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UNIVERSIDADE DO AMAZONAS

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS

ZONA FRANCA DE MANAUS: ANÁLISE DOS


DISCURSOS INTELECTUAIS NAS CATEGORIAS
ESTADO E DESENVOLVIMENTO REGIONAL

ANTÔNIO PEREIRA DE OLIVEIRA

Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-graduação
Natureza e Cultura na Amazônia do
Instituto de Ciências Humanas e
Letras como parte dos requisitos
para obtenção do título de Mestre

MANAUS- AMAZONAS
2001
2

ZONA FRANCA DE MANAUS: ANÁLISE DOS


DISCURSOS INTELECTUAIS NAS CATEGORIAS
ESTADO E DESENVOLVIMENTO REGIONAL
3

UNIVERSIDADE DO AMAZONAS

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS

ZONA FRANCA DE MANAUS: ANÁLISE DOS


DISCURSOS INTELECTUAIS NAS CATEGORIAS
ESTADO E DESENVOLVIMENTO REGIONAL

ANTÔNIO PEREIRA DE OLIVEIRA

Orientadora: Prof. Drª Marilene Corrêa da Silva

Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-graduação
Natureza e Cultura na Amazônia,
do Instituto de Ciências Humanas e
Letras como parte dos requisitos
para obtenção do título de Mestre.

MANAUS-AMAZONAS
4

2001

_______________________________________________________

OLIVEIRA, Antônio Pereira de


Zona Franca de Manaus: análise dos discursos intelectuais nas
categorias estado e desenvolvimento regional.

Antônio Pereira de Oliveira. – Manaus: Universidade do Amazonas, 2001.

Dissertação de Mestrado

1. Estado - 2. Desenvolvimento Regional – 3. Zona Franca de Manaus

I. Título

________________________________________________________
5

TERMO DE APROVAÇÃO

Esta dissertação foi apresentada em defesa pública como parte dos


requisitos necessários à obtenção do título de Mestre junto ao Programa de
Pós-graduação em Natureza e Cultura na Amazônia, do Instituto de Ciências
Humanas e Letras da Universidade do Amazonas, e, em cuja Biblioteca
Setorial, encontra-se à disposição dos interessados.

ANTÔNIO PEREIRA DE OLIVEIRA

Dissertação aprovada em 30/04/2001

Banca examinadora

_____________________________________
_
Profª Drª Marilene Corrêa da Silva
Orientadora – UA

_____________________________________
_
Prof. Dr. Ernesto Renan M. de F. Pinto
Membro – UA

______________________________________
Profª Drª Mª Isabel de Medeiros Valle
Membro – UA
6

Em memória de Francisco
Assis de Oliveira, meu pai.
7

AGRADECIMENTOS

Quero agradecer primeiramente aos meus pais por terem me ensinado os


primeiros passos e me apoiado em todos os instantes da minha vida. A eles eu
devo o fato de ter chegado até aqui. À professora Marilene Corrêa da Silva
que com sua orientação me fez perceber os meus limites e as minhas
potencialidades, através dela estendo os agradecimentos a todos professores
que tanto contribuíram com a minha formação. Agradeço também aos
docentes, como Elenize Sherer, que contribuíram materialmente para a
realização desta pesquisa fornecendo-me livros, revistas e artigos de jornais,
materiais sem os quais não teria conseguido realizar este trabalho. Aos meus
amigos, Odenei e Lenize, Eldo, Marcelo, Irinéia, Vilmar, Ossame, Eudes,
Siqueira, Luiz Antônio, Ronaldo e Gerson, que me incentivaram e me
aturaram nos momentos cruciais de elaboração da Dissertação. Aos
companheiros do PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado) que
souberam entender minha ausência nas reuniões, quando estive dedicado
somente à pesquisa. Aos colegas de trabalho Luiza, Sully, Eduardo, Claúdia e
Cira que na reta final me dispensaram das atividades no trabalho para que eu
pudesse concluir a dissertação. À Andréa Souza que contribuiu com a
diagramação do trabalho. A minha querida irmã, Ângela, ao Gabrielzinho e à
Aninha, que me apoiaram permanentemente. À Casa do Estudante (CEU),
fundamental na minha graduação. E, por fim, não poderia deixar agradecer a
minha companheira de todas as horas, Érika, que esteve comigo em todos os
momentos me apoiando e me dando coragem para seguir em frente. Enfim,
agradeço a todos aqueles que não foram citados nominalmente e a todos os
“mundos” que passaram em minha vida e me fizeram sempre melhor do que
era antes.
8

RESUMO

A Zona Franca de Manaus despertou antes, durante e depois de sua implantação


discursos e representações potencialmente importantes em torno da intervenção do
Estado e do Desenvolvimento Regional. E, em função disso, revelaram diagnósticos
e posicionamentos que se reproduziram nas esferas política e ideológica,
constituindo-se em um campo passível de análise. No plano local, por ocasião de sua
criação, esses discursos se configuraram em duas vertentes principais: uma de
compromisso com o modelo e outra de postura crítica. Ambas originadas segundo a
dinâmica das relações sociais e das condições materiais locais, combinadas com o
processo de industrialização brasileiro e das relações de poder. O fato é que essas
interpretações influenciaram profundamente os desdobramentos políticos e
ideológicos no plano local, no sentido de: tanto da formação de um estado de espírito
favorável a sua implantação quanto de crítica.
É, portanto, interesse dessa pesquisa explicitar o conteúdo desses discursos e analisar
a sua ressonância na sociedade local, considerando a autoridade que se revestiu a
interpretação que tem na Zona Franca de Manaus um modelo de desenvolvimento
plenamente satisfatório, para a realidade local. Autoridade que, em certo sentido,
legitimou a ação do Estado e a migração de empresas estrangeiras para região, com o
pretexto de se constituir em um pólo de desenvolvimento da Amazônia Ocidental.

ABSTRACT
9

The Zona Franca woke up during and after its speeches about the implantation
and important representations of the development. It Showed positions and
diagnostic that reproduced themselves in the political and ideological spheres
trough its investigation. In this case, it creates an important point of analysis in
this search, cause it configures in two essential poitns: one point is its
responsability with the model and, the other, with the critical position. Both
origined by the dynamics of social relations and from local material conditions
compounding with the process of industrialization and the relations of power.
These interpretations influenced the political and ideological destiny with the
purpose of creating conditions for its implantation.
This search has the purpose to explain the contents of
these speeches and analysing its echoes in the society, considering
the authority that adopted this model absolutely plausible for the local
reality. Legal power that legalized the state and the migration of these
foreign componies to the region, with the purpose to stablish a region
of development ocidental.
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APRESENTAÇÃO

A Amazônia inspirou um número considerável de


estudos. Dentre os quais se encontram aqueles, cujas preocupações
recaem fundamentalmente sobre o papel do Estado no processo de
desenvolvimento da região. Estudos que, pela densidade interpretativa
e pela sua influência política e ideológica, constituem-se em fontes de
pesquisas.

Ao ter contato com esses estudos pode-se perceber a


importância que a Zona Franca de Manaus ocupa, enquanto uma
estratégia de desenvolvimento. Pode-se dizer que a Zona Franca
revela uma das mais audaciosas iniciativas do Estado brasileiro com
vistas ao desenvolvimento regional. A sua implantação transformou a
fisionomia da cidade de Manaus e alterou a posição da região no
quadro de referência nacional. Em função disso, mobilizou
interpretações de grande relevância antes, durante e após a sua
criação. Interpretações essas que se reproduziram em discursos de
apoio ou de contestação. Cada uma consubstanciada em fundamentos
distintos de análises.

Em vista disso, elegeu-se como centro desta pesquisa


a análise desses discursos, a fim de estabelecer um fio condutor
que propicie compreender o significado dos diagnósticos,
interpretações e posições existentes nesses discursos. Quer-se
entendê-los nas suas relações concretas, efetivas da dinâmica e das
contradições sociais; nas suas conexões com os processos gerais de
industrialização do país; e, nas suas fundamentações teóricas - nas
suas matrizes de pensamento social.
11

O discurso desses intelectuais mantêm uma relação


com as suas perspectivas de classes e em função disso expressam
maneiras de interpretar distintas, com fundamentos distintos, o que
repercute na maneira pela qual irão se pôr diante das possibilidades
de inserção da região na economia nacional e mundial.

Nesse sentido, optou-se por priorizar as vertentes


interpretativas que mantêm posições distintas, como uma maneira de
esclarecer melhor o alcance de cada formulação. Essa opção
conduzirá este trabalho a discutir a construção de um discurso, que
unificou as classes e os setores de classes em torno do processo de
expansão do capitalismo, configurado na Zona Franca de Manaus.

Para alcançar tal objetivo deve-se partir de uma


contextualização geral do processo de desenvolvimento do capitalismo
após a Segunda Guerra Mundial e da participação do país nessa nova
ordem e como as suas respectivas regiões foram incorporadas nesse
novo momento. Em seguida será feita uma análise dos discursos e
das formulações dos intelectuais locais, localizando-os na dinâmica
das condições materiais e de suas relações de classes. Por fim,
discutir-se-á como as classes dominantes locais transformaram, no
plano ideológico, os seus interesses imediatos de classe em uma
vontade coletiva, de interesse de todos.
12

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................... 12

CAPÍTULO I - ESTADO E PLANEJAMENTO NO BRASIL................ 18


1.1 A interdependência econômica no pós-guerra........................... 19
1.2 As feições do Planejamento Democrático.................................. 25
1.3 As feições do Planejamento na Ditadura................................... 32
1.4 A estratégia militarista na Amazônia: os grandes projetos......... 35
1.5 O caso da Zona Franca de Manaus: emergência e 40
mecanismos

CAPÍTULO I - ZONA FRANCA E OS DISCURSOS INTELECTUAIS 48


2.1 A crise de extrativismo e os limites intelectuais......................... 52
2.2 Zona Franca e seus intelectuais críticos.................................... 69
2.3 Zona Franca de Manaus: desenvolvimento para quem?........... 80

CAPÍTULO III - ZFM: O CONSENSO APARENTE............................. 87


3.1 Precedentes de relação da cidade com o capital estrangeiro.. 89
3.2 ZFM: uma confluência de 95
interesses.........................................

CONCLUSÃO.................................................................................... 104

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................ 108

INTRODUÇÃO

A realização deste estudo tem em si indagações de


ordem pessoal, política e intelectual de quem se vê submerso em uma
realidade, que pode ser caracterizada como complexa, constituída sob
13

os auspícios de uma vigorosa indústria, implantada no coração da


Amazônia Ocidental ― a Zona Franca de Manaus. Desvendar o seu
significado, sua importância e seus mecanismos têm sido tarefa de
muitos estudiosos, daqueles que se afinam com o modelo e dos que
mantém um olhar crítico emancipatório. Estudos que se alinham e se
contrapõem, convergem e divergem, os quais podem ser inseridos
como caudatários de fundamentos de matrizes intelectuais díspares.
Obras que, depois delas, não se pode falar de zona franca sem
considerá-las e, quem sabe, por uma escolha intelectual, extrair das
mesmas algo a mais para ser apreciado.

A Zona Franca de Manaus surge como um projeto que,


segundo o discurso oficial, visa o desenvolvimento de Amazônia
Ocidental.1 A sua consolidação pode ser entendida, no contexto da
expansão do capitalismo monopolista, sob o qual o país vinha se
submetendo, inclusive com um grande número de empresas
industriais estrangeiras em seu solo, das quais, muitas delas viriam a
se instalar na Zona Franca de Manaus, dado às condições
excepcionais de isenção fiscal.2

Agrega-se a essa situação objetiva do desenvolvimento


nacional dependente a nova orientação que o Estado assume com a
emergência dos militares ao poder:

Nesses anos (1964-1970), o poder público foi


levado a intervir praticamente em todos os setores
do sistema econômico nacional. Isto significa que o
governo elaborou as condições de funcionamento
dos mercados de capital e força de trabalho com
fatores básicos do processo econômico (Ianni,
1996, p. 229-230).

1 Decreto-lei nº 288 de 28 de fevereiro de 1967, assinado pelo presidente Castelo Branco.


2 “Quando se inicia, efetivamente, a implantação do Distrito Industrial em Manaus, o Brasil já havia
passado por um amplo processo da internacionalização de sua economia, em particular de sua
produção industrial”. Ver FREITAS PINTO, Ernesto Renan Mello de, Como se produzem as zonas
francas, Revista Seminários e Debates, Belém: NAEA/ UFPa, nº 13, 1987.
14

A implantação da Zona Franca de Manaus, como parte


desse processo mais amplo, repercutiu regionalmente - mudou
radicalmente a face da cidade de Manaus em suas estruturas física,
populacional, econômica e nas relações de poder local. Um
empreendimento que para existir fez cristalizar contradições agudas
ao impactar a economia existente, eminentemente extrativista e
comercial; ao colocar o problema político de controle do Estado; e, ao
promover uma alteração na composição das classes fazendo surgir
novos atores sociais.

No seu processo de desenvolvimento implicou em


adesões, promoveu rupturas, anulação de forças econômicas locais e
emergência de setores ligados ao capital internacional. 3 No que se
relaciona a representação, ao discurso intelectual, mobilizou
interpretações potencialmente importantes tanto em sua defesa quanto
em sua contestação, enquanto modelo de desenvolvimento regional.
Os intelectuais compromissados com o modelo adequaram
engenhosamente o discurso de defesa nacional e abertura para
grupos privados (nacionais e estrangeiros), sob o amparo da ideologia
de integração nacional, ocupação dos espaços vazios e
desenvolvimento regional. Os intelectuais, que formularam uma
interpretação crítica, se apoiaram fundamentalmente em desmistificar
o processo de expansão capitalista, na nova divisão internacional do
trabalho e nas formas diversas de participação da região no sistema
capitalista.

3 “As burguesias locais – ligadas ao comercio e ao extrativismo (...) sem representarem um forte
poder econômico (...) são alijados do bloco do poder tornou-se expectadores privilegiados de sua
marginalização ante a emergência de novas forças econômicas que surgiram com a Zona Franca de
Manaus. Ver ARAUJO,Nice Ypiranga Benevides. O milagre dos manauaras: Zona Franca de Manaus,
Rio de Janeiro: FGV, 1985, p.37
15

A Zona Franca de Manaus foi antecedida pela criação


de órgãos macro-regionais como a SUDAM e o BASA, os quais tinham
o papel de incentivar o desenvolvimento através de estímulos fiscais e
de créditos aos grupos privados que se dispusessem a investir na
região. A despeito disso, a Zona Franca de Manaus constituiu seu
próprio aparato formal e institucional: leis, agência de gerenciamento
(SUFRAMA) e uma política de incentivos fiscais, com isenções de
impostos e créditos, para atrair os investimentos privados, com papéis
redimensionados.

