderiam corrigem, nessa e em Para ilustrar de outra maneira sua doutrina, o Sr. Smith
muitas outras ocasiões, a ln ·o nve hi ~ nci a de nossas emoções considera especialmente os graus das diferentes paixões que
momentânea ."• combinam com o decoro, e procura mostrar como, em cada
Portanto, por c rweniência d qualquer afero ou paixão caso, expressar intensamente uma paixão é decente ou inde-
demonstra lo por outra p s oa deve-se mende r sua ade- cente, conforme a disposição ela humanidade a simpatizar
quaçã ao bjeto que a pr v ca. ó posso ju lg~u· essa ·t !e- com ela. Por exemplo, é inadequado expressar intensamente
quação a partir ela co incid_ê n ·ia do afew com o qu sim-o, se uma dessas paixões que nascem de certa condição do corpo,
m imagino na:> mesmas circunstâncias; e a p rcep ão d ~ a pois não se pode esperar de outros homens, que não estã<;.>
coi nd l ~n ilt f-tmdarnento do s nLimenro le ttprouaçào na mesma condição, que simpatizem com essas paixões. E
moral. impróprio gritar de dor física, pois a simpatia sentida pelo
4. Ainda 1ue o fato de prestarm s men ão · situa - d espectador é desproporcional à intensidade do sentimento
trll<t p ss a nos ima inarm . nas sua ·ircuostâncias na- do sofredor. O caso é de algum modo semelhante ao daque-
turalm ntc suscite em n :so spírit< uma m â de esp • ci las paixões que se originam de um determinado pendor ou
s m Jhant à que o o 1tr sente, ssa mo :ão de impali<, hábito da imaginação.
c mudo, existe muna proporç: o inferi r à qu • e ntida pela No caso de paixões insaciáveis, como o ódio e o ressen-
1 essoa dir tam nte envol icl na ação. Por i. o a im cl b- timento, a simpatia do espectador se divide entre quem sen-
rer o pntzer da ·impaúa mútua, a natureza n. ina o esp ·ta- te a paixão e quem é objeto dela. "Ambos nos interessam; e
do ,· a s sforç:tr tant > 1uanr p ssível, r ara I var sua nosso medo pelo que um deles possa sofrer abafa nosso res-
em ·, o até o nível qu, bj t r alme nt pr duziria: e, de sentimento por aquilo que o outro sofreu."• Donde o grau
outro lad , lHmhém ensina à r ss a ·uja paixão foL provoca- imperfeito com que simpatizamos com tais paixões, e a con-
d~t p r ' SSt: bjeLo a r luzi-la, Lanto 1uànt po.s~ível, até o veniência, quando sob influência delas, de moderarmos sua
nível da emoção do espectador. manifestação, muito mais do que é exigido no caso de qual-
5. Sobre esses dois diferentes esforços fundam-se dois quer outra emoção.
<.li f · r ·ntes ·o njunto · !e virtudes. obr o e -forço do especta- O inverso disso àcorre em relação a todos os afetos so-
dor d · exp rimen tar a sltuaç'i da pessoa diretame nte envo l- ciáveis e benevolentes. A simpatia do espectador para com a
vida na ;rção e el var sua m ~ o de simpatia ao nível das pessoa que as sente coincide com sua preocupação com a pes-
emoções do ator, fundam-se as virtudes gentis e amáveis, as soa que é objeto delas. Assim, é essa simpatia dupla que torna
virtudes da condescendência franca e da humanidade indul- esses afetos tão particularmente dignos e agradáveis.
gente. Sobre o esforço da pessoa diretamente envolvida na As emoções egoístas de dor e alegria, quando concebi-
ação de rebaixar suas próprias emoções de modo a corres- das em proveito de nossa sorte, boa ou má fortuna, ocupam
pond r m o mais possível às do espectador, fundam-se as uma espécie de lugar intermediário entre nossas paixões so-
granel s virtudes graves e respeitáveis: as virtudes da abne- ciáveis e insaciáveis. Nunca são tão gentis como as de um
gação, do autocontrole, daquele comando das paixões que grupo, nem tão odiosas como as do outro. Mesmo quando
sujeita todos os movimentos de nossa natureza ao que exige excessivas, nunca são tão desagradáveis como o excessivo

• TSM, Parte I, Seção I, Cap. III, p. 17. (N. da R. T.) • TSM, Parte I, Seção 11, Cap. III, p. 38. (N. da R. T.)
XXVI TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA XXVII

tia nã h ga 11 rre r de fato . Assim, as regra gerais dedu- nossa própria dignidade e honra, e a conveniência de nossa
zJdas cJ nossa experiência ant ri r daquilo a qu no s s en- própria conduta.
Umento~ habitualmente c rr . ponderiam corrigem, nessa e em Para ilustrar de outra maneira sua doutrina, o Sr. Smith
muitas outras ocasiões, a ln ·o nve hi ~ nci a de nossas emoções considera especialmente os graus das diferentes paixões que
momentânea ."• combinam com o decoro, e procura mostrar como, em cada
Portanto, por c rweniência d qualquer afero ou paixão caso, expressar intensamente uma paixão é decente ou inde-
demonstra lo por outra p s oa deve-se mende r sua ade- cente, conforme a disposição ela humanidade a simpatizar
quaçã ao bjeto que a pr v ca. ó posso ju lg~u· essa ·t !e- com ela. Por exemplo, é inadequado expressar intensamente
quação a partir ela co incid_ê n ·ia do afew com o qu sim-o, se uma dessas paixões que nascem de certa condição do corpo,
m imagino na:> mesmas circunstâncias; e a p rcep ão d ~ a pois não se pode esperar de outros homens, que não estã<;.>
coi nd l ~n ilt f-tmdarnento do s nLimenro le ttprouaçào na mesma condição, que simpatizem com essas paixões. E
moral. impróprio gritar de dor física, pois a simpatia sentida pelo
4. Ainda 1ue o fato de prestarm s men ão · situa - d espectador é desproporcional à intensidade do sentimento
trll<t p ss a nos ima inarm . nas sua ·ircuostâncias na- do sofredor. O caso é de algum modo semelhante ao daque-
turalm ntc suscite em n :so spírit< uma m â de esp • ci las paixões que se originam de um determinado pendor ou
s m Jhant à que o o 1tr sente, ssa mo :ão de impali<, hábito da imaginação.
c mudo, existe muna proporç: o inferi r à qu • e ntida pela No caso de paixões insaciáveis, como o ódio e o ressen-
1 essoa dir tam nte envol icl na ação. Por i. o a im cl b- timento, a simpatia do espectador se divide entre quem sen-
rer o pntzer da ·impaúa mútua, a natureza n. ina o esp ·ta- te a paixão e quem é objeto dela. "Ambos nos interessam; e
do ,· a s sforç:tr tant > 1uanr p ssível, r ara I var sua nosso medo pelo que um deles possa sofrer abafa nosso res-
em ·, o até o nível qu, bj t r alme nt pr duziria: e, de sentimento por aquilo que o outro sofreu."• Donde o grau
outro lad , lHmhém ensina à r ss a ·uja paixão foL provoca- imperfeito com que simpatizamos com tais paixões, e a con-
d~t p r ' SSt: bjeLo a r luzi-la, Lanto 1uànt po.s~ível, até o veniência, quando sob influência delas, de moderarmos sua
nível da emoção do espectador. manifestação, muito mais do que é exigido no caso de qual-
5. Sobre esses dois diferentes esforços fundam-se dois quer outra emoção.
<.li f · r ·ntes ·o njunto · !e virtudes. obr o e -forço do especta- O inverso disso àcorre em relação a todos os afetos so-
dor d · exp rimen tar a sltuaç'i da pessoa diretame nte envo l- ciáveis e benevolentes. A simpatia do espectador para com a
vida na ;rção e el var sua m ~ o de simpatia ao nível das pessoa que as sente coincide com sua preocupação com a pes-
emoções do ator, fundam-se as virtudes gentis e amáveis, as soa que é objeto delas. Assim, é essa simpatia dupla que torna
virtudes da condescendência franca e da humanidade indul- esses afetos tão particularmente dignos e agradáveis.
gente. Sobre o esforço da pessoa diretamente envolvida na As emoções egoístas de dor e alegria, quando concebi-
ação de rebaixar suas próprias emoções de modo a corres- das em proveito de nossa sorte, boa ou má fortuna, ocupam
pond r m o mais possível às do espectador, fundam-se as uma espécie de lugar intermediário entre nossas paixões so-
granel s virtudes graves e respeitáveis: as virtudes da abne- ciáveis e insaciáveis. Nunca são tão gentis como as de um
gação, do autocontrole, daquele comando das paixões que grupo, nem tão odiosas como as do outro. Mesmo quando
sujeita todos os movimentos de nossa natureza ao que exige excessivas, nunca são tão desagradáveis como o excessivo

• TSM, Parte I, Seção I, Cap. III, p. 17. (N. da R. T.) • TSM, Parte I, Seção 11, Cap. III, p. 38. (N. da R. T.)
XXVIII TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA XXIX

r nlimemo, porqu e nenhu ma s impatia p >sta jama is pode rece recompe nsa ou puniçã é, em outras pc lavras, afirmar
sus ·itar noss interesse conu· essa mo õ Si e, q uando são q ue tal p ssoa é um objeto aclequad d gratidão u r s en-
mai < lequ ~tda as us obj ros, nun a s tornam tà agradá- time nto· ou, que dá n > mesmo, )U , <1 s lhos de uma
veis <.: mo s ntimemo d imparCia l humanidade e a ju.. ra pes a ou várl<ts pessoas objeto d gra tid ão o u ressenrime n-
b ~~cvolênda, p ois nenhuma simpa tia du p la p d jam is n t , orn o qual todo hom m s ns<tto se cüsp- a simpatizar
fazer inv ressar por elas. adotando-o, portanto.
·Depois dessa es p "cula es g rais s br a nv niA ncia É fundamental observar, no entanto, que não simpatiza-
da · a ões, o Sr. 'm iLh ·runimt em qu medida juíz s da mos de imediato com a gratidão de um homem para com ou-
humani lad a esse r speit ào su Lívei da influê ncia, em tro apenas porque esse outro foi a causa de sua boa fortuna,
casos pa.rticu l· res, elas cir u n tân ci fa voráveis ou adversa a não ser que por trás dessa ação haja motivos dos quais dis-
do agente. A fi nalidad d sua argurn ntaçào nessa s çào é cordamos inteiramente. Na verdade, nosso sentimento quan-
mostrar em op s!ção ao s n -comum, q ue, q uando não se to ao bom merecimento de uma ação é composto, constituído
lra ta I inv ja, n oss~t tendência a simpatizar com a alegria é de uma simpatia indireta pela pess a a quem a ação benefi-
mui t rnai r lo q u a tendência a si mpatizar om a dor· por cia, e de simp atia direta para com os 'tfews e motivos do agen-
isso mesmo, é mais fácil obter aprovação dos homens na te. A mesma observação aplica-se, mutatis mutandis, a nos-
felictdad do que na adversidade . Partindo dom m prin í- so sentimento de demérito ou de desprezo.
pi , o , r. 'mj[h traça a origem da ambi ào, ou do de jo d Infere-se desses princípios que as únicas ações que nos
hon ra preeminência. grande j Lo d sa pa ixão ·onsis-
r are m m r cedoras de recompensa são a s d · uma t n-
Lc m alca nçar um a situação ta l qu ·aloque > hom m à
d n ia I n llca, o rigi nadas ele motivos ad ' qt1ad S; as üo ica.
vista da simpatia e da atenção gerais, conferindo-lhe um fácil
a õe qu par em m r cer puni ão são a ·õ · d. · t ·o l o ia
domínio sobre os afetos de outros.
da nosa, rigin~tda lc motivos ina lequados. A mera fa lta d
Tendo concluído a análise de nosso senso de conveniên-
cia e inconveniência, o Sr. Smith passa a analisar nosso senso l nefi ên 'i ~l nã xp - c à pu ni âo, pois não end a n nhum
de mérito e demérito, o qual julga não ter ligação, à primeira mal real definido. De outro lado, um homem que seja apenas
vista, com nossos próprios caracteres, mas com os de nosso inocente, satisfazendo-se com a observação estrita das leis da
próximo. Ao explicar a origem desse traço de nossa constitui- justiça relativas aos demais, só pode ter merecimento se seu
ção moral, aplica o mesmo princípio da simpatia por meio do próximo, por sua vez, em relação a ele, observar religiosa-
qual determina o sentimento de aprovaçà moral. mente as mesmas leis.
Os termos conveniência e inconveniência, atribuídos a E.c;.<;as oi servaçô levam o ·r. 'mith a ante ·ipar um pou-
um afeto do espírito, são usados nessa teoria (como já se mos- ·o o t ma da segunda grande p~t rte d sua o bra, pois intr duz
trou) para expressar a adequação ou inadequação do afeto à um<t l rev in vestiga ào sobre a origem do senso de ju. Ll a,
causa que o provocou. Os termos mérito e demérito sempre que pode ser aplicado à no. a própritt~ ondula, também d
se referem (segundo o Sr. Smith) ao efeito que o afeto tende a nosso:-. 'entim ntos d remorso e de bom merecime nto.
produzir. Quando a tendência de um afeto é benéfica, o agen- A origem do nosso senso de justiça, bem como de todos
te nos parece objeto adequado de recompensa; quando é do- os nossos outros sentimentos morais, é explicada segundo o
lorosa, o agente nos parece objeto adequado de punição. pri n 'íp i da simpall a. S uuço t1ni amentc os sentime ntos
Os princípios em nossa natureza que nos tornam mais qu e tão de nLro d m u peito, a mi nha felicidade rnc pare-
capazes de recompensar e punir são respectivamente ·a grati- ce mui l ma is im port.aole lo que a de t d s os ouLros ho-
dão e o ressentimento. Por isso, afirmar que uma pessoa me- mens. Mas tenho consciência de que, por causa dessa exces-
XXVIII TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA XXIX

r nlimemo, porqu e nenhu ma s impatia p >sta jama is pode rece recompe nsa ou puniçã é, em outras pc lavras, afirmar
sus ·itar noss interesse conu· essa mo õ Si e, q uando são q ue tal p ssoa é um objeto aclequad d gratidão u r s en-
mai < lequ ~tda as us obj ros, nun a s tornam tà agradá- time nto· ou, que dá n > mesmo, )U , <1 s lhos de uma
veis <.: mo s ntimemo d imparCia l humanidade e a ju.. ra pes a ou várl<ts pessoas objeto d gra tid ão o u ressenrime n-
b ~~cvolênda, p ois nenhuma simpa tia du p la p d jam is n t , orn o qual todo hom m s ns<tto se cüsp- a simpatizar
fazer inv ressar por elas. adotando-o, portanto.
·Depois dessa es p "cula es g rais s br a nv niA ncia É fundamental observar, no entanto, que não simpatiza-
da · a ões, o Sr. 'm iLh ·runimt em qu medida juíz s da mos de imediato com a gratidão de um homem para com ou-
humani lad a esse r speit ào su Lívei da influê ncia, em tro apenas porque esse outro foi a causa de sua boa fortuna,
casos pa.rticu l· res, elas cir u n tân ci fa voráveis ou adversa a não ser que por trás dessa ação haja motivos dos quais dis-
do agente. A fi nalidad d sua argurn ntaçào nessa s çào é cordamos inteiramente. Na verdade, nosso sentimento quan-
mostrar em op s!ção ao s n -comum, q ue, q uando não se to ao bom merecimento de uma ação é composto, constituído
lra ta I inv ja, n oss~t tendência a simpatizar com a alegria é de uma simpatia indireta pela pess a a quem a ação benefi-
mui t rnai r lo q u a tendência a si mpatizar om a dor· por cia, e de simp atia direta para com os 'tfews e motivos do agen-
isso mesmo, é mais fácil obter aprovação dos homens na te. A mesma observação aplica-se, mutatis mutandis, a nos-
felictdad do que na adversidade . Partindo dom m prin í- so sentimento de demérito ou de desprezo.
pi , o , r. 'mj[h traça a origem da ambi ào, ou do de jo d Infere-se desses princípios que as únicas ações que nos
hon ra preeminência. grande j Lo d sa pa ixão ·onsis-
r are m m r cedoras de recompensa são a s d · uma t n-
Lc m alca nçar um a situação ta l qu ·aloque > hom m à
d n ia I n llca, o rigi nadas ele motivos ad ' qt1ad S; as üo ica.
vista da simpatia e da atenção gerais, conferindo-lhe um fácil
a õe qu par em m r cer puni ão são a ·õ · d. · t ·o l o ia
domínio sobre os afetos de outros.
da nosa, rigin~tda lc motivos ina lequados. A mera fa lta d
Tendo concluído a análise de nosso senso de conveniên-
cia e inconveniência, o Sr. Smith passa a analisar nosso senso l nefi ên 'i ~l nã xp - c à pu ni âo, pois não end a n nhum
de mérito e demérito, o qual julga não ter ligação, à primeira mal real definido. De outro lado, um homem que seja apenas
vista, com nossos próprios caracteres, mas com os de nosso inocente, satisfazendo-se com a observação estrita das leis da
próximo. Ao explicar a origem desse traço de nossa constitui- justiça relativas aos demais, só pode ter merecimento se seu
ção moral, aplica o mesmo princípio da simpatia por meio do próximo, por sua vez, em relação a ele, observar religiosa-
qual determina o sentimento de aprovaçà moral. mente as mesmas leis.
Os termos conveniência e inconveniência, atribuídos a E.c;.<;as oi servaçô levam o ·r. 'mith a ante ·ipar um pou-
um afeto do espírito, são usados nessa teoria (como já se mos- ·o o t ma da segunda grande p~t rte d sua o bra, pois intr duz
trou) para expressar a adequação ou inadequação do afeto à um<t l rev in vestiga ào sobre a origem do senso de ju. Ll a,
causa que o provocou. Os termos mérito e demérito sempre que pode ser aplicado à no. a própritt~ ondula, também d
se referem (segundo o Sr. Smith) ao efeito que o afeto tende a nosso:-. 'entim ntos d remorso e de bom merecime nto.
produzir. Quando a tendência de um afeto é benéfica, o agen- A origem do nosso senso de justiça, bem como de todos
te nos parece objeto adequado de recompensa; quando é do- os nossos outros sentimentos morais, é explicada segundo o
lorosa, o agente nos parece objeto adequado de punição. pri n 'íp i da simpall a. S uuço t1ni amentc os sentime ntos
Os princípios em nossa natureza que nos tornam mais qu e tão de nLro d m u peito, a mi nha felicidade rnc pare-
capazes de recompensar e punir são respectivamente ·a grati- ce mui l ma is im port.aole lo que a de t d s os ouLros ho-
dão e o ressentimento. Por isso, afirmar que uma pessoa me- mens. Mas tenho consciência de que, por causa dessa exces-
XXX TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA XXXI

siva p.r eminên ·ia, o· outJ'OS não p dern, d modo algum, As observações precedentes contêm uma síntese geral
sin11 ·nizar migo: para eles, em ntra1 rutida, pareço ape- dos p rincípios do Sr. 'mith r laliv s à origem de nossos sen-
na · um d nlr ~1 mullidào, 1 or qu m não estão mais inter ·s- timento:> morais, pelo menos na m did·t em que se referem à
sados do que por qualquer outro indivíduo. Se desejar, pois, conduta de outros. Não obstante, o autor reconhece, ao mes-
conquistar sua simpatia e aprovação (que, segundo o Sr. mo tempo, que os sentimentos de que temos consciência,
Smith, constituem os objetos do maior desejo de minha natu- em determinadas situações, nem sempre coincidem com es-
reza), é prec i c nsiderar minha f licidacle não à luz om ses princípios já que fre qüentemente são m dificaclos por
que se apresenta a mim, mas à luz com que se apres nta à outras o.n siderações que não as cl ·onveniên ia u in ·on-
humanidade em geral. Se me fazem um mal que nã pr vo- veniên ia c.lol; afetos do agem , u a de rencl ~ nda be n fica
quei, sei que a sociedade terá simpatia por meu ressentimen- ou danosa desses afetos. Por princípio, as conseqüências
to; mas, se eu prejudicar os inte resses de outra pessoa que boa u más qu a ide malmente s s gu em de urna a ào, e
nunca me fez mal apenas porque interferem no desenvolvi- que, p r isso não d pe nd 111 d agente, 11<-'io deveria m in-
mento dos meus próprios interesses, sei que a sociedade há fluend~tr nossa opiniã , qu ~ r quant à onv ruencia, quer

de simpatizar com o seu ressentimento, e então serei objeto quanto ao m- rito ele ua on luta. No •ntanto, de fato quas
de indignação geral. nunca d lxam d intlu •n lar · >nsid ravelmente nosso julga-
Se, em qualquer ocasião, sou levado pela violência da mento: levam-nos a formar uma opinião boa ou ruim quanto
paixão a ignorar essas considerações e, quando há conflito de à prudência com que a ação foi executada, e animam nosso
interesses, a agir segundo meus próprios sentimentos e não senso do mérito ou demérito de sua intenção. Esses fatos,
segundo aqueles de espectadores imparciais, jamais deixo de eJ1lretanto, ofer cem bjeçõ s q ue podem .ser JXtrtlcu la r-
sofrer o castigo do remorso. Quando minha paixão se vê sa- m nl empr gacla contra a teoria do Sr. Smlrh, pai , s ja
ciada, e começo a refletir lucidamente sobre minha conduta qual fo r a blpót s que adotemos quanl à orig ·m l nossa!>
já não consigo compreender os motivos que a incitaram; pa~ J er epçõe m rai:> todos os hom ns têm dt:: r conh · r qu ·,
rece agora tão inadequada para mim, como para o resto do na m dida em que o evento favoráv~ l u desfavor::ivel cl
mundo; lamento os efeitos dessa minha conduta, tenho pena Ltma a ào depende da fortuna Lt d , :1 ·i lente, não dev ria
do infeliz sofredor a quem prejudiquei; e sinto que sou com nem aumentar nem diminuir a nossa aprovação ou reprova-
justiça objeto de indignação da humanidade. "Tal é", diz o Sr. . ào moral do ag nt' . N se se.n rido, os m r-cllistas I todas
Smith, "a natureza do sentimento que com propriedade se as época reclamava m q u , s ntimt.:ntos reais c1 homem
chama de remorso . É composto de vergonha pelo senso de tào freqü nt ment · s • · mra ponb ~1111 Zl essa ind isputável e
inconveniência da minha conduta passada; da dor, pelos efei- eqüitativa máxima.. É pre ·i. o ·on. ider' tr, portanto, qu ao
tos dessa ação; de piedade pelos que por causa dela sofrem; observar essa Lrregul ari lati - de nosso· cntirnentos morais
e de pavor, terror, da punição, pela consciência do justo res- Sr. Smith não está vid n lando uma bjeção pe :uliar a eu
sentimento de todas as criaturas racionais."* próprio . i$t ma, mas r m vendo uma dificuld·1d que igual-
O comportamento oposto - isto é, de alguém que, por m m-· ating todas as t ria. até aq ui pro postas s bre . e
motivos razoáveis, realizou uma ação generosa - inspira de tema . At · 011cl sei, o ·r. Snúth é o primeiro fil sofo Lotal-
maneira semelhante o sentimento oposto de consciência do m me ·ons ·i nte da impon â11Cia ela difi uldacle, e real m ~nte
mérito, ou de merecida recompensa. <l lr:JLOll · m grari le h abiüclacl • e êxito. Ao Justificá.-la, de
n nhum modo a apresenta di wrcida por qua lqu r p u llari-
dade de seu próprio esquema, o que, devo admitir, parece-
' TSM, Parte li, Seção II, Cap. II, pp. 105-6. (N. da R. T.) me a mais sólida e valios·t contribuição que fez para esse ra-
XXX TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA XXXI

siva p.r eminên ·ia, o· outJ'OS não p dern, d modo algum, As observações precedentes contêm uma síntese geral
sin11 ·nizar migo: para eles, em ntra1 rutida, pareço ape- dos p rincípios do Sr. 'mith r laliv s à origem de nossos sen-
na · um d nlr ~1 mullidào, 1 or qu m não estão mais inter ·s- timento:> morais, pelo menos na m did·t em que se referem à
sados do que por qualquer outro indivíduo. Se desejar, pois, conduta de outros. Não obstante, o autor reconhece, ao mes-
conquistar sua simpatia e aprovação (que, segundo o Sr. mo tempo, que os sentimentos de que temos consciência,
Smith, constituem os objetos do maior desejo de minha natu- em determinadas situações, nem sempre coincidem com es-
reza), é prec i c nsiderar minha f licidacle não à luz om ses princípios já que fre qüentemente são m dificaclos por
que se apresenta a mim, mas à luz com que se apres nta à outras o.n siderações que não as cl ·onveniên ia u in ·on-
humanidade em geral. Se me fazem um mal que nã pr vo- veniên ia c.lol; afetos do agem , u a de rencl ~ nda be n fica
quei, sei que a sociedade terá simpatia por meu ressentimen- ou danosa desses afetos. Por princípio, as conseqüências
to; mas, se eu prejudicar os inte resses de outra pessoa que boa u más qu a ide malmente s s gu em de urna a ào, e
nunca me fez mal apenas porque interferem no desenvolvi- que, p r isso não d pe nd 111 d agente, 11<-'io deveria m in-
mento dos meus próprios interesses, sei que a sociedade há fluend~tr nossa opiniã , qu ~ r quant à onv ruencia, quer

de simpatizar com o seu ressentimento, e então serei objeto quanto ao m- rito ele ua on luta. No •ntanto, de fato quas
de indignação geral. nunca d lxam d intlu •n lar · >nsid ravelmente nosso julga-
Se, em qualquer ocasião, sou levado pela violência da mento: levam-nos a formar uma opinião boa ou ruim quanto
paixão a ignorar essas considerações e, quando há conflito de à prudência com que a ação foi executada, e animam nosso
interesses, a agir segundo meus próprios sentimentos e não senso do mérito ou demérito de sua intenção. Esses fatos,
segundo aqueles de espectadores imparciais, jamais deixo de eJ1lretanto, ofer cem bjeçõ s q ue podem .ser JXtrtlcu la r-
sofrer o castigo do remorso. Quando minha paixão se vê sa- m nl empr gacla contra a teoria do Sr. Smlrh, pai , s ja
ciada, e começo a refletir lucidamente sobre minha conduta qual fo r a blpót s que adotemos quanl à orig ·m l nossa!>
já não consigo compreender os motivos que a incitaram; pa~ J er epçõe m rai:> todos os hom ns têm dt:: r conh · r qu ·,
rece agora tão inadequada para mim, como para o resto do na m dida em que o evento favoráv~ l u desfavor::ivel cl
mundo; lamento os efeitos dessa minha conduta, tenho pena Ltma a ào depende da fortuna Lt d , :1 ·i lente, não dev ria
do infeliz sofredor a quem prejudiquei; e sinto que sou com nem aumentar nem diminuir a nossa aprovação ou reprova-
justiça objeto de indignação da humanidade. "Tal é", diz o Sr. . ào moral do ag nt' . N se se.n rido, os m r-cllistas I todas
Smith, "a natureza do sentimento que com propriedade se as época reclamava m q u , s ntimt.:ntos reais c1 homem
chama de remorso . É composto de vergonha pelo senso de tào freqü nt ment · s • · mra ponb ~1111 Zl essa ind isputável e
inconveniência da minha conduta passada; da dor, pelos efei- eqüitativa máxima.. É pre ·i. o ·on. ider' tr, portanto, qu ao
tos dessa ação; de piedade pelos que por causa dela sofrem; observar essa Lrregul ari lati - de nosso· cntirnentos morais
e de pavor, terror, da punição, pela consciência do justo res- Sr. Smith não está vid n lando uma bjeção pe :uliar a eu
sentimento de todas as criaturas racionais."* próprio . i$t ma, mas r m vendo uma dificuld·1d que igual-
O comportamento oposto - isto é, de alguém que, por m m-· ating todas as t ria. até aq ui pro postas s bre . e
motivos razoáveis, realizou uma ação generosa - inspira de tema . At · 011cl sei, o ·r. Snúth é o primeiro fil sofo Lotal-
maneira semelhante o sentimento oposto de consciência do m me ·ons ·i nte da impon â11Cia ela difi uldacle, e real m ~nte
mérito, ou de merecida recompensa. <l lr:JLOll · m grari le h abiüclacl • e êxito. Ao Justificá.-la, de
n nhum modo a apresenta di wrcida por qua lqu r p u llari-
dade de seu próprio esquema, o que, devo admitir, parece-
' TSM, Parte li, Seção II, Cap. II, pp. 105-6. (N. da R. T.) me a mais sólida e valios·t contribuição que fez para esse ra-
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍT7CA XXXIII
XXXII
mo da ciência. É impossível resumir tal justificativa num es- mentos e conduta, que na beleza ou feiúra de seu próprio
bo 0 om este; por lsso, lev me com: n.ra r m obs r ar rosto. Há, com efeito, um tribunal dentro de nosso peito, su-
que consiste de três pa1tes. A primeira expli ·a as ·au as des- premo árbitro de todas as nossas ações , que seguidamente
sa irregul.aticla l.e d senlim tltOi a se 'und·~ a extensão ele nos mortifica em meio ao aplauso, e nos ampara quando o
sua influência; e a terceira, os impo rtant s prop slt s a ~~u ~ mundo nos censura; mas, mesmo assim, objeta o autor, se
se subordina. Seus comentários sobr último d sse Lopl- investigarmos a origem de sua instituição, veremos que sua
cos são mais ng nhosos e agradáv i , pois a finalidade é jurisdição deriva em grande parte da autoridade daquele mes-
mostrar, em op içã ao que dev ríamos estar d~ ·p tos a mo tribunal cujas decisões tantas vezes e com tanta justiça
apreender inicialmente, que, quando a natureza Implantou reverte.
as sementes dessa irregularidade no p iro do homem, pre- Assim que nos vemos no mundo, por algum tempo per-
tendeu principalmente promover a fdi ·ic.lade e a perfeição seguimos ardorosamente o impossível projeto de conquistar
da espécie. a boa vontade e aprovação de todos. Porém, logo descobri-
o restante da teoria do Sr. Smith destina-se a mostrar mos que essa aprovação universal é inatingível; que a con-
como se forma nosso senso de dever graças à aplicação, sobre duta mais eqüitativa freqüentemente precisa frustrar os inte-
nós mesmos, dos julgamentos que de início fazíamos quanto resses ou inclinações de certas pessoas, as quais raramente
à conduta dos outros. serão franca s o suficiente para apreciar a conveniência de
Pa ra introduzir essa itW ligação, sem dúvida a mais im- nossos motivos , ou para ver que essa conduta, por mais que
portante da obra, e para a qual s especulações ~recedent~s a julguem desagradável, é perfeitamente adequada a nossa
são, segundo a Leoria do ·r. mith, uma preparaçao necessa- situação. Para nos defendermos desses julgamentos parciais,
ria , sustenta o Jato r~lativo à nossa consciência de elogi.o o~ logo aprendemos a instalar em nossos próprios espíritos um
censura merecidos. E preciso admitir, contudo, que a pnmel- juiz entre nós e aqueles com quem convivemos. Concebemo-
ra vi:âo lo fato, como o pr pri autor afirma, nã parece nos agindo na presença de uma pessoa que não tem relação
muit fav rável a seus púncípi . Por um lado r onhe e particular, nem conosco, nem com aqueles cujos interesses
ai rtament que a maior fina lidade de u m h omem ábio e são afetados por nossa conduta; e nos empenhamos para agir
virtuoso não é agir de modo a obter a aprovação real dos de modo a obter a aprovação desse suposto espectador im-
que o rodeiam, mas agir de modo a tornar-se para eles obj~e­ parcial. É somente consultando-o que podemos ver o que se
to justo e adeqrtado da aprovação. Além disso, sua ausfaç:a refere a nós, segundo uma forma e dimensões adequadas.
com sua própria conduta depende muito mais da c n í~n­ Em duas ocasiões diferentes, examinamos nossa própria
cia de merecer essa aprovação , do que de realmente sabo- conduta e tentamos vê-la à luz de um espectador imparcial.
reá-la. Por oulr lado, insiste em que, embora isso à primei- Primeiro, quando estamos na iminência de agir; segundo, de-
ra vista possa sugerir a existência de alguma faculdade moral pois de termos agido. Nos dois casos, nossas opiniões muito
que não seja tomada do exterio r, nossos sentimento. morais provavelmente serão p arciais.
sempre têm alguma secreta relaçã , ou om qu são os sen- Quando estamos na iminência de agir, a avidez da pai-
timentos dos outros, ou com o qu riam em d terminada xão raramente nos permite avaliar, com a imparcialidade de
condição, ou finalmente com o que imaginamos deveriam alguém indiferente, o que estamos fazendo. Quando a ação
ser; ainda, se fosse possível uma criatura humana crescer até termina, e as p aixões que a provocaram cederam, embora
a idade adulta sem nenhuma comunicação com sua própria sem dúvida possamos partilhar dos sentimentos do especta-
espécie, já não poderia pensar mais em seu próprio caráter, dor indiferente com muito mais frieza do que antes, é tão de-
nem na conveniência ou demérito de seus próprios senti- sagradável pensarmos mal de nós mesmos, que muitas vezes
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍT7CA XXXIII
XXXII
mo da ciência. É impossível resumir tal justificativa num es- mentos e conduta, que na beleza ou feiúra de seu próprio
bo 0 om este; por lsso, lev me com: n.ra r m obs r ar rosto. Há, com efeito, um tribunal dentro de nosso peito, su-
que consiste de três pa1tes. A primeira expli ·a as ·au as des- premo árbitro de todas as nossas ações , que seguidamente
sa irregul.aticla l.e d senlim tltOi a se 'und·~ a extensão ele nos mortifica em meio ao aplauso, e nos ampara quando o
sua influência; e a terceira, os impo rtant s prop slt s a ~~u ~ mundo nos censura; mas, mesmo assim, objeta o autor, se
se subordina. Seus comentários sobr último d sse Lopl- investigarmos a origem de sua instituição, veremos que sua
cos são mais ng nhosos e agradáv i , pois a finalidade é jurisdição deriva em grande parte da autoridade daquele mes-
mostrar, em op içã ao que dev ríamos estar d~ ·p tos a mo tribunal cujas decisões tantas vezes e com tanta justiça
apreender inicialmente, que, quando a natureza Implantou reverte.
as sementes dessa irregularidade no p iro do homem, pre- Assim que nos vemos no mundo, por algum tempo per-
tendeu principalmente promover a fdi ·ic.lade e a perfeição seguimos ardorosamente o impossível projeto de conquistar
da espécie. a boa vontade e aprovação de todos. Porém, logo descobri-
o restante da teoria do Sr. Smith destina-se a mostrar mos que essa aprovação universal é inatingível; que a con-
como se forma nosso senso de dever graças à aplicação, sobre duta mais eqüitativa freqüentemente precisa frustrar os inte-
nós mesmos, dos julgamentos que de início fazíamos quanto resses ou inclinações de certas pessoas, as quais raramente
à conduta dos outros. serão franca s o suficiente para apreciar a conveniência de
Pa ra introduzir essa itW ligação, sem dúvida a mais im- nossos motivos , ou para ver que essa conduta, por mais que
portante da obra, e para a qual s especulações ~recedent~s a julguem desagradável, é perfeitamente adequada a nossa
são, segundo a Leoria do ·r. mith, uma preparaçao necessa- situação. Para nos defendermos desses julgamentos parciais,
ria , sustenta o Jato r~lativo à nossa consciência de elogi.o o~ logo aprendemos a instalar em nossos próprios espíritos um
censura merecidos. E preciso admitir, contudo, que a pnmel- juiz entre nós e aqueles com quem convivemos. Concebemo-
ra vi:âo lo fato, como o pr pri autor afirma, nã parece nos agindo na presença de uma pessoa que não tem relação
muit fav rável a seus púncípi . Por um lado r onhe e particular, nem conosco, nem com aqueles cujos interesses
ai rtament que a maior fina lidade de u m h omem ábio e são afetados por nossa conduta; e nos empenhamos para agir
virtuoso não é agir de modo a obter a aprovação real dos de modo a obter a aprovação desse suposto espectador im-
que o rodeiam, mas agir de modo a tornar-se para eles obj~e­ parcial. É somente consultando-o que podemos ver o que se
to justo e adeqrtado da aprovação. Além disso, sua ausfaç:a refere a nós, segundo uma forma e dimensões adequadas.
com sua própria conduta depende muito mais da c n í~n­ Em duas ocasiões diferentes, examinamos nossa própria
cia de merecer essa aprovação , do que de realmente sabo- conduta e tentamos vê-la à luz de um espectador imparcial.
reá-la. Por oulr lado, insiste em que, embora isso à primei- Primeiro, quando estamos na iminência de agir; segundo, de-
ra vista possa sugerir a existência de alguma faculdade moral pois de termos agido. Nos dois casos, nossas opiniões muito
que não seja tomada do exterio r, nossos sentimento. morais provavelmente serão p arciais.
sempre têm alguma secreta relaçã , ou om qu são os sen- Quando estamos na iminência de agir, a avidez da pai-
timentos dos outros, ou com o qu riam em d terminada xão raramente nos permite avaliar, com a imparcialidade de
condição, ou finalmente com o que imaginamos deveriam alguém indiferente, o que estamos fazendo. Quando a ação
ser; ainda, se fosse possível uma criatura humana crescer até termina, e as p aixões que a provocaram cederam, embora
a idade adulta sem nenhuma comunicação com sua própria sem dúvida possamos partilhar dos sentimentos do especta-
espécie, já não poderia pensar mais em seu próprio caráter, dor indiferente com muito mais frieza do que antes, é tão de-
nem na conveniência ou demérito de seus próprios senti- sagradável pensarmos mal de nós mesmos, que muitas vezes
BIOGRAFU CRÍT7CA XXXV
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS
XXXIV
• . d sv),l
, ·. Oi . nosso p ·n am ··nt agradáveis, seja para a própria pessoa, seja para outros. Tam-
de propos1t · . das drcunstân-
,• bém admite que o sentimento de aprovação, segundo o qual
ias que p dem t rnar desfavorável no so julgamento .. ;/' julgamos algo virtuoso, é intensificado pela percepção da uti-
aquele auto-engan font de metacl das d sordens da VI a lidade ou, como o autor explica o fenômeno, é intensificado
humana. . . - le- por nossa simpatia pela felicidade daqueles a quem a utilida-
Para nos defendermos de ta1s üusoes, a ~atureza n~s . de se estende. Ainda assim, insiste em que não é a considera-
, f d ~ 1n do imp rt: ptível, p r melo de c ntmua ção dessa utilidade a primeira ou a principal origem da apro-
va LI o r.mnr . , •. . • is u o-
obs rva ·ões la conduta de utros, e ttas t ~~ as gera q_ I· .
t a qu é juStO conveni nte faz J' OU Vltar. i\lgumas
o__ s alheias chocam nossos s ntim ntos naLUnti ; e, quao o
s· vação moral.
Para resumir em algumas poucas palavras toda a doutri-
a o · I s quant nós na do Sr. Smith: "Quando aprovamos algum caráter ou ação,
obs rvamos outras pessoas o impr . tona c a - os sentimentos que experimentamos derivam de quatro fon-
mesn,1 0S··• on firma-s nos a 'I' nça debque nossa reprovaçao tes, em alguns aspectos diferentes entre si. Primeiro, simpati-
~ · ·ust.a. Portanto, naturalmente esta e1ecemos c.o mo regra zamos com os motivos do agente; segundo, participamos da
~~I q u totlas essas a - s d vem er evi tada ·, Ji qu · t n- gratidão dos que recebem o benefício de suas ações; tercei-
Ztern a nos toma r odiosos, despr · zíveis, ou mere . d~r f cl ro, observamos que sua conduta obedeceu às regras gerais
!çã . c por reflexão habitual, esfor ·am -n .pa l a JXar por meio das quais essas duas simpatias geralmente agem;
~n nos; 'espír itos ssa r gra gera l, a fi~n d o rnglf as d~~ e, por último, se consideramos tais ações como parte de um
lli l'[)a ões do amor de si, caso seja pre l algum~ v z a~l~ sistema de conduta que tende a promover a felicidade do
em ircunstâncias semelhante . e foss ,. ouv~ dttam e indivíduo, ou da sociedade, então dessa utilidade poderá
. ua paixão, o homem extremamen te ress nud ta lvez enc .- resultar certa beleza, não muito distinta da que atribuímos a
ra se a m rt d . u inimi o apena como uma p que~a qualquer máquina bem engendrada."* De acordo com o Sr.
c mpensa ' ãO p ·I s males rdinãrios que o ulro ~u ~u. M,ts Smith, esses diferentes sentimentos dão conta, em todos os
uas o l1serva o- oi ,·e a ondura d ut.r s• .ostnaJam-lh
. . casos possíveis, do sentimento composto de aprovação mo-
como são horríveis essas vin an as sa ng~lna n~; ; pol ISS ral. Diz: "Após eliminar os eventuais casos particulares, e ad-
ele imprimiu em seu espírito, m r gra mvanavel, ab t r- mitir que tudo necessariamente deve proceder de um ou vá-
se das vinganças em todas as ca iõ . . Essa re~a pr s ~a ~ rios desses quatro princípios, gostaria de saber o que mais
autoridade sobre si mesmo, controla lmp. ruostdade de . u.t resta, e concederei prontamente que esse resíduo seja atri-
paixão, e corrige as opiniões par ·!ai. sug ndas pelo am ,' d._ buído a um senso moral, ou a qualquer outra faculdade pe-
si. contudo, se fosse a primeira vez que leva~a .m , nta .'S culiar, contanto que me demonstrem em que precisamente
sa ação sem dúvida estab ]e ê-la-la omo ~çao ~~~a e ~pt o­ consiste esse resíduo .""*
priada, e , mo algo que t do spect~dor lJJl par~J,ll a~t- v~~ A opinião do Sr. Smith quanto à natureza da virtude está
· A co nsidera âo d ssas r gras gerats ele moralidad · coas compreendida em sua teoria relativa ao princípio da aprova-
na. d h , · adequad·l- ção moral. Considera que a idéia de virtude sempre implica
titui o que segundo o Sr. Sn'litl s po e c amru .' •
mente de senso do dever. . _ . . a idéia de conveniência, ou de adequação do afeto ao obje-
Sugeri anteriormente que o Sr. Smlth nao des~arta mte.l- to que a suscita; adequação essa que só poderia ser determi-
ramcnte de seu sist ma aquele prin,cípio de . u.t~b~ade, cuJa nada pela simpatia de espectadores imparciais para com os
p rc pção em qualqu r a . à ou carater constltut, segundo o
'r. Hum e, o strnlímenlo de aprovação nw ral. ? Sr. Hum~ re-
conhece como proposição universalm •nte vah~~ qu_e ~o se • TSM, Parte VII , Seção III, Cap. III, p. 406. (N. da R. T.)
•• TSM, Parte VII , Seção III, Cap. III, p . 406. (N. da R. T.)
aprovam como virtuosas as qualidades do espmto utels ou
BIOGRAFU CRÍT7CA XXXV
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS
XXXIV
• . d sv),l
, ·. Oi . nosso p ·n am ··nt agradáveis, seja para a própria pessoa, seja para outros. Tam-
de propos1t · . das drcunstân-
,• bém admite que o sentimento de aprovação, segundo o qual
ias que p dem t rnar desfavorável no so julgamento .. ;/' julgamos algo virtuoso, é intensificado pela percepção da uti-
aquele auto-engan font de metacl das d sordens da VI a lidade ou, como o autor explica o fenômeno, é intensificado
humana. . . - le- por nossa simpatia pela felicidade daqueles a quem a utilida-
Para nos defendermos de ta1s üusoes, a ~atureza n~s . de se estende. Ainda assim, insiste em que não é a considera-
, f d ~ 1n do imp rt: ptível, p r melo de c ntmua ção dessa utilidade a primeira ou a principal origem da apro-
va LI o r.mnr . , •. . • is u o-
obs rva ·ões la conduta de utros, e ttas t ~~ as gera q_ I· .
t a qu é juStO conveni nte faz J' OU Vltar. i\lgumas
o__ s alheias chocam nossos s ntim ntos naLUnti ; e, quao o
s· vação moral.
Para resumir em algumas poucas palavras toda a doutri-
a o · I s quant nós na do Sr. Smith: "Quando aprovamos algum caráter ou ação,
obs rvamos outras pessoas o impr . tona c a - os sentimentos que experimentamos derivam de quatro fon-
mesn,1 0S··• on firma-s nos a 'I' nça debque nossa reprovaçao tes, em alguns aspectos diferentes entre si. Primeiro, simpati-
~ · ·ust.a. Portanto, naturalmente esta e1ecemos c.o mo regra zamos com os motivos do agente; segundo, participamos da
~~I q u totlas essas a - s d vem er evi tada ·, Ji qu · t n- gratidão dos que recebem o benefício de suas ações; tercei-
Ztern a nos toma r odiosos, despr · zíveis, ou mere . d~r f cl ro, observamos que sua conduta obedeceu às regras gerais
!çã . c por reflexão habitual, esfor ·am -n .pa l a JXar por meio das quais essas duas simpatias geralmente agem;
~n nos; 'espír itos ssa r gra gera l, a fi~n d o rnglf as d~~ e, por último, se consideramos tais ações como parte de um
lli l'[)a ões do amor de si, caso seja pre l algum~ v z a~l~ sistema de conduta que tende a promover a felicidade do
em ircunstâncias semelhante . e foss ,. ouv~ dttam e indivíduo, ou da sociedade, então dessa utilidade poderá
. ua paixão, o homem extremamen te ress nud ta lvez enc .- resultar certa beleza, não muito distinta da que atribuímos a
ra se a m rt d . u inimi o apena como uma p que~a qualquer máquina bem engendrada."* De acordo com o Sr.
c mpensa ' ãO p ·I s males rdinãrios que o ulro ~u ~u. M,ts Smith, esses diferentes sentimentos dão conta, em todos os
uas o l1serva o- oi ,·e a ondura d ut.r s• .ostnaJam-lh
. . casos possíveis, do sentimento composto de aprovação mo-
como são horríveis essas vin an as sa ng~lna n~; ; pol ISS ral. Diz: "Após eliminar os eventuais casos particulares, e ad-
ele imprimiu em seu espírito, m r gra mvanavel, ab t r- mitir que tudo necessariamente deve proceder de um ou vá-
se das vinganças em todas as ca iõ . . Essa re~a pr s ~a ~ rios desses quatro princípios, gostaria de saber o que mais
autoridade sobre si mesmo, controla lmp. ruostdade de . u.t resta, e concederei prontamente que esse resíduo seja atri-
paixão, e corrige as opiniões par ·!ai. sug ndas pelo am ,' d._ buído a um senso moral, ou a qualquer outra faculdade pe-
si. contudo, se fosse a primeira vez que leva~a .m , nta .'S culiar, contanto que me demonstrem em que precisamente
sa ação sem dúvida estab ]e ê-la-la omo ~çao ~~~a e ~pt o­ consiste esse resíduo .""*
priada, e , mo algo que t do spect~dor lJJl par~J,ll a~t- v~~ A opinião do Sr. Smith quanto à natureza da virtude está
· A co nsidera âo d ssas r gras gerats ele moralidad · coas compreendida em sua teoria relativa ao princípio da aprova-
na. d h , · adequad·l- ção moral. Considera que a idéia de virtude sempre implica
titui o que segundo o Sr. Sn'litl s po e c amru .' •
mente de senso do dever. . _ . . a idéia de conveniência, ou de adequação do afeto ao obje-
Sugeri anteriormente que o Sr. Smlth nao des~arta mte.l- to que a suscita; adequação essa que só poderia ser determi-
ramcnte de seu sist ma aquele prin,cípio de . u.t~b~ade, cuJa nada pela simpatia de espectadores imparciais para com os
p rc pção em qualqu r a . à ou carater constltut, segundo o
'r. Hum e, o strnlímenlo de aprovação nw ral. ? Sr. Hum~ re-
conhece como proposição universalm •nte vah~~ qu_e ~o se • TSM, Parte VII , Seção III, Cap. III, p. 406. (N. da R. T.)
•• TSM, Parte VII , Seção III, Cap. III, p . 406. (N. da R. T.)
aprovam como virtuosas as qualidades do espmto utels ou
T

TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA XXXVII


XXXVI
A obra contém uma grande combinação de importantes
moti os do ag ~ nl ". M~1s, nio obstante, entende que essa d:s-
verdades e, embora o autor algumas vezes se -perca no ardor
criçà da vim.t le é in ompl ta, pois, eml ra em l?da :_çao
de generalizar seus princípios, tem o mérito de chamar a
virluosa a conv niência ·ja um ingre llenle essem:1al nao
sempr - (lnlco. As a . > s 1 ~n ' fi -as conl~m outra quaUda_de
pc r meio da qunl pare ·em não apenas roere· r a~rova ao
mas laml ' m r compensa, e x itt~m um grau sup oor de es-
certamente deixará todos chocados, quer por simpatizarem com o ressenti-
mento de seu próximo, quer por verem que o mesmo poderia acontecer
tima, que nasce de uma $impatia lol rada: pel s morivos ~ consigo. Daí surgir no espírito de todo homem certa noção da natureza e
agente, e pela gratidão da que.! qu ão objet. s .d . eu a f. - força do dever, em que consiste o princípio e o fim da justiça. De maneira
semelhante, o homem que, para defender outros, é o primeiro a lançar-se
to . A esse respcit a bcncficên ia pare· -lhe d1sl.lnta das VIr-
em perigo, suportando até mesmo a fúria dos mais feroz • :mimais, nunca
tudes inferiores de prudência, vigilância, dr ·unspccçào, tem- deixa d: receber da multidão as mais acaloradas acl amaçues de aplauso e
perança. · n 1il n ia firm 1..:1, que sã< mpr julgadas . ·~m veneraçao; enquanto o que mostra uma conduta diversa é perseguido com
~1pr va ão. m<t. nfio C( nf rem mérito. Avalia que essa d~ un- censura e reprovação. E assim as pessoas começam a discernir a natureza
das coisas honradas e torpes, em que consiste a diferença entre elas, e a
çãn rui.o tem sido :-;ufi ·í - memente observada pel?s n:orahstas; perceber que as primeiras, pelo benefício que trazem, devem ser admiradas
os princípios cJ algun s não oferecem uma explica ·no para a e imitadas, e as últimas, detestadas e evitadas."
aprovaçüo qu 'l n ·edem s às virtudes infe ri ore. , .e os de . "A pa1tir da doutrina contida nesse trecho", diz o Sr. Gillies, "o Dr.
Sm1th desenvolve uma teoria dos sentimentos morais. Mas afasta-se do seu
oulros ex plicam. taml ' m impcrfciram nte, a P ·ulla.l' exce- autor, reduzindo a percepção de certo e errado fundamental e simplesmen-
lência que se reconhece na supr "ma virtude da I n fi ·A nc:ia. te a sent1mento ou emoção. l'olíbio, ao contrário, afirma, como Aristóteles,
Tais são os contornos da Teoria elos senf'imeulos momi do que essas noções resultam ela razão ou intelecto operando sobre afeto ou
apetite; ou, noutras palavras, que a faculdade moral é um composto que
Sr. Smith, uma obra que deve ser por todos rc nhecida como pode ser resolvido nos dois princípios mais simples do espírito." (Gillies,
um singular esforço da invenção•, engenhosida !e sutilezas. "Aristóteles", vol. i, pp. 302-3, za edição.)
únira ex prcssàc a qu~ objeto nos dois p e ríodo~ p n.:ccdemcs ·. seu
CJ/t/or. 4llt: p:ll' ·c· ins inuar 111ru1 :Ku. apo ll.' pl:'tgio ·on1 .1 o St·. , mil h .. cu-
saç:.to. •stcnt 'l1<>, lmer"cicb . :o m ·~ •ito, ll'ill ;t ·~e J ·· tnn . tS\l d • curil sa
• A lnvcnçr o (·• tnventio", no l:ttlm) ·• llll\a p:~rrc da rc Lóri .., que ~lnSL'>-
· índJ-..ncl~ ·ntrc dClis nJ(}So os quamo ao mesmo assunto, l' como wl n:lo
e 11 1 ~ckcl m•r ·mtsidcnt ·õ s g ·mi:; ' v rd:tdciras. p:u~~ 1 m3r prcwavt'l :•
11":'
tenho dúvida de que o próprio Sr. Smith a teria comentado se lhe ocorres-
·ausu ld'cndid:t c :q lk:i-1:• a l':1sos lntlividuai$. u ltt, tr:t t:t-s • de d ·ol~~tr se à lembrança enquanto escrevia seu livro. De tais coincidências acidentais
Lllll :1:;.,un10 cc m que o ouVÍI11,•/l ·ltnr se h.lcnllf qu~ do:_ im~:d~t!L>. CN. 1:~ ~- 1.)
entr~ diferentes espíritos, hú diariamente exemplos de pessoas que, tendo
8. S '!(ttnJo o Dr. Cilllíes, LI cmdltn tradutor mgl · · cl:• /"/1 .~'~c /'olltlctt ie haundo de suas fontes internas todas as luzes que elas poderiam oferecer
rfsltl/CI/I!s, a idéia gl:!l,ll qLte p~·nn ·Ja :1 temi:t do Sr. Sml th lo! dar:tlll •ntc sobre um de~erminado assunto, têm a curiosidade de comparar suas pró-
t-mpr ·~l:~d:t J;t segu ime p:ts.,:tg ·ti de l'olOii<>: "Da un i:lu dos d ís scx s, ~nas conc~usoes com as de seus antecessores. E é muito digno d e nni; L que,
p:mt a qtt:tl w l11s ~~w 1 n:llitr.Lill\entc n di t1:tdll&. na: ~:m o.~ OU1os. u:mdo, a proporçao que qualquer conclusão se aproxima ela verdade, é raz ável
pois . li I\\ deles. 1.cndo :li ·:lll\" 'd a lt.ladc madma. m v •z de rctnbu. r esperar que o número de abordagens prÇ1•las a ela se muhipliqu ·.
:ldt!({li!1U.'IIlle11lc :1 watJchio · assiS\ê' ncin :toS que l gl.'t~tralll , tenta :.10 . ll1l 111- Mas, no caso que temos à nossa l'rtJt\lC , a questão da originalidade é de
rio prejudicá-I ,~ por p:tl.tv as uu atos. p:1r ·c·e cl:tr ) qu ·• tu -·m ;Jcom~;mha pouca ou nenhuma monta, pois o mérito patticular da obra do Sr. Smith não
o.~ sofrimeruos c as pr •c ·upa\' · ·~ dct~ pnL~ para :di menta r · :tllLc'ar os lilhos, reside em seu princí~io geral, mas no habilidoso uso que faz desse princípio
1 •tn de fic::1r anuil okndido , d..:~gnstuso .;-orn 1:i.l pro ·cdimcntq. IJm:t vez pa;-a ordenar s1stemattcamente as mais impo1tantes discussões e doutrinas sobre
uc, entre as v:11·i:t» e-.p ·· ·ic.~ de unitmtL~. o hom ·n t útli ·o dmado d:1 a Etica. Desse ponto de vista, pode-se considerar com justiça a Teoria dos senti-
fa~
1 lild;td l· da razão, 11:1\l pod ", >111 OS demais, ignonll I:tis :ti();, SC!'l que
mel/los III01'UI~ç um dos mais originais esforços elo espírito humano empreendi-
r •lllt:1 ~obre 11 qu · vê: c, comp:1 .mdn ai t1dtt C> fullln ao prc -~.:~te. tHH >dd- dos nesse mmo da ciência. E ainda que supuséssemos ter sido inicialmente
:\•ll~l de expr ·s.~;> r ~~·11 rl'SS nllmento j)()f t'.&~ • tr<11:11ncnlo tW wo. an quttl sugendo ao autor por um comentário ele que o mundo dispõe já há dois mil
fJI'~·vn l JUC 1:tlvcz um dia wml '•111 f)("){krl se expor. t>c r o nm h~do, s' ai anos, essa mesma circunstância apenas refletiria um fo1te brilho sobre a novida-
gué m t: so ·cJtTíclo po1 omru num motll ·nto de p ~ngu , ma:. •. ao tnv _s d " 1'1:1r1- de de sua mtençào e a criatividade e gosto aplicados para sua execução.
b11ir u mcsnlll gctll llez:t ao b ·nfclttJr, tema ll'Sll'll1·lll tJll lt'll-ll, wl111gratld:1o
T

TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA XXXVII


XXXVI
A obra contém uma grande combinação de importantes
moti os do ag ~ nl ". M~1s, nio obstante, entende que essa d:s-
verdades e, embora o autor algumas vezes se -perca no ardor
criçà da vim.t le é in ompl ta, pois, eml ra em l?da :_çao
de generalizar seus princípios, tem o mérito de chamar a
virluosa a conv niência ·ja um ingre llenle essem:1al nao
sempr - (lnlco. As a . > s 1 ~n ' fi -as conl~m outra quaUda_de
pc r meio da qunl pare ·em não apenas roere· r a~rova ao
mas laml ' m r compensa, e x itt~m um grau sup oor de es-
certamente deixará todos chocados, quer por simpatizarem com o ressenti-
mento de seu próximo, quer por verem que o mesmo poderia acontecer
tima, que nasce de uma $impatia lol rada: pel s morivos ~ consigo. Daí surgir no espírito de todo homem certa noção da natureza e
agente, e pela gratidão da que.! qu ão objet. s .d . eu a f. - força do dever, em que consiste o princípio e o fim da justiça. De maneira
semelhante, o homem que, para defender outros, é o primeiro a lançar-se
to . A esse respcit a bcncficên ia pare· -lhe d1sl.lnta das VIr-
em perigo, suportando até mesmo a fúria dos mais feroz • :mimais, nunca
tudes inferiores de prudência, vigilância, dr ·unspccçào, tem- deixa d: receber da multidão as mais acaloradas acl amaçues de aplauso e
perança. · n 1il n ia firm 1..:1, que sã< mpr julgadas . ·~m veneraçao; enquanto o que mostra uma conduta diversa é perseguido com
~1pr va ão. m<t. nfio C( nf rem mérito. Avalia que essa d~ un- censura e reprovação. E assim as pessoas começam a discernir a natureza
das coisas honradas e torpes, em que consiste a diferença entre elas, e a
çãn rui.o tem sido :-;ufi ·í - memente observada pel?s n:orahstas; perceber que as primeiras, pelo benefício que trazem, devem ser admiradas
os princípios cJ algun s não oferecem uma explica ·no para a e imitadas, e as últimas, detestadas e evitadas."
aprovaçüo qu 'l n ·edem s às virtudes infe ri ore. , .e os de . "A pa1tir da doutrina contida nesse trecho", diz o Sr. Gillies, "o Dr.
Sm1th desenvolve uma teoria dos sentimentos morais. Mas afasta-se do seu
oulros ex plicam. taml ' m impcrfciram nte, a P ·ulla.l' exce- autor, reduzindo a percepção de certo e errado fundamental e simplesmen-
lência que se reconhece na supr "ma virtude da I n fi ·A nc:ia. te a sent1mento ou emoção. l'olíbio, ao contrário, afirma, como Aristóteles,
Tais são os contornos da Teoria elos senf'imeulos momi do que essas noções resultam ela razão ou intelecto operando sobre afeto ou
apetite; ou, noutras palavras, que a faculdade moral é um composto que
Sr. Smith, uma obra que deve ser por todos rc nhecida como pode ser resolvido nos dois princípios mais simples do espírito." (Gillies,
um singular esforço da invenção•, engenhosida !e sutilezas. "Aristóteles", vol. i, pp. 302-3, za edição.)
únira ex prcssàc a qu~ objeto nos dois p e ríodo~ p n.:ccdemcs ·. seu
CJ/t/or. 4llt: p:ll' ·c· ins inuar 111ru1 :Ku. apo ll.' pl:'tgio ·on1 .1 o St·. , mil h .. cu-
saç:.to. •stcnt 'l1<>, lmer"cicb . :o m ·~ •ito, ll'ill ;t ·~e J ·· tnn . tS\l d • curil sa
• A lnvcnçr o (·• tnventio", no l:ttlm) ·• llll\a p:~rrc da rc Lóri .., que ~lnSL'>-
· índJ-..ncl~ ·ntrc dClis nJ(}So os quamo ao mesmo assunto, l' como wl n:lo
e 11 1 ~ckcl m•r ·mtsidcnt ·õ s g ·mi:; ' v rd:tdciras. p:u~~ 1 m3r prcwavt'l :•
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tenho dúvida de que o próprio Sr. Smith a teria comentado se lhe ocorres-
·ausu ld'cndid:t c :q lk:i-1:• a l':1sos lntlividuai$. u ltt, tr:t t:t-s • de d ·ol~~tr se à lembrança enquanto escrevia seu livro. De tais coincidências acidentais
Lllll :1:;.,un10 cc m que o ouVÍI11,•/l ·ltnr se h.lcnllf qu~ do:_ im~:d~t!L>. CN. 1:~ ~- 1.)
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8. S '!(ttnJo o Dr. Cilllíes, LI cmdltn tradutor mgl · · cl:• /"/1 .~'~c /'olltlctt ie haundo de suas fontes internas todas as luzes que elas poderiam oferecer
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p:mt a qtt:tl w l11s ~~w 1 n:llitr.Lill\entc n di t1:tdll&. na: ~:m o.~ OU1os. u:mdo, a proporçao que qualquer conclusão se aproxima ela verdade, é raz ável
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o.~ sofrimeruos c as pr •c ·upa\' · ·~ dct~ pnL~ para :di menta r · :tllLc'ar os lilhos, reside em seu princí~io geral, mas no habilidoso uso que faz desse princípio
1 •tn de fic::1r anuil okndido , d..:~gnstuso .;-orn 1:i.l pro ·cdimcntq. IJm:t vez pa;-a ordenar s1stemattcamente as mais impo1tantes discussões e doutrinas sobre
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fa~
1 lild;td l· da razão, 11:1\l pod ", >111 OS demais, ignonll I:tis :ti();, SC!'l que
mel/los III01'UI~ç um dos mais originais esforços elo espírito humano empreendi-
r •lllt:1 ~obre 11 qu · vê: c, comp:1 .mdn ai t1dtt C> fullln ao prc -~.:~te. tHH >dd- dos nesse mmo da ciência. E ainda que supuséssemos ter sido inicialmente
:\•ll~l de expr ·s.~;> r ~~·11 rl'SS nllmento j)()f t'.&~ • tr<11:11ncnlo tW wo. an quttl sugendo ao autor por um comentário ele que o mundo dispõe já há dois mil
fJI'~·vn l JUC 1:tlvcz um dia wml '•111 f)("){krl se expor. t>c r o nm h~do, s' ai anos, essa mesma circunstância apenas refletiria um fo1te brilho sobre a novida-
gué m t: so ·cJtTíclo po1 omru num motll ·nto de p ~ngu , ma:. •. ao tnv _s d " 1'1:1r1- de de sua mtençào e a criatividade e gosto aplicados para sua execução.
b11ir u mcsnlll gctll llez:t ao b ·nfclttJr, tema ll'Sll'll1·lll tJll lt'll-ll, wl111gratld:1o
SMORA l BIOGRAFIA CRÍTICA XXXIX
XXXVIII
va à influência do acaso em nossos sentimentos morais além
da especulação, não menos valiosa, relativa à influência dos
usos e costumes nessa mesma parte de nossa constituição.
O estilo em que o Sr. Smith expôs os princípios funda-
~entais ~obre os quais repousa a sua teoria não me parece
tao perfettamente adequado ao tema quanto o que utiliza em
outras ocasiões. Ao tratar de idéias extremamente abstratas e
sutis, sobre as quais é quase impossível raciocinar correta-
mente sem a utilização escrupulosa de termos apropriados,
por veze · n ~ ofer •ce p al avras aIr · rnmivas qu ~ n ão • ão, c1
0: d ) a l ~um , sinônimos e. triL s qu e difi ulta a mpr en-
sao pr a ' t e firm d sua proposiçã ; pr duz-se um efeito
• ~ ~~::u quando, no curs de sua sedutora e copiosa ompo-
., .to, a m sm· verdad assume imperceptivel m n!! uma di-
versidade d formas. Porém, quando o assunto I su br::t
o I v~t a dirigir-se à imagina ~ào e ao coração, a variedade e
onveniência de suas ilusrra õ s; a riqueza e fluência de sua
eloqüência; e a habilidade com que ganha a atenção e co-
manda as paixões de seus leitores, deixam-no sem rival entre
nossos m ralistas ingleses.
A Disserta â o sobre a origem das línguas, que ora for-
ma parte do mesmo volume em que está a Teoria dos s ':J'n-
tirr:e:ztos morais, foi, ~reio, inicialmente anexada à egunda
edtçao daquela obra. E um ensaio de grande engenhosidade
ao qual o próprio autor dava grande valor. Mas, num exam~
g<.:ral le suas puhllca õe · rn ·r nos11a at n ·ão m nos r -
la.-; o rinl s (lle onr.'m, I) q ue:' C(.)mo exemp lar de um rip
p~rli ular cl in esligaçào, qu ~. at ' nde sei, ' d origem in-
t mun nte mod rna •, qu par ce ter susci tado, de modo

• A Dissertação sobre a origem das línguas é publicada pela primeira


vez e;-m 176 1. 1'1o1 -~' tJUt! J.-J. 'Rou~scu u escr ··v ·, ti is ;mos antes s~u
En.mlo sobre a ort{.lf!lll das /in ti(IS, cuic.l!mdo do rue mo lt'Ol:l. O estudo ' ·ien-
tJn ·o das lí!!gL1as, ·o mu 111< .~tr:t Bendi ·t Anderson em Naçtio e conscüJncla
na c ton~l (Atica, cap. 5, "Novas línguas, novos modelos"), realmente se ini-
cm no secu.lo XVIII, e se torna um dos primeiros a considerar a evolução co-
mo seu obJeto apropriado. O biógrafo Dugald Stewatt tem razão, portanto,
ao a~~mar que se 1111.1:1 l · um estudo eminentemente moderno. ( nwnto, ao
conttano do que lLf1rm:1, a obra de Smith aparece em 1761 e m Pbllological
Mzscellany, vol. 1, Londres e apenas em 1767 como adendo à Teoria dos
sentimentos morais. (N. ela R. T.)
• TSM, Parte VII, Seção li, Cap. IV, pp. 388-90. (N. da R. T.)
SMORA l BIOGRAFIA CRÍTICA XXXIX
XXXVIII
va à influência do acaso em nossos sentimentos morais além
da especulação, não menos valiosa, relativa à influência dos
usos e costumes nessa mesma parte de nossa constituição.
O estilo em que o Sr. Smith expôs os princípios funda-
~entais ~obre os quais repousa a sua teoria não me parece
tao perfettamente adequado ao tema quanto o que utiliza em
outras ocasiões. Ao tratar de idéias extremamente abstratas e
sutis, sobre as quais é quase impossível raciocinar correta-
mente sem a utilização escrupulosa de termos apropriados,
por veze · n ~ ofer •ce p al avras aIr · rnmivas qu ~ n ão • ão, c1
0: d ) a l ~um , sinônimos e. triL s qu e difi ulta a mpr en-
sao pr a ' t e firm d sua proposiçã ; pr duz-se um efeito
• ~ ~~::u quando, no curs de sua sedutora e copiosa ompo-
., .to, a m sm· verdad assume imperceptivel m n!! uma di-
versidade d formas. Porém, quando o assunto I su br::t
o I v~t a dirigir-se à imagina ~ào e ao coração, a variedade e
onveniência de suas ilusrra õ s; a riqueza e fluência de sua
eloqüência; e a habilidade com que ganha a atenção e co-
manda as paixões de seus leitores, deixam-no sem rival entre
nossos m ralistas ingleses.
A Disserta â o sobre a origem das línguas, que ora for-
ma parte do mesmo volume em que está a Teoria dos s ':J'n-
tirr:e:ztos morais, foi, ~reio, inicialmente anexada à egunda
edtçao daquela obra. E um ensaio de grande engenhosidade
ao qual o próprio autor dava grande valor. Mas, num exam~
g<.:ral le suas puhllca õe · rn ·r nos11a at n ·ão m nos r -
la.-; o rinl s (lle onr.'m, I) q ue:' C(.)mo exemp lar de um rip
p~rli ular cl in esligaçào, qu ~. at ' nde sei, ' d origem in-
t mun nte mod rna •, qu par ce ter susci tado, de modo

• A Dissertação sobre a origem das línguas é publicada pela primeira


vez e;-m 176 1. 1'1o1 -~' tJUt! J.-J. 'Rou~scu u escr ··v ·, ti is ;mos antes s~u
En.mlo sobre a ort{.lf!lll das /in ti(IS, cuic.l!mdo do rue mo lt'Ol:l. O estudo ' ·ien-
tJn ·o das lí!!gL1as, ·o mu 111< .~tr:t Bendi ·t Anderson em Naçtio e conscüJncla
na c ton~l (Atica, cap. 5, "Novas línguas, novos modelos"), realmente se ini-
cm no secu.lo XVIII, e se torna um dos primeiros a considerar a evolução co-
mo seu obJeto apropriado. O biógrafo Dugald Stewatt tem razão, portanto,
ao a~~mar que se 1111.1:1 l · um estudo eminentemente moderno. ( nwnto, ao
conttano do que lLf1rm:1, a obra de Smith aparece em 1761 e m Pbllological
Mzscellany, vol. 1, Londres e apenas em 1767 como adendo à Teoria dos
sentimentos morais. (N. ela R. T.)
• TSM, Parte VII, Seção li, Cap. IV, pp. 388-90. (N. da R. T.)
BIOGRAFIA CRÍTICA XLI
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS
XL
culações; e às vezes nossas conclusões a priori tendem a
lxtstant característico, a curio ·ic.hd do . r. ~mith . Alg b m confirmar a credibilidade dos fatos, que, numa visão superfi-
ptU'éCi lo co m ess:.~ inveslig~~n o ont~·a-s .m ~~~-as ~\" suas cial, parecem ser duvidosos ou inacreditáveis.
liferent •s obras sejam p lttJ ·a , m n11 ou llte1 111.1 . Em to- Essas concepções teóricas dos assuntos humanos não
das elas o auto~ a ilustro 1 ' m gra nd êxito. servem unicamente para satisfazer a curiosidade. Ao exami-
Qu~ndo, em tal períod da so ·i da d~ como e~te em narmos a história da humanidade, bem como os fenômenos
qll vivem s, comparamo. no. s s haver s mtelectuats, nos- do mundo material, se não conseguimos seguir o processo
sas opiniões , cost.um s institLii õ s com os que prevale · m pelo qual um evento foi produzido, muitas vezes é importan-
entre Lrib s ru des, nã.o pod • cl ixar de no o orrer, m te ser capaz de mostrar como pode ter sido produzido por
p ·rguota inlcres. ame. p r que pas ·os graduais se !i~z a u:an- causas naturais. Assim, voltando ao caso que deu ensejo a
.í ·i tios prim ->iros :-;imples ·sfor s da na~ur~za nà - ·ultlva- estas observações, ainda que seja impossível determinar com
d::t at ' um estado tiio ma.ra il hosam n l artifl wl ~umpl certeza os passos pelos quais se formou qualquer língua par-
De onde surgiu essa beleza si. L máli ca Q\Je adnmamo na ticular, se pudermos mostrar, a partir dos princípios conheci-
estrutura de uma língua culta; -~que la analo ia qu ~ r qnssa dos da natureza humana, como todas as suas várias partes
a mistura de línguas faladas pt:l as na :ões mais r ··m ms. podem gradualmente ter surgido, não apenas de algum mo-
apartadas, e aquelas peculiaridades pdas q uais Lt b • .. dis- do se satisfaz o espírito, como se põe fim àquela filosofia in-
tinguem umas das outras? De o ncl s orlgim!J~lln ~1~ d~l'~r~n­ dolente que, incapaz de explicar as diversas manifestações
tes ciências e artes; e por qual cadeit1 u espmtu f 1 dm~tdu dos mundos natural e moral, recorre a milagres.
Je seu· p rim iros rudimentos até s us Ctllimo: mais rcfrna- A essa espécie de investigação filosófica que não tem
dos pr gr sos? De onde ieram a ad~irável estmtura da nome adequado em nossa língua tomarei a liberdade de cha-
uniao políti ·a, os pri ncipias fu ndamentaiS c~muns a ~u??s os mar de História Teórica ou Conjetura!, expressão cujo senti-
gove l'l OS (! as uifen.:nteS formas que a SOCiedade C!Vthzada do coincide bastante bem com a de História Natural utiliza-
: ssumiu nas di f rentes • poc;a do mundo? Para a grande do pelo Sr. Hume 9, e com o que alguns escritores franceses
1
maioria desses assuntos a história oferece poucas informa- chamaram de Histoire Raisonnée.
. es pois muito <J ntes daquel stágio ~a so ·iedade. m q u. As ciências matemáticas, puras e mistas, oferecem, em
os homens .o me ·aram a p ns<ll' •m registra r seus f~~t lllLIJ- muitas de suas ramificações, temas muito favoráveis para a
to, l<s ma is impormnLe · pass · d ~ s u progress JH bav~at11 história teórica; tanto assim que um crítico muito compe-
sido dados. Talvez se possam coletar alguns poucos fatos !SO- tente, o falecido M. d'Alembert, recomendou a organização
lados d observa ·ões asuais ti. viajantes qu vimm omo . o de seus princípios elementares, que se funda na sucessão
organizam as s ·i dades rude mas s evid nte que nada elo natural de invenções e descobertas, como a mais adequada
qu se obtém dessa mandra se ar roxi.m<t d um tletaU1amen-
para despertar a curiosidade e exercitar a inteligência dos
estudantes. O mesmo autor indica como modelo um trecho
to regu lttr e 'J ntc d > pr gressu hutl_l~tn . . .
a fa lt·t de evidên ·ia d ireta pre IS<U110S su pnr o lugar na História da matemática de Montucla, em que se procura
exibir a evolução gradual da especulação filosófica, desde
do ftt pda ·onj tLU'<I , s sumos incapaz s de verificar
as primeiras conclusões ug .,·idas por um estudo geral dos
llom ns real mente se cond uziram em cleterminadas
céus, até a doutrina de op · mico. É bastante notável que
o -asiões, d v ·m s nsiderar de que modo provavelmente
uma história teórica dessa mesma ciência (a qual nos permi-
p r ·e 1 ram, . egt.lndu m princípios de sua natureza ' as suas
dr ·unslâncias exr ~mas. Em in sliga · s <.:omo e ·sa, os fa-
to. is >lados trazidos ·ué nós por viajanl · · ·xplc radares po- 9. Conferir sua História da religião natural.
dem servir freqüentemente como marcos para nossas espe-
BIOGRAFIA CRÍTICA XLI
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS
XL
culações; e às vezes nossas conclusões a priori tendem a
lxtstant característico, a curio ·ic.hd do . r. ~mith . Alg b m confirmar a credibilidade dos fatos, que, numa visão superfi-
ptU'éCi lo co m ess:.~ inveslig~~n o ont~·a-s .m ~~~-as ~\" suas cial, parecem ser duvidosos ou inacreditáveis.
liferent •s obras sejam p lttJ ·a , m n11 ou llte1 111.1 . Em to- Essas concepções teóricas dos assuntos humanos não
das elas o auto~ a ilustro 1 ' m gra nd êxito. servem unicamente para satisfazer a curiosidade. Ao exami-
Qu~ndo, em tal períod da so ·i da d~ como e~te em narmos a história da humanidade, bem como os fenômenos
qll vivem s, comparamo. no. s s haver s mtelectuats, nos- do mundo material, se não conseguimos seguir o processo
sas opiniões , cost.um s institLii õ s com os que prevale · m pelo qual um evento foi produzido, muitas vezes é importan-
entre Lrib s ru des, nã.o pod • cl ixar de no o orrer, m te ser capaz de mostrar como pode ter sido produzido por
p ·rguota inlcres. ame. p r que pas ·os graduais se !i~z a u:an- causas naturais. Assim, voltando ao caso que deu ensejo a
.í ·i tios prim ->iros :-;imples ·sfor s da na~ur~za nà - ·ultlva- estas observações, ainda que seja impossível determinar com
d::t at ' um estado tiio ma.ra il hosam n l artifl wl ~umpl certeza os passos pelos quais se formou qualquer língua par-
De onde surgiu essa beleza si. L máli ca Q\Je adnmamo na ticular, se pudermos mostrar, a partir dos princípios conheci-
estrutura de uma língua culta; -~que la analo ia qu ~ r qnssa dos da natureza humana, como todas as suas várias partes
a mistura de línguas faladas pt:l as na :ões mais r ··m ms. podem gradualmente ter surgido, não apenas de algum mo-
apartadas, e aquelas peculiaridades pdas q uais Lt b • .. dis- do se satisfaz o espírito, como se põe fim àquela filosofia in-
tinguem umas das outras? De o ncl s orlgim!J~lln ~1~ d~l'~r~n­ dolente que, incapaz de explicar as diversas manifestações
tes ciências e artes; e por qual cadeit1 u espmtu f 1 dm~tdu dos mundos natural e moral, recorre a milagres.
Je seu· p rim iros rudimentos até s us Ctllimo: mais rcfrna- A essa espécie de investigação filosófica que não tem
dos pr gr sos? De onde ieram a ad~irável estmtura da nome adequado em nossa língua tomarei a liberdade de cha-
uniao políti ·a, os pri ncipias fu ndamentaiS c~muns a ~u??s os mar de História Teórica ou Conjetura!, expressão cujo senti-
gove l'l OS (! as uifen.:nteS formas que a SOCiedade C!Vthzada do coincide bastante bem com a de História Natural utiliza-
: ssumiu nas di f rentes • poc;a do mundo? Para a grande do pelo Sr. Hume 9, e com o que alguns escritores franceses
1
maioria desses assuntos a história oferece poucas informa- chamaram de Histoire Raisonnée.
. es pois muito <J ntes daquel stágio ~a so ·iedade. m q u. As ciências matemáticas, puras e mistas, oferecem, em
os homens .o me ·aram a p ns<ll' •m registra r seus f~~t lllLIJ- muitas de suas ramificações, temas muito favoráveis para a
to, l<s ma is impormnLe · pass · d ~ s u progress JH bav~at11 história teórica; tanto assim que um crítico muito compe-
sido dados. Talvez se possam coletar alguns poucos fatos !SO- tente, o falecido M. d'Alembert, recomendou a organização
lados d observa ·ões asuais ti. viajantes qu vimm omo . o de seus princípios elementares, que se funda na sucessão
organizam as s ·i dades rude mas s evid nte que nada elo natural de invenções e descobertas, como a mais adequada
qu se obtém dessa mandra se ar roxi.m<t d um tletaU1amen-
para despertar a curiosidade e exercitar a inteligência dos
estudantes. O mesmo autor indica como modelo um trecho
to regu lttr e 'J ntc d > pr gressu hutl_l~tn . . .
a fa lt·t de evidên ·ia d ireta pre IS<U110S su pnr o lugar na História da matemática de Montucla, em que se procura
exibir a evolução gradual da especulação filosófica, desde
do ftt pda ·onj tLU'<I , s sumos incapaz s de verificar
as primeiras conclusões ug .,·idas por um estudo geral dos
llom ns real mente se cond uziram em cleterminadas
céus, até a doutrina de op · mico. É bastante notável que
o -asiões, d v ·m s nsiderar de que modo provavelmente
uma história teórica dessa mesma ciência (a qual nos permi-
p r ·e 1 ram, . egt.lndu m princípios de sua natureza ' as suas
dr ·unslâncias exr ~mas. Em in sliga · s <.:omo e ·sa, os fa-
to. is >lados trazidos ·ué nós por viajanl · · ·xplc radares po- 9. Conferir sua História da religião natural.
dem servir freqüentemente como marcos para nossas espe-
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA XLIII
XLII
te omparar, t<llvez mais Qlle qualqu r outra, os av~nç~s tes um fragmento sobre a História da astronomia que dei-
natura i. do espiriro o rn a rea l sucessão de sistemas hlpote- xou para publicação; e ouvi-o dizer mais de uma vez que
tic tenha sid uma d. s primeiras composições do Sr. projetara, na juventude, uma história das outras ciências, se-
Smith, e um dos poucos manuscritos que não destruiu antes gundo o mesmo plano. Em sua A riqueza das nações intro-
duz várias dissertações que têm em vista uma finalidade se-
de mo rrer.
Já ind ique i qu, tnv stiga ôes pe rfe itamente análo~a~ a melhante, especialmente o esboço teórico a respeito do pro-
ess 3 s p l m s r utilinda · para se xam.i.n<lrem as espeC1es gresso natural da opulência em um país, e a análise das cau-
d gov rn e d !nsli tu ições municipais que se fo:maram nas sas que inverteram essa ordem nos diferentes países da Eu-
d lF ren s na ·(' ~·s. Mas só reccnt mente esses 1mportantes ropa mod "rna. Parece que em suas aulas sobre direito, con-
ast,-untos têm ·ido apr ciados sob esse ponto de vista; antes forme s, ~omentou antes, esse tipo de investigação era fre-
de Montesquieu, a maior parte dos teóricos da política se qüente.
contentava com uma descrição histórica dos fatos e com uma O mesmo cavalheiro que me fez a gentileza de relatar as
vaga alusão às leis como fruto da sabedoria de cert_?S legisla- aulas do Sr. Smith em Glasgow informou-me de que o ouviu
dores ou de circunstâncias acidentais que agora nao podem algumas vezes mencionar a intenção de escrever um tratado
ser verificadas. Montesquieu, ao contrário, considerava que sobre as repúblicas grega e romana. "E depois de tudo o que
as leis nasciam principalmente das circunstâncias da socieda- tem sido publicado sobre esse assunto, estou convencido
de, e procurou atribuir às mudanças na condição da humani- (diz ele), de que as posições do Sr. Smith teriam indicado no-
dade, que ocorrem nos d!fer ntes estágios do seu dese~vol­ vas e importantes abordagens sobre a situação interna e domés-
vimento as alterações correspondentes nas instituições. E as- tica dessas nações, de modo que os vários sistemas de política
sim que: em suas ocasionais explicações do di:ei~o romano, seriam expostos numa luz muito menos artificial do que aquela
em vez de aturdir-se com a erudição dos escolastlcos e estu- em que têm aparecido ar agora."
diosos da Antiguidade, freqüentemente o vemos emprestan- Quando se encontrava nos salões da sociedade, fre-
do suas luzes dos lugares mais remotos e afastados do globo, qüentemente empregava esse mesmo raciocínio nos assun-
e combinando as observações casuais de viajantes e navega- tos mais familiares; e as criativas teorias com que, sem ne-
dores analfabetos com um comentário filosófico sobre a his- nhuma afetação, explicava todos os tópicos habituais do dis-
tória da lei e dos costumes. curso, conferiam à sua conversa originalidade e variedade
Os avanços nessa linha de investigação desde os tem- quase inesgoLáve.is. Daí também a minúcia e a precisão de seu
pos de Montesquieu foram grandes. Lorde Kames, em seu conhedm nto sobre muitos artigos triviais, os quais ao longo
Historical Law Tracts (Tratado histórico das leis), forneceu de suas especulações tratava segundo algum ponto de vista
alguns excelentes xemplos disso, notadamente em seu.s novo e interessante; além disso as vigorosas e circunstanciais
Essays in ebe H·isto·ry qf'Proper/JI und ."rim'inallaw (Ensa i s descrições desses artigos divertiam seus amigos, tanto mais
bre a hjstória la 1 r pri ·dade e da lei criminal), e mu itas porque parecia de hábito extraordinariamente desatento ao
especulações engenhosas do mesmo tipo apar~ ·em nas obras que se passava a seu redor.
do Sr. Millar. Fui conduzido a estas anotações pela Dissertação sobre
textos do r. • mirh , seja q ual f r a nalllreza d' cu a formação das línguas, que expõe um modelo muito belo
assuntO, raram'nt d ixa passa r u ma portu rudad L n- de história teórica aplicado a um assunto igualmente curioso
ten tar ua cur!os.i Iael , de:;cobrind , a partir dos princípios e difícil. A analogia entre a cadeia de pensamento da qual a
ta nalllr "za hu mana e das ci rcunstãncia. da icdac.lc, a ori- o_bra nasceu e a que sugeriu uma série de outras pesquisas se-
gem das opiniões e instituições que descreve. Mencionei an- ra, espero, uma apologia suficiente para a extensão desta di-
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA XLIII
XLII
te omparar, t<llvez mais Qlle qualqu r outra, os av~nç~s tes um fragmento sobre a História da astronomia que dei-
natura i. do espiriro o rn a rea l sucessão de sistemas hlpote- xou para publicação; e ouvi-o dizer mais de uma vez que
tic tenha sid uma d. s primeiras composições do Sr. projetara, na juventude, uma história das outras ciências, se-
Smith, e um dos poucos manuscritos que não destruiu antes gundo o mesmo plano. Em sua A riqueza das nações intro-
duz várias dissertações que têm em vista uma finalidade se-
de mo rrer.
Já ind ique i qu, tnv stiga ôes pe rfe itamente análo~a~ a melhante, especialmente o esboço teórico a respeito do pro-
ess 3 s p l m s r utilinda · para se xam.i.n<lrem as espeC1es gresso natural da opulência em um país, e a análise das cau-
d gov rn e d !nsli tu ições municipais que se fo:maram nas sas que inverteram essa ordem nos diferentes países da Eu-
d lF ren s na ·(' ~·s. Mas só reccnt mente esses 1mportantes ropa mod "rna. Parece que em suas aulas sobre direito, con-
ast,-untos têm ·ido apr ciados sob esse ponto de vista; antes forme s, ~omentou antes, esse tipo de investigação era fre-
de Montesquieu, a maior parte dos teóricos da política se qüente.
contentava com uma descrição histórica dos fatos e com uma O mesmo cavalheiro que me fez a gentileza de relatar as
vaga alusão às leis como fruto da sabedoria de cert_?S legisla- aulas do Sr. Smith em Glasgow informou-me de que o ouviu
dores ou de circunstâncias acidentais que agora nao podem algumas vezes mencionar a intenção de escrever um tratado
ser verificadas. Montesquieu, ao contrário, considerava que sobre as repúblicas grega e romana. "E depois de tudo o que
as leis nasciam principalmente das circunstâncias da socieda- tem sido publicado sobre esse assunto, estou convencido
de, e procurou atribuir às mudanças na condição da humani- (diz ele), de que as posições do Sr. Smith teriam indicado no-
dade, que ocorrem nos d!fer ntes estágios do seu dese~vol­ vas e importantes abordagens sobre a situação interna e domés-
vimento as alterações correspondentes nas instituições. E as- tica dessas nações, de modo que os vários sistemas de política
sim que: em suas ocasionais explicações do di:ei~o romano, seriam expostos numa luz muito menos artificial do que aquela
em vez de aturdir-se com a erudição dos escolastlcos e estu- em que têm aparecido ar agora."
diosos da Antiguidade, freqüentemente o vemos emprestan- Quando se encontrava nos salões da sociedade, fre-
do suas luzes dos lugares mais remotos e afastados do globo, qüentemente empregava esse mesmo raciocínio nos assun-
e combinando as observações casuais de viajantes e navega- tos mais familiares; e as criativas teorias com que, sem ne-
dores analfabetos com um comentário filosófico sobre a his- nhuma afetação, explicava todos os tópicos habituais do dis-
tória da lei e dos costumes. curso, conferiam à sua conversa originalidade e variedade
Os avanços nessa linha de investigação desde os tem- quase inesgoLáve.is. Daí também a minúcia e a precisão de seu
pos de Montesquieu foram grandes. Lorde Kames, em seu conhedm nto sobre muitos artigos triviais, os quais ao longo
Historical Law Tracts (Tratado histórico das leis), forneceu de suas especulações tratava segundo algum ponto de vista
alguns excelentes xemplos disso, notadamente em seu.s novo e interessante; além disso as vigorosas e circunstanciais
Essays in ebe H·isto·ry qf'Proper/JI und ."rim'inallaw (Ensa i s descrições desses artigos divertiam seus amigos, tanto mais
bre a hjstória la 1 r pri ·dade e da lei criminal), e mu itas porque parecia de hábito extraordinariamente desatento ao
especulações engenhosas do mesmo tipo apar~ ·em nas obras que se passava a seu redor.
do Sr. Millar. Fui conduzido a estas anotações pela Dissertação sobre
textos do r. • mirh , seja q ual f r a nalllreza d' cu a formação das línguas, que expõe um modelo muito belo
assuntO, raram'nt d ixa passa r u ma portu rudad L n- de história teórica aplicado a um assunto igualmente curioso
ten tar ua cur!os.i Iael , de:;cobrind , a partir dos princípios e difícil. A analogia entre a cadeia de pensamento da qual a
ta nalllr "za hu mana e das ci rcunstãncia. da icdac.lc, a ori- o_bra nasceu e a que sugeriu uma série de outras pesquisas se-
gem das opiniões e instituições que descreve. Mencionei an- ra, espero, uma apologia suficiente para a extensão desta di-
XLIV TEORIA DOS SENllMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA
XLV
gr silo; mais particularmente porque me permitirá simplificar desejava minha permissão para enviar um em teu nome ao
o m nt rio que farei, depois, de suas investigações sobre Dr. Warburton. Adiei esta carta até poder-te dizer algo sobre
e(;On mia poUti a. o sucesso do livro, e prognosticar, com alguma probabilida-
Sob r esse assunto obs rvar i a penas que, quando rufe- de, se deveria ser definitivamente condenado ao esqueci-
rente~" escritores propõern diD r m s bistóda c óricas sobre mento, ou inscrito no templo da imortalidade. Embora tenha
o progr sso elo espírito human segundo uma certa linha de sido .publicado_há apenas poucas semanas, penso que já se
raciodnio não se d v imagina r que ·a teorias sempre s ma ntfe_ taram sm~ ma. t~o fortes que quase posso me arriscar
oponh~un umas às o utra • . Se o pr gresso ap nas esbo ad ~~ predtz r seu d stino . E em resumo isso--. Mas tive que
em todas ela for plausível, ntã é p ssív ·1 que de algum mterromper esta carta por causa da tola e impertinente visita
modo toda se L rne m reai., pois< s as untos humanos nun- de alguém que recentemente chegou da Escócia. Contam-me
ca exib m, em dois · mp los quaisqu r, uma uniformJ.da d~ que a Universidade de Glasgow pretende declarar vago 0
p rf< iw.. Mas, quer t nham o u não s tornado r a.is é fre- cargo de Rouet, que está indo para o exterior com Lorde
qü nt ment p u · r "levante. Na maioria dos as o mai Hope. Pergunto-me se não deverias manter nosso amigo Fer-
important -• é ertilicar-se mais simple. progresso do q u guson sob teus olhos, caso outro projeto de procurar-lhe um
d<> ma is agradáve l ao fato, porquanto, r r paradoxal q u . lugar na Universidade de Edinburgh fracasse. Ferguson buri-
possa pa r r sta aflrma ão é cem1m nt · verilitde qu lou e melhorou muito seu tratado sobre Refinamento 10 e com
pr gr ~o r"a l nem sempre é o mais natural. Pode ter ·ido alguns repa~os dará um livro admirável, revelando u~ gênio
der rminado p r acidentes parti ·ula res, que pr vav lm nt elegante e smgular. Espero que a Epigoníada vá bem; mas é
não volta rão a ocorrer e que não p d m ser c n. id rados um trabalho um tanto árduo. Não duvido de que às vezes
·omo pan d n nhumn pr visã gewJ que a natu reza c nha consultes as atuais resenhas. Mesmo assim, se procurares na
f, ito para o apeJfeiçoame mo da ra . Critica! Review encontrarás uma carta sobre esse poema;
a tcntnti a de mendar a extensão C , rec lo ao·escen- peço-te então dirigir tuas conjeturas para descobrir o autor.
tar, a monotonia) desta seçã , a nexo uma carta riginal do r. Deixa-me ver uma amostra de tua habilidade em adivinhar
H.ume e nd ere ada a Sr. mirh l g apó. a publi ç-l da as pessoas, vendo-lhes apenas as mãos. Receio pelos Law
Tenriu dos sentimentos morais. A , .rta fortement marcada Tracts de Lorde Kames. Um homem pode pensar que fará
por aquele éstilo l ve e afetu o q ue dlstlnguia a corres pon- um bom molho misturando losna e babosa, e uma agradável
dência do 'r. I-itune ~.: me.re um lugar n sta · memórias por composição juntando metafísica e lei escocesa. O livro, con-
sua liga ·ã com um imp rta nt ac.:ont imenr na vida do Sr. tudo, tem mérito, embora poucas pessoas se dêem o traba-
Smith, o qual pouco tempo depois o transportou para um lho de procurá-lo. Mas, voltando a teu livro e a seu sucesso
novo cenário e influenciou, consideravelmente, o curso pos- ?esta cidade, devo dizer-te que - - - . Mas que praga de
terior de seus estudos. A carta é datada de Londres, 12 de Interrupções! Pedi que dissessem que não estava; mas mais
abril de 1759. uma vez alguém me atrapalhou. Trata-se de um homem de
"Agradeço-te este presente tão agradável que é tua Teo- letras, e conversamos muito sobre literatura. Tu me havias
ria. Wedderburn e eu demos nossos exemplares de presente ?ito que tinhas curiosidade sobre anedotas literárias, por isso
àqu les nos s onhe idos que conside ram . t ns juíz s, mformo-te de algumas que chegaram ao meu conhecimen-
in li .tdo, para divu lgar a reputa ·ão do Uvro. Envie i-o ao to. Acredito já ter aludido ao livro de Helvetius, De l'Esprit.
Duq ue de Argy ll , a lorde Lyttleton , Horace Wa lpole, Soame
j annyns c Burkc, wn c tvalheiro irlandA que ser ve u r • n-
. . 10. Publicado mais tarde com o título de An Essay on tbe History of
tem te um tratado muito bon it obre Sublime. l\lliUar Czvtl Soctety (Ensaio sobre a história da sociedade civil).
XLIV TEORIA DOS SENllMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA
XLV
gr silo; mais particularmente porque me permitirá simplificar desejava minha permissão para enviar um em teu nome ao
o m nt rio que farei, depois, de suas investigações sobre Dr. Warburton. Adiei esta carta até poder-te dizer algo sobre
e(;On mia poUti a. o sucesso do livro, e prognosticar, com alguma probabilida-
Sob r esse assunto obs rvar i a penas que, quando rufe- de, se deveria ser definitivamente condenado ao esqueci-
rente~" escritores propõern diD r m s bistóda c óricas sobre mento, ou inscrito no templo da imortalidade. Embora tenha
o progr sso elo espírito human segundo uma certa linha de sido .publicado_há apenas poucas semanas, penso que já se
raciodnio não se d v imagina r que ·a teorias sempre s ma ntfe_ taram sm~ ma. t~o fortes que quase posso me arriscar
oponh~un umas às o utra • . Se o pr gresso ap nas esbo ad ~~ predtz r seu d stino . E em resumo isso--. Mas tive que
em todas ela for plausível, ntã é p ssív ·1 que de algum mterromper esta carta por causa da tola e impertinente visita
modo toda se L rne m reai., pois< s as untos humanos nun- de alguém que recentemente chegou da Escócia. Contam-me
ca exib m, em dois · mp los quaisqu r, uma uniformJ.da d~ que a Universidade de Glasgow pretende declarar vago 0
p rf< iw.. Mas, quer t nham o u não s tornado r a.is é fre- cargo de Rouet, que está indo para o exterior com Lorde
qü nt ment p u · r "levante. Na maioria dos as o mai Hope. Pergunto-me se não deverias manter nosso amigo Fer-
important -• é ertilicar-se mais simple. progresso do q u guson sob teus olhos, caso outro projeto de procurar-lhe um
d<> ma is agradáve l ao fato, porquanto, r r paradoxal q u . lugar na Universidade de Edinburgh fracasse. Ferguson buri-
possa pa r r sta aflrma ão é cem1m nt · verilitde qu lou e melhorou muito seu tratado sobre Refinamento 10 e com
pr gr ~o r"a l nem sempre é o mais natural. Pode ter ·ido alguns repa~os dará um livro admirável, revelando u~ gênio
der rminado p r acidentes parti ·ula res, que pr vav lm nt elegante e smgular. Espero que a Epigoníada vá bem; mas é
não volta rão a ocorrer e que não p d m ser c n. id rados um trabalho um tanto árduo. Não duvido de que às vezes
·omo pan d n nhumn pr visã gewJ que a natu reza c nha consultes as atuais resenhas. Mesmo assim, se procurares na
f, ito para o apeJfeiçoame mo da ra . Critica! Review encontrarás uma carta sobre esse poema;
a tcntnti a de mendar a extensão C , rec lo ao·escen- peço-te então dirigir tuas conjeturas para descobrir o autor.
tar, a monotonia) desta seçã , a nexo uma carta riginal do r. Deixa-me ver uma amostra de tua habilidade em adivinhar
H.ume e nd ere ada a Sr. mirh l g apó. a publi ç-l da as pessoas, vendo-lhes apenas as mãos. Receio pelos Law
Tenriu dos sentimentos morais. A , .rta fortement marcada Tracts de Lorde Kames. Um homem pode pensar que fará
por aquele éstilo l ve e afetu o q ue dlstlnguia a corres pon- um bom molho misturando losna e babosa, e uma agradável
dência do 'r. I-itune ~.: me.re um lugar n sta · memórias por composição juntando metafísica e lei escocesa. O livro, con-
sua liga ·ã com um imp rta nt ac.:ont imenr na vida do Sr. tudo, tem mérito, embora poucas pessoas se dêem o traba-
Smith, o qual pouco tempo depois o transportou para um lho de procurá-lo. Mas, voltando a teu livro e a seu sucesso
novo cenário e influenciou, consideravelmente, o curso pos- ?esta cidade, devo dizer-te que - - - . Mas que praga de
terior de seus estudos. A carta é datada de Londres, 12 de Interrupções! Pedi que dissessem que não estava; mas mais
abril de 1759. uma vez alguém me atrapalhou. Trata-se de um homem de
"Agradeço-te este presente tão agradável que é tua Teo- letras, e conversamos muito sobre literatura. Tu me havias
ria. Wedderburn e eu demos nossos exemplares de presente ?ito que tinhas curiosidade sobre anedotas literárias, por isso
àqu les nos s onhe idos que conside ram . t ns juíz s, mformo-te de algumas que chegaram ao meu conhecimen-
in li .tdo, para divu lgar a reputa ·ão do Uvro. Envie i-o ao to. Acredito já ter aludido ao livro de Helvetius, De l'Esprit.
Duq ue de Argy ll , a lorde Lyttleton , Horace Wa lpole, Soame
j annyns c Burkc, wn c tvalheiro irlandA que ser ve u r • n-
. . 10. Publicado mais tarde com o título de An Essay on tbe History of
tem te um tratado muito bon it obre Sublime. l\lliUar Czvtl Soctety (Ensaio sobre a história da sociedade civil).
TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA XLVJI
XLV1
Mere · qu ~ u leias, ntl p!)r ua fil o a fia, que nâ p · ui gran- incisivo em favor do livro do que costuma ser. Suponho que
de v·ll r, mas p r SU ' l agradável • mposição. R cebi ~rta I _le o considera ou algo exótico, ou que o autor lhe será útil nas
há alguns dias, contando-me qu · meu .n me aparecra n:urro eleições em Glasgow. Lorde Lyttleton diz que Robertson,
ma is freqü ntem nt · no manuscrito, mas que o en~ r de li:'ros Smith e Bower são as glórias da literatura inglesa. Oswald
em Paris c ol rig u a ·ottá-lo. Rec ntemt!flt y, lralr ' publi o u afirma solenemente não saber se extraiu dele mais instrução
um livrinho ·ham·td Câ1ll:lido, ou o otimismo. Dou-te detalhe ou entretenimento. Mas tu podes julgar facilmente o quanto
ti 1 - - -. Ma. que tem tud isso a ver com meu livro? dirás se pode confiar no julgamento de quem passou a vida enga-
tu . M. ~u ca.ro . r. Sm ll h, tem pa ·it:nda; Lranqüillza-te; mostm-te jado nos negócios públicos, e jamais consegue ver uma úni-
na prátl a tão filósofo com 6; na p.t: >fissão; pensa na va ·u.ida- ca falha em seus amigos. Millar exulta, e fanfarroneia-se de
que dois terços da edição já foram vendidos, e de que agora
le, ari le7. e futilidade dos juízos ·on~uns dos homens: · ~n
governado pt:la razão, n radamente nas questoes está seguro do sucesso. Já se vê que sujeito é esse que valo-
que tant t:X edem a compreensão do vulgo. riza livros apenas pelos lucros que lhe dão. Nesse sentido,
creio eu, pode vir a ser um ótimo livro.
- - - -- - -N.on si quid turbida Roma, Charles Townsend, que passa por ser o camarada mais
Elevet, accedas: examenve improbum in illa esperto da Inglaterra, está tão entusiasmado com o sucesso do
Castiges trutina: nec te quaesiveris extra. livro que disse a Oswald que botaria o Duque de Buccleuch
sob os cuidados do autor, e valeria a pena aceitar esse encar-
O re in c.l • um h me m sábio é seu próprio p it ; ou, go. Assim que ouvi isso visit ' i- duas vezes a fim de falar-lhe
se a ·asn olhar mais longe, será apenas para julgam nto ele sobre o assunto e conve ncê-lo da conveniência de mandar
uns p Ol i s coU1idos, livre le pre n eitos, capazes de esse jovem nobre a Glasgow; pois não podia esperar que ele
examina r , ua obra. 1ada n a v rdacl mai r sinal de pre- pudesse oferecer-te qualquer condição que te tentasse a re-
sunção ou falsidade do que a aprovação da multidão; e Pó- nunciar à cadeira de professor. Mas não o encontrei. O sr.
cio, tu I em sn bes, s mpre uspeitou de que estava sendo lo- Townsend passa por ser um pouco instável em suas decisões;
grado, quando rec bia s aplausos da plebe. assim talvez tu não tenhas de resistir muito a essa investida.
"Supond , pois :tU om todas essas reflexões já esteja_s "Como recompensa por tantas mortificações que nada,
pre parado para o j) (or, pass a contar-te a m lan 611 ol notJ- senão a verdade, poderia ter extraído de mim, e que eu
cia de que t u livro L v ~ péssima ort ; poi - públi o p•tr - facilmente poderia ter multiplicado, estou certo de que és
ce d ispost a a plau di-lo m1Jilissimo. s to lo agu ar lar m-oo um cristão suficientemente bom e não retribuis o mal com
com alguma impaciência; e a tu rba d s l iter<~.tos jã omcça a bem. Por isso, não adula minha vaidade, contando-me que
e1 giá-lu Jn"'. all:.l voz. ntcm, três bispos foram até a loja de todos os devotos na Escócia me censuram pelo meu relato
MiUar omprar exemplares e fazer perguntas sobre o autor. sobre John Knox e a Reforma*. Imagino que te alegres ver
O ll ispo de Petcr borou gh diss qu pa. s::mt a no ite na m-
panbia de um grup tle quem u ira I giá-lo mais d _q u • _')
rodos os outros livros do mund •. O uque de Argyll e rnats • ]ohn Knox, um dos mais radicais e intransigentes teólogos presbite-
rianos do século XVI. Com a ascensão ao trono inglês de Maria Tudor
("Bioody Mary") , tem início uma feroz perseguição aos presbiterianos. John
Knox então se refugia na França, tomando parte em muitas ações contra o
• O biôgrnfo omite, 1 roposit:u.l:irnente ou não, o St'gu inte trt!çho. da catolicismo. Uma dessas ações lhe custa a liberdade: em 1547 é aprisionado
, 1111: "Bem ro lcs unagin;tr com t) livro s · ,1 aprc: ia I 1 pelos vc rdaderro · e obngado a servir como escravo nas galés.
111ósofo~. no m lmenw can q ue esses servos da supersli ·iio ( rtJitl fll('l' cif stt- O livro a que se refere Hume é Tbe History of England, cujo primeiro
{X!rstit Wnl elogiarem-no om tanto ntuslaStu(>'" (cr. "Prt!f3ce to tlH:: 71JIXIIJ' of volume foi publicado em 1753 e o último em 1761. (N. da R. T.)
Mnml 'rm tllllt!lll.,'' , Morrlsoo . I n6, p . 25).
TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA XLVJI
XLV1
Mere · qu ~ u leias, ntl p!)r ua fil o a fia, que nâ p · ui gran- incisivo em favor do livro do que costuma ser. Suponho que
de v·ll r, mas p r SU ' l agradável • mposição. R cebi ~rta I _le o considera ou algo exótico, ou que o autor lhe será útil nas
há alguns dias, contando-me qu · meu .n me aparecra n:urro eleições em Glasgow. Lorde Lyttleton diz que Robertson,
ma is freqü ntem nt · no manuscrito, mas que o en~ r de li:'ros Smith e Bower são as glórias da literatura inglesa. Oswald
em Paris c ol rig u a ·ottá-lo. Rec ntemt!flt y, lralr ' publi o u afirma solenemente não saber se extraiu dele mais instrução
um livrinho ·ham·td Câ1ll:lido, ou o otimismo. Dou-te detalhe ou entretenimento. Mas tu podes julgar facilmente o quanto
ti 1 - - -. Ma. que tem tud isso a ver com meu livro? dirás se pode confiar no julgamento de quem passou a vida enga-
tu . M. ~u ca.ro . r. Sm ll h, tem pa ·it:nda; Lranqüillza-te; mostm-te jado nos negócios públicos, e jamais consegue ver uma úni-
na prátl a tão filósofo com 6; na p.t: >fissão; pensa na va ·u.ida- ca falha em seus amigos. Millar exulta, e fanfarroneia-se de
que dois terços da edição já foram vendidos, e de que agora
le, ari le7. e futilidade dos juízos ·on~uns dos homens: · ~n
governado pt:la razão, n radamente nas questoes está seguro do sucesso. Já se vê que sujeito é esse que valo-
que tant t:X edem a compreensão do vulgo. riza livros apenas pelos lucros que lhe dão. Nesse sentido,
creio eu, pode vir a ser um ótimo livro.
- - - -- - -N.on si quid turbida Roma, Charles Townsend, que passa por ser o camarada mais
Elevet, accedas: examenve improbum in illa esperto da Inglaterra, está tão entusiasmado com o sucesso do
Castiges trutina: nec te quaesiveris extra. livro que disse a Oswald que botaria o Duque de Buccleuch
sob os cuidados do autor, e valeria a pena aceitar esse encar-
O re in c.l • um h me m sábio é seu próprio p it ; ou, go. Assim que ouvi isso visit ' i- duas vezes a fim de falar-lhe
se a ·asn olhar mais longe, será apenas para julgam nto ele sobre o assunto e conve ncê-lo da conveniência de mandar
uns p Ol i s coU1idos, livre le pre n eitos, capazes de esse jovem nobre a Glasgow; pois não podia esperar que ele
examina r , ua obra. 1ada n a v rdacl mai r sinal de pre- pudesse oferecer-te qualquer condição que te tentasse a re-
sunção ou falsidade do que a aprovação da multidão; e Pó- nunciar à cadeira de professor. Mas não o encontrei. O sr.
cio, tu I em sn bes, s mpre uspeitou de que estava sendo lo- Townsend passa por ser um pouco instável em suas decisões;
grado, quando rec bia s aplausos da plebe. assim talvez tu não tenhas de resistir muito a essa investida.
"Supond , pois :tU om todas essas reflexões já esteja_s "Como recompensa por tantas mortificações que nada,
pre parado para o j) (or, pass a contar-te a m lan 611 ol notJ- senão a verdade, poderia ter extraído de mim, e que eu
cia de que t u livro L v ~ péssima ort ; poi - públi o p•tr - facilmente poderia ter multiplicado, estou certo de que és
ce d ispost a a plau di-lo m1Jilissimo. s to lo agu ar lar m-oo um cristão suficientemente bom e não retribuis o mal com
com alguma impaciência; e a tu rba d s l iter<~.tos jã omcça a bem. Por isso, não adula minha vaidade, contando-me que
e1 giá-lu Jn"'. all:.l voz. ntcm, três bispos foram até a loja de todos os devotos na Escócia me censuram pelo meu relato
MiUar omprar exemplares e fazer perguntas sobre o autor. sobre John Knox e a Reforma*. Imagino que te alegres ver
O ll ispo de Petcr borou gh diss qu pa. s::mt a no ite na m-
panbia de um grup tle quem u ira I giá-lo mais d _q u • _')
rodos os outros livros do mund •. O uque de Argyll e rnats • ]ohn Knox, um dos mais radicais e intransigentes teólogos presbite-
rianos do século XVI. Com a ascensão ao trono inglês de Maria Tudor
("Bioody Mary") , tem início uma feroz perseguição aos presbiterianos. John
Knox então se refugia na França, tomando parte em muitas ações contra o
• O biôgrnfo omite, 1 roposit:u.l:irnente ou não, o St'gu inte trt!çho. da catolicismo. Uma dessas ações lhe custa a liberdade: em 1547 é aprisionado
, 1111: "Bem ro lcs unagin;tr com t) livro s · ,1 aprc: ia I 1 pelos vc rdaderro · e obngado a servir como escravo nas galés.
111ósofo~. no m lmenw can q ue esses servos da supersli ·iio ( rtJitl fll('l' cif stt- O livro a que se refere Hume é Tbe History of England, cujo primeiro
{X!rstit Wnl elogiarem-no om tanto ntuslaStu(>'" (cr. "Prt!f3ce to tlH:: 71JIXIIJ' of volume foi publicado em 1753 e o último em 1761. (N. da R. T.)
Mnml 'rm tllllt!lll.,'' , Morrlsoo . I n6, p . 25).
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIO 'lUlFIA lW7CA xrr
XLVIII

que meu papel chega ao fim, e que assim sou obrigado a con- abJndonar
• seu arg 11a ru·ve JSJ . o~• ~
· ·'d·<1 d cJ -• ::w;,Lar nLrc seus
cluir esta. scgu~dores _alguns come r 'lances muito irnp rtamesll.
• . E P<~s:!Vcl supor_que e~ L~·e s esLU lanles 4t1 freqi.l m a-
Teu humilde criado, vam. · ua aulas, e CUJOS e p tru:os ·ünda nã ha Iam sido dis-
DAVID HUME." •L. r 1do,.; 1.1elo .preconceJ·t , u-·"s · ··-
1 0 .[1Jn1oe.s s > apn·m 1-ass .m
ameia
• • ma1s
• rap1clamente
- • : .Por essa
.. 1·az · a
- o , .. ,,, "r:c 1· c> grupo cJ e
e'"'C
a~ug s q~: de~d m1 10 adorou entusiasticamente, 0 ~u
Da publicação da Teoria dos sentimentos morais 1st ma , chfuodmdo ·onh ·imento de seu princípios fu n-
drun nral. p r ·u1 part d reino.
à A riqueza das nações
Pelo fim de 176 , Sr. Smirh rec b u um onvit • do Sr.
Charlcs Tc~wosend para acompa nhar o Duque d Bucdeuch
em suas Vl:::tgcns; c o termo. liberai. m qu a propo. ta Ih
f< l a presentada, somados a forr des j , d visitar o ·o nrl-
n •nt ur pe~1, le_varam-no a r · nuneiar ao :Pu a rgo m
Gla gow. A. Uga oes que resu ltaram dessa muda n ·a de s.i-
L_ua ç.ão lhe deram ~notivos r ara ficar extraort Un a riam nt .
~nt nte, ,~ ·, mpr~ h l u dL 1iO com prazer e gratid· . Talvez
pa~a 0 pu blt · nao fos " uma mudan .a ig ualmente fe liz
P · J lnc IT<lmp u üqu •lt: - d imprescindível para os estu~
dos, p~a < qual_a natur 'Za p·1r -·ia tê-lo de Linaclo, c 110 qual
pod~n_a ter reall~d os projeto: literá rios qu · ;eduzlam as
am b1çocs d seu JOvem e pírito.
M~s ~s·t alteração, que d -d -sse p ríod coreu em
·eus h:tbHos, não foi de todo d va majosa. Até aiJ vlv ra
prín ·ipalmen te d ntr dos mu ros de uma unlv •r:;id:-ld .. ~
e mh 1(1 P'Lra urn e. pírito mo o seu a menor obse1va -:.1 d~
m1turcza humana basta par<~ dar uma con ep ão razoavel-
me nt ·orret~l do que se pass·1 no g ran I teaLro do rnu d
- - I d 'd n o,
na<.> e c ' .uvt . M qu a variedad ~ d cenas p la. qu ais pas-
~a n.a clep o1s dJss d v t r nmrldo seu espírit ·om muiras
~d ~ ~as no.vJs, e c n:igid muiros daq uel - eq uí 0 • s quanto
~ _v_1~a e 'I n·1tureza, q ue nem mesmo as m lhor . eles ·i ões
.":t :"n~c~t ·_ evitam. ~~s, fossem quais fossem a · lu z s qu
su_<11-i _vl-tg ns lh ·· prOp iCiaram o mo estudi so ela naturcZ;:I hu-
merciais de que precisava; e é uma circunstância não menos
man.l prova ~n • nte ~ mu~ út is em grau ainda mai r, pol'-
honrosa para a liberalidade desses moradores para com os que o opa l~ 1. <1111 a aperfe1. ·o3r aquele istema de economia
talentos do Sr. Smith, que, apesar da relutância tão comum
entre homens de negócios em ouvir as conclusões da mera
especulação, e a oposição direta entre princípios básicos e lRL hMenciono esse fato, baseando-me na respeitável autoridade de
todas as velhas máximas do comércio, fosse capaz, antes de James tc te, cavalheiro de Glasgow.
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIO 'lUlFIA lW7CA xrr
XLVIII

