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ISSN IMPRESSO 2316-333X

ISSN ELETRÔNICO 2316-3828

Um breve ensaio da psicologia


acerca do comportamento consumista na sociedade atual
Matheus Batalha Moreira Nery1 Carla Adelle Santos Menêses
Thallita Katiussia Santana Torres

RESUMO ABSTRACT
Na sociedade contemporânea o consumo vem sendo Consumption in the contemporary society has been
visto como uma atividade complexa e o pensamento seen as a complex activity, and the psychological and
sociológico e psicológico sobre ele apresentam diver- sociological thinking about it has been intensively
sos caminhos para a investigação. O presente artigo researched. This paper aims to discuss some of the
tem o objetivo de discutir algumas das diversas rela- various relationships between consumption, culture
ções entre consumo, cultura e sociedade, por meio and society, through a reflection on the individual
de uma reflexão sobre a dimensão individual e social and the social dimension of consumption and con-
do consumo bem como o consumo como transtorno sumption as compulsive disorder, as well. In order to
compulsivo. Para tanto, várias perspectivas conceitu- achieve this goal, many conceptual perspectives will
ais serão utilizadas de forma a apresentar um quadro be used, in order to present a broad picture of the
ampliado das discussões sobre o assunto na psicolo- discussions on the subject in psychology, sociology,
gia, sociologia, antropologia e, a partir dessa contex- anthropology, and, from this broader context, one
tualização mais vasta, alcançar uma possível catego- can categorize the social dimensions of consump-
rização das dimensões sociais do consumo, de suas tion, their characteristics and the ways in which they
características e das maneiras pelas quais elas são are seen in society.
vividas na sociedade.
Keywords
Palavras-chave
Consumption. Society. Psychology.
Consumo. Sociedade. Psicologia.

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RESUMEN
En la sociedad contemporánea el consumo ha sido plio de los debates sobre el tema en el marco de la
visto como una actividad compleja y el pensamien- psicología, la sociología, la antropología, y a partir
to sociológico y psicológico sobre él presenta diver- de una mayor contextualización, lograr una posible
sas formas de investigación. Este artículo pretende categorización de las dimensiones del consumo,
analizar algunas de la diversas relaciones entre el sus características y el modo como éstos son expe-
consumo, la cultura y la sociedad a través de una rimentados en la sociedad.
reflexión sobre la dimensión individual y social, así
como el consumo como trastorno compulsivo. Por Palabras clave
tanto, se utilizarán diversas perspectivas concep-
tuales con el fin de presentar un marco más am- Consumo. Sociedad. Psicología.

1 INTRODUÇÃO
O consumo, que pode ser compreendido como o de uma perspectiva individualista – o ato de consumir
ato ou o efeito de consumir, é um elemento de sobre- – para uma perspectiva social – a de uma sociedade
vivência biológica, embora faça parte ativamente do que se constitui tendo o consumo como papel deter-
psicológico das pessoas e se situe entre as mais bá- minante na organização de sua vida social (SENNETT,
sicas e remotas atividades do ser humano (BAUMAN, 2006). Desde o início do século XVII, temas como indi-
2008). vidualismo, materialismo, hedonismo, lassidão moral,
dentre outros de igual conotação valorativa negativa,
É possível viver sem produzir, mas viver sem con- foram associados ao consumo: “Observadores moder-
sumir mostra-se uma situação bastante difícil uma nos usaram uma linguagem dramática equivalente,
vez que o ser humano depende do consumo para ga- referindo-se ao consumo como uma “orgia do gasto”
rantir sua sobrevivência (BARBOSA, 2006). Atividade [Mc Kendrick et al. ] ou como a criação de um mundo
caracteristicamente individual, em algumas situa- de sonho [Williams]” (MCCRACKEN, 2003, p. 21).
ções se dá de forma pública – como no consumo dos
serviços de transporte e saúde, por exemplo – e pode Isso não acontece em todos os países de forma
ter também um aspecto de esgotamento de recursos: generalizada. É de cerca de um bilhão e setecentos
“Consumo se divide entre uma atividade de suprimen- milhões de adeptos os constituintes desta “classe
to e outra de dispêndio, numa referência tanto àquilo consumista” sendo a metade deles nos países em de-
que nutre e alimenta quanto àquilo que exaure e des- senvolvimento. É uma cultura e estilo de vida que se
trói” (CYPRIANO, 2008, p. 10). tornaram comuns na Europa, América do Norte e Ja-
pão e alguns outros bolsões do planeta no século XX
Uma das distinções analíticas importantes, nes- e que se globalizam até o século XXI (WORLDWATCH
se sentido, é a que se estabelece entre “consumo” INSTITUTE, 2004).
e “consumismo” e que nos auxilia a compreender as
mudanças da importância do consumo para os indi- A base para uma alienação social mais profunda,
víduos e de seu papel na vida social: parte-se, assim, resultante dos fetiches das mercadorias, era a aliena-