Do ponto de vista dos seus defensores, ao avaliarem


seus efeitos práticos, consideraram plenamente satisfatórios, uma vez
que estava se constituindo, segundo esse entendimento, um pólo
dinamizador com migração de várias empresas nacionais e
estrangeiras e unidades de produção, todas atraídas pelo estímulo do
Estado, sob o amparo de um “padrão-planejado”. Do ponto de vista
crítico, a instalação da Zona Franca de Manaus atendia
prioritariamente aos interesses do capital estrangeiro, em um contexto
em que estavam acontecendo transformações significativas no
processo de trabalho, que permitiam a essas empresas deslocarem
parte de suas estruturas, para utilizar a força de trabalho de outras
regiões do planeta. Sob essa perspectiva, o desenvolvimento tão
decantado não passava de pretexto pueril, uma vez que as forças
produtivas regionais (energia, processos de trabalho, insumos, etc.)
ficavam relegadas ao segundo plano.

Assim, para os primeiros, a Zona Franca de Manaus se


constitui como resultado de seus esforços e de suas respectivas
classes e grupos, um produto do reconhecimento dos altos dignitários
que dirigiam o país, que perceberam a necessidade de desenvolver a
Amazônia Ocidental, preocupados que estavam com a integração
16

nacional. Para os segundos, estava relacionada a novas formas de


acumulação de capital, que imprimia novas funções ao Estado, o qual
passava a assumir a tarefa de desobstruir os pontos de
estrangulamento do desenvolvimento capitalista e estimular as
empresas privadas, especialmente as de capital estrangeiro, através
de uma grande renúncia fiscal e outras vantagens.

O centro de preocupação deste trabalho consiste em


revelar a existência de duas formulações analíticas principais que
discutem o papel do Estado e o Desenvolvimento regional. Em função
disso, procura situar e contextualizar a redefinição do papel do Estado
e seus mecanismos de intervenção na economia nacional, nos
contextos da democracia representativa (especificamente no período
de Juscelino Kubitschek) e do período autoritário - de sua emergência
e de sua relação com a formulação e implantação da Zona Franca de
Manaus.

A análise dos discursos acima referidos – dos


intelectuais locais, compõe o núcleo que será examinado no âmbito
geral do desenvolvimento da industrialização do País e, em seus
contextos objetivos, das relações materiais de produção, portanto, de
suas referências de classes, grupos ou camadas sociais e de suas
referências teórico-metodológicas. Assim, em decorrência dessa
análise pretende-se apresentar como a interpretação de defesa da
ZFM, formulada em função dos interesses imediatos de suas
respectivas classes, transformou-se em um projeto de interesse
comum, dissimulando os distintos interesses existentes na sociedade.

Assim sendo, o presente trabalho está organizado,


fundamentalmente, em três capítulos:

No primeiro, apresenta-se uma contextualização geral


acerca da dinâmica que o capitalismo assumiu após a Segunda
17

Guerra Mundial e como isso repercutiu internamente no País,


considerando sua forma de inserção e seu grau de integração ao
sistema capitalista internacional. Assim procura identificar os nexos
desses processos gerais com a dinâmica e as contradições internas,
nos seus aspectos políticos (papel do Estado) e econômicos (processo
de industrialização), especialmente no período em que mais se
acentuou a ação do Estado no sentido de promover a associação de
capitais, no intuito de ressaltar a sua face democrática e a sua face
autoritária. Dessa forma, situando o processo de expansão do
capitalismo na Amazônia e, conseqüentemente, o processo de
surgimento da Zona Franca de Manaus.

No segundo, parte-se da necessidade de analisar os


discursos intelectuais considerando as suas relações materiais e suas
perspectivas de classes, grupos ou camadas sociais, mediatizadas
pelas suas referências teóricas. Ou seja, como a crise do extrativismo
e a criação da Zona Franca, constituídas nos seus respectivos
contextos, se imbricaram nas formulações e representações dos
intelectuais. Demonstrar, a despeito do caráter externo da ZFM, que,
no plano local, alguns discursos e representações influenciaram para a
formação de um espírito favorável à sua implantação, do mesmo modo
que a emergência da indústria colocou problemas novos que foram
captados e formulados, sob o ponto de vista crítico, por uma nova
geração de intelectuais.

No terceiro, discute-se a forma pela qual o discurso


favorável à implantação e desenvolvimento da Zona Franca se tornou
hegemônico em função da combinação de processos gerais e das
condições objetivas, reciprocamente partilhadas pelas diversas
classes ou grupos sociais. Em outros termos, como os processos
políticos e econômicos do país se entrelaçaram com as aspirações
18

presentes no contexto local capazes de transformar um


empreendimento de interesse de classe num anseio de toda a
sociedade.

Dessa forma, espera-se que este trabalho possa


contribuir para identificar os discursos existentes em torno do papel do
Estado no desenvolvimento regional, ou seja, delineie os interesses
implícitos nos discursos dos intelectuais e em seus posicionamentos
no processo de desenvolvimento regional. Numa leitura estruturada,
possa perceber a existência de duas formulações que se tornaram
referências para as ações e práticas políticas do planejamento na
região.
19

CAPÍTULO I

Estado e Planejamento no Brasil

Pretende-se aqui delinear um contexto geral dos


processos que se intercambiaram na formação das condições de
possibilidades que permitiram a realização de determinadas ações por
parte do Estado brasileiro, e que, num certo sentido, alterou a
fisionomia do país em seus aspectos sociais, políticos e econômicos. A
emergência da Zona Franca de Manaus, indiscutivelmente, faz parte
desse contexto geral, que envolve características fundamentais do
Estado e de um padrão de planejamento, de opções econômicas que
se desenharam e evoluíram em direção a um processo de
internacionalização do país, da forma como a Amazônia foi incorporada
e integrada ao sistema nacional, da emergência dos militares e seu
significado.

Nesse sentido, objetiva-se apresentar, inicialmente, a


contextualização do processo de expansão capitalista após a Segunda
Guerra Mundial, sob o domínio dos Estados Unidos, que redefiniu a
participação dos países dependentes ou em fase de industrialização,
alinhando-os em sua esfera de influência. Num segundo momento,
discutir as feições que o Estado brasileiro assume em suas variantes
democráticas e ditatoriais e, em seguida, abordar o problema da
estratégia militarista para a Amazônia e a forma como ocorreu sua
integração, segundo o desenvolvimento e expansão do capitalismo
monopolista e, por fim, discutir as conexões que estavam presentes
por ocasião da emergência da Zona Franca de Manaus e os
mecanismos de seu desenvolvimento.
20

1.1 A interdependência econômica no pós-guerra

As feições econômicas, políticas e as formas de


incorporação das regiões à dinâmica capitalista estão
irremediavelmente entrelaçadas com a ordem econômica mundial.
Nesse sentido, não se pode refletir sobre a Amazônia, incluindo o
processo de implantação da ZFM, sem antes fazer um exame no
processo que incursionou o país a participar da nova Divisão
Internacional do Trabalho, sobretudo no período em que este se
enlaçou decisivamente ao capital internacional, por intermédio de
investimentos diretos na indústria.

A industrialização no Brasil sempre esteve influenciada


pelas ocorrências externas. Essa influência foi responsável pela
dinamização econômica, social e política interna do país em vários
momentos cruciais do desenvolvimento e crise do capitalismo mundial.
Em que pese a importância dessa trajetória, não se pretende discutir
aqui o processo de industrialização em toda sua abrangência, por
razões relativas aos limites deste trabalho.

Pretende-se, portanto, circunscrever esse exame no


contexto do pós-guerra (1945) e da terceira etapa de industrialização
brasileira,4 como uma maneira de orientar os efeitos ocorridos nas
esferas do Estado, nas suas faces democrática e autoritária e nas
políticas de desenvolvimento implementadas a partir desse período,
considerando ser essa a referência para se compreender o processo
de dependência que delineou a economia brasileira.

O pós-guerra (1945) combinou elementos fundamentais


capazes de redefinir o processo de expansão do capitalismo e as

4 As etapas de industrialização aqui consideradas são as mesmas utilizadas por Ianni. IANNI, Octávio.
Fases da industrialização. In: O colapso do populismo no Brasil, 4a. Ed., Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1988, p. 34.
21

formas de participação dos diversos países que gravitavam em torno


do seu núcleo mais dinâmico – os países dependentes. Elementos que
envolvem a alteração das bases materiais das indústrias dos países
“desenvolvidos”; a hegemonia norte-americana sobre os “velhos
imperialismos”; as opções econômica e social postas pelo socialismo;
e as estruturas dos países dependentes, como o Brasil, que estava em
processo de industrialização e envolvido com o debate acerca do rumo
que deveria seguir.

A alteração nas bases materiais das indústrias


capitalistas consistia em um desenvolvimento dos processos de
trabalho e tecnologia capazes de possibilitar a decomposição do
processo produtivo para ser realizado em outras regiões com a
otimização dos custos. A hegemonia norte-americana, adquirida no
pós-guerra, sobre as outras nações capitalistas, as impelia em direção
a novas fronteiras de expansão e em aprofundar seu desenvolvimento
em áreas em que já se encontravam instaladas.

A outra face desse mesmo processo – do desfecho da


Segunda Guerra Mundial - configurou-se com a Guerra Fria, à medida
que o socialismo apareceu para o mundo como uma possibilidade de
organização social e econômica mediante um quadro em que os
diversos países dependentes se debatiam no aprimoramento de seus
sistemas democráticos.

Pode-se afirmar que a dinâmica desses elementos,


combinados especialmente à rivalização com o socialismo, no
contexto da Guerra Fria, imprimiu um ritmo acelerado na expansão
capitalista sob a hegemonia dos Estados Unidos, delimitando sua
esfera de influência:
O pensamento crítico e as versões lúcidas do
pensamento liberal concordam que as opções de
organização econômica e social postas pelo
22

socialismo criaram argumentos para a exportação


da Guerra Fria à América Latina, especialmente
após a revolução cubana de 1958. Os países
dependentes e as colônias estavam cercados de
questões nacionais e de problemas de realização
da democracia. Neste terreno fértil a política
anticomunista precisava assegurar a hegemonia
imperialista dos EUA, mediante a criação de
políticas externas interventivas, limitadoras de
avanços democráticos além dos limites de
segurança da influência ocidental (Silva, 2000, p.
39).

Pode-se notar o vigor que esse quadro impõe no


sentido de reprodução da Guerra Fria e que deveria revelar-se
imediatamente nos âmbitos econômico e político das nações
dependentes ou em fase de industrialização, como o Brasil. O que é
importante reter aqui é como o argumento da rivalização com o
socialismo abrirá caminho para o imperialismo, sob o comando dos
EUA, quando este formulará conceitos e estratégias de envolvimento
dos demais países sob sua esfera de influência e domínio. Seguindo
essa linha de raciocínio, faz-se necessário ressaltar os dois momentos
destacados por Marilene Corrêa da Silva, em Metamorfoses da
Amazônia, amparada no pensamento social em torno da Guerra Fria:

O primeiro abrange toda a dinâmica mundial


durante e após a segunda Guerra Mundial, quando
ao contrário do resto dos países industrializados,
total ou parcialmente destruídos, os EUA
floresceram com produção industrial crescente.
Neste período é formulado o conceito de ‘Grande
Área’, matriz organizativa das relações mundiais,
sob o controle norte-americano, onde estavam
incluídos o hemisfério ocidental, o antigo império
britânico e o Extremo Oriente (Silva, 2000, p.40-
41).

O segundo refere-se à reinvenção da Guerra Fria


ou de uma ‘nova Guerra Fria’que é principalmente
23

o produto de uma desestabilização gigantesca e


relativamente sincronizada do capitalismo periférico
e semi-industrial na onda de crise econômica
mundial (Davis, apud Silva, 2000, p. 41).

O desdobramento desse raciocínio implica em


reconhecer a interferência nessa desestabilização sincronizada,
através da “ajuda internacional americana” aos países que estariam
inseridos na “Grande Área”. Algo possível de se perceber nos acordos
que serão realizados, quando os países dependentes ou semi-
industrializados praticamente serão enredados nas malhas da Guerra
Fria, com efeitos visíveis na redefinição do papel do Estado no
processo de industrialização e nas relações de poder político.

Em 1947, se reúne em Petrópolis, Rio de Janeiro, a


Conferência interamericana para a Manutenção da
Paz e da Segurança do Continente, que conta com
o próprio Truman. Um tratado é assinado entre os
Estados Unidos e todos os países latino-
americanos sob a orientação da OTAN. O tratado
do Rio de Janeiro de Assistência Recíproca
estabelece as condições preliminares para os
acordos militares que aparentemente tem por meta
a defesa do hemisfério, mas que na realidade
introduz todos os países do continente na Guerra
Fria (Salazar, apud Silva, p.41-42).

Esse comprometimento, simbolizado na assinatura do


tratado do Rio de Janeiro, além de refletir a nova tendência, apontada
anteriormente, de expansão do capitalismo americano para os países
latino-americanos constitui o ensaio geral por onde haveria de se
delinear a economia do país nos anos subseqüentes.

Sob o governo de Eurico Gaspar Dutra, de orientação


liberal, portanto, de participação atenuada do Estado, realizou-se a
24

Missão Abbink,5 que entre outros estudos e diagnósticos,


recomendava a criação de condições institucionais e políticas para o
livre ingresso do capital estrangeiro.

No Governo Getúlio Vargas (1950-54) o fortalecimento


da intervenção do Estado na economia se combinou com o
desenvolvimento industrial de orientação autônoma, fundada segundo
Francisco de Oliveira (1977), “numa prévia expansão do setor produtor
que poderia fundar as bases de uma expansão industrial equilibrada
entre os três departamentos básicos: o produtor de bens de produção,
o produtor de bens de consumo não-duráveis e o produtor de bens de
consumo duráveis”.

Em que pese as possibilidades presentes nesse


período o fato é que o processo de industrialização em
desenvolvimento havia incrementado a divisão de trabalho e,
conseqüentemente, uma configuração mais explícita das classes, que,
segundo Ianni, na burguesia já delineava três grupos distintos:

A pequena burguesia industrial, (...), caracterizava-


se por ser vinculada à produção de bens de
consumo tradicionais. A grande burguesia industrial
também estava ligada à produção de bens de
consumo, mas com base em empresas de grande
vulto (...), o terceiro grupo corresponde à grande
burguesia industrial internacional, surgidas com os
investimento do capital estrangeiro e as primeiras
associações de capitais (Ianni, 1996, p. 120).