que meu papel chega ao fim, e que assim sou obrigado a con- abJndonar
• seu arg 11a ru·ve JSJ . o~• ~
· ·'d·<1 d cJ -• ::w;,Lar nLrc seus
cluir esta. scgu~dores _alguns come r 'lances muito irnp rtamesll.
• . E P<~s:!Vcl supor_que e~ L~·e s esLU lanles 4t1 freqi.l m a-
Teu humilde criado, vam. · ua aulas, e CUJOS e p tru:os ·ünda nã ha Iam sido dis-
DAVID HUME." •L. r 1do,.; 1.1elo .preconceJ·t , u-·"s · ··-
1 0 .[1Jn1oe.s s > apn·m 1-ass .m
ameia
• • ma1s
• rap1clamente
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e'"'C
a~ug s q~: de~d m1 10 adorou entusiasticamente, 0 ~u
Da publicação da Teoria dos sentimentos morais 1st ma , chfuodmdo ·onh ·imento de seu princípios fu n-
drun nral. p r ·u1 part d reino.
à A riqueza das nações
Pelo fim de 176 , Sr. Smirh rec b u um onvit • do Sr.
Charlcs Tc~wosend para acompa nhar o Duque d Bucdeuch
em suas Vl:::tgcns; c o termo. liberai. m qu a propo. ta Ih
f< l a presentada, somados a forr des j , d visitar o ·o nrl-
n •nt ur pe~1, le_varam-no a r · nuneiar ao :Pu a rgo m
Gla gow. A. Uga oes que resu ltaram dessa muda n ·a de s.i-
L_ua ç.ão lhe deram ~notivos r ara ficar extraort Un a riam nt .
~nt nte, ,~ ·, mpr~ h l u dL 1iO com prazer e gratid· . Talvez
pa~a 0 pu blt · nao fos " uma mudan .a ig ualmente fe liz
P · J lnc IT<lmp u üqu •lt: - d imprescindível para os estu~
dos, p~a < qual_a natur 'Za p·1r -·ia tê-lo de Linaclo, c 110 qual
pod~n_a ter reall~d os projeto: literá rios qu · ;eduzlam as
am b1çocs d seu JOvem e pírito.
M~s ~s·t alteração, que d -d -sse p ríod coreu em
·eus h:tbHos, não foi de todo d va majosa. Até aiJ vlv ra
prín ·ipalmen te d ntr dos mu ros de uma unlv •r:;id:-ld .. ~
e mh 1(1 P'Lra urn e. pírito mo o seu a menor obse1va -:.1 d~
m1turcza humana basta par<~ dar uma con ep ão razoavel-
me nt ·orret~l do que se pass·1 no g ran I teaLro do rnu d
- - I d 'd n o,
na<.> e c ' .uvt . M qu a variedad ~ d cenas p la. qu ais pas-
~a n.a clep o1s dJss d v t r nmrldo seu espírit ·om muiras
~d ~ ~as no.vJs, e c n:igid muiros daq uel - eq uí 0 • s quanto
~ _v_1~a e 'I n·1tureza, q ue nem mesmo as m lhor . eles ·i ões
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su_<11-i _vl-tg ns lh ·· prOp iCiaram o mo estudi so ela naturcZ;:I hu-
merciais de que precisava; e é uma circunstância não menos
man.l prova ~n • nte ~ mu~ út is em grau ainda mai r, pol'-
honrosa para a liberalidade desses moradores para com os que o opa l~ 1. <1111 a aperfe1. ·o3r aquele istema de economia
talentos do Sr. Smith, que, apesar da relutância tão comum
entre homens de negócios em ouvir as conclusões da mera
especulação, e a oposição direta entre princípios básicos e lRL hMenciono esse fato, baseando-me na respeitável autoridade de
todas as velhas máximas do comércio, fosse capaz, antes de James tc te, cavalheiro de Glasgow.
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA LI
L
me~es. Al.é m do prazer de privar de uma agradável companhia,
p lltica, ujo. prin 'ípios já ~pusera . m sua ·oof: rência m
:rlasgow, que agora, d pms de mllltO e tudo, pt parava ~a­ ? Sr. n~Lh teve ali oportunidade de corrigir e ampliar suas
~~~nna ·oes quanto à política interna da França, graças à fre-
ra Lan ~< -1 públi ·o. A oincidência entr alguns d . ses pnn-
cípi s s d utdnas ca racteJístk:<l ~ . ·onomlstas f~-an ~t;e ,
quentação com alguns dos principais membros do Parlamento.
qu experimentavam nessa mesma ~p~L-a o auge de su.a Je~~­ De Toulouse foram a Genebra, numa viagem bastante
extensa pelo sul da França. Lá passaram dois meses. o fale-
ta :1 , e a proximidade m qu conv tveu om ~lg~t ns d h-
der s d · e grupo não poderiam d ixar d co?mbu tr pa t-a t r- cido Conde de Stanhope, cuja erudição e dignidade o Sr.
Smith apreciava, morava então nessa república.
nar suas especulaçõ s ma). ·!aras e m tód tcas; ao o~es~?
Perto do Natal de 1765 voltaram a Paris, onde permane-
t mpo a aliosa col ta de faw , , tu:nulad~ p la z I. s·t md~~­
ceram até outubro do ano seguinte. A companhia em que
tria d us num r ·os s gu idores fome ta-Ih vasto mal nal
p~ssa _o Sr. _Smith, s_eguindo recomendação do Sr. Hume, per-
p ra ilustra r e onArmar suas · n lusõ.es t ~i as. . mtte tmagmar quao proveitosos foram esses dez meses.
Depois d deixar Glasg w , o ~r._ .nuth se t uniu ao
Turgot, Quesnai, Necker, d'Alembert, Helvetius, Marmontel,
Duqllt! le Bu .l ltd1 em Londres n 101 to le 17' pattin~~o
para 0 .nlin nt n mês de mar ·o. Em Do er, ncontl.t-
Madame Riccoboni, eram alguns de seus conhecidos. De Ma-
clame d'Anville, a respeitável mãe do excelente Duque de
ram-se c m Sir j :.rmes Ma donald qu a ompan_hou a Pa-
Rochefoucauld, cuja morte fora muito sentida, recebeu mui-
ri. • om quem o r. mlth e. tab k:ce 1 u ma amtzad que
tas at_enções, sempre lembradas com especial gratid:l .
s •mpr c m otava com prazer, e cu ja l r ve ~ura ·ào s mpre
E de lamentar que o Sr. Smith não mantiv . s diário
lamentoll. • panegíri ·os om qu a m m~n.a dessa r so~
desse período tão interessante de sua história; e tal era sua
amáv 1 e ducada f i honrada por ta ntas dJsuntas p rsona~t-
aversão a escrever cartas, que suponho não existir nenhum
lade nos d if rentes países la Europa sã. prova do qu~
registro na sua correspondência com amigos. A profundida-
apropdad eram us ta lentos p~u-a c nquistnr ;1drr~ iraçao
de e a precisão de sua memória, em que poucos o iguala-
geral. o r. Smith tinha suas habthda l erudlçao m alta
conta 0 q u um te temu nho a inda mai valia o seu_s ?c vam, tomavam sem importância registrar por escrito o que
ouvira ou vira; e tão grande era sua ansiedade, antes de mor-
exLraordi.nários méritos. T·Lmbém r. Hum pare ta part.J-
lhar 0 entusiasmo do amigo. " stiv , s ao meu Lael (d.tz
numa ·a rta ao Sr. mith d n-:~maría.mo. lág rimas p 1a r:n.~rl O seguinte excerto dos registros da Universidade, anexado imediata-
d) pobre ir Ja rne. Macdon'<~kl. ão P~'der~amos l r s ln lo mente após a carta de demissão do Sr. Smith, a um só tempo testemunha sua
mai r perda do qu a d ·se J v m notavel. assiduidade como professor e comprova o justo sentimento que aquela eru-
Duque ele Bu · ·l ·uch o , r. Smith le licaram apenas dita instituição reservava ao talento e valor do colega que acabava de perder:
dez ou d ze dia. a ssa primeira visita a Pa~ls • O p is dis~o
12 "A Congregação aceitou o pedido de demissão do Sr. Smith, nos ter-
mos da carta acima, e por conseguinte o cargo de professor de Filosofia
seguintm para TmJlous , onde fL'{ararn residên ia por dezotLo Moral desta Universidade foi declarado vago. Todavia, a Universidade não
pode deixar de expressar o quanto sinceramente lamenta a saída do Sr.
Smith, cujas notável probidade e amáveis qualidades conquistaram a estima
12. No dia :;eguime i1 sun ch.:gad 1 :1 p, ri , o Sr. Sm th enviou ;1 R·iLor e o .~feto de seus colegas, bem como sua inteligência incomum, grandes
da niversidadc d Gl:lsgow um pedido form;.~l le dcmi. ão de seu c:argo habthdades e amplos conhecimentos, que tanto honraram esta instituição.
d . professor Afirmava n:t on lu~ão d 'SS~t cana: "N mca de. ' Í I mafs u l>e~" Sua elegante e engenhosa Teoria dos sentimentos morais recomendou-o à
da r: uldncle do q ue neste momento; sejll I"' ·m for m u ~ut·es~or, d(!!.cj•: estima dos homens refinados e aos literatos de toda a Europa. Seu a ben-
1
sincer:1men tc qu · ni\o ap nas ho nre o cargo com ~u:ts h. bilidadcs, mas q~t çoado talento para ilustrar qu estões abstratas e sua fiel constância na comu-
nica~ào de seu útil conhecimento distlnguir.un-no como professor e pro-
gar:tn t·1 t:om a probidade d ·seu ·ord\.'<10 a bondade lc s •u I ·mpe.rnmen:
1 11 1
~. ' ~ ql'l ll idade aos excelente homens com que pmv:• elmentc p:l.%~U:t porctonaram o mator prazer e a mais importante instrução aos jovens sob
os seus cuidados."
sua vida."
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA LI
L
me~es. Al.é m do prazer de privar de uma agradável companhia,
p lltica, ujo. prin 'ípios já ~pusera . m sua ·oof: rência m
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~~~nna ·oes quanto à política interna da França, graças à fre-
ra Lan ~< -1 públi ·o. A oincidência entr alguns d . ses pnn-
cípi s s d utdnas ca racteJístk:<l ~ . ·onomlstas f~-an ~t;e ,
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extensa pelo sul da França. Lá passaram dois meses. o fale-
ta :1 , e a proximidade m qu conv tveu om ~lg~t ns d h-
der s d · e grupo não poderiam d ixar d co?mbu tr pa t-a t r- cido Conde de Stanhope, cuja erudição e dignidade o Sr.
Smith apreciava, morava então nessa república.
nar suas especulaçõ s ma). ·!aras e m tód tcas; ao o~es~?
Perto do Natal de 1765 voltaram a Paris, onde permane-
t mpo a aliosa col ta de faw , , tu:nulad~ p la z I. s·t md~~­
ceram até outubro do ano seguinte. A companhia em que
tria d us num r ·os s gu idores fome ta-Ih vasto mal nal
p~ssa _o Sr. _Smith, s_eguindo recomendação do Sr. Hume, per-
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Depois d deixar Glasg w , o ~r._ .nuth se t uniu ao
Turgot, Quesnai, Necker, d'Alembert, Helvetius, Marmontel,
Duqllt! le Bu .l ltd1 em Londres n 101 to le 17' pattin~~o
para 0 .nlin nt n mês de mar ·o. Em Do er, ncontl.t-
Madame Riccoboni, eram alguns de seus conhecidos. De Ma-
clame d'Anville, a respeitável mãe do excelente Duque de
ram-se c m Sir j :.rmes Ma donald qu a ompan_hou a Pa-
Rochefoucauld, cuja morte fora muito sentida, recebeu mui-
ri. • om quem o r. mlth e. tab k:ce 1 u ma amtzad que
tas at_enções, sempre lembradas com especial gratid:l .
s •mpr c m otava com prazer, e cu ja l r ve ~ura ·ào s mpre
E de lamentar que o Sr. Smith não mantiv . s diário
lamentoll. • panegíri ·os om qu a m m~n.a dessa r so~
desse período tão interessante de sua história; e tal era sua
amáv 1 e ducada f i honrada por ta ntas dJsuntas p rsona~t-
aversão a escrever cartas, que suponho não existir nenhum
lade nos d if rentes países la Europa sã. prova do qu~
registro na sua correspondência com amigos. A profundida-
apropdad eram us ta lentos p~u-a c nquistnr ;1drr~ iraçao
de e a precisão de sua memória, em que poucos o iguala-
geral. o r. Smith tinha suas habthda l erudlçao m alta
conta 0 q u um te temu nho a inda mai valia o seu_s ?c vam, tomavam sem importância registrar por escrito o que
ouvira ou vira; e tão grande era sua ansiedade, antes de mor-
exLraordi.nários méritos. T·Lmbém r. Hum pare ta part.J-
lhar 0 entusiasmo do amigo. " stiv , s ao meu Lael (d.tz
numa ·a rta ao Sr. mith d n-:~maría.mo. lág rimas p 1a r:n.~rl O seguinte excerto dos registros da Universidade, anexado imediata-
d) pobre ir Ja rne. Macdon'<~kl. ão P~'der~amos l r s ln lo mente após a carta de demissão do Sr. Smith, a um só tempo testemunha sua
mai r perda do qu a d ·se J v m notavel. assiduidade como professor e comprova o justo sentimento que aquela eru-
Duque ele Bu · ·l ·uch o , r. Smith le licaram apenas dita instituição reservava ao talento e valor do colega que acabava de perder:
dez ou d ze dia. a ssa primeira visita a Pa~ls • O p is dis~o
12 "A Congregação aceitou o pedido de demissão do Sr. Smith, nos ter-
mos da carta acima, e por conseguinte o cargo de professor de Filosofia
seguintm para TmJlous , onde fL'{ararn residên ia por dezotLo Moral desta Universidade foi declarado vago. Todavia, a Universidade não
pode deixar de expressar o quanto sinceramente lamenta a saída do Sr.
Smith, cujas notável probidade e amáveis qualidades conquistaram a estima
12. No dia :;eguime i1 sun ch.:gad 1 :1 p, ri , o Sr. Sm th enviou ;1 R·iLor e o .~feto de seus colegas, bem como sua inteligência incomum, grandes
da niversidadc d Gl:lsgow um pedido form;.~l le dcmi. ão de seu c:argo habthdades e amplos conhecimentos, que tanto honraram esta instituição.
d . professor Afirmava n:t on lu~ão d 'SS~t cana: "N mca de. ' Í I mafs u l>e~" Sua elegante e engenhosa Teoria dos sentimentos morais recomendou-o à
da r: uldncle do q ue neste momento; sejll I"' ·m for m u ~ut·es~or, d(!!.cj•: estima dos homens refinados e aos literatos de toda a Europa. Seu a ben-
1
sincer:1men tc qu · ni\o ap nas ho nre o cargo com ~u:ts h. bilidadcs, mas q~t çoado talento para ilustrar qu estões abstratas e sua fiel constância na comu-
nica~ào de seu útil conhecimento distlnguir.un-no como professor e pro-
gar:tn t·1 t:om a probidade d ·seu ·ord\.'<10 a bondade lc s •u I ·mpe.rnmen:
1 11 1
~. ' ~ ql'l ll idade aos excelente homens com que pmv:• elmentc p:l.%~U:t porctonaram o mator prazer e a mais importante instrução aos jovens sob
os seus cuidados."
sua vida."
BIOGRAFIA CRÍ71CA LIII
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS
Lil nai não o tivesse impedido, o Sr. Smith (segundo me disse)
. éi ue p s uía, que parecia d ,_
rer, d . .d estnnr tod . os pap .al· qpara us biógrofos, xc to o pretendia dedicar-lhe sua A riqueza das nações.
ã sol rass maten ênl Mas não apenas os homens distintos que nesse período
s . j:H 9u n: ·iJ .. pelo permanente legado de ·e u . o
qu fosse torne 'd · d fizeram época tão esplêndida na história literária da França
p la e mpl::u: l:g~i~ad~ cl~m~~t: s~~r;r~z~~ de conversar
1
provocaram a curiosidade do Sr. Smith enquanto esteve em
Pode-s 1m.tguur a 1 · . . bre pontos Paris. Seu contato com a literatura erudita, tanto antiga como
Tnham 'lS m sma p lnt es s moderna, foi intenso e entre suas várias atividades jamais
com Turgot. t •. . I'Lica c e ram 'tmbos anima-
mais ssenciais da e o n mia po I ~ intere la humani- deixara de cultivar o gosto pelas belas-artes; menos, talvez,
d s p lo mesm< zelo pe los J:1.'l!1or tud fav ritos pelos prazeres característicos que propiciam (embora o Sr.
- ct·
dade. Alern tss ,I
. mbos d tnglram . .
. eus
o ent ndimento dos Smith não fosse, em absoluto, desprovido de sensibilidade
, l , . te nas s I r o qua ts . para essas belezas), que pela relação com os princípios ge-
para m e t gat I f , l não raro ·o rr n sco
. nais be m in ormac s ' . rais do espírito humano, cuja análise a literatura fornece o
m ·H. a,tpaz s I 't paix:âo sobre os qurus,
de s ~ d ~ ~~r ~or .?re. r~cu~armel~te gr~.tifi ·ante a o inci- mais agradável dos caminhos. Para os que investigam esse
por con , qu neta, e pa d. I 'ógraf s d Turgot nos diz tema tão delicado, uma comparação dos gostos predominan-
· 1 · lgament s m 0 1 1 tes entre diferentes nações oferece um valioso conjunto de
dêncta . e JU • . , . do n1'tn'lstério o ·upava s u tempo
1 · de se rettrar · • fatos; e o Sr. Smith, sempre disposto a atribuir aos usos e cos-
que, c p H . . d ~ n ia filosófica com alguns de s~u
li r nu ma correspon e . . ular vária carta . obre un- tumes seu devido lugar no governo das opiniões da humani-
ant1.gos ,.umg · os·' que em pat uc . , r Turg t e o r.
S dade relativas à beleza, naturalmente eleve ter aproveitado
. nt 5 ·ir ulara m c nu e 0 · . .
portant s assu . U . . com pr va da proxum- cada oportunidade que um país estrangeiro lhe oferecia para
6 <. mats
stUJ'tl'\. R gistro esse epls • . h l , vida nLr o dOI ·, pms, ''\)
. .. " ilustrar suas primeiras teorias.
c.lad que se pre LT· t~ .~:~:apare e um ta nto duvidosa. E Algumas de suas noções peculiares relativas às artes imi-
o uu·os aspectos a 1t Otl ·u l stn .tí 's a rras de u m co.r- tativas também parecem se ter confirmado graças às suas
dit'i ·il acred itar q ue o . r. '·lUe 1 ~ nos ;rovável ai nda, que observações no estrangeiro. Cedo descobriu o princípio fun-
r spondent t:omo TurgO(, ·-' do amigos. damental de que grande parte do prazer que as artes nos
. u·e eles s ro qu n •wm m
ssa u·oc:1 o ' rress ·n . · l 101a · investiga ·ô s 3
proporcionam decorre da dificuldade da imitação; esse prin-
elo r. Snüth tiv sse onb Clll11.ehn~o. A d ·gL oci dad, após cípio provavelmente lhe foi sugerido por um outro, o da dif-
P . ar um cav·t tro a . ,
feitas em ans _P me a rer que não exi ·te idên- ficulté surmontée, por meio do qual alguns críticos franceses
morte do Sr. Smtth, levam- -.1 do Sr Turg t, tentaram explicar o efeito da versificação e da rima 13 • O Sr.
. ondência enrre s pap · .
oa dessa corresp . s S'' .... .la da antiga JJrOxt- Smith ampliou o mais possível esse princípio, submetendo a
que toda a h tstona. ' · nasceu p 1 q u · '"} · na.r essa ·ir-
ulgo imp rtante menc10 ele, de modo bastante engenhoso, uma grande variedade de
midade entre amb os. J . . 'dade sobr o d s- fenômenos referentes a todas as diferentes belas-artes. Mas
cunstância, porque suscitou mtnta u n t ' isso o levou a algumas conclusões que pelo menos à primei-
tino dessas supostas cartas. n1 . lo d M Ques- ra vista parecem bastante paradoxais; e não posso deixar de
0 Sr. Smith também era mult~ •o 1C.et<. Table· .um h - pensar que chegaram mesmo a distorcer seu julgamento
. r fund > o riginal autor ele Ec nomu:_at. . ' . "d -
na t p .. d Smith) "da maior rnocl U:l snnpli t a sobre muitas opiniões que estava habituado a dar a respeito
m~.m s ·g.un 'st~m:· de ec. nomia politica consid rou, ·:com de poesia.
dt: ; e CUJO SI: . - · '' mo "o qu mais s, apr XJ mou
wdas a uas lillp rfetçoes ' . , I I' "Obr os prin í-
d qu veto a pu t ..,
da verdade entre tu o~ . . . ·~ ··a" Se a rn< rt de Qu s- 13. Veja-se o prefácio de Oedipede Voltaire, edição de 1729.
pios daquela importantts una oenct( .
BIOGRAFIA CRÍ71CA LIII
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS
Lil nai não o tivesse impedido, o Sr. Smith (segundo me disse)
. éi ue p s uía, que parecia d ,_
rer, d . .d estnnr tod . os pap .al· qpara us biógrofos, xc to o pretendia dedicar-lhe sua A riqueza das nações.
ã sol rass maten ênl Mas não apenas os homens distintos que nesse período
s . j:H 9u n: ·iJ .. pelo permanente legado de ·e u . o
qu fosse torne 'd · d fizeram época tão esplêndida na história literária da França
p la e mpl::u: l:g~i~ad~ cl~m~~t: s~~r;r~z~~ de conversar
1
provocaram a curiosidade do Sr. Smith enquanto esteve em
Pode-s 1m.tguur a 1 · . . bre pontos Paris. Seu contato com a literatura erudita, tanto antiga como
Tnham 'lS m sma p lnt es s moderna, foi intenso e entre suas várias atividades jamais
com Turgot. t •. . I'Lica c e ram 'tmbos anima-
mais ssenciais da e o n mia po I ~ intere la humani- deixara de cultivar o gosto pelas belas-artes; menos, talvez,
d s p lo mesm< zelo pe los J:1.'l!1or tud fav ritos pelos prazeres característicos que propiciam (embora o Sr.
- ct·
dade. Alern tss ,I
. mbos d tnglram . .
. eus
o ent ndimento dos Smith não fosse, em absoluto, desprovido de sensibilidade
, l , . te nas s I r o qua ts . para essas belezas), que pela relação com os princípios ge-
para m e t gat I f , l não raro ·o rr n sco
. nais be m in ormac s ' . rais do espírito humano, cuja análise a literatura fornece o
m ·H. a,tpaz s I 't paix:âo sobre os qurus,
de s ~ d ~ ~~r ~or .?re. r~cu~armel~te gr~.tifi ·ante a o inci- mais agradável dos caminhos. Para os que investigam esse
por con , qu neta, e pa d. I 'ógraf s d Turgot nos diz tema tão delicado, uma comparação dos gostos predominan-
· 1 · lgament s m 0 1 1 tes entre diferentes nações oferece um valioso conjunto de
dêncta . e JU • . , . do n1'tn'lstério o ·upava s u tempo
1 · de se rettrar · • fatos; e o Sr. Smith, sempre disposto a atribuir aos usos e cos-
que, c p H . . d ~ n ia filosófica com alguns de s~u
li r nu ma correspon e . . ular vária carta . obre un- tumes seu devido lugar no governo das opiniões da humani-
ant1.gos ,.umg · os·' que em pat uc . , r Turg t e o r.
S dade relativas à beleza, naturalmente eleve ter aproveitado
. nt 5 ·ir ulara m c nu e 0 · . .
portant s assu . U . . com pr va da proxum- cada oportunidade que um país estrangeiro lhe oferecia para
6 <. mats
stUJ'tl'\. R gistro esse epls • . h l , vida nLr o dOI ·, pms, ''\)
. .. " ilustrar suas primeiras teorias.
c.lad que se pre LT· t~ .~:~:apare e um ta nto duvidosa. E Algumas de suas noções peculiares relativas às artes imi-
o uu·os aspectos a 1t Otl ·u l stn .tí 's a rras de u m co.r- tativas também parecem se ter confirmado graças às suas
dit'i ·il acred itar q ue o . r. '·lUe 1 ~ nos ;rovável ai nda, que observações no estrangeiro. Cedo descobriu o princípio fun-
r spondent t:omo TurgO(, ·-' do amigos. damental de que grande parte do prazer que as artes nos
. u·e eles s ro qu n •wm m
ssa u·oc:1 o ' rress ·n . · l 101a · investiga ·ô s 3
proporcionam decorre da dificuldade da imitação; esse prin-
elo r. Snüth tiv sse onb Clll11.ehn~o. A d ·gL oci dad, após cípio provavelmente lhe foi sugerido por um outro, o da dif-
P . ar um cav·t tro a . ,
feitas em ans _P me a rer que não exi ·te idên- ficulté surmontée, por meio do qual alguns críticos franceses
morte do Sr. Smtth, levam- -.1 do Sr Turg t, tentaram explicar o efeito da versificação e da rima 13 • O Sr.
. ondência enrre s pap · .
oa dessa corresp . s S'' .... .la da antiga JJrOxt- Smith ampliou o mais possível esse princípio, submetendo a
que toda a h tstona. ' · nasceu p 1 q u · '"} · na.r essa ·ir-
ulgo imp rtante menc10 ele, de modo bastante engenhoso, uma grande variedade de
midade entre amb os. J . . 'dade sobr o d s- fenômenos referentes a todas as diferentes belas-artes. Mas
cunstância, porque suscitou mtnta u n t ' isso o levou a algumas conclusões que pelo menos à primei-
tino dessas supostas cartas. n1 . lo d M Ques- ra vista parecem bastante paradoxais; e não posso deixar de
0 Sr. Smith também era mult~ •o 1C.et<. Table· .um h - pensar que chegaram mesmo a distorcer seu julgamento
. r fund > o riginal autor ele Ec nomu:_at. . ' . "d -
na t p .. d Smith) "da maior rnocl U:l snnpli t a sobre muitas opiniões que estava habituado a dar a respeito
m~.m s ·g.un 'st~m:· de ec. nomia politica consid rou, ·:com de poesia.
dt: ; e CUJO SI: . - · '' mo "o qu mais s, apr XJ mou
wdas a uas lillp rfetçoes ' . , I I' "Obr os prin í-
d qu veto a pu t ..,
da verdade entre tu o~ . . . ·~ ··a" Se a rn< rt de Qu s- 13. Veja-se o prefácio de Oedipede Voltaire, edição de 1729.
pios daquela importantts una oenct( .
-
uv TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA LV
Os princípios da composição dramática atraíram particu- Em outubro de 1766, o Duque de Buccleuch voltou a
larmente sua atenção; e a história do teatro, antigo ou mo- Londres. Sua Excelência, a quem devo vários detalhes dessa
derno, provera-o de alguns dos mais notáveis fatos sobre os narra tiva, p rei a rá, espero, a Ube rdade que tomo tra nscr v n-
quais fundava sua teoria das artes imitativas. Dessa teoria pa- do um parágraD d suas própri as palavras: "Em outul ro d
J

recia se seguir, como conseqüência, que as mesmas circuns- 1766 volt<U11 s ' l Londres, J epois de passarmos quase três
tâncias que na tragédia conferem vantagens aos versos bran- anos juntos, sem o menor desacordo ou frieza · de minha
cos sobre a prosa, deveriam dar vantagens à rima sobre os parte, com todos os benefícios que se podem esp~rar da com-
versos brancos; e o Sr. Smith sempre tendeu para essa opi- panhia de tal homem. Cultivamos nossa amizade até a hora de
nião. Mais que isso: chegou ao ponto de aplicar essa doutri- sua morte; e sempre guardarei a impressão de ter perdido um
na à comédia, lamentando que os excelentes quadros da amigo a quem amei e respeitei, não apenas pelos seus gran-
vida e dos costumes que o palco inglês oferece não fossem des talentos, mas por todas as suas virtudes particulares."
executados segundo modelo da escola francesa. Sua admira- Ainda que o retiro em que o Sr. Smith passou os próxi-
ção pelos grandes autores dramáticos da França tornou-o mos dez anos contrastasse fortemente com o modo de vida
obstinado; e essa admiração (resultante originalmente do ca- errante a que se habituara por algum tempo, combinava tan-
r
ráter geral do seu gosto, que se deliciava mais em notar to mais com sua índole natural e com seus antigos hábitos,
que só com a maior dificuldade era persuadido a abandoná-
aquela flexibilidade da inteligência que se adapta a regras
lo novamente. Durante todo esse período (com exceção de
estabelecidas do que em se surpreender com os vôos mais
poucas visitas a Edimburgo e Londres), permaneceu com sua
ousados de uma imaginação indisciplinada) aumentou ainda
mãe em Kirkaldy, ocupando-se habitualmente de intensos
mais quando viu intensificadas pela perfeição da apresenta-
estu l s, mbora às vezes desc-a nsasse seu espírito junto a
ção teatral as belezas que já o haviam impressionado em seus nl t 111s v lhos ca maradas de escola, cujos "sóbrios de. ej "
estudos. Nos últimos anos de sua vida às vezes divertia-se, os pre nd ra a luga r de nascime nto. O Sr. Smid1 se deliciava
numa hora de lazer, apoiando suas conclusões teóricas sobre na companhia de tais homens; e lhes era caro, não apenas
esse assunto nos fatos sugeridos por seus estudos e observa- por seus modos simples e despretensiosos, mas por conhe-
ções subseqüentes: e, se tivesse vivido para isso, pretendia cerem todas as virtudes domésticas que o haviam destacado
preparar para impressão os resultados desses trabalhos. Dei- desde a infância.
xou apenas um breve fragmento dessa obra para publicação; O Sr. Hume (conforme nos relata), que considerava "a
porém, não avançara o suficiente para aplicar sua doutrina à cidade como o único cenário para um homem de letras", fez
versificação e ao teatro. Mas como suas idéias relativas a essa várias tentativas para levar o Sr. Smith para fora do seu reti-
doutrina fossem tópico favorito de sua conversa, e se ligas- ro. Numa carta de 1772, insiste em que o Sr. Smith passe
sem intimamente aos princípios gerais de sua crítica, teria si- algum tempo consigo em Edimburgo. "Não aceitarei nenhu-
do impróprio omiti-los neste esboço de sua vida; considerei ma desculpa por teu estado de saúde, que suponho ser ape-
adequado até mesmo detalhá-los mais do que teria justificado nas um subterfúgio inventado pela indolência e pelo amor à
a importância relativa do assunto, se tivesse chegado a execu- solidão. Na verdade, meu caro Smith, caso continues te en-
tar seus planos. Não pretendo determinar se seu ímpeto por tregando a queixas dessa natureza, afastar-te-ás inteiramente
tudo sistematizar, somado à sua parcialidade em relação ao do convívio humano, para grande perda de ambas as par-
drama francês, não o levaram a generalizar um pouco demais tes." Em outra carta, datada de 1769, de sua casa em James's
suas conclusões, deixando, com isso, de perceber algumas pe- Court (que de um lado tinha vista para o Estuário de Forth, e
culiaridades da linguagem e versificação daquele país. de outro para a costa de Pife), diz: "Estou contente por ter-te
-
uv TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA LV
Os princípios da composição dramática atraíram particu- Em outubro de 1766, o Duque de Buccleuch voltou a
larmente sua atenção; e a história do teatro, antigo ou mo- Londres. Sua Excelência, a quem devo vários detalhes dessa
derno, provera-o de alguns dos mais notáveis fatos sobre os narra tiva, p rei a rá, espero, a Ube rdade que tomo tra nscr v n-
quais fundava sua teoria das artes imitativas. Dessa teoria pa- do um parágraD d suas própri as palavras: "Em outul ro d
J

recia se seguir, como conseqüência, que as mesmas circuns- 1766 volt<U11 s ' l Londres, J epois de passarmos quase três
tâncias que na tragédia conferem vantagens aos versos bran- anos juntos, sem o menor desacordo ou frieza · de minha
cos sobre a prosa, deveriam dar vantagens à rima sobre os parte, com todos os benefícios que se podem esp~rar da com-
versos brancos; e o Sr. Smith sempre tendeu para essa opi- panhia de tal homem. Cultivamos nossa amizade até a hora de
nião. Mais que isso: chegou ao ponto de aplicar essa doutri- sua morte; e sempre guardarei a impressão de ter perdido um
na à comédia, lamentando que os excelentes quadros da amigo a quem amei e respeitei, não apenas pelos seus gran-
vida e dos costumes que o palco inglês oferece não fossem des talentos, mas por todas as suas virtudes particulares."
executados segundo modelo da escola francesa. Sua admira- Ainda que o retiro em que o Sr. Smith passou os próxi-
ção pelos grandes autores dramáticos da França tornou-o mos dez anos contrastasse fortemente com o modo de vida
obstinado; e essa admiração (resultante originalmente do ca- errante a que se habituara por algum tempo, combinava tan-
r
ráter geral do seu gosto, que se deliciava mais em notar to mais com sua índole natural e com seus antigos hábitos,
que só com a maior dificuldade era persuadido a abandoná-
aquela flexibilidade da inteligência que se adapta a regras
lo novamente. Durante todo esse período (com exceção de
estabelecidas do que em se surpreender com os vôos mais
poucas visitas a Edimburgo e Londres), permaneceu com sua
ousados de uma imaginação indisciplinada) aumentou ainda
mãe em Kirkaldy, ocupando-se habitualmente de intensos
mais quando viu intensificadas pela perfeição da apresenta-
estu l s, mbora às vezes desc-a nsasse seu espírito junto a
ção teatral as belezas que já o haviam impressionado em seus nl t 111s v lhos ca maradas de escola, cujos "sóbrios de. ej "
estudos. Nos últimos anos de sua vida às vezes divertia-se, os pre nd ra a luga r de nascime nto. O Sr. Smid1 se deliciava
numa hora de lazer, apoiando suas conclusões teóricas sobre na companhia de tais homens; e lhes era caro, não apenas
esse assunto nos fatos sugeridos por seus estudos e observa- por seus modos simples e despretensiosos, mas por conhe-
ções subseqüentes: e, se tivesse vivido para isso, pretendia cerem todas as virtudes domésticas que o haviam destacado
preparar para impressão os resultados desses trabalhos. Dei- desde a infância.
xou apenas um breve fragmento dessa obra para publicação; O Sr. Hume (conforme nos relata), que considerava "a
porém, não avançara o suficiente para aplicar sua doutrina à cidade como o único cenário para um homem de letras", fez
versificação e ao teatro. Mas como suas idéias relativas a essa várias tentativas para levar o Sr. Smith para fora do seu reti-
doutrina fossem tópico favorito de sua conversa, e se ligas- ro. Numa carta de 1772, insiste em que o Sr. Smith passe
sem intimamente aos princípios gerais de sua crítica, teria si- algum tempo consigo em Edimburgo. "Não aceitarei nenhu-
do impróprio omiti-los neste esboço de sua vida; considerei ma desculpa por teu estado de saúde, que suponho ser ape-
adequado até mesmo detalhá-los mais do que teria justificado nas um subterfúgio inventado pela indolência e pelo amor à
a importância relativa do assunto, se tivesse chegado a execu- solidão. Na verdade, meu caro Smith, caso continues te en-
tar seus planos. Não pretendo determinar se seu ímpeto por tregando a queixas dessa natureza, afastar-te-ás inteiramente
tudo sistematizar, somado à sua parcialidade em relação ao do convívio humano, para grande perda de ambas as par-
drama francês, não o levaram a generalizar um pouco demais tes." Em outra carta, datada de 1769, de sua casa em James's
suas conclusões, deixando, com isso, de perceber algumas pe- Court (que de um lado tinha vista para o Estuário de Forth, e
culiaridades da linguagem e versificação daquele país. de outro para a costa de Pife), diz: "Estou contente por ter-te
LVI TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍ71CA LVII
m m u horizonte; mas, c mo também des · jarla ter-te ao seus princípios ... Mas estes e vários outros pontos só podem
m ·u bel , gosuuia que tomáss mo. rta · 111 <.lidas para esse ser debatidos em uma conversa que, espero, ocorra em bre-
rim. Fi o mortal menL na useado c m m;u, e vejo com hor- ve, já que minhas condições de saúde são péssimas, e não
ror e uma espécie de hid ro~ bia o grande golfo que se esten- posso me permitir uma espera muito longa."
de entre nós. Estou tão ·a n ado de viajar, quanto tu natural- Quanto ao livro agora universalmente conhecido como
mente deverias estar de ficar em casa. Por isso, proponho A riqueza das nações, talvez seja supérfluo analisá-lo em
qu · venhas ar aqui pas ·e · alguns dias omig ne ta soli- detalhe; mas de qualquer modo, os limites deste ensaio tor-
d ã J. Quero sabe r u que tens ~ ito, " xij urna dgorosa des- nam neste momento impossível qualquer tentativa. Não obs-
·.içãt> do métod em que ten.o:; t , ocupado ness ·· te u retiro. tante, é possível apresentar algumas observações sobre o
E ·tou segur d · qu stás errado 111 muitas de tuas especu- tema e intenção da obra sem, espero, me tornar inconve-
lações, em paxtl ular a que têm a infeli ·idade cl liver iJ· niente. A história ela vida de um filósofo pode conter pouco
elas minhas. Tudo isso são motivos para nosso encontro, e mais do que a história de suas especulações; e no caso de
desejo que me proponhas algo razoável nesse sentido. Não um autor como o Sr. Smith, cujos estudos eram sistematica-
há casa na ilha de Inchkeith, senão desafiar-te-ia a vir me mente dirigidos, desde sua juventude, para assuntos da maior
encontrar nesse ponto, e a nenhum de nós deixar o local até importância para a felicidade humana, uma resenha de seus
estarmos de pleno acordo quanto a todos os pontos de nos- escritos, por ilustrar as peculiaridades do seu gênio, fornece
sa controvérsia . Espero para amanhã o general Conway, a o mais fiel retrato de seu caráter como homem.
quem devo acompanhar até Roseneath, e lá ficarei uns pou-
cos dias. Em minha volta, espero encontrar uma carta tua
contendo uma aceitação franca deste desafio." Da investigação sobre a natureza e causas
Finalmente (no começo do ano de 1776), o Sr. Smith da riqueza das nações"
prestou contas ao mundo d s u long retir • publi ' anelo sua
hzvestf.p,ação sobre a lltl/.tweza e causas da rf71J.e.za das ·m f- Uma concepção histórica das diferentes formas sob as
çô ·. T nho · minha fr nte nest " m m nt , uma 'trta I quais foram tratados os problemas humanos nas diferentes
ongratula ão do, r. Hum p r es e a on t ~c imento . É darad't épocas e nações naturalmente sugere a pergunta: a expe-
de 1º I al ril de 1776 (cerca le • is npses antes da mort I riência de outros tempos pode ou não fornecer princípios
Sr. Hume), e revela um cuidado carinhoso com a fama literá- gerais que iluminem e orientem a política de futuros legisla-
ria do amigo. "Euge! Bel/e! Caro Sr. Smith: estou muito con- dores? A discussão a que leva essa questão, entretanto, é sin-
tente com teu êxito, e acompanhá-lo me fez sair de um esta- gularmente difícil, pois requer uma análise cuidadosa daque-
do de grande ansiedade. Foi uma obra tão esperada, por ti, la que é de longe a mais complexa classe de fenômenos a
por teus amigos e pelo público, que eu receava pela sua apa- que podemos nos dedicar, fenômenos os quais resultam do
rição, mas agora estou muito aliviado. Não porque sua leitura mecanismo intrincado e muitas vezes imperceptível da socie-
necessariamente exija muita atenção, mas porque o público dade política. Eis um assunto diante elo qual, por parecer à
está disposto a dá-la tão pouco, que às vezes ainda duvid de primeira vista impossível de ser apreendido por nossas fa-
que inicialmente seja muito popular. Mas tem profunc.Udade, culdades, costumamos nos posicionar com a mesma passi-
solid z e precisão, e é tão ilustrada por fatos curiosos, que
finalmente terá de cativar a atenção do publico. É provável
que tua última estada em Londres a tenha aperfeiçoado. Se tu 14. No período em que esta biografia foi lida diante da Real Sociedade
de Edimburgo, não era raro, mesmo e ntre homens ele algum talento e infor-
estivesses aqui junto da minha lareira, discutiríamos alguns de maçüo, confundir deliberadamente as doutrinas especulativas ele economia
LVI TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍ71CA LVII
m m u horizonte; mas, c mo também des · jarla ter-te ao seus princípios ... Mas estes e vários outros pontos só podem
m ·u bel , gosuuia que tomáss mo. rta · 111 <.lidas para esse ser debatidos em uma conversa que, espero, ocorra em bre-
rim. Fi o mortal menL na useado c m m;u, e vejo com hor- ve, já que minhas condições de saúde são péssimas, e não
ror e uma espécie de hid ro~ bia o grande golfo que se esten- posso me permitir uma espera muito longa."
de entre nós. Estou tão ·a n ado de viajar, quanto tu natural- Quanto ao livro agora universalmente conhecido como
mente deverias estar de ficar em casa. Por isso, proponho A riqueza das nações, talvez seja supérfluo analisá-lo em
qu · venhas ar aqui pas ·e · alguns dias omig ne ta soli- detalhe; mas de qualquer modo, os limites deste ensaio tor-
d ã J. Quero sabe r u que tens ~ ito, " xij urna dgorosa des- nam neste momento impossível qualquer tentativa. Não obs-
·.içãt> do métod em que ten.o:; t , ocupado ness ·· te u retiro. tante, é possível apresentar algumas observações sobre o
E ·tou segur d · qu stás errado 111 muitas de tuas especu- tema e intenção da obra sem, espero, me tornar inconve-
lações, em paxtl ular a que têm a infeli ·idade cl liver iJ· niente. A história ela vida de um filósofo pode conter pouco
elas minhas. Tudo isso são motivos para nosso encontro, e mais do que a história de suas especulações; e no caso de
desejo que me proponhas algo razoável nesse sentido. Não um autor como o Sr. Smith, cujos estudos eram sistematica-
há casa na ilha de Inchkeith, senão desafiar-te-ia a vir me mente dirigidos, desde sua juventude, para assuntos da maior
encontrar nesse ponto, e a nenhum de nós deixar o local até importância para a felicidade humana, uma resenha de seus
estarmos de pleno acordo quanto a todos os pontos de nos- escritos, por ilustrar as peculiaridades do seu gênio, fornece
sa controvérsia . Espero para amanhã o general Conway, a o mais fiel retrato de seu caráter como homem.
quem devo acompanhar até Roseneath, e lá ficarei uns pou-
cos dias. Em minha volta, espero encontrar uma carta tua
contendo uma aceitação franca deste desafio." Da investigação sobre a natureza e causas
Finalmente (no começo do ano de 1776), o Sr. Smith da riqueza das nações"
prestou contas ao mundo d s u long retir • publi ' anelo sua
hzvestf.p,ação sobre a lltl/.tweza e causas da rf71J.e.za das ·m f- Uma concepção histórica das diferentes formas sob as
çô ·. T nho · minha fr nte nest " m m nt , uma 'trta I quais foram tratados os problemas humanos nas diferentes
ongratula ão do, r. Hum p r es e a on t ~c imento . É darad't épocas e nações naturalmente sugere a pergunta: a expe-
de 1º I al ril de 1776 (cerca le • is npses antes da mort I riência de outros tempos pode ou não fornecer princípios
Sr. Hume), e revela um cuidado carinhoso com a fama literá- gerais que iluminem e orientem a política de futuros legisla-
ria do amigo. "Euge! Bel/e! Caro Sr. Smith: estou muito con- dores? A discussão a que leva essa questão, entretanto, é sin-
tente com teu êxito, e acompanhá-lo me fez sair de um esta- gularmente difícil, pois requer uma análise cuidadosa daque-
do de grande ansiedade. Foi uma obra tão esperada, por ti, la que é de longe a mais complexa classe de fenômenos a
por teus amigos e pelo público, que eu receava pela sua apa- que podemos nos dedicar, fenômenos os quais resultam do
rição, mas agora estou muito aliviado. Não porque sua leitura mecanismo intrincado e muitas vezes imperceptível da socie-
necessariamente exija muita atenção, mas porque o público dade política. Eis um assunto diante elo qual, por parecer à
está disposto a dá-la tão pouco, que às vezes ainda duvid de primeira vista impossível de ser apreendido por nossas fa-
que inicialmente seja muito popular. Mas tem profunc.Udade, culdades, costumamos nos posicionar com a mesma passi-
solid z e precisão, e é tão ilustrada por fatos curiosos, que
finalmente terá de cativar a atenção do publico. É provável
que tua última estada em Londres a tenha aperfeiçoado. Se tu 14. No período em que esta biografia foi lida diante da Real Sociedade
de Edimburgo, não era raro, mesmo e ntre homens ele algum talento e infor-
estivesses aqui junto da minha lareira, discutiríamos alguns de maçüo, confundir deliberadamente as doutrinas especulativas ele economia
TEORIA DOS SEN11MENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA LIX
LVIII
vidad c subm issão om que admiramos, n mune! n~ate­ mente reunidas nos inumeráveis caminhos da observação e
rial 0, efeito produzido por m.isL ri sas insomhí v i ·au- experimentação - e na política - em que as matérias de nos-
as' f1s icas. É um<J s Jt<:!, L davia, que n . l e e m muitos ou- sas teorias igualmente se encontram difusas, sendo reunidas e
tros casos as di.fJ uJd a les qu e por ta nt te mp fru straram o arranjadas com maior dificuldade ainda - os meios de comu-
esfor os d e ·pirita solitá rio omecem a par cer me nos nicação oferecidos pela imprensa aceleraram, no curso de
t rrívei qua ndo se u n m todos os esforços de um. povo , dois séculos, o progresso do espírito humano, muito além do
po i. , à medida que a expeti ên ia e a razão de dlfer ntes in- que poderiam imaginar as mais otimistas esperanças de nos-
d ivídu s onvergern sobre os m mos bj Los, ·e c m bi- sos antepassados .
nam de uma maneira tal que _podem esclarecer-se e limitar- O progresso já feito nessa ciência, insignificante, se com-
se reciproca menle a ciência política assume, mais e mais, parado com o que ainda pode ser esperado, já bastou para
aquela forma sistemática que encoraja e auxilia o trabalho de mostrar que a felicidade do homem depende não da partici-
futuros investigadores. pação do povo, direta ou indireta, na promulgação das leis,
Se a ciência política procede desse modo, não é necessá- mas na eqüidade e adequação com que as leis são promulga-
rio ir beber apenas na fonte dos antigos filósofos, cuja aten- das. A participação do povo no governo interessa principal-
ção estava voltada nas especulações políticas, para a compa- mente à minoria de homens, cujo objetivo é obter notorieda-
ração entre as diferentes espécies de governo e para o que de política; mas a eqüidade e adequação das leis interessam a
seria necessário para perpetuar sua própria existência e au- todo membro da comunidade, sobretudo àqueles cuja insig-
mentar a glória do Estado. Por outro lado, ficou destinada aos nificância pessoal não reserva outra coragem, senão a que
tempos moqernos a investigação dos princípios universais de recebem do espírito geral do governo sob o qual vivem.
justiça e conveniência que, sob qualquer forma de governo, POttanto, é evidente que a divisão mais importante da
devem regular a ordem social, para distribuir, da maneira ciência política tem como finalidade descobrir os princípios
mais eqüitativa possível, os benefícios da união política entre filosóficos da jurisprudência; ou (como diz o Sr. Smith), "des-
todos os diferentes membros de uma comunidade. cobrir os princípios gerais que deveriam permear e funda-
Talvez a invenção da imprensa fosse necessária para mentar as leis de todas as nações" 15 • Em países onde os pre-
preparar o caminho para esses estudos. Em domínios de lite- conceitos do povo entram em conflito com esses princípios,
ratura e ciência em que o espírito encontra dentro de si a a liberdade política que a constituição assinala apenas lhe
matéria de seus trabalhos, tais como a poesia, a geometria em garante os meios de realizar sua própria ruína. E se fosse pos-
alguns ramos da filosofia moral, os antigos não apenas lança- sível supor esses princípios completamente efetivados em
ram os fundamentos sobre os quais devemos construir, mas qualquer sistema de leis, o povo teria pouco motivo para se
deixaram grandes e acabados modelos para imitarmos. Mas queixar de que não é diretamente o instrumento de sua pro-
na física - em que nosso progresso depende de um imenso mulgação. O único critério infalível da excelência de qual-
conjunto de fatos e de uma combinação das luzes fortuita- quer constituição está no detalhamento de seu código local;
e o valor que os sábiOs conferem à liberdade política se deve
principalmente à suposta facilidade com que seriam introdu-
política com as discussões sobre os primeiros princípios do Governo que zidos os aperfeiçoamentos na legislação que os interesses da
naquele tempo infelizmente agitavam o espírito do público . A doutrina do Li-
comunidade exigem. Não posso deixar de acrescentar que a
vre Comércio era retratada como tendência revolucionária, e alguns dos que
outrora se tinham orgulhado de privar da intimidade do Sr. Smith, e do zelo com capacidade de um povo de exercer seus direitos políticos de
que propagavam seu sistema liberal, começaram a considerar as vantagens de
sujeitar-se às controvérsias dos filósofos, aos mistérios da Política de Estado
e à sabedoria insondável dos tempos feudais. 15. Conferir a conclusão ele sua Teoria dos sentimentos morais
TEORIA DOS SEN11MENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA LIX
LVIII
vidad c subm issão om que admiramos, n mune! n~ate­ mente reunidas nos inumeráveis caminhos da observação e
rial 0, efeito produzido por m.isL ri sas insomhí v i ·au- experimentação - e na política - em que as matérias de nos-
as' f1s icas. É um<J s Jt<:!, L davia, que n . l e e m muitos ou- sas teorias igualmente se encontram difusas, sendo reunidas e
tros casos as di.fJ uJd a les qu e por ta nt te mp fru straram o arranjadas com maior dificuldade ainda - os meios de comu-
esfor os d e ·pirita solitá rio omecem a par cer me nos nicação oferecidos pela imprensa aceleraram, no curso de
t rrívei qua ndo se u n m todos os esforços de um. povo , dois séculos, o progresso do espírito humano, muito além do
po i. , à medida que a expeti ên ia e a razão de dlfer ntes in- que poderiam imaginar as mais otimistas esperanças de nos-
d ivídu s onvergern sobre os m mos bj Los, ·e c m bi- sos antepassados .
nam de uma maneira tal que _podem esclarecer-se e limitar- O progresso já feito nessa ciência, insignificante, se com-
se reciproca menle a ciência política assume, mais e mais, parado com o que ainda pode ser esperado, já bastou para
aquela forma sistemática que encoraja e auxilia o trabalho de mostrar que a felicidade do homem depende não da partici-
futuros investigadores. pação do povo, direta ou indireta, na promulgação das leis,
Se a ciência política procede desse modo, não é necessá- mas na eqüidade e adequação com que as leis são promulga-
rio ir beber apenas na fonte dos antigos filósofos, cuja aten- das. A participação do povo no governo interessa principal-
ção estava voltada nas especulações políticas, para a compa- mente à minoria de homens, cujo objetivo é obter notorieda-
ração entre as diferentes espécies de governo e para o que de política; mas a eqüidade e adequação das leis interessam a
seria necessário para perpetuar sua própria existência e au- todo membro da comunidade, sobretudo àqueles cuja insig-
mentar a glória do Estado. Por outro lado, ficou destinada aos nificância pessoal não reserva outra coragem, senão a que
tempos moqernos a investigação dos princípios universais de recebem do espírito geral do governo sob o qual vivem.
justiça e conveniência que, sob qualquer forma de governo, POttanto, é evidente que a divisão mais importante da
devem regular a ordem social, para distribuir, da maneira ciência política tem como finalidade descobrir os princípios
mais eqüitativa possível, os benefícios da união política entre filosóficos da jurisprudência; ou (como diz o Sr. Smith), "des-
todos os diferentes membros de uma comunidade. cobrir os princípios gerais que deveriam permear e funda-
Talvez a invenção da imprensa fosse necessária para mentar as leis de todas as nações" 15 • Em países onde os pre-
preparar o caminho para esses estudos. Em domínios de lite- conceitos do povo entram em conflito com esses princípios,
ratura e ciência em que o espírito encontra dentro de si a a liberdade política que a constituição assinala apenas lhe
matéria de seus trabalhos, tais como a poesia, a geometria em garante os meios de realizar sua própria ruína. E se fosse pos-
alguns ramos da filosofia moral, os antigos não apenas lança- sível supor esses princípios completamente efetivados em
ram os fundamentos sobre os quais devemos construir, mas qualquer sistema de leis, o povo teria pouco motivo para se
deixaram grandes e acabados modelos para imitarmos. Mas queixar de que não é diretamente o instrumento de sua pro-
na física - em que nosso progresso depende de um imenso mulgação. O único critério infalível da excelência de qual-
conjunto de fatos e de uma combinação das luzes fortuita- quer constituição está no detalhamento de seu código local;
e o valor que os sábiOs conferem à liberdade política se deve
principalmente à suposta facilidade com que seriam introdu-
política com as discussões sobre os primeiros princípios do Governo que zidos os aperfeiçoamentos na legislação que os interesses da
naquele tempo infelizmente agitavam o espírito do público . A doutrina do Li-
comunidade exigem. Não posso deixar de acrescentar que a
vre Comércio era retratada como tendência revolucionária, e alguns dos que
outrora se tinham orgulhado de privar da intimidade do Sr. Smith, e do zelo com capacidade de um povo de exercer seus direitos políticos de
que propagavam seu sistema liberal, começaram a considerar as vantagens de
sujeitar-se às controvérsias dos filósofos, aos mistérios da Política de Estado
e à sabedoria insondável dos tempos feudais. 15. Conferir a conclusão ele sua Teoria dos sentimentos morais
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA LXI
LX

ira útil para sim ._m ~ .eu país pr upõe a difu "' aequitas naturalis, quid gentium mores, quid rerumpublica-
de · nh cimenLo e bua moral , a qual só pode r s ultar do rum formae diversae: ideoque possint de legibus, ex princi-
pr ' vi fun ionamento d le i · fa orá ei ã alividad , ã ordem piis et praeceptis tam aequitatis naturalis, quam politices de-
e à liberdade. cernere. Quamobrem id nunc agatur, ut fontes justitiae et uti-
D mo I gera l, os políti os es ·larecid pare em gora litatis publicae petantur, et in singulis juris partibus character
convenddos da verdade l . sas o i serva cs· pois as mais h- quidam et idea justi exhibeatur, ad quam particularium reg-
musas obrM; u fo ra m produzida n o diferentes pa íses da norum et rerumpublicarum leges probare, atque inde emen-
'Eur pa nos úlllmo. trint<l ano. p r Srnith, uesnai , Turgot dationem moliri, quisque, cu i hoc cordi erit et cura e, possit. "
C1m 1 oma nes, n "C a ri. e omros, tivct:un como propósit No trecho citado, a enumeração dos diferentes objetos da
aper~ i oam nto da so i dad , não porque esbo aram proj -
lei coincide com a que foi proposta pelo Sr. Smith na conclusão
to. para n vas nstitui ·õ s, mas porqu e iluminar un a p líli- de sua Teoria dos sentimentos morais, e a finalidade precisa das
especulações políticas que então anunciava, cuja valiosa pa1te
<.:~1 ti s aLU aic I gisladores. Ta is especula ões ml or<J mais
mais tarde publicou em sua A riqueza das nações, era descobrir
ampla e ·scncialmenrc úte is do que qmrisqu r 0UI 1"<LS, nã
os princípios gerais de justiça e conveniência que deveriam nor-
t ndem a perturba1· instituições estai le ida ·, ou a inOamar
tear as instituições de legisladores sobre esses importantes arti-
as pa ixôes ela multidão. 1\s mo lificaç es qn re ·emendam
gos; ou, nas palavras de Lorde Bacon, descobrir aqueles leges
d v · m ·er efetivadas com me ios tã I •ntos ~ 1 1'a luals, tue
legum, "ex quibus informatio peti possit, quid in singulis legibus
apenas seriam capazes de aquecer a imaginação de uns pou-
bene aut perperam positum aut constitutum sit".
cos teóricos; e na proporção em que forem adotadas, conso-
A parte da legislação que o Sr. Smith escolheu como
lidarão a política e ampliarão a base sobre a qual ela repousa.
objeto de seu trabalho naturalmente me leva a comentar o
Orientar a política das nações para a mais importante
surpre ndcntc contraste entre o espírito da antiga e da mo-
classe de suas leis, as que formam seu sistema de economia
derna políti " l quanto à riqueza das nações 16 • A maior finali-
polrti a, constitui a g.ran le finalldad · da luve figa ào d Sr. dade da primeira era neutralizar o amor pelo dinheiro e o
'miLh. E, inquesti nav ~ l m n ~ . o autor t V' m ' rit d ~Lpre-
gosto pelo luxo por meio de instituições positivas, manten-
sentar ao mun lo =1 ma is ahra\1g nl ' ~ p r~ ira hra que já do, no grande corpo político, hábitos de frugalidade e seve-
apareceu sobre os princípios gerais de qualquer parte da le- ridade de costumes. O declínio elos Estados é constantemen-
gislação. O exemplo que lançou será seguido, esperamos, te tributado pelos filósofos e historiadores da Grécia e de Ro-
em seu devido tempo, por outros escritores para os quais a ma à influência da riqueza sobre o caráter nacional. Assim,
política interna dos Estados oferece ainda outros temas de as leis de Licurgo, que durante séculos baniram os metais
discussão, não menos curiosos e interessantes; e muitos ace- preciosos de Esparta, são evocadas, por muitos dos antigos,
leram o progresso daquela ciência que Lorde Bacon descre- como o mais perfeito modelo de legislação já divisado pela
veu t~ I em na s ·gu int p~l ssag ~ m : " P!.ni s e t sco pu. uem sabedoria humana. Como isso contrasta com a doutrina dos
I ·ges inlu ·l'i, ~llq u ad quem juss ioncs ct sa n ·tione. suas di- políticos modernos! Longe de considerar a pobreza vantajosa
rigcr • ti h nl , non allus ·st, quam u l ci es ~ lidt " r I o·rnt~ id para o Estado, seu gr;rn I [ I'( 1 slto é d::tr principio a novas
['j 't , Í pie latC ct re ligione reei...: ÍOStiluli ; ffi ril LIS hone.sli; fontes de opulência na ·!onãl, --. stimular a:-; atividades de to-
anuis adv · rs us hastes externos tuli; I gu m au. ili adv rs us das as classes do povo por intcnnédl de um gost pelo
seditiones et privaras injurias muniti; imperio et magistratibus conforto e comodidades da vida.
obs ~qul!ntes ; copiis et o pibus lo ·upl tes et 0< r nL • ruerint.
- erte cognitio ista <ld ir s ·i viks proprie spe<:lal; JUi opti-
m · nôrunt quid fe.rt~l :;n ·i •t:r • humana, quicl saiu: poputi , quid 16. Filangieri, La scienza della legislacione, lib i, cap. U .
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA LXI
LX

ira útil para sim ._m ~ .eu país pr upõe a difu "' aequitas naturalis, quid gentium mores, quid rerumpublica-
de · nh cimenLo e bua moral , a qual só pode r s ultar do rum formae diversae: ideoque possint de legibus, ex princi-
pr ' vi fun ionamento d le i · fa orá ei ã alividad , ã ordem piis et praeceptis tam aequitatis naturalis, quam politices de-
e à liberdade. cernere. Quamobrem id nunc agatur, ut fontes justitiae et uti-
D mo I gera l, os políti os es ·larecid pare em gora litatis publicae petantur, et in singulis juris partibus character
convenddos da verdade l . sas o i serva cs· pois as mais h- quidam et idea justi exhibeatur, ad quam particularium reg-
musas obrM; u fo ra m produzida n o diferentes pa íses da norum et rerumpublicarum leges probare, atque inde emen-
'Eur pa nos úlllmo. trint<l ano. p r Srnith, uesnai , Turgot dationem moliri, quisque, cu i hoc cordi erit et cura e, possit. "
C1m 1 oma nes, n "C a ri. e omros, tivct:un como propósit No trecho citado, a enumeração dos diferentes objetos da
aper~ i oam nto da so i dad , não porque esbo aram proj -
lei coincide com a que foi proposta pelo Sr. Smith na conclusão
to. para n vas nstitui ·õ s, mas porqu e iluminar un a p líli- de sua Teoria dos sentimentos morais, e a finalidade precisa das
especulações políticas que então anunciava, cuja valiosa pa1te
<.:~1 ti s aLU aic I gisladores. Ta is especula ões ml or<J mais
mais tarde publicou em sua A riqueza das nações, era descobrir
ampla e ·scncialmenrc úte is do que qmrisqu r 0UI 1"<LS, nã
os princípios gerais de justiça e conveniência que deveriam nor-
t ndem a perturba1· instituições estai le ida ·, ou a inOamar
tear as instituições de legisladores sobre esses importantes arti-
as pa ixôes ela multidão. 1\s mo lificaç es qn re ·emendam
gos; ou, nas palavras de Lorde Bacon, descobrir aqueles leges
d v · m ·er efetivadas com me ios tã I •ntos ~ 1 1'a luals, tue
legum, "ex quibus informatio peti possit, quid in singulis legibus
apenas seriam capazes de aquecer a imaginação de uns pou-
bene aut perperam positum aut constitutum sit".
cos teóricos; e na proporção em que forem adotadas, conso-
A parte da legislação que o Sr. Smith escolheu como
lidarão a política e ampliarão a base sobre a qual ela repousa.
objeto de seu trabalho naturalmente me leva a comentar o
Orientar a política das nações para a mais importante
surpre ndcntc contraste entre o espírito da antiga e da mo-
classe de suas leis, as que formam seu sistema de economia
derna políti " l quanto à riqueza das nações 16 • A maior finali-
polrti a, constitui a g.ran le finalldad · da luve figa ào d Sr. dade da primeira era neutralizar o amor pelo dinheiro e o
'miLh. E, inquesti nav ~ l m n ~ . o autor t V' m ' rit d ~Lpre-
gosto pelo luxo por meio de instituições positivas, manten-
sentar ao mun lo =1 ma is ahra\1g nl ' ~ p r~ ira hra que já do, no grande corpo político, hábitos de frugalidade e seve-
apareceu sobre os princípios gerais de qualquer parte da le- ridade de costumes. O declínio elos Estados é constantemen-
gislação. O exemplo que lançou será seguido, esperamos, te tributado pelos filósofos e historiadores da Grécia e de Ro-
em seu devido tempo, por outros escritores para os quais a ma à influência da riqueza sobre o caráter nacional. Assim,
política interna dos Estados oferece ainda outros temas de as leis de Licurgo, que durante séculos baniram os metais
discussão, não menos curiosos e interessantes; e muitos ace- preciosos de Esparta, são evocadas, por muitos dos antigos,
leram o progresso daquela ciência que Lorde Bacon descre- como o mais perfeito modelo de legislação já divisado pela
veu t~ I em na s ·gu int p~l ssag ~ m : " P!.ni s e t sco pu. uem sabedoria humana. Como isso contrasta com a doutrina dos
I ·ges inlu ·l'i, ~llq u ad quem juss ioncs ct sa n ·tione. suas di- políticos modernos! Longe de considerar a pobreza vantajosa
rigcr • ti h nl , non allus ·st, quam u l ci es ~ lidt " r I o·rnt~ id para o Estado, seu gr;rn I [ I'( 1 slto é d::tr principio a novas
['j 't , Í pie latC ct re ligione reei...: ÍOStiluli ; ffi ril LIS hone.sli; fontes de opulência na ·!onãl, --. stimular a:-; atividades de to-
anuis adv · rs us hastes externos tuli; I gu m au. ili adv rs us das as classes do povo por intcnnédl de um gost pelo
seditiones et privaras injurias muniti; imperio et magistratibus conforto e comodidades da vida.
obs ~qul!ntes ; copiis et o pibus lo ·upl tes et 0< r nL • ruerint.
- erte cognitio ista <ld ir s ·i viks proprie spe<:lal; JUi opti-
m · nôrunt quid fe.rt~l :;n ·i •t:r • humana, quicl saiu: poputi , quid 16. Filangieri, La scienza della legislacione, lib i, cap. U .
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA LXIII
LXII
Pode-se encontrar uma das principais distinções entre o não apresenta nada que desperte seu engenho ou distraia
espírito da políti ·a antiga. e o da moderna na ~iferença entre sua atenção, poderia deixar-lhe a liberdade de empregar suas
as fontes da riq ueza nac1onal dos tempos anttgos e moder- faculdades em assuntos mais interessantes para si mesmo, e
nos. Nas épocas em que o comércio e as manufaturas ainda mais amplamente úteis aos demais.
estavam na sua infância, e entre Estados constituídos como a Esses efeitos, apesar da grande variedade de causas opos-
maioria das repúblicas antigas, o súbito influxo de riquezas tas ainda existentes, já resultaram, de modo bastante signifi-
vindas do exterior era temido como um mal, já que terrível cativo, da política liberal dos tempos modernos. Em seu Essay
para a moral, a atividade e liberdade do povo. Atualmente, on Commerce (Ensaio sobre o comércio), o Sr. Hume, procuran-
entretanto, tão diversas são as circunstâncias, que as mais ri- do conhecer a razão pela qual as repúblicas do mundo antigo
cas nações são aquelas em que o povo é mais laborioso, e necessitavam reunir e manter numerosos exércitos, conclui que
onde se goza do maior grau de liberdade. Mais ainda, foi a o poder militar desses estados se devia à ausência de comér-
difusão generalizada da riqueza entre as classes inferiores de cio e de luxo. "Uma vez que o trabalho dos agricultores man-
homens que primeiro originou o espírito de independência tinha poucos artesãos, podia sustentar muitos soldados." Mas
da Europa moderna, e produziu, sob alguns de seus gover- acrescenta que "a política dos tempos antigos era VIOLENTA,
nos, sobretudo o nosso, uma divisão mais igual de liberdade e contrária ao curso NATURAL das coisas". Isso significa, pre-
e felicidade do que ocorria sob as mais famosas constituições sumo, que havia o forte desejo de modificar a ordem da so-
da antiguidade. ciedade pela força das instituições positivas, segundo alguma
Sem essa difusão da riqueza entre as ordens inferiores, idéia preconcebida de eficácia. Assim, não se confiava sufi-
os importantes efeitos que a invenção da imprensa propor- cientemente naqueles princípios da constituição humana que,
cionou teriam sido extremamente limitados, pois certa tran- sempre que lhes permitem livre ação, não apenas conduzem
qüilidade e independência são necessárias para inspirar nos a humanidade para a felicidade, mas lançam os fundamentos
homens o desejo de conhecimento, e garantir-lhes o ócio ne- de um aprimoramento progressivo de sua condição e seu ca-
cessário para obtê-lo. Apenas pelas vantagens que tal condi- ráter. As vantagens da política moderna sobre a antiga nascem
ção da sociedade oferece para a atividade e a ambição as principalmente de sua conformidade, referente a alguns dos
paixões egoístas da multidão podem ser levadas a interessar- mais. importantes artigos de economia política, com uma or-
se pelo aperfeiçoamento intelectual de seus filhos. A massiva dem de coisas recomendada pela natureza; e não seria difícil
divulgação de luzes e o refinamento que sobrevieram por in- mostrar que, onde permanece imperfeita, seus erros podem
fluência da imprensa, ajudada pelo espírito de comércio, pa- ser relacionados às restrições impostas sobre o curso natural
rece ser o remédio que a natureza provê contra os fatais efei- dos assuntos humanos. Na verdade, nessas restrições podem-se
tos que, do contrário, a divisão do trabalho, acompanhando o encontrar, em estado de latência, as sementes de muitos dos
progresso das artes mecânicas, produziria. Para tornar esse preconceitos e tolices que infectam os costumes modernos, e
remédio ainda mais eficaz, faltam apenas instituições sábias que por tanto tempo resistiram à argumentação dos filósofos
que facilitem a instrução geral, e adaptem a educação dos e ao escárnio dos satíricos.
indivíduos aos cargos que ocuparão. O espírito do artista As indicações precedentes, ainda que irremediavelmen-
que, limitado à esfera de sua atividade, pode cair abaixo do te imperfeitas, constituem não apenas uma introdução apro-
nível do camponês ou do selvagem, poderia então receber priada mas em certa medida também necessária aos poucos
desde a infância os meios para o prazer intelectual, e as se- comentários que tenho a oferecer sobre a Investigação do Sr.
mentes do aperfeiçoamento moral; e até a insípida uniformi- Smith, pois tendem a ilustrar a ligação entre seu sistema de
dade de seus compromissos profissionais, que de ordinário política comercial e as especulações de seus primeiros anos ,
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA LXIII
LXII
Pode-se encontrar uma das principais distinções entre o não apresenta nada que desperte seu engenho ou distraia
espírito da políti ·a antiga. e o da moderna na ~iferença entre sua atenção, poderia deixar-lhe a liberdade de empregar suas
as fontes da riq ueza nac1onal dos tempos anttgos e moder- faculdades em assuntos mais interessantes para si mesmo, e
nos. Nas épocas em que o comércio e as manufaturas ainda mais amplamente úteis aos demais.
estavam na sua infância, e entre Estados constituídos como a Esses efeitos, apesar da grande variedade de causas opos-
maioria das repúblicas antigas, o súbito influxo de riquezas tas ainda existentes, já resultaram, de modo bastante signifi-
vindas do exterior era temido como um mal, já que terrível cativo, da política liberal dos tempos modernos. Em seu Essay
para a moral, a atividade e liberdade do povo. Atualmente, on Commerce (Ensaio sobre o comércio), o Sr. Hume, procuran-
entretanto, tão diversas são as circunstâncias, que as mais ri- do conhecer a razão pela qual as repúblicas do mundo antigo
cas nações são aquelas em que o povo é mais laborioso, e necessitavam reunir e manter numerosos exércitos, conclui que
onde se goza do maior grau de liberdade. Mais ainda, foi a o poder militar desses estados se devia à ausência de comér-
difusão generalizada da riqueza entre as classes inferiores de cio e de luxo. "Uma vez que o trabalho dos agricultores man-
homens que primeiro originou o espírito de independência tinha poucos artesãos, podia sustentar muitos soldados." Mas
da Europa moderna, e produziu, sob alguns de seus gover- acrescenta que "a política dos tempos antigos era VIOLENTA,
nos, sobretudo o nosso, uma divisão mais igual de liberdade e contrária ao curso NATURAL das coisas". Isso significa, pre-
e felicidade do que ocorria sob as mais famosas constituições sumo, que havia o forte desejo de modificar a ordem da so-
da antiguidade. ciedade pela força das instituições positivas, segundo alguma
Sem essa difusão da riqueza entre as ordens inferiores, idéia preconcebida de eficácia. Assim, não se confiava sufi-
os importantes efeitos que a invenção da imprensa propor- cientemente naqueles princípios da constituição humana que,
cionou teriam sido extremamente limitados, pois certa tran- sempre que lhes permitem livre ação, não apenas conduzem
qüilidade e independência são necessárias para inspirar nos a humanidade para a felicidade, mas lançam os fundamentos
homens o desejo de conhecimento, e garantir-lhes o ócio ne- de um aprimoramento progressivo de sua condição e seu ca-
cessário para obtê-lo. Apenas pelas vantagens que tal condi- ráter. As vantagens da política moderna sobre a antiga nascem
ção da sociedade oferece para a atividade e a ambição as principalmente de sua conformidade, referente a alguns dos
paixões egoístas da multidão podem ser levadas a interessar- mais. importantes artigos de economia política, com uma or-
se pelo aperfeiçoamento intelectual de seus filhos. A massiva dem de coisas recomendada pela natureza; e não seria difícil
divulgação de luzes e o refinamento que sobrevieram por in- mostrar que, onde permanece imperfeita, seus erros podem
fluência da imprensa, ajudada pelo espírito de comércio, pa- ser relacionados às restrições impostas sobre o curso natural
rece ser o remédio que a natureza provê contra os fatais efei- dos assuntos humanos. Na verdade, nessas restrições podem-se
tos que, do contrário, a divisão do trabalho, acompanhando o encontrar, em estado de latência, as sementes de muitos dos
progresso das artes mecânicas, produziria. Para tornar esse preconceitos e tolices que infectam os costumes modernos, e
remédio ainda mais eficaz, faltam apenas instituições sábias que por tanto tempo resistiram à argumentação dos filósofos
que facilitem a instrução geral, e adaptem a educação dos e ao escárnio dos satíricos.
indivíduos aos cargos que ocuparão. O espírito do artista As indicações precedentes, ainda que irremediavelmen-
que, limitado à esfera de sua atividade, pode cair abaixo do te imperfeitas, constituem não apenas uma introdução apro-
nível do camponês ou do selvagem, poderia então receber priada mas em certa medida também necessária aos poucos
desde a infância os meios para o prazer intelectual, e as se- comentários que tenho a oferecer sobre a Investigação do Sr.
mentes do aperfeiçoamento moral; e até a insípida uniformi- Smith, pois tendem a ilustrar a ligação entre seu sistema de
dade de seus compromissos profissionais, que de ordinário política comercial e as especulações de seus primeiros anos ,
LXIV TEORIA DOS SEN17MENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍ17CA LXV
em que buscava mais declaradamente o avanço do aprimo- • u mui t·ts lu zes novas sol re a hisrória daqu ·:;rado de so-
ramento e da felicidade humanos. Apenas esta concepção da ciedade que predo.mina net>ta r gião do gloh . Suas I s rva-
política econômica pode interessar os moralistas, e dignifi- · t,·fi -•s sobr esse assunto tendem a rn :mar qu tais cir ·uns-
car aos olhos do filósofo, os cálculos de lucro e prejuízo. O tâ r~ •ias, em sua origem prime ira, foram o resul tado nat.l tr. I e
Sr. 'smith aludiu a tal ligação em vários trechos de sua obra, inevi tável d ~r silua :â p ·ulio.r ela bum::midade duranr c rl >
mas em lugar algum explicou-se plenamente sobre o assun- p río lo; de ·orr riam, ademais, nã d qualquer sist 111:! geral
to. Ademais, sua grande ênfase nos efeitos da divisão do tra- de p l'itica, mas elos inter ss pri v·• los dos prc ·onceitos I ,
balho para aumentar a capacidade produtiva parece, à pri- certas or en cl · hom ns.
meira vista, indicar uma conclusão diferente, e muito melan- Emret<ulto, ml ra a pri11 ·ípfo te nh·1 · originado de
cólica, a saber: que as mesmas causas que promovem o pro- uma combina ào singular d, a ·ident s, o estado cJ • ·ocl da-
gresso das artes tendem a degradar o espírito do artista; e, de pn J ngou-sc muito a i ' n do s u p ríodn natw'l'l l por um
por conseqüência, que o crescimento da riqueza nacional falso sist ~ma de economia política, propagado por m r <l.d -
implica sacrifício do caráter do povo. r s e man uütLur ir s. Jasse d • indi ícluos 'Lljo in te r s • nem
As doutrinas fundamentais do sistema do Sr. Smith são empr é o me. mo que d públi co, c cujo conh dm nto
tão amplamente conhecidas agora, que seria tedioso recapi- profissiona l Ih s cleLt muiL:ts v~uwtg ns, mais predsam m
tulá-las aqui, mesmo se eu tivesse a esperança de fazer justi- nos primórdios dessa di isilo da i~nda , j{L que defendiam a!'l
ça ao assunto dentro dos limites que me impus. Por isso, opiniôL;s ~lu ' des j'l ~ m v ·r 1 r sp ~ r-:1 r. P< r m •io desse .siste-
contentar-me-ei em comentar, em termos gerais, que o gran- ma. criou-st: urna nova ·a I ia de obstá ·ulo.- au prog r ~s' da
de e principal propósito de suas especulações é ilustrar como pn speridade nacionaL I ntre ·ses, os que mergiram das
a natureza proveu os princípios do espírito humano , e as cir- d s rd ' lls d os períodos feuda is tenderam dlr ta rn nt a p r-
cunstâncias da situação exterior do homem, a fim de aumen- turba r a mganiza ão im rna da socit:dade, a b.c:l'ru ir, d ·
tar gradual e progressivamente os meios de riqueza nacional. empregl em em prego e le Jug::u· a lug·•r, a li re drculaç:'i de
Além disso, o autor pretende demonstrar que o plano mais trai :üho e mer ·ad ria. fal o s istelll<l de economia rolítica
eficaz para levar um povo à grandeza é manter essa ordem que pr vai c u ~r té aqui 1 a rnedí.chl em que seu objetivo
de coisas que a natureza indicou, permitindo a todo homem, de ·!arado é r guh:tr u int ' rdmhi ·omerci;d 'lll l' l lf~r ·nt.es
enquanto observar as regras da justiça, perseguir, à sua ma- nações, produziu efeitos menos diretos e evidentes, mas não
neira , seu próprio interesse, e trazer sua indústria e seu capi- menos prejudiciais aos Estados que o adotaram. A esse siste-
tal para a mais livre competição com os de seus concida- ma, nna vez qu a ·c 11 leu dos precon cil s, OLI antes dos
int -r sse. los esp · ·ulado.r s merc-tn tis, o Sr. Smith charmt
dãos . Todo sistema de política que se esforce, seja por ex-
de Si, tema 0111 r ia I ou Mer ·anti!, analisa ndo longamem
traordinários incentivos, para destinar a uma espécie particu-
s us dois prin ·ipais "xpedi ~ mes d ~ 11J'ique er uma na ao:
lar de indústria uma parte do capital da sociedade maior do
resrri :f>es à imp ma .lo in entiv > à ·x1 na ·'to. Pane des-
que naturalmente atrairia, seja por extraordinárias restrições,
·es xpcclie m es obscrv<1 t) au tor, furam o.ri "nt::tdos 1 do
para afastar de uma espécie particular de indústria parte do
espíriL dt! monopólio, parr p r um ··spírito d poss ssiv i-
capital que do contrário nela seria empregado, na realidade Ja I em r la · o aos paíse.~ om os quais a balan .a co rn •r-
subverte o grande propósito que deveria promover. ·ial é .suposram ,nle d favorável. Seja como for, :m1l }.'i pa-
O Sr. Smith investigou, com grande engenhosidade, que r · .em ·laramen t - a ~trret· tr, s gunclo se u mciocú1io, tend "'n-
circunstâncias , na Europa moderna, contribuíram para per- cias adversa · à rií]ll UI da na~.;ão qu o. impô . S •u s com.en-
turbar essa ordem da natureza e, sobretudo, para encorajar a Lá rios a r sp ILo h1 poss ~ssi. v lcl acl, no ·omérd o ~ xp ress · un ­
atividade nas cidades, à custa daquela do campo. Assim, lan- sc num tom d indignação, mro ~m s us ·scri tos políLi os.
LXIV TEORIA DOS SEN17MENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍ17CA LXV
em que buscava mais declaradamente o avanço do aprimo- • u mui t·ts lu zes novas sol re a hisrória daqu ·:;rado de so-
ramento e da felicidade humanos. Apenas esta concepção da ciedade que predo.mina net>ta r gião do gloh . Suas I s rva-
política econômica pode interessar os moralistas, e dignifi- · t,·fi -•s sobr esse assunto tendem a rn :mar qu tais cir ·uns-
car aos olhos do filósofo, os cálculos de lucro e prejuízo. O tâ r~ •ias, em sua origem prime ira, foram o resul tado nat.l tr. I e
Sr. 'smith aludiu a tal ligação em vários trechos de sua obra, inevi tável d ~r silua :â p ·ulio.r ela bum::midade duranr c rl >
mas em lugar algum explicou-se plenamente sobre o assun- p río lo; de ·orr riam, ademais, nã d qualquer sist 111:! geral
to. Ademais, sua grande ênfase nos efeitos da divisão do tra- de p l'itica, mas elos inter ss pri v·• los dos prc ·onceitos I ,
balho para aumentar a capacidade produtiva parece, à pri- certas or en cl · hom ns.
meira vista, indicar uma conclusão diferente, e muito melan- Emret<ulto, ml ra a pri11 ·ípfo te nh·1 · originado de
cólica, a saber: que as mesmas causas que promovem o pro- uma combina ào singular d, a ·ident s, o estado cJ • ·ocl da-
gresso das artes tendem a degradar o espírito do artista; e, de pn J ngou-sc muito a i ' n do s u p ríodn natw'l'l l por um
por conseqüência, que o crescimento da riqueza nacional falso sist ~ma de economia política, propagado por m r <l.d -
implica sacrifício do caráter do povo. r s e man uütLur ir s. Jasse d • indi ícluos 'Lljo in te r s • nem
As doutrinas fundamentais do sistema do Sr. Smith são empr é o me. mo que d públi co, c cujo conh dm nto
tão amplamente conhecidas agora, que seria tedioso recapi- profissiona l Ih s cleLt muiL:ts v~uwtg ns, mais predsam m
tulá-las aqui, mesmo se eu tivesse a esperança de fazer justi- nos primórdios dessa di isilo da i~nda , j{L que defendiam a!'l
ça ao assunto dentro dos limites que me impus. Por isso, opiniôL;s ~lu ' des j'l ~ m v ·r 1 r sp ~ r-:1 r. P< r m •io desse .siste-
contentar-me-ei em comentar, em termos gerais, que o gran- ma. criou-st: urna nova ·a I ia de obstá ·ulo.- au prog r ~s' da
de e principal propósito de suas especulações é ilustrar como pn speridade nacionaL I ntre ·ses, os que mergiram das
a natureza proveu os princípios do espírito humano , e as cir- d s rd ' lls d os períodos feuda is tenderam dlr ta rn nt a p r-
cunstâncias da situação exterior do homem, a fim de aumen- turba r a mganiza ão im rna da socit:dade, a b.c:l'ru ir, d ·
tar gradual e progressivamente os meios de riqueza nacional. empregl em em prego e le Jug::u· a lug·•r, a li re drculaç:'i de
Além disso, o autor pretende demonstrar que o plano mais trai :üho e mer ·ad ria. fal o s istelll<l de economia rolítica
eficaz para levar um povo à grandeza é manter essa ordem que pr vai c u ~r té aqui 1 a rnedí.chl em que seu objetivo
de coisas que a natureza indicou, permitindo a todo homem, de ·!arado é r guh:tr u int ' rdmhi ·omerci;d 'lll l' l lf~r ·nt.es
enquanto observar as regras da justiça, perseguir, à sua ma- nações, produziu efeitos menos diretos e evidentes, mas não
neira , seu próprio interesse, e trazer sua indústria e seu capi- menos prejudiciais aos Estados que o adotaram. A esse siste-
tal para a mais livre competição com os de seus concida- ma, nna vez qu a ·c 11 leu dos precon cil s, OLI antes dos
int -r sse. los esp · ·ulado.r s merc-tn tis, o Sr. Smith charmt
dãos . Todo sistema de política que se esforce, seja por ex-
de Si, tema 0111 r ia I ou Mer ·anti!, analisa ndo longamem
traordinários incentivos, para destinar a uma espécie particu-
s us dois prin ·ipais "xpedi ~ mes d ~ 11J'ique er uma na ao:
lar de indústria uma parte do capital da sociedade maior do
resrri :f>es à imp ma .lo in entiv > à ·x1 na ·'to. Pane des-
que naturalmente atrairia, seja por extraordinárias restrições,
·es xpcclie m es obscrv<1 t) au tor, furam o.ri "nt::tdos 1 do
para afastar de uma espécie particular de indústria parte do
espíriL dt! monopólio, parr p r um ··spírito d poss ssiv i-
capital que do contrário nela seria empregado, na realidade Ja I em r la · o aos paíse.~ om os quais a balan .a co rn •r-
subverte o grande propósito que deveria promover. ·ial é .suposram ,nle d favorável. Seja como for, :m1l }.'i pa-
O Sr. Smith investigou, com grande engenhosidade, que r · .em ·laramen t - a ~trret· tr, s gunclo se u mciocú1io, tend "'n-
circunstâncias , na Europa moderna, contribuíram para per- cias adversa · à rií]ll UI da na~.;ão qu o. impô . S •u s com.en-
turbar essa ordem da natureza e, sobretudo, para encorajar a Lá rios a r sp ILo h1 poss ~ssi. v lcl acl, no ·omérd o ~ xp ress · un ­
atividade nas cidades, à custa daquela do campo. Assim, lan- sc num tom d indignação, mro ~m s us ·scri tos políLi os.
'WORJA D SENTJMBNJO MORA l BIOGRAFIA CRÍTTCA LXVII
LXV I
"Dessa ma n ira", diz, "as artes fUtt lva d ·omerciantes mediar sem. ocasio~ar, pelo menos por um curto período,
sul alternos são ai ·ada à ~ondiçà le m áxima~ p titicas ~esordens amda mawres. Por isso, de que maneira se deve-
para onduzir um gran I império. Por im rmé ti de máxi- na restaurar gradualmente o sistema natural de perfeita liber-
mas ·orno sas e n. in.ou-se à na ões q u seu i.nte r s ·on- dade e justiça é algo que devemos deixar para a sabedoria
.<üs ia m arruinar todos (J us vizi nh os. acla na ã foi for- dos futuros homens de Estado legisladores determinar." Na
mada para Jan ·a r um oll1ar d in. ícl ia sobr a prosperidade última edição de sua Teoria dos sentimentos morais o autor
ti todas as na õ s ·om qu tem omér io, a ·onsiderar o lu- introduziu alguns comentários que mantêm clara r~ferência
·r d las como sua pr pri a p rda. comércio, g u natu ral- com a mesma importante doutrina. A seguinte passagem pa-
mente deveria ·er um la o d união e amizad tanto entre: as rece referir-se mais particularmente a essas perturbações da
na ões quanto emre o· ind ivíduos, romou-sc a mais fértil ordem social que se originaram das instituições feudais:
fonte de discór lia e anim sidade. A caprichosa ambi ã d O homem cujo espírito público é movido inteiramente
reis e .rnin istr s d urante século atual e o passado nâ foi p~~a ~umanidade e benevolência respeitará os poderes e pri-
mais fatal para o r -p a us da Europa do qu a imp rtinent" vllegws estabelecidos de indivíduos, e sobretudo das gran-
posses iv idad d e mercad re manu fatur iras. A violência des ordens e sociedades em que se divide o Estado. Embora
e i.njusti a d s se11hores da humanidade é nm ma l anll o possa considerar que alguns são em alguma medida abusi-
pa r<~ qual talvez a natureza dos assumas humanos difi il- vos, vai-se contentar com moderar o que às vezes não con-
ment admita remédio. Ma. a mesq uinha rapa ·id·ld o es- segue aniquilar sem grande violência. Quando não puder
píri to monopoüzador de mercadores e mam1fatu reiros, qu dominar os preconceitos arranjados do povo por razão e
p_ersu~s.ão, não tenderá submetê-los pela força, pois observa-
nã sã , nem d · veriam ser, senhor s d:t hu m niclade, tal-
ez não p ·am ser emendados, mbora · po sa fa il mente ra reltgwsamente o que com justiça Cícero chama a divina
impedi-lo · de pe1t urbar a tranqüilidad cl qualqu r um salvo máxima de Platão, a saber, nunca usar de mais violência com
s~u país que com os próprios pais. E então, tanto quanto pos-
le lt:s próprios. sivel, acomodará seus interesses públicos aos hábitos e pre-
Tais são os princípios libera i qu r. mith,
c;mceitos es~abelecidos do povo; e ainda, tanto quanto pos-
d vedam dirigi r a política comer lal da. n' L ões uj esta-
sivel, remediará as inconveniências que podem resultar da
I clecimento os legislad re cl viam ter o mo grande obj ti-
ausência dessas regras a que as pessoas são avessas a se sub-
vo. De que man ira a xecu ão da te lia d v ria . er trans-
meter. Quando não puder estabelecer o certo, não desde-
posta a exemplos p~trtl ulares é q u stão d natureza mujto
nhará melhorar o errado; mas, como Sólon, quando não pu-
dife rem", uja r sp ta d v variar nos d i ~ rentes pa1ses, se-
der estabelecer o melhor sistema de leis, empenhar-se-á em
gundo as diferentes clr unstãn ·ia de cada caso. Numa obra estabelecer o melhor que o povo puder tolerar•.
e:;pe ulativa c m a d r. mld1, a considera ão dessas
Essa pmdência com respeito à aplicação prática de prin-
qu ·t es não . ubsum propriam ntc ' l seu plano gera l, m- cípios gerais foi singularmente necessária ao autor de A ri-
1 >ra o autor e ·ti v ss mu ito ·onsciente elo p rig (]1:1 a apli-
q~e::a das nações, na medida em que, sendo o principal pro-
ca ·à pr ·ipilada d t orias políti as pod repre nt r. ls o pos!to dessa obra recomendar a ilimitada liberdade de co-
.s · n ta nào apenas pel ntido ger::ll de seu ril s, ma mércio, facilmente poderia adular a indolência dos homens
I or alglm\a oi s rvação in idental ref •rindo-s diretam nte de Estado, sugerindo aos que estão investidos de poder
a sun to. ''Tã desastrosos" escreve numa passa • m, "sã os absoluto a idéia de executar isso imediatamente. "Nada é
e rdt s de todas as regulações do sistema mercantil , qll não
·1penas introuuzcm desordens mu i[ perig sas n stad d<
·oJ)) político, mas desord n · qu muitas v ·z s ' difícil r - 'TSM, Parte VI, Seção li, Cap. li, p. 292. (N. da R T.)
'WORJA D SENTJMBNJO MORA l BIOGRAFIA CRÍTTCA LXVII
LXV I
"Dessa ma n ira", diz, "as artes fUtt lva d ·omerciantes mediar sem. ocasio~ar, pelo menos por um curto período,
sul alternos são ai ·ada à ~ondiçà le m áxima~ p titicas ~esordens amda mawres. Por isso, de que maneira se deve-
para onduzir um gran I império. Por im rmé ti de máxi- na restaurar gradualmente o sistema natural de perfeita liber-
mas ·orno sas e n. in.ou-se à na ões q u seu i.nte r s ·on- dade e justiça é algo que devemos deixar para a sabedoria
.<üs ia m arruinar todos (J us vizi nh os. acla na ã foi for- dos futuros homens de Estado legisladores determinar." Na
mada para Jan ·a r um oll1ar d in. ícl ia sobr a prosperidade última edição de sua Teoria dos sentimentos morais o autor
ti todas as na õ s ·om qu tem omér io, a ·onsiderar o lu- introduziu alguns comentários que mantêm clara r~ferência
·r d las como sua pr pri a p rda. comércio, g u natu ral- com a mesma importante doutrina. A seguinte passagem pa-
mente deveria ·er um la o d união e amizad tanto entre: as rece referir-se mais particularmente a essas perturbações da
na ões quanto emre o· ind ivíduos, romou-sc a mais fértil ordem social que se originaram das instituições feudais:
fonte de discór lia e anim sidade. A caprichosa ambi ã d O homem cujo espírito público é movido inteiramente
reis e .rnin istr s d urante século atual e o passado nâ foi p~~a ~umanidade e benevolência respeitará os poderes e pri-
mais fatal para o r -p a us da Europa do qu a imp rtinent" vllegws estabelecidos de indivíduos, e sobretudo das gran-
posses iv idad d e mercad re manu fatur iras. A violência des ordens e sociedades em que se divide o Estado. Embora
e i.njusti a d s se11hores da humanidade é nm ma l anll o possa considerar que alguns são em alguma medida abusi-
pa r<~ qual talvez a natureza dos assumas humanos difi il- vos, vai-se contentar com moderar o que às vezes não con-
ment admita remédio. Ma. a mesq uinha rapa ·id·ld o es- segue aniquilar sem grande violência. Quando não puder
píri to monopoüzador de mercadores e mam1fatu reiros, qu dominar os preconceitos arranjados do povo por razão e
p_ersu~s.ão, não tenderá submetê-los pela força, pois observa-
nã sã , nem d · veriam ser, senhor s d:t hu m niclade, tal-
ez não p ·am ser emendados, mbora · po sa fa il mente ra reltgwsamente o que com justiça Cícero chama a divina
impedi-lo · de pe1t urbar a tranqüilidad cl qualqu r um salvo máxima de Platão, a saber, nunca usar de mais violência com
s~u país que com os próprios pais. E então, tanto quanto pos-
le lt:s próprios. sivel, acomodará seus interesses públicos aos hábitos e pre-
Tais são os princípios libera i qu r. mith,
c;mceitos es~abelecidos do povo; e ainda, tanto quanto pos-
d vedam dirigi r a política comer lal da. n' L ões uj esta-
sivel, remediará as inconveniências que podem resultar da
I clecimento os legislad re cl viam ter o mo grande obj ti-
ausência dessas regras a que as pessoas são avessas a se sub-
vo. De que man ira a xecu ão da te lia d v ria . er trans-
meter. Quando não puder estabelecer o certo, não desde-
posta a exemplos p~trtl ulares é q u stão d natureza mujto
nhará melhorar o errado; mas, como Sólon, quando não pu-
dife rem", uja r sp ta d v variar nos d i ~ rentes pa1ses, se-
der estabelecer o melhor sistema de leis, empenhar-se-á em
gundo as diferentes clr unstãn ·ia de cada caso. Numa obra estabelecer o melhor que o povo puder tolerar•.
e:;pe ulativa c m a d r. mld1, a considera ão dessas
Essa pmdência com respeito à aplicação prática de prin-
qu ·t es não . ubsum propriam ntc ' l seu plano gera l, m- cípios gerais foi singularmente necessária ao autor de A ri-
1 >ra o autor e ·ti v ss mu ito ·onsciente elo p rig (]1:1 a apli-
q~e::a das nações, na medida em que, sendo o principal pro-
ca ·à pr ·ipilada d t orias políti as pod repre nt r. ls o pos!to dessa obra recomendar a ilimitada liberdade de co-
.s · n ta nào apenas pel ntido ger::ll de seu ril s, ma mércio, facilmente poderia adular a indolência dos homens
I or alglm\a oi s rvação in idental ref •rindo-s diretam nte de Estado, sugerindo aos que estão investidos de poder
a sun to. ''Tã desastrosos" escreve numa passa • m, "sã os absoluto a idéia de executar isso imediatamente. "Nada é
e rdt s de todas as regulações do sistema mercantil , qll não
·1penas introuuzcm desordens mu i[ perig sas n stad d<
·oJ)) político, mas desord n · qu muitas v ·z s ' difícil r - 'TSM, Parte VI, Seção li, Cap. li, p. 292. (N. da R T.)
LXVIII TEORIA DOS SENIIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA LXIX

mals o ntrá.rio ã tranqüiUdad d um homem d~ Estado", cUz pios teóricos apenas o capacitam a administrar suas medidas
0 autor de um E"lo15e n lbe A dministra/ion oj Colbert, '·J de maneira sábia e constante para a melhoria e felicidade da
qu um espírll de mod ra ii , porque is cond ~a ~~ espécie humana, evitando com isso desviar-se dessa impor-
uma obediê n ia pe rp ' tu< mo tra-lh a tod t mp a tnsu- tante finalidade por concepções mais limitadas de eficácia
ficiên.cia d sua ~a b ~d >ria, d ixa-o o m o m lanc lico s ·n- provisória. "Em todos os casos", diz o Sr. Hume, "deve ser .
Lim nLO I , ua Irôpria impe1fe ição. Por outro lati~>, sob ·o vantajoso saber o que é mais perfeito, para sermos capazes ·
abrl g de un 1 ou o. princípi s gerais, um político· me tódi- de adequar a esse modelo, tanto quanto possível qualquer
0 g za d uma alma pc1pétua. Com o auxílio d ap nas constituição real ou forma de governo, por alterações e ino-
um prin ·ípio, ela p rfeila lib rclade de comé rcio. gove r.na- vações tão suaves que não causem perturbação excessiva na
ri. mundo e deixaria qu e os assu ntos huma n s se ammJaS- sociedade."
sem por si sós, mesmo sob influência dos preconceitos e Os limites destas Memórias tornam impossível examinar
interesses privados dos indivíduos. Aliás, se estes se opuse- mais detalhadamente o mérito da obra do Sr. Smith quanto à
rem uns aos outros, não ficará preocupado quanto ao que originalidade. Que sua doutrina sobre a liberdade de comér-
poderá acontecer, pois insiste em que o resultado não pode- cio e de indústria apresenta notáveis coincidências com a que
rá ser avaliado antes que transcorra um século ou dois. Se, encontramos nos escritos dos Economistas Franceses, o pró-
como conseqüência da desordem em que lançou os assuntos prio autor mostra, ao mencionar rapidamente o sistema des-
públi ·os, se us · ont mpo râneos tivl:r ro s 1-úpulos quanto a tes últimos. Mas certamente nem mesmo os mais apaixona-
subm t r-S" à ex1 eriên :ia s m r ·lam ar, e l os acusa ele dos admiradores daquele sistema podem pretender que qual-
impa ·i nt s .. ó el ·, nã ele, d v m s r censurados p I quer um de seus numerosos expositores tenha-se aproximado
que . ofr ra m; o princípio continuará a er im:ulcad , do Sr. Smith na precisão e perspicácia com que o expres-
o 01 smo zelo e confiao a de antes.'' Estas sã as pa lavras do sou, ou no modo científico e luminoso com que o deduziu
eng nh oso e cloqüe nr autor d Eloge on C lbert, 1u r c~­ de princípios elementares. Mesmo os mais dispostos a fazer
beu o prêmio da Ae<tdemia Fra n sa e m 1763. Emb ra 'eJa justiça aos Economistas Franceses reconhecem que sua lin-
limitada e engan so em seus a ·pcct , .sr c ularivo , a ( b ra guagem técnica é dificultosa, e paradoxal a forma em que
abunda em reflexões de natureza prática justas e importan- resolveram apresentar algumas de suas opiniões. Ao passo
tes. Não me atrevo a decidir em que medida seus comentá- que, com respeito à Investigação elo Sr. Smith, é duvidoso
rios se aplicam à classe particular de políticos aos quais evi- que exista, além do círculo das ciências da natureza e mate-
dentemente dirigia o trecho citado. máticas, um livro a um só tempo tão conforme, em sua orga-
É desnecessário acrescentar que estas observações não nização, às regras ela lógica razoável, e tão acessível à consi-
diminuem, em absoluto, o valor das teorias políticas que ten- deração dos leitores médios. Abstraindo inteiramente das ori-
tam delinear os princípios de uma legislação perfeita. Dever- ginais e peculiares especulações do autor, não sei se jamais,
se-ia considerar tais teorias (como comentei noutra parte' 7), sobre um assunto qualquer, se produziu em nossos tempos
meramente como descrições dos objetivos últimos que o alguma obra contendo uma síntese de toda a mais profunda
estadista teria ele buscar. A tranqüilidade ele sua administra-
e ilustrada filosofia elo século tão metódica, abrangente e ju-
ção e o sucesso imediato ele suas medidas dependem elo seu diciosa.
bom-senso e sua habilidade prática, enquanto seus princí-
Portanto, para fazer justiça ao Sr. Smith, devemos obser-
var que, embora alguns dos escritores de economia se adian-
17. Elemellfs of tbe Pbilosopby c!f the Human Mind (Elementos da tassem na divulgação ele suas doutrinas ao mundo, no que
filosofia elo espírito hum'ano). diz respeito ao autor, tais doutrinas parecem lhe ser inteira-
LXVIII TEORIA DOS SENIIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA LXIX

mals o ntrá.rio ã tranqüiUdad d um homem d~ Estado", cUz pios teóricos apenas o capacitam a administrar suas medidas
0 autor de um E"lo15e n lbe A dministra/ion oj Colbert, '·J de maneira sábia e constante para a melhoria e felicidade da
qu um espírll de mod ra ii , porque is cond ~a ~~ espécie humana, evitando com isso desviar-se dessa impor-
uma obediê n ia pe rp ' tu< mo tra-lh a tod t mp a tnsu- tante finalidade por concepções mais limitadas de eficácia
ficiên.cia d sua ~a b ~d >ria, d ixa-o o m o m lanc lico s ·n- provisória. "Em todos os casos", diz o Sr. Hume, "deve ser .
Lim nLO I , ua Irôpria impe1fe ição. Por outro lati~>, sob ·o vantajoso saber o que é mais perfeito, para sermos capazes ·
abrl g de un 1 ou o. princípi s gerais, um político· me tódi- de adequar a esse modelo, tanto quanto possível qualquer
0 g za d uma alma pc1pétua. Com o auxílio d ap nas constituição real ou forma de governo, por alterações e ino-
um prin ·ípio, ela p rfeila lib rclade de comé rcio. gove r.na- vações tão suaves que não causem perturbação excessiva na
ri. mundo e deixaria qu e os assu ntos huma n s se ammJaS- sociedade."
sem por si sós, mesmo sob influência dos preconceitos e Os limites destas Memórias tornam impossível examinar
interesses privados dos indivíduos. Aliás, se estes se opuse- mais detalhadamente o mérito da obra do Sr. Smith quanto à
rem uns aos outros, não ficará preocupado quanto ao que originalidade. Que sua doutrina sobre a liberdade de comér-
poderá acontecer, pois insiste em que o resultado não pode- cio e de indústria apresenta notáveis coincidências com a que
rá ser avaliado antes que transcorra um século ou dois. Se, encontramos nos escritos dos Economistas Franceses, o pró-
como conseqüência da desordem em que lançou os assuntos prio autor mostra, ao mencionar rapidamente o sistema des-
públi ·os, se us · ont mpo râneos tivl:r ro s 1-úpulos quanto a tes últimos. Mas certamente nem mesmo os mais apaixona-
subm t r-S" à ex1 eriên :ia s m r ·lam ar, e l os acusa ele dos admiradores daquele sistema podem pretender que qual-
impa ·i nt s .. ó el ·, nã ele, d v m s r censurados p I quer um de seus numerosos expositores tenha-se aproximado
que . ofr ra m; o princípio continuará a er im:ulcad , do Sr. Smith na precisão e perspicácia com que o expres-
o 01 smo zelo e confiao a de antes.'' Estas sã as pa lavras do sou, ou no modo científico e luminoso com que o deduziu
eng nh oso e cloqüe nr autor d Eloge on C lbert, 1u r c~­ de princípios elementares. Mesmo os mais dispostos a fazer
beu o prêmio da Ae<tdemia Fra n sa e m 1763. Emb ra 'eJa justiça aos Economistas Franceses reconhecem que sua lin-
limitada e engan so em seus a ·pcct , .sr c ularivo , a ( b ra guagem técnica é dificultosa, e paradoxal a forma em que
abunda em reflexões de natureza prática justas e importan- resolveram apresentar algumas de suas opiniões. Ao passo
tes. Não me atrevo a decidir em que medida seus comentá- que, com respeito à Investigação elo Sr. Smith, é duvidoso
rios se aplicam à classe particular de políticos aos quais evi- que exista, além do círculo das ciências da natureza e mate-
dentemente dirigia o trecho citado. máticas, um livro a um só tempo tão conforme, em sua orga-
É desnecessário acrescentar que estas observações não nização, às regras ela lógica razoável, e tão acessível à consi-
diminuem, em absoluto, o valor das teorias políticas que ten- deração dos leitores médios. Abstraindo inteiramente das ori-
tam delinear os princípios de uma legislação perfeita. Dever- ginais e peculiares especulações do autor, não sei se jamais,
se-ia considerar tais teorias (como comentei noutra parte' 7), sobre um assunto qualquer, se produziu em nossos tempos
meramente como descrições dos objetivos últimos que o alguma obra contendo uma síntese de toda a mais profunda
estadista teria ele buscar. A tranqüilidade ele sua administra-
e ilustrada filosofia elo século tão metódica, abrangente e ju-
ção e o sucesso imediato ele suas medidas dependem elo seu diciosa.
bom-senso e sua habilidade prática, enquanto seus princí-
Portanto, para fazer justiça ao Sr. Smith, devemos obser-
var que, embora alguns dos escritores de economia se adian-
17. Elemellfs of tbe Pbilosopby c!f the Human Mind (Elementos da tassem na divulgação ele suas doutrinas ao mundo, no que
filosofia elo espírito hum'ano). diz respeito ao autor, tais doutrinas parecem lhe ser inteira-
LXX TEORIA DOS SENJJMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA LXXI

mente originais, o resultado de suas próprias reflexões. Pen- pode nos proteger efetivamente de erro, senão um amplo
so que todos os que lerem sua Investigação atentamente, exame de todo o campo de discussão, assistido por uma
cuidando de examinar o belo e gradual avanço das idéias do acurada e paciente análise elas idéias sobre as quais aplica-
autor, deverão, necessariamente, se convencer disso. Mas aca- mos nosso raciocínio. Não obstante, cumpre acrescentar que
so reste alguma dúvida em seu espírito, pode ser convenien- o Ensaio do Sr. Hume "On the]ealousy ofTrade", junto com
te mencionar que as conferências políticas do Sr. Smith, com- alguns outros de seus Political Discourses, recebeu uma mos-
preendendo os princípios fundamentais da sua Investigação, tra muito elogiosa da aprovação do Sr. Turgot, quando este
foram realizadas em Glasgow em 1752 ou 1753, certamente assumiu a tarefa de traduzi-los para o francês' 9 .
num período em que não existia sobre esse assunto nenhum Por ora, não faz pa1te de minha empresa (mesmo que eu
trabalho francês que o pudesse guiar em seus estuclos' 8 . No fosse qualificado para tal tarefa) tentar separar as sólidas e
ano ele 1756, com efeito, M. Turgot (de quem se diz ter rece- importantes doutrinas do livro do Sr. Smith das que são pas-
bido as primeiras noções sobre a irrestrita liberdade de co-
mércio de um velho comerciante, M. Gournay) publicou na
Encyclopédie um verbete. que revela suficientemente o quan- 19. Quando esws mcmórins fora m e ·c;riras pela primeira vez , a.inda
to seu espírito era emancipado elos velhos preconceitos favo- n5o me havi;J dado conta do qt~<mto rligu m;1s elas mai.~ im port.1mes cond u-
ráveis às regulamentações comerciais. Mas mesmo então es- sõ~ dos cconomL~~as fniilCes s h:~ viam s ido anledpadn$ por e ·criton,:s
p n n ·ipnlmcm e brltnn lcos) d' um períod o bem nntt!rior. Muiws vezes, com
sas opiniões estavam confinadas aos poucos homens espe- t!(e.ito, impresston:ll'a-me ~ comddênd3 entre ôs argu memo.~ sobre :1~ van ta-
culativos da França, como mostra um trecho nas Mémoires gens da tn:x:~ territorial e as • pc u laç es do Sr. r.ockc sohr v rn<!Smo pro ·
sur la Vie et les Ouvrages de M. Turgot, no qual, depois de ci- b lema, onlid~s nutr1 le seus cliscut',Qs polfticos ptl bllm do sessen~ anos
tar brevemente o artigo recém-mencionado, o autor acres- atrás. Também me impressionara a coincidência entre a argumentação con-
trn as corporações e companhias monopolistas e o que muito antes enfatiza-
centa: "Essas idéias que então eram consideradas paradoxais, ram o famoso John de Witt, Sir Josiah Chile!, John Cary, de Brístol, e vários
doravante tornaram-se comuns, e um dia serão universal- outros teóricos que apareceram no final do século XVII. Chamaram-me a
mente aceitas." at nção [Xtl'ft esse~ autore · algumtts d t:tç • do 1\bade Mordi 'l, nas exce-
Os Political Discourses do Sr. Hume foram evidente- !t!lltes Momo/r 011 tbe litlsl lud.ta Comptmy of Frcmce I Memórias S1>bre ~Ls
lndbs cid nr:tis da Jlmn ·a), impre..•>s:u; em 1769. Muit:lli passage11s, entre-
mente muito mais úteis ao Sr. Smith do que qualquer outro ta nt , 3inda mais completas e evlc.li.:mcs do q ue as a!taclas pelo Abade Mo-
livro publicado antes de suas conferências. Mesmo as teorias rellet, fonun-me indi nd::ts p lo Con de de IJtucieJ lale, em surt curiosa e
elo Sr. Hume, porém, embora sempre plausíveis e engenho- valiosa coleção de raros English Tracts (Tratados ingleses) relativos à econo-
sas, e na maioria dos casos profundas e justas, encerram al- mia política. Em algun deles, :1 <u-gum nlaçàl) C: tllo d::u:u e conclusiva. que
s ur1 rt!en !e vcrd:1des de domín io público wo antigas fossem c )lllplet.;tnu::nte
guns erros fundamentais. Além disso, quando comparadas encobcrt~~ pt>r pr c nce ít.Os e mal -entendi do~. n p<>ntO de terem, para um
com as elo Sr. Smith, dão uma impressionante prova de que, g rande num rode le ltorc.:s, a aparên cia de nc>vidade c de parndoxo, quando
analisando um assunto tão extenso e difícil, a mais penetran- r 'tornadas nns ti! rias lllosóflcas do período atu:tl.
Todavia, não parecerá surpreendente que os escritores desta Ilha se
te sagacidade pode se extraviar pelas primeiras aparências se
tenham adiantado aos da maior parte da Europa na adoçào de idéias escla-
se debruçar apenas sobre questões particulares e que nada recidas sobre comércio, se consideramos que, "segundo o direi to consuetu-
dinário da Inglaterra (Common Law of England), a liberdade de comércio é
direito inato (birtbright) do súdito". Sobre as opiniões ele Lorde Coke e do
18. Para prová-lo, basta-me apelar para uma breve história do progres- Presidente do Supremo Tribunal Lorde Fortescue quanto a esse assunto,
so da economia política na França, publicada num dos volumes elas Ephe- veja-se um panfleto de Lorde Lauderdale, intitulado "Hints to the Manu-
merides dtt CIW)·(m. Veja-se a prim ira pmte elo volume sobre o ano de 1769: facturers of Great Britain", etc. (Indicações para os manufatureiros ela Grã-
o artigo intitulà-se "Notice abr "g~e eles clifférents Écrits Modernes, qui ont Bretanha), impresso em 1805. Aí também se encontrará uma lista de códi-
concouru en France à former la science ele l'économie politique". gos, contendo reconhecimentos e declarações elo princípio acima.
LXX TEORIA DOS SENJJMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA LXXI

mente originais, o resultado de suas próprias reflexões. Pen- pode nos proteger efetivamente de erro, senão um amplo
so que todos os que lerem sua Investigação atentamente, exame de todo o campo de discussão, assistido por uma
cuidando de examinar o belo e gradual avanço das idéias do acurada e paciente análise elas idéias sobre as quais aplica-
autor, deverão, necessariamente, se convencer disso. Mas aca- mos nosso raciocínio. Não obstante, cumpre acrescentar que
so reste alguma dúvida em seu espírito, pode ser convenien- o Ensaio do Sr. Hume "On the]ealousy ofTrade", junto com
te mencionar que as conferências políticas do Sr. Smith, com- alguns outros de seus Political Discourses, recebeu uma mos-
preendendo os princípios fundamentais da sua Investigação, tra muito elogiosa da aprovação do Sr. Turgot, quando este
foram realizadas em Glasgow em 1752 ou 1753, certamente assumiu a tarefa de traduzi-los para o francês' 9 .
num período em que não existia sobre esse assunto nenhum Por ora, não faz pa1te de minha empresa (mesmo que eu
trabalho francês que o pudesse guiar em seus estuclos' 8 . No fosse qualificado para tal tarefa) tentar separar as sólidas e
ano ele 1756, com efeito, M. Turgot (de quem se diz ter rece- importantes doutrinas do livro do Sr. Smith das que são pas-
bido as primeiras noções sobre a irrestrita liberdade de co-
mércio de um velho comerciante, M. Gournay) publicou na
Encyclopédie um verbete. que revela suficientemente o quan- 19. Quando esws mcmórins fora m e ·c;riras pela primeira vez , a.inda
to seu espírito era emancipado elos velhos preconceitos favo- n5o me havi;J dado conta do qt~<mto rligu m;1s elas mai.~ im port.1mes cond u-
ráveis às regulamentações comerciais. Mas mesmo então es- sõ~ dos cconomL~~as fniilCes s h:~ viam s ido anledpadn$ por e ·criton,:s
p n n ·ipnlmcm e brltnn lcos) d' um períod o bem nntt!rior. Muiws vezes, com
sas opiniões estavam confinadas aos poucos homens espe- t!(e.ito, impresston:ll'a-me ~ comddênd3 entre ôs argu memo.~ sobre :1~ van ta-
culativos da França, como mostra um trecho nas Mémoires gens da tn:x:~ territorial e as • pc u laç es do Sr. r.ockc sohr v rn<!Smo pro ·
sur la Vie et les Ouvrages de M. Turgot, no qual, depois de ci- b lema, onlid~s nutr1 le seus cliscut',Qs polfticos ptl bllm do sessen~ anos
tar brevemente o artigo recém-mencionado, o autor acres- atrás. Também me impressionara a coincidência entre a argumentação con-
trn as corporações e companhias monopolistas e o que muito antes enfatiza-
centa: "Essas idéias que então eram consideradas paradoxais, ram o famoso John de Witt, Sir Josiah Chile!, John Cary, de Brístol, e vários
doravante tornaram-se comuns, e um dia serão universal- outros teóricos que apareceram no final do século XVII. Chamaram-me a
mente aceitas." at nção [Xtl'ft esse~ autore · algumtts d t:tç • do 1\bade Mordi 'l, nas exce-
Os Political Discourses do Sr. Hume foram evidente- !t!lltes Momo/r 011 tbe litlsl lud.ta Comptmy of Frcmce I Memórias S1>bre ~Ls
lndbs cid nr:tis da Jlmn ·a), impre..•>s:u; em 1769. Muit:lli passage11s, entre-
mente muito mais úteis ao Sr. Smith do que qualquer outro ta nt , 3inda mais completas e evlc.li.:mcs do q ue as a!taclas pelo Abade Mo-
livro publicado antes de suas conferências. Mesmo as teorias rellet, fonun-me indi nd::ts p lo Con de de IJtucieJ lale, em surt curiosa e
elo Sr. Hume, porém, embora sempre plausíveis e engenho- valiosa coleção de raros English Tracts (Tratados ingleses) relativos à econo-
sas, e na maioria dos casos profundas e justas, encerram al- mia política. Em algun deles, :1 <u-gum nlaçàl) C: tllo d::u:u e conclusiva. que
s ur1 rt!en !e vcrd:1des de domín io público wo antigas fossem c )lllplet.;tnu::nte
guns erros fundamentais. Além disso, quando comparadas encobcrt~~ pt>r pr c nce ít.Os e mal -entendi do~. n p<>ntO de terem, para um
com as elo Sr. Smith, dão uma impressionante prova de que, g rande num rode le ltorc.:s, a aparên cia de nc>vidade c de parndoxo, quando
analisando um assunto tão extenso e difícil, a mais penetran- r 'tornadas nns ti! rias lllosóflcas do período atu:tl.
Todavia, não parecerá surpreendente que os escritores desta Ilha se
te sagacidade pode se extraviar pelas primeiras aparências se
tenham adiantado aos da maior parte da Europa na adoçào de idéias escla-
se debruçar apenas sobre questões particulares e que nada recidas sobre comércio, se consideramos que, "segundo o direi to consuetu-
dinário da Inglaterra (Common Law of England), a liberdade de comércio é
direito inato (birtbright) do súdito". Sobre as opiniões ele Lorde Coke e do
18. Para prová-lo, basta-me apelar para uma breve história do progres- Presidente do Supremo Tribunal Lorde Fortescue quanto a esse assunto,
so da economia política na França, publicada num dos volumes elas Ephe- veja-se um panfleto de Lorde Lauderdale, intitulado "Hints to the Manu-
merides dtt CIW)·(m. Veja-se a prim ira pmte elo volume sobre o ano de 1769: facturers of Great Britain", etc. (Indicações para os manufatureiros ela Grã-
o artigo intitulà-se "Notice abr "g~e eles clifférents Écrits Modernes, qui ont Bretanha), impresso em 1805. Aí também se encontrará uma lista de códi-
concouru en France à former la science ele l'économie politique". gos, contendo reconhecimentos e declarações elo princípio acima.
LXXII TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍ71CA
LXXIII
síveis de objeção ou dúvida. Reconheço que algumas de suas
Insere Daphni pyros, ca1pent tua poma nepotes.
condus u nà !>Ubscr veria integralmente, sobretudo no
a pítu1 > em q u ~ trata dos princípios da taxação- assunt que
O Sr. SI?i~h teve melhor sorte, ou antes, a esse res eito
cettam nt analisou de man ira mais vaga e insaLi fa L( ria do ~ua sorte fol s~ngular. Sobreviveu à publicação de sua ~bra
que a maioria do. outros que submeteu a consideração20 • m apenas q':mze anos e, entretanto, nesse breve lapso de
Seria impróp rio encerrar esta seção sem mencionar a temp;, ~e~e. nao apenas a satisfação de ver ceder a oposição
enérg ica e d igna lil ~ rdad com que o autor expressa sua opi- qu: ~ 1111Cl? d~spertara, mas também de testemunhar a in-
nião , e ;;t supe rioridade qu • revela para com todas as peque- fluenn~ efetiva de seus escritos sobre a política comercial de
nas paix ~ liga lias às fa~ ôes ela - poca e m qu escreveu. seu pa1s.
Qu m que r que se dA Lral alho de comparar o L m geral I
seu L xto com o p río lo d ~ ua prim ira pu! ü ' <I ITo nao dei-
x·u-:1 d se11tir e onilrm ~tr a f, rça deste c menlário. em sem- Conclusão da narrativa
p re um ze lo d sinter ssauo peln verd<tde r · ·b , tão cedo,
su, jusw recomp nsH . r i! -s fos us~mdo uma xpr ssào de Cerc_a de dois an.os depois da publicação de A riqueza
Lorde Bacon) são "os 1'VOS da post ridade": muitos dos que das naçoe~, o Sr. Smlth foi nomeado Diretor da Alfânde a
devotaram seus talen t s aos meil1ores ime resses da humani- de ~ua- MaJ~stade ~a Escócia, privilégio que, segundo s~a
dade foram obriga los, om Bacon, "a legar sua fama" a uma a:ahaçao, tmha maior valor, já que lhe foi concedido a pe-
raça :ünda não na dela, nsolando-se com a idéia de esta- dido do Duque de Buccleuch. A maior parte desses dois
rem s meamlo alg q u ulra geração iria colher: anos, pa~sou em Londres privando de uma sociedade am-
pla e :anada demais para lhe permitir ocasião de dedicar-
se ma1s a seu gosto pelo estudo Mas na- 0 c ·
_u. Entre :ts doutrinas duvidusm; qu · u Sr. ' m ith sanc:icmou c m s ·u d'd · . · 101 um tempo
p.er .~ o, pois mUit~s vezes empregou-o com alguns dos prin-
nnmt.·, t:rl vc::z aao h:t l~ nenhuma de ccms ·qOêndas tão impOJ1antcs q\tan l<
sua o pini:lo sobre :1 dkn ia d · J'cSI1ições legais solm: a t:rx<t de juros. Sr. Cipais, no.mes da literatura inglesa. Alguns desses tipos tão
Benth:tr11, num b reve tratad o chama lo De.fei/SI' <!( Usw • (Defcs:J. da usura), agradaveis foram imortalizados pelo Dr. Barnard
demonstr n r com ~ i ngt r lar exa tid"o lógi , um :t argumenllt ào do Sr. Smitil
conhec'd "V d em seus
1 os ersos en ereçados a Sir Joshua Reynolds e
sohr · es.~e po mo rn em ·l u~:r . Trma- ·c de urna obra qu (a i • ·;11' tlu 11 ngo seus amigos":
in! ·rval 1 .m~ rrid() t.lesdc a d~t:t d :;u:r pu I li ,u,.";1o) n ;lo receh •u, . ré ondt>
sd, ncnhu m:r r · ut:t <lo; • qu • um falcado c r!t >r ($i r Frands Ihring. em
sC LI "l'am t hlct on the Hunk u r Engi.Jnu " cr anllcto ~obre <) Banco da l ngla- If I have thoughts, and can't express 'em
1 rr;t), <:m ioc mc onhe edor d~.~ opemr,:ôc du ' mér io , decla r{lu Ct·om Gibbon shall teach me how to dress 'em'
gmnclc ver.~c it.ht d c, ·m minha <)pinião) ~cr "i nt lr'a mcnt ln'espond!vel". É In words select and terse:
11 táv •I 1ue o ·r. Smith. ncs~ ·• I.~ IS<) iso[;Jd 1, :rceil ass ·. com 1< o fr:"tg •is bas ·s,
111rur t:n n lu 1í0 tão r:t~li cal mcn tc o po5t:l :10 ~~pfrlto geral de ~eu~ ti b:ttcs ]ones teach me modesty and Greek
pollti os, c Jào mnn il' · lnmcm c d iscor·dc dos prin lpius ll.rndamcnt:lis que. Smith how to think, Burke how to ;peak
n o u tm ~ c:.siôcs, ousa da m~nte !tdota r:·t em IOthl as s l r;lS arl kll\< c pr;ític~rs. And Beauclerc to converse.,. '
Isso c ainda n1nis ~u rp ree n dcnte porqve s economista:> I'J'd nccses. po uc J:>
:mos :uucs. aprt'. cnt : u~rru a~ mais plau~ivc is Pbic\'t'les uJllr.t ' s:r extcnsao
d:'l doutri na da liberdad de c rnt:r lo. Conferir, soi>rcwd o, :~ lgum:• , ob.- 'J"- :~ · Veja-se o Registro Anual de 1776.
vações do Sr. Tu rgol nns Nejlections m t tlw Frmnallou tm d D lstrilmNrlll r!{ Se pensamentos tiver mas - d •
Nt l!w ( ltellcxucs sobre;: tLl'om1açào c a tlistribuiç;1 das riq uezas . c rru1 cn· nará a cobri los ' nao pu er expressa-los, Gibbon me ensi-
. - com pa1avras precisas e t J . .
·aicl r vu l ~l clu mesm !tutor, miLLrla lo "M ··moh'<' su J' le prêt :i int ·t, ·t • ur sunplicidade Smith fi . ersas, ones me ensmara grego e
le Commerce des 'Fers' ", (N. da T.) ' ' a re etJr; Burke, a discursar, e Beauderc a dialogar."
LXXII TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍ71CA
LXXIII
síveis de objeção ou dúvida. Reconheço que algumas de suas
Insere Daphni pyros, ca1pent tua poma nepotes.
condus u nà !>Ubscr veria integralmente, sobretudo no
a pítu1 > em q u ~ trata dos princípios da taxação- assunt que
O Sr. SI?i~h teve melhor sorte, ou antes, a esse res eito
cettam nt analisou de man ira mais vaga e insaLi fa L( ria do ~ua sorte fol s~ngular. Sobreviveu à publicação de sua ~bra
que a maioria do. outros que submeteu a consideração20 • m apenas q':mze anos e, entretanto, nesse breve lapso de
Seria impróp rio encerrar esta seção sem mencionar a temp;, ~e~e. nao apenas a satisfação de ver ceder a oposição
enérg ica e d igna lil ~ rdad com que o autor expressa sua opi- qu: ~ 1111Cl? d~spertara, mas também de testemunhar a in-
nião , e ;;t supe rioridade qu • revela para com todas as peque- fluenn~ efetiva de seus escritos sobre a política comercial de
nas paix ~ liga lias às fa~ ôes ela - poca e m qu escreveu. seu pa1s.
Qu m que r que se dA Lral alho de comparar o L m geral I
seu L xto com o p río lo d ~ ua prim ira pu! ü ' <I ITo nao dei-
x·u-:1 d se11tir e onilrm ~tr a f, rça deste c menlário. em sem- Conclusão da narrativa
p re um ze lo d sinter ssauo peln verd<tde r · ·b , tão cedo,
su, jusw recomp nsH . r i! -s fos us~mdo uma xpr ssào de Cerc_a de dois an.os depois da publicação de A riqueza
Lorde Bacon) são "os 1'VOS da post ridade": muitos dos que das naçoe~, o Sr. Smlth foi nomeado Diretor da Alfânde a
devotaram seus talen t s aos meil1ores ime resses da humani- de ~ua- MaJ~stade ~a Escócia, privilégio que, segundo s~a
dade foram obriga los, om Bacon, "a legar sua fama" a uma a:ahaçao, tmha maior valor, já que lhe foi concedido a pe-
raça :ünda não na dela, nsolando-se com a idéia de esta- dido do Duque de Buccleuch. A maior parte desses dois
rem s meamlo alg q u ulra geração iria colher: anos, pa~sou em Londres privando de uma sociedade am-
pla e :anada demais para lhe permitir ocasião de dedicar-
se ma1s a seu gosto pelo estudo Mas na- 0 c ·
_u. Entre :ts doutrinas duvidusm; qu · u Sr. ' m ith sanc:icmou c m s ·u d'd · . · 101 um tempo
p.er .~ o, pois mUit~s vezes empregou-o com alguns dos prin-
nnmt.·, t:rl vc::z aao h:t l~ nenhuma de ccms ·qOêndas tão impOJ1antcs q\tan l<
sua o pini:lo sobre :1 dkn ia d · J'cSI1ições legais solm: a t:rx<t de juros. Sr. Cipais, no.mes da literatura inglesa. Alguns desses tipos tão
Benth:tr11, num b reve tratad o chama lo De.fei/SI' <!( Usw • (Defcs:J. da usura), agradaveis foram imortalizados pelo Dr. Barnard
demonstr n r com ~ i ngt r lar exa tid"o lógi , um :t argumenllt ào do Sr. Smitil
conhec'd "V d em seus
1 os ersos en ereçados a Sir Joshua Reynolds e
sohr · es.~e po mo rn em ·l u~:r . Trma- ·c de urna obra qu (a i • ·;11' tlu 11 ngo seus amigos":
in! ·rval 1 .m~ rrid() t.lesdc a d~t:t d :;u:r pu I li ,u,.";1o) n ;lo receh •u, . ré ondt>
sd, ncnhu m:r r · ut:t <lo; • qu • um falcado c r!t >r ($i r Frands Ihring. em
sC LI "l'am t hlct on the Hunk u r Engi.Jnu " cr anllcto ~obre <) Banco da l ngla- If I have thoughts, and can't express 'em
1 rr;t), <:m ioc mc onhe edor d~.~ opemr,:ôc du ' mér io , decla r{lu Ct·om Gibbon shall teach me how to dress 'em'
gmnclc ver.~c it.ht d c, ·m minha <)pinião) ~cr "i nt lr'a mcnt ln'espond!vel". É In words select and terse:
11 táv •I 1ue o ·r. Smith. ncs~ ·• I.~ IS<) iso[;Jd 1, :rceil ass ·. com 1< o fr:"tg •is bas ·s,
111rur t:n n lu 1í0 tão r:t~li cal mcn tc o po5t:l :10 ~~pfrlto geral de ~eu~ ti b:ttcs ]ones teach me modesty and Greek
pollti os, c Jào mnn il' · lnmcm c d iscor·dc dos prin lpius ll.rndamcnt:lis que. Smith how to think, Burke how to ;peak
n o u tm ~ c:.siôcs, ousa da m~nte !tdota r:·t em IOthl as s l r;lS arl kll\< c pr;ític~rs. And Beauclerc to converse.,. '
Isso c ainda n1nis ~u rp ree n dcnte porqve s economista:> I'J'd nccses. po uc J:>
:mos :uucs. aprt'. cnt : u~rru a~ mais plau~ivc is Pbic\'t'les uJllr.t ' s:r extcnsao
d:'l doutri na da liberdad de c rnt:r lo. Conferir, soi>rcwd o, :~ lgum:• , ob.- 'J"- :~ · Veja-se o Registro Anual de 1776.
vações do Sr. Tu rgol nns Nejlections m t tlw Frmnallou tm d D lstrilmNrlll r!{ Se pensamentos tiver mas - d •
Nt l!w ( ltellcxucs sobre;: tLl'om1açào c a tlistribuiç;1 das riq uezas . c rru1 cn· nará a cobri los ' nao pu er expressa-los, Gibbon me ensi-
. - com pa1avras precisas e t J . .
·aicl r vu l ~l clu mesm !tutor, miLLrla lo "M ··moh'<' su J' le prêt :i int ·t, ·t • ur sunplicidade Smith fi . ersas, ones me ensmara grego e
le Commerce des 'Fers' ", (N. da T.) ' ' a re etJr; Burke, a discursar, e Beauderc a dialogar."
LXXIV TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA LXXV

Como consequencia da nomeação para a Diretoria da tar seu ânimo e dissipar sua atenção. Agora que sua carreira
Alfândega, em 1778 o Sr. Smith teve de se transferir para está encerrada, é impossível refletir sobre o tempo que isso
Edimburgo, onde passou os últimos doze anos de .sua vida, consumia, sem lamentar que não fosse empregado em ativi-
usufruindo uma riqueza mais do que suficiente para suas dades mais proveitosas para o mundo, e mais apropriadas ao
necessidades. Mais valiosa ainda foi a perspectiva de passar seu espírito.
seus últimos dias entre seus companheiros de juventude. Nos primeiros anos de residência nessa cidade, seus es-
Sua mãe, que, apesar da velhice adiantada, ainda goza- tudos pareceram inteiramente suspensos; sua paixão pelas
va de considerável saúde e mantinha intactas todas as suas letras servia apenas para divertir seu ócio e animar sua con-
faculdades, acompanhou-o à cidade. Também os acompa- versa. As fraquezas da velhice, cuja aproximação começou
nhou sua prima, senhorita Jane Douglas (que antes morara sentir muito cedo, lembraram-no afinal, quando era tarde
com sua família em Glasgow, e por quem o Sr. Smith sempre demais, o que ainda devia ao público e à sua própria fama .
sentira um afeto de irmão), que, enquanto o ajudava nos ter- Os principais materiais para as obras que anunciara estavam
nos cuidados que doenças da tia exigiam, aliviava-o de uma reunidos há muito; e talvez apenas alguns anos de saúde e
incumbência para a qual era particularmente inapto: supervi- recolhimento bastassem para conferir-lhes aquela organiza-
sionava, com muita gentileza, a sua economia doméstica. ção que deliciava, além dos ornamentos do seu estilo fluen-
O aumento de seus rendimentos, advindo de seu novo te, aparentemente sem nenhum mtifício que cultivara meti-
cargo, permitiu-lhe satisfazer, muito mais que sua antiga si- culosamente, mas que, depois de todas as suas experiências
tuação possibilitava, sua natural generosidade, pois suas fi- de composição, adaptara com extrema dificuldade ao seu
nanças na época de sua morte, comparadas com sua vida próprio gosto 23•
muito modesta, confirmavam indubitavelmente o que as pes- A morte de sua mãe em 1784, seguida da da senhorita
soas mais íntimas sempre suspeitaram: grande parte de suas Douglas em 1788, provavelmente contribuíram para frustrar
economias anuais era destinada a serviços de caridade secre- esses projetos. A elas havia dedicado sua afeição por mais de
ta. Uma pequena, mas excelente, biblioteca que gradualmen- sessenta anos; em sua companhia, saboreara desde a infân-
te formara com grande critério na escolha dos livros, e uma cia tudo o que conhecia dos carinhos de uma família". Agora,
mesa simples, embora hospitaleira, onde, sem a formalidade
de convites, sempre recebia com alegria os amigos, eram os
23. Não muito tempo antes de sua morte, o Sr. Smith comentou-me
únicos bens que podiam ser considerados seus''. que, a despeito de toda a sua prática em escrever, ainda redigia tão lenta-
A mudança de hábitos que a transferência para Edim- mente, e com tanta dificuldade, quanto no início. Observou ainda que o Sr.
burgo provocou não foi igualmente favorável a suas aspira- Hume, por sua vez, adquirira tanta agilidade em escrever, que os últimos
ções literárias. Os deveres de seu cargo, embora exigissem volumes de sua Histo1y of England (História da Inglaterra) foram impressos
a partir do manuscrito original, com umas poucas correções na marginália.
pouco exercício de pensamento, eram suficientes para esgo- Talvez satisfaça a curiosidade de alguns leitores saber que, quando o
Sr. Smith se concentrava para redigir, geralmente andava pelo seu aparta-
mento, ditando a um secretário. Todas as obras do Sr. Hume (segundo me
22. Algumas circunstâncias muito comoventes da benemerência do Sr. asseguraram) foram escritas por sua própria pena , Um leitor crítico, penso,
Smith, em casos em que fora impossível manter sob sigilo seus serviços filan- perceberá nos diferentes estilos desses dois autores clássicos os efeitos dos
trópicos, foram-me mencionados por uma parenta próxima, uma de suas seus diferentes modos de estudar.
amigas mais íntimas, a Srta. Ross, filha elo falecido Patrick Ross, cavalheiro 24. Os amigos do Sr. Smith sabem que na juventude estivera ligado,
ele Innernety. Segundo me contou, as doações do Sr. Smith iam além elo que por vários anos, a uma jovem de grande beleza e talentos. Não pude apurar
se poderia esperar de sua fortuna, e eram acompanhadas de ocasiões igual- se seus cuidados foram favoravelmente acolhidos, ou que circunstâncias
mente honrosas para a delicadeza ele seus sentimentos e a liberalidade ele impediram essa união. Mas creio ser bastante certo que, depois dessa de-
seu coraçao. cepção, o Sr. Smith abandonou toda idéia de casamento. A dama a quem me
LXXIV TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA LXXV

Como consequencia da nomeação para a Diretoria da tar seu ânimo e dissipar sua atenção. Agora que sua carreira
Alfândega, em 1778 o Sr. Smith teve de se transferir para está encerrada, é impossível refletir sobre o tempo que isso
Edimburgo, onde passou os últimos doze anos de .sua vida, consumia, sem lamentar que não fosse empregado em ativi-
usufruindo uma riqueza mais do que suficiente para suas dades mais proveitosas para o mundo, e mais apropriadas ao
necessidades. Mais valiosa ainda foi a perspectiva de passar seu espírito.
seus últimos dias entre seus companheiros de juventude. Nos primeiros anos de residência nessa cidade, seus es-
Sua mãe, que, apesar da velhice adiantada, ainda goza- tudos pareceram inteiramente suspensos; sua paixão pelas
va de considerável saúde e mantinha intactas todas as suas letras servia apenas para divertir seu ócio e animar sua con-
faculdades, acompanhou-o à cidade. Também os acompa- versa. As fraquezas da velhice, cuja aproximação começou
nhou sua prima, senhorita Jane Douglas (que antes morara sentir muito cedo, lembraram-no afinal, quando era tarde
com sua família em Glasgow, e por quem o Sr. Smith sempre demais, o que ainda devia ao público e à sua própria fama .
sentira um afeto de irmão), que, enquanto o ajudava nos ter- Os principais materiais para as obras que anunciara estavam
nos cuidados que doenças da tia exigiam, aliviava-o de uma reunidos há muito; e talvez apenas alguns anos de saúde e
incumbência para a qual era particularmente inapto: supervi- recolhimento bastassem para conferir-lhes aquela organiza-
sionava, com muita gentileza, a sua economia doméstica. ção que deliciava, além dos ornamentos do seu estilo fluen-
O aumento de seus rendimentos, advindo de seu novo te, aparentemente sem nenhum mtifício que cultivara meti-
cargo, permitiu-lhe satisfazer, muito mais que sua antiga si- culosamente, mas que, depois de todas as suas experiências
tuação possibilitava, sua natural generosidade, pois suas fi- de composição, adaptara com extrema dificuldade ao seu
nanças na época de sua morte, comparadas com sua vida próprio gosto 23•
muito modesta, confirmavam indubitavelmente o que as pes- A morte de sua mãe em 1784, seguida da da senhorita
soas mais íntimas sempre suspeitaram: grande parte de suas Douglas em 1788, provavelmente contribuíram para frustrar
economias anuais era destinada a serviços de caridade secre- esses projetos. A elas havia dedicado sua afeição por mais de
ta. Uma pequena, mas excelente, biblioteca que gradualmen- sessenta anos; em sua companhia, saboreara desde a infân-
te formara com grande critério na escolha dos livros, e uma cia tudo o que conhecia dos carinhos de uma família". Agora,
mesa simples, embora hospitaleira, onde, sem a formalidade
de convites, sempre recebia com alegria os amigos, eram os
23. Não muito tempo antes de sua morte, o Sr. Smith comentou-me
únicos bens que podiam ser considerados seus''. que, a despeito de toda a sua prática em escrever, ainda redigia tão lenta-
A mudança de hábitos que a transferência para Edim- mente, e com tanta dificuldade, quanto no início. Observou ainda que o Sr.
burgo provocou não foi igualmente favorável a suas aspira- Hume, por sua vez, adquirira tanta agilidade em escrever, que os últimos
ções literárias. Os deveres de seu cargo, embora exigissem volumes de sua Histo1y of England (História da Inglaterra) foram impressos
a partir do manuscrito original, com umas poucas correções na marginália.
pouco exercício de pensamento, eram suficientes para esgo- Talvez satisfaça a curiosidade de alguns leitores saber que, quando o
Sr. Smith se concentrava para redigir, geralmente andava pelo seu aparta-
mento, ditando a um secretário. Todas as obras do Sr. Hume (segundo me
22. Algumas circunstâncias muito comoventes da benemerência do Sr. asseguraram) foram escritas por sua própria pena , Um leitor crítico, penso,
Smith, em casos em que fora impossível manter sob sigilo seus serviços filan- perceberá nos diferentes estilos desses dois autores clássicos os efeitos dos
trópicos, foram-me mencionados por uma parenta próxima, uma de suas seus diferentes modos de estudar.
amigas mais íntimas, a Srta. Ross, filha elo falecido Patrick Ross, cavalheiro 24. Os amigos do Sr. Smith sabem que na juventude estivera ligado,
ele Innernety. Segundo me contou, as doações do Sr. Smith iam além elo que por vários anos, a uma jovem de grande beleza e talentos. Não pude apurar
se poderia esperar de sua fortuna, e eram acompanhadas de ocasiões igual- se seus cuidados foram favoravelmente acolhidos, ou que circunstâncias
mente honrosas para a delicadeza ele seus sentimentos e a liberalidade ele impediram essa união. Mas creio ser bastante certo que, depois dessa de-
seu coraçao. cepção, o Sr. Smith abandonou toda idéia de casamento. A dama a quem me
TEORIA DOS SEN11MENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA LXXVII
LXXVI
estava sozinho e desamparado. Mas, embora suportasse man- tante argumento, o progresso da verdade poderia ser antes
samente essa perda, e aparentemente recuperasse a antiga atrasado do que adiantado, têm provavelmente induzido mui-
alegria, sua saúde e força aos poucos declina am, até sua tos autores a reter consigo os resultados inacabados de seus
morte, em julho de 1790, cerca de dois anos a pós a de sua trabalhos mais valiosos, e a contentar-se em autorizar verda-
prima, e seis anos depois da de sua mãe. Sua última doença, des que consideravam particularmente interessantes para a
originada de uma obstrução intestinal crônica, foi lenta e humanidade 25 •
dolorosa. Porém, como para abrandá-la, teve todos os con- Os acréscimos à Teoria dos sentimentos morais, muitos
solos da mais terna solidariedade de seus amigos, e comple- dos quais redigidos durante uma grave enfermidade, feliz-
ta resignação de seu próprio espírito. mente foram enviados para impressão no começo do inver-
Poucos dias antes de sua morte, vendo que o fim se no anterior; e o autor viveu o suficiente para ver a obra pu-
aproximava rapidamente, ordenou que destruíssem todos os blicada. O caráter de moralidade e seriedade que domina es-
seus manuscritos, salvo alguns ensaios avulsos, os quais con- ses acréscimos, se relacionado ao estado de saúde debilita-
fiou aos cuidados de seus testamenteiros. Em seguida, todo do, adiciona um encanto peculiar à sua patética eloqüência,
o resto foi lançado ao fogo. Nem seus mais íntimos amigos e confere um novo interesse, se isso é possível, às sublimes
sabiam o que continham especificamente tais papéis; não há verdades que, no retiro acadêmico de sua juventude, desper-
dúvida, entretanto, de que parte deles consistia de textos so- e
taram os primeiros ardores de seu gênio sobre as quais re-
bre retórica, que leu em Edimburgo em 1748, e conferências pousavam os derradeiros esforços de seu espírito.
sobre religião natural e jurisprudência, que formavam patte Numa carta de 1787, enviada ao Diretor da Universidade
de seu curso em Glasgow. Talvez seja verdade que esse irre- de Glasgow, cumprimentando-o por sua eleição como Reitor
parável prejuízo às letras procedesse em parte de uma exces- dessa erudita instituição, resta uma agradável memória da
siva preocupação do autor por sua reputação póstuma; mas,
no que diz respeito a alguns de seus manuscritos, não pode-
ríamos presumir que fora influenciado por razões mais ele- 25. Depois do que escrevi acima, fui agraciado pelo Dr. Hutton com as
vadas? Raramente um filósofo, desde a juventude ocupado seguintes informações: "Algum tempo antes de sua última enfermidade,
quando teve ocasião de ir a Londres, o Sr. Smith reuniu seus amigos e con-
com investigações políticas e morais, realiza plenamente o fiou-lhes a posse de seus manuscritos, a fim de que, quando morresse, des-
desejo de demonstrar a outros os fundamentos sobre as quais truíssem todos os volumes de suas conferências, e fizessem o que bem
se erigem suas próprias opiniões; daí que os princípios co- entendessem com o restante. Quando começou a enfraquecer, vendo apro-
nhecidos de um indivíduo, o qual provou ao público sua ximar-se o fim da vida, falou novamente aos amigos sobre esse assunto.
Rogaram-lhe que se tranqüilizasse, pois, se dependesse deles, seu desejo se
franqueza, sua liberalidade e seu julgamento, dão direito a cumpriria. Então ficou satisfeito. Alguns dias depois, entretanto, consideran-
um peso e uma autoridade independentes da evidência que do que suas preocupações ainda não haviam sido di ssi pad~ s. implorou a
o autor é capaz de produzir, em qualquer ocasião particular, um deles que destruísse imediatamente os tais volumes. Assim foi feito, e
em seu apoio. A secreta consciência dessa circunstância, so- seu espírito ficou de tal modo aliviado, que conseguiu receber os amigos à
noite, com sua habitual calma.
mada ao temor de que, caso não se faça justiça a um impor- "Costumavam cear em sua companhia todos os domingos e naquela
noite estavam reunidos em grande número. Não se sentindo capaz de se
sentar com eles como de costume, o Sr. Smith retirou-se para seu quarto
refiro também morreu solteira. Sobreviveu por vários anos ao Sr. Smith e antes da ceia; e, enquanto se afastava, despediu-se dos amigos , dizendo:
ainda viveu muitos anos após a publicação da primeira edição destas 'creio que teremos de adiar este encontro para um outro momento'. Morreu
memórias. Tive o prazer de vê-la quando contava mais de oitenta anos, e poucos dias de pois."
ainda preservava sinais de sua antiga beleza. A força de sua inteligência e a O Sr. Riddel, antigo íntimo do Sr. Smith que presenciou uma das con-
alegria de seu te mperamento pareciam nada ter sofrido pela ação do tempo. versas sobre o assunto dos manuscritos, mencionou-me, por via de acrés-
TEORIA DOS SEN11MENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA LXXVII
LXXVI
estava sozinho e desamparado. Mas, embora suportasse man- tante argumento, o progresso da verdade poderia ser antes
samente essa perda, e aparentemente recuperasse a antiga atrasado do que adiantado, têm provavelmente induzido mui-
alegria, sua saúde e força aos poucos declina am, até sua tos autores a reter consigo os resultados inacabados de seus
morte, em julho de 1790, cerca de dois anos a pós a de sua trabalhos mais valiosos, e a contentar-se em autorizar verda-
prima, e seis anos depois da de sua mãe. Sua última doença, des que consideravam particularmente interessantes para a
originada de uma obstrução intestinal crônica, foi lenta e humanidade 25 •
dolorosa. Porém, como para abrandá-la, teve todos os con- Os acréscimos à Teoria dos sentimentos morais, muitos
solos da mais terna solidariedade de seus amigos, e comple- dos quais redigidos durante uma grave enfermidade, feliz-
ta resignação de seu próprio espírito. mente foram enviados para impressão no começo do inver-
Poucos dias antes de sua morte, vendo que o fim se no anterior; e o autor viveu o suficiente para ver a obra pu-
aproximava rapidamente, ordenou que destruíssem todos os blicada. O caráter de moralidade e seriedade que domina es-
seus manuscritos, salvo alguns ensaios avulsos, os quais con- ses acréscimos, se relacionado ao estado de saúde debilita-
fiou aos cuidados de seus testamenteiros. Em seguida, todo do, adiciona um encanto peculiar à sua patética eloqüência,
o resto foi lançado ao fogo. Nem seus mais íntimos amigos e confere um novo interesse, se isso é possível, às sublimes
sabiam o que continham especificamente tais papéis; não há verdades que, no retiro acadêmico de sua juventude, desper-
dúvida, entretanto, de que parte deles consistia de textos so- e
taram os primeiros ardores de seu gênio sobre as quais re-
bre retórica, que leu em Edimburgo em 1748, e conferências pousavam os derradeiros esforços de seu espírito.
sobre religião natural e jurisprudência, que formavam patte Numa carta de 1787, enviada ao Diretor da Universidade
de seu curso em Glasgow. Talvez seja verdade que esse irre- de Glasgow, cumprimentando-o por sua eleição como Reitor
parável prejuízo às letras procedesse em parte de uma exces- dessa erudita instituição, resta uma agradável memória da
siva preocupação do autor por sua reputação póstuma; mas,
no que diz respeito a alguns de seus manuscritos, não pode-
ríamos presumir que fora influenciado por razões mais ele- 25. Depois do que escrevi acima, fui agraciado pelo Dr. Hutton com as
vadas? Raramente um filósofo, desde a juventude ocupado seguintes informações: "Algum tempo antes de sua última enfermidade,
quando teve ocasião de ir a Londres, o Sr. Smith reuniu seus amigos e con-
com investigações políticas e morais, realiza plenamente o fiou-lhes a posse de seus manuscritos, a fim de que, quando morresse, des-
desejo de demonstrar a outros os fundamentos sobre as quais truíssem todos os volumes de suas conferências, e fizessem o que bem
se erigem suas próprias opiniões; daí que os princípios co- entendessem com o restante. Quando começou a enfraquecer, vendo apro-
nhecidos de um indivíduo, o qual provou ao público sua ximar-se o fim da vida, falou novamente aos amigos sobre esse assunto.
Rogaram-lhe que se tranqüilizasse, pois, se dependesse deles, seu desejo se
franqueza, sua liberalidade e seu julgamento, dão direito a cumpriria. Então ficou satisfeito. Alguns dias depois, entretanto, consideran-
um peso e uma autoridade independentes da evidência que do que suas preocupações ainda não haviam sido di ssi pad~ s. implorou a
o autor é capaz de produzir, em qualquer ocasião particular, um deles que destruísse imediatamente os tais volumes. Assim foi feito, e
em seu apoio. A secreta consciência dessa circunstância, so- seu espírito ficou de tal modo aliviado, que conseguiu receber os amigos à
noite, com sua habitual calma.
mada ao temor de que, caso não se faça justiça a um impor- "Costumavam cear em sua companhia todos os domingos e naquela
noite estavam reunidos em grande número. Não se sentindo capaz de se
sentar com eles como de costume, o Sr. Smith retirou-se para seu quarto
refiro também morreu solteira. Sobreviveu por vários anos ao Sr. Smith e antes da ceia; e, enquanto se afastava, despediu-se dos amigos , dizendo:
ainda viveu muitos anos após a publicação da primeira edição destas 'creio que teremos de adiar este encontro para um outro momento'. Morreu
memórias. Tive o prazer de vê-la quando contava mais de oitenta anos, e poucos dias de pois."
ainda preservava sinais de sua antiga beleza. A força de sua inteligência e a O Sr. Riddel, antigo íntimo do Sr. Smith que presenciou uma das con-
alegria de seu te mperamento pareciam nada ter sofrido pela ação do tempo. versas sobre o assunto dos manuscritos, mencionou-me, por via de acrés-
LXXVIII TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA LXXIX
s LisÜt ~:àu com que sempre 1 tnbr.IVa o período de sua carreira A breve narrativa que agora concluo, embora pobre em
lit 1{tria mais especialmente consagrado a esses importantes es- episódios, talvez deixe transparecer uma noção do espírito e
tudos. Diz: "Nenhum privilégio poderia ter-me dado tamanha caráter desse homem ilustre; dos dons intelectuais e realiza-
satisfação real. Nenhum homem deveu mais a uma comunidade ções que tanto o distinguiram; da originalidade e amplidão de
do que eu à Universidade de Glasgow. Ali me instruíram, man- suas opiniões; a extensão, variedade e precisão de sua infor-
daram-me a Oxford. Logo depois de retornar à Escócia, elege- mação; a inexaurível fertilidade de sua invenção; os orna-
ram-me um de seus próprios membros; e em seguida honraram- mentos que sua rica e bela imaginação emprestara da cultura
me com outro cargo, a que antes as habilidades e virtudes do clássica: tudo isso são monumentos duradouros que nos
inesquecível Dr. Hutcheson conferiram superior ilustração. Lem- legou. De sua dignidade pessoal encontram-se os mais con-
bro o período de treze anos que passei como membro daquela fiáveis dos testemunhos na confiança, respeito e afeto que 0
comunidade como de longe o mais proveitoso e, por isso, de seguiram em todos os relacionamentos de sua vida. A sereni-
longe o mais feliz e honroso período de minha vida. Agora, dade e alegria de que gozava, mesmo sob pressão crescente
após vinte e três anos de ausência, ser lembrado de maneira tão das doenças, e o interesse apaixonado que nutriu até o fim
gentil por meus antigos amigos e protetores concede a meu co- por tudo o que dizia respeito ao bem-estar de seus amigos,
ração uma alegria que mal posso vos exprimir." serão sempre lembrados por um pequeno círculo de amigos
com quem, enquanto suas forças o permitiram, passava regu-
larmente uma noite por semana; e para quem a memória de
cimo ao que observara o Dr. Hutton, que o Sr. Smith lamentava "ter feito tão seu valor ainda forma um laço de união agradável, embora
pouco". "Pretendi", disse, "fazer mais, pois há muitas informações em meus melancólico•.
papéis que poderia ter utilizado. Mas agora tudo isso está fora de questão." Talvez seja impossível delinear os traços mais delicados
A seguinte carta do Sr. Hume, escrita pe lo Sr. Smith em 1773, quando
se preparava para viajar a Londres, com a perspectiva de se ausentar da
e característicos de seu espírito. Era evidente até ao mais su-
Escócia longamente, mostra que a idéia de destruir as obras incompletas perficial observador que havia muitas particularidades tanto
que pudessem estar em seu poder na hora da morte não era o efeito de uma em suas maneiras quanto em seus hábitos intelectuais; mas,
resolução súbita ou apressada: embora para os que o conheciam essas peculiaridades nada
"Edimburgo, 16 de abril de 1773. diminuíssem do respeito que sua capacidade exigia, e embo-
"Meu caro amigo,
"Como de ixei a teus cuidados todos os meus papéis literários, devo ra para seus amigos íntimos até acrescentassem um encanto
dizer-te que, salvo os que carrego junto comigo, nenhum outro é digno de indizível ao seu diálogo, também revelavam da maneira mais
publicação, senão talvez o fragmento de uma grande obra que contém uma interessante a simplicidade sem artifícios de seu coração. No
história dos sistemas astronômicos sucessivamente em voga até o tempo de entanto, seria preciso uma pena muito hábil para apresentá-
Descartes. Deixo inteiramente a teu juízo decidir se isso deve ser publicado
como fragmento de uma obra juvenil, embora comece a suspeitar de que em los aos olhos do público. Com certeza, não era adequado
algumas passagens haja mais refinamento que solidez. Encontrarás essa pe- para as ocupações gerais do mundo ou os negócios de uma
quena obra numa fina pasta no meu aposento dos fundos. Todos os outros vida ativa. As abrangentes especulações de que se ocupara
papéis soltos que encontrares nessa secretária, ou dentro de uma escrivani- desde sua juventude e a variedade de material com que sua
nha com porta de vidro sanfonada que fica no meu quatto de dormir, junto
com cerca de dezoito manuscritos, que também encontrarás nessa mesma es- própria criatividade continuamente supria seus pensamen-
crivaninha, desejo que sejam destruídos sem serem examinados. A menos
que venha a falecer subitamente, cuidarei que os papéis que trago comigo
sejam cuidadosamente enviados a ti. • O pequeno grupo de amigos a que se refere o texto era fotmado
Meu caro amigo, sou sempre teu fiel pelo próprio biógrafo, joseph Black, ]ames Hutton e Adam Ferguson, além
ADAM SMITH de Adam Smith, é claro. Ficou conhecido em Edimburgo como o "Sundays
Ao cavalheiro David Hume, St. Andrew's Square." Suppers" (Ceias dominicais). (N. da R. T.)
LXXVIII TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍTICA LXXIX
s LisÜt ~:àu com que sempre 1 tnbr.IVa o período de sua carreira A breve narrativa que agora concluo, embora pobre em
lit 1{tria mais especialmente consagrado a esses importantes es- episódios, talvez deixe transparecer uma noção do espírito e
tudos. Diz: "Nenhum privilégio poderia ter-me dado tamanha caráter desse homem ilustre; dos dons intelectuais e realiza-
satisfação real. Nenhum homem deveu mais a uma comunidade ções que tanto o distinguiram; da originalidade e amplidão de
do que eu à Universidade de Glasgow. Ali me instruíram, man- suas opiniões; a extensão, variedade e precisão de sua infor-
daram-me a Oxford. Logo depois de retornar à Escócia, elege- mação; a inexaurível fertilidade de sua invenção; os orna-
ram-me um de seus próprios membros; e em seguida honraram- mentos que sua rica e bela imaginação emprestara da cultura
me com outro cargo, a que antes as habilidades e virtudes do clássica: tudo isso são monumentos duradouros que nos
inesquecível Dr. Hutcheson conferiram superior ilustração. Lem- legou. De sua dignidade pessoal encontram-se os mais con-
bro o período de treze anos que passei como membro daquela fiáveis dos testemunhos na confiança, respeito e afeto que 0
comunidade como de longe o mais proveitoso e, por isso, de seguiram em todos os relacionamentos de sua vida. A sereni-
longe o mais feliz e honroso período de minha vida. Agora, dade e alegria de que gozava, mesmo sob pressão crescente
após vinte e três anos de ausência, ser lembrado de maneira tão das doenças, e o interesse apaixonado que nutriu até o fim
gentil por meus antigos amigos e protetores concede a meu co- por tudo o que dizia respeito ao bem-estar de seus amigos,
ração uma alegria que mal posso vos exprimir." serão sempre lembrados por um pequeno círculo de amigos
com quem, enquanto suas forças o permitiram, passava regu-
larmente uma noite por semana; e para quem a memória de
cimo ao que observara o Dr. Hutton, que o Sr. Smith lamentava "ter feito tão seu valor ainda forma um laço de união agradável, embora
pouco". "Pretendi", disse, "fazer mais, pois há muitas informações em meus melancólico•.
papéis que poderia ter utilizado. Mas agora tudo isso está fora de questão." Talvez seja impossível delinear os traços mais delicados
A seguinte carta do Sr. Hume, escrita pe lo Sr. Smith em 1773, quando
se preparava para viajar a Londres, com a perspectiva de se ausentar da
e característicos de seu espírito. Era evidente até ao mais su-
Escócia longamente, mostra que a idéia de destruir as obras incompletas perficial observador que havia muitas particularidades tanto
que pudessem estar em seu poder na hora da morte não era o efeito de uma em suas maneiras quanto em seus hábitos intelectuais; mas,
resolução súbita ou apressada: embora para os que o conheciam essas peculiaridades nada
"Edimburgo, 16 de abril de 1773. diminuíssem do respeito que sua capacidade exigia, e embo-
"Meu caro amigo,
"Como de ixei a teus cuidados todos os meus papéis literários, devo ra para seus amigos íntimos até acrescentassem um encanto
dizer-te que, salvo os que carrego junto comigo, nenhum outro é digno de indizível ao seu diálogo, também revelavam da maneira mais
publicação, senão talvez o fragmento de uma grande obra que contém uma interessante a simplicidade sem artifícios de seu coração. No
história dos sistemas astronômicos sucessivamente em voga até o tempo de entanto, seria preciso uma pena muito hábil para apresentá-
Descartes. Deixo inteiramente a teu juízo decidir se isso deve ser publicado
como fragmento de uma obra juvenil, embora comece a suspeitar de que em los aos olhos do público. Com certeza, não era adequado
algumas passagens haja mais refinamento que solidez. Encontrarás essa pe- para as ocupações gerais do mundo ou os negócios de uma
quena obra numa fina pasta no meu aposento dos fundos. Todos os outros vida ativa. As abrangentes especulações de que se ocupara
papéis soltos que encontrares nessa secretária, ou dentro de uma escrivani- desde sua juventude e a variedade de material com que sua
nha com porta de vidro sanfonada que fica no meu quatto de dormir, junto
com cerca de dezoito manuscritos, que também encontrarás nessa mesma es- própria criatividade continuamente supria seus pensamen-
crivaninha, desejo que sejam destruídos sem serem examinados. A menos
que venha a falecer subitamente, cuidarei que os papéis que trago comigo
sejam cuidadosamente enviados a ti. • O pequeno grupo de amigos a que se refere o texto era fotmado
Meu caro amigo, sou sempre teu fiel pelo próprio biógrafo, joseph Black, ]ames Hutton e Adam Ferguson, além
ADAM SMITH de Adam Smith, é claro. Ficou conhecido em Edimburgo como o "Sundays
Ao cavalheiro David Hume, St. Andrew's Square." Suppers" (Ceias dominicais). (N. da R. T.)
TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍ71CA LXXXI
LXXX
to: faziam-n habi tlaLm - nte desa tcnt a que~tc e: fa mllía r~ · as mais belas nuanças do gênio e das paixões, contudo, ao
e f~1 tos omu11S; fr qüentemenle xit ia 111 m mos de disu-a- julgar indivíduos, por vezes suas interpretações, surpreenden-
·ào u :; ~qll r a imagina ·ão de La Bru yer po le ria al an- temente, afastavam-se da realidade.
1 Tampouco eram coerentes, como seria de esperar da su-
. -ar. Mesmo q\.I<Lnd > entre ou tras pes, oas, ·onseguia ·ont n-
Lrar-s • m s ·us estu dos· p r v z s, p •lo m vimenl d perioridade de seu entendimento e singular consistência de
seus lál ios, por seu lhar e ge ·t s, _par i·t . ta r re Ugind seus princípios filosóficos, as opiniões que costumava emitir
111 f r r. em de pois d tant >, anos, ·ontudo, I ixa lc sobre livros e problemas especulativos, quando se encontra-
· urpr -~ ncler-roe sua 111 !ll ria pr clsa los d talhes ma is tri- va na despreocupação e segurança dos salões. Eram facil-
1atS; tendo a a r ·dita r, por . ta c o utra cir ·un tânclas, mente influenciadas por circunstâncias fortuitas e pelo 1m-
qu e possuía um pod r. talvez não in o mum mr bom ns mor do momento, e quando indagado pelos que apenas o
distnídos, em razã elos • guidc s esfor ·os d rcfl e.'{âO de viam eventualmente sugeria idéias falsas e contraditórias de
lembrar muitos fatos que, quando aconteciam, aparentemen- seus verdadeiros sentimentos. Mas nessa, como em muitas
te não tinham atraído sua atenção. outras ocasiões, havia sempre muita verdade e inteligência
A deficiência recém-mencionada talvez se devesse tam- em seus comentários; e se as diferentes opiniões que, em
bém a que não se envolvia facilmente nas conversas mais momentos diferentes, proferia sobre o mesmo assunto, fos-
comezinhas, e fosse, de alguma forma, mais capaz de expor sem todas combinadas entre si, de modo a modificarem-se e
suas idéias em forma de conferência. Isso, entretanto, não limitarem-se reciprocamente, provavelmente teriam forneci-
procediH do ti sejo d assol erbar o discurso ou .li onj :.tr sua do material para uma conclusão igualmente ampla e justa.
própria aidad -. Ad mais, suas inclina .ões o concluzi'lm tã > Mas em companhia de seus amigos não tinha disposição
forteme nte a sa l rem em silêncio a ale rh do 1ue r dea- para formar as conclusões precisas que admiramos em seus
v~tm , q 1 ~ s us amigos muitas vezes tramavam p quen s pla-
textos, contentando-se de hábito com um esboço ousado e
no. [Xl r~l o env Jver em alguma dis ·us ão qu lhe imeressasse magistral do objeto, que partia do primeiro ponto de vista su-
m<liii. Tampou ·o penso qu . er i a usado de ir long dem·ti gerido por seu temperamento ou imaginação. Algo semelhan-
~;e dis er qu e qu ase nunca inidava por si um no o L pi o,
te se observava quando experimentava descrever, conforme
embora nunca se mostrasse despreparado para os tópicos
o fluxo de seus sentimentos, os caracteres que, pela longa
que eram introduzidos por outros. Na verdade, sua conversa
intimidade, deveria conhecer a fundo. O quadro era sempre
nunca era tão divertida como quando dava vazão a seu ta-
vivo e expressivo, trazendo comumente uma forte e diverti-
lento nos pouquíssimos assuntos do conhecimento dos quais
da semelhança com o original, sob um aspecto particular; no
sô possuía algmtm noç· o.
As oplniões qu ' fom1 ava hr os h m ns que mal co- entanto, talvez raramente oferecesse uma concepção justa e
nheci ram fr qüemem -•nt rrôn a ·; mas a tendência de completa do original em todas as suas dimensões e propor-
sua ll'Llur 'Za in linava-o muito mais a uma pa r ·ial!dade cega ções. Numa palavra, era culpa de seus julgamentos espontâ-
du q u · a um pr on · ir infundado. A xtcn ·a visão dos neos o serem sistemáticos demais e muito extremados.
assunr s humanos qLI habitualm m ntr tinha m seu espí- Mas, não importa de que modo se expliquem essas tri-
rito não lhe d ixava l mpo nem disposição para o estudo viais peculiaridades de suas maneiras, não há dúvida de que
detalhado das peculiaridades desLnteressantes de caracteres eram intimamente relacionadas com a genuína naturalidade
comuns; assim, não obstante intimamente familiarizado com de seu espírito. E esta qualidade tão amável muitas vezes
as capacidades do intelecto e o funcionamento do coração, e lembrava aos amigos os relatos que se fazem do excelente La
habituado, em suas teorias, a marcar com mão delicadíssima Fontaine; qualidade que nele adquiria uma graça peculiar pela
TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS BIOGRAFIA CRÍ71CA LXXXI
LXXX
to: faziam-n habi tlaLm - nte desa tcnt a que~tc e: fa mllía r~ · as mais belas nuanças do gênio e das paixões, contudo, ao
e f~1 tos omu11S; fr qüentemenle xit ia 111 m mos de disu-a- julgar indivíduos, por vezes suas interpretações, surpreenden-
·ào u :; ~qll r a imagina ·ão de La Bru yer po le ria al an- temente, afastavam-se da realidade.
1 Tampouco eram coerentes, como seria de esperar da su-
. -ar. Mesmo q\.I<Lnd > entre ou tras pes, oas, ·onseguia ·ont n-
Lrar-s • m s ·us estu dos· p r v z s, p •lo m vimenl d perioridade de seu entendimento e singular consistência de
seus lál ios, por seu lhar e ge ·t s, _par i·t . ta r re Ugind seus princípios filosóficos, as opiniões que costumava emitir
111 f r r. em de pois d tant >, anos, ·ontudo, I ixa lc sobre livros e problemas especulativos, quando se encontra-
· urpr -~ ncler-roe sua 111 !ll ria pr clsa los d talhes ma is tri- va na despreocupação e segurança dos salões. Eram facil-
1atS; tendo a a r ·dita r, por . ta c o utra cir ·un tânclas, mente influenciadas por circunstâncias fortuitas e pelo 1m-
qu e possuía um pod r. talvez não in o mum mr bom ns mor do momento, e quando indagado pelos que apenas o
distnídos, em razã elos • guidc s esfor ·os d rcfl e.'{âO de viam eventualmente sugeria idéias falsas e contraditórias de
lembrar muitos fatos que, quando aconteciam, aparentemen- seus verdadeiros sentimentos. Mas nessa, como em muitas
te não tinham atraído sua atenção. outras ocasiões, havia sempre muita verdade e inteligência
A deficiência recém-mencionada talvez se devesse tam- em seus comentários; e se as diferentes opiniões que, em
bém a que não se envolvia facilmente nas conversas mais momentos diferentes, proferia sobre o mesmo assunto, fos-
comezinhas, e fosse, de alguma forma, mais capaz de expor sem todas combinadas entre si, de modo a modificarem-se e
suas idéias em forma de conferência. Isso, entretanto, não limitarem-se reciprocamente, provavelmente teriam forneci-
procediH do ti sejo d assol erbar o discurso ou .li onj :.tr sua do material para uma conclusão igualmente ampla e justa.
própria aidad -. Ad mais, suas inclina .ões o concluzi'lm tã > Mas em companhia de seus amigos não tinha disposição
forteme nte a sa l rem em silêncio a ale rh do 1ue r dea- para formar as conclusões precisas que admiramos em seus
v~tm , q 1 ~ s us amigos muitas vezes tramavam p quen s pla-
textos, contentando-se de hábito com um esboço ousado e
no. [Xl r~l o env Jver em alguma dis ·us ão qu lhe imeressasse magistral do objeto, que partia do primeiro ponto de vista su-
m<liii. Tampou ·o penso qu . er i a usado de ir long dem·ti gerido por seu temperamento ou imaginação. Algo semelhan-
~;e dis er qu e qu ase nunca inidava por si um no o L pi o,
te se observava quando experimentava descrever, conforme
embora nunca se mostrasse despreparado para os tópicos
o fluxo de seus sentimentos, os caracteres que, pela longa
que eram introduzidos por outros. Na verdade, sua conversa
intimidade, deveria conhecer a fundo. O quadro era sempre
nunca era tão divertida como quando dava vazão a seu ta-
vivo e expressivo, trazendo comumente uma forte e diverti-
lento nos pouquíssimos assuntos do conhecimento dos quais
da semelhança com o original, sob um aspecto particular; no
sô possuía algmtm noç· o.
As oplniões qu ' fom1 ava hr os h m ns que mal co- entanto, talvez raramente oferecesse uma concepção justa e
nheci ram fr qüemem -•nt rrôn a ·; mas a tendência de completa do original em todas as suas dimensões e propor-
sua ll'Llur 'Za in linava-o muito mais a uma pa r ·ial!dade cega ções. Numa palavra, era culpa de seus julgamentos espontâ-
du q u · a um pr on · ir infundado. A xtcn ·a visão dos neos o serem sistemáticos demais e muito extremados.
assunr s humanos qLI habitualm m ntr tinha m seu espí- Mas, não importa de que modo se expliquem essas tri-
rito não lhe d ixava l mpo nem disposição para o estudo viais peculiaridades de suas maneiras, não há dúvida de que
detalhado das peculiaridades desLnteressantes de caracteres eram intimamente relacionadas com a genuína naturalidade
comuns; assim, não obstante intimamente familiarizado com de seu espírito. E esta qualidade tão amável muitas vezes
as capacidades do intelecto e o funcionamento do coração, e lembrava aos amigos os relatos que se fazem do excelente La
habituado, em suas teorias, a marcar com mão delicadíssima Fontaine; qualidade que nele adquiria uma graça peculiar pela
TEORIA DOS SEN11MENTOS MORAIS
LXXXII
singularidade da ·oml ina · entr o pod res do raciocínio
e da eloqüência (U ', n :seus s rito po líticos e morais, por
muito tempo conquistaram a admiração da Eur pa.
Em sua forma externa e aparência, nada havia de inco- TEORIA DOS
mum. Quando perfeitamente à vontade, e entusiasmado pela
conversa, seus gestos se tornavam animados, e não deixa- SENTIMENTOS MORAIS*
vam de ter certa graça; em companhia daqueles a quem ama-
va, muitas vezes seus traços eram ilurni.nad s por um -o rrlso
de indizível bondade. Junto de estranhos, . ua l ndên ia a se
mostrar distraído, e talvez mais ainda :1 c ns iê ncia dessa . ua
inclinação, faziam-no parecer de certa forma constrangido;
efeito talvez aumentado pelas idéias especulativas de decoro
que seus hábitos de recluso tendiam, ao mesmo tempo, a
aperfeiçoar em sua concepção, e a diminuir seu poder de
percepção. Jamais posou para um retrato, embora o meda-
lhão de Tassie dê uma idéia precisa do seu perfil e da ex-
pressão geral de seu semblanr .
Sua valiosa biblioteca, junto om o resto de seus bens, foi
legada a seu primo Sr. David Do tglas, advogado. Muito de
seu tempo livre empregou educa ndo esse jovem cavalheiro; e
só dois anos antes de morrer (p is lhe custava privar-se do
prazer de sua ompanhia), envi u-o para estudar direito em
Glasgow, aos ·uidaclo do r. Millar, maior prova que podia
dar de seu desinteressado zelo p lo aprimorame nto do amig ,
e estima que devotava à capacidade do eminente professor.
Os executores de seu testamento foram o Dr. Black e o
Dr. Hutton, com quem por longo tempo vivera na mais ínti-
ma e cordial amizade, e que, aos muitos outros testemunhos
que tinham dado de seu afeto, acrescentaram o pesaroso ofí-
cio de testemunhar seus últim s momentos.

• Cotejou-se a tradução para o português à versão em espanhol (Teo-


ría de tos sentimientos morates, trad. Edmundo O'Gorman, Pá nuco, México,
1941). Esta última, no entanto, é bastante incompleta. (N. da R. T.)
TEORIA DOS SEN11MENTOS MORAIS
LXXXII
singularidade da ·oml ina · entr o pod res do raciocínio
e da eloqüência (U ', n :seus s rito po líticos e morais, por
muito tempo conquistaram a admiração da Eur pa.
Em sua forma externa e aparência, nada havia de inco- TEORIA DOS
mum. Quando perfeitamente à vontade, e entusiasmado pela
conversa, seus gestos se tornavam animados, e não deixa- SENTIMENTOS MORAIS*
vam de ter certa graça; em companhia daqueles a quem ama-
va, muitas vezes seus traços eram ilurni.nad s por um -o rrlso
de indizível bondade. Junto de estranhos, . ua l ndên ia a se
mostrar distraído, e talvez mais ainda :1 c ns iê ncia dessa . ua
inclinação, faziam-no parecer de certa forma constrangido;
efeito talvez aumentado pelas idéias especulativas de decoro
que seus hábitos de recluso tendiam, ao mesmo tempo, a
aperfeiçoar em sua concepção, e a diminuir seu poder de
percepção. Jamais posou para um retrato, embora o meda-
lhão de Tassie dê uma idéia precisa do seu perfil e da ex-
pressão geral de seu semblanr .
Sua valiosa biblioteca, junto om o resto de seus bens, foi
legada a seu primo Sr. David Do tglas, advogado. Muito de
seu tempo livre empregou educa ndo esse jovem cavalheiro; e
só dois anos antes de morrer (p is lhe custava privar-se do
prazer de sua ompanhia), envi u-o para estudar direito em
Glasgow, aos ·uidaclo do r. Millar, maior prova que podia
dar de seu desinteressado zelo p lo aprimorame nto do amig ,
e estima que devotava à capacidade do eminente professor.
Os executores de seu testamento foram o Dr. Black e o
Dr. Hutton, com quem por longo tempo vivera na mais ínti-
ma e cordial amizade, e que, aos muitos outros testemunhos
que tinham dado de seu afeto, acrescentaram o pesaroso ofí-
cio de testemunhar seus últim s momentos.

• Cotejou-se a tradução para o português à versão em espanhol (Teo-


ría de tos sentimientos morates, trad. Edmundo O'Gorman, Pá nuco, México,
1941). Esta última, no entanto, é bastante incompleta. (N. da R. T.)
PRIMEIRA PARTE

DA CONVENIÊNCIA DA AÇÃO
PRIMEIRA PARTE

DA CONVENIÊNCIA DA AÇÃO
SEÇÃO I

Do senso de conveniência"

CAPÍTULO I
Da simpatia

Por mais egoísta qu ' se supo nbá homem evid nte-


ment ·há alguns princípio · em sua nattlreza que o f~tzem in-
tt:ressar-se pe la sorte de outros , e cons idern r <1 fe licidade d -
les necessária para si mesmo, embora nada extraia disso se-
não o prazer d assistir a b . De:;sa espéd - ; a pieda le, tl
ompaixão. emo ão que sentlmos ante a desgra ·a dQ
t.ros, q uer quando a v "'mos, u r quando somo- 1evad a
imaginá ~la de modo mu it viv . É fato óbvio demais para
pre isa r cr ·omprovad >, que freqüentem me lkamos triste!i
com a tristeza alheia; pois esse sentimento, bem como todas
as outras paixões or i g in ~is da natureza humana , de modo al-
gum se limita aos virtu sos e humanitários, embora estes tal-
vez a sintam com uma sensibilidade mais delicada. O maior
rufião , o mais empedernido infrator das leis da sociedade,
não é totalmente desprovido desse sentimento .
Como não temos experiência imediata do que outros ho-
mens sentem, somente podemos formar uma idéia da manei-

nut r emprega h: rmo "prop riety". qu· :1qui sign n<'~ •·atJequa~· il.o ,
conveniência, <k:curo, lcgirlmi lttdc'. É diverso de ''prupcrty", isLO ·, 11 p ro-
f) rkdctdc como direito li b •ns, cmbom 1,0 .~él"ll lo XV II ·1s duas p:ilavms fo-~­
s ' 111 utlU:atdn · In li crimim1 hunente, derm1.1ndu os mesmos ubjctos. PUJta n-
1 , para evitar ambigilldade, poucas vezes tJ~ J duzlu -sc "propricly'' ·onu
'' propri '<!:Ide". ( • ua T. e da R. T.)
SEÇÃO I

Do senso de conveniência"

CAPÍTULO I
Da simpatia

Por mais egoísta qu ' se supo nbá homem evid nte-


ment ·há alguns princípio · em sua nattlreza que o f~tzem in-
tt:ressar-se pe la sorte de outros , e cons idern r <1 fe licidade d -
les necessária para si mesmo, embora nada extraia disso se-
não o prazer d assistir a b . De:;sa espéd - ; a pieda le, tl
ompaixão. emo ão que sentlmos ante a desgra ·a dQ
t.ros, q uer quando a v "'mos, u r quando somo- 1evad a
imaginá ~la de modo mu it viv . É fato óbvio demais para
pre isa r cr ·omprovad >, que freqüentem me lkamos triste!i
com a tristeza alheia; pois esse sentimento, bem como todas
as outras paixões or i g in ~is da natureza humana , de modo al-
gum se limita aos virtu sos e humanitários, embora estes tal-
vez a sintam com uma sensibilidade mais delicada. O maior
rufião , o mais empedernido infrator das leis da sociedade,
não é totalmente desprovido desse sentimento .
Como não temos experiência imediata do que outros ho-
mens sentem, somente podemos formar uma idéia da manei-

nut r emprega h: rmo "prop riety". qu· :1qui sign n<'~ •·atJequa~· il.o ,
conveniência, <k:curo, lcgirlmi lttdc'. É diverso de ''prupcrty", isLO ·, 11 p ro-
f) rkdctdc como direito li b •ns, cmbom 1,0 .~él"ll lo XV II ·1s duas p:ilavms fo-~­
s ' 111 utlU:atdn · In li crimim1 hunente, derm1.1ndu os mesmos ubjctos. PUJta n-
1 , para evitar ambigilldade, poucas vezes tJ~ J duzlu -sc "propricly'' ·onu
'' propri '<!:Ide". ( • ua T. e da R. T.)
8 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 9
Piedade e compaixão são palavras que com proprieda- sugere a idéia geral de alguma boa ou má sorte que sucedeu
de denotam nossa solidariedade pelo sofrimento alheio. Sim- à pessoa em quem as o bse rva m.o s, e, tratando-se dessas pai-
patia, embora talvez origina lmente sua signi~icação ~osse a xões, isso é suficiente par, ex: r ·er alguma influência sobre
mesma, pode agora ser usa da, sem grande tmpr~p:te~ade, nós. Os efeitos de dor e alegria se esgotam na pessoa que
para denotar nossa solidariedade orn qualquer p~txao . experimenta essas emoções, cujas expressões não nos suge-
Em algumas ocasiões, a in11 a[! a parece surgtr da mera rem, como as de ressentimento, a idéia de nenhuma outra
visão de certa emoção em outra pessoa. Em algumas oca- pessoa com a qual nos importamos, e cujos interesses sejam
siões as paix s parecerão Lrans fuodidas de um homem a opostos aos desta. A idéia geral de boa ou má sorte cria, por-
outr~ insta ntaneamente, pr vJame nle a qualquer conheci- tanto, certa preocupação com a pessoa que as experimen-
mento do que as estimulou na pessoa primeiramente atingi- tou; mas a idéia geral de insulto não suscita simpatia para
da. Dor e alegria, por exemplo, intensamente expressas no com a ira do homem que foi insultado. Parece que a nature-
olhar ou gestos de qualquer pessoa, imediatamente afetam o za nos ensina a sermos mais avessos a partilhar dessa pai-
espectador com uma semelhante emoção d~loros_a ou ag~a­ xão, e, até sermos informados de sua causa, a preferir, antes,
dável. Um rosto sorridente, para os que o veem, e um obJe- tomar partido contra ela.
to que alegra; um semblante sofredor, de outro lado, é me- Até mesmo nossa simpatia pela dor ou alegria de ou-
lancólico. trem, antes de sermos informados das causas de uma ou outra
Todavia, isso não é universalmente válido, ou válido para é sempre muito imperfeita. Lamentações genéricas, que nada
todas as paixões. Existem algumas cujas expressões n_ào ~xo­ expressam senão a angústia do sofredor, criam mais curiosi-
vocam nenhum tipo de simpatia, mas, antes de nos tnte u·ar- dade de investigar sua situação, junto com alguma disposi-
mos do que as ocasionou, servem mais para nos provocar ção de simpatizar com ele, do que uma verdadeira simpatia
aversão e incitar contra elas. O compottamento furioso de um bastante perceptível. A primeira pergunta que fazemos é: O
homem irado provavelmente tende a nos exasperar mais con- que lhe aconteceu? Até que obtenhamos a resposta, nossa
tra ele do que contra seus inimigos. Como não estamos a par
solidariedade não será de muita monta, a despeito da inquie-
dos motivos que o provocaram, não podemos fazer nosso o
tação que sentimos pela vaga idéia de seu infortúnio e, so-
seu caso nem conceber nada parecido com as paixões que
bretudo, por nos torturarmos com conjeturas sobre o que po-
esses mdtivos excitam. Mas vemos claramente qual a situação
deria ser.
daqueles com os quais está irado, e a que_ ~iol~ncia eles po-
Por conseguinte, a simpatia não surge tanto de contem-
dem estar expostos, de parte de um adversano tao enfureCld~.
plar a paixão, como da situação que a provoca. Às vezes
Por isso, prontamente simpatizamos com o medo ou resse?tl-
mento deles, e imediatamente nos dispomos a tomar parttdo sentimos por outra pessoa uma paixão da qual ela parece
contra o homem que aparentemente os põe em perigo. totalmente incapaz; porque, quando nos colocamos em seu
Se a mera aparência de dor e alegria bastam para nos lugar, essa paixão que brota em nosso peito se origina da
inspirar algum grau de emoções semelhantes, é porque nos imaginação, embora no dele não se origine da realidade. Co-
ramos pelo despudor e rudeza de outra pessoa, embora ela
mesma pareça nem suspeitar da impropriedade de seu com-
• Raphael e Macfie, editores de Teorfl~ dos sen tlme,1 ~/CI. morc1is (O~;ord, portamento, uma vez que não podemos evitar de sentir que
1976), observam a necessidade de se respeitar essa lcft mçno ampla de sun- constrangimento nos invadiria se nos portássemos de manei-
patia". Assim se evita o equívoco de igualar simpaú:l e benevolencm e: por
extensão de inferir que a Teoria dos sentime11.tus momts trata do altrUJsmo
ra tão indigna.
da condi~ào humana, ao passo que A riqueza das nações considera o egoís- De todas as calamidades às quais a condição de mortali-
mo. (N. da R. T.) dade expõe a espécie humana, a perda da razão de longe
8 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 9
Piedade e compaixão são palavras que com proprieda- sugere a idéia geral de alguma boa ou má sorte que sucedeu
de denotam nossa solidariedade pelo sofrimento alheio. Sim- à pessoa em quem as o bse rva m.o s, e, tratando-se dessas pai-
patia, embora talvez origina lmente sua signi~icação ~osse a xões, isso é suficiente par, ex: r ·er alguma influência sobre
mesma, pode agora ser usa da, sem grande tmpr~p:te~ade, nós. Os efeitos de dor e alegria se esgotam na pessoa que
para denotar nossa solidariedade orn qualquer p~txao . experimenta essas emoções, cujas expressões não nos suge-
Em algumas ocasiões, a in11 a[! a parece surgtr da mera rem, como as de ressentimento, a idéia de nenhuma outra
visão de certa emoção em outra pessoa. Em algumas oca- pessoa com a qual nos importamos, e cujos interesses sejam
siões as paix s parecerão Lrans fuodidas de um homem a opostos aos desta. A idéia geral de boa ou má sorte cria, por-
outr~ insta ntaneamente, pr vJame nle a qualquer conheci- tanto, certa preocupação com a pessoa que as experimen-
mento do que as estimulou na pessoa primeiramente atingi- tou; mas a idéia geral de insulto não suscita simpatia para
da. Dor e alegria, por exemplo, intensamente expressas no com a ira do homem que foi insultado. Parece que a nature-
olhar ou gestos de qualquer pessoa, imediatamente afetam o za nos ensina a sermos mais avessos a partilhar dessa pai-
espectador com uma semelhante emoção d~loros_a ou ag~a­ xão, e, até sermos informados de sua causa, a preferir, antes,
dável. Um rosto sorridente, para os que o veem, e um obJe- tomar partido contra ela.
to que alegra; um semblante sofredor, de outro lado, é me- Até mesmo nossa simpatia pela dor ou alegria de ou-
lancólico. trem, antes de sermos informados das causas de uma ou outra
Todavia, isso não é universalmente válido, ou válido para é sempre muito imperfeita. Lamentações genéricas, que nada
todas as paixões. Existem algumas cujas expressões n_ào ~xo­ expressam senão a angústia do sofredor, criam mais curiosi-
vocam nenhum tipo de simpatia, mas, antes de nos tnte u·ar- dade de investigar sua situação, junto com alguma disposi-
mos do que as ocasionou, servem mais para nos provocar ção de simpatizar com ele, do que uma verdadeira simpatia
aversão e incitar contra elas. O compottamento furioso de um bastante perceptível. A primeira pergunta que fazemos é: O
homem irado provavelmente tende a nos exasperar mais con- que lhe aconteceu? Até que obtenhamos a resposta, nossa
tra ele do que contra seus inimigos. Como não estamos a par
solidariedade não será de muita monta, a despeito da inquie-
dos motivos que o provocaram, não podemos fazer nosso o
tação que sentimos pela vaga idéia de seu infortúnio e, so-
seu caso nem conceber nada parecido com as paixões que
bretudo, por nos torturarmos com conjeturas sobre o que po-
esses mdtivos excitam. Mas vemos claramente qual a situação
deria ser.
daqueles com os quais está irado, e a que_ ~iol~ncia eles po-
Por conseguinte, a simpatia não surge tanto de contem-
dem estar expostos, de parte de um adversano tao enfureCld~.
plar a paixão, como da situação que a provoca. Às vezes
Por isso, prontamente simpatizamos com o medo ou resse?tl-
mento deles, e imediatamente nos dispomos a tomar parttdo sentimos por outra pessoa uma paixão da qual ela parece
contra o homem que aparentemente os põe em perigo. totalmente incapaz; porque, quando nos colocamos em seu
Se a mera aparência de dor e alegria bastam para nos lugar, essa paixão que brota em nosso peito se origina da
inspirar algum grau de emoções semelhantes, é porque nos imaginação, embora no dele não se origine da realidade. Co-
ramos pelo despudor e rudeza de outra pessoa, embora ela
mesma pareça nem suspeitar da impropriedade de seu com-
• Raphael e Macfie, editores de Teorfl~ dos sen tlme,1 ~/CI. morc1is (O~;ord, portamento, uma vez que não podemos evitar de sentir que
1976), observam a necessidade de se respeitar essa lcft mçno ampla de sun- constrangimento nos invadiria se nos portássemos de manei-
patia". Assim se evita o equívoco de igualar simpaú:l e benevolencm e: por
extensão de inferir que a Teoria dos sentime11.tus momts trata do altrUJsmo
ra tão indigna.
da condi~ào humana, ao passo que A riqueza das nações considera o egoís- De todas as calamidades às quais a condição de mortali-
mo. (N. da R. T.) dade expõe a espécie humana, a perda da razão de longe
10 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 11

parece a mais terrível, mesmo para os que possuem a menor agora que estão em perigo de ser esquecidos por todos, e,
fagulha de humanidade, e contemplam esse último estágio de com as vãs honrarias que prestamos à sua memória, tenta-
desgraça humana com comiseração mais profunda do que mos, para nossa própria infelicidade, manter viva, artificial-
qualquer outro. Mas o pobre desgraçado que dela padece tal- mente, nossa melancólica lembrança de seu infortúnio. o
vez ria e cante, e esteja totalmente inconsciente de seu pró- fato de nossa solidariedade não lhes dar nenhum consolo
prio infortúnio. A angústia que a humanidade sente à vista de parece agravar essa calamidade; e pensar que tudo o que
tal objeto não pode, pois, ser reflexo de nenhum sentimento podemos fazer é inútil, e que aquilo que alivia todas as de-
do s9fredor. A compaixão do espectador tem de surgir da mais aflições - o remorso, o amor, e os lamentos de seus
consideração do que ele próprio sentiria se fosse reduzido à amigos - já não os pode confortar, serve apenas para inten-
mesma infeliz situação, e, o que talvez seja impossível, se sificar nossa sénsação e sua desgraça. Porém, a felicidade dos
pudesse, ao mesmo tempo, analisá-la com sua atual razão e mortos certamente não é afetada por nenhuma dessas cir-
julgamento. cunstâncias; nem o pensamento dessas coisas poderá jamais
Quais as dores de uma mãe quando ouve os gemidos de perturbar a profunda segurança de seu descanso. A idéia
seu filhinho que, na agonia da enfermidade, não consegue dessa terrível e interminável melancolia, que a imaginação
expressar o que sente? Na sua idéia do que a criança está naturalmente atribui à sua condição, origina-se de associar-
sofrendo, ela soma ao real desamparo da criança sua própria mos, à mudança que se produziu sobre eles, nossa própria
consciência desse desamparo, e seu próprio terror das conse- consciência dessa mudança; origina-se de nos colocarmos
qüências desconhecidas dessa perturbação; e de tudo isso em seu lugar, e, se me permitem a expressão, de alojarmos
forma, para sua própria dor, a mais completa imagem da des- nossas almas vivas em seus corpos inanimados, concebendo,
graça e da aflição. O bebê, entretanto, sente apenas o des- assim, quais seriam nossas emoções nesse caso. É por essa
conforto do momento presente, que nunca pode ser muito verdadeira ilusão da imaginação que se torna tão terrível
grande. Quanto ao futuro, ele está perfeitamente seguro, e para nós a previsão de nossa própria morte, e que a idéia
em sua despreocupação e falta de previsão possui um antído- dessas circunstâncias, que sem dúvida não podem nos cau-
to contra o medo e a ansiedade, grandes atormentadores do sar dor quando estivermos mortos, nos torna desgraçados
peito humano, dos quais a razão e a filosofia tentarão, em enquanto vivemos. E daí nasce um dos mais importantes
vão, defendê-lo quando se tornar um homem. princípios da natureza humana, o terror da morte - grande
Simpatizamos até mesmo com os mortos, e contemplan- veneno da felicidade, mas grande freio da injustiça humana;
do o que é de real importância em sua situação - esse terrí- que, se de um lado aflige e mortifica o indivíduo, guarda e
vel futuro que os aguarda -, principalmente nos afetam aque- protege a sociedade.
las circunstâncias que chocam nossos sentidos, mas que em
nada podem influenciar sua felicidade . Pensamos que é uma
desgraça ser privado da luz do sol; ser afastado da vida e do CAPÍTULO II
conví~io; jazer numa fria sepultura, presa da corrupção e dos Do prazer da simpatia mútua
répteis da terra; não ser mais lembrado neste mundo, mas,
ao contrário, em pouco tempo ser apagado das afeições e Mas, seja qual for a causa da simpatia, ou do que a pro-
quase da memória dos mais amados amigos e parentes. Cer- voca, nada nos agrada mais do que observar em outros ho-
tamente, imaginamos, jamais será excessivo lamentar por mens uma solidariedade com todas as emoções de nosso
aqueles que sofreram uma tão terrível calamidade. O tributo próprio peito; e nada nos choca mais do que a aparência do
de nossa solidariedade parece ser-lhes duplamente devido, contrário. Aqueles que se comprazem em deduzir todos os
10 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 11

parece a mais terrível, mesmo para os que possuem a menor agora que estão em perigo de ser esquecidos por todos, e,
fagulha de humanidade, e contemplam esse último estágio de com as vãs honrarias que prestamos à sua memória, tenta-
desgraça humana com comiseração mais profunda do que mos, para nossa própria infelicidade, manter viva, artificial-
qualquer outro. Mas o pobre desgraçado que dela padece tal- mente, nossa melancólica lembrança de seu infortúnio. o
vez ria e cante, e esteja totalmente inconsciente de seu pró- fato de nossa solidariedade não lhes dar nenhum consolo
prio infortúnio. A angústia que a humanidade sente à vista de parece agravar essa calamidade; e pensar que tudo o que
tal objeto não pode, pois, ser reflexo de nenhum sentimento podemos fazer é inútil, e que aquilo que alivia todas as de-
do s9fredor. A compaixão do espectador tem de surgir da mais aflições - o remorso, o amor, e os lamentos de seus
consideração do que ele próprio sentiria se fosse reduzido à amigos - já não os pode confortar, serve apenas para inten-
mesma infeliz situação, e, o que talvez seja impossível, se sificar nossa sénsação e sua desgraça. Porém, a felicidade dos
pudesse, ao mesmo tempo, analisá-la com sua atual razão e mortos certamente não é afetada por nenhuma dessas cir-
julgamento. cunstâncias; nem o pensamento dessas coisas poderá jamais
Quais as dores de uma mãe quando ouve os gemidos de perturbar a profunda segurança de seu descanso. A idéia
seu filhinho que, na agonia da enfermidade, não consegue dessa terrível e interminável melancolia, que a imaginação
expressar o que sente? Na sua idéia do que a criança está naturalmente atribui à sua condição, origina-se de associar-
sofrendo, ela soma ao real desamparo da criança sua própria mos, à mudança que se produziu sobre eles, nossa própria
consciência desse desamparo, e seu próprio terror das conse- consciência dessa mudança; origina-se de nos colocarmos
qüências desconhecidas dessa perturbação; e de tudo isso em seu lugar, e, se me permitem a expressão, de alojarmos
forma, para sua própria dor, a mais completa imagem da des- nossas almas vivas em seus corpos inanimados, concebendo,
graça e da aflição. O bebê, entretanto, sente apenas o des- assim, quais seriam nossas emoções nesse caso. É por essa
conforto do momento presente, que nunca pode ser muito verdadeira ilusão da imaginação que se torna tão terrível
grande. Quanto ao futuro, ele está perfeitamente seguro, e para nós a previsão de nossa própria morte, e que a idéia
em sua despreocupação e falta de previsão possui um antído- dessas circunstâncias, que sem dúvida não podem nos cau-
to contra o medo e a ansiedade, grandes atormentadores do sar dor quando estivermos mortos, nos torna desgraçados
peito humano, dos quais a razão e a filosofia tentarão, em enquanto vivemos. E daí nasce um dos mais importantes
vão, defendê-lo quando se tornar um homem. princípios da natureza humana, o terror da morte - grande
Simpatizamos até mesmo com os mortos, e contemplan- veneno da felicidade, mas grande freio da injustiça humana;
do o que é de real importância em sua situação - esse terrí- que, se de um lado aflige e mortifica o indivíduo, guarda e
vel futuro que os aguarda -, principalmente nos afetam aque- protege a sociedade.
las circunstâncias que chocam nossos sentidos, mas que em
nada podem influenciar sua felicidade . Pensamos que é uma
desgraça ser privado da luz do sol; ser afastado da vida e do CAPÍTULO II
conví~io; jazer numa fria sepultura, presa da corrupção e dos Do prazer da simpatia mútua
répteis da terra; não ser mais lembrado neste mundo, mas,
ao contrário, em pouco tempo ser apagado das afeições e Mas, seja qual for a causa da simpatia, ou do que a pro-
quase da memória dos mais amados amigos e parentes. Cer- voca, nada nos agrada mais do que observar em outros ho-
tamente, imaginamos, jamais será excessivo lamentar por mens uma solidariedade com todas as emoções de nosso
aqueles que sofreram uma tão terrível calamidade. O tributo próprio peito; e nada nos choca mais do que a aparência do
de nossa solidariedade parece ser-lhes duplamente devido, contrário. Aqueles que se comprazem em deduzir todos os
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 13
12
nossos sentimentos de certas sutilezas do amor de si julgam cio nos decepciona. Mas, embora isso possa contribuir tanto
que ruo :; quivocam, segund seus próprl s prindpi . , ao para o prazer que tiramos de uma como para a dor que ex-
responsal ili7..a rem-no ~:anto por esse prazer orno por essa dor. perimentamos pela outra, não é, em absoluto, a única causa
O homem, dizem, onscientc de sua própria fraqueza e de um e outro; e essa reciprocidade dos sentimentos alheios
da necessidade que tem da ajuda de outros, regozija-se ao com os nossos parece ser a causa do prazer, e sua ausência,
observar que adotam suas próprias paixões, porque isso o a causa de dor, o que não pode ser explicado dessa manei-
assegura dessa ajuda; mas sente-se triste sempre que observa ra. A simpatia que meus amigos expressam pela minha ale-
o contrário, porque isso o certifica de sua oposição•. Toda- gria pode de fato proporcionar-me prazer, reanimando essa
via, tanto o prazer quanto a dor são sempre sentidos tão ins- alegria; mas a que expressam com relação à minha dor não
tantaneamente, e com freqüência por motivos tão frívolos, pode me causar nenhum, se serviu apenas para reavivar essa
que parece evidente que não poderiam resultar de nenhuma dor. Porém, a simpatia reaviva a alegria e alivia a dor. Reavi-
consideração egoísta desse tipo. Um homem se sente morti- va a alegria apresentando outra fonte de satisfação; e alivia a
ficado quando, depois de se ter esforçado para divertir a reu- dor insinuando, no coração, quase a única sensação agradá-
nião, olha em torno e vê que ninguém, senão ele próprio, ri vel que nesse momento é capaz de receber.
de suas graças. Ao contrário, a jovialidade do grupo lhe agra- Deve-se observar, com efeito, que desejamos muito
da muitíssimo, e considera essa reciprocidade entre os seus mais comunicar aos amigos nossas paixões desagradáveis
sentimentos e os deles como o mais caloroso aplauso. do que as agradáveis; que extraímos muito mais satisfação
Tampouco seu prazer parece originar-se inteiramente da de sua simpatia para com as primeiras do que com as últi-
vivacidade com que sua jovialidade se vê aumentada pela mas, e que a ausência desta nos choca mais que a daquelas.
simpatia dos outros, nem sua dor brota da decepção quando Como ficam aliviados os infelizes quando encontram
lhe falta esse prazer, embora sem dúvida um e outro sejam uma pessoa a quem podem comunicar a causa de sua dor!
em alguma medida relevantes. Quando lemos um livro ou Com essa simpatia parecem livrar-se de parte de sua aflição;
poema tantas vezes que já não nos divertimos mais nem um e não sem razão se diz que essa pessoa partilha dela. Não
pouco lendo-o sozinhos, sua leitura ainda pode nos divertir apenas sente uma dor da mesma espécie que ele sente, mas
em companhia de um outro. Para este, terá todas as graças é como se houvesse transposto parte dela para si própria; o
ela novidade; partilharemos da surpresa e admiração que na- que ela experimenta parece aliviar o peso do que eles sen-
turalmente desperta nessa pessoa, mas que nós somos inca- tem. Não obstante, ao relatarem seus infortúnios, renovam
pazes de sentir; apreciamos todas as idéias que vão surgindo, em alguma medida sua dor. Desperta na memória a lem-
mais sob a luz em que aparecem a ele do que sob aquela em brança das circunstâncias que provocam sua aflição. De mo-
que aparecem para nós, e nos divertimos por simpatia para do que suas lágrimas correm mais rápidas que antes, e com
com a sua diversão, que então anima a nossa. Ao contrário, facilidade se abandonam aos excessos do sofrimento. Mas
ficaríamos vexados se ele não parecesse entretido com isso, em tudo isso têm algum gosto, e é evidente que ficam sensi-
e não retiraríamos mais nenhum prazer da leitura. Trata-se velmente aliviados; porque a doçura da simpatia dessa pes-
de um caso semelhante. A jovialidade da reunião sem dúvi- soa mais do que compensa a amargura dessa dor que, a fim
da anima a nossa própria; e, sem dúvida também, seu silên- de provocar essa simpatia, tiveram de reavivar e renovar. Ao
contrário, o mais cruel insulto com que se pode ofender os
infelizes é parecer desdenhar suas calamidades. Aparentar
• É provável que Smith se esteja referindo a Hobbes e Mancleville, de-
fensores, segundo o Autor, de que todo sentimento deriva do amor de si.
indiferença ante a alegria de nossos companheiros nada mais
(N. da R. T.) é que falta de educação; mas não mostrar um semblante gra-
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 13
12
nossos sentimentos de certas sutilezas do amor de si julgam cio nos decepciona. Mas, embora isso possa contribuir tanto
que ruo :; quivocam, segund seus próprl s prindpi . , ao para o prazer que tiramos de uma como para a dor que ex-
responsal ili7..a rem-no ~:anto por esse prazer orno por essa dor. perimentamos pela outra, não é, em absoluto, a única causa
O homem, dizem, onscientc de sua própria fraqueza e de um e outro; e essa reciprocidade dos sentimentos alheios
da necessidade que tem da ajuda de outros, regozija-se ao com os nossos parece ser a causa do prazer, e sua ausência,
observar que adotam suas próprias paixões, porque isso o a causa de dor, o que não pode ser explicado dessa manei-
assegura dessa ajuda; mas sente-se triste sempre que observa ra. A simpatia que meus amigos expressam pela minha ale-
o contrário, porque isso o certifica de sua oposição•. Toda- gria pode de fato proporcionar-me prazer, reanimando essa
via, tanto o prazer quanto a dor são sempre sentidos tão ins- alegria; mas a que expressam com relação à minha dor não
tantaneamente, e com freqüência por motivos tão frívolos, pode me causar nenhum, se serviu apenas para reavivar essa
que parece evidente que não poderiam resultar de nenhuma dor. Porém, a simpatia reaviva a alegria e alivia a dor. Reavi-
consideração egoísta desse tipo. Um homem se sente morti- va a alegria apresentando outra fonte de satisfação; e alivia a
ficado quando, depois de se ter esforçado para divertir a reu- dor insinuando, no coração, quase a única sensação agradá-
nião, olha em torno e vê que ninguém, senão ele próprio, ri vel que nesse momento é capaz de receber.
de suas graças. Ao contrário, a jovialidade do grupo lhe agra- Deve-se observar, com efeito, que desejamos muito
da muitíssimo, e considera essa reciprocidade entre os seus mais comunicar aos amigos nossas paixões desagradáveis
sentimentos e os deles como o mais caloroso aplauso. do que as agradáveis; que extraímos muito mais satisfação
Tampouco seu prazer parece originar-se inteiramente da de sua simpatia para com as primeiras do que com as últi-
vivacidade com que sua jovialidade se vê aumentada pela mas, e que a ausência desta nos choca mais que a daquelas.
simpatia dos outros, nem sua dor brota da decepção quando Como ficam aliviados os infelizes quando encontram
lhe falta esse prazer, embora sem dúvida um e outro sejam uma pessoa a quem podem comunicar a causa de sua dor!
em alguma medida relevantes. Quando lemos um livro ou Com essa simpatia parecem livrar-se de parte de sua aflição;
poema tantas vezes que já não nos divertimos mais nem um e não sem razão se diz que essa pessoa partilha dela. Não
pouco lendo-o sozinhos, sua leitura ainda pode nos divertir apenas sente uma dor da mesma espécie que ele sente, mas
em companhia de um outro. Para este, terá todas as graças é como se houvesse transposto parte dela para si própria; o
ela novidade; partilharemos da surpresa e admiração que na- que ela experimenta parece aliviar o peso do que eles sen-
turalmente desperta nessa pessoa, mas que nós somos inca- tem. Não obstante, ao relatarem seus infortúnios, renovam
pazes de sentir; apreciamos todas as idéias que vão surgindo, em alguma medida sua dor. Desperta na memória a lem-
mais sob a luz em que aparecem a ele do que sob aquela em brança das circunstâncias que provocam sua aflição. De mo-
que aparecem para nós, e nos divertimos por simpatia para do que suas lágrimas correm mais rápidas que antes, e com
com a sua diversão, que então anima a nossa. Ao contrário, facilidade se abandonam aos excessos do sofrimento. Mas
ficaríamos vexados se ele não parecesse entretido com isso, em tudo isso têm algum gosto, e é evidente que ficam sensi-
e não retiraríamos mais nenhum prazer da leitura. Trata-se velmente aliviados; porque a doçura da simpatia dessa pes-
de um caso semelhante. A jovialidade da reunião sem dúvi- soa mais do que compensa a amargura dessa dor que, a fim
da anima a nossa própria; e, sem dúvida também, seu silên- de provocar essa simpatia, tiveram de reavivar e renovar. Ao
contrário, o mais cruel insulto com que se pode ofender os
infelizes é parecer desdenhar suas calamidades. Aparentar
• É provável que Smith se esteja referindo a Hobbes e Mancleville, de-
fensores, segundo o Autor, de que todo sentimento deriva do amor de si.
indiferença ante a alegria de nossos companheiros nada mais
(N. da R. T.) é que falta de educação; mas não mostrar um semblante gra-
14 TEORiA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 15
ve quando nos contam suas aflições é verdadeira e grossei- chamamo-la de pusilanimidade e fraqueza . Por outro lado,
ra desumanidade. impacienta-nos ver outra pessoa feliz ou, por assim dizer, eu-
O amor é uma paixão agradável e o ressentimento, de- fórica demais, por qualquer bocadinho de boa sorte. Fica-
sagradável: e, por isso, não desejamos tanto que nossos ami- mos até mesmo desobrigados em relação à sua felicidade; e, i
gos aceitem nossa amizade mas que partilhem de nossos res- como não conseguimos partilhar dela, chamamo-la de velei- '
sentimentos. Podemos perdoar os que demonstrem pouco inte- dade e desatino. Perdemos o humor se nossos companheiros
resse pelos favores que possamos ter recebido, mas perdemos riem de uma piada mais alto ou por mais tempo do que jul-
toda a paciência se permanecem indiferentes quanto às ofen- gamos que ela mereça; quer dizer, mais do que sentimos que
sas que alguém possa ter-nos causado e não ficamos tão zan- nós seríamos capazes de rir dela.
gados com eles por não pattilbarem de nossa gratidão quanto
por não se solidarizarem com nosso ressentimento. Podem fa-
cilmente evitar de ser amigos de nossos amigos, mas dificil- CAPÍTULO III
mente podem evitar de ser inimigos daqueles de quem esta- Da maneira pela qual julgamos a conveniência ou
mos afastados. Raramente nos ressentimos porque são inimigos inconveniência dos afetos alheios, por sua consonância
dos primeiros, ainda que quanto a isso por vezes possamos ou dissonância em relação aos nossos
simular desgosto; mas brigamos energicamente se vivem em
amizade com os últimos. As paixões agradáveis do amor e fe- Quando as paixões da pessoa a quem principalmente
licidade podem satisfazer e amparar o coração sem qualquer concernem estão em perfeita consonância com as emoções
prazer auxiliar. As amargas e dolorosas emoções da dor e do solidárias do espectador, necessariamente parecem a este
ressentimento exigem mais fortemente o consolo saudável da último justas e próprias, adequadas aos seus objetos; e, ao
simpatia. contrário, quando, colocando-se no lugar dele, descobre que
Assim como a pessoa a quem mais interessa certo acon- não coincidem com o que sente, necessariamente lhe parecem
tecimento fica satisfeita com nossa simpat ia, e magoada quan- injustas e impróprias, inadequadas às causas que as susci-
do esta falta, assim também nós par ~c mos satisfeitos quando tam. Portanto, aprovar as paixões de um outro como ade- '
somos capazes de simpatizar com ela, e ficamos magoados quadas a seus objetos é o mesmo que observar que simpati- !
quando incapazes disso. Não apenas nos precipitamos para zamos inteiramente com elas; e não aprová-las como tal é o
parabenizar os bem sucedidos mas também para confortar mesmo que observar que não simpatizamos inteiramente ,
os aflitos; e o prazer que encontramos na conversa com al- com elas. O homem que se ressente das ofensas que me in- .
guém, com cujas paixões do coração podemos simpatizar in- fligiram, e nota que me ressinto exatamente da mesma ma-
teiramente, pare e fazer mais do que compensar a dor da- neira que ele, necessariamente aprova meu ressentimento. O
quela infeli ·i lade ·om que nos afeta a vista da sua situação. homem cuja simpatia tem o mesmo ritmo da minha dor só
Ao conlrá rl o, é sempre desagradável perceber que não po- pode admitir que minha infelicidade é sensata. Quem admi-
demos ~ impatizar com ela; e, em vez de ficarmos contentes ra o mesmo poema ou mesmo quadro, e os admira exata-
com essa is n 'à < de uma dor solidária, machuca-nos ver que- mente como eu faço, certamente tem de admitir que minha
não consegu imos pa rrilh;u· do seu desconforto. Se ouvimos admiração é justa. Quem ri da mesma piada, e ri comigo,
uma pessoa lamentar em altas vozes seus infortúnios, que, não poderá negar que meu riso é adequado. Ao contrário, a
entretanto, não produzem em nós um efeito tão violento ao pessoa que, nessas diferentes ocasiões, ou não sente a mes-
pensarmos que essa situação poderia ser a nossa, sua dor ma emoção que experimento ou não sente nada proporcio-
nos é ofensiva; e, como não conseguimos experimentá-la, nal com o que experimento, não pode evitar de desaprovar
14 TEORiA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 15
ve quando nos contam suas aflições é verdadeira e grossei- chamamo-la de pusilanimidade e fraqueza . Por outro lado,
ra desumanidade. impacienta-nos ver outra pessoa feliz ou, por assim dizer, eu-
O amor é uma paixão agradável e o ressentimento, de- fórica demais, por qualquer bocadinho de boa sorte. Fica-
sagradável: e, por isso, não desejamos tanto que nossos ami- mos até mesmo desobrigados em relação à sua felicidade; e, i
gos aceitem nossa amizade mas que partilhem de nossos res- como não conseguimos partilhar dela, chamamo-la de velei- '
sentimentos. Podemos perdoar os que demonstrem pouco inte- dade e desatino. Perdemos o humor se nossos companheiros
resse pelos favores que possamos ter recebido, mas perdemos riem de uma piada mais alto ou por mais tempo do que jul-
toda a paciência se permanecem indiferentes quanto às ofen- gamos que ela mereça; quer dizer, mais do que sentimos que
sas que alguém possa ter-nos causado e não ficamos tão zan- nós seríamos capazes de rir dela.
gados com eles por não pattilbarem de nossa gratidão quanto
por não se solidarizarem com nosso ressentimento. Podem fa-
cilmente evitar de ser amigos de nossos amigos, mas dificil- CAPÍTULO III
mente podem evitar de ser inimigos daqueles de quem esta- Da maneira pela qual julgamos a conveniência ou
mos afastados. Raramente nos ressentimos porque são inimigos inconveniência dos afetos alheios, por sua consonância
dos primeiros, ainda que quanto a isso por vezes possamos ou dissonância em relação aos nossos
simular desgosto; mas brigamos energicamente se vivem em
amizade com os últimos. As paixões agradáveis do amor e fe- Quando as paixões da pessoa a quem principalmente
licidade podem satisfazer e amparar o coração sem qualquer concernem estão em perfeita consonância com as emoções
prazer auxiliar. As amargas e dolorosas emoções da dor e do solidárias do espectador, necessariamente parecem a este
ressentimento exigem mais fortemente o consolo saudável da último justas e próprias, adequadas aos seus objetos; e, ao
simpatia. contrário, quando, colocando-se no lugar dele, descobre que
Assim como a pessoa a quem mais interessa certo acon- não coincidem com o que sente, necessariamente lhe parecem
tecimento fica satisfeita com nossa simpat ia, e magoada quan- injustas e impróprias, inadequadas às causas que as susci-
do esta falta, assim também nós par ~c mos satisfeitos quando tam. Portanto, aprovar as paixões de um outro como ade- '
somos capazes de simpatizar com ela, e ficamos magoados quadas a seus objetos é o mesmo que observar que simpati- !
quando incapazes disso. Não apenas nos precipitamos para zamos inteiramente com elas; e não aprová-las como tal é o
parabenizar os bem sucedidos mas também para confortar mesmo que observar que não simpatizamos inteiramente ,
os aflitos; e o prazer que encontramos na conversa com al- com elas. O homem que se ressente das ofensas que me in- .
guém, com cujas paixões do coração podemos simpatizar in- fligiram, e nota que me ressinto exatamente da mesma ma-
teiramente, pare e fazer mais do que compensar a dor da- neira que ele, necessariamente aprova meu ressentimento. O
quela infeli ·i lade ·om que nos afeta a vista da sua situação. homem cuja simpatia tem o mesmo ritmo da minha dor só
Ao conlrá rl o, é sempre desagradável perceber que não po- pode admitir que minha infelicidade é sensata. Quem admi-
demos ~ impatizar com ela; e, em vez de ficarmos contentes ra o mesmo poema ou mesmo quadro, e os admira exata-
com essa is n 'à < de uma dor solidária, machuca-nos ver que- mente como eu faço, certamente tem de admitir que minha
não consegu imos pa rrilh;u· do seu desconforto. Se ouvimos admiração é justa. Quem ri da mesma piada, e ri comigo,
uma pessoa lamentar em altas vozes seus infortúnios, que, não poderá negar que meu riso é adequado. Ao contrário, a
entretanto, não produzem em nós um efeito tão violento ao pessoa que, nessas diferentes ocasiões, ou não sente a mes-
pensarmos que essa situação poderia ser a nossa, sua dor ma emoção que experimento ou não sente nada proporcio-
nos é ofensiva; e, como não conseguimos experimentá-la, nal com o que experimento, não pode evitar de desaprovar
TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 17
16
m LIS • nlimentos, por sua dissonância. om os ·us. e m u outro, e sentimos que é natural e adequado ao seu objeto; por-
ran r l!xccdcr àquilo a q te p > I ·orresponder a inclignaçào que, embora em nosso presente estado de espírito não pos-
tl, meu am.igo· se minha d r xceder àquil.o d ' qu é a tpaz samos facilmente partilhar dele, percebemos que na maioria
sua mais tern't ompaíxà ; s minha admiração for u le ma- das vezes o faríamos, entusiasticamente.
siado viva , u demasia I f1·ia para o rresp nde r ã dei ; se rir O mesmo ocorre freqüentemente com todas as outras
alto e animadam nte quand e l 'tpeoas sorri, ou, ao cont.rá- paixões. Um estranho passa por nós na rua, com todos os
1rio, apenas sorrir qua~do ele rir alto e a~ituadamente;_ em sinais da mais profunda aflição, e imediatamente dizem-nos
todos esses casos, ass1m que, tendo cons tderado o objeto, que ele acaba de receber a notícia da morte do pai. É impos-
ele passe a observar como me afeta, segundo houver maior sível, neste caso, não aprovarmos sua dor. Contudo, pode
ou menos des proporção entre os sentimentos dele e os meus, acontecer, não raro, sem que isso indique desumanidade de
incorrerei em grau maior ou menor na sua desaprovação; e, nossa parte, que, impossibilitados de participar da violência
em todas essas ocasiões, seus próprios sentimentos são os de sua dor, mal pudéssemos conceber os primeiros movi-
critérios e medidas pelos quais julga os meus. mentos de preocupação que o acompanham. Tanto ele quan-
Aprovar as opiniões de outro homem é adotar essas opi- to seu pai talvez nos sejam inteiramente desconhecidos, ou
niões, e adotá-las é aprová-las. Se os mesmos argumentos quem sabe estamos ocupados com outras coisas e não te-
que te convencem também me o.nvencem, ne ·es ariament nhamos tempo de representar em nossa imaginação as dife-
aprovo a LUa onvicção· s nã o fazem, neces ari mente a rentes circunstâncias dolorosas por que necessariamente pas-
reprovo· nem poss n b r que fa ''L wn' t o i a . em ~~ sa. A experiência nos ensinou, contudo, que um tal infortúnio
utra. Porta nto t d s admit m qu aprova r u d sa prova r a. naturalmente provoca tal grau de sofrimento; além disso,
opiniões de outros significa apenas obsetvar sua concordân- sabemos que, se nos detivéssemos em refletir plenamente, em
cia ou discordância com nossas próprias. Contudo, o mesmo todos os seus aspectos, sobre a situação do outro, sem dúvida
caso ocorre com relação a nossa aprovação ou desaprovação simpatizaríamos sinceramente com ele. É sobre a consciência
dos sentimentos ou paixões dos outros. . dessa simpatia condicional que se baseia nossa aprovação de
Há, com efeito, alguns casos em que parecemos aprovar, seu pesar, até mesmo nos casos em que essa simpatia não che-
sem nenhuma simpatia ou correspondência de sentimentos; ga a ocorrer de fato. Assim, as regras gerais deduzidas de nossa
e nos quais, conseqücntemenle, o sent.im nt de aprovação experiência anterior daquilo a que nossos sentimentos habi-
pareceria diferente da pe rcep ·ão dessa incidência. Não obs- tualmente corresponderiam corrigem, nessa e em muitas outras
1tante, um pouco de atenção nos convencerá de que, mesmo ocasiões, a inconveniência de nossas emoções momentâneas.
nesses casos, nossa aprovação se funda, em última instância, O sentimento ou afeto do coração, do qual procede
sobre uma simpatia ou correspondência desse tipo. Darei um qualquer ação, e do qual depende em última análise toda a
exemplo baseado em coisas muito frívolas, porque nelas os sua virtude ou vício, pode ser analisado sob dois diferentes
juízos dos homens correm menos o risco de se perverter por aspectos, ou segundo duas diferentes relações: primeiro, em
sistemas errôneos. Freqüentemente aprovamos uma piada, e relação às causas que o provocam, ou o motivo que o oca-
admitimos que o riso do outro é bastante justo e adequado, siona; e, em segundo lugar, em relação ao fim que propõe,
embora nós próprios não estejamos rindo, talvez por estar- ou o efeito que tende a produzir.
mos de mau humor, ou por estarmos distraídos com outros Na adequação ou inadequação, na proporção ou des-
objetos. A experiência nos ensinou, entretanto, que tipo de proporção que o afeto parece manter com relação à causa
diversão é normalmente mais capaz de nos fazer rir, e obser- ou objeto que o suscita, consiste a conveniência ou inconve- '
vamos que essa é uma delas. Por isso, aprovamos o riso do niência, a decência ou deselegância da ação conseqüente.
TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 17
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m LIS • nlimentos, por sua dissonância. om os ·us. e m u outro, e sentimos que é natural e adequado ao seu objeto; por-
ran r l!xccdcr àquilo a q te p > I ·orresponder a inclignaçào que, embora em nosso presente estado de espírito não pos-
tl, meu am.igo· se minha d r xceder àquil.o d ' qu é a tpaz samos facilmente partilhar dele, percebemos que na maioria
sua mais tern't ompaíxà ; s minha admiração for u le ma- das vezes o faríamos, entusiasticamente.
siado viva , u demasia I f1·ia para o rresp nde r ã dei ; se rir O mesmo ocorre freqüentemente com todas as outras
alto e animadam nte quand e l 'tpeoas sorri, ou, ao cont.rá- paixões. Um estranho passa por nós na rua, com todos os
1rio, apenas sorrir qua~do ele rir alto e a~ituadamente;_ em sinais da mais profunda aflição, e imediatamente dizem-nos
todos esses casos, ass1m que, tendo cons tderado o objeto, que ele acaba de receber a notícia da morte do pai. É impos-
ele passe a observar como me afeta, segundo houver maior sível, neste caso, não aprovarmos sua dor. Contudo, pode
ou menos des proporção entre os sentimentos dele e os meus, acontecer, não raro, sem que isso indique desumanidade de
incorrerei em grau maior ou menor na sua desaprovação; e, nossa parte, que, impossibilitados de participar da violência
em todas essas ocasiões, seus próprios sentimentos são os de sua dor, mal pudéssemos conceber os primeiros movi-
critérios e medidas pelos quais julga os meus. mentos de preocupação que o acompanham. Tanto ele quan-
Aprovar as opiniões de outro homem é adotar essas opi- to seu pai talvez nos sejam inteiramente desconhecidos, ou
niões, e adotá-las é aprová-las. Se os mesmos argumentos quem sabe estamos ocupados com outras coisas e não te-
que te convencem também me o.nvencem, ne ·es ariament nhamos tempo de representar em nossa imaginação as dife-
aprovo a LUa onvicção· s nã o fazem, neces ari mente a rentes circunstâncias dolorosas por que necessariamente pas-
reprovo· nem poss n b r que fa ''L wn' t o i a . em ~~ sa. A experiência nos ensinou, contudo, que um tal infortúnio
utra. Porta nto t d s admit m qu aprova r u d sa prova r a. naturalmente provoca tal grau de sofrimento; além disso,
opiniões de outros significa apenas obsetvar sua concordân- sabemos que, se nos detivéssemos em refletir plenamente, em
cia ou discordância com nossas próprias. Contudo, o mesmo todos os seus aspectos, sobre a situação do outro, sem dúvida
caso ocorre com relação a nossa aprovação ou desaprovação simpatizaríamos sinceramente com ele. É sobre a consciência
dos sentimentos ou paixões dos outros. . dessa simpatia condicional que se baseia nossa aprovação de
Há, com efeito, alguns casos em que parecemos aprovar, seu pesar, até mesmo nos casos em que essa simpatia não che-
sem nenhuma simpatia ou correspondência de sentimentos; ga a ocorrer de fato. Assim, as regras gerais deduzidas de nossa
e nos quais, conseqücntemenle, o sent.im nt de aprovação experiência anterior daquilo a que nossos sentimentos habi-
pareceria diferente da pe rcep ·ão dessa incidência. Não obs- tualmente corresponderiam corrigem, nessa e em muitas outras
1tante, um pouco de atenção nos convencerá de que, mesmo ocasiões, a inconveniência de nossas emoções momentâneas.
nesses casos, nossa aprovação se funda, em última instância, O sentimento ou afeto do coração, do qual procede
sobre uma simpatia ou correspondência desse tipo. Darei um qualquer ação, e do qual depende em última análise toda a
exemplo baseado em coisas muito frívolas, porque nelas os sua virtude ou vício, pode ser analisado sob dois diferentes
juízos dos homens correm menos o risco de se perverter por aspectos, ou segundo duas diferentes relações: primeiro, em
sistemas errôneos. Freqüentemente aprovamos uma piada, e relação às causas que o provocam, ou o motivo que o oca-
admitimos que o riso do outro é bastante justo e adequado, siona; e, em segundo lugar, em relação ao fim que propõe,
embora nós próprios não estejamos rindo, talvez por estar- ou o efeito que tende a produzir.
mos de mau humor, ou por estarmos distraídos com outros Na adequação ou inadequação, na proporção ou des-
objetos. A experiência nos ensinou, entretanto, que tipo de proporção que o afeto parece manter com relação à causa
diversão é normalmente mais capaz de nos fazer rir, e obser- ou objeto que o suscita, consiste a conveniência ou inconve- '
vamos que essa é uma delas. Por isso, aprovamos o riso do niência, a decência ou deselegância da ação conseqüente.
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 19
18
N~ natureza b nêfi ·a ou p rejudicial dos efeitos qu sse CAPÍTULO IV
a~ ·LO p rsegue ou t nele a p rod uzir consistem o m· riL ou Continuação do mesmo assunto
!.emérito la a ·ão, qualidades pelas quais ela m
pensa ou castigo. Podemos julgar a conveniência e inconveniência dos
sentimentos de outra pessoa pela sua correspondência ou
l
Nos últimos anos os filósofos têm considerado princi-
palm nt •t finalidade dos afet s, dan lo pau a aren ão à re- di~cor~ância com os no~sos em duas ocasiões diferentes: ou,
pnmetro, quando os objetos que os provocam são conside-
I
lação q l te mamêm com a ausa qu o · SLI. cita. M • na vida
o mum, quando julgam s a o ndula d qua lq 1 ' f pes oa e rados sem nenhuma relação particular conosco ou com a
os ntimentos que a o.rjenta rarn , onsicleram -l · ·o n ·ran L - pessoa cujos sentimentos estamos julgando; ou, segundo,
mente sob esses dois aspectos. Quando censuramos em ou- quando são considerados como afetando peculiarmente um
tro homem os excessos do amor, da dor, do ressentimento, ou outro de nós .
não apenas levamos em conta os ruinosos efeitos que ten- 1. Quanto aos objetos considerados sem nenhuma rela-
dem a produzir, mas o pequeno motivo que havia para eles. ção particular conosco ou com a pessoa cujos sentimentos
Dizemos que o mérito da pessoa favorecida não era assim estamos julgando, sempre que seus sentimentos correspon-
tão grand · s u i~ >rtúnlo não é tâ t n·ível, a provoca ·ào de derem inteiramente aos nossos, atribuiremo-lhe qualidades
que fui oi j lo não · tã e>..-traordi n:iíria a po nt c! justificar de bom gosto e discernimento. A beleza de uma planície, a
alguma paixão viol nta. Diz mos qu ra lvez c! vêssemos ser grandiosidade de uma montanha, os ornamentos de um edi-
indulgentes, aprovando a violência da sua emoção, se a cau- fício, a expressão de uma pintura, a composição de um dis-
sa fosse , em algum aspecto, proporcional a ela. curso, a conduta de uma terceira pessoa, a proporção entre
Quando julgamos desta maneira qualquer afeto, para distintas quantidades e números, as várias aparências que a
saber se é proporcional ou desproporcional à causa que o grande máquina do universo exibe perpetuamente, com as se-
provoca, é pouco provável que usemos qualquer regra ou cr~tas rodas e mola ~ qu~ as produzem; todos os assuntos ge- ~
A

norma que não seja o afeto correspondente em nós próprios. rats que ocupam a ctencta e o bom gosto, são o que nós e nos-
Se, analisando o caso em nosso próprio peito, descobrimos sos companheiros consideramos como desprovidos de uma
que os sentimentos por ele ocasionados coincidem e concor- relação peculiar com qualquer um de nós. Ambos os vemos
dam com os nossos, necessariamente os aprovamos como segundo o mesmo ponto de vista, e não temos motivo para
proporcionais e adequados a seus objetos; mas, caso contrá- simpatia, ou para aquela mudança imaginária de situações da :
rio, necessariamente os reprovaremos como extravagantes e qual ela brota, a fim de produzir, com respeito a eles, a mais ·
desproporcionais. perfeita harmonia de sentimentos e afetos. Se, não obstante, :
Toda faculdade de um homem é a medida pela qual ele com freqüência somos diferentemente afetados , isso se deve '
julga a mesma faculdade em outro. Julgo sua visão por mi- aos diversos graus de atenção que nossos diferentes hábitos :
nha visão, seu ouvido por meu ouvido, sua razão por minha de vida nos permitem conceder facilmente às distintas partes
razão, seu ressentimento por meu ressentimento, seu amor daqueles objetos complexos, ou dos diferentes graus da pers-
por meu amor. Não possuo nem posso possuir nenhum ou- picácia natural na faculdade do espírito à qual esses objetos
tro modo de julgá-las. se dirigem.
Quando os sentimentos de nosso companheiro coinci- 1
dem com nossos em coisas desse tipo, que são óbvias e fá-
ceis, e. r:~s quais _talve~ nunca encontremos uma só pessoa j
que dtvtqa de nos , ameia que, sem dúvida, tenhamos de
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 19
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N~ natureza b nêfi ·a ou p rejudicial dos efeitos qu sse CAPÍTULO IV
a~ ·LO p rsegue ou t nele a p rod uzir consistem o m· riL ou Continuação do mesmo assunto
!.emérito la a ·ão, qualidades pelas quais ela m
pensa ou castigo. Podemos julgar a conveniência e inconveniência dos
sentimentos de outra pessoa pela sua correspondência ou
l
Nos últimos anos os filósofos têm considerado princi-
palm nt •t finalidade dos afet s, dan lo pau a aren ão à re- di~cor~ância com os no~sos em duas ocasiões diferentes: ou,
pnmetro, quando os objetos que os provocam são conside-
I
lação q l te mamêm com a ausa qu o · SLI. cita. M • na vida
o mum, quando julgam s a o ndula d qua lq 1 ' f pes oa e rados sem nenhuma relação particular conosco ou com a
os ntimentos que a o.rjenta rarn , onsicleram -l · ·o n ·ran L - pessoa cujos sentimentos estamos julgando; ou, segundo,
mente sob esses dois aspectos. Quando censuramos em ou- quando são considerados como afetando peculiarmente um
tro homem os excessos do amor, da dor, do ressentimento, ou outro de nós .
não apenas levamos em conta os ruinosos efeitos que ten- 1. Quanto aos objetos considerados sem nenhuma rela-
dem a produzir, mas o pequeno motivo que havia para eles. ção particular conosco ou com a pessoa cujos sentimentos
Dizemos que o mérito da pessoa favorecida não era assim estamos julgando, sempre que seus sentimentos correspon-
tão grand · s u i~ >rtúnlo não é tâ t n·ível, a provoca ·ào de derem inteiramente aos nossos, atribuiremo-lhe qualidades
que fui oi j lo não · tã e>..-traordi n:iíria a po nt c! justificar de bom gosto e discernimento. A beleza de uma planície, a
alguma paixão viol nta. Diz mos qu ra lvez c! vêssemos ser grandiosidade de uma montanha, os ornamentos de um edi-
indulgentes, aprovando a violência da sua emoção, se a cau- fício, a expressão de uma pintura, a composição de um dis-
sa fosse , em algum aspecto, proporcional a ela. curso, a conduta de uma terceira pessoa, a proporção entre
Quando julgamos desta maneira qualquer afeto, para distintas quantidades e números, as várias aparências que a
saber se é proporcional ou desproporcional à causa que o grande máquina do universo exibe perpetuamente, com as se-
provoca, é pouco provável que usemos qualquer regra ou cr~tas rodas e mola ~ qu~ as produzem; todos os assuntos ge- ~
A

norma que não seja o afeto correspondente em nós próprios. rats que ocupam a ctencta e o bom gosto, são o que nós e nos-
Se, analisando o caso em nosso próprio peito, descobrimos sos companheiros consideramos como desprovidos de uma
que os sentimentos por ele ocasionados coincidem e concor- relação peculiar com qualquer um de nós. Ambos os vemos
dam com os nossos, necessariamente os aprovamos como segundo o mesmo ponto de vista, e não temos motivo para
proporcionais e adequados a seus objetos; mas, caso contrá- simpatia, ou para aquela mudança imaginária de situações da :
rio, necessariamente os reprovaremos como extravagantes e qual ela brota, a fim de produzir, com respeito a eles, a mais ·
desproporcionais. perfeita harmonia de sentimentos e afetos. Se, não obstante, :
Toda faculdade de um homem é a medida pela qual ele com freqüência somos diferentemente afetados , isso se deve '
julga a mesma faculdade em outro. Julgo sua visão por mi- aos diversos graus de atenção que nossos diferentes hábitos :
nha visão, seu ouvido por meu ouvido, sua razão por minha de vida nos permitem conceder facilmente às distintas partes
razão, seu ressentimento por meu ressentimento, seu amor daqueles objetos complexos, ou dos diferentes graus da pers-
por meu amor. Não possuo nem posso possuir nenhum ou- picácia natural na faculdade do espírito à qual esses objetos
tro modo de julgá-las. se dirigem.
Quando os sentimentos de nosso companheiro coinci- 1
dem com nossos em coisas desse tipo, que são óbvias e fá-
ceis, e. r:~s quais _talve~ nunca encontremos uma só pessoa j
que dtvtqa de nos , ameia que, sem dúvida, tenhamos de
20 TEORIA DOS SENI1MENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE
21
aprová-los, contudo não parece merecer elogio ou admira- 2. Com r la · > aos oi j Los qu e afe tam le rnan ira pa r-
ção por causa disso. Mas quando não apenas coincidem ti ul ar o u a nó pr ' prios ou à p ssoa cujos semiment<s c::st·l-
com os nossos, mas ainda os orientam e dirigem; quando, mo. julga ndo, é mats díficil pr serva r essa hanu nia · r-
formando-os, demonstra ter considerado muitas coisas que respond ~ n ·ia e, ao me;:smo te mpo , .ime nsame nte mais impc r-
nós tínhamos ignorado, e ajustado a todas as várias circuns- tant . M u comp:m hei.ro não ncara natu mlme;:n te o info Jt(J-
tâncias de seus objetos, então não apenas os aprovamos, nio que me sobreveio ou a ofensa de que fui vítima do mes-
sua incomum e inesperada agudeza e abrangência, mas nos mo ponto de vista sob o qual as considero eu. Afetam-me
espanta e surpreende, e ele nos parece merecer enorme muito mq.is de perto. Não os vemos pelo mesmo prism·1,
admiração e aplauso. Pois a aprovação, intensificada pelo como vemos um quadro, um poema, ou um sistema filosófi.
espanto e pela surpresa, constitui o sentimento propria- co; e por isso, podem nos afetar de maneiras muito diferen-
mente chamado de admiração, cuja expressão natural é o tes. Mas posso muito mais facilmente ignorar a ausência
aplauso. O critério de um homem que julga a extraordiná-
dessa correspo ndência de sentimentos quanto a objetos tão
ria beleza preferível à mais grosseira deformidade, ou que
indiferentes, qu e não importam nem a mim nem a meu com-
admite que duas vezes dois é igual a quatro, certamente me-
panheiro, do que em algo que me interessa tanto quanto o
rece aprovação de todos, mas certamente não será muito
infortúnio que me sobreveio, ou a ofensa de que fui vítima.
admirado. É a sutileza e delicado discernimento do homem
de bom gosto, que distingue as minuciosas e quase imper- Embora desprezes aquele quadro ou poema, ou até esse sis-
ceptíveis diferenças de beleza e deformidade; e a abrangen- tema filosófico que eu admiro, há pouco perigo de brigar-
te precisão do matemático experiente, que sem dificuldade mos por causa disso. Tampouco um de nós pode, razoavel-
desvenda as mais intrincadas e enigmáticas proporções; é o mente, te r muito int ress nel s. Deviam se r tod ·, objeto
grande líder em ciência e bom gosto, o homem que orienta de >rande in life re n a para nós dois· de modo que embora
e conduz nossos próprios sentimentos, cujos talentos nos tenha m piniões o p tas, nossos afetos permanecem
deixam atônitos de admiração e surpresa pela extensão e muito parecidos. Mas o caso é outro quando se trata dos ob-
superior justeza, que desperta nossa admiração e parece me- jetos que nos afetam particularmente, ou a ti ou a mim. Ape-
recer nosso aplauso; e sobre esse alicerce funda-se a maior sar de tuas opiniões em questões especulativas, apesar de
parte do louvor que se dirige àquelas que chamamos virtu- teus sentimentos em questões de gosto serem bastante con-
des intelectuais. trários aos meus, posso facilmente ignorar essa op 1 :ao; e,
Pode-se pensar que a utilidade dessas qualidades é o se tenho alguma temperança, posso até mesmo a predar a
I que primeiro as recomenda a nós, e, sem dúvida, tal consi- sua conversa, ainda que sobre esses mesmos temas. Mas se
deração, quando atentamos para ela, recobre-as de novo va- não tens nenhuma solidariedade para com o meu infortúnio,
lor. Porém, originalmente, aprovamos o julgamento de outro ou nenhuma que seja proporcional à dor que me assola; ou
" 1 homem não como algo útil, mas como algo cetto, acurado, se não sentes nenhuma indignação pelas ofensas que sofri,
conforme à verdade e à realidade; e é evidente que se lhe ou nada que seja proporcional com o ressentimento que me
atribuímos essas qualidades é porque descobrimos que con- arrebata, já não poderemos conversar sobre esses temas.
corda com o nosso próprio julgamento. Da mesma maneira, Tornamo-nos insuportáveis um ao outro. Não posso tolerar
o bom gosto recebe aprovação originalmente não por ser tua companhia, nem tu a minha. Ficarás confuso ante minha
I útil, mas justo, delicado, e precisamente adequado ao seu ob- violência e paixão, e eu, irado com tua fria insensibilidade e
jeto. A idéia da utilidade de todas as qualidades desse tipo é falta de sentimentos.
apenas uma reflexão posterior, não aquilo que primeiro as Em todos esses casos, para que haja alguma correspon-
recomenda à nossa aprovação. dência de sentimentos entre o espectador e a pessoa atingi-
20 TEORIA DOS SENI1MENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE
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aprová-los, contudo não parece merecer elogio ou admira- 2. Com r la · > aos oi j Los qu e afe tam le rnan ira pa r-
ção por causa disso. Mas quando não apenas coincidem ti ul ar o u a nó pr ' prios ou à p ssoa cujos semiment<s c::st·l-
com os nossos, mas ainda os orientam e dirigem; quando, mo. julga ndo, é mats díficil pr serva r essa hanu nia · r-
formando-os, demonstra ter considerado muitas coisas que respond ~ n ·ia e, ao me;:smo te mpo , .ime nsame nte mais impc r-
nós tínhamos ignorado, e ajustado a todas as várias circuns- tant . M u comp:m hei.ro não ncara natu mlme;:n te o info Jt(J-
tâncias de seus objetos, então não apenas os aprovamos, nio que me sobreveio ou a ofensa de que fui vítima do mes-
sua incomum e inesperada agudeza e abrangência, mas nos mo ponto de vista sob o qual as considero eu. Afetam-me
espanta e surpreende, e ele nos parece merecer enorme muito mq.is de perto. Não os vemos pelo mesmo prism·1,
admiração e aplauso. Pois a aprovação, intensificada pelo como vemos um quadro, um poema, ou um sistema filosófi.
espanto e pela surpresa, constitui o sentimento propria- co; e por isso, podem nos afetar de maneiras muito diferen-
mente chamado de admiração, cuja expressão natural é o tes. Mas posso muito mais facilmente ignorar a ausência
aplauso. O critério de um homem que julga a extraordiná-
dessa correspo ndência de sentimentos quanto a objetos tão
ria beleza preferível à mais grosseira deformidade, ou que
indiferentes, qu e não importam nem a mim nem a meu com-
admite que duas vezes dois é igual a quatro, certamente me-
panheiro, do que em algo que me interessa tanto quanto o
rece aprovação de todos, mas certamente não será muito
infortúnio que me sobreveio, ou a ofensa de que fui vítima.
admirado. É a sutileza e delicado discernimento do homem
de bom gosto, que distingue as minuciosas e quase imper- Embora desprezes aquele quadro ou poema, ou até esse sis-
ceptíveis diferenças de beleza e deformidade; e a abrangen- tema filosófico que eu admiro, há pouco perigo de brigar-
te precisão do matemático experiente, que sem dificuldade mos por causa disso. Tampouco um de nós pode, razoavel-
desvenda as mais intrincadas e enigmáticas proporções; é o mente, te r muito int ress nel s. Deviam se r tod ·, objeto
grande líder em ciência e bom gosto, o homem que orienta de >rande in life re n a para nós dois· de modo que embora
e conduz nossos próprios sentimentos, cujos talentos nos tenha m piniões o p tas, nossos afetos permanecem
deixam atônitos de admiração e surpresa pela extensão e muito parecidos. Mas o caso é outro quando se trata dos ob-
superior justeza, que desperta nossa admiração e parece me- jetos que nos afetam particularmente, ou a ti ou a mim. Ape-
recer nosso aplauso; e sobre esse alicerce funda-se a maior sar de tuas opiniões em questões especulativas, apesar de
parte do louvor que se dirige àquelas que chamamos virtu- teus sentimentos em questões de gosto serem bastante con-
des intelectuais. trários aos meus, posso facilmente ignorar essa op 1 :ao; e,
Pode-se pensar que a utilidade dessas qualidades é o se tenho alguma temperança, posso até mesmo a predar a
I que primeiro as recomenda a nós, e, sem dúvida, tal consi- sua conversa, ainda que sobre esses mesmos temas. Mas se
deração, quando atentamos para ela, recobre-as de novo va- não tens nenhuma solidariedade para com o meu infortúnio,
lor. Porém, originalmente, aprovamos o julgamento de outro ou nenhuma que seja proporcional à dor que me assola; ou
" 1 homem não como algo útil, mas como algo cetto, acurado, se não sentes nenhuma indignação pelas ofensas que sofri,
conforme à verdade e à realidade; e é evidente que se lhe ou nada que seja proporcional com o ressentimento que me
atribuímos essas qualidades é porque descobrimos que con- arrebata, já não poderemos conversar sobre esses temas.
corda com o nosso próprio julgamento. Da mesma maneira, Tornamo-nos insuportáveis um ao outro. Não posso tolerar
o bom gosto recebe aprovação originalmente não por ser tua companhia, nem tu a minha. Ficarás confuso ante minha
I útil, mas justo, delicado, e precisamente adequado ao seu ob- violência e paixão, e eu, irado com tua fria insensibilidade e
jeto. A idéia da utilidade de todas as qualidades desse tipo é falta de sentimentos.
apenas uma reflexão posterior, não aquilo que primeiro as Em todos esses casos, para que haja alguma correspon-
recomenda à nossa aprovação. dência de sentimentos entre o espectador e a pessoa atingi-
22 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 23
da, 0 espectador deverá, antes de tudo, esforçar-se tanto dência mútua sutk ientc para a h <lrm oni ~l da sociedade. Em- ·
quanto possível para colocar-se na situação do outro, e tor- bora jama is sejam uníssonos, p d m s r oncordes, e isso é I'

nar sua cada pequena circunstância de aborrecimento que tudo o que se exig u d que . e care t:.
pr vavelm nl o n· ao . ofr d r. D -v r1 adota r t d o A fim de produzir essa concordância, do mesmo modo
caso tio. e u ·ompanh iro ·om os m1nim s in ic.l nt 'S; • m- como a natureza ensina o espectador a assumir as circuns-
pe nhar-li po r i.nt rpr tar da ma n ira ma i p rfe ita possível a tâncias da pessoa diretamente nvoJvida, ta mbém ensina, a
mutbnça imaginária de s itu a 'ào se brc qual s baseia sua esta última, a assumir, em certa m dida , as dos e. p ectadores.
si mpm i ~l . Assim como estes estão continuamente colocando-se na si-
Mas depois de tudo isso as emoçàes do espectador tuação do sofredor para conceber emoções similares às que
muito provavelmente ainda não alcançarão toda a violência ele sente, da mesma forma ele está-se colocando constante-
do que o sofredor sente. Embora naturalmente solidário, o mente na posição deles, para conceber certa frieza com que
homem nunca concebe o que sobreveio a alguém com aque- olham a sua própria sorte. Assim como eles estão constante-
le grau de paixão que naturalmente anima a pessoa atingida. mente consld -•rando o que sentiriam em seu lugar se realmen-
Essa mudança imaginária de situação, sobre a qual se baseia te fossem os sofredores também ele é constantemente levado
1 sua simpatia, é apenas momentânea. O pensamento de sua a imaginar de que maneira seria afetado se fosse mero es-
própria segurança, o pensamento de que não é ele próprio o pectador de sua própria situação. Assim como a solidariedade
verdadeiro sofredor, constantemente se faz presente; e em- destes os faz ver tal situação em certa medida com os olhos
bora não o impeça de conceber uma paixão de certa forma do sofredor, também sua solidariedade o faz considerá-la em
análoga à que experimenta o sofredor, impede-o de conce- rta med ida ' om os o lhos d les, e. p i:lJm ·me quando em
bê-la com o mesmo grau de intensidade. A pessoa direta- sua pr s n 0::1 agindo sob .<:Lia o bservação. E, como a paixão
mente atingida sente isso, mas ao mesmo tempo deseja, apai- re fl etida que el as ·un onc:el e é muito mais dé bil do qu ::1
xonadamente, uma solidariedade mais completa. Anseia por original, oe cssari am nt 1 duz a vi lên ·ia elo que s nria 'tnLes
aquele alívio que nada, senão a concordância total dos afe- ele esLar em presença dos spectaclores, a nt s de o meçar a
tos dos espectadores com os seus, pode lhe dar. Ver as emo- lembrar de que maneira eriam 'tfetados, ante.c; d ·ooslde1'a r
çàes de seus coraçàes pulsarem ao mesmo ritmo que o dele sua própria situação sob essa luz franca e imparcial.
em paixàes violentas e desagradáveis constitui seu único con- . Rara!> vezes, portanto, o spírir fica Lâo perturbado que
sole . Mas . 6 pod esp rar I ter L so r ba · ar ua pa !xno a ompanhia de um amigo não li1c r smur algw11 grau de
até aqu I lim ite em q u os spe tadore, o '::tpaz · d o tranqüilidade e calma. Em algwmt medida o p ir fica com-
a ·ompanhar. J>re isa, e rne 1 ·rm iLem diz r assim abrand·tr posto e calmo no momento em que estamos em sua presen-
a intensidade do seu tom natural, reduzindo-o à harmonia e ça. Somos imediatamente lembrados da maneira em que ve-
concordância com as emoções dos que estão ao seu redor. rá nossa situação, e de nossa parte começamos a vê-la tam-
De fato, o que estes sentem sempre será, em alguns aspec- bém da mesma maneira, pois o efeito da solidariedade é ins~
tos, diferente do que ele sente, e compaixão jamais será exa- tantâneo. Esperamos menos simpatia de um mero conhecido
1: i·' ,,.. I Lamente idêntica à dor o riginal, uma vez q ue a consciência do que de um amigo; não podemos expor ao primeiro todas
' ,secreta d ·• q u a rnuda n .a de situ a õ s, da q ual se origina o as pequenas circunstâncias que podemos revelar ao segun-
,. .,.: • ... entlmem) solidárí é a pe na. imaginári a, oào apenas a re- do; por isso, fingimos mais tranqüilidade diante do conhecido,
·, ,·,· v, \;c, ' du z em g1~-lLI , mas em - na medida, alte ra seu gên .ro, dando- e esforçamo-nos por nossos pensamentos naquelas linhas ge-
lhe uma modificação bastante diferente. Porém, é evidente rais de nossa situação que ele estiver inclinado a analisar. Es-
que esses dois sentimentos podem manter uma correspon- peramos menos simpatia ainda de um gmpo de estranhos, e
22 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 23
da, 0 espectador deverá, antes de tudo, esforçar-se tanto dência mútua sutk ientc para a h <lrm oni ~l da sociedade. Em- ·
quanto possível para colocar-se na situação do outro, e tor- bora jama is sejam uníssonos, p d m s r oncordes, e isso é I'

nar sua cada pequena circunstância de aborrecimento que tudo o que se exig u d que . e care t:.
pr vavelm nl o n· ao . ofr d r. D -v r1 adota r t d o A fim de produzir essa concordância, do mesmo modo
caso tio. e u ·ompanh iro ·om os m1nim s in ic.l nt 'S; • m- como a natureza ensina o espectador a assumir as circuns-
pe nhar-li po r i.nt rpr tar da ma n ira ma i p rfe ita possível a tâncias da pessoa diretamente nvoJvida, ta mbém ensina, a
mutbnça imaginária de s itu a 'ào se brc qual s baseia sua esta última, a assumir, em certa m dida , as dos e. p ectadores.
si mpm i ~l . Assim como estes estão continuamente colocando-se na si-
Mas depois de tudo isso as emoçàes do espectador tuação do sofredor para conceber emoções similares às que
muito provavelmente ainda não alcançarão toda a violência ele sente, da mesma forma ele está-se colocando constante-
do que o sofredor sente. Embora naturalmente solidário, o mente na posição deles, para conceber certa frieza com que
homem nunca concebe o que sobreveio a alguém com aque- olham a sua própria sorte. Assim como eles estão constante-
le grau de paixão que naturalmente anima a pessoa atingida. mente consld -•rando o que sentiriam em seu lugar se realmen-
Essa mudança imaginária de situação, sobre a qual se baseia te fossem os sofredores também ele é constantemente levado
1 sua simpatia, é apenas momentânea. O pensamento de sua a imaginar de que maneira seria afetado se fosse mero es-
própria segurança, o pensamento de que não é ele próprio o pectador de sua própria situação. Assim como a solidariedade
verdadeiro sofredor, constantemente se faz presente; e em- destes os faz ver tal situação em certa medida com os olhos
bora não o impeça de conceber uma paixão de certa forma do sofredor, também sua solidariedade o faz considerá-la em
análoga à que experimenta o sofredor, impede-o de conce- rta med ida ' om os o lhos d les, e. p i:lJm ·me quando em
bê-la com o mesmo grau de intensidade. A pessoa direta- sua pr s n 0::1 agindo sob .<:Lia o bservação. E, como a paixão
mente atingida sente isso, mas ao mesmo tempo deseja, apai- re fl etida que el as ·un onc:el e é muito mais dé bil do qu ::1
xonadamente, uma solidariedade mais completa. Anseia por original, oe cssari am nt 1 duz a vi lên ·ia elo que s nria 'tnLes
aquele alívio que nada, senão a concordância total dos afe- ele esLar em presença dos spectaclores, a nt s de o meçar a
tos dos espectadores com os seus, pode lhe dar. Ver as emo- lembrar de que maneira eriam 'tfetados, ante.c; d ·ooslde1'a r
çàes de seus coraçàes pulsarem ao mesmo ritmo que o dele sua própria situação sob essa luz franca e imparcial.
em paixàes violentas e desagradáveis constitui seu único con- . Rara!> vezes, portanto, o spírir fica Lâo perturbado que
sole . Mas . 6 pod esp rar I ter L so r ba · ar ua pa !xno a ompanhia de um amigo não li1c r smur algw11 grau de
até aqu I lim ite em q u os spe tadore, o '::tpaz · d o tranqüilidade e calma. Em algwmt medida o p ir fica com-
a ·ompanhar. J>re isa, e rne 1 ·rm iLem diz r assim abrand·tr posto e calmo no momento em que estamos em sua presen-
a intensidade do seu tom natural, reduzindo-o à harmonia e ça. Somos imediatamente lembrados da maneira em que ve-
concordância com as emoções dos que estão ao seu redor. rá nossa situação, e de nossa parte começamos a vê-la tam-
De fato, o que estes sentem sempre será, em alguns aspec- bém da mesma maneira, pois o efeito da solidariedade é ins~
tos, diferente do que ele sente, e compaixão jamais será exa- tantâneo. Esperamos menos simpatia de um mero conhecido
1: i·' ,,.. I Lamente idêntica à dor o riginal, uma vez q ue a consciência do que de um amigo; não podemos expor ao primeiro todas
' ,secreta d ·• q u a rnuda n .a de situ a õ s, da q ual se origina o as pequenas circunstâncias que podemos revelar ao segun-
,. .,.: • ... entlmem) solidárí é a pe na. imaginári a, oào apenas a re- do; por isso, fingimos mais tranqüilidade diante do conhecido,
·, ,·,· v, \;c, ' du z em g1~-lLI , mas em - na medida, alte ra seu gên .ro, dando- e esforçamo-nos por nossos pensamentos naquelas linhas ge-
lhe uma modificação bastante diferente. Porém, é evidente rais de nossa situação que ele estiver inclinado a analisar. Es-
que esses dois sentimentos podem manter uma correspon- peramos menos simpatia ainda de um gmpo de estranhos, e
24 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 25
por essa razão fingimos uma tranqüilidade ainda maior dian- Como se nos revela amável aquele cujo coração solidário
te deles, e sempre tentamos r duzir nossa paixão àquele nível parece fazer eco a todos os sentimentos daqueles com quem
que as pessoas com as quais estamos poderão acompanhar. conversa, que sofre com as suas calamidades, que se ressen-
Mas não se trata apenas de uma aparência fingida, pois, se for- te com as ofensas de que foram vítimas, e se alegra com sua
mos inteiramente donos de nós mesmos, a presença de um boa fortuna! Quando nos colocamos na situação de seus com-
mero conhecido realmente nos deixará com-postos, mais ainda panheiros, partilhamos da gratidão que experimentam e perce-
do que a de um amigo; e a de um grupo de estranhos mais bemos que consolo necessariamente retiram da terna simpa-
ainda do que a presença de um conhecido. tia de um amigo tão afetuoso. E, pelo motivo oposto, como
Por isso, a companhia e conversa são os mais poderosos nos parece desagradável aquele cujo coração duro e obstinado
remédios para restituir ao espírito sua tranqüilidade, caso em sente apenas com relação a si mesmo, e é totalmente insensí-
algum momento, por infortúnio, a tenha perdido, e também vel à felicidade ou desgraça dos outros! Nesse caso também,
os melhores preservadores desse caráter feliz e equilibrado, partilhamos da dor que sua presença deve causar a todo mor-
' tão necessário para a auto-satisfação e alegria. Homens re- tal com qtl m conver~a esp dalment • aqlt les com quem so-~
traídos e especulativos que tendem a se fechar em casa refle- mos mai capazes de simpatizar, os Infelizes e os ofendidos.
tindo sobre sua dor ou ressentimento, ainda que tenham fre- De outro lado, que nobre propriedade e graça sentimos
1 qüentemente maior humanidade, mais generosidade e um no comportamento dos que, em seu próprio caso, manifes-
senso de honra melhor, raramente possuem aquele equilíbrio tam a serenidade e o autodomínio que constituem a dignida-
de temperamento tão comum entre os homens do mundo. de de toda paixão, e que a reduzem àquilo de que os demais
podem partilhar! Sentimos repulsa pela dor clamorosa que,
sem nenhuma delicadeza, reclama nossa compaixão com
CAPÍTULO V suspiros e lágrimas, e lamentos importunos. Mas reverencia-
Das virtudes amáveis e respeitáveis mos a dor reservada, silenciosa e majestática, que só se ex-
põe pelos olhos inchados, o tremor de lábios e faces, e na
Sobre esses dois diferentes esforços, do espectador para distante mas comovente frieza de toda a sua conduta. Impõe-
fazer seus os sentimentos da pessoa diretamente afetada, e o nos um silêncio semelhante. Observamo-la com respeitosa
desta para rebaixar suas emoções até o limite em que o atenção, e vigiamos com ansiosa preocupação nossa própria
espectador é capaz de acompanhá-la, fundam-se dois grupos conduta, para não perturbarmos, com nenhuma improprie-
diferentes de vütudes. As virtudes ternas, gentis, amáveis, as dade , a tranqüilidade planejada que tanto esforço exige para
virtudes da franca condescendência e indulgente humanida- se manter.
de, fundam-se sobre um deles; as grandes, as terríveis e res- Da mesma maneira, a insolência e a brutalidade da ira
peitáveis, as virtudes da abnegação, do autocontrole, do domí- quando permitimos sua fúria sem controlar ou restringi-la, é
nio das paixões que submete todos os movimentos de nossa o mais detestável dos objetos. Mas admiramos aquel.e ressen-
natureza àquilo que exigem nossa dignidade e honra, e a pro- timento nobre e generoso, que governa a reparação das gran-
des ofensas, não pela raiva que podem despertar no peito <' , •,
priedade de nossa conduta, originam-se do outro grupo•.
dos sofredores, mas pela indignação que naturalmente pro- : '
vocam no espectador imparcial; que não permite que nenhu- i
• Sobre a distinção entre paixões amáveis, por um lado, e respeitáveis, ma palavra ou gesto lhe escape para além do que esse senti-
por outro, confira-se Hume, Treatise of Human Nature (Tratado ela natureza mento mais eqüitativo ditaria; que nunca, nem mesmo em
humana), III, III, IV (ed. Selby-Bigge, Oxforcl). (N. ela R. T.) pensamento, intenta maior vingança, nem deseja infligir ne-
24 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 25
por essa razão fingimos uma tranqüilidade ainda maior dian- Como se nos revela amável aquele cujo coração solidário
te deles, e sempre tentamos r duzir nossa paixão àquele nível parece fazer eco a todos os sentimentos daqueles com quem
que as pessoas com as quais estamos poderão acompanhar. conversa, que sofre com as suas calamidades, que se ressen-
Mas não se trata apenas de uma aparência fingida, pois, se for- te com as ofensas de que foram vítimas, e se alegra com sua
mos inteiramente donos de nós mesmos, a presença de um boa fortuna! Quando nos colocamos na situação de seus com-
mero conhecido realmente nos deixará com-postos, mais ainda panheiros, partilhamos da gratidão que experimentam e perce-
do que a de um amigo; e a de um grupo de estranhos mais bemos que consolo necessariamente retiram da terna simpa-
ainda do que a presença de um conhecido. tia de um amigo tão afetuoso. E, pelo motivo oposto, como
Por isso, a companhia e conversa são os mais poderosos nos parece desagradável aquele cujo coração duro e obstinado
remédios para restituir ao espírito sua tranqüilidade, caso em sente apenas com relação a si mesmo, e é totalmente insensí-
algum momento, por infortúnio, a tenha perdido, e também vel à felicidade ou desgraça dos outros! Nesse caso também,
os melhores preservadores desse caráter feliz e equilibrado, partilhamos da dor que sua presença deve causar a todo mor-
' tão necessário para a auto-satisfação e alegria. Homens re- tal com qtl m conver~a esp dalment • aqlt les com quem so-~
traídos e especulativos que tendem a se fechar em casa refle- mos mai capazes de simpatizar, os Infelizes e os ofendidos.
tindo sobre sua dor ou ressentimento, ainda que tenham fre- De outro lado, que nobre propriedade e graça sentimos
1 qüentemente maior humanidade, mais generosidade e um no comportamento dos que, em seu próprio caso, manifes-
senso de honra melhor, raramente possuem aquele equilíbrio tam a serenidade e o autodomínio que constituem a dignida-
de temperamento tão comum entre os homens do mundo. de de toda paixão, e que a reduzem àquilo de que os demais
podem partilhar! Sentimos repulsa pela dor clamorosa que,
sem nenhuma delicadeza, reclama nossa compaixão com
CAPÍTULO V suspiros e lágrimas, e lamentos importunos. Mas reverencia-
Das virtudes amáveis e respeitáveis mos a dor reservada, silenciosa e majestática, que só se ex-
põe pelos olhos inchados, o tremor de lábios e faces, e na
Sobre esses dois diferentes esforços, do espectador para distante mas comovente frieza de toda a sua conduta. Impõe-
fazer seus os sentimentos da pessoa diretamente afetada, e o nos um silêncio semelhante. Observamo-la com respeitosa
desta para rebaixar suas emoções até o limite em que o atenção, e vigiamos com ansiosa preocupação nossa própria
espectador é capaz de acompanhá-la, fundam-se dois grupos conduta, para não perturbarmos, com nenhuma improprie-
diferentes de vütudes. As virtudes ternas, gentis, amáveis, as dade , a tranqüilidade planejada que tanto esforço exige para
virtudes da franca condescendência e indulgente humanida- se manter.
de, fundam-se sobre um deles; as grandes, as terríveis e res- Da mesma maneira, a insolência e a brutalidade da ira
peitáveis, as virtudes da abnegação, do autocontrole, do domí- quando permitimos sua fúria sem controlar ou restringi-la, é
nio das paixões que submete todos os movimentos de nossa o mais detestável dos objetos. Mas admiramos aquel.e ressen-
natureza àquilo que exigem nossa dignidade e honra, e a pro- timento nobre e generoso, que governa a reparação das gran-
des ofensas, não pela raiva que podem despertar no peito <' , •,
priedade de nossa conduta, originam-se do outro grupo•.
dos sofredores, mas pela indignação que naturalmente pro- : '
vocam no espectador imparcial; que não permite que nenhu- i
• Sobre a distinção entre paixões amáveis, por um lado, e respeitáveis, ma palavra ou gesto lhe escape para além do que esse senti-
por outro, confira-se Hume, Treatise of Human Nature (Tratado ela natureza mento mais eqüitativo ditaria; que nunca, nem mesmo em
humana), III, III, IV (ed. Selby-Bigge, Oxforcl). (N. ela R. T.) pensamento, intenta maior vingança, nem deseja infligir ne-
-
TEORIA DOS SENI7MENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 27
26
nhum castigo mai r do que aquel cuja execução qualquer mais indignos dos homens, e às vezes nem mesmo esse grau
é necessário. Assim, para dar um exemplo muito modesto,
I
pessoa iJ1 li fe r nte veria com agrado.
E !aí re ·ulta que sentir muito pelos outros e pouco por comer quando temos fome é, certamente, em ocasiões co-
nós mesmos, restringir nossos afetos egoístas e cultivar os be- muns, algo perfeitamente correto e adequado, e não pode
nevolentes, constitui a perfeição da natureza humana; e so- deixar de ser aprovado como tal por todos. Mas nada pode-
r mente assim se pode produzir entre os homens a harmonia de ria ser mais absurdo do que afirmar que é virtuoso.
sentimentos e paixões em que consiste toda a sua graça e pro- Ao contrário, pode freqüentemente haver considerável
priedade. E assim como amar a nosso próximo do mesmo grau de virtude nessas ações que estão longe da mais perfei-
modo que amamos a nós mesmos constitui a grande lei do ta conveniência; porque ainda assim é possível que se apro-
. Cristianismo, também é o grande preceito da natureza amarmos ximem mais da perfeição do que se esperaria em ocasiões
; a nós m smos apena o m ama mo a n sso próximo , ou, o em que fosse tão extremamente difícil adquiri-la; e isso é
' que é o mesrn orno n sso pr' xim é capaz de nos ama r. muito freqüente nas ocasiões que exigem um imenso esfor-
1
Do mesmo modo c mo b m-go to bo m julgamento, ço de autodomínio. Há algumas situações que pesam tanto so- :
· quando considerados como qualidades que merecem elogio bre a natureza humana, que o maior grau de autodomínio a
e admiração, implicam, supostamente, uma delicadeza do que pode ambicionar uma criatura tão imperfeita quanto o
homem não basta para sufocar inteiramente a voz da fragili-
sentimento e uma perspicácia do entendimento incomuns, as
dade humana, nem abrandar a violência das paixões até aque-
virtudes da sensibilidade e do autodomínio não parecem
le tom de moderação em que o espectador imparcial possa
consistir nos graus ordinários daquelas qualidades, mas nos
compartilhá-las totalmente. Portanto, embora nesses casos o
' incomuns. A amável virtude da humanidade certamente exi-
comportamento do sofredor não alcance a mais perfeita con-
, ge urna sensibilidade muito superior à que possuem as pes- veniência, pode de todo o modo ser digno de aplauso e até,
, soas rudes e vulgares. A grande e eminente virtude da mag- em certa medida, ser chamado de viltuoso. Pode ainda mani-
: nanimidade sem dúvida exige muito mais do que as grada- festar um esforço de generosidade e magnanimidade do qual a
ções de autodomínio de que é capaz o mais fraco dos mor- maioria dos homens é incapaz; e ainda que não alcance a per-
. tais. Do mesmo modo como no grau comum das qualidades feição absoluta, aproxima-se muito mais da perfeição do que,
intelectuais não há talentos, no grau comum da moral não há em tais ocasiões tão difíceis, é comum encontrar ou esperar.
virtudes. A virtude é excelência, algo excepcionalmente gran- Em casos assim, quando determinamos o grau de censu-
de e belo, que se eleva muito acima do que é vulgar e ordi- ra ou aplauso que parece devido a qualquer ação, é muito
nário. As virtudes amáveis consistem no grau de sensibilidade freqüente usarmos dois padrões diferentes. O primeiro é a
que surpreende pela sua refinada e inesperada delicadeza e idéia de completa conveniência e perfeição que, nessas si-
ternura. As veneráveis e respeitáveis, no grau de autodomínio tuações difíceis, nenhuma conduta humana jamais pôde ou
:que surpreende pela espantosa superioridade em relação às poderá alcançar; e em comparação com a qual as ações de
i mais ingovernáveis paixões da natureza humana. todos os homens sempre parecerão censuráveis e imperfei-
Nesse aspecto existe uma considerável diferença entre a tas. O segundo é a idéia daquele grau de aproximação ou
· virtude e a mera conveniência; entre as qualidades e ações distanciamento dessa completa perfeição, usualmente alcan- ,
, que são dignas de admiração e aplauso, e as que simples- çada pelas ações da maioria dos homens. Tudo o que exce-
' mente merecem aprovação. Em muitas ocasiões, agir com da esse grau, a despeito de toda a distância que possa estar
j toda conveniência não exige mais do que o grau comum e da perfeição absoluta, parece digno de aplauso, e o que ficar
· ordinário de sensibilidade ou autodomínio que possuem os aquém, digno de censura.
-
TEORIA DOS SENI7MENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 27
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nhum castigo mai r do que aquel cuja execução qualquer mais indignos dos homens, e às vezes nem mesmo esse grau
é necessário. Assim, para dar um exemplo muito modesto,
I
pessoa iJ1 li fe r nte veria com agrado.
E !aí re ·ulta que sentir muito pelos outros e pouco por comer quando temos fome é, certamente, em ocasiões co-
nós mesmos, restringir nossos afetos egoístas e cultivar os be- muns, algo perfeitamente correto e adequado, e não pode
nevolentes, constitui a perfeição da natureza humana; e so- deixar de ser aprovado como tal por todos. Mas nada pode-
r mente assim se pode produzir entre os homens a harmonia de ria ser mais absurdo do que afirmar que é virtuoso.
sentimentos e paixões em que consiste toda a sua graça e pro- Ao contrário, pode freqüentemente haver considerável
priedade. E assim como amar a nosso próximo do mesmo grau de virtude nessas ações que estão longe da mais perfei-
modo que amamos a nós mesmos constitui a grande lei do ta conveniência; porque ainda assim é possível que se apro-
. Cristianismo, também é o grande preceito da natureza amarmos ximem mais da perfeição do que se esperaria em ocasiões
; a nós m smos apena o m ama mo a n sso próximo , ou, o em que fosse tão extremamente difícil adquiri-la; e isso é
' que é o mesrn orno n sso pr' xim é capaz de nos ama r. muito freqüente nas ocasiões que exigem um imenso esfor-
1
Do mesmo modo c mo b m-go to bo m julgamento, ço de autodomínio. Há algumas situações que pesam tanto so- :
· quando considerados como qualidades que merecem elogio bre a natureza humana, que o maior grau de autodomínio a
e admiração, implicam, supostamente, uma delicadeza do que pode ambicionar uma criatura tão imperfeita quanto o
homem não basta para sufocar inteiramente a voz da fragili-
sentimento e uma perspicácia do entendimento incomuns, as
dade humana, nem abrandar a violência das paixões até aque-
virtudes da sensibilidade e do autodomínio não parecem
le tom de moderação em que o espectador imparcial possa
consistir nos graus ordinários daquelas qualidades, mas nos
compartilhá-las totalmente. Portanto, embora nesses casos o
' incomuns. A amável virtude da humanidade certamente exi-
comportamento do sofredor não alcance a mais perfeita con-
, ge urna sensibilidade muito superior à que possuem as pes- veniência, pode de todo o modo ser digno de aplauso e até,
, soas rudes e vulgares. A grande e eminente virtude da mag- em certa medida, ser chamado de viltuoso. Pode ainda mani-
: nanimidade sem dúvida exige muito mais do que as grada- festar um esforço de generosidade e magnanimidade do qual a
ções de autodomínio de que é capaz o mais fraco dos mor- maioria dos homens é incapaz; e ainda que não alcance a per-
. tais. Do mesmo modo como no grau comum das qualidades feição absoluta, aproxima-se muito mais da perfeição do que,
intelectuais não há talentos, no grau comum da moral não há em tais ocasiões tão difíceis, é comum encontrar ou esperar.
virtudes. A virtude é excelência, algo excepcionalmente gran- Em casos assim, quando determinamos o grau de censu-
de e belo, que se eleva muito acima do que é vulgar e ordi- ra ou aplauso que parece devido a qualquer ação, é muito
nário. As virtudes amáveis consistem no grau de sensibilidade freqüente usarmos dois padrões diferentes. O primeiro é a
que surpreende pela sua refinada e inesperada delicadeza e idéia de completa conveniência e perfeição que, nessas si-
ternura. As veneráveis e respeitáveis, no grau de autodomínio tuações difíceis, nenhuma conduta humana jamais pôde ou
:que surpreende pela espantosa superioridade em relação às poderá alcançar; e em comparação com a qual as ações de
i mais ingovernáveis paixões da natureza humana. todos os homens sempre parecerão censuráveis e imperfei-
Nesse aspecto existe uma considerável diferença entre a tas. O segundo é a idéia daquele grau de aproximação ou
· virtude e a mera conveniência; entre as qualidades e ações distanciamento dessa completa perfeição, usualmente alcan- ,
, que são dignas de admiração e aplauso, e as que simples- çada pelas ações da maioria dos homens. Tudo o que exce-
' mente merecem aprovação. Em muitas ocasiões, agir com da esse grau, a despeito de toda a distância que possa estar
j toda conveniência não exige mais do que o grau comum e da perfeição absoluta, parece digno de aplauso, e o que ficar
· ordinário de sensibilidade ou autodomínio que possuem os aquém, digno de censura.
28
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS

Dessa mesma maneira julgamos os produtos de todos


att •s qu s ditig m à imagina ão. unndo um críti · xa-
mlna a obra d L: qualqu r elos grand s mestres da p .sia u
pintura, por wz s po le e.xa min ~.-l a . egun lo un a i lé ia d
pcrf ·ição que f rm u m seu p r ' J rio píJilo, à qu a l nem SEÇÃO II
essa nx:m qua Jqu r Oulr~l br. huma na jamais pod rá a i -an-
çur; ~ Jnquanlo a ·omparar ·om e s · padrà , nada pod rá Dos graus das diversas paixões
ver senã imp rf i -- · faltas . Mas se passar a conside rar a
posi ·fio qu a obra deve ria ter entre outras da mes ma esp '- compatíveis com a conveniência
'ie, n ·essari~unente a compamrá com um pac..lrâ muit di-
fe r nte, cujo grau de ex ·elên ia é c mum me alcan " tdo nes-
a arte esp í.fica, e se a julgar egund ssa n va m dicla,
poderá par t: r merececl ra d mai r a plauso, na medida m
que se apr xi ma muito mais la p rfe ição do que a mai ria INTRODUÇÃO
das obras m as quais p de omp Lir.
A conveniência de toda a paixão suscitada por objetos
que guardam uma peculiar relação conosco, o grau em que
o espectador consegue nos acompanhar, deve residir, evi-
dentemente, numa certa mediania (mediocrity). Se a paixão
for elevada demais, ou excessivamente baixa, não poderá
partilhar dela . Dor e ressentimento por infortúnios e ofen-
sas pessoais, por exemplo, podem facilmente ser intensos
demais, e para a maioria dos homens é isso o que ocorre.
Podem, também, ainda que mais raramente, ser baixos de-
mais. Ao excesso chamamos fraqueza ou fúria; à falta, estu-
pidez, insensibilidade e carência de espírito. De nenhum
dos dois podemos tomar parte, mas ao vê-los ficamos atôni- ,
tos e confusos.
Porém, essa mediania em que consiste a conveniência é
diferente em diferentes paixões. Em algumas é intensa, baixa
em outras. Há algumas paixões cuja expressão muito intensa
é indecente, mesmo nas ocasiões em que se admite que não
podemos deixar de senti-las com grande intensidade. E há
outras cujas mais fortes manifestações são, muitas vezes, ex-
tremamente graciosas, ainda que as paixões em si talvez não
sejam necessariamente tão intensas. As primeiras são as pai-
xões pelas quais, por algum motivo, há pouca ou nenhuma
simpatia; as outras são as que por outras razões, inspiram-na
enormemente. E se analisarmos todas as diferentes paixões
28
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS

Dessa mesma maneira julgamos os produtos de todos


att •s qu s ditig m à imagina ão. unndo um críti · xa-
mlna a obra d L: qualqu r elos grand s mestres da p .sia u
pintura, por wz s po le e.xa min ~.-l a . egun lo un a i lé ia d
pcrf ·ição que f rm u m seu p r ' J rio píJilo, à qu a l nem SEÇÃO II
essa nx:m qua Jqu r Oulr~l br. huma na jamais pod rá a i -an-
çur; ~ Jnquanlo a ·omparar ·om e s · padrà , nada pod rá Dos graus das diversas paixões
ver senã imp rf i -- · faltas . Mas se passar a conside rar a
posi ·fio qu a obra deve ria ter entre outras da mes ma esp '- compatíveis com a conveniência
'ie, n ·essari~unente a compamrá com um pac..lrâ muit di-
fe r nte, cujo grau de ex ·elên ia é c mum me alcan " tdo nes-
a arte esp í.fica, e se a julgar egund ssa n va m dicla,
poderá par t: r merececl ra d mai r a plauso, na medida m
que se apr xi ma muito mais la p rfe ição do que a mai ria INTRODUÇÃO
das obras m as quais p de omp Lir.
A conveniência de toda a paixão suscitada por objetos
que guardam uma peculiar relação conosco, o grau em que
o espectador consegue nos acompanhar, deve residir, evi-
dentemente, numa certa mediania (mediocrity). Se a paixão
for elevada demais, ou excessivamente baixa, não poderá
partilhar dela . Dor e ressentimento por infortúnios e ofen-
sas pessoais, por exemplo, podem facilmente ser intensos
demais, e para a maioria dos homens é isso o que ocorre.
Podem, também, ainda que mais raramente, ser baixos de-
mais. Ao excesso chamamos fraqueza ou fúria; à falta, estu-
pidez, insensibilidade e carência de espírito. De nenhum
dos dois podemos tomar parte, mas ao vê-los ficamos atôni- ,
tos e confusos.
Porém, essa mediania em que consiste a conveniência é
diferente em diferentes paixões. Em algumas é intensa, baixa
em outras. Há algumas paixões cuja expressão muito intensa
é indecente, mesmo nas ocasiões em que se admite que não
podemos deixar de senti-las com grande intensidade. E há
outras cujas mais fortes manifestações são, muitas vezes, ex-
tremamente graciosas, ainda que as paixões em si talvez não
sejam necessariamente tão intensas. As primeiras são as pai-
xões pelas quais, por algum motivo, há pouca ou nenhuma
simpatia; as outras são as que por outras razões, inspiram-na
enormemente. E se analisarmos todas as diferentes paixões
30 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 31
da natureza humana, descobriremos que são consideradas de- dade para com o belo sexo torna um homem desprezível até
centes ou indecentes na proporção exata da maior ou menor mesmo para outros homens.
disposição da humanidade a simpatizar com elas. Tamanha é nossa aversão por todos os apetites originados
do corpo, que todas as suas mais fortes expressões são repul-
sivas e desagradáveis. Segundo alguns filósofos antigos, essas
CAPÍTULO I são as paixões que temos em comum com os animais, e, não
Das paixões que se originam do corpo tendo ligação com as qualidades próprias da natureza huma-
na, estão, por essa razão, abaixo da dignidade humana. Mas
1. É indecente expressar com intensidade as pa1xoes há muitas outras paixões que dividimos com os animais, co-
que se originam de certa situação ou disposição do corpo, mo ressentimento, afeto natural, até mesmo gratidão, que, por .
pois não se pode esperar que quem está conosco, não pos~ essa razão, não parecem tão bestiais. A verdadeira causa da
suindo a mesma disposição, simpatize com elas. Fome inten- repulsa característica que concebemos em relação aos apeti-
sa, por exemplo, embora em muitas ocasiões seja não ape- tes do corpo quando os vemos em outros homens se deve a
nas natural, mas inevitável, é sempre indecente; e comer vo- não podermos partilhá-las. Para a pessoa que as experimen-
razmente é universalmente visto como demonstração de maus ta, assim que forem satisfeitas, o objeto que as suscitou deixa
modos. Há, entretanto, certo grau de simpatia até mesmo com de ser agradável; não raro, até sua presença se torna abjeta:
fome. É agradável ver nossos companheiros comerem com bom olha em torno e não vê razão para o encantamento que o ar-
apetite, e todas as expressões de repulsa são ofensivas. A rebatou um momento atrás, e agora partilha de sua própria
disposição do corpo que é comum num homem saudável faz paixão tão pouco quanto qualquer outra pessoa. Depois do
seu estômago facilmente se ajustar, se me permitem uma ex- jantar, ordenamos que retirem as travessas; deveríamos, pois,
pressão tão grosseira, com um e não com outro. Podemos sim-
tratar da mesma forma os objetos de nossos mais ardentes e
patizar com a aflição que a fome excessiva provoca, ao ler-
apaixonados desejos, ou seja, os objetos de paixões que se
mos sua descrição nos diários de um local sitiado ou viagem
originam do corpo.
marítima. Imaginamo-nos na situação dos sofredores, e com
isso prontamente concebemos a dor, o medo, a consternação, No domínio dos apetites do corpo consiste a virtude
que necessariamente os assaltam. Nós mesmos sentimos cer- adequadamente chamada temperança. Mantê-los dentro dos
to grau dessas paixões, e portanto simpatizamos com elas; limites prescritos pelos cuidados com saúde e fortuna é a
mas como ler essa descrição não nos faz sentir fome, nem parte que cabe à prudência. Mas confiná-los dentro dos limi-
mesmo nesse caso pode-se dizer propriamente que nos soli- tes exigidos pela graça, conveniência, delicadeza e modéstia,
darizamos com a fome deles. é ofício da temperança.
O caso é semelhante quando se trata da paixão pela qual 2. Pelo mesmo motivo, gritar de dor física, por mais in-
a natureza une os dois sexos. Embora naturalmente seja a suportável que seja, parece sempre pouco viril e adequado.
mais impetuosa de todas as paixões, todas as suas intensas Mas existe bastante solidariedade mesmo pela dor física. Se,
manifestações são sempre indecentes, mesmo entre as pessoas como já comentei, vejo que um golpe está prestes a ser des-
para as quais todas as leis, humanas e divinas, reconhecem ser ferido sobre a perna ou o braço de outra pessoa, naturalmen-
perfeitamente inocente o seu mais completo gozo; embora pa- te encolho e retiro minha própria perna ou braço; e, quando
reça haver um certo grau de simpatia até mesmo para com essa o golpe finalmente é desferido, de algum modo o sinto e ele
paixão. Falar com uma mulher como faríamos com um homem me fere tanto quanto quem de fato o sofreu. Porém minha fe-
é inconveniente; espera-se que a companhia nos inspire mais rida é extremamente leve, e por essa razão se o outro gritar
alegria, mais cortesia e mais atenção; e uma total insensibili- violentamente na medida em que não posso segui-lo, nunca
30 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 31
da natureza humana, descobriremos que são consideradas de- dade para com o belo sexo torna um homem desprezível até
centes ou indecentes na proporção exata da maior ou menor mesmo para outros homens.
disposição da humanidade a simpatizar com elas. Tamanha é nossa aversão por todos os apetites originados
do corpo, que todas as suas mais fortes expressões são repul-
sivas e desagradáveis. Segundo alguns filósofos antigos, essas
CAPÍTULO I são as paixões que temos em comum com os animais, e, não
Das paixões que se originam do corpo tendo ligação com as qualidades próprias da natureza huma-
na, estão, por essa razão, abaixo da dignidade humana. Mas
1. É indecente expressar com intensidade as pa1xoes há muitas outras paixões que dividimos com os animais, co-
que se originam de certa situação ou disposição do corpo, mo ressentimento, afeto natural, até mesmo gratidão, que, por .
pois não se pode esperar que quem está conosco, não pos~ essa razão, não parecem tão bestiais. A verdadeira causa da
suindo a mesma disposição, simpatize com elas. Fome inten- repulsa característica que concebemos em relação aos apeti-
sa, por exemplo, embora em muitas ocasiões seja não ape- tes do corpo quando os vemos em outros homens se deve a
nas natural, mas inevitável, é sempre indecente; e comer vo- não podermos partilhá-las. Para a pessoa que as experimen-
razmente é universalmente visto como demonstração de maus ta, assim que forem satisfeitas, o objeto que as suscitou deixa
modos. Há, entretanto, certo grau de simpatia até mesmo com de ser agradável; não raro, até sua presença se torna abjeta:
fome. É agradável ver nossos companheiros comerem com bom olha em torno e não vê razão para o encantamento que o ar-
apetite, e todas as expressões de repulsa são ofensivas. A rebatou um momento atrás, e agora partilha de sua própria
disposição do corpo que é comum num homem saudável faz paixão tão pouco quanto qualquer outra pessoa. Depois do
seu estômago facilmente se ajustar, se me permitem uma ex- jantar, ordenamos que retirem as travessas; deveríamos, pois,
pressão tão grosseira, com um e não com outro. Podemos sim-
tratar da mesma forma os objetos de nossos mais ardentes e
patizar com a aflição que a fome excessiva provoca, ao ler-
apaixonados desejos, ou seja, os objetos de paixões que se
mos sua descrição nos diários de um local sitiado ou viagem
originam do corpo.
marítima. Imaginamo-nos na situação dos sofredores, e com
isso prontamente concebemos a dor, o medo, a consternação, No domínio dos apetites do corpo consiste a virtude
que necessariamente os assaltam. Nós mesmos sentimos cer- adequadamente chamada temperança. Mantê-los dentro dos
to grau dessas paixões, e portanto simpatizamos com elas; limites prescritos pelos cuidados com saúde e fortuna é a
mas como ler essa descrição não nos faz sentir fome, nem parte que cabe à prudência. Mas confiná-los dentro dos limi-
mesmo nesse caso pode-se dizer propriamente que nos soli- tes exigidos pela graça, conveniência, delicadeza e modéstia,
darizamos com a fome deles. é ofício da temperança.
O caso é semelhante quando se trata da paixão pela qual 2. Pelo mesmo motivo, gritar de dor física, por mais in-
a natureza une os dois sexos. Embora naturalmente seja a suportável que seja, parece sempre pouco viril e adequado.
mais impetuosa de todas as paixões, todas as suas intensas Mas existe bastante solidariedade mesmo pela dor física. Se,
manifestações são sempre indecentes, mesmo entre as pessoas como já comentei, vejo que um golpe está prestes a ser des-
para as quais todas as leis, humanas e divinas, reconhecem ser ferido sobre a perna ou o braço de outra pessoa, naturalmen-
perfeitamente inocente o seu mais completo gozo; embora pa- te encolho e retiro minha própria perna ou braço; e, quando
reça haver um certo grau de simpatia até mesmo para com essa o golpe finalmente é desferido, de algum modo o sinto e ele
paixão. Falar com uma mulher como faríamos com um homem me fere tanto quanto quem de fato o sofreu. Porém minha fe-
é inconveniente; espera-se que a companhia nos inspire mais rida é extremamente leve, e por essa razão se o outro gritar
alegria, mais cortesia e mais atenção; e uma total insensibili- violentamente na medida em que não posso segui-lo, nunca
32 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 33
deixarei de desprezá-lo. Isso sucede a todas as paixões que se A dor nunca provoca nenhuma simpatia muito viva, i
originam do corpo: não inspiram .nenhuma simpatia, ou ape- salvo se for acompanhada de perigo. Simpatizamos com o !
nas a inspiram num grau o mp.l tam nte desproporcional à medo, embora não com a agonia daquele que sofre. Porém, ·
violência experimentada pelo sofredor. o medo é uma paixão que resulta inteiramente da imagina-
Algo bem diferente ocorre com as paixões que se origi- ção, a qual representa, com uma incerteza e flutuação que
nam da imaginação. A estrutura de meu corpo é pouco afe- aumentam nossa ansiedade, não o que realmente sentimos,
tada pelas alterações provocadas na de meu companheiro; mas o que doravante possivelmente sofreremos. A gota ou a
mas minha imaginação é mais maleável, e assume mais dor de dentes, embora peculiarmente dolorosas, inspiram
pront·'l mente, se posso dizer assim, a forma e configuração pouca solidariedade; doenças mais perigosas, embora cau-
d ima rinação daqueles que me são familiares. Desse modo, sem muito pouca dor, inspiram a maior solidariedade.
uma decepção amorosa, ou nos negócios, provocará mais Algumas pessoas desmaiam e sentem náuseas ao verem
simpatia do que o maior dos males físicos. Aquelas paixões uma cirurgia; e a dor física que é causada pela dilaceração
se originam inteiramente da imaginação. A pessoa que per- da carne parece-lhes inspirar imensa solidariedade. Conce-
deu toda a sua fortuna, se tiver saúde, nada sentirá no corpo. bemos de maneira muito mais viva e distinta a dor que pro-
O que sofre vem só da imaginação, que lhe representa a cede de uma causa externa do que aquela que se origina de
perda de sua dignidade, o esquecimento por parte dos ami- uma desordem interna. Quase não posso formar uma idéia
gos, o desprezo de seus inimigos, a dependência, a carência, das agonias de meu próximo quando é torturado pela gota
ou cálculos renais, mas tenho a mais clara concepção do
a miséria que se aproximam rapidamente. Isso nos faz sim-
que deve sofrer por causa de uma incisão, um ferimento ou
patizar mais intensamente com ele, porque nossa imagina-
fratura. Porém, a principal causa de tais objetos produzirem
ção molda-se mais rapidamente à dele do que nossos corpos efeitos tão intensos sobre nós é a sua novidade. Quem tes-
se moldam ao corpo dele. temunhou uma dúzia de dissecações e igual número de am-
A perda de uma perna pode ser considerada, de modo pu t:açõ s assiste a todas as operações desse tipo com grande
geral, como uma calamidade mais real do que a perda de ínclífi r nça, muitas vezes com total insensibilidade. Embora te-
uma amante. Seria uma tragédia ridícula, entretanto, aquela nhamos lido, ou visto representadas, mais de quinhentas tragé-
cuja catástrofe dissesse respeito a uma perda desse tipo. Um dias, raramente sentiremos tamanha diminuição de nossa sen-
infortúnio como o segundo, por mais frívolo que possa pare- sibilidade diante dos objetos que elas nos apresentam.
cer, já foi motivo de várias tragédias excelentes. Em alguma. das tragédias rr gas há uma t nt.aliva de
3

Nada se esquece tão depressa quanto a dor. No momen- inspirar piedade por meio da re pre ntação das agonlas da
to em que se vai, toda a agonia termina, e sua lembrança já dor física. Os extremos do sofrimento fazem Filoctetes• gritar
não pode nos causar nenhuma perturbação. Então nós mes- e desmaiar. Apresentam-nos Hipólito e Hércules•• expirando
mos não podemos mais participar da ansiedade e angústia sob torturas tão intensas, que nem mesmo a coragem de
que antes havíamos concebido. Uma palavra descuidada de Hércules parece capaz de suportar. Todavia, em todos esses
um amigo ocasionará um desconforto mais duradouro. A casos não é a dor que nos interessa, mas alguma outra cir-
agonia que isso cria não termina com a palavra. O que ini- cunstância. Não é o pé doente, mas a solidão de Filoctetes
cialmente nos perturba não é o objeto dos sentidos, mas a que nos afeta e espalha, por toda esta encantadora tragédia,
idéia da imaginação. Por ser uma idéia, portanto, o que oca-
siona nosso desconforto, até que o tempo e o acaso em algu-
ma medida a apaguem de nossa memória, esse pensamento • Filoctetes, de Sófocles. (N. da R. T.)
•• Hipólito, de Eurípides, e Trachimae, de Sófocles, respectivamente.
continua a corroer e ferir por dentro a imaginação. (N. da R. T.)
32 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 33
deixarei de desprezá-lo. Isso sucede a todas as paixões que se A dor nunca provoca nenhuma simpatia muito viva, i
originam do corpo: não inspiram .nenhuma simpatia, ou ape- salvo se for acompanhada de perigo. Simpatizamos com o !
nas a inspiram num grau o mp.l tam nte desproporcional à medo, embora não com a agonia daquele que sofre. Porém, ·
violência experimentada pelo sofredor. o medo é uma paixão que resulta inteiramente da imagina-
Algo bem diferente ocorre com as paixões que se origi- ção, a qual representa, com uma incerteza e flutuação que
nam da imaginação. A estrutura de meu corpo é pouco afe- aumentam nossa ansiedade, não o que realmente sentimos,
tada pelas alterações provocadas na de meu companheiro; mas o que doravante possivelmente sofreremos. A gota ou a
mas minha imaginação é mais maleável, e assume mais dor de dentes, embora peculiarmente dolorosas, inspiram
pront·'l mente, se posso dizer assim, a forma e configuração pouca solidariedade; doenças mais perigosas, embora cau-
d ima rinação daqueles que me são familiares. Desse modo, sem muito pouca dor, inspiram a maior solidariedade.
uma decepção amorosa, ou nos negócios, provocará mais Algumas pessoas desmaiam e sentem náuseas ao verem
simpatia do que o maior dos males físicos. Aquelas paixões uma cirurgia; e a dor física que é causada pela dilaceração
se originam inteiramente da imaginação. A pessoa que per- da carne parece-lhes inspirar imensa solidariedade. Conce-
deu toda a sua fortuna, se tiver saúde, nada sentirá no corpo. bemos de maneira muito mais viva e distinta a dor que pro-
O que sofre vem só da imaginação, que lhe representa a cede de uma causa externa do que aquela que se origina de
perda de sua dignidade, o esquecimento por parte dos ami- uma desordem interna. Quase não posso formar uma idéia
gos, o desprezo de seus inimigos, a dependência, a carência, das agonias de meu próximo quando é torturado pela gota
ou cálculos renais, mas tenho a mais clara concepção do
a miséria que se aproximam rapidamente. Isso nos faz sim-
que deve sofrer por causa de uma incisão, um ferimento ou
patizar mais intensamente com ele, porque nossa imagina-
fratura. Porém, a principal causa de tais objetos produzirem
ção molda-se mais rapidamente à dele do que nossos corpos efeitos tão intensos sobre nós é a sua novidade. Quem tes-
se moldam ao corpo dele. temunhou uma dúzia de dissecações e igual número de am-
A perda de uma perna pode ser considerada, de modo pu t:açõ s assiste a todas as operações desse tipo com grande
geral, como uma calamidade mais real do que a perda de ínclífi r nça, muitas vezes com total insensibilidade. Embora te-
uma amante. Seria uma tragédia ridícula, entretanto, aquela nhamos lido, ou visto representadas, mais de quinhentas tragé-
cuja catástrofe dissesse respeito a uma perda desse tipo. Um dias, raramente sentiremos tamanha diminuição de nossa sen-
infortúnio como o segundo, por mais frívolo que possa pare- sibilidade diante dos objetos que elas nos apresentam.
cer, já foi motivo de várias tragédias excelentes. Em alguma. das tragédias rr gas há uma t nt.aliva de
3

Nada se esquece tão depressa quanto a dor. No momen- inspirar piedade por meio da re pre ntação das agonlas da
to em que se vai, toda a agonia termina, e sua lembrança já dor física. Os extremos do sofrimento fazem Filoctetes• gritar
não pode nos causar nenhuma perturbação. Então nós mes- e desmaiar. Apresentam-nos Hipólito e Hércules•• expirando
mos não podemos mais participar da ansiedade e angústia sob torturas tão intensas, que nem mesmo a coragem de
que antes havíamos concebido. Uma palavra descuidada de Hércules parece capaz de suportar. Todavia, em todos esses
um amigo ocasionará um desconforto mais duradouro. A casos não é a dor que nos interessa, mas alguma outra cir-
agonia que isso cria não termina com a palavra. O que ini- cunstância. Não é o pé doente, mas a solidão de Filoctetes
cialmente nos perturba não é o objeto dos sentidos, mas a que nos afeta e espalha, por toda esta encantadora tragédia,
idéia da imaginação. Por ser uma idéia, portanto, o que oca-
siona nosso desconforto, até que o tempo e o acaso em algu-
ma medida a apaguem de nossa memória, esse pensamento • Filoctetes, de Sófocles. (N. da R. T.)
•• Hipólito, de Eurípides, e Trachimae, de Sófocles, respectivamente.
continua a corroer e ferir por dentro a imaginação. (N. da R. T.)
34 TEORIA DOS SENI1MENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 35
aquele romântico desvario, que tanto agrada à nossa imagi- rld , ainda qu possa ad mitir que são p r.~ i_rameme natu-
nação. As agonias de Hércules e Hipólito são interessantes rais, . uscitam pau ·a simpa.tia. Po.i a imagina -â cJ s bom ns
apenas porque antevemos que terão como con seqü ê ncia a não tendo a dquirido aq uel p e ndor parli ular, não cons gu '
morte. Se os heróis pudessem se re upera r, julga ríamos per- ompattilhá-Jas· tais paixõ s, e mb ra s admita q u s<.i qua -
~ itamente ridicula a repres nta âo cl seus sofrim nros. Que s inevitáve l em algum m m nro da vida, ão semrre em
trag dia seria aquela uja catá tmfe• consistiss apenas de c rta medida L'idi ulas. Esse é o caso daquela forte liga ~o
uma ólical No enram , ne nhuma dor é mais aguda. Essas que naturalme.m s d esenvo lve ntr duas pessoas d e sexo
te ntativas cle su ·citar a piedade por meio da repre e ntação diferentes qu há muit fixa ra m seus p e nsa m ~mos um< o-
da dor física podem ser consideradas entre as m a i r s que- br ·· a ou lra. om nossa unagina ~o nà o rre u pelo m sm I
bras n de · ro de que o teatro grego deu exemplo. canal que a do a paixonado não podemo. comprut ilbar d a an- 1
A pouca impalia que sentimos pela dor física é o fun- it:~ade de s uas c::moçõ s. Se nosso a mig foi fenclid , s im-
dame nt da pr priedad da constância e paciência ao supor- pallZamos prontamente ·om s u ressentime nt , ficamos ira-
tá-la. homem q ue, sob as mais inLe n. as torturas nã dos com a m sma r . oa com q u stá iJ•ado. e re ·ebeu um
permite nenhuma fraqueza, n ga- a gemer, não manife ta b nefi ·io, omparlilham< . prontament a s ua gratidão, te-
nenhuma paixão que não possa mos c mpartilhar int ira- mos em a lta · o nta o m , rito d cu b nfeitor. Mas se Ie está
mente, imp - -nos grande admiraçã . ua firmeza lhe p rmi- apalxon ad o, em! ora possamos julgar sua pai ã tão razoá-
te seguir altivo ante nossa indiferença inse nsil ilidacle. Ad- v l quanto qua'Jquer outra, nun ca n s e ntimos o briga lo a
miramos, acompanhando de par, o esforço magnânimo que cem e b r uma p ai:x.'lo do m esmo tipo, e p ela me ma pe:;~oa
faz com esse propósito. Aprovamos sua conduta e, por nossa pela qual ele a con · b u . A paixão p· r c a todos, menos ' 1
experiência da fraqueza comum à natureza humana, sur- parn o homem que a • me, int imm nt despr por ·· nal ·om
preende-nos e causa-nos espanto sua capacidade de agir de o valor d o i j •to; , m bora s p erdoe o a mor em certa ida-
modo a mer c r a p ro ação. Quando ap rova ào vem se de, p rqu o sabe m s nat1.rral, - s mpr risível, já qu mo
. 01na r e infundir _spanto e surpre ·a, temo. sentimento partilhamos d l . Todas as uas graves e intensas expre sõ '-"
adeq uadamen te chamado d admiraçâ , Ct1ja ex:pr ~ssão na- pa r rn ridí ·u las para uma terceira pess a; e mbora um
apaix macio 1 ssa ser boa companhia pa r•t s~1a ama nt , não
tural é o aplauso, com o já observamos••.
o é para ninguém mais. Ele p ró J rio sa l disso e, na m ' dida
e m que pe rmane ~r só! rio, tra ta rá sua própria paixão ~:omo
ai o ridículo e fará Lro a dela. É únj · sLilo que nos inte-
CAPÍTULO li
ressa uvir, porque é o ún.ic Lilo de que est..1.mos d ispost
Da.~ paixões qu se originam de um pendor
a falar. Ented ia-o s o grav , pedru1te e prolixo amor d Cowley
ou bábilo pcn'liwlar da imaginação
Pe lra rca, qu jam~1js se Uv raram dos exageros da intensidad
I s uas r la e·; mas a alegria d e Ovícl io e a galanteria d II -
Mesmo as paixões derivadas da imaginação, as que se ori-
rácio são sempre agmd áv is.
ginam de um pendor ou hábito peculiar que ela tenha adqui-
Embora não sintam s propriamente simpatia por uma li-
gação d ess tipo emb r~ 11 m mesmo na imagina à possamos
• "Distress", no original. A catástrofe constitui, segundo Aristóteles, n nceb r uma paixão p r aquela pcs. a m . pedal, contudo,
uma das três partes do mito- as outras duas são "peripécia" e "reconheci- uma v z qu já con I m · s u po d m s sta r pr 'dispostos
mento" - e refere-se a "uma ação perniciosa e dolorosa, como o são as mor- a con e l. er paixõ cl m sm tip o, pr ntamenre partilhamos
tes em cena, as dores veementes e mais casos semelhantes" (Aristóteles,
Poética, 1452b; 9; trad. Eudoro de Souza). (N. da R T.) d as lev'Kias esp era np1s cl' ~ licidade que a sati. fação d e sa
" TSM, Parte I, Seção I, Cap. IV, pp. 19-20. (N. da R T.) paixão no, acena, b m como d aque la inte nsa aJ1içà que a d •-
34 TEORIA DOS SENI1MENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 35
aquele romântico desvario, que tanto agrada à nossa imagi- rld , ainda qu possa ad mitir que são p r.~ i_rameme natu-
nação. As agonias de Hércules e Hipólito são interessantes rais, . uscitam pau ·a simpa.tia. Po.i a imagina -â cJ s bom ns
apenas porque antevemos que terão como con seqü ê ncia a não tendo a dquirido aq uel p e ndor parli ular, não cons gu '
morte. Se os heróis pudessem se re upera r, julga ríamos per- ompattilhá-Jas· tais paixõ s, e mb ra s admita q u s<.i qua -
~ itamente ridicula a repres nta âo cl seus sofrim nros. Que s inevitáve l em algum m m nro da vida, ão semrre em
trag dia seria aquela uja catá tmfe• consistiss apenas de c rta medida L'idi ulas. Esse é o caso daquela forte liga ~o
uma ólical No enram , ne nhuma dor é mais aguda. Essas que naturalme.m s d esenvo lve ntr duas pessoas d e sexo
te ntativas cle su ·citar a piedade por meio da repre e ntação diferentes qu há muit fixa ra m seus p e nsa m ~mos um< o-
da dor física podem ser consideradas entre as m a i r s que- br ·· a ou lra. om nossa unagina ~o nà o rre u pelo m sm I
bras n de · ro de que o teatro grego deu exemplo. canal que a do a paixonado não podemo. comprut ilbar d a an- 1
A pouca impalia que sentimos pela dor física é o fun- it:~ade de s uas c::moçõ s. Se nosso a mig foi fenclid , s im-
dame nt da pr priedad da constância e paciência ao supor- pallZamos prontamente ·om s u ressentime nt , ficamos ira-
tá-la. homem q ue, sob as mais inLe n. as torturas nã dos com a m sma r . oa com q u stá iJ•ado. e re ·ebeu um
permite nenhuma fraqueza, n ga- a gemer, não manife ta b nefi ·io, omparlilham< . prontament a s ua gratidão, te-
nenhuma paixão que não possa mos c mpartilhar int ira- mos em a lta · o nta o m , rito d cu b nfeitor. Mas se Ie está
mente, imp - -nos grande admiraçã . ua firmeza lhe p rmi- apalxon ad o, em! ora possamos julgar sua pai ã tão razoá-
te seguir altivo ante nossa indiferença inse nsil ilidacle. Ad- v l quanto qua'Jquer outra, nun ca n s e ntimos o briga lo a
miramos, acompanhando de par, o esforço magnânimo que cem e b r uma p ai:x.'lo do m esmo tipo, e p ela me ma pe:;~oa
faz com esse propósito. Aprovamos sua conduta e, por nossa pela qual ele a con · b u . A paixão p· r c a todos, menos ' 1
experiência da fraqueza comum à natureza humana, sur- parn o homem que a • me, int imm nt despr por ·· nal ·om
preende-nos e causa-nos espanto sua capacidade de agir de o valor d o i j •to; , m bora s p erdoe o a mor em certa ida-
modo a mer c r a p ro ação. Quando ap rova ào vem se de, p rqu o sabe m s nat1.rral, - s mpr risível, já qu mo
. 01na r e infundir _spanto e surpre ·a, temo. sentimento partilhamos d l . Todas as uas graves e intensas expre sõ '-"
adeq uadamen te chamado d admiraçâ , Ct1ja ex:pr ~ssão na- pa r rn ridí ·u las para uma terceira pess a; e mbora um
apaix macio 1 ssa ser boa companhia pa r•t s~1a ama nt , não
tural é o aplauso, com o já observamos••.
o é para ninguém mais. Ele p ró J rio sa l disso e, na m ' dida
e m que pe rmane ~r só! rio, tra ta rá sua própria paixão ~:omo
ai o ridículo e fará Lro a dela. É únj · sLilo que nos inte-
CAPÍTULO li
ressa uvir, porque é o ún.ic Lilo de que est..1.mos d ispost
Da.~ paixões qu se originam de um pendor
a falar. Ented ia-o s o grav , pedru1te e prolixo amor d Cowley
ou bábilo pcn'liwlar da imaginação
Pe lra rca, qu jam~1js se Uv raram dos exageros da intensidad
I s uas r la e·; mas a alegria d e Ovícl io e a galanteria d II -
Mesmo as paixões derivadas da imaginação, as que se ori-
rácio são sempre agmd áv is.
ginam de um pendor ou hábito peculiar que ela tenha adqui-
Embora não sintam s propriamente simpatia por uma li-
gação d ess tipo emb r~ 11 m mesmo na imagina à possamos
• "Distress", no original. A catástrofe constitui, segundo Aristóteles, n nceb r uma paixão p r aquela pcs. a m . pedal, contudo,
uma das três partes do mito- as outras duas são "peripécia" e "reconheci- uma v z qu já con I m · s u po d m s sta r pr 'dispostos
mento" - e refere-se a "uma ação perniciosa e dolorosa, como o são as mor- a con e l. er paixõ cl m sm tip o, pr ntamenre partilhamos
tes em cena, as dores veementes e mais casos semelhantes" (Aristóteles,
Poética, 1452b; 9; trad. Eudoro de Souza). (N. da R T.) d as lev'Kias esp era np1s cl' ~ licidade que a sati. fação d e sa
" TSM, Parte I, Seção I, Cap. IV, pp. 19-20. (N. da R T.) paixão no, acena, b m como d aque la inte nsa aJ1içà que a d •-
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TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 37


36
cepç:.Lo n s faz t ·m r. lrlteressa-n nã > c mo paixã , mas ·o- porventura uma cena desse tipo é aceita numa tragédia, é sem-
~re, em cetta medida, imprópria, e toleram-na não por simpa-
1110 uma situação que propordona n vas patX
reressa m, , s:1b r, espernn a, medo e afllç s ele t d s s lipos tta par~ com a paixão que expressa, mas para que a platéia
_ do 111e m modo com , numa cl · s riçào d viagem rn.'lríti-
J
anteveJa, preocupada, os perigos e dificuldades que provavel-
ma, nã ' a fome qu n s inl ressa, mas a al1i:ão ausada por mente cercam tal amor.
A reserva que as leis da sociedade impõem ao belo sexo
es. a rorn . Embora não partkip -'m propriam nt do relacio-
nament do apaixonado, prontament acompanhamos as x- levando em conta sua fragilidade, apresenta-o como peculiar~
mente sofredor, e, por isso mesmo, mais profundamente inte-
pe t:ttivas ele feli idad " r mântica p r qu le s - deixa levar.
mimos mo para espírit é natu ral, em cerra situa â ressante. Ficamos encantados com o amor de Fedra, tal como
se manifesta na tragédia francesa do mesmo nome* apesar
quando a indo lência o afrouxa a v i I n ia do d seja o fati-
de toda extravagância_ e c~lpa que o cercam. Pode-se dlzer que
ga, aspira r à ser -'nidad quictud , esp r:u encontrá-las na
essa mesma extravaganoa e culpa em certa medida recomen-
satisfa - daquela p.lixão que o distrai, e compor para si 111 s-
dam-nos a peça. O medo de Fedra, sua vergonha, seu remor-
mo a idéia daqu ·la vi la cl tranqüilidade e retir hu ·< li -o
so, seu horror, seu desespero, tornam-se com isso mais naturais
qu <::l eg~UJte, t rno apaixonado Tibu lo tanr gosta de d s-
e interess~ntes. T~das as paixões secundárias - se me permi-
. ·re er; urna vida c m a que o po ta d s rev nas llhas da
tem chama-las asstm -,que surgem da situação de amor tor-
Fortuna• , um~t vi la de amizade liberdade r p u ; livre d
nam-se necessariamente mais intensas e violentas; e é a~enas
tra b·lih< , de uidad s. e de todas as turbu l ntas paiJ õe qu c?m e~sas paixões secundárias que podemos propriamente
<s a mpan ham . Né cenas des. ·1 espécie n<. imeressa m mai
stmpattzar.
quando pintadas como algo qu ~ . e espera d q ue c m algo De todas as paixões que guardam uma extravagante des-
de qu s goza. A rudeza de, a 1 <lixã , q u ca lvcz se mistu- ~r~porção em relaçã;> a seus objetos, o amor é, entretanto, a
r· ·om o runor ou se ja o fundrun "nlo d lc, ti apar c · quan- umca que parece, ate para os espíritos mais frágeis, ter em si
1 ua satisfação é rem w e listante; ma torna o todo fen- algo de gracioso e agradável. Antes de tudo, embora possa
·iv quando des ·riL om > al ,o que ci " imediat se possui . ser em si mesmo ridículo, não é naturalmente odioso; e em-
Por sse motivo, a paixã feliz n >S inte r sa llllJiL menos do bora suas conseqüências sejam freqüentemente fatais e terrí-
qu · a temerosa a melancóli a. Estr m cem s ante tud o o veis, raramente suas intenções são malévolas. Ademais, embo-
que possa de e pd na r sp ra n as tão natu rais agradáveis· ra na paixão em si haja pouca propriedade, há muita em al-
e assim partilh am s de toda a aosi dad , preocupa .ão e afli- gumas das que sempre a acompanham. Há no amor uma for-
ôes do a paixona lo. te mistura de humanidade, generosidade, bondade, amizade
Daí que, em alguma tragédias romnn es modero , s- e~tima: paixões com as quais, entre todas as outras, por ra~
·a paixão pa re a tão maravilhosa mente interes ant . N o é zoes _9ue s~rão e_xplicadas imediatamente, temos a maior pro-
tant< amor de Ca tália e Monímia que nos alrai n - tjmr, pensao a stmpattzar, a despeito de sabermos que são em cer-
mas a aflição que esse amor provoca. O autor que apresen- ta medida excessivas. A simpatia que sentimos por elas torna
tasse dois amantes numa cena de perfeita segurança, expres- menos desagradável a paixão que as acompanha, e nos faz
sando seu carinho mútuo, despertaria risos, não simpatia. Se apr~vá-la em nossa imaginação, apesar de todos os vícios que
habttualmente dela se seguem; embora num sexo necessaria-
mente conduza à derradeira ruína e infâmia e no outro no
• "Ilhas da Fortuna": mito da Antiga Grécia sobre o lugar destinado aos ' '
virtuosos após a morte. Aí não encontrariam nenhuma espécie de tribulação
e carência. (N. ela R T.) ' Fedra, de Racine.
•• O órfão, peça ele Thomas Otway. (N. da R. T.)
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TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 37


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cepç:.Lo n s faz t ·m r. lrlteressa-n nã > c mo paixã , mas ·o- porventura uma cena desse tipo é aceita numa tragédia, é sem-
~re, em cetta medida, imprópria, e toleram-na não por simpa-
1110 uma situação que propordona n vas patX
reressa m, , s:1b r, espernn a, medo e afllç s ele t d s s lipos tta par~ com a paixão que expressa, mas para que a platéia
_ do 111e m modo com , numa cl · s riçào d viagem rn.'lríti-
J
anteveJa, preocupada, os perigos e dificuldades que provavel-
ma, nã ' a fome qu n s inl ressa, mas a al1i:ão ausada por mente cercam tal amor.
A reserva que as leis da sociedade impõem ao belo sexo
es. a rorn . Embora não partkip -'m propriam nt do relacio-
nament do apaixonado, prontament acompanhamos as x- levando em conta sua fragilidade, apresenta-o como peculiar~
mente sofredor, e, por isso mesmo, mais profundamente inte-
pe t:ttivas ele feli idad " r mântica p r qu le s - deixa levar.
mimos mo para espírit é natu ral, em cerra situa â ressante. Ficamos encantados com o amor de Fedra, tal como
se manifesta na tragédia francesa do mesmo nome* apesar
quando a indo lência o afrouxa a v i I n ia do d seja o fati-
de toda extravagância_ e c~lpa que o cercam. Pode-se dlzer que
ga, aspira r à ser -'nidad quictud , esp r:u encontrá-las na
essa mesma extravaganoa e culpa em certa medida recomen-
satisfa - daquela p.lixão que o distrai, e compor para si 111 s-
dam-nos a peça. O medo de Fedra, sua vergonha, seu remor-
mo a idéia daqu ·la vi la cl tranqüilidade e retir hu ·< li -o
so, seu horror, seu desespero, tornam-se com isso mais naturais
qu <::l eg~UJte, t rno apaixonado Tibu lo tanr gosta de d s-
e interess~ntes. T~das as paixões secundárias - se me permi-
. ·re er; urna vida c m a que o po ta d s rev nas llhas da
tem chama-las asstm -,que surgem da situação de amor tor-
Fortuna• , um~t vi la de amizade liberdade r p u ; livre d
nam-se necessariamente mais intensas e violentas; e é a~enas
tra b·lih< , de uidad s. e de todas as turbu l ntas paiJ õe qu c?m e~sas paixões secundárias que podemos propriamente
<s a mpan ham . Né cenas des. ·1 espécie n<. imeressa m mai
stmpattzar.
quando pintadas como algo qu ~ . e espera d q ue c m algo De todas as paixões que guardam uma extravagante des-
de qu s goza. A rudeza de, a 1 <lixã , q u ca lvcz se mistu- ~r~porção em relaçã;> a seus objetos, o amor é, entretanto, a
r· ·om o runor ou se ja o fundrun "nlo d lc, ti apar c · quan- umca que parece, ate para os espíritos mais frágeis, ter em si
1 ua satisfação é rem w e listante; ma torna o todo fen- algo de gracioso e agradável. Antes de tudo, embora possa
·iv quando des ·riL om > al ,o que ci " imediat se possui . ser em si mesmo ridículo, não é naturalmente odioso; e em-
Por sse motivo, a paixã feliz n >S inte r sa llllJiL menos do bora suas conseqüências sejam freqüentemente fatais e terrí-
qu · a temerosa a melancóli a. Estr m cem s ante tud o o veis, raramente suas intenções são malévolas. Ademais, embo-
que possa de e pd na r sp ra n as tão natu rais agradáveis· ra na paixão em si haja pouca propriedade, há muita em al-
e assim partilh am s de toda a aosi dad , preocupa .ão e afli- gumas das que sempre a acompanham. Há no amor uma for-
ôes do a paixona lo. te mistura de humanidade, generosidade, bondade, amizade
Daí que, em alguma tragédias romnn es modero , s- e~tima: paixões com as quais, entre todas as outras, por ra~
·a paixão pa re a tão maravilhosa mente interes ant . N o é zoes _9ue s~rão e_xplicadas imediatamente, temos a maior pro-
tant< amor de Ca tália e Monímia que nos alrai n - tjmr, pensao a stmpattzar, a despeito de sabermos que são em cer-
mas a aflição que esse amor provoca. O autor que apresen- ta medida excessivas. A simpatia que sentimos por elas torna
tasse dois amantes numa cena de perfeita segurança, expres- menos desagradável a paixão que as acompanha, e nos faz
sando seu carinho mútuo, despertaria risos, não simpatia. Se apr~vá-la em nossa imaginação, apesar de todos os vícios que
habttualmente dela se seguem; embora num sexo necessaria-
mente conduza à derradeira ruína e infâmia e no outro no
• "Ilhas da Fortuna": mito da Antiga Grécia sobre o lugar destinado aos ' '
virtuosos após a morte. Aí não encontrariam nenhuma espécie de tribulação
e carência. (N. ela R T.) ' Fedra, de Racine.
•• O órfão, peça ele Thomas Otway. (N. da R. T.)
7EORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 39
38
qual e jl'ilga seja meno. fu nesta, quase ·em pr r •sulte em in- do ressentimento algo agradável e gracioso, é preciso humilhá-
C<Ipa idade pJt<l o traba lho, ncgligAn la d dever desprezo lo e fazê-lo cair aquém do tom a que naturalmente se elevaria.
p b fama e até pela reputaçã Otmun. Apesar d ~ tudo isso Ao mesmo tempo, os homens têm um fmtíssimo senso
das ofensas feitas a outrem. O vilão de uma tragédia ou ro-
0 grau de sensil iJidad · t; g n rosi lad com que se ~>upõe v -
nha a omp:1nbatla tom, -a, para muitos, objeto de vaidad ; mance é tanto objeto de nossa indignação quanto o herói é
gostam d :e mo:mar capaz s de sentir algo que nã s hon- de nosso afeto e simpatia. Detestamos lago tanto quanto es-
raria cas r a lm nt o s ntissem. timamos Otelo; e nos deliciamos tanto com a punição de
I ' . quando f'a I·unos
'p r ess~1 raz· o, e rta r · erva e' necessana um, quanto sofremos com a desgraça do outro. Mas embora
l ~ nossos pr ' prios amigos, noss s stu l s e n ·sas profis- os homens tenham uma tão intensa solidariedade para com
ões. ão p demos esperar que todos ess objetos inter · m as ofensas feitas a seus irmãos, nem sempre se ressentem de-
nossos o mpan heiros no mesmo grau em q ue inte r s. am a las mais do que o sofredor parece fazê-lo. Na maioria das ve-
nó . E - por carecer d ssa r s rva qu m ·tade da humanidad zes, tanto superior a sua paciência, sua brandura, sua huma-
" má ·ompanhia para a uLra m tad . l) m filós fo só I a nidade - desde que não pareça lhe faltar inteligência, ou que
, c( mpanb ia para outr fll<sofo; o m mbr le um lul ·, ape- a razão de sua indulgência não tenha sido o medo -, tanto
nas para eu pequeno grup< d ompanheüos. mais intenso será o ressentimento com relação à pessoa que
o ofendeu. A amabilidade do caráter exaspera o sentido de I
atrocidade da ofensa.
CAPÍTULO III
Das paixões insaciáveis
Mas essas paixões são consideradas partes necessárias
do caráter da natureza humana. Uma pessoa que permaneça
,,
quieta, submetendo-se a insultos, sem tentar repelir ou vin-
Há outro conjunto de paixões que, embora derivadas da gá-los, parecerá desprezível. Não podemos partilhar de sua
imagina ã , antes de p d rmos delas mpa rtilhar ou consi- indiferença e insensibilidade: chamamos seu comportamento
derá-Jus gra iosa adequadas , d v m . empre ser r -·duziclas de mesquinho, e ela nos irrita tanto quanto a insolência de
a um tom muito nY'Iis ba ix do qu aqu el para onde a nalll- seu adversário. Mesmo o povo fica indignado vendo qual-
reza indisciplinada as gostaria de elevar. São elas o ódio e o quer homem submeter-se pacientemente a afrontas e explo-
ressentimento, com todas as suas diferentes modificações. Com
ração. Deseja ver essa insolência provocar ressentimento, e
r la :ã a todas e sa paix · es, nossa simpatia divid -' e entre
que a pessoa que a sofreu fique ressentida. Enfurecido, grita-
a pe · oa que as sente, a pessoa que é obj to cl las. O. inte-
lhe que se defenda ou se vingue. Se finalmente consegue
r ss . d ssas duas são dire tamente o postos. que no sa sim-
despertar-lhe a indignação, aplaude-a com entusiasmo, sim-
palia p la pe,soa que as sente nos faria desejar, no · a solida-
riedacl pela o utra nos farh tem r. Como ambos são hom ru , patizando com tal conduta. Isso reforça sua própria indigna-
ambos nos imeressa m; e nos m elo pel que um d I s pos- ção contra o inimigo, a quem se regozija de ver atacado na
sa sofrer abafa nosso ressentimento por aquilo que o outro seqüência, e fica tão verdadeiramente reconhecido pela vin-
sofreu. Portanto, nossa simpatia pelo homem que recebeu o in- gança - desde que não seja excessiva -, quanto se fosse ele
sulto necessariamente carece da paixão que naturalmente o a vítima da ofensa.
anima, não apenas por essas causas gerais que tornam infe- Mas embora se admita a utilidade dessas paixões para o in-
riores às originais todas as paixões solidárias, mas por aquela divíduo, pois tornam arriscado insultá-lo ou ofendê-lo; e em-
causa parli ·ular, a saber, nossa simpatia opo. ta por outra pes- bora sua utilidade para o público, como guardiãs da justiça e
soa. P rtanro, mais do que qualquer outra paixà para fazer da eqüidade de sua administração, não seja menos considerá-
7EORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 39
38
qual e jl'ilga seja meno. fu nesta, quase ·em pr r •sulte em in- do ressentimento algo agradável e gracioso, é preciso humilhá-
C<Ipa idade pJt<l o traba lho, ncgligAn la d dever desprezo lo e fazê-lo cair aquém do tom a que naturalmente se elevaria.
p b fama e até pela reputaçã Otmun. Apesar d ~ tudo isso Ao mesmo tempo, os homens têm um fmtíssimo senso
das ofensas feitas a outrem. O vilão de uma tragédia ou ro-
0 grau de sensil iJidad · t; g n rosi lad com que se ~>upõe v -
nha a omp:1nbatla tom, -a, para muitos, objeto de vaidad ; mance é tanto objeto de nossa indignação quanto o herói é
gostam d :e mo:mar capaz s de sentir algo que nã s hon- de nosso afeto e simpatia. Detestamos lago tanto quanto es-
raria cas r a lm nt o s ntissem. timamos Otelo; e nos deliciamos tanto com a punição de
I ' . quando f'a I·unos
'p r ess~1 raz· o, e rta r · erva e' necessana um, quanto sofremos com a desgraça do outro. Mas embora
l ~ nossos pr ' prios amigos, noss s stu l s e n ·sas profis- os homens tenham uma tão intensa solidariedade para com
ões. ão p demos esperar que todos ess objetos inter · m as ofensas feitas a seus irmãos, nem sempre se ressentem de-
nossos o mpan heiros no mesmo grau em q ue inte r s. am a las mais do que o sofredor parece fazê-lo. Na maioria das ve-
nó . E - por carecer d ssa r s rva qu m ·tade da humanidad zes, tanto superior a sua paciência, sua brandura, sua huma-
" má ·ompanhia para a uLra m tad . l) m filós fo só I a nidade - desde que não pareça lhe faltar inteligência, ou que
, c( mpanb ia para outr fll<sofo; o m mbr le um lul ·, ape- a razão de sua indulgência não tenha sido o medo -, tanto
nas para eu pequeno grup< d ompanheüos. mais intenso será o ressentimento com relação à pessoa que
o ofendeu. A amabilidade do caráter exaspera o sentido de I
atrocidade da ofensa.
CAPÍTULO III
Das paixões insaciáveis
Mas essas paixões são consideradas partes necessárias
