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ISSNe: 2182.2883 | ISSNp: 0874.

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ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL) Disponível em: https://doi.org/10.12707/RIV17088

RESEARCH PAPER (ORIGINAL)

Terapia por caixa de espelho e autonomia no autocuidado


após acidente vascular cerebral: programa de intervenção
Mirror therapy and self-care autonomy after stroke: an intervention program
Terapia por caja espejo y autonomía en el autocuidado después de un accidente cere-
brovascular: programa de intervención
Pedro de Oliveira e Castro*; Maria Manuela Ferreira Pereira da Silva Martins**; Glória Maria Andrade do Couto***;
Maria Gorete Reis****

Resumo
Enquadramento: Nos doentes com acidente vascular cerebral (AVC) da artéria cerebral média (ACM), a alteração da
função do membro superior conduz à dependência no autocuidado. No processo de reconstrução da autonomia/inde-
pendência, existe evidência da efetividade dos métodos com estímulos sensoriais na recuperação motora após o AVC.
Objetivo: Avaliar o contributo da terapia por caixa de espelho para a autonomia no autocuidado nos doentes com
hemiplegia/hemiparesia, por AVC da ACM.
Metodologia: Estudo transversal, quase-experimental, com abordagem quantitativa, desenho pré-programa/pós-
-programa com grupo controlo não equivalente. Amostra não probabilística de 30 participantes.
Resultados: Verificaram-se ganhos na força de preensão, amplitude articular e destreza manual do membro superior,
mais expressivos no grupo experimental mas sem diferenças estatisticamente significativas entre grupos.
Conclusão: Apesar da evolução mais expressiva do grupo experimental, a terapia por caixa de espelho não se revelou
efetiva na recuperação motora do membro superior, pelo que, é necessário continuar a investigação nesta área com
desenhos randomizados, amostras maiores e direcionada para o autocuidado.

Palavras-chave: autocuidado; acidente vascular cerebral; enfermagem em reabilitação; terapia por caixa de espelho

Abstract Resumen
Background: In patients with middle cerebral artery Marco contextual: En los pacientes que han sufrido un
(MCA) stroke, changes in upper limb function lead to accidente cerebrovascular (ACV) en la arteria cerebral
dependence on others for self-care. In the process of re- media (ACM), la alteración de la función del miembro
covering autonomy/independence, there is evidence on superior lleva a ser dependientes en el autocuidado. En
the effectiveness of sensory stimulation techniques in el proceso de reconstrucción de la autonomía/indepen-
the motor recovery after stroke. dencia, existen pruebas de la efectividad de los métodos
Objective: To assess the effect of mirror therapy on the con estímulos sensoriales en la recuperación motora
self-care autonomy of patients with hemiplegia/hemi- después del ACV.
paresis due to MCA stroke. Objetivo: Evaluar la contribución de la terapia por caja
Methodology: Cross-sectional and quasi-experimental espejo para la autonomía en el autocuidado en los pa-
study with a quantitative approach, a before-and-after cientes con hemiplejia/hemiparesia por ACV de la ACM.
design, and a non-equivalent control group. A non- Metodología: Estudio basado en el paradigma cuanti-
probability sample of 30 participants was selected. tativo, de naturaleza transversal y carácter cuasiexperi-
Results: Gains in grip strength, joint range of motion, mental, con un diseño preprograma/posprograma con
and manual dexterity of the upper limb were more sig- un grupo de control no equivalente. Muestra de 30 par-
nificant in the experimental group but without statisti- ticipantes sin repartir aleatoriamente.
cally significant differences between groups. Resultados: Se observaron beneficios en la fuerza de pren-
Conclusion: Despite the more significant evolution of sión, amplitud articular y destreza manual del miembro
the experimental group, mirror therapy was not effec- superior, más llamativos en el grupo experimental pero sin
tive in the motor recovery of the upper limb. Further diferencias estadísticamente significativas entre grupos.
studies are needed in this area using randomized de- Conclusión: A pesar de la evolución más llamativa del
signs, larger samples, and focused on self-care. grupo experimental, la terapia por caja espejo no se
mostró efectiva en la recuperación motora del miembro
Keywords: self care; stroke; rehabilitation nursing; superior, por lo que es necesario continuar la investi-
mirror therapy gación en esta área con diseños aleatorizados, muestras
*MSc., Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação, ACES Porto-Ociden- mayores y dirigida al autocuidado.
tal: Unidade de Cuidados na Comunidade da Baixa do Porto, 4000-302, Porto, Portugal
[pedrojunyor.1984@gmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, ex- Palabras clave: autocuidado; accidente cerebrovascular;
perimentação; recolha de dados, tratamento e avaliação estatística, análise de dados
e discussão, redação do artigo. Morada para correspondência: Travessa dos Casais, nº enfermería en rehabilitación; terapia por caja de espejo
602 - Atães, 4800-230, Guimarães, Portugal.
**Ph.D., Professora Coordenadora, Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072,
Porto, Portugal [mmartins@esenf.pt]. Contribuição no artigo: tratamento e avaliação
estatística, análise de dados e discussão, redação do artigo.
***MSc., Enfermeira Especialista em Enfermagem de Reabilitação, Unidade de Cuidados
na Comunidade de Paredes Rebordosa, 4580-029, Paredes, Portugal [gloria.a.couto@gmail.com].
Contribuição no artigo: análise de dados e discussão, redação do artigo. Recebido para publicação em: 19.10.17
****Ph.D., Professora Coordenadora, Escola Superior de Enfermagem de São João de Deus, 7000-
811, Évora, Portugal [greis@uevora.pt]. Contribuição no artigo: discussão, redação do artigo. Aceite para publicação em: 05.04.18