O desenvolvimento desse processo e o crescimento


progressivo do capital internacional, aliado ao incremento do
proletariado urbano, vão se constituir no principal móvel dos conflitos

5 A Comissão Mista Brasileiro-americana, também conhecida por Missão Abbink, foi constituída em
1949, pelos governos dos Estados Unidos e Brasil. Para estudar, fornecer diagnósticos e dar
recomendações para a política econômica do país. Ver IANNI, Octavio. Estado e planejamento
econômico no Brasil, 6a Ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996, p. 105.
25

em torno da atuação de Estado na Economia, quando as diversas


classes e setores de classes vão nutrir expectativas distintas acerca
da atuação do Estado. À medida que as empresas estrangeiras vão
ganhando terreno, esses conflitos vão evoluir para a supremacia do
capital internacional e, portanto, ao alinhamento político e econômico
do país no contexto da Guerra Fria.

É importante salientar que esse desfecho se dará sob


uma nova orientação da atuação do Estado, onde se configurará uma
ampla intervenção com vistas a favorecer a entrada do capital
estrangeiro sob a consígnia da modernização através da associação
do capital nacional e estrangeiro. Nesse sentido, é possível dizer que a
Missão Abbink e o Plano de Metas fazem parte do mesmo movimento
histórico do pós-guerra.

É possível dizer então que os elementos constitutivos


do pós-guerra, sob a égide da Guerra Fria, orientaram praticamente
todo processo de interdependência dos países em fase de
industrialização ou semi-industrializados. Uma orientação que
mobilizou forças sociais, externa e internamente no país, inclusive
moldando as configurações políticas que melhor se ajustassem no
processo expansionista. Nesse sentido, é que se pode considerar a
influência decisiva desse contexto, tanto no processo de germinação
quanto no desenvolvimento e consolidação de interdependência do
país. Esse fato possibilita compreender as contradições que estarão
presentes na segunda metade da década de cinqüenta e a solução
autoritária da década de sessenta, bem como o processo de expansão
e incorporação da Amazônia na economia nacional em adiantado
estado de reprodução ampliada de capital.

1.2 As Feições do Planejamento Democrático


26

É indiscutível a importância que o Estado assumiu no


processo de industrialização brasileira, no período de 1930 à 1954. Do
mesmo modo, que não se pode prescindir de suas oscilações em
relação à ênfase e atenuação de sua intervenção na economia, nesse
período, bem como, das políticas que orientaram em direções de um
desenvolvimento relativamente autônomo ou reforçaram um
desenvolvimento dependente.

O fato é que o Estado esteve presente no processo de


industrialização. Contudo, o estabelecimento de uma nova ordem
mundial influiu decisivamente nos passos subseqüentes dos governos
brasileiros e na redefinição do papel do Estado. Nesse sentido, após a
Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos assumiu
hegemonicamente a economia do mundo, se instituiu novas condições
de participação para os países dependentes. O Brasil, como um país
em fase de industrialização, estava incluído nessa nova redefinição de
pápeis e de participação no capitalismo mundial. Isso significa dizer
que, no final da década de quarenta e inicio dos anos cinqüenta,
estavam germinando externa e internamente as condições que
haveriam de conduzir o País a um amplo processo de
interdependência econômica.

Na última fase desse período (1951-54), a


industrialização brasileira estava assentada em um “padrão de
acumulação”, cujos eixos centrais eram: transferências de excedentes
do setor agro-exportador para o setor industrial; na nacionalização dos
setores básicos e reprodutor de bens de capital (bens de produção); e,
na contenção relativa dos salários reais dos trabalhadores, sob uma
coalizão de poder de características populistas.6

6 Ver OLIVEIRA, Francisco de. A economia da Dependência Imperfeita, 2a. ed. Rio de Janeiro: Graal,
1977, p. 79.
27

Embora se destaque aqui o período imediatamente


anterior, o interesse prioritário deste estudo é analisar os processos
que se desencadearam, a partir do Governo de Juscelino Kubitscheck,
o que não constitui uma intenção desprovida de sentido, uma vez que
os processos ocorridos no país, a partir da segunda metade dos anos
cinqüenta, nesse governo, representam a mais ampla e profunda
transformação do sistema econômico do País, sob uma vigorosa
intervenção do Estado. A amplitude dessa transformação pode ser
mensurada quando Francisco de Oliveira (1977) o considera como
uma referência básica para se entender o perfil da economia brasileira
atual.

Esse período, do ponto de vista econômico, estava


baseado em um outro “padrão de acumulação”, voltado
fundamentalmente para a produção de bens de consumo duráveis e
sob a orientação de um desenvolvimento industrial associado,7 como
meio de expandir a economia nacional, base sobre a qual iriam se
delinear as feições políticas desse e de outros períodos da vida do
País, quando, este, estava se enredando paulatinamente no contexto
mais amplo da Guerra Fria, sob a hegemonia norte-americana.

Esse período que tanto influiu na economia e na


política brasileira, inclusive nos desdobramentos para uma
configuração autoritária de poder, tem sua expressão mais acabada na
sistematização no Programa de Metas. Esse programa constitui
provavelmente a mais ampla ação orientada pelo Estado na América
Latina, com vistas à implantação de uma estrutura industrial
integrada8.

7 Ver OLIVEIRA, Op. Cit. P. 84


8 LESSA, Carlos. 15 anos de política econômica no Brasil, p.27. apud. IANNI, Otávio. Estado e
planejamento econômico no Brasil, 6.ª ed., Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1996, p.152.
28

A estrutura industrial integrada, acima mencionada,


representou uma ruptura econômica com as pretensões de
desenvolvimento autônomo, pensado em outro “padrão de
acumulação” e convergiu para uma política econômica governamental
centrada na associação e complementaridade de capital e tecnologia,
o que pressupõe, segundo Francisco de Oliveira (1977), uma
redefinição do papel do Estado e das relações deste com a sociedade
civil, conduzindo a uma liquidação da própria correlação de forças que
lhe serviu de base. O Estado, sob essa nova orientação, mobilizará
todos os recursos disponíveis para viabilizar a industrialização, sob a
ótica do capital associado, favorecendo e impulsionando a empresa
privada nacional e estrangeira.

O Programa de Metas, expressão desse novo “padrão


de acumulação”, se efetivou a partir de algumas condições essenciais,
segundo Francisco de Oliveira (1977): a) o excedente de produção em
mãos do setor privado da economia, formado na etapa anterior; b)
redefinição da divisão internacional do trabalho em curso após a
liquidação da recuperação européia pós-guerra; c) pela fetichização do
Estado, de tal forma que a base popular da aliança conferia suficiente
força para o prosseguimento da política governamental.

Uma outra forma de se compreender a efetivação do


Programa de Metas pode ser a partir da combinação entre o
desenvolvimento das relações de interdependência e
complementaridade no nível das forças produtivas (capital, tecnologia,
força de trabalho) e a expansão do capitalismo americano, que após a
Segunda Guerra, estava pronto para avançar rumo aos países
dependentes, especialmente sobre os países da América Latina.9 Além
disso, a incorporação, pelo poder público, dos elementos essenciais

9 Ver IANNI: 1996, p. 155 e SILVA, Marilene Correa da. Metamorfoses da Amazônia, Manaus: EDUA,
2000, p. 40-41.
29

de técnica do planejamento, da sedimentação do debate técnico entre


os empresários, e da conformação de uma opinião pública favorável
ao planejamento, propiciou as condições favoráveis ao Programa de
Metas.10

A herança de um excedente acumulado ou da


progressiva relação de interdependência corresponde às influências
da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina) que havia
difundido na América Latina o modelo de “substituição de importação”
como política econômica governamental e, que orientou, na segunda
fase de industrialização, a política econômica do país, promovendo
uma certa diversificação na estrutura produtiva que,
conseqüentemente, se transformava em novas necessidades de
importações, incidindo na relação de complementaridade de capital e
tecnologia.

A consolidação do capitalismo americano na Europa do


pós-guerra redefiniu a divisão internacional do trabalho e reorientou
sua expansão para os países dependentes, especialmente os da
América Latina, quando se verificou investimentos e preponderância
de suas empresas, inclusive no Brasil, tornando-se hegemônico.

Quanto à assimilação, por parte de amplos setores


urbanos, quanto aos conceitos de planejamento e desenvolvimento,
que se transformou em base de apoio, orientado por uma política de
cunho populista, Ianni é elucidativo:
Pouco a pouco, o planejamento e desenvolvimento
econômico passaram a ser conceitos associados,
tanto por governantes, empresários e técnicos,
como para boa parte da opinião pública. Além
disso, membros do governo, economistas e
administradores, procuraram difundir a concepção

10 Ver IANNI. Op. Cit. P. 311


30

de que planejamento era uma técnica neutra, uma


técnica que se aplicaria independente, em
qualquer regime econômico (Ianni, 1996, p.156).

Esse conjunto de processos inter-relacionados, isto é, o


desenvolvimento do capitalismo mundial sob a hegemonia dos EUA; a
progressiva interdependência do sistema econômico nacional e a
assimilação positiva, por amplos setores urbanos, da política
governamental, aliados com a herança de mecanismos essenciais da
técnica do planejamento, constituíram-se em condições indispensáveis
para o aprofundamento da relação do Estado e economia, sob a
orientação do desenvolvimento dependente, cujo Programa de Metas
é sua expressão. Haja vista seus objetivos principais:

a) Abolir os pontos de estrangulamento da


economia, por meio de investimentos infra-
estruturais a cargo do Estado, pois que esses
investimentos não atrairiam o setor privado;
b)Expandir a indústria de base, como a
automobilística, indústria pesada e de material
elétrico pesado, estimulando investimentos
privados nacionais e estrangeiros (Ianni, 1996,
p.162).

Para atrair os investimentos de capital privado nacional


e estrangeiro, o Plano de Metas intensificou a modernização do
aparelho de Estado e investiu em setores básicos da economia:
energia, transporte, alimentação e indústria de base, o que repercutiu
profundamente na formação da consciência de amplos setores sociais,
permitindo um governo de equilíbrio econômico nesse período. Além
31

disso, o Estado interveio em outras esferas para incentivar e


modernizar as condições de afluxos do capital privado, por meio dos
objetivos de:

a) aumentar o influxo de capitais estrangeiros, seja


sob a forma de investimentos diretos, seja por
empréstimos a longo prazo, ou, ainda, pelo recurso
dos créditos comerciais a prazo médio;
b) aumentar o volume da poupança nacional, seja
através do combate à inflação, para incentivar a
poupança voluntária, seja pela imposição de
tributos ou o recurso a empréstimos compulsórios;
c) coordenar os investimentos públicos de modo a
orientá-los para aquelas obras de maior
produtividade por unidade de capital aplicado,
evitando a sua pulverização e concentrando
maciçamente os recursos existentes na
complementação das obras encetadas;
d) orientar os investimentos privados com o
objetivo de aumentar a sua produtividade,
canalizando-os para os setores de maior
importância da economia nacional, e
desincentivando o investimento suntuário ou
improdutivo (Conselho de Desenvolvimento apud
Ianni 1996, p. 163).

Tal política aprofundava a interdependência econômica


numa relação de poder baseada na perspectiva de democracia
representativa. Essa perspectiva democrática ainda estava sendo
possível apesar da alteração nas relações entre o Poder Executivo e o
Poder Legislativo, que constituíam, conforme Ianni (1996), uma
concentração de capacidade técnica e político-institucional do
Executivo, para intervir concretamente na vida do país.

A maneira como se pensou o desenvolvimento da


industrialização, buscando aprofundar a associação do capital e
tecnologia estrangeira e utilizando o modelo de substituição de
importações, sem dúvida dinamizou e diversificou a estrutura produtiva
e, conseqüentemente, as importações. Contudo, elevaram-se as
32

contradições e a interdependência para um outro nível de relações, à


medida que se internacionaliza progressivamente a economia do país.

A substituição de importações não é,


automaticamente, um processo de emancipação
econômica; ou de passagem para a fase do
desenvolvimento econômico auto-sustentável. Ao
contrário, os termos em que se verificou a
expansão e a diferenciação interna na estrutura
industrial no Brasil, ampliaram-se e aprofundaram-
se as relações e estruturas de dependência (Ianni,
1996, p. 169).

Essa tendência evolui concretamente com os


investimentos e financiamentos norte americanos, alemães e
japoneses, que, por intermédio da expansão e diferenciação interna do
setor industrial, multiplicaram as relações de complementaridade e
interdependência externa e interna.

Essa nova maneira do país se relacionar com o sistema


econômico mundial marca, indiscutivelmente, a evolução da
intensificação de dependência econômica, bem como, reproduz
internamente concentração em regiões onde se agrupam as indústrias
e desigualdades regionais. Além disso, imprime um ritmo, em que não
se pode pensar em desenvolvimento do país sem considerar as
poderosas forças que aprisionaram as metas políticas e as relações do
Estado com a sociedade civil. Se com o governo de Juscelino
Kubitschek foi possível envolver e desenvolver, dentro de uma política
populista, os interesses do capital monopolista com os anseios de
amplos setores sociais, por outro lado, não se assegurou a
33

amenização das contradições que estavam se gestando e,


posteriormente, chegariam a um impasse limite.

1.3 As Feições do Planejamento na Ditadura

É possível afirmar que boa parte dos acontecimentos


políticos ocorridos no país desde o início do século XX é marcada pela
participação dos militares, onde, por vezes, estes assumem papéis
preponderantes. Dessa participação, quer-se destacar a emergência
dos militares ao poder, através do golpe de Estado, ocorrido em 1964,
uma vez que esse acontecimento constitui, no plano político, o
desdobramento das transformações econômicas que haviam se
acentuado na segunda metade da década de cinqüenta, o que difere
drasticamente das inserções anteriores na medida em que, dessa vez,
essa participação transcende os limites de seu contexto histórico-
estrutural. Ou seja, o golpe militar de 1964 corresponde ao
ajustamento do poder político com o poder econômico, à medida que
este se encontrava em um alto grau de dependência e vinha
alinhando-se paulatinamente à esfera de influência norte-americana e,
portanto, ao contexto da Guerra Fria.

Parte-se, portanto, do entendimento de que o Golpe de


1964 tem imbricações com o desenvolvimento econômico, político e
militar externo e se reveste internamente como uma alternativa
autoritária para equacionar as vertentes econômicas que vinham se
desenvolvendo no país, expressa nas três opções políticas apontadas
por Ianni:
a) política econômica governamental, no sentido
de emancipar às divisões a economia do país; b)a
política econômica governamental destinada a
acentuar as relações de interdependência e
complementaridade da economia brasileira com a
34

economia internacional; c)política econômica


governamental destinada a fortalecer e ampliar o
setor estatal da economia brasileira, com a
finalidade de acelerar a transição para o socialismo
(Ianni, 1996, p. 224).