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ção dos consumidores com relação ao que consomem O consumo moderno foi a causa e a consequência
(Karl Marx). Outros autores marxistas, em especial os de tantas mudanças sociais e sua emergência marcou
Frankfurtanos, estabeleceram uma relação direta en- nada menos que a transformação do mundo ociden-
tre consumo e alienação, especialmente no que tan- tal. Como sugeriu um historiador, o aparecimento da
ge ao consumo de massas: foi o caso de grande parte “revolução do consumo” rivaliza apenas com a revo-
dos estudos de Theodor Adorno, Max Horkheimer e lução neolítica no que toca à profundidade com que
Herbert Marcus. Outros autores clássicos no pensa- ambas mudaram a sociedade (MCCRACKEN, 2003).
mento sociológico, como Max Weber, Émile Durkheim
e Walter Benjamin, também evidenciaram esse perfil Essa revolução do consumo significou não somen-
negativo do consumo. te a modificação nos gostos, hábitos e preferências de
compras, mas também uma fundamental remodela-
Essa visão que durante muito tempo predominou ção na cultura mundial da modernidade: alteraram-se
na compreensão sobre o consumo revela o grau de os conceitos de tempo, espaço, sociedade, indivíduo,
ingenuidade e idealização com que o ocidente visu- família e Estado. Em consequência, o campo de inves-
alizava a sociedade, encarando as relações sociais tigação do consumo se tornou demasiado complexo,
de forma desassociada das relações materiais. Nesta englobando diversas atividades, atores e um conjunto
concepção, a importância dos bens para as pessoas de bens e serviços que não se restringem necessaria-
se daria apenas nos campos da ostentação e diferen- mente aos providos sob a forma de mercadorias, em-
ciação social, numa visão que, segundo Campbell, se bora a maioria dos autores tenda a focalizar em suas
perpetuava desde há muito tempo: análises apenas as coisas adquiridas no mercado
(BARBOSA; CAMPBELL, 2006).
Consumir e utilizar elementos da cultura material
como elemento de construção e afirmação de iden-
tidades, diferenciação e exclusão social são univer-
O que mudou na análise do consumo foi, princi-
sais. O apego a bens materiais não é uma caracterís- palmente, o entendimento de que este não é apenas
tica da sociedade contemporânea nem daqueles que uma função de suprimento e dispêndio – como se ob-
possuem materialmente muito. Ambos os elementos serva na visão utilitarista de que se consome apenas
estão e já estiveram presentes de forma intensa em
outras sociedades e segmentos sociais. (CAMPBELL,
em função das necessidades ou de que a sociedade
2006, p. 35-36). produz os bens de consumo e estes precisam ser con-
sumidos. A ampliação do conceito de necessidades,
Atualmente, os modelos de produção mudaram especialmente com as categorias de distinção entre
muito. O trabalho é uma plataforma para o consumo, consumo básico e supérfluo e o rompimento com a
pois as pessoas se organizam para consumir, e o aces- visão economicista centrada na produção e no con-
so aos bens de consumo causa um impacto no modo sumo individual para o suprimento de necessidades,
como as pessoas pensam e comportam-se. trouxeram à tona a importância de se debruçar sobre
o consumo em busca de seus aspectos culturais e seu
Na década de 1980, essa postura sofreu uma alte- papel na estrutura social.
ração e o tema consumo passou a despertar o interesse
dos cientistas sociais. A comunidade reconheceu, nes- No capitalismo de consumo, o lucro passa a se dar
se momento, na esteira do pensamento de Braudel e de mais pelo volume de vendas do que pelo preço unitá-
McKendrick, que a “grande transformação” do Ociden- rio dos produtos, o qual tem agora uma margem de
te se constituiu não apenas a partir de uma “revolução ganho menor. Essa primeira fase de seu desenvolvi-
industrial”, mas também uma “revolução do consumo” mento cumpriu as primeiras condições para se dar
que transformou radicalmente o mundo ocidental. semelhante dinâmica, pois “inventou o marketing de