Revista de Enfermagem Referência Série IV - n.º 17 - ABR./MAI./JUN. 2018

pp. 95 - 106
Introdução ACM e, para tal, foi aplicado um programa
de intervenção com a integração da terapia
A capacidade de adaptação às mudanças é co- por caixa de espelho num programa de reabi-
locada à prova durante os processos de transi- litação convencional.
ção saúde/doença que ameaçam a autonomia
do autocuidado ao longo do ciclo de vida.
Para o enfermeiro de reabilitação, conhecer Enquadramento
e compreender o modo como estes doentes
percecionam e vivenciam a sua nova condi- Um AVC ocorre quando o fluxo sanguíneo
ção, é fundamental para o desenvolvimento para o cérebro é interrompido por um blo-
de estratégias de intervenção profissional fa- queio ou rutura num vaso sanguíneo (Orga-
cilitadoras do processo de transição saúde/ nização Mundial de Saúde [OMS], 2009).
doença e na garantia da sua adaptação à nova A alteração neurológica resultante do AVC
situação de saúde. não tem associação direta com o tipo de AVC,
As sequelas mais evidentes do acidente vas- mas sim com a localização, extensão e latera-
cular cerebral (AVC) são os défices físicos e lidade da lesão. O vaso mais frequentemente
cognitivos, a par de alterações emocionais que envolvido é a ACM, seguido pela artéria ca-
têm, naturalmente, implicações para a inde- rótida, sendo os outros vasos mais raramente
pendência no autocuidado. De entre as in- afetados (Umphred, 2010).
capacidades provocadas pelo AVC da artéria Lundy-Ekman (2008) assinala que mais de
cerebral média (ACM), a alteração da função 90% dos AVCs ocorrem no território da
dos membros superiores pode constituir-se ACM, acarretando défices neurológicos im-
como uma das mais limitativas, com reper- portantes como hemiparesia e hemianestesia
cussões no desempenho das atividades de vida contralateral, com predomínio do membro
diária (AVD; Kim, Lee, Kim, Lee, & Kim, superior. A perda funcional neste membro
2016). A recuperação da função do membro dificulta o desempenho das AVD, compro-
superior assume-se assim como um impor- metendo a independência no autocuidado.
tante objetivo na reabilitação e, naturalmen- Desta forma, a recuperação da função do
te, um foco de atenção dos enfermeiros de membro superior é apontada como um im-
reabilitação. portante objetivo na reabilitação após AVC
Apesar dos métodos de tratamento conven- (Gurbuz et al., 2016).
cionais usados se revelarem insuficientes na Assume-se assim, como foco, a pessoa que
consecução desse objetivo, como referem após um evento gerador de dependência no
Gurbuz, Afsar, Aias, e Cosar (2016), existe autocuidado, vive uma transição e inicia, si-
evidência sustentada na revisão sistemática de multaneamente, um processo de adaptação
Thieme, Mehrholz, Pohl, Behrens, e Dohle que se verifica também na reconstrução da
(2012) e mais recentemente na meta-análise sua autonomia/independência. Neste proces-
de Zeng, Guo, Wu, Liu, e Fang (2018), so- so, o enfermeiro deve desenvolver e aprofun-
bre a efetividade de métodos com estímulos dar novas terapêuticas de reabilitação, con-
sensoriais como a terapia por caixa de espelho sistentes com as necessidades específicas dos
na recuperação motora do membro superior doentes, no sentido de restabelecer a saúde e
após AVC. Os mesmos autores, referindo que o bem-estar (Meleis, 2007; Ribeiro, Pinto, &
o conteúdo e número de artigos publicados Regadas, 2014).
não é suficiente para suportar uma conclusão O objetivo das novas abordagens e métodos
robusta, defendem a necessidade de realização de tratamento na reabilitação do AVC é rea-
de estudos com maior tamanho da amostra, tivar as características de plasticidade do cére-
de desenho controlado e randomizado e dire- bro para recuperar as funções cerebrais perdi-
cionados para as AVD. Neste sentido, foi de- das (Gurbuz et al., 2016). Uma dessas novas
finido como objetivo do estudo avaliar o con- abordagens é a terapia por caixa de espelho,
tributo da terapia por caixa de espelho para uma técnica de estimulação sensorial com efi-
a independência no autocuidado nos doentes cácia comprovada na recuperação da função
com hemiplegia/hemiparesia por AVC da motora da extremidade superior (Zeng et al.,