Nesse sentido, a emergência dos militares ao controle


de Estado, representou a retomada, para uma plena execução, da
vertente de desenvolvimento econômico baseado na interdependência
e internacionalização, fortalecida no período de 1956-1961, ao mesmo
tempo em que, dada as novas condições de desenvolvimento do
capitalismo monopolista mundial, sob a hegemonia dos Estados
Unidos, representava uma reorientação política e ideológica ante o
conflito geopolítico mundial. Assim, o Estado, sob os militares, define-
se claramente pela estratégia de desenvolvimento dependente sob os
interesses majoritários dos americanos.

Em outros termos, com os militares no controle do


Estado, o “padrão de acumulação” capitalista, baseado na
preponderância de produção de bens de consumo duráveis, para
capitalistas,11 reveste-se de maiores condições de expansão e
concentração, na medida em que se assegura um controle
centralizado do Estado e impede a interferência da sociedade civil de
opinar no processo de desenvolvimento do país.

O novo regime desenvolve e aprofunda não apenas as


tendências econômicas estabelecidas no período de Juscelino
Kubistcheck, de interdependência, mas acentua drasticamente traços
embrionários existentes no plano político-administrativo, como: a
hegemonia do executivo sobre o legislativo e uma forte dependência
tecnoburocrática. Para legitimar-se, cercou-se do contexto existente do

11 Ver OLIVEIRA, Francisco de. A Economia da Dependência Imperfeita, 2ª ed. Rio de Janeiro: Graal,
1977, p. 77.
35

conflito geopolítico (capitalismo versus socialismo/comunismo) e do


conturbado ambiente interno do país.

...Uma ampla campanha de opinião pública,


dirigida especialmente a classe média, que
preparou as populações urbanas de São Paulo,
Rio de Janeiro, etc., para aceitarem
antecipadamente a derrubada do governo João
Goulart, a modificação (...) das instituições políticas
e a reformulação completa da política econômica.
Todos esses objetivos foram alcançados por meio
de uma operação político-militar organizada para
combater o comunismo e a corrupção, envolvendo
ao mesmo tempo os interesses econômicos, os
processos políticos em jogo (Ianni, 1988, p. 116).

Ao estabelecer essas condições primordiais é que foi


possível o regime promover a extinção de todos os partidos políticos
preexistentes e a reformulação de condições totalmente novas – sob o
controle do executivo, para o funcionamento de novos partidos
políticos e do sistema sindical urbano e rural, ou seja, as condições
políticas e suas instituições foram ajustadas e readequadas para
corresponderem às premissas estabelecidas pela nova coalizão de
poder, centrada nos militares.

Essas condições excepcionais conformaram o cenário


por onde iriam assentar-se a relação Estado e Economia, sob a
orientação de estratégias da expansão da interdependência e
internacionalização da economia que, segundo Ianni (1996), com
exceção de alguns matizes, seguiram o mesmo curso em todos os
governos militares. Isso tudo, formulado e executado em planos e
programas de desenvolvimento, cuja expressão mais contundente foi
36

explicitada com o Programa de Ação Econômica do Governo – PAEG


(1964-66) que modificou as condições de funcionamento dos
mercados de capital e força de trabalho, com o objetivo de incentivar e
impulsionar os investimentos privados do capital nacional e
estrangeiro.

Pelas diretrizes do PAEG, a ação estatal tornou-se


ainda, mais decisiva para o conjunto da economia
do país. Para que a empresa privada pudesse
funcionar em condições (inclusive econômicas)
melhorar e florescer, o Estado foi levado a interferir
de modo ainda mais profundo e sistemático nas
relações econômicas internas e externas (Ianni,
1996, p. 236).

Esta interferência profunda, no sentido de garantir


condições de acumulação e concentração, converteu-se basicamente
na contenção de salários e numa política fiscal e de créditos que
propiciava a acumulação e concentração de capital para as grandes
empresas. Em relação à contenção salarial, conforme Francisco de
Oliveira (1977), na medida que isso refletia em crise para o setor de
produção de bens de consumo não duráveis, a própria crise se
revestia em processo de concentração, uma vez que as empresas
mais débeis se fundiam com as de capital hegemônico.

1.4 A Estratégia Militarista na Amazônia: os grandes


projetos

As articulações das atividades econômicas da região


Amazônica estiveram sempre condicionadas a seu mercado interno e
37

à dinâmica do mercado externo, nas distintas etapas de seu


desenvolvimento. Quer-se aqui enfatizar um período circunscrito à
etapa do desenvolvimento do capital monopolista, quando a Amazônia
passou a obter, por parte do Estado Nacional uma atuação mais
abrangente e sistemática, o que não seria possível se o próprio país
não estivesse, no seu processo de industrialização, incorporando-se
progressivamente ao sistema mundial.

Em outros termos, a atuação do Estado na Amazônia,


na forma aqui abordada, pressupõe um processo de transformação na
economia brasileira e no Estado, uma vez que este passa a redefinir e
reorientar suas ações, intervindo diretamente no processo de
desenvolvimento do país, tanto numa vertente do capitalismo
autônomo quanto do capitalismo dependente.

Em termos mais concretos, a atuação sistemática do


Estado abrange um período anterior ao regime militar. Ao ampliar suas
ações, incorpora técnicas de planejamento e formula programa de
desenvolvimento envolvendo, inclusive regiões que não haviam sido
incorporadas nas fases anteriores de industrialização, esta mais
concentrada no Centro-Sul.

Essa atuação pode ser percebida, no primeiro


momento, com o Banco da Borracha (1942) que foi criado com a
finalidade de reaquecer a atividade extrativista e, no segundo
momento, com a criação do Banco da Amazônia S.A., e da
Superintendência para a Valorização Econômica da Amazônia
(SPVEA), que tinham como finalidade dinamizar e desenvolver a
região.

O fato é que a atuação do Estado transcende o período


militar. No entanto, é importante perceber que a emergência dos
militares ao poder representou o envolvimento maior e a consolidação
38

da estrutura econômica do país ao capitalismo internacional. Em


outras palavras, com os militares, o Estado, em condições
excepcionais, vai dirigir suas ações no sentido de aprofundar a
dependência às grandes empresas multinacionais que já vinham se
firmando no país há algum tempo. Ou seja, a ditadura militar
representou a via por onde iria se consolidar a estratégia de
interdependência e complementaridade econômica.

Nesse sentido, a atuação do Estado na Amazônia torna-


se peculiar, uma vez que suas iniciativas estarão orientadas por essa
estratégia maior – interdependência econômica. De outra forma, não
se poderia compreender: a) a substituição da SPVEA pela SUDAM em
1966, órgão com uma maior concentração de poder, cujos objetivos
principais, entre outros, era formular e executar programas de
desenvolvimento e incentivar, através de benefícios fiscais, os
investimentos de empresas privadas nacionais e estrangeiras; b) a
criação do BASA (1966) e ampliação da atuação do Banco do Brasil,
que atuavam no campo financeiro, os quais passaram a atuar de modo
articulado com a SUDAM; c) a criação da Zona Franca de Manaus
(1967) com o objetivo de criar um pólo de desenvolvimento na
Amazônia Ocidental, através de investimentos de capital nacional e
estrangeiro - instalação de unidades produtivas de grandes
corporações multinacionais.

De acordo com Ianni (1996), o Estado, sob o governo


dos militares, intensificou as ações em termos de infra-estrutura em
Programas de Redistribuição de Terras e Estímulo à Agroindústria do
Norte e Nordeste - PROTERRA (1971), construção de rodovias como
a Transamazônica, Perimetral Norte, Cuiabá-Santarém, Manaus-
Caracarai, entre outras. Isto tudo acompanhado de formulações e
planos nacionais de desenvolvimento.
39

Como foi mencionado anteriormente, trata-se de


iniciativas que estavam articuladas com a orientação geral de
desenvolvimento, onde a região passa a ser integrada ao sistema
nacional, cujas conseqüências podem ser avaliadas em quase todos
os níveis:
Em primeiro lugar, dinamizaram-se e
diversificaram-se as atividades produtivas. Em
segundo lugar, desenvolveu-se bastante o sistema
creditício, público e privado. Em terceiro,
dinamizou-se e ampliou-se a administração pública
federal na região. Em quarto, desenvolveu-se e
agravou-se a luta pela terra, luta essa que envolve,
entre outros elementos: o poder público (estadual,
territorial e municipal); grandes e médias empresas
agropecuárias e de mineração; posseiros, ou
antigos sitiantes e grupos indígenas. Em quinto,
recolocou-se a secular problemática indígena, seja
no que se refere à defesa da sua cultura e terra,
seja no que se refere à problematização da sua
mão de obra. Em sexto, criaram-se núcleos
coloniais, com a finalidade de constituir reservas
de mão de obra para empreendimentos públicos e
privados. Em sétimo lugar, reformulou-se
amplamente a significação geopolítica da região
Amazônica, tanto no que diz respeito aos
problemas da ‘defesa nacional’, como no que se
refere aos problemas da ‘segurança interna’ (Ianni,
1986, p. 61-62).

Na medida em que se intensifica a dinamização da


economia regional, esta passa a contribuir com o processo mais amplo
da economia nacional e mundial, através da alteração da sua estrutura
produtiva. De modo que, fez surgir novas exigências de importação de
insumos provenientes do Centro-Sul ou do exterior. Essa lógica reflete
bem a maneira da incorporação das regiões na economia nacional.

Dessa forma é possível fazer uma releitura do discurso


oficial em relação ao planejamento estatal como forma de solucionar
as disparidades regionais. Assim, em vez de disparidades pode-se
pensar em divisão regional do trabalho, situação em que as regiões
40

são incorporadas em condições desiguais no quadro nacional,


permitindo a reprodução do capital, nas formas que o processo de
acumulação assume.12

De acordo com Francisco de Oliveira (1986), para se


compreender essa combinação desigual da incorporação das regiões
á economia nacional, é necessário levar em consideração uma das
contradições básicas do sistema capitalista, configuradas no
descompasso entre o nível das forças produtivas ou formas de
reprodução do capital e relações de produção. Além disso, é
importante que a especificidade de cada região esteja incluída em um
quadro de referências de outras regiões, com níveis diferenciados de
reprodução do capital e relações de produção. É importante ainda que
essas regiões estejam na presença de uma economia nacional
inserida no quadro de reprodução ampliada de capital. Essas são,
portanto, as condições essenciais para poder compreender as distintas
formas de participação das regiões no âmbito do capitalismo mundial e
nacional.

Por esse caminho é possível romper com a


interpretação de desigualdade regional, passando para o plano de
análise centrada no desenvolvimento desigual e combinado, onde
cada região participa do desenvolvimento global do capitalismo
segundo suas especificidades e papéis. Nesse sentido, o Estado
cumpre o papel de realizar essa divisão:

O planejamento emerge aqui como uma ‘forma’ de


intervenção do Estado sobre as contradições entre a
reprodução do capital em escala nacional e regional, e
que tomam a aparência de conflitos inter-regionais; o
planejamento não é, portanto, a presença de um
Estado mediador mas, ao contrário, a presença de um

12 Ver OLIVEIRA, Francisco de. Elegia para uma re(li)gião, 5ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987,
p.29-30.
41

Estado capturado ou não pelas formas mais


adiantadas da reprodução do capital para forçar a
passagem do rumo de uma homogeneização, ou
conforme é comumente descrito pela literatura sobre o
planejamento regional, no rumo da integração
nacional (Oliveira, 1987, p. 29-30).

Nota-se, portanto, que o processo de acumulação


transcende os marcos da economia e envolve as relações sociais de
produção, onde o estado representa os interesses do capital. Nesse
sentido, sua atuação está muito distante de uma imparcialidade ou
neutralidade e todo planejamento embora mistificado estará repleto
de conflitos e contradições sociais.

1.5 O Caso da Zona Franca de Manaus: emergência e


mecanismos

Do ponto de vista oficial e de seus intelectuais


tradicionais, a Zona Franca de Manaus aparece como um modelo de
desenvolvimento necessário, concebido e formulado para dinamizar e
integrar a economia regional ao país. Evidentemente que, esses
pressupostos estão perfeitamente em consonância com as matrizes de
pensamento e prática de desenvolvimento em curso, que se orientam
pelo padrão de desenvolvimento pretensamente neutro e desprovido
de conflito social. Um padrão de desenvolvimento que, sob o regime
militar, se fortalece sob a doutrina de segurança nacional e de
ocupação da Amazônia.

A despeito disso, é possível pensar as razões que


possibilitaram a emergência de um pólo industrial enclavado no interior
da Amazônia, ampliando os horizontes para além do discurso oficial.
Aliás, este é o espírito com que se pretende analisar essa forma de
desenvolvimento materializado na Zona Franca de Manaus, visto que
42

tende a sair da superfície e penetrar mais profundamente nas


injunções e inter-relações histórico-estruturais do desenvolvimento do
capitalismo mundial com os processos internos do país e de suas
repercussões locais - suas adesões e rupturas.

Por esse viés, é possível pensar a Zona Franca de


Manaus não como um fato isolado, mas no contexto da implantação
de várias outras na África, Ásia e América Latina, o que, por si só,
indica uma ação planejada e articulada econômica e politicamente.
Avançando um pouco nessa direção é possível perceber, nesse
contexto da economia mundial, transformações importantes na
estrutura produtiva de grandes empresas capitalistas, que apontam
para a concentração e descentralização do capital:

... algumas industrias (...) tem apresentado nos


últimos anos um novo padrão de comportamento, o
qual combina uma grande centralização global na
forma de empresas multinacionais com um certo
tipo de produção descentralizada. Nesse caso,
economias de aglomeração são obtidas em áreas
de marketing, desenvolvimento tecnológico,
finanças, investimentos e administração. Estas,
entretanto, estão agora combinadas com uma
descentralização parcial da produção (...) a
industria eletrônica, tem sido possível efetuar uma
divisão de processo produtivo em várias partes e
realocar aquelas que são especificamente
intensivas em trabalho, sobretudo no trabalho não
especializado ( Anciàes, 1980, p.9-10).

Dessa citação pode depreender-se que estava em


curso um processo de transformação na própria estrutura produtiva de
alguns setores que possibilitavam uma certa centralização na
produção com descentralização de unidades de produção,
especificamente relacionadas a atividades que exigem trabalho
intensivo, o que vem reproduzindo a expansão do capital em escala
43

ampliada, desenvolvendo-se em várias regiões do mundo. Essa


tendência se transforma em uma necessidade e exige uma estrutura
político-institucional para se desenvolver. Nesse sentido a ONUDI
(Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial)
passa a cumprir um papel fundamental no sentido de orientar um
modelo mundial das Zonas Francas, que pode ser evidenciado em
trechos de alguns de seus documentos, conforme transcrito por
Ernesto Renan Mello de Freitas Pinto:

de forma inequívoca e partindo dos problemas de


valorização do capital em vista da concorrência
internacional aumentada, contam-se 5 áreas nas
quais as zonas franca de produção oferecem
possibilidade para um aumento da rentabilidade da
produção:
a) diminuição dos custos de transportes das
matérias-primas;
b) redução dos custos de transportes dos
produtos acabados;
c) redução dos custos salariais;
d) disponibilidade de uma abundante força
de trabalho qualificada;
e) diminuição dos custos do investimento
inicial e, em conseqüência, do percentual de
capital imobilizado, devido aos estímulos fiscais e
materiais e aos serviços gerais e outras
regulamentações e vantagens da zona (1987, p.
26).

