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Luz, Câmera, Estereótipo – Ação!

A representação do autismo nas séries de TV


LUCELMO LACERDA*

Resumo
O Transtorno do Espectro do Autismo é uma condição que atinge um número
crescente de pessoas, assim, sua representação social diz respeito à parcela
substancial da sociedade. O presente estudo oferece uma análise da
Representação Social do autismo nas séries de TV a partir da semiótica,
especificamente da noção de mitologia em Roland Barthes. As séries
observadas e analisadas foram Parenthood, The Bridge, Alphas e Touch.
Verificou-se alguns temas persistentes e também a reiteração de estereótipos.
Palavras-chave: Autismo; Representação; Mídia; Estereótipo.
Abstract
Autism Spectrum Disorder is a condition that affects a growing number of
people, so their social representation concerns substantial portion of society.
This study provides an analysis of the Social Representation of autism in the
TV series from semiotics, specifically the notion of Mythology in Roland
Barthes. We observed and analysed the series Parenthood, The Bridge, Alphas
and Touch, it was found some persistent themes and also the repetition of
stereotypes.
Key words: Autism; Representation; Media; Stereotype.

*
LUCELMO LACERDA é Doutor em Educação pela PUC-SP e especialista em Educação
Inclusiva

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Introdução apresentados no texto da série ou por
O Transtorno do Espectro do Autismo nota oficial da emissora, como autistas;
b) nos limitamos às séries que possuíam
(TEA) é uma condição diagnosticada na
segunda metade do século XX e tem personagem autista permanente, sem
atraído interesse crescente de diversos nos ater àquelas em que um personagem
autista aparecia por um tempo limitado;
campos do conhecimento como a
c) restringimos nossa análise às
educação, a medicina e a psicologia.
Um dos motivos fundamentais desta primeiras temporadas das séries para
curiosidade é a epidemiologia que que houvesse uma simetria no material
apresenta uma proporção cada vez analisados de cada personagem, já que
maior de autistas na as séries possuem diferentes
contemporaneidade. quantidades de temporadas (de 1 a 6) e
porque entendemos que não haveria
A Representação Social do autismo se prejuízo da análise posto que as séries
torna, portanto, um objeto de crescente de TV possuem uma estrutura dramática
interesse, pois está diretamente ligada à que tende a reiterar as construções
construção da identidade pública e narrativas nas várias temporadas; e d)
social de um considerável contingente Nos focamos nas séries estadunidenses,
de crianças e adultos e com repercussão por serem de maior impacto no mundo.
em suas famílias e círculos sociais.
Aplicados estes critérios chegamos às
Essas representações se expressam em séries Parenthood (2009), Touch
diversas maneiras. Uma das mais (2012), Alphas (2012), e The Bridge
mobilizadoras são as mídias. Neste (2013).
contexto, nos últimos anos, tem havido
O propósito deste trabalho é analisar a
um notório destaque nas séries de TV
como um elemento entre os mais constituição destes personagens em toda
sua complexidade e construir que
dinâmicos nas mídias.
significação se apresenta ao espectador,
Escolhemos analisar a representação do uma vez que “[...] a realidade que
autismo nas séries de TV promovendo aparece na tela não é jamais totalmente
um recorte fundamentado nos seguintes neutra, mas sempre o signo de algo
critérios: a) consideramos altamente mais, num certo grau [grifos do
arbitrário que distribuíssemos original]” (MARTIN, 1990, p. 18).
diagnósticos de autismo mediante
A semiótica, como ciência universal dos
características observadas nas séries, de
signos, oferece os recursos necessários
modo que nos limitamos a personagens