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massa, bem como o consumidor moderno” (p. 28). A fase III do capitalismo de consumo - iniciada a
Além disso, criou a marca - o nome dos produtos - e partir das últimas décadas do século XX - inaugura
também os grandes magazines. Esses últimos foram o “consumo emocional”, marcado pela hiperindi-
responsáveis por um extraordinário aumento no volu- vidualização da demanda e destinado a propiciar,
me das vendas e, principalmente, por dar glamour ao sobretudo, “experiências afetivas, imaginárias e
consumo com as técnicas que inauguraram o “consu- sensórias” com a proliferação desenfreada de pro-
mo-sedução” e o “consumo-distração” que perduram dutos cuja obsolescência é programada já em sua
até hoje (LIPOVETSKY, 2007). fabricação. A partir desse momento, as motivações
individuais e a busca por novas e prazerosas sen-
A segunda fase do capitalismo de consumo inicia- sações suplantam o desejo de ostentar símbolos
-se por volta de 1950 e desenvolve-se principalmente de superioridade econômica. A função do consumo
durante as três décadas seguintes. Trata-se de um pe- atinge um nível mais profundo: o que está princi-
ríodo de grande desenvolvimento econômico, coinci- palmente em questão para o consumidor agora é a
dente com a “sociedade de abundância” e o consumo tentativa de encontrar a si próprio, o que acabará
de massa propriamente dito. No que toca ao sistema equiparando-o ao nível da mercadoria: “Numa épo-
de crédito, é difundido e há uma revolução comercial ca em que as tradições, a religião, a política são me-
caracterizada pela super competitividade dos pre- nos produtoras de identidade central, o consumo
ços. O modelo “Taylor-fordista” é apontado pelo autor encarrega-se cada vez melhor de uma nova função
como o grande responsável tanto pela otimização da identitária” (p. 44). A relação com as mercadorias
produção - diminuição do tempo e custo da mesma ao adquire um novo significado na fase do consumo
mesmo tempo em que aumenta seu volume - quanto emocional: por meio delas, o hiperconsumidor logo
pelo incremento da produtividade dos trabalhadores irá conferir um sentido, muito embora superficial,
industriais e progressão dos salários. Com a amplia- ao mundo que o rodeia e à sua própria existência
ção do poder de compra dessa classe social, passou (BAUDRILLARD, 1995).
a ser acessível à massa “uma demanda mais individu-
alizada, um modo de vida (bens duráveis, lazeres, fé- O chamado “culto das marcas”, que diz respeito
rias, modas) antigamente associado às elites sociais” ao glamour e à exaltação das mesmas pelos con-
(LIPOVETSKY, 2007). sumidores, tem um importante sentido nesse tipo
de sociedade, pois perfaz a busca de ‘segurança’
Ainda na segunda fase, emergem as políticas de subjacente a ansiedades específicas do homem
diversificação dos produtos bem como processos vi- contemporâneo. As tradições e os referenciais das
sando reduzir o tempo de vida das mercadorias. A culturas de classe se encontram em ampla disso-
lógica é a da moda; o imperativo é renovar sempre e lução com o acesso da massa ao consumo e o de-
com rapidez em busca de um hedonismo centrado em saparecimento das formas de socialização que, no
satisfações imediatas. O individualismo exacerba-se passado, “distinguiam inequivocamente o alto e o
e, consequentemente, há um desinvestimento nos baixo, o bom gosto e o mau gosto, a elegância e a
ideais e nas causas coletivas. O consumo, entretan- vulgaridade, o chique e o popular”. Em consequên-
to, ainda é, na fase II, mais do tipo “para o outro” no cia, o consumidor, temeroso, confuso e ansioso, re-
sentido de que os objetos de consumo são adquiridos corre às pretensas garantias de autenticidade, bom
no afã de se obter prestígio e diferenciação social - os gosto e condições sanitárias que as marcas logram
quais deverão ser apreciados/invejados pelos demais representar (LIPOVESTKY, 2007).
(BAUDRILLARD, 1995).