A própria ONUDI aponta no sentido dos incentivos


serem viabilizados para a expansão dessas empresas, de forma que
correspondem bem, suas diretrizes e seus mecanismos, ao processo
de incorporação que a economia brasileira vinha atravessando, ou
seja: um crescente processo de internacionalização de sua economia
– “quando se implanta a Zona Franca de Manaus em termos
industriais, o Brasil já contava com um grande número de empresas
13
industriais estrangeiras em seu território...” . Além dessas condições

13 Op.cit. p.22.
44

econômicas essenciais, com a ação do Estado através de um padrão


de planejamento inteiramente comprometido com a consolidação do
capitalismo monopolista. Esse envolvimento do Estado, sob o controle
dos militares, se revestia de condições políticas excepcionais, inclusive
para formular uma política de incentivos e de créditos fiscais capazes
de fazer retornar às empresas os excedentes obtidos, com impostos
arrecadados pelo Estado e invertido para as empresas através de
isenções fiscais, o que caracteriza uma nova forma de administração
do capital financeiro geral, característica da fase monopolista.14

A Zona Franca de Manaus significou, num certo sentido,


a captura de uma porção da Amazônia que ainda não havia sido
incluída no processo de homogeneização da economia nacional, ainda
presa a uma economia predominantemente extrativista e comercial.
Sua implantação está relacionada aos processos externos de
desenvolvimento do capital monopolista em expansão, concentração e
descentralização das unidades de produção; à incorporação e
internacionalização da economia nacional; e, às feições autoritárias do
Estado que possibilitava garantias políticas para esse tipo de
empreendimento.

Segundo Araújo (1985), a formulação da Zona Franca


de Manaus não foi discutida pela sociedade civil, contou apenas com a
participação de um circulo restrito de agentes políticos locais e
nacionais, cujas premissas e condições essenciais compõem as
orientações gerais dos modelos estabelecidos pela ONUDI.

Nesse sentido, a Zona Franca de Manaus constituiu-se


como uma estratégia de industrialização para exportação, implantada
segundo as orientações da ONUDI, com pesados investimentos do
Estado em termos de infra-estrutura, incentivos fiscais e outros

14 Ver OLIVEIRA, Francisco de. A economia da dependência imperfeita. 2.ª ed. Graal. Rio de Janeiro:
1977. p. 93.
45

benefícios, não deixando de vir acompanhada de um substrato formal-


institucional capaz de articular as ações de vários órgãos, tais como
BASA, SUDAM E SUFRAMA, os quais assumem papeis fundamentais
de financiamento e gerenciamento, bem como, influenciam nas
relações de poder local.

Ao ser implantada, a Zona Franca de Manaus alterou as


relações de poder econômico e político local, na medida em que os
setores extrativista e comercial – antes predominantes, foram
absorvidos ou anulados pelo capital internacional. Ao mesmo tempo,
concentrou e elevou a economia do Estado a índices bastante
consideráveis, reconfigurando a sua participação no contexto inter-
regional e nacional:

A Zona Franca de Manaus registrou um crescimento


econômico espetacular nas décadas de 70 e 80,
especialmente no setor industrial, que refletiu no
desempenho do Estado do Amazonas, cuja economia
foi fortemente concentrada em torno do Município de
Manaus e de seu pólo industrial. Com efeito, o Estado
do Amazonas cresceu a uma taxa média anual
superior a 11% entre 1970 e 1990, saltando sua
participação no PIB brasileiro de 0,7 para 2,2%
(Buarque, Lopes e Rosa, 1995, p. 106).

O desenvolvimento da zona franca implicou


transformações na estrutura político-administrativa do Estado, na infra-
estrutura da cidade e envolveu vultosos investimentos do poder
público em forma de incentivos fiscais e créditos concedidos às
empresas que se instalaram no Distrito Industrial. Por outro lado,
transformou-se num forte centro gravitacional capaz de mobilizar uma
massa considerável de mão-de-obra, em que uma parte dela iria se
transformar em força de trabalho, participando do trabalho coletivo de
reprodução ampliada de capital, e uma outra parte considerável iria
46

engrossar as fileiras da periferia da cidade, agravando sobremaneira


os problemas de moradia, como produto de uma migração interna do
Estado.

A respeito do processo de adensamento populacional e


seus problemas correlatos, existem pelo menos três estudos
identificados por Nascimento (1998): o primeiro, de Rosalvo Bentes,
que atribui o agravamento da imigração e concentração populacional
na cidade ao declínio da economia gomífera e, por conseguinte, das
atividades agrícolas que faziam parte daquele sistema; o segundo, de
João Pinheiro Salazar, que se contrapõe ao primeiro, indicando uma
correlação de entre a extinção da cidade flutuante e a emergência da
Zona Franca de Manaus; e, o terceiro, de Marlene Ribeiro Pardo, que
analisa o processo de industrialização local, no aspecto de
concentração das forças produtivas, correlatas ao modelo clássico
ocorrido na Inglaterra, quando se verifica um processo de
expulsão/atração da massa de trabalhadores do campo. No caso
especifico da Zona Franca, reconfigura-se na expulsão/atração e
transformação de ribeirinhos e pescadores em operários do Distrito
Industrial.

Em que pese a importância dessas condições sociais


na configuração do pólo industrial de Manaus, o fato é que a Zona
Franca despontou com força crescente no que se relaciona a
economia, especialmente naqueles setores industriais em que havia
uma relativa facilidade na decomposição de seu processo produtivo e,
portanto, se beneficiando bem mais dos incentivos existentes:

O crescimento da economia do Estado decorreu,


sobretudo, da industrialização e dos grandes
investimentos realizados na Zona Franca de Manaus,
no complexo eletroeletrônico e ótico. Entre 1970 e
1985, o Amazonas registrou um notável crescimento
47

em sua participação na produção industrial brasileira,


passando de modestos 0,3% para 1.8% nesses
período. Enquanto isso, a participação do Estado na
produção agropecuária nacional praticamente se
estabilizou, com sinais de declínio em torno de 1,2%
(Buarque, Lopes e Rosa, 1995, p. 107).

É importante ressaltar esse aspecto do processo de


industrialização, inclusive com seus índices de crescimento,
considerando que ao ser posto no plano de análise, mediante as
distintas abordagens, pode servir para mensurar o processo de
desenvolvimento regional. Contudo, as considerações em torno
desses dados vão refletir a maneira como se aborda a questão. Assim,
por um lado, esses índices representam a demonstração da
dinamização que representa a ZFM, precisando apenas de alguns
ajustes para equilibrar a importância dos setores de produção; e, por
outro lado, numa outra perspectiva, reconhece-se o índice de
crescimento, mas identifica-se o caráter de concentração e de
descolamento com a economia local. Esses pontos de vistas
retornarão numa análise mais cuidadosa neste trabalho.

Outro aspecto digno de exame, inerente ao próprio


modelo de ZFM, é o seu caráter de produção fundamentalmente
voltado para o mercado extra-local que, além de reforçar a idéia de
enclave, afeta sobremaneira a relação importação/exportação, quando
os dados indicam um crescente saldo negativo do Estado na sua
balança comercial. Assim, enquanto a importação, em 1970, foi de
2,43%, e 1990, passou para 5,63%, o coeficiente de exportação em
relação ao PIB estadual declinou de 6,62%, em 1970, para apenas
1,1%, em 1990. (Buarque, Lopes e Rosa, 1995, p. 107).

Além desses aspectos apresentados, vários outros


podem ser abordados: o fato do modelo ser ecologicamente viável em
função de ter preservado a natureza da região, ou mesmo a questão
48

que se relaciona com a possível transferência de tecnologia, entre


outros, isto é, temas hierarquicamente ligados com a concepção que
fundamenta esse tipo de modelo de desenvolvimento e que merecem
ser aprofundados.

A despeito dos aspectos práticos de implantação e


desenvolvimento da Zona Franca de Manaus, é importante ressaltar a
sua relação fundamental com os processos mundiais e nacionais que
propiciaram a sua emergência como um modelo de desenvolvimento
possível implementado pelo Estado brasileiro.

Espera-se, nos próximos capítulos, perceber como


esses processos confluíram com a formulação de um discurso,
gestado na dinâmica das relações concretas da sociedade local, capaz
de Influenciar na formação de uma opinião favorável a implementação
da Zona Franca de Manaus.
49

CAPÍTULO II

Zona Franca e os Discursos Intelectuais

A experiência da ação do Estado e do Desenvolvimento


Regional consubstanciado na criação da zona Franca de Manaus, em
1967, constituiu-se numa das mais audazes e originais formas de
intervenção do Estado brasileiro diante de uma questão tão importante
como o das disparidades regionais. Essa experiência mobilizou antes,
durante e depois de sua implantação, esforços intelectuais de
legitimação e de contestação potencialmente importantes no circuito
regional e nacional, em relação às formas, apropriadas ou não, para
se realizar o desenvolvimento regional.

Sem se descuidar do caráter externo do modelo ZFM,


pretende-se abordar a questão como um produto histórico de múltiplas
determinações, o que permite uma incursão às formas de
representações locais que se concentraram e se adensaram em torno
da questão do papel do Estado e do Desenvolvimento Regional. Se
não formularam o projeto, contribuíram, por um lado, para a existência
de um estado de espírito propenso a sua aceitação, sem maiores
problemas; e por outro lado, numa outra perspectiva, contribuíram
para que existisse uma abordagem crítica. Concomitantemente às
determinações econômicas e políticas externa e interna do país, sob
as condições concretas da realidade local, se inserem essas
representações sintonizadas com matrizes do pensamento social
bastante requisitadas em suas épocas. Quer-se ressaltar aqui as
idéias e representações difundidas por alguns intelectuais vinculados
as suas respectivas classes, grupos ou camadas sociais, os quais, por
um lado, refletiram as condições e possibilidades para uma realidade
50

marcada pela crise do extrativismo e do comercio local e pelo


descompasso existente em relação ao resto do país; e, por outro lado,
refletiram as novas condições geradas com a implantação da Zona
Franca de Manaus. E assim, em ambos os casos, produziram
entendimentos em torno do papel do Estado e do Desenvolvimento
Regional.

Portanto, precisa-se ir além da mera constatação,


constituindo uma tarefa que necessita de um exame de
contextualização das condições materiais e da dinâmica econômica e
política sobre as quais repousam essas representações, bem como, o
prestigio que elas passam a exercer no meio social, considerando que:

A produção das idéias, representações da


consciência está a princípio diretamente
entrelaçada com a atividade material e o
intercambio material dos homens, linguagem e
vida real. O representar, o pensar, o intercâmbio
espiritual dos homens aparecem aqui como afluxo
direto de seu comportamento material. O mesmo
se aplica a produção espiritual como ela se aplica
na linguagem da política, das leis... (Marx e
Engels, 1986, p. 22).

Partindo-se desse referencial, pretende-se estabelecer


uma conexão entre a produção de idéias e as relações materiais de
existência, historicamente determinadas, a fim de explicitar as
condições em que se intercambiaram algumas matrizes do
pensamento social desenvolvidas em outros lugares, geralmente nos
grandes centros industriais, com as reflexões dos intelectuais locais,
irremediavelmente condicionados a sua realidade particular. Mas, como
todo intelectual, relacionando-se com a produção, de forma
mediatizada, em diversos graus, por todo o contexto social e pelo
conjunto das superestruturas, possibilitando medir seu compromisso a
51

partir de sua relação mais ou menos estreita em conexão com as


classes fundamentais.15 Portanto, reflexões de intelectuais interessados
em manter ou transformar as condições de reprodução das relações
sociais concretamente desenvolvidas.

Convertendo essa discussão para um universo mais


particular enseja-se melhor compreender o significado das idéias e
representações que fluíram no contexto espacial e temporal específico
da Amazônia Ocidental, por ocasião da implantação e
desenvolvimento da Zona Franca de Manaus, o que implica em
considerar, nos discursos dos intelectuais locais, seus fundamentos
teóricos e as suas referencias de classes ou grupos sociais.

Pretende-se, portanto, compreender o sentido das


formulações, sobre o papel do Estado e o desenvolvimento regional,
contidas nos discursos de intelectuais vinculados às suas respectivas
classes, grupos ou camadas sociais e seus limites de interpretações.
Isso implica visualizar, preliminarmente, dois campos de abordagens.
Dessa forma, reconhecendo-se, antecipadamente, os inúmeros
trabalhos e os diversos matizes envolvidos, seria extremamente difícil
realizar uma análise sem delimitar apenas alguns autores. Assim,
selecionou-se aqueles que apresentam preocupação mais incisiva
sobre às categorias Estado e Desenvolvimento Regional e que
permitiram perceber mais nitidamente a contraposição dos
fundamentos teóricos interpretativos e explicativos das abordagens em
questão.

Em outros termos, quer-se evidenciar, por um lado, a


existência do pensamento intelectual local coerentemente estruturado,
no sentido de legitimar o processo de reprodução social da classe ou
grupo social dominante, através de uma interpretação que busca se
15 Ver GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. 3ª ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1973, p. 10.
52

legitimar como um projeto de toda sociedade regional. Por outro lado, a


emergência do pensamento crítico, constituído nos novos processos e
contradições gerados com a industrialização, cuja dinâmica da luta de
classes se metamorfoseou em outros níveis, com novos atores sociais
e políticos. Ao tomar esse caminho, acredita-se estar tornando possível
uma melhor compreensão desses discursos. Aliás, esse deve ser o
sentido deste capítulo: organizar e contextualizar alguns discursos
intelectuais a partir de seus nexos com os interesses materiais
existentes na sociedade local e com seus referenciais teóricos.

Em que pese ser a ZFM um projeto pensado e


formulado segundo as necessidades da expansão capitalista e se
estabelecido dentro de uma ordem de poder bastante peculiar no país,
não elimina a possibilidade de se ter, internamente (região),
constituídos, discursos capazes de produzir um estado de espírito
favorável à sua implantação, tendo-a com redentora do descompasso
existente entre a economia regional e o desenvolvimento do resto do
país. E, por outro lado, sob uma outra ótica, a elaboração de uma
vertente crítico-emancipatória.