do caráter da natureza humana. Uma pessoa que permaneça
,,
quieta, submetendo-se a insultos, sem tentar repelir ou vin-
Há outro conjunto de paixões que, embora derivadas da gá-los, parecerá desprezível. Não podemos partilhar de sua
imagina ã , antes de p d rmos delas mpa rtilhar ou consi- indiferença e insensibilidade: chamamos seu comportamento
derá-Jus gra iosa adequadas , d v m . empre ser r -·duziclas de mesquinho, e ela nos irrita tanto quanto a insolência de
a um tom muito nY'Iis ba ix do qu aqu el para onde a nalll- seu adversário. Mesmo o povo fica indignado vendo qual-
reza indisciplinada as gostaria de elevar. São elas o ódio e o quer homem submeter-se pacientemente a afrontas e explo-
ressentimento, com todas as suas diferentes modificações. Com
ração. Deseja ver essa insolência provocar ressentimento, e
r la :ã a todas e sa paix · es, nossa simpatia divid -' e entre
que a pessoa que a sofreu fique ressentida. Enfurecido, grita-
a pe · oa que as sente, a pessoa que é obj to cl las. O. inte-
lhe que se defenda ou se vingue. Se finalmente consegue
r ss . d ssas duas são dire tamente o postos. que no sa sim-
despertar-lhe a indignação, aplaude-a com entusiasmo, sim-
palia p la pe,soa que as sente nos faria desejar, no · a solida-
riedacl pela o utra nos farh tem r. Como ambos são hom ru , patizando com tal conduta. Isso reforça sua própria indigna-
ambos nos imeressa m; e nos m elo pel que um d I s pos- ção contra o inimigo, a quem se regozija de ver atacado na
sa sofrer abafa nosso ressentimento por aquilo que o outro seqüência, e fica tão verdadeiramente reconhecido pela vin-
sofreu. Portanto, nossa simpatia pelo homem que recebeu o in- gança - desde que não seja excessiva -, quanto se fosse ele
sulto necessariamente carece da paixão que naturalmente o a vítima da ofensa.
anima, não apenas por essas causas gerais que tornam infe- Mas embora se admita a utilidade dessas paixões para o in-
riores às originais todas as paixões solidárias, mas por aquela divíduo, pois tornam arriscado insultá-lo ou ofendê-lo; e em-
causa parli ·ular, a saber, nossa simpatia opo. ta por outra pes- bora sua utilidade para o público, como guardiãs da justiça e
soa. P rtanro, mais do que qualquer outra paixà para fazer da eqüidade de sua administração, não seja menos considerá-
TEORIA DOS SEN7TMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 41
40
vel , · 111 s' mo trará d p is, ·linda assin há alg l de agra- de agricultura. Além disso, seus efeitos remotos, a saúde do
dável oali f)<lixões em si mesma'. que r rna ua manifesta ão paciente, são agradáveis; mas, como seu efeito imediato é dor
em outro · homens obj t natural d o s. a aversã . A ·pr ·- e sofrimento, sua visão sempre nos desagrada. Instrumentos de!
são d ira ontra qualqu r pe soa presem~, s exced guerra são agradáveis, embora seu efeito imediato também re- ·
ra insinua ão de que perc bemo · · u mau trato , ' vele sofrimento e dor. Mas neste caso se trata da dor e sofri-
rada nã apenas lnsuiLo a e a pe soa e m parti ular, ma mento de nossos inimigos, pelos quais não temos simpatia.
uma gro eria para com t ·las a dem'lis. respeit por elas Quanto a nós, estão imediatamente relacionados às idéias agra-
deve ria t •r-n s impedido de maniE sta r uma emoçã tã im- dáveis de coragem, vitória e honra. Supõe-se, por conseguin-
p tu o a e of nsiva. ão os efeit remmos de ·sas paixõ s os te, que formem uma elas partes mais nobres da indumentária
agradáveis; s efeitos imedlams são um mal nu-a a p • a e, suas imitações, um elos mais finos enfeites da arquitetura. o
a qu m se dirigem. Mas é o efeito imediato d oi j_ ro. , não mesmo ocorre com as qualidades do espírito. Os antigos es-
r m to u s toma agradáveis ou clesagradó is õ. imagina- tóicos pensavam que, como o mundo era governado pela pro-
ç.ão. ma prisã c ttamente é mais (JtiJ para públi do qu e vidência onipotente de um Deus sábio, poderoso e bom, cada
um palâ ·io; a p s oa que a institui é geralmem mov.ida evento isolado deveria ser considerado como parte necessária
p r um e pírito muit mais justo de pauioti. mo do JU aqu - do plano do universo, e tendendo a promover a ordem e felici-
la qu ·onsLr i o p<LI;- i . Mas os efeitos imediato cl " urna dade geral do todo; que os vícios e a insensatez dos homens
prisão, o onfinamento d desgra ·ados aí trancaH<lclo ã portanto, eram parte tão necessária desse plano quanto sua sa~
d sagr dãv "l ; H im gina :à , ou não:; dedica a buscar , bedoria ou virtude; e por essa arte eterna que deduz o bem do
r ~ motos, ou s enx rg':t a umo demas iada cüstfulcia para ser
mal, deveriam tender igualmente para a prosperidade e perfei-
por eles aferad<L Portant , uma prisão sempre serã um objeto ção do grande sistema da natureza. Porém, nenhuma espe-
culação desse tipo, por mais profundamente enraizada que este-
de:a ra láv I; e quanto mais acl quada for ao propósito a que
ja no espírito, poderia diminuir nosso natural horror ao vício
s destina, mais de agradável será . m paláci , ao contrário,
cujos efeitos imediatos são demasiado destrutivos, e os remoto~
sempre será agradável; mas seus efeitos remotos podem mui-
demasiado distantes para que a imaginação os encontre.
tas vezes incomodar o público. Pode servir para promover a
Acontece o mesmo com as paixões que estamos exami-
ostentação e dar exemplo de dissolução de costumes. Toda-
nando. Seus efeitos imediatos são tão desagradáveis que,
via, uma vez que seus efeitos imediatos, o conforto, o prazer mesmo quando justa a sua causa, ainda assim há neles algo
e a alegria elas pessoas que nele vivem, são todo ag1·adáv is e que nos repele. Portanto, estas são as únicas paixões cujas
sugerem à imaginação mil idéias agradúveis, essa fa uldad co- expressões, como comentei antes•, não nos predispõem nem
mumente repousa neles, e raramente vai além disso para pro- preparam para com elas simpatizar, antes de sermos infor-
curar suas conseqüências mais remotas. Instrumentos musi- mados da causa que as suscita. A queixosa voz da miséria,
cais ou de agricultura, imitados em pintura ou estuque, cons- quando ouvida à distância, não permitirá que fiquemos indi-
tituem enfeites comuns e agradáveis em nossos vestíbulos e ferentes quanto à pessoa de quem ela procede. Assim que
salões de jantar. Um ornato do mesmo tipo, composto de ins- chega a nossos ouvidos, interessamo-nos pela sorte dessa
trumentos cirúrgicos, facas para dissecação e amputação, ser- pessoa, e, se for continuada, há de nos forçar, quase invo-
ras para cortar ossos, ou instrumentos de trepanação etc., seria luntariamente, a correr em seu auxílio. A visão de um sem-
absurdo e ofensivo. Porém, instrumentos cirúrgicos são sem-
pre mais finamente burilados e gernlmente mais bem adapLa l s
aos propósitos para os quais se destinam do que f rrame ntas ' TSM, Parte I, Seção I, Cap. I, p. 8. (N. da R. T.)
TEORIA DOS SEN7TMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 41
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vel , · 111 s' mo trará d p is, ·linda assin há alg l de agra- de agricultura. Além disso, seus efeitos remotos, a saúde do
dável oali f)<lixões em si mesma'. que r rna ua manifesta ão paciente, são agradáveis; mas, como seu efeito imediato é dor
em outro · homens obj t natural d o s. a aversã . A ·pr ·- e sofrimento, sua visão sempre nos desagrada. Instrumentos de!
são d ira ontra qualqu r pe soa presem~, s exced guerra são agradáveis, embora seu efeito imediato também re- ·
ra insinua ão de que perc bemo · · u mau trato , ' vele sofrimento e dor. Mas neste caso se trata da dor e sofri-
rada nã apenas lnsuiLo a e a pe soa e m parti ular, ma mento de nossos inimigos, pelos quais não temos simpatia.
uma gro eria para com t ·las a dem'lis. respeit por elas Quanto a nós, estão imediatamente relacionados às idéias agra-
deve ria t •r-n s impedido de maniE sta r uma emoçã tã im- dáveis de coragem, vitória e honra. Supõe-se, por conseguin-
p tu o a e of nsiva. ão os efeit remmos de ·sas paixõ s os te, que formem uma elas partes mais nobres da indumentária
agradáveis; s efeitos imedlams são um mal nu-a a p • a e, suas imitações, um elos mais finos enfeites da arquitetura. o
a qu m se dirigem. Mas é o efeito imediato d oi j_ ro. , não mesmo ocorre com as qualidades do espírito. Os antigos es-
r m to u s toma agradáveis ou clesagradó is õ. imagina- tóicos pensavam que, como o mundo era governado pela pro-
ç.ão. ma prisã c ttamente é mais (JtiJ para públi do qu e vidência onipotente de um Deus sábio, poderoso e bom, cada
um palâ ·io; a p s oa que a institui é geralmem mov.ida evento isolado deveria ser considerado como parte necessária
p r um e pírito muit mais justo de pauioti. mo do JU aqu - do plano do universo, e tendendo a promover a ordem e felici-
la qu ·onsLr i o p<LI;- i . Mas os efeitos imediato cl " urna dade geral do todo; que os vícios e a insensatez dos homens
prisão, o onfinamento d desgra ·ados aí trancaH<lclo ã portanto, eram parte tão necessária desse plano quanto sua sa~
d sagr dãv "l ; H im gina :à , ou não:; dedica a buscar , bedoria ou virtude; e por essa arte eterna que deduz o bem do
r ~ motos, ou s enx rg':t a umo demas iada cüstfulcia para ser
mal, deveriam tender igualmente para a prosperidade e perfei-
por eles aferad<L Portant , uma prisão sempre serã um objeto ção do grande sistema da natureza. Porém, nenhuma espe-
culação desse tipo, por mais profundamente enraizada que este-
de:a ra láv I; e quanto mais acl quada for ao propósito a que
ja no espírito, poderia diminuir nosso natural horror ao vício
s destina, mais de agradável será . m paláci , ao contrário,
cujos efeitos imediatos são demasiado destrutivos, e os remoto~
sempre será agradável; mas seus efeitos remotos podem mui-
demasiado distantes para que a imaginação os encontre.
tas vezes incomodar o público. Pode servir para promover a
Acontece o mesmo com as paixões que estamos exami-
ostentação e dar exemplo de dissolução de costumes. Toda-
nando. Seus efeitos imediatos são tão desagradáveis que,
via, uma vez que seus efeitos imediatos, o conforto, o prazer mesmo quando justa a sua causa, ainda assim há neles algo
e a alegria elas pessoas que nele vivem, são todo ag1·adáv is e que nos repele. Portanto, estas são as únicas paixões cujas
sugerem à imaginação mil idéias agradúveis, essa fa uldad co- expressões, como comentei antes•, não nos predispõem nem
mumente repousa neles, e raramente vai além disso para pro- preparam para com elas simpatizar, antes de sermos infor-
curar suas conseqüências mais remotas. Instrumentos musi- mados da causa que as suscita. A queixosa voz da miséria,
cais ou de agricultura, imitados em pintura ou estuque, cons- quando ouvida à distância, não permitirá que fiquemos indi-
tituem enfeites comuns e agradáveis em nossos vestíbulos e ferentes quanto à pessoa de quem ela procede. Assim que
salões de jantar. Um ornato do mesmo tipo, composto de ins- chega a nossos ouvidos, interessamo-nos pela sorte dessa
trumentos cirúrgicos, facas para dissecação e amputação, ser- pessoa, e, se for continuada, há de nos forçar, quase invo-
ras para cortar ossos, ou instrumentos de trepanação etc., seria luntariamente, a correr em seu auxílio. A visão de um sem-
absurdo e ofensivo. Porém, instrumentos cirúrgicos são sem-
pre mais finamente burilados e gernlmente mais bem adapLa l s
aos propósitos para os quais se destinam do que f rrame ntas ' TSM, Parte I, Seção I, Cap. I, p. 8. (N. da R. T.)
T
42 7EORIA DOS SENTJMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 43

blnnte sunidenr , da m sma mun ira, ele a até os homen e por vezes muito curtos, sem se separarem por pausas regu- '
pensativo. para ut ~J stad de esJ~í:rito ale r . e 1~e ue o lares. Portanto, a música pode imitar qualquer uma dessas 1•
predispõe a simpauzar com a alegna qu mamfesta , compa r- paixões com dificuldade; e a música que realmente as imita
tilh ~mdo-o; e seore seu cora ·ão , antes abarldo e n olhido não é a mais agradável. Uma diversão inteira pode consistir,
om p n am mo:c; e preocupa ·õ s ·pandlr e a lvoroç~u·-se sem qualquer inconveniência, na imitação das paixões sociá-
instanta nea mente. Mas é bem life r nte om a expre· ôes veis e agradáveis. Seria uma estranha diversão a que consis-
d e ó di u de ressen timt:nto . A voz rou a, á 1 e ra <..li ss rum- tisse inteiramente em imitações de ódio e ressentimento.
te ct. ira, quand uvida à di tâ n ·ia, illspira-n s medo ou Se essas paixões à desagradáv .i · ao espectador, não o
a e rsfio. Não rr mos ao seu en ntro, como pa ra junt d são menos para a p essoa que as s nt . Ódio e ira são o mais
algu ' m qu ' grita de agonia ou d r. Mu lhetes ho me ns de p ode roso veneno contra a felicidade de uma boa alma. No
ne rvos fracos u· m Jm . ão do minado p l medo e , embora pr ' pdo sentir dessas paixões existe algo ele rude, desafinado
saibam que não são eles próprios objeto da ira, concebem o e convulsivo, algo que dilacera e aflige o peito, e é inteira-
' medo colocando-se no lugar da pessoa que é. Mesmo os de
mente destmtivo para a compostura e tranqüilidade do espí-
cora ·ão rn ai rcsoluro fi 'tm p rturba los, não ainda o bas-
rito tão necessária à felicidade, a qual as paixões contrárias,
r:mL para teme r m, mas o uficie nte pa ra ncole rizare m-se;
de gratidão e amor, muito mais fazem para promover. Os bon-
pois a 61 •l ' a p aixã qu e sen tiriam no lugar da uu·a pes-
SO~I. me mo aconre com o ódio. Meras e.xpr ·ões de dosos e generosos não lamentam tanto o valor que perdem
rancor não instigam ninguém senão o homem que as utiliza. com a perfídia e ingratidão daqueles com quem convivem. Se-
Essas duas paixões são por natureza objetos de nossa aver- ja o que for que tenham perdido, em geral podem ser muito
são. Sua aparência desagradável e inquieta nunca suscita, felizes sem isso. O que mais os perturba é a idéia de perfídia
nunca prepara, e muitas vezes impede a nossa simpatia. A e ingratidão dirigidas contra eles próprios; e as paixões dis-
dor não tem mais poder para comprometer-nos com a pes- sonantes e desagradáveis que isso suscita constituem, em sua
soa em que a observamos do que ódio e medo, pois haverão própria opinião, a parte principal da ofensa que sofrem.
de nos repelir e afastar dela cnq wmto ignorarmos suas cau- Quantas coisas são necessárias para tornar inteiramente
sas. A natureza parece ter pr 'ten li lo que as emoções mais agradável a recompensa do ressentimento, e fazer o especta-
mdes e hostis, as quais afastam os homens uns dos outros, dor simpatizar totalmente com nossa vingança? Antes de tudo,
fossem mais difícil e raramente comunicadas. a provocação precisa ser tal que pudéssemos tornar despre-
Quando a música imita as modulações de dor ou alegria, zíveis, expostos a perpétuos insultos, caso não nos ressentís-
ou de fato nos inspira essas paixões, ou pelo menos nos põe semos dela em certa medida. Ofensas menores são sempre
no estado de espírito que nos predispõe a concebê-las. Mas mais fáceis de negligenciar; nem existe nada mais desprezí-
1
I' quando imita as notas da ira, inspira-nos medo. Alegria, dor, vel do que o humor intransigente e capcioso que se incen-
amor, admiração, devoção, são todas paixões naturalmente deia a qualquer mínima ocasião de briga. Deveríamos nos
musicais. Suas harmonias naturais são sempre doces, claras e ressentir mais por um senso ele conveniência do ressenti-
melodiosas; e expressam-se naturalmente em períodos sepa- mento, por um senso que os homens requerem e esperam
rados por pausas regulares, que por esse motivo facilmente de nós, do que por sentirmos em nós as fúrias dessa desa-
se adaptam aos retornos regulares das árias correspondentes gradável paixãà. Nenhuma outra paixão de que o espírito
I de uma melodia. Ao contrário, a voz da ira e a de todas as
.I paixões da mesma família são ásperas e dissonantes. Também
humano é capaz suscita tanta dúvida quanto à sua justeza, e
cuja indulgência nos leva a consultar tão cuidadosamente
seus períodos são todos irregulares, por vezes muito longos, nosso natural senso de conveniência, e a analisar tão cliligen-
T
42 7EORIA DOS SENTJMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 43

blnnte sunidenr , da m sma mun ira, ele a até os homen e por vezes muito curtos, sem se separarem por pausas regu- '
pensativo. para ut ~J stad de esJ~í:rito ale r . e 1~e ue o lares. Portanto, a música pode imitar qualquer uma dessas 1•
predispõe a simpauzar com a alegna qu mamfesta , compa r- paixões com dificuldade; e a música que realmente as imita
tilh ~mdo-o; e seore seu cora ·ão , antes abarldo e n olhido não é a mais agradável. Uma diversão inteira pode consistir,
om p n am mo:c; e preocupa ·õ s ·pandlr e a lvoroç~u·-se sem qualquer inconveniência, na imitação das paixões sociá-
instanta nea mente. Mas é bem life r nte om a expre· ôes veis e agradáveis. Seria uma estranha diversão a que consis-
d e ó di u de ressen timt:nto . A voz rou a, á 1 e ra <..li ss rum- tisse inteiramente em imitações de ódio e ressentimento.
te ct. ira, quand uvida à di tâ n ·ia, illspira-n s medo ou Se essas paixões à desagradáv .i · ao espectador, não o
a e rsfio. Não rr mos ao seu en ntro, como pa ra junt d são menos para a p essoa que as s nt . Ódio e ira são o mais
algu ' m qu ' grita de agonia ou d r. Mu lhetes ho me ns de p ode roso veneno contra a felicidade de uma boa alma. No
ne rvos fracos u· m Jm . ão do minado p l medo e , embora pr ' pdo sentir dessas paixões existe algo ele rude, desafinado
saibam que não são eles próprios objeto da ira, concebem o e convulsivo, algo que dilacera e aflige o peito, e é inteira-
' medo colocando-se no lugar da pessoa que é. Mesmo os de
mente destmtivo para a compostura e tranqüilidade do espí-
cora ·ão rn ai rcsoluro fi 'tm p rturba los, não ainda o bas-
rito tão necessária à felicidade, a qual as paixões contrárias,
r:mL para teme r m, mas o uficie nte pa ra ncole rizare m-se;
de gratidão e amor, muito mais fazem para promover. Os bon-
pois a 61 •l ' a p aixã qu e sen tiriam no lugar da uu·a pes-
SO~I. me mo aconre com o ódio. Meras e.xpr ·ões de dosos e generosos não lamentam tanto o valor que perdem
rancor não instigam ninguém senão o homem que as utiliza. com a perfídia e ingratidão daqueles com quem convivem. Se-
Essas duas paixões são por natureza objetos de nossa aver- ja o que for que tenham perdido, em geral podem ser muito
são. Sua aparência desagradável e inquieta nunca suscita, felizes sem isso. O que mais os perturba é a idéia de perfídia
nunca prepara, e muitas vezes impede a nossa simpatia. A e ingratidão dirigidas contra eles próprios; e as paixões dis-
dor não tem mais poder para comprometer-nos com a pes- sonantes e desagradáveis que isso suscita constituem, em sua
soa em que a observamos do que ódio e medo, pois haverão própria opinião, a parte principal da ofensa que sofrem.
de nos repelir e afastar dela cnq wmto ignorarmos suas cau- Quantas coisas são necessárias para tornar inteiramente
sas. A natureza parece ter pr 'ten li lo que as emoções mais agradável a recompensa do ressentimento, e fazer o especta-
mdes e hostis, as quais afastam os homens uns dos outros, dor simpatizar totalmente com nossa vingança? Antes de tudo,
fossem mais difícil e raramente comunicadas. a provocação precisa ser tal que pudéssemos tornar despre-
Quando a música imita as modulações de dor ou alegria, zíveis, expostos a perpétuos insultos, caso não nos ressentís-
ou de fato nos inspira essas paixões, ou pelo menos nos põe semos dela em certa medida. Ofensas menores são sempre
no estado de espírito que nos predispõe a concebê-las. Mas mais fáceis de negligenciar; nem existe nada mais desprezí-
1
I' quando imita as notas da ira, inspira-nos medo. Alegria, dor, vel do que o humor intransigente e capcioso que se incen-
amor, admiração, devoção, são todas paixões naturalmente deia a qualquer mínima ocasião de briga. Deveríamos nos
musicais. Suas harmonias naturais são sempre doces, claras e ressentir mais por um senso ele conveniência do ressenti-
melodiosas; e expressam-se naturalmente em períodos sepa- mento, por um senso que os homens requerem e esperam
rados por pausas regulares, que por esse motivo facilmente de nós, do que por sentirmos em nós as fúrias dessa desa-
se adaptam aos retornos regulares das árias correspondentes gradável paixãà. Nenhuma outra paixão de que o espírito
I de uma melodia. Ao contrário, a voz da ira e a de todas as
.I paixões da mesma família são ásperas e dissonantes. Também
humano é capaz suscita tanta dúvida quanto à sua justeza, e
cuja indulgência nos leva a consultar tão cuidadosamente
seus períodos são todos irregulares, por vezes muito longos, nosso natural senso de conveniência, e a analisar tão cliligen-
44 TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 45
temente quais serão os sentimentos do espectador frio e im- tanto a m..isfação d·:t pessoa que os experimenta quamo d.a
i parcial. Magoanimidad~, ~u a consider~çào por_ ma?t~rmos n?s- qu é obj to dele . P is, assim c m ser objeto de dio e In-
i sa própria p .·i - e d1gmdade na so 'Jedade, e o umco motivo digna ã au. a mais dor do que todo o ma.l que um homem
.capaz de enobrecer as expressões dessa desagradável paixão. corajoso r ·eie d s us Jnimigos, há uma sat i fa ·ão e m saber-
Esse motivo deve caracterizar todo o nosso estilo e conduta. se amado, o que, para uma pessoa deli ada . ensív 1 é mais
:Estes devem ser claros, abertos e francos; determinados sem importante para a feliddad d que 1: das a vama )ens que
·serem obstinados, elevados sem serem insolentes; não apenas pode e perar di. so. Haverá, p r aca ( , wn a.ráter tã detes-
livres de petulância e vulgar obscenidade, mas generosos, fran- tá v 1 como o de quem sente prazer ern ·emear dis órclia en-
cos, plenos de todas as considerações próprias até mesmo para tre seus amigos, e converter seu mais terno amor em ódio
com a pessoa que nos ofendeu. Devem transparecer, em resu- mmtal? E, contudo, em que consiste a atrocidade desse insul-
:mo, em todos os nossos hábitos, sem que tenhamos de deman- t tã det stável? Acaso rn privá-i s dos frívolos boru oitdo,
dar um afetado esforço para manifestar que a paixão não ex- qu p deriam ter pera lo urn do oulro se a amizad ~ pro -
tinguiu nossa humanidade; e que será com relutância, por ne- segu isse? onsist m privá-los daquela amizade mesma, em
cessidade, por causa das imensas e repetidas provocações que roubar-lhes s us mún.1 s af tos que lhe davam tanta , atisfa-
cederemos aos ditames da vingança. Quando o ressentimen- ·ão: e m perturbar a harmon ia cl • s us nra -e , pondo t rmo
to é guardado e considerado dessa maneira, pode-se admitir ao inter âmbio feliz qu ' at ' emão sul . i ' lia en tre ele ·. Ess s
afetos, aquela harmonia c ·se intercâml i o, são p cebido
que é até nobre e generoso.
não ~tp ~na p lo hom ns ternos e cl lica los, mas rambém
p I s rude. vulgare , com al o mais importam p~tra a fe-
li ·idad do qu r elos os p quen s favores que se esperava
CAPÍTULO IV fluíssem d I ' .
Das paixões sociáveis O sentimento do amor é m si ~tgra lável à pess a qu o
exp rimenta. Alivia e sos ega o p ito, parec favore ·er us
Assim como uma paixão dividida é o que torna na maio- movimentos vita is, e estimular a saudá v I condição da ns-
ria das ocasiões todo o conjunto de paixões recém-menciona- titui ã bw11::ma; torna-se ainda mais d licioso r>ela cons-
das tão desgraciosas e desagradáveis, há outro conjunto opos- ci n ia da gratidão ~ s~ui fa ã.o qu de e provocar naqu Je
to a estas, que uma simpatia dobrada torna quase sempre qu é seu bj to . A afeição mútua deixa ambos fe lizes um
peculiarmente agradáveis e adequadas. Generosidade, huma- om o outro, e a simpatia rn ess·1. afeiçã m(nua torna-os
nidade, bondade, compaixão, amizade e estima recíproca, to- agradãveis para todos · d ·ma i ·. Com que pnzer U1amos
dos os afetos sociáveis e benevolentes, quando expressos no uma família em que reinam arnoi' e estima .rnCm.ro., r,n que pais
semblante ou comportamento, até mesmo para com aqueles e filho · sã companheiros uns d ;· utros, s m q ualque r ou-
com quem não temos um relacionamento especial, quase sem- tra dif. r n ·a senã ·1 que existe pela resp itosa afel à d ,
pre agradam ao espectador indiferente. Sua simpatia com a um Iaei , e bondosH indulgênda elo outro; em q~1 lib rdad
pessoa que experimenta essas paixões coincide exatamente afeto, rnC1tttas brin ad~ iras e bonc.la I mostram que nenhum
:com sua preocupação pela pessoa que é objeto delas. O inte- C(Jiillito d int r sses livíd irmã , nenhuma r ivalidade
resse que o homem deve ter pela felicidade desta última ani- de favores faz divergir as irmãs, m qu tud 110$ or r a
rna sua simpatia com >. ntim nt da utra, uja. •moçõe .i léia d paz, alegria, harmonia ontenta menL ! A conu·á-
·se ocupam do mesmo objet . ' empre terno , pmtant , amai.. rio, como nos faz mal entrar numa asa rn que a cont r'lda
forte disposi •ão de simpatizar c m s af< tos I n vol nt . S b hoslil lanr.;a uma merad dos que n ela vivem coni.ra a outra;
todos os aspectos nos parecem agradáveis. Compartilhamos ond , cnu·e uma brandura e complacência afetadas, olhares
44 TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 45
temente quais serão os sentimentos do espectador frio e im- tanto a m..isfação d·:t pessoa que os experimenta quamo d.a
i parcial. Magoanimidad~, ~u a consider~çào por_ ma?t~rmos n?s- qu é obj to dele . P is, assim c m ser objeto de dio e In-
i sa própria p .·i - e d1gmdade na so 'Jedade, e o umco motivo digna ã au. a mais dor do que todo o ma.l que um homem
.capaz de enobrecer as expressões dessa desagradável paixão. corajoso r ·eie d s us Jnimigos, há uma sat i fa ·ão e m saber-
Esse motivo deve caracterizar todo o nosso estilo e conduta. se amado, o que, para uma pessoa deli ada . ensív 1 é mais
:Estes devem ser claros, abertos e francos; determinados sem importante para a feliddad d que 1: das a vama )ens que
·serem obstinados, elevados sem serem insolentes; não apenas pode e perar di. so. Haverá, p r aca ( , wn a.ráter tã detes-
livres de petulância e vulgar obscenidade, mas generosos, fran- tá v 1 como o de quem sente prazer ern ·emear dis órclia en-
cos, plenos de todas as considerações próprias até mesmo para tre seus amigos, e converter seu mais terno amor em ódio
com a pessoa que nos ofendeu. Devem transparecer, em resu- mmtal? E, contudo, em que consiste a atrocidade desse insul-
:mo, em todos os nossos hábitos, sem que tenhamos de deman- t tã det stável? Acaso rn privá-i s dos frívolos boru oitdo,
dar um afetado esforço para manifestar que a paixão não ex- qu p deriam ter pera lo urn do oulro se a amizad ~ pro -
tinguiu nossa humanidade; e que será com relutância, por ne- segu isse? onsist m privá-los daquela amizade mesma, em
cessidade, por causa das imensas e repetidas provocações que roubar-lhes s us mún.1 s af tos que lhe davam tanta , atisfa-
cederemos aos ditames da vingança. Quando o ressentimen- ·ão: e m perturbar a harmon ia cl • s us nra -e , pondo t rmo
to é guardado e considerado dessa maneira, pode-se admitir ao inter âmbio feliz qu ' at ' emão sul . i ' lia en tre ele ·. Ess s
afetos, aquela harmonia c ·se intercâml i o, são p cebido
que é até nobre e generoso.
não ~tp ~na p lo hom ns ternos e cl lica los, mas rambém
p I s rude. vulgare , com al o mais importam p~tra a fe-
li ·idad do qu r elos os p quen s favores que se esperava
CAPÍTULO IV fluíssem d I ' .
Das paixões sociáveis O sentimento do amor é m si ~tgra lável à pess a qu o
exp rimenta. Alivia e sos ega o p ito, parec favore ·er us
Assim como uma paixão dividida é o que torna na maio- movimentos vita is, e estimular a saudá v I condição da ns-
ria das ocasiões todo o conjunto de paixões recém-menciona- titui ã bw11::ma; torna-se ainda mais d licioso r>ela cons-
das tão desgraciosas e desagradáveis, há outro conjunto opos- ci n ia da gratidão ~ s~ui fa ã.o qu de e provocar naqu Je
to a estas, que uma simpatia dobrada torna quase sempre qu é seu bj to . A afeição mútua deixa ambos fe lizes um
peculiarmente agradáveis e adequadas. Generosidade, huma- om o outro, e a simpatia rn ess·1. afeiçã m(nua torna-os
nidade, bondade, compaixão, amizade e estima recíproca, to- agradãveis para todos · d ·ma i ·. Com que pnzer U1amos
dos os afetos sociáveis e benevolentes, quando expressos no uma família em que reinam arnoi' e estima .rnCm.ro., r,n que pais
semblante ou comportamento, até mesmo para com aqueles e filho · sã companheiros uns d ;· utros, s m q ualque r ou-
com quem não temos um relacionamento especial, quase sem- tra dif. r n ·a senã ·1 que existe pela resp itosa afel à d ,
pre agradam ao espectador indiferente. Sua simpatia com a um Iaei , e bondosH indulgênda elo outro; em q~1 lib rdad
pessoa que experimenta essas paixões coincide exatamente afeto, rnC1tttas brin ad~ iras e bonc.la I mostram que nenhum
:com sua preocupação pela pessoa que é objeto delas. O inte- C(Jiillito d int r sses livíd irmã , nenhuma r ivalidade
resse que o homem deve ter pela felicidade desta última ani- de favores faz divergir as irmãs, m qu tud 110$ or r a
rna sua simpatia com >. ntim nt da utra, uja. •moçõe .i léia d paz, alegria, harmonia ontenta menL ! A conu·á-
·se ocupam do mesmo objet . ' empre terno , pmtant , amai.. rio, como nos faz mal entrar numa asa rn que a cont r'lda
forte disposi •ão de simpatizar c m s af< tos I n vol nt . S b hoslil lanr.;a uma merad dos que n ela vivem coni.ra a outra;
todos os aspectos nos parecem agradáveis. Compartilhamos ond , cnu·e uma brandura e complacência afetadas, olhares
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 47
46
susp ~ i tos e súbitos r mpa ntes de paixão tra m i(Jm s r í- t: rce~ro grupo d ~ p~txo . Mesm quando c ·ssl va~, nunca 1
pro ·os que ardem denu·o d ~}es, e qu stào p rcmt s, a 'ada sao tao desagradáveis quanto o c ssi o ressenlim nt , p r-
momento, a irr rnpe r aLra v s de rodo · os freios imp stos que n nhuma simpatia oposta jam.ais p de suscitar um int _
pela compan hJa d ou U'Os! r s e comrá rio a elas; e mesmo quando mais ~ d quada · H I
As paix es amáv is, mesmo quand o adrn itimos que são s u obj tos essas paixões nunca sno tão agradáveis uanto
excessivas, nun ·t:t sã vistas · m ave rsã . Há algo agradável a humanidad impar iaJ e a justa benevolência; po rque n -
mesm, na fraqu za dá arr.lizad e da humanidade. Dada a nhuma dupla simpatia pode jamais suscitar um interesse fa- \
brandura de suas naturezas, talvez às vezes se contemple a vorável a elas. Existe, porém, essa diferença entre dor e ale- !
mãe terna demais, o pai demasiado indulgente, o amigo ex- gria, pois geralmente estamos mais predispostos a simpatizar i
cessivamente generoso e afetuoso com uma espécie de pie- com pequenas alegrias e grandes sofrimentos. O homem
dade, na qual, porém, se mescla amor. Mas jamais serão vis- que, por uma súbita revolução da fortuna, é alçado imediata-
tos com ódio ou aversão, exceto pelo ser humano mais bru- mente a uma condição de vida muito acima da anterior, po-
i'. tal e indigno. É sempre com preocupação, com simpatia e de estar certo de que nem todas as congratulações de seus
bon Iael •, que os censuramos pela excravagin ia 1~ seu ape- melhores amigos são inteiramente sinceras. Uma ascensão ·
go. I {;i um desamparo no c~tráter da e.xu· ma humanidàd \ ainda que pelos maiores méritos, é geralmente desagradável:
que inte ressa mais do que rudo a noss<~ pi dad '. a la há e comumente um sentimento de inveja nos impede de sim-
ne. se caráter qu ~ o faça d -·sgraci o u des:tgradãvel. Ape- patizar sin rament com a alegria desse homem. Se ele tiver
nas, lamentamos que seja inadequado para o mundo, pois o qualquer disc rnim ento, saberá disso e, em vez de se mos-
mundo é indigno dele, e porque deve expor o homem que trar eufórico com sua boa fortuna, esforçar-se-á tanto quanto
o possui como vítima da perfídia e ingratidão da sutil falsi- puder para abafar a sua alegria e conter a grandeza de espí-
dade, e a mil dores e desconfortos, dos quais ele, entre to- rito que naturalmente lhe inspirou sua nova situação. Afetará
dos os homens, é o menos merecedor, e que também, entre a mesma simplicidade no vestir, a mesma modéstia de com-
todos os homens, geralmente é o menos capaz de suportar. portamento de sua situação anterior. Redobrará as atenções
Algo bem diferente ocorre com ódio e ressentimento. Urna para com velhos amigos, e tentará, mais do que nunca, ser
tendência muito forte para essas detestáveis paixões torna a humilde, diligente e cortês. E este será o comportamento que
pessoa objeto de horror e desgosto universais, e julgamos na sua situação mais aprovaremos; porque talvez esperemos
que deveria ser banido de toda a sociedade civil, corno um que ele deva simpatizar mais com nossa inveja e nossa aver-
animal selvagem. são pela sua felicidade, do que nós simpatizamos com sua
felicidade. É raro que esse esforço obtenha êxito. Suspeitare-
mos da sinceridade de sua humildade, e esse embaraço há
CAPÍTULO V de enfim cansá-lo. Então, em pouco tempo esquecerá seus ve-
Das paixões egoístas lhos amigos, com exceção dos mais mesquinhos , que talvez
aceitem se tornar seus dependentes: e nunca mais conquista-
Além desses dois grupos opostos de paixões, as soCla- rá novos amigos; suas novas relações ficarão com o orgulho
I'
r veis e as insaciáveis, existe outro que ocupa urna espécie de ferido por verem-no como seu igual, assim como acontecerá
posição intermediária entre eles; nunca é tão gracioso quanto com seus velhos conhecidos ao verem que se tornou supe-
às vezes é o primeiro grupo, nem tão odioso quanto às vezes rior a eles; e é preciso a mais obstinada e perseverante mo-
é o segundo. Dor e alegria, quando concebidas de acordo déstia para expiar essa dupla mortificação. Como é de hábi-
com a nossa boa ou má fortuna particular, constituem esse to, em muito pouco tempo ficará aborrecido e se sentirá pro-
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susp ~ i tos e súbitos r mpa ntes de paixão tra m i(Jm s r í- t: rce~ro grupo d ~ p~txo . Mesm quando c ·ssl va~, nunca 1
pro ·os que ardem denu·o d ~}es, e qu stào p rcmt s, a 'ada sao tao desagradáveis quanto o c ssi o ressenlim nt , p r-
momento, a irr rnpe r aLra v s de rodo · os freios imp stos que n nhuma simpatia oposta jam.ais p de suscitar um int _
pela compan hJa d ou U'Os! r s e comrá rio a elas; e mesmo quando mais ~ d quada · H I
As paix es amáv is, mesmo quand o adrn itimos que são s u obj tos essas paixões nunca sno tão agradáveis uanto
excessivas, nun ·t:t sã vistas · m ave rsã . Há algo agradável a humanidad impar iaJ e a justa benevolência; po rque n -
mesm, na fraqu za dá arr.lizad e da humanidade. Dada a nhuma dupla simpatia pode jamais suscitar um interesse fa- \
brandura de suas naturezas, talvez às vezes se contemple a vorável a elas. Existe, porém, essa diferença entre dor e ale- !
mãe terna demais, o pai demasiado indulgente, o amigo ex- gria, pois geralmente estamos mais predispostos a simpatizar i
cessivamente generoso e afetuoso com uma espécie de pie- com pequenas alegrias e grandes sofrimentos. O homem
dade, na qual, porém, se mescla amor. Mas jamais serão vis- que, por uma súbita revolução da fortuna, é alçado imediata-
tos com ódio ou aversão, exceto pelo ser humano mais bru- mente a uma condição de vida muito acima da anterior, po-
i'. tal e indigno. É sempre com preocupação, com simpatia e de estar certo de que nem todas as congratulações de seus
bon Iael •, que os censuramos pela excravagin ia 1~ seu ape- melhores amigos são inteiramente sinceras. Uma ascensão ·
go. I {;i um desamparo no c~tráter da e.xu· ma humanidàd \ ainda que pelos maiores méritos, é geralmente desagradável:
que inte ressa mais do que rudo a noss<~ pi dad '. a la há e comumente um sentimento de inveja nos impede de sim-
ne. se caráter qu ~ o faça d -·sgraci o u des:tgradãvel. Ape- patizar sin rament com a alegria desse homem. Se ele tiver
nas, lamentamos que seja inadequado para o mundo, pois o qualquer disc rnim ento, saberá disso e, em vez de se mos-
mundo é indigno dele, e porque deve expor o homem que trar eufórico com sua boa fortuna, esforçar-se-á tanto quanto
o possui como vítima da perfídia e ingratidão da sutil falsi- puder para abafar a sua alegria e conter a grandeza de espí-
dade, e a mil dores e desconfortos, dos quais ele, entre to- rito que naturalmente lhe inspirou sua nova situação. Afetará
dos os homens, é o menos merecedor, e que também, entre a mesma simplicidade no vestir, a mesma modéstia de com-
todos os homens, geralmente é o menos capaz de suportar. portamento de sua situação anterior. Redobrará as atenções
Algo bem diferente ocorre com ódio e ressentimento. Urna para com velhos amigos, e tentará, mais do que nunca, ser
tendência muito forte para essas detestáveis paixões torna a humilde, diligente e cortês. E este será o comportamento que
pessoa objeto de horror e desgosto universais, e julgamos na sua situação mais aprovaremos; porque talvez esperemos
que deveria ser banido de toda a sociedade civil, corno um que ele deva simpatizar mais com nossa inveja e nossa aver-
animal selvagem. são pela sua felicidade, do que nós simpatizamos com sua
felicidade. É raro que esse esforço obtenha êxito. Suspeitare-
mos da sinceridade de sua humildade, e esse embaraço há
CAPÍTULO V de enfim cansá-lo. Então, em pouco tempo esquecerá seus ve-
Das paixões egoístas lhos amigos, com exceção dos mais mesquinhos , que talvez
aceitem se tornar seus dependentes: e nunca mais conquista-
Além desses dois grupos opostos de paixões, as soCla- rá novos amigos; suas novas relações ficarão com o orgulho
I'
r veis e as insaciáveis, existe outro que ocupa urna espécie de ferido por verem-no como seu igual, assim como acontecerá
posição intermediária entre eles; nunca é tão gracioso quanto com seus velhos conhecidos ao verem que se tornou supe-
às vezes é o primeiro grupo, nem tão odioso quanto às vezes rior a eles; e é preciso a mais obstinada e perseverante mo-
é o segundo. Dor e alegria, quando concebidas de acordo déstia para expiar essa dupla mortificação. Como é de hábi-
com a nossa boa ou má fortuna particular, constituem esse to, em muito pouco tempo ficará aborrecido e se sentirá pro-
TEORIA DOS SENflMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE
48 49
v a. clo, r -1 orgu lh sombri o cJ • coofjado . . de uns, pelo li de quem lamentam ter estado separados, e abraçam mais •
d ·dém insolente de outro , a tnttar os pnmetr s_ om ne~ - afetuosamente por causa dessa longa separação.
··ência c os ú ltimos um pelu lân ia, at ' q u p r ftm t~nbem Algo bem diverso ocorre com a dor. Pequenas vexações
~~ . se 'torne h~tbitualment lnsolent , p relendo ~ ~suma d não suscitam simpatia, ao passo que profundas aflições pro-
. s ~ onf rrn. ~ a · · dito, a maior parte da feltctdade hu- vocam-na imensamente. O homem que se aborrece por qual-
' L d m;. - t: •1•
mana .,"u roro
, da < ns ·iênda d ser :unado, essas su Jltas~ .mu- • · quer pequeno incidente desagradável; que se magoa quando
, danças n't ronuna raram m ntribuem mu ito para a · to- a cozinheira ou o mordomo descumpriram um mínimo arti-
dade. o mais feliz • aquele que ava_nça g~ad~talment até ~ A
go de seu dever; que só percebe defeito na mais formal poli-
grandez ·ujos pass s para a promuçao o ~u bltc rtnLev mu t- dez, seja apresentado a si m ·mo ou a qualquer outra pessoa;
to an les d d a ati ngil·, e m q uem por tS o quando alcan- que se ofende porque seu amigo íntimo não lhe deu bom-
·á-1 , nã d sp nadí nenhuma alegria exLravagante, e. ~om dia quando se encontraram pela manhã, e seu irmão canta-
re1 ao q ual não possa criar, razoavelmente n m ct~me rolou uma melodia quando ele p.rôpri estava contando al-
naqu lesa quem supera, nem inveja naqu lesa quem detxou guma história; que perde o bom humor porque faz mau tem-
para trás. po quando está no campo, ou pelo mau estado das estradas
Os homens, contudo, simpatizam mais prontamente com quando em viagem, pela falta de companhia, e monotonia
as aleglias m enores que pr lem de causas meno 1?1POI'- de todas diversões públicas quando na cidade; tal pessoa, di-
taot . É dec nt se.r humilde •nu·e rande pr?spend . de; go, embora possa ter alguma razão, raramente encontrará mui-
mas por outro lado não onv~'m expritrur clem.astacla ausfa- ta simpatia. Alegria é uma emoção agradável, e com prazer
ão por todas as p qu nas o rrência · da vtda omu.m - nos entregamos a ela na menor ocasião. Portanto, simpati- I
p los amigos c .m que passam . a no.it pas . :.~~a, pel ~ dtver- zamos prontamente com a alegria ele outras pessoas, sem-
são que nos foi propor io nada, pdo que J·o t profe.r.tcl ou pre que a invej·1 não nos prejudique. Mas o sofrimento é do-
rea líza lo, por t dos s pequen epi. ódi s da conve r~a loroso e, ainda quando se trata ele nosso próprio infortúnio, •
atuàl, e t dos aquel s frívolo n<:~das qu pr en hem o vazto o espírito naturalmente resiste e afasta-se dele. Esforçar-nos-
da vida humana. Nada é mais gracioso elo que o contenta- íamos para sequer concebê-lo, ou para nos esquivarmos dele
mento habitual, sempre fundado sobre um encar:to peculiar assim que o concebêssemos. Nossa aversão à dor, com efei-
p r todos os pequenos p razer - qu os aconte unento o- to, nem sempre nos impedirá ele a experimentarmos por mo-
muns p r p r ionam. Jmpatizam s prontam nte om 1 o: tivos muito triviais, mas nos impede constantemente ele sim-
insp ira-nus a m !Sma alegria, e faz cada ninhari·t r velar-s a patizar com a dor de outras pessoas, quando causada pelos
n s Ct>m o mesm as1 ecto agradável com que se apresenta mesmos motivos fúteis. Pois resistimos menos às paixões ori-
pa r~• a pessoa d tada dessa feliz d.isposi ·ão. ~< nd ·•. juv n.- ginais que às solidárias. Além disso, há nos homens uma ma-
tud , . ra a da jovialidade, tão fac.:ilment • alnur noss s afetos. lícia que não apenas impede toda a simpatia por pequenos
A lisposi ao para a alegria, q ue pru·e e animar s q~e flor - desconfortos, mas de certa maneira o faz divertir-se com
m, c cintilar nos lhos da juvemu I ~ da b lt:za, atnda que eles. Daí o deleite que todos sentimos pela troça, e a peque-
numa pe ·soa do mesmo sexo xa lta até m ·'St~ , . íd sos ~ na vexação que observamos em nosso companheiro quando
um estado de ânim mais alegre do JU·• rcl tnan . P >r u m de todos os lados recebe empurrões, apertões e zombarias.
rernpo esqu "C m d suas fr q u zas, e ntrega ndo-s agra- Mesmo os homens que primam pela boa educação disfarçam
' dáveis icl -•ias e •mo -~ s las q uais há mul to e ·tâ cL sacostu- a dor que qualquer pequeno incidente pode lhes causar; e
macl , mas qu "' quand na p r enl,."a d tanta fe lici clad , .re- os mais preparados para a viela social, voluntariamente, trans-
tornam •t peil aí s · instalam, como um v lho onhectdo formam todos esses incidentes em troça, pois sabem que seus
TEORIA DOS SENflMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE
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v a. clo, r -1 orgu lh sombri o cJ • coofjado . . de uns, pelo li de quem lamentam ter estado separados, e abraçam mais •
d ·dém insolente de outro , a tnttar os pnmetr s_ om ne~ - afetuosamente por causa dessa longa separação.
··ência c os ú ltimos um pelu lân ia, at ' q u p r ftm t~nbem Algo bem diverso ocorre com a dor. Pequenas vexações
~~ . se 'torne h~tbitualment lnsolent , p relendo ~ ~suma d não suscitam simpatia, ao passo que profundas aflições pro-
. s ~ onf rrn. ~ a · · dito, a maior parte da feltctdade hu- vocam-na imensamente. O homem que se aborrece por qual-
' L d m;. - t: •1•
mana .,"u roro
, da < ns ·iênda d ser :unado, essas su Jltas~ .mu- • · quer pequeno incidente desagradável; que se magoa quando
, danças n't ronuna raram m ntribuem mu ito para a · to- a cozinheira ou o mordomo descumpriram um mínimo arti-
dade. o mais feliz • aquele que ava_nça g~ad~talment até ~ A
go de seu dever; que só percebe defeito na mais formal poli-
grandez ·ujos pass s para a promuçao o ~u bltc rtnLev mu t- dez, seja apresentado a si m ·mo ou a qualquer outra pessoa;
to an les d d a ati ngil·, e m q uem por tS o quando alcan- que se ofende porque seu amigo íntimo não lhe deu bom-
·á-1 , nã d sp nadí nenhuma alegria exLravagante, e. ~om dia quando se encontraram pela manhã, e seu irmão canta-
re1 ao q ual não possa criar, razoavelmente n m ct~me rolou uma melodia quando ele p.rôpri estava contando al-
naqu lesa quem supera, nem inveja naqu lesa quem detxou guma história; que perde o bom humor porque faz mau tem-
para trás. po quando está no campo, ou pelo mau estado das estradas
Os homens, contudo, simpatizam mais prontamente com quando em viagem, pela falta de companhia, e monotonia
as aleglias m enores que pr lem de causas meno 1?1POI'- de todas diversões públicas quando na cidade; tal pessoa, di-
taot . É dec nt se.r humilde •nu·e rande pr?spend . de; go, embora possa ter alguma razão, raramente encontrará mui-
mas por outro lado não onv~'m expritrur clem.astacla ausfa- ta simpatia. Alegria é uma emoção agradável, e com prazer
ão por todas as p qu nas o rrência · da vtda omu.m - nos entregamos a ela na menor ocasião. Portanto, simpati- I
p los amigos c .m que passam . a no.it pas . :.~~a, pel ~ dtver- zamos prontamente com a alegria ele outras pessoas, sem-
são que nos foi propor io nada, pdo que J·o t profe.r.tcl ou pre que a invej·1 não nos prejudique. Mas o sofrimento é do-
rea líza lo, por t dos s pequen epi. ódi s da conve r~a loroso e, ainda quando se trata ele nosso próprio infortúnio, •
atuàl, e t dos aquel s frívolo n<:~das qu pr en hem o vazto o espírito naturalmente resiste e afasta-se dele. Esforçar-nos-
da vida humana. Nada é mais gracioso elo que o contenta- íamos para sequer concebê-lo, ou para nos esquivarmos dele
mento habitual, sempre fundado sobre um encar:to peculiar assim que o concebêssemos. Nossa aversão à dor, com efei-
p r todos os pequenos p razer - qu os aconte unento o- to, nem sempre nos impedirá ele a experimentarmos por mo-
muns p r p r ionam. Jmpatizam s prontam nte om 1 o: tivos muito triviais, mas nos impede constantemente ele sim-
insp ira-nus a m !Sma alegria, e faz cada ninhari·t r velar-s a patizar com a dor de outras pessoas, quando causada pelos
n s Ct>m o mesm as1 ecto agradável com que se apresenta mesmos motivos fúteis. Pois resistimos menos às paixões ori-
pa r~• a pessoa d tada dessa feliz d.isposi ·ão. ~< nd ·•. juv n.- ginais que às solidárias. Além disso, há nos homens uma ma-
tud , . ra a da jovialidade, tão fac.:ilment • alnur noss s afetos. lícia que não apenas impede toda a simpatia por pequenos
A lisposi ao para a alegria, q ue pru·e e animar s q~e flor - desconfortos, mas de certa maneira o faz divertir-se com
m, c cintilar nos lhos da juvemu I ~ da b lt:za, atnda que eles. Daí o deleite que todos sentimos pela troça, e a peque-
numa pe ·soa do mesmo sexo xa lta até m ·'St~ , . íd sos ~ na vexação que observamos em nosso companheiro quando
um estado de ânim mais alegre do JU·• rcl tnan . P >r u m de todos os lados recebe empurrões, apertões e zombarias.
rernpo esqu "C m d suas fr q u zas, e ntrega ndo-s agra- Mesmo os homens que primam pela boa educação disfarçam
' dáveis icl -•ias e •mo -~ s las q uais há mul to e ·tâ cL sacostu- a dor que qualquer pequeno incidente pode lhes causar; e
macl , mas qu "' quand na p r enl,."a d tanta fe lici clad , .re- os mais preparados para a viela social, voluntariamente, trans-
tornam •t peil aí s · instalam, como um v lho onhectdo formam todos esses incidentes em troça, pois sabem que seus
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS
'i O
· mpanh iros fa rão o me . mo. O hábito que um homem ~o SEÇÃO III
mundo a lquiriu, de onstd rar como os outros observarao
wd que Ih diz r SJ eito, faz essas calamidades frívolas
par >cere m para si m ·mo tà ridículas como sabe que certa- Dos efeitos da prosperidade e da
mente parecerão ao omros.
Ao comrá ri , n ssa simpatia com a aflição profunda é
adversidade sobre o julgamento dos
muito forte e muito sincera. É desnecessário dar um exem- homens quanto à conveniência da ação;
plo. cho ramos at com a repr senta ào ftngi la d uma tra- e por que é mais fácil obter sua aprovação
gédia. Por conseguinte, se sofreres por cau. a de qualquer
pr nún ·io de calamidade · se p r algum exrraordiná ri infor- numa situação mais que em outra
túnio e mpobre ·e te, ado ceste caíst em de gra a ou de-
cepcionaste; mesmo qu m patt a ·ulpa seja tua , ainda as-
sim, em geral podes depender da mais sincera simpatia de
todos os teus amigos, e, na medida em que o permitirem os CAPÍTULO I
interesses da honra, também poderás contar com sua mais Que embora nossa simpatia pelo sofrimento seja geralmente
bondosa ajuda. Mas se o teu infortúnio não for assim tão ter- uma sensação mais viva que nossa simpatia pela alegria, é
rível, se apenas tiveste tua ambição um pouco frustrada, se em geral muito menos intensa que a naturalmente sentida
apenas foste re pudiado pela tua amante, ou se tua esposa pela pessoa diretamente atingida
manda em ti, aguarda a troça de todos os teus conhecidos.
Mais atenção se tem dedicado a nossa simpatia pelo so-
frimento , embora não seja mais real que nossa simpatia pela
alegria. A palavra simpatia, em seu significado mais apropria- ,
do e original, denota nossa solidariedade (fellow-jeeling) pa- ·
ra com os sofrimentos, e não para com as alegrias de outros. ,
Um falecido filósofo, talentoso e sutil, considerou necessário
provar por argumentos que sentíamos uma real simpatia para
com a alegria, e que a congratulação era um princípio da na-
tureza humana•. Ninguém, segundo creio, jamais considerou
necessário provar que a compaixão também o era.
Primeiro de tudo, nossa simpatia pelo sofrimento é em
certo sentido mais universal elo que a simpatia pela alegria.
Embora o sofrimento seja excessivo, ainda podemos sentir
por ele alguma solidariedade. Na verdade, o que sentimos nes-
se caso não equivale a uma completa simpatia, àquela per- ,

• De acordo com Raphael e Macfie, editores da ve rsão publicada pela


Oxford University Press, provavelmente Smith está-se referindo a uma pas-
sagem de Fifteen Sermons (Quinze sermões), de Joseph Butler, obra ele
1752. (N. da R. T.)
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS
'i O
· mpanh iros fa rão o me . mo. O hábito que um homem ~o SEÇÃO III
mundo a lquiriu, de onstd rar como os outros observarao
wd que Ih diz r SJ eito, faz essas calamidades frívolas
par >cere m para si m ·mo tà ridículas como sabe que certa- Dos efeitos da prosperidade e da
mente parecerão ao omros.
Ao comrá ri , n ssa simpatia com a aflição profunda é
adversidade sobre o julgamento dos
muito forte e muito sincera. É desnecessário dar um exem- homens quanto à conveniência da ação;
plo. cho ramos at com a repr senta ào ftngi la d uma tra- e por que é mais fácil obter sua aprovação
gédia. Por conseguinte, se sofreres por cau. a de qualquer
pr nún ·io de calamidade · se p r algum exrraordiná ri infor- numa situação mais que em outra
túnio e mpobre ·e te, ado ceste caíst em de gra a ou de-
cepcionaste; mesmo qu m patt a ·ulpa seja tua , ainda as-
sim, em geral podes depender da mais sincera simpatia de
todos os teus amigos, e, na medida em que o permitirem os CAPÍTULO I
interesses da honra, também poderás contar com sua mais Que embora nossa simpatia pelo sofrimento seja geralmente
bondosa ajuda. Mas se o teu infortúnio não for assim tão ter- uma sensação mais viva que nossa simpatia pela alegria, é
rível, se apenas tiveste tua ambição um pouco frustrada, se em geral muito menos intensa que a naturalmente sentida
apenas foste re pudiado pela tua amante, ou se tua esposa pela pessoa diretamente atingida
manda em ti, aguarda a troça de todos os teus conhecidos.
Mais atenção se tem dedicado a nossa simpatia pelo so-
frimento , embora não seja mais real que nossa simpatia pela
alegria. A palavra simpatia, em seu significado mais apropria- ,
do e original, denota nossa solidariedade (fellow-jeeling) pa- ·
ra com os sofrimentos, e não para com as alegrias de outros. ,
Um falecido filósofo, talentoso e sutil, considerou necessário
provar por argumentos que sentíamos uma real simpatia para
com a alegria, e que a congratulação era um princípio da na-
tureza humana•. Ninguém, segundo creio, jamais considerou
necessário provar que a compaixão também o era.
Primeiro de tudo, nossa simpatia pelo sofrimento é em
certo sentido mais universal elo que a simpatia pela alegria.
Embora o sofrimento seja excessivo, ainda podemos sentir
por ele alguma solidariedade. Na verdade, o que sentimos nes-
se caso não equivale a uma completa simpatia, àquela per- ,

• De acordo com Raphael e Macfie, editores da ve rsão publicada pela


Oxford University Press, provavelmente Smith está-se referindo a uma pas-
sagem de Fifteen Sermons (Quinze sermões), de Joseph Butler, obra ele
1752. (N. da R. T.)
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 53
52
feita harmonia e reciprocidade de sentimentos que constitui ~ sofri~ento deve ser muito forte, e nossa inclinação para 1

a :1 rova ·ão. N:'io solu ·amos ·om sofre lor, n m xdarna- s1mpat1zar com a alegria, muito fraca. ,
m s nu Iam · ntamos s ua s rt . Ao ntrári mos sensíveis Apesar desse preconceito, porém, atrevo-me a afirmar •
:i . ua dehilidad ., e à ex lt"avagân ia da . u:t paixão, mas ao m - que, quando o caso não inspira inveja, nossa tendência a sim-
mo tempo experimentamos uma pr ·upaçào muito sensa ta patizar co~ a alegria é muito mais forte do que a simpatizar \'

para com ele. Porém, se não partid pamos int it:~ mem h com ~ sofnmento; e que nossa solidariedade pela emoção
ale lia de um ulro,. · nem m smo mos capazes d ac m~ agradavel se aproxima muito mais da vivacidade do que na-
panbá-la, nã sentim s por ela aquela espécie de considera- turalmente sentem as pessoas diretamente atingidas, do que
ao c dt: s lidari la I . homem que salta e dança aqui e a que concebemos pela dolorosa. I•

ali om aqu la ai gria dest mperada e insensata que não po- Te~os alguma tolerância pela dor excessiva de que não
dernos acompan ba r é obj t cl nosso desprezo e indignação. consegmmos compartilhar inteiramente. Sabemos que um
Adema is, • ja J espírit u do corpo , a d r uma s n- prodigioso esforço é necessário antes de o sofredor harmoni-
sação mais pungente d ue o praz r, e nc ssa solidarieda lc zar su~s emoções às do espectador. Embora fracasse, portan-
com a dor, e mb ra seja inferior ao que na turalm nte o · Jfrc- to, faCilmente lhe perdoamos. Mas não temos tal indulgência
dor sente, é em geral uma percepçã.o mais viva li.stínta do para com a intemperança da alegria, pois não temos cons-
que a nossa simpatia pelo prazer, emb >ra, como passarei a ciência de serem necessários quaisquer vastos esforços para 0
demonstrar em seguida, esta últimas · aprc xime mais da na- trazerem a um nível em que possamos compartilhá-la. O ho-
tural vivacidade da paixão ori inal. mem que, diante das maiores calamidades, é capaz de con-
Acima de tudo, freqüen tem nte lutamos para inibir nos- trolar seu sofrimento parece digno da mais elevada admiração;
sa simpatia pelo sofrimento alheio. Sempre que não estamos mas ~uem, na plenitude da prosperidade, também é capaz de
sob o olhar do sofredor, tentamos para nosso próprio bem dommar sua alegria dificilmente parecerá digno de louvor. Per-
suprimi-la o mais possível, e nem 1pr ' s mo hem-suce- cebemos que num caso o intervalo entre o que naturalmente
didos. A opos içàc) que fazemos a ssa s impntia, ' a relutân- sente a pessoa diretamente atingida e o que o espectador po-
cia com que nos rendemos a ela, n ' sa riam rue nos obri- de acompanhar inteiramente é muito maior.
gam a prestar-lhe uma aten ·ão rn~1is p~uti ular. Mas nunca ~ q_u~ falta à felicidade do homem saudável, que não
temos oportunidade de exe r ·et essa oposi âo s bre a s lida- possm dlvJdas, e tem a consciência limpa? Pode-se dizer ade-
riedade pela alegria. Se o cas d::í ns j a inv ja, nun a sen- quadamente que para alguém nessas condições todo acrésci-
timos a menor tendência para a solidariedade; do contrário, mo de fortuna é supérfluo; e se graças a esse acréscimo um
cedemos a ela sem qualquer relutância. Inversamente, já que homem vier a se distinguir muito dos demais isso se deverá
sempre nos envergonha nossa própria inveja, freqüentemen- à mais frívola leviandade. Porém, esta situação pode muito
te pretendemos, e por vezes realmente desejamos, simpatizar bem ser considerada o estado natural e comum da humani-
com a alegria de outros, quando então esse sentimento desa- dade. Não obstante a miséria e depravação do mundo atual
gradável vem nos inabilitar. Dizemos que ficamos contentes tão justamente lamentada, este é realmente o estado da maio~
por causa da bo<t s tte do nosso próximo, quando talvez em ria dos homens. Por conseguinte, a maioria deles não encon-
nossos corações stejarnos de fato tristes. Seguidamente sen- tra dificuldade alguma em ascender a toda a alegria que
timos simpatia com o sofrimento, quando desejaríamos nos qualquer acréscimo a essa situação pode muito bem provo-
livrar dele, e muitas vezes não a sentimos pela alegria quan- car em seus companheiros.
do gostaríamos de tê-la. Logo, ocorre-nos naturalmente, co- Mas, embora pouco se possa acrescentar a esse estado
muito dele se pode subtrair. Embora entre essa condição e ~
I'
l \ mo observação óbvia, que nossa tendência a s lmp·ttizar com
)
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 53
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feita harmonia e reciprocidade de sentimentos que constitui ~ sofri~ento deve ser muito forte, e nossa inclinação para 1

a :1 rova ·ão. N:'io solu ·amos ·om sofre lor, n m xdarna- s1mpat1zar com a alegria, muito fraca. ,
m s nu Iam · ntamos s ua s rt . Ao ntrári mos sensíveis Apesar desse preconceito, porém, atrevo-me a afirmar •
:i . ua dehilidad ., e à ex lt"avagân ia da . u:t paixão, mas ao m - que, quando o caso não inspira inveja, nossa tendência a sim-
mo tempo experimentamos uma pr ·upaçào muito sensa ta patizar co~ a alegria é muito mais forte do que a simpatizar \'

para com ele. Porém, se não partid pamos int it:~ mem h com ~ sofnmento; e que nossa solidariedade pela emoção
ale lia de um ulro,. · nem m smo mos capazes d ac m~ agradavel se aproxima muito mais da vivacidade do que na-
panbá-la, nã sentim s por ela aquela espécie de considera- turalmente sentem as pessoas diretamente atingidas, do que
ao c dt: s lidari la I . homem que salta e dança aqui e a que concebemos pela dolorosa. I•

ali om aqu la ai gria dest mperada e insensata que não po- Te~os alguma tolerância pela dor excessiva de que não
dernos acompan ba r é obj t cl nosso desprezo e indignação. consegmmos compartilhar inteiramente. Sabemos que um
Adema is, • ja J espírit u do corpo , a d r uma s n- prodigioso esforço é necessário antes de o sofredor harmoni-
sação mais pungente d ue o praz r, e nc ssa solidarieda lc zar su~s emoções às do espectador. Embora fracasse, portan-
com a dor, e mb ra seja inferior ao que na turalm nte o · Jfrc- to, faCilmente lhe perdoamos. Mas não temos tal indulgência
dor sente, é em geral uma percepçã.o mais viva li.stínta do para com a intemperança da alegria, pois não temos cons-
que a nossa simpatia pelo prazer, emb >ra, como passarei a ciência de serem necessários quaisquer vastos esforços para 0
demonstrar em seguida, esta últimas · aprc xime mais da na- trazerem a um nível em que possamos compartilhá-la. O ho-
tural vivacidade da paixão ori inal. mem que, diante das maiores calamidades, é capaz de con-
Acima de tudo, freqüen tem nte lutamos para inibir nos- trolar seu sofrimento parece digno da mais elevada admiração;
sa simpatia pelo sofrimento alheio. Sempre que não estamos mas ~uem, na plenitude da prosperidade, também é capaz de
sob o olhar do sofredor, tentamos para nosso próprio bem dommar sua alegria dificilmente parecerá digno de louvor. Per-
suprimi-la o mais possível, e nem 1pr ' s mo hem-suce- cebemos que num caso o intervalo entre o que naturalmente
didos. A opos içàc) que fazemos a ssa s impntia, ' a relutân- sente a pessoa diretamente atingida e o que o espectador po-
cia com que nos rendemos a ela, n ' sa riam rue nos obri- de acompanhar inteiramente é muito maior.
gam a prestar-lhe uma aten ·ão rn~1is p~uti ular. Mas nunca ~ q_u~ falta à felicidade do homem saudável, que não
temos oportunidade de exe r ·et essa oposi âo s bre a s lida- possm dlvJdas, e tem a consciência limpa? Pode-se dizer ade-
riedade pela alegria. Se o cas d::í ns j a inv ja, nun a sen- quadamente que para alguém nessas condições todo acrésci-
timos a menor tendência para a solidariedade; do contrário, mo de fortuna é supérfluo; e se graças a esse acréscimo um
cedemos a ela sem qualquer relutância. Inversamente, já que homem vier a se distinguir muito dos demais isso se deverá
sempre nos envergonha nossa própria inveja, freqüentemen- à mais frívola leviandade. Porém, esta situação pode muito
te pretendemos, e por vezes realmente desejamos, simpatizar bem ser considerada o estado natural e comum da humani-
com a alegria de outros, quando então esse sentimento desa- dade. Não obstante a miséria e depravação do mundo atual
gradável vem nos inabilitar. Dizemos que ficamos contentes tão justamente lamentada, este é realmente o estado da maio~
por causa da bo<t s tte do nosso próximo, quando talvez em ria dos homens. Por conseguinte, a maioria deles não encon-
nossos corações stejarnos de fato tristes. Seguidamente sen- tra dificuldade alguma em ascender a toda a alegria que
timos simpatia com o sofrimento, quando desejaríamos nos qualquer acréscimo a essa situação pode muito bem provo-
livrar dele, e muitas vezes não a sentimos pela alegria quan- car em seus companheiros.
do gostaríamos de tê-la. Logo, ocorre-nos naturalmente, co- Mas, embora pouco se possa acrescentar a esse estado
muito dele se pode subtrair. Embora entre essa condição e ~
I'
l \ mo observação óbvia, que nossa tendência a s lmp·ttizar com
)
TEORIA D OS SENJ7MENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE
54 55
ápke da prosperidade hu mana o intervalo s jo ap- nas uma com medo e_hesitação: até dissimula p arte dela e, por ser tão
ninh ·tria, nrr isso e o mai baixo ní.v J de mL é lia a ciL tão- d~ro o coraçao dos homens, envergonha-se de dar vazão à ple-
ia é lmensa e prodigiosa. P r essa razã , a advcr · idad ne- mtude. de seu.sofrimento. O inverso ocorre com o homem que
·e ·s·1riru'11ent lan a o espíri LO elo of redo.r p ra muit mais esbanJa alegna e sucesso. Sempre que a inveja não nos im-
baixo do seu esw.d n u rai, tlo que a prosperidade é a paz pele contra ele, espera de nós a mais completa simpatia. Não
de e lev{t-1 adm~t de e estado. esp ecrador de e , pois, jul- ~em~, portanto, anunciar a alegria com gritos de exultação,
gar multo mais cJifí ·il irnpatizar inteiramente com a stta .infe- mtetramente confiante de estarmos sinceramente dispostos a
liddad , > a ompanhar sua "tdência, do q ue partil ha r com- acompanhá-lo.
pl Lrun nl de su11 a legria e deve afasrar-s de seu nacural e Por que nos envergonharia mais chorar do que rir dian-
. mum staclo de esphi to mais num caso do que em urro. te dos outros? Freqüentemente nos vemos numa situação
Oaí p rque, ernb ra nos ·a impatia com a infeli idac.l, ·cja real em que somos capazes tanto de um quanto de outro;
mu itas vezes uma sensa :fio mais pungente do que , . impa- mas sempre percebemos que os espectadores mais provavel-
tia com a alegria, sempre lhe falta a intensidade do que natu-
mente nos_acompanharão na emoção agradável do que na
ralmente sente a pessoa diretamente atingida.
doloros~. E sempre deplorável queixar-se, mesmo quando '
É agradável simpatizar com a alegria; e sempre que a in-
nos opnmem as mais terríveis calamidades. Mas o triunfo da
veja não se op nha a i so, nosso coração entrega-se com
vitó~~a nem sempre é desgracioso. Na verdade, a prudência ·
satisfa~ão aos mais 1 ad s transportes dessa em ão en-
frequentemente nos aconselharia a ostentar com mais mode-
canta lora . Mas é d loroso acomp:ll'lhar a dor, e sempr dela
ração nossa prosperidade, porque a prudência nos ensinaria '
p::trtilham s om relutância1 . uando assi tlmo · à rep.re. en-
r:t • de uma tragédia, lutam quanto pod mo ·onu· a evitar a inveja que, mais do que tudo, esse mesmo triunfo
tende a suscitar.
esse sofrime nto solidário que a diversão inspi1 eclcmos a
ele, finalmente, apenas quando já não é mais possível evitá- Quão ~ntusiásticas , num triunfo ou solenidade pública,
lo. Mesmo então , tentamos esconder dos companheiros nos- as aclam~çoes da multidão, que jamais demonstra inveja pe- \ ~
sa inquietação. Se derr.unamos algumas lágrimas, ocultamo- los supen~res! E como é, habitualmente, calma e moderada I
las cuidadosamente, e tem mo, que os espectadores, não par- sua dor dtante de uma execução! Nosso sofrimento num fu-
tilhando dessa excessiva ternura, atribuam-nas à efeminação neral geralmente não passa de gravidade afetada; mas nossa
• fraqueza. O desgraçado cujos infon(tni s pr vo am nossa felicidade num batizado ou casamento vem sempre do cora-
'< mpaixão sente com que rel urânda pr va elmente partilha- ção, e sem afetação alguma. Nessas e em todas as ocasiões
remos de seu sofrimento, p r i s ::tpresenta-n s sua dor alegres, nossa satisfação, embora não tão duradoura é fre-
qüentemente tão viva quanto a das pessoas diretame~te en-
volvidas. Sempre que congratulamos cordialmente nossos ami-
1. Objetam-me que, na medida e m que fundam rllo sobre a simpatia gos, o que, para desgraça da natureza humana, raramente fa-
o sentime nto de aprovação, o qual é sempre agmd:i d , admitir qualque r zemos, a alegria deles literalmente se torna nossa. Nesse mo-
~imrutl:t dt·::agrnd(lv ·I ~ !'la lnc:onslstcn te colll o mo.:u Sistema. i\ isso, res-
pondo que ha d 1ili aspectos a considc::mr no · ·ntimcnto d • aprtlV>l 'ào: pri- mento estamos tão felizes quanto eles; nosso coração incha e
,., I
m ·lro, a pHix~o solid{trla do e · r>o.:ctado1~ segundo, a cmo~':.t O su. íw.da no transborda de prazer real; alegria e complacência cintilam em
r e~pc<:t. dCir, :1 h~<:rVnr a perfeita rcciprocid:~de Cll ii'C . ua p;lix:io sl>li0:iria e nossos olhos, animando cada traço de nosso semblante e ca-
•) a paixt o mígln:~ l da pc:;sua p rmcipalme nt..: :tfcraúa. Esta última CllllJ Jo, l!lll da gesto de nosso corpo.
jlle ·o n~isl~: i>mpriamentc n s •nlitm:nlo de {lprovaçao, ú se mpre a){rJdáv I
e d ·lic iosa. A nutr.t tanto pude:: s ·r tgmd!ivcl, quanto clcsagradávd, de :teor- Ao contrário, porém, quando nos compadecemos de nos-
I· ' do com <1 natureza da paixão original, cujos traços eleve sempre em alguma sos amigos em suas aflições, quão pouco sentimos em com-
medida reter. paração ao que eles sentem! Sentamo-nos ao seu lado, olha-
TEORIA D OS SENJ7MENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE
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ápke da prosperidade hu mana o intervalo s jo ap- nas uma com medo e_hesitação: até dissimula p arte dela e, por ser tão
ninh ·tria, nrr isso e o mai baixo ní.v J de mL é lia a ciL tão- d~ro o coraçao dos homens, envergonha-se de dar vazão à ple-
ia é lmensa e prodigiosa. P r essa razã , a advcr · idad ne- mtude. de seu.sofrimento. O inverso ocorre com o homem que
·e ·s·1riru'11ent lan a o espíri LO elo of redo.r p ra muit mais esbanJa alegna e sucesso. Sempre que a inveja não nos im-
baixo do seu esw.d n u rai, tlo que a prosperidade é a paz pele contra ele, espera de nós a mais completa simpatia. Não
de e lev{t-1 adm~t de e estado. esp ecrador de e , pois, jul- ~em~, portanto, anunciar a alegria com gritos de exultação,
gar multo mais cJifí ·il irnpatizar inteiramente com a stta .infe- mtetramente confiante de estarmos sinceramente dispostos a
liddad , > a ompanhar sua "tdência, do q ue partil ha r com- acompanhá-lo.
pl Lrun nl de su11 a legria e deve afasrar-s de seu nacural e Por que nos envergonharia mais chorar do que rir dian-
. mum staclo de esphi to mais num caso do que em urro. te dos outros? Freqüentemente nos vemos numa situação
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mu itas vezes uma sensa :fio mais pungente do que , . impa- mas sempre percebemos que os espectadores mais provavel-
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mente nos_acompanharão na emoção agradável do que na
ralmente sente a pessoa diretamente atingida.
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É agradável simpatizar com a alegria; e sempre que a in-
nos opnmem as mais terríveis calamidades. Mas o triunfo da
veja não se op nha a i so, nosso coração entrega-se com
vitó~~a nem sempre é desgracioso. Na verdade, a prudência ·
satisfa~ão aos mais 1 ad s transportes dessa em ão en-
frequentemente nos aconselharia a ostentar com mais mode-
canta lora . Mas é d loroso acomp:ll'lhar a dor, e sempr dela
ração nossa prosperidade, porque a prudência nos ensinaria '
p::trtilham s om relutância1 . uando assi tlmo · à rep.re. en-
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tende a suscitar.
esse sofrime nto solidário que a diversão inspi1 eclcmos a
ele, finalmente, apenas quando já não é mais possível evitá- Quão ~ntusiásticas , num triunfo ou solenidade pública,
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sa inquietação. Se derr.unamos algumas lágrimas, ocultamo- los supen~res! E como é, habitualmente, calma e moderada I
las cuidadosamente, e tem mo, que os espectadores, não par- sua dor dtante de uma execução! Nosso sofrimento num fu-
tilhando dessa excessiva ternura, atribuam-nas à efeminação neral geralmente não passa de gravidade afetada; mas nossa
• fraqueza. O desgraçado cujos infon(tni s pr vo am nossa felicidade num batizado ou casamento vem sempre do cora-
'< mpaixão sente com que rel urânda pr va elmente partilha- ção, e sem afetação alguma. Nessas e em todas as ocasiões
remos de seu sofrimento, p r i s ::tpresenta-n s sua dor alegres, nossa satisfação, embora não tão duradoura é fre-
qüentemente tão viva quanto a das pessoas diretame~te en-
volvidas. Sempre que congratulamos cordialmente nossos ami-
1. Objetam-me que, na medida e m que fundam rllo sobre a simpatia gos, o que, para desgraça da natureza humana, raramente fa-
o sentime nto de aprovação, o qual é sempre agmd:i d , admitir qualque r zemos, a alegria deles literalmente se torna nossa. Nesse mo-
~imrutl:t dt·::agrnd(lv ·I ~ !'la lnc:onslstcn te colll o mo.:u Sistema. i\ isso, res-
pondo que ha d 1ili aspectos a considc::mr no · ·ntimcnto d • aprtlV>l 'ào: pri- mento estamos tão felizes quanto eles; nosso coração incha e
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m ·lro, a pHix~o solid{trla do e · r>o.:ctado1~ segundo, a cmo~':.t O su. íw.da no transborda de prazer real; alegria e complacência cintilam em
r e~pc<:t. dCir, :1 h~<:rVnr a perfeita rcciprocid:~de Cll ii'C . ua p;lix:io sl>li0:iria e nossos olhos, animando cada traço de nosso semblante e ca-
•) a paixt o mígln:~ l da pc:;sua p rmcipalme nt..: :tfcraúa. Esta última CllllJ Jo, l!lll da gesto de nosso corpo.
jlle ·o n~isl~: i>mpriamentc n s •nlitm:nlo de {lprovaçao, ú se mpre a){rJdáv I
e d ·lic iosa. A nutr.t tanto pude:: s ·r tgmd!ivcl, quanto clcsagradávd, de :teor- Ao contrário, porém, quando nos compadecemos de nos-
I· ' do com <1 natureza da paixão original, cujos traços eleve sempre em alguma sos amigos em suas aflições, quão pouco sentimos em com-
medida reter. paração ao que eles sentem! Sentamo-nos ao seu lado, olha-
...
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 57
56
mos para eles, e enquanto nos relatam as circunstâncias de lidariedade e aprovação completas vem se somar e infundir '
seu infOitúnio, escutamos com gravidade e atenção. Mas, en- surpresa e assombro, temos o que se denomina propriamen- 1
1uanto as expio - ~ ~s na turais da paixão, qu freqüe nt mente te admiração, como já se observou mais de uma vez. Rodeado 1
p a recem suf< cá-lo., inre rro mp m . ua na rrativa a toclc mo- de inimigos por todos os lados, incapaz ele resistir, mas ao
me nto, as lâ nguith s m ~ s le nossos ·orações estão lon- mesmo tempo desdenhando submeter-se a eles, Catão man-
ge de seguir a mesma direção de taili tra nsportes! Ao mesmo tém-se irredutível, graças às orgulhosas máximas daquele
tempo, somos capazes de perceber qu s ua paixão é natural, tempo, à nec.essidade de destruir a si mesmo; porém, jamais
não maior do que aquela que nós mesmos sentiríamos em se retrai diante dos infortúnios, jamais suplica com a lamen-
ocasião semelhante. Podemos censurar-nos internamente por tável voz da desgraça as lágrimas miserandas de simpatia
falta de sensibilidade, e talvez, por essa razão, consigamos que sempre estamos tão pouco dispostos a conceder, ao con-
com esforço manifestar uma solidariedade artificial, que, po- trário, arma-se de fortaleza viril e, no momento antes de exe-
rém, quando trazida à luz, é sempre a menos intensa e dura- cutar sua decisão fatal, dá com a sua tranqüilidade habitual to-
doura que se possa imaginar; e, geralmente, assim que saí- das as ordens necessárias para segurança de seus amigos: assim
mos do quarto, desaparece e se vai para sempre. Parece que se revela a Sêneca, este grande pregador da insensibilidade,
a natureza, quando nos sobrecarregou de nossas próprias um espetáculo que até os próprios deuses contemplariam com
dores, julgou-as suficientes e por conseguinte não nos orde- prazer e admiração*.
nou que tomássemos parte nas alheias mais elo que o neces- Sempre que encontramos, na vida comum, exemplos ele
sário para nos incitar a serená-las. tão heróica magnanimidade ficamos extremamente afetados.
É por causa desse embotamento da sensibilidade para Estamos mais do que inclinados a chorar e derramar lágrimas
com as aflições alheias que a magnanimidade em meio a gran- pelos que, dessa maneira, parecem sentir tanto por si mes-
des catástrofes parece sempre tão divinamente graciosa. É mos quanto pelos que dão vazão a toda a fraqueza do sofri-
gentil e agradável a postura ele quem consegue manter-se ale- mento; e nesse caso particular, a dor solidária do espectador
gre em meio a uma série de desastres frívolos. Mas parece parece ir além da paixão original na pessoa diretamente atin-
mais do que mortal quem consegue suportar da mesma ma- gida. Todos os amigos de Sócrates choraram quando ele
neira as mais terríveis calamidades. Sentimos que um imenso bebia a poção derradeira, embora ele próprio expressasse a
esforço é necessário para silenciar as violentas emoções que mais alegre e contente tranqüilidade**. Em todas essas oca-
naturalmente agitam e perturbam quem se encontra nessa si- siões nenhum esforço faz o espectador, nem tem ocasião de
tuação. Admira-nos que esse homem tenha sobre si tamanho fazer, para controlar seu solidário sofrimento. Não teme ser
domínio. Ao mesmo tempo, sua firmeza coincide perfeita- levado a fazer algo extravagante ou impróprio; está, antes,
mente com nossa insensibilidade. Não exige ele nós aquele contente com a sensibilidade de seu coração, e demonstra
extraordinário grau de sensibilidade que descobrimos, e fica- isso com complacência e auto-aprovação. Com prazer permi-
; mos mottificados ao descobrir, não possuir. Existe a mais per- te-se, portanto, as mais melancólicas visões que podem lhe
feita correspondência entre os seus sentimentos e os nossos ocorrer naturalmente quanto à calamidade de seu amigo,
\', e, por isso, a mais perfeita conveniência em seu comporta- pelo qual talvez nunca tenha sentido com tanta intensidade a
mento. Ademais, trata-se de uma conveniência que, por nos- terna e chorosa paixão do amor. Mas algo bem diverso suce-
( \
sa experiência ela usual fraqueza da natureza humana, não
poderíamos esperar, sensatamente, que mantivesse. Imagina-
mos, atõnitos e surpresos, a força de espírito capaz de um • Sêneca, De Providentia (Diálogos, Livro I), ii, 9. (N. da R. T.)
esforço tão nobre e generoso. Quando ao sentimento de so- •• Platão, Fédon, 117 b-e. (N. ela R. T.)
...
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mos para eles, e enquanto nos relatam as circunstâncias de lidariedade e aprovação completas vem se somar e infundir '
seu infOitúnio, escutamos com gravidade e atenção. Mas, en- surpresa e assombro, temos o que se denomina propriamen- 1
1uanto as expio - ~ ~s na turais da paixão, qu freqüe nt mente te admiração, como já se observou mais de uma vez. Rodeado 1
p a recem suf< cá-lo., inre rro mp m . ua na rrativa a toclc mo- de inimigos por todos os lados, incapaz ele resistir, mas ao
me nto, as lâ nguith s m ~ s le nossos ·orações estão lon- mesmo tempo desdenhando submeter-se a eles, Catão man-
ge de seguir a mesma direção de taili tra nsportes! Ao mesmo tém-se irredutível, graças às orgulhosas máximas daquele
tempo, somos capazes de perceber qu s ua paixão é natural, tempo, à nec.essidade de destruir a si mesmo; porém, jamais
não maior do que aquela que nós mesmos sentiríamos em se retrai diante dos infortúnios, jamais suplica com a lamen-
ocasião semelhante. Podemos censurar-nos internamente por tável voz da desgraça as lágrimas miserandas de simpatia
falta de sensibilidade, e talvez, por essa razão, consigamos que sempre estamos tão pouco dispostos a conceder, ao con-
com esforço manifestar uma solidariedade artificial, que, po- trário, arma-se de fortaleza viril e, no momento antes de exe-
rém, quando trazida à luz, é sempre a menos intensa e dura- cutar sua decisão fatal, dá com a sua tranqüilidade habitual to-
doura que se possa imaginar; e, geralmente, assim que saí- das as ordens necessárias para segurança de seus amigos: assim
mos do quarto, desaparece e se vai para sempre. Parece que se revela a Sêneca, este grande pregador da insensibilidade,
a natureza, quando nos sobrecarregou de nossas próprias um espetáculo que até os próprios deuses contemplariam com
dores, julgou-as suficientes e por conseguinte não nos orde- prazer e admiração*.
nou que tomássemos parte nas alheias mais elo que o neces- Sempre que encontramos, na vida comum, exemplos ele
sário para nos incitar a serená-las. tão heróica magnanimidade ficamos extremamente afetados.
É por causa desse embotamento da sensibilidade para Estamos mais do que inclinados a chorar e derramar lágrimas
com as aflições alheias que a magnanimidade em meio a gran- pelos que, dessa maneira, parecem sentir tanto por si mes-
des catástrofes parece sempre tão divinamente graciosa. É mos quanto pelos que dão vazão a toda a fraqueza do sofri-
gentil e agradável a postura ele quem consegue manter-se ale- mento; e nesse caso particular, a dor solidária do espectador
gre em meio a uma série de desastres frívolos. Mas parece parece ir além da paixão original na pessoa diretamente atin-
mais do que mortal quem consegue suportar da mesma ma- gida. Todos os amigos de Sócrates choraram quando ele
neira as mais terríveis calamidades. Sentimos que um imenso bebia a poção derradeira, embora ele próprio expressasse a
esforço é necessário para silenciar as violentas emoções que mais alegre e contente tranqüilidade**. Em todas essas oca-
naturalmente agitam e perturbam quem se encontra nessa si- siões nenhum esforço faz o espectador, nem tem ocasião de
tuação. Admira-nos que esse homem tenha sobre si tamanho fazer, para controlar seu solidário sofrimento. Não teme ser
domínio. Ao mesmo tempo, sua firmeza coincide perfeita- levado a fazer algo extravagante ou impróprio; está, antes,
mente com nossa insensibilidade. Não exige ele nós aquele contente com a sensibilidade de seu coração, e demonstra
extraordinário grau de sensibilidade que descobrimos, e fica- isso com complacência e auto-aprovação. Com prazer permi-
; mos mottificados ao descobrir, não possuir. Existe a mais per- te-se, portanto, as mais melancólicas visões que podem lhe
feita correspondência entre os seus sentimentos e os nossos ocorrer naturalmente quanto à calamidade de seu amigo,
\', e, por isso, a mais perfeita conveniência em seu comporta- pelo qual talvez nunca tenha sentido com tanta intensidade a
mento. Ademais, trata-se de uma conveniência que, por nos- terna e chorosa paixão do amor. Mas algo bem diverso suce-
( \
sa experiência ela usual fraqueza da natureza humana, não
poderíamos esperar, sensatamente, que mantivesse. Imagina-
mos, atõnitos e surpresos, a força de espírito capaz de um • Sêneca, De Providentia (Diálogos, Livro I), ii, 9. (N. da R. T.)
esforço tão nobre e generoso. Quando ao sentimento de so- •• Platão, Fédon, 117 b-e. (N. ela R. T.)
58 TEORIA DOS SEN11MENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 59
de à pessoa diretamente atingida. Esta é obrigada o mais pos- vergonha que pela dor; e a desonra que assim lançava sobre
sível a afastar seu olho de tudo que seja naturalmente terrível si mesmo lhes pareceria a circunstância mais lamentável em
ou desagradável em sua situação. Receia que um cuidado seu infortúnio. Como ficou desgraçada a memória do intrépi-
demasiado sério com essas circunstâncias poderia lhe causar do Duque de Biron•, que tantas vezes desafiara a morte no
uma impressão tão violenta que já não conseguiria manter-se campo de batalha, mas chorou no cadafalso ao ver o quanto
dentro dos limites da moderação, ou tornar-se objeto da com- sucumbira, e ao recordar os favores e glória dos quais tão
p le la s impalla aprovaçâ do e..'ipe tador s. ~ ixa, p i·, seus infortunadamente sua própria imprudência o arrancara!
p ' nsa m ntos nas circunsrâ.n ia agra 1:1 eis, apl::n.1 admi-
ração d · q u -erá djgno pela h ró ica graod za de seu com-
portamento. Sentir que é capaz de esforço tão nobre e gene- CAPÍTULO II
roso, sentir que em sua terrível situação ainda pode agir como Da origem da ambição e da distinção social
desejaria, anima e arrebata-o de alegria, tornando-o capaz de
suportar a triunfante alegria que parece exultar pela vitória É porque os homens estão dispostos a simpatizar mais j
que assim obtém sobre seus infortúnios. Ao contrário, sem- completamente com nossa alegria do que com nossa dor,
pre parece em certa medida mesquinho e desprezível aque- que exibimos nossa riqueza e escondemos nossa pobreza.
le que mergulha em sofrimento e depressão por qualquer ca- Nada mortifica mais do que sermos obrigados a expor nossa
lamidade pessoal. Somos incapazes de sentir por ele o que aflição aos olhos do público, e a sentir que, embora nossa si-
ele sente por si próprio, e que talvez sentíssemos por nós, se tuação esteja exposta aos olhos de toda a humanidade, ne-
estivéssemos na sua situação. Portanto o desprezamos injus- nhum mortal é capaz de conceber um pouco que seja de
tamente, talvez, se for possível considerar injusto qualquer nosso sofrimento. Mais ainda, é sobretudo por considerar-
sentimento para o qual a natureza nos determinou de modo mos os sentimentos da humanidade que perseguimos a ri-
irresistível. A fraqueza do sofrimento nunca parece agradável queza e evitamos a pobreza. Pois qual o propósito de toda a
' sob nenhum aspecto, exceto quando se origina do que sen- faina e todo o torvelinho deste mundo? Qual a finalidade da
timos por outros mais do que por nós próprios. Um filho, avareza e ambição, da busca de fortuna, poder e preeminên-
diante da morte de um pai indulgente e respeitável, pode dar cia? Será para suprir as necessidades da natureza? Os salários
vazão à dor sem haver muito do que se envergonhar. Seu so- do mais humilde trabalhador podem supri-las. Vemos que lhe
proporcionam comida e roupa, o conforto de uma casa e de
I frimento fundamenta-se profundamente numa espécie de soli-
dariedade pelo pai falecido; e partilhamos prontamente des- uma família. Se examinarmos sua economia com rigor, desco-
sa emoção humana. Mas, se ele se permitisse a mesma fra- briremos que gasta grande parte desses salários com confor-
, queza por qualquer infortúnio que tão-somente o afetasse, já tos que podem ser considerados supérfluos, e que, em oca-
não encontraria tal indulgência. Se fosse reduzido à mendi- siões extraordinárias, pode até permitir-se vaidade e distin-
cância e ruína, ficasse exposto aos mais terríveis perigos, ain- ção. Qual então a causa de nossa aversão por sua situação, e
da que fosse levado à execução pública e lá derramasse uma por que os que foram educados nas ordens mais altas da
só lágrima no cadafalso, ficaria desgraçado para sempre na vida consideram pior do que a morte ser reduzido a viver,
opinião da parte generosa e galante da humanidade. Embora
a compaixão desta fosse intensa e muito sincera, ainda assim • Charles de Gontaut (1562-1602). Foi agraciado com o título de Du-
se ressentiria dessa excessiva fraqueza, e por isso não perdoa- que de Biron e Marechal da França por Henrique IV, por sua corage m. Mais
ria o homem que se expusesse dessa maneira aos olhos do tarde, foi acusado de traição, e executado em 31 de julho ele 1602. (N. ela
mundo. O comportamento dele afetaria os outros mais pela R. T.)
58 TEORIA DOS SEN11MENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 59
de à pessoa diretamente atingida. Esta é obrigada o mais pos- vergonha que pela dor; e a desonra que assim lançava sobre
sível a afastar seu olho de tudo que seja naturalmente terrível si mesmo lhes pareceria a circunstância mais lamentável em
ou desagradável em sua situação. Receia que um cuidado seu infortúnio. Como ficou desgraçada a memória do intrépi-
demasiado sério com essas circunstâncias poderia lhe causar do Duque de Biron•, que tantas vezes desafiara a morte no
uma impressão tão violenta que já não conseguiria manter-se campo de batalha, mas chorou no cadafalso ao ver o quanto
dentro dos limites da moderação, ou tornar-se objeto da com- sucumbira, e ao recordar os favores e glória dos quais tão
p le la s impalla aprovaçâ do e..'ipe tador s. ~ ixa, p i·, seus infortunadamente sua própria imprudência o arrancara!
p ' nsa m ntos nas circunsrâ.n ia agra 1:1 eis, apl::n.1 admi-
ração d · q u -erá djgno pela h ró ica graod za de seu com-
portamento. Sentir que é capaz de esforço tão nobre e gene- CAPÍTULO II
roso, sentir que em sua terrível situação ainda pode agir como Da origem da ambição e da distinção social
desejaria, anima e arrebata-o de alegria, tornando-o capaz de
suportar a triunfante alegria que parece exultar pela vitória É porque os homens estão dispostos a simpatizar mais j
que assim obtém sobre seus infortúnios. Ao contrário, sem- completamente com nossa alegria do que com nossa dor,
pre parece em certa medida mesquinho e desprezível aque- que exibimos nossa riqueza e escondemos nossa pobreza.
le que mergulha em sofrimento e depressão por qualquer ca- Nada mortifica mais do que sermos obrigados a expor nossa
lamidade pessoal. Somos incapazes de sentir por ele o que aflição aos olhos do público, e a sentir que, embora nossa si-
ele sente por si próprio, e que talvez sentíssemos por nós, se tuação esteja exposta aos olhos de toda a humanidade, ne-
estivéssemos na sua situação. Portanto o desprezamos injus- nhum mortal é capaz de conceber um pouco que seja de
tamente, talvez, se for possível considerar injusto qualquer nosso sofrimento. Mais ainda, é sobretudo por considerar-
sentimento para o qual a natureza nos determinou de modo mos os sentimentos da humanidade que perseguimos a ri-
irresistível. A fraqueza do sofrimento nunca parece agradável queza e evitamos a pobreza. Pois qual o propósito de toda a
' sob nenhum aspecto, exceto quando se origina do que sen- faina e todo o torvelinho deste mundo? Qual a finalidade da
timos por outros mais do que por nós próprios. Um filho, avareza e ambição, da busca de fortuna, poder e preeminên-
diante da morte de um pai indulgente e respeitável, pode dar cia? Será para suprir as necessidades da natureza? Os salários
vazão à dor sem haver muito do que se envergonhar. Seu so- do mais humilde trabalhador podem supri-las. Vemos que lhe
proporcionam comida e roupa, o conforto de uma casa e de
I frimento fundamenta-se profundamente numa espécie de soli-
dariedade pelo pai falecido; e partilhamos prontamente des- uma família. Se examinarmos sua economia com rigor, desco-
sa emoção humana. Mas, se ele se permitisse a mesma fra- briremos que gasta grande parte desses salários com confor-
, queza por qualquer infortúnio que tão-somente o afetasse, já tos que podem ser considerados supérfluos, e que, em oca-
não encontraria tal indulgência. Se fosse reduzido à mendi- siões extraordinárias, pode até permitir-se vaidade e distin-
cância e ruína, ficasse exposto aos mais terríveis perigos, ain- ção. Qual então a causa de nossa aversão por sua situação, e
da que fosse levado à execução pública e lá derramasse uma por que os que foram educados nas ordens mais altas da
só lágrima no cadafalso, ficaria desgraçado para sempre na vida consideram pior do que a morte ser reduzido a viver,
opinião da parte generosa e galante da humanidade. Embora
a compaixão desta fosse intensa e muito sincera, ainda assim • Charles de Gontaut (1562-1602). Foi agraciado com o título de Du-
se ressentiria dessa excessiva fraqueza, e por isso não perdoa- que de Biron e Marechal da França por Henrique IV, por sua corage m. Mais
ria o homem que se expusesse dessa maneira aos olhos do tarde, foi acusado de traição, e executado em 31 de julho ele 1602. (N. ela
mundo. O comportamento dele afetaria os outros mais pela R. T.)
60 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 61
mesmo sem trabalhar, do mesmo simples modo dele, morar tam-se com a insolência desse farrapo humano, que se atre-
sob o mesmo teto rebaixado, vestir-se com os mesmos trajes ve a apresentar-se perante eles, e com o odioso aspecto de
humildes? Imaginam que num palácio seu estômago é me- sua miséria que, presumem, irá perturbar sua serena felicida-
lhor, seu sonho mais calmo, que numa choupana? Observou- de. O homem de honra e distinção, ao contrário, é notado
se muitas vezes o contrário, e na verdade é tão óbvio que, por todos. Todos anseiam por contemplá-lo, e conceber, pelo
mesmo se nunca fosse observado, ninguém o ignoraria. Pois menos por simpatia, a alegria e exultação que suas condi-
de onde, então, origina-se essa emulação que perpassa todas ções naturalmente inspiram. Suas ações são objeto de aten-
as diferentes ordens de homens, e a que benefícios aspira- ção pública. Dificilmente lhe escapem um gesto ou uma pa-
mos com esse grande propósito da vida humana a que cha- lavra que passem despercebidos. Numa grande reunião, é a
mamos melhorar nossa condição? Ser notado, servido, trata- pessoa para a qual todos dirigem seus olhares; todas as pai-
do com simpatia, complacência e ~provação , são todos os xões alheias parecem esperar por ele com expectativa, a fim
benefícios a que podemos aspirar. E a va idade , não o bem- de receberem o movimento e direção que ele lhes imprimi-
estar ou prazer que nos interessa. Mas a vaidade sempre se rá; e caso seu comportamento não seja inteiramente absur-
funda sobre a crença de que somos objeto de atenção e do, terá a cada momento a ocasião de interessar os demais,
aprovação. O homem rico jacta-se de sua riqueza, porque e tornar-se objeto da observação e solidariedade de todos
sente que naturalmente isso dirige sobre si a atenção do mun- que o cercam. É isso que, não obstante as restrições a ele im- i
do, e que os homens estão dispostos a aceder a todas as postas, não obstante a conseqüente perda de liberdade, con- .
emoções agradáveis com que os benefícios de sua situação o fere grandeza ao objeto de inveja, e compensa na opinião .
cobrem tão prontamente. Ao mero pensamento disso, seu dos homens todas as fainas, todas as ansiedades, todas essas .
coração parece inchar e dilatar-se, e, por esta razão, aprecia mortificações a que deve se submeter quem busca a atenção ;
ainda mais sua riqueza do que por todos os demais benefí- geral. E, o que é ainda mais grave, essa aquisição o faz per-
cios que lhe proporciona. O homem pobre, ao contrário, der o direito a todo o ócio, toda a tranqüilidade, toda a des-
envergonha-se de sua pobreza. Sente que ou essa situação o preocupada segurança.
coloca fora da vista das pessoas, ou que, se o percebem, têm Ao examinarmos a condição dos homens eminentes se-
quase nenhuma solidariedade para com a miséria e aflição gundo as enganosas cores em que a imaginação a pinta,
de que é vítima. Sente-se mortificado pelos dois motivos, parece-nos quase a idéia abstrata de uma condi ào perfeita e
pois, embora ser negligenciado e desaprovado seja inteira- feliz. É a condição que, qu ando sonhamos le p rtos ou de-
mente distinto, do mesmo modo como a obscuridade nos vaneamos à toa, entrevemos como o propósito final de todos
oculta da luz diurna das honras e aprovação, sentir que não os nossos desejos. Por conseguinte, sentimos uma peculiar
somos notados necessariamente sufoca a mais agradável das simpatia pela satisfação daqueles que nela se encontram. Cor-
esperanças e decepciona o mais ardente desejo da natureza roboramos todas as suas inclinações, e estimulamos todos os
humana. O homem pobre sai e entra desacautelado, e quan- seus desejos. Que lamentável, pensamos, se algo viesse a es-
do no meio de uma multidão permanece tão obscuro como tragar e corromper uma situação tão agradável! Poderíamos
se estivesse fechado em sua choupana. Esses humildes cui- até desejar que fossem imortais; e parece-nos difícil acreditar
dados e dolorosas atenções de que se ocupam os que estão que a morte por fim venha rematar tão perfeito prazer. É
na sua situação não oferecem divertimento aos dissipados ou cruel, pensamos, que a natureza os expulse de suas louvá-
alegres. Desviam dele os olhos, ou, se a sua extrema aflição veis posições para aquela morada humilde, porém hospita-
os força a olhar para ele, é apenas para expulsar de seu meio leira, que providenciou para todos os seus filhos. Vida eter-
um objeto tão desagradável. Os afortunados e altivos espan- na ao grande rei! é a saudação que gostaríamos de lhes fazer,
60 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 61
mesmo sem trabalhar, do mesmo simples modo dele, morar tam-se com a insolência desse farrapo humano, que se atre-
sob o mesmo teto rebaixado, vestir-se com os mesmos trajes ve a apresentar-se perante eles, e com o odioso aspecto de
humildes? Imaginam que num palácio seu estômago é me- sua miséria que, presumem, irá perturbar sua serena felicida-
lhor, seu sonho mais calmo, que numa choupana? Observou- de. O homem de honra e distinção, ao contrário, é notado
se muitas vezes o contrário, e na verdade é tão óbvio que, por todos. Todos anseiam por contemplá-lo, e conceber, pelo
mesmo se nunca fosse observado, ninguém o ignoraria. Pois menos por simpatia, a alegria e exultação que suas condi-
de onde, então, origina-se essa emulação que perpassa todas ções naturalmente inspiram. Suas ações são objeto de aten-
as diferentes ordens de homens, e a que benefícios aspira- ção pública. Dificilmente lhe escapem um gesto ou uma pa-
mos com esse grande propósito da vida humana a que cha- lavra que passem despercebidos. Numa grande reunião, é a
mamos melhorar nossa condição? Ser notado, servido, trata- pessoa para a qual todos dirigem seus olhares; todas as pai-
do com simpatia, complacência e ~provação , são todos os xões alheias parecem esperar por ele com expectativa, a fim
benefícios a que podemos aspirar. E a va idade , não o bem- de receberem o movimento e direção que ele lhes imprimi-
estar ou prazer que nos interessa. Mas a vaidade sempre se rá; e caso seu comportamento não seja inteiramente absur-
funda sobre a crença de que somos objeto de atenção e do, terá a cada momento a ocasião de interessar os demais,
aprovação. O homem rico jacta-se de sua riqueza, porque e tornar-se objeto da observação e solidariedade de todos
sente que naturalmente isso dirige sobre si a atenção do mun- que o cercam. É isso que, não obstante as restrições a ele im- i
do, e que os homens estão dispostos a aceder a todas as postas, não obstante a conseqüente perda de liberdade, con- .
emoções agradáveis com que os benefícios de sua situação o fere grandeza ao objeto de inveja, e compensa na opinião .
cobrem tão prontamente. Ao mero pensamento disso, seu dos homens todas as fainas, todas as ansiedades, todas essas .
coração parece inchar e dilatar-se, e, por esta razão, aprecia mortificações a que deve se submeter quem busca a atenção ;
ainda mais sua riqueza do que por todos os demais benefí- geral. E, o que é ainda mais grave, essa aquisição o faz per-
cios que lhe proporciona. O homem pobre, ao contrário, der o direito a todo o ócio, toda a tranqüilidade, toda a des-
envergonha-se de sua pobreza. Sente que ou essa situação o preocupada segurança.
coloca fora da vista das pessoas, ou que, se o percebem, têm Ao examinarmos a condição dos homens eminentes se-
quase nenhuma solidariedade para com a miséria e aflição gundo as enganosas cores em que a imaginação a pinta,
de que é vítima. Sente-se mortificado pelos dois motivos, parece-nos quase a idéia abstrata de uma condi ào perfeita e
pois, embora ser negligenciado e desaprovado seja inteira- feliz. É a condição que, qu ando sonhamos le p rtos ou de-
mente distinto, do mesmo modo como a obscuridade nos vaneamos à toa, entrevemos como o propósito final de todos
oculta da luz diurna das honras e aprovação, sentir que não os nossos desejos. Por conseguinte, sentimos uma peculiar
somos notados necessariamente sufoca a mais agradável das simpatia pela satisfação daqueles que nela se encontram. Cor-
esperanças e decepciona o mais ardente desejo da natureza roboramos todas as suas inclinações, e estimulamos todos os
humana. O homem pobre sai e entra desacautelado, e quan- seus desejos. Que lamentável, pensamos, se algo viesse a es-
do no meio de uma multidão permanece tão obscuro como tragar e corromper uma situação tão agradável! Poderíamos
se estivesse fechado em sua choupana. Esses humildes cui- até desejar que fossem imortais; e parece-nos difícil acreditar
dados e dolorosas atenções de que se ocupam os que estão que a morte por fim venha rematar tão perfeito prazer. É
na sua situação não oferecem divertimento aos dissipados ou cruel, pensamos, que a natureza os expulse de suas louvá-
alegres. Desviam dele os olhos, ou, se a sua extrema aflição veis posições para aquela morada humilde, porém hospita-
os força a olhar para ele, é apenas para expulsar de seu meio leira, que providenciou para todos os seus filhos. Vida eter-
um objeto tão desagradável. Os afortunados e altivos espan- na ao grande rei! é a saudação que gostaríamos de lhes fazer,
-
62 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 63
à maneira das adulações orientais, se a experiência não nos boa vontad . • tiS be nefício. p d m e tender-se ap nas a
ensinasse como isso é absurdo. Toda calamidade que se aba- un p u o ; mas s us ú stinos in teressam <1 qu ase todos. Arl-
te sobre eles, toda ofensa que lhes é feita, suscita no peito siamo pe>r ajudá-! s a ·omp l tar um sistema de ~ llcidade
do espectador muito mais compaixão e ressentimento do que que mais se aproxime da p rfeiçà.o; desejamos s rvi-los pe-
sentiria se o mesmo sucedesse a outros homens. São apenas lo seu própri bem, sem o~;: nhuma re ·ompensa senilo a vai-
os infortúnios dos reis que fornecem os assuntos próprios dade ou a honra ele lhes ·1gradar. Tampouco nossa d ferên-
das tragédias. A esse respeito, assemelham-se aos infortúnios cia com suas inclinações se funda principal ou inteiramente
dos amantes. Essas duas situações são o que mais interessa numa consideração da utilidade dessa submissão e da ordem
no teatro, porque, apesar de tudo o que a razão e a expe- da sociedade, :1 qual ~ssa deferência ·ontribui p:ua ·onflrmar.
riência nos digam em contrário, os preconceitos da imagina- Mesm qu ando a orei m d a s iecla I pare xigir que n<
ção associam a essas duas condições uma felicidade superior op nham s aos ri os difi ·ilmeme somo.<> ·a pa zes li so . Qu
a qualquer outra. Estorvar, pôr fim a alegrias tão perfeitas, o. re is ' o ·et os do povo a quem e d ve obedecer, r ·•. i. -
parece a mais atroz das ofensas. Dentre todos os assassinos, tJr, d por ou punir conforme xija o I m-estar p(1blico , - do u-
o mais monstruoso é o traidor que conspira contra a vida de rrina da raztl o da filosof} a, mas não ela nan.1r 7.a•. A nature-
seu monarca. Todo o sangue inocente derramado nas guer-
za no. ensinaria a subm tc1mo-no.s a eles p lo s u pr prio
ras civis causou menos indignação do que a morte de Carlos 1•.
b m, a tremer e n curvarmos perante :mas sublimes posi-
i Quem não conhecesse a natureza humana, examinando a in-
"·ões, a o n id rar . eu ·ords J omo re ompe nsa sufi i •nre de
. diferença dos homens para com a miséria de seus inferiores,
qual u r setvi o, e recear seu de prazer embora n •nhum u-
e a mágoa e indignação destes pelos infortúnios e sofrimen-
tr m al d Jl r sultass , com a mais dura das mottificaçõ ·.
tos dos que estão acima deles, seria capaz de imaginar que a
Tratá-! sem alguma me lida como homens, argume ntar c dis-
dor deve ser mais agônica, e mais terrível a convulsão da mor-
te, em pessoas de elevada distinção do que em pessoas de po- rn eles e m o ·.t>íõ -·s ·omUJ1. , exige tamanha determi-
sições mais baixas. naçâ , u e há poucos ho m os uja randeza possa suste ntar
Sobre essa disposição da humanidade a partilhar de to- tais atüud , salv estiv rem lo 111 "S m o modo ampara los
das as paixões dos ricos e poderosos fundamenta-se a distin- pela familiaridad e p~1r otes ·o. Os mais fone moliv , as
ção social e a ordem da sociedade. Nossa obsequiosidade mais violentas paixões - medo, ódi o e r-·s. entim nto - difi-
, para com nossos superiores se origina mais freqüentemente cilmente bast<u fi o p ara quilibraJ . sa di. po. ição na tural a
,de nossa admiração pelas vantagens de sua situação do que respeitá-los; e s ua conduLa, ju ta ou inJustame nte , deve ter
·de qualquer expectativa pessoal de benefício advindo de sua pr ;vocado, no mais alto grau, t das aqu las paixõ . ant s de a
maior.ia lo povo ser conduzido a p r-s a le. om vio lên-
cia, ou a d s jarvê-los punidos ou d post s. Mesmo qu nn lo
• Carlos Stuart, executado por ordem dos Republicanos em 1649, sob a o povc é ·onduzido a esse extremo, ca paz cl d istlr a
acusação de trair o povo inglês, introduzindo no reino um poder d póU ·o e qualquer momento , r ca ir fucilmente em ·cu hal itu'tl eiita-
arbitrário. Durante a República (1649-1653) e o Protetorado de (.;r mwt:ll
( 16S3-I<í'ii'IJ, ;t Ingla terra <! :llpdJ :1 posiçãu de gra nde potência comercial, já
do de deferência para com aqueles para quem se habituaram
que .s:lo re mov idos os l'ntravl!li pol:iticos e bm l 'J'á tlcos que Impediam a a erguer os olhos como seus superiores naturais. Não canse-
• pa n~'i'l do e 1pll al mert-a nLil - um du~ gmndes te ma. de A riqut~a das na-
ções. Além disso, dos resultados da Revolução Inglesa (1640-1660), a drástica
redução do Estado e a primazia incontestável dos direitos individuais são • Algo semelhante a essa doutrina, ele que os governantes devem a
conquistas incorporadas pelos liberais. Mas não se deve estranhar a piedade conta de seus atos a seus súditos e podem por eles ser depostos se violarem
de Smith por Carlos I. Após a Restauração, Stuart (166o), o monarca, notório as leis civis, encontra-se no Dois tratados sobre o govemo, li, notadamente
em viela pela inabilidade política, torna-se postumamente mártir. (N. da R. T.) §§ 227 e 243, de John Locke. (N. da R. T.)
-
62 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 63
à maneira das adulações orientais, se a experiência não nos boa vontad . • tiS be nefício. p d m e tender-se ap nas a
ensinasse como isso é absurdo. Toda calamidade que se aba- un p u o ; mas s us ú stinos in teressam <1 qu ase todos. Arl-
te sobre eles, toda ofensa que lhes é feita, suscita no peito siamo pe>r ajudá-! s a ·omp l tar um sistema de ~ llcidade
do espectador muito mais compaixão e ressentimento do que que mais se aproxime da p rfeiçà.o; desejamos s rvi-los pe-
sentiria se o mesmo sucedesse a outros homens. São apenas lo seu própri bem, sem o~;: nhuma re ·ompensa senilo a vai-
os infortúnios dos reis que fornecem os assuntos próprios dade ou a honra ele lhes ·1gradar. Tampouco nossa d ferên-
das tragédias. A esse respeito, assemelham-se aos infortúnios cia com suas inclinações se funda principal ou inteiramente
dos amantes. Essas duas situações são o que mais interessa numa consideração da utilidade dessa submissão e da ordem
no teatro, porque, apesar de tudo o que a razão e a expe- da sociedade, :1 qual ~ssa deferência ·ontribui p:ua ·onflrmar.
riência nos digam em contrário, os preconceitos da imagina- Mesm qu ando a orei m d a s iecla I pare xigir que n<
ção associam a essas duas condições uma felicidade superior op nham s aos ri os difi ·ilmeme somo.<> ·a pa zes li so . Qu
a qualquer outra. Estorvar, pôr fim a alegrias tão perfeitas, o. re is ' o ·et os do povo a quem e d ve obedecer, r ·•. i. -
parece a mais atroz das ofensas. Dentre todos os assassinos, tJr, d por ou punir conforme xija o I m-estar p(1blico , - do u-
o mais monstruoso é o traidor que conspira contra a vida de rrina da raztl o da filosof} a, mas não ela nan.1r 7.a•. A nature-
seu monarca. Todo o sangue inocente derramado nas guer-
za no. ensinaria a subm tc1mo-no.s a eles p lo s u pr prio
ras civis causou menos indignação do que a morte de Carlos 1•.
b m, a tremer e n curvarmos perante :mas sublimes posi-
i Quem não conhecesse a natureza humana, examinando a in-
"·ões, a o n id rar . eu ·ords J omo re ompe nsa sufi i •nre de
. diferença dos homens para com a miséria de seus inferiores,
qual u r setvi o, e recear seu de prazer embora n •nhum u-
e a mágoa e indignação destes pelos infortúnios e sofrimen-
tr m al d Jl r sultass , com a mais dura das mottificaçõ ·.
tos dos que estão acima deles, seria capaz de imaginar que a
Tratá-! sem alguma me lida como homens, argume ntar c dis-
dor deve ser mais agônica, e mais terrível a convulsão da mor-
te, em pessoas de elevada distinção do que em pessoas de po- rn eles e m o ·.t>íõ -·s ·omUJ1. , exige tamanha determi-
sições mais baixas. naçâ , u e há poucos ho m os uja randeza possa suste ntar
Sobre essa disposição da humanidade a partilhar de to- tais atüud , salv estiv rem lo 111 "S m o modo ampara los
das as paixões dos ricos e poderosos fundamenta-se a distin- pela familiaridad e p~1r otes ·o. Os mais fone moliv , as
ção social e a ordem da sociedade. Nossa obsequiosidade mais violentas paixões - medo, ódi o e r-·s. entim nto - difi-
, para com nossos superiores se origina mais freqüentemente cilmente bast<u fi o p ara quilibraJ . sa di. po. ição na tural a
,de nossa admiração pelas vantagens de sua situação do que respeitá-los; e s ua conduLa, ju ta ou inJustame nte , deve ter
·de qualquer expectativa pessoal de benefício advindo de sua pr ;vocado, no mais alto grau, t das aqu las paixõ . ant s de a
maior.ia lo povo ser conduzido a p r-s a le. om vio lên-
cia, ou a d s jarvê-los punidos ou d post s. Mesmo qu nn lo
• Carlos Stuart, executado por ordem dos Republicanos em 1649, sob a o povc é ·onduzido a esse extremo, ca paz cl d istlr a
acusação de trair o povo inglês, introduzindo no reino um poder d póU ·o e qualquer momento , r ca ir fucilmente em ·cu hal itu'tl eiita-
arbitrário. Durante a República (1649-1653) e o Protetorado de (.;r mwt:ll
( 16S3-I<í'ii'IJ, ;t Ingla terra <! :llpdJ :1 posiçãu de gra nde potência comercial, já
do de deferência para com aqueles para quem se habituaram
que .s:lo re mov idos os l'ntravl!li pol:iticos e bm l 'J'á tlcos que Impediam a a erguer os olhos como seus superiores naturais. Não canse-
• pa n~'i'l do e 1pll al mert-a nLil - um du~ gmndes te ma. de A riqut~a das na-
ções. Além disso, dos resultados da Revolução Inglesa (1640-1660), a drástica
redução do Estado e a primazia incontestável dos direitos individuais são • Algo semelhante a essa doutrina, ele que os governantes devem a
conquistas incorporadas pelos liberais. Mas não se deve estranhar a piedade conta de seus atos a seus súditos e podem por eles ser depostos se violarem
de Smith por Carlos I. Após a Restauração, Stuart (166o), o monarca, notório as leis civis, encontra-se no Dois tratados sobre o govemo, li, notadamente
em viela pela inabilidade política, torna-se postumamente mártir. (N. da R. T.) §§ 227 e 243, de John Locke. (N. da R. T.)
'f'EORIA D 'ENIJMENTO MORAI. PRIMEIRA PARTE 65
sua autoridade, e a governar as inclinações deles a seu bel-
prazer; e nisso raramente fica desapontado. Essas attes, sus-
tentadas pela distinção e preeminência, são suficientes, em
ocasiões comuns, para governar o mundo. Luís XIV, durante
a maior parte de seu reinado, era considerado, não apenas
na França mas em toda a Europa, como o mais perfeito mo-
delo de príncipe. Mas por meio de que talentos e virtudes
adquiriu essa grande reputação? Pela escrupulosa e flexível
justiça de todos os seus empreendimentos, os imensos peri-
gos e dificuldades com que foram realizados, ou pela aplica-
ção infatigável e incansável com que os perseguiu? Por seu
extraordinário conhecimento, seu sutil julgamento, ou seu he-
róico valor? Por nenhuma dessas qualidades. Mas, antes de
tudo, era o mais poderoso príncipe da Europa, e conseqüen-
temente ocupava a mais alta posição entre os reis; então, diz
seu historiador•, "superava todos os Cortesãos na graça de sua
forma , e majestosa beleza de seus traços. O som de sua voz,
nobre e comovente, conquistava os corações que sua presen-
ça intimidava. Tinha um andar e uma postura que apenas po-
deriam combinar com ele e sua posição, e pareceriam ridículos
em qualquer outra pessoa. O embaraço que causava nos que
a ele se dirigiam adulava a secreta satisfação com a qual perce-
bia sua própria superioridade. O velho oficial que se equivo-
cou e não conseguiu pedir-lhe um favor, incapaz de concluir
seu discurso, disse-lhe: 'Senhor, espero que Vossa Majestade
acredite que não tremo assim diante de seus inimigos'. Assim,
não teve dificuldade em obter o que pedia" . Esses frívolos
dons, ancorados em sua posição e, claro, também em algum
grau de outros talentos e virtudes, os quais não pareciam, con-
tudo, estar muito acima da mediania, estabeleceram esse prín-
cipe na estima de sua própria época, suscitaram, mesmo à pos-
teridade, muito respeito pela sua memória. Comparadas a es-
• )'nirn • !I hcrd011 d<1 pa i Cmlos I (e ta lvez do avô, Jaim • I :t lnt!pcia
no tl',ll~ ..:om n ç isa ptibli ·:~. Após utna lo nga sc.rle cle de ·lsf,es políli.c;:as
sas, no seu tempo e em sua presença, parece, nenhuma outra
desastrosns - cmrc elas. a tent.at!v:t d ' t'<:: wurar o catOlicismo numa Jn- virtude revelava mérito. Conhecimento, indústria, bravura e be-
gl:llerrn pr ·dominam •ment · pr !estante - obtcv · o êxito de unir ~ higs . nemerência tremiam, eram esmagados e perdiam toda a digni-
Tork~$ Dt:posl\ em ()li ' h uv sse qualquer derr11ma m mo de sangue, rm dade diante delas.
c;:;l pWrudo por pescadores ue 1 Cill , mns logo u epoiS dt:ilUlr.llll-110 fugir pam
t!Xllar-St: 11:1 Fran,. de !Atís XIV . Ascende ao trono a Dinasriu Orang ',
.uilh erme !11 e M:ui:t 11 , matl~UH.lo o 11m da ch,1mada Rcvolu o .lorio:;a
u

(1688). (N. da R. T.) • Voltaire, Siikle de Louis XIV, cap . 25 . (N. da R. T.)
'f'EORIA D 'ENIJMENTO MORAI. PRIMEIRA PARTE 65
sua autoridade, e a governar as inclinações deles a seu bel-
prazer; e nisso raramente fica desapontado. Essas attes, sus-
tentadas pela distinção e preeminência, são suficientes, em
ocasiões comuns, para governar o mundo. Luís XIV, durante
a maior parte de seu reinado, era considerado, não apenas
na França mas em toda a Europa, como o mais perfeito mo-
delo de príncipe. Mas por meio de que talentos e virtudes
adquiriu essa grande reputação? Pela escrupulosa e flexível
justiça de todos os seus empreendimentos, os imensos peri-
gos e dificuldades com que foram realizados, ou pela aplica-
ção infatigável e incansável com que os perseguiu? Por seu
extraordinário conhecimento, seu sutil julgamento, ou seu he-
róico valor? Por nenhuma dessas qualidades. Mas, antes de
tudo, era o mais poderoso príncipe da Europa, e conseqüen-
temente ocupava a mais alta posição entre os reis; então, diz
seu historiador•, "superava todos os Cortesãos na graça de sua
forma , e majestosa beleza de seus traços. O som de sua voz,
nobre e comovente, conquistava os corações que sua presen-
ça intimidava. Tinha um andar e uma postura que apenas po-
deriam combinar com ele e sua posição, e pareceriam ridículos
em qualquer outra pessoa. O embaraço que causava nos que
a ele se dirigiam adulava a secreta satisfação com a qual perce-
bia sua própria superioridade. O velho oficial que se equivo-
cou e não conseguiu pedir-lhe um favor, incapaz de concluir
seu discurso, disse-lhe: 'Senhor, espero que Vossa Majestade
acredite que não tremo assim diante de seus inimigos'. Assim,
não teve dificuldade em obter o que pedia" . Esses frívolos
dons, ancorados em sua posição e, claro, também em algum
grau de outros talentos e virtudes, os quais não pareciam, con-
tudo, estar muito acima da mediania, estabeleceram esse prín-
cipe na estima de sua própria época, suscitaram, mesmo à pos-
teridade, muito respeito pela sua memória. Comparadas a es-
• )'nirn • !I hcrd011 d<1 pa i Cmlos I (e ta lvez do avô, Jaim • I :t lnt!pcia
no tl',ll~ ..:om n ç isa ptibli ·:~. Após utna lo nga sc.rle cle de ·lsf,es políli.c;:as
sas, no seu tempo e em sua presença, parece, nenhuma outra
desastrosns - cmrc elas. a tent.at!v:t d ' t'<:: wurar o catOlicismo numa Jn- virtude revelava mérito. Conhecimento, indústria, bravura e be-
gl:llerrn pr ·dominam •ment · pr !estante - obtcv · o êxito de unir ~ higs . nemerência tremiam, eram esmagados e perdiam toda a digni-
Tork~$ Dt:posl\ em ()li ' h uv sse qualquer derr11ma m mo de sangue, rm dade diante delas.
c;:;l pWrudo por pescadores ue 1 Cill , mns logo u epoiS dt:ilUlr.llll-110 fugir pam
t!Xllar-St: 11:1 Fran,. de !Atís XIV . Ascende ao trono a Dinasriu Orang ',
.uilh erme !11 e M:ui:t 11 , matl~UH.lo o 11m da ch,1mada Rcvolu o .lorio:;a
u

(1688). (N. da R. T.) • Voltaire, Siikle de Louis XIV, cap . 25 . (N. da R. T.)
66 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 67
Mas não é por dons dessa espécie que o homem de po- e com secreto entusiasmo e deleite divisa, em toda a confusão
I'' sição inferior deve esperar distinguir-se. A cortesia tanto é a e derramamento de sangue que as acompanham, a probabi-
virtude dos grandes, que conferirá honra a ninguém mais se- lidade de se apresentarem as tão esperadas ocasiões em que
não eles próprios. O janota, que imita suas maneiras e afeta poderá chamar sobre si a atenção e admiração dos homens.
eminência por causa da superior conveniência de seu com- O homem de posição e distinção, ao contrário, cuja glória con-
portamento habitual, é recompensado com dupla dose de des- siste inteiramente na conveniência de seu compottamento ha-
dém por sua presunção e loucura. Por que o homem, que bitual, não se contentando com o humilde renome que isso
ninguém se interessa por olhar, importar-se-ia com a maneira pode lhe proporcionar, mas não tendo talento para adquirir
como ergue a cabeça ou dispõe os braços, enquanto atraves- nenhum outro, não deseja embaraçar-se com o que pode re-
sa um aposento? Certamente, preocupa-se com uma atenção sultar em dificuldade ou aflição. Figurar num baile é seu gran-
muito superficial, e uma atenção que também indica um sen- de triunfo, e obter êxito numa intriga ou galanteria, sua maior
so de sua própria importância, com a qual mortal algum po- façanha. Tem aversão a todas as confusões públicas, não por
de concordar. A mais perfeita modéstia e simplicidade, asso- amor à humanidade, pois os grandes nunca consideram seus
ciada a toda a negligência que for consistente com o devido inferiores como criaturas iguais; tampouco por falta de bra-
respeito à companhia, deveriam ser as características princi- vura, pois isso raramente lhe falta; mas pela consciência de
pais do comportamento de um homem privado. Se porven- que não possui nenhuma das virtudes necessárias para tais
tura espera distinguir-se, deverá ser por virtudes mais impor- situações, e de que certamente outros homens afastarão de si
tantes. Deve adquirir dependentes para contrabalançar os ser- a atenção pública. Pode desejar expor-se a um pequeno pe-
viçais dos grandes, e não tem outros recursos para pagá-los rigo, e a participar de uma campanha se isso for a voga, to-
senão o labor do seu corpo e a atividade de seu espírito. Por- davia treme de horror à idéia de qualquer situação que exija
tanto, será necessário se cultivar: deverá adquirir um conhe- o longo e contínuo exercício da paciência, da indústria, da for-
cimento superior em sua profissão, e uma superior indústria ça e aplicação de raciocínio. Essas virtudes raramente serão
no exercício dela . Deverá ser paciente no trabalho, resoluto no encontradas em homens nascidos para esses altos postos. As-
: perigo, firme nas aflições. Precisará trazer tais talentos à vista sim, em todos os governos, até nas monarquias, os mais altos
· do público, pela dificuldade, importância e ao mesmo tempo cargos são geralmente ocupados, e toda a administração con-
discernimento de seus empreendimentos, e pela severa e in- duzida, por homens educados nas posições média e inferior
• cansável aplicação com que os persegue. Probidade e pru- da vida, que ascenderam por sua própria indústria e habili-
dência, generosidade e franqueza deverão caracterizar seu dades, embora oprimidos pelo ciúme e confrontados pelo res-
comportamento em todas as ocasiões comuns; e ao mesmo sentimento de todos os que nasceram seus superiores; e a
tempo, deverá mostrar-se solícito em todas as situações em quem os grandes, depois de os contemplar primeiro com des-
que agir com propriedade requer os maiores talentos e virtu- dém, em seguida com inveja, finalmente se contentam em se
des, mas em que o maior aplauso deve ser obtido pelos que sujeitar com a mesma abjeta sordidez com que desejariam
conseguem conduzir-se com honra. Com que impaciência o que o resto da humanidade deveria se portar com relação a
homem de espírito e ambição, abatido por sua situação, olha eles próprios•.
em torno buscando alguma grande oportunidade para se dis-
tinguir! Nenhuma circunstância que lhe possa proporcionar
• Adam Smith acaba de descrever o perfil do funcionário público. É
isso parece-lhe indesejável. Até aguarda com satisfação a pers- preciso notar, entretanto, que a burocracia estatal, necessária para a cobran-
pectiva de uma guerra no estrangeiro, ou uma dissensão civil, ça regular de impostos, constitui-se na Inglaterra a partir ele meados elo sé-
66 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 67
Mas não é por dons dessa espécie que o homem de po- e com secreto entusiasmo e deleite divisa, em toda a confusão
I'' sição inferior deve esperar distinguir-se. A cortesia tanto é a e derramamento de sangue que as acompanham, a probabi-
virtude dos grandes, que conferirá honra a ninguém mais se- lidade de se apresentarem as tão esperadas ocasiões em que
não eles próprios. O janota, que imita suas maneiras e afeta poderá chamar sobre si a atenção e admiração dos homens.
eminência por causa da superior conveniência de seu com- O homem de posição e distinção, ao contrário, cuja glória con-
portamento habitual, é recompensado com dupla dose de des- siste inteiramente na conveniência de seu compottamento ha-
dém por sua presunção e loucura. Por que o homem, que bitual, não se contentando com o humilde renome que isso
ninguém se interessa por olhar, importar-se-ia com a maneira pode lhe proporcionar, mas não tendo talento para adquirir
como ergue a cabeça ou dispõe os braços, enquanto atraves- nenhum outro, não deseja embaraçar-se com o que pode re-
sa um aposento? Certamente, preocupa-se com uma atenção sultar em dificuldade ou aflição. Figurar num baile é seu gran-
muito superficial, e uma atenção que também indica um sen- de triunfo, e obter êxito numa intriga ou galanteria, sua maior
so de sua própria importância, com a qual mortal algum po- façanha. Tem aversão a todas as confusões públicas, não por
de concordar. A mais perfeita modéstia e simplicidade, asso- amor à humanidade, pois os grandes nunca consideram seus
ciada a toda a negligência que for consistente com o devido inferiores como criaturas iguais; tampouco por falta de bra-
respeito à companhia, deveriam ser as características princi- vura, pois isso raramente lhe falta; mas pela consciência de
pais do comportamento de um homem privado. Se porven- que não possui nenhuma das virtudes necessárias para tais
tura espera distinguir-se, deverá ser por virtudes mais impor- situações, e de que certamente outros homens afastarão de si
tantes. Deve adquirir dependentes para contrabalançar os ser- a atenção pública. Pode desejar expor-se a um pequeno pe-
viçais dos grandes, e não tem outros recursos para pagá-los rigo, e a participar de uma campanha se isso for a voga, to-
senão o labor do seu corpo e a atividade de seu espírito. Por- davia treme de horror à idéia de qualquer situação que exija
tanto, será necessário se cultivar: deverá adquirir um conhe- o longo e contínuo exercício da paciência, da indústria, da for-
cimento superior em sua profissão, e uma superior indústria ça e aplicação de raciocínio. Essas virtudes raramente serão
no exercício dela . Deverá ser paciente no trabalho, resoluto no encontradas em homens nascidos para esses altos postos. As-
: perigo, firme nas aflições. Precisará trazer tais talentos à vista sim, em todos os governos, até nas monarquias, os mais altos
· do público, pela dificuldade, importância e ao mesmo tempo cargos são geralmente ocupados, e toda a administração con-
discernimento de seus empreendimentos, e pela severa e in- duzida, por homens educados nas posições média e inferior
• cansável aplicação com que os persegue. Probidade e pru- da vida, que ascenderam por sua própria indústria e habili-
dência, generosidade e franqueza deverão caracterizar seu dades, embora oprimidos pelo ciúme e confrontados pelo res-
comportamento em todas as ocasiões comuns; e ao mesmo sentimento de todos os que nasceram seus superiores; e a
tempo, deverá mostrar-se solícito em todas as situações em quem os grandes, depois de os contemplar primeiro com des-
que agir com propriedade requer os maiores talentos e virtu- dém, em seguida com inveja, finalmente se contentam em se
des, mas em que o maior aplauso deve ser obtido pelos que sujeitar com a mesma abjeta sordidez com que desejariam
conseguem conduzir-se com honra. Com que impaciência o que o resto da humanidade deveria se portar com relação a
homem de espírito e ambição, abatido por sua situação, olha eles próprios•.
em torno buscando alguma grande oportunidade para se dis-
tinguir! Nenhuma circunstância que lhe possa proporcionar
• Adam Smith acaba de descrever o perfil do funcionário público. É
isso parece-lhe indesejável. Até aguarda com satisfação a pers- preciso notar, entretanto, que a burocracia estatal, necessária para a cobran-
pectiva de uma guerra no estrangeiro, ou uma dissensão civil, ça regular de impostos, constitui-se na Inglaterra a partir ele meados elo sé-
68 7EORJA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 69
É i.l r rda desse fácil domíni sohrc os 'tfelo~ dos homen magnanimidade romana mal poderia conceber que um ho-
que toma ~1 o insupo1t"tvel a queda da gra ~ I ~a . gu nd mem fosse sórdido a ponto de sobreviver.
liz ·111, quando n f·tmília lo r i da ~la~edôn1~ ~ 1 I V<~d ~ ~m "Do amor", diz milorde La Rochefoucault, "sempre se-
triunfo por Pnulo Emllio , • u Jnfonnruos s fJZ ra m c.h v~th r a gue a ambição, mas da ambição dificilmente se segue o
atenção do povo romano com seu co~q~listador. A vi.são ~as amor•." Quando aquela paixão tomar inteiramente posse do
crianças reais, cuja tenra idade os fazta. _1g~1orar sua sttu.açao, peito, não admitirá nem rival nem sucessora. Para os que se
impressionava os espectadores, entre JUbilo . e _prospe:tdade habituaram a tal posse ou até à esperança da admiração pú-
públicos, causando a mais terna dor e com p~txa . O re~ era o blica, todos os demais prazeres repugnam e se arruínam. De
seguinte na procissão; parecia confuso • atonttc '. desptdo de todos os estadistas depostos que, para seu próprio conforto,
qualquer emoção pela magnitude de_suas calamtdades. ~eus estudaram como bater a ambição, e desprezar as honras que
amigos e ministros vinham logo arras. Quando se movtam, já não poderiam mais alcançar, quão poucos conseguiram ter
muitas vezes olhavam seu decaído soberano, sempre rom- êxito! A grande maioria passou seu tempo na mais apática e
pendo em pranto a essa vista; todo o seu _co~p.ortarn_e~to insípida indolência, vexada pela idéia de sua própria insigni-
demonstrava que não pensavam em seu propno mfortumo, ficância, incapaz de se interessar pelas ocupações da vida pri-
pois estavam inteiramente tomados pela grandeza ~~perior vada, sem alegria, senão quando falava de sua antiga grande-
da desgraça do rei. Os generosos romanos, ao contrano, tra-
za, e sem satisfação, exceto quando se dedicava a algum vão
tavam-no com desdém e indignação, considerando não mere-
projeto de recuperá-la. Estás seriamente resolvido a nunca
cer nenhuma compaixão o homem cujo espírito era tão
permutar tua liberdade pela servidão senhorial de uma Cor-
miserável que suportava viver sob tais calamidades. Mas que
te, mas viver livre, sem medo, e independente? Parece haver
calamidades eram essas? Segundo a maior parte dos historia-
um caminho para continuar nessa virtuosa resolução; e tal-
dores, o rei deveria passar o resto de seus dias sob a proteção
vez somente um. Nunca entres no lugar de onde tão poucos
de um povo poderoso e humano, uma condição que por si
foram capazes de retornar; nunca entres no círculo da ambi-
só pareceria digna de inveja, uma condição de abundância,
ção; nem jamais compara-te àqueles donos da Terra que antes
conforto, ócio e segurança, a qual nem por sua própria insen-
de tu já chamaram a atenção de meia humanidade.
satez ele poderia perder. Mas não mais seria rodeado pela
Parece de imensa importância, na imaginação dos ho-
multidão admirada dos tolos, bajuladores e dependentes que
mens, permanecer na situação que mais os coloca à vista da
antes costumavam assistir a todos os seus movimentos. Não
simpatia e atenção gerais. E assim, a posição, aquele grande
mais seria contemplado pelas multidões, nem estaria em seu
objeto que separa as esposas dos edis (aldermen), é a finali-
poder fazer-se objeto do seu respeito, sua gratidão, amor, sua
dade de metade dos esforços da vida humana; e é a causa de
admiração. As paixões das nações não mais seriam influen-
todo o n1multo e torvelinho, toda a rapinagem e injustiça, que a
ciadas por sua irresolução. Essa era a mais insuportável
avareza e a ambição introduziram neste mundo. Dizem que
calamidade que ceifava ao rei todo sentimento; que fazia
pessoas de bom-senso na verdade desprezam a posição, isto
seus amigos esquecerem seus próprios infortúnios; e à qual a
é, desprezam sentar-se na cabeceira da mesa, e são indiferen~
tes a quem essa frívola circunstância, que a menor vantagem e
culo XVII. Antes disso, os cargos públicos são ocupados por cortesãos e capaz de desequilibrar, indica como companhia. Mas hierar-
outros membros ela alta nobreza -os grandes, como quer Smith -, que são
indicados pelo próprio monarca ou por seus favoritos. Tal indicação é hon-
rosa, naturalmente. Mas também cria oportunidade para muita corrupção e • Smith traduz com bastante liberdade a máxima CDXC de Maximes,
troca de favores. (N. da R. T.) de La Rochefou cault. (N. da R. T.)
68 7EORJA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 69
É i.l r rda desse fácil domíni sohrc os 'tfelo~ dos homen magnanimidade romana mal poderia conceber que um ho-
que toma ~1 o insupo1t"tvel a queda da gra ~ I ~a . gu nd mem fosse sórdido a ponto de sobreviver.
liz ·111, quando n f·tmília lo r i da ~la~edôn1~ ~ 1 I V<~d ~ ~m "Do amor", diz milorde La Rochefoucault, "sempre se-
triunfo por Pnulo Emllio , • u Jnfonnruos s fJZ ra m c.h v~th r a gue a ambição, mas da ambição dificilmente se segue o
atenção do povo romano com seu co~q~listador. A vi.são ~as amor•." Quando aquela paixão tomar inteiramente posse do
crianças reais, cuja tenra idade os fazta. _1g~1orar sua sttu.açao, peito, não admitirá nem rival nem sucessora. Para os que se
impressionava os espectadores, entre JUbilo . e _prospe:tdade habituaram a tal posse ou até à esperança da admiração pú-
públicos, causando a mais terna dor e com p~txa . O re~ era o blica, todos os demais prazeres repugnam e se arruínam. De
seguinte na procissão; parecia confuso • atonttc '. desptdo de todos os estadistas depostos que, para seu próprio conforto,
qualquer emoção pela magnitude de_suas calamtdades. ~eus estudaram como bater a ambição, e desprezar as honras que
amigos e ministros vinham logo arras. Quando se movtam, já não poderiam mais alcançar, quão poucos conseguiram ter
muitas vezes olhavam seu decaído soberano, sempre rom- êxito! A grande maioria passou seu tempo na mais apática e
pendo em pranto a essa vista; todo o seu _co~p.ortarn_e~to insípida indolência, vexada pela idéia de sua própria insigni-
demonstrava que não pensavam em seu propno mfortumo, ficância, incapaz de se interessar pelas ocupações da vida pri-
pois estavam inteiramente tomados pela grandeza ~~perior vada, sem alegria, senão quando falava de sua antiga grande-
da desgraça do rei. Os generosos romanos, ao contrano, tra-
za, e sem satisfação, exceto quando se dedicava a algum vão
tavam-no com desdém e indignação, considerando não mere-
projeto de recuperá-la. Estás seriamente resolvido a nunca
cer nenhuma compaixão o homem cujo espírito era tão
permutar tua liberdade pela servidão senhorial de uma Cor-
miserável que suportava viver sob tais calamidades. Mas que
te, mas viver livre, sem medo, e independente? Parece haver
calamidades eram essas? Segundo a maior parte dos historia-
um caminho para continuar nessa virtuosa resolução; e tal-
dores, o rei deveria passar o resto de seus dias sob a proteção
vez somente um. Nunca entres no lugar de onde tão poucos
de um povo poderoso e humano, uma condição que por si
foram capazes de retornar; nunca entres no círculo da ambi-
só pareceria digna de inveja, uma condição de abundância,
ção; nem jamais compara-te àqueles donos da Terra que antes
conforto, ócio e segurança, a qual nem por sua própria insen-
de tu já chamaram a atenção de meia humanidade.
satez ele poderia perder. Mas não mais seria rodeado pela
Parece de imensa importância, na imaginação dos ho-
multidão admirada dos tolos, bajuladores e dependentes que
mens, permanecer na situação que mais os coloca à vista da
antes costumavam assistir a todos os seus movimentos. Não
simpatia e atenção gerais. E assim, a posição, aquele grande
mais seria contemplado pelas multidões, nem estaria em seu
objeto que separa as esposas dos edis (aldermen), é a finali-
poder fazer-se objeto do seu respeito, sua gratidão, amor, sua
dade de metade dos esforços da vida humana; e é a causa de
admiração. As paixões das nações não mais seriam influen-
todo o n1multo e torvelinho, toda a rapinagem e injustiça, que a
ciadas por sua irresolução. Essa era a mais insuportável
avareza e a ambição introduziram neste mundo. Dizem que
calamidade que ceifava ao rei todo sentimento; que fazia
pessoas de bom-senso na verdade desprezam a posição, isto
seus amigos esquecerem seus próprios infortúnios; e à qual a
é, desprezam sentar-se na cabeceira da mesa, e são indiferen~
tes a quem essa frívola circunstância, que a menor vantagem e
culo XVII. Antes disso, os cargos públicos são ocupados por cortesãos e capaz de desequilibrar, indica como companhia. Mas hierar-
outros membros ela alta nobreza -os grandes, como quer Smith -, que são
indicados pelo próprio monarca ou por seus favoritos. Tal indicação é hon-
rosa, naturalmente. Mas também cria oportunidade para muita corrupção e • Smith traduz com bastante liberdade a máxima CDXC de Maximes,
troca de favores. (N. da R. T.) de La Rochefou cault. (N. da R. T.)
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 71
70
quia, dislin ; o, pr 'eminê n ·ia, .homem al? um cl .spreza: salvo nerosos como os mais terríveis. No que concerne às pessoas !

se houv r s e! v, l muir aCJma, ou catei mutto abatxo do daquela posição, pois, tais castigos são universalmente dei-
padrão comum da natureza humana; salvo se ou for tão im- xados de lado, e a lei, embora em muitas ocasiões lhes tire a
buído de sabedoria e verdadeira filosofia que, embora a con- vida, respeita sua honra acima de tudo. Chicotear uma pes- \ '
veniência de sua conduta o torne justo objeto de aprovação, soa honrada ou prendê-la ao pelourinho, seja por que crime
for, é uma brutalidade da qual nenhum governo europeu é
é-lhe de somenos importância ser notado ou não, aprovado
capaz, exceto a Rússia.
ou não; ou esteja tão habituado à idéia de sua própria me-
Um homem valoroso não se torna desprezível sendo le-
diocridade, tão mergulhado em indolente e embrutecida in-
vado ao cadafalso; mas se for preso ao pelourinho, sim. Seu
diferença, que se tenha esquecido inteiramente do desejo e de
comportamento na primeira situação pode lhe granjear esti-
quase toda a vontade de superioridade.
ma e admiração universal. Nenhum comportamento na outra
Dessa maneira, assim como tornar-se o objeto natural das
pode torná-lo agradável. A simpatia dos espectadores apoia-o
alegres congratulações e solidárias atenções da humanidade
num caso, e salva-o da vergonha, da consciência de que sua
é a circunstância que confere à prosperidade todo esse ofus-
desgraça é percebida apenas por ele mesmo, que de todos
cante esplendor, nada anuvia tanto o desalento da adversida-
os sentimentos é o mais insuportável de todos. Não há sim-
de quanto sentir que nossos infortúnios são objetos, não d~ patia no outro caso; ou, se houver alguma, não é pela sua dor,
solidariedade mas do desdém e aversão de nossos irmãos. E que é insignificante, mas pela sua consciência da falta de sim-
por essa razão que as mais terríveis calamidades nem sempre patia que cerca sua dor. É por sua vergonha, não por sua dor.
são as mais difíceis de suportar. Muitas vezes é mais mortifi- Os que têm piedade dele coram e baixam as cabeças por sua
cante aparecer em público por ocasião de pequenos desas- causa. Ele baixa a sua da mesma maneira, e sente-se irre-
tres do que de grandes infottúnios. Os primeiros não desper- cuperavelmente degradado pelo castigo, ainda que não pelo
tam simpatia; mas os últimos, embora nada possam suscitar crime. Ao contrário, o homem que morre com determinação,
que se aproxime da angústia do sofredor, provocam uma uma vez que é naturalmente considerado com o respeito ere-
compaixão muito viva. Os sentimentos dos espectadores es- to da estima e da aprovação, ostenta o mesmo semblante des-
tão, neste último caso, menos apartados dos sentimentos do temido· e se crime não lhe roubar o respeito alheio, o casti-
sofredor, e sua imperfeita solidariedade oferece-lhe algum go mm~a 'o fará. Não suspeita de que sua situação seja objeto
amparo para suportar sua desgraça. Um cavalheiro ficaria de desprezo ou riso para ninguém, e pode, com proprieda-
mais mortificado por aparecer diante de uma animada reu- de, assumir não apenas um ar de perfeita serenidade, mas de
nião coberto de sujeira e farrapos, do que de sangue e feri- triunfo e exultação.
das. Essa última situação atrairia piedade deles; a outra pro- "Grandes perigos", diz o Cardeal de Retz, "têm seus en-
vocaria seu riso. O juiz que ordena que um criminoso seja cantos, porque há alguma glória a ser alcançada, mesmo
colocado no pelourinho desonra-o mais do que se o tivesse quando fracassamos. Mas perigos moderados nada têm senão
condenado ao cadafalso. O grande príncipe que há alguns o que é horrível, porque a perda de reputação sempre acom-
anos vergastou um general diante de seu exército desgraçou- panha a falta de êxito."• Sua máxima tem o mesmo funda-
o irrecuperavelmente. O castigo teria sido muito menor se mento daquilo que acabamos de observar quanto ao castigo.
houvesse crivado todo o seu corpo de balas. Pelas leis da A virtude humana é superior à dor, à pobreza, ao peri-
honra, vergastar com a vara desonra, golpear com a espada go, e à morte; nem ao menos requer seus maiores esforços
não, por uma razão óbvia. Os castigos mais leves, quando
infligidos a um cavalheiro para quem a desonra é o maior de
; todos os males, são considerados entre os humanitários e ge- • Cardeal de Retz, Mémoires (1648). (N. da R. T.)
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 71
70
quia, dislin ; o, pr 'eminê n ·ia, .homem al? um cl .spreza: salvo nerosos como os mais terríveis. No que concerne às pessoas !

se houv r s e! v, l muir aCJma, ou catei mutto abatxo do daquela posição, pois, tais castigos são universalmente dei-
padrão comum da natureza humana; salvo se ou for tão im- xados de lado, e a lei, embora em muitas ocasiões lhes tire a
buído de sabedoria e verdadeira filosofia que, embora a con- vida, respeita sua honra acima de tudo. Chicotear uma pes- \ '
veniência de sua conduta o torne justo objeto de aprovação, soa honrada ou prendê-la ao pelourinho, seja por que crime
for, é uma brutalidade da qual nenhum governo europeu é
é-lhe de somenos importância ser notado ou não, aprovado
capaz, exceto a Rússia.
ou não; ou esteja tão habituado à idéia de sua própria me-
Um homem valoroso não se torna desprezível sendo le-
diocridade, tão mergulhado em indolente e embrutecida in-
vado ao cadafalso; mas se for preso ao pelourinho, sim. Seu
diferença, que se tenha esquecido inteiramente do desejo e de
comportamento na primeira situação pode lhe granjear esti-
quase toda a vontade de superioridade.
ma e admiração universal. Nenhum comportamento na outra
Dessa maneira, assim como tornar-se o objeto natural das
pode torná-lo agradável. A simpatia dos espectadores apoia-o
alegres congratulações e solidárias atenções da humanidade
num caso, e salva-o da vergonha, da consciência de que sua
é a circunstância que confere à prosperidade todo esse ofus-
desgraça é percebida apenas por ele mesmo, que de todos
cante esplendor, nada anuvia tanto o desalento da adversida-
os sentimentos é o mais insuportável de todos. Não há sim-
de quanto sentir que nossos infortúnios são objetos, não d~ patia no outro caso; ou, se houver alguma, não é pela sua dor,
solidariedade mas do desdém e aversão de nossos irmãos. E que é insignificante, mas pela sua consciência da falta de sim-
por essa razão que as mais terríveis calamidades nem sempre patia que cerca sua dor. É por sua vergonha, não por sua dor.
são as mais difíceis de suportar. Muitas vezes é mais mortifi- Os que têm piedade dele coram e baixam as cabeças por sua
cante aparecer em público por ocasião de pequenos desas- causa. Ele baixa a sua da mesma maneira, e sente-se irre-
tres do que de grandes infottúnios. Os primeiros não desper- cuperavelmente degradado pelo castigo, ainda que não pelo
tam simpatia; mas os últimos, embora nada possam suscitar crime. Ao contrário, o homem que morre com determinação,
que se aproxime da angústia do sofredor, provocam uma uma vez que é naturalmente considerado com o respeito ere-
compaixão muito viva. Os sentimentos dos espectadores es- to da estima e da aprovação, ostenta o mesmo semblante des-
tão, neste último caso, menos apartados dos sentimentos do temido· e se crime não lhe roubar o respeito alheio, o casti-
sofredor, e sua imperfeita solidariedade oferece-lhe algum go mm~a 'o fará. Não suspeita de que sua situação seja objeto
amparo para suportar sua desgraça. Um cavalheiro ficaria de desprezo ou riso para ninguém, e pode, com proprieda-
mais mortificado por aparecer diante de uma animada reu- de, assumir não apenas um ar de perfeita serenidade, mas de
nião coberto de sujeira e farrapos, do que de sangue e feri- triunfo e exultação.
das. Essa última situação atrairia piedade deles; a outra pro- "Grandes perigos", diz o Cardeal de Retz, "têm seus en-
vocaria seu riso. O juiz que ordena que um criminoso seja cantos, porque há alguma glória a ser alcançada, mesmo
colocado no pelourinho desonra-o mais do que se o tivesse quando fracassamos. Mas perigos moderados nada têm senão
condenado ao cadafalso. O grande príncipe que há alguns o que é horrível, porque a perda de reputação sempre acom-
anos vergastou um general diante de seu exército desgraçou- panha a falta de êxito."• Sua máxima tem o mesmo funda-
o irrecuperavelmente. O castigo teria sido muito menor se mento daquilo que acabamos de observar quanto ao castigo.
houvesse crivado todo o seu corpo de balas. Pelas leis da A virtude humana é superior à dor, à pobreza, ao peri-
honra, vergastar com a vara desonra, golpear com a espada go, e à morte; nem ao menos requer seus maiores esforços
não, por uma razão óbvia. Os castigos mais leves, quando
infligidos a um cavalheiro para quem a desonra é o maior de
; todos os males, são considerados entre os humanitários e ge- • Cardeal de Retz, Mémoires (1648). (N. da R. T.)
72 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 73
desprezá-los. Mas ter su~ desgraça exposta ao _ins~lto e r~dí­ za. Dois diferentes caracteres são apresentados à nossa emu- '
culo ser conduzido em tnunfo para ser exposto a mao em nste !ação: um, o da orgulhosa ambição e ostentosa avidez; o ou-
do ~scárnio, é a situação na qual sua constância tende mais tro, o da humilde modéstia e justiça eqüitativa. Dois modelos
a falhar. Comparados com o desprezo dos homens, todos os diferentes, dois retratos diferentes oferecem-se a nós, segun-
outros males externos são facilmente suportados. do os quais podemos desenhar nosso próprio caráter e com-
portamento; um, mais vistoso e brilhante em suas cores; outro,
mais correto e mais sutilmente belo em seu contorno; um, im-
CAPÍTULO III pondo-se a todo olho errante; outro, atraindo a atenção de
Da corrupção de nossos sentimentos morais, provocada por quase ninguém, senão do observador mais atento e cuidado-
essa disposição de admirar os ricos e grandes, e desprezar so. São principalmente os sábios e os virtuosos, grupo seleto
ou negligenciar os de condição pobre ou mesquinha mas, receio, pequeno, os verdadeiros e constantes admirado-
res da sabedoria e virtude. A grande multidão de homens é
Essa disposição de admirar, quase de adorar os ricos e constituída de admiradores e veneradores- e, o que talvez pa-
poderosos, e desprezar ou pelo menos negligenciar pessoas reça mais extraordinário, freqüentemente os mais desinteres-
de condição pobre ou mesquinha, embora necessária tanto sados admiradores e veneradores - da fortuna e da grandeza.
para estabelecer quanto para manter a distinção de hierar- O respeito que sentimos pela sabedoria e virtude é sem
quias e a ordem da sociedade, é ao mesmo tempo a grande dúvida diferente do que concebemos pela fortuna e grande-
e mais universal causa de corrupção de nossos sentimentos za; e não é preciso um discernimento muito apurado para
morais. Que riqueza e grandeza seguidamente sejam consi- distinguir a diferença. Mas, não obstante essa diferença, aque-
deradas com o respeito e admiração devidos apenas à sabe- les sentimentos guardam uma notável semelhança entre si.
doria e vittude; e que o desprezo, do qual vício e loucura são Sem dúvida, em alguns traços particulares são diferentes,
os únicos objetos apropriados, é muitas vezes injustamente mas no aspecto geral do semblante parecem quase tão iguais,
dirigido à pobreza e debilidade, tem sido queixa de moralis- que observadores desatentos muito possivelmente confun-
tas de todos os tempos. dem um com o outro.
Desejamos ser tão respeitáveis quanto respeitados. Apa- Considerando idênticos graus de méritos, quase não há
vora-nos ser tão desprezíveis quanto desprezados. Mas, em homem que não respeite mais os ricos e grandes do que os
seguida à entrada no mundo, logo descobrimos que a sabe- pobres e humildes. A maioria dos homens admira muito mais
doria e a virtude não são de modo algum os únicos objetos a presunção e vaidade dos primeiros do que o real e sólido
de respeito; nem o vício e a insensatez são únicos objetos de mérito dos últimos. Talvez raramente seja agradável à boa
desprezo . Freqüentemente vemos as atenções respeitosas do moral, ou mesmo à boa linguagem, afirmar que a mera rique-
mundo dirigirem-se mais fortemente para os ricos e grandes za e grandeza, abstraídas de mérito e virtude, merecem nos-
'; do que para os sábios e virtuo ·. Freqüentemente vemos os so respeito. Devemos admitir, contudo, que quase sempre o
!vícios e as loucuras dos p x ler sos bem menos desprezados conquistam; e podem, por conseguinte, ser consideradas em
i-do que a pobreza e a fraqueza dos inocentes. Merecer, obter, alguns aspectos seus objetos naturais. Essas louváveis posi-
!saborear o respeito e admiração dos homens são os grandes ções podem, sem dúvida, deixar-se degradar inteiramente pe-
:objetos da ambição e emulação. Dois diferentes caminhos lo vício e a loucura. Mas o vício e a loucura devem ser muito
'nos são apres "ntados , I vand igualm nte â obt n Jo de.<:;s grandes, antes de poderem operar essa completa degradação.
!tão desejado objeto; un1, pelo estud da ai edoria pel<l A devassidão de um homem da moda é vista com muito me-
;prática da vlrtude ; outro pela aqu isição de ~ 1tunn e gmndc- nos desprezo e aversão do que a de um homem de condição
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desprezá-los. Mas ter su~ desgraça exposta ao _ins~lto e r~dí­ za. Dois diferentes caracteres são apresentados à nossa emu- '
culo ser conduzido em tnunfo para ser exposto a mao em nste !ação: um, o da orgulhosa ambição e ostentosa avidez; o ou-
do ~scárnio, é a situação na qual sua constância tende mais tro, o da humilde modéstia e justiça eqüitativa. Dois modelos
a falhar. Comparados com o desprezo dos homens, todos os diferentes, dois retratos diferentes oferecem-se a nós, segun-
outros males externos são facilmente suportados. do os quais podemos desenhar nosso próprio caráter e com-
portamento; um, mais vistoso e brilhante em suas cores; outro,
mais correto e mais sutilmente belo em seu contorno; um, im-
CAPÍTULO III pondo-se a todo olho errante; outro, atraindo a atenção de
Da corrupção de nossos sentimentos morais, provocada por quase ninguém, senão do observador mais atento e cuidado-
essa disposição de admirar os ricos e grandes, e desprezar so. São principalmente os sábios e os virtuosos, grupo seleto
ou negligenciar os de condição pobre ou mesquinha mas, receio, pequeno, os verdadeiros e constantes admirado-
res da sabedoria e virtude. A grande multidão de homens é
Essa disposição de admirar, quase de adorar os ricos e constituída de admiradores e veneradores- e, o que talvez pa-
poderosos, e desprezar ou pelo menos negligenciar pessoas reça mais extraordinário, freqüentemente os mais desinteres-
de condição pobre ou mesquinha, embora necessária tanto sados admiradores e veneradores - da fortuna e da grandeza.
para estabelecer quanto para manter a distinção de hierar- O respeito que sentimos pela sabedoria e virtude é sem
quias e a ordem da sociedade, é ao mesmo tempo a grande dúvida diferente do que concebemos pela fortuna e grande-
e mais universal causa de corrupção de nossos sentimentos za; e não é preciso um discernimento muito apurado para
morais. Que riqueza e grandeza seguidamente sejam consi- distinguir a diferença. Mas, não obstante essa diferença, aque-
deradas com o respeito e admiração devidos apenas à sabe- les sentimentos guardam uma notável semelhança entre si.
doria e vittude; e que o desprezo, do qual vício e loucura são Sem dúvida, em alguns traços particulares são diferentes,
os únicos objetos apropriados, é muitas vezes injustamente mas no aspecto geral do semblante parecem quase tão iguais,
dirigido à pobreza e debilidade, tem sido queixa de moralis- que observadores desatentos muito possivelmente confun-
tas de todos os tempos. dem um com o outro.
Desejamos ser tão respeitáveis quanto respeitados. Apa- Considerando idênticos graus de méritos, quase não há
vora-nos ser tão desprezíveis quanto desprezados. Mas, em homem que não respeite mais os ricos e grandes do que os
seguida à entrada no mundo, logo descobrimos que a sabe- pobres e humildes. A maioria dos homens admira muito mais
doria e a virtude não são de modo algum os únicos objetos a presunção e vaidade dos primeiros do que o real e sólido
de respeito; nem o vício e a insensatez são únicos objetos de mérito dos últimos. Talvez raramente seja agradável à boa
desprezo . Freqüentemente vemos as atenções respeitosas do moral, ou mesmo à boa linguagem, afirmar que a mera rique-
mundo dirigirem-se mais fortemente para os ricos e grandes za e grandeza, abstraídas de mérito e virtude, merecem nos-
'; do que para os sábios e virtuo ·. Freqüentemente vemos os so respeito. Devemos admitir, contudo, que quase sempre o
!vícios e as loucuras dos p x ler sos bem menos desprezados conquistam; e podem, por conseguinte, ser consideradas em
i-do que a pobreza e a fraqueza dos inocentes. Merecer, obter, alguns aspectos seus objetos naturais. Essas louváveis posi-
!saborear o respeito e admiração dos homens são os grandes ções podem, sem dúvida, deixar-se degradar inteiramente pe-
:objetos da ambição e emulação. Dois diferentes caminhos lo vício e a loucura. Mas o vício e a loucura devem ser muito
'nos são apres "ntados , I vand igualm nte â obt n Jo de.<:;s grandes, antes de poderem operar essa completa degradação.
!tão desejado objeto; un1, pelo estud da ai edoria pel<l A devassidão de um homem da moda é vista com muito me-
;prática da vlrtude ; outro pela aqu isição de ~ 1tunn e gmndc- nos desprezo e aversão do que a de um homem de condição
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74 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 75

mai · rn squJnha .•omumente, r-ssente-se muito mais uma s im- tem pouca oportunidade para servir a alguém, ou que os
i pltra m;gr ssà das regras de temperan ' l e conveniência que que o distraem são suficientemente capazes de o servir. As
1 rv ncura p ratique o ú ltimo do qu e o desprezo constante graças exteriores, as realizações frívolas dessa coisa imperti-
conf •s. o dessas mes mas regras por parte u prim ir . nente e tola chamada homem da moda, são comumente
Nas camadas média e inferior da vida, a estrada para a mais admiradas do que as virtudes sólidas e viris de um guer-
virtude e a estrada para a fortuna, pelo menos a que homens reiro, um estadista, um filósofo ou um legislador. Todas as
em tais posições podem razoavelmente esperar obter, são grandes e veneráveis virtudes, todas as virtudes que podem
felizmente, na maioria dos casos, quase a mesma. Em todas servir tanto para o conselho, o senado ou o campo de bata-
\ '· )
as profissões médias e inferiores, habilidades profissionais lha, são concebidas com extremo desprezo e riso pelos adu-
reais e sólidas, associadas à conduta firme, prudente, justa e ladores insolentes e insignificantes que habitualmente mais
moderada, raramente deixam de trazer êxito. Às vezes, as figuram nessas sociedades corruptas. Quando o Duque de
habilidades prevalecerão mesmo quando a conduta não é Sully foi convocado por Luís XIII para aconselhá-lo em algu-
nada correta. Porém, uma habitual imprudência, ou injustiça, ma grande emergência, observou os cortesãos e favoritos
ou fraqueza, ou devassidão, sempre nublarão e por vezes sussurrando uns aos outros, e sorrindo, por causa de sua
debilitarão inteiramente as mais esplêndidas habilidades pro- aparência fora de moda. "Sempre que o pai de Vossa Ma-
fissionais. Além disso, os homens das classes inferior e mé- jestade", disse o velho guerreiro e estadista, "fazia-me a honra
dia da vida jamais serão suficientemente grandes a ponto de de consultar-me, ordenava aos bufões da Corte que se reti-
estar acima da lei, a qual deve, geralmente, subjugá-los a al- rassem para a antecâmara."•
guma espécie de temeroso respeito, ao menos pelas mais Essa disposição para admirar e, conseqüentemente, para
imp01tantes regras da justiça. O êxito de tais pessoas, ade- imitar os ricos e os grandes, é que os torna capazes de estabe-
mais, quase sempre depende do favor e boa opinião de seus lecer ou conduzir o que se chama a moda. Seu traje é o traje
vizinhos e iguais; e, sem uma conduta regular tolerável, estes da moda; a linguagem de sua conversa é o estilo da moda,
raramente podem ser alcançados. Assim, o bom e velho pro- seu ar e postura são o comportamento da moda. Mesmo seus
vérbio, de que a honestidade é a melhor política, permanece vícios e loucuras são moda; e a maioria dos homens orgulha-
nesses casos quase sempre perfeitamente verdadeiro. Por isso se de imitá-los e parecer-se com eles nessas mesmas quali-
em tais casos geralmente podem esperar considerável grau dades que os desonram e degradam. Muitas vezes homens
de virtude, e, felizmente para a boa moral da sociedade, essa fúteis dão-se ares de moderna devassidão, embora em seus
é a situação da maior parte dos homens. corações não a aprovem e da qual talvez nem sejam real-
Infelizmente, nas camadas superiores da vida o caso mente culpados. Desejam ser louvados pelo que eles pró-
nem sempre se passa assim. Nas cortes de príncipes, nossa- prios não julgam digno de louvor, e envergonham-se de vir-
. lões dos grandes, onde sucesso e privilégios dependem, não tudes fora-de-moda, que por vezes praticam em segredo, e
· da estima de inteligentes e bem informados iguais, mas do pelas quais, secretamente, têm alguma real veneração. Há
favor fantasioso e tolo de presunçosos e arrogantes superio- hipócritas ricos e poderosos, bem como religiosos e virtuo-
sos; de uma parte, um homem fútil é tão capaz de fingir ser
res ignorantes; a adulação e falsidade muito freqüentemente
o que não é quanto, de outra, o é um homem astuto. Assume o
prevalecem sobre mérito e habilidades. Em tais círculos so-
luxo e a vida pomposa de seus superiores, sem considerar,
r ciais, as habilidades em agradar são mais consideradas do
I que as habilidades em servir. Em tempos calmos e pacíficos,
quando a tempestade está longe, o príncipe ou grande ho- • Mémoires du Duc de Sutly, supplément: vi, 186 (Udoux, Paris, 1822).
mem deseja apenas distrair-se, e até consegue fantasiar que (N. da R T.)
74 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 75

mai · rn squJnha .•omumente, r-ssente-se muito mais uma s im- tem pouca oportunidade para servir a alguém, ou que os
i pltra m;gr ssà das regras de temperan ' l e conveniência que que o distraem são suficientemente capazes de o servir. As
1 rv ncura p ratique o ú ltimo do qu e o desprezo constante graças exteriores, as realizações frívolas dessa coisa imperti-
conf •s. o dessas mes mas regras por parte u prim ir . nente e tola chamada homem da moda, são comumente
Nas camadas média e inferior da vida, a estrada para a mais admiradas do que as virtudes sólidas e viris de um guer-
virtude e a estrada para a fortuna, pelo menos a que homens reiro, um estadista, um filósofo ou um legislador. Todas as
em tais posições podem razoavelmente esperar obter, são grandes e veneráveis virtudes, todas as virtudes que podem
felizmente, na maioria dos casos, quase a mesma. Em todas servir tanto para o conselho, o senado ou o campo de bata-
\ '· )
as profissões médias e inferiores, habilidades profissionais lha, são concebidas com extremo desprezo e riso pelos adu-
reais e sólidas, associadas à conduta firme, prudente, justa e ladores insolentes e insignificantes que habitualmente mais
moderada, raramente deixam de trazer êxito. Às vezes, as figuram nessas sociedades corruptas. Quando o Duque de
habilidades prevalecerão mesmo quando a conduta não é Sully foi convocado por Luís XIII para aconselhá-lo em algu-
nada correta. Porém, uma habitual imprudência, ou injustiça, ma grande emergência, observou os cortesãos e favoritos
ou fraqueza, ou devassidão, sempre nublarão e por vezes sussurrando uns aos outros, e sorrindo, por causa de sua
debilitarão inteiramente as mais esplêndidas habilidades pro- aparência fora de moda. "Sempre que o pai de Vossa Ma-
fissionais. Além disso, os homens das classes inferior e mé- jestade", disse o velho guerreiro e estadista, "fazia-me a honra
dia da vida jamais serão suficientemente grandes a ponto de de consultar-me, ordenava aos bufões da Corte que se reti-
estar acima da lei, a qual deve, geralmente, subjugá-los a al- rassem para a antecâmara."•
guma espécie de temeroso respeito, ao menos pelas mais Essa disposição para admirar e, conseqüentemente, para
imp01tantes regras da justiça. O êxito de tais pessoas, ade- imitar os ricos e os grandes, é que os torna capazes de estabe-
mais, quase sempre depende do favor e boa opinião de seus lecer ou conduzir o que se chama a moda. Seu traje é o traje
vizinhos e iguais; e, sem uma conduta regular tolerável, estes da moda; a linguagem de sua conversa é o estilo da moda,
raramente podem ser alcançados. Assim, o bom e velho pro- seu ar e postura são o comportamento da moda. Mesmo seus
vérbio, de que a honestidade é a melhor política, permanece vícios e loucuras são moda; e a maioria dos homens orgulha-
nesses casos quase sempre perfeitamente verdadeiro. Por isso se de imitá-los e parecer-se com eles nessas mesmas quali-
em tais casos geralmente podem esperar considerável grau dades que os desonram e degradam. Muitas vezes homens
de virtude, e, felizmente para a boa moral da sociedade, essa fúteis dão-se ares de moderna devassidão, embora em seus
é a situação da maior parte dos homens. corações não a aprovem e da qual talvez nem sejam real-
Infelizmente, nas camadas superiores da vida o caso mente culpados. Desejam ser louvados pelo que eles pró-
nem sempre se passa assim. Nas cortes de príncipes, nossa- prios não julgam digno de louvor, e envergonham-se de vir-
. lões dos grandes, onde sucesso e privilégios dependem, não tudes fora-de-moda, que por vezes praticam em segredo, e
· da estima de inteligentes e bem informados iguais, mas do pelas quais, secretamente, têm alguma real veneração. Há
favor fantasioso e tolo de presunçosos e arrogantes superio- hipócritas ricos e poderosos, bem como religiosos e virtuo-
sos; de uma parte, um homem fútil é tão capaz de fingir ser
res ignorantes; a adulação e falsidade muito freqüentemente
o que não é quanto, de outra, o é um homem astuto. Assume o
prevalecem sobre mérito e habilidades. Em tais círculos so-
luxo e a vida pomposa de seus superiores, sem considerar,
r ciais, as habilidades em agradar são mais consideradas do
I que as habilidades em servir. Em tempos calmos e pacíficos,
quando a tempestade está longe, o príncipe ou grande ho- • Mémoires du Duc de Sutly, supplément: vi, 186 (Udoux, Paris, 1822).
mem deseja apenas distrair-se, e até consegue fantasiar que (N. da R T.)
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 77
76
entretanto, que tudo o que neles possa ser digno de louvor gência com todos os prazeres devassos, infame mas habitual
deriva de sua conformidade com aquela posição e tortura recurso dos caracteres arruinados; seja pela pressa dos assun-
todo mérito e conveniência que estes exigem, e assim facil- tos públicos ou pelo tumulto mais arrogante e ofuscante da
mente podem prover as despesas. Muito homem pobre colo- guerra, ainda que procure apagar de sua memória e da de ou-
ca sua glória em ser julgado rico, sem levar em conta que os tras pessoas a lembrança do que fez, essa lembrança nunca
deveres (se podemos chamar essas loucuras de um nome tão deixará de persegui-lo. Em vão invoca os obscuros e lúgubres
venerável) que tal reputação lhe impõe muito em breve o poderes do esquecimento e olvido. Lembra-se do que fez, e
reduzirão à mendicância, e tornarão sua posição ainda mais essa lembrança lhe diz que outras pessoas hão de lembrar
também. No meio de toda a luxuosa pompa da grandiosa os-
desigual à dos que admira e imita, do que originalmente era.
tentação; no meio da venal e vil adulação dos grandes e eru-
Para alcançar essa invejada situação, os candidatos à for-
ditos; no meio das mais inocentes, ainda que mais tolas, acla-
tuna abandonam com excessiva freqüência as trilhas da virtu-
mações da gente comum; no meio de todo o orgulho pela
de; pois infelizmente a estrada que leva a uma e a que leva à
conquista e do triunfo pela guerra bem sucedida, ainda é se-
outra se estendem, às vezes, por direções bem opostas. Mas o
cretamente perseguido pelas vingativas fúrias da vergonha e
homem ambicioso se engana ao pensar que, na esplêndida do remorso; e, enquanto a glória o parece rodear por todos
. situação para a qual avança, deterá inúmeros meios para go- os lados, ele próprio, em sua imaginação, vê a negra e podre
vernar o respeito e admiração dos homens, e se permitirá agir infâmia vindo rápida em sua perseguição, pronta a atacá-lo
com tão superior conveniência e graça, que o lustre de sua pelas costas, a qualquer momento. Até o grande César, con-
futura conduta encobrirá ou apagará inteiramente a podridão quanto tivesse a magnanimidade de dispensar seus guardas,
dos passos pelos quais chegou até esse cume. Em muitos go- não pôde igualmente se desfazer de suas suspeitas•. A lem-
vernos, os candidatos aos mais altos cargos estão acima da brança de Farsália ainda o assombrava e perseguia. Quando,
lei; e, se podem conquistar o objeto de sua ambição, não re- a pedido do senado, teve a generosidade de perdoar Marce-
ceiam prestar contas dos meios pelos quais os adquiriram. lo, disse àquela assembléia que não ignorava os desígnios que
Portanto, freqüentemente se esforçam, não apenas valendo-se atentavam contra sua vida; mas que, assim como vivera o su-
de fraude e falsidade - as ordinárias e vulgares artes da intri- ficiente para a natureza e para a glória, estava contente de
ga e conspiração -, mas às vezes perpetrando os piores cri- morrer, e portanto desprezava todas as conspirações. Talvez
mes, assassinato e morte, rebelião e guerra civil, para superar para a natureza já tivesse vivido tempo suficiente; mas o ho-
e destruir os que impedem ou fecham o caminho para a sua mem que se sentia objeto de tão mortais ressentimentos da par-
grandeza. Mais freqüentemente alcançam fracassos do que te daqueles cujo favor desejava obter, e a quem ainda deseja-
êxitos; comumente nada obtêm senão a ominosa punição que é va considerar como seus amigos, para a verdadeira glória, ou
devida a seus crimes. Mas, embora possam ter a sorte de al- para toda a felicidade que poderia jamais esperar gozar no
: cançar a desejada grandeza, sempre se decepcionam misera- amor e estima de seus iguais, vivera tempo demais••.
velmente com a felicidade que acreditam saborear nela. Não
: é ócio ou prazer, mas sempre honra de um tipo ou outro, em-
) b r:.t seguidam. nt uma honra m al compPendida o q ue o
• Jogo de palavras intraduzível. Na primeira oração desse período,
I 1 homem ambicioso rc::aJm nte persegw.!. Todavia a honra d "dismiss" ("dismiss his guards") tem o sentido de despedir, mandar embora.
I, . ''~' levada posi ""' o a parece tanto a seu s pró pri. olh quan- Na segunda ("dismiss his suspicions"), significa livrar-se de, salvar-se de,
, to aos das outras pessoas, corrompida e maculada pela bai- escapar de. (N. da R. T.)
: xeza dos meios pelos quais ascendeu até ela. Seja pela pro- •• Passagem provavelmente tomada de Cícero (Pm Mm'Cello, VIII, 25).
fusão dos gastos pródigos (liberal); seja pela excessiva indu]- (N. da R. T.)
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS PRIMEIRA PARTE 77
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entretanto, que tudo o que neles possa ser digno de louvor gência com todos os prazeres devassos, infame mas habitual
deriva de sua conformidade com aquela posição e tortura recurso dos caracteres arruinados; seja pela pressa dos assun-
todo mérito e conveniência que estes exigem, e assim facil- tos públicos ou pelo tumulto mais arrogante e ofuscante da
mente podem prover as despesas. Muito homem pobre colo- guerra, ainda que procure apagar de sua memória e da de ou-
ca sua glória em ser julgado rico, sem levar em conta que os tras pessoas a lembrança do que fez, essa lembrança nunca
deveres (se podemos chamar essas loucuras de um nome tão deixará de persegui-lo. Em vão invoca os obscuros e lúgubres
venerável) que tal reputação lhe impõe muito em breve o poderes do esquecimento e olvido. Lembra-se do que fez, e
reduzirão à mendicância, e tornarão sua posição ainda mais essa lembrança lhe diz que outras pessoas hão de lembrar
também. No meio de toda a luxuosa pompa da grandiosa os-
desigual à dos que admira e imita, do que originalmente era.
tentação; no meio da venal e vil adulação dos grandes e eru-
Para alcançar essa invejada situação, os candidatos à for-
ditos; no meio das mais inocentes, ainda que mais tolas, acla-
tuna abandonam com excessiva freqüência as trilhas da virtu-
mações da gente comum; no meio de todo o orgulho pela
de; pois infelizmente a estrada que leva a uma e a que leva à
conquista e do triunfo pela guerra bem sucedida, ainda é se-
outra se estendem, às vezes, por direções bem opostas. Mas o
cretamente perseguido pelas vingativas fúrias da vergonha e
homem ambicioso se engana ao pensar que, na esplêndida do remorso; e, enquanto a glória o parece rodear por todos
. situação para a qual avança, deterá inúmeros meios para go- os lados, ele próprio, em sua imaginação, vê a negra e podre
vernar o respeito e admiração dos homens, e se permitirá agir infâmia vindo rápida em sua perseguição, pronta a atacá-lo
com tão superior conveniência e graça, que o lustre de sua pelas costas, a qualquer momento. Até o grande César, con-
futura conduta encobrirá ou apagará inteiramente a podridão quanto tivesse a magnanimidade de dispensar seus guardas,
dos passos pelos quais chegou até esse cume. Em muitos go- não pôde igualmente se desfazer de suas suspeitas•. A lem-
vernos, os candidatos aos mais altos cargos estão acima da brança de Farsália ainda o assombrava e perseguia. Quando,
lei; e, se podem conquistar o objeto de sua ambição, não re- a pedido do senado, teve a generosidade de perdoar Marce-
ceiam prestar contas dos meios pelos quais os adquiriram. lo, disse àquela assembléia que não ignorava os desígnios que
Portanto, freqüentemente se esforçam, não apenas valendo-se atentavam contra sua vida; mas que, assim como vivera o su-
de fraude e falsidade - as ordinárias e vulgares artes da intri- ficiente para a natureza e para a glória, estava contente de
ga e conspiração -, mas às vezes perpetrando os piores cri- morrer, e portanto desprezava todas as conspirações. Talvez
mes, assassinato e morte, rebelião e guerra civil, para superar para a natureza já tivesse vivido tempo suficiente; mas o ho-
e destruir os que impedem ou fecham o caminho para a sua mem que se sentia objeto de tão mortais ressentimentos da par-
grandeza. Mais freqüentemente alcançam fracassos do que te daqueles cujo favor desejava obter, e a quem ainda deseja-
êxitos; comumente nada obtêm senão a ominosa punição que é va considerar como seus amigos, para a verdadeira glória, ou
devida a seus crimes. Mas, embora possam ter a sorte de al- para toda a felicidade que poderia jamais esperar gozar no
: cançar a desejada grandeza, sempre se decepcionam misera- amor e estima de seus iguais, vivera tempo demais••.
velmente com a felicidade que acreditam saborear nela. Não
: é ócio ou prazer, mas sempre honra de um tipo ou outro, em-
) b r:.t seguidam. nt uma honra m al compPendida o q ue o
• Jogo de palavras intraduzível. Na primeira oração desse período,
I 1 homem ambicioso rc::aJm nte persegw.!. Todavia a honra d "dismiss" ("dismiss his guards") tem o sentido de despedir, mandar embora.
I, . ''~' levada posi ""' o a parece tanto a seu s pró pri. olh quan- Na segunda ("dismiss his suspicions"), significa livrar-se de, salvar-se de,
, to aos das outras pessoas, corrompida e maculada pela bai- escapar de. (N. da R. T.)
: xeza dos meios pelos quais ascendeu até ela. Seja pela pro- •• Passagem provavelmente tomada de Cícero (Pm Mm'Cello, VIII, 25).
fusão dos gastos pródigos (liberal); seja pela excessiva indu]- (N. da R. T.)
SEGUNDA PARTE

DO MÉRITO E DO DEMÉRITO
ou
DOS OBJETOS DE RECOMPENSA
E DE CASTIGO
CONSISTINDO DE TRÊS SEÇÕES
SEGUNDA PARTE

DO MÉRITO E DO DEMÉRITO
ou
DOS OBJETOS DE RECOMPENSA
E DE CASTIGO
CONSISTINDO DE TRÊS SEÇÕES
SEÇÃO I

Do senso de mérito e demérito

INTRODUÇÃO

Existe um outro grupo de qualidades atribuídas às ações


e conduta dos homens, distintas de sua conveniência ou in-
conveniência, decência ou deselegância, que são objetos de
uma espécie diferente de aprovação e desaprovação. São Mé-
rito e Demérito, qualidades de recompensa merecida, e mere-
cida punição.
Já se observou que o sentimento ou afeto do coração do
qual procede toda a ação, e do qual depende toda a sua vir-
tude ou vício, pode ser considerado sob dois diferentes as-
pectos, ou segundo duas diferentes relações; primeiro, em re-
lação com a causa ou objeto que o suscita; segundo, em rela-
ção ao fim que se propõe, ou o efeito que tende a produzir:
da adequação ou inadequação, da proporção ou despropor-
ção que o afeto parece guardar com a causa ou objeto que o
desperta, depende a conveniência ou inconveniência, a decên-
cia ou deselegância da ação conseqüente; dos efeitos benéfi-
cos ou dolorosos que o afeto propõe ou tende a produzir de-
pende o mérito ou demérito, o bom ou mau merecimento da
ação que tal afeto provoca. Em que consiste nosso senso de
conveniência ou inconveniência das ações já se explicou na
parte anterior deste discurso. Devemos agora examinar em que
consiste o senso de seu bom ou mau merecimento.
SEÇÃO I

Do senso de mérito e demérito

INTRODUÇÃO

Existe um outro grupo de qualidades atribuídas às ações


e conduta dos homens, distintas de sua conveniência ou in-
conveniência, decência ou deselegância, que são objetos de
uma espécie diferente de aprovação e desaprovação. São Mé-
rito e Demérito, qualidades de recompensa merecida, e mere-
cida punição.
Já se observou que o sentimento ou afeto do coração do
qual procede toda a ação, e do qual depende toda a sua vir-
tude ou vício, pode ser considerado sob dois diferentes as-
pectos, ou segundo duas diferentes relações; primeiro, em re-
lação com a causa ou objeto que o suscita; segundo, em rela-
ção ao fim que se propõe, ou o efeito que tende a produzir:
da adequação ou inadequação, da proporção ou despropor-
ção que o afeto parece guardar com a causa ou objeto que o
desperta, depende a conveniência ou inconveniência, a decên-
cia ou deselegância da ação conseqüente; dos efeitos benéfi-
cos ou dolorosos que o afeto propõe ou tende a produzir de-
pende o mérito ou demérito, o bom ou mau merecimento da
ação que tal afeto provoca. Em que consiste nosso senso de
conveniência ou inconveniência das ações já se explicou na
parte anterior deste discurso. Devemos agora examinar em que
consiste o senso de seu bom ou mau merecimento.
..
82 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 83
CAPÍTULO I venção, embora isso agrade ao nosso amor, não contenta
o que parece objeto próprio de gratidão parece merecer nossa gratidão. Até que o tenhamos recompensado, até que
recompensa; e, do mesmo modo, o que parece objeto próprio tenhamos sido os instrumentos de promoção da sua felicida-
de ressentimento parece merecer punição de, sentimo-nos ainda sobrecarregados com essa dívida que
seus serviços passados nos impuseram.
A nós parecerá, pois, merecedora de recompensa a ação E, do mesmo modo, o ódio e a aversão produzidos pela
que se ofereça como o objeto próprio e aprovado desse sen- habitual reprovação, freqüentemente podem nos conduzir a
tim nl qu mais imed iata c direta mente nos in it::1 ã r 'om- sentir um maligno regozijo pela desgraça desse homem cujo
p<.:nsa u . faz r o bem a outro. E do mesmo m d , pa rece- comportamento e caráter produzem em nós uma paixão tão
rá n re dora d puniç a ação qu e s ofcre ·a c m obje- dolorosa . Mas, embora a aversão e o ódio nos impeçam toda
to p róprio ~tprovado des:c scntimenlo que mais im tHata a simpatia, e por vezes até nos predisponham a nos regozi-
dir t<Lmc:.nt nos incita a ca ·Ligo, ou a in11igir ma l a outr . jarmos com a aflição do outro, mesmo assim, se não houver
O sentimento que mais imediata e diretamente nos inci- ressentimento - se nem nós nem nossos amigos tenhamos
ta à recompensa é a gratidão; o que mais imediata e direta- sido pessoalmente insultados -, essas paixões não nos leva-
mente nos incita ao castigo é o ressentimento. riam naturalmente a desejar convertermo-nos em instrumen-
A nós parecerá, pois, merecedora de recompensa a ação tos dessa aflição. Embora não pudéssemos temer castigo por
que se ofereça como o objeto próprio e aprovado da grati- termos colaborado de certa forma para isso, preferiríamos que
dão; assim como, de outro lado, parecerá mere edora de pu- tivesse acontecido por outros meios. Para alguém sob domí-
nio de um ódio violento, talvez fosse agradável saber que a
nição a ação que se ofereça como o objeto próprio e aprovado
pessoa a quem execra e detesta foi morta em algum aciden-
de ressentimento.
te. Mas se tivesse a menor fagulha de justiça, que, embora
Recompensar é remunerar, devolver o bem pelo bem
sua paixão não seja muito favorável à virtude, ainda poderia
que se recebeu . Castigar é, também, recompensar, remune-
existir, seria uma dor excessiva para ele, ter sido, ainda que
rar, ainda que de maneira diversa: é devolver o mal pelo mal
sem intenção, a causa do infortúnio desse outro. A simples
que se fez. idéia de ter contribuído voluntariamente para a morte o im-
Há outras paixões, além de gratidão e ressentimento, pressionaria de maneira desmedida. Rejeitaria com horror até
que nos fazem interessar pela felicidade ou miséria dos ou- imaginar tão execrável intenção; e se pudesse imaginar-se
tros; mas não há nenhuma que, de um modo tão distinto, capaz de tamanha enormidade, começaria a ver-se com o
nos leva a convertermo-nos em instrumento de uma ou ou- mesmo ódio com que vira a pessoa que fora o objeto de sua
tra . O amor e estima produzidos pela convivência e habitual aversão. Mas com o ressentimento ocorre exatamente o opos-
aprovação mútua necessariamente nos levam a regozijarmo- to: se a pessoa que nos infligiu uma grande ofensa, porque,
nos com a boa sorte de quem é objeto de tão agradáveis por exemplo, assassinou nosso pai ou nosso irmão, pouco
emoções, e, conseqüentemente, a voluntariamente estender- depois morresse de febre, ou fosse levada ao cadafalso por
mos a mão para promovê-la. Nosso amor, porém, está plena- algum outro crime, ainda que isso pudesse abrandar nosso
mente satisfeito, ainda que a boa sorte lhe venha sem a ódio, não satisfaria inteiramente nosso ressentimento. O res-
nossa ajuda. Tudo o que esta paixão mais deseja é vê-lo fe- sentimento nos incitaria a desejar não apenas o castigo, mas
liz, independentemente do autor de sua prosperidade. Toda- que o castigo resultasse de nós mesmos, e por conta precisa-
via, a gratidão não se satisfaz dessa maneira. Se a pessoa a mente da ofensa de que fomos vítimas. O ressentimento não
quem devemos muitas obrigações fica feliz sem nossa inter- se satisfaz plenamente, a não ser que o ofensor não apenas
..
82 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 83
CAPÍTULO I venção, embora isso agrade ao nosso amor, não contenta
o que parece objeto próprio de gratidão parece merecer nossa gratidão. Até que o tenhamos recompensado, até que
recompensa; e, do mesmo modo, o que parece objeto próprio tenhamos sido os instrumentos de promoção da sua felicida-
de ressentimento parece merecer punição de, sentimo-nos ainda sobrecarregados com essa dívida que
seus serviços passados nos impuseram.
A nós parecerá, pois, merecedora de recompensa a ação E, do mesmo modo, o ódio e a aversão produzidos pela
que se ofereça como o objeto próprio e aprovado desse sen- habitual reprovação, freqüentemente podem nos conduzir a
tim nl qu mais imed iata c direta mente nos in it::1 ã r 'om- sentir um maligno regozijo pela desgraça desse homem cujo
p<.:nsa u . faz r o bem a outro. E do mesmo m d , pa rece- comportamento e caráter produzem em nós uma paixão tão
rá n re dora d puniç a ação qu e s ofcre ·a c m obje- dolorosa . Mas, embora a aversão e o ódio nos impeçam toda
to p róprio ~tprovado des:c scntimenlo que mais im tHata a simpatia, e por vezes até nos predisponham a nos regozi-
dir t<Lmc:.nt nos incita a ca ·Ligo, ou a in11igir ma l a outr . jarmos com a aflição do outro, mesmo assim, se não houver
O sentimento que mais imediata e diretamente nos inci- ressentimento - se nem nós nem nossos amigos tenhamos
ta à recompensa é a gratidão; o que mais imediata e direta- sido pessoalmente insultados -, essas paixões não nos leva-
mente nos incita ao castigo é o ressentimento. riam naturalmente a desejar convertermo-nos em instrumen-
A nós parecerá, pois, merecedora de recompensa a ação tos dessa aflição. Embora não pudéssemos temer castigo por
que se ofereça como o objeto próprio e aprovado da grati- termos colaborado de certa forma para isso, preferiríamos que
dão; assim como, de outro lado, parecerá mere edora de pu- tivesse acontecido por outros meios. Para alguém sob domí-
nio de um ódio violento, talvez fosse agradável saber que a
nição a ação que se ofereça como o objeto próprio e aprovado
pessoa a quem execra e detesta foi morta em algum aciden-
de ressentimento.
te. Mas se tivesse a menor fagulha de justiça, que, embora
Recompensar é remunerar, devolver o bem pelo bem
sua paixão não seja muito favorável à virtude, ainda poderia
que se recebeu . Castigar é, também, recompensar, remune-
existir, seria uma dor excessiva para ele, ter sido, ainda que
rar, ainda que de maneira diversa: é devolver o mal pelo mal
sem intenção, a causa do infortúnio desse outro. A simples
que se fez. idéia de ter contribuído voluntariamente para a morte o im-
Há outras paixões, além de gratidão e ressentimento, pressionaria de maneira desmedida. Rejeitaria com horror até
que nos fazem interessar pela felicidade ou miséria dos ou- imaginar tão execrável intenção; e se pudesse imaginar-se
tros; mas não há nenhuma que, de um modo tão distinto, capaz de tamanha enormidade, começaria a ver-se com o
nos leva a convertermo-nos em instrumento de uma ou ou- mesmo ódio com que vira a pessoa que fora o objeto de sua
tra . O amor e estima produzidos pela convivência e habitual aversão. Mas com o ressentimento ocorre exatamente o opos-
aprovação mútua necessariamente nos levam a regozijarmo- to: se a pessoa que nos infligiu uma grande ofensa, porque,
nos com a boa sorte de quem é objeto de tão agradáveis por exemplo, assassinou nosso pai ou nosso irmão, pouco
emoções, e, conseqüentemente, a voluntariamente estender- depois morresse de febre, ou fosse levada ao cadafalso por
mos a mão para promovê-la. Nosso amor, porém, está plena- algum outro crime, ainda que isso pudesse abrandar nosso
mente satisfeito, ainda que a boa sorte lhe venha sem a ódio, não satisfaria inteiramente nosso ressentimento. O res-
nossa ajuda. Tudo o que esta paixão mais deseja é vê-lo fe- sentimento nos incitaria a desejar não apenas o castigo, mas
liz, independentemente do autor de sua prosperidade. Toda- que o castigo resultasse de nós mesmos, e por conta precisa-
via, a gratidão não se satisfaz dessa maneira. Se a pessoa a mente da ofensa de que fomos vítimas. O ressentimento não
quem devemos muitas obrigações fica feliz sem nossa inter- se satisfaz plenamente, a não ser que o ofensor não apenas

84 TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 85

padeça por sua vez, mas que, padeça por causa desse mal es- os que dela têm conhecimento, e, por tal motivo lhes regozi-
pecífico que nos fez sofrer. E necessário que se arrependa e ja vê-la punida.
se lamente precisamente daquela ação, de modo que outros, 1. Assim como simpatizamos com a alegria de nossos
por medo de merecerem castigo semelhante, se aterrorizem companheiros quando prosperam, também nos reunimos a
de incorrer em igual culpa. A natural satisfação dessa paixão eles na complacência e sati ·hção com que, naturalmente, jul-
tende a produzir por si mesma todas as finalidades políticas gam o que é a causa de sua boa sorte. ParLilhamos do amor
da punição: a regeneração do criminoso e o exemplo para o e afeição que por ela concebem, e também começamos a
público. amá-la. Lamentaríamos por seu bem se fosse destruída, ou
Gratidão e ressentimento são, portanto, os sentimentos mesmo se estivesse muito distante e fora do alcance de seus
que mais imediata e diretamente nos incitam a recompensar cuidados e proteção, ainda que nada perdessem com sua au-
e a punir. A nós, pois, parecerá merecedor de recompensa sência, senão o prazer de contemplá-la. Se é um homem que
quem pareça objeto próprio e aprovado de gratidão; e como assim se tornou o afortunado instrumento da felicidade de
merecedor de castigo, quem o seja de ressentimento. seus irmãos, o caso é ainda mais peculiar. Quando vemos
que um homem é socorrido, protegido, tranqüilizado por
outro, nossa simpatia com a felicidade da pessoa assim be-
CAPÍTULO li neficiada serve unica ment para animar nossa solidariedade
Dos objetos apropriados de gratidão e ressentimento para com a gratidão que experimenta pelo benfeitor. Quan-
do fitamos a pessoa que é causa desse prazer com os olhos
Ser o objeto próprio e aprovado de gratidão, bem como com os quais imaginamos deve fitar o outro, seu benfeitor se
de ressentimento, não pode significar nada senão ser objeto nos apresenta sob a mais encantadora e amável das luzes.
daquela gratidão e daquele ressentimento que, naturalmente, P !tanto, simp·1tizamos prontamente com o afeto grato que
parece apropriado e aprovado. ncebe por essa p ssoa à qwtl ta nto deve, e, em ·onseqüên-
Mas estas, como todas as demais paixões da natureza ia, aplaudimos as r rri.bui ' Õ que está disposto a conceder
humana, parecem apropriadas e aprovadas quando o cora- pelos bons serviços que lhe foram prestados. Quando com-
ção de cada espectador imparcial simpatizar inteiramente com partilhamos sem reserva do afeto que origina essas retribui-
elas, quando cada observador indiferente delas participa e ções, forçosam ··nte nos figuram muito apropriadas e adequa-
partilha inteiramente. das ao seu bjeto.
Portanto, parecerá merecedor de recompensa quem, 2. Do mesmo modo, assim como simpatizamos com a
para alguma pessoa ou pessoas, é o objeto natural de uma dor de nosso próximo sempre que presenciamos sua aflição,
gratidão que todo coração humano esteja disposto a experi- também partilhamos de seu horror e aversão por tudo o que
mentar, e, por essa razão, a aplaudir; e, de outro lado, pare- a motivar. Nosso coração, assim como adota sua dor, palpitando
cerá merecedor de punição quem, da mesma maneira, é o na mesma cadência em que ela, também se sente animado com
objeto natural, para uma pessoa ou pessoas, de um ressenti- esse espírito com que se esforça para afastar ou destruir a cau-
mento que o peito de todo homem sensato está pronto a sa dessa dor. A solidariedade indolente e passiva com que o
adotar, solidarizando-se com ele. A nós, sem dúvida, parece- acompanhamos em seus sofrimentos prontamente torna-se
rá merecedora de recompensa a ação que todos os que co- esse sentimento mais vigoroso e ativo com o qual participamos
nhecem desejariam recompensar, e por isso se alegram em de seus esforços para os repelir, ou para satisfazer sua aversão
ver recompensada; e com a mesma segurança parecerá me- ao que os ocasionou. O caso é ainda mais intenso quando é um
recedora de punição a ação com que se zangam com todos ser humano a causa dos sofrimentos. Quando vemos um ho-

84 TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 85

padeça por sua vez, mas que, padeça por causa desse mal es- os que dela têm conhecimento, e, por tal motivo lhes regozi-
pecífico que nos fez sofrer. E necessário que se arrependa e ja vê-la punida.
se lamente precisamente daquela ação, de modo que outros, 1. Assim como simpatizamos com a alegria de nossos
por medo de merecerem castigo semelhante, se aterrorizem companheiros quando prosperam, também nos reunimos a
de incorrer em igual culpa. A natural satisfação dessa paixão eles na complacência e sati ·hção com que, naturalmente, jul-
tende a produzir por si mesma todas as finalidades políticas gam o que é a causa de sua boa sorte. ParLilhamos do amor
da punição: a regeneração do criminoso e o exemplo para o e afeição que por ela concebem, e também começamos a
público. amá-la. Lamentaríamos por seu bem se fosse destruída, ou
Gratidão e ressentimento são, portanto, os sentimentos mesmo se estivesse muito distante e fora do alcance de seus
que mais imediata e diretamente nos incitam a recompensar cuidados e proteção, ainda que nada perdessem com sua au-
e a punir. A nós, pois, parecerá merecedor de recompensa sência, senão o prazer de contemplá-la. Se é um homem que
quem pareça objeto próprio e aprovado de gratidão; e como assim se tornou o afortunado instrumento da felicidade de
merecedor de castigo, quem o seja de ressentimento. seus irmãos, o caso é ainda mais peculiar. Quando vemos
que um homem é socorrido, protegido, tranqüilizado por
outro, nossa simpatia com a felicidade da pessoa assim be-
CAPÍTULO li neficiada serve unica ment para animar nossa solidariedade
Dos objetos apropriados de gratidão e ressentimento para com a gratidão que experimenta pelo benfeitor. Quan-
do fitamos a pessoa que é causa desse prazer com os olhos
Ser o objeto próprio e aprovado de gratidão, bem como com os quais imaginamos deve fitar o outro, seu benfeitor se
de ressentimento, não pode significar nada senão ser objeto nos apresenta sob a mais encantadora e amável das luzes.
daquela gratidão e daquele ressentimento que, naturalmente, P !tanto, simp·1tizamos prontamente com o afeto grato que
parece apropriado e aprovado. ncebe por essa p ssoa à qwtl ta nto deve, e, em ·onseqüên-
Mas estas, como todas as demais paixões da natureza ia, aplaudimos as r rri.bui ' Õ que está disposto a conceder
humana, parecem apropriadas e aprovadas quando o cora- pelos bons serviços que lhe foram prestados. Quando com-
ção de cada espectador imparcial simpatizar inteiramente com partilhamos sem reserva do afeto que origina essas retribui-
elas, quando cada observador indiferente delas participa e ções, forçosam ··nte nos figuram muito apropriadas e adequa-
partilha inteiramente. das ao seu bjeto.
Portanto, parecerá merecedor de recompensa quem, 2. Do mesmo modo, assim como simpatizamos com a
para alguma pessoa ou pessoas, é o objeto natural de uma dor de nosso próximo sempre que presenciamos sua aflição,
gratidão que todo coração humano esteja disposto a experi- também partilhamos de seu horror e aversão por tudo o que
mentar, e, por essa razão, a aplaudir; e, de outro lado, pare- a motivar. Nosso coração, assim como adota sua dor, palpitando
cerá merecedor de punição quem, da mesma maneira, é o na mesma cadência em que ela, também se sente animado com
objeto natural, para uma pessoa ou pessoas, de um ressenti- esse espírito com que se esforça para afastar ou destruir a cau-
mento que o peito de todo homem sensato está pronto a sa dessa dor. A solidariedade indolente e passiva com que o
adotar, solidarizando-se com ele. A nós, sem dúvida, parece- acompanhamos em seus sofrimentos prontamente torna-se
rá merecedora de recompensa a ação que todos os que co- esse sentimento mais vigoroso e ativo com o qual participamos
nhecem desejariam recompensar, e por isso se alegram em de seus esforços para os repelir, ou para satisfazer sua aversão
ver recompensada; e com a mesma segurança parecerá me- ao que os ocasionou. O caso é ainda mais intenso quando é um
recedora de punição a ação com que se zangam com todos ser humano a causa dos sofrimentos. Quando vemos um ho-

TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 87


86
mem oprimido ou ofendido por outro, a simpatia que expe- CAPÍTULO III
rimentamos pela aflição do sofredor parece setvir apenas pa- Quando não há aprovação da conduta da pessoa que
ra animar nossa solidariedade com seu ressentimento contra confere o beneficio, há pouca simpatia pela gratidão daquele
0 ofensor. Regozija-nos vê-lo atacar por sua vez seu adver-
que o recebe; e, inversamente, quando há desaprovação dos
sário, e ficamos ansiosos e dispostos a ajudá-lo, sempre que motivos da pessoa que comete o dano, não há nenhuma
tentar defesa, ou, em certo grau, até mesmo vingança. Se o espécie de simpatia pelo ressentimento de quem o sofre
ofendido perecesse na luta, não apenas simpatizaríamos com
o real ressentimento de seus amigos e parentes, mas com o Deve-se advertir, entretanto, que por mais benéficas, de
imaginário ressentimento que em nossa imaginação empres- um lado, ou por mais danosas, por outro, que possam ser as
tamos ao morto, que já não é capaz de sentir nenhuma outra ações da pessoa que age para a outra pessoa sobre quem (se
emoção humana. Mas na medida em que nos colocamos na me permitem a expressão) se atua, se, no primeiro caso, pa-
sua situação, na medida em que entramos, por assim dizer, rece não haver propriedade nos motivos do agente, se não
no seu corpo, e em nossas fantasias, de certo modo, anima- pudermos compartilhar dos afetos que influenciaram sua con-
mos novamente a disforme e decomposta carcaça do morto, duta, teremos pouca simpatia com a gratidão da pessoa que
quando dessa maneira mostramos seu caso para nosso pró- recebe o benefício. Ou se, no outro caso, parece não haver im-
prio peito, nessa ocasião, como em muitas outras, experi- propriedade nos motivos do agente, e se, o contrário, os afetos
mentamos uma emoção que a pessoa diretamente atingida é que influenciaram sua conduta são tais que necessariamente
incapaz de experimentar, a qual, contudo, experimentamos deles compartilhamos, não teremos nenhuma simpatia com o
por uma ilusória solidariedade para com ele. As lágrimas ressentimento do sofredor. No primeiro caso, parece pouca a
compassivas que derramamos pela imensa e irreparável per- gratidão devida, e todo o tipo de ressentimento parece injusto
da, que em nossa fantasia o morto parece ter sofrido, não no outro. Uma das ações parece merecer pouca recompensa, a
são senão uma pequena parte de nosso dever para com ele. outra, não merecer nenhum castigo.
A ofensa de que foi vítima exige, pensamos nós, uma parte 1. Primeiro, digo que sempre que não pudermos simpa-
considerável de nossa atenção. Experimentamos o ressenti- tizar com os afetos do agente, sempre que parece não haver
mento que imaginamos ele deveria experimentar, e que ex- propriedade nos motivos que influenciaram sua conduta,
perimentaria se, em seu corpo frio e inerte, restasse qualquer ficamos menos dispostos a partilhar da gratidão da pessoa
consciência do que se passa na Terra. Julgamos que seu san- que recebeu o benefício de suas ações. Parece-nos que uma
gue clama por vingança. As próprias cinzas do morto pare- retribuição muito pequena se deve a essa tola e pródiga ge-
cem perturbadas à idéia de que as ofensas sofridas passem
nerosidade, que confere os maiores benefícios pelos motivos
sem vingança. Os horrores que supostamente assombram a
mais triviais, e concede uma posição a um homem apenas
cama do assassino, os fantasmas que, imagina a superstição,
porque seu nome e sobrenome por acaso são os mesmos
erguem-se de seus túmulos para exigir vingança contra os
que os do doador. Tais favores não parecem exigir uma re-
que os levaram a um fim prematuro, tudo isso obedece à
natural simpatia para com o imaginário ressentimento das ví- compensa proporcional. Nosso desprezo pela insensatez do
timas. E pelo menos com relação a esse, o mais execrável de agente impede-nos de partilhar realmente da gratidão da
todos os crimes, a natureza, antecipando-se a todas as refle- p s oa qu r ceb u o bom ofí ·io . u I nf •ilor no parece
xões sobre a utilidade da punição, à sua maneira marcou no indlgn desse enúm nto. Ce mo an n. . ·o i ca rm o no lugttr
coração humano, com letras fortíssimas e indeléveis, uma da pe ·oa dev dora sentím. s que não poderíamos ·on e b r
aprovação imediata e instintiva da sagrada e necessária lei da grande reverência por tal benfeitor, facilmente a absolvemos
retaliação. de grande parte dessa submissa veneração e estima que nos

TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 87


86
mem oprimido ou ofendido por outro, a simpatia que expe- CAPÍTULO III
rimentamos pela aflição do sofredor parece setvir apenas pa- Quando não há aprovação da conduta da pessoa que
ra animar nossa solidariedade com seu ressentimento contra confere o beneficio, há pouca simpatia pela gratidão daquele
0 ofensor. Regozija-nos vê-lo atacar por sua vez seu adver-
que o recebe; e, inversamente, quando há desaprovação dos
sário, e ficamos ansiosos e dispostos a ajudá-lo, sempre que motivos da pessoa que comete o dano, não há nenhuma
tentar defesa, ou, em certo grau, até mesmo vingança. Se o espécie de simpatia pelo ressentimento de quem o sofre
ofendido perecesse na luta, não apenas simpatizaríamos com
o real ressentimento de seus amigos e parentes, mas com o Deve-se advertir, entretanto, que por mais benéficas, de
imaginário ressentimento que em nossa imaginação empres- um lado, ou por mais danosas, por outro, que possam ser as
tamos ao morto, que já não é capaz de sentir nenhuma outra ações da pessoa que age para a outra pessoa sobre quem (se
emoção humana. Mas na medida em que nos colocamos na me permitem a expressão) se atua, se, no primeiro caso, pa-
sua situação, na medida em que entramos, por assim dizer, rece não haver propriedade nos motivos do agente, se não
no seu corpo, e em nossas fantasias, de certo modo, anima- pudermos compartilhar dos afetos que influenciaram sua con-
mos novamente a disforme e decomposta carcaça do morto, duta, teremos pouca simpatia com a gratidão da pessoa que
quando dessa maneira mostramos seu caso para nosso pró- recebe o benefício. Ou se, no outro caso, parece não haver im-
prio peito, nessa ocasião, como em muitas outras, experi- propriedade nos motivos do agente, e se, o contrário, os afetos
mentamos uma emoção que a pessoa diretamente atingida é que influenciaram sua conduta são tais que necessariamente
incapaz de experimentar, a qual, contudo, experimentamos deles compartilhamos, não teremos nenhuma simpatia com o
por uma ilusória solidariedade para com ele. As lágrimas ressentimento do sofredor. No primeiro caso, parece pouca a
compassivas que derramamos pela imensa e irreparável per- gratidão devida, e todo o tipo de ressentimento parece injusto
da, que em nossa fantasia o morto parece ter sofrido, não no outro. Uma das ações parece merecer pouca recompensa, a
são senão uma pequena parte de nosso dever para com ele. outra, não merecer nenhum castigo.
A ofensa de que foi vítima exige, pensamos nós, uma parte 1. Primeiro, digo que sempre que não pudermos simpa-
considerável de nossa atenção. Experimentamos o ressenti- tizar com os afetos do agente, sempre que parece não haver
mento que imaginamos ele deveria experimentar, e que ex- propriedade nos motivos que influenciaram sua conduta,
perimentaria se, em seu corpo frio e inerte, restasse qualquer ficamos menos dispostos a partilhar da gratidão da pessoa
consciência do que se passa na Terra. Julgamos que seu san- que recebeu o benefício de suas ações. Parece-nos que uma
gue clama por vingança. As próprias cinzas do morto pare- retribuição muito pequena se deve a essa tola e pródiga ge-
cem perturbadas à idéia de que as ofensas sofridas passem
nerosidade, que confere os maiores benefícios pelos motivos
sem vingança. Os horrores que supostamente assombram a
mais triviais, e concede uma posição a um homem apenas
cama do assassino, os fantasmas que, imagina a superstição,
porque seu nome e sobrenome por acaso são os mesmos
erguem-se de seus túmulos para exigir vingança contra os
que os do doador. Tais favores não parecem exigir uma re-
que os levaram a um fim prematuro, tudo isso obedece à
natural simpatia para com o imaginário ressentimento das ví- compensa proporcional. Nosso desprezo pela insensatez do
timas. E pelo menos com relação a esse, o mais execrável de agente impede-nos de partilhar realmente da gratidão da
todos os crimes, a natureza, antecipando-se a todas as refle- p s oa qu r ceb u o bom ofí ·io . u I nf •ilor no parece
xões sobre a utilidade da punição, à sua maneira marcou no indlgn desse enúm nto. Ce mo an n. . ·o i ca rm o no lugttr
coração humano, com letras fortíssimas e indeléveis, uma da pe ·oa dev dora sentím. s que não poderíamos ·on e b r
aprovação imediata e instintiva da sagrada e necessária lei da grande reverência por tal benfeitor, facilmente a absolvemos
retaliação. de grande parte dessa submissa veneração e estima que nos
88 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 89

pareciam devida · a alguma personalidade mais respeitável; e seguidor ou seu juiz. A tendência natural da justa indignação
de. d que sempre trate s ~u ami go nnis frágil com bondade destes contra tão vil criminoso é, com efeito, a mais fatal e
e humanidad , estamos uisp sto a perdoar-Ih a fa lta de ruinosa para ele. Mas é impossível que nos desagradasse a
atenção e cuidado que exigiríamos de um protetor mais dig- tendência de um sentimento que, se aplicarmos o caso a nós
no. Os príncipes que amontoaram profusamente fortuna, po- mesmos, sentimos que não poderíamos evitar de adotar.
der e honrarias de seus favoritos, raramente suscitaram esse
grau de assentimento às suas pessoas, de que muitas vezes
desfrutaram os mais frugais em seus favores. A bem-intencio- CAPÍTULO IV
nada, mas pouco judiciosa, prodigalidade de Jaime I da Grã- Recapitulação dos capítulos anteriores
Bretanha• parece não ter atraído ninguém para a sua pessoa;
e esse príncipe, apesar de sua disposição social e inofensiva, 1. Não simpatizamos, pois, inteira e sinceramente com a
parece ter vivido e morrido sem um só amigo. Toda a fidal- gratidão de um homem para com outro simplesmente por-
guia (gentry) e a nobreza (nobility) da Inglaterra expôs suas que esse outro foi ausa de sua boa sorte, a não ser que con-
vidas e fortunas na causa de seu filho, bem mais moderado e cordemos inteirament com os motivos que o impulsiona-
célebre, não obstante a frieza e distante gravidade de seu ram para isso. Nosso coração deve adotar os prin ~p i os do
comportamento habitual. agente, e concordar com todos os afetos que influ en 'iaram
2. Segundo, digo que sempre que a conduta do agente sua conduta, antes de poder simpatizar inteiramente com
parece obedecer inteiramente a motivos e afetos que com- ele, e acompanhar a gratid; da pessoa beneficiada por suas
preendemos e aprovamos de todo, não temos nenhuma es- ações. Se a conduta d h<::nfeitor não parece apropriada, por
pécie de simpatia com o ressentimento do sofredor, por maior mais benéficos que sejam seus efeitos, não exige, nem pare-
que possa ter sido o dano a ele feito. Quando duas pessoas ce forçoso requerer, uma recompensa proporcional.
brigam, se tomamos partido e adotamos inteiramente o res- Mas quando à tendência benéfica da ação vem se somar
sentimento de uma delas, é impossível compartilharmos do a propri dad do afeto do qual procede, quando simpatiza-
da outra. Nossa simpatia pela pessoa com cujos motivos sim- mos intei ram ·nte e partilhamos dos motivos do agente, o
patizamos, e a quem portanto julgamos estar com a razão, só amor que concebemos por ele enquanto tal estimula e vivifi-
pode nos endurecer contra toda a solidariedade para com a ca nossa solidariedade com a gratidão dos que devem a sua
outra, a quem necessariamente julgamos estar errada. Por isso, prosperidade à sua boa conduta. Suas ações parecem então
tudo o que esta última tenha sofrido, enquanto não exceder exigir e, se me permitem dizer, clamar por uma recompensa
o que nós próprios teríamos desejado que ela sofresse, en- proporcional. Então partilhamos inteiramente a gratidão que
quanto não exceder o que nossa solidária indignação nos inci- a outorga . Assim, ao simpatizarmos com o s nUm nto que
taria a infligir a ela, não pode nem desagradar nem nos pro- promove a recompensa, ao aprovarmo-lo, o benJ\ itor nos pa-
vocar. Quando um assassino desumano é levado ao cadafal- rece objeto apropriado de recompensa. Ao aprovatmos e com-
so, ainda que sintamos alguma compaixão por sua desgraça, pa rtilharmos o afet d qual pr cede a a ão, ne ·es arlamen-
não podemos ter nenhuma simpatia por seu ressentimento, se Le apro am a a âo ·uns i lera m >s 'Lp ss a para quem tal
cometesse o absurdo de expressar algo assim contra seu per- a à s dlrig o mo seu hjero própri<.> ad ·quaclo.
- . 1 a mesma m<.~neira, não pod mos ·impatizar ern a sa iu -
'Jaime Stuart, ou Jaime VI da Escócia, sucessor de Elizabeth I, ascen- to com o ressentimento de um homem contra outro meramen-
deu ao trono inglês em 1603, legando-o com sua morte, em 1625, ao filho, te porque este outro foi a causa de seu infortúnio, a não ser
Carlos I. (N. da R. T.) que o tenha causado por motivos que não conseguimos com-
88 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 89

pareciam devida · a alguma personalidade mais respeitável; e seguidor ou seu juiz. A tendência natural da justa indignação
de. d que sempre trate s ~u ami go nnis frágil com bondade destes contra tão vil criminoso é, com efeito, a mais fatal e
e humanidad , estamos uisp sto a perdoar-Ih a fa lta de ruinosa para ele. Mas é impossível que nos desagradasse a
atenção e cuidado que exigiríamos de um protetor mais dig- tendência de um sentimento que, se aplicarmos o caso a nós
no. Os príncipes que amontoaram profusamente fortuna, po- mesmos, sentimos que não poderíamos evitar de adotar.
der e honrarias de seus favoritos, raramente suscitaram esse
grau de assentimento às suas pessoas, de que muitas vezes
desfrutaram os mais frugais em seus favores. A bem-intencio- CAPÍTULO IV
nada, mas pouco judiciosa, prodigalidade de Jaime I da Grã- Recapitulação dos capítulos anteriores
Bretanha• parece não ter atraído ninguém para a sua pessoa;
e esse príncipe, apesar de sua disposição social e inofensiva, 1. Não simpatizamos, pois, inteira e sinceramente com a
parece ter vivido e morrido sem um só amigo. Toda a fidal- gratidão de um homem para com outro simplesmente por-
guia (gentry) e a nobreza (nobility) da Inglaterra expôs suas que esse outro foi ausa de sua boa sorte, a não ser que con-
vidas e fortunas na causa de seu filho, bem mais moderado e cordemos inteirament com os motivos que o impulsiona-
célebre, não obstante a frieza e distante gravidade de seu ram para isso. Nosso coração deve adotar os prin ~p i os do
comportamento habitual. agente, e concordar com todos os afetos que influ en 'iaram
2. Segundo, digo que sempre que a conduta do agente sua conduta, antes de poder simpatizar inteiramente com
parece obedecer inteiramente a motivos e afetos que com- ele, e acompanhar a gratid; da pessoa beneficiada por suas
preendemos e aprovamos de todo, não temos nenhuma es- ações. Se a conduta d h<::nfeitor não parece apropriada, por
pécie de simpatia com o ressentimento do sofredor, por maior mais benéficos que sejam seus efeitos, não exige, nem pare-
que possa ter sido o dano a ele feito. Quando duas pessoas ce forçoso requerer, uma recompensa proporcional.
brigam, se tomamos partido e adotamos inteiramente o res- Mas quando à tendência benéfica da ação vem se somar
sentimento de uma delas, é impossível compartilharmos do a propri dad do afeto do qual procede, quando simpatiza-
da outra. Nossa simpatia pela pessoa com cujos motivos sim- mos intei ram ·nte e partilhamos dos motivos do agente, o
patizamos, e a quem portanto julgamos estar com a razão, só amor que concebemos por ele enquanto tal estimula e vivifi-
pode nos endurecer contra toda a solidariedade para com a ca nossa solidariedade com a gratidão dos que devem a sua
outra, a quem necessariamente julgamos estar errada. Por isso, prosperidade à sua boa conduta. Suas ações parecem então
tudo o que esta última tenha sofrido, enquanto não exceder exigir e, se me permitem dizer, clamar por uma recompensa
o que nós próprios teríamos desejado que ela sofresse, en- proporcional. Então partilhamos inteiramente a gratidão que
quanto não exceder o que nossa solidária indignação nos inci- a outorga . Assim, ao simpatizarmos com o s nUm nto que
taria a infligir a ela, não pode nem desagradar nem nos pro- promove a recompensa, ao aprovarmo-lo, o benJ\ itor nos pa-
vocar. Quando um assassino desumano é levado ao cadafal- rece objeto apropriado de recompensa. Ao aprovatmos e com-
so, ainda que sintamos alguma compaixão por sua desgraça, pa rtilharmos o afet d qual pr cede a a ão, ne ·es arlamen-
não podemos ter nenhuma simpatia por seu ressentimento, se Le apro am a a âo ·uns i lera m >s 'Lp ss a para quem tal
cometesse o absurdo de expressar algo assim contra seu per- a à s dlrig o mo seu hjero própri<.> ad ·quaclo.
- . 1 a mesma m<.~neira, não pod mos ·impatizar ern a sa iu -
'Jaime Stuart, ou Jaime VI da Escócia, sucessor de Elizabeth I, ascen- to com o ressentimento de um homem contra outro meramen-
deu ao trono inglês em 1603, legando-o com sua morte, em 1625, ao filho, te porque este outro foi a causa de seu infortúnio, a não ser
Carlos I. (N. da R. T.) que o tenha causado por motivos que não conseguimos com-
90 TEORIA DOS SEN11MENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 91
preender. Antes de podermos adotar o ressentimento do so- patia indireta com a gratidão de quem recebe o benefício de
fredor, devemos desaprovar os motivos do agente, e perceber suas ações.
que nosso coração renuncia a toda a simpatia para com os Em diferentes ocasiões podemos distinguir claramente
afetos que influenciaram sua conduta. Se estes não parecem essas duas emoções diferentes, combinando-se e unindo-se
inadequados, por mais funesta que seja para aqueles contra em nosso senso de mérito de um caráter ou ação particular.
quem é dirigida a tendência da ação que procede de tais afe- Quando lemos na história sobre ações de grandeza própria e
tos, a ação em si mesma não parece merecer nenhum castigo, benéfica do espírito, com que zelo partilhamos de tais desíg-
ou ser objeto próprio de nenhum ressentimento. nios! Como nos anima a elevada generosidade que os orien-
Mas quando ao sofrimento provocado pela ação vem se ta! Como desejamos seu bom êxito! Como sofremos com seu
somar a impropriedade do afeto da qual procede, quando fracasso! Na imaginação, tornamo-nos a própria pessoa cujas
nosso coração rejeita com horror toda a solidariedade para ações nos são representadas; nossa fantasia nos transporta
com os motivos do agente, simpatizamos sincera e inteira- aos cenários daquelas distantes e esquecidas aventuras, e ima-
mente com o ressentimento do sofredor. Tais ações parecem ginamo-nos desempenhando o papel de um Scipio ou Cami-
então merecer e, se me permitem dizer, clamar por um casti- lo, um Timóleo ou um Aristides. Até aqui nossos sentimentos
go proporcional; e compartilhamos inteiramente e assim apro- se fundam sobre a simpatia direta pela pessoa que age. Mas
vamos aquele ressentimento que tende a infligi-lo. Ao simpa- nossa simpatia pelos que recebem o benefício dessas ações
tizarmos com o sentimento que conduz à punição, ao apro- não é menos sentida. Sempre que nos colocamos na situação
varmo-lo inteiramente, o ofensor forçosamente nos parece o destes últimos, com que ardorosa e afetuosa solidariedade par-
objeto próprio de castigo. Também nesse caso, ao aprovar- tilhamos de sua gratidão para com aqueles que lhes serviram de
mos e partilharmos o afeto do qual procede a ação, necessa- maneira tão essencial! É como se abraçássemos, junto com eles,
riamente aprovamos a ação e consideramos a pessoa contra seu benfeitor. Nosso coração simpatiza prontamente com os
a qual tal ação se dirige como seu objeto próprio e adequado. mais extremos arrebatamentos de sua grata afeição. Nem hon-
ras nem recompensas, pensamos, seriam grandes o bastante
para conferir-lhe. E quando retribuem adequadamente seus
CAPÍTULO V favores, sinceramente os aplaudimos e os compartilhamos. Mas
A análise do senso de mérito e demérito ficamos desmedidamente escandalizados se por sua conduta
demonstram pouco senso das obrigações que lhes foram im-
1. Assim como, pois, nosso senso de propriedade da con- postas. Em resumo, todo o nosso senso do mérito e bom me-
duta surge do que chamarei simpatia direta com os afetos e recimento de tais ações, da conveniência e justiça de as re-
motivos da pessoa que age, nosso senso de seu mérito nasce compensar e de fazer alegrar-se, por sua vez, a pessoa que as
do que chamarei uma simpatia indireta com a gratidão da pes- executou, surge das emoções solidárias de gratidão e amor
soa sobre a qual, se assim posso dizer, se agiu. com que, quando adotamos em nosso peito a situação das pes-
Como não podemos, realmente, compartilhar inteiramen- soas principalmente afetadas, sentimo-nos naturalmente trans-
te da gratidão da pessoa que recebe o benefício, a não ser portados para o homem que pode agir com tão pertinente e
que de antemão aprovemos os motivos do benfeitor, assim, nobre benemerência.
por causa disso, o senso de mérito parece ser um sentimen- 2. Da mesma maneira como nosso senso da improprie-
to composto, constituído de duas emoções distintas; uma dade da conduta surge da falta de simpatia ou de uma direta
simpatia direta com os sentimentos do agente, e uma sim- antipatia com os afetos e motivos do agente, também nosso
90 TEORIA DOS SEN11MENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 91
preender. Antes de podermos adotar o ressentimento do so- patia indireta com a gratidão de quem recebe o benefício de
fredor, devemos desaprovar os motivos do agente, e perceber suas ações.
que nosso coração renuncia a toda a simpatia para com os Em diferentes ocasiões podemos distinguir claramente
afetos que influenciaram sua conduta. Se estes não parecem essas duas emoções diferentes, combinando-se e unindo-se
inadequados, por mais funesta que seja para aqueles contra em nosso senso de mérito de um caráter ou ação particular.
quem é dirigida a tendência da ação que procede de tais afe- Quando lemos na história sobre ações de grandeza própria e
tos, a ação em si mesma não parece merecer nenhum castigo, benéfica do espírito, com que zelo partilhamos de tais desíg-
ou ser objeto próprio de nenhum ressentimento. nios! Como nos anima a elevada generosidade que os orien-
Mas quando ao sofrimento provocado pela ação vem se ta! Como desejamos seu bom êxito! Como sofremos com seu
somar a impropriedade do afeto da qual procede, quando fracasso! Na imaginação, tornamo-nos a própria pessoa cujas
nosso coração rejeita com horror toda a solidariedade para ações nos são representadas; nossa fantasia nos transporta
com os motivos do agente, simpatizamos sincera e inteira- aos cenários daquelas distantes e esquecidas aventuras, e ima-
mente com o ressentimento do sofredor. Tais ações parecem ginamo-nos desempenhando o papel de um Scipio ou Cami-
então merecer e, se me permitem dizer, clamar por um casti- lo, um Timóleo ou um Aristides. Até aqui nossos sentimentos
go proporcional; e compartilhamos inteiramente e assim apro- se fundam sobre a simpatia direta pela pessoa que age. Mas
vamos aquele ressentimento que tende a infligi-lo. Ao simpa- nossa simpatia pelos que recebem o benefício dessas ações
tizarmos com o sentimento que conduz à punição, ao apro- não é menos sentida. Sempre que nos colocamos na situação
varmo-lo inteiramente, o ofensor forçosamente nos parece o destes últimos, com que ardorosa e afetuosa solidariedade par-
objeto próprio de castigo. Também nesse caso, ao aprovar- tilhamos de sua gratidão para com aqueles que lhes serviram de
mos e partilharmos o afeto do qual procede a ação, necessa- maneira tão essencial! É como se abraçássemos, junto com eles,
riamente aprovamos a ação e consideramos a pessoa contra seu benfeitor. Nosso coração simpatiza prontamente com os
a qual tal ação se dirige como seu objeto próprio e adequado. mais extremos arrebatamentos de sua grata afeição. Nem hon-
ras nem recompensas, pensamos, seriam grandes o bastante
para conferir-lhe. E quando retribuem adequadamente seus
CAPÍTULO V favores, sinceramente os aplaudimos e os compartilhamos. Mas
A análise do senso de mérito e demérito ficamos desmedidamente escandalizados se por sua conduta
demonstram pouco senso das obrigações que lhes foram im-
1. Assim como, pois, nosso senso de propriedade da con- postas. Em resumo, todo o nosso senso do mérito e bom me-
duta surge do que chamarei simpatia direta com os afetos e recimento de tais ações, da conveniência e justiça de as re-
motivos da pessoa que age, nosso senso de seu mérito nasce compensar e de fazer alegrar-se, por sua vez, a pessoa que as
do que chamarei uma simpatia indireta com a gratidão da pes- executou, surge das emoções solidárias de gratidão e amor
soa sobre a qual, se assim posso dizer, se agiu. com que, quando adotamos em nosso peito a situação das pes-
Como não podemos, realmente, compartilhar inteiramen- soas principalmente afetadas, sentimo-nos naturalmente trans-
te da gratidão da pessoa que recebe o benefício, a não ser portados para o homem que pode agir com tão pertinente e
que de antemão aprovemos os motivos do benfeitor, assim, nobre benemerência.
por causa disso, o senso de mérito parece ser um sentimen- 2. Da mesma maneira como nosso senso da improprie-
to composto, constituído de duas emoções distintas; uma dade da conduta surge da falta de simpatia ou de uma direta
simpatia direta com os sentimentos do agente, e uma sim- antipatia com os afetos e motivos do agente, também nosso
92 TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 93
senso de seu demérito surge do que chamarei igualmente uma nosso senso e sentimento de seu mau merecimento, da con-
indireta simpatia com o ressentimento do sofredor. veniência e justiça de se infligir o mal à pessoa culpada, e de
Como certamente não podemos partilhar do ressenti- também fazê-la sofrer, surge da solidária indignação que
mento do sofredor, a não ser que nosso coração de antemão naturalmente ferve no peito do espectador, sempre que as-
desaprove os motivos do agente e renuncie a toda a solida- sume inteiramente o caso do sofredor2 •
riedade com ele, o senso de demérito, bem como o de méri-
to, parecem ser um sentimento composto, constituído de duas
emoções distintas: uma antipatia direta com os sentimentos 2. Atribuir dessa maneira nosso senso natural de demérito das ações
do agente e uma simpatia indireta com o ressentimento do humanas a uma simpatia pelo ressentimento do sofredor talvez pareça, para
a maioria dos homens, uma degradação deste sentimento. O ressentimento
sofredor.
é comumente considerado uma paixão tão odiosa, que as pessoas tende-
Aqui também podemos, em muitas ocasiões distintas, dis- riam a pensar que é impossível um princípio tão louvável como o do senso
tinguir claramente as duas emoções diferentes, combinando-se de demérito do vício fundar-se, de algum modo, sobre ele. Mas talvez se
e unindo-se em nosso senso de mau merecimento de um ca- dispo ohnm mais a admitir que nosso senso de mérito das boas ações se
ráter ou ação particular. Quando lemos nas histórias sobre a funda ohre a simpatia pela gratidão das pessoas por elas beneficiadas, pois
a gratidão, bem como todas as outras paixões benevolentes, é considerada
perfídia ou a crueldade de um Bórgia ou um Nero, nosso co- um princípio amável, que nada retira da dignidade elo que sobre ela se
ração rebela-se contra os detestáveis sentimentos que influen- funda. Entretanto, sob todos os aspectos, gratidão e ressentimento evidente-
ciaram sua conduta, e renuncia com horror e abominação a mente são a contrapartida uma do outro; e se nosso senso de mérito surge
da simpatia por uma, nosso senso de demérito não pode se originar menos
toda a solidariedade com tão execráveis motivos. Até aqui nos-
da solidariedade pelo outro.
sos sentimentos se fundam sobre a antipatia direta para com Ademais, considere-se que o ressentimento, talvez a mais odiosa das
os afetos do agente; e a simpatia indireta com o ressentimen- paixões, nos graus em que com muita freqüência o vemos, não é por nós
to dos sofredores é sentida de modo ainda mais agudo. Quan- d esnprov:ldO quando, devidamente humilhado, rebaixa-se intelramc nt ao
nível tia indignação solidária do espectador. Quando nós, os observadores,
do nos colocamos no lugar das pessoas as quais esses flage- sentlm s qu~.: nosso p t•óprlo nu1c< r correspond e em tud o no do ~~ rrcdor;
los da humanidade insultaram, assassinaram, traíram, quanta qmmdo o r- ~-ent i m cmo dest e m !1flda ex ede o n sso; qu:tn d(' l\l: nlnu11~
indignação sentimos contra tão insolentes e desumanos opres- p:llavra , nenhum gesto, que lhe escapa denma uma ernoçiío mats iolcma
sores da Terra! Nossa simpatia com a inevitável aflição dos qu :t expc rlmemad t pu r nós me -mos, e qunnd de mod ;~lgum se pro põe
n lnnigir um e<tstigo, ou m:tls sev m do qut:: que g slilrí:uno.~ d wr Jnnl-
inocentes sofredores não é mais real ou mais viva do que a gido, ou, por tal razão, de que desejaríamos ser, nós mesmos, os instrumen-
nossa solidariedade com seu justo e natural ressentimento. O tos de aplicação, é impossível qu · deixemos de aprovar intei ramente seus
primeiro sentimento apenas intensifica o último , e a idéia de sentimentos. Neste caso, nossa próprl:,t emoção certame nte justlfi rá a dele
sua aflição serve apenas para inflamar e fazer explodir nossa a nossos olhos. E como a experiência nos ensina quão incapaz de tal mode-
ração é a maioria dos homens, e quão grande esforço é necessário para re-
animosidade contra os que a ocasionaram. Quando pensamos duzir o rude e indisciplinado impulso do ressentimento a um temperamento
na angústia dos sofredores, mais avidamente tomamos o seu equânime, não podemos deixa r de conceber um grau conside r:ível de estima
partido contra seus opressores; incluímo-nos com mais afin- e admiração por quem demo n 'tra ser capaz de exercer ta manh domínio so-
co em todos os seus planos de vingança, e na nossa imagina- bre uma das mais revoltosas paixões de sua natureza. Quando de fato o ran-
cor do sofredor excede, como quase sempre ocorre, ao de que podemos
ção sentimos, a todo momento, lançar sobre esses transgres- parridpar, uma vez <[U ' m1o o · mp:1rti lhamos, nc •,-;.,'l'Jrlaml!l1t o de:apr
sores das leis da sociedade o castigo que nossa solidária in- vamos. Desaprovamo-lo aincb mais do qu e f;1 rl, 11111S com um igu:1 l exc · -- l
dignação nos diz ser devido a seus crimes. Nosso senso do d quas ' t(xl: s as uLI'ilS paixões dCJiv:ld n. cht im::tgimu;'iio. E esse retisCnt.l-
horror da· medonha atrocidade de tal conduta, o deleite com mento d masi~:~do violento, :to lnv ·~ cl~ n< arn.:bat:t r, :u:::thlt p r se Wm ~ll' n
objeto de nosso próprio ressentimento e indignação. Comparti-lhamos o res-
que tomamos conhecimento de sua punição, a indignação que sentimento contrário, ou seja, o da pessoa que é o objeto dessa emoção in-
sentimos se escapa à retaliação devida, em resumo, todo o justa, e que está em perigo de sofrê-la.
92 TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 93
senso de seu demérito surge do que chamarei igualmente uma nosso senso e sentimento de seu mau merecimento, da con-
indireta simpatia com o ressentimento do sofredor. veniência e justiça de se infligir o mal à pessoa culpada, e de
Como certamente não podemos partilhar do ressenti- também fazê-la sofrer, surge da solidária indignação que
mento do sofredor, a não ser que nosso coração de antemão naturalmente ferve no peito do espectador, sempre que as-
desaprove os motivos do agente e renuncie a toda a solida- sume inteiramente o caso do sofredor2 •
riedade com ele, o senso de demérito, bem como o de méri-
to, parecem ser um sentimento composto, constituído de duas
emoções distintas: uma antipatia direta com os sentimentos 2. Atribuir dessa maneira nosso senso natural de demérito das ações
do agente e uma simpatia indireta com o ressentimento do humanas a uma simpatia pelo ressentimento do sofredor talvez pareça, para
a maioria dos homens, uma degradação deste sentimento. O ressentimento
sofredor.
é comumente considerado uma paixão tão odiosa, que as pessoas tende-
Aqui também podemos, em muitas ocasiões distintas, dis- riam a pensar que é impossível um princípio tão louvável como o do senso
tinguir claramente as duas emoções diferentes, combinando-se de demérito do vício fundar-se, de algum modo, sobre ele. Mas talvez se
e unindo-se em nosso senso de mau merecimento de um ca- dispo ohnm mais a admitir que nosso senso de mérito das boas ações se
ráter ou ação particular. Quando lemos nas histórias sobre a funda ohre a simpatia pela gratidão das pessoas por elas beneficiadas, pois
a gratidão, bem como todas as outras paixões benevolentes, é considerada
perfídia ou a crueldade de um Bórgia ou um Nero, nosso co- um princípio amável, que nada retira da dignidade elo que sobre ela se
ração rebela-se contra os detestáveis sentimentos que influen- funda. Entretanto, sob todos os aspectos, gratidão e ressentimento evidente-
ciaram sua conduta, e renuncia com horror e abominação a mente são a contrapartida uma do outro; e se nosso senso de mérito surge
da simpatia por uma, nosso senso de demérito não pode se originar menos
toda a solidariedade com tão execráveis motivos. Até aqui nos-
da solidariedade pelo outro.
sos sentimentos se fundam sobre a antipatia direta para com Ademais, considere-se que o ressentimento, talvez a mais odiosa das
os afetos do agente; e a simpatia indireta com o ressentimen- paixões, nos graus em que com muita freqüência o vemos, não é por nós
to dos sofredores é sentida de modo ainda mais agudo. Quan- d esnprov:ldO quando, devidamente humilhado, rebaixa-se intelramc nt ao
nível tia indignação solidária do espectador. Quando nós, os observadores,
do nos colocamos no lugar das pessoas as quais esses flage- sentlm s qu~.: nosso p t•óprlo nu1c< r correspond e em tud o no do ~~ rrcdor;
los da humanidade insultaram, assassinaram, traíram, quanta qmmdo o r- ~-ent i m cmo dest e m !1flda ex ede o n sso; qu:tn d(' l\l: nlnu11~
indignação sentimos contra tão insolentes e desumanos opres- p:llavra , nenhum gesto, que lhe escapa denma uma ernoçiío mats iolcma
sores da Terra! Nossa simpatia com a inevitável aflição dos qu :t expc rlmemad t pu r nós me -mos, e qunnd de mod ;~lgum se pro põe
n lnnigir um e<tstigo, ou m:tls sev m do qut:: que g slilrí:uno.~ d wr Jnnl-
inocentes sofredores não é mais real ou mais viva do que a gido, ou, por tal razão, de que desejaríamos ser, nós mesmos, os instrumen-
nossa solidariedade com seu justo e natural ressentimento. O tos de aplicação, é impossível qu · deixemos de aprovar intei ramente seus
primeiro sentimento apenas intensifica o último , e a idéia de sentimentos. Neste caso, nossa próprl:,t emoção certame nte justlfi rá a dele
sua aflição serve apenas para inflamar e fazer explodir nossa a nossos olhos. E como a experiência nos ensina quão incapaz de tal mode-
ração é a maioria dos homens, e quão grande esforço é necessário para re-
animosidade contra os que a ocasionaram. Quando pensamos duzir o rude e indisciplinado impulso do ressentimento a um temperamento
na angústia dos sofredores, mais avidamente tomamos o seu equânime, não podemos deixa r de conceber um grau conside r:ível de estima
partido contra seus opressores; incluímo-nos com mais afin- e admiração por quem demo n 'tra ser capaz de exercer ta manh domínio so-
co em todos os seus planos de vingança, e na nossa imagina- bre uma das mais revoltosas paixões de sua natureza. Quando de fato o ran-
cor do sofredor excede, como quase sempre ocorre, ao de que podemos
ção sentimos, a todo momento, lançar sobre esses transgres- parridpar, uma vez <[U ' m1o o · mp:1rti lhamos, nc •,-;.,'l'Jrlaml!l1t o de:apr
sores das leis da sociedade o castigo que nossa solidária in- vamos. Desaprovamo-lo aincb mais do qu e f;1 rl, 11111S com um igu:1 l exc · -- l
dignação nos diz ser devido a seus crimes. Nosso senso do d quas ' t(xl: s as uLI'ilS paixões dCJiv:ld n. cht im::tgimu;'iio. E esse retisCnt.l-
horror da· medonha atrocidade de tal conduta, o deleite com mento d masi~:~do violento, :to lnv ·~ cl~ n< arn.:bat:t r, :u:::thlt p r se Wm ~ll' n
objeto de nosso próprio ressentimento e indignação. Comparti-lhamos o res-
que tomamos conhecimento de sua punição, a indignação que sentimento contrário, ou seja, o da pessoa que é o objeto dessa emoção in-
sentimos se escapa à retaliação devida, em resumo, todo o justa, e que está em perigo de sofrê-la.
94 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 95

I A vingança, p 01tanto, excesso de resse ntimento, surge como a mais detestá- totalidad d ~s cc';lSOS, :1 naiurc7.:t n s orienlOlt com in tintos prim;irins c
, vel de todas as paixões, e é objeto do h tTOI' e indignação de todos. E como im&l i~ ros. Fo rnc, secl ·, a palx: tl qu· u ne os doi sexos u ;~ m or ao pt'll7. ·r, 0
a maneira em que esta paixão comumente se revela aos homens é cem ve- temor à do r, .inc.iw n1-1ms a aplicar e:;ses meios por .~i nwsmos, independem ·-
zes excessiva para cada vez em que é moderada, tendemos a julgá-la intei- metltc l · qu:liq uer ·onsflkrn ;lo sobr · ~lm te!r1d n cl~l ~(Jll •ks lln. b ·nét1cos,
ramente detestável e odiosa, porque é assim que habitualmente se revela. ~ qun l o granel · Di n':lllf d:l natureza intenlou produzi r.
Contudo, mesmo no estado presente de depravação da humanidade, a natu- Antes de concluir esta nota, devo ressaltar a d! rer '11<,:<1 entre a aprova-
reza não parece ter-nos tratado com tanta brutalidade, dotando-nos de al- ção do que é conveniente e a do que é meritório ou I ·n lko. Antes de con-
gum princípio que seja integralmente, e sob todos os aspectos, mau, ou que ceder nossa aprovação aos sentimentos de uma pessoa como apropri:tclns e
em nenhum grau, ou por razão nenhuma, possa ser objeto apropriado de adequados aos seus objetos, devemos não apenas nos sentir afe tados do
louvor e aprovação. Em algumas ocasiões, sentimos que esta paixão~ em ge- mesmo modo que ela, mas ainda p ·rccher essa hHrmonla e correspondên-
ral demasiado forte , pode do mesmo modo ser demasiado fraca. As vezes cia entre os seus sentimentos e os nossos. Assim, quando me inteirasse de
nos lamentamos de que uma certa pessoa demonstre tão pouco espírito, e que um ;~ d gra ~ . ahiJtc u sobre u meu nmigo, deveria cxpcl'i m ·ma r pre-
tenha tão pouco senso das ofensas de que foi vítima; e tão prontamente a ci.~ament c · - I! m ' mo grau de atl i . a que é! • ·e ;lban uona; ·umu do, a ré
desprezaríamos pela falta, como a odiaríamos pelo excesso dessa paixão. que se/:1 info rm:lclo da mam :ira como se comporta, ~~~ · q ue pe r ' ba a ''()r-
Seguramente, os autores que escreveram por inspiração divina não rcspondê nd:l ·ture St lah e mo.; cs • :1 ~ mh.1h ~s. nr (l M:! podl· e~pc:r.t r çle mim
teriam falado, nem com tanta freqüência, nem com tanta veemência, da ira que aprove os sentimentos que governam sua conduta. Para se aprovar a
e cólera de Deus, se houvessem considerado que em todos os graus essas conveniência, portanto, é necessário não apenas que simpatizemos inteira-
paixões eram viciosas e más, mesmo numa criatura tão fraca e imperfeita mente com a pessoa que age, mas que percebamos a concordância entre os
como o homem. seus sentimentos e os nossos. Ao contrário, quando temos notícia de um
Considere-se, ainda, que a presente investigação não se ocupa de uma benefício conferido a outro, seja qual for o modo como isso afeta o benefi-
questão de direito, por assim dizer, mas de uma questão de fato. Não esta- ciado, se, atribuindo o caso a mim, sinto a gratidão surgir em meu próprio
mos analisando por ora sobre que princípios um ser perfeito aprovaria o cas- peito, forçosamente aprovo a conduta de seu benfeitor, considerando-a me-
tigo para as más ações, mas sobre que princípios uma criatura tão fraca e ritó ria, e oblcto apmpriado d1· recomp n a. \ :a pessoa qu ' r ·· ·..:bel hcne-
imperfeita de fato a aprovaria. É evidente que os princípios recém-menciona- fido cone ·b · ou n:lo ~r:H idil ' • n: o a lter.1, daro, n •nh11m grau de nossos
dos têm um grande efeito sobre seus sentimentos, e parece sábio que seja semi.Jn.;nros pelo mé riro daque le que o concede u. Aqui, r 1i1>, nilo é ne 'efi-
assim. A mera existência da sociedade exigiu que a imerecida e gratuita malí- s:lrla uma correspo ndência rea l e ntt · · ~enlimentos. J3asra ímagln:rr 4 U· , L":.l u
cia fosse contida por punições adequadas; e, por conseqüência, que infligir :; · scnr.isse gr:110, haverla ·o rr..:sp ndê n 1:1 e nt'l' • n sos scnti mt!fltos c os
tais punições fosse considerada uma ação conveniente e louvável. Portanto, seus; por essa razão, nosso senso de mérito freqüentemente se funda sobre
embora o homem seja naturalmente dotado de um desejo de bem-estar e um:.t de!l.';;i~ simpatiaS il ltsó rins, pela.~ qu ~1i 1>, quanclo 1;1 ~ ·mos n s~o o c. ~o
conse1vaçào da sociedade, o Autor da natureza não confiou à sua razão des- de ou1ro, sco1pr ' somos :rfetados de \lma maneira como o principal inte res-
cobrir que uma ce1ta aplicação punitiva constitui o meio adequado para al- sado é incopn de se a fe 1 ~1 r. Jü uma difer n ,1 aná lOgll enLr nos ·a des.tpro-
cançar esse fim; dotou-o, entretanto, de uma imediata e instintiva aprovação vaçilo do demérito · <1 de lnconv ·nlê.nda.
daquela aplicação, a qual é a mais adequada para alcançá-lo. A esse respei-
to, a economia da natureza tem exatamente o mesmo caráter de muitas
outras ocorrências. No que concerne a todos aqueles fins, que, por sua par-
ticular importância, podem-se considerar- se me permitem a expressão- os
fins favoritos da natureza, os homens foram dotados, não apenas de um ape-
tite pelas finalidades que ela propõe, mas igualmente de um apetite pelos
únicos meios pelos quais essa finalidade pode realizar-se, por causa desses
mesmos meios e independentemente de sua tendência a produzi-la. Assim, a
conservação do indivíduo e a propagação da espécie constituem as grandes
finalidades que a natureza parece se ter proposto para formar todos os ani-
mais. Os homens são dotados de um desejo por tais fins e de uma aversão
pelo contrário; de um amor à vida e de um horror à morte; de um desejo
pela continuação e perpetuação da espécie, e de uma aversão pela idéia de
sua completa extinção. Mas, embora assim dotados de um forte desejo por
ver realizados esses fins, não foi confiado às lerdas e inseguras determina-
ções ele nossa razão descobrir os meios necessários para tanto. Para a quase
94 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 95

I A vingança, p 01tanto, excesso de resse ntimento, surge como a mais detestá- totalidad d ~s cc';lSOS, :1 naiurc7.:t n s orienlOlt com in tintos prim;irins c
, vel de todas as paixões, e é objeto do h tTOI' e indignação de todos. E como im&l i~ ros. Fo rnc, secl ·, a palx: tl qu· u ne os doi sexos u ;~ m or ao pt'll7. ·r, 0
a maneira em que esta paixão comumente se revela aos homens é cem ve- temor à do r, .inc.iw n1-1ms a aplicar e:;ses meios por .~i nwsmos, independem ·-
zes excessiva para cada vez em que é moderada, tendemos a julgá-la intei- metltc l · qu:liq uer ·onsflkrn ;lo sobr · ~lm te!r1d n cl~l ~(Jll •ks lln. b ·nét1cos,
ramente detestável e odiosa, porque é assim que habitualmente se revela. ~ qun l o granel · Di n':lllf d:l natureza intenlou produzi r.
Contudo, mesmo no estado presente de depravação da humanidade, a natu- Antes de concluir esta nota, devo ressaltar a d! rer '11<,:<1 entre a aprova-
reza não parece ter-nos tratado com tanta brutalidade, dotando-nos de al- ção do que é conveniente e a do que é meritório ou I ·n lko. Antes de con-
gum princípio que seja integralmente, e sob todos os aspectos, mau, ou que ceder nossa aprovação aos sentimentos de uma pessoa como apropri:tclns e
em nenhum grau, ou por razão nenhuma, possa ser objeto apropriado de adequados aos seus objetos, devemos não apenas nos sentir afe tados do
louvor e aprovação. Em algumas ocasiões, sentimos que esta paixão~ em ge- mesmo modo que ela, mas ainda p ·rccher essa hHrmonla e correspondên-
ral demasiado forte , pode do mesmo modo ser demasiado fraca. As vezes cia entre os seus sentimentos e os nossos. Assim, quando me inteirasse de
nos lamentamos de que uma certa pessoa demonstre tão pouco espírito, e que um ;~ d gra ~ . ahiJtc u sobre u meu nmigo, deveria cxpcl'i m ·ma r pre-
tenha tão pouco senso das ofensas de que foi vítima; e tão prontamente a ci.~ament c · - I! m ' mo grau de atl i . a que é! • ·e ;lban uona; ·umu do, a ré
desprezaríamos pela falta, como a odiaríamos pelo excesso dessa paixão. que se/:1 info rm:lclo da mam :ira como se comporta, ~~~ · q ue pe r ' ba a ''()r-
Seguramente, os autores que escreveram por inspiração divina não rcspondê nd:l ·ture St lah e mo.; cs • :1 ~ mh.1h ~s. nr (l M:! podl· e~pc:r.t r çle mim
teriam falado, nem com tanta freqüência, nem com tanta veemência, da ira que aprove os sentimentos que governam sua conduta. Para se aprovar a
e cólera de Deus, se houvessem considerado que em todos os graus essas conveniência, portanto, é necessário não apenas que simpatizemos inteira-
paixões eram viciosas e más, mesmo numa criatura tão fraca e imperfeita mente com a pessoa que age, mas que percebamos a concordância entre os
como o homem. seus sentimentos e os nossos. Ao contrário, quando temos notícia de um
Considere-se, ainda, que a presente investigação não se ocupa de uma benefício conferido a outro, seja qual for o modo como isso afeta o benefi-
questão de direito, por assim dizer, mas de uma questão de fato. Não esta- ciado, se, atribuindo o caso a mim, sinto a gratidão surgir em meu próprio
mos analisando por ora sobre que princípios um ser perfeito aprovaria o cas- peito, forçosamente aprovo a conduta de seu benfeitor, considerando-a me-
tigo para as más ações, mas sobre que princípios uma criatura tão fraca e ritó ria, e oblcto apmpriado d1· recomp n a. \ :a pessoa qu ' r ·· ·..:bel hcne-
imperfeita de fato a aprovaria. É evidente que os princípios recém-menciona- fido cone ·b · ou n:lo ~r:H idil ' • n: o a lter.1, daro, n •nh11m grau de nossos
dos têm um grande efeito sobre seus sentimentos, e parece sábio que seja semi.Jn.;nros pelo mé riro daque le que o concede u. Aqui, r 1i1>, nilo é ne 'efi-
assim. A mera existência da sociedade exigiu que a imerecida e gratuita malí- s:lrla uma correspo ndência rea l e ntt · · ~enlimentos. J3asra ímagln:rr 4 U· , L":.l u
cia fosse contida por punições adequadas; e, por conseqüência, que infligir :; · scnr.isse gr:110, haverla ·o rr..:sp ndê n 1:1 e nt'l' • n sos scnti mt!fltos c os
tais punições fosse considerada uma ação conveniente e louvável. Portanto, seus; por essa razão, nosso senso de mérito freqüentemente se funda sobre
embora o homem seja naturalmente dotado de um desejo de bem-estar e um:.t de!l.';;i~ simpatiaS il ltsó rins, pela.~ qu ~1i 1>, quanclo 1;1 ~ ·mos n s~o o c. ~o
conse1vaçào da sociedade, o Autor da natureza não confiou à sua razão des- de ou1ro, sco1pr ' somos :rfetados de \lma maneira como o principal inte res-
cobrir que uma ce1ta aplicação punitiva constitui o meio adequado para al- sado é incopn de se a fe 1 ~1 r. Jü uma difer n ,1 aná lOgll enLr nos ·a des.tpro-
cançar esse fim; dotou-o, entretanto, de uma imediata e instintiva aprovação vaçilo do demérito · <1 de lnconv ·nlê.nda.
daquela aplicação, a qual é a mais adequada para alcançá-lo. A esse respei-
to, a economia da natureza tem exatamente o mesmo caráter de muitas
outras ocorrências. No que concerne a todos aqueles fins, que, por sua par-
ticular importância, podem-se considerar- se me permitem a expressão- os
fins favoritos da natureza, os homens foram dotados, não apenas de um ape-
tite pelas finalidades que ela propõe, mas igualmente de um apetite pelos
únicos meios pelos quais essa finalidade pode realizar-se, por causa desses
mesmos meios e independentemente de sua tendência a produzi-la. Assim, a
conservação do indivíduo e a propagação da espécie constituem as grandes
finalidades que a natureza parece se ter proposto para formar todos os ani-
mais. Os homens são dotados de um desejo por tais fins e de uma aversão
pelo contrário; de um amor à vida e de um horror à morte; de um desejo
pela continuação e perpetuação da espécie, e de uma aversão pela idéia de
sua completa extinção. Mas, embora assim dotados de um forte desejo por
ver realizados esses fins, não foi confiado às lerdas e inseguras determina-
ções ele nossa razão descobrir os meios necessários para tanto. Para a quase
SEÇÃO li

Da justiça e da beneficência

CAPÍTULO I
Comparação entre aquelas duas virtudes

Ações de tendência benéfica, que se originam de moti-


vos apropriados, parecem merecer unicamente recompensa;
porque só elas são objetos aprovados de gratidão, ou porque
suscitam a gratidão solidária do espectador.
Ações de tendência danosa , que se originam de motivos
impróprios, parecem as únicas dignas de punição; ou por-
que apenas elas são objetos aprovados de ressentimento, ou
porque suscitam o ressentimento solidário do espectador.
A beneficência é sempre voluntária, não pode ser extor-
quida pela força, e a mera ausência dela não expõe a ne-
nhum castigo, porque a mera ausência de beneficência não
tende a produzir mal real e determinado. Pode decepcionar
pelo bem que seria razoável esperar-se e, por essa razão,
pode com justeza suscitar desgosto e desaprovação; não po-
de, entretanto, provocar um ressentimento de que os homens
compartilhem. O homem que não recompensa seu benfeitor,
quando está em seu poder fazê-lo e seu benfeitor precisa de
sua ajuda, sem dúvida é culpado da mais negra ingratidão. O
coração de qualquer espectador rejeita toda a solidariedade
para com o egoísmo de seus motivos, tornando o objeto apro-
priado da maior desaprovação. Mas mesmo assim não pro-
voca dano definido em ninguém . Apenas de fato não faz o
bem que com propriedade de \reria ter feito. É objeto de ódio,
paixão naturalmente suscitada pela inconveniência do senti-
SEÇÃO li

Da justiça e da beneficência

CAPÍTULO I
Comparação entre aquelas duas virtudes

Ações de tendência benéfica, que se originam de moti-


vos apropriados, parecem merecer unicamente recompensa;
porque só elas são objetos aprovados de gratidão, ou porque
suscitam a gratidão solidária do espectador.
Ações de tendência danosa , que se originam de motivos
impróprios, parecem as únicas dignas de punição; ou por-
que apenas elas são objetos aprovados de ressentimento, ou
porque suscitam o ressentimento solidário do espectador.
A beneficência é sempre voluntária, não pode ser extor-
quida pela força, e a mera ausência dela não expõe a ne-
nhum castigo, porque a mera ausência de beneficência não
tende a produzir mal real e determinado. Pode decepcionar
pelo bem que seria razoável esperar-se e, por essa razão,
pode com justeza suscitar desgosto e desaprovação; não po-
de, entretanto, provocar um ressentimento de que os homens
compartilhem. O homem que não recompensa seu benfeitor,
quando está em seu poder fazê-lo e seu benfeitor precisa de
sua ajuda, sem dúvida é culpado da mais negra ingratidão. O
coração de qualquer espectador rejeita toda a solidariedade
para com o egoísmo de seus motivos, tornando o objeto apro-
priado da maior desaprovação. Mas mesmo assim não pro-
voca dano definido em ninguém . Apenas de fato não faz o
bem que com propriedade de \reria ter feito. É objeto de ódio,
paixão naturalmente suscitada pela inconveniência do senti-
98 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 99
menta e comportamento, não do ressentimento, paixão cau- mente desaprovados. É, portanto, objeto apropriado de ressen-
sada propriamente apenas por ações que tendem a provocar timento e de punição, esta, a conseqüência natural do ressenti-
dano real e evidente em algumas pessoas determinadas. Sua mento. Na medida em que os homens aceitam e aprovam a
falta de gratidão, portanto, não pode ser punida. Obrigá-lo violência empr gada para vingar o mal causado pela injusti-
pela força a cumprir o que deveria cumprir pela gratidão - e ça, mais ainda d v m aceitar e aprovar a que é empregada
cada espectador imparcial aprovaria se assim o fizesse - se- para prevenir e repelir a ofensa, coibindo o ofensor de ferir
ria, se possível, ainda mais impróprio do que sua negligên- seus semelhantes. A pessoa que premedita uma injustiça sa-
cia. Seu benfeitor ficaria desonrado se tentasse coagi-lo à be disso, e sente que a fo r .a pode, com a mais extrema legi-
gratidão, e seria impettinente que um terceiro qualquer, que timidade, ser usada tant pela p ssoa a quem está na iminên-
não fosse superior a nenhum dos dois, intermediasse. Mas cia de ofender, como por outras; quer a fim de obstruir a exe-
de todos os deveres da beneficência, os que a gratidão nos cução de seu crime, quer para puni-lo após tê-lo executado.
recomenda são os que mais se aproximam do que chama- E sobre isso fundamenta-se a notável distinção entre justiça e
mos perfeita e completa obrigação. O que a amizade, a ge- todas as outras virtudes sociais, em que ultimamente insistiu
nerosidade e a caridade nos levariam a fazer com universal particularme nte um ator de grande origin al genialid· de• a
aprovação é ainda mais voluntário, e menos passível ainda ab r; que sentimo-nos sob a obrigação mais esLriw de agir
de ser extorquido pela força, do que os deveres da gratidão. d acor lo o m a ju ri ·a, do que segundo o que ', agradável
Falamos de dívida da gratidão, não de caridade, generosida- à amlznd ·a ridade u g n ·osidacle ; que a prática das vir-
de, nem mesmo de amizade, se a amizade é mera estima, e tudes recém-mencionadas parece ter sido deixada em certa
não foi aprimorada ou dificultada pela gratidão por bons medida à nossa própria escolha, mas que, de um modo ou
préstimos. de outro, sentimo-nos de maneira peculiar atados, forçados e
O ressentimento parece nos ter sido dado pela natureza obrigados ao respeito à justiça. Isso quer dizer que sentimos
para defesa, e apenas para defesa. É a salvaguarda da justiça como, com a mais extrema legitimidade e com a aprovação
e a segurança da inocência. Incita-nos a repelir o mal que de todos os homens, pode-se empregar a força para constran-
nos tentam fazer, e retaliar o que já nos fizeram, de modo ger-nos a observar as regras de uma, mas não a seguir os pre-
que o ofensor seja levado a arrepender-se de sua injustiça, e ceitos de outra.
nos outros o medo de castigo semelhante inspire-se o terror Sempre devemos, entretanto, distinguir cuidadosamente
de ser culpado de semelhante ofensa. Portanto, o ressenti- entre o que é apenas censurável, ou objeto adequado de de-
mento deve ser reservado para esses fins, e o espectador não saprovação, e a força que se pode empregar quer para punir,
poderá partilhar dele caso obedeça a qualquer outra finalida- quer para prevenir. Parece censurável o que carece do grau
de. Mas a mera ausência de virtudes beneficentes, embora comum de apropriada beneficência, a qual a experiência nos
possa nos decepcionar quanto ao bem que seria razoável es- ensina a esperar de todos; e, ao contrário, parece louvável o
perar-se, não provoca, nem tenta provocar, nenhum mal do que excede esse grau comum. Em si mesmo, esse grau co-
qual tenhamos ocasião de nos defender. mum não se mostra nem censurável nem louvável. Um pai,
Há, entretanto, outra virtude cuja observância não se le- um filho, um irmão, que se comporta com seu respectivo
ga à liberdade de nossa própria vontade, mas, ao contrário, parente nem melhor nem pior do que é o habitual para a
pode ser extorquida pela força, e cuja violação expõe ao res- maioria dos homens, não demonstra merecer propriamente
sentimento e, conseqüentemente, à punição. Essa virtude é a
justiça, e violá-la constitui ofensa, pois assim se fere real e cla- • Lorde Kames (Hemy Home), um dos amigos de Smith, citado por
ramente algumas pessoas determinadas, por motivos natural- Dugald Stewart (cf. p. XVI). (N. da R. T.)
98 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 99
menta e comportamento, não do ressentimento, paixão cau- mente desaprovados. É, portanto, objeto apropriado de ressen-
sada propriamente apenas por ações que tendem a provocar timento e de punição, esta, a conseqüência natural do ressenti-
dano real e evidente em algumas pessoas determinadas. Sua mento. Na medida em que os homens aceitam e aprovam a
falta de gratidão, portanto, não pode ser punida. Obrigá-lo violência empr gada para vingar o mal causado pela injusti-
pela força a cumprir o que deveria cumprir pela gratidão - e ça, mais ainda d v m aceitar e aprovar a que é empregada
cada espectador imparcial aprovaria se assim o fizesse - se- para prevenir e repelir a ofensa, coibindo o ofensor de ferir
ria, se possível, ainda mais impróprio do que sua negligên- seus semelhantes. A pessoa que premedita uma injustiça sa-
cia. Seu benfeitor ficaria desonrado se tentasse coagi-lo à be disso, e sente que a fo r .a pode, com a mais extrema legi-
gratidão, e seria impettinente que um terceiro qualquer, que timidade, ser usada tant pela p ssoa a quem está na iminên-
não fosse superior a nenhum dos dois, intermediasse. Mas cia de ofender, como por outras; quer a fim de obstruir a exe-
de todos os deveres da beneficência, os que a gratidão nos cução de seu crime, quer para puni-lo após tê-lo executado.
recomenda são os que mais se aproximam do que chama- E sobre isso fundamenta-se a notável distinção entre justiça e
mos perfeita e completa obrigação. O que a amizade, a ge- todas as outras virtudes sociais, em que ultimamente insistiu
nerosidade e a caridade nos levariam a fazer com universal particularme nte um ator de grande origin al genialid· de• a
aprovação é ainda mais voluntário, e menos passível ainda ab r; que sentimo-nos sob a obrigação mais esLriw de agir
de ser extorquido pela força, do que os deveres da gratidão. d acor lo o m a ju ri ·a, do que segundo o que ', agradável
Falamos de dívida da gratidão, não de caridade, generosida- à amlznd ·a ridade u g n ·osidacle ; que a prática das vir-
de, nem mesmo de amizade, se a amizade é mera estima, e tudes recém-mencionadas parece ter sido deixada em certa
não foi aprimorada ou dificultada pela gratidão por bons medida à nossa própria escolha, mas que, de um modo ou
préstimos. de outro, sentimo-nos de maneira peculiar atados, forçados e
O ressentimento parece nos ter sido dado pela natureza obrigados ao respeito à justiça. Isso quer dizer que sentimos
para defesa, e apenas para defesa. É a salvaguarda da justiça como, com a mais extrema legitimidade e com a aprovação
e a segurança da inocência. Incita-nos a repelir o mal que de todos os homens, pode-se empregar a força para constran-
nos tentam fazer, e retaliar o que já nos fizeram, de modo ger-nos a observar as regras de uma, mas não a seguir os pre-
que o ofensor seja levado a arrepender-se de sua injustiça, e ceitos de outra.
nos outros o medo de castigo semelhante inspire-se o terror Sempre devemos, entretanto, distinguir cuidadosamente
de ser culpado de semelhante ofensa. Portanto, o ressenti- entre o que é apenas censurável, ou objeto adequado de de-
mento deve ser reservado para esses fins, e o espectador não saprovação, e a força que se pode empregar quer para punir,
poderá partilhar dele caso obedeça a qualquer outra finalida- quer para prevenir. Parece censurável o que carece do grau
de. Mas a mera ausência de virtudes beneficentes, embora comum de apropriada beneficência, a qual a experiência nos
possa nos decepcionar quanto ao bem que seria razoável es- ensina a esperar de todos; e, ao contrário, parece louvável o
perar-se, não provoca, nem tenta provocar, nenhum mal do que excede esse grau comum. Em si mesmo, esse grau co-
qual tenhamos ocasião de nos defender. mum não se mostra nem censurável nem louvável. Um pai,
Há, entretanto, outra virtude cuja observância não se le- um filho, um irmão, que se comporta com seu respectivo
ga à liberdade de nossa própria vontade, mas, ao contrário, parente nem melhor nem pior do que é o habitual para a
pode ser extorquida pela força, e cuja violação expõe ao res- maioria dos homens, não demonstra merecer propriamente
sentimento e, conseqüentemente, à punição. Essa virtude é a
justiça, e violá-la constitui ofensa, pois assim se fere real e cla- • Lorde Kames (Hemy Home), um dos amigos de Smith, citado por
ramente algumas pessoas determinadas, por motivos natural- Dugald Stewart (cf. p. XVI). (N. da R. T.)
TEORIA DOS SENllMENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 101
100
nem elogio nem censura. Qu m nos suJpr ~de por uma. ex- injustiça, mas de promover a prosperidade da República (com-
traordinãrin e inesperada I ondade, embora amda apropnada monwealth), estabelecendo boa disciplina e desencorajando
e adequada, u qu.e, ~o ontrário, por uma extraordinári~ _e toda sorte de vício e de inconveniência; pode, portanto, pres-
ine ' perada, ad ma1s, 1nad quada, crueldade, parece elogta- crever regras, proibindo não apenas as mútuas ofensas entre
vel oum cas , censuráv I no outro. os concidadãos, mas ordenando, em certo grau, ajudas recí-
Mesmo o grau mais comum de bondade ou beneficên- procas. Quando o soberano ordena algo apenas indiferente
cia, porém, não pode, entre iguais, ser ext rquid pela força. e que previamente às suas ordens se poderia omitir sem qual~
Entre iguais, considera-se que cada indivíduo t nha, natural- quer censura, desobedecer torna-se não apenas censurável mas
mente e previamente à instituição do governo civil tanto o passível de castigo. Logo, quando ordena algo que, anterior-
direito a defender-se de ofensas, como o de exigir um certo mente a qualquer uma dessas ordens, não se poderia omitir
grau de punição p:ua os que as cau ·aran . To lo espectador sem incorrer em grau de censura, certamente se torna ainda
generos não apenas aprova sua conduta quancl isso ocorre, r mais passível de castigo pela falta de obediência. De todos
mas partilha de tal maneira de seus sentimentos que não raro os deveres do legislador, este, porém, talvez seja aquele cuja
deseja ajudá-lo. Quando um homem ataca, rouba ou tenta execução apropriada e judiciosa exija maior delicadeza e re-
assassinar outro, todos os vizinhos se alarmam e pensam que serva. egligenciá-lo expõe toda a República a muitas graves
agem corretamente ao correr, seja para vingar quem foi ofen- desordens e ofensivas enormidades, e levar isso muito adian-
dido, seja para defender quem está em perigo de ser. A um te é destrutivo para toda a liberdade, segurança e justiça•.
pai falta o grau comum de afeto paternal em relação a um Embora a mera ausência de beneficência não pareça
filho; um filho parece desprovido da filial reverência que merecer punição por parte dos iguais, as maiores práticas
seria de esperar para com seu pai; irmãos carecem do grau dessa vittude parecem merecer a mais alta recompensa. Ur.n·t
usual de afeto fraterno; um homem fecha seu peito para a vez que produz mo be m maior, são obj tos natu ra is e apr -
ados da mais vJva graridâo. Embora a infntção à justi a, a
compaixão, recusando-se a suavizar a desgraça de seus se-
contrá ri , exp nha à puni à . a observância das regras des-
melhantes, embora o pudesse fazer com grande facilidade:
sa virtude parece não merecer quase nenhuma recompensa.
em todos esses casos, ainda que todos censurem a conduta,
.. em d úvida, há nv nlêncüJ na prática la justiça, e essa prá-
ninguém imagina que os homens que talvez tivessem razão uca mer e, por consegui nte, toda a apwva ; devida à con-
de esperar mais bondade possuam qualquer direito de a ex- veniência. M·ts como não prom ve nenhum bem positivo, tem
torquir pela força. O sofredor só pode se queixar, e o espec- direito a muito pouca gratidão. A mera justl a é, na maior par-
tador pode intermediar unicamente por conselho e persua- te das ocasiões, apenas uma virtude negativa, pois ap nas nos
são . Em todas essas ocasiões, julgar-se-ia que constitui o impede de ferir nosso vizinho. O homem que tão-somente se
mais alto grau de insolência e presunção iguais fazerem uso abstém de violar a pessoa, a propriedade ou a reputação de
da força um contra o outro. seus vizinhos certamente tem muito pouco mérito positivo.
A esse respeito, um superior pode por vezes, com apro- Cumpre, no entanto, todas as regras do que é peculiarmente
vação universal, obrigar os que estão sob sua jurisdição a chamado justiça, e faz tudo o que seus iguais podem com con-
portar-se com certo grau de conveniência recíproca. As leis
de todas as nações civilizadas obrigam pais a sustentar seus
filhos, e filhos a sustentar seus pais, e impõem aos homens • Note-se, pois, que a sanção moral apenas adquire força de lei pela
vontade do legislador. Entretanto, acrescent'a Smith, é necessário que esse
outros deveres beneficentes. Ao magistrado civil é confiado legislador seja judicioso, isto é, não onfu nd;t seu direito de baixar leis com
o poder não apenas de conservar a paz pública, contendo a o uso da prerrogativa e , por extensão, com o poder absoluto. (N. da R. T.)
TEORIA DOS SENllMENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 101
100
nem elogio nem censura. Qu m nos suJpr ~de por uma. ex- injustiça, mas de promover a prosperidade da República (com-
traordinãrin e inesperada I ondade, embora amda apropnada monwealth), estabelecendo boa disciplina e desencorajando
e adequada, u qu.e, ~o ontrário, por uma extraordinári~ _e toda sorte de vício e de inconveniência; pode, portanto, pres-
ine ' perada, ad ma1s, 1nad quada, crueldade, parece elogta- crever regras, proibindo não apenas as mútuas ofensas entre
vel oum cas , censuráv I no outro. os concidadãos, mas ordenando, em certo grau, ajudas recí-
Mesmo o grau mais comum de bondade ou beneficên- procas. Quando o soberano ordena algo apenas indiferente
cia, porém, não pode, entre iguais, ser ext rquid pela força. e que previamente às suas ordens se poderia omitir sem qual~
Entre iguais, considera-se que cada indivíduo t nha, natural- quer censura, desobedecer torna-se não apenas censurável mas
mente e previamente à instituição do governo civil tanto o passível de castigo. Logo, quando ordena algo que, anterior-
direito a defender-se de ofensas, como o de exigir um certo mente a qualquer uma dessas ordens, não se poderia omitir
grau de punição p:ua os que as cau ·aran . To lo espectador sem incorrer em grau de censura, certamente se torna ainda
generos não apenas aprova sua conduta quancl isso ocorre, r mais passível de castigo pela falta de obediência. De todos
mas partilha de tal maneira de seus sentimentos que não raro os deveres do legislador, este, porém, talvez seja aquele cuja
deseja ajudá-lo. Quando um homem ataca, rouba ou tenta execução apropriada e judiciosa exija maior delicadeza e re-
assassinar outro, todos os vizinhos se alarmam e pensam que serva. egligenciá-lo expõe toda a República a muitas graves
agem corretamente ao correr, seja para vingar quem foi ofen- desordens e ofensivas enormidades, e levar isso muito adian-
dido, seja para defender quem está em perigo de ser. A um te é destrutivo para toda a liberdade, segurança e justiça•.
pai falta o grau comum de afeto paternal em relação a um Embora a mera ausência de beneficência não pareça
filho; um filho parece desprovido da filial reverência que merecer punição por parte dos iguais, as maiores práticas
seria de esperar para com seu pai; irmãos carecem do grau dessa vittude parecem merecer a mais alta recompensa. Ur.n·t
usual de afeto fraterno; um homem fecha seu peito para a vez que produz mo be m maior, são obj tos natu ra is e apr -
ados da mais vJva graridâo. Embora a infntção à justi a, a
compaixão, recusando-se a suavizar a desgraça de seus se-
contrá ri , exp nha à puni à . a observância das regras des-
melhantes, embora o pudesse fazer com grande facilidade:
sa virtude parece não merecer quase nenhuma recompensa.
em todos esses casos, ainda que todos censurem a conduta,
.. em d úvida, há nv nlêncüJ na prática la justiça, e essa prá-
ninguém imagina que os homens que talvez tivessem razão uca mer e, por consegui nte, toda a apwva ; devida à con-
de esperar mais bondade possuam qualquer direito de a ex- veniência. M·ts como não prom ve nenhum bem positivo, tem
torquir pela força. O sofredor só pode se queixar, e o espec- direito a muito pouca gratidão. A mera justl a é, na maior par-
tador pode intermediar unicamente por conselho e persua- te das ocasiões, apenas uma virtude negativa, pois ap nas nos
são . Em todas essas ocasiões, julgar-se-ia que constitui o impede de ferir nosso vizinho. O homem que tão-somente se
mais alto grau de insolência e presunção iguais fazerem uso abstém de violar a pessoa, a propriedade ou a reputação de
da força um contra o outro. seus vizinhos certamente tem muito pouco mérito positivo.
A esse respeito, um superior pode por vezes, com apro- Cumpre, no entanto, todas as regras do que é peculiarmente
vação universal, obrigar os que estão sob sua jurisdição a chamado justiça, e faz tudo o que seus iguais podem com con-
portar-se com certo grau de conveniência recíproca. As leis
de todas as nações civilizadas obrigam pais a sustentar seus
filhos, e filhos a sustentar seus pais, e impõem aos homens • Note-se, pois, que a sanção moral apenas adquire força de lei pela
vontade do legislador. Entretanto, acrescent'a Smith, é necessário que esse
outros deveres beneficentes. Ao magistrado civil é confiado legislador seja judicioso, isto é, não onfu nd;t seu direito de baixar leis com
o poder não apenas de conservar a paz pública, contendo a o uso da prerrogativa e , por extensão, com o poder absoluto. (N. da R. T.)
TEORIA DOS SEN17MENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 103
102
veniência forçá-lo a fazer, ou que o podem punir por não. faz.er. dados, e como é mais adequado para cuidar de si mesmo do
' Freqüt: n ~ m nte podemos cumprir todas as regras da JUSttça que qualquer outra pessoa, é adequado e correto que faça
senrand )-nos, quietos e sem fazer nada. . assim. Portanto, todo homem está muito mais profundamen-
i Como tudo o que cada h m m faz lhe ser~ feit , a reta- te interessado no que diz respeito imediatamente a si, do
. liação parece ser a grande lei que nos dita a nallir ~za. Julga- que no que diz respeito a outro homem qualquer; e talvez
mos que beneficê n ia e gener siclade são devt las a gene- ter notícia da m01te de outra pessoa com a qual não tenha-
roso e ao beneficent . Aqueles cujos corações jamais admi- mos especial ligação nos cause muito menos interesse, tire
tem sentimentos de humanidade não seriam, segundo pen- muito menos nosso apetite, interrompa menos nosso descan-
samos, admitidos da mesma maneira pelos afetos de todos so, do que uma insignificante desgraça que se abata sobre
os seus semelhantes, e permitir-lhes-ia viver no meio da so- nós. Mas embora a ruína de nosso próximo possa nos afetar
ciedade como num grande deserto, onde ninguém se impor- bem menos do que um diminuto infortúnio nosso, não deve-
tasse com eles, nem indagasse por eles. Dever-se-ia fazer mos arruiná-lo para prevenir esse pequeno infortúnio, nem
sentir ao violador das leis da justiça o mesm mal que fez a mesmo para prevenir nossa própria ruína. Aqui, como em
outro; e uma vez que nenhuma consideração pelos sofri- todos os outros casos, devemos nos ver não tanto sob a luz
mentos de seus irmãos é capaz de detê-lo, deveria ser subju-
em que naturalmente nos mostramos a nós mesmos, mas sob
gado pelo medo de seus próprios sofrimentos. O ~orne~ q.ue a luz em que naturalmente nos mostramos aos outros. Em-
é meramente inocente, que apenas observa as lets da JUSttça
bora todo homem possa, segundo o provérbio, ser para si
com relação a outros, e meramente se abstém de ferir seu
mesmo o mundo inteiro, para o resto da humanidade é a
próximo, pode merecer apenas que seu próximo, por sua
parte mais insignificante. Embora sua própria felicidade pos-
vez, respeite sua inocência, e que as mesmas leis sejam ob-
sa ter mais importância para ele do que a de todo o mundo
servadas religiosamente com relação a ele.
além de si, para cada uma das outras pessoas não é mais
relevante do que a de· outro homem qualquer. Ainda que se-
CAPÍTULO li ja verdadeiro, portanto, que todo indivíduo, em seu próprio
Do senso de justiça, de remorso, peito, naturalmente prefere a si mesmo a todos os outros ho-
e da consciência do mérito mens, ninguém ousa olhar os outros de frente e declarar que
age segundo esse princípio. Cada um percebe que esta pre-
Não pode have r n nhum motivo a pr p riado para f rir ferência os outros jamais poderão aceitar, e que por mais na-
nosso próximo , nenhum in itamento p am faz r mal a ou- tural que isso possa ser, deverá sempre parecer, aos olhos
trem, que conte m a anuê ncia d todo s hom ns, exc - dos outros, excessivo e extravagante. Quando alguém se vê
to •t jusra indigmt o pelo mal que utro no ca u ou . Per- sob a luz em que sabe que os outros o vêem, compreende
turbar sua f "lici lad.e tã -s m •nr po rque está n caminho que não é, para esses, mais do que um indivíduo na multi-
da n sa pró prh, ti ra r d >]e o qu ' de u verd deiro a pena dão, em nenhum aspecto melhor do que qualquer outro. Se
p rqu pod · te r igual u mai r uso para nó , u perrmt.tr- agisse de modo que o espectador imparcial pudesse compar-
nos, les. a ma neira, à u ·ta I outras pess as, a preferência tilhar os princípios da sua conduta, o que é, entre todas as
natural que rod I m m tem por ·ua felicidade acima la coisas, a que mais deseja ver realizada, deveria nessa e em
do o utr s, ·onslitui alg ao q ua l nenhum espectador impar- todas as outras ocasiões, tornar humilde a arrogância de seu
cial pode aceder. Sem dúvida, todo homem é por natureza amor de si, reduzindo-o a algo que os outros possam aceitar.
primeiro e principalmente recomendado a seus próprios cui- Isso será tolerado na medida em que o deixe ardentemente
TEORIA DOS SEN17MENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 103
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veniência forçá-lo a fazer, ou que o podem punir por não. faz.er. dados, e como é mais adequado para cuidar de si mesmo do
' Freqüt: n ~ m nte podemos cumprir todas as regras da JUSttça que qualquer outra pessoa, é adequado e correto que faça
senrand )-nos, quietos e sem fazer nada. . assim. Portanto, todo homem está muito mais profundamen-
i Como tudo o que cada h m m faz lhe ser~ feit , a reta- te interessado no que diz respeito imediatamente a si, do
. liação parece ser a grande lei que nos dita a nallir ~za. Julga- que no que diz respeito a outro homem qualquer; e talvez
mos que beneficê n ia e gener siclade são devt las a gene- ter notícia da m01te de outra pessoa com a qual não tenha-
roso e ao beneficent . Aqueles cujos corações jamais admi- mos especial ligação nos cause muito menos interesse, tire
tem sentimentos de humanidade não seriam, segundo pen- muito menos nosso apetite, interrompa menos nosso descan-
samos, admitidos da mesma maneira pelos afetos de todos so, do que uma insignificante desgraça que se abata sobre
os seus semelhantes, e permitir-lhes-ia viver no meio da so- nós. Mas embora a ruína de nosso próximo possa nos afetar
ciedade como num grande deserto, onde ninguém se impor- bem menos do que um diminuto infortúnio nosso, não deve-
tasse com eles, nem indagasse por eles. Dever-se-ia fazer mos arruiná-lo para prevenir esse pequeno infortúnio, nem
sentir ao violador das leis da justiça o mesm mal que fez a mesmo para prevenir nossa própria ruína. Aqui, como em
outro; e uma vez que nenhuma consideração pelos sofri- todos os outros casos, devemos nos ver não tanto sob a luz
mentos de seus irmãos é capaz de detê-lo, deveria ser subju-
em que naturalmente nos mostramos a nós mesmos, mas sob
gado pelo medo de seus próprios sofrimentos. O ~orne~ q.ue a luz em que naturalmente nos mostramos aos outros. Em-
é meramente inocente, que apenas observa as lets da JUSttça
bora todo homem possa, segundo o provérbio, ser para si
com relação a outros, e meramente se abstém de ferir seu
mesmo o mundo inteiro, para o resto da humanidade é a
próximo, pode merecer apenas que seu próximo, por sua
parte mais insignificante. Embora sua própria felicidade pos-
vez, respeite sua inocência, e que as mesmas leis sejam ob-
sa ter mais importância para ele do que a de todo o mundo
servadas religiosamente com relação a ele.
além de si, para cada uma das outras pessoas não é mais
relevante do que a de· outro homem qualquer. Ainda que se-
CAPÍTULO li ja verdadeiro, portanto, que todo indivíduo, em seu próprio
Do senso de justiça, de remorso, peito, naturalmente prefere a si mesmo a todos os outros ho-
e da consciência do mérito mens, ninguém ousa olhar os outros de frente e declarar que
age segundo esse princípio. Cada um percebe que esta pre-
Não pode have r n nhum motivo a pr p riado para f rir ferência os outros jamais poderão aceitar, e que por mais na-
nosso próximo , nenhum in itamento p am faz r mal a ou- tural que isso possa ser, deverá sempre parecer, aos olhos
trem, que conte m a anuê ncia d todo s hom ns, exc - dos outros, excessivo e extravagante. Quando alguém se vê
to •t jusra indigmt o pelo mal que utro no ca u ou . Per- sob a luz em que sabe que os outros o vêem, compreende
turbar sua f "lici lad.e tã -s m •nr po rque está n caminho que não é, para esses, mais do que um indivíduo na multi-
da n sa pró prh, ti ra r d >]e o qu ' de u verd deiro a pena dão, em nenhum aspecto melhor do que qualquer outro. Se
p rqu pod · te r igual u mai r uso para nó , u perrmt.tr- agisse de modo que o espectador imparcial pudesse compar-
nos, les. a ma neira, à u ·ta I outras pess as, a preferência tilhar os princípios da sua conduta, o que é, entre todas as
natural que rod I m m tem por ·ua felicidade acima la coisas, a que mais deseja ver realizada, deveria nessa e em
do o utr s, ·onslitui alg ao q ua l nenhum espectador impar- todas as outras ocasiões, tornar humilde a arrogância de seu
cial pode aceder. Sem dúvida, todo homem é por natureza amor de si, reduzindo-o a algo que os outros possam aceitar.
primeiro e principalmente recomendado a seus próprios cui- Isso será tolerado na medida em que o deixe ardentemente
104 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE lO 'i
d sejos d sua própria felicidade, mais do que a d qual - O violador das mais sagradas leis da justiça jamais pode-
qu er o urr , e m q ue a busque com a mais grave constân ia. rá refletir sobre os sentimentos que a humanidade deve nu-
Ass im sempre que e colocarem na sua situaçã pronta- trir por ele, sem sentir todas as agonias de vergonha, horror
mente a ele acederão. Na corrida pela riqueza, honras e pri- e consternação. Quando sua paixão é saciada, e ele começa
vilégios, p od rá correr o mais que puder, tensionando cada a refletir friamente sobre sua conduta passada, não consegue
nervo e ada mús ulo, para superar todos os seus o mpetl- compreender nenhum dos motivos que a influenciaram. Pa-
do.r s. Mas se empun·a ou de rruba qualquer um d ste · a recem-lhe tão detestáveis agora quanto sempre o foram para
r I rân ·ia dos esp ctad res a aba de todo. É uma viola ·ã à os outros. Simpatizando com o ódio e horror que outros
q üldade, que não p dem aceitar. Para eles rn todos os homens cultivam por ele, torna-se, em certa medida, objeto
aspectos, esse homem é tão 1 om quanto o cone rrente: não de seu própri ódio e h rror. A s ltuaçã da p ssoa que o-
partilharão dess amor pr prio, por meio do qual pre~ r tan- freu por sua injusliÇ'I ago ra apela ~ sua piedad '. Esse r ensa-
to mais a si que ao ourro não p dem aceder ao motivo pelo mem o faz sofrer· lame nta os inf lizes fe itos de sua pró-
qual prejudicou a se urro. Prontamente, por nseguinte, pr.ia onduta e, ao m s mo tempo, p r ebe que o converte-
simpmizarào o m o natural ressentimento do I) nclido, e o ram no objeto ~lprupri a do J e r ss ntimcnto e indigna ão da
ofensor "toma-se o bjeto de seu ódio indignação. Este sabe b.umanidad , · e m obj to de vinga nça e punição , conseqüên-
disso, e sente que todos os sentimentos estão prestes a ex- cia natural do ressentime nto. Tal pensamento o assombra
pl dir de todos os lados contra ele. perpetuamente, enchendo-o de terror e perplexidade. Já não
Quanto maior e mais irre p::trável o mal causado, mais ousa olhar a sociedade de frente, pois se imagina rejeitado e
intenso se torna naturalment ressentimento do sofredor. xpulso das af, i ô cl s bom ns. Já não p de p rar 1 elo
O mesmo ocorre com a solidária indignação do espectador, n, olo da simpatia nessa sua imensa e terrível af1içã >. A m -
bem como com o sentimento de culpa do agente. A morte mó ria de se us ' ri m s estancou do. orações d ·eus sem -
é o mal maior que um homem pode infligir a outro, e pro- lhantes toda a solidariedade para com ele. O que mais teme
voca o mais alto grau de ressentimento nos que mantêm são os sentimentos que cultivam quanto a ele. Tudo lhe pa-
uma relação imediata com o morto. Portanto, o assassinato rece hostil, e ficaria feliz em fugir para algum deserto inóspi-
é o mais atroz dos crimes passíveis de afetar apenas os in- to, nele nunca mais tivesse d · mirar o rosto de uma crlatu m
divíduos, seja aos olhos da humanidade, seja aos olhos da humana, nem le r, no sembi:lnt ti >S hom. ·os, a ·ondenação
pessoa que o cometeu. Ser privado daquilo que possuímos de seus crimes. Mas a lllào é ainda tnai · t rrível do qu ~~
é um mal maior do que decepcionar-se com algo de que ·o ·iedade. eu próprios pensa mentos só p d m d fr ntar
tão-somente se está à espera. Portanto, a violação da pro- com o qu é n ro, infe liz cl graçad , a mel ~m cólica previ-
priedade, o roubo e assalto, que nos tiram aquilo de que te- são da in ompreen ív J I sgraça e rlúntl. borr r da solidão
mos a posse, são crimes maiores do que quebra de contra- empurra-o de volt:.l para a . ·i dade, e r torna à presença
to, a qual apenas nos frustra quanto a algo de que estáva- dos h men , surpres por · mo ·tra r diante deles carregado
mos à espera. As mais sagradas leis da justiça, por conse- d ve rg nha transtornado pel m do, para suplicar um pou-
guinte, aquelas cuja violação parece clamar mais alto por > de prot çã à auto rida I dos m smo::; juí:zes que eJ sa-
vingança e punição, são as leis que protegem a vida e pes- be, já c nde naram t.mani.memente. Tal é a natureza d sen-
soa do nosso próximo; a seguir vêm as que protegem sua thnento q u c m pro priedad s chruna re morso, mais l r-
propriedade e posses; por último, as que protegem o que se rível d to I s s sentimentos qu e podem inu· duzir- no
chama seus direitos pessoais, ou o que lhe é devido pelas peito humano. É composto de vergonha pelo senso de incon-
promessas de outros. veniência da minha conduta passada; da dor, pelos efeitos
104 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE lO 'i
d sejos d sua própria felicidade, mais do que a d qual - O violador das mais sagradas leis da justiça jamais pode-
qu er o urr , e m q ue a busque com a mais grave constân ia. rá refletir sobre os sentimentos que a humanidade deve nu-
Ass im sempre que e colocarem na sua situaçã pronta- trir por ele, sem sentir todas as agonias de vergonha, horror
mente a ele acederão. Na corrida pela riqueza, honras e pri- e consternação. Quando sua paixão é saciada, e ele começa
vilégios, p od rá correr o mais que puder, tensionando cada a refletir friamente sobre sua conduta passada, não consegue
nervo e ada mús ulo, para superar todos os seus o mpetl- compreender nenhum dos motivos que a influenciaram. Pa-
do.r s. Mas se empun·a ou de rruba qualquer um d ste · a recem-lhe tão detestáveis agora quanto sempre o foram para
r I rân ·ia dos esp ctad res a aba de todo. É uma viola ·ã à os outros. Simpatizando com o ódio e horror que outros
q üldade, que não p dem aceitar. Para eles rn todos os homens cultivam por ele, torna-se, em certa medida, objeto
aspectos, esse homem é tão 1 om quanto o cone rrente: não de seu própri ódio e h rror. A s ltuaçã da p ssoa que o-
partilharão dess amor pr prio, por meio do qual pre~ r tan- freu por sua injusliÇ'I ago ra apela ~ sua piedad '. Esse r ensa-
to mais a si que ao ourro não p dem aceder ao motivo pelo mem o faz sofrer· lame nta os inf lizes fe itos de sua pró-
qual prejudicou a se urro. Prontamente, por nseguinte, pr.ia onduta e, ao m s mo tempo, p r ebe que o converte-
simpmizarào o m o natural ressentimento do I) nclido, e o ram no objeto ~lprupri a do J e r ss ntimcnto e indigna ão da
ofensor "toma-se o bjeto de seu ódio indignação. Este sabe b.umanidad , · e m obj to de vinga nça e punição , conseqüên-
disso, e sente que todos os sentimentos estão prestes a ex- cia natural do ressentime nto. Tal pensamento o assombra
pl dir de todos os lados contra ele. perpetuamente, enchendo-o de terror e perplexidade. Já não
Quanto maior e mais irre p::trável o mal causado, mais ousa olhar a sociedade de frente, pois se imagina rejeitado e
intenso se torna naturalment ressentimento do sofredor. xpulso das af, i ô cl s bom ns. Já não p de p rar 1 elo
O mesmo ocorre com a solidária indignação do espectador, n, olo da simpatia nessa sua imensa e terrível af1içã >. A m -
bem como com o sentimento de culpa do agente. A morte mó ria de se us ' ri m s estancou do. orações d ·eus sem -
é o mal maior que um homem pode infligir a outro, e pro- lhantes toda a solidariedade para com ele. O que mais teme
voca o mais alto grau de ressentimento nos que mantêm são os sentimentos que cultivam quanto a ele. Tudo lhe pa-
uma relação imediata com o morto. Portanto, o assassinato rece hostil, e ficaria feliz em fugir para algum deserto inóspi-
é o mais atroz dos crimes passíveis de afetar apenas os in- to, nele nunca mais tivesse d · mirar o rosto de uma crlatu m
divíduos, seja aos olhos da humanidade, seja aos olhos da humana, nem le r, no sembi:lnt ti >S hom. ·os, a ·ondenação
pessoa que o cometeu. Ser privado daquilo que possuímos de seus crimes. Mas a lllào é ainda tnai · t rrível do qu ~~
é um mal maior do que decepcionar-se com algo de que ·o ·iedade. eu próprios pensa mentos só p d m d fr ntar
tão-somente se está à espera. Portanto, a violação da pro- com o qu é n ro, infe liz cl graçad , a mel ~m cólica previ-
priedade, o roubo e assalto, que nos tiram aquilo de que te- são da in ompreen ív J I sgraça e rlúntl. borr r da solidão
mos a posse, são crimes maiores do que quebra de contra- empurra-o de volt:.l para a . ·i dade, e r torna à presença
to, a qual apenas nos frustra quanto a algo de que estáva- dos h men , surpres por · mo ·tra r diante deles carregado
mos à espera. As mais sagradas leis da justiça, por conse- d ve rg nha transtornado pel m do, para suplicar um pou-
guinte, aquelas cuja violação parece clamar mais alto por > de prot çã à auto rida I dos m smo::; juí:zes que eJ sa-
vingança e punição, são as leis que protegem a vida e pes- be, já c nde naram t.mani.memente. Tal é a natureza d sen-
soa do nosso próximo; a seguir vêm as que protegem sua thnento q u c m pro priedad s chruna re morso, mais l r-
propriedade e posses; por último, as que protegem o que se rível d to I s s sentimentos qu e podem inu· duzir- no
chama seus direitos pessoais, ou o que lhe é devido pelas peito humano. É composto de vergonha pelo senso de incon-
promessas de outros. veniência da minha conduta passada; da dor, pelos efeitos
106 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 107
dessa ação; de piedade, pelos que por causa dela sofrem; e de solverá necessariamente, pois pode subsistir entre diferentes
pavor, terror da punição, pela consciência do justo ressenti- homens, como entre diferentes mercadores, por um senso de
mento de todas as criaturas racionais. sua utilidade, sem qualquer amor ou afeto recíprocos. E em-
O comportamento oposto inspira naturalmente o senti- bora nenhum homem que vive em sociedade deva obediên-
mento oposto. O homem que, não por capricho frívolo, mas cia ou esteja atado a outro por gratidão, ainda assim é possí-
por motivos apropriados, realizou uma ação generosa, olhan- vel mantê-la por uma troca mercenária de bons serviços,
do na direção daqueles a quem serviu, sente-se objeto natu- segundo uma valoração acordada entre eles.
ral de seu amor e gratidão, e, por simpatia com eles, da esti- A sociedade, entretanto, não pode subsistir entre os que
ma e aprovação de todos os outros. Ao olhar para trás, para estão sempre prontos a se ferir e ofender mutuamente. No
o motivo que o levou a agir, e o examinar sob a luz com que o momento em que tem início a ofensa, no momento em que
verá o espectador indiferente, ainda continua a experimentá-lo, se instalam ressentimento e animosidade mútuos, rompem-
e aplaude a si mesmo por solidariedade com a aprovação des- se todos os elos da sociedade, e os diferentes membros de
se suposto juiz imparcial. Sob esses dois pontos de vista, sua que ela consistia ficam como se dissipados e espalhados pela
própria conduta lhe parece agradável em todos os aspectos. violência e oposição de seus afetos discordantes•. Se existe
Esse pensamento faz seu espírito encher-se de alegria, sere- qualquer sociedade entre ladrões e assassinos, estes pelo me-
nidade e paz. Está em harmonia e amizade com todos os ho- nos devem, segundo o senso comum, abster-se de roubar e
mens, encara seus semelhantes com confiança e benevolente assassinar uns aos outros. A beneficência é, assim, menos es-
sencial à existência da sociedade que a justiça. A sociedade
satisfação, certo de que se tornou digno de sua mais favorá-
poderá subsistir, ainda que não segundo a condição mais con-
vel opinião. Na combinação de todos esses sentimentos con-
fortável, sem beneficência, mas a prevalência da injustiça de-
siste a consciência do mérito, ou de merecida recompensa.
verá destruí-la completamente.
Portanto, embora a natureza exorte os homens a atos de
beneficência pela consciência agradável de merecida recom-
CAPÍTULO III pensa, não julgou necessário proteger e constranger a sua
Da utilidade dessa constituição da natureza prática pelos terrores do merecido castigo, no caso de se ne-
gligenciarem tais atos. São eles o ornamento que embeleza,
É assim que o homem, que apenas pode subsistir em so- não o alicerce que sustenta o edifício; bastava, pois, reco-
ciedade, foi adequado pela natureza à situação para a qual foi mendá-los, não necessariamente impô-los por quaisquer
criado. Todos os membros da sociedade humana precisam da meios. A justiça, ao contrário, é o principal pilar que susten-
ajuda uns dos outros, e estão igualmente expostos a ofensas ta todo o edifício. Se removida, a grande, imensa estrutura
mútuas. Onde a ajuda necessária é reciprocamente provida da sociedade humana, essa estrutura cuja instauração e su-
pelo amor, gratidão, amizade e estima, a sociedade floresce e porte neste mundo parece ter exigido, se me permitem dizer,
é feliz. Todos os seus diferentes membros estão atados entre o peculiar e caro cuidado da natureza, deverá em pouco
si pelos agradáveis elos do amor e afeição, como se atraídos tempo esboroar em átomos. A fim de constranger a observa-
para um centro comum de bons serviços recíprocos.
Mas, ainda que a ajuda necessária não seja provida por
motivos tão generosos e desinteressados, ainda que entre os • É possível que Smith se esteja referindo a Hobbes, com a intenção ele
criticar a tese segundo a qual os homens naturalmente tendem a atacar-se e
diferentes membros da sociedade não haja amor e afeto mú- destruir-se uns aos outros (conferir Leviathan, cap. XIII, p. 186; ed . Penguin,
tuos, a sociedade, embora menos feliz e agradável, não se dis- 1985). (N. ela R. T.)
106 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 107
dessa ação; de piedade, pelos que por causa dela sofrem; e de solverá necessariamente, pois pode subsistir entre diferentes
pavor, terror da punição, pela consciência do justo ressenti- homens, como entre diferentes mercadores, por um senso de
mento de todas as criaturas racionais. sua utilidade, sem qualquer amor ou afeto recíprocos. E em-
O comportamento oposto inspira naturalmente o senti- bora nenhum homem que vive em sociedade deva obediên-
mento oposto. O homem que, não por capricho frívolo, mas cia ou esteja atado a outro por gratidão, ainda assim é possí-
por motivos apropriados, realizou uma ação generosa, olhan- vel mantê-la por uma troca mercenária de bons serviços,
do na direção daqueles a quem serviu, sente-se objeto natu- segundo uma valoração acordada entre eles.
ral de seu amor e gratidão, e, por simpatia com eles, da esti- A sociedade, entretanto, não pode subsistir entre os que
ma e aprovação de todos os outros. Ao olhar para trás, para estão sempre prontos a se ferir e ofender mutuamente. No
o motivo que o levou a agir, e o examinar sob a luz com que o momento em que tem início a ofensa, no momento em que
verá o espectador indiferente, ainda continua a experimentá-lo, se instalam ressentimento e animosidade mútuos, rompem-
e aplaude a si mesmo por solidariedade com a aprovação des- se todos os elos da sociedade, e os diferentes membros de
se suposto juiz imparcial. Sob esses dois pontos de vista, sua que ela consistia ficam como se dissipados e espalhados pela
própria conduta lhe parece agradável em todos os aspectos. violência e oposição de seus afetos discordantes•. Se existe
Esse pensamento faz seu espírito encher-se de alegria, sere- qualquer sociedade entre ladrões e assassinos, estes pelo me-
nidade e paz. Está em harmonia e amizade com todos os ho- nos devem, segundo o senso comum, abster-se de roubar e
mens, encara seus semelhantes com confiança e benevolente assassinar uns aos outros. A beneficência é, assim, menos es-
sencial à existência da sociedade que a justiça. A sociedade
satisfação, certo de que se tornou digno de sua mais favorá-
poderá subsistir, ainda que não segundo a condição mais con-
vel opinião. Na combinação de todos esses sentimentos con-
fortável, sem beneficência, mas a prevalência da injustiça de-
siste a consciência do mérito, ou de merecida recompensa.
verá destruí-la completamente.
Portanto, embora a natureza exorte os homens a atos de
beneficência pela consciência agradável de merecida recom-
CAPÍTULO III pensa, não julgou necessário proteger e constranger a sua
Da utilidade dessa constituição da natureza prática pelos terrores do merecido castigo, no caso de se ne-
gligenciarem tais atos. São eles o ornamento que embeleza,
É assim que o homem, que apenas pode subsistir em so- não o alicerce que sustenta o edifício; bastava, pois, reco-
ciedade, foi adequado pela natureza à situação para a qual foi mendá-los, não necessariamente impô-los por quaisquer
criado. Todos os membros da sociedade humana precisam da meios. A justiça, ao contrário, é o principal pilar que susten-
ajuda uns dos outros, e estão igualmente expostos a ofensas ta todo o edifício. Se removida, a grande, imensa estrutura
mútuas. Onde a ajuda necessária é reciprocamente provida da sociedade humana, essa estrutura cuja instauração e su-
pelo amor, gratidão, amizade e estima, a sociedade floresce e porte neste mundo parece ter exigido, se me permitem dizer,
é feliz. Todos os seus diferentes membros estão atados entre o peculiar e caro cuidado da natureza, deverá em pouco
si pelos agradáveis elos do amor e afeição, como se atraídos tempo esboroar em átomos. A fim de constranger a observa-
para um centro comum de bons serviços recíprocos.
Mas, ainda que a ajuda necessária não seja provida por
motivos tão generosos e desinteressados, ainda que entre os • É possível que Smith se esteja referindo a Hobbes, com a intenção ele
criticar a tese segundo a qual os homens naturalmente tendem a atacar-se e
diferentes membros da sociedade não haja amor e afeto mú- destruir-se uns aos outros (conferir Leviathan, cap. XIII, p. 186; ed . Penguin,
tuos, a sociedade, embora menos feliz e agradável, não se dis- 1985). (N. ela R. T.)
108 TEORIA DOS SEN11MENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 109

ção da justiça, portanto, a natureza implantou no peito hu- desejo ou intenção, mas sim ao relojoeiro, e sabemos que
mano a consciência de mau merecimento, os terrores de me- são movidas por uma mola que planeja tão pouco quanto
recida punição que resultam de sua violação, como grandes elas o efeito que produzem. Mas embora, ao explicarmos as
salvaguardas da associação humana, para proteger os fracos, operações dos corpos, nunca deixemos de distinguir dessa
frear os violentos, e castigar os culpados. Embora sejam na- maneira a causa eficiente da causa final, ao explicarmos as
turalmente solidários, os homens sentem muito pouco por do espírito tendemos a confundir essas duas coisas tão dife-
outro com quem não tenham nenhuma particular ligação, se rentes. Quando os princípios naturais nos levam a promover
comparado ao que sentem por si mesmos; a desgraça de um, esses fins que uma refinada e esclarecida razão teria nos re-
que é apenas seu semelhante, é muito pouco importante comendado, temos a forte tendência de imputar a essa razão,
para eles, mesmo se comparada a qualquer pequeno incon- como causa eficiente desses princípios, os sentimentos e ações
veniente próprio; têm tanto poder para feri-lo, e pode haver pelos quais promovemos aqueles fins, e de imaginar que se
tantas tentações de o fazer, que se esse princípio não se im- trate da sabedoria do homem, quando na realidade se trata
pusesse entre eles para defendê-lo, e os subjugasse por reve- da sabedoria de Deus. Segundo uma visão superficial, essa
rente temor a respeitarem sua inocência, estariam prontos a causa parece suficiente para produzir os efeitos a ela atribuí-
lançar-se sobre ele a qualquer momento como animais fero- dos; e o sistema da natureza humana parece ser mais simples
zes, de modo que um homem entraria numa assembléia e agradável quando todas as suas diferentes operações são
como quem entra num covil de leões. dessa maneira deduzidas de um só princípio.
Em toda parte do universo observamos os meios ajusta- Como a sociedade não pode subsistir sem que as leis da
dos com o melhor artifício para os fins que devem produzir; justiça sejam razoavelmente cumpridas, como nenhum trato
e no mecanismo de uma planta ou corpo de animal, admira social pode ocorrer entre homens que em geral não se abste-
como tudo é planejado para promover os dois grandes pro- nham de ofender uns aos outros, a consideração dessa neces-
pósitos da natureza: a manutenção do indivíduo e a propa- sidade, pensou-se, constituiu o fundamento de aprovarmos
gação da espécie. Mas nesses, como em todos os objetos se- que as leis da justiça coagissem pelo castigo os que as vio-
melhantes, ainda distinguimos entre a causa eficiente e a lassem. Dizem que o homem ama naturalmente a sociedade,
causa final de seus vários movimentos e organizações. A di- e deseja que a união da humanidade deva ser preservada
gestão do alimento, a circulação do sangue, a secreção dos para seu próprio bem, mesmo que não tire benefício disso. O
diversos sucos extraídos dele: todas essas são operações ne- estado ordeiro e florescente de sociedade lhe agrada, e delei-
cessárias para os grandes propósitos da vida animal. Con- ta-se em contemplá-la. A desordem e confusão, ao contrário,
tudo, nunca tentamos explicá-las segundo esses propósitos, são objeto de sua aversão, e tudo o que tende a produzi-las
bem como segundo suas causas eficientes, nem imaginamos causa-lhe pesar. Também percebe que seu próprio interesse
que o sangue circule, ou que a comida seja digerida por sua está associado à prosperidade da sociedade, e que a felicida-
própria vontade, de acordo com a finalidade ou a intenção de, talvez a conservação de sua vida, depende da conserva-
dos propósitos de circulação ou digestão. As engrenagens do ção da seriedade. Por todos esses motivos, portanto, o ho-
relógio são todas admiravelmente ajustadas segundo o fim mem detesta tudo o que pode tender a destruir a sociedade,
para o qual foi fabricado, ou seja, indicar a hora. Todos os e está disposto a usar de todos os meios para impedir um
seus vários movimentos são combinados da maneira mais evento tão odiado e temido. A injustiça necessariamente ten-
sutil para produzir esse efeito. Se fossem dotadas de desejo de a destruí-la. Toda manifestação de injustiça, pois, deixa-o
ou intenção de produzir tal efeito, não o poderiam fabricar alarmado, e ele corre, se assim posso dizer, para frear a pro-
melhor. Todavia, nunca atribuímos a essas engrenagens tal gressão daquilo que, se pudesse prosseguir, rapidamente aca-
108 TEORIA DOS SEN11MENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 109

ção da justiça, portanto, a natureza implantou no peito hu- desejo ou intenção, mas sim ao relojoeiro, e sabemos que
mano a consciência de mau merecimento, os terrores de me- são movidas por uma mola que planeja tão pouco quanto
recida punição que resultam de sua violação, como grandes elas o efeito que produzem. Mas embora, ao explicarmos as
salvaguardas da associação humana, para proteger os fracos, operações dos corpos, nunca deixemos de distinguir dessa
frear os violentos, e castigar os culpados. Embora sejam na- maneira a causa eficiente da causa final, ao explicarmos as
turalmente solidários, os homens sentem muito pouco por do espírito tendemos a confundir essas duas coisas tão dife-
outro com quem não tenham nenhuma particular ligação, se rentes. Quando os princípios naturais nos levam a promover
comparado ao que sentem por si mesmos; a desgraça de um, esses fins que uma refinada e esclarecida razão teria nos re-
que é apenas seu semelhante, é muito pouco importante comendado, temos a forte tendência de imputar a essa razão,
para eles, mesmo se comparada a qualquer pequeno incon- como causa eficiente desses princípios, os sentimentos e ações
veniente próprio; têm tanto poder para feri-lo, e pode haver pelos quais promovemos aqueles fins, e de imaginar que se
tantas tentações de o fazer, que se esse princípio não se im- trate da sabedoria do homem, quando na realidade se trata
pusesse entre eles para defendê-lo, e os subjugasse por reve- da sabedoria de Deus. Segundo uma visão superficial, essa
rente temor a respeitarem sua inocência, estariam prontos a causa parece suficiente para produzir os efeitos a ela atribuí-
lançar-se sobre ele a qualquer momento como animais fero- dos; e o sistema da natureza humana parece ser mais simples
zes, de modo que um homem entraria numa assembléia e agradável quando todas as suas diferentes operações são
como quem entra num covil de leões. dessa maneira deduzidas de um só princípio.
Em toda parte do universo observamos os meios ajusta- Como a sociedade não pode subsistir sem que as leis da
dos com o melhor artifício para os fins que devem produzir; justiça sejam razoavelmente cumpridas, como nenhum trato
e no mecanismo de uma planta ou corpo de animal, admira social pode ocorrer entre homens que em geral não se abste-
como tudo é planejado para promover os dois grandes pro- nham de ofender uns aos outros, a consideração dessa neces-
pósitos da natureza: a manutenção do indivíduo e a propa- sidade, pensou-se, constituiu o fundamento de aprovarmos
gação da espécie. Mas nesses, como em todos os objetos se- que as leis da justiça coagissem pelo castigo os que as vio-
melhantes, ainda distinguimos entre a causa eficiente e a lassem. Dizem que o homem ama naturalmente a sociedade,
causa final de seus vários movimentos e organizações. A di- e deseja que a união da humanidade deva ser preservada
gestão do alimento, a circulação do sangue, a secreção dos para seu próprio bem, mesmo que não tire benefício disso. O
diversos sucos extraídos dele: todas essas são operações ne- estado ordeiro e florescente de sociedade lhe agrada, e delei-
cessárias para os grandes propósitos da vida animal. Con- ta-se em contemplá-la. A desordem e confusão, ao contrário,
tudo, nunca tentamos explicá-las segundo esses propósitos, são objeto de sua aversão, e tudo o que tende a produzi-las
bem como segundo suas causas eficientes, nem imaginamos causa-lhe pesar. Também percebe que seu próprio interesse
que o sangue circule, ou que a comida seja digerida por sua está associado à prosperidade da sociedade, e que a felicida-
própria vontade, de acordo com a finalidade ou a intenção de, talvez a conservação de sua vida, depende da conserva-
dos propósitos de circulação ou digestão. As engrenagens do ção da seriedade. Por todos esses motivos, portanto, o ho-
relógio são todas admiravelmente ajustadas segundo o fim mem detesta tudo o que pode tender a destruir a sociedade,
para o qual foi fabricado, ou seja, indicar a hora. Todos os e está disposto a usar de todos os meios para impedir um
seus vários movimentos são combinados da maneira mais evento tão odiado e temido. A injustiça necessariamente ten-
sutil para produzir esse efeito. Se fossem dotadas de desejo de a destruí-la. Toda manifestação de injustiça, pois, deixa-o
ou intenção de produzir tal efeito, não o poderiam fabricar alarmado, e ele corre, se assim posso dizer, para frear a pro-
melhor. Todavia, nunca atribuímos a essas engrenagens tal gressão daquilo que, se pudesse prosseguir, rapidamente aca-
110 TEORIA DOS SEN77MENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 111

baria com tudo o que lhe é caro. Se não o puder conter por velar tão detestáveis princípios. Mas embora seja seu intrín-
meios suaves e justos, terá de submetê-lo por meio de força e seco caráter odioso e detestável o que originalmente nos in-
violência, para interromper, de qualquer forma, seu ulterior flama contra eles, resistimos a crer que essa seja a única ra-
avanço. Donde, dizem, o homem freqüentemente aprovar o zão pela qual os condenamos, ou a alegar que os condena-
caráter coercitivo das leis de justiça, incluindo-se pena capital mos apenas porque nós mesmos os odiamos e detestamos.
para os que as violam. O petturbador da paz pública é assim Pcn 'amos qu a razão não pa r· e onclusiva. Contud , p r
afastado do mundo, e seu destino aterrorizará outros, impe- qu não s ria . se precisamente os odiamos e detesta m · por
dindo-os de seguirem seu exemplo. e.r rn bjeto natural e apropriado I ódio " r pul ·a? Mas
Tal é a descrição habitual de por que aprovamos puni- quando nos r crguntam po r qu · não deveríamos agir d tal
ção para a injustiça. E tão indubitavelmente verdadeira é essa tal maneira , a própria pe rguma p·u· · supor que, para ) S
descrição, que não raro temos a oportunidade de confirmar qu a hzem, esse modo d agir não pareces r po r si m smo
nosso natural senso de conveniência e ad 'qua ã do castigo o objeto natural e próprio daqu I s semim. ntos. T mos, r is
ao refletirmos em quão necessário é para onser ar a ordem de Ih s mostrar que deveria !)er assim por hem de •tlgo mais.
da sociedade. Quando o culpado está na iminência de sofrer
Por essa razão geralmente procuramos outros argumentos, e
a justa retaliação que a natural indignação dos homens lhe
a primeira consideração que nos ocorre é a desordem e con-
diz ser devida por aqueles crimes; quando a insolência de sua
fusão da sociedade que resultariam da prevalência universal
injustiça é destroçada e humilhada pelo terror de seu iminen-
daquelas práticas. Portanto, raramente deixamos de insistir
te castigo; quando cessa de ser objeto de medo, para se tor-
nesse tópico.