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2 SOCIEDADE DE CONSUMO
Com a criação e aplicação dos maquinários a Esse tipo de sociedade tem como base a pro-
vapor, por volta do ano de 1750, a conhecida Re- messa de satisfação dos desejos imediatos em um
volução Industrial tomou forma e proporcionou ao nível inalcançável em comparação com as socieda-
homem uma multiplicação cada vez maior e mais des do passado, ou mesmo sonhar, mas a promes-
rápida dos objetos. Tal acontecimento pode ser sa de satisfação só permanece sedutora enquanto
considerado com sendo um dos pilares de apoio do o desejo continua insatisfeito. É mais importante
que se convêm chamar de Sociedade de Consumo. ainda quando o cliente está plenamente satisfei-
Esta determina e controla, de forma direta, os mé- to, ou seja, enquanto não se acredita que os dese-
todos de consumo, de trabalho, até poder moldar, jos que motivaram e colocaram em movimento a
de certa forma, a personalidade do individuo que busca da satisfação e estimularam experimentos
se encontra inserido neste tipo de sociedade. No consumistas tenham sido verdadeira e totalmente
entanto, o consumo existe desde os primórdios da realizados.
humanidade.
A publicidade, outra importante característica
Diferentemente de Consumo, que é uma carac- da Sociedade de Consumo, é um método mais do
terística e uma ocupação dos seres humanos como que eficaz de controle e de manipulação do ato de
indivíduos, o Consumismo é um atributo da Socie- compra, podendo ser encontrada em praticamente
dade. Para isso, é preciso que as pessoas tenham a todos os lugares. E todo o custo de cartazes, pôs-
capacidade de querer, desejar, almejar, da mesma teres, filmes publicitários, entre outros, acaba re-
forma que tinham a aptidão do trabalho na socie- caindo justamente no preço final do produto, ou
dade de produtores; “destacada”, “alienada” dos seja, o consumidor acaba por financiar o sistema
indivíduos e reciclada numa força externa que co- que controla as suas “pseudo-escolhas-livres”. O
loca a “sociedade de consumidores” em movimento uso “novo” é sabiamente utilizado pela publicida-
e a mantém em continuidade como uma forma es- de e empresas e ilude o consumidor com a ideia
pecífica de convívio humano, enquanto ao mesmo do “novo” que destrona o “velho”, mesmo que este
tempo estabelece parâmetros para as estratégias novo tenha mudado (ou não) um aspecto de pou-
individuais de vida que são eficazes e manipula as ca importância. Além disto, o “novo” se sobrepõe
probabilidades de escolha e conduta individuais cada vez mais rápido, gerando situações em que o
(BAUMAN, 2011). que é “novo” agora, pode não ser mais “novo” da-
qui a dois dias. A moda aparece então como sendo
Uma característica muito evidente da Sociedade os “novos” métodos de conduta adotados por indi-
de Consumo é o uso do financiamento. O consumidor víduos das classes “elevadas”, e que são imitados
adquire o objeto desejado agora, em troca de seu fu- e copiados pelos menos abastados para se senti-
turo trabalho, de algo que ainda nem possui e que é rem mais próximos das “elites”.
incerto. Também é característico o controle de mer-
cado, no qual é criada uma demanda de consumo. Te-
mos, então, a inversão do ciclo de venda: onde o con-
sumo controlava a produção, agora temos a produção
que controla o consumo.