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para que a complexa oferta sensorial e audiovisuais em categorias estanques
intelectiva do episódio seriado seja em decorrência do processo de
reconhecido e decomposto na esfera convergência midiática, que ocorre, por
analítica e serve, neste trabalho, para o um lado, promovendo a recepção de
processo de análise do processo de várias linguagens em diversos suportes,
construção daquilo que Goffman (1988) como um smartphone, que pode ser
chama de Identidade Social Virtual, que utilizado para ligar, fazer
é o imaginário que sustenta nossa teleconferência, assistir filmes, séries e
expectativa de interação com outrem, televisão. Por outro lado, também
com o qual aprenderemos, permite uma diversificação de suporte,
eventualmente, sua Identidade Social pois surgem diversas outras plataformas
Real, mais ou menos distante de sua por meio das quais se pode acessar
antecessora, dependendo do processo de esses diversos conteúdos, antes
construção das representações do sujeito segmentados (JENKINS, 2006).
e/ou dos grupos com os quais é
O Autismo, condição mitificada
identificado. Não obstante, conforme
Glat (1995), quanto mais deformada Obviamente muito poderia ser dito
esta visão inicial, quanto a mais a sobre o autismo, mas no que nos
identidade do sujeito for representada interessa nesse trabalho, nos limitamos
por somente uma parte de sua existência a algumas informações elementares e
real, portanto, mais realmente que se relacionam direta ou
estigmatizada for, menor são as chances indiretamente com a construção dos
de um autêntico contexto de inclusão. personagens das séries analisadas.
Isto é, a inclusão como condição Segundo a 5ª edição do Manual
concreta de comunicação e locomoção Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
acessíveis, depende de um cenário Mentais – DSM1 V, que é o manual da
subjetivo que lhe oferece o contexto Associação Americana de Psiquiatria
necessário para sua consecução, daí o que orienta os diagnósticos mentais em
papel central dos meios de comunicação todo o mundo, o Transtorno do Espectro
de um modo geral e, como instrumental, do Autismo é caracterizado por dois
aqui, da semiótica como ferramenta de elementos: a) prejuízo na
investigação deste ambiente subjetivo. comunicação/interação, que pode se
Não existe ainda uma bibliografia expressar em ausência completa de
sistemática sobre o momentum linguagem ou limitação de variados
contemporâneo vivido pelas séries de níveis em seu uso e outros modos de
TV. Contudo, dois elementos permitem perturbação na interação social, como a
que nos utilizemos da produção teórica dificuldade de manter uma conversa, a
constituída especialmente na discussão manutenção de interesses perseverantes
cinematográfica. O primeiro deles é o e dificuldade de compreender os
reconhecimento de que nos últimos interesses de outrem, inclusive com
anos as séries de TV têm sido um incapacidade ou dificuldade em
importante produto de mídia. distinguir expressões faciais de alegria,
Multiplicado quase infinitamente por tristeza, medo, etc.; e b) presença de
canais e estúdios, as séries são as comportamento repetitivo e/ou
vedetes do desenvolvimento 1
A literatura especializada convencionou a
contemporâneo dos media. O segundo utilização da sigla do documento em inglês
elemento é a crescente superação das Diagnostic Statistical Mental (SENA, 2014;
separações esquemáticas de produtos ARAUJO & NETO, 2014).

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estereotipado, como girar, movimentar Manual Diagnóstico da Associação
o tronco para frente e para trás, balançar Americana de Psiquiatria, o DSM V,
as mãos reiteradamente, auto e hétero como um diagnóstico separado e foi
agressão, entre outros. incorporado sob protestos de
movimentos sociais ligados ao tema. O
Desde o ponto de vista cognitivo, fator
sujeito com Asperger tem uma
determinante na interação social é a
inteligência média ou acima da média (a
Teoria da Mente, prejudicada no sujeito
maioria dos autistas possuem
com TEA. Trata-se da capacidade de se
inteligência degradada) e geralmente
reconhecer o outro como portador de
não possui dificuldades com a
uma mente distinta de si. Conforme as
linguagem, quando cerca de 30% dos
pesquisas de Baron-Cohen et al (1985),
autistas não falam, mesmo na vida
a pessoa com TEA tem uma dificuldade
adulta. Mas dentro do mesmo arcabouço
específica em compreender o estado
mental intencional de outrem. A foram incorporados diagnósticos
diferenciais mais incapacitantes como o
execução da experiência denominada
“A tarefa de Sally” 2 demonstrou que antigo Transtorno Desintegrativo da
Infância ou o Autismo Clássico, dois
crianças (que não estão no espectro
quadros com maior comprometimento
autístico) de 4 anos e pessoas com
da fala e comportamento estereotipado.
Síndrome de Down foram
Hoje, portanto, temos o Transtorno do
recorrentemente bem sucedidas na
Espectro do Autismo, dividido
compreensão da mente de Sally,
enquanto cerca de 80% dos autistas unicamente em níveis de
falharam. comprometimento, são os níveis 1, 2 e
3, sem diagnósticos diferenciais dentro
Além da dificuldade com a Teoria da do transtorno.
Mente, há outros fatores que prejudicam
a interação social do autista. Um fator O autismo nas séries
saliente neste ponto é o Primeiramente passemos a uma breve
desenvolvimento da linguagem, que apresentação das séries selecionadas
pode ser problemático para o autista. para análise em conformidade com o
No interior do diagnóstico de conjunto de critérios que apresentamos.
Transtorno do Espectro Autista foram Parenthood é uma série de drama e
assimiladas diversas condições um comédia, de 6 temporadas, produzida
pouco distintas e antes compreendidas pela NBC. O enredo enfoca uma família
separadamente. Uma dessas condições, extensa a partir do casal Braverman.
a Síndrome de Asperger, era Além de matriarca e patriarca, há 4
considerada, até a publicação do filhos, já adultos. Na terceira geração se
encontra o personagem autista Max
2
Experiência elaborada por Wimmer e Perner Braverman, que é diagnosticado no
(1983) em que são colocadas duas bonecas e um segundo episódio como Síndrome de
recipiente em frente a cada uma. A boneca Sally
coloca então uma bolinha de gude em seu
Asperger. Ele possui uma irmã
recipiente e sai. A outra boneca pega sua considerada inteligente e bonita e um
bolinha e coloca em seu próprio recipiente. pai empresário e mãe dona de casa.
Quando Sally volta, o aplicador pergunta à Grande parte da série transcorre na
criança onde Sally procurará a bolinha, em seu tentativa de que Max faça coisas
recipiente, onde a deixou (o que denota
presença da Teoria da Mente) ou no recipiente
convencionais, como jogar baseball e
em que de fato está, mas que Sally não poderia comer sem idiossincrasias, enquanto o
prever, pois estava fora quando foi colocada. mesmo insiste em priorizar outras