nar, entre os generosos e humanos, objeto de piedade, ores-
sentimento destes pelos sofrimentos alheios que o culpado Mas embora comumente não seja necessário grande dis-
causou se extingue, ao pensarem no que está prestes a sofrer. cernimento para entender a tendência destrutiva de todas as
Estão dispostos a p e rdoá-lo e desculpá-lo, alvand -o daque- práticas licenciosas para o bem-estar da sociedade, raramen-
le castigo que, nos m mentos de lucidez, julgamm a retribui- te é essa consideração que a princípio nos anima contra elas.
ção devida a tais crimes. Aqui, p 1tanto, têm a opo1tunldade Todos os ho m ns, mesm< os m·lis ignoranres e estC1pidos,
de chamar em auxílio a consid raqâ<J dos interesses gerai da têm horror à fraude, pe rfíd ia e u1jusliça, e regozija-nos vê-las
sociedade. Compensam o impulso dessa humanidade fraca e punidas. Mas p ou ·os h m ns r 11 JUram sol 1·e a necess idade
parcial com os ditames de uma humanidade mais generosa e da justiça para a existência da sociedade, por mais evidente
compre nsiva. R /lere m qu a mise ric' rdia · mos ·ulpados que essa necessidade possa parecer.
constirui crueldade pa111 com os in c me , e op - 111 às emo- Pode-se demonstrar, por muitas considerações evidentes,
çõe da compaixão que sentem por um ind ivíd uo uma ·om- que não é a conservação da sociedade o que nos interessa
paixão mais ampla, pela humanidade toda. originalmente na punição de crimes cometidos contra indiví-
Também às vezes temos a oportunidade de defender a duos. No mais das vezes, nossa preocupação pela fortuna e
conveniência de se observarem as leis gerais da justiça, ao ~ li ·ida l · dns indivíduos nà . urge da preocupação pela
considerar como são necessárias para manter a sociedade. fortuna e feli idade la so i dade. ão nos preocupa mais a
Freqüentemente ouvimos os jovens e os licenciosos ridicula- ele. tru içà o p rcla de um só home m - porqu e é membro ou
rízar as mais sagradas leis da moralidade, e professar, algu- parte da sociedade, e porque a destruição da sociedade deve
mas vezes por corrupção, mas mais freqüentemente 1 la vai- nos preocupar - do que a perda de um só guinéu, porque
dade de seus corações, as mais abomináveis máxima d < n- esse guinéu é parte de mil guinéus, e porque deve nos preo-
duta. Nossa indignação desperta, e ansiamos por refutar e re- cupar a perda da soma total. Em nenhum dos dois casos
110 TEORIA DOS SEN77MENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 111

baria com tudo o que lhe é caro. Se não o puder conter por velar tão detestáveis princípios. Mas embora seja seu intrín-
meios suaves e justos, terá de submetê-lo por meio de força e seco caráter odioso e detestável o que originalmente nos in-
violência, para interromper, de qualquer forma, seu ulterior flama contra eles, resistimos a crer que essa seja a única ra-
avanço. Donde, dizem, o homem freqüentemente aprovar o zão pela qual os condenamos, ou a alegar que os condena-
caráter coercitivo das leis de justiça, incluindo-se pena capital mos apenas porque nós mesmos os odiamos e detestamos.
para os que as violam. O petturbador da paz pública é assim Pcn 'amos qu a razão não pa r· e onclusiva. Contud , p r
afastado do mundo, e seu destino aterrorizará outros, impe- qu não s ria . se precisamente os odiamos e detesta m · por
dindo-os de seguirem seu exemplo. e.r rn bjeto natural e apropriado I ódio " r pul ·a? Mas
Tal é a descrição habitual de por que aprovamos puni- quando nos r crguntam po r qu · não deveríamos agir d tal
ção para a injustiça. E tão indubitavelmente verdadeira é essa tal maneira , a própria pe rguma p·u· · supor que, para ) S
descrição, que não raro temos a oportunidade de confirmar qu a hzem, esse modo d agir não pareces r po r si m smo
nosso natural senso de conveniência e ad 'qua ã do castigo o objeto natural e próprio daqu I s semim. ntos. T mos, r is
ao refletirmos em quão necessário é para onser ar a ordem de Ih s mostrar que deveria !)er assim por hem de •tlgo mais.
da sociedade. Quando o culpado está na iminência de sofrer
Por essa razão geralmente procuramos outros argumentos, e
a justa retaliação que a natural indignação dos homens lhe
a primeira consideração que nos ocorre é a desordem e con-
diz ser devida por aqueles crimes; quando a insolência de sua
fusão da sociedade que resultariam da prevalência universal
injustiça é destroçada e humilhada pelo terror de seu iminen-
daquelas práticas. Portanto, raramente deixamos de insistir
te castigo; quando cessa de ser objeto de medo, para se tor-
nesse tópico.
nar, entre os generosos e humanos, objeto de piedade, ores-
sentimento destes pelos sofrimentos alheios que o culpado Mas embora comumente não seja necessário grande dis-
causou se extingue, ao pensarem no que está prestes a sofrer. cernimento para entender a tendência destrutiva de todas as
Estão dispostos a p e rdoá-lo e desculpá-lo, alvand -o daque- práticas licenciosas para o bem-estar da sociedade, raramen-
le castigo que, nos m mentos de lucidez, julgamm a retribui- te é essa consideração que a princípio nos anima contra elas.
ção devida a tais crimes. Aqui, p 1tanto, têm a opo1tunldade Todos os ho m ns, mesm< os m·lis ignoranres e estC1pidos,
de chamar em auxílio a consid raqâ<J dos interesses gerai da têm horror à fraude, pe rfíd ia e u1jusliça, e regozija-nos vê-las
sociedade. Compensam o impulso dessa humanidade fraca e punidas. Mas p ou ·os h m ns r 11 JUram sol 1·e a necess idade
parcial com os ditames de uma humanidade mais generosa e da justiça para a existência da sociedade, por mais evidente
compre nsiva. R /lere m qu a mise ric' rdia · mos ·ulpados que essa necessidade possa parecer.
constirui crueldade pa111 com os in c me , e op - 111 às emo- Pode-se demonstrar, por muitas considerações evidentes,
çõe da compaixão que sentem por um ind ivíd uo uma ·om- que não é a conservação da sociedade o que nos interessa
paixão mais ampla, pela humanidade toda. originalmente na punição de crimes cometidos contra indiví-
Também às vezes temos a oportunidade de defender a duos. No mais das vezes, nossa preocupação pela fortuna e
conveniência de se observarem as leis gerais da justiça, ao ~ li ·ida l · dns indivíduos nà . urge da preocupação pela
considerar como são necessárias para manter a sociedade. fortuna e feli idade la so i dade. ão nos preocupa mais a
Freqüentemente ouvimos os jovens e os licenciosos ridicula- ele. tru içà o p rcla de um só home m - porqu e é membro ou
rízar as mais sagradas leis da moralidade, e professar, algu- parte da sociedade, e porque a destruição da sociedade deve
mas vezes por corrupção, mas mais freqüentemente 1 la vai- nos preocupar - do que a perda de um só guinéu, porque
dade de seus corações, as mais abomináveis máxima d < n- esse guinéu é parte de mil guinéus, e porque deve nos preo-
duta. Nossa indignação desperta, e ansiamos por refutar e re- cupar a perda da soma total. Em nenhum dos dois casos
112 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 113

nosso interesse pelos indivíduos se origina do interesse pela por essa razão, justa e adequada. Quando a conservação de
multidão; mas, nos dois casos, nosso interesse pela multidão um indivíduo é inconsistente com a segurança de uma mul-
é composto e constituído dos interesses particulares que sen- tidão, nada pode ser mais justo do que preferir os muitos a
timos pelos diferentes indivíduos que a compõem. Do mes- um só. Contudo, por mais necessário que seja, esse castigo
mo modo como, ao nos subtraírem injustamente uma peque- sempre se mostra excessivamente severo. A atrocidade natu-
na quantia, não buscamos tanto reparar a ofensa com vistas ral do crime parece tão pequena e a punição tão grande, que
a conservar toda a nossa fortuna, mas com vistas àquela só com muita dificuldade nosso coração se reconcilia com
quantia particular que perdemos, assim, quando se ofende essa situação. Embora esse descuido pareça muito censurá-
ou destrói um só homem, exigimos punição pelo mal que vel, a idéia desse crime, porém, não suscita naturalmente um
lhe foi feito, menos por preocupação pelo interesse geral da ressentimento tal que nos fizesse realizar tão terrível vingan-
sociedade, que por preocupação com aquele indivíduo ofen- ça. Um humanitário deve se recompor, fazer um esforço e
dido. É preciso notar, porém, que essa preocupação não exercer toda a sua firmeza e resolução antes de poder ou
inclui necessariamente nenhum grau daqueles sentimentos infligir o castigo ou participar dele, quando infligido por
peculiares, comumente chamados amor, estima, afeto, pelos outros. Não é dessa maneira, entretanto, que concebe o justo
quais distinguimos nossos amigos particulares e conhecidos. castigo de um ingrato assassino ou parricida. Nesse caso, seu
A preocupação que se exige nesse caso não é mais do que a coração aplaude com fervor, e mesmo com arrebatamento, a
solidariedade geral que temos para com todo homem, mera- justa retaliação que parece devida a tão detestáveis crimes.
mente por ser nosso semelhante. Compartilhamos até mes- Se, por algum acaso, o criminoso escapasse, ficaria muitíssi-
mo o ressentimento de uma pessoa odiosa, quando é ofendi- mo irado e desapontado. Os sentimentos muito diferentes
da por aqueles a quem não provocou. Nesse caso, nossa com que o espectador assiste a esses diferentes castigos são
desaprovação de seus habituais caráter e conduta não impe- prova de que a aprovação de um está longe de se funda-
de nossa completa solidariedade com sua indignação natu- mentar sobre os mesmos princípios que a de outro. Consi-
ral, embora entre os que não são extremamente francos, ou dera a sentinela uma vítima infeliz que, de fato, deve devo-
não foram acostumados a corrigir e regular seus sentimentos tar-se à segurança de muitos, mas a quem, mesmo assim, em
naturais por regras gerais, essa solidariedade seja provavel- seu coração ficaria feliz de salvar; lamenta apenas que o inte-
mente reduzida. resse de muitos se oponha a isso. Mas se o assassino esca-
Em algumas ocasiões, com efeito, a um tempo punimos passe de punição, isso suscitaria sua maior indignação, e cla-
e aprovamos a punição apenas com vistas ao interesse geral maria por Deus para que vingasse em outro mundo esse
da sociedade que, imaginamos, não pode ser assegurado de crime que a injustiça humana deixou de castigar na terra.
outra maneira. São dessa espécie todas as punições infligidas Pois é digno de nota que estamos tão longe de imaginar
por infração ao que se chama código civil ou disciplina mili- que a injustiça deveria ser punida nesta vida apenas em
tar. Tais crimes não ferem imediata ou diretamente nenhuma razão da ordem da sociedade, a qual de outra maneira não
pessoa em particular, mas suas conseqüências remotas, su- pode ser mantida, que a natureza nos ensina a ter esperança
põe-se, produzem ou poderiam produzir quer um considerá- e, supomos, a religião nos autoriza a aguardar que será puni-
vel inconveniente, quer uma grande desordem na sociedade. da até mesmo numa vida futura. Nosso sentido de seu mau
Por exemplo, uma sentinela que adormece na sua vigília é merecimento busca essa punição, se me permitem dizer, até
condenada à morte segundo as leis da guerra, porque esse mesmo além do túmulo, embora o exemplo de seu castigo
descuido poderia pôr em perigo o exército inteiro. Em mui- naquele lugar não possa servir para deter o resto dos ho-
tas ocasiões, essa severidade pode se mostrar necessária, e, mens- que não o vêem e dele não sabem- de ser culpado
112 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 113

nosso interesse pelos indivíduos se origina do interesse pela por essa razão, justa e adequada. Quando a conservação de
multidão; mas, nos dois casos, nosso interesse pela multidão um indivíduo é inconsistente com a segurança de uma mul-
é composto e constituído dos interesses particulares que sen- tidão, nada pode ser mais justo do que preferir os muitos a
timos pelos diferentes indivíduos que a compõem. Do mes- um só. Contudo, por mais necessário que seja, esse castigo
mo modo como, ao nos subtraírem injustamente uma peque- sempre se mostra excessivamente severo. A atrocidade natu-
na quantia, não buscamos tanto reparar a ofensa com vistas ral do crime parece tão pequena e a punição tão grande, que
a conservar toda a nossa fortuna, mas com vistas àquela só com muita dificuldade nosso coração se reconcilia com
quantia particular que perdemos, assim, quando se ofende essa situação. Embora esse descuido pareça muito censurá-
ou destrói um só homem, exigimos punição pelo mal que vel, a idéia desse crime, porém, não suscita naturalmente um
lhe foi feito, menos por preocupação pelo interesse geral da ressentimento tal que nos fizesse realizar tão terrível vingan-
sociedade, que por preocupação com aquele indivíduo ofen- ça. Um humanitário deve se recompor, fazer um esforço e
dido. É preciso notar, porém, que essa preocupação não exercer toda a sua firmeza e resolução antes de poder ou
inclui necessariamente nenhum grau daqueles sentimentos infligir o castigo ou participar dele, quando infligido por
peculiares, comumente chamados amor, estima, afeto, pelos outros. Não é dessa maneira, entretanto, que concebe o justo
quais distinguimos nossos amigos particulares e conhecidos. castigo de um ingrato assassino ou parricida. Nesse caso, seu
A preocupação que se exige nesse caso não é mais do que a coração aplaude com fervor, e mesmo com arrebatamento, a
solidariedade geral que temos para com todo homem, mera- justa retaliação que parece devida a tão detestáveis crimes.
mente por ser nosso semelhante. Compartilhamos até mes- Se, por algum acaso, o criminoso escapasse, ficaria muitíssi-
mo o ressentimento de uma pessoa odiosa, quando é ofendi- mo irado e desapontado. Os sentimentos muito diferentes
da por aqueles a quem não provocou. Nesse caso, nossa com que o espectador assiste a esses diferentes castigos são
desaprovação de seus habituais caráter e conduta não impe- prova de que a aprovação de um está longe de se funda-
de nossa completa solidariedade com sua indignação natu- mentar sobre os mesmos princípios que a de outro. Consi-
ral, embora entre os que não são extremamente francos, ou dera a sentinela uma vítima infeliz que, de fato, deve devo-
não foram acostumados a corrigir e regular seus sentimentos tar-se à segurança de muitos, mas a quem, mesmo assim, em
naturais por regras gerais, essa solidariedade seja provavel- seu coração ficaria feliz de salvar; lamenta apenas que o inte-
mente reduzida. resse de muitos se oponha a isso. Mas se o assassino esca-
Em algumas ocasiões, com efeito, a um tempo punimos passe de punição, isso suscitaria sua maior indignação, e cla-
e aprovamos a punição apenas com vistas ao interesse geral maria por Deus para que vingasse em outro mundo esse
da sociedade que, imaginamos, não pode ser assegurado de crime que a injustiça humana deixou de castigar na terra.
outra maneira. São dessa espécie todas as punições infligidas Pois é digno de nota que estamos tão longe de imaginar
por infração ao que se chama código civil ou disciplina mili- que a injustiça deveria ser punida nesta vida apenas em
tar. Tais crimes não ferem imediata ou diretamente nenhuma razão da ordem da sociedade, a qual de outra maneira não
pessoa em particular, mas suas conseqüências remotas, su- pode ser mantida, que a natureza nos ensina a ter esperança
põe-se, produzem ou poderiam produzir quer um considerá- e, supomos, a religião nos autoriza a aguardar que será puni-
vel inconveniente, quer uma grande desordem na sociedade. da até mesmo numa vida futura. Nosso sentido de seu mau
Por exemplo, uma sentinela que adormece na sua vigília é merecimento busca essa punição, se me permitem dizer, até
condenada à morte segundo as leis da guerra, porque esse mesmo além do túmulo, embora o exemplo de seu castigo
descuido poderia pôr em perigo o exército inteiro. Em mui- naquele lugar não possa servir para deter o resto dos ho-
tas ocasiões, essa severidade pode se mostrar necessária, e, mens- que não o vêem e dele não sabem- de ser culpado
114 TEORIA DOS SEN77MENTOS MORAIS

das mesmas práticas aqui. Mas a justiça de Deus, pensamos,


ainda exige que se vinguem as ofensas da viúva e do órfão,
tantas vezes insultados com essa impunidade. Assim, em to-
da religião, em toda superstição que o mundo jamais con-
SEÇÃO III
templou, tem havido tanto um Tártaro quanto um Elísio; um
lugar para castigo dos maus, bem como outro, para recom- Da influência da fortuna* sobre os
pensa dos justos.
sentimentos da humanidade quanto
ao mérito ou demérito das ações

INTRODUÇÃO

Seja qual for o louvor ou censura devido a qualquer ação,


necessariamente pertence, primeiro, à intenção ou afeto do
coração, do qual procede; ou, segundo, à ação ou movimen-
to externo do corpo, que esse afeto provoca; ou, finalmente, às
boas ou más conseqüências que na verdade e de fato dele pro-
cedem. Essas três diferentes coisas constituem toda a natureza
e circunstâncias da ação, e devem ser o fundamento de qual-
quer qualidade que lhe possa pertencer.
Que as duas últimas dessas três circunstâncias não po-
dem constituir o fundamento de nenhum louvor ou censura
é amplamente óbvio, e ninguém jamais afirmou o contrário.
A ação externa ou movimento do corpo é freqüentemente a
mesma nas ações mais inocentes e nas mais censuráveis. O
que atira num pássaro e o que atira num homem realizam o

• "Fortune", no original. Designa sorte, destino, acaso, em suma, o im-


ponderável. Todas essas expressões poderiam ser utilizadas, não fosse o
conteúdo estóico, por assim dizer, que Smith confere à palavra. Como o lei-
tor verá, isso ficará mais claro no cap. III da seção III, nm::td ~Hn ente p. 181,
onde o autor fala em "círculo da experiência", idéia que remete, ainda que
vagamente, à imagem da Roda da Fortuna. Além disso, é preciso marcar a
diferença entre Smith e seu amigo David Hume, que utiliza não a palavra
"Fortune", mas "chance" (acaso), de teor mais mecanicista, por assim dizer.
(Conferir Enquires Concerning Human Understanding, VI, 46-47, ed. Selby-
Bigge, Oxford, 1957). (N. da R. T.)
114 TEORIA DOS SEN77MENTOS MORAIS

das mesmas práticas aqui. Mas a justiça de Deus, pensamos,


ainda exige que se vinguem as ofensas da viúva e do órfão,
tantas vezes insultados com essa impunidade. Assim, em to-
da religião, em toda superstição que o mundo jamais con-
SEÇÃO III
templou, tem havido tanto um Tártaro quanto um Elísio; um
lugar para castigo dos maus, bem como outro, para recom- Da influência da fortuna* sobre os
pensa dos justos.
sentimentos da humanidade quanto
ao mérito ou demérito das ações

INTRODUÇÃO

Seja qual for o louvor ou censura devido a qualquer ação,


necessariamente pertence, primeiro, à intenção ou afeto do
coração, do qual procede; ou, segundo, à ação ou movimen-
to externo do corpo, que esse afeto provoca; ou, finalmente, às
boas ou más conseqüências que na verdade e de fato dele pro-
cedem. Essas três diferentes coisas constituem toda a natureza
e circunstâncias da ação, e devem ser o fundamento de qual-
quer qualidade que lhe possa pertencer.
Que as duas últimas dessas três circunstâncias não po-
dem constituir o fundamento de nenhum louvor ou censura
é amplamente óbvio, e ninguém jamais afirmou o contrário.
A ação externa ou movimento do corpo é freqüentemente a
mesma nas ações mais inocentes e nas mais censuráveis. O
que atira num pássaro e o que atira num homem realizam o

• "Fortune", no original. Designa sorte, destino, acaso, em suma, o im-


ponderável. Todas essas expressões poderiam ser utilizadas, não fosse o
conteúdo estóico, por assim dizer, que Smith confere à palavra. Como o lei-
tor verá, isso ficará mais claro no cap. III da seção III, nm::td ~Hn ente p. 181,
onde o autor fala em "círculo da experiência", idéia que remete, ainda que
vagamente, à imagem da Roda da Fortuna. Além disso, é preciso marcar a
diferença entre Smith e seu amigo David Hume, que utiliza não a palavra
"Fortune", mas "chance" (acaso), de teor mais mecanicista, por assim dizer.
(Conferir Enquires Concerning Human Understanding, VI, 46-47, ed. Selby-
Bigge, Oxford, 1957). (N. da R. T.)
TEORIA DOS SENIIMENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 117
116
mesmo movimento externo: cada um deles puxa o gatilho Essa irregularidade do sentimento, que todos percebem,
de uma arma. As conseqüências que realmente e de fato pro- quase ninguém conhece suficientemente e ninguém está dis-
cedem de qualquer ação, se possível, são ainda mais indife- posto a admitir, é o que passarei a explicar agora; e primeiro
rentes a louvor ou censura do que o movimento externo do devo considerar a causa que a origina, ou o mecanismo pelo
corpo. Como não dependem do agente, mas da fortuna, não qual a natureza a produz; segundo, a extensão de sua in-
podem constituir fundamento adequado de nenhum senti- fluência; e, por último, o fim ao qual responde, ou que pro-
mento do qual sejam objeto seu caráter e conduta. pósito o Autor da natureza teria pretendido com ela.
As únicas conseqüências pelas quais o agente pode ser
responsável ou pelas quais pode merecer qualquer espécie
de aprovação ou desaprovação são as que foram de algum CAPÍTULO I
modo intencionadas ou, pelo menos, mostram alguma quali- Das causas dessa influência da fortuna
dade agradável ou desagradáv I na intenção do coração, a
partir da qual ele agiu. À inre n -à ou afeto do coração, pois, Sejam quais forem as causas da dor e do prazer, ou os
à conve niê ncia ou inconveniência, à beneficência ou malig- modos como operam, parecem constituir os objetos que, em
nidade do desígnio, deve em última instância pertencer todo todos os animais, imediatamente suscitam essas duas pai-
o elogio ou censura, toda a espécie de aprovação ou desapro- xões de gratidão e ressentimento. São suscitadas por objetos
vação, que se possa conferir com justiça a cada ação. inanimados bem como por animados. Zangamo-nos, por um
Quando essa máxima é assim proposta, em termos momento, até com a pedra que nos machuca. Uma criança
abstratos e gerais, não há quem não concorde com ela. Sua bate nela, um cão late para ela, um homem encolerizado po-
evidente justiça é reconhecida pelo mundo todo, e não há derá amaldiçoá-la. Mas a menor reflexão, com efeito, corrige
voz discordante na humanidade. Todo o mundo admite que, esse sentimento, e logo percebemos que aquilo que não pos-
por mais diferentes que sejam as conseqüências acidentais, sui percepção é objeto muito impróprio de vingança. Porém,
não-intencionadas e imprevisíveis das diferentes ações, mes- quando o dano foi muito grande, o objeto que o causou
mo assim, se as intenções ou afetos de que se originam fos- sempre se nos é desagradável, e sentimos prazer em queimá-
sem, por um lado, igualmente apropriados e igualmente be- lo ou destruí-lo. Desta maneira deveríamos tratar o instru-
neficentes, ou, por outro, igualmente impróprios e malevo- mento que acidentalmente causou a morte de um amigo, e
lentes, o mérito ou demérito das ações ainda seria o mesmo, freqüentemente nos julgamos culpados de uma espécie de
e o agente igualmente objeto adequado de gratidão ou de desumanidade, por deixarmos de revidar essa absurda espé-
ressentimento.
cie de vingança.
Mas ainda que, ao considerarmos desse modo essa má-
Do mesmo modo, concebemos uma espécie de gratidão
xima imparcial, isto é, em abstrato, esLejamos bastante per-
por aqueles objetos inanimados que foram causa de grande
suadidos de sua verdade, ao alcançam1os os asos particula-
ou freqüente prazer nosso. O marujo que, tão logo alcança
res, as reais conseqüências que eventualmente procedem de
terra firme, acende seu fogo com a prancha sobre a qual aca-
qualquer ação têm um enorme efeito sobre nossos sentimen-
ba de escapar de um naufrágio pareceria culpado de uma
tos a resp iro de seu mérito ou demérito, e quase sempre
tanto intensificam quanto reduzem nosso senso de ambos. É ação antinatural. Deveríamos esperar que a preservasse com
po uco provável que, após examinarmos um caso qualquer, cuidado e afeto, como monumento de certa forma querido.
venhamos a descobrir que nossos sentimentos são inteira- Um homem passa a gostar de uma caixinha de rapé , de um
mente regulados pQr essa regra , a qual, todos admitimos, de- canivete, de um bastão do qual fez uso durante muito tem-
veria regulá-los inteiramente. po, e a conceber algo parecido com um verdadeiro amor e
TEORIA DOS SENIIMENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 117
116
mesmo movimento externo: cada um deles puxa o gatilho Essa irregularidade do sentimento, que todos percebem,
de uma arma. As conseqüências que realmente e de fato pro- quase ninguém conhece suficientemente e ninguém está dis-
cedem de qualquer ação, se possível, são ainda mais indife- posto a admitir, é o que passarei a explicar agora; e primeiro
rentes a louvor ou censura do que o movimento externo do devo considerar a causa que a origina, ou o mecanismo pelo
corpo. Como não dependem do agente, mas da fortuna, não qual a natureza a produz; segundo, a extensão de sua in-
podem constituir fundamento adequado de nenhum senti- fluência; e, por último, o fim ao qual responde, ou que pro-
mento do qual sejam objeto seu caráter e conduta. pósito o Autor da natureza teria pretendido com ela.
As únicas conseqüências pelas quais o agente pode ser
responsável ou pelas quais pode merecer qualquer espécie
de aprovação ou desaprovação são as que foram de algum CAPÍTULO I
modo intencionadas ou, pelo menos, mostram alguma quali- Das causas dessa influência da fortuna
dade agradável ou desagradáv I na intenção do coração, a
partir da qual ele agiu. À inre n -à ou afeto do coração, pois, Sejam quais forem as causas da dor e do prazer, ou os
à conve niê ncia ou inconveniência, à beneficência ou malig- modos como operam, parecem constituir os objetos que, em
nidade do desígnio, deve em última instância pertencer todo todos os animais, imediatamente suscitam essas duas pai-
o elogio ou censura, toda a espécie de aprovação ou desapro- xões de gratidão e ressentimento. São suscitadas por objetos
vação, que se possa conferir com justiça a cada ação. inanimados bem como por animados. Zangamo-nos, por um
Quando essa máxima é assim proposta, em termos momento, até com a pedra que nos machuca. Uma criança
abstratos e gerais, não há quem não concorde com ela. Sua bate nela, um cão late para ela, um homem encolerizado po-
evidente justiça é reconhecida pelo mundo todo, e não há derá amaldiçoá-la. Mas a menor reflexão, com efeito, corrige
voz discordante na humanidade. Todo o mundo admite que, esse sentimento, e logo percebemos que aquilo que não pos-
por mais diferentes que sejam as conseqüências acidentais, sui percepção é objeto muito impróprio de vingança. Porém,
não-intencionadas e imprevisíveis das diferentes ações, mes- quando o dano foi muito grande, o objeto que o causou
mo assim, se as intenções ou afetos de que se originam fos- sempre se nos é desagradável, e sentimos prazer em queimá-
sem, por um lado, igualmente apropriados e igualmente be- lo ou destruí-lo. Desta maneira deveríamos tratar o instru-
neficentes, ou, por outro, igualmente impróprios e malevo- mento que acidentalmente causou a morte de um amigo, e
lentes, o mérito ou demérito das ações ainda seria o mesmo, freqüentemente nos julgamos culpados de uma espécie de
e o agente igualmente objeto adequado de gratidão ou de desumanidade, por deixarmos de revidar essa absurda espé-
ressentimento.
cie de vingança.
Mas ainda que, ao considerarmos desse modo essa má-
Do mesmo modo, concebemos uma espécie de gratidão
xima imparcial, isto é, em abstrato, esLejamos bastante per-
por aqueles objetos inanimados que foram causa de grande
suadidos de sua verdade, ao alcançam1os os asos particula-
ou freqüente prazer nosso. O marujo que, tão logo alcança
res, as reais conseqüências que eventualmente procedem de
terra firme, acende seu fogo com a prancha sobre a qual aca-
qualquer ação têm um enorme efeito sobre nossos sentimen-
ba de escapar de um naufrágio pareceria culpado de uma
tos a resp iro de seu mérito ou demérito, e quase sempre
tanto intensificam quanto reduzem nosso senso de ambos. É ação antinatural. Deveríamos esperar que a preservasse com
po uco provável que, após examinarmos um caso qualquer, cuidado e afeto, como monumento de certa forma querido.
venhamos a descobrir que nossos sentimentos são inteira- Um homem passa a gostar de uma caixinha de rapé , de um
mente regulados pQr essa regra , a qual, todos admitimos, de- canivete, de um bastão do qual fez uso durante muito tem-
veria regulá-los inteiramente. po, e a conceber algo parecido com um verdadeiro amor e
118 TEORIA DOS SEN11MENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 119

afeto por eles. Se os quebra ou perde, seu aborrecimento é zcr 01as faz -1 sab r q u xpcdm nta sua re om pensa por
inteiramente desproporcional ao valor do prejuízo. A casa na aL:sa d sua c ncluta pas ada, torná-lo fe liz om essa on-
qual vivemos por longo tempo, a árvore cujo verdor e sombra duta ~ salisf ito, poi a p oa -~ quem prest u seus b ns ser-
saboreamos longo tempo, são contemplados com uma sorte vi · s não é indigna deles. O que mais nos e n ·ant-~ e m nosso
de respeito que parece devido a tais benfeitores. A decadên- benfe·itor é a harmonia entre . cus se.ntim ntos e · noss s
cia de uma, a ruína de outra, afetam-nos com uma espécie de 0
qu diz resp ito ao qu nos inter ssa Lanto quanto va-
melancolia, embora não soframos perda nenhuma com isso. lo r d · n s próprio caráte r a slim qu ·· no é d vida. Fi-
É provável que as dríades e os deuses-lares dos antigos, es- camos e ncantados ao e ncontrar um pessoa qu nos atribui
pécie de gênios das árvores e das casas, tenham sido origi- 0 me. mo valor qu e nós m sroo · no a tr ibuún , nos di tin-
nalmente sugeridos por esse tipo de afeto que os autores dessas gue d resto dos homen om uma at •n ·ão s ·rnelhanre • que-
superstições sentiam por tais objetos, e que pareceria insen- la m qu e nós n s disting limos. C ns rva r nela css s nti-
sato se não houvesse nesses objetos nada de animado. mentos agrac.láve i. Jisonj iras é uma elas prln ·ipa i: fin alidades
Mas para que algo possa ser objeto apropriado de grati- prop ostas pelas retribui ões 1ue n dis1 omos a lbe faze r.
dão ou ressentimento, deve não apenas ser a causa do pra- m espírito g n roso muitas vez .. desdenha a idé ia 1nte res-
zer ou dor, mas igualmente deve ser capaz de os sentir. Sem seim d e extorquir n vos fav r s de seu benfe itor, o qu e se
essa outra qualidade, aquelas paixões não podem dar vazão pode ham.ar d lmpe rtin. ~ n la d sua gracidão. Mas con e r-
a nenhuma satisfação. Como são suscitadas pelas causas do va r e umcntar ::t • Uma do b nfe it< r é um inte resse qu e n e m
prazer ou dor, sua gratificação consiste em revidar essas sen- me mo um grande pírito julga indigno de sua at •nçào. E ·-
sações sobre o que as causou, o que é inútil quando se trata é o runda me nt d qu o hser\fi i inicialmente: quando .0 '
de algo sem sensibilidade. Os animais, portanto, são objetos somo ca pazes d companilh'lr os motivos de nosso b n.fei-
menos impróprios de gratidão e ressentimento do que obje- tor, quancl ua ·onduw caráte r nos pa rece m indígnos d
tos inanimados. O cão que morde, o boi que chifra, são am- nossa a pro va âo, po r maio res qu sejam s us favo r s nossa
bos punidos. Se foram a causa da morte de uma pessoa, nem g ratjdâo senipr diminui on~ id erav !mente. A dislinçft no.
o público nem os parentes do morto ficarão satisfeitos, a me- lis nj ia m · no ; · on serva r a estima de um pa Lro n rào fra-
nos que por sua vez os animais sejam mortos; e isso não é co o u indig n é obj to qu e não me.t c, s r bus ·ado s p ) !'
apenas por segurança dos vivos, mas de certa maneira para si mesmo.
vingar a ofensa aos mortos. Ao contrário, os animais que fo- Ao contrário, o propósito mais almejado pelo ressenti-
ram notavelmente úteis aos seus donos tornam-se objetos de mento não é tanto fazer que nosso inimigo, por sua vez,
uma gratidão muito intensa. Ofende-nos a brutalidade da- também sinta dor, mas fazê-lo saber que a sente por causa
quele funcionário, mencionado em O espião turco, que esfa- de sua conduta passada, fazê-lo arrepender-se dessa condu-
queou o cavalo que o conduziu por um braço de mar, temen- ta e perceber que a pessoa a qu •m o~ ncleu não merece ser
do que no futuro o animal distinguisse uma outra pessoa com tratada daquela mane ira. O que m~1i no enraivece no ho-
aventura similar. mem q ue nos o fende o u lnsultn a pou a c ma em que pa-
Embora os animais não sejam apenas a causa de prazer rece n s t r, a 1 referê ncia insensata que dá a s i mesmo em
e dor, pois também são capazes de ter essas sensações, não detrirn nto de nós, e ab~urd am r de si qu e o faz imagi-
constituem, todavia, objetos completos e perfeitos, seja de nar qu utras p ssoa · pod , m a qualquer mome nto s • sa ·ri-
gratidão, seja de ressentimento, já que falta àquelas paixões ficaJ· p r seus caprichos o u bum r. A berrante in nve nlên-
algo que as satisfaça inteiramente. O que a gratidão mais de- cia d essa onduw , a .gr sse ira insol ncia e injustiça q ue ela
seja é não apenas fazer que o benfeitor sinta por sua vez pra- pare · envo lv r, multas v ezes nos delxa m inclignad s exa.-
118 TEORIA DOS SEN11MENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 119

afeto por eles. Se os quebra ou perde, seu aborrecimento é zcr 01as faz -1 sab r q u xpcdm nta sua re om pensa por
inteiramente desproporcional ao valor do prejuízo. A casa na aL:sa d sua c ncluta pas ada, torná-lo fe liz om essa on-
qual vivemos por longo tempo, a árvore cujo verdor e sombra duta ~ salisf ito, poi a p oa -~ quem prest u seus b ns ser-
saboreamos longo tempo, são contemplados com uma sorte vi · s não é indigna deles. O que mais nos e n ·ant-~ e m nosso
de respeito que parece devido a tais benfeitores. A decadên- benfe·itor é a harmonia entre . cus se.ntim ntos e · noss s
cia de uma, a ruína de outra, afetam-nos com uma espécie de 0
qu diz resp ito ao qu nos inter ssa Lanto quanto va-
melancolia, embora não soframos perda nenhuma com isso. lo r d · n s próprio caráte r a slim qu ·· no é d vida. Fi-
É provável que as dríades e os deuses-lares dos antigos, es- camos e ncantados ao e ncontrar um pessoa qu nos atribui
pécie de gênios das árvores e das casas, tenham sido origi- 0 me. mo valor qu e nós m sroo · no a tr ibuún , nos di tin-
nalmente sugeridos por esse tipo de afeto que os autores dessas gue d resto dos homen om uma at •n ·ão s ·rnelhanre • que-
superstições sentiam por tais objetos, e que pareceria insen- la m qu e nós n s disting limos. C ns rva r nela css s nti-
sato se não houvesse nesses objetos nada de animado. mentos agrac.láve i. Jisonj iras é uma elas prln ·ipa i: fin alidades
Mas para que algo possa ser objeto apropriado de grati- prop ostas pelas retribui ões 1ue n dis1 omos a lbe faze r.
dão ou ressentimento, deve não apenas ser a causa do pra- m espírito g n roso muitas vez .. desdenha a idé ia 1nte res-
zer ou dor, mas igualmente deve ser capaz de os sentir. Sem seim d e extorquir n vos fav r s de seu benfe itor, o qu e se
essa outra qualidade, aquelas paixões não podem dar vazão pode ham.ar d lmpe rtin. ~ n la d sua gracidão. Mas con e r-
a nenhuma satisfação. Como são suscitadas pelas causas do va r e umcntar ::t • Uma do b nfe it< r é um inte resse qu e n e m
prazer ou dor, sua gratificação consiste em revidar essas sen- me mo um grande pírito julga indigno de sua at •nçào. E ·-
sações sobre o que as causou, o que é inútil quando se trata é o runda me nt d qu o hser\fi i inicialmente: quando .0 '
de algo sem sensibilidade. Os animais, portanto, são objetos somo ca pazes d companilh'lr os motivos de nosso b n.fei-
menos impróprios de gratidão e ressentimento do que obje- tor, quancl ua ·onduw caráte r nos pa rece m indígnos d
tos inanimados. O cão que morde, o boi que chifra, são am- nossa a pro va âo, po r maio res qu sejam s us favo r s nossa
bos punidos. Se foram a causa da morte de uma pessoa, nem g ratjdâo senipr diminui on~ id erav !mente. A dislinçft no.
o público nem os parentes do morto ficarão satisfeitos, a me- lis nj ia m · no ; · on serva r a estima de um pa Lro n rào fra-
nos que por sua vez os animais sejam mortos; e isso não é co o u indig n é obj to qu e não me.t c, s r bus ·ado s p ) !'
apenas por segurança dos vivos, mas de certa maneira para si mesmo.
vingar a ofensa aos mortos. Ao contrário, os animais que fo- Ao contrário, o propósito mais almejado pelo ressenti-
ram notavelmente úteis aos seus donos tornam-se objetos de mento não é tanto fazer que nosso inimigo, por sua vez,
uma gratidão muito intensa. Ofende-nos a brutalidade da- também sinta dor, mas fazê-lo saber que a sente por causa
quele funcionário, mencionado em O espião turco, que esfa- de sua conduta passada, fazê-lo arrepender-se dessa condu-
queou o cavalo que o conduziu por um braço de mar, temen- ta e perceber que a pessoa a qu •m o~ ncleu não merece ser
do que no futuro o animal distinguisse uma outra pessoa com tratada daquela mane ira. O que m~1i no enraivece no ho-
aventura similar. mem q ue nos o fende o u lnsultn a pou a c ma em que pa-
Embora os animais não sejam apenas a causa de prazer rece n s t r, a 1 referê ncia insensata que dá a s i mesmo em
e dor, pois também são capazes de ter essas sensações, não detrirn nto de nós, e ab~urd am r de si qu e o faz imagi-
constituem, todavia, objetos completos e perfeitos, seja de nar qu utras p ssoa · pod , m a qualquer mome nto s • sa ·ri-
gratidão, seja de ressentimento, já que falta àquelas paixões ficaJ· p r seus caprichos o u bum r. A berrante in nve nlên-
algo que as satisfaça inteiramente. O que a gratidão mais de- cia d essa onduw , a .gr sse ira insol ncia e injustiça q ue ela
seja é não apenas fazer que o benfeitor sinta por sua vez pra- pare · envo lv r, multas v ezes nos delxa m inclignad s exa.-
120 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 121

perados mais que todo o dano que sofremos. Restaurar-lhe um mem no primeiro caso, e de demérito, no segundo. E, na medi-
sentido mais justo do que é devido aos outros, fazê-lo perce- da em que as conseqüências das ações estão inteiramente sob
ber o que nos deve e o mal que nos fez, é freqüentemente a o império da fortuna, surge daí sua influência sobre os senti-
principal finalidade a que se propõe nossa vingança, a qual mentos dos homens, no que concerne a mérito e demérito.
é sempre imperfeita quando isso não sucede. Quando nosso
inimigo parece não nos ter feito nenhuma ofensa, quando
percebemos que agiu de maneira bastante conveniente, que, CAPÍTULO II
em sua situação, teríamos feito o mesmo, e que merecemos Dos limites dessa influência da fortuna
dele todo o dano que nos foi causado, nesse caso, se temos
a menor fagulha de sinceridade ou justiça, não poderemos O primeiro efeito dessa influência da fortuna é o de di- 1

cultivar nenhuma espécie de ressentimento. minuir nosso senso do mérito ou demérito das ações que, ori- 1

Portanto, para que algo possa ser objeto completo e apro- ginando-se das mais louváveis ou censuráveis in ten ·ões, são :
priado de gratidão ou ressentimento, deve possuir três distin- incapazes de produzir os efeitos propostos; o segundo, o de .
tas qualificações. Primeiro, deve ser causa de prazer num ca- aumentar nosso senso do mérito ou demérito de ações que, :
so, e de dor no outro. Segundo, deve ser capaz de perceber excedendo os devidos motivos ou afetos dos quais se origi-
essas sensações. E, terceiro, não deve apenas ter produzido es- nam, provocam acidentalmente extraordinário prazer ou ex-
sas sensações, mas deve tê-las produzido com um desígnio, traordinária dor.
e um desí~nio que seja aprovado num caso, e desaprovado 1. Primeiro, afirmo que, embora as intenções de alguém
no outro. E pela primeira qualificação que um objeto qualquer devessem ser tão apropriadas e beneficentes, por um lado,
pode suscitar aquelas paixões; pela segunda, é capaz de as ou impróprias e malevolentes, por outro, se malograrem em
satisfazer em algum aspecto; a terceira qualificação é neces- produzir os efeitos, seu mérito se revela imperfeito nu m ca-
sária não apenas para a completa satisfação dessas paixões, so, e seu demérito incompleto no outro. Essa irregul aridade
mas, por provocar dor ou prazer a um tempo refinado e pe- de sentimento não é, entretanto, percebida apenas pelos que
culiar, constitui igualmente causa motriz suplementar daque- são imediatamente afetados pelas conseqüências de qual-
las paixões. quer ação. Em certa medida, mesmo o espectador imparcial
Ainda que as intenções de alguém sempre fossem apro- a percebe. O homem que solicita um favor para outro, mas
priadas e beneficentes, por um lado, ou impróprias e male- não o obtém, é considerado seu amigo e parece merecer seu
volentes, por outro, como o que provoca prazer ou dor é a amor e afeição. Porém, o homem que não apenas solicita,
única causa motriz de gratidão e ressentimento, se não se mas o consegue, é mais peculiarmente considerado seu pa-
conseguiu produzir o bem ou mal que se pretendia, por fal- trono I enfe itor, e possui o direito a seu respeito e gratidão.
tar nos dois casos uma das causas motrizes, menos gratidão Tendem o · a pe nsar que a pessoa devedora pode, com algu- 1

parece se dever num caso, e noutro, menos ressentimento. E, ma justiça, imagi na r-se no mesmo n1vel da prime ira; ma · nâ ~
inversamente, ainda que nas intenções de alguém não hou- podemos participar d s u s nUm. ntos, el nãc s . c:mtir
vesse, de um lado, nenhum grau louvável de benevolência, inferi or à segunda. ] e fat , é 'O I! U l11 dizer Cjll a 111 )S igual-
ou, de outro, nenhum grau censurável de malignidade, se me nte d v do r do b me m qu t "'nl u no· s rvir d que
suas ações produzirem ou grande bem ou grande mal, por efetivamente o fez. É o discurso que constantemente forja-
estar presente nessas duas ocasiões uma das causas motrizes mos em toda tentativa mal sucedida dessa espécie; embora,
alguma gratidão pode surgir num caso e noutro, algum res~ como todos os outros belos discursos, deva ser compreendi-
sentimento. Uma sombra de mérito parece recair sobre o ho- do com alguma condescendência. Os sentimentos que um ho- :
120 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 121

perados mais que todo o dano que sofremos. Restaurar-lhe um mem no primeiro caso, e de demérito, no segundo. E, na medi-
sentido mais justo do que é devido aos outros, fazê-lo perce- da em que as conseqüências das ações estão inteiramente sob
ber o que nos deve e o mal que nos fez, é freqüentemente a o império da fortuna, surge daí sua influência sobre os senti-
principal finalidade a que se propõe nossa vingança, a qual mentos dos homens, no que concerne a mérito e demérito.
é sempre imperfeita quando isso não sucede. Quando nosso
inimigo parece não nos ter feito nenhuma ofensa, quando
percebemos que agiu de maneira bastante conveniente, que, CAPÍTULO II
em sua situação, teríamos feito o mesmo, e que merecemos Dos limites dessa influência da fortuna
dele todo o dano que nos foi causado, nesse caso, se temos
a menor fagulha de sinceridade ou justiça, não poderemos O primeiro efeito dessa influência da fortuna é o de di- 1

cultivar nenhuma espécie de ressentimento. minuir nosso senso do mérito ou demérito das ações que, ori- 1

Portanto, para que algo possa ser objeto completo e apro- ginando-se das mais louváveis ou censuráveis in ten ·ões, são :
priado de gratidão ou ressentimento, deve possuir três distin- incapazes de produzir os efeitos propostos; o segundo, o de .
tas qualificações. Primeiro, deve ser causa de prazer num ca- aumentar nosso senso do mérito ou demérito de ações que, :
so, e de dor no outro. Segundo, deve ser capaz de perceber excedendo os devidos motivos ou afetos dos quais se origi-
essas sensações. E, terceiro, não deve apenas ter produzido es- nam, provocam acidentalmente extraordinário prazer ou ex-
sas sensações, mas deve tê-las produzido com um desígnio, traordinária dor.
e um desí~nio que seja aprovado num caso, e desaprovado 1. Primeiro, afirmo que, embora as intenções de alguém
no outro. E pela primeira qualificação que um objeto qualquer devessem ser tão apropriadas e beneficentes, por um lado,
pode suscitar aquelas paixões; pela segunda, é capaz de as ou impróprias e malevolentes, por outro, se malograrem em
satisfazer em algum aspecto; a terceira qualificação é neces- produzir os efeitos, seu mérito se revela imperfeito nu m ca-
sária não apenas para a completa satisfação dessas paixões, so, e seu demérito incompleto no outro. Essa irregul aridade
mas, por provocar dor ou prazer a um tempo refinado e pe- de sentimento não é, entretanto, percebida apenas pelos que
culiar, constitui igualmente causa motriz suplementar daque- são imediatamente afetados pelas conseqüências de qual-
las paixões. quer ação. Em certa medida, mesmo o espectador imparcial
Ainda que as intenções de alguém sempre fossem apro- a percebe. O homem que solicita um favor para outro, mas
priadas e beneficentes, por um lado, ou impróprias e male- não o obtém, é considerado seu amigo e parece merecer seu
volentes, por outro, como o que provoca prazer ou dor é a amor e afeição. Porém, o homem que não apenas solicita,
única causa motriz de gratidão e ressentimento, se não se mas o consegue, é mais peculiarmente considerado seu pa-
conseguiu produzir o bem ou mal que se pretendia, por fal- trono I enfe itor, e possui o direito a seu respeito e gratidão.
tar nos dois casos uma das causas motrizes, menos gratidão Tendem o · a pe nsar que a pessoa devedora pode, com algu- 1

parece se dever num caso, e noutro, menos ressentimento. E, ma justiça, imagi na r-se no mesmo n1vel da prime ira; ma · nâ ~
inversamente, ainda que nas intenções de alguém não hou- podemos participar d s u s nUm. ntos, el nãc s . c:mtir
vesse, de um lado, nenhum grau louvável de benevolência, inferi or à segunda. ] e fat , é 'O I! U l11 dizer Cjll a 111 )S igual-
ou, de outro, nenhum grau censurável de malignidade, se me nte d v do r do b me m qu t "'nl u no· s rvir d que
suas ações produzirem ou grande bem ou grande mal, por efetivamente o fez. É o discurso que constantemente forja-
estar presente nessas duas ocasiões uma das causas motrizes mos em toda tentativa mal sucedida dessa espécie; embora,
alguma gratidão pode surgir num caso e noutro, algum res~ como todos os outros belos discursos, deva ser compreendi-
sentimento. Uma sombra de mérito parece recair sobre o ho- do com alguma condescendência. Os sentimentos que um ho- :
122 TEORIA DOS SEN77MENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 123

mem generoso nutre pelo amigo que malogra freqüentemen- te convencidos da capacidade de os produzir. O general que
te estão, com efeito, muito próximos dos que concebe pelo foi impedido, pela inveja dos ministros, de ganhar alguma gran-
que é bem sucedido; e quanto mais generoso for, mais pró- de vantagem sobre os inimigos de seu país lamenta a perda
ximos estarão esses sentimentos de um nível idêntico. Para da oportunidade para sempre. E não é só pelo público que la-
os verdadeiramente generosos, ser amado e estimado pelos menta. Lamenta ter sido impedido de realizar uma ação que
que eles mesmos julgam dignos de estima promove mais pra- teria acrescentado, quer a seus olhos, quer aos olhos de to-
zer e, por isso, suscita mais gratidão, do que todas as vanta- das as outras pessoas, novo brilho a seu caráter. Não satisfaz,
gens que possam esperar daqueles sentimentos. Quando per- nem a ele nem a outros, refletir que o plano ou desígnio era
dem essas vantagens, portanto, demonstram ter perdido nada tudo o que dependia dele; que não se exigia maior capacida-
além de uma ninharia, que quase nem vale a pena levar em de para executá-lo do que para projetá-lo; que seria extrema-
conta. Ainda assim, entretanto, perderam alguma coisa. Por mente capaz de pô-lo em prática e, se lhe tivessem permiti-
isso, seu prazer, e conseqüentemente sua gratidão, não são do seguir adiante, o êxito não tardaria. Mesmo assim, não o
1 inteiramente completos. Desse modo, se são iguais as circuns- executou; e, embora possa merecer toda a aprovação devida
1 tâncias restantes entre um amigo que malogra e outro, bem a um grande e magnânimo desígnio, ainda assim faltou-lhe o
1sucedido, mesmo no melhor e mais nobre espírito haverá mérito real de ter realizado uma grande ação. Subtrair a admi-
1 uma pequena diferença de afeto em favor do bem sucedido. nistração de qualquer assunto de interesse público a um ho-
Mais ainda: tão injusta é a humanidade a esse respeito que, mem que quase o trouxe a termo é considerado a mais insi-
embora o benefício pretendido seja obtido, se não o for por diosa injustiça. Como fez tanto, pensamos que deveriam per-
meio de um benfeitor particular, pode-se pensar que se deve mitir-lhe obter o mérito completo de levar o assunto a cabo.
menos gratidão ao homem que, com as melhores intenções Objetou-se a Pompeu que ele se intrometera nas vitórias de
do mundo, não pôde senão ajudar a avançar um pouco mais. Lúculo•, recebendo os louros devidos ao valor e sorte de ou-
Como nesse caso a gratidão dos homens se divide entre as tro. Ao que parece, a glória de Lúculo foi menos completa até
diferentes pessoas que contribuíram para seu prazer, uma na opinião de seus amigos, pois não lhe permitiram concluir
parte menor dela parece devida a cada uma. É comum ouvir- a conquista que sua conduta e coragem tornaram possível a
mos os homens dizerem que tal pessoa sem dúvida preten- qualquer homem concluir. Um arquiteto fica mortificado quan-
dia nos servir, e realme nce acreditamos que empenhou todas do seus projetos ou não são inteiramente postos em prática,
as suas habilidades para esse fim. Mas não lhe somos deve- ou são tão alterados que danificam a execução do edifício.
dores pelo seu benefício, uma vez que, não fosse pela con- Mas o projeto é tudo o que depende do arquiteto. Segundo
cordância de outros, tudo o que pudesse fazer não traria tal bons críticos, todo o gênio de um arquiteto se revela tanto no
1 benefício. Os homens imaginam que, até mesmo aos olhos do
projeto quanto na execução de fato. No entanto, mesmo os
mais inteligentes consideram que o projeto não proporciona
~'lpe tador ímpa r.cial, ssa p ndera - o diminui a dívida qu
.c
tem pam ·om sa pes. oa. Aq u le que le mo u m êxito pro- tanto prazer quanto um nobre e esplêndido edifício. Podem
I mover um bcn fí io não d pend d ' mod algum, da grati-
descobrir tanto bom gosto e genialidade num e noutra. Mas
ainda assim os respectivos efeitos são enormemente diferen-
dão d h mem a qu em p r tendia ma mer s b obrJgação n m
tes, e a distração que encontram com o primeiro jamais se
possui o mesmo senso de seu próprio mérito em relação a es-
se, em caso de êxito. aproxima do assombro e admiração que por vezes a segun-
Mesmo o mérito de talentos e habilidades, os quais al-
gum acidente impediu de produzirem seus efeitos, revela-se ' Lúcio Lucínio Lúculo, comandante do exé rcito romano de 74 a 66
em certa medida imperfeito, até para os que estão plenamen- a.C. (N. da R. T.)
122 TEORIA DOS SEN77MENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 123

mem generoso nutre pelo amigo que malogra freqüentemen- te convencidos da capacidade de os produzir. O general que
te estão, com efeito, muito próximos dos que concebe pelo foi impedido, pela inveja dos ministros, de ganhar alguma gran-
que é bem sucedido; e quanto mais generoso for, mais pró- de vantagem sobre os inimigos de seu país lamenta a perda
ximos estarão esses sentimentos de um nível idêntico. Para da oportunidade para sempre. E não é só pelo público que la-
os verdadeiramente generosos, ser amado e estimado pelos menta. Lamenta ter sido impedido de realizar uma ação que
que eles mesmos julgam dignos de estima promove mais pra- teria acrescentado, quer a seus olhos, quer aos olhos de to-
zer e, por isso, suscita mais gratidão, do que todas as vanta- das as outras pessoas, novo brilho a seu caráter. Não satisfaz,
gens que possam esperar daqueles sentimentos. Quando per- nem a ele nem a outros, refletir que o plano ou desígnio era
dem essas vantagens, portanto, demonstram ter perdido nada tudo o que dependia dele; que não se exigia maior capacida-
além de uma ninharia, que quase nem vale a pena levar em de para executá-lo do que para projetá-lo; que seria extrema-
conta. Ainda assim, entretanto, perderam alguma coisa. Por mente capaz de pô-lo em prática e, se lhe tivessem permiti-
isso, seu prazer, e conseqüentemente sua gratidão, não são do seguir adiante, o êxito não tardaria. Mesmo assim, não o
1 inteiramente completos. Desse modo, se são iguais as circuns- executou; e, embora possa merecer toda a aprovação devida
1 tâncias restantes entre um amigo que malogra e outro, bem a um grande e magnânimo desígnio, ainda assim faltou-lhe o
1sucedido, mesmo no melhor e mais nobre espírito haverá mérito real de ter realizado uma grande ação. Subtrair a admi-
1 uma pequena diferença de afeto em favor do bem sucedido. nistração de qualquer assunto de interesse público a um ho-
Mais ainda: tão injusta é a humanidade a esse respeito que, mem que quase o trouxe a termo é considerado a mais insi-
embora o benefício pretendido seja obtido, se não o for por diosa injustiça. Como fez tanto, pensamos que deveriam per-
meio de um benfeitor particular, pode-se pensar que se deve mitir-lhe obter o mérito completo de levar o assunto a cabo.
menos gratidão ao homem que, com as melhores intenções Objetou-se a Pompeu que ele se intrometera nas vitórias de
do mundo, não pôde senão ajudar a avançar um pouco mais. Lúculo•, recebendo os louros devidos ao valor e sorte de ou-
Como nesse caso a gratidão dos homens se divide entre as tro. Ao que parece, a glória de Lúculo foi menos completa até
diferentes pessoas que contribuíram para seu prazer, uma na opinião de seus amigos, pois não lhe permitiram concluir
parte menor dela parece devida a cada uma. É comum ouvir- a conquista que sua conduta e coragem tornaram possível a
mos os homens dizerem que tal pessoa sem dúvida preten- qualquer homem concluir. Um arquiteto fica mortificado quan-
dia nos servir, e realme nce acreditamos que empenhou todas do seus projetos ou não são inteiramente postos em prática,
as suas habilidades para esse fim. Mas não lhe somos deve- ou são tão alterados que danificam a execução do edifício.
dores pelo seu benefício, uma vez que, não fosse pela con- Mas o projeto é tudo o que depende do arquiteto. Segundo
cordância de outros, tudo o que pudesse fazer não traria tal bons críticos, todo o gênio de um arquiteto se revela tanto no
1 benefício. Os homens imaginam que, até mesmo aos olhos do
projeto quanto na execução de fato. No entanto, mesmo os
mais inteligentes consideram que o projeto não proporciona
~'lpe tador ímpa r.cial, ssa p ndera - o diminui a dívida qu
.c
tem pam ·om sa pes. oa. Aq u le que le mo u m êxito pro- tanto prazer quanto um nobre e esplêndido edifício. Podem
I mover um bcn fí io não d pend d ' mod algum, da grati-
descobrir tanto bom gosto e genialidade num e noutra. Mas
ainda assim os respectivos efeitos são enormemente diferen-
dão d h mem a qu em p r tendia ma mer s b obrJgação n m
tes, e a distração que encontram com o primeiro jamais se
possui o mesmo senso de seu próprio mérito em relação a es-
se, em caso de êxito. aproxima do assombro e admiração que por vezes a segun-
Mesmo o mérito de talentos e habilidades, os quais al-
gum acidente impediu de produzirem seus efeitos, revela-se ' Lúcio Lucínio Lúculo, comandante do exé rcito romano de 74 a 66
em certa medida imperfeito, até para os que estão plenamen- a.C. (N. da R. T.)
124 TEORIA DOS SENT7MENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 125
da suscita. Podemos acreditar que muitos homens têm talen- por isso, ser sujeitas à mesma punição. Pode-se afirmar ainda
tos superiores aos de César e Alexandre, e que nas mesmas que somos capazes de resolver e até tomar medidas para exe-
situações realizariam feitos ainda maiores. Entretanto, não os cutar muitas coisas que, à hora marcada, contudo, nos senti-
contemplamos com o mesmo assombro e admiração com mos inteiramente incapazes de executar. Mas esse raciocínio
que aqueles dois heróis têm sido contemplados em todos os não tem lugar quando a intenção foi levada às últimas conse-
séculos e por todas as nações. Os juízos calmos do espírito qüências. Porém, o homem que dispara a pistola contra o
podem aprová-los mais, falta-lhes, porém, o esplendor dos inimigo, mas não o acerta, é punido com a morte pelas leis
grandes feitos para deslumbrar e arrebatar. A superioridade de quase todos os países. Segundo a antiga lei da Escócia*,
de virtudes e talentos não tem, inclusive sobre os que reco- ainda que ele fira seu inimigo, salvo se a morte ocorrer den-
nhecem tal superioridade, o mesmo efeito que a superiorida- tro de certo tempo , o assassino, contudo, não merecerá a pu-
de das conquistas. nição extrema. Mas o ressentimento dos homens contra esse
Assim como o mérito de uma fracassada tentativa de fa- crime é tão grande, seu terror ao homem que se mostra ca-
zer o bem parece, aos olhos da humanidade ingrata, diminuí- paz de praticá-lo é tão imenso, que a mera tentativa de o pra-
do pelo malogro, igualmente ocorre com o demérito de uma ticar deveria ser passível de pena capital. A tentativa de prati-
fracassada tentativa de fazer o mal. A intenção de praticar um car crimes menores é quase sempre sujeita a penas leves, e
crime, por mais que se comprove, dificilmente será punida às vezes nem é punida. O ladrão cuja mão foi apanhada den-
com a mesma severidade com que se pune a prática efetiva. tro do bolso do vizinho, antes de tirar dali alguma coisa, é
Talvez o caso da traição constitua a única exceção. Como punido apenas com a ignomínia. Se tivesse tido tempo de re-
afeta diretamente a existência do próprio governo, natural- tirar dali um lenço, teria sido condenado à morte. O arrom-
mente o governo é mais cioso deste do que de qualquer bador que fosse encontrado colocando uma escada junto à
outro crime. Ao punir a traição, o soberano ressente-se das janela de seu vizinho, mas sem entrar por ela, não seria ex-
agressões que o atingem diretamente; ao punir outros crimes, posto à pena capital. A tentativa de violentar não é punida co-
ressente-se das que foram cometiçlas contra outros homens. mo estupro. A tentativa de seduzir uma mulher casada não é
Num caso, cede ao seu próprio ressentimento; no outro, ao punida em absoluto, embora a sedução seja severamente pu-
de seus súditos, do qual por simpatia participa. No primeiro nida. Nosso ressentimento contra a pessoa que apenas ten-
caso, pois, como julga em causa própria, tende a infligir uma tou provocar dano raramente é tão forte que nos leve a infli-
punição muito mais violenta e sanguinária do que a que po- gir punição idêntica a que julgássemos devida, se realmente
de aprovar um espectador imparcial. Seu ressentimento tam- o tivesse provocado. Num caso, a alegria por nos termos li-
bém se insurge em ocasiões menores, e nem sempre, como vrado abranda nosso senso da atrocidade de sua conduta; em
nos outros casos, aguardará que o crime seja perpetrado, ou outro, a aflição pelo nosso infortúnio aumenta esse sentimen-
mesmo que se tente praticá-lo. Uma conjuração traiçoeira, to. Mas o verdadeiro demérito dessa pessoa é, sem dúvida, o
ainda que nada se tenha realizado ou intentado em conse- mesmo nos dois casos, uma vez que suas intenções eram
qüência dela, e mais ainda, um diálogo traiçoeiro, é punido igualmente criminosas; a esse respeito há, portanto, uma irre-
em muitos países do mesmo modo como a prática efetiva da gularidade nos sentimentos de todos os homens, e um canse-
traição. No que concerne a todos os outros crimes, a mera in-
tenção, se não for seguida de nenhuma tentativa, raramente é
• De acordo com os editores Raphael e Macfie (Oxford, 1976), não ha-
punida, e nunca o é com severidade. Pode-se afirmar que uma veria nenhuma lei escocesa com tal conteúdo. É verdade que, em muitos sis-
intenção criminosa e uma ação criminosa de fato não supõem temas jurídicos europeus, a morte ~u o dano deveria ocorre r no período de
necessariamente o mesmo grau de depravação e não deveriam, um ano. (N. da R. T.)
124 TEORIA DOS SENT7MENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 125
da suscita. Podemos acreditar que muitos homens têm talen- por isso, ser sujeitas à mesma punição. Pode-se afirmar ainda
tos superiores aos de César e Alexandre, e que nas mesmas que somos capazes de resolver e até tomar medidas para exe-
situações realizariam feitos ainda maiores. Entretanto, não os cutar muitas coisas que, à hora marcada, contudo, nos senti-
contemplamos com o mesmo assombro e admiração com mos inteiramente incapazes de executar. Mas esse raciocínio
que aqueles dois heróis têm sido contemplados em todos os não tem lugar quando a intenção foi levada às últimas conse-
séculos e por todas as nações. Os juízos calmos do espírito qüências. Porém, o homem que dispara a pistola contra o
podem aprová-los mais, falta-lhes, porém, o esplendor dos inimigo, mas não o acerta, é punido com a morte pelas leis
grandes feitos para deslumbrar e arrebatar. A superioridade de quase todos os países. Segundo a antiga lei da Escócia*,
de virtudes e talentos não tem, inclusive sobre os que reco- ainda que ele fira seu inimigo, salvo se a morte ocorrer den-
nhecem tal superioridade, o mesmo efeito que a superiorida- tro de certo tempo , o assassino, contudo, não merecerá a pu-
de das conquistas. nição extrema. Mas o ressentimento dos homens contra esse
Assim como o mérito de uma fracassada tentativa de fa- crime é tão grande, seu terror ao homem que se mostra ca-
zer o bem parece, aos olhos da humanidade ingrata, diminuí- paz de praticá-lo é tão imenso, que a mera tentativa de o pra-
do pelo malogro, igualmente ocorre com o demérito de uma ticar deveria ser passível de pena capital. A tentativa de prati-
fracassada tentativa de fazer o mal. A intenção de praticar um car crimes menores é quase sempre sujeita a penas leves, e
crime, por mais que se comprove, dificilmente será punida às vezes nem é punida. O ladrão cuja mão foi apanhada den-
com a mesma severidade com que se pune a prática efetiva. tro do bolso do vizinho, antes de tirar dali alguma coisa, é
Talvez o caso da traição constitua a única exceção. Como punido apenas com a ignomínia. Se tivesse tido tempo de re-
afeta diretamente a existência do próprio governo, natural- tirar dali um lenço, teria sido condenado à morte. O arrom-
mente o governo é mais cioso deste do que de qualquer bador que fosse encontrado colocando uma escada junto à
outro crime. Ao punir a traição, o soberano ressente-se das janela de seu vizinho, mas sem entrar por ela, não seria ex-
agressões que o atingem diretamente; ao punir outros crimes, posto à pena capital. A tentativa de violentar não é punida co-
ressente-se das que foram cometiçlas contra outros homens. mo estupro. A tentativa de seduzir uma mulher casada não é
Num caso, cede ao seu próprio ressentimento; no outro, ao punida em absoluto, embora a sedução seja severamente pu-
de seus súditos, do qual por simpatia participa. No primeiro nida. Nosso ressentimento contra a pessoa que apenas ten-
caso, pois, como julga em causa própria, tende a infligir uma tou provocar dano raramente é tão forte que nos leve a infli-
punição muito mais violenta e sanguinária do que a que po- gir punição idêntica a que julgássemos devida, se realmente
de aprovar um espectador imparcial. Seu ressentimento tam- o tivesse provocado. Num caso, a alegria por nos termos li-
bém se insurge em ocasiões menores, e nem sempre, como vrado abranda nosso senso da atrocidade de sua conduta; em
nos outros casos, aguardará que o crime seja perpetrado, ou outro, a aflição pelo nosso infortúnio aumenta esse sentimen-
mesmo que se tente praticá-lo. Uma conjuração traiçoeira, to. Mas o verdadeiro demérito dessa pessoa é, sem dúvida, o
ainda que nada se tenha realizado ou intentado em conse- mesmo nos dois casos, uma vez que suas intenções eram
qüência dela, e mais ainda, um diálogo traiçoeiro, é punido igualmente criminosas; a esse respeito há, portanto, uma irre-
em muitos países do mesmo modo como a prática efetiva da gularidade nos sentimentos de todos os homens, e um canse-
traição. No que concerne a todos os outros crimes, a mera in-
tenção, se não for seguida de nenhuma tentativa, raramente é
• De acordo com os editores Raphael e Macfie (Oxford, 1976), não ha-
punida, e nunca o é com severidade. Pode-se afirmar que uma veria nenhuma lei escocesa com tal conteúdo. É verdade que, em muitos sis-
intenção criminosa e uma ação criminosa de fato não supõem temas jurídicos europeus, a morte ~u o dano deveria ocorre r no período de
necessariamente o mesmo grau de depravação e não deveriam, um ano. (N. da R. T.)
126 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 127

qüente relaxamento da disciplina, -reio eu, nas l is de todas w·a, o u pe lo menos qu o m · r cess no gra u m qu sta-
as nações, das mais civilizadas ãs mai~> bárbara . humani- mos dispostos a · nc d ~-l os. N. sim, àté o m nsageir d más
dade de um povo civilizado o predi. p õe quer a eximir, qu r notícias n o é lesagradável; , a ·ontr.ãrio, s ntirno!') uma
a mitigar as penas, sempre que as conseqüências do crime espé ie d gratidão para com o homem que nos traz boas
não incitem sua natural in ligna ão. De outro lado, os bárba- n va . Por um m menta, o lhamos para e les om se f ssem
ros não tendem a se esm rar na perquirição dos motivos do autor um da boa fonuna, ouu-o ela má , em certa m díela
crime, se nenhuma conseqüência real resultou da ação. o c n íd ~ramos mo , e realmente üve s m causado s ven-
A pessoa que, seja por paixão, seja por influência de más to que apena nos descrev m. O prím ir a ut >r d no~ a
c mpanhias, resolveu e talvez tomo u medidas para perpetrar alegria é nnturalrnente o obj to ele um~1 gralidã transitória:
um -rime mas felizmente foi impedida po r um a 'dent qu abraça mo-lo a lorosa <1~ tu.osa mente, e duram rempo de
a impossibilitou de praticá-lo, s lhe restar alguma c nseiên- nossa prosp ridade gostaríam c.le recompensá-lo, como se
cia, certamente não deixará, ao longo de toda a sua vida, de fosse por um notáv J servi o. gundo · costumes de todas l•l
considerar esse evento como uma grande e notável liberta- as cortes, o fi í.a l que tJ<tz a noticia ele uma vitória L m dlr i-
L a privilégio c nsideráveis, e o genera l sempr esc Ih um
ção. Jamais o p derá lembrar sem agrad •cer a . Céus por te-
rem cone did a graça de salvá-! da ulpa m q ue estava d s us ptin ipais favoritos para levar tão agn1dflv I mensa-
I:

pronto ·a m rgulha.r, não p rm.ilindo qu e u·ansfo rmasse o res- g m. O primeiro autor ele nossa trist za é ao ·oouiiri , tam-
to de sua vida num cenário de horror, remorso e arrependi- b m natura lmente o objeto de um ressentime nto Lrans il )I'ÍO.
Mal p d mos evitar de fitá-lo m mftgoa e d sconforto; e os
mento. Mas, embora suas mãos estejam inocentes, sabe que
rud e brutais lend m a desp jar obr le a b11is que o re-
seu ora ·ào tem tanta ulpa q u ·~nto se de fato h >uvesse exe-
cado provocou. 1'igranes, r i da Armênia conou a cabeça elo
cutado o qu e tão d d di<.h mem p rava faz r. Mas ca usa
hom em qu U1e u· uxe o primeiro informe da aproxima ã
gra nel alívio à sua onsciên. 'iH o n · id r:1.r que n - o executou
de um 1\ rmidãvel inimigo•. Par ce bárbaro e desuma no pu-
o crime emb ra sa íba q 1 ma I >gro não s d veu a nenhu-
nii dessa maneira o autor d más notícias; contudo recom-
ma virtude sua. Contudo, consid ra-se men s merecedor de pensar me nsageiro d boas novas não .n. desagrada; jul-
castigo e ressentimento, e essa boa fortuna ou diminui ou afas-
ta inteiramente seu sentimento de culpa. Lembrar o quanto es-
g mo que combi n~t com a ge nerosidad I eis. Mas por q u , ,.,
fazemo sa diferença , uma v z que s não há rro d nn
tava decidido a cometer o crime tem o único efeito de fazê- tamp uco há m rito do utro? É porque q ualq ue r . p •cíe d~
lo conceber sua salvação como a maior e a mais milagrosa; m · clnio parece su t1 ieme para autorizar o xercído dos afe-
pois ainda imagina que foi salvo, e olha para trás, para o pe- tos sociáveis e benevole nt ·; mas são n cessá ríos os mais só· i'
rigo a que fora exposta a paz de seu espírito, com o mesmo lidos e ubstanciais ra ·iocíllios pa ra compa.rti.U1armo.. af -
terror com que às vezes alguém em segurança pode lembrar tos inso ·iãveis e m ~tl vol m es. ·
o risco em que esteve de cair de um precipício, e a esse pen- Mas ~mt ra geralmente sejamo. avess s a ·om pa rtiJha r
samento treme de horror. os afet ítlso ·iáve i mal vale ntes, embora e. tab J ~ça mos
2. O segundo efeito dessa influência da fortuna é aumen- com regra nunca aprova rmos ua justlfi ação, sa lvo na me-
tar nosso senso do mérito ou demérito das ações que, exce- dida em que a inrenç:ão ma lici sa Lnju sUL da p ssoa conLra
dendo os motivos ou afetos dos quais se originaram, fortuita- ' t qual são dirigidos a to me objeto ade Jllado, em algumas oca-
mente produzem prazer ou dor extraordinários. Os efeitos siõ s, contudo atenuamos ssa s verldael . Quando ' l negll-
agradáveis ou desagradáveis da ação freqüentemente lançam
uma sombra de mérito ou demérito sobre o agente, embora
nada houvesse na sua intenção que merecesse louvor ou cen- • Esse "formidável inimigo" é Lúculo, já citado. (N. da R. T.)
126 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 127

qüente relaxamento da disciplina, -reio eu, nas l is de todas w·a, o u pe lo menos qu o m · r cess no gra u m qu sta-
as nações, das mais civilizadas ãs mai~> bárbara . humani- mos dispostos a · nc d ~-l os. N. sim, àté o m nsageir d más
dade de um povo civilizado o predi. p õe quer a eximir, qu r notícias n o é lesagradável; , a ·ontr.ãrio, s ntirno!') uma
a mitigar as penas, sempre que as conseqüências do crime espé ie d gratidão para com o homem que nos traz boas
não incitem sua natural in ligna ão. De outro lado, os bárba- n va . Por um m menta, o lhamos para e les om se f ssem
ros não tendem a se esm rar na perquirição dos motivos do autor um da boa fonuna, ouu-o ela má , em certa m díela
crime, se nenhuma conseqüência real resultou da ação. o c n íd ~ramos mo , e realmente üve s m causado s ven-
A pessoa que, seja por paixão, seja por influência de más to que apena nos descrev m. O prím ir a ut >r d no~ a
c mpanhias, resolveu e talvez tomo u medidas para perpetrar alegria é nnturalrnente o obj to ele um~1 gralidã transitória:
um -rime mas felizmente foi impedida po r um a 'dent qu abraça mo-lo a lorosa <1~ tu.osa mente, e duram rempo de
a impossibilitou de praticá-lo, s lhe restar alguma c nseiên- nossa prosp ridade gostaríam c.le recompensá-lo, como se
cia, certamente não deixará, ao longo de toda a sua vida, de fosse por um notáv J servi o. gundo · costumes de todas l•l
considerar esse evento como uma grande e notável liberta- as cortes, o fi í.a l que tJ<tz a noticia ele uma vitória L m dlr i-
L a privilégio c nsideráveis, e o genera l sempr esc Ih um
ção. Jamais o p derá lembrar sem agrad •cer a . Céus por te-
rem cone did a graça de salvá-! da ulpa m q ue estava d s us ptin ipais favoritos para levar tão agn1dflv I mensa-
I:

pronto ·a m rgulha.r, não p rm.ilindo qu e u·ansfo rmasse o res- g m. O primeiro autor ele nossa trist za é ao ·oouiiri , tam-
to de sua vida num cenário de horror, remorso e arrependi- b m natura lmente o objeto de um ressentime nto Lrans il )I'ÍO.
Mal p d mos evitar de fitá-lo m mftgoa e d sconforto; e os
mento. Mas, embora suas mãos estejam inocentes, sabe que
rud e brutais lend m a desp jar obr le a b11is que o re-
seu ora ·ào tem tanta ulpa q u ·~nto se de fato h >uvesse exe-
cado provocou. 1'igranes, r i da Armênia conou a cabeça elo
cutado o qu e tão d d di<.h mem p rava faz r. Mas ca usa
hom em qu U1e u· uxe o primeiro informe da aproxima ã
gra nel alívio à sua onsciên. 'iH o n · id r:1.r que n - o executou
de um 1\ rmidãvel inimigo•. Par ce bárbaro e desuma no pu-
o crime emb ra sa íba q 1 ma I >gro não s d veu a nenhu-
nii dessa maneira o autor d más notícias; contudo recom-
ma virtude sua. Contudo, consid ra-se men s merecedor de pensar me nsageiro d boas novas não .n. desagrada; jul-
castigo e ressentimento, e essa boa fortuna ou diminui ou afas-
ta inteiramente seu sentimento de culpa. Lembrar o quanto es-
g mo que combi n~t com a ge nerosidad I eis. Mas por q u , ,.,
fazemo sa diferença , uma v z que s não há rro d nn
tava decidido a cometer o crime tem o único efeito de fazê- tamp uco há m rito do utro? É porque q ualq ue r . p •cíe d~
lo conceber sua salvação como a maior e a mais milagrosa; m · clnio parece su t1 ieme para autorizar o xercído dos afe-
pois ainda imagina que foi salvo, e olha para trás, para o pe- tos sociáveis e benevole nt ·; mas são n cessá ríos os mais só· i'
rigo a que fora exposta a paz de seu espírito, com o mesmo lidos e ubstanciais ra ·iocíllios pa ra compa.rti.U1armo.. af -
terror com que às vezes alguém em segurança pode lembrar tos inso ·iãveis e m ~tl vol m es. ·
o risco em que esteve de cair de um precipício, e a esse pen- Mas ~mt ra geralmente sejamo. avess s a ·om pa rtiJha r
samento treme de horror. os afet ítlso ·iáve i mal vale ntes, embora e. tab J ~ça mos
2. O segundo efeito dessa influência da fortuna é aumen- com regra nunca aprova rmos ua justlfi ação, sa lvo na me-
tar nosso senso do mérito ou demérito das ações que, exce- dida em que a inrenç:ão ma lici sa Lnju sUL da p ssoa conLra
dendo os motivos ou afetos dos quais se originaram, fortuita- ' t qual são dirigidos a to me objeto ade Jllado, em algumas oca-
mente produzem prazer ou dor extraordinários. Os efeitos siõ s, contudo atenuamos ssa s verldael . Quando ' l negll-
agradáveis ou desagradáveis da ação freqüentemente lançam
uma sombra de mérito ou demérito sobre o agente, embora
nada houvesse na sua intenção que merecesse louvor ou cen- • Esse "formidável inimigo" é Lúculo, já citado. (N. da R. T.)
128 TEORIA DOS SENI1MENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 129
gência de um homem causou a outro algum dano não-pre- timentos. A ponderação acerca dessa diferença pode nos con-
meditado, geralmente partilhamos tanto do ressentimento do vencer do quanto a indignação, mesmo de um espectador, ten-
sofredor que aprovamos a aplicação de uma pena ao ofensor de a ser motivada pelas reais conseqüências da ação. Em ca-
muito superior à que a ofensa parecia merecer, não tivesse sos dessa espécie, se não me engano, encontraremos um gran-
dela se seguido tamanha infeliz conseqüência. de grau de severidade nas leis de quase todas as nações; do
Há um grau de negligência que, embora não cause ne- mesmo modo como, conforme já observei, houve nas de uma
nhum prejuízo, parece merecer severa punição. Assim, se uma espécie oposta relaxamento amplo da disciplina.
pessoa jogasse uma grande pedra por sobre um muro na di- Há outro grau de negligência que não envolve nenhum
reção de uma via pública, sem advertir os que poderiam estar tipo de injustiça. O culpado por negligência trata seu próxi-
passando e sem pensar onde ela provavelmente cairia, mere- mo como trata a si mesmo, não deseja prejudicar ninguém, e
ceria certamente uma punição severa. Um policial extrema- está longe de cultivar qualquer insolente desprezo pela segu-
mente cuidadoso puniria tão absurda ação mesmo que não rança e felicidade de outros. Porém, não é tão cuidadoso e
tivesse provocado dano algum. O culpado revela um insolen- circunspecto em sua conduta como deveria, e merece, por es-
te desprezo pela felicidade e segurança dos demais. Há verda- sa razão, algum grau de censura e crítica, mas nenhum casti-
deira injustiça em sua conduta, pois expõe caprichosamente go. Contudo, se por uma negligên ia' dessa e péde provocar
seu próximo a algo a que nenhum homem sensato decidiria algum dano a outra pessoa, a r cJjto que segundo as leis de
se expor, e evidentemente falta-lhe o senso do que é devido todos os países será obrigado a indenizá-la. E, embora essa
aos seus semelhantes, o qual fundamenta a justiça e a socie- seja, sem dúvida, uma punição real que, não fosse o infeliz
dade. De acordo com a lei, portanto, a flagrante negligência acidente que sua conduta causou, nenhum mortal pensaria em
quase equivale a intenção dolosa 3 • Quando alguma conse- lhe infligir, essa decisão da lei é aprovada pelos sentimentos
qüência infeliz resulta de tal descuido, o culpado é freqüen- naturais de todos os homens. Para nós, nada pode ser mais
temente punido como se de fato houvesse premeditado es- justo do que um homem não sofrer pela imprudência de ou-
sas conseqüências; e sua conduta que, sendo apenas irrefleti- tro; e que o dano provocado por censurável negligência seja
da e insolente, mereceria algum castigo, é considerada atroz e reparado pela pessoa culpada dele .
passível da mais severa punição. Assim, se pela ação impru- Há uma outra espécie de negligênciaS, que consiste ape-
dente acima mencionada essa pessoa matasse acidentalmente nas na falta do mais receoso acanhamento e circunspecção
um homem, segundo as leis de muitos países, patticularmen- quanto a todas as possíveis conseqüências de nos os atos. A
te a antiga lei da Escócia, seria passível da pena capital. E em- ausência dessa atenção minuciosa, quando não segu ida de
bora seja sem dúvida excessivamente severa, não é inteira- más conseqüências, está tão longe de ser conside r::lda censu-
mente inconsistente com nossos sentimentos naturais. Nossa rável, que se prefere censurar a qualidade o nt:rá ria. Aquela
justa indignação contra a insensatez e desumanidade da on- tímida d r unspe · ão qu tu do receia nunca é vista como vir-
duta dessa pessoa é agravada por n ssa lmpatia p lo infeliz tud , mas o mo uma qualidade que mais do qu e ouLra qual-
sofredor. Ma nada agr diria mais noss s ns natural de eqüi- que r, inca pa ita para a a 'ào e os ne76cios. Porém qu ando
dade, do que levar ao cadafalso um homem apenas por ter por falm desse ·uidado excessivo, uma pessoa casua lmente
jogado uma pedra descuidadamente na rua, sem ferir nin- p rovoca dano a outra, muitas v z-• ~obri gad a , pela lei, a in-
guém. A insensatez e desumanidade de sua conduta, seriam, de nizá-la. Ass im, pela L i Aquilina , o b me m ]LI , in ~t paz
nesse caso, as mesmas; mas muito diversos seriam nossos sen-

4. Culpa levis.
3. "Lata culpa prope dolum est. " 5. Culpa levissima.
128 TEORIA DOS SENI1MENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 129
gência de um homem causou a outro algum dano não-pre- timentos. A ponderação acerca dessa diferença pode nos con-
meditado, geralmente partilhamos tanto do ressentimento do vencer do quanto a indignação, mesmo de um espectador, ten-
sofredor que aprovamos a aplicação de uma pena ao ofensor de a ser motivada pelas reais conseqüências da ação. Em ca-
muito superior à que a ofensa parecia merecer, não tivesse sos dessa espécie, se não me engano, encontraremos um gran-
dela se seguido tamanha infeliz conseqüência. de grau de severidade nas leis de quase todas as nações; do
Há um grau de negligência que, embora não cause ne- mesmo modo como, conforme já observei, houve nas de uma
nhum prejuízo, parece merecer severa punição. Assim, se uma espécie oposta relaxamento amplo da disciplina.
pessoa jogasse uma grande pedra por sobre um muro na di- Há outro grau de negligência que não envolve nenhum
reção de uma via pública, sem advertir os que poderiam estar tipo de injustiça. O culpado por negligência trata seu próxi-
passando e sem pensar onde ela provavelmente cairia, mere- mo como trata a si mesmo, não deseja prejudicar ninguém, e
ceria certamente uma punição severa. Um policial extrema- está longe de cultivar qualquer insolente desprezo pela segu-
mente cuidadoso puniria tão absurda ação mesmo que não rança e felicidade de outros. Porém, não é tão cuidadoso e
tivesse provocado dano algum. O culpado revela um insolen- circunspecto em sua conduta como deveria, e merece, por es-
te desprezo pela felicidade e segurança dos demais. Há verda- sa razão, algum grau de censura e crítica, mas nenhum casti-
deira injustiça em sua conduta, pois expõe caprichosamente go. Contudo, se por uma negligên ia' dessa e péde provocar
seu próximo a algo a que nenhum homem sensato decidiria algum dano a outra pessoa, a r cJjto que segundo as leis de
se expor, e evidentemente falta-lhe o senso do que é devido todos os países será obrigado a indenizá-la. E, embora essa
aos seus semelhantes, o qual fundamenta a justiça e a socie- seja, sem dúvida, uma punição real que, não fosse o infeliz
dade. De acordo com a lei, portanto, a flagrante negligência acidente que sua conduta causou, nenhum mortal pensaria em
quase equivale a intenção dolosa 3 • Quando alguma conse- lhe infligir, essa decisão da lei é aprovada pelos sentimentos
qüência infeliz resulta de tal descuido, o culpado é freqüen- naturais de todos os homens. Para nós, nada pode ser mais
temente punido como se de fato houvesse premeditado es- justo do que um homem não sofrer pela imprudência de ou-
sas conseqüências; e sua conduta que, sendo apenas irrefleti- tro; e que o dano provocado por censurável negligência seja
da e insolente, mereceria algum castigo, é considerada atroz e reparado pela pessoa culpada dele .
passível da mais severa punição. Assim, se pela ação impru- Há uma outra espécie de negligênciaS, que consiste ape-
dente acima mencionada essa pessoa matasse acidentalmente nas na falta do mais receoso acanhamento e circunspecção
um homem, segundo as leis de muitos países, patticularmen- quanto a todas as possíveis conseqüências de nos os atos. A
te a antiga lei da Escócia, seria passível da pena capital. E em- ausência dessa atenção minuciosa, quando não segu ida de
bora seja sem dúvida excessivamente severa, não é inteira- más conseqüências, está tão longe de ser conside r::lda censu-
mente inconsistente com nossos sentimentos naturais. Nossa rável, que se prefere censurar a qualidade o nt:rá ria. Aquela
justa indignação contra a insensatez e desumanidade da on- tímida d r unspe · ão qu tu do receia nunca é vista como vir-
duta dessa pessoa é agravada por n ssa lmpatia p lo infeliz tud , mas o mo uma qualidade que mais do qu e ouLra qual-
sofredor. Ma nada agr diria mais noss s ns natural de eqüi- que r, inca pa ita para a a 'ào e os ne76cios. Porém qu ando
dade, do que levar ao cadafalso um homem apenas por ter por falm desse ·uidado excessivo, uma pessoa casua lmente
jogado uma pedra descuidadamente na rua, sem ferir nin- p rovoca dano a outra, muitas v z-• ~obri gad a , pela lei, a in-
guém. A insensatez e desumanidade de sua conduta, seriam, de nizá-la. Ass im, pela L i Aquilina , o b me m ]LI , in ~t paz
nesse caso, as mesmas; mas muito diversos seriam nossos sen-

4. Culpa levis.
3. "Lata culpa prope dolum est. " 5. Culpa levissima.
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130 TEORIA DOS SENI1MENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 131

de dominar um cavalo que acidentalmente se assustou, atro- dendo o fato do agente, não deveria exercer nenhuma influên-
pelasse o escravo de seu vizinho, seria obrigado a indenizar cia sobre nossos sentimentos relativos ao mérito ou conve-
o prejuízo. Quando ocorre um acidente como esse, tendemos niência de sua conduta. Mas quando examinamos os particula-
a pensar que esse homem não deveria montar tal animal, e a res, descobrimos que num caso qualquer nossos sentimentos
considerar sua tentativa de o fazer como imperdoável levian- dificilmente estão em exata conformidade com o que ordena-
dade . No entanto, sem esse acidente não apenas não faría- ria essa máxima eqüitativa. A ocorrência feliz ou infortunada
mos tal reflexão, mas consideraríamos a sua recusa a montar de qualquer ação não apenas tende a nos dar uma opinião
o cavalo como efeito de uma tímida fraqueza, e de um receio boa ou má da prudência com que foi conduzida, mas quase
quanto a eventos meramente possíveis, que é inútil levar em sempre motiva nossa gratidão ou ressentimento, nosso senso
conta. A própria pessoa, que por um acidente desses fere ou- do mérito ou demérito da intenção.
tra sem querer, parece ter algum senso do seu mau mereci- Porém, quando implantou as sementes dessa irregulari-
mento. Naturalmente corre até o sofredor para expressar sua dade no peito humano, como em todas as demais ocasiões,
preocupação pelo ocorrido, e para tomar todas as providên- a natureza parece ter pretendido a felicidade e perfeição da
cias que estão a seu alcance. Se tiver alguma sensibilidade, espécie. Se a nocividade da intenção, se a malevolência do
necessariamente desejará reparar o dano, e fazer todo o pos- afeto fossem as únicas causas a suscitar nosso ressentimento,
sível para aplacar o furioso ressentimento que sabe tenderá a deveríamos sentir todas as fúrias dessa paixão contra qual-
suscitar no peito do sofredor. Não se desculpar, não ofere- quer pessoa em cujo peito suspeitássemos ou acreditásse-
cer-se à expiação, é considerada a maior das brutalidades. mos que se ancoram tais intenções ou afetos, ainda que estes
Mas por que ele deveria se desculpar mais do que qualquer jamais tivessem irrompido em atos. Sentimentos, pensamen-
outra pessoa? Por que, já que foi tão inocente quanto qual- tos, propósitos, tornar-se-iam objetos de castigo; e se a indig-
quer outro espectador, seria assim isolado de todos os outros nação dos homens fosse tão intensa contra eles quanto con-
homens para reparar a má sorte de outro? Essa tarefa certa- tra as ações; se a baixeza do pensamento que deu origem à
mente jamais lhe seria imposta, não sentisse o espectador im- ação parecesse, aos olhos do mundo, clamar tão alto por vin-
parcial alguma indulgência pelo que se pode considerar o in- gança quanto a baixeza da ação, todos os tribunais de magis-
justo ressentimento do outro. tratura se transformariam numa verdadeira inquisição. Não ha- \
veria segurança para a mais inocente e circunspecta das con-
dutas. Maus desejos, maus olhares, más intenções, poderiam
CAPÍTULO III se tornar suspeitas; e quando estas suscitassem a mesma in-
Da causa final dessa irregularidade dos sentimentos dignação que a má conduta, quando se ressentisse tanto das
más intenções como das más ações, a pessoa estaria exposta
Tal é o efeito da boa ou má conseqüência das ações so- a igual punição e ressentimento. Portanto, as ações que ou
,bre os sentimentos, tanto da pessoa que as realiza quanto de produzem mal efetivo ou experimentam produzi-lo - cau-
,outras; e assim, a fortuna, que governa o mundo, tem algu- sando-nos, desse modo, medo imediato - o Autor da nature-
;ma influência onde menos desejaríamos lhe conceder alguma, za tornou-as os únicos objetos apropriados e aprovados de
:e governa, em certa medida, os sentimentos dos homens quan- punição e ressentimento humanos. entimentos, intenções, i
ito ao caráter e conduta deles próprios e de outros. Que o afetos: embora deles, segundo o frio raciod nio humano, os atos
mundo julga pelo fato e não pela intenção, tem sido a quei- humanos derivem todo o seu mérito ou demérito, o grande i
xa de todos os tempos, e o maior desestímulo à virtude. To- Juiz dos corações os colocou além dos limites de qualquer ju-
dos concordam com a máxima universal de que, não depen- risdição humana, reservando-os unicamente ao conhecimento
.I
130 TEORIA DOS SENI1MENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 131

de dominar um cavalo que acidentalmente se assustou, atro- dendo o fato do agente, não deveria exercer nenhuma influên-
pelasse o escravo de seu vizinho, seria obrigado a indenizar cia sobre nossos sentimentos relativos ao mérito ou conve-
o prejuízo. Quando ocorre um acidente como esse, tendemos niência de sua conduta. Mas quando examinamos os particula-
a pensar que esse homem não deveria montar tal animal, e a res, descobrimos que num caso qualquer nossos sentimentos
considerar sua tentativa de o fazer como imperdoável levian- dificilmente estão em exata conformidade com o que ordena-
dade . No entanto, sem esse acidente não apenas não faría- ria essa máxima eqüitativa. A ocorrência feliz ou infortunada
mos tal reflexão, mas consideraríamos a sua recusa a montar de qualquer ação não apenas tende a nos dar uma opinião
o cavalo como efeito de uma tímida fraqueza, e de um receio boa ou má da prudência com que foi conduzida, mas quase
quanto a eventos meramente possíveis, que é inútil levar em sempre motiva nossa gratidão ou ressentimento, nosso senso
conta. A própria pessoa, que por um acidente desses fere ou- do mérito ou demérito da intenção.
tra sem querer, parece ter algum senso do seu mau mereci- Porém, quando implantou as sementes dessa irregulari-
mento. Naturalmente corre até o sofredor para expressar sua dade no peito humano, como em todas as demais ocasiões,
preocupação pelo ocorrido, e para tomar todas as providên- a natureza parece ter pretendido a felicidade e perfeição da
cias que estão a seu alcance. Se tiver alguma sensibilidade, espécie. Se a nocividade da intenção, se a malevolência do
necessariamente desejará reparar o dano, e fazer todo o pos- afeto fossem as únicas causas a suscitar nosso ressentimento,
sível para aplacar o furioso ressentimento que sabe tenderá a deveríamos sentir todas as fúrias dessa paixão contra qual-
suscitar no peito do sofredor. Não se desculpar, não ofere- quer pessoa em cujo peito suspeitássemos ou acreditásse-
cer-se à expiação, é considerada a maior das brutalidades. mos que se ancoram tais intenções ou afetos, ainda que estes
Mas por que ele deveria se desculpar mais do que qualquer jamais tivessem irrompido em atos. Sentimentos, pensamen-
outra pessoa? Por que, já que foi tão inocente quanto qual- tos, propósitos, tornar-se-iam objetos de castigo; e se a indig-
quer outro espectador, seria assim isolado de todos os outros nação dos homens fosse tão intensa contra eles quanto con-
homens para reparar a má sorte de outro? Essa tarefa certa- tra as ações; se a baixeza do pensamento que deu origem à
mente jamais lhe seria imposta, não sentisse o espectador im- ação parecesse, aos olhos do mundo, clamar tão alto por vin-
parcial alguma indulgência pelo que se pode considerar o in- gança quanto a baixeza da ação, todos os tribunais de magis-
justo ressentimento do outro. tratura se transformariam numa verdadeira inquisição. Não ha- \
veria segurança para a mais inocente e circunspecta das con-
dutas. Maus desejos, maus olhares, más intenções, poderiam
CAPÍTULO III se tornar suspeitas; e quando estas suscitassem a mesma in-
Da causa final dessa irregularidade dos sentimentos dignação que a má conduta, quando se ressentisse tanto das
más intenções como das más ações, a pessoa estaria exposta
Tal é o efeito da boa ou má conseqüência das ações so- a igual punição e ressentimento. Portanto, as ações que ou
,bre os sentimentos, tanto da pessoa que as realiza quanto de produzem mal efetivo ou experimentam produzi-lo - cau-
,outras; e assim, a fortuna, que governa o mundo, tem algu- sando-nos, desse modo, medo imediato - o Autor da nature-
;ma influência onde menos desejaríamos lhe conceder alguma, za tornou-as os únicos objetos apropriados e aprovados de
:e governa, em certa medida, os sentimentos dos homens quan- punição e ressentimento humanos. entimentos, intenções, i
ito ao caráter e conduta deles próprios e de outros. Que o afetos: embora deles, segundo o frio raciod nio humano, os atos
mundo julga pelo fato e não pela intenção, tem sido a quei- humanos derivem todo o seu mérito ou demérito, o grande i
xa de todos os tempos, e o maior desestímulo à virtude. To- Juiz dos corações os colocou além dos limites de qualquer ju-
dos concordam com a máxima universal de que, não depen- risdição humana, reservando-os unicamente ao conhecimento
132 TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 133
dos u próprio infaüve'l trll unal. P r ·oru ~guin.t ', a n ·essá- não foi utilizada apenas por falta de oportunidade de servir,
rl:;t regra da jllst:i a, segu ndo a qual n · sta vida são passívei:> conceder a ela honras e privilégios que, embora em certa me-
d puniçã somente o atos dos h mens, não eu d sígnios dida os mereça, o decoro não permitiria que os exigisse, é o
e inren ões funda-s obre essa . alllla r e C•til irregularidade efeito da mais divina benevolência. Ao contrário, punir ape-
nos cntimemos human · relativ s a m ' rito e demérito, a qual nas por ·ausa dos afero · d coração, inda que nenhum crim •
à primeira vista p<u· ce tão ai surda inexplicável. Mas todas t nha sido prati ·ado, - a mais I á rbant e insolem tirania. s
a · partes da natureza, e examinada· atemameme igualm n- afeto b n v .lente, par cem roere ·et maior louvor se não
te demonstram cuidado providencial d eu Autor; e pode- são po L rgad s até o mom nto em qu quase configure cri-
mos admirar a abedorla bondad d Deus até mesmo na me não locá-f s em pJ"ática. A ontrário os malevolentes
fJ-aqueza · ins nsatez d s h m n .. difi ilme nt sã demasiado tardios, lentos e deliberad s.
Tampouc: é int iram ntc inútil ssa irregulari lade le É até mesmo de considerável importância que se conce-
sentimentos. por meio la qual o mérito de uma malograda ba o mal causado sem intenção como infortúnio para o agen-
L nmliva de servir, e sobrewuo o d meras boas in Una õ . te bem como para o sofredor. O homem é ensinado, desse
e bons d sej ·, mo tra- · impcd' ito. O hom m ~ i riado pa- m >do, a reverenciar a felicidad e de seus irmãos, a tre me r anc
t-a a a ..-o e para promov r, pelo xercício d suas faculda 1-·s, a possibilidade de qu faz, mesm inconscientement , algo
a n:1 di fi a· nas ir un ·râncias externa próprins lheias, que os possa ferir • a sentir pwor daqu le brutaJ ressenti-
q u Ih pareça m ma i favoráveis ' felicid 'J I de t do . ão mento que, per eb e le, está prestes a irromper sobre si ·a ·o
deve s tlsfazer c m uma benevolência ind lel'lt , nem ima- se tome, sem .int "l1 ·ão, o intem1ediâ:rlo ua ca lamidade desses
ginar- e amigo da humanidade, só porque em s u coraçà c1 - seu irmã s . N·l antiga religião pagã, sol qu fora consa-
. ja a prosp ridad do mundo. A natureza Ih nslnou q u grado a algum deus não deveria ser pisado, senão em oca-
pode invocar todo o vigor de u alma, L nsionar cada ner- siões solenes e necessárias, e o homem que o violasse, mes-
v , a llm de produzir as finalicbu s as quais sua xistênda mo por ignorância, loravame se tornaria sacrílego•, e incor-
tem Jl'IO propósito prorn ver e qu o "m ele nem a huma- reria na vingança daq ue le ser poderoso e inv.isív I a quem o
nidade podem-se sati faz r pleruun nt m sua conduta, ccm- , olo fora i·es tvad , até que se realizasse a r pant 'ão apro-
ed ndo-lhe todo s apla us , a nã ser qu e l realmente pria la; as im também, peb sabedoria da nacure7.à a felicidade
>S tenha produzid . A nalll reza o faz sa l r que o louvor das de ~ I homem inocem ' é d<J m sma mcule.it~ toro la sagra-
boas inten ·ões. m mé rito I · I oos servi o s rá de pou- da, consagrada, e cercada nu·a a apr xlma à d · ua lque r
ca valia para suscit..·u ou as mai, e. Lr nd sis aclama õe do outro homem, pata niio se pisfu· ne la à Loa, • m mo pam nã
mundo u me.':imo o mai r grau de aplauso d si m smo. ser, em n nhum asp cto, v.iolacla, por Ignorância o u inv lun-
homem que não executou uma só ação importante, mas cuja tarlament , sem 1ue. ja nec ssária algurna xpiação, alguma
o nversa omport amenl expre sam sempre os mai jus- repara ão, propor iooal à grandeza des a violaçãu não inten-
tos, n bres ·• g n •ros s s mim ntos, não tem lireito a r la- ional. Um humanilá.rio, que a ·id ntalme nte - e sem o m ~­
·mar lllna r compensa ruuit c l vada, e mbora sua inutilidad ~ nor gra u de negligência censurável- causou a mort de ou-
não s cl ·wt nada senão a uma falta de oportunida le para r- lr hom m, sente-s um sa ríJego, e mb8ra não um cu lpado.
vir. No entanto, p demos recusar-lhe essa recompensa, sem Durant toda a sua vida consjdera esse a icl nte com um elos
o censurarmos. Mesmo assim, po lem s-lhe perguntar: O que
fizeste? Que serviço real podes produzir, que te dê direito a
• "Piacular", no original. Palavra de origem no latim arcaico (piacu-
tão grande recompensa? E ;rimamo-te e amamo-te; mas não lum), que designa tanto o criminoso (o sacrílego, expiatório) quanto a pena
te devemos nada. De fato, r omp n ar a virtude latente que (a expiação). (N. da R. T.)
132 TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 133
dos u próprio infaüve'l trll unal. P r ·oru ~guin.t ', a n ·essá- não foi utilizada apenas por falta de oportunidade de servir,
rl:;t regra da jllst:i a, segu ndo a qual n · sta vida são passívei:> conceder a ela honras e privilégios que, embora em certa me-
d puniçã somente o atos dos h mens, não eu d sígnios dida os mereça, o decoro não permitiria que os exigisse, é o
e inren ões funda-s obre essa . alllla r e C•til irregularidade efeito da mais divina benevolência. Ao contrário, punir ape-
nos cntimemos human · relativ s a m ' rito e demérito, a qual nas por ·ausa dos afero · d coração, inda que nenhum crim •
à primeira vista p<u· ce tão ai surda inexplicável. Mas todas t nha sido prati ·ado, - a mais I á rbant e insolem tirania. s
a · partes da natureza, e examinada· atemameme igualm n- afeto b n v .lente, par cem roere ·et maior louvor se não
te demonstram cuidado providencial d eu Autor; e pode- são po L rgad s até o mom nto em qu quase configure cri-
mos admirar a abedorla bondad d Deus até mesmo na me não locá-f s em pJ"ática. A ontrário os malevolentes
fJ-aqueza · ins nsatez d s h m n .. difi ilme nt sã demasiado tardios, lentos e deliberad s.
Tampouc: é int iram ntc inútil ssa irregulari lade le É até mesmo de considerável importância que se conce-
sentimentos. por meio la qual o mérito de uma malograda ba o mal causado sem intenção como infortúnio para o agen-
L nmliva de servir, e sobrewuo o d meras boas in Una õ . te bem como para o sofredor. O homem é ensinado, desse
e bons d sej ·, mo tra- · impcd' ito. O hom m ~ i riado pa- m >do, a reverenciar a felicidad e de seus irmãos, a tre me r anc
t-a a a ..-o e para promov r, pelo xercício d suas faculda 1-·s, a possibilidade de qu faz, mesm inconscientement , algo
a n:1 di fi a· nas ir un ·râncias externa próprins lheias, que os possa ferir • a sentir pwor daqu le brutaJ ressenti-
q u Ih pareça m ma i favoráveis ' felicid 'J I de t do . ão mento que, per eb e le, está prestes a irromper sobre si ·a ·o
deve s tlsfazer c m uma benevolência ind lel'lt , nem ima- se tome, sem .int "l1 ·ão, o intem1ediâ:rlo ua ca lamidade desses
ginar- e amigo da humanidade, só porque em s u coraçà c1 - seu irmã s . N·l antiga religião pagã, sol qu fora consa-
. ja a prosp ridad do mundo. A natureza Ih nslnou q u grado a algum deus não deveria ser pisado, senão em oca-
pode invocar todo o vigor de u alma, L nsionar cada ner- siões solenes e necessárias, e o homem que o violasse, mes-
v , a llm de produzir as finalicbu s as quais sua xistênda mo por ignorância, loravame se tornaria sacrílego•, e incor-
tem Jl'IO propósito prorn ver e qu o "m ele nem a huma- reria na vingança daq ue le ser poderoso e inv.isív I a quem o
nidade podem-se sati faz r pleruun nt m sua conduta, ccm- , olo fora i·es tvad , até que se realizasse a r pant 'ão apro-
ed ndo-lhe todo s apla us , a nã ser qu e l realmente pria la; as im também, peb sabedoria da nacure7.à a felicidade
>S tenha produzid . A nalll reza o faz sa l r que o louvor das de ~ I homem inocem ' é d<J m sma mcule.it~ toro la sagra-
boas inten ·ões. m mé rito I · I oos servi o s rá de pou- da, consagrada, e cercada nu·a a apr xlma à d · ua lque r
ca valia para suscit..·u ou as mai, e. Lr nd sis aclama õe do outro homem, pata niio se pisfu· ne la à Loa, • m mo pam nã
mundo u me.':imo o mai r grau de aplauso d si m smo. ser, em n nhum asp cto, v.iolacla, por Ignorância o u inv lun-
homem que não executou uma só ação importante, mas cuja tarlament , sem 1ue. ja nec ssária algurna xpiação, alguma
o nversa omport amenl expre sam sempre os mai jus- repara ão, propor iooal à grandeza des a violaçãu não inten-
tos, n bres ·• g n •ros s s mim ntos, não tem lireito a r la- ional. Um humanilá.rio, que a ·id ntalme nte - e sem o m ~­
·mar lllna r compensa ruuit c l vada, e mbora sua inutilidad ~ nor gra u de negligência censurável- causou a mort de ou-
não s cl ·wt nada senão a uma falta de oportunida le para r- lr hom m, sente-s um sa ríJego, e mb8ra não um cu lpado.
vir. No entanto, p demos recusar-lhe essa recompensa, sem Durant toda a sua vida consjdera esse a icl nte com um elos
o censurarmos. Mesmo assim, po lem s-lhe perguntar: O que
fizeste? Que serviço real podes produzir, que te dê direito a
• "Piacular", no original. Palavra de origem no latim arcaico (piacu-
tão grande recompensa? E ;rimamo-te e amamo-te; mas não lum), que designa tanto o criminoso (o sacrílego, expiatório) quanto a pena
te devemos nada. De fato, r omp n ar a virtude latente que (a expiação). (N. da R. T.)
134 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 135

maiores infortúnios que lhe podiam suceder. Se os familiares mais sincera e bondosa da humanidade concorda inteiramen- ·
do mmto são pobres, e sua própria situação é apenas passá- te com os esforços que ele então faz para amparar-se em sua
própria opinião. Exerce toda a sua generosidade e grandeza
vel, imediatamente os toma sob sua proteção, e sem nenhum
outro mérito julga que têm direito a todo favor e bondade. de espírito para corrigir em si mesma essa irregularidade da
natureza humana, e se empenha em ver a infortunada mag-
I
Se estão em melhor situação, experimenta toda a submissão,
todas as expressões de tristeza, procura prestar-lhes todos os nanimidade desse homem sob a mesma luz em que, se êxito
bons ofícios que possa divisar ou que eles possam aceitar para tivesse, naturalmente estaria disposto a considerá-la, sem qual-
reparar o ocorrido, e aplacar, na medida do possível, o res- quer esforço de generosidade.
sentimento talvez natural, embora sem dúvida injustíssimo, pe-
la grande, mas involuntária, ofensa que lhes causou .
A aflição que sente uma pessoa inocente, a qual aciden-
talmente foi levada a fazer algo que, se feito consciente e in-
tencionalmente, tê-la-ia exposto com justiça à mais profunda
censura, propiciou algumas das mais belas e interessantes ce-
nas tanto do drama antigo como moderno. É esse falacioso
sentimento de culpa que constitui toda a aflição de Édipo e ]o-
casta no teatro grego, de Monímia e Isabela no teatro inglês•.
São todos eles sacrílegos no mais alto grau, embora nenhum
: tenha nenhum grau de culpa.
Entretanto, não obstante todas essas manifestas irregula-
: ridades do sentimento, se infelizmente o homem causa males
que não pretendeu, ou fracassa em produzir o bem que pre-
tendia, a natureza não deixa sua inocência inteiramente sem
· consolo, nem sua virtude inteiramente sem recompensa. As-
sim, o homem chama em seu socorro aquela máxima justa e
: eqüitativa s gund a qual os eventos que não I p ndem de
· nossa candura não d vem diminuir a estima que n s é devida.
· : Evoca toda magnanimidade e firmeza de sua alma, e esforça-
. se por ver-se, não sob a luz em que agora se mostra , mas sob
· a luz em que deveria mostrar-se, em que teria se mostrado,
' fossem suas generosas intenções coroadas de êxito, ou, a des-
peito de fracasso, em que ainda se mostrariam se os senti-
mentos dos homens fossem inteiramente sinceros e eqüitati-
. vos, ou até perfeitamente consistentes consigo mesmos. A parte

• Personagens li::mini na~ que sem saber violaram as regras sagradas do


matrimônio. 1\s peças são, resp Livamente: Édipo Rei, Sófocles; O óifão, de
Otway; O casamento fatal, ou O adultério inocente, de Thomas Southerne.
(N. da R. T.)
134 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEGUNDA PARTE 135

maiores infortúnios que lhe podiam suceder. Se os familiares mais sincera e bondosa da humanidade concorda inteiramen- ·
do mmto são pobres, e sua própria situação é apenas passá- te com os esforços que ele então faz para amparar-se em sua
própria opinião. Exerce toda a sua generosidade e grandeza
vel, imediatamente os toma sob sua proteção, e sem nenhum
outro mérito julga que têm direito a todo favor e bondade. de espírito para corrigir em si mesma essa irregularidade da
natureza humana, e se empenha em ver a infortunada mag-
I
Se estão em melhor situação, experimenta toda a submissão,
todas as expressões de tristeza, procura prestar-lhes todos os nanimidade desse homem sob a mesma luz em que, se êxito
bons ofícios que possa divisar ou que eles possam aceitar para tivesse, naturalmente estaria disposto a considerá-la, sem qual-
reparar o ocorrido, e aplacar, na medida do possível, o res- quer esforço de generosidade.
sentimento talvez natural, embora sem dúvida injustíssimo, pe-
la grande, mas involuntária, ofensa que lhes causou .
A aflição que sente uma pessoa inocente, a qual aciden-
talmente foi levada a fazer algo que, se feito consciente e in-
tencionalmente, tê-la-ia exposto com justiça à mais profunda
censura, propiciou algumas das mais belas e interessantes ce-
nas tanto do drama antigo como moderno. É esse falacioso
sentimento de culpa que constitui toda a aflição de Édipo e ]o-
casta no teatro grego, de Monímia e Isabela no teatro inglês•.
São todos eles sacrílegos no mais alto grau, embora nenhum
: tenha nenhum grau de culpa.
Entretanto, não obstante todas essas manifestas irregula-
: ridades do sentimento, se infelizmente o homem causa males
que não pretendeu, ou fracassa em produzir o bem que pre-
tendia, a natureza não deixa sua inocência inteiramente sem
· consolo, nem sua virtude inteiramente sem recompensa. As-
sim, o homem chama em seu socorro aquela máxima justa e
: eqüitativa s gund a qual os eventos que não I p ndem de
· nossa candura não d vem diminuir a estima que n s é devida.
· : Evoca toda magnanimidade e firmeza de sua alma, e esforça-
. se por ver-se, não sob a luz em que agora se mostra , mas sob
· a luz em que deveria mostrar-se, em que teria se mostrado,
' fossem suas generosas intenções coroadas de êxito, ou, a des-
peito de fracasso, em que ainda se mostrariam se os senti-
mentos dos homens fossem inteiramente sinceros e eqüitati-
. vos, ou até perfeitamente consistentes consigo mesmos. A parte

• Personagens li::mini na~ que sem saber violaram as regras sagradas do


matrimônio. 1\s peças são, resp Livamente: Édipo Rei, Sófocles; O óifão, de
Otway; O casamento fatal, ou O adultério inocente, de Thomas Southerne.
(N. da R. T.)
TERCEIRA PARTE

DO FUNDAMENTO DE NOSSOS
JUÍZOS QUANTO A NOSSOS
PRÓPRIOS SENTIMENTOS
E CONDUTA, E DO
SENSO DE DEVER
TERCEIRA PARTE

DO FUNDAMENTO DE NOSSOS
JUÍZOS QUANTO A NOSSOS
PRÓPRIOS SENTIMENTOS
E CONDUTA, E DO
SENSO DE DEVER
CAPÍTULO I
Do princípio da aprovação e de desaprovação de si mesmo

Nas duas partes anteriores deste discurso, considerei prin-


cipalmente a origem e fund amento de nossos juízos quanto
aos s ntimentos e conduta de outr . . Passo a considerar ago-
ra mais particularmente a origem dos que dizem respeito aos
nossos.
O princípio pel qua l naturalmente aprovamos ou I sa-
provamos no s própda conduta parece em. tudo igua l a
prindpí pelo qual forma mos juizos s mel11'ml a r speJ.to
da conduta de outras pessoas. Aprov;.~mo. o u de apr va mos
a condu ta d outro homem segundo sinta mos q u , ao faz r-
mos noss · u caso, podemos ou não simpatizar inteiramente
com os ntime nt s e motivos que a nonearam. E, da mesma
maneira, aprovamos ou desaprovamos nossa própria con.du-
ta gu ndo sintamos que, 1uando nos colocamos na situa .:ão
d outro homem , c mo se a contemplássemo, m 8eus o lhos
de seu p nto de vista, pode m u não entender os s nti-
mentos motivo que a l.eterminaram simpatiza nd int ira-
mente om ela. Jamais pod mos in pe io nar nosso próprios
sentime ntos e motlvos, jamais pod m · formar jLtízo algum
sobr el s, a nã s r aba ndona r'ldo, p ) f a ·sim dizer, nossa
posi o natural e procurando vê-los como se estivessem a certa
d istâ ncia de nós. Mas o único modo de fazermos isso é ten-
tar divisá-los com os olhos de outras pessoas, isto é, como pro-
vavelmente outras pessoas os veriam. Todo juízo que forme-
CAPÍTULO I
Do princípio da aprovação e de desaprovação de si mesmo

Nas duas partes anteriores deste discurso, considerei prin-


cipalmente a origem e fund amento de nossos juízos quanto
aos s ntimentos e conduta de outr . . Passo a considerar ago-
ra mais particularmente a origem dos que dizem respeito aos
nossos.
O princípio pel qua l naturalmente aprovamos ou I sa-
provamos no s própda conduta parece em. tudo igua l a
prindpí pelo qual forma mos juizos s mel11'ml a r speJ.to
da conduta de outras pessoas. Aprov;.~mo. o u de apr va mos
a condu ta d outro homem segundo sinta mos q u , ao faz r-
mos noss · u caso, podemos ou não simpatizar inteiramente
com os ntime nt s e motivos que a nonearam. E, da mesma
maneira, aprovamos ou desaprovamos nossa própria con.du-
ta gu ndo sintamos que, 1uando nos colocamos na situa .:ão
d outro homem , c mo se a contemplássemo, m 8eus o lhos
de seu p nto de vista, pode m u não entender os s nti-
mentos motivo que a l.eterminaram simpatiza nd int ira-
mente om ela. Jamais pod mos in pe io nar nosso próprios
sentime ntos e motlvos, jamais pod m · formar jLtízo algum
sobr el s, a nã s r aba ndona r'ldo, p ) f a ·sim dizer, nossa
posi o natural e procurando vê-los como se estivessem a certa
d istâ ncia de nós. Mas o único modo de fazermos isso é ten-
tar divisá-los com os olhos de outras pessoas, isto é, como pro-
vavelmente outras pessoas os veriam. Todo juízo que forme-
140 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 141

mos sobre eles, portanto, deverá guardar necessariamente uma mas, e se enojam com outras. Num caso se sentirá exaltado,
secreta relação, seja com o que é, seja com o que seria em cer- abatido em outro; agora, seus desejos e aversões, alegrias e tris-
tas condições - ou com o que imaginamos deveria ser - o juí- tezas freqüentemente se converterão em causas de novos de-
zo dos outros. Empenhamo-nos em examinar nossa própria sejos e novas aversões, nova a legrias e novas tristezas, e, por
conduta como imaginamos que outro espectador imparcial e isso, agora lhe interessarão profunda.me nt , e muitas vezes
leal a examinaria. Se, colocando-nos em seu lugar, consegui- o upa rão ua ma is atenta onsideração.
mos compartilhar inteiramente as paixões e motivos que a de- Nossa prim - Í(<lS idé ias de b 'leza e deformidade das pes-
terminaram, nós a aprovamos por simpatia com a aprovação s as são ex-rraida.s da figura e aparência de outros, não das nos-
desse suposto eqüitativo juiz. Se, ao contrário, compartilhamos sas próprias. No entanto, logo cuidamos que os outros exercem
sua desaprovação, condenamos essa conduta. a mesma crítica quanto a nós. Alegra-nos que aprovem nossa
Se fosse possível que uma criatura humana vivesse em figura, e aborrece-nos quando lhes incomoda. Ansiamos por
alg um luga r solltári ::tt' ala m ar a idade madura, s m qual- saber em que medida nossa aparência merece sua censura ou
quer comunica - o com ua pró pria espécie, não p d ~ ria p n- sua aprovação. Examinamos membro a membro nÓssa pessoa,
sar em s lt próprio ar{uer, a c nveniên ia o u dem ' rito d u- e, colocando-nos diante de um espelho, ou por algum outro ex-
próprios sentimentos e conduta, a beleza ou deformidad de pediente, tentamos o mais possível nos ver à distância com
seu próprio espírito, mais do que na beleza e d ~ rmidade olhos de outros. Se depois dessa inspeção ficamos satisfeitos
de seu próprio rosto. Todos esses são objetos que não pode fa- com n ssa ap arência, poderemos supottar mais facilmeme os
cilmente ver, para os quais naturalmente não olha, e com rela- mais adv t-sos juízos alh~os. ao contr'.l.no, tem consaencia
ção aos quais carece de espelho que sirva para apresentá-los de qu somos ol j to nat1.1 ral de a\' rsão, toda mostra ele sua d -
à sua vista. Tragam-no para a .sociedade, e será im diatamente saprovação nos m rtifiat desm clidamenl! . Um homem razoa-
provido do spelbo de que antes carecia. É c lo acl ante o ve lm -nt bonito permitirá que se riam de qualquer in si~:rnifica n­
semblante e comportamento daqueles com quem vive - que t deti nuação d sua p ssoa; mas todas essas btincadeiras ã
sempre registram quando compattilham ou desaprovam seus habitl.lalment insupottáveis para alguém que seja realmente d -
sentimentos -, é aí que pela primeira vez verá a conveniência ~ nnado. O _ tod m do, é evidente que nossa própria beleza
ou inconveniência de suas próprias paixões, a beleza ou defor- defonnidad n s pr ocupam somente por causa d ·ell5 efeitos
midade de seu espírito. Para um homem que desde o nascimen- s br s demais. e estiwssemos compleram nt desligados da
to fosse estranho à sociedade, os objetos de suas paixões, os sociedade, ambas nos seriam totalmente indiferentes.
corpos exteriores que lhe agradassem ou maltratassem, ocupa- Da mesma maneira, nossas primeiras críticas morais se re-
riam toda a sua atenção. As paixões em si mesmas, os desejos ferem aos caracteres e conduta de outros; e com grande desem-
ou aversões, alegrias ou tristezas que tais objetos suscitassem, bara o observamo como cada uma I las no afeta . Po ré m,
embora fossem, de todas as coisas, as mais presentes a ele, di- logo aprendem que outra pessoas rêm igt1al franqueza a res-
ficilmente seriam objeto de suas reflexões. Pensar neles nun- pe ito das n s as. An.. ia mos p or sa l e r m que m dieta 111 r -
ca poderia lhe interessar o bastante para chamar sua atenta con- cemos sua e n ·u.ra o u aplau o, se pe ranc elas n ssarh-
sideração. A consideração de sua alegria não poderia suscitar mente mostramo-nos tão agradáveis ou desagradáveis como
uma nova alegria, nem a de sua aflição uma nova aflição, ain- el.as p · rant nó . Com am os, po is, a a mina r nossas pr
da que a consideração das causas dessas paixões pudesse fre- prias paixõ •s e conduta, e considerar o que devem parecer aos
qüentemente suscitar ambas. Tragam-no para a sociedade, e o uu s, pensando o que a nós nos pareceriam se estivésst!m s
todas as suas paixões imediatamente se converterão em cau- m s u luga r. Supo mo-nos esp -ctadores d nosso própri · c m -
sas de novas paixões. Cuidará que os homens aprovam algu- po!tam ~nto, e pi'Ocura mos imaginar o efe ito qu s b e~sa lu z,
140 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 141

mos sobre eles, portanto, deverá guardar necessariamente uma mas, e se enojam com outras. Num caso se sentirá exaltado,
secreta relação, seja com o que é, seja com o que seria em cer- abatido em outro; agora, seus desejos e aversões, alegrias e tris-
tas condições - ou com o que imaginamos deveria ser - o juí- tezas freqüentemente se converterão em causas de novos de-
zo dos outros. Empenhamo-nos em examinar nossa própria sejos e novas aversões, nova a legrias e novas tristezas, e, por
conduta como imaginamos que outro espectador imparcial e isso, agora lhe interessarão profunda.me nt , e muitas vezes
leal a examinaria. Se, colocando-nos em seu lugar, consegui- o upa rão ua ma is atenta onsideração.
mos compartilhar inteiramente as paixões e motivos que a de- Nossa prim - Í(<lS idé ias de b 'leza e deformidade das pes-
terminaram, nós a aprovamos por simpatia com a aprovação s as são ex-rraida.s da figura e aparência de outros, não das nos-
desse suposto eqüitativo juiz. Se, ao contrário, compartilhamos sas próprias. No entanto, logo cuidamos que os outros exercem
sua desaprovação, condenamos essa conduta. a mesma crítica quanto a nós. Alegra-nos que aprovem nossa
Se fosse possível que uma criatura humana vivesse em figura, e aborrece-nos quando lhes incomoda. Ansiamos por
alg um luga r solltári ::tt' ala m ar a idade madura, s m qual- saber em que medida nossa aparência merece sua censura ou
quer comunica - o com ua pró pria espécie, não p d ~ ria p n- sua aprovação. Examinamos membro a membro nÓssa pessoa,
sar em s lt próprio ar{uer, a c nveniên ia o u dem ' rito d u- e, colocando-nos diante de um espelho, ou por algum outro ex-
próprios sentimentos e conduta, a beleza ou deformidad de pediente, tentamos o mais possível nos ver à distância com
seu próprio espírito, mais do que na beleza e d ~ rmidade olhos de outros. Se depois dessa inspeção ficamos satisfeitos
de seu próprio rosto. Todos esses são objetos que não pode fa- com n ssa ap arência, poderemos supottar mais facilmeme os
cilmente ver, para os quais naturalmente não olha, e com rela- mais adv t-sos juízos alh~os. ao contr'.l.no, tem consaencia
ção aos quais carece de espelho que sirva para apresentá-los de qu somos ol j to nat1.1 ral de a\' rsão, toda mostra ele sua d -
à sua vista. Tragam-no para a .sociedade, e será im diatamente saprovação nos m rtifiat desm clidamenl! . Um homem razoa-
provido do spelbo de que antes carecia. É c lo acl ante o ve lm -nt bonito permitirá que se riam de qualquer in si~:rnifica n­
semblante e comportamento daqueles com quem vive - que t deti nuação d sua p ssoa; mas todas essas btincadeiras ã
sempre registram quando compattilham ou desaprovam seus habitl.lalment insupottáveis para alguém que seja realmente d -
sentimentos -, é aí que pela primeira vez verá a conveniência ~ nnado. O _ tod m do, é evidente que nossa própria beleza
ou inconveniência de suas próprias paixões, a beleza ou defor- defonnidad n s pr ocupam somente por causa d ·ell5 efeitos
midade de seu espírito. Para um homem que desde o nascimen- s br s demais. e estiwssemos compleram nt desligados da
to fosse estranho à sociedade, os objetos de suas paixões, os sociedade, ambas nos seriam totalmente indiferentes.
corpos exteriores que lhe agradassem ou maltratassem, ocupa- Da mesma maneira, nossas primeiras críticas morais se re-
riam toda a sua atenção. As paixões em si mesmas, os desejos ferem aos caracteres e conduta de outros; e com grande desem-
ou aversões, alegrias ou tristezas que tais objetos suscitassem, bara o observamo como cada uma I las no afeta . Po ré m,
embora fossem, de todas as coisas, as mais presentes a ele, di- logo aprendem que outra pessoas rêm igt1al franqueza a res-
ficilmente seriam objeto de suas reflexões. Pensar neles nun- pe ito das n s as. An.. ia mos p or sa l e r m que m dieta 111 r -
ca poderia lhe interessar o bastante para chamar sua atenta con- cemos sua e n ·u.ra o u aplau o, se pe ranc elas n ssarh-
sideração. A consideração de sua alegria não poderia suscitar mente mostramo-nos tão agradáveis ou desagradáveis como
uma nova alegria, nem a de sua aflição uma nova aflição, ain- el.as p · rant nó . Com am os, po is, a a mina r nossas pr
da que a consideração das causas dessas paixões pudesse fre- prias paixõ •s e conduta, e considerar o que devem parecer aos
qüentemente suscitar ambas. Tragam-no para a sociedade, e o uu s, pensando o que a nós nos pareceriam se estivésst!m s
todas as suas paixões imediatamente se converterão em cau- m s u luga r. Supo mo-nos esp -ctadores d nosso própri · c m -
sas de novas paixões. Cuidará que os homens aprovam algu- po!tam ~nto, e pi'Ocura mos imaginar o efe ito qu s b e~sa lu z,
142 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 143

produziria sobre nós. Esse é o único espelho com o qual, em naturalmente a acompanham, assim como a suspeita do con-
certa medida, conseguimos esquadrinhar a conveniência de trário dá ocasião aos tormentos do vício. Há felicidade maior
nossa própria conduta por intermédio de olhos alheios. Se desse que ser am lo saber que merecemos o amor? Há desgraça
ponto de vista nos agrada, ficamos moderadamente satisfeitos. maior qu e s r odiado e saber que merecemos o ódio?
Podemos ser mais indiferentes quanto ao aplauso e, em certa
medida, desprezar a censura do mundo, contanto que esteja-
mos seguros de ser, por mais que não nos compreendam ou CAPÍTULO li
nos interpretem mal, objetos naturais e adequados de aprova- Do amor ao louvor, e do amor ao que é louvável;
ção. Inversamente, se carecermos dessa segurança, com muita e do horror à censura, e ao que é censurável
freqüência e precisamente por esse motivo, ficaremos mais
ansiosos por obter aprovação alheia, e, se ainda não tivermos Naturalmente o homem não apenas deseja ser amado, mas
apettado a mão da infâmia, como se diz, a mera idéia da cen- amável; ou ser objeto natural e apropriado de amor. Natural-
sura alheia, que então nos golpeará com redobrada severidade, ment não ape na te me se r· odiado , mas ser odi oso; ou ser
bastará para nos deixar inteiramente transtornados. o j to natu ml ap r ptiado de ódio. Nao deseja apenas 1 u-
Quando me esforço para examinar minha própria con- v r mas o que é digno de louvor; ou, ainda q ue não I uvac!
duta, quando me esforço para pronunciar sentença sobre ela, por ninguém, ser objeto natural e apropri<ldo de .l.ouvor. Tem
seja para aprová-la ou condená-la, é evidente que, em todos horror não apenas à censura, mas ao que é dign de censura;
esses casos, tudo se passa como se me dividisse em duas pes- ou, embora ninguém o censure, ser, contudo, objeto natural e
soas; e que eu, examinador e juiz, represento um homem dis- apropriado de censura.
tinto perante ao outro eu, a pessoa cuja conduta se examina De nenhum modo o amor ao que é louvável deriva in-
e se julga. A primeira pessoa é o espectador, de cujos sentimen- teiramente do amor ao louvor. Esses dois princípios, embora
tos quanto à minha conduta tento participar, colocando-me em semelhantes, embora associados e muitas vezes misturados
seu lugar e considerando como a mim me pareceria se a exa- um ao outro, são todavia, em muitos aspectos, distintos e in-
minasse desse ponto de vista particular. A segunda é o agen- dependentes entre si.
te, pessoa a quem propriamente designo como eu mesmo, e O amor e admiração que naturalmente concebemos por
sobre cuja conduta tentava formar uma opinião, como se fos- aqueles cujo arãte r e conduta ·tprovarnos predispõem-nos, ne-
se a de um espectador. A primeira é o juiz; a segunda é a pes- cessariamente, a d sejar nos conv rt tmos em objetos d . mes-
soa a quem se julga. Mas, que o juiz seja em tudo o mesmo que mos sentimentos agradáveis, e sermos tão amáveis e admiráveis
a pessoa julgada, é tão impossível quanto a causa ser em tudo quanto aq ueles a qu m mais :un amos e admira mos. A emu-
o mesmo que o efeito. la - o, > allito des jo de sermos ex ele nres funda-se original-
Ser amável e ser meritório, isto é, merecer amor e recom- m me e m n sa admira ão pela ex cl ~ n ia dl! outros. Tam-
pensa, são as grandes características da virtude; e ser odioso pouco nos satisfaz serm s admirados tão-somente pelo que ou-
e passível de punição, as do vício. Mas todas essas caracterís- tros o são; ao menos dev mos acreditar que somos admirá-
ticas quase não têm uma imediata referência com os sentimen- veis pelo que elas são. Mas, para obte rmos essa satisfação,
tos de outros. Da virtude não se diz que é amável ou meritória, devemos nos tornar espectadores imparciais de nosso pró-
porque obje to de seu próprio amor, ou de sua própria grati- prio caráter e conduta. É preciso nos esforçarmos para vê-los
dão, mas porque provoca tais sentimentos em outros ho- com os olhos de outras pessoas, ou como outras pessoas pro-
mens. A consciência de saber-se objeto de opiniões tão favorá- vavelmente os verão. Vistos nessa luz, se nos aparecem co-
veis origina essa tranqüilidade interior e satisfação consigo que mo desejamos, ficamos felizes e contentes. Porém, confirma-se
142 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 143

produziria sobre nós. Esse é o único espelho com o qual, em naturalmente a acompanham, assim como a suspeita do con-
certa medida, conseguimos esquadrinhar a conveniência de trário dá ocasião aos tormentos do vício. Há felicidade maior
nossa própria conduta por intermédio de olhos alheios. Se desse que ser am lo saber que merecemos o amor? Há desgraça
ponto de vista nos agrada, ficamos moderadamente satisfeitos. maior qu e s r odiado e saber que merecemos o ódio?
Podemos ser mais indiferentes quanto ao aplauso e, em certa
medida, desprezar a censura do mundo, contanto que esteja-
mos seguros de ser, por mais que não nos compreendam ou CAPÍTULO li
nos interpretem mal, objetos naturais e adequados de aprova- Do amor ao louvor, e do amor ao que é louvável;
ção. Inversamente, se carecermos dessa segurança, com muita e do horror à censura, e ao que é censurável
freqüência e precisamente por esse motivo, ficaremos mais
ansiosos por obter aprovação alheia, e, se ainda não tivermos Naturalmente o homem não apenas deseja ser amado, mas
apettado a mão da infâmia, como se diz, a mera idéia da cen- amável; ou ser objeto natural e apropriado de amor. Natural-
sura alheia, que então nos golpeará com redobrada severidade, ment não ape na te me se r· odiado , mas ser odi oso; ou ser
bastará para nos deixar inteiramente transtornados. o j to natu ml ap r ptiado de ódio. Nao deseja apenas 1 u-
Quando me esforço para examinar minha própria con- v r mas o que é digno de louvor; ou, ainda q ue não I uvac!
duta, quando me esforço para pronunciar sentença sobre ela, por ninguém, ser objeto natural e apropri<ldo de .l.ouvor. Tem
seja para aprová-la ou condená-la, é evidente que, em todos horror não apenas à censura, mas ao que é dign de censura;
esses casos, tudo se passa como se me dividisse em duas pes- ou, embora ninguém o censure, ser, contudo, objeto natural e
soas; e que eu, examinador e juiz, represento um homem dis- apropriado de censura.
tinto perante ao outro eu, a pessoa cuja conduta se examina De nenhum modo o amor ao que é louvável deriva in-
e se julga. A primeira pessoa é o espectador, de cujos sentimen- teiramente do amor ao louvor. Esses dois princípios, embora
tos quanto à minha conduta tento participar, colocando-me em semelhantes, embora associados e muitas vezes misturados
seu lugar e considerando como a mim me pareceria se a exa- um ao outro, são todavia, em muitos aspectos, distintos e in-
minasse desse ponto de vista particular. A segunda é o agen- dependentes entre si.
te, pessoa a quem propriamente designo como eu mesmo, e O amor e admiração que naturalmente concebemos por
sobre cuja conduta tentava formar uma opinião, como se fos- aqueles cujo arãte r e conduta ·tprovarnos predispõem-nos, ne-
se a de um espectador. A primeira é o juiz; a segunda é a pes- cessariamente, a d sejar nos conv rt tmos em objetos d . mes-
soa a quem se julga. Mas, que o juiz seja em tudo o mesmo que mos sentimentos agradáveis, e sermos tão amáveis e admiráveis
a pessoa julgada, é tão impossível quanto a causa ser em tudo quanto aq ueles a qu m mais :un amos e admira mos. A emu-
o mesmo que o efeito. la - o, > allito des jo de sermos ex ele nres funda-se original-
Ser amável e ser meritório, isto é, merecer amor e recom- m me e m n sa admira ão pela ex cl ~ n ia dl! outros. Tam-
pensa, são as grandes características da virtude; e ser odioso pouco nos satisfaz serm s admirados tão-somente pelo que ou-
e passível de punição, as do vício. Mas todas essas caracterís- tros o são; ao menos dev mos acreditar que somos admirá-
ticas quase não têm uma imediata referência com os sentimen- veis pelo que elas são. Mas, para obte rmos essa satisfação,
tos de outros. Da virtude não se diz que é amável ou meritória, devemos nos tornar espectadores imparciais de nosso pró-
porque obje to de seu próprio amor, ou de sua própria grati- prio caráter e conduta. É preciso nos esforçarmos para vê-los
dão, mas porque provoca tais sentimentos em outros ho- com os olhos de outras pessoas, ou como outras pessoas pro-
mens. A consciência de saber-se objeto de opiniões tão favorá- vavelmente os verão. Vistos nessa luz, se nos aparecem co-
veis origina essa tranqüilidade interior e satisfação consigo que mo desejamos, ficamos felizes e contentes. Porém, confirma-se
144 TEORIA DOS SENIIMENTOS MORAIS
TERCEIRA PARTE 145
grandement essa felicidade e cont ntam nto, a de ' obó:tmos
que utros, vendo nosso cmáter e ·ondula om aqueles olhos sem dúvida se alegram com o aplauso que imaginam receber.
com os q 1ais nós, apenas em imaginação, for~vamo-nos por Mas sua v idade se origina de uma tão grossei ra ilusão da ima-
vê-los, vêem-nos precisamente sob a m ma luz em que nós o ·na ã~, que é difíd.l ncel er c mo poderia conve ncer qt1aJ-
víramos. Sua aprovação necessariamente confirma a aprovação u .r natura raCJ naJ. Quand se colocam no Lu ,ar daquel s
de nós mesmos. Seu louvor necessariamente fortalece nosso a qu m 1 e n,' m t r enP-anado, impr ssiona-os a ra nd admi-
senso de que somos dignos de louvor. Nesse caso, o amor ao ração por ua · próprias pes ·oas. Sabem que olham para i m~ ·­
que é louvável está tão distante de derivar inteiramente do amor mos não como dev m mostrar aos companheiros, ma. ·o-
ao louvor, que este parece, em grande medida, pelo menos, de- mo re-almente ao· ditam que os oU1am. Sua fraqueza up rfi ial
rivar daquele, isto é, do amor ao que é louvável. trivial I u ura imp dem-nos de alguma vez voltar os olh ·
mais sinc ro louvor pode proporcionar p u o praz r para dentro d si, u de se ver ele a ardo com e s despr zív 1
quando não se pode onsid rá-lo como uma spécie de pro- ponto de vista em que suas próprias cons iêndas d v n -lbes
va de que se é lotJvável. Nã basta, em absoluto, qu d um dízer que apa r cerhm a todo o mundo, caso a v rdade vies. e
modo ou uu· no, oncedam, por ignorância ou ngano, e - à tona.
tima e admiração. Se estamos consci m de nno mer ce.rmo . ma vez que um louvor tolo e infundado não propor-
que façam de nós urna idéia tão favorável , e de que se ver- CIOna uma sólida ·alegria tampou o uma atisfa "o que r -
dade viesse a lume eJiamos vistos om senlim ntos b tan:- sista a um sério ex'tm , ntão, ao c ntrário, não raro confor-
te diversos, nem de longe nossa satisfa ão - ompl ta. bo- ta verdadeiram nte refletir que, · mbora nenhum louvor real-
mem que nos aplaude ora por ações que não realizamos, ora mente nos seja dado nos a onduta me mo a -sim o merecia
por motivos que não tiveram o nhuma influên ia obre nos- e foi em tudo adequada a m ctida e regras pelas quais habi~
sa conduta, não aplaude a nós, mas a outra p oa. ão po- rualmente s onfere louvor e aprovaçâo. Alegra-nos não ape-
demos extrair nenhuma satisfação de e us louv res. Para nós nas o louvor, ma· t rmo prati ado algo I uvável. Alegra-n.os
seriam mais mortificantes do que q ualqu r censura, e perpe- p~nsar qu nos ooverr mo nos obj tos naturais de aprova-
tuamente nos trariam a lembrança da mai humilhante das re- ao, em ra n nhuma aprovação jmnais nos fosse r •alment
flexões: o que deveríamos ser, mas não somos. Poder-se-ia ima- con dida. E mortifica-no retl tir que a enslll'a daquel om
ginar que uma mu lller que pinta nvaideceria pou o om. que~ convivemos foi merecida justamente, ainda que esse
os elogios ~o s u mblante. É d sp rar que tais e logi senttmento nunca se dirigisse efetivamente contra nós. O ho-
antes fize s n: -na I m rar do emimemos qu eu semblan- n~em que tá ons ienre ele ter respeitado exatamente as me-
te desp rta , muito a m nill -ass o contrast . Al grar- e · m dtdas d onduta, a qtlais a experiência ll1 diz s ~ r m g ral-
tun aplauso ti:io infundado ' prova da ma.is supe rfi ·iall vian- mente agradáveis, reflete satisfeito sobre a ·onven iência de seu
dad ~ fraqu za. É a isso qu :.e chama propriam nt d vaida- próprio omp rtamento. Quando vê . oba luz em qu ve-
de, fundamento dos mais ridículos e desprezív -i vícios, a sa- ria pe tad r imparcial, particlp inteiramente de t los os
ber, o da afetação e da mentira contumaz: loucuras de que, motivos qu o determinaram. Relembr'i c m prazer aprova-
alguém imaginaria, a menor centelha de bom-s n no po- ção ada parte desse seu c mportamento e, mbora a huma-
deria libertar, se a experiência nã.o nos ~n inass o quanro são nidad jamais venha a sab r o qu ~ z, · osid ra-s não tan-
comuns. O tolo mentiroso que procura uscitar a admiração to conforme a luz em qu r alment o vêem, mas conforme
dos outros pelo relato de aventuras que nunca ocorreram; o in- a luz em q1.1e ()veriam , se foss 111 mais bem informados. An-
fluente janota que se dá ares de classe e distinção, quanto aos tecipa o aplauso a lnliraçã qu nesse caso lhe seriam ded i-
quais bem sabe que não pode nutrir justas pretensões, ambos cados; e apla ude dmira a si mesmo p r simpatia c m en-
limentos qu ele fato nâ .) ·o1T 111, mas que ap nas a ignon:1n-
144 TEORIA DOS SENIIMENTOS MORAIS
TERCEIRA PARTE 145
grandement essa felicidade e cont ntam nto, a de ' obó:tmos
que utros, vendo nosso cmáter e ·ondula om aqueles olhos sem dúvida se alegram com o aplauso que imaginam receber.
com os q 1ais nós, apenas em imaginação, for~vamo-nos por Mas sua v idade se origina de uma tão grossei ra ilusão da ima-
vê-los, vêem-nos precisamente sob a m ma luz em que nós o ·na ã~, que é difíd.l ncel er c mo poderia conve ncer qt1aJ-
víramos. Sua aprovação necessariamente confirma a aprovação u .r natura raCJ naJ. Quand se colocam no Lu ,ar daquel s
de nós mesmos. Seu louvor necessariamente fortalece nosso a qu m 1 e n,' m t r enP-anado, impr ssiona-os a ra nd admi-
senso de que somos dignos de louvor. Nesse caso, o amor ao ração por ua · próprias pes ·oas. Sabem que olham para i m~ ·­
que é louvável está tão distante de derivar inteiramente do amor mos não como dev m mostrar aos companheiros, ma. ·o-
ao louvor, que este parece, em grande medida, pelo menos, de- mo re-almente ao· ditam que os oU1am. Sua fraqueza up rfi ial
rivar daquele, isto é, do amor ao que é louvável. trivial I u ura imp dem-nos de alguma vez voltar os olh ·
mais sinc ro louvor pode proporcionar p u o praz r para dentro d si, u de se ver ele a ardo com e s despr zív 1
quando não se pode onsid rá-lo como uma spécie de pro- ponto de vista em que suas próprias cons iêndas d v n -lbes
va de que se é lotJvável. Nã basta, em absoluto, qu d um dízer que apa r cerhm a todo o mundo, caso a v rdade vies. e
modo ou uu· no, oncedam, por ignorância ou ngano, e - à tona.
tima e admiração. Se estamos consci m de nno mer ce.rmo . ma vez que um louvor tolo e infundado não propor-
que façam de nós urna idéia tão favorável , e de que se ver- CIOna uma sólida ·alegria tampou o uma atisfa "o que r -
dade viesse a lume eJiamos vistos om senlim ntos b tan:- sista a um sério ex'tm , ntão, ao c ntrário, não raro confor-
te diversos, nem de longe nossa satisfa ão - ompl ta. bo- ta verdadeiram nte refletir que, · mbora nenhum louvor real-
mem que nos aplaude ora por ações que não realizamos, ora mente nos seja dado nos a onduta me mo a -sim o merecia
por motivos que não tiveram o nhuma influên ia obre nos- e foi em tudo adequada a m ctida e regras pelas quais habi~
sa conduta, não aplaude a nós, mas a outra p oa. ão po- rualmente s onfere louvor e aprovaçâo. Alegra-nos não ape-
demos extrair nenhuma satisfação de e us louv res. Para nós nas o louvor, ma· t rmo prati ado algo I uvável. Alegra-n.os
seriam mais mortificantes do que q ualqu r censura, e perpe- p~nsar qu nos ooverr mo nos obj tos naturais de aprova-
tuamente nos trariam a lembrança da mai humilhante das re- ao, em ra n nhuma aprovação jmnais nos fosse r •alment
flexões: o que deveríamos ser, mas não somos. Poder-se-ia ima- con dida. E mortifica-no retl tir que a enslll'a daquel om
ginar que uma mu lller que pinta nvaideceria pou o om. que~ convivemos foi merecida justamente, ainda que esse
os elogios ~o s u mblante. É d sp rar que tais e logi senttmento nunca se dirigisse efetivamente contra nós. O ho-
antes fize s n: -na I m rar do emimemos qu eu semblan- n~em que tá ons ienre ele ter respeitado exatamente as me-
te desp rta , muito a m nill -ass o contrast . Al grar- e · m dtdas d onduta, a qtlais a experiência ll1 diz s ~ r m g ral-
tun aplauso ti:io infundado ' prova da ma.is supe rfi ·iall vian- mente agradáveis, reflete satisfeito sobre a ·onven iência de seu
dad ~ fraqu za. É a isso qu :.e chama propriam nt d vaida- próprio omp rtamento. Quando vê . oba luz em qu ve-
de, fundamento dos mais ridículos e desprezív -i vícios, a sa- ria pe tad r imparcial, particlp inteiramente de t los os
ber, o da afetação e da mentira contumaz: loucuras de que, motivos qu o determinaram. Relembr'i c m prazer aprova-
alguém imaginaria, a menor centelha de bom-s n no po- ção ada parte desse seu c mportamento e, mbora a huma-
deria libertar, se a experiência nã.o nos ~n inass o quanro são nidad jamais venha a sab r o qu ~ z, · osid ra-s não tan-
comuns. O tolo mentiroso que procura uscitar a admiração to conforme a luz em qu r alment o vêem, mas conforme
dos outros pelo relato de aventuras que nunca ocorreram; o in- a luz em q1.1e ()veriam , se foss 111 mais bem informados. An-
fluente janota que se dá ares de classe e distinção, quanto aos tecipa o aplauso a lnliraçã qu nesse caso lhe seriam ded i-
quais bem sabe que não pode nutrir justas pretensões, ambos cados; e apla ude dmira a si mesmo p r simpatia c m en-
limentos qu ele fato nâ .) ·o1T 111, mas que ap nas a ignon:1n-
146 TEORIA DOS SEN11MENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 147
cia do público impede de ocorrer. Sabendo que esses senti- seja parece ser o mais forte dos dois. Apenas os mais super-
mentos são efeitos naturais e comuns de tal conduta, asso- ficiais e mais fracos dos homens podem se deliciar com 0 lou-
cia-os em sua imaginação, e adquire o hábito de concebê-los vor que sabem em tudo imerecido. Um homem fraco pode
como algo que dela deveria se seguir natural e apropriadamen- por vezes regozijar-se com isso, ao passo que um homem sá-
te. Há homens que abandonaram voluntariamente a vida para bio o rejeita em todas as ocasiões. Porém, embora um sábio
adquirir após a morte um nome de que não mais poderiam usu- extraia pouco prazer do louvor quando sabe que nada há pa-
fruir. Entrementes, sua imaginação antecipava a fama que lhes ra se louvar, freqüentemente extrai o mais intenso prazer de
seria concedida em tempos futuros. Os aplausos que nunca realizar algo que sabe louvável, embora também não ignore que
ouviriam ressoam em seus ouvidos; os pensamentos da admi- tal ação jamais receberá louvor algum. Obter a aprovação dos
ração, cujos efeitos jamais perceberiam, brincavam em seus homens, quando nenhuma aprovação é devida, nunca terá,
corações, baniam de seus peitos o mais forte dos medos na- para ele, relevância. Obter aprovação quando é realmente de-
turais, transportando-os a executar ações que parecem quase vida pode, por vezes, ter pouca relevância para ele. Mas ser
fora do alcance da natureza humana. Mas, no que diz respei- merecedor de aprovação sempre deve ter extrema relevância.
to à realidade, certamente não há grande diferença entre a apro- Desejar ou até aceitar louvor, quando nenhum louvor é
vação que apenas será concedida quando já não a pudermos devido, pode ser apenas efeito da mais desprezível vaidade.
aproveitar, e a que nunca será concedida de fato, embora pu- Desejá-lo quando é realmente devido é nada menos que de-
desse ser, caso o mundo algum dia compreendesse apropria- sejar que se nos faça o mais essencial ato de justiça. O amor à
damente as reais circunstâncias de nosso comportamento. Se justa fama, à verdadeira glória, mesmo por si mesmo e inde-
uma freqüentemente produz tantos efeitos violentos, não nos pendente de qualquer vantagem que possa trazer, não é indig-
surpreende que a outra sempre seja tão bem recebida. no nem mesmo de um homem sábio. Às vezes, no entanto, este
Quando criou o homem para a sociedade, a natureza o a negligencia e até a despreza, e tende a fazê-lo quando está
dotou de um desejo original de agradar, e de uma aversão pri- perfeitamente seguro quanto à perfeita conveniência de cada
mária a ofender seus irmãos. Ensinou-o a sentir prazer com a passo de sua conduta. Nesse caso, não é necessário que a apro-
opinião favorável destes, e a sofrer com sua opinião desfavo- vação de si mesmo seja confirmada pela aprovação de outros
rável. Tornou a aprovação dos semelhantes em si mesma mui- homens: basta por si só, e isso satisfaz ao sábio. Essa aprova-
to lisonjeira e agradável a ele, e sua desaprovação muito mor- ção de si é o principal, senão o único, objeto com o qual po-
tificante e ofensiva. de ou deve preocupar-se. O amor a ela constitui o amor pela
Mas esse desejo de aprovação e essa aversão à desapro- virtude.
vação de seus irmãos não seriam suficientes para torná-lo ade- Do mesmo modo como o amor e admiração que natu-
quado à sociedade para a qual fora criado. A natureza o dotou, ralmente concebemos por alguns personagens nos inclinam
pois, não apenas de um desejo de ser aprovado, mas de se tor- a desejar nos tornarmos objetos adequados de tão agradáveis
nar objeto de aprovação necessária, ou de ser aprovado pe- sentimentos, também o ódio e desprezo que concebemos na-
lo que ele mesmo aprova em outros homens. O primeiro de- turalmente por outros nos predispõem, talvez ainda mais for-
sejo apenas o faria esperar mostrar-se adequado à sociedade. temente, a temermos a simples idéia de nos parecermos a eles
O segundo foi necessário a fim de fazê-lo preocupar-se em no menor aspecto. Também nesse caso, não tememos tanto
ser realmente adequado. O primeiro apenas poderia tê-lo mo- a idéia de ser odiado e desprezado, mas a de sermos odiosos e
tivado a afetar virtude e a ocultar o vício. O segundo foi neces- desprezíveis. Tememos a idéia de fazer algo que nos possa tor-
sário para inspirar-lhe o verdadeiro amor à virtude e o real hor- nar objetos justos e adequados de ódio e desprezo de nossos
ror ao vício. Em todo espírito esclarecido, esse segundo de- semelhantes, ainda que estejamos perfeitamente seguros de
146 TEORIA DOS SEN11MENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 147
cia do público impede de ocorrer. Sabendo que esses senti- seja parece ser o mais forte dos dois. Apenas os mais super-
mentos são efeitos naturais e comuns de tal conduta, asso- ficiais e mais fracos dos homens podem se deliciar com 0 lou-
cia-os em sua imaginação, e adquire o hábito de concebê-los vor que sabem em tudo imerecido. Um homem fraco pode
como algo que dela deveria se seguir natural e apropriadamen- por vezes regozijar-se com isso, ao passo que um homem sá-
te. Há homens que abandonaram voluntariamente a vida para bio o rejeita em todas as ocasiões. Porém, embora um sábio
adquirir após a morte um nome de que não mais poderiam usu- extraia pouco prazer do louvor quando sabe que nada há pa-
fruir. Entrementes, sua imaginação antecipava a fama que lhes ra se louvar, freqüentemente extrai o mais intenso prazer de
seria concedida em tempos futuros. Os aplausos que nunca realizar algo que sabe louvável, embora também não ignore que
ouviriam ressoam em seus ouvidos; os pensamentos da admi- tal ação jamais receberá louvor algum. Obter a aprovação dos
ração, cujos efeitos jamais perceberiam, brincavam em seus homens, quando nenhuma aprovação é devida, nunca terá,
corações, baniam de seus peitos o mais forte dos medos na- para ele, relevância. Obter aprovação quando é realmente de-
turais, transportando-os a executar ações que parecem quase vida pode, por vezes, ter pouca relevância para ele. Mas ser
fora do alcance da natureza humana. Mas, no que diz respei- merecedor de aprovação sempre deve ter extrema relevância.
to à realidade, certamente não há grande diferença entre a apro- Desejar ou até aceitar louvor, quando nenhum louvor é
vação que apenas será concedida quando já não a pudermos devido, pode ser apenas efeito da mais desprezível vaidade.
aproveitar, e a que nunca será concedida de fato, embora pu- Desejá-lo quando é realmente devido é nada menos que de-
desse ser, caso o mundo algum dia compreendesse apropria- sejar que se nos faça o mais essencial ato de justiça. O amor à
damente as reais circunstâncias de nosso comportamento. Se justa fama, à verdadeira glória, mesmo por si mesmo e inde-
uma freqüentemente produz tantos efeitos violentos, não nos pendente de qualquer vantagem que possa trazer, não é indig-
surpreende que a outra sempre seja tão bem recebida. no nem mesmo de um homem sábio. Às vezes, no entanto, este
Quando criou o homem para a sociedade, a natureza o a negligencia e até a despreza, e tende a fazê-lo quando está
dotou de um desejo original de agradar, e de uma aversão pri- perfeitamente seguro quanto à perfeita conveniência de cada
mária a ofender seus irmãos. Ensinou-o a sentir prazer com a passo de sua conduta. Nesse caso, não é necessário que a apro-
opinião favorável destes, e a sofrer com sua opinião desfavo- vação de si mesmo seja confirmada pela aprovação de outros
rável. Tornou a aprovação dos semelhantes em si mesma mui- homens: basta por si só, e isso satisfaz ao sábio. Essa aprova-
to lisonjeira e agradável a ele, e sua desaprovação muito mor- ção de si é o principal, senão o único, objeto com o qual po-
tificante e ofensiva. de ou deve preocupar-se. O amor a ela constitui o amor pela
Mas esse desejo de aprovação e essa aversão à desapro- virtude.
vação de seus irmãos não seriam suficientes para torná-lo ade- Do mesmo modo como o amor e admiração que natu-
quado à sociedade para a qual fora criado. A natureza o dotou, ralmente concebemos por alguns personagens nos inclinam
pois, não apenas de um desejo de ser aprovado, mas de se tor- a desejar nos tornarmos objetos adequados de tão agradáveis
nar objeto de aprovação necessária, ou de ser aprovado pe- sentimentos, também o ódio e desprezo que concebemos na-
lo que ele mesmo aprova em outros homens. O primeiro de- turalmente por outros nos predispõem, talvez ainda mais for-
sejo apenas o faria esperar mostrar-se adequado à sociedade. temente, a temermos a simples idéia de nos parecermos a eles
O segundo foi necessário a fim de fazê-lo preocupar-se em no menor aspecto. Também nesse caso, não tememos tanto
ser realmente adequado. O primeiro apenas poderia tê-lo mo- a idéia de ser odiado e desprezado, mas a de sermos odiosos e
tivado a afetar virtude e a ocultar o vício. O segundo foi neces- desprezíveis. Tememos a idéia de fazer algo que nos possa tor-
sário para inspirar-lhe o verdadeiro amor à virtude e o real hor- nar objetos justos e adequados de ódio e desprezo de nossos
ror ao vício. Em todo espírito esclarecido, esse segundo de- semelhantes, ainda que estejamos perfeitamente seguros de
TERCEIRA PARTE 149
148 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS
e n<• ~x uçâo dos mais hediondos rimes friamente toma-
que esses sentimentos nunca se dirigiram realmente contra qu d •d - s para evitar até a suspeita de ulpa, às vez s são
nós. O homem que violou todas essas normas de conduta, as
l
r~m dos pelo ·h orror cl.e sua situaçã a re.v lar d t om grado
únicas capazes de torná-lo agradável à humanidade, embora cvau nenhuma saga i dad e I1umana Jatna1S
. . p c1 ri·a mvesttgar.
. .
estivesse perfeitamente seguro de que ocultou seus atos de to- ~eq· nhecend sua culpa , suh.metendo-s ao ~· ss ntir:1c::nto
do olho humano para sempre, sabe que tudo isso é inútil. Ao d . oncidadãos que foram ofend1d s e, com 1sso, sac1and
rememorá-los e vê-los sob a luz em que o espectador impar- .1 vinga o <I da qual sab iam ter-se tornado objet adequado ,
cial os veria, descobre que não consegue entender nenhum dos ~speram com sua mo1te re · nciliar-s .'pelo me nos em sua ima-
motivos que os determinaram. Tais pensamentos o deixam per- glnaçã , com os e ntimentos ~atura1s dos ou~·os homen ·;. -
plexo e confuso, e necessariamente sente com intensidade a eram 'er ca paz de s cons1dera r menos dtgnos de d1 e
vergonha a que estaria exposto, se seus atos viessem a ser co- p
ressentlm nto, e de a lgurna 1··omm pagar p r cu cnme ' tor-
nhecidos de todos. Também nesse caso, sua imaginação ante- nando-se, assim, antes objetos de compaixão do que de horror,
cipa o desprezo e escárnio de que nada o salva, exceto a igno- e se p ssível rnol1:eodo em paz, com o perdão de todos os seus
rância dos que com ele convivem. Ainda sente que é objeto seme ll1a ntes. ampa rado ao que sentiam antes da revelação,
natural desses sentimentos, e ainda treme ao pensar no que até esse pensamento, ao que parece, lhes traz felicidade.
sofreria, se porventura esses sentimentos realmente lhe fossem Em casos como esse, o horror a ser digno de censura pare-
dedicados. Porém, se não fosse culpado meramente de uma ce subjugar completamente o horror à censura, mesmo quando
dessas inconveniências que constituem objeto de simples de- se trata de pessoas insuspeitas de qualquer extraordinária sen-
saprovação, mas de um desses crimes enormes, que suscitam sibilidade ou delicadeza de caráter. A fim de aliviar esse horror,
horror e ressentimento, enquanto lhe restasse alguma sensibi- de pacificar de alguma maneira o remorso de suas consciên-
lidade, jamais pensaria em seus atos, sem sentir toda a agonia cias, submetem-se voluntariamente tanto à repreensão quanto
do horror e do remorso; e, embora estivesse seguro de que ao castigo que sabem lhe foram devidos por seus crimes, mas
nenhum homem jamais viria a saber de nada, e até pudesse que, ao mesmo tempo, poderiam facilmente ter evitado.
acreditar que não existe Deus para se vingar sobre ele, ainda São as pessoas mais frívolas e superficiais as únicas que
assim, o que experimentaria desses dois sentimentos bastaria se encantam sobremaneira com o louvor que sabem ser intei-
para amargurar toda sua vida. Ademais, considerar-se-ia ob- ramente imerecido. A repreensão imerecida, entretanto, não
jeto natural de ódio e indignação de todos os seus semelhan- raro é capaz de mortificar severamente mesmo homens de cons-
tes e, se seu coração já não estivesse calejado pelo hábito de tância mais que comum. Na verdade, homens de constância
cometer crimes, não poderia conceber sem terror e perplexi- a mais comum facilmente aprendem a desprezar as tolas his-
dade até mesmo a maneira como os outros o olhariam, a ex- torietas que com freqüência circulam em sociedade e que, por
pressão de seus rostos e olhos, se a terrível verdade um dia seu absurdo e falsidade, sempre acabam no curso de poucas
viesse a ser conhecida. Essas agonias naturais de uma consciên- semanas ou poucos dias. Mas um homem inocente, ainda que
cia atemorizada são os demônios, as fúrias vingativas que as- de constância incomum, muitas vezes não apenas se ofende,
sombram os culpados nesta vida, que não lhes permitem nem mas se mortifica severamente com a imputação grave, embo-
calma nem repouso, que freqüentemente os levam ao deses- ra falsa, de um crime, sobretudo quando, por infelicidade, a im-
pero e loucura, de que nenhuma certeza de sigilo os protege, putação tem apoio m circunstâncias que !~e confere11_1 ar. de
nenhum princípio de irreligião os pode salvar inteiramente, e probabilidade . Deixa- humilhado descobnr que alguem jul-
de que nada os pode libertar, senão a mais vil e abjeta das con- gue seu caráter tão mesquinho, a ponto cl sup< r ~ue fosse ca-
dições, isto é, a completa indiferença quanto a honra e infâmia, paz de ser culpado disso. Embora perfeltament Ciente de sua
vício e virtude. Homens de temperamentos os mais detestáveis,
TERCEIRA PARTE 149
148 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS
e n<• ~x uçâo dos mais hediondos rimes friamente toma-
que esses sentimentos nunca se dirigiram realmente contra qu d •d - s para evitar até a suspeita de ulpa, às vez s são
nós. O homem que violou todas essas normas de conduta, as
l
r~m dos pelo ·h orror cl.e sua situaçã a re.v lar d t om grado
únicas capazes de torná-lo agradável à humanidade, embora cvau nenhuma saga i dad e I1umana Jatna1S
. . p c1 ri·a mvesttgar.
. .
estivesse perfeitamente seguro de que ocultou seus atos de to- ~eq· nhecend sua culpa , suh.metendo-s ao ~· ss ntir:1c::nto
do olho humano para sempre, sabe que tudo isso é inútil. Ao d . oncidadãos que foram ofend1d s e, com 1sso, sac1and
rememorá-los e vê-los sob a luz em que o espectador impar- .1 vinga o <I da qual sab iam ter-se tornado objet adequado ,
cial os veria, descobre que não consegue entender nenhum dos ~speram com sua mo1te re · nciliar-s .'pelo me nos em sua ima-
motivos que os determinaram. Tais pensamentos o deixam per- glnaçã , com os e ntimentos ~atura1s dos ou~·os homen ·;. -
plexo e confuso, e necessariamente sente com intensidade a eram 'er ca paz de s cons1dera r menos dtgnos de d1 e
vergonha a que estaria exposto, se seus atos viessem a ser co- p
ressentlm nto, e de a lgurna 1··omm pagar p r cu cnme ' tor-
nhecidos de todos. Também nesse caso, sua imaginação ante- nando-se, assim, antes objetos de compaixão do que de horror,
cipa o desprezo e escárnio de que nada o salva, exceto a igno- e se p ssível rnol1:eodo em paz, com o perdão de todos os seus
rância dos que com ele convivem. Ainda sente que é objeto seme ll1a ntes. ampa rado ao que sentiam antes da revelação,
natural desses sentimentos, e ainda treme ao pensar no que até esse pensamento, ao que parece, lhes traz felicidade.
sofreria, se porventura esses sentimentos realmente lhe fossem Em casos como esse, o horror a ser digno de censura pare-
dedicados. Porém, se não fosse culpado meramente de uma ce subjugar completamente o horror à censura, mesmo quando
dessas inconveniências que constituem objeto de simples de- se trata de pessoas insuspeitas de qualquer extraordinária sen-
saprovação, mas de um desses crimes enormes, que suscitam sibilidade ou delicadeza de caráter. A fim de aliviar esse horror,
horror e ressentimento, enquanto lhe restasse alguma sensibi- de pacificar de alguma maneira o remorso de suas consciên-
lidade, jamais pensaria em seus atos, sem sentir toda a agonia cias, submetem-se voluntariamente tanto à repreensão quanto
do horror e do remorso; e, embora estivesse seguro de que ao castigo que sabem lhe foram devidos por seus crimes, mas
nenhum homem jamais viria a saber de nada, e até pudesse que, ao mesmo tempo, poderiam facilmente ter evitado.
acreditar que não existe Deus para se vingar sobre ele, ainda São as pessoas mais frívolas e superficiais as únicas que
assim, o que experimentaria desses dois sentimentos bastaria se encantam sobremaneira com o louvor que sabem ser intei-
para amargurar toda sua vida. Ademais, considerar-se-ia ob- ramente imerecido. A repreensão imerecida, entretanto, não
jeto natural de ódio e indignação de todos os seus semelhan- raro é capaz de mortificar severamente mesmo homens de cons-
tes e, se seu coração já não estivesse calejado pelo hábito de tância mais que comum. Na verdade, homens de constância
cometer crimes, não poderia conceber sem terror e perplexi- a mais comum facilmente aprendem a desprezar as tolas his-
dade até mesmo a maneira como os outros o olhariam, a ex- torietas que com freqüência circulam em sociedade e que, por
pressão de seus rostos e olhos, se a terrível verdade um dia seu absurdo e falsidade, sempre acabam no curso de poucas
viesse a ser conhecida. Essas agonias naturais de uma consciên- semanas ou poucos dias. Mas um homem inocente, ainda que
cia atemorizada são os demônios, as fúrias vingativas que as- de constância incomum, muitas vezes não apenas se ofende,
sombram os culpados nesta vida, que não lhes permitem nem mas se mortifica severamente com a imputação grave, embo-
calma nem repouso, que freqüentemente os levam ao deses- ra falsa, de um crime, sobretudo quando, por infelicidade, a im-
pero e loucura, de que nenhuma certeza de sigilo os protege, putação tem apoio m circunstâncias que !~e confere11_1 ar. de
nenhum princípio de irreligião os pode salvar inteiramente, e probabilidade . Deixa- humilhado descobnr que alguem jul-
de que nada os pode libertar, senão a mais vil e abjeta das con- gue seu caráter tão mesquinho, a ponto cl sup< r ~ue fosse ca-
dições, isto é, a completa indiferença quanto a honra e infâmia, paz de ser culpado disso. Embora perfeltament Ciente de sua
vício e virtude. Homens de temperamentos os mais detestáveis,
150 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 151
própria inocência, a mera lm putaçào muitas vezes parece, até ra em Toulouse pelo suposto assassinato de seu próprio fi-
em sua pr ' prí imagina ão, lançar uma sombra de desgraça lho, do qual era completamente inocente), mostrou com seu
e desonra sobre seu caráter. Além disso, sua justa indignação último suspiro condenar menos a crueldade do castigo, que
diante de tão vulgar injúria, a qual, contudo, é freqüentemen- a desgraça que essa imputação poderia lançar sobre sua me-
te inconveniente e às vezes até impossível vingar, em si mes- mória. Depois de arrebentado, na iminência de ser lançado ao
ma é uma sensação muito dolorosa. Não há maior torturador fogo, o monge que acompanhava a execução o exortou a con-
do peito humano do que o intenso ressentimento que não po- fessar o crime pelo qual fora condenado. "Meu pai", disseCa-
de ser saciado. Um homem inocente, levado ao cadafalso pe- las, "o senhor consegue convencer-se de que sou culpado?"•
la falsa imputação de um crime odioso ou infame, sofre o mais Para pessoas em circunstâncias tão infelizes, aquela mo-
cruel infortúnio que um inocente pode sofrer. A agonia de seu desta filosofia, cujas opiniões estão confinadas nesta vida, tal-
espírito, nesse caso, pode muitas vezes ser mais intensa que vez sirva de pouco consolo. Tudo o que poderia tornar a vi-
a agonia dos que sofrem pelos mesmos crimes, dos quais fo- da ou a morte respeitáveis lhes foi tirado. Estão condenadas à
ram efetivamente culpados. Criminosos devassos, tais como morte e à eterna infâmia. Somente a religião pode lhes propi-
ladrões comuns e bandoleiros, freqüentemente têm pouco sen- ciar qualquer conforto efetivo. Apenas ela pode lhes dizer que
so da baixeza de sua própria conduta, e, por conseguinte, ne- é de pouca importância o que o homem venha a pensar da sua
nhum remorso. Sem se incomodarem com a justiça ou injus- conduta, se o Juiz Onisciente do mundo a aprovar. Só ela po-
tiça da punição, habituaram-se desde sempre a olhar para o de lhes apresentar a visão de outro mundo, um mundo de mais
patíbulo como um destino que muito provavelmente sobre- sinceridade, humanidade e justiça do que o presente, onde sua
viria. Quando, portanto, realmente sobrevém, consideram-se inocência será declarada no devido tempo, e sua virtude fi-
apenas menos afortunados do que seus companheiros, e se nalmente compensada. E o mesmo grande princípio, único que
submetem à sua so1te sem nenhum desconforto, senão o que pode espelhar terror pelo vício triunfante, fornece o único
surge do medo da morte, um medo que freqüentemente ve- consolo eficaz para a inocência desgraçada e insultada.
mos, mesmo por tais indignos desgraçados, subjugar tão fácil Em ofensas menores, bem como em crimes maiores, fre-
e completamente. Ao contrário, o inocente, além do descon- qüentemente sucede de uma pessoa sensível ferir-se muito
forto que esse medo pode provocar, é torturado pela sua pró- mais com a injusta imputação do que o verdadeiro crimino-
pria indignação ante a injustiça que lhe fizeram. Ocorre-lhe so com sua culpa real. Uma mulher galante ri até das insi-
com horror o pensamento da infâmia que a punição poderá nuações bem fundadas que circulam quanto a sua conduta.
derramar sobre sua memória, e prevê com a mais intensa an- A mais infundada insinuação dessa espécie é uma punhalada
gústia que doravante será lembrado por seus mais queridos mortal numa virgem inocente. Creio que podemos estabele-
amigos e parentes com vergonha e até horror por sua supos- cer como regra geral que a pessoa deliberadamente culpada
ta conduta infame, não com pena e afeto. E assim as sombras de um ato desgraçado não tem muito senso da desgraça, e a
da morte parecem fechar-se ao seu redor com um desalento pessoa habitualmente culpada de tal ato dificilmente terá qual-
mais lúgubre e mais melancólico do que as acompanham na- quer desse senso.
turalmente. Para a tranqüilidade dos homens, deve-se esperar
que esses funestos incidentes ocorram muito raramente em
qualquer país, apesar de às vezes ocorrerem em todos os paí- • Je:tn Calas, excc::wado m Tou lousc, em lO d ma r~·o de 1762, sob :t
ses, até naqueles onde a justiça é, de modo geral, muito bem a liS:lÇI10 de ter assassimtdo Sell p ró prio mho. Nt () havia, pt tt- 111 , n ~nh u ula
prtlva qu ·o lntrhlli nasse. AtonllcnLado por dúvidas religiosas, o fi lho - que
administrada. O infeliz Calas, homem de constância muito su- r~nu n dma ;i .llgl: o c:livlnlsta ~l O$ p:~ l s, pa t~l ~.:onverl er-s • uo c::twlldsmo -
perior à comum (arrebentado na roda e queimado na foguei- suicidara-se. (N. da R. T.)
150 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 151
própria inocência, a mera lm putaçào muitas vezes parece, até ra em Toulouse pelo suposto assassinato de seu próprio fi-
em sua pr ' prí imagina ão, lançar uma sombra de desgraça lho, do qual era completamente inocente), mostrou com seu
e desonra sobre seu caráter. Além disso, sua justa indignação último suspiro condenar menos a crueldade do castigo, que
diante de tão vulgar injúria, a qual, contudo, é freqüentemen- a desgraça que essa imputação poderia lançar sobre sua me-
te inconveniente e às vezes até impossível vingar, em si mes- mória. Depois de arrebentado, na iminência de ser lançado ao
ma é uma sensação muito dolorosa. Não há maior torturador fogo, o monge que acompanhava a execução o exortou a con-
do peito humano do que o intenso ressentimento que não po- fessar o crime pelo qual fora condenado. "Meu pai", disseCa-
de ser saciado. Um homem inocente, levado ao cadafalso pe- las, "o senhor consegue convencer-se de que sou culpado?"•
la falsa imputação de um crime odioso ou infame, sofre o mais Para pessoas em circunstâncias tão infelizes, aquela mo-
cruel infortúnio que um inocente pode sofrer. A agonia de seu desta filosofia, cujas opiniões estão confinadas nesta vida, tal-
espírito, nesse caso, pode muitas vezes ser mais intensa que vez sirva de pouco consolo. Tudo o que poderia tornar a vi-
a agonia dos que sofrem pelos mesmos crimes, dos quais fo- da ou a morte respeitáveis lhes foi tirado. Estão condenadas à
ram efetivamente culpados. Criminosos devassos, tais como morte e à eterna infâmia. Somente a religião pode lhes propi-
ladrões comuns e bandoleiros, freqüentemente têm pouco sen- ciar qualquer conforto efetivo. Apenas ela pode lhes dizer que
so da baixeza de sua própria conduta, e, por conseguinte, ne- é de pouca importância o que o homem venha a pensar da sua
nhum remorso. Sem se incomodarem com a justiça ou injus- conduta, se o Juiz Onisciente do mundo a aprovar. Só ela po-
tiça da punição, habituaram-se desde sempre a olhar para o de lhes apresentar a visão de outro mundo, um mundo de mais
patíbulo como um destino que muito provavelmente sobre- sinceridade, humanidade e justiça do que o presente, onde sua
viria. Quando, portanto, realmente sobrevém, consideram-se inocência será declarada no devido tempo, e sua virtude fi-
apenas menos afortunados do que seus companheiros, e se nalmente compensada. E o mesmo grande princípio, único que
submetem à sua so1te sem nenhum desconforto, senão o que pode espelhar terror pelo vício triunfante, fornece o único
surge do medo da morte, um medo que freqüentemente ve- consolo eficaz para a inocência desgraçada e insultada.
mos, mesmo por tais indignos desgraçados, subjugar tão fácil Em ofensas menores, bem como em crimes maiores, fre-
e completamente. Ao contrário, o inocente, além do descon- qüentemente sucede de uma pessoa sensível ferir-se muito
forto que esse medo pode provocar, é torturado pela sua pró- mais com a injusta imputação do que o verdadeiro crimino-
pria indignação ante a injustiça que lhe fizeram. Ocorre-lhe so com sua culpa real. Uma mulher galante ri até das insi-
com horror o pensamento da infâmia que a punição poderá nuações bem fundadas que circulam quanto a sua conduta.
derramar sobre sua memória, e prevê com a mais intensa an- A mais infundada insinuação dessa espécie é uma punhalada
gústia que doravante será lembrado por seus mais queridos mortal numa virgem inocente. Creio que podemos estabele-
amigos e parentes com vergonha e até horror por sua supos- cer como regra geral que a pessoa deliberadamente culpada
ta conduta infame, não com pena e afeto. E assim as sombras de um ato desgraçado não tem muito senso da desgraça, e a
da morte parecem fechar-se ao seu redor com um desalento pessoa habitualmente culpada de tal ato dificilmente terá qual-
mais lúgubre e mais melancólico do que as acompanham na- quer desse senso.
turalmente. Para a tranqüilidade dos homens, deve-se esperar
que esses funestos incidentes ocorram muito raramente em
qualquer país, apesar de às vezes ocorrerem em todos os paí- • Je:tn Calas, excc::wado m Tou lousc, em lO d ma r~·o de 1762, sob :t
ses, até naqueles onde a justiça é, de modo geral, muito bem a liS:lÇI10 de ter assassimtdo Sell p ró prio mho. Nt () havia, pt tt- 111 , n ~nh u ula
prtlva qu ·o lntrhlli nasse. AtonllcnLado por dúvidas religiosas, o fi lho - que
administrada. O infeliz Calas, homem de constância muito su- r~nu n dma ;i .llgl: o c:livlnlsta ~l O$ p:~ l s, pa t~l ~.:onverl er-s • uo c::twlldsmo -
perior à comum (arrebentado na roda e queimado na foguei- suicidara-se. (N. da R. T.)
T

TERCEIRA PARTE 153


152 TEORIA DOS SEN17MENTOS MORAIS
nunca cometeu. Nesse caso, a natureza não apenas tornou a
Se todo homem, mesmo o de entendimento mediano, tão
prontamente despreza o aplauso imerecido, talvez valha a pe- dor mais pungente do que o prazer oposto e correspondente,
na considerar como sucede que a imerecida repreensão mui- mas fez isso em um grau muito superior ao comum. Uma ne-
tas vezes consiga mortificar tão gravemente homens do mais gação imediatamente livra o homem do prazer tolo e ridículo,
sólido discernimento. mas nem sempre o livrará da dor. Quando recusa o mérito
Já tive ocasião de observar• que a dor é , em quase todos que lhe atribuem, ninguém duvida de sua veracidade. Pode-
os casos, uma sensação mais pungente do que o prazer opos- se duvidar quando nega o crime de que o acusam. A um só
to e correspondente. Uma quase sempre nos faz cair muito tempo enraivece-o a falsidade da imputação, e mortifica-o des-
abaixo do comum, ou do que se pode chamar natural estado cobrir que se deu algum crédito a tal imputação. Percebe que
de felicidade, do que o outro porventura nos ergue acima de- seu caráter não basta para o proteger. Percebe que seus irmãos,
le. Um homem sensível tende a ser mais humilhado pela jus- em vez de o verem sob a luz em que deseja ardorosamente
ta censura do que porventura é elevado pelo justo aplauso. ser visto, julgam-no capaz de ser culpado daquilo de que o
Em todas as ocasiões, um homem sábio rejeita o aplauso ime- acusam. Sabe perfeitamente que não foi culpado; sabe per-
recido com desdém; mas freqüentemente sente de modo bas- feitamente o que fez ; talvez, contudo, quase ninguém saiba
tante intenso a injustiça da censura imerecida. Ao permitir a perfeitamente o que ele próprio é capaz de fazer. O que a cons-
si mesmo o aplauso pelo que não realizou, ao presumir de tituição peculiar de seu espírito pode ou não permitir é talvez
um mérito que não lhe é devido, sente que é culpado de vil questão mais ou menos duvidosa para qualquer um. A con-
falsidade e merece, não a admiração, mas o desprezo das mes- fiança e boa opinião dos amigos e vizinhos tendem, mais do
mas pessoas que , por engano, foram levadas a admirá-lo. Tal- que tudo, a aliviá-lo desta dúvida tão desagradável; sua des-
vez lhe dê algum prazer bem fundamentado descobrir que mui- confiança e opinião desfavorável tendem a aumentá-la. Pode-
tas pessoas o julgaram capaz de realizar o que não realizou. se julgar muito confiante de que esse julgamento desfavorá-
Mas, embora possa ser devedor de seus amigos por sua boa vel está errado; mas essa confiança raramente é tão grande
opinião, julgar-se-ia culpado da maior baixeza, caso não os de- que impeça tal julgamento de impressioná-lo; e quanto maior
siludisse imediatamente. Proporciona-lhe pouco prazer ver-se sua sensibilidade, sua delicadeza, sua dignidade, tanto maior se-
sob a luz em que outros realmente o vêem, quando está cons- rá, provavelmente, essa impressão.
ciente de que, se soubessem a verdade, olhariam para ele sob Deve-se observar que o acordo ou o desacordo quer dos
uma luz bem diferente. Um homem fraco, porém, não raro se sentimentos, quer dos juízos de outras pessoas com os nossos
deleita imensamente vendo-se sob essa luz falsa e ilusória. Pre- é, em todos os casos, de maior ou menor importância para
sume do mérito de toda ação louvável que lhe é atribuída, e nós, na proporção exata em que nós mesmos estamos mais
muitas vezes reclama o que ninguém jamais pensou em lhe ou menos inseguros quanto à conveniência de nossos senti-
atribuir. Reclama ter feito o que nunca fez, ter escrito o que um mentos e quanto à precisão de nossos próprios juízos. Às ve-
outro escreveu, ter inventado o que outro descobriu, sendo zes um homem sensível pode sentir grande desconforto ao
assim conduzido a todos os miseráveis vícios do plágio e da recear que cedera demasiadamente até mesmo àquilo a que
mentira vulgar. No entanto, ainda que nenhum homem de me- chamaríamos paixão honrada, isto é, à sua justa indignação
diano bom-senso possa extrair muito prazer da imputação de
ante a ofensa que talvez se tenha perpetrado ou contra ele ou
uma ação louvável que nunca realizou, um homem sábio po-
contra seu amigo. Apreensivo, receia que, ao pretender ape-
de sofrer grande dor com a séria imputação de um crime que
nas agir com inteligên ia e fazer justiça, por causa da grande
violência de sua mo ão tenha cometido uma ofensa verda-
' TSM, Parte I, Seção III, Cap. I, p. 52. (N. da R. T.) deira contra uma outra pessoa, a qual, embora não seja ino-
T

TERCEIRA PARTE 153


152 TEORIA DOS SEN17MENTOS MORAIS
nunca cometeu. Nesse caso, a natureza não apenas tornou a
Se todo homem, mesmo o de entendimento mediano, tão
prontamente despreza o aplauso imerecido, talvez valha a pe- dor mais pungente do que o prazer oposto e correspondente,
na considerar como sucede que a imerecida repreensão mui- mas fez isso em um grau muito superior ao comum. Uma ne-
tas vezes consiga mortificar tão gravemente homens do mais gação imediatamente livra o homem do prazer tolo e ridículo,
sólido discernimento. mas nem sempre o livrará da dor. Quando recusa o mérito
Já tive ocasião de observar• que a dor é , em quase todos que lhe atribuem, ninguém duvida de sua veracidade. Pode-
os casos, uma sensação mais pungente do que o prazer opos- se duvidar quando nega o crime de que o acusam. A um só
to e correspondente. Uma quase sempre nos faz cair muito tempo enraivece-o a falsidade da imputação, e mortifica-o des-
abaixo do comum, ou do que se pode chamar natural estado cobrir que se deu algum crédito a tal imputação. Percebe que
de felicidade, do que o outro porventura nos ergue acima de- seu caráter não basta para o proteger. Percebe que seus irmãos,
le. Um homem sensível tende a ser mais humilhado pela jus- em vez de o verem sob a luz em que deseja ardorosamente
ta censura do que porventura é elevado pelo justo aplauso. ser visto, julgam-no capaz de ser culpado daquilo de que o
Em todas as ocasiões, um homem sábio rejeita o aplauso ime- acusam. Sabe perfeitamente que não foi culpado; sabe per-
recido com desdém; mas freqüentemente sente de modo bas- feitamente o que fez ; talvez, contudo, quase ninguém saiba
tante intenso a injustiça da censura imerecida. Ao permitir a perfeitamente o que ele próprio é capaz de fazer. O que a cons-
si mesmo o aplauso pelo que não realizou, ao presumir de tituição peculiar de seu espírito pode ou não permitir é talvez
um mérito que não lhe é devido, sente que é culpado de vil questão mais ou menos duvidosa para qualquer um. A con-
falsidade e merece, não a admiração, mas o desprezo das mes- fiança e boa opinião dos amigos e vizinhos tendem, mais do
mas pessoas que , por engano, foram levadas a admirá-lo. Tal- que tudo, a aliviá-lo desta dúvida tão desagradável; sua des-
vez lhe dê algum prazer bem fundamentado descobrir que mui- confiança e opinião desfavorável tendem a aumentá-la. Pode-
tas pessoas o julgaram capaz de realizar o que não realizou. se julgar muito confiante de que esse julgamento desfavorá-
Mas, embora possa ser devedor de seus amigos por sua boa vel está errado; mas essa confiança raramente é tão grande
opinião, julgar-se-ia culpado da maior baixeza, caso não os de- que impeça tal julgamento de impressioná-lo; e quanto maior
siludisse imediatamente. Proporciona-lhe pouco prazer ver-se sua sensibilidade, sua delicadeza, sua dignidade, tanto maior se-
sob a luz em que outros realmente o vêem, quando está cons- rá, provavelmente, essa impressão.
ciente de que, se soubessem a verdade, olhariam para ele sob Deve-se observar que o acordo ou o desacordo quer dos
uma luz bem diferente. Um homem fraco, porém, não raro se sentimentos, quer dos juízos de outras pessoas com os nossos
deleita imensamente vendo-se sob essa luz falsa e ilusória. Pre- é, em todos os casos, de maior ou menor importância para
sume do mérito de toda ação louvável que lhe é atribuída, e nós, na proporção exata em que nós mesmos estamos mais
muitas vezes reclama o que ninguém jamais pensou em lhe ou menos inseguros quanto à conveniência de nossos senti-
atribuir. Reclama ter feito o que nunca fez, ter escrito o que um mentos e quanto à precisão de nossos próprios juízos. Às ve-
outro escreveu, ter inventado o que outro descobriu, sendo zes um homem sensível pode sentir grande desconforto ao
assim conduzido a todos os miseráveis vícios do plágio e da recear que cedera demasiadamente até mesmo àquilo a que
mentira vulgar. No entanto, ainda que nenhum homem de me- chamaríamos paixão honrada, isto é, à sua justa indignação
diano bom-senso possa extrair muito prazer da imputação de
ante a ofensa que talvez se tenha perpetrado ou contra ele ou
uma ação louvável que nunca realizou, um homem sábio po-
contra seu amigo. Apreensivo, receia que, ao pretender ape-
de sofrer grande dor com a séria imputação de um crime que
nas agir com inteligên ia e fazer justiça, por causa da grande
violência de sua mo ão tenha cometido uma ofensa verda-
' TSM, Parte I, Seção III, Cap. I, p. 52. (N. da R. T.) deira contra uma outra pessoa, a qual, embora não seja ino-
154 TEORIA DOS SENIIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 155

nb , talvez oâo fosse tão culpada c m de início p nsara. ·ou magoado p elas críticas do. mais I aixos le pr zíveis au-
A pitlião de outras p ss a adquire, ne ca o, a maior im- t res. ray (qu"' r (me à ublim.idad ·· de Mil te n a e legftnd.
1 onância par-.t ele. ua ::tpr vaçâo é o bál amo mais uratlvo; harmonia de Pop , para quem nada falta paras tomar tal-
sua desaprovação, ornai. a margo ~to rturante v neilo que s vez o primeiro poeta da lingua inglesa, ex eto ter escrito um
possa desp ja r em · u perturbado espírito. Quando está pcr- pouco ma i Gcou, segundo se diz, rão magoado com uma pa-
feiwm nre . atisfeito com cada fra ão d sua pr pria condu- ródia tola e imperlinent de luas d suas melhores odes, qu
ta, o juízo que outros façam é freqüentemente de menor im- c1 pois disso nunca mais t ntou nenhuma obra onsicl nível.
pottância para e1 . Em alguma medida, s hom ns ele Ieu·as que val rizam a si
Há algumas artes muito belas e nobres nas quais o grau próprio pel que s hama a bela es rira m pr sa aproxi-
de excelê ncia r ode ser determinado unicamente por meio de mam-s da s nsibilidade dos poeras.
cetto requinte de gosto, cujas decisões, porém, sempre se mos- Ao ontrári , o mate máticos, qu p dem adquirir a ma is
tram em certa medida incertas. Outras há em que o sucesso p Jfeita ert za da verdade e da imp rtância I suas d ' o-
permite uma demonstração clara ou uma prova muito satisfa- b rta., freqü ntemente são muito indiferente quanto , re-
tória. Entre as candidatas à excelência nessas diferentes artes, . pç.1 que venha m a ter elo público. O · dois maior matemá-
a preocupação quanto à opinião pública é sempre muito maior ticos qu já tive a honra ele conh er, a:eio eu, os maior s que
nas primeiras do que nas últimas. viv ram em m u tempo, o Or. Rob rt Simp · n de lasg w, e
A beleza da poesia é assunto de tal requinte, que um jo- o r. Matthew Stewart de Ed imburgo•, nunca d ram m tras
vem iniciante quase jamais está seguro de tê-la alcançado. Na- d e perrurbar nünimament com a n gUgência com que a
da o deleita mais, portanto, do que os juízos favoráveis de seus ignorância do púbUc 1 eb u algu ns d seus trabalhos mais
amigos e do público; e nada o mortifica tão severamente quan- valiosos. A grande bm d ·· Sir Tsaac Newton , cus Princípios
to o contrário. Um firma, o outro abala, a boa opinião que an- matenu:íl'icos dafiloso.fí.a natu.rttl, foi negligenciada p lo pú -
siosamente deseja cultivar sobre seu próprio desempenho. Ex- blico durante muitos no , . gundo m dis e ram. É provãv I
periê ncia e êxito com o tempo podem dar-lhe um pouco mais que por sa razã.o a u·anqüllidad desse grande honPm ja-
de confiança em seu próprio juízo. Mas, em todos os momen- mais tenha ofriclo a lmerrupçâo d wn quarto de horas qu r.
tos, está sujeito a ficar gravem nte m rt.iflcado pelos juízos des- Filó ofo la nan.lr za, em sua independência m r l:t ·ão à
favoráveis do público. A Rado d sgosLo u tanto a indiferente opinião públi a, aproximam-s bastante do matemáti o , '
acolhida de sua Fedra, talvez a melhor tragédia já existente em em seus juízos quanto ao méríto de suus própria d •scol er-
qualquer idioma, que, embora estivesse no vigor de seus anos tas e ob rva ô s g zarn de algum gra u la mesma eguran-
e no auge de suas habilidades, decidiu-se a nunca mais es- a reniclade.
crever para o palc •. Esse grande poeta costumava dizer a seu A moral d ssas difer n.te class s cl h men · de letra tal-
filho que a d r que a crítica mais mesqu inha e tola U1 cau- vez s ja , s vezes um tanto afetad;;t pores ·a grmd cliferen a
sava era superior ao prazer que o maior mai ju to logi d su•t ituação com reJa .r o a() públi o .
lhe proporcionava. A extrema sensibilidade de Voltaire à me- Mat máticos e filósofos da natur za, graça à sua inde-
nor censura dessa espécie é bem conhecida por todos. A Dun- pendência com relação à opinião pública, têm pouca tenta-
cíad de Pape é um monumento perene de quanto o mais
correto, mais elegante e harmonioso dos poetas ingleses fi-
• Robert S!mpson (1687-1.768 , profc:;sor de maLCmáLk~t nn Un!-
versidad · d G!asgow 1.: Mauhew tewart (1 717·1785), rmf~:ssor de mml:mn-
• Depois do fracasso de Fedra, em 1677, Racine se retira da cena por tica na niversid~1de d Edimburgo. ' st · úlllmo · o p ai elo biógrafo Duga ld
12 anos. (N. da R. T.) Stewart. (N. da R. T.)
154 TEORIA DOS SENIIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 155

nb , talvez oâo fosse tão culpada c m de início p nsara. ·ou magoado p elas críticas do. mais I aixos le pr zíveis au-
A pitlião de outras p ss a adquire, ne ca o, a maior im- t res. ray (qu"' r (me à ublim.idad ·· de Mil te n a e legftnd.
1 onância par-.t ele. ua ::tpr vaçâo é o bál amo mais uratlvo; harmonia de Pop , para quem nada falta paras tomar tal-
sua desaprovação, ornai. a margo ~to rturante v neilo que s vez o primeiro poeta da lingua inglesa, ex eto ter escrito um
possa desp ja r em · u perturbado espírito. Quando está pcr- pouco ma i Gcou, segundo se diz, rão magoado com uma pa-
feiwm nre . atisfeito com cada fra ão d sua pr pria condu- ródia tola e imperlinent de luas d suas melhores odes, qu
ta, o juízo que outros façam é freqüentemente de menor im- c1 pois disso nunca mais t ntou nenhuma obra onsicl nível.
pottância para e1 . Em alguma medida, s hom ns ele Ieu·as que val rizam a si
Há algumas artes muito belas e nobres nas quais o grau próprio pel que s hama a bela es rira m pr sa aproxi-
de excelê ncia r ode ser determinado unicamente por meio de mam-s da s nsibilidade dos poeras.
cetto requinte de gosto, cujas decisões, porém, sempre se mos- Ao ontrári , o mate máticos, qu p dem adquirir a ma is
tram em certa medida incertas. Outras há em que o sucesso p Jfeita ert za da verdade e da imp rtância I suas d ' o-
permite uma demonstração clara ou uma prova muito satisfa- b rta., freqü ntemente são muito indiferente quanto , re-
tória. Entre as candidatas à excelência nessas diferentes artes, . pç.1 que venha m a ter elo público. O · dois maior matemá-
a preocupação quanto à opinião pública é sempre muito maior ticos qu já tive a honra ele conh er, a:eio eu, os maior s que
nas primeiras do que nas últimas. viv ram em m u tempo, o Or. Rob rt Simp · n de lasg w, e
A beleza da poesia é assunto de tal requinte, que um jo- o r. Matthew Stewart de Ed imburgo•, nunca d ram m tras
vem iniciante quase jamais está seguro de tê-la alcançado. Na- d e perrurbar nünimament com a n gUgência com que a
da o deleita mais, portanto, do que os juízos favoráveis de seus ignorância do púbUc 1 eb u algu ns d seus trabalhos mais
amigos e do público; e nada o mortifica tão severamente quan- valiosos. A grande bm d ·· Sir Tsaac Newton , cus Princípios
to o contrário. Um firma, o outro abala, a boa opinião que an- matenu:íl'icos dafiloso.fí.a natu.rttl, foi negligenciada p lo pú -
siosamente deseja cultivar sobre seu próprio desempenho. Ex- blico durante muitos no , . gundo m dis e ram. É provãv I
periê ncia e êxito com o tempo podem dar-lhe um pouco mais que por sa razã.o a u·anqüllidad desse grande honPm ja-
de confiança em seu próprio juízo. Mas, em todos os momen- mais tenha ofriclo a lmerrupçâo d wn quarto de horas qu r.
tos, está sujeito a ficar gravem nte m rt.iflcado pelos juízos des- Filó ofo la nan.lr za, em sua independência m r l:t ·ão à
favoráveis do público. A Rado d sgosLo u tanto a indiferente opinião públi a, aproximam-s bastante do matemáti o , '
acolhida de sua Fedra, talvez a melhor tragédia já existente em em seus juízos quanto ao méríto de suus própria d •scol er-
qualquer idioma, que, embora estivesse no vigor de seus anos tas e ob rva ô s g zarn de algum gra u la mesma eguran-
e no auge de suas habilidades, decidiu-se a nunca mais es- a reniclade.
crever para o palc •. Esse grande poeta costumava dizer a seu A moral d ssas difer n.te class s cl h men · de letra tal-
filho que a d r que a crítica mais mesqu inha e tola U1 cau- vez s ja , s vezes um tanto afetad;;t pores ·a grmd cliferen a
sava era superior ao prazer que o maior mai ju to logi d su•t ituação com reJa .r o a() públi o .
lhe proporcionava. A extrema sensibilidade de Voltaire à me- Mat máticos e filósofos da natur za, graça à sua inde-
nor censura dessa espécie é bem conhecida por todos. A Dun- pendência com relação à opinião pública, têm pouca tenta-
cíad de Pape é um monumento perene de quanto o mais
correto, mais elegante e harmonioso dos poetas ingleses fi-
• Robert S!mpson (1687-1.768 , profc:;sor de maLCmáLk~t nn Un!-
versidad · d G!asgow 1.: Mauhew tewart (1 717·1785), rmf~:ssor de mml:mn-
• Depois do fracasso de Fedra, em 1677, Racine se retira da cena por tica na niversid~1de d Edimburgo. ' st · úlllmo · o p ai elo biógrafo Duga ld
12 anos. (N. da R. T.) Stewart. (N. da R. T.)
156 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 157
ção de reunirem-se em facções e seitas, seja para apoiar sua presentar essa amável qualidade como característica da classe
própria reputação, seja para reduzir a de seus rivais. São qua- de homens de letras a quem celebra.
se sempre homens de grande simplicidade nas maneiras, vi- A incerteza quanto a nosso próprio mérito, somada à
vendo em boa harmonia entre si, amigos da reputação um preocupação em julgá-lo favoravelmente, naturalmente bas-
do outro, que não participam de intriga para garantir o aplau- tam para que desejemos conhecer a opinião de outras pessoas
so público, embora gostem de ver suas obras aprovadas, sem a esse respeito, para estarmos mais animados que o habitual,
ficarem nem muito vexados, nem muito irados, quando são se essa opinião é favorável, e mais mortificados quando não é.
negligenciados. O mesmo nem sempre ocorre, quando se tra- No entanto, não deveriam nos deixar desejosos de obter a opi-
ta de poetas, ou os que se valorizam pelo que se chama bela nião favorável ou evitar a desfavorável por meio de intriga e
prosa. Tendem bastante a se dividir em certas facções literá- conspiração. Quando um homem subornou todos os juízes,
rias, muitas vezes cada seita é abertamente, e quase sempre a mais unânime decisão do tribunal não lhe pode dar nenhu-
secretamente, inimiga mortal da reputação de todas as outras,
ma certeza de que agiu em conformidade com o direito, em-
e e~prega todas as malignas artes da intriga e do apelo para bora possa fazê-lo ganhar seu processo; e se conduziu esse
prev1amente conquistar a opinião pública em favor das obras
processo apenas para comprovar que agira legitimamente, ja-
de. seus próprios membros, contra as de seus inimigos e ri-
mais teria subornado os juízes. Mas, embora desejasse ter as-
vals. Na França, Despreaux e Racine não acharam indigno de
segurado seu direito, também queria ganhar seu processo, e
si ~esmo colocar-se à frente de uma seita literária, para re-
por essa razão subornou os juízes. Se o louvor fosse relevan-
ba!Xar a reputação, primeiro de Quinault e Perrault, depois
te para nós apenas como prova de que somos louváveis, ja-
de Fontenelle e La Motte, e até mesmo para tratar o bom La
mais nos esforçaríamos para obtê-lo por meios desleais. Po-
Fontaine com uma sorte da mais desrespeitosa amizade*. Na
rém, ainda que para homens sábios o louvor tenha, pelo me-
Inglaterra, o amável Sr. Addison não achou indigno de seu
nos em casos duvidosos, cardeal relevância por essa razão,
caráter gentil e modesto pôr-se à frente de uma pequena sei-
também tem relevância por si mesmo; e portanto homens
ta do mesmo tipo para aviltar a ascendente reputação do Sr.
muito acima do nível comum (nessas ocasiões, não podemos
Pope. O Sr. Fontenelle, ao escrever sobre as vidas e caracte-
de fato chamá-los sábios) por vezes tentaram, por meios mui-
res dos membros da academia de ciências, uma sociedade
constituída de matemáticos e filósofos da natureza tem se- to desleais, conquistar louvor e evitar censura.
Louvor e censura expressam o que realmente são; ser lou-
guidas oportunidades de celebrar a amável simplicidade de
vável e censurável, o que naturalmente deveriam ser os sen-
suas maneiras, uma qualidade que, observa, era tão universal
timentos dos outros em relação a nosso caráter e conduta. O
entre esses homens que mais parecia característica de toda
amor ao louvor é o desejo de obter os sentimentos favoráveis
uma classe de homens de letras do que de um indivíduo. O
Sr. D'Alembert, ao escrever sobre as vidas e caracteres dos de nossos irmãos. O amor a ser louvável é o desejo de nos con-
membros da Academia Francesa, uma sociedade constituída vertermos em objetos apropriados desses sentimentos. Assim,
de ~oetas e escritores, ou dos que deveriam ser, não revela esses dois princípios se assemelham e se relacionam. A mes-
ter tldo essas mesmas seguidas oportunidades de fazer qual- ma afinidade e semelhança ocorre entre o horror à censura e
quer comentário desse tipo, e em nenhum lugar pretende re- a ser censurável. ..
O homem que deseja praticar ou realmente pratica uma
ação louvável pode igualmente desejar o louvor que é devi-
. • Boileau (Nicolas Boileau-Despreaux) e Racine el.am partidários dos do à ação, e às vezes talvez mais do que o devido. Nesse ca-
antigos na "Querela dos Antigos e dos Modernos". Perrault, Fontenelle e so, os dois princípios se mesclam um ao outro. Em que me-
Hordas advogaram pelos modernos. (N. da R. T.) dida sua conduta foi determinada por um, e em que medida
156 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 157
ção de reunirem-se em facções e seitas, seja para apoiar sua presentar essa amável qualidade como característica da classe
própria reputação, seja para reduzir a de seus rivais. São qua- de homens de letras a quem celebra.
se sempre homens de grande simplicidade nas maneiras, vi- A incerteza quanto a nosso próprio mérito, somada à
vendo em boa harmonia entre si, amigos da reputação um preocupação em julgá-lo favoravelmente, naturalmente bas-
do outro, que não participam de intriga para garantir o aplau- tam para que desejemos conhecer a opinião de outras pessoas
so público, embora gostem de ver suas obras aprovadas, sem a esse respeito, para estarmos mais animados que o habitual,
ficarem nem muito vexados, nem muito irados, quando são se essa opinião é favorável, e mais mortificados quando não é.
negligenciados. O mesmo nem sempre ocorre, quando se tra- No entanto, não deveriam nos deixar desejosos de obter a opi-
ta de poetas, ou os que se valorizam pelo que se chama bela nião favorável ou evitar a desfavorável por meio de intriga e
prosa. Tendem bastante a se dividir em certas facções literá- conspiração. Quando um homem subornou todos os juízes,
rias, muitas vezes cada seita é abertamente, e quase sempre a mais unânime decisão do tribunal não lhe pode dar nenhu-
secretamente, inimiga mortal da reputação de todas as outras,
ma certeza de que agiu em conformidade com o direito, em-
e e~prega todas as malignas artes da intriga e do apelo para bora possa fazê-lo ganhar seu processo; e se conduziu esse
prev1amente conquistar a opinião pública em favor das obras
processo apenas para comprovar que agira legitimamente, ja-
de. seus próprios membros, contra as de seus inimigos e ri-
mais teria subornado os juízes. Mas, embora desejasse ter as-
vals. Na França, Despreaux e Racine não acharam indigno de
segurado seu direito, também queria ganhar seu processo, e
si ~esmo colocar-se à frente de uma seita literária, para re-
por essa razão subornou os juízes. Se o louvor fosse relevan-
ba!Xar a reputação, primeiro de Quinault e Perrault, depois
te para nós apenas como prova de que somos louváveis, ja-
de Fontenelle e La Motte, e até mesmo para tratar o bom La
mais nos esforçaríamos para obtê-lo por meios desleais. Po-
Fontaine com uma sorte da mais desrespeitosa amizade*. Na
rém, ainda que para homens sábios o louvor tenha, pelo me-
Inglaterra, o amável Sr. Addison não achou indigno de seu
nos em casos duvidosos, cardeal relevância por essa razão,
caráter gentil e modesto pôr-se à frente de uma pequena sei-
também tem relevância por si mesmo; e portanto homens
ta do mesmo tipo para aviltar a ascendente reputação do Sr.
muito acima do nível comum (nessas ocasiões, não podemos
Pope. O Sr. Fontenelle, ao escrever sobre as vidas e caracte-
de fato chamá-los sábios) por vezes tentaram, por meios mui-
res dos membros da academia de ciências, uma sociedade
constituída de matemáticos e filósofos da natureza tem se- to desleais, conquistar louvor e evitar censura.
Louvor e censura expressam o que realmente são; ser lou-
guidas oportunidades de celebrar a amável simplicidade de
vável e censurável, o que naturalmente deveriam ser os sen-
suas maneiras, uma qualidade que, observa, era tão universal
timentos dos outros em relação a nosso caráter e conduta. O
entre esses homens que mais parecia característica de toda
amor ao louvor é o desejo de obter os sentimentos favoráveis
uma classe de homens de letras do que de um indivíduo. O
Sr. D'Alembert, ao escrever sobre as vidas e caracteres dos de nossos irmãos. O amor a ser louvável é o desejo de nos con-
membros da Academia Francesa, uma sociedade constituída vertermos em objetos apropriados desses sentimentos. Assim,
de ~oetas e escritores, ou dos que deveriam ser, não revela esses dois princípios se assemelham e se relacionam. A mes-
ter tldo essas mesmas seguidas oportunidades de fazer qual- ma afinidade e semelhança ocorre entre o horror à censura e
quer comentário desse tipo, e em nenhum lugar pretende re- a ser censurável. ..
O homem que deseja praticar ou realmente pratica uma
ação louvável pode igualmente desejar o louvor que é devi-
. • Boileau (Nicolas Boileau-Despreaux) e Racine el.am partidários dos do à ação, e às vezes talvez mais do que o devido. Nesse ca-
antigos na "Querela dos Antigos e dos Modernos". Perrault, Fontenelle e so, os dois princípios se mesclam um ao outro. Em que me-
Hordas advogaram pelos modernos. (N. da R. T.) dida sua conduta foi determinada por um, e em que medida
158 TEORIA DOS SEN77MENTOS MORAIS TERCEIRA PAR1E 159

foi determinada pelo outro, eis o que freqüentemente ele mes- tar não apenas ser digno de censura mas, tanto quanto pos-
mo desconhece. Quase sempre os outros tampouco sabem. Os sível, toda provável imputação de censura. Com efeito, jamais
que estão predispostos a diminuir mérito de sua conduta im- evitará a censura fazendo algo que julgue censurável, deixando
putam-na principal ou inteirame nte ao mero amor ao louvor, de cumprir qualquer parte de seu dever, ou negligenciando
ou ao que chamam mera vaidade. Os que se inclinam a con- qualquer oportunidade de praticar algo qu julgue real e gran-
siderá-la de modo mais favorável imputam-na principal ou demente louvável. Com todas essas mocl ifi a ões, evitará for-
inteiramente ao amor a ser louvável, ao amor ao que é real- çosa e diligentemente a censura. Demonstrar preocupação com
mente honroso e nobre na conduta humana; não apenas ao o louvor, ou até com ações louváveis, raramente é marca de
desejo de obter, mas ao de merecer a aprovação e aplauso de grande sabedoria, ao contrário, em geral revela algum grau
seus irmãos. A imaginação do espectador confere a essa con- de fraqueza. Mas pode não haver fraqueza alguma em preo-
duta uma cor ou outra, quer segundo seus hábitos de pensa- cupar-se em evitar a sombra da censura ou repreensão, ao con-
mento, quer conforme ao favor ou desgosto que possa guardar trário, isso revela freqüentemente a mais louvável prudência.
pela pessoa cuja conduta está considerando. "Uma censura injusta", diz Cícero, "mortifica mais grave-
Ao julgar a natureza humana, alguns filósofos biliosos por-
mente, e de modo demasiado inconsistente, os que desprezam
taram-se como pessoas irritadiças tendem a se portar quando
a glória." Essa inconsistência, porém, parece fundar-se nos inal-
julgam a conduta umas das outras, imputando ao amor ao lou-
teráveis princípios da natureza humana.
vor, ou ao que chamam vaidade, toda ação a que deveria ser
Dessa maneira, o sapientíssimo Autor da natureza ensinou
atribuído o amor ao que é louvável. Mais adiante terei ocasião
o homem a respeitar os sentimentos e juízos de seus irmãos;
de descrever alguns de seus sistemas, e por essa razão não me
a ficar mais ou menos contente quando aprovam sua condu-
detenho por ora a examiná-los.
ta, e mais ou menos magoado quando a desaprovam. Fez o
Muito poucos homens podem estar convencidos em sua
homem, se me permitem a expressão, juiz imediato da huma-
própria consciência privada de ter alcançado as qualidades,
ou realizado as ações que admiram e julgam louváveis em ou- nidade; e a esse respeito, como em muitos outros, criou-o à
tras pessoas, a não ser que ao mesmo tempo se reconheça am- sua própria imagem, indicando-o como seu vice-rei na terra,
plamente que possuem uma ou realizaram a outra. Ou, em ou- para supervisionar o comportamento de seus irmãos. A natu-
tras palavras, a menos que tenham realmente obtido o louvor reza os ensina a reconhecer o poder e jurisdi ão que assim foi
que julgam devido tanto a uma quanto a outra. Nesse aspecto, conferido ao homem, e a ficar mais ou menos humilhados e
contudo, os homens diferem consideravelmente uns dos ou- mortificados quando incorrem em sua censura, e mais ou me-
tros. Alguns parecem indiferentes ao louvor, se em seu espíri- nos exultantes quando obtêm seu aplauso.
to estão perfeitamente convencidos de se ter tornado louvá- Mas, ainda que dessa maneira o homem se torne juiz
veis. Outros parecem muito menos preocupados quanto a ser imediato da humanidade, isso se deve apenas a uma decisão
louvável do que quanto ao louvor. de primeira instância; dessa sentença cabe apelação para um
Nenhum homem pode estar completamente ou até tole- tribunal superior, uibunal de suas próprias consdência.<>, o tri-
ravelmente convencido de ter evitado tudo que há de censurá- bunal do espectador Sllp tamente imparcial e escJarccido, do
vel em sua conduta, salvo se igualmente tiver evitado a censu- homem dentro do peito - o grande juiz e árbitro de suas con-
ra ou a repreensão. Um homem sábio pode freqüentemente dutas. As jurisdi · ões d sses doi · tril un."lis s fundam sobre prin-
negligenciar o louvor, mesmo quando mais o mereceu; porém, á pi s que, mbora m alguns a p eras par çam seme lh~mtes
em todos os assuntos de graves conseqüências, esforçar-se-á, guar I m al& >Uma vincula ão e ntr si na reali lade são dife-
com grande diligência, para regular sua conduta e assim evi- sep<lr~td s. A uriscU ão do llom m exrerior witbouf)
158 TEORIA DOS SEN77MENTOS MORAIS TERCEIRA PAR1E 159

foi determinada pelo outro, eis o que freqüentemente ele mes- tar não apenas ser digno de censura mas, tanto quanto pos-
mo desconhece. Quase sempre os outros tampouco sabem. Os sível, toda provável imputação de censura. Com efeito, jamais
que estão predispostos a diminuir mérito de sua conduta im- evitará a censura fazendo algo que julgue censurável, deixando
putam-na principal ou inteirame nte ao mero amor ao louvor, de cumprir qualquer parte de seu dever, ou negligenciando
ou ao que chamam mera vaidade. Os que se inclinam a con- qualquer oportunidade de praticar algo qu julgue real e gran-
siderá-la de modo mais favorável imputam-na principal ou demente louvável. Com todas essas mocl ifi a ões, evitará for-
inteiramente ao amor a ser louvável, ao amor ao que é real- çosa e diligentemente a censura. Demonstrar preocupação com
mente honroso e nobre na conduta humana; não apenas ao o louvor, ou até com ações louváveis, raramente é marca de
desejo de obter, mas ao de merecer a aprovação e aplauso de grande sabedoria, ao contrário, em geral revela algum grau
seus irmãos. A imaginação do espectador confere a essa con- de fraqueza. Mas pode não haver fraqueza alguma em preo-
duta uma cor ou outra, quer segundo seus hábitos de pensa- cupar-se em evitar a sombra da censura ou repreensão, ao con-
mento, quer conforme ao favor ou desgosto que possa guardar trário, isso revela freqüentemente a mais louvável prudência.
pela pessoa cuja conduta está considerando. "Uma censura injusta", diz Cícero, "mortifica mais grave-
Ao julgar a natureza humana, alguns filósofos biliosos por-
mente, e de modo demasiado inconsistente, os que desprezam
taram-se como pessoas irritadiças tendem a se portar quando
a glória." Essa inconsistência, porém, parece fundar-se nos inal-
julgam a conduta umas das outras, imputando ao amor ao lou-
teráveis princípios da natureza humana.
vor, ou ao que chamam vaidade, toda ação a que deveria ser
Dessa maneira, o sapientíssimo Autor da natureza ensinou
atribuído o amor ao que é louvável. Mais adiante terei ocasião
o homem a respeitar os sentimentos e juízos de seus irmãos;
de descrever alguns de seus sistemas, e por essa razão não me
a ficar mais ou menos contente quando aprovam sua condu-
detenho por ora a examiná-los.
ta, e mais ou menos magoado quando a desaprovam. Fez o
Muito poucos homens podem estar convencidos em sua
homem, se me permitem a expressão, juiz imediato da huma-
própria consciência privada de ter alcançado as qualidades,
ou realizado as ações que admiram e julgam louváveis em ou- nidade; e a esse respeito, como em muitos outros, criou-o à
tras pessoas, a não ser que ao mesmo tempo se reconheça am- sua própria imagem, indicando-o como seu vice-rei na terra,
plamente que possuem uma ou realizaram a outra. Ou, em ou- para supervisionar o comportamento de seus irmãos. A natu-
tras palavras, a menos que tenham realmente obtido o louvor reza os ensina a reconhecer o poder e jurisdi ão que assim foi
que julgam devido tanto a uma quanto a outra. Nesse aspecto, conferido ao homem, e a ficar mais ou menos humilhados e
contudo, os homens diferem consideravelmente uns dos ou- mortificados quando incorrem em sua censura, e mais ou me-
tros. Alguns parecem indiferentes ao louvor, se em seu espíri- nos exultantes quando obtêm seu aplauso.
to estão perfeitamente convencidos de se ter tornado louvá- Mas, ainda que dessa maneira o homem se torne juiz
veis. Outros parecem muito menos preocupados quanto a ser imediato da humanidade, isso se deve apenas a uma decisão
louvável do que quanto ao louvor. de primeira instância; dessa sentença cabe apelação para um
Nenhum homem pode estar completamente ou até tole- tribunal superior, uibunal de suas próprias consdência.<>, o tri-
ravelmente convencido de ter evitado tudo que há de censurá- bunal do espectador Sllp tamente imparcial e escJarccido, do
vel em sua conduta, salvo se igualmente tiver evitado a censu- homem dentro do peito - o grande juiz e árbitro de suas con-
ra ou a repreensão. Um homem sábio pode freqüentemente dutas. As jurisdi · ões d sses doi · tril un."lis s fundam sobre prin-
negligenciar o louvor, mesmo quando mais o mereceu; porém, á pi s que, mbora m alguns a p eras par çam seme lh~mtes
em todos os assuntos de graves conseqüências, esforçar-se-á, guar I m al& >Uma vincula ão e ntr si na reali lade são dife-
com grande diligência, para regular sua conduta e assim evi- sep<lr~td s. A uriscU ão do llom m exrerior witbouf)
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 161
160

funda-se inteiramente no desejo do real louvor, na aver-ão nado ~elo · _nso do que é louvável lo que é censLLrável, P<l-
à real censura . A jurisdição do homem interior tuilbin) fun la- rece agtr conforme ua a cendência divina; ma. quando s dei-
se inteiramente no desejo de ser louvável e na av rsão a s r xa entorpe er onfun<.lli: pelo. juízo do homem fra ·o igno-
censurável; no desejo de possuir as qualidades e praticar as rante, r velas u parentes o o m a morra Udade, e parec agir
ações que amamos e admiramos em outras pessoas; no hor- em conformidade com a parte humana de sua origem, não com
ror a possuir as qualidades e praticar as ações que odiamos a divina.
e desprezamos em outras pess as. hom m exteri r nos Em tais casos, o único consolo eficaz do homem humilha-
aplaud ou por a ·ões que não prati amos, ou por motivos do e aflito repousa num apelo a um tribunal ainda mais supe-
que não no influenciaram, o home m in dor imediatament rior, o Juiz onisciente, cujo olho jamais pode ser enganado, e
ujeira o orgu lho e exaltação elo sp:irito que do ontrário cujos julgamentos jamais p d m · r petvertid0s. Apenas a 'on-
sas infundadas aclamações poderia m ocasi nar, dizendo-no fhnça firme na retidão infalív I desse gr~U1de trlbunal, diante
que, por nós sabermos não as merecer, tornar-nos-emos des- do qual sua inocência s rã pr nunciada n r mpo d vida e
prezíveis se as aceitarmos. Se, ao contrário, o homem exterior . ua virtude fmalmente r ·compensada, poc.l ampacti-1. dia h-
nos repreende ou por ações que nunca praticamos ou por te da_ fraqueza e desalento de seu espírito, da perturbação e per-
motivos que não tiveram influência sobre as ações que talvez plexldade do homem que vive em seu peito, a quem a natu-
tenhamos praticado, o homem interior imediatamente corrige reza instaurou com o grande guardião, desta vida, não apenas
esse falso juízo, assegurando-nos de que não somos, de mo- de sua inocência, mas de sua serenidade. Assim, em muitas oca-
do algum, objetos apropriados da censura que sobre nós foi siões nossa felicidade nesta vida depende da humilde espe-
exercida de modo tão injusto. Nesse e em alguns outros casos, rança ' exp" lativa de uma vida vindoura sperança e expe -
porém, o homem interior parece por vezes como estupefato tativa s as qu , 1 r e enraizarem na natur za humana, sã
e confuso pela veemência e o clamor do homem exterior. A a únicas a pod r m ampara r suas oobr s idéias sobre a ua
violência e o alarido com que às vezes a censura é despeja- pr prla dignldad , a iluminarem a assusrad m p r p tiva da
da sobre nós parecem embrutecer e embotar nosso senso na- m rtalidade que s apr xima continuam nte, e a mant · em
tural do que é louvável ou censurável e, assim, os julgamentos ·ua al gria s b a mal graves calamidades a qu p ele ·e ex-
do homem interior, ainda que talvez não se tenham absoluta- p r 1 r causa das d orei ns desta vida. Que exi te um mundo
mente alterado ou pervertido, ficam tão abalados na constân- vindour , a nel se fará perfeita justiça a cada homem, onde ro-
cia e firm za de suas decisões, que seu efeito natural de asse- dos erão equ iparados aos que são r almente seus iguais em
gurar Lranqüilidade ao espírito é freqüentemente em grande qu ~llidad moral intelecmais; onde, por sofrer o r veses da
medida destruído. Mal nos atrevemos a absolver a nós mesmos fortun a, o d n · d sses humildes talentos e v.irh.1 les qLl e não
quando todos os nossos irmão pare em nos condenar ela~ Livera, nesta viela, o ·a ião d "bi-los, oculrando~os d públi-
morosamente. O suposto espectador imparcial de nossa condu- o e de i mesm , pol não stava erto de possuí-los e tam-
ta parece dar sua opinião em n sso favor orn medo hesi- pouco o horn m d dentro do s u peito aventurou- e a lar tes-
tação, quando a opinião de tod s o espe ·ta dor s reai , a de temunho dam e di tlnto d las; digo, onde esse mérito modes-
todos por cujos olhos e de cuja posição es~ rça- por consi- to, silencioso ele conh ido se rá olocado no mesmo patamar,
derá-la é unânime e violentamente contrária a nós. Nesses ca- e talvez até a ima, claquel s que n te mundo gozaram da maior
sos, esse semideu dentro do peito, como os semideuses dos reputa ào e, p la vantagem d sua situação, conseguiram pra-
poetas, pare· · descender parte de imortais e parte, todavia, de ticar a a ões mais esplêndidas d lumbrantes: tudo isso o.ns-
mortais. Quando seus juízos são firme e constantemente gover- titui um·t doulrina em geral tão v ne1~ vel, tão recon~ rtanr ··
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 161
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funda-se inteiramente no desejo do real louvor, na aver-ão nado ~elo · _nso do que é louvável lo que é censLLrável, P<l-
à real censura . A jurisdição do homem interior tuilbin) fun la- rece agtr conforme ua a cendência divina; ma. quando s dei-
se inteiramente no desejo de ser louvável e na av rsão a s r xa entorpe er onfun<.lli: pelo. juízo do homem fra ·o igno-
censurável; no desejo de possuir as qualidades e praticar as rante, r velas u parentes o o m a morra Udade, e parec agir
ações que amamos e admiramos em outras pessoas; no hor- em conformidade com a parte humana de sua origem, não com
ror a possuir as qualidades e praticar as ações que odiamos a divina.
e desprezamos em outras pess as. hom m exteri r nos Em tais casos, o único consolo eficaz do homem humilha-
aplaud ou por a ·ões que não prati amos, ou por motivos do e aflito repousa num apelo a um tribunal ainda mais supe-
que não no influenciaram, o home m in dor imediatament rior, o Juiz onisciente, cujo olho jamais pode ser enganado, e
ujeira o orgu lho e exaltação elo sp:irito que do ontrário cujos julgamentos jamais p d m · r petvertid0s. Apenas a 'on-
sas infundadas aclamações poderia m ocasi nar, dizendo-no fhnça firme na retidão infalív I desse gr~U1de trlbunal, diante
que, por nós sabermos não as merecer, tornar-nos-emos des- do qual sua inocência s rã pr nunciada n r mpo d vida e
prezíveis se as aceitarmos. Se, ao contrário, o homem exterior . ua virtude fmalmente r ·compensada, poc.l ampacti-1. dia h-
nos repreende ou por ações que nunca praticamos ou por te da_ fraqueza e desalento de seu espírito, da perturbação e per-
motivos que não tiveram influência sobre as ações que talvez plexldade do homem que vive em seu peito, a quem a natu-
tenhamos praticado, o homem interior imediatamente corrige reza instaurou com o grande guardião, desta vida, não apenas
esse falso juízo, assegurando-nos de que não somos, de mo- de sua inocência, mas de sua serenidade. Assim, em muitas oca-
do algum, objetos apropriados da censura que sobre nós foi siões nossa felicidade nesta vida depende da humilde espe-
exercida de modo tão injusto. Nesse e em alguns outros casos, rança ' exp" lativa de uma vida vindoura sperança e expe -
porém, o homem interior parece por vezes como estupefato tativa s as qu , 1 r e enraizarem na natur za humana, sã
e confuso pela veemência e o clamor do homem exterior. A a únicas a pod r m ampara r suas oobr s idéias sobre a ua
violência e o alarido com que às vezes a censura é despeja- pr prla dignldad , a iluminarem a assusrad m p r p tiva da
da sobre nós parecem embrutecer e embotar nosso senso na- m rtalidade que s apr xima continuam nte, e a mant · em
tural do que é louvável ou censurável e, assim, os julgamentos ·ua al gria s b a mal graves calamidades a qu p ele ·e ex-
do homem interior, ainda que talvez não se tenham absoluta- p r 1 r causa das d orei ns desta vida. Que exi te um mundo
mente alterado ou pervertido, ficam tão abalados na constân- vindour , a nel se fará perfeita justiça a cada homem, onde ro-
cia e firm za de suas decisões, que seu efeito natural de asse- dos erão equ iparados aos que são r almente seus iguais em
gurar Lranqüilidade ao espírito é freqüentemente em grande qu ~llidad moral intelecmais; onde, por sofrer o r veses da
medida destruído. Mal nos atrevemos a absolver a nós mesmos fortun a, o d n · d sses humildes talentos e v.irh.1 les qLl e não
quando todos os nossos irmão pare em nos condenar ela~ Livera, nesta viela, o ·a ião d "bi-los, oculrando~os d públi-
morosamente. O suposto espectador imparcial de nossa condu- o e de i mesm , pol não stava erto de possuí-los e tam-
ta parece dar sua opinião em n sso favor orn medo hesi- pouco o horn m d dentro do s u peito aventurou- e a lar tes-
tação, quando a opinião de tod s o espe ·ta dor s reai , a de temunho dam e di tlnto d las; digo, onde esse mérito modes-
todos por cujos olhos e de cuja posição es~ rça- por consi- to, silencioso ele conh ido se rá olocado no mesmo patamar,
derá-la é unânime e violentamente contrária a nós. Nesses ca- e talvez até a ima, claquel s que n te mundo gozaram da maior
sos, esse semideu dentro do peito, como os semideuses dos reputa ào e, p la vantagem d sua situação, conseguiram pra-
poetas, pare· · descender parte de imortais e parte, todavia, de ticar a a ões mais esplêndidas d lumbrantes: tudo isso o.ns-
mortais. Quando seus juízos são firme e constantemente gover- titui um·t doulrina em geral tão v ne1~ vel, tão recon~ rtanr ··
162 TEORIA DOS SENI7MENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 163
para a fraqueza, tão lisonjeira para a grandeza da natureza hu- compensa? E em todas as ações que tendes feito, em todas as
mana, que o homem virtuoso, se tiver o infortúnio de dela du- violências que tendes cometido contra vós próprios, o que Ele
vidar, possivelmente não pode evitar de desejar, do modo o deveria pesar? Os melhores dias de vossas vidas, porém, fo-
mais determinado e ardente, de nela acreditar. Tal doutrina nun- ram sacrificados à vossa profissão, e dez anos de serviço exau-
ca teria sido exposta ao riso dos zombadores, não fosse a dis- riu mais vossos corpos do que talvez uma vida inteira de ar-
tribuição de recompensas e castigos - que seria feita no mun- rependimento e mortificação. Hélas! Meu irmão, um só dia de
do vindouro, segundo nos ensinaram alguns de seus mais ze- sofrimentos consagrado ao Senhor talvez vos tivesse obtido
losos defensores - tão freqüentemente avessa a todos os nos- uma felicidade eterna. Uma só ação, dolorosa para a natureza,
sos sentimentos morais. e ofertada a Ele, talvez vos tivesse assegurado a herança dos
Que muitas vezes se favorece mais o cortesão assíduo santos. E fizestes tudo isso, em vão, por este mundo. "
do que o servidor ativo e fiel; que muitas vezes servilidade e Comparar dessa maneira as fúteis mortificações do mo-
adulação são caminhos mais curtos e seguros para os privilé- nastério com as enobrecedoras durezas e riscos da guerra; su-
gios do que mérito ou préstimo; e que muitas vezes uma cam- por que um dia ou uma hora empregadas nas primeiras seriam,
panha em Versalhes ou St. ]ames vale duas na Alemanha ou aos olhos do Grande Juiz do mundo, mais meritórios do que
Flandres, é queixa que todos ouvimos de muitos antigos ofi- uma vida inteira passada honravelmente nas últimas é certa-
ciais, veneráveis mas descontentes. No entanto, considera-se mente contrário a todos os nossos sentimentos morais e a to-
que a maior repreensão, mesmo à fraqueza dos soberanos dos os princípios pelos quais a natureza nos ensinou ~ regrar
terrenos, deva ser atribuída, como ato de justiça, à perfeição nosso desprezo ou nossa admiração. Porém, é esse espírito
divina; e os deveres da devoção, o culto público e privado que, enquanto reservou as legiões celestiais para monges e fra-
da Divindade, têm sido representados, até por homens de des ou para aqueles cuja conduta e conversa parecem às dos
virtude e habilidades, como as únicas virtudes que podem ou monges e frades, condenou ao inferno todos os heróis, todos
dar direito a recompensa, ou eximir de punição na vida vindou- os estadistas e legisladores, todos os poetas e filósofos de épo-
ra. Talvez fossem virtudes mais adequadas à condição que cas antigas, todos os que inventaram, melhoraram as artes que
ocupavam, e nas quais principalmente eles próprios se te- contribuem para a subsistência, o conforto, os ornamentos da
nham excedido, pois todos estamos naturalmente inclinados vida humana ou que nelas se sobressaem; todos os grandes pro-
a superestimar as excelências de nossos próprios caracteres. tetores, instrutores e benfeitores da humanidade; todos aqueles
No discurso que pronunciou o eloqüente e filosófico Mar- a quem nosso natural senso do que é louvável força a atribuir
sillon, abençoando os estandartes do regimento de Catinat, há o maior mérito e a mais elevada virtude. Podemos nos admi-
o seguinte recado aos oficiais: "O mais deplorável em vossa rar de que uma aplicação tão estranha dessa respeitabilíssima
situação, cavalheiros, é que , numa vida dura e dolorosa, em doutrina por vezes a tenha exposto a desdém e ridículo, jun-
que os serviços e deveres às vezes vão além do rigor e seve- tamente com os que talvez ao menos não tiveram grande gosto
ridade dos mais austeros conventos, vós sofrereis sempre em ou inclinação para as virtudes devotas e contemplativas?6
vão pela vida vindoura, e freqüentemente até mesmo por es-
ta vida. Hélas! O monge solitário em sua cela, obrigado a mor-
tificar a carne e sujeitá-la ao espírito, é amparado pela esper-
ança de uma recompensa certa e pela secreta unção da graça
que suaviza o jugo do Senhor. Mas vós, no leito de morte, po-
deis atrever-vos a apresentar-lhe vossas fadigas e as durezas 6. Veja-se Voltaire: "Vous y grillez sage et docte Platon. Divine Homere,
diárias de vosso cargo? Podeis ousar solicitar-lhe qualquer re- eloquent Ciceron, etc."
162 TEORIA DOS SENI7MENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 163
para a fraqueza, tão lisonjeira para a grandeza da natureza hu- compensa? E em todas as ações que tendes feito, em todas as
mana, que o homem virtuoso, se tiver o infortúnio de dela du- violências que tendes cometido contra vós próprios, o que Ele
vidar, possivelmente não pode evitar de desejar, do modo o deveria pesar? Os melhores dias de vossas vidas, porém, fo-
mais determinado e ardente, de nela acreditar. Tal doutrina nun- ram sacrificados à vossa profissão, e dez anos de serviço exau-
ca teria sido exposta ao riso dos zombadores, não fosse a dis- riu mais vossos corpos do que talvez uma vida inteira de ar-
tribuição de recompensas e castigos - que seria feita no mun- rependimento e mortificação. Hélas! Meu irmão, um só dia de
do vindouro, segundo nos ensinaram alguns de seus mais ze- sofrimentos consagrado ao Senhor talvez vos tivesse obtido
losos defensores - tão freqüentemente avessa a todos os nos- uma felicidade eterna. Uma só ação, dolorosa para a natureza,
sos sentimentos morais. e ofertada a Ele, talvez vos tivesse assegurado a herança dos
Que muitas vezes se favorece mais o cortesão assíduo santos. E fizestes tudo isso, em vão, por este mundo. "
do que o servidor ativo e fiel; que muitas vezes servilidade e Comparar dessa maneira as fúteis mortificações do mo-
adulação são caminhos mais curtos e seguros para os privilé- nastério com as enobrecedoras durezas e riscos da guerra; su-
gios do que mérito ou préstimo; e que muitas vezes uma cam- por que um dia ou uma hora empregadas nas primeiras seriam,
panha em Versalhes ou St. ]ames vale duas na Alemanha ou aos olhos do Grande Juiz do mundo, mais meritórios do que
Flandres, é queixa que todos ouvimos de muitos antigos ofi- uma vida inteira passada honravelmente nas últimas é certa-
ciais, veneráveis mas descontentes. No entanto, considera-se mente contrário a todos os nossos sentimentos morais e a to-
que a maior repreensão, mesmo à fraqueza dos soberanos dos os princípios pelos quais a natureza nos ensinou ~ regrar
terrenos, deva ser atribuída, como ato de justiça, à perfeição nosso desprezo ou nossa admiração. Porém, é esse espírito
divina; e os deveres da devoção, o culto público e privado que, enquanto reservou as legiões celestiais para monges e fra-
da Divindade, têm sido representados, até por homens de des ou para aqueles cuja conduta e conversa parecem às dos
virtude e habilidades, como as únicas virtudes que podem ou monges e frades, condenou ao inferno todos os heróis, todos
dar direito a recompensa, ou eximir de punição na vida vindou- os estadistas e legisladores, todos os poetas e filósofos de épo-
ra. Talvez fossem virtudes mais adequadas à condição que cas antigas, todos os que inventaram, melhoraram as artes que
ocupavam, e nas quais principalmente eles próprios se te- contribuem para a subsistência, o conforto, os ornamentos da
nham excedido, pois todos estamos naturalmente inclinados vida humana ou que nelas se sobressaem; todos os grandes pro-
a superestimar as excelências de nossos próprios caracteres. tetores, instrutores e benfeitores da humanidade; todos aqueles
No discurso que pronunciou o eloqüente e filosófico Mar- a quem nosso natural senso do que é louvável força a atribuir
sillon, abençoando os estandartes do regimento de Catinat, há o maior mérito e a mais elevada virtude. Podemos nos admi-
o seguinte recado aos oficiais: "O mais deplorável em vossa rar de que uma aplicação tão estranha dessa respeitabilíssima
situação, cavalheiros, é que , numa vida dura e dolorosa, em doutrina por vezes a tenha exposto a desdém e ridículo, jun-
que os serviços e deveres às vezes vão além do rigor e seve- tamente com os que talvez ao menos não tiveram grande gosto
ridade dos mais austeros conventos, vós sofrereis sempre em ou inclinação para as virtudes devotas e contemplativas?6
vão pela vida vindoura, e freqüentemente até mesmo por es-
ta vida. Hélas! O monge solitário em sua cela, obrigado a mor-
tificar a carne e sujeitá-la ao espírito, é amparado pela esper-
ança de uma recompensa certa e pela secreta unção da graça
que suaviza o jugo do Senhor. Mas vós, no leito de morte, po-
deis atrever-vos a apresentar-lhe vossas fadigas e as durezas 6. Veja-se Voltaire: "Vous y grillez sage et docte Platon. Divine Homere,
diárias de vosso cargo? Podeis ousar solicitar-lhe qualquer re- eloquent Ciceron, etc."
164 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS
TERCEIRA PARTE 165
CAPÍTULO III
outrem, com quem não temos nenhuma relação específica.
Da influência e autoridade da consciência
Seus interesses, na medida em que são examinados de sua po-
sição, nunca poderão ser contrabalançados aos nossos, nunca
Ainda que a aprovação de sua própria consciência mal
nos impedirão de fazer o que possa ajudar a promover os nos-
consiga, em ocasiões extraordinárias, contentar a fraqueza do
sos próprios interesses, por mais ruinoso que isso seja para ele.
homem, ainda que o testemunho do suposto espectador impar-
Antes de podermos fazer uma comparação apropriada entre ,
cial, do grande habitante do peito humano, nem sempre con- 1
esses interesses opostos, devemos mudar nossa posição. Não
siga, por si só, dar-lhe guarida, a influência e autoridade des-
podemos vê-los de nosso lugar, nem tampouso do dele nem
se princípio é, em todas as ocasiões, enorme; e é apenas con- com nossos olhos, nem, todavia, com os dele. E preciso vê-los
sultando esse juiz interior que poderemos ver o que nos diz do local e com os olhos de uma terceira pessoa, que não te-
respeito em sua forma e dimensões apropriadas; ou que po- nha nenhuma relação particular com algum de nós, e que nos
deremos estabelecer uma comparação apropriada entre nos- julgue com imparcialidade. Também aqui, hábito e experiência
sos interesses e os de outras pessoas. nos ensinaram a fazer isso tão fácil e prontamente, que mal nos
No que se refere ao olho do corpo, os objetos se apresen- damos conta de que o fazemos; também nesse caso, é neces-
tam grandes ou pequenos, não tanto conforme suas reais di-
sário algum grau de reflexão, e até de filosofia, para nos con-
mensões, mas conforme a proximidade ou distância em que se vencer de quão pouco interesse teríamos pelas maiores preo-
encontram; o mesmo ocorre com o que se pode chamar o olho cupações de nosso vizinho, de quão pouco seríamos afetados
natural do espírito; e remediamos os defeitos desses dois ór- por tudo o que a ele se relaciona, se o senso de conveniência
gãos de modo bastante parecido. No lugar em que me encon- e justiça não corrigisse a desigualdade de nossos sentimentos,
tro agora, uma imensa paisagem de campinas, bosques e mon- que de outra maneira seria natural.
tanhas distantes parece apenas cobrir a pequena janela junto Suponhamos que o grande império da China, com suas
da qual escrevo, e ser desproporcionalmente menor do que o miríades de habitantes, fosse subitamente engolido por um ter-
quarto em que estou. Posso estabelecer uma justa comparação remoto, e imaginemos como um humanitário na Europa, sem
entre os grandes e pequenos objetos ao meu redor, tão-somen- qualquer ligação com aquela parte do mundo, seria afetado ao
te me transportando, ao menos na imaginação, a uma posição receber a notícia dessa terrível calamidade. Imagino que, antes
diferente, de onde posso examinar ambos a distâncias quase de tudo, expressaria intensamente sua tristeza pela desgraça de
iguais, e assim formar algum juízo de sua real proporção. O há- todos esses infelizes, faria muitas reflexões melancólicas so-
bito e a experiência ensinaram-me a fazer isso tão fácil e tão bre a precariedade da vida humana e a vacuidade de todos os
prontamente que mal me dou conta de que o faço; e um ho- labores humanos, que num instante puderam ser aniquilados.
mem deve estar, em certa medida, familiarizado com a filoso- Além disso, se fosse um homem especulativo, talvez ponderas-
fia da visão, antes de se convencer inteiramente de quão pe- se muitos raciocínios sobre os efeitos que esse desastre pode-
quenos aqueles objetos se apresentariam ao olho, se a imagi- ria produzir no comércio da Europa em particular, e nas tran-
nação, tendo conhecimento de suas reais magnitudes, não os sações e negócios do mundo em geral. E quando toda essa be-
fizesse inchar e dilatar-se. la filosofia tivesse acabado, quando todos esses sentimentos
Da mesma maneira, para as paixões egoístas e originárias humanos tivessem encontrado sua expressão definitiva, con-
da natureza humana, a perda ou ganho de um exíguo interes- tinuaria seus negócios ou seu prazer, teria seu repouso ou sua
se particular se mostra de importância muito mais ampla, sus- diversão com o mesmo relaxamento e tranqüilidade que teria
cita uma alegria ou dor muito mais apaixonada, um desejo ou se tal acidente não tivesse ocorrido. O mais frívolo desastre que
aversão muito mais ardente, do que a maior preocupação de se abatesse sobre ele causaria uma perturbação mais real. Se
164 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS
TERCEIRA PARTE 165
CAPÍTULO III
outrem, com quem não temos nenhuma relação específica.
Da influência e autoridade da consciência
Seus interesses, na medida em que são examinados de sua po-
sição, nunca poderão ser contrabalançados aos nossos, nunca
Ainda que a aprovação de sua própria consciência mal
nos impedirão de fazer o que possa ajudar a promover os nos-
consiga, em ocasiões extraordinárias, contentar a fraqueza do
sos próprios interesses, por mais ruinoso que isso seja para ele.
homem, ainda que o testemunho do suposto espectador impar-
Antes de podermos fazer uma comparação apropriada entre ,
cial, do grande habitante do peito humano, nem sempre con- 1
esses interesses opostos, devemos mudar nossa posição. Não
siga, por si só, dar-lhe guarida, a influência e autoridade des-
podemos vê-los de nosso lugar, nem tampouso do dele nem
se princípio é, em todas as ocasiões, enorme; e é apenas con- com nossos olhos, nem, todavia, com os dele. E preciso vê-los
sultando esse juiz interior que poderemos ver o que nos diz do local e com os olhos de uma terceira pessoa, que não te-
respeito em sua forma e dimensões apropriadas; ou que po- nha nenhuma relação particular com algum de nós, e que nos
deremos estabelecer uma comparação apropriada entre nos- julgue com imparcialidade. Também aqui, hábito e experiência
sos interesses e os de outras pessoas. nos ensinaram a fazer isso tão fácil e prontamente, que mal nos
No que se refere ao olho do corpo, os objetos se apresen- damos conta de que o fazemos; também nesse caso, é neces-
tam grandes ou pequenos, não tanto conforme suas reais di-
sário algum grau de reflexão, e até de filosofia, para nos con-
mensões, mas conforme a proximidade ou distância em que se vencer de quão pouco interesse teríamos pelas maiores preo-
encontram; o mesmo ocorre com o que se pode chamar o olho cupações de nosso vizinho, de quão pouco seríamos afetados
natural do espírito; e remediamos os defeitos desses dois ór- por tudo o que a ele se relaciona, se o senso de conveniência
gãos de modo bastante parecido. No lugar em que me encon- e justiça não corrigisse a desigualdade de nossos sentimentos,
tro agora, uma imensa paisagem de campinas, bosques e mon- que de outra maneira seria natural.
tanhas distantes parece apenas cobrir a pequena janela junto Suponhamos que o grande império da China, com suas
da qual escrevo, e ser desproporcionalmente menor do que o miríades de habitantes, fosse subitamente engolido por um ter-
quarto em que estou. Posso estabelecer uma justa comparação remoto, e imaginemos como um humanitário na Europa, sem
entre os grandes e pequenos objetos ao meu redor, tão-somen- qualquer ligação com aquela parte do mundo, seria afetado ao
te me transportando, ao menos na imaginação, a uma posição receber a notícia dessa terrível calamidade. Imagino que, antes
diferente, de onde posso examinar ambos a distâncias quase de tudo, expressaria intensamente sua tristeza pela desgraça de
iguais, e assim formar algum juízo de sua real proporção. O há- todos esses infelizes, faria muitas reflexões melancólicas so-
bito e a experiência ensinaram-me a fazer isso tão fácil e tão bre a precariedade da vida humana e a vacuidade de todos os
prontamente que mal me dou conta de que o faço; e um ho- labores humanos, que num instante puderam ser aniquilados.
mem deve estar, em certa medida, familiarizado com a filoso- Além disso, se fosse um homem especulativo, talvez ponderas-
fia da visão, antes de se convencer inteiramente de quão pe- se muitos raciocínios sobre os efeitos que esse desastre pode-
quenos aqueles objetos se apresentariam ao olho, se a imagi- ria produzir no comércio da Europa em particular, e nas tran-
nação, tendo conhecimento de suas reais magnitudes, não os sações e negócios do mundo em geral. E quando toda essa be-
fizesse inchar e dilatar-se. la filosofia tivesse acabado, quando todos esses sentimentos
Da mesma maneira, para as paixões egoístas e originárias humanos tivessem encontrado sua expressão definitiva, con-
da natureza humana, a perda ou ganho de um exíguo interes- tinuaria seus negócios ou seu prazer, teria seu repouso ou sua
se particular se mostra de importância muito mais ampla, sus- diversão com o mesmo relaxamento e tranqüilidade que teria
cita uma alegria ou dor muito mais apaixonada, um desejo ou se tal acidente não tivesse ocorrido. O mais frívolo desastre que
aversão muito mais ardente, do que a maior preocupação de se abatesse sobre ele causaria uma perturbação mais real. Se
<' 166 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE ( 167 )
perdesse o dedo mínimo de manhã, não lormlria de n ite; mas menor ofensa, a fim de obter maior benefício para nós mesmos.
desde que nunca os vi se, ron aria na mais profunda sereni- Não é o amor ao nosso próximo, não é o amor à humanidade 1

dade anre a mína de em nas d mJihat de seus irmãos. E a o que nos motiva, em muitas ocasiões, a praticar as virtudes di~
destmiçâ des a im ns mu ltidão parece claramente apena. vinas. É um amor mais forte, um afeto mais poderoso, o que
um obj •to rneno inter . ante do qu · seu reles infortCmio par- geralmente tem lugar nessas ocasiões: o amor ao que é honra-
ticular. Para virar, potta nto, esse reles infortúnio, um huma- do e nobre, à grandeza, dignidade e superioridade de nossos
nitário estaria disposto a sacrificar as vidas de centenas de mi- próprios caracteres.
lhares de irmãos seus, desde que nunca os tivesse visto? A Quando de alguma maneira a felicidade ou desgraça de
natureza humana fica atônita de horror em face de tal idéia, outros depende de nossa conduta, não ousamos, como tal-
e em sua maior depravação e corrupção o mundo jamais pro- vez sugira amor de si, a preferir o interesse de um aos de tan-
duziu um vilão que fosse capaz de cultivar esses pensamentos. tos. O homem interior nos grita que nos estimamos demais e a
Mas o que causa essa diferença? Se nossos sentimentos pas- outras pessoas de menos, e que, ao fazer isso, convertemo-nos
sivos são quase sempre tão sórdidos e egoístas, como ocorre em objeto apropriado do desprezo e indignação de nossos
que nossos princtpt ativos s jam fr qüentemente tão gene- irmãos. Tampouco esse sentimento se restringe a homens de
rosos e nobres? Se s mp.r somo mals profundamente afeta- extraordinária magnanimidade e virtude. Está profundamen-
dos pelo que interessa a nós mesmos do que pel q u diz res- te inscrito em todo soldado razoavelmente bom, o qual sente
peito aos outros homens, o que leva os gen rasos em todas que seria ridicularizado por seus camaradas se o imaginassem
as ocasiões, e os maus em muitas, a sacrificar seus próprios in- capaz de recuar diante do perigo ou de hesitar em se expor
teresses pelos interesses maiores de outros? Não é, então, o ou perder a vida, quando o bem do seu serviço o exigisse.
brando poder da humanidade, não é a débil centelha de bene- Um indivíduo nunca deve se preferir tanto a outro a pon-
volência que a natureza a ende u no coração humano, o que to de ferir ou prejudicar esse outro para beneficiar a si mesmo,
pode resistir aos mais~ rtes impu lsos do amor de si. É um po- ainda que o benefício de um fosse muito maior do que a dor
der mais forte, um motivo mais convincente, que nessas oca- ou prejuízo de outro. O homem pobre não deve defraudar nem
siões se põe em ação. É a razão, o princípio, a consciência, o roubar o rico, embora a aquisição possa beneficiar muito mais
habitante do peito, o homem interior, o grande juiz e árbitro a um do que a perda poderia prejudicar a outro. O homem
de nossa conduta. É ele que, sempre que estamos por agir, de interior imediatamente lhe grita, também neste caso, que não
modo a afetar a felicidade alheia, grita para nós, com uma voz é melhor que seu vizinho, e que, por causa de sua preferên-
capaz de deixar estupefata as nossas mais presunçosas pai- cia injusta, converte-se em objeto apropriado de desprezo e
xões, que somos apenas um na multidão, em nada melhores indignação da humanidade, bem como da punição que esse
do que qualquer outro indivíduo; que, ao nos preferirmos aos desprezo e indignação deve naturalmente predispô-los a in-
outros tão verg nhosa e gamente, nos t mamas obJ tos apro- fligir, por ter assim violado uma das regras sagradas, de cuja
priados de ressenrlm nto, horror e exe 'J'a ã . É ~~ p nas com razoável obs rva ·ã.o depende toda a segurança e paz da so-
ele que aprendemos nossa verdadeira pequenez, a de tudo o ciedade humana. Não há homem habitualmente honesto que
que nos diz respeito, pois unicamente o olho desse especta- não tema mais a desgraça interna de tal ação, a indelével nó-
dor imparcial pode corrigir as falsas representações do amor doa que imporia para sempre em seu espírito, do que a maior
de si. É ele que nos mostra a conveniência da generosidade e calamidade exterior que, sem nenhuma culpa sua, pudesse se
a deformação da injustiça; a conveniência de se renunciar aos abater sobre ele. Não há homem habitualmente honesto que
nossos maiores interesses particulares em favor dos ainda maio- não sinta internamente a verdade daquela grande máxima es-
res interesses de outros; e a deformidade de causar a outro a tóica, segundo a qual para um homem, privar injustamente ou-
<' 166 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE ( 167 )
perdesse o dedo mínimo de manhã, não lormlria de n ite; mas menor ofensa, a fim de obter maior benefício para nós mesmos.
desde que nunca os vi se, ron aria na mais profunda sereni- Não é o amor ao nosso próximo, não é o amor à humanidade 1

dade anre a mína de em nas d mJihat de seus irmãos. E a o que nos motiva, em muitas ocasiões, a praticar as virtudes di~
destmiçâ des a im ns mu ltidão parece claramente apena. vinas. É um amor mais forte, um afeto mais poderoso, o que
um obj •to rneno inter . ante do qu · seu reles infortCmio par- geralmente tem lugar nessas ocasiões: o amor ao que é honra-
ticular. Para virar, potta nto, esse reles infortúnio, um huma- do e nobre, à grandeza, dignidade e superioridade de nossos
nitário estaria disposto a sacrificar as vidas de centenas de mi- próprios caracteres.
lhares de irmãos seus, desde que nunca os tivesse visto? A Quando de alguma maneira a felicidade ou desgraça de
natureza humana fica atônita de horror em face de tal idéia, outros depende de nossa conduta, não ousamos, como tal-
e em sua maior depravação e corrupção o mundo jamais pro- vez sugira amor de si, a preferir o interesse de um aos de tan-
duziu um vilão que fosse capaz de cultivar esses pensamentos. tos. O homem interior nos grita que nos estimamos demais e a
Mas o que causa essa diferença? Se nossos sentimentos pas- outras pessoas de menos, e que, ao fazer isso, convertemo-nos
sivos são quase sempre tão sórdidos e egoístas, como ocorre em objeto apropriado do desprezo e indignação de nossos
que nossos princtpt ativos s jam fr qüentemente tão gene- irmãos. Tampouco esse sentimento se restringe a homens de
rosos e nobres? Se s mp.r somo mals profundamente afeta- extraordinária magnanimidade e virtude. Está profundamen-
dos pelo que interessa a nós mesmos do que pel q u diz res- te inscrito em todo soldado razoavelmente bom, o qual sente
peito aos outros homens, o que leva os gen rasos em todas que seria ridicularizado por seus camaradas se o imaginassem
as ocasiões, e os maus em muitas, a sacrificar seus próprios in- capaz de recuar diante do perigo ou de hesitar em se expor
teresses pelos interesses maiores de outros? Não é, então, o ou perder a vida, quando o bem do seu serviço o exigisse.
brando poder da humanidade, não é a débil centelha de bene- Um indivíduo nunca deve se preferir tanto a outro a pon-
volência que a natureza a ende u no coração humano, o que to de ferir ou prejudicar esse outro para beneficiar a si mesmo,
pode resistir aos mais~ rtes impu lsos do amor de si. É um po- ainda que o benefício de um fosse muito maior do que a dor
der mais forte, um motivo mais convincente, que nessas oca- ou prejuízo de outro. O homem pobre não deve defraudar nem
siões se põe em ação. É a razão, o princípio, a consciência, o roubar o rico, embora a aquisição possa beneficiar muito mais
habitante do peito, o homem interior, o grande juiz e árbitro a um do que a perda poderia prejudicar a outro. O homem
de nossa conduta. É ele que, sempre que estamos por agir, de interior imediatamente lhe grita, também neste caso, que não
modo a afetar a felicidade alheia, grita para nós, com uma voz é melhor que seu vizinho, e que, por causa de sua preferên-
capaz de deixar estupefata as nossas mais presunçosas pai- cia injusta, converte-se em objeto apropriado de desprezo e
xões, que somos apenas um na multidão, em nada melhores indignação da humanidade, bem como da punição que esse
do que qualquer outro indivíduo; que, ao nos preferirmos aos desprezo e indignação deve naturalmente predispô-los a in-
outros tão verg nhosa e gamente, nos t mamas obJ tos apro- fligir, por ter assim violado uma das regras sagradas, de cuja
priados de ressenrlm nto, horror e exe 'J'a ã . É ~~ p nas com razoável obs rva ·ã.o depende toda a segurança e paz da so-
ele que aprendemos nossa verdadeira pequenez, a de tudo o ciedade humana. Não há homem habitualmente honesto que
que nos diz respeito, pois unicamente o olho desse especta- não tema mais a desgraça interna de tal ação, a indelével nó-
dor imparcial pode corrigir as falsas representações do amor doa que imporia para sempre em seu espírito, do que a maior
de si. É ele que nos mostra a conveniência da generosidade e calamidade exterior que, sem nenhuma culpa sua, pudesse se
a deformação da injustiça; a conveniência de se renunciar aos abater sobre ele. Não há homem habitualmente honesto que
nossos maiores interesses particulares em favor dos ainda maio- não sinta internamente a verdade daquela grande máxima es-
res interesses de outros; e a deformidade de causar a outro a tóica, segundo a qual para um homem, privar injustamente ou-
168 TEORIA DOS SEN1IMENTOS MORAIS
7ERCEIRA PARTE 169
tro de qualquer coisa, ou promover injustamente sua própria
vantagem pela perda ou desvantagem de outro, é mais comrári sob toda a sorte de calamidades, no langor da pobreza, na ago-
à natureza do que a morte, a pobreza, a dor, todos os infOJtú- nia da enfermidade, nos horrores da morte, sob os insultos e
nios que o possam afetar, seja no corpo, seja nas circunstân- opr s ão de se us íillmigos. Julgam que ' t om ls •ração pores-
cias externas. sa. desgraças que nunca vimos, de que nunca tivemo o tí ia,
Com efeito, quando a felicidade ou desgraça de outros em mas que, podemos estar seguros, a todo momento i!W stam
í nenhum aspecto depende de nossa conduta; quando nossos tantos de nossos semelhantes, deveria impregnar os prazeres
interesses estão inteiramente separados e apartados dos deles, dos afortunados, e tornar habitual a todos os homens certo me-
de modo qll não haja n nhuma relação ou competição entre lancólico desalento. Porém, antes de tudo, essa extremada so-
eles, nem , empre julgamo necessário conter, por um lado, nos- lidariedade para com infortúnios dos quais nada SHbemos pa-
·a pre upa · o na.lut-al- e talv z inadequada- quanto a no - rece inteiramente absurda e insensata. Tomemos toda a Terra
·os própri s probl mas, ou, por outro, nossa naturol - talv z como média: para um bom m que sofre dor ou miséria hav -
igualm me inadequada - indjferen ·a p los problemas de ou- rá vlnt próspero e alegres ou , pelo menos, vivendo em cj r-
tros homens. A mais vulgar educação nos ensina a agir, em to- Clm tân ias supottáv is. ertam nte não se pode dar r'd.Zão pela
das as ocasiões impmtantes, com alguma espécie de imparcia- qual dev ríamo· antes ch r-M com um, do que nos alegrarmos
lidade entre nós e outros, e até mesmo o ordinário comércio om vinte. E sa miseraçâo artifidal, ademais n ão é apenas
· deste mundo é capaz de ajustar nossos princípios ativos a al- absurda, mas parece inteiram nte inatingível, e os que afetam
gum grau ele onveniêocia. Mas somente a educação mais ar- esse caráter comumente nada têm, senão certa tristeza afetada
tificial e refinada, dizem, pode corrigir as desigualdades de nos-
e sentimental que, sem atingir o <.'Oração, serve apenas para tor-
sos sentimentos passivos; e, com esse propósito, alega-se que
nar o semblante e a conversa imp rtinentemente desanimados
devamos recorrer à mais grave, bem como à mais profunda
filosofia. e desagradável . E, finalmente, e. sa disp si ão cl espírito, pos-
Dois diferentes grupos de filósofos tentaram ensinar-nos to que alcançada seria perfeitamente inúUl, e nã ervma a ou-
1

essa lição de moral, a mais dura de todas. Um grupo se empe- tro propó it , que não tornar mis rãvel a p ssoa qu a pos-
nhou em aumentar nossa sensibilidade pelos interesses de ou- suísse. eja qual for nosso inter ss p la fottUna daquele com
tros; o outro, em diminuir nossa sensibilidade por nossos pró- quem não temos familiaridade nem ligação, ou com quem es-
prios int r s ·. Para primeiro, dev ríamos emlr p ' lo outros tá situado completamente fora da nossa esfera de atividade, só
o que naturalmente ·emimos p r nó . Pm-a o segundo devería- pode produzir inquietação em nós, sem qualquer vantagem pa-
mos s ntir p r nós mesm s o qu naturalmente sentimos pel s ra eles. Qual a finalidade de nos atormentarmos com o mun-
outros. Ambos, talvez, tenham levado suas doutrinas muito do na lua? Todos os homens, mesmo os que estão à maior dis-
além do justo padrão da natureza e da conveniência. tância, sem dúvida têm direito a nossos votos de feli cidade, e
Os primeiros são os moralistas lamuriantes e melancóli- nossos votos de felicidade naturalmente desejamos a todos.
cos que perpetuamente nos recriminam pela nossa felicidade, Mas, a despeito disso, s forem Jnfl lizes, não parece fazer par-
enquanto tantos de nossos irmãos estão na desgraça 7 , que con- te de nosso dever inqui tarm -nos por essa razão. Termos pou-
sideram igualmente ímpia a natural alegria pela prosperidade, co interesse, portanto na fortuna laqu les a quem oào po-
a qual não leva em conta os muitos desgraçados que trabalham demos nem servir nem ~ rir, e que m LOdo sentido stão
mui[ remotos de nós par c s •r sabi~unent rdenado pela
Natureza; e se fosse possível altera r nesse asp cto a conslitui-
7. Conferir As estações, "Inverno'", de Thompson: "Ah! Little think the
ç~ rigioal de nossa estrutura, m smo assim nada podería m s
gay licentious proud'", etc. Conferir também Pascal.
ganhar com essa mudança.
168 TEORIA DOS SEN1IMENTOS MORAIS
7ERCEIRA PARTE 169
tro de qualquer coisa, ou promover injustamente sua própria
vantagem pela perda ou desvantagem de outro, é mais comrári sob toda a sorte de calamidades, no langor da pobreza, na ago-
à natureza do que a morte, a pobreza, a dor, todos os infOJtú- nia da enfermidade, nos horrores da morte, sob os insultos e
nios que o possam afetar, seja no corpo, seja nas circunstân- opr s ão de se us íillmigos. Julgam que ' t om ls •ração pores-
cias externas. sa. desgraças que nunca vimos, de que nunca tivemo o tí ia,
Com efeito, quando a felicidade ou desgraça de outros em mas que, podemos estar seguros, a todo momento i!W stam
í nenhum aspecto depende de nossa conduta; quando nossos tantos de nossos semelhantes, deveria impregnar os prazeres
interesses estão inteiramente separados e apartados dos deles, dos afortunados, e tornar habitual a todos os homens certo me-
de modo qll não haja n nhuma relação ou competição entre lancólico desalento. Porém, antes de tudo, essa extremada so-
eles, nem , empre julgamo necessário conter, por um lado, nos- lidariedade para com infortúnios dos quais nada SHbemos pa-
·a pre upa · o na.lut-al- e talv z inadequada- quanto a no - rece inteiramente absurda e insensata. Tomemos toda a Terra
·os própri s probl mas, ou, por outro, nossa naturol - talv z como média: para um bom m que sofre dor ou miséria hav -
igualm me inadequada - indjferen ·a p los problemas de ou- rá vlnt próspero e alegres ou , pelo menos, vivendo em cj r-
tros homens. A mais vulgar educação nos ensina a agir, em to- Clm tân ias supottáv is. ertam nte não se pode dar r'd.Zão pela
das as ocasiões impmtantes, com alguma espécie de imparcia- qual dev ríamo· antes ch r-M com um, do que nos alegrarmos
lidade entre nós e outros, e até mesmo o ordinário comércio om vinte. E sa miseraçâo artifidal, ademais n ão é apenas
· deste mundo é capaz de ajustar nossos princípios ativos a al- absurda, mas parece inteiram nte inatingível, e os que afetam
gum grau ele onveniêocia. Mas somente a educação mais ar- esse caráter comumente nada têm, senão certa tristeza afetada
tificial e refinada, dizem, pode corrigir as desigualdades de nos-
e sentimental que, sem atingir o <.'Oração, serve apenas para tor-
sos sentimentos passivos; e, com esse propósito, alega-se que
nar o semblante e a conversa imp rtinentemente desanimados
devamos recorrer à mais grave, bem como à mais profunda
filosofia. e desagradável . E, finalmente, e. sa disp si ão cl espírito, pos-
Dois diferentes grupos de filósofos tentaram ensinar-nos to que alcançada seria perfeitamente inúUl, e nã ervma a ou-
1

essa lição de moral, a mais dura de todas. Um grupo se empe- tro propó it , que não tornar mis rãvel a p ssoa qu a pos-
nhou em aumentar nossa sensibilidade pelos interesses de ou- suísse. eja qual for nosso inter ss p la fottUna daquele com
tros; o outro, em diminuir nossa sensibilidade por nossos pró- quem não temos familiaridade nem ligação, ou com quem es-
prios int r s ·. Para primeiro, dev ríamos emlr p ' lo outros tá situado completamente fora da nossa esfera de atividade, só
o que naturalmente ·emimos p r nó . Pm-a o segundo devería- pode produzir inquietação em nós, sem qualquer vantagem pa-
mos s ntir p r nós mesm s o qu naturalmente sentimos pel s ra eles. Qual a finalidade de nos atormentarmos com o mun-
outros. Ambos, talvez, tenham levado suas doutrinas muito do na lua? Todos os homens, mesmo os que estão à maior dis-
além do justo padrão da natureza e da conveniência. tância, sem dúvida têm direito a nossos votos de feli cidade, e
Os primeiros são os moralistas lamuriantes e melancóli- nossos votos de felicidade naturalmente desejamos a todos.
cos que perpetuamente nos recriminam pela nossa felicidade, Mas, a despeito disso, s forem Jnfl lizes, não parece fazer par-
enquanto tantos de nossos irmãos estão na desgraça 7 , que con- te de nosso dever inqui tarm -nos por essa razão. Termos pou-
sideram igualmente ímpia a natural alegria pela prosperidade, co interesse, portanto na fortuna laqu les a quem oào po-
a qual não leva em conta os muitos desgraçados que trabalham demos nem servir nem ~ rir, e que m LOdo sentido stão
mui[ remotos de nós par c s •r sabi~unent rdenado pela
Natureza; e se fosse possível altera r nesse asp cto a conslitui-
7. Conferir As estações, "Inverno'", de Thompson: "Ah! Little think the
ç~ rigioal de nossa estrutura, m smo assim nada podería m s
gay licentious proud'", etc. Conferir também Pascal.
ganhar com essa mudança.
170 TEORIA DOS SENflMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 171

Nunca nos objetam que temos muito pouca solidarieda- corpo, ou fortuna, ou em nossa reputação, como dor, enfermi-
de para com a alegria do êxito. Sempre que a inveja não a im- dade, a proximidade da morte, pobreza, desgraça, etc.
pede, a boa-vontade que demonstramos para com a prospe- Sem dúvida, em infortúnios da primeira espécie, nossas
ridade tende a ser imensa; e os mesmos moralistas que nos cen- emoções podem ir muito além do que a exata conveniência
suram por falta de suficiente simpatia com os desgraçados nos permitiria; mas também podem ficar aquém disso, o que fre-
recriminam pela leviandade com que tendemos a admirar, e qüentemente ocorre. O homem que não sentisse mais a mor-
quase a venerar, os afmtunados, os poderosos e os ricos. te ou aflição de seu próprio pai ou filho, do que a. do pai ou fi-
Entre os moralistas que se esforçam para corrigir a desi- lho de qualquer ouu·o hom. m não demonstraria s r nem hum
gualdade natural de nossos sentimentos passivos, diminuindo pai, nem bom filh . Tal iodw rença antinalural, lo nge d sus-
nossa sensibilidade pelo que particularmente nos diz respei- citar nosso aplaus , incorreria na no. sa maior d sapro vaç·ão.
to, podemos registrar todas as antigas seitas de filósofos , mais Entre os afetos domésticos, entretanto, alguns tendem a ofen-
especificamente os antigos estóicos. Segundo os estóicos, o ho- der por cesso, outros por falta. Para os mais sábios fins, a
mem deve considerar-se não como algo separado e apartado, naturt:za onverteu na maioria dos homens, talvez em todos,
mas como cidadão do mundo, membro da vasta república da a ternura paternal num afeto muito mais forte do que a pie-
natureza. Pelo interesse dessa grande comunidade, deveria es- dade filial. A continuação e propagação da espécie depende
tar disposto, em todos os momentos, a sacrificar seu pequeno lnt iramente da primeira, não da segunda. Em casos comuns,
interesse particular. O que quer que diga respeito a si mesmo a xistência conservação do filho estão em completa depen-
não deveria afetá-lo mais do que o que diz respeito a qualquer dência dos cuidados dos pais. As dos pais raramente dependem
outra parte igualmente importante desse imenso sistema. De- dos cuidados do filho. Por conseguinte, a natureza tornou a pri-
veríamos nos ver, não sob a luz em que nossas próprias pai- meira afeição tão intensa, que geralmente não é necessário
xões egoístas tendem a nos colocar, mas sob a luz em que qual- suscitá-la, mas moderá-la, e os moralistas se esforçam para nos
quer outro cidadão do mundo nos veria. Deveríamos conside- ensinar menos como tolerar, que como conter nosso amor,
rar o que nos acomete como o que acomete o nosso vizinho, nossa excessiva afeição, a injusta preferência que tendemos
ou, o que dá no mesmo, como nosso vizinho considera o que a dar a nossos próprios filhos, em detrimento dos filhos de ou-
nos acomete. Epíteto diz: "Quando teu próximo perde a espo- tros. Exortam-nos, ao contrário, a uma afetuosa atenção aos nos-
sa ou o filho, ninguém há que não perceba que essa é uma sos pais, e a retribuir-lhes adequa damente na velhice a bon-
calamidade humana, evento natural inteiramente conforme o dade com que nos trataram ~m n sa infância e juventude. No
curso ordinário das coisas; mas quando a mesma coisa acon- Decálogo, somos exottados a honrar pais e mães. Não se men-
tece conosco, então gritamos como se tivéssemos sofrido o ciona o amor aos nossos filhos, pois a natureza nos preparou
mais terrível infortúnio. Devemos lembrar, porém, como fo- suficientemente para o cumprimento desse último dever. Ra-
mos afetados quando esse acidente aconteceu com outro, e rea- ramente se acusa os homens de gostarem mais de seus filhos
gir em nosso caso do mesmo modo como reagimos no dele." do que realment g StéU1l . Às vezes, porém, suspelra- e de que
Esses infortúnios particulares, pelos quais nossos senti- demonstrem ·om exc ssiva ostentação sua piedad pelos pais.
mentos tendem a exceder os limites da conveniência, são de Pela mesma razão, desconfia-se de que a dor ostensiva das viú-
duas diferentes espécies. Ou são tais que nos afetam apenas vas - j·:t iosín ra . Dev ríam s respeita r, ·e acreclitássem m
indiretamente, por afetarem em primeiro lugar algumas outras su•t s in ridade, at ' mesmo o xce · de ta is afetos; e emb
pessoas que nos são especialmente caras, como nossos pais, ra nã aprová s mo · inteirament , não deve ríam , conde-
filhos, nossos irmãos e irmãs, nossos amigos íntimos; ou são tais ná-I s verament . D que e mostra lo uvável, p I rnen s ao ·
que afetam a nós mesmos, imediata e diretamente, em nosso olhos de quem a afeta, a própria afetação é prova.
170 TEORIA DOS SENflMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 171

Nunca nos objetam que temos muito pouca solidarieda- corpo, ou fortuna, ou em nossa reputação, como dor, enfermi-
de para com a alegria do êxito. Sempre que a inveja não a im- dade, a proximidade da morte, pobreza, desgraça, etc.
pede, a boa-vontade que demonstramos para com a prospe- Sem dúvida, em infortúnios da primeira espécie, nossas
ridade tende a ser imensa; e os mesmos moralistas que nos cen- emoções podem ir muito além do que a exata conveniência
suram por falta de suficiente simpatia com os desgraçados nos permitiria; mas também podem ficar aquém disso, o que fre-
recriminam pela leviandade com que tendemos a admirar, e qüentemente ocorre. O homem que não sentisse mais a mor-
quase a venerar, os afmtunados, os poderosos e os ricos. te ou aflição de seu próprio pai ou filho, do que a. do pai ou fi-
Entre os moralistas que se esforçam para corrigir a desi- lho de qualquer ouu·o hom. m não demonstraria s r nem hum
gualdade natural de nossos sentimentos passivos, diminuindo pai, nem bom filh . Tal iodw rença antinalural, lo nge d sus-
nossa sensibilidade pelo que particularmente nos diz respei- citar nosso aplaus , incorreria na no. sa maior d sapro vaç·ão.
to, podemos registrar todas as antigas seitas de filósofos , mais Entre os afetos domésticos, entretanto, alguns tendem a ofen-
especificamente os antigos estóicos. Segundo os estóicos, o ho- der por cesso, outros por falta. Para os mais sábios fins, a
mem deve considerar-se não como algo separado e apartado, naturt:za onverteu na maioria dos homens, talvez em todos,
mas como cidadão do mundo, membro da vasta república da a ternura paternal num afeto muito mais forte do que a pie-
natureza. Pelo interesse dessa grande comunidade, deveria es- dade filial. A continuação e propagação da espécie depende
tar disposto, em todos os momentos, a sacrificar seu pequeno lnt iramente da primeira, não da segunda. Em casos comuns,
interesse particular. O que quer que diga respeito a si mesmo a xistência conservação do filho estão em completa depen-
não deveria afetá-lo mais do que o que diz respeito a qualquer dência dos cuidados dos pais. As dos pais raramente dependem
outra parte igualmente importante desse imenso sistema. De- dos cuidados do filho. Por conseguinte, a natureza tornou a pri-
veríamos nos ver, não sob a luz em que nossas próprias pai- meira afeição tão intensa, que geralmente não é necessário
xões egoístas tendem a nos colocar, mas sob a luz em que qual- suscitá-la, mas moderá-la, e os moralistas se esforçam para nos
quer outro cidadão do mundo nos veria. Deveríamos conside- ensinar menos como tolerar, que como conter nosso amor,
rar o que nos acomete como o que acomete o nosso vizinho, nossa excessiva afeição, a injusta preferência que tendemos
ou, o que dá no mesmo, como nosso vizinho considera o que a dar a nossos próprios filhos, em detrimento dos filhos de ou-
nos acomete. Epíteto diz: "Quando teu próximo perde a espo- tros. Exortam-nos, ao contrário, a uma afetuosa atenção aos nos-
sa ou o filho, ninguém há que não perceba que essa é uma sos pais, e a retribuir-lhes adequa damente na velhice a bon-
calamidade humana, evento natural inteiramente conforme o dade com que nos trataram ~m n sa infância e juventude. No
curso ordinário das coisas; mas quando a mesma coisa acon- Decálogo, somos exottados a honrar pais e mães. Não se men-
tece conosco, então gritamos como se tivéssemos sofrido o ciona o amor aos nossos filhos, pois a natureza nos preparou
mais terrível infortúnio. Devemos lembrar, porém, como fo- suficientemente para o cumprimento desse último dever. Ra-
mos afetados quando esse acidente aconteceu com outro, e rea- ramente se acusa os homens de gostarem mais de seus filhos
gir em nosso caso do mesmo modo como reagimos no dele." do que realment g StéU1l . Às vezes, porém, suspelra- e de que
Esses infortúnios particulares, pelos quais nossos senti- demonstrem ·om exc ssiva ostentação sua piedad pelos pais.
mentos tendem a exceder os limites da conveniência, são de Pela mesma razão, desconfia-se de que a dor ostensiva das viú-
duas diferentes espécies. Ou são tais que nos afetam apenas vas - j·:t iosín ra . Dev ríam s respeita r, ·e acreclitássem m
indiretamente, por afetarem em primeiro lugar algumas outras su•t s in ridade, at ' mesmo o xce · de ta is afetos; e emb
pessoas que nos são especialmente caras, como nossos pais, ra nã aprová s mo · inteirament , não deve ríam , conde-
filhos, nossos irmãos e irmãs, nossos amigos íntimos; ou são tais ná-I s verament . D que e mostra lo uvável, p I rnen s ao ·
que afetam a nós mesmos, imediata e diretamente, em nosso olhos de quem a afeta, a própria afetação é prova.
172 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 173

Até o excesso dos afetos bondosos, que predispõem mais penso a ser contrariado pelo excesso que pela falta de sensi-
a ofender, precisamente pelo excesso, embora possa mostrar- bilidade, e há apenas uns poucos casos em que podemos nos
se censurável, nunca se mostra odioso. Censuramos o exces- aproximar de fato da apatia e indiferença estóica.
sivo amor e preocupação de um pai como algo que possa, por Já se observou que temos muito pouca solidariedade com
fim, revelar-se nocivo à criança e que, entrementes, é demasia- qualquer das paixões que se originam do corpo. A dor provoca-
do inconveniente para o pai; mas perdoamos isso facilmente da por uma causa manifesta, tal como cortar ou dilacerar a car-
jamais o considerando com ódio ou aversão. Mas a ausênci~ ne, é talvez o afeto do corpo pelo qual o espectador sinta a
desse afeto habitualmente excessivo sempre parece particular- mais viva simpatia. Também a morte iminente de seu vizinho
mente odiosa. O homem que não demonstra sentir nada por raramente deixa de afetá-lo bastante. Nos dois casos, porém, é
seus próprios filhos, que sempre os trata com imerecido rigor tão pouco o que sente, se comparado ao que sente a pessoa di-
e aspereza, parece o mais detestável dos brutos. O senso de retamente atingida, que esta última dificilmente poderá ofen-
conveniência, em vez de exigir que erradiquemos completa- der o primeiro, ao demonstrar que sofre com muita facilidade.
mente a extraordinária sensibilidade que naturalmente temos A mera falta de fortuna, a mera pobreza, suscita pouca
pel?s info~nios de nossos parentes mais próximos, é sempre compaixão. Suas queixas tendem muito mais a ser objeto de
murto mars contrariado pela falta do que pelo excesso dessa desprezo do que de solidariedade. Desprezamos um mendi-
sensibilidade. Nesses casos, a apatia estóica nunca é agradável, go, e embora suas importunidades possam-nos extorquir uma
e todos os sofismas metafísicos que a amparam raramente têm esmola, dificilmente será objeto de séria comiseração. A deca-
outra finalidade, senão inflar a dura insensibilidade de um ja- dência da riqueza para a pobreza, uma vez que habitualmente
n.ota a dez vezes sua insolência primitiva. Os poetas e roman- causa a mais verdadeira aflição ao sofredor, raramente deixa
crstas, que melhor pintam os refinamentos e delicadezas do de suscitar a mais sincera comiseração no espectador. Ainda
amor e da amizade e todos os demais afetos domésticos e pri- que no presente estado da sociedade esse infortúnio raramen-
vados, Racine e Voltaire, Richardson, Marivaux e Riccoboni-, te aconteça sem que haja negligência nos negócios e conside-
são muito melhores instrumentos nesses casos do que Zenão rável dose de desleixo também do sofredor, este, contudo, cau-
Crisipo e Epíteto. ' sa tanta pena, que dificilmente lhe permitirão decair na mais
_ A sensibilid~~e moderada pelos infortúnios alheios, que baixa condição de pobreza; mas pelos meios de seus amigos,
nao nos desquahfrca para o cumprimento de nenhum dever e freqüentemente por tolerância até dos credores que têm mui-
- a melancólica e afetuosa lembrança dos amigos que parti- ta razão de se queixarem de sua imprudência, quase sempre é
ram - a pungência, como diz Gray, cara à dor secreta- não sustentado num grau de mediania decente, embora humilde.
são, de modo algum, desagradáveis. Embora externamente _Nas pessoas submetidas a tal infortúnio, talvez facilmente per-
cubram-se dos traços da dor e do sofrimento internamente são doássemos alguma fraqueza; ao mesmo tempo, porém, os que
inscritas com os caracteres enobrecedores da,virtude e da apro- mostram o semblante mais firme, que se acomodam com maior
vação de si. facilidade à sua nova situação, que não parecem se sentir hu-
. O ~esmo não ocorre com os infortúnios que afetam, ime- milhados pela mudança, pois mantêm sua posição na socieda-
drata e dtr~tamente, seja nosso corpo, nossa fortuna, seja nos- de graças a seu caráter e conduta, não à sua riqueza, são sempre
sa reputaçao. O senso de conveniência está muito mais pro- os que mais aprovamos, e que nunca deixam de conquistar nos-
sa maior e mais afetuosa admiração.
Como de todos os infortúnios externos que podem afetar
• Richardson (1689-1761), autor cujas obras Pamela e Clarissa se tor-
naram referência est~tica para Diderot; Riccoboni (1713-1792), a exemplo
um homem inocente imediata e diretamente o maior é, com
de RJChardson, compos romances epistolares. (N. da R. T.) certeza, a perda imerecida da reputação, então um considerá-
172 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 173

Até o excesso dos afetos bondosos, que predispõem mais penso a ser contrariado pelo excesso que pela falta de sensi-
a ofender, precisamente pelo excesso, embora possa mostrar- bilidade, e há apenas uns poucos casos em que podemos nos
se censurável, nunca se mostra odioso. Censuramos o exces- aproximar de fato da apatia e indiferença estóica.
sivo amor e preocupação de um pai como algo que possa, por Já se observou que temos muito pouca solidariedade com
fim, revelar-se nocivo à criança e que, entrementes, é demasia- qualquer das paixões que se originam do corpo. A dor provoca-
do inconveniente para o pai; mas perdoamos isso facilmente da por uma causa manifesta, tal como cortar ou dilacerar a car-
jamais o considerando com ódio ou aversão. Mas a ausênci~ ne, é talvez o afeto do corpo pelo qual o espectador sinta a
desse afeto habitualmente excessivo sempre parece particular- mais viva simpatia. Também a morte iminente de seu vizinho
mente odiosa. O homem que não demonstra sentir nada por raramente deixa de afetá-lo bastante. Nos dois casos, porém, é
seus próprios filhos, que sempre os trata com imerecido rigor tão pouco o que sente, se comparado ao que sente a pessoa di-
e aspereza, parece o mais detestável dos brutos. O senso de retamente atingida, que esta última dificilmente poderá ofen-
conveniência, em vez de exigir que erradiquemos completa- der o primeiro, ao demonstrar que sofre com muita facilidade.
mente a extraordinária sensibilidade que naturalmente temos A mera falta de fortuna, a mera pobreza, suscita pouca
pel?s info~nios de nossos parentes mais próximos, é sempre compaixão. Suas queixas tendem muito mais a ser objeto de
murto mars contrariado pela falta do que pelo excesso dessa desprezo do que de solidariedade. Desprezamos um mendi-
sensibilidade. Nesses casos, a apatia estóica nunca é agradável, go, e embora suas importunidades possam-nos extorquir uma
e todos os sofismas metafísicos que a amparam raramente têm esmola, dificilmente será objeto de séria comiseração. A deca-
outra finalidade, senão inflar a dura insensibilidade de um ja- dência da riqueza para a pobreza, uma vez que habitualmente
n.ota a dez vezes sua insolência primitiva. Os poetas e roman- causa a mais verdadeira aflição ao sofredor, raramente deixa
crstas, que melhor pintam os refinamentos e delicadezas do de suscitar a mais sincera comiseração no espectador. Ainda
amor e da amizade e todos os demais afetos domésticos e pri- que no presente estado da sociedade esse infortúnio raramen-
vados, Racine e Voltaire, Richardson, Marivaux e Riccoboni-, te aconteça sem que haja negligência nos negócios e conside-
são muito melhores instrumentos nesses casos do que Zenão rável dose de desleixo também do sofredor, este, contudo, cau-
Crisipo e Epíteto. ' sa tanta pena, que dificilmente lhe permitirão decair na mais
_ A sensibilid~~e moderada pelos infortúnios alheios, que baixa condição de pobreza; mas pelos meios de seus amigos,
nao nos desquahfrca para o cumprimento de nenhum dever e freqüentemente por tolerância até dos credores que têm mui-
- a melancólica e afetuosa lembrança dos amigos que parti- ta razão de se queixarem de sua imprudência, quase sempre é
ram - a pungência, como diz Gray, cara à dor secreta- não sustentado num grau de mediania decente, embora humilde.
são, de modo algum, desagradáveis. Embora externamente _Nas pessoas submetidas a tal infortúnio, talvez facilmente per-
cubram-se dos traços da dor e do sofrimento internamente são doássemos alguma fraqueza; ao mesmo tempo, porém, os que
inscritas com os caracteres enobrecedores da,virtude e da apro- mostram o semblante mais firme, que se acomodam com maior
vação de si. facilidade à sua nova situação, que não parecem se sentir hu-
. O ~esmo não ocorre com os infortúnios que afetam, ime- milhados pela mudança, pois mantêm sua posição na socieda-
drata e dtr~tamente, seja nosso corpo, nossa fortuna, seja nos- de graças a seu caráter e conduta, não à sua riqueza, são sempre
sa reputaçao. O senso de conveniência está muito mais pro- os que mais aprovamos, e que nunca deixam de conquistar nos-
sa maior e mais afetuosa admiração.
Como de todos os infortúnios externos que podem afetar
• Richardson (1689-1761), autor cujas obras Pamela e Clarissa se tor-
naram referência est~tica para Diderot; Riccoboni (1713-1792), a exemplo
um homem inocente imediata e diretamente o maior é, com
de RJChardson, compos romances epistolares. (N. da R. T.) certeza, a perda imerecida da reputação, então um considerá-
174 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 175

vel g1-au de sensibilidade para om qu ssa cau sar tamanha ruídos e ameaças, esses protetores muitas vezes são obrigados,
<llamidade n m empre parec desgra i ou desagradável. p~u s u próprio onforto, a coagü· a ri ~ n~-a a \:lm melh r tem-
Freqüentemenl maior - no. sa tima por um jovem quando p rament ; ·a paixão que a in it:.t a enfrentar • · ntida pela
eJ se esseme, po ·ro qu o m alguma violência, de qualquer que a nsina a ui lar de sua própria egurança. uando está
repreensão injusta qu L nha . frido o ·eu caráter ou sua hon- rn lda I de ir à ola ou mlsturar-s com seus iguais logo
ra. A afli âo d uma jovem dama inocente, por conta de boatos descobre que não terão essa par i<11ida t ~ tolera nte com la .
infundados que possam circular quanto à sua conduta, muitas Naturalmente desejará conquistar os favores das outras, e evi-
vezes revela-se perfeitamente amável. Pessoas muito idosas, a tar seu ódio ou desdém. Até mesmo a consideração da própria
quem a longa xp riAnda da loucura e injustiça deste mundo segurança lhe ensina isso; e logo verá que pode fazer isso uni-
ensinou a dar pouca impo1tân ·ia à sua censura ou ao seu aplau- camente moderando, não apenas sua raiva, mas todas as suas
so, negligenciam e desprezam a difamação, e nem se dignam demais paixões, a um ni e l u provavelmente agrade a seus
a honrar seus levianos autores com algum ressentimento sé- colega ompanh ires. As:im a Ti nça entra na granel • es-
rio. Essa indiferença, fundada inteiramente sobre uma firme cola d autodom:ínio· estu la para s r cada vv. mais dona d
confiança em set1. próprios caracteres provados e stáveis se- si mesma, e começa a exercer sobre seus próprios sentimen-
ri d agradável m pessoas jovens, que nem pod m n m de- tos uma disciplina que a prática da mais longa vida raramente
vem sentir tamanha confiança. Neles, poder-se-ia supor que pre- bastará para levar à pcrfei ·ào ompleta.
diz para a velhice a mais inconveniente in nsibilida I quan- Em tocl os infortúrtios plivados, na dor, na doença, na
to à verdadeira honra e à infâmia. trisreza, o mais fra o do · h mens quando visitado por seu ami-
Em todos os outros infortúnio. privad que nos aferam go e sobc•tudo por um e..<;tranlw, imediatam nte se impressi -
imediata e diretamente, é muito raro que possamos ofender na com juízo JU ~ prov~1v lme nte fazem · bre ~ u a ituação.
mostrando-nos pouquíssimo afetados. Freqüentemente lem- Isso desvia a ua aten ·ão do juízo que faz sobre si mesmo, e
bramos de nossa sensibilldad · para com os in~ núnios alheios de certa maneira seu peito se aquieta no momento em que
com prazer e satisfação. Raram nte podemos lembrar da sen- vêm à sua presença. Esse efeito é produzi I instantaneamen-
sibilidade para com os nossos, sem sentir algum grau de vergo- te, quase mecanicamente; nns, num ho m 111 fra ·o, não tem
nha e humilhação. longa duração. O juízo de sua situa ·~ im cHatameru se rcp -
Se examinarmos as diferentes nuanças e gradações de fra- te. Entrega-se como antes ao · suspii'OS, láglimas e lamenta ões·
queza e autodomínio tal como os encontramos na vida comum, e como criança que ainda não foi ã scc>l<, procm a pro luzi r
muito facilmente nos convenceremos de que o domínio de algum rip de harmoni a entre sua própria dor e a compaixão
nossos sentimentos passivos deve ser adquirido não por abs- do~ p ctador, mio mod rando a primeira, mas im pottuoamen-
trusos silogismos de uma dialética sofística, mas pela grande Le ap · lando a segunda.
disciplina que a Natureza estabeleceu para a aquisição dessa Com um homem um pouct mais fume, o efeito - nmis p r-
e de todas as outras virtudes: a consideração dos sentimentos ma o nt . Esforça-s mais que pc d para fixar u;.1 aten ào
do espectador, real ou imaginário, de nossa conduta. no juízo que os uu·os provave lment fazem d sua situ ação.
Uma criança muito pequena não tem domínio de si, mas Ao mesmo temp percebe a estima e aprova ão qu natural-
sejam quais forem suas em ões se medo, tristeza ou raiva, mente têm por ele quando desse modo preserva sua tranqüi-
sempre procura, com a violência d · us grito. , alarmar o mais lidade; e, embora sob a pressão de alguma grande e recente
que pode a atenção de sua ama ou d : us pai . Enquanto per- ·alamidade nada dem nstra se ntir por . i além lo q 1e seus
manece sob custódia de protetores tão parciais, sua raiva é a companheiro realrn nte s ntcm. Aprova e aplaude-:e por sim-
primeira, e talvez a única, paixão que aprende a moderar. Com patia com a ~1pr vaçã deles, o prner que extrai dess · sen-
174 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 175

vel g1-au de sensibilidade para om qu ssa cau sar tamanha ruídos e ameaças, esses protetores muitas vezes são obrigados,
<llamidade n m empre parec desgra i ou desagradável. p~u s u próprio onforto, a coagü· a ri ~ n~-a a \:lm melh r tem-
Freqüentemenl maior - no. sa tima por um jovem quando p rament ; ·a paixão que a in it:.t a enfrentar • · ntida pela
eJ se esseme, po ·ro qu o m alguma violência, de qualquer que a nsina a ui lar de sua própria egurança. uando está
repreensão injusta qu L nha . frido o ·eu caráter ou sua hon- rn lda I de ir à ola ou mlsturar-s com seus iguais logo
ra. A afli âo d uma jovem dama inocente, por conta de boatos descobre que não terão essa par i<11ida t ~ tolera nte com la .
infundados que possam circular quanto à sua conduta, muitas Naturalmente desejará conquistar os favores das outras, e evi-
vezes revela-se perfeitamente amável. Pessoas muito idosas, a tar seu ódio ou desdém. Até mesmo a consideração da própria
quem a longa xp riAnda da loucura e injustiça deste mundo segurança lhe ensina isso; e logo verá que pode fazer isso uni-
ensinou a dar pouca impo1tân ·ia à sua censura ou ao seu aplau- camente moderando, não apenas sua raiva, mas todas as suas
so, negligenciam e desprezam a difamação, e nem se dignam demais paixões, a um ni e l u provavelmente agrade a seus
a honrar seus levianos autores com algum ressentimento sé- colega ompanh ires. As:im a Ti nça entra na granel • es-
rio. Essa indiferença, fundada inteiramente sobre uma firme cola d autodom:ínio· estu la para s r cada vv. mais dona d
confiança em set1. próprios caracteres provados e stáveis se- si mesma, e começa a exercer sobre seus próprios sentimen-
ri d agradável m pessoas jovens, que nem pod m n m de- tos uma disciplina que a prática da mais longa vida raramente
vem sentir tamanha confiança. Neles, poder-se-ia supor que pre- bastará para levar à pcrfei ·ào ompleta.
diz para a velhice a mais inconveniente in nsibilida I quan- Em tocl os infortúrtios plivados, na dor, na doença, na
to à verdadeira honra e à infâmia. trisreza, o mais fra o do · h mens quando visitado por seu ami-
Em todos os outros infortúnio. privad que nos aferam go e sobc•tudo por um e..<;tranlw, imediatam nte se impressi -
imediata e diretamente, é muito raro que possamos ofender na com juízo JU ~ prov~1v lme nte fazem · bre ~ u a ituação.
mostrando-nos pouquíssimo afetados. Freqüentemente lem- Isso desvia a ua aten ·ão do juízo que faz sobre si mesmo, e
bramos de nossa sensibilldad · para com os in~ núnios alheios de certa maneira seu peito se aquieta no momento em que
com prazer e satisfação. Raram nte podemos lembrar da sen- vêm à sua presença. Esse efeito é produzi I instantaneamen-
sibilidade para com os nossos, sem sentir algum grau de vergo- te, quase mecanicamente; nns, num ho m 111 fra ·o, não tem
nha e humilhação. longa duração. O juízo de sua situa ·~ im cHatameru se rcp -
Se examinarmos as diferentes nuanças e gradações de fra- te. Entrega-se como antes ao · suspii'OS, láglimas e lamenta ões·
queza e autodomínio tal como os encontramos na vida comum, e como criança que ainda não foi ã scc>l<, procm a pro luzi r
muito facilmente nos convenceremos de que o domínio de algum rip de harmoni a entre sua própria dor e a compaixão
nossos sentimentos passivos deve ser adquirido não por abs- do~ p ctador, mio mod rando a primeira, mas im pottuoamen-
trusos silogismos de uma dialética sofística, mas pela grande Le ap · lando a segunda.
disciplina que a Natureza estabeleceu para a aquisição dessa Com um homem um pouct mais fume, o efeito - nmis p r-
e de todas as outras virtudes: a consideração dos sentimentos ma o nt . Esforça-s mais que pc d para fixar u;.1 aten ào
do espectador, real ou imaginário, de nossa conduta. no juízo que os uu·os provave lment fazem d sua situ ação.
Uma criança muito pequena não tem domínio de si, mas Ao mesmo temp percebe a estima e aprova ão qu natural-
sejam quais forem suas em ões se medo, tristeza ou raiva, mente têm por ele quando desse modo preserva sua tranqüi-
sempre procura, com a violência d · us grito. , alarmar o mais lidade; e, embora sob a pressão de alguma grande e recente
que pode a atenção de sua ama ou d : us pai . Enquanto per- ·alamidade nada dem nstra se ntir por . i além lo q 1e seus
manece sob custódia de protetores tão parciais, sua raiva é a companheiro realrn nte s ntcm. Aprova e aplaude-:e por sim-
primeira, e talvez a única, paixão que aprende a moderar. Com patia com a ~1pr vaçã deles, o prner que extrai dess · sen-

176 WOJUA DOS SENTIMJiNlOS MORAiS 'l'ERG'l!IRA PARTE 177


timento ampara e c~tpacita-o mais facilmente a prosseguir nes- cluta. Jamais se atreveu a permitir que o homem interior se au-
se generoso esfor~:o. Na maioria dos casos, evita mendonar senrasse um só instante de sua ~l.tenção. Sempre se habituou
seu próprio infortúnio; e seus amigos, se forem toleravelmen- a ver com os olhos desse grande inquilino tudo o que se rela-
te bem cduct~dos, têm cuidado em nada dizer que o faça lem- cionasse consigo. Esse costume se lhe tornou perfeiramenrc
brar disso. Tenta disti"Jí-los de sua maneira habitua l conJ dife- familiar: esreve submetido à prálica constante, e, na verdade
rentes temas, ou, se se sentir forte o bastante para aventurar-se sob a necessidade permanente, de modelar ou empenhar-se
a menciona r seu in'fclltúnlo, procura falar dele como julga que por modelar não apenas sua conduta e maneiras externas, mas,
serão capazes de o fazer, e aré busca não sentir mais do que na medida do possível, seus semimemos e emoções internas,
eles /'lerão (~tpazes de sentir. Se não é afeito à dum discipüna segundo os desse tcr.rível e respeitável juiz. Nio apenas afeta
do autodomínio, Jogo fic*u'á enfastiado desse comedimento. os sentimentos do espectador imparcial, realmente os adOLa.
Uma longa visita o fatiga, já no fim dela constantemente se Quase se identifica com ele, quase se torna esse cspect.1.dor im-
UITisctl n fazer o que sempre faz no momento em que acaba a parcial, e até mesmo quase sente o que esse grande árbitro de
visita, ou seja, entregar-se a toda a fraqueza da dot· excessiva. sua conduta comanda que sinra.
As boas maneiras modernas, extremamente tolerantes com a O grau da aprovaçâo de si com que LOdo homem exami-
fraqueza hurn:ma, proíbem por algum r.empo visitas de estra- na sua conduta nessas ocasiões é mais alto ou mais baixo, de
nhos a pessoas submetidas a uma gr-.mdc anição familiar, per- acordo com a propot·çào exata do grau de autodomínio ne-
mitindo apenas as dos pan..:nte5 mais próxLmos e mais íntimos cessário para obLer essa aprovação. Quando pouco autodomí-
anúgos. Considera-se que a pr~enç_11 destes último~ imporf.1 me- nio é r1ecessário, pouca aprovaçã.o de si é devida . O ho mem
nos comt!dimento do que a dos primeiros, e os sofredores po- que apenas arranhou o dedo não pode aplaudir-se em dema-
c.lerào acomodur-se mais fadlmentc n.os sentimentos daqueles sia, alnda que logo demonstre ter se esquecido desse reles in-
de quem não rêm t-az;to para l!spet<~r uma simpatia mais wle- fortúnio. O homem que, logo depois de ter perclldo a perna por
mnte. Inimigos secretos, que imaginam não serem conhecidos causa de um tiro de canhão, fala c age com sua frieza c u·an-
como t:Jis, (reqüenremenre gostam de razL:t: essas visitas cari- qi.iiJidade habituais, na medid~1 em que exerce um grau mui-
dosas sem tardança, tal como os mais íntimos amigos. O qtais to maior de autodomínio, sente nnturalmente um gr-au muito
fr11co homem do mundo, nesse caso, empenha-se em moMrar maior de aprova~1o de si. Quanto à maioria dos homens, num
seu semblame viril, c, por indign.açil<> e desprezo por essa ma- acidente como esse, sua visão natul'ttl do próprio infom1nio se
lícia, portar-se com a alegria e o dcsembnru~'o possíveis. lhes imporia com tamanha vivaciuade c força de cores, que
O homem verdadeiramente constante e fume, o homem apagaria inteiramente toda a ponde1<~çâo de uma outra visão.
sábio e justo que recebeu 1oda a sua educaç.io da grande es- Nada sentíríam, nada poderiam levar em conta, senão sua pró-
cola do autodomínio, da adlfama e dos negócios deste mun- pr ia dor e seu próprio medo; e não apenas o juí7.0 do homem
do, Lalvez exposto à vi.olência e ínjustic;.:a das facções, às du- ideal dentro elo peito, mas também o do espectador real que
rezas e riscos da guerrn, mantém esse controle dos sentimen- por acaso esUvesse presente, seria inteiramente ignorado e
tos passivos em Lodas as ocasiões; c quer na soüc.lào, quer t::m oegl igenciado.
sociedade, mos1r'a quase o mesmo semblante, e é afetado qua- A recompensa que a natureza oferece ao bom compor-
se da mesma maneira. No êxito e na frustração, na prosperi- tamento no Infortúnio é, assim, exatamente proporcional ao
dade c na adversidade, dlamc de amigos ou de inimigos, mui- grau desse bom comportamento. A única compensação que
ws vezes esteve submetido il necessidade ele conservar essa ela possivelmente daria pela amarguJ'a ela dor c da aflição é,
virilidade. Nunca se atreveu a csqu<.:cer por Lun instante o juízo também assim, em graus idênticos de bom comportamento,
que o espectador imparcial faria de seus sentimentos e sua con- exarameme proporcional ao grau da dor e ela aflição. Em pro-

176 WOJUA DOS SENTIMJiNlOS MORAiS 'l'ERG'l!IRA PARTE 177


timento ampara e c~tpacita-o mais facilmente a prosseguir nes- cluta. Jamais se atreveu a permitir que o homem interior se au-
se generoso esfor~:o. Na maioria dos casos, evita mendonar senrasse um só instante de sua ~l.tenção. Sempre se habituou
seu próprio infortúnio; e seus amigos, se forem toleravelmen- a ver com os olhos desse grande inquilino tudo o que se rela-
te bem cduct~dos, têm cuidado em nada dizer que o faça lem- cionasse consigo. Esse costume se lhe tornou perfeiramenrc
brar disso. Tenta disti"Jí-los de sua maneira habitua l conJ dife- familiar: esreve submetido à prálica constante, e, na verdade
rentes temas, ou, se se sentir forte o bastante para aventurar-se sob a necessidade permanente, de modelar ou empenhar-se
a menciona r seu in'fclltúnlo, procura falar dele como julga que por modelar não apenas sua conduta e maneiras externas, mas,
serão capazes de o fazer, e aré busca não sentir mais do que na medida do possível, seus semimemos e emoções internas,
eles /'lerão (~tpazes de sentir. Se não é afeito à dum discipüna segundo os desse tcr.rível e respeitável juiz. Nio apenas afeta
do autodomínio, Jogo fic*u'á enfastiado desse comedimento. os sentimentos do espectador imparcial, realmente os adOLa.
Uma longa visita o fatiga, já no fim dela constantemente se Quase se identifica com ele, quase se torna esse cspect.1.dor im-
UITisctl n fazer o que sempre faz no momento em que acaba a parcial, e até mesmo quase sente o que esse grande árbitro de
visita, ou seja, entregar-se a toda a fraqueza da dot· excessiva. sua conduta comanda que sinra.
As boas maneiras modernas, extremamente tolerantes com a O grau da aprovaçâo de si com que LOdo homem exami-
fraqueza hurn:ma, proíbem por algum r.empo visitas de estra- na sua conduta nessas ocasiões é mais alto ou mais baixo, de
nhos a pessoas submetidas a uma gr-.mdc anição familiar, per- acordo com a propot·çào exata do grau de autodomínio ne-
mitindo apenas as dos pan..:nte5 mais próxLmos e mais íntimos cessário para obLer essa aprovação. Quando pouco autodomí-
anúgos. Considera-se que a pr~enç_11 destes último~ imporf.1 me- nio é r1ecessário, pouca aprovaçã.o de si é devida . O ho mem
nos comt!dimento do que a dos primeiros, e os sofredores po- que apenas arranhou o dedo não pode aplaudir-se em dema-
c.lerào acomodur-se mais fadlmentc n.os sentimentos daqueles sia, alnda que logo demonstre ter se esquecido desse reles in-
de quem não rêm t-az;to para l!spet<~r uma simpatia mais wle- fortúnio. O homem que, logo depois de ter perclldo a perna por
mnte. Inimigos secretos, que imaginam não serem conhecidos causa de um tiro de canhão, fala c age com sua frieza c u·an-
como t:Jis, (reqüenremenre gostam de razL:t: essas visitas cari- qi.iiJidade habituais, na medid~1 em que exerce um grau mui-
dosas sem tardança, tal como os mais íntimos amigos. O qtais to maior de autodomínio, sente nnturalmente um gr-au muito
fr11co homem do mundo, nesse caso, empenha-se em moMrar maior de aprova~1o de si. Quanto à maioria dos homens, num
seu semblame viril, c, por indign.açil<> e desprezo por essa ma- acidente como esse, sua visão natul'ttl do próprio infom1nio se
lícia, portar-se com a alegria e o dcsembnru~'o possíveis. lhes imporia com tamanha vivaciuade c força de cores, que
O homem verdadeiramente constante e fume, o homem apagaria inteiramente toda a ponde1<~çâo de uma outra visão.
sábio e justo que recebeu 1oda a sua educaç.io da grande es- Nada sentíríam, nada poderiam levar em conta, senão sua pró-
cola do autodomínio, da adlfama e dos negócios deste mun- pr ia dor e seu próprio medo; e não apenas o juí7.0 do homem
do, Lalvez exposto à vi.olência e ínjustic;.:a das facções, às du- ideal dentro elo peito, mas também o do espectador real que
rezas e riscos da guerrn, mantém esse controle dos sentimen- por acaso esUvesse presente, seria inteiramente ignorado e
tos passivos em Lodas as ocasiões; c quer na soüc.lào, quer t::m oegl igenciado.
sociedade, mos1r'a quase o mesmo semblante, e é afetado qua- A recompensa que a natureza oferece ao bom compor-
se da mesma maneira. No êxito e na frustração, na prosperi- tamento no Infortúnio é, assim, exatamente proporcional ao
dade c na adversidade, dlamc de amigos ou de inimigos, mui- grau desse bom comportamento. A única compensação que
ws vezes esteve submetido il necessidade ele conservar essa ela possivelmente daria pela amarguJ'a ela dor c da aflição é,
virilidade. Nunca se atreveu a csqu<.:cer por Lun instante o juízo também assim, em graus idênticos de bom comportamento,
que o espectador imparcial faria de seus sentimentos e sua con- exarameme proporcional ao grau da dor e ela aflição. Em pro-
178 TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE

porção a grau de autodomíni, n c ssário para c nq ui tar sariamente reduzir sua utilidade tanto para si próprio quanto pa-
nossa na tural sensibi lidade, pra h r o rgulbo da ' nquis- ra a sociedade; e a Natureza, pelos seus cuidados maternais para
ta são muito m·Iiores· e e. e praz r rgulbo sã tão gra nel s, com ambos, quis que o homem evitasse ansiosamente todos
qu nenhum homem const:gue s r ínt iram ot infeliz, se g - esses acidentes. Portanto, ele sofre e, embora na agonia do pa-
za deles toralme nt . A de · ra a e a mis' ria nunca pod m e n- roxismo, mantém não apenas o semblante viril, mas a calma e
trar no peito o le viv a total saLisfa âo consigo; mbora tal- sobriedade do juízo, o que exige dele os maiores e mais exaus-
vez possa ser · s i v af1.1111a r c m >os tó i os que, nwn aci- tivos esforços.
de nte c mo o acima m nd nado , a feli idad de um ho mem Pela constituição da natureza humana, entretanto, a ago-
sábio é em todos os aspectos igual à que sentiria em qualquer nia nunca é permanente e, se ele sobreviver ao paroxismo,
outra circunstância, deve-se admitir, ao menos, que esse prazer logo, sem esforço, voltará a gozar de sua habitual tranqüili-
completo de aplaudir-se a si mesm , embora não a extinga in- dade. Um homem com perna de pau sem dúvida sofre, e pre-
teiramente, certamente deve aliviar muito a sensação do pró- vê que deverá continuar sofrendo, pelo resto de sua vida,
prios sofrime ntos. uma inconveniência muito considerável. Mas cedo passa a
Imagin qu em tais paroxismos da aflição, se me permi- vê-la, exatamente como um espectador imparcial, como uma
tem chamá-los as im, o homem mais sábio e mais firme é obri- inconveniência que não o impede de usufruir todos os pra-
gado, a fim de conservar sua equanimidade a fazer um esforço zeres comuns tanto da solidão como da sociedade. Cedo se
considerável e até doloroso, O própri sentimento natural de identifica com o homem ideal dentro do peito, cedo se tor-
sua aflição, sua opinião natural da própria situação, pressio- na, ele mesmo, o espectador imparcial de sua própria situa-
nam-no duramente, e não consegue, sem um enorme esfor- ção. Não haverá mais de soluçar, de se lamentar, já não so-
ço, fixa r sua are n ão na opini· o do espectador impar laL A frerá por isso como talvez um homem fraco faça no início. A
duas o piniões apresentam-se a el a m mo tem p . 'e u s ~ n ­ opinião do espectador imparcial toma-se tão perfeitamente
so de bonn , sua considera ào pela pró pri a dlgnldad , obri- habitual a ele que, sem qualquer esforço, sem qualquer difi-
gam-no a fixar toda a sua ar n ão num a da o pini . Seus culdade, nunca pensa em examinar seu infortúnio de outro
sentimentos naturais, seus s ntim ntos que não f, mm ultiva- ponto de vista.
dos, nem disciplinad , desviam-na continuamente parn a outra. A infalível certeza com que todos os homens, cedo ou
Nesse caso, não se lei nlitka perfeitamente com o hon em ideal tarde, acomodam-se ao que vem a se tornar sua situação per-
dentro do p it , não se ro rna, le me. mo, espe tador impar- manente talvez nos induza a pensar que ao menos os Estóicos
cial de sua p rópria ·o nduta. As LI ~ re ntes piniôe · dos dois ca- estavam quase inteiramente certos; que entre uma situação per-
ractere · ·l.st ·m em seu espírlt a partada di tintas uma da manente e uma outra nenhuma diferença essencial relativa à
outra, e cada uma o dirige para um comportamento dife rente. verdadeira felicidade havia; ou que, se houvesse alguma, se-
Com efeito quando segue a opinião que lhe é apontada pela ria suficiente apenas para converter algumas dessas situações
honra p la dign idade, a atureza não o d eixa sem recom- em objetos de simples escolha ou preferência- não, contu-
p n. a . G za da Intei ra ~1prova ã de si e do aplauso de rodo do, em objetos de um desejo determinado ou ansioso-, e ou-
esp ctado r incero impardal. Por suas leis inalte ráveis, p ré m, tras, em objetos de simples rejeição, pois adequados a serem
o h me m a lnda sofTe; e a re ornpensa que a Natur za lhe o fe· postos de lado ou evitados - mas não de alguma aversão de-
rec , post > qu on ider;lvel não bastará pat, r para r os s - terminada ou ansiosa. A felicidade consiste na tranqüilidade
rrim nt que tais I is infligem. Ne m é adequado qu isso o or- e prazer. Sem tranqüilidade não há prazer, e quando há per-
ra., e os reparas e inteiramente, ele pod ria por int ·esse pr - feita tranqüilidade dificilmente algo não divette. Mas em toda
p rio , n· ter motivo para evitar um aci lente qu de ve n a situação permanente, quando não há esperança de mudan-
178 TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE

porção a grau de autodomíni, n c ssário para c nq ui tar sariamente reduzir sua utilidade tanto para si próprio quanto pa-
nossa na tural sensibi lidade, pra h r o rgulbo da ' nquis- ra a sociedade; e a Natureza, pelos seus cuidados maternais para
ta são muito m·Iiores· e e. e praz r rgulbo sã tão gra nel s, com ambos, quis que o homem evitasse ansiosamente todos
qu nenhum homem const:gue s r ínt iram ot infeliz, se g - esses acidentes. Portanto, ele sofre e, embora na agonia do pa-
za deles toralme nt . A de · ra a e a mis' ria nunca pod m e n- roxismo, mantém não apenas o semblante viril, mas a calma e
trar no peito o le viv a total saLisfa âo consigo; mbora tal- sobriedade do juízo, o que exige dele os maiores e mais exaus-
vez possa ser · s i v af1.1111a r c m >os tó i os que, nwn aci- tivos esforços.
de nte c mo o acima m nd nado , a feli idad de um ho mem Pela constituição da natureza humana, entretanto, a ago-
sábio é em todos os aspectos igual à que sentiria em qualquer nia nunca é permanente e, se ele sobreviver ao paroxismo,
outra circunstância, deve-se admitir, ao menos, que esse prazer logo, sem esforço, voltará a gozar de sua habitual tranqüili-
completo de aplaudir-se a si mesm , embora não a extinga in- dade. Um homem com perna de pau sem dúvida sofre, e pre-
teiramente, certamente deve aliviar muito a sensação do pró- vê que deverá continuar sofrendo, pelo resto de sua vida,
prios sofrime ntos. uma inconveniência muito considerável. Mas cedo passa a
Imagin qu em tais paroxismos da aflição, se me permi- vê-la, exatamente como um espectador imparcial, como uma
tem chamá-los as im, o homem mais sábio e mais firme é obri- inconveniência que não o impede de usufruir todos os pra-
gado, a fim de conservar sua equanimidade a fazer um esforço zeres comuns tanto da solidão como da sociedade. Cedo se
considerável e até doloroso, O própri sentimento natural de identifica com o homem ideal dentro do peito, cedo se tor-
sua aflição, sua opinião natural da própria situação, pressio- na, ele mesmo, o espectador imparcial de sua própria situa-
nam-no duramente, e não consegue, sem um enorme esfor- ção. Não haverá mais de soluçar, de se lamentar, já não so-
ço, fixa r sua are n ão na opini· o do espectador impar laL A frerá por isso como talvez um homem fraco faça no início. A
duas o piniões apresentam-se a el a m mo tem p . 'e u s ~ n ­ opinião do espectador imparcial toma-se tão perfeitamente
so de bonn , sua considera ào pela pró pri a dlgnldad , obri- habitual a ele que, sem qualquer esforço, sem qualquer difi-
gam-no a fixar toda a sua ar n ão num a da o pini . Seus culdade, nunca pensa em examinar seu infortúnio de outro
sentimentos naturais, seus s ntim ntos que não f, mm ultiva- ponto de vista.
dos, nem disciplinad , desviam-na continuamente parn a outra. A infalível certeza com que todos os homens, cedo ou
Nesse caso, não se lei nlitka perfeitamente com o hon em ideal tarde, acomodam-se ao que vem a se tornar sua situação per-
dentro do p it , não se ro rna, le me. mo, espe tador impar- manente talvez nos induza a pensar que ao menos os Estóicos
cial de sua p rópria ·o nduta. As LI ~ re ntes piniôe · dos dois ca- estavam quase inteiramente certos; que entre uma situação per-
ractere · ·l.st ·m em seu espírlt a partada di tintas uma da manente e uma outra nenhuma diferença essencial relativa à
outra, e cada uma o dirige para um comportamento dife rente. verdadeira felicidade havia; ou que, se houvesse alguma, se-
Com efeito quando segue a opinião que lhe é apontada pela ria suficiente apenas para converter algumas dessas situações
honra p la dign idade, a atureza não o d eixa sem recom- em objetos de simples escolha ou preferência- não, contu-
p n. a . G za da Intei ra ~1prova ã de si e do aplauso de rodo do, em objetos de um desejo determinado ou ansioso-, e ou-
esp ctado r incero impardal. Por suas leis inalte ráveis, p ré m, tras, em objetos de simples rejeição, pois adequados a serem
o h me m a lnda sofTe; e a re ornpensa que a Natur za lhe o fe· postos de lado ou evitados - mas não de alguma aversão de-
rec , post > qu on ider;lvel não bastará pat, r para r os s - terminada ou ansiosa. A felicidade consiste na tranqüilidade
rrim nt que tais I is infligem. Ne m é adequado qu isso o or- e prazer. Sem tranqüilidade não há prazer, e quando há per-
ra., e os reparas e inteiramente, ele pod ria por int ·esse pr - feita tranqüilidade dificilmente algo não divette. Mas em toda
p rio , n· ter motivo para evitar um aci lente qu de ve n a situação permanente, quando não há esperança de mudan-
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 181

..
-1 0 spíriLO de todo homem ced u ta rde retoma a seu
nattu·al e usual estado d tranqüUldad . Na prosp rida , de-
gou à Clltlma delas, o favolito disse: "E o que Vossa Majesta-
de se propõe fazer, nt:'io?". O Rei respondeu : "Proponho en-
poi .. de algum tempo, r ua a ess e::;tado; na adv rsidacie, tão divertir-me com meus amigos, e me esforçar para ser boa
1'P i de certo tempo avan a até ele. o confinamento so- companhia diante de uma garrafa." "E o que impede Vossa
lidão da Bastilha, depois d c rt t - mpo, muodan frív - Majestade de fazer isso agora?", perguntou o favorito. Na mais
lo Conde de .Lauzun r cuper u sufi ienLe tranqüilidade para fulgurante e grandiosa situação que nossa ociosa imaginação
conseguir divertir-se alimenraod uma aranha. Um espírito mais pode nos apresentar, os prazeres dos quais nos propomos ex-
bem alentado talvez recuperasse a tranqüilidade mais cedo, trair nossa verdadeira felicidade são quase sempre iguais aos
e mais cedo encontrasse em seus próprios pensamentos uma que, em nossa humilde posição real, temos todo o tempo à
diversão bem melhor• . mão e em nosso poder. Exceto os frívolos prazeres da vaidade
Ao que par e, a gf"'.tnd font da miséria e ainda das per- e superioridade, podemos encontrar na mais humilde posição, [
turbações da vida humana se rigina de se supe restimar a di- em que só há liberdade pessoal, tudo o que a mais grandiosa I I

fereo a ntr uma sin.1açã permanenre e uma outra. A ·avar - posição pode oferecer; e os prazeres da vaidade e superiorida-
za supere tima a ctifer nça ntr • pobr za e riqueza· a ambi à , de raramente são consistentes com a perfeita tranqüilidade,
a dlferen a emr ndição pública e privada· vanglória, entre princípio e fundamento de todo o prazer real e satisfatório. Tam-
ob uridad grande fama . A p ssoa s b influên ·ia d qual- pouco é sempre certo que na esplêndida situação a que al- r