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3 CONSUMIDORES COMPULSIVOS
A concepção de que as pessoas tomam suas deci- nadas a distúrbios compulsivos foram observadas no
sões de compra pautadas apenas em critérios racio- início do século XIX, porém estudos mais incisivos so-
nais ou avaliações cognitivas das opções de mercado bre o assunto surgiram apenas no fim da década de
tem perdido espaço para correntes que pregam que as 1980 (MAGGE, 1994). O’Guinn e Faber (1989) foram
relações de compra são bastante influenciadas pela os primeiros a identificar e delimitar o conceito de
ótica comportamental (DITTMAR, 2005). A explicação compra compulsiva como crônica e repetitiva que se
acerca do processo de consumo relacionada às varia- torna uma resposta primária a eventos ou sentimen-
ções entre oferta demanda e o consumidor racional tos negativos. Outros autores, a exemplo de Neumer,
tem sido substituída pela influência dos pensamen- Raab e Resisch (2003) afirmam que a compra compul-
tos, das atitudes, das expectativas e dos sentimen- siva tem o objetivo, mesmo que inconsciente, de satis-
tos intrínsecos a esse decurso (FERREIRA, 2008). O fazer as necessidades físicas através da expressão de
comportamento de compra compulsiva tem sido um uma identidade pessoal, regular a ansiedade ou sim-
assunto bastante discutido em artigos de inúmeros plesmente satisfazer anseios relacionados a status
periódicos ao redor do mundo. Foi reportada a exis- social. Após o processo de compra, os sentimentos
tência de trabalhos científicos acerca da compra com- mais comuns entre os portadores do transtorno são
pulsiva em Israel (SHOHAM; BRENCIC, 2003), Estados de culpa, arrependimento, ansiedade, vergonha, que
Unidos (NORUM, 2008), Alemanha (NEUMER; RAAB; podem evoluir para um quadro de depressão grave e
REISCH, 2005), Brasil (TAVARES et. al. , 2008), Coréia tendências suicidas (FERREIRA, 2008). Como con-
do Sul (PARK; BURNS, 2005), Chile (ARAVENA et. al. , sequência desse comportamento, pode-se destacar
2006), Canadá (LEE; MYSYC, 2004), Austrália (PHAU; os altos índices de endividamento, a baixa autoesti-
WOO, 2008) e norte da Europa (SARANEVA; SAAKSJA, ma, problemas legais e dificuldades conjugais, além
2008). do afastamento social e familiar (O’GUINN; FABER,
1989). É pertinente observar que os termos compra
Um dos maiores impactos mundiais causados pelo compulsiva, compra impulsiva e consumo compulsivo
capitalismo foi o consumismo. A troca de produtos não são sinônimos, apesar de se relacionarem (VELU-
que surgiu na pré-história - como forma de organiza- DO-DE-OLIVEIRA; IKEDA; SANTOS, 2004).
ção social - foi se transformando ao longo do tempo
e o consumismo tornou-se sinônimo de poder, status, O comportamento de compra compulsiva advém
superioridade e não mais uma necessidade básica de de uma vontade avassaladora, incontrolável, crônica
sobrevivência. O “ter” ficou muito mais importante do e repetitiva de comprar simplesmente com o intuito
que o “ser” e o ato de comprar deixou de ser necessi- de amenizar os sentimentos de estresse e ansiedade.
dade e se transformou numa fonte de prazer para as Não existe, portanto, um foco no produto, e sim no
pessoas, um prazer que, quando em excesso, caracte- prazer e alívio das sensações negativas proporciona-
riza um desequilíbrio psicológico denominado Onio- das pelo ato de comprar. Diferentemente da compra
mania (GIGLIO, 2005). compulsiva, que é patológica, a compra impulsiva é
caracterizada por uma vontade repentina e espon-
A classificação da compra compulsiva continua tânea de adquirir um objeto específico, que tem um
incerta. Não há consenso entre os pesquisadores e significado simbólico para o indivíduo (EDWARDS,
nenhuma referência oficial nos principais manuais 1993). Há, portanto, uma relação hedônica entre o
nosológicos (TAVARES, 2008). As patologias relacio- consumidor e o produto (ARAVENA, 2006). Nesse tipo