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2018), motivo pelo qual foi integrada no pro- terapia por caixa de espelho numa abordagem
grama de intervenção prescrito. a ter em conta no processo de reabilitação
O uso clínico da técnica de espelho, mirror após AVC.
visual feedback, foi inicialmente introduzido Foram assim, em conjunto com a necessidade
por Ramachandran e Rogers-Ramachandran de realização de estudos com maior tamanho
(1996) para aliviar a dor do membro fantas- da amostra, de desenho controlado e rando-
ma e, subsequentemente, tratar a hemiparesia mizado e direcionados para o autocuidado,
decorrente do AVC (Thieme, Mehrholz, et al., algumas das razões que fundamentaram a
2012). O princípio que está subjacente é que decisão sobre o objeto de estudo desta inves-
os movimentos do membro não afetado alte- tigação.
ram a excitabilidade do córtex motor ipsilateral
e beneficiam a função do membro afetado.
Ramachandran e Rogers-Ramachandran Hipóteses
(1996) sublinham que o uso da perspetiva ex-
terna (o estímulo visual), associado à realização H1: Os participantes do grupo experimental
de exercícios, pode alterar o desempenho de apresentam maior grau de força de preensão
uma tarefa motora, como resultado de altera- manual e digital (pinça) após programa do
ções fisiológicas e plásticas do cérebro em áreas que aqueles no grupo de controlo.
corticais sensoriomotoras. H2: Os participantes do grupo experimental
Como refere Machado et al. (2011), a ideia é apresentam maior amplitude do movimento
reeducar o cérebro através de uma tarefa sim- articular do membro superior após programa
ples. O indivíduo realiza uma série de movi- do que aqueles no grupo de controlo.
mentos com o braço saudável e observa o re- H3: Os participantes do grupo experimental
flexo no espelho colocado no seu plano sagital apresentam maior equilíbrio corporal estáti-
como se fosse o braço lesionado. O resultado co na posição sentado após programa do que
dessa ilusão visual, provocada pela caixa de aqueles no grupo de controlo.
espelho, cria nos doentes a sensação de que H4: Os participantes do grupo experimental
estão a mover simultaneamente os membros apresentam maior destreza manual após pro-
de forma simétrica, ativando ambos os hemis- grama do que aqueles no grupo de controlo.
férios cerebrais e aumentando a excitabilidade H5: Os participantes do grupo experimental
do membro superior afetado. Será esta a base apresentam menor grau de dor após progra-
de um mecanismo neurológico de indução ma do que aqueles no grupo de controlo.
da plasticidade cerebral (Park, Chang, Kim, H6: Os participantes do grupo experimental
& An, 2015), pois o cérebro pode assim, rea- apresentam menor extinção/desatenção após
justar-se funcionalmente (neuroplasticidade), programa que aqueles no grupo de controlo.
reorganizando os mapas corticais que contri- H7: Os participantes do grupo experimental
buem para a recuperação do AVC. apresentam um maior grau de autonomia/
O benefício da utilização da terapia por caixa independência no autocuidado higiene e ar-
de espelho na reabilitação da pessoa após AVC ranjo pessoal após programa do que aqueles
nas AVD, negligência visuo-espacial, dor e no grupo de controlo.
função sensoriomotora do membro superior, H8: Os participantes do grupo experimental
é evidenciado em 14 estudos randomizados apresentam maior grau de autonomia/inde-
com 567 participantes (Thieme, Mehrholz, et pendência no autocuidado tomar banho após
al., 2012). Estudos de Lim, Lee, Yoo, Yun, e programa que aqueles no grupo de controlo.
Hwang (2016) e Kim et al. (2016) corrobo- H9: Os participantes do grupo experimental
ram esta ideia, demonstrando efetividade da apresentam maior grau de autonomia/inde-
terapia por caixa de espelho na recuperação pendência no autocuidado vestir/despir após
da função motora do membro superior e no programa que aqueles no grupo de controlo.
desempenho das AVD após o AVC. H10: Os participantes do grupo experimental
Neste contexto, a fácil implementação, acei- apresentam maior grau de autonomia/inde-
tação, baixo custo e possibilidade de ser in- pendência no autocuidado alimentar após pro-
tegrada em contexto domiciliário, tornam a grama do que aqueles no grupo de controlo.

PEDRO DE OLIVEIRA E CASTRO et al. Revista de Enfermagem Referência - IV - n.º 17 -2018

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Metodologia Literature Online  (MEDLINE) e Cochrane
Database of Systematic Reviews (CDSR). Os
A não identificação de investigação sustentada estudos incluídos foram selecionados após a
e publicada e de peritos portugueses reconhe- aplicação dos critérios de inclusão e de exclu-
cidos na área levou à definição de um progra- são.
ma de intervenção, que associa a terapia por Um total de 73 artigos foi identificado em
caixa de espelho ao programa de reabilitação diferentes bases de dados. Dezoito foram
convencional, fundamentada numa revisão excluídos por se encontrarem repetidos, 24
da literatura enquanto estratégia metodológi- com base na leitura do título, nove com base
ca. As estratégias de pesquisa foram a procura na leitura do resumo e oito pela leitura in-
em bibliotecas de conhecimento e motores de tegral. Em síntese, 12 estudos primários, um
busca online, como B-ON, EBSCO e Pub- de meta-análise e um de revisão sistemática
Med, usando conceitos e palavras-chave defi- foram incluídos na revisão da literatura. Sob
nidos através do vocabulário descritor Medi- esta, construiu-se a intervenção aplicar terapia
cal Subject Headings (MeSH). Assim, tendo por caixa de espelho do tipo executar, incluí-
em conta uma delimitação temporal até 10 da neste estudo no programa de reabilitação
anos (2008 - 2018) e produções científicas convencional após AVC, sendo administrada
publicadas e acessíveis em texto completo, re- segundo o procedimento referido na Tabela
correu-se à pesquisa em bases de dados eletró- 1. Definiu-se, assim, o programa de interven-
nicas como Cumulative Index to Nursing and ção denominado de autocuidado e a terapia
Allied Health Literature (CINAHL), Medical por caixa de espelho.