quer uma d ssas paixões extrava ante não é apenas d sgra- mejamos esses prazeres reais e satisfatórios possam ser usu-
çada em sua ::;ituação atual, mas .muitas vez s in li na- e a p r- fruídos com a mesma segurança que os usufruímos na nossa
turbar a paz da sociedad , para alcançar o qu tão tolam nte humilde posição, a qual desejamos tanto abandonar. Examina
admira . A .ma is superficial obs rvaçào, ·ontudo, p deria o- os registros da história, relembra o que aconteceu no círculo
vencê-lo de que em todas as situa ões rc.Unárias da vida hu- de tua própria experiência, considera com atenção qual foi a
mana um espírito b m disposto pod s r igualment ca lmo, conduta de quase todos os desgraçados, seja na vida pública,
igualrnent alegr igualm · nte ·a ti feito. m dúvida, algumas seja na pessoal, sobre quem possas ter lido, ou ouvido, ou de
d ssas s.itua ões m r cem r prd ríveis a ouu·as, mas nenhu- quem te lembres, e descobrirás que os infortúnios da grande
ma delas mer c ser bu cada om ru·clor apaixonado que nos maioria dessas pessoas se deveram a não saberem quando esta-
impele a violar a regras da prudên ia o u da justiça ou a cor- vam bem, quando era adequado ficarem quietos e satisfeitos.
romp r a futura ~mqüilidade ele n sso espírito, quer pela v r- A inscrição na sepultura do homem que fez o possível para
g nha d · remernora.rmo n ssa própria loucura, quer pel re- emendar uma constituição física satisfatória tomando remé-
m rs elo horror à n a própria injusti a. uancl pru lên ·ia dios - "Eu estava bem, quis ficar melhor; eis-me aqui" -, pode
não comandar e a justiça não permitir a experiência de mu- em geral ser aplicada com grande acerto à aflição da avareza
dar nossa situação, o homem que de fato insistir com isso es- e decepção que se frustraram.
tará arriscando sua sorte no mais desigual dos jogos de azar, Considera-se singular, embora para mim seja justa, a obser-
pois apost..'U'á tudo contra quase nada. O q u favorlt do Rei vação segundo a qual nos infortúnios que admitem algum re-
de Épiro disse a seus nhor p d - ·e apll ru· s h mens, em médio a maioria dos homens não recupera tão prontamente ou
todas as situaçõ ordinárias da vlda. O Rei lhe contara uma a tão inteiramente sua tranqüilidade natural e habitual, como
uma t da as onquista que . propunha fazer , quando ch - nos infortúnios que claramente não admitem remédio algum.
Nos info1túnios da segunda espécie, é principalmente no que
• Conde de Lauzun, aprisionado durante seis meses, em 1655, por des-
se pode chamar paroxismo, ou na primeira investida, que des-
respeitar Luís XIV. (N. da R. T.) cobrimos uma sensível diferença de sentimentos e comporta-
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 181

..
-1 0 spíriLO de todo homem ced u ta rde retoma a seu
nattu·al e usual estado d tranqüUldad . Na prosp rida , de-
gou à Clltlma delas, o favolito disse: "E o que Vossa Majesta-
de se propõe fazer, nt:'io?". O Rei respondeu : "Proponho en-
poi .. de algum tempo, r ua a ess e::;tado; na adv rsidacie, tão divertir-me com meus amigos, e me esforçar para ser boa
1'P i de certo tempo avan a até ele. o confinamento so- companhia diante de uma garrafa." "E o que impede Vossa
lidão da Bastilha, depois d c rt t - mpo, muodan frív - Majestade de fazer isso agora?", perguntou o favorito. Na mais
lo Conde de .Lauzun r cuper u sufi ienLe tranqüilidade para fulgurante e grandiosa situação que nossa ociosa imaginação
conseguir divertir-se alimenraod uma aranha. Um espírito mais pode nos apresentar, os prazeres dos quais nos propomos ex-
bem alentado talvez recuperasse a tranqüilidade mais cedo, trair nossa verdadeira felicidade são quase sempre iguais aos
e mais cedo encontrasse em seus próprios pensamentos uma que, em nossa humilde posição real, temos todo o tempo à
diversão bem melhor• . mão e em nosso poder. Exceto os frívolos prazeres da vaidade
Ao que par e, a gf"'.tnd font da miséria e ainda das per- e superioridade, podemos encontrar na mais humilde posição, [
turbações da vida humana se rigina de se supe restimar a di- em que só há liberdade pessoal, tudo o que a mais grandiosa I I

fereo a ntr uma sin.1açã permanenre e uma outra. A ·avar - posição pode oferecer; e os prazeres da vaidade e superiorida-
za supere tima a ctifer nça ntr • pobr za e riqueza· a ambi à , de raramente são consistentes com a perfeita tranqüilidade,
a dlferen a emr ndição pública e privada· vanglória, entre princípio e fundamento de todo o prazer real e satisfatório. Tam-
ob uridad grande fama . A p ssoa s b influên ·ia d qual- pouco é sempre certo que na esplêndida situação a que al- r
quer uma d ssas paixões extrava ante não é apenas d sgra- mejamos esses prazeres reais e satisfatórios possam ser usu-
çada em sua ::;ituação atual, mas .muitas vez s in li na- e a p r- fruídos com a mesma segurança que os usufruímos na nossa
turbar a paz da sociedad , para alcançar o qu tão tolam nte humilde posição, a qual desejamos tanto abandonar. Examina
admira . A .ma is superficial obs rvaçào, ·ontudo, p deria o- os registros da história, relembra o que aconteceu no círculo
vencê-lo de que em todas as situa ões rc.Unárias da vida hu- de tua própria experiência, considera com atenção qual foi a
mana um espírito b m disposto pod s r igualment ca lmo, conduta de quase todos os desgraçados, seja na vida pública,
igualrnent alegr igualm · nte ·a ti feito. m dúvida, algumas seja na pessoal, sobre quem possas ter lido, ou ouvido, ou de
d ssas s.itua ões m r cem r prd ríveis a ouu·as, mas nenhu- quem te lembres, e descobrirás que os infortúnios da grande
ma delas mer c ser bu cada om ru·clor apaixonado que nos maioria dessas pessoas se deveram a não saberem quando esta-
impele a violar a regras da prudên ia o u da justiça ou a cor- vam bem, quando era adequado ficarem quietos e satisfeitos.
romp r a futura ~mqüilidade ele n sso espírito, quer pela v r- A inscrição na sepultura do homem que fez o possível para
g nha d · remernora.rmo n ssa própria loucura, quer pel re- emendar uma constituição física satisfatória tomando remé-
m rs elo horror à n a própria injusti a. uancl pru lên ·ia dios - "Eu estava bem, quis ficar melhor; eis-me aqui" -, pode
não comandar e a justiça não permitir a experiência de mu- em geral ser aplicada com grande acerto à aflição da avareza
dar nossa situação, o homem que de fato insistir com isso es- e decepção que se frustraram.
tará arriscando sua sorte no mais desigual dos jogos de azar, Considera-se singular, embora para mim seja justa, a obser-
pois apost..'U'á tudo contra quase nada. O q u favorlt do Rei vação segundo a qual nos infortúnios que admitem algum re-
de Épiro disse a seus nhor p d - ·e apll ru· s h mens, em médio a maioria dos homens não recupera tão prontamente ou
todas as situaçõ ordinárias da vlda. O Rei lhe contara uma a tão inteiramente sua tranqüilidade natural e habitual, como
uma t da as onquista que . propunha fazer , quando ch - nos infortúnios que claramente não admitem remédio algum.
Nos info1túnios da segunda espécie, é principalmente no que
• Conde de Lauzun, aprisionado durante seis meses, em 1655, por des-
se pode chamar paroxismo, ou na primeira investida, que des-
respeitar Luís XIV. (N. da R. T.) cobrimos uma sensível diferença de sentimentos e comporta-
182 TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 183

menta entre o homem sábio e o fraco. No fim, o tempo , gran- menta não pode usufruir a despreocupada segurança que até
de e universal confortador, gradualmente traz ao homem fra- mesmo uma prisão pode-lhe oferecer. As drogas do médico
co a mesma tranqüilidade que ao homem sábio um olhar para freqüentemente são o maio r tormento de um paciente incurá-
sua própria dignidade e virilidade ensina a adotar já de saída. vel. Não foi capaz o mo nge de restaurar a serenidade ao es-
O caso do homem com a perna de pau é um claro exemplo pírito perturbado de sua infeliz rainha, Joana de Castela, ou
disso. Nos irreparáveis infortúnios ocasionados pela morte de trazer-lhe conforto pela morte do marido Felipe, contando-lhe
filhos, ou amigos e parentes, até um sábio pode permitir-se por a lenda do rei que, catorze anos depois de morto, fora resti-
algum tempo um sofrimento moderado. Nessas ocasiões, uma tuído à vida pelas preces de sua aflita rainha. Pois esta empe-
mulher afetuosa, mas fraca, não raro fica quase inteiramente nhou-se em repetir a mesma experiência na esperança do mes-
transtornada. Num período maior ou menor, o tempo, contu- mo êxito; resistiu por muito tempo ao enterro do marido, logo
do, nunca deixa de trazer à mais frágil das mulheres a mesma d pois retirou seu corpo da tumba lJid u dele quase onstan-
tranqüilidade do mais forte dos homens. Tão logo se anun- tem nte, e aguardou, com toda a impaciente ansi lade de uma
ciem as irreparáveis calamidades que o afetarão direta e ime- expectativa desvairada, o abençoado momento em que seus de-
diatamente, um homem forte esforça-se para antecipar-se ao sejos se realizariam com a ressurreição de seu amado Filipe8 •
tempo e usufru ir ;.t tranqüilidade, prevendo que certamente o Ao invés de inconsistente com o vigor do autodomínio,
curso de uns pou ·os meses ou anos afinal a restituirá a ele. nossa sensibilidade para com os sentimentos de outros é o
Nos infortúnios para os quais a natureza das coisas admite princípio sobre o qual se funda esse vigor. Precisamente o mes-
ou parece admitir remédio, mas nos quais os meios de o apli- mo princípio ou instinto que no infortúnio de nosso vizinho
car não estão ao alcance do sofredor, as vãs e infrutíferas ten- motiva-nos a ter compaixão de sua dor, em nosso próprio in-
tativas de restabelecer a antiga situação, a contínua ansieda- fortúnio nos motiva a conter os lamentos abjetos e miseráveis
de por que tais tentativas tenham êxito, as repetidas frustra- pela nossa própria dor. O mesmo princípio ou instinto que,
ções resultantes dos fracassos, isso tudo é o que mais o im- na sua prosperidade e êxito, motiva-nos a felicitá-lo pela ale-
pede de recuperar sua tranqüilidade natural. Ademais tudo isso gria, em nossa própria prosperidade e êxito nos motiva a
freqüentemente torna miserável para o resto da vida um ho- conter a leviandade e intemperança de nossa própria alegria.
mem a quem um infortúnio maior, que não admitiu, entretan- Nos dois casos, a conveniência de nossos sentimentos e emo-
to, nenhum remédio , não perturbaria por mais de uma quin- ções parece ser exatamente proporcional à vivacidade e for-
zena. No declínio das mercês reais para a desgraça, do poder ça com que partilhamos e concebemos os sentimentos e emo-
para a insignificância, da riqueza para a pobreza, da liberda- ções do outro.
de para a prisà< da boa saúde para uma doença lenta, crôni- O homem mais perfeitamente virtuoso, o homem a quem
ca e talvez incurável, o homem que menos luta, que mais fá-
P'l
naturalmente mais amamos e reverenciamos, é o que associa
cil e prontamente aquiesce com a fortuna que sobre ele se aba- ao mais perfeito controle de seus sentimentos originais e egoís- I
teu, breve recupera sua habitual e natural tranqüilidade, exa- tas a mais refinada sensibilidade para os sentimentos originais
minando as mais desagradáveis circunstâncias de sua situação e solidários de outros. O homem que às virtudes doces , amá-
real sob a mesma luz, ou talvez sob uma luz menos desfavo- veis e gentis, associa todas as grandes, veneráveis e respeitá-
rável, em que o mais indiferente espectador estaria inclinado a veis virtudes deve ser, sem dúvida, o objeto apropriado e natu- I•
examiná-las. Facção, intriga e conluio perturbam o sossego do ral de nosso maior amor e admiração.
infortunado estadi~ta . Projetos extravagantes, visões de minas
de ouro, interrompem o repouso de quem foi à bancarrota. O
prisioneiro que continuamente trama safar-se de seu confina- 8. Ver Carlos V, de Robertson, vol. ii, pp. 14-5, P edição.
182 TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 183

menta entre o homem sábio e o fraco. No fim, o tempo , gran- menta não pode usufruir a despreocupada segurança que até
de e universal confortador, gradualmente traz ao homem fra- mesmo uma prisão pode-lhe oferecer. As drogas do médico
co a mesma tranqüilidade que ao homem sábio um olhar para freqüentemente são o maio r tormento de um paciente incurá-
sua própria dignidade e virilidade ensina a adotar já de saída. vel. Não foi capaz o mo nge de restaurar a serenidade ao es-
O caso do homem com a perna de pau é um claro exemplo pírito perturbado de sua infeliz rainha, Joana de Castela, ou
disso. Nos irreparáveis infortúnios ocasionados pela morte de trazer-lhe conforto pela morte do marido Felipe, contando-lhe
filhos, ou amigos e parentes, até um sábio pode permitir-se por a lenda do rei que, catorze anos depois de morto, fora resti-
algum tempo um sofrimento moderado. Nessas ocasiões, uma tuído à vida pelas preces de sua aflita rainha. Pois esta empe-
mulher afetuosa, mas fraca, não raro fica quase inteiramente nhou-se em repetir a mesma experiência na esperança do mes-
transtornada. Num período maior ou menor, o tempo, contu- mo êxito; resistiu por muito tempo ao enterro do marido, logo
do, nunca deixa de trazer à mais frágil das mulheres a mesma d pois retirou seu corpo da tumba lJid u dele quase onstan-
tranqüilidade do mais forte dos homens. Tão logo se anun- tem nte, e aguardou, com toda a impaciente ansi lade de uma
ciem as irreparáveis calamidades que o afetarão direta e ime- expectativa desvairada, o abençoado momento em que seus de-
diatamente, um homem forte esforça-se para antecipar-se ao sejos se realizariam com a ressurreição de seu amado Filipe8 •
tempo e usufru ir ;.t tranqüilidade, prevendo que certamente o Ao invés de inconsistente com o vigor do autodomínio,
curso de uns pou ·os meses ou anos afinal a restituirá a ele. nossa sensibilidade para com os sentimentos de outros é o
Nos infortúnios para os quais a natureza das coisas admite princípio sobre o qual se funda esse vigor. Precisamente o mes-
ou parece admitir remédio, mas nos quais os meios de o apli- mo princípio ou instinto que no infortúnio de nosso vizinho
car não estão ao alcance do sofredor, as vãs e infrutíferas ten- motiva-nos a ter compaixão de sua dor, em nosso próprio in-
tativas de restabelecer a antiga situação, a contínua ansieda- fortúnio nos motiva a conter os lamentos abjetos e miseráveis
de por que tais tentativas tenham êxito, as repetidas frustra- pela nossa própria dor. O mesmo princípio ou instinto que,
ções resultantes dos fracassos, isso tudo é o que mais o im- na sua prosperidade e êxito, motiva-nos a felicitá-lo pela ale-
pede de recuperar sua tranqüilidade natural. Ademais tudo isso gria, em nossa própria prosperidade e êxito nos motiva a
freqüentemente torna miserável para o resto da vida um ho- conter a leviandade e intemperança de nossa própria alegria.
mem a quem um infortúnio maior, que não admitiu, entretan- Nos dois casos, a conveniência de nossos sentimentos e emo-
to, nenhum remédio , não perturbaria por mais de uma quin- ções parece ser exatamente proporcional à vivacidade e for-
zena. No declínio das mercês reais para a desgraça, do poder ça com que partilhamos e concebemos os sentimentos e emo-
para a insignificância, da riqueza para a pobreza, da liberda- ções do outro.
de para a prisà< da boa saúde para uma doença lenta, crôni- O homem mais perfeitamente virtuoso, o homem a quem
ca e talvez incurável, o homem que menos luta, que mais fá-
P'l
naturalmente mais amamos e reverenciamos, é o que associa
cil e prontamente aquiesce com a fortuna que sobre ele se aba- ao mais perfeito controle de seus sentimentos originais e egoís- I
teu, breve recupera sua habitual e natural tranqüilidade, exa- tas a mais refinada sensibilidade para os sentimentos originais
minando as mais desagradáveis circunstâncias de sua situação e solidários de outros. O homem que às virtudes doces , amá-
real sob a mesma luz, ou talvez sob uma luz menos desfavo- veis e gentis, associa todas as grandes, veneráveis e respeitá-
rável, em que o mais indiferente espectador estaria inclinado a veis virtudes deve ser, sem dúvida, o objeto apropriado e natu- I•
examiná-las. Facção, intriga e conluio perturbam o sossego do ral de nosso maior amor e admiração.
infortunado estadi~ta . Projetos extravagantes, visões de minas
de ouro, interrompem o repouso de quem foi à bancarrota. O
prisioneiro que continuamente trama safar-se de seu confina- 8. Ver Carlos V, de Robertson, vol. ii, pp. 14-5, P edição.
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L84 'mOR/A IJOS SENTJMEN70S MORAIS TERCHIRA PARTE (185

A pessoa mais indlcad:t pela natureza para adqujrir o pri- princípio de benevolência . Assim como freqüentetncme o de-
meiro desses dois conjuntos de virtudes é neçessarirunente ade- ver do soldado é não ter misericórdia, às vezes seu dever é
quada wmbém para adquirir as últimas. O homem mais atin- concedê-la; e a benevolência do homem que inúmeras vezes
gido pelas alegrias c dores dos outros é o mais adequado para esteve sob a necessidade de se submeter a esse desagradável
adquirir o completo domínio de suas próprias alegrias e dores. dever dificilmente clelx~1 ele sofrer uma considerável redução .
O homem da mais rd'tnada benevolência é naturalmente o mais Para ::.eu próprio bem, mpiclamente aprende a fazer pouco ca-
capaz de adquirir o maior grau de domínio de si. No entanto, so dos infortúnios que t~tntas vezes precisa causar ; e as situa-
taJvez nem sempre isso tenha ocoiTido c muito freqüentemen- ções que trazem à tona os mais nobres esforços de autOdomí-
te não ocorre. Talvez esse homem sempre vivesse com multo nio, por imporem a necessidade de vez por o utra violar a pro-
conforto e tranqüilidade. Talvez nunca se tenha exposto à vio- priedade ou a vida de nosso próximo, sempre rendem a reduzir,
l~ncia da facção, ou às durez<~s e perigos da guerra. Pode nunca e freqü entemente a exLinguir LnLeiramente, a sagr-.:~da consi-
ter experimentado a Insolência dos superiores, a inveja ciumen- deração pa1-a com ambos, a qual constitu i o fundamento ela jus-
ta e maligna de seus iguais, ou a furtiva injustiça de seus in- tiÇ'll e da humanidade. E é essa a razão de encontrrumos alÍliÜ-
feriores. Na velhice, quando alguma acidental mudança da for- de no mundo homens de grande lx:nevolência, mas que têm
tuna o expõe a tudo isso, causam-lhe uma enorme impress;.1o. pOUCO autodomínio, são i.ndolenLeS, indecisos, e, OU f)Or difi-
Tem a disposição adequada para adquirir o mais perfeito au- culdade, ou por perigo, fa cilmente desanimam dos mnis hon-
todomínio, o qual, entret:tnto, nunca teve oportunidade de rosos misteres; c, ao mnt.nírio, homens do mais perfeito autodo-
adquirir. Exercício e prntica f~lltaram c, sem eles, nenhum hú- m1nío, a quem nenhuma díficuldnde consegue desencorajar,
I
bito pode ser mzoavelmente estabelecltlo. Durezas, perigos, nenhum perigo abalar, e que a Lodo momento estàu rrontos
ofensas, inlonúnios, são os únicos mestres sob os quais po- para os empreendimentos mais audaciosos e desesperados,
demos aprender o exercício dessa virtude. Mas todos eles são mas, ao mesmo tempo, parecem endurecidos contra todo o
mestres em cuja cscola ninguém enu·a de bom grado. senso de jusri.ça ou de humaníd~1de.
Ac; situações em que a gentil virtude da bencvolênci~t po- Na solidão, rendemos a sentir ele modo muito intenso lu-
tle ser cultivada mais satisfatoriamente não são, de modo al- do o que nos di% respeito: tendemos a supcn.:slimar os bons
gum, idênlicas às mais adequadas par:'l se formar a virtude aus- serviços que possamos ter realiz::tdo, as ofcnsns que possamos
lera do auLodomínio. O homem que t.::stá despreocupado é ter sofrido; a eswr radiantes por nossa boa fortuna, c prostra-
mais capn de assistir à aflição dos outros, uma vez que o ho- dos peJa má. Nosso humor melhora ao conversarmos com um
mem exposto a dificuldades C! d1amado imediatamente a acom- amigo, e melhora ainda mais se conversamos com um estra-
panhar <.: d<Jmin:.tr seus próprios sentimentos. Sob o sol ameno nho. Po is freqüenremente é necessário que o espectado r real n'l
do sossego n:lo perturbado, n<> calmo recoU1imento do lazer desperte o homem que o peito encerra, esse espectador abs-
reg1-ado c filosófico, floresce e cresce melhor a suave vi11ude trato c ideal de nossos sentimentos e conduta, pam relem-
i
da benevolência. Contudo, em tais situa~ões. os maiores e mais brá-lo de seu dever; é sempre esse espectador real, do qual
o
nobres esforços de dominar-se são pouco praLi(~tdos. Sob o céu podemos esperar uma ínfima simpatia e tolerância, que pro- L
:uneaçador e tempestuoso da guerra e da facç-ão, do LUmulto vavelmente nos ensinar5 a mais perfeita lição sob1·e como
público c da confu:,ão, a enérgica severidade do domínio de 1'1
nos dominarmos.
si prosrx:ra melhor, podendo ser cullivada com êxito. Nessas Estás na adversidade? Não lamentes no escuro da solidão, l )
situações, todavia, as mais Fortes propostaS de benevolência não regules tua dor segundo ~~ indu lgente soli.daricclade de
muitas vezes devem ser suf'ocíld<!s ou negligenciadas; c cada teus amigos íntimo~>; volw assim que possível à luz diurna do
um de:.ses descuidos necessariamente tende a enfraquecer o mundo e das companhias. Vive com estranhos, com os que
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L84 'mOR/A IJOS SENTJMEN70S MORAIS TERCHIRA PARTE (185

A pessoa mais indlcad:t pela natureza para adqujrir o pri- princípio de benevolência . Assim como freqüentetncme o de-
meiro desses dois conjuntos de virtudes é neçessarirunente ade- ver do soldado é não ter misericórdia, às vezes seu dever é
quada wmbém para adquirir as últimas. O homem mais atin- concedê-la; e a benevolência do homem que inúmeras vezes
gido pelas alegrias c dores dos outros é o mais adequado para esteve sob a necessidade de se submeter a esse desagradável
adquirir o completo domínio de suas próprias alegrias e dores. dever dificilmente clelx~1 ele sofrer uma considerável redução .
O homem da mais rd'tnada benevolência é naturalmente o mais Para ::.eu próprio bem, mpiclamente aprende a fazer pouco ca-
capaz de adquirir o maior grau de domínio de si. No entanto, so dos infortúnios que t~tntas vezes precisa causar ; e as situa-
taJvez nem sempre isso tenha ocoiTido c muito freqüentemen- ções que trazem à tona os mais nobres esforços de autOdomí-
te não ocorre. Talvez esse homem sempre vivesse com multo nio, por imporem a necessidade de vez por o utra violar a pro-
conforto e tranqüilidade. Talvez nunca se tenha exposto à vio- priedade ou a vida de nosso próximo, sempre rendem a reduzir,
l~ncia da facção, ou às durez<~s e perigos da guerra. Pode nunca e freqü entemente a exLinguir LnLeiramente, a sagr-.:~da consi-
ter experimentado a Insolência dos superiores, a inveja ciumen- deração pa1-a com ambos, a qual constitu i o fundamento ela jus-
ta e maligna de seus iguais, ou a furtiva injustiça de seus in- tiÇ'll e da humanidade. E é essa a razão de encontrrumos alÍliÜ-
feriores. Na velhice, quando alguma acidental mudança da for- de no mundo homens de grande lx:nevolência, mas que têm
tuna o expõe a tudo isso, causam-lhe uma enorme impress;.1o. pOUCO autodomínio, são i.ndolenLeS, indecisos, e, OU f)Or difi-
Tem a disposição adequada para adquirir o mais perfeito au- culdade, ou por perigo, fa cilmente desanimam dos mnis hon-
todomínio, o qual, entret:tnto, nunca teve oportunidade de rosos misteres; c, ao mnt.nírio, homens do mais perfeito autodo-
adquirir. Exercício e prntica f~lltaram c, sem eles, nenhum hú- m1nío, a quem nenhuma díficuldnde consegue desencorajar,
I
bito pode ser mzoavelmente estabelecltlo. Durezas, perigos, nenhum perigo abalar, e que a Lodo momento estàu rrontos
ofensas, inlonúnios, são os únicos mestres sob os quais po- para os empreendimentos mais audaciosos e desesperados,
demos aprender o exercício dessa virtude. Mas todos eles são mas, ao mesmo tempo, parecem endurecidos contra todo o
mestres em cuja cscola ninguém enu·a de bom grado. senso de jusri.ça ou de humaníd~1de.
Ac; situações em que a gentil virtude da bencvolênci~t po- Na solidão, rendemos a sentir ele modo muito intenso lu-
tle ser cultivada mais satisfatoriamente não são, de modo al- do o que nos di% respeito: tendemos a supcn.:slimar os bons
gum, idênlicas às mais adequadas par:'l se formar a virtude aus- serviços que possamos ter realiz::tdo, as ofcnsns que possamos
lera do auLodomínio. O homem que t.::stá despreocupado é ter sofrido; a eswr radiantes por nossa boa fortuna, c prostra-
mais capn de assistir à aflição dos outros, uma vez que o ho- dos peJa má. Nosso humor melhora ao conversarmos com um
mem exposto a dificuldades C! d1amado imediatamente a acom- amigo, e melhora ainda mais se conversamos com um estra-
panhar <.: d<Jmin:.tr seus próprios sentimentos. Sob o sol ameno nho. Po is freqüenremente é necessário que o espectado r real n'l
do sossego n:lo perturbado, n<> calmo recoU1imento do lazer desperte o homem que o peito encerra, esse espectador abs-
reg1-ado c filosófico, floresce e cresce melhor a suave vi11ude trato c ideal de nossos sentimentos e conduta, pam relem-
i
da benevolência. Contudo, em tais situa~ões. os maiores e mais brá-lo de seu dever; é sempre esse espectador real, do qual
o
nobres esforços de dominar-se são pouco praLi(~tdos. Sob o céu podemos esperar uma ínfima simpatia e tolerância, que pro- L
:uneaçador e tempestuoso da guerra e da facç-ão, do LUmulto vavelmente nos ensinar5 a mais perfeita lição sob1·e como
público c da confu:,ão, a enérgica severidade do domínio de 1'1
nos dominarmos.
si prosrx:ra melhor, podendo ser cullivada com êxito. Nessas Estás na adversidade? Não lamentes no escuro da solidão, l )
situações, todavia, as mais Fortes propostaS de benevolência não regules tua dor segundo ~~ indu lgente soli.daricclade de
muitas vezes devem ser suf'ocíld<!s ou negligenciadas; c cada teus amigos íntimo~>; volw assim que possível à luz diurna do
um de:.ses descuidos necessariamente tende a enfraquecer o mundo e das companhias. Vive com estranhos, com os que
186 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 187

nada sabem de teus infortúnios nem com eles se importam; gem, dificilmente lança alguma desonra sobre o violador. o
nem evites a companhia dos inimigos; concede-te, porém, o embaixador que engana o ministro de uma nação estrangeira
prazer de mortificar a alegria maligna destes, fazendo-os sentir é admirado e aplaudido. O homem justo que desdenha ora ti-
como estás pouco afetado pela tua ca la mi lade, e o quanto rar, ora conceder vantagem, mas que julgaria menos desonroso
estás acima dela . conceder do que tirá-la- esse homem, que seria o mais ama-
Estás na p.rosp ridad ? ã do e estimado em todas as transações particulares, nas públi-
sort à tua pró pria a a, à ·ompa nh.ia d cas é considerado tolo e idiota, alguém que não entende de
de L us bajuladores, que nstro m bre tua fortuna a es- seus negócios, incorrendo sempre no desprezo dos outros, às
perao .a d con. e rta re m a pró pria; fr qüe nta os que são in- vezes até mesmo no ódio de seus concidadãos. Na guerra, não
dep nde ntes le ti, que ó pod m te avaliar p lo te u C'Lráter apenas são violadas regularmente as chamadas leis das nações,
· nd uta, não pelo te u dinheiro. em procura nem evita a s - o que não torna desonrado o violador (entre os seus conci-
edad , nem te introduza n la n m fujas da o mpanhía do dadãos, cujo juízo unicamente lhe interessa), mas essas mes-
que utro ra foram teus supe rio res, e que podem-se magoar mas leis são, em sua grande maioria, estabelecidas sem razoá-
ao des oi· rirem que és s u igua l agora, ou talvez até seu su- vel conformidade com as mais simples e claras leis da justiça.
perio r. A impe rlinência do seu o r :rui h p de rã talvez torna r Que os inocentes, apesar da ligação e dependência mantida
s -a compa nhia desagradável de maL; m as, se não for, p des com os culpados (o que talvez nem possam evitar) não sofram
ter certeza de que essa é a melh r companhia qu poderiís t r; por causa disso, nem sejam punidos pelos culpados, é uma
e se pela simplicidade de na conduta discreta conseguires ga- das mais simples e claras leis da justiça. Na mais injusta guer-
nhar seu favor e sua bondade, podes ficar satisfeito por seres ra, porém, é comum que soberano ou os legisladores sejam os
suficientemente modesto, e por tua cabeça não ter sido preju- únicos culpados. Em geral, os súditos são quase sempre com-
dicada pela tua boa fortuna. pletamente inocentes. No entanto, o inimigo público, sempre
A conveniência de nossos sentimentos morais nunca é que lhe convém, apreende em terra ou mar os bens dos cida-
mais passível de corrupção qu quando o espe tado r to leran- dãos pacíficos; suas propriedades são devastadas, suas casas
te e parcial está à mão, enquanto imparcial e indifer nt está queimadas, e eles próprios, se cogitarem de resistir, são mortos
bem longe. ou aprisionados; e tudo isso em perfeita conformidade com o
No relacionamento entre duas nações independentes, na- que se chamam leis das nações.
ções neutras são os únicos espectadores indiferentes e impar- A animosidade de facções hostis, sejam civis ou eclesiás-
ciais. Mas estão a tamanha distância que ficam quase fora da ticas, é freqüentemente ainda mais irada do que a de nações
vista. Quando duas nações entram em conflito, os cidadãos de hostis, e seu modo de agir uma com a outra ainda mais atroz.
cada uma prestam pouca importância aos sentimentos que as O que se pode chamar de leis de facção são muitas vezes es-
nações estrangeiras possam nutrir pela gestão interna. Toda a tabelecidas por autores graves respeitando menos ainda as re-
ambição do país é obter aprovação de seus concidadãos; e co- gras da justiça do que as chamadas leis das nações. O mais
mo são todos animados pelas mesmas paixões hostis que o feroz patriota jamais declarou como questão r I vante s · >n s-
animam, nunca consegue agradá-los tanto quanto é capaz de tituiria dever manter a palavra empenhada c m inim igos pú-
enfurecer e ofender os seus inimigos. O espectador parcial está blicos, ou com rebeldes, ou hereges: tais quesrõ ·s amiúde são
perto; o imparcial, a grande distância. Na guerra e na negocia- furiosamente debatidas por renomados dout res, civis e ecle-
ção, portanto, raramente se observam as leis da justiça. Verda- siásticos. É desnecessário notar, presumo, que os rebeldes, bem
de e procedimentos justos são quase totalmente desconsidera- como os hereges, são os infelizes que, quando as coisas atin-
dos. Violam-se tratados; e a violação, se confere alguma vanta- giram certo grau de violência, tiveram o infortúnio de perten-
186 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 187

nada sabem de teus infortúnios nem com eles se importam; gem, dificilmente lança alguma desonra sobre o violador. o
nem evites a companhia dos inimigos; concede-te, porém, o embaixador que engana o ministro de uma nação estrangeira
prazer de mortificar a alegria maligna destes, fazendo-os sentir é admirado e aplaudido. O homem justo que desdenha ora ti-
como estás pouco afetado pela tua ca la mi lade, e o quanto rar, ora conceder vantagem, mas que julgaria menos desonroso
estás acima dela . conceder do que tirá-la- esse homem, que seria o mais ama-
Estás na p.rosp ridad ? ã do e estimado em todas as transações particulares, nas públi-
sort à tua pró pria a a, à ·ompa nh.ia d cas é considerado tolo e idiota, alguém que não entende de
de L us bajuladores, que nstro m bre tua fortuna a es- seus negócios, incorrendo sempre no desprezo dos outros, às
perao .a d con. e rta re m a pró pria; fr qüe nta os que são in- vezes até mesmo no ódio de seus concidadãos. Na guerra, não
dep nde ntes le ti, que ó pod m te avaliar p lo te u C'Lráter apenas são violadas regularmente as chamadas leis das nações,
· nd uta, não pelo te u dinheiro. em procura nem evita a s - o que não torna desonrado o violador (entre os seus conci-
edad , nem te introduza n la n m fujas da o mpanhía do dadãos, cujo juízo unicamente lhe interessa), mas essas mes-
que utro ra foram teus supe rio res, e que podem-se magoar mas leis são, em sua grande maioria, estabelecidas sem razoá-
ao des oi· rirem que és s u igua l agora, ou talvez até seu su- vel conformidade com as mais simples e claras leis da justiça.
perio r. A impe rlinência do seu o r :rui h p de rã talvez torna r Que os inocentes, apesar da ligação e dependência mantida
s -a compa nhia desagradável de maL; m as, se não for, p des com os culpados (o que talvez nem possam evitar) não sofram
ter certeza de que essa é a melh r companhia qu poderiís t r; por causa disso, nem sejam punidos pelos culpados, é uma
e se pela simplicidade de na conduta discreta conseguires ga- das mais simples e claras leis da justiça. Na mais injusta guer-
nhar seu favor e sua bondade, podes ficar satisfeito por seres ra, porém, é comum que soberano ou os legisladores sejam os
suficientemente modesto, e por tua cabeça não ter sido preju- únicos culpados. Em geral, os súditos são quase sempre com-
dicada pela tua boa fortuna. pletamente inocentes. No entanto, o inimigo público, sempre
A conveniência de nossos sentimentos morais nunca é que lhe convém, apreende em terra ou mar os bens dos cida-
mais passível de corrupção qu quando o espe tado r to leran- dãos pacíficos; suas propriedades são devastadas, suas casas
te e parcial está à mão, enquanto imparcial e indifer nt está queimadas, e eles próprios, se cogitarem de resistir, são mortos
bem longe. ou aprisionados; e tudo isso em perfeita conformidade com o
No relacionamento entre duas nações independentes, na- que se chamam leis das nações.
ções neutras são os únicos espectadores indiferentes e impar- A animosidade de facções hostis, sejam civis ou eclesiás-
ciais. Mas estão a tamanha distância que ficam quase fora da ticas, é freqüentemente ainda mais irada do que a de nações
vista. Quando duas nações entram em conflito, os cidadãos de hostis, e seu modo de agir uma com a outra ainda mais atroz.
cada uma prestam pouca importância aos sentimentos que as O que se pode chamar de leis de facção são muitas vezes es-
nações estrangeiras possam nutrir pela gestão interna. Toda a tabelecidas por autores graves respeitando menos ainda as re-
ambição do país é obter aprovação de seus concidadãos; e co- gras da justiça do que as chamadas leis das nações. O mais
mo são todos animados pelas mesmas paixões hostis que o feroz patriota jamais declarou como questão r I vante s · >n s-
animam, nunca consegue agradá-los tanto quanto é capaz de tituiria dever manter a palavra empenhada c m inim igos pú-
enfurecer e ofender os seus inimigos. O espectador parcial está blicos, ou com rebeldes, ou hereges: tais quesrõ ·s amiúde são
perto; o imparcial, a grande distância. Na guerra e na negocia- furiosamente debatidas por renomados dout res, civis e ecle-
ção, portanto, raramente se observam as leis da justiça. Verda- siásticos. É desnecessário notar, presumo, que os rebeldes, bem
de e procedimentos justos são quase totalmente desconsidera- como os hereges, são os infelizes que, quando as coisas atin-
dos. Violam-se tratados; e a violação, se confere alguma vanta- giram certo grau de violência, tiveram o infortúnio de perten-
188 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 189
cer ao partido mais fraco. Numa na; : c ntmbada pelas fac- Entretanto, a sensibilidade de alguns homens para com
ções sempre há, sem dúvida, uns p u cos, comumenle tnLúto alguns dos objetos que imediatamente os afetam é por vezes
poucos, que conservam seu di. cen limenlo livre do conlágio tão forte, que torna impo sfvel todo autod. minio. Nenhum
geral. Raramente somam mais do que um solitário aqui e ali, senso de honra pode dominar os Lem r s do homem que é
sem nenhuma influência, pois sua sinceridade os exclui da suficientemente fraco a ponto de desmaiar ou sofrer convul-
confiança dos dois partidos. Ademais, a despeito de serem dos sões ante a aproximação do perigo. Pode ser talvez duvidoso
homens mais sábios, ou precisamente por essa razão, não têm que essa fraqueza de nervos, como tem sido chamada, não
nenhuma relevância para a sociedade. Todas essas pessoas possa admitir alguma cura por exer ·íci . grad uais e discipli-
são desprezadas e ridicularizadas, freqüentemente detestadas, na apropriada. De todo modo, r -u·e rto qu jamais se de-
pelos furiosos zelotes dos dois partidos. Um verdadeiro par- ve confiar nesses métodos, ou r;np.r gá-los.
tidário odeia e despreza a since.ridad e, na ve.rdad , não há
vício que o pudesse desqualificar mais para a profissão de par-
tidário que essa única virtude. Portanto, em nenhuma ocasião CAPÍTULO IV
o real e reverenciado espectador imparcial está mais distan- Da natureza do auto-engano, e da origem
ciado que em meio à violência e fúria dos partidos em luta. e utilidade de regras gerais
Talvez se possa afirmar que, para esses, tal espectador dificil-
mente exista em algum lugar do universo. Até ao grande Juiz A fim d ~ qu ' I retidão de nossos próprios juízo, rdaLivos
do universo imputam seus próprios preconceitos, e não raro ãc >nvení ~ nia de n oss~1 c nduta sofra desvio nem sempre ,
consideram esse Ser divino como alguém animado por todas oe ssádo qu · esp cr.ador real e imparcial esteja muito lís-
as sua. próprias pa ixõ ·s vinga Liva implacáveis. Dentre to- tan iado. Quand ·tá por perlo, qmmdo e. tá pres nt , às ve-
dos o orruptor s dos sentimentos m rais, [Je>r conseguinte , z ba. Lam a violênda e a injusti ·a ü no sas palxõ s eguís-
a di . ensão e o fan atismo sempre ~ ram os maiores. l::ls para induzir homem em nosso peilo a faz r um r Jato
No que concerne ao prol len1a do autodomínio I m dif r m do que · t reais cir lll1 tân ias d ca, ·a pa-
\'\ a r scentar ainda q ue nossa acl.miraçao pelo hom m que on~ zes de autorizar.
tinua se p rtando com fortaleza e fi rmeza nos mais grav Há duas diversas ocasiões em que examinamos nossa pró-
in spe.rado. infortúnios sempre pressupõe ser im n a sua sen- pria conduta. e n o.-; esforçamos por v -la •oi a luz em q ue o
A

sibilidade para com esses info rtúnios, e com tal é neces. á ri sp tador imparcial a veria; primeiro, quand estam pn:s-
um grand csfor o a conquistá-lo ou governá-lo. O homem tcs a agir; segu nd , depois d agirmos. Em :.ttnbo os casos,
inteiram nt in ensível à dor física não poderia merecer aplau- nossos [uízos tencl m <I r ba "tant parciais; mas tenderiam
so por suportar a tortura com a mais perfeita paciência e equa- muito mais a sê-lo quancl seri a d supr ma imporlân ia que
nimidade, uma vez que o fato de se ter criado sem o medo na- fosse m de utro modo.
tural da morte não lhe permite reclamar o mérito de conservar Quando stamos na im..lnên ·a d agir, a avidez da p i-
sua frieza e presença de espírito em meio aos mais terríveis xào ranmem · nos permitirá. considerar o que fazemos · m
perigos. Uma das extravagâncias de Sêneca foi asseverar que a lucid z de uma p ssoa indiferente. AB viol ma m > ~ es
o sábio estóico, nesse sentido, era superior até mesmo a um u n , se momenLo no. agitam nublam no so juízo. s hre
deus, uma vez que, se a segurança do deus se dera inteiramen- as · isas, mesmo quando nos esforça mos por ocupar o I 1gar
te ao benefício da natureza, eximindo-o de sofrer, a seguran- dé utro, e c nsicl rar os objetos de n.oss in.teress s h a luz
ça do sábio constituía um benefício para si mesmo, derivada em qu l naturalmente as consideraria . ímp t d o ssn
inteiramente de si e de seus próprios esforços. paixõ · nos hama ·on:>tantement de vo lta p·:u·a nosso pró-
188 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 189
cer ao partido mais fraco. Numa na; : c ntmbada pelas fac- Entretanto, a sensibilidade de alguns homens para com
ções sempre há, sem dúvida, uns p u cos, comumenle tnLúto alguns dos objetos que imediatamente os afetam é por vezes
poucos, que conservam seu di. cen limenlo livre do conlágio tão forte, que torna impo sfvel todo autod. minio. Nenhum
geral. Raramente somam mais do que um solitário aqui e ali, senso de honra pode dominar os Lem r s do homem que é
sem nenhuma influência, pois sua sinceridade os exclui da suficientemente fraco a ponto de desmaiar ou sofrer convul-
confiança dos dois partidos. Ademais, a despeito de serem dos sões ante a aproximação do perigo. Pode ser talvez duvidoso
homens mais sábios, ou precisamente por essa razão, não têm que essa fraqueza de nervos, como tem sido chamada, não
nenhuma relevância para a sociedade. Todas essas pessoas possa admitir alguma cura por exer ·íci . grad uais e discipli-
são desprezadas e ridicularizadas, freqüentemente detestadas, na apropriada. De todo modo, r -u·e rto qu jamais se de-
pelos furiosos zelotes dos dois partidos. Um verdadeiro par- ve confiar nesses métodos, ou r;np.r gá-los.
tidário odeia e despreza a since.ridad e, na ve.rdad , não há
vício que o pudesse desqualificar mais para a profissão de par-
tidário que essa única virtude. Portanto, em nenhuma ocasião CAPÍTULO IV
o real e reverenciado espectador imparcial está mais distan- Da natureza do auto-engano, e da origem
ciado que em meio à violência e fúria dos partidos em luta. e utilidade de regras gerais
Talvez se possa afirmar que, para esses, tal espectador dificil-
mente exista em algum lugar do universo. Até ao grande Juiz A fim d ~ qu ' I retidão de nossos próprios juízo, rdaLivos
do universo imputam seus próprios preconceitos, e não raro ãc >nvení ~ nia de n oss~1 c nduta sofra desvio nem sempre ,
consideram esse Ser divino como alguém animado por todas oe ssádo qu · esp cr.ador real e imparcial esteja muito lís-
as sua. próprias pa ixõ ·s vinga Liva implacáveis. Dentre to- tan iado. Quand ·tá por perlo, qmmdo e. tá pres nt , às ve-
dos o orruptor s dos sentimentos m rais, [Je>r conseguinte , z ba. Lam a violênda e a injusti ·a ü no sas palxõ s eguís-
a di . ensão e o fan atismo sempre ~ ram os maiores. l::ls para induzir homem em nosso peilo a faz r um r Jato
No que concerne ao prol len1a do autodomínio I m dif r m do que · t reais cir lll1 tân ias d ca, ·a pa-
\'\ a r scentar ainda q ue nossa acl.miraçao pelo hom m que on~ zes de autorizar.
tinua se p rtando com fortaleza e fi rmeza nos mais grav Há duas diversas ocasiões em que examinamos nossa pró-
in spe.rado. infortúnios sempre pressupõe ser im n a sua sen- pria conduta. e n o.-; esforçamos por v -la •oi a luz em q ue o
A

sibilidade para com esses info rtúnios, e com tal é neces. á ri sp tador imparcial a veria; primeiro, quand estam pn:s-
um grand csfor o a conquistá-lo ou governá-lo. O homem tcs a agir; segu nd , depois d agirmos. Em :.ttnbo os casos,
inteiram nt in ensível à dor física não poderia merecer aplau- nossos [uízos tencl m <I r ba "tant parciais; mas tenderiam
so por suportar a tortura com a mais perfeita paciência e equa- muito mais a sê-lo quancl seri a d supr ma imporlân ia que
nimidade, uma vez que o fato de se ter criado sem o medo na- fosse m de utro modo.
tural da morte não lhe permite reclamar o mérito de conservar Quando stamos na im..lnên ·a d agir, a avidez da p i-
sua frieza e presença de espírito em meio aos mais terríveis xào ranmem · nos permitirá. considerar o que fazemos · m
perigos. Uma das extravagâncias de Sêneca foi asseverar que a lucid z de uma p ssoa indiferente. AB viol ma m > ~ es
o sábio estóico, nesse sentido, era superior até mesmo a um u n , se momenLo no. agitam nublam no so juízo. s hre
deus, uma vez que, se a segurança do deus se dera inteiramen- as · isas, mesmo quando nos esforça mos por ocupar o I 1gar
te ao benefício da natureza, eximindo-o de sofrer, a seguran- dé utro, e c nsicl rar os objetos de n.oss in.teress s h a luz
ça do sábio constituía um benefício para si mesmo, derivada em qu l naturalmente as consideraria . ímp t d o ssn
inteiramente de si e de seus próprios esforços. paixõ · nos hama ·on:>tantement de vo lta p·:u·a nosso pró-
190 TEORIA DOS SENTIMENYDS MORAIS TERCEIRA PARTE 191

prio lugar, onde por causa de nosso amor de si, tudo parece prio corpo; e muitas vezes é igualmente ousado quem não
ampliado e desfJgurado. Da maneira como esses objetos seriam hesita em arrancar o véu misterioso do auto-engano, que es-
vistos por outra pessoa, do juízo que sobre eles formaria, só conde de seus olhos as deformidades de sua própria conduta.
podemos oferecer, se me permitem a expressão, vislumbres Ao invés de vermos nosso próprio comportamento sob um as-
fugazes que num instante se desvanecem e que, mesmo en- pecto tão desagradável, com excessiva freqüência nos esfor-
quanto perduram, não são inteiramente justos. Nem por esses çamos, tola e fracamente, para exasperar de novo essas pai-
instantes podemos nos despir inteiramente do calor e da vee- xões injustas que já nos haviam desencaminhado antes; por
mência que nos inspira nossa situação peculiar, nem conside- meio de attifício, esforçamo-nos para despertar nossos anti-
rar o que estamos prestes a fazer com a perfeita imparcialidade gos ódios e irritar uma vez mais nossos ressentimentos quase
de um juiz correto. Por essa razão, como diz o Padre Male- esquecidos; até nos aplicamos nesse miserável propósito e as-
branche, as paixões sempre se justificam a si mesmas, e pa- sim perseveramos na injustiça, apenas porque uma vez fomos
recem razoáveis e proporcionais a seus objetos, enquanto con- injustos, e porque nos envergonhamos e temos medo de reco-
tinuarmos as experimentando*. nhecer que o fomos.
Tão logo termina a ação, tão logo arrefecem as paixões Tão parciais são as opiniões dos homens quanto à con-
que a provocaram, podemos, com efeito, compreender mais veniência de sua própria conduta, seja no momento da ação,
friamente os sentimentos do espectador indiferente. O que an- seja depois dela, e tão difícil é julgarem-na sob a luz em que
tes nos interessou, agora é transformado em algo quase tão in- qualquer espectador indiferente a consideraria. Mas se fosse
diferente para nós como sempre foi para ele, e podemos então por alguma faculdade peculiar, como se supõe seja o senso
examinar nossa conduta com franqueza e imparcialidade iguais moral, pela qual julgassem sua própria conduta, se fossem do-
às dele. O homem de hoje já não mais se agita pelas mesmas tadas de algum especial poder de percepção que servisse para
paixões que perturbaram o homem de ontem; e quando fin- distinguir entre a beleza e a deformidade das paixões e dos
da o paroxismo da emoção, assim como o paroxismo da afli- afetos, como suas paixões estariam mais imediatamente ex-
ção, já podemos nos identificar por assim dizer com o homem postas à vista dessa faculdade, esta as julgaria com mais pre-
ideal que nosso peito encerra, e ver, assim como num caso cisão que as de outros homens, das quais apenas teria uma
nossa situação, no outro, nossa conduta, com os olhos seve- perspectiva mais remota.
ros do mais imparcial espectador. Mas agora nossos juízos são Esse auto-engano, essa fatal fraqueza dos homens, é fonte
em geral de pouca importância, se comparados ao que foram de metade das desordens de nossa vida. Se pudéssemos nos
antes, e com freqüência nada produzem, senão remorso vão ver como os outros nos vêem, ou como nos veriam se soubes-
e arrependimento inútil, sem que isso nos assegure contra erros
sem de tudo, seria inevitável uma reforma geral. De outro mo-
semelhantes no futuro. É raro, contudo, que mesmo nesse mo-
do, não poderíamos mais suportar essa visão.
mento nossos juízos sejam inteiramente sinceros. A opinião que
Porém, a natureza não deixou sem remédio essa fraque-
cultivamos acerca de nosso pr -prio caráter em tudo depende
za tão grave; tampouco nos abandonou inteiramente às ilusões
de nosso juízo sobre nossa c nduta passada. É tão desagra-
do amor de si. Nossa constante observação da conduta alheia
dável pensarmos mal de nós mesmos, que amiúde afastamos
imperceptivelmente nos leva a formar para nós próprios certas
propositadamente nosso olhar das circunstâncias que poderiam
tornar esse julgamento desfavorável. Dizem que é um cirurgião regras gerais quanto ao que é adequado e apropriado fazer ou
ousado aquele cujas mãos não tremem quando opera seu pró- evitar. Algumas das ações alheias escandalizam todos os nossos
sentimentos naturais. Cuidamos que todos ao nosso redor ma-
nifestam o mesmo horror a tais ações. Isso de novo confirma,
• Recherche de la verité, vol. li. (N. da R. T.) e até agrava, nosso natural senso da sua deformidade. Ficamos
190 TEORIA DOS SENTIMENYDS MORAIS TERCEIRA PARTE 191

prio lugar, onde por causa de nosso amor de si, tudo parece prio corpo; e muitas vezes é igualmente ousado quem não
ampliado e desfJgurado. Da maneira como esses objetos seriam hesita em arrancar o véu misterioso do auto-engano, que es-
vistos por outra pessoa, do juízo que sobre eles formaria, só conde de seus olhos as deformidades de sua própria conduta.
podemos oferecer, se me permitem a expressão, vislumbres Ao invés de vermos nosso próprio comportamento sob um as-
fugazes que num instante se desvanecem e que, mesmo en- pecto tão desagradável, com excessiva freqüência nos esfor-
quanto perduram, não são inteiramente justos. Nem por esses çamos, tola e fracamente, para exasperar de novo essas pai-
instantes podemos nos despir inteiramente do calor e da vee- xões injustas que já nos haviam desencaminhado antes; por
mência que nos inspira nossa situação peculiar, nem conside- meio de attifício, esforçamo-nos para despertar nossos anti-
rar o que estamos prestes a fazer com a perfeita imparcialidade gos ódios e irritar uma vez mais nossos ressentimentos quase
de um juiz correto. Por essa razão, como diz o Padre Male- esquecidos; até nos aplicamos nesse miserável propósito e as-
branche, as paixões sempre se justificam a si mesmas, e pa- sim perseveramos na injustiça, apenas porque uma vez fomos
recem razoáveis e proporcionais a seus objetos, enquanto con- injustos, e porque nos envergonhamos e temos medo de reco-
tinuarmos as experimentando*. nhecer que o fomos.
Tão logo termina a ação, tão logo arrefecem as paixões Tão parciais são as opiniões dos homens quanto à con-
que a provocaram, podemos, com efeito, compreender mais veniência de sua própria conduta, seja no momento da ação,
friamente os sentimentos do espectador indiferente. O que an- seja depois dela, e tão difícil é julgarem-na sob a luz em que
tes nos interessou, agora é transformado em algo quase tão in- qualquer espectador indiferente a consideraria. Mas se fosse
diferente para nós como sempre foi para ele, e podemos então por alguma faculdade peculiar, como se supõe seja o senso
examinar nossa conduta com franqueza e imparcialidade iguais moral, pela qual julgassem sua própria conduta, se fossem do-
às dele. O homem de hoje já não mais se agita pelas mesmas tadas de algum especial poder de percepção que servisse para
paixões que perturbaram o homem de ontem; e quando fin- distinguir entre a beleza e a deformidade das paixões e dos
da o paroxismo da emoção, assim como o paroxismo da afli- afetos, como suas paixões estariam mais imediatamente ex-
ção, já podemos nos identificar por assim dizer com o homem postas à vista dessa faculdade, esta as julgaria com mais pre-
ideal que nosso peito encerra, e ver, assim como num caso cisão que as de outros homens, das quais apenas teria uma
nossa situação, no outro, nossa conduta, com os olhos seve- perspectiva mais remota.
ros do mais imparcial espectador. Mas agora nossos juízos são Esse auto-engano, essa fatal fraqueza dos homens, é fonte
em geral de pouca importância, se comparados ao que foram de metade das desordens de nossa vida. Se pudéssemos nos
antes, e com freqüência nada produzem, senão remorso vão ver como os outros nos vêem, ou como nos veriam se soubes-
e arrependimento inútil, sem que isso nos assegure contra erros
sem de tudo, seria inevitável uma reforma geral. De outro mo-
semelhantes no futuro. É raro, contudo, que mesmo nesse mo-
do, não poderíamos mais suportar essa visão.
mento nossos juízos sejam inteiramente sinceros. A opinião que
Porém, a natureza não deixou sem remédio essa fraque-
cultivamos acerca de nosso pr -prio caráter em tudo depende
za tão grave; tampouco nos abandonou inteiramente às ilusões
de nosso juízo sobre nossa c nduta passada. É tão desagra-
do amor de si. Nossa constante observação da conduta alheia
dável pensarmos mal de nós mesmos, que amiúde afastamos
imperceptivelmente nos leva a formar para nós próprios certas
propositadamente nosso olhar das circunstâncias que poderiam
tornar esse julgamento desfavorável. Dizem que é um cirurgião regras gerais quanto ao que é adequado e apropriado fazer ou
ousado aquele cujas mãos não tremem quando opera seu pró- evitar. Algumas das ações alheias escandalizam todos os nossos
sentimentos naturais. Cuidamos que todos ao nosso redor ma-
nifestam o mesmo horror a tais ações. Isso de novo confirma,
• Recherche de la verité, vol. li. (N. da R. T.) e até agrava, nosso natural senso da sua deformidade. Ficamos
192 TEORIA DOS SENIJMENTOS MORAIS 1'/!l?CEIRA PARTE 193
satisfeitos por tê-las julgado de um modo conveniente quan- mesmo antes d espectador formula~ para i • · a r gra g _
do notamos que outra pe:;s a, as julgam do mesmo modo. ral. Ao ontrfui , a regra geral 1ue p d f'o rmar depoi. estaria
Decidimos nunca s r ulpaJ s d a õ s semelhantes n m ja- fundada sobr o borrar que n essari<unent · sentiria em eu
mais nos converterm ·, as im, em objetos d desaprovação peito, ao pensar nessa e m qualquer outra ação particular da
universal. Essa a maneira mo nat1JraL]1ente estab · l. emo mesma e ·p •cie.
a r gra geral para nós, de a orclo com a qual todas essas ações uando lemos na histór·ia u n >s romances a descrição
d vem ser vitadas, porqu tendem a nos tornar odiosos, des- d aÇes d e generosiclad ou baix za, nem a admiração qu
pr z'ívei ou passí" is de puni ào, e objeto de todos os sen- ·on ebemos por uma, nem desprew pela outra se originam
tim mos que no inspiram maior temor e aversão. Outras da reflexão sobr ertas r •gras gerais, as quais declaram admi-
ações, ao conrnír.i , prov am nossa apr vação, d todos ao ráveis rodas a. a õ d ·u ma espécie, e desprez'íveis to las as
n sso redor uvimos a mesma opinião favorúvel respeito utras. Ao contrári , t das essa regras gerais se formam ele ex-
d las. Todo cl sejam honrá-las e re ompensíí-las. uscit..w1 to- periment<.um s o. feitos . obre nós que todas as espécies de
dos os se.ntiment s qu p r natureza desejamos intensamente: ação naturalmente produz m.
o amor, a gra liclâ , a admira ã dos homens. Surge em nós a Uma ação amável , uma a ã respeitável, uma a :ã hor-
ambi à d imitá-los, e as im naturalmente estabelecemos pa- renda, todas são a ões que naturaL11ente suscimm, em rela ã
ra nós uma regra distinta: que devemos procurar cuidadosa- a quem · s r aliza, o am r, respeito ou o horror do esp, ta-
mente todas as ocasiões de agirmos dessa maneira. d r. A úni a man lr<t d formar regras g rai , det nnina nd
É assim que se formam as regrru gerais da rnoralidad . Fun- as a ·ões lU ã ou não objetos de cada um desses sentimen-
dam n.tam-s m última Lo ·tânda na experiência do t LU , em tos, - bservar a ações que verdadeiramente e de fato susci-
. sos p~uticulare , aprovam ou d ·apr vam nossas faculdades tam tais s mimemos.
morai. ou nosso sewo natura l ele mérito e da onv niência. om ef ito, quando essas regra. gera($ já esrã forma-
Originalmente, n ão aprovamos ou ndenam a · es em par- da , quando sã universalmente aceitas srab I idas pelo
ticular, porque ao x<uninã-las par cem agradáveis ou incon- · n urs dos sentimentos d todos o h m os, fr qüentemen-
sistentes com certa regra geral. Ao contrário a regra geral se te apelíun a elas c m padr - es de julgament para determi-
forma por se descobrir, a partir da exp riênda, que se aprovam nar o grau d louvor ou ensura que mere ·en1 erta a ões cl
ou desaprovam todas as ações de detenninada espécie, ou cir- natureza dúbia ou umplicada. Em casos como sses, citam-
cunstanciadas de certa maneira. O homem que pela primeira nas como fund~un nto último do que ' justo ou injusto na
v z pres nci.ou um assassinara desumano cometido por ava- · nduta humana, " ssa ir unstânda parec ter confundido
re7..a, inveja ou r ssentimento injusto, sendo a vítima alguém vál'ios autores muito · miJ1entes, l vando-os a esboçar seus sis-
que amava a ·sassin nele confiava; que além disso con- t mas sobr a suposi ã d que originalmente os juízos huma-
templ u as ültitn~ts ag nhs do moribundo que o ouviu, com nos a resp ito do e1to u errado teriam se forma lo c mo as
o ültim l sUSJ ira, queixar-se mais da p rfídia e ingratidão des- sentença judidais, l~'to é, onsid rando-se primei!· a regra ge-
se falso amig lo que da violência ·om tida bre sua pes oa; ra l, e em seg~1(da, a ação pruticular que se ~xamlna s in-
p'tr:a ess . pectador não hav ria ne e. sidad de refi ~tir, a fun clui adequadam nL na sua compreensã.o .
cl con ber o horror d ssa a ·ão, qu urna das m<iis sa radas E sas regra gerais de conduta, uma vez fixada. ' m nos o
r gras de c nduta é a qu proíb tirar a v ida de um ino ·ente, espírito por uma r nexão habitual, sã muJl út i pa ra m -
qu nesse caso houv .flagr:mte violaçã da regra e que, por rigir os equívocos d amor d si quanto a que ad quada e
nseguinte, trata-s l uma ação alram 1te censurável. É evi- propriam. nt s dev fazer em nossa sit~tação pruticulru·. O ho-
dente que seu horror a esse crime surgiria instantaneamente m m d r sentimento violent , se escutasse os ditames dessa
192 TEORIA DOS SENIJMENTOS MORAIS 1'/!l?CEIRA PARTE 193
satisfeitos por tê-las julgado de um modo conveniente quan- mesmo antes d espectador formula~ para i • · a r gra g _
do notamos que outra pe:;s a, as julgam do mesmo modo. ral. Ao ontrfui , a regra geral 1ue p d f'o rmar depoi. estaria
Decidimos nunca s r ulpaJ s d a õ s semelhantes n m ja- fundada sobr o borrar que n essari<unent · sentiria em eu
mais nos converterm ·, as im, em objetos d desaprovação peito, ao pensar nessa e m qualquer outra ação particular da
universal. Essa a maneira mo nat1JraL]1ente estab · l. emo mesma e ·p •cie.
a r gra geral para nós, de a orclo com a qual todas essas ações uando lemos na histór·ia u n >s romances a descrição
d vem ser vitadas, porqu tendem a nos tornar odiosos, des- d aÇes d e generosiclad ou baix za, nem a admiração qu
pr z'ívei ou passí" is de puni ào, e objeto de todos os sen- ·on ebemos por uma, nem desprew pela outra se originam
tim mos que no inspiram maior temor e aversão. Outras da reflexão sobr ertas r •gras gerais, as quais declaram admi-
ações, ao conrnír.i , prov am nossa apr vação, d todos ao ráveis rodas a. a õ d ·u ma espécie, e desprez'íveis to las as
n sso redor uvimos a mesma opinião favorúvel respeito utras. Ao contrári , t das essa regras gerais se formam ele ex-
d las. Todo cl sejam honrá-las e re ompensíí-las. uscit..w1 to- periment<.um s o. feitos . obre nós que todas as espécies de
dos os se.ntiment s qu p r natureza desejamos intensamente: ação naturalmente produz m.
o amor, a gra liclâ , a admira ã dos homens. Surge em nós a Uma ação amável , uma a ã respeitável, uma a :ã hor-
ambi à d imitá-los, e as im naturalmente estabelecemos pa- renda, todas são a ões que naturaL11ente suscimm, em rela ã
ra nós uma regra distinta: que devemos procurar cuidadosa- a quem · s r aliza, o am r, respeito ou o horror do esp, ta-
mente todas as ocasiões de agirmos dessa maneira. d r. A úni a man lr<t d formar regras g rai , det nnina nd
É assim que se formam as regrru gerais da rnoralidad . Fun- as a ·ões lU ã ou não objetos de cada um desses sentimen-
dam n.tam-s m última Lo ·tânda na experiência do t LU , em tos, - bservar a ações que verdadeiramente e de fato susci-
. sos p~uticulare , aprovam ou d ·apr vam nossas faculdades tam tais s mimemos.
morai. ou nosso sewo natura l ele mérito e da onv niência. om ef ito, quando essas regra. gera($ já esrã forma-
Originalmente, n ão aprovamos ou ndenam a · es em par- da , quando sã universalmente aceitas srab I idas pelo
ticular, porque ao x<uninã-las par cem agradáveis ou incon- · n urs dos sentimentos d todos o h m os, fr qüentemen-
sistentes com certa regra geral. Ao contrário a regra geral se te apelíun a elas c m padr - es de julgament para determi-
forma por se descobrir, a partir da exp riênda, que se aprovam nar o grau d louvor ou ensura que mere ·en1 erta a ões cl
ou desaprovam todas as ações de detenninada espécie, ou cir- natureza dúbia ou umplicada. Em casos como sses, citam-
cunstanciadas de certa maneira. O homem que pela primeira nas como fund~un nto último do que ' justo ou injusto na
v z pres nci.ou um assassinara desumano cometido por ava- · nduta humana, " ssa ir unstânda parec ter confundido
re7..a, inveja ou r ssentimento injusto, sendo a vítima alguém vál'ios autores muito · miJ1entes, l vando-os a esboçar seus sis-
que amava a ·sassin nele confiava; que além disso con- t mas sobr a suposi ã d que originalmente os juízos huma-
templ u as ültitn~ts ag nhs do moribundo que o ouviu, com nos a resp ito do e1to u errado teriam se forma lo c mo as
o ültim l sUSJ ira, queixar-se mais da p rfídia e ingratidão des- sentença judidais, l~'to é, onsid rando-se primei!· a regra ge-
se falso amig lo que da violência ·om tida bre sua pes oa; ra l, e em seg~1(da, a ação pruticular que se ~xamlna s in-
p'tr:a ess . pectador não hav ria ne e. sidad de refi ~tir, a fun clui adequadam nL na sua compreensã.o .
cl con ber o horror d ssa a ·ão, qu urna das m<iis sa radas E sas regra gerais de conduta, uma vez fixada. ' m nos o
r gras de c nduta é a qu proíb tirar a v ida de um ino ·ente, espírito por uma r nexão habitual, sã muJl út i pa ra m -
qu nesse caso houv .flagr:mte violaçã da regra e que, por rigir os equívocos d amor d si quanto a que ad quada e
nseguinte, trata-s l uma ação alram 1te censurável. É evi- propriam. nt s dev fazer em nossa sit~tação pruticulru·. O ho-
dente que seu horror a esse crime surgiria instantaneamente m m d r sentimento violent , se escutasse os ditames dessa
194 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 195

paixão, consid raria r.<t.lvez a morte de seu inimigo como uma instante atrás decidira evitar. Exausto e perturbado por essas
pequena ompensa âo pelo mal que imagina ter recebido o contínuas indecisões, finalmente, por uma espécie de deses-
que, contudo, pode não passar de uma leve provocação. M.as pero, dá o passo fatal e irreversível. Mas o faz com o terror e
suas observações sobre a conduta de outros ensinaram-lhe co- a incredulidade de alguém que ao fugir de um inimigo se lan-
mo parecem horríveis todas essas vinganças sanguinárias. A ça sobre um precipício, onde o aguarda uma destruição mais
não ser que sua educação tenha sido muito peculiar, estabe- certa do que aquela que encontraria se algo o atacasse pelas
leceu para si mesmo, como norma inviolável, abster-se inteira- costas. Tais são seus sentimentos, mesmo no instante de agir;
mente de tais vinganças. Essa regra exerce sua autoridade so- embora então perceba menos a inconveniência de sua con-
bre ele e torna-o incapaz de fazer-se culpado dessa violência. duta do que depois de ter saciado e aniquilado sua paixão, co-
Todavia, a fúria de seu temperamento pode ser tanta, que se meça a ver o que fez, do mesmo modo como tendem a vê-lo;
fosse essa a primeira vez em que meditava sobre tal ação, sem e deveras sente o que apenas antevira muito imperfeitamente
dúvida a teria qualificado como muito justa e apropriada, dig- antes: as pontadas do remorso e do arrependimento princi-
na da aprovação de todo espectador imparcial. Mas o respei- piando a perturbá-lo e atormentá-lo.
to à regra que a experiência passada lhe inculcou detém a im-
petuosidade de sua paixão, e o ajuda a corrigir as opiniões ex-
cessivamente parciais que de outra forma lhe sugeriria seu amor CAPÍTULO V
de si, quanto ao que seria conveniente fazer nessa situação. Da influência e da autoridade de regras gerais da
Mesmo no caso de se permitir ser arrebatado por uma paixão moralidade, que são justamente consideradas
tão forte, que o leve a violar essa regra, ainda assim é incapaz como as leis da Divindade
de afastar inteiramente o temor reverencial e o respeito com
que foi acostumado a considerá-lo. No tempo exato de agir, O respeito às regras gerais de conduta é o que se chama
no momento em que a paixão alcança o ápice ao pensar no propriamente senso de dever, princípio da maior importância
que está prestes a fazer, hesita e treme; secretamente sabe-se na vida humana, e o único pelo qual a maioria da humanida-
rompendo as regras de conduta que, quando lúcido, decidira de é capaz de ordenar suas ações. Há muitos homens que se
jamais infringir, que nunca vira outros infringirem sem suscitar portam com bastante decência e evitam, ao longo de suas vi-
a maior desaprovação, e cuja infração, antecipa-lhe seu próprio das, agir de modo censurável, mas que talvez nunca tenham
espírito, logo deve torná-lo objeto dos mesmos desagradáveis experimentado o sentimento sobre cuja conveniência funda-
sentimentos. Antes que tome a última resolução fatal, ator- mentamos nossa aprovação de sua conduta, agindo apenas
mentam-no todas as agonias da dúvida e da incerteza; o pen- por consideração ao que julgavam ser as regras de compor-
samento de violar uma regra tão sagrada o aterroriza, mas ao tamento já estabelecidas. O homem que recebeu grandes be-
mesmo tempo o encoraja e impele o desejo furioso de a vio- nefícios de um outro pode, pela natural frieza de seu tempe-
lar. Muda de propósito a todo momento; às vezes decide agar- ramento, experimentar apenas um grau muito pequeno do
rar-se a seu princípio, e não alimentar uma paixão que pode sentimento de gratidão. Porém, se recebeu uma educação vir-
corromper o resto de sua vida com os horrores da vergonha tuosa, com freqüência lhe terão feito notar como parecem odio-
e do arrependimento; e uma calma momentânea toma posse sas as ações que denotam falta desse sentimento, e como são
de seu peito, em razão da perspectiva de gozar a segurança amáveis as contrárias. Portanto, ainda que nenhuma afeição
e tranqüilidade, tão logo resolva não se expor aos perigos de grata aqueça seu coração, lutará para agir como se de fato aque-
uma outra conduta. Mas imediatamente a paixão se insurge cesse, empenhando-se em retribuir a seu benfeitor a estima e
de novo, e com fúria revigorada o leva a praticar o que um o cuidado que apenas a mais viva gratidão poderia sugerir. Há
194 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 195

paixão, consid raria r.<t.lvez a morte de seu inimigo como uma instante atrás decidira evitar. Exausto e perturbado por essas
pequena ompensa âo pelo mal que imagina ter recebido o contínuas indecisões, finalmente, por uma espécie de deses-
que, contudo, pode não passar de uma leve provocação. M.as pero, dá o passo fatal e irreversível. Mas o faz com o terror e
suas observações sobre a conduta de outros ensinaram-lhe co- a incredulidade de alguém que ao fugir de um inimigo se lan-
mo parecem horríveis todas essas vinganças sanguinárias. A ça sobre um precipício, onde o aguarda uma destruição mais
não ser que sua educação tenha sido muito peculiar, estabe- certa do que aquela que encontraria se algo o atacasse pelas
leceu para si mesmo, como norma inviolável, abster-se inteira- costas. Tais são seus sentimentos, mesmo no instante de agir;
mente de tais vinganças. Essa regra exerce sua autoridade so- embora então perceba menos a inconveniência de sua con-
bre ele e torna-o incapaz de fazer-se culpado dessa violência. duta do que depois de ter saciado e aniquilado sua paixão, co-
Todavia, a fúria de seu temperamento pode ser tanta, que se meça a ver o que fez, do mesmo modo como tendem a vê-lo;
fosse essa a primeira vez em que meditava sobre tal ação, sem e deveras sente o que apenas antevira muito imperfeitamente
dúvida a teria qualificado como muito justa e apropriada, dig- antes: as pontadas do remorso e do arrependimento princi-
na da aprovação de todo espectador imparcial. Mas o respei- piando a perturbá-lo e atormentá-lo.
to à regra que a experiência passada lhe inculcou detém a im-
petuosidade de sua paixão, e o ajuda a corrigir as opiniões ex-
cessivamente parciais que de outra forma lhe sugeriria seu amor CAPÍTULO V
de si, quanto ao que seria conveniente fazer nessa situação. Da influência e da autoridade de regras gerais da
Mesmo no caso de se permitir ser arrebatado por uma paixão moralidade, que são justamente consideradas
tão forte, que o leve a violar essa regra, ainda assim é incapaz como as leis da Divindade
de afastar inteiramente o temor reverencial e o respeito com
que foi acostumado a considerá-lo. No tempo exato de agir, O respeito às regras gerais de conduta é o que se chama
no momento em que a paixão alcança o ápice ao pensar no propriamente senso de dever, princípio da maior importância
que está prestes a fazer, hesita e treme; secretamente sabe-se na vida humana, e o único pelo qual a maioria da humanida-
rompendo as regras de conduta que, quando lúcido, decidira de é capaz de ordenar suas ações. Há muitos homens que se
jamais infringir, que nunca vira outros infringirem sem suscitar portam com bastante decência e evitam, ao longo de suas vi-
a maior desaprovação, e cuja infração, antecipa-lhe seu próprio das, agir de modo censurável, mas que talvez nunca tenham
espírito, logo deve torná-lo objeto dos mesmos desagradáveis experimentado o sentimento sobre cuja conveniência funda-
sentimentos. Antes que tome a última resolução fatal, ator- mentamos nossa aprovação de sua conduta, agindo apenas
mentam-no todas as agonias da dúvida e da incerteza; o pen- por consideração ao que julgavam ser as regras de compor-
samento de violar uma regra tão sagrada o aterroriza, mas ao tamento já estabelecidas. O homem que recebeu grandes be-
mesmo tempo o encoraja e impele o desejo furioso de a vio- nefícios de um outro pode, pela natural frieza de seu tempe-
lar. Muda de propósito a todo momento; às vezes decide agar- ramento, experimentar apenas um grau muito pequeno do
rar-se a seu princípio, e não alimentar uma paixão que pode sentimento de gratidão. Porém, se recebeu uma educação vir-
corromper o resto de sua vida com os horrores da vergonha tuosa, com freqüência lhe terão feito notar como parecem odio-
e do arrependimento; e uma calma momentânea toma posse sas as ações que denotam falta desse sentimento, e como são
de seu peito, em razão da perspectiva de gozar a segurança amáveis as contrárias. Portanto, ainda que nenhuma afeição
e tranqüilidade, tão logo resolva não se expor aos perigos de grata aqueça seu coração, lutará para agir como se de fato aque-
uma outra conduta. Mas imediatamente a paixão se insurge cesse, empenhando-se em retribuir a seu benfeitor a estima e
de novo, e com fúria revigorada o leva a praticar o que um o cuidado que apenas a mais viva gratidão poderia sugerir. Há
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 197
196
dt.: visir{t- lo regula rme nt , de po nar- res peitosam me para ra e de princípios e um sujeito indigno. O primeiro segue, em
· rn ele; para fa lar dele · mpre u ará expressões da mais ele- todas as ocasiões, suas máximas firme e resolutamente, e con-
vada estima, e sem1 r n1,en ionará as lnúmera.· brigaçõ s que serva por toda sua vida a mesma regularidade na conduta. O
lhe dev ~ . E o que ' mais impOJt<Ulte, aproveitará cuidadosa- outro age de modo inconstante, acidental, ao sabor de seu hu-
mente todas as oportunidades de retribuir de maneira apropria- mor, sua inclinação, ou seu interesse predominante. Mais ain-
da seus favores passados. Pode também fazer tudo isso sem da: são de tal sorte as desigualdades de humor a que todos
n nhwna hlp cri ia ou dissimula ã censurável, sern qualque r estão sujeitos, que, sem esse princípio, mesmo um homem que
inten ção g í ta d o bte r n vo favores, sem o desí nio ele em seus momentos de lucidez tinha a mais aguda percepção
aprov itar- d seu b nfeitor 01.1 do público. O motivo de suas da conveniência de sua conduta, nas ocasiões mais frívolas
a. õ s não p d r utro senão uma reverência pela regra de poderia, muitas vezes, ser levado a agir de maneira absurda,
d ve r e tab le ida, um sério e grave desejo d agir em tudo quando seria quase impossível apontar um motivo sério para
. egL1ndo a lei I gratidão . Da mesma maneira às v z urna se comportar assim. Teu amigo te faz uma visita quando casual-
esposn p ode n ão sentir pelo ma rid o L m o respeito qu mente estás com um péssimo humor, o que torna desagradá-
a lequado à relaçãc) que existe e ntre des. S recebe u edu ca- vel recebê-lo; em teu atual estado de espírito, talvez a civilidade
o virtuosa, entretanto esforçai'-S -á para agir omo ti nutris- do amigo pareça-te uma impertinente intrusão; e se desses va-
s tal sentimento , mostrando-se cuidadosa olí ita fle l e sin e ra, zão às opiniões que ora te ocorrem, embora sejas de tempe-
nà negligenciará ne nhum d s uidados que . e ntim ~ mo ramento educado, tratá-lo-ia com frieza e desdém. O que te
de afeto conjugal pode ria incitá-la a aL nd r. Sem d úvida, ta l torna incapaz dessa grosseria nada mais é que o respeito às
amigo c tal es posa não são n m um ne m uLro , os m lho re regras gerais de civilidade e hospitalidade, as quais proíbem a
que há e, em bora possam ter o mais gr:.we e séd des jo de grosseria. A habitual reverência que tua experiência passada
umprir int.eira me nt o seu de ve r l no.rarão muitas d li -ada. te ensinou permite-te agir em todas essas ocasiões com con-
e refin a las cort sia , pe rd rã várias o portunidades d agra- veniência quase imperturbável e impede as desigualdades de
dar que jamais lhes passariam despercebidas, se possuíssem temperamento - a que todos estão sujeitos - de influenciar
o sentimento que convém à sua situação. Posto não serem exa- sensivelmente tua conduta. Mas se fossem freqüentemente vio-
utrn m ~ s primeiros, são talvez os segundos; e se lhes incutiu lados até mesmo os deveres da polidez, os quais são facilmen-
fmtem nte o respeito às regras gerais de conduta, nenhum de- te observados e dificilmente há um motivo sério para violá-los,
les ignorará o que é essencial a seu dever. Ninguém, senão se não houvesse respeito por essas regras gerais o que seria
os de molde mais ditoso, é capaz de adequar com precisão seus dos deveres da justiça, da verdade, da castidade, da fidelida-
sentimentos e compmtamento à menor diferença de situação, de, os quais amiúde são tão difíceis de observar, e pode haver
e !e agir em to la as ocasiões com a mais delicada e acurada tantos motivos fortes para violá-los? Da razoável observância
c nv niência. A argila tosca de que se forma a ma ioria dos ho- desses deveres depende a própria existência da sociedade hu-
m n não pode ser ,cLtlpida c rn tal pe rfe i ·âo . Difi ilm nte, mana, a qual desmoronaria se nos homens não se incutisse
po1·' m, have rá um hom m m que com disciplina, educaç;1o uma reverência por essas importantes regras de conduta.
ex ~ mplo, oã p o a incutir o r speito às regras gerais. de Essa reverência é ainda mais aprimorada por uma opi-
mod que a ja em quase todas as ocasiões com tolerável d cê n- nião, que primeiro a natureza incutiu, depois o raciocínio e a
cia, e evite, ao longo de sua vida, ser fortemente censurado. filosofia confirmaram, segundo a qual essas importantes re-
Sem esse sagrado respeito às regras gerais, não existe ho- gras da moralidade são os mandamentos e leis da Divindade,
mem em cuja conduta se possa confiar demasiadamente. Isso que finalmente recompensará os obedientes e punirá os que
é o que constitui a maior diferença entre um homem de hon- transgridem seus deveres.
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 197
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dt.: visir{t- lo regula rme nt , de po nar- res peitosam me para ra e de princípios e um sujeito indigno. O primeiro segue, em
· rn ele; para fa lar dele · mpre u ará expressões da mais ele- todas as ocasiões, suas máximas firme e resolutamente, e con-
vada estima, e sem1 r n1,en ionará as lnúmera.· brigaçõ s que serva por toda sua vida a mesma regularidade na conduta. O
lhe dev ~ . E o que ' mais impOJt<Ulte, aproveitará cuidadosa- outro age de modo inconstante, acidental, ao sabor de seu hu-
mente todas as oportunidades de retribuir de maneira apropria- mor, sua inclinação, ou seu interesse predominante. Mais ain-
da seus favores passados. Pode também fazer tudo isso sem da: são de tal sorte as desigualdades de humor a que todos
n nhwna hlp cri ia ou dissimula ã censurável, sern qualque r estão sujeitos, que, sem esse princípio, mesmo um homem que
inten ção g í ta d o bte r n vo favores, sem o desí nio ele em seus momentos de lucidez tinha a mais aguda percepção
aprov itar- d seu b nfeitor 01.1 do público. O motivo de suas da conveniência de sua conduta, nas ocasiões mais frívolas
a. õ s não p d r utro senão uma reverência pela regra de poderia, muitas vezes, ser levado a agir de maneira absurda,
d ve r e tab le ida, um sério e grave desejo d agir em tudo quando seria quase impossível apontar um motivo sério para
. egL1ndo a lei I gratidão . Da mesma maneira às v z urna se comportar assim. Teu amigo te faz uma visita quando casual-
esposn p ode n ão sentir pelo ma rid o L m o respeito qu mente estás com um péssimo humor, o que torna desagradá-
a lequado à relaçãc) que existe e ntre des. S recebe u edu ca- vel recebê-lo; em teu atual estado de espírito, talvez a civilidade
o virtuosa, entretanto esforçai'-S -á para agir omo ti nutris- do amigo pareça-te uma impertinente intrusão; e se desses va-
s tal sentimento , mostrando-se cuidadosa olí ita fle l e sin e ra, zão às opiniões que ora te ocorrem, embora sejas de tempe-
nà negligenciará ne nhum d s uidados que . e ntim ~ mo ramento educado, tratá-lo-ia com frieza e desdém. O que te
de afeto conjugal pode ria incitá-la a aL nd r. Sem d úvida, ta l torna incapaz dessa grosseria nada mais é que o respeito às
amigo c tal es posa não são n m um ne m uLro , os m lho re regras gerais de civilidade e hospitalidade, as quais proíbem a
que há e, em bora possam ter o mais gr:.we e séd des jo de grosseria. A habitual reverência que tua experiência passada
umprir int.eira me nt o seu de ve r l no.rarão muitas d li -ada. te ensinou permite-te agir em todas essas ocasiões com con-
e refin a las cort sia , pe rd rã várias o portunidades d agra- veniência quase imperturbável e impede as desigualdades de
dar que jamais lhes passariam despercebidas, se possuíssem temperamento - a que todos estão sujeitos - de influenciar
o sentimento que convém à sua situação. Posto não serem exa- sensivelmente tua conduta. Mas se fossem freqüentemente vio-
utrn m ~ s primeiros, são talvez os segundos; e se lhes incutiu lados até mesmo os deveres da polidez, os quais são facilmen-
fmtem nte o respeito às regras gerais de conduta, nenhum de- te observados e dificilmente há um motivo sério para violá-los,
les ignorará o que é essencial a seu dever. Ninguém, senão se não houvesse respeito por essas regras gerais o que seria
os de molde mais ditoso, é capaz de adequar com precisão seus dos deveres da justiça, da verdade, da castidade, da fidelida-
sentimentos e compmtamento à menor diferença de situação, de, os quais amiúde são tão difíceis de observar, e pode haver
e !e agir em to la as ocasiões com a mais delicada e acurada tantos motivos fortes para violá-los? Da razoável observância
c nv niência. A argila tosca de que se forma a ma ioria dos ho- desses deveres depende a própria existência da sociedade hu-
m n não pode ser ,cLtlpida c rn tal pe rfe i ·âo . Difi ilm nte, mana, a qual desmoronaria se nos homens não se incutisse
po1·' m, have rá um hom m m que com disciplina, educaç;1o uma reverência por essas importantes regras de conduta.
ex ~ mplo, oã p o a incutir o r speito às regras gerais. de Essa reverência é ainda mais aprimorada por uma opi-
mod que a ja em quase todas as ocasiões com tolerável d cê n- nião, que primeiro a natureza incutiu, depois o raciocínio e a
cia, e evite, ao longo de sua vida, ser fortemente censurado. filosofia confirmaram, segundo a qual essas importantes re-
Sem esse sagrado respeito às regras gerais, não existe ho- gras da moralidade são os mandamentos e leis da Divindade,
mem em cuja conduta se possa confiar demasiadamente. Isso que finalmente recompensará os obedientes e punirá os que
é o que constitui a maior diferença entre um homem de hon- transgridem seus deveres.
198 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 199
Digo que essa opinião, ou apreensão, parece primeira- Quando tais estudos ocorreram, no entanto, confirma-
mente incutida pela natureza. Os homens são naturalmente le- ram-se as previsões originais da natureza. Seja qual for o fun-
vados a atribuir àqueles misteriosos seres, o que quer que se- damento de nossas faculdades morais, quer certa modificação
jam os objetos de temor religioso em qualquer país, todos os da razão, quer um instinto original chamado senso moral, ou
seus próprios sentimentos e paixões. Não possuem nenhum algum outro princípio de nossa natureza, não se pode duvi-
outro, nenhum outro são capazes de conceber, para atribuir- dar de que nos foram dadas para orientar nossa conduta nes-
lhes. Esses desconhecidos intelectos que imaginam, mas não ta vida. Trazem consigo as mais evidentes insígnias dessa au-
vêem, devem necessariamente ser formados com alguma espé- toridade, o que denota que foram instaladas dentro de nós para
cie de semelhança com os intelectos dos quais têm alguma ex- serem árbitros supremos de todas as nossas ações, para dirigir
periência. Durante a ignorância e treva da superstição pagã, a todos os nossos sentidos, paixões e apetites, e julgar em que
humanidade parece ter formado as idéias de suas divindades medida cada um deles deve ser satisfeito ou contido. Ao con-
com tão pouca delicadeza, que lhes atribuíram, indiscrimina- trário do que alguns pretenderam, de nenhuma maneira nos-
damente, todas as paixões da natureza humana, sem excluir as sas faculdades morais ocupam a mesma posição das outras
que menos honram a nossa espécie, como luxúria, fome, ava- faculdades e apetites de nossa naturen, ou seja, teriam tanto
reza, inveja e vingança. Por isso, não puderam deixar de atri- direito de conter estes últimos, quanto estes de as conter. Ne-
buir àqueles seres, por cuja natureza excelente ainda conce- nhuma outra faculdade ou princípio de ação julga qualquer
biam a mais extrema admiração, os sentimentos e qualidades outro. O amor não julga o ressentimento, nem o ressentimen-
que são o grande ornamento da humanidade, e que parecem to julga o amor. Essas duas paixões podem ser opostas entre
alçá-lo à semelhança da perfeição divina, a saber, o amor à si, mas não se pode dizer propriamente que aprovem ou de-
virtude e à benemerência, o horror ao vício e à injustiça. O ho- saprovem uma à outra. Porém, é ofício peculiar das faculda-
mem ofendido invocava Júpiter para testemunhar o mal que lhe des que ora examinamos julgar, censurar ou aplaudir, todos
faziam, e não duvidava de que esse ser divino contemplaria os outros princípios da nossa natureza. Podem ser considera-
a prática dessa injustiça com a mesma indignação que anima- das uma espécie de sentido, dos quais esses ptincípios são obje-
ria o espectador mais mesquinho. Quem praticou a ofensa sen- tos. Cada sentido é supremo em relação a seus objetos. O olho
tiu-se objeto apropriado de ódio e ressentimento dos outros; não apela da beleza ou das cores, nem o ouvido da harmonia
e seus temores naturais o levaram a imputar os mesmos sen- sonora, nem o gosto de sabores agradáveis. Cada um desses
timentos àqueles terríveis seres, cuja presença não podia evi- sentidos julga seus objetos em última instância. O que contenta
tar, e a cujo poder não podia resistir. Esperanças, medos e sus- o gosto é doce, o que agrada ao olho é belo, o que confotta o
peitas naturais foram propagados por solidariedade e confir- ouvido é harmonioso. A própria essência de cada uma dessas
mados pela educação, e universalmente se representaram e qualidades consiste em sua adequação a agradar ao sentido ao
se julgaram os deuses como os que recompensam a humani- qual se remete. Da mesma maneira, cabe às nossas faculdades
dade e a misericórdia, e os que vingam a perfídia e a injustiça. morais determinar quando se deve confortar o ouvido, quando
Assim, muito tempo antes da era da filosofia e do raciocínio se deve agradar ao olho, quando se deve contentar o gosto,
attificial, ainda que em sua forma mais rude, a religião sancio- quando e em que medida qualquer outro princípio de nossa
nou as regras da moralidade. Para que a natureza não deixas- natureza deve ser satisfeito ou contido. O que é agradável a
se a felicidade dos homens depender da lentidão e incerteza nossas faculdades morais é adequado, certo e apropriado fa-
dos estudos filosóficos foi de demasiada importância, pois, que zer-se; o contrário, errado, inadequado e impróprio. Os senti-
os terrores da religião dessem cumprimento ao senso natural mentos que tais faculdades aprovam são graciosos e dignos; o
do dever. contrário, é desgracioso e indigno. As próprias palavras "certo",
198 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 199
Digo que essa opinião, ou apreensão, parece primeira- Quando tais estudos ocorreram, no entanto, confirma-
mente incutida pela natureza. Os homens são naturalmente le- ram-se as previsões originais da natureza. Seja qual for o fun-
vados a atribuir àqueles misteriosos seres, o que quer que se- damento de nossas faculdades morais, quer certa modificação
jam os objetos de temor religioso em qualquer país, todos os da razão, quer um instinto original chamado senso moral, ou
seus próprios sentimentos e paixões. Não possuem nenhum algum outro princípio de nossa natureza, não se pode duvi-
outro, nenhum outro são capazes de conceber, para atribuir- dar de que nos foram dadas para orientar nossa conduta nes-
lhes. Esses desconhecidos intelectos que imaginam, mas não ta vida. Trazem consigo as mais evidentes insígnias dessa au-
vêem, devem necessariamente ser formados com alguma espé- toridade, o que denota que foram instaladas dentro de nós para
cie de semelhança com os intelectos dos quais têm alguma ex- serem árbitros supremos de todas as nossas ações, para dirigir
periência. Durante a ignorância e treva da superstição pagã, a todos os nossos sentidos, paixões e apetites, e julgar em que
humanidade parece ter formado as idéias de suas divindades medida cada um deles deve ser satisfeito ou contido. Ao con-
com tão pouca delicadeza, que lhes atribuíram, indiscrimina- trário do que alguns pretenderam, de nenhuma maneira nos-
damente, todas as paixões da natureza humana, sem excluir as sas faculdades morais ocupam a mesma posição das outras
que menos honram a nossa espécie, como luxúria, fome, ava- faculdades e apetites de nossa naturen, ou seja, teriam tanto
reza, inveja e vingança. Por isso, não puderam deixar de atri- direito de conter estes últimos, quanto estes de as conter. Ne-
buir àqueles seres, por cuja natureza excelente ainda conce- nhuma outra faculdade ou princípio de ação julga qualquer
biam a mais extrema admiração, os sentimentos e qualidades outro. O amor não julga o ressentimento, nem o ressentimen-
que são o grande ornamento da humanidade, e que parecem to julga o amor. Essas duas paixões podem ser opostas entre
alçá-lo à semelhança da perfeição divina, a saber, o amor à si, mas não se pode dizer propriamente que aprovem ou de-
virtude e à benemerência, o horror ao vício e à injustiça. O ho- saprovem uma à outra. Porém, é ofício peculiar das faculda-
mem ofendido invocava Júpiter para testemunhar o mal que lhe des que ora examinamos julgar, censurar ou aplaudir, todos
faziam, e não duvidava de que esse ser divino contemplaria os outros princípios da nossa natureza. Podem ser considera-
a prática dessa injustiça com a mesma indignação que anima- das uma espécie de sentido, dos quais esses ptincípios são obje-
ria o espectador mais mesquinho. Quem praticou a ofensa sen- tos. Cada sentido é supremo em relação a seus objetos. O olho
tiu-se objeto apropriado de ódio e ressentimento dos outros; não apela da beleza ou das cores, nem o ouvido da harmonia
e seus temores naturais o levaram a imputar os mesmos sen- sonora, nem o gosto de sabores agradáveis. Cada um desses
timentos àqueles terríveis seres, cuja presença não podia evi- sentidos julga seus objetos em última instância. O que contenta
tar, e a cujo poder não podia resistir. Esperanças, medos e sus- o gosto é doce, o que agrada ao olho é belo, o que confotta o
peitas naturais foram propagados por solidariedade e confir- ouvido é harmonioso. A própria essência de cada uma dessas
mados pela educação, e universalmente se representaram e qualidades consiste em sua adequação a agradar ao sentido ao
se julgaram os deuses como os que recompensam a humani- qual se remete. Da mesma maneira, cabe às nossas faculdades
dade e a misericórdia, e os que vingam a perfídia e a injustiça. morais determinar quando se deve confortar o ouvido, quando
Assim, muito tempo antes da era da filosofia e do raciocínio se deve agradar ao olho, quando se deve contentar o gosto,
attificial, ainda que em sua forma mais rude, a religião sancio- quando e em que medida qualquer outro princípio de nossa
nou as regras da moralidade. Para que a natureza não deixas- natureza deve ser satisfeito ou contido. O que é agradável a
se a felicidade dos homens depender da lentidão e incerteza nossas faculdades morais é adequado, certo e apropriado fa-
dos estudos filosóficos foi de demasiada importância, pois, que zer-se; o contrário, errado, inadequado e impróprio. Os senti-
os terrores da religião dessem cumprimento ao senso natural mentos que tais faculdades aprovam são graciosos e dignos; o
do dever. contrário, é desgracioso e indigno. As próprias palavras "certo",
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 201
200
"errado" , "ad •quado", "impró prio", ''gracioso" "indigno", ig- truir em certa medida o plano que o Autor da Natureza esta-
nifi am ar nas o que agrada ou desagrada essa fa uJdad ~ . beleceu para a felicidade e perfeição do mundo, e nos decla-
PorL~tnto , urna vez que ras foram clanH11 nte d . .ígna- ramos, se assim posso dizer, em alguma medida inimigos de
las com princípios reguladores ela naturez<~ bltrna tp, as re- Deus. Donde sermos naturalmente encorajados a esperar Seu
gras qu, pr s -revem d m er onsiderada om manda- extraordinário favor e recompensa num caso, e a temer sua
ment s leis da Divindade, promulgad s pelos v i -reis que vingança e punição, no outro.
Ele instalou dentro de nós. Todas as regras gerais são comu- Há, além desses, muitos outros motivos e princípios natu-
ment denominadas lt:!is, d nele as r gras g rais a que os c r- rais que tendem, todos, a confirmar e inculcar a mesma salu-
pos obede em ao fetuar m vimenlo serem chamada leis tar doutrina. Se considerannos as regras gerais segundo as quais
d movimem >. ntudo, a r gra · g rais a que n . a · fa tlda- a prosperidade e adversidade exteriores são comumente dis-
des morais obedecem ao aprovar ou condenar qualquer sen- tribuídas nesta vida, descobriremos que, malgrado a desordem
timento ou ação sujeito à sua jurisdição com muito mais jus- em que tudo parece estar neste mundo, mesmo aqui toda virtu-
ti -a p d ·m s r as im hamada ·. uardam muito mais seme- de naturalmente encontra sua recompensa apropriada, ou seja,
lhan com o que hama propriam me de l is, a saber, as a mais adequada para encorajar e promovê-la; e isso é tão cer-
1 ·gra. g raie; qu sol er~mo stabelecc paríl ordcnaJ a ondu- to que é preciso um concurso extraordinário de circunstân-
ta d seus :üdil s. Corno tas, ão r gras para ordenar as a ô . cias para frustrá-la. Qual a recompensa mais apropriada para
livres dos homens; são prescritas mais acertadamente por um encorajar a destreza, a prudência e a circunspecção? Êxito em
su per! )r legílim<, raml · m resultRm na s:m ão d re mpen- toda sorte de negócios. E é possível que na vida inteira essas
as pu ni ·ôcs. Pois . vice-rei15 ele Deus d · nu-o d ~ nós nunca virtudes não o consigam obter? Riqueza e honrarias externas
deixam d punir a vi Jaçào delas com os rormcmos da censu- são sua recompensa apropriada, a que raramente deixam de
ra interna e autocondenação, e, ao contrário, sempre recom- obter. Qual a recompensa mais apropriada para promover a
pensam a obediência com tranqüilidade de espírito, contenta- prática da verdade, justiça e humanidade? A confiança, a esti-
mento e auto-satisfação. ma e o amor daqueles com quem vivemos. A humanidade
Há inúmeras outras considerações que servem para confir- não almeja ser eminente, mas ser amada. A verdade e a justi-
mar a mesma conclusão. A felicidade dos homens, assim como ça não se regozijariam com a riqueza, mas com a confiança e o
de todas as outras criaturas racionais, parece ter sido o pro- crédito, recompensas que tais virtudes quase sempre obtêm.
pósito original do Autor da Natureza quando os criou. Nenhu- Por alguma circunstância extraordinária e muito infeliz, um
ma outra finalidade parece digna da suprema sabedoria e divi- homem bom pode se tornar suspeito de um crime que seria
na benignidade qu ne ·essa riam ntc U1e atribuímo ·· essa totalmente incapaz de cometer, e por essa razão ser injusta-
o pini~ o, a que hegamo pela abstrata on icl era ào de Suas mente exposto, pelo resto de sua vida, ao horror e aversão dos
infinitas perfi içõ s, c nfinna.-a ma· · ai nda exame das obras homens. Pode-se dizer que esse o faria perder tudo, a des-
Ja NaLureza, qu pare · m, todas, designadas pat. promover fe- peito de sua integridade e justiça, do mesmo modo como um
liciclacJ pr t •g r ' ontra a desgra a. Mas, ao agi rmos de acor- homem cauteloso, a despeito de sua extrema circunspecção,
do com os ditames de nossas faculdades morais, necessaria- pode ser arruinado por um terremoto ou inundação. Aciden-
mente buscamos os meios mais eficazes de promover felicidade tes como os do primeiro tipo, porém, talvez sejam ainda mais
dos homens, e por conseguinte se pode dizer que, em certo raros e contrários ao curso c mum das coisas do que os do
sentido, colaboramos com a Divindade, e na medida de nos- segundo; ainda assim permanece verdadeiro que a prática da
sas possibilidades fazemos avançar os projetos da providên- verdade, justiça e humanidade é um método certo e quase in-
cia. Ao agirmos de outro modo, inversamente, parecemos obs- falível de adquirir o que essas virtudes mais almejam: a con-
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 201
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"errado" , "ad •quado", "impró prio", ''gracioso" "indigno", ig- truir em certa medida o plano que o Autor da Natureza esta-
nifi am ar nas o que agrada ou desagrada essa fa uJdad ~ . beleceu para a felicidade e perfeição do mundo, e nos decla-
PorL~tnto , urna vez que ras foram clanH11 nte d . .ígna- ramos, se assim posso dizer, em alguma medida inimigos de
las com princípios reguladores ela naturez<~ bltrna tp, as re- Deus. Donde sermos naturalmente encorajados a esperar Seu
gras qu, pr s -revem d m er onsiderada om manda- extraordinário favor e recompensa num caso, e a temer sua
ment s leis da Divindade, promulgad s pelos v i -reis que vingança e punição, no outro.
Ele instalou dentro de nós. Todas as regras gerais são comu- Há, além desses, muitos outros motivos e princípios natu-
ment denominadas lt:!is, d nele as r gras g rais a que os c r- rais que tendem, todos, a confirmar e inculcar a mesma salu-
pos obede em ao fetuar m vimenlo serem chamada leis tar doutrina. Se considerannos as regras gerais segundo as quais
d movimem >. ntudo, a r gra · g rais a que n . a · fa tlda- a prosperidade e adversidade exteriores são comumente dis-
des morais obedecem ao aprovar ou condenar qualquer sen- tribuídas nesta vida, descobriremos que, malgrado a desordem
timento ou ação sujeito à sua jurisdição com muito mais jus- em que tudo parece estar neste mundo, mesmo aqui toda virtu-
ti -a p d ·m s r as im hamada ·. uardam muito mais seme- de naturalmente encontra sua recompensa apropriada, ou seja,
lhan com o que hama propriam me de l is, a saber, as a mais adequada para encorajar e promovê-la; e isso é tão cer-
1 ·gra. g raie; qu sol er~mo stabelecc paríl ordcnaJ a ondu- to que é preciso um concurso extraordinário de circunstân-
ta d seus :üdil s. Corno tas, ão r gras para ordenar as a ô . cias para frustrá-la. Qual a recompensa mais apropriada para
livres dos homens; são prescritas mais acertadamente por um encorajar a destreza, a prudência e a circunspecção? Êxito em
su per! )r legílim<, raml · m resultRm na s:m ão d re mpen- toda sorte de negócios. E é possível que na vida inteira essas
as pu ni ·ôcs. Pois . vice-rei15 ele Deus d · nu-o d ~ nós nunca virtudes não o consigam obter? Riqueza e honrarias externas
deixam d punir a vi Jaçào delas com os rormcmos da censu- são sua recompensa apropriada, a que raramente deixam de
ra interna e autocondenação, e, ao contrário, sempre recom- obter. Qual a recompensa mais apropriada para promover a
pensam a obediência com tranqüilidade de espírito, contenta- prática da verdade, justiça e humanidade? A confiança, a esti-
mento e auto-satisfação. ma e o amor daqueles com quem vivemos. A humanidade
Há inúmeras outras considerações que servem para confir- não almeja ser eminente, mas ser amada. A verdade e a justi-
mar a mesma conclusão. A felicidade dos homens, assim como ça não se regozijariam com a riqueza, mas com a confiança e o
de todas as outras criaturas racionais, parece ter sido o pro- crédito, recompensas que tais virtudes quase sempre obtêm.
pósito original do Autor da Natureza quando os criou. Nenhu- Por alguma circunstância extraordinária e muito infeliz, um
ma outra finalidade parece digna da suprema sabedoria e divi- homem bom pode se tornar suspeito de um crime que seria
na benignidade qu ne ·essa riam ntc U1e atribuímo ·· essa totalmente incapaz de cometer, e por essa razão ser injusta-
o pini~ o, a que hegamo pela abstrata on icl era ào de Suas mente exposto, pelo resto de sua vida, ao horror e aversão dos
infinitas perfi içõ s, c nfinna.-a ma· · ai nda exame das obras homens. Pode-se dizer que esse o faria perder tudo, a des-
Ja NaLureza, qu pare · m, todas, designadas pat. promover fe- peito de sua integridade e justiça, do mesmo modo como um
liciclacJ pr t •g r ' ontra a desgra a. Mas, ao agi rmos de acor- homem cauteloso, a despeito de sua extrema circunspecção,
do com os ditames de nossas faculdades morais, necessaria- pode ser arruinado por um terremoto ou inundação. Aciden-
mente buscamos os meios mais eficazes de promover felicidade tes como os do primeiro tipo, porém, talvez sejam ainda mais
dos homens, e por conseguinte se pode dizer que, em certo raros e contrários ao curso c mum das coisas do que os do
sentido, colaboramos com a Divindade, e na medida de nos- segundo; ainda assim permanece verdadeiro que a prática da
sas possibilidades fazemos avançar os projetos da providên- verdade, justiça e humanidade é um método certo e quase in-
cia. Ao agirmos de outro modo, inversamente, parecemos obs- falível de adquirir o que essas virtudes mais almejam: a con-
202 TEORIA DO SENTIMENTOS M N.AJS TERCEIRA PARTE 203
.Aan a o am r daqueles m quem vivem ·. ma p soa p - por vezes deles se seguem. O velhaco industrioso cultiva o
c1 muit facilmente · r mal int rpr tada quant a uma a ão solo, o bom homem indolente o deixa sem cultivo. Quem
prutjcLIIar; mas é quase impossível qu s ja quant ao sen- deve colher os fmtos? Quem deve passar fome, quem deve
ti. lo geral de sua onduLa. P ele-s a rediLt:tr que um homem viver em abundância? O curso natural das coisas decide em
inocente pratic u o mal- qu , et tretantc , raramente acon- favor do velhaco, os sentimentos naturais da humanidade
t ce. Ao conu·ári , a flrme opinião ela inocência de seus hã- em favor do virtuoso, O homem julga que as boas qualida-
bir.os, freqü ntement no faz ab o lvê-1 quando realmente des de um são excessivamente recompensadas pelos benefí-
e rra, ·tpe ar de lndíd s multo fort s. Da mesma maneira um Li s 1ue tend m a Ih proporcionar e que as missões lo
velha pode e capat' da ensu ra u até receber aplausos por utro sã punida com demasiad·t s veridade pela Rfli ão
uma determinada patifaria, porque não se compr ende a sua qu bviamente lhe ausam; e as leis humana ons qüên-
conduta. Ma n nhum homem se comportou habitualm nte da de s ntim ntos hw11anos, privam clillg nre e • utelos
assim, s rn qu quas toei soubess rn, e nenhum bom m traidor de sua vida e posses ( estate nquamo dã extra rd i-
foi rreqüenrcment , suspeito de culpa, quand na r alidacle nárla re ompensa a fidel!dad a spírito públi ·o elo b<>m
ra p -·rfeitarnent In ente. E, na medida em qu víci e vir- cidadão, o qual, no entanto, ' imprevidente e eles uldado.
tude pod m . er punidos Oll recomp •nsad s pelo · emim o- Assim, a natureza ordena ao homem que corrija em certa
to opiniôes do home ns ambos segun lo o ·urso normal medida essa distribui ão das coisas, pois do contrãrio ela
das ·oi as, r cel em mesmo aqui algo mais elo 1u uma jLI Li- mesma teria corrigido. · m esse propósito, in ·i a-o a segu ir
ra ' ata e impru· ·ial. regras, as quais ·ão dlferentes da JU ela própria obed • e.
Ainda que, se considerada · I sse viés isem e fi! 'fico, A cada virtud a ·ada víc io ., oaLU r za dá 1 r isamcnt a
a· regras gerais pelas qu ~Lis prosperidade adver idad são r compensa u castigo qu .. "i• mai adequado rara nco-
·omumente distribuídas par ·am perfeitam nt ad quadas à rajar uma, e r f1 , ar o outro. A[ na e. !'ia considera âo a
situação dos homen nesta vid·t, ntuclo, nã se a laptam, ori nm, p uco lhe importam o. div rso graus de mériro
em nenhuma medida a alguns I nossos s ntimento. natUI·ais . ou demérito de que virtude e vício pareçam se apossar nos
.Nosso natural am r e admiraçâ 1 r alguma virtudes é tal entimeoto. -' paLxõ s do h mem. A contrário é isso unica-
que lesejadam s onferir-U'les toda . 01te d I onrarias e recom- m •nte que lhe importa, e s empenharia em con cder a a-
pensas mesmo as qu re onh e ema · ·orno próprias de qua- da virtud. uma po. i ão st~lte exatamente proporcional ao
lidad s que nem s mpre a ompanham essa virtudes. Ao con- rau de Lima e d , mor, e a cada ví io ao grau cl d sprezo
t ari , nosso dio a algun vícios ' ta l que d ejaríamos amon- :> borr r que el própri concebe. As regras que a narure7.'I se-
toar sob re ~ 1 s toda 01t de d sgra , e males, sem ex; tua r gu Ih ,, ão adequadas as que o homem s gue ão adequa-
>· que ào a con · qüên ia natural de qualidades bastante di- das para si mesm ; mas ambas são calcuhda par<t propiciai'
ver a . Magnanimidad , g ner ·idade justi ,a rdenam uma a mesma granel filnlidade: a ordem do mundo, ~~ p r~ ição
a lmiraç,.'âo tão levada, qu , desejamos vê-h coroad s de ri- a felicidade da natureza humana,
qLteza, p d r c honra · de toda sorte - conse JÜên la natural Embora desse modo o homem esteja empenhado em
d · prudê ncia, destr za e aplica ào, qualidades om as qual alterar a distribui .ão de oisas qu s v nt< . naturais f~t ­
essas vinud não estão inseparave.lmem as o iada ". Frau- riam , se ísso lhes fos l gado; embora, como s I us · d s
d ,, fal ' idad ~, brutalidad e violência p r outr lad , u. itam poetas, esteja intervindo perp tuamente p r meios extmordi-
n . eiro de todo homem tal e.<duni e repúdio, qu a ula nos- nários e m favor da virtude " em op sição a ví · , c, ainda
sa indignação vê-las po uírem henefíci , s quai talvez de como os deuses esforce-se por afastar a seta apontada para a
algum modo tenh·lm mereddo pela dilig~n ia d tr za que cabeça do justo, e, ao contrãrio, apresse o gládio da destrui-
202 TEORIA DO SENTIMENTOS M N.AJS TERCEIRA PARTE 203
.Aan a o am r daqueles m quem vivem ·. ma p soa p - por vezes deles se seguem. O velhaco industrioso cultiva o
c1 muit facilmente · r mal int rpr tada quant a uma a ão solo, o bom homem indolente o deixa sem cultivo. Quem
prutjcLIIar; mas é quase impossível qu s ja quant ao sen- deve colher os fmtos? Quem deve passar fome, quem deve
ti. lo geral de sua onduLa. P ele-s a rediLt:tr que um homem viver em abundância? O curso natural das coisas decide em
inocente pratic u o mal- qu , et tretantc , raramente acon- favor do velhaco, os sentimentos naturais da humanidade
t ce. Ao conu·ári , a flrme opinião ela inocência de seus hã- em favor do virtuoso, O homem julga que as boas qualida-
bir.os, freqü ntement no faz ab o lvê-1 quando realmente des de um são excessivamente recompensadas pelos benefí-
e rra, ·tpe ar de lndíd s multo fort s. Da mesma maneira um Li s 1ue tend m a Ih proporcionar e que as missões lo
velha pode e capat' da ensu ra u até receber aplausos por utro sã punida com demasiad·t s veridade pela Rfli ão
uma determinada patifaria, porque não se compr ende a sua qu bviamente lhe ausam; e as leis humana ons qüên-
conduta. Ma n nhum homem se comportou habitualm nte da de s ntim ntos hw11anos, privam clillg nre e • utelos
assim, s rn qu quas toei soubess rn, e nenhum bom m traidor de sua vida e posses ( estate nquamo dã extra rd i-
foi rreqüenrcment , suspeito de culpa, quand na r alidacle nárla re ompensa a fidel!dad a spírito públi ·o elo b<>m
ra p -·rfeitarnent In ente. E, na medida em qu víci e vir- cidadão, o qual, no entanto, ' imprevidente e eles uldado.
tude pod m . er punidos Oll recomp •nsad s pelo · emim o- Assim, a natureza ordena ao homem que corrija em certa
to opiniôes do home ns ambos segun lo o ·urso normal medida essa distribui ão das coisas, pois do contrãrio ela
das ·oi as, r cel em mesmo aqui algo mais elo 1u uma jLI Li- mesma teria corrigido. · m esse propósito, in ·i a-o a segu ir
ra ' ata e impru· ·ial. regras, as quais ·ão dlferentes da JU ela própria obed • e.
Ainda que, se considerada · I sse viés isem e fi! 'fico, A cada virtud a ·ada víc io ., oaLU r za dá 1 r isamcnt a
a· regras gerais pelas qu ~Lis prosperidade adver idad são r compensa u castigo qu .. "i• mai adequado rara nco-
·omumente distribuídas par ·am perfeitam nt ad quadas à rajar uma, e r f1 , ar o outro. A[ na e. !'ia considera âo a
situação dos homen nesta vid·t, ntuclo, nã se a laptam, ori nm, p uco lhe importam o. div rso graus de mériro
em nenhuma medida a alguns I nossos s ntimento. natUI·ais . ou demérito de que virtude e vício pareçam se apossar nos
.Nosso natural am r e admiraçâ 1 r alguma virtudes é tal entimeoto. -' paLxõ s do h mem. A contrário é isso unica-
que lesejadam s onferir-U'les toda . 01te d I onrarias e recom- m •nte que lhe importa, e s empenharia em con cder a a-
pensas mesmo as qu re onh e ema · ·orno próprias de qua- da virtud. uma po. i ão st~lte exatamente proporcional ao
lidad s que nem s mpre a ompanham essa virtudes. Ao con- rau de Lima e d , mor, e a cada ví io ao grau cl d sprezo
t ari , nosso dio a algun vícios ' ta l que d ejaríamos amon- :> borr r que el própri concebe. As regras que a narure7.'I se-
toar sob re ~ 1 s toda 01t de d sgra , e males, sem ex; tua r gu Ih ,, ão adequadas as que o homem s gue ão adequa-
>· que ào a con · qüên ia natural de qualidades bastante di- das para si mesm ; mas ambas são calcuhda par<t propiciai'
ver a . Magnanimidad , g ner ·idade justi ,a rdenam uma a mesma granel filnlidade: a ordem do mundo, ~~ p r~ ição
a lmiraç,.'âo tão levada, qu , desejamos vê-h coroad s de ri- a felicidade da natureza humana,
qLteza, p d r c honra · de toda sorte - conse JÜên la natural Embora desse modo o homem esteja empenhado em
d · prudê ncia, destr za e aplica ào, qualidades om as qual alterar a distribui .ão de oisas qu s v nt< . naturais f~t ­
essas vinud não estão inseparave.lmem as o iada ". Frau- riam , se ísso lhes fos l gado; embora, como s I us · d s
d ,, fal ' idad ~, brutalidad e violência p r outr lad , u. itam poetas, esteja intervindo perp tuamente p r meios extmordi-
n . eiro de todo homem tal e.<duni e repúdio, qu a ula nos- nários e m favor da virtude " em op sição a ví · , c, ainda
sa indignação vê-las po uírem henefíci , s quai talvez de como os deuses esforce-se por afastar a seta apontada para a
algum modo tenh·lm mereddo pela dilig~n ia d tr za que cabeça do justo, e, ao contrãrio, apresse o gládio da destrui-
204 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 205

çà mpunh ado contra o perverso, d nenhum m do é capaz, "Servirá à grandeza de Deus", diz o eloqüente e filosófi-
n 1tanto, de mudar a. fortuna de qt.1alquer um dos dois, tor- co Bispo de Clermont com a apaixonada e exagerada força
nando--a adequada ·1 u próp1:ios enliment s e desejos. da imaginação, que por vezes parece exceder os limites do
curso natural. das coisa nâ pod ser inteirament domina- decoro, "servirá à grandeza de Deus deixar o mundo que Ele
do pelo sfor os imp t nt s d homem, pai· a o1Tente é criou em meio a tão universal desordem? Ver o perverso
demasiado rãpida forte pan1 que a interrompa; e posto as quase sempre prevalecer sobre o justo; o usurpador destronar
r gra que a o rl ntrun apar nt m ter id estabelecidas para o inocente; o pai tornar-se vítima da ambição de um filho
os melhores e mais ábios propó ires, às vezes produzem efei- desnaturado; o marido expirar sob os golpes de uma esposa
tos que escandalizam todos os nossos sentimentos naturais. bárbara e infiel? Do alto de Sua grandeza, deveria Deus con-
Que um grand conjunto de homens devesse prevalecer so- templar esses melancólicos eventos como uma fantástica di-
bt um pequeno; qu os envolvidos numa empr -sa que requ r versão, sem participar deles? Por ser grande, Ele deveria ser
p r visão e muito preparo prevalecess m sobr o qu c-.are em fraco, ou injusto, ou bárbaro? Porque os homens são peque-
de preparo e se opõem aos outros; e que to lo flm d ve ria ser nos, dever-se-ia permitir-lhes ser dissolutos sem punição, ou
alca nçado somente pelo meios qu a natureza e tabele e u virtuosos sem recompensa? Ah, Deus! Se isso é uma caracte-
para sua aquisiç.:'lo parece constituir regra não somente ne- rística do Vosso supremo ser, se sois Vós a quem adoramos
cessária e in vitável em si mesma, mas até útil e apropriada por tão terríveis idéias, já não Vos posso reconhecer como
para sus itar a c.le. u·eza e atenção d hom ns. Todavia, se a meu pai, meu protetor, conforto de minha tristeza, amparo
cons qüên ·ia dessa r gra é o predomínio da violência c do de minha fraqueza, recompensa de minha fidelidade. Não se-
attifi io sobre a sinceridade e a justiça, quanta indignação não ríeis mais do que um tirano indolente e fantástico, que sacri-
se provo a o peito de ada espectador humano? Quanta dor fica os homens à sua vaidade insolente, e que os tirou do na-
e co mpai.xâ pelos sofrim nros d inocente, e qtJe furios res- da apenas para fazê-los servir de pilhéria do seu ócio e aos
sentin1ento ntra o êxito do opressor? Toei s ficamos igual- seus caprichos."
mente agravacl s e imdos pelo mal ausad , mas freqüen.- Quando as regras gerais que determinam o mérito e de-
t m nte pensamos que está inteiJam nte for<Jt d nosso p< der mérito de ações passam a ser assim consideradas como leis
repará-lo. Quando então desesp ramo d enc ntrar for na de um ser onipotente - que vigia nossa conduta e, numa vida
rena capaz de conter o rriunli da inju tiça, n. turalrnente apela- futura, recompensará a observância e punirá a infração des-
mos ao céus e esp ramo~ que doravante o grande Autor d sas leis- passam a adquirir, necessariamente, uma nova sa-
nossa natur za ex :ularã p r si. me m tud o que pnna- cralidade. De que nossa consideração pela vontade da Divin-
pí , forn ddos a nós por Ele para a orienta ào de n ssa condu- dade deveria ser a regra suprema de nossa conduta, ninguém,
ta nos inclinrun a renrar exe ·utar aqui• mesm ; que Ele ·omple- que acredite em Sua existência, pode duvidar. O mero pen-
tará o plano que n ensin u a iniciar· e, numa vida futu1<1, res- samento de desobediência parece implicar a mais ofensiva in-
titu irá a cada um onfom1 as bras que realizou n ste mund . conveniência. Como seria vão e absurdo que o homem negli-
E assim somos levados à crença numa condição futura, não ape- genciasse ou contrapusesse os comandos que a infinita sabe-
nas pelas fr:;1quezas, esperanças e medos da natureza humana, doria e o infinito poder lhe impingiram. Como é desnaturado
mas pelos mais nobres e melhores princípios que a ela perten- e impíedosamente ingrato quem não reverencia os preceitos
cem: o amor à virtude e o horror ao vício e à injustiça. que a infinita bondade do Criador prescreveu para si, embo-
ra de tal violação não se siga nenhum castigo! Também aqui
os mais fottes motivos do interesse próprio reiteram o senso
• Compare-se a Locke, Dois tratados sobre o governo, II, §§ 20-1.
(N. da R. T.) de conveniência. A idéia de que sempre estaremos sob as vis-
204 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 205

çà mpunh ado contra o perverso, d nenhum m do é capaz, "Servirá à grandeza de Deus", diz o eloqüente e filosófi-
n 1tanto, de mudar a. fortuna de qt.1alquer um dos dois, tor- co Bispo de Clermont com a apaixonada e exagerada força
nando--a adequada ·1 u próp1:ios enliment s e desejos. da imaginação, que por vezes parece exceder os limites do
curso natural. das coisa nâ pod ser inteirament domina- decoro, "servirá à grandeza de Deus deixar o mundo que Ele
do pelo sfor os imp t nt s d homem, pai· a o1Tente é criou em meio a tão universal desordem? Ver o perverso
demasiado rãpida forte pan1 que a interrompa; e posto as quase sempre prevalecer sobre o justo; o usurpador destronar
r gra que a o rl ntrun apar nt m ter id estabelecidas para o inocente; o pai tornar-se vítima da ambição de um filho
os melhores e mais ábios propó ires, às vezes produzem efei- desnaturado; o marido expirar sob os golpes de uma esposa
tos que escandalizam todos os nossos sentimentos naturais. bárbara e infiel? Do alto de Sua grandeza, deveria Deus con-
Que um grand conjunto de homens devesse prevalecer so- templar esses melancólicos eventos como uma fantástica di-
bt um pequeno; qu os envolvidos numa empr -sa que requ r versão, sem participar deles? Por ser grande, Ele deveria ser
p r visão e muito preparo prevalecess m sobr o qu c-.are em fraco, ou injusto, ou bárbaro? Porque os homens são peque-
de preparo e se opõem aos outros; e que to lo flm d ve ria ser nos, dever-se-ia permitir-lhes ser dissolutos sem punição, ou
alca nçado somente pelo meios qu a natureza e tabele e u virtuosos sem recompensa? Ah, Deus! Se isso é uma caracte-
para sua aquisiç.:'lo parece constituir regra não somente ne- rística do Vosso supremo ser, se sois Vós a quem adoramos
cessária e in vitável em si mesma, mas até útil e apropriada por tão terríveis idéias, já não Vos posso reconhecer como
para sus itar a c.le. u·eza e atenção d hom ns. Todavia, se a meu pai, meu protetor, conforto de minha tristeza, amparo
cons qüên ·ia dessa r gra é o predomínio da violência c do de minha fraqueza, recompensa de minha fidelidade. Não se-
attifi io sobre a sinceridade e a justiça, quanta indignação não ríeis mais do que um tirano indolente e fantástico, que sacri-
se provo a o peito de ada espectador humano? Quanta dor fica os homens à sua vaidade insolente, e que os tirou do na-
e co mpai.xâ pelos sofrim nros d inocente, e qtJe furios res- da apenas para fazê-los servir de pilhéria do seu ócio e aos
sentin1ento ntra o êxito do opressor? Toei s ficamos igual- seus caprichos."
mente agravacl s e imdos pelo mal ausad , mas freqüen.- Quando as regras gerais que determinam o mérito e de-
t m nte pensamos que está inteiJam nte for<Jt d nosso p< der mérito de ações passam a ser assim consideradas como leis
repará-lo. Quando então desesp ramo d enc ntrar for na de um ser onipotente - que vigia nossa conduta e, numa vida
rena capaz de conter o rriunli da inju tiça, n. turalrnente apela- futura, recompensará a observância e punirá a infração des-
mos ao céus e esp ramo~ que doravante o grande Autor d sas leis- passam a adquirir, necessariamente, uma nova sa-
nossa natur za ex :ularã p r si. me m tud o que pnna- cralidade. De que nossa consideração pela vontade da Divin-
pí , forn ddos a nós por Ele para a orienta ào de n ssa condu- dade deveria ser a regra suprema de nossa conduta, ninguém,
ta nos inclinrun a renrar exe ·utar aqui• mesm ; que Ele ·omple- que acredite em Sua existência, pode duvidar. O mero pen-
tará o plano que n ensin u a iniciar· e, numa vida futu1<1, res- samento de desobediência parece implicar a mais ofensiva in-
titu irá a cada um onfom1 as bras que realizou n ste mund . conveniência. Como seria vão e absurdo que o homem negli-
E assim somos levados à crença numa condição futura, não ape- genciasse ou contrapusesse os comandos que a infinita sabe-
nas pelas fr:;1quezas, esperanças e medos da natureza humana, doria e o infinito poder lhe impingiram. Como é desnaturado
mas pelos mais nobres e melhores princípios que a ela perten- e impíedosamente ingrato quem não reverencia os preceitos
cem: o amor à virtude e o horror ao vício e à injustiça. que a infinita bondade do Criador prescreveu para si, embo-
ra de tal violação não se siga nenhum castigo! Também aqui
os mais fottes motivos do interesse próprio reiteram o senso
• Compare-se a Locke, Dois tratados sobre o governo, II, §§ 20-1.
(N. da R. T.) de conveniência. A idéia de que sempre estaremos sob as vis-
206 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 207

ta. d - Deus e expostos , ·asrigo deste grande vingador da CAPÍTULO VI


injusti ·a, malgrado p s arnos nos furtar à vigilância dos ho- Em que casos o senso do deuer devetia ser o único
mens ou nos p si ·ionar fora do alcance da punição huma- princípio de nossa ondttla; e em que casos ' le1 eria
na, é razão para r frear as mais obstinadas paixões, pelo me- olncfdit· com outros motivos
nos as dos homens que, por reflexão constante, fizeram-se
afeitos a tal idéia. A religião provê motiv s tão fottes para a práli a da ir-
É assim que a religião dá cumprimento ao senso natural rude, protege-n , ela tenta. ão do vído por meio d r . rri - s
de dever, e é daí que a maioria dos homens está disposta a de- tão poder a , que muito. fOI"ln1 I vad s a supor qu os prin-
positar gra nde nfiança na pr hidad do que parecem pro- cipias religiosos · n lltLJíam s únicos motivos lou á'v' is de
funda mem imbuídos de senlime nt . religio. os. imagina-s a ào. " ão d veríamos", diz m, "r orup nsar por ratidão,
que tais p soas estejam tada. por Lllra aman"a, além la qu 11 m punir por r ·s nlíme nlo; não d v riamos proteger o d -
regulam a candura dos demais. resp iLo à conven iência d • . a mparo de nossos filh , nem prov r ·onf rto às fraqu ezas
qualquer ação, bem · m r putaçào; o resp iLO ao aplau- d nossos pais, por afet oaLura l. Todos os afetos por obje-
$0 de eu próprio p >lt , b ~m ·amo do de ou u· m, . à m ti-
to:· p:11ticu lares devem ser extin Los de nosso peito, para qu "
vos qu , upõ -s , rêrn sobre o homem religioso a mesma uma grande a~ i _ o ro.me o lu •ar d -· t< das a >utrns: o amor
influência q u o sobr o mund~mo. Mas o primeiro sofre outra
à Divindade, o desejo de nos t roarm >s <l má e is a Ele, e de
resl.riçà , 1 is nunca age de modo ponderado, senão em pre-
rienLarmo nossa conduw em lodo. . a. p •ctos segundo a
sença do grande Superior, o qual finalmente o re < mpcn.sa-
Sua vontade. Não deveriam ser rntos p r gra tidà , carido-
rá de acordo com seus atos*. Deposita-se, por isso, maior on-
sos por hum:10üarismo, não deveríamo tet· spíri LC> público
flan ,'<J na regularidade e pr cisão de sua conduta. E, sempre
JUe o prin ·ípios naturai da re ligião não 1 orrompi L s p r amor a nosso país, n m g n r<>so e justas apentt · 1. or
3

por fac ·ões e pelo ferv r partidário de algum onJuio in dig- arn r aos bom ns. ún.ico princípio e motivo d n . sa can-
no; s mpre qu o prim.eir dever exigido seja cumprir t da · dura n umplime nto de todos ss s c.lifer n es deve re. de-
as obriga ' Õ da moralidad ; empre que aos homens não se veria ser um s ns de que Deus nos rdeno~t qu s umprí:l-
l!ns ine qu o esp ' i o às bserv1n ias frívolas são deveres de se.m s." Não m deterei, por or., em xamin:.u· p'tltl ·ularmenlc
reUgià .mai imediatos q ue atos de jusLi a e ben fi ~n ·ia ou ~s opinlâO; apena advirto que não se l!Sper en ·onlrar uma
qu podem n gocia1· c m a Divindade, trocando sa Tifícios, seita qu a mantenha a me:-;mo tem pu St:: profes e d uma re-
·erirnônias vãs sú pli as por fraude, p rf'ícli3 e vi Jê n ·ia, sem
3
Ligião pa qual o prim ir preceiLo se ja o d a 111 ~u· Deu , n . so
dú ida o mund dá, a esse resp ito, um ver dlLO orret , de- , nhor c..l L do o coraç , com toda a n.ossa alma c rn w la
r>< si ando, justamente, dobrada conf1 an ·~l na relidâ de con- a nossa ~ rça, seguod , d amar noss próximo
duw d homem religioso. nó mesmo. . ertam "nt nos amamos por nós mesmo , • não
s mente porqu is n s foí rdenaclo. Em ne nhuma p rL o ,
Cdsl.ia.nism ord •na o preceiLo de que o s nso 1 dever ons-
ritui únic prin ípi >de nossa ·ondu ta· mas , que d vn ser o
domimmte e o regulador, ordena- a filosofia , e de fato o sen-
so-comum.
P l r-se-ia pe rg mLar, en treta nto, em que .ts s n ssas
ações deveriam se originar pdn ipal u imeiramenre de um s n-
• Romanos 2:6: "Deus recompensará a cada um segundo suas obras."
(N. ela R. T.)
so de dever, u de uma considençâo por regras gerais, 'm
206 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 207

ta. d - Deus e expostos , ·asrigo deste grande vingador da CAPÍTULO VI


injusti ·a, malgrado p s arnos nos furtar à vigilância dos ho- Em que casos o senso do deuer devetia ser o único
mens ou nos p si ·ionar fora do alcance da punição huma- princípio de nossa ondttla; e em que casos ' le1 eria
na, é razão para r frear as mais obstinadas paixões, pelo me- olncfdit· com outros motivos
nos as dos homens que, por reflexão constante, fizeram-se
afeitos a tal idéia. A religião provê motiv s tão fottes para a práli a da ir-
É assim que a religião dá cumprimento ao senso natural rude, protege-n , ela tenta. ão do vído por meio d r . rri - s
de dever, e é daí que a maioria dos homens está disposta a de- tão poder a , que muito. fOI"ln1 I vad s a supor qu os prin-
positar gra nde nfiança na pr hidad do que parecem pro- cipias religiosos · n lltLJíam s únicos motivos lou á'v' is de
funda mem imbuídos de senlime nt . religio. os. imagina-s a ào. " ão d veríamos", diz m, "r orup nsar por ratidão,
que tais p soas estejam tada. por Lllra aman"a, além la qu 11 m punir por r ·s nlíme nlo; não d v riamos proteger o d -
regulam a candura dos demais. resp iLo à conven iência d • . a mparo de nossos filh , nem prov r ·onf rto às fraqu ezas
qualquer ação, bem · m r putaçào; o resp iLO ao aplau- d nossos pais, por afet oaLura l. Todos os afetos por obje-
$0 de eu próprio p >lt , b ~m ·amo do de ou u· m, . à m ti-
to:· p:11ticu lares devem ser extin Los de nosso peito, para qu "
vos qu , upõ -s , rêrn sobre o homem religioso a mesma uma grande a~ i _ o ro.me o lu •ar d -· t< das a >utrns: o amor
influência q u o sobr o mund~mo. Mas o primeiro sofre outra
à Divindade, o desejo de nos t roarm >s <l má e is a Ele, e de
resl.riçà , 1 is nunca age de modo ponderado, senão em pre-
rienLarmo nossa conduw em lodo. . a. p •ctos segundo a
sença do grande Superior, o qual finalmente o re < mpcn.sa-
Sua vontade. Não deveriam ser rntos p r gra tidà , carido-
rá de acordo com seus atos*. Deposita-se, por isso, maior on-
sos por hum:10üarismo, não deveríamo tet· spíri LC> público
flan ,'<J na regularidade e pr cisão de sua conduta. E, sempre
JUe o prin ·ípios naturai da re ligião não 1 orrompi L s p r amor a nosso país, n m g n r<>so e justas apentt · 1. or
3

por fac ·ões e pelo ferv r partidário de algum onJuio in dig- arn r aos bom ns. ún.ico princípio e motivo d n . sa can-
no; s mpre qu o prim.eir dever exigido seja cumprir t da · dura n umplime nto de todos ss s c.lifer n es deve re. de-
as obriga ' Õ da moralidad ; empre que aos homens não se veria ser um s ns de que Deus nos rdeno~t qu s umprí:l-
l!ns ine qu o esp ' i o às bserv1n ias frívolas são deveres de se.m s." Não m deterei, por or., em xamin:.u· p'tltl ·ularmenlc
reUgià .mai imediatos q ue atos de jusLi a e ben fi ~n ·ia ou ~s opinlâO; apena advirto que não se l!Sper en ·onlrar uma
qu podem n gocia1· c m a Divindade, trocando sa Tifícios, seita qu a mantenha a me:-;mo tem pu St:: profes e d uma re-
·erirnônias vãs sú pli as por fraude, p rf'ícli3 e vi Jê n ·ia, sem
3
Ligião pa qual o prim ir preceiLo se ja o d a 111 ~u· Deu , n . so
dú ida o mund dá, a esse resp ito, um ver dlLO orret , de- , nhor c..l L do o coraç , com toda a n.ossa alma c rn w la
r>< si ando, justamente, dobrada conf1 an ·~l na relidâ de con- a nossa ~ rça, seguod , d amar noss próximo
duw d homem religioso. nó mesmo. . ertam "nt nos amamos por nós mesmo , • não
s mente porqu is n s foí rdenaclo. Em ne nhuma p rL o ,
Cdsl.ia.nism ord •na o preceiLo de que o s nso 1 dever ons-
ritui únic prin ípi >de nossa ·ondu ta· mas , que d vn ser o
domimmte e o regulador, ordena- a filosofia , e de fato o sen-
so-comum.
P l r-se-ia pe rg mLar, en treta nto, em que .ts s n ssas
ações deveriam se originar pdn ipal u imeiramenre de um s n-
• Romanos 2:6: "Deus recompensará a cada um segundo suas obras."
(N. ela R. T.)
so de dever, u de uma considençâo por regras gerais, 'm
208 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 209
qu casos algum urro sentüneot u :W L dev da coincid ir sidade de nossos próprios corações, sem nenhuma relutância ,
u exercer uma influência de ·i iva . sem sermos obrigados a refletir sobre a notável conveniência
A solu ·ão de::;sa 1 ergt.1nta, qu ta lvez não se p ossa for- de se recompensar; mas sempre deveríamos punir com relu-
necer om gra nel exati lão, cl p nderá de duas circunstân- tância, mais por um senso da conveniência de se punir do que
cias di.D r · nt s: p rim Ira, la natural ama b üidade ou d formi- por qualquer selvagem disposição para vingar-se . Nada é mais
clad do sentünent ou afeto qu nos levaria a pnnJ ' r uma gracioso do que o comportamento do homem que aparenta
ação qual jt.Jer, indep nd mcmentc de toda_c?nsid ~~ ;"" p _r ressentir-se das maiores ofensas, mais por um senso de que
regras g rais; s gundo, ela precis< o e exaudao, ou unpreci- estas merecem ressentimento e são seus objetos apropriados,
sã e in 1t za das próprias r gras gerais. do que por sentir as fúrias dessa desagradável paixão; que,
L Pdm íro, afirmo que depL:nderá da natural amabilida- como um juiz, leva em conta apenas a regra geral, a qual de-
d ou leformidacl d pr· prio :.ú'eto, isto é, em que l1l d ida n termina que vingança é devida a cada ofensa particular; que,
a. · ações deveriam se originar daí, ou pro eder inteiram nte ao pôr em execução essa regra, sente menos o que ele pró-
de s r spe it:ar a regm geral. prio sofreu do que o ofensor está prestes a sofrer; que, em-
T das essas ações amáveis atlml rãv · is :.l qu. nos im- bora irado, lembra-se da misericórdia, e está disposto a inter-
p !iriam os af tos benevol .nt s deveriam pro •d r ta nto da pretar a regra da maneira mais gentil e favorável, e a permitir
próprias paix s, quant d qualque r ·on idera .à la re- todos os paliativos que a mais sincera humanidade poderia, em
gras gerais d conduta. Um benfeito r julga-se mal re ~mpen­ conformidade com o bom-senso, admitir.
sado quando a p a a quem prest u seus l ons serviços os Já se observou anteriormente que, em outros aspectos, as
retribui apenas p r um fri ns I· dev r, . rn qua lquer paixões egoístas ocupam uma espécie de posição interme-
afeto para om a sua pess a. m marido fi ·a insatisf ito c~m diária entre os afetos sociáveis e insaciáveis•. O mesmo ocor-
a mais obet.l ient esp sa, im gin::l que n nhum ouu·o prm- re aqui. Em todos os casos comuns, miúdos e ordinários, a bus-
cípio m uva sua ndu ra, além do r peit pelo que exige o ca por objetos de interesse particular deveria derivar antes de
vín ·ul que a prende. Eml ora um filho não d vesse se esque- uma consideração por regras gerais que prescrevem tal con-
r d .• n 1huma la. tar fa . do d er fil ial se lhe falla a afetuo- duta, do que de qualquer paixão pelos objetos em si; no entan-
sa rev rên ia que Ih conv m I remaneira se ntir, 1 ai pod to, em ocasiões mais importantes e extraordinárias, deveríamos
justam nt re ·lamar de sua indifcr n a. Tamp uc um fil ho ficar embaraçados, estúpidos e sem-graça, se os próprios obje-
p cleria ;alisfaz ·-s p l an1 ~me com um pai qu , embo1 cu m- tos não parecessem nos animar com um grau considerável de
1 ri ' Sc todos o. dev res de sua condi :ão nada tiv sse d cari- paixão. Estar apreensivo ou arquitetar alguma trama seja pa-
l"lho paternal qu se poderia esperar dele. o que diz r sp i- ra ganhar, seja para poupar um só xelim degradaria o mais vul-
to a todos sses afetos ben vol nt s e o iáv is, é agradável gar comerciante na opinião de seus vizinhos. Contanto que
vcr os nso de dever e mp regad ante paro refrear, do qu e suas circunstâncias sejam míseras, nenhuma atenção a assun-
para os animar, antes para lmpedi.r le nos edem1 , do tos por si só tão pequenos deve transparecer na sua conduta.
1ue para nos impelir a faz r o que leveríamos. ã-nos pn.lz r Sua situação pode exigir a mais rigorosa poupança, e a mais
ver um pai obrigado a conlr lar o próprio arinb , um amigo exata diligência; mas cada esforço particular dessa poupança
obrigado a est·tbe lecer limites para ua gen rosidade natura l, e diligência deve proceder, não tanto da consideração pela
uma pessoa u ~ re cl eu um 1 en fí io I rigacb ~~ c ntcr a gra- poupança ou ganho específicos, como da regra geral que lhe
tidão sanguínea de seu próprio temperamento.
A máxima contrária diz respeito às paixões maléficas e
insa ciáveis. Deveríamos recompensar pela gratidão e genero- • TSM, Parte I, Seção 11, Cap. V, pp. 46-8. (N. da R. T.)
208 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 209
qu casos algum urro sentüneot u :W L dev da coincid ir sidade de nossos próprios corações, sem nenhuma relutância ,
u exercer uma influência de ·i iva . sem sermos obrigados a refletir sobre a notável conveniência
A solu ·ão de::;sa 1 ergt.1nta, qu ta lvez não se p ossa for- de se recompensar; mas sempre deveríamos punir com relu-
necer om gra nel exati lão, cl p nderá de duas circunstân- tância, mais por um senso da conveniência de se punir do que
cias di.D r · nt s: p rim Ira, la natural ama b üidade ou d formi- por qualquer selvagem disposição para vingar-se . Nada é mais
clad do sentünent ou afeto qu nos levaria a pnnJ ' r uma gracioso do que o comportamento do homem que aparenta
ação qual jt.Jer, indep nd mcmentc de toda_c?nsid ~~ ;"" p _r ressentir-se das maiores ofensas, mais por um senso de que
regras g rais; s gundo, ela precis< o e exaudao, ou unpreci- estas merecem ressentimento e são seus objetos apropriados,
sã e in 1t za das próprias r gras gerais. do que por sentir as fúrias dessa desagradável paixão; que,
L Pdm íro, afirmo que depL:nderá da natural amabilida- como um juiz, leva em conta apenas a regra geral, a qual de-
d ou leformidacl d pr· prio :.ú'eto, isto é, em que l1l d ida n termina que vingança é devida a cada ofensa particular; que,
a. · ações deveriam se originar daí, ou pro eder inteiram nte ao pôr em execução essa regra, sente menos o que ele pró-
de s r spe it:ar a regm geral. prio sofreu do que o ofensor está prestes a sofrer; que, em-
T das essas ações amáveis atlml rãv · is :.l qu. nos im- bora irado, lembra-se da misericórdia, e está disposto a inter-
p !iriam os af tos benevol .nt s deveriam pro •d r ta nto da pretar a regra da maneira mais gentil e favorável, e a permitir
próprias paix s, quant d qualque r ·on idera .à la re- todos os paliativos que a mais sincera humanidade poderia, em
gras gerais d conduta. Um benfeito r julga-se mal re ~mpen­ conformidade com o bom-senso, admitir.
sado quando a p a a quem prest u seus l ons serviços os Já se observou anteriormente que, em outros aspectos, as
retribui apenas p r um fri ns I· dev r, . rn qua lquer paixões egoístas ocupam uma espécie de posição interme-
afeto para om a sua pess a. m marido fi ·a insatisf ito c~m diária entre os afetos sociáveis e insaciáveis•. O mesmo ocor-
a mais obet.l ient esp sa, im gin::l que n nhum ouu·o prm- re aqui. Em todos os casos comuns, miúdos e ordinários, a bus-
cípio m uva sua ndu ra, além do r peit pelo que exige o ca por objetos de interesse particular deveria derivar antes de
vín ·ul que a prende. Eml ora um filho não d vesse se esque- uma consideração por regras gerais que prescrevem tal con-
r d .• n 1huma la. tar fa . do d er fil ial se lhe falla a afetuo- duta, do que de qualquer paixão pelos objetos em si; no entan-
sa rev rên ia que Ih conv m I remaneira se ntir, 1 ai pod to, em ocasiões mais importantes e extraordinárias, deveríamos
justam nt re ·lamar de sua indifcr n a. Tamp uc um fil ho ficar embaraçados, estúpidos e sem-graça, se os próprios obje-
p cleria ;alisfaz ·-s p l an1 ~me com um pai qu , embo1 cu m- tos não parecessem nos animar com um grau considerável de
1 ri ' Sc todos o. dev res de sua condi :ão nada tiv sse d cari- paixão. Estar apreensivo ou arquitetar alguma trama seja pa-
l"lho paternal qu se poderia esperar dele. o que diz r sp i- ra ganhar, seja para poupar um só xelim degradaria o mais vul-
to a todos sses afetos ben vol nt s e o iáv is, é agradável gar comerciante na opinião de seus vizinhos. Contanto que
vcr os nso de dever e mp regad ante paro refrear, do qu e suas circunstâncias sejam míseras, nenhuma atenção a assun-
para os animar, antes para lmpedi.r le nos edem1 , do tos por si só tão pequenos deve transparecer na sua conduta.
1ue para nos impelir a faz r o que leveríamos. ã-nos pn.lz r Sua situação pode exigir a mais rigorosa poupança, e a mais
ver um pai obrigado a conlr lar o próprio arinb , um amigo exata diligência; mas cada esforço particular dessa poupança
obrigado a est·tbe lecer limites para ua gen rosidade natura l, e diligência deve proceder, não tanto da consideração pela
uma pessoa u ~ re cl eu um 1 en fí io I rigacb ~~ c ntcr a gra- poupança ou ganho específicos, como da regra geral que lhe
tidão sanguínea de seu próprio temperamento.
A máxima contrária diz respeito às paixões maléficas e
insa ciáveis. Deveríamos recompensar pela gratidão e genero- • TSM, Parte I, Seção 11, Cap. V, pp. 46-8. (N. da R. T.)
210 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 211
prescreve om exlr m rlgor essa regularidade da c ndu ta. e Retz. Os objetos da avareza e da ambição diferem apenas r ~
ua parcimônia le h je não d ve se originar especifi amen- em grandeza. Um miserável enfurece-se tanto por um centavo,
te do desejo pelas u·ê · moedas que isso lhe permite p upar, quanto um homem ambicioso p la onquista de um reino.
r.unpou o n-a! alh em ua loja deve proceder especificamen- II. Segundo, afirmo que dep nde rá parcialmente da pre-
te de uma paix, o p la · d z moed s que bt rã com iss ; r-mro cisão e exatidão, ou da imprecisão e incerteza das próprias
uma como outro deveriam se originar ap nas le uma conside- regra. gerais, isto é em que medlda nossa conduta deveria
ra ã p la regra gera l que prescr v , · ma mais ímplacáv~l pr ceder inteiram nte de se re ·peitá-las.
sev ridade, esse piao d conduta a todas as pessoas que VI- As regra· g ra i- relativas a quase todas a virtudes, as que
v m da m sma maneira que ele. Nisso consiste a diferença en- determinam quais as tarefas da prudência, da caridade, da ge-
tre o caráter de um miserável e o de um homem de correta eco- nerosidade, da gratidão, da amizade, são em muitos aspectos
nomia e diligência. A uns os assuntos miúdos preocupam por imprecisas e incertas, pois admitem muitas exceções, e exigem
si mesmos; ao outro, esses assuntos interessam apenas por cau- tantas modificações que é quase impossível regular nossa con-
sa do programa de vida que estabeleceu para si próprio. duta inteiramente por respeito a elas. As máximas proverbiais
Dá-se o contrário quando se trata de objetos de interes- comuns da prudência, sendo fundadas na experiência uni-
se pessoal mais importantes e extraordinários. Revela-se de versal, talvez sejam as melhores regras gerais que a esse res-
espírito mesquinho quem não p rsegu tais objeto por si m~s­ peito se J ossa oferecer. Entretanto, afetar que se as segue de
mos, com alguma perseverança. D •v ríamos despr zar um pnn- modo rigorosamente estrito c lit ral evidenciaria o mais absur-
ipe que não se pr ocupass em conquistar ou defender uma do e ridículo pedantismo. De todas as virtudes recém-men-
pro ín ia. D veríam s t · r p \lCO respeito por um cavalheiro cionadas, talvez a gratidão possua as regras mais precisas, e
t baixa patente qu não se mpcnhasse em adqu irir poss s admita o menor número de exceções. Que tão logo pudésse-
u mesmo um "u·g ·o nsideráv I, 4uando . · p d ria obt r mos deveríamos dar igual e, se possível, superior retribuição
sem mesquinharia ou injustiça. m m mbro d Pariam nto aos favores recebidos, pareceria uma regra bastante clara, e
que não dt:!monstra entusiasmo pela sua própria eleição é que admit pouqllÍ. imas ex e õ s. No entanto, ao mais su-
abandonado p I s amigos por ser totalmente indigno de sua P rfi ial exam , essa regm rev !ará o mais alto grau d im-
afe.i ão. Até me mo s colegas julgam fr uxo o come r iam precisão e inc rteza e admiti.rá d z mil exceçõ . Se r-u ben-
q u nã mov uma palha para ter o qu chamam um cxc - ~ it >r ·uidou le ú quando e ravas nf< rmo, d v •rias tu cuidar
lt!nte se rviço ou um beneficio in o mum. Essa ou adia e en- dele se adoentasse? Ou podes cumprir a obrigação de gratidão,
tusiasmo fazem a diferença entre hom m mpreend dor retribuindo-o de outra maneira? Se devesses cuidar dele, seria
o homem de obtusa regularidade. Aqueles grandes objetos por quanto tempo? Pelo mesmo tempo em que ele cuidou de
de interesse próprio, cuja perda ou aquisição muda inteira- ti, ou mais, e quanto mais? Se teu amigo emprestou-te dinhei-
mente a posição social de alguém, são objetos da paixão pro- ro quando estavas aflito, deverias emprestar-lhe dinheiro quan-
pri.-u11en chamada ambição, paixâ qu , quando m..'lntida d n- do precisar? E quanto deverias emprestar? Quando? A ora, ama-
tro da fronteiras da prudên ia da justiça é sempre admira- nhã, no mês que vem? E por quanto tempo? É evid ·nte que
da no mundo, mas, quando ullra pas a os limites des. as dua. não se pode estabelecer regra geral que forneça resposta pre-
virtudes, assumindo um espl 'odor irregular qu of<JS ·~ a Jma- cisa a todas essas questões. A diferença entre o caráter do ou-
ginação, torna-se não apenas inju ta , mas extravag·u1t . Daí a tro e o teu, a situação dele e a tua, pode ser tal que sejas per-
admimção gemi por heróis e conqu istador s, té por . tadistas, feitame nte grato mas te recuses a lhe mp.restar um centavo;
cujos projetos fo rar:n mt1ito audaciosos amplos, emb ra t tal - e, ao onu, rio, podes estar disposto a empr star, ou até lhe dar
ment despidos de justiça, tais como os dos ard ais Ri h li u dez vezes a quantia que ele te emprestou, e, contudo, ser jus-
210 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 211
prescreve om exlr m rlgor essa regularidade da c ndu ta. e Retz. Os objetos da avareza e da ambição diferem apenas r ~
ua parcimônia le h je não d ve se originar especifi amen- em grandeza. Um miserável enfurece-se tanto por um centavo,
te do desejo pelas u·ê · moedas que isso lhe permite p upar, quanto um homem ambicioso p la onquista de um reino.
r.unpou o n-a! alh em ua loja deve proceder especificamen- II. Segundo, afirmo que dep nde rá parcialmente da pre-
te de uma paix, o p la · d z moed s que bt rã com iss ; r-mro cisão e exatidão, ou da imprecisão e incerteza das próprias
uma como outro deveriam se originar ap nas le uma conside- regra. gerais, isto é em que medlda nossa conduta deveria
ra ã p la regra gera l que prescr v , · ma mais ímplacáv~l pr ceder inteiram nte de se re ·peitá-las.
sev ridade, esse piao d conduta a todas as pessoas que VI- As regra· g ra i- relativas a quase todas a virtudes, as que
v m da m sma maneira que ele. Nisso consiste a diferença en- determinam quais as tarefas da prudência, da caridade, da ge-
tre o caráter de um miserável e o de um homem de correta eco- nerosidade, da gratidão, da amizade, são em muitos aspectos
nomia e diligência. A uns os assuntos miúdos preocupam por imprecisas e incertas, pois admitem muitas exceções, e exigem
si mesmos; ao outro, esses assuntos interessam apenas por cau- tantas modificações que é quase impossível regular nossa con-
sa do programa de vida que estabeleceu para si próprio. duta inteiramente por respeito a elas. As máximas proverbiais
Dá-se o contrário quando se trata de objetos de interes- comuns da prudência, sendo fundadas na experiência uni-
se pessoal mais importantes e extraordinários. Revela-se de versal, talvez sejam as melhores regras gerais que a esse res-
espírito mesquinho quem não p rsegu tais objeto por si m~s­ peito se J ossa oferecer. Entretanto, afetar que se as segue de
mos, com alguma perseverança. D •v ríamos despr zar um pnn- modo rigorosamente estrito c lit ral evidenciaria o mais absur-
ipe que não se pr ocupass em conquistar ou defender uma do e ridículo pedantismo. De todas as virtudes recém-men-
pro ín ia. D veríam s t · r p \lCO respeito por um cavalheiro cionadas, talvez a gratidão possua as regras mais precisas, e
t baixa patente qu não se mpcnhasse em adqu irir poss s admita o menor número de exceções. Que tão logo pudésse-
u mesmo um "u·g ·o nsideráv I, 4uando . · p d ria obt r mos deveríamos dar igual e, se possível, superior retribuição
sem mesquinharia ou injustiça. m m mbro d Pariam nto aos favores recebidos, pareceria uma regra bastante clara, e
que não dt:!monstra entusiasmo pela sua própria eleição é que admit pouqllÍ. imas ex e õ s. No entanto, ao mais su-
abandonado p I s amigos por ser totalmente indigno de sua P rfi ial exam , essa regm rev !ará o mais alto grau d im-
afe.i ão. Até me mo s colegas julgam fr uxo o come r iam precisão e inc rteza e admiti.rá d z mil exceçõ . Se r-u ben-
q u nã mov uma palha para ter o qu chamam um cxc - ~ it >r ·uidou le ú quando e ravas nf< rmo, d v •rias tu cuidar
lt!nte se rviço ou um beneficio in o mum. Essa ou adia e en- dele se adoentasse? Ou podes cumprir a obrigação de gratidão,
tusiasmo fazem a diferença entre hom m mpreend dor retribuindo-o de outra maneira? Se devesses cuidar dele, seria
o homem de obtusa regularidade. Aqueles grandes objetos por quanto tempo? Pelo mesmo tempo em que ele cuidou de
de interesse próprio, cuja perda ou aquisição muda inteira- ti, ou mais, e quanto mais? Se teu amigo emprestou-te dinhei-
mente a posição social de alguém, são objetos da paixão pro- ro quando estavas aflito, deverias emprestar-lhe dinheiro quan-
pri.-u11en chamada ambição, paixâ qu , quando m..'lntida d n- do precisar? E quanto deverias emprestar? Quando? A ora, ama-
tro da fronteiras da prudên ia da justiça é sempre admira- nhã, no mês que vem? E por quanto tempo? É evid ·nte que
da no mundo, mas, quando ullra pas a os limites des. as dua. não se pode estabelecer regra geral que forneça resposta pre-
virtudes, assumindo um espl 'odor irregular qu of<JS ·~ a Jma- cisa a todas essas questões. A diferença entre o caráter do ou-
ginação, torna-se não apenas inju ta , mas extravag·u1t . Daí a tro e o teu, a situação dele e a tua, pode ser tal que sejas per-
admimção gemi por heróis e conqu istador s, té por . tadistas, feitame nte grato mas te recuses a lhe mp.restar um centavo;
cujos projetos fo rar:n mt1ito audaciosos amplos, emb ra t tal - e, ao onu, rio, podes estar disposto a empr star, ou até lhe dar
ment despidos de justiça, tais como os dos ard ais Ri h li u dez vezes a quantia que ele te emprestou, e, contudo, ser jus-
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 213
212

tamente acusado da mais n ra Ingratidão, de não ter ·umpri- pretexto r<tZoável, que uma determin ada violação não provo-
do um centésimo da obriga ;o a qu ·tás atado. Assim mo caria dano alg 1111. Não é raro qu um homem s Lr'ansfotm m
os deveres da gratidão talvez ejam ntretanto s mais sagra- vilão no momento em que come ·a, ar n( seu foro íntirn , a
dos de todos os que nos são pres ritos pelas virtudes h nefi- chicanear dessa maneira. No instante em que cogita de aban-
centes, também as regra g ra is que os determ inam sã , o- donar a mais firme adesão ao que lhe prescrevem esses pre-
mo já comentei antes, as mais precL<;as. As qu det rminam as ceitos invioláveis, não mais é confiável, e já não se sabe a que
·•çô ne essárí, para a amizad , humanidade ho. pitalida- grau de culpa pode chegar. O ladrão imagina qu nã bá mal
de geoerosidacl , são ainda mais vagas e indeterminadas. nenhum em roubar dos ricos algo de ue. s -•gun lo sur - e, se-
"Fiá, poré m. uma virtud cujas regra ge rais d t rminam, guramente não darão por falta, algo qu p ·: iv lm nL n m
m a maio r exatidão , qu exige d 'td'l a ·ão ext rna. saberão que lhes foi roubado. O adúltero imagina que não
Es ·a virtude é a Justiça . A.<; r gras da justi ã extr marnen- há mal nenhum em corromper a mulh et· d seu amigo, desde
u precisa. e nà admitem exce ·ões, ne m modifl ·a ões, ex- que a obe rte sua intriga da . uspe ita do rnarido não perlur-
ceto as que podem ser d terminadas de mod ta pr 'so quan- be a paz da famílla. Uma vez ue come amos a 'eder a ·tais su-
to as próprias r gras, e que geralmenr d · rivam ele:; faro dos tilezas, não há enormidad d qut! nfl.o sejam JS apazes.
me mos princípios qu essas. e elevo I z lil rasa um homem, As regras de justiça podem ser a mparadas às regras de
a jusrl ·a exig qu u lhe pague exatamenl dez libras, ou no gramática; as regras das o utras virtudes, às r ·gras que os crí-
t mp acordado, ou quando ele o exígLr. O que eu devo ticos estabelecem para ai <IOÇ~Ir < sublime e elegante na com-
cumprir, quanto d veda cumpri r, quando e onde devo cum- posição. As primeiras são [?r cisas, exatas, inclisp nsáv is; as
prir a natureza e as circunstâ ncias completas da ação pres- outras, imprecisas, vagas, lo.dece rminadas, e nos apresentam
crita , tu lo is o está precisamente fixado e determinado. Por- mais uma idéia geral da perfei .ào que deveríamos buscar, do
ta nto, ml ora possa ser embaraço · e p dante afet.ar que . que orientações certas e infalivcis pa ra a ~1Lin gir. 'e ·eguir as
s guem estritamente as regras omuns da pllldência ou da ge- regras, um homem pode aprender a escr v r, lo ponto de vis-
n ro idade , não hã p d ntismo em manter-se imp rturbáv I ta gramatical, corretamente, com amai ~1b ·oLuta infa libilida-
no umprimento à. r gras da justi 1. Ao contrário a ela · s de; e assim talvez se possa ensiná-lo a agir com justiça. Mas
dev mais sagrado r p it ; e as ações qu essa virtud exi- não há regras cuja observância nos conduzirá infalivelmente
g nunca são realizadas d maneira tão apropriada omo quan- a alcançar o elegante e o sublime na prosa, embora haja al-
do o principal motlv · d a · r alizar é o rever te religios guma q u possam nos aju lar, em ' rta m ~.:cl kb , a 'OI1'igir e
respeito às regras g ra is q1.t as exigem. a prática cl outra a tlerenninar as vagas idêi:JS que ti (.;< ntr~hio pod 1'Íamos for-
virtudes, nossa conduta I veria ser or.i ntacla mal.s p r erta mar sobre essas perfeições. E n.ão h·'l r gra 1 or cujo ·onheci-
idéia de conveniência, c rt gosto por uma d •terminada re- mento somos ensinados infalivelmente a agir em todas as oca-
gularidade de conduta, que por res peito a urna máxima o u siões com ptudência, com justa magnanimidade, ou beneficên-
regra exata; e deveríam respeitar a fu1alidad e fundamen- cia apropriada, embora haja algumas que podem no~; capacitar
to da regra mais do que a regra m si. Mas dá-se o contrário a corrigir e discernir em vários aspectos as idéias imp rfeitas
quando se trata da justiça: o hom m m nos ulrivado , o que que de outro modo poderíamos formar dessas virtudes.
segue com a mais obstinada onstân ia as regra gerais nelas Algumas vezes, pode suceder que, tendo o mais sério e
mesmas, é o mais recomendãv I, aquele em quem mais se po- determinado desejo de agir de modo a merecer aprovação,
de confiar. Embora a finalidad das regras de justiça seja im- enganemo-nos sobre as regras apropriadas de conduta, e en-
pedir-nos de provocar dano a nosso próximo, freqüentemente tão nos d~sencamínhe esse mesmo princípio que deveria nos
pode constituir crime violá-las, a despeito de alegarmos, como orientar. E inútil esperar que nesse caso os homens aprovem
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 213
212

tamente acusado da mais n ra Ingratidão, de não ter ·umpri- pretexto r<tZoável, que uma determin ada violação não provo-
do um centésimo da obriga ;o a qu ·tás atado. Assim mo caria dano alg 1111. Não é raro qu um homem s Lr'ansfotm m
os deveres da gratidão talvez ejam ntretanto s mais sagra- vilão no momento em que come ·a, ar n( seu foro íntirn , a
dos de todos os que nos são pres ritos pelas virtudes h nefi- chicanear dessa maneira. No instante em que cogita de aban-
centes, também as regra g ra is que os determ inam sã , o- donar a mais firme adesão ao que lhe prescrevem esses pre-
mo já comentei antes, as mais precL<;as. As qu det rminam as ceitos invioláveis, não mais é confiável, e já não se sabe a que
·•çô ne essárí, para a amizad , humanidade ho. pitalida- grau de culpa pode chegar. O ladrão imagina qu nã bá mal
de geoerosidacl , são ainda mais vagas e indeterminadas. nenhum em roubar dos ricos algo de ue. s -•gun lo sur - e, se-
"Fiá, poré m. uma virtud cujas regra ge rais d t rminam, guramente não darão por falta, algo qu p ·: iv lm nL n m
m a maio r exatidão , qu exige d 'td'l a ·ão ext rna. saberão que lhes foi roubado. O adúltero imagina que não
Es ·a virtude é a Justiça . A.<; r gras da justi ã extr marnen- há mal nenhum em corromper a mulh et· d seu amigo, desde
u precisa. e nà admitem exce ·ões, ne m modifl ·a ões, ex- que a obe rte sua intriga da . uspe ita do rnarido não perlur-
ceto as que podem ser d terminadas de mod ta pr 'so quan- be a paz da famílla. Uma vez ue come amos a 'eder a ·tais su-
to as próprias r gras, e que geralmenr d · rivam ele:; faro dos tilezas, não há enormidad d qut! nfl.o sejam JS apazes.
me mos princípios qu essas. e elevo I z lil rasa um homem, As regras de justiça podem ser a mparadas às regras de
a jusrl ·a exig qu u lhe pague exatamenl dez libras, ou no gramática; as regras das o utras virtudes, às r ·gras que os crí-
t mp acordado, ou quando ele o exígLr. O que eu devo ticos estabelecem para ai <IOÇ~Ir < sublime e elegante na com-
cumprir, quanto d veda cumpri r, quando e onde devo cum- posição. As primeiras são [?r cisas, exatas, inclisp nsáv is; as
prir a natureza e as circunstâ ncias completas da ação pres- outras, imprecisas, vagas, lo.dece rminadas, e nos apresentam
crita , tu lo is o está precisamente fixado e determinado. Por- mais uma idéia geral da perfei .ào que deveríamos buscar, do
ta nto, ml ora possa ser embaraço · e p dante afet.ar que . que orientações certas e infalivcis pa ra a ~1Lin gir. 'e ·eguir as
s guem estritamente as regras omuns da pllldência ou da ge- regras, um homem pode aprender a escr v r, lo ponto de vis-
n ro idade , não hã p d ntismo em manter-se imp rturbáv I ta gramatical, corretamente, com amai ~1b ·oLuta infa libilida-
no umprimento à. r gras da justi 1. Ao contrário a ela · s de; e assim talvez se possa ensiná-lo a agir com justiça. Mas
dev mais sagrado r p it ; e as ações qu essa virtud exi- não há regras cuja observância nos conduzirá infalivelmente
g nunca são realizadas d maneira tão apropriada omo quan- a alcançar o elegante e o sublime na prosa, embora haja al-
do o principal motlv · d a · r alizar é o rever te religios guma q u possam nos aju lar, em ' rta m ~.:cl kb , a 'OI1'igir e
respeito às regras g ra is q1.t as exigem. a prática cl outra a tlerenninar as vagas idêi:JS que ti (.;< ntr~hio pod 1'Íamos for-
virtudes, nossa conduta I veria ser or.i ntacla mal.s p r erta mar sobre essas perfeições. E n.ão h·'l r gra 1 or cujo ·onheci-
idéia de conveniência, c rt gosto por uma d •terminada re- mento somos ensinados infalivelmente a agir em todas as oca-
gularidade de conduta, que por res peito a urna máxima o u siões com ptudência, com justa magnanimidade, ou beneficên-
regra exata; e deveríam respeitar a fu1alidad e fundamen- cia apropriada, embora haja algumas que podem no~; capacitar
to da regra mais do que a regra m si. Mas dá-se o contrário a corrigir e discernir em vários aspectos as idéias imp rfeitas
quando se trata da justiça: o hom m m nos ulrivado , o que que de outro modo poderíamos formar dessas virtudes.
segue com a mais obstinada onstân ia as regra gerais nelas Algumas vezes, pode suceder que, tendo o mais sério e
mesmas, é o mais recomendãv I, aquele em quem mais se po- determinado desejo de agir de modo a merecer aprovação,
de confiar. Embora a finalidad das regras de justiça seja im- enganemo-nos sobre as regras apropriadas de conduta, e en-
pedir-nos de provocar dano a nosso próximo, freqüentemente tão nos d~sencamínhe esse mesmo princípio que deveria nos
pode constituir crime violá-las, a despeito de alegarmos, como orientar. E inútil esperar que nesse caso os homens aprovem
214 TEORIA DOS SEN17MENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 215
inteiramente nosso comportamento. Não podem compartilhar sentado quais deveriam ser nossos sentimentos para com cri-
a absurda idéia de dever que nos influenciou, nem tomar par- mes que procedem de tais motivos. Nessa tragédia, dois jovens
te de nenhuma das ações que dela resultam. Ainda assim, há de sexos diferentes, de disposição a mais inocente e virtuosa,
todavia algo respeitável no caráter e comportam mo de alguém e sem nenhuma outra fraqueza, senão a que os torna ainda
que é dessa maneira atraído ao vício por um senso errado de mais caros a nós, ou seja, uma afeição mútua um pelo outro,
dever, ou pelo que se chama consciência errônea. Por mais que são instigados pelos mais fortes motivos de uma falsa reli-
se tenha dese ncaminhad por fatalidade, ain la . rá, enu·~ os gião a m ter w11 horr ndo assassinato qu ofende tod s
generosos e humano . objeto de misera ·ã mal do que d princípio da natureza humana. Um veneráveJ an iâo que
ódio ou resse ntimento. l.amentarâ a fraqueza da natu r za hu- p rimira o mais t rno afeto pelos do is· por quem. ma.lgrado in i-
mana, que nos expõe a tão desafortunadas ilusões, mesmo migo confesso de sua religião , ambo on. ebiam el.evada r -
quando mais sinceramente labutamos pela perfeição e nos verên ·ia e estim a; e que, embora não ubes em, na v rdacl
esforçamos para agir conforme o melhor princípio que nos pos- era seu pai, é-lhes indicado para o sacrifício que Deus exigi-
sa orientar. Nesse sentido, falsas noções de religião são qua- ra expressamente que fizessem com suas próprias mãos, sen-
se as únicas causas que podem ocasionar alguma perversão do então lhes ordenado que o matassem. Quando estão prestes
mais vulgar de nossos sentimentos naturais; e apenas esse a executar o crime, torturam-nos todas as agonias que podem
princípio que confere a maior autoridade às regras do dever se originar do conflito entre a idéia do dever religioso indis-
é capaz de distorcer consideravelmente nossas idéias a respei- pen áv I, d um la l , e, de outro, a compaixão, gratidão, re-
to de tais sentimentos. Em todos os outros casos, o senso-co- verên ia pe la i.uad ·, amor à humanidade e à virtude do ho-
mum basta para n s orientar, se não na direção da mais refi- mem a quem vão destruir. Essa representação exibe o mais
nada conveniência dl:.' on.duta, pelo menos na direção de algo interessante, e talvez o mais instrutivo, dos espetáculos já le-
que não está longe disso; e desde que desejemos determina- vados à cena em qualquer teatro. Mas afinal o senso de dever
damente agir bem, nosso comportamento sempre será, em ge- prevalece sobre todas as amáveis fraquezas da natureza hu-
ral, louvável. Que obedecer à vontade de Deus constitui a pri- mana. Executam o crime que lhes fora imposto, porém ime-
meira regra do dever, todos os homens estão de acordo. No diatamente descobrem seu erro e a fraude que os enganou,
entanto, no que se refere aos mandamentos específicos que e são atormentados pelo horror, remorso e ressentimento. Tais
essa vontade pode impor sobre nós, divergem amplamente são nossos sentimentos pelos infelizes Seid e Palmira, tais de-
uns dos outros. Aqui, portanto, espera-se a maior paciência e veriam ser nossos sentimentos por toda pessoa que desse
tolerância mútuas; e ainda que a defesa da sociedade exija modo foi desencaminhada pela religião, se estamos certos
que os crimes sejam punidos, sejam quais forem os motivos de que foi realmente a religião o qll a desencaminhou, não
de que procederam, um bom homem sempre os punirá com uma pretensa religião, de que se faz u ma ·apa para algumas
relutância, se procederem claramente de falsas noções de dever das piores paixões humanas.
religioso. Jamais sentirá contra os que os cometem a indigna- Assim como um homem pode agir mal, seguindo um mau
ção que sente contra outros criminosos, mas, ao contrário, na senso de dever, também às vezes a natureza pode prevalecer,
mesma hora em que punir seus crimes, lamentará, e às vezes leva ndo-o a agir bem, em <>posi ·l a se seru o. N sse aso,
até admirará, sua infortunada firmeza e magnanimidade. Na nã p d nos d sagr'tdar ver a pr valênda d motivo que jul-
tragédia Maomé, das melhores de Voltaire•, está bem repre- .gamcr d va prevale e r, ml ora a pr ' p.ria pessoa s ja dema-
siado fraca para julg r de 'Lit~·o modo . Ma. c m sua ondu -
La resulta d fraqueza, não de princi pio, • difícil lhe con d ·r
• Tragédia encenada pela primeira ve z em 1741. (N. da R. T.) alg m lhant il omplera a pr vação. m c:llóli co fan áti-
214 TEORIA DOS SEN17MENTOS MORAIS TERCEIRA PARTE 215
inteiramente nosso comportamento. Não podem compartilhar sentado quais deveriam ser nossos sentimentos para com cri-
a absurda idéia de dever que nos influenciou, nem tomar par- mes que procedem de tais motivos. Nessa tragédia, dois jovens
te de nenhuma das ações que dela resultam. Ainda assim, há de sexos diferentes, de disposição a mais inocente e virtuosa,
todavia algo respeitável no caráter e comportam mo de alguém e sem nenhuma outra fraqueza, senão a que os torna ainda
que é dessa maneira atraído ao vício por um senso errado de mais caros a nós, ou seja, uma afeição mútua um pelo outro,
dever, ou pelo que se chama consciência errônea. Por mais que são instigados pelos mais fortes motivos de uma falsa reli-
se tenha dese ncaminhad por fatalidade, ain la . rá, enu·~ os gião a m ter w11 horr ndo assassinato qu ofende tod s
generosos e humano . objeto de misera ·ã mal do que d princípio da natureza humana. Um veneráveJ an iâo que
ódio ou resse ntimento. l.amentarâ a fraqueza da natu r za hu- p rimira o mais t rno afeto pelos do is· por quem. ma.lgrado in i-
mana, que nos expõe a tão desafortunadas ilusões, mesmo migo confesso de sua religião , ambo on. ebiam el.evada r -
quando mais sinceramente labutamos pela perfeição e nos verên ·ia e estim a; e que, embora não ubes em, na v rdacl
esforçamos para agir conforme o melhor princípio que nos pos- era seu pai, é-lhes indicado para o sacrifício que Deus exigi-
sa orientar. Nesse sentido, falsas noções de religião são qua- ra expressamente que fizessem com suas próprias mãos, sen-
se as únicas causas que podem ocasionar alguma perversão do então lhes ordenado que o matassem. Quando estão prestes
mais vulgar de nossos sentimentos naturais; e apenas esse a executar o crime, torturam-nos todas as agonias que podem
princípio que confere a maior autoridade às regras do dever se originar do conflito entre a idéia do dever religioso indis-
é capaz de distorcer consideravelmente nossas idéias a respei- pen áv I, d um la l , e, de outro, a compaixão, gratidão, re-
to de tais sentimentos. Em todos os outros casos, o senso-co- verên ia pe la i.uad ·, amor à humanidade e à virtude do ho-
mum basta para n s orientar, se não na direção da mais refi- mem a quem vão destruir. Essa representação exibe o mais
nada conveniência dl:.' on.duta, pelo menos na direção de algo interessante, e talvez o mais instrutivo, dos espetáculos já le-
que não está longe disso; e desde que desejemos determina- vados à cena em qualquer teatro. Mas afinal o senso de dever
damente agir bem, nosso comportamento sempre será, em ge- prevalece sobre todas as amáveis fraquezas da natureza hu-
ral, louvável. Que obedecer à vontade de Deus constitui a pri- mana. Executam o crime que lhes fora imposto, porém ime-
meira regra do dever, todos os homens estão de acordo. No diatamente descobrem seu erro e a fraude que os enganou,
entanto, no que se refere aos mandamentos específicos que e são atormentados pelo horror, remorso e ressentimento. Tais
essa vontade pode impor sobre nós, divergem amplamente são nossos sentimentos pelos infelizes Seid e Palmira, tais de-
uns dos outros. Aqui, portanto, espera-se a maior paciência e veriam ser nossos sentimentos por toda pessoa que desse
tolerância mútuas; e ainda que a defesa da sociedade exija modo foi desencaminhada pela religião, se estamos certos
que os crimes sejam punidos, sejam quais forem os motivos de que foi realmente a religião o qll a desencaminhou, não
de que procederam, um bom homem sempre os punirá com uma pretensa religião, de que se faz u ma ·apa para algumas
relutância, se procederem claramente de falsas noções de dever das piores paixões humanas.
religioso. Jamais sentirá contra os que os cometem a indigna- Assim como um homem pode agir mal, seguindo um mau
ção que sente contra outros criminosos, mas, ao contrário, na senso de dever, também às vezes a natureza pode prevalecer,
mesma hora em que punir seus crimes, lamentará, e às vezes leva ndo-o a agir bem, em <>posi ·l a se seru o. N sse aso,
até admirará, sua infortunada firmeza e magnanimidade. Na nã p d nos d sagr'tdar ver a pr valênda d motivo que jul-
tragédia Maomé, das melhores de Voltaire•, está bem repre- .gamcr d va prevale e r, ml ora a pr ' p.ria pessoa s ja dema-
siado fraca para julg r de 'Lit~·o modo . Ma. c m sua ondu -
La resulta d fraqueza, não de princi pio, • difícil lhe con d ·r
• Tragédia encenada pela primeira ve z em 1741. (N. da R. T.) alg m lhant il omplera a pr vação. m c:llóli co fan áti-
-
216 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS

o que dmant o ma. sa re d ào Bart< lomeu, foi tão domi-


nado peh ·ornpaix o, que sa lvo u a lguns infelizes protestan-
tes ' t qu · 111 p nsava ser . eu dever destruir, não par ceria tCJ'
clir ~ i to ao alro aphu o que deveríamos ter-lhe Ot'l • clido, ti- QUARTA PARTE
ve se ele pnuicado a mesma gener sidad · com a completa
apro va âo de si. Pod lia agmdar-nos a l1umanidad de seu t m-
peramento, mas ajnda assim v ríam s com uma espé i de
piedade, a qual é inteira.m enr inconsistente om a adm ira ão
devida à virtud pe& i ta. O mesm o 'orr ~ m todas as de-
ma i paixõ s. Nâ nos d g s~ vê-las prati<.:adas de m d DO EFEITO DA UTILIDADE SOBRE
apr priaclo ainda quand a fa lsa n çào de dever or lenas:e à
pe. !'; a qu <IS comivess . âo desagradaria qu um quacre
O SENTIMENTO DE APROVAÇÃO
muito d vot levando um tapa numa fa e m ez le fere- CONSISTINDO DE UMA SEÇÃO
c r a 'Litra, esqu cesse de wl mod > ua interpr ta ·ão lit ral do
preceito do alvad r a pont d aplica r uma boa disdplina
ao bruto ue o lnsulmu•. Jlavíam . d rir nos di v rtir com
s u esplriL , gosLai· a inda mal dele. Ma · d modo algum o
vcríamo om o re peito . tima que pareciam d vidas a al-
guém que , numa ocasià cmelha nLe, tivesse agid propria-
m nte por um ru o ju to elo que era onv nlenl ' fazer.
nhuma a ào pode ser propriamenL ham:H.hl virtu não
for acompanh ada do s ntimento de aprovação d

• Os quat:rcs têm importante papel politi '() dur:tot<: a I > .1d:t lt:: 16-o
na Inglaterm, qllan I d ·~·n liam pos l · es mdicai.s deriv-adas do protestan-
tismo. Eram antl mnnarquisras , reivind l '11\'=ln l ~~ poss em comum das l~r.rns .
recusavam-se a tirar o chapéu perante os superiores (evidentemente, um
gestO d.: prOl<:Sl() SOcial) e J1 1'é<.: )I)Í:ti!Vrull libczrdmJe ll todos OS homen~. Ulll
tt a~ça às bruxa d:1 H sttur:t~'ii C'l660J, S<:orrem vl()!enla pt.'J"$eguiç;1 • se 1 r-
t'l:l.m um:l sei ta pa ·illst•. A esse respeito. h:í o notável livro d • hrist phcr
ll.ill , () mtmdo di! /J(JUia -ca biJ a i~\ . d~ . l.elr:tS, !991). (N . da R. TJ
-
216 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS

o que dmant o ma. sa re d ào Bart< lomeu, foi tão domi-


nado peh ·ornpaix o, que sa lvo u a lguns infelizes protestan-
tes ' t qu · 111 p nsava ser . eu dever destruir, não par ceria tCJ'
clir ~ i to ao alro aphu o que deveríamos ter-lhe Ot'l • clido, ti- QUARTA PARTE
ve se ele pnuicado a mesma gener sidad · com a completa
apro va âo de si. Pod lia agmdar-nos a l1umanidad de seu t m-
peramento, mas ajnda assim v ríam s com uma espé i de
piedade, a qual é inteira.m enr inconsistente om a adm ira ão
devida à virtud pe& i ta. O mesm o 'orr ~ m todas as de-
ma i paixõ s. Nâ nos d g s~ vê-las prati<.:adas de m d DO EFEITO DA UTILIDADE SOBRE
apr priaclo ainda quand a fa lsa n çào de dever or lenas:e à
pe. !'; a qu <IS comivess . âo desagradaria qu um quacre
O SENTIMENTO DE APROVAÇÃO
muito d vot levando um tapa numa fa e m ez le fere- CONSISTINDO DE UMA SEÇÃO
c r a 'Litra, esqu cesse de wl mod > ua interpr ta ·ão lit ral do
preceito do alvad r a pont d aplica r uma boa disdplina
ao bruto ue o lnsulmu•. Jlavíam . d rir nos di v rtir com
s u esplriL , gosLai· a inda mal dele. Ma · d modo algum o
vcríamo om o re peito . tima que pareciam d vidas a al-
guém que , numa ocasià cmelha nLe, tivesse agid propria-
m nte por um ru o ju to elo que era onv nlenl ' fazer.
nhuma a ào pode ser propriamenL ham:H.hl virtu não
for acompanh ada do s ntimento de aprovação d

• Os quat:rcs têm importante papel politi '() dur:tot<: a I > .1d:t lt:: 16-o
na Inglaterm, qllan I d ·~·n liam pos l · es mdicai.s deriv-adas do protestan-
tismo. Eram antl mnnarquisras , reivind l '11\'=ln l ~~ poss em comum das l~r.rns .
recusavam-se a tirar o chapéu perante os superiores (evidentemente, um
gestO d.: prOl<:Sl() SOcial) e J1 1'é<.: )I)Í:ti!Vrull libczrdmJe ll todos OS homen~. Ulll
tt a~ça às bruxa d:1 H sttur:t~'ii C'l660J, S<:orrem vl()!enla pt.'J"$eguiç;1 • se 1 r-
t'l:l.m um:l sei ta pa ·illst•. A esse respeito. h:í o notável livro d • hrist phcr
ll.ill , () mtmdo di! /J(JUia -ca biJ a i~\ . d~ . l.elr:tS, !991). (N . da R. TJ
CAPÍTULO I
Da beleza que a aparência de utilidade confere a
todos os produtos de arte, e da ampla influência
dessa espécie de beleza

Todos os que já consideraram com alguma atenção o que


constitui a natureza da beleza observaram que a utilidade é
uma das principais fontes de beleza. A comodidade de uma ca-
sa proporciona tanto prazer ao espectador, quanto a regula-
ridade; e do mesmo modo causa-lhe pesar observar o defeito
contrário, como, por exemplo, ver que as janelas correspon-
dentes são de diferentes formatos, ou a porta não colocada exa-
tamente no meio do edifício. Que a capacidade de qualquer
sistema ou máquina para produzir a finalidade para a qual fo-
ram planejadas confere certa conveniência e propriedade ao
todo e torna agradável tão-somente imaginá-lo ou contemplá-
lo, é algo tão óbvio que ninguém jamais deixou de notar.
Também, a causa por que nos agrada o útil indicou-nos
ultimamente um filósofo engenhoso e agradável*, que reúne
grande profundidade de pensamento à maior elegância de ex-
pressão, e que possui o singular e feliz talento de tratar os te-
mas mais abstrusos não apenas com a mais perfeita perspicui-

• O autor se refere a David Hume (conferir Treatise on Human Nature,


li, ii, 5; 363-5; III, iii, i, 576-7; ed. Selby-Bigge). (N. da R. T.)
CAPÍTULO I
Da beleza que a aparência de utilidade confere a
todos os produtos de arte, e da ampla influência
dessa espécie de beleza

Todos os que já consideraram com alguma atenção o que


constitui a natureza da beleza observaram que a utilidade é
uma das principais fontes de beleza. A comodidade de uma ca-
sa proporciona tanto prazer ao espectador, quanto a regula-
ridade; e do mesmo modo causa-lhe pesar observar o defeito
contrário, como, por exemplo, ver que as janelas correspon-
dentes são de diferentes formatos, ou a porta não colocada exa-
tamente no meio do edifício. Que a capacidade de qualquer
sistema ou máquina para produzir a finalidade para a qual fo-
ram planejadas confere certa conveniência e propriedade ao
todo e torna agradável tão-somente imaginá-lo ou contemplá-
lo, é algo tão óbvio que ninguém jamais deixou de notar.
Também, a causa por que nos agrada o útil indicou-nos
ultimamente um filósofo engenhoso e agradável*, que reúne
grande profundidade de pensamento à maior elegância de ex-
pressão, e que possui o singular e feliz talento de tratar os te-
mas mais abstrusos não apenas com a mais perfeita perspicui-

• O autor se refere a David Hume (conferir Treatise on Human Nature,


li, ii, 5; 363-5; III, iii, i, 576-7; ed. Selby-Bigge). (N. da R. T.)
220 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS QUARTA PARTE 221
dade, mas com a mais viva eloqüência. De acordo com esse fi- Da mesma maneira, um relógio que se atrasa mais de dois
lósofo, a utilidade de qualquer objeto agrada ao seu dono por- minutos por dia é desprezado por um indivíduo interessado
que lhe sugere, constantemente, o prazer ou comodidade que em relógios. Talvez o venda por um par de guinéus, e compre
é capaz de lhe proporcionar. Toda vez que o contempla, vem- outro por cinqüenta, desde que este não se atrase mais do que
lhe à lembrança esse prazer, e dessa maneira o objeto torna- um minuto a cada quinze dias. A única utilidade dos relógios,
se fonte de perpétua satisfação e deleite. Por simpatia, o es- entretanto, é dizer-nos as horas, impedindo-nos de descumprir
pectador compartilha os sentimentos do dono, e necessaria- qualq u r comprom isso, ou de p assar por ouLro in ômodo por
mente considera o objeto sob o mesmo aspecto agradável. ignorarmos o horário. Mas a pessoa que t m tanto zelo p r essa
Quando visitamos os palácios dos poderosos, não podemos máqulna oem sempre seria mais es ·upu losam nle po ntu<li d
evitar de conceber a satisfação que nos daria se fôssemos nós qu o utros homens, n m p r algu m o utro mot ivo teria uma
os donos, e se possuíssemos acomodações fabricadas de mo- preo upa o mai r de sal ~ r xa tam nl a hora lo cUa. O qu
do tão inventiva e engenhoso. É semelhante a razão por que a .inter · . sa. não r. tant a I tençã desse conhe irnento p arti-
a aparência de desconforto torna qualquer objeto desagradá- cular, como a perfeição da máquina que serve para alcançá-lo.
vel, tanto ao dono, quanto ao espectador. Quantas pessoas arruínam-se gastando dinheiro em en-
Mas, até onde sei, ninguém antes cuidou que essa capa- feites de utilidade frivola? O que agrada a esses amantes de brin-
qu edos não é tanto a uülidade, mas a aptidão das máquinas que
cidade, essa feliz invenção de qualquer produção artística se-
. ão adequadas para pro movê-Ia. Todo os seus l ois s es Lào
ja com freqüência mais valorizada do que o fim para o qual
entupidos de pequena om cUdades. rnventam n v s bolsos,
tais objetos foram designados e, do mesmo modo, que o ajus- que não exist m nas roupas d · utras p ss as, para a rregar
te exato de meios para obter qualquer comodidade ou prazer grand número des. as coisas. Pass iam ai arrotadas d um . em-
seja, não raro, mais valorizado do que a própria comodidade n(Jmero le bugiga ngas, qu .nã sã lnfeliores em p so à v -
ou prazer, em cuja obtenção pareceria residir todo seu mérito. zes nem em valor a uma ordinária sacola de mercadorias•, algu-
Porém, que isso aconteça amiúde, é algo que se pode obser- mas das quais por vezes são de pouco uso, mas que por vezes
var em mil exemplos, tanto nos mais frívolos, quanto nos mais poderiam ser, todas, dispensadas, e que, juntas, cettamente não
importantes assuntos da vida humana. valem o cansaço e o peso suportados.
Quando uma pessoa entra em seu aposento e vê as ca- Entretanto, esse princípio não influi em nossa conduta ape-
deiras todas no meio do quarto, fica zangada com seu criado, nas quando se trata de objetos tão frívolos: é muito freqüente-
e, a vê-las nessa desordem, prefere, talvez, o trabalho de co- mente o motivo secreto das mais sérias e importantes ocupações
locá-las em seus lugares com os encostos contra a parede. A da vida, seja privada, seja pública.
conveniência dessa nova situação surge da maior comodidade O filho do homem pobre, a quem o céu, na sua ira, cas-
de deixar o assoalho livre e sem estorvos. Para conseguires- tigou com a ambição, admira a condição dos ricos tão logo
sa comodidade, impõe-se voluntariamente mais trabalho do começa a olhar a seu redor. Pensa que a choupana do pai é
que a falta dela teria provocado, pois nada seria mais fácil p q u -·na demais r ara o a o rnoda r e imagina que est::t ri ~ ·on-
do que sentar-se numa das cadeiras, o que provavelmente fará , fo rlável s tivesse hospedado num palá io . Não gost<t tle s r
quando seu trabalho terminar. Portanto, parece que desejava obrigad a andar a pé ou supottar a fadiga d ~ 1valga r no lom-
não tanto a comodidade, como o arranjo que as coisas pro- bo de um cavalo. Vê seus superiores sendo ondu7Jdos por aí
movem. E, no entanto, é essa comodidade o que em última ins-
tância recomenda o arranjo e o que lhe confere toda a sua con- • "... an ordinary Jew's-box", no original. Provavelmente a caixa con-
veniência e beleza. tendo as mercadorias que o mascate judeu vende. (N. ela R. T.)
220 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS QUARTA PARTE 221
dade, mas com a mais viva eloqüência. De acordo com esse fi- Da mesma maneira, um relógio que se atrasa mais de dois
lósofo, a utilidade de qualquer objeto agrada ao seu dono por- minutos por dia é desprezado por um indivíduo interessado
que lhe sugere, constantemente, o prazer ou comodidade que em relógios. Talvez o venda por um par de guinéus, e compre
é capaz de lhe proporcionar. Toda vez que o contempla, vem- outro por cinqüenta, desde que este não se atrase mais do que
lhe à lembrança esse prazer, e dessa maneira o objeto torna- um minuto a cada quinze dias. A única utilidade dos relógios,
se fonte de perpétua satisfação e deleite. Por simpatia, o es- entretanto, é dizer-nos as horas, impedindo-nos de descumprir
pectador compartilha os sentimentos do dono, e necessaria- qualq u r comprom isso, ou de p assar por ouLro in ômodo por
mente considera o objeto sob o mesmo aspecto agradável. ignorarmos o horário. Mas a pessoa que t m tanto zelo p r essa
Quando visitamos os palácios dos poderosos, não podemos máqulna oem sempre seria mais es ·upu losam nle po ntu<li d
evitar de conceber a satisfação que nos daria se fôssemos nós qu o utros homens, n m p r algu m o utro mot ivo teria uma
os donos, e se possuíssemos acomodações fabricadas de mo- preo upa o mai r de sal ~ r xa tam nl a hora lo cUa. O qu
do tão inventiva e engenhoso. É semelhante a razão por que a .inter · . sa. não r. tant a I tençã desse conhe irnento p arti-
a aparência de desconforto torna qualquer objeto desagradá- cular, como a perfeição da máquina que serve para alcançá-lo.
vel, tanto ao dono, quanto ao espectador. Quantas pessoas arruínam-se gastando dinheiro em en-
Mas, até onde sei, ninguém antes cuidou que essa capa- feites de utilidade frivola? O que agrada a esses amantes de brin-
qu edos não é tanto a uülidade, mas a aptidão das máquinas que
cidade, essa feliz invenção de qualquer produção artística se-
. ão adequadas para pro movê-Ia. Todo os seus l ois s es Lào
ja com freqüência mais valorizada do que o fim para o qual
entupidos de pequena om cUdades. rnventam n v s bolsos,
tais objetos foram designados e, do mesmo modo, que o ajus- que não exist m nas roupas d · utras p ss as, para a rregar
te exato de meios para obter qualquer comodidade ou prazer grand número des. as coisas. Pass iam ai arrotadas d um . em-
seja, não raro, mais valorizado do que a própria comodidade n(Jmero le bugiga ngas, qu .nã sã lnfeliores em p so à v -
ou prazer, em cuja obtenção pareceria residir todo seu mérito. zes nem em valor a uma ordinária sacola de mercadorias•, algu-
Porém, que isso aconteça amiúde, é algo que se pode obser- mas das quais por vezes são de pouco uso, mas que por vezes
var em mil exemplos, tanto nos mais frívolos, quanto nos mais poderiam ser, todas, dispensadas, e que, juntas, cettamente não
importantes assuntos da vida humana. valem o cansaço e o peso suportados.
Quando uma pessoa entra em seu aposento e vê as ca- Entretanto, esse princípio não influi em nossa conduta ape-
deiras todas no meio do quarto, fica zangada com seu criado, nas quando se trata de objetos tão frívolos: é muito freqüente-
e, a vê-las nessa desordem, prefere, talvez, o trabalho de co- mente o motivo secreto das mais sérias e importantes ocupações
locá-las em seus lugares com os encostos contra a parede. A da vida, seja privada, seja pública.
conveniência dessa nova situação surge da maior comodidade O filho do homem pobre, a quem o céu, na sua ira, cas-
de deixar o assoalho livre e sem estorvos. Para conseguires- tigou com a ambição, admira a condição dos ricos tão logo
sa comodidade, impõe-se voluntariamente mais trabalho do começa a olhar a seu redor. Pensa que a choupana do pai é
que a falta dela teria provocado, pois nada seria mais fácil p q u -·na demais r ara o a o rnoda r e imagina que est::t ri ~ ·on-
do que sentar-se numa das cadeiras, o que provavelmente fará , fo rlável s tivesse hospedado num palá io . Não gost<t tle s r
quando seu trabalho terminar. Portanto, parece que desejava obrigad a andar a pé ou supottar a fadiga d ~ 1valga r no lom-
não tanto a comodidade, como o arranjo que as coisas pro- bo de um cavalo. Vê seus superiores sendo ondu7Jdos por aí
movem. E, no entanto, é essa comodidade o que em última ins-
tância recomenda o arranjo e o que lhe confere toda a sua con- • "... an ordinary Jew's-box", no original. Provavelmente a caixa con-
veniência e beleza. tendo as mercadorias que o mascate judeu vende. (N. ela R. T.)
-
222 TEORIA DOS SEN11MENTOS MORAIS QUARTA PARTE 223
em carros, e acredita que num deles viajaria com muito me- do que a d ou tr . Os palácios, jardins, canuagens , s rvi ais
nos incômodo. Sente-se por natureza indolente, desejando ser- dos r d ros :lo objetos cuja manifesta ·o modiclad lmpr s-
vir-se o menos possíve l com suas pr prias mãos e julga que si na a todos. ão é necess'írio qu eus d o nos nos indlqu m
uma numerosa comitiva de criados Ih pouparia muito traba- em qu o n ist su a utilidad . D b m1 grad o os apre ia m s
lho. Pensa que se alcançasse tudo isso ficaria sentado, conten- pr ntam nte por simpatia u ufruímos , por isso, apJmtd tm s
te, quieto, divertindo-se com a idéia da felicidade e tranqüili- a ·atisfa ão que são capazes de pro1 r lonar a s d nos. Ma. a
dade de sua situação. Está encantado com a remota idéia dessa ·urios iclade p r um palit d dente , um limpado r d o uv idos
felicidade. Em sua imaginação, essa parece a vida de algum ser ou um a par lho d ortar unhas, por qua lque r bug iganga d -
superior, e para ascender a ela consagra-se a perseguir para tão manifesta . S u ~ com d ldad pode ·e r igual-
sempre riqueza e honra . A fim de obter as comodidades que mente granel mas me nos lrnpressíonante, além de não apr -
essas coisas pr po r ionam, submete-se durante o primeiro ano, ciarmos tão p rontamente a sa lisfação do h mem que as r oss ui.
ou melhor, durante o primeiro mês de seu esforço, às maiores S , p rcanto , oi je tos cl vaidade me nos razoáve is d o que a
fadigas rpora is à maior perturbação do espírito do que to- m.agnifl ê n ·a da riqueza e da granel za; n · o con L~te a única
das ·ts que p I ria ·ofrer du ra nte sua vida inteira, se não hou- va ntagem destas últimas . . atisfaz m mai efetjv~u11eme aquel e
ve:;. am bi ionad honra e riqueza. Estuda para disting uir-s amo r à di ·tin ão, tão natu ral no h m m. J>ara qu em vivess
m alguma árdua profLssão. Com a mais incansável dedica ·ão, s zi11h m1ma ilha d erta , ta l vez ~ s duvidoso que um pa-
trabalha dia e no ite para adquiriJ tale nt s up rior · a L los lá i o u uma o i ção do$ p qu nos utemílios, que por vezes
os seus competicl res. Em seguida, esforça-se pa ra c..xibír es es ·a bem nLJma , i:xa le quinquilharias pudessem ntrlbui r
tale ntos a público, com igu al cuidado s li ira L da p rru - ma is pa ra . ua fe li 'idade e dele ite . Se vive em companhia de
nid·~de d os em1 regar. Para isso faz a ·orte a L da a human i- outros, com efeito, não há comparação, porque nesse, como
dad ·, serv ao q u ode ia, é obsequio · m aqu les a que m em todos os outros casos, sempre levamos mais em conta os
I . pre za. Durante toda a sua vida p rsegue a id ' ia de erto sentimentos do espectador do que os da pessoa diretamente
rep o uso ar ificial c elegante , que ta l ez jama is alca n e , pe lu envolvida e consideramos mais como sua situação se mostra-
qual sacrifica uma tra nqü.iH Iael verdad ira qu a todo o tem- rá a s outros que como se mostrará a e la mel ma. P rém , se
po estã a seu dispor; re po uso que, se nos extremos da velhice examinarmos por que o esp "' ta.dor disting u m tal admira-
d 1 ga pur flm a conqu istar, descobrirá que não é, de modo ão a condição dos ricos p d rosos cl s oi rir mos q u não
a lg um , pre~ rív I. a essa hum ilde segurança e cont mamento b clece tanto ao óclo "' praze r de qu - . up stomente desfru-
que aba ndon 'LI po r d e. É então, nos últimos arrancos de sua ram , quanto aos inumeráve l xpedi nt a rtifi ·iais e legan-
viela, o corpo exaurido po r fadiga. e d nças, o esp1nto amar- tes ele qu d i ·põ m pat"'t o bte r e se 6 ·i esse prazer. a rea-
gurado e assaltado pela I mbra n 'a de mil ofensas e de. Llu.sõ . lidade o esp cta lo r m o imag.ina que go 7. m le maior fe lici -
que imagina proc d r m d~ inju ·úça de seus inimigo o u da dade qu as ouu-a.s pes. O''l : imagina qu di p onham de mals
perfídia e ingratidã d os amigos, quando finalmente começa a m ias p~u-a aJ ·an á-lo. E a principal causa de ua admir<tçâo r"<t-
se dar conta de que riqu za honra são meros enfeites frívolos dica na en e nhosa e inve ntiva adaptação desses me io, para
em nada mais capazes de propiciar alívi a orpo e tranqüi- a Hmlidade para qu fo1·~1m criados. Mas no langor d·:1. nf r-
lidade ao espírito do que os estojos elos afi ·io nado. por bugi- mid ade n ansa o da v lh ice desaparece m os praz re do.
gangas e que, · m das, são um fa rei mais pesa o para quem vã . q uiméric s ·o nhos de grandeza . Para alguém qu ·e n-
as carrega, qu - m das pcb suma d vantagens que pode- nu·e nes::;a. s itu a âo, esses prazeres já não possuem alraç--J.o
riam proporcionar. Nenhuma utra verdadeira d[fi rcnça há en- uficie nl para r ome ndar os penos s de6-v lo qu antes o
tre eles, exceto que as comodidades de um são mais notáveis ·upamm. . o fund de seu cora ãu amaldJ.roa a ambi ; o em
-
222 TEORIA DOS SEN11MENTOS MORAIS QUARTA PARTE 223
em carros, e acredita que num deles viajaria com muito me- do que a d ou tr . Os palácios, jardins, canuagens , s rvi ais
nos incômodo. Sente-se por natureza indolente, desejando ser- dos r d ros :lo objetos cuja manifesta ·o modiclad lmpr s-
vir-se o menos possíve l com suas pr prias mãos e julga que si na a todos. ão é necess'írio qu eus d o nos nos indlqu m
uma numerosa comitiva de criados Ih pouparia muito traba- em qu o n ist su a utilidad . D b m1 grad o os apre ia m s
lho. Pensa que se alcançasse tudo isso ficaria sentado, conten- pr ntam nte por simpatia u ufruímos , por isso, apJmtd tm s
te, quieto, divertindo-se com a idéia da felicidade e tranqüili- a ·atisfa ão que são capazes de pro1 r lonar a s d nos. Ma. a
dade de sua situação. Está encantado com a remota idéia dessa ·urios iclade p r um palit d dente , um limpado r d o uv idos
felicidade. Em sua imaginação, essa parece a vida de algum ser ou um a par lho d ortar unhas, por qua lque r bug iganga d -
superior, e para ascender a ela consagra-se a perseguir para tão manifesta . S u ~ com d ldad pode ·e r igual-
sempre riqueza e honra . A fim de obter as comodidades que mente granel mas me nos lrnpressíonante, além de não apr -
essas coisas pr po r ionam, submete-se durante o primeiro ano, ciarmos tão p rontamente a sa lisfação do h mem que as r oss ui.
ou melhor, durante o primeiro mês de seu esforço, às maiores S , p rcanto , oi je tos cl vaidade me nos razoáve is d o que a
fadigas rpora is à maior perturbação do espírito do que to- m.agnifl ê n ·a da riqueza e da granel za; n · o con L~te a única
das ·ts que p I ria ·ofrer du ra nte sua vida inteira, se não hou- va ntagem destas últimas . . atisfaz m mai efetjv~u11eme aquel e
ve:;. am bi ionad honra e riqueza. Estuda para disting uir-s amo r à di ·tin ão, tão natu ral no h m m. J>ara qu em vivess
m alguma árdua profLssão. Com a mais incansável dedica ·ão, s zi11h m1ma ilha d erta , ta l vez ~ s duvidoso que um pa-
trabalha dia e no ite para adquiriJ tale nt s up rior · a L los lá i o u uma o i ção do$ p qu nos utemílios, que por vezes
os seus competicl res. Em seguida, esforça-se pa ra c..xibír es es ·a bem nLJma , i:xa le quinquilharias pudessem ntrlbui r
tale ntos a público, com igu al cuidado s li ira L da p rru - ma is pa ra . ua fe li 'idade e dele ite . Se vive em companhia de
nid·~de d os em1 regar. Para isso faz a ·orte a L da a human i- outros, com efeito, não há comparação, porque nesse, como
dad ·, serv ao q u ode ia, é obsequio · m aqu les a que m em todos os outros casos, sempre levamos mais em conta os
I . pre za. Durante toda a sua vida p rsegue a id ' ia de erto sentimentos do espectador do que os da pessoa diretamente
rep o uso ar ificial c elegante , que ta l ez jama is alca n e , pe lu envolvida e consideramos mais como sua situação se mostra-
qual sacrifica uma tra nqü.iH Iael verdad ira qu a todo o tem- rá a s outros que como se mostrará a e la mel ma. P rém , se
po estã a seu dispor; re po uso que, se nos extremos da velhice examinarmos por que o esp "' ta.dor disting u m tal admira-
d 1 ga pur flm a conqu istar, descobrirá que não é, de modo ão a condição dos ricos p d rosos cl s oi rir mos q u não
a lg um , pre~ rív I. a essa hum ilde segurança e cont mamento b clece tanto ao óclo "' praze r de qu - . up stomente desfru-
que aba ndon 'LI po r d e. É então, nos últimos arrancos de sua ram , quanto aos inumeráve l xpedi nt a rtifi ·iais e legan-
viela, o corpo exaurido po r fadiga. e d nças, o esp1nto amar- tes ele qu d i ·põ m pat"'t o bte r e se 6 ·i esse prazer. a rea-
gurado e assaltado pela I mbra n 'a de mil ofensas e de. Llu.sõ . lidade o esp cta lo r m o imag.ina que go 7. m le maior fe lici -
que imagina proc d r m d~ inju ·úça de seus inimigo o u da dade qu as ouu-a.s pes. O''l : imagina qu di p onham de mals
perfídia e ingratidã d os amigos, quando finalmente começa a m ias p~u-a aJ ·an á-lo. E a principal causa de ua admir<tçâo r"<t-
se dar conta de que riqu za honra são meros enfeites frívolos dica na en e nhosa e inve ntiva adaptação desses me io, para
em nada mais capazes de propiciar alívi a orpo e tranqüi- a Hmlidade para qu fo1·~1m criados. Mas no langor d·:1. nf r-
lidade ao espírito do que os estojos elos afi ·io nado. por bugi- mid ade n ansa o da v lh ice desaparece m os praz re do.
gangas e que, · m das, são um fa rei mais pesa o para quem vã . q uiméric s ·o nhos de grandeza . Para alguém qu ·e n-
as carrega, qu - m das pcb suma d vantagens que pode- nu·e nes::;a. s itu a âo, esses prazeres já não possuem alraç--J.o
riam proporcionar. Nenhuma utra verdadeira d[fi rcnça há en- uficie nl para r ome ndar os penos s de6-v lo qu antes o
tre eles, exceto que as comodidades de um são mais notáveis ·upamm. . o fund de seu cora ãu amaldJ.roa a ambi ; o em
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS QUARTA PARTE 225
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vã Iam nra a despr ocupa ·ão e indoi An ·ia da juv n~~de pra- a máquina ou economia que a produzem. Os prazeres da ri-
zer que se foram para mpr , qu t lamente saa:mcou por queza e das honras, considerados desse ponto de vista com-
algo que, quando o poS$LÜL'I, já nã pode lhe proporao~ar uma plexo, atingem a imaginação como se se tratasse de algo gran-
satisfa à v rua !eira. Tal ' o miseráve l aspecto que oferece a dioso, belo e nobre, cuja obtenção vale bem todo o trabalho
grantlez::t a tod homem reduzido por m lancolia u ? n- e cuidado que tão dispostos estamos a lhe dedicar.
E é bom que a natureza se imponha a nós dessa manei- ·
-a a obs 1var atemamente sua própria . itua :Io, e a · ns t I rar
o que realmente falta pa.ra Sll< r licidad . Então poder Jique- ra. É essa ilusão que dá origem e mantém em contínuo movi-
za se J'l1C>Stram como na v ·dacl sã : gigant ct e Lrabalhosas mento a destreza dos homens. É o que primeiro os incitou a
máq uinas fabri achs para produzir a lgL.~a · pou<.<lS insignifi- cultivar o solo, a construir casas, a fundar cidades e estados e
·antes omodldade. para o corpo, on 'tSUndo de molas b la:: a inventar e a aperfeiçoar todas as ciências e artes, que eno-
e delicadas que devem manter em bom estado ma mais brecem e embelezam a vida humana; que mudaram toda fa-
ardmo a ate nção, que, apesar de todos os n ssos ull dos, ce do globo, transformando as rudes florestas naturais em pla-
sb:'i sempre prontas a an·ebentar m m.U peda ·os, e. magando, nícies Cplains) agradáveis e férteis•, o insondável e estéril ocea-
em us destroços, seu infeliz don . São im ns edit'ído qu no em nova fonte de subsistência, e na grande via de comu-
exigem trabalho de uma vida inteira para ·e re m e.rguid ·, a nicação entre as diferentes nações da terra. Por causa desses
tod momento am a run domina r q u m nele. hab1ta, e que, trabalhos humanos, a terra foi obrigada a redobrar sua fertili-
enquanto estão cl pé, embora pos. aro poupá-! de algum do. dade natural, para manter um número maior de habitantes.
menores in ôm d s, não o podem prot ger de nenhuma da Não é em vão que o altivo e insensível senhor feudal vê seus
mais s v ras incl "mê n las da sta ··à . Afastnm as chuvas de amplos campos e, sem pensar nas carências de seus irmãos,
verão, nâ a t mpestad lc inv rno mas a todo t mpo dei- consome em imaginação tudo o que ali está plantado. Nunca
xam ada vez mais exp sto à ansiedade a mt:c.l , à d r; às o provérbio popular e comum, de que os olhos são maiores '
d n as à ira e à morte.::. do que a barriga, confirmou-se mais que nesse caso. A capaci-
Nla; ainda que essa fil soth biliosa, familiar a Lo lo ·m dade elo seu estômago não mantém nenhuma proporção com
tempos de doen a ou in~ rtúni , c1 precie d m I tão abso- a imensidão de seus desejos, pois não receberá nada além do
luto os i:,>ran I objeto lo de jo hurnan?, qu_a nd~ desfru ta- que o mais vil camponês. É obrigado a distribuir o que sobra
mos de melhor . aúde u melhor humor, 1~una1s detxam s d
considerã-Io sob um aspect ma is agradável. ssa imagina-
à , que na dor e n sofdmento parece ntlnada 1 e rrada • Segundo os editores Raphael e Macfie, pode não passar de coinci-
d •ntro d llmit s de nó mesmos em temp s de onfoJtO c.:: dência Smith repetir a frase já encontrada no Discours sur !'origine et tesfon-
prosperidade expande-s pan:t tud tue_no rodeia: ~ncanta ­ dements d'inégalité parmi tes hommes, de ].-]. Rousseau (publicado em
nos, então, a b I za d conf rto qu retna no palactos c na 1755): "les vastes forêts se changérent en des Campagnes riantes ... ". No en-
tanto, lembram que também é possível que Smith esteja contestando Rous-
economia d s p ler s , e admiramo, orno tudo concol1' pa- seau, para quem o surgimento da propriedade estabelece a mais séria desi-
ra pr m v r sua tra nqüili la I , para evitar que l~1 fali algo, gualdade entre os homens. Com efeito, para Smith a existência da proprie-
e para div 1tir s us mais frívolos desejos .. c cons1d rarm por dade não funda a desigualdade, uma vez que há uma mão invisível gover-
si . ó a ~ttisfaçà q ue todas essas oisas são .tpaz s de pro- nando a distribuição equitativa dos bens.
porcionar, separada da beleza de dlsposi o adequada para su - O trecho recém-citado de Rousseau conclui-se ela seguinte maneira:
"as vastas florestas se transformaram em campos risonhos que cumpria regar
citá-la , sempre pare erá muito d sprezível e trivial. e ntan- com o suor dos homens e nos quais logo se viu a escravidão e a miséria ger-
to, raras são ·1.s vezt:s em q 1 as v mos sob s a luz a bstr~.ta e minarem e medrarem com as searas" (Discurso sobre as origens e os funda-
filosótka. Em nossa irmtginação, natura lmente a confunchmo mentos da desigualdade entre os homens, São Paulo, Mattins Fontes, 1993, p.
m a ord m, o moviment unifo1m e harmonioso do si tema 190; Gallimard, 1985, p. 105). (N. da R. T.)
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS QUARTA PARTE 225
224
vã Iam nra a despr ocupa ·ão e indoi An ·ia da juv n~~de pra- a máquina ou economia que a produzem. Os prazeres da ri-
zer que se foram para mpr , qu t lamente saa:mcou por queza e das honras, considerados desse ponto de vista com-
algo que, quando o poS$LÜL'I, já nã pode lhe proporao~ar uma plexo, atingem a imaginação como se se tratasse de algo gran-
satisfa à v rua !eira. Tal ' o miseráve l aspecto que oferece a dioso, belo e nobre, cuja obtenção vale bem todo o trabalho
grantlez::t a tod homem reduzido por m lancolia u ? n- e cuidado que tão dispostos estamos a lhe dedicar.
E é bom que a natureza se imponha a nós dessa manei- ·
-a a obs 1var atemamente sua própria . itua :Io, e a · ns t I rar
o que realmente falta pa.ra Sll< r licidad . Então poder Jique- ra. É essa ilusão que dá origem e mantém em contínuo movi-
za se J'l1C>Stram como na v ·dacl sã : gigant ct e Lrabalhosas mento a destreza dos homens. É o que primeiro os incitou a
máq uinas fabri achs para produzir a lgL.~a · pou<.<lS insignifi- cultivar o solo, a construir casas, a fundar cidades e estados e
·antes omodldade. para o corpo, on 'tSUndo de molas b la:: a inventar e a aperfeiçoar todas as ciências e artes, que eno-
e delicadas que devem manter em bom estado ma mais brecem e embelezam a vida humana; que mudaram toda fa-
ardmo a ate nção, que, apesar de todos os n ssos ull dos, ce do globo, transformando as rudes florestas naturais em pla-
sb:'i sempre prontas a an·ebentar m m.U peda ·os, e. magando, nícies Cplains) agradáveis e férteis•, o insondável e estéril ocea-
em us destroços, seu infeliz don . São im ns edit'ído qu no em nova fonte de subsistência, e na grande via de comu-
exigem trabalho de uma vida inteira para ·e re m e.rguid ·, a nicação entre as diferentes nações da terra. Por causa desses
tod momento am a run domina r q u m nele. hab1ta, e que, trabalhos humanos, a terra foi obrigada a redobrar sua fertili-
enquanto estão cl pé, embora pos. aro poupá-! de algum do. dade natural, para manter um número maior de habitantes.
menores in ôm d s, não o podem prot ger de nenhuma da Não é em vão que o altivo e insensível senhor feudal vê seus
mais s v ras incl "mê n las da sta ··à . Afastnm as chuvas de amplos campos e, sem pensar nas carências de seus irmãos,
verão, nâ a t mpestad lc inv rno mas a todo t mpo dei- consome em imaginação tudo o que ali está plantado. Nunca
xam ada vez mais exp sto à ansiedade a mt:c.l , à d r; às o provérbio popular e comum, de que os olhos são maiores '
d n as à ira e à morte.::. do que a barriga, confirmou-se mais que nesse caso. A capaci-
Nla; ainda que essa fil soth biliosa, familiar a Lo lo ·m dade elo seu estômago não mantém nenhuma proporção com
tempos de doen a ou in~ rtúni , c1 precie d m I tão abso- a imensidão de seus desejos, pois não receberá nada além do
luto os i:,>ran I objeto lo de jo hurnan?, qu_a nd~ desfru ta- que o mais vil camponês. É obrigado a distribuir o que sobra
mos de melhor . aúde u melhor humor, 1~una1s detxam s d
considerã-Io sob um aspect ma is agradável. ssa imagina-
à , que na dor e n sofdmento parece ntlnada 1 e rrada • Segundo os editores Raphael e Macfie, pode não passar de coinci-
d •ntro d llmit s de nó mesmos em temp s de onfoJtO c.:: dência Smith repetir a frase já encontrada no Discours sur !'origine et tesfon-
prosperidade expande-s pan:t tud tue_no rodeia: ~ncanta ­ dements d'inégalité parmi tes hommes, de ].-]. Rousseau (publicado em
nos, então, a b I za d conf rto qu retna no palactos c na 1755): "les vastes forêts se changérent en des Campagnes riantes ... ". No en-
tanto, lembram que também é possível que Smith esteja contestando Rous-
economia d s p ler s , e admiramo, orno tudo concol1' pa- seau, para quem o surgimento da propriedade estabelece a mais séria desi-
ra pr m v r sua tra nqüili la I , para evitar que l~1 fali algo, gualdade entre os homens. Com efeito, para Smith a existência da proprie-
e para div 1tir s us mais frívolos desejos .. c cons1d rarm por dade não funda a desigualdade, uma vez que há uma mão invisível gover-
si . ó a ~ttisfaçà q ue todas essas oisas são .tpaz s de pro- nando a distribuição equitativa dos bens.
porcionar, separada da beleza de dlsposi o adequada para su - O trecho recém-citado de Rousseau conclui-se ela seguinte maneira:
"as vastas florestas se transformaram em campos risonhos que cumpria regar
citá-la , sempre pare erá muito d sprezível e trivial. e ntan- com o suor dos homens e nos quais logo se viu a escravidão e a miséria ger-
to, raras são ·1.s vezt:s em q 1 as v mos sob s a luz a bstr~.ta e minarem e medrarem com as searas" (Discurso sobre as origens e os funda-
filosótka. Em nossa irmtginação, natura lmente a confunchmo mentos da desigualdade entre os homens, São Paulo, Mattins Fontes, 1993, p.
m a ord m, o moviment unifo1m e harmonioso do si tema 190; Gallimard, 1985, p. 105). (N. da R. T.)
TEORIA DOS SENITMENTOS MORAIS QUARTA PARTE 227
226
entr os qu melhor pre param o pouco de qu
tre s qu arrumam o palácio em que se
el:
~az uso
ullllra e ·se I? u-
por . olidariedade com cod1eiros condut<)res d carruag · ns que
um homem de espírito público encoraj~t o cons rto das sLradas.
co entre os que provêm e mantêm em rdem t das a d1v r- Quand a legislatura estabelece prêmios utr · estúnulos pa-
sa~ miudezas bugiganga' emp!! g elas na ec nomia da h nra; ra o progresso das manufaturas de lã ou linho, sa cond uta
entre todos os que de seu luxo e capricho extraem a porção raramente procede de mera simpatia com o usuário de roupas
das necessidades da vida que debalde teriam esperado de sua finas ou baratas, muito menos com o manufaturista ou comer-
humanidade ou de sua justiça. Em todos os tempos, o produto ciante. A perfeição da política, a extensão do comércio e das
do solo sustenta aproximadamente o número de habitantes que manufaturas, são objetos nobres e magníficos. Agrada-nos con-
é capaz de sustentar. Os ricos apenas escolhem do monte ~ templá-los, e interessa-nos tudo que tenda a promovê-los. Fa-
que é mais precioso e mais agradável. Consomem pouco ma1s zem parte do granel i tema de govern , e as rodas da máqu i-
do que os pobr s; e a d speito de seu natural egoísmo e ra- na política parecem mover-se com mais harmonia e fa ili lade
pacidade, embora pensem tão-somente em sua própria como- por meio deles. Sentimos prazer em contemplar a perfeição de
didad , embora a única finalidade que buscam, ao empregar tão belo e grandioso sistema, e nos sentimos intranqüilos até
os trabalhos de muitos, seja satisfazer seus próprios desejos vãos removermos qualquer obstáculo que possa perturbar ou estor-
e insaciáveis, apesar disso dividem com os pobres o produto var minimamente a regularidade de seus movimentos. Todas
de todas as suas melhorias. São conduzidos por uma mão in- as constituições de governo, entretanto, são valorizadas apenas
visível• a fazer quase a mesma distribuição das necessidades na proporção em Jlle tendem a pro m ver a fellcidad dos que
da vida que teria sido feita, caso a terra fosse dividida em por- vivem sob la . E e é seu único uso e propósito. Porém, por
ções iguais entre todos os seus moradores; e assim, sem in- um cert espírito de sistema, por um c rto amor à ane e ao en-
tenção, sem saber, promovem os interesses da sociedade, e genho, parecemos às vezes valo hzar mais os meios do que
oferecem meios para multiplicar a espécie. Quando a provi- os fins, e a estar ansiosos por promover a felicidade de nos-
dência dividiu a terra entre uns poucos orgulhosos senhores, sos semelhantes mais pelo intento de aperfeiçoar e melhorar
não se esqueceu e tampouco abandonou os que pareciam ter um certo sistema ordenado e belo, do que por uma sensação
ficado fora dessa partilha. Também estes usufruíram sua par- ou sentimento imediato do que os outros sofrem ou gozam.
te em tudo o que a terra produz. No que se refere à verda- Tem havido homens de grande espírito público, que se reve-
deira felicidade da vida humana, não são em nada inferiores laram em outros aspectos pouco sensíveis para com os senti-
aos que par cedam esta r tão acima deles. No confo rto do cor- mentos da humanidade. E, ao contrário, tem havido homens de
po e na paz de espú-ito, todas as diferentes 1 i - es ela v ida grande humanitadsmo, que parecem inteiramente vazios de es-
estão qua e n mesmo nível e mendigo que se aquece ao .o l pírito público. Todo homem pode encontrar no círculo de seus
junto da estrada possui a segurança por que se batem os re1s. conhecidos exemplos de um tipo ou outro. Quem algum dia
O mesmo princípio, o mesmo amor ao sistema, a mes- teve menos humanidade e mais espírito público do que o ce-
ma consideração da beleza da ordem, da arte e da invenção, lebrado legislador da Moscóvia?• O social e bondoso Jaime I
freqüentemente servem para recomendar as instituições que da Grã-Bretanha••, ao contrário, parece que tivera pouca pai-
tendem a promover o bem-estar público. Quando um patriota xão, tanto pela glória, quanto pelos interesses de seu país. Se
se empenha pela melhoria de qualquer parte da política públi- desejares despertar a diligência de um homem que parece qua-
ca, sua conduta nem sempre nasce de pura simpatia pela felici- se morto para a ambição, com freqüência não adiantará eles-
dade dos que dela vão colher benefícios. Comumente, não é

• Pedro, o Grande, czar que fundou São Petersbmgo. (N. da R. T.)


• Conferir A riqueza das nações, IV, ii, 9. (N. da R. T.) •• TSM, Parte li, Seção I, Cap . III, p . 88. (N. da R. T.)
TEORIA DOS SENITMENTOS MORAIS QUARTA PARTE 227
226
entr os qu melhor pre param o pouco de qu
tre s qu arrumam o palácio em que se
el:
~az uso
ullllra e ·se I? u-
por . olidariedade com cod1eiros condut<)res d carruag · ns que
um homem de espírito público encoraj~t o cons rto das sLradas.
co entre os que provêm e mantêm em rdem t das a d1v r- Quand a legislatura estabelece prêmios utr · estúnulos pa-
sa~ miudezas bugiganga' emp!! g elas na ec nomia da h nra; ra o progresso das manufaturas de lã ou linho, sa cond uta
entre todos os que de seu luxo e capricho extraem a porção raramente procede de mera simpatia com o usuário de roupas
das necessidades da vida que debalde teriam esperado de sua finas ou baratas, muito menos com o manufaturista ou comer-
humanidade ou de sua justiça. Em todos os tempos, o produto ciante. A perfeição da política, a extensão do comércio e das
do solo sustenta aproximadamente o número de habitantes que manufaturas, são objetos nobres e magníficos. Agrada-nos con-
é capaz de sustentar. Os ricos apenas escolhem do monte ~ templá-los, e interessa-nos tudo que tenda a promovê-los. Fa-
que é mais precioso e mais agradável. Consomem pouco ma1s zem parte do granel i tema de govern , e as rodas da máqu i-
do que os pobr s; e a d speito de seu natural egoísmo e ra- na política parecem mover-se com mais harmonia e fa ili lade
pacidade, embora pensem tão-somente em sua própria como- por meio deles. Sentimos prazer em contemplar a perfeição de
didad , embora a única finalidade que buscam, ao empregar tão belo e grandioso sistema, e nos sentimos intranqüilos até
os trabalhos de muitos, seja satisfazer seus próprios desejos vãos removermos qualquer obstáculo que possa perturbar ou estor-
e insaciáveis, apesar disso dividem com os pobres o produto var minimamente a regularidade de seus movimentos. Todas
de todas as suas melhorias. São conduzidos por uma mão in- as constituições de governo, entretanto, são valorizadas apenas
visível• a fazer quase a mesma distribuição das necessidades na proporção em Jlle tendem a pro m ver a fellcidad dos que
da vida que teria sido feita, caso a terra fosse dividida em por- vivem sob la . E e é seu único uso e propósito. Porém, por
ções iguais entre todos os seus moradores; e assim, sem in- um cert espírito de sistema, por um c rto amor à ane e ao en-
tenção, sem saber, promovem os interesses da sociedade, e genho, parecemos às vezes valo hzar mais os meios do que
oferecem meios para multiplicar a espécie. Quando a provi- os fins, e a estar ansiosos por promover a felicidade de nos-
dência dividiu a terra entre uns poucos orgulhosos senhores, sos semelhantes mais pelo intento de aperfeiçoar e melhorar
não se esqueceu e tampouco abandonou os que pareciam ter um certo sistema ordenado e belo, do que por uma sensação
ficado fora dessa partilha. Também estes usufruíram sua par- ou sentimento imediato do que os outros sofrem ou gozam.
te em tudo o que a terra produz. No que se refere à verda- Tem havido homens de grande espírito público, que se reve-
deira felicidade da vida humana, não são em nada inferiores laram em outros aspectos pouco sensíveis para com os senti-
aos que par cedam esta r tão acima deles. No confo rto do cor- mentos da humanidade. E, ao contrário, tem havido homens de
po e na paz de espú-ito, todas as diferentes 1 i - es ela v ida grande humanitadsmo, que parecem inteiramente vazios de es-
estão qua e n mesmo nível e mendigo que se aquece ao .o l pírito público. Todo homem pode encontrar no círculo de seus
junto da estrada possui a segurança por que se batem os re1s. conhecidos exemplos de um tipo ou outro. Quem algum dia
O mesmo princípio, o mesmo amor ao sistema, a mes- teve menos humanidade e mais espírito público do que o ce-
ma consideração da beleza da ordem, da arte e da invenção, lebrado legislador da Moscóvia?• O social e bondoso Jaime I
freqüentemente servem para recomendar as instituições que da Grã-Bretanha••, ao contrário, parece que tivera pouca pai-
tendem a promover o bem-estar público. Quando um patriota xão, tanto pela glória, quanto pelos interesses de seu país. Se
se empenha pela melhoria de qualquer parte da política públi- desejares despertar a diligência de um homem que parece qua-
ca, sua conduta nem sempre nasce de pura simpatia pela felici- se morto para a ambição, com freqüência não adiantará eles-
dade dos que dela vão colher benefícios. Comumente, não é

• Pedro, o Grande, czar que fundou São Petersbmgo. (N. da R. T.)


• Conferir A riqueza das nações, IV, ii, 9. (N. da R. T.) •• TSM, Parte li, Seção I, Cap . III, p . 88. (N. da R. T.)
228 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS QUARTA PARTE 229

crever-lhe a felicidade dos ricos e poderosos; dizer-lhe que em cas, se justas, razoáveis e praticáveis, são, entre todas as obras
geral estão sob o abrigo ele sol e chuva, que raramente passam de especulação, as mais úteis. Até as mais fracas e piores não
fome, raramente passam frio, raramente são expostos à fadiga estão inteiramente desprovidas de utilidade. Servem ao menos
ou ' L qu alquer espé ie d car nda. A mais eloqüente ex rta - para animar as paixões públicas dos homens e incitá-los a pro-
ã dess cip te rã po u o efeito sobre ele. 'e dcs jar L r 1- curar meios de promover a felicidade da sociedade .
. o, d v s Ih de. c.r ver a comodidade e cHsposiçã dos di-
fe re nt "s ::tparta memo · m se\Js palácios; deves x plicar-lhe :1
onv níê ncia ele sua ca leça , ·chamar-Ih a a n ~ o para o CAPÍTULO I1
número, a ordem, os diferentes cargos de todos os seus cria- Da beleza que a aparência de utilidade confere aos
dos. Se alguma coisa é capaz de o impressionar, é essa. Mas caracteres e ações dos homens; e em que medida
todas essas coisas tendem apenas a manter afastados sol e chu- a percepção dessa beleza pode ser considerada como um
va, a poupá-los da fome e frio, das carências e da fadiga. Da dos princípios de aprovação originais
mesma maneira, se eles jares implantar a virtude públi ·a no
peito do que pare e d sate nlo dos interesses de seu país, mui- Os caracteres dos homens, bem como os produtos de arte
tas vezes será inúLil. falar-Ih das vantagens superiores de que ou as instituições do governo civil, podem servir ou para pro-
gozam os súditos de um Esrado b m g vernaclo; qtt tã ma is mover ou para perturbar a felicidade, tanto do indivíduo quan-
bem alojados, mais b em vesti los mais b m mtlrido . .Ess~t. con- to da sociedade. O caráter prudente, eqüitativo e diligente, re- J

siderações habitualmente nã causam granel impr~ ão. É ma i soluto e sóbrio, promete prosperidade e satisfação, tanto para
prováve l que o p rsuada , eles r veJ gr<lnde sistema cL ' a própria pessoa, como para todas as que a ela se relacionam.
servi os públi os qu Lrazem ss s vantag ns· se ·pli r as Ao contrário, o imprudente, o insolente, o relaxado, o efemi-
rcla ões e as de p ndêndas e ntre suas várias part s, ua ubor- nado e voluptuoso, prenuncia a ruína do indivíduo, e a des-
dina o m(ttu a uma à. urras, ua subs rviência universal à graça de todos com que mantenha alguma relação. O primeiro
felicidade ela iedade; s m srnu·e · orno ess . i rema pode- desses modos de ser tem pelo menos toda a beleza que pode
ria ser introduzido no seu país, o que impede isso de ocorrer adornar a máquina mais perfeita jamais inventada para pro-
no momento, como se poderiam remover esses obstáculos, pa- mover o mais agradável fim; e o segundo, toda a deformidade
ra que todas as várias rodas da máquina no governo pudessem da mais desastrada e desajeitada invenção. Que instituição de
se mover com mais harmonia e suavidade, sem raspar umas governo poderia ser mais adequada para promover a felici-
nas outras, sem retardar os movimentos umas das outras. É qua- dade dos seres humanos que a preponderância da sabedoria
se impossível um h mem ouvir um discurso como esse e não e da virtude? Todo governo não é senão um remédio imper-
se sentir animado e m alguma medida de espírito público. Ao .-. feito para a deficiência destas. Portanto, a beleza que possa per-
menos por ora, sentirá algum desejo de re mover esses obstá- tencer ao governo civil por causa de sua utilidade necessaria-
culos, e de pôr em movimento uma máquina tão bela e orde- mente deverá corresponder em grau muito maior à sabedoria
nada. Nada p1 dispõe tanto a promove r e pírito pút Li q ua n- e à virtude. Ao contrário, que política civil pode ser mais rui-
to o estudo da poütica - os vários siste ma· de govern civil, nosa e destrutiva que os vícios dos homens? Os efeitos fatais
suas vantagens e desvantagens-, da constituição de nosso país, de um mau governo se devem unicamente a ele não proteger
sua situação e interesses com relação a nações estrangeiras, seu suficientemente contra os males causados pela perversidade
comércio, sua defesa, as desvantagens sob as quais opera, os humana.
peri os a que p d >star exposto, como remover umas e de- Essa beleza e deformidade que os caracteres demonstram
fender-se contra as outras. Por essa razão, as digressões políti- retirar de sua utilidade ou inconveniência tendem a impressio-
228 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS QUARTA PARTE 229

crever-lhe a felicidade dos ricos e poderosos; dizer-lhe que em cas, se justas, razoáveis e praticáveis, são, entre todas as obras
geral estão sob o abrigo ele sol e chuva, que raramente passam de especulação, as mais úteis. Até as mais fracas e piores não
fome, raramente passam frio, raramente são expostos à fadiga estão inteiramente desprovidas de utilidade. Servem ao menos
ou ' L qu alquer espé ie d car nda. A mais eloqüente ex rta - para animar as paixões públicas dos homens e incitá-los a pro-
ã dess cip te rã po u o efeito sobre ele. 'e dcs jar L r 1- curar meios de promover a felicidade da sociedade .
. o, d v s Ih de. c.r ver a comodidade e cHsposiçã dos di-
fe re nt "s ::tparta memo · m se\Js palácios; deves x plicar-lhe :1
onv níê ncia ele sua ca leça , ·chamar-Ih a a n ~ o para o CAPÍTULO I1
número, a ordem, os diferentes cargos de todos os seus cria- Da beleza que a aparência de utilidade confere aos
dos. Se alguma coisa é capaz de o impressionar, é essa. Mas caracteres e ações dos homens; e em que medida
todas essas coisas tendem apenas a manter afastados sol e chu- a percepção dessa beleza pode ser considerada como um
va, a poupá-los da fome e frio, das carências e da fadiga. Da dos princípios de aprovação originais
mesma maneira, se eles jares implantar a virtude públi ·a no
peito do que pare e d sate nlo dos interesses de seu país, mui- Os caracteres dos homens, bem como os produtos de arte
tas vezes será inúLil. falar-Ih das vantagens superiores de que ou as instituições do governo civil, podem servir ou para pro-
gozam os súditos de um Esrado b m g vernaclo; qtt tã ma is mover ou para perturbar a felicidade, tanto do indivíduo quan-
bem alojados, mais b em vesti los mais b m mtlrido . .Ess~t. con- to da sociedade. O caráter prudente, eqüitativo e diligente, re- J

siderações habitualmente nã causam granel impr~ ão. É ma i soluto e sóbrio, promete prosperidade e satisfação, tanto para
prováve l que o p rsuada , eles r veJ gr<lnde sistema cL ' a própria pessoa, como para todas as que a ela se relacionam.
servi os públi os qu Lrazem ss s vantag ns· se ·pli r as Ao contrário, o imprudente, o insolente, o relaxado, o efemi-
rcla ões e as de p ndêndas e ntre suas várias part s, ua ubor- nado e voluptuoso, prenuncia a ruína do indivíduo, e a des-
dina o m(ttu a uma à. urras, ua subs rviência universal à graça de todos com que mantenha alguma relação. O primeiro
felicidade ela iedade; s m srnu·e · orno ess . i rema pode- desses modos de ser tem pelo menos toda a beleza que pode
ria ser introduzido no seu país, o que impede isso de ocorrer adornar a máquina mais perfeita jamais inventada para pro-
no momento, como se poderiam remover esses obstáculos, pa- mover o mais agradável fim; e o segundo, toda a deformidade
ra que todas as várias rodas da máquina no governo pudessem da mais desastrada e desajeitada invenção. Que instituição de
se mover com mais harmonia e suavidade, sem raspar umas governo poderia ser mais adequada para promover a felici-
nas outras, sem retardar os movimentos umas das outras. É qua- dade dos seres humanos que a preponderância da sabedoria
se impossível um h mem ouvir um discurso como esse e não e da virtude? Todo governo não é senão um remédio imper-
se sentir animado e m alguma medida de espírito público. Ao .-. feito para a deficiência destas. Portanto, a beleza que possa per-
menos por ora, sentirá algum desejo de re mover esses obstá- tencer ao governo civil por causa de sua utilidade necessaria-
culos, e de pôr em movimento uma máquina tão bela e orde- mente deverá corresponder em grau muito maior à sabedoria
nada. Nada p1 dispõe tanto a promove r e pírito pút Li q ua n- e à virtude. Ao contrário, que política civil pode ser mais rui-
to o estudo da poütica - os vários siste ma· de govern civil, nosa e destrutiva que os vícios dos homens? Os efeitos fatais
suas vantagens e desvantagens-, da constituição de nosso país, de um mau governo se devem unicamente a ele não proteger
sua situação e interesses com relação a nações estrangeiras, seu suficientemente contra os males causados pela perversidade
comércio, sua defesa, as desvantagens sob as quais opera, os humana.
peri os a que p d >star exposto, como remover umas e de- Essa beleza e deformidade que os caracteres demonstram
fender-se contra as outras. Por essa razão, as digressões políti- retirar de sua utilidade ou inconveniência tendem a impressio-
TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS QUARTA PARTE 231
230
nar de maneira peculiar aos que consideram em abstrato e fi- vação ou d saprovação. Sem dúvida esses sentimentos estão 1
losoficamente as ações e a conduta dos homens. Quando um realçados e intensificados pela percepção da beleza ou deformi- I
filósofo examina por que se aprova a humanidade e se conde- dade que resulta da utilidade ou dano. Mas, apesar disso, insisto !
n ~ a au Idade, n m sempre forma pant si de modo la r em que são original e essencialmente distintos dessa percepção. 1

distinto o nc it J uma ação pruticular, seja cl cru klacl ~, se- Antes de mais nada, parece impossível que a aprovação
ja de }Jumanidade, mas habitualme nte s o nrent:<J ·om a i léia da virtude seja um s ntirne nro da m ·ma espécie que aquele
vaga e indeterminada que as designações gerais dessas qua- por meio do qual a provam) · um edifício cômodo e bem pro-
lidades lhe sugerem. No entanto, é só nesses casos particula- jetado; ou que não tenhamos outra razão para logiar um ho- ,
res que a conveniê ncia ou in nve niên ·ia, m ' rito LI de mé- mem que não seja a mesma pela qual recomenda m um ar-
rito das ações são ób ios e dis erníve is. Apena quando s dão mário m av tas.
exemplos particulares podemos p 1 he r com d istinção o acor- Em seg md lugar, caso se examine bem, descobrir-se-á ;
do e desacordo entre nossos pró pri afetos e o do agem , que a utilidad de qualquer di ·posi •ão de pirita raramente
ou ainda sentir, num caso, qu urge uma gratidão de soli da- constitui o primeim fundame nto de nossa aprovação, e que '
riedade por ele, ou de ressentimento, no outro. Quando con- o sentimento de aprovação sempre implica um senso de con-
sideramos virtude e vício de maneira abstrata e geral, parece veniência muito distinto da percepção de utilidade. Podemos
que as qualidades que provocam esses diversos sentimentos observar isso em relação a todas as qualidades aprovadas como
em boa parte desaparecem, e os sentimentos mesmos tornam- virtuosas, tanto as que, segundo esse sistema, são originalmen-
se menos óbvios e discerníveis. Ao contrário, os efeitos felizes, te consideradas úteis a nós mesmos, quanto as que são esti-
num caso, e as conseqüências fatais, no outro, parecem então madas por causa de sua utilidade para outras pessoas.
erguer-se ante a nossa vista, como se d tacassem e se se para - As qualidades mais úteis a nós mesmos são, em primei- ,
sem de todas as outras qualidad de um e outro. ro lugar, razão e entendimento superiores, que nos capacitam ·
O mesmo autor engenho o e agradá v · I que pela primei- a discernir as conseqüências remotas de todos os nossos atos,
ra vez explicou por que o útil agrada impressionou-se tanto e a prever o benefício ou prejuízo que provavelmente resul-
com essa maneira de ver as coisas, que reduziu toda a nossa tarão deles. E, em segundo lugar, o autodomínio que permite
aprovação da virt11de a uma imples percepção dessa espécie abstermo-nos de um prazer momentâneo, ou de suportar uma
de beleza qu r sulta da a parência de utilidade. Nenhuma qua- dor presente, a fim de obter um prazer maior, ou evitar uma dor
lidade do spírilo, a lverle, é aprovada como virtuosa, senão maior no futuro. Na união dessas duas qualidades consiste a vir-
' IS qu . ão úteis ou agr.tdá eis, seja para a própria pessoa, seja tude da prudência, de todas as vittudes a mais útil ao indivíduo.
1 ara ouLra; ne nhum·~ qualidade é desaprovada como vicio- No que se refere à primeira dessas qualidades, já se obser-
sa exceto as de tendência contrária•. E, na verdade, a Natu- vou anteriormente que razão e entendimento superiores são ori-
re~a ao que parece ajustou de modo tão feliz nossos sentimen- ginalmente aprovados como justos, certos e precisos, e não
tos de aprovação e desaprovação à onv niênda do indivíduo apenas como úteis ou vantajosos. É nas ciências mais abstrusas ,
e da soei dade, que após o mais rigoroso exame se d co! ri- notadamente nas altas matemáticas, que se revelaram os maio-
rá, creio eu, que se trata de uma regra universal. Não obstante, res e mais admiráveis esforços da razão humana. Mas a utili-
afirmo que não é o modo como se vê essa utilidade ou esse dade dessas ciências, para o indivíduo ou para o público, não
dano que constitui a primeira ou principal fonte de nossa apro- é óbvia, e prová-la exige uma demonstração que nem sempre é
facilmente entendida. Não foi, portanto, sua utilidade que pri-
meiro as recomendou à admiração pública. Pouco se insistiu
• David Hume, Treatise on Human Nature, III, iii, i (ed. Selby-Bigge).
nessa qualidade , até que se tornou necessário responde r de
(N. da R. T.)
TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS QUARTA PARTE 231
230
nar de maneira peculiar aos que consideram em abstrato e fi- vação ou d saprovação. Sem dúvida esses sentimentos estão 1
losoficamente as ações e a conduta dos homens. Quando um realçados e intensificados pela percepção da beleza ou deformi- I
filósofo examina por que se aprova a humanidade e se conde- dade que resulta da utilidade ou dano. Mas, apesar disso, insisto !
n ~ a au Idade, n m sempre forma pant si de modo la r em que são original e essencialmente distintos dessa percepção. 1

distinto o nc it J uma ação pruticular, seja cl cru klacl ~, se- Antes de mais nada, parece impossível que a aprovação
ja de }Jumanidade, mas habitualme nte s o nrent:<J ·om a i léia da virtude seja um s ntirne nro da m ·ma espécie que aquele
vaga e indeterminada que as designações gerais dessas qua- por meio do qual a provam) · um edifício cômodo e bem pro-
lidades lhe sugerem. No entanto, é só nesses casos particula- jetado; ou que não tenhamos outra razão para logiar um ho- ,
res que a conveniê ncia ou in nve niên ·ia, m ' rito LI de mé- mem que não seja a mesma pela qual recomenda m um ar-
rito das ações são ób ios e dis erníve is. Apena quando s dão mário m av tas.
exemplos particulares podemos p 1 he r com d istinção o acor- Em seg md lugar, caso se examine bem, descobrir-se-á ;
do e desacordo entre nossos pró pri afetos e o do agem , que a utilidad de qualquer di ·posi •ão de pirita raramente
ou ainda sentir, num caso, qu urge uma gratidão de soli da- constitui o primeim fundame nto de nossa aprovação, e que '
riedade por ele, ou de ressentimento, no outro. Quando con- o sentimento de aprovação sempre implica um senso de con-
sideramos virtude e vício de maneira abstrata e geral, parece veniência muito distinto da percepção de utilidade. Podemos
que as qualidades que provocam esses diversos sentimentos observar isso em relação a todas as qualidades aprovadas como
em boa parte desaparecem, e os sentimentos mesmos tornam- virtuosas, tanto as que, segundo esse sistema, são originalmen-
se menos óbvios e discerníveis. Ao contrário, os efeitos felizes, te consideradas úteis a nós mesmos, quanto as que são esti-
num caso, e as conseqüências fatais, no outro, parecem então madas por causa de sua utilidade para outras pessoas.
erguer-se ante a nossa vista, como se d tacassem e se se para - As qualidades mais úteis a nós mesmos são, em primei- ,
sem de todas as outras qualidad de um e outro. ro lugar, razão e entendimento superiores, que nos capacitam ·
O mesmo autor engenho o e agradá v · I que pela primei- a discernir as conseqüências remotas de todos os nossos atos,
ra vez explicou por que o útil agrada impressionou-se tanto e a prever o benefício ou prejuízo que provavelmente resul-
com essa maneira de ver as coisas, que reduziu toda a nossa tarão deles. E, em segundo lugar, o autodomínio que permite
aprovação da virt11de a uma imples percepção dessa espécie abstermo-nos de um prazer momentâneo, ou de suportar uma
de beleza qu r sulta da a parência de utilidade. Nenhuma qua- dor presente, a fim de obter um prazer maior, ou evitar uma dor
lidade do spírilo, a lverle, é aprovada como virtuosa, senão maior no futuro. Na união dessas duas qualidades consiste a vir-
' IS qu . ão úteis ou agr.tdá eis, seja para a própria pessoa, seja tude da prudência, de todas as vittudes a mais útil ao indivíduo.
1 ara ouLra; ne nhum·~ qualidade é desaprovada como vicio- No que se refere à primeira dessas qualidades, já se obser-
sa exceto as de tendência contrária•. E, na verdade, a Natu- vou anteriormente que razão e entendimento superiores são ori-
re~a ao que parece ajustou de modo tão feliz nossos sentimen- ginalmente aprovados como justos, certos e precisos, e não
tos de aprovação e desaprovação à onv niênda do indivíduo apenas como úteis ou vantajosos. É nas ciências mais abstrusas ,
e da soei dade, que após o mais rigoroso exame se d co! ri- notadamente nas altas matemáticas, que se revelaram os maio-
rá, creio eu, que se trata de uma regra universal. Não obstante, res e mais admiráveis esforços da razão humana. Mas a utili-
afirmo que não é o modo como se vê essa utilidade ou esse dade dessas ciências, para o indivíduo ou para o público, não
dano que constitui a primeira ou principal fonte de nossa apro- é óbvia, e prová-la exige uma demonstração que nem sempre é
facilmente entendida. Não foi, portanto, sua utilidade que pri-
meiro as recomendou à admiração pública. Pouco se insistiu
• David Hume, Treatise on Human Nature, III, iii, i (ed. Selby-Bigge).
nessa qualidade , até que se tornou necessário responde r de
(N. da R. T.)
232 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS QUARTA PARTE 233
algum mod acusa ões dos que, não t ndo gosto por tão u- parar o agente na observação desse modelo de conduta. O pra- ,
blimes pecula çõe , sforçam-se por dep iá-ln. c.:omo [núteis. zer que usufruiremos dentro de dez anos nos interessa tão 1

Da m sma mane ira, tant ob asp cto da conveniên- pouco em comparação om o que talvez gozemos hoje; a pai- ,
cia c mo da utilidade, prova mo o am dom nio por m io xão que o primeir desp ~rta é, naturalmente, tão fraca em com- i
do q Jal refreamo · no. us apetites pr ·emes a t1m de satisfa- paração com a violenta emoção que o segundo pode ocasio- ~
zê-lo. m lhor m utra ocasião. uando agimos dessa ma- nar, que um jamais poderia compensar o outro, a não ser am-
neira, os sentimentos que influenciam nossa conduta parecem parado pelo senso de conveniência, p la consc( ncia ele qu
coincidir exatamente com os do espectador. Este não experi- merecemos a estima e aprovação de todo o mundo ao agirmos
m nta as súpli as d n : o apetit s presentes. Para !e, o pra- de um modo, e de que nos tornaríamos, ao nos portarmos do
zer que vamos u ufruir dentro de uma s mana u um ano - outro modo, objetos apropriados de seu desprezo e escárnio.
tão interessante quanto o que esta mos usufru.indo nest · in.- Humanidade, justiça, generosidade e espírito público são ·
tant . uando, po.is, pelo bem do presente acrificarnos futu- as qualidades mais úteis aos outros. Anteriormente expliquei em
ro, n a condu ta lhe parece extravaganc ~ e ab ' ur la ao extre- que consiste a onv nCncia da humanidade e da justiça, e mos-
m , e é inca paz de compartilhar s prin ípio que a infl uen- trei quanto nossa stima e aprova ão dessas qualidades depen-
ciam. Ao contrário, quando nos abstemos de um prazer presen- diam do acordo entre os afetos do agente e os dos espectadores.
te, a fim de assegurar um prazer maior futuro, quando agimos A conveniência da generosidade e do espírito público fun-
como se o obj ro remoto no interessass tanto quanto o que da-se no mesmo princípio que o da justiça. A generosidade é :
: pressio na írned iatam nte nosso emidos, quand nosso afe- distinta de humanidade. Essas duas qualidades que à primeira
tos correspondem exat'lOlente ao us, el · mpre aprova vista parecem tão intimamente ligadas nem sempre pettencem
nosso comp rtamemo; , c mo sab , p r !Xp ri"nda quã pau- à mesma pessoa. A humanidade é a virtude de uma mulher, a . ·
os sã capazes de e aut domínio, olha noss< onduw com generosidade , de um homem. O belo sexo, que comumente
muita sw.mheza acfrnlra â . Daí urg essa eminent · esti- tem muito mais ternura do que o nosso, raramente tem igual
ma com q u to os o h mcns con. id am naturalmente a fir- generosidade. A lei civil observa que as mulh res poucas ve-
me per. vera n ·a 11a prática da frugalidad , diligência e d d i- zes fazem doações consideráveis9 • A hu manidad consiste me-
ação, ain da que d irigidas apenas para aquisição de fortu na. ramente na refinada solidariedade que o espectador nutre pe-
A firmeza. re luta da p oa que assim ag c que, ·1 fim d los sentimentos das pessoas principalmente afetadas, afligin-
obter uma vantagem grande, embora remota, não apenas re- do-se pelos sofrimentos delas, ressentindo-se com as ofensas
nuncia a todos os prazeres presentes, mas suporta os maio- que lhes fazem , e alegrando-se com sua boa sorte. As ações '
res trabalhos, quer do espírito, quer do corpo, necessariamen- mais humanas não exigem abnegação nem autodorníni , nem '
te ordena nossa aprova ·ão. A perspectiva de seu interesse e um grande esfor o do senso d conveniê ncia. Consisr m sim- ·
sua felicidade, que parece regular sua conduta, corresponde plesmente em faz .r o que essa 1. finada simpatia por 1 s nos •
in ita a reali zar. O mesmo não <> orre com a gener sldade.
exatamente à idéia que naturalmente formamos dela. Existe
Nun. a som,o. g ne rosos, salvo quand d algum m do pre-
a mais perfeita correspondência entre os seus senti t11ento · e
~ rim s outra p soa a nós mesmo , e sa 1fi amos algu m
os nossos, e ao mesmo tempo, por causa de nossa xp ri-n-
grande impo1tante intere se próprio po r outro igual inte-
, cia da comum fraqueza da natureza humana, não é razoável r ss d um amig ou d alguém qu e é nosso superio r. O ho-
espera r-se tal correspond-ncia. Não apenas aprovamos, por- mem qu renuncia. ãs pretensões a um arg qu D i granel
tanto, ma , em certa medida, admiramos sua conduta, e a jul-
gamos merecedora de nsid rável aplauso. Unicamente a
consciência dessa merecida aprovaç:ão e estima é capaz de am- 9. Raro mulieres danare solent.
232 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS QUARTA PARTE 233
algum mod acusa ões dos que, não t ndo gosto por tão u- parar o agente na observação desse modelo de conduta. O pra- ,
blimes pecula çõe , sforçam-se por dep iá-ln. c.:omo [núteis. zer que usufruiremos dentro de dez anos nos interessa tão 1

Da m sma mane ira, tant ob asp cto da conveniên- pouco em comparação om o que talvez gozemos hoje; a pai- ,
cia c mo da utilidade, prova mo o am dom nio por m io xão que o primeir desp ~rta é, naturalmente, tão fraca em com- i
do q Jal refreamo · no. us apetites pr ·emes a t1m de satisfa- paração com a violenta emoção que o segundo pode ocasio- ~
zê-lo. m lhor m utra ocasião. uando agimos dessa ma- nar, que um jamais poderia compensar o outro, a não ser am-
neira, os sentimentos que influenciam nossa conduta parecem parado pelo senso de conveniência, p la consc( ncia ele qu
coincidir exatamente com os do espectador. Este não experi- merecemos a estima e aprovação de todo o mundo ao agirmos
m nta as súpli as d n : o apetit s presentes. Para !e, o pra- de um modo, e de que nos tornaríamos, ao nos portarmos do
zer que vamos u ufruir dentro de uma s mana u um ano - outro modo, objetos apropriados de seu desprezo e escárnio.
tão interessante quanto o que esta mos usufru.indo nest · in.- Humanidade, justiça, generosidade e espírito público são ·
tant . uando, po.is, pelo bem do presente acrificarnos futu- as qualidades mais úteis aos outros. Anteriormente expliquei em
ro, n a condu ta lhe parece extravaganc ~ e ab ' ur la ao extre- que consiste a onv nCncia da humanidade e da justiça, e mos-
m , e é inca paz de compartilhar s prin ípio que a infl uen- trei quanto nossa stima e aprova ão dessas qualidades depen-
ciam. Ao contrário, quando nos abstemos de um prazer presen- diam do acordo entre os afetos do agente e os dos espectadores.
te, a fim de assegurar um prazer maior futuro, quando agimos A conveniência da generosidade e do espírito público fun-
como se o obj ro remoto no interessass tanto quanto o que da-se no mesmo princípio que o da justiça. A generosidade é :
: pressio na írned iatam nte nosso emidos, quand nosso afe- distinta de humanidade. Essas duas qualidades que à primeira
tos correspondem exat'lOlente ao us, el · mpre aprova vista parecem tão intimamente ligadas nem sempre pettencem
nosso comp rtamemo; , c mo sab , p r !Xp ri"nda quã pau- à mesma pessoa. A humanidade é a virtude de uma mulher, a . ·
os sã capazes de e aut domínio, olha noss< onduw com generosidade , de um homem. O belo sexo, que comumente
muita sw.mheza acfrnlra â . Daí urg essa eminent · esti- tem muito mais ternura do que o nosso, raramente tem igual
ma com q u to os o h mcns con. id am naturalmente a fir- generosidade. A lei civil observa que as mulh res poucas ve-
me per. vera n ·a 11a prática da frugalidad , diligência e d d i- zes fazem doações consideráveis9 • A hu manidad consiste me-
ação, ain da que d irigidas apenas para aquisição de fortu na. ramente na refinada solidariedade que o espectador nutre pe-
A firmeza. re luta da p oa que assim ag c que, ·1 fim d los sentimentos das pessoas principalmente afetadas, afligin-
obter uma vantagem grande, embora remota, não apenas re- do-se pelos sofrimentos delas, ressentindo-se com as ofensas
nuncia a todos os prazeres presentes, mas suporta os maio- que lhes fazem , e alegrando-se com sua boa sorte. As ações '
res trabalhos, quer do espírito, quer do corpo, necessariamen- mais humanas não exigem abnegação nem autodorníni , nem '
te ordena nossa aprova ·ão. A perspectiva de seu interesse e um grande esfor o do senso d conveniê ncia. Consisr m sim- ·
sua felicidade, que parece regular sua conduta, corresponde plesmente em faz .r o que essa 1. finada simpatia por 1 s nos •
in ita a reali zar. O mesmo não <> orre com a gener sldade.
exatamente à idéia que naturalmente formamos dela. Existe
Nun. a som,o. g ne rosos, salvo quand d algum m do pre-
a mais perfeita correspondência entre os seus senti t11ento · e
~ rim s outra p soa a nós mesmo , e sa 1fi amos algu m
os nossos, e ao mesmo tempo, por causa de nossa xp ri-n-
grande impo1tante intere se próprio po r outro igual inte-
, cia da comum fraqueza da natureza humana, não é razoável r ss d um amig ou d alguém qu e é nosso superio r. O ho-
espera r-se tal correspond-ncia. Não apenas aprovamos, por- mem qu renuncia. ãs pretensões a um arg qu D i granel
tanto, ma , em certa medida, admiramos sua conduta, e a jul-
gamos merecedora de nsid rável aplauso. Unicamente a
consciência dessa merecida aprovaç:ão e estima é capaz de am- 9. Raro mulieres danare solent.
234 TEORIA DOS SEN17MENTOS MORAIS QUARTA PARTE 235
bjero d sua ambição porque imagina qu utro tem mais sangue, se, derramando-o, contribuir com um propósito tão va-
dlr ito a e! ; homem que expô sua vida para efend r a do lioso. O her ~m~ d · sua conduta co1_1siste, por senso de dever ]
s u amigo, que julga mais vali · que a sua, n nhum d les, m e de convemenCla, em vergar a ma1s forte de todas as incli-
ambos s casos, age por humanidade, u porqu inta mais nações naturais. Há muitos ingle · s honrados a quem parti-
intensamenlt: o que se r ~ re a utra r ss a d qu o qu lhe cularmente a perda de um guin u traria mais inquietação do
diz resp eito. Ambo nsid ram esses Jnter e oposto , não que a perda naciona l de Minar a, mas que , se estivesse n. ·t:u
ã luz em que n·tturalmente apa re e m a I s, ma. em qu apa- poder a d ~ a de sa fottale7.a, prefeririam mil vez . ·:ta·ifi ·ar
r cem aos demais. Pa .a qualquer cir unstant , o êxit ou con- sua vida a deixá-la cair, por culpa sua, nas m~ o~ do inimigo.
servação dessa outra p · oa pode, · m justi a, t r mais inte- Quando o primeiro Brutus levou seus próprios filhos ao cada-
resse elo que o êxlt ·onservaçà própri s; mas ~ impossí- falso, porque haviam conspirado contra a nascente liberdade
vel que seja ~ts im pant eles. P ttant , quando acrificam, pelo de Roma, sacrificou o que, se consultasse o próprio peito, re-
interesse d s a outra p ssoa os · u. próprio inter sses, aco- velar-se-ia a mais forte das débeis afeições. Bmtus deveria na-
mod am- e ao · · nrimenr • lo e. pe :ta c! r e, com um ·for .o turalmente sentir muito mais a morte de seus filhos do que
d tnngnaninticlade, agem segund a pinlào que sab m d v - todos os possívei mal s de que Roma teria padecido por fal-
rá natut lm nte r a d Ltm ter iro qualqu er. O. oldado qu ta de tão grande exem1 J • Porém, via os filhos não com olhos
sa ·rJfi a sua vida para d fender a do seu oficial talvez fo e de pa i, mas com os de ichdâo romano. Tão profundamente
pou o afetad pela mon lcst se acontecesse m nenhuma compartilhou os sentiment s pr prios desta condição, que não
culpa sua e uma p qu na desgraça que o rivess nbatldo tal- deu impc rt:ln ia ao laço que o unia aos filhos; e para um ci-
vez prov ass uma dor mais viva. Mas quando se sfor ·a pa- dadã romano, os filhos de Bmtus, postos na balança com o
ra agir le m do a , r aplaudido e a obrig"dr ·pe tador im- menor dos interesses de Roma, pareciam desprezíveis. Nesse
par lnl a partilhar dos prin ípios cl sua · nduta, s nt que e em todos os outros casos semelhantes, nossa admiração se
p·tra toei o mundo, menos para 1 , ua vida uma ninharia fundamenta menos sobre a utilidade que sobre o insólito, don-
omparada om a do seu ofi ia! que, sa ificando uma p - de a gr"ctnd , nobre ~ sublirn conveni ~ nda de tais ações. Cer-
la oulra estará agind o .muit apro priad·IJ11 nte e lll om r- tamente, quando contemplamos essa utilidade, compreendemos
midade ·om o qu seriam a apr s oaturai d todo c ci r- u lhes onf re urna o va beleza , e por essa razão as r
cunstante imparcial. m nd<1 <linda mais para nossa aprovaç o. Porém, es a I el za '
O mesmo ocorre com os maiores esforços de espírito pú- prin ipaJmem percebida por homens de reflexão e espe 'l.tla-
blico. Quancl um jovem ofi iaJ expô sua vida p~tra aumentar çâo, • não é, rn absoluto, a qualidad que prl.m iro re :omenda
em muito pou o o · cl mínlos d s ·u sob r~m , nã t. porque lai'> a ~ ao sentimentos nat'll l-::tis da maiotia los homens.
a aqui l ão lo n vo t nitório s ja, p<tl'a I mesmo, objeto m <~ i s Deve-se observar que, na medida em que o sentimento ;
desejáv I do qu a ·ooserv~• ào la própria vida. Para ele sua de aprovação se deve à percep ·ã . da beleza da utilidade, não I
vida é infinitamente m<ti!; va lio. a do que a onquista de um rei- tem relação alguma com os sentimentos alheios. Por ·ons ~guin­
no inteiro para o Th tad >a qu s JVC. Mas ao amparar e s s te, se fosse possível uma pessoa crescer e tornar-se adulta sem
dois oi jeto , não os divisa · b ponto ele vista m u natu- qualquer comunicação com a sociedade, apesar disso, suas
ra lm nte Ih apar cem, adota o da nação p la qual stá lu- ações poderiam lhe ser agradáveis ou desagradáveis, segundo
mo lo. Pam e.o;ta, o êxit da gu rra é importantí s:imo a vida cl tendessem para sua felicidade ou desvantagem. Poderia per-
um indivíduo particular quase não tem conseqüências. Quan- ceber uma beleza dessa espécie na prudência, temperança e
do o on ial se coloca na situação dos outros, imediatamente na boa conduta, e uma deformidade no compottamento opos-
compreende que não estará sendo pródigo demais com seu to; de um lado poderia considerar seu próprio caráter e tempe-
234 TEORIA DOS SEN17MENTOS MORAIS QUARTA PARTE 235
bjero d sua ambição porque imagina qu utro tem mais sangue, se, derramando-o, contribuir com um propósito tão va-
dlr ito a e! ; homem que expô sua vida para efend r a do lioso. O her ~m~ d · sua conduta co1_1siste, por senso de dever ]
s u amigo, que julga mais vali · que a sua, n nhum d les, m e de convemenCla, em vergar a ma1s forte de todas as incli-
ambos s casos, age por humanidade, u porqu inta mais nações naturais. Há muitos ingle · s honrados a quem parti-
intensamenlt: o que se r ~ re a utra r ss a d qu o qu lhe cularmente a perda de um guin u traria mais inquietação do
diz resp eito. Ambo nsid ram esses Jnter e oposto , não que a perda naciona l de Minar a, mas que , se estivesse n. ·t:u
ã luz em que n·tturalmente apa re e m a I s, ma. em qu apa- poder a d ~ a de sa fottale7.a, prefeririam mil vez . ·:ta·ifi ·ar
r cem aos demais. Pa .a qualquer cir unstant , o êxit ou con- sua vida a deixá-la cair, por culpa sua, nas m~ o~ do inimigo.
servação dessa outra p · oa pode, · m justi a, t r mais inte- Quando o primeiro Brutus levou seus próprios filhos ao cada-
resse elo que o êxlt ·onservaçà própri s; mas ~ impossí- falso, porque haviam conspirado contra a nascente liberdade
vel que seja ~ts im pant eles. P ttant , quando acrificam, pelo de Roma, sacrificou o que, se consultasse o próprio peito, re-
interesse d s a outra p ssoa os · u. próprio inter sses, aco- velar-se-ia a mais forte das débeis afeições. Bmtus deveria na-
mod am- e ao · · nrimenr • lo e. pe :ta c! r e, com um ·for .o turalmente sentir muito mais a morte de seus filhos do que
d tnngnaninticlade, agem segund a pinlào que sab m d v - todos os possívei mal s de que Roma teria padecido por fal-
rá natut lm nte r a d Ltm ter iro qualqu er. O. oldado qu ta de tão grande exem1 J • Porém, via os filhos não com olhos
sa ·rJfi a sua vida para d fender a do seu oficial talvez fo e de pa i, mas com os de ichdâo romano. Tão profundamente
pou o afetad pela mon lcst se acontecesse m nenhuma compartilhou os sentiment s pr prios desta condição, que não
culpa sua e uma p qu na desgraça que o rivess nbatldo tal- deu impc rt:ln ia ao laço que o unia aos filhos; e para um ci-
vez prov ass uma dor mais viva. Mas quando se sfor ·a pa- dadã romano, os filhos de Bmtus, postos na balança com o
ra agir le m do a , r aplaudido e a obrig"dr ·pe tador im- menor dos interesses de Roma, pareciam desprezíveis. Nesse
par lnl a partilhar dos prin ípios cl sua · nduta, s nt que e em todos os outros casos semelhantes, nossa admiração se
p·tra toei o mundo, menos para 1 , ua vida uma ninharia fundamenta menos sobre a utilidade que sobre o insólito, don-
omparada om a do seu ofi ia! que, sa ificando uma p - de a gr"ctnd , nobre ~ sublirn conveni ~ nda de tais ações. Cer-
la oulra estará agind o .muit apro priad·IJ11 nte e lll om r- tamente, quando contemplamos essa utilidade, compreendemos
midade ·om o qu seriam a apr s oaturai d todo c ci r- u lhes onf re urna o va beleza , e por essa razão as r
cunstante imparcial. m nd<1 <linda mais para nossa aprovaç o. Porém, es a I el za '
O mesmo ocorre com os maiores esforços de espírito pú- prin ipaJmem percebida por homens de reflexão e espe 'l.tla-
blico. Quancl um jovem ofi iaJ expô sua vida p~tra aumentar çâo, • não é, rn absoluto, a qualidad que prl.m iro re :omenda
em muito pou o o · cl mínlos d s ·u sob r~m , nã t. porque lai'> a ~ ao sentimentos nat'll l-::tis da maiotia los homens.
a aqui l ão lo n vo t nitório s ja, p<tl'a I mesmo, objeto m <~ i s Deve-se observar que, na medida em que o sentimento ;
desejáv I do qu a ·ooserv~• ào la própria vida. Para ele sua de aprovação se deve à percep ·ã . da beleza da utilidade, não I
vida é infinitamente m<ti!; va lio. a do que a onquista de um rei- tem relação alguma com os sentimentos alheios. Por ·ons ~guin­
no inteiro para o Th tad >a qu s JVC. Mas ao amparar e s s te, se fosse possível uma pessoa crescer e tornar-se adulta sem
dois oi jeto , não os divisa · b ponto ele vista m u natu- qualquer comunicação com a sociedade, apesar disso, suas
ra lm nte Ih apar cem, adota o da nação p la qual stá lu- ações poderiam lhe ser agradáveis ou desagradáveis, segundo
mo lo. Pam e.o;ta, o êxit da gu rra é importantí s:imo a vida cl tendessem para sua felicidade ou desvantagem. Poderia per-
um indivíduo particular quase não tem conseqüências. Quan- ceber uma beleza dessa espécie na prudência, temperança e
do o on ial se coloca na situação dos outros, imediatamente na boa conduta, e uma deformidade no compottamento opos-
compreende que não estará sendo pródigo demais com seu to; de um lado poderia considerar seu próprio caráter e tempe-
236 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS

ramento com essa espécie de satisfação com que vemos uma


máquina bem onstruída, ou, de ou tro, com essa espécie de
desgosto e insatisfação com qu omemplamos um objeto mui-
to incômodo e inconveniente. No entanto, como essas percep- QUINTA PARTE
ções são ap nas questão de gosto, e guardam toda a fragilidade
e delicadeza dessa espécie de percepção- sobre cuj pr ·isão
se fundamenta o que se chama propriamente de gosto -, pro-
vavelmente alguém que se encontrasse nessa condição solitária
e miserável não lhes daria atenção. Ainda que lhe ocorressem, DA INFLUÊNCIA DOS USOS
antes desse contato com a sociedade, não teriam em absoluto
o mesmo efeito sobre ele, que teriam como conseqüência des- E COSTUMES SOBRE OS
se contato. A mera idéia de sua deformidade não o abateria com
a vergonha interna, nem a consciência da beleza oposta pro-
SENTIMENTOS DE APROVAÇÃO
duziria nele a exaltação de um secreto triunfo do espírito. A no- E DESAPROVAÇÃO MORAL
ção de merecer recompensa, num caso, não o faria exultar, nem
tremeria ante a suspeita de um merecido castigo, no outro. To- CONSISTINDO DE UMA SEÇÃO
, dos esses s nLimentos su põ ' !lJ a idéia de algum outro ser que
! fosse o juiz natural da pessoa tue os experimenta; e é apenas
por simpatia com as decisõ d árbitro de sua conduta, que
pode conceber ou o triunfo de aplaudir-s a si mesmo, ou a ver-
gonha de se condenar.
236 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS

ramento com essa espécie de satisfação com que vemos uma


máquina bem onstruída, ou, de ou tro, com essa espécie de
desgosto e insatisfação com qu omemplamos um objeto mui-
to incômodo e inconveniente. No entanto, como essas percep- QUINTA PARTE
ções são ap nas questão de gosto, e guardam toda a fragilidade
e delicadeza dessa espécie de percepção- sobre cuj pr ·isão
se fundamenta o que se chama propriamente de gosto -, pro-
vavelmente alguém que se encontrasse nessa condição solitária
e miserável não lhes daria atenção. Ainda que lhe ocorressem, DA INFLUÊNCIA DOS USOS
antes desse contato com a sociedade, não teriam em absoluto
o mesmo efeito sobre ele, que teriam como conseqüência des- E COSTUMES SOBRE OS
se contato. A mera idéia de sua deformidade não o abateria com
a vergonha interna, nem a consciência da beleza oposta pro-
SENTIMENTOS DE APROVAÇÃO
duziria nele a exaltação de um secreto triunfo do espírito. A no- E DESAPROVAÇÃO MORAL
ção de merecer recompensa, num caso, não o faria exultar, nem
tremeria ante a suspeita de um merecido castigo, no outro. To- CONSISTINDO DE UMA SEÇÃO
, dos esses s nLimentos su põ ' !lJ a idéia de algum outro ser que
! fosse o juiz natural da pessoa tue os experimenta; e é apenas
por simpatia com as decisõ d árbitro de sua conduta, que
pode conceber ou o triunfo de aplaudir-s a si mesmo, ou a ver-
gonha de se condenar.
CAPÍTULO I
Da influência dos usos e costumes sobre nossas
noções de beleza e deformidade

Há outros princípios além dos já enumerados, que exer-


cem considerável influência sobre os sentimentos morais da
humanidade, e são as principais causas das diversas opiniões
itTegulares e discordantes que prevalecem nas diferentes épocas
e nações, quanto ao que é censurável ou louvável. Esses prin-
cípios são os usos e os costumes, que estendem seus domínios
sobre nossos juízos relativos a toda a espécie de beleza.
Quando dois objetos são freqüentemente vistos juntos, a
imaginação adquire um hábito de passar facilmente de um a ou-
tro. Quando o primeiro aparece, acreditamos que o segundo vai
seguir. Por si mesmos, um nos faz lembrar o outro, e a atenção
desliza facilmente por entre eles•. Ainda que, independente-
mente do costume, não haja verdadeira beleza na sua união,
uma vez que o costume os associou dessa maneira, experimen-
tamos uma inconveniência em sua separação. Julgamos um
deles desajeitado quando aparece sem seu usual acompanha-
mento. Sentimos falta de algo que esperávamos encontrar, e a
habitual disposição de nossas idéias perturba-se com essa frus-

• Confira-se David Hume, Treatise on Human Nature, "Enquiries Con-


cerning Human Understanding", V, ii, 43-4 (ed. Selby-Bigge). (N. da R. T.)
CAPÍTULO I
Da influência dos usos e costumes sobre nossas
noções de beleza e deformidade

Há outros princípios além dos já enumerados, que exer-


cem considerável influência sobre os sentimentos morais da
humanidade, e são as principais causas das diversas opiniões
itTegulares e discordantes que prevalecem nas diferentes épocas
e nações, quanto ao que é censurável ou louvável. Esses prin-
cípios são os usos e os costumes, que estendem seus domínios
sobre nossos juízos relativos a toda a espécie de beleza.
Quando dois objetos são freqüentemente vistos juntos, a
imaginação adquire um hábito de passar facilmente de um a ou-
tro. Quando o primeiro aparece, acreditamos que o segundo vai
seguir. Por si mesmos, um nos faz lembrar o outro, e a atenção
desliza facilmente por entre eles•. Ainda que, independente-
mente do costume, não haja verdadeira beleza na sua união,
uma vez que o costume os associou dessa maneira, experimen-
tamos uma inconveniência em sua separação. Julgamos um
deles desajeitado quando aparece sem seu usual acompanha-
mento. Sentimos falta de algo que esperávamos encontrar, e a
habitual disposição de nossas idéias perturba-se com essa frus-

• Confira-se David Hume, Treatise on Human Nature, "Enquiries Con-


cerning Human Understanding", V, ii, 43-4 (ed. Selby-Bigge). (N. da R. T.)
1EORT.A DO 1'/,NTJ.J\IfENJ'O M RAJ ' QUINTA PARTE 241
240
lra ão. m traje, por c:xemplo, parec carecer d alg , se não lia mudam menos rapidamente do que as de roupa, porque
está pr sente o mais in. igniflcante ad mo que hnbirualmente comumente a mobília é mais durável. Geralmente, porém, em
o a ompanha, e reputam · vu lgar u inconveniente até mesmo cinco ou seis anos sobrevém uma completa revolução, de modo
a ausêt~cia de um bot.'lo. Quando existe alguma onvenlência que todo homem, ao longo de sua vida, vê várias mudanças nos
natural na união o o tu tn " aumenta noss senso dela fuz estilos. Os produtos das outras artes são muito mais duradou-
u ma disposi ~o d ife r nre par cer ainda mais desagradável do ros, e, se foram imaginados de maneira feliz, podem continuar
q ue de outr modo s ria. Os qu e acostumaram a ver i ·as a difundir o uso que lhes deu feitio por muito mais tempo. Um
cl bom g sto ab n m-s ainda mais com tudo que seja gr s- edifício bem concebido pode durar muitos séculos; uma bela
se iro ou clesajeirado. Quancl a conj un ào é imprópria, o ()s- ária pode destinar-se, por uma espécie de tradição, a várias
rume r duz ou r mov Intei ram nt nosso sens d in onv - gerações sucessivas; um poema bem escrito pode durar tanto
niên ·a. Os qu ~, a o tun1aram a desordem d sleixada [1 rei m quanto o mundo; e todos continuam por séculos a fio impri-
3
t I o s · u s · nso de esmer e elegância. As modas d mobília
mindo voga àquele estilo, gosto, ou modo particular, segun-
r upa JU par c m ridiculas pa ra stra nge.i.r s não in:ultam do cada um deles foi composto. Poucos homens têm oportu-
nidade de ver, durante sua vida, os usos de qualquer uma
o. qu · habituaram 'i e las. dessas artes mudar consideravelmente. Poucos homens têm
O us é diferente do costum ou , antes, ' uma e!ip ' de
suficiente experiência e conhecimento dos vários usos nas
pruti ular d costume. ão se trata d uso qu r d s mantêm,
nações e épocas remotas, a ponto de se reconciliarem com
ma · d q u é mantido pelo d po ·ição so ial u caráter ele-
estes ou poderem julgar imparcialmente entre isso e o que ·
ado. Os modos graciosos natur.üs, digno · d s p der . o , as-
ocorre em seu próprio tempo e país. Poucos homens, portan- ,
odado à habitual riqueza e magnificência d ua ve.tes, con-
to, estão dispostos a conceder que os usos ou costumes exer- '
fer m graça ao pr6pri t1 urino qu lh s o ·otT usar. a m - cem considerável influência sobre seus juízos relativos ao que é
dida em que continuam a usar esse flgurin , r la ionare mo- belo, ou, d~ outro modo, sobre a produção de qualquer dessas
lo em nossa imaginação à idéia ti algo r tlnado e majestos artes. Imagmam que todas as regras que deveriam, segundo
qu ~. embora e.m si m mo indiferente, pare e ter por cau ·a pensam, ser observadas em cada uma das artes se fundam na
dessa rela - o, algo de ellnad tm jestoso. Assim que põ m
raz.ão e na natur:za, não no hábito ou preconceito. Um pou-
de lado es: e figurino, toda graça que manifestava po uir anLe qumho de atençao, contudo, poderá convencê-los do contrá-
se perde e, send usad agora ap nas pelas condi õ s inf - rio, e provar-lhes que a influência dos usos e costumes sobre
riore , parece t ~ r lg da vulgaridade e fa lta de gra ·a de tas. os trajes e a mobília não é mais absoluta do que é sobre a
O mundo todo o ncede que as vestes ·~ m bília "' t - arquitetura, poesia e música.
jam inLeiram nt ~·sob d mínio dos usos e c tumes. Porém, d ~ . Pod:-~e, por exemplo, indicar qualquer razão por que o
motl algum a lnf1uên ia dess<.: princípi se limita a uma cap1tel donco devesse ser adaptado a um pilar, cuja altura se-
fen Là ·t'reiw, este ndendo-se a tud 1ue d , algttm rn d ja igual a oito diâmetros; a voluta jônica, a um pilar de um por
sej<l objeto d g sto- música, p esia, 'lrquitetura . As modas nove; e a folhagem coríntia, a um em dez? A conveniência de
c1 r upa m bilia est:: o em constanl · mudru1ça; a experiên- cada uma dessas adaptações só pode se fundar no hábito e
ia nos · nvence de que estil , ridículos hoj ·, mas admira- c~stume. !endo-se habituado a ver uma determinada propor-
dos dn , anos atrás, devem sua v ga prin ·ipal ou iru iram nte çao assoe1ada a um determinado adorno, o olho se ofenderia
a . ostumes e usos. R upas em hllia nâ são feitas de ma- caso não estivessem associados. Cada uma das cinco orden~
t dais muito duráveis. Um :asa r demora um ano para tem seus adornos específicos, que não podem ser trocados por
s r produzi lo e p r isso c m a m da, não mais é capaz de outro, sem insultar todos os que sabem alguma coisa das re-
divu lgar o fí 1urin segtll1d qual foi f, ito. A modas ele mobí- gras de arquitetura. Com efeito, de acordo com alguns arquite-
1EORT.A DO 1'/,NTJ.J\IfENJ'O M RAJ ' QUINTA PARTE 241
240
lra ão. m traje, por c:xemplo, parec carecer d alg , se não lia mudam menos rapidamente do que as de roupa, porque
está pr sente o mais in. igniflcante ad mo que hnbirualmente comumente a mobília é mais durável. Geralmente, porém, em
o a ompanha, e reputam · vu lgar u inconveniente até mesmo cinco ou seis anos sobrevém uma completa revolução, de modo
a ausêt~cia de um bot.'lo. Quando existe alguma onvenlência que todo homem, ao longo de sua vida, vê várias mudanças nos
natural na união o o tu tn " aumenta noss senso dela fuz estilos. Os produtos das outras artes são muito mais duradou-
u ma disposi ~o d ife r nre par cer ainda mais desagradável do ros, e, se foram imaginados de maneira feliz, podem continuar
q ue de outr modo s ria. Os qu e acostumaram a ver i ·as a difundir o uso que lhes deu feitio por muito mais tempo. Um
cl bom g sto ab n m-s ainda mais com tudo que seja gr s- edifício bem concebido pode durar muitos séculos; uma bela
se iro ou clesajeirado. Quancl a conj un ào é imprópria, o ()s- ária pode destinar-se, por uma espécie de tradição, a várias
rume r duz ou r mov Intei ram nt nosso sens d in onv - gerações sucessivas; um poema bem escrito pode durar tanto
niên ·a. Os qu ~, a o tun1aram a desordem d sleixada [1 rei m quanto o mundo; e todos continuam por séculos a fio impri-
3
t I o s · u s · nso de esmer e elegância. As modas d mobília
mindo voga àquele estilo, gosto, ou modo particular, segun-
r upa JU par c m ridiculas pa ra stra nge.i.r s não in:ultam do cada um deles foi composto. Poucos homens têm oportu-
nidade de ver, durante sua vida, os usos de qualquer uma
o. qu · habituaram 'i e las. dessas artes mudar consideravelmente. Poucos homens têm
O us é diferente do costum ou , antes, ' uma e!ip ' de
suficiente experiência e conhecimento dos vários usos nas
pruti ular d costume. ão se trata d uso qu r d s mantêm,
nações e épocas remotas, a ponto de se reconciliarem com
ma · d q u é mantido pelo d po ·ição so ial u caráter ele-
estes ou poderem julgar imparcialmente entre isso e o que ·
ado. Os modos graciosos natur.üs, digno · d s p der . o , as-
ocorre em seu próprio tempo e país. Poucos homens, portan- ,
odado à habitual riqueza e magnificência d ua ve.tes, con-
to, estão dispostos a conceder que os usos ou costumes exer- '
fer m graça ao pr6pri t1 urino qu lh s o ·otT usar. a m - cem considerável influência sobre seus juízos relativos ao que é
dida em que continuam a usar esse flgurin , r la ionare mo- belo, ou, d~ outro modo, sobre a produção de qualquer dessas
lo em nossa imaginação à idéia ti algo r tlnado e majestos artes. Imagmam que todas as regras que deveriam, segundo
qu ~. embora e.m si m mo indiferente, pare e ter por cau ·a pensam, ser observadas em cada uma das artes se fundam na
dessa rela - o, algo de ellnad tm jestoso. Assim que põ m
raz.ão e na natur:za, não no hábito ou preconceito. Um pou-
de lado es: e figurino, toda graça que manifestava po uir anLe qumho de atençao, contudo, poderá convencê-los do contrá-
se perde e, send usad agora ap nas pelas condi õ s inf - rio, e provar-lhes que a influência dos usos e costumes sobre
riore , parece t ~ r lg da vulgaridade e fa lta de gra ·a de tas. os trajes e a mobília não é mais absoluta do que é sobre a
O mundo todo o ncede que as vestes ·~ m bília "' t - arquitetura, poesia e música.
jam inLeiram nt ~·sob d mínio dos usos e c tumes. Porém, d ~ . Pod:-~e, por exemplo, indicar qualquer razão por que o
motl algum a lnf1uên ia dess<.: princípi se limita a uma cap1tel donco devesse ser adaptado a um pilar, cuja altura se-
fen Là ·t'reiw, este ndendo-se a tud 1ue d , algttm rn d ja igual a oito diâmetros; a voluta jônica, a um pilar de um por
sej<l objeto d g sto- música, p esia, 'lrquitetura . As modas nove; e a folhagem coríntia, a um em dez? A conveniência de
c1 r upa m bilia est:: o em constanl · mudru1ça; a experiên- cada uma dessas adaptações só pode se fundar no hábito e
ia nos · nvence de que estil , ridículos hoj ·, mas admira- c~stume. !endo-se habituado a ver uma determinada propor-
dos dn , anos atrás, devem sua v ga prin ·ipal ou iru iram nte çao assoe1ada a um determinado adorno, o olho se ofenderia
a . ostumes e usos. R upas em hllia nâ são feitas de ma- caso não estivessem associados. Cada uma das cinco orden~
t dais muito duráveis. Um :asa r demora um ano para tem seus adornos específicos, que não podem ser trocados por
s r produzi lo e p r isso c m a m da, não mais é capaz de outro, sem insultar todos os que sabem alguma coisa das re-
divu lgar o fí 1urin segtll1d qual foi f, ito. A modas ele mobí- gras de arquitetura. Com efeito, de acordo com alguns arquite-
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS QUINTA PARTE 243
242
t s, ral é o refinado juízo m que os anti os imlícara m para melhante ao verso heróico de dez sílabas em inglês. o costu-
cada orde m seu · adornos próprios, que não s p de m en n- me fez uma nação associar às idéias de gravidade, sublimida-
tr.tr litro. lguulm nte adequados. Entr tant , par c um pau- de e seriedade àquela medida que a outra relacionou com tud
o dlfí ·il o nceb r que essas fo.rmas, e mbora sem dúvida ex - que e' a1egre, Irreverente
. e cômico. Nada se mostraria mais o
u· ma me nte agradáveis ~ ssem as ú nicas que possam se ad - absurdo em inglês do que uma tragédia escrita nos versos ale-
quar a essas pro por õ ou que nà ha ja quinhentas uu·as xandrinos franceses; ou em francês, do que uma obra da mesma
que, previamente d tume estabelecido, n ão lh s seria m espécie, em versos de dez sílabas.
igualmente b m ad quada . Po rém, uma v z que o ostum Um artista eminente deseja provocar uma considerável mu- ·
estab I ceu regras parti u1ares de construção, otanro que não dança nos modos estabelecidos de cada uma dessas artes e
sejam 'lbsolutame nt · cnsat...'lS é absurdo 1ensar em alterá-las introduzir um novo feitio para a escrita, música, ou arquitetu;·a.
p r ouLra qu ~>eja m a p nas igualmen~ I as, ou me mo por As vestes de um agradável homem de alta posição se recomen-
outras que, do pomo de vista da el gâ n ia da b leza, t nham dam por ~i, e, p~r mais peculiares e fantásticos que sejam, em
naturalme nte urna pequena ancagem obr elas. S ria ridículo breve serao adm1radas e copiadas. Do mesmo modo as exce-
o ho mem que apar e m públi ·o com roupas difer ntes lências de um mestre eminente recomendam suas pe~uliarida­
das habitualmente usad as, p r mais gra ·ioso e ad quado C[U des,. e suas ma~e~ras to~na~-se o estilo da moda na arte que
seu novo traj<:: f ss e m si l'n ·mo. 'E par ce haver um absu rdo prat1ca. Nesses ultimas cmquenta anos, o gosto dos italianos em
do mesmo tip rna1· uma casa segu ndo maneira. b m di~ - música ~ a~quitetura sofreu considerável mudança, por imitar
rent ~s d, s prescrita. pelos 1.1sos e cosrum · ainda qL1 o n v s as pecuhandades de alguns mestres eminentes em cada uma
ornam nt s sejam m si um pa u o sup rior s aos o muns. dessas artes. Quintiliano acusa Sêneca de ter corrompido o gos-
onform os antigc)s retóri os, c Jta medida ou verso era to dos romanos, e de ter introduzido uma beleza frívola nos
naturalmente apropriada a cada esp ' i · particular de prosa p is aposentos da razão majestosa e da eloqüência masculina. Sa-
expre sava naLll l"r.IJm nte caráter, . ·ntime nto ou paixão que lústio e Tácito foram acusados por outros das mesmas coisas
de erh pred minar. iziam qu um verso e ra acl quado p ara
obras graves, utro para ai gr , e não pod riam, ··egundo p n-
em~ora de u~a maneira diferente. Alega-se que deram repu~
t~çao a u_m e~t1~o que, embora muito conciso, elegante, expres-
savarn, ser inter ambiad e m granel inconv nlê n ia". Ma a
sivo~ ate poet1co, carecia de desenvoltura, simplicidade e na-
ex p rlê n ··a dos tempos mod •mo talvez otradiga es ·e prin-
ípio, mbora em si mesmo par cess xLremame nte prová- turalidade, e era obviamente produto da mais esmerada e es- ,
tud~da afetação: Quantas grandes qualidades deve possuir 0
v •I. O que é o verso burles ·o e m inglês ' o verso heróico ·ro
fran ês. As tr'agétHas d Ra in a rlí nríatta•• de Voltair âo escntor que ass1m consegue tornar agradáveis os seus defei-
tos! Dep~is de louvá-lo por refinar o gosto de uma nação, tal-
quase iguais, em verso, com
vez o maJOr elogio que se pode fazer a um autor é dizer que
"Let me have your advice in a weighty affair."••• ele o corrompeu. Em nosso próprio idioma, o Sr. Pape e o
Dr. Swift introduziram, cada um, uma maneira distinta da
O verso burlesco em francês, ao contrário, é bastante se- que anteriormente se praticava em todas as obras escritas em
r~ma, um em versos longos, outro em versos curtos. A origina-
lidade de Butler cedeu lugar à clareza de Swift. A liberdade
• Aristóteles, Poética, 1459b31-1460a4; Horácio, Ars Poetica, 73-98. er~ante de Dryden e o correto, mas muitas vezes tedioso e pro-
(N. da R. T.) saico, langor de Addison, não mais são objetos de imitação.
•• Poema épico de 1723, escrito em versos alexa ndrinos. (N. da R. T.)
Agora todos os versos longos são escritos à maneira da ner-
••• Traduzindo literalmente: "Dai-me vosso con~ ·Ih num vultoso
vosa precisão do Sr. Pape.
assunto." (N. da R. T.)
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS QUINTA PARTE 243
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t s, ral é o refinado juízo m que os anti os imlícara m para melhante ao verso heróico de dez sílabas em inglês. o costu-
cada orde m seu · adornos próprios, que não s p de m en n- me fez uma nação associar às idéias de gravidade, sublimida-
tr.tr litro. lguulm nte adequados. Entr tant , par c um pau- de e seriedade àquela medida que a outra relacionou com tud
o dlfí ·il o nceb r que essas fo.rmas, e mbora sem dúvida ex - que e' a1egre, Irreverente
. e cômico. Nada se mostraria mais o
u· ma me nte agradáveis ~ ssem as ú nicas que possam se ad - absurdo em inglês do que uma tragédia escrita nos versos ale-
quar a essas pro por õ ou que nà ha ja quinhentas uu·as xandrinos franceses; ou em francês, do que uma obra da mesma
que, previamente d tume estabelecido, n ão lh s seria m espécie, em versos de dez sílabas.
igualmente b m ad quada . Po rém, uma v z que o ostum Um artista eminente deseja provocar uma considerável mu- ·
estab I ceu regras parti u1ares de construção, otanro que não dança nos modos estabelecidos de cada uma dessas artes e
sejam 'lbsolutame nt · cnsat...'lS é absurdo 1ensar em alterá-las introduzir um novo feitio para a escrita, música, ou arquitetu;·a.
p r ouLra qu ~>eja m a p nas igualmen~ I as, ou me mo por As vestes de um agradável homem de alta posição se recomen-
outras que, do pomo de vista da el gâ n ia da b leza, t nham dam por ~i, e, p~r mais peculiares e fantásticos que sejam, em
naturalme nte urna pequena ancagem obr elas. S ria ridículo breve serao adm1radas e copiadas. Do mesmo modo as exce-
o ho mem que apar e m públi ·o com roupas difer ntes lências de um mestre eminente recomendam suas pe~uliarida­
das habitualmente usad as, p r mais gra ·ioso e ad quado C[U des,. e suas ma~e~ras to~na~-se o estilo da moda na arte que
seu novo traj<:: f ss e m si l'n ·mo. 'E par ce haver um absu rdo prat1ca. Nesses ultimas cmquenta anos, o gosto dos italianos em
do mesmo tip rna1· uma casa segu ndo maneira. b m di~ - música ~ a~quitetura sofreu considerável mudança, por imitar
rent ~s d, s prescrita. pelos 1.1sos e cosrum · ainda qL1 o n v s as pecuhandades de alguns mestres eminentes em cada uma
ornam nt s sejam m si um pa u o sup rior s aos o muns. dessas artes. Quintiliano acusa Sêneca de ter corrompido o gos-
onform os antigc)s retóri os, c Jta medida ou verso era to dos romanos, e de ter introduzido uma beleza frívola nos
naturalmente apropriada a cada esp ' i · particular de prosa p is aposentos da razão majestosa e da eloqüência masculina. Sa-
expre sava naLll l"r.IJm nte caráter, . ·ntime nto ou paixão que lústio e Tácito foram acusados por outros das mesmas coisas
de erh pred minar. iziam qu um verso e ra acl quado p ara
obras graves, utro para ai gr , e não pod riam, ··egundo p n-
em~ora de u~a maneira diferente. Alega-se que deram repu~
t~çao a u_m e~t1~o que, embora muito conciso, elegante, expres-
savarn, ser inter ambiad e m granel inconv nlê n ia". Ma a
sivo~ ate poet1co, carecia de desenvoltura, simplicidade e na-
ex p rlê n ··a dos tempos mod •mo talvez otradiga es ·e prin-
ípio, mbora em si mesmo par cess xLremame nte prová- turalidade, e era obviamente produto da mais esmerada e es- ,
tud~da afetação: Quantas grandes qualidades deve possuir 0
v •I. O que é o verso burles ·o e m inglês ' o verso heróico ·ro
fran ês. As tr'agétHas d Ra in a rlí nríatta•• de Voltair âo escntor que ass1m consegue tornar agradáveis os seus defei-
tos! Dep~is de louvá-lo por refinar o gosto de uma nação, tal-
quase iguais, em verso, com
vez o maJOr elogio que se pode fazer a um autor é dizer que
"Let me have your advice in a weighty affair."••• ele o corrompeu. Em nosso próprio idioma, o Sr. Pape e o
Dr. Swift introduziram, cada um, uma maneira distinta da
O verso burlesco em francês, ao contrário, é bastante se- que anteriormente se praticava em todas as obras escritas em
r~ma, um em versos longos, outro em versos curtos. A origina-
lidade de Butler cedeu lugar à clareza de Swift. A liberdade
• Aristóteles, Poética, 1459b31-1460a4; Horácio, Ars Poetica, 73-98. er~ante de Dryden e o correto, mas muitas vezes tedioso e pro-
(N. da R. T.) saico, langor de Addison, não mais são objetos de imitação.
•• Poema épico de 1723, escrito em versos alexa ndrinos. (N. da R. T.)
Agora todos os versos longos são escritos à maneira da ner-
••• Traduzindo literalmente: "Dai-me vosso con~ ·Ih num vultoso
vosa precisão do Sr. Pape.
assunto." (N. da R. T.)
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS QUINTA PARTE 245
244
lha~ mais co~ el_a do que uns com os outros. Pottanto, a forma
Tao p uco t; apenas sobre a · prodtl ões da arte que o.
mat~ costum~tra e em ~ada espécie de coisas, segundo 0 padre
uso e costumes ercem s u d mínio. Tnflu nciam igualmen- Bufl1er, a ma1s bela. Dat que certa prática e experiência de con-
te nosso juízos relativo. à beleza elo I jetos naturais. )uan-
tem~lar cada espécie de objetos é necessária, antes de poder-
ta formas variadas e opostas sã consid radas belas e m dife-
mos JUl~ar sua beleza, ou saber em que consiste a forma media-
r nt · espédes de coisas! A prop rções JUe e admiram .num
an.imaJ são inteiram nte distintas dru qu s apreciam em outro.
n~ ~ ma1s usual. ? mais sutil dos juízos relativos à beleza da es-
pecte humana nao nos ajudará a julgar a beleza das flores ou
Toda das e de coi 'l t 11 uma conformação pecu liar q 1e se dos cavalos, ou de qualquer outra espécie de coisas. Pela mes-
aprova, possui uma beleza própria, distinta da b 1 za d • to- ma razão, em diferentes climas e onde existem diferentes cos-
la, a outras e pé i . É pre i ament por essa razão qu um tumes e modos de vida, na medida em que a generalidade de
eru lito jesuíta, Padre Bu.ffier, cl terminou que a bel za de a- qual~uer e~pé~ie recebe uma conformação diferente daque-
ela objeto con i t na t rma cor mais comuns entr oisas do las c1rcunstanctas, prevalecem as diferentes idéias de sua bele-
grupo particular a que o oi jeto perren . As. im, na forma hu- za. A beleza de um cavalo mouro não é exatamente a mesma
mana a beleza. d cada traço r side em certo meio-termo, ig1..1al- de um cavalo inglês. Quantas idéias distintas a respeito da bele-
menre retirado de uma vari dade de outras formas que são z: das formas humanas e do rosto formam-se em diferentes na-
feias. Um mtriz b · lo, por exemplo, não é n m multo ompri- çoes! ~~a ~e~e clara é uma deformidade espantosa na costa
do nem muito utto, nem muito r ro nem muito mvado, mas da <?ume. Lab1os gross.os e nariz chato são beleza. Em algumas
uma pêde d m io-t tmo ntr todos s · extremos, me- naçoes, or~lha~ compndas penduradas até os ombros são obje-
nos diferente d c-o:tda um deles do que est ão entre i. É a for- tos de admtraçao geral. Na China, se o pé de uma dama é gran-
ma a que a Natur za pare ter visado m t( lo l.e , da qua l, de a ponto de poder-se andar sobre ele, ela é considerada um
p rém. la d via por uma grande vari clade d linha. , monstro de feiúra . Algumas nações selvagens da América do
muito rarament acerta om. pr cisã e om a qua l todos es- Nmte amarram quatro tiras ao redor das cabeças de suas crian-
s s I svios ainda guardam fortes melban a. Quando faz ças, espremendo-as enquanto os ossos são tenros e maleáveis
uma quantidade d cl senho. s gundo um padrão, emb ra to- para resultar numa forma quase perfeitamente quadrada. o~
d s sejam diferentes deste num. aspecto, serâ mais parecidos ~uropeus ficam horrori.za~o~ a~te a absurda barbárie dessa prá-
com le do que uns com os utros; 'a r'át r geta1 do padrão há tica, a qual alguns m1ss1onanos tmputaram a singular obtusidade
de tr~tspassar por todos eles; os mal singlliaJ s e izarros se- das nações entre as quais prevalece. Mas, ao condenarem es-
rão o que mais se aJasr m dele; · po to muit poucos o co- ses selv~gens, não refletem que as damas na Europa, até poucos
piem com precisão, as linha mais a LU-adas te!"ào maloJ. em - anos atras, esforçaram-se durante quase um século para apertar
lhan a om as mais d s uidadas do que as descuidadas t rão a bela redondez de suas formas naturais para obterem igual-
entre i. Da mesma maneim, m cada e, p' ·i de criatum, a mais mente uma forma quadrada. E que, apesar das muitas distorções
bela traz os caract r s mais forte da e nutum geral da spé ·ie, e doenças que essa prática sabidamente ocasionava o costu-
e guarda a mai fort em ·' lhança com a maior part d s indiví- me a tornou agradável entre algumas das nações ~ais civili-
duos com qu se classifica. Monstro , ao contrário ou tudo q u · zadas que o mundo jamais tenha contemplado• .
seja compl tamente d f rmado, são empre mai ingular se
bizarros, e guard m a menor melhan a om gêner ela es-
péde a qu pertencem. Assim, a eleza de cada p'cie, embo- • Em seu ensaio "Dos canibais", Montaigne estabelece a comparação
ra num sentid a mal rara de todas as coisa , p rqu · 1 OLtcos entre os costumes dos civilizados e os costumes dos selvagens para então
susp
, en d er o JUIZO
· ' so b re quem sena,
· dentre os dois grupos humanos
' o
indivk lu • atingem precisam nte essa forma mediana, em outro barbaro. (N. da R. T.) '
s nLido - a mal comum, porque todos s I · vi s s assem -
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS QUINTA PARTE 245
244
lha~ mais co~ el_a do que uns com os outros. Pottanto, a forma
Tao p uco t; apenas sobre a · prodtl ões da arte que o.
mat~ costum~tra e em ~ada espécie de coisas, segundo 0 padre
uso e costumes ercem s u d mínio. Tnflu nciam igualmen- Bufl1er, a ma1s bela. Dat que certa prática e experiência de con-
te nosso juízos relativo. à beleza elo I jetos naturais. )uan-
tem~lar cada espécie de objetos é necessária, antes de poder-
ta formas variadas e opostas sã consid radas belas e m dife-
mos JUl~ar sua beleza, ou saber em que consiste a forma media-
r nt · espédes de coisas! A prop rções JUe e admiram .num
an.imaJ são inteiram nte distintas dru qu s apreciam em outro.
n~ ~ ma1s usual. ? mais sutil dos juízos relativos à beleza da es-
pecte humana nao nos ajudará a julgar a beleza das flores ou
Toda das e de coi 'l t 11 uma conformação pecu liar q 1e se dos cavalos, ou de qualquer outra espécie de coisas. Pela mes-
aprova, possui uma beleza própria, distinta da b 1 za d • to- ma razão, em diferentes climas e onde existem diferentes cos-
la, a outras e pé i . É pre i ament por essa razão qu um tumes e modos de vida, na medida em que a generalidade de
eru lito jesuíta, Padre Bu.ffier, cl terminou que a bel za de a- qual~uer e~pé~ie recebe uma conformação diferente daque-
ela objeto con i t na t rma cor mais comuns entr oisas do las c1rcunstanctas, prevalecem as diferentes idéias de sua bele-
grupo particular a que o oi jeto perren . As. im, na forma hu- za. A beleza de um cavalo mouro não é exatamente a mesma
mana a beleza. d cada traço r side em certo meio-termo, ig1..1al- de um cavalo inglês. Quantas idéias distintas a respeito da bele-
menre retirado de uma vari dade de outras formas que são z: das formas humanas e do rosto formam-se em diferentes na-
feias. Um mtriz b · lo, por exemplo, não é n m multo ompri- çoes! ~~a ~e~e clara é uma deformidade espantosa na costa
do nem muito utto, nem muito r ro nem muito mvado, mas da <?ume. Lab1os gross.os e nariz chato são beleza. Em algumas
uma pêde d m io-t tmo ntr todos s · extremos, me- naçoes, or~lha~ compndas penduradas até os ombros são obje-
nos diferente d c-o:tda um deles do que est ão entre i. É a for- tos de admtraçao geral. Na China, se o pé de uma dama é gran-
ma a que a Natur za pare ter visado m t( lo l.e , da qua l, de a ponto de poder-se andar sobre ele, ela é considerada um
p rém. la d via por uma grande vari clade d linha. , monstro de feiúra . Algumas nações selvagens da América do
muito rarament acerta om. pr cisã e om a qua l todos es- Nmte amarram quatro tiras ao redor das cabeças de suas crian-
s s I svios ainda guardam fortes melban a. Quando faz ças, espremendo-as enquanto os ossos são tenros e maleáveis
uma quantidade d cl senho. s gundo um padrão, emb ra to- para resultar numa forma quase perfeitamente quadrada. o~
d s sejam diferentes deste num. aspecto, serâ mais parecidos ~uropeus ficam horrori.za~o~ a~te a absurda barbárie dessa prá-
com le do que uns com os utros; 'a r'át r geta1 do padrão há tica, a qual alguns m1ss1onanos tmputaram a singular obtusidade
de tr~tspassar por todos eles; os mal singlliaJ s e izarros se- das nações entre as quais prevalece. Mas, ao condenarem es-
rão o que mais se aJasr m dele; · po to muit poucos o co- ses selv~gens, não refletem que as damas na Europa, até poucos
piem com precisão, as linha mais a LU-adas te!"ào maloJ. em - anos atras, esforçaram-se durante quase um século para apertar
lhan a om as mais d s uidadas do que as descuidadas t rão a bela redondez de suas formas naturais para obterem igual-
entre i. Da mesma maneim, m cada e, p' ·i de criatum, a mais mente uma forma quadrada. E que, apesar das muitas distorções
bela traz os caract r s mais forte da e nutum geral da spé ·ie, e doenças que essa prática sabidamente ocasionava o costu-
e guarda a mai fort em ·' lhança com a maior part d s indiví- me a tornou agradável entre algumas das nações ~ais civili-
duos com qu se classifica. Monstro , ao contrário ou tudo q u · zadas que o mundo jamais tenha contemplado• .
seja compl tamente d f rmado, são empre mai ingular se
bizarros, e guard m a menor melhan a om gêner ela es-
péde a qu pertencem. Assim, a eleza de cada p'cie, embo- • Em seu ensaio "Dos canibais", Montaigne estabelece a comparação
ra num sentid a mal rara de todas as coisa , p rqu · 1 OLtcos entre os costumes dos civilizados e os costumes dos selvagens para então
susp
, en d er o JUIZO
· ' so b re quem sena,
· dentre os dois grupos humanos
' o
indivk lu • atingem precisam nte essa forma mediana, em outro barbaro. (N. da R. T.) '
s nLido - a mal comum, porque todos s I · vi s s assem -
TEORIA DOS SENIIMENTOS MORAIS QUINTA PARTE 247
246
Tal é o sistema desse erudito e engenhoso padre, no que nos, por mais absurda e fantástica, com a qual o costume não
diz respeito à natureza da beleza, cujo encanto todo, segundo venha a nos reconciliar, ou que o uso não torne até mesmo
ele, pareceria se originar assim da sua concordância com h~­ agradável a nós. Mas o caráter e a conduta de um Nero ou de
bitos que o costume imprimira na imaginação, relativos às cm- um Cláudio é algo com que costume algum jamais nos recon-
sas de cada espécie particular. Porém, não posso ser induzido ciliará, e uso algum jamais tornará agradável; um sempre se-
a acreditar que nosso senso de beleza, mesmo externa, funda- rá objeto de horror e ódio, o outro, de escárnio e zombaria.
mente-se inteiramente sobre o costume. A utilidade de cada for- Os princípios da imaginação, dos quais depende nosso senso
ma, sua adequação para os propósitos úteis para os quai~ foi de beleza, são de natureza muito sutil e delicada, e podem ser
designada, evidentemente a recomendam, e a tomam agradavel facilmente alterados por hábito e educação; os sentimentos de
a nós, independentemente de costume. Certas cores são ma~s aprovação e desaprovação moral, contudo, fundamentam-se
agradáveis do que outras, e dão mais deleite ao olho na pn- nas mais fortes e vigorosas paixões da natureza humana e, ainda
meira vez que as contempla. Uma superfície macia é mais agra- que possam de alguma forma ser distorcidos, nunca podem ser
dável do que outra áspera. A variedade agrada mais do que uma inteiramente pervertidos.
uniformidade tediosa e sem diversidade. A variedade conexa, Embora a influência dos usos e costumes sobre os senti-
em que cada nova aparição parece ser introduzida pelo que a mentos morais nunca seja tão grande, é todavia perfeitamen-
antecedeu, e em que todas as partes reunidas parecem man- te semelhante à que ocorre em todos os outros casos. Quan-
ter uma relação natural entre si, é mais agradável que o amon- do os usos e costumes coincidem com os princípios naturais do
toado desconexo e desordenado de objetos sem nenhuma re- certo e do errado, aumentam a delicadeza de nossos sentimen-
lação entre si. Embora não possa admitir que o costume seja o tos, e intensificam nosso horror a tudo que se aproxime do mal.
único princípio da beleza, posso aceitar, contudo, a verdade Os que realmente foram educados junto à boa companhia, e
desse sistema engenhoso, na medida em que concede que é não junto ao que habitualmente se chama assim, que foram
raro existir uma forma ext a tão bela a ponto de agradar e acostumados a enxergar nas pessoas a quem estimam e com
ao mesmo tempo ser im iraJ ente contrária ao costume, e di- quem convivem nada além de justiça, modéstia, humanidade
ferente de tudo a que fomos ostum dos nessa espécie par- e boa disposição, ficam mais agastados com tudo que pareça
ticular de coisas; ou tão defortpada que não seja agradável, se inconsistente com as regras prescritas por essas virtudes. Ao
o costume a tolera t lnil' rmen me, e nos habitua a vê-la em contrário, os que tiveram o infortúnio de ser criados no meio da
cada indivíduo da mesma esp ' cde. violência, licenciosidade, falsidade e injustiça, perdem não ape-
nas todo o senso da inconveniência de tal conduta mais ain-
da todo o senso de sua terrível enormidade, ou da ~ingança e
CAPÍTULO li castigo que lhe são devidos. Familiarizam-se com esses vícios
Da influência dos usos e costumes sobre desde a infância, o costume tornou-os habitual, e estão mui-
os sentimentos morais to predispostos a considerá-los como o que se chama-o jeito
do mundo, algo que pode ou deve ser praticado para impe-
ma v z que nossos s ntim ntos relativo a todas a. dir que sejamos logrados por nossa própria integridade.
pé ·i · de beleza sofrem a infl uê ncia do u. s costum , não Também o uso por vezes dará reputação a certo grau de
s 1 od es1 erar que os s ntiment relativos à bel za da c n- desordem, e, ao contrário, desencorajará qualidades que me-
d uta stejam inte iramente 1 ent s elo domíni d s s princí- recem estima. No reinado de Carlos II, certa licenciosidade foi
pios. Porém, aqui sua influên ia pa rece muito menor do que e m considerada característica de uma educação liberal. Segundo as
todo o resto. Talvez nã haja uma fom1a 1 ara · bjetos exter- noções da época, estaria associada à generosidade, sincerida-
TEORIA DOS SENIIMENTOS MORAIS QUINTA PARTE 247
246
Tal é o sistema desse erudito e engenhoso padre, no que nos, por mais absurda e fantástica, com a qual o costume não
diz respeito à natureza da beleza, cujo encanto todo, segundo venha a nos reconciliar, ou que o uso não torne até mesmo
ele, pareceria se originar assim da sua concordância com h~­ agradável a nós. Mas o caráter e a conduta de um Nero ou de
bitos que o costume imprimira na imaginação, relativos às cm- um Cláudio é algo com que costume algum jamais nos recon-
sas de cada espécie particular. Porém, não posso ser induzido ciliará, e uso algum jamais tornará agradável; um sempre se-
a acreditar que nosso senso de beleza, mesmo externa, funda- rá objeto de horror e ódio, o outro, de escárnio e zombaria.
mente-se inteiramente sobre o costume. A utilidade de cada for- Os princípios da imaginação, dos quais depende nosso senso
ma, sua adequação para os propósitos úteis para os quai~ foi de beleza, são de natureza muito sutil e delicada, e podem ser
designada, evidentemente a recomendam, e a tomam agradavel facilmente alterados por hábito e educação; os sentimentos de
a nós, independentemente de costume. Certas cores são ma~s aprovação e desaprovação moral, contudo, fundamentam-se
agradáveis do que outras, e dão mais deleite ao olho na pn- nas mais fortes e vigorosas paixões da natureza humana e, ainda
meira vez que as contempla. Uma superfície macia é mais agra- que possam de alguma forma ser distorcidos, nunca podem ser
dável do que outra áspera. A variedade agrada mais do que uma inteiramente pervertidos.
uniformidade tediosa e sem diversidade. A variedade conexa, Embora a influência dos usos e costumes sobre os senti-
em que cada nova aparição parece ser introduzida pelo que a mentos morais nunca seja tão grande, é todavia perfeitamen-
antecedeu, e em que todas as partes reunidas parecem man- te semelhante à que ocorre em todos os outros casos. Quan-
ter uma relação natural entre si, é mais agradável que o amon- do os usos e costumes coincidem com os princípios naturais do
toado desconexo e desordenado de objetos sem nenhuma re- certo e do errado, aumentam a delicadeza de nossos sentimen-
lação entre si. Embora não possa admitir que o costume seja o tos, e intensificam nosso horror a tudo que se aproxime do mal.
único princípio da beleza, posso aceitar, contudo, a verdade Os que realmente foram educados junto à boa companhia, e
desse sistema engenhoso, na medida em que concede que é não junto ao que habitualmente se chama assim, que foram
raro existir uma forma ext a tão bela a ponto de agradar e acostumados a enxergar nas pessoas a quem estimam e com
ao mesmo tempo ser im iraJ ente contrária ao costume, e di- quem convivem nada além de justiça, modéstia, humanidade
ferente de tudo a que fomos ostum dos nessa espécie par- e boa disposição, ficam mais agastados com tudo que pareça
ticular de coisas; ou tão defortpada que não seja agradável, se inconsistente com as regras prescritas por essas virtudes. Ao
o costume a tolera t lnil' rmen me, e nos habitua a vê-la em contrário, os que tiveram o infortúnio de ser criados no meio da
cada indivíduo da mesma esp ' cde. violência, licenciosidade, falsidade e injustiça, perdem não ape-
nas todo o senso da inconveniência de tal conduta mais ain-
da todo o senso de sua terrível enormidade, ou da ~ingança e
CAPÍTULO li castigo que lhe são devidos. Familiarizam-se com esses vícios
Da influência dos usos e costumes sobre desde a infância, o costume tornou-os habitual, e estão mui-
os sentimentos morais to predispostos a considerá-los como o que se chama-o jeito
do mundo, algo que pode ou deve ser praticado para impe-
ma v z que nossos s ntim ntos relativo a todas a. dir que sejamos logrados por nossa própria integridade.
pé ·i · de beleza sofrem a infl uê ncia do u. s costum , não Também o uso por vezes dará reputação a certo grau de
s 1 od es1 erar que os s ntiment relativos à bel za da c n- desordem, e, ao contrário, desencorajará qualidades que me-
d uta stejam inte iramente 1 ent s elo domíni d s s princí- recem estima. No reinado de Carlos II, certa licenciosidade foi
pios. Porém, aqui sua influên ia pa rece muito menor do que e m considerada característica de uma educação liberal. Segundo as
todo o resto. Talvez nã haja uma fom1a 1 ara · bjetos exter- noções da época, estaria associada à generosidade, sincerida-
TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS QUINTA PARTE 249
248
de, magnanimidad , lealdad e provava que quem agia I - razão, aos diferentes períodos da vida cabem diferentes mo-
sa man im ra um , valh ira, não um purirano. De outro la- dos. Esperamos na velhice a gravidade e a tranqüilidade que
do severidade nos hábitos e conduta regular stavam int i- as fraquezas, a longa experiência, a sensibilidade esgotada pa-
ra~1enl fo ra de moda, associando- e na ima inação daque- recem tornar naturais e respeitáveis; e acreditamos encontrar
1~ t mpo, com aren a, astú ia, hip cri ia modo vu lgare . na juventude a sensibilidade, alegria e vivacidade de espírito
Para e píritos su p rfi iai , s víci s do granel s em t dos os que a experiência nos ensina a esperar a partir das fortes im-
t mpos pareo m agrad,-lvei . Asso iam-nos não apena. ao es- p ressões que todos os bj t . interessantes conseguem produ-
p lendor da f\ rtuna, mas também a muitas viltud<;~ superl.ores zir nos sentidos tenros e inexperientes desse perí. do da vida.
que atribuem a s qu Ih s são supeli res; ao espmto de hber- Cada uma dessas duas idades, porém, facilmente pode ter
dad ind pend hncia, à fl'anqu eza, generosidade human ida- excesso dessas peculiaridades que lhe pertence. A descuida-
d polidez. As virtude da gente de posi ão ocial inf rior ao da leviandade da juventude, e a inamovível insensibilidade da
contrári , sua parci.rnoniosa frugalidad , ua pen a d il ígênda , velhice são igualmente desagradáveis. Os jovens, conforme o
sua adesão rígida às regras pare m-lhes vul ar s e I sagra- p.r vérbio pOJ ular, sã mais agradáveis quando há em seu ·om-
dáv is. Associam-nas ramo ã vileza da posição a que essa qua- portamento l o dos m d . dos velh ; e o velh s, quando
lidades comum me pettent m, com a inúmero lmeru os vi- r têm algo h alegria da juventude. Ma cada um d · I pod t r,
cios que, supõem, acompanham-nas habitualmente tals como facilmente, excesso dos modos do outro. A extrema frieza e em-
uma disp si à abjeta, covard do ntia, mentirosa e baixa•. botada formalidade que são perdoadas na velhice tornam a ju-
Comb os objeto com os quais bomen das difere~tes pr ventude ridícula. A leviandade, a despreocupação, a vaidade,
flssõ s e posições estão familia rizados são muito dif rent , que são permitidas na juventude, tornam a velhice desprezível.
habituando-o. a paixões multo diferentes naturalmente r O caráter e os modos peculiares que o costume nos leva 1

mam- oel canictces modos muito diversos. upomos em a atribuir a cada camada social e profissão talvez tenham às ve- :
cada camada social e profissão um grau dos modos que, en- zes uma conveniência independente do costume, e constituem
s ina-n a experiência, p rten em ' l las. Por' m, assim om algo que devemos aprovar por si mesmos, se considerarmos to-
nos agrada particularm n t m ada e péc.le de oisas a con- das as diferentes circunstâncias que naturalmente afetam os que
firmação mediana qu ·,em toda part - fei ào, c incide mais estão em diferentes estágios de vida. A conveniência do com-
precisamente com padrão g ral qu a natu reza parec ter portam nt de uma pessoa depende da ad ·qua ão nâ a qua l-
estabel ·id para oi as eles e tipo m cada ca mada so 'al quer cir unstân ia de sua situa ão, mas a todas a. clrcunse<'lnci ~l ·
ou, se ro perm ít m diz r, em cada esp · cie d homens, agra- que, quando fazemos nos. o o seu cas , senlim s que natural-
la-nos particularm nte não terem nem demais nem ele m - mente exigiriam a sua aten ão. S aparenta st~u· l.ão cttpad.a
n s do caráter qu habitualmeJlLe ac mpanba sua con li ão ·
com qualquer uma dessas circunstâncias a ponto de negligen-
situação particular. Dizemos qu um homem deveria pM c r-s
ciar por completo as demais, desaprovamos sua conduta como
com seus negóclos e sua pr fi ã e s us assunt , eml ora o
algo de qu e nà podemos partilhar intel111mente, p rqu oã
pedantismo de ada profi ã s ~ja l. esagradável. P la mesma
está adequadam nte ajuslacla a toda. as c.ir · l.lnstând1ts d-1 sua
ituação; ontudo, tal.vez a moç~o qlte tal pes oa exprirnc p I
• A Rcst:tura - o SLUart (1660) tn>llxe :i voga a_J'I[Igos con ãos · no- obj to que mais a interessa não exceda aquilo que dev ríamos
bres, ·ald0S em clcsg ,tça durante as guerros civis (1 0-16ó0 . Er.t hábito aprovar e com que simpatizaríamos inteiramente em alguém
entao rld icubri ~..nr os pltrilllJlUS, grandes pr tagooi. tas cl· sas gu<lrros, acen- cuja alen ão não fosse requerida por nenhuma outra coisa. Na
iuando SU(t origcm social e seu fervor religioso, sobr ' l\ tcltl a ên.fas na pre-
gu ; o, :1 dis ipllm1 a alega "'1.10 de santidade elos propósitos. (TSM , Jl~trte I,
vida privada , um pai poderia, em face da perda de seu único
eção m, ap. IJ , p. 62). N. da lt T.) filho, expressar sem censura um grau de pesar e ternura que
TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS QUINTA PARTE 249
248
de, magnanimidad , lealdad e provava que quem agia I - razão, aos diferentes períodos da vida cabem diferentes mo-
sa man im ra um , valh ira, não um purirano. De outro la- dos. Esperamos na velhice a gravidade e a tranqüilidade que
do severidade nos hábitos e conduta regular stavam int i- as fraquezas, a longa experiência, a sensibilidade esgotada pa-
ra~1enl fo ra de moda, associando- e na ima inação daque- recem tornar naturais e respeitáveis; e acreditamos encontrar
1~ t mpo, com aren a, astú ia, hip cri ia modo vu lgare . na juventude a sensibilidade, alegria e vivacidade de espírito
Para e píritos su p rfi iai , s víci s do granel s em t dos os que a experiência nos ensina a esperar a partir das fortes im-
t mpos pareo m agrad,-lvei . Asso iam-nos não apena. ao es- p ressões que todos os bj t . interessantes conseguem produ-
p lendor da f\ rtuna, mas também a muitas viltud<;~ superl.ores zir nos sentidos tenros e inexperientes desse perí. do da vida.
que atribuem a s qu Ih s são supeli res; ao espmto de hber- Cada uma dessas duas idades, porém, facilmente pode ter
dad ind pend hncia, à fl'anqu eza, generosidade human ida- excesso dessas peculiaridades que lhe pertence. A descuida-
d polidez. As virtude da gente de posi ão ocial inf rior ao da leviandade da juventude, e a inamovível insensibilidade da
contrári , sua parci.rnoniosa frugalidad , ua pen a d il ígênda , velhice são igualmente desagradáveis. Os jovens, conforme o
sua adesão rígida às regras pare m-lhes vul ar s e I sagra- p.r vérbio pOJ ular, sã mais agradáveis quando há em seu ·om-
dáv is. Associam-nas ramo ã vileza da posição a que essa qua- portamento l o dos m d . dos velh ; e o velh s, quando
lidades comum me pettent m, com a inúmero lmeru os vi- r têm algo h alegria da juventude. Ma cada um d · I pod t r,
cios que, supõem, acompanham-nas habitualmente tals como facilmente, excesso dos modos do outro. A extrema frieza e em-
uma disp si à abjeta, covard do ntia, mentirosa e baixa•. botada formalidade que são perdoadas na velhice tornam a ju-
Comb os objeto com os quais bomen das difere~tes pr ventude ridícula. A leviandade, a despreocupação, a vaidade,
flssõ s e posições estão familia rizados são muito dif rent , que são permitidas na juventude, tornam a velhice desprezível.
habituando-o. a paixões multo diferentes naturalmente r O caráter e os modos peculiares que o costume nos leva 1

mam- oel canictces modos muito diversos. upomos em a atribuir a cada camada social e profissão talvez tenham às ve- :
cada camada social e profissão um grau dos modos que, en- zes uma conveniência independente do costume, e constituem
s ina-n a experiência, p rten em ' l las. Por' m, assim om algo que devemos aprovar por si mesmos, se considerarmos to-
nos agrada particularm n t m ada e péc.le de oisas a con- das as diferentes circunstâncias que naturalmente afetam os que
firmação mediana qu ·,em toda part - fei ào, c incide mais estão em diferentes estágios de vida. A conveniência do com-
precisamente com padrão g ral qu a natu reza parec ter portam nt de uma pessoa depende da ad ·qua ão nâ a qua l-
estabel ·id para oi as eles e tipo m cada ca mada so 'al quer cir unstân ia de sua situa ão, mas a todas a. clrcunse<'lnci ~l ·
ou, se ro perm ít m diz r, em cada esp · cie d homens, agra- que, quando fazemos nos. o o seu cas , senlim s que natural-
la-nos particularm nte não terem nem demais nem ele m - mente exigiriam a sua aten ão. S aparenta st~u· l.ão cttpad.a
n s do caráter qu habitualmeJlLe ac mpanba sua con li ão ·
com qualquer uma dessas circunstâncias a ponto de negligen-
situação particular. Dizemos qu um homem deveria pM c r-s
ciar por completo as demais, desaprovamos sua conduta como
com seus negóclos e sua pr fi ã e s us assunt , eml ora o
algo de qu e nà podemos partilhar intel111mente, p rqu oã
pedantismo de ada profi ã s ~ja l. esagradável. P la mesma
está adequadam nte ajuslacla a toda. as c.ir · l.lnstând1ts d-1 sua
ituação; ontudo, tal.vez a moç~o qlte tal pes oa exprirnc p I
• A Rcst:tura - o SLUart (1660) tn>llxe :i voga a_J'I[Igos con ãos · no- obj to que mais a interessa não exceda aquilo que dev ríamos
bres, ·ald0S em clcsg ,tça durante as guerros civis (1 0-16ó0 . Er.t hábito aprovar e com que simpatizaríamos inteiramente em alguém