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de comportamento há uma resposta específica moti- disso, a motivação para compra compulsiva parece
vada, geralmente, por apelos publicitários ou por ou- servir mais como uma tentativa de atingir objetivos
tras ferramentas do composto mercadológico (PINTO, interpessoais e de alta estima do que um forte desejo
2003). de possuir coisas (O’GUINN; FABER, 1989).

É preocupante a compulsão na compra, pois está Os critérios para o consumismo podem ser ra-
conceitualmente conectada a outras compulsões cionais, emocionais, sofrendo influências sociais e
como, por exemplo: alcoolismo, uso de drogas, de- culturais, dependendo do consumidor e do grau de
sordens ligadas á alimentação e compulsão por jogo. importância do produto que ele deseja adquirir (SCHI-
Compradores compulsivos, quando comparados com FFMAN; KANUK, 2009). O consumo é objeto de uma
outros consumidores, possuem: baixa autoestima, preocupação que engloba uma série de problemas,
grande tendência à fantasia, alto nível de depressão e tanto de fundo psicológico quanto de fundo econômi-
altos níveis de reações de ansiedade e obsessão. Além co e social.

4 ONIOMANIA/TRANSTORNO DE COMPRAR
COMPULSIVO
Oniomania - do grego onios, à venda, e mania, in- estão doentes e precisam de ajuda, mas a vergonha
sanidade - é o termo técnico para o desejo compulsivo ainda afasta o oniomaníaco dos tratamentos que são
de comprar, mais comumente conhecido como síndro- feitos com terapias em grupo, psicoterapia e, em
me do comprar compulsivo. O termo foi inicialmente alguns casos, associados a medicamentos. É impor-
utilizado por Kraepelin em 1915 e Bleuler em 1924. tante ressaltar que pode haver comorbidade com o
Embora tenha sido descrita há mais de cem anos, só Transtorno do Comprar Compulsivo (TCC) e, portan-
nos últimos 15 anos a doença voltou a ser estudada, o to, a presença de sintomas como depressão, ansie-
que faz com que seja virtualmente desconhecida nas dade, rejeição, devem ser tratados paralelamente à
discussões sobre saúde mental. compulsão por comprar. Os profissionais da área são
taxativos em que, assim como em relação ao álcool e
Também chamado de Transtorno do Comprar Com- às drogas, o compulsivo deve ficar sempre vigilante
pulsivo (TCC), atinge 5% da população mundial se- para evitar as recaídas.
gundo estimativas da Organização Mundial de Saúde
(OMS). Uma a cada vinte pessoas sofre do mal que de- O “vício” em compras está entre as dependências
sestrutura famílias, separa casais, causa desemprego mais comuns do século XXI embora ainda não seja
e leva cada vez mais brasileiros aos consultórios de uma patologia reconhecida pela medicina e tem como
psicologia e psiquiatria. causas a insatisfação, consumismo, materialismo e
necessidade de preencher a vida.
A doença é silenciosa, solitária, sorrateira. Ins-
tala-se na vida das pessoas independentemente de Dentre os sintomas dos shopaholics - comprado-
idade, sexo ou classe social. As mulheres são mais res compulsivos - estão: armários cheios de peças ain-
vulneráveis e também corajosas para admitir que da não usadas, dívidas e ocultação das compras das