É imperativa, portanto, a necessidade de articular as


condições concretas da crise do extrativismo e a implantação da Zona
Franca de Manaus às formulações intelectuais de cunho legitimador e
crítico, que se reproduziram social e politicamente, numa clara
demonstração de ressonância na sociedade local. Trata-se, enfim, de
examinar como a crise do extrativismo e a emergência da Zona Franca
de Manaus tornaram-se o substrato por onde haveria de elevar-se as
duas principais vertentes de interpretação e explicação acerca do papel
do Estado e desenvolvimento regional.

2.1 A Crise do Extrativismo e os Limites Intelectuais


53

Não se pode prescindir e deixar de reconhecer a região


amazônica como um cenário, onde o capitalismo atuou de maneira
diversa e bastante peculiar. Aliás, é essa forma de participação regional
que vai delinear, a partir de suas entranhas, a existência de uma elite
inteiramente dependente dos mecanismos de acumulação capitalista
inventados nos seus centros mais dinâmicos. A dependência é parte
constitutiva do comportamento material que orienta as relações,
historicamente estabelecidas, dos grupos dominantes locais, presos
irremediavelmente aos ditames do capitalismo mercantil mesmo após o
país ter se industrializado16.

Essas condições materiais, ao mesmo tempo em que


determinam os mecanismos de acumulação capitalista e,
conseqüentemente, as relações das elites locais com o comércio
mundial e nacional, delimitam também o horizonte de suas
perspectivas, transpostas em suas formulações e expressas em suas
expectativas de desenvolvimento regional. A despeito desse fato, não
deixam de exercer o seu domínio intelectual e político, no contexto
local, mesmo quando atingidas por uma crise avassaladora, como a
que veio comprometer, finalmente, o seu principal produto – a
borracha, que em outros períodos havia se tornado símbolo de riqueza
e ostentação.

Para tanto, essas elites, mediadas fundamentalmente


pelas relações com o capital estrangeiro, em suas diversas fases de
exploração da região, não deixaram de edificar as condições materiais,
manifestas no aparato urbano-institucional, por onde haveria de não
apenas ostentar suas riquezas, mas canalizar sua reprodução material
e espiritual, ou seja, cuidaram de garantir os espaços privilegiados para
16 “A burguesia local – seringalistas e grandes comerciantes – pela própria dinâmica do processo,
atrelados ao capital estrangeiro é impedida de influenciar, em qualquer nível, a acumulação: é
simplesmente intermediaria do capital na exploração e espoliação da riqueza da região.” ARAUJO,
Nice Ypiranga Benevides de. O milagre dos manauaras: Zona Franca de Manaus, Rio de Janeiro:
FGV, Dissertação de Mestrado, 1985; p. 85
54

suas formações e de seus descendentes, mesmo que em condições


reduzidas em função da crise econômica do extrativismo:

Durante mais de duas décadas, (...), a única


escola de nível superior reconhecida e
funcionando regularmente em Manaus é a
faculdade Direito. É ai que se formam as
lideranças locais. (...) a ela só tem acesso os
extratos superiores da pequena burguesia local e,
quando alguém dos extratos inferiores conseguia
freqüentá-la, era apenas uma forma de
representar como um “lugar possível” de ser
aspirado por qualquer um que tivesse capacidade
(Araújo, 1985; P. 314).

Em que pese a importância de que se investiu as


atividades burocráticas e a Faculdade de Direito como forma de
reprodução material e espiritual de intelectuais vinculados a setores da
elite extrativista e comercial, não se pode deixar de incluir outros
meios, no âmbito da formação acadêmica, como: a migração dos
descendentes dessas elites para o Sul, Sudeste e até para o Nordeste
(Bahia e Recife)17 ou mesmo o surgimento de outras instituições locais
como a Faculdade de Economia e a Faculdade de Filosofia Ciências e
Letras, em 1958 e 1961, respectivamente, que, conjuntamente
contribuíram para uma certa diversificação intelectual: advogados,
economistas, médicos, engenheiros, arquitetos, entre outras, os quais
iriam atuar nas superestruturas da sociedade local, pavimentando o
17 “O estudante secundário que ficasse em Manaus e pudesse continuar os seus estudos superiores
só tinha uma opção: a velha faculdade de Direito do Amazonas, da Praça dos Remédios, que
substituíra a antiga Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais, única escola superior sobrevivente da
antiga escola Universitária Livre de Manaus, inaugurada em 22 de novembro de 1909, no apogeu do
‘boom’ da borracha (...)Os que tinham mais recursos migravam para o sul, para outros Estados e
cidades como Belém, Recife, Salvador, e Rio, onde iam tentar a sorte, a procura de empregos ou de
faculdades que lhes proporcionassem ingressos numa profissão liberal” . BENCHIMOL, Samuel:
1977,p. 31
55

solo da reprodução social de suas respectivas classes ou grupos


sociais. Esse quadro institucional-acadêmico local se investe de grande
importância no encadeamento deste trabalho na medida em que:

A escola é o instrumento para elaborar os


intelectuais de diversos níveis. A complexidade da
função intelectual pode ser objetivamente medida
pela quantidade de escolas especializadas e pela
sua hierarquização: quanto mais extensa for a área
escolar quanto mais numerosos forem os graus
verticais da escola, tão mais complexo será o
mundo cultural,... (Gramsci, 1979, p. 9).

Esse fato indica as condições de possibilidades


existentes no contexto da dinâmica das relações materiais, isto é, o
seu grau de complexidade e as possibilidades de exercício de suas
respectivas especialidades orientadas pelas condições reais, efetivas,
da economia extrativista e comercial local – em crise; portanto, de
reduzidas opções de ocupação e emprego.18 O fato é que essas
instituições constituíram-se, dentro do possível, no útero de reprodução
dos intelectuais “mais remediados”, vinculados aos interesses das
classes dominantes.

As condições de possibilidades, acima expostas, se


conjugaram com a expansão do capitalismo mundial e a inserção do
país na nova divisão do trabalho, propiciando uma certa autoridade
ideológica aos discursos dos intelectuais vinculados às elites
extrativistas.

18 “As opções abertas aos jovens eram praticamente inexistentes. A grande maioria dos estudantes,
ao concluir o ginásio, buscava encontrar emprego nas repartições públicas, no Banco do Brasil ou no
Comércio”. BENCHIMOL, Samuel. Amazônia: Pouco-antes e além-depois, Manaus: Calderaro, 1977,
p.30.
56

O aprofundamento da crise do extrativismo constitui o


momento crucial em que as elites vão se preocupar em assegurar suas
condições materiais de existência, mesmo que isso signifique manter-
se dependente, em outro nível, do processo de reprodução ampliada
de capital.19 Diante disso, é importante salientar que a Amazônia,
diferente do Sul e Sudeste, permanecia presa a uma economia
extrativista e, portanto, com participação diferenciada no âmbito do
capitalismo mundial e nacional. É essa prerrogativa fundamental que
vai orientar os discursos que, posteriormente, confluíram para o salto
de industrialização, posto em prática com a Zona Franca de Manaus.

Os portadores desses discursos são intelectuais


vinculados às elites econômicas do extrativismo e do comércio
regional, os quais irão influir nos desdobramentos políticos e
econômicos da realidade local, na medida em que atuam no sentido
de comportar uma certa homogeneidade interpretativa, encarnando
uma espécie de autoconsciência local, especialmente no desfecho da
crise, o que os torna passíveis de serem estudados na presente
abordagem, considerando que se tornaram referências requisitadas
nas formulações intelectuais e nos desdobramentos práticos do
desenvolvimento regional. Nesse sentido, optou-se em trabalhar com
Samuel Benchimol, Agnello Uchoa Bittencourt e Djalma Batista.

Não cabe aqui dar conta da totalidade de seus estudos,


o que demandaria um outro nível de empenho e de um esforço, além
do delineado como proposta de análise, ou seja, quer-se extrair apenas
o conteúdo interpretativo acerca das categorias Estado e
Desenvolvimento Regional, presentes nesses autores. Interpretações
que, além de repercussões praticas atingiram um nível de ressonância

19 “A reprodução compreende (...) a produção e a criação de condições pelas quais ela pode
continuar ocorrendo”. BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Marxista, Rio de Janeiro: Zahar,
1988, p.319.
57

bastante considerável junto à sociedade local, a ponto de influir


favoravelmente, sob o manto aparente do consenso, a implantação da
Zona Franca de Manaus.

Para a consecução do êxito dessas interpretações,


configurada por uma certa autoridade ideológica, não se pode
prescindir ao alinhamento do país a um tipo de desenvolvimento
pautado pela intervenção do Estado na economia. Uma intervenção
que consistiu, basicamente, em carrear recursos para a região, através
de instituições de desenvolvimento, com objetivo de estimular os
investimentos privados. Essa experiência constituiu a base sobre a
qual se elevaram as formulações dos intelectuais que apoiaram outras
iniciativas do Estado brasileiro com vistas ao desenvolvimento da
Amazônia.

Ao fazer incursão nos trabalhos desses intelectuais,


especificamente quando tratam do discurso econômico para a região,
confronta-se com pontos de vistas alicerçados em correntes do
pensamento econômico de cunho desenvolvimentista transpostas para
a realidade local e configuradas nas seguintes linhas gerais: a) na
necessidade de integração da região à Nação; b) na impossibilidade de
impulso econômico regional; c) na ocupação da região e d) na
necessidade de um impulso “extra-local” por parte do Estado ou grupos
privados (nacionais ou estrangeiros) que possam ativar a poupança
interna para sair da situação de estagnação. Ou seja, da crise
econômica extrativista.

Essa concepção que serviu para justificar os projetos de


valorização da Amazônia e a criação de órgãos como a SPVEA
(Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia) evoluiu,
sob uma outra configuração política, para a criação da SUDAM
(Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia) e para a
58

implantação e consolidação da ZFM. Nesse sentido, o centro do


discurso em torno da economia regional revela um perfil bastante
homogêneo nesses intelectuais que, inspirados na matriz
desenvolvimentista, analisam:

uma lógica inexorável no infortúnio dos povos


pobres: as massas subnutridas, produzem pouco;
porque produzem pouco ganham mal; porque
ganham mal; não podem comprar alimentos
qualitativa e quantitativamente adequados e assim
continuarão subnutridas e produzindo pouco e
ganhando mal. (Bittencourt, 1962; p. 9)

A análise do desenvolvimento econômico, nas


regiões atrasadas e subpovoadas, como é o nosso
caso, indica em primeiro lugar, a existência de uma
situação que Ragnar Nurkse chamou de circulo
vicioso da estagnação, tendendo a perpetuar-se
dentro de um sistema de equilíbrio gerado pelo
próprio desenvolvimento. O atraso gera o atraso.
(Benchimol, 1957; p. 34).

Nessa perspectiva, o subdesenvolvimento, o atraso, a


estagnação, compõem-se de uma lógica de circularidade. Aliás, uma
linha de interpretação que está presente em quase todos àqueles que
estudam os problemas ligados ao desenvolvimento e
subdesenvolvimento naquele período, inclusive o professor Ragnar
Nurkse, citado por S. Benchimol. Esse ponto de vista sustenta que uma
das causas centrais do subdesenvolvimento é a permanência de um
circulo vicioso. Essa idéia de circulo vicioso aparece também no
professor Winslow quando chama atenção para o processo circular
cumulativo, que exercia pressão contínua de cima para baixo, processo
esse no qual um fator negativo era simultaneamente, causa e efeito de
59

20
outros fatores negativos. Assim, por essa lógica, a mesma tendência
descendente pode se converter numa tendência ascendente,
produzindo efeitos inversos.21

Conseqüente com a tese da circularidade, a qual


pressupõe duas direções: descendente e ascendente, importa buscar
na realidade local formas que possam se converter em mecanismos
capazes de servir de suporte para reverter à situação de estagnação
(crise do extrativismo) da economia regional, ou seja, descobrir
mecanismos que alterem a lógica descendente do círculo vicioso,
possibilitando condições novas de investimentos e, conseqüentemente,
de reaquecimento do processo de desenvolvimento.

... no eixo da política de desenvolvimento terá de


estar presente a preocupação de garantir o
aumento do volume de capital per capita, tanto vale
dizer, o aumento da capacidade produtiva, em
termos tais que o sistema se torne apto a gerar
crescente volume de renda, compatível com o
crescimento da população e com melhores
condições de vida. (Bittencourt, 1962/ p. 14).

O rompimento do circulo vicioso da estagnação, a


partida da inércia para o movimento, a centelha da
ignição para o desenvolvimento, pode dar-se
segundo a tese Schumpeteriana, pelo
aparecimento ou descoberta de um novo produto,
pela introdução de nova técnica, pela implantação
de nova industria. [Benchimol, 1957; p. 40].
A saída está, portanto, em perseguir um
empreendimento que possibilite aumentar o volume de capital, que
possa por em movimento, ascendente, toda engrenagem atraindo as
condições propícias para o desenvolvimento. Em outros termos, o
desenvolvimento da região necessita de um estímulo capaz de

20 Professor C.E. A Winslow citado por Gunnar Myrdal. Teoria econômica e regiões
subdesenvolvidas, p. 31 ed. Saga, RJ, GB, 1965.

21 Ver MYRDAL, Gunnar. Op. Cit., p. 32.


60

movimentar investimentos desencadeadores de uma nova


circularidade. Ao defender esses pressupostos, os intelectuais locais
levam a acreditar numa alteração automática no bem-estar de toda a
população, ao mesmo tempo em que escamoteia os conflitos de
classes, o que, em certo sentido, revela uma consonância com os
pressupostos de desenvolvimento cepalino analisados por Guido
Mantega.22

Esse ponto de vista defendido pelos intelectuais locais,


está fundamentado nos seguintes diagnósticos: há insuficiência de
condições infraestruturais; há insuficiência de renda interna; há
impossibilidade de exploração agrícola, uma vez que esta, para se
realizar, precisa de um alto investimento em técnicas, as quais não
podem ser simplesmente transplantadas; e, por fim, o esgotamento do
extrativismo da borracha.23 Mas, por outro lado, segundo Benchimol,
pode-se contar com o setor empresarial nativo que tem dado provas,
recentemente, de sua capacidade, de sua coragem e imaginação,
assumindo o papel que lhe cabe na tarefa de mobilização e
desenvolvimento. Ainda, por esse raciocínio, se as condições
“endógenas” não são propicias, há que buscar impulso de outra
procedência:

...derivada de um movimento extra-local de


capitais, mão-de-obra, e técnicas atraídos por
oportunidades vantajosas e facilidades oferecidas;
pode ser de caráter dirigido quando o poder
publico chama a si a responsabilidade para

22 “Ao postular o desenvolvimento capitalista, a CEPAL pressupunha que essa forma de organização
econômica traria benefícios sociais gerais, não apenas para a burguesia industrial (...), como também
para as demais classes e grupos sociais.” Ver MANTEGA, Guido. A economia política brasileira, 5a
ed., Petrópolis: Vozes, 1990, p. 42.
23 Ver BENCHIMOL, Samuel. Problemas de Desenvolvimento Econômico – com especial referência
ao caso amazônico, 1957; P. 35,36 e 37).
61

deflagração de tal movimento, por intermédio do


planejamento (Benchimol, 1957, P. 41).