Tabela 1
Procedimento de aplicação da terapia por caixa de espelho

Etapas Orientações
Organização Colocar o espelho no plano sagital do participante com a face refletora direcionada para o membro
espacial superior não afetado e o membro afetado posicionado no lado não refletor.
O participante é instruído a realizar os exercícios com o membro superior não afetado e observar o
Orientação do
reflexo da ação no espelho. Simultaneamente, se paresia/plegia permitir, o paciente deve tentar
participante
mover o membro afetado simetricamente ao membro oposto.
Duração Duração total de 4 semanas; 30 minutos/sessão; 5 minutos/exercício.
Frequência 1 sessão/dia; 5 sessões/semana; 20 sessões/4 semanas; 15 repetições/mobilização músculo-articular.
De proximal para distal:
 Abdução/adução horizontal do ombro;
 Flexão/extensão do ombro até à amplitude permitida pela imagem no espelho;
Sequência das  Flexão/extensão do cotovelo;
mobilizações  Pronação/supinação do antebraço;
músculo-  Desvio cubital e radial do punho;
articulares  Flexão/extensão do punho;
 Flexão/extensão dos dedos;
 Abdução/adução dos dedos;
 Oponência.
Sequência dos 
Exercício de preensão e mobilidade de objeto flexível e texturizado;
exercícios 
Exercício de motricidade fina da mão/destreza manual - encaixe de objetos.

Foi realizado um estudo assente num paradigma equivalente, pela ausência da repartição aleató-
quantitativo, quase-experimental, de natureza ria (randomização).
transversal e com um desenho de pré-progra- A população deste estudo compreendeu os
ma/pós-programa, com grupo de controlo não doentes com hemiplegia/hemiparesia por AVC

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da ACM. A amostra foi constituída pelos incluiu: o dinamómetro hidráulico de mão e
doentes admitidos na Unidade de Convales- de dedo; o goniómetro; a Escala de Equilíbrio
cença (UC) e na Unidade de Medicina Física de Berg - item 3, versão portuguesa de Capu-
e de Reabilitação (UMFR) de uma institui- cho et al. (como citado por Santos, Ramos,
ção hospitalar da região norte do país. Como Estêvão, Lopes, & Pascoalinho, 2005; vali-
critérios de inclusão, definiram-se os doentes dade de r = 0,93 e fidelidade de r = 0,94); o
adultos internados nas unidades selecionadas, teste 9-pinos no buraco (9-PnB), construído
que após aplicação do Mini Exame do Estado em 1971 é considerado o instrumento de elei-
Mental demonstraram capacidade cognitiva ção para avaliação da destreza manual, e mais
para compreender a instrução dos exercícios e frequentemente usado na prática clínica, com
que consentiram participar no estudo. Foram alta confiabilidade (r = 0,86-0,98; Feys et al.,
excluídos os doentes com comunicação com- 2017); a Escala Numérica da Dor, a National
prometida (afasia), com doenças neuromus- Institutes of Health Stroke Scale (NIHSS; item
culares e músculo-esqueléticas que afetam a 11) e o instrumento Grau de Autonomia/In-
reabilitação dos membros superiores, apresen- dependência no Autocuidado (GAIA), desen-
tando dependência no autocuidado, prévia ao volvido por Couto (2012). O GAIA apresenta
AVC, e com problemas de visão que impedi- uma boa confiabilidade, comprovada pela con-
ram a observação dos exercícios no espelho. sistência interna (coeficiente alfa de Cronbach
Foi constituída a amostra com 30 elementos, de 0,990) e uma boa validade de constructo.
divididos pelo grupo experimental (n = 15) e Na análise fatorial das questões iniciais, foi en-
o grupo de controlo (n = 15). Devido às ca- contrada uma solução de quatro fatores, que
racterísticas da intervenção, terapia por caixa explicou 86,68% da variância total. Apenas os
de espelho, não permitirem a realização de um itens de avaliação do autocuidado do GAIA,
estudo duplamente cego e ao facto de ambas que requerem maior uso dos membros supe-
as unidades angariarem participantes para os riores, foram utilizados, tais como: higiene
dois grupos, optou-se pela criação do grupo e arranjo pessoal; tomar banho; alimentar e
de controlo num primeiro momento e do vestir/despir. O instrumento foi aplicado aos
grupo experimental num segundo momento. participantes da amostra de cada grupo antes e
Esta repartição não aleatória caracterizada pela depois do programa. Os participantes do gru-
diferença temporal permitiu controlar envie- po experimental foram sujeitos ao programa de
samentos importantes resultantes dos contac- intervenção: autocuidado e a terapia por caixa
tos quotidianos entre sujeitos dos dois grupos de espelho. Os participantes do grupo controlo
(Fortin, 2009). foram submetidos ao programa de reabilitação
Assim, para verificar a similaridade e homo- convencional e à terapia placebo. Esta terapia
geneidade da amostra entre os grupos, o ins- foi composta pelos mesmos exercícios, com
trumento de colheita de dados numa primeira igual frequência e duração como da terapia por
parte compreendia as variáveis de caracteriza- caixa de espelho do programa de intervenção,
ção: sexo; idade; escolaridade; tipo de AVC; exceto pelo uso do espelho.
número de episódios do AVC; tempo decor- A falta de recursos humanos da investigação não
rido após o episódio de AVC; dominância do permitiu que um avaliador externo conduzisse
membro superior afetado e reabilitação con- uma avaliação cega pré-programa e pós-pro-
vencional. grama. Assim, os enfermeiros de reabilitação
Para avaliar os resultados do programa, o ins- de ambas as unidades tornaram-se parceiros
trumento foi orientado numa segunda parte desta investigação, colaborando na colheita de
para variáveis determinantes: força de preen- dados e na implementação da terapia por caixa
são manual e digital (pinça); amplitude de de espelho, após formação prévia e segundo o
movimento articular do membro superior; procedimento definido pelo investigador prin-
equilíbrio corporal estático na posição senta- cipal. Não houve qualquer conflito de interesses
do; destreza manual/motricidade fina da mão; a declarar dos enfermeiros de reabilitação das
dor; a extinção/desatenção e o grau de auto- unidades para com a investigação realizada. Fo-
nomia/independência no autocuidado. Assim, ram respeitados todos os procedimentos éticos
o instrumento de colheita de dados também inerentes à realização do estudo.