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pessoas próximas. Ir á centros de compras é um de têm problemas de relacionamento com seu parcei-
seus programas prediletos. ro, o que acarreta a necessidade de se verem, a cada
dia, de um modo diferente, sempre buscando a per-
O problema se agrava quando a pessoa passa a feição. Esse cenário leva a um problema muito mais
gastar o dinheiro que deveria destinar à hipoteca, ao profundo, o da insegurança. Os viciados se enganam
seguro do carro ou às compras do mês em sandálias dizendo frases do tipo “Não posso deixar de aproveitar
Jimmy Choo ou num vestido Dolce & Gabbana. Há esta ‘pechincha’” ou “Este é o vestido da minha vida”.
muito mais pessoas assim do que se imagina e esse Porém, não se dão conta do que realmente precisam e
vício pode ser tão prejudicial e perigoso quanto o al- usam o cartão de crédito para se sentirem bem.
coolismo, a dependência química ou o vício em jogos.
Não há tratamento padrão para o transtorno, po-
É importante distinguir as compras normais da- rém há vários estudos de caso com relação ao trata-
quelas descontroladas. Significativamente, a distin- mento de compradores compulsivos, cada um deles
ção não é feita com base na quantidade de dinheiro enfatizando a importância das experiências iniciais
gasto ou no nível de renda, mas na extensão da preo- da vida. Mais recentemente foram desenvolvidos mo-
cupação, no nível de angústia pessoal e no desenvol- delos cognitivo-comportamentais para o transtorno
vimento de consequências adversas. Muitas pessoas de comprar compulsivo a exemplo da exposição a
terão orgias de compras ocasionais, particularmen- estímulos e prevenção de respostas. Através desse
te em situações especiais (aniversários, férias), mas estudo, Bernik relatou o caso de dois pacientes com
o gasto excessivo episódico por si só não se consti- transtorno de pânico e agorafobia comórbidos e que
tui em evidência para confirmar um diagnóstico de eram responsivos a clomipramina. No entanto, com-
Transtorno Compulsivo por compras. pras descontroladas dificultaram a resposta à droga.
Ambos os pacientes responderam bem a 3-4 semanas
As pessoas portadoras desse transtorno são víti- de exposição a estímulos e prevenção de respostas
mas de um vazio que só conseguem preencher através ainda que não tenha sido apresentado nenhum relato
do consumo compulsivo. Na maioria das vezes, elas do acompanhamento posterior (LEJOYEUX , 1997).

5 CONCLUSÃO
Apenas a partir da década de 1980, o consumo tor- acerca da questão do consumismo e suas dimensões
nou-se uma das problemáticas obrigatórias das ciências sociais e individuais ainda são recentes.
sociais. Desde então, ocorreu a disseminação das pres-
suposições teóricas da centralidade do consumo nos Para tal desenvolvimento foi necessário adotar
processos de reprodução social e da caracterização da uma postura transversal – atenta às dimensões sim-
sociedade moderna como uma ‘’sociedade de consumo’’. bólicas e sociais que atravessam o consumo e ciente
do fato de que o consumo desliza em múltiplas dire-
Este artigo buscou sistematizar uma produção ções na vida social, envolvendo uma série de atores
extensa e de grande complexidade atinente a um - e tomar como referências um grande número de au-
tema complexo que remete a diversas áreas do saber, tores e de abordagens relativos aos diversos signifi-
sobretudo à sociologia e à psicologia, cujas reflexões cados do consumo à luz de diferentes teorias sociais.

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É de grande importância que se destine estudos e dimensões do consumo na vida social aqui apontadas
pesquisas com essa temática para maior compreensão – e talvez com o acréscimo de outras -, uma vez que se
das relações dos indivíduos com o consumo bem como mostra, de forma inconteste, que qualquer pretensão
para maiores informações sobre o transtorno de com- de compreensão, empiricamente fundamentada, de
prar compulsivo e como tratá-lo. É necessário voltar-se nossa atual condição cultural, deve, inevitavelmente,
para pesquisas dedicadas á investigação detalhada das passar por essa noção: o consumo.

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Recebido em: 30 de junho de 2012


1 Doutor em Psicologia - UFBA. Professor Titular da Universidade Tiraden-
Avaliado em: 18 de julho de 2012 tes e Coordenador de Relações Internacionais da Instituição. E-mail: ma-
Aceito em: 30 de julho de 2012 theus_batalha@unit.br

Interfaces Científicas - Humanas e Sociais • Aracaju • V.01 • N.01 • p. 89-99 • out. 2012

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