entao rld icubri ~..nr os pltrilllJlUS, grandes pr tagooi. tas cl· sas gu<lrros, acen- cuja alen ão não fosse requerida por nenhuma outra coisa. Na
iuando SU(t origcm social e seu fervor religioso, sobr ' l\ tcltl a ên.fas na pre-
gu ; o, :1 dis ipllm1 a alega "'1.10 de santidade elos propósitos. (TSM , Jl~trte I,
vida privada , um pai poderia, em face da perda de seu único
eção m, ap. IJ , p. 62). N. da lt T.) filho, expressar sem censura um grau de pesar e ternura que
250 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS QUINTA PARTE 251

seria imperdoável num general que estivesse à frente de seu de ser conviria melhor àqueles cujas vidas estão continuamen-
exército, quando a glória e a segurança pública exigem intensa- te expostas a um perigo incomum, e que deveriam, portanto,
mente a sua atenção. Assim como diferentes objetos deveriam, ocupar-se mais constantemente com as idéias de morte e suas
em ocasiões comuns, ocupar a atenção de homens de diferen- conseqüências, do que os outros homens. Mas é provavelmen-
tes profissões, paixões tão diferentes deveriam naturalmente te essa mesma circunstância a razão por que o modo de ser
tornar-se habituais a eles; e quando, nesse aspecto particular, contrário tanto prevaleça entre homens dessa profissão. Ao exa-
fazemos nossa a sua situação, devemos perceber que toda ocor- minarmos com firmeza e atenção o medo da morte, é neces-
rência deveria afetá-los mais ou menos, conforme a emoção sário um esforço tão grande para dominá-lo, que os homens
que suscita coincida com o hábito e temperamento fixo de seus constantemente expostos a isso consideram mais fácil afastar
espíritos ou deles divirja. Não poderemos esperar de um cléri- inteiramente seus pensamentos de morte, cobrir-se de uma se-
go a mesma sensibilidade para com os alegres prazeres e diver- gurança e indiferença descuidadas, mergulhando, para tanto,
timentos da vida que creditamos a um oficial. O homem cuja em todo tipo de divertimento e dissipação. Um acampamento
ocupação peculiar é lembrar ao mundo o terrível futuro que militar não é o ambiente para um homem pensativo ou melan-
os aguarda, que deve anunciar as possíveis conseqüências fu- cólico; de fato, pessoas dessa disposição freqüentemente são
nestas de todo desvio das regras do dever, e que deve dar, ele bastante determinadas, e capazes, com grande esforço, de avan-
próprio, o exemplo da mais exata conformidade, parece ser çar com inflexível resolução para a morte inevitável. No entanto,
mensageiro de novas que não podem ser propriamente trans- estar exposto a perigo constante, embora menos iminente, ser
mitidas com leviandade ou indiferença. Supõe-se que seu es- obrigado a praticar por longo tempo um grau desse esforço,
pírito esteja continuamente ocupado com o que é demasiado exaure e deprime o espírito, tornando-o incapaz de toda felici-
grandioso e solene para deixar espaço para as impressões des- dade e regozijo. Os alegres e descuidados, que não têm ocasião
ses objetos frívolos que preenchem a atenção dos alegres e dos de fazer esforço algum, que honestamente resolvem nunca
dissipados. Prontamente percebemos que, independente do olhar em frente, e sim dissipar em contínuos prazeres e diverti-
costume, há uma conveniência nos modos que o costume de- mentos toda ansiedade com sua situação, suportam mais facil-
terminou a essa profissão, e que nada pode ser mais adequado mente essas circunstâncias. Sempre que, por qualquer circuns-
ao caráter de um clérigo do que a severidade grave, austera tância peculiar, um oficial não tem motivo para acreditar-se
e absorta que estamos habituados a esperar em seu compor- exposto a um perigo inusitado, pode muito bem perder a ale-
tamento. Essas reflexões são tão óbvias que dificilmente ha- gria e a dissipada despreocupação de caráter. O capitão da guar- 1
verá um homem tão imprudente que não as tenha feito alguma da da cidade é habitualmente um animal tão sóbrio, cuidadoso e
vez, e não tenha considerado dessa maneira a razão por que avarento quanto o resto de seus concidadãos•. Pelo mesmo mo-
ele mesmo aprova o caráter habitual dessa ordem. tivo, uma prolongada paz tem a forte tendência de reduzir a
O fundamento do caráter costumeiro de algumas outras diferença entre caráter civil e militar. A situação ordinária de
profissões não é tão óbvio, e nesse caso nossa aprovação se homens dessa profissão, entretanto, faz a alegria e certa dis-
fundamenta inteiramente no hábito, de modo que reflexões sipação se tornarem de tal maneira seu caráter habitual, e ade-
dessa espécie não a confirmam nem a esclarecem. Somos leva- mais na nossa imaginação o costume associou tão intensamen-
dos pelo costume, por exemplo, a anexar o caráter de alegria,
leviandade e liberdade jovial, bem como alguma dissipação, à
profissão militar. Todavia se considerássemos o humor ou dis- • Os editores Raphael e Macfie (O~ford, 1976) lembram uma curiosa ' 1
ironia, citada por Eckstein: quando escreveu esta obra, Smith mal poderia ; r
posição de ânimo mais adequados a essa situação, talvez fôsse- prever que, em 4 de junho de 1781, viria a se tornar Capitão da Guarda da
mos capazes de estabelecer que o mais sério e pensativo modo Cidade de Edimburgo. (N. da R. T.)
250 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS QUINTA PARTE 251

seria imperdoável num general que estivesse à frente de seu de ser conviria melhor àqueles cujas vidas estão continuamen-
exército, quando a glória e a segurança pública exigem intensa- te expostas a um perigo incomum, e que deveriam, portanto,
mente a sua atenção. Assim como diferentes objetos deveriam, ocupar-se mais constantemente com as idéias de morte e suas
em ocasiões comuns, ocupar a atenção de homens de diferen- conseqüências, do que os outros homens. Mas é provavelmen-
tes profissões, paixões tão diferentes deveriam naturalmente te essa mesma circunstância a razão por que o modo de ser
tornar-se habituais a eles; e quando, nesse aspecto particular, contrário tanto prevaleça entre homens dessa profissão. Ao exa-
fazemos nossa a sua situação, devemos perceber que toda ocor- minarmos com firmeza e atenção o medo da morte, é neces-
rência deveria afetá-los mais ou menos, conforme a emoção sário um esforço tão grande para dominá-lo, que os homens
que suscita coincida com o hábito e temperamento fixo de seus constantemente expostos a isso consideram mais fácil afastar
espíritos ou deles divirja. Não poderemos esperar de um cléri- inteiramente seus pensamentos de morte, cobrir-se de uma se-
go a mesma sensibilidade para com os alegres prazeres e diver- gurança e indiferença descuidadas, mergulhando, para tanto,
timentos da vida que creditamos a um oficial. O homem cuja em todo tipo de divertimento e dissipação. Um acampamento
ocupação peculiar é lembrar ao mundo o terrível futuro que militar não é o ambiente para um homem pensativo ou melan-
os aguarda, que deve anunciar as possíveis conseqüências fu- cólico; de fato, pessoas dessa disposição freqüentemente são
nestas de todo desvio das regras do dever, e que deve dar, ele bastante determinadas, e capazes, com grande esforço, de avan-
próprio, o exemplo da mais exata conformidade, parece ser çar com inflexível resolução para a morte inevitável. No entanto,
mensageiro de novas que não podem ser propriamente trans- estar exposto a perigo constante, embora menos iminente, ser
mitidas com leviandade ou indiferença. Supõe-se que seu es- obrigado a praticar por longo tempo um grau desse esforço,
pírito esteja continuamente ocupado com o que é demasiado exaure e deprime o espírito, tornando-o incapaz de toda felici-
grandioso e solene para deixar espaço para as impressões des- dade e regozijo. Os alegres e descuidados, que não têm ocasião
ses objetos frívolos que preenchem a atenção dos alegres e dos de fazer esforço algum, que honestamente resolvem nunca
dissipados. Prontamente percebemos que, independente do olhar em frente, e sim dissipar em contínuos prazeres e diverti-
costume, há uma conveniência nos modos que o costume de- mentos toda ansiedade com sua situação, suportam mais facil-
terminou a essa profissão, e que nada pode ser mais adequado mente essas circunstâncias. Sempre que, por qualquer circuns-
ao caráter de um clérigo do que a severidade grave, austera tância peculiar, um oficial não tem motivo para acreditar-se
e absorta que estamos habituados a esperar em seu compor- exposto a um perigo inusitado, pode muito bem perder a ale-
tamento. Essas reflexões são tão óbvias que dificilmente ha- gria e a dissipada despreocupação de caráter. O capitão da guar- 1
verá um homem tão imprudente que não as tenha feito alguma da da cidade é habitualmente um animal tão sóbrio, cuidadoso e
vez, e não tenha considerado dessa maneira a razão por que avarento quanto o resto de seus concidadãos•. Pelo mesmo mo-
ele mesmo aprova o caráter habitual dessa ordem. tivo, uma prolongada paz tem a forte tendência de reduzir a
O fundamento do caráter costumeiro de algumas outras diferença entre caráter civil e militar. A situação ordinária de
profissões não é tão óbvio, e nesse caso nossa aprovação se homens dessa profissão, entretanto, faz a alegria e certa dis-
fundamenta inteiramente no hábito, de modo que reflexões sipação se tornarem de tal maneira seu caráter habitual, e ade-
dessa espécie não a confirmam nem a esclarecem. Somos leva- mais na nossa imaginação o costume associou tão intensamen-
dos pelo costume, por exemplo, a anexar o caráter de alegria,
leviandade e liberdade jovial, bem como alguma dissipação, à
profissão militar. Todavia se considerássemos o humor ou dis- • Os editores Raphael e Macfie (O~ford, 1976) lembram uma curiosa ' 1
ironia, citada por Eckstein: quando escreveu esta obra, Smith mal poderia ; r
posição de ânimo mais adequados a essa situação, talvez fôsse- prever que, em 4 de junho de 1781, viria a se tornar Capitão da Guarda da
mos capazes de estabelecer que o mais sério e pensativo modo Cidade de Edimburgo. (N. da R. T.)
252 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS QUINTA PARTE 253

te esse caráter a essa condição de vida, que somos capazes de dade e polidez oferecem pouco esforço ao desprezo pelo pe- :• ,•
desprezar qualquer homem cujo humor ou situação peculiar o rigo, à paciência em suportar trabalhos, fome e dor. Pode-se ;
tornem incapaz de adquiri-lo. Rimos do rosto grave e caute- evitar facilmente a pobreza, e por essa razão o desprezo por
loso do guarda municipal, tão pouco parecido a outros rostos ela quase cessa de ser virtude. A abstinência do prazer torna-
de sua profissão; ele mesmo parece com freqüência envergo- se menos necessária, o que deixa o espírito mais livre para re-
nhado da regularidade de seus próprios modos, e, para não laxar e para permitir suas inclinações naturais em todos esses
ficar fora da moda de seu mister, gosta de afetar uma levian- aspectos particulares.
dade que não lhe é natural. Seja qual for o comportamento que O caso é outro entre bárbaros e selvagens. Todo selva-
nos acostumamos a ver numa ordem respeitável de homens, gem experimenta uma espécie de disciplina espartana e, pe-
vem a estar tão associada em nossa imaginação, àquela ordem, la necessidade de sua situação, acostuma-se a toda a sorte de
que sempre quando vemos uma acreditamos que depararemos durezas. Está em contínuo perigo, freqüentemente exposto a
com a outra, e, se nos desapontamos, sentimos falta de algo que extremos de fome, não raro morre de pura carência. Suas
esperávamos encontrar. Ficamos embaraçados e hesitantes, não circunstâncias não apenas o habituam a toda sorte de aflição,
sabendo como nos dirigir a um caráter que afeta claramente ser como o ensinam a não dar vazão a nenhuma das paixões que
de uma espécie distinta daquelas em que estávamos predispos- essa aflição tende a suscitar. Não pode esperar a simpatia nem a
tos a classificá-lo. indulgência de seus compatriotas por tal fraqueza. Pois, antes
Da mesma maneira, as diferentes situações de diferentes de lamentarmos tanto por outros, devemos, em certa medida,
épocas e países tendem a atribuir diversos caracteres à gene- estar despreocupados. Se nossa própria miséria nos aguilhoa
ralidade dos que neles vivem, e seus sentimentos relativos ao tão severamente, não temos vagar para cuidar da miséria alheia;
grau específico de cada qualidade louvável ou censurável va- e todos os selvagens estão ocupados demais com suas próprias
riam segundo o grau comum em seu próprio país e seu pró- carências e necessidades, para dar muita atenção às de outras
prio tempo. O grau de polidez que seria de estimar profun- pessoas. Portanto, seja qual for a natureza de sua aflição, um sel-
damente talvez fosse visto na Rússia como adulação afemina- vagem não esp~ra solidariedade dos que o rodeiam, e preci-
da e, na corte da França, como grosseria e barbarismo. O grau samente por isso desdenha expor-se, permitindo que não lhe
de ordem e frugalidade que se consideraria excessiva parcimô- escape a menor fraqueza. Nunca permite que suas paixões,
nia num nobre polonês seria visto como extravagância num por mais furiosas e violentas que sejam, perturbem a sereni-
cidadão de Arnsterdam. Toda época e país considera o grau de dade de seu semblante, ou a compostura de sua conduta e com-
cada qualidade que habitualmente se encontra nos homens res- portamento. Os selvagens da América do Norte, segundo nos
peitáveis como o ponto médio do talento ou virtude particular, foi relatado, assumem em todas as ocasiões uma enorme in-
e, como isso varia conforme as diversas circunstâncias tornem diferença, e julgar-se-iam degradados se alguma vez se mos-
diferentes qualidades mais ou menos habituais, por conseguin- trassem, em qualquer aspecto, dominados ou por amor, ou dor,
te variam os sentimentos relativos à exata conveniência de ca- ou ressentimento. Nesse sentido, sua magnanimidade e auto-
ráter e comportamento. domínio estão quase além do entendimento dos europeus.
Entre nações civilizadas, as vittudes que se fundam sobre Num país em que todos os homens estão no mesmo nível com
a humanidade são mais cultivadas do que as que se fundam relação à posição e fortuna, poder-se-ia esperar que as incli-
sobre a abnegação e o domínio das paixões. O caso é outro nações mútuas das duas partes deveriam ser a única coisa le-
quando se trata de nações rudes e bárbaras: as virtudes de abne- vada em conta nos casamentos, e deveriam ser permitidas sem
gação são mais cultivadas do que as de humanidade. A segu- nenhuma espécie de controle. Esse, porém, é o país onde to-
rança e felicidade geral que prevalecem em tempos de civili- dos os casamentos, sem exceção, são acettados pelos pais, e
252 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS QUINTA PARTE 253

te esse caráter a essa condição de vida, que somos capazes de dade e polidez oferecem pouco esforço ao desprezo pelo pe- :• ,•
desprezar qualquer homem cujo humor ou situação peculiar o rigo, à paciência em suportar trabalhos, fome e dor. Pode-se ;
tornem incapaz de adquiri-lo. Rimos do rosto grave e caute- evitar facilmente a pobreza, e por essa razão o desprezo por
loso do guarda municipal, tão pouco parecido a outros rostos ela quase cessa de ser virtude. A abstinência do prazer torna-
de sua profissão; ele mesmo parece com freqüência envergo- se menos necessária, o que deixa o espírito mais livre para re-
nhado da regularidade de seus próprios modos, e, para não laxar e para permitir suas inclinações naturais em todos esses
ficar fora da moda de seu mister, gosta de afetar uma levian- aspectos particulares.
dade que não lhe é natural. Seja qual for o comportamento que O caso é outro entre bárbaros e selvagens. Todo selva-
nos acostumamos a ver numa ordem respeitável de homens, gem experimenta uma espécie de disciplina espartana e, pe-
vem a estar tão associada em nossa imaginação, àquela ordem, la necessidade de sua situação, acostuma-se a toda a sorte de
que sempre quando vemos uma acreditamos que depararemos durezas. Está em contínuo perigo, freqüentemente exposto a
com a outra, e, se nos desapontamos, sentimos falta de algo que extremos de fome, não raro morre de pura carência. Suas
esperávamos encontrar. Ficamos embaraçados e hesitantes, não circunstâncias não apenas o habituam a toda sorte de aflição,
sabendo como nos dirigir a um caráter que afeta claramente ser como o ensinam a não dar vazão a nenhuma das paixões que
de uma espécie distinta daquelas em que estávamos predispos- essa aflição tende a suscitar. Não pode esperar a simpatia nem a
tos a classificá-lo. indulgência de seus compatriotas por tal fraqueza. Pois, antes
Da mesma maneira, as diferentes situações de diferentes de lamentarmos tanto por outros, devemos, em certa medida,
épocas e países tendem a atribuir diversos caracteres à gene- estar despreocupados. Se nossa própria miséria nos aguilhoa
ralidade dos que neles vivem, e seus sentimentos relativos ao tão severamente, não temos vagar para cuidar da miséria alheia;
grau específico de cada qualidade louvável ou censurável va- e todos os selvagens estão ocupados demais com suas próprias
riam segundo o grau comum em seu próprio país e seu pró- carências e necessidades, para dar muita atenção às de outras
prio tempo. O grau de polidez que seria de estimar profun- pessoas. Portanto, seja qual for a natureza de sua aflição, um sel-
damente talvez fosse visto na Rússia como adulação afemina- vagem não esp~ra solidariedade dos que o rodeiam, e preci-
da e, na corte da França, como grosseria e barbarismo. O grau samente por isso desdenha expor-se, permitindo que não lhe
de ordem e frugalidade que se consideraria excessiva parcimô- escape a menor fraqueza. Nunca permite que suas paixões,
nia num nobre polonês seria visto como extravagância num por mais furiosas e violentas que sejam, perturbem a sereni-
cidadão de Arnsterdam. Toda época e país considera o grau de dade de seu semblante, ou a compostura de sua conduta e com-
cada qualidade que habitualmente se encontra nos homens res- portamento. Os selvagens da América do Norte, segundo nos
peitáveis como o ponto médio do talento ou virtude particular, foi relatado, assumem em todas as ocasiões uma enorme in-
e, como isso varia conforme as diversas circunstâncias tornem diferença, e julgar-se-iam degradados se alguma vez se mos-
diferentes qualidades mais ou menos habituais, por conseguin- trassem, em qualquer aspecto, dominados ou por amor, ou dor,
te variam os sentimentos relativos à exata conveniência de ca- ou ressentimento. Nesse sentido, sua magnanimidade e auto-
ráter e comportamento. domínio estão quase além do entendimento dos europeus.
Entre nações civilizadas, as vittudes que se fundam sobre Num país em que todos os homens estão no mesmo nível com
a humanidade são mais cultivadas do que as que se fundam relação à posição e fortuna, poder-se-ia esperar que as incli-
sobre a abnegação e o domínio das paixões. O caso é outro nações mútuas das duas partes deveriam ser a única coisa le-
quando se trata de nações rudes e bárbaras: as virtudes de abne- vada em conta nos casamentos, e deveriam ser permitidas sem
gação são mais cultivadas do que as de humanidade. A segu- nenhuma espécie de controle. Esse, porém, é o país onde to-
rança e felicidade geral que prevalecem em tempos de civili- dos os casamentos, sem exceção, são acettados pelos pais, e
254 TEORIA DOS SENTJMENTOS MORAIS QUINTA PARTE
255
onde um rapaz se julgaria desgraçado para sempre se mostras- toar quando tiver caído nas mãos do inimigo, e estiver expiran-
se a rneoor preferência p r uma mttiber em detrim nt d ou- do sob as torturas que lhe infligem. Consiste em insultos aos
tra, ou não expres a e a ma is completa i_ndiferença tanto p la seus torturadores, e expressa um enorme desp rezo pela mor-
época em que d e casar como pela pes oa om q uem c! - te e pela dor. Entoa essa canção em todas as ocasiõ s extraor-
ve fazê- lo . A fraq ueza do amor, que tan t · t lera na · épo- dinárias: quando vai para a guerra, quando encontra seus ini- '
cas de humanidade e polidez, é vista entre os selvagens como migos no campo de batalha, ou sempre que pretenda mostrar
a mais im pe rdoável efeminação. Mesmo depois do casamen- que aco tllmou ua imaginação aos mais terríveis Jnfortúnios
to, os dois parecem envergonhados de uma ligação fundada so- e que nenhum hu mano poderá intimidar sua d l rmlnação o~ '
bre tão sórdida necessidade. Não vivem juntos, só se encon- alterar seu propósito. O mesmo desprezo pela morte e pela
tram furtivamente; ambos continuam a habitar as casas de seus tortura prevalece entre todas as demais nações selvagens. A
respectivos pais, e a coabitação aberta dos dois sexos, permi- esse respeito, não existe um único negro da costa da África
tida sem censura em todos os demais países, lá é considerada cuja magnanimidade a alma de seu sórdido senhor mal con-
a mais indecente e pouco viril sensualidade. Não é apenas segue conceber. A fortuna nunca exerceu mais cruelmente seu
quanto a essa paixão agradável que ex r em esse autodomínio impéri s br s homens do que quando sujeitou essas nações
absoluto. Às vistas de seus companh ir , muitas vezes aturam de h róls ao r bomlho das ma, monas da Europa a pobres-dia-
ofensas, reproches, insultos grosseiros, aparentando uma imen- bos que não possu m nem as virtudes do país de onde vêm,
sa insensibilidade, não expressando o menor ressentimento. nem as daqueles para o nde vão, e cuja leviandade, brutalidade
Quando fe ito prisioneiro d gue rra o selvagem receb , como e baixeza os expõem tão justamente ao desdém dos vencidos.
de costum , uma sentença ele morte de seus conquistadores, Essa firmeza heróica e indomável, que o costume e a edu-
mas a ouve sem expressar qualquer emoção, e em seguida sub- cação do país demandam de cada selvag m, não é exigida aos
mete-se às mais terríveis torturas, sem se lamuriar ou exibir outra que foram criados para viver em so Jeclades civilizadas. Se es-
paixão, além d desprezo pelos injn:tigos. Enquanto é p enclu- tes se queixam quando têm dor, lamentam-se quando estão afli-
rad pelos ombro s I re um fogo le nLo, ridicu lariza seu tor- tos, permitem-se ser sobrepujados pelo amor ou descompostos
turad re , e lhes de r v om que superior babjlidad tortu- pela ira, são facilmente perdoados. Entende-se que tais fraque-
raria tais inimigos que tivessem caído em suas mãos. Após ser zas não afetam os elementos essenciais do seu caráter. Na me-
calcinado, queimado e lacerado durante várias horas nas par- dida em que não se permitem arrebatamentos que os levem a
tes mais tenras e sensíveis de seu corpo, sempre lhe permitem fazer algo contrário à justiça e à humanidade, perdem pouco
uma breve trégua, e o retiram do cadafalso, a fim de prolon- de sua reputação, embora a serenidade de seu semblante ou
gar sua desgraça. a compostura de seu discurso e conduta fiquem um tanto toca-
Emprega esse Interva lo para falar ·o r os ma is indlfer n- das e perturbadas. Um povo humano e polido, que tenha mais
tes assunto , para p rguntar pe las n tí las d paí , pa re do sensibilidade para com as paixões alheias, mais prontamente
indife rente a sua própria tiituaçao. Os esp cmdo res manifestam consegue compartilhar um comportamento vivaz e passional,
a mesma insensibilidade; a visão de objeto tão horrível parece e mais facilmente consegue perdoar algum pequeno excesso.
não os impressionar, quas n olham o pris ioneiro, salvo pa- A pessoa principalmente atingida percebe isso e, segura da
ra aj udar a torturã-lo. Nas outras ho ra fumam tabac , e dis- eqüidade de seus juízes, permite-se expressões mais fortes de
traem-se com qualqu r obj t comum, c mo se nada estivess paixão, receia menos que a inten idad cl ua emoções expo-
ocorrendo. Diz-se que todo selvagem se prepara desde a mais nha-a ao desprezo dosl1omens. Podemos aventurar-nos a ex-
tenra juv ntude para esse pavoroso fim: comp - para esse pro- pressar mais emoção na presença de um amigo do que na de
pósit que chamam canção da morte, can ão que deverá en- um estranho, porque esperamos mais indulgência de um que
254 TEORIA DOS SENTJMENTOS MORAIS QUINTA PARTE
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onde um rapaz se julgaria desgraçado para sempre se mostras- toar quando tiver caído nas mãos do inimigo, e estiver expiran-
se a rneoor preferência p r uma mttiber em detrim nt d ou- do sob as torturas que lhe infligem. Consiste em insultos aos
tra, ou não expres a e a ma is completa i_ndiferença tanto p la seus torturadores, e expressa um enorme desp rezo pela mor-
época em que d e casar como pela pes oa om q uem c! - te e pela dor. Entoa essa canção em todas as ocasiõ s extraor-
ve fazê- lo . A fraq ueza do amor, que tan t · t lera na · épo- dinárias: quando vai para a guerra, quando encontra seus ini- '
cas de humanidade e polidez, é vista entre os selvagens como migos no campo de batalha, ou sempre que pretenda mostrar
a mais im pe rdoável efeminação. Mesmo depois do casamen- que aco tllmou ua imaginação aos mais terríveis Jnfortúnios
to, os dois parecem envergonhados de uma ligação fundada so- e que nenhum hu mano poderá intimidar sua d l rmlnação o~ '
bre tão sórdida necessidade. Não vivem juntos, só se encon- alterar seu propósito. O mesmo desprezo pela morte e pela
tram furtivamente; ambos continuam a habitar as casas de seus tortura prevalece entre todas as demais nações selvagens. A
respectivos pais, e a coabitação aberta dos dois sexos, permi- esse respeito, não existe um único negro da costa da África
tida sem censura em todos os demais países, lá é considerada cuja magnanimidade a alma de seu sórdido senhor mal con-
a mais indecente e pouco viril sensualidade. Não é apenas segue conceber. A fortuna nunca exerceu mais cruelmente seu
quanto a essa paixão agradável que ex r em esse autodomínio impéri s br s homens do que quando sujeitou essas nações
absoluto. Às vistas de seus companh ir , muitas vezes aturam de h róls ao r bomlho das ma, monas da Europa a pobres-dia-
ofensas, reproches, insultos grosseiros, aparentando uma imen- bos que não possu m nem as virtudes do país de onde vêm,
sa insensibilidade, não expressando o menor ressentimento. nem as daqueles para o nde vão, e cuja leviandade, brutalidade
Quando fe ito prisioneiro d gue rra o selvagem receb , como e baixeza os expõem tão justamente ao desdém dos vencidos.
de costum , uma sentença ele morte de seus conquistadores, Essa firmeza heróica e indomável, que o costume e a edu-
mas a ouve sem expressar qualquer emoção, e em seguida sub- cação do país demandam de cada selvag m, não é exigida aos
mete-se às mais terríveis torturas, sem se lamuriar ou exibir outra que foram criados para viver em so Jeclades civilizadas. Se es-
paixão, além d desprezo pelos injn:tigos. Enquanto é p enclu- tes se queixam quando têm dor, lamentam-se quando estão afli-
rad pelos ombro s I re um fogo le nLo, ridicu lariza seu tor- tos, permitem-se ser sobrepujados pelo amor ou descompostos
turad re , e lhes de r v om que superior babjlidad tortu- pela ira, são facilmente perdoados. Entende-se que tais fraque-
raria tais inimigos que tivessem caído em suas mãos. Após ser zas não afetam os elementos essenciais do seu caráter. Na me-
calcinado, queimado e lacerado durante várias horas nas par- dida em que não se permitem arrebatamentos que os levem a
tes mais tenras e sensíveis de seu corpo, sempre lhe permitem fazer algo contrário à justiça e à humanidade, perdem pouco
uma breve trégua, e o retiram do cadafalso, a fim de prolon- de sua reputação, embora a serenidade de seu semblante ou
gar sua desgraça. a compostura de seu discurso e conduta fiquem um tanto toca-
Emprega esse Interva lo para falar ·o r os ma is indlfer n- das e perturbadas. Um povo humano e polido, que tenha mais
tes assunto , para p rguntar pe las n tí las d paí , pa re do sensibilidade para com as paixões alheias, mais prontamente
indife rente a sua própria tiituaçao. Os esp cmdo res manifestam consegue compartilhar um comportamento vivaz e passional,
a mesma insensibilidade; a visão de objeto tão horrível parece e mais facilmente consegue perdoar algum pequeno excesso.
não os impressionar, quas n olham o pris ioneiro, salvo pa- A pessoa principalmente atingida percebe isso e, segura da
ra aj udar a torturã-lo. Nas outras ho ra fumam tabac , e dis- eqüidade de seus juízes, permite-se expressões mais fortes de
traem-se com qualqu r obj t comum, c mo se nada estivess paixão, receia menos que a inten idad cl ua emoções expo-
ocorrendo. Diz-se que todo selvagem se prepara desde a mais nha-a ao desprezo dosl1omens. Podemos aventurar-nos a ex-
tenra juv ntude para esse pavoroso fim: comp - para esse pro- pressar mais emoção na presença de um amigo do que na de
pósit que chamam canção da morte, can ão que deverá en- um estranho, porque esperamos mais indulgência de um que
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d utro. E, da m sma maneira a regras de dec ro ntre na- .E~sa diferença d~ ocasião a muitas outras, não menos es- i
Ç s civilizadas p ennitem um mp rtamento maL<; nimado senClats. Um povo pohdo, em alguma medida acostumado a dar :
do CJll seria apr vado pelos bárbaros. Os 1 rim · ·os convivem vazão a~s impulsos da natureza, torna-se franco, aberto, since-
e ntre si com a franqueza de amig s; os últlmos, com a rese1va ro. ~s barbaros, ao contrário, obrigados a abafar e ocultar toda '·
ma?tfestaçã~ d~ paixão, necessariamente adquirem hábitos de .
d estrangeiro . A emoção e viva idad com qtl frao es e
falstdad~ e dt~stmu}ação. Todos os que conviveram com selva-
ltaüanos, as duas nações mais polidas no Conti nente•, xpres-
sam- nas o ::a ·i- es pú blicas q u de al um modo têm inceres- gens, seJa na Asia, Africa ou América, observaram que são igual-
urpreendem de início os rrangeiros que viajam entre eles, mente impenetráveis, e que, se pretendem ocultar a verdade
nenhum interrogatório é capaz de arrancá-la deles. Não po~
os quais . end ducados emr um p ov de s nsibiliclade mais
mJ tada, nã podem compartilhar e se comportan1eot apai- de.m ser trep~~ados nem pelo mais hábil interrogatório. A pró-
pna tort~ra e :ncapaz de fazê-los confessar algo que não te-
xonad , d qu jamais viram ex mplo em , eu país. Um j vem
nham a mtençao de contar. As paixões de um selvagem tam-
nobre fra n ê hora rá na pres n a ela C rte inteira, se Ih for
bém,. aind~ que nunca se expressem por nenhuma e~oção
r cusado um regimento. Um üaliano cUz o Abade DO Bo , ex-
ext~no.r e f~quem ocultas no peito de quem sofre, atingem to-
pre sa mai m çào ao ser cond nado a uma multa de vinte
davta o mats alto pico de fúria. Embora raramente demonstre
xelin do que um inglês ao receb r uma sent n a de mmte.
qua_lque~ sintoma de ira, sua vingança, quando chega a descar-
Cí er , no termos da mai. e l vada po lidez r numa, podia, rega-la, e sempre sanguinária e terrível. A menor afronta o leva
em e degradar, chorar com toda a amargu ra da dor, na p re- ao desespero. Com efeito, seu semblante e seu discurso ain-
sença de todo o enado e de rodo o povo - pol ' evident que da são sóbrios e compostos, nada expressando senão a mais
deve ter horau no final d qua todos eus discurs . Os perfeita tranqüilidade de espírito; mas seus atos são com fre-
orad .res do · t mpos mais antig e mais m i s de Roma pro- qüência os mais furiosos e violentos. Entre os norte-america-
vavelmente nã poderiam expr sar- e com tamanha emo- nos, não é incomum pessoas da mais tenra idade e do sexo
ção, onB nne os modos de ua - poca. Suponho q lle teria si- mais medroso afogarem-se, apenas porque receberam uma le-
do consid rad violaçà da oarur za ela propriedad nos ve .reyrimenda de suas mães, e isso também sem expressarem
Cipi -es, nos 1éHos e em Carã Velho, ex1 o r tamanha ensi- patxao alguma, ou sem dizerem nada, exceto: "Vós já não te-
biliclade ~~ vi ta do público. O antigos gue rreiros p deliam ex- reis filha." Em nações civilizadas, as paixões humanas não são
pr '. sa r-se om aprllmo, gravidad e bom dlscernimemo, mas comumente tão furiosas ou tão desesperadas. São muitas ve-
diz- e qu ram esuno hos à e1 qüência sublime apa ixonada zes clamorosas e ruidosas, mas raramente são demasiado no-
qu e~ i originalmente inu·oduzida em Rorna, não muitos anos civas, e amiúde parecem visar apenas à satisfação de conven-
antes do nascimento d Cícero p los I iS Graco , ra s e ul- cer o espectador de que têm razão de se moverem assim e de
picio. Essa loqüência vivaz, que foi dmam muito tempo pra- obter a simpatia e aprovação deste. '
ticada m ou sern êxito na França e na Itália, apenas agora co- Todos esses efeitos dos usos e costumes sobre os senti-
meça a ser introduzida na lnglat rr . Assim, grand é a dlferen- mentos morais da humanidade são, entretanto, insignificantes,
t,.."à enu-e graus de autod l'IÚnio exigido em nações civili7..a.das se comparados aos que geram em alguns outros casos, e não é
e bárbaras, e tais são o difer ntes padr s com qu julgam a q~an~o .ao estilo geral do caráter e comportamento que esses
conveniência do comportamento. ?nnc1p10~pr~duzem a maior perversão de juízo, mas quanto
a convemencta ou inconveniência de usos particulares.
~s diferentes modos que o costume nos ensina a aprovar
• "Continente" é a maneira como os britânicos se referem aos outros
nas dtversas profissões e situações de vida não dizem respei-
países da Europa. (N. da R. T.)
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS QUINTA PARTE 257
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d utro. E, da m sma maneira a regras de dec ro ntre na- .E~sa diferença d~ ocasião a muitas outras, não menos es- i
Ç s civilizadas p ennitem um mp rtamento maL<; nimado senClats. Um povo pohdo, em alguma medida acostumado a dar :
do CJll seria apr vado pelos bárbaros. Os 1 rim · ·os convivem vazão a~s impulsos da natureza, torna-se franco, aberto, since-
e ntre si com a franqueza de amig s; os últlmos, com a rese1va ro. ~s barbaros, ao contrário, obrigados a abafar e ocultar toda '·
ma?tfestaçã~ d~ paixão, necessariamente adquirem hábitos de .
d estrangeiro . A emoção e viva idad com qtl frao es e
falstdad~ e dt~stmu}ação. Todos os que conviveram com selva-
ltaüanos, as duas nações mais polidas no Conti nente•, xpres-
sam- nas o ::a ·i- es pú blicas q u de al um modo têm inceres- gens, seJa na Asia, Africa ou América, observaram que são igual-
urpreendem de início os rrangeiros que viajam entre eles, mente impenetráveis, e que, se pretendem ocultar a verdade
nenhum interrogatório é capaz de arrancá-la deles. Não po~
os quais . end ducados emr um p ov de s nsibiliclade mais
mJ tada, nã podem compartilhar e se comportan1eot apai- de.m ser trep~~ados nem pelo mais hábil interrogatório. A pró-
pna tort~ra e :ncapaz de fazê-los confessar algo que não te-
xonad , d qu jamais viram ex mplo em , eu país. Um j vem
nham a mtençao de contar. As paixões de um selvagem tam-
nobre fra n ê hora rá na pres n a ela C rte inteira, se Ih for
bém,. aind~ que nunca se expressem por nenhuma e~oção
r cusado um regimento. Um üaliano cUz o Abade DO Bo , ex-
ext~no.r e f~quem ocultas no peito de quem sofre, atingem to-
pre sa mai m çào ao ser cond nado a uma multa de vinte
davta o mats alto pico de fúria. Embora raramente demonstre
xelin do que um inglês ao receb r uma sent n a de mmte.
qua_lque~ sintoma de ira, sua vingança, quando chega a descar-
Cí er , no termos da mai. e l vada po lidez r numa, podia, rega-la, e sempre sanguinária e terrível. A menor afronta o leva
em e degradar, chorar com toda a amargu ra da dor, na p re- ao desespero. Com efeito, seu semblante e seu discurso ain-
sença de todo o enado e de rodo o povo - pol ' evident que da são sóbrios e compostos, nada expressando senão a mais
deve ter horau no final d qua todos eus discurs . Os perfeita tranqüilidade de espírito; mas seus atos são com fre-
orad .res do · t mpos mais antig e mais m i s de Roma pro- qüência os mais furiosos e violentos. Entre os norte-america-
vavelmente nã poderiam expr sar- e com tamanha emo- nos, não é incomum pessoas da mais tenra idade e do sexo
ção, onB nne os modos de ua - poca. Suponho q lle teria si- mais medroso afogarem-se, apenas porque receberam uma le-
do consid rad violaçà da oarur za ela propriedad nos ve .reyrimenda de suas mães, e isso também sem expressarem
Cipi -es, nos 1éHos e em Carã Velho, ex1 o r tamanha ensi- patxao alguma, ou sem dizerem nada, exceto: "Vós já não te-
biliclade ~~ vi ta do público. O antigos gue rreiros p deliam ex- reis filha." Em nações civilizadas, as paixões humanas não são
pr '. sa r-se om aprllmo, gravidad e bom dlscernimemo, mas comumente tão furiosas ou tão desesperadas. São muitas ve-
diz- e qu ram esuno hos à e1 qüência sublime apa ixonada zes clamorosas e ruidosas, mas raramente são demasiado no-
qu e~ i originalmente inu·oduzida em Rorna, não muitos anos civas, e amiúde parecem visar apenas à satisfação de conven-
antes do nascimento d Cícero p los I iS Graco , ra s e ul- cer o espectador de que têm razão de se moverem assim e de
picio. Essa loqüência vivaz, que foi dmam muito tempo pra- obter a simpatia e aprovação deste. '
ticada m ou sern êxito na França e na Itália, apenas agora co- Todos esses efeitos dos usos e costumes sobre os senti-
meça a ser introduzida na lnglat rr . Assim, grand é a dlferen- mentos morais da humanidade são, entretanto, insignificantes,
t,.."à enu-e graus de autod l'IÚnio exigido em nações civili7..a.das se comparados aos que geram em alguns outros casos, e não é
e bárbaras, e tais são o difer ntes padr s com qu julgam a q~an~o .ao estilo geral do caráter e comportamento que esses
conveniência do comportamento. ?nnc1p10~pr~duzem a maior perversão de juízo, mas quanto
a convemencta ou inconveniência de usos particulares.
~s diferentes modos que o costume nos ensina a aprovar
• "Continente" é a maneira como os britânicos se referem aos outros
nas dtversas profissões e situações de vida não dizem respei-
países da Europa. (N. da R. T.)
TRORlA DOS 11N77MENTO MORAIS QUINTA PARTE 259
258
to a coisas de grand importâ n ia. Esp -am s verdade e justi- tador irado e cru~!. O que m:~ginar então do coração de um pai
ça de um a ncião omo de Ul'll j v m, d um clérigo como de que I?udesse ~en~ essa fragtltdade, a qual até um inimigo en-
um oficial; e é ap nas ness a suntos d p quena monta que fureCido receta vtolar? Contudo, o abandono, isto é, o assas-
procuramos as mtu·cas clistintivas d seu re..<;p ectivos cara te- sinato de bebês recém-nascidos, era prática permitida em quase
res. Também quanto a stes freqü ntem nte há alguma cir uns- todos os estados da Grécia, mesmo entre os polidos e civiliza-
tância d per ebida, a qual no n,'lo trada, se a tivé sem s no- dos atenienses; e todas as vezes em que as circunstâncias do
tado qu indep nd . t do costume, havia conv niência no pai tornassem inconveniente criar o filho, julgava-se que aban-
carát r que o ostume n ensinara a atribuir a cada profissã . doná-lo à fome ou aos animais selvagens não era censurável
nem passível de condenação. Provavelmente tal prática come~
esse caso, p ttant , não podemo no · queixar d qu a p r-
çara nos tempos da mais selvagem barbárie. A imaginação dos
versà do sentimento natu ral ' muito grande. Em ra o mo-
homens primeiro se tornou familiar a essa prática durante o
d · le difer · nte naçõe requeiram diferente graus da mes-
mais antigo período da sociedade, e o prosseguimento unifor-
ma qualidad no carát r que julgam digno de esti ma, p de-
me do costume a impedira mais tarde de perceber sua enor-
dizer que m smo aqu i que de pior pode a nte r é d -
midade. Vemos que ainda hoje tal prática prevalece entre todas
v. res d uma virtude por v zes se st nderem a p nto de in-
as nações selvagens, mas certamente no mais baixo e rude es-
vadi r Llm 1 ouco os r cintos de alguma outra. A rústl a hospi-
tado de sociedade é mais perdoável do que em qualquer ou-
talidade, v ga e nb· o:; polones s, talvez invada um p u a
tro. A extrema indigência de um selvagem é com freqüência
ec:on mia a b a ord m; e a fru galidade, estimada na Holan-
tal, que o expõe aos extremos da fome; muitas vezes morre de
da, cal vez invada a generosidad a solidariedade. A rigidez
pura carência, e freqüentemente lhe é impossível sustentar a si
que ·e exige dos selvagens diminuí sua huma nidad , e talv z
mesmo e a seu filho. Não podemos nos admirar então que
a d Jicada sensibilidade requedda nas na õ s civilizada por nesse caso o abandone. Alguém que, fugindo de um inimigo
v zes d Sb"Ua a firmeza má ula de c-aráter. Em g ral, pode-:ie
a q~em foi impossível resistir, largasse seu bebê porque o im-
afirm~ qu o estilo d m dos existente m qualqu r nação é
pedta de correr, certamente seria desculpável, pois, se tentas-
mais adequado à ua situa ão. A rigidez é o aráter mais
se salvá-lo, só poderia esperar o consolo de morrer com ele.
ad quado às circunstância d um e lvag m; a e nsibilidade, Portanto, não deveria nos surpreender tanto que nesse estado
o mais adequad às d quem vlv numa na ão bastante civi~ da sociedade a um pai fosse permitido julgar se poderia ou
lizada. Mesmo aqul, 1 r cc nseguinte, não p demos nos quei- não criar seu filho. Nos últimos tempos da Grécia*, porém, a
xar de qu ~ os s ntiment s morai, dos homens s jam muito ra- mesma coisa era permitida com vistas ao interesse remoto ou
vem nte pervertid .. à conveniência, o que de modo algum poderia ser desculpá-
Pottanto, nã é n estil g ral d conduta ou c m porta- vel. A essa altura, o costume ininterrupto autorizara tão com-
menl que o ·ostum autoriza a mais ampla s para ~.o d q u pletamente essa prática, que não apenas as vagas máximas do
' a conv niê.ncia natural da ação.1 o que diz re p ito ao · us s mundo toleravam essa prerrogativa bárbara, como até mesmo
p<trticular , ·ua influ An ·a om freqüência - maí destruúva a doutrina dos filósofos, que deveriam ser mais justos e cuida-
para a I a rn ral , p is é capaz de estabele r como legítima dosos, deixou-se levar pelo costume estabelecido; e nesse ca-
irrepreensíve is ações patticulares que colidem m s mais sim- so, como em muitos outros, em vez de censurarem, apoiavam
ples princípi s do certo e do · !T'<~.do.
Pode haver maior bm·b ál'ie por x mplo, d qu ferir um
b bê? Seu de amparo, sua ino ê ncia, ua a mabJJidade, provo- ' "In the Jatter ages of Greece", no original. O autor se refere, como
cam compaixão até mesmo n inimigo, não p upar ssa t n- parece óbvio, ao fim do chamado período clássico, compreendido entre 405
a.C. até a morte de Aristóteles (322 a.C.). (N. da R. T.)
ra idad ' considerado o mais nfliJ'e i l at de um c nquis-
TRORlA DOS 11N77MENTO MORAIS QUINTA PARTE 259
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to a coisas de grand importâ n ia. Esp -am s verdade e justi- tador irado e cru~!. O que m:~ginar então do coração de um pai
ça de um a ncião omo de Ul'll j v m, d um clérigo como de que I?udesse ~en~ essa fragtltdade, a qual até um inimigo en-
um oficial; e é ap nas ness a suntos d p quena monta que fureCido receta vtolar? Contudo, o abandono, isto é, o assas-
procuramos as mtu·cas clistintivas d seu re..<;p ectivos cara te- sinato de bebês recém-nascidos, era prática permitida em quase
res. Também quanto a stes freqü ntem nte há alguma cir uns- todos os estados da Grécia, mesmo entre os polidos e civiliza-
tância d per ebida, a qual no n,'lo trada, se a tivé sem s no- dos atenienses; e todas as vezes em que as circunstâncias do
tado qu indep nd . t do costume, havia conv niência no pai tornassem inconveniente criar o filho, julgava-se que aban-
carát r que o ostume n ensinara a atribuir a cada profissã . doná-lo à fome ou aos animais selvagens não era censurável
nem passível de condenação. Provavelmente tal prática come~
esse caso, p ttant , não podemo no · queixar d qu a p r-
çara nos tempos da mais selvagem barbárie. A imaginação dos
versà do sentimento natu ral ' muito grande. Em ra o mo-
homens primeiro se tornou familiar a essa prática durante o
d · le difer · nte naçõe requeiram diferente graus da mes-
mais antigo período da sociedade, e o prosseguimento unifor-
ma qualidad no carát r que julgam digno de esti ma, p de-
me do costume a impedira mais tarde de perceber sua enor-
dizer que m smo aqu i que de pior pode a nte r é d -
midade. Vemos que ainda hoje tal prática prevalece entre todas
v. res d uma virtude por v zes se st nderem a p nto de in-
as nações selvagens, mas certamente no mais baixo e rude es-
vadi r Llm 1 ouco os r cintos de alguma outra. A rústl a hospi-
tado de sociedade é mais perdoável do que em qualquer ou-
talidade, v ga e nb· o:; polones s, talvez invada um p u a
tro. A extrema indigência de um selvagem é com freqüência
ec:on mia a b a ord m; e a fru galidade, estimada na Holan-
tal, que o expõe aos extremos da fome; muitas vezes morre de
da, cal vez invada a generosidad a solidariedade. A rigidez
pura carência, e freqüentemente lhe é impossível sustentar a si
que ·e exige dos selvagens diminuí sua huma nidad , e talv z
mesmo e a seu filho. Não podemos nos admirar então que
a d Jicada sensibilidade requedda nas na õ s civilizada por nesse caso o abandone. Alguém que, fugindo de um inimigo
v zes d Sb"Ua a firmeza má ula de c-aráter. Em g ral, pode-:ie
a q~em foi impossível resistir, largasse seu bebê porque o im-
afirm~ qu o estilo d m dos existente m qualqu r nação é
pedta de correr, certamente seria desculpável, pois, se tentas-
mais adequado à ua situa ão. A rigidez é o aráter mais
se salvá-lo, só poderia esperar o consolo de morrer com ele.
ad quado às circunstância d um e lvag m; a e nsibilidade, Portanto, não deveria nos surpreender tanto que nesse estado
o mais adequad às d quem vlv numa na ão bastante civi~ da sociedade a um pai fosse permitido julgar se poderia ou
lizada. Mesmo aqul, 1 r cc nseguinte, não p demos nos quei- não criar seu filho. Nos últimos tempos da Grécia*, porém, a
xar de qu ~ os s ntiment s morai, dos homens s jam muito ra- mesma coisa era permitida com vistas ao interesse remoto ou
vem nte pervertid .. à conveniência, o que de modo algum poderia ser desculpá-
Pottanto, nã é n estil g ral d conduta ou c m porta- vel. A essa altura, o costume ininterrupto autorizara tão com-
menl que o ·ostum autoriza a mais ampla s para ~.o d q u pletamente essa prática, que não apenas as vagas máximas do
' a conv niê.ncia natural da ação.1 o que diz re p ito ao · us s mundo toleravam essa prerrogativa bárbara, como até mesmo
p<trticular , ·ua influ An ·a om freqüência - maí destruúva a doutrina dos filósofos, que deveriam ser mais justos e cuida-
para a I a rn ral , p is é capaz de estabele r como legítima dosos, deixou-se levar pelo costume estabelecido; e nesse ca-
irrepreensíve is ações patticulares que colidem m s mais sim- so, como em muitos outros, em vez de censurarem, apoiavam
ples princípi s do certo e do · !T'<~.do.
Pode haver maior bm·b ál'ie por x mplo, d qu ferir um
b bê? Seu de amparo, sua ino ê ncia, ua a mabJJidade, provo- ' "In the Jatter ages of Greece", no original. O autor se refere, como
cam compaixão até mesmo n inimigo, não p upar ssa t n- parece óbvio, ao fim do chamado período clássico, compreendido entre 405
a.C. até a morte de Aristóteles (322 a.C.). (N. da R. T.)
ra idad ' considerado o mais nfliJ'e i l at de um c nquis-
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS
260
horrível ai uso om implausíveis considerações de utilida-
de públi 1. Aristóreles f-ala disso como algo que em muitas oca-
siõ s o magistrado deveria encorajar•. O humanitário Platão
é da mesma opinião, e apesar de todo o amor à humanidade SEXTA PARTE
que parece animar todos os seus escritos, em lugar algum cara -
teriza essa prática com desaprovação... e o costuro e é capaz
d sancionar uma violação da humanidade tão errrvel, ' bem
possível .imaginarmo que quase não há práLí a repulsiva que
não autorize. uvimos homens diz rem LOdos os dias que tal DO CARÁTER DA VIRTUDE
coisa se faz comumente, amo s julgass m que isso constitui
apologia suficiente para alg que, em si mesmo, é conduta CONSISTINDO DE TRÊS SEÇÕES
extremamente injusta e nada razoá v l.
Há uma razão óbvia por que o costume jamais deveria per-
verter nossos sentimentos relativos ao estilo e caráter gerais
da conduta e comportamento, do mesmo modo como os rela-
tivos à conveniência ou ilegitimidade de usos pa1ti ·ul ar s. Ja-
mais pode haver tal costume. Nenhuma sociedade poderia sub-
sistir por um momento , se nela o impulso usual da conduta e
comportamento dos homens acompanhasse a horrenda práti-
ca que acabo de mencionar.

• Polfrica, 1335b20-l. (N. da R. T.)


•• T?eptíiJlica, 460c, 46lc. (N. da R. T.)
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS
260
horrível ai uso om implausíveis considerações de utilida-
de públi 1. Aristóreles f-ala disso como algo que em muitas oca-
siõ s o magistrado deveria encorajar•. O humanitário Platão
é da mesma opinião, e apesar de todo o amor à humanidade SEXTA PARTE
que parece animar todos os seus escritos, em lugar algum cara -
teriza essa prática com desaprovação... e o costuro e é capaz
d sancionar uma violação da humanidade tão errrvel, ' bem
possível .imaginarmo que quase não há práLí a repulsiva que
não autorize. uvimos homens diz rem LOdos os dias que tal DO CARÁTER DA VIRTUDE
coisa se faz comumente, amo s julgass m que isso constitui
apologia suficiente para alg que, em si mesmo, é conduta CONSISTINDO DE TRÊS SEÇÕES
extremamente injusta e nada razoá v l.
Há uma razão óbvia por que o costume jamais deveria per-
verter nossos sentimentos relativos ao estilo e caráter gerais
da conduta e comportamento, do mesmo modo como os rela-
tivos à conveniência ou ilegitimidade de usos pa1ti ·ul ar s. Ja-
mais pode haver tal costume. Nenhuma sociedade poderia sub-
sistir por um momento , se nela o impulso usual da conduta e
comportamento dos homens acompanhasse a horrenda práti-
ca que acabo de mencionar.

• Polfrica, 1335b20-l. (N. da R. T.)


•• T?eptíiJlica, 460c, 46lc. (N. da R. T.)
INTRODUÇÃO

Quando consld >m mos o caráter de um indivíduo qualquer,


naturalmente vemo-l sob dois aspectos diferentes: primeiro,
como pode afetar sua própria felicidade; e, segundo, como
pode afetar a felicidade de outras pessoas.
INTRODUÇÃO

Quando consld >m mos o caráter de um indivíduo qualquer,


naturalmente vemo-l sob dois aspectos diferentes: primeiro,
como pode afetar sua própria felicidade; e, segundo, como
pode afetar a felicidade de outras pessoas.
SEÇÃO I

Do caráter do indivíduo, na medida


em que afeta sua própria felicidade;
ou da prudência

A nservação e o estado au lável do corpo par · m er


os objetos que a natureza primeiramente recom nda ao cuid'tdo
de cada indivíduo. Os apetites de fome e sede, as sensações
agradáveis e desagradáveis de prazer e dor, calor e frio, etc., po-
dem ser consideradas como lições preferidas pela voz da pró-
pria Natureza, orientando-o quanto ao que deveria escolher e
evitar para esse propósito. As primeiras lições que lhe ensinam
aqueles a quem sua infância foi confiada tendem, em grande
parte, ao mesmo propósito. Seu principal objeto é ensinar-lhe
como manter-se afastado da via dos danos.
Na medida em que cresce, o homem logo aprende que al-
gum cuidado e previsão são necessários para prover os meios
de satisfazer esses apetites naturais, de obter prazer e evitar
dor, de obter a temperatura de calor e frio agradável e evitar a
desagradável. Na orientação adequada desse cuidado e previ-
são consiste a arte de conservar e intensificar o que se chama
a sua fortuna externa.
Embora seja para suprir as necessidades e conveniências
do corpo que as vantagens da fortuna externa nos são origi-
nalmente recomendadas, não podemos viver muito neste mun-
do sem perceber que o respeito de nossos iguais, nosso cré-
dito e posição na sociedade em que vivemos, dependem muito
do grau em que possuímos, ou em que se supõe possuirmos,
essas vantagens. O desejo de nos tornarmos objetos apropria- :
dos desse respeito, de merecer e alcançar esse crédito e posi- ,
ção entre nossos iguais, é talvez o mais forte de todos os nossos '
desejos; e, por conseguinte, esse desejo suscita e exaspera nos- i
SEÇÃO I

Do caráter do indivíduo, na medida


em que afeta sua própria felicidade;
ou da prudência

A nservação e o estado au lável do corpo par · m er


os objetos que a natureza primeiramente recom nda ao cuid'tdo
de cada indivíduo. Os apetites de fome e sede, as sensações
agradáveis e desagradáveis de prazer e dor, calor e frio, etc., po-
dem ser consideradas como lições preferidas pela voz da pró-
pria Natureza, orientando-o quanto ao que deveria escolher e
evitar para esse propósito. As primeiras lições que lhe ensinam
aqueles a quem sua infância foi confiada tendem, em grande
parte, ao mesmo propósito. Seu principal objeto é ensinar-lhe
como manter-se afastado da via dos danos.
Na medida em que cresce, o homem logo aprende que al-
gum cuidado e previsão são necessários para prover os meios
de satisfazer esses apetites naturais, de obter prazer e evitar
dor, de obter a temperatura de calor e frio agradável e evitar a
desagradável. Na orientação adequada desse cuidado e previ-
são consiste a arte de conservar e intensificar o que se chama
a sua fortuna externa.
Embora seja para suprir as necessidades e conveniências
do corpo que as vantagens da fortuna externa nos são origi-
nalmente recomendadas, não podemos viver muito neste mun-
do sem perceber que o respeito de nossos iguais, nosso cré-
dito e posição na sociedade em que vivemos, dependem muito
do grau em que possuímos, ou em que se supõe possuirmos,
essas vantagens. O desejo de nos tornarmos objetos apropria- :
dos desse respeito, de merecer e alcançar esse crédito e posi- ,
ção entre nossos iguais, é talvez o mais forte de todos os nossos '
desejos; e, por conseguinte, esse desejo suscita e exaspera nos- i
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEXTA PARTE 267
266
sa pr d ·Li ca n ar a vamagens ch. fo rtuna m·üs elo metem-se n_a ~Len ; o e reputação do público. Por reputação
qu 0 desej d UI rir te das a oec ssidadcs e mod idades na sua profls ao, ·rá naturalmente predisposto a confiar um
cJ co rpo, q uas s mpre muito f:í ·eis d se suprirem. bocado na solidez de seu conhecimento e de suas habilidades
Noss~ p síçâ c crédito e ntre nossos iguai taml ém d ,_ mas ~e~ sem~re pensa em cultivar os favores das pequena~
p ndem muil daquilo de que talvez um homem vittll s d s - assoc1~çoes e JUntas que, nas artes e ciências superiores, com

j~uia que d p ende ·em inteiramente: n o ráter c nduta, demastada freqüência se erigem em juízes supremos do mé-
ou da confiança, stima e bo· vontade qu ses naturalmente rito, tomando para si a incumbência de celebrar talentos e vir-
suscitam nas pessoas com quem vivemos. t~des uns dos outros, e denegrir tudo que possa vir a compe-
O cuidado da saúde, da fortuna, da posição e reputação ttr com eles. Se porventura se associar a alguma organização
do indivídu - objetos dos quai s supõe qu dep. dam prin- dessa espécie, é meramente para autodefesa, não com vistas
cipalm nte seu confo rto é f li 'dad nesta vi I. - ·onsidera- a abusar do público, mas a impedir que do público se abuse,
do . empr sa própria daqu b vinud c mu m ~ntt! chamada para sua desvantagem, por meio de clamores, sussurros, in-
prud An ia. trigas dessa organização particular, ou alguma outra da mes-
j á se comentou qu o sofrimen to ca usado por decairmos ma espécie.
d uma situaç:ão m Ih r p~u-a t.t ma pior é mu ir supeti cr ao r - O homem prudente é sempre sincero, e sente horror ao
gozijo que sentim s ao asc ndermos d' uma siruação pior pa- mero pensamento de expor-se à desgraça que se segue da des-
ra uma m Jhor. Porwnto, a gm~n a o p 1i m iro e principal coberta da falsidade . Ainda que sempre sincero, contudo, nem
o bj to d pn.td n ia. É v · ssa ~~ <;:Xpor no.·sa aúde nossa for- sempre é franco e aberto, e ainda que nunca diga senão a ver-
m oa, no sa po ·i ·ã u r puta :ã a qwdqu r spccie de p ri- da.de, nem sempre se julga obrigado, caso não o tenham pro-
go. É anle ·•tutelo d qu mpr encled ra e mais p rcoctlpa- pnamente convocado, a dizer a verdade completa. Do mesmo
da m ·onserva r a vantagens que já possuímos d qu dis- modo como é cauteloso em suas ações, também é reservado
p sta a no. in ·itar ã aqui iç:lo vantagens ainda ma i r . Os no seu discurso, e jamais expressa precipitada ou desnecessa-
mérocl s para m 11 orar n<> sa f, n:una, o. qu<J is a prudên ·ia nos riamente sua opinião sobre coisas ou pessoas.
recomenda principalmente, são os que não n s expõem a p r- O homem prudente, embora nem sempre se destaque pela
d~\S u ri · · s: vercladeir conhecimento e ha bilidade em n ). - mais delicada sensibilidade, é sempre capaz de manter amiza-
so negócio ou profissão, constância e diligência no exercício des. Sua amizade, porém, não é aquela afeição ardente e apai-
desta , frugalidade, e até mesmo certo grau de parcimônia em xonada, muitas vezes transitória, que se revela tão deliciosa à
todas as nossas despesas. generosidade da juventude e da inexperiência. É uma ligação
O homem prudente sempre estuda séria e determinada- sossegada, mas constante e fiel, com poucos companheiros bem
men~ pam entender o que pro~ '·a ·nten J r, não meramen- examinados e bem escolhidos, em cuja escolha não é guiado
t para persuadir ouu~ls p~ as de que ntend ; e posto s u · pela frívola admiração das realizações brilhantes, mas pela só-
talentos nem se mpre sejam brilh:.tntes, são sempre perfi itarn n- bria estima da modéstia, discrição e boa conduta.
t genuínos. Tamp u s esf r ·a pa ra ímp r-se ti pelos , Co~tud~ , embora capaz de manter amizades, nem sempre
pe rspicazes cxp cU nt s d · um impostor a tuto ou pcl sares esta multo dtsposto a uma sociabilidade geral. Raramente fre-
arrogantes de um pret n o pedant , nem p •las af-Irma ões con- qüenta esses grupos sociais marcados pela alegria e graça da
fla nt s d um pretencl ' nt · Slt pertki~ll impude nte: não ost n- sua conversa e mais raramente ainda figura entre eles. O modo
ta ·equ r as ha bilicla les qu r alme nt possui. 'u a conve.rsn é de vida destes freqüentemente poderia interferir na regulari-
simp les e m >desta, ·· é av s a toda as rutes charlatanescas dade de sua temperança, poderia interromper a constância de
por m io da · qua is uLJ'<ls pess a · m tanta freqüência inlf - sua diligência, ou perturbar o rigor da sua frugalidade.
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEXTA PARTE 267
266
sa pr d ·Li ca n ar a vamagens ch. fo rtuna m·üs elo metem-se n_a ~Len ; o e reputação do público. Por reputação
qu 0 desej d UI rir te das a oec ssidadcs e mod idades na sua profls ao, ·rá naturalmente predisposto a confiar um
cJ co rpo, q uas s mpre muito f:í ·eis d se suprirem. bocado na solidez de seu conhecimento e de suas habilidades
Noss~ p síçâ c crédito e ntre nossos iguai taml ém d ,_ mas ~e~ sem~re pensa em cultivar os favores das pequena~
p ndem muil daquilo de que talvez um homem vittll s d s - assoc1~çoes e JUntas que, nas artes e ciências superiores, com

j~uia que d p ende ·em inteiramente: n o ráter c nduta, demastada freqüência se erigem em juízes supremos do mé-
ou da confiança, stima e bo· vontade qu ses naturalmente rito, tomando para si a incumbência de celebrar talentos e vir-
suscitam nas pessoas com quem vivemos. t~des uns dos outros, e denegrir tudo que possa vir a compe-
O cuidado da saúde, da fortuna, da posição e reputação ttr com eles. Se porventura se associar a alguma organização
do indivídu - objetos dos quai s supõe qu dep. dam prin- dessa espécie, é meramente para autodefesa, não com vistas
cipalm nte seu confo rto é f li 'dad nesta vi I. - ·onsidera- a abusar do público, mas a impedir que do público se abuse,
do . empr sa própria daqu b vinud c mu m ~ntt! chamada para sua desvantagem, por meio de clamores, sussurros, in-
prud An ia. trigas dessa organização particular, ou alguma outra da mes-
j á se comentou qu o sofrimen to ca usado por decairmos ma espécie.
d uma situaç:ão m Ih r p~u-a t.t ma pior é mu ir supeti cr ao r - O homem prudente é sempre sincero, e sente horror ao
gozijo que sentim s ao asc ndermos d' uma siruação pior pa- mero pensamento de expor-se à desgraça que se segue da des-
ra uma m Jhor. Porwnto, a gm~n a o p 1i m iro e principal coberta da falsidade . Ainda que sempre sincero, contudo, nem
o bj to d pn.td n ia. É v · ssa ~~ <;:Xpor no.·sa aúde nossa for- sempre é franco e aberto, e ainda que nunca diga senão a ver-
m oa, no sa po ·i ·ã u r puta :ã a qwdqu r spccie de p ri- da.de, nem sempre se julga obrigado, caso não o tenham pro-
go. É anle ·•tutelo d qu mpr encled ra e mais p rcoctlpa- pnamente convocado, a dizer a verdade completa. Do mesmo
da m ·onserva r a vantagens que já possuímos d qu dis- modo como é cauteloso em suas ações, também é reservado
p sta a no. in ·itar ã aqui iç:lo vantagens ainda ma i r . Os no seu discurso, e jamais expressa precipitada ou desnecessa-
mérocl s para m 11 orar n<> sa f, n:una, o. qu<J is a prudên ·ia nos riamente sua opinião sobre coisas ou pessoas.
recomenda principalmente, são os que não n s expõem a p r- O homem prudente, embora nem sempre se destaque pela
d~\S u ri · · s: vercladeir conhecimento e ha bilidade em n ). - mais delicada sensibilidade, é sempre capaz de manter amiza-
so negócio ou profissão, constância e diligência no exercício des. Sua amizade, porém, não é aquela afeição ardente e apai-
desta , frugalidade, e até mesmo certo grau de parcimônia em xonada, muitas vezes transitória, que se revela tão deliciosa à
todas as nossas despesas. generosidade da juventude e da inexperiência. É uma ligação
O homem prudente sempre estuda séria e determinada- sossegada, mas constante e fiel, com poucos companheiros bem
men~ pam entender o que pro~ '·a ·nten J r, não meramen- examinados e bem escolhidos, em cuja escolha não é guiado
t para persuadir ouu~ls p~ as de que ntend ; e posto s u · pela frívola admiração das realizações brilhantes, mas pela só-
talentos nem se mpre sejam brilh:.tntes, são sempre perfi itarn n- bria estima da modéstia, discrição e boa conduta.
t genuínos. Tamp u s esf r ·a pa ra ímp r-se ti pelos , Co~tud~ , embora capaz de manter amizades, nem sempre
pe rspicazes cxp cU nt s d · um impostor a tuto ou pcl sares esta multo dtsposto a uma sociabilidade geral. Raramente fre-
arrogantes de um pret n o pedant , nem p •las af-Irma ões con- qüenta esses grupos sociais marcados pela alegria e graça da
fla nt s d um pretencl ' nt · Slt pertki~ll impude nte: não ost n- sua conversa e mais raramente ainda figura entre eles. O modo
ta ·equ r as ha bilicla les qu r alme nt possui. 'u a conve.rsn é de vida destes freqüentemente poderia interferir na regulari-
simp les e m >desta, ·· é av s a toda as rutes charlatanescas dade de sua temperança, poderia interromper a constância de
por m io da · qua is uLJ'<ls pess a · m tanta freqüência inlf - sua diligência, ou perturbar o rigor da sua frugalidade.
TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS SEXTA PARTE 269
268
Embora sua palestra nem sempre seja brilhante ?u d.iv~:- nuos, embora pequenos, melhora a cada dia. Consegue gra-
dualmente relaxar tanto no rigor de sua parcimônia, quanto na
t1'da, é todavia sempre perfeitam nte inofe n iva. O '·-
le1a a 1de1a
.
de ser ulpatlo de petulância ou gr sseria; nunca uupe rDnen- severidade de sua dedicação; e percebe com satisfação dobra-
te em relação a quem quer que seja e, em todas a. o 1oes o- da esse gradual aumento de conforto e deleite por ter experi-
muns de boa vontade coloca-se antes abaixo do que acima dos mentado antes as durezas que acompanham a falta deles. Não
seus lguais. Tanto em sua con~uta. quanto e:n sua palest~a, é tem nenhuma preocupação em alterar uma situação tão con-
um observador rigoroso da decenCla, e respetta, com escrupu- fortável, e não sai em busca de novos empreendimentos e aven-
lo quase religioso, todo o decoro e cerimoniais estabe~ecidos turas, que poderiam colocar em perigo, mas não aumentariam
da sociedade. E, nesse aspecto, oferece um exemplo mmto me- muito, a segura tranqüilidade de que verdadeiramente usufrui.
lhor do que com freqüência oferecem homens de talentos e vir- Se entra em novos projetos ou empreendimentos, provavelmen-
tudes bem mais esplêndidos, os quais, em todos os tempos - te serão bem planejados e preparados. Jamais pode ser apres-
desde Sócrates e Aristipo, até o Dr. Swift e Voltaire, desde Fi- sado ou impelido a eles por alguma necessidade, pois sempre
lipe e Alexandre, o Grande, até o grande Cz~r :edr~ d~ Mos~ dispôe de tempo e ócio para deliberar sóbria e lucidamente so-
cou - muitas vezes se destacaram pelo ma1s tmpropno, ate bre quais serão suas prováveis conseqüências.
mesm'o insolente, desprezo por todo o decoro comum à vida O homem prudente não se predispõe a sujeitar-se a uma
e à palestra e, por isso, ofereceram o mais pernicioso exem- responsabilidade que não tenha sido imposta por seu dever.
plo a quem, desejando parecer-se a eles,. nã.o raro se c~n:en­ Não põe em alvoroço negócios que não lhe dizem respeito,
ta em imitar suas loucuras, sem tentar atmgtr sua perfe1çao. nem se intromete em assuntos alheios; não é conselheiro ou
Na constância de sua diligência e frugalidade, em seu cons- consiliário professo, que despeja seu parecer onde ninguém
tante sacrifício ao confmto e regozijo do presente pela expec- o pediu: confina-se, na medida em que lhe permitir o seu dever,
tativa provável de conforto e regozijo ainda maiores num tempo aos seus próprios negócios, e não tem gosto pela tola impor-
mais remoto, mas mais duradouro, o homem prudente é sem- tância que muitas pessoas desejam obter, aparentando ter algu-
pre amparado e recompensado pela inteira aprovação .do es- ma influência na administração dos assuntos alheios; é avesso
pectador imparcial, e pelo representante do espectador tmpar- a meter-se em disputas, odeia facções, e nem sempre se pron-
cial o homem que o peito encerra. O espectador imparcial não tifica a ouvir sequer a voz de uma ambição nobre e grande.
se ~ente exaurido pelo presente labor dos homens cuja con- Quando distintamente convocado, não declinará servir a seu
duta examina; tampouco se sente solicitado pelos chamados
país; mas não maquinará para forçar que o aceitem nesse servi-
impmtunos de seus apetites presentes. Para ele, o presente des-
ço, e lhe agradaria muito mais que outra pessoa adnúnistrasse os
ses homens, e o que provavelmente será sua situação futura,
assuntos públicos a ter ele mesmo o trabalho, a responsabili-
são quase iguais: vê-os quase à mesma distância, e afetam-no
dade de os administrar. No fundo de seu coração, preferiria o .
quase da mesma maneira. Sabe, entretanto, que para as pessoas
deleit impassívd da tranqüilidade ·egUJ , não apenas a todo 1

principalmente envolvidas seu presente e seu futuro estão lon-


ge de ser iguais, e que naturalmente as afetam de modo muito vão espl ncl< r ltt ambição bem-sucedi.d a, mas à glória sólida
diverso. Portanto, o espectador imparcial só pode aprovar e até e real de realizar as maiores e mais magnânimas ações.
aplaudir o esforço adequado de autodomínio que as toma ca- Em resumo, quando orientada meramente para o cuidado '
pazes de agir como se sua situação presente e futura as afetas- da saúde, da fottuna, da posição e reputação do indivíduo, em-
sem quase da mesma maneira que afetam a ele. bora considerada uma qualidade muito respeitável e até, em
O homem que vive de acordo com sua renda está natural- certa medida, amável e agradável, a prudência nunca é consi-
mente contente com sua situação, a qual, por acúmulos contí- derada uma das vütudes mais caras ou mais nobres. Conquista
TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS SEXTA PARTE 269
268
Embora sua palestra nem sempre seja brilhante ?u d.iv~:- nuos, embora pequenos, melhora a cada dia. Consegue gra-
dualmente relaxar tanto no rigor de sua parcimônia, quanto na
t1'da, é todavia sempre perfeitam nte inofe n iva. O '·-
le1a a 1de1a
.
de ser ulpatlo de petulância ou gr sseria; nunca uupe rDnen- severidade de sua dedicação; e percebe com satisfação dobra-
te em relação a quem quer que seja e, em todas a. o 1oes o- da esse gradual aumento de conforto e deleite por ter experi-
muns de boa vontade coloca-se antes abaixo do que acima dos mentado antes as durezas que acompanham a falta deles. Não
seus lguais. Tanto em sua con~uta. quanto e:n sua palest~a, é tem nenhuma preocupação em alterar uma situação tão con-
um observador rigoroso da decenCla, e respetta, com escrupu- fortável, e não sai em busca de novos empreendimentos e aven-
lo quase religioso, todo o decoro e cerimoniais estabe~ecidos turas, que poderiam colocar em perigo, mas não aumentariam
da sociedade. E, nesse aspecto, oferece um exemplo mmto me- muito, a segura tranqüilidade de que verdadeiramente usufrui.
lhor do que com freqüência oferecem homens de talentos e vir- Se entra em novos projetos ou empreendimentos, provavelmen-
tudes bem mais esplêndidos, os quais, em todos os tempos - te serão bem planejados e preparados. Jamais pode ser apres-
desde Sócrates e Aristipo, até o Dr. Swift e Voltaire, desde Fi- sado ou impelido a eles por alguma necessidade, pois sempre
lipe e Alexandre, o Grande, até o grande Cz~r :edr~ d~ Mos~ dispôe de tempo e ócio para deliberar sóbria e lucidamente so-
cou - muitas vezes se destacaram pelo ma1s tmpropno, ate bre quais serão suas prováveis conseqüências.
mesm'o insolente, desprezo por todo o decoro comum à vida O homem prudente não se predispõe a sujeitar-se a uma
e à palestra e, por isso, ofereceram o mais pernicioso exem- responsabilidade que não tenha sido imposta por seu dever.
plo a quem, desejando parecer-se a eles,. nã.o raro se c~n:en­ Não põe em alvoroço negócios que não lhe dizem respeito,
ta em imitar suas loucuras, sem tentar atmgtr sua perfe1çao. nem se intromete em assuntos alheios; não é conselheiro ou
Na constância de sua diligência e frugalidade, em seu cons- consiliário professo, que despeja seu parecer onde ninguém
tante sacrifício ao confmto e regozijo do presente pela expec- o pediu: confina-se, na medida em que lhe permitir o seu dever,
tativa provável de conforto e regozijo ainda maiores num tempo aos seus próprios negócios, e não tem gosto pela tola impor-
mais remoto, mas mais duradouro, o homem prudente é sem- tância que muitas pessoas desejam obter, aparentando ter algu-
pre amparado e recompensado pela inteira aprovação .do es- ma influência na administração dos assuntos alheios; é avesso
pectador imparcial, e pelo representante do espectador tmpar- a meter-se em disputas, odeia facções, e nem sempre se pron-
cial o homem que o peito encerra. O espectador imparcial não tifica a ouvir sequer a voz de uma ambição nobre e grande.
se ~ente exaurido pelo presente labor dos homens cuja con- Quando distintamente convocado, não declinará servir a seu
duta examina; tampouco se sente solicitado pelos chamados
país; mas não maquinará para forçar que o aceitem nesse servi-
impmtunos de seus apetites presentes. Para ele, o presente des-
ço, e lhe agradaria muito mais que outra pessoa adnúnistrasse os
ses homens, e o que provavelmente será sua situação futura,
assuntos públicos a ter ele mesmo o trabalho, a responsabili-
são quase iguais: vê-os quase à mesma distância, e afetam-no
dade de os administrar. No fundo de seu coração, preferiria o .
quase da mesma maneira. Sabe, entretanto, que para as pessoas
deleit impassívd da tranqüilidade ·egUJ , não apenas a todo 1

principalmente envolvidas seu presente e seu futuro estão lon-


ge de ser iguais, e que naturalmente as afetam de modo muito vão espl ncl< r ltt ambição bem-sucedi.d a, mas à glória sólida
diverso. Portanto, o espectador imparcial só pode aprovar e até e real de realizar as maiores e mais magnânimas ações.
aplaudir o esforço adequado de autodomínio que as toma ca- Em resumo, quando orientada meramente para o cuidado '
pazes de agir como se sua situação presente e futura as afetas- da saúde, da fottuna, da posição e reputação do indivíduo, em-
sem quase da mesma maneira que afetam a ele. bora considerada uma qualidade muito respeitável e até, em
O homem que vive de acordo com sua renda está natural- certa medida, amável e agradável, a prudência nunca é consi-
mente contente com sua situação, a qual, por acúmulos contí- derada uma das vütudes mais caras ou mais nobres. Conquista
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEXTAPAR1E 271
270
certa estima fria, mas não parece ter direito a um ardente amor tuem evidentemente grandes loucuras. No primeiro, nem sem-
e admiração. pre são consideradas enquanto tais. Na Itália, durante a maior
Uma conduta sábia e judiciosa, quando orientada para pro- parte do séculO XVI, crimes, assassinatos, até homicídios en-
pósiws maio res ma is nobres d que ui lados om sa úde, comendados, parecem ter sido quase familiares entre as cama-
fo rtuna, pos ição, r ~puta ção do indiv1du o, nã ram propria- da,s s~periores. Cé~a~ Bórgia convidou quatro dos pequenos
m ntt: ·ham::tda Prud~ncia. Falamos da 1 mdência d grande pnnopes de suas vtzmhanças, que possuíam pequenas sobe-
general, d granel estadista, do grande legislador. Em tod es- ranias, e comandavam pequenos exércitos, para uma confe-
ses caso , Pntd ~ ncia se combinam muitas irtud s maiores rência amigável em Senigaglia, onde, assim que chegaram, man-
mais esplêndidas: valor, mpla forte b nev lência um sa- dou-os matar. Esse ato infame, embora certamente não fosse
grado r sp e ito as r gras da justiça, tudo i so ampa ra l por ·tpr ~ad~ nem ~esmo naque le te mpo de crime. pa re ·e t •r
um gr.1u apropriado d domínio d si. Essa prudênda. uperio r, co;1tnbmdo mmto p uco para o descrédito c em nada para <I
quando transportada para mals alto grau d p -'ri ição, n es- .rum . de quem o perp ~ trou . Essa ruína sue d u p ou ·os un ·
sariamente supô a arte, o talen to bál lt ou di po. içào d dep01s, por causas inteiramente dLo;tinta desse crim . Maqu ia- 1
agir com a mais perfeita conveniência em todas as possíveis vel- de fato, um hom m cuja moralidade não era, n ~rn m mo '
circunstâncias e situações. Supõe necessariamente a extrema
para seu tempo, das mais encantadoras - residia, como minis-
perfeição d r las as virtudes intelectuais e morais. É a me-
tro da República de Florcn ·a, na orte de César Bórgia, quando
lhor cabe a unida ao melhor coração. É a mais perfeita sabe-
esse crime foi cometido. fercc uma descrição bastante mi-
doria combinada com a mais perfeita virtude. Constitui, com
muita proximidade, o caráter d ·ál i aca dêmico ou peripa- nuciosa desse e~e.nto, com aquela linguagem pura, elegante
tético, do mesmo modo como a prudência inferior constitui o e stmples que dtstmgue todos os seus '"'S Titos: fala disso com
caráter do epi ·urisla. grande .fri eza; agrad·t-lhc a habilicl atl 0 111 qu César Bórgh
A mera imprud ncia, ou a mera falta de capacidade de condu7.m tudo· desp1·eza muito a ing nu idad e fraqu za d >S
cuidar de si mesmo, é para os generosos e humanos objeto sof'redores, mas nenht tm·t compaixà por .'>'lia miserável · pr _
de compaixão; para os de sentimentos menos delicados, de ne- ma tur~ n:orte, nenhum·t esp ''ci de indigmt ~·ão p + t cru ,Ida-
gligência ou, pior, de desprezo, mas nunca de ódio ou indig- ele e Jilstdade ~ seu assassino•. A v! rn ·fa e a injusti ·a de
nação. Quando combinada a outros vícios, porém, agrava so- grandes conq lllstad r s são fr qüent 'tn nt vistas · 111 tola
bremaneira a infâmia e desgraça que por outras razões os acom- admiração e assombro, as elos pequenos ladrões, assaltantes
panhariam. O velhaco astuto, cuja desll za e ratória eximem, e assassinos, em todas as acasiões, com desprezo, ódio, e até
se não de fortes suspeitas, p lo menos de ·astigo o u de clara horror. As primeiras, ainda que cem vezes mais danosas e des-
denúncia, é com muita freqüência recebido no mundo com uma t~tivas, se alcançam êxito, passam amiúde por façanhas de he-
indulgên ·ia qu e de m do algum mer ce. d~saj itado l - rOJca magnanimidade. As últimas são sempre vistas com ódio
lo, que por falra dessa desu·eza e ratólia, é ent n lad e pu- e aversão, como as loucuras e os crimes dos piores e mais bai-
: nido, é objeto de ódio uni rsaJ, despr z ·ar srn . Em paí- xos seres h:tmanos. A injustiça dos primeiros é, cettamente, pe-
ses onde grandes crimes freqüentemente passam sem punição, lo menos tao grande quanto as dos úlLi mo · mas a loucura e
os atos mais atrozes se tornam quase familiares às pessoas, ces- imprudência não são nem ele longe tão gra~des. Um homem
1 sando de impressioná-las com o horror que universalmente se
·sente em países onde existe uma administração exata da justi-
• A obra de Maquiavel a que Smith se refere é Descrlzione de/ modo te-
! ça. A injustiça é a mesma nos dois países, mas não raro a im-
nuto da/ Duca Valentino nello ammazare Vitelozzo Vitelli Oliueratto da
prudência é muito diversa. No último, grandes crimes consti- Femo, i/ Signor Pago/o e il duca di C ravina Orsini. (N. da R.' T.)
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEXTAPAR1E 271
270
certa estima fria, mas não parece ter direito a um ardente amor tuem evidentemente grandes loucuras. No primeiro, nem sem-
e admiração. pre são consideradas enquanto tais. Na Itália, durante a maior
Uma conduta sábia e judiciosa, quando orientada para pro- parte do séculO XVI, crimes, assassinatos, até homicídios en-
pósiws maio res ma is nobres d que ui lados om sa úde, comendados, parecem ter sido quase familiares entre as cama-
fo rtuna, pos ição, r ~puta ção do indiv1du o, nã ram propria- da,s s~periores. Cé~a~ Bórgia convidou quatro dos pequenos
m ntt: ·ham::tda Prud~ncia. Falamos da 1 mdência d grande pnnopes de suas vtzmhanças, que possuíam pequenas sobe-
general, d granel estadista, do grande legislador. Em tod es- ranias, e comandavam pequenos exércitos, para uma confe-
ses caso , Pntd ~ ncia se combinam muitas irtud s maiores rência amigável em Senigaglia, onde, assim que chegaram, man-
mais esplêndidas: valor, mpla forte b nev lência um sa- dou-os matar. Esse ato infame, embora certamente não fosse
grado r sp e ito as r gras da justiça, tudo i so ampa ra l por ·tpr ~ad~ nem ~esmo naque le te mpo de crime. pa re ·e t •r
um gr.1u apropriado d domínio d si. Essa prudênda. uperio r, co;1tnbmdo mmto p uco para o descrédito c em nada para <I
quando transportada para mals alto grau d p -'ri ição, n es- .rum . de quem o perp ~ trou . Essa ruína sue d u p ou ·os un ·
sariamente supô a arte, o talen to bál lt ou di po. içào d dep01s, por causas inteiramente dLo;tinta desse crim . Maqu ia- 1
agir com a mais perfeita conveniência em todas as possíveis vel- de fato, um hom m cuja moralidade não era, n ~rn m mo '
circunstâncias e situações. Supõe necessariamente a extrema
para seu tempo, das mais encantadoras - residia, como minis-
perfeição d r las as virtudes intelectuais e morais. É a me-
tro da República de Florcn ·a, na orte de César Bórgia, quando
lhor cabe a unida ao melhor coração. É a mais perfeita sabe-
esse crime foi cometido. fercc uma descrição bastante mi-
doria combinada com a mais perfeita virtude. Constitui, com
muita proximidade, o caráter d ·ál i aca dêmico ou peripa- nuciosa desse e~e.nto, com aquela linguagem pura, elegante
tético, do mesmo modo como a prudência inferior constitui o e stmples que dtstmgue todos os seus '"'S Titos: fala disso com
caráter do epi ·urisla. grande .fri eza; agrad·t-lhc a habilicl atl 0 111 qu César Bórgh
A mera imprud ncia, ou a mera falta de capacidade de condu7.m tudo· desp1·eza muito a ing nu idad e fraqu za d >S
cuidar de si mesmo, é para os generosos e humanos objeto sof'redores, mas nenht tm·t compaixà por .'>'lia miserável · pr _
de compaixão; para os de sentimentos menos delicados, de ne- ma tur~ n:orte, nenhum·t esp ''ci de indigmt ~·ão p + t cru ,Ida-
gligência ou, pior, de desprezo, mas nunca de ódio ou indig- ele e Jilstdade ~ seu assassino•. A v! rn ·fa e a injusti ·a de
nação. Quando combinada a outros vícios, porém, agrava so- grandes conq lllstad r s são fr qüent 'tn nt vistas · 111 tola
bremaneira a infâmia e desgraça que por outras razões os acom- admiração e assombro, as elos pequenos ladrões, assaltantes
panhariam. O velhaco astuto, cuja desll za e ratória eximem, e assassinos, em todas as acasiões, com desprezo, ódio, e até
se não de fortes suspeitas, p lo menos de ·astigo o u de clara horror. As primeiras, ainda que cem vezes mais danosas e des-
denúncia, é com muita freqüência recebido no mundo com uma t~tivas, se alcançam êxito, passam amiúde por façanhas de he-
indulgên ·ia qu e de m do algum mer ce. d~saj itado l - rOJca magnanimidade. As últimas são sempre vistas com ódio
lo, que por falra dessa desu·eza e ratólia, é ent n lad e pu- e aversão, como as loucuras e os crimes dos piores e mais bai-
: nido, é objeto de ódio uni rsaJ, despr z ·ar srn . Em paí- xos seres h:tmanos. A injustiça dos primeiros é, cettamente, pe-
ses onde grandes crimes freqüentemente passam sem punição, lo menos tao grande quanto as dos úlLi mo · mas a loucura e
os atos mais atrozes se tornam quase familiares às pessoas, ces- imprudência não são nem ele longe tão gra~des. Um homem
1 sando de impressioná-las com o horror que universalmente se
·sente em países onde existe uma administração exata da justi-
• A obra de Maquiavel a que Smith se refere é Descrlzione de/ modo te-
! ça. A injustiça é a mesma nos dois países, mas não raro a im-
nuto da/ Duca Valentino nello ammazare Vitelozzo Vitelli Oliueratto da
prudência é muito diversa. No último, grandes crimes consti- Femo, i/ Signor Pago/o e il duca di C ravina Orsini. (N. da R.' T.)
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS

SEÇÃO II

Do caráter do indivíduo na medida


em que pode afetar a felicidade
de outras pessoas

INTRODUÇÃO

O ·m'áter de cada indivíduo, na mecllda m que pode afe-


tar a feli ida le de outra~ p " Oas, deve faz -lo pela sua dispo-
sição s ja de prejudicar, seja le ben fici;í-las .
O ressentimento apropriado pela injustiça que se tentou
cometer ou que realmcnt . e c m teu o único motiv qu -•,
aos olh os do espe radar imparcial pode justifiC'll' q ue preju-
diquem ou perturbe mos em qu alqut:r aspecto a felicidac.l
de nosso próximo. Fazê-lo por qualquer outro motivo cons-
titui em si mesmo uma violação das leis da justiça, e nesse ca-
so dev r-s -ia rnp1 gar a força, qu r para refrear, quer para pu-
nir. A sal daria d cada Estado Oll r püblica (commonwealth)
empenha-se, tanto quanto possível, em empregar a força da so-
ciedade para coibir os q_ue são sujeitos à sua autoridade, de
prejudicar ou perturbar a felicidad uns dos outros. As regras
estabelecidas para t:sse fim constituem as leis civil e criminal
de cada Estado ou país em particular. Os princípios sobre os
quais essas regras são ou deveriam ser fundadas são assunto
de uma ciência particula r, de longe a mais importante de to-
das, mas até aqui talvez a menos cultivada - a jurisprudência
natural -, a respeito da qual não cabe a nosso tema entrar em
detalhes. Um sagrado e religioso respeito a não prejudicar nem
perturbar em nenhum aspecto a felicidade de nosso próximo,
mesmo nos casos em que nenhuma lei pode proteger adequa-
damente, constitui o caráter do homem perfeitamente inocente
e justo, caráter que, quando traz consigo certa delicadeza de
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS

SEÇÃO II

Do caráter do indivíduo na medida


em que pode afetar a felicidade
de outras pessoas

INTRODUÇÃO

O ·m'áter de cada indivíduo, na mecllda m que pode afe-


tar a feli ida le de outra~ p " Oas, deve faz -lo pela sua dispo-
sição s ja de prejudicar, seja le ben fici;í-las .
O ressentimento apropriado pela injustiça que se tentou
cometer ou que realmcnt . e c m teu o único motiv qu -•,
aos olh os do espe radar imparcial pode justifiC'll' q ue preju-
diquem ou perturbe mos em qu alqut:r aspecto a felicidac.l
de nosso próximo. Fazê-lo por qualquer outro motivo cons-
titui em si mesmo uma violação das leis da justiça, e nesse ca-
so dev r-s -ia rnp1 gar a força, qu r para refrear, quer para pu-
nir. A sal daria d cada Estado Oll r püblica (commonwealth)
empenha-se, tanto quanto possível, em empregar a força da so-
ciedade para coibir os q_ue são sujeitos à sua autoridade, de
prejudicar ou perturbar a felicidad uns dos outros. As regras
estabelecidas para t:sse fim constituem as leis civil e criminal
de cada Estado ou país em particular. Os princípios sobre os
quais essas regras são ou deveriam ser fundadas são assunto
de uma ciência particula r, de longe a mais importante de to-
das, mas até aqui talvez a menos cultivada - a jurisprudência
natural -, a respeito da qual não cabe a nosso tema entrar em
detalhes. Um sagrado e religioso respeito a não prejudicar nem
perturbar em nenhum aspecto a felicidade de nosso próximo,
mesmo nos casos em que nenhuma lei pode proteger adequa-
damente, constitui o caráter do homem perfeitamente inocente
e justo, caráter que, quando traz consigo certa delicadeza de
TEORIA DOS SEN11MENTOS MORAIS SEXTA PARTE 275
274
at nção, - s mpr muito resp itãv ~ alé v ne rãvel p r ·i mes- cisa e determinada, do que pode ser com a maior parte das ou-
mo, !Lfí ·ilmentc: leixa d ·er a mpanhado d muitas ou tras t~as pessoas. Em suma, é mais próxima do que ele sente or
vinu les, a mo granel sentimentos para com utras p . s as, s1 mesmo. P
grande humanidade e grande benevolêuda. Trata-se d um ·a- Adem~i.s, essa sim~atia, e a a~ i es nela fundadas, por
ráter suficientemente compreendido e por isso não exige ex- natureza dmgem-se ma1s inten amente para os seus filhos do
plicação suplementar. Nesta seção, apenas procurarei expli- que para se~1s ?a.is, e ~u a ternura pelos primei ros pa re m
car o fundamento dessa ordem que a Natureza parece ter tra- g _raJ um prU: 1p10 rmus ativo do que sua reverência gr:ui-
çado para a distribui "ào dos n ss · b n s rvi os ou para da .P I . p~u s. N natural estado de coisas, j6 se observou•,
direção e emprego d nossos l!mltadís. im p deres de be ne- a x1. r n ·ta do fllh clurant algum t mpo após ter vindo ao
ficência, em primeiro lugar par~l com os indivíduo · em segun- m_undo, depenei int ]Jamente do cuidado dos pais; a dos pais
do lugar, para com as sociedades. nao depende naturalmente do culdad dos filhos. Aos olhos
Ver-se-á que a mesma sabedoria infalível, que regula todos da natureza, ao que parece, uma criança é um objeto mais im-
os outros elementos da conduta da natureza, orienta também p.ortante ~o q~e um ancião, e suscita uma simpatia bem mais
nesse aspecto a ordem de suas recomendações, as quais são v1va e ma1s umversal. E deveria realmente ser assim. Da crian-
sempre mais fortes ou mais fracas, à proporção que nossa be- ça tudo se P?de esperar; ou ao menos desejar. Em situações
c~muns, m~1~o pouco p~d e-se esperar ou desejar de um an-
neficência seja mais ou menos necessária, ou possa ser mais
elao ..A fragilidade da in fâ nc:;ia interessa aos afetos dos mais
ou menos útil. brutaiS e duros de coração. E somente aos virtuosos e huma-
nos que as fraquezas da velhice não são objeto de desprezo
e aversã . Em ·on_1uns, quand um andão morre poucos
CAPÍTIJLO I
~ lamentam multo. Dlll 1Im nte qu·mdo m rre uma criança não
Da ordem em que indivíduos são recomendados por
fica desrJO a do C< ra ão Ie algu -m.
natureza aos nossos cuidados e atenção
As primeiras amizades, as amizades naturalmente contraí-
das quando o coração é mais suscetível desse sentimento são
Como costumavam dizer os Estóicos, todo homem é pri- aquelas entre irmãos e irmãs. Enquanto permanecem na :Ues-
meiro e principalmente recomendado a seu próprio cuidado: ma ~a~ília, sua concordância é necessária para tranqüilidade
e todo homem é certamente, em todos os aspectos, mais ade- e feliCidade desta. São capazes de dar mais prazer e dor uns aos
q uado e capaz d cuidar de si mt:sm do JU Jllalquer utra outros do que à maior parte das outras pessoas. Sua situação
pe soa. 1'"od h mem s nte s us próprios prazeres e d r mais to~n~ a sua simpatia mútua de extrema importância para sua
intensa me nte d que o d outra pe · oas. As prim iras são as felic1dade comum; e, pela sabedoria da natureza, a mesma si-
sen ·a es o riginai , as úlUma ·, imag ns refi tidas slmpftlicas, tuação, ao obrigá-los a se acomodarem uns aos outros torna
de ·sas en ·a ·ões. A<> pdm iras p dem s r diw a substância, as essa simpatia mais habitual e por isso mais viva mais clistinta
outras, a . o mbra. e mais determinada . '
Depoi de si mesmo, os m m r s de sua família, os que . Os filhos de irmãos e ilmãs são naturalmente unidos pela
hal)itualmeote vivem em sua ca ·a, seus pais, filhos, irmãos e am1zade que, depois de se separarem em diferentes famílias
irmãs, são naturalmente objer · de seus mais cálidos afetos. continua a existir entre seus pais. Sua concordância aument~
São natural e comumente ·~s p ssoas sobre cuja felicidade ou o prazer dessa amizade, sua discórdia o perturbaria. Embora
desgraça a sua < nduta deve ter maior influência. Está mais
habituado a simpati zar com elas; conhece melhor como pro-
vavelmente tudo as afetará, e sua simpatia por elas é mais pre- • TSM, Parte III, Cap. Ill, p. 171. (N. da R. T.)
TEORIA DOS SEN11MENTOS MORAIS SEXTA PARTE 275
274
at nção, - s mpr muito resp itãv ~ alé v ne rãvel p r ·i mes- cisa e determinada, do que pode ser com a maior parte das ou-
mo, !Lfí ·ilmentc: leixa d ·er a mpanhado d muitas ou tras t~as pessoas. Em suma, é mais próxima do que ele sente or
vinu les, a mo granel sentimentos para com utras p . s as, s1 mesmo. P
grande humanidade e grande benevolêuda. Trata-se d um ·a- Adem~i.s, essa sim~atia, e a a~ i es nela fundadas, por
ráter suficientemente compreendido e por isso não exige ex- natureza dmgem-se ma1s inten amente para os seus filhos do
plicação suplementar. Nesta seção, apenas procurarei expli- que para se~1s ?a.is, e ~u a ternura pelos primei ros pa re m
car o fundamento dessa ordem que a Natureza parece ter tra- g _raJ um prU: 1p10 rmus ativo do que sua reverência gr:ui-
çado para a distribui "ào dos n ss · b n s rvi os ou para da .P I . p~u s. N natural estado de coisas, j6 se observou•,
direção e emprego d nossos l!mltadís. im p deres de be ne- a x1. r n ·ta do fllh clurant algum t mpo após ter vindo ao
ficência, em primeiro lugar par~l com os indivíduo · em segun- m_undo, depenei int ]Jamente do cuidado dos pais; a dos pais
do lugar, para com as sociedades. nao depende naturalmente do culdad dos filhos. Aos olhos
Ver-se-á que a mesma sabedoria infalível, que regula todos da natureza, ao que parece, uma criança é um objeto mais im-
os outros elementos da conduta da natureza, orienta também p.ortante ~o q~e um ancião, e suscita uma simpatia bem mais
nesse aspecto a ordem de suas recomendações, as quais são v1va e ma1s umversal. E deveria realmente ser assim. Da crian-
sempre mais fortes ou mais fracas, à proporção que nossa be- ça tudo se P?de esperar; ou ao menos desejar. Em situações
c~muns, m~1~o pouco p~d e-se esperar ou desejar de um an-
neficência seja mais ou menos necessária, ou possa ser mais
elao ..A fragilidade da in fâ nc:;ia interessa aos afetos dos mais
ou menos útil. brutaiS e duros de coração. E somente aos virtuosos e huma-
nos que as fraquezas da velhice não são objeto de desprezo
e aversã . Em ·on_1uns, quand um andão morre poucos
CAPÍTIJLO I
~ lamentam multo. Dlll 1Im nte qu·mdo m rre uma criança não
Da ordem em que indivíduos são recomendados por
fica desrJO a do C< ra ão Ie algu -m.
natureza aos nossos cuidados e atenção
As primeiras amizades, as amizades naturalmente contraí-
das quando o coração é mais suscetível desse sentimento são
Como costumavam dizer os Estóicos, todo homem é pri- aquelas entre irmãos e irmãs. Enquanto permanecem na :Ues-
meiro e principalmente recomendado a seu próprio cuidado: ma ~a~ília, sua concordância é necessária para tranqüilidade
e todo homem é certamente, em todos os aspectos, mais ade- e feliCidade desta. São capazes de dar mais prazer e dor uns aos
q uado e capaz d cuidar de si mt:sm do JU Jllalquer utra outros do que à maior parte das outras pessoas. Sua situação
pe soa. 1'"od h mem s nte s us próprios prazeres e d r mais to~n~ a sua simpatia mútua de extrema importância para sua
intensa me nte d que o d outra pe · oas. As prim iras são as felic1dade comum; e, pela sabedoria da natureza, a mesma si-
sen ·a es o riginai , as úlUma ·, imag ns refi tidas slmpftlicas, tuação, ao obrigá-los a se acomodarem uns aos outros torna
de ·sas en ·a ·ões. A<> pdm iras p dem s r diw a substância, as essa simpatia mais habitual e por isso mais viva mais clistinta
outras, a . o mbra. e mais determinada . '
Depoi de si mesmo, os m m r s de sua família, os que . Os filhos de irmãos e ilmãs são naturalmente unidos pela
hal)itualmeote vivem em sua ca ·a, seus pais, filhos, irmãos e am1zade que, depois de se separarem em diferentes famílias
irmãs, são naturalmente objer · de seus mais cálidos afetos. continua a existir entre seus pais. Sua concordância aument~
São natural e comumente ·~s p ssoas sobre cuja felicidade ou o prazer dessa amizade, sua discórdia o perturbaria. Embora
desgraça a sua < nduta deve ter maior influência. Está mais
habituado a simpati zar com elas; conhece melhor como pro-
vavelmente tudo as afetará, e sua simpatia por elas é mais pre- • TSM, Parte III, Cap. Ill, p. 171. (N. da R. T.)
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEXTA PARTE 277
276
sejam mais important s uns para utros do qu~ para a ma i - do seu afeto. Entre os reverentes e virtuosos, porém, o respeito
ria das outras pes us, uma vez que raram nte v1v m na mes- pela regra geral freqü entemente proclu zirú algo que, embora
ma família, são bem menos importantes do que itm os · irmãs. de modo algum idêntico, pode ser muito parecido aos afetos
Como sua simpatia mútua é menos necessária, também é me- naturais. Me~mo durante a separação, o pai e o filho, os irmãos
nos habitual, e por isso proporcionalmente mais fraca. e irmãs, não são de modo algum indiferentes uns aos outros.
os filhos de primos, sendo ainda menos unidos, têm ain- Todos consideram-se pessoas a quem e de quem se devem cer-
da menos importância uns para os outros; e o afeto diminui tos afetos, e vivem na esperança de poder alguma vez usufruir
gradualmente na medida em que a relação se torna mais e essa amizade que naturalmente deveria ter sucedido entre pes-
mais remota. soas tão próximas. Até se encontrarem, o filho ausente, o irmão
O que se chama afeição nada é, na realidade, senão sim- ausente, são amiúde o filho ou o irmão favorito . Nunca ofen-
patia habitual. Nossa preocup·'l ;o pela feli idad u desgraça deram, ou, se o fizeram, foi há tanto tempo, que a ofensa foi es-
dos que são objetos do que hamamo nossos af t ; nosso de- quecida como uma brincadeira infantil que não vale a pena lem-
sejo de promov r uma e evitar a outra, são o real e ntimento brar. Todos os relatos que ouviram um do outro, se transmitidos
dessa simpatia habitual, ou as cons qüências neces áda. de - por pessoas de índole toleravelmente boa, foram extremamente
se sentimento. Estando os parenL s u ' ua lmente colo a lo em lisonjeiros e favoráveis. O filho ausente, o irmão ausente, não
situações que naturalmente criam essa habitual simpatia, espe- são como os filhos e irmãos comuns, mas um filho perfeito, um
ra-se que um grau adequado de afeto ocorra ntr eles. Geral- perfeito irmão; e cultivam-se as mais românticas esperanças
mente descobrimos que de fato isso ocorre; portanto, natural- da felicidade a se fruir com a amizade e convívio dessas pes-
mente esperamos que ocorra sempre, e por tal razão nos per- soas. Não raro, quando se encontram, têm tão fotte disposição
turba descobrir, em qualquer ocasião, que não é assim. Há uma de conceber a simpatia habitual que constitui o afeto familiar,
regra geral estabelecida, de que p ss as aparentadas em cer- que tendem a imaginar tê-la realmente concebido, pottando-se
to grau deveriam sempr ser afetada uma pelas outras de certo mutuamente como se isso fosse verdade. Receio, porém, que o
modo, e de que há sempre a maior inconveniência, e por ve- tempo e a experiência com muita freqüência os desiluda. Após
zes até uma espécie de impiedade, em serem afetadas de mo- maior convívio familiar, não é raro descobrirem um no outro há-
dos diferentes. Um pai sem afeto paterno, um filho que carece bitos, humores e inclinações diferentes dos que esperavam, e
de toda a reverência filial, revelam-se monstruosos, objetos não aos quais, por falta de simpatia habitual, por falta do real princí-
apenas de ódio, mas de horror. pio e fundamento do que se chama propriamente afeto familiar,
Embora num caso particular as circunstâncias que comu- não conseguem agora facilmente se acomodar. Nunca viveram
mente produzem esses afetos naturais, como são chamados, na situação que quase necessariamente força a fácil acomoda-
possam por algu m acidente não ter rrido, m certa m clida ção, e, embora possam desejar agora sinceramente adotá-la,
o r speiLo pela r gra geral com freqüência pr enche o seu lugar, tornaram-se realmente incapazes de fazer isso. Sua convivên-
produzindo algo que, posto qu não seja inteiram ate igual, cia e trato familiar logo se tornam menos agradáveis para
pode guardar, todavia, bastant em lhança com aqueles afe- eles, e, por esse motivo, menos freqüentes. Podem continuar a
tos. Um pai tende a ser menos afeiçoado a um filho de quem, viver um com o outro, retribuindo-se mutuamente todos os bons
por acidente, tenha-se separado desde a infãnda, qu não serviços essenciais, e com todas as manifestações externas de
retorne a ele senão depois de se ter tornad ho m. m fe ito. decente respeito. Contudo, essa satisfação cordial, essa deliciosa
pai tende a sentir menor ternura paternal p l filh ; o fil ho, 11e- simpatia, essa abertura e informalidade confidenciais, que natu-
nos reverência filial pelo pai. Irmãos e lnnãs, quand educa- ralmente têm lugar no convívio dos que viveram por muito
dos ~m países distantes, tendem a sentir uma redução similar tempo em família , raramente podem usufruir por completo.
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEXTA PARTE 277
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sejam mais important s uns para utros do qu~ para a ma i - do seu afeto. Entre os reverentes e virtuosos, porém, o respeito
ria das outras pes us, uma vez que raram nte v1v m na mes- pela regra geral freqü entemente proclu zirú algo que, embora
ma família, são bem menos importantes do que itm os · irmãs. de modo algum idêntico, pode ser muito parecido aos afetos
Como sua simpatia mútua é menos necessária, também é me- naturais. Me~mo durante a separação, o pai e o filho, os irmãos
nos habitual, e por isso proporcionalmente mais fraca. e irmãs, não são de modo algum indiferentes uns aos outros.
os filhos de primos, sendo ainda menos unidos, têm ain- Todos consideram-se pessoas a quem e de quem se devem cer-
da menos importância uns para os outros; e o afeto diminui tos afetos, e vivem na esperança de poder alguma vez usufruir
gradualmente na medida em que a relação se torna mais e essa amizade que naturalmente deveria ter sucedido entre pes-
mais remota. soas tão próximas. Até se encontrarem, o filho ausente, o irmão
O que se chama afeição nada é, na realidade, senão sim- ausente, são amiúde o filho ou o irmão favorito . Nunca ofen-
patia habitual. Nossa preocup·'l ;o pela feli idad u desgraça deram, ou, se o fizeram, foi há tanto tempo, que a ofensa foi es-
dos que são objetos do que hamamo nossos af t ; nosso de- quecida como uma brincadeira infantil que não vale a pena lem-
sejo de promov r uma e evitar a outra, são o real e ntimento brar. Todos os relatos que ouviram um do outro, se transmitidos
dessa simpatia habitual, ou as cons qüências neces áda. de - por pessoas de índole toleravelmente boa, foram extremamente
se sentimento. Estando os parenL s u ' ua lmente colo a lo em lisonjeiros e favoráveis. O filho ausente, o irmão ausente, não
situações que naturalmente criam essa habitual simpatia, espe- são como os filhos e irmãos comuns, mas um filho perfeito, um
ra-se que um grau adequado de afeto ocorra ntr eles. Geral- perfeito irmão; e cultivam-se as mais românticas esperanças
mente descobrimos que de fato isso ocorre; portanto, natural- da felicidade a se fruir com a amizade e convívio dessas pes-
mente esperamos que ocorra sempre, e por tal razão nos per- soas. Não raro, quando se encontram, têm tão fotte disposição
turba descobrir, em qualquer ocasião, que não é assim. Há uma de conceber a simpatia habitual que constitui o afeto familiar,
regra geral estabelecida, de que p ss as aparentadas em cer- que tendem a imaginar tê-la realmente concebido, pottando-se
to grau deveriam sempr ser afetada uma pelas outras de certo mutuamente como se isso fosse verdade. Receio, porém, que o
modo, e de que há sempre a maior inconveniência, e por ve- tempo e a experiência com muita freqüência os desiluda. Após
zes até uma espécie de impiedade, em serem afetadas de mo- maior convívio familiar, não é raro descobrirem um no outro há-
dos diferentes. Um pai sem afeto paterno, um filho que carece bitos, humores e inclinações diferentes dos que esperavam, e
de toda a reverência filial, revelam-se monstruosos, objetos não aos quais, por falta de simpatia habitual, por falta do real princí-
apenas de ódio, mas de horror. pio e fundamento do que se chama propriamente afeto familiar,
Embora num caso particular as circunstâncias que comu- não conseguem agora facilmente se acomodar. Nunca viveram
mente produzem esses afetos naturais, como são chamados, na situação que quase necessariamente força a fácil acomoda-
possam por algu m acidente não ter rrido, m certa m clida ção, e, embora possam desejar agora sinceramente adotá-la,
o r speiLo pela r gra geral com freqüência pr enche o seu lugar, tornaram-se realmente incapazes de fazer isso. Sua convivên-
produzindo algo que, posto qu não seja inteiram ate igual, cia e trato familiar logo se tornam menos agradáveis para
pode guardar, todavia, bastant em lhança com aqueles afe- eles, e, por esse motivo, menos freqüentes. Podem continuar a
tos. Um pai tende a ser menos afeiçoado a um filho de quem, viver um com o outro, retribuindo-se mutuamente todos os bons
por acidente, tenha-se separado desde a infãnda, qu não serviços essenciais, e com todas as manifestações externas de
retorne a ele senão depois de se ter tornad ho m. m fe ito. decente respeito. Contudo, essa satisfação cordial, essa deliciosa
pai tende a sentir menor ternura paternal p l filh ; o fil ho, 11e- simpatia, essa abertura e informalidade confidenciais, que natu-
nos reverência filial pelo pai. Irmãos e lnnãs, quand educa- ralmente têm lugar no convívio dos que viveram por muito
dos ~m países distantes, tendem a sentir uma redução similar tempo em família , raramente podem usufruir por completo.
278 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEXTA PARTE 279
Todavia, ~ ap na/1 entr s reverentes e os virt1.1osos que entre pais e fill1 , irmãos e irmãs. Imaginar qualquer mi ·terioso
a regra g r-al l!xer ua frágil autoridad . Entre s dissipad . afeto entre primos, ou até entre tias ou tios, sobrinhos ou s bii-
os libt:Jtinos os vad ios, é inteirament desr speitada . .~ t:lo t o nhas seria bastante ridículo.
longe de a respeitar, que muitas vezes só falam dela com o mais Nas regiões pastoris, e em todas as outras onde a autori-
indecente escá rnio; e uma separação precoce e longa dessa es- dade da lei não é sufi ·ente para garantir perfeita segurança a
péd nunca deixa de apartá-i s completament uns dos utr s. cada membro do Estado, todos os diferentes ramos da mesma
Enu· rai pessoas, o respeito p la r gr::t geral pode, quand família comumente escolhem morar uns na vizinhança dos ou-
muito, produ zir uma civilidad fria afet·tda (uma sem lban- tros. • ua ass ia ão é freqü ntem nte necessária para sua de-
ça muito fi ,gil com o v~rdadeir resp ito), llss a mais in- fesa omum. s- o todos, dos su r eri res aos inferiores, de maior
ignifica nte ofensa, a m nor oposi ·âo d ou menor importância uns para os outros. Sua concórdia for-
A ec.luca :ão le meninos em grand . talece sua associação necessária, sua discórdia sempre a enfra-
rapazes em fa uldacle istantes, de jov n clama em internatos quece e pode destruí-la. Têm mais trato uns com os outros do
ou conventos Llie;tantes, pare ter pr judi ado, tla sua mais pro- que com membros de qualquer outra tribo. Os mais remotos
funda essência, a moral doméstica das camadas sociais mais membros da mesma tribo reclamam algum laço entre si; e quan-
altas, e conseqüentemente a felicidade doméstica, tanto na Fran- do todas as circunstâncias são iguais, esperam ser tratados com
ça, como na Inglaterra. Desejas educar teus filhos para serem aten ~.o mais distinta. do que a devida aos que não têm tais pr -
reverentes com seus pais, bondosos e afeiçoados com seus ir- t nsões. Não faz mu.íto anos que, nas Highlands da E ó ·j, 1•
mãos e irmãs? Coloca-lhes a necessidade de serem filhos reve- chefe costumava ·onsid rar homem mais pobre de se 1 ·HÍ
rentes, de serem irmãos e irmãs afetuosos e bondosos: educa-os como_ seu primo e parente. Dizem que a mesma ampla ·onsi-
em tua própria casa. Com conv niê.ncia e :mtagem podem dei- deraçao com parentesco ocorre entre os tártaros, os árabes, os
xar todos os dias a casa paterna para freq üentar escolas públi- tu r oma no , , c r i. eu, ntr todas as d mal. na ões qu es-
cas, contanto que sua morada sempre seja o lar. O respeito por tã quas na mesma :ítua ão cíal em q1.1 o e. coces s das
ti sempre deve impor uma restrição muito útil sobre sua con- Higbland · encontravam no om ç leste sé ·ulo.
duta, e o respeito por eles pode freqüentemente impor uma res- Nas regiões comerciais, onde a autoridade da lei é sempre
trição não menos útil sobre a tua. Certamente nenhuma aqui- perfeitamente suficiente para proteger o mais humilde dos ho-
sição que possivelmente resulta do que se chama educação mens do Estado, os descendentes da mesma família, não ten-
pública compensa de alguma maneira o que quase certa e ne- do ~al m tivo para manter-se juntos, natu ralmente se separam
cessariamente se perde com ela. A educação doméstica é a ins- e dtspersam conforme os conduzem imcresses ou inclinaçõe .
tituição da natureza, a educação pública, a invenção do ho- Em breve deixam de ser importantes uns para os outros, e em
mem. Decerto é desnecessário dizer qual provavelmente será poucas gerações não apenas perdem todo o cuidado uns pe-
a mais sábia. los outros, mas toda a lembrança de sua origem comum, e do
Em algumas lmgédias e romances, encontramos várias ce- laço que havia entre seus ancestrais. O respeito por parentes dis-
nas bebs e interessantes, fundadas sobre o que se chama a força tantes torna-se cada vez menor em toda região, conforme esse
do sangue, ou sobre a maravilhosa afeição qu· deveriam os pa- estad de civilização estiver estabelecido há mais tempo e de
rentes próximos conceber uns pelos outro , m smo antes de modo mais mpl to. Foi estabelecido há mais tempo e de mo-
1 saberem qLte mantinham tais laços. Receio, porém, que essa for-

' ça do sangue não exista senão em romances e tragédias. E até


' Região montanhosa no norte da Escócia, onde até o começo do sé-
mesmo em tragédias e romances supõe-se que nunca ocorra cu.lo XVIII ?sceltas continuavam a se reunir em clãs e a ter o gaélico como
entre parentes, senão os naturalmente criados na mesma casa: Idioma, resiStindo ao domínio inglês. (N. da R. T.)
278 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEXTA PARTE 279
Todavia, ~ ap na/1 entr s reverentes e os virt1.1osos que entre pais e fill1 , irmãos e irmãs. Imaginar qualquer mi ·terioso
a regra g r-al l!xer ua frágil autoridad . Entre s dissipad . afeto entre primos, ou até entre tias ou tios, sobrinhos ou s bii-
os libt:Jtinos os vad ios, é inteirament desr speitada . .~ t:lo t o nhas seria bastante ridículo.
longe de a respeitar, que muitas vezes só falam dela com o mais Nas regiões pastoris, e em todas as outras onde a autori-
indecente escá rnio; e uma separação precoce e longa dessa es- dade da lei não é sufi ·ente para garantir perfeita segurança a
péd nunca deixa de apartá-i s completament uns dos utr s. cada membro do Estado, todos os diferentes ramos da mesma
Enu· rai pessoas, o respeito p la r gr::t geral pode, quand família comumente escolhem morar uns na vizinhança dos ou-
muito, produ zir uma civilidad fria afet·tda (uma sem lban- tros. • ua ass ia ão é freqü ntem nte necessária para sua de-
ça muito fi ,gil com o v~rdadeir resp ito), llss a mais in- fesa omum. s- o todos, dos su r eri res aos inferiores, de maior
ignifica nte ofensa, a m nor oposi ·âo d ou menor importância uns para os outros. Sua concórdia for-
A ec.luca :ão le meninos em grand . talece sua associação necessária, sua discórdia sempre a enfra-
rapazes em fa uldacle istantes, de jov n clama em internatos quece e pode destruí-la. Têm mais trato uns com os outros do
ou conventos Llie;tantes, pare ter pr judi ado, tla sua mais pro- que com membros de qualquer outra tribo. Os mais remotos
funda essência, a moral doméstica das camadas sociais mais membros da mesma tribo reclamam algum laço entre si; e quan-
altas, e conseqüentemente a felicidade doméstica, tanto na Fran- do todas as circunstâncias são iguais, esperam ser tratados com
ça, como na Inglaterra. Desejas educar teus filhos para serem aten ~.o mais distinta. do que a devida aos que não têm tais pr -
reverentes com seus pais, bondosos e afeiçoados com seus ir- t nsões. Não faz mu.íto anos que, nas Highlands da E ó ·j, 1•
mãos e irmãs? Coloca-lhes a necessidade de serem filhos reve- chefe costumava ·onsid rar homem mais pobre de se 1 ·HÍ
rentes, de serem irmãos e irmãs afetuosos e bondosos: educa-os como_ seu primo e parente. Dizem que a mesma ampla ·onsi-
em tua própria casa. Com conv niê.ncia e :mtagem podem dei- deraçao com parentesco ocorre entre os tártaros, os árabes, os
xar todos os dias a casa paterna para freq üentar escolas públi- tu r oma no , , c r i. eu, ntr todas as d mal. na ões qu es-
cas, contanto que sua morada sempre seja o lar. O respeito por tã quas na mesma :ítua ão cíal em q1.1 o e. coces s das
ti sempre deve impor uma restrição muito útil sobre sua con- Higbland · encontravam no om ç leste sé ·ulo.
duta, e o respeito por eles pode freqüentemente impor uma res- Nas regiões comerciais, onde a autoridade da lei é sempre
trição não menos útil sobre a tua. Certamente nenhuma aqui- perfeitamente suficiente para proteger o mais humilde dos ho-
sição que possivelmente resulta do que se chama educação mens do Estado, os descendentes da mesma família, não ten-
pública compensa de alguma maneira o que quase certa e ne- do ~al m tivo para manter-se juntos, natu ralmente se separam
cessariamente se perde com ela. A educação doméstica é a ins- e dtspersam conforme os conduzem imcresses ou inclinaçõe .
tituição da natureza, a educação pública, a invenção do ho- Em breve deixam de ser importantes uns para os outros, e em
mem. Decerto é desnecessário dizer qual provavelmente será poucas gerações não apenas perdem todo o cuidado uns pe-
a mais sábia. los outros, mas toda a lembrança de sua origem comum, e do
Em algumas lmgédias e romances, encontramos várias ce- laço que havia entre seus ancestrais. O respeito por parentes dis-
nas bebs e interessantes, fundadas sobre o que se chama a força tantes torna-se cada vez menor em toda região, conforme esse
do sangue, ou sobre a maravilhosa afeição qu· deveriam os pa- estad de civilização estiver estabelecido há mais tempo e de
rentes próximos conceber uns pelos outro , m smo antes de modo mais mpl to. Foi estabelecido há mais tempo e de mo-
1 saberem qLte mantinham tais laços. Receio, porém, que essa for-

' ça do sangue não exista senão em romances e tragédias. E até


' Região montanhosa no norte da Escócia, onde até o começo do sé-
mesmo em tragédias e romances supõe-se que nunca ocorra cu.lo XVIII ?sceltas continuavam a se reunir em clãs e a ter o gaélico como
entre parentes, senão os naturalmente criados na mesma casa: Idioma, resiStindo ao domínio inglês. (N. da R. T.)
280 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEXTA PARTE 281
do mais completo na Inglaterra do que na Escócia, e os paren- of< ndid . Os vix.inh · pod m ser muito ' · JW nien.tes, e podem
tes distantes, por conseguinte, são muito mais considerados nes- causar muitos rroblemas uns para os outros. S forem boas pes-
te último país do que no primeiro, embora a esse respeito a di- soa , são naturalme nte inclinado. a con ordar. Esp ramos sua
ferença entre os dois países esteja-se reduzindo a cada dia. Com concordância, pois s~ r um mau vizinho ' uma característica
efeito em toda região os grandes senhores orgulham-se de re- muito ruim. Assim, reconhece-se universalmente que um vi-
corda~ e reconhecer seus laços uns com os outros, por mais zinho tem a primazia de certos cargos, pequenos, mas bons,
remotos que sejam. Sua recordação de parentescos tão ilustres e não uma outra pessoa qualquer, que não mantém conosco
lisonjeia bastante o orgu lho familiar de todos eles, e n~ ~ por tal vínculo.
afeto, nem por algo semelhante a afeto, mas pela mat fnvol:l Essa disposição natural de acomodar e assimilar, na medida
e infantil das vaidades, que essa recordação é tão cuidadosa- do possível, nossos próprios sentimentos, princípios e emoções
mente cultivada. Se algum parente mais humilde, embora, tal- aos que vemos estabelecidos e enraizados nas pessoas com
vez, muito mais próximo, aventura-se a relembrar a esses ho- quem temos a obrigação de conviver e conversar é a causa dos !
mens eminentes sua relação com a família destes, raramente contagiosos efeitos da boa e da má companhia. O homem que
deixam de lhe dizer que são maus genealogistas, e muitíssimo se associa principalmente aos sábios e virtuosos, embora tal-
mal informados quanto à história de sua própria família. Re- vez não se torne nem sábio nem vituoso, não pode deixar de
ceio que nessa ordem não devamos esperar uma extraordinária conceber um certo resp lto, pelo menos pela sabedoria e pe-
ampliação do chamado afeto natural. . , la virtude; e o home m que se associa principalmente a liber-
Considero o chamado afeto natural antes o efetto do vm- ti nos e dlssolut >S embora wlvez n· <l se torne ele próprio J.i-
; culo moral entre pai e filho, do que do suposto vínculo físico. b nino dissoluto, em b r v d verá pelo menos perd ·r seu
: Na verdade, um marido ciumento, apesar dos laços morais, ape- h nnr original à libe~tinag m e â di. ' luçã dos c slun es. s
sar de ter sido o filho educado em sua casa, com freqüência vê meUmn a dos caracteres famili ar , s quai:-> v mos com tan-
com ódio e aversão a infeliz criança que supõe ser fruto de uma ta freq üência tmnsmitido através d várias g r·wõcs, talvez ·
infidelidade da esposa. Essa criança é a lembrança permanen- d ·va em p<llt a essa disposi "~ o de nos ass m lllarrn()s àque-
te da mais desagradável aventura, de sua própria desonra, e da 1 s m quem l m s a obri •a ·ào de viver e ·onversar. en-
desgraça de sua família. tanto, a característica familiar, como o semblante familiar, não
Entre as pessoas amáveis, a necessidade ou conveniência parec r int ira.m · nte devida ao vínculo moral, mas também
de acomodação recíproca muito freqüentemente produz uma m parte a víncu lo físico. É certo que o semblante fami liar s
amizade semelhante à que tem lugar entre os que nasceram pa- deve inteiramente ao último.
ra viver na mesma família. Colegas de ofício, parceiros de co- Mas de todas as a~ i s por um indivídú , a qu " se fun -
mércio, chamam-se irmãos, e muitas vezes sentem-se como se da inL iram e nte na eslima e aprovação da ua bo a nduta e
realmente o fossem. Sua concordância é vantajosa para todos comportamento, a que muita experiência e longo conhecimen-
e , se forem gente razoavelmente tolerante, são naturalmente to confirmam, sem dúvida é a mais respeitável. Tais amizades,
inclinados a concordar. Esperamos que façam isso, pois seu de- originando-se não de uma simpatia forçada, não de uma sim-
sacordo é uma espécie de pequeno escândalo. Os romanos ex- patia que se ostenta e se torna habitual pelo bem da conveniên-
pressavam esse tipo de afeição com a palavra necessitudo, que, cia e da acomodação, mas de uma simpatia natural, de um sen-
pela etimologia, parece denotar que era imposta pela neces- timento involuntário de que as pessoas a quem nos afeiçoamos
sidade da situação. são objetos próprios e naturais de estima e aprovação, podem
Até as triviais circunstâncias de viver na mesma vizinhan- existir somente entre homens de virtude. Apenas homens de vir-
ça produzem efeito semelhante. Respeitamos o rosto de um tude podem sentir inteira confiança na conduta e comporta-
homem a quem vemos todo dia, desde que nunca nos tenha mento uns dos outros, pois isso lhes assegura a todo momen-
280 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEXTA PARTE 281
do mais completo na Inglaterra do que na Escócia, e os paren- of< ndid . Os vix.inh · pod m ser muito ' · JW nien.tes, e podem
tes distantes, por conseguinte, são muito mais considerados nes- causar muitos rroblemas uns para os outros. S forem boas pes-
te último país do que no primeiro, embora a esse respeito a di- soa , são naturalme nte inclinado. a con ordar. Esp ramos sua
ferença entre os dois países esteja-se reduzindo a cada dia. Com concordância, pois s~ r um mau vizinho ' uma característica
efeito em toda região os grandes senhores orgulham-se de re- muito ruim. Assim, reconhece-se universalmente que um vi-
corda~ e reconhecer seus laços uns com os outros, por mais zinho tem a primazia de certos cargos, pequenos, mas bons,
remotos que sejam. Sua recordação de parentescos tão ilustres e não uma outra pessoa qualquer, que não mantém conosco
lisonjeia bastante o orgu lho familiar de todos eles, e n~ ~ por tal vínculo.
afeto, nem por algo semelhante a afeto, mas pela mat fnvol:l Essa disposição natural de acomodar e assimilar, na medida
e infantil das vaidades, que essa recordação é tão cuidadosa- do possível, nossos próprios sentimentos, princípios e emoções
mente cultivada. Se algum parente mais humilde, embora, tal- aos que vemos estabelecidos e enraizados nas pessoas com
vez, muito mais próximo, aventura-se a relembrar a esses ho- quem temos a obrigação de conviver e conversar é a causa dos !
mens eminentes sua relação com a família destes, raramente contagiosos efeitos da boa e da má companhia. O homem que
deixam de lhe dizer que são maus genealogistas, e muitíssimo se associa principalmente aos sábios e virtuosos, embora tal-
mal informados quanto à história de sua própria família. Re- vez não se torne nem sábio nem vituoso, não pode deixar de
ceio que nessa ordem não devamos esperar uma extraordinária conceber um certo resp lto, pelo menos pela sabedoria e pe-
ampliação do chamado afeto natural. . , la virtude; e o home m que se associa principalmente a liber-
Considero o chamado afeto natural antes o efetto do vm- ti nos e dlssolut >S embora wlvez n· <l se torne ele próprio J.i-
; culo moral entre pai e filho, do que do suposto vínculo físico. b nino dissoluto, em b r v d verá pelo menos perd ·r seu
: Na verdade, um marido ciumento, apesar dos laços morais, ape- h nnr original à libe~tinag m e â di. ' luçã dos c slun es. s
sar de ter sido o filho educado em sua casa, com freqüência vê meUmn a dos caracteres famili ar , s quai:-> v mos com tan-
com ódio e aversão a infeliz criança que supõe ser fruto de uma ta freq üência tmnsmitido através d várias g r·wõcs, talvez ·
infidelidade da esposa. Essa criança é a lembrança permanen- d ·va em p<llt a essa disposi "~ o de nos ass m lllarrn()s àque-
te da mais desagradável aventura, de sua própria desonra, e da 1 s m quem l m s a obri •a ·ào de viver e ·onversar. en-
desgraça de sua família. tanto, a característica familiar, como o semblante familiar, não
Entre as pessoas amáveis, a necessidade ou conveniência parec r int ira.m · nte devida ao vínculo moral, mas também
de acomodação recíproca muito freqüentemente produz uma m parte a víncu lo físico. É certo que o semblante fami liar s
amizade semelhante à que tem lugar entre os que nasceram pa- deve inteiramente ao último.
ra viver na mesma família. Colegas de ofício, parceiros de co- Mas de todas as a~ i s por um indivídú , a qu " se fun -
mércio, chamam-se irmãos, e muitas vezes sentem-se como se da inL iram e nte na eslima e aprovação da ua bo a nduta e
realmente o fossem. Sua concordância é vantajosa para todos comportamento, a que muita experiência e longo conhecimen-
e , se forem gente razoavelmente tolerante, são naturalmente to confirmam, sem dúvida é a mais respeitável. Tais amizades,
inclinados a concordar. Esperamos que façam isso, pois seu de- originando-se não de uma simpatia forçada, não de uma sim-
sacordo é uma espécie de pequeno escândalo. Os romanos ex- patia que se ostenta e se torna habitual pelo bem da conveniên-
pressavam esse tipo de afeição com a palavra necessitudo, que, cia e da acomodação, mas de uma simpatia natural, de um sen-
pela etimologia, parece denotar que era imposta pela neces- timento involuntário de que as pessoas a quem nos afeiçoamos
sidade da situação. são objetos próprios e naturais de estima e aprovação, podem
Até as triviais circunstâncias de viver na mesma vizinhan- existir somente entre homens de virtude. Apenas homens de vir-
ça produzem efeito semelhante. Respeitamos o rosto de um tude podem sentir inteira confiança na conduta e comporta-
homem a quem vemos todo dia, desde que nunca nos tenha mento uns dos outros, pois isso lhes assegura a todo momen-
282 TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS SEXTA PARTE 283

to que jamais se fe nd 1•â ou serão ofendidos mutuamc:nt! . A seguir às pessoas que são recomendadas a nossa bene-
o vício é sempre aprichoso, só a virtude é regular e ordena- ficência ou por seu vínculo conosco, ou por suas qualidades :
da. Uma vez que a afeição fundada no amor da virtude é cer- pessoais, ou ainda por seus serviços passados, vêm as indica- :
tamente a mais virtuosa das afeições, é, portanto, também a das, não de fato para o que se chama nossa amizade, mas para
mais feliz, bem como a mais permanente e mais segura. Tais nossa atenção benevolente e bons serviços, os que se distin- ·
amizades não precisam se confinar a uma só pessoa, ao con- guem pela sua situação extraordinária -demasiadamente afor-
trário, podem abarcar com segurança todos os sábios e os vir- tunados e demasiadamente infortunados, os ricos e poderosos
tuosos com quem estamos longa e intimamente familiarizados, e os pobres e desgraçados. A distinção em estratos, a paz e or- .
e em cuja sabedoria e bondade podemos, por essa razão, con- dem da sociedade, estão em grande medida fundadas sobre o
fiar inteiramente. Os que desejariam confinar a amizade a duas respeito que naturalmente concebemos pelos primeiros. O alí-
pessoas parecem confundir a sábia segurança da amizade com vio e consolo da miséria humana dependem inteiramente da
o ciúme e a insensatez do amor. As intimidades precipitadas, nossa compaixão pelos últimos. Mas a paz e a ordem da so- ~.,
ingênuas e tolas dos jovens, fundadas de praxe numa frágil se- ciedade são ainda mais importantes que o alívio dos miseráveis. ' 1
melhança de caráter que não mantém relação alguma com a Nosso respeito pelos eminentes, portanto, é mais capaz de ofen-
boa conduta, talvez num gosto pelos mesmos estudos, mesmas der pelo excesso, e a nossa solidariedade pelos miseráveis, pe-
diversões, mesmas distrações, ou em sua concordância quanto la falta. Os moralistas nos exortam à caridade e à compaixão,
a algum princípio ou opinião singular que não os comumente advertem-nos contra a fascinação da grandeza. Com efeito, essa
adotados; aquelas intimidades que uma extravagância inicia,
fascinação é tão poderosa que os ricos e eminentes com exces-
e a que uma extravagância põe fim, por mais agradáveis que
siva freqüência são preferidos aos sábios e virtuosos. A natu- ·
possam aparentar enquanto duram, de modo algum merecem
reza julgou sabiamente que a distinção em estratos, a paz e a
o nome sagrado e venerável de amizade.
ordem da sociedade, repousariam mais seguramente sobre a
Porém, de todas as pessoas que a natureza indica para nos-
sa peculiar beneficência, não há nenhuma a quem esta -pare- clara e palpável diferença de nascimento e fortuna do que so-
ça mais adequadamente se dirigir do que àquelas de cuja be- bre a diferença invisível, e muitas vezes incerta, de sabedoria
neficência já tivemos experiência. A natureza, que formou os e virtude. Os olhos indiscerníveis da grande populaça podem
homens para aquela bondade recíproca tão necessária para a bem perceber os primeiros, mas é com dificuldade que o bom
sua felicidade, torna todo homem objeto peculiar de bondade discernimento dos sábios e virtuosos pode às vezes distinguir
para pessoas para quem ele mesmo já foi bondoso. Embora a os últimos. Na ordem de todas essas recomendações, fica igual-
gratidão dessas pessoas nem sempre corresponda à sua bene- mente evidente a benevolente sabedoria da natureza.
ficência, o senso de seu mérito e a solidária gratidão do espec- Talvez seja desnecessário observar que a combinação de
tador imparcial sempre corresponderão. A indignação geral de duas ou mais dessas causas motrizes de bondade aumenta a
outras pessoas contra a baixeza dessa ingratidão por vezes até bondade. O favor e parcialidade que naturalmente concebemos
aumentará o senso geral de seu mérito. Nunca um homem be- pela eminência, quando não há inveja no caso, aumentam mui-
nevolente perdeu todos os frutos de sua benevolência. Se nem to se unidos à sabedoria e virtude. Se, malgrado essa sabedo-
sempre os colhe das pessoas de quem deveria colhê-los, rara- ria e virtude, o homem eminente se precipita num desses infor-
mente deixa de os colher dez vezes mais de outras pessoas. túnios, perigos e aflições, a que os de posição elevada são com
Bondade gera bondade; e, se ser amado por nossos irmãos é o freqüência os mais expostos, interessa-nos muito mais profun-
grande objeto de nossa ambição, o caminho mais certo para damente sua fortuna do que a de uma pessoa igualmente vir-
alcançá-lo será mostrar, por intermédio de nossa conduta, que tuosa, mas de situação mais humilde. Os mais interessantes te-
realmente os amamos. mas de tragédias e romances são os infmtúnios de reis e prín-
282 TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS SEXTA PARTE 283

to que jamais se fe nd 1•â ou serão ofendidos mutuamc:nt! . A seguir às pessoas que são recomendadas a nossa bene-
o vício é sempre aprichoso, só a virtude é regular e ordena- ficência ou por seu vínculo conosco, ou por suas qualidades :
da. Uma vez que a afeição fundada no amor da virtude é cer- pessoais, ou ainda por seus serviços passados, vêm as indica- :
tamente a mais virtuosa das afeições, é, portanto, também a das, não de fato para o que se chama nossa amizade, mas para
mais feliz, bem como a mais permanente e mais segura. Tais nossa atenção benevolente e bons serviços, os que se distin- ·
amizades não precisam se confinar a uma só pessoa, ao con- guem pela sua situação extraordinária -demasiadamente afor-
trário, podem abarcar com segurança todos os sábios e os vir- tunados e demasiadamente infortunados, os ricos e poderosos
tuosos com quem estamos longa e intimamente familiarizados, e os pobres e desgraçados. A distinção em estratos, a paz e or- .
e em cuja sabedoria e bondade podemos, por essa razão, con- dem da sociedade, estão em grande medida fundadas sobre o
fiar inteiramente. Os que desejariam confinar a amizade a duas respeito que naturalmente concebemos pelos primeiros. O alí-
pessoas parecem confundir a sábia segurança da amizade com vio e consolo da miséria humana dependem inteiramente da
o ciúme e a insensatez do amor. As intimidades precipitadas, nossa compaixão pelos últimos. Mas a paz e a ordem da so- ~.,
ingênuas e tolas dos jovens, fundadas de praxe numa frágil se- ciedade são ainda mais importantes que o alívio dos miseráveis. ' 1
melhança de caráter que não mantém relação alguma com a Nosso respeito pelos eminentes, portanto, é mais capaz de ofen-
boa conduta, talvez num gosto pelos mesmos estudos, mesmas der pelo excesso, e a nossa solidariedade pelos miseráveis, pe-
diversões, mesmas distrações, ou em sua concordância quanto la falta. Os moralistas nos exortam à caridade e à compaixão,
a algum princípio ou opinião singular que não os comumente advertem-nos contra a fascinação da grandeza. Com efeito, essa
adotados; aquelas intimidades que uma extravagância inicia,
fascinação é tão poderosa que os ricos e eminentes com exces-
e a que uma extravagância põe fim, por mais agradáveis que
siva freqüência são preferidos aos sábios e virtuosos. A natu- ·
possam aparentar enquanto duram, de modo algum merecem
reza julgou sabiamente que a distinção em estratos, a paz e a
o nome sagrado e venerável de amizade.
ordem da sociedade, repousariam mais seguramente sobre a
Porém, de todas as pessoas que a natureza indica para nos-
sa peculiar beneficência, não há nenhuma a quem esta -pare- clara e palpável diferença de nascimento e fortuna do que so-
ça mais adequadamente se dirigir do que àquelas de cuja be- bre a diferença invisível, e muitas vezes incerta, de sabedoria
neficência já tivemos experiência. A natureza, que formou os e virtude. Os olhos indiscerníveis da grande populaça podem
homens para aquela bondade recíproca tão necessária para a bem perceber os primeiros, mas é com dificuldade que o bom
sua felicidade, torna todo homem objeto peculiar de bondade discernimento dos sábios e virtuosos pode às vezes distinguir
para pessoas para quem ele mesmo já foi bondoso. Embora a os últimos. Na ordem de todas essas recomendações, fica igual-
gratidão dessas pessoas nem sempre corresponda à sua bene- mente evidente a benevolente sabedoria da natureza.
ficência, o senso de seu mérito e a solidária gratidão do espec- Talvez seja desnecessário observar que a combinação de
tador imparcial sempre corresponderão. A indignação geral de duas ou mais dessas causas motrizes de bondade aumenta a
outras pessoas contra a baixeza dessa ingratidão por vezes até bondade. O favor e parcialidade que naturalmente concebemos
aumentará o senso geral de seu mérito. Nunca um homem be- pela eminência, quando não há inveja no caso, aumentam mui-
nevolente perdeu todos os frutos de sua benevolência. Se nem to se unidos à sabedoria e virtude. Se, malgrado essa sabedo-
sempre os colhe das pessoas de quem deveria colhê-los, rara- ria e virtude, o homem eminente se precipita num desses infor-
mente deixa de os colher dez vezes mais de outras pessoas. túnios, perigos e aflições, a que os de posição elevada são com
Bondade gera bondade; e, se ser amado por nossos irmãos é o freqüência os mais expostos, interessa-nos muito mais profun-
grande objeto de nossa ambição, o caminho mais certo para damente sua fortuna do que a de uma pessoa igualmente vir-
alcançá-lo será mostrar, por intermédio de nossa conduta, que tuosa, mas de situação mais humilde. Os mais interessantes te-
realmente os amamos. mas de tragédias e romances são os infmtúnios de reis e prín-
284 TEORIA DOS SEN11MENTOS MORAIS 'EKTA PAR71i

cipes vittuosos e magnânimos. Se pela sabedoria e vigor de seus CAPÍTULO TI


esforços safam-se desses infortúnios, recuperando complet~­ Da ord 111 em que as sociedades sâo pcw nalrtrezc1
mente sua antiga superioridade e segurança, não podemos evi- 7'ecomendctda à nossa hen~(icêncta
tar de vê-los com a mais entusiástica e até extravagante admira-
ção. o pesar que sentíamos pela sua aflição, a alegria que sen-
timos por sua prosperidade, parecem combinar-se para ampliar
a admiração parcial que naturalmente concebemos tanto pela
• •

.. • •
• • •
posição, quanto pelo caráter. • • . • •
Quando sucede desses diversos afetos beneficentes de- • • . I
I'

:I
linearem ca minhos diferentes, talvez seja completamente im-
pos )v I determinar por regras precisas em que casos devería-
mos seguir uns ou em que casos deveríamos seguir outros. Em
• . . •
• • •
I
' que casos a amizade deveria ceder à gratidão ou a gratidão à • • •
e


I
••
101
amizade - em que casos o mais forte de todos os afetos natu- e
ra i deveria ed r à onsi lera à pela s guran a des es supe-
riores, d qua l dep nd a d to la a so ·iedacL , e em que cas s
afet natural po I , s m in 'Onveniência pr v·tle er ·obre ssa •



I .
I •

.•• .• ~


-


• • •
·onsideraçã - rudo i, s dev . r d ·xad inteira mente ã de- • • '
cisão do homem que nosso peito encerra, o . up sto specta- . •

!• • •

I I
dor imparcial, grande juiz e árbitro de nossa on luta. Se nos
colocamos completamente em sua situação, se realmente nos • .
. • •
vemos com seus olhos e como ele nos vê, e ouvimos com di-
ligente e reverente atenção o que nos sugere, sua voz nunca
nos enganará. Não n s s rão necessá ri·ts regras casuísUcas para •
•• • •
• •
.• • • • . •
• - . •• •
d irigir n sa condukt . Muitas vezes é impossível a ·omodá-las
a todas à difere ntes nuan ·a grada •õcs de circunstância ca- • •

• • •
• •
ráter e situação, às diferenças e distinções que, embora não se-
jarn imper ptíveis, são pela sua sutileza e deli ad za comple-
• .
! •
l'U11COL .inclefü1tveis. Naqu la l la rr-.t d ia de Vol tai.r ~. O órfão
• • • • •
da Cbina•, enquanto admiramo · a m a nan.irnidad · de Zamti,
• • • ' ••
o qual está disposto a sacrificar a vida de seu próprio filho a
• •
li fim de conservar a do único frágil remanescente de seus an- • ••
tigos soberanos e senhores, não apenas perdoamos, mas ama-
• • • •
• •
mos a temura matemal de Idame, que, correndo o risco de reve-
lar o importante segredo de seu marido, reclama seu bebê das


• •
cruéis mãos dos Tártaros, aos quais fora entregue.
• • •
• • • • •
• Peça ele 1755. (N. ela R. T.) •
284 TEORIA DOS SEN11MENTOS MORAIS 'EKTA PAR71i

cipes vittuosos e magnânimos. Se pela sabedoria e vigor de seus CAPÍTULO TI


esforços safam-se desses infortúnios, recuperando complet~­ Da ord 111 em que as sociedades sâo pcw nalrtrezc1
mente sua antiga superioridade e segurança, não podemos evi- 7'ecomendctda à nossa hen~(icêncta
tar de vê-los com a mais entusiástica e até extravagante admira-
ção. o pesar que sentíamos pela sua aflição, a alegria que sen-
timos por sua prosperidade, parecem combinar-se para ampliar
a admiração parcial que naturalmente concebemos tanto pela
• •

.. • •
• • •
posição, quanto pelo caráter. • • . • •
Quando sucede desses diversos afetos beneficentes de- • • . I
I'

:I
linearem ca minhos diferentes, talvez seja completamente im-
pos )v I determinar por regras precisas em que casos devería-
mos seguir uns ou em que casos deveríamos seguir outros. Em
• . . •
• • •
I
' que casos a amizade deveria ceder à gratidão ou a gratidão à • • •
e


I
••
101
amizade - em que casos o mais forte de todos os afetos natu- e
ra i deveria ed r à onsi lera à pela s guran a des es supe-
riores, d qua l dep nd a d to la a so ·iedacL , e em que cas s
afet natural po I , s m in 'Onveniência pr v·tle er ·obre ssa •



I .
I •

.•• .• ~


-


• • •
·onsideraçã - rudo i, s dev . r d ·xad inteira mente ã de- • • '
cisão do homem que nosso peito encerra, o . up sto specta- . •

!• • •

I I
dor imparcial, grande juiz e árbitro de nossa on luta. Se nos
colocamos completamente em sua situação, se realmente nos • .
. • •
vemos com seus olhos e como ele nos vê, e ouvimos com di-
ligente e reverente atenção o que nos sugere, sua voz nunca
nos enganará. Não n s s rão necessá ri·ts regras casuísUcas para •
•• • •
• •
.• • • • . •
• - . •• •
d irigir n sa condukt . Muitas vezes é impossível a ·omodá-las
a todas à difere ntes nuan ·a grada •õcs de circunstância ca- • •

• • •
• •
ráter e situação, às diferenças e distinções que, embora não se-
jarn imper ptíveis, são pela sua sutileza e deli ad za comple-
• .
! •
l'U11COL .inclefü1tveis. Naqu la l la rr-.t d ia de Vol tai.r ~. O órfão
• • • • •
da Cbina•, enquanto admiramo · a m a nan.irnidad · de Zamti,
• • • ' ••
o qual está disposto a sacrificar a vida de seu próprio filho a
• •
li fim de conservar a do único frágil remanescente de seus an- • ••
tigos soberanos e senhores, não apenas perdoamos, mas ama-
• • • •
• •
mos a temura matemal de Idame, que, correndo o risco de reve-
lar o importante segredo de seu marido, reclama seu bebê das


• •
cruéis mãos dos Tártaros, aos quais fora entregue.
• • •
• • • • •
• Peça ele 1755. (N. ela R. T.) •
286 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEXTA PARTE
287
embora esteja a todo momento obrigado a se sacrificar e de- s o assunt , "T·tmb ' m s u de opinião que Cartago deve ser
votar à segurança, ao favor e até à glória da maioria. Ainda desuuída", era a x pressã natural do selvagem patriotismo de
que esse sacrifício se mostre perfeitamente justo e apropria- um espírito forre, porém rud , irado quase à loucura contra uma
do, sabemos porém como é difícil fazê-lo, e quão poucas pe~­ nação estrangeira que fizera a sua sofrer tanto. A sentença mais
soas são capazes de o realizar. Sua conduta, portanto,. suso- humanitária com que se diz que Cipião Nasica concluía todos
ta não apenas nossa inteira aprovação, mas nosso matar es- os seus djs urs - "Também sou d opinião que Cartago não
panto e admiração, e parece merecer todos os aplausos que deve ser I struícla" - era a expressão Ub ral de um espírito
podem ser devidos à mai r virt ude heróica. O traidor, ao con- mais ab rto e es laretido, que não sentia seq uer a rsào pe-
trário que em ceita situação r cuJiar imagina-se capaz de pro- la prosperidade de uma antiga inimiga, ag ra redu zida a um
mov~r seu próprio pequeno interesse traindo ao inimigo pú- E ta I que já não p dia faz r Roma tremer. Tanto a França
blico o interesse de seu país nativo; que, a despeito do juízo m a InglateJ'I"'d. p dem L r razão de temer aum nto do p -
do homem que seu peito encerra, prefere a si, de maneira tão tl r naval militar da outra; mas, para cada uma de!, , ínv jar
baixa e desavergonhada, em detrimento de todos com quem a f li idad ~ pr p r.ídad int rna da outra o culuv<) de suas
mantém algum vínculo, revela-se o mais detestável de todos terras, o progresso de suas manufaturas, a intensificação de seu
os vilões. comércio, a segurança e número de seus portos e ancoradou-
o amor à nossa própria nação com freqüência nos predis- ros, sua proficiência em todas as artes liberais e ciências, certa-
põe a ver com o mai'i malicioso ciúme e inveja a prosperidade e menr stá a balxo da dig nidade de duas nações de tal porte.
crescimento de qualquer outra nação vizinha. Nações in I p o- Essas -ão as v rdade iras melh rhs do mundo em que vivemos.
dentes e vizinhas, nào tendo um superior comum para decidir Beneficiam a hu manidade, n brecem a natureza humana. Ca-
suas disputas, vivem todas em contínuo temor e suspeita umas da nação não apenas deveria esforçar-se por ser a melhor nes-
das outras. Cada soberano, esperando pouca justiça de seus vizi- ses av.anços, mas por amor aos homens, por promover, em vez
nhos tende a tratá-los com tão pouca quanto espera deles•. O de obstruir, a excelência de suas vizinhas. Esses todos são obje-
resp~ito às leis das nações ou às regras que Estados indepen- tos a propriados de emulação nacional, não de preconceito e
dentes declaram ou pretextam julgar-se obrigados a observar inveja nacionais.
em suas transações uns com os outros é freqüentemente pouco O amor a nosso próprio país não parece derivar do amor
mais do que mero pretexto ou declaração. Em razão do n:e- à humanidade. O piirneiro sentimento é em tudo independente
nor interesse, pela menor provocação, vemos essas regras dia- do segundo, e às vezes parece até predispor-nos a agir incon-
riamente serem eludidas ou diretamente violadas sem vergonha sistentemente com este. A França pode conter talvez quase três
ou remorso. Cada nação prevê ou imagina prever sua própria vezes o número de habitantes da Grã-Bretanha. Na grande so-
subjugação ante o crescente poder e grandeza de qualqu~r uma ciedade dos homens, pois, a prosperidade da França deveria
de suas vizinhas; e o mesquinho princípio do preconceito na- apresentar-se como objeto de muito maior importância do que
cional muitas vezes se funda no nobre princípio do amor ao a da Grã-Bretanha. No entanto, o súdito britânico, que por essa
nosso país. A sentença com que Catão, o Velho, teria concluído, razão preferisse sempre a prosperidade do primeiro país e não
segundo se diz, cada discurso que fez no Senado, fosse qual fos- a do segundo, não seria considerado bom cidadão da Grã-Bre-
tanha. Não amamos nosso país apenas como parte da grande
sociedade dos homens - nós o amamos por si, e independen-
• o argumento de que as soberanias vivem em ~stado de guerra uma
com as outras, sem árbitro para julgar suas controversms, encontra-se no temente de qualquer consideração desse tipo. A sabedoria que
capítulo XIII do Leviatã, e serve para que Hobbes ilustre a condição natural planejou o sistema dos afetos humanos, bem como o de toda
do homem. (N. da R. T.) outra parte da natureza, parece ter julgado que o interesse da
286 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEXTA PARTE
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embora esteja a todo momento obrigado a se sacrificar e de- s o assunt , "T·tmb ' m s u de opinião que Cartago deve ser
votar à segurança, ao favor e até à glória da maioria. Ainda desuuída", era a x pressã natural do selvagem patriotismo de
que esse sacrifício se mostre perfeitamente justo e apropria- um espírito forre, porém rud , irado quase à loucura contra uma
do, sabemos porém como é difícil fazê-lo, e quão poucas pe~­ nação estrangeira que fizera a sua sofrer tanto. A sentença mais
soas são capazes de o realizar. Sua conduta, portanto,. suso- humanitária com que se diz que Cipião Nasica concluía todos
ta não apenas nossa inteira aprovação, mas nosso matar es- os seus djs urs - "Também sou d opinião que Cartago não
panto e admiração, e parece merecer todos os aplausos que deve ser I struícla" - era a expressão Ub ral de um espírito
podem ser devidos à mai r virt ude heróica. O traidor, ao con- mais ab rto e es laretido, que não sentia seq uer a rsào pe-
trário que em ceita situação r cuJiar imagina-se capaz de pro- la prosperidade de uma antiga inimiga, ag ra redu zida a um
mov~r seu próprio pequeno interesse traindo ao inimigo pú- E ta I que já não p dia faz r Roma tremer. Tanto a França
blico o interesse de seu país nativo; que, a despeito do juízo m a InglateJ'I"'d. p dem L r razão de temer aum nto do p -
do homem que seu peito encerra, prefere a si, de maneira tão tl r naval militar da outra; mas, para cada uma de!, , ínv jar
baixa e desavergonhada, em detrimento de todos com quem a f li idad ~ pr p r.ídad int rna da outra o culuv<) de suas
mantém algum vínculo, revela-se o mais detestável de todos terras, o progresso de suas manufaturas, a intensificação de seu
os vilões. comércio, a segurança e número de seus portos e ancoradou-
o amor à nossa própria nação com freqüência nos predis- ros, sua proficiência em todas as artes liberais e ciências, certa-
põe a ver com o mai'i malicioso ciúme e inveja a prosperidade e menr stá a balxo da dig nidade de duas nações de tal porte.
crescimento de qualquer outra nação vizinha. Nações in I p o- Essas -ão as v rdade iras melh rhs do mundo em que vivemos.
dentes e vizinhas, nào tendo um superior comum para decidir Beneficiam a hu manidade, n brecem a natureza humana. Ca-
suas disputas, vivem todas em contínuo temor e suspeita umas da nação não apenas deveria esforçar-se por ser a melhor nes-
das outras. Cada soberano, esperando pouca justiça de seus vizi- ses av.anços, mas por amor aos homens, por promover, em vez
nhos tende a tratá-los com tão pouca quanto espera deles•. O de obstruir, a excelência de suas vizinhas. Esses todos são obje-
resp~ito às leis das nações ou às regras que Estados indepen- tos a propriados de emulação nacional, não de preconceito e
dentes declaram ou pretextam julgar-se obrigados a observar inveja nacionais.
em suas transações uns com os outros é freqüentemente pouco O amor a nosso próprio país não parece derivar do amor
mais do que mero pretexto ou declaração. Em razão do n:e- à humanidade. O piirneiro sentimento é em tudo independente
nor interesse, pela menor provocação, vemos essas regras dia- do segundo, e às vezes parece até predispor-nos a agir incon-
riamente serem eludidas ou diretamente violadas sem vergonha sistentemente com este. A França pode conter talvez quase três
ou remorso. Cada nação prevê ou imagina prever sua própria vezes o número de habitantes da Grã-Bretanha. Na grande so-
subjugação ante o crescente poder e grandeza de qualqu~r uma ciedade dos homens, pois, a prosperidade da França deveria
de suas vizinhas; e o mesquinho princípio do preconceito na- apresentar-se como objeto de muito maior importância do que
cional muitas vezes se funda no nobre princípio do amor ao a da Grã-Bretanha. No entanto, o súdito britânico, que por essa
nosso país. A sentença com que Catão, o Velho, teria concluído, razão preferisse sempre a prosperidade do primeiro país e não
segundo se diz, cada discurso que fez no Senado, fosse qual fos- a do segundo, não seria considerado bom cidadão da Grã-Bre-
tanha. Não amamos nosso país apenas como parte da grande
sociedade dos homens - nós o amamos por si, e independen-
• o argumento de que as soberanias vivem em ~stado de guerra uma
com as outras, sem árbitro para julgar suas controversms, encontra-se no temente de qualquer consideração desse tipo. A sabedoria que
capítulo XIII do Leviatã, e serve para que Hobbes ilustre a condição natural planejou o sistema dos afetos humanos, bem como o de toda
do homem. (N. da R. T.) outra parte da natureza, parece ter julgado que o interesse da
288 TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS SEXTA PARTE
289
granel sociedade humana seda mais bem promovido se a aten- Todo Estado independente é dividido em muitas ordens
çã > principal de cada indivíduo se voltasse à porção particular e ociedades difer ores, cada uma das quais com seus poderes
de interesse mais inserida no interior da esfera tanto de suas privil'gios imunidades específicos. Todo indivíduo é natural~
habilidades, quanto de seu entendimento. m nle mai af··lto à sua orde m o u sociedade p~llticular do q ue
Preconceitos e ódios nacionais raramente se estendem para a qualqu r utra. , e u próprio irueress , sua prór>ria va ida de,
além de nações vizinhas. Talvez muito frágil e tolamente chame- inr ress a vaidade de muitos de s us amigo e c mp·mh el-
mos os franceses de nossos inimigos naturais; e talvez eles, de ros, estão usualm -·me muit associados a isso: ambiciona es-
modo igualmente frágil e tolo, considerem-nos da mesma for- tender seus privilégios e imunidades, zela por defendê-los con-
ma. Nem nós, nem eles, nutrimos nenhuma espécie de inveja tra as usurpações de qualquer outra ordem ou sociedade.
pela prosperidade da China ou do Japão. Porém, muito rara- Da maneira como cada Estado se divide em diferentes or-
mente acontece de nossa boa-vontade em relação a países tão dens ?ci dades que o ompõern, e da distribui ão parti ul.ar
distantes ter muito efeito. que se fez de se us respe tivo poderes, privilégios imtmi-
A mais ampla benevolência pública que se pode habitual- dades, depenei o que s chama ·• constitui ção dess E rad
mente exercer com algum efeito considerável é a dos estadis- particular.
tas, que projetam e formam alianças entre nações vizinhas ou Da habilidade de cada ordem ou sociedade particular de
não muito distantes para a conservação, quer do que se cha- manter seus próprios poderes, privilégios e imunidades contra
ma equilíbrio de poder, quer para a paz e tranqüilidade geral as usurpações de todos os demais depende a estabilidade des-
dos Estados que estão dentro do âmbito de suas negociações. sa constituição particular. Esta é necessariamente mais ou me-
Mas os estadistas que planejam e executam esses tratados ra- nos alrer •.cla quando qualquer d ·uas p<utes subordin adas ' o u
ramente têm algo em vista senão o interesse de seus respec- elevada ou rebaixada d sua po. í ão condl ·ào a nteriores.
tivos países. Por vezes, de fato, sua visão é mais ampla. O Con- Toda.: sas diferente. rdens · 'o ·iedades dep ncle m do
de d'Avaux, plenipotenciário da França no Tratado de Münster, Estado a que devem sua segurança e prote ã . Até mesmo o
estaria disposto a sacrificar sua vida (segundo o Cardeal de Retz, mais parcial membro dessas sociedades rec nh c orno ver-
homem não muito crédulo a respeito da virtude de outras pes- dacl iro q ue toda. estão subord inadas a esse Estado e que fo--
soas), a fim de restaurar, com esse tratado, a tranqüilidade ge- ram esrab le ida 'IP .nas em subserviência à sua prospe ridade
ral da Europa. O Rei Guilherme parece ter sido um verdadei- - conservaçã.o . Contudo, freqüentemente pode ser difícil con-
ro entusiasta da liberdade e independência da maior parte v n ê-lo d que a pmsp dclade e conservação do Estado re-
dos Estados soberanos da Europa, o que talvez pudesse ter querem alguma d imi nui ·ão dos poderes, privilégios e imuni-
sido em boa medida estimulado pela sua particular aversão à dades da sua própda o rdem ou sociedade. Essa parcialidade,
França, Estado que, em sua época, punha em risco principal- posto seja às vezes injusta, não é por isso inútil. Controla o es-
mente essa liberdade e independência. Algo do mesmo espí- pírito de inovação. Tende a conservar o que quer que seja o
rito parece se ter transmitido ao primeiro ministério da Rai- equilíbrio estabelecido entre as diferentes ordens e sociedades
nha Ana•. em que se divide o Estado, e, embora por vezes aparente obs-
lnúr algumas alt rações de governo que podem ser modernas
e populares no morn nto, na rea lidade conLribui para a esta-
• O Rei Guilherme III, ou Guilherme de O range, sucedeu Jaime li no
trono inglês, em 1689. De origem holandesa, teve o apoio maciço dos co-
bilidade e permanê ncia de todo o . J te ma.
merciantes e mercadores ingleses para rivalizar com a França pela hegemo- Nos casos ordinários, o amor a .nosso país parece trazer em
nia do comércio marítimo. Sua cunhada, a Rainha Ana, ascende ao trono com seu bojo dois princípios diferentes: primeiro, certo respeito e
sua morte, em 1702. (N. da R. T.) reverência pela constituição ou forma de governo realmente
288 TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS SEXTA PARTE
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granel sociedade humana seda mais bem promovido se a aten- Todo Estado independente é dividido em muitas ordens
çã > principal de cada indivíduo se voltasse à porção particular e ociedades difer ores, cada uma das quais com seus poderes
de interesse mais inserida no interior da esfera tanto de suas privil'gios imunidades específicos. Todo indivíduo é natural~
habilidades, quanto de seu entendimento. m nle mai af··lto à sua orde m o u sociedade p~llticular do q ue
Preconceitos e ódios nacionais raramente se estendem para a qualqu r utra. , e u próprio irueress , sua prór>ria va ida de,
além de nações vizinhas. Talvez muito frágil e tolamente chame- inr ress a vaidade de muitos de s us amigo e c mp·mh el-
mos os franceses de nossos inimigos naturais; e talvez eles, de ros, estão usualm -·me muit associados a isso: ambiciona es-
modo igualmente frágil e tolo, considerem-nos da mesma for- tender seus privilégios e imunidades, zela por defendê-los con-
ma. Nem nós, nem eles, nutrimos nenhuma espécie de inveja tra as usurpações de qualquer outra ordem ou sociedade.
pela prosperidade da China ou do Japão. Porém, muito rara- Da maneira como cada Estado se divide em diferentes or-
mente acontece de nossa boa-vontade em relação a países tão dens ?ci dades que o ompõern, e da distribui ão parti ul.ar
distantes ter muito efeito. que se fez de se us respe tivo poderes, privilégios imtmi-
A mais ampla benevolência pública que se pode habitual- dades, depenei o que s chama ·• constitui ção dess E rad
mente exercer com algum efeito considerável é a dos estadis- particular.
tas, que projetam e formam alianças entre nações vizinhas ou Da habilidade de cada ordem ou sociedade particular de
não muito distantes para a conservação, quer do que se cha- manter seus próprios poderes, privilégios e imunidades contra
ma equilíbrio de poder, quer para a paz e tranqüilidade geral as usurpações de todos os demais depende a estabilidade des-
dos Estados que estão dentro do âmbito de suas negociações. sa constituição particular. Esta é necessariamente mais ou me-
Mas os estadistas que planejam e executam esses tratados ra- nos alrer •.cla quando qualquer d ·uas p<utes subordin adas ' o u
ramente têm algo em vista senão o interesse de seus respec- elevada ou rebaixada d sua po. í ão condl ·ào a nteriores.
tivos países. Por vezes, de fato, sua visão é mais ampla. O Con- Toda.: sas diferente. rdens · 'o ·iedades dep ncle m do
de d'Avaux, plenipotenciário da França no Tratado de Münster, Estado a que devem sua segurança e prote ã . Até mesmo o
estaria disposto a sacrificar sua vida (segundo o Cardeal de Retz, mais parcial membro dessas sociedades rec nh c orno ver-
homem não muito crédulo a respeito da virtude de outras pes- dacl iro q ue toda. estão subord inadas a esse Estado e que fo--
soas), a fim de restaurar, com esse tratado, a tranqüilidade ge- ram esrab le ida 'IP .nas em subserviência à sua prospe ridade
ral da Europa. O Rei Guilherme parece ter sido um verdadei- - conservaçã.o . Contudo, freqüentemente pode ser difícil con-
ro entusiasta da liberdade e independência da maior parte v n ê-lo d que a pmsp dclade e conservação do Estado re-
dos Estados soberanos da Europa, o que talvez pudesse ter querem alguma d imi nui ·ão dos poderes, privilégios e imuni-
sido em boa medida estimulado pela sua particular aversão à dades da sua própda o rdem ou sociedade. Essa parcialidade,
França, Estado que, em sua época, punha em risco principal- posto seja às vezes injusta, não é por isso inútil. Controla o es-
mente essa liberdade e independência. Algo do mesmo espí- pírito de inovação. Tende a conservar o que quer que seja o
rito parece se ter transmitido ao primeiro ministério da Rai- equilíbrio estabelecido entre as diferentes ordens e sociedades
nha Ana•. em que se divide o Estado, e, embora por vezes aparente obs-
lnúr algumas alt rações de governo que podem ser modernas
e populares no morn nto, na rea lidade conLribui para a esta-
• O Rei Guilherme III, ou Guilherme de O range, sucedeu Jaime li no
trono inglês, em 1689. De origem holandesa, teve o apoio maciço dos co-
bilidade e permanê ncia de todo o . J te ma.
merciantes e mercadores ingleses para rivalizar com a França pela hegemo- Nos casos ordinários, o amor a .nosso país parece trazer em
nia do comércio marítimo. Sua cunhada, a Rainha Ana, ascende ao trono com seu bojo dois princípios diferentes: primeiro, certo respeito e
sua morte, em 1702. (N. da R. T.) reverência pela constituição ou forma de governo realmente
TEORIA DOS SENITMENTOS MORAIS SEXTA PARTE 291
290
•·ida· segun I um des jo determinado de tomar a con- cia_l e importante do que as maiores vitórias e mais vastas con-
esta?I ele.._ , • · - 1 f 1' qmstas. ~ocl~ resta_!Jelecer e melhorar a constituição, e, por cau-
li . d nossos · nd dadãos [ào segura, _respe~t~ve. e e 1z
50 sa do p~opno carater muito duvidoso e ambíguo de um líder
q Li anw pude rm s. o é idadão qu_e m nao ~~ta mchnado a
r speita r a le is e a obecl e r ao mag1strad wil ; e e ltame.n- de partido, pode assumir o maior e mais nobre de todos os
Le não é b m i.dadão que m não d seja pro mov r, p ~ toei s caracteres, o de reformador e legislador de um grande Estado·
os meio à sua disp • i • o, o be m-e rar de t da a so 1 dade e, pel~ sabedoria d~ ~uas instituições, assegurar a tranqüili~
dade ~nterna e ~ fehc1dade de seus concidadãos por muitas
de seus concidadãos. . . , . geraçoes sucesstvas.
Em tempos pacíficos e calmos, esses dms pnn~1p1os geral_-
mente in id m, e I vam à mesma conduta. O apo10 d ~ver­ , . Em ~eio à turbulência e desordem da facção, certo es- :
no estab ~1 c ido par e evide nteme nt o m · U1or p dte nt pmto de s1stema pode misturar-se ao espírito público que se
para manter s gura, r peitável. e feliz a siLua ão d nossos con- funda sobre o amor à humanidade, sobre uma verdadeira so- :
c.idatlãos - quan I vemos que esse g m >realm me os n;a~~ lídariedade com as inconveniências e aflições a que alguns de ,
rém ne · a situaç: . Mas em tempos de d ont 1:ta mento pubh~ nossos concidadãos podem estar expostos. Comumente esse
fatç · de ·ordem, esse dois princípios diferentes podem ~spíríto de siste~a toma a direçã~ do espirito pC tblico mais gen-
0 til, sempre o ammando, e com freqüência intbma nd 0 até a
c1 •Un ar c, minhas diverso e at' um home m sábio pod tender
a julgar que é necessária algLtma alt raçâ? ~a constitui ào ou loucura do fanatismo. Os líderes do partido descontente rara-
forma de governo, pois, na sua real ·ondt ao , r<~:vela-se ~~­ mente deixam de oferecer algum plano plausível de reforma ·
mente incapaz de manter a tra nqü ilidad ~ pública. Fr qu "n- ~ue, pretendem eles, não apenas removerá imediatamente as
temente em tais casos, porém, d tenninar quando um ve t:da- mc~mveniências e aliviará as aflições de que reclamam, mas evi-
deil· parri ta deveria apoiar e procurar restabelecer a ~utonda­ tara em todo o tempo futuro qualquer retorno das mesmas in-
de d velho sist ma, e quando deveria fazer concessoes a um c~nveni A n ias e aflições. Por essa razão com freqüência pro-
espírito de inova o mais auda · , mas não raro_ mais p_ rigo- poem re mo lelar a constituição, alterando em algumas de suas '
so talvez exija um e. fo r ·o supr mo de sabed na p btJC<t. partes essenciais o sistema de governo sob o qual os súditos de
' A guerra xt rna e fa ç o civil são duas situa _õe qu um grande império talvez tenham usufruído no curso de vários
oferecem a mais esplêndidas op c}ltunidades pa ra manifesta r-s séculos, paz, segurança e até glória. O grande corpo do partido
espúi to públi o. O h rói qu setve a seu país com su ~esso nu~ comumente stá intoxicado c ma imaginãrla beleza desse siste- 1
1
ma gu rr..t ext ·na satisfaz os desejos d_ toda a naçao, p o1 ma ideal, do qual não têm xp •riência :.tlguma, mas que lhes foi
isso é objeto d admiraçã e gratidão uruve~ai ·.Em te mp c.le repr~~ n~a do com t~das as re mais deslumbrantes em que a
d ·orde m civil os tíc.lere dos partid s m d1spt.1ta, embora pos- eloquencta de seus hderes a pôde pintar. Muitos dos líderes em-
sam ser admirados por metade !e . e us o o idadãos são co- bora otigin~lmente nada tenham pretendido, senão seu prÓprio
mumente execrados pela outra. Seus caracteres e o mérito de en.gran?e~lmento, com o tempo caem no logro de sua pró-
seus respectivos serviços se mostram usualmente mais incertos. pna sofisttca, ficando tão entusiasmados por essa grande refor-
A glória adq uir ida pela guerra externa é, por essa razão quas ma quanto os mais fracos e tolos de seus seguidores. Muito em-
sempre mais pura e esplêndida do que a que se pode obter na ~ora os líderes devessem ter conservado suas próprias cabeças
hvres desse fanatismo - como de fato usualmente fazem -, nem
facção civil. sempre se atrevem a desapontar a expectativa de seus seguido-
o líder do partido bem-sucedido, todavia, se tem aut ri-
dade suficiente para induzir s · t.ll> a mig >S a agir com a t mp - res, pois estão freqüentemente obrigados, ainda que contra seus
rança e moderação apropriadas fr qüe.ntem~te nã~ a t m), princípios e consciência, a agir como se partilhassem da ilusão
pode às vezes prestar a seu país um serviÇO mmto ma1s essen- comum. A violência do partido, que recusa todos os paliativos,
TEORIA DOS SENITMENTOS MORAIS SEXTA PARTE 291
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•·ida· segun I um des jo determinado de tomar a con- cia_l e importante do que as maiores vitórias e mais vastas con-
esta?I ele.._ , • · - 1 f 1' qmstas. ~ocl~ resta_!Jelecer e melhorar a constituição, e, por cau-
li . d nossos · nd dadãos [ào segura, _respe~t~ve. e e 1z
50 sa do p~opno carater muito duvidoso e ambíguo de um líder
q Li anw pude rm s. o é idadão qu_e m nao ~~ta mchnado a
r speita r a le is e a obecl e r ao mag1strad wil ; e e ltame.n- de partido, pode assumir o maior e mais nobre de todos os
Le não é b m i.dadão que m não d seja pro mov r, p ~ toei s caracteres, o de reformador e legislador de um grande Estado·
os meio à sua disp • i • o, o be m-e rar de t da a so 1 dade e, pel~ sabedoria d~ ~uas instituições, assegurar a tranqüili~
dade ~nterna e ~ fehc1dade de seus concidadãos por muitas
de seus concidadãos. . . , . geraçoes sucesstvas.
Em tempos pacíficos e calmos, esses dms pnn~1p1os geral_-
mente in id m, e I vam à mesma conduta. O apo10 d ~ver­ , . Em ~eio à turbulência e desordem da facção, certo es- :
no estab ~1 c ido par e evide nteme nt o m · U1or p dte nt pmto de s1stema pode misturar-se ao espírito público que se
para manter s gura, r peitável. e feliz a siLua ão d nossos con- funda sobre o amor à humanidade, sobre uma verdadeira so- :
c.idatlãos - quan I vemos que esse g m >realm me os n;a~~ lídariedade com as inconveniências e aflições a que alguns de ,
rém ne · a situaç: . Mas em tempos de d ont 1:ta mento pubh~ nossos concidadãos podem estar expostos. Comumente esse
fatç · de ·ordem, esse dois princípios diferentes podem ~spíríto de siste~a toma a direçã~ do espirito pC tblico mais gen-
0 til, sempre o ammando, e com freqüência intbma nd 0 até a
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a julgar que é necessária algLtma alt raçâ? ~a constitui ào ou loucura do fanatismo. Os líderes do partido descontente rara-
forma de governo, pois, na sua real ·ondt ao , r<~:vela-se ~~­ mente deixam de oferecer algum plano plausível de reforma ·
mente incapaz de manter a tra nqü ilidad ~ pública. Fr qu "n- ~ue, pretendem eles, não apenas removerá imediatamente as
temente em tais casos, porém, d tenninar quando um ve t:da- mc~mveniências e aliviará as aflições de que reclamam, mas evi-
deil· parri ta deveria apoiar e procurar restabelecer a ~utonda­ tara em todo o tempo futuro qualquer retorno das mesmas in-
de d velho sist ma, e quando deveria fazer concessoes a um c~nveni A n ias e aflições. Por essa razão com freqüência pro-
espírito de inova o mais auda · , mas não raro_ mais p_ rigo- poem re mo lelar a constituição, alterando em algumas de suas '
so talvez exija um e. fo r ·o supr mo de sabed na p btJC<t. partes essenciais o sistema de governo sob o qual os súditos de
' A guerra xt rna e fa ç o civil são duas situa _õe qu um grande império talvez tenham usufruído no curso de vários
oferecem a mais esplêndidas op c}ltunidades pa ra manifesta r-s séculos, paz, segurança e até glória. O grande corpo do partido
espúi to públi o. O h rói qu setve a seu país com su ~esso nu~ comumente stá intoxicado c ma imaginãrla beleza desse siste- 1
1
ma gu rr..t ext ·na satisfaz os desejos d_ toda a naçao, p o1 ma ideal, do qual não têm xp •riência :.tlguma, mas que lhes foi
isso é objeto d admiraçã e gratidão uruve~ai ·.Em te mp c.le repr~~ n~a do com t~das as re mais deslumbrantes em que a
d ·orde m civil os tíc.lere dos partid s m d1spt.1ta, embora pos- eloquencta de seus hderes a pôde pintar. Muitos dos líderes em-
sam ser admirados por metade !e . e us o o idadãos são co- bora otigin~lmente nada tenham pretendido, senão seu prÓprio
mumente execrados pela outra. Seus caracteres e o mérito de en.gran?e~lmento, com o tempo caem no logro de sua pró-
seus respectivos serviços se mostram usualmente mais incertos. pna sofisttca, ficando tão entusiasmados por essa grande refor-
A glória adq uir ida pela guerra externa é, por essa razão quas ma quanto os mais fracos e tolos de seus seguidores. Muito em-
sempre mais pura e esplêndida do que a que se pode obter na ~ora os líderes devessem ter conservado suas próprias cabeças
hvres desse fanatismo - como de fato usualmente fazem -, nem
facção civil. sempre se atrevem a desapontar a expectativa de seus seguido-
o líder do partido bem-sucedido, todavia, se tem aut ri-
dade suficiente para induzir s · t.ll> a mig >S a agir com a t mp - res, pois estão freqüentemente obrigados, ainda que contra seus
rança e moderação apropriadas fr qüe.ntem~te nã~ a t m), princípios e consciência, a agir como se partilhassem da ilusão
pode às vezes prestar a seu país um serviÇO mmto ma1s essen- comum. A violência do partido, que recusa todos os paliativos,
TEORIA DOS SEN77MENTOS MORAIS SEXTA PARTE
292 293
as t mperança. e a mod:lções razo~v is, freCJ9~tement. :w- um princípio de movimento próprio, inteiramente diferente do
da consegu , p is exig d mais; e a · mconv ntenctas aHt ~es que a legislatura pode escolher imprimir-lhe. Se esses dois prin-
qu. com um pou de m d ração p I !ian: em boa med tda cípios coincidirem e agirem na mesma direção, o jogo ela so-
t r ::;ido removidas ou mitigadas restam mte tramente sem s- ciedade humana prosseguirá fácil e harmonicamente, e é mui-
perança de r médi . . . . to pr vúvel }lle seja feliz e bem-sucedido. Se forem opostos
o hom 11 ujo espírito público • movtdo tmemt me.n~e p~Ja ou diferente , o jog prosseguirá ele maneira miserável, e a so- ·
humanidade e benevolência respeitará os p der> e pnvJiégiOS cie lade estará a rodo momento no maior grau de desordem.
estabelecidos, de indivíduos, e sobr tudo elas grandes o rdens · Alguma idéia geral e até sistemática de perfeição da po-
sociedades em que se divide o E tado. Eml ra possa · nside- lítica e ela lei certamente pode ser necessária para orientar as I' ·
rar que alguns são c::m alguma medi~a abu ivos, vai~ ' . o~~ n- opiniões do estadista. Mas insistir em estabelecer, e estabele-
tar -om m dera r o qu à v zes nao nsegu ao1qu tlar .em cer de uma só vez, a despeito de to Ja a oposição, tudo o que
grande vi lência. Quando r~ão puder do_mln~r os pre : nce.tto. essa idéia possa parecer exigir, c m freqüência deve constituir o
arraigados do p v<> p r razao per · 1:1sao, nao rcntara • ub~e­ mais alto grau ele arrogância. É erigir seu próprio juízo como su-
t -lo. peta força, pois oi erva rá religiosamente <> que com JUS- premo critério de certo e errado. Isso é presumir ele único ho-
tiça Ci ero chama a divina máxima de Platão•, a saber, ?l'~ a mem sábio e digno ela nação, e imaginar que seus concidadãos
usar de mais violên ia om seu pâts do que com o propnos devessem acomodar-se a ele, em vez ele suceder o contrário. É
país. E mão, tanto quanto possí~el acomoda~ u int res ·e p_or essa razão que de todos os especulaclores políticos os prín-
públi os aos hábitO c preconceito rabele<:1dos ~ t:?ovo; e ctpes e soberanos são os mais perigosos. Essa arrogância lhes
ainda, tanto quanto p .·sível, r m diar{t as inconventên 'taS q~t é perfeitameme familiar. Não têm dúvida alguma da imensa su-
p dem resultar da ausência dessas regras a que as pe a sa perioridade de seu próprio juízo. Quando tais reformadores
avessas a s subm l r. Quando não pud r estai ecer o · 110, reais e imperiais condescendem, portanto, em contemplar a
não eles] nhará m Jh rar o errado; mas, como lon quando constituição elo país confiada ao seu governo, raramente vêem
não puder estabelecer o melhor sistema ele leis, empenhar-se-á algo tão errado quanto obstáculos que por vezes possam se
em estabelecer o melhor que o povo puder tolerar. opor à execução de sua própria vontade. Desprezam a divina
o homem de sistema, ao contrário, é capaz ele ser muito máxima le Piarão, e onsidernm o Esrad como algo -riado pa-
. ãbio ~m s u próplio conce ito, freqüentemente e.c;tá tâ na- ra eles não eles para o Estado. O gra11de objeto de :-;ua r ~forma
lllOI~do da uposta b eza de seu plano ideal le g vem , que será, p is, remov r os obstácu los, reduzir a autoridade da no-
não pode tolerar o menor desvio de qualquer cl ·ua partes. breza, retirar os privilégios ele cidades e províncias, e tornar os
.Pers ve.rará em esl:lbelecê-lo compl tam ote, em t ela · as . uas maiores indivíduos e as maiores ordens elo Estado tão incapa-
partes, sem le~r em coma nem os gr·u1des. inl re. s ·, n.em ~ zes ele se opor ao seu domínio, como os mais fracos e mais
fones preconceitos qu po sam s p r a 1 o; parec 1magt- insignificantes.
nar que pode dispor o diferem membros d~ u~1a grn~de o-
ciedad om ' L m sma fa ilidad om que thspoe as dlferen-
le pe ·a sobre um tabu! iro de xadrez; ~à , c?nsidera que as CAPÍTULO III
peça s br:e o tal uleiro não têm outro pm1ctp1o de rnovunen-
Da benevolência universal
to se.tlà < que a mão lhe imprime, mas que, no grande tabu-
leir de xadrez da soei dade ltumana, cada p a l a lada tem
Embora n ssos eficazes bons serv iços ranuneme possam
ser estendidos para qualqu r soei la I ma.is ttmpla I qu no -
• Críton, 51c. (N. da R. T.)
so próprio pats, n ssa boa- v .ntade não e:->tá ·ir uns ·rita 1 ar
TEORIA DOS SEN77MENTOS MORAIS SEXTA PARTE
292 293
as t mperança. e a mod:lções razo~v is, freCJ9~tement. :w- um princípio de movimento próprio, inteiramente diferente do
da consegu , p is exig d mais; e a · mconv ntenctas aHt ~es que a legislatura pode escolher imprimir-lhe. Se esses dois prin-
qu. com um pou de m d ração p I !ian: em boa med tda cípios coincidirem e agirem na mesma direção, o jogo ela so-
t r ::;ido removidas ou mitigadas restam mte tramente sem s- ciedade humana prosseguirá fácil e harmonicamente, e é mui-
perança de r médi . . . . to pr vúvel }lle seja feliz e bem-sucedido. Se forem opostos
o hom 11 ujo espírito público • movtdo tmemt me.n~e p~Ja ou diferente , o jog prosseguirá ele maneira miserável, e a so- ·
humanidade e benevolência respeitará os p der> e pnvJiégiOS cie lade estará a rodo momento no maior grau de desordem.
estabelecidos, de indivíduos, e sobr tudo elas grandes o rdens · Alguma idéia geral e até sistemática de perfeição da po-
sociedades em que se divide o E tado. Eml ra possa · nside- lítica e ela lei certamente pode ser necessária para orientar as I' ·
rar que alguns são c::m alguma medi~a abu ivos, vai~ ' . o~~ n- opiniões do estadista. Mas insistir em estabelecer, e estabele-
tar -om m dera r o qu à v zes nao nsegu ao1qu tlar .em cer de uma só vez, a despeito de to Ja a oposição, tudo o que
grande vi lência. Quando r~ão puder do_mln~r os pre : nce.tto. essa idéia possa parecer exigir, c m freqüência deve constituir o
arraigados do p v<> p r razao per · 1:1sao, nao rcntara • ub~e­ mais alto grau ele arrogância. É erigir seu próprio juízo como su-
t -lo. peta força, pois oi erva rá religiosamente <> que com JUS- premo critério de certo e errado. Isso é presumir ele único ho-
tiça Ci ero chama a divina máxima de Platão•, a saber, ?l'~ a mem sábio e digno ela nação, e imaginar que seus concidadãos
usar de mais violên ia om seu pâts do que com o propnos devessem acomodar-se a ele, em vez ele suceder o contrário. É
país. E mão, tanto quanto possí~el acomoda~ u int res ·e p_or essa razão que de todos os especulaclores políticos os prín-
públi os aos hábitO c preconceito rabele<:1dos ~ t:?ovo; e ctpes e soberanos são os mais perigosos. Essa arrogância lhes
ainda, tanto quanto p .·sível, r m diar{t as inconventên 'taS q~t é perfeitameme familiar. Não têm dúvida alguma da imensa su-
p dem resultar da ausência dessas regras a que as pe a sa perioridade de seu próprio juízo. Quando tais reformadores
avessas a s subm l r. Quando não pud r estai ecer o · 110, reais e imperiais condescendem, portanto, em contemplar a
não eles] nhará m Jh rar o errado; mas, como lon quando constituição elo país confiada ao seu governo, raramente vêem
não puder estabelecer o melhor sistema ele leis, empenhar-se-á algo tão errado quanto obstáculos que por vezes possam se
em estabelecer o melhor que o povo puder tolerar. opor à execução de sua própria vontade. Desprezam a divina
o homem de sistema, ao contrário, é capaz ele ser muito máxima le Piarão, e onsidernm o Esrad como algo -riado pa-
. ãbio ~m s u próplio conce ito, freqüentemente e.c;tá tâ na- ra eles não eles para o Estado. O gra11de objeto de :-;ua r ~forma
lllOI~do da uposta b eza de seu plano ideal le g vem , que será, p is, remov r os obstácu los, reduzir a autoridade da no-
não pode tolerar o menor desvio de qualquer cl ·ua partes. breza, retirar os privilégios ele cidades e províncias, e tornar os
.Pers ve.rará em esl:lbelecê-lo compl tam ote, em t ela · as . uas maiores indivíduos e as maiores ordens elo Estado tão incapa-
partes, sem le~r em coma nem os gr·u1des. inl re. s ·, n.em ~ zes ele se opor ao seu domínio, como os mais fracos e mais
fones preconceitos qu po sam s p r a 1 o; parec 1magt- insignificantes.
nar que pode dispor o diferem membros d~ u~1a grn~de o-
ciedad om ' L m sma fa ilidad om que thspoe as dlferen-
le pe ·a sobre um tabu! iro de xadrez; ~à , c?nsidera que as CAPÍTULO III
peça s br:e o tal uleiro não têm outro pm1ctp1o de rnovunen-
Da benevolência universal
to se.tlà < que a mão lhe imprime, mas que, no grande tabu-
leir de xadrez da soei dade ltumana, cada p a l a lada tem
Embora n ssos eficazes bons serv iços ranuneme possam
ser estendidos para qualqu r soei la I ma.is ttmpla I qu no -
• Críton, 51c. (N. da R. T.)
so próprio pats, n ssa boa- v .ntade não e:->tá ·ir uns ·rita 1 ar
294 TEORIA DOS SENI7MENTOS MORAIS SEXTA PARTE
295
n nhuma fr me ira, e po le, pois, aba rca r a in:en idã do uni-
v ' r. o . ão podemos formar Jcr ia d um s : m ccnte ou sen- d os q~1a is o pró pri De u. é a lministrador • di11 ror imediato.
sat uJa lidclad não eles jemos, ou p r CUJa de.~graça, quan- 'e sra profunda.m ~nt mar ado pela convi · :lo habitual e pie- ,
do ·iaramcnLe · n ebida pela imagin ação, 11' t munos algum na de qu~ .'is r I 11 v lent e oni ·ienr não pod a<lm.ilir
u de aversão. A id' ia d wn er no 'vo, embora sensaLo na- em~
seu stst
,,.. .· ma t · governo, ne nbum mal paJ· ia l qu e não s......
.... p ,.
gra
wra.lme nr prov ·a n . s ódi , mas a ma-vonta - d e que nAe ·s., ne , s~<li!O P~ll'a b rn unt vcrsal, deve considerar Lodos os in-
, "" s om I r "a lme nt ~ i to d nossa bene v len ' ta forturuos q ue poss~m ~ abater :sobre eJ.•, seus amigo.-;, :su su-
caso, t Cl u , . I· . .· l da~e o u seu pa1s, om necessários para a pr s pe ridacle ·
universal. fe ilo da solidariedade que senttrnos p a mts t ~a
e ressentimento daqueles outros seres inocentes e sensatos, CUJa do untv rso, c, portanto, mo ;,ligo a que não apenas d v _
felicidade sua malícia perturba. ri~- s s ubmeter om Psignação, mas como a lg o que e le pró-
Essa benevolência universal, por mais nobre e generosa PitO, conhec ~se to las a · re ta ões 1 pe nci Ancias i::ts coi-
. a , d everia ter des jado sinc ra e devorada mente.
que seja, não p de conslllllir a fonte d uma feli id.ad . lida
para um homem que não esteja plenan:ent ton: n tdo d~ qu. E. a magnânima r ignaç;lo ·à v made do g rande Diretor
todos os habitant do Lulive rso, os rnat mesqwnh s e :-; mrus do untver tampou ·o pa re ·e sl:a r, d algum mo lo além c1 >
a.J ~1nce d:l natureza ltumam. Oo n.<; se !dado ·, que amam e _
superiores, estão sob o cuidado e a pro~ :çâo imediatos d _gr:m-
fm m ~m eu g n rnl , freq_üe nr nr nLe ma rcham om ma is ai -
0 11
de Ser benevolente e onisciente que dmge rodos os m uu~ n­
tos da natureza, e que está determinado, pelas su~s prô pn ~_s gria a larido para a posiçâ desespe rada rui qual J<~mais c.
inalteráveis perfeições, a sempre ma nter nela a ma10r C)ua:m- P nüu r tornar, do que para nu tra o nde não ho uvesse difi-
dade possível de felicidade. Ao contrário, para :ss_a benevolen- uluac! n ~m perigo. Enquanto m~1rd1a m para e w úlrima , nao
cia universal a mera suspeita de um mundo orfao deve ser a P. derra m expe nm ma r ou tro scm imemo qu nào da iné r-
mais melancÓlica de todas as reflexões, qual seja, o pe?s~me~to -w elo d v r ' mum; ao mar ·harern para a prim ir<J, sente m
de que todas as regiões desconhecidas do espaço mft?tto e ~~­ que estdo rea llzand ma is nobr esfor ·o que um h nPm é
compreensível possam estar ocupadas com nada mats, senao cap az ele rea liza r. , ai m qu se u g ·n ral ru lh~s leria orde-
com interminável miséria e desventura. Todo o esplendor da nado qu " fi ssem a essa f1 si .:â.o, se não foss , n · -ss:l rio para
maior prosperidade jamais poderá iluminar a tristeza com. que seguran a do c •' reito, par~• o êxito d~1 guel-ra; sa .,-i[í ':.1m ~~~ _
uma idéia tão terrível deve necessariamente obscurecer a •n:a- grcm_em us p rópri s peque nos s isLem~s à pros p - ri l:.td cJ ,
ginação; tamp uco t da a d r da ;n~ l a~itiva advers:d~d Ja-
um stst ma ma ta r; d ~sredem-se afetuosa 111 m 1, seus c::tma-
mais poderá se -~tr num hom m s·tbto e vtrtuoso a alegna qu radas, ele ejancl -Ih toda a feJ i idade e êxito, ca minham nao
necessariamente brota da convi ç'lo, habimal e profunda, qua n- :.tp~as com oh cW ncia submis. a, mas n ão raro com gritos b
to à verdade do sistema contrário. _ . ma1s ~liegrc exulta ·;io, p ara a.quela. posi ào fata l, embo ra es-
A todo momento o homem sábio e virtuoso esta dtsposto pl~nd.'da e honrosa, qu lh es é ind icada. enhu m conclu L r Je
a sacrificar seu próprio interesse particular ao interesse públi- ex rato pode merecer oniian ·::1 mais ilimiwda, Jfeto m~ls ar-
co de sua própria ordem ou sociedade. Ademais, a todo n:o- dente "nlltsiasmado, d qu o gm nd · ,ondutor elo universo.
mento está disposto a que o interesse de sua ordem ou socte- Qu r nos_ n~aiores ~esastr s pliblicos, quer nos pri vados, um
dade seja sacrificado ao interesse maior do Estad~ ou d~ Sobe- ho m rn sabt devena onsi I <lr q ue a ·l , tUesm a seus ami-
rania da qual é apenas parte subordinada. Deve~ta, p_ots, estar go e ompatri.otas, apenas rde no u-s a staç:lu de obda elo
igualmente disposto a que todos esses inter~sses mfen_ores fos- unív rso; que se não fosse ne ~ess{irio pHra b rn d o t du. não
sem sacrificados ao interesse maior do umverso, ao mteresse lerlatil r ~· bi lo~ a ordem; que ' seu I' er submet ~r-.· · n5o
da grande sociedade de todos os seres sensatos e inteligentes, ap ·nas . 111 hu milde n:signaç1) a S.'iC destino, 1]1<[,'\ sfor ·ar- e
0

r r abra '<í-1 com alegria e alacridade. 'Jtam~:nr um homem


294 TEORIA DOS SENI7MENTOS MORAIS SEXTA PARTE
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n nhuma fr me ira, e po le, pois, aba rca r a in:en idã do uni-
v ' r. o . ão podemos formar Jcr ia d um s : m ccnte ou sen- d os q~1a is o pró pri De u. é a lministrador • di11 ror imediato.
sat uJa lidclad não eles jemos, ou p r CUJa de.~graça, quan- 'e sra profunda.m ~nt mar ado pela convi · :lo habitual e pie- ,
do ·iaramcnLe · n ebida pela imagin ação, 11' t munos algum na de qu~ .'is r I 11 v lent e oni ·ienr não pod a<lm.ilir
u de aversão. A id' ia d wn er no 'vo, embora sensaLo na- em~
seu stst
,,.. .· ma t · governo, ne nbum mal paJ· ia l qu e não s......
.... p ,.
gra
wra.lme nr prov ·a n . s ódi , mas a ma-vonta - d e que nAe ·s., ne , s~<li!O P~ll'a b rn unt vcrsal, deve considerar Lodos os in-
, "" s om I r "a lme nt ~ i to d nossa bene v len ' ta forturuos q ue poss~m ~ abater :sobre eJ.•, seus amigo.-;, :su su-
caso, t Cl u , . I· . .· l da~e o u seu pa1s, om necessários para a pr s pe ridacle ·
universal. fe ilo da solidariedade que senttrnos p a mts t ~a
e ressentimento daqueles outros seres inocentes e sensatos, CUJa do untv rso, c, portanto, mo ;,ligo a que não apenas d v _
felicidade sua malícia perturba. ri~- s s ubmeter om Psignação, mas como a lg o que e le pró-
Essa benevolência universal, por mais nobre e generosa PitO, conhec ~se to las a · re ta ões 1 pe nci Ancias i::ts coi-
. a , d everia ter des jado sinc ra e devorada mente.
que seja, não p de conslllllir a fonte d uma feli id.ad . lida
para um homem que não esteja plenan:ent ton: n tdo d~ qu. E. a magnânima r ignaç;lo ·à v made do g rande Diretor
todos os habitant do Lulive rso, os rnat mesqwnh s e :-; mrus do untver tampou ·o pa re ·e sl:a r, d algum mo lo além c1 >
a.J ~1nce d:l natureza ltumam. Oo n.<; se !dado ·, que amam e _
superiores, estão sob o cuidado e a pro~ :çâo imediatos d _gr:m-
fm m ~m eu g n rnl , freq_üe nr nr nLe ma rcham om ma is ai -
0 11
de Ser benevolente e onisciente que dmge rodos os m uu~ n­
tos da natureza, e que está determinado, pelas su~s prô pn ~_s gria a larido para a posiçâ desespe rada rui qual J<~mais c.
inalteráveis perfeições, a sempre ma nter nela a ma10r C)ua:m- P nüu r tornar, do que para nu tra o nde não ho uvesse difi-
dade possível de felicidade. Ao contrário, para :ss_a benevolen- uluac! n ~m perigo. Enquanto m~1rd1a m para e w úlrima , nao
cia universal a mera suspeita de um mundo orfao deve ser a P. derra m expe nm ma r ou tro scm imemo qu nào da iné r-
mais melancÓlica de todas as reflexões, qual seja, o pe?s~me~to -w elo d v r ' mum; ao mar ·harern para a prim ir<J, sente m
de que todas as regiões desconhecidas do espaço mft?tto e ~~­ que estdo rea llzand ma is nobr esfor ·o que um h nPm é
compreensível possam estar ocupadas com nada mats, senao cap az ele rea liza r. , ai m qu se u g ·n ral ru lh~s leria orde-
com interminável miséria e desventura. Todo o esplendor da nado qu " fi ssem a essa f1 si .:â.o, se não foss , n · -ss:l rio para
maior prosperidade jamais poderá iluminar a tristeza com. que seguran a do c •' reito, par~• o êxito d~1 guel-ra; sa .,-i[í ':.1m ~~~ _
uma idéia tão terrível deve necessariamente obscurecer a •n:a- grcm_em us p rópri s peque nos s isLem~s à pros p - ri l:.td cJ ,
ginação; tamp uco t da a d r da ;n~ l a~itiva advers:d~d Ja-
um stst ma ma ta r; d ~sredem-se afetuosa 111 m 1, seus c::tma-
mais poderá se -~tr num hom m s·tbto e vtrtuoso a alegna qu radas, ele ejancl -Ih toda a feJ i idade e êxito, ca minham nao
necessariamente brota da convi ç'lo, habimal e profunda, qua n- :.tp~as com oh cW ncia submis. a, mas n ão raro com gritos b
to à verdade do sistema contrário. _ . ma1s ~liegrc exulta ·;io, p ara a.quela. posi ào fata l, embo ra es-
A todo momento o homem sábio e virtuoso esta dtsposto pl~nd.'da e honrosa, qu lh es é ind icada. enhu m conclu L r Je
a sacrificar seu próprio interesse particular ao interesse públi- ex rato pode merecer oniian ·::1 mais ilimiwda, Jfeto m~ls ar-
co de sua própria ordem ou sociedade. Ademais, a todo n:o- dente "nlltsiasmado, d qu o gm nd · ,ondutor elo universo.
mento está disposto a que o interesse de sua ordem ou socte- Qu r nos_ n~aiores ~esastr s pliblicos, quer nos pri vados, um
dade seja sacrificado ao interesse maior do Estad~ ou d~ Sobe- ho m rn sabt devena onsi I <lr q ue a ·l , tUesm a seus ami-
rania da qual é apenas parte subordinada. Deve~ta, p_ots, estar go e ompatri.otas, apenas rde no u-s a staç:lu de obda elo
igualmente disposto a que todos esses inter~sses mfen_ores fos- unív rso; que se não fosse ne ~ess{irio pHra b rn d o t du. não
sem sacrificados ao interesse maior do umverso, ao mteresse lerlatil r ~· bi lo~ a ordem; que ' seu I' er submet ~r-.· · n5o
da grande sociedade de todos os seres sensatos e inteligentes, ap ·nas . 111 hu milde n:signaç1) a S.'iC destino, 1]1<[,'\ sfor ·ar- e
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r r abra '<í-1 com alegria e alacridade. 'Jtam~:nr um homem


296 TEORIA DOS SEN77MENTOS MORAIS

sábio deveria ser capaz de fazer o que um bom soldado está


sempre pronto a fazer.
A idéia desse ser divino, cuja benevolência e sabedoria fa-
bricaram e conduziram desde toda a eternidade a imensa má-
quina do universo para que produzisse, em todos os tempos,
a maior quantidade possível de felicidade, é sem dúvida de lon- SEÇÃO III
ge o mais sublime de todos os objetos da contemplação huma-
na. Em comparação a este, todo outro pensamento mostra-se
necessariamente insignificante. Acreditamos que o homem in- Do autodomínio
teiramente abs01to nessa sublime contemplação raramente dei-
xa de ser objeto de nossa mais elevada veneração; e ainda que
sua vida seja tão-somente contemplativa, não raro o conside-
ramos com uma espécie de respeito religioso, muito superior
àquele com que divisamos o mais ativo e útil servidor da repú- O b m 01 qu a .,. de acordo com a r gra da p rfeita
blica (commonwealth). As meditações de Marco Antonino, que prudê ncia, ela justi a estrita e da b nevo lê ncia adequada po-
giram principalmente em torno desse tema, talvez tenham con- de s r .on iderado perfi 'tam me virtu ·o. Mas o mai. p mito
tribuído mais para que todos admirassem seu caráter, do que to- o nhe une~t d ssas regr~ não basta para capacitá-lo a agir
dos os diferentes acordos de seu reinado justo, misericordioso dessa manem1· Sllas pr pnas paixões pode m muito facilme n-
e beneficente. te induzi-i - ·ls vez impelindo-o, outras seduzindo-o - a vio-
Porém, a administração do grande sistema do universo, o lar todas as regras qu ele mesmo, em seus momentos de so-
cuidado da felicidade universal de todos os seres racionais e br~ dade lucidez, aprova. O mais perfeito conhecimento, se
sensatos, é negócio de Deus, e não do homem. Ao homem es- não for amparado p lo mais perfeito autodomínio, nem sem-
tá reservado um departamento bem mais humilde, mas mais pr o apacítará a cumprir o seu dever.
adequado à fraqueza de seus poderes e à estreiteza de sua com- Algun dos melhor s dos 'H1ligos moralistas parecem ter I
preensão: o fato de estar absorto na contemplação do mais su- onsiderndo as paixões como divididas em duas classes dife-
blime jamais pode servir de desculpa para negligenciar o de- r . nt ': prim, ira, paixões gu ·, par:o1 . er m refreada p r um
partamento mais humilde; e não deve-se expor à acusação que, so momento, exigem um considerável esforço de autod mlni.o; j
segundo se diz, Avídio Cássio lançou, talvez injustamente, con- e, segundo, as que são fa cilmente refreadas por um momenlo
tra Marco Antonino, de que, enquanto se entregava a especula- ou até por um breve período, mas que, por uas súpli a. o ntí-
ções filosóficas, contemplando a prosperidade do universo, ne- nuas e quase incessantes, podem, no curso de uma vid~l , indu zir I
gligenciava a do Império romano. A mais sublime especulação a grandes desvios.
I do filósofo contemplativo dificilmente compensa a negligên- Medo e cóiel"a, a qu Vi- m se mi turar e associar outras pai-
: cia do menor dever ativo. xões, onstltlJem a primeira d ass . O amor ao s . sego , ao pra-
zer, aphus e a muitas 01.1tras sarisfa . ô egoísta: onslilu •m
a segunda. O me to incomum a cólera vi o lem·• sã muita:
v zes difícei d r fre<tr rn smo por um s momento. O amor
ao sossego, a prazer, ao aplauso, e a oULra!i atlsfaçô s eg ís-
tas sempre é fa ilment r ti:eado por um momento ou até por
um breve período d t mpo; mas, por suas . (•pJicas conúnuas,
não raro nos induz a muitas fraquezas de qu dep is om
296 TEORIA DOS SEN77MENTOS MORAIS

sábio deveria ser capaz de fazer o que um bom soldado está


sempre pronto a fazer.
A idéia desse ser divino, cuja benevolência e sabedoria fa-
bricaram e conduziram desde toda a eternidade a imensa má-
quina do universo para que produzisse, em todos os tempos,
a maior quantidade possível de felicidade, é sem dúvida de lon- SEÇÃO III
ge o mais sublime de todos os objetos da contemplação huma-
na. Em comparação a este, todo outro pensamento mostra-se
necessariamente insignificante. Acreditamos que o homem in- Do autodomínio
teiramente abs01to nessa sublime contemplação raramente dei-
xa de ser objeto de nossa mais elevada veneração; e ainda que
sua vida seja tão-somente contemplativa, não raro o conside-
ramos com uma espécie de respeito religioso, muito superior
àquele com que divisamos o mais ativo e útil servidor da repú- O b m 01 qu a .,. de acordo com a r gra da p rfeita
blica (commonwealth). As meditações de Marco Antonino, que prudê ncia, ela justi a estrita e da b nevo lê ncia adequada po-
giram principalmente em torno desse tema, talvez tenham con- de s r .on iderado perfi 'tam me virtu ·o. Mas o mai. p mito
tribuído mais para que todos admirassem seu caráter, do que to- o nhe une~t d ssas regr~ não basta para capacitá-lo a agir
dos os diferentes acordos de seu reinado justo, misericordioso dessa manem1· Sllas pr pnas paixões pode m muito facilme n-
e beneficente. te induzi-i - ·ls vez impelindo-o, outras seduzindo-o - a vio-
Porém, a administração do grande sistema do universo, o lar todas as regras qu ele mesmo, em seus momentos de so-
cuidado da felicidade universal de todos os seres racionais e br~ dade lucidez, aprova. O mais perfeito conhecimento, se
sensatos, é negócio de Deus, e não do homem. Ao homem es- não for amparado p lo mais perfeito autodomínio, nem sem-
tá reservado um departamento bem mais humilde, mas mais pr o apacítará a cumprir o seu dever.
adequado à fraqueza de seus poderes e à estreiteza de sua com- Algun dos melhor s dos 'H1ligos moralistas parecem ter I
preensão: o fato de estar absorto na contemplação do mais su- onsiderndo as paixões como divididas em duas classes dife-
blime jamais pode servir de desculpa para negligenciar o de- r . nt ': prim, ira, paixões gu ·, par:o1 . er m refreada p r um
partamento mais humilde; e não deve-se expor à acusação que, so momento, exigem um considerável esforço de autod mlni.o; j
segundo se diz, Avídio Cássio lançou, talvez injustamente, con- e, segundo, as que são fa cilmente refreadas por um momenlo
tra Marco Antonino, de que, enquanto se entregava a especula- ou até por um breve período, mas que, por uas súpli a. o ntí-
ções filosóficas, contemplando a prosperidade do universo, ne- nuas e quase incessantes, podem, no curso de uma vid~l , indu zir I
gligenciava a do Império romano. A mais sublime especulação a grandes desvios.
I do filósofo contemplativo dificilmente compensa a negligên- Medo e cóiel"a, a qu Vi- m se mi turar e associar outras pai-
: cia do menor dever ativo. xões, onstltlJem a primeira d ass . O amor ao s . sego , ao pra-
zer, aphus e a muitas 01.1tras sarisfa . ô egoísta: onslilu •m
a segunda. O me to incomum a cólera vi o lem·• sã muita:
v zes difícei d r fre<tr rn smo por um s momento. O amor
ao sossego, a prazer, ao aplauso, e a oULra!i atlsfaçô s eg ís-
tas sempre é fa ilment r ti:eado por um momento ou até por
um breve período d t mpo; mas, por suas . (•pJicas conúnuas,
não raro nos induz a muitas fraquezas de qu dep is om
-
TEORIA DOS SENI1MENTOS MORAIS SEXTA PARTE 299
298
.... razão no. -nvergonharemos. Pode-se dlz r ue u prim i- ilm nte haverá alguém qu não sinta que o machado, símbolo
mut..... .. ~ · n ·unp 1e, e o oLttr·o
. , nJ'Lt!1LO d (Jaixões com fTequencta de decapim 'ão que s grava sob as mais ilustres -como as de
lO c
no. se luz para longe d noss lever.
o d mtnt
' . d . .
prm1etr ir T más Moms, Raleigb, Russel, ydney, et .• - derrama uma
era denominado, pelos antigos m r.tll las acima aludldos, .co ~a­ verdadeira dignld d e imporrância sobre os caract r as a que e
g 'rn, vigor e força d:_ espírito; o último, temperança, decencta, aftxa, muiL super!. res ao q ue p ssam obter de todos os fúteis
modéstia e moderaçao. ornamentos heráldicos que por vezes os acompanham.
o domínio dos dois conjuntos de paixões, independen- Es a magnaniml lade não co n~ r lusLre ap na aos ca-
temente da beleza que deriva de sua utilidade, de nos cap:cit_a r ra teres de h m ns ino ·entes e viJtuo.·os . .Lan a algum ra u de
a agir ern todas as ocas!ôe_ s"'gund? s dita_~, :"> da ~-ru 1_, n -~a, consideração favo r:ív I m mo sobr> os maior s crim.il1, sos·
da justiça e da ben volenna ap.ropna<.la poss~1 beleza p~opt..:'a , e q uando wn assa ltante LI bandoleiro ' levado a adafalso -·
e parec m recer p r s.i c tt grau de u~ e arnm~açao. lá se porta com decência e firmeza, embora aprovemos intei-
um caso, a for~o--a grand za d sforço susota certo g•:.tu d ram.ent, seu castigf) com fr~qü ência não podemos evitar de
estima e admiração; no outro, a uniformidad , a igualdade · lamen~u· que um homem em posse de tãu grandes e nobres po-
infatigável constância desse esforço. . . d r foss " a pa z d Lã o v.í "norm idades.
o homem que, no perigo, na tortura, na proxtmtdade da A guena é a grande s ola lant para adquirir quant 1 ara.
morte conserva inalterada a sua tranqüilidade e não permite exercer es '<l espé ie d magnanimic.Jtt cle. C mo se diz, a mort
que lhe escape uma palavra ou gesto q~e ~ã~ esteja inteira- é a rain ha dos t rr re -, e homem que conqu.í t u o medo da
mente conforme aos sentimentos do mats mdtferente espec- morte provav lm nte não perderá a pr sen -~, d spírito mt
tador, necessariamente conquista um alto grau de admiração. iminên ia de qualquer outro mal natural. Na gu m.t os hom n ·
Se sofre pela causa da liberdade e justiça, ~e~o bem da huma- se familiru·izam om a morte, e com isso n ssa riam "'nL se
nidade e amor ao país, a mais terna compatxao pelos seus so- curam do supersticioso horror com que a encaram os fracos
frimentos a mais forte indignação contra a injustiça de seus per- e inexp riem s . .onsideram-na s imp ie·ment ·om a 1 rda
segu idor 's a mais cálida e solidária gratid_ã~ por sua~ intençõ:s d vida, oi j l de tanra a ersão q uanto a vida su · de . · r cl
b nefi entes, o mais alto senso do seu menta, tudo tsso se reu- d s jo; tamb ' m aprendem por experiência que muitos pc.rig s
ne e mescla com a admiração de sua magnanimidade, e muitas aparentemente grandes não são tão grandes quanto parecem,
vezes inflamam esse sentimento, tornando-o uma entusiástica e que com coragem, di.llgên ia e presença l · espírito, há mui-
e arrebatada veneração. Muitos dos heróis da história antiga e tas vezes uma boa proba! ilidade de sedes ml araçarem hon-
moderna, os quais são lembrados com o mais peculiar agrado rosamentc de situações em que a princípio não viam esperança.
e afeto, são os que morreram no cadafalso pela causa da ver- Ass.im, diminui em grande medida o terror da morte, e aumenta
dade, llberdade e justiça, e que ali se portaram c~~1. a_ desenvo_l- a confiança ou esperança de escapar a ela. Aprendem a expor-
tura e d ignidad que lhes convinha. Tivessem os ~~·m•go_:; de So- se a p rigo com menos relu tância, ficam rn nos preocupa-
crates permitido-lhe morrer quieto em sua cmmt, po S t ~e_l qu do m s far-s d le, e menos aptos a perder a pr - n ele es-
até a gl ria desse grande tllósofo mmc·t ti v ss adqu •:tdo nqua nlo e ·tiverem n Je. É sse habitual desprezo pelo
brilhante esplendor que conservou urant _todos s .. cuias
posteriores. Na história inglesa, quando examt~am?s as tlust~e.s
cabeças esculpidas por Vertue e H wbraken• tmagmo que dtft- • Tom:is Morus. dt:capiw<'lo em 1535 por ordem de licnriquc VI II , sc'lh
~ acusação de lrai~iio; Wah r Jlaleigh, críUco do D ireito D.lvin<> d~ .Reis, foi
a ·usatlt) de ·onspirnr c ntm j a.ime l • mmto em 1618; I{L r s~cl c Algcrnon
• Segundo os editores Raphael e Macfie, Smith se refere a 1be Heads of Sydn y, ambos acusados de en v lvimento na "c'JrL~piraçào d Hye llouse,
Il/ustrious Persons of Great Britain, engraven by Mr. Howbraken, and Mr. roram executados em 1682. N: o l1avia pmva, t'OilLudo, d • su:t p:r rticlp~rç:
fcrlva. (N. L'l lt T.)
Vertue, with their Lives and Characters, de 1743. (N. da R. T.)
-
TEORIA DOS SENI1MENTOS MORAIS SEXTA PARTE 299
298
.... razão no. -nvergonharemos. Pode-se dlz r ue u prim i- ilm nte haverá alguém qu não sinta que o machado, símbolo
mut..... .. ~ · n ·unp 1e, e o oLttr·o
. , nJ'Lt!1LO d (Jaixões com fTequencta de decapim 'ão que s grava sob as mais ilustres -como as de
lO c
no. se luz para longe d noss lever.
o d mtnt
' . d . .
prm1etr ir T más Moms, Raleigb, Russel, ydney, et .• - derrama uma
era denominado, pelos antigos m r.tll las acima aludldos, .co ~a­ verdadeira dignld d e imporrância sobre os caract r as a que e
g 'rn, vigor e força d:_ espírito; o último, temperança, decencta, aftxa, muiL super!. res ao q ue p ssam obter de todos os fúteis
modéstia e moderaçao. ornamentos heráldicos que por vezes os acompanham.
o domínio dos dois conjuntos de paixões, independen- Es a magnaniml lade não co n~ r lusLre ap na aos ca-
temente da beleza que deriva de sua utilidade, de nos cap:cit_a r ra teres de h m ns ino ·entes e viJtuo.·os . .Lan a algum ra u de
a agir ern todas as ocas!ôe_ s"'gund? s dita_~, :"> da ~-ru 1_, n -~a, consideração favo r:ív I m mo sobr> os maior s crim.il1, sos·
da justiça e da ben volenna ap.ropna<.la poss~1 beleza p~opt..:'a , e q uando wn assa ltante LI bandoleiro ' levado a adafalso -·
e parec m recer p r s.i c tt grau de u~ e arnm~açao. lá se porta com decência e firmeza, embora aprovemos intei-
um caso, a for~o--a grand za d sforço susota certo g•:.tu d ram.ent, seu castigf) com fr~qü ência não podemos evitar de
estima e admiração; no outro, a uniformidad , a igualdade · lamen~u· que um homem em posse de tãu grandes e nobres po-
infatigável constância desse esforço. . . d r foss " a pa z d Lã o v.í "norm idades.
o homem que, no perigo, na tortura, na proxtmtdade da A guena é a grande s ola lant para adquirir quant 1 ara.
morte conserva inalterada a sua tranqüilidade e não permite exercer es '<l espé ie d magnanimic.Jtt cle. C mo se diz, a mort
que lhe escape uma palavra ou gesto q~e ~ã~ esteja inteira- é a rain ha dos t rr re -, e homem que conqu.í t u o medo da
mente conforme aos sentimentos do mats mdtferente espec- morte provav lm nte não perderá a pr sen -~, d spírito mt
tador, necessariamente conquista um alto grau de admiração. iminên ia de qualquer outro mal natural. Na gu m.t os hom n ·
Se sofre pela causa da liberdade e justiça, ~e~o bem da huma- se familiru·izam om a morte, e com isso n ssa riam "'nL se
nidade e amor ao país, a mais terna compatxao pelos seus so- curam do supersticioso horror com que a encaram os fracos
frimentos a mais forte indignação contra a injustiça de seus per- e inexp riem s . .onsideram-na s imp ie·ment ·om a 1 rda
segu idor 's a mais cálida e solidária gratid_ã~ por sua~ intençõ:s d vida, oi j l de tanra a ersão q uanto a vida su · de . · r cl
b nefi entes, o mais alto senso do seu menta, tudo tsso se reu- d s jo; tamb ' m aprendem por experiência que muitos pc.rig s
ne e mescla com a admiração de sua magnanimidade, e muitas aparentemente grandes não são tão grandes quanto parecem,
vezes inflamam esse sentimento, tornando-o uma entusiástica e que com coragem, di.llgên ia e presença l · espírito, há mui-
e arrebatada veneração. Muitos dos heróis da história antiga e tas vezes uma boa proba! ilidade de sedes ml araçarem hon-
moderna, os quais são lembrados com o mais peculiar agrado rosamentc de situações em que a princípio não viam esperança.
e afeto, são os que morreram no cadafalso pela causa da ver- Ass.im, diminui em grande medida o terror da morte, e aumenta
dade, llberdade e justiça, e que ali se portaram c~~1. a_ desenvo_l- a confiança ou esperança de escapar a ela. Aprendem a expor-
tura e d ignidad que lhes convinha. Tivessem os ~~·m•go_:; de So- se a p rigo com menos relu tância, ficam rn nos preocupa-
crates permitido-lhe morrer quieto em sua cmmt, po S t ~e_l qu do m s far-s d le, e menos aptos a perder a pr - n ele es-
até a gl ria desse grande tllósofo mmc·t ti v ss adqu •:tdo nqua nlo e ·tiverem n Je. É sse habitual desprezo pelo
brilhante esplendor que conservou urant _todos s .. cuias
posteriores. Na história inglesa, quando examt~am?s as tlust~e.s
cabeças esculpidas por Vertue e H wbraken• tmagmo que dtft- • Tom:is Morus. dt:capiw<'lo em 1535 por ordem de licnriquc VI II , sc'lh
~ acusação de lrai~iio; Wah r Jlaleigh, críUco do D ireito D.lvin<> d~ .Reis, foi
a ·usatlt) de ·onspirnr c ntm j a.ime l • mmto em 1618; I{L r s~cl c Algcrnon
• Segundo os editores Raphael e Macfie, Smith se refere a 1be Heads of Sydn y, ambos acusados de en v lvimento na "c'JrL~piraçào d Hye llouse,
Il/ustrious Persons of Great Britain, engraven by Mr. Howbraken, and Mr. roram executados em 1682. N: o l1avia pmva, t'OilLudo, d • su:t p:r rticlp~rç:
fcrlva. (N. L'l lt T.)
Vertue, with their Lives and Characters, de 1743. (N. da R. T.)
300 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS 'EXIA P11R7E
30:1
p rig e pela m01te que enobrece a prof~ssão de s~l~ado, ~ Ih~ d motivo retira toda a nobr za elo con tr I . A ·ól ··ra incita ao
nfi re, na concepção natural da humamclade, pos1çao e dtgm- ataq~tt:, e às v zes, quando • sadada, d ixa à m.o stra uma sorte
dade superiores às de qualquer outra profissão. O exercício ha- de aragem e superioridade dia nte dom do. a iar ' t cólera é
bilidoso e bem-sucedido dessa profissão no serviço ao país pa- I r vezes bjero d vaidade; saciar o medo, jamais. Entr seus
rece ter constituído o traço mais distintivo do caráter dos heróis in~ riores, ou entre s que não se mrev m a r istlr-lh · os ho-
favoritos em todas as épocas. m n vaiei sos e frac s Ilào raro afetam ser ostensivamente pas-
Uma grande façanha bélica, embora empreendida contra si nais e sup- em qu , assim, mostram qu 'se bama de va -
todos os princípios de justiça, e levada adiante sem qualquer lor. Um fanfarrão conta muitas histórias de u~t própria Jnsolên-
consideração com a humanidade, às vezes nos interessa e até da, qu não sao verdad iras, e imagina que com i s s torna,
conquista algum grau de certa estima pelos vis caracteres que se não mau amá v ~J e re ·p itável pelo menos mais formldáv 1
a conduzem. Interessam-nos até mesmo as façanhas dos Buca- dianr de sua p latéia. Os ·o ru.rnes modernos qu _,em alg ms
neiros, e lemos com alguma estima e admiração a história dos caso , encorajam a viJJgan ·a privada, por favorecer m a prá-
homens mais vis que, em busca dos mais criminosos propósi- tica do duelo, talvez contribuam muit , nos tempos m dem,o~.
tos, suportaram durezas maiores, superaram dificuldades maio- pa ra torna r a restrição ela ·ólera peln medo ainda mais des-
res e encontraram perigos maiores do que talvez quaisquer prezível d qu do onu·á rio poderia par cer. H á .sempr algo
outros de que nos relate o curso comum da história. d igno no domínio cl med , s j·t qual fo r o motivos bre o qual
Em muitas ocasiões o domínio da cólera se mostra não me- este se funda. O mesmo nà ocorr nu que se r f re ao d -
nos generoso e nobre do que o do medo. A expressão apro- mínio da cólera: a meno · que e funde inteiramente s bre o
priada de justa indignação compõe muitas das mais esplêndidas s nso de decência, d dign idad , I ·onv nlência, nun ca - p r-
e admiráveis passagens da eloqüência, tanto antiga quanto mo- feitam me agradável.
derna . As Filípicas de Demóstenes, as Catilinárias de Cícero, A >ir de acordo 'Om s ditames da pmclência da justiça e
derivam toda a sua beleza da nobre propriedade com que essa da b neficência apropriada, pa re e nà c r gran Ie mérito s
paixão se expressa. Mas essa justa indignação nada mais é que não exist a tentação de agir de utra fonn·'L . Mas gir om fria
cólera refreacla e adequadamente moderada àquilo de que o d libera ão em meio aos maiores perigos dlf1 uldad s; ob er-
espectador imparcial pode partilhar. A paixão midosa e explo- var reUgio am m a a rraclas 1 gra · d justiça, a d ·spei.to qu r
siva que o excede é sempre odiosa e ofensiva, e nos importa, c1 s imensos interes. s que nos possam tentar, e das mnio1 s
não o homem irado, mas o homem com quem este está irado. ~ nsas 1ue nos pos run insligar a violá-la'; nun a t01 rar qu
Em muitas ocasiões, a nobreza do perdão revela-se superior até a I cnevorn ·a cl noss t mperamento . eja en fraq u dIa ou
mesmo à mais perfeira propriedade do ressentimento. Quan- de n rajada 1 eb malignidade c a ingratidã dos in livídu .
do a parte ofensora admite adequadamente , ou mesmo sem 'Om quem po a ter ido praticada, é cruncterístlca ela mais eJ ·-
admiti-lo, quando o interesse público requer que os inimigos vada ai ed ria e virtude. au r domínio não é apenas em ,'i •
mais mortais se unam para cumprimento de algum dever im- rnesmo uma granel vi n ud , m s cl le rodas as c>utr:: irtud s
portante, o homem que consegue pôr de lado toda a animosi- parecem d rlvru· seu prin ·pai bril ho.
dade e agir com confiança e cordialidade para com a pessoa donúni elo m d , domin io da ól ra, são 'empre
que mais dolorosamente o ofendeu parece merecer com jus- gl-andes e nobr s p der . Quand orientados pur justi :.t e b -
tiça nossa mais elevada admiração. n valência, não são apenas granel s irtudes, co.tno tamb m
Mas o domínio da cólera nem sempre se mostra sob cores aumentam o es plend r dessas outras v irtuc.l~ ·. Todavia às ve-
tão esplêndidas. O medo é o contrário ela cólera, e com fre- z s p dem ser oriemacl s p()r mo1ív s mtli to <.li -' r.sos
qüência é o motivo que a controla e, nesses casos, a baixeza cas , em! ra ain da grand s respeltii e is, r d m ser
300 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS 'EXIA P11R7E
30:1
p rig e pela m01te que enobrece a prof~ssão de s~l~ado, ~ Ih~ d motivo retira toda a nobr za elo con tr I . A ·ól ··ra incita ao
nfi re, na concepção natural da humamclade, pos1çao e dtgm- ataq~tt:, e às v zes, quando • sadada, d ixa à m.o stra uma sorte
dade superiores às de qualquer outra profissão. O exercício ha- de aragem e superioridade dia nte dom do. a iar ' t cólera é
bilidoso e bem-sucedido dessa profissão no serviço ao país pa- I r vezes bjero d vaidade; saciar o medo, jamais. Entr seus
rece ter constituído o traço mais distintivo do caráter dos heróis in~ riores, ou entre s que não se mrev m a r istlr-lh · os ho-
favoritos em todas as épocas. m n vaiei sos e frac s Ilào raro afetam ser ostensivamente pas-
Uma grande façanha bélica, embora empreendida contra si nais e sup- em qu , assim, mostram qu 'se bama de va -
todos os princípios de justiça, e levada adiante sem qualquer lor. Um fanfarrão conta muitas histórias de u~t própria Jnsolên-
consideração com a humanidade, às vezes nos interessa e até da, qu não sao verdad iras, e imagina que com i s s torna,
conquista algum grau de certa estima pelos vis caracteres que se não mau amá v ~J e re ·p itável pelo menos mais formldáv 1
a conduzem. Interessam-nos até mesmo as façanhas dos Buca- dianr de sua p latéia. Os ·o ru.rnes modernos qu _,em alg ms
neiros, e lemos com alguma estima e admiração a história dos caso , encorajam a viJJgan ·a privada, por favorecer m a prá-
homens mais vis que, em busca dos mais criminosos propósi- tica do duelo, talvez contribuam muit , nos tempos m dem,o~.
tos, suportaram durezas maiores, superaram dificuldades maio- pa ra torna r a restrição ela ·ólera peln medo ainda mais des-
res e encontraram perigos maiores do que talvez quaisquer prezível d qu do onu·á rio poderia par cer. H á .sempr algo
outros de que nos relate o curso comum da história. d igno no domínio cl med , s j·t qual fo r o motivos bre o qual
Em muitas ocasiões o domínio da cólera se mostra não me- este se funda. O mesmo nà ocorr nu que se r f re ao d -
nos generoso e nobre do que o do medo. A expressão apro- mínio da cólera: a meno · que e funde inteiramente s bre o
priada de justa indignação compõe muitas das mais esplêndidas s nso de decência, d dign idad , I ·onv nlência, nun ca - p r-
e admiráveis passagens da eloqüência, tanto antiga quanto mo- feitam me agradável.
derna . As Filípicas de Demóstenes, as Catilinárias de Cícero, A >ir de acordo 'Om s ditames da pmclência da justiça e
derivam toda a sua beleza da nobre propriedade com que essa da b neficência apropriada, pa re e nà c r gran Ie mérito s
paixão se expressa. Mas essa justa indignação nada mais é que não exist a tentação de agir de utra fonn·'L . Mas gir om fria
cólera refreacla e adequadamente moderada àquilo de que o d libera ão em meio aos maiores perigos dlf1 uldad s; ob er-
espectador imparcial pode partilhar. A paixão midosa e explo- var reUgio am m a a rraclas 1 gra · d justiça, a d ·spei.to qu r
siva que o excede é sempre odiosa e ofensiva, e nos importa, c1 s imensos interes. s que nos possam tentar, e das mnio1 s
não o homem irado, mas o homem com quem este está irado. ~ nsas 1ue nos pos run insligar a violá-la'; nun a t01 rar qu
Em muitas ocasiões, a nobreza do perdão revela-se superior até a I cnevorn ·a cl noss t mperamento . eja en fraq u dIa ou
mesmo à mais perfeira propriedade do ressentimento. Quan- de n rajada 1 eb malignidade c a ingratidã dos in livídu .
do a parte ofensora admite adequadamente , ou mesmo sem 'Om quem po a ter ido praticada, é cruncterístlca ela mais eJ ·-
admiti-lo, quando o interesse público requer que os inimigos vada ai ed ria e virtude. au r domínio não é apenas em ,'i •
mais mortais se unam para cumprimento de algum dever im- rnesmo uma granel vi n ud , m s cl le rodas as c>utr:: irtud s
portante, o homem que consegue pôr de lado toda a animosi- parecem d rlvru· seu prin ·pai bril ho.
dade e agir com confiança e cordialidade para com a pessoa donúni elo m d , domin io da ól ra, são 'empre
que mais dolorosamente o ofendeu parece merecer com jus- gl-andes e nobr s p der . Quand orientados pur justi :.t e b -
tiça nossa mais elevada admiração. n valência, não são apenas granel s irtudes, co.tno tamb m
Mas o domínio da cólera nem sempre se mostra sob cores aumentam o es plend r dessas outras v irtuc.l~ ·. Todavia às ve-
tão esplêndidas. O medo é o contrário ela cólera, e com fre- z s p dem ser oriemacl s p()r mo1ív s mtli to <.li -' r.sos
qüência é o motivo que a controla e, nesses casos, a baixeza cas , em! ra ain da grand s respeltii e is, r d m ser
302 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEXTA PARTE
303
sivarn >nl'e perigosos. A m ·tis inll pida bravura pocl • er empre- ci _s~'- .:~em_~ ran ·a, lecên~a , modéstia e mod ra ·ào, sao s m -
gada na causa elas mai r injusti -a . Entre g rand · provoca- J?' e a.m,~v 1. ~e ra ramente s·~ > ori ntadas paJa alguma 1wí fín _
ões a apar nt u-mqü ilid. de o bom hum r ultam às ve-
j
!idade. É ~a tn '<t11Sáv 1 ·< nstân i't c.less ,_ esfor os mais br:.trtd~s
zes a m a i d t rmJnada e ·ru I d i ào d vinga n . A força de ~<tm_ do~n l!lar-. e qLJe a amáv 1 virtude la castidade as resp ·_
espírito exigida para ~ssa di. simula · , embora sempre e ne- ra~ !S vutu_d s d a d il!g An ·ia e da fruga.lithde XLra~m todo I
cessariamente co nraminacl pe la baixeza da falsidade, têm-na bniJ1 sól no qu as _acompanha. A conciLtta d l lo.s 5 que se
admirado com freqüência muitos homens de discernimento na- n_lentam ~1 · ~g uu· pdas humildes trilhas da vid priv~t da e
da desprezível. A dissimulação de Catarina de Médicis é mui- pa~fic~t rettra I m. smo princípio a maio r parte da belez~1 e
tas vezes celebrada pelo profundo historiador Dávila; a de Lorde gra ~ y_u il1e p 1tcncem- I dez::~ e graça qu -, eml 0111 mu ito me-
Digby, depois Conde de Brístol, pelo grave e consciencioso Lor- na. ~ulgurantes; nem :;eJ~lpre ·ão mer:_os agrad á vei. d o que a.s
de Clarendon; a do primeiro Ashley, Conde de Shaftesbmy, pe- qu~ a mpa nba m as a o .s mais esple ndida.s do h rói do s-
lo judicioso Sr. Locke*. Até Cícero parece considerar que esse t..'ld tsta, u elo legi la lo r.
caráter enganador, embora de fato não seja altamente digno, . Tendo em vista qu já s · afirmou •m á rias part . d ._
não é inadequado a certa flexibilidade de maneiras, a qual julga 1. " dJscurs~ ~o que .<; refe re à narure~w do autodomín.io jul~s
em geral agradável e respeitável. Exemplifica-o com os caracte- I s~e- :.ss<~no e ntrar em mais der.~lh s bre ·tqu la.s virtudes.
res do Ulisses de Homero, do ateniense Temístocles, do esparta- Ohse,I var apena , por o ra q u ponto c1 • ·onveniência 0
no Lisandro, e do romano Marco Crasso. Esse caráter de sombria ~~-a u~ ~ ~ qu·~ l_quer paixà.o que um e ·p. era I r ímpar 'ai apr ~a­
e profunda dissimulação ocorre mais comumente em tempos de ' i~, .es~~ ~fe~ meme~te _·Jru:o~do nas dJVe rsas p::llxoes. E111 algu -
grande desordem pública - em meio à violência da dissensão e mas P.aJ.Xo :; o x es:;o e m nos desagrad:.í vel do c1u ·t f.-. Jta· ••
Cl11 r IS . ' < " ' ' ~
guerra civil. Quando a lei se tomou em grande medida impoten- _ a·. pmx . • o p~nto de .nv ·niê n cia par <.:c I ca li za r-. -·
te, quando a mais perfeita inocência é incapaz, por si só, de as- nu_a~o o u_m-.ts próxm1 do x ss do que da f~tlra . .Em o ulra
segurar segurança, a consideração pela autodefesa obriga a p<~~xo~s ,_a fall~t é m no::; d 'sagJ•t.dá.ve.l do que o cxc s,<;o; em
maior parte dos homens a recorrer à sagacidade, à eloqüência, e ta is pa.t.'<.o·e·s. u P_
or:ro d · c:onv niên ·i:l pa re · • localiz·'lr-se cmbai-
à aparente acomodação ao que seja por enquanto o partido do- x_>, ou 111?'~ prox1mo da fa lta o qu do exv ·so. s primeiras
minante. Além disso, esse caráter falso é freqüentemente acom- S't a · paLX: es com que o esp ·mdor e. Lá mais di. 1 :;to :J (dli-
panhado da mais fria e determinada coragem. O exercício apro- ma_ as ~ om qu está menos disp osto a simpatizar. s pri-
priado da falsidade impõe coragem, pois a mmte é comum me ~n eu~s sa _ t'Lmbém as paixões cl..lja sens:tção ou s mimento
a conseqüência certeira da detecção. Pode ser empregada indi t ~n d1at agra d , vel < pessoa principalment atingida as úl -
tintamente, seja para exasperar, seja para apaziguar as furiosas tima'. as q u Ih ' são d e · agi-:.tdCtv i. . Pc de-se estabelec r o rn
animosidades das facções adversas, as quais impõem a necessi- r~gra geral~ q u _a. paixõ com que o espe rador está mais in-
dade de admiti-la; e embora às vezes seja útil, é pelo menos ~ mado_~ SH:'P:JD~~ar n_a · qu·li ·, por isso, ·e d i.z que o ponto de
igualmente passível de ser excessivamente perniciosa. conv ~me no~ está loca1t7.ad o n aJt , :ão aq ue las ~uja sen.saç:'io
O domínio das paixões menos violentas e turbulentas pare- ou ema ·o unediata é ma i. ou menos agr<'tclável ã p • ·s a pr.i-
ce muito menos passível de abuso por algum propósito pemi-
.. _ • "St:md ,_,1gb", no original. l.lteJ. lm ' nre, significa ''t ·r em :1 lt.1 <.:unta ",
•. ~umui:J r : tç . 1\ ~cgu ll', no 111 m o par.ígrafo, Smlth utÜi2:l :• •xpres.~ão
' Enrico Caterino Dávila, Hi.storia detle guerre civili di Francia (1630); .sta n~I IO,w'_, o_que mdJc<trb "te r em pouc:t onw ". ~ 1rr ·• no e11 1anto. qu<: 1
Edward Hyde, Earl of Clarendon, Hi.story of the Rebellion and Civil Wars in ~o. p.1r:1grafo claramente se ml LUI"llll ns linguag ns •·mural " :1 "g ·ométri-
England; John Locke, "Memoirs relating to the life of Anthony, First Earl of ~.1 · Tudo · ' passa :o rn se fo$-~e posslvtl medir o J1 0 IHO cle t:unvcntênci:L j
Shaftesbury'". (N. da R. T.) (N. dn lt T.l ·
302 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEXTA PARTE
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sivarn >nl'e perigosos. A m ·tis inll pida bravura pocl • er empre- ci _s~'- .:~em_~ ran ·a, lecên~a , modéstia e mod ra ·ào, sao s m -
gada na causa elas mai r injusti -a . Entre g rand · provoca- J?' e a.m,~v 1. ~e ra ramente s·~ > ori ntadas paJa alguma 1wí fín _
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j
!idade. É ~a tn '<t11Sáv 1 ·< nstân i't c.less ,_ esfor os mais br:.trtd~s
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espírito exigida para ~ssa di. simula · , embora sempre e ne- ra~ !S vutu_d s d a d il!g An ·ia e da fruga.lithde XLra~m todo I
cessariamente co nraminacl pe la baixeza da falsidade, têm-na bniJ1 sól no qu as _acompanha. A conciLtta d l lo.s 5 que se
admirado com freqüência muitos homens de discernimento na- n_lentam ~1 · ~g uu· pdas humildes trilhas da vid priv~t da e
da desprezível. A dissimulação de Catarina de Médicis é mui- pa~fic~t rettra I m. smo princípio a maio r parte da belez~1 e
tas vezes celebrada pelo profundo historiador Dávila; a de Lorde gra ~ y_u il1e p 1tcncem- I dez::~ e graça qu -, eml 0111 mu ito me-
Digby, depois Conde de Brístol, pelo grave e consciencioso Lor- na. ~ulgurantes; nem :;eJ~lpre ·ão mer:_os agrad á vei. d o que a.s
de Clarendon; a do primeiro Ashley, Conde de Shaftesbmy, pe- qu~ a mpa nba m as a o .s mais esple ndida.s do h rói do s-
lo judicioso Sr. Locke*. Até Cícero parece considerar que esse t..'ld tsta, u elo legi la lo r.
caráter enganador, embora de fato não seja altamente digno, . Tendo em vista qu já s · afirmou •m á rias part . d ._
não é inadequado a certa flexibilidade de maneiras, a qual julga 1. " dJscurs~ ~o que .<; refe re à narure~w do autodomín.io jul~s
em geral agradável e respeitável. Exemplifica-o com os caracte- I s~e- :.ss<~no e ntrar em mais der.~lh s bre ·tqu la.s virtudes.
res do Ulisses de Homero, do ateniense Temístocles, do esparta- Ohse,I var apena , por o ra q u ponto c1 • ·onveniência 0
no Lisandro, e do romano Marco Crasso. Esse caráter de sombria ~~-a u~ ~ ~ qu·~ l_quer paixà.o que um e ·p. era I r ímpar 'ai apr ~a­
e profunda dissimulação ocorre mais comumente em tempos de ' i~, .es~~ ~fe~ meme~te _·Jru:o~do nas dJVe rsas p::llxoes. E111 algu -
grande desordem pública - em meio à violência da dissensão e mas P.aJ.Xo :; o x es:;o e m nos desagrad:.í vel do c1u ·t f.-. Jta· ••
Cl11 r IS . ' < " ' ' ~
guerra civil. Quando a lei se tomou em grande medida impoten- _ a·. pmx . • o p~nto de .nv ·niê n cia par <.:c I ca li za r-. -·
te, quando a mais perfeita inocência é incapaz, por si só, de as- nu_a~o o u_m-.ts próxm1 do x ss do que da f~tlra . .Em o ulra
segurar segurança, a consideração pela autodefesa obriga a p<~~xo~s ,_a fall~t é m no::; d 'sagJ•t.dá.ve.l do que o cxc s,<;o; em
maior parte dos homens a recorrer à sagacidade, à eloqüência, e ta is pa.t.'<.o·e·s. u P_
or:ro d · c:onv niên ·i:l pa re · • localiz·'lr-se cmbai-
à aparente acomodação ao que seja por enquanto o partido do- x_>, ou 111?'~ prox1mo da fa lta o qu do exv ·so. s primeiras
minante. Além disso, esse caráter falso é freqüentemente acom- S't a · paLX: es com que o esp ·mdor e. Lá mais di. 1 :;to :J (dli-
panhado da mais fria e determinada coragem. O exercício apro- ma_ as ~ om qu está menos disp osto a simpatizar. s pri-
priado da falsidade impõe coragem, pois a mmte é comum me ~n eu~s sa _ t'Lmbém as paixões cl..lja sens:tção ou s mimento
a conseqüência certeira da detecção. Pode ser empregada indi t ~n d1at agra d , vel < pessoa principalment atingida as úl -
tintamente, seja para exasperar, seja para apaziguar as furiosas tima'. as q u Ih ' são d e · agi-:.tdCtv i. . Pc de-se estabelec r o rn
animosidades das facções adversas, as quais impõem a necessi- r~gra geral~ q u _a. paixõ com que o espe rador está mais in-
dade de admiti-la; e embora às vezes seja útil, é pelo menos ~ mado_~ SH:'P:JD~~ar n_a · qu·li ·, por isso, ·e d i.z que o ponto de
igualmente passível de ser excessivamente perniciosa. conv ~me no~ está loca1t7.ad o n aJt , :ão aq ue las ~uja sen.saç:'io
O domínio das paixões menos violentas e turbulentas pare- ou ema ·o unediata é ma i. ou menos agr<'tclável ã p • ·s a pr.i-
ce muito menos passível de abuso por algum propósito pemi-
.. _ • "St:md ,_,1gb", no original. l.lteJ. lm ' nre, significa ''t ·r em :1 lt.1 <.:unta ",
•. ~umui:J r : tç . 1\ ~cgu ll', no 111 m o par.ígrafo, Smlth utÜi2:l :• •xpres.~ão
' Enrico Caterino Dávila, Hi.storia detle guerre civili di Francia (1630); .sta n~I IO,w'_, o_que mdJc<trb "te r em pouc:t onw ". ~ 1rr ·• no e11 1anto. qu<: 1
Edward Hyde, Earl of Clarendon, Hi.story of the Rebellion and Civil Wars in ~o. p.1r:1grafo claramente se ml LUI"llll ns linguag ns •·mural " :1 "g ·ométri-
England; John Locke, "Memoirs relating to the life of Anthony, First Earl of ~.1 · Tudo · ' passa :o rn se fo$-~e posslvtl medir o J1 0 IHO cle t:unvcntênci:L j
Shaftesbury'". (N. da R. T.) (N. dn lt T.l ·
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEXTA PARTE
304 305
. te ·• r· g· cta· que ao contrário as paixões om tue prin ípio, m cuj excesso e imprópria orie.nt'l ão onsist a
me1ra1n · n " 111 1 ' · ' . ,. .
·tad< r e tá m no disposto a simpati zar m q ue, J?OI fio, a , detestá v J paixão da inv ja, pode s r lmperf, it . A
0
esp.~., pont de conveniência stá lo <tlizad emh~lx inv ja é a paixão que vê com maligno cl gosto a supedorida le
essa 1az. o, 0 · d' • · menos
sa- ::IQLIe la, ' L~'I"'"' ensarão
.,.
ou moção tOle ta ta . mall5
.
ou ' .
tu dos q ue reaJm nt têm direito a tod a ~~ S1.1p~:: riorídad q u a pos-
1 sag r~ICIar. v. e1, ou até -loloJ'OS'I pam a pes oa prtm trnmcnte a , _
L • • ·u m. P rém o h omem que, m questões i111po1tant s toJera
ida. Etsa r gra eral, aré ond pud ~~ ob, etvar,_não adn1lte uma mansam me que o un·as pess a , nã te.nd direito a tal supe-
~(> exce ·v1o. Pouco X! mplos bastai'"'<~~ a um so tempo para ex- rioridad , ergam-se acima d le ou se ponham na sua freme é
Licá-la e para 1 01 n rar sua verac1dade. ond nado, justamente, c mo medío re. J;-lab.itualmenre ssa
p A disp si ·ã para a~ t . qu tendem a unir os h ~e~~ em fraq uezas funda sobr indolA ncla, à· vezes sobre afabilidade
í · lade 111 humanit~11;sm , bondade ·lfeto natural, am1zade,
sooec , d t- ' X essa aversão à oposição, ao ~llvoroço à súplica,, e, ademais, so-
·ma pode às vezes ser excessiva. Contu o, a e o t:
es tI , . Ih . l to bre uma esp ' de de magnanimidade mal interpretada que, ima-
dessa disposição toma um homem JDtere~aot~ aos o . . s ~
g in ando-se ca paz de seguir despr zando a vantagem que ora
dos. Embora censuremos esse excesso, rund o n. tcl !am .s
despreza, tão facilmenr sucu mbe. Mas tal fraqueza habiw al-
com compaixão ou até bondad nun. ·a c m ~':sg ~to. : ~ua~s
mente é a mpa nhada d · mui r arr p ncUmemo e r morsa,
digno de pena que de raiva. Em n1u1tns > as1oe , to.l tal tats
afetos excessivos não é, para ' I pr I? ".l~l p ·s oa, ~tpenas ~~ra­ e o qu de in1 io p ssuía rta a parência de magnanim.ida d ,
dável, como ainda delicioso. Con: fe 1t~, rn mu.m~s ocastoes, muitas vezes ceei lugar, por fim , à mais maligna inveja e a
um d.io à . up rioridade- a que p dem realment ter direi-
0 excesso a expõe a uma verdadetra e smcera afl1çao, s~?;et~­
do se está voltado para objetos indignos, que co~ frequen~la to s qu uma vez a ai ançaram-, pelo mero fato de a terem
ocotre. Mesmo nessas ocasiões, ntr 'tanto, um espmto be~ dis- alcançado. A fim d , se viver c nfortavelmente n mundo,
posto considera-o com a mais c~ licada pieda~e , e nLe lme_n- empre n 'C sário de/i oder tanto nossa djgnidad posição
sa indignação contra os que afetam despreza-Ia p la sua_f~a- como ·a :. a vid~ u no a fortuna .
. queza e im rudên ·ia. A falta dessa disposição,. ao co_ntrano, N ssa sensil ili.d·tde a pe rigo e atlição pessoa is, ! m o-
chamada du r za d coração, se torna o homem mse.nstvel aos mo a ens ibilidad 1 provoca ·ào pessoaJ, t nd a ofender mais
sentimentos e aflições dos outros, toma os o~tros Igualmen- pelo exc sso do que p la falta . N'enhu m cará ter ' ma is des-
te insensíveis aos dele; e, excluindo-o da am~zade de todo o pr z1vel d que o de um cova rde- nenhum carât r mais, dmj-
mun do , também 0 exclui dos melhores e mats confortadores rado do q~1 o do bomem que enfrenta a mor1 , com intr pidez,
prazeres sociais. on erva 81.1< n-anqüiHdade e presença d spírito pemme os
Ao contrário, a disp< si -o pa ra a ~ t s que afastam os ho- Hlais l orríveis p rigos. Estimamos o homem que supo rta a dor
mens uns dos outros, com te n le sem a _romp:r ?s ~aços ar' m smo a l .rtura com virilidad fm11eza, pod mos r r
da sociedade humana; a disposição para a colera, odto, mve- pou ' I consideração por quem, d ixand -se abarer, abandona-
ja, mali ia, vingança, - muit mais capaz de ofender pelo. seu s a gr.itos inútejs e lamenta ões afeminada . m temp ramen-
-cesso do que pela sua fa lta. < excesso toma u.m hom~m.mf~­ to irritadiço sendo excessivamenre en ·ível a qualquer p · qu -
liz e desgraçado aos seus próprios olhos, e objeto do od1o, as na ontrari cladc, torna um h mem mis rável a us prôpri s
vezes até de horror, aos olhos dos outros. Rar~mente s~ r~­ olhos ofensivo aos olho dos outros. m temp ramento ca l-
clama da falta. Esta, entretanto, pode ser imperfetta. A_ ause~cta m não permite que pequenas ofensas ou p q uenos desastres
de indignação apropriada é a principal fa~ta do carater vtgo- in identes ao curso habitual dos n góci s humano., p 1turbem
roso e em muitas ocasiões toma o homem mcapaz de proteger sua tranqüilidade ; e, em m ·io aos m, les mtturais e morais qu
de i~sultos e injustiças a si ou a seus amigos. Mesmo aquele infestam o mundo , nã s abat toleran lo um p u o d am-
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. te ·• r· g· cta· que ao contrário as paixões om tue prin ípio, m cuj excesso e imprópria orie.nt'l ão onsist a
me1ra1n · n " 111 1 ' · ' . ,. .
·tad< r e tá m no disposto a simpati zar m q ue, J?OI fio, a , detestá v J paixão da inv ja, pode s r lmperf, it . A
0
esp.~., pont de conveniência stá lo <tlizad emh~lx inv ja é a paixão que vê com maligno cl gosto a supedorida le
essa 1az. o, 0 · d' • · menos
sa- ::IQLIe la, ' L~'I"'"' ensarão
.,.
ou moção tOle ta ta . mall5
.
ou ' .
tu dos q ue reaJm nt têm direito a tod a ~~ S1.1p~:: riorídad q u a pos-
1 sag r~ICIar. v. e1, ou até -loloJ'OS'I pam a pes oa prtm trnmcnte a , _
L • • ·u m. P rém o h omem que, m questões i111po1tant s toJera
ida. Etsa r gra eral, aré ond pud ~~ ob, etvar,_não adn1lte uma mansam me que o un·as pess a , nã te.nd direito a tal supe-
~(> exce ·v1o. Pouco X! mplos bastai'"'<~~ a um so tempo para ex- rioridad , ergam-se acima d le ou se ponham na sua freme é
Licá-la e para 1 01 n rar sua verac1dade. ond nado, justamente, c mo medío re. J;-lab.itualmenre ssa
p A disp si ·ã para a~ t . qu tendem a unir os h ~e~~ em fraq uezas funda sobr indolA ncla, à· vezes sobre afabilidade
í · lade 111 humanit~11;sm , bondade ·lfeto natural, am1zade,
sooec , d t- ' X essa aversão à oposição, ao ~llvoroço à súplica,, e, ademais, so-
·ma pode às vezes ser excessiva. Contu o, a e o t:
es tI , . Ih . l to bre uma esp ' de de magnanimidade mal interpretada que, ima-
dessa disposição toma um homem JDtere~aot~ aos o . . s ~
g in ando-se ca paz de seguir despr zando a vantagem que ora
dos. Embora censuremos esse excesso, rund o n. tcl !am .s
despreza, tão facilmenr sucu mbe. Mas tal fraqueza habiw al-
com compaixão ou até bondad nun. ·a c m ~':sg ~to. : ~ua~s
mente é a mpa nhada d · mui r arr p ncUmemo e r morsa,
digno de pena que de raiva. Em n1u1tns > as1oe , to.l tal tats
afetos excessivos não é, para ' I pr I? ".l~l p ·s oa, ~tpenas ~~ra­ e o qu de in1 io p ssuía rta a parência de magnanim.ida d ,
dável, como ainda delicioso. Con: fe 1t~, rn mu.m~s ocastoes, muitas vezes ceei lugar, por fim , à mais maligna inveja e a
um d.io à . up rioridade- a que p dem realment ter direi-
0 excesso a expõe a uma verdadetra e smcera afl1çao, s~?;et~­
do se está voltado para objetos indignos, que co~ frequen~la to s qu uma vez a ai ançaram-, pelo mero fato de a terem
ocotre. Mesmo nessas ocasiões, ntr 'tanto, um espmto be~ dis- alcançado. A fim d , se viver c nfortavelmente n mundo,
posto considera-o com a mais c~ licada pieda~e , e nLe lme_n- empre n 'C sário de/i oder tanto nossa djgnidad posição
sa indignação contra os que afetam despreza-Ia p la sua_f~a- como ·a :. a vid~ u no a fortuna .
. queza e im rudên ·ia. A falta dessa disposição,. ao co_ntrano, N ssa sensil ili.d·tde a pe rigo e atlição pessoa is, ! m o-
chamada du r za d coração, se torna o homem mse.nstvel aos mo a ens ibilidad 1 provoca ·ào pessoaJ, t nd a ofender mais
sentimentos e aflições dos outros, toma os o~tros Igualmen- pelo exc sso do que p la falta . N'enhu m cará ter ' ma is des-
te insensíveis aos dele; e, excluindo-o da am~zade de todo o pr z1vel d que o de um cova rde- nenhum carât r mais, dmj-
mun do , também 0 exclui dos melhores e mats confortadores rado do q~1 o do bomem que enfrenta a mor1 , com intr pidez,
prazeres sociais. on erva 81.1< n-anqüiHdade e presença d spírito pemme os
Ao contrário, a disp< si -o pa ra a ~ t s que afastam os ho- Hlais l orríveis p rigos. Estimamos o homem que supo rta a dor
mens uns dos outros, com te n le sem a _romp:r ?s ~aços ar' m smo a l .rtura com virilidad fm11eza, pod mos r r
da sociedade humana; a disposição para a colera, odto, mve- pou ' I consideração por quem, d ixand -se abarer, abandona-
ja, mali ia, vingança, - muit mais capaz de ofender pelo. seu s a gr.itos inútejs e lamenta ões afeminada . m temp ramen-
-cesso do que pela sua fa lta. < excesso toma u.m hom~m.mf~­ to irritadiço sendo excessivamenre en ·ível a qualquer p · qu -
liz e desgraçado aos seus próprios olhos, e objeto do od1o, as na ontrari cladc, torna um h mem mis rável a us prôpri s
vezes até de horror, aos olhos dos outros. Rar~mente s~ r~­ olhos ofensivo aos olho dos outros. m temp ramento ca l-
clama da falta. Esta, entretanto, pode ser imperfetta. A_ ause~cta m não permite que pequenas ofensas ou p q uenos desastres
de indignação apropriada é a principal fa~ta do carater vtgo- in identes ao curso habitual dos n góci s humano., p 1turbem
roso e em muitas ocasiões toma o homem mcapaz de proteger sua tranqüilidade ; e, em m ·io aos m, les mtturais e morais qu
de i~sultos e injustiças a si ou a seus amigos. Mesmo aquele infestam o mundo , nã s abat toleran lo um p u o d am-
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEXTA PARTE 307
306
dá a todo s seu fazer. É om g~nd for ·o que o indivíd uo f'l >rt.1- ' perf< l~•­
m "nte b m, j)OJS a colll nda entJ:e os dois prin ípio. , a hosti-
lida l dentro do peitO, po I s r d masiac.lo vio lenta p. 1• s r
e m tudo congru 'nte o m a u-anqüilkhd e fe licidad inte ri r.
O homem sábio, a quem a natureza dotou dessa sensibilidade
e ' siv~ meme a~uda, e cujos sentim mos cl tn'lSiado vigoro -
sos não_foram SLÜici ntemente emb ta dos e ndureddos pe la
ed u ~ .'a prec pelo exercício a 1 ropria.do, tanr quanto
permit~ren: o _dever : a conveniência, evitará as situações para
as quais nao e perfeitamente adequado. O homem cuja consti-
tuição frágil e delicada o torna demasiado sensível à dor às
?e
dur~zas. e à [ l<t sorte sofrimento físico, não deveria abr~çar
arbltranamente a profissão de soldado. O homem com sensi-
bilidade excessiva à ofensa não deve engajar-se precipitada-
mente em contendas entre facções. Embora o senso de con-
veniência seja forte o bastante para dominar todas essas sen-
sibilidades, o conflito deve sempre perturbar a compostura do
espírito. Nessa desordem, o discernimento nem sempre pode
man~er s~a acurácia e precisão habituais, e ainda que sempre
deseje agir de modo apropriado, pode muitas vezes agir com
tal pr~cipitação e impmdência, que mais tarde há de se enver-
gonhar para sempre. Certa intrepidez, certa firmeza de nervos
e resistência de constituição, sejam naturais ou adquiridas, são
sem dúvida os melhores preparativos para todos os grandes
esforços do autodomínio.
Embora a guerra e a facção sejam certamente as melho-
res escolas para formar todo homem nessa dureza e firmeza
de temperamento, embora sejam os melhores remédios para
curá-lo das fraquezas opostas, contudo, se o dia do juízo su-
cedesse ocorrer antes de ter aprendido completamente a lição,
antes de o remédio ter tempo de produzir seu efeito adequado,
as conseqüências poderiam não ser agradáveis.
Do mesmo modo, nossa sensibilidade aos prazeres, diver-
sões e gozos da vida humana podem ofender quer pelo exces-
so, quer pela falta . Dos dois, porém, o excesso parece menos
desagradável do que a falta. Tanto para o espectador quanto
para a pessoa diretamente afetada, uma forte propensão para
a alegria certamente agrada mais do que uma insensibilidade
embotada aos objetos de divertimento e distração. Encanta-nos
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEXTA PARTE 307
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dá a todo s seu fazer. É om g~nd for ·o que o indivíd uo f'l >rt.1- ' perf< l~•­
m "nte b m, j)OJS a colll nda entJ:e os dois prin ípio. , a hosti-
lida l dentro do peitO, po I s r d masiac.lo vio lenta p. 1• s r
e m tudo congru 'nte o m a u-anqüilkhd e fe licidad inte ri r.
O homem sábio, a quem a natureza dotou dessa sensibilidade
e ' siv~ meme a~uda, e cujos sentim mos cl tn'lSiado vigoro -
sos não_foram SLÜici ntemente emb ta dos e ndureddos pe la
ed u ~ .'a prec pelo exercício a 1 ropria.do, tanr quanto
permit~ren: o _dever : a conveniência, evitará as situações para
as quais nao e perfeitamente adequado. O homem cuja consti-
tuição frágil e delicada o torna demasiado sensível à dor às
?e
dur~zas. e à [ l<t sorte sofrimento físico, não deveria abr~çar
arbltranamente a profissão de soldado. O homem com sensi-
bilidade excessiva à ofensa não deve engajar-se precipitada-
mente em contendas entre facções. Embora o senso de con-
veniência seja forte o bastante para dominar todas essas sen-
sibilidades, o conflito deve sempre perturbar a compostura do
espírito. Nessa desordem, o discernimento nem sempre pode
man~er s~a acurácia e precisão habituais, e ainda que sempre
deseje agir de modo apropriado, pode muitas vezes agir com
tal pr~cipitação e impmdência, que mais tarde há de se enver-
gonhar para sempre. Certa intrepidez, certa firmeza de nervos
e resistência de constituição, sejam naturais ou adquiridas, são
sem dúvida os melhores preparativos para todos os grandes
esforços do autodomínio.
Embora a guerra e a facção sejam certamente as melho-
res escolas para formar todo homem nessa dureza e firmeza
de temperamento, embora sejam os melhores remédios para
curá-lo das fraquezas opostas, contudo, se o dia do juízo su-
cedesse ocorrer antes de ter aprendido completamente a lição,
antes de o remédio ter tempo de produzir seu efeito adequado,
as conseqüências poderiam não ser agradáveis.
Do mesmo modo, nossa sensibilidade aos prazeres, diver-
sões e gozos da vida humana podem ofender quer pelo exces-
so, quer pela falta . Dos dois, porém, o excesso parece menos
desagradável do que a falta. Tanto para o espectador quanto
para a pessoa diretamente afetada, uma forte propensão para
a alegria certamente agrada mais do que uma insensibilidade
embotada aos objetos de divertimento e distração. Encanta-nos
308 TEORIA DOS SEN11MENTOS MORAIS SEXTA PARTE
309
a alegria da juventude, ou mesmo os folguedos da infância, e
Ao estim<t rmos nosso pr prio mé rito, a' ju lg3rnlo nos-
logo nos cansamos da gravidade superficial e sem gosto que s própri<> aráter conduta, bá doi p d rô s d if, re ntes com
com excessiva freqüência acompanha a velhice. Quando essa s qua is naruralm nte os compara mos. O pr.imeiro é a idéia d ~
propensão não é, com efeito, refreada pelo senso de conve- Xàta ·onv niê.n. ia e pe rfe ição , n a medida e m q ue ad a um
niência, quando é inadequada ao tempo ou lugar, à idade ou d nós ' 'lpaz ti c mpree nde r essa idé ia. O o utro aquele
situação da pessoa, quando para satisfazê-la negligencia ou seu g rau de aproxi ma o c m es a id ' ia que habitu alm nt se
interesse ou seu dever, é com justiça censurada como exces- oi r' rn no mundo , e qu a maior parte ele n ssos ~ rnigos o m-
siva e como prejudicial tanto ao indivíduo, como à sociedade. panheiros riva is e c mJ eticlo res, pode ter rca lm nt atingido.
Na maioria desses casos, porém, critica-se principalmente me- Muito rara me nre (in d ino-m -· p nsar que nunca) rentamc s jul-
nos a força da propensão para a alegria, que a fraqueza do sen- gar a nós mesm s sem at · ntt~ rmos d um modo ou d ouu·o pa-
so de conveniência e dever. Um jovem que não tenha gosto pe- ra esses dois clifer · ntes padrões. M as a atenção de dlfer nte..<; lt -
las diversões e distrações naturais e adequadas à sua idade, que mens, e até do mesmo h mem em distintos momentos muitas
não fala senão de seu livro ou seus negócios, desagrada por v z s cliv ide muito desigua lment enu·e tais padrões, dirigin-
seu formalismo e pedantismo; e não lhe damos crédito por sua do-se a lgumas vezes, prin 'palme nt para um , algumas vezes
abstinência, nem mesmo de prazeres impróprios, para a qual pçu·a outro .
parece ter tão pouca inclinação. Na m edida em que nos. a aten 'ào s cJjrig p;u~t o prim i-
O princípio da auto-estima pode ser muito elevado e, ro rltério, o mais sábio e m •lh or de n. •s na h pod ve r em s u
igualmente, muito baixo. É tão agradável julgarmo-nos favo- pró pri o ·arát r conduta, sem o fmqueza • tmper:fei çào; não
ravelmente, e tão desagradável julgarmo-nos medíocres, que a c n egu d c I rir fund ament algu m para a rrogân cia e pre-
própria pessoa não duvida de que algum grau de excesso deve sunção, ma · inLimeras razões pa ra humildatl , remors e · r.re-
ser menos desagradável do que qualquer grau de falta. Mas tal- p nd im nto. N::~ me lida e m que noss~1 at nçà se d irig<.! para
vez se pense que para o espectador imparcial as coisas devam egun Jo, podem o. ser afetados de um m do ou d uLro, s n-
se mostrar de modo bastante diverso, e que para ele a falta deva ti nd -nos re lm m a irrut o u realm ntc abaixe tlu 1 adrão a
sempre ser menos desagradável do que o excesso. Certamente que n · com para mos.
criticamos nossos companheiros muito mais pelo último do que O hom 11 sábio e virt uoso cJJrig SLI<l prin ·iJ a.J at ' n ~ o pa-
pela primeira. Quando são arrogantes conosco, ou se colocam ra o prim ir 1 ad r'ào- a ld · ia da ex<U'l conven iên ia p rfe i-
em preeminência em relação a nós, sua auto-estima mortifica ··lo . .Existe n espú-ito de t do hom ~ m Lllml i.clé ia d sse rip ,
a nossa . Nosso orgulho e vaidade nos incitam a acusá-los de gradualment formada de suas t bserva ·ões sobre o caráter
orgulho e vaidade, e cessamos de ser os espectadores impar- nd uw tanto ele si mesm , como de 1.-ltr:. " r ssoas. Trata-se
ciais de sua conduta. Mas, quando os mesmos companheiros cJo trabalho lento, rradu al e pr g r s ·ivo d. gnnd se mideus
toleram que qualquer outro homem arrogue-se uma superiori- d ntro d peito, o granel ~ jlliz á rhitro la ·o nduta. Es a idéia
dade que não possui, não apenas os censuramos, mas muitas est:í mais u me nos delineada com pr •cisão "111 todo h >mem ,
vezes os desprezamos como ignóbeis. Ao contrário, quando en- suas ·ore · sã mais ou me no justas, seus t·omo nl<>s, desenh·t-
tre outras pessoas sobressaem um pouco mais, e ascendem a d s com ma i r ou m n or exatidão, s g undo a I ~ !i ·aclez:.1 e
uma altura que julgamos desproporcional ao seu mérito, em- a urá ia da se n. ibili dade com qu aqu las l · rvaçõ s fo-
bora não aprovemos inteiramente sua conduta, isso tudo com t"a m B i tas, e segundo cuidado e aten ão e mpregado · ao fa-
freqüência nos diverte; e se o caso não for de inveja, quase sem- zê-l ~l s . b mem sá l io e virru oso, fo ram feilas o m a ma l,
pre desagradam-nos muito menos do que se se tivessem dei- aguda d li atl s nsibilicl:tde, e o mais ex:tretl'l< cui bd >
xado cair abaixo da sua posição adequada. atenção foram empregados ao fazê-las. Todo dia melhora-se
308 TEORIA DOS SEN11MENTOS MORAIS SEXTA PARTE
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a alegria da juventude, ou mesmo os folguedos da infância, e
Ao estim<t rmos nosso pr prio mé rito, a' ju lg3rnlo nos-
logo nos cansamos da gravidade superficial e sem gosto que s própri<> aráter conduta, bá doi p d rô s d if, re ntes com
com excessiva freqüência acompanha a velhice. Quando essa s qua is naruralm nte os compara mos. O pr.imeiro é a idéia d ~
propensão não é, com efeito, refreada pelo senso de conve- Xàta ·onv niê.n. ia e pe rfe ição , n a medida e m q ue ad a um
niência, quando é inadequada ao tempo ou lugar, à idade ou d nós ' 'lpaz ti c mpree nde r essa idé ia. O o utro aquele
situação da pessoa, quando para satisfazê-la negligencia ou seu g rau de aproxi ma o c m es a id ' ia que habitu alm nt se
interesse ou seu dever, é com justiça censurada como exces- oi r' rn no mundo , e qu a maior parte ele n ssos ~ rnigos o m-
siva e como prejudicial tanto ao indivíduo, como à sociedade. panheiros riva is e c mJ eticlo res, pode ter rca lm nt atingido.
Na maioria desses casos, porém, critica-se principalmente me- Muito rara me nre (in d ino-m -· p nsar que nunca) rentamc s jul-
nos a força da propensão para a alegria, que a fraqueza do sen- gar a nós mesm s sem at · ntt~ rmos d um modo ou d ouu·o pa-
so de conveniência e dever. Um jovem que não tenha gosto pe- ra esses dois clifer · ntes padrões. M as a atenção de dlfer nte..<; lt -
las diversões e distrações naturais e adequadas à sua idade, que mens, e até do mesmo h mem em distintos momentos muitas
não fala senão de seu livro ou seus negócios, desagrada por v z s cliv ide muito desigua lment enu·e tais padrões, dirigin-
seu formalismo e pedantismo; e não lhe damos crédito por sua do-se a lgumas vezes, prin 'palme nt para um , algumas vezes
abstinência, nem mesmo de prazeres impróprios, para a qual pçu·a outro .
parece ter tão pouca inclinação. Na m edida em que nos. a aten 'ào s cJjrig p;u~t o prim i-
O princípio da auto-estima pode ser muito elevado e, ro rltério, o mais sábio e m •lh or de n. •s na h pod ve r em s u
igualmente, muito baixo. É tão agradável julgarmo-nos favo- pró pri o ·arát r conduta, sem o fmqueza • tmper:fei çào; não
ravelmente, e tão desagradável julgarmo-nos medíocres, que a c n egu d c I rir fund ament algu m para a rrogân cia e pre-
própria pessoa não duvida de que algum grau de excesso deve sunção, ma · inLimeras razões pa ra humildatl , remors e · r.re-
ser menos desagradável do que qualquer grau de falta. Mas tal- p nd im nto. N::~ me lida e m que noss~1 at nçà se d irig<.! para
vez se pense que para o espectador imparcial as coisas devam egun Jo, podem o. ser afetados de um m do ou d uLro, s n-
se mostrar de modo bastante diverso, e que para ele a falta deva ti nd -nos re lm m a irrut o u realm ntc abaixe tlu 1 adrão a
sempre ser menos desagradável do que o excesso. Certamente que n · com para mos.
criticamos nossos companheiros muito mais pelo último do que O hom 11 sábio e virt uoso cJJrig SLI<l prin ·iJ a.J at ' n ~ o pa-
pela primeira. Quando são arrogantes conosco, ou se colocam ra o prim ir 1 ad r'ào- a ld · ia da ex<U'l conven iên ia p rfe i-
em preeminência em relação a nós, sua auto-estima mortifica ··lo . .Existe n espú-ito de t do hom ~ m Lllml i.clé ia d sse rip ,
a nossa . Nosso orgulho e vaidade nos incitam a acusá-los de gradualment formada de suas t bserva ·ões sobre o caráter
orgulho e vaidade, e cessamos de ser os espectadores impar- nd uw tanto ele si mesm , como de 1.-ltr:. " r ssoas. Trata-se
ciais de sua conduta. Mas, quando os mesmos companheiros cJo trabalho lento, rradu al e pr g r s ·ivo d. gnnd se mideus
toleram que qualquer outro homem arrogue-se uma superiori- d ntro d peito, o granel ~ jlliz á rhitro la ·o nduta. Es a idéia
dade que não possui, não apenas os censuramos, mas muitas est:í mais u me nos delineada com pr •cisão "111 todo h >mem ,
vezes os desprezamos como ignóbeis. Ao contrário, quando en- suas ·ore · sã mais ou me no justas, seus t·omo nl<>s, desenh·t-
tre outras pessoas sobressaem um pouco mais, e ascendem a d s com ma i r ou m n or exatidão, s g undo a I ~ !i ·aclez:.1 e
uma altura que julgamos desproporcional ao seu mérito, em- a urá ia da se n. ibili dade com qu aqu las l · rvaçõ s fo-
bora não aprovemos inteiramente sua conduta, isso tudo com t"a m B i tas, e segundo cuidado e aten ão e mpregado · ao fa-
freqüência nos diverte; e se o caso não for de inveja, quase sem- zê-l ~l s . b mem sá l io e virru oso, fo ram feilas o m a ma l,
pre desagradam-nos muito menos do que se se tivessem dei- aguda d li atl s nsibilicl:tde, e o mais ex:tretl'l< cui bd >
xado cair abaixo da sua posição adequada. atenção foram empregados ao fazê-las. Todo dia melhora-se
.i lO TEORlll DOS SENJ7MhN70S MOIUIJS 31J

algum rmço, todo dia corrige-se alguma faiha. Este hornl!m ~.:s­ Em todas as artes liberais c inventivas. na pinrura, na poe-
tudou essa idéia mais do que outras pessoa:., compreende-a si~t . na müsica, na rctóricn, na filosofia, o grande artista sempre
mais distintamente, formou dela uma imagent muito mais cor sente a real imperfeição de suas mdhorcs obms, e é mais sen-
reta, c está muito mais profundamente enamorJdo de sua sin- sível do que qualquer outro homem de como lhes falta a per-
gular c divina beleza, esforçando-se então o mais possível para fciç:io ideal de que forma alguma concepção e imita rão
assimilar seu próprio caráter a esse arquétipo de pcrfei\<1<>. Imi- hem quanto pode, embora desespere de algum dia a igualar.
ta, <.'Ontuc.Jo, a obre~ de um divino artista, que jamnis poderá ser Somente o anista inferior sempre cst:J perfeitamente contente
igual::tda. Sente o êxito imperfeito de wdos os seus melhores com seu próprio desempenho. Quase n:lo concebe essa per-
esforços, e vê com t.lor e aflição os distintos LJ'<I~·os em que a có- feição ideal, na qua l pensou multo pouco; e é principalmen-
pia mortal fracassa perante o original imortal; recorda, preo- te às obras de outros ~111istas, de nível ta lvez ainda inferior, que
cupado <.: humilhado, as vezes em que, por f~t lta de atcn~~lo, fal- transige em comparor suas obras. Bollcau, o grande poeta fran-
ta de discern imento e fal ta de moderaçilo, violou, em r><davms cês (em algumas de suas obms talvez não seja inferior ao maior
c a~·ôcs, em conduta e conversa, as regras exatas da perfeita poeta do mesm o gênem, seja :1nt!go ou moderno), costuma-
conveniência, a f·~tstando-se, desse modo, do moJclo segundo v~t dizer que nenhum grande homem jam<tis se satfsfe:::z plena-
o qq;ll desejam moldar seu próprio carárer e conduta. Quando mente com suas própri~1s obras. Seu t'Onhcc.:ido, SmlleuU (autor
d irige SLW atcn~'<iO para o segundo padrao- o grau dc t:x<.:el0n- ele versos latinos que, graças a ~sse tr-:dx llllo de colt:gíal, tinJ1a
cia que seus ~11nigos e conhecidos comumente aLingirnm -, pode a fraqueza de imagimtr-l'e poc.:m), asscguro~1-lhe que sempre
de raro senrir S'U:l própria SUperioridade; todnvi::t, COmO SUU prin- scntia-!ie plenamente satisrc ito com a Slltl própria obra . Com
cip;,ll atenção sempre se dirige para o primeiro padr:.io, neces- uma ambigüidade talvez mal!cio!la, Boilcau respondeu-lhe que
sariamente a primeira comparação humilha-o muito mais do certamente ele em o único grande homem que já experimentara
que jamais poderia elevá-lo a segunda. NunC<l está ulo cufórico tal sensação. Ao julgar suas próprias ohms, Hoilea.u ~~s compara-
r~u·a lançar um olhar insolente aos que estão rC<Ümente abai- va ao padrão de perfeição ideal relativo ao seu ramo particular
xo dele, pois .sente tão bem sua própri<t imperfei~ào, conhece de arte poética. e presumo que o rcnha mcdirndo de modo üio
tão bem a dificuldade para !>e aproximar d~t longínqua retidão, pronmclo e o concebido tao distintamente quanto é possível
que não consegue oLhar com desprezo a lmperfei<,"ilo, ainda um homem fazer. Santeuil. ao julgar suas próprias obras, pro-
maior, de outras pessoas. Longe de ser insult:1clo pela inferio- vavelmente as comparou principalmente às de outros poetas
ridade destas, divisa-a com a mais indulgente comisera~"<1o, e, latinos de seu tempo, e cenamemc <.:stava longe de ser inferior
por meio tk seu conselho e de seu exemplo, está sempre dis- à grande maioria deles. Mas manter e rematar, se posso dizer
poMo <l promover O progi\:!SSO clef<LS. Se pOI' tl<.'<IS() SÜO SLJ[)Crio- assim, a conduta e convívio de toda uma vida à semelhança
fCS ~~ ele em qualquer qualidade partkultu· (pois quem (: tão per- dessa perfeiç::1o ideal é certamente muito mais difícil do que
rei \.O que não tenha muitos superiores em muiws qualiuadcs avançar lgual seme lhan~·a em qualquer dos produtos de uma
diversas?), não lhes Inveja a superioridade, pois, snbendo quao attc engenhosa. O :trtista senta-se diante uc sua obra quando
dllicil (;exceder-se. estima e honra sua excelência, c mtnC'l dei- esl"á impemu·b~vel, ocioso, em plena posse e reminiscênciJ:t ele
xa c.Je atribuir a e.-;t:a a p lena medida de aplauso de que é digna. roda a sua habilidade, experiência c conhecimento. O homem
Em suma , rodo o seu espírito está profundamente marcado. sábio deve manler a conveniência de sw1 condtJla na S<tüde e
rodo o seu comportamento e postura nitidamente est:Hnpados doença, no êxjto e na fn.Jst·raçào, na ho r::t da fadiga c da iJ1-
com o t:a1-:her da sua verdadeira modéstia, de uma estimtt mui- dolência sunolenta, hem como nn momento de mais desper-
to moclerncla de seu próprio méríto, e, ao mesmo tempo, de um ta atenção. Os mais sübiros e inesperados assalcos etc dificulda-
senso completo do mérito de outras pessoas. de e afli~io jamais o devem surpreender. A injustiça de outras
.i lO TEORlll DOS SENJ7MhN70S MOIUIJS 31J

algum rmço, todo dia corrige-se alguma faiha. Este hornl!m ~.:s­ Em todas as artes liberais c inventivas. na pinrura, na poe-
tudou essa idéia mais do que outras pessoa:., compreende-a si~t . na müsica, na rctóricn, na filosofia, o grande artista sempre
mais distintamente, formou dela uma imagent muito mais cor sente a real imperfeição de suas mdhorcs obms, e é mais sen-
reta, c está muito mais profundamente enamorJdo de sua sin- sível do que qualquer outro homem de como lhes falta a per-
gular c divina beleza, esforçando-se então o mais possível para fciç:io ideal de que forma alguma concepção e imita rão
assimilar seu próprio caráter a esse arquétipo de pcrfei\<1<>. Imi- hem quanto pode, embora desespere de algum dia a igualar.
ta, <.'Ontuc.Jo, a obre~ de um divino artista, que jamnis poderá ser Somente o anista inferior sempre cst:J perfeitamente contente
igual::tda. Sente o êxito imperfeito de wdos os seus melhores com seu próprio desempenho. Quase n:lo concebe essa per-
esforços, e vê com t.lor e aflição os distintos LJ'<I~·os em que a có- feição ideal, na qua l pensou multo pouco; e é principalmen-
pia mortal fracassa perante o original imortal; recorda, preo- te às obras de outros ~111istas, de nível ta lvez ainda inferior, que
cupado <.: humilhado, as vezes em que, por f~t lta de atcn~~lo, fal- transige em comparor suas obras. Bollcau, o grande poeta fran-
ta de discern imento e fal ta de moderaçilo, violou, em r><davms cês (em algumas de suas obms talvez não seja inferior ao maior
c a~·ôcs, em conduta e conversa, as regras exatas da perfeita poeta do mesm o gênem, seja :1nt!go ou moderno), costuma-
conveniência, a f·~tstando-se, desse modo, do moJclo segundo v~t dizer que nenhum grande homem jam<tis se satfsfe:::z plena-
o qq;ll desejam moldar seu próprio carárer e conduta. Quando mente com suas própri~1s obras. Seu t'Onhcc.:ido, SmlleuU (autor
d irige SLW atcn~'<iO para o segundo padrao- o grau dc t:x<.:el0n- ele versos latinos que, graças a ~sse tr-:dx llllo de colt:gíal, tinJ1a
cia que seus ~11nigos e conhecidos comumente aLingirnm -, pode a fraqueza de imagimtr-l'e poc.:m), asscguro~1-lhe que sempre
de raro senrir S'U:l própria SUperioridade; todnvi::t, COmO SUU prin- scntia-!ie plenamente satisrc ito com a Slltl própria obra . Com
cip;,ll atenção sempre se dirige para o primeiro padr:.io, neces- uma ambigüidade talvez mal!cio!la, Boilcau respondeu-lhe que
sariamente a primeira comparação humilha-o muito mais do certamente ele em o único grande homem que já experimentara
que jamais poderia elevá-lo a segunda. NunC<l está ulo cufórico tal sensação. Ao julgar suas próprias ohms, Hoilea.u ~~s compara-
r~u·a lançar um olhar insolente aos que estão rC<Ümente abai- va ao padrão de perfeição ideal relativo ao seu ramo particular
xo dele, pois .sente tão bem sua própri<t imperfei~ào, conhece de arte poética. e presumo que o rcnha mcdirndo de modo üio
tão bem a dificuldade para !>e aproximar d~t longínqua retidão, pronmclo e o concebido tao distintamente quanto é possível
que não consegue oLhar com desprezo a lmperfei<,"ilo, ainda um homem fazer. Santeuil. ao julgar suas próprias obras, pro-
maior, de outras pessoas. Longe de ser insult:1clo pela inferio- vavelmente as comparou principalmente às de outros poetas
ridade destas, divisa-a com a mais indulgente comisera~"<1o, e, latinos de seu tempo, e cenamemc <.:stava longe de ser inferior
por meio tk seu conselho e de seu exemplo, está sempre dis- à grande maioria deles. Mas manter e rematar, se posso dizer
poMo <l promover O progi\:!SSO clef<LS. Se pOI' tl<.'<IS() SÜO SLJ[)Crio- assim, a conduta e convívio de toda uma vida à semelhança
fCS ~~ ele em qualquer qualidade partkultu· (pois quem (: tão per- dessa perfeiç::1o ideal é certamente muito mais difícil do que
rei \.O que não tenha muitos superiores em muiws qualiuadcs avançar lgual seme lhan~·a em qualquer dos produtos de uma
diversas?), não lhes Inveja a superioridade, pois, snbendo quao attc engenhosa. O :trtista senta-se diante uc sua obra quando
dllicil (;exceder-se. estima e honra sua excelência, c mtnC'l dei- esl"á impemu·b~vel, ocioso, em plena posse e reminiscênciJ:t ele
xa c.Je atribuir a e.-;t:a a p lena medida de aplauso de que é digna. roda a sua habilidade, experiência c conhecimento. O homem
Em suma , rodo o seu espírito está profundamente marcado. sábio deve manler a conveniência de sw1 condtJla na S<tüde e
rodo o seu comportamento e postura nitidamente est:Hnpados doença, no êxjto e na fn.Jst·raçào, na ho r::t da fadiga c da iJ1-
com o t:a1-:her da sua verdadeira modéstia, de uma estimtt mui- dolência sunolenta, hem como nn momento de mais desper-
to moclerncla de seu próprio méríto, e, ao mesmo tempo, de um ta atenção. Os mais sübiros e inesperados assalcos etc dificulda-
senso completo do mérito de outras pessoas. de e afli~io jamais o devem surpreender. A injustiça de outras
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEXTA PARTE
312 313
p ·ssoas j'trn ai:) deve incitá-~o ã. jnjustiça. A ~iolên ·ia .da fa ~­ aspectos, completos e perfeitos os caracteres que, em muitos
·ào ja mais o I •ve confunchr. 1 odus as durezas p 11go da aspectos, são tão dignos de admiração. Talvez os homens sábios
gu rra jama is o podem desanima_r nem esta~re e~·· . compreendam e até desvelem, com algum grau de escárnio, a
Eolr - :ts pessoas que, estimand s u pr pno rnerlto, Jlilgan- admiração que os grandes homens sentem por si mesmos, e,
do seu pró prio ca rát r e conduta, dirig m a maior [Xllt I su::t conhecendo-os de perto, secretamente sorriem das elevadas
aten âo partl o segundo paru-ão, para o grau orclinári de ·ce- pretensões, muitas vezes vistas com reverência, quase adoração,
IAncia qu o. outros ho mens comumente alcan :am, há alguma por pessoas mais afastadas. Em todas as épocas, porém, a maio-
qu r ai justifi adamente se sente m muit adma de! , e q u ria dos homens têm buscado para si mesmos a mais ruidosa fa-
assim são re ·o nhe ·id p r todo espectador int lig nte e impar- ma, a mais ampla reputação - fama e reputação, ademais, que
ial. p rém, ·omo ua atenção sempre se dirija principalm n- com freqüência transmitiram-se até à mais remota posteridade.
t nã pa ra o padrão d ideal, mas para o de p rfei -o rcli- Grande êxito no mundo, grande autoridade sobre senti-
nária, tais pessoas têm p uco sen o de suas pró prias fraqu eza mentos e opiniões da humanidade, raramente foram obtidos
e imp r.fei ·õ s. Tê m p uca modéstia, om freqüên ·a são alti- sem algum grau dessa excessiva admiração de si. Os mais es-
vas, arrogam se pre unçosas, gra ndes admiradoras le si mes- plêndidos caracteres, os homens que realizaram as ações mais
ill'lS, grandes contempto ras d · utr s. Embora seu ara t e- ilustres, que provocaram as maiores revoluções, tanto nas cir-
res sejam em geral m n s o rr t(>S, e u mérito muito in~ rlor cunstâncias quanto nas opiniões dos homens; os mais bem-
sucedidos guerreiros, os maiores estadistas e legisladores, os
aos do homem de rea l modesta vin-ud , contudo, .o;ua exc -
eloqüentes fundadores e líderes das mais numerosas e bem-
siva presun .â , fundada . oi r ua exce iva admira 1-o de ·i,
sucedidas seitas e pa1tidos - muitos destes não se distinguiram
ofu :ca a multidão e muit't:-> vez pr valec até mesmo 1'iobr mais por seu imenso mérito do que por um grau àe presun-
os que são muito superiores à multidão. O freqü nte- e não ção e de admiração de si inteiramente desproporcional até mes-
raro admirável -êxito dos mais lgn rantes charlatães e impos- mo em relação a esse imenso mérito. Talvez essa presunção fos-
tore. , sejam civis ou r Ugiosos, d mo n u-a sulk ienr mente com se necessária não apenas para incitá-los a empresas em que um
qu facilidade ~;e abu a d muJtidã o m as ma i xu"a~agan­ espírito mais sóbrio jamais teria pensado, como ainda para con-
t s infundadas prete n ô s. Mas quand .c; as pre t n oes es- quistar a submissão e obediência de seus seguidores, necessária
tã amparadas em allí. sim grau cl . 61ido real m- riro, quan- para manter tais empresas. Assim, quando coroada de êxito, tal
do sà , il i_das com to lo esple nd r q ue a oste ntaçà p >d presunção muitas vezes os traiu, levando-os a uma vaidade qua-
lli.es conf rir, quando estão amp·tracla. · m el vada posi ão se próxima da insanidade e da insensatez. Alexandre, o Grande,
grande poder, q~mndo com fr q ü n ·ia são p ntticada · m u- revela não apenas ter desejado que outros o imaginassem um
so, po r i vê m acompanhadas elas 1uido:a · adamaçô s deus, mas ter-se fortemente inclinado a imaginar-se como tal.
da n ultidão, at~ mesmo o hom m d óhri llsc rrume nto Em seu leito de morte - a menos divina de todas as situações -
pocl ·• dei:xar-s I ar p ·la admira ' o gerJ.l. pr prio rum : des- exigiu dos amigos que sua velha mãe Olímpia tivesse a honra
sa · t la. ad am a contribui muitas vezes para nfundtr s u de ser incluída na respeitável lista de divindades na qual ele pró-
nt n lim nto; e emb m apenas cljvise grand . h m ns a prio havia muito fora inserido. Diante da respeitosa admiração
e rta distâ n ia, freqü ntemente se dis pô "' a adorá-los c m 1111t1 de seguidores e discípulos, diante do aplauso universal do pú-
blico, após o oráculo, que provavelmente seguira a voz desse
sim.:era admira ·1<>, ar' m smo superior à admiração com qu re-
aplauso, tê-lo pronunciado como o mais sábio dos homens•, a
velam adorar a ·.1 próprios. Quando o caso não é de irw ja, LO-
dos sentimos pmz r e n admirar e, por essa raZ< o, natura lm o-
te n s disp m s, e m nos as fantas ias, a torna r, m t elos ' Platão, A apologia de Sócrates, 21a. (N. ela R. T.)
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEXTA PARTE
312 313
p ·ssoas j'trn ai:) deve incitá-~o ã. jnjustiça. A ~iolên ·ia .da fa ~­ aspectos, completos e perfeitos os caracteres que, em muitos
·ào ja mais o I •ve confunchr. 1 odus as durezas p 11go da aspectos, são tão dignos de admiração. Talvez os homens sábios
gu rra jama is o podem desanima_r nem esta~re e~·· . compreendam e até desvelem, com algum grau de escárnio, a
Eolr - :ts pessoas que, estimand s u pr pno rnerlto, Jlilgan- admiração que os grandes homens sentem por si mesmos, e,
do seu pró prio ca rát r e conduta, dirig m a maior [Xllt I su::t conhecendo-os de perto, secretamente sorriem das elevadas
aten âo partl o segundo paru-ão, para o grau orclinári de ·ce- pretensões, muitas vezes vistas com reverência, quase adoração,
IAncia qu o. outros ho mens comumente alcan :am, há alguma por pessoas mais afastadas. Em todas as épocas, porém, a maio-
qu r ai justifi adamente se sente m muit adma de! , e q u ria dos homens têm buscado para si mesmos a mais ruidosa fa-
assim são re ·o nhe ·id p r todo espectador int lig nte e impar- ma, a mais ampla reputação - fama e reputação, ademais, que
ial. p rém, ·omo ua atenção sempre se dirija principalm n- com freqüência transmitiram-se até à mais remota posteridade.
t nã pa ra o padrão d ideal, mas para o de p rfei -o rcli- Grande êxito no mundo, grande autoridade sobre senti-
nária, tais pessoas têm p uco sen o de suas pró prias fraqu eza mentos e opiniões da humanidade, raramente foram obtidos
e imp r.fei ·õ s. Tê m p uca modéstia, om freqüên ·a são alti- sem algum grau dessa excessiva admiração de si. Os mais es-
vas, arrogam se pre unçosas, gra ndes admiradoras le si mes- plêndidos caracteres, os homens que realizaram as ações mais
ill'lS, grandes contempto ras d · utr s. Embora seu ara t e- ilustres, que provocaram as maiores revoluções, tanto nas cir-
res sejam em geral m n s o rr t(>S, e u mérito muito in~ rlor cunstâncias quanto nas opiniões dos homens; os mais bem-
sucedidos guerreiros, os maiores estadistas e legisladores, os
aos do homem de rea l modesta vin-ud , contudo, .o;ua exc -
eloqüentes fundadores e líderes das mais numerosas e bem-
siva presun .â , fundada . oi r ua exce iva admira 1-o de ·i,
sucedidas seitas e pa1tidos - muitos destes não se distinguiram
ofu :ca a multidão e muit't:-> vez pr valec até mesmo 1'iobr mais por seu imenso mérito do que por um grau àe presun-
os que são muito superiores à multidão. O freqü nte- e não ção e de admiração de si inteiramente desproporcional até mes-
raro admirável -êxito dos mais lgn rantes charlatães e impos- mo em relação a esse imenso mérito. Talvez essa presunção fos-
tore. , sejam civis ou r Ugiosos, d mo n u-a sulk ienr mente com se necessária não apenas para incitá-los a empresas em que um
qu facilidade ~;e abu a d muJtidã o m as ma i xu"a~agan­ espírito mais sóbrio jamais teria pensado, como ainda para con-
t s infundadas prete n ô s. Mas quand .c; as pre t n oes es- quistar a submissão e obediência de seus seguidores, necessária
tã amparadas em allí. sim grau cl . 61ido real m- riro, quan- para manter tais empresas. Assim, quando coroada de êxito, tal
do sà , il i_das com to lo esple nd r q ue a oste ntaçà p >d presunção muitas vezes os traiu, levando-os a uma vaidade qua-
lli.es conf rir, quando estão amp·tracla. · m el vada posi ão se próxima da insanidade e da insensatez. Alexandre, o Grande,
grande poder, q~mndo com fr q ü n ·ia são p ntticada · m u- revela não apenas ter desejado que outros o imaginassem um
so, po r i vê m acompanhadas elas 1uido:a · adamaçô s deus, mas ter-se fortemente inclinado a imaginar-se como tal.
da n ultidão, at~ mesmo o hom m d óhri llsc rrume nto Em seu leito de morte - a menos divina de todas as situações -
pocl ·• dei:xar-s I ar p ·la admira ' o gerJ.l. pr prio rum : des- exigiu dos amigos que sua velha mãe Olímpia tivesse a honra
sa · t la. ad am a contribui muitas vezes para nfundtr s u de ser incluída na respeitável lista de divindades na qual ele pró-
nt n lim nto; e emb m apenas cljvise grand . h m ns a prio havia muito fora inserido. Diante da respeitosa admiração
e rta distâ n ia, freqü ntemente se dis pô "' a adorá-los c m 1111t1 de seguidores e discípulos, diante do aplauso universal do pú-
blico, após o oráculo, que provavelmente seguira a voz desse
sim.:era admira ·1<>, ar' m smo superior à admiração com qu re-
aplauso, tê-lo pronunciado como o mais sábio dos homens•, a
velam adorar a ·.1 próprios. Quando o caso não é de irw ja, LO-
dos sentimos pmz r e n admirar e, por essa raZ< o, natura lm o-
te n s disp m s, e m nos as fantas ias, a torna r, m t elos ' Platão, A apologia de Sócrates, 21a. (N. ela R. T.)
TEORIA DOS SENTIMENT,OS MORAIS SEXTA PARTE 315
314
grande sabedoria de Sócrates, ainda que n o fizesse imagi- sua moderação de modo algum era tão perfeita quanto a do
nar-se um deus, não foi, contudo, sufici ntemente grande para o grande Duque de Marlborough.
impedir de imaginar que possuía a secreta e ft 'qüente i~limid_a­ Nos humildes projetos da vida privada, bem como nas
de com um Ser invisív •1 e divino. A sensata cab ça <.1 esar nao ambiciosas e altivas buscas por postos elevado. grandes ha-
v
1 1 [i.'IO per~ 'trun nle . en. atá a p nt d impedi- lo d regozi- bilidades e empreendimentos que são bem-sucedidos no co-
jar- '\.! uemasiadamem · m sua divina g ncal gia, o riunda da meço freqüentemente encorajaram empreendimentos que, no
de usa Vênus; e I • receber dianr do templo cl s ua pre ten~;a fim, necessariamente conduziram à bancarrota e à ruína.
tataravó, sem se erguer do assento, o Senado Romano, quando A estima e admiração que todo espectador imparcial con-
essa ilustre corporação vinha apr sentar-lhe algum d~cret~ co.n- . ·h r lo m rito J' ai dessas p~. oa brilhantes, magnânimas
ferindo-lhe as mais ~xtra vagantes honrarias. Essa msolenCla, p bres, por . er um enúm nro jusl ~ b m funJa memado,
acompanhada de algun.<; u tro atos de vaidade qu:s infantil - taml ém constam e p m1anente, ind p nd ndo por ornple-
p uco pr v. vclnum entendimento :1 um só L mpo t o. gudo e l d sua boa ou m fottuna. O m smo n5 c c rre om a admi-
amplo, ao exasp rar o ·iúme p lític pm· e t r e Lunu.l a. lo ração que o espectador imparcial é capaz de conceber pela
~;eu s assassinos, e apr ssau a xe ·u~:âo de ua U<l ma. A rel.tgd excessiva auto-estima e presunção. Enquanto têm b m êxito,
e os costumes dos tempos modernos pouco encorajam nossos com efeito, não raro o conquistam e sobrepujam inte iramente.
grandes homens a se imaginarem deuses ou até mesmo profe- O êxito encobre de seus olhos não apenas a grande imprudên-
tas. Contudo, o êxito, a.· o ·iado a grande favor popular, tao fre- cia, mas muitas v zes a gran I lníusliça dess ..s mpr l!ndlm 'o-
qüentemente transtorma as cabeças dos mais poderosos, que tos; e, longe d • nst~r·ar- l hes essa falha ti c, rát ~r, com freqüên-
chegam a atribuir a si próprios uma importância e habilidade cia a vê com a mai' entusiá lica admiração. Quand mal g ram, '
muito superiores às que realmente possuem e, por causa dessa enu·eranto as <.uisas mudam c.lc or se c.l• n mes. O qu anr :;
presunção, chegam a precipitar-se em muitas aventu~a~ impru- era heróica magnanimidade readqu ire sua própri lesignaç.1o
dentes e por vezes ruinosas. Trata-se de uma caractenst!Ca qua- de pre :ipitnção extr tvagante e loucura· · negrum da :tvid z
se peculiar ao grande Duque de Marlborough, a de que em dez injusri ·a que ames se ocultava soh o ·splen lor da prOSJ ·ri-
anos de um ininterrupto e esplêndido êxito- de que dificilmen- da d , s::dta às vistas, e borra todo o btilho de ~e u e mpr n 11- .
te outro general poderia jactar-se - jamais tenha traído uma menta . e m v z de ga nhar ésar tive.ss r ercliclo :l hata lha de \
única palavra ou expressão precipitada. Penso que não se_ P?de Farsália, nesse momento considerariam seu caráter pouco me-
atribuir a mesma frieza moderada e o mesmo autodommto a lhor do que o de Catilina, e talvez mesmo o mais fraco dos ho-
nenhum outro grande guerreiro dos últimos tempos - nem ao mens visse sua empresa contra as leis do seu país em cores
Príncipe Eugênio, nem ao falecido Rei da Prússia, nem ao gran- ainda mais negras do que um Catão, com toda a animosidade
de Príncipe de Condé, nem mesmo a Gustavo Adolfo• ..Talvez de um partidário. Seu verdadeiro mérito, a justeza de seu gosto,
Turenne•• tenha-se aproximado mais disso, embora dtversos a simplicidade e elegância de seus escritos, a propriedade de
procedimentos de sua vida demonstrem suficientemente que sua eloqüência, sua habilidade na guerra, seus recursos na afli-
ção, seu discernimento calmo e frio no perigo, sua fiel afeição
• Príncipe Eugênio de Savoy (1663-1736),. coma~dant: do exército
aos amigos, sua generosidade inigualável com seus inimigos,
austríaco na Guerra da Sucessão Espanhola; o ret da Prussta e Fredenco, o teriam sido todos admitidos , do mesmo modo como o verda-
Grande, morto em 1786; Luis II de Bourbon, Príncipe ele Conclé (1621-1686) deiro mérito de Catilina, que possuía muitas grandes qualida-
e Gustavo Adolfo, rei da Suécia que comandou os protestantes na Guerra des, é reconhecido até hoje. Mas a insolência e injustiça de sua
elos Trinta Anos. (N. ela R. T.)
" Henri de la Tour cl'Auvergne, Visconde ele Turenne, conhecido por ambição insaciável teria obscurecido e extinguido a glória de to-
seus talentos como militar. (N. da R. T.) do esse verdadeiro mérito. Nesse, bem como em outros aspec-
TEORIA DOS SENTIMENT,OS MORAIS SEXTA PARTE 315
314
grande sabedoria de Sócrates, ainda que n o fizesse imagi- sua moderação de modo algum era tão perfeita quanto a do
nar-se um deus, não foi, contudo, sufici ntemente grande para o grande Duque de Marlborough.
impedir de imaginar que possuía a secreta e ft 'qüente i~limid_a­ Nos humildes projetos da vida privada, bem como nas
de com um Ser invisív •1 e divino. A sensata cab ça <.1 esar nao ambiciosas e altivas buscas por postos elevado. grandes ha-
v
1 1 [i.'IO per~ 'trun nle . en. atá a p nt d impedi- lo d regozi- bilidades e empreendimentos que são bem-sucedidos no co-
jar- '\.! uemasiadamem · m sua divina g ncal gia, o riunda da meço freqüentemente encorajaram empreendimentos que, no
de usa Vênus; e I • receber dianr do templo cl s ua pre ten~;a fim, necessariamente conduziram à bancarrota e à ruína.
tataravó, sem se erguer do assento, o Senado Romano, quando A estima e admiração que todo espectador imparcial con-
essa ilustre corporação vinha apr sentar-lhe algum d~cret~ co.n- . ·h r lo m rito J' ai dessas p~. oa brilhantes, magnânimas
ferindo-lhe as mais ~xtra vagantes honrarias. Essa msolenCla, p bres, por . er um enúm nro jusl ~ b m funJa memado,
acompanhada de algun.<; u tro atos de vaidade qu:s infantil - taml ém constam e p m1anente, ind p nd ndo por ornple-
p uco pr v. vclnum entendimento :1 um só L mpo t o. gudo e l d sua boa ou m fottuna. O m smo n5 c c rre om a admi-
amplo, ao exasp rar o ·iúme p lític pm· e t r e Lunu.l a. lo ração que o espectador imparcial é capaz de conceber pela
~;eu s assassinos, e apr ssau a xe ·u~:âo de ua U<l ma. A rel.tgd excessiva auto-estima e presunção. Enquanto têm b m êxito,
e os costumes dos tempos modernos pouco encorajam nossos com efeito, não raro o conquistam e sobrepujam inte iramente.
grandes homens a se imaginarem deuses ou até mesmo profe- O êxito encobre de seus olhos não apenas a grande imprudên-
tas. Contudo, o êxito, a.· o ·iado a grande favor popular, tao fre- cia, mas muitas v zes a gran I lníusliça dess ..s mpr l!ndlm 'o-
qüentemente transtorma as cabeças dos mais poderosos, que tos; e, longe d • nst~r·ar- l hes essa falha ti c, rát ~r, com freqüên-
chegam a atribuir a si próprios uma importância e habilidade cia a vê com a mai' entusiá lica admiração. Quand mal g ram, '
muito superiores às que realmente possuem e, por causa dessa enu·eranto as <.uisas mudam c.lc or se c.l• n mes. O qu anr :;
presunção, chegam a precipitar-se em muitas aventu~a~ impru- era heróica magnanimidade readqu ire sua própri lesignaç.1o
dentes e por vezes ruinosas. Trata-se de uma caractenst!Ca qua- de pre :ipitnção extr tvagante e loucura· · negrum da :tvid z
se peculiar ao grande Duque de Marlborough, a de que em dez injusri ·a que ames se ocultava soh o ·splen lor da prOSJ ·ri-
anos de um ininterrupto e esplêndido êxito- de que dificilmen- da d , s::dta às vistas, e borra todo o btilho de ~e u e mpr n 11- .
te outro general poderia jactar-se - jamais tenha traído uma menta . e m v z de ga nhar ésar tive.ss r ercliclo :l hata lha de \
única palavra ou expressão precipitada. Penso que não se_ P?de Farsália, nesse momento considerariam seu caráter pouco me-
atribuir a mesma frieza moderada e o mesmo autodommto a lhor do que o de Catilina, e talvez mesmo o mais fraco dos ho-
nenhum outro grande guerreiro dos últimos tempos - nem ao mens visse sua empresa contra as leis do seu país em cores
Príncipe Eugênio, nem ao falecido Rei da Prússia, nem ao gran- ainda mais negras do que um Catão, com toda a animosidade
de Príncipe de Condé, nem mesmo a Gustavo Adolfo• ..Talvez de um partidário. Seu verdadeiro mérito, a justeza de seu gosto,
Turenne•• tenha-se aproximado mais disso, embora dtversos a simplicidade e elegância de seus escritos, a propriedade de
procedimentos de sua vida demonstrem suficientemente que sua eloqüência, sua habilidade na guerra, seus recursos na afli-
ção, seu discernimento calmo e frio no perigo, sua fiel afeição
• Príncipe Eugênio de Savoy (1663-1736),. coma~dant: do exército
aos amigos, sua generosidade inigualável com seus inimigos,
austríaco na Guerra da Sucessão Espanhola; o ret da Prussta e Fredenco, o teriam sido todos admitidos , do mesmo modo como o verda-
Grande, morto em 1786; Luis II de Bourbon, Príncipe ele Conclé (1621-1686) deiro mérito de Catilina, que possuía muitas grandes qualida-
e Gustavo Adolfo, rei da Suécia que comandou os protestantes na Guerra des, é reconhecido até hoje. Mas a insolência e injustiça de sua
elos Trinta Anos. (N. ela R. T.)
" Henri de la Tour cl'Auvergne, Visconde ele Turenne, conhecido por ambição insaciável teria obscurecido e extinguido a glória de to-
seus talentos como militar. (N. da R. T.) do esse verdadeiro mérito. Nesse, bem como em outros aspec-
316 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEXTA PARTE
317
tos já mencionados* a fortuna exerce grande influência sobre c.Jem não ser multo numerosos, nem muito ruido s m seus
os sentimentos morais dos homens, e, conforme for favorável aplausns, p rém o sábio que o ·tvi8tar de perto e que o ·onh e-
ou adversa, pode tornar o mesmo caráter objeto de amor e er m lhor muito bá ú,e admirá-i . Para um h mem realm nte
admiração generalizados, ou de ódio e desprezo universais. Es- sál i , a aprov·l ·ã judiei sa e r nd r:.1d~t de um único sábio
sa grande desordem em nossos sentimentos morais, P?rém, não oncecJe mais Sat:isfa 10 interior do qu tOdOS OS ruicJ c OS aplau-
deixa de ter sua utilidade, e nessa, assim como em muttas outras SOS de dez mil admirador ·s lgnorant s, em I ra e ntusiásticos.
ocasiões, podemos admirar a sabedoria de Deus, mesmo que ue fa .a sua as palavras d Parmênide - que, enqua nto Lia um
seja na fraqueza e loucura do homem. Nossa admiração pelo discurs Jllosófico perante um::t assem! !'ia pública m Atenas
êxito funda-se sobre o mesmo princípio do nosso respeito pe- ob erv Lt que toda a gente, salv Platão, o deixara; nào ob. tan-
la riqueza e poder, e é igualmente necessária para estabelecer te continuou a leitura, afirmando que Platão sozinho lhe bastava
a distinção de posições e a ordem da sociedade. Por essa admi- como audiência*.
ração pelo êxito, somos ensinados a submeter-nos mais facil- O mesmo não ocorre com o homem de auto-estima ex-
mente aos superiores que nos forem reservados pelo curso dos ssiva. QLmnto mais de perto o avistar mos sábios, tanto m -
assuntos humanos; a considerar com reverência, e às vezes até nos hão d · a !mirá-lo. Em meio à embdag1Jez da prosperi Iael
com uma espécie de afeto respeitoso, essa violência afortunada ~~ s uma óbrla ~ ju ta dos sábio falrará L' lnto a extravagânda
a que não mais somos capazes de resistir- não apenas a vio- da admiraçã 1 q u cultiva por i mesmo, que a considerará com
lência de caracteres esplêndidos como os de um César ou um mera malignidad e inv ja.. usp ita de seus melhores amig s;
Alexandre, mas freqüentemente a dos mais brutais e selvagens a companhia d r · s lhe torna fensiva, afasta-os ele sua pr -
bárbaros, a de um Átila, um Gêngis-Cã, ou um Tamerlão. Pa- .sença, e muita- v >z · s re m ensa s us favores não ape nas com
ra todos esses poderosos conquistadores, a grande populaça ingr:J.tidào, mas com Tueldade i.nju.<;tiça; aban I na ua con-
está naturalmente predisposta a erguer os olhos com uma admi-
fian a a adulad res e Lraidores que fingem incensar s u·t vai-
ração espantada, embora sem dúvida muito fraca e tola. Essa
Jade e presunç.1o; o ~1 rã rer que a prfn ·ípio, mbora falho em
admiração, contudo, ensina-os a aquiescer com menos relutân-
alguns aspe tos, era de m do geral amá v I e resp it:'iv l. tor-
cia ao governo que uma força irresistível lhes impõe, e de que
na- p r fim desprezível e odi s . Em mei.o à mbriaguez da
relutância alguma os poderia livrar.
prosp ridade, Al xandre nY.HGu Clito por Ler pr ferido as fa-
Ainda que na prosperidade o homem de auto-estima ex-
anhas de eu [)al à suas próprias; m;mdou matar a lís Lc n 'S
cessiva às vezes possa apresentar-se avantajado em relação
s b t rtura., por t r- e r usado a admirá-lo à rnan lr~1 p ·rsa,
ao homem de virtude correta e modesta; ainda que o aplauso
e -~ssass in u o granel amigo de s u pai, o ven ráv I Parrn"nlo,
da multidão e dos que vêem a ambos apenas à distância seja
p la mais !n!'undada suspeita. rendo pdmeiro mandado à tor-
muitas vezes mais ruidoso em favor de um do que jamais será
tura, e em seguida ao cadafalso, o único filh que restava àq ue-
em favor de outro; no entanto, tudo somado, o prato da balan-
le ancião, depois que t do · os outros havi~tm morrido a seu .ser-
ça talvez penda, em todos os casos, muito mais para o último
viço. Era ess ~ Parm~nio a quem Fiup" osLumava referir-se
que para o primeiro. O homem que não se atribui, nem dese-
dizendo que os ateni osc. eram mui t aforLunados, pois p -
ja que outros lhe atribuam, nenhum mérito além do que real-
d]aJ11 encomr~u- a ada an dez g ne rals, nquanro e le, a lon-
mente lhe pertence não receia a humilhação, não teme ser des-
mascarado, pois repousa, contente e seguro, sobre a genuína g d" toda a sua vida, jamais puder:t encontrar nenhum outro
verdade e solidez de seu próprio caráter. Seus admiradores po- senão Parmênio. Esse era o Parmênio sobre cuja vigilância e

• No entanto, Platão nasceu por volta ele 428 a.C. e Parmênicles morre-
• TSM, Parte li, Seção III, notadamente Cap. Ill. (N. ela R. T.) ra em 460 a.C. (N. ela R. T.)
316 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEXTA PARTE
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tos já mencionados* a fortuna exerce grande influência sobre c.Jem não ser multo numerosos, nem muito ruido s m seus
os sentimentos morais dos homens, e, conforme for favorável aplausns, p rém o sábio que o ·tvi8tar de perto e que o ·onh e-
ou adversa, pode tornar o mesmo caráter objeto de amor e er m lhor muito bá ú,e admirá-i . Para um h mem realm nte
admiração generalizados, ou de ódio e desprezo universais. Es- sál i , a aprov·l ·ã judiei sa e r nd r:.1d~t de um único sábio
sa grande desordem em nossos sentimentos morais, P?rém, não oncecJe mais Sat:isfa 10 interior do qu tOdOS OS ruicJ c OS aplau-
deixa de ter sua utilidade, e nessa, assim como em muttas outras SOS de dez mil admirador ·s lgnorant s, em I ra e ntusiásticos.
ocasiões, podemos admirar a sabedoria de Deus, mesmo que ue fa .a sua as palavras d Parmênide - que, enqua nto Lia um
seja na fraqueza e loucura do homem. Nossa admiração pelo discurs Jllosófico perante um::t assem! !'ia pública m Atenas
êxito funda-se sobre o mesmo princípio do nosso respeito pe- ob erv Lt que toda a gente, salv Platão, o deixara; nào ob. tan-
la riqueza e poder, e é igualmente necessária para estabelecer te continuou a leitura, afirmando que Platão sozinho lhe bastava
a distinção de posições e a ordem da sociedade. Por essa admi- como audiência*.
ração pelo êxito, somos ensinados a submeter-nos mais facil- O mesmo não ocorre com o homem de auto-estima ex-
mente aos superiores que nos forem reservados pelo curso dos ssiva. QLmnto mais de perto o avistar mos sábios, tanto m -
assuntos humanos; a considerar com reverência, e às vezes até nos hão d · a !mirá-lo. Em meio à embdag1Jez da prosperi Iael
com uma espécie de afeto respeitoso, essa violência afortunada ~~ s uma óbrla ~ ju ta dos sábio falrará L' lnto a extravagânda
a que não mais somos capazes de resistir- não apenas a vio- da admiraçã 1 q u cultiva por i mesmo, que a considerará com
lência de caracteres esplêndidos como os de um César ou um mera malignidad e inv ja.. usp ita de seus melhores amig s;
Alexandre, mas freqüentemente a dos mais brutais e selvagens a companhia d r · s lhe torna fensiva, afasta-os ele sua pr -
bárbaros, a de um Átila, um Gêngis-Cã, ou um Tamerlão. Pa- .sença, e muita- v >z · s re m ensa s us favores não ape nas com
ra todos esses poderosos conquistadores, a grande populaça ingr:J.tidào, mas com Tueldade i.nju.<;tiça; aban I na ua con-
está naturalmente predisposta a erguer os olhos com uma admi-
fian a a adulad res e Lraidores que fingem incensar s u·t vai-
ração espantada, embora sem dúvida muito fraca e tola. Essa
Jade e presunç.1o; o ~1 rã rer que a prfn ·ípio, mbora falho em
admiração, contudo, ensina-os a aquiescer com menos relutân-
alguns aspe tos, era de m do geral amá v I e resp it:'iv l. tor-
cia ao governo que uma força irresistível lhes impõe, e de que
na- p r fim desprezível e odi s . Em mei.o à mbriaguez da
relutância alguma os poderia livrar.
prosp ridade, Al xandre nY.HGu Clito por Ler pr ferido as fa-
Ainda que na prosperidade o homem de auto-estima ex-
anhas de eu [)al à suas próprias; m;mdou matar a lís Lc n 'S
cessiva às vezes possa apresentar-se avantajado em relação
s b t rtura., por t r- e r usado a admirá-lo à rnan lr~1 p ·rsa,
ao homem de virtude correta e modesta; ainda que o aplauso
e -~ssass in u o granel amigo de s u pai, o ven ráv I Parrn"nlo,
da multidão e dos que vêem a ambos apenas à distância seja
p la mais !n!'undada suspeita. rendo pdmeiro mandado à tor-
muitas vezes mais ruidoso em favor de um do que jamais será
tura, e em seguida ao cadafalso, o único filh que restava àq ue-
em favor de outro; no entanto, tudo somado, o prato da balan-
le ancião, depois que t do · os outros havi~tm morrido a seu .ser-
ça talvez penda, em todos os casos, muito mais para o último
viço. Era ess ~ Parm~nio a quem Fiup" osLumava referir-se
que para o primeiro. O homem que não se atribui, nem dese-
dizendo que os ateni osc. eram mui t aforLunados, pois p -
ja que outros lhe atribuam, nenhum mérito além do que real-
d]aJ11 encomr~u- a ada an dez g ne rals, nquanro e le, a lon-
mente lhe pertence não receia a humilhação, não teme ser des-
mascarado, pois repousa, contente e seguro, sobre a genuína g d" toda a sua vida, jamais puder:t encontrar nenhum outro
verdade e solidez de seu próprio caráter. Seus admiradores po- senão Parmênio. Esse era o Parmênio sobre cuja vigilância e

• No entanto, Platão nasceu por volta ele 428 a.C. e Parmênicles morre-
• TSM, Parte li, Seção III, notadamente Cap. Ill. (N. ela R. T.) ra em 460 a.C. (N. ela R. T.)
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318 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEXTA PARTE
319
atenção sempre repousav't o m confiança e segurança, costu- m m_an~CJ· sua pret ~n p Si ·ão menos f'~tzendo-te p r eher a ,
mando dizer, em seus mamem , de alegria e júbilo: "Vamos sup non Iael dele, que tua pr61 ria torpeza ; par ·e deselar nã. > .
beber, amigos, podemos fazê-lo com segurança, porque Par- tanto suscita r a tua est ima p r ele, mas mortificar a tua esti ma
mênio nunca bebe." Era esse mesmo Parmênio com cuja pre- por li m.esmo.
sença e conselhos, dizia-se, Alexandre obtivera todas as suas O homem vaidoso não é sincero e, no fundo do seu co- 1
vitórias; e sem cuja presença e conselhos jamais teria consegui- :ação, raram~nte está convencido da superioridade que dese-
do uma só. Os amigos humildes, admiradores e aduladores, a Ja que lhe atnbuas. Quer que o vejas em cores muito mais es-
quem Alexandre legou o poder e a autoridade, dividiram seu plêndjclas que aquelas m que, ao o locar-.<; na tua . ilua~ 0
império entre si e, depois de terem então roubado a herança a supor que saibas tud o q u J' ab , realmente pode
de sua família e parentes, mataram todos os sobreviventes, fos- ver-s ' I ·J mesmo. 1 ortan.to e demonslr'.ts v ~- lo em · re di-
sem homens ou mulheres. ferentes, talvez as suas verdad iras cores, fica muito mais mor-
Freqüentemente não só perdoamos a excessiva auto-es- tificado do que ofendido. Aproveita odas as op Jtunidades para
tima dos esplêndidos caracteres nos quais divisamos grande expor os motivos pelos quais redama de ti a atril uição desse
e distinguida superioridade em relação ao nível comum da caráter, quer exibindo de modo ostensivo e desnec~ssário as
humanidade, como também deles partilhamos e com eles sim- boas ~ualidades e ~abilidades que possui em grau razoável,
1'\ patizamos integralmente. Dizemos que são espirituosos, magnâ- quer~ as veze~, mediante falsas pretensões às qualidades que,
r nimos, e nobres - palavras cujo significado implica um consi- ou nao possui em grau nenhum, ou em grau tão pequeno que
derável grau de louvor e admiração. Todavia, não podemos se pode muito bem dizer que não as possui em grau algum.
partilhar da excessiva auto-estima dos caracteres em que não Longe de desprezar a tua estima, corteja-a com a mais ansio-
podemos discernir uma tão distinguida superioridade e tam- . a r rs v ranç-a . Longe le d s j<tr mortificar tua au1 >- sUma i ,
pouco com ela simpatizar. Enoja-nos e nos revolta, e não é sem fica ~ li2 ·m ulli á-la, na ·p ran ·a de que em tr) ., ·ultiv ,' I ·
dificuldade que a perdoamos ou suportamos. Chamamo-la or- a dele. Lu onjeia para s r l i~;onj aclo; estuda como agra lar,
gulho ou vaidade - duas palavras cujo significado implica, a esfor a-s por ub m·u·-te pat~l que tenhas boa opinião dele
última sempre, e a primeira, na maioria das vezes, um grau con- ~1cdiant polid •z e com1 ht ên ·ia, e por vezes até com prés-
siderável de censura. timos reais e essenciais, ainda que talvez os exponha com des-
No entanto, esses dois vícios, ainda que em alguns aspectos necessária ostentação.
sejam semelhantes, porque modificações da excessiva auto-esti- O homem vaidoso vê o respeito prestado à posição e for-
ma, em muitos aspectos são bastante diferentes um do outro. tuna, e deseja usurpá-lo, bem como o prestado aos talentos e
O homem orgulhoso é sincero e, no fundo do seu coração, virtudes. Assim, suas roupas, sua equipagem, seu modo de vi-
está convencido de sua superioridade, posto que às vezes se- ver, anunciam uma posição e uma fortuna maiores do que as
ja difícil adivinhar em que se fundamenta essa convicção. De- que realmente possui; e, a fim de manter, no começo de sua
seja que não o vejas sob outra luz, senão sob a que, ao colo- vida, essa tola impostura por alguns poucos anos, não raro se
car-se na tua situação, realmente se enxerga; nada exige de ti vê reduzido à pobreza e aflição muito antes do fim da vida.
além do que considera justo. Se demonstras não respeitá-lo co- a nPdida em que pode persistir !lc.':i.sa d sp " ntr tant , sua
mo ele mesmo se respeita, fica mais ofendido do que morti- vaida le dcli ia-se em ver a si mesmo não .' lob a luz 111 qu
ficado, e seu ressentimento não é menos indignado do que o v rias e SOLibess tudo o [Ue ele sabe, mas sob a lu z e m que
seria se realmente fosse ofendido. Nem mesmo então ousa ex- e! imagina qu te induziu a nxergá-lo pe lo seu tato. De to- I
plicar as bases de suas próprias pretensões: desdenha corte- das a ilu. - ela vaíd::tde, talvez s a sej·t a mais comum. Es-
' jar a sua estima; afeta-até mesmo desprezá-la, e empenha-se trangeiros oi cu r s qu · visit:tm <)utr s paí , ou quem , indo
-
318 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SEXTA PARTE
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atenção sempre repousav't o m confiança e segurança, costu- m m_an~CJ· sua pret ~n p Si ·ão menos f'~tzendo-te p r eher a ,
mando dizer, em seus mamem , de alegria e júbilo: "Vamos sup non Iael dele, que tua pr61 ria torpeza ; par ·e deselar nã. > .
beber, amigos, podemos fazê-lo com segurança, porque Par- tanto suscita r a tua est ima p r ele, mas mortificar a tua esti ma
mênio nunca bebe." Era esse mesmo Parmênio com cuja pre- por li m.esmo.
sença e conselhos, dizia-se, Alexandre obtivera todas as suas O homem vaidoso não é sincero e, no fundo do seu co- 1
vitórias; e sem cuja presença e conselhos jamais teria consegui- :ação, raram~nte está convencido da superioridade que dese-
do uma só. Os amigos humildes, admiradores e aduladores, a Ja que lhe atnbuas. Quer que o vejas em cores muito mais es-
quem Alexandre legou o poder e a autoridade, dividiram seu plêndjclas que aquelas m que, ao o locar-.<; na tua . ilua~ 0
império entre si e, depois de terem então roubado a herança a supor que saibas tud o q u J' ab , realmente pode
de sua família e parentes, mataram todos os sobreviventes, fos- ver-s ' I ·J mesmo. 1 ortan.to e demonslr'.ts v ~- lo em · re di-
sem homens ou mulheres. ferentes, talvez as suas verdad iras cores, fica muito mais mor-
Freqüentemente não só perdoamos a excessiva auto-es- tificado do que ofendido. Aproveita odas as op Jtunidades para
tima dos esplêndidos caracteres nos quais divisamos grande expor os motivos pelos quais redama de ti a atril uição desse
e distinguida superioridade em relação ao nível comum da caráter, quer exibindo de modo ostensivo e desnec~ssário as
humanidade, como também deles partilhamos e com eles sim- boas ~ualidades e ~abilidades que possui em grau razoável,
1'\ patizamos integralmente. Dizemos que são espirituosos, magnâ- quer~ as veze~, mediante falsas pretensões às qualidades que,
r nimos, e nobres - palavras cujo significado implica um consi- ou nao possui em grau nenhum, ou em grau tão pequeno que
derável grau de louvor e admiração. Todavia, não podemos se pode muito bem dizer que não as possui em grau algum.
partilhar da excessiva auto-estima dos caracteres em que não Longe de desprezar a tua estima, corteja-a com a mais ansio-
podemos discernir uma tão distinguida superioridade e tam- . a r rs v ranç-a . Longe le d s j<tr mortificar tua au1 >- sUma i ,
pouco com ela simpatizar. Enoja-nos e nos revolta, e não é sem fica ~ li2 ·m ulli á-la, na ·p ran ·a de que em tr) ., ·ultiv ,' I ·
dificuldade que a perdoamos ou suportamos. Chamamo-la or- a dele. Lu onjeia para s r l i~;onj aclo; estuda como agra lar,
gulho ou vaidade - duas palavras cujo significado implica, a esfor a-s por ub m·u·-te pat~l que tenhas boa opinião dele
última sempre, e a primeira, na maioria das vezes, um grau con- ~1cdiant polid •z e com1 ht ên ·ia, e por vezes até com prés-
siderável de censura. timos reais e essenciais, ainda que talvez os exponha com des-
No entanto, esses dois vícios, ainda que em alguns aspectos necessária ostentação.
sejam semelhantes, porque modificações da excessiva auto-esti- O homem vaidoso vê o respeito prestado à posição e for-
ma, em muitos aspectos são bastante diferentes um do outro. tuna, e deseja usurpá-lo, bem como o prestado aos talentos e
O homem orgulhoso é sincero e, no fundo do seu coração, virtudes. Assim, suas roupas, sua equipagem, seu modo de vi-
está convencido de sua superioridade, posto que às vezes se- ver, anunciam uma posição e uma fortuna maiores do que as
ja difícil adivinhar em que se fundamenta essa convicção. De- que realmente possui; e, a fim de manter, no começo de sua
seja que não o vejas sob outra luz, senão sob a que, ao colo- vida, essa tola impostura por alguns poucos anos, não raro se
car-se na tua situação, realmente se enxerga; nada exige de ti vê reduzido à pobreza e aflição muito antes do fim da vida.
além do que considera justo. Se demonstras não respeitá-lo co- a nPdida em que pode persistir !lc.':i.sa d sp " ntr tant , sua
mo ele mesmo se respeita, fica mais ofendido do que morti- vaida le dcli ia-se em ver a si mesmo não .' lob a luz 111 qu
ficado, e seu ressentimento não é menos indignado do que o v rias e SOLibess tudo o [Ue ele sabe, mas sob a lu z e m que
seria se realmente fosse ofendido. Nem mesmo então ousa ex- e! imagina qu te induziu a nxergá-lo pe lo seu tato. De to- I
plicar as bases de suas próprias pretensões: desdenha corte- das a ilu. - ela vaíd::tde, talvez s a sej·t a mais comum. Es-
' jar a sua estima; afeta-até mesmo desprezá-la, e empenha-se trangeiros oi cu r s qu · visit:tm <)utr s paí , ou quem , indo
320 TEORIA DOS S/J.NTIMENTOS MORAiS SEXTA PARTE
321
dt:.: uma pmvíncia re mota, visita por breve tempo~ ~apitai ?c ares ele ser candidato a fo rtuna e privilégios, qu:tndo n a rea-
seu pró prio p~ ís, mujto freqüenteme nte te ntcun.prauca-b . A ~o­ lidade possui uma felicidade muito mais preciosa- se a sou-
sensatez dt!ssa te ntativa, emhor<~ sempre seja amcnsa e mUlto bes.'le salx>rear - de nào ser um dele.'l; gosta ele ser udmiLJ.do nas
indignn de um home m de bom-senso, pode não ser inteiramen- mesns dos eminentes, c mais a inda de exager:.u quando em
te rtio gmncle nessas, como em muitas o mras ocasiões. Se a es- presença ele o utros a famil iaridade com que o honmm por hi;
tada é c urta , é poss'íve l que esca pe m de uma desmoralização :.~ssocia -se o ma is que pode à gente ela moela, aos q ue s upos-
e, depois de cultivarem sua vaidade po r uns poucos m~e.: ~u tamente dirigem a opillião pública- os espiriluosos, os cultos,
anos, podem re to rnar a seus la res, e reparar com parcamoma os populares; c rejeita a companhia de seus melhores amigos,
futura o desperdício de sua passada p rofusão. sempre q ue a corrente muito incerta dos favores públicos su-
O homem o rgulhoso raramente pode ser acusado dess:t ceda de fluir conU'tl e les em qualquer aspecto. Com as pessoas
insensatez. Seu senso da própria dignidade o torna caute loso :1 quem deseja recomendar-se, nem sempre emprega meios
rua conservação de sua indepe ndê ncia e, caso sua fo rruna não muito delicados pnra ~ucaoça r esse fim: osrcntaçào des neces-
seja grande, a inda que deseje apresenmr-se com decência, estu- sária, prete nsões infundac.lns, anuênda constante, baju lação fre-
da Ltleios de ser fruga l e atento em LOdas ~1 s suas despesas. A os- q üente, embot~ L em geral agradável e jovial, c, muito rara mente,
te nwção dispendiosa do homem va idoso lhe é sohremaneira H bajulação gmssci r~l e fustldiosa de um parasita. O homem or-
ofe nsiva, talvez porque ofusque a sua própria. Provoca sua in- gulhoso, ao conutirl.o, jamai~ bajula, e fréqlíe mt:mc me sequer
dignação, como presunção insole nte de uma posição inteira- é muito cortês com alguém.
mente indevida; e jamais fala desta sem ~~ cobrir das mais ás- Mas, ape.<;ar de tcxlas as suas infundadas pretensões, a vai-
peras e severas censuras. dade é quase sempre uma paixão alegre e jovial e, muitas vezes
O homem o rgulhoso nem sempre se sente à vontade na gentil; o o rgulho é sempre uma paixão gmve, sombria e se-
companhia de seus iguais, e menos ainda na de seus superio res. VerJ. Até mesmo as falsidades do homem vaidoso são inocen-
Não consegue deixar de lado suas sublimes p retensões, pois o tes, pois têm o propósito de e levar-se a s i próprio, não de re-
semblante e conve rsa dessa companhia o intimidam de tal ma- baixar os o urros. Para fazer justiça ao homem orgulhoso, é pre-
ne.ira , que não se atreve a expô-las; recorre à companhia mais ciso dizer que raramente humilha-se até a baixeza c~1 falsidac.lc.
humilde, peha C(\Jal te m pouco respeito, (Jt.te não escolheria de Mas, quando o faz, de modo algum suas fa lsidadl.!s sào tão ino-
bom grado, t.: que ele modo a lgum lhe <~ grada - a de seus in ~ centes. São todas danosas, pois têm o propósito de re baixar
fe rio res, seus bajuladores, seus depende ntes; r<"u amente vis.it.a o utJ-as pessoas. Está cheio de l.ndignaç<1o pe la superioridade,
seus superiores, ou se o faz é ames para mostrar que tem direi- a qual julga injusta, que lhes é concedida: conside ra-as com
to a viver em ta l companhia, do que por qualquer verdadei- malignidade e inveja e, falando delas, muitas vezes esforça-se
ra satisfação que U1e causem. É como diz Lorde Cla rendon a o mais que pode para atenuar e reduzir tOda e qualque r ra-
respeito do Conde de Arundel: de vez em quando este ia à Cor- zão sobre a qual deve-se fundar a s uperioridade delas. Ainda
te porque npcnas lá poderia encontrar um homem mais im- que raro invente as histórias depreciarivas que circulam sobre
portantt.: que e le; mas que ia muito raramente, porque lá en- essas pessoas, freqüentemente se compraz em espaU1á-bs, e
conu-a ra um ho mem mais impottante que e le. não U1e dcsgostrt repeti-las, a lgumas vezes nté com exagero.
O caso é oLttro quando se trata do homem vaidoso. Este A..c; pio res f~tlsic.ladcs da vaidade são o que po<.k:mos cha mar de
corteja a comranhia de seus superiores, wnto quanto o homem bazófias; as c..l o o rgulho, sempre que se reb~a1x:.a :1 falsidade, são
orgu lhoso a evita. Parece pensar que o esrle ndor de les rel1ere de comple ição oposta.
um csrlc ndor sobre os que sempre estão à sua volta. Freqüenra Nosso desgosto pe lo o rgulho e vaidade gcra lment<:: nos
:lS cones de re is e as recepções (levees) dos ministros, dando-se predispõe a coloc-ar as pessoas a quem acusamos desses vkios
320 TEORIA DOS S/J.NTIMENTOS MORAiS SEXTA PARTE