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O tratamento estatístico dos dados foi efetua- intervenção, sendo muito provável (p > 0,05) que
do com recurso ao software IBM SPSS Statis- o que se observou na amostra tenha resultado do
tics, versão 20. acaso da amostragem e não do efeito da interven-
ção, não se rejeitando a hipótese nula (H0).
Na avaliação pré-programa (Tabela 2), após de-
Resultados monstrada a homogeneidade (p > 0,05) entre
grupos nas características sociodemográficas
Abaixo estão os resultados obtidos nos grupos, (sexo, escolaridade, idade), ao nível das caracterís-
experimental e controlo, em ambos os momen- ticas clínicas verificou-se semelhança (p > 0,05):
tos de avaliação (pré e pós-programa). no tipo de AVC; no número de episódio do
Na análise dos dados, para a avaliação das dife- AVC; no tempo decorrido após AVC; na domi-
renças entre grupos, recorreu-se à estatística in- nância do membro superior afetado; na reabilita-
ferencial. Para a comparação dos dois grupos ção convencional; na força de preensão manual
independentes (controlo e experimental) no pré e digital; na amplitude do movimento articular
e no pós-programa, foi utilizou-se o teste U de do membro superior; no equilíbrio corporal es-
Mann-Whitney para as variáveis numéricas e o tático na posição sentado; na destreza manual;
teste Qui-Quadrado (X2) para as variáveis de na- na extinção/desatenção; no grau de autonomia/
tureza nominal. A análise das diferenças permiti- independência no autocuidado higiene e arranjo
rá avaliar a contribuição da terapia por caixa de pessoal; no autocuidado vestir/despir; e na maio-
espelho e a eficácia do programa. Na tomada de ria das dimensões dos autocuidados alimentar e
decisão quanto à significância estatística das dife- tomar banho. A diferença (p < 0,05) apenas ocor-
renças entre grupos, foi usado o valor da proba- reu: na dor; na dimensão Entrar/sair do chuveiro,
bilidade (p), sendo consideradas estatisticamente do autocuidado tomar banho; e nas dimensões
significativas quando p < 0,05. Quando as dife- Mastigar e Engolir, do autocuidado alimentar.
renças observadas não foram significativas, não se Verificou-se assim, na maioria das características,
inferiu que se verifiquem na população-alvo da uma homogeneidade entre os grupos.

Tabela 2
Avaliação pré-programa
Grupo de controlo Grupo experimental U/X2 p
Características
sociodemográficas
Masculino: 60%; Masculino: 73,3%;
Sexo F = 0,6 0,700
Feminino: 40% Feminino: 26,7%
Escolaridade Md = 6,00 anos Md = 6,00 anos U = 0,042 0,967
Idade Md = 61,00 anos Md = 59,00 anos U = 0,830 0,412
Grupo de controlo Grupo experimental U/X2 p
Características clínicas
Isquémico: 66,7%; Isquémico: 86,7%;
Tipo de AVC F = 1,677 0,390
Hemorrágico: 33,3% Hemorrágico: 13,3%
Nº de episódio do 1º: 86,7%; 2º: 6,7%;
1º: 100% F = 2,143 0,343
AVC 4º: 6,7%
Tempo decorrido Md = 23,00 dias Md = 24,00 dias U = 0,166 0,870
após AVC
Dominância do
membro superior Dominante: 46% Dominante: 53,3% F = 0,133 1,000
afetado
Reabilitação UC: 20%; UMFR: UC: 6,7%; UMFR:
F = 1,154 0,598
convencional 80% 93,3%
Força de preensão Md = 0,00 Md = 0,00 U = 0,308 0,758
manual
Força de preensão Md = 0,00 Md = 0,00 U = 0,861 0,389
digital