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atividades e se alimentar de uma dieta o conflito entre dois grupos de pessoas
específica na forma e conteúdo. com superpoderes, ou alfas, o grupo de
protagonistas serve ao governo dos
Touch é uma série de ação do canal EUA e tenta criar um mundo de
Fox, de 2 temporadas, sobre um menino convivência entre alphas e humanos e o
autista e que não fala, mas é fissurado outro grupo de antagonistas pretende
em certas sequências numéricas que exterminar os humanos, estrutura
aparecem todo o tempo. Descobre-se claramente inspirada nos X-Men.
que o personagem não é o único
obcecado pela mesma sequência de The Bridge é uma série de investigação
números, na verdade ele faz parte de um do canal FX, em duas temporadas,
grupo de pessoas, os 36 justos, da qual o inspirada em uma série norueguesa. A
personagem cuja condição autista é trama apresenta a cooperação entre as
apresentada no primeiro episódio, Jake polícias de El Paso – EUA e Juárez –
Bohm, faz parte. Eles têm acesso a uma MEX na investigação de uma série de
espécie de algoritmo que pode crimes. A policial estadunidense Sonya
compreender o passado, presente e Cross e tem que trabalhar junto com o
futuro do universo, e que também dá mexicano Marco Ruíz e lidar com
pistas para a correção de eventuais testemunhas e investigados ligados a
desvios. A série apresenta a persistente acusações de tráfico de drogas e
perseguição das correções do universo assassinatos. Durante a série, é bastante
apontadas pelos números enquanto Jake saliente sua maneira idiossincrática de
e seu pai fogem de uma corporação que lidar com as pessoas, mas sua condição
pretende usar a capacidade dos justos de autista somente pode ser afirmada
para ganhar dinheiro. A estrutura dos por meio da emissão de nota da
episódios é sempre muito semelhante. emissora FX.
No começo o pai observa que o filho
escreve ou aponta para certos números e Todas as séries possuem características
eles passam a aparecer em ônibus, próprias, distintivas umas das outras.
casas, papéis, entre outros. Ao seguir Procuramos, contudo, elementos que
esses números o pai de Jake salva possivelmente ligassem os personagens
pessoas, evita tragédias e coisas afins. autistas, que caracterizassem sua
construção. A primeira tarefa neste
Alphas é uma série de ação do canal processo é refletir sobre a relação entre
SyFy, com 2 temporadas apenas, que se o personagem fictício (na linguagem
passa em um mundo em que parte das audiovisual) e o que ele representa na
pessoas possui capacidades especiais, reciprocidade com o real.
são os alfas. Há pessoas com “super-
[...] toda imagem é mais ou menos
força”, outros com “super-sentidos”, simbólica: tal homem na tela pode
outros com uma “super-mira”, os que facilmente representar a
leem pensamentos, entre outros. Na humanidade inteira. Mas sobretudo,
trama, Gary Bell é um personagem porque a generalização se opera na
autista, como ele mesmo se apresenta, é consciência do espectador, a quem
também um alpha que vê e interpreta as ideias são sugeridas com uma
ondas invisíveis como força singular e uma inequívoca
eletromagnetismo, Wi-Fi e rede de precisão pelo choque das imagens
celular, podendo ligar, acessar Internet entre si: é o que se chama de
ou assistir TV sem nenhum aparelho montagem ideológica. (MARTIN,
1990, p. 23)
para essas atividades. A trama apresenta