Retorne-se aqui à influência do ritmo de


desenvolvimento existente no país marcado pelo processo de
industrialização, com a participação efetiva do Estado, cujos reflexos
se fizeram sentir na região, através de formulações de planos para
valorização da Amazônia.

Nesse sentido, esses intelectuais, realizam uma crítica


por dentro do sistema, dando conta das desigualdades regionais e de
como a Amazônia participa de forma rebaixada desse
desenvolvimento, reforçando, enfim, o discurso de “integração
nacional”.

Tornou-se característico do país um hiato entre


regiões desenvolvidas e o restante do território
subdesenvolvido, um autêntico dualismo
econômico-social. Os “Dois Brasis” da tese de
Lambert. As regiões desenvolvidas alcançaram o
estágio capitalista, vivendo a parte
subdesenvolvida no circulo vicioso da pobreza,...
(Batista, 1976, p.91).

Há unidade política e coesão social, mas não há


integração econômica no sentido em que os
economistas utilizam esta expressão. Todos se
sujeitam ao mesmo enquadramento institucional e
gravitam no mesmo sistema econômico; mas nem
todos participam dos melhores proveitos do
funcionamento das instituições e da economia – a
divisão das vantagens é desigual. (Bittencourt,
1962, p. 21).

A participação do terceiro setor, isto é de


planejamento, através da presença do poder
publico no domínio econômico para estimular o
crescimento e transmitir condições e impulsos
estimulantes, apoio de base, e possibilitar a
62

germinação e florescimento do sistema, por ser de


introdução recente, talvez não tenha podido ainda
se fazer presente de formas mais ativa e eficaz.
(...) para trazê-la e integrá-la ao ritmo do atual
crescimento e expansão da economia brasileira.
(Benchimol, 1957, p. 45).

Trata-se, portanto, de entender o problema no marco da


economia nacional, pela ótica do desequilíbrio regional, e, para dar
mais consistência as suas teses adequam explicações de contextos
mais amplos, como a de Gudin,24 elaborada para explicar a relação
entre os países industrializados e países produtores de matérias-
primas, que utiliza os conceitos de economia-líder e economia-reflexa.
Assim, reproduzem-na no contexto nacional para explicar as condições
de participação da economia regional (economia-reflexa) em relação
ao Sul (economia-líder), o que revelaria as desvantagens da primeira
em relação à segunda.25 Sob essa condição, a questão consiste em
incluir a Amazônia, com suas peculiaridades, para se ajustar e se
integrar ao capitalismo nacional. Não se trata, portanto, de uma crítica
ao sistema, mas de expandir com maior eqüidade o desenvolvimento
em curso. Nesse sentido, cabe, no caso da Amazônia, não apenas ao
poder publico o papel de realizar investimentos que possam estimular a
presença de empresas privadas, mas:

O imperativo amazônico exige que se adote não


apenas uma fórmula de desenvolvimento, com

24Eugênio Gudin: “Engenheiro e economista, o representante mais expressivo da escola monetarista


neoliberal no Brasil. (..) Professor de economia monetária e financeira na faculdade de Ciências
Econômicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Delegado brasileiro à conferência monetária
de Bretton Woods (1944), foi diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco
Mundial(BIRD). Foi ministro da Fazenda no Governo Café Filho (1954).” Ver: Dicionário de Economia
Paulo Sandroni, 1999, P. 274.
25 Ver BITTENCOURT, Agnello Uchoa. Aspectos sociais e políticos do Desenvolvimento Regional,
Sérgio Cardoso & Cia. Ltda., Manaus, 1962, P. 21 e ver também BENCHIMOL, Samuel, Op. cit. P. 73-
74.
63

base exclusivamente no planejamento do poder


público. Face ao espaço continental amazônico,
outras fórmulas (...) com a participação ativa da
classe empresarial nativa e os incentivos
necessários à atração do capital, técnica e mão-de-
obra extra-amazônica, serão condições essenciais
para o domínio do complexo de estagnação,
instaurando uma economia e sociedade
suscetíveis de progredir em seus próprios recursos
(Benchimol, 1957, p. 48).

Que os recursos de que carecemos promanem de


origem estatal ou privada, venham como subsídio,
empréstimos, financiamento ou participação –
todos são desejaveis. (Bittencourt, 1952, p. 24).

Há uma perspectiva de colocar em movimento as forças


econômicas locais através de condições “extra-locais”, como uma
maneira de impulsionar a região, esta, segundo esse ponto de vista,
desprovida de condições, para desencadear, por si só, o
desenvolvimento. Embora esteja implícito, nos discursos, um desejo de
autonomia, não se pode deixar de reter

... a formação (...) de uma impressão de que os


problemas da Amazônia eram tão grandes e
imensos, que as sociedades, comunidades, tribos,
nações indígenas e etnias locais e regionais não
teriam forças, competência técnica, recursos
financeiros, poderes abrangentes para superá-los
(Oliveira, 1977, p. 88).
64

Portanto, a distância que separa esses discursos do


projeto de ZFM é efêmero. Na verdade, não há uma oposição à
entrada de capital estrangeiro, até porque o processo de
industrialização do país, mesmo sob a orientação da CEPAL, já havia
incorporado amplamente a estratégia de associações de capitais, como
forma de aumentar a poupança e o ritmo de acumulação. 26 A diferença
é que a Zona Franca de Manaus será implantada, na sua forma atual,
no Governo Militar, sob um discurso mais refinado de neutralidade
técnica e eficiência e de poder coercitivo explícito.

Estimulados por essa trajetória do país, outros novos


fatores se entrelaçam no sentido de viabilizar a eclosão da Zona
Franca de Manaus e que são captados por Benchimol: a) o
deslocamento da Capital Federal para Brasília (1957) que a
aproximava do interior do continente e criava necessidade de
interligação regional, dando origem à Belém-Brasília; b) o reforço de
descentralização do desenvolvimento realizado pelos Estados, com a
criação de órgãos financeiros e de desenvolvimento, tais como, o BEA
(Banco do Estado do Amazonas) e o CODEAMA, instituição que iria
desempenhar papel importante nos primeiros anos de estruturação da
Zona Franca; e, por fim, c) a criação da SUDAM (Superintendência de
Desenvolvimento da Amazônia), a quem caberia um papel regional
macro-econômico, e o BASA, órgão financeiro também em âmbito
regional.

São essas novas condições institucionais que estavam


se delineando mais decisivamente a partir da segunda metade da
década de 50, quando os governantes passaram a se empenhar em
projetos setoriais, regionais e mesmo globais de desenvolvimento,
combinadas com a nova orientação política do governo militar, que

26 Ver: MANTEGA, Guido. A economia política brasileira, 5a. Edição, Vozes, Petrópolis, 1990, p.48.
65

criam as condições de possibilidades para a realização da Zona Franca


de Manaus, em outras bases, diferente daquela aprovada em 1957.27
Condições estas, que se reproduziram politicamente por ocasião da 1ª
RIDA (Reunião de Incentivos do Desenvolvimento da Amazônia)
quando se sucedeu o debate em torno de prioridades de
desenvolvimento regional, configurando-se num claro prejuízo, à
Amazônia interior e, conseqüentemente, a Manaus, dentro da
perspectiva de pólos de desenvolvimento.

A partir daí, visando o lema ‘não é importante


quem decide mas onde decide’, reforçamos a idéia
da criação da Amazônia Ocidental e das outras
Amazônias, com superintendências regionais e
poder próprio de decisão, transformando a
SUDAM em órgão de coordenação e de estratégia.
No plano macro-econômico, cabendo a essas
superintendências os encargos e o poder de
aprovação dos projetos de interesse para o
desenvolvimento sub-regional (Benchimol, 1977, p.
562).

Esse episódio se reveste de fundamental importância:


primeiro, por reconstituir as condições objetivas que possibilitaram uma
modificação do tratamento de desenvolvimento regional, na medida em
que se inclina a descentralização; e segundo, por evidenciar a
confluência das interpretações feitas por intelectuais locais com as
estratégias do capitalismo nacional e estrangeiro para a região. Isto
não torna os intelectuais e as elites locais protagonistas da nova
27 “Foi inicialmente proposta ao Congresso Nacional pelo Deputado Pereira da Silva, que conseguiu
transformar o seu ante-projeto na Lei No. 3.173, de 6.06.57, que não conseguiu entretanto, ser
operacionalizada, eis que a figura jurídica de extra-territorialidade fiscal de zona, limitada em uma área
restrita de 200 hectares, e o seu caráter exclusivo de entreposto para armazenamento não tinha
conteúdo nem significação econômica.” Ver BENCHIMOL, Samuel. Amazônia: um pouco-antes além-
depois, Editora Calderaro, Manaus, 1977, P. 741.
66

situação, mas os fazem coadjuvantes com importância destacada, de


criar um estado de espírito inteiramente favorável ao projeto ZFM.

Se, externamente, o capital estrangeiro, utilizando-se de


uma engenhosa adequação de intervenção estatal com livre iniciativa e
nacionalismo com interdependência econômica, vislumbraram
possibilidades valiosas para sua expansão; internamente, no plano
local, os intelectuais vinculados ao extrativismo e ao comércio - em
crise, vislumbraram o reconhecimento de seus pressupostos de
desenvolvimento.

Nesse sentido, é possível entender o comportamento


desses intelectuais mediante a implantação da ZFM: interpretando-a
como o resultado de seus esforços e dos setores sociais, aos quais
estavam vinculados, empenhados em desenvolver a Amazônia
Ocidental, bem como, do reconhecimento por parte dos dirigentes do
país, dessas necessidades:

... pela primeira vez na história da ação política


federal, passou-se a reconhecer a necessidade de
que existem diversas amazônias dentro da
aparente unidade geocêntrica (Benchimol, 1977,
p. 92).

O processo desenvolvimentista só tomou corpo,


(...), de maneira sustentativa, a partir do Governo
Castelo Branco confirmado por seus sucessores
(Batista, 1976, p. 25).
.
... a Zona Franca aqui foi uma opção brasileira
diante da situação da Amazônia Ocidental...
(Batista, 1976, p.268).
67

Na verdade, espelha-se aqui o limite dessa


interpretação, uma vez que sua composição conceitual não permite um
exame minucioso da lógica das relações, dos processos e das
estruturas do sistema capitalista. Assim, ao permanecer nos limites do
sistema, não pode deixar de fazer crer que a mudança de atitude dos
dirigentes nacionais é apenas obra do reconhecimento de
necessidades da Amazônia e não das contradições do processo de
acumulação que não se reduz apenas a processos econômicos, mas
compreende também relações sociais, o que inclui as diversas funções
assumidas pelo Estado.28 Portanto, ao permanecer nessa linha de
entendimento irá minimizar as contradições estruturais e dar ênfase as
disputas regionais encobrindo, simultaneamente, os conflitos de
classes existentes. Essa forma de interpretar implica em diluir os
interesses distintos e antagônicos existentes entre capital e trabalho
em função das disputas inter-regionais. Nesse sentido, a Zona Franca
de Manaus se converterá numa saída para todos:

... a Zona Franca de Manaus consegue atrair, na


primeira década de sua criação, empresários e
empreendedores de todo o país e do exterior. Aqui
se aliaram ou se justapuseram ao núcleo glebário
tradicional, aportando capitais, técnicas, know-
how, experiência, inovação, se deixando envolver
e injetando também ambição, otimismo e arrojo
próprios de uma sociedade que deseja crescer e
participar do desenvolvimento brasileiro e
amazônico e que se achava enclausurada no
relógio do tempo e imobilizada na cerca do chão,
após haver perdido o melhor de suas elite, de seus

28 “... o processo de acumulação não é nunca apenas um processo econômico, mas compreende
também o desenvolvimento geral das relações sociais o que inclui as diversas (...) e sempre
transformadas funções do Estado.” BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista, Rio de
Janeiro: Zahar, 1988, p. 1.
68

talentos e de seu povo; na ânsia de sobrevivência


e da realização, muitos emigraram para outras
áreas, ou se remeteram as suas poupanças e
capitais para inversões nos grandes centros
urbanos do sul do país. (Benchimol, p. 745 e 746) (
Grifo Nosso)

Em verdade, alguns objetivos já foram alcançados,


desarticulou-se o arcaico sistema econômico,
internamente superado; abriram-se oportunidade
para muita gente da terra ou vindo de fora; e está
havendo um princípio de capitalização. Certas
firmas tradicionais, estabelecidas em Manaus, tem
prosperado a olhos vistos, e outras vão surgindo e
criando raízes. (Batista, 1977, p. 268).

Estava dada, portanto, a partida, o impulso necessário


para se romper com o “circulo vicioso da estagnação”, no dizer dos
intelectuais. Os recursos “extras-locais” se convertiam, segundo essa
perspectiva, automaticamente numa dinâmica ascendente capaz de
retirar a região do sono profundo que havia se submetido.
Transformações importantes na fisionomia da cidade, no comércio, na
formação escolar, nas oportunidades de trabalho, na atração ao
turismo e ate mesmo nas mentalidades, consideradas como uma
reversão de expectativas, passaram a se operar em Manaus 29. Nesse
conjunto de fatos considerados positivos é importante, para efeito de
ilustração, se reter:

Somos, assim, uma área de demonstração para


todo o país, absorvendo tecnologia eletrônica
sofisticada do exterior, que é enviada para todo o

29 Ver: BENCHIMOL, Op. Cit. P. 748-749 e BATISTA, Op. Cit., P.20,261 e 262.
69

país através dos produtos aqui montados e


industrializados, com índices crescentes de
nacionalização e integração com a industria
nacional. (Benchimol, 1977; p. 748).

Desde que começou a funcionar em agosto de


1967, depois de reestruturada, a vida em Manaus
se transformou radicalmente, abrindo-se uma
avalanche de novas casas comerciais e iniciando-
se uma atividade econômica trepidante, de há
muito desaparecida da cidade, que se encheu de
gente recém-chegada, a procura novamente dos
outrora famosos filões de ouro. (Batista, 1976; p.
259).

Por trás dessas sentenças que expressam uma


atividade bem sucedida, está o entendimento de adequação a um tipo
de indústria, que se encontra em um determinado estágio de
desenvolvimento, capaz de transferir para outras regiões partes de
seus processos de trabalho. E, por outro lado, a perspectiva de
interesses locais situados no ramo comercial de impulsionar suas
atividades pela via da associação, como forma de se desenvolver.
Possibilidades que, no curso de seu desenvolvimento, impulsionam as
outras esferas da vida social e cultural, confluindo para um novo
momento das condições sociais.