Terapia por caixa de espelho e autonomia no autocuidado após


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100
Amplitude do mo- Todos os
Avaliados 11 Avaliados 11 movi-
vimento articular do - movimentos
membro superior movimentos mentos
com p > 0,05
Equilíbrio corporal
Md = 4,00 Md = 4,00 U = 1,159 0,247
estático sentado
Destreza manual Md = 0,00s Md = 0,00s U = 0,048 0,962
Extinção/desatenção Md = 0,00 Md = 0,00 U = 1,624 0,104
Todas as di-
Autocuidado higiene Avaliadas seis di-
Avaliadas seis dimensões - mensões com
e arranjo pessoal mensões
p > 0,05
Todas as
Autocuidado vestir/ Avaliadas quatro di- Avaliadas quatro
- dimensões com
despir mensões dimensões
p > 0,05
Autocuidado tomar Todas as
banho (exceto di- Avaliadas quatro di- Avaliadas quatro
- dimensões com
mensão Entrar/sair mensões dimensões
do chuveiro) p > 0,05

Autocuidado Alimen- Avaliadas quatro di- Todas as di-


Avaliadas quatro
tar (exceto dimensões - mensões com
Mastigar e Engolir) mensões dimensões
p > 0,05
Dor Md = 5,00 Md = 0,00 U = 3,335 0,001
Dimensão Entrar/
sair do chuveiro
Md = 2,00 Md = 2,00 U = 2,087 0,037
(Autocuidado tomar
banho)
Dimensão Mastigar
(Autocuidado ali- Md = 3,00 Md = 4,00 U = 2,490 0,013
mentar)
Dimensão Engolir
(Autocuidado ali- Md = 3,00 Md = 4,00 U = 2,756 0,006
mentar)
Nota. Md = Mediana; U = Teste U de Mann-Whitney; X2; F = teste Qui-Quadrado; p = valor da probabilidade.

A Tabela 3 resume os resultados dos ganhos com bora os resultados não fossem consistentes
a reabilitação após o programa. com as hipóteses de pesquisa, por essa razão
Na variável clínica dor, a falta de similaridade no não foram corroborados (não rejeitando as
grau de dor entre os grupos na primeira avalia- hipóteses nulas), diferenças significativas fo-
ção, levou à impossibilidade de retirar conclusões ram encontradas na dimensão Cortar os ali-
sobre o valor de p = 0,001 (p < 0,05) na segunda mentos/barrar a manteiga do autocuidado ali-
avaliação. Não se tornou, assim, possível uma to- mentar, com benefícios para o grupo controlo,
mada de decisão quanto à confirmação da hipó- e na dimensão Vestir/despir parte inferior do
tese de investigação (H5), relativa a esta variável. autocuidado vestir/despir, com benefícios para
A variável destreza manual foi monitorizada atra- o grupo experimental. Embora só tenham sido
vés do teste 9-PnB, no qual se verificava maior observadas essas diferenças estatisticamente
destreza manual quanto menor o tempo des- significantes entre os grupos após a imple-
pendido na realização do mesmo. As diferenças mentação do programa, obtiveram-se ganhos
observadas entre os grupos não foram estatistica- mais significativos no grupo experimental na
mente significativas (p > 0,05), contudo, no pós- força de preensão manual e digital (pinça),
-programa, o grupo experimental apresentou cin- amplitude do movimento articular do mem-
co participantes a concluir o teste, contrapondo bro superior e destreza manual. Não foram
os apenas três participantes do grupo de controlo. encontradas diferenças entre os grupos nas
De referir que no pré-programa, em ambos os demais variáveis: equilíbrio corporal estático
grupos apenas um participante finalizou o teste. na posição sentado; dor; extinção/desatenção
Na segunda avaliação (após o programa), em- e restantes dimensões do autocuidado.

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Tabela 3
Avaliação pós-programa

Variáveis determinantes Grupo


Grupo de controlo U p
do programa experimental
Força de preensão manual Md = 0,00 Md = 0,00 0,673 0,501
Força de preensão digital Md = 0,00 Md = 0,00 0,792 0,429
Amplitude do movimento articular Todos os mo-
Evoluções nas Md favoráveis ao grupo
do membro superior - 11 movi- - vimentos com
experimental;
mentos p > 0,05
Equilíbrio corporal estático sentado Md = 4,00 Md = 4,00 0,000 1,000
Destreza manual Md = 0,00s Md = 0,00s 1,146 0,252
Dor Md = 4,00 Md = 0,00 3,244 0,001
Extinção/desatenção Md = 0,00 Md = 0,00 1,445 0,148
Todas as di-
Autocuidado higiene e arranjo Avaliadas seis dimensões - mensões com
pessoal p > 0,05
Autocuidado vestir/despir (exceto Todas as di-
dimensão Vestir/despir parte infe- Avaliadas três dimensões - mensões com
rior) p > 0,05
Todas as di-
Autocuidado tomar banho Avaliadas cinco dimensões - mensões com
p > 0,05
Autocuidado alimentar (exceto Todas as di-
dimensão Cortar alimentos/barrar Avaliadas cinco dimensões - mensões com
manteiga) p > 0,05
Dimensão Vestir/despir parte infe- Md = 3,00 Md = 4,00 2,157 0,031
rior (autocuidado vestir/despir)
Dimensão Cortar alimentos/barrar Md = 3,00 Md = 2,00 2,073 0,038
manteiga (autocuidado alimentar)
Nota. Md = Mediana; U = Teste U de Mann-Whitney; p = valor da probabilidade.