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Pode-se dizer que toda a montagem é detetive Timmy a considera “louca” (ep.
ideológica na medida em que conforma 01) e o personagem Ruíz se confunde:
uma representação intencional, editada “Não sei se está louca ou se é porque é
conforme crenças (ideologias) do gringa” (ep. 01), mas ao fim do dia a
diretor. Todo produto audiovisual, em define como “diferente” (ep. 02), outro
sua conformação final é uma forma personagem, não nomeado, a considera
particular, partidária, pelo simples “estranha” (ep. 04). Por outro lado,
motivo de excluir outras formas também pôde-se encontrar um
possíveis. eufemismo, utilizado pela secretária da
delegacia de El Paso, que informa a
Pretendendo ou não uma aproximação
Ruíz que “Ela é uma pessoa...
realista e verossimilhante, a imagem
interessante” e recebe um “eu já
fílmica tem, em sua gênese, uma
percebi” como resposta (ep. 01).
ambivalência fulcral, pois resulta “de
um aparelho técnico capaz de reproduzir A única referência mais explícita ao
exata e objetivamente a realidade que autismo na série é pejorativa e ocorreu
lhe é apresentada, mas ao mesmo tempo no episódio 08, na ocasião em que
essa atividade se orienta no sentido Cross trabalha com uma hipótese
preciso desejado pelo realizador” investigativa que contraria os demais
(MARTIN, 1990, p. 21) e é este o detetives e Timmy pergunta
elemento investigado, o preciso sentido publicamente até quando aquela savant
desejado pelo realizador. Não obstante, será tolerada. Savantismo é uma
pensamos ser possível entrever um característica que uma minoria de
desejo mais amplo, compartilhado por autistas apresenta e que fornece ao
uma gama de realizadores, expressando sujeito uma ilha de habilidade
possivelmente uma idealização excepcional, tais como ouvido absoluto,
coletivamente latente acerca do capacidade de memória descomunal (no
autismo. caso mais popular um sujeito decorou
mais de 40 mil livros), entre outros
Um primeiro aspecto que nos chama
(TAMMET, 2007). Timmy recebe
atenção em duas das séries analisadas é
olhares fortemente reprobatórios de
a quase ausência do que podemos
todos no entorno e Cross fica agitada e
denominar de metarrepresentação. Isto
aparentemente envergonhada.
é, o conteúdo das séries pouco ou nada
falam no autismo, ele aparece sempre Em Touch, somente o primeiro episódio
como um conteúdo latente e como informa, em uma só passagem, que Jake
recurso de interpretação é autista, essa condição, que é base para
comportamental, mas permanece muitas diversos comportamentos de Jake, não é
vezes fora do universo do discurso citado nenhuma só vez posterior. Ao
verbal. pesquisar, na internet sobre a ausência
de fala de Jake, o pai da criança utiliza
Em The Bridge, a personagem Sonya
Cross só pode ser atestada somente o descritor “mutismo”, sem
associação ao autismo. A forma distinta
indubitavelmente como autista devido a
uma nota da emissora que a produz, de comportamento de Jake parece ser
compreendida como convencional pelas
pois em duas temporadas de série em
nenhum momento a palavra “autismo” demais pessoas sem jamais chegarem a
perguntar porque o personagem não fala
ou outra correlata aparece. As pessoas
ou não possui comportamentos sociais
conhecem a personagem e explicam seu
comportamento com generalidades, o desenvolvidos.