321
dt:.: uma pmvíncia re mota, visita por breve tempo~ ~apitai ?c ares ele ser candidato a fo rtuna e privilégios, qu:tndo n a rea-
seu pró prio p~ ís, mujto freqüenteme nte te ntcun.prauca-b . A ~o­ lidade possui uma felicidade muito mais preciosa- se a sou-
sensatez dt!ssa te ntativa, emhor<~ sempre seja amcnsa e mUlto bes.'le salx>rear - de nào ser um dele.'l; gosta ele ser udmiLJ.do nas
indignn de um home m de bom-senso, pode não ser inteiramen- mesns dos eminentes, c mais a inda de exager:.u quando em
te rtio gmncle nessas, como em muitas o mras ocasiões. Se a es- presença ele o utros a famil iaridade com que o honmm por hi;
tada é c urta , é poss'íve l que esca pe m de uma desmoralização :.~ssocia -se o ma is que pode à gente ela moela, aos q ue s upos-
e, depois de cultivarem sua vaidade po r uns poucos m~e.: ~u tamente dirigem a opillião pública- os espiriluosos, os cultos,
anos, podem re to rnar a seus la res, e reparar com parcamoma os populares; c rejeita a companhia de seus melhores amigos,
futura o desperdício de sua passada p rofusão. sempre q ue a corrente muito incerta dos favores públicos su-
O homem o rgulhoso raramente pode ser acusado dess:t ceda de fluir conU'tl e les em qualquer aspecto. Com as pessoas
insensatez. Seu senso da própria dignidade o torna caute loso :1 quem deseja recomendar-se, nem sempre emprega meios
rua conservação de sua indepe ndê ncia e, caso sua fo rruna não muito delicados pnra ~ucaoça r esse fim: osrcntaçào des neces-
seja grande, a inda que deseje apresenmr-se com decência, estu- sária, prete nsões infundac.lns, anuênda constante, baju lação fre-
da Ltleios de ser fruga l e atento em LOdas ~1 s suas despesas. A os- q üente, embot~ L em geral agradável e jovial, c, muito rara mente,
te nwção dispendiosa do homem va idoso lhe é sohremaneira H bajulação gmssci r~l e fustldiosa de um parasita. O homem or-
ofe nsiva, talvez porque ofusque a sua própria. Provoca sua in- gulhoso, ao conutirl.o, jamai~ bajula, e fréqlíe mt:mc me sequer
dignação, como presunção insole nte de uma posição inteira- é muito cortês com alguém.
mente indevida; e jamais fala desta sem ~~ cobrir das mais ás- Mas, ape.<;ar de tcxlas as suas infundadas pretensões, a vai-
peras e severas censuras. dade é quase sempre uma paixão alegre e jovial e, muitas vezes
O homem o rgulhoso nem sempre se sente à vontade na gentil; o o rgulho é sempre uma paixão gmve, sombria e se-
companhia de seus iguais, e menos ainda na de seus superio res. VerJ. Até mesmo as falsidades do homem vaidoso são inocen-
Não consegue deixar de lado suas sublimes p retensões, pois o tes, pois têm o propósito de e levar-se a s i próprio, não de re-
semblante e conve rsa dessa companhia o intimidam de tal ma- baixar os o urros. Para fazer justiça ao homem orgulhoso, é pre-
ne.ira , que não se atreve a expô-las; recorre à companhia mais ciso dizer que raramente humilha-se até a baixeza c~1 falsidac.lc.
humilde, peha C(\Jal te m pouco respeito, (Jt.te não escolheria de Mas, quando o faz, de modo algum suas fa lsidadl.!s sào tão ino-
bom grado, t.: que ele modo a lgum lhe <~ grada - a de seus in ~ centes. São todas danosas, pois têm o propósito de re baixar
fe rio res, seus bajuladores, seus depende ntes; r<"u amente vis.it.a o utJ-as pessoas. Está cheio de l.ndignaç<1o pe la superioridade,
seus superiores, ou se o faz é ames para mostrar que tem direi- a qual julga injusta, que lhes é concedida: conside ra-as com
to a viver em ta l companhia, do que por qualquer verdadei- malignidade e inveja e, falando delas, muitas vezes esforça-se
ra satisfação que U1e causem. É como diz Lorde Cla rendon a o mais que pode para atenuar e reduzir tOda e qualque r ra-
respeito do Conde de Arundel: de vez em quando este ia à Cor- zão sobre a qual deve-se fundar a s uperioridade delas. Ainda
te porque npcnas lá poderia encontrar um homem mais im- que raro invente as histórias depreciarivas que circulam sobre
portantt.: que e le; mas que ia muito raramente, porque lá en- essas pessoas, freqüentemente se compraz em espaU1á-bs, e
conu-a ra um ho mem mais impottante que e le. não U1e dcsgostrt repeti-las, a lgumas vezes nté com exagero.
O caso é oLttro quando se trata do homem vaidoso. Este A..c; pio res f~tlsic.ladcs da vaidade são o que po<.k:mos cha mar de
corteja a comranhia de seus superiores, wnto quanto o homem bazófias; as c..l o o rgulho, sempre que se reb~a1x:.a :1 falsidade, são
orgu lhoso a evita. Parece pensar que o esrle ndor de les rel1ere de comple ição oposta.
um csrlc ndor sobre os que sempre estão à sua volta. Freqüenra Nosso desgosto pe lo o rgulho e vaidade gcra lment<:: nos
:lS cones de re is e as recepções (levees) dos ministros, dando-se predispõe a coloc-ar as pessoas a quem acusamos desses vkios
TEORIA DOS SENITMENTOS MORAIS SEXTA PARTE
322 323
antes <t l abco do qu a ima do nív •I omum. ~.c juízo p - leot ; que se mostrava indolente m ' r laxad , le mo 1 ne-
.-; ncnso qu ~ gemlment stamos errado~, e que tanto o ho- nh um disposto a fazer alarido por pequenas qu stões, mas a
r 111 , I ' . 1 agir ma mai cletenninada e vigorosa resoiLtÇ'Jo m L las a:
m m orgulhoso om va id . tr qüent menrc ra vez na
1 maioria das v ·zes) ·'Stà > bast.'lllte acima d sse niv I, embora o asi es granel s e il.usl'res· que não e ra amante elo r rig , o 1
nem tão acima como um deles realmente pensa estar, ou como i ~1 li11'tdo a xp · r- ·e a pe.rig s pequenos, mas a gr;and •s 1 -
ng · qu ', quando s expunl a ·to perigo, era com tora! d -
0 outro des ja q u Lu pens · qu · I · está. S os comparamo
às s ua · pr •tensõ . , p cl m par e r obj t~s ju. ros ele despr .- nsidera :ão p la pr pria vida.
z . Mas, • s comp'trarmos a que a ma1or part de eus n - J O homem orgulhoso comumente está satisfeito demais
a is e comp Lidor s rea.lmente sao, podem mostrar- e bem consigo mesmo para p n ·ar que seu caráter precise de qu ~LI­
l i~ rente. , muit() acima do nivel comum. U<lndo há r a l su- quer reparo. O homem q u ' s sente perfeito naturalmente de.<>-
p ' riOridade, freqOememcnte o orguU1o é 'lCOrnpanhad de mui- preza toda melhoria. Sua auto-suficiência e o absurdo conceito
tas v.irtude:) respeiLã is- erdade, integridade, um alto sen o e sua 1 ró pría s tp rloridau o mum me o acompanham da jLt-
d honra amizacl ·ordial e consta nte, a mal inflexível finn za venrucle até a mais a <~n ·ada idade 1 e mo rre, como diz 1Jaml 1,
resolu < ; e a vaidade, de muitas virtud s am;í.veis- huma- om todos os . eu peGt tl os sobr sua cabeça, sem comunhâ<
n idad , polidez, um desejo de agradar em toc.l s . p · q ren s ou extrema-unção•.
assuntos, e por vezes uma real gener idad ·nos gra nel' -u rna O cont rã rio ocorre fr qüentementc, quando se trata do
generosidade, entret2tnlo que freqüentem nL d eja por-se hom m vaidoso. O desejo I qu • outros nos estimem e admi-
m cores mais espl endor s·1s do que po l j. 10 · ui pa sa- rem, p r qualidades e talento · que são objetos naturais e pró-
cio os franceses foram acusados de va i Jade por . jus rivais e prios d e tima admlra ào, é o rea l amor à verdadeira b<>ló-
inimigos; os espa nhói , de orgulho; e nações strang iras ria - paixã que, se o o • a melhor Ja na tureza humana, é
fora m levadas a ns i lerar um o pov mal; amá e !, O uLro, e rtam nl uma das melhores. Multo freqüentemem , ;i vai- ·
o mais respeitáv l. dacle nada nulis é que uma te ntativa de usurpa r pr ma cura-
As pal~1 r~r : vaido ·o e vaidade nunca são tomadas num mente a gló ria antes de ser d vida. Em! ura t ·u fi lho m no r
bom sentido. Às v 7.es dizemos de um homem, quando falamos de vinte e cinco anos seja apenas um pretensioso, não deses-
dele com I om hum r, qu · d ' m Ih r ainda pela ~ua vaidade, pera de que antes dos quarenta se torne um homem muito sá-
ou que sua vaidad - maiS div rtida d qu of nsiva; tn:JS ainda bio e digno, e verdadeiramente capaz em todos os talentos e
assim a onsideramos uma fraqueza , c um aspecto ridículo de virtudes para os quais talvez ora seja apenas um dissimulador
seu caráter. exil icionista e vazio. O grand egreclo d:.1 e duc& ·ão • dirigir
As palavra. orgu.lho · - orgulho, ao contrário, às vezes são a va idad para o hj ros apropriados. Nunca tol r::r que t u filho
tomadas no bom s mid . Freqüentemente dizemos de um ho- aval ie-se pelas rea liza 'Oes triviais, tnHs ne nl sernpre desenco- ~ i

mem que c l ' rgulhoso demais ou qu po sul rgu lho d - raja suas pretensões às verdadeiramente importantes. Não as
masiado nobre , para suportar fazer algo m q ui nh . Ness pretenderia se não desejasse seriamente pos uí-las. Encoraja
caso, conftU1de-se orgulho om magnanimidade. Aristótel ~ esse desejo; fornece-lhe todos os meios para facilitar a aquisição,
filósofo que certamente conhecia o mundo, ao esboçar o ca- e não te ofendas demais se de vez em quando ele assumir ares
ráter do homem magnânimo, retrata-o com muitos traços que, de a ter conseguido um pouco antes da hora.
nos dois últimos séculos, comumente eram atribuídos ao ca-
ráter espanhol: que era cauteloso em todas as suas resoluções;
lento e até mesmo relutante em todas as suas ações; que sua ' Na verdade, a fala é do Fantasma do rei, não de Hamlet (Ham!et, Ato
voz era grave, seu discurso, cauteloso, seu passo e movimento I, cena 5, 76-7). (N. da R. T.)
TEORIA DOS SENITMENTOS MORAIS SEXTA PARTE
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antes <t l abco do qu a ima do nív •I omum. ~.c juízo p - leot ; que se mostrava indolente m ' r laxad , le mo 1 ne-
.-; ncnso qu ~ gemlment stamos errado~, e que tanto o ho- nh um disposto a fazer alarido por pequenas qu stões, mas a
r 111 , I ' . 1 agir ma mai cletenninada e vigorosa resoiLtÇ'Jo m L las a:
m m orgulhoso om va id . tr qüent menrc ra vez na
1 maioria das v ·zes) ·'Stà > bast.'lllte acima d sse niv I, embora o asi es granel s e il.usl'res· que não e ra amante elo r rig , o 1
nem tão acima como um deles realmente pensa estar, ou como i ~1 li11'tdo a xp · r- ·e a pe.rig s pequenos, mas a gr;and •s 1 -
ng · qu ', quando s expunl a ·to perigo, era com tora! d -
0 outro des ja q u Lu pens · qu · I · está. S os comparamo
às s ua · pr •tensõ . , p cl m par e r obj t~s ju. ros ele despr .- nsidera :ão p la pr pria vida.
z . Mas, • s comp'trarmos a que a ma1or part de eus n - J O homem orgulhoso comumente está satisfeito demais
a is e comp Lidor s rea.lmente sao, podem mostrar- e bem consigo mesmo para p n ·ar que seu caráter precise de qu ~LI­
l i~ rente. , muit() acima do nivel comum. U<lndo há r a l su- quer reparo. O homem q u ' s sente perfeito naturalmente de.<>-
p ' riOridade, freqOememcnte o orguU1o é 'lCOrnpanhad de mui- preza toda melhoria. Sua auto-suficiência e o absurdo conceito
tas v.irtude:) respeiLã is- erdade, integridade, um alto sen o e sua 1 ró pría s tp rloridau o mum me o acompanham da jLt-
d honra amizacl ·ordial e consta nte, a mal inflexível finn za venrucle até a mais a <~n ·ada idade 1 e mo rre, como diz 1Jaml 1,
resolu < ; e a vaidade, de muitas virtud s am;í.veis- huma- om todos os . eu peGt tl os sobr sua cabeça, sem comunhâ<
n idad , polidez, um desejo de agradar em toc.l s . p · q ren s ou extrema-unção•.
assuntos, e por vezes uma real gener idad ·nos gra nel' -u rna O cont rã rio ocorre fr qüentementc, quando se trata do
generosidade, entret2tnlo que freqüentem nL d eja por-se hom m vaidoso. O desejo I qu • outros nos estimem e admi-
m cores mais espl endor s·1s do que po l j. 10 · ui pa sa- rem, p r qualidades e talento · que são objetos naturais e pró-
cio os franceses foram acusados de va i Jade por . jus rivais e prios d e tima admlra ào, é o rea l amor à verdadeira b<>ló-
inimigos; os espa nhói , de orgulho; e nações strang iras ria - paixã que, se o o • a melhor Ja na tureza humana, é
fora m levadas a ns i lerar um o pov mal; amá e !, O uLro, e rtam nl uma das melhores. Multo freqüentemem , ;i vai- ·
o mais respeitáv l. dacle nada nulis é que uma te ntativa de usurpa r pr ma cura-
As pal~1 r~r : vaido ·o e vaidade nunca são tomadas num mente a gló ria antes de ser d vida. Em! ura t ·u fi lho m no r
bom sentido. Às v 7.es dizemos de um homem, quando falamos de vinte e cinco anos seja apenas um pretensioso, não deses-
dele com I om hum r, qu · d ' m Ih r ainda pela ~ua vaidade, pera de que antes dos quarenta se torne um homem muito sá-
ou que sua vaidad - maiS div rtida d qu of nsiva; tn:JS ainda bio e digno, e verdadeiramente capaz em todos os talentos e
assim a onsideramos uma fraqueza , c um aspecto ridículo de virtudes para os quais talvez ora seja apenas um dissimulador
seu caráter. exil icionista e vazio. O grand egreclo d:.1 e duc& ·ão • dirigir
As palavra. orgu.lho · - orgulho, ao contrário, às vezes são a va idad para o hj ros apropriados. Nunca tol r::r que t u filho
tomadas no bom s mid . Freqüentemente dizemos de um ho- aval ie-se pelas rea liza 'Oes triviais, tnHs ne nl sernpre desenco- ~ i

mem que c l ' rgulhoso demais ou qu po sul rgu lho d - raja suas pretensões às verdadeiramente importantes. Não as
masiado nobre , para suportar fazer algo m q ui nh . Ness pretenderia se não desejasse seriamente pos uí-las. Encoraja
caso, conftU1de-se orgulho om magnanimidade. Aristótel ~ esse desejo; fornece-lhe todos os meios para facilitar a aquisição,
filósofo que certamente conhecia o mundo, ao esboçar o ca- e não te ofendas demais se de vez em quando ele assumir ares
ráter do homem magnânimo, retrata-o com muitos traços que, de a ter conseguido um pouco antes da hora.
nos dois últimos séculos, comumente eram atribuídos ao ca-
ráter espanhol: que era cauteloso em todas as suas resoluções;
lento e até mesmo relutante em todas as suas ações; que sua ' Na verdade, a fala é do Fantasma do rei, não de Hamlet (Ham!et, Ato
voz era grave, seu discurso, cauteloso, seu passo e movimento I, cena 5, 76-7). (N. da R. T.)
324 TEORIA DOS SEN77MENTOS MORAIS SEXTA PARTE
325
Tais são, digo eu, as características distintivas do orgulho pró pria h sitação, p r algum d s tts ompanheiros mais < tJ ._
e da vaidade, quando cada uma delas age segundo seu cará- vJdo · mbora bem m nos merító ri s. Um homem com •sse
ter pr ' prlo. Porfm , o homem orgulhoso muitas vezes é vaidoso; -~mí teJ· terá ido mu ito afortunado ao es oJher eus prime iros
, 0 h m m vaidoso é muitas vezes orgulhoso. Nada pode ser ·ompa nheiros se, passando pelo mundo, sempre ncomra um
mais natural do que o homem que se julga muito melhor do tr'.t.tam nto ju ·t por parte daqueles a q u m, por ua gentileza
que realmente é desejar que outras pessoas julguem-no me- pa sacia, pod t r alguma ra?.ào de con · Jde.r~u· seu me l11or s
lhor ainda; ou que o homem, que deseja que outras pessoas jul- amigos; e uma juventud excessivamente despretcn. iosa
guem-no melhor do que ele mesmo se julga, julgar-se, ao mes- pa u o ambid osa fr ~qü em mente é g~.lida de uma velhl e in-
mo tempo, muito melhor do que de fato é. Uma vez que esses igolfi aot , q ueixo:;a e descontente.
dois vícios freqüentemente se mesclam no mesmo caráter, ne- As pessoas infelizes, a qu em a natureza formou ba lante .
cessariamente suas características se confundem; e às vezes en- abaixo do nível comum, às vezes pare ·em arrihuir-s um valor
contramos a ostentação superficial e impertinente da vaidade ainda mai-; I :lixo do que r alme nte possu m. Às vez s e ·sa
reunida à mais maligna e ridícula insolência do orgulho. Por humildade pare m rgull1á-las mt idiotia. Quem qu r qu te-
essa razão, algumas vezes nos atrapalhamos ao classificar um nha-se dado o rra balh de examinar os idiota ar. nta m me
caráter especial, não sabendo se o devemos colocar entre os descobrirá que em muitos deles ~ts fnculdacles do enrendi men~
orgulhosos ou entre os vaidosos. to não são em absoluto mais fr:1 as do que m vá rias o utras
Homens de mérito consideravelmente acima do nível co- p so~t s as quai ·,embora abidamcnte mbotadas e .stüpidas, ·
mum podem tanto se subestimar como se superestimar. Ainda nã são considerada. idiota -. Muitos idi tas, que r eb ram ;
que não sejam muito dignos, freqüentemente estão longe de uma instmção ·omum, aprender-am a ler, escrever e contar ra- i
ser desagradáveis em companhia privada. Todos os seus com- zoavelmente bem. Muitas pes. oa jamais onsideradas idiota :
panheiros sentem-se muito à vontade junto de um homem tão a d peito da mais uidadosa in tru .. , e ~~ lespe ito de t r m'
perfeitamente modesto e despretensioso. Todavia, se esses com- em sua idade avançada, suficiente espírito para tentar aprende; .
panheiros não têm mais discernimento e mais generosidade o que na infância sua instrução não lhes ensinou, nunca con- ·
do que o comum, ainda que sejam gentis para com ele, é raro s guiram obter em grau raz ávt! l uma só d . s·t Lrês habilida- ;
que lhe tenham muito respeito, e o calor de sua gentileza muito des. Por um or ulho instintivo, contudo, el v·tm-se a mes mo ;
raramente basta para compensar a frieza de seu respeito. Ho- ruvel ele seus igua· em idade e s ltua~·ão, , om ·ontgem e fi r- :
mens de discernimento meramente comum nunca atribuem a meza, mantêm adequada sua posição entre seus companhei-
uma I, essoa um valo r ma i alto cl q u esta revela alrH uir-se. ros. Por um instinto oposto o idiota sente-s<:: inferior a todos os ;
izem que pa-rece duvidar de que s ja petf itam 01 ad quacla companheiros a quem o apresentares. Maus-tratos, aos quais é ·
para tal situação ou cargo, e p Jr isso im díàLamente clã a pr - muito exposto, podem lançá-lo aos mais violentos ataques de
fcrência a qua lquer estúpid qu não alimente dú vidas quant cólera e fúria. Mas nenhum trar agradável, nenhuma genti-
is suas próprias qualificaçõ . t mbora t nham dis rnime nto, leza u tolerãn ' ia po I m animá-lo a conversar contigo como
se Ih s falla generosidade, nunca deixam de tirar vantagem da teu igual. ao m nos pud re fazê-lo conver ar ntigo, ve-
simpU idade dessa p ssoa, e de assumir ·om rela.çJo a ela uma rás, pon~m . que muitas vezes. uas respostas são bastante per-
superioridade imp rtinente, a que de modo algum têm direito. tinentes, e até sensatas. Mas estão sempre marcadas com uma
Seu bom l mperam.e nto pode capacitá-la a tolerar isso por al- nítida consciência de sua imensa inferioridade.
gum tempo, mas finalmente se cansa, não raro quando já é de- O idiota par ce en olhe r-se, como s se afastasse de teu i
masiado tarde, quando a posição que devia assumir está irre- olhar e da tua conve rsa, e, ao coloc.."ar-se na Lu'l ituação, pare- :
cuperavelmente perdida e usurpada, em conseqüência de sua ce sentir qu e, apesa r d tu a a par nt cond ·s ·en lência, não ,
324 TEORIA DOS SEN77MENTOS MORAIS SEXTA PARTE
325
Tais são, digo eu, as características distintivas do orgulho pró pria h sitação, p r algum d s tts ompanheiros mais < tJ ._
e da vaidade, quando cada uma delas age segundo seu cará- vJdo · mbora bem m nos merító ri s. Um homem com •sse
ter pr ' prlo. Porfm , o homem orgulhoso muitas vezes é vaidoso; -~mí teJ· terá ido mu ito afortunado ao es oJher eus prime iros
, 0 h m m vaidoso é muitas vezes orgulhoso. Nada pode ser ·ompa nheiros se, passando pelo mundo, sempre ncomra um
mais natural do que o homem que se julga muito melhor do tr'.t.tam nto ju ·t por parte daqueles a q u m, por ua gentileza
que realmente é desejar que outras pessoas julguem-no me- pa sacia, pod t r alguma ra?.ào de con · Jde.r~u· seu me l11or s
lhor ainda; ou que o homem, que deseja que outras pessoas jul- amigos; e uma juventud excessivamente despretcn. iosa
guem-no melhor do que ele mesmo se julga, julgar-se, ao mes- pa u o ambid osa fr ~qü em mente é g~.lida de uma velhl e in-
mo tempo, muito melhor do que de fato é. Uma vez que esses igolfi aot , q ueixo:;a e descontente.
dois vícios freqüentemente se mesclam no mesmo caráter, ne- As pessoas infelizes, a qu em a natureza formou ba lante .
cessariamente suas características se confundem; e às vezes en- abaixo do nível comum, às vezes pare ·em arrihuir-s um valor
contramos a ostentação superficial e impertinente da vaidade ainda mai-; I :lixo do que r alme nte possu m. Às vez s e ·sa
reunida à mais maligna e ridícula insolência do orgulho. Por humildade pare m rgull1á-las mt idiotia. Quem qu r qu te-
essa razão, algumas vezes nos atrapalhamos ao classificar um nha-se dado o rra balh de examinar os idiota ar. nta m me
caráter especial, não sabendo se o devemos colocar entre os descobrirá que em muitos deles ~ts fnculdacles do enrendi men~
orgulhosos ou entre os vaidosos. to não são em absoluto mais fr:1 as do que m vá rias o utras
Homens de mérito consideravelmente acima do nível co- p so~t s as quai ·,embora abidamcnte mbotadas e .stüpidas, ·
mum podem tanto se subestimar como se superestimar. Ainda nã são considerada. idiota -. Muitos idi tas, que r eb ram ;
que não sejam muito dignos, freqüentemente estão longe de uma instmção ·omum, aprender-am a ler, escrever e contar ra- i
ser desagradáveis em companhia privada. Todos os seus com- zoavelmente bem. Muitas pes. oa jamais onsideradas idiota :
panheiros sentem-se muito à vontade junto de um homem tão a d peito da mais uidadosa in tru .. , e ~~ lespe ito de t r m'
perfeitamente modesto e despretensioso. Todavia, se esses com- em sua idade avançada, suficiente espírito para tentar aprende; .
panheiros não têm mais discernimento e mais generosidade o que na infância sua instrução não lhes ensinou, nunca con- ·
do que o comum, ainda que sejam gentis para com ele, é raro s guiram obter em grau raz ávt! l uma só d . s·t Lrês habilida- ;
que lhe tenham muito respeito, e o calor de sua gentileza muito des. Por um or ulho instintivo, contudo, el v·tm-se a mes mo ;
raramente basta para compensar a frieza de seu respeito. Ho- ruvel ele seus igua· em idade e s ltua~·ão, , om ·ontgem e fi r- :
mens de discernimento meramente comum nunca atribuem a meza, mantêm adequada sua posição entre seus companhei-
uma I, essoa um valo r ma i alto cl q u esta revela alrH uir-se. ros. Por um instinto oposto o idiota sente-s<:: inferior a todos os ;
izem que pa-rece duvidar de que s ja petf itam 01 ad quacla companheiros a quem o apresentares. Maus-tratos, aos quais é ·
para tal situação ou cargo, e p Jr isso im díàLamente clã a pr - muito exposto, podem lançá-lo aos mais violentos ataques de
fcrência a qua lquer estúpid qu não alimente dú vidas quant cólera e fúria. Mas nenhum trar agradável, nenhuma genti-
is suas próprias qualificaçõ . t mbora t nham dis rnime nto, leza u tolerãn ' ia po I m animá-lo a conversar contigo como
se Ih s falla generosidade, nunca deixam de tirar vantagem da teu igual. ao m nos pud re fazê-lo conver ar ntigo, ve-
simpU idade dessa p ssoa, e de assumir ·om rela.çJo a ela uma rás, pon~m . que muitas vezes. uas respostas são bastante per-
superioridade imp rtinente, a que de modo algum têm direito. tinentes, e até sensatas. Mas estão sempre marcadas com uma
Seu bom l mperam.e nto pode capacitá-la a tolerar isso por al- nítida consciência de sua imensa inferioridade.
gum tempo, mas finalmente se cansa, não raro quando já é de- O idiota par ce en olhe r-se, como s se afastasse de teu i
masiado tarde, quando a posição que devia assumir está irre- olhar e da tua conve rsa, e, ao coloc.."ar-se na Lu'l ituação, pare- :
cuperavelmente perdida e usurpada, em conseqüência de sua ce sentir qu e, apesa r d tu a a par nt cond ·s ·en lência, não ,
TEORIA DOS SENIIMENTOS MORAIS SEXTA PARTE
326 327
les -virar de . n. id , r~u im nsam nte inferi r. Alguns idi o - que se subestima, a não ser que tenhamos mais discernimen-
Ita~, talvez a gm nd roa io ria cIe Ies, par · c m ser assun
. pnnct-
. . t • rna is g nemsidade do q ue a maioria dos .homens., 1.. 1!O •
pal ou inteiram nle por c 1ta ertupidez u torpor d~s facuki'l- cl 1xnrm · d hz r pelo menos toda a injusti ·a qu • · I · faz a
des do ·nten lim nto. Mas há utros em q ue e:-;sas faculclad st m smo, c:: freqüem f::tz nnos i11justiça ainda ma ior. E!:it não
não p~u.. m mà.i. e. túpidas ou ntorpe ·idas do que em mui- apenas é muito mais infeliz, quanto a seus próprios sentimen-
tas oult<I. pe soas nã consid -radas idiotas. O or 'ulh in tio- tos, do que os orgulhosos ou os vaidosos, como também muito
ti 0 , nec ssári p~u·a pr ê-las de uma igu aldade com ·eus ma is pa.· ível a to la. a ·ort _, d ofensas p >r parte das outras pes-
irm:'i s, par <.: , todavia, fa ltar totalmente aos primeir ·, n· o soa . Em qua · todo s ·as s. é me.lh r ser um pou ·o o rou-
aos últimos. l ho~ o demais, d qu I masiallo h umilde em qualquer ao;p '~o;
Portanto, o grau de auto-estima que mais contribui para , quant ao enUment d ~ ::tut - srim , algum grau de exces-
a felicidade e contentamento da própria pessoa parece tam- so p~l r ce, l~a nto para a própria pes a, como para o especta-
bém o mais agradável ao espectador imparcial. O homem que dor tmpa.r 1al, ser menos desag rad"tv I do que qualquer grau
se estima como d veria, e não mais do que deveria, raramen- de fa lra.
te deixa de obter de outros toda a estima que julga ser-lhe de- 1 essa, rn m totla outra em •ão, pa ix~o · hábito 0
vida. Não deseja mais do que lhe é devido , e fia-se nisso com grau mais agradtiv I ac speccador imparcial é , 1 Ot1'tnto ta~1-
1: ral satisfa ào. bém o mais agrad:'ív I p~1ra a própria pessoa; e · nform o
O hom m rgulhoso e homem va id s , a ontran , excesso ou a fal ta . cja menos ofensiva para o primeiro assim
·stão st,mpre insali ~ itos. m é :'ll rm mado p r indignação també m um o u outro será, proporcionalmente, meno~ desa-
pela superioridad t qll julga injusta, de lltra. r ssoa ; outre>, gradável p::tra a última.
teme c ntinuam nr a verg nba qu 1 rev· r sultaria do eles-
mascaramento de suas infundadas pretensões. Até as extrava-
g:mre · pr tens ~ es d h m m d real mllgnanimidad ·, quando CONCLUSÃO DA SEXTA PARTE
amparadas por splêndidas ha ilid~td , virtud se, sobr tudo,
p la bo::t fonuna , impõem-s à multi tão, ujos aplausos pou- A preocupação com nossa própria felicidade nos reco-
co U1e impoJta m, embo1":1 rui se imponham aos homens sábi menda a virtude da prudência; a preocupação com a de ou-
uja aprova·à só pod~ vai rizar, cuja estima . rá tà pr tras pessoas, as vütudes da justiça e da beneficência - uma das
·upado m bter. Perc be qu decifr:uam, suspeita I que de '- quais nos im p ele d p.r ju licar, a outra nos leva a promover
pr 7. m, sua excessiva presun ·1o; e mu itas v z s o I o ·ru I aquela felicid<l I ~. Tn.cle1 end ntemente de qualquer conside-
infortúni d r mar-se , primeiro, ini migo invejoso e . e ·ret , ração com o que são ou deveriam ser, ou o que seriam em cer-
finalmente , declarado, furioso e vingativo, das mesmas pessoas tas condições os sentimentos de outras pessoas, a primeira des-
cuja amizade lhe teria proporcionado imensa felicidade usu- sas três vütudes originalmente nos é re ·emendada por nossos
fruir c m insuspeita segurança. afetos egoístas, as outras duas, pelos I nevol ent~s. o respei-
Embora nosso desgost para com os orgulhosos e vai- to aos sentimentos de outras pessoas, contudo, advém para im-
dosos freqüentemente n s predisponha a posicioná-los antes por e orientar a prática de todas essas virtudes, de modo que
abaixo que acima de seu lugar apropriado, muito raramente homem algum, no curso de sua vida inteira, ou de considerá-
nos aventuramos a tratá-los mal, a menos que nos instigue uma vel parte dela, jamais trilhou de maneira constante e uniforme
impe rtint~ncia paJti ·uhr e p sse>a l. Em ca, s comuns, esfmça- os caminhos da prudência, justiça e beneficência apropriada,
mo-n )S, p<! rél n . s próprio bem, 1 ara aquies ' r , onfonn sem que sua conduta fosse principalmente orientada por um
puden110s, para acom clar-n sã sua I ucura . Ma..'l ao homem respeito aos sentimentos do suposto espectador imparcial, do
TEORIA DOS SENIIMENTOS MORAIS SEXTA PARTE
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les -virar de . n. id , r~u im nsam nte inferi r. Alguns idi o - que se subestima, a não ser que tenhamos mais discernimen-
Ita~, talvez a gm nd roa io ria cIe Ies, par · c m ser assun
. pnnct-
. . t • rna is g nemsidade do q ue a maioria dos .homens., 1.. 1!O •
pal ou inteiram nle por c 1ta ertupidez u torpor d~s facuki'l- cl 1xnrm · d hz r pelo menos toda a injusti ·a qu • · I · faz a
des do ·nten lim nto. Mas há utros em q ue e:-;sas faculclad st m smo, c:: freqüem f::tz nnos i11justiça ainda ma ior. E!:it não
não p~u.. m mà.i. e. túpidas ou ntorpe ·idas do que em mui- apenas é muito mais infeliz, quanto a seus próprios sentimen-
tas oult<I. pe soas nã consid -radas idiotas. O or 'ulh in tio- tos, do que os orgulhosos ou os vaidosos, como também muito
ti 0 , nec ssári p~u·a pr ê-las de uma igu aldade com ·eus ma is pa.· ível a to la. a ·ort _, d ofensas p >r parte das outras pes-
irm:'i s, par <.: , todavia, fa ltar totalmente aos primeir ·, n· o soa . Em qua · todo s ·as s. é me.lh r ser um pou ·o o rou-
aos últimos. l ho~ o demais, d qu I masiallo h umilde em qualquer ao;p '~o;
Portanto, o grau de auto-estima que mais contribui para , quant ao enUment d ~ ::tut - srim , algum grau de exces-
a felicidade e contentamento da própria pessoa parece tam- so p~l r ce, l~a nto para a própria pes a, como para o especta-
bém o mais agradável ao espectador imparcial. O homem que dor tmpa.r 1al, ser menos desag rad"tv I do que qualquer grau
se estima como d veria, e não mais do que deveria, raramen- de fa lra.
te deixa de obter de outros toda a estima que julga ser-lhe de- 1 essa, rn m totla outra em •ão, pa ix~o · hábito 0
vida. Não deseja mais do que lhe é devido , e fia-se nisso com grau mais agradtiv I ac speccador imparcial é , 1 Ot1'tnto ta~1-
1: ral satisfa ào. bém o mais agrad:'ív I p~1ra a própria pessoa; e · nform o
O hom m rgulhoso e homem va id s , a ontran , excesso ou a fal ta . cja menos ofensiva para o primeiro assim
·stão st,mpre insali ~ itos. m é :'ll rm mado p r indignação també m um o u outro será, proporcionalmente, meno~ desa-
pela superioridad t qll julga injusta, de lltra. r ssoa ; outre>, gradável p::tra a última.
teme c ntinuam nr a verg nba qu 1 rev· r sultaria do eles-
mascaramento de suas infundadas pretensões. Até as extrava-
g:mre · pr tens ~ es d h m m d real mllgnanimidad ·, quando CONCLUSÃO DA SEXTA PARTE
amparadas por splêndidas ha ilid~td , virtud se, sobr tudo,
p la bo::t fonuna , impõem-s à multi tão, ujos aplausos pou- A preocupação com nossa própria felicidade nos reco-
co U1e impoJta m, embo1":1 rui se imponham aos homens sábi menda a virtude da prudência; a preocupação com a de ou-
uja aprova·à só pod~ vai rizar, cuja estima . rá tà pr tras pessoas, as vütudes da justiça e da beneficência - uma das
·upado m bter. Perc be qu decifr:uam, suspeita I que de '- quais nos im p ele d p.r ju licar, a outra nos leva a promover
pr 7. m, sua excessiva presun ·1o; e mu itas v z s o I o ·ru I aquela felicid<l I ~. Tn.cle1 end ntemente de qualquer conside-
infortúni d r mar-se , primeiro, ini migo invejoso e . e ·ret , ração com o que são ou deveriam ser, ou o que seriam em cer-
finalmente , declarado, furioso e vingativo, das mesmas pessoas tas condições os sentimentos de outras pessoas, a primeira des-
cuja amizade lhe teria proporcionado imensa felicidade usu- sas três vütudes originalmente nos é re ·emendada por nossos
fruir c m insuspeita segurança. afetos egoístas, as outras duas, pelos I nevol ent~s. o respei-
Embora nosso desgost para com os orgulhosos e vai- to aos sentimentos de outras pessoas, contudo, advém para im-
dosos freqüentemente n s predisponha a posicioná-los antes por e orientar a prática de todas essas virtudes, de modo que
abaixo que acima de seu lugar apropriado, muito raramente homem algum, no curso de sua vida inteira, ou de considerá-
nos aventuramos a tratá-los mal, a menos que nos instigue uma vel parte dela, jamais trilhou de maneira constante e uniforme
impe rtint~ncia paJti ·uhr e p sse>a l. Em ca, s comuns, esfmça- os caminhos da prudência, justiça e beneficência apropriada,
mo-n )S, p<! rél n . s próprio bem, 1 ara aquies ' r , onfonn sem que sua conduta fosse principalmente orientada por um
puden110s, para acom clar-n sã sua I ucura . Ma..'l ao homem respeito aos sentimentos do suposto espectador imparcial, do
TEORIA DOS SEN11MENTOS MORAIS SEXTA PARTE
328 329

morador do peit , granel jLiiZ árl itro ela onduta. ' e cuja cólera é refreada pelo medo nem sempre a deixa de lado
iamofi m qualquer aspect das regras mas apenas reserva sua satisfação para uma ocasião mais se~
que este n s pre.. r ; · xcede.J11 . u r l::lx~n?s ~ossa fru - gur·t. Porém, o homem que, relatando a outro a o~ nsa qu lhe
galidade· se exced mos ou relaxamos no sa dtlige ncm;. se por intli iram, sen te imed iatam nte a fú ria de sua pa i,xào esfriar
paixà u eles ui l prejudicamos rn algum asp cro o rnteres- aca lma r-se por simpatia com c1s sentimentos mais mod rad s
se ou f; licidade d nosso vizinho; se negligenciamos uma . p r- de seu companheiro - o qual de imediato adota esses senti-
tunidade clara e adequada de promover esse interesse e essa mentos mais moderados - e passa a ver essa ofensa, não nas
felicidade, ' s morador que, à noite, chama-nos para pr s- 'Ores negras e aanz m qu a contemplara originalmente, ma!'i
tarmos conta d todas essas omissões e violações, e freqü o- à luz muito mais b!'and a e cla1·a .m que . eu companheir na-
temente suas censuras nos fazem corar intemamente, tanto por turalm nte a vê; assim nào a pena .refreia, como ainda e.~n cer-
nossa insensatez e desatenção para com nossa própria felicida- ta medida subjuga a sua ira. A paixão realmente se torna me-
de, quanto pela indiferença e desatenção talvez ainda maiores nor do que era antes, e menos capaz de açular nele a violenta
pela felicidade de outras pessoas. e sanguinária vingança que a princípio pensara realizar.
Embora as virtudes da prudência, justiça e beneficência Todas as paixões refreadas pelo senso de conveniência
poss·rm m difer m o asiõ s ser-nos r ·· e me ndadas qua. são, em e rt grau, moderadas e ·ubjugadas por ele. Mas as
igualmente p r mei de dois prin 'ípios cllstint , às virtu es do que são refreadas a penas p or con. ide.raçô s de prudência de
autodominio, por ouu· I do n . . ão r ·omencladas, na maio- qtJ a lqu e.~· espéci â , ao c mrário, freqüenremenre inflama-
ria das ocasiões principal e Juase inr imment ror mei de u m das pela conre nção, e aJgumas ve zes (muito cle pols d sofrer
princípi : o s n o de nv niên ·ia, a onsid ração dos enti- a pr vocH ão, e quando ninguém mais pensa nisso) explo-
m nr s d suposto . p ctad . r imparcia l. . ma restrição que de.Jn de mane ira absurda e inesperada, com dez vezes mais
ess princípio imp e, wda a paixã geralmente acudiria pre- fúria e vi lê ncia.
'pitacbm nte, se m pennitem diz r assim , sua p rópria satis- Mas a cólera, bem como todas as demajs 1 aix:ões, pode
fação. A ·óle ra s guiria as sug se es de sua própria fúria , o m - em muitas oportunidades ser muito adequadamente refreada
do, as d suas próprias vi I nta'l agim ões. Nenhuma considera- por considera õcs de prud Ancia. Algum e ·for o d ·vigor a u-
ç;1 d tempo ou l ug~t r pc deria induzir a va idade a abst r-s da rodomínio é até ne e sá rio para ess tipo d onte n ·à ; e o
mais l'ltidosa lmp rtinente ostentação; ou a v lúJ la, da mais e.spectador imparcial pode .1 or veze..<; v A-la com aq u la pécl "
des<.~trada , in le, ntc e escandalosa indu lgên ia. r peit p l d fria estima devida ã espécie de c nduta. qu onsidera as un-
que sã. ou deveriam ser ou scri~un, m e1ta ·ondi ôes, os to de vulgar prudência, mas jamais com a afetuosa admiração
sentimentos de outras pessoas é o único prin ·ípio que, na llli ia- com que examina as mesmas paixões, quando são moderadas
ri'! das o asiôes, man tém em t mor reveren ·ial todas aquelas e subjugadas pel senso de conveniê ncia, a um grau de que
paixões rebeldes e turbulentas, adequando-as à modulação e possa partilhar pr nramente. Na primeira spécie de contenção,
te mperamento de .qu " especta I r imparcial pode partilhar, o espectador imparcial pode amiúde discernir algum grau de
e com que pode simpatizar. conveniência e, se quiseres, até mesmo de virtude; trata-se,
Em tais ocasiões, com efeito, essas paixões são refreadas porém, de conveniência e virtude de ordem muito inferior às
não tanto por um senso da sua in '<>nV nlên ·ia, como p r pru- que, na segunda espécie, sempre sente com arrebatamento e
dentes considerações das más · ns qüê n ias que p de m se- admiração.
guir de se indultá-las. Nesses casos, embora refreadas, as pai- As virtudes ela prudência, justiça e beneficência, não ten-
xões nem sempre são sul jugada , e fr qüent mente permane- dem a produzir senão os mais agradáveis efeitos. A conside-
cem à espreita no peito, com L a a sua fúria original. O homem ração desses efeitos, na medida em que os recomenda origi-
TEORIA DOS SEN11MENTOS MORAIS SEXTA PARTE
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morador do peit , granel jLiiZ árl itro ela onduta. ' e cuja cólera é refreada pelo medo nem sempre a deixa de lado
iamofi m qualquer aspect das regras mas apenas reserva sua satisfação para uma ocasião mais se~
que este n s pre.. r ; · xcede.J11 . u r l::lx~n?s ~ossa fru - gur·t. Porém, o homem que, relatando a outro a o~ nsa qu lhe
galidade· se exced mos ou relaxamos no sa dtlige ncm;. se por intli iram, sen te imed iatam nte a fú ria de sua pa i,xào esfriar
paixà u eles ui l prejudicamos rn algum asp cro o rnteres- aca lma r-se por simpatia com c1s sentimentos mais mod rad s
se ou f; licidade d nosso vizinho; se negligenciamos uma . p r- de seu companheiro - o qual de imediato adota esses senti-
tunidade clara e adequada de promover esse interesse e essa mentos mais moderados - e passa a ver essa ofensa, não nas
felicidade, ' s morador que, à noite, chama-nos para pr s- 'Ores negras e aanz m qu a contemplara originalmente, ma!'i
tarmos conta d todas essas omissões e violações, e freqü o- à luz muito mais b!'and a e cla1·a .m que . eu companheir na-
temente suas censuras nos fazem corar intemamente, tanto por turalm nte a vê; assim nào a pena .refreia, como ainda e.~n cer-
nossa insensatez e desatenção para com nossa própria felicida- ta medida subjuga a sua ira. A paixão realmente se torna me-
de, quanto pela indiferença e desatenção talvez ainda maiores nor do que era antes, e menos capaz de açular nele a violenta
pela felicidade de outras pessoas. e sanguinária vingança que a princípio pensara realizar.
Embora as virtudes da prudência, justiça e beneficência Todas as paixões refreadas pelo senso de conveniência
poss·rm m difer m o asiõ s ser-nos r ·· e me ndadas qua. são, em e rt grau, moderadas e ·ubjugadas por ele. Mas as
igualmente p r mei de dois prin 'ípios cllstint , às virtu es do que são refreadas a penas p or con. ide.raçô s de prudência de
autodominio, por ouu· I do n . . ão r ·omencladas, na maio- qtJ a lqu e.~· espéci â , ao c mrário, freqüenremenre inflama-
ria das ocasiões principal e Juase inr imment ror mei de u m das pela conre nção, e aJgumas ve zes (muito cle pols d sofrer
princípi : o s n o de nv niên ·ia, a onsid ração dos enti- a pr vocH ão, e quando ninguém mais pensa nisso) explo-
m nr s d suposto . p ctad . r imparcia l. . ma restrição que de.Jn de mane ira absurda e inesperada, com dez vezes mais
ess princípio imp e, wda a paixã geralmente acudiria pre- fúria e vi lê ncia.
'pitacbm nte, se m pennitem diz r assim , sua p rópria satis- Mas a cólera, bem como todas as demajs 1 aix:ões, pode
fação. A ·óle ra s guiria as sug se es de sua própria fúria , o m - em muitas oportunidades ser muito adequadamente refreada
do, as d suas próprias vi I nta'l agim ões. Nenhuma considera- por considera õcs de prud Ancia. Algum e ·for o d ·vigor a u-
ç;1 d tempo ou l ug~t r pc deria induzir a va idade a abst r-s da rodomínio é até ne e sá rio para ess tipo d onte n ·à ; e o
mais l'ltidosa lmp rtinente ostentação; ou a v lúJ la, da mais e.spectador imparcial pode .1 or veze..<; v A-la com aq u la pécl "
des<.~trada , in le, ntc e escandalosa indu lgên ia. r peit p l d fria estima devida ã espécie de c nduta. qu onsidera as un-
que sã. ou deveriam ser ou scri~un, m e1ta ·ondi ôes, os to de vulgar prudência, mas jamais com a afetuosa admiração
sentimentos de outras pessoas é o único prin ·ípio que, na llli ia- com que examina as mesmas paixões, quando são moderadas
ri'! das o asiôes, man tém em t mor reveren ·ial todas aquelas e subjugadas pel senso de conveniê ncia, a um grau de que
paixões rebeldes e turbulentas, adequando-as à modulação e possa partilhar pr nramente. Na primeira spécie de contenção,
te mperamento de .qu " especta I r imparcial pode partilhar, o espectador imparcial pode amiúde discernir algum grau de
e com que pode simpatizar. conveniência e, se quiseres, até mesmo de virtude; trata-se,
Em tais ocasiões, com efeito, essas paixões são refreadas porém, de conveniência e virtude de ordem muito inferior às
não tanto por um senso da sua in '<>nV nlên ·ia, como p r pru- que, na segunda espécie, sempre sente com arrebatamento e
dentes considerações das más · ns qüê n ias que p de m se- admiração.
guir de se indultá-las. Nesses casos, embora refreadas, as pai- As virtudes ela prudência, justiça e beneficência, não ten-
xões nem sempre são sul jugada , e fr qüent mente permane- dem a produzir senão os mais agradáveis efeitos. A conside-
cem à espreita no peito, com L a a sua fúria original. O homem ração desses efeitos, na medida em que os recomenda origi-
..
330 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS I
nalmente ao agente, recomendará posteriormente ao especta-
dor imparcial. Em nossa aprova à cl <Lráter do homem pru-
dente, sentimos com complac"n ·ia p culia r a segurança que
este deve sentir enquanto anda sob a salvaguarda dessa calma
e deliberada virtude. Em nossa aprovação do caráter do homem SÉTIMA PARTE
justo, sentimos com igual complac"-ncia a segurança que todos
os ligados a ele, seja em vizu1hon a, em sociedade, em negó-
cios, devem obter de sua escrupulosa preocupação por nunca
ferir nem ofender ninguém. Em nossa aprovação do caráter do
homem beneficente, pattilhamos da gratidão de todos os que
estão dentro da esfera de seus bons setviços, e concebemos, co-
DOS SISTEMAS
mo eles, o mais elevado senso de seu mérito. Em nossa aprova- DE FILOSOFIA MORAL
ção de todas essas virtudes, nosso senso de seus efeitos agra-
dáveis, de sua utilidade, seja para quem as exerce, seja para ou-
CONSISTINDO DE QUATRO SEÇÕES
tros, associa-se ao nosso senso de sua conveniência, e sempre
constitui uma parte considerável, freqüentemente a maior, des-
sa aprovação.
Às vezes, porém, não tem parte em nossa aprovação das
virtudes do autodomínio a complacência com seus efeitos, ou
freqüentemente tem uma parte muito pequena. Esses efeitos
podem por vezes ser agradáveis, por vezes desagradáveis; e
embora nossa aprovação seja sem dúvida mais intensa no pri-
meiro caso, não é de modo algum inteiramente destruída no
segundo. A mais heróica bravura pode ser empregada indife-
rentemente, ou na causa da justiça, ou da injustiça; e embora
sem dúvida seja muito mais amada e admirada no primeiro ca-
so, ainda parece uma grande e respeitável qualidade até mes-
mo no segundo. Nessa e em todas as demais virtudes do auto-
domínio, a qualidade esplêndida e deslumbrante parece ser
sempre a grandeza e constância do empenho, e o forte senso de
conveniência necessário para fazer e manter esse empenho.
Muitas vezes os efeitos são porém muito pouco considerados.
..
330 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS I
nalmente ao agente, recomendará posteriormente ao especta-
dor imparcial. Em nossa aprova à cl <Lráter do homem pru-
dente, sentimos com complac"n ·ia p culia r a segurança que
este deve sentir enquanto anda sob a salvaguarda dessa calma
e deliberada virtude. Em nossa aprovação do caráter do homem SÉTIMA PARTE
justo, sentimos com igual complac"-ncia a segurança que todos
os ligados a ele, seja em vizu1hon a, em sociedade, em negó-
cios, devem obter de sua escrupulosa preocupação por nunca
ferir nem ofender ninguém. Em nossa aprovação do caráter do
homem beneficente, pattilhamos da gratidão de todos os que
estão dentro da esfera de seus bons setviços, e concebemos, co-
DOS SISTEMAS
mo eles, o mais elevado senso de seu mérito. Em nossa aprova- DE FILOSOFIA MORAL
ção de todas essas virtudes, nosso senso de seus efeitos agra-
dáveis, de sua utilidade, seja para quem as exerce, seja para ou-
CONSISTINDO DE QUATRO SEÇÕES
tros, associa-se ao nosso senso de sua conveniência, e sempre
constitui uma parte considerável, freqüentemente a maior, des-
sa aprovação.
Às vezes, porém, não tem parte em nossa aprovação das
virtudes do autodomínio a complacência com seus efeitos, ou
freqüentemente tem uma parte muito pequena. Esses efeitos
podem por vezes ser agradáveis, por vezes desagradáveis; e
embora nossa aprovação seja sem dúvida mais intensa no pri-
meiro caso, não é de modo algum inteiramente destruída no
segundo. A mais heróica bravura pode ser empregada indife-
rentemente, ou na causa da justiça, ou da injustiça; e embora
sem dúvida seja muito mais amada e admirada no primeiro ca-
so, ainda parece uma grande e respeitável qualidade até mes-
mo no segundo. Nessa e em todas as demais virtudes do auto-
domínio, a qualidade esplêndida e deslumbrante parece ser
sempre a grandeza e constância do empenho, e o forte senso de
conveniência necessário para fazer e manter esse empenho.
Muitas vezes os efeitos são porém muito pouco considerados.
SEÇÃO I

Das questões que deveriam ser


examinadas numa teoria
dos sentimentos morais

Se examinarmos as mais célebres e notáveis dentre as


diversas teorias a respeito da natureza e origem de nossos sen-
timentos morais, veremos que quase todas elas coincidem
m alguma pa1te ou outra com o que venho m esforçando m
·C)nsiderélr e que, . e tudo o que já foi dito fo r plenamem I -
vado n1 nta , não ser:1 difícil · ·pli ar qua l visão o u as pe ·-
to da natu reza I vou ·~d't autor particular :.t formar seu siste-
ma particular. Talv •z L ti . istema de moralic.bde que gozou de
alguma reputação no mu ndo derive fundam ntalmente de um
ou outro dos princípios que venho tratando de desdobrar. Co-
mo nesse aspecto todos se fundam sobre princípios naturais,
estão todos em certa medida corretos. Porém, como muitos de-
les derivam de uma visão parcial e imperfeita da natureza, há
também muitos errados em alguns aspectos.
Ao tratar dos princípios de moral é necessário considerar
duas questões. Primeiro, em que consiste a vütude - ou o tom
do temperamento, e o teor da conduta que constitui o caráter
excelent e louvável, :a r'íter que seja oi j · t natural de estima,
homa e aprova ão? E, s gu ndo, por que J oderou faculdade do
espírito esse caráter, seja ele qual for, se recomenda a nós? Ou,
em outras palavras, como, e por qu meios, sucede ao espírito
preferir um teor de conduta a ou u·o; denominar um o correto e
o outro, o errado; considerar um objeto de aprovação, homa e
recompensa e, o outro, de vergonha, censura e castigo?
Examinamos a primeira questão quando consideramos se
a virtude consiste na benevol' n ·ia, como imagina o Dr. Hut-
cheson, ou em agir de aco rdo com as diferentes relações que
SEÇÃO I

Das questões que deveriam ser


examinadas numa teoria
dos sentimentos morais

Se examinarmos as mais célebres e notáveis dentre as


diversas teorias a respeito da natureza e origem de nossos sen-
timentos morais, veremos que quase todas elas coincidem
m alguma pa1te ou outra com o que venho m esforçando m
·C)nsiderélr e que, . e tudo o que já foi dito fo r plenamem I -
vado n1 nta , não ser:1 difícil · ·pli ar qua l visão o u as pe ·-
to da natu reza I vou ·~d't autor particular :.t formar seu siste-
ma particular. Talv •z L ti . istema de moralic.bde que gozou de
alguma reputação no mu ndo derive fundam ntalmente de um
ou outro dos princípios que venho tratando de desdobrar. Co-
mo nesse aspecto todos se fundam sobre princípios naturais,
estão todos em certa medida corretos. Porém, como muitos de-
les derivam de uma visão parcial e imperfeita da natureza, há
também muitos errados em alguns aspectos.
Ao tratar dos princípios de moral é necessário considerar
duas questões. Primeiro, em que consiste a vütude - ou o tom
do temperamento, e o teor da conduta que constitui o caráter
excelent e louvável, :a r'íter que seja oi j · t natural de estima,
homa e aprova ão? E, s gu ndo, por que J oderou faculdade do
espírito esse caráter, seja ele qual for, se recomenda a nós? Ou,
em outras palavras, como, e por qu meios, sucede ao espírito
preferir um teor de conduta a ou u·o; denominar um o correto e
o outro, o errado; considerar um objeto de aprovação, homa e
recompensa e, o outro, de vergonha, censura e castigo?
Examinamos a primeira questão quando consideramos se
a virtude consiste na benevol' n ·ia, como imagina o Dr. Hut-
cheson, ou em agir de aco rdo com as diferentes relações que
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS
334
temos como supõe o Dr. Clarke, ou na sábia e prudente
~:~a de ~ossa própria real e sólida felicidade, como tem sido
opinião de outros. .
Examinamos a segunda questão quando consideramos se
0 caráter virtuoso, seja este o que for, é-nos recomendado pelo SEÇÃO II
amor de si, o qual nos faz perceber que esse caráter, em nos o~
em outros, é mais tendente a promover nosso interesse parti-
cular; ou pela razão, a qual nos indica a diferença entre um c~­ Das diferentes de criçoes quanto
ráter e outro, da mesma maneira que o faz entre verdade e falsi-
dade; ou por um poder peculiar de percepção, chama?o senso
à natureza da vt:rtude
moral, que esse caráter virtuoso satisfaz e a~ra.da, ass1m como
0 contrário repugna e desagrada; ou, por ultuno, por a~g.um
outro princípio na natureza humana, tal como uma modtf!ca-
ção da simpatia, ou coisa semelhante. INTRODUÇÃO
Começarei considerando os sistemas que se formaram a
respeito da primeira dessas questões, e em seguida procede-
As liferentt.. d s :ri ç ~ es ~uanLO < mtlureza da virtude, ou
rei ao exame dos que dizem respeito à segunda.
r mpc.ramenro de espírito q ue co.nslitul aráter x elcn-
e louvá el podem ser t' duzidas a LrAs da · ·es difer n1 ·s. De
ac r lo ·om alguns o temperam nro vlnuoso nà > nsiste ern
n nhuma sp écie I afetosi mas o · iwenl n l govern e di-
r •ç:1 de to lo. ) noss s afetos, que p d m s r virtu sos ou
vicios s, egundo s oi jetos que buscam c ,b'l":'' U d ve · mên-
cia com qu os bus -::tm. Segundo esses nutore · p rtant , a vir-
Lud consi..<;t na onveniên ' la.
De acordo com OLtu·os, a virtud ·on ist na busc:: judi ·io-
. a de nosso inwresse ~ liddadc parU Ltlan~s. u no conveni n-
te gov mo !ire \ 'io elos af< Lo:; goísLa~ qu visam unicam •ntc
<1 ess fim . ' I piniâo d sse:; attt res, fl rtant . a vir1u I con-
s iste na prud 11 n ia.
uu·o gru t o auto1. ·, faz a virtude c nsisllr somem' n s
nfeLos qu v isa m 'à . li idade d e outros, não nos que isa m à
nossa. De a rei ' Ol't1 ' l s, JXJrtan.to, a benevolência desint -
ressada é o único motive qu ·' 1 ode imprimi r o qua lqu r ' I <1
o aráter de virtude.
É vi lente que o :urtl r le virtud ' u de e s ·r atribuído
indi~ r nl m me ·t Lodos os n ssos af tos qu s jarn ·tpropri:J-
darn nt gov rna los diri gidos, ou deve r t·unflna lo a urm
·Jass o u uivisão de afeLOS. A grande clivisã de no.. os a(i"l s
é em gofstas h n volemes. Porta nto, se o · ·adt r cl , virtltdc
não pod · ser ' ttribuítlo indifet nreme:::nt a Lodos os nossos ~~~ -
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS
334
temos como supõe o Dr. Clarke, ou na sábia e prudente
~:~a de ~ossa própria real e sólida felicidade, como tem sido
opinião de outros. .
Examinamos a segunda questão quando consideramos se
0 caráter virtuoso, seja este o que for, é-nos recomendado pelo SEÇÃO II
amor de si, o qual nos faz perceber que esse caráter, em nos o~
em outros, é mais tendente a promover nosso interesse parti-
cular; ou pela razão, a qual nos indica a diferença entre um c~­ Das diferentes de criçoes quanto
ráter e outro, da mesma maneira que o faz entre verdade e falsi-
dade; ou por um poder peculiar de percepção, chama?o senso
à natureza da vt:rtude
moral, que esse caráter virtuoso satisfaz e a~ra.da, ass1m como
0 contrário repugna e desagrada; ou, por ultuno, por a~g.um
outro princípio na natureza humana, tal como uma modtf!ca-
ção da simpatia, ou coisa semelhante. INTRODUÇÃO
Começarei considerando os sistemas que se formaram a
respeito da primeira dessas questões, e em seguida procede-
As liferentt.. d s :ri ç ~ es ~uanLO < mtlureza da virtude, ou
rei ao exame dos que dizem respeito à segunda.
r mpc.ramenro de espírito q ue co.nslitul aráter x elcn-
e louvá el podem ser t' duzidas a LrAs da · ·es difer n1 ·s. De
ac r lo ·om alguns o temperam nro vlnuoso nà > nsiste ern
n nhuma sp écie I afetosi mas o · iwenl n l govern e di-
r •ç:1 de to lo. ) noss s afetos, que p d m s r virtu sos ou
vicios s, egundo s oi jetos que buscam c ,b'l":'' U d ve · mên-
cia com qu os bus -::tm. Segundo esses nutore · p rtant , a vir-
Lud consi..<;t na onveniên ' la.
De acordo com OLtu·os, a virtud ·on ist na busc:: judi ·io-
. a de nosso inwresse ~ liddadc parU Ltlan~s. u no conveni n-
te gov mo !ire \ 'io elos af< Lo:; goísLa~ qu visam unicam •ntc
<1 ess fim . ' I piniâo d sse:; attt res, fl rtant . a vir1u I con-
s iste na prud 11 n ia.
uu·o gru t o auto1. ·, faz a virtude c nsisllr somem' n s
nfeLos qu v isa m 'à . li idade d e outros, não nos que isa m à
nossa. De a rei ' Ol't1 ' l s, JXJrtan.to, a benevolência desint -
ressada é o único motive qu ·' 1 ode imprimi r o qua lqu r ' I <1
o aráter de virtude.
É vi lente que o :urtl r le virtud ' u de e s ·r atribuído
indi~ r nl m me ·t Lodos os n ssos af tos qu s jarn ·tpropri:J-
darn nt gov rna los diri gidos, ou deve r t·unflna lo a urm
·Jass o u uivisão de afeLOS. A grande clivisã de no.. os a(i"l s
é em gofstas h n volemes. Porta nto, se o · ·adt r cl , virtltdc
não pod · ser ' ttribuítlo indifet nreme:::nt a Lodos os nossos ~~~ -
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉ17MA PARTE
336 337
tos que estejam sob governo e clire -o apropriad?~· deve c?n- ror à vergonha, desej de vitória , cl ~ ·upcrioridad , d vingan-
.
fmar-s e ou aos que visam diretamen• a nossa fehc1dade pnva-, •a, m r sumo tod<J as paixõ que s ~-upõe se originem d
da, ou aos que visam diretamente! d?s outros. Se, p~rtanto, a alg ou algo denotem que, segundo uma m ráfora de nos. a lín -
virtude não consiste em convenienc1a, deve c~ms1st1r ou
rud "-rl ia ou m I enevolência. Além dessas tres, é quas . tm-
:m gua, comumente chamamos spírito, RI fogo natural. A segu n-
da onsi ·tida das paixões fundada n amor a prazer, ou no
p ossível imaginar alguma outra descri à da natureza da vut~­ que os escolásticos chamavam a part concupisc me da alma.
~e. Trntar ·i de mostrar doravant · ·omo Lodas as outras d . Crl- Gompr end t dos os apetite elo orp , amor a bem-estar
ções, aparentem nt diferentes de qualquer uma dessas, na s guran a, e de todas as satisfa ·ões sen ual .
realidade incidem com uma ou outra destas. É raro int n-omp m1os o plan d conduta que o princípio
govemant pr s r ve, e que nos momentos de Iuci lez esta-
I elecêramos para nós mesmos orno o m::tis próprio para bus-
CAPÍTULO I car. i s o lT , é porque nos in ·itou um u outro d sses
Dos sistemas que jazem a virtude dois difer nt grup s de paixões- eja urna ambiçã ou um
consistir na conveniência r sentim nto ingovernáveis, seja as itnport.unas súplicas de
b m-e.. Lar e praz r p.re entes. Posro qu ssas dua. rd ns
De acordo com Platão, Aristóteles e Zenão, a virtude con- de p~l ixê es L n bum tal capa idade de nos extra vi ar .~ão, on-
siste na conveniência da conduta, ou na adequação do afeto tudo onsideradas parte. ne essárias da narureza humana· a
por que agimos ao objeto que o susci~a. . primeira da: quais nos ~ .i c n. ed ida para qu no defendês-
r. No sistema de Platãol", a alma e cons1derada a~go ~o­ semos da fensas para qu " aflm1á. semos n sso. po. tos e di -
mo um pequeno estado ou república, composto de tres dife-
nidade no mund , para nos faz r visar ao que ~ nobr> e h m-
rentes faculdades ou ordens.
roso, e distinguir os qu agem da mesma man ira; a segun la,
A primeira é a faculdade de julgar- faculdade que d~te~­
para prover apoio as necessidade.< do corpo .
mina não apenas quais os meios apropriados para se atmgu·
Na for :a, a urá ·ia p rfeiçào do princípio gov ~rnant
qualquer fim, mas também quais os fins adequ~dos de se bus-
posltou-se a virtude essen ia 1 da pru Jência, que, segund
car, e que grau de valor relativo devemos ~trlbur r a c~da um de-
rã , onsistiria num liscernim nro claro justo, f'llndad m
les. A essa faculdade, Platão chamou, mUlto apr~p~1adamente,
idéi s gerais e científicas do: fins ad quados qu se devem bus-
de Razão, e a considerou como a que tinha o d1re1to de ser o
car, e cl s meios adequad s para 'ttlngi-Jos.
princípio governante do todo. Está claro que, sob essa de?o-
rninaçã o, compreendia não apenas a faculdade pe~a qual JUl- Quand o prim ira grupo de paixões, as da parte i.ra í-
gamos verdade e falsidade, mas aquela pela qual JUlgamos a veJ da alma btivesse o grau de força firmeza qu as capa-
conveniência ou inconveniência de desejos e afetos. citada, sob ori ntação da razão, a desprezar t do os p rigos
As diferentes paixões e apetites, súditos naturais desse prin- na busca d que era honr so e nobre onstítuiria a virtude
cípio governante, ainda que capazes de se rebelar contra seu da corag m e da magnanimidade. Es a orei m de pabcõe , e-
senhor, foram por ele reduzidas a duas diferentes classes ou guo lo sse lstema seria de nan1r za mai · g 'O ro ·n nobr
ordens. A primeira consistiria das paixões fundadas no orgulho do que a outra. Em muitas ocasiões, ram ooslderada auxi-
e no ressentimento, ou no que os escolásticos chamam a parte liar s da razão, pas-1 ·omrola1· e refrear os ap tltes inf ri
irascível da alma; ambição, animosidade, amor à honra e hor- e brutais. Ob ervou-s qu muitas vezes nos zangamo
nosc mesmos, fre tlientemenre tornamo-nos bjetos de n - · >
própri r sentimento e indignação, se o amor a praz r nos
10. Veja-se Platão, De Rep. lib. i v. incita a fazer algo que r provamo , pois dessa maneira a part ~
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉ17MA PARTE
336 337
tos que estejam sob governo e clire -o apropriad?~· deve c?n- ror à vergonha, desej de vitória , cl ~ ·upcrioridad , d vingan-
.
fmar-s e ou aos que visam diretamen• a nossa fehc1dade pnva-, •a, m r sumo tod<J as paixõ que s ~-upõe se originem d
da, ou aos que visam diretamente! d?s outros. Se, p~rtanto, a alg ou algo denotem que, segundo uma m ráfora de nos. a lín -
virtude não consiste em convenienc1a, deve c~ms1st1r ou
rud "-rl ia ou m I enevolência. Além dessas tres, é quas . tm-
:m gua, comumente chamamos spírito, RI fogo natural. A segu n-
da onsi ·tida das paixões fundada n amor a prazer, ou no
p ossível imaginar alguma outra descri à da natureza da vut~­ que os escolásticos chamavam a part concupisc me da alma.
~e. Trntar ·i de mostrar doravant · ·omo Lodas as outras d . Crl- Gompr end t dos os apetite elo orp , amor a bem-estar
ções, aparentem nt diferentes de qualquer uma dessas, na s guran a, e de todas as satisfa ·ões sen ual .
realidade incidem com uma ou outra destas. É raro int n-omp m1os o plan d conduta que o princípio
govemant pr s r ve, e que nos momentos de Iuci lez esta-
I elecêramos para nós mesmos orno o m::tis próprio para bus-
CAPÍTULO I car. i s o lT , é porque nos in ·itou um u outro d sses
Dos sistemas que jazem a virtude dois difer nt grup s de paixões- eja urna ambiçã ou um
consistir na conveniência r sentim nto ingovernáveis, seja as itnport.unas súplicas de
b m-e.. Lar e praz r p.re entes. Posro qu ssas dua. rd ns
De acordo com Platão, Aristóteles e Zenão, a virtude con- de p~l ixê es L n bum tal capa idade de nos extra vi ar .~ão, on-
siste na conveniência da conduta, ou na adequação do afeto tudo onsideradas parte. ne essárias da narureza humana· a
por que agimos ao objeto que o susci~a. . primeira da: quais nos ~ .i c n. ed ida para qu no defendês-
r. No sistema de Platãol", a alma e cons1derada a~go ~o­ semos da fensas para qu " aflm1á. semos n sso. po. tos e di -
mo um pequeno estado ou república, composto de tres dife-
nidade no mund , para nos faz r visar ao que ~ nobr> e h m-
rentes faculdades ou ordens.
roso, e distinguir os qu agem da mesma man ira; a segun la,
A primeira é a faculdade de julgar- faculdade que d~te~­
para prover apoio as necessidade.< do corpo .
mina não apenas quais os meios apropriados para se atmgu·
Na for :a, a urá ·ia p rfeiçào do princípio gov ~rnant
qualquer fim, mas também quais os fins adequ~dos de se bus-
posltou-se a virtude essen ia 1 da pru Jência, que, segund
car, e que grau de valor relativo devemos ~trlbur r a c~da um de-
rã , onsistiria num liscernim nro claro justo, f'llndad m
les. A essa faculdade, Platão chamou, mUlto apr~p~1adamente,
idéi s gerais e científicas do: fins ad quados qu se devem bus-
de Razão, e a considerou como a que tinha o d1re1to de ser o
car, e cl s meios adequad s para 'ttlngi-Jos.
princípio governante do todo. Está claro que, sob essa de?o-
rninaçã o, compreendia não apenas a faculdade pe~a qual JUl- Quand o prim ira grupo de paixões, as da parte i.ra í-
gamos verdade e falsidade, mas aquela pela qual JUlgamos a veJ da alma btivesse o grau de força firmeza qu as capa-
conveniência ou inconveniência de desejos e afetos. citada, sob ori ntação da razão, a desprezar t do os p rigos
As diferentes paixões e apetites, súditos naturais desse prin- na busca d que era honr so e nobre onstítuiria a virtude
cípio governante, ainda que capazes de se rebelar contra seu da corag m e da magnanimidade. Es a orei m de pabcõe , e-
senhor, foram por ele reduzidas a duas diferentes classes ou guo lo sse lstema seria de nan1r za mai · g 'O ro ·n nobr
ordens. A primeira consistiria das paixões fundadas no orgulho do que a outra. Em muitas ocasiões, ram ooslderada auxi-
e no ressentimento, ou no que os escolásticos chamam a parte liar s da razão, pas-1 ·omrola1· e refrear os ap tltes inf ri
irascível da alma; ambição, animosidade, amor à honra e hor- e brutais. Ob ervou-s qu muitas vezes nos zangamo
nosc mesmos, fre tlientemenre tornamo-nos bjetos de n - · >
própri r sentimento e indignação, se o amor a praz r nos
10. Veja-se Platão, De Rep. lib. i v. incita a fazer algo que r provamo , pois dessa maneira a part ~
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 339
338
. , 1 d nossa natureza é convocada a assistir à racional isso. Nesse sentido diz-se que cometemos injustiça contra o ho-
trasctve e mem de mérito que mantenha um relacionamento conosco,
c ntra a 'oncupi · ente.
Quan lo e sa LrA di~ rentes pa.rtes de n<)ssa n~t~n ~~\ e : mesmo quando nos abstemos de o prejudicar em qualquer as-
· s · 111 nerfelto acordo entre 1 qu~mdo o mas pa tx e pecto, se não nos empenhamos em servi-lo, e em o colocar na
[IV . S 111 I' ·r: -
ira: ivei , n rn as con upi mes visassem_a uma gt~Ll•tcaçao situação em que o espectador imparcial gostaria de vê-lo. O pri-
qu a razã não aprova.- , e quand a a~ao nada otdenasse, meiro sentido da palavra coincide com o que Aristóteles e os
s. n..-. ·que estas de bom grad x ·utanam; e sa fellz. ser~
escolásticos chamam justiça comutativa, e com o que Grotius
..
nidade, es a perfeil<l e ompl ta harmonia da alma consmUtr~a chama de justitia expletrix, a qual consiste em abster-se do que
a viltude que na linguagem dos gr g s s expressa por uma pa- é de outrem, e em fazer voluntariamente o que com proprieda-
lavra que llal itualmenl l!-aduzim s por ~emp ran a, m:ts q ue de podemos ser forçados a fazer. O segundo sentido da pala-
poderi~t ser rru i · apropria,~::unente u·~~luztcla ·om boa tn lol •, vra coincide com o que alguns chamaram justiça distributiva 11 ,
u sol riedaue e m d mçao do espmto. . e com a justitia attributrix de Grotius, a qual consiste em be-
D a ordo c m sse sist ma, a justi ·a a úllim:.~ rruuor das neficência, adequada, no uso conveniente do que é nosso, e
quatr ütud carcleai , terüt .lugar quand ·a la_um~ dessas na sua destinação aos propósitos de caridade ou generosida-
t.rês fa •uldades do espírit se onfioassem a sua h.tn ·a apro- de a que, em nossa situação, é mais adequado destiná-lo. Nes-
pri;tda, sem tentar inv•tdlr qualq u r wn<t da outras; quan?o a se sentido, justiça compreende todas as virtudes sociáveis.
razão dirlgiss a palxà 1 ed ess , quando ·ada_ pa1xã Às vezes o termo justiça se emprega ainda em outro sentido,
umprisse seu dever apropriado, 'er · sse- e e~ r~laça a s u ainda mais amplo do que qualquer um dos anteriores, embo-
objeto apropriad , c.:om fa ·iildade e se m relutan là , ·om. ra muito semelhante ao último; sentido que, até onde sei, tam-
1-au le nergia e for'<~ a I quacl ao valor do qu us .:va: N•s- bém existe em todas as línguas. Nesse último sentido se diz que
so · nsisliria a virtude mpleta, a perf it:a on nten ta de somos injustos quando não parecemos valorizar nenhum obje-
ondura que Platão, seguindo alguns anti ' <s pitagórl to particular com o grau de estima, ou buscá-lo com o grau ele
rni.nOLI )u~; Liça. . fervor que, aos olhos do espectador imparcial, revela merecer,
·v -se observar qu a p·lla ra grega que ex:pre sa JUS- ou é naturalmente adequado a suscitar. Assim, diz-se que co-
Liça possui v{uios significado. difer nt s e na :uedida em qu~ metemos injustiça contra um poema ou quadro se não os admi-
te rmo corresp nd llle em r da, as o u.~ lmguas te m ar~:: ramos o bastante, e diz-se que lhes fazemos mais do que jus-
onde sei 0 m ·mo, d v haver alguma afJrudacle natura l et:tr tiça quando os admiramos em demasia. Da mesma maneira,
esses vád · ·i nifí ad . Num semido, diz-se que faz mos JU S- diz-se que cometemos injustiça contra nós mesmos se não nos
ti a ::1 11 sso vizlnh quand n abstemos de lhe ·a usar qua l- mostramos atentos o suficiente para com algum objeto parti-
quer ma l p lSiLiv , e nft prejudicamos dir tamcnt -. nem~ m cular de nosso próprio interesse. Nesse último sentido, o que se
sua pe · a, ne m e m suas posse~>, nem em s~a 1: pura ·ão. E. sa chama justiça significa a mesma coisa que exata e perfeita con-
· a jusliça que abordei acima•, cuja bs 1 a neta. pod ser x- veniência de conduta e comportamento, e compreende não
lo rquida pela força, cuj·• viob" o expõ a casu~~- "Em outro apenas as funções da justiça comutativa e distributiva, como de
s ntido, diz-se que nãu fazem . justiç~'. a noss~ v tzlnho salvo toda outra virtude, da prudência, coragem, temperança. É cla-
se sentirmos por le t:ocl o , mor. r spe1l e sttma que seu ca- ramente nesse último sentido que Platão compreende o que
ráter, sua si. ru, ·ã sua relação ono co tornam a~ quad c
apropriado seotinnos, , salvo s agirmos em onfor.mtdade com
11. É um tanto diferente a justiça distributiva de Aristóteles, pois con-
siste na distribuição apropriada das recompensas pertencentes ao bem pú-
• TSM, Parte li, Seção li, Cap. I, pp. 98-9. (N. do R. T.) blico de uma comunidade. Veja-se Aristóteles, Ethic. Nic. I. v. c. 2.
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 339
338
. , 1 d nossa natureza é convocada a assistir à racional isso. Nesse sentido diz-se que cometemos injustiça contra o ho-
trasctve e mem de mérito que mantenha um relacionamento conosco,
c ntra a 'oncupi · ente.
Quan lo e sa LrA di~ rentes pa.rtes de n<)ssa n~t~n ~~\ e : mesmo quando nos abstemos de o prejudicar em qualquer as-
· s · 111 nerfelto acordo entre 1 qu~mdo o mas pa tx e pecto, se não nos empenhamos em servi-lo, e em o colocar na
[IV . S 111 I' ·r: -
ira: ivei , n rn as con upi mes visassem_a uma gt~Ll•tcaçao situação em que o espectador imparcial gostaria de vê-lo. O pri-
qu a razã não aprova.- , e quand a a~ao nada otdenasse, meiro sentido da palavra coincide com o que Aristóteles e os
s. n..-. ·que estas de bom grad x ·utanam; e sa fellz. ser~
escolásticos chamam justiça comutativa, e com o que Grotius
..
nidade, es a perfeil<l e ompl ta harmonia da alma consmUtr~a chama de justitia expletrix, a qual consiste em abster-se do que
a viltude que na linguagem dos gr g s s expressa por uma pa- é de outrem, e em fazer voluntariamente o que com proprieda-
lavra que llal itualmenl l!-aduzim s por ~emp ran a, m:ts q ue de podemos ser forçados a fazer. O segundo sentido da pala-
poderi~t ser rru i · apropria,~::unente u·~~luztcla ·om boa tn lol •, vra coincide com o que alguns chamaram justiça distributiva 11 ,
u sol riedaue e m d mçao do espmto. . e com a justitia attributrix de Grotius, a qual consiste em be-
D a ordo c m sse sist ma, a justi ·a a úllim:.~ rruuor das neficência, adequada, no uso conveniente do que é nosso, e
quatr ütud carcleai , terüt .lugar quand ·a la_um~ dessas na sua destinação aos propósitos de caridade ou generosida-
t.rês fa •uldades do espírit se onfioassem a sua h.tn ·a apro- de a que, em nossa situação, é mais adequado destiná-lo. Nes-
pri;tda, sem tentar inv•tdlr qualq u r wn<t da outras; quan?o a se sentido, justiça compreende todas as virtudes sociáveis.
razão dirlgiss a palxà 1 ed ess , quando ·ada_ pa1xã Às vezes o termo justiça se emprega ainda em outro sentido,
umprisse seu dever apropriado, 'er · sse- e e~ r~laça a s u ainda mais amplo do que qualquer um dos anteriores, embo-
objeto apropriad , c.:om fa ·iildade e se m relutan là , ·om. ra muito semelhante ao último; sentido que, até onde sei, tam-
1-au le nergia e for'<~ a I quacl ao valor do qu us .:va: N•s- bém existe em todas as línguas. Nesse último sentido se diz que
so · nsisliria a virtude mpleta, a perf it:a on nten ta de somos injustos quando não parecemos valorizar nenhum obje-
ondura que Platão, seguindo alguns anti ' <s pitagórl to particular com o grau de estima, ou buscá-lo com o grau ele
rni.nOLI )u~; Liça. . fervor que, aos olhos do espectador imparcial, revela merecer,
·v -se observar qu a p·lla ra grega que ex:pre sa JUS- ou é naturalmente adequado a suscitar. Assim, diz-se que co-
Liça possui v{uios significado. difer nt s e na :uedida em qu~ metemos injustiça contra um poema ou quadro se não os admi-
te rmo corresp nd llle em r da, as o u.~ lmguas te m ar~:: ramos o bastante, e diz-se que lhes fazemos mais do que jus-
onde sei 0 m ·mo, d v haver alguma afJrudacle natura l et:tr tiça quando os admiramos em demasia. Da mesma maneira,
esses vád · ·i nifí ad . Num semido, diz-se que faz mos JU S- diz-se que cometemos injustiça contra nós mesmos se não nos
ti a ::1 11 sso vizlnh quand n abstemos de lhe ·a usar qua l- mostramos atentos o suficiente para com algum objeto parti-
quer ma l p lSiLiv , e nft prejudicamos dir tamcnt -. nem~ m cular de nosso próprio interesse. Nesse último sentido, o que se
sua pe · a, ne m e m suas posse~>, nem em s~a 1: pura ·ão. E. sa chama justiça significa a mesma coisa que exata e perfeita con-
· a jusliça que abordei acima•, cuja bs 1 a neta. pod ser x- veniência de conduta e comportamento, e compreende não
lo rquida pela força, cuj·• viob" o expõ a casu~~- "Em outro apenas as funções da justiça comutativa e distributiva, como de
s ntido, diz-se que nãu fazem . justiç~'. a noss~ v tzlnho salvo toda outra virtude, da prudência, coragem, temperança. É cla-
se sentirmos por le t:ocl o , mor. r spe1l e sttma que seu ca- ramente nesse último sentido que Platão compreende o que
ráter, sua si. ru, ·ã sua relação ono co tornam a~ quad c
apropriado seotinnos, , salvo s agirmos em onfor.mtdade com
11. É um tanto diferente a justiça distributiva de Aristóteles, pois con-
siste na distribuição apropriada das recompensas pertencentes ao bem pú-
• TSM, Parte li, Seção li, Cap. I, pp. 98-9. (N. do R. T.) blico de uma comunidade. Veja-se Aristóteles, Ethic. Nic. I. v. c. 2.
340 TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS SÉTJMA PARTE 341
chama justiça, e que, portanto, segundo ele, inclui a perfeição dade da a lo, qu r ·orno qlJalidad la pessoa. Considerada co~
de toda espécie de virtude. m quallda 1 da a ão, nsiste, m IllQ segundo Aristóteles
Essa é a descrição que Platão oferece da natureza da vir- na. nzoáv~ m ~e~-açào ~o afeto d que pro ed ssa ação:
tude, ou do temperamento do espírito que constitui objeto apro- se1a essa di pos1çao habttuaJ à pessoa o u nâ . Consid rad:t
priado de louvor e aprovação. De acordo com o autor, consis- como qualidade de uma pessoa, consiste no hábito dessa ra-
te no estado de espírito em que toda a faculdade se confina à zoável moderação, em ter-se tornado disposição usual e cos-
sua própria esfera, sem invadir nenhuma outra, e desempenha tumeira do espírito. Assim, a ação que procede de um acesso
sua função apropriada com o grau preciso de força e vigor que o ·a ·i naI d generosi Iael - s m dúvida uma ação g nerosa,
lhe cabe. É evidente que sua descrição coincide em todos os ma. homem que a realiza nã é necessariamente uma p " -
aspectos com o que dissemos acima sobre a conveniência da :. a gc:ner a, po1~ u p .d er a C111ica a :ão dessa es p ~cie q ue
conduta. J<l reahz u. O moov e dJSp sJç,_':'!o I ora :ão a pmtir d que se
II. De acordo com Aristóteles 12 , a virtude consiste no hábi- realiz u essa ação p de ter ido I astant ju, to e aproprlatL .
to da mediania, conforme a reta razão. Toda a virtude parti- mas, como esse estado de ânimo feliz parece ter sido antes
cular, segundo ele, reside numa espécie de meio entre dois ví- efeito de humor acidental do que de qualquer coisa constante
cios opostos, dos quais um ofende por ser excessivamente, ou penna nente no caráter não p d refletir grande h nra. o-
outro por ser insuficientemente afetado por uma espécie par- bre exe ulor. Quando d1amamos um cará[ r cl generos u
ticular de objeto. Assim, a virtude da fortaleza ou coragem re- cari~l s '. 0~1 v utu o m qu·dquer aspecto, qu rem s diz r q u ~
side no meio entre os vícios opostos de covardia e precipita- a. cJ_: ·p ·1çao expressa. por ada um desses nomes é a disp -
ção presunçosa, uma das quais ofende por ser excessivamente, Hlça usual e costume1.ra da pess a. Por' m, a ões isoladas ele

outra por ser insuficientemente afetada pelos objetos de medo. qualque: sp. ie, ror ma is apr >pliadas e adequadas , têm pou-
Assim também a virtude da frugalidade reside no meio entre ca relevan ·w param •tra r lJ.Ll • es. ·as . e uma só aç1o
avareza e prodigalidade, uma das quais consiste num excesso, fo i sufici m para marcar aráter d qualq u r viJtu te na p s-
outra numa falta da atenção adequada aos objetos de interes- soa que a realizou, mais indigno d<)S h mens pod ·ria r da-
se particular. Da mesma maneira, a magnanimidade reside num mar para si todas as virtudes, pois não existe homem que, em
algumas o .1 iões, não tenha agido com prudência, justiça, tem-
meio entre o excesso de arrogância e a falta de pusilanimidade,
perança e coragem. Ainda que ações isoladas, por mais louvá-
das quais uma consiste num sentimento demasiado extravagan-
veis que sejam, tragam pouco louvor à pessoa que as realiza,
te, outra num sentimento demasiado fraco, de nosso próprio
uma só ação viciosa, realizada por alguém cuja conduta é ha-
valor e dignidade. É desnecessário observar que essa descrição
bitualmente muito regular, d lminni grand mente, e por vezes
da virtude guarda uma correspondência bastante precisa com destrói por inteiro, nossa o pinião sobr SLl virtude. Uma só
o que acima se disse a respeito da conveniência e inconve- ação dessa espécie mostra suficientemente que os seus hábitos
niência da conduta. não são perfeitos, e que se deve onfiar men s n l do qu , , -
De acordo com Aristóteles 13 , com efeito, a virtude não con- gundo a sua seqüência habitual d omportam nto, s ríamo,
sistiria tanto nesses afetos moderados e corretos, como no há- capazes de imaginar.
bito dessa moderação. A fim de compreender isso, deve-se Ademais, quando fez a virtude consistir em hábitos práti-
observar que a virtude pode ser considerada quer como quali- cos, Aristóteles 14 provavelmente tinha em vista opor-se à dou-
trina de Platão, o qual parece ser de opinião que sentimentos

12. Veja-se Aristóteles, Ethic. Nic . I. ii. c. 5 s. e I. iii. c. 6 s.


13. Veja-se Aristóteles, Ethic. Nic.lib. ii. caps. 1, 2, 3 e 4. 14. Veja-se Aristó teles, Mag. Mor. lib. 2. ch. 1.
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chama justiça, e que, portanto, segundo ele, inclui a perfeição dade da a lo, qu r ·orno qlJalidad la pessoa. Considerada co~
de toda espécie de virtude. m quallda 1 da a ão, nsiste, m IllQ segundo Aristóteles
Essa é a descrição que Platão oferece da natureza da vir- na. nzoáv~ m ~e~-açào ~o afeto d que pro ed ssa ação:
tude, ou do temperamento do espírito que constitui objeto apro- se1a essa di pos1çao habttuaJ à pessoa o u nâ . Consid rad:t
priado de louvor e aprovação. De acordo com o autor, consis- como qualidade de uma pessoa, consiste no hábito dessa ra-
te no estado de espírito em que toda a faculdade se confina à zoável moderação, em ter-se tornado disposição usual e cos-
sua própria esfera, sem invadir nenhuma outra, e desempenha tumeira do espírito. Assim, a ação que procede de um acesso
sua função apropriada com o grau preciso de força e vigor que o ·a ·i naI d generosi Iael - s m dúvida uma ação g nerosa,
lhe cabe. É evidente que sua descrição coincide em todos os ma. homem que a realiza nã é necessariamente uma p " -
aspectos com o que dissemos acima sobre a conveniência da :. a gc:ner a, po1~ u p .d er a C111ica a :ão dessa es p ~cie q ue
conduta. J<l reahz u. O moov e dJSp sJç,_':'!o I ora :ão a pmtir d que se
II. De acordo com Aristóteles 12 , a virtude consiste no hábi- realiz u essa ação p de ter ido I astant ju, to e aproprlatL .
to da mediania, conforme a reta razão. Toda a virtude parti- mas, como esse estado de ânimo feliz parece ter sido antes
cular, segundo ele, reside numa espécie de meio entre dois ví- efeito de humor acidental do que de qualquer coisa constante
cios opostos, dos quais um ofende por ser excessivamente, ou penna nente no caráter não p d refletir grande h nra. o-
outro por ser insuficientemente afetado por uma espécie par- bre exe ulor. Quando d1amamos um cará[ r cl generos u
ticular de objeto. Assim, a virtude da fortaleza ou coragem re- cari~l s '. 0~1 v utu o m qu·dquer aspecto, qu rem s diz r q u ~
side no meio entre os vícios opostos de covardia e precipita- a. cJ_: ·p ·1çao expressa. por ada um desses nomes é a disp -
ção presunçosa, uma das quais ofende por ser excessivamente, Hlça usual e costume1.ra da pess a. Por' m, a ões isoladas ele

outra por ser insuficientemente afetada pelos objetos de medo. qualque: sp. ie, ror ma is apr >pliadas e adequadas , têm pou-
Assim também a virtude da frugalidade reside no meio entre ca relevan ·w param •tra r lJ.Ll • es. ·as . e uma só aç1o
avareza e prodigalidade, uma das quais consiste num excesso, fo i sufici m para marcar aráter d qualq u r viJtu te na p s-
outra numa falta da atenção adequada aos objetos de interes- soa que a realizou, mais indigno d<)S h mens pod ·ria r da-
se particular. Da mesma maneira, a magnanimidade reside num mar para si todas as virtudes, pois não existe homem que, em
algumas o .1 iões, não tenha agido com prudência, justiça, tem-
meio entre o excesso de arrogância e a falta de pusilanimidade,
perança e coragem. Ainda que ações isoladas, por mais louvá-
das quais uma consiste num sentimento demasiado extravagan-
veis que sejam, tragam pouco louvor à pessoa que as realiza,
te, outra num sentimento demasiado fraco, de nosso próprio
uma só ação viciosa, realizada por alguém cuja conduta é ha-
valor e dignidade. É desnecessário observar que essa descrição
bitualmente muito regular, d lminni grand mente, e por vezes
da virtude guarda uma correspondência bastante precisa com destrói por inteiro, nossa o pinião sobr SLl virtude. Uma só
o que acima se disse a respeito da conveniência e inconve- ação dessa espécie mostra suficientemente que os seus hábitos
niência da conduta. não são perfeitos, e que se deve onfiar men s n l do qu , , -
De acordo com Aristóteles 13 , com efeito, a virtude não con- gundo a sua seqüência habitual d omportam nto, s ríamo,
sistiria tanto nesses afetos moderados e corretos, como no há- capazes de imaginar.
bito dessa moderação. A fim de compreender isso, deve-se Ademais, quando fez a virtude consistir em hábitos práti-
observar que a virtude pode ser considerada quer como quali- cos, Aristóteles 14 provavelmente tinha em vista opor-se à dou-
trina de Platão, o qual parece ser de opinião que sentimentos

12. Veja-se Aristóteles, Ethic. Nic . I. ii. c. 5 s. e I. iii. c. 6 s.


13. Veja-se Aristóteles, Ethic. Nic.lib. ii. caps. 1, 2, 3 e 4. 14. Veja-se Aristó teles, Mag. Mor. lib. 2. ch. 1.
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 343
342
justos e juízos razoáveis quanto ao mais adeqwH.lo a se fazer jeiçào. Assim, na primeira classe, a saúde se mostraria eviden-
ou evitar bastavam para constituir a mais perfeila virtude. De temente preferível à força, e a força à agilidade, reputação, pre-
acordo com Platão, a virtude poderia ser considerada como uma ferível ao poder, e poder à riqueza. E assim também, na segun-
e 1 ·i de ciência, e nenhum homem pod~ria ver cl aro e d~­ da classe, dever-se-ia evitar mais a doença do que deformidade
monstrativamente o certo e o errado, sem agtr de ·teordo. A pai- do corpo, a ignomínia mais do que a pobreza, e a pobreza mais
xão poderia nos fazer agir conrrariamc:nl ~ a opiniões duvicl sas do que a perda de poder. Virtude e conveniência de conduta
e incertas, não a julgamentos claros e evidentes. Aristóteles. ao consistiriam em escolher e rejeitar todos os diferentes objetos e
contrário, era de opinião que nenhuma convicção do enten- circunstâncias conforme a natureza os convertesse em objetos
dimento seria capaz de vencer hábitos inveterados, e que a boa de menor ou maior escolha ou rejeição; em selecionar sempre,
moral não se devia ao conhecimento, mas à ação. entre os diversos objetos de escolha que nos fossem apresen-
III. De acordo com Zenào'\ fundador da doutrina estói- tados, o que mais se deveria escolher, quando não os pudésse-
ca, todo animal seria por natureza recomendado a seus próprios mos obter todos; e em selecionar ainda, entre os vários objetos
cuidados, e dotado do princípio do amor de si, para que se es- de rejeição que nos fossem oferecidos, o que menos se deveria
forçasse em ons rvar não ap na5 a sua existAnci'l, como todas evitar, quando não estivesse em nosso poder evitar todos. Ao
as diferent • · partes de sua narur za , na meih r e mais 1- erfeita escolhermos e rejeitarmos com esse discemimento justo e acura-
condição de que seria capaz. do, ao atribuir desse modo a cada objeto o grau preciso de aten-
O amor de si do homem abarcaria, se assim posso dizer, o ção que merecer, de acordo com a posição que ocupariam nes-
seu corpo e todos os seus diferentes membros, seu espírito e sa escala natural de coisas, manteríamos, segundo os Estóicos, a
todas as suas diversas faculdades e poderes, e desejaria a con- petfeita retidão de conduta que constituiria a essência da virtLJ-
servação e manutenção de tudo isso em sua melhor e mais de. Isso era o que chamavam viver harmoniosamente, viver se-
perfeila condição. Portanto, foss ~ o que fosse que tendesse a gundo a natureza, e obedecer às leis e normas que a natureza
ma m ~r esse estado de exi t"'nda, a natureza lhe indicaria co- ou o Autor da natureza prescrevera para nossa conduta.
mo escolha adequada; e o que quer que tendesse a destruí-lo, Até aqui, a idéia estóica de conveniência e virtude não di-
ser-lhe-ia indicado como adequado para se recusar. Assim, saú- fere muito da de Aristóteles e dos antigos Peripatéticos.
de, força, agilidade e bem-estar do corpo, bem como as como- Entre os objetos primários que a natureza nos recomendou
didades externas que os poderiam promover; riqueza, poder, como desejáveis, estaria a prosperidade de nossa família, de
honras, respeito e estima daqueles com quem vivemos, ser-nos- nossos parentes, de nossos amigos, nosso país, a humanidade,
iam naturalmente indicados como coisas desejáveis, cuja posse e do universo em geral. A.lém disso, a natureza nos teria ensi-
seria preferível à falta. De outro lado, doença, enfermidade, nado que, assim como a prosperidade de dois era preferível à
deformidade, dor física, bem como todos os incômodos exter- de um só, a de muitos, a de todos, deveria ser infinitamente
nos que tendem a ocasionar ou intensificar qualquer uma delas, mais preferível. Que nós seríamos apenas um e, conseqüente-
tal como pobreza, falta de autoridade, desprezo ou ódio daque- mente, sempre que nossa prosperidade fosse incoerente, quer
les com quem vivemos, da mesma maneira nos seriam indica- com o todo, quer com qualquer parte significativa do todo, de-
dos como coisas a serem afastadas e evitadas. Em cada uma des- veria dar lugar, até mesmo em nossa própria escolha, ao que
sas duas classes opostas, haveria objetos que se apresentariam, foi tão amplamente preferível. Uma vez que todos os eventos
mais do que outros da mesma classe, como de escolha ou re- deste mundo foram conduzidos pela providência de um Deus
sábio, poderoso e bom, poderíamos ter certeza de que tudo o
que ocorreu tendia para a prosperidade e perfeição do todo.
15. Veja-se Cícero, De Finibus, lib. iii; e também Diógenes Laércio em
Zenon, lib. vii, segmento 84.
Portanto, se nos atingisse a pobreza, a doença, ou qualquer
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 343
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justos e juízos razoáveis quanto ao mais adeqwH.lo a se fazer jeiçào. Assim, na primeira classe, a saúde se mostraria eviden-
ou evitar bastavam para constituir a mais perfeila virtude. De temente preferível à força, e a força à agilidade, reputação, pre-
acordo com Platão, a virtude poderia ser considerada como uma ferível ao poder, e poder à riqueza. E assim também, na segun-
e 1 ·i de ciência, e nenhum homem pod~ria ver cl aro e d~­ da classe, dever-se-ia evitar mais a doença do que deformidade
monstrativamente o certo e o errado, sem agtr de ·teordo. A pai- do corpo, a ignomínia mais do que a pobreza, e a pobreza mais
xão poderia nos fazer agir conrrariamc:nl ~ a opiniões duvicl sas do que a perda de poder. Virtude e conveniência de conduta
e incertas, não a julgamentos claros e evidentes. Aristóteles. ao consistiriam em escolher e rejeitar todos os diferentes objetos e
contrário, era de opinião que nenhuma convicção do enten- circunstâncias conforme a natureza os convertesse em objetos
dimento seria capaz de vencer hábitos inveterados, e que a boa de menor ou maior escolha ou rejeição; em selecionar sempre,
moral não se devia ao conhecimento, mas à ação. entre os diversos objetos de escolha que nos fossem apresen-
III. De acordo com Zenào'\ fundador da doutrina estói- tados, o que mais se deveria escolher, quando não os pudésse-
ca, todo animal seria por natureza recomendado a seus próprios mos obter todos; e em selecionar ainda, entre os vários objetos
cuidados, e dotado do princípio do amor de si, para que se es- de rejeição que nos fossem oferecidos, o que menos se deveria
forçasse em ons rvar não ap na5 a sua existAnci'l, como todas evitar, quando não estivesse em nosso poder evitar todos. Ao
as diferent • · partes de sua narur za , na meih r e mais 1- erfeita escolhermos e rejeitarmos com esse discemimento justo e acura-
condição de que seria capaz. do, ao atribuir desse modo a cada objeto o grau preciso de aten-
O amor de si do homem abarcaria, se assim posso dizer, o ção que merecer, de acordo com a posição que ocupariam nes-
seu corpo e todos os seus diferentes membros, seu espírito e sa escala natural de coisas, manteríamos, segundo os Estóicos, a
todas as suas diversas faculdades e poderes, e desejaria a con- petfeita retidão de conduta que constituiria a essência da virtLJ-
servação e manutenção de tudo isso em sua melhor e mais de. Isso era o que chamavam viver harmoniosamente, viver se-
perfeila condição. Portanto, foss ~ o que fosse que tendesse a gundo a natureza, e obedecer às leis e normas que a natureza
ma m ~r esse estado de exi t"'nda, a natureza lhe indicaria co- ou o Autor da natureza prescrevera para nossa conduta.
mo escolha adequada; e o que quer que tendesse a destruí-lo, Até aqui, a idéia estóica de conveniência e virtude não di-
ser-lhe-ia indicado como adequado para se recusar. Assim, saú- fere muito da de Aristóteles e dos antigos Peripatéticos.
de, força, agilidade e bem-estar do corpo, bem como as como- Entre os objetos primários que a natureza nos recomendou
didades externas que os poderiam promover; riqueza, poder, como desejáveis, estaria a prosperidade de nossa família, de
honras, respeito e estima daqueles com quem vivemos, ser-nos- nossos parentes, de nossos amigos, nosso país, a humanidade,
iam naturalmente indicados como coisas desejáveis, cuja posse e do universo em geral. A.lém disso, a natureza nos teria ensi-
seria preferível à falta. De outro lado, doença, enfermidade, nado que, assim como a prosperidade de dois era preferível à
deformidade, dor física, bem como todos os incômodos exter- de um só, a de muitos, a de todos, deveria ser infinitamente
nos que tendem a ocasionar ou intensificar qualquer uma delas, mais preferível. Que nós seríamos apenas um e, conseqüente-
tal como pobreza, falta de autoridade, desprezo ou ódio daque- mente, sempre que nossa prosperidade fosse incoerente, quer
les com quem vivemos, da mesma maneira nos seriam indica- com o todo, quer com qualquer parte significativa do todo, de-
dos como coisas a serem afastadas e evitadas. Em cada uma des- veria dar lugar, até mesmo em nossa própria escolha, ao que
sas duas classes opostas, haveria objetos que se apresentariam, foi tão amplamente preferível. Uma vez que todos os eventos
mais do que outros da mesma classe, como de escolha ou re- deste mundo foram conduzidos pela providência de um Deus
sábio, poderoso e bom, poderíamos ter certeza de que tudo o
que ocorreu tendia para a prosperidade e perfeição do todo.
15. Veja-se Cícero, De Finibus, lib. iii; e também Diógenes Laércio em
Zenon, lib. vii, segmento 84.
Portanto, se nos atingisse a pobreza, a doença, ou qualquer
344 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 345
outra calamidade, antes de tudo, deveríamos empenhar os nos- se recuse a isso, não será mais um pé. Também assim devería-
sos maiores esforços, tanto quanto permitissem a justiça e nosso mos conceber o que nos diz respeito. O que és tu? - um ho-
dever para com outros, para fugir a essa desagradável circuns- mem. Se te consideras separado e apartado, é agradável à tua
tância. No entanto, se depois de tudo o que fizéssemos, viésse- natureza viver até a velhice, ser rico e ter saúde. Mas se te con-
mos a descobrir que não haveria saída, deveríamos serenar, pois sideras como um homem, e como parte de um todo, em razão
a ordem e petfeiçào do universo exigiram que nu·ement con- desse todo às vezes te caberá ficar doente, às vezes ser exposto
tinuássemos nessa situação. E como a prosperidade I t do até à inconveniência de uma viagem marítima, às vezes sofrer de
a nós deveria mostrar-se preferível à parte tão insignificante que carências, e por fim, talvez, morrer antes da hora. Então por que
somos, nossa situação, fosse qual fosse, deveria tomar-. , a par- te queixas? Não sabes que, quando fazes isso, assim como o pé
tir desse momento, objeto de nosso agrado, caso ma ntivésse- deixa de ser pé, deixas de ser homem?
mos a compl ta conv niênci'l retidã cl ~ enLLm nto on- Um homem sábio nunca se queixa do destino da Provi-
duta em que consi tiri:J. a p rfeição d nos a nalureza .. e, na dência, nem julga que o universo é confuso quando ele mes-
verdade, surgiss alguma porLun idade d nos livrarmo , mo está em desordem. Não se vê como um todo , separado e
ria nosso d ver abm á-h. Seria vid nt qu a o rei m do uni- apartado de qualquer outra parte da natureza, que precisa ser
verso não mais exigia nossa permanência naquela situação, e cuidado por si e em si; vê-se à luz em que imagina que o gran-
o grande Diretor do mundo claramente nos convocaria a dei- de gênio da natureza humana e do mundo o vê; introduz-se,
xá-la, apontando com nitidez rumo que devêssemos tomar. se assim posso dizer, nos sentimentos desse Ser divino, e con-
O mesmo ocorreria quando s tratasse da adversidade de nos- sidera-se um átomo, uma partícula de um imenso e infinito sis-
s parente ·, amigo · e d nos. pats. ·em vio lar alguma o bri- tema, de que se deve dispor segundo a conveniência do todo.
ga ã mais sagrnda, . eslives m nosso pod r evitar ou li- Confiante na sabedoria que dirige todos os eventos da vida hu-
quidar sua ca lamid<tel('! dec rt nosso dever seria fazê-lo. A on - mana, seja qual for a sorte que lhe couber, aceitá-la-á com ale-
v nlên ·a da ,çã , a r grn q ueJ(tpite r nos dera para dirigirm s gria e satisfação, pois, se conhecesse todas as relações e as de-
nossa conduta, evidentemente exigiria isso de nós. Mas, se tam- pendências entre diferentes partes do universo , teria desejado
pouco isso e tivesse em nosso poder, deveríam e m -o on- essa mesma sorte. Seja esta a vida, está satisfeito de viver; seja
siderar esse evento orno o mais afortu nado qu p ssiveltnenl · esta a morte, uma vez que a natureza não mais deve ter neces-
tetia c nido, porque estaríamos certos de f.U rendia mais pa- sidade de sua presença aqui, vai de boa vontade aonde lhe
ra a prosp ridadu e ordem do Lodo- que nó mesmos. s fôs- indicam. "Aceito", disse um filósofo cínico cujas doutrinas eram,
. emos sábios e equânimes, deveríamos de.- ~jar ma is que tud nesse aspecto, semelhantes às dos Estóicos, "aceito com igual
Seria considerar nosso interesse final como parte desse todo, alegria e satisfação qualquer fortuna que me couber - rique-
cuja prosperidade não deveria ser apenas o objeto principal, za ou pobreza, prazer ou dor, saúde ou doença, tudo é igual;
mas o único objeto de nosso desejo. tampouco desejaria que os deuses de algum modo alterassem
"Em que sentido", diz Epíteto, "se diz que algun:_as coisas meu destino. Se lhes pudesse pedir algo além do que sua bon-
são conformes à nossa natureza, e outras contrárias? E no sen- dade já me concedeu, pediria que me informassem de antemão
tido em que nos consideramos separados e apartados de todas o que desejam fazer comigo, para que eu possa de bom gra-
as outras coisas. Pois desse modo pode-se dizer que é confor- do colocar-me nessa situação, e demonstrar o contentamento
me a natureza do pé estar sempre limpo. Mas se o consideras com que abraço a sorte que me cabe." "Se vou navegar", diz
como um pé, e não algo apartado do resto do corpo, deve ca- Epíteto, "escolho o melhor navio e o melhor piloto, e aguardo,
ber-lhe às vezes atolar-se na lama, às vezes pisar em espinhos, tanto quanto me permitirem minha situação e meu dever, o
e às vezes ainda ser cortado para bem de todo o corpo; e caso clima mais favorável. Prudência e conveniência, os princípios
344 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 345
outra calamidade, antes de tudo, deveríamos empenhar os nos- se recuse a isso, não será mais um pé. Também assim devería-
sos maiores esforços, tanto quanto permitissem a justiça e nosso mos conceber o que nos diz respeito. O que és tu? - um ho-
dever para com outros, para fugir a essa desagradável circuns- mem. Se te consideras separado e apartado, é agradável à tua
tância. No entanto, se depois de tudo o que fizéssemos, viésse- natureza viver até a velhice, ser rico e ter saúde. Mas se te con-
mos a descobrir que não haveria saída, deveríamos serenar, pois sideras como um homem, e como parte de um todo, em razão
a ordem e petfeiçào do universo exigiram que nu·ement con- desse todo às vezes te caberá ficar doente, às vezes ser exposto
tinuássemos nessa situação. E como a prosperidade I t do até à inconveniência de uma viagem marítima, às vezes sofrer de
a nós deveria mostrar-se preferível à parte tão insignificante que carências, e por fim, talvez, morrer antes da hora. Então por que
somos, nossa situação, fosse qual fosse, deveria tomar-. , a par- te queixas? Não sabes que, quando fazes isso, assim como o pé
tir desse momento, objeto de nosso agrado, caso ma ntivésse- deixa de ser pé, deixas de ser homem?
mos a compl ta conv niênci'l retidã cl ~ enLLm nto on- Um homem sábio nunca se queixa do destino da Provi-
duta em que consi tiri:J. a p rfeição d nos a nalureza .. e, na dência, nem julga que o universo é confuso quando ele mes-
verdade, surgiss alguma porLun idade d nos livrarmo , mo está em desordem. Não se vê como um todo , separado e
ria nosso d ver abm á-h. Seria vid nt qu a o rei m do uni- apartado de qualquer outra parte da natureza, que precisa ser
verso não mais exigia nossa permanência naquela situação, e cuidado por si e em si; vê-se à luz em que imagina que o gran-
o grande Diretor do mundo claramente nos convocaria a dei- de gênio da natureza humana e do mundo o vê; introduz-se,
xá-la, apontando com nitidez rumo que devêssemos tomar. se assim posso dizer, nos sentimentos desse Ser divino, e con-
O mesmo ocorreria quando s tratasse da adversidade de nos- sidera-se um átomo, uma partícula de um imenso e infinito sis-
s parente ·, amigo · e d nos. pats. ·em vio lar alguma o bri- tema, de que se deve dispor segundo a conveniência do todo.
ga ã mais sagrnda, . eslives m nosso pod r evitar ou li- Confiante na sabedoria que dirige todos os eventos da vida hu-
quidar sua ca lamid<tel('! dec rt nosso dever seria fazê-lo. A on - mana, seja qual for a sorte que lhe couber, aceitá-la-á com ale-
v nlên ·a da ,çã , a r grn q ueJ(tpite r nos dera para dirigirm s gria e satisfação, pois, se conhecesse todas as relações e as de-
nossa conduta, evidentemente exigiria isso de nós. Mas, se tam- pendências entre diferentes partes do universo , teria desejado
pouco isso e tivesse em nosso poder, deveríam e m -o on- essa mesma sorte. Seja esta a vida, está satisfeito de viver; seja
siderar esse evento orno o mais afortu nado qu p ssiveltnenl · esta a morte, uma vez que a natureza não mais deve ter neces-
tetia c nido, porque estaríamos certos de f.U rendia mais pa- sidade de sua presença aqui, vai de boa vontade aonde lhe
ra a prosp ridadu e ordem do Lodo- que nó mesmos. s fôs- indicam. "Aceito", disse um filósofo cínico cujas doutrinas eram,
. emos sábios e equânimes, deveríamos de.- ~jar ma is que tud nesse aspecto, semelhantes às dos Estóicos, "aceito com igual
Seria considerar nosso interesse final como parte desse todo, alegria e satisfação qualquer fortuna que me couber - rique-
cuja prosperidade não deveria ser apenas o objeto principal, za ou pobreza, prazer ou dor, saúde ou doença, tudo é igual;
mas o único objeto de nosso desejo. tampouco desejaria que os deuses de algum modo alterassem
"Em que sentido", diz Epíteto, "se diz que algun:_as coisas meu destino. Se lhes pudesse pedir algo além do que sua bon-
são conformes à nossa natureza, e outras contrárias? E no sen- dade já me concedeu, pediria que me informassem de antemão
tido em que nos consideramos separados e apartados de todas o que desejam fazer comigo, para que eu possa de bom gra-
as outras coisas. Pois desse modo pode-se dizer que é confor- do colocar-me nessa situação, e demonstrar o contentamento
me a natureza do pé estar sempre limpo. Mas se o consideras com que abraço a sorte que me cabe." "Se vou navegar", diz
como um pé, e não algo apartado do resto do corpo, deve ca- Epíteto, "escolho o melhor navio e o melhor piloto, e aguardo,
ber-lhe às vezes atolar-se na lama, às vezes pisar em espinhos, tanto quanto me permitirem minha situação e meu dever, o
e às vezes ainda ser cortado para bem de todo o corpo; e caso clima mais favorável. Prudência e conveniência, os princípios
346 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉ71MA PARTE 347
que os deuses m ' deram para di ri gir minha ·onduta, exigem gurança à sabedoria e poder do grande Superintendente do uni-
que eu faça Isso, ma · na la ' ig ' m além dis o; e se, mesmo as- verso. Sua única preocupação seria quanto à satisfação do pri-
sim, advém uma t rnp .tad a qu~ nem a for" a do navio, nem meiro, não quanto ao evento, mas quanto à conveniência de
a habilidade do piloto sejam capazes de resistir, não me dei- seus próprios esforços. Fosse qual fosse o evento, confiaria a
x) p rturbar pel s e fe ito . . Tu lo o qu m 1''1 p ssíve l faz -·r um poder e sabedoria superiores promover o grande fim que
já . rã f' i to. Os c.lir -rore de minha ·ondw:a nunca m ordena- ele mesmo tanto desejaria promover.
1
ram qu fo. se n:tiset:tv I, ansi so, lt.:salentado ou amedronwdo. Uma vez familiarizados plenamente com a conveniência
Se nos afogaremos ou se chegaremos a um p01to, é problema de se escolher ou de se rejeitar - ainda que tal conveniência nos
de Júpiter, não meu . Deixo-o inteiramente à sua determinação, seja originalmente indicada, como se recomendada e apresen-
nem interrompo o meu repouso considerando de que modo tada à nossa familiaridade pelas coisas e para o bem das coi-
provavelmente decidirá, pois receberei o que vier com igual sas escolhidas ou rejeitadas -, a ordem, a graça, a beleza que
indiferença e segurança." discemíssemos nessa conduta, a felicidade que dela resultasse,
Dessa perfeita confiança na benevolente sabedoria que go- necessariamente pareceria, aos nossos olhos, possuir valor mui-
verna o universo, e da completa resignação à ordem que essa to superior ao da real obtenção de todos os diferentes objetos
sabedoria julgar adequado estabelecer, seguiria necessariamen- de escolha, ou ao da real aversão a todos os objetos de rejei-
te que, para o sábio estóico, grande parte dos eventos da vida ção. Da observação dessa conveniência originou-se a felicida-
humana deveriam lhe ser indiferentes. Sua felicidade consistiria de e a glória; de negligenciá-la, a miséria e desgraça da natu-
inteiramente, primeiro, na contemplação da felicidade e perfei- reza humana.
ção do grande sistema do universo, do bom governo da grande Mas para um homem sábio, alguém cujas paixões foram
república de deuses e homens, de todos os seres racionais e perfeitamente subjugadas pelos princípios que governam a sua
sensatos; e, segundo, em desincumbir-se de seu dever, agir ade- natureza, a exata observação dessa conveniência seria igual-
quadamente nos assuntos dessa grande república, não se im- mente fácil em todas as ocasiões. Na prosperidade, agradece-
portando se tal sabedoria lhe atribuiu um pequeno papel. A ria a Júpiter por ter-lhe proporcionado circunstâncias fáceis de
conveniência ou inconveniência de seus esforços poderiam lhe dominar, em que haveria pouca tentação de fazer o mal. Na
ser de grande relevância. O êxito ou malogro desses esforços adversidade, igualmente agradeceria ao diretor desse espetá-
poderiam não ter relevância alguma - não poderiam suscitar culo da vida humana por ter-lhe oposto um vigoroso atleta, so-
apaixonada alegria ou dor, apaixonado desejo ou aversão. Se bre quem a vitória seria mais gloriosa e igualmente certa em-
preferiu alguns eventos a outros, se algumas situações foram bora provavelmente a disputa fosse mais violenta. Como se
objetos de sua escolha e outros de sua rejeição, não foi porque envergonhar dessa aflição, a nós causada sem que tenhamos
considerasse que uns de algum modo eram melhores que ou- cometido falha alguma, apesar de agirmos com perfeita con-
tros, ou julgasse que sua própria felicidade seria mais completa veniência? Portanto, nenhum mal existe, ao contrário, um imen-
na situação que se denomina afortunada que na considerada so bem e proveito. Um homem corajoso exulta nos perigos em
aflitiva, mas porque a conveniência da ação, a regra que os deu- que, malgrado não se ter precipitado, a fortuna o envolvera.
ses lhe deram para dirigir sua conduta, exigiria que assim esco- Tais perigos oferecem-lhe a oportunidade de praticar a intre-
lhesse e rejeitasse. Todos os seus afetos estariam absorvidos e pidez heróica, e nessa prática frui o exaltado deleite, que resul-
engolfados em dois grandes afetos: no afeto relativo ao cumpri- ta da consciência de uma conveniência superior e ele merecida
mento de seu dever, e no que diz respeito à maior felicidade admiração. Quem é senhor de todos os seus empenhos não
possível para todos os seres racionais e sensatos. Para satisfa- tem aversão a medir sua força e atividade com o mais forte. E,
zer esse último afeto, abandonar-se-ia com a mais perfeita se- da mesma maneira, quem é senhor de todas as suas paixões
346 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉ71MA PARTE 347
que os deuses m ' deram para di ri gir minha ·onduta, exigem gurança à sabedoria e poder do grande Superintendente do uni-
que eu faça Isso, ma · na la ' ig ' m além dis o; e se, mesmo as- verso. Sua única preocupação seria quanto à satisfação do pri-
sim, advém uma t rnp .tad a qu~ nem a for" a do navio, nem meiro, não quanto ao evento, mas quanto à conveniência de
a habilidade do piloto sejam capazes de resistir, não me dei- seus próprios esforços. Fosse qual fosse o evento, confiaria a
x) p rturbar pel s e fe ito . . Tu lo o qu m 1''1 p ssíve l faz -·r um poder e sabedoria superiores promover o grande fim que
já . rã f' i to. Os c.lir -rore de minha ·ondw:a nunca m ordena- ele mesmo tanto desejaria promover.
1
ram qu fo. se n:tiset:tv I, ansi so, lt.:salentado ou amedronwdo. Uma vez familiarizados plenamente com a conveniência
Se nos afogaremos ou se chegaremos a um p01to, é problema de se escolher ou de se rejeitar - ainda que tal conveniência nos
de Júpiter, não meu . Deixo-o inteiramente à sua determinação, seja originalmente indicada, como se recomendada e apresen-
nem interrompo o meu repouso considerando de que modo tada à nossa familiaridade pelas coisas e para o bem das coi-
provavelmente decidirá, pois receberei o que vier com igual sas escolhidas ou rejeitadas -, a ordem, a graça, a beleza que
indiferença e segurança." discemíssemos nessa conduta, a felicidade que dela resultasse,
Dessa perfeita confiança na benevolente sabedoria que go- necessariamente pareceria, aos nossos olhos, possuir valor mui-
verna o universo, e da completa resignação à ordem que essa to superior ao da real obtenção de todos os diferentes objetos
sabedoria julgar adequado estabelecer, seguiria necessariamen- de escolha, ou ao da real aversão a todos os objetos de rejei-
te que, para o sábio estóico, grande parte dos eventos da vida ção. Da observação dessa conveniência originou-se a felicida-
humana deveriam lhe ser indiferentes. Sua felicidade consistiria de e a glória; de negligenciá-la, a miséria e desgraça da natu-
inteiramente, primeiro, na contemplação da felicidade e perfei- reza humana.
ção do grande sistema do universo, do bom governo da grande Mas para um homem sábio, alguém cujas paixões foram
república de deuses e homens, de todos os seres racionais e perfeitamente subjugadas pelos princípios que governam a sua
sensatos; e, segundo, em desincumbir-se de seu dever, agir ade- natureza, a exata observação dessa conveniência seria igual-
quadamente nos assuntos dessa grande república, não se im- mente fácil em todas as ocasiões. Na prosperidade, agradece-
portando se tal sabedoria lhe atribuiu um pequeno papel. A ria a Júpiter por ter-lhe proporcionado circunstâncias fáceis de
conveniência ou inconveniência de seus esforços poderiam lhe dominar, em que haveria pouca tentação de fazer o mal. Na
ser de grande relevância. O êxito ou malogro desses esforços adversidade, igualmente agradeceria ao diretor desse espetá-
poderiam não ter relevância alguma - não poderiam suscitar culo da vida humana por ter-lhe oposto um vigoroso atleta, so-
apaixonada alegria ou dor, apaixonado desejo ou aversão. Se bre quem a vitória seria mais gloriosa e igualmente certa em-
preferiu alguns eventos a outros, se algumas situações foram bora provavelmente a disputa fosse mais violenta. Como se
objetos de sua escolha e outros de sua rejeição, não foi porque envergonhar dessa aflição, a nós causada sem que tenhamos
considerasse que uns de algum modo eram melhores que ou- cometido falha alguma, apesar de agirmos com perfeita con-
tros, ou julgasse que sua própria felicidade seria mais completa veniência? Portanto, nenhum mal existe, ao contrário, um imen-
na situação que se denomina afortunada que na considerada so bem e proveito. Um homem corajoso exulta nos perigos em
aflitiva, mas porque a conveniência da ação, a regra que os deu- que, malgrado não se ter precipitado, a fortuna o envolvera.
ses lhe deram para dirigir sua conduta, exigiria que assim esco- Tais perigos oferecem-lhe a oportunidade de praticar a intre-
lhesse e rejeitasse. Todos os seus afetos estariam absorvidos e pidez heróica, e nessa prática frui o exaltado deleite, que resul-
engolfados em dois grandes afetos: no afeto relativo ao cumpri- ta da consciência de uma conveniência superior e ele merecida
mento de seu dever, e no que diz respeito à maior felicidade admiração. Quem é senhor de todos os seus empenhos não
possível para todos os seres racionais e sensatos. Para satisfa- tem aversão a medir sua força e atividade com o mais forte. E,
zer esse último afeto, abandonar-se-ia com a mais perfeita se- da mesma maneira, quem é senhor de todas as suas paixões
í
348 TEORIA DOS SENITMENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 349
não teme nenhuma circunstância em que o Superintendente rosas e mortificantes. Se a depositamos em jogar bem, em jo-
do universo possa julgar adequado colocá-lo. A generosidade gar com lealdade, em jogar sábia e habilmente, na conveniência
desse Ser divino o proveu de virtudes que o tornam superior de nossa conduta, depositamo-la em algo que, com disciplina,
a toda situação. Se for prazer, possui temperança para se abs- educação e atenção apropriadas, poderia estar inteiramente em
ter; se for dor, possui constância para suportá-la; se for perigo nosso poder, e sob nosso controle. Nossa felicidade estaria per-
ou morte, possui magnanimidade e f01taleza para desprezá-los. feitamente segura, além do alcance da fortuna. O evento de nos- ,
Os eventos da vida humana nunca o encontrarão desprepa- sas ações, se estivesse fora de nosso poder, também estaria fora
rado, ou confuso quanto a manter a conveniência de sentimen- de nosso interesse, e nunca poderíamos sentir medo ou ansie-
to e conduta que, em seu próprio entendimento, constitui ao dade por isso, e tampouco sofrer qualquer frustração dolorosa
mesmo tempo sua glória e sua felicidade. ou mesmo significativa.
Aos Estóicos a vida humana apresentava-se como um jo- A própria vida humana, bem como todas as diferentes van-
go de grande habilidade, em que, porém, haveria uma mescla tagens ou desvantagens que a acompanhem, poderiam, diziam
de acaso, ou do que se entende vulga1mente por acaso. Em tais os Estóicos, ser objeto próprio ou de nossa escolha ou de nos-
jogos a aposta é comumente uma ninharia, e todo o prazer sa rejeição, de acordo com várias circunstâncias. Se em nossa
do jogo decorre de se jogar bem, de se jogar com lealdade e situação real houvesse mais circunstâncias agradáveis do que
habilidade. Se, malgrado toda a sua habilidade, por influên- contrárias à natureza - mais circunstâncias que fossem objetos
cia do acaso sucedesse ao jogador perder, a perda deveria ser de escolha do que de rejeição -, nesse caso a vida inteira seria
antes motivo de alegria do que de grave sofrimento. Não ble- objeto próprio de escolha, e a conveniência da conduta exi-
fou; nada fez de que devesse envergonhar-se; saboreou intei- giria que permanecêssemos vivos. Se, de outro lado, em nos-
ramente todo o prazer do jogo. Se, ao contrário, o mau jogador, sa situação real houvesse, sem nenhuma esperança provável
malgrado todas as suas asneiras, igualmente vencer, seu êxito de reparo, mais circunstâncias contrárias que agradáveis à na-
não pode lhe dar senão pouca satisfação. Mortifica-o a lembran- tureza - mais circunstâncias que fossem objeto de rejeição do
ça de todos os erros cometidos. Mesmo durante o jogo, é in- que de escolha - , a própria vida, nesse caso, se tornaria, para
capaz de saborear parte do prazer que este pode lhe propor- um homem sábio, objeto de rejeição, e não seria apenas livre
cionar. Por ignorar as regras do jogo, cada uma de suas joga- para abandoná-la, como ainda a conveniência da conduta, a
das é quase sempre precedida de sentimentos desagradáveis, regra que os deuses lhe deram para dirigir sua conduta, lhe exi-
como medo, dúvida e hesitação, e comumente sucedida da giria que assim fizesse. "Ordenam-me que não permaneça em
mortificação por descobrir que nos lances cometera uma gran- Nicópolis", diz Epíteto. "Não permaneço lá. Ordenam-me que
de asneira, completando-se assim o círculo desagradável de não permaneça em Atenas. Não permaneço em Atenas. Orde-
suas sensações. Para os Estóicos, a vida humana, com todas as nam-me que não permaneça em Roma. Não permaneço em Ro-
vantagens que possivelmente a acompanham, deveria ser con- ma. Ordenam-me que permaneça na pequena e rochosa ilha de
siderada apenas como mera aposta de dois centavos - ques- Gyarae. Vou e permaneço lá. Mas em Gyarae a casa é enfuma-
tão insignificante demais para merecer qualquer preocupação. çada. Se a fumaça for moderada eu a suportarei e ficarei lá. Se
Nossa única preocupação deveria dizer respeito não à aposta, for excessiva, irei a uma casa de onde nenhum tirano poderá
mas ao método apropriado de se jogar. Se depositamos nos- me remover. Sempre me lembro de que a porta está aberta, de
sa felicidade em vencer a aposta, depositamo-la em algo que que posso sair quando quiser e recolher-me àquela casa hospi-
dependeria de causas que estariam acima de nosso poder, e fo- taleira que em todo o tempo está aberta; pois, além de minha
ra de nosso controle. Necessariamente expusemo-nos a perpé- miserável vestimenta, além do meu corpo, vivente algum tem
tuo medo e desconforto, e freqüentemente a decepções dolo- poder sobre mim." Se tua situação é em tudo desagradável - se
í
348 TEORIA DOS SENITMENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 349
não teme nenhuma circunstância em que o Superintendente rosas e mortificantes. Se a depositamos em jogar bem, em jo-
do universo possa julgar adequado colocá-lo. A generosidade gar com lealdade, em jogar sábia e habilmente, na conveniência
desse Ser divino o proveu de virtudes que o tornam superior de nossa conduta, depositamo-la em algo que, com disciplina,
a toda situação. Se for prazer, possui temperança para se abs- educação e atenção apropriadas, poderia estar inteiramente em
ter; se for dor, possui constância para suportá-la; se for perigo nosso poder, e sob nosso controle. Nossa felicidade estaria per-
ou morte, possui magnanimidade e f01taleza para desprezá-los. feitamente segura, além do alcance da fortuna. O evento de nos- ,
Os eventos da vida humana nunca o encontrarão desprepa- sas ações, se estivesse fora de nosso poder, também estaria fora
rado, ou confuso quanto a manter a conveniência de sentimen- de nosso interesse, e nunca poderíamos sentir medo ou ansie-
to e conduta que, em seu próprio entendimento, constitui ao dade por isso, e tampouco sofrer qualquer frustração dolorosa
mesmo tempo sua glória e sua felicidade. ou mesmo significativa.
Aos Estóicos a vida humana apresentava-se como um jo- A própria vida humana, bem como todas as diferentes van-
go de grande habilidade, em que, porém, haveria uma mescla tagens ou desvantagens que a acompanhem, poderiam, diziam
de acaso, ou do que se entende vulga1mente por acaso. Em tais os Estóicos, ser objeto próprio ou de nossa escolha ou de nos-
jogos a aposta é comumente uma ninharia, e todo o prazer sa rejeição, de acordo com várias circunstâncias. Se em nossa
do jogo decorre de se jogar bem, de se jogar com lealdade e situação real houvesse mais circunstâncias agradáveis do que
habilidade. Se, malgrado toda a sua habilidade, por influên- contrárias à natureza - mais circunstâncias que fossem objetos
cia do acaso sucedesse ao jogador perder, a perda deveria ser de escolha do que de rejeição -, nesse caso a vida inteira seria
antes motivo de alegria do que de grave sofrimento. Não ble- objeto próprio de escolha, e a conveniência da conduta exi-
fou; nada fez de que devesse envergonhar-se; saboreou intei- giria que permanecêssemos vivos. Se, de outro lado, em nos-
ramente todo o prazer do jogo. Se, ao contrário, o mau jogador, sa situação real houvesse, sem nenhuma esperança provável
malgrado todas as suas asneiras, igualmente vencer, seu êxito de reparo, mais circunstâncias contrárias que agradáveis à na-
não pode lhe dar senão pouca satisfação. Mortifica-o a lembran- tureza - mais circunstâncias que fossem objeto de rejeição do
ça de todos os erros cometidos. Mesmo durante o jogo, é in- que de escolha - , a própria vida, nesse caso, se tornaria, para
capaz de saborear parte do prazer que este pode lhe propor- um homem sábio, objeto de rejeição, e não seria apenas livre
cionar. Por ignorar as regras do jogo, cada uma de suas joga- para abandoná-la, como ainda a conveniência da conduta, a
das é quase sempre precedida de sentimentos desagradáveis, regra que os deuses lhe deram para dirigir sua conduta, lhe exi-
como medo, dúvida e hesitação, e comumente sucedida da giria que assim fizesse. "Ordenam-me que não permaneça em
mortificação por descobrir que nos lances cometera uma gran- Nicópolis", diz Epíteto. "Não permaneço lá. Ordenam-me que
de asneira, completando-se assim o círculo desagradável de não permaneça em Atenas. Não permaneço em Atenas. Orde-
suas sensações. Para os Estóicos, a vida humana, com todas as nam-me que não permaneça em Roma. Não permaneço em Ro-
vantagens que possivelmente a acompanham, deveria ser con- ma. Ordenam-me que permaneça na pequena e rochosa ilha de
siderada apenas como mera aposta de dois centavos - ques- Gyarae. Vou e permaneço lá. Mas em Gyarae a casa é enfuma-
tão insignificante demais para merecer qualquer preocupação. çada. Se a fumaça for moderada eu a suportarei e ficarei lá. Se
Nossa única preocupação deveria dizer respeito não à aposta, for excessiva, irei a uma casa de onde nenhum tirano poderá
mas ao método apropriado de se jogar. Se depositamos nos- me remover. Sempre me lembro de que a porta está aberta, de
sa felicidade em vencer a aposta, depositamo-la em algo que que posso sair quando quiser e recolher-me àquela casa hospi-
dependeria de causas que estariam acima de nosso poder, e fo- taleira que em todo o tempo está aberta; pois, além de minha
ra de nosso controle. Necessariamente expusemo-nos a perpé- miserável vestimenta, além do meu corpo, vivente algum tem
tuo medo e desconforto, e freqüentemente a decepções dolo- poder sobre mim." Se tua situação é em tudo desagradável - se
350 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE
351
tua casa é enfumaçada demais, diziam os Estóicos, sai por to- ria que a deixássemos. Dir-se-ia então que ouviríamos a voz res-
dos os meios, mas sai sem reclamar, murmurar ou lamentar-se. peitável e benevolente desse Ser divino, chamando-nos clara-
Sai calmo, satisfeito, alegre, agradecendo aos deuses, que, por mente a fazer isso.
sua bondade infinita, abriram o seguro e quieto porto da mor- Essa a razão por que, de acordo com os Estóicos, poderia
te, sempre pronto para receber-nos do tempestuoso oceano da constituir d ve r de um homem sá bio abandonar a vida ainda
vida humana; que prepararam esse sagrado, esse inviolável, es- que fosse perfeitamente feliz, ao passo que poderia constituir
se grande asilo, sempre aberto, sempre acessível - inteiramente dever de um homem fraco continuar vivo, ainda que fosse ne-
além do alcance da ira e injustiça humana, e grande o bastan- cessariamente desgraçado. Se houvesse, na situação do homem
te para abrigar todos os que desejam e os que não desejam re- sá l io , mal i.rcunstâ nci· qu e fossem IJj tos o·uut-a is ames
colher-se aí; um asilo que tira de todo homem qualquer pre- d r ~j i ."à? ~o qu Ie se lha, t I situa ·fio se r rnaria bje-
tensão de queixa, ou até de imaginar que possa haver qualquer ro de reJe t ·ao, a r gm que o d uses Ih deram para a dire-
mal na vida humana, exceto o que pode sofrer por sua própria ção de sua ·onduta ig irb que tal homem aban lonass a vida
loucura e fraqueza. tão depressa quanto suas circunstâncias particulares tornassem
Nos poucos fragmentos de sua filosofia que chegaram até conveniente. Estaria, porém, perfeitamente feliz, mesmo duran-
nós, os Estóicos por vezes falam em deixar a vida com tal gra- te o tempo em que julgasse apropriado continuar vivo; coloca-
ça, até mesmo com tal leviandade, que, se considerássemos es- ria sua felicidade não em obter os objetos de sua escolha ou em
sas passagens em si mesmas, poderiam induzir-nos a acreditar e~it~r os de sua rejeição, mas em escolher sempre, e sempre
que imaginavam pudéssemos com conveniência deixá-la sem- reJettar, com exata conveniência; não no êxito, mas na ade-
pre que nos inspirasse, arbitrária e caprichosamente, o menor Jlla ·ão cl s >us esfor ·o: de ·ua pní.lica. e m1 siru a ão do ho-
desgosto ou desconforto. "Quando ceias com tal pessoa", diz mem fi-a o a onu'á rlo, houv .sse mais circunstân ·ias que ~()s­
Epíteto, "queixas-te das longas histórias que esta te conta so- sem 1j ros natu rais ant ·s de ., olh<1 <1 q ue <.1 rejel .. o, t a
bre suas guerras da Mísia. 'Então, meu amigo', diz ela, 'tendo-te sua situaçã s t rna ria o bj 'L< apropria lo d sco.lha, e s ri~t
narrado como tomei uma colina em tal lugar, conto-te agora co- seu dever continuar vivo. Seria, porém, infeliz, por ignorar co-
mo fui sitiado em tal lugar.' Mas se não desejares ser incomo- mo se valer das circunstâncias. Dessem-lhe as melhores car-
dado com suas longas histórias, não aceita sua ceia. Se aceita- tas, e não saberia jogar, e não poderia usufruir de uma satis-
res, não terás pretensão alguma de te queixares de suas longas fação real, durante ou no fim do jogo, não importando como
histórias. Dá-se o mesmo com o que chamas os males da vida este terminasse 16 •
humana. Nunca te queixes de algo de que está sempre em teu Ainda que talvez os Estóicos, mais que outras seitas dos
poder livrar-se." Malgrado essa graça e até mesmo essa le- filósofos antigos, insistissem na eventual conveniência da mor-
te voluntária, cuida-se de uma doutrina comum a todos eles até
viandade de expressão, porém, a alternativa de deixar a vida
ou permanecer nela seria, segundo os Estóicos, questão da mais mesmo aos pacíficos e indo l nt Epk;urist.as. Dtwam a :r -
ca e m qu e floresceram os fun I d )r s d Locla · a, prin ·i pa i~;
grave e impottante deliberação. Jamais deveríamos deixá-la an-
s itas da filosofia antiga dura nt a u n':l ti P lopo ne~o, c
tes de o poder superintendente, o qual originalmente nela nos
muiLo a nos a1 seu término, todas as difc re nt·e repúblicas
colocou, claramente nos ter convocado. Deveríamos, entretanto,
da Gré ia se viram pe•turhadas imernament.e rclas mais furio-
considerarmo-nos convocados não meramente no termo in-
sas r~' çô s, e n volvídas ex e.:rnam nl · nas mais sa nguinálias
dicado e inevitável da vida humana. Sempre que a providência guerras, em que cada uma buscava não apenas superioridade
desse Poder superintendente tornasse toda nossa condição na
vida objeto próprio de rejeição mais que de escolha, a grande
regra que Ele nos dera para a direção de nossa conduta exigi- 16. Veja-se Cícero, De Finibus, lib. iii. c. 13. Edição ele Olivet.
350 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE
351
tua casa é enfumaçada demais, diziam os Estóicos, sai por to- ria que a deixássemos. Dir-se-ia então que ouviríamos a voz res-
dos os meios, mas sai sem reclamar, murmurar ou lamentar-se. peitável e benevolente desse Ser divino, chamando-nos clara-
Sai calmo, satisfeito, alegre, agradecendo aos deuses, que, por mente a fazer isso.
sua bondade infinita, abriram o seguro e quieto porto da mor- Essa a razão por que, de acordo com os Estóicos, poderia
te, sempre pronto para receber-nos do tempestuoso oceano da constituir d ve r de um homem sá bio abandonar a vida ainda
vida humana; que prepararam esse sagrado, esse inviolável, es- que fosse perfeitamente feliz, ao passo que poderia constituir
se grande asilo, sempre aberto, sempre acessível - inteiramente dever de um homem fraco continuar vivo, ainda que fosse ne-
além do alcance da ira e injustiça humana, e grande o bastan- cessariamente desgraçado. Se houvesse, na situação do homem
te para abrigar todos os que desejam e os que não desejam re- sá l io , mal i.rcunstâ nci· qu e fossem IJj tos o·uut-a is ames
colher-se aí; um asilo que tira de todo homem qualquer pre- d r ~j i ."à? ~o qu Ie se lha, t I situa ·fio se r rnaria bje-
tensão de queixa, ou até de imaginar que possa haver qualquer ro de reJe t ·ao, a r gm que o d uses Ih deram para a dire-
mal na vida humana, exceto o que pode sofrer por sua própria ção de sua ·onduta ig irb que tal homem aban lonass a vida
loucura e fraqueza. tão depressa quanto suas circunstâncias particulares tornassem
Nos poucos fragmentos de sua filosofia que chegaram até conveniente. Estaria, porém, perfeitamente feliz, mesmo duran-
nós, os Estóicos por vezes falam em deixar a vida com tal gra- te o tempo em que julgasse apropriado continuar vivo; coloca-
ça, até mesmo com tal leviandade, que, se considerássemos es- ria sua felicidade não em obter os objetos de sua escolha ou em
sas passagens em si mesmas, poderiam induzir-nos a acreditar e~it~r os de sua rejeição, mas em escolher sempre, e sempre
que imaginavam pudéssemos com conveniência deixá-la sem- reJettar, com exata conveniência; não no êxito, mas na ade-
pre que nos inspirasse, arbitrária e caprichosamente, o menor Jlla ·ão cl s >us esfor ·o: de ·ua pní.lica. e m1 siru a ão do ho-
desgosto ou desconforto. "Quando ceias com tal pessoa", diz mem fi-a o a onu'á rlo, houv .sse mais circunstân ·ias que ~()s­
Epíteto, "queixas-te das longas histórias que esta te conta so- sem 1j ros natu rais ant ·s de ., olh<1 <1 q ue <.1 rejel .. o, t a
bre suas guerras da Mísia. 'Então, meu amigo', diz ela, 'tendo-te sua situaçã s t rna ria o bj 'L< apropria lo d sco.lha, e s ri~t
narrado como tomei uma colina em tal lugar, conto-te agora co- seu dever continuar vivo. Seria, porém, infeliz, por ignorar co-
mo fui sitiado em tal lugar.' Mas se não desejares ser incomo- mo se valer das circunstâncias. Dessem-lhe as melhores car-
dado com suas longas histórias, não aceita sua ceia. Se aceita- tas, e não saberia jogar, e não poderia usufruir de uma satis-
res, não terás pretensão alguma de te queixares de suas longas fação real, durante ou no fim do jogo, não importando como
histórias. Dá-se o mesmo com o que chamas os males da vida este terminasse 16 •
humana. Nunca te queixes de algo de que está sempre em teu Ainda que talvez os Estóicos, mais que outras seitas dos
poder livrar-se." Malgrado essa graça e até mesmo essa le- filósofos antigos, insistissem na eventual conveniência da mor-
te voluntária, cuida-se de uma doutrina comum a todos eles até
viandade de expressão, porém, a alternativa de deixar a vida
ou permanecer nela seria, segundo os Estóicos, questão da mais mesmo aos pacíficos e indo l nt Epk;urist.as. Dtwam a :r -
ca e m qu e floresceram os fun I d )r s d Locla · a, prin ·i pa i~;
grave e impottante deliberação. Jamais deveríamos deixá-la an-
s itas da filosofia antiga dura nt a u n':l ti P lopo ne~o, c
tes de o poder superintendente, o qual originalmente nela nos
muiLo a nos a1 seu término, todas as difc re nt·e repúblicas
colocou, claramente nos ter convocado. Deveríamos, entretanto,
da Gré ia se viram pe•turhadas imernament.e rclas mais furio-
considerarmo-nos convocados não meramente no termo in-
sas r~' çô s, e n volvídas ex e.:rnam nl · nas mais sa nguinálias
dicado e inevitável da vida humana. Sempre que a providência guerras, em que cada uma buscava não apenas superioridade
desse Poder superintendente tornasse toda nossa condição na
vida objeto próprio de rejeição mais que de escolha, a grande
regra que Ele nos dera para a direção de nossa conduta exigi- 16. Veja-se Cícero, De Finibus, lib. iii. c. 13. Edição ele Olivet.
352 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉ17MA PARTE
353
u d mínio, mas extirpar · mpletamenre t dos os seus inimi- até m ·mo o expuses e a tal al:m1iclades. Esfor a-
gos, ou, o qu nã ~~ men .. cruel, recl~z~- 1 . à mais vil de to- vam-. , portanto, para mo ·u-a r q u a fdicidade m inteiramente
las a · ondições - ~~ e rav tdil dom ·ttca -, v ndendo-os ou p I men em granel medida, lndepe.pdente da fo rtuna:
h mem, mu lber filho, mo cab ças de gado, pelam .Ih . r inteiramente, para os Est icos, em g rand meti ida, P<tra s fi~
f rla d m rcado. Ademai ·, a requena dimensão da ma1 na ló ofos Acadêm icos e Peripateticos. A conduta sábia b a pru-
c1 •ss s U tado não wrnava muito .impmvável que ada um d - dent era, em primeiro lugar, a mais prováve l para assegurar
les sucumhiss à ca lamidade que c m. tanta freqüênc ia, ralv z -xito em toda espê ·i de empreendimentos; e, segund , aio-
até m sm naquele momento infligira ou a m no tenta ra da qu .nã ai ' n asse êxito, não d i:x~u·ia o esp írito sem con-
infligir a a lguns de seus vizinh s. ,s e.stad~ de . rclenado solo. O hom m virtu ·o poderia ainda u. ~I fruir a perfeita apro-
de oiS'IS a mai perf ira in cên i, , asso ' tada a ma el vada vação d eu p róprio peit , e 1 cler\à air~da s ntir que, p r ma is
posição e aos maiores s rvi o. púl li os, nã p deriam asse- desfavoráveis q ue Ii · em as coi. d f01-a d •nt.r t11cl e1 · l-
gu rar ·t um hom •m q u , mesm em asa e entre seus pr6 pn · mo , p acífico e harmonioso. Além disso , comumente poderia
parentes e n i<.ladà s, ~~ q ua lquer momento, pel<l pr alê n- nforrnr-se com a certeza de possuir o amor e a estima de todo
ci~t d alguma fa · .ão h stil e enfurecida, não s ~ia o~den a~l o espectador inteligente e imparcial, que não poderia deixar
ao ·astigo mai crue l e ignominioso. S foss fe~to pnst~ n e t ro quer de admirar sua conduta, quer de lamentar seu infortúnio.
1 gu rra, ou se a dclade d qu em rnembt fosse nqlU .tada, Ao mesmo tempo, tais filósofos se esforçaram para mos-
eda exposto e p sív l, a >fen a · iru ultos aln?a matar~ tra r que os maiores i.nfoJtúnl d qu a viela hu mana era passí-
Mas todo h mem natura ln:-t nte, ou ant s n · e ·anamente, fa- vel p diam ser mais facilme nt tole rado do q ue se im aginava
miliariza sua imaginação on a afliçõ _~s qu ai~ pre ê que habieualmente. Esforçaram- · p r assinala r • confOJtO. que um
sua situa :1o freqü nccment xp nha. E tmposstvel que um homem poderia usufruir ainda e red uzido à pobr za, s f, r-
marujo oã pense amiúde em tempvstades naufrágios em çaclo ao exílio, se exposto à injustiça elo clamor popular, se la-
afunda r no mar, em como provavelmente se nti ria e omo butasse, cego e surdo, no extremo da velhice, quando a mor-
agiria rn tais ocasiões. e.ria igualmente impossí:el qll um t ·e aproxima. Assinalaram também as considera ões que po-
patriota ou J1erói gre o não familiarizasse sua lmagLOaçao. om d ri am n~ril uir para manLer a constância sob as agonia..<; da
todas as d iversas calamidades·~ que, p r sua ltuação, sabJa- e dor, até m mo da ton u ra, na do o a, no sofrim mo - pela
exposto freqüente ou antes c n lll n t · ment . Do mesmo ;no- perda de fil h s, p la morte d amigos e pa rentes, et . s pou -
lo com 111;1. elvagem da América prepa ra sua ca nção fune- cos fragmentos qu no r stam do que os antigos filó ofos s-
bre e considera como agir se cair nas mãos dos inimigos, que creveram sobre esses temas formam, talvez, um dos mais ins-
o matarão sob as mais demoradas torruras e em meio a insul- trutivos e interessantes legados da antiguidade. O valor e o vi-
tos e escárnio de todos os espectadores, um patriota ou he- gor de suas doutrinas estabelecem um maravilhoso contraste
rói greg não podia evitar de fr qüent m nt, empr ga r u com o tom desanimado, lamentoso e choroso de alguns siste-
pensamentos na considera ão do q ue ba ria d fre r e fa- mas modernos.
zer no exílio, n cativeiro, e foss ·r cluzido à e· -avidã , Assim, enquanto os filósofos antigos esforçavam-se para
o levassem ao "tdafal . Mas filósofos d rodas as d ife ren- desse modo sugerir toda a consideração que, como diz Milton,
tes seitas com muita justiça representavam a virtude, isto é, a poderia armar o peito empedernido com obstinada paciência,
· nduta sáb ia, justa, fi rme e t mperante, não ap nas com o como se fora com três camadas de aço*, laboravam para con-
mais pro v{tvel (."a minh para a felicidade- mesm n ta vida. -, vencer seus seguidores de que acima de tudo não haveria nem
·om ainda a m~tis ceLta infalível. Essa c ndu ta p rém, n ·' m
sempre podia eximir quem a seguisse de todas as calamidades
incidentes sobre a precária situação dos negóci s públicos; e • Paraíso p erdido, li, 568-9. (N. da R. T.)
352 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉ17MA PARTE
353
u d mínio, mas extirpar · mpletamenre t dos os seus inimi- até m ·mo o expuses e a tal al:m1iclades. Esfor a-
gos, ou, o qu nã ~~ men .. cruel, recl~z~- 1 . à mais vil de to- vam-. , portanto, para mo ·u-a r q u a fdicidade m inteiramente
las a · ondições - ~~ e rav tdil dom ·ttca -, v ndendo-os ou p I men em granel medida, lndepe.pdente da fo rtuna:
h mem, mu lber filho, mo cab ças de gado, pelam .Ih . r inteiramente, para os Est icos, em g rand meti ida, P<tra s fi~
f rla d m rcado. Ademai ·, a requena dimensão da ma1 na ló ofos Acadêm icos e Peripateticos. A conduta sábia b a pru-
c1 •ss s U tado não wrnava muito .impmvável que ada um d - dent era, em primeiro lugar, a mais prováve l para assegurar
les sucumhiss à ca lamidade que c m. tanta freqüênc ia, ralv z -xito em toda espê ·i de empreendimentos; e, segund , aio-
até m sm naquele momento infligira ou a m no tenta ra da qu .nã ai ' n asse êxito, não d i:x~u·ia o esp írito sem con-
infligir a a lguns de seus vizinh s. ,s e.stad~ de . rclenado solo. O hom m virtu ·o poderia ainda u. ~I fruir a perfeita apro-
de oiS'IS a mai perf ira in cên i, , asso ' tada a ma el vada vação d eu p róprio peit , e 1 cler\à air~da s ntir que, p r ma is
posição e aos maiores s rvi o. púl li os, nã p deriam asse- desfavoráveis q ue Ii · em as coi. d f01-a d •nt.r t11cl e1 · l-
gu rar ·t um hom •m q u , mesm em asa e entre seus pr6 pn · mo , p acífico e harmonioso. Além disso , comumente poderia
parentes e n i<.ladà s, ~~ q ua lquer momento, pel<l pr alê n- nforrnr-se com a certeza de possuir o amor e a estima de todo
ci~t d alguma fa · .ão h stil e enfurecida, não s ~ia o~den a~l o espectador inteligente e imparcial, que não poderia deixar
ao ·astigo mai crue l e ignominioso. S foss fe~to pnst~ n e t ro quer de admirar sua conduta, quer de lamentar seu infortúnio.
1 gu rra, ou se a dclade d qu em rnembt fosse nqlU .tada, Ao mesmo tempo, tais filósofos se esforçaram para mos-
eda exposto e p sív l, a >fen a · iru ultos aln?a matar~ tra r que os maiores i.nfoJtúnl d qu a viela hu mana era passí-
Mas todo h mem natura ln:-t nte, ou ant s n · e ·anamente, fa- vel p diam ser mais facilme nt tole rado do q ue se im aginava
miliariza sua imaginação on a afliçõ _~s qu ai~ pre ê que habieualmente. Esforçaram- · p r assinala r • confOJtO. que um
sua situa :1o freqü nccment xp nha. E tmposstvel que um homem poderia usufruir ainda e red uzido à pobr za, s f, r-
marujo oã pense amiúde em tempvstades naufrágios em çaclo ao exílio, se exposto à injustiça elo clamor popular, se la-
afunda r no mar, em como provavelmente se nti ria e omo butasse, cego e surdo, no extremo da velhice, quando a mor-
agiria rn tais ocasiões. e.ria igualmente impossí:el qll um t ·e aproxima. Assinalaram também as considera ões que po-
patriota ou J1erói gre o não familiarizasse sua lmagLOaçao. om d ri am n~ril uir para manLer a constância sob as agonia..<; da
todas as d iversas calamidades·~ que, p r sua ltuação, sabJa- e dor, até m mo da ton u ra, na do o a, no sofrim mo - pela
exposto freqüente ou antes c n lll n t · ment . Do mesmo ;no- perda de fil h s, p la morte d amigos e pa rentes, et . s pou -
lo com 111;1. elvagem da América prepa ra sua ca nção fune- cos fragmentos qu no r stam do que os antigos filó ofos s-
bre e considera como agir se cair nas mãos dos inimigos, que creveram sobre esses temas formam, talvez, um dos mais ins-
o matarão sob as mais demoradas torruras e em meio a insul- trutivos e interessantes legados da antiguidade. O valor e o vi-
tos e escárnio de todos os espectadores, um patriota ou he- gor de suas doutrinas estabelecem um maravilhoso contraste
rói greg não podia evitar de fr qüent m nt, empr ga r u com o tom desanimado, lamentoso e choroso de alguns siste-
pensamentos na considera ão do q ue ba ria d fre r e fa- mas modernos.
zer no exílio, n cativeiro, e foss ·r cluzido à e· -avidã , Assim, enquanto os filósofos antigos esforçavam-se para
o levassem ao "tdafal . Mas filósofos d rodas as d ife ren- desse modo sugerir toda a consideração que, como diz Milton,
tes seitas com muita justiça representavam a virtude, isto é, a poderia armar o peito empedernido com obstinada paciência,
· nduta sáb ia, justa, fi rme e t mperante, não ap nas com o como se fora com três camadas de aço*, laboravam para con-
mais pro v{tvel (."a minh para a felicidade- mesm n ta vida. -, vencer seus seguidores de que acima de tudo não haveria nem
·om ainda a m~tis ceLta infalível. Essa c ndu ta p rém, n ·' m
sempre podia eximir quem a seguisse de todas as calamidades
incidentes sobre a precária situação dos negóci s públicos; e • Paraíso p erdido, li, 568-9. (N. da R. T.)
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉ71MA PARTE 355
354

pode ri ~1
hav De acordo com o primeiro, depois de gozar por noventa e oito
menro a sltua ão se to mas anos da mais perfeita saúde, sucedera a Zenão cair, quando saía
de sua escola; e embora não sofresse outro dano, senão que-
brar ou deslocar um de seus dedos, batia no solo com a mão,
dizendo, conforme as palavras da Niobe, de Eurípides: ''Estou
indo, por que me chamas?" e imediatamente foi para casa, e
enforcou-se. Era de esperar que com essa idade avançada pu-
desse ter tido um pouco mais de paciência. Segundo um ou-
tro relato, na mesma idade, e como resultado de um acidente
semelhante, Zenão deixara-se moner de fome. O terceiro rela-
to dá conta de que aos setenta e dois anos de idade Zenão
morrera de morte natural- relato que é de longe o mais prová-
vel dos três, e que, ademais, está apoiado na autoridade de um
contemporâneo, o qual tivera todas as oportunidades de estar
bem informado: Perseu, originalmente escravo e depois ami-
go e discípulo de Zenão. O primeiro relato é dado por Apo-
lônio de Tiro, que sobressaiu por volta da época de Augusto
César, entre duzentos e trezentos anos após a morte de Zenão.
Não conheço o autor do segundo relato. Apolônio, ele mes-
mo um Estóico, provavelmente julgou que moner desse modo,
por sua própria mão, honraria o fundador de uma seita que
tanto falava em morte voluntária. Homens de letras, embora
com freqüência sejam mais comentados depois da morte do que
os maiores príncipes ou estadistas de seu tempo, geralmente
em vida são tão obscuros e insignificantes, que raro os histo-
riadores contemporâneos registram suas aventuras. Os historia-
dores de épocas posteriores, a fim de satisfazer a curiosidade
pública, mas não dispondo de documentos autênticos que con-
firmassem ou contradissessem suas narrativas, parecem ter se-
guidamente urdido esses relatos conforme sua própria imagi-
nação, quase sempre com uma grande mescla do fantástico .
Nesse caso particular, o fantástico, ainda que não o confirme
autoridade alguma, parece ter prevalecido sobre o provável,
ainda que o confirme o melhor. Diógenes Laércio dá claramen-
te preferência à história de Apolônio. Luciano e Lactâncio re-
velam, ambos, dar crédito à história da idade avançada e da
morte violenta.
' Ao afirmar que as mortes de Aristômenes e Ajax são anteriores ao A voga da morte voluntária parece ter predominado mais
período ela verdadeira história, Smith indica que estes são personagens
legendários. (N. da R. T.)
entre os orgulhosos romanos do que entre os vivazes, enge-
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉ71MA PARTE 355
354

pode ri ~1
hav De acordo com o primeiro, depois de gozar por noventa e oito
menro a sltua ão se to mas anos da mais perfeita saúde, sucedera a Zenão cair, quando saía
de sua escola; e embora não sofresse outro dano, senão que-
brar ou deslocar um de seus dedos, batia no solo com a mão,
dizendo, conforme as palavras da Niobe, de Eurípides: ''Estou
indo, por que me chamas?" e imediatamente foi para casa, e
enforcou-se. Era de esperar que com essa idade avançada pu-
desse ter tido um pouco mais de paciência. Segundo um ou-
tro relato, na mesma idade, e como resultado de um acidente
semelhante, Zenão deixara-se moner de fome. O terceiro rela-
to dá conta de que aos setenta e dois anos de idade Zenão
morrera de morte natural- relato que é de longe o mais prová-
vel dos três, e que, ademais, está apoiado na autoridade de um
contemporâneo, o qual tivera todas as oportunidades de estar
bem informado: Perseu, originalmente escravo e depois ami-
go e discípulo de Zenão. O primeiro relato é dado por Apo-
lônio de Tiro, que sobressaiu por volta da época de Augusto
César, entre duzentos e trezentos anos após a morte de Zenão.
Não conheço o autor do segundo relato. Apolônio, ele mes-
mo um Estóico, provavelmente julgou que moner desse modo,
por sua própria mão, honraria o fundador de uma seita que
tanto falava em morte voluntária. Homens de letras, embora
com freqüência sejam mais comentados depois da morte do que
os maiores príncipes ou estadistas de seu tempo, geralmente
em vida são tão obscuros e insignificantes, que raro os histo-
riadores contemporâneos registram suas aventuras. Os historia-
dores de épocas posteriores, a fim de satisfazer a curiosidade
pública, mas não dispondo de documentos autênticos que con-
firmassem ou contradissessem suas narrativas, parecem ter se-
guidamente urdido esses relatos conforme sua própria imagi-
nação, quase sempre com uma grande mescla do fantástico .
Nesse caso particular, o fantástico, ainda que não o confirme
autoridade alguma, parece ter prevalecido sobre o provável,
ainda que o confirme o melhor. Diógenes Laércio dá claramen-
te preferência à história de Apolônio. Luciano e Lactâncio re-
velam, ambos, dar crédito à história da idade avançada e da
morte violenta.
' Ao afirmar que as mortes de Aristômenes e Ajax são anteriores ao A voga da morte voluntária parece ter predominado mais
período ela verdadeira história, Smith indica que estes são personagens
legendários. (N. da R. T.)
entre os orgulhosos romanos do que entre os vivazes, enge-
356 TEORIA DOS SEN17MENTOS MORAIS SÉITMA PARTE
357
nhosos e . Me m ent:r os romanos a vo- que se mostraria, inclusive ao sóbrio e judicioso Estóico, apro-
>:.1. pare ·e não te r-s c. tabel cid n s primeiros séculos da Re- priada ou necessária. Mesmo as senhoras, que raramente ficam
pú blica, ra mb m ham d de séculos virluosos. A hisróri<J atrás em s guir a voga, parec m ter freqüenremenr e. oU1iclo,
usual da mort de Régulo ernbora seja prova e.Lmente uma fá- da m.an Ira mais desn cess{uia, morrer assim, e, a ex mpJ das
bula, j<umtis poderia ter sido invemada, ca os supus sse u clamas cl Bengala, rn alguns casos acompanhar seus maridos
poderia r cair qualq uer desonra sobre esse herói p r ui ~11 - até a tumba. O predomínio dessa voga certamente ocasionou
rer-~e pacienl mente às tortura. qu e os cartagin e es lhe tenam muitas mortes que de outro modo não teriam ocorrido. No en-
infligido. Nos séCLJ!os posteriores da R públl a, emendo qu al- tanto toda a destruição que isso - talvez o mais extremo de
guma desonra se . eguir.ia de a submissão. a ' difer ntes gu ~ r­ todos os afãs de vaidade e impertinência humana - · poderia
ras ·ivis que pr c d r-c1m a ueda da repl1111ca, muitos dos h provocar provavelmente nunca seria muito grande.
mens eminentes de todos os partidos em disputa preferiram pe- O princípio do suicídio, que nos ensinaria em certas oca-
recer pelas próprias mãos a cair nas dos inimigos. A morte de siões a considerar essa violenta ação como objeto de aplauso
Catão•, e lebra la por Cícero e censurada por César, tema de e aprovação, em tudo parece um refinamento da filosofia. A
controvérsia muito séria entre talvez dois dos mais ilustres natureza, em sua condição perfeita e saudável, nunca parece
advogados a que o mundo jamais assistiu, imprimiu um cará- nos incitar ao suicídio. Há, com efeito, uma espécie ele me-
ter de esplendor nesse método de morrer, que este parece ter lancolia (doença à qual a natureza humana, entre suas outras
conservado por vários séculos depois. A eloqüência de Cícero ca!arnidades, ·tá infelizm nt sujeita), que parece vir a mpa-
era superior à de César. O partido dos que a admiravam preva- nhada do que e pod cham ar cl um irr slstíveJ apetit para a
leceu grandemente sobre o dos que a censuravam, e os aman- autodestruição. Freqü ntemem tem n tlcia de que ssa
1

tes da liberdade muitos séculos depois respeitavam Catão por doença, a dcspeit'o d gr:;111d pro. p ridad xt ma, e até mes-
ser o mais venerável mártir do partido republicano. "O líder mo de sérios e pr fundam 1te inculcados sentimentos religio-
de um partido", observa o Cardeal de Retz, "pode fazer o que sos, conduziu suas d sgr'tçadas vítimas a esse fatal extremo.
deseja, pois enquanto mantiver a confiança de seus amigos, ja- Os infelizes que p r m !essa man ira rnlseráv 1sã bjeros
mais errará" - máxima cuja verdade Sua Eminência várias ve- apropriado: não de censura, ma I omiseração. T ntar pu ni-
zes teve a oportunidade de experimentar. Ao que parece, a los, quando estão além do al ·ance da pu niç:i o humana, não -
suas outras virtudes Catão acrescentava a de ser um excelen- mais absurdo do que injusto. Tal punição só pode recair so-
1te amigo da bebida. Seus inimigos o acusavam de embriaguez, bre os amigos e parentes que sobreviveram, os quais são sem-
"mas", diz Sêneca, "quem objetar esse vício a Catão descobri- pre inteiramente inocentes, e para os quais a perda de seu ami-
r rá que é muito mais fácil provar como a embriaguez é uma go dessa maneira desgraçada deve sempre, por si só, ser uma
r ivirtude do que como Catão poderia ser dependente de qual-
quer vício".
pesadíssima calamidade. A natureza, em sua condição perfei-
ta e saudável, incita-nos, em todas as ocasiões, a evitar a afli-
Sob os imperadores, esse método de morrer parece ter ção; em muitas, a nos defendermos desta, ainda que com o
sido voga durante muito tempo. Nas epístolas de Plínio, encon- risco, ou mesmo a certeza, de perecermos nessa defesa. Mas,
tramos um relato de várias pessoas que escolheram morrer des- quando fomos incapazes ele nos defender da aflição, tampou-
sa maneira mais por vaidade e ostentação, que por uma razão co perecemos nessa defesa, nenhum princípio natural, nenhu-
ma consideração pela aprovação do suposto espectador im-
parcial, do juízo do homem que nosso peito encerra, parece
• Marco Pórcio Catão (Catão de Útica - 95-46 a.C.), bisneto de Catão,
o Velho. Seguiu Pompeu na Guerra Civil e, ao ser derrotado por César em nos convocar para, destruindo-nos, escapatmos a essa aflição.
Tapso, suicidou-se em Útica, na África, com a própria espada. (N. da R. T.) Somente a consciência de nossa própria fraqueza, nossa pró-
356 TEORIA DOS SEN17MENTOS MORAIS SÉITMA PARTE
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nhosos e . Me m ent:r os romanos a vo- que se mostraria, inclusive ao sóbrio e judicioso Estóico, apro-
>:.1. pare ·e não te r-s c. tabel cid n s primeiros séculos da Re- priada ou necessária. Mesmo as senhoras, que raramente ficam
pú blica, ra mb m ham d de séculos virluosos. A hisróri<J atrás em s guir a voga, parec m ter freqüenremenr e. oU1iclo,
usual da mort de Régulo ernbora seja prova e.Lmente uma fá- da m.an Ira mais desn cess{uia, morrer assim, e, a ex mpJ das
bula, j<umtis poderia ter sido invemada, ca os supus sse u clamas cl Bengala, rn alguns casos acompanhar seus maridos
poderia r cair qualq uer desonra sobre esse herói p r ui ~11 - até a tumba. O predomínio dessa voga certamente ocasionou
rer-~e pacienl mente às tortura. qu e os cartagin e es lhe tenam muitas mortes que de outro modo não teriam ocorrido. No en-
infligido. Nos séCLJ!os posteriores da R públl a, emendo qu al- tanto toda a destruição que isso - talvez o mais extremo de
guma desonra se . eguir.ia de a submissão. a ' difer ntes gu ~ r­ todos os afãs de vaidade e impertinência humana - · poderia
ras ·ivis que pr c d r-c1m a ueda da repl1111ca, muitos dos h provocar provavelmente nunca seria muito grande.
mens eminentes de todos os partidos em disputa preferiram pe- O princípio do suicídio, que nos ensinaria em certas oca-
recer pelas próprias mãos a cair nas dos inimigos. A morte de siões a considerar essa violenta ação como objeto de aplauso
Catão•, e lebra la por Cícero e censurada por César, tema de e aprovação, em tudo parece um refinamento da filosofia. A
controvérsia muito séria entre talvez dois dos mais ilustres natureza, em sua condição perfeita e saudável, nunca parece
advogados a que o mundo jamais assistiu, imprimiu um cará- nos incitar ao suicídio. Há, com efeito, uma espécie ele me-
ter de esplendor nesse método de morrer, que este parece ter lancolia (doença à qual a natureza humana, entre suas outras
conservado por vários séculos depois. A eloqüência de Cícero ca!arnidades, ·tá infelizm nt sujeita), que parece vir a mpa-
era superior à de César. O partido dos que a admiravam preva- nhada do que e pod cham ar cl um irr slstíveJ apetit para a
leceu grandemente sobre o dos que a censuravam, e os aman- autodestruição. Freqü ntemem tem n tlcia de que ssa
1

tes da liberdade muitos séculos depois respeitavam Catão por doença, a dcspeit'o d gr:;111d pro. p ridad xt ma, e até mes-
ser o mais venerável mártir do partido republicano. "O líder mo de sérios e pr fundam 1te inculcados sentimentos religio-
de um partido", observa o Cardeal de Retz, "pode fazer o que sos, conduziu suas d sgr'tçadas vítimas a esse fatal extremo.
deseja, pois enquanto mantiver a confiança de seus amigos, ja- Os infelizes que p r m !essa man ira rnlseráv 1sã bjeros
mais errará" - máxima cuja verdade Sua Eminência várias ve- apropriado: não de censura, ma I omiseração. T ntar pu ni-
zes teve a oportunidade de experimentar. Ao que parece, a los, quando estão além do al ·ance da pu niç:i o humana, não -
suas outras virtudes Catão acrescentava a de ser um excelen- mais absurdo do que injusto. Tal punição só pode recair so-
1te amigo da bebida. Seus inimigos o acusavam de embriaguez, bre os amigos e parentes que sobreviveram, os quais são sem-
"mas", diz Sêneca, "quem objetar esse vício a Catão descobri- pre inteiramente inocentes, e para os quais a perda de seu ami-
r rá que é muito mais fácil provar como a embriaguez é uma go dessa maneira desgraçada deve sempre, por si só, ser uma
r ivirtude do que como Catão poderia ser dependente de qual-
quer vício".
pesadíssima calamidade. A natureza, em sua condição perfei-
ta e saudável, incita-nos, em todas as ocasiões, a evitar a afli-
Sob os imperadores, esse método de morrer parece ter ção; em muitas, a nos defendermos desta, ainda que com o
sido voga durante muito tempo. Nas epístolas de Plínio, encon- risco, ou mesmo a certeza, de perecermos nessa defesa. Mas,
tramos um relato de várias pessoas que escolheram morrer des- quando fomos incapazes ele nos defender da aflição, tampou-
sa maneira mais por vaidade e ostentação, que por uma razão co perecemos nessa defesa, nenhum princípio natural, nenhu-
ma consideração pela aprovação do suposto espectador im-
parcial, do juízo do homem que nosso peito encerra, parece
• Marco Pórcio Catão (Catão de Útica - 95-46 a.C.), bisneto de Catão,
o Velho. Seguiu Pompeu na Guerra Civil e, ao ser derrotado por César em nos convocar para, destruindo-nos, escapatmos a essa aflição.
Tapso, suicidou-se em Útica, na África, com a própria espada. (N. da R. T.) Somente a consciência de nossa própria fraqueza, nossa pró-
-
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 359
358
pri<t incapadda le d suportar a ~1l:.unid d _om v~g r e fim1e~a cência e vigor da outra. Ademais, a morte é apenas o fim apro-
a propri~td as. pode nos I v·:u· a a re luçao. ao me Le?lbt o priado da v lhi do mesmo modo como a juventude é da in-
de ter lido o u o uvido fa lar sobre algum selvage m amert.ca no fância, ou a idade adulta da juventude." "Assim como freqüen-
qu .. após ser a prisio nado por uma tribo hostil, tt:n ba- .. ma- temente dizemos", comenta, em outra ocasião, "que o médico
tad pat, 'vi ta r ser mo rto sol to rtu~·a , n.tre lnsLtlLo · · z. ml a- prescreve a tal homem que ande a cavalo, a outro, que tome
ria d seus ininligos. Para 1 , a glóna r td em suportat. es banho frio, ou ande descalço, também deveríamos dizer que a
mm1cntos com vi o.r, e em tira r a le. fom.1 d ··ss ' insulto ·o m natureza, grande condutor e médico do universo, prescreve
dez vezes mais desprezo e zombaria. para esse homem uma enfermidade, ou a amputação de um
p xém, podt.'-se oosid rar ess I pr zo pela vi la m orte membro, ou a perda de um filho. Pelas prescrições de médicos
~ . ao me ·m te mpo, a ma is · mpl ta Sl.thmiss"l à o rei m da comuns, o paciente engole muita poção amarga, sofre muita
Provi lência - o mais p le11o nt · ntamenro ·om todo even~o operação dolorosa. Porém, na esperança bastante incerta de
q~l a c rrente dos a sumos human s possiv~ L.inent poder~a que isso tenha como conseqüência a saúde, submete-se de bom
·alt:ular -, c mo as dua d ut:ri:nas fun<.hunenta iS sobre a quat grado a tudo. Da mesma maneira, o paciente pode ter espe-
repousa toda a estrutura da moral estóica. Epíteto, inde~en­ rança de que as mais severas prescrições do grande Médico da
dente e audacioso, mas muitas vezes severo, pode ser conside- natureza contribuirão para a sua saúde, sua prosperidade e fe-
rado o grande apóstolo da primeira dessas douu·inas- o bran- licidade finais; e pode estar inteiramente seguro de que não ape-
do humano e benevolente Antonino, o da segunda . nas contribuem, mas são indispensáveis para a saúde, pros-
' O escravo emancipado de Epafridito, que em sua juven- peridade e felicidade do universo, para a promoçào e avanço
tude estivera sujeito à ins I n ia de um senhor brutal, que. na do grande plano de Júpiter. Não fosse assim, o universo jamais
idade adulta, por ciúme e a 1 ri ·ho de Domiciano, fora bamdo as teria produzido; seu Arquiteto e seu Condutor onisciente ja-
de Roma e Atenas e obrigado a morar em Nicópolis; e que, pe- mais teria permitido que ocorressem. Assim, todas, mesmo as
lo mesmo tirano, poderia ser a qualquer momento mandado a menores partes coexistentes do universo, estão perfeitamen-
ya rae, ou talv z asr'tssinado , apenas pôde consetvar ·ua Lran- te adaptadas umas às outras, e todas contribuem para compor
q l.iilidac.le p rquc nutria em seu espírito .mai sober:m > de um sistema imenso e coerente; elo mesmo modo, todos, mes-
p rezo pela vida humana. unca é.Xll lta d masiaclam pOt' mo aparentemente os mais insignificantes dos sucessivos even-
isso sua eloqüê ncia jamais s t. ivaz ·om qt.tand tos que resultam um do outro, são partes, e partes necessárias,
ta a futllidad in.,ignill ân ·la d ·· l dos s pra;t. r da grande cadeia de causas e efeitos que não teve começo, e
tos da vida. que não terá fim; e, como todos resultam necessariamente da
itnJ erad r le I a índole s b ran <l bsol~ t ~c toda a
disposição e trama originais do todo, são todos essencialmen-
pttrte ci viliz•tc.la do mundo o qual c rram n~ nao tmha um~ te necessários, não apenas para prosperidade desse todo, mas
raz~o spe ·ia! p<lra re !amar da p r ão que lhe coubera , clelt-
para sua continuação e conservação. Quem não abraça cor-
·ia-s ~ em expressar eu contentamento com o ·urso or llnárl
dialmente tudo o que lhe sucede, quem lamenta isso lhe ter su-
das coisas, e em apontar belezas mesmo nas partes .em que
cedido, quem deseja que isso não lhe tivesse sucedido, deseja,
observadores vulgares são incapazes de ver alguma. "EXIste uma
conveniência e até uma graça cativante", observa ele*, "tanto na medida de suas forças, parar o movimento do universo, rom-
na idade avançada, bem como na juventude, e a fraqueza e de- per a grande cadeia de sucessão- por cujo progresso unica-
crepitude de uma são tão adequadas à natureza como a flores- mente tal sistema pode continuar e conservar-se -, e deseja, por
causa de um pequeno conforto privado, perturbar e decompor
toda a máquina do mundo." "Oh, mundo", diz em outra pas-
• A referência possivelmente é a Marco Aurélio. (N. da R. T.) sagem, "todas as coisas que me convêm são as que te convêm.
-
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 359
358
pri<t incapadda le d suportar a ~1l:.unid d _om v~g r e fim1e~a cência e vigor da outra. Ademais, a morte é apenas o fim apro-
a propri~td as. pode nos I v·:u· a a re luçao. ao me Le?lbt o priado da v lhi do mesmo modo como a juventude é da in-
de ter lido o u o uvido fa lar sobre algum selvage m amert.ca no fância, ou a idade adulta da juventude." "Assim como freqüen-
qu .. após ser a prisio nado por uma tribo hostil, tt:n ba- .. ma- temente dizemos", comenta, em outra ocasião, "que o médico
tad pat, 'vi ta r ser mo rto sol to rtu~·a , n.tre lnsLtlLo · · z. ml a- prescreve a tal homem que ande a cavalo, a outro, que tome
ria d seus ininligos. Para 1 , a glóna r td em suportat. es banho frio, ou ande descalço, também deveríamos dizer que a
mm1cntos com vi o.r, e em tira r a le. fom.1 d ··ss ' insulto ·o m natureza, grande condutor e médico do universo, prescreve
dez vezes mais desprezo e zombaria. para esse homem uma enfermidade, ou a amputação de um
p xém, podt.'-se oosid rar ess I pr zo pela vi la m orte membro, ou a perda de um filho. Pelas prescrições de médicos
~ . ao me ·m te mpo, a ma is · mpl ta Sl.thmiss"l à o rei m da comuns, o paciente engole muita poção amarga, sofre muita
Provi lência - o mais p le11o nt · ntamenro ·om todo even~o operação dolorosa. Porém, na esperança bastante incerta de
q~l a c rrente dos a sumos human s possiv~ L.inent poder~a que isso tenha como conseqüência a saúde, submete-se de bom
·alt:ular -, c mo as dua d ut:ri:nas fun<.hunenta iS sobre a quat grado a tudo. Da mesma maneira, o paciente pode ter espe-
repousa toda a estrutura da moral estóica. Epíteto, inde~en­ rança de que as mais severas prescrições do grande Médico da
dente e audacioso, mas muitas vezes severo, pode ser conside- natureza contribuirão para a sua saúde, sua prosperidade e fe-
rado o grande apóstolo da primeira dessas douu·inas- o bran- licidade finais; e pode estar inteiramente seguro de que não ape-
do humano e benevolente Antonino, o da segunda . nas contribuem, mas são indispensáveis para a saúde, pros-
' O escravo emancipado de Epafridito, que em sua juven- peridade e felicidade do universo, para a promoçào e avanço
tude estivera sujeito à ins I n ia de um senhor brutal, que. na do grande plano de Júpiter. Não fosse assim, o universo jamais
idade adulta, por ciúme e a 1 ri ·ho de Domiciano, fora bamdo as teria produzido; seu Arquiteto e seu Condutor onisciente ja-
de Roma e Atenas e obrigado a morar em Nicópolis; e que, pe- mais teria permitido que ocorressem. Assim, todas, mesmo as
lo mesmo tirano, poderia ser a qualquer momento mandado a menores partes coexistentes do universo, estão perfeitamen-
ya rae, ou talv z asr'tssinado , apenas pôde consetvar ·ua Lran- te adaptadas umas às outras, e todas contribuem para compor
q l.iilidac.le p rquc nutria em seu espírito .mai sober:m > de um sistema imenso e coerente; elo mesmo modo, todos, mes-
p rezo pela vida humana. unca é.Xll lta d masiaclam pOt' mo aparentemente os mais insignificantes dos sucessivos even-
isso sua eloqüê ncia jamais s t. ivaz ·om qt.tand tos que resultam um do outro, são partes, e partes necessárias,
ta a futllidad in.,ignill ân ·la d ·· l dos s pra;t. r da grande cadeia de causas e efeitos que não teve começo, e
tos da vida. que não terá fim; e, como todos resultam necessariamente da
itnJ erad r le I a índole s b ran <l bsol~ t ~c toda a
disposição e trama originais do todo, são todos essencialmen-
pttrte ci viliz•tc.la do mundo o qual c rram n~ nao tmha um~ te necessários, não apenas para prosperidade desse todo, mas
raz~o spe ·ia! p<lra re !amar da p r ão que lhe coubera , clelt-
para sua continuação e conservação. Quem não abraça cor-
·ia-s ~ em expressar eu contentamento com o ·urso or llnárl
dialmente tudo o que lhe sucede, quem lamenta isso lhe ter su-
das coisas, e em apontar belezas mesmo nas partes .em que
cedido, quem deseja que isso não lhe tivesse sucedido, deseja,
observadores vulgares são incapazes de ver alguma. "EXIste uma
conveniência e até uma graça cativante", observa ele*, "tanto na medida de suas forças, parar o movimento do universo, rom-
na idade avançada, bem como na juventude, e a fraqueza e de- per a grande cadeia de sucessão- por cujo progresso unica-
crepitude de uma são tão adequadas à natureza como a flores- mente tal sistema pode continuar e conservar-se -, e deseja, por
causa de um pequeno conforto privado, perturbar e decompor
toda a máquina do mundo." "Oh, mundo", diz em outra pas-
• A referência possivelmente é a Marco Aurélio. (N. da R. T.) sagem, "todas as coisas que me convêm são as que te convêm.
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 361
360
Nada é muito cedo ou muito tarde para mim se for oportuno comumente faziam uso, realizaria uma ação em todos os aspec-
para ti. Tudo é fruto para rr:im, _se trazido pel~ tua estaç~o. De tos tão meritória, tão digna de louvor e admiração, como quan-
ti vêm todas as coisas; em t1 estao todas as cotsas; para t1 todas do pusera sua vida a serviço do país. Do mesmo modo como
as coisas são. Um homem diz, Ah, amada cidade de Cecropes! para o grande Superintendente do universo os maiores e meno-
Não dirás, Oh, amada cidade de Deus?" res esforços do seu poder, a formação e dissolução do mundo,
Dessas doutrinas muito sublimes, os Estóicos, ou pelo me- a formação e dissolução de uma bolha, seriam igualmente fá-
nos alguns deles, tentaram deduzir todos os seus paradoxos. ceis, igualmente admiráveis, e igualmente efeitos da mesma
o sábio estóico esforçou-se por partilhar dos prospectos divina sabedoria e benevolência, para o sábio estóico, o que
do grande Superintendente do universo, e ver ~s coisas ã m s- chamaríamos a grande ação não exigiria mais esforço do que a
ma Luz em que esse Ser d ivin. as contemplaria. Para. . granel pequena, seria igualmente fácil, procederia exatamente dos
Superintendent do universo n< ~ ntanto, todos o (~ J ~ rentes mesmos princípios, não seria mais meritória, em nenhum aspec-
eventos qu ur o da ua providên ia po I produzlf o qu to, nem digna de maior grau de louvor e admiração.
para nó parecem o ma i res e os m n r , a expl . ào de uma Todos os que alcançaram esse estado de perfeição seriam
bolha, como liz o ' r. l~ope•, a de um mundo J r · emplo, igualmente felizes, assim como todos os que no menor aspec-
seriam p rf itament · iguais, igua lmeot pa rtes da grande ca- to fracassaram, não importa o quanto se tenham aproximado
d ia qu El p redestinar~ desd wda a etern idade, igualmen- de tal estado, seriam igualmente miseráveis. Assim como o ho-
t ~ i tos da m , ma infalível sa bed ria, da mesma universal e mem que estivesse apenas uma polegada abaixo di superfície
ilimitada benevolência. Da mesma maneira, para o sábio estói- da água não respiraria mais que o que estivesse cem jardas abai-
co todos esses diferentes eventos seriam perfeitamente iguais. xo, diziam, o homem que não subjugasse inteiramente todas as
N~ curso desses eventos, com efeito, um pequeno departamen- suas paixões privadas, parciais e egoístas; que não possuísse
to, o qual ele próprio tinha pouco poder de dirigir e adi?inis- outro desejo determinado senão o da felicidade universal; que
trar, fora-lhe destinado. Nesse departamento se esforçana por não emergisse completamente do abismo de miséria e desor-
agir da maneira mais apropriada possível, e conduzir-se de acor- dem em que o lançara sua ansiedade para saciar essas paixões
do com as ordens que entendia lhe teriam prescrito. Mas não privadas, parciais e egoístas, não poderia respirar mais o ar pu-
cultivaria um interesse preocupado ou passional quer pelo êxi- ro da liberdade e independência, e tampouco usufruir mais a
10, quer 1 la fru traç:ã d s 1.1:<; m~is fi is fo r os. A maio r segurança e felicidade do homem sábio, do que quem estives-
prospericbde e a c mplera lestrui ão desse pequeno d p·tr- se mais distante dessa condição. Assim como todas as ações do
l:am nt , desse pequeno istema que de algum mod fora ccm- homem sábio seriam perfeitas, e igualmente perfeitas, todas as
fiad à sua ustódia, seriam pe rfe itament indif rt!nl s · t ele. ações do homem que não atingira essa suprema sabedoria se-
Se tais eventos dependessem dele, teria escolhido um, e rejei- riam falhas, e, segundo pretendiam alguns dos Estóicos, igual-
tado outro; mas, como dele não dependessem, acreditaria nu- mente falhas. Assim como uma verdade, diziam eles, não po-
ma ab doria sup rlor, e taria p r~ ltamente aLi feito, p is deria ser mais verdadeira, nem uma falsidade mais falsa que ou-
o evento produzid , foss qual ~ sse, e ria Igual a q u I tra, uma ação honrosa não poderia ser mais honrosa, nem uma
mesmo L ria s ja 1 >, gra e clcvotadamente e conh cess ação vergonhosa mais vergonhosa do que outra. Assim como,
toda ' s rela es I pendên ias d. o isas. Tudo o que fizes- ao atirar contra um alvo, o homem que errasse por uma pole-
se sob a influência e direção desses princípios seria igualmen- gada erraria tanto como o que errara por cem jardas, o homem
te perfeito; e se estendesse o dedo para dar o exemplo de que que, na ação que nos parece a mais irlsignificante, agisse de ma-
neira imprópria e sem razão suficiente falharia tanto como o
• Essay on Man (Ensaio so bre o homem) , I, 90. (N. da R. T.) que praticasse, aos nossos olhos, a ação mais importante; por
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 361
360
Nada é muito cedo ou muito tarde para mim se for oportuno comumente faziam uso, realizaria uma ação em todos os aspec-
para ti. Tudo é fruto para rr:im, _se trazido pel~ tua estaç~o. De tos tão meritória, tão digna de louvor e admiração, como quan-
ti vêm todas as coisas; em t1 estao todas as cotsas; para t1 todas do pusera sua vida a serviço do país. Do mesmo modo como
as coisas são. Um homem diz, Ah, amada cidade de Cecropes! para o grande Superintendente do universo os maiores e meno-
Não dirás, Oh, amada cidade de Deus?" res esforços do seu poder, a formação e dissolução do mundo,
Dessas doutrinas muito sublimes, os Estóicos, ou pelo me- a formação e dissolução de uma bolha, seriam igualmente fá-
nos alguns deles, tentaram deduzir todos os seus paradoxos. ceis, igualmente admiráveis, e igualmente efeitos da mesma
o sábio estóico esforçou-se por partilhar dos prospectos divina sabedoria e benevolência, para o sábio estóico, o que
do grande Superintendente do universo, e ver ~s coisas ã m s- chamaríamos a grande ação não exigiria mais esforço do que a
ma Luz em que esse Ser d ivin. as contemplaria. Para. . granel pequena, seria igualmente fácil, procederia exatamente dos
Superintendent do universo n< ~ ntanto, todos o (~ J ~ rentes mesmos princípios, não seria mais meritória, em nenhum aspec-
eventos qu ur o da ua providên ia po I produzlf o qu to, nem digna de maior grau de louvor e admiração.
para nó parecem o ma i res e os m n r , a expl . ào de uma Todos os que alcançaram esse estado de perfeição seriam
bolha, como liz o ' r. l~ope•, a de um mundo J r · emplo, igualmente felizes, assim como todos os que no menor aspec-
seriam p rf itament · iguais, igua lmeot pa rtes da grande ca- to fracassaram, não importa o quanto se tenham aproximado
d ia qu El p redestinar~ desd wda a etern idade, igualmen- de tal estado, seriam igualmente miseráveis. Assim como o ho-
t ~ i tos da m , ma infalível sa bed ria, da mesma universal e mem que estivesse apenas uma polegada abaixo di superfície
ilimitada benevolência. Da mesma maneira, para o sábio estói- da água não respiraria mais que o que estivesse cem jardas abai-
co todos esses diferentes eventos seriam perfeitamente iguais. xo, diziam, o homem que não subjugasse inteiramente todas as
N~ curso desses eventos, com efeito, um pequeno departamen- suas paixões privadas, parciais e egoístas; que não possuísse
to, o qual ele próprio tinha pouco poder de dirigir e adi?inis- outro desejo determinado senão o da felicidade universal; que
trar, fora-lhe destinado. Nesse departamento se esforçana por não emergisse completamente do abismo de miséria e desor-
agir da maneira mais apropriada possível, e conduzir-se de acor- dem em que o lançara sua ansiedade para saciar essas paixões
do com as ordens que entendia lhe teriam prescrito. Mas não privadas, parciais e egoístas, não poderia respirar mais o ar pu-
cultivaria um interesse preocupado ou passional quer pelo êxi- ro da liberdade e independência, e tampouco usufruir mais a
10, quer 1 la fru traç:ã d s 1.1:<; m~is fi is fo r os. A maio r segurança e felicidade do homem sábio, do que quem estives-
prospericbde e a c mplera lestrui ão desse pequeno d p·tr- se mais distante dessa condição. Assim como todas as ações do
l:am nt , desse pequeno istema que de algum mod fora ccm- homem sábio seriam perfeitas, e igualmente perfeitas, todas as
fiad à sua ustódia, seriam pe rfe itament indif rt!nl s · t ele. ações do homem que não atingira essa suprema sabedoria se-
Se tais eventos dependessem dele, teria escolhido um, e rejei- riam falhas, e, segundo pretendiam alguns dos Estóicos, igual-
tado outro; mas, como dele não dependessem, acreditaria nu- mente falhas. Assim como uma verdade, diziam eles, não po-
ma ab doria sup rlor, e taria p r~ ltamente aLi feito, p is deria ser mais verdadeira, nem uma falsidade mais falsa que ou-
o evento produzid , foss qual ~ sse, e ria Igual a q u I tra, uma ação honrosa não poderia ser mais honrosa, nem uma
mesmo L ria s ja 1 >, gra e clcvotadamente e conh cess ação vergonhosa mais vergonhosa do que outra. Assim como,
toda ' s rela es I pendên ias d. o isas. Tudo o que fizes- ao atirar contra um alvo, o homem que errasse por uma pole-
se sob a influência e direção desses princípios seria igualmen- gada erraria tanto como o que errara por cem jardas, o homem
te perfeito; e se estendesse o dedo para dar o exemplo de que que, na ação que nos parece a mais irlsignificante, agisse de ma-
neira imprópria e sem razão suficiente falharia tanto como o
• Essay on Man (Ensaio so bre o homem) , I, 90. (N. da R. T.) que praticasse, aos nossos olhos, a ação mais importante; por
362 TEORIA DOS SENI1MENTOS MORAIS SÉTJMA PARTE 363
exemplo, o homem que, de maneira imprópria e sem razão su- Cícero•, e seria também, segundo se diz , de outro livro, escri-
ficiente, matasse um galo erraria tanto como o que assassinasse to por Marco Bruto, mas que se perdeu.
seu pai. O plano e sistema que a natureza si oçoLt para nossa
Se o primeiro dos dois paradoxos se mostra suficientemen- conduta parece ser inteiramente distinto d~1qu l da filosofia
te grav , o segundo é claram nte demasiad b urd pa r' m - estóica.
re ·c::.r qual u r cons idera ào séria. Na erdade, é l absurd P r narureza, os eventos q ue afetam imediatamcm o pe-
que impossív I nã suspeitar de que deva rer sid , m algu- q ue n d partamento e m que n s mesm possuímos alguma
admini rra - , direçã , q u ·tfeta imediata mente a nós a nos-
ma n d ieta mal compr nd ido o u mal apresenta lo. ja -
sos amigos, nosso país, são os eventos que mais nos interessam,
mo for, não posso me permitir acreditar que Zenão ou Clean-
e que principalmente suscitam nossos desejos e aversões, nos-
tes , homens , segundo se diz, cuja eloqüência era tão simples sas esperanças e medos, nossas alegrias e tristezas. Fossem essas
quanto sublime, pudessem ser os aut r s desses ou da maio- paixões demasiado veementes - o que aliás tendem a ser em
ria dos paradoxos estóicos, os quais sã em geral meros sofis- grande medida-, a natureza providenciaria um remédio e cor-
mas lmp rti n •ntes, e honram lão pou o o seu sistema, que não reção apropriados. A presença real ou até imaginária do espec-
os des rev -·rei mais. I11clino-me a impurá-los antes a Crisipo, de tador imparcial, a autoridade do homem dentro do peito, está
fato discípulo e seguidor de Zenão e Cleantes, embora, consi- sempre disponível para as sujeitar ao tom e temperamento de
derando tudo o que nos foi transmitido a seu respeito, pare- moderação apropriados.
ça ter sido apenas um dialético pedante, sem nenhum gosto Se, malgrado nossos mais fiéis esforços, todos os even-
· ou elegância . Crisipo pode ter sido o primeiro a reduzir suas tos que podem afetar esse pequeno departamento provassem
doutrinas a um sistema escolástico ou técnico de definições , di- ser os mais infelizes e desastrosos, a natureza de modo algum
visões e subdivisões artificiais - talvez um dos mais eficientes nos deixaria sem consolo. Este pode ser retirado não apenas
expedientes para extinguir todo grau de bom-senso que possa da completa aprovação do homem que nosso peito encerra,
' haver em alguma doutrina moral ou metafísica. Pode-se supor fa- mas, se possível, de um princípio ainda mais nobre e genero-
cilmente que tal homem compreendesse de maneira excessiva- so - de uma firme confiança na e de uma submissão reveren-
mente literal algumas expressões vivazes de seus mestres, des- te à sabedoria benevolente que dirige todos os eventos da vi-
da humana, a qual, podemos estar certos, jamais toleraria que
crevendo a felicidade do homem de vittude perfeita, e a infe-
esses infortúnios ocorressem se não fossem indispensáveis ao
licidade de todo que carecesse de tal caráter. bem do todo.
Os Estóicos em geral parecem admitir que poderia haver A natureza não nos prescreveu essa sublime contemplação
um grau de proficiência nos que não lograssem promover a per- como o grande negócio e ocupação de nossas vidas. Apena
feita virtude e felicidade. Distribuíram esses proficientes em di- no-la indica como consolo de nossos infortúnios. É a filosofh
ferentes classes, segundo o grau de seu progresso, e chamaram estóica que a prescreve como o grande negócio e ocupação de
as virtudes imperfeitas que os supunham capazes de exercer nossas vidas. Tal filosofia nos ensina a não nos interessarmos
não de retidões, mas de propriedades, adequações, atos decen- determinada e ansiosamente por nenhum evento exterior à boa
tes e convenientes, para os quais se poderia atribuir uma ra- disposição de nossos espíritos e à conveniência de nossa pró-
zão plausível ou provável, o que Cícero expressa com o termo
latino officia, e Sêneca, penso que com mais exatidão, com
• De Officiis(44 a.C.), livro dedicado a Marcos Cícero , seu filho. Embo-
o de convenientia. A doutrina das virtudes imperfeitas, mas atin- ra Smith se refira à obra como 0./fices, atualmente o título é traduzido para
gívt:i. , parece ter constituído o que podemos chamar de mo- o inglês como On Duties (Dos deveres), de modo qu e as outras menções ao
t'a !idade prática dos Est · i s. É esse o m;sw1ro dos Of lciús d título, nesta parte, virão sempre no original, em latim . (N. da R. T.)
362 TEORIA DOS SENI1MENTOS MORAIS SÉTJMA PARTE 363
exemplo, o homem que, de maneira imprópria e sem razão su- Cícero•, e seria também, segundo se diz , de outro livro, escri-
ficiente, matasse um galo erraria tanto como o que assassinasse to por Marco Bruto, mas que se perdeu.
seu pai. O plano e sistema que a natureza si oçoLt para nossa
Se o primeiro dos dois paradoxos se mostra suficientemen- conduta parece ser inteiramente distinto d~1qu l da filosofia
te grav , o segundo é claram nte demasiad b urd pa r' m - estóica.
re ·c::.r qual u r cons idera ào séria. Na erdade, é l absurd P r narureza, os eventos q ue afetam imediatamcm o pe-
que impossív I nã suspeitar de que deva rer sid , m algu- q ue n d partamento e m que n s mesm possuímos alguma
admini rra - , direçã , q u ·tfeta imediata mente a nós a nos-
ma n d ieta mal compr nd ido o u mal apresenta lo. ja -
sos amigos, nosso país, são os eventos que mais nos interessam,
mo for, não posso me permitir acreditar que Zenão ou Clean-
e que principalmente suscitam nossos desejos e aversões, nos-
tes , homens , segundo se diz, cuja eloqüência era tão simples sas esperanças e medos, nossas alegrias e tristezas. Fossem essas
quanto sublime, pudessem ser os aut r s desses ou da maio- paixões demasiado veementes - o que aliás tendem a ser em
ria dos paradoxos estóicos, os quais sã em geral meros sofis- grande medida-, a natureza providenciaria um remédio e cor-
mas lmp rti n •ntes, e honram lão pou o o seu sistema, que não reção apropriados. A presença real ou até imaginária do espec-
os des rev -·rei mais. I11clino-me a impurá-los antes a Crisipo, de tador imparcial, a autoridade do homem dentro do peito, está
fato discípulo e seguidor de Zenão e Cleantes, embora, consi- sempre disponível para as sujeitar ao tom e temperamento de
derando tudo o que nos foi transmitido a seu respeito, pare- moderação apropriados.
ça ter sido apenas um dialético pedante, sem nenhum gosto Se, malgrado nossos mais fiéis esforços, todos os even-
· ou elegância . Crisipo pode ter sido o primeiro a reduzir suas tos que podem afetar esse pequeno departamento provassem
doutrinas a um sistema escolástico ou técnico de definições , di- ser os mais infelizes e desastrosos, a natureza de modo algum
visões e subdivisões artificiais - talvez um dos mais eficientes nos deixaria sem consolo. Este pode ser retirado não apenas
expedientes para extinguir todo grau de bom-senso que possa da completa aprovação do homem que nosso peito encerra,
' haver em alguma doutrina moral ou metafísica. Pode-se supor fa- mas, se possível, de um princípio ainda mais nobre e genero-
cilmente que tal homem compreendesse de maneira excessiva- so - de uma firme confiança na e de uma submissão reveren-
mente literal algumas expressões vivazes de seus mestres, des- te à sabedoria benevolente que dirige todos os eventos da vi-
da humana, a qual, podemos estar certos, jamais toleraria que
crevendo a felicidade do homem de vittude perfeita, e a infe-
esses infortúnios ocorressem se não fossem indispensáveis ao
licidade de todo que carecesse de tal caráter. bem do todo.
Os Estóicos em geral parecem admitir que poderia haver A natureza não nos prescreveu essa sublime contemplação
um grau de proficiência nos que não lograssem promover a per- como o grande negócio e ocupação de nossas vidas. Apena
feita virtude e felicidade. Distribuíram esses proficientes em di- no-la indica como consolo de nossos infortúnios. É a filosofh
ferentes classes, segundo o grau de seu progresso, e chamaram estóica que a prescreve como o grande negócio e ocupação de
as virtudes imperfeitas que os supunham capazes de exercer nossas vidas. Tal filosofia nos ensina a não nos interessarmos
não de retidões, mas de propriedades, adequações, atos decen- determinada e ansiosamente por nenhum evento exterior à boa
tes e convenientes, para os quais se poderia atribuir uma ra- disposição de nossos espíritos e à conveniência de nossa pró-
zão plausível ou provável, o que Cícero expressa com o termo
latino officia, e Sêneca, penso que com mais exatidão, com
• De Officiis(44 a.C.), livro dedicado a Marcos Cícero , seu filho. Embo-
o de convenientia. A doutrina das virtudes imperfeitas, mas atin- ra Smith se refira à obra como 0./fices, atualmente o título é traduzido para
gívt:i. , parece ter constituído o que podemos chamar de mo- o inglês como On Duties (Dos deveres), de modo qu e as outras menções ao
t'a !idade prática dos Est · i s. É esse o m;sw1ro dos Of lciús d título, nesta parte, virão sempre no original, em latim . (N. da R. T.)
364 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉT1MA PARTE 365

pria e colha e rejeição, salvo por aqu les qu diz m resp íto tratá-las como o que realmente são, e não como o que não são;
l um clepartament onde nã temo ·, ne m dev ríamos ter, ne- e o sistema de milorde Shaftesbury, que a faz residir em manter
nhuma spé 'e de administraçlo ou cU r à -o d pruuunento um equilíbrio apropriado dos afetos, e não permitir a nenhuma
do grande Superintend nt do universo. Pela perfeita a patia paixão que exceda sua esfera apropriada. Todos esses siste-
que essa AI ·o.Aa no pr ser v , p r esfor ~~r-se não ap nas por mas são descrições mais ou menos imprecisas da mesma idéia
rnoder.:tr, mas por rradicar todos os nossos afetos priv los, par- fundamental.
ciais e egóJSras, por impedir-nos de sentir por rudo que no 1 !i- Nenhum desses sistemas oferece ou sequer pretende ofere-
sa o on·er, nos ·os amigos n s o pais, s quer as solidárias e re- cer qualquer medida precisa ou distinta pela qual essa adequa-
duzida paixões elo esp tador imparcial, mpenha- e em n s ção ou conveniência do afeto possa ser averiguada ou julgada.
tornar inteirament in lifer ntes e de!ilnte re ad s quanto ao Tal medida precisa e distinta não pode ser encontrada em par-
êxito ou fracas..o;; de todas as ·oisa que a natureza n s presct·e- te alguma, senão nos sentimentos solidários do espectador im-
veu om negócio e o upaçâo apropriadc d nossas vielas. parcial e bem-informado.
l?ode-. dizer qu os ra iocínios da filosofia, emborA pos- Além disso, na medida do possível, a descrição da virtu-
sam confu ndir e deixar perplexo o entendlmento, jamai podem de que cada um desses sistemas oferece ou pelo menos pre-
r mper a conexão ne ·essária que a natureza stabeleceu entre tende oferecer - pois alguns dos autores modernos não são
a causas e seus efeitos. As causas que natmah11 nte susdtam muito felizes em seu modo de se expressar- é sem dúvida bas- {' \
nossos desejos e aversõ nossas peranç-a medos, nossas tante justa. Não há virtude sem conveniência, onde quer que ha-
alegrias e tristezas, apesar d todos os ra iocínl s do Estoid ja conveniência, algum grau de aprovação será devido. Ainda
mo cenament pr duzil'iam m cada indivíduo, egundo grau assim essa descrição é imperfeita. Pois ainda que a conveniên-
de sua s n ·ibilidad real, eu efeit s apr priad s e ne essá- cia seja um ingrediente essencial em toda ação virtuosa, nem
.rios. Os juíz do h mem que o p ito en erra, porém, poderiam sempre é o único. Ações beneficentes têm entre si outra qua-
ser bastante afetado por esse raciocínios c poderiam ensinar lidade pela qual parecem não apenas merecer aprovação, co-
. se grande lnquilin a tentar impor a toei . os nos . afetos
mo também recompensa. Nenhum desses sistemas explica de
privad , pardal · e egoístas uma mmqüilidade mais u menos
modo fácil ou suficiente o grau superior de estima que parece
perf ita. riemar os juízos dess .inquilino é o granel pr p6slto
devido a tais ações, ou a diversidade de sentimento que natu-
de todos os sist mas d moralidade. Está fora d dú ida que
ralmente suscitam. Tampouco a descrição do vício é mais com-
a filosofia estóica exerceu enorme influência sobre o caráter e
pleta. Pois, da mesma maneira, ainda que a inconveniência seja
conduta de seu seguidor s, e, embora às vezes os possa in-
citar a uma violên ia d n cessária, que sua tendência geral foi um ingrediente necessário em toda ação viciosa, nem sempre
estimulá-los às ações da mais heróica magnanimidade e da mais é o único; e não raro há o mais alto grau de absurdo e incon-
ampla ben voiAncia. veniência nos atos mais inofensivos e insignificantes. Ações de-
TV. Há, além d<:'~<;S sistemas antigos, alguns mod mo , · liberadas, de tendência perniciosa para quem vive conosco,
gundo o quais a viitude consiste na c nveniência, ou na a l - possuem além de sua inconveniência, uma qualidade particular,
qua ão do afeto por qu agimo à ·a usa ou obj to u s , u. - pela qual se mostram merecedoras não apenas de desaprova-
cita. Há o si t ma do Dr. Clark, qu fuz a v.lrtud re idir em agir ção, como de punição, e ademais objetos não apenas de des-
s gundo a reJa ôes da coisas, e m regt1lar nos a conduta se- gosto, com . d ress mimento vi ngança. Nenhum desses sis-
gtmdo a ad quaçã ou in ngruên ia que possa haver na apli- temas explica I mod fácil e su fi ·· ·nt' o grau superior de abo-
ca ão de e rtas ações a erta coisas, ou a certas relações; ou minação que sentimos por tais ações.
elo S.r. Wool.last n, qu a faz r idir em agir segundo a verdad
das co!, as, egundo ua natureza e essência apropri.ad ou em
364 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉT1MA PARTE 365

pria e colha e rejeição, salvo por aqu les qu diz m resp íto tratá-las como o que realmente são, e não como o que não são;
l um clepartament onde nã temo ·, ne m dev ríamos ter, ne- e o sistema de milorde Shaftesbury, que a faz residir em manter
nhuma spé 'e de administraçlo ou cU r à -o d pruuunento um equilíbrio apropriado dos afetos, e não permitir a nenhuma
do grande Superintend nt do universo. Pela perfeita a patia paixão que exceda sua esfera apropriada. Todos esses siste-
que essa AI ·o.Aa no pr ser v , p r esfor ~~r-se não ap nas por mas são descrições mais ou menos imprecisas da mesma idéia
rnoder.:tr, mas por rradicar todos os nossos afetos priv los, par- fundamental.
ciais e egóJSras, por impedir-nos de sentir por rudo que no 1 !i- Nenhum desses sistemas oferece ou sequer pretende ofere-
sa o on·er, nos ·os amigos n s o pais, s quer as solidárias e re- cer qualquer medida precisa ou distinta pela qual essa adequa-
duzida paixões elo esp tador imparcial, mpenha- e em n s ção ou conveniência do afeto possa ser averiguada ou julgada.
tornar inteirament in lifer ntes e de!ilnte re ad s quanto ao Tal medida precisa e distinta não pode ser encontrada em par-
êxito ou fracas..o;; de todas as ·oisa que a natureza n s presct·e- te alguma, senão nos sentimentos solidários do espectador im-
veu om negócio e o upaçâo apropriadc d nossas vielas. parcial e bem-informado.
l?ode-. dizer qu os ra iocínios da filosofia, emborA pos- Além disso, na medida do possível, a descrição da virtu-
sam confu ndir e deixar perplexo o entendlmento, jamai podem de que cada um desses sistemas oferece ou pelo menos pre-
r mper a conexão ne ·essária que a natureza stabeleceu entre tende oferecer - pois alguns dos autores modernos não são
a causas e seus efeitos. As causas que natmah11 nte susdtam muito felizes em seu modo de se expressar- é sem dúvida bas- {' \
nossos desejos e aversõ nossas peranç-a medos, nossas tante justa. Não há virtude sem conveniência, onde quer que ha-
alegrias e tristezas, apesar d todos os ra iocínl s do Estoid ja conveniência, algum grau de aprovação será devido. Ainda
mo cenament pr duzil'iam m cada indivíduo, egundo grau assim essa descrição é imperfeita. Pois ainda que a conveniên-
de sua s n ·ibilidad real, eu efeit s apr priad s e ne essá- cia seja um ingrediente essencial em toda ação virtuosa, nem
.rios. Os juíz do h mem que o p ito en erra, porém, poderiam sempre é o único. Ações beneficentes têm entre si outra qua-
ser bastante afetado por esse raciocínios c poderiam ensinar lidade pela qual parecem não apenas merecer aprovação, co-
. se grande lnquilin a tentar impor a toei . os nos . afetos
mo também recompensa. Nenhum desses sistemas explica de
privad , pardal · e egoístas uma mmqüilidade mais u menos
modo fácil ou suficiente o grau superior de estima que parece
perf ita. riemar os juízos dess .inquilino é o granel pr p6slto
devido a tais ações, ou a diversidade de sentimento que natu-
de todos os sist mas d moralidade. Está fora d dú ida que
ralmente suscitam. Tampouco a descrição do vício é mais com-
a filosofia estóica exerceu enorme influência sobre o caráter e
pleta. Pois, da mesma maneira, ainda que a inconveniência seja
conduta de seu seguidor s, e, embora às vezes os possa in-
citar a uma violên ia d n cessária, que sua tendência geral foi um ingrediente necessário em toda ação viciosa, nem sempre
estimulá-los às ações da mais heróica magnanimidade e da mais é o único; e não raro há o mais alto grau de absurdo e incon-
ampla ben voiAncia. veniência nos atos mais inofensivos e insignificantes. Ações de-
TV. Há, além d<:'~<;S sistemas antigos, alguns mod mo , · liberadas, de tendência perniciosa para quem vive conosco,
gundo o quais a viitude consiste na c nveniência, ou na a l - possuem além de sua inconveniência, uma qualidade particular,
qua ão do afeto por qu agimo à ·a usa ou obj to u s , u. - pela qual se mostram merecedoras não apenas de desaprova-
cita. Há o si t ma do Dr. Clark, qu fuz a v.lrtud re idir em agir ção, como de punição, e ademais objetos não apenas de des-
s gundo a reJa ôes da coisas, e m regt1lar nos a conduta se- gosto, com . d ress mimento vi ngança. Nenhum desses sis-
gtmdo a ad quaçã ou in ngruên ia que possa haver na apli- temas explica I mod fácil e su fi ·· ·nt' o grau superior de abo-
ca ão de e rtas ações a erta coisas, ou a certas relações; ou minação que sentimos por tais ações.
elo S.r. Wool.last n, qu a faz r idir em agir segundo a verdad
das co!, as, egundo ua natureza e essência apropri.ad ou em
366 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE
367
CAPÍTULO li les. om qu em vivemo~ destru iriam tod:~ ~~ s guran a, e n es-
Dos sistemas que Jazem a virtude consistir na prudência s nam nt n s exponam a gra nd .s mal · corpóreos.
D a rdo om Epicum, todos os praz rt:. dore does-
O mais antigo dos sistemas que fazem a virtude consistir pirit de rivariam fund ~u11 enta lm e nte dos pra7.eres dore · c.J o
na prudência, e de que chegaram a nós alguns resquícios con- c rpo. e. pídt flca.ria feliz ao pensa r nos praz r s pa. sa los
sideráveis, é o de Epicuro, de quem se diz, porém, que teria pe- do Orp , :peraria que OUtros também Viessem· Q ~I ria in-
go de empréstimo todos os princípios dominantes de sua fi- f, íz ao pensar na · dores qu o corpo suportara anterionn m
losofia a alguns de seus antecessores, especialmente a Aristipo, e t m ria d res i 1 Uais u m.aiores :no porvir.
Mas, apesar dessa alegação de seus inimigos, é muito prová- No entanto, embora derivassem fundamentalmente dos
vel que pelo menos a maneira de aplicar esses princípios fos- prazeres e dores do corpo, os do espírito seriam muito mais
se inteiramente própria de Epicuro. ~r nsos qu s us r!gin~ds. o rpo t ria a.penas a :;ensaçào d
De acordo com Epicuro 17 , o prazer e a dor do corpo se- ms tant pres te, ao pas..':iO qu " o spírito sentiria ta.mbérn o pas-
riam os únicos objetos fundamentais de desejo e aversão natu- ado t utur , um, p or lembr~mça, u.tro, por ame ipa ·ão,
rais. Que tais seriam sempre os objetos naturais dessas paixões, c n equ ntemenL ambos sofr riam u u1iuuiam muito mais.
julgava desnecessário provar. Poder-se-ia dar a impressão, com Quando e.<;ra.mos oi inten a d r f"JSi a. observou .Epicmo sem~
efeito, de que às vezes se evitaria o prazer, não, entretanto, por pr desc I rimos, s ar nramos a i o, que nà é o sofrir~ento
se tratar de prazer, mas porque ao usufruirmo-lo perderíamos do instante pr s me o qu prln ipalment nos ~ltonne nta, mas
o direito a um prazer maior, ou nos exporíamos a alguma dor, ::r lembrança agonizant do pa. · a I , ou o t r.ror ainda mais ter-
a qual deveríamos evitar mais do que desejar esse prazer. Da rível do fu tur . t mada em si me·ma, e J obda d tudo o qu e
mesma maneira, às vezes se poderia dar a impressão de que vem am es ~ s guc depo is de la, a d r de cada instante é um a
a dor seria desejável, não, porém, por se tratar de dor, mas por- banalidade indignn d ·ond leraçâo. P c.l ·- e afi rma r por- m
que ao suportarmo-la poderíamos evitar uma dor maior, ou qu é t.ud~ o que o c rpo já s< freu. D~~ me::sma m·ll1eir<r , q uan-
obter algum prazer muito mais intenso. Que a dor e o prazer d usu!rLIImos um granel ~ praz r, sempre le oi rimos qu a
do corpo, portanto, fossem sempre os objetos naturais de dese- s nsa ·o do corpo a sensaçà d in~tant • pres m , < apem ·
jo e aversão, Epicuro considerava demasiado evidente. E não uma ~ ~u na parte de noss·1fel i idad . NosS< praz r s rigi-
julgava menos evidente que fossem os únicos objetos funda- na pnnc11Xllmente c.la alegre recorda ·ão do passa lo, u da <'I n-
mentais dessas paixões. Tudo o mais que se desejasse ou se evi- te ·ipa~:ão ainda mai jubilosa do futuro, de modo que mp.re
tasse seria, de acordo com Epicuro, por conta de sua tendência vem do e píri to a mai .r con tribuiç, o para o divert.im nto.
a produzir uma ou outra dessas sensações. A tendência a obter Uma vez q u " nossa feli idade e desgraça dep nderiam,
prazer tornaria desejáveis a riqueza e o poder, assim como a portanto, princíp;;~ lme nte do t:spírito, se essa parte de n ssa na-
tendência contrária a produzir dor tornaria a pobreza e a in- t~ ~eza stivesse bem disposta, se nossos pensamentos e opi-
significância objetos de aversão. Honra e reputação seriam va- m es fo sem o que deveriam ser, pouco importaria a maneira
lorizados porque a estima e amor daqueles com quem vivemos · mo no s rp se ria afetad(). Eml. ora sob g rande dor físi-
teriam extrema relevância, seja para obter prazer, seja para nos ca, p deríamos ainda usufruir ons id rável parcela de felit·icl a-
defender da dor. Ignomínia e infâmia, ao contrário, deveriam de, se no s razão e juízo mantivessem su~1 superi riclade. Pode-
ser evitados, porque o ódio, desprezo e ressentimento daque- ríamo nos entr t ~ t· ·om a r ·orda 5o elo passad e om as
esperanças c! prazet· fu turo; p decíam s :J.hranc.lar rigor d
nossas dore.">, 1· ' rdand o qu , m s.1n n ··ssa situa ão, fomo ·
17. Veja-se Cícero, De Finibus, !ih. i. Diógenes Laércio, l. x. obrigados a suportar. Pe nsar-ía mo · ntà q u
366 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE
367
CAPÍTULO li les. om qu em vivemo~ destru iriam tod:~ ~~ s guran a, e n es-
Dos sistemas que Jazem a virtude consistir na prudência s nam nt n s exponam a gra nd .s mal · corpóreos.
D a rdo om Epicum, todos os praz rt:. dore does-
O mais antigo dos sistemas que fazem a virtude consistir pirit de rivariam fund ~u11 enta lm e nte dos pra7.eres dore · c.J o
na prudência, e de que chegaram a nós alguns resquícios con- c rpo. e. pídt flca.ria feliz ao pensa r nos praz r s pa. sa los
sideráveis, é o de Epicuro, de quem se diz, porém, que teria pe- do Orp , :peraria que OUtros também Viessem· Q ~I ria in-
go de empréstimo todos os princípios dominantes de sua fi- f, íz ao pensar na · dores qu o corpo suportara anterionn m
losofia a alguns de seus antecessores, especialmente a Aristipo, e t m ria d res i 1 Uais u m.aiores :no porvir.
Mas, apesar dessa alegação de seus inimigos, é muito prová- No entanto, embora derivassem fundamentalmente dos
vel que pelo menos a maneira de aplicar esses princípios fos- prazeres e dores do corpo, os do espírito seriam muito mais
se inteiramente própria de Epicuro. ~r nsos qu s us r!gin~ds. o rpo t ria a.penas a :;ensaçào d
De acordo com Epicuro 17 , o prazer e a dor do corpo se- ms tant pres te, ao pas..':iO qu " o spírito sentiria ta.mbérn o pas-
riam os únicos objetos fundamentais de desejo e aversão natu- ado t utur , um, p or lembr~mça, u.tro, por ame ipa ·ão,
rais. Que tais seriam sempre os objetos naturais dessas paixões, c n equ ntemenL ambos sofr riam u u1iuuiam muito mais.
julgava desnecessário provar. Poder-se-ia dar a impressão, com Quando e.<;ra.mos oi inten a d r f"JSi a. observou .Epicmo sem~
efeito, de que às vezes se evitaria o prazer, não, entretanto, por pr desc I rimos, s ar nramos a i o, que nà é o sofrir~ento
se tratar de prazer, mas porque ao usufruirmo-lo perderíamos do instante pr s me o qu prln ipalment nos ~ltonne nta, mas
o direito a um prazer maior, ou nos exporíamos a alguma dor, ::r lembrança agonizant do pa. · a I , ou o t r.ror ainda mais ter-
a qual deveríamos evitar mais do que desejar esse prazer. Da rível do fu tur . t mada em si me·ma, e J obda d tudo o qu e
mesma maneira, às vezes se poderia dar a impressão de que vem am es ~ s guc depo is de la, a d r de cada instante é um a
a dor seria desejável, não, porém, por se tratar de dor, mas por- banalidade indignn d ·ond leraçâo. P c.l ·- e afi rma r por- m
que ao suportarmo-la poderíamos evitar uma dor maior, ou qu é t.ud~ o que o c rpo já s< freu. D~~ me::sma m·ll1eir<r , q uan-
obter algum prazer muito mais intenso. Que a dor e o prazer d usu!rLIImos um granel ~ praz r, sempre le oi rimos qu a
do corpo, portanto, fossem sempre os objetos naturais de dese- s nsa ·o do corpo a sensaçà d in~tant • pres m , < apem ·
jo e aversão, Epicuro considerava demasiado evidente. E não uma ~ ~u na parte de noss·1fel i idad . NosS< praz r s rigi-
julgava menos evidente que fossem os únicos objetos funda- na pnnc11Xllmente c.la alegre recorda ·ão do passa lo, u da <'I n-
mentais dessas paixões. Tudo o mais que se desejasse ou se evi- te ·ipa~:ão ainda mai jubilosa do futuro, de modo que mp.re
tasse seria, de acordo com Epicuro, por conta de sua tendência vem do e píri to a mai .r con tribuiç, o para o divert.im nto.
a produzir uma ou outra dessas sensações. A tendência a obter Uma vez q u " nossa feli idade e desgraça dep nderiam,
prazer tornaria desejáveis a riqueza e o poder, assim como a portanto, princíp;;~ lme nte do t:spírito, se essa parte de n ssa na-
tendência contrária a produzir dor tornaria a pobreza e a in- t~ ~eza stivesse bem disposta, se nossos pensamentos e opi-
significância objetos de aversão. Honra e reputação seriam va- m es fo sem o que deveriam ser, pouco importaria a maneira
lorizados porque a estima e amor daqueles com quem vivemos · mo no s rp se ria afetad(). Eml. ora sob g rande dor físi-
teriam extrema relevância, seja para obter prazer, seja para nos ca, p deríamos ainda usufruir ons id rável parcela de felit·icl a-
defender da dor. Ignomínia e infâmia, ao contrário, deveriam de, se no s razão e juízo mantivessem su~1 superi riclade. Pode-
ser evitados, porque o ódio, desprezo e ressentimento daque- ríamo nos entr t ~ t· ·om a r ·orda 5o elo passad e om as
esperanças c! prazet· fu turo; p decíam s :J.hranc.lar rigor d
nossas dore.">, 1· ' rdand o qu , m s.1n n ··ssa situa ão, fomo ·
17. Veja-se Cícero, De Finibus, !ih. i. Diógenes Laércio, l. x. obrigados a suportar. Pe nsar-ía mo · ntà q u
368 TEORIA DOS SENITMENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 369
corpórea, uma dor do instante presente, a qu al ~or si m sma Ademais, abster-se do prazer, controlar e restringir nossas
nunca poderia ser muito grande; que toth a agon1a sofnda ~~ paixões naturais pelo deleite, o que estaria a cargo da tempe-
face do horror a que a dor prosseguisse fora B ito de uma Opi- rança, jamais poderia ser desejável por si. Todo o valor dessa
nião do espírito, a qual poderia ser corrigida por sentimentos virtude resultaria de sua utilidade, de nos capacitar a adiar 0
mais justos, pela consideração de que, caso nossas ~ores fos- deleite presente em benefício de outro maior que viria, ou de
sem violentas, provavelmente seriam de cutta duraçao; e, caso evitar uma dor maior que poderia sobrevir-lhe. Em suma, a tem- ·
fossem prolongadas, provavelmente seriam moderadas, e pe~­ perança nada seria senão prudência relativa ao prazer.
mitiriam vários intervalos de bem-estar; e, de qualquer manet- Suportar o trabalho, tolerar a dor, ser exposto a perigo ou
1~1 . q u • e "iaria s mpre à m ão, pronta para n · alivi~r, a: morte

1
morte, situações em que a firmeza com freqüência nos con-
a qual segtHKio Epi uro , por ·xtingulr t da a s nsa\,'<1 , f ss de duzi ria, seriam erta m nte me nos ;.~ ind~1 obj tos de cl s jo na-
J r ou d prazer, não poderia ser onsid · ·a la omo um mal . tural. Ap na para evita r mal s rnaiore as olheríam s, A sub- I
! Dizia 1• que, quando nós somos, a morte não é, e quando a missã ao Lraba lho teria, mo propósito vila r v rg nha e dor '
morte é, nós não somos; por essa razão, a morte nada pode maiores que a da pobreza, e nos exporíamos ao perigo e à mor-
ser para nós. .. . te em defesa de nossa liberdade e propriedade, meios e ins-
Se em si mesma a sensação real de dor postttva devena trumentos de prazer e felicidade, ou em defesa de nosso país,
ser tão pouco temida, a do prazer deveria ser ~inda _menos cuja segurança necessariamente compreenderia a nossa própria.
d<..:sejada. Naturalmente a sensação de p razer se r~a mmto m_e- A firmeza nos tornaria capazes de fazer tudo isso com ale-
nos pungente do que a de dor. Se, por consegu mte, ess~ ~1- gria, como o melhor a fazer em nossa situação presente, e na-
tima poderia roubar tão pouco da felicidade de um esptrtto da mais seria, na realidade, do que pmcr n ia, bom juízo e pre-
bem-disposto, a outra dificilmente podia lhe acrescentar ~!?u­ sença de espírito ao apreciar adeq uachme nt · a dor, o trabalho
ma coisa. Quando o corpo estivesse livre de dor e o esptrtt?, e o perigo, sempre escolhendo o menor para evitar o maior.
de medo ou ansiedade, a sensação acrescida de prazer corpo- O mesmo ocone com a justiça. Abster-se do que é de outro
r , p le ria ter pouca importância; e embora pu?~sse diver- não seria desejável por sua própria conta, pois certamente pa-
sificar, não poderia propriamente aumentar a feltctdade des- ra ti não seria melhor que eu possuísse o que é meu, do que tu
sa situação . o possuísses. Deves, contudo, abster-te de tudo o que me per-
No bem-estar do corpo e na segurança ou tranqüilidade tence, porque do contrário provocarás o ressentimento e in-
do espírito consistiria, pois, de acordo com Epicuro, o m_ai_s dignação dos homens. A segurança e a tranqüilidade de teu
perfeito estado da natureza humana, a mais completa feltct- espírito serão inteiramente destruídas. Ficarás tomado de me-
dade que o homem seria capaz de usufruir. Obter essa gran~e do e consternação ao pensares no castigo que, imaginarás, os
finalidade do desejo natural seria o único objeto de todas as vtr- homens estão sempre prontos a te infligir, e do qual nenhum
tudes, as quais, ainda segundo Epicuro, não seria~ des_:jáveis poder, nenhuma arte, nenhum segredo, jamais bastará, em tua
por si sós, mas por sua tendência a causar essa sttu~çao . . própria imaginação, para proteger-te. A outra espécie de jus-
Por exemplo, embora para essa filosofia a prudencta sep tiça, que consiste em oferecer préstimos adequados a diferen-
causa e princípio de todas as virtudes, não seria desejáv~l por tes pessoas, segundo as várias relações que vizinhos, parentes,
sua própria conta. O estado de espírito cuidadoso, labonoso e amigos, benfeitores, superiores ou iguais possam ter conosco,
circunspecto, sempre alerta e sempre atento às m::~is ~ istant_:s é recomendada pelas mesmas razões. Agir adequadamente em
conseqüências de cada ação, seria prazeroso ou agrad~1vel nao todas essas diferentes relações granjeia-nos a estima e amor
por si mesmo, mas por sua tendência a promover o mator bem, dos que conosco vivem, assim como agir de modo inverso sus-
e manter afastado o maior mal. cita seu desdém e ódio. Por meio da primeira ação naturalmen-
368 TEORIA DOS SENITMENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 369
corpórea, uma dor do instante presente, a qu al ~or si m sma Ademais, abster-se do prazer, controlar e restringir nossas
nunca poderia ser muito grande; que toth a agon1a sofnda ~~ paixões naturais pelo deleite, o que estaria a cargo da tempe-
face do horror a que a dor prosseguisse fora B ito de uma Opi- rança, jamais poderia ser desejável por si. Todo o valor dessa
nião do espírito, a qual poderia ser corrigida por sentimentos virtude resultaria de sua utilidade, de nos capacitar a adiar 0
mais justos, pela consideração de que, caso nossas ~ores fos- deleite presente em benefício de outro maior que viria, ou de
sem violentas, provavelmente seriam de cutta duraçao; e, caso evitar uma dor maior que poderia sobrevir-lhe. Em suma, a tem- ·
fossem prolongadas, provavelmente seriam moderadas, e pe~­ perança nada seria senão prudência relativa ao prazer.
mitiriam vários intervalos de bem-estar; e, de qualquer manet- Suportar o trabalho, tolerar a dor, ser exposto a perigo ou
1~1 . q u • e "iaria s mpre à m ão, pronta para n · alivi~r, a: morte

1
morte, situações em que a firmeza com freqüência nos con-
a qual segtHKio Epi uro , por ·xtingulr t da a s nsa\,'<1 , f ss de duzi ria, seriam erta m nte me nos ;.~ ind~1 obj tos de cl s jo na-
J r ou d prazer, não poderia ser onsid · ·a la omo um mal . tural. Ap na para evita r mal s rnaiore as olheríam s, A sub- I
! Dizia 1• que, quando nós somos, a morte não é, e quando a missã ao Lraba lho teria, mo propósito vila r v rg nha e dor '
morte é, nós não somos; por essa razão, a morte nada pode maiores que a da pobreza, e nos exporíamos ao perigo e à mor-
ser para nós. .. . te em defesa de nossa liberdade e propriedade, meios e ins-
Se em si mesma a sensação real de dor postttva devena trumentos de prazer e felicidade, ou em defesa de nosso país,
ser tão pouco temida, a do prazer deveria ser ~inda _menos cuja segurança necessariamente compreenderia a nossa própria.
d<..:sejada. Naturalmente a sensação de p razer se r~a mmto m_e- A firmeza nos tornaria capazes de fazer tudo isso com ale-
nos pungente do que a de dor. Se, por consegu mte, ess~ ~1- gria, como o melhor a fazer em nossa situação presente, e na-
tima poderia roubar tão pouco da felicidade de um esptrtto da mais seria, na realidade, do que pmcr n ia, bom juízo e pre-
bem-disposto, a outra dificilmente podia lhe acrescentar ~!?u­ sença de espírito ao apreciar adeq uachme nt · a dor, o trabalho
ma coisa. Quando o corpo estivesse livre de dor e o esptrtt?, e o perigo, sempre escolhendo o menor para evitar o maior.
de medo ou ansiedade, a sensação acrescida de prazer corpo- O mesmo ocone com a justiça. Abster-se do que é de outro
r , p le ria ter pouca importância; e embora pu?~sse diver- não seria desejável por sua própria conta, pois certamente pa-
sificar, não poderia propriamente aumentar a feltctdade des- ra ti não seria melhor que eu possuísse o que é meu, do que tu
sa situação . o possuísses. Deves, contudo, abster-te de tudo o que me per-
No bem-estar do corpo e na segurança ou tranqüilidade tence, porque do contrário provocarás o ressentimento e in-
do espírito consistiria, pois, de acordo com Epicuro, o m_ai_s dignação dos homens. A segurança e a tranqüilidade de teu
perfeito estado da natureza humana, a mais completa feltct- espírito serão inteiramente destruídas. Ficarás tomado de me-
dade que o homem seria capaz de usufruir. Obter essa gran~e do e consternação ao pensares no castigo que, imaginarás, os
finalidade do desejo natural seria o único objeto de todas as vtr- homens estão sempre prontos a te infligir, e do qual nenhum
tudes, as quais, ainda segundo Epicuro, não seria~ des_:jáveis poder, nenhuma arte, nenhum segredo, jamais bastará, em tua
por si sós, mas por sua tendência a causar essa sttu~çao . . própria imaginação, para proteger-te. A outra espécie de jus-
Por exemplo, embora para essa filosofia a prudencta sep tiça, que consiste em oferecer préstimos adequados a diferen-
causa e princípio de todas as virtudes, não seria desejáv~l por tes pessoas, segundo as várias relações que vizinhos, parentes,
sua própria conta. O estado de espírito cuidadoso, labonoso e amigos, benfeitores, superiores ou iguais possam ter conosco,
circunspecto, sempre alerta e sempre atento às m::~is ~ istant_:s é recomendada pelas mesmas razões. Agir adequadamente em
conseqüências de cada ação, seria prazeroso ou agrad~1vel nao todas essas diferentes relações granjeia-nos a estima e amor
por si mesmo, mas por sua tendência a promover o mator bem, dos que conosco vivem, assim como agir de modo inverso sus-
e manter afastado o maior mal. cita seu desdém e ódio. Por meio da primeira ação naturalmen-
TEOJUA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉ77MA PARTE
368
. . ante resente, a qual por si mesma
corpórea, uma dm d~ mst d ~ e toda a agonia sofrida em Ac.l mais, abster-se do pntz r, ·ontroJru· e restringir no sas
nunca poderia ser mut~ ~ran e~:lisse fora efeito de uma opi- paix - . natu-ais pelo delei t , o que estaria a ca rg da temr -
face do horr?~ a que ~al m:;~r~: ser corrigida por sentimentos ranp t, jamais pode.rh ser d sej::iv l por i. Todo o valor dessa
nião do espmto, a qt p • d e caso nossas dores fos- virtu de r :uharia de s ua utilidad , d no apacitar a ad iar
. . 1 1sideraçao e qu • - deleite presente em benefício de ou tro maior que viria, ou de
mats JUStos, pe a OI. l. ·am de cmta duraçao; e, caso
. 1 provave m nte sen . ~;;:virar uma 1 r maior que podetia sobrevir-lhe. Em suma, a te m-
sem vto entas,
das prova e. m
1 ent ~ s riam m deracl:a 'e p l-
I
fossem pr~ ~ng~
<
' , . d h ·m- tar· , le qualquer m n ' t-
• r ran ·a na la seria . não prudên ia rela li a ao prazer.
mitiriam vanos mtetva1?s _e . ·... ,a p·u·a n aliviar, a m rt ' "uponaJ· o Lrahalh , tolerar a dor, 'er expo ·to a perigo ott
I ra que estana. pre a mao pru..... < d morte, situações em que a firmeza om fr qüêncüt nos on-
sem ' . . toda a sensação, fosse e
' d E · . por exungutr dllZiria, · riam c rtament menos ainda objetos de desejo na-
a qual segun o ptcmo, d . ·onst'derada como um mal.
Idor ou de prazer, na- 0 po ena e.r. c morte não é e quando a turnl. A.pcna para evitar males maiores as escolheríamos. A sub- 1
· . ndo nós somos, a ' d mis ;ia ao trabalh teria como propósito evitar vergonha e dor ;
Dizta ele que, qua . , azão a morte nada po e
morte é, nós não somos; pm essa r ' rnaiores que a da p br 7.a, e n s exporíamos ao perigo e à mor-
ser para nós .· - 1·eal de dor positiva deveria te em defesa de nossa liberdade e propriedade, meios e ins-
sma a sensaçao trumentos de prazer ' fe licidade ou em defesa de no so país,
Se
_ em SI me 'da a o prazer deveria ser ainda .menos
d
ser tao pouco temt ' - de pt"lZ r e ria muno me- cuja seguran '<t nc · s::uia mente compreend ria a no ·a própria.
. N· !mente a sensaçao • , A firmeza nos tornaria <.:apaz ele fazer Lttdo isso om ale-
deseJada. atura . d d Se por ·onseguintc, essa ui-
nus pu ogente _do qt~e! em~•~ d; felicidade tle um espírito gria, como o melhor a fazer em nossa situaç, o prese nte , .na-
tima podena wubat. ta~f~'l ente podia lhe acrescentar algu- da mais seria, na realidade, do q ue prudência, bom juízo pre-
bem-disposto, a outta c.t. tct m t' esse livre de dor e o espírito, sença de espírito ao apreciar a leqLlaciamente a dor, o tt-aba lho
ma coisa. Quando 0 cm po es tv- .. ·da de prazer corpó- e o perigo, sempre escolhendo o menor para evitar o maior.
. d· de a sensaçao acteso
de medo ~u an_ste a '. ortância ; e embora pudesse diver- mesm ocotT com a jUsUça. Ah te1:..se do qu é d ullu
reo podena tet p~uca tm~ te aumentar a felicidade des- n· s -·ria <.lesejável por sua próplia coma pois o rrament pa-
sificar, não podena propnamen ra ti nã >seria melhor que u pos.5u.ísse o que é m u, do jue Lu
sa situação . . , segurança ou tranqüiltdade o rossuí. s ·s. D ~ves, co mudo ·tbst r-te ele tudo o que m · r er-
No bem-est~r _d? corp~ ~ n~ ·ord com Epl ' uro, o mal tenc , porqu do ·ont.ri'trio pr vo a rás o ress ntiment e in-
do espírito conststma, pots, e ac , . . ompl la l'e li i- digna à dos hom n . A segurança e a tranqüilidade de teu
d t ·eza huma o ~l a tnals spÍJito s ~~l o im •iram nte d struídas. Ficarás tomado de me-
perfeito estado a na l,\,1 ·a az de usufrLtir. Obter e. s~t gran~l
dade que o homem do constern.açã a p ns<t res no castigo que. irrutginarás, os
· seua cl p .
tu ·a sena o t
'lnt'co obJ'eto de todas as vtr-
finalidade do deseJO na t d E ·curo não seriam desejáveis hom n est' sernpr pr mos a te intligü· e do q ual n nhum
·s ainda segun o P1 ' . - p der, nenhuma arr , nenhum segrecl , jamais bastará e m tua
tudes, as quat ' . , d - cia a causar essa sttuaçao. .
por si sós, mas pm sua t:n :~~essa filosofia a prudência seJa própria imaginação, para pr reger-te. A outra espécie de jus-
Po r exemplo, embota p . . d s não seria desejável por li a, que onsiste m ( ~ racer préstimos adequados a diferen-
· · · de todas as vntu e • · tes pess as. segund M vária relaç es qu izinhos, parem es,
causa e pnnop10 . , ·' t > uic.latlosu bbuno ·
' . o ra
sua propna c n ·
eb't'·td

1 espJ tt ,.
. , , re nr às m :Jis l t >ta n
L amigos, b nf· ltores, sup ri res <)LI iguais po s~tm ter con s
·~ ·de.rt't > s mpt t ' I ,
·ircun pecto. s mpte ' , . -az roso ou agrm.h;i nao recom n lada pehs m ·ma razões. Agir adequadamente em
conseqüências tl ~td't a~~ , ~~na .':'' o pro.mov 'r malur 1 111 , todas . sa · diferentes rela ·õe. granjeia-nos a estima e amor
por si m ~smo , ma . p r · ~::t t r~c n la . d.(). que n s ·o vivem, assim ·omo agir de modo inverso sus-
e manter afastado o mator mal. tta ·eu dcsd m e ó Ho. Por mel la primeira ação naturalmen-
TEOJUA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉ77MA PARTE
368
. . ante resente, a qual por si mesma
corpórea, uma dm d~ mst d ~ e toda a agonia sofrida em Ac.l mais, abster-se do pntz r, ·ontroJru· e restringir no sas
nunca poderia ser mut~ ~ran e~:lisse fora efeito de uma opi- paix - . natu-ais pelo delei t , o que estaria a ca rg da temr -
face do horr?~ a que ~al m:;~r~: ser corrigida por sentimentos ranp t, jamais pode.rh ser d sej::iv l por i. Todo o valor dessa
nião do espmto, a qt p • d e caso nossas dores fos- virtu de r :uharia de s ua utilidad , d no apacitar a ad iar
. . 1 1sideraçao e qu • - deleite presente em benefício de ou tro maior que viria, ou de
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a qual segun o ptcmo, d . ·onst'derada como um mal.
Idor ou de prazer, na- 0 po ena e.r. c morte não é e quando a turnl. A.pcna para evitar males maiores as escolheríamos. A sub- 1
· . ndo nós somos, a ' d mis ;ia ao trabalh teria como propósito evitar vergonha e dor ;
Dizta ele que, qua . , azão a morte nada po e
morte é, nós não somos; pm essa r ' rnaiores que a da p br 7.a, e n s exporíamos ao perigo e à mor-
ser para nós .· - 1·eal de dor positiva deveria te em defesa de nossa liberdade e propriedade, meios e ins-
sma a sensaçao trumentos de prazer ' fe licidade ou em defesa de no so país,
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_ em SI me 'da a o prazer deveria ser ainda .menos
d
ser tao pouco temt ' - de pt"lZ r e ria muno me- cuja seguran '<t nc · s::uia mente compreend ria a no ·a própria.
. N· !mente a sensaçao • , A firmeza nos tornaria <.:apaz ele fazer Lttdo isso om ale-
deseJada. atura . d d Se por ·onseguintc, essa ui-
nus pu ogente _do qt~e! em~•~ d; felicidade tle um espírito gria, como o melhor a fazer em nossa situaç, o prese nte , .na-
tima podena wubat. ta~f~'l ente podia lhe acrescentar algu- da mais seria, na realidade, do q ue prudência, bom juízo pre-
bem-disposto, a outta c.t. tct m t' esse livre de dor e o espírito, sença de espírito ao apreciar a leqLlaciamente a dor, o tt-aba lho
ma coisa. Quando 0 cm po es tv- .. ·da de prazer corpó- e o perigo, sempre escolhendo o menor para evitar o maior.
. d· de a sensaçao acteso
de medo ~u an_ste a '. ortância ; e embora pudesse diver- mesm ocotT com a jUsUça. Ah te1:..se do qu é d ullu
reo podena tet p~uca tm~ te aumentar a felicidade des- n· s -·ria <.lesejável por sua próplia coma pois o rrament pa-
sificar, não podena propnamen ra ti nã >seria melhor que u pos.5u.ísse o que é m u, do jue Lu
sa situação . . , segurança ou tranqüiltdade o rossuí. s ·s. D ~ves, co mudo ·tbst r-te ele tudo o que m · r er-
No bem-est~r _d? corp~ ~ n~ ·ord com Epl ' uro, o mal tenc , porqu do ·ont.ri'trio pr vo a rás o ress ntiment e in-
do espírito conststma, pots, e ac , . . ompl la l'e li i- digna à dos hom n . A segurança e a tranqüilidade de teu
d t ·eza huma o ~l a tnals spÍJito s ~~l o im •iram nte d struídas. Ficarás tomado de me-
perfeito estado a na l,\,1 ·a az de usufrLtir. Obter e. s~t gran~l
dade que o homem do constern.açã a p ns<t res no castigo que. irrutginarás, os
· seua cl p .
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finalidade do deseJO na t d E ·curo não seriam desejáveis hom n est' sernpr pr mos a te intligü· e do q ual n nhum
·s ainda segun o P1 ' . - p der, nenhuma arr , nenhum segrecl , jamais bastará e m tua
tudes, as quat ' . , d - cia a causar essa sttuaçao. .
por si sós, mas pm sua t:n :~~essa filosofia a prudência seJa própria imaginação, para pr reger-te. A outra espécie de jus-
Po r exemplo, embota p . . d s não seria desejável por li a, que onsiste m ( ~ racer préstimos adequados a diferen-
· · · de todas as vntu e • · tes pess as. segund M vária relaç es qu izinhos, parem es,
causa e pnnop10 . , ·' t > uic.latlosu bbuno ·
' . o ra
sua propna c n ·
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1 espJ tt ,.
. , , re nr às m :Jis l t >ta n
L amigos, b nf· ltores, sup ri res <)LI iguais po s~tm ter con s
·~ ·de.rt't > s mpt t ' I ,
·ircun pecto. s mpte ' , . -az roso ou agrm.h;i nao recom n lada pehs m ·ma razões. Agir adequadamente em
conseqüências tl ~td't a~~ , ~~na .':'' o pro.mov 'r malur 1 111 , todas . sa · diferentes rela ·õe. granjeia-nos a estima e amor
por si m ~smo , ma . p r · ~::t t r~c n la . d.(). que n s ·o vivem, assim ·omo agir de modo inverso sus-
e manter afastado o mator mal. tta ·eu dcsd m e ó Ho. Por mel la primeira ação naturalmen-
370 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉ11MA PARTE 371
te asseguramos nosso próprio bem-estar e tranqüilidade, obje- maneira, desejarias ser con. i I ratl > apaz de servir a( seu país
tos fundamentais de nossos desejos; por meio da segunda, ne- como g_eneral ou estadista? ambé.m nesse caso o melhor mei
cessariamente pomos tais objetos em risco. Portanto, a virtude é ·1dqmnr r almen le a arte p ri~ n ·ia <.la guerra e ti go-
da justiça, a mais importante das virtudes, nada mais é do que rn , e tornar-se r a Lmente apto a ser general u esw.d1sr·a. E,
a conduta judiciosa e prudente com relação a nosso próximo. c.la me~a maneJra,_s q1.1eres que te suponllam sóbrio, t mpc-
Tal é a doutrina de Epicuro quanto à natureza da virtude. ~nt~, Jusro e qu_âm_me o melh r mei de adquirir essa re r utn-
Pode parecer extraordinário que esse filósofo, descrito como çao e tornar-se sol·mo, temperante, justo equânim -·. Se podes
pessoa das mais amáveis maneiras, jamais observasse que, se- rea_lment~ tormu·-te an~áv I, respeitáv I • apropriado objeto de
ja qual for a tendência dessas virtudes ou dos vícios contrários estm~a, nao temas, pots em breve obterás o amor, o respeito e
relativos a nosso bcnt-estar e scguran , físic s, os sentimentos a _r.::. ·uma_daqu le · com quem vi v s.' Uma vez que a práll L da :
que naturalmente su:;ciram em ou lr s são objetos de um dese- Ytrrud e, portanto, geralrn nte tão vantajosa, a do ví ·io rã ;
jo ou aversão muito mais passionais do que todas as suas outras conLrária ao nosso imere ·se, a ·onsidera ã cl ssas r ncrncias :
conseqüências; que, para o espírito bem-disposto, mais vale ser opostas indubitavelmente imprime beleza e conveniência acli- !
amável, respeitável, ser objeto apropriado de estima do que to- cionais numa, e uma renovada deformidade e inconveniência '
do o bem-estar e segurança que o amor, respeito e estima po- na outra. Temperança, magnanimidade, justiça e beneficência
dem nos granjear; que, ao contrário, é mais terrível ser odioso, vêm a ser assim aprovadas, não apenas por seus próprios ca~
desprezível, ser objeto apropriado de indignação, do que tudo racteres, mas pelo caráter adicional ela mais elevada sabedoria
o que podemos sofrer em nosso corpo em decorrência de ódio, e mais verdadeira prudência. E, da mesma maneira os vícios
desprezo e indignação; e , conseqüentemente, que nosso de- contrários da intemperança, pusilanimidade, injusti~a e male-
volência ou egoísmo sórdido, são desaprovados não apenas
sejo por um caráter e nossa aversão pelo outro não podem
por seus caracteres próprios, mas pelo caráter adicional da mais
se originar de uma consideração dos efeitos que cada um deles
míope insensatez e fraqueza. Em toda virtude, Epicuro reve-
provavelmente produzirá em nosso corpo.
la ter atentado unicamente a essa espécie de conveniência. É 0
Sem dúvida, esse sistema é em tudo inconsistente com o
que mais tende a ocorrer aos que se empenham em persuadir
que me esforcei por demonstrar. Não é difícil, porém, desco-
outr~s ~ regularida?~ de conduta. Quando os homens, por in-
brir de que fase, se assim posso dizer, de que visão particular tetmedto de sua prattca, e talvez também de suas máximas, cla-
ou aspecto da natureza essa descrição das coisas deriva sua ramente mostram que a beleza natural da virtude não exerce
probabilidade. Pela sábia invenção do Autor da natureza, a vir- provavelmente, muito efeito sobre eles, como é possível como~
tude é em todas as ocasiões ordinárias, mesmo as relativas a vê-los, senão representando a insensatez de sua conduta e o
esta vida, uma sabedoria real, e o meio mais certo e imediato quanto eles próprios acabarão por fim sofrendo por ela?'
de obter segurança e vantagem. Nosso êxito ou malogro em Acumulando L das as virtude s ss:1 onveniênda, Epi- :
nossas empresas devem depender grandemente da boa ou má curo permitiu , a lem.~ is, i.t_ma pr p nsã - natural ' I tod s os I
opinião que comumente cultivam a nosso respeito e da dispo- home_n , emb ra os blósofos · ~jam 1 arti ulam1 me ··paz 's de :
sição geral dos que conosco convivem, seja para nos ajudar, se- a culuvar com especial afeição, por ser o grande meio de exi-
ja para se oporem a nós. Mas o melhor meio, o mais seguro, bir sua inventividade - a explicar todas as aparições, partindo
mais fácil e mais imediato de conquistatmos os juízos vantajosos d~ _menor número possível de princípios. E sem dúvida per-
de outros, evitando os desfavoráveis, é certamente tornarmo- mtttu que essa propensão fosse ainda mais longe, quando atri-
nos objetos apropriados dos primeiros, e não dos últimos. "De- buiu todos os objetos primários do desejo e aversão naturais
sejas", disse Sócrates, "a reputação de bom músico? O único aos prazeres e dores do corpo. O grande patrono da filosofia
, meio seguro de obtê-la é tornar-se um bom músico. Da mesma atomista, que extraía tanto prazer de deduzir todos os poderes
370 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉ11MA PARTE 371
te asseguramos nosso próprio bem-estar e tranqüilidade, obje- maneira, desejarias ser con. i I ratl > apaz de servir a( seu país
tos fundamentais de nossos desejos; por meio da segunda, ne- como g_eneral ou estadista? ambé.m nesse caso o melhor mei
cessariamente pomos tais objetos em risco. Portanto, a virtude é ·1dqmnr r almen le a arte p ri~ n ·ia <.la guerra e ti go-
da justiça, a mais importante das virtudes, nada mais é do que rn , e tornar-se r a Lmente apto a ser general u esw.d1sr·a. E,
a conduta judiciosa e prudente com relação a nosso próximo. c.la me~a maneJra,_s q1.1eres que te suponllam sóbrio, t mpc-
Tal é a doutrina de Epicuro quanto à natureza da virtude. ~nt~, Jusro e qu_âm_me o melh r mei de adquirir essa re r utn-
Pode parecer extraordinário que esse filósofo, descrito como çao e tornar-se sol·mo, temperante, justo equânim -·. Se podes
pessoa das mais amáveis maneiras, jamais observasse que, se- rea_lment~ tormu·-te an~áv I, respeitáv I • apropriado objeto de
ja qual for a tendência dessas virtudes ou dos vícios contrários estm~a, nao temas, pots em breve obterás o amor, o respeito e
relativos a nosso bcnt-estar e scguran , físic s, os sentimentos a _r.::. ·uma_daqu le · com quem vi v s.' Uma vez que a práll L da :
que naturalmente su:;ciram em ou lr s são objetos de um dese- Ytrrud e, portanto, geralrn nte tão vantajosa, a do ví ·io rã ;
jo ou aversão muito mais passionais do que todas as suas outras conLrária ao nosso imere ·se, a ·onsidera ã cl ssas r ncrncias :
conseqüências; que, para o espírito bem-disposto, mais vale ser opostas indubitavelmente imprime beleza e conveniência acli- !
amável, respeitável, ser objeto apropriado de estima do que to- cionais numa, e uma renovada deformidade e inconveniência '
do o bem-estar e segurança que o amor, respeito e estima po- na outra. Temperança, magnanimidade, justiça e beneficência
dem nos granjear; que, ao contrário, é mais terrível ser odioso, vêm a ser assim aprovadas, não apenas por seus próprios ca~
desprezível, ser objeto apropriado de indignação, do que tudo racteres, mas pelo caráter adicional ela mais elevada sabedoria
o que podemos sofrer em nosso corpo em decorrência de ódio, e mais verdadeira prudência. E, da mesma maneira os vícios
desprezo e indignação; e , conseqüentemente, que nosso de- contrários da intemperança, pusilanimidade, injusti~a e male-
volência ou egoísmo sórdido, são desaprovados não apenas
sejo por um caráter e nossa aversão pelo outro não podem
por seus caracteres próprios, mas pelo caráter adicional da mais
se originar de uma consideração dos efeitos que cada um deles
míope insensatez e fraqueza. Em toda virtude, Epicuro reve-
provavelmente produzirá em nosso corpo.
la ter atentado unicamente a essa espécie de conveniência. É 0
Sem dúvida, esse sistema é em tudo inconsistente com o
que mais tende a ocorrer aos que se empenham em persuadir
que me esforcei por demonstrar. Não é difícil, porém, desco-
outr~s ~ regularida?~ de conduta. Quando os homens, por in-
brir de que fase, se assim posso dizer, de que visão particular tetmedto de sua prattca, e talvez também de suas máximas, cla-
ou aspecto da natureza essa descrição das coisas deriva sua ramente mostram que a beleza natural da virtude não exerce
probabilidade. Pela sábia invenção do Autor da natureza, a vir- provavelmente, muito efeito sobre eles, como é possível como~
tude é em todas as ocasiões ordinárias, mesmo as relativas a vê-los, senão representando a insensatez de sua conduta e o
esta vida, uma sabedoria real, e o meio mais certo e imediato quanto eles próprios acabarão por fim sofrendo por ela?'
de obter segurança e vantagem. Nosso êxito ou malogro em Acumulando L das as virtude s ss:1 onveniênda, Epi- :
nossas empresas devem depender grandemente da boa ou má curo permitiu , a lem.~ is, i.t_ma pr p nsã - natural ' I tod s os I
opinião que comumente cultivam a nosso respeito e da dispo- home_n , emb ra os blósofos · ~jam 1 arti ulam1 me ··paz 's de :
sição geral dos que conosco convivem, seja para nos ajudar, se- a culuvar com especial afeição, por ser o grande meio de exi-
ja para se oporem a nós. Mas o melhor meio, o mais seguro, bir sua inventividade - a explicar todas as aparições, partindo
mais fácil e mais imediato de conquistatmos os juízos vantajosos d~ _menor número possível de princípios. E sem dúvida per-
de outros, evitando os desfavoráveis, é certamente tornarmo- mtttu que essa propensão fosse ainda mais longe, quando atri-
nos objetos apropriados dos primeiros, e não dos últimos. "De- buiu todos os objetos primários do desejo e aversão naturais
sejas", disse Sócrates, "a reputação de bom músico? O único aos prazeres e dores do corpo. O grande patrono da filosofia
, meio seguro de obtê-la é tornar-se um bom músico. Da mesma atomista, que extraía tanto prazer de deduzir todos os poderes
372 TEOIUA DOS SEN11MENTOS MORAIS SÉTJMA PARTE 373

e qualidades dos rr s a partir dos mais - bvios e familiares - os que já descrevi. Parece ter sido a doutrina da maioria dos
a figura, o m vime nto a organização das p q u · nas partes da filósofos que, por volta e depois da era de Augusto, chama-
' matéria- sem dúvida sentia uma satisfação similar ao explicar, ram-se Ecléticos, os quais pretendendo seguir principalmente
da mesma maneira, todos os sentimentos e paixões do espírito, as opiniões de Platão e Pitágoras, são por esse motivo comu-
, a partir dos mais óbvios e familiares. mente conhecidos como neoplatônicos.
O sistema de Epicuro concorda com os de Platão, Aristó- De acordo com tais autores, a benevolência ou amor se- ·
teles e Zenão ao fazer que a virtude consista em agir da manei- ria o único princípio da ação na natureza divina, e dirigiria a ;
ra mais adequada para se obterem objetos primários de desejo prática de todos os outros atributos. A sabedoria da Divinda-
natural' 8 • Diverge de todos eles em dois outros aspectos: pri- de seria empregada em descobrir os meios de realizar esses fins
meiro, na descrição elos objetos primários de desejo natural; que Sua bondade sugeria, enquanto Seu infinito poder se exer-
segundo, na descrição da excelência ela virtude, ou da razão ceria ao executá-los. A benevolência, entretanto, ainda seria
pela qual essa qualidade devia ser estimada. o atributo supremo e dominante, ao qual os demais seriam sub-
Os objetos primários de desejo natural 'consistiriam, segun- servientes, e do qual em última instância derivaria toda a exce-
do Epicuro, em prazer e dor do corpo, e nada mais; ao passo lência ou toda a moralidade, se me permitem dizer assim, das
que, para os três outros filósofos, haveria muitos outros obje- operações divinas. Toda a perfeição e virtude do espírito huma-
tos, tais como o conhecimento, a felicidade de nossos parentes, no consistiria em alguma semelhança ou participação nas per-
dos amigos, de nosso país, que seriam em última instância de- feições divinas, e, conseqüentemente, em ser repleto do mesmo
sejáveis por si mesmos. princípio de benevolência e amor que influenciaria todas as
Segundo Epicuro, a virtude também não mereceria ser ações da Divindade. Apenas ações humanas que procederiam
buscada por si mesma, nem seria em si um dos objetos funda- desse motivo seriam verdadeiramente louváveis, ou poderiam,
mentais de apetite natural; seria desejável apenas graças à sua aos olhos da Divindade, reclamar qualquer mérito. Somente por
tendência a evitar dor e proporcionar bem-estar e prazer. Na atos de caridade e amor poderíamos imitar, conforme nos con-
opinião dos outros três, ao contrário, a virtude seria desejável viesse, a conduta de Deus; poderíamos expressar nossa hu-
não apenas como meio de proporcionar os outros objetos pri- milde e devotada admiração por Suas perfeições infinitas; po-
mários do desejo natural, mas como algo que em si mesmo se- deríamos, por abrigarmos em nossos espíritos o mesmo prin-
ria mais valioso elo que todos estes. Pensavam que, sendo o ho- cípio divino, tornar nossos próprios afetos mais semelhantes a
mem nascido para a ação, sua felicidade deve consistir não ape- Seus atributos divinos, e assim nos convertermos em objetos
nas no que há de agradável nas suas paixões passivas, mas mais apropriados do Seu amor e estima, até por fim alcançar-
sobretudo na conveniência de seus esforços ativos. mos o convívio e comunicação imediatos com a Divindade, aos
quais essa grande filosofia teria como objeto nos alçar.
Muitos dos antigos Pais da Igreja Cristã estimavam sobre- ·
CAPÍTULO III maneira esse sistema, de modo que, após a Reforma, adota-
Dos sistemas que jazem a virtude ram-no vários teólogos de reconhecida piedade e erudição, e de
consistir na benevolência amável conduta, sobretudo o Dr. Ralph Cudworth, o Dr. Henry
More e o Sr. John Smith de Cambridge. Mas de todos os pa-
O sistema que faz a virtude consistir na benevolência é bas- tronos desse sistema, sejam antigos ou modernos, o falecido
tante antigo, embora, segundo julgo, nem tanto quanto todos Dr. Hutcheson certamente foi, de longe, o mais agudo, o mais
distinto, o mais filosófico, e, o que é ainda mais importante, o
18. Prima Naturae. mais sóbrio e judicioso.
372 TEOIUA DOS SEN11MENTOS MORAIS SÉTJMA PARTE 373

e qualidades dos rr s a partir dos mais - bvios e familiares - os que já descrevi. Parece ter sido a doutrina da maioria dos
a figura, o m vime nto a organização das p q u · nas partes da filósofos que, por volta e depois da era de Augusto, chama-
' matéria- sem dúvida sentia uma satisfação similar ao explicar, ram-se Ecléticos, os quais pretendendo seguir principalmente
da mesma maneira, todos os sentimentos e paixões do espírito, as opiniões de Platão e Pitágoras, são por esse motivo comu-
, a partir dos mais óbvios e familiares. mente conhecidos como neoplatônicos.
O sistema de Epicuro concorda com os de Platão, Aristó- De acordo com tais autores, a benevolência ou amor se- ·
teles e Zenão ao fazer que a virtude consista em agir da manei- ria o único princípio da ação na natureza divina, e dirigiria a ;
ra mais adequada para se obterem objetos primários de desejo prática de todos os outros atributos. A sabedoria da Divinda-
natural' 8 • Diverge de todos eles em dois outros aspectos: pri- de seria empregada em descobrir os meios de realizar esses fins
meiro, na descrição elos objetos primários de desejo natural; que Sua bondade sugeria, enquanto Seu infinito poder se exer-
segundo, na descrição da excelência ela virtude, ou da razão ceria ao executá-los. A benevolência, entretanto, ainda seria
pela qual essa qualidade devia ser estimada. o atributo supremo e dominante, ao qual os demais seriam sub-
Os objetos primários de desejo natural 'consistiriam, segun- servientes, e do qual em última instância derivaria toda a exce-
do Epicuro, em prazer e dor do corpo, e nada mais; ao passo lência ou toda a moralidade, se me permitem dizer assim, das
que, para os três outros filósofos, haveria muitos outros obje- operações divinas. Toda a perfeição e virtude do espírito huma-
tos, tais como o conhecimento, a felicidade de nossos parentes, no consistiria em alguma semelhança ou participação nas per-
dos amigos, de nosso país, que seriam em última instância de- feições divinas, e, conseqüentemente, em ser repleto do mesmo
sejáveis por si mesmos. princípio de benevolência e amor que influenciaria todas as
Segundo Epicuro, a virtude também não mereceria ser ações da Divindade. Apenas ações humanas que procederiam
buscada por si mesma, nem seria em si um dos objetos funda- desse motivo seriam verdadeiramente louváveis, ou poderiam,
mentais de apetite natural; seria desejável apenas graças à sua aos olhos da Divindade, reclamar qualquer mérito. Somente por
tendência a evitar dor e proporcionar bem-estar e prazer. Na atos de caridade e amor poderíamos imitar, conforme nos con-
opinião dos outros três, ao contrário, a virtude seria desejável viesse, a conduta de Deus; poderíamos expressar nossa hu-
não apenas como meio de proporcionar os outros objetos pri- milde e devotada admiração por Suas perfeições infinitas; po-
mários do desejo natural, mas como algo que em si mesmo se- deríamos, por abrigarmos em nossos espíritos o mesmo prin-
ria mais valioso elo que todos estes. Pensavam que, sendo o ho- cípio divino, tornar nossos próprios afetos mais semelhantes a
mem nascido para a ação, sua felicidade deve consistir não ape- Seus atributos divinos, e assim nos convertermos em objetos
nas no que há de agradável nas suas paixões passivas, mas mais apropriados do Seu amor e estima, até por fim alcançar-
sobretudo na conveniência de seus esforços ativos. mos o convívio e comunicação imediatos com a Divindade, aos
quais essa grande filosofia teria como objeto nos alçar.
Muitos dos antigos Pais da Igreja Cristã estimavam sobre- ·
CAPÍTULO III maneira esse sistema, de modo que, após a Reforma, adota-
Dos sistemas que jazem a virtude ram-no vários teólogos de reconhecida piedade e erudição, e de
consistir na benevolência amável conduta, sobretudo o Dr. Ralph Cudworth, o Dr. Henry
More e o Sr. John Smith de Cambridge. Mas de todos os pa-
O sistema que faz a virtude consistir na benevolência é bas- tronos desse sistema, sejam antigos ou modernos, o falecido
tante antigo, embora, segundo julgo, nem tanto quanto todos Dr. Hutcheson certamente foi, de longe, o mais agudo, o mais
distinto, o mais filosófico, e, o que é ainda mais importante, o
18. Prima Naturae. mais sóbrio e judicioso.
374 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉ'flMA PARTE 375
Que a virtude consiste na benevolência é uma noção c_on- recompensa financeira , essa descobetta destmiria inteiramente
firmada por muitas manifestações na natureza humana. Ja se toda noção do mérito ou do caráter louvável de qualquer dessas
observou que a benevolência apropriada é o mais gracioso e ações. Portanto, uma vez que a mescla de algum motivo egoís-
agradável de todos o. a~ tos; q u no ' ~ recomenda?o por um a ta, a exemplo de uma liga com metal inferior, diminuiria ou re- ·
dupla simpatia; que omo sua tenclênct::l necessa namem be- moveria inteiramente o mérito que do contrário pertenceria a
neficente, t rna-se objeto aprop1iado d g1<Li lào re ·ompen~a, uma ação, seria evidente, imaginava o Dr. Hutcheson, que a
e que, po r tudo is o, mosh·a, aos n . ~s sentin: nt s natunu , virtude deveria consistir unicamente em benevolência pura e
possu ir mérito superi r to os os d maiS. Ta mbem e bs 1v . u desinteressada.
que até mesmo :1s fr::lqueza · da ben Vi lên ·ia não ~o_s são mu ~o Inversamente, descobrir que se originaram de um motivo
desagradáveis, enq uamo as I te da, outras pa~oes nos sa~ benevolente ações que se supõe proceder, no mais das vezes,
· mpr " exTre mam ·nt r pu!. ivas. Quem não abomma :1 ~"X.c s I- de um motivo egoísta aumenta fortemente nosso senso de seu
va rnaü i·t, excessivo egoísmo ou o xcessivo rcssenume.nr )? mérito. Se déssemos crédito a alguém que se esforçasse por am-
Mas a mais cxce iva condescendência, me:m à am izad par-
pliar sua fortuna apenas para conceder préstimos amigáveis e
cial, não é tão ofensiva. Apenas as paixões benevolentes po-
para retribuir adequadamente seus benfeitores, deveríamos tão-
dem exercer-se sem consideração ou atenção para com a con-
veniência e ainda assim conservar algo de cativante. Há algo somente amar e estimá-lo mais ainda. E essa observação pa-
de agradável até mesmo na mera boa-vontade instintiva, que receria confirmar ainda mais a conclusão segundo a qual ape-
continua a fazer bons préstimos sem refletir uma só vez se com nas a benevolência poderia imprimir a qualquer ação o caráter
essa conduta se torna objeto apropriado de censura ou apro- de virtude.
vação. O mesmo não ocorre com as outras paixões. A partir Finalmente, imaginava o Dr. Hutcheson que a prova evi-
do momento em que ficam abandonadas, a partir do momento dente da justeza de sua descrição da vütude estaria em que em
em que não as acompanha o senso de conveniência, cessam todas as disputas de casuístas sobre a retidão da conduta, o bem
de ser agradáveis. público, observou ele, seria o critério ao qual se refeririam cons-
Assim como a benevolência confere às ações que proce- tantemente; por intermédio disso se reconheceria universal-
dem dela uma beleza superior a todas as demais, a falta dela, mente que tudo o que tendesse a promover a felicidade dos
e muito mais a tendência contrária, comunica uma deformidade seres humanos seria correto, louvável e virtuoso, e o contrário,
r. ecuUar a ti.J l 1ue evi len · t.al lisposi · . A .c s perni íosas errado, censurável e vicioso. Nos últimos debates sobre obe-
com fr qi.iência à puníveis a p nas porq ue mostram fa lta de diência passiva e direito de resistência•, o único ponto de con-
. ufidente aren :- para com a feli ·idade de nosso vizinho . trovérsia entre homens de bom-senso dizia respeito a se, quan-
Além de tudo isso, o Dr. Hutcheson' 9 observou que, quan- do se invadissem privilégios, mais males se seguiriam da sub-
do se descobre algum outro motivo para uma ação que se su- missão universal ou de insurreições temporárias. Nenhuma só
poria proceder de afetos ben V< I nte ·, na medida em que se vez, disse o Dr. Hutcheson, se questionou se o que em sua to-
acreditasse que tal motivo a inlluend u, diminuiria nosso senso talidade tenderia mais para felicidade dos seres humanos não
do mérito da ação. Caso se descobrisse que uma ação, a qual se seria também moralmente bom.
suporia pr ced r da gratidão, tivesse se origi nado da expecta-
tiva deum novo favor, ou caso o que se j1.Jigasse proceder de
espírito público viesse a se revelar oriundo da esperança de ' Esses últimos debates so bre direito de resistência e obediência passi-
va a que alude Smith são, possivelmente, os que ocorreram no reinado de
Jaime 11 (1688), dos quais, aliás , tomou parte John Locke. Trata-se, em suma,
19. Veja-se Inquiry Concerning Virtue (Investigação sobre a virtude), do direito de rebelar-se contra um soberano que viola as leis fundamentais
seções i e ii. da comunidade. (N. da R. T.)
374 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉ'flMA PARTE 375
Que a virtude consiste na benevolência é uma noção c_on- recompensa financeira , essa descobetta destmiria inteiramente
firmada por muitas manifestações na natureza humana. Ja se toda noção do mérito ou do caráter louvável de qualquer dessas
observou que a benevolência apropriada é o mais gracioso e ações. Portanto, uma vez que a mescla de algum motivo egoís-
agradável de todos o. a~ tos; q u no ' ~ recomenda?o por um a ta, a exemplo de uma liga com metal inferior, diminuiria ou re- ·
dupla simpatia; que omo sua tenclênct::l necessa namem be- moveria inteiramente o mérito que do contrário pertenceria a
neficente, t rna-se objeto aprop1iado d g1<Li lào re ·ompen~a, uma ação, seria evidente, imaginava o Dr. Hutcheson, que a
e que, po r tudo is o, mosh·a, aos n . ~s sentin: nt s natunu , virtude deveria consistir unicamente em benevolência pura e
possu ir mérito superi r to os os d maiS. Ta mbem e bs 1v . u desinteressada.
que até mesmo :1s fr::lqueza · da ben Vi lên ·ia não ~o_s são mu ~o Inversamente, descobrir que se originaram de um motivo
desagradáveis, enq uamo as I te da, outras pa~oes nos sa~ benevolente ações que se supõe proceder, no mais das vezes,
· mpr " exTre mam ·nt r pu!. ivas. Quem não abomma :1 ~"X.c s I- de um motivo egoísta aumenta fortemente nosso senso de seu
va rnaü i·t, excessivo egoísmo ou o xcessivo rcssenume.nr )? mérito. Se déssemos crédito a alguém que se esforçasse por am-
Mas a mais cxce iva condescendência, me:m à am izad par-
pliar sua fortuna apenas para conceder préstimos amigáveis e
cial, não é tão ofensiva. Apenas as paixões benevolentes po-
para retribuir adequadamente seus benfeitores, deveríamos tão-
dem exercer-se sem consideração ou atenção para com a con-
veniência e ainda assim conservar algo de cativante. Há algo somente amar e estimá-lo mais ainda. E essa observação pa-
de agradável até mesmo na mera boa-vontade instintiva, que receria confirmar ainda mais a conclusão segundo a qual ape-
continua a fazer bons préstimos sem refletir uma só vez se com nas a benevolência poderia imprimir a qualquer ação o caráter
essa conduta se torna objeto apropriado de censura ou apro- de virtude.
vação. O mesmo não ocorre com as outras paixões. A partir Finalmente, imaginava o Dr. Hutcheson que a prova evi-
do momento em que ficam abandonadas, a partir do momento dente da justeza de sua descrição da vütude estaria em que em
em que não as acompanha o senso de conveniência, cessam todas as disputas de casuístas sobre a retidão da conduta, o bem
de ser agradáveis. público, observou ele, seria o critério ao qual se refeririam cons-
Assim como a benevolência confere às ações que proce- tantemente; por intermédio disso se reconheceria universal-
dem dela uma beleza superior a todas as demais, a falta dela, mente que tudo o que tendesse a promover a felicidade dos
e muito mais a tendência contrária, comunica uma deformidade seres humanos seria correto, louvável e virtuoso, e o contrário,
r. ecuUar a ti.J l 1ue evi len · t.al lisposi · . A .c s perni íosas errado, censurável e vicioso. Nos últimos debates sobre obe-
com fr qi.iência à puníveis a p nas porq ue mostram fa lta de diência passiva e direito de resistência•, o único ponto de con-
. ufidente aren :- para com a feli ·idade de nosso vizinho . trovérsia entre homens de bom-senso dizia respeito a se, quan-
Além de tudo isso, o Dr. Hutcheson' 9 observou que, quan- do se invadissem privilégios, mais males se seguiriam da sub-
do se descobre algum outro motivo para uma ação que se su- missão universal ou de insurreições temporárias. Nenhuma só
poria proceder de afetos ben V< I nte ·, na medida em que se vez, disse o Dr. Hutcheson, se questionou se o que em sua to-
acreditasse que tal motivo a inlluend u, diminuiria nosso senso talidade tenderia mais para felicidade dos seres humanos não
do mérito da ação. Caso se descobrisse que uma ação, a qual se seria também moralmente bom.
suporia pr ced r da gratidão, tivesse se origi nado da expecta-
tiva deum novo favor, ou caso o que se j1.Jigasse proceder de
espírito público viesse a se revelar oriundo da esperança de ' Esses últimos debates so bre direito de resistência e obediência passi-
va a que alude Smith são, possivelmente, os que ocorreram no reinado de
Jaime 11 (1688), dos quais, aliás , tomou parte John Locke. Trata-se, em suma,
19. Veja-se Inquiry Concerning Virtue (Investigação sobre a virtude), do direito de rebelar-se contra um soberano que viola as leis fundamentais
seções i e ii. da comunidade. (N. da R. T.)
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉ17MA PARTE 377
376
Portanto, uma vez que a b n v lênci·t seriQ o uni o mo· de um motivo egoísta, o qual, na medida em que conLribuísse
Livo que poclctia conferir a uma açio o carãt r d vlrtud · quan- para qualquer ação, demonstraria a fraqueza da benevoJ 11 ia
A

to maior n b nevolênda id n ·'ada p r q ual !LI r ação, tam pura e desinteressada, a única capaz de inculcar na conduta do
maior o lou vor qu 1 veria U1e perL n · r. homem o caráter de virtude. Nos juízos comuns dos homens
As a ões qu isa ·s m à f · U ida le Li ' uma gra nel comu- p 1:é~ essa atenção para com a aprovação de nosso espírit~
nidade, na med ida e m qu e d · mo n u·a tiam uma h n volênda esta ta longe de ser considerada como o que pode, em qual-
mais ampla do que a. a · e q 1 vlsass m apenas à fe licicla l ~ quer aspecto, diminuir a virtude de alguma ação, que a vemos
de um sJstermt men r, seriam propor ·i nalmente as mais vi r- antes como o único motivo que merece o nome de virtuoso.
tuosas. O mais virtuoso ele todos os afetos, por conseguinte, Tal é a descrição que esse amável sistema oferece sobre
a natureza da virtude, sistema cuja tendência peculiar é a de
s ria que a bar as. omo seus >bjet s ' l ~ ·licicladc de t d
s :;>t-es inteligemes. onu'{uio, o ntenos virtuoso elo afeto ·
al!mentar e amparar no coração humano o mais nobre e agra-
' l qu , p deria •m qu. !quer :IS J. ecto penence r o carát r de vir-
davel de todos os afetos, não apenas por equilibrar a injustiça
tudes ria o que vls ss a penas ã felicidade de um indivídu , do amor de si, mas em alguma medida por desencorajar intei-
ramen~e esse J?rincípio, representando-o como algo que jamais
1 tal como a de um filho, irmão, amigo.
Em orientar todas as nossas ações para promover o maior podena refletlr honra sobre quem influenciasse.
bem possíve l ·m subrn •ter todos os afetos JnJ\ riores a d se- Se ~!?uns dos outros sistemas que já descrevi não expli-
jo da felicidade geral. ela humanidade, em c ns iderar-. a pe- cam sufiCientemente de onde surge a peculiar excelência da
nas como um denu·e .muitos, uj. 1 rosperidad não se de e- suprema virtude da beneficência, este parece ter o defeito con-
ria buscar além do que fosse consistente com a felicidade do trário, a saber, o de não explicar suficientemente ele onde surge
n.oss~ aprovação das virtudes inferiores da prudência, vigilân-
todo ou além do que conduzisse a esta, constituiria a perfeição
c~a, c1rcunspecção, temperança, constância, firmeza . O desíg-
da virtude.
O amor de si seria um princípio que jamais poderia ser vir- mo e a meta de nossos afetos, os efeitos beneficentes ou da-
tuoso em nenhum grau ou sentido. Seria vicioso sempre que nosos que tendem a produzir, são as únicas qualidades para
obstruísse o bem geral. Quando não tivesse outro efeito, senão que se atenta nesse sistema. Sua conveniência e inconveniên-
fazer o indivíduo cuidar de sua própria felicidade, seria apenas cia, sua adequação e inadequação à causa que os suscita são
inteiramente descuidadas.
inocente \ •mb ra ru m r cesse elogio algum, tampouco in-
correria em alguma ·ensura. As ações benevolentes que fos- Também a consideração de nossa felicidade e interesse
sem realizadas, malgrado algum motivo de int r sse próprio, privados apresenta-se, em muitas ocasiões, como um princí-
seriam, por essa razão, as mais virtuosas. Demon u-ariam a for- pio de ação bastante louvável. Supõe-se que os hábitos de eco-
ça e vigor do princípio benevolente. nomia, diligência, discernimento, atenção e aplicação de pen-
O Dr. Hutcheson 20 estava tão longe de admitir o amor de samento, sejam geralmente cultivados por motivos de interesse
si como motivo em qualquer caso de uma ação virtuosa, que próprio ao mesmo tempo em que se julgam qualidades mui-
até uma consideração elo prazer da auto-aprovação, do confor- to louváveis, dignas da estima e aprovação de todos. A mes-
tável aplauso de nossas próprias con. cF ncias, diminuiria, se- cla de um motivo egoísta, é verdade, com freqüência parece
gundo ele, o mérito de uma ação l n 'Valente. Julgava tratar-se embotar a beleza das ações que deveriam se originar de um
afeto benevolente. A causa disso, entretanto, não se deve a que
o amor de si jamais possa constituir o motivo de uma ação vir-
20. Inquiry Concerning Virtue (Investigação sobre a virtude), seção ii, tuosa, mas a que nesse caso particular o princípio benevolente
artigo 4; confira-se ainda Jllustrations on the Moral Sense (Ilustrações sobre
aparenta carecer de seu grau devido de força, e ser em tudo
o senso moral), seção v, último parágrafo.
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉ17MA PARTE 377
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Portanto, uma vez que a b n v lênci·t seriQ o uni o mo· de um motivo egoísta, o qual, na medida em que conLribuísse
Livo que poclctia conferir a uma açio o carãt r d vlrtud · quan- para qualquer ação, demonstraria a fraqueza da benevoJ 11 ia
A

to maior n b nevolênda id n ·'ada p r q ual !LI r ação, tam pura e desinteressada, a única capaz de inculcar na conduta do
maior o lou vor qu 1 veria U1e perL n · r. homem o caráter de virtude. Nos juízos comuns dos homens
As a ões qu isa ·s m à f · U ida le Li ' uma gra nel comu- p 1:é~ essa atenção para com a aprovação de nosso espírit~
nidade, na med ida e m qu e d · mo n u·a tiam uma h n volênda esta ta longe de ser considerada como o que pode, em qual-
mais ampla do que a. a · e q 1 vlsass m apenas à fe licicla l ~ quer aspecto, diminuir a virtude de alguma ação, que a vemos
de um sJstermt men r, seriam propor ·i nalmente as mais vi r- antes como o único motivo que merece o nome de virtuoso.
tuosas. O mais virtuoso ele todos os afetos, por conseguinte, Tal é a descrição que esse amável sistema oferece sobre
a natureza da virtude, sistema cuja tendência peculiar é a de
s ria que a bar as. omo seus >bjet s ' l ~ ·licicladc de t d
s :;>t-es inteligemes. onu'{uio, o ntenos virtuoso elo afeto ·
al!mentar e amparar no coração humano o mais nobre e agra-
' l qu , p deria •m qu. !quer :IS J. ecto penence r o carát r de vir-
davel de todos os afetos, não apenas por equilibrar a injustiça
tudes ria o que vls ss a penas ã felicidade de um indivídu , do amor de si, mas em alguma medida por desencorajar intei-
ramen~e esse J?rincípio, representando-o como algo que jamais
1 tal como a de um filho, irmão, amigo.
Em orientar todas as nossas ações para promover o maior podena refletlr honra sobre quem influenciasse.
bem possíve l ·m subrn •ter todos os afetos JnJ\ riores a d se- Se ~!?uns dos outros sistemas que já descrevi não expli-
jo da felicidade geral. ela humanidade, em c ns iderar-. a pe- cam sufiCientemente de onde surge a peculiar excelência da
nas como um denu·e .muitos, uj. 1 rosperidad não se de e- suprema virtude da beneficência, este parece ter o defeito con-
ria buscar além do que fosse consistente com a felicidade do trário, a saber, o de não explicar suficientemente ele onde surge
n.oss~ aprovação das virtudes inferiores da prudência, vigilân-
todo ou além do que conduzisse a esta, constituiria a perfeição
c~a, c1rcunspecção, temperança, constância, firmeza . O desíg-
da virtude.
O amor de si seria um princípio que jamais poderia ser vir- mo e a meta de nossos afetos, os efeitos beneficentes ou da-
tuoso em nenhum grau ou sentido. Seria vicioso sempre que nosos que tendem a produzir, são as únicas qualidades para
obstruísse o bem geral. Quando não tivesse outro efeito, senão que se atenta nesse sistema. Sua conveniência e inconveniên-
fazer o indivíduo cuidar de sua própria felicidade, seria apenas cia, sua adequação e inadequação à causa que os suscita são
inteiramente descuidadas.
inocente \ •mb ra ru m r cesse elogio algum, tampouco in-
correria em alguma ·ensura. As ações benevolentes que fos- Também a consideração de nossa felicidade e interesse
sem realizadas, malgrado algum motivo de int r sse próprio, privados apresenta-se, em muitas ocasiões, como um princí-
seriam, por essa razão, as mais virtuosas. Demon u-ariam a for- pio de ação bastante louvável. Supõe-se que os hábitos de eco-
ça e vigor do princípio benevolente. nomia, diligência, discernimento, atenção e aplicação de pen-
O Dr. Hutcheson 20 estava tão longe de admitir o amor de samento, sejam geralmente cultivados por motivos de interesse
si como motivo em qualquer caso de uma ação virtuosa, que próprio ao mesmo tempo em que se julgam qualidades mui-
até uma consideração elo prazer da auto-aprovação, do confor- to louváveis, dignas da estima e aprovação de todos. A mes-
tável aplauso de nossas próprias con. cF ncias, diminuiria, se- cla de um motivo egoísta, é verdade, com freqüência parece
gundo ele, o mérito de uma ação l n 'Valente. Julgava tratar-se embotar a beleza das ações que deveriam se originar de um
afeto benevolente. A causa disso, entretanto, não se deve a que
o amor de si jamais possa constituir o motivo de uma ação vir-
20. Inquiry Concerning Virtue (Investigação sobre a virtude), seção ii, tuosa, mas a que nesse caso particular o princípio benevolente
artigo 4; confira-se ainda Jllustrations on the Moral Sense (Ilustrações sobre
aparenta carecer de seu grau devido de força, e ser em tudo
o senso moral), seção v, último parágrafo.
378 TEORIA DOS SEN77MENTOS MORAIS SÊT!MA PARTE
379
inadequado a seu objeto. Por isso, o caráter parece claramen- n s. a onduta, jamais pud ssem mosn·ar-s virruo o ou lig-
te imperfeito, e em geral merece antes censura do que louvor. no da e 'Lima ~ re ·omenda àu de algu ém.
A mescla de um motivo benevolente numa ação a que apenas Esses trê s ist mas, o qu faz a viJtude r idl r na c nve-
0 amor de si deveria bastar para incitar não é tão apta, com niên ia, o que a faz resid ir na prudência, t: o q ue a faz ç n ' is-
efeito, a diminuir nosso senso de sua conveniência ou da vir- rir na b n o!An fa, são a. pri.n ipais descri .ões que s fere-
' tude de quem a pratica. Não estamos dispostos a suspeitar que ceram da naru rez::1 da virtud . Todas a. outras des Ti . s da
a alguém falte egoísmo. Esse não é, de maneira alguma, o la- irrude p r mais diB r nt s Jll possam apare ntar, são fac:il-
do fraco da natureza humana, nem aquele cuja falta nos deve mcme redutíveis a um u o ulro d ies.
parecer suspeita. Mas se realmente existisse um homem que, O sistema q u faz a virtude r s.i d ir na o b diên ia à n-
não fosse por consideração com sua família e amigos, não cui- tacle da Di indad p I .'ier in ·h.Jídc e nu·e <> • q u a fazem con-
daria adequadamente de sua saúde, sua vida ou sua fortuna, si úr mt prudência, Oll e nu·-· o qu a t~, z~ m consistir na conv -
a que apenas a autoconservação bastaria para o incitar, tal ho- n.iên b. Quando s p rgunra por que lev liarnos bedccer a
. mem seria, sem dúvida, fraco, embora de uma fraqueza amá- vontade da Oivi.ndad , essa qu est, o, qu seria ímpia e ahsur-
vel, a qual torna a pessoa antes objeto de piedade do que de d·t ao extr mo, se ensejada por s' duvidar d que Jhe devamos
. desprezo ou ódio. Ainda assim, porém, essa fraqueza diminui- obecli -ncia, pode adm ilir apenas luas r spostas clive r a .. . É
. ria em certa medida a dignidade e respeitabilidade de seu ca- pr so afirmar que d vemos bede e r à vontad · da Div.i n-
ráter. Desaprova-se universalmente a despreocupação ou fal- dad, pois El é um . e r de infinir po J r, q u · nos recomp n-
. ta de economia, todavia não porque procederia de falta de be- sará Lernam me s o fize rmos o u d · c< nu<1rio n s punirií erer-
nevolência, mas de falta da atenção apropriada aos objetos de oamem ; ou d ve- afirmar que, indep nd ~ nt m m ele r da
interesse próprio. ·on idemção com m ssa própria felicidade Oll com re · mpen-
Embora o critério pelo qual os casuístas freqüentemente sa · ou ::tstig de qualquer •spécie, h;í wna <hgn.1ên ia ade-
determinam o que é certo e errado na conduta humana seja a qua ão na o i ·diên i't da crimura ao seu criador, na submis ·ã
tendência para o bem-estar ou desordem da sociedade, disso de um ser limita I e imp rfeito ~~ outm de infini t:1 e incom -
não se segue que o respeito ao bem-estar da sociedade seja o pr e nsíve l p ' rf< i '1. • AI m cl ssas duas, é impossível ·on e -
único motivo virtuoso de ação. Segue-se apenas que, como em ber ourra rcsposra a ess::~ quc1-;tào. S · a primeira resposta fc r
qualquer competição, devia garantir o equilíbrio contra a pre- a a propri a cl ~1 , a virtud · msisti.r:i 11 ~1 pru Lêncía, n.n busca ad t'-
valência de qualquer outro motivo. quada de n sso pr6pri interesse felicidad ~ fitlétis, razão pela
Talvez a benevolência seja o único princípio de ação da qual somos obrigados a b ' de e r à vontade da Divindade. Se
a resposta apropriada for a segunda, a virtude deverá consistir
Divindade, e há vários argumentos bastante plausíveis que ten-
na conveniência, pois o motivo d • nosstr obrigação d bede-
dem a nos persuadir disso. Não é fácil conceber por que outro
r · a ad •quação ou ngru - n ia d >s sen.lim nt . de humil-
motivo um Ser independente e inteiramente perfeito, que nada
d ·Ld submissão ã u p ri ridacle do obj l · qu os s u ~ ita.
precisa de externo, e cuja felicidade é completa em si mes-
sist m a que faz a virtud residir na utilida J.• lncid ~
ma, poderia agir. Mas, seja qual for o caráter da Divindade, uma
por su<t vez, · mo que a faz consistir na conv ni~n ·ia. De a ·or-
criatura de tal modo imperfeita como o homem, cuja conser-
ei ·o m e se isrem:.t todas as qua.lidad selo espírito agradáve is
vação da existência exige tantas coisas exteriores, não raro de-
u va ntajosas eja para a próprlli pessoa, s ja JXLr'fr ulr~t s, são
ve agir por muitos outros motivos. A condição da natureza hu- apr \:'adas mo virtuosas e <Ls conlrárbs, de aprovadas co-
mana seria patticularmente dura se os afetos, os quais, pela pró- mo vi í sas. Mas o "trál r agradável o u úLil de qua lquer afe-
pria natureza de nosso ser, deviam seguidamente influenciar to depenei d •rau em qu lh é permirido su bsistir. Todo
378 TEORIA DOS SEN77MENTOS MORAIS SÊT!MA PARTE
379
inadequado a seu objeto. Por isso, o caráter parece claramen- n s. a onduta, jamais pud ssem mosn·ar-s virruo o ou lig-
te imperfeito, e em geral merece antes censura do que louvor. no da e 'Lima ~ re ·omenda àu de algu ém.
A mescla de um motivo benevolente numa ação a que apenas Esses trê s ist mas, o qu faz a viJtude r idl r na c nve-
0 amor de si deveria bastar para incitar não é tão apta, com niên ia, o que a faz resid ir na prudência, t: o q ue a faz ç n ' is-
efeito, a diminuir nosso senso de sua conveniência ou da vir- rir na b n o!An fa, são a. pri.n ipais descri .ões que s fere-
' tude de quem a pratica. Não estamos dispostos a suspeitar que ceram da naru rez::1 da virtud . Todas a. outras des Ti . s da
a alguém falte egoísmo. Esse não é, de maneira alguma, o la- irrude p r mais diB r nt s Jll possam apare ntar, são fac:il-
do fraco da natureza humana, nem aquele cuja falta nos deve mcme redutíveis a um u o ulro d ies.
parecer suspeita. Mas se realmente existisse um homem que, O sistema q u faz a virtude r s.i d ir na o b diên ia à n-
não fosse por consideração com sua família e amigos, não cui- tacle da Di indad p I .'ier in ·h.Jídc e nu·e <> • q u a fazem con-
daria adequadamente de sua saúde, sua vida ou sua fortuna, si úr mt prudência, Oll e nu·-· o qu a t~, z~ m consistir na conv -
a que apenas a autoconservação bastaria para o incitar, tal ho- n.iên b. Quando s p rgunra por que lev liarnos bedccer a
. mem seria, sem dúvida, fraco, embora de uma fraqueza amá- vontade da Oivi.ndad , essa qu est, o, qu seria ímpia e ahsur-
vel, a qual torna a pessoa antes objeto de piedade do que de d·t ao extr mo, se ensejada por s' duvidar d que Jhe devamos
. desprezo ou ódio. Ainda assim, porém, essa fraqueza diminui- obecli -ncia, pode adm ilir apenas luas r spostas clive r a .. . É
. ria em certa medida a dignidade e respeitabilidade de seu ca- pr so afirmar que d vemos bede e r à vontad · da Div.i n-
ráter. Desaprova-se universalmente a despreocupação ou fal- dad, pois El é um . e r de infinir po J r, q u · nos recomp n-
. ta de economia, todavia não porque procederia de falta de be- sará Lernam me s o fize rmos o u d · c< nu<1rio n s punirií erer-
nevolência, mas de falta da atenção apropriada aos objetos de oamem ; ou d ve- afirmar que, indep nd ~ nt m m ele r da
interesse próprio. ·on idemção com m ssa própria felicidade Oll com re · mpen-
Embora o critério pelo qual os casuístas freqüentemente sa · ou ::tstig de qualquer •spécie, h;í wna <hgn.1ên ia ade-
determinam o que é certo e errado na conduta humana seja a qua ão na o i ·diên i't da crimura ao seu criador, na submis ·ã
tendência para o bem-estar ou desordem da sociedade, disso de um ser limita I e imp rfeito ~~ outm de infini t:1 e incom -
não se segue que o respeito ao bem-estar da sociedade seja o pr e nsíve l p ' rf< i '1. • AI m cl ssas duas, é impossível ·on e -
único motivo virtuoso de ação. Segue-se apenas que, como em ber ourra rcsposra a ess::~ quc1-;tào. S · a primeira resposta fc r
qualquer competição, devia garantir o equilíbrio contra a pre- a a propri a cl ~1 , a virtud · msisti.r:i 11 ~1 pru Lêncía, n.n busca ad t'-
valência de qualquer outro motivo. quada de n sso pr6pri interesse felicidad ~ fitlétis, razão pela
Talvez a benevolência seja o único princípio de ação da qual somos obrigados a b ' de e r à vontade da Divindade. Se
a resposta apropriada for a segunda, a virtude deverá consistir
Divindade, e há vários argumentos bastante plausíveis que ten-
na conveniência, pois o motivo d • nosstr obrigação d bede-
dem a nos persuadir disso. Não é fácil conceber por que outro
r · a ad •quação ou ngru - n ia d >s sen.lim nt . de humil-
motivo um Ser independente e inteiramente perfeito, que nada
d ·Ld submissão ã u p ri ridacle do obj l · qu os s u ~ ita.
precisa de externo, e cuja felicidade é completa em si mes-
sist m a que faz a virtud residir na utilida J.• lncid ~
ma, poderia agir. Mas, seja qual for o caráter da Divindade, uma
por su<t vez, · mo que a faz consistir na conv ni~n ·ia. De a ·or-
criatura de tal modo imperfeita como o homem, cuja conser-
ei ·o m e se isrem:.t todas as qua.lidad selo espírito agradáve is
vação da existência exige tantas coisas exteriores, não raro de-
u va ntajosas eja para a próprlli pessoa, s ja JXLr'fr ulr~t s, são
ve agir por muitos outros motivos. A condição da natureza hu- apr \:'adas mo virtuosas e <Ls conlrárbs, de aprovadas co-
mana seria patticularmente dura se os afetos, os quais, pela pró- mo vi í sas. Mas o "trál r agradável o u úLil de qua lquer afe-
pria natureza de nosso ser, deviam seguidamente influenciar to depenei d •rau em qu lh é permirido su bsistir. Todo
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 381
380
a~ t é (J[il qua n lo se
nfina a certO gra u de mode ra o; e das, parece negligenciar inteiramente qualidades do espírito
L do afeto • eles anlajo o 1uando xcede seus limites a pro- mais legítimas e respeitáveis. Nega-lhes até mesmo o nome de
priad s. P tta nt , d" a c rdo om esse sistema, a virtud · o- virtudes. Chama-as habilidades morais, e as trata como quali-
sist nã m qualquer a~ t , mas no grau apropriado de l dos dades que não merecem a mesma espécie de estima e apro-
afetos. A únl , l.iferen a cntr este e o que venh pro unto- vação devida ao que se denomina propriamente de virtude .
do e ·tah ~1 'Ce r fazer da utilidade, e não da simpatia ou af to Trata todos esses princípios de ação, os quais visam apenas
· correspondente do espectador, a medida natural e original des- ao nosso próprio interesse, de maneira ainda pior, se isso é pos-
1 se grau apropriado. sível. Esse sistema pretende que, em vez de terem mérito pró-
prio, tais princípios diminuem o mérito da benevolência, quan-
do cooperam com esta; e assevera que jamais se poderá se-
CAPÍTULO IV quer supor que a prudência, quando empregada apenas para
Dos sistemas licenciosos promover o interesse privado, seja virtude.
O sistema, por sua vez, que faz a virtude consistir apenas
Todos os sistemas qu até aqui des r v i su p - m a exis- na prudência, a despeito de encorajar fortemente os hábitos
tência de uma clislin 7o 1 al essen ·ial entre ví io e vireucl de cautela, vigilância, sobriedade e moderação judiciosa, pa-
não impo rtando m qu ·on. istarn tais qualidad s. Há uma di- rece degradar igualmente tanto as virtudes amáveis, como as
ferença r al ss n ia! mre a nVi ni ên ia e inconv niên- respeitáveis, despindo as primeiras de toda a sua beleza, e as
da de qual.qu r ali to, nrre 1 n v lênda qualqu r outr prin- últimas de toda a sua grandeza.
cípio c.l a à , e ntre prudência r al e insen. atez ga ou t n;e- Porém, não obstante essas imperfeições, a tendência ge-
ridade precipitada. De m o g ralL d s: es l temas tan'lbem ral de cada um desses três sistemas é encorajar os melhores e
contribuem para "11 orajar a dispo ·i ào louvável, e desenco- mais louváveis hábitos do espírito humano, de modo que se-
ra j·lr a · nsu rá vel. ria bom para a sociedade se os homens em geral, ou mesmo
Talvez seja verdade qu , algun - ddes tendam em c rtà os poucos que pretendem viver segundo qualquer regra filo-
med i la a ro mp equilíbrio d afetos, c dar ao ·spíriro um sófica, regulassem sua conduta pelos preceitos de qualquer um
p -•ndor parti u.lar por al.gun princípios de ação além d· pro- deles. Em cada um podemos aprender algo a um tempo valio-
porçã qli · lhes devida. s s istemas antigos, qu faz .m ' t so e peculiar. Se fosse possível inspirar, por preceito e exor-
virtlld resid ir na conveni ~ n ·ia, par e m recom nclar pnn I- tação , firmeza e magnanimidade ao espírito, os antigos siste-
paim nrc a. virtu les eminentes, temíveis r ·speitfiVeis, as vir- mas de conveniência pareceriam suficientes para fazê-lo. Ou
tud s cL governo domínio d~ si· firmeza magna nünidade, se fosse possível, pelos mesmos meios, reduzi-las a humani-
inclependên ·a quanto à fort1.ma, desprezo p >r ro9os s a ·d n- dade e despertar os afetos de bondade e amor geral para com
tes xterio res, por dor, pobreza x:llio motte. E n ·se gran- os que conosco convivem, alguns dos quadros que o sistema
des ·sfor:o que a mais n br conveniên ia ela · nduta s r - benevolente nos apresenta poderiam parecer capazes de pro-
vela. Pouco nfatizam, em omp nsa :ão, as virtud s brandas, duzir esse efeito. Podemos aprender com o sistema de Epicuro,
amáveis c gl"ntis, t da as vi.ttud · da humanidade indulgcnt ; embora certamente o mais imperfeito dos três, o quanto a prá-
ao contrário m fr qü -·nda as v m, nOLaclam nt os Est · i- tica, seja das virtudes amáveis, seja das respeitáveis, é favorável
cos, com m ra fraquezas, a qu is ab ria . um h mem sá- ao nosso próprio interesse, nosso próprio bem-estar, seguran-
bio não refugiar em seu peito. ça e sossego, até mesmo nesta vida. Uma vez que Epicuro fez
Por outro lado, o sistema benevolente, a despeito de ado- a felicidade residir na obtenção de bem-estar e segurança, em-
tar e encorajar em grande medida todas as virtudes mais bran- penhou-se de modo particular em mostrar que a virtude não
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nfina a certO gra u de mode ra o; e das, parece negligenciar inteiramente qualidades do espírito
L do afeto • eles anlajo o 1uando xcede seus limites a pro- mais legítimas e respeitáveis. Nega-lhes até mesmo o nome de
priad s. P tta nt , d" a c rdo om esse sistema, a virtud · o- virtudes. Chama-as habilidades morais, e as trata como quali-
sist nã m qualquer a~ t , mas no grau apropriado de l dos dades que não merecem a mesma espécie de estima e apro-
afetos. A únl , l.iferen a cntr este e o que venh pro unto- vação devida ao que se denomina propriamente de virtude .
do e ·tah ~1 'Ce r fazer da utilidade, e não da simpatia ou af to Trata todos esses princípios de ação, os quais visam apenas
· correspondente do espectador, a medida natural e original des- ao nosso próprio interesse, de maneira ainda pior, se isso é pos-
1 se grau apropriado. sível. Esse sistema pretende que, em vez de terem mérito pró-
prio, tais princípios diminuem o mérito da benevolência, quan-
do cooperam com esta; e assevera que jamais se poderá se-
CAPÍTULO IV quer supor que a prudência, quando empregada apenas para
Dos sistemas licenciosos promover o interesse privado, seja virtude.
O sistema, por sua vez, que faz a virtude consistir apenas
Todos os sistemas qu até aqui des r v i su p - m a exis- na prudência, a despeito de encorajar fortemente os hábitos
tência de uma clislin 7o 1 al essen ·ial entre ví io e vireucl de cautela, vigilância, sobriedade e moderação judiciosa, pa-
não impo rtando m qu ·on. istarn tais qualidad s. Há uma di- rece degradar igualmente tanto as virtudes amáveis, como as
ferença r al ss n ia! mre a nVi ni ên ia e inconv niên- respeitáveis, despindo as primeiras de toda a sua beleza, e as
da de qual.qu r ali to, nrre 1 n v lênda qualqu r outr prin- últimas de toda a sua grandeza.
cípio c.l a à , e ntre prudência r al e insen. atez ga ou t n;e- Porém, não obstante essas imperfeições, a tendência ge-
ridade precipitada. De m o g ralL d s: es l temas tan'lbem ral de cada um desses três sistemas é encorajar os melhores e
contribuem para "11 orajar a dispo ·i ào louvável, e desenco- mais louváveis hábitos do espírito humano, de modo que se-
ra j·lr a · nsu rá vel. ria bom para a sociedade se os homens em geral, ou mesmo
Talvez seja verdade qu , algun - ddes tendam em c rtà os poucos que pretendem viver segundo qualquer regra filo-
med i la a ro mp equilíbrio d afetos, c dar ao ·spíriro um sófica, regulassem sua conduta pelos preceitos de qualquer um
p -•ndor parti u.lar por al.gun princípios de ação além d· pro- deles. Em cada um podemos aprender algo a um tempo valio-
porçã qli · lhes devida. s s istemas antigos, qu faz .m ' t so e peculiar. Se fosse possível inspirar, por preceito e exor-
virtlld resid ir na conveni ~ n ·ia, par e m recom nclar pnn I- tação , firmeza e magnanimidade ao espírito, os antigos siste-
paim nrc a. virtu les eminentes, temíveis r ·speitfiVeis, as vir- mas de conveniência pareceriam suficientes para fazê-lo. Ou
tud s cL governo domínio d~ si· firmeza magna nünidade, se fosse possível, pelos mesmos meios, reduzi-las a humani-
inclependên ·a quanto à fort1.ma, desprezo p >r ro9os s a ·d n- dade e despertar os afetos de bondade e amor geral para com
tes xterio res, por dor, pobreza x:llio motte. E n ·se gran- os que conosco convivem, alguns dos quadros que o sistema
des ·sfor:o que a mais n br conveniên ia ela · nduta s r - benevolente nos apresenta poderiam parecer capazes de pro-
vela. Pouco nfatizam, em omp nsa :ão, as virtud s brandas, duzir esse efeito. Podemos aprender com o sistema de Epicuro,
amáveis c gl"ntis, t da as vi.ttud · da humanidade indulgcnt ; embora certamente o mais imperfeito dos três, o quanto a prá-
ao contrário m fr qü -·nda as v m, nOLaclam nt os Est · i- tica, seja das virtudes amáveis, seja das respeitáveis, é favorável
cos, com m ra fraquezas, a qu is ab ria . um h mem sá- ao nosso próprio interesse, nosso próprio bem-estar, seguran-
bio não refugiar em seu peito. ça e sossego, até mesmo nesta vida. Uma vez que Epicuro fez
Por outro lado, o sistema benevolente, a despeito de ado- a felicidade residir na obtenção de bem-estar e segurança, em-
tar e encorajar em grande medida todas as virtudes mais bran- penhou-se de modo particular em mostrar que a virtude não
382 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 383

era meramente o melhor meio e o mais certo, mas o único tes elogios. Em sua opinião, o prazer que espera disso supe-
possível para se adquirirem esses bens inestimáv is. Os bons ra o interesse que, a fim de obtê-lo, abandona. Nesse caso, por
efeitos da virtude sobre nossa tranqüilidade in r rior e paz de co~seguinte, sua conduta é na realidade tão egoísta, e se de-
espírito são o q ue outr s fll sofos prind 1 almente ·elebraram. ve a uma razão tão mesquinha qllimto LUa lqu r ou t.r::t . Sente-
Epicuro, s ··m neglig ncia r e se tópj o, enf tizou sobretud o a se lisonjeado, ntr •tanto e lisonj ia-se ·om a cr n ·a de que
influ an ia I s -~~ qua lidade amá v I br nossa prospe ridade isso é inteiram nte desinteressado, pois, se nJo acreditasse nis-
externa e segurança. Por essa razão seus escritos foram tão es- so, nã par ria merecer nenhuma apro aç:ão, nem a ~eus pró-
tudados no mundo antigo por homens ele todas as correntes prios lhos, nem aos lho de outros. Portanto, todo o espíli to
filosóficas. É dele que 1 era o grande inimi o do sistema epi- pú blico [ da ~~ preferên ·a p r Jnteress ~ público so bre priva-
::urisLa, empresta suas pr vas mais agmdávcis a s·tber, de que do, é , segundo ele, mero logro e impostura sobre a humani-
• mente a virtude ba ' La para asscgur:Jr a fdi ida le. Sêneca, dade; e a virtude humana, de que tanto se vangloria, e tanta
embora um estóico, a seita que mais se opôs ã de Epicuro, cita emulação ocasiona entre os homens, é mero fruto da lisonja
mais vezes este filósofo do que outro qualquer. causada pelo orgulho.
Há, contudo, um outro sistema que parece remover toda Não examinarei por ora se as ações mais generosas e de I
a distinção entre vício e virtude, e cuja tendência é, por isso, maior espírito público não podem, em certo sentido, ser con-
totalmente perniciosa. Falo no sistema do Dr. Mandeville. Em- sideradas como algo que proe):ede do amor de si. A determina-
bora as noções desse autor sejam errôneas em quase todos ção dessa questão não possui, segundo penso, importância al-
os aspectos há na nalureza human·1, toda ia, algu ma · mani- guma para estabelecer a realidade da virtude, pois o amor de
festações que, quancl vi tas de rta man ira, 1 are m • pri- si pode ser o mais das vezes um motivo virtuoso de ação. Es-
meim vista favorec -las. Esta: d s ritas • exageradas pela elo- forçar-me-ei apenas para mostrar que o desejo de fazer o que
qüência viva e bem-humorada, posto que vulgar e rústica do é honroso e nobre, de nos convertermos em objetos apropria-
Dr. Mancleville, lançaram sobre suas doutrinas um ar de ver- dos de estima e aprovação, não pode, com propriedade, ser
dade e proba! ilidade muit apaz d lograr os pouco versados. chamado de vaidade. Até mesmo o amor por fama e reputa-
O Dr. Manclevill n i I ra que tud o que se faz por sen- ção bem fundamentadas, o desejo de obter estima por inter-
so de conveniência, por respeito ao que é recomendável e médio do que é realmente estimável, não merece esse nome.
louvável, se faz por amor ao louvor e à aprovação, ou, como O primeiro é o amor à virtude, mais nobre e melhor paixão da
ele diz, por vaidade. Observa que o homem naturalmente está natureza humana. O segundo é o amor ã verdadeira glória, cer-
muito mais interessado em sua própria felicidade do que na tamente paixão inferior à primeira, mas que parece vir ime-
de outros, e que é impossível, em seu foro íntimo, preferir real- diatamente depois dela em dignidade. É culpado de vaidade
mente a pn sp rid'tde d ·tcs à sua própria. Qua ndo aparenta quem deseja louvor por qualidades que não são louváveis em
preferir a c! ouLr s podemos estar certos de que nos ludibria, nenhum grau, ou não o são no grau em que se espera ser lou-
e de que e r.rl agind pe los mesmos motivos g í. La de to- vado por elas, quem determina seu caráter por ornamentos frí-
das as outras vezes. Dentre todas as suas outras paixões egoís- volos de vestimenta e equipagem, ou pelas igualmente frívolas
tas, a vaidade é uma das mais fortes, e sempre fica facilmente aptidões do comportamento ordinário. É culpado de vaidade
lisonjeado e intensamente deliciado com os aplausos dos que quem deseja louvor por algo que com efeito o merece, algo,
o rodeiam. Quando aparenta sacrificar seu próprio interesse entretanto, que ele sabe perfeitamente não lhe pertencer. O ja-
pelo de seus companheiros, sabe que essa conduta será imen- nota fútil, dando-se ares de importância a que não tem direi-
samente agradável ao amor-próprio destes, e que não deixarão to; o tolo mentiroso ostentando o mérito de aventuras que ja-
de expressar sua satisfação, dedicando-lhe os mais extravagan- mais aconteceram; o bobo plagiador fazendo-se passar por
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era meramente o melhor meio e o mais certo, mas o único tes elogios. Em sua opinião, o prazer que espera disso supe-
possível para se adquirirem esses bens inestimáv is. Os bons ra o interesse que, a fim de obtê-lo, abandona. Nesse caso, por
efeitos da virtude sobre nossa tranqüilidade in r rior e paz de co~seguinte, sua conduta é na realidade tão egoísta, e se de-
espírito são o q ue outr s fll sofos prind 1 almente ·elebraram. ve a uma razão tão mesquinha qllimto LUa lqu r ou t.r::t . Sente-
Epicuro, s ··m neglig ncia r e se tópj o, enf tizou sobretud o a se lisonjeado, ntr •tanto e lisonj ia-se ·om a cr n ·a de que
influ an ia I s -~~ qua lidade amá v I br nossa prospe ridade isso é inteiram nte desinteressado, pois, se nJo acreditasse nis-
externa e segurança. Por essa razão seus escritos foram tão es- so, nã par ria merecer nenhuma apro aç:ão, nem a ~eus pró-
tudados no mundo antigo por homens ele todas as correntes prios lhos, nem aos lho de outros. Portanto, todo o espíli to
filosóficas. É dele que 1 era o grande inimi o do sistema epi- pú blico [ da ~~ preferên ·a p r Jnteress ~ público so bre priva-
::urisLa, empresta suas pr vas mais agmdávcis a s·tber, de que do, é , segundo ele, mero logro e impostura sobre a humani-
• mente a virtude ba ' La para asscgur:Jr a fdi ida le. Sêneca, dade; e a virtude humana, de que tanto se vangloria, e tanta
embora um estóico, a seita que mais se opôs ã de Epicuro, cita emulação ocasiona entre os homens, é mero fruto da lisonja
mais vezes este filósofo do que outro qualquer. causada pelo orgulho.
Há, contudo, um outro sistema que parece remover toda Não examinarei por ora se as ações mais generosas e de I
a distinção entre vício e virtude, e cuja tendência é, por isso, maior espírito público não podem, em certo sentido, ser con-
totalmente perniciosa. Falo no sistema do Dr. Mandeville. Em- sideradas como algo que proe):ede do amor de si. A determina-
bora as noções desse autor sejam errôneas em quase todos ção dessa questão não possui, segundo penso, importância al-
os aspectos há na nalureza human·1, toda ia, algu ma · mani- guma para estabelecer a realidade da virtude, pois o amor de
festações que, quancl vi tas de rta man ira, 1 are m • pri- si pode ser o mais das vezes um motivo virtuoso de ação. Es-
meim vista favorec -las. Esta: d s ritas • exageradas pela elo- forçar-me-ei apenas para mostrar que o desejo de fazer o que
qüência viva e bem-humorada, posto que vulgar e rústica do é honroso e nobre, de nos convertermos em objetos apropria-
Dr. Mancleville, lançaram sobre suas doutrinas um ar de ver- dos de estima e aprovação, não pode, com propriedade, ser
dade e proba! ilidade muit apaz d lograr os pouco versados. chamado de vaidade. Até mesmo o amor por fama e reputa-
O Dr. Manclevill n i I ra que tud o que se faz por sen- ção bem fundamentadas, o desejo de obter estima por inter-
so de conveniência, por respeito ao que é recomendável e médio do que é realmente estimável, não merece esse nome.
louvável, se faz por amor ao louvor e à aprovação, ou, como O primeiro é o amor à virtude, mais nobre e melhor paixão da
ele diz, por vaidade. Observa que o homem naturalmente está natureza humana. O segundo é o amor ã verdadeira glória, cer-
muito mais interessado em sua própria felicidade do que na tamente paixão inferior à primeira, mas que parece vir ime-
de outros, e que é impossível, em seu foro íntimo, preferir real- diatamente depois dela em dignidade. É culpado de vaidade
mente a pn sp rid'tde d ·tcs à sua própria. Qua ndo aparenta quem deseja louvor por qualidades que não são louváveis em
preferir a c! ouLr s podemos estar certos de que nos ludibria, nenhum grau, ou não o são no grau em que se espera ser lou-
e de que e r.rl agind pe los mesmos motivos g í. La de to- vado por elas, quem determina seu caráter por ornamentos frí-
das as outras vezes. Dentre todas as suas outras paixões egoís- volos de vestimenta e equipagem, ou pelas igualmente frívolas
tas, a vaidade é uma das mais fortes, e sempre fica facilmente aptidões do comportamento ordinário. É culpado de vaidade
lisonjeado e intensamente deliciado com os aplausos dos que quem deseja louvor por algo que com efeito o merece, algo,
o rodeiam. Quando aparenta sacrificar seu próprio interesse entretanto, que ele sabe perfeitamente não lhe pertencer. O ja-
pelo de seus companheiros, sabe que essa conduta será imen- nota fútil, dando-se ares de importância a que não tem direi-
samente agradável ao amor-próprio destes, e que não deixarão to; o tolo mentiroso ostentando o mérito de aventuras que ja-
de expressar sua satisfação, dedicando-lhe os mais extravagan- mais aconteceram; o bobo plagiador fazendo-se passar por
384 TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS SÉ71MA PARTE
385
autor de algo a que não pode ter pretensões, são apropriada- ce. Considera a menor negligência na cerimônia uma afronta
i mente acusados dessa paixão. Também se diz que é culpado m~)Ital, ~ma expressão do mais acabad c1 ~ prt!z . É inquieto
de vaidade quem não se contenta com os sentimentos silen- tmpaCiente, perpetuamente teme que.: t nhamo. p rdid to-
ciosos de estima e aprovação, quem parece gostar mais de suas o o r spc ito por ele, razão pela qual esrá sempre apr l!nsiv
• expressões e aclamações ruidosas do que dos sentimentos em 1 or bter novas expressões de e.5tima, e não p c! s<:r acalma-
si, quem nunca está satisfeito senão quando seus próprios !ou- do senâ por m io de atenção e adu la :ào ·onLínuas.
, vares ressoam a seus ouvidos, e quem com a mais ansiosa im- Há ainda uma afinidade entre o desejo de adequar-se a
: portunidade solicita todas as marcas exteriores de respeito; algo honroso e estimável e o desejo de honra e cslima, entre
quem gosta de títulos, elogios, de ser visirado, de ser atendido, o amor à virtude e o amor à verdadeira glória. Parecem-se um
de ser nolado e m lugares pú licos com deferência e atenção. ao outro não apenas porque ambos visam realmente a tornar-
Essa paixão frívo la é inteiramente distinta de qualquer uma das se algo honroso e nobre, mas porque tanto o amor à verda-
duas anteriores, e é a paixão dos mais baixos e insignificantes deira glória como o que se chama propriamente de vaidade
seres humanos, assim como as outras duas são as paixões dos mantêm alguma referê nch com os sentimentos alheios. Assim,
mais nobres e eminentes. não obstante desejar a vi.ttl.tde por si mesma e ser em tudo in-
Ainda que essas três paixões, o desejo de nos converter- di~ r nt ~t o qu sejam d fato a piniões ~dh ias a seu respei-
mos em objetos apropriados de honra e estima, ou de nos ade- to hc ml!m d 1 vacla magnanimidade deJJ ia-s ~ ao pensar no
quarmos ao que é honroso e estimável; o desejo de alcançar que seriam tais opiniões, com a consciência de que, embora não
honra e estima por realmente merecermos esses sentimentos; o hont m nem o aplaudam, é ainda assim objeto apropriado de
e o frívolo desejo de louvor a qualquer preço, sejam muito di- aplauso honra; e de que os homens não se furtariam a hon-
ferentes ; ainda que as duas primeiras sejam sempre aprovadas, rá-lo e aplaudi-lo, se fossem lúcidos, francos, coerentes, e ade-
enquanto a última nunca deixe de ser desprezada, há certa re- quadamente informados sobre os motivos e circunstâncias de
mota afinidade entre elas, afinidade esta que, exagerada pela sua conduta. Posto que despreze as opiniões que de fato nutrem
bem-humorada e divertida eloqüência de seu vivaz autor, ca- a seu respeito, tem em alta conta as que deviam nutrir. O gran-
pacitou-o a ludibriar seus leitores. Há uma afinidade entre vai- de e sublime motivo de sua conduta se deve a julgar-se digno
dade e o amor à verdadeira glória, pois ambas as paixões visam desses sentimentos honrosos, e, ademais, seja qual for a idéia
alcançar estima e aprovação. Mas são diferentes na medida em que outros pudessem conceber de seu caráter, a sempre ter, ao
que uma é uma paixão justa, razoável e eqüitativa, enquanto colocar-se na situação desses outros e considerar não quais
a outra é injusta, absurda e ridícula. O homem que deseja esti- eram, mas quais deveriam ser as opiniões destes, uma idéia
ma por algo realmente estimável nada mais deseja senão aqui- bastante favorável de si mesmo. Portanto, assim como no amor
lo a que com justiça tem direito, e aquilo que não lhe pode ser à virtude subsiste ainda alguma referência, não ao que é, mas
recusado sem que se cometa alguma espécie de ofensa. Ao con- ao que com razão e conveniência deveria ser a opinião alheia,
trário, quem a deseja em quaisquer outros termos reclama algo também nesse caso subsiste alguma afinidade entre essa opi-
que com justiça não pode reivindicar. O primeiro é facilmen- nião e o amor à verdadeira glória. Ao mesmo tempo, porém,
te satisfeito, não tende a ter ciúmes ou suspeita de que não o há uma grande diferença entre essas paixões. O homem que
estimemos o bastante, e raramente fica apreensivo por rece- age unicamente por consideração ao que é correto e adequa-
ber muitos sinais exteriores de nossa consideração. O outro, do fazer-se, por consideração ao que é objeto apropriado de
ao contrário, nunca se satisfaz, está cheio de ciúmes e suspei- estima e aprovação, ainda que jamais lhe concedessem tais sen-
ta de que não o estimamos tanto quanto deseja, porque tem timentos, age pelo motivo mais sublime e divino que a natu-
alguma secreta consciência de que deseja mais do que mere- reza humana pode conceber. Por outro lado, embora haja muito
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autor de algo a que não pode ter pretensões, são apropriada- ce. Considera a menor negligência na cerimônia uma afronta
i mente acusados dessa paixão. Também se diz que é culpado m~)Ital, ~ma expressão do mais acabad c1 ~ prt!z . É inquieto
de vaidade quem não se contenta com os sentimentos silen- tmpaCiente, perpetuamente teme que.: t nhamo. p rdid to-
ciosos de estima e aprovação, quem parece gostar mais de suas o o r spc ito por ele, razão pela qual esrá sempre apr l!nsiv
• expressões e aclamações ruidosas do que dos sentimentos em 1 or bter novas expressões de e.5tima, e não p c! s<:r acalma-
si, quem nunca está satisfeito senão quando seus próprios !ou- do senâ por m io de atenção e adu la :ào ·onLínuas.
, vares ressoam a seus ouvidos, e quem com a mais ansiosa im- Há ainda uma afinidade entre o desejo de adequar-se a
: portunidade solicita todas as marcas exteriores de respeito; algo honroso e estimável e o desejo de honra e cslima, entre
quem gosta de títulos, elogios, de ser visirado, de ser atendido, o amor à virtude e o amor à verdadeira glória. Parecem-se um
de ser nolado e m lugares pú licos com deferência e atenção. ao outro não apenas porque ambos visam realmente a tornar-
Essa paixão frívo la é inteiramente distinta de qualquer uma das se algo honroso e nobre, mas porque tanto o amor à verda-
duas anteriores, e é a paixão dos mais baixos e insignificantes deira glória como o que se chama propriamente de vaidade
seres humanos, assim como as outras duas são as paixões dos mantêm alguma referê nch com os sentimentos alheios. Assim,
mais nobres e eminentes. não obstante desejar a vi.ttl.tde por si mesma e ser em tudo in-
Ainda que essas três paixões, o desejo de nos converter- di~ r nt ~t o qu sejam d fato a piniões ~dh ias a seu respei-
mos em objetos apropriados de honra e estima, ou de nos ade- to hc ml!m d 1 vacla magnanimidade deJJ ia-s ~ ao pensar no
quarmos ao que é honroso e estimável; o desejo de alcançar que seriam tais opiniões, com a consciência de que, embora não
honra e estima por realmente merecermos esses sentimentos; o hont m nem o aplaudam, é ainda assim objeto apropriado de
e o frívolo desejo de louvor a qualquer preço, sejam muito di- aplauso honra; e de que os homens não se furtariam a hon-
ferentes ; ainda que as duas primeiras sejam sempre aprovadas, rá-lo e aplaudi-lo, se fossem lúcidos, francos, coerentes, e ade-
enquanto a última nunca deixe de ser desprezada, há certa re- quadamente informados sobre os motivos e circunstâncias de
mota afinidade entre elas, afinidade esta que, exagerada pela sua conduta. Posto que despreze as opiniões que de fato nutrem
bem-humorada e divertida eloqüência de seu vivaz autor, ca- a seu respeito, tem em alta conta as que deviam nutrir. O gran-
pacitou-o a ludibriar seus leitores. Há uma afinidade entre vai- de e sublime motivo de sua conduta se deve a julgar-se digno
dade e o amor à verdadeira glória, pois ambas as paixões visam desses sentimentos honrosos, e, ademais, seja qual for a idéia
alcançar estima e aprovação. Mas são diferentes na medida em que outros pudessem conceber de seu caráter, a sempre ter, ao
que uma é uma paixão justa, razoável e eqüitativa, enquanto colocar-se na situação desses outros e considerar não quais
a outra é injusta, absurda e ridícula. O homem que deseja esti- eram, mas quais deveriam ser as opiniões destes, uma idéia
ma por algo realmente estimável nada mais deseja senão aqui- bastante favorável de si mesmo. Portanto, assim como no amor
lo a que com justiça tem direito, e aquilo que não lhe pode ser à virtude subsiste ainda alguma referência, não ao que é, mas
recusado sem que se cometa alguma espécie de ofensa. Ao con- ao que com razão e conveniência deveria ser a opinião alheia,
trário, quem a deseja em quaisquer outros termos reclama algo também nesse caso subsiste alguma afinidade entre essa opi-
que com justiça não pode reivindicar. O primeiro é facilmen- nião e o amor à verdadeira glória. Ao mesmo tempo, porém,
te satisfeito, não tende a ter ciúmes ou suspeita de que não o há uma grande diferença entre essas paixões. O homem que
estimemos o bastante, e raramente fica apreensivo por rece- age unicamente por consideração ao que é correto e adequa-
ber muitos sinais exteriores de nossa consideração. O outro, do fazer-se, por consideração ao que é objeto apropriado de
ao contrário, nunca se satisfaz, está cheio de ciúmes e suspei- estima e aprovação, ainda que jamais lhe concedessem tais sen-
ta de que não o estimamos tanto quanto deseja, porque tem timentos, age pelo motivo mais sublime e divino que a natu-
alguma secreta consciência de que deseja mais do que mere- reza humana pode conceber. Por outro lado, embora haja muito
. 8ú TE RiA DOS SEN!TMJiNT MORAl SÉT7MA PARTE
387

0 qu e l ouv<~r n s mo tivos de quem malgrad des je pro~a­ dade dessa paixão, e ridiculariza a temperança e a castidade que
·ão, anseia p r o brA-la, tais motivos traz m uma m ela ma; o r podem ser praticadas a um custo tão baixo. Aqui, como em 1
k: fragilidade humana. Arrisca-s a mo 1~fJ · r-s p __la igno ra n-
ia e ínj 1sli ·a da huma nidade, p is ua fdi ·idad ft · xp ~ta
à in v ja d , - us ri ais e à in:; os a L~:G lo pl! bli · . A . Ontrá n o ,
muitas outras ocasiões, o engenhoso sofisma de seu raciocí- /
nio é encoberto pela ambigüidade da linguagem. Há algumas
de nossas paixões que não possuem outros nomes, senão os
l
a fe.liddad do outro está inteiram me ~ · gLH"'dcla md pende que designam o seu grau desagradável e ofensivo. O especta-
(!-i forruna e do capricho do que om · le c>nv iv m.l)or não dor é mais capaz de notá-las nesse grau do que em outro qual-
n.<;idera r que lhe p te.n am de 'J)I' zoe o ódio que a igno- quer. Quando escandalizam seus próprios sentimentos; quando
rância dos h m n é capaz de lan :ar sobre si, de modo algum lhe causam alguma espécie de antipatia e desconforto, neces-
s ~ mortifi a p r iss . Os h m os o desprezam e ~dda m 1 or sariamente é obrigado a prestar-lhes atenção, e assim natural-
causa de uma falsa noç.'à d seu aráter e onduta .. e o · nbe- mente levado a dar-lhes um nome. Quando coincidem com o
cessem melb r, haveriam de estimar e amá-lo. Para falar ·om estado natural de seu espírito, muito possivelmente as ignora
propriedade, nào é a e le que deiam e desprezam, ma a ou- de todo e, ou não lhe dá nome algum ou, se o faz, é um no-
tra p~oa, m quem o nfund m. m ami? , a q uem 3~1 . ~­ me que designa antes a sujeição e restrição da paixão, do que
u<'í.s ·e mos num I ·t ile d másca1:as om os LraJeS d ' n,os. o 11111111- o grau em que ainda se permite a subsistência de tal paixão,
g , acha ria mais graça que razão para mortificar-secas , con-
após tal sujeição e restrição. Daí por que os nomes comuns 2 '
li.mdltlos p lo lisfarce, externâssemo no · " I indigna ·ão contra do amor ao prazer e o amor ao sexo denotam um grau vicioso
le. Tais sã , sentimentos d um h )f11em d rea l magna.ni-
e ofensivo dessas paixões. As palavras temperança e castidade,
midad , quando exposto à e.n. ura injusta. Rarameme su · de
por sua vez, parecem designar antes a restrição e sujeição sob
à natureza humana, por ' m, ·LI ::ançar esse grau de nrm Z:l. Em-
as quais são mantidas, do que o grau em que ainda se permite
bora ninguém, sa lv o ma is frac ~ in lign< ser hum~tno de-
sua subsistência. Portanto, quando o Dr. Mandeville consegue
licie-s · em demash.1 om a falsa glória, por uma estranha in oe-
rê ncia a fals·t ignomínia com f'reqüên ·ia cons ~gu e mortificar mostrar que ainda subsistem em certo grau, imagina ter demo-
os que s rn SLIC\l'l1 ma is r ·o lut . e determinados. lido inteiramente a realidade das virtudes da temperança e cas-
Dr. Mand ille nã , ont mn em representar . mo- tidade, apresentando-as como meras imposturas que se vale-
tivos frívol. s da '-'"aidacle mo a fome d todas as a ões c ram da desatenção e ingenuidade dos homens. Tais virtudes,
mum nt t!Slima a viJtu sa . Pro ura assinalar a impe.rfei o no entanto, não exigem urna insensibilidade completa aos obje-
da virtude hL1mana ~ m muitos o utr s aspectos. J\.ss 'v ra que tos das paixões que desejam governar. Visam apenas a restrin-
fa lta em ada as , a mpl ~w ai n 'gaç~i o a que asplra roda gir a violência dessas paixões, de modo a não ferir o indivíduo,
virtud •, ao inv's d · oquista mumcnre nada mais há se- nem perturbar ou ofender a sociedade.
não i.ndu l ê n ia lissimulada d n ssas paixões. 'Ioda vez qu É a grande falácia do livro do Dr. Mandeville 22 represen-
nossa Jt!S 1 a re lativa ao praz r car e da mais as · rica ab - tar cada paixão como inteiramente viciosa, em qualquer grau
rmencia , Dr. Ma nd vili a rrat.'l ·o mo luxúria e s n. ua lidad e sentido. É assim que trata como vaidade tudo o que guarde
grossd t~ s. D a ortlo om le, é JuJá1ria tudo o qu ede o alguma referência com o que são OLI d v ~riam ser os sentimen-