Discussão Após a reabilitação, a análise das diferenças


entre os grupos demostrará que a recuperação
O tamanho da amostra é semelhante à dos estu- funcional, traduzida nas variáveis em estudo,
dos de Park et al. (2015), Gurbuz et al. (2016) concorre diretamente para o grau de indepen-
e Kim et al. (2016). Wu, Huang, Chen, Lin, e dência na consecução do autocuidado.
Yang (2013) referem que, para aumentar a pro- Na força de preensão manual e digital, na
babilidade de detetar diferenças significativas (p amplitude do movimento articular do mem-
< 0,05), as investigações deverão ter um n ≥ 26 bro superior, no equilíbrio corporal estático
por grupo. Nesse sentido, uma amostra maior na posição sentado, e na destreza manual,
permitiria o uso de testes estatísticos de maior que representam a recuperação motora, não
potência (menor risco de cometer erro de tipo se observaram diferenças significativas entre
II), aumentando a capacidade de detetar dife- grupos. Resultados que não corroboram com
renças significativas, mesmo se observando um o estudo de Lim et al. (2016), que demons-
efeito pequeno (baixa amplitude; Fortin, 2009). trou um efeito significativo na recuperação da
Verificou-se semelhança entre grupos, antes função do membro superior. Também con-
do programa, na caracterização sociodemo- trariam os resultados obtidos no estudo de
gráfica e clínica, sendo consistente com Park Invernizzi et al. (2013), que se focou na fase
et al. (2015), que no seu estudo não obser- subaguda (+ 23 dias após AVC), com uma
vou, no ponto de partida, diferenças signifi- amostra de 26 participantes e com recurso ao
cativas entre grupos. Action Research Arm Test (ARAT) e ao Motri-

Terapia por caixa de espelho e autonomia no autocuidado após


Revista de Enfermagem Referência - IV - n.º 17 -2018 acidente vascular cerebral: programa de intervenção

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city Index (MI). Os autores encontraram mais espelho ao programa de reabilitação conven-
benefícios na recuperação motora do membro cional pela influência na redução da dor.
superior ao combinar a terapia de espelho com Após a reabilitação, o progresso dos parti-
um programa convencional de reabilitação do cipantes foi idêntico na extinção/desaten-
que quando combinando um tratamento de ção havendo uma diminuição do défice sem
reabilitação convencional e placebo. As diver- diferença entre grupos. Tratando-se de uma
gências encontradas podem ser explicadas por variável pouco estudada, Thieme, Bayn, et al.
diferenças nas características clínicas, como o (2012), utilizando o instrumento de medida
tipo de AVC e o número de episódios de AVC Star Cancellation Test, demonstrou que o pro-
entre as amostras de ambos os estudos. Tam- grama de reabilitação com recurso à terapia
bém foram encontradas diferenças entre os es- por caixa de espelho produz um efeito positi-
tudos na duração total da aplicação da terapia vo significativo na negligência visuo-espacial,
por caixa de espelho. verificando-se assim a sua efetividade, resulta-
Segundo Cooke et al. (como citado em Thieme, do não corroborado pelo achado do presente
Bayn, et al., 2012), numa amostra de pacientes estudo. Esta diferença poderá ser explicada
com hemiparesia distal grave do membro su- pela reduzida margem de progressão dos par-
perior (Medical Research Council [MRC] com ticipantes do presente estudo quanto à variá-
graduação de 0 a 1), o que também foi observa- vel extinção/desatenção, pois já apresentavam
do na maioria dos participantes deste estudo, é antes do programa uma avaliação próxima de
necessário aumentar a intensidade e frequência zero. Também Thieme, Bayn, et al. (2012) re-
do programa de reabilitação para alcançar resul- fere que os resultados observados têm de ser
tados clínicos estatisticamente significativos. interpretados com precaução, pelo pequeno
Relativamente aos dados observados sobre a tamanho da amostra.
recuperação do membro superior, constata-se Apesar dos ganhos no grau de independên-
que em parte poderão estar relacionados com cia, os resultados foram semelhantes aos en-
a presença de acentuada hemiparesia distal do contrados por Thieme, Bayn, et al. (2012)
membro superior. Sendo a função manual um e Gurbuz et al. (2016), que sugeriram que a
importante preditor para a recuperação funcio- terapia por caixa de espelho não teve impacto
nal após AVC, os participantes teriam à parti- no autocuidado devido à falta de diferenças es-
da um mau prognóstico, apresentando por isso tatisticamente significantivas entre os grupos,
uma menor propensão a recuperar, mesmo com observados pelo Índice de Barthel e pela Me-
uma terapia adicional, como refere Parry et al. dida de Independência Funcional (MIF), res-
(como citado em Thieme, Bayn, et al., 2012). petivamente. Segundo Gurbuz et al. (2016),
Continuando a análise da recuperação motora esse achado poderá dever-se ao reduzido tama-
do membro superior, os resultados já vão ao nho da amostra, ao reduzido tempo total de
encontro dos do estudo de Thieme, Bayn, et al. aplicação da terapia por caixa de espelho e ao
(2012) que usou o Fugl-Meyer Motor Function facto da maioria dos participantes do seu estu-
Assessment (FMA) e o ARAT. Com uma carac- do apresentarem uma acentuada hemiparesia
terização inicial da amostra e duração total de (Brunnstrom - I ou II).
aplicação da terapia por caixa de espelho seme- Excluindo o efeito positivo na negligência vi-
lhantes, os dois estudos apresentaram resulta- suo-espacial verificado na investigação de Thie-
dos que concorrem para a não existência de me, Bayn, et al. (2012), todos os outros acha-
diferenças significativas entre os grupos, após dos referentes à recuperação funcional foram
a reabilitação. Relativamente à dor, que não foi corroborados neste estudo, onde não se veri-
semelhante entre os grupos na primeira avalia- ficou efeito diferenciador ou ganhos significa-
ção deste estudo, Thieme, Bayn, et al. (2012) tivos com o uso da terapia por caixa de espe-
foi o único a investigar o efeito do programa de lho, confirmando que a recuperação funcional
reabilitação na dor referida pelo participante. do membro superior parético e a performance
Através do item da escala FMA que avalia a nas AVD são diretamente proporcionais (Park
dor, o autor não encontrou diferenças signifi- et al., 2015). Para reforçar positivamente esta
cativas entre grupos, demonstrando não haver proporcionalidade, há estudos nesta área que
ganhos na associação da terapia por caixa de encontraram benefícios na recuperação motora