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Em Alphas, o autismo é apresentado processo estático de decifração, em
pelo próprio Gary, personagem autista, suma, se contrariar a sua dinâmica
que informa que é “32 na escala CARS” própria; numa palavra, se passar da
(ep.05) em resposta a um personagem situação de leitor do mito à situação
de mitólogo (BARTHES, 2003, p.
que o chamou de retardado. Fala-se
215)
também em autismo no episódio 04 em
que outra personagem (temporária) é O torniquete que mensura e dispõe os
apresentada como “autista severa” e elementos da forma compõe uma
com apraxia, ou seja, que não fala. significação mitificada, não pela
Parenthood, por sua vez, tem a ocultação da realidade e nem mesmo
Síndrome de Asperger como um tema pela invenção fantasiosa, mas pela
forte e recorrente. A trajetória dos pais deformação da realidade, é esta a ação
de Max em relação a ele pode ser mistificadora. Não é que o autista
descrita como de desconfiança (devido representado nestas séries não seja
ao alerta da escola), diagnóstico e busca aquele que corresponda à nossa
de intervenção. A condição de Max é percepção no acesso material aos
então um tema que permeia todos os sujeitos nesta condição, “é que o mito é
episódios. uma fala roubada e restituída [grifos do
original]” (BARTHES, 2003, p. 217) e
Como podemos entender essa ao voltar, esta fala não é reposta em seu
majoritária ocultação da condição lugar exato e este momento furtivo de
autística dos personagens? Aliás, não se falsificação propõe (impõe) uma versão
trata exatamente quase sempre de uma mítica do objeto.
ocultação, já que só em The Bridge o
autismo realmente nunca é mencionado, Há ao menos dois movimentos
parece algo mais como um simultâneos na representação do
posicionamento da condição em uma autismo nas séries de TV: a) o sujeito
escala secundária, um jogo em que o autista é decupado e lhe são retiradas
personagem não tem certas de suas (ou quase) o que de sujeito há nelas; e
características explicadas como b) a condição autística se apresenta
sintomas do TEA, mas como como uma elevação perante os demais
contrapontos de um caráter quase humanos.
místico de elevação e afastamento do
mundo. Em tratando do primeiro ponto, é
notório como as séries em questão, no
A partir deste ponto é que nos parece primeiro ou primeiros episódios,
adequado nos aprofundarmos na apresentam seus personagens centrais.
questão central, o autismo como mito. Uma busca rápida na internet, em sites
Roland Barthes argumenta, sobre o como Wikipédia e outros portais de
significante mítico: conhecimento genérico vão apontar
certas características do autismo que são
Nele [no mito], a forma permanece justamente aquelas apresentadas nesses
vazia, mas presente; o sentido, episódios. Idiossincrasias, elementos
ausente e, no entanto, pleno. Só
complexos que compõem a psique de
poderei me surpreender com esta
contradição se suspender qualquer sujeito comum são
voluntariamente este torniquete de substituídos por características usuais
forma e sentido, se focalizar cada do autismo como incapacidade de
um deles como um objeto distinto contato visual (todas as séries), prejuízo
do outro e se aplicar ao mito um na teoria da mente (todas as séries),

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prejuízo na manutenção de diálogo investigações. Contudo, é atrapalhada
(todas as séries), entre outros. por sua falta de trato decorrente de
falhas de comportamento próprias do
Pode-se dizer com certeza que não há
autismo. Gary Bell é inteligente,
autistas iguais, a limitação da
dedicado e caricaturalmente dedicado a
experiência social no sujeito com TEA
rotinas inflexíveis como dormir certo
dificulta a homogeneização
horário e comer certas coisas, com
comportamental, fazendo com que cada
certas consistências em certos horários e
qual desenvolva um comportamento
um toque de humor que é dado por seu
próprio, totalmente particular e
apego à fala pragmática e dificuldade de
controlado por contingências
alcance à significação metafórica. Jake
radicalmente distintas. Contudo, os
Bomm é inteligente e diligente com
autistas representados nestas séries
seus números e dedicado às correções
“abdicam” de qualquer particularidade,
do universo decorrente da aplicação
sendo muito aproximados a um tipo
destas sequências numéricas, não fala,
ideal “autista”.
exceto como narrador, ao espectador, e
As limitações próprias do autismo e tem o notório comportamento de andar
representadas nestes processos de e correr com os braços junto ao corpo.
apresentação dos personagens têm uma
Pensamos que a reiteração temática
dupla função, por um lado de oferecer
possui o caráter imperativo, o mito
um herói deficiente, sendo a deficiência
“impõe-me sua força intencional”
tratada como um desalojamento e
(BARTHES, 2003, p. 216) e “é a
afastamento do mundo, uma condição insistência num comportamento que
que mais acentua o contraponto da revela sua intenção” (BARTHES, 2003,
genialidade e é uma tópica da literatura p. 211) que é francamente mistificadora
bastante usual do período do e que unifica um discurso multi-
romantismo (GRAMMONT, 2008). Os institucional, alcança diversos estúdios
sujeitos são destituídos de personalidade e conforma uma representação
própria e possuem quase nenhuma fala, deformada do autismo nesta que é a
não sendo sujeitos, mas objetos da mais dinâmica entre as mídias
história, como bem representado na contemporâneas, impondo sua
série Parenthood, na qual o personagem
significação à sociedade.
é quase sempre visto ao fundo, agindo
enquanto os pais dialogam, ou em um Na transição da Idade Média para o
diálogo quase exemplificativo da fala Renascimento, o mundo cultural se
anterior parental, ele é inteligente e modificou drasticamente, surgindo
quase sempre engajado em seu assunto novos modos de perceber o mundo. O
perseverante de insetos. Mas quando gabinete de curiosidades pode ser visto
constituem sujeito essencial do enredo, como um protótipo de um mundo das
como em The Bridge, Alphas e Touch, sensações, em que a excitação
nada se pode falar de qualquer um produzida por “injeções sensuais” de
destes como indivíduo, como sujeito cores, luzes e sons, oferecidos por
particular, qualquer descrição destes progressivos meios técnicos, chegando
personagens será, de fato, a descrição de ao ápice contemporâneo das telas
um autista genérico. eletrônicas, obliteram a experiência
reflexiva (TÜRCKE, 2010).
Sonya Cross é inteligente, dedicada,
possui um ângulo particular Ao mesmo tempo em que houve a
(invariavelmente correto), de enfocar as largada inicial e progressiva da