ah ol utam,e nt nec ssá rio para conservar a natu.reZ'l humana, tos alheios; e é por meio desse sofl-:;ma lll estabelece sua con-
lc modo qu há ví ·i at ' me m no uso d uma amisa lim- clusão favorita, de que vícios privados são benefícios públicos.
1 a OLI de uma m rac:l.ht o nfo rci cl. onsidera qu a indulgên-
·ia para <.: 111 in ·lin:t ão ao exo, mcsn1o na mais lt:gít.üna 21. Luxúria e lascívia.
união, possLJa sen. ua lidad icl ntica da mais da.nosa ·a l - 22. A fábula das abelhas.
. 8ú TE RiA DOS SEN!TMJiNT MORAl SÉT7MA PARTE
387

0 qu e l ouv<~r n s mo tivos de quem malgrad des je pro~a­ dade dessa paixão, e ridiculariza a temperança e a castidade que
·ão, anseia p r o brA-la, tais motivos traz m uma m ela ma; o r podem ser praticadas a um custo tão baixo. Aqui, como em 1
k: fragilidade humana. Arrisca-s a mo 1~fJ · r-s p __la igno ra n-
ia e ínj 1sli ·a da huma nidade, p is ua fdi ·idad ft · xp ~ta
à in v ja d , - us ri ais e à in:; os a L~:G lo pl! bli · . A . Ontrá n o ,
muitas outras ocasiões, o engenhoso sofisma de seu raciocí- /
nio é encoberto pela ambigüidade da linguagem. Há algumas
de nossas paixões que não possuem outros nomes, senão os
l
a fe.liddad do outro está inteiram me ~ · gLH"'dcla md pende que designam o seu grau desagradável e ofensivo. O especta-
(!-i forruna e do capricho do que om · le c>nv iv m.l)or não dor é mais capaz de notá-las nesse grau do que em outro qual-
n.<;idera r que lhe p te.n am de 'J)I' zoe o ódio que a igno- quer. Quando escandalizam seus próprios sentimentos; quando
rância dos h m n é capaz de lan :ar sobre si, de modo algum lhe causam alguma espécie de antipatia e desconforto, neces-
s ~ mortifi a p r iss . Os h m os o desprezam e ~dda m 1 or sariamente é obrigado a prestar-lhes atenção, e assim natural-
causa de uma falsa noç.'à d seu aráter e onduta .. e o · nbe- mente levado a dar-lhes um nome. Quando coincidem com o
cessem melb r, haveriam de estimar e amá-lo. Para falar ·om estado natural de seu espírito, muito possivelmente as ignora
propriedade, nào é a e le que deiam e desprezam, ma a ou- de todo e, ou não lhe dá nome algum ou, se o faz, é um no-
tra p~oa, m quem o nfund m. m ami? , a q uem 3~1 . ~­ me que designa antes a sujeição e restrição da paixão, do que
u<'í.s ·e mos num I ·t ile d másca1:as om os LraJeS d ' n,os. o 11111111- o grau em que ainda se permite a subsistência de tal paixão,
g , acha ria mais graça que razão para mortificar-secas , con-
após tal sujeição e restrição. Daí por que os nomes comuns 2 '
li.mdltlos p lo lisfarce, externâssemo no · " I indigna ·ão contra do amor ao prazer e o amor ao sexo denotam um grau vicioso
le. Tais sã , sentimentos d um h )f11em d rea l magna.ni-
e ofensivo dessas paixões. As palavras temperança e castidade,
midad , quando exposto à e.n. ura injusta. Rarameme su · de
por sua vez, parecem designar antes a restrição e sujeição sob
à natureza humana, por ' m, ·LI ::ançar esse grau de nrm Z:l. Em-
as quais são mantidas, do que o grau em que ainda se permite
bora ninguém, sa lv o ma is frac ~ in lign< ser hum~tno de-
sua subsistência. Portanto, quando o Dr. Mandeville consegue
licie-s · em demash.1 om a falsa glória, por uma estranha in oe-
rê ncia a fals·t ignomínia com f'reqüên ·ia cons ~gu e mortificar mostrar que ainda subsistem em certo grau, imagina ter demo-
os que s rn SLIC\l'l1 ma is r ·o lut . e determinados. lido inteiramente a realidade das virtudes da temperança e cas-
Dr. Mand ille nã , ont mn em representar . mo- tidade, apresentando-as como meras imposturas que se vale-
tivos frívol. s da '-'"aidacle mo a fome d todas as a ões c ram da desatenção e ingenuidade dos homens. Tais virtudes,
mum nt t!Slima a viJtu sa . Pro ura assinalar a impe.rfei o no entanto, não exigem urna insensibilidade completa aos obje-
da virtude hL1mana ~ m muitos o utr s aspectos. J\.ss 'v ra que tos das paixões que desejam governar. Visam apenas a restrin-
fa lta em ada as , a mpl ~w ai n 'gaç~i o a que asplra roda gir a violência dessas paixões, de modo a não ferir o indivíduo,
virtud •, ao inv's d · oquista mumcnre nada mais há se- nem perturbar ou ofender a sociedade.
não i.ndu l ê n ia lissimulada d n ssas paixões. 'Ioda vez qu É a grande falácia do livro do Dr. Mandeville 22 represen-
nossa Jt!S 1 a re lativa ao praz r car e da mais as · rica ab - tar cada paixão como inteiramente viciosa, em qualquer grau
rmencia , Dr. Ma nd vili a rrat.'l ·o mo luxúria e s n. ua lidad e sentido. É assim que trata como vaidade tudo o que guarde
grossd t~ s. D a ortlo om le, é JuJá1ria tudo o qu ede o alguma referência com o que são OLI d v ~riam ser os sentimen-
ah ol utam,e nt nec ssá rio para conservar a natu.reZ'l humana, tos alheios; e é por meio desse sofl-:;ma lll estabelece sua con-
lc modo qu há ví ·i at ' me m no uso d uma amisa lim- clusão favorita, de que vícios privados são benefícios públicos.
1 a OLI de uma m rac:l.ht o nfo rci cl. onsidera qu a indulgên-
·ia para <.: 111 in ·lin:t ão ao exo, mcsn1o na mais lt:gít.üna 21. Luxúria e lascívia.
união, possLJa sen. ua lidad icl ntica da mais da.nosa ·a l - 22. A fábula das abelhas.
388 TEORIA DOS SEN11MENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 389

e o amor, m nificên ·ia- um g sto p la arte leg<U1tes, os vértices de Descartes uma explicação bastante satisfatória
pel<ts m ~ thorias na vi la h uman a, r or tudo que sej't agradá- para as revoluções dos corpos celestes. Entretanto, a huma-
vel m roupas, móveis ou cquipag m p r arqu it ura, es ultu- nidade se convenceu com a demonstração de que as supos-
ra, pintura música - for consi I ·ad l uxúria, sensuaüdatle e tas causas desses efeitos maravilhosos não apenas não existiam
stt:nlaçào, m ··sm n . hom ns cuja situa -o permita, sem in- de fato, como eram absolutamente impossíveis, e, caso realmen-
co.nveniên ia,~~ indulgAnci, para c rn ssas r aixões, ceitament te existissem, não poderiam produzir os efeitos que lhes eram
a luxúria, s n uali la te e o remaçà serão benefi ios públi s. atribuídos. O mesmo não se dá, porém, com os sistemas de fi- I
No entanto, . rn as qua lidades às quais julga apropriad atri- losofia moral, pois um autor que pretenda explicar a origem de r
b 1ir nom ~s tão infamantes, a.' rre refinadas ja mais p riam nossos sentimentos morais não pode nos enganar de modo
enc ntrar estím ulo, • t riam d languc cer por falta d u o. Al- tão grosseiro, nem afastar-se tanto de toda a semelhança com
gumas doulrina pulares scétl " tS, que foram corr nt ant a verdade. Quando um viajante descreve um país distante,
d • sua •roca e a qua i faziam a virtude residir na t t.al e.xt:ir- pode fazer nossa credulidade aceitar a ficção mais infundada
pa ·ã. ~ aniquila ·à d nossas paixões, constituíram v ·da- e absurda como se fosse o mais certo arrazoado. Mas, ainda
del.ro fun damento d ss sistema üccnci so. Poi fá il pa ra o que uma pessoa, ao pretender informar-nos do que se passa
Dr. Mandeville provar, primeiro, que essa conquista completa em nossa vizinhança e dos assuntos da paróquia em que vi-
nunca existiu realmente entre os homens; s gtmd , que se exis- vemos, também aqui possa nos enganar em muitos aspectos,
tisse universalmente, seria perniciosa para a sociedade, pois po- caso sejamos tão descuidados que não examinemos as coisas
ria termo a toda a indústria e comércio e , de algum modo, a com nossos próprios olhos, as maiores falsidades que nos faz
todas as atividades da vida humana. Pela primeira dessas pro- aceitar devem, todavia, guardar alguma semelhança com a ver-
posta pare eu p rovar que não I averi ~1 v rda I ira vlrtud ',e
dade, e até mesmo trazer em seu bojo uma considerável dose
que pretendia passar-s por virtude nacla ma· · era s nã I -
de verdade. Um autor que trate da filosofia natural , que pre-
gro impostma; pe la se unda, qLie vícios privado: · ri<lm b -
tenda determinar as causas dos grandes fenômenos do univer-
nefícios pú bli os, p i s me! s n nbuma so 'edad jJ leria
so, ou explicar os assuntos de um país muito distante, acerca
prosperar ou florescer. dos quais pode nos contar o que quiser, na medida em que
Tal é o sistema do Dr. Mandeville, que de uma feita cau-
sou tanto alarido no mundo, e que, embora talvez nunca crias- sua narrativa permanecer dentro dos limites da aparente pos-
se mais vícios além dos que existiriam sem ele, no mínimo en- sibilidade, não precisa desesperar de conquistar nossa crença.
sinou esse vício oriundo de outras causas a mostrar-se com Mas quando se propõe a justificar a origem de nossos dese-
mais insolência, e a manifestar a corrupção de seus motivos jos e afetos, de nossos sentimentos de aprovação e desapro-
com uma audácia libertina de que jamais teve notícia antes. vação, pretende explicar não apenas os assuntos da paróquia
Porém, por mais dcsnutivo que es. e sist ma possa par - em que vivemos, como ainda nossos próprios interesses do-
cer, jamais poderia Lt:r lucübriado tão grande núm ro de p ·- mésticos. Embora também aqui, a exemplo de senhores indo-
. oa , nem pmvo<.:ado um al~tmla r.:.1 gener.Liizado e nlr o anú- lentes que depositam confiança num administrador que os en-
g s dos melhores princípios, não tivesse em alguns a p ·tos gana, seja bem possível que nos ludibriem, somos incapazes,
bord ~jado a verd•Kie . Um si. tema c.l ftlos fia ru1LurHI pod ·· pare- contudo, de dar crédito a qualquer explicação que não conser-
c r muito plausível, en nu·ar re ep :lo g -·net lizada no mun- ve um mínimo de verdade. Ao menos alguns dos artigos pre-
do e mesmo assim não ter fundamento sobre a natureza, nem cisariam ser justos; mesmo os mais exagerados precisariam ter
guardar nenhuma espécie de semelhança com a verdade. Por algum fundamento, do contrário até a inspeção descuidada que
quase todo um século, uma nação muito engenhosa considerou nos dispomos a fazer descobriria a fraude .
388 TEORIA DOS SEN11MENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 389

e o amor, m nificên ·ia- um g sto p la arte leg<U1tes, os vértices de Descartes uma explicação bastante satisfatória
pel<ts m ~ thorias na vi la h uman a, r or tudo que sej't agradá- para as revoluções dos corpos celestes. Entretanto, a huma-
vel m roupas, móveis ou cquipag m p r arqu it ura, es ultu- nidade se convenceu com a demonstração de que as supos-
ra, pintura música - for consi I ·ad l uxúria, sensuaüdatle e tas causas desses efeitos maravilhosos não apenas não existiam
stt:nlaçào, m ··sm n . hom ns cuja situa -o permita, sem in- de fato, como eram absolutamente impossíveis, e, caso realmen-
co.nveniên ia,~~ indulgAnci, para c rn ssas r aixões, ceitament te existissem, não poderiam produzir os efeitos que lhes eram
a luxúria, s n uali la te e o remaçà serão benefi ios públi s. atribuídos. O mesmo não se dá, porém, com os sistemas de fi- I
No entanto, . rn as qua lidades às quais julga apropriad atri- losofia moral, pois um autor que pretenda explicar a origem de r
b 1ir nom ~s tão infamantes, a.' rre refinadas ja mais p riam nossos sentimentos morais não pode nos enganar de modo
enc ntrar estím ulo, • t riam d languc cer por falta d u o. Al- tão grosseiro, nem afastar-se tanto de toda a semelhança com
gumas doulrina pulares scétl " tS, que foram corr nt ant a verdade. Quando um viajante descreve um país distante,
d • sua •roca e a qua i faziam a virtude residir na t t.al e.xt:ir- pode fazer nossa credulidade aceitar a ficção mais infundada
pa ·ã. ~ aniquila ·à d nossas paixões, constituíram v ·da- e absurda como se fosse o mais certo arrazoado. Mas, ainda
del.ro fun damento d ss sistema üccnci so. Poi fá il pa ra o que uma pessoa, ao pretender informar-nos do que se passa
Dr. Mandeville provar, primeiro, que essa conquista completa em nossa vizinhança e dos assuntos da paróquia em que vi-
nunca existiu realmente entre os homens; s gtmd , que se exis- vemos, também aqui possa nos enganar em muitos aspectos,
tisse universalmente, seria perniciosa para a sociedade, pois po- caso sejamos tão descuidados que não examinemos as coisas
ria termo a toda a indústria e comércio e , de algum modo, a com nossos próprios olhos, as maiores falsidades que nos faz
todas as atividades da vida humana. Pela primeira dessas pro- aceitar devem, todavia, guardar alguma semelhança com a ver-
posta pare eu p rovar que não I averi ~1 v rda I ira vlrtud ',e
dade, e até mesmo trazer em seu bojo uma considerável dose
que pretendia passar-s por virtude nacla ma· · era s nã I -
de verdade. Um autor que trate da filosofia natural , que pre-
gro impostma; pe la se unda, qLie vícios privado: · ri<lm b -
tenda determinar as causas dos grandes fenômenos do univer-
nefícios pú bli os, p i s me! s n nbuma so 'edad jJ leria
so, ou explicar os assuntos de um país muito distante, acerca
prosperar ou florescer. dos quais pode nos contar o que quiser, na medida em que
Tal é o sistema do Dr. Mandeville, que de uma feita cau-
sou tanto alarido no mundo, e que, embora talvez nunca crias- sua narrativa permanecer dentro dos limites da aparente pos-
se mais vícios além dos que existiriam sem ele, no mínimo en- sibilidade, não precisa desesperar de conquistar nossa crença.
sinou esse vício oriundo de outras causas a mostrar-se com Mas quando se propõe a justificar a origem de nossos dese-
mais insolência, e a manifestar a corrupção de seus motivos jos e afetos, de nossos sentimentos de aprovação e desapro-
com uma audácia libertina de que jamais teve notícia antes. vação, pretende explicar não apenas os assuntos da paróquia
Porém, por mais dcsnutivo que es. e sist ma possa par - em que vivemos, como ainda nossos próprios interesses do-
cer, jamais poderia Lt:r lucübriado tão grande núm ro de p ·- mésticos. Embora também aqui, a exemplo de senhores indo-
. oa , nem pmvo<.:ado um al~tmla r.:.1 gener.Liizado e nlr o anú- lentes que depositam confiança num administrador que os en-
g s dos melhores princípios, não tivesse em alguns a p ·tos gana, seja bem possível que nos ludibriem, somos incapazes,
bord ~jado a verd•Kie . Um si. tema c.l ftlos fia ru1LurHI pod ·· pare- contudo, de dar crédito a qualquer explicação que não conser-
c r muito plausível, en nu·ar re ep :lo g -·net lizada no mun- ve um mínimo de verdade. Ao menos alguns dos artigos pre-
do e mesmo assim não ter fundamento sobre a natureza, nem cisariam ser justos; mesmo os mais exagerados precisariam ter
guardar nenhuma espécie de semelhança com a verdade. Por algum fundamento, do contrário até a inspeção descuidada que
quase todo um século, uma nação muito engenhosa considerou nos dispomos a fazer descobriria a fraude .
390 TEORIA DOS SEN17MENTOS MORAIS

auror que detenninass como ·ausa I algum s ntlm o-


LO natural um princípio qu o u não m::uHlve ·s rei ·ã algu-
ma com ele ou sequ r SI;! as. m ' lh:;t a um o utro princípio
I
qu e mais tivesse tal r>la ü , .s arh a bsu~cl o • riJículo mesmo
SEÇÃO III
Ho mais insensar -• in :\1) ·n ~ nt dos I 1to res.

Dos diferentes sistemas que se formaram


quanto ao princípio da aprovação

INTRODUÇÃO

A questão mais importante em Filosofia Moral, depois da


investigação sobre a natureza da virtude, diz respeito ao prin-
cípio da aprovação, ao poder ou faculdade do espírito que faz
certos caracteres nos serem agradáveis ou desagradáveis, obri-
ga-nos a preferir uma linha de conduta a outra; leva-nos a de-
nominar uma de correta e a outra de errada e a considerar a
primeira como objeto de aprovação, honra e recompensa, a ou-
tra, de vergonha, censura e castigo.
Há três diferentes explicações acerca desse princípio da
aprovação. Segundo alguns, aprovam-se e desaprovam-se as
próprias ações, bem como as de outros, apenas por amor a si
mesmo ou por alguma opinião sobre sua tendência a fazer-nos
felizes ou miseráveis; segundo outros, a razão, a mesma facul-
dade que nos permite distinguir o verdadeiro do falso, capaci-
ta-nos a distinguir o adequado do inadequado, seja em ações,
seja em afetos; ainda segundo outros, essa distinção é em tudo
o efeito de sentimento e emoção imediatos, e se origina da sa-
tisfação ou aversão que a visão de certas ações ou afetos nos
inspira. O amor de si, a razão e o sentimento são, pois, as três
diferentes fontes atribuídas ao princípio da aprovação.
Antes de proceder ao exame desses diferentes sistemas,
devo advertir qu~ o escl~re~imento dessa segu~da 9~estão, em- 1

bora de grande 1mportanc1a para a especulaçao, e melevante 1

para a prática. A questão relativa à natureza da virtude neces-


390 TEORIA DOS SEN17MENTOS MORAIS

auror que detenninass como ·ausa I algum s ntlm o-


LO natural um princípio qu o u não m::uHlve ·s rei ·ã algu-
ma com ele ou sequ r SI;! as. m ' lh:;t a um o utro princípio
I
qu e mais tivesse tal r>la ü , .s arh a bsu~cl o • riJículo mesmo
SEÇÃO III
Ho mais insensar -• in :\1) ·n ~ nt dos I 1to res.

Dos diferentes sistemas que se formaram


quanto ao princípio da aprovação

INTRODUÇÃO

A questão mais importante em Filosofia Moral, depois da


investigação sobre a natureza da virtude, diz respeito ao prin-
cípio da aprovação, ao poder ou faculdade do espírito que faz
certos caracteres nos serem agradáveis ou desagradáveis, obri-
ga-nos a preferir uma linha de conduta a outra; leva-nos a de-
nominar uma de correta e a outra de errada e a considerar a
primeira como objeto de aprovação, honra e recompensa, a ou-
tra, de vergonha, censura e castigo.
Há três diferentes explicações acerca desse princípio da
aprovação. Segundo alguns, aprovam-se e desaprovam-se as
próprias ações, bem como as de outros, apenas por amor a si
mesmo ou por alguma opinião sobre sua tendência a fazer-nos
felizes ou miseráveis; segundo outros, a razão, a mesma facul-
dade que nos permite distinguir o verdadeiro do falso, capaci-
ta-nos a distinguir o adequado do inadequado, seja em ações,
seja em afetos; ainda segundo outros, essa distinção é em tudo
o efeito de sentimento e emoção imediatos, e se origina da sa-
tisfação ou aversão que a visão de certas ações ou afetos nos
inspira. O amor de si, a razão e o sentimento são, pois, as três
diferentes fontes atribuídas ao princípio da aprovação.
Antes de proceder ao exame desses diferentes sistemas,
devo advertir qu~ o escl~re~imento dessa segu~da 9~estão, em- 1

bora de grande 1mportanc1a para a especulaçao, e melevante 1

para a prática. A questão relativa à natureza da virtude neces-


'F'

392 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE


393
sariamente exerce alguma influência sobre nossas noções de
piamos de en ponro de vista absLrato e fllosófi ·o, mostra-s
certo e errado em muitos casos particulares. A que se refere ao um Jm n a máquinn, cujos movimentos regular s , hamlonio-
princípio da aprovação possivelmente não tem tal efeito. Exa- s . produz m lnúmer s feitos agradáveis . .E a , im ·on1. em
minar de que artifício ou mecanismo interior se originam essas qttalqu r outra máyuina b la e .n obre produzida p -lo artifício
diferentes noções ou sentimentos é assunto de mera curiosi- humano, tudo o que tt!ndes e tornar seus movimentos mais
dade filosófica. sua 'Se fá · is exlrajria beleza d SS"' efeito e, ao c nu·ário, tud >
o qu te ndess ·a obsu tí-.los s ria, p r • sa razão, cl ~ agra lá I;
raml ém a viltud ',c< mo o fino pol imemo das rodas da so ·ie-
CAPÍTULO I dade, ne essa riam nl agrada; enquant o vício, corn a fe r-
Dos sistemas que deduzem do amor rugem vil qu :.t. faz lr 'pidar ra nger uma sobre as oua-as n _
de si o princípio da aprovação cessarbmeme ofcnd . P01tanto, essa ex1 lica à acerca da ri-
gem da aprovaç:ào e desapro:va :ão, mt medida em que a deriva
Nem todos os autores que explicam o princípio da apro- de uma con ·idcra ~ d rdem so ·ia!, colid com princípio
vação à luz do amor de si explicam-no da mesma maneira, que confere beleza à Jtiliclade, jit examlr)atlo em oc iào an-
havendo bastante confusão e imprecisão em todos os seus di- terior; donde esse sistemEJ derivar toda <l aparl'l n ·ia d proba-
ferentes sistemas. De acordo com o Sr. Hobbes e muitos de seus bjli lade que possui. Quaod ess · autor s descr v m as inú-
seguidores 23, o homem é impelido a buscar refúgio na socie- meras vantagens que a vida cullivada e ~ ia! 1 va sabJ -· 'I vida
dade não por amor natural à sua própria espécie, mas porque, I agem ·olirária, quando discorrem sobr a n ssidad da
faltando-lhe ajuda de outros, é incapaz de subsistir com confor- viltude da b ::t ordem para a manu t ·n " o cl uma , I 1on ·-
to e segurança . Por essa razão, a sociedade se lhe torna neces- tram [U âO infalível, a prevalecer o vício a d . b cWncia à.
sária: considera que tudo o que tenda à conservação e bem- leis, é a vo lta da utra viela, o leitor se s nte fas ll1ado com
estar desta tenha uma remota tendência a promover os seus no idacl · e grandi sid l las visões qu s U1e d s ·ortirutm;
interesses privados e, inversamente, julga tudo o que possa per- ê ·larameme uma n >va bel za na virtllde e uma n va cl for-
turbá-la ou destruí-la em alguma medida danoso ou pernicio- mi lade ho ví io, • s quais nunca 'Ué então notara; e o mais dali
so para si mesmo. A virtude é o que mais conserva a socie- ez s a les h rw o d licia de talm do, que raro tem te mp
dade humana, e o vício, o que mais a perturba. A primeira, pois, de r n tlr que s a vi. â política, por Jamais ll'le ter ocorrido an-
é agradável e o segundo, ofensivo a todo homem, uma vez que tes em sua vida, possivelmente não é o fundamento da apro-
uma lhe permite prever prosperidade e o outro, a ruína e de- vação e desaprovação com que se habituou a considerar es-
sordem do que é tão necessário para o conforto e segurança sas diferentes qualidades.
de sua existência. Por outro lado, quando esses autores deduzem elo amor de
Que a tendência da vittude a promover, e do vício a per- si o nosso interesse pelo bem-estar da sociedade, e por can-
turbar a ordem da sociedade, quando a consideramos fria e filo- se uint.e a estima que dedicamos à virtude, não pretendem afir-
soficamente, reflete grande beleza sobre uma, e grande deformi- mar qu •, quando aplaudimos, em nossa "poca, a vitt td d a-
dade sobre outra, não pode, como já comentei anteriormente, tão e abom inamo. a in.fâi.tlia de Catilina, nossos senliJnenros
ser posta em dúvida•. A sociedade humana, quando a contem- ejam influenciados pela noçã de algum ben t'í io que r ~c -
em s le um u de algum prejuíz que sofremo.-; da part d ~
utro. â foi por pensarmos, conform qu r· m ssc, filó f s,
' TSM, Parte IV, Cap. 11, p. 229. (N. da R. T.) que a prosperidade ou subversão da sociedade nos séculos e
23. Puffendorf, Mandeville. nações remotos teria qualquer influência sobre nossa felicidade
'F'

392 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE


393
sariamente exerce alguma influência sobre nossas noções de
piamos de en ponro de vista absLrato e fllosófi ·o, mostra-s
certo e errado em muitos casos particulares. A que se refere ao um Jm n a máquinn, cujos movimentos regular s , hamlonio-
princípio da aprovação possivelmente não tem tal efeito. Exa- s . produz m lnúmer s feitos agradáveis . .E a , im ·on1. em
minar de que artifício ou mecanismo interior se originam essas qttalqu r outra máyuina b la e .n obre produzida p -lo artifício
diferentes noções ou sentimentos é assunto de mera curiosi- humano, tudo o que tt!ndes e tornar seus movimentos mais
dade filosófica. sua 'Se fá · is exlrajria beleza d SS"' efeito e, ao c nu·ário, tud >
o qu te ndess ·a obsu tí-.los s ria, p r • sa razão, cl ~ agra lá I;
raml ém a viltud ',c< mo o fino pol imemo das rodas da so ·ie-
CAPÍTULO I dade, ne essa riam nl agrada; enquant o vício, corn a fe r-
Dos sistemas que deduzem do amor rugem vil qu :.t. faz lr 'pidar ra nger uma sobre as oua-as n _
de si o princípio da aprovação cessarbmeme ofcnd . P01tanto, essa ex1 lica à acerca da ri-
gem da aprovaç:ào e desapro:va :ão, mt medida em que a deriva
Nem todos os autores que explicam o princípio da apro- de uma con ·idcra ~ d rdem so ·ia!, colid com princípio
vação à luz do amor de si explicam-no da mesma maneira, que confere beleza à Jtiliclade, jit examlr)atlo em oc iào an-
havendo bastante confusão e imprecisão em todos os seus di- terior; donde esse sistemEJ derivar toda <l aparl'l n ·ia d proba-
ferentes sistemas. De acordo com o Sr. Hobbes e muitos de seus bjli lade que possui. Quaod ess · autor s descr v m as inú-
seguidores 23, o homem é impelido a buscar refúgio na socie- meras vantagens que a vida cullivada e ~ ia! 1 va sabJ -· 'I vida
dade não por amor natural à sua própria espécie, mas porque, I agem ·olirária, quando discorrem sobr a n ssidad da
faltando-lhe ajuda de outros, é incapaz de subsistir com confor- viltude da b ::t ordem para a manu t ·n " o cl uma , I 1on ·-
to e segurança . Por essa razão, a sociedade se lhe torna neces- tram [U âO infalível, a prevalecer o vício a d . b cWncia à.
sária: considera que tudo o que tenda à conservação e bem- leis, é a vo lta da utra viela, o leitor se s nte fas ll1ado com
estar desta tenha uma remota tendência a promover os seus no idacl · e grandi sid l las visões qu s U1e d s ·ortirutm;
interesses privados e, inversamente, julga tudo o que possa per- ê ·larameme uma n >va bel za na virtllde e uma n va cl for-
turbá-la ou destruí-la em alguma medida danoso ou pernicio- mi lade ho ví io, • s quais nunca 'Ué então notara; e o mais dali
so para si mesmo. A virtude é o que mais conserva a socie- ez s a les h rw o d licia de talm do, que raro tem te mp
dade humana, e o vício, o que mais a perturba. A primeira, pois, de r n tlr que s a vi. â política, por Jamais ll'le ter ocorrido an-
é agradável e o segundo, ofensivo a todo homem, uma vez que tes em sua vida, possivelmente não é o fundamento da apro-
uma lhe permite prever prosperidade e o outro, a ruína e de- vação e desaprovação com que se habituou a considerar es-
sordem do que é tão necessário para o conforto e segurança sas diferentes qualidades.
de sua existência. Por outro lado, quando esses autores deduzem elo amor de
Que a tendência da vittude a promover, e do vício a per- si o nosso interesse pelo bem-estar da sociedade, e por can-
turbar a ordem da sociedade, quando a consideramos fria e filo- se uint.e a estima que dedicamos à virtude, não pretendem afir-
soficamente, reflete grande beleza sobre uma, e grande deformi- mar qu •, quando aplaudimos, em nossa "poca, a vitt td d a-
dade sobre outra, não pode, como já comentei anteriormente, tão e abom inamo. a in.fâi.tlia de Catilina, nossos senliJnenros
ser posta em dúvida•. A sociedade humana, quando a contem- ejam influenciados pela noçã de algum ben t'í io que r ~c -
em s le um u de algum prejuíz que sofremo.-; da part d ~
utro. â foi por pensarmos, conform qu r· m ssc, filó f s,
' TSM, Parte IV, Cap. 11, p. 229. (N. da R. T.) que a prosperidade ou subversão da sociedade nos séculos e
23. Puffendorf, Mandeville. nações remotos teria qualquer influência sobre nossa felicidade
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 395
394
ou desgraça nos tempos presentes, que estimamos o caráter vir- trário, uma paixão inteiramente ocupada com o que se relacio-
tuoso e censuramos o desordeiro. Jamais imaginaram que nos- na a ti? Um homem pode solidarizar-se com uma mulher que
sos sentimentos fossem influenciados por qualquer benefício está por dar à luz, embora seja impossível que se conceba so-
ou prejuízo que realmente supuséssemos redundar de um e frendo em sua pessoa as dores do parto. De todo o modo, essa
outro caráter, se houvéssemos vivido naqueles séculos e paí- descrição da natureza humana que deduz os sentimentos e afe-
ses distantes; ou ainda influenciados pelos que poderiam re- tos do amor de si -a qual, apesar do alarido causado no mun-
dundar a nós se, em nossos dias, encontrássemos caracteres do, até onde sei nunca recebeu explicação plena e distinta -
do mesmo tipo. Em suma, a idéia que tais autores tatearam, em- parece-me ter surgido de alguma interpretação falsa e confusa
bora jamais tenham podido apreendê-la de modo distinto, é do sistema de simpatia.
a da simpatia indireta que experimentamos pela gratidão ou
ressentimento dos que receberam benefícios ou sofreram prejuí-
CAPÍTULO I1
zos resultantes de caracteres tão opostos; e era isso que con-
Dos sistemas que jazem da razão
fusamente apontavam quando afirmaram que nosso aplauso
o princípio da aprovação
ou indignação não seriam motivados pelo pensamento de nos-
so proveito ou sofrimento, mas pela concepção ou imaginação
É bem sabido que o Sr. Hobbes defendeu a doutrina se-
do possível proveito ou sofrimento no caso de termos de atuar gundo a qual o estado da natureza é um estado de guerra, razão
numa sociedade com tais sócios. por que antes da instituição do governo civil não seria possível
A simpatia, no entanto, de maneira alguma pode ser con- a existência de uma sociedade segura ou pacífica entre os ho-
siderada um princípio egoísta. É possível alegar, com efeito, que mens. Portanto, conservar a sociedade equivaleria, de acordo
quando simpatizo com a tua dor ou a tua indignação minha com o Sr. Hobbes, a manter o governo civil e inversamente
emoção se funda sobre o amor de si, porque se origina de se destruir o governo civil equivaleria a pôr ter~o à sociedade: ·
aplicar o teu caso a mim mesmo, de me colocar na tua situação, Mas a existência do governo civil depende da obediência que
e assim conceber o que eu sentiria em circunstâncias pareci- se deve ao magistrado supremo. No momento em que este per-
das. No entanto, embora se diga muito apropriadamente que a de sua autoridade, todo o governo chega ao fim. Por isso, assim
simpatia surge de uma troca imaginária de situação com a pes- como a autoconservação ensina os homens a aplaudir tudo o
soa diretamente atingida, supõe-se que tal troca imaginária não que tenda a promover o bem-estar da sociedade e a censurar
suceda a mim, em minha própria pessoa e caráter, mas na pes- o que a pode prejudicar, esse mesmo princípio deveria ensi-
soa com quem simpatizo. Quando presto-te condolências pela ná-los, se fossem coerentes ao pensar e falar, a sempre aplau-
morte de teu único filho, não imagino, a fim de que possa par- dir a obediência ao magistrado civil, e a censurar toda a deso- •
tilhar de teu pesar, o que eu, pessoa determinada por tal cará- bediência e rebelião. As meras idé ias de louvável e censurá- I
ter e profissão, sofreria se tivesse um filho e se esse filho infe- vel deviam ser idênticas às de obediência e desobediência. As
lizmente morresse; considero o que eu sofreria se realmente leis do magistrado civil, por conseguinte, deviam ser conside-
fosse tu; e não apenas troco de situação contigo, troco de pes- radas os únicos critérios definitivos do justo e do injusto, do
soas e caracteres. Toda a minha aflição, portanto, é por tua cau- certo e do errado.
sa, não por minha. Por conseguinte, em nada é egoísta. Como Ao propagar essas idéias, a intenção confessa do Sr.
se pode considerar paixão egoísta a que sequer se origina da Hobbes era sujeitar a consciência dos homens imediatamen-
imaginação de algo que se abatesse sobre mim, nem se rela- te ao poder civil, não ao eclesiástico, em cuja turbulência e
cionasse comigo, em minha própria pessoa ou caráter, ao con- ambição aprendera a ver, pelo exemplo de seu próprio tem-
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 395
394
ou desgraça nos tempos presentes, que estimamos o caráter vir- trário, uma paixão inteiramente ocupada com o que se relacio-
tuoso e censuramos o desordeiro. Jamais imaginaram que nos- na a ti? Um homem pode solidarizar-se com uma mulher que
sos sentimentos fossem influenciados por qualquer benefício está por dar à luz, embora seja impossível que se conceba so-
ou prejuízo que realmente supuséssemos redundar de um e frendo em sua pessoa as dores do parto. De todo o modo, essa
outro caráter, se houvéssemos vivido naqueles séculos e paí- descrição da natureza humana que deduz os sentimentos e afe-
ses distantes; ou ainda influenciados pelos que poderiam re- tos do amor de si -a qual, apesar do alarido causado no mun-
dundar a nós se, em nossos dias, encontrássemos caracteres do, até onde sei nunca recebeu explicação plena e distinta -
do mesmo tipo. Em suma, a idéia que tais autores tatearam, em- parece-me ter surgido de alguma interpretação falsa e confusa
bora jamais tenham podido apreendê-la de modo distinto, é do sistema de simpatia.
a da simpatia indireta que experimentamos pela gratidão ou
ressentimento dos que receberam benefícios ou sofreram prejuí-
CAPÍTULO I1
zos resultantes de caracteres tão opostos; e era isso que con-
Dos sistemas que jazem da razão
fusamente apontavam quando afirmaram que nosso aplauso
o princípio da aprovação
ou indignação não seriam motivados pelo pensamento de nos-
so proveito ou sofrimento, mas pela concepção ou imaginação
É bem sabido que o Sr. Hobbes defendeu a doutrina se-
do possível proveito ou sofrimento no caso de termos de atuar gundo a qual o estado da natureza é um estado de guerra, razão
numa sociedade com tais sócios. por que antes da instituição do governo civil não seria possível
A simpatia, no entanto, de maneira alguma pode ser con- a existência de uma sociedade segura ou pacífica entre os ho-
siderada um princípio egoísta. É possível alegar, com efeito, que mens. Portanto, conservar a sociedade equivaleria, de acordo
quando simpatizo com a tua dor ou a tua indignação minha com o Sr. Hobbes, a manter o governo civil e inversamente
emoção se funda sobre o amor de si, porque se origina de se destruir o governo civil equivaleria a pôr ter~o à sociedade: ·
aplicar o teu caso a mim mesmo, de me colocar na tua situação, Mas a existência do governo civil depende da obediência que
e assim conceber o que eu sentiria em circunstâncias pareci- se deve ao magistrado supremo. No momento em que este per-
das. No entanto, embora se diga muito apropriadamente que a de sua autoridade, todo o governo chega ao fim. Por isso, assim
simpatia surge de uma troca imaginária de situação com a pes- como a autoconservação ensina os homens a aplaudir tudo o
soa diretamente atingida, supõe-se que tal troca imaginária não que tenda a promover o bem-estar da sociedade e a censurar
suceda a mim, em minha própria pessoa e caráter, mas na pes- o que a pode prejudicar, esse mesmo princípio deveria ensi-
soa com quem simpatizo. Quando presto-te condolências pela ná-los, se fossem coerentes ao pensar e falar, a sempre aplau-
morte de teu único filho, não imagino, a fim de que possa par- dir a obediência ao magistrado civil, e a censurar toda a deso- •
tilhar de teu pesar, o que eu, pessoa determinada por tal cará- bediência e rebelião. As meras idé ias de louvável e censurá- I
ter e profissão, sofreria se tivesse um filho e se esse filho infe- vel deviam ser idênticas às de obediência e desobediência. As
lizmente morresse; considero o que eu sofreria se realmente leis do magistrado civil, por conseguinte, deviam ser conside-
fosse tu; e não apenas troco de situação contigo, troco de pes- radas os únicos critérios definitivos do justo e do injusto, do
soas e caracteres. Toda a minha aflição, portanto, é por tua cau- certo e do errado.
sa, não por minha. Por conseguinte, em nada é egoísta. Como Ao propagar essas idéias, a intenção confessa do Sr.
se pode considerar paixão egoísta a que sequer se origina da Hobbes era sujeitar a consciência dos homens imediatamen-
imaginação de algo que se abatesse sobre mim, nem se rela- te ao poder civil, não ao eclesiástico, em cuja turbulência e
cionasse comigo, em minha própria pessoa ou caráter, ao con- ambição aprendera a ver, pelo exemplo de seu próprio tem-
396 TEORIA DOS SEN11MENTOS MORAIS SÉ7IMA PARTE
397
p , a principal causa das ordens da sociedade*. Por essa ra- te aceita na época em que a ciência abstrata da natureza hu-
zão sua doutrina e ra pec_'lllia rmente ofensiva aos teólogos, os mana estava apenas engatinhando, e antes que os ofícios e po-
quais, por sua v z, nà se furtaram a evidenciar com grande deres das distintas faculdades do espírito humano tivessem si-
aspe r za amargura a indigna âo que por ele sentiam. Tal dou- do cuidadosamente examinados e diferenciados uns dos outros.
trina su u igu ~ll.m nl of n iva a todos os moralistas judiciosos, Nos dias em que se engajava com grande calor e veemência
pois supunha que não haveria uma diferença de natureza en- nessa controvérsia com o Sr. Hobbes, não se havia pensado em
tre o certo e o errado, que estes seriam valores mutáveis e va- nenhuma outra faculdade da qual se supusesse que tais idéias
riáveis, dependentes da mera vontade arbitrária do magistrado pudessem se originar. Por esses anos, pois, veio a ser a dou-
.civil. Essa maneira de explicar as coisas foi, portanto, atacada trina em voga a de que a essência da virtude e vício não consis-
de todos os lados e com toda a sorte de armas, tanto pelara- tiria na conformidade ou desacordo das ações humanas com a
zão sóbria, como pela declamação enfurecida. lei de um superior, mas em sua conformidade ou desacordo
Para poder refutar uma doutrina tão odiosa, era necessário com a razão, que deste modo foi considerada origem e princí-
provar que, previame nte a qualquer lei ou instituição positiva, pio de aprovação ou desaprovação.
o espírito seria por nalureza dotado de uma faculdade por in- Em certo sentido, é verdade que a virtude consiste na con-
term dio ela qual poderia distinguir em certas ações e afetos as formidade com a razão, e com muita justiça pode-se considerar
qualidade do certo, do louváv I e virtuoso, e em outros as do essa faculdade, em alguma medida, como causa e princípio de
errado, do censurável e vicioso. aprovação e desaprovação, e ?e todos os sólidos julgamentos
O Dr. Cudworth 24 observou com justeza que a lei não po- q~anto ao certo e ao errado. E por meio da razão que desco-
deria ser a causa primeira dessas distinções, pois, pressupon- bnmos essas regras gerais de justiça, segundo as quais deve-
do-se tal lei, necessariamente, ou bem seria correto obedecê- ríamos regular nossas ações, e por esta mesma faculdade for-
la e errado desobedecê-la, ou bem indiferente que a obede- mamos as idéias mais vagas e indeterminadas do que é pru-
cêssemos ou desobedecêssemos. A lei cuja obediência ou deso- dente, do que é decente, do que é generoso ou nobre, idéias
bediência nos fosse indiferente não poderia, evidentemente, que sempre nos acompanham e a cuja conformidade nos es-
ser a causa dessas distinções; mas tampouco poderia sê-la a lei forçamos para modelar, o mais possível, o teor de nossa con-
a que seria cetto obedecer e errado desobedecer, porque até duta. As máximas gerais da moralidade se formam, como to-
mesmo nesse caso estariam pressupostas as noções ou idéias das as outras máximas gerais, por experiência e por indução.
de certo e errado, e as de que a obediência à lei seria conforme Observamos numa grande variedade de casos particulares o
à idéia de certo, e a desobediência, à de errado. que agrada ou desagrada às nossas faculdades morais, o que
Portanto, uma vez que o espírito possuiria, previamente elas aprovam ou desaprovam, e dessa experiência estabelece-
a qualquer lei, uma noção dessas distinções, pareceria seguir- mos por indução essas regras gerais. Mas a indução sempre
se, necessariamente, que essa noção derivaria da razão, a qual tem sido considerada como uma das operações da razão, e por
indicaria a diferença entre certo e errado, assim como o faria isso se diz com muita propriedade que da razão derivamos to-
entre a verdade e a falsidade; e essa conclusão, verdadeira em das essas máximas e idéias gerais. Estas regulam grande parte
certo sentido, embora precipitada em outro, foi mais facilmen- de nossos juízos morais, os quais seriam extremamente incer-
tos e precários se dependessem inteiramente de algo tão expos-
to a variações, como os sentimentos e emoções imediatos, que
• Por ter vivido incríveis 91 anos, em pleno ~ •cuJ o XVIII, Hobbes pre-
senciou todo o processo revolucionário, o qual atn buí~ ao desejo de poder
os diversos estados de saúde e humor são capazes de alterar
dos papistas e presbiterianos, principalmente. (N. da R. T.) de um modo tão essencial. Pottanto, assim como nossos mais
24. Immutable Morality (A imutável moralidade) 1.1. sólidos juízos relativos a certo e errado são regulados por máxi-
396 TEORIA DOS SEN11MENTOS MORAIS SÉ7IMA PARTE
397
p , a principal causa das ordens da sociedade*. Por essa ra- te aceita na época em que a ciência abstrata da natureza hu-
zão sua doutrina e ra pec_'lllia rmente ofensiva aos teólogos, os mana estava apenas engatinhando, e antes que os ofícios e po-
quais, por sua v z, nà se furtaram a evidenciar com grande deres das distintas faculdades do espírito humano tivessem si-
aspe r za amargura a indigna âo que por ele sentiam. Tal dou- do cuidadosamente examinados e diferenciados uns dos outros.
trina su u igu ~ll.m nl of n iva a todos os moralistas judiciosos, Nos dias em que se engajava com grande calor e veemência
pois supunha que não haveria uma diferença de natureza en- nessa controvérsia com o Sr. Hobbes, não se havia pensado em
tre o certo e o errado, que estes seriam valores mutáveis e va- nenhuma outra faculdade da qual se supusesse que tais idéias
riáveis, dependentes da mera vontade arbitrária do magistrado pudessem se originar. Por esses anos, pois, veio a ser a dou-
.civil. Essa maneira de explicar as coisas foi, portanto, atacada trina em voga a de que a essência da virtude e vício não consis-
de todos os lados e com toda a sorte de armas, tanto pelara- tiria na conformidade ou desacordo das ações humanas com a
zão sóbria, como pela declamação enfurecida. lei de um superior, mas em sua conformidade ou desacordo
Para poder refutar uma doutrina tão odiosa, era necessário com a razão, que deste modo foi considerada origem e princí-
provar que, previame nte a qualquer lei ou instituição positiva, pio de aprovação ou desaprovação.
o espírito seria por nalureza dotado de uma faculdade por in- Em certo sentido, é verdade que a virtude consiste na con-
term dio ela qual poderia distinguir em certas ações e afetos as formidade com a razão, e com muita justiça pode-se considerar
qualidade do certo, do louváv I e virtuoso, e em outros as do essa faculdade, em alguma medida, como causa e princípio de
errado, do censurável e vicioso. aprovação e desaprovação, e ?e todos os sólidos julgamentos
O Dr. Cudworth 24 observou com justeza que a lei não po- q~anto ao certo e ao errado. E por meio da razão que desco-
deria ser a causa primeira dessas distinções, pois, pressupon- bnmos essas regras gerais de justiça, segundo as quais deve-
do-se tal lei, necessariamente, ou bem seria correto obedecê- ríamos regular nossas ações, e por esta mesma faculdade for-
la e errado desobedecê-la, ou bem indiferente que a obede- mamos as idéias mais vagas e indeterminadas do que é pru-
cêssemos ou desobedecêssemos. A lei cuja obediência ou deso- dente, do que é decente, do que é generoso ou nobre, idéias
bediência nos fosse indiferente não poderia, evidentemente, que sempre nos acompanham e a cuja conformidade nos es-
ser a causa dessas distinções; mas tampouco poderia sê-la a lei forçamos para modelar, o mais possível, o teor de nossa con-
a que seria cetto obedecer e errado desobedecer, porque até duta. As máximas gerais da moralidade se formam, como to-
mesmo nesse caso estariam pressupostas as noções ou idéias das as outras máximas gerais, por experiência e por indução.
de certo e errado, e as de que a obediência à lei seria conforme Observamos numa grande variedade de casos particulares o
à idéia de certo, e a desobediência, à de errado. que agrada ou desagrada às nossas faculdades morais, o que
Portanto, uma vez que o espírito possuiria, previamente elas aprovam ou desaprovam, e dessa experiência estabelece-
a qualquer lei, uma noção dessas distinções, pareceria seguir- mos por indução essas regras gerais. Mas a indução sempre
se, necessariamente, que essa noção derivaria da razão, a qual tem sido considerada como uma das operações da razão, e por
indicaria a diferença entre certo e errado, assim como o faria isso se diz com muita propriedade que da razão derivamos to-
entre a verdade e a falsidade; e essa conclusão, verdadeira em das essas máximas e idéias gerais. Estas regulam grande parte
certo sentido, embora precipitada em outro, foi mais facilmen- de nossos juízos morais, os quais seriam extremamente incer-
tos e precários se dependessem inteiramente de algo tão expos-
to a variações, como os sentimentos e emoções imediatos, que
• Por ter vivido incríveis 91 anos, em pleno ~ •cuJ o XVIII, Hobbes pre-
senciou todo o processo revolucionário, o qual atn buí~ ao desejo de poder
os diversos estados de saúde e humor são capazes de alterar
dos papistas e presbiterianos, principalmente. (N. da R. T.) de um modo tão essencial. Pottanto, assim como nossos mais
24. Immutable Morality (A imutável moralidade) 1.1. sólidos juízos relativos a certo e errado são regulados por máxi-
398 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉ11MA PARTE 399
mas e idéias derivadas de uma indução da razão, pode-se dizer, ção daquela faculdade. Coube ao Dr. Hutcheson o mérito de
com muita propriedade, que a vittude consiste numa conformi- ser o primeiro a distinguir com alguma precisão em que me-
dade com a razão e, nessa medida, pode-se considerar tal fa- dida se pode dizer que todas as distinções morais procedem
culdade como causa e princípio de aprovação e desaprovação. da razão, e em que medida se fundamentam em sentidos e sen-
No entanto, ainda que a razão seja sem dúvida a origem timentos imediatos. Em sua Illustrations upon the Moral Sense
das regras gerais de moralidade e de todos os juízos morais (Ilustrações sobre o senso moral) explicou isso de modo tão
que formamos mediante essas regras, é completamente absur- cabal, e, em minha opinião, tão incontestável, que se alguma
do e ininteligível supor que as primeiras percepções de certo contrqvérsia ainda persiste sobre esse assunto, só a posso atri-
e errado possam ser derivadas da razão, até mesmo nos casos buir à desatenção ao que esse cavalheiro escreveu, ou a uma
pa1ticulares de cuja experiência se formam as regras gerais. Es- afeição supersticiosa a certas formas de expressão - fraqueza
sas percepções primárias, bem como todas as outras experiên- não incomum aos eruditos, sobretudo em matéria tão profunda-
cias sobre que se fundam quaisquer regras gerais, não podem mente interessante como a presente, na qual um homem de vir-
ser objeto de razão, mas de sentido e sentimento imediatos. O tude nem sempre aceita abandonar até mesmo a propriedade de
modo como se formam as regras gerais de moralidade é des- uma só frase a que se habituou.
cobrindo que numa grande variedade de casos um teor de con-
duta constantemente nos agrada de certa maneira e um outro,
com igual constância, desagrada-nos. Contudo, razão não po- CAPÍTULO III
de tornar um objeto particular em si mesmo agradável ou desa- Dos sistemas que fazem do sentimento
gradável. A razão somente pode mostrar que esse objeto é o o princípio da aprovação
meio para se obter algo que seja naturalmente agradável ou
desagradável, e que dessa maneira pode torná-lo, por conside- Os sistemas que fazem do sentimento o princípio da apro-
ração a alguma outra coisa, agradável ou desagradável. Mas vação podem dividir-se em duas classes distintas.
nada pode ser agradável ou desagradável por si mesmo, que I. Segundo alguns, o princípio da aprovação se fundamen-
os sentidos e o sentimento não nos tenham apresentado en- ta num sentimento de natureza peculiar, num poder especial
quanto tal. Portanto, se em todos os casos pa1ticulares neces- de percepção que o espírito exerce na presença de certas ações
sariamente nos agrada a virtude por si mesma, e se do mes- ou afetos; alguns destes afetam essa faculdade de modo agra-
mo modo o vício causa aversão, não pode ser a razão, mas os dável, outros, de modo desagradável; os primeiros ficam mar-
sentidos e o sentimento imediatos, o que dessa maneira nos re- cados com os caracteres de certo, louvável e virtuoso, os ou-
concilia com uma, e nos afasta do outro. tros, com os de errado, censurável e vicioso. Tratando-se de um
O prazer e a dor são os grandes objetos de desejo e aver- sentimento de natureza peculiar, distinto de todos os outros,
são; mas estes não se distinguem racionalmente, mas por sen- na medida em que é efeito de um poder especial de percep-
tidos e sentimento imediatos. Se a virtude, pois, é desejável por ção, a tal sentimento dão um nome particular: senso moral.
si mesma, e se, do mesmo modo, o vício é objeto de aversão, II. Segundo outros, não é necessário, para explicar o prin-
não pode ser a razão, mas sentidos e sentimento imediatos o cípio da aprovação, supor a existência de um novo poder
que originalmente distingue essas diferentes qualidades. de percepção de que até então não se tivesse notícia. Imagi-
No entanto, como com justiça se pode considerar que em na-se que a natureza opere neste, como em todos os outros ca-
certa medida a razão constitui o princípio da aprovação ou de- sos, com a mais rigorosa economia, produzindo uma multidão i
saprovação, por descuido, pensou-se durante muito tempo que de efeitos de uma e mesma causa; e a simpatia, poder que sem-
esses sentimentos procedessem originalmente de uma opera- pre foi notado e do qual o espírito está manifestamente dota-
398 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉ11MA PARTE 399
mas e idéias derivadas de uma indução da razão, pode-se dizer, ção daquela faculdade. Coube ao Dr. Hutcheson o mérito de
com muita propriedade, que a vittude consiste numa conformi- ser o primeiro a distinguir com alguma precisão em que me-
dade com a razão e, nessa medida, pode-se considerar tal fa- dida se pode dizer que todas as distinções morais procedem
culdade como causa e princípio de aprovação e desaprovação. da razão, e em que medida se fundamentam em sentidos e sen-
No entanto, ainda que a razão seja sem dúvida a origem timentos imediatos. Em sua Illustrations upon the Moral Sense
das regras gerais de moralidade e de todos os juízos morais (Ilustrações sobre o senso moral) explicou isso de modo tão
que formamos mediante essas regras, é completamente absur- cabal, e, em minha opinião, tão incontestável, que se alguma
do e ininteligível supor que as primeiras percepções de certo contrqvérsia ainda persiste sobre esse assunto, só a posso atri-
e errado possam ser derivadas da razão, até mesmo nos casos buir à desatenção ao que esse cavalheiro escreveu, ou a uma
pa1ticulares de cuja experiência se formam as regras gerais. Es- afeição supersticiosa a certas formas de expressão - fraqueza
sas percepções primárias, bem como todas as outras experiên- não incomum aos eruditos, sobretudo em matéria tão profunda-
cias sobre que se fundam quaisquer regras gerais, não podem mente interessante como a presente, na qual um homem de vir-
ser objeto de razão, mas de sentido e sentimento imediatos. O tude nem sempre aceita abandonar até mesmo a propriedade de
modo como se formam as regras gerais de moralidade é des- uma só frase a que se habituou.
cobrindo que numa grande variedade de casos um teor de con-
duta constantemente nos agrada de certa maneira e um outro,
com igual constância, desagrada-nos. Contudo, razão não po- CAPÍTULO III
de tornar um objeto particular em si mesmo agradável ou desa- Dos sistemas que fazem do sentimento
gradável. A razão somente pode mostrar que esse objeto é o o princípio da aprovação
meio para se obter algo que seja naturalmente agradável ou
desagradável, e que dessa maneira pode torná-lo, por conside- Os sistemas que fazem do sentimento o princípio da apro-
ração a alguma outra coisa, agradável ou desagradável. Mas vação podem dividir-se em duas classes distintas.
nada pode ser agradável ou desagradável por si mesmo, que I. Segundo alguns, o princípio da aprovação se fundamen-
os sentidos e o sentimento não nos tenham apresentado en- ta num sentimento de natureza peculiar, num poder especial
quanto tal. Portanto, se em todos os casos pa1ticulares neces- de percepção que o espírito exerce na presença de certas ações
sariamente nos agrada a virtude por si mesma, e se do mes- ou afetos; alguns destes afetam essa faculdade de modo agra-
mo modo o vício causa aversão, não pode ser a razão, mas os dável, outros, de modo desagradável; os primeiros ficam mar-
sentidos e o sentimento imediatos, o que dessa maneira nos re- cados com os caracteres de certo, louvável e virtuoso, os ou-
concilia com uma, e nos afasta do outro. tros, com os de errado, censurável e vicioso. Tratando-se de um
O prazer e a dor são os grandes objetos de desejo e aver- sentimento de natureza peculiar, distinto de todos os outros,
são; mas estes não se distinguem racionalmente, mas por sen- na medida em que é efeito de um poder especial de percep-
tidos e sentimento imediatos. Se a virtude, pois, é desejável por ção, a tal sentimento dão um nome particular: senso moral.
si mesma, e se, do mesmo modo, o vício é objeto de aversão, II. Segundo outros, não é necessário, para explicar o prin-
não pode ser a razão, mas sentidos e sentimento imediatos o cípio da aprovação, supor a existência de um novo poder
que originalmente distingue essas diferentes qualidades. de percepção de que até então não se tivesse notícia. Imagi-
No entanto, como com justiça se pode considerar que em na-se que a natureza opere neste, como em todos os outros ca-
certa medida a razão constitui o princípio da aprovação ou de- sos, com a mais rigorosa economia, produzindo uma multidão i
saprovação, por descuido, pensou-se durante muito tempo que de efeitos de uma e mesma causa; e a simpatia, poder que sem-
esses sentimentos procedessem originalmente de uma opera- pre foi notado e do qual o espírito está manifestamente dota-
TEORIA DOS SENJ1MENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 401
400

do, é, pensam eles, suficiente para explicar todos os efeitos faculdade dessa espécie. A faculdade a que o Sr. Locke cha-
atribuídos a essa faculdade especial. ma reflexão, da qual derivou as idéias simples das diferentes
I. O Dr. Hutcheson'; esmera-se em demonstrar que o prin- paixões e emoções do espírito humano, segundo o Dr. Hutche-
cípio da aprova 'ã não estava fundado sobre o amor de si. son seria uma sensação interna e direta. Por seu turno, a fa-
Também demonstrou que não podia proceder de uma opera- culdade mediante a qual perceberíamos a beleza ou deformi-
ção racional. Pensou, pois que nada restava, senão supor que dade, a virtude ou vício das diferentes paixões e emoções seria
se tratava de uma faculdade cl Lipo sp ··cial, com que a na- uma sensação interna e reflexa.
tureza dotou o espí.dt humano, à Am d pr duzir ess pedal Para sustentar sua doutrina, o Dr. Hutcheson empenhou-
im.p rtant:e efeito. ~ clu.íd s amor d i a razão, não lhe se ainda mais para mostrar que seria agradável à analogia da
o orreu qu poderia hav r urra fa ·uldade d spírito já co- natureza, e que o espírito seria dotado de uma variedade de ou-
nhe ida qu pucl 'SS de algum mod satisfazer ·se propósito. tras sensações reflexas mediante as quais simpatizamos com
b·trnou senso in r.:~l a ss novo poder de perc p ão · a felicidade ou desgraça de nossos semelhantes: o senso de ver-
o supô. rn alguma m dic.la análogo aos senti los extern s. As- gonha e honra e o senso de ridículo.
. lrn como s orpos que n cer ·am, ao afer::í-los de erta ma- Não obstante todos os esforços que o engenhoso filósofo
neira, aparentam possuir as d iferentes qualidad s de som gosto, empreendeu para provar que o princípio da aprovação se fun-
o lar e cor, tamh ' m os vários afetos do pírito hu mano, a LO- da num poder especial de percepção, de alguma forma aná-
carem de certa maneira essa faculdade especial, aparentam pos- logo ao dos sentidos externos, reconhece que algumas con-
suir as diferentes qualidades de amável e odioso, virtuoso e vi- seqüências de sua doutrina talvez sejam consideradas por mui-
doso, erto e err:.tdo. tos como refutação suficiente de si mesmas. Admite'7 que as
Segundo tal sistema, s várias sensações Oll podere da qualidades pertencentes aos objetos de um sentido não po-
percep ãoMde que o espírit humano deriva t das as suas dem ser atribuídas à própria sensação sem se incorrer em gra-
iclêhs simples eriam e luas esp ' ·i · clis'tinrru;, uma das quais ve absurdo. Quem jamais pensou em chamar a sensação de
f t"t chamada de sensaç es dir tas ou ante edent s, e a ou- ver de branca ou negra, a sensação de audição, de baixa ou alta,
tra, de reflexas ou conseqüentes. As sensações diretas seriam ou a sensação de gosto de amarga ou doce? E, segundo ele,
as faculdades das quais o espírito derivaria a per ep ·ão das é igualmente absurdo chamar nossas faculdades morais de vir-
espécies de coisas que não pressuporiam a percepção ante- tuosas ou viciosas, moralmente boas ou más. Essas qualida-
cedente de nenhuma outra. Assim, sons e cores seriam obje- des pertencem aos objetos dessas faculdades, não às faculdades
tos da sensação direta. uvir um om ou ver uma cor não pres- mesmas. Portanto, se houvesse um homem tão absurdamen-
supõe a percepção ante ed nte d ;:~ lguma out1 qualidade ou te constituído que aceitasse a crueldade e a injustiça como as
objeto. As sensa ões reAcxa. u ·ons qüente , d ouu·o la- mais altas virtudes, e rejeitasse a eqüidade e a humanidade
do, seriam as faculda le. das quais o espírito derivaria a per- como os mais lamentáveis vícios, um espírito assim constituí-
ep ão ilits esp- i s le L'ias qu r> r ·sup riam a percepç o do poderia com efeito ser considerado como pernicioso, seja
·u1t ced n L·• de algu ma oulf:l. Assim , barro nia c beleza seriam
3 para o indivíduo, seja para a sociedade, e igualmente estranho,
ol jeto das . cnsa .õ s reflexa , p i p<u·a qu e percebam s a surpreendente e antinatural em si; mas não se poderia, sem in-
ha rm aia d som u a b leza da cor, devemo p.rim i.r per- correr em grave absurdo, denominá-lo vicioso ou moralmen-
ceber o som ou a cor. Considerou-se o senso moral como uma te perverso.

25. Tll(jHfry Co11cemtng Virtue (Investig:1ção sobre a virtude). 27. Illustrations upon the Moral Sense (Ilustrações sobre o senso
26 . 'f'tl!tllfso of PCI:•sfnriS(Tratado das paixões). moral), seção i, pp. 237 ss.; 3' edição.
TEORIA DOS SENJ1MENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 401
400

do, é, pensam eles, suficiente para explicar todos os efeitos faculdade dessa espécie. A faculdade a que o Sr. Locke cha-
atribuídos a essa faculdade especial. ma reflexão, da qual derivou as idéias simples das diferentes
I. O Dr. Hutcheson'; esmera-se em demonstrar que o prin- paixões e emoções do espírito humano, segundo o Dr. Hutche-
cípio da aprova 'ã não estava fundado sobre o amor de si. son seria uma sensação interna e direta. Por seu turno, a fa-
Também demonstrou que não podia proceder de uma opera- culdade mediante a qual perceberíamos a beleza ou deformi-
ção racional. Pensou, pois que nada restava, senão supor que dade, a virtude ou vício das diferentes paixões e emoções seria
se tratava de uma faculdade cl Lipo sp ··cial, com que a na- uma sensação interna e reflexa.
tureza dotou o espí.dt humano, à Am d pr duzir ess pedal Para sustentar sua doutrina, o Dr. Hutcheson empenhou-
im.p rtant:e efeito. ~ clu.íd s amor d i a razão, não lhe se ainda mais para mostrar que seria agradável à analogia da
o orreu qu poderia hav r urra fa ·uldade d spírito já co- natureza, e que o espírito seria dotado de uma variedade de ou-
nhe ida qu pucl 'SS de algum mod satisfazer ·se propósito. tras sensações reflexas mediante as quais simpatizamos com
b·trnou senso in r.:~l a ss novo poder de perc p ão · a felicidade ou desgraça de nossos semelhantes: o senso de ver-
o supô. rn alguma m dic.la análogo aos senti los extern s. As- gonha e honra e o senso de ridículo.
. lrn como s orpos que n cer ·am, ao afer::í-los de erta ma- Não obstante todos os esforços que o engenhoso filósofo
neira, aparentam possuir as d iferentes qualidad s de som gosto, empreendeu para provar que o princípio da aprovação se fun-
o lar e cor, tamh ' m os vários afetos do pírito hu mano, a LO- da num poder especial de percepção, de alguma forma aná-
carem de certa maneira essa faculdade especial, aparentam pos- logo ao dos sentidos externos, reconhece que algumas con-
suir as diferentes qualidades de amável e odioso, virtuoso e vi- seqüências de sua doutrina talvez sejam consideradas por mui-
doso, erto e err:.tdo. tos como refutação suficiente de si mesmas. Admite'7 que as
Segundo tal sistema, s várias sensações Oll podere da qualidades pertencentes aos objetos de um sentido não po-
percep ãoMde que o espírit humano deriva t das as suas dem ser atribuídas à própria sensação sem se incorrer em gra-
iclêhs simples eriam e luas esp ' ·i · clis'tinrru;, uma das quais ve absurdo. Quem jamais pensou em chamar a sensação de
f t"t chamada de sensaç es dir tas ou ante edent s, e a ou- ver de branca ou negra, a sensação de audição, de baixa ou alta,
tra, de reflexas ou conseqüentes. As sensações diretas seriam ou a sensação de gosto de amarga ou doce? E, segundo ele,
as faculdades das quais o espírito derivaria a per ep ·ão das é igualmente absurdo chamar nossas faculdades morais de vir-
espécies de coisas que não pressuporiam a percepção ante- tuosas ou viciosas, moralmente boas ou más. Essas qualida-
cedente de nenhuma outra. Assim, sons e cores seriam obje- des pertencem aos objetos dessas faculdades, não às faculdades
tos da sensação direta. uvir um om ou ver uma cor não pres- mesmas. Portanto, se houvesse um homem tão absurdamen-
supõe a percepção ante ed nte d ;:~ lguma out1 qualidade ou te constituído que aceitasse a crueldade e a injustiça como as
objeto. As sensa ões reAcxa. u ·ons qüente , d ouu·o la- mais altas virtudes, e rejeitasse a eqüidade e a humanidade
do, seriam as faculda le. das quais o espírito derivaria a per- como os mais lamentáveis vícios, um espírito assim constituí-
ep ão ilits esp- i s le L'ias qu r> r ·sup riam a percepç o do poderia com efeito ser considerado como pernicioso, seja
·u1t ced n L·• de algu ma oulf:l. Assim , barro nia c beleza seriam
3 para o indivíduo, seja para a sociedade, e igualmente estranho,
ol jeto das . cnsa .õ s reflexa , p i p<u·a qu e percebam s a surpreendente e antinatural em si; mas não se poderia, sem in-
ha rm aia d som u a b leza da cor, devemo p.rim i.r per- correr em grave absurdo, denominá-lo vicioso ou moralmen-
ceber o som ou a cor. Considerou-se o senso moral como uma te perverso.

25. Tll(jHfry Co11cemtng Virtue (Investig:1ção sobre a virtude). 27. Illustrations upon the Moral Sense (Ilustrações sobre o senso
26 . 'f'tl!tllfso of PCI:•sfnriS(Tratado das paixões). moral), seção i, pp. 237 ss.; 3' edição.
402 TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 403
Todavia, se víssemos algum homem aclamar e admirar / de imperfeições, é incompatível com o que seja grosseiramen-
uma execução bárbara e imerecida que fosse ordenada por te criminal, e é o fundamento mais sólido sobre o qual se po-
algum tirano insolente, não nos sentiríamos culpados de gra- deria construir a superestrutura da perfeita virtude. Há muitos
ve absurdo ao qualificar de vicioso e moralmente perverso esse homens bem intencionados que se propõem seriamente exe-
comportamento, embora fosse apenas a expressão de faculda- cutar o que julgam seu dever, mas que, apesar disso, são desa-
des morais depravadas ou de uma absurda aprovação desse gradáveis por conta da rudeza de seus sentimentos morais.
horrendo ato, como se fosse nobre, magnânimo e grandioso. Talvez se possa dizer que, embora o princípio de aprova-
Imagino que nosso coração, ao ver tal espectador, esqueceria ção não esteja fundado num poder de percepção que seja de
por um momento sua simpatia pelo sofredor, e não sentiria se- algum modo análogo aos sentidos externos, poderia ainda fun-
não horror e abominação ao pensar em criatura tão infame e dar-se em algum sentimento especial que respondesse a esse
execrável. Nós o abominaríamos ainda mais que ao tirano, o fim particular e a nenhum outro. Poder-se-ia pretender que
qual possivelmente agira tomado pelas intensas paixões do aprovação e desaprovação são determinados sentimentos ou
ciúme, medo e ressentimento, e que, por esse motivo, seria emoções que surgem no espírito à vista de certos caracteres e
mais desculpável. Mas os sentimentos do espectador pare- ações, e, assim como ao ressentimento se poderia chamar sen-
ceriam-nos inteiramente insensatos e, portanto, mais perfeita so das ofensas, ou à gratidão senso dos benefícios, estas pode-
e completamente abomináveis. Não existe perversão de sen- riam com muita propriedade receber o nome de senso do certo
timentos ou afetos que nosso coração mais resistisse a com- e do errado, ou senso moral.
partilhar ou que rejeitasse com mais ódio e indignação do que Mas essa explicação, embora não seja passível das mes-
algum dessa espécie, e, longe de considerar semelhante cons- mas objeções que a anterior, está exposta a outras igualmen-
tituição de espírito como algo simplesmente estranho ou per- te irrespondíveis.
nicioso e de modo algum vicioso ou moralmente perverso, an- Em primeiro lugar, sejam quais forem as variações a que
tes o consideraríamos como o último e mais terrível estágio de uma emoção particular possa estar sujeita, conserva ainda as-
depravação moral. sim os traços gerais que a distinguem como emoção de tal espé-
Ao contrário, os sentimentos morais corretos naturalmen- cie, e esses traços' gerais sempre são muito mais impressionan-
te se mostram em certo grau louváveis e moralmente bons. O tes e notáveis que qualquer variação que possa experimentar
homem cuja censura ou aplauso em toda a ocasião está adequa- em casos particulares. Assim, a ira é uma emoção de espécie
do, com grande precisão, ao valor ou indignidade do objeto, particular e, por conseguinte, seus traços gerais sempre são mais
parece merecer certa medida de aprovação moral. Admiramos perceptíveis que todas as variações que possa experimentar
a delicada precisão de seus sentimentos morais; conduzem nos- em casos particulares. A ira contra um homem é, sem dúvida,
sos próprios juízos e , graças à sua incomum e surpreendente algo diferente da ira contra uma mulher, e esta, por sua vez,
exatidão, até suscitam nossa admiração e aplauso. Certamen- difere da ira contra uma criança. Em cada um desses três ca-
te não podemos estar sempre cettos de que a conduta de uma sos, a paixão da ira em geral admite uma modificação distin-
pessoa como essa corresponda à precisão e acurácia de seus ta segundo o caráter particular de seu objeto, como o obser-
juízos relativos à conduta alheia. A virtude requer hábito e re- vador atento pode facilmente perceber. Mas, apesar disso, em
solução de espírito, bem como delicadeza de sentimento, e in- todos esses casos predominam os traços gerais da paixão. Pa-
felizmente estas primeiras qualidades às vezes faltam ali onde ra distinguir tais traços não é necessária uma observação pe-
a última existe com a maior perfeição. Todavia, essa disposi- netrante; é necessária, ao contrário, uma observação bastan-
ção de espírito, ainda que algumas vezes venha acompanhada te delicada para descobrir suas variações. Todo o mundo cuida
402 TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 403
Todavia, se víssemos algum homem aclamar e admirar / de imperfeições, é incompatível com o que seja grosseiramen-
uma execução bárbara e imerecida que fosse ordenada por te criminal, e é o fundamento mais sólido sobre o qual se po-
algum tirano insolente, não nos sentiríamos culpados de gra- deria construir a superestrutura da perfeita virtude. Há muitos
ve absurdo ao qualificar de vicioso e moralmente perverso esse homens bem intencionados que se propõem seriamente exe-
comportamento, embora fosse apenas a expressão de faculda- cutar o que julgam seu dever, mas que, apesar disso, são desa-
des morais depravadas ou de uma absurda aprovação desse gradáveis por conta da rudeza de seus sentimentos morais.
horrendo ato, como se fosse nobre, magnânimo e grandioso. Talvez se possa dizer que, embora o princípio de aprova-
Imagino que nosso coração, ao ver tal espectador, esqueceria ção não esteja fundado num poder de percepção que seja de
por um momento sua simpatia pelo sofredor, e não sentiria se- algum modo análogo aos sentidos externos, poderia ainda fun-
não horror e abominação ao pensar em criatura tão infame e dar-se em algum sentimento especial que respondesse a esse
execrável. Nós o abominaríamos ainda mais que ao tirano, o fim particular e a nenhum outro. Poder-se-ia pretender que
qual possivelmente agira tomado pelas intensas paixões do aprovação e desaprovação são determinados sentimentos ou
ciúme, medo e ressentimento, e que, por esse motivo, seria emoções que surgem no espírito à vista de certos caracteres e
mais desculpável. Mas os sentimentos do espectador pare- ações, e, assim como ao ressentimento se poderia chamar sen-
ceriam-nos inteiramente insensatos e, portanto, mais perfeita so das ofensas, ou à gratidão senso dos benefícios, estas pode-
e completamente abomináveis. Não existe perversão de sen- riam com muita propriedade receber o nome de senso do certo
timentos ou afetos que nosso coração mais resistisse a com- e do errado, ou senso moral.
partilhar ou que rejeitasse com mais ódio e indignação do que Mas essa explicação, embora não seja passível das mes-
algum dessa espécie, e, longe de considerar semelhante cons- mas objeções que a anterior, está exposta a outras igualmen-
tituição de espírito como algo simplesmente estranho ou per- te irrespondíveis.
nicioso e de modo algum vicioso ou moralmente perverso, an- Em primeiro lugar, sejam quais forem as variações a que
tes o consideraríamos como o último e mais terrível estágio de uma emoção particular possa estar sujeita, conserva ainda as-
depravação moral. sim os traços gerais que a distinguem como emoção de tal espé-
Ao contrário, os sentimentos morais corretos naturalmen- cie, e esses traços' gerais sempre são muito mais impressionan-
te se mostram em certo grau louváveis e moralmente bons. O tes e notáveis que qualquer variação que possa experimentar
homem cuja censura ou aplauso em toda a ocasião está adequa- em casos particulares. Assim, a ira é uma emoção de espécie
do, com grande precisão, ao valor ou indignidade do objeto, particular e, por conseguinte, seus traços gerais sempre são mais
parece merecer certa medida de aprovação moral. Admiramos perceptíveis que todas as variações que possa experimentar
a delicada precisão de seus sentimentos morais; conduzem nos- em casos particulares. A ira contra um homem é, sem dúvida,
sos próprios juízos e , graças à sua incomum e surpreendente algo diferente da ira contra uma mulher, e esta, por sua vez,
exatidão, até suscitam nossa admiração e aplauso. Certamen- difere da ira contra uma criança. Em cada um desses três ca-
te não podemos estar sempre cettos de que a conduta de uma sos, a paixão da ira em geral admite uma modificação distin-
pessoa como essa corresponda à precisão e acurácia de seus ta segundo o caráter particular de seu objeto, como o obser-
juízos relativos à conduta alheia. A virtude requer hábito e re- vador atento pode facilmente perceber. Mas, apesar disso, em
solução de espírito, bem como delicadeza de sentimento, e in- todos esses casos predominam os traços gerais da paixão. Pa-
felizmente estas primeiras qualidades às vezes faltam ali onde ra distinguir tais traços não é necessária uma observação pe-
a última existe com a maior perfeição. Todavia, essa disposi- netrante; é necessária, ao contrário, uma observação bastan-
ção de espírito, ainda que algumas vezes venha acompanhada te delicada para descobrir suas variações. Todo o mundo cuida
404 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 405
das primeiras, quase ninguém obse rva as últimas. a prova- que também a aprovação conveniente ou inconveniente se
ção desapr vação fossem, pois, como gratidão e r apresenta aos nossos sentimentos naturais com a marca des-
to, emo ô d uma espéci partiaüar, distintas d rodas a. ses mesmos caracteres. Ocorre-me perguntar, portanto, como,
demais, seria de esperar que em todas as variações que uma segundo esse sistema, aprovamos ou desaprovamos a aprova-
ou outra pudesse sofrer, ainda se conservariam claros, mani- ção conveniente e inconveniente? Imagino que exista apenas
festos e facilmente perceptíveis os traços gerais que as carac- uma resposta razoável a essa questão. Deve-se dizer que, quan-
terizam como emoções de certa espécie particular. Contudo, de do a aprovação com que nosso próximo observa a conduta de
fato sucede o contrário. Se atentarmos ao que realmente sen- um terceiro coincide com a nossa, aprovamos sua aprovação,
timos quando, em diferentes ocasiões, aprovamos ou desapro- e a consideramos em certa medida moralmente boa; ao con-
vamos algo, descobriremos que nossa emoção num caso é to- trário, quando não coincide com nossos próprios sentimentos,
talmente distinta da emoção de outro caso, e que não é pos- nós a desaprovamos e a consideramos em certa medida mo-
sível perceber traços comuns entre ambas. Assim, a aprovação ralmente má. Deve-se, por conseguinte, admitir que pelo menos
com que divisamos um sentimento terno, delicado e humano, nesse caso a coincidência ou oposição dos sentimentos entre
é bastante distinta daquela que nos ocorre diante de outro sen- o observador e a pessoa observada constitui aprovação ou de-
timento que se nos apresenta grande, ousado e magnânimo. sapwvação moral. E se for assim nesse caso, indagaria: por que
Nossa aprovação de ambos pode, em diferentes ocasiões, ser não em todos os outros? Qual o propósito de imaginar-se um
perfeita e completa, mas um deles nos enternece e o outro nos novo poder de percepção para explicar esses sentimentos?
eleva, e não há semelhança alguma entre as emoções que sus- Contra toda explicação do princípio da aprovação que o
citam em nós. Ora, de acordo com o sistema que venho me faz depender de um sentimento peculiar, distinto de todos os
esforçando por demonstrar, tal deve, necessariamente, ser o demais, eu objetaria: é bastante estranho que esse sentimen-
caso. Como as emoções da pessoa a quem aprovamos são, to, o qual a Providência certamente pretendeu que fosse o prin-
nesses dois casos, opostas umas às outras, e como nossa apro- cípio governante da natureza humana, até agora tenha pas-
vação surge da simpatia com essas emoções opostas, o que sen- sado despercebido, a ponto de sequer receber um nome nos
timos num caso não pode em nada assemelhar-se ao que senti- vários idiomas. O termo "senso moral" foi cunhado tardiamen-
mos em outro. No entanto, isso não poderia ocorrer se a apro- te, e ainda não se pode considerá-lo parte da língua inglesa.
vação consistisse numa emoção peculiar, que nada tivesse em Apenas recentemente apropriou-se do termo "aprovação" pa-
comum com os sentimentos que aprovamos, mas que surgisse ra denotar com peculiaridade coisas dessa espécie. Para falar
ante a presença desses sentimentos, do mesmo modo como com propriedade, aprovamos tudo o que nos satisfaz inteira-
mente: a forma de um edifício, o engenho de uma máquina, o
qualquer outra paixão surge ante a presença do objeto que lhe
sabor de um prato de carne. O termo "consciência" não deno-
é próprio. O mesmo ocorre com relação à desaprovação. O hor-
ta imediatamente uma faculdade moral que nos permita apro-
ror que nos inspira a crueldade em nada se assemelha ao des-
var ou desaprovar algo. A consciência supõe, na verdade, a
prezo que sentimos pela mesquinharia. É uma espécie muito
existência de alguma faculdade dessa espécie, e significa pro-
distinta de discórdia a que sentimos ante a presença desses dois priamente a consciência de termos agido conforme ou contra-
diferentes vícios, entre nosso próprio espírito e o da pessoa riamente a suas ordens. Quando amor, ódio, alegria, tristeza,
cujos sentimentos e conduta observamos. gratidão, ressentimento, e tantas outras paixões que se supõem
Em segundo lugar, já observei que não apenas as diferen- sujeitas a esse pri ncipio, fi z 1~ m -se suficient •merue importan-
tes paixões ou afetos do espírito humano aprovados ou desa- tes para r c I er títul . pelos qu. is no.s sã conhecidas, não
provados se nos apresentam moralmente bons ou maus, mas é su rpr nd nte qu a s b ·-a na nr.r todas das até aqui fos-
404 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 405
das primeiras, quase ninguém obse rva as últimas. a prova- que também a aprovação conveniente ou inconveniente se
ção desapr vação fossem, pois, como gratidão e r apresenta aos nossos sentimentos naturais com a marca des-
to, emo ô d uma espéci partiaüar, distintas d rodas a. ses mesmos caracteres. Ocorre-me perguntar, portanto, como,
demais, seria de esperar que em todas as variações que uma segundo esse sistema, aprovamos ou desaprovamos a aprova-
ou outra pudesse sofrer, ainda se conservariam claros, mani- ção conveniente e inconveniente? Imagino que exista apenas
festos e facilmente perceptíveis os traços gerais que as carac- uma resposta razoável a essa questão. Deve-se dizer que, quan-
terizam como emoções de certa espécie particular. Contudo, de do a aprovação com que nosso próximo observa a conduta de
fato sucede o contrário. Se atentarmos ao que realmente sen- um terceiro coincide com a nossa, aprovamos sua aprovação,
timos quando, em diferentes ocasiões, aprovamos ou desapro- e a consideramos em certa medida moralmente boa; ao con-
vamos algo, descobriremos que nossa emoção num caso é to- trário, quando não coincide com nossos próprios sentimentos,
talmente distinta da emoção de outro caso, e que não é pos- nós a desaprovamos e a consideramos em certa medida mo-
sível perceber traços comuns entre ambas. Assim, a aprovação ralmente má. Deve-se, por conseguinte, admitir que pelo menos
com que divisamos um sentimento terno, delicado e humano, nesse caso a coincidência ou oposição dos sentimentos entre
é bastante distinta daquela que nos ocorre diante de outro sen- o observador e a pessoa observada constitui aprovação ou de-
timento que se nos apresenta grande, ousado e magnânimo. sapwvação moral. E se for assim nesse caso, indagaria: por que
Nossa aprovação de ambos pode, em diferentes ocasiões, ser não em todos os outros? Qual o propósito de imaginar-se um
perfeita e completa, mas um deles nos enternece e o outro nos novo poder de percepção para explicar esses sentimentos?
eleva, e não há semelhança alguma entre as emoções que sus- Contra toda explicação do princípio da aprovação que o
citam em nós. Ora, de acordo com o sistema que venho me faz depender de um sentimento peculiar, distinto de todos os
esforçando por demonstrar, tal deve, necessariamente, ser o demais, eu objetaria: é bastante estranho que esse sentimen-
caso. Como as emoções da pessoa a quem aprovamos são, to, o qual a Providência certamente pretendeu que fosse o prin-
nesses dois casos, opostas umas às outras, e como nossa apro- cípio governante da natureza humana, até agora tenha pas-
vação surge da simpatia com essas emoções opostas, o que sen- sado despercebido, a ponto de sequer receber um nome nos
timos num caso não pode em nada assemelhar-se ao que senti- vários idiomas. O termo "senso moral" foi cunhado tardiamen-
mos em outro. No entanto, isso não poderia ocorrer se a apro- te, e ainda não se pode considerá-lo parte da língua inglesa.
vação consistisse numa emoção peculiar, que nada tivesse em Apenas recentemente apropriou-se do termo "aprovação" pa-
comum com os sentimentos que aprovamos, mas que surgisse ra denotar com peculiaridade coisas dessa espécie. Para falar
ante a presença desses sentimentos, do mesmo modo como com propriedade, aprovamos tudo o que nos satisfaz inteira-
mente: a forma de um edifício, o engenho de uma máquina, o
qualquer outra paixão surge ante a presença do objeto que lhe
sabor de um prato de carne. O termo "consciência" não deno-
é próprio. O mesmo ocorre com relação à desaprovação. O hor-
ta imediatamente uma faculdade moral que nos permita apro-
ror que nos inspira a crueldade em nada se assemelha ao des-
var ou desaprovar algo. A consciência supõe, na verdade, a
prezo que sentimos pela mesquinharia. É uma espécie muito
existência de alguma faculdade dessa espécie, e significa pro-
distinta de discórdia a que sentimos ante a presença desses dois priamente a consciência de termos agido conforme ou contra-
diferentes vícios, entre nosso próprio espírito e o da pessoa riamente a suas ordens. Quando amor, ódio, alegria, tristeza,
cujos sentimentos e conduta observamos. gratidão, ressentimento, e tantas outras paixões que se supõem
Em segundo lugar, já observei que não apenas as diferen- sujeitas a esse pri ncipio, fi z 1~ m -se suficient •merue importan-
tes paixões ou afetos do espírito humano aprovados ou desa- tes para r c I er títul . pelos qu. is no.s sã conhecidas, não
provados se nos apresentam moralmente bons ou maus, mas é su rpr nd nte qu a s b ·-a na nr.r todas das até aqui fos-
TEORIA DOS SENllMENTOS MORAIS SÉ7JMA PARTE 407
406
se tão pouco n tada que, salvo uns poucos filósofos, ninguém daquel a p la qual 110s intr duzitn(JS n s molivo. elo agente,
ainda a tenha julgado digna de re ·eber um nome? <'Omo daqu la p la qua I pa rtilharn s da gnnidã J da_-; pessoas
1
Quando aprovamo· algum caráter ou ação, os sentimen- I en tkiad '1s p r s >U!i atos. Trata-s · d mesmo prln ípio p lo
tos que experim ntamos, segundo o sistema acima citado, de- qual aprovamos um~1 máquina I em e ng ·ndmda. N mant
rivam de quatro fontes, em alguns aspectos diferentes entre si. nen_hum::~ máquina pode ser objeto d - um·t ou outra dessa~
Primeiro, simpatizamos com os motivos do agente; segundo, duas impalias recém-mencionadas. Na quatta parte deste dis-
participamos da graLidào elos que recebem o benefício de suas cu rse já f rn ci alguma explicação desse sistema.
ações; terceiro, observamos que sua conduta obedeceu às re-
gras gerais por meio das quais essas duas simpatias geralmen-
te agem; e, por último, se consideramos tais ações como parte
de um sistema de conduta que tende a promover a felicidade do
indivíduo ou da sociedade, então dessa utilidade poderá resul-
tar certa beleza, não muito distinta da que atribuímos a qualquer
máquina bem engendrada. Após eliminar os eventuais casos
particulares, e admitir que tudo necessadamente deve proceder
de um ou vários desses quatro princípios, gostaria de saber o
que mais resta, e concederei prontamente que esse resíduo se-
ja atribuído a um senso moral, ou a qualquer outra faculdade
peculiar, contanto que me demonstrem em que precisamen-
te consiste esse resíduo. Talvez se pudesse esperar que, se real-
mente existisse um princípio peculiar, como se supõe ser esse
senso moral, deveríamos senti-lo, em alguns casos particulares,
separado e apartado de todos os demais, como com demasia-
da freqüência sentimos, em toda a sua pureza e sem mescla de
outra emoção, a alegria, tristeza, esperança e medo. Mas ima-
gino que isso nem sequer se possa pretender. Nunca ouvi ale-
gar-se nenhum exemplo em que se pudesse dizer que esse prin-
l cípio agiu por si mesmo, sem mescla alguma de simpatia ou
antipatia, de gratidão ou ressentimento, da percepção do acor-
do ou desacordo de qualquer ação com uma regra estabelecida,
ou, muito menos, sem mescla do gosto geral por beleza e or-
dem que, tanto os objetos inanimados, como os animados, sus-
citam em nós.
Il. Um outro sistema distinto do que venho me esforçan-
do por estabelecer, procura explicar a origem dos nossos sen-
timentos morais por meio da simpatia. É o que faz a virtude
I residir na utilidade, e atribui o prazer com que o espectador exa-
mina a utilidade de qualquer qualidade à simpatia pela felici-
dade dos que por ela são afetados. Essa simpatia difere tanto
TEORIA DOS SENllMENTOS MORAIS SÉ7JMA PARTE 407
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se tão pouco n tada que, salvo uns poucos filósofos, ninguém daquel a p la qual 110s intr duzitn(JS n s molivo. elo agente,
ainda a tenha julgado digna de re ·eber um nome? <'Omo daqu la p la qua I pa rtilharn s da gnnidã J da_-; pessoas
1
Quando aprovamo· algum caráter ou ação, os sentimen- I en tkiad '1s p r s >U!i atos. Trata-s · d mesmo prln ípio p lo
tos que experim ntamos, segundo o sistema acima citado, de- qual aprovamos um~1 máquina I em e ng ·ndmda. N mant
rivam de quatro fontes, em alguns aspectos diferentes entre si. nen_hum::~ máquina pode ser objeto d - um·t ou outra dessa~
Primeiro, simpatizamos com os motivos do agente; segundo, duas impalias recém-mencionadas. Na quatta parte deste dis-
participamos da graLidào elos que recebem o benefício de suas cu rse já f rn ci alguma explicação desse sistema.
ações; terceiro, observamos que sua conduta obedeceu às re-
gras gerais por meio das quais essas duas simpatias geralmen-
te agem; e, por último, se consideramos tais ações como parte
de um sistema de conduta que tende a promover a felicidade do
indivíduo ou da sociedade, então dessa utilidade poderá resul-
tar certa beleza, não muito distinta da que atribuímos a qualquer
máquina bem engendrada. Após eliminar os eventuais casos
particulares, e admitir que tudo necessadamente deve proceder
de um ou vários desses quatro princípios, gostaria de saber o
que mais resta, e concederei prontamente que esse resíduo se-
ja atribuído a um senso moral, ou a qualquer outra faculdade
peculiar, contanto que me demonstrem em que precisamen-
te consiste esse resíduo. Talvez se pudesse esperar que, se real-
mente existisse um princípio peculiar, como se supõe ser esse
senso moral, deveríamos senti-lo, em alguns casos particulares,
separado e apartado de todos os demais, como com demasia-
da freqüência sentimos, em toda a sua pureza e sem mescla de
outra emoção, a alegria, tristeza, esperança e medo. Mas ima-
gino que isso nem sequer se possa pretender. Nunca ouvi ale-
gar-se nenhum exemplo em que se pudesse dizer que esse prin-
l cípio agiu por si mesmo, sem mescla alguma de simpatia ou
antipatia, de gratidão ou ressentimento, da percepção do acor-
do ou desacordo de qualquer ação com uma regra estabelecida,
ou, muito menos, sem mescla do gosto geral por beleza e or-
dem que, tanto os objetos inanimados, como os animados, sus-
citam em nós.
Il. Um outro sistema distinto do que venho me esforçan-
do por estabelecer, procura explicar a origem dos nossos sen-
timentos morais por meio da simpatia. É o que faz a virtude
I residir na utilidade, e atribui o prazer com que o espectador exa-
mina a utilidade de qualquer qualidade à simpatia pela felici-
dade dos que por ela são afetados. Essa simpatia difere tanto
SEÇÃO IV

Da maneira como diferentes


autores trataram as regras
práticas da moralidade

Observou-se na terceira parte deste discurso que as re-


gras da justiça são as únicas regras morais precisas e acuradas,
ao passo que as regras de todas as outras virtudes são impre-
cisas, vagas e indeterminadas; as primeiras podem ser com-
paradas às regras de gramática, as outras, às que os críticos
estabelecem para alcançar o sublime e elegante na composição,
razão pela qual antes nos apresentam uma idéia geral da perfei-
ção que deveríamos buscar, do que nos fornecem orientações
certas e infalíveis para a obter.
Uma vez que as diversas regras da moralidade admitem
esses distintos graus de precisão, os autores que se esforça-
ram por recolhê-las e compilá-las em sistemas procederam de
duas maneiras diferentes: um grupo adotou integralmente o
método impreciso a que foi naturalmente orientado pela con-
sideração de uma espécie de virtude; o outro empenhou-se
universalmente por introduzir em seus preceitos o tipo de pre-
cisão de que apenas alguns deles são suscetíveis. Os primeiros
escreveram como críticos, os outros, como gramáticos.
I. Os primeiros, entre os quais podemos incluir todos os
antigos moralistas, contentaram-se em descrever de modo ge-
ral os diferentes vícios e virtudes, e em apontar a deformidade
e desgraça de uma disposição, bem como a propriedade e fe-
licidade da outra, mas não se dispuseram a estabelecer muitas
regras precisas que continuassem em vigência, de modo inata-
cável, em todos os casos particulares. Apenas esforçaram-se por
determinar, na medida em que o permite a linguagem, primei-
SEÇÃO IV

Da maneira como diferentes


autores trataram as regras
práticas da moralidade

Observou-se na terceira parte deste discurso que as re-


gras da justiça são as únicas regras morais precisas e acuradas,
ao passo que as regras de todas as outras virtudes são impre-
cisas, vagas e indeterminadas; as primeiras podem ser com-
paradas às regras de gramática, as outras, às que os críticos
estabelecem para alcançar o sublime e elegante na composição,
razão pela qual antes nos apresentam uma idéia geral da perfei-
ção que deveríamos buscar, do que nos fornecem orientações
certas e infalíveis para a obter.
Uma vez que as diversas regras da moralidade admitem
esses distintos graus de precisão, os autores que se esforça-
ram por recolhê-las e compilá-las em sistemas procederam de
duas maneiras diferentes: um grupo adotou integralmente o
método impreciso a que foi naturalmente orientado pela con-
sideração de uma espécie de virtude; o outro empenhou-se
universalmente por introduzir em seus preceitos o tipo de pre-
cisão de que apenas alguns deles são suscetíveis. Os primeiros
escreveram como críticos, os outros, como gramáticos.
I. Os primeiros, entre os quais podemos incluir todos os
antigos moralistas, contentaram-se em descrever de modo ge-
ral os diferentes vícios e virtudes, e em apontar a deformidade
e desgraça de uma disposição, bem como a propriedade e fe-
licidade da outra, mas não se dispuseram a estabelecer muitas
regras precisas que continuassem em vigência, de modo inata-
cável, em todos os casos particulares. Apenas esforçaram-se por
determinar, na medida em que o permite a linguagem, primei-
410 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉ17MA PARTE 411
ro, em que consiste o sentimento do coração no qual se funda em que se fundamenta, sem realizar algo dessa espécie. A lin-
cada virtude particular; que espécie de sentido ou sentimen- guagem é incapaz de expressar, por assim dizer, os traços in-
to interno constitui a essência da amizade, da humanidade, visíveis de todas as diferentes modificações da paixão tal co-
da generosidade, da justiça, da magnanimidade, e de todas as mo se mostram internamente. Não há outro modo de desig-
demais virtudes, bem como dos vícios que lhe são opostos; e, ná-las e distingui-las umas das outras, senão descrevendo os
segundo, qual o modo geral de agir, o tom e teor ordinário de efeitos que produzem, as alterações que ocasionam no sem-
conduta que cada um desses sentimentos nos ordenaria; ou co- blante, no aspecto e comportamento exterior, as resoluções
mo escolheria agir, em ocasiões comuns, um homem amável, que sugerem, os atos a que nos incitam. Assim é que, no pri-
generoso, bravo, justo e humano. meiro livro de seus De Officiís, Cícero esforça-nos para nos
Caracterizar o sentimento do coração sobre o qual se fun- ordenar à prática das quatro virtudes cardeais"; e que Aristóte-
da cada virtude particular é tarefa que pode ser executada com les, nas partes práticas de sua Ética••, indique-nos os diferentes
certo grau de exatidão, embora para tanto seja necessária uma hábitos pelos quais desejaria que regulássemos nosso com-
pena a um tempo precisa e delicada. Na verdade, é impossí- portamento, tais como liberalidade, magnificência, magnani-
vel expressar todas as variações que cada sentimento experi- midade, e até graça e bom humor - qualidades que esse in-
menta ou deveria experimentar, conforme todas as possíveis dulgente filósofo julgava dignas de um espaço no catálogo
variações de circunstâncias. Estas são infinitas, de modo que das virtudes, embora a leviandade da aprovação que natural-
a linguagem carece de nomes para os designar. Por exemplo, mente lhes destinamos não pareça dar-lhes direito a nome tão
o sentimento de amizade que nutrimos por um ancião difere venerável.
do que nutrimos por um jovem; o que cultivamos por um ho- Tais obras nos apresentam retratos agradáveis e vivos das
mem austero difere do que experimentamos por alguém de ma- maneiras. Por conterem descrições de tal vivacidade, inflamam
neiras mais brandas e gentis e difere , por sua vez, do que te- nosso amor natural à virtude, aumentam nossa abominação ao
mos por alguém de modos alegres e espirituosos. A amizade vício; por causa de suas justas e delicadas observações, com
que concebemos por um homem não nos afeta da mesma freqüência podem ajudar a um só tempo a corrigir e a deter-
maneira como nos afeta a por uma mulher, ainda quando nesse minar nossos sentimentos naturais relativos à conveniência da
sentimento não se mistura alguma paixão mais grosseira. Que conduta, e, por sugerirem inúmeros cuidados belos e delicados,
autor poderia enumerar e determinar estas e todas as outras a formar-nos para uma justeza de comportamento mais pre-
infinitas variações de que é passível esse sentimento? Contu- cisa do que poderíamos imaginar sem tal instrução. A ciência
do, é possível determinar, com razoável precisão, o sentimento que consiste em tratar desse modo as regras da moralidade cha-
geral de amizade e de afeição familiar comum a todas essas ma-se, com propriedade, Ética -ciência que, embora como
variações. Embora seja em muitos aspectos incompleto, o retra- crítica não permita a mais estrita precisão, é, contudo, bas-
to que se esboça do sentimento de amizade pode guardar se- tante útil e agradável. Dentre todas as outras ciências, é a mais
melhança que nos permita reconhecer o original quando com suscetível dos embelezamentos da eloqüência e, por meio des-
ele deparamos, e até distingui-lo de outros sentimentos com que tes, de conferir, se isso é possível, uma nova importância às
mantenha uma semelhança considerável, como, por exemplo, menores regras do dever. Assim revestidos e adornados, seus
boa-vontade, respeito, estima e admiração.
Mais fácil ainda é descrever em traços gerais o modo co-
• Essas virtudes são: sabedoria, justiça, grandeza de espírito e decoro.
mum de ação a que cada virtude nos incitaria. Com efeito, é (N. da R. T.)
quase impossível descrever o sentido ou sentimento interno •• Ética a Nicômaco, notadamente livros li, IIJ e IV. (N. ela R. T.)
410 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉ17MA PARTE 411
ro, em que consiste o sentimento do coração no qual se funda em que se fundamenta, sem realizar algo dessa espécie. A lin-
cada virtude particular; que espécie de sentido ou sentimen- guagem é incapaz de expressar, por assim dizer, os traços in-
to interno constitui a essência da amizade, da humanidade, visíveis de todas as diferentes modificações da paixão tal co-
da generosidade, da justiça, da magnanimidade, e de todas as mo se mostram internamente. Não há outro modo de desig-
demais virtudes, bem como dos vícios que lhe são opostos; e, ná-las e distingui-las umas das outras, senão descrevendo os
segundo, qual o modo geral de agir, o tom e teor ordinário de efeitos que produzem, as alterações que ocasionam no sem-
conduta que cada um desses sentimentos nos ordenaria; ou co- blante, no aspecto e comportamento exterior, as resoluções
mo escolheria agir, em ocasiões comuns, um homem amável, que sugerem, os atos a que nos incitam. Assim é que, no pri-
generoso, bravo, justo e humano. meiro livro de seus De Officiís, Cícero esforça-nos para nos
Caracterizar o sentimento do coração sobre o qual se fun- ordenar à prática das quatro virtudes cardeais"; e que Aristóte-
da cada virtude particular é tarefa que pode ser executada com les, nas partes práticas de sua Ética••, indique-nos os diferentes
certo grau de exatidão, embora para tanto seja necessária uma hábitos pelos quais desejaria que regulássemos nosso com-
pena a um tempo precisa e delicada. Na verdade, é impossí- portamento, tais como liberalidade, magnificência, magnani-
vel expressar todas as variações que cada sentimento experi- midade, e até graça e bom humor - qualidades que esse in-
menta ou deveria experimentar, conforme todas as possíveis dulgente filósofo julgava dignas de um espaço no catálogo
variações de circunstâncias. Estas são infinitas, de modo que das virtudes, embora a leviandade da aprovação que natural-
a linguagem carece de nomes para os designar. Por exemplo, mente lhes destinamos não pareça dar-lhes direito a nome tão
o sentimento de amizade que nutrimos por um ancião difere venerável.
do que nutrimos por um jovem; o que cultivamos por um ho- Tais obras nos apresentam retratos agradáveis e vivos das
mem austero difere do que experimentamos por alguém de ma- maneiras. Por conterem descrições de tal vivacidade, inflamam
neiras mais brandas e gentis e difere , por sua vez, do que te- nosso amor natural à virtude, aumentam nossa abominação ao
mos por alguém de modos alegres e espirituosos. A amizade vício; por causa de suas justas e delicadas observações, com
que concebemos por um homem não nos afeta da mesma freqüência podem ajudar a um só tempo a corrigir e a deter-
maneira como nos afeta a por uma mulher, ainda quando nesse minar nossos sentimentos naturais relativos à conveniência da
sentimento não se mistura alguma paixão mais grosseira. Que conduta, e, por sugerirem inúmeros cuidados belos e delicados,
autor poderia enumerar e determinar estas e todas as outras a formar-nos para uma justeza de comportamento mais pre-
infinitas variações de que é passível esse sentimento? Contu- cisa do que poderíamos imaginar sem tal instrução. A ciência
do, é possível determinar, com razoável precisão, o sentimento que consiste em tratar desse modo as regras da moralidade cha-
geral de amizade e de afeição familiar comum a todas essas ma-se, com propriedade, Ética -ciência que, embora como
variações. Embora seja em muitos aspectos incompleto, o retra- crítica não permita a mais estrita precisão, é, contudo, bas-
to que se esboça do sentimento de amizade pode guardar se- tante útil e agradável. Dentre todas as outras ciências, é a mais
melhança que nos permita reconhecer o original quando com suscetível dos embelezamentos da eloqüência e, por meio des-
ele deparamos, e até distingui-lo de outros sentimentos com que tes, de conferir, se isso é possível, uma nova importância às
mantenha uma semelhança considerável, como, por exemplo, menores regras do dever. Assim revestidos e adornados, seus
boa-vontade, respeito, estima e admiração.
Mais fácil ainda é descrever em traços gerais o modo co-
• Essas virtudes são: sabedoria, justiça, grandeza de espírito e decoro.
mum de ação a que cada virtude nos incitaria. Com efeito, é (N. da R. T.)
quase impossível descrever o sentido ou sentimento interno •• Ética a Nicômaco, notadamente livros li, IIJ e IV. (N. ela R. T.)
412 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉ17MA PARTE 413
preceitos são capazes de prod úzir sobre a Jlexibilidade da ju- mos as regras da casuística, por supormo-las tais como deve-
ventude as mais nobres e c.lurad mas impre sõe:; e, na medi- riam ser, teríamos direito a considerável louvor, em razão da
da em que coincidem com a magnanimidade natural dessa ge- exata e escrupulosa delicadeza de nosso comportamento.
nerosa idade, são capazes, ao menos por algum período, de Pode suceder com freqüência que um homem bom jul-
inspirar as mais heróicas resoluções, tendendo, pois, a esta- gue-se obrigado, por sagrado e consciencioso respeito às re-
belecer e confirmar os melhores e mais úteis hábitos de que é gras gerais da justiça, a cumprir muitas coisas as quais seria
suscetível o espírito humano. Tudo o que se possa fazer, por bastante injusto extorquir dele, ou que qualquer árbitro ou juiz
preceito e exortação, para nos estimular à prática da virtude, infligisse-lhe pela força. Um exemplo banal: um bandoleiro
essa ciência o faz e dessa maneira o transmite. obriga um viajante, sob ameaça de morte, a prometer-lhe certa
II. Os moralistas do segundo grupo, entre os quais po- soma de dinheiro. Se tal promessa, extorquida dessa maneira
demos incluir todos os casuístas da Idade Média e recente da por meio da força injusta, deve ser considerada obrigatória, é
Igreja Cristã, bem como todos os que neste século e no pre- questão que há muito se debate.
cedente trataram a chamada jurisprudência natural, não se con- Se a tratamos como mera questão de jurisprudência, a de-
tentando em caracterizar dessa maneira geral o teor de conduta cisão não pode admitir dúvida. Seria absurdo supor que um
que nos seria recomendável, esforçaram-se por estabelecer re- bandoleiro possa ter direito a usar a força para coagir o outro
gras exatas e precisas para a direção de toda a circunstância a cumprir uma promessa. Extorquir a promessa foi um crime
merecedor de punição extrema, e extorquir seu cumprimento
de nosso comportamento. Uma vez que a justiça é a única vir-
seria apenas adicionar a prática de um outro crime ao primei-
tude de que se pode propriamente dar tais regras exatas, não
ro. Não pode reclamar ter sofrido ofensa quem apenas foi enga-
admira que a atenção desses dois grupos distintos de autores
nado pela pessoa por quem justamente poderia ser assassinado.
tenha recaído sobre essa virtude. Tratam-na, porém, de mo-
Supor que um juiz devesse fazer cumprir as obrigações resul-
do bastante diverso. tantes de tais promessas, ou que o magistrado devesse permi-
Os autores que escrevem sobre os princípios da jurispru- tir que essas promessas respaldassem ações legais, seria o mais
dência consideram apenas o que a pessoa a quem a obrigação ridícul o absurdo. Se considerarmos essa questão com questão
é devida julga seu direito exigir pela força; o que todo espec- de juri prudência, portanto, não poderemos ter dúvidas quan-
tador imparcial aprovaria tal pessoa exigir, ou o que um juiz to ã d cisão.
ou árbitro, a quem o caso fosse submetido, e que empreendes- Mas se a tratarmos como questão de casuística, a con-
se fazer-lhe justiça, deveria obrigar ao outro sofrer ou cumprir. clusão não será tão simples. Suscita muito mais dúvida saber
Por outro lado, os casuístas examinam menos o que se pode- se um homem bom, por consciencioso respeito à mais sagra-
ria, com propriedade, exigir pela força, e mais o que o devedor da regra da justiça, a qual ordena a observância de todas as pro-
julga-se obrigado a cumprir, em razão do mais sagrado e es- messas celebradas, deveria julgar-se ou não obrigado a cum-
crupuloso respeito às regras gerais da justiça, e do mais cons- prir uma promessa como aquela. Não estará sujeito à disputa
ciencioso horror a fazer o mal a seu próximo ou a violar a in- considerar-se que nenhum respeito é devido à frustração do
tegridade de seu próprio caráter. A finalidade da jurisprudên- infame que põe a outro em tal situação, que nenhuma ofensa
cia é prescrever regras para as decisões de juízes e árbitros. A se comete contra o assaltante e, conseqüentemente, que nada
finalidade da casuística é prescrever regras para a conduta de pode ser extorquido pela força. No entanto, talvez se possa
um bom homem. Por observarmos todas as regras da jurispru- indagar, com mais razão, se nesse caso não se deve algum res-
dência, por supormo-las tão perfeitas, nada mais mereceríamos, peito à própria dignidade e honra, à inviolável santidade doca-
senão não estarmos sujeitos a punições externas. Por observar- ráter que faz reverenciar a lei da verdade, e abominar tudo o
412 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉ17MA PARTE 413
preceitos são capazes de prod úzir sobre a Jlexibilidade da ju- mos as regras da casuística, por supormo-las tais como deve-
ventude as mais nobres e c.lurad mas impre sõe:; e, na medi- riam ser, teríamos direito a considerável louvor, em razão da
da em que coincidem com a magnanimidade natural dessa ge- exata e escrupulosa delicadeza de nosso comportamento.
nerosa idade, são capazes, ao menos por algum período, de Pode suceder com freqüência que um homem bom jul-
inspirar as mais heróicas resoluções, tendendo, pois, a esta- gue-se obrigado, por sagrado e consciencioso respeito às re-
belecer e confirmar os melhores e mais úteis hábitos de que é gras gerais da justiça, a cumprir muitas coisas as quais seria
suscetível o espírito humano. Tudo o que se possa fazer, por bastante injusto extorquir dele, ou que qualquer árbitro ou juiz
preceito e exortação, para nos estimular à prática da virtude, infligisse-lhe pela força. Um exemplo banal: um bandoleiro
essa ciência o faz e dessa maneira o transmite. obriga um viajante, sob ameaça de morte, a prometer-lhe certa
II. Os moralistas do segundo grupo, entre os quais po- soma de dinheiro. Se tal promessa, extorquida dessa maneira
demos incluir todos os casuístas da Idade Média e recente da por meio da força injusta, deve ser considerada obrigatória, é
Igreja Cristã, bem como todos os que neste século e no pre- questão que há muito se debate.
cedente trataram a chamada jurisprudência natural, não se con- Se a tratamos como mera questão de jurisprudência, a de-
tentando em caracterizar dessa maneira geral o teor de conduta cisão não pode admitir dúvida. Seria absurdo supor que um
que nos seria recomendável, esforçaram-se por estabelecer re- bandoleiro possa ter direito a usar a força para coagir o outro
gras exatas e precisas para a direção de toda a circunstância a cumprir uma promessa. Extorquir a promessa foi um crime
merecedor de punição extrema, e extorquir seu cumprimento
de nosso comportamento. Uma vez que a justiça é a única vir-
seria apenas adicionar a prática de um outro crime ao primei-
tude de que se pode propriamente dar tais regras exatas, não
ro. Não pode reclamar ter sofrido ofensa quem apenas foi enga-
admira que a atenção desses dois grupos distintos de autores
nado pela pessoa por quem justamente poderia ser assassinado.
tenha recaído sobre essa virtude. Tratam-na, porém, de mo-
Supor que um juiz devesse fazer cumprir as obrigações resul-
do bastante diverso. tantes de tais promessas, ou que o magistrado devesse permi-
Os autores que escrevem sobre os princípios da jurispru- tir que essas promessas respaldassem ações legais, seria o mais
dência consideram apenas o que a pessoa a quem a obrigação ridícul o absurdo. Se considerarmos essa questão com questão
é devida julga seu direito exigir pela força; o que todo espec- de juri prudência, portanto, não poderemos ter dúvidas quan-
tador imparcial aprovaria tal pessoa exigir, ou o que um juiz to ã d cisão.
ou árbitro, a quem o caso fosse submetido, e que empreendes- Mas se a tratarmos como questão de casuística, a con-
se fazer-lhe justiça, deveria obrigar ao outro sofrer ou cumprir. clusão não será tão simples. Suscita muito mais dúvida saber
Por outro lado, os casuístas examinam menos o que se pode- se um homem bom, por consciencioso respeito à mais sagra-
ria, com propriedade, exigir pela força, e mais o que o devedor da regra da justiça, a qual ordena a observância de todas as pro-
julga-se obrigado a cumprir, em razão do mais sagrado e es- messas celebradas, deveria julgar-se ou não obrigado a cum-
crupuloso respeito às regras gerais da justiça, e do mais cons- prir uma promessa como aquela. Não estará sujeito à disputa
ciencioso horror a fazer o mal a seu próximo ou a violar a in- considerar-se que nenhum respeito é devido à frustração do
tegridade de seu próprio caráter. A finalidade da jurisprudên- infame que põe a outro em tal situação, que nenhuma ofensa
cia é prescrever regras para as decisões de juízes e árbitros. A se comete contra o assaltante e, conseqüentemente, que nada
finalidade da casuística é prescrever regras para a conduta de pode ser extorquido pela força. No entanto, talvez se possa
um bom homem. Por observarmos todas as regras da jurispru- indagar, com mais razão, se nesse caso não se deve algum res-
dência, por supormo-las tão perfeitas, nada mais mereceríamos, peito à própria dignidade e honra, à inviolável santidade doca-
senão não estarmos sujeitos a punições externas. Por observar- ráter que faz reverenciar a lei da verdade, e abominar tudo o
414 TEORIA DOS SEN7IMENTOS MORAIS SÊ11MA PARTE 415
que se aproxima de traição e falsidade. Nesse ponto, os ca- devida, é evidentemente impossível. Isso variaria conforme os
suístas se divide m. Um partido, formado por autores antigos, caracteres das pessoas, conforme suas circunstâncias, a sole-
como Cícero; modernos, como Puffendorf; Barbeyrac, seu co- nidade da promessa, e até conforme os incidentes do confronto;
mentador; e, sobretudo, o falecido Dr. Hutcheson - que, na e, caso o promitente fosse tratado com muita da galanteria que
maioria dos casos, de modo algum era um casuísta indefinido-, se encontra às vezes em pessoas dos caracteres mais perdidos,
determina sem hesitação que nenhuma espécie de respeito é mais pareceria devido do que em outras ocasiões. Pode-se
devida a tal promessa, e que pensar o contrário é mera fraque- dizer, de modo geral, que a justa conveniência exige a obser-
za e superstição. Outro grupo, no qual podemos incluir alguns vância de todas essas promessas, sempre que não for incon-
dos antigos pais da igreja 211 , bem como alguns casuístas moder- sistente com alguns outros deveres mais sagrados, tais como
nos muito eminentes, é de outra opinião, e julga obrigatórias o respeito ao interesse público e àqueles a quem a gratidão, o
todas essas promessas. afeto natural ou as leis da beneficência apropriada nos inci-
Se tratarmos a questão de acordo com os sentimentos co- tam a mantê-lo. Mas, como já se observou anteriormente•, não
muns da humanidade, descobriremos que se julga devida al- dispomos de regras precisas para detetminar as ações externas
guma espécie de respeito até mesmo a uma promessa como devidas por respeito a tais motivos, nem, conseqüentemente,
aquela, embora seja impossível determinar, por qualquer re- quando aquelas virtudes são inconsistentes com a observância
gra geral, em que medida isso se aplicaria a todos os casos, sem de tais promessas.
exceção. Não escolheríamos por amigo e companheiro um ho- Deve-se advettir, porém, que, embora pelas razões mais
mem que com bastante liberdade e facilidade fizesse promes- necessárias, nunca se violam tais promessas sem incorrer em
sas, para logo em seguida violá-las com a mesma sem-cerimô- algum grau de desonra. Depois de feitas, podemos nos con-
nia. Um cavalheiro que prometesse cinco libras a um bandolei- vencer da inconveniência de sua observância, mas ainda exis-
ro e não as entregasse incorreria em alguma censura. Se, porém, te algum erro em havê-las feito. É, no mínimo, um desvio das
a soma prometida fosse muito grande, poderia ter mais dúvi- mais altas e nobres máximas da magnanimidade e honra. Obra-
das quanto ao melhor a se fazer. Por exemplo, se o pagamen- vo homem deveria morrer a fazer uma promessa que não pu-
to dessa soma arruinasse inteiramente a família do promitente, desse manter sem tornar-se insensato, ou violar sem cometer
se fosse tão vultosa que bastasse para promover propósitos ignomínia, pois algum grau de ignomínia sempre acompanha
mais úteis, pareceria de certa forma criminoso, ou ao menos uma situação como essa. Traição e falsidade são vícios tão pe-
extremamente impróprio, lançá-la em mãos tão indignas, por rigosos, tão terríveis e, ao mesmo tempo, tão fácil e seguramen-
causa de um excessivo formalismo. O homem que mendigasse te permitidos, que somos mais ciosos deles do que de quase
cem mil libras ou, ainda que dispusesse dessa quantia, abrisse todos os outros. Por conseguinte nossa imaginação associa a
mão dela apenas para manter a palavra empenhada a um la- idéia de vergonha a todas as violações da confiança, em todas
drão, pareceria, ao bom-senso dos homens, absurdo e extra- as circunstâncias e situações. Nesse aspecto, assemelham-se
vagante no mais alto grau. Essa profusão pareceria incoerente à violação de castidade no belo sexo, virtude da qual, porra-
com o seu dever, com o que era devido a si e a outros, e por- zões semelhantes, somos excessivamente ciosos: nossos sen-
tanto de modo algum autorizaria a promessa assim extorqui- timentos por uma não são mais delicados que por outra. A
da. Entretanto, fixar por qualquer regra precisa que grau de res- transgressão da castidade significa uma desonra irrecuperável.
peito se deveria prestar a tal promessa, ou qual a maior quantia Nenhuma circunstância, nenhuma súplica, podem desculpá-

28. Santo Agostinho, La Placette. • TSM, Parte VI, Seção li, Cap. I, p. 284. (N . da R. T.)
414 TEORIA DOS SEN7IMENTOS MORAIS SÊ11MA PARTE 415
que se aproxima de traição e falsidade. Nesse ponto, os ca- devida, é evidentemente impossível. Isso variaria conforme os
suístas se divide m. Um partido, formado por autores antigos, caracteres das pessoas, conforme suas circunstâncias, a sole-
como Cícero; modernos, como Puffendorf; Barbeyrac, seu co- nidade da promessa, e até conforme os incidentes do confronto;
mentador; e, sobretudo, o falecido Dr. Hutcheson - que, na e, caso o promitente fosse tratado com muita da galanteria que
maioria dos casos, de modo algum era um casuísta indefinido-, se encontra às vezes em pessoas dos caracteres mais perdidos,
determina sem hesitação que nenhuma espécie de respeito é mais pareceria devido do que em outras ocasiões. Pode-se
devida a tal promessa, e que pensar o contrário é mera fraque- dizer, de modo geral, que a justa conveniência exige a obser-
za e superstição. Outro grupo, no qual podemos incluir alguns vância de todas essas promessas, sempre que não for incon-
dos antigos pais da igreja 211 , bem como alguns casuístas moder- sistente com alguns outros deveres mais sagrados, tais como
nos muito eminentes, é de outra opinião, e julga obrigatórias o respeito ao interesse público e àqueles a quem a gratidão, o
todas essas promessas. afeto natural ou as leis da beneficência apropriada nos inci-
Se tratarmos a questão de acordo com os sentimentos co- tam a mantê-lo. Mas, como já se observou anteriormente•, não
muns da humanidade, descobriremos que se julga devida al- dispomos de regras precisas para detetminar as ações externas
guma espécie de respeito até mesmo a uma promessa como devidas por respeito a tais motivos, nem, conseqüentemente,
aquela, embora seja impossível determinar, por qualquer re- quando aquelas virtudes são inconsistentes com a observância
gra geral, em que medida isso se aplicaria a todos os casos, sem de tais promessas.
exceção. Não escolheríamos por amigo e companheiro um ho- Deve-se advettir, porém, que, embora pelas razões mais
mem que com bastante liberdade e facilidade fizesse promes- necessárias, nunca se violam tais promessas sem incorrer em
sas, para logo em seguida violá-las com a mesma sem-cerimô- algum grau de desonra. Depois de feitas, podemos nos con-
nia. Um cavalheiro que prometesse cinco libras a um bandolei- vencer da inconveniência de sua observância, mas ainda exis-
ro e não as entregasse incorreria em alguma censura. Se, porém, te algum erro em havê-las feito. É, no mínimo, um desvio das
a soma prometida fosse muito grande, poderia ter mais dúvi- mais altas e nobres máximas da magnanimidade e honra. Obra-
das quanto ao melhor a se fazer. Por exemplo, se o pagamen- vo homem deveria morrer a fazer uma promessa que não pu-
to dessa soma arruinasse inteiramente a família do promitente, desse manter sem tornar-se insensato, ou violar sem cometer
se fosse tão vultosa que bastasse para promover propósitos ignomínia, pois algum grau de ignomínia sempre acompanha
mais úteis, pareceria de certa forma criminoso, ou ao menos uma situação como essa. Traição e falsidade são vícios tão pe-
extremamente impróprio, lançá-la em mãos tão indignas, por rigosos, tão terríveis e, ao mesmo tempo, tão fácil e seguramen-
causa de um excessivo formalismo. O homem que mendigasse te permitidos, que somos mais ciosos deles do que de quase
cem mil libras ou, ainda que dispusesse dessa quantia, abrisse todos os outros. Por conseguinte nossa imaginação associa a
mão dela apenas para manter a palavra empenhada a um la- idéia de vergonha a todas as violações da confiança, em todas
drão, pareceria, ao bom-senso dos homens, absurdo e extra- as circunstâncias e situações. Nesse aspecto, assemelham-se
vagante no mais alto grau. Essa profusão pareceria incoerente à violação de castidade no belo sexo, virtude da qual, porra-
com o seu dever, com o que era devido a si e a outros, e por- zões semelhantes, somos excessivamente ciosos: nossos sen-
tanto de modo algum autorizaria a promessa assim extorqui- timentos por uma não são mais delicados que por outra. A
da. Entretanto, fixar por qualquer regra precisa que grau de res- transgressão da castidade significa uma desonra irrecuperável.
peito se deveria prestar a tal promessa, ou qual a maior quantia Nenhuma circunstância, nenhuma súplica, podem desculpá-

28. Santo Agostinho, La Placette. • TSM, Parte VI, Seção li, Cap. I, p. 284. (N . da R. T.)
416 TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 417
la; nenhuma aflição, nenhum arrependimento, expiam-na. So- tição católica em tempos de barbárie e ignorância. Por essa ins-
mos tão escrupulosos nesse aspecto, que mesmo um estupro tituição, os mais secretos atos, mesmo os pensamentos de al-
desonra, pois em nossa imaginação a inocência do espírito é guém suspeito de retroceder minimamente das regras da pureza
incapaz de limpar a sujeira do corpo . O mesmo ocorre com a cristã, deviam ser revelados ao confessor. O confessor informa-
violação da confiança, mesmo quand foi empenhada solene- va seus penitentes se haviam violado seu dever, em que me-
mente ao mais indigno dos homens. A fidelidade é uma virtude dida isso se dera, e que penitência lhes caberia sofrer antes que
tão necessária que em geral a tributamos devida até mesmo os pudesse absolver em nome da Divindade ofendida.
àqueles a quem nada mais se deve, e a quem julgamos legí- A consciência, ou até mesmo a suspeita de ter cometido
timo matar e destruir. É inútil à pessoa culpada de transgr ssão erro, é um peso sobre todo o espírito, e em todos os que não
à relação de fidelidade argumentar que prometeu para salvar
foram endurecidos por antigos hábitos de iniqüidade vem
sua vida, e que rompeu a promessa porque mantê-la seria in-
acompanhada de ansiedade e terror. Nessa e em todas as ou-
consistente com algum outro dever respeitável. Essas circuns-
tras aflições, os homens naturalmente anseiam por retirar o far-
tâncias podem aliviar, mas nunca apagam inteiramente essa
desonra. Tal pessoa se mostraria culpada de um ato que a ima- do que oprime seus pensamentos, revelar a agonia de seu es-
ginação dos homens associa, inseparave lmente , a algum grau pírito a alguém em cujo sigilo e discrição possam confiar. A
de vergonha. Por transgredir uma promessa que jurara solene- simpatia do confidente raro deixa de produzir alívio ao seu de-
mente manter, seu caráter, se não se tomou irrecuperavelmen- sassossego, o que compensa plenamente a vergonha de con-
te maculado e poluído, ao menos fica marcado com a pecha fessar-se. Serena-os descobrir que não são i!1teiramente indig-
de ridículo, a qual dificilmente poderá remover. E imagino que nos de respeito, e que por mais censurável que seja sua con-
ninguém que passasse por uma aventura como essa gostaria de duta passada, ao menos sua presente disposição é aprovada,
contar sua história. o que talvez baste para compensar a outra, ou ao menos pa-
Esse exemplo pode servir para mostrar em que consiste ra conservar em alguma medida a estima de seu amigo. Em tais
a diferença entre casuística e jurisprudência, mesmo quan- épocas de superstição, um clero astuto e numeroso se insinuara
do ambas examinam as obrigações relativas às regras gerais na confiança de quase todas as famílias. Possuía a pouca ins-
de justiça. trução que os tempos poderiam oferecer, e seus costumes, em-
Ainda que essa diferença seja real e essencial, ainda que bora em muitos aspectos rudes e desregrados, eram polidos e
essas duas ciências proponham finalidades bastante distintas, regulares, se comparados aos das pessoas daquela época. Con-
a uniformidade do assunto tornou-as tão semelhantes, que a siderava-se esse clero, portanto, não apenas o grande diretor
maioria dos autores cuja intenção manifesta era tratar da juris- de todos os deveres religiosos, mas de todos os deveres mo-
prudência demonstrou as diferentes questões que examinam rais. Sua familiaridade conferia reputação ao afortunado que
ora conforme os princípios de sua ciência, ora conforme os dela privasse, e qualquer sinal de sua desaprovação bastava
princípios da casuística, sem distingui-los, e talvez sem se dar para imprimir a mais profunda ignomínia sobre todos os que
conta de quando faziam uma coisa ou quando faziam outra. tivessem o infottúnio de sofrê-lo. Uma vez que o tinham por
A doutrina dos casuístas, porém, não se confina de mo- grande juiz do certo e do errado, naturalmente o consultavam 1
do algum à consideração do que o respeito consciencioso às sobre todos os escrúpulos que lhe ocorressem, conferindo boa
regras gerais da justiça exigiria de nós. Tal doutrina abrange reputação a qualquer pessoa dar a conhecer que esses homens
muitas outras partes do dever cristão e moral. O que sobre- santos eram seus confidentes em todos esses segredos, e que
, tudo parece ter ocasionado o cultivo dessa espécie de ciência não davam um passo importante ou delicado em sua conduta
foi o costume da confissão auricular, introduzido pela supers- sem conselho e aprovação deles. Não era, pois, difícil para o
416 TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 417
la; nenhuma aflição, nenhum arrependimento, expiam-na. So- tição católica em tempos de barbárie e ignorância. Por essa ins-
mos tão escrupulosos nesse aspecto, que mesmo um estupro tituição, os mais secretos atos, mesmo os pensamentos de al-
desonra, pois em nossa imaginação a inocência do espírito é guém suspeito de retroceder minimamente das regras da pureza
incapaz de limpar a sujeira do corpo . O mesmo ocorre com a cristã, deviam ser revelados ao confessor. O confessor informa-
violação da confiança, mesmo quand foi empenhada solene- va seus penitentes se haviam violado seu dever, em que me-
mente ao mais indigno dos homens. A fidelidade é uma virtude dida isso se dera, e que penitência lhes caberia sofrer antes que
tão necessária que em geral a tributamos devida até mesmo os pudesse absolver em nome da Divindade ofendida.
àqueles a quem nada mais se deve, e a quem julgamos legí- A consciência, ou até mesmo a suspeita de ter cometido
timo matar e destruir. É inútil à pessoa culpada de transgr ssão erro, é um peso sobre todo o espírito, e em todos os que não
à relação de fidelidade argumentar que prometeu para salvar
foram endurecidos por antigos hábitos de iniqüidade vem
sua vida, e que rompeu a promessa porque mantê-la seria in-
acompanhada de ansiedade e terror. Nessa e em todas as ou-
consistente com algum outro dever respeitável. Essas circuns-
tras aflições, os homens naturalmente anseiam por retirar o far-
tâncias podem aliviar, mas nunca apagam inteiramente essa
desonra. Tal pessoa se mostraria culpada de um ato que a ima- do que oprime seus pensamentos, revelar a agonia de seu es-
ginação dos homens associa, inseparave lmente , a algum grau pírito a alguém em cujo sigilo e discrição possam confiar. A
de vergonha. Por transgredir uma promessa que jurara solene- simpatia do confidente raro deixa de produzir alívio ao seu de-
mente manter, seu caráter, se não se tomou irrecuperavelmen- sassossego, o que compensa plenamente a vergonha de con-
te maculado e poluído, ao menos fica marcado com a pecha fessar-se. Serena-os descobrir que não são i!1teiramente indig-
de ridículo, a qual dificilmente poderá remover. E imagino que nos de respeito, e que por mais censurável que seja sua con-
ninguém que passasse por uma aventura como essa gostaria de duta passada, ao menos sua presente disposição é aprovada,
contar sua história. o que talvez baste para compensar a outra, ou ao menos pa-
Esse exemplo pode servir para mostrar em que consiste ra conservar em alguma medida a estima de seu amigo. Em tais
a diferença entre casuística e jurisprudência, mesmo quan- épocas de superstição, um clero astuto e numeroso se insinuara
do ambas examinam as obrigações relativas às regras gerais na confiança de quase todas as famílias. Possuía a pouca ins-
de justiça. trução que os tempos poderiam oferecer, e seus costumes, em-
Ainda que essa diferença seja real e essencial, ainda que bora em muitos aspectos rudes e desregrados, eram polidos e
essas duas ciências proponham finalidades bastante distintas, regulares, se comparados aos das pessoas daquela época. Con-
a uniformidade do assunto tornou-as tão semelhantes, que a siderava-se esse clero, portanto, não apenas o grande diretor
maioria dos autores cuja intenção manifesta era tratar da juris- de todos os deveres religiosos, mas de todos os deveres mo-
prudência demonstrou as diferentes questões que examinam rais. Sua familiaridade conferia reputação ao afortunado que
ora conforme os princípios de sua ciência, ora conforme os dela privasse, e qualquer sinal de sua desaprovação bastava
princípios da casuística, sem distingui-los, e talvez sem se dar para imprimir a mais profunda ignomínia sobre todos os que
conta de quando faziam uma coisa ou quando faziam outra. tivessem o infottúnio de sofrê-lo. Uma vez que o tinham por
A doutrina dos casuístas, porém, não se confina de mo- grande juiz do certo e do errado, naturalmente o consultavam 1
do algum à consideração do que o respeito consciencioso às sobre todos os escrúpulos que lhe ocorressem, conferindo boa
regras gerais da justiça exigiria de nós. Tal doutrina abrange reputação a qualquer pessoa dar a conhecer que esses homens
muitas outras partes do dever cristão e moral. O que sobre- santos eram seus confidentes em todos esses segredos, e que
, tudo parece ter ocasionado o cultivo dessa espécie de ciência não davam um passo importante ou delicado em sua conduta
foi o costume da confissão auricular, introduzido pela supers- sem conselho e aprovação deles. Não era, pois, difícil para o
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 419
418
clero estabelecer como regra geral que lhes deviam confiar o Da segunda espécie são as transgressões das regras de
que já se tomara voga confiar-lhes, e o qu " universalmente lhes castidade. Estas, em todos os casos flagrantes, são as verdadei-
teriam confiado, a de5peito de não se estai el · r tal regra. Qua- ras transgressões das regras de justiça, e ninguém que delas
lificar-se para ouvir a confissão tornou-se então parte neces- seja culpado deixa de cometer a outro a mais imperdoável ofen-
sária do estudo de religioso e teólogos, de modo que foram sa. Em casos menos graves, quando não passam de violação do
levados a recolher os chamados casos de consciência, situa- exato decoro que se deveria observar no convívio entre os dois
ções delicadas e difíceis, nas quais é difíci l det rminar onde ra- sexos, não podem ser justamente consideradas como violações
dica a conveniência da conduta. Imaginavam que tais obras po- das regras da justiça. Em geral, porém, trata-se de violações de
deriam ser úteis para diretores de consciência e os que seriam uma regra bastante clara e, ao menos num dos sexos, tendem
dirigidos , donde a origem dos livros de casuística. a causar ignomínia à pessoa culpada, e, conseqüentemente, são
Os deveres morais submetidos ao crivo dos casuístas eram acompanhadas, nos escrupulosos, de algum grau de vergonha
prin ipalme nt . que em c rta medida pode m ser definidos e contrição de espírito.
por regra· gera · ·, cuja viola ão é naturalmente a ompanhad a A terceira espécie de transgressão diz respeito às regras
d ' erto grau de re mo rso e e rlo terro r as frer puni ·õcs. O de veracidade. Deve-se advertir que a violação da verdade nem
d í n!o cl . in. Lituir a · mfissã , o qu ocasi n >u uas obras sempre é uma transgressão das normas de justiça, embora isso
de casuística, era aplacar os terrores de consciência que acom- ocorra em muitas ocasiões, e, conseqüentemente, nem sempre
panham a infração desses deveres. Porém, nem toda a falta de são passíveis de expor a castigo externo. O vício da mentira
virtude vem acompanhada de compunção tão grave, e homem habitual, embora seja a mais miserável mesquinheza, com fre-
algum roga a seu confessor que o absolva p r não ter prati ·a- qüência a ninguém prejudica e, nesse caso, não se pode rei-
do a ação mais generosa, a mais a1n.'iv ·l ou a mais magnâni- vindicar vingança ou compensação às pessoas ludibriadas ou
ma possível de se praticar em suas circunstâncias. Em malo- a outras. No entanto, ainda que a violação da verdade nem
gros lessa esp ' i , o mum nt nã se cl termina com pr ci- sempre resulte em transgressão das leis da justiça, é invaria-
são que r "gra vi la, ' L qual, p r s u turn , g ralmente ' de velmente transgressão de uma regra bastante clara, razão por
tal n::~turez, que embora sua obse.tvancia pudess ' nf rir Iirei- que naturalmente tende a cobrir de vergonha a pessoa que de-
to à honra e recompensa, a violação não parece expor a algum la é culpada.
opróbrio, censura positiva, ou punição. Os casuístas pare e m Parece haver nas crianças pequenas uma disposição ins-
ter considerado a p rári..a de tais virtudes como u ma e pé ·i tintiva a acreditar em tudo o que lhe dizem. A natureza parece
de remissão excessiva que, não se podendo exigir de modo ter julgado necessário para sua conservação que, ao menos por
demasiado estrito, era desnecessário abordar. certo tempo, depositassem confiança irrestrita nas pessoas a
Portanto, as transgressões do dever moral que se apresen- quem cabe o cuidado com sua infância, e das primeiras e mais
tavam perante o tribunal do confessor e que, por essa razão, se essenciais fases de sua educação. Sua credulidade, por essa
tornavam conhecidas dos casuístas, eram principalmente de três razão, é excessiva e é preciso uma longa experiência da fal-
diferentes espécies. sidade dos homens para reduzi-las a algum grau de descon-
Primeira, e principalmente, as transgressões das regras da fiança e suspeita. Em adultos, os graus de credulidade são, sem
justiça. Compreendem-se por tais regras todas as leis expressas dúvida, bastante distintos. Os mais sábios e experientes são
e positivas, de cuja viola ào naturalmente se segue a cons- geralmente os menos crédulos. Mas raro é o homem menos
ciência de merecer, e o medo de sofre r, o castigo de Deus e crédulo do que deveria, e que muitas vezes não dê crédito a
dos homens. contos que não apenas se mostram perfeitamente falsos, co-
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 419
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clero estabelecer como regra geral que lhes deviam confiar o Da segunda espécie são as transgressões das regras de
que já se tomara voga confiar-lhes, e o qu " universalmente lhes castidade. Estas, em todos os casos flagrantes, são as verdadei-
teriam confiado, a de5peito de não se estai el · r tal regra. Qua- ras transgressões das regras de justiça, e ninguém que delas
lificar-se para ouvir a confissão tornou-se então parte neces- seja culpado deixa de cometer a outro a mais imperdoável ofen-
sária do estudo de religioso e teólogos, de modo que foram sa. Em casos menos graves, quando não passam de violação do
levados a recolher os chamados casos de consciência, situa- exato decoro que se deveria observar no convívio entre os dois
ções delicadas e difíceis, nas quais é difíci l det rminar onde ra- sexos, não podem ser justamente consideradas como violações
dica a conveniência da conduta. Imaginavam que tais obras po- das regras da justiça. Em geral, porém, trata-se de violações de
deriam ser úteis para diretores de consciência e os que seriam uma regra bastante clara e, ao menos num dos sexos, tendem
dirigidos , donde a origem dos livros de casuística. a causar ignomínia à pessoa culpada, e, conseqüentemente, são
Os deveres morais submetidos ao crivo dos casuístas eram acompanhadas, nos escrupulosos, de algum grau de vergonha
prin ipalme nt . que em c rta medida pode m ser definidos e contrição de espírito.
por regra· gera · ·, cuja viola ão é naturalmente a ompanhad a A terceira espécie de transgressão diz respeito às regras
d ' erto grau de re mo rso e e rlo terro r as frer puni ·õcs. O de veracidade. Deve-se advertir que a violação da verdade nem
d í n!o cl . in. Lituir a · mfissã , o qu ocasi n >u uas obras sempre é uma transgressão das normas de justiça, embora isso
de casuística, era aplacar os terrores de consciência que acom- ocorra em muitas ocasiões, e, conseqüentemente, nem sempre
panham a infração desses deveres. Porém, nem toda a falta de são passíveis de expor a castigo externo. O vício da mentira
virtude vem acompanhada de compunção tão grave, e homem habitual, embora seja a mais miserável mesquinheza, com fre-
algum roga a seu confessor que o absolva p r não ter prati ·a- qüência a ninguém prejudica e, nesse caso, não se pode rei-
do a ação mais generosa, a mais a1n.'iv ·l ou a mais magnâni- vindicar vingança ou compensação às pessoas ludibriadas ou
ma possível de se praticar em suas circunstâncias. Em malo- a outras. No entanto, ainda que a violação da verdade nem
gros lessa esp ' i , o mum nt nã se cl termina com pr ci- sempre resulte em transgressão das leis da justiça, é invaria-
são que r "gra vi la, ' L qual, p r s u turn , g ralmente ' de velmente transgressão de uma regra bastante clara, razão por
tal n::~turez, que embora sua obse.tvancia pudess ' nf rir Iirei- que naturalmente tende a cobrir de vergonha a pessoa que de-
to à honra e recompensa, a violação não parece expor a algum la é culpada.
opróbrio, censura positiva, ou punição. Os casuístas pare e m Parece haver nas crianças pequenas uma disposição ins-
ter considerado a p rári..a de tais virtudes como u ma e pé ·i tintiva a acreditar em tudo o que lhe dizem. A natureza parece
de remissão excessiva que, não se podendo exigir de modo ter julgado necessário para sua conservação que, ao menos por
demasiado estrito, era desnecessário abordar. certo tempo, depositassem confiança irrestrita nas pessoas a
Portanto, as transgressões do dever moral que se apresen- quem cabe o cuidado com sua infância, e das primeiras e mais
tavam perante o tribunal do confessor e que, por essa razão, se essenciais fases de sua educação. Sua credulidade, por essa
tornavam conhecidas dos casuístas, eram principalmente de três razão, é excessiva e é preciso uma longa experiência da fal-
diferentes espécies. sidade dos homens para reduzi-las a algum grau de descon-
Primeira, e principalmente, as transgressões das regras da fiança e suspeita. Em adultos, os graus de credulidade são, sem
justiça. Compreendem-se por tais regras todas as leis expressas dúvida, bastante distintos. Os mais sábios e experientes são
e positivas, de cuja viola ào naturalmente se segue a cons- geralmente os menos crédulos. Mas raro é o homem menos
ciência de merecer, e o medo de sofre r, o castigo de Deus e crédulo do que deveria, e que muitas vezes não dê crédito a
dos homens. contos que não apenas se mostram perfeitamente falsos, co-
TEORIA DOS SENJIMENTOS MORAIS SÉ11MA PARTE 421
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mo ainda não poderiam parecer-lhe verdadeiros, se os exa- su~erioridade, de guia~ e clirig~r, pare ser inl immcnte pe-
minasse com um grau muito moderado de reflexão e aten- cuhar ao homem, e o dtscur o e o gnmcl ins rmmento da am-
ção. A disposição natural é sempre a acreditar. Apenas a sa- bição, da verdadeira superioridade, de guiar e dirigir os juízos
bedoria e experiência adquiridas ensinam a incredulidade, e e a conduta de outras pessoas•.
raramente a ensinam o bastante. O mais sábio e cauteloso de Sempre nos mortifica que não nos dêem crédito, e tal sen-
nós com freqüência dá crédito a histórias de que depois ele sação é dobrada quando suspeitamos de que isso ocorre por
mesmo se envergonha e se espanta de ter sequer cogitado em nos julgarem indignos de crédito, capazes de enganar alguém
nelas acreditar. de modo grave e deliberado. Dizer a um homem que ele men-
Necessariamente, o homem em quem acreditamos é, nas te é a mais mortal de todas as afrontas. Porém todos os que
coisas a que lhe damos crédito, nosso guia e conselheiro• e enganam de modo grave e deliberado necessariamente têm
erguemos os olhos para ele com certo grau de estima e res- consciência de merecer essa afronta, de não ser dignos de cren-
peito. Mas, do mesmo modo como, por admirarmos outras pes- ça, e de perder todo o direito ao único crédito que podem ex-
soas, passamos a desejar ser admirados também, por sermos trair de qualquer espécie de bem-estar, conforto ou satisfação
guiados e aconselhados por outras aprendemos a desejar que na companhia de seus iguais. O homem que por infortúnio ima-
nós mesmos nos tornemos guias e conselheiros. E uma vez ginasse que ninguém acreditaria numa só palavra por ele pro-
que nem sempre podemos nos satisfazer meramente com ser-. ferida se sentiria um pária da sociedade humana, temeria a sim-
mos admirados - a menos que, ao mesmo tempo, possamos ples idéia de introduzir-se nessa sociedade ou de apresentar-se
nos persuadir de sermos em algum grau realmente dignos de diante dela, e dificilmente seria capaz, penso eu, de evitar mor-
admiração -, nem sempre estamos satisfeitos meramente com rer de desespero. No entanto, é provável que homem algum
acreditarem em nós, a menos que, ao mesmo tempo, tenhamos jamais tenha tido justa razão de alimentar essa humilhante opi-
consciência de ser realmente dignos de crédito. Embora o de- nião de si mesmo. Inclino-me a acreditar que, para cada menti-
sejo de louvor e de ser louvável sejam muito semelhantes, são ra grave e deliberada, o mais notório mentiroso conta a verdade
não obstante desejos distintos e separados; do mesmo modo, pelo menos vinte vezes; e assim como entre os mais cautelo-
embora o desejo de ser objeto de crença e o de ser digno de sos a disposição de crer consegue prevalecer sobre a de du-
crença sejam muito semelhantes, são não obstante igualmente vidar e desconfiar, também entre os que mais negligenciam a
desejos separados e distintos. verdade a disposição natural de contá-la prevalece, na maioria
O desejo de ser objeto de crença, o desejo de persuadir, das ocasiões, sobre a de enganar, ou, em qualquer aspecto, de
de guiar, de dirigir outras pessoas parece ser um dos mais for- alterá-la ou disfarçá-la.
tes de todos os nossos desejos naturais. Talvez seja o instinto Mortifica-nos quando nos sucede enganar outras pessoas,
sobre o qual se funda a faculdade do discurso, faculdade ca- embora sem intenção, e quando os enganados somos nós.
racterística da natureza humana. Nenhum outro animal pos- Posto que essa falsidade involuntária com freqüência não in-
sui essa faculdade, e é impossível encontrar em qualquer ou- dique falta de veracidade, ou do mais perfeito amor à verda-
tro animal o desejo de guiar e dirigir o juízo e a conduta de seus de, sempre é, em algum grau, sinal de falta de discernimento,
semelhantes. Uma grande ambição, um desejo de verdadeira
• Crítica recorrente dos filósofos modernos ao poder gue o discurso
• "Director", no original. Poder-se-ia traduzir ainda como diretor, men- retórico tem de produzir crenças, não argumentos racionais. E de notar, en-
tor, mestre. Na seqüência, Smith emprega o verbo "to direct", que pode ser tretanto, que, ao contrário de alguns outros filósofos (como Descartes, por
traduzido como dirigir, aconselhar, orientar. (N. da R. T.) exemplo), Smith confia no bom uso da retórica. (N. el a R. T.)
TEORIA DOS SENJIMENTOS MORAIS SÉ11MA PARTE 421
420

mo ainda não poderiam parecer-lhe verdadeiros, se os exa- su~erioridade, de guia~ e clirig~r, pare ser inl immcnte pe-
minasse com um grau muito moderado de reflexão e aten- cuhar ao homem, e o dtscur o e o gnmcl ins rmmento da am-
ção. A disposição natural é sempre a acreditar. Apenas a sa- bição, da verdadeira superioridade, de guiar e dirigir os juízos
bedoria e experiência adquiridas ensinam a incredulidade, e e a conduta de outras pessoas•.
raramente a ensinam o bastante. O mais sábio e cauteloso de Sempre nos mortifica que não nos dêem crédito, e tal sen-
nós com freqüência dá crédito a histórias de que depois ele sação é dobrada quando suspeitamos de que isso ocorre por
mesmo se envergonha e se espanta de ter sequer cogitado em nos julgarem indignos de crédito, capazes de enganar alguém
nelas acreditar. de modo grave e deliberado. Dizer a um homem que ele men-
Necessariamente, o homem em quem acreditamos é, nas te é a mais mortal de todas as afrontas. Porém todos os que
coisas a que lhe damos crédito, nosso guia e conselheiro• e enganam de modo grave e deliberado necessariamente têm
erguemos os olhos para ele com certo grau de estima e res- consciência de merecer essa afronta, de não ser dignos de cren-
peito. Mas, do mesmo modo como, por admirarmos outras pes- ça, e de perder todo o direito ao único crédito que podem ex-
soas, passamos a desejar ser admirados também, por sermos trair de qualquer espécie de bem-estar, conforto ou satisfação
guiados e aconselhados por outras aprendemos a desejar que na companhia de seus iguais. O homem que por infortúnio ima-
nós mesmos nos tornemos guias e conselheiros. E uma vez ginasse que ninguém acreditaria numa só palavra por ele pro-
que nem sempre podemos nos satisfazer meramente com ser-. ferida se sentiria um pária da sociedade humana, temeria a sim-
mos admirados - a menos que, ao mesmo tempo, possamos ples idéia de introduzir-se nessa sociedade ou de apresentar-se
nos persuadir de sermos em algum grau realmente dignos de diante dela, e dificilmente seria capaz, penso eu, de evitar mor-
admiração -, nem sempre estamos satisfeitos meramente com rer de desespero. No entanto, é provável que homem algum
acreditarem em nós, a menos que, ao mesmo tempo, tenhamos jamais tenha tido justa razão de alimentar essa humilhante opi-
consciência de ser realmente dignos de crédito. Embora o de- nião de si mesmo. Inclino-me a acreditar que, para cada menti-
sejo de louvor e de ser louvável sejam muito semelhantes, são ra grave e deliberada, o mais notório mentiroso conta a verdade
não obstante desejos distintos e separados; do mesmo modo, pelo menos vinte vezes; e assim como entre os mais cautelo-
embora o desejo de ser objeto de crença e o de ser digno de sos a disposição de crer consegue prevalecer sobre a de du-
crença sejam muito semelhantes, são não obstante igualmente vidar e desconfiar, também entre os que mais negligenciam a
desejos separados e distintos. verdade a disposição natural de contá-la prevalece, na maioria
O desejo de ser objeto de crença, o desejo de persuadir, das ocasiões, sobre a de enganar, ou, em qualquer aspecto, de
de guiar, de dirigir outras pessoas parece ser um dos mais for- alterá-la ou disfarçá-la.
tes de todos os nossos desejos naturais. Talvez seja o instinto Mortifica-nos quando nos sucede enganar outras pessoas,
sobre o qual se funda a faculdade do discurso, faculdade ca- embora sem intenção, e quando os enganados somos nós.
racterística da natureza humana. Nenhum outro animal pos- Posto que essa falsidade involuntária com freqüência não in-
sui essa faculdade, e é impossível encontrar em qualquer ou- dique falta de veracidade, ou do mais perfeito amor à verda-
tro animal o desejo de guiar e dirigir o juízo e a conduta de seus de, sempre é, em algum grau, sinal de falta de discernimento,
semelhantes. Uma grande ambição, um desejo de verdadeira
• Crítica recorrente dos filósofos modernos ao poder gue o discurso
• "Director", no original. Poder-se-ia traduzir ainda como diretor, men- retórico tem de produzir crenças, não argumentos racionais. E de notar, en-
tor, mestre. Na seqüência, Smith emprega o verbo "to direct", que pode ser tretanto, que, ao contrário de alguns outros filósofos (como Descartes, por
traduzido como dirigir, aconselhar, orientar. (N. da R. T.) exemplo), Smith confia no bom uso da retórica. (N. el a R. T.)
TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 423
422
falta de memória, de credulidade inadequada, de algum grau de ocultar; e, em muitas ocasiões, exige pmdência e um forte
de pr ·ciplta :ão e im pu lsividad . mpr dim inui nossa au l~­ senso de conveniência governar essa, bem como todas as ou-
rida le pat< p rsuad ir, s mpr lança algum grau de. uspe t- tras paixões da natureza humana, reduzindo-a do plano que
L<J sol r n ssa ·tpa ida lc d guiar orientar. O ho mem que
3 qualquer espectador imparcial possa aprovar. Porém, se essa
à. vezes pe1 tt por rro, p r' m, muito diferente de quem curiosidade é mantida dentro de limites apropriados, e não visa
· ca paz de nganél r d Ubetaclam me. Em muitas oca iões é ao que com justa razão se deva ocultar, frustrá-la é por sua vez
p ) sívcl confiar, com ~gura n .a, no primeiro; no outro , mui- igualmente desagradável. O homem que se furta às nossas per-
to raramente. guntas mais inocentes, que não satisfaz nossas mais inofensivas
A franqueza e a sin ·eridade conquistam a confiança. Con- indagações, que claramente se esconde atrás de uma obscuri-
fiamos no homem que paJ·ec disposto a confiar em nós. Jul- dade impenetrável, parece construir, por assim dizer, um mu-
gamos ver claramente a estrada pela qual ele pretende nos ro em torno de seu peito. Acudimos para nele entrar com toda
conduzir, e abandonamo-nos com prazer à sua orientação e di- a impaciência de uma curiosidade inofensiva, mas sentimo-nos
reção. Ao contrário, reserva e sigilo provocam de. c nfia n a. Te- imediatamente empurrados para trás com a mais rude e ofen-
memos seguir o homem cujo ru m <.1 • nhecemos. Ademais siva violência.
o gra nde prazer do convívi e da sociedade surge de certa cor- Embora o homem reservado e discreto raramente seja de
respondência entre . eotimentos e opiniões, de certa harmo- caráter amável, não o desrespeitam ou o desprezam. Se parece
nia entre espíritos, que, a exemplo de inúmeros instrumentos frio para conosco, somos frios para com ele; uma vez que não
musicais, coincidem e mantêm o mesmo ritmo. Essa harmonia o louvamos nem o amamos em demasia, pouco o odiamos ou
tão encantadora, contudo, não pode ser alcançada, salvo se a o censuramos. Raras vezes, no entanto, tem a oportunidade
comunicação entre sentimentos e opiniões for livre. Por isso, de arrepender-se de sua cautela, antes, geralmente se inclina
todos de ·ejamos sentir como o outro é afetado, penetrar no a valorizar-se pela prudência de sua reserva. Portanto, ainda
peito do outro , e observar os sentimentos e afetos que realmen- que sua conduta possa ser muito imperfeita, por vezes até do-
te ali subsistem. O homem que nos permite essa paixão natu- lorosa, é raro tal homem inclinar-se a propor sua causa peran-
ral, qu no convida ao seu cora ào qu nos b re, p r ssim te os casuístas, ou imaginar que tenha qualquer chance de ser
dizer, p rtôes d s u peito, parece p1 ti ar a péc.ie de hos- absolvido ou aprovado.
pitalidade mai ncantadora. Nenhum horn m que ·eja de pra- O mesmo nem sempre ocorre quando se trata do homem
xe bem-humorado consegue desagradar, se tem a coragem que, por informação falsa, por inadvertência, por precipitação
de expressar seus reais senlimentos como os sente, e porqu e imprudência, enganou involuntariamente. Ainda que num as-
os sente. É essa sinceridade sem reservas que torna agradável sunto de pouca relevância, como por exemplo uma pequena
até mesmo a tagarelice de uma criança. Por mais fracas e im- novidade comum, trata-se de um verdadeiro amante da verda-
i rf itas que . ejam as piniões dos homellS de ora · o ai tto, de, envergonhar-se-á de seu próprio descuido, e jamais dei-
gosLamos de companil hã-las, de nos esfor ar, o m·1i p xará de aproveitar a primeira opottunidade para realizar a mais
·í el, pa ra rebaixa r n s o entendimento ao nível d sua completa confissão. Se o assunto tem alguma relevância, sua
pa lad para c ns id mr t do tema ã luz pruticular em qu contrição é ainda maior e, se de sua desinformação seguiu-se
mo tra m t ~ -lo considera o. E sa pa ixão de descobrir os reals alguma conseqüência infeliz ou fatal, será quase incapaz de al-
sentimentos de outros é naturalmente tão forte, que muitas gum dia se perdoar. Posto não seja culpado, sente que incor-
vezes degenera numa curiosidade importuna e impertinente de reu no mais alto grau do que os antigos chamavam de piacular, .
inquerir segredos que nossos próximos têm justificadas razões tornando-se ansioso e impaciente por fazer toda a sorte de re-
TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 423
422
falta de memória, de credulidade inadequada, de algum grau de ocultar; e, em muitas ocasiões, exige pmdência e um forte
de pr ·ciplta :ão e im pu lsividad . mpr dim inui nossa au l~­ senso de conveniência governar essa, bem como todas as ou-
rida le pat< p rsuad ir, s mpr lança algum grau de. uspe t- tras paixões da natureza humana, reduzindo-a do plano que
L<J sol r n ssa ·tpa ida lc d guiar orientar. O ho mem que
3 qualquer espectador imparcial possa aprovar. Porém, se essa
à. vezes pe1 tt por rro, p r' m, muito diferente de quem curiosidade é mantida dentro de limites apropriados, e não visa
· ca paz de nganél r d Ubetaclam me. Em muitas oca iões é ao que com justa razão se deva ocultar, frustrá-la é por sua vez
p ) sívcl confiar, com ~gura n .a, no primeiro; no outro , mui- igualmente desagradável. O homem que se furta às nossas per-
to raramente. guntas mais inocentes, que não satisfaz nossas mais inofensivas
A franqueza e a sin ·eridade conquistam a confiança. Con- indagações, que claramente se esconde atrás de uma obscuri-
fiamos no homem que paJ·ec disposto a confiar em nós. Jul- dade impenetrável, parece construir, por assim dizer, um mu-
gamos ver claramente a estrada pela qual ele pretende nos ro em torno de seu peito. Acudimos para nele entrar com toda
conduzir, e abandonamo-nos com prazer à sua orientação e di- a impaciência de uma curiosidade inofensiva, mas sentimo-nos
reção. Ao contrário, reserva e sigilo provocam de. c nfia n a. Te- imediatamente empurrados para trás com a mais rude e ofen-
memos seguir o homem cujo ru m <.1 • nhecemos. Ademais siva violência.
o gra nde prazer do convívi e da sociedade surge de certa cor- Embora o homem reservado e discreto raramente seja de
respondência entre . eotimentos e opiniões, de certa harmo- caráter amável, não o desrespeitam ou o desprezam. Se parece
nia entre espíritos, que, a exemplo de inúmeros instrumentos frio para conosco, somos frios para com ele; uma vez que não
musicais, coincidem e mantêm o mesmo ritmo. Essa harmonia o louvamos nem o amamos em demasia, pouco o odiamos ou
tão encantadora, contudo, não pode ser alcançada, salvo se a o censuramos. Raras vezes, no entanto, tem a oportunidade
comunicação entre sentimentos e opiniões for livre. Por isso, de arrepender-se de sua cautela, antes, geralmente se inclina
todos de ·ejamos sentir como o outro é afetado, penetrar no a valorizar-se pela prudência de sua reserva. Portanto, ainda
peito do outro , e observar os sentimentos e afetos que realmen- que sua conduta possa ser muito imperfeita, por vezes até do-
te ali subsistem. O homem que nos permite essa paixão natu- lorosa, é raro tal homem inclinar-se a propor sua causa peran-
ral, qu no convida ao seu cora ào qu nos b re, p r ssim te os casuístas, ou imaginar que tenha qualquer chance de ser
dizer, p rtôes d s u peito, parece p1 ti ar a péc.ie de hos- absolvido ou aprovado.
pitalidade mai ncantadora. Nenhum horn m que ·eja de pra- O mesmo nem sempre ocorre quando se trata do homem
xe bem-humorado consegue desagradar, se tem a coragem que, por informação falsa, por inadvertência, por precipitação
de expressar seus reais senlimentos como os sente, e porqu e imprudência, enganou involuntariamente. Ainda que num as-
os sente. É essa sinceridade sem reservas que torna agradável sunto de pouca relevância, como por exemplo uma pequena
até mesmo a tagarelice de uma criança. Por mais fracas e im- novidade comum, trata-se de um verdadeiro amante da verda-
i rf itas que . ejam as piniões dos homellS de ora · o ai tto, de, envergonhar-se-á de seu próprio descuido, e jamais dei-
gosLamos de companil hã-las, de nos esfor ar, o m·1i p xará de aproveitar a primeira opottunidade para realizar a mais
·í el, pa ra rebaixa r n s o entendimento ao nível d sua completa confissão. Se o assunto tem alguma relevância, sua
pa lad para c ns id mr t do tema ã luz pruticular em qu contrição é ainda maior e, se de sua desinformação seguiu-se
mo tra m t ~ -lo considera o. E sa pa ixão de descobrir os reals alguma conseqüência infeliz ou fatal, será quase incapaz de al-
sentimentos de outros é naturalmente tão forte, que muitas gum dia se perdoar. Posto não seja culpado, sente que incor-
vezes degenera numa curiosidade importuna e impertinente de reu no mais alto grau do que os antigos chamavam de piacular, .
inquerir segredos que nossos próximos têm justificadas razões tornando-se ansioso e impaciente por fazer toda a sorte de re-
SÉTIMA PARTE 425
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS
424
mo supondo-se que suas demonstrações sejam justas, poderiam
paração qu esúv r em s u poder. Tal pessoa poderia freqüen- ter pouca utilidade para quem as consultasse ocasionalmente
tcment ln ·li.nar- ' a propor sua causa perante s casuí tas, . porq~e, malgrado a multiplicidade de precedentes compilados:
quais de ~:nodo g ralllie sào muito favoráveis, pois embora ã · prectsamente por causa da variedade ainda maior de circuns-
vezes tenl1am-no · ndenado jusmm nte pela sua imprudên- tâncias possíveis, será um acaso se, entre todos esses casos,
cia, universalmente ab. olverarn de i momí.nia e fa lsidade. encontrar-se um exato paralelo com o que se está considerando.
Mas o hom 111 qu com mais fr qüêncla tinha ·a lão de
Será muito fraco quem, preocupando-se realmente em cumprir
consultá-! et o pr 'varicador, o homem de espú·iro re · rvado, seu dever, puder imaginar que achará ocasião para tais prece-
CJlle de m do grnv delib rado pretendia eng-anar, embora ao dentes. Quanto a quem negligencia seu dever, provavelmen-
mesrno tempo de ja se per uad ir-se d qu e realmenre di e- te o estilo desses escritos não lhe despertará muita atenção.
ra a verdad . Com tal h mem pro cliam de várias maneiras.
Nenhum deles tende a animar-nos a praticar algo generoso e
1.mndo apr vavam loten am nt o. motivos que o levaram
nobre, nenhum deles tende a nos enternecer com o que é hu-
iludir, por vezes o ab. olviam. Ma. , para fazer-Ih · justiça, em mano e gentil. Ao contrário, muitos deles tendem a nos ensi-
geral e com muito mais fr qüên ia o ndenavam. nar a ~sar ~e chicanas com nossa própria consciência e, por
Jlortamo, os principais t ma~ da obras dos casuístas cuida-
suas vas suttlezas, setvem para autorizar um sem-número de re-
vam do resp ito onsci nd so u d ve às r gras da justiça;
finamentos evasivos quanto aos mais essenciais artigos de nos-
em que medida d v ríamos re p ltar a vi.d·1 :1 pr priedade de
so dever. A acurácia frívola que tentam introduzir nos assun-
n s próximo; o dev ·de restituição; • s 1 ís da au ti ladc e mo-
t~s que não a admitem necessariamente quase traiu seus pe-
d'stía, e m q ue consistiam, l a' rd ' m sua linguagem, os ngosos erros, tornando , ao mesmo tempo, suas obras secas e
d1am< dos pec-tdos da on u i ·cên ià, as regras da vera 'da-
desagradáveis, abundantes em distinções metafísicas e abstru-
le, a brigação de cumprir pa tos, prom ssa e conn·aro d
sas, e portanto incapazes de suscitar no coração as emoções
todas as e pécie . que os livros de moral têm como principal utilidade suscitar.
De m do geral, pode-se dizer que as obras dos casuístas
, Por conseguinte, as duas partes úteis da filosofia moral são
em vão tentaram o rientar, por meio de regras precisas, o que
a Etica e a Jurisprudência. Dever-se-ia rejeitar inteiramente a
ap ··na o ntimento c a ema ão p dem ju lgar. Como é p s-
casuística. Quanto aos antigos moralistas, ao tratarem dos mes-
sív J del rminar por intermédio d regras o ponto exat m mos assuntos, mostram-se juízes muito melhores, pois nada
que, 111 cada ca:o um delicado sen._ de j t.l tiça m "<I a · in-
afetaram dessa exatidão escrupulosa, contentando-se em des-
cidir m uma frívola e fraca scrupu l sidatle d cons iêo ·ia?
crever de maneira geral o sentimento sobre o qual se fundam
Qua ndo o segr d c a reserva com' ama Lra.ns~ rm r-
a ju li a, mod' tia, a veracidade, e qual o meio de ação rdi-
d ís im ula ão? Até que pomo se p d ir com urna ir nj. gra-
n rlo a que es a virtudes habiLualmente nos incitariam.
dáv 1 m qu momento exato come a a degenerar muna de-
Vários EWsofos, na verdade, íotenta ram aJg ·emelhan
testável m atira? Qual e pode consid rar pico grados
à doutrina dos casuístas . Algo assim se encontra no terceiro
agradável da liberdade e do sossego no modo lc agir, e quan-
livro de De Officiis de Cícero, onde o autor se esforça, como um
do começa a transformar-se em licenciosidade negli nte e im-
casuísta, por fornecer regras para nossa conduta em casos de-
pensada? No que diz respeito a todas essas questões, o que num
masiado sutis, casos em que é difícil determinar onde reside a
caso seria bom talvez não fosse em outro, e o que constitui a
exata conveniência. Muitas passagens do mesmo livro mostram
conveniência e felicidade de comportamento varia em cada ca-
ainda que vários outros filósofos anteriores a Cícero intentaram
so, confi 1111 a menor mudança de situação. Por isso, os livros
algo parecido. Mas nem Cícero, nem esses outros revelam ter
de ca uí rica em geral são tão inúteis quanto enfadonhos. Mes-
SÉTIMA PARTE 425
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS
424
mo supondo-se que suas demonstrações sejam justas, poderiam
paração qu esúv r em s u poder. Tal pessoa poderia freqüen- ter pouca utilidade para quem as consultasse ocasionalmente
tcment ln ·li.nar- ' a propor sua causa perante s casuí tas, . porq~e, malgrado a multiplicidade de precedentes compilados:
quais de ~:nodo g ralllie sào muito favoráveis, pois embora ã · prectsamente por causa da variedade ainda maior de circuns-
vezes tenl1am-no · ndenado jusmm nte pela sua imprudên- tâncias possíveis, será um acaso se, entre todos esses casos,
cia, universalmente ab. olverarn de i momí.nia e fa lsidade. encontrar-se um exato paralelo com o que se está considerando.
Mas o hom 111 qu com mais fr qüêncla tinha ·a lão de
Será muito fraco quem, preocupando-se realmente em cumprir
consultá-! et o pr 'varicador, o homem de espú·iro re · rvado, seu dever, puder imaginar que achará ocasião para tais prece-
CJlle de m do grnv delib rado pretendia eng-anar, embora ao dentes. Quanto a quem negligencia seu dever, provavelmen-
mesrno tempo de ja se per uad ir-se d qu e realmenre di e- te o estilo desses escritos não lhe despertará muita atenção.
ra a verdad . Com tal h mem pro cliam de várias maneiras.
Nenhum deles tende a animar-nos a praticar algo generoso e
1.mndo apr vavam loten am nt o. motivos que o levaram
nobre, nenhum deles tende a nos enternecer com o que é hu-
iludir, por vezes o ab. olviam. Ma. , para fazer-Ih · justiça, em mano e gentil. Ao contrário, muitos deles tendem a nos ensi-
geral e com muito mais fr qüên ia o ndenavam. nar a ~sar ~e chicanas com nossa própria consciência e, por
Jlortamo, os principais t ma~ da obras dos casuístas cuida-
suas vas suttlezas, setvem para autorizar um sem-número de re-
vam do resp ito onsci nd so u d ve às r gras da justiça;
finamentos evasivos quanto aos mais essenciais artigos de nos-
em que medida d v ríamos re p ltar a vi.d·1 :1 pr priedade de
so dever. A acurácia frívola que tentam introduzir nos assun-
n s próximo; o dev ·de restituição; • s 1 ís da au ti ladc e mo-
t~s que não a admitem necessariamente quase traiu seus pe-
d'stía, e m q ue consistiam, l a' rd ' m sua linguagem, os ngosos erros, tornando , ao mesmo tempo, suas obras secas e
d1am< dos pec-tdos da on u i ·cên ià, as regras da vera 'da-
desagradáveis, abundantes em distinções metafísicas e abstru-
le, a brigação de cumprir pa tos, prom ssa e conn·aro d
sas, e portanto incapazes de suscitar no coração as emoções
todas as e pécie . que os livros de moral têm como principal utilidade suscitar.
De m do geral, pode-se dizer que as obras dos casuístas
, Por conseguinte, as duas partes úteis da filosofia moral são
em vão tentaram o rientar, por meio de regras precisas, o que
a Etica e a Jurisprudência. Dever-se-ia rejeitar inteiramente a
ap ··na o ntimento c a ema ão p dem ju lgar. Como é p s-
casuística. Quanto aos antigos moralistas, ao tratarem dos mes-
sív J del rminar por intermédio d regras o ponto exat m mos assuntos, mostram-se juízes muito melhores, pois nada
que, 111 cada ca:o um delicado sen._ de j t.l tiça m "<I a · in-
afetaram dessa exatidão escrupulosa, contentando-se em des-
cidir m uma frívola e fraca scrupu l sidatle d cons iêo ·ia?
crever de maneira geral o sentimento sobre o qual se fundam
Qua ndo o segr d c a reserva com' ama Lra.ns~ rm r-
a ju li a, mod' tia, a veracidade, e qual o meio de ação rdi-
d ís im ula ão? Até que pomo se p d ir com urna ir nj. gra-
n rlo a que es a virtudes habiLualmente nos incitariam.
dáv 1 m qu momento exato come a a degenerar muna de-
Vários EWsofos, na verdade, íotenta ram aJg ·emelhan
testável m atira? Qual e pode consid rar pico grados
à doutrina dos casuístas . Algo assim se encontra no terceiro
agradável da liberdade e do sossego no modo lc agir, e quan-
livro de De Officiis de Cícero, onde o autor se esforça, como um
do começa a transformar-se em licenciosidade negli nte e im-
casuísta, por fornecer regras para nossa conduta em casos de-
pensada? No que diz respeito a todas essas questões, o que num
masiado sutis, casos em que é difícil determinar onde reside a
caso seria bom talvez não fosse em outro, e o que constitui a
exata conveniência. Muitas passagens do mesmo livro mostram
conveniência e felicidade de comportamento varia em cada ca-
ainda que vários outros filósofos anteriores a Cícero intentaram
so, confi 1111 a menor mudança de situação. Por isso, os livros
algo parecido. Mas nem Cícero, nem esses outros revelam ter
de ca uí rica em geral são tão inúteis quanto enfadonhos. Mes-
426 TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 427

I uscado ofer r um sist ' tl'l::l ·ompJ to d ssas r gras. Apenas mereçam a mais nobre autoridade, pois são registros dos sen-
pr renderam m tr<u· o m > corr o situaçôes em que duvi- timentos da humanidade em diferentes épocas e nações, os sis-
loso se a ma i r c nve niência la ·ondu w con ·i te, nos casos temas de lei positiva nunca podem ser considerados como
ordinários, em observar o que são as regras do dever, ou em acurados sistemas das regras da justiça natural.
retrocéder a essas regras. Poder-se-ia esperar que as argumentações dos advoga-
. Todo sistema de lei positiva pode ser considerado uma dos sobre as diferentes imperfeições e progressos das leis nos
1 tentativa mais ou menos imperfeita de se atingir um sistema diferentes países proporcionassem uma investigação acerca
de jurisprudência natural, ou uma enumeração das regras par- do que são as regras naturais da justiça, independentemente de
ticulares de justiça. Como jamais aceitarão uns dos outros a vio- toda a instituição positiva. Poder-se-ia esperar que tais argumen-
I lação da jusliça o magist.n:1do pübli o n e , ita empr ga r o tações os levassem a visar ao estabelecimento de um sistema
/ po er da re púl lica para fazer cum prir a prática d sa virLud ·. do que se poderia chamar, com propriedade, de jurisprudência
Se m ' sa p re t~ uçào, a so iedade ivil m hr ve · ro maria um natural, ou uma teoria dos princípios gerais que deveriam per-
·c. : ni:í rio de amitlcina e desord m 1 is acla homem se vin- passar e fundamentar as leis de todas as nações. No entanto
ga ria ·om uas próprias m. os sem pre que se imagina ·s fen- ainda que a argumentação dos advogados realmente tenha pro~
dido. A t1m d prevenir a confusão qu s se uiria d cada um duzido algo dessa espécie, ainda que homem algum tratasse sis-
fazer ju tiça por si mesmo m todo · gove rnos tU • adqui- tematicamente as leis de qualquer país sem entremear suas
riram uma autoridade ·ons ideráv l o ma istrado mpr end obras com muitas observações como essa, apenas muito recen-
fazer justiça a todos, prometendo ouvir e reparar todo o plei- temente foi P?ssível pensar em algum desses sistemas gerais,
to de ofensa. Ainda, em todos os Estados bem governados não ou tratar em st mesma a filosofia do direito, sem levar em conta
apenas incUcam-s juízes para decidir as controv rsias dos in- as instituições pa1ticulares de qualquer nação. Em nenhum dos
di ídu :, ·omo r>r screv ~ m-se regras para r guiar as decisões antigos moralistas encontramos uma tentativa de enumerar de
dess s juíz s; · em g ·ral a intençào d ssas regra ê <>incidir mo~o ~specífico as re_gras da justiça. Cícero em seu De Ojficlis
com as da justiça natural. De fato, isso nem sempre ocorre em e Anstoteles em sua Etica tratam a justiça com a mesma gen -
todos os casos. Às vezes, o que se chama de constituição do !idade com que tratam todas as demais virtudes. Nas Leis de Cí-
Estado, isto é, o interesse do governo; as vezes, o interesse de cero e de Platão, em que naturalmente seria de esperar algu-
Orde n ' particular de h m nS que til'aOi:zam o 0Vern , p r-
1 mas tentativas de se enumerarem as regras de eqüidade natural
ve rtem as le is p sitivas lo p aís, contra riando o que a justi a que as leis positivas de todo país deveriam fazer cumprir, nada
, natural pres rev ria. Em algu ns p aís , a rudeza e barbarísn] se encontra nesse sentido. Suas leis se referem à ordem públi-
'c1 • bom ns imped m o sentiment s naturais de justi a d ca•, não à justiça. Grotius parece ter sido o primeiro a intentar
, alam ar a a urácia e pr cisão que, nas nações mais d viliza- oferecer ao mundo algo semelhante a um sistema dos princí-
1 da · naturàlm nt atinge m. A exe mpl de s us costumes, suas pios que deveriam perpassar e fundamentar as leis de todas
l i s·io g rc s ira , rude e indiscernive i . Em outros países a as nações, e seu tratado das leis de guerra e paz, apesar de to-
desgra ada ·oostituição d setl tribunais de jusliça impede das as suas imperfeições, talvez seja até hoje a obra mais com-
o estab !e imento d o ua lqu >r istema r guiar de jurisprudên- pleta que já se fez sobre esse assunto••. Em outro discurso tra-
cia, ainda que os costumes desenvolvidos do povo admitissem
I o sistema mais acurado. Em nenhum país as determinações da
I ' "Police", no original. Smith se refere à execução ela justiça e à manu-
lei positiva coincidem exatame nte, em cada caso, com as re- tenção da paz doméstica. (N. da R. T.)
1 gras que o senso natural cl justlça ditaria. Portanto, embora " Grotius, De luiT! Bel/i. (N. da R. T.)
426 TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS SÉTIMA PARTE 427

I uscado ofer r um sist ' tl'l::l ·ompJ to d ssas r gras. Apenas mereçam a mais nobre autoridade, pois são registros dos sen-
pr renderam m tr<u· o m > corr o situaçôes em que duvi- timentos da humanidade em diferentes épocas e nações, os sis-
loso se a ma i r c nve niência la ·ondu w con ·i te, nos casos temas de lei positiva nunca podem ser considerados como
ordinários, em observar o que são as regras do dever, ou em acurados sistemas das regras da justiça natural.
retrocéder a essas regras. Poder-se-ia esperar que as argumentações dos advoga-
. Todo sistema de lei positiva pode ser considerado uma dos sobre as diferentes imperfeições e progressos das leis nos
1 tentativa mais ou menos imperfeita de se atingir um sistema diferentes países proporcionassem uma investigação acerca
de jurisprudência natural, ou uma enumeração das regras par- do que são as regras naturais da justiça, independentemente de
ticulares de justiça. Como jamais aceitarão uns dos outros a vio- toda a instituição positiva. Poder-se-ia esperar que tais argumen-
I lação da jusliça o magist.n:1do pübli o n e , ita empr ga r o tações os levassem a visar ao estabelecimento de um sistema
/ po er da re púl lica para fazer cum prir a prática d sa virLud ·. do que se poderia chamar, com propriedade, de jurisprudência
Se m ' sa p re t~ uçào, a so iedade ivil m hr ve · ro maria um natural, ou uma teoria dos princípios gerais que deveriam per-
·c. : ni:í rio de amitlcina e desord m 1 is acla homem se vin- passar e fundamentar as leis de todas as nações. No entanto
ga ria ·om uas próprias m. os sem pre que se imagina ·s fen- ainda que a argumentação dos advogados realmente tenha pro~
dido. A t1m d prevenir a confusão qu s se uiria d cada um duzido algo dessa espécie, ainda que homem algum tratasse sis-
fazer ju tiça por si mesmo m todo · gove rnos tU • adqui- tematicamente as leis de qualquer país sem entremear suas
riram uma autoridade ·ons ideráv l o ma istrado mpr end obras com muitas observações como essa, apenas muito recen-
fazer justiça a todos, prometendo ouvir e reparar todo o plei- temente foi P?ssível pensar em algum desses sistemas gerais,
to de ofensa. Ainda, em todos os Estados bem governados não ou tratar em st mesma a filosofia do direito, sem levar em conta
apenas incUcam-s juízes para decidir as controv rsias dos in- as instituições pa1ticulares de qualquer nação. Em nenhum dos
di ídu :, ·omo r>r screv ~ m-se regras para r guiar as decisões antigos moralistas encontramos uma tentativa de enumerar de
dess s juíz s; · em g ·ral a intençào d ssas regra ê <>incidir mo~o ~specífico as re_gras da justiça. Cícero em seu De Ojficlis
com as da justiça natural. De fato, isso nem sempre ocorre em e Anstoteles em sua Etica tratam a justiça com a mesma gen -
todos os casos. Às vezes, o que se chama de constituição do !idade com que tratam todas as demais virtudes. Nas Leis de Cí-
Estado, isto é, o interesse do governo; as vezes, o interesse de cero e de Platão, em que naturalmente seria de esperar algu-
Orde n ' particular de h m nS que til'aOi:zam o 0Vern , p r-
1 mas tentativas de se enumerarem as regras de eqüidade natural
ve rtem as le is p sitivas lo p aís, contra riando o que a justi a que as leis positivas de todo país deveriam fazer cumprir, nada
, natural pres rev ria. Em algu ns p aís , a rudeza e barbarísn] se encontra nesse sentido. Suas leis se referem à ordem públi-
'c1 • bom ns imped m o sentiment s naturais de justi a d ca•, não à justiça. Grotius parece ter sido o primeiro a intentar
, alam ar a a urácia e pr cisão que, nas nações mais d viliza- oferecer ao mundo algo semelhante a um sistema dos princí-
1 da · naturàlm nt atinge m. A exe mpl de s us costumes, suas pios que deveriam perpassar e fundamentar as leis de todas
l i s·io g rc s ira , rude e indiscernive i . Em outros países a as nações, e seu tratado das leis de guerra e paz, apesar de to-
desgra ada ·oostituição d setl tribunais de jusliça impede das as suas imperfeições, talvez seja até hoje a obra mais com-
o estab !e imento d o ua lqu >r istema r guiar de jurisprudên- pleta que já se fez sobre esse assunto••. Em outro discurso tra-
cia, ainda que os costumes desenvolvidos do povo admitissem
I o sistema mais acurado. Em nenhum país as determinações da
I ' "Police", no original. Smith se refere à execução ela justiça e à manu-
lei positiva coincidem exatame nte, em cada caso, com as re- tenção da paz doméstica. (N. da R. T.)
1 gras que o senso natural cl justlça ditaria. Portanto, embora " Grotius, De luiT! Bel/i. (N. da R. T.)
428 TEORIA DOS SEN77MENTOS MORAIS

tarei de explicar os princípios gerais da lei e do governo, e das


diferentes revoluções que experimentaram nos diferentes tem-
pos e períodos da sociedade, não apenas no que diz respeito
à justiça, mas à ordem e à fa zenda p ública, a exér ·ito e tu.-
do o mais que seja objeto da I i. P01trt nto, nã me stendere1,
CONSIDERAÇÕES SOBRE A
nesta obra, sobre as minúcias da história da jurisprudência•. PRIMEIRA FORMAÇÃO DAS
LÍNGUAS E SOBRE A DIFERENÇA
DE GÊNIO ENTRE AS LÍNGUAS
ORIGINAIS E COMPOSTAS*

• Trata-se de A riqueza das nações, de 1776. (N. da R. T.) • Cotejamos o original à versão francesa de]. Mauget, Genebra, 1809.
428 TEORIA DOS SEN77MENTOS MORAIS

tarei de explicar os princípios gerais da lei e do governo, e das


diferentes revoluções que experimentaram nos diferentes tem-
pos e períodos da sociedade, não apenas no que diz respeito
à justiça, mas à ordem e à fa zenda p ública, a exér ·ito e tu.-
do o mais que seja objeto da I i. P01trt nto, nã me stendere1,
CONSIDERAÇÕES SOBRE A
nesta obra, sobre as minúcias da história da jurisprudência•. PRIMEIRA FORMAÇÃO DAS
LÍNGUAS E SOBRE A DIFERENÇA
DE GÊNIO ENTRE AS LÍNGUAS
ORIGINAIS E COMPOSTAS*

• Trata-se de A riqueza das nações, de 1776. (N. da R. T.) • Cotejamos o original à versão francesa de]. Mauget, Genebra, 1809.
Considerações sobre a primeira
formação das línguas etc.

A invenção de certos nomes particulares para denotar obje-


tos particulares, isto é, a criação de nomes substantivos, seria
provavelmente um dos primeiros passos para a formação da
língua. Dois selvagens que nunca tivessem aprendido a falar,
mas que crescessem longe do convívio dos homens, natural-
mente começariam a formar a língua com a qual se esforçariam
para dar a conhecer suas carências mútuas, emitindo certos
sons sempre que desejassem denotar certos objetos. Apenas
aos objetos que lhes fossem mais familiares e que com maior
freqüência tivessem a ocasião ele mencionar atribuiriam nomes
particulares. Assim, a caverna particular que os abrigasse do
mau tempo, a árvore particular que aliviasse sua fome, a fon-
te particular cuja água saciasse sua sede, seriam primeiro de-
signadas pelos termos caverna, árvore, fonte, ou por quaisquer
outros nomes que julgassem apropriados para marcá-las nesse
jargão primitivo. Depois, quando uma experiência mais ampla
levasse esses selvagens a observar outras cavernas, outras árvo-
res e outras fontes, e suas necessidades obrigassem-nos a men-
cioná-las, ver-se-iam naturalmente inclinados a atribuir a cada
um desses novos objetos o mesmo nome pelo qual se acostu-
maram a expressar o objeto similar que primeiramente conhe-
ceram. Nenhum desses novos objetos teria um nome que lhe
fosse próprio, mas cada um deles se assemelharia exatamente
a outro objeto que recebera tal nome. Seria impossível àqueles
selvagens contemplar os novos objetos sem recordar os antigos,
e sem recordar o nome dos antigos, com os quais os novos
guardavam tal semelhança. Portanto, quando achassem ocasião
Considerações sobre a primeira
formação das línguas etc.

A invenção de certos nomes particulares para denotar obje-


tos particulares, isto é, a criação de nomes substantivos, seria
provavelmente um dos primeiros passos para a formação da
língua. Dois selvagens que nunca tivessem aprendido a falar,
mas que crescessem longe do convívio dos homens, natural-
mente começariam a formar a língua com a qual se esforçariam
para dar a conhecer suas carências mútuas, emitindo certos
sons sempre que desejassem denotar certos objetos. Apenas
aos objetos que lhes fossem mais familiares e que com maior
freqüência tivessem a ocasião ele mencionar atribuiriam nomes
particulares. Assim, a caverna particular que os abrigasse do
mau tempo, a árvore particular que aliviasse sua fome, a fon-
te particular cuja água saciasse sua sede, seriam primeiro de-
signadas pelos termos caverna, árvore, fonte, ou por quaisquer
outros nomes que julgassem apropriados para marcá-las nesse
jargão primitivo. Depois, quando uma experiência mais ampla
levasse esses selvagens a observar outras cavernas, outras árvo-
res e outras fontes, e suas necessidades obrigassem-nos a men-
cioná-las, ver-se-iam naturalmente inclinados a atribuir a cada
um desses novos objetos o mesmo nome pelo qual se acostu-
maram a expressar o objeto similar que primeiramente conhe-
ceram. Nenhum desses novos objetos teria um nome que lhe
fosse próprio, mas cada um deles se assemelharia exatamente
a outro objeto que recebera tal nome. Seria impossível àqueles
selvagens contemplar os novos objetos sem recordar os antigos,
e sem recordar o nome dos antigos, com os quais os novos
guardavam tal semelhança. Portanto, quando achassem ocasião
432 TEORIA DOS SENTIMhNTOS MORAIS DISSERTAÇÃO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS 433

de mencionar ou apontar um para o outro qualquer dos novos É essa aplicação do nome de um indivíduo a uma grande
objetos, naturalmente pronunciariam o nome de seu correspon- multidão de objetos, cuja semelhança naturalmente recorda a
dente antigo, cuja idéia não poderia deixar, nesse momento, de idéia desse indivíduo e do nome que o expressa, o que parece
apresentar-se, da maneira mais intensa e viva, à sua memória. originalmente ter ocasionado a formação das classes e dos agru-
E assim cada uma dessas palavras, que originalmente haviam pamentos chamados nas escolas de gêneros e espécies, e cuja
sido nomes próprios de indivíduos, imperceptivelmente se con- explicação da origem deixa tão perplexo o engenhoso e elo-
verteria no nome comum de uma multidão. Uma criança que qüente M. Rousseau de Genebra'. O que constitui uma espé-
está aprendendo a falar chama toda pessoa que entra na casa cie é simplesmente uma coleção de objetos, com certo grau de
de papai ou mamãe, conferindo assim a toda a espécie o~ no- semelhança entre si e, por essa razão, denominados por um
mes que aprendera a aplicar a dois indivíduos. Conhect um só termo, o qual pode ser aplicado para expressar qualquer
camponês que não sabia o nome próprio do rio que corria dian- um deles.
te de sua porta. Era o rio, dizia, e nunca ouvira nenhum outro Quando então se dispôs a maioria dos objetos sob suas
nome para isso. Ao que parece, sua experiência não o levara classes e grupos apropriados, distinguindo-os por esses nomes
a observar nenhum outro rio. Está claro, pois, que em sua acep- gerais, tornou-se impossível conferir à grande parte desse nú-
ção a palavra geral rio era um nome próprio, significando um mero quase infinito de indivíduos, compreendidos em cada gru-
objeto individual. Caso o levassem até outro rio, não o te_ria po ou espécie particular, nomes peculiares ou próprios, distin-
prontamente chamado de rio? Seria possível supormos alguem tos dos nomes gerais da espécie. Por conseguinte, quando havia
que, vivendo às margens do Tâmisa, fosse tão ig~orante a p.o.n- ocasião de mencionar algum objeto particular, não raro fazia-se
to de não conhecer a palavra geral rio, mas que tivesse famtha- necessário distingui-lo de outros objetos compreendidos sob
ridade apenas com a palavra particular Tâmisa, se levada até o mesmo nome geral, quer, em primeiro lugar, por meio de
outro rio, não o chamar prontamente de um Tâmisa? Isso, na suas qualidades peculiares, quer, em segundo lugar, por meio
realidade, é o que estão aptos a fazer os que conhecem bem da relação peculiar que guardava com outras coisas. Donde a
a palavra geral. Ao descrever um grande rio que tivesse visto necessária origem de dois outros grupos de palavras, um dos
num país estrangeiro, um inglês naturalmente diz que se trata quais destinado a exprimir a qualidade; o outro, a relação.
de outro Tâmisa. Quando os espanhóis aportaram pela primeira Nomes adjetivos são palavras que expressam uma quali-
vez na costa do México, tendo observado a riqueza, a popula- dade considerada como qualificadora de qualquer sujeito par-
ção e moradias daquele belo país, tão superiores às das nações ticular, ou, como dizem os escolásticos, em concreto com esse
selvagens que haviam antes visitado, exclamaram que se tra- sujeito. Desse modo, a palavra verde exprime certa qualidade
tava de outra Espanha. Donde chamarem-no de Nova Espanha, considerada como qualificadora de um sujeito, ou em concreto
nome que esse infeliz país retém desde então. Da mesma ma- com o sujeito particular ao qual pode ser aplicada. É evidente
neira, dizemos que determinado herói é um Alexandre; que um
orador é um Cícero, que certo filósofo é um Newton. Esse modo
de falar, que os gramáticos chamam antonomásia, e que ainda 1. Origine de l'Inégalité. Partie premiere, pp. 376-7. Édition d'Amster-
é extremamente comum, posto que agora não seja de todo ne- dam des Oeuvres diverses de].-]. Rousseau•.
• Talvez Smith esteja se referindo à seguinte passagem: "Cada objeto
cessário, demonstra quanto os homens são naturalmente incli- recebeu de início um nome particular, sem levar em consideração os gê-
nados a dar a um objeto o nome de um outro com o qual man- neros e as espécies, que esses primeiros instituidores não estavam em con-
tenha uma estreita semelhança, e assim denominar uma mul- dições de distinguir (. .. ), pois para classificar os seres em denominações co-
tidão por uma palavra que foi originalmente designada para muns e genéricas cumpria conhecer-lhes as propriedades e as diferenças"
(Discurso sobre a origem e os ftmdamentos da desigualdade entre os ho-
expressar um indivíduo. mens, São Paulo, Martins Fontes, 1993, p. 164.). (N. da R. T.)
432 TEORIA DOS SENTIMhNTOS MORAIS DISSERTAÇÃO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS 433

de mencionar ou apontar um para o outro qualquer dos novos É essa aplicação do nome de um indivíduo a uma grande
objetos, naturalmente pronunciariam o nome de seu correspon- multidão de objetos, cuja semelhança naturalmente recorda a
dente antigo, cuja idéia não poderia deixar, nesse momento, de idéia desse indivíduo e do nome que o expressa, o que parece
apresentar-se, da maneira mais intensa e viva, à sua memória. originalmente ter ocasionado a formação das classes e dos agru-
E assim cada uma dessas palavras, que originalmente haviam pamentos chamados nas escolas de gêneros e espécies, e cuja
sido nomes próprios de indivíduos, imperceptivelmente se con- explicação da origem deixa tão perplexo o engenhoso e elo-
verteria no nome comum de uma multidão. Uma criança que qüente M. Rousseau de Genebra'. O que constitui uma espé-
está aprendendo a falar chama toda pessoa que entra na casa cie é simplesmente uma coleção de objetos, com certo grau de
de papai ou mamãe, conferindo assim a toda a espécie o~ no- semelhança entre si e, por essa razão, denominados por um
mes que aprendera a aplicar a dois indivíduos. Conhect um só termo, o qual pode ser aplicado para expressar qualquer
camponês que não sabia o nome próprio do rio que corria dian- um deles.
te de sua porta. Era o rio, dizia, e nunca ouvira nenhum outro Quando então se dispôs a maioria dos objetos sob suas
nome para isso. Ao que parece, sua experiência não o levara classes e grupos apropriados, distinguindo-os por esses nomes
a observar nenhum outro rio. Está claro, pois, que em sua acep- gerais, tornou-se impossível conferir à grande parte desse nú-
ção a palavra geral rio era um nome próprio, significando um mero quase infinito de indivíduos, compreendidos em cada gru-
objeto individual. Caso o levassem até outro rio, não o te_ria po ou espécie particular, nomes peculiares ou próprios, distin-
prontamente chamado de rio? Seria possível supormos alguem tos dos nomes gerais da espécie. Por conseguinte, quando havia
que, vivendo às margens do Tâmisa, fosse tão ig~orante a p.o.n- ocasião de mencionar algum objeto particular, não raro fazia-se
to de não conhecer a palavra geral rio, mas que tivesse famtha- necessário distingui-lo de outros objetos compreendidos sob
ridade apenas com a palavra particular Tâmisa, se levada até o mesmo nome geral, quer, em primeiro lugar, por meio de
outro rio, não o chamar prontamente de um Tâmisa? Isso, na suas qualidades peculiares, quer, em segundo lugar, por meio
realidade, é o que estão aptos a fazer os que conhecem bem da relação peculiar que guardava com outras coisas. Donde a
a palavra geral. Ao descrever um grande rio que tivesse visto necessária origem de dois outros grupos de palavras, um dos
num país estrangeiro, um inglês naturalmente diz que se trata quais destinado a exprimir a qualidade; o outro, a relação.
de outro Tâmisa. Quando os espanhóis aportaram pela primeira Nomes adjetivos são palavras que expressam uma quali-
vez na costa do México, tendo observado a riqueza, a popula- dade considerada como qualificadora de qualquer sujeito par-
ção e moradias daquele belo país, tão superiores às das nações ticular, ou, como dizem os escolásticos, em concreto com esse
selvagens que haviam antes visitado, exclamaram que se tra- sujeito. Desse modo, a palavra verde exprime certa qualidade
tava de outra Espanha. Donde chamarem-no de Nova Espanha, considerada como qualificadora de um sujeito, ou em concreto
nome que esse infeliz país retém desde então. Da mesma ma- com o sujeito particular ao qual pode ser aplicada. É evidente
neira, dizemos que determinado herói é um Alexandre; que um
orador é um Cícero, que certo filósofo é um Newton. Esse modo
de falar, que os gramáticos chamam antonomásia, e que ainda 1. Origine de l'Inégalité. Partie premiere, pp. 376-7. Édition d'Amster-
é extremamente comum, posto que agora não seja de todo ne- dam des Oeuvres diverses de].-]. Rousseau•.
• Talvez Smith esteja se referindo à seguinte passagem: "Cada objeto
cessário, demonstra quanto os homens são naturalmente incli- recebeu de início um nome particular, sem levar em consideração os gê-
nados a dar a um objeto o nome de um outro com o qual man- neros e as espécies, que esses primeiros instituidores não estavam em con-
tenha uma estreita semelhança, e assim denominar uma mul- dições de distinguir (. .. ), pois para classificar os seres em denominações co-
tidão por uma palavra que foi originalmente designada para muns e genéricas cumpria conhecer-lhes as propriedades e as diferenças"
(Discurso sobre a origem e os ftmdamentos da desigualdade entre os ho-
expressar um indivíduo. mens, São Paulo, Martins Fontes, 1993, p. 164.). (N. da R. T.)
434 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS DISSERTAÇÃO SOBRE A ORJGEN! DAS LÍNGUAS
435
qu .. palavra. de~sa esp ie p d m s ' t ir 1 ara d istingui r I i ·- parado entre si um grande número de objetos, marcado suas
t >s parli ·u la re de outr s compr <..:n<.lido ·so l u mesm nom ·· semelhanças e dissemelhanças quanto à qualidade da cor e
gera l. A. pala ras iirV(We w r te, p >r xemplo poderia m s t'Vi r tê-los arranjado em seu espírito em diferentes classes e ag1:u-
p:lm distingu ir LUna á rv r patticular ele outras fuv r s qu c - pamemos, segundo e::;sa seme lhan ·as e dis~Pm .lhan 'HS. Um
tiv ssem lesfolhada . :tdj t:i o é por s ua natureza uma palavra geral , 111 certa me-
As prep siç- s são p:\lavras que expr ·san a r laçfl C< n- dicl~l , abstrata· n cessa ria me nt pressupõe <1 iué l<t de ·ewt "s-
siderada, da n1esma man i r~. em concreto com o hj to orrela- pécie ou agrupamento de coisas, ao qual tudo é igualmente
tivo. i\sslm as pr po ·i ·à s d • a, Ju:tra, com, pot·, . obre. sob, apJi ível. A palavra vertle não poderia- como sup mos que po-
etc. den L<Ull alg uma r la 'âo que subs' te en lrc os bj •t >. ex- deria ocorrer com a palavra caventCI- ter sido c rig i,nalmente o
pressos pdas palavms 11.r as quais se ·oi ca m as pr ~posi à, , nome de um indivíduo, e depois ter-se tornado, pela transfor-
e ehs d •notam qu sSl r ·!ação é c nsider::t la e m concr m um mação que os gramáticos chamam de anton másia, o nom
o ohjct orr IHtiv >. Esses Lipo d~ palavras serv m para distin- de toda uma espécie. A palavra verde de notando, não n no-
guir ohj tos parli ular 'S de outros da mes rmt ~s p 'ci \ quando me de uma substância, mas a qualidade particular de uma subs-
es ·es objetos jx trli u la rcs não pod rn s · r designa los de mo lo tância , deve ter sido, desde a origem, uma palavra geral, con-
tão a propriado p r quaisquer qualidack!s p a rti ·u!ar s: c;>u ·t~­ siderada aplicá el igualmente a qualqu ·r ouu-a tbstância do-
d diz mos, po r e mplo, a á 11XJJ"e uenle dCI c:a mplna, clisnngtn- tt~ da da m sma qual idade. O IH mem q re prlme ir d istin guiu
mos uma ~ rvor particula r n:J a penas p h1 ql.taHcbdt: qu · Ih um bjeto parti ula.r p l< •pítet de erde d •v ·te r o i servaclo
perten -, ma s p la re la ào qu · gua rda c m o utro objeto. ouLrc s hj ··tos que não eram oerdes, d s quais eles ·jou se pa-
Com ' n ·m a qualidade n m a re la ·ão p dem existir a i rá -l o~ 1 c r ssa d n mina fio. A instituiçao desse nome, por-
u-::tt:un me, é natural sup r que as pabvras que dcnot'lm essas tanl , supc qu' se fa ·a uma mnpara ·ào. Supõe igu::tl mcnte
ic..l' ias, ·onsidemda m oncretc (o mod como se mprt! a: e- alg1.rn grau d abstra ão. A prim ira pessoa que inventou es-
nios subsistir), teriam id inventadas muiw 't11les do que *'s pa- a I nomin:tçào lev ter distinguido a qua lidade do objeto ao
lavr:Js que cxprirn m esS'lS me.<; mas id ' i consideradas 111 ahs- qua l e la pertence, e ter concebido o objeto como s us etivel
lralO o modo o.m nunca as v mos subsistir). Tudo nos I de s ubs istir sem essa qualidade. Por isso, a invenção dos no-
va a Ter que as palavms o<>rd e branco teriam sido inv nt, d;,~s me adj tivos, mesmo os mais s im ples, deve ter exi 'ido .m a is
ant s das pala ras v-rdú m e hran clf.ra; as pal:tvras . c hre de 111 1:1 rsica do que esta mos disp lstos a n ·r dita r. As difer ·n-
sob, antes dns palavras superiorfdadee injf!rjoridtJde. i\ in en- res o pera ões intelectuais d arranjar ou class ificar, l ·o m-
·ao las palavras das gunda ·lasse r que r um esfor d~ abs- pam r e de abstrair deve m L r sidc LOdéls e mpr ~gadas a nl ~s qut:
ll<l -ão muito mai< r do qu · a das paJavra. da prioPira . E pro- s ~ pudessem inslituir mcsm o · n me.<; das di f r nt : C< r ~li,
úvel p )is, que tais t rmos abstratos fos em uma in litlli - o de todos os nomes adjetivos, os m nos mew físi · s. 'l\1 lo so-
3

be m m·tis r em Sua •Limologin em g ral mosu~ que assim é,


3
• mado infiro qu , qu;Jnd >·ts Jín,guHs stava m ome ·anel as<.:
uma v z que ssa 1 abvras habitua lmente de dvam de o tU11s formar, os nomes adjetivos não seriam, de modo algum, aspa-
palavr<J: JU são ·on ·re tas. lavras que prime iro se invenlarHm.
Ma. a inda qu a invenção de nome a lj ~tJvo. s ja muito Há um outro meio de in li lr as diferentes qualidades ele
ma is n:mrra l d > qu ~~dos nomes ubstanLivo absrraros deles lif.•re ntes s ubstôncl.as, qll mo x.igindt a i S[r<l ·ão o u sepa-
c.le riw d >S. um ·onsiderável gra u de ai . tt~tçào e g ncra liza .ào r-::t. ·, 111 nta l da qu alidad e I s ujeito, parece majs natu ra l do
n~o s ria ;n~n >S n cessfirio par:t pro lu zi-k s. P r exemplo, os qu ·H Lnv ~ n <10 los ad i tiv s qu ~. p r ssa raz o , ci!Fi ·ilmen-
h m ns qtt , primeiro invenlal'!tm ~ts pal<tvra. oerde, az ul veJ' l d ~i xa riH d s apres nlar ao espírito antes d les na épc <." I dn
melbo, e <s outr JS nomes d ·• ·o1 s, ti t!ll'l l •r observado e om- prim ~i cl formaç1o la língua. Esse meio consistt: em J'azer o 1 ró-
434 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS DISSERTAÇÃO SOBRE A ORJGEN! DAS LÍNGUAS
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qu .. palavra. de~sa esp ie p d m s ' t ir 1 ara d istingui r I i ·- parado entre si um grande número de objetos, marcado suas
t >s parli ·u la re de outr s compr <..:n<.lido ·so l u mesm nom ·· semelhanças e dissemelhanças quanto à qualidade da cor e
gera l. A. pala ras iirV(We w r te, p >r xemplo poderia m s t'Vi r tê-los arranjado em seu espírito em diferentes classes e ag1:u-
p:lm distingu ir LUna á rv r patticular ele outras fuv r s qu c - pamemos, segundo e::;sa seme lhan ·as e dis~Pm .lhan 'HS. Um
tiv ssem lesfolhada . :tdj t:i o é por s ua natureza uma palavra geral , 111 certa me-
As prep siç- s são p:\lavras que expr ·san a r laçfl C< n- dicl~l , abstrata· n cessa ria me nt pressupõe <1 iué l<t de ·ewt "s-
siderada, da n1esma man i r~. em concreto com o hj to orrela- pécie ou agrupamento de coisas, ao qual tudo é igualmente
tivo. i\sslm as pr po ·i ·à s d • a, Ju:tra, com, pot·, . obre. sob, apJi ível. A palavra vertle não poderia- como sup mos que po-
etc. den L<Ull alg uma r la 'âo que subs' te en lrc os bj •t >. ex- deria ocorrer com a palavra caventCI- ter sido c rig i,nalmente o
pressos pdas palavms 11.r as quais se ·oi ca m as pr ~posi à, , nome de um indivíduo, e depois ter-se tornado, pela transfor-
e ehs d •notam qu sSl r ·!ação é c nsider::t la e m concr m um mação que os gramáticos chamam de anton másia, o nom
o ohjct orr IHtiv >. Esses Lipo d~ palavras serv m para distin- de toda uma espécie. A palavra verde de notando, não n no-
guir ohj tos parli ular 'S de outros da mes rmt ~s p 'ci \ quando me de uma substância, mas a qualidade particular de uma subs-
es ·es objetos jx trli u la rcs não pod rn s · r designa los de mo lo tância , deve ter sido, desde a origem, uma palavra geral, con-
tão a propriado p r quaisquer qualidack!s p a rti ·u!ar s: c;>u ·t~­ siderada aplicá el igualmente a qualqu ·r ouu-a tbstância do-
d diz mos, po r e mplo, a á 11XJJ"e uenle dCI c:a mplna, clisnngtn- tt~ da da m sma qual idade. O IH mem q re prlme ir d istin guiu
mos uma ~ rvor particula r n:J a penas p h1 ql.taHcbdt: qu · Ih um bjeto parti ula.r p l< •pítet de erde d •v ·te r o i servaclo
perten -, ma s p la re la ào qu · gua rda c m o utro objeto. ouLrc s hj ··tos que não eram oerdes, d s quais eles ·jou se pa-
Com ' n ·m a qualidade n m a re la ·ão p dem existir a i rá -l o~ 1 c r ssa d n mina fio. A instituiçao desse nome, por-
u-::tt:un me, é natural sup r que as pabvras que dcnot'lm essas tanl , supc qu' se fa ·a uma mnpara ·ào. Supõe igu::tl mcnte
ic..l' ias, ·onsidemda m oncretc (o mod como se mprt! a: e- alg1.rn grau d abstra ão. A prim ira pessoa que inventou es-
nios subsistir), teriam id inventadas muiw 't11les do que *'s pa- a I nomin:tçào lev ter distinguido a qua lidade do objeto ao
lavr:Js que cxprirn m esS'lS me.<; mas id ' i consideradas 111 ahs- qua l e la pertence, e ter concebido o objeto como s us etivel
lralO o modo o.m nunca as v mos subsistir). Tudo nos I de s ubs istir sem essa qualidade. Por isso, a invenção dos no-
va a Ter que as palavms o<>rd e branco teriam sido inv nt, d;,~s me adj tivos, mesmo os mais s im ples, deve ter exi 'ido .m a is
ant s das pala ras v-rdú m e hran clf.ra; as pal:tvras . c hre de 111 1:1 rsica do que esta mos disp lstos a n ·r dita r. As difer ·n-
sob, antes dns palavras superiorfdadee injf!rjoridtJde. i\ in en- res o pera ões intelectuais d arranjar ou class ificar, l ·o m-
·ao las palavras das gunda ·lasse r que r um esfor d~ abs- pam r e de abstrair deve m L r sidc LOdéls e mpr ~gadas a nl ~s qut:
ll<l -ão muito mai< r do qu · a das paJavra. da prioPira . E pro- s ~ pudessem inslituir mcsm o · n me.<; das di f r nt : C< r ~li,
úvel p )is, que tais t rmos abstratos fos em uma in litlli - o de todos os nomes adjetivos, os m nos mew físi · s. 'l\1 lo so-
3

be m m·tis r em Sua •Limologin em g ral mosu~ que assim é,


3
• mado infiro qu , qu;Jnd >·ts Jín,guHs stava m ome ·anel as<.:
uma v z que ssa 1 abvras habitua lmente de dvam de o tU11s formar, os nomes adjetivos não seriam, de modo algum, aspa-
palavr<J: JU são ·on ·re tas. lavras que prime iro se invenlarHm.
Ma. a inda qu a invenção de nome a lj ~tJvo. s ja muito Há um outro meio de in li lr as diferentes qualidades ele
ma is n:mrra l d > qu ~~dos nomes ubstanLivo absrraros deles lif.•re ntes s ubstôncl.as, qll mo x.igindt a i S[r<l ·ão o u sepa-
c.le riw d >S. um ·onsiderável gra u de ai . tt~tçào e g ncra liza .ào r-::t. ·, 111 nta l da qu alidad e I s ujeito, parece majs natu ra l do
n~o s ria ;n~n >S n cessfirio par:t pro lu zi-k s. P r exemplo, os qu ·H Lnv ~ n <10 los ad i tiv s qu ~. p r ssa raz o , ci!Fi ·ilmen-
h m ns qtt , primeiro invenlal'!tm ~ts pal<tvra. oerde, az ul veJ' l d ~i xa riH d s apres nlar ao espírito antes d les na épc <." I dn
melbo, e <s outr JS nomes d ·• ·o1 s, ti t!ll'l l •r observado e om- prim ~i cl formaç1o la língua. Esse meio consistt: em J'azer o 1 ró-
436 TEORIA DOS SENJ1MENTOS MORAIS DISSERTAÇÃO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS 437
prio nome substantivo experimentar alguma variação, segun- diferentes formações de nomes substantivos fossem capazes de
do as diferentes qualidades de que é dotado. Assim, em várias expressar muitas outras qualidades distintas. Os diferentes dimi-
línguas as qualidades do sexo e da falta do sexo se exprimem nutivos do italiano e de algumas outras línguas às vezes expri-
por diferentes terminações dos substantivos, denotando obje- mem realmente uma grande variedade de modificações nas
tos que possuam essas qualidades. Em latim, por exemplo, as substâncias denotadas pelos nomes que sofrem tais variações.
palavras lupus, lupa; equus, equa; juvencus, juvenca; julius, Contudo, seria impossível que os nomes substantivos so-
julia; Lucretius, Lucretia, etc., denotam as qualidades de ma- fressem, sem perder inteiramente sua forma original, tantas va-
cho e fêmea em animais e pessoas a quem pertencem tais no- riações quantas fossem suficientes para expressar essa variedade
mes, sem ser necessário adicionar um adjetivo para esse fim. quase infinita de qualidades, pelas quais poderia ser necessá-
De outro lado, as palavras forum, pratum, plaustrum deno- rio especificá-las e distingui-las em diversas ocasiões. Assim ain-
tam por sua terminação peculiar a total ausência de sexo nas da que as diferentes modificações de nomes substantivos p~des­
diferentes substâncias que representam. Como tanto o sexo, sem prevenir, por algum tempo, a necessidade de inventar no-
quanto a ausência do sexo foram naturalmente consideradas vos nomes, foi impossível preveni-la inteiramente. Quando se
como qualidades modificadoras e inseparáveis das substâncias inventaram nomes adjetivos, foi natural que se formassem com
particulares a que pertencem, foi natural expressá-las antes por alguma semelhança com os substantivos aos quais serviriam de
uma modificação no nome substantivo, mais do que por qual- epítetos ou qualificações. Os homens lhes dariam naturalmente
quer palavra geral e abstrata, destinada a expressar essa espé- as mesmas terminações dos substantivos, e, por intermédio
cie particular de qualidade. Está claro que a expressão tem, des- desse amor à similitude de som, desse encanto pelos retornos
sa maneira, uma analogia muito mais exata que a outra, com a das mesmas sílabas, que é o fundamento da analogia em todas
idéia ou objeto que a denota. A qualidade se apresenta na na- as línguas, estariam dispostos a variar a terminação do mesmo
tureza como uma modificação de substância e, como é assim adjetivo, segundo tivessem ocasião de aplicá-lo a um substanti-
expressa na linguagem por uma modificação do substantivo que vo masculino, feminino ou neutro. Diriam, assim, magnus lupus,
denota essa substância, a qualidade e o sujeito estão, nesse ca- magna lupa, magnum pratum, quando quisessem expressar
so, combinados um com o outro, se assim posso dizer, na ex- um grande lobo, uma grande loba, ou um grande prado.
pressão, da mesma maneira que parecem estar no objeto e na Esse uso de variar a terminação do nome adjetivo, segun-
idéia. Daí a origem dos gêneros masculino, feminino e neutro do o gênero do substantivo, que tem lugar em todas as línguas
~m todas as línguas antigas. Por meio desses gêneros, as mais
antigas, parece ter sido introduzido principalmente por amor
Importantes de todas as distinções, ou seja, as distinções en- à similitude de som, uma certa espécie de rima, que natural-
tre substâncias animadas e inanimadas, e as de animais em ma- mente agrada tanto ao ouvido humano. Deve-se advertir que
chos e fêmeas, parecem ter sido suficientemente marcadas sem o gênero não pode propriamente pe1tencer a um nome adje-
o ~uxílio de adjetivos ou de toda outra espécie de nomes ge- tivo, cujo significado é sempre precisamente o mesmo, seja qual
rais que servem para denotar essa espécie de qualidade, de to- for a natureza do substantivo a que se aplica. Quando dizemos
das a mais extensa. um grande homem, uma grande mulher, a palavra grande tem
Não se encontram mais do que esses três gêneros nas lín- exatamente o mesmo significado nos dois casos, e a diferen-
guas que conheço, quer dizer, a formação dos substantivos não ça do sexo no objeto a que se aplique nào introduz diferença
pode por si só, e sem o auxílio de adjetivos, expressar outras alguma na sua significação. Da mesma maneira, Magnus, mag-
qualidades senão as três acima mencionadas, as qualidades de na, magnum, são palavras que expressam precisamente a mes-
macho, de fêmea, ou de nem macho nem fêmea. No entanto, ma qualidade, e a mudança da terminação não é acompanhada
não me surpreenderia se em outras línguas que não conheço as de alguma espécie de variação no significado. O sexo e o gê-
436 TEORIA DOS SENJ1MENTOS MORAIS DISSERTAÇÃO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS 437
prio nome substantivo experimentar alguma variação, segun- diferentes formações de nomes substantivos fossem capazes de
do as diferentes qualidades de que é dotado. Assim, em várias expressar muitas outras qualidades distintas. Os diferentes dimi-
línguas as qualidades do sexo e da falta do sexo se exprimem nutivos do italiano e de algumas outras línguas às vezes expri-
por diferentes terminações dos substantivos, denotando obje- mem realmente uma grande variedade de modificações nas
tos que possuam essas qualidades. Em latim, por exemplo, as substâncias denotadas pelos nomes que sofrem tais variações.
palavras lupus, lupa; equus, equa; juvencus, juvenca; julius, Contudo, seria impossível que os nomes substantivos so-
julia; Lucretius, Lucretia, etc., denotam as qualidades de ma- fressem, sem perder inteiramente sua forma original, tantas va-
cho e fêmea em animais e pessoas a quem pertencem tais no- riações quantas fossem suficientes para expressar essa variedade
mes, sem ser necessário adicionar um adjetivo para esse fim. quase infinita de qualidades, pelas quais poderia ser necessá-
De outro lado, as palavras forum, pratum, plaustrum deno- rio especificá-las e distingui-las em diversas ocasiões. Assim ain-
tam por sua terminação peculiar a total ausência de sexo nas da que as diferentes modificações de nomes substantivos p~des­
diferentes substâncias que representam. Como tanto o sexo, sem prevenir, por algum tempo, a necessidade de inventar no-
quanto a ausência do sexo foram naturalmente consideradas vos nomes, foi impossível preveni-la inteiramente. Quando se
como qualidades modificadoras e inseparáveis das substâncias inventaram nomes adjetivos, foi natural que se formassem com
particulares a que pertencem, foi natural expressá-las antes por alguma semelhança com os substantivos aos quais serviriam de
uma modificação no nome substantivo, mais do que por qual- epítetos ou qualificações. Os homens lhes dariam naturalmente
quer palavra geral e abstrata, destinada a expressar essa espé- as mesmas terminações dos substantivos, e, por intermédio
cie particular de qualidade. Está claro que a expressão tem, des- desse amor à similitude de som, desse encanto pelos retornos
sa maneira, uma analogia muito mais exata que a outra, com a das mesmas sílabas, que é o fundamento da analogia em todas
idéia ou objeto que a denota. A qualidade se apresenta na na- as línguas, estariam dispostos a variar a terminação do mesmo
tureza como uma modificação de substância e, como é assim adjetivo, segundo tivessem ocasião de aplicá-lo a um substanti-
expressa na linguagem por uma modificação do substantivo que vo masculino, feminino ou neutro. Diriam, assim, magnus lupus,
denota essa substância, a qualidade e o sujeito estão, nesse ca- magna lupa, magnum pratum, quando quisessem expressar
so, combinados um com o outro, se assim posso dizer, na ex- um grande lobo, uma grande loba, ou um grande prado.
pressão, da mesma maneira que parecem estar no objeto e na Esse uso de variar a terminação do nome adjetivo, segun-
idéia. Daí a origem dos gêneros masculino, feminino e neutro do o gênero do substantivo, que tem lugar em todas as línguas
~m todas as línguas antigas. Por meio desses gêneros, as mais
antigas, parece ter sido introduzido principalmente por amor
Importantes de todas as distinções, ou seja, as distinções en- à similitude de som, uma certa espécie de rima, que natural-
tre substâncias animadas e inanimadas, e as de animais em ma- mente agrada tanto ao ouvido humano. Deve-se advertir que
chos e fêmeas, parecem ter sido suficientemente marcadas sem o gênero não pode propriamente pe1tencer a um nome adje-
o ~uxílio de adjetivos ou de toda outra espécie de nomes ge- tivo, cujo significado é sempre precisamente o mesmo, seja qual
rais que servem para denotar essa espécie de qualidade, de to- for a natureza do substantivo a que se aplica. Quando dizemos
das a mais extensa. um grande homem, uma grande mulher, a palavra grande tem
Não se encontram mais do que esses três gêneros nas lín- exatamente o mesmo significado nos dois casos, e a diferen-
guas que conheço, quer dizer, a formação dos substantivos não ça do sexo no objeto a que se aplique nào introduz diferença
pode por si só, e sem o auxílio de adjetivos, expressar outras alguma na sua significação. Da mesma maneira, Magnus, mag-
qualidades senão as três acima mencionadas, as qualidades de na, magnum, são palavras que expressam precisamente a mes-
macho, de fêmea, ou de nem macho nem fêmea. No entanto, ma qualidade, e a mudança da terminação não é acompanhada
não me surpreenderia se em outras línguas que não conheço as de alguma espécie de variação no significado. O sexo e o gê-
t

438 TEORIA DOS SEN77MENTOS MORAIS DISSERTAÇÃO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS 439
nero são qualidades que pertencem às substâncias, mas que mente formar sem um considerável esforço de abstração. Uma
não podem pe11encer às qualidades das substâncias. Em geral, preposição denota uma relação, e nada além de uma relação.
nenhuma qualidade, quando considerada concretamente, ou Mas antes que os homens pudessem instituir uma palavra que
como qualificadora de algum sujeito patticular, pode ser conce- significasse uma relação, e nada além de uma relação, foi pre-
bida como sujeito de qualquer outra qualidade, embora, quan- ciso que pudessem considerar em alguma medida essa relação
do considerada em abstrato, isso possa ocorrer. Desse modo, independentemente dos objetos relacionados, pois a idéia des-
um adjetivo jamais pode qualificar outro adjetivo. Um grande ses objetos de modo algum partilha do significado da prepo-
homem bom significa um homem que é a um só tempo gran- sição. Por conseguinte, a invenção de tal palavra deve ter exi-
de e bom. Os dois adjetivos qualificam o substantivo, mas não gido um grau considerável de abstração. Em terceiro lugar, uma
qualificam um ao outro. De outro lado, quando dizemos a gran- preposição é por natureza uma palavra geral, que desde sua
de bondade do homem, o termo bondade, denotando uma qua- primeira instituição deve ter sido considerada como igualmen-
lidade considerada em abstrato, que pode ser ela mesma su- te própria para denotar qualquer outra relação similar. O pri-
jeito de outras qualidades, é suscetível, por essa razão, de ser meiro homem que inventou a palavra sobre deve não apenas
modificado pela palavra grande. ter distinguido, em certa medida, a relação ele superioridade dos
Se a invenção original de adjetivos apresentasse tanta difi- objetos assim relacionados, mas deve ainda ter distinguido essa
culdade, a das preposições ofereceria ainda muito mais. Confor- relação de outras relações, tais como da relação de iJ~feriori­
me já comentei, cada preposição denota alguma relação con- dade, denotada pela palavra sob, ela relação de justaposição,
siderada em concreto com o objeto correlativo. A preposição denotada pela expressão ao lado de, e assim por diante. Deve,
sobre, por exemplo, denota a relação de superioridade, não então, ter concebido esse termo como expressão de um tipo
abstratamente como é expressa pela palavra superioridade, mas ou espécie particular de relação, distinta de todas as demais, o
em concreto com algum objeto correlativo. Nessa frase, por que não poderia fazer sem considerável esforço de compara-
exemplo, a árvore sobre a caverna, o termo sobre expressa cer- ção e generalização.
ta relação entre a árvore e a caverna, e expressa essa relação Portanto, fossem quais fossem as dificuldades envolvidas
em concreto com o objeto correlativo que é a caverna. Para que na primeira invenção dos adjetivos, as mesmas e muitas mais
o sentido seja completo, uma preposição sempre requer algu- devem ter se oferecido quando da invenção das preposições.
ma palavra depois dela, como se pode observar nesse exem- Se os homens, na época da primeira formação de línguas, pa-
plo particular citado. Mas digo que a invenção original dessas recem ter-se esquivado, por algum tempo, da necessidade de se
palavras deve ter exigido um esforço ainda maior de abstração servir de adjetivos, variando a terminação dos nomes das subs-
e generalização que a dos adjetivos. Antes de tudo, uma rela- tâncias, segundo estas variassem em algumas ele suas qualida-
ção é em si mesma um objeto mais metafísico do que uma qua- des mais importantes, devem ter-se visto às voltas com a ne-
lidade. Ninguém pode se confundir ao explicar o que se enten- cessidade muito mais premente de evitar, por algum artifício
de por uma qualidade; mas poucas pessoas se sentirão capa- semelhante, a invenção ainda mais difícil das preposições. Os
zes de explicar muito claramente o que se entende por uma diferentes casos nas línguas antigas são um artifício exatamente
relação. As qualidades são quase sempre objetos de nossos sen- do mesmo gênero. Os casos genitivo e dativo nas línguas gre-
tidos exteriores; as relações, jamais. Não admira, portanto, que ga e latina suprem claramente o lugar de preposições, e expri-
uma das duas classes de objetos seja incomparavelmente mais mem por uma variação no nome substantivo, que representa
compreensível do que a outra. Em segundo lugar, embora as o termo correlativo, a relação que subsiste entre a idéia que o
preposições sempre expressem a relação que representam con- nome substantivo encerra e a idéia que algum outro termo ela
cretamente com o objeto correlativo, não se poderiam original- frase encerra. Por exemplo, nas expressões jntctus arboris, o
t

438 TEORIA DOS SEN77MENTOS MORAIS DISSERTAÇÃO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS 439
nero são qualidades que pertencem às substâncias, mas que mente formar sem um considerável esforço de abstração. Uma
não podem pe11encer às qualidades das substâncias. Em geral, preposição denota uma relação, e nada além de uma relação.
nenhuma qualidade, quando considerada concretamente, ou Mas antes que os homens pudessem instituir uma palavra que
como qualificadora de algum sujeito patticular, pode ser conce- significasse uma relação, e nada além de uma relação, foi pre-
bida como sujeito de qualquer outra qualidade, embora, quan- ciso que pudessem considerar em alguma medida essa relação
do considerada em abstrato, isso possa ocorrer. Desse modo, independentemente dos objetos relacionados, pois a idéia des-
um adjetivo jamais pode qualificar outro adjetivo. Um grande ses objetos de modo algum partilha do significado da prepo-
homem bom significa um homem que é a um só tempo gran- sição. Por conseguinte, a invenção de tal palavra deve ter exi-
de e bom. Os dois adjetivos qualificam o substantivo, mas não gido um grau considerável de abstração. Em terceiro lugar, uma
qualificam um ao outro. De outro lado, quando dizemos a gran- preposição é por natureza uma palavra geral, que desde sua
de bondade do homem, o termo bondade, denotando uma qua- primeira instituição deve ter sido considerada como igualmen-
lidade considerada em abstrato, que pode ser ela mesma su- te própria para denotar qualquer outra relação similar. O pri-
jeito de outras qualidades, é suscetível, por essa razão, de ser meiro homem que inventou a palavra sobre deve não apenas
modificado pela palavra grande. ter distinguido, em certa medida, a relação ele superioridade dos
Se a invenção original de adjetivos apresentasse tanta difi- objetos assim relacionados, mas deve ainda ter distinguido essa
culdade, a das preposições ofereceria ainda muito mais. Confor- relação de outras relações, tais como da relação de iJ~feriori­
me já comentei, cada preposição denota alguma relação con- dade, denotada pela palavra sob, ela relação de justaposição,
siderada em concreto com o objeto correlativo. A preposição denotada pela expressão ao lado de, e assim por diante. Deve,
sobre, por exemplo, denota a relação de superioridade, não então, ter concebido esse termo como expressão de um tipo
abstratamente como é expressa pela palavra superioridade, mas ou espécie particular de relação, distinta de todas as demais, o
em concreto com algum objeto correlativo. Nessa frase, por que não poderia fazer sem considerável esforço de compara-
exemplo, a árvore sobre a caverna, o termo sobre expressa cer- ção e generalização.
ta relação entre a árvore e a caverna, e expressa essa relação Portanto, fossem quais fossem as dificuldades envolvidas
em concreto com o objeto correlativo que é a caverna. Para que na primeira invenção dos adjetivos, as mesmas e muitas mais
o sentido seja completo, uma preposição sempre requer algu- devem ter se oferecido quando da invenção das preposições.
ma palavra depois dela, como se pode observar nesse exem- Se os homens, na época da primeira formação de línguas, pa-
plo particular citado. Mas digo que a invenção original dessas recem ter-se esquivado, por algum tempo, da necessidade de se
palavras deve ter exigido um esforço ainda maior de abstração servir de adjetivos, variando a terminação dos nomes das subs-
e generalização que a dos adjetivos. Antes de tudo, uma rela- tâncias, segundo estas variassem em algumas ele suas qualida-
ção é em si mesma um objeto mais metafísico do que uma qua- des mais importantes, devem ter-se visto às voltas com a ne-
lidade. Ninguém pode se confundir ao explicar o que se enten- cessidade muito mais premente de evitar, por algum artifício
de por uma qualidade; mas poucas pessoas se sentirão capa- semelhante, a invenção ainda mais difícil das preposições. Os
zes de explicar muito claramente o que se entende por uma diferentes casos nas línguas antigas são um artifício exatamente
relação. As qualidades são quase sempre objetos de nossos sen- do mesmo gênero. Os casos genitivo e dativo nas línguas gre-
tidos exteriores; as relações, jamais. Não admira, portanto, que ga e latina suprem claramente o lugar de preposições, e expri-
uma das duas classes de objetos seja incomparavelmente mais mem por uma variação no nome substantivo, que representa
compreensível do que a outra. Em segundo lugar, embora as o termo correlativo, a relação que subsiste entre a idéia que o
preposições sempre expressem a relação que representam con- nome substantivo encerra e a idéia que algum outro termo ela
cretamente com o objeto correlativo, não se poderiam original- frase encerra. Por exemplo, nas expressões jntctus arboris, o
440 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS DISSERTAÇÃO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS 441
fruto da árvore, sacer Herculi, consagrado a Hércules, as va- ção, no começo devia ser muito mais natural e fácil exprimi-la
riações realizadas nas palavras correlativas árvore e Hércules assim elo que expressá-la por essas palavras gerais chamadas
expressam as mesmas relações que em inglês exprimimos pe- preposições, cuja invenção deve ter exigido algum grau de to-
las preposições oj(de) e to (a, para). das aquelas operações.
Para expressar uma relação dessa maneira não foi necessá- O número de casos não é o mesmo nas diferentes línguas.
rio esforço algum de abstração. A relação não foi, aqui, expres- Há cinco em grego, seis em latim, e dez, segundo dizem, no
sa por uma palavra peculiar que denotasse uma relação, e nada idioma armênio. Deve ter naturalmente sucedido que o nú-
além de uma relação, mas por uma variação no termo correla- mero ele casos fosse maior ou menor, segundo os primeiros
tivo. Assim como se mostra na natureza, foi expressa não co- inventores da linguagem estabelecessem um número maior ou
mo algo separado e apartado, mas como algo completamente menor de variações na terminação elos substantivos, a fim de
mesclado e fundido com o objeto correlativo. expressar as diferentes relações que puderam obsetvar, antes
Essa maneira de expressar a correlação entre as palavras da invenção dessas preposições mais gerais e abstratas que po-
não exigiu esforço algum de generalização. Os termos arbo- deriam ocupar o lugar dessas variações.
ris e Herculí, embora encerrem em sua significação a mesma Talvez valha a pena notar que essas preposições, as quais
relação expressa pelas preposições de e para não são, como ocupam, nas línguas modernas, o lugar dos antigos casos, são
essas preposições, palavras gerais, próprias para expressar a de todas as mais gerais, abstratas e metafísicas e, por conse-
mesma relação entre dois outros objetos quaisquer entre os qüên í~1, pr lVave lment for'<lll1 as ú!Llmas a ser ·n irw mad:1 .
quais poderia subsistir. Pergunta a LIU1 homem de !i<igaci d <~ u ordinária : qu , r ~ l ação
Essa maneira de expressar a relação não exigiu nenhum expressa a preposição sobr,c>? Ele responderá pr nlamente: a
esforço de comparação. As palavras arborís e Herculi não são de superioridade. Que relac;àc xpr ssa a prepo. i ào sob? Ele
palavras gerais, destinadas a denotar uma espécie patticular de responder ' ' OJ11 a mesma rapid z: d ú~j'eria1"idacle. Mas p r-
relação, que os inventores dessas expressões pretendessem se- gunta-Jh q 1e r (a 'à< axpressa a pr · p )S Í '<1 0 de, eSC d ante-
parar e distinguir de todo outro tipo de relação, em conseqüên- ~n· o nfin Li v r r f1 Li.d bastanl s bre i ·so, seguram ~nt ·• podes
cia de alguma comparação anterior. O exemplo desse artifício dar-lhe uma semana para pensar na resposta. As preposições
provavelmente em breve seria seguido, e todo homem que en- sobre e sob denotam alguma das relações expressas pelos ca-
contrasse ocasião de expressar a relação similar entre quaisquer sos nas línguas antigas. Todavia, a preposição de denota a mes-
outros objetos poderia muito bem fazê-lo por meio de uma ma relação expressa pelo caso genitivo, relação que, como se
variação similar com o nome do objeto correlativo. Digo que pode a ·iJmente ohs rvar, é l ' natureza muito metafí. ic't. D
isso provavelmente ou, antes, certamente ocorreria; mas é pre- den u1 relação em geral considerada em concreto ·om o < bje-
ciso assinalar que isso se faria sem nenhuma intenção ou previ- to correlativo. Essa palavra indica que o substantivo que a an-
são da parte dos que primeiro estabeleceram o exemplo, e que tecede está ligado de um modo ou outro ao que se segue, mas
nunca cogitaram estabelecer uma regra geral. A regra geral vi- sem determinar de alguma maneira, como faz a preposição so-
ria a se estabelecer de modo imperceptível, e por gradações bre, qual a natureza peculiar dessa relação. Assim, freqüente-
lentas, sem outro motivo, senão pelo amor à analogia e seme- mente a aplinU1l0.5 rara xpressar a · r -hLÇÔ s ma i, < posl•. ,
lhança de sons, que é o fundamento da maioria das regras porque rais rch ões têm em c mum o faro ele cada uma d -
gramaticais. las encerrar em si mesma a id ·ia geral ou ~~ mrtu r ZH de uma
Uma vez que para se expressar uma relação pela variação rei a ão. Dizemos fJCI! do )Ubo e o .(tlbo do p ú· vspínhetms da
no nome elo objeto correlativo não se fazia necessária nem abs- .floresta, " ajlo1 ·ta d s pinbeiros. /1. rei a " I f:llh c>m o pai
tração, nem generalização, nem nenhuma espécie ele compara- é evi l m menle uma reh~,-ão inteiram nt · op< st~ ' do r ai com
440 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS DISSERTAÇÃO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS 441
fruto da árvore, sacer Herculi, consagrado a Hércules, as va- ção, no começo devia ser muito mais natural e fácil exprimi-la
riações realizadas nas palavras correlativas árvore e Hércules assim elo que expressá-la por essas palavras gerais chamadas
expressam as mesmas relações que em inglês exprimimos pe- preposições, cuja invenção deve ter exigido algum grau de to-
las preposições oj(de) e to (a, para). das aquelas operações.
Para expressar uma relação dessa maneira não foi necessá- O número de casos não é o mesmo nas diferentes línguas.
rio esforço algum de abstração. A relação não foi, aqui, expres- Há cinco em grego, seis em latim, e dez, segundo dizem, no
sa por uma palavra peculiar que denotasse uma relação, e nada idioma armênio. Deve ter naturalmente sucedido que o nú-
além de uma relação, mas por uma variação no termo correla- mero ele casos fosse maior ou menor, segundo os primeiros
tivo. Assim como se mostra na natureza, foi expressa não co- inventores da linguagem estabelecessem um número maior ou
mo algo separado e apartado, mas como algo completamente menor de variações na terminação elos substantivos, a fim de
mesclado e fundido com o objeto correlativo. expressar as diferentes relações que puderam obsetvar, antes
Essa maneira de expressar a correlação entre as palavras da invenção dessas preposições mais gerais e abstratas que po-
não exigiu esforço algum de generalização. Os termos arbo- deriam ocupar o lugar dessas variações.
ris e Herculí, embora encerrem em sua significação a mesma Talvez valha a pena notar que essas preposições, as quais
relação expressa pelas preposições de e para não são, como ocupam, nas línguas modernas, o lugar dos antigos casos, são
essas preposições, palavras gerais, próprias para expressar a de todas as mais gerais, abstratas e metafísicas e, por conse-
mesma relação entre dois outros objetos quaisquer entre os qüên í~1, pr lVave lment for'<lll1 as ú!Llmas a ser ·n irw mad:1 .
quais poderia subsistir. Pergunta a LIU1 homem de !i<igaci d <~ u ordinária : qu , r ~ l ação
Essa maneira de expressar a relação não exigiu nenhum expressa a preposição sobr,c>? Ele responderá pr nlamente: a
esforço de comparação. As palavras arborís e Herculi não são de superioridade. Que relac;àc xpr ssa a prepo. i ào sob? Ele
palavras gerais, destinadas a denotar uma espécie patticular de responder ' ' OJ11 a mesma rapid z: d ú~j'eria1"idacle. Mas p r-
relação, que os inventores dessas expressões pretendessem se- gunta-Jh q 1e r (a 'à< axpressa a pr · p )S Í '<1 0 de, eSC d ante-
parar e distinguir de todo outro tipo de relação, em conseqüên- ~n· o nfin Li v r r f1 Li.d bastanl s bre i ·so, seguram ~nt ·• podes
cia de alguma comparação anterior. O exemplo desse artifício dar-lhe uma semana para pensar na resposta. As preposições
provavelmente em breve seria seguido, e todo homem que en- sobre e sob denotam alguma das relações expressas pelos ca-
contrasse ocasião de expressar a relação similar entre quaisquer sos nas línguas antigas. Todavia, a preposição de denota a mes-
outros objetos poderia muito bem fazê-lo por meio de uma ma relação expressa pelo caso genitivo, relação que, como se
variação similar com o nome do objeto correlativo. Digo que pode a ·iJmente ohs rvar, é l ' natureza muito metafí. ic't. D
isso provavelmente ou, antes, certamente ocorreria; mas é pre- den u1 relação em geral considerada em concreto ·om o < bje-
ciso assinalar que isso se faria sem nenhuma intenção ou previ- to correlativo. Essa palavra indica que o substantivo que a an-
são da parte dos que primeiro estabeleceram o exemplo, e que tecede está ligado de um modo ou outro ao que se segue, mas
nunca cogitaram estabelecer uma regra geral. A regra geral vi- sem determinar de alguma maneira, como faz a preposição so-
ria a se estabelecer de modo imperceptível, e por gradações bre, qual a natureza peculiar dessa relação. Assim, freqüente-
lentas, sem outro motivo, senão pelo amor à analogia e seme- mente a aplinU1l0.5 rara xpressar a · r -hLÇÔ s ma i, < posl•. ,
lhança de sons, que é o fundamento da maioria das regras porque rais rch ões têm em c mum o faro ele cada uma d -
gramaticais. las encerrar em si mesma a id ·ia geral ou ~~ mrtu r ZH de uma
Uma vez que para se expressar uma relação pela variação rei a ão. Dizemos fJCI! do )Ubo e o .(tlbo do p ú· vspínhetms da
no nome elo objeto correlativo não se fazia necessária nem abs- .floresta, " ajlo1 ·ta d s pinbeiros. /1. rei a " I f:llh c>m o pai
tração, nem generalização, nem nenhuma espécie ele compara- é evi l m menle uma reh~,-ão inteiram nt · op< st~ ' do r ai com
442 TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS DISSERTAÇÃO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS 443

o filho*. A relação das partes com o todo é completamente perceber as relações que elas denotam. Ora, nenhum expedien-
oposta à do todo com as partes. A palavra de serve, contudo, te é tão óbvio quanto o que consiste em variar a terminação de
bastante bem para denotar todas essas relações, porque em si uma das palavras principais.
mesma não denota uma relação particular, apenas uma relação Talvez seja inútil advertir que entre os casos das línguas
em geral; e na medida em que se retira uma relação particular antigas, por motivos particulares, alguns não podem ser repre-
de tais expressões, o espírito infere não mais da preposição em sentados por preposições. São os casos nominativo, vocativo
si mesma, mas da natureza e disposição dos substantivos, en- e acusativo. Nessas línguas modernas que não admitem nenhu-
tre os quais se coloca a preposição. ma variedade semelhante nas terminações dos substantivos,
O que venho de dizer quanto à preposição de pode, em as relações correspondentes são expressas pelo lugar dos ter-
certa medida, aplicar-se às preposições para, com, pore a to- mos e pela ordem e construção da frase.
das as outras preposições utilizadas pelas línguas modernas Como os homens têm freqüentes ocasiões de mencionar
para suprir o lugar dos antigos casos. Todas expressam rela- multidões bem como objetos isolados, tornou-se necessário
ções muito abstratas e muito metafísicas, as quais alguém que obterem algum método de expressar número. O número pode
se dê o trabalho de examiná-las descobrirá ser muito difícil ex- ser expresso ou por uma palavra particular, que exprima o nú-
pressar por nomes substantivos, da mesma maneira que po- mero em geral, como as palavras muitos, mais, etc., ou por al-
demos expressar a relação denotada pela preposição sobre, guma variação nas palavras que expressam a coisa numerada.
pelo nome substantivo de superioridade. Porém, todas elas ex- É a esse último expediente que a humanidade provavelmente
pressam alguma relação específica, e conseqüentemente ne- teria recorrido na infância da linguagem. Considerado em ge-
nhuma delas é tão abstrata quanto a preposição de (oj), que ral e sem relação com alguma classe especial de objetos enu-
se poderia considerar como a mais metafísica de todas as pre- m~rados, o número é uma das idéias mais abstratas e metafísi-
posições. Po1tanto, as preposições que são capazes de ocupar cas que o espírito humano é capaz de formar e, precisamente
o lugar dos antigos casos, sendo mais abstratas do que as ou- por essa razão, não é uma idéia que se apresentasse prontamen-
tras preposições, foram naturalmente mais difíceis de inventar. te a homens rudes que apenas estivessem começando a formar
Ao mesmo tempo, as relações que essas preposições expres- uma língua. Estes foram naturalmente conduzidos a distinguir
sam são dentre todas as que mais amiúde achamos ocasião de em seu discurso a expressão de um objeto simples e a de uma
mencionar no discurso. As preposições sobre, sob, a, em, sem, multidão, não por meio de adjetivos metafísicos, como as p~­
contra, etc., são empregadas muito mais raramente nas línguas lavras um e vários, mas por meio de uma variação na termi-
modernas do que de (oj), para (to), para (for), com, de (from), nação da palavra que significasse os objetos enumerados. Daí
por (by) . Uma preposição como a da primeira espécie não ocor- a origem dos números singular e plurais em todas as línguas
rerá duas vezes no espaço de uma página, ao passo que difi- antigas, distinção que se conservou em todas as línguas mo-
cilmente podemos compor uma só frase sem ajuda de uma ou dernas, pelo menos na maior parte das palavras.
duas preposições da segunda espécie. Se então essas prepo- T das <lS línguas r dm ilivas e não- mp )StaS par , m [ r
sições que ocupam o lugar dos casos fossem uma invenção tão um núm ·r dua l e um p lu r::tl. :ocas d grego, e, s ~gu ndo m
difícil, em razão de seu caráter demasiado abstrato, seria indis- dizem elo hebraico do gótico e I · muita. ou Ln.ts. É 1 ssív I
pensável na origem imaginar algum expediente para ocupar seu
1
u · n~s l'Lici s primÓrcljos da sociedade as palavras um, dois e
lugar, graças à freqüente oportunidade que os homens têm de m zis ossem ta lvez as ú nicas distinc; s numé ri as 4ue os bo-
mens tiveram necessidade de empregar. Julgariam mais natural
expressá-las por uma variação em cada nome substantivo pa~·­
• Talvez fosse o caso ele dizer que as duas relações - a do pai com o
filho e a elo filho com o pai - são antes inversas que opostas. (N. ela R T.) ticular, que por palavras gerais e abstratas, ta1s como 11m, dozs,
442 TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS DISSERTAÇÃO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS 443

o filho*. A relação das partes com o todo é completamente perceber as relações que elas denotam. Ora, nenhum expedien-
oposta à do todo com as partes. A palavra de serve, contudo, te é tão óbvio quanto o que consiste em variar a terminação de
bastante bem para denotar todas essas relações, porque em si uma das palavras principais.
mesma não denota uma relação particular, apenas uma relação Talvez seja inútil advertir que entre os casos das línguas
em geral; e na medida em que se retira uma relação particular antigas, por motivos particulares, alguns não podem ser repre-
de tais expressões, o espírito infere não mais da preposição em sentados por preposições. São os casos nominativo, vocativo
si mesma, mas da natureza e disposição dos substantivos, en- e acusativo. Nessas línguas modernas que não admitem nenhu-
tre os quais se coloca a preposição. ma variedade semelhante nas terminações dos substantivos,
O que venho de dizer quanto à preposição de pode, em as relações correspondentes são expressas pelo lugar dos ter-
certa medida, aplicar-se às preposições para, com, pore a to- mos e pela ordem e construção da frase.
das as outras preposições utilizadas pelas línguas modernas Como os homens têm freqüentes ocasiões de mencionar
para suprir o lugar dos antigos casos. Todas expressam rela- multidões bem como objetos isolados, tornou-se necessário
ções muito abstratas e muito metafísicas, as quais alguém que obterem algum método de expressar número. O número pode
se dê o trabalho de examiná-las descobrirá ser muito difícil ex- ser expresso ou por uma palavra particular, que exprima o nú-
pressar por nomes substantivos, da mesma maneira que po- mero em geral, como as palavras muitos, mais, etc., ou por al-
demos expressar a relação denotada pela preposição sobre, guma variação nas palavras que expressam a coisa numerada.
pelo nome substantivo de superioridade. Porém, todas elas ex- É a esse último expediente que a humanidade provavelmente
pressam alguma relação específica, e conseqüentemente ne- teria recorrido na infância da linguagem. Considerado em ge-
nhuma delas é tão abstrata quanto a preposição de (oj), que ral e sem relação com alguma classe especial de objetos enu-
se poderia considerar como a mais metafísica de todas as pre- m~rados, o número é uma das idéias mais abstratas e metafísi-
posições. Po1tanto, as preposições que são capazes de ocupar cas que o espírito humano é capaz de formar e, precisamente
o lugar dos antigos casos, sendo mais abstratas do que as ou- por essa razão, não é uma idéia que se apresentasse prontamen-
tras preposições, foram naturalmente mais difíceis de inventar. te a homens rudes que apenas estivessem começando a formar
Ao mesmo tempo, as relações que essas preposições expres- uma língua. Estes foram naturalmente conduzidos a distinguir
sam são dentre todas as que mais amiúde achamos ocasião de em seu discurso a expressão de um objeto simples e a de uma
mencionar no discurso. As preposições sobre, sob, a, em, sem, multidão, não por meio de adjetivos metafísicos, como as p~­
contra, etc., são empregadas muito mais raramente nas línguas lavras um e vários, mas por meio de uma variação na termi-
modernas do que de (oj), para (to), para (for), com, de (from), nação da palavra que significasse os objetos enumerados. Daí
por (by) . Uma preposição como a da primeira espécie não ocor- a origem dos números singular e plurais em todas as línguas
rerá duas vezes no espaço de uma página, ao passo que difi- antigas, distinção que se conservou em todas as línguas mo-
cilmente podemos compor uma só frase sem ajuda de uma ou dernas, pelo menos na maior parte das palavras.
duas preposições da segunda espécie. Se então essas prepo- T das <lS línguas r dm ilivas e não- mp )StaS par , m [ r
sições que ocupam o lugar dos casos fossem uma invenção tão um núm ·r dua l e um p lu r::tl. :ocas d grego, e, s ~gu ndo m
difícil, em razão de seu caráter demasiado abstrato, seria indis- dizem elo hebraico do gótico e I · muita. ou Ln.ts. É 1 ssív I
pensável na origem imaginar algum expediente para ocupar seu
1
u · n~s l'Lici s primÓrcljos da sociedade as palavras um, dois e
lugar, graças à freqüente oportunidade que os homens têm de m zis ossem ta lvez as ú nicas distinc; s numé ri as 4ue os bo-
mens tiveram necessidade de empregar. Julgariam mais natural
expressá-las por uma variação em cada nome substantivo pa~·­
• Talvez fosse o caso ele dizer que as duas relações - a do pai com o
filho e a elo filho com o pai - são antes inversas que opostas. (N. ela R T.) ticular, que por palavras gerais e abstratas, ta1s como 11m, dozs,
444 TEORIA DOS SENIJMENTOS MORAIS DISSERTAÇÃO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS 445

três, quatro etc. Essas palavras, embora o costume as tenha tor- de, grandes, têm precisamente uma e a mesma significação,
nado familiares a nós, talvez expressassem as mais sutis e re- embora os substantivos a que se aplicam não tenham. A dife-
finadas abstrações que o espírito humano é capaz de formar. rença da terminação no nome adjetivo não é acompanhada de
Que cada um de nós considere em si mesmo, por exemplo, o nenhuma espécie de diferença no sentido. Um adjetivo deno-
que entende pela palavra três, que não significa nem três xe- ta a qualificação de um nome substantivo. Mas as diferentes
lins, nem três pence, nem três homens, nem três cavalos, mas relações nas quais o nome substantivo pode acidentalmente
três em geral, e não custaremos a nos convencer que, por de- se encontrar não trazem consigo diferença alguma em sua
notar uma abstração tão metafísica, tal palavra não poderia ser qualifiGI ào.
inventada de maneira tão óbvia e tão precocemente. Li a res- Se as d eclinações das línguas antigas são tão complexas,
peito de algumas nações selvagens, cuja língua era capaz de suas conjugo. :ô s o são infinitament mais. A complexidade
expressar apenas as três primeiras distinções numéricas. Mas de uma f-undam nta-se sobre o rn smo princípio [UC o da ou-
não me lembro de ter visto algo que pudesse determinar se essa tra, isto é, sobre a dificuldade de criar, na origem da língua, ter-
língua expressava essas distinções por três palavras gerais, ou mos abstratos e gerais.
por variações nos nomes substantivos que designam as coisas Os verbos devem necessariamente ter sido coevos das pri-
numeradas. meiras tentativas de formação da língua. Não se pode expres-
Uma vez que as mesmas relações existentes entre obje- sar afirmação alguma sem ajuda de um verbo. Nunca falamos
tos simples podem também subsistir entre objetos múltiplos, senão para expressar nossa crença de que algo é ou não é. No
está claro que deve ter havido ocasião no dual e no plural para entanto, a palavra que denota esse evento ou fato, que é o su-
o mesmo número de casos que no singular. Daí o intrincado e jeito de n >ssa afirmação sempre deve ser um verbo.
a dificuldade das declinações em todas as línguas antigas. Em Os v rhos impesso·tis, que expressam numa palavra um
grego existem cinco casos para cada um dos três números, e evento completo, que conservam na expressão a simplicidade
conseqüentemente quinze ao todo. e unidade perfeitas que sempre existem no objeto e na idéia, e
Assim como os nomes adjetivos nas línguas antigas varia- que não supõe nem abstração, nem divisão metafísica do even-
vam suas terminações segundo o gênero do substantivo a que to em seus diversos elementos constituintes de sujeito e atri-
se aplicavam, variavam também sua terminação segundo o caso buto, tais verbos, digo, muito provavelmente seriam a primeira
e número do substantivo. Uma vez que cada nome adjetivo na e.spéci cl verbos q\,le .·e invent:uam. s v rb s p/u.tt, cbou
língua grega possui três gêneros e três números, e cinco ca- ninp,U neo(l· tema/, troveja; fu ce!, é dJtl; 11 trbcllul~ bá mnc1 ·on-
sos para cada número, pode-se dizer que essa língua possui jiLsâo te., xp ressam, cada um, uma afirmaç:ãc c mplet'l, o
quarenta e cinco variações diferentes. Os inventores da lingua- njunLc ele um vento, ·om a im1 U ·itlad unidade perf i-
gem parecem ter variado a terminação do adjetivo segundo o ta com que o espírito as concebe na natureza. Ao contrário, as
caso e número do substantivo, pela mesma razão que os fez frases Alexander ambulat, Alexandre caminha; Petrus sedet,
variar segundo o gênero: o amor à analogia e a uma certa re- Pedro se senta, dividem o evento, por assim dizer, em duas par-
gularidade de som. Não há caso nem número na significação tes, a pessoa ou sujeit , e o atributo u fato afirmado desse su-
dos adjetivos, de modo que o sentido de tais palavras é sem- jeito. Porém, na naLur za, a id ia ou oncep ·ãu de AI ·xandre
pre exatamente o mesmo, a despeito de toda a variedade de ter- caminhando é um conceito simples tão perfeito e uno quanto
minação sob as quais se apresentam. Magnus vir, magna viri, o de Alexandre não caminhando. Por essa razão, a divisão des-
magnorum virorum, um grande homem, de um grande ho- se evento em duas partes é inteiramente artificial, e é o efeito
mem, de grandes homens: em todas essas expressões, as pala- da ilnperfeiç. o da língua, que nessa como em muit ~1 s >LI T~s
vras magnus, magni, magnorum, bem como as palavras gran- ocasi - c.s upr por uma série dt! palavras a falta de uma qu
444 TEORIA DOS SENIJMENTOS MORAIS DISSERTAÇÃO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS 445

três, quatro etc. Essas palavras, embora o costume as tenha tor- de, grandes, têm precisamente uma e a mesma significação,
nado familiares a nós, talvez expressassem as mais sutis e re- embora os substantivos a que se aplicam não tenham. A dife-
finadas abstrações que o espírito humano é capaz de formar. rença da terminação no nome adjetivo não é acompanhada de
Que cada um de nós considere em si mesmo, por exemplo, o nenhuma espécie de diferença no sentido. Um adjetivo deno-
que entende pela palavra três, que não significa nem três xe- ta a qualificação de um nome substantivo. Mas as diferentes
lins, nem três pence, nem três homens, nem três cavalos, mas relações nas quais o nome substantivo pode acidentalmente
três em geral, e não custaremos a nos convencer que, por de- se encontrar não trazem consigo diferença alguma em sua
notar uma abstração tão metafísica, tal palavra não poderia ser qualifiGI ào.
inventada de maneira tão óbvia e tão precocemente. Li a res- Se as d eclinações das línguas antigas são tão complexas,
peito de algumas nações selvagens, cuja língua era capaz de suas conjugo. :ô s o são infinitament mais. A complexidade
expressar apenas as três primeiras distinções numéricas. Mas de uma f-undam nta-se sobre o rn smo princípio [UC o da ou-
não me lembro de ter visto algo que pudesse determinar se essa tra, isto é, sobre a dificuldade de criar, na origem da língua, ter-
língua expressava essas distinções por três palavras gerais, ou mos abstratos e gerais.
por variações nos nomes substantivos que designam as coisas Os verbos devem necessariamente ter sido coevos das pri-
numeradas. meiras tentativas de formação da língua. Não se pode expres-
Uma vez que as mesmas relações existentes entre obje- sar afirmação alguma sem ajuda de um verbo. Nunca falamos
tos simples podem também subsistir entre objetos múltiplos, senão para expressar nossa crença de que algo é ou não é. No
está claro que deve ter havido ocasião no dual e no plural para entanto, a palavra que denota esse evento ou fato, que é o su-
o mesmo número de casos que no singular. Daí o intrincado e jeito de n >ssa afirmação sempre deve ser um verbo.
a dificuldade das declinações em todas as línguas antigas. Em Os v rhos impesso·tis, que expressam numa palavra um
grego existem cinco casos para cada um dos três números, e evento completo, que conservam na expressão a simplicidade
conseqüentemente quinze ao todo. e unidade perfeitas que sempre existem no objeto e na idéia, e
Assim como os nomes adjetivos nas línguas antigas varia- que não supõe nem abstração, nem divisão metafísica do even-
vam suas terminações segundo o gênero do substantivo a que to em seus diversos elementos constituintes de sujeito e atri-
se aplicavam, variavam também sua terminação segundo o caso buto, tais verbos, digo, muito provavelmente seriam a primeira
e número do substantivo. Uma vez que cada nome adjetivo na e.spéci cl verbos q\,le .·e invent:uam. s v rb s p/u.tt, cbou
língua grega possui três gêneros e três números, e cinco ca- ninp,U neo(l· tema/, troveja; fu ce!, é dJtl; 11 trbcllul~ bá mnc1 ·on-
sos para cada número, pode-se dizer que essa língua possui jiLsâo te., xp ressam, cada um, uma afirmaç:ãc c mplet'l, o
quarenta e cinco variações diferentes. Os inventores da lingua- njunLc ele um vento, ·om a im1 U ·itlad unidade perf i-
gem parecem ter variado a terminação do adjetivo segundo o ta com que o espírito as concebe na natureza. Ao contrário, as
caso e número do substantivo, pela mesma razão que os fez frases Alexander ambulat, Alexandre caminha; Petrus sedet,
variar segundo o gênero: o amor à analogia e a uma certa re- Pedro se senta, dividem o evento, por assim dizer, em duas par-
gularidade de som. Não há caso nem número na significação tes, a pessoa ou sujeit , e o atributo u fato afirmado desse su-
dos adjetivos, de modo que o sentido de tais palavras é sem- jeito. Porém, na naLur za, a id ia ou oncep ·ãu de AI ·xandre
pre exatamente o mesmo, a despeito de toda a variedade de ter- caminhando é um conceito simples tão perfeito e uno quanto
minação sob as quais se apresentam. Magnus vir, magna viri, o de Alexandre não caminhando. Por essa razão, a divisão des-
magnorum virorum, um grande homem, de um grande ho- se evento em duas partes é inteiramente artificial, e é o efeito
mem, de grandes homens: em todas essas expressões, as pala- da ilnperfeiç. o da língua, que nessa como em muit ~1 s >LI T~s
vras magnus, magni, magnorum, bem como as palavras gran- ocasi - c.s upr por uma série dt! palavras a falta de uma qu
-
446 TEORIA DOS SENJJMENTOS MORAIS DISSERTAÇÃO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS 447
pudesse expressar de uma vez todo o fato que se pretendia afir- mo, no posterior progresso da sociedade, a palavra venit po-
mar. Não há uma única pessoa que não encontre mais simplici- deria adquirir um sentido ainda mais geral, e passar a signifi-
dade na expressão natural pluit que nas expressões mais artifi- car, como atualmente, a aproximação de qualquer coisa, seja
ciais imber decidit, a chuva cai, ou tempestas est pluvia, o tempo boa, má, ou indiferente.
é chuvoso. Numa dessas duas frases, o simples evento ou fa- Foi provavelmente de uma maneira semelhante a essa des-
to é a1tificialmente dividido em duas partes e, na outra, em três. crita que quase todos os verbos se tornaram pessoais, e que os
Tanto numa, como na outra, o evento se exprime por uma es- homens aprenderam gradativamente a partir e dividir quase to-
pécie ele circunlóquio gramatical, cuja significação se fundamen- dos os acontecimentos num grande número de partes metafísi-
ta sobre uma certa análise metafísica das pa1tes componentes cas, expressas pelas diferentes partes do discurso, combinadas
da idéia que se expressa pela palavra pluit. Portanto, somos le- com variedade nos diferentes membros de cada frase e senten-
vados a pensar que os primeiros verbos, talvez até as primei- ça'. Ao que parece, a a1te de falar experimentou o mesmo pro-
ras palavras usadas na origem da língua, muito provavelmente gresso que a arte de escrever. Logo que os homens começaram
seriam verbos impessoais como aqueles. Assim, os gramáticos a expressar suas idéias por escrito, cada caracter representa-
hebreus observaram, segundo me contaram, que as palavras ra- va uma palavra inteira; mas, uma vez que o número de pala-
dicais de sua língua, da qual derivam todas as outras, são sem- vras é quase infinito, a memória se viu sobrecarregada e opri-
pre verbos, e verbos impessoais. mida pela multidão de caracteres que era obrigada a reter. A
É fácil conceber como, no progresso da língua, os verbos necessidade ensinou-lhes então a decompor as palavras em
impessoais vieram a se tornar pessoais. Suponhamos, por exem- seus elementos, e a inventar caracteres que representassem,
plo, que a palavra venit, vem, fosse originalmente um verbo im- não as palavras em si mesmas , mas os elementos que as com-
pessoal, e que denotasse não a vinda de um objeto qualquer, punham. Como resultado dessa invenção, cada palavra parti-
como hoje, mas a vinda de um objeto particular, como o leão. cular veio a ser representada não mais por um, mas por uma
Suporemos que os primeiros selvagens inventores da língua, multidão ele caracteres, e sua expressão escrita tornou-se mui-
ao observarem a aproximação desse te1rível animal, estavam ha- to mais intrincada e difícil que antes. Mas, posto que as palavras
bituados a gritar uns para os outros venit, isto é, o leão vem; particulares fossem assim representadas por um maior núme-
e que essa palavra expressava assim um evento completo, sem ro de caracteres, toda a língua foi expressa por um número
ajuda de nenhuma outra. Depois, tendo a linguagem realizado muito menor, e encontraram-se vinte e quatro letras, suficien-
novos progressos, e tendo começado a dar nomes às substân- tes para substituir a imensa multidão de caracteres antes neces-
cias particulares, os selvagens que observavam a aproximação sários. Da mesma maneira, na origem das línguas, os homens
de outro terrível objeto naturalmente teriam associado o no-
me desse objeto à palavra venit, e gritariam venít ursus, venit
lupus. Por gradações, a palavra venit passaria, assim, a desig- 2. Como a maior parte elos verbos atualmente em uso exprimem, n<io
nar a aproximação de um objeto terrível qualquer, não apenas um evento completo, mas o atributo ele um evento, e exigem, por conseguin-
a do leão. De agora em diante, pois, expressaria não a vinda de te, um sujeito ou um caso nominativo para completar seu sentido, alguns gra-
máticos, por não acompanharem esse progresso da natllreza e por desejarem
um objeto paiticular, mas a de um objeto de uma espécie par- tornar suas regras comuns inteiramente universais , sem exceção, pretende-
ticular. Tendo adquirido uma significação mais geral, é impossí- ram que todos os verbos exigiriam um nominativo, quer expresso, quer suben-
vel que tal palavra representasse um evento pa1ticular e distin- tendido. Essa a razão por que se impuseram a to1tura ele encontrar alguns no-
·! minativos ridículos para os poucos verbos que, embora exprimam um even-
to, único e sem a ajuda de um nome substantivo, que pudesse
to, claramente não admitem nominativo algum. Pluit, por exemplo, ele acordo
servir para determinar seu significado. De impessoal, tal ver- com Sanctius, significa pluvia pluit, ou a chuva chove. Veja-se Sanctii Miner-
bo passara então a pessoal. Podemos facilmente conceber co- va, I iii., c. 1.
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446 TEORIA DOS SENJJMENTOS MORAIS DISSERTAÇÃO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS 447
pudesse expressar de uma vez todo o fato que se pretendia afir- mo, no posterior progresso da sociedade, a palavra venit po-
mar. Não há uma única pessoa que não encontre mais simplici- deria adquirir um sentido ainda mais geral, e passar a signifi-
dade na expressão natural pluit que nas expressões mais artifi- car, como atualmente, a aproximação de qualquer coisa, seja
ciais imber decidit, a chuva cai, ou tempestas est pluvia, o tempo boa, má, ou indiferente.
é chuvoso. Numa dessas duas frases, o simples evento ou fa- Foi provavelmente de uma maneira semelhante a essa des-
to é a1tificialmente dividido em duas partes e, na outra, em três. crita que quase todos os verbos se tornaram pessoais, e que os
Tanto numa, como na outra, o evento se exprime por uma es- homens aprenderam gradativamente a partir e dividir quase to-
pécie ele circunlóquio gramatical, cuja significação se fundamen- dos os acontecimentos num grande número de partes metafísi-
ta sobre uma certa análise metafísica das pa1tes componentes cas, expressas pelas diferentes partes do discurso, combinadas
da idéia que se expressa pela palavra pluit. Portanto, somos le- com variedade nos diferentes membros de cada frase e senten-
vados a pensar que os primeiros verbos, talvez até as primei- ça'. Ao que parece, a a1te de falar experimentou o mesmo pro-
ras palavras usadas na origem da língua, muito provavelmente gresso que a arte de escrever. Logo que os homens começaram
seriam verbos impessoais como aqueles. Assim, os gramáticos a expressar suas idéias por escrito, cada caracter representa-
hebreus observaram, segundo me contaram, que as palavras ra- va uma palavra inteira; mas, uma vez que o número de pala-
dicais de sua língua, da qual derivam todas as outras, são sem- vras é quase infinito, a memória se viu sobrecarregada e opri-
pre verbos, e verbos impessoais. mida pela multidão de caracteres que era obrigada a reter. A
É fácil conceber como, no progresso da língua, os verbos necessidade ensinou-lhes então a decompor as palavras em
impessoais vieram a se tornar pessoais. Suponhamos, por exem- seus elementos, e a inventar caracteres que representassem,
plo, que a palavra venit, vem, fosse originalmente um verbo im- não as palavras em si mesmas , mas os elementos que as com-
pessoal, e que denotasse não a vinda de um objeto qualquer, punham. Como resultado dessa invenção, cada palavra parti-
como hoje, mas a vinda de um objeto particular, como o leão. cular veio a ser representada não mais por um, mas por uma
Suporemos que os primeiros selvagens inventores da língua, multidão ele caracteres, e sua expressão escrita tornou-se mui-
ao observarem a aproximação desse te1rível animal, estavam ha- to mais intrincada e difícil que antes. Mas, posto que as palavras
bituados a gritar uns para os outros venit, isto é, o leão vem; particulares fossem assim representadas por um maior núme-
e que essa palavra expressava assim um evento completo, sem ro de caracteres, toda a língua foi expressa por um número
ajuda de nenhuma outra. Depois, tendo a linguagem realizado muito menor, e encontraram-se vinte e quatro letras, suficien-
novos progressos, e tendo começado a dar nomes às substân- tes para substituir a imensa multidão de caracteres antes neces-
cias particulares, os selvagens que observavam a aproximação sários. Da mesma maneira, na origem das línguas, os homens
de outro terrível objeto naturalmente teriam associado o no-
me desse objeto à palavra venit, e gritariam venít ursus, venit
lupus. Por gradações, a palavra venit passaria, assim, a desig- 2. Como a maior parte elos verbos atualmente em uso exprimem, n<io
nar a aproximação de um objeto terrível qualquer, não apenas um evento completo, mas o atributo ele um evento, e exigem, por conseguin-
a do leão. De agora em diante, pois, expressaria não a vinda de te, um sujeito ou um caso nominativo para completar seu sentido, alguns gra-
máticos, por não acompanharem esse progresso da natllreza e por desejarem
um objeto paiticular, mas a de um objeto de uma espécie par- tornar suas regras comuns inteiramente universais , sem exceção, pretende-
ticular. Tendo adquirido uma significação mais geral, é impossí- ram que todos os verbos exigiriam um nominativo, quer expresso, quer suben-
vel que tal palavra representasse um evento pa1ticular e distin- tendido. Essa a razão por que se impuseram a to1tura ele encontrar alguns no-
·! minativos ridículos para os poucos verbos que, embora exprimam um even-
to, único e sem a ajuda de um nome substantivo, que pudesse
to, claramente não admitem nominativo algum. Pluit, por exemplo, ele acordo
servir para determinar seu significado. De impessoal, tal ver- com Sanctius, significa pluvia pluit, ou a chuva chove. Veja-se Sanctii Miner-
bo passara então a pessoal. Podemos facilmente conceber co- va, I iii., c. 1.
r

448 TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS DISSERTAÇÃO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS 449
ma terminação do verbo que expressava a terceira pessoa sin-
gular, e assim dizer: ego venit, tu venit, bem como ille ou illud
venit. E não duvido efetivamente que agissem assim se, na pri-
meira ocasião que tiveram de expressar essas relações do ver-
bo, houvesse na sua linguagem palavras como ego ou tu. Mas
nesse período inicial da linguagem, cuja história esforçamo-nos
por traçar, é extremamente improvável que se conhecessem
palavras semelhantes. Ainda que o costume as tenha tornado
familiares a nós, ambas expressam idéias extremamente me-
tafísicas e abstratas. A palavra eu, por exemplo, é de uma es-
pécie muito particular. Todo sujeito que fala pode denotar-se
por esse pronome pessoal. Portanto, a palavra eu é uma pala-
vra geral, suscetível de receber, como dizem os lógicos, uma
variedade infinita de objetos. Difere, entretanto, de todas as ou-
tras palavras gerais nesse aspecto: os objetos que lhe podem I
ser atribuídos não formam uma espécie particular de objetos,
distintos de todos os demais. A palavra eu não denota, como
a palavra homem, uma classe particular de objetos, separada 1
de todos os demais por qualidades peculiares e próprias. Lon-
1
ge de ser o nome de uma espécie, designa, ao contrário, to-
das as vezes em que é empregada, um indivíduo determinado, 1
a pessoa que fala no momento. Pode-se dizer que é, ao mes-
mo tempo, o que os lógicos chamam de um termo singular, e
o que chamam termo comum, unindo em sua significação as I
~ualidades apa.rentemente op~stas_ da mais precisa individua- l
hdade, e da mats ampla generahzaçao. Por expressar, pois, essa
idéia tão abstrata e metafísica, essa palavra não se apresenta-
ria fácil ou prontamente aos primeiros formadores da lingua-
gem. Podemos observar que os chamados pronomes pessoais
estão entre as últimas palavras que as crianças aprendem a usar.
Falando de si mesma, uma criança diz Billy fala, Billy senta,
em vez de dizer eu falo, eu sento. Assim, do mesmo modo co-
mo nos primórdios da linguagem, os homens parecem ter evi-
tado pelo menos a invenção das preposições mais abstratas,
expressando, por uma variação na terminação do termo corre-
lativo, as mesmas relações que essas preposições agora repre-
sentam, naturalmente também buscaram furtar-se à necessidade
de inventar esses pronomes (palavras ainda mais abstratas) va-
riando a terminação do verbo, segundo o evento que exprimis-
r

448 TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS DISSERTAÇÃO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS 449
ma terminação do verbo que expressava a terceira pessoa sin-
gular, e assim dizer: ego venit, tu venit, bem como ille ou illud
venit. E não duvido efetivamente que agissem assim se, na pri-
meira ocasião que tiveram de expressar essas relações do ver-
bo, houvesse na sua linguagem palavras como ego ou tu. Mas
nesse período inicial da linguagem, cuja história esforçamo-nos
por traçar, é extremamente improvável que se conhecessem
palavras semelhantes. Ainda que o costume as tenha tornado
familiares a nós, ambas expressam idéias extremamente me-
tafísicas e abstratas. A palavra eu, por exemplo, é de uma es-
pécie muito particular. Todo sujeito que fala pode denotar-se
por esse pronome pessoal. Portanto, a palavra eu é uma pala-
vra geral, suscetível de receber, como dizem os lógicos, uma
variedade infinita de objetos. Difere, entretanto, de todas as ou-
tras palavras gerais nesse aspecto: os objetos que lhe podem I
ser atribuídos não formam uma espécie particular de objetos,
distintos de todos os demais. A palavra eu não denota, como
a palavra homem, uma classe particular de objetos, separada 1
de todos os demais por qualidades peculiares e próprias. Lon-
1
ge de ser o nome de uma espécie, designa, ao contrário, to-
das as vezes em que é empregada, um indivíduo determinado, 1
a pessoa que fala no momento. Pode-se dizer que é, ao mes-
mo tempo, o que os lógicos chamam de um termo singular, e
o que chamam termo comum, unindo em sua significação as I
~ualidades apa.rentemente op~stas_ da mais precisa individua- l
hdade, e da mats ampla generahzaçao. Por expressar, pois, essa
idéia tão abstrata e metafísica, essa palavra não se apresenta-
ria fácil ou prontamente aos primeiros formadores da lingua-
gem. Podemos observar que os chamados pronomes pessoais
estão entre as últimas palavras que as crianças aprendem a usar.
Falando de si mesma, uma criança diz Billy fala, Billy senta,
em vez de dizer eu falo, eu sento. Assim, do mesmo modo co-
mo nos primórdios da linguagem, os homens parecem ter evi-
tado pelo menos a invenção das preposições mais abstratas,
expressando, por uma variação na terminação do termo corre-
lativo, as mesmas relações que essas preposições agora repre-
sentam, naturalmente também buscaram furtar-se à necessidade
de inventar esses pronomes (palavras ainda mais abstratas) va-
riando a terminação do verbo, segundo o evento que exprimis-
TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS DISSERTAÇÃO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS 451
450

se .lev ss ~ s r aflnnad da primeira, segundn ou ter · ira pes- da a falar, de sorte que forçosamente aprendeu a língua da ou-
soa. Es...:;a t::unl ém pa r ser a pr<íúca universal de t.od:,t · as lín- tra. Também ficariam embaraçados com a dificuldade das decli-
guas anllga . Em latim, as palavras vent vc:rni~ü, vem'/, den Lam nações e conjugações os muitos indivíduos que estudavam a
Slilki ··nt rnent , sem qua lquer ouLro a :res im , os d if reme:; nova língua, não por arte ou por princípio, mas por rotina e pe-
- ~ntos ex1 r ss s pelas frases i ngles·ts f Ctltlle, J ou "me, be lo que comumente ouviam na conversação ordinária. Trataram,
0 11 i/ cam "eu vim, tu icste, "le v io" . P la me. ma ra7.:10, pois, de remediar sua ignorância a esse respeito, com todos os
o verbo haveria de variar sua terminação conforme o evento expedientes que a língua lhes oferecesse. Naturalmente, substi-
tiv ss ·· a inten , o de afinnar da prim int , segunda u t r· •i- tuíram as declinações, que ignoravam, por preposições. Um
m p ssoa do plural; e o qu é expres o nas f"' ·
•s ingle. a. UJ> lombardo que tentasse falar latim e tivesse necessidade de fa-
zer compreender que tal pessoa era cidadão de Roma, ou ben-
ame, yuu ccm ze, tbc:y cume ("nós vim< s, vós i sL s dcs vi -
t<tm") seria dcnmad m lalim p las pai:J ras uen im11s, veni tis, feitor de Roma, se ignorasse os casos genitivo e dativo da pala-
11enenmt. Ademai , as lín u~1. plimilivas qu ~ m r:.1~1o da difi- vra Roma, naturalmente se expressaria colocando as preposi-
culdade de inventar nomes de número, introduziram um núme- ções ad e de antes do nominativo e, em vez de Romae, diria ad
ro dual e um plural na ele •!ina _:ão d · seus nom s substantivos, Roma, e de Roma. AI Roma e di Roma é corno os atuais italia-
prova lment , p ) f analogia, falia m rn smo nas conjuga ·ões nos, descendentes dos antigos lombardos e romanos, expres-
d s us verbos. As ·im, rn rodas aqu ~ ias linguas riginais pode- sam essa e todas as relações semelhantes. É assim que as pre-
damo · esp rar enc.:onu, r p lo menos is, se não oito ou no- posições parecem ter sido introduzidas no lugar das antigas
ve var.i ~ ·ões na tennina , âo I -ada v rbo, segundo o vento declinações. Conforme pude apurar, a mesma alteração se pro-
d nolad I 'v >s, s r afi rmado la primeira, segunda o u rer- duziu na língua grega depois da tomada de Constantinopla pe-
cei .t pe'lsoa d singular, d > lua! ou p lural. Repetidas aind-1 n- los turcos. As palavras dessa língua são em grande medida as
jumumente '( m Olltras, m t do. os diferentes tempo v rr ais mesmas que antes, mas o antigo sistema gramatical perdeu-se
tod s s s us Uferent · s m cl vozes, essas vari·1 ões ne ·e:.- inteiramente, e as antigas declinações cederam lugar para as
sariamente tornaram suas conjugações ainda mais intrincadas preposições. Essa mudança é, sem dúvida, uma simplificação
e comp l ex~1s do qu • uas declinações. da língua, em relação aos rudimentos e princípio. Introduz no
língua pr ave! mente teri'l continuad . a sut sistir sobre lugar de uma grande variedade de declinações uma única de-
essa base em [o<Jos os p<úses, e n<o se t ria jamais tornad ma is clinação universal, que é a mesma para todas as palavras, sejam
simples em uas declinações e conjuga ·ões, se nâ úvcsse se de que gênero, número ou terminação forem.
tornad m.ais ·ornple,'{a em sua omp si 1l • com< con::; qüên- Um expediente similar capacita os homens na situação aci-
ia la mistura de vá ria. línguas nu-e ·i o -asi nada pela mis- ma mencionada a se livrar de quase toda a complicação de suas
tura de diferentes nações. Enquanto uma língua apenas era fala- conjugações. Em todas as línguas existe um verbo conhecido
ela pelos que <I 'tprendet~lm m infância, à ·ompl xid~tcl lc suas pelo nome de verbo substantivo; em latim, sum; em inglês, Iam
tkdi..na ões e ·onjuga - e · n~o po lia Ih 'S .. ,us'Lr maior cm- ("eu sou"). Esse verbo não denota a existência de um evento
bnr.t .o. A rrand maioria I s qu linh::tm oca. iflo ti a falar, particular, mas a existência em geral. Por essa razão, é o mais
aclquirir<.tm-na tão ced em sua vida , I maneira rr o im1 crcertí- abstrato e metafísico ele todos os verbos, e conseqüentemente
vel " em gra l a~ões rã I ntas, 4U quas nunca p r ebiam essa não poderia de modo algum ser uma das primeiras palavras in-
difi uldadc. O '<LS figura~, , ntret<tnto, d modo bastante dis· ventadas. Mas, quando a criaram, como possuísse todos os tem-
Um quando lo:ls p vinham as mi lUrm, corno resu lt'tdo pos e modos dos outros verbos, foi reunida ao particípio passi-
le um<~ ·onqu lsta ou im.igr;,t '< . Cada uma cl' ts na õ s I usGI- vo, de modo que se1visse, sob essa forma, para substituir to-
va fazer-s, compr ender por aqueles com quem estava oi riga- da a voz passiva, e para tornar essa parte das conjugações tão
TEORIA DOS SEN71MENTOS MORAIS DISSERTAÇÃO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS 451
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se .lev ss ~ s r aflnnad da primeira, segundn ou ter · ira pes- da a falar, de sorte que forçosamente aprendeu a língua da ou-
soa. Es...:;a t::unl ém pa r ser a pr<íúca universal de t.od:,t · as lín- tra. Também ficariam embaraçados com a dificuldade das decli-
guas anllga . Em latim, as palavras vent vc:rni~ü, vem'/, den Lam nações e conjugações os muitos indivíduos que estudavam a
Slilki ··nt rnent , sem qua lquer ouLro a :res im , os d if reme:; nova língua, não por arte ou por princípio, mas por rotina e pe-
- ~ntos ex1 r ss s pelas frases i ngles·ts f Ctltlle, J ou "me, be lo que comumente ouviam na conversação ordinária. Trataram,
0 11 i/ cam "eu vim, tu icste, "le v io" . P la me. ma ra7.:10, pois, de remediar sua ignorância a esse respeito, com todos os
o verbo haveria de variar sua terminação conforme o evento expedientes que a língua lhes oferecesse. Naturalmente, substi-
tiv ss ·· a inten , o de afinnar da prim int , segunda u t r· •i- tuíram as declinações, que ignoravam, por preposições. Um
m p ssoa do plural; e o qu é expres o nas f"' ·
•s ingle. a. UJ> lombardo que tentasse falar latim e tivesse necessidade de fa-
zer compreender que tal pessoa era cidadão de Roma, ou ben-
ame, yuu ccm ze, tbc:y cume ("nós vim< s, vós i sL s dcs vi -
t<tm") seria dcnmad m lalim p las pai:J ras uen im11s, veni tis, feitor de Roma, se ignorasse os casos genitivo e dativo da pala-
11enenmt. Ademai , as lín u~1. plimilivas qu ~ m r:.1~1o da difi- vra Roma, naturalmente se expressaria colocando as preposi-
culdade de inventar nomes de número, introduziram um núme- ções ad e de antes do nominativo e, em vez de Romae, diria ad
ro dual e um plural na ele •!ina _:ão d · seus nom s substantivos, Roma, e de Roma. AI Roma e di Roma é corno os atuais italia-
prova lment , p ) f analogia, falia m rn smo nas conjuga ·ões nos, descendentes dos antigos lombardos e romanos, expres-
d s us verbos. As ·im, rn rodas aqu ~ ias linguas riginais pode- sam essa e todas as relações semelhantes. É assim que as pre-
damo · esp rar enc.:onu, r p lo menos is, se não oito ou no- posições parecem ter sido introduzidas no lugar das antigas
ve var.i ~ ·ões na tennina , âo I -ada v rbo, segundo o vento declinações. Conforme pude apurar, a mesma alteração se pro-
d nolad I 'v >s, s r afi rmado la primeira, segunda o u rer- duziu na língua grega depois da tomada de Constantinopla pe-
cei .t pe'lsoa d singular, d > lua! ou p lural. Repetidas aind-1 n- los turcos. As palavras dessa língua são em grande medida as
jumumente '( m Olltras, m t do. os diferentes tempo v rr ais mesmas que antes, mas o antigo sistema gramatical perdeu-se
tod s s s us Uferent · s m cl vozes, essas vari·1 ões ne ·e:.- inteiramente, e as antigas declinações cederam lugar para as
sariamente tornaram suas conjugações ainda mais intrincadas preposições. Essa mudança é, sem dúvida, uma simplificação
e comp l ex~1s do qu • uas declinações. da língua, em relação aos rudimentos e princípio. Introduz no
língua pr ave! mente teri'l continuad . a sut sistir sobre lugar de uma grande variedade de declinações uma única de-
essa base em [o<Jos os p<úses, e n<o se t ria jamais tornad ma is clinação universal, que é a mesma para todas as palavras, sejam
simples em uas declinações e conjuga ·ões, se nâ úvcsse se de que gênero, número ou terminação forem.
tornad m.ais ·ornple,'{a em sua omp si 1l • com< con::; qüên- Um expediente similar capacita os homens na situação aci-
ia la mistura de vá ria. línguas nu-e ·i o -asi nada pela mis- ma mencionada a se livrar de quase toda a complicação de suas
tura de diferentes nações. Enquanto uma língua apenas era fala- conjugações. Em todas as línguas existe um verbo conhecido
ela pelos que <I 'tprendet~lm m infância, à ·ompl xid~tcl lc suas pelo nome de verbo substantivo; em latim, sum; em inglês, Iam
tkdi..na ões e ·onjuga - e · n~o po lia Ih 'S .. ,us'Lr maior cm- ("eu sou"). Esse verbo não denota a existência de um evento
bnr.t .o. A rrand maioria I s qu linh::tm oca. iflo ti a falar, particular, mas a existência em geral. Por essa razão, é o mais
aclquirir<.tm-na tão ced em sua vida , I maneira rr o im1 crcertí- abstrato e metafísico ele todos os verbos, e conseqüentemente
vel " em gra l a~ões rã I ntas, 4U quas nunca p r ebiam essa não poderia de modo algum ser uma das primeiras palavras in-
difi uldadc. O '<LS figura~, , ntret<tnto, d modo bastante dis· ventadas. Mas, quando a criaram, como possuísse todos os tem-
Um quando lo:ls p vinham as mi lUrm, corno resu lt'tdo pos e modos dos outros verbos, foi reunida ao particípio passi-
le um<~ ·onqu lsta ou im.igr;,t '< . Cada uma cl' ts na õ s I usGI- vo, de modo que se1visse, sob essa forma, para substituir to-
va fazer-s, compr ender por aqueles com quem estava oi riga- da a voz passiva, e para tornar essa parte das conjugações tão
452 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS DISSERTAÇÃO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS 453

as declinaçõ pel uso de prepo- O latim é composto elas línguas grega e toscana antiga.
si ·õ s. Um I ml ar lo qu d sejasse diz r eu sult amado. ma · Suas declinações e conjugações, portanto, são muito menos
nã · ns guiss lcmbwr a palavra amo1·, natur::tlm nte t nta- complexas elo que as gregas. O latim abandonou o número dual I
ria r me liar sua ign rânda, cLzenclo ego sum amctttlls. lo son.o em ambas. Seus verbos não possuem modo optativo distinto
ttlllC/.1'0 é atualmente a expressão italiana qu orresp ntle :'l por nenhuma terminação peculiar. Só possuem um futuro. Não
frase acima mencionada. possuem o aoristo distinto do pretérito perfeito; não possuem
Há um outro verbo que perpassa da mesma maneira to- voz intermediária; e muitos ele seus tempos na voz passiva fo-
das as línguas e se distingue p ' lo nome do verbo p )Ssessivo. ram removidos, como nas línguas modernas, pelo verbo subs- '
É o verbo latino hab o, em Inglês, I have ("eu tenho") . .Esse tantivo, unido ao particípio passivo. Nas duas vozes, o núme- ·
verbo denota também um evento de natureza extremamente ro ele infinitivos e particípios é muito menor no latim do que
abstrata e metafísica, e, conseqüentemente, não se pode su- no grego.
por qu ~ se in · ua nas pri11ei.ras palavnt.'i inventadas. No t!lll'IO - As línguas francesa e italiana são compostas, uma elo latim
L , uma vez inv Jntada, r ~ dc s rvir para substituir uma gnnd e ela lmgua elos antigos francos, a outra do mesmo latim e da lín-
part las r, rmas d:1 voz ativa, assim com v rbo subst'tnUvo gua dos antigos lombardos. Essas duas línguas, mais comple-
~ubstituíra toda a pas. iva. Um lombar lo qu de · •ja. se diz r eu xas em sua composição do que o latim, também são as mais
linha amado, mas não con. gu issc lembrar a 1 ::~ lav ra cm1cwe- simples em suas declinações e conjugações. Quanto às declina-
ram., trataria de supri-Ja, dizend ego habebam tll nC/tlt1~ ou eg ções, ambas perderam inteiramente seus casos; e quanto às con-
babai ama/um. lo ai'Wtt anwto, ou lo ebbi cnnato, ã atual- jugações, ambas perderam toda a voz passiva, e parte da ativa
mente as expressões italianas correspondentes. E assim, como ele seus verbos. Suprem inteiramente a falta ela voz passiva pe-
efeito da mistura de diferentes nações umas com as outras, as lo verbo substantivo unido ao particípio passivo, e formam parte
con juga ·õ s s aproximaram , p r m ·io ele lifcr n.t s v~rbos da ativa da mesma maneira, com a ajuda elo verbo possessivo
auxl liru·~ , da simpli idade e uniformidade d:.lS d lina ·õe . e elo mesmo particípio passivo.
Em geral, pode-s adotar cnm .máxima 1 le, quamo m.ai O inglês é composto do francês e das antigas línguas sa-
~impl f, · l ima língua em sua rnposi ·· o, mais c mpl 'X<l de- xônicas. O francês foi introduzido na Grã-Bretanha pela con-
ve ser em suas declina '~ s conjuga õ s; · a ·ontrãri , quan- quista normancla, e até o tempo ele Eduardo III continuou a
to mais simples for em suas declinações e conjugações, tanto ser a única língua ela legislação, bem como o principal idioma
I mais c mpl ~xa deve ~ r 'll1 sua c ll'lposi ·'I . da corte•. O inglês que se veio a falar em seguida e que con-
I g1 ' o pa1 · ce r, ·m grande m li la, uma lrngua simples tinua a se falar hoje é uma mistura do antigo saxão e desse fran-
não- ·omposm, formada lo jarg· primitivo elo selvag "OS nô- cês normando. Pottanto, como a língua inglesa é mais comple-
mad s, o, anlig >s h I nos e r lasgos, de que a naçã grega, xa em sua composição do que o francês ou italiano, também é
l'i gu ncl s diz, eles nde. Tod~1.-; as palavra em grego derivam mais simples em suas declinações e conjugações. Estas duas
le c rca d trezentas palavr::1s primitivas. vid n ·ia clara d qu línguas ao menos retiveram parte ela distinção elos gêneros, e
os g regos formar:m1 sua língua quas Intei ram nte enrr . i, seus adjetivos variam de terminação, segundo se aplicam a um
qu , quand tiveram oca. i:lo d inv nwr uma pala ra n va não substantivo masculino ou feminino. Mas não existe uma distin-
estavam bal itua los, ·ou o nó. , a empre. Lá-la c1 a lgwmt lmgua ção semelhante na língua inglesa, cujos adjetivos não admitem
e Lmng ira, mas a formá-l a ou Ji( r · mpo:ii ão, ou por deriva- variedade alguma de terminação. As línguas francesa e italiana
"\o de ~l lgü ma OL11.1<1 pabvra u palavras de seu pr >prlo icU ma . conservaram os resquícios ele conjugação, e todos os tempos ela
A ·im ú. d ~dina ô "S ·onjuga ·ões do rego sã m.uito mals
complexas d qu · ' lS de qualquer utra l.íngua •urop ' ia u
eu conheça. • Trata-se elo "French-Law" . (N. ela R. T.)
452 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS DISSERTAÇÃO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS 453

as declinaçõ pel uso de prepo- O latim é composto elas línguas grega e toscana antiga.
si ·õ s. Um I ml ar lo qu d sejasse diz r eu sult amado. ma · Suas declinações e conjugações, portanto, são muito menos
nã · ns guiss lcmbwr a palavra amo1·, natur::tlm nte t nta- complexas elo que as gregas. O latim abandonou o número dual I
ria r me liar sua ign rânda, cLzenclo ego sum amctttlls. lo son.o em ambas. Seus verbos não possuem modo optativo distinto
ttlllC/.1'0 é atualmente a expressão italiana qu orresp ntle :'l por nenhuma terminação peculiar. Só possuem um futuro. Não
frase acima mencionada. possuem o aoristo distinto do pretérito perfeito; não possuem
Há um outro verbo que perpassa da mesma maneira to- voz intermediária; e muitos ele seus tempos na voz passiva fo-
das as línguas e se distingue p ' lo nome do verbo p )Ssessivo. ram removidos, como nas línguas modernas, pelo verbo subs- '
É o verbo latino hab o, em Inglês, I have ("eu tenho") . .Esse tantivo, unido ao particípio passivo. Nas duas vozes, o núme- ·
verbo denota também um evento de natureza extremamente ro ele infinitivos e particípios é muito menor no latim do que
abstrata e metafísica, e, conseqüentemente, não se pode su- no grego.
por qu ~ se in · ua nas pri11ei.ras palavnt.'i inventadas. No t!lll'IO - As línguas francesa e italiana são compostas, uma elo latim
L , uma vez inv Jntada, r ~ dc s rvir para substituir uma gnnd e ela lmgua elos antigos francos, a outra do mesmo latim e da lín-
part las r, rmas d:1 voz ativa, assim com v rbo subst'tnUvo gua dos antigos lombardos. Essas duas línguas, mais comple-
~ubstituíra toda a pas. iva. Um lombar lo qu de · •ja. se diz r eu xas em sua composição do que o latim, também são as mais
linha amado, mas não con. gu issc lembrar a 1 ::~ lav ra cm1cwe- simples em suas declinações e conjugações. Quanto às declina-
ram., trataria de supri-Ja, dizend ego habebam tll nC/tlt1~ ou eg ções, ambas perderam inteiramente seus casos; e quanto às con-
babai ama/um. lo ai'Wtt anwto, ou lo ebbi cnnato, ã atual- jugações, ambas perderam toda a voz passiva, e parte da ativa
mente as expressões italianas correspondentes. E assim, como ele seus verbos. Suprem inteiramente a falta ela voz passiva pe-
efeito da mistura de diferentes nações umas com as outras, as lo verbo substantivo unido ao particípio passivo, e formam parte
con juga ·õ s s aproximaram , p r m ·io ele lifcr n.t s v~rbos da ativa da mesma maneira, com a ajuda elo verbo possessivo
auxl liru·~ , da simpli idade e uniformidade d:.lS d lina ·õe . e elo mesmo particípio passivo.
Em geral, pode-s adotar cnm .máxima 1 le, quamo m.ai O inglês é composto do francês e das antigas línguas sa-
~impl f, · l ima língua em sua rnposi ·· o, mais c mpl 'X<l de- xônicas. O francês foi introduzido na Grã-Bretanha pela con-
ve ser em suas declina '~ s conjuga õ s; · a ·ontrãri , quan- quista normancla, e até o tempo ele Eduardo III continuou a
to mais simples for em suas declinações e conjugações, tanto ser a única língua ela legislação, bem como o principal idioma
I mais c mpl ~xa deve ~ r 'll1 sua c ll'lposi ·'I . da corte•. O inglês que se veio a falar em seguida e que con-
I g1 ' o pa1 · ce r, ·m grande m li la, uma lrngua simples tinua a se falar hoje é uma mistura do antigo saxão e desse fran-
não- ·omposm, formada lo jarg· primitivo elo selvag "OS nô- cês normando. Pottanto, como a língua inglesa é mais comple-
mad s, o, anlig >s h I nos e r lasgos, de que a naçã grega, xa em sua composição do que o francês ou italiano, também é
l'i gu ncl s diz, eles nde. Tod~1.-; as palavra em grego derivam mais simples em suas declinações e conjugações. Estas duas
le c rca d trezentas palavr::1s primitivas. vid n ·ia clara d qu línguas ao menos retiveram parte ela distinção elos gêneros, e
os g regos formar:m1 sua língua quas Intei ram nte enrr . i, seus adjetivos variam de terminação, segundo se aplicam a um
qu , quand tiveram oca. i:lo d inv nwr uma pala ra n va não substantivo masculino ou feminino. Mas não existe uma distin-
estavam bal itua los, ·ou o nó. , a empre. Lá-la c1 a lgwmt lmgua ção semelhante na língua inglesa, cujos adjetivos não admitem
e Lmng ira, mas a formá-l a ou Ji( r · mpo:ii ão, ou por deriva- variedade alguma de terminação. As línguas francesa e italiana
"\o de ~l lgü ma OL11.1<1 pabvra u palavras de seu pr >prlo icU ma . conservaram os resquícios ele conjugação, e todos os tempos ela
A ·im ú. d ~dina ô "S ·onjuga ·ões do rego sã m.uito mals
complexas d qu · ' lS de qualquer utra l.íngua •urop ' ia u
eu conheça. • Trata-se elo "French-Law" . (N. ela R. T.)
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS DISSERTAÇÃO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS 455
454

voz ;:llivo. qu não pod m ser p lo verl o po, s ·s ivo


JS
infinito de signos, e que quatro ou cinco preposições e meia
unido ao p~uti ·[pio passiv , b muitos d s qu podem, dúzia de verbos auxiliares bastariam para responder à finali-
:;. o marcados n ·ssa J.inguas p ~b mucl:.tn ·a de t rrnina iio do dade de todas as declinações e ele todas as conjugações das lín-
verbo prin i.paL M::ts quas L )(] s c s >Lllro l · mp s são, no in- guas antigas.
glês, subsliluídos por )Lili'OS v •ri o awwiares, de modo que Todavia, essa simplificação das línguas, posto que talvez
nes a língua qua h{t resquíci · ti conjuga .Jo. 1/ooe, I surja de causas semelhantes, não tem, de modo algum, efeitos
foved, looin,p, (" u am , - u am i, amando'') s, o ' t. (mie< s va- similares aos ela correspondente simplificação das máquinas.
ri -•dad s l ' l'lnina. ~ o atlmítid<lS na maior patte d . erb >-' in- Esta as torna mais e mais perfeitas, ao passo que a simplificação ·
gl s s. T da. as li~ r ntes modifica es d sentido qu, nã dos rudimentos elas línguas as torna mais e mais imperfeitas,
podem s ·r xpres as por nenhuma dessa três l ·rn1.Lna .- s I - mesmo apropriadas para muitos dos propósitos ela linguagem,
vem ~ r · sru11 nte ser ex pressas pur difere me. v ·ri o auxi- pelas seguintes razões:
li:ue. unidos a uma ou ourra ddas. 1 oi v r1 s aux lU~u· s I as- Primeira: as línguas tornam-se mais prolixas com essa sim-
r.am p~u·a suprir toch · ·ts la '\!nas la:; ·oojuga ·õ s fro.nc.:.esa e plificação, pois são necessárias várias palavras para exprimir 0
italia na. ; é pre is n.1~1is d >qu · meia cJ(tz.ia para suprir a ccm- que pode:-ia ser anteriormente expresso por uma só palavra.
jtJga ·õ ·singl :><ts,qLt , a\é.m los 1'1 ossubst~tmiv se posses- Assim, as palavras latinas Dei e Deo mostram suficientemente
sivos. mprega clid; will, u uld; sb J{/- sbould can, could; may, sem qualquer acréscimo, a relação subentendida que o objet~
. might*. significado guarda para com os objetos expressos pelas outras
É dessa maneira que a língua se torna mais simples em palavras da frase. Porém, para expressar a mesma relação em
seus rudimentos e princípios, à proporção que se torna mais inglês e todas as línguas modernas, devemos empregar pelo me-
\ compl ' xa 111 sua omp . iç; >. Po le-se ampara r esse pro es- nos duas palavras, e dizer de Deus, para Deus. Pottanto, no que
. so ao jll n ~ ·om as m:1quLna . T las elas, no mom nt l.e diz respeito às declinações, as línguas modernas são muito mais
su:1 inv nção, . ão ·m g ral c.xtr mam ntc comrlexas •m s tiS prolixas elo que as antigas. A diferença é ainda maior com res-
Jlrincípios, e çc m freqü-·n ·ia guardam um p1incípio m Lar par-
peito às conjugações. O que um romano expressava apenas pe-
li •til~tr par~1 ·ad<l movim mo parti ·u lar que estão dcslinaruts a
la palavra amavissem, um inglês é obrigado a expressar com
ex t~ Litar. Su es:>ivos me ·ânicoll oi stav~ m qu . e p l a per-
quatro palavras diferentes. I should bave loved ("eu deveria ter
fei ·oar a máquina, ·mpr ganclo-se um único principio para pro-
amado"). É desnecessário esforçar-se para mostrar quanto essa '
duzir vários desses 111 vimcntos. Assim, a mi'tqu Lna gntdu:-:tlmen-
prolixidade deve debilitar a eloqüência de todas as línguas mo-
l s toma mais simples, produz seus ef it s com men s r das
dernas. Todos os que possuem alguma experiência em com-
e m nos prin ·i pio:; motores. Na linguagem da m -sma man i-
posição sabem o quanto a beleza ele uma expressão depende
ra, tua -aso ele cada nome, e .td<tt mpo I "Kh erbc foi ri-
ginalm nr xpresso por uma pala v . 1 lbtint·t, qu s r la pa- de sua concisão.
ra es. propósiLo <.:para n ·nhum o 1tro. Mas. p >r intermédio d '
Segunda razão: essa simplificação dos princípios das lín-
I set a ::õcs post riorcs, os h m ns d s · briram JLi e uma Cmi- guas as toma menos agradáveis ao ouvido. A variedade da ter-
" classe de palavras era <tpaz d ~su prir lugrtr less núm rc minação em grego e latim, ocasionada por suas declinações e
conjugações, confere à sua língua uma doçura que a língua in-
g l sa ignor:1 inLeiram nl , e um~ varl dade que tampou ·o as
• Essas palavras são os tempos presente e pretérito do indicativo de outras língLJas conl.1ec.:em. No que cnncerne à doçura, wl z o
cinco verbos auxiliares. As três primeiras poderiam corresponder, em por- italiano consJga superar o lalin,'l, e quase se quipare ao grego,
IUJ':Ues, a f:w .:r, des · ~t r, dever; as três últimas são quase sinônimas, pois
mas, no qu · concerne à variedade, é muito in~ rior às duas.
denolam o verbo pmüw. (N. ela R. T.)
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS DISSERTAÇÃO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS 455
454

voz ;:llivo. qu não pod m ser p lo verl o po, s ·s ivo


JS
infinito de signos, e que quatro ou cinco preposições e meia
unido ao p~uti ·[pio passiv , b muitos d s qu podem, dúzia de verbos auxiliares bastariam para responder à finali-
:;. o marcados n ·ssa J.inguas p ~b mucl:.tn ·a de t rrnina iio do dade de todas as declinações e ele todas as conjugações das lín-
verbo prin i.paL M::ts quas L )(] s c s >Lllro l · mp s são, no in- guas antigas.
glês, subsliluídos por )Lili'OS v •ri o awwiares, de modo que Todavia, essa simplificação das línguas, posto que talvez
nes a língua qua h{t resquíci · ti conjuga .Jo. 1/ooe, I surja de causas semelhantes, não tem, de modo algum, efeitos
foved, looin,p, (" u am , - u am i, amando'') s, o ' t. (mie< s va- similares aos ela correspondente simplificação das máquinas.
ri -•dad s l ' l'lnina. ~ o atlmítid<lS na maior patte d . erb >-' in- Esta as torna mais e mais perfeitas, ao passo que a simplificação ·
gl s s. T da. as li~ r ntes modifica es d sentido qu, nã dos rudimentos elas línguas as torna mais e mais imperfeitas,
podem s ·r xpres as por nenhuma dessa três l ·rn1.Lna .- s I - mesmo apropriadas para muitos dos propósitos ela linguagem,
vem ~ r · sru11 nte ser ex pressas pur difere me. v ·ri o auxi- pelas seguintes razões:
li:ue. unidos a uma ou ourra ddas. 1 oi v r1 s aux lU~u· s I as- Primeira: as línguas tornam-se mais prolixas com essa sim-
r.am p~u·a suprir toch · ·ts la '\!nas la:; ·oojuga ·õ s fro.nc.:.esa e plificação, pois são necessárias várias palavras para exprimir 0
italia na. ; é pre is n.1~1is d >qu · meia cJ(tz.ia para suprir a ccm- que pode:-ia ser anteriormente expresso por uma só palavra.
jtJga ·õ ·singl :><ts,qLt , a\é.m los 1'1 ossubst~tmiv se posses- Assim, as palavras latinas Dei e Deo mostram suficientemente
sivos. mprega clid; will, u uld; sb J{/- sbould can, could; may, sem qualquer acréscimo, a relação subentendida que o objet~
. might*. significado guarda para com os objetos expressos pelas outras
É dessa maneira que a língua se torna mais simples em palavras da frase. Porém, para expressar a mesma relação em
seus rudimentos e princípios, à proporção que se torna mais inglês e todas as línguas modernas, devemos empregar pelo me-
\ compl ' xa 111 sua omp . iç; >. Po le-se ampara r esse pro es- nos duas palavras, e dizer de Deus, para Deus. Pottanto, no que
. so ao jll n ~ ·om as m:1quLna . T las elas, no mom nt l.e diz respeito às declinações, as línguas modernas são muito mais
su:1 inv nção, . ão ·m g ral c.xtr mam ntc comrlexas •m s tiS prolixas elo que as antigas. A diferença é ainda maior com res-
Jlrincípios, e çc m freqü-·n ·ia guardam um p1incípio m Lar par-
peito às conjugações. O que um romano expressava apenas pe-
li •til~tr par~1 ·ad<l movim mo parti ·u lar que estão dcslinaruts a
la palavra amavissem, um inglês é obrigado a expressar com
ex t~ Litar. Su es:>ivos me ·ânicoll oi stav~ m qu . e p l a per-
quatro palavras diferentes. I should bave loved ("eu deveria ter
fei ·oar a máquina, ·mpr ganclo-se um único principio para pro-
amado"). É desnecessário esforçar-se para mostrar quanto essa '
duzir vários desses 111 vimcntos. Assim, a mi'tqu Lna gntdu:-:tlmen-
prolixidade deve debilitar a eloqüência de todas as línguas mo-
l s toma mais simples, produz seus ef it s com men s r das
dernas. Todos os que possuem alguma experiência em com-
e m nos prin ·i pio:; motores. Na linguagem da m -sma man i-
posição sabem o quanto a beleza ele uma expressão depende
ra, tua -aso ele cada nome, e .td<tt mpo I "Kh erbc foi ri-
ginalm nr xpresso por uma pala v . 1 lbtint·t, qu s r la pa- de sua concisão.
ra es. propósiLo <.:para n ·nhum o 1tro. Mas. p >r intermédio d '
Segunda razão: essa simplificação dos princípios das lín-
I set a ::õcs post riorcs, os h m ns d s · briram JLi e uma Cmi- guas as toma menos agradáveis ao ouvido. A variedade da ter-
" classe de palavras era <tpaz d ~su prir lugrtr less núm rc minação em grego e latim, ocasionada por suas declinações e
conjugações, confere à sua língua uma doçura que a língua in-
g l sa ignor:1 inLeiram nl , e um~ varl dade que tampou ·o as
• Essas palavras são os tempos presente e pretérito do indicativo de outras língLJas conl.1ec.:em. No que cnncerne à doçura, wl z o
cinco verbos auxiliares. As três primeiras poderiam corresponder, em por- italiano consJga superar o lalin,'l, e quase se quipare ao grego,
IUJ':Ues, a f:w .:r, des · ~t r, dever; as três últimas são quase sinônimas, pois
mas, no qu · concerne à variedade, é muito in~ rior às duas.
denolam o verbo pmüw. (N. ela R. T.)
456 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS DISSERTAÇÃO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS 457
Terceira: essa simplificação não apenas torna os sons de Somos obrigados a recorrer ao original para interpretar algumas
nossa língua menos agradáveis ao ouvido, mas também nos im- partes da tradução literal que Milton fez de Horácio:
p • le de dispor desses sons de modo que pud~ssem ser mais
agradáveis. Tolhe muitas palavras a w11a situação parti :ular, em- Who now enjoys thee credulous ali gold,
bora com freqüência pudessem ser colocadas em outra com Who always vacant, always amiable
muito mais beleza. Em grego e latim, ainda que o adjetivo e Hopes thee; of flattering gales
UnmindfuJ...•
o substantivo estivessem separados um do outro, a correspon-
dência de suas terminações mostrava, contudo, sua referência
Eis versos impossíveis de interpretar de acordo com as re-
mútua, e a separação não provocava necessariamente nenhum
gras da língua inglesa. Nenhuma das regras da língua inglesa
tipo de confusão. Veja-se, por exemplo: permite descobrir que no primeiro verso credulous se refere
a who e não a thee, ou que all gold se refere a qualquer coisa;
Tityre tu patulae recubans sub tegmine jagi; ou que no quarto verso unmindful se refere a who no segun-
do e não a thee, no terceiro; ou, ao contrário, que no segundo
Ess " prlrn lro v rs le Virglllo pcrmit -n - v r fa ilmcnte verso always vacant, always amiable se refere a thee no ter-
que tu e r fer a I' CU ban , e patulae a fagl, em! ra as pala-
7
ceiro verso e não a who, que se encontra no mesmo verso que
vras rela ·ionacla · t jam paradas pela interv n -o de várias seus dois epítetos. Em latim, na verdade, tudo isso está abun-
outras. Pois as terminações, ao mostrarem a correspondência dantemente claro:
de seus casos, determinam sua referência mútua. No entanto,
se fizéssemos uma tradução literal desse verso para o inglês, Qui nunc te fruitur credulus aurea,
e disséssemos Tityrus, thou of spreading reclining under the Qui semper vacuam, semper amabilem
shade heech ("tu estirado reclinado sob a sombra fala"), nem Sperat te; nescius aurae fallacis.
o próprio Édipo entenderia nada, porque aqui não há diferen-
ça de terminação para determinar a que substantivo pertence Pois as terminações em latim determinam a referência de
cada adj livo. me ·m o n·e om os v rl s. Em latim, nã cada adjetivo com seu sub tanlivo apropriad , o que é Impos-
sível fazer em inglês. É dificil imaginar como essa lib ·dadc
raro se pode c locar sem i.n ·onveni:ên ·ia u aml igüidad · , o
de transpor a ordem das palavras pode ter auxiliado os latinos
verl o em qua lquer lugar d frase: em inglê ·, l davia, · u lu-
a compor, seja em verso, seja em prosa. Mas é desnecessário
gar é quase sempre exatamente determinado. Em todos os casos advertir que deve ter facilitado grandemente sua versificação;
deve seguir o sujeito e anteceder o objeto da frase. Assim, em 1Ja prosa, todas as belezas que dependem do arranj e cons-
latim, se disseres joannem verheravit Rohertus, ou Rohertus ver- ln.J 'âo elos vários me mhros cJo períod devem ter sido por les
heravitjoannem, o sentido é exatamente o mesmo, e nos dois obtidas de modo muito mais fácil, e com uma perfeição que
casos a terminação estabelece João como o que sofre a ação. não encontrariam os escritores cuja expressão está constante-
Mas em inglês jobn bectt Rohert ')oã.o bateu Roberto") e Ro- mente obstruída pela prolixidade, e pela monotonia das línguas
bert heat.fohn "Robert bateu J >âo" não si nifi am de m do modernas.
algum a mesma coisa. P rtanto, o lugar dos três principai I -
mentos da frase é, em inglês, e, pelo mesmo motiv , ·m fi:an-
cês e italiano, quase sempre exatamente determinado, enquan- • Seguimos a edição francesa de]. Mauget, que não traduz esses ver·
to nas línguas antigas se permite uma latitude maior, e o lugar sos. O leitor pode ver que a crítica de Smith compara o latim ao inglês, de
modo que uma tradução para o português (língua de origem latina) em
desses elementos muitas vezes é, em grande medida, distinto. nada ajudaria. (N. da R. T.)
456 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS DISSERTAÇÃO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS 457
Terceira: essa simplificação não apenas torna os sons de Somos obrigados a recorrer ao original para interpretar algumas
nossa língua menos agradáveis ao ouvido, mas também nos im- partes da tradução literal que Milton fez de Horácio:
p • le de dispor desses sons de modo que pud~ssem ser mais
agradáveis. Tolhe muitas palavras a w11a situação parti :ular, em- Who now enjoys thee credulous ali gold,
bora com freqüência pudessem ser colocadas em outra com Who always vacant, always amiable
muito mais beleza. Em grego e latim, ainda que o adjetivo e Hopes thee; of flattering gales
UnmindfuJ...•
o substantivo estivessem separados um do outro, a correspon-
dência de suas terminações mostrava, contudo, sua referência
Eis versos impossíveis de interpretar de acordo com as re-
mútua, e a separação não provocava necessariamente nenhum
gras da língua inglesa. Nenhuma das regras da língua inglesa
tipo de confusão. Veja-se, por exemplo: permite descobrir que no primeiro verso credulous se refere
a who e não a thee, ou que all gold se refere a qualquer coisa;
Tityre tu patulae recubans sub tegmine jagi; ou que no quarto verso unmindful se refere a who no segun-
do e não a thee, no terceiro; ou, ao contrário, que no segundo
Ess " prlrn lro v rs le Virglllo pcrmit -n - v r fa ilmcnte verso always vacant, always amiable se refere a thee no ter-
que tu e r fer a I' CU ban , e patulae a fagl, em! ra as pala-
7
ceiro verso e não a who, que se encontra no mesmo verso que
vras rela ·ionacla · t jam paradas pela interv n -o de várias seus dois epítetos. Em latim, na verdade, tudo isso está abun-
outras. Pois as terminações, ao mostrarem a correspondência dantemente claro:
de seus casos, determinam sua referência mútua. No entanto,
se fizéssemos uma tradução literal desse verso para o inglês, Qui nunc te fruitur credulus aurea,
e disséssemos Tityrus, thou of spreading reclining under the Qui semper vacuam, semper amabilem
shade heech ("tu estirado reclinado sob a sombra fala"), nem Sperat te; nescius aurae fallacis.
o próprio Édipo entenderia nada, porque aqui não há diferen-
ça de terminação para determinar a que substantivo pertence Pois as terminações em latim determinam a referência de
cada adj livo. me ·m o n·e om os v rl s. Em latim, nã cada adjetivo com seu sub tanlivo apropriad , o que é Impos-
sível fazer em inglês. É dificil imaginar como essa lib ·dadc
raro se pode c locar sem i.n ·onveni:ên ·ia u aml igüidad · , o
de transpor a ordem das palavras pode ter auxiliado os latinos
verl o em qua lquer lugar d frase: em inglê ·, l davia, · u lu-
a compor, seja em verso, seja em prosa. Mas é desnecessário
gar é quase sempre exatamente determinado. Em todos os casos advertir que deve ter facilitado grandemente sua versificação;
deve seguir o sujeito e anteceder o objeto da frase. Assim, em 1Ja prosa, todas as belezas que dependem do arranj e cons-
latim, se disseres joannem verheravit Rohertus, ou Rohertus ver- ln.J 'âo elos vários me mhros cJo períod devem ter sido por les
heravitjoannem, o sentido é exatamente o mesmo, e nos dois obtidas de modo muito mais fácil, e com uma perfeição que
casos a terminação estabelece João como o que sofre a ação. não encontrariam os escritores cuja expressão está constante-
Mas em inglês jobn bectt Rohert ')oã.o bateu Roberto") e Ro- mente obstruída pela prolixidade, e pela monotonia das línguas
bert heat.fohn "Robert bateu J >âo" não si nifi am de m do modernas.
algum a mesma coisa. P rtanto, o lugar dos três principai I -
mentos da frase é, em inglês, e, pelo mesmo motiv , ·m fi:an-
cês e italiano, quase sempre exatamente determinado, enquan- • Seguimos a edição francesa de]. Mauget, que não traduz esses ver·
to nas línguas antigas se permite uma latitude maior, e o lugar sos. O leitor pode ver que a crítica de Smith compara o latim ao inglês, de
modo que uma tradução para o português (língua de origem latina) em
desses elementos muitas vezes é, em grande medida, distinto. nada ajudaria. (N. da R. T.)

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