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do membro superior decorrentes da associação grama concorreu para um grau de autonomia/
da terapia por caixa de espelho, bem como gan- independência no autocuidado semelhante en-
hos na independência do autocuidado, monito- tre os participantes.
rizados tanto pela escala modificada de Barthel Assim, a fim de inferir sobre a efetividade do
(Lim et al., 2016) como pela MIF (Invernizzi et programa autocuidado e a terapia por caixa
al., 2013; Kim et al., 2016; Park et al., 2015). de espelho para a autonomia no autocuidado
Este último autor, na avaliação do autocuidado, nos doentes com hemiplegia/hemiparesia após
usou os itens da MIF como comer, tomar ba- AVC da ACM, verificou-se que o programa
nho, vestir parte superior e inferior do corpo e não foi efetivo por não existirem diferenças
uso de WC, que se aproximam dos autocuida- significativas entre os grupos.
dos e respetivas dimensões do GAIA, usadas na Com base nestas limitações, as seguintes su-
presente pesquisa. gestões são apresentadas: replicar o estudo com
Ao contrário da proporcionalidade encontrada uma amostra maior; incluir participantes com
entre a recuperação funcional do membro su- capacidade de concentração melhorada para
perior e a autonomia do autocuidado, Wu et al. manter a atenção durante 1 hora nos exercícios
(2013) concluíram que a recuperação sensorial refletidos no espelho e os participantes com
e motora obtida após a aplicação da terapia por MRC > 1 do membro superior afetado; e rede-
caixa de espelho não se traduziu em ganhos no senhar o programa de autocuidado e a terapia
desempenho das AVD, as quais foram avaliadas por caixa de espelho, nomeadamente aumen-
através do Motor Activity Log (MAL) e do ABI- tando a duração total de aplicação da terapia
LHAND. por caixa de espelho para 20 horas.
A inconsistência poderá residir no facto de o es- Apesar de não se observar diferença signifi-
tudo se reportar a uma fase crónica após AVC cativa na aplicação da intervenção, os ganhos
(> 6 meses) ao contrário da fase subaguda dos encontrados em algumas variáveis são favorá-
restantes estudos, mas também no facto dos veis ao programa autocuidado e a terapia por
participantes terem recebido o tratamento em caixa de espelho. Associadas à fácil implemen-
diferentes locais. Enquanto os participantes do tação, baixo custo e possibilidade de integra-
referido estudo realizaram o programa de reabi- ção do programa em contexto domiciliário,
litação em regime ambulatorial, os participantes encontram-se as razões que viabilizam a con-
deste estudo e dos restantes ensaios foram inter- tinuidade da investigação, propondo assim
nados em centros de reabilitação. Os participan- a realização de estudos na área com maiores
tes em ambulatório poderiam estabelecer rotinas tamanhos da amostra, de desenho controlado
de AVD estáveis, menos propensas a variações e randomizado, direcionados para indicadores
ao longo do tempo, dificultando o encontro de menos investigados, como dor, hemidesaten-
diferenças significativas entre os grupos. ção e autocuidado, que procurem determinar
A diferença na eficácia da terapia por caixa de a frequência e duração ótima de utilização da
espelho encontrada entre este estudo e outros terapia por caixa de espelho, bem como a fase
estudos pode resultar das características da ideal após AVC para aplicação desta.
amostra, como o seu tamanho, o tipo de AVC, A terapia por caixa de espelho bem como os
o número de episódio do AVC, o tempo decor- novos métodos de tratamento idênticos que
rido após AVC e o nível de comprometimento podem surgir de novos conhecimentos sobre
do membro superior afetado e a conceção do a neuroplasticidade, podem aproximar-nos do
programa autocuidado e a terapia por caixa de patamar seguinte na reabilitação após AVC.
espelho, mais propriamente a duração total de Está lançado um novo subsídio da investigação
aplicação desta. em enfermagem para a produção de conheci-
mento disciplinar, capaz de orientar futuros es-
tudos que confirmem, refutem ou ampliem os
Conclusão resultados obtidos neste estudo e contribuam
para uma prática baseada em evidências mais
A verificação de uma recuperação funcional próxima das reais necessidades das pessoas em
sem diferença significativa entre o grupo ex- processo de transição da dependência para a
perimental e o grupo de controlo após o pro- autonomia após AVC.

Terapia por caixa de espelho e autonomia no autocuidado após


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