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sensação, seu antagonista também (1988) chama de mecanismo de
ganhou o mundo com o surgimento e compensação, uma forma de organizar
ascensão da contemplação monástica as representações de modo
com tendências ao isolacionismo e arbitrariamente equilibrado.
silêncio. A postura de refrear os
Considerações finais
processos excitatórios parece remeter a
uma lógica de produção de uma riqueza O Transtorno do Espectro do Autismo
interna. Assim, quanto menos movido é, em certa medida, uma novidade.
pelas sensações externas, mais rica e Trata-se de uma condição somente
autêntica a vida interna do sujeito, mais criada/descoberta em meados do século
elevado seu espírito (TÜRKE, 2010). XX e não participa do imaginário social
secular transmitido por meio do senso
Se o monasta escolhia a vida de comum pelas gerações no interior da
afastamento e contemplação, na família.
representação mistificadora do autista
ele é, por excelência, este sujeito. Neste cenário, os Meios de
Quando o “mundo” parece somente Comunicação de Massa têm um papel
uma força brutal de pressão sobre o fundamental no processo de construção
indivíduo, em tempos de diversificação da Representação Social destes sujeitos,
do mercado até o último grau do que constituem uma parcela
produto personalizado, alguém (ou algo, significativa das pessoas em todo o
um tipo) se apresenta como uma mundo e principalmente nos Estados
representação máxima da autenticidade Unidos, onde a estrutura social e clínica
individual. O autista é o que é, nunca o permite que o diagnóstico seja
que a sociedade quer que ele seja – é o realizado. No Brasil a condição também
que diz a representação do autista nas atinge milhões de pessoas, sendo,
séries de TV. E, ainda assim, ele é portanto, sua representação social, de
igualmente construído pelos meios de relevo.
comunicação.
As séries analisadas, The Bridge,
Este movimento de afirmação positiva Parenthood, Alphas e Touch, contudo,
de algum elemento extraordinário do construíram a representação social dos
sujeito não é uma exclusividade da personagens autistas baseados em
representação do autista nas séries, mas características genéricas componentes
o mesmo movimento pode ser de qualquer descrição sumária sobre o
observado no cinema: autismo. Os personagens analisados não
podem ser considerados como sujeitos,
A pessoa com deficiência não pode são esvaziados de personalidade e
ser apenas uma pessoa com repletos um preenchimento genérico.
deficiência (carga negativa), para
que seja aceitável sua participação A operação realizada pelos estúdios e
no grupo precisa apresentar um diretores das séries não é a de
algo mais, que pode ser expresso desconhecimento, invenção ou mentira,
em habilidades acima da norma mas de deformação da realidade,
(carga positiva), alcançando o promovendo uma representação
equilíbrio em suas propensões de
mistificadora da condição autística.
participação social (SUPLINO,
2010, p. 70). Aspectos salientes da conduta da pessoa
com TEA, como uma propensão ao
No entendimento da autora, este isolamento, são transmutadas em
processo corresponde ao que Goffman qualidades quase místicas que remetem

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