Essas são prerrogativas que constituem uma unidade


em torno dos fundamentos que tornam possível a Zona Franca de
Manaus. O que não quer dizer que não existam diferenças em relação
à maneira de perceber os efeitos sociais, no que se relacionam as
condições de vida. Por exemplo, enquanto Djalma Batista se refere à
70

formação de favelas30, Benchimol prefere falar de crescimento da


cidade e surgimento de bairros novos 31. Certamente, não são apenas
diferenças semânticas, revelam uma maneira de se colocar diante dos
problemas.

Diante disso, não se pode ingenuamente imaginar que


esses intelectuais não davam conta das contradições. Na verdade, em
suas análises e avaliações, eles detectam os baixos índices sociais
que são definidos como distorções da forma do desenvolvimento.
Nesse sentido, a questão fundamental está em assegurar a existência
das novas condições e orientar a ação pública no sentido de “corrigir
os desvios da Zona Franca”.

Em outros termos, suas críticas permanecem nos


estreitos limites do modelo, constituindo, portanto, situações passíveis
de serem solucionadas. Ao não ir a fundo nas contradições, mantêm a
perspectiva de desenvolvimento regional com base nesse engenhoso
mecanismo de intervenção do Estado com livre iniciativa. Uma
adequação que se legitima ideologicamente num “Padrão-Planejado”,
aparentemente desprovido de conflito social e, portanto, como um
projeto de toda a sociedade local.

Essas referências intelectuais se apresentam como


fundamentos dos discursos que se reproduzem nos planos político e
ideológico, contribuindo para fortalecer a alternativa de
desenvolvimento vigente. Ao mesmo tempo em que encobre ou
minimiza as contradições sob a aura do interesse de toda a sociedade.

2.2 Zona Franca e Seus Intelectuais Críticos

30 “Cada vez mais numerosas favelas criadas dentro e sobretudo na periferia de Manaus, não
encontrou mercado de trabalho, nem condições para disputar os empregos criados, que demandam
mão de obra qualificada.” Ver BATISTA, Djalma. Op. Cit. p. 264.
31 “... Constrói-se intensamente novos bairros residenciais para abrigar os novos contingentes
humanos de todas as faixas de renda.” Ver BENCHIMOL ,Samuel, Op. Cit., P. 748.
71

É evidente o conjunto de transformações desencadeado


com a implantação da Zona Franca de Manaus, que alterou
sensivelmente a fisionomia da cidade e sua relação com o Estado e a
região. Emergiu como um centro gravitacional na economia regional
exercendo forte atração de grupos de interesses nacionais e
estrangeiros e contingentes humanos significativos que migraram para
a cidade. Mobilizaram-se esforços públicos consideráveis para
estimular e incentivar a vinda de grupos empresariais, incluindo
instrumentos em infra-estrutura, como aeroporto, estradas, obras
viárias, telefonia, energia, além de incentivos de créditos e isenções
fiscais. Com isso, não tardou a haver o deslocamento de setores
ligados ao comércio e, posteriormente, a indústria, convergindo para
um processo de concentração dos meios de produção, como
máquinas, insumos, etc., motivando o deslocamento de grandes
quantidades de força de trabalho de outras partes do país e do interior
do estado e, conseqüentemente, imprimindo um vigoroso adensamento
populacional.

À medida que segue o curso dessas transformações


diversifica-se a produção e a entrada de produtos na região, altera-se
também o intercâmbio comercial, confluindo para uma nova dinâmica.
Há uma recomposição nas relações sociais com a emergência de
setores ligados ao capital estrangeiro, a formação de um proletariado
urbano e o incremento de setores médios, reconfigurando a dimensão
social e política local. Implicou, também, na exigência de adequação de
capacidades para suprir as necessidades da indústria que se
implantava, combinada com outras de cunho intermediário.

Esse contexto de transformações não poderia ignorar a


importância de uma instituição de nível superior que haveria de ser
72

incluída, em outro patamar, dentro das condições de alteração de


produção. Dessa forma, a Universidade do Amazonas que havia sido
criada em 1965, passa a constituir, fundamentalmente, o locus por
onde iriam se preparar uma força de trabalho qualificada para
gerenciar as novas condições de produção da indústria.

Ampliou-se consideravelmente o sistema escolar,


tanto no ciclo fundamental como superior, sob a
liderança da Universidade do Amazonas, este ano
com cerca de 6.000 alunos matriculados em
cursos, coadjuvada pela Universidade Estadual de
Tecnologia. (Benchimol, 1977, p. 748-749).

Ajustadas a essas novas condições ampliam-se


consideravelmente as possibilidades de acesso, antes extremamente
restrito aos setores dos extratos superiores das classes dominantes.
Essa ampliação, embora esteja vinculada essencialmente ao
atendimento das necessidades das transformações, materializadas
com a migração de indústrias de montagem acaba por transcender a
outros níveis de reflexão intelectual que haverá de se diversificar,
possibilitando a emergência de outras abordagens, centradas em
fundamentos teóricos de crítica ao próprio modelo de Zona Franca de
Manaus, à medida que, ao se criarem outras possibilidades de
absorção para novos grupos sociais, de composição mais heterogênea
e não vinculados diretamente ao processo produtivo32, tornou mais livre
a prática intelectual, inclusive quanto a sua diversificação. Essa
diversidade advém da própria dinâmica das relações sociais e da
recomposição das lutas sociais protagonizadas por novos atores, além

32 Ver ARAUJO, Nice Ypiranga Benevides de. O Milagre dos Manauaras: Zona Franca de Manaus,
Rio de Janeiro: FGV, 1985. Dissertação de Mestrado, Fundação Getúlio Vargas, p. 375.
73

dos tradicionais grupos do extrativismo e do comércio, que estavam se


metamorfoseando e se ajustando às novas condições, através de
associações com o capital multinacional, cujo exemplo mais
significativo é o da Moto-Importadora com a Honda33. Uma nova
realidade de novos atores sociais, que mencionou Francisco de
Oliveira numa apreciação macro-regional, sob a qual está inserida a
ZFM:

Conjunto e a magnitude das forças lançadas à


nova conquista da Amazônia são de uma imensa
desproporcionalidade. De um lado atores e
sujeitos locais: grupos e nações indígenas,
posseiros e grupos ribeirinhos, seringueiros,
castanheiros, pequenos agricultores e mesmo as
porções de uma burguesia que nunca passou do
estatuto mercantil. De outro, novos atores do porte
da Vale do Rio Doce, Eletrobrás, Nippon, Steel,
Votorantim, Shell, Alcoa, Alcau, Paranapanema, e
mais Hondas, Suzukis, Kawasakis, Agrales,
Mondaines, Orient, Seiko, Estrela, Tec. Toy, uma
lista densa de patronímica do grande capital
estatal, multinacional e nacional (Oliveira, 1994,
p.90).

Uma transformação dessa magnitude não poderia deixar


de suscitar interrogações e interpretações das mais diversas. E, a
medida em que se desenvolvem e se expressam os conflitos, impõem-
se necessidades teóricas novas aos intelectuais das instituições
existentes, o que implica ultrapassar as condições limites impostas à
pesquisa e, conseqüentemente, ao conhecimento, originando, portanto,
33 “A Moto Importadora teve a sorte e a boa fortuna de se associar através de Joint-ventures com
empresas multinacionais e multi-estaduais e dessas parcerias se tornou grande acionista da Moto
Honda, na fabricação de motocicletas,...” BENCHIMOL, Samuel. Manáos do Amazonas. Memória
empresarial. Manaus: Edição Governo do Estado, 1994, p. 93.
74

uma diversificação de interpretações acerca dos processos de


desenvolvimento em curso. O certo é que essa nova geração de
intelectuais, por força das circunstâncias materiais, acabou por fazer
dirigir seus estudos e pesquisas às novas realidades marcadas por
condições sociais de níveis e ritmos superiores das existentes
anteriormente. Contradições, certamente, entrelaçadas com a dinâmica
existente no país, especialmente no Sul e Sudeste com a retomada
das lutas operárias no ABC paulista, no final da década de 70.
Constituindo-se, portanto, em reflexões inteiramente consubstanciadas
com a realidade local e nacional.

Nesse contexto é que se incide o maior número de


estudos ancorados em outras matrizes do conhecimento social.
Portanto, de interpretações que se contrapunham, em seus
fundamentos teóricos, aos discursos e interpretações
desenvolvimentistas, contidos nos discursos dos intelectuais que
consideram a ZFM, como modelo compatível de desenvolvimento
regional.

Para uma instituição do porte da Universidade do


Amazonas a quantidade desses estudos pode ser considerada
relativamente reduzida. Mas, para os limites estritos deste trabalho,
compõe um quadro amplo de reflexões envolvendo o tema Zona
Franca de Manaus, no período acima descrito. Formulações que
procuram desvendar as diversas faces protagonizadas pela
industrialização, via ZFM. Em função disso, se impõe o recurso
metodológico de delimitação, por ser impossível envolvê-los, em sua
totalidade, no presente trabalho dissertativo e, por nem todos os
estudos estarem centralmente ligados aos objetivos específicos desta
pesquisa. Assim, priorizou-se aquelas formulações que destacam, de
forma mais incisiva, as categorias: Estado e Desenvolvimento
75

Regional. Tratam-se de interpretações recorrentes, como referências,


em outros trabalhos. São eles: 1) “O milagre dos manauaras – Zona
Franca de Manaus (uma análise do processo de industrialização
implantada em Manaus e da Universidade do Amazonas como
formadora de mão-de-obra especializada”, de Nice Ypiranga Benevides
de Araújo; 2) “Como se produzem as zonas francas”, de Ernesto Renan
Mello de Freitas Pinto; e, por fim, 3) “Avaliação da Zona Franca de
Manaus”, um trabalho coletivo, coordenado por Adolpho Wanderley
Anciães, bastante requisitado em várias pesquisas referentes ao tema.
Esses estudos têm em comum a ruptura que estabelecem com a
interpretação anteriormente apresentada, e realizam essa ruptura,
inclusive, pela maneira com que se colocam diante do modelo de
desenvolvimento vigente. Em vez de tratá-lo, essencialmente nos
marcos da região ou da Nação, transcendem para uma análise no
contexto do processo de desenvolvimento capitalista, como ilustram as
asserções seguintes:

A questão central neste trabalho é: Zona Franca


de Manaus é produto de um processo de
acumulação de capital que se deu no mundo
capitalista como um todo e da homogeneização do
espaço econômico do sistema capitalista no Brasil.
Há então que inseri-la na problemática de
internacionalização do capital e estudá-lo sob a
ótica da divisão no Brasil. (Araújo, 1985, p. 05).

... o caso da ZFM, longe de ser entendido apenas


em termos de seu relacionamento com o resto do
país, deve sê-lo a partir de seu relacionamento
com o capital externo à região como um todo. (...)
entender o caso da ZFM não apenas como sendo
a inserção da área na economia nacional, mas sim
76

a partir de sua inserção na economia capitalista.


(Anciães et al., 1980, p. 07).

[A ZFM]... se realiza a partir de uma nova


estratégia do sistema capitalista a nível mundial. É
a necessidade do próprio capitalismo ao procurar
sempre novas formas de ampliar a margem de
lucro da cada unidade de produção em particular,
e do conjunto de produção em geral, que faz com
que se desenvolva uma nova divisão internacional
do trabalho. (Freitas Pinto, 1987, p. 20).

Essa mudança de atitude intelectual diante do objeto


remete o debate a uma outra ordem de considerações que, além de
romper com a aura ideológica que paira em torno do modelo, como
sendo uma invenção das ideologias da burguesia nacional e local,
remete para o campo da lógica e da natureza do desenvolvimento
capitalista e suas formas de expansão. Trata-se de interpretá-la, não
como algo singular, particular, mas que se faz existir segundo as
condições de desenvolvimento do capitalismo em escala mundial e
como se intercambia com o nacional e o local.

No âmbito do capitalismo mundial, estava em curso uma


nova divisão internacional do trabalho, conjugada pelas transformações
que estavam se operando nos contextos internacional, com as
empresas estrangeiras assumindo feições novas e formas diversas de
acumulação de capital, transferindo partes de seus processos
produtivos para países periféricos e, nacional, em ritmo acelerado de
industrialização, mas com suas empresas cada vez mais dependentes
do controle de externo.

Esse quadro indica que o país havia chegado


irremediavelmente à industrialização e rompido com a clássica divisão
77

internacional do trabalho, ou seja: países periféricos - produtores de


bens primários, e países centrais, produtores de manufaturados. Essa
nova inserção do país, porém, estava baseada cada vez mais na
dependência ao capital estrangeiro. Nesse sentido, o Plano de Metas
de Juscelino Kubitscheck, na segunda metade da década de
cinqüenta, constitui o prenúncio do que estava por vir sob outras
condições do poder político - ditadura militar. Esse é o marco
fundamental, sob o qual se insere a Zona Franca de Manaus,
apresentado por esses estudos.

É possível dizer que, ao enveredar por essa abordagem,


desloca-se o centro da discussão da tese de desequilíbrio regional
para o de desenvolvimento desigual e combinado34. Procura-se
perceber como o país e as suas diferentes regiões se inserem na
divisão internacional do trabalho sobre a base do mercado capitalista.
Porém, uma participação peculiar e em grau diferente na expressão e
expansão do capitalismo, o que, em certo sentido, explica a
incorporação tardia do Nordeste e, posteriormente, do Norte do país à
expansão capitalista na fase mais desenvolvida da industrialização.

Então, não se está mais discutindo o desequilíbrio, mas


se explicando que a Amazônia participou do capitalismo em condições
diferentes e permanecerá, com a ZFM, participando de forma diversa
do restante do país, em função das suas condições materiais de
desenvolvimento de suas forças produtivas35, ou seja, enquanto o Sul e
o Sudeste haviam se industrializado a partir de três condições: 1.
subsidiado pela cafeicultura; 2. utilizando as próprias poupanças; e, 3.

34 “Enquanto cada nação entrou na divisão internacional do trabalho sobre a base do mercado
mundial capitalista, cada uma participou de forma peculiar em grau diferente na expressão e expansão
do capitalismo, jogou diferente papel nas distintas etapas de seu desenvolvimento. Ver NOVACK,
George. A Lei do Desenvolvimento Desigual e Combinado, 1988, p. 34.
35 “...forças produtivas compreende (...) fenômenos históricos como o desenvolvimento da
maquinaria e outras modificações do PROCESSO DE TRABALHO, a descoberta de novas fontes de
energia e a educação do proletariado.”Ver Tom Bottomore. Dicionário do Pensamento Marxista, São
Paulo: Zahar, 1988, p.157.
78

através de capital estrangeiro36, a Amazônia, no marco da nova divisão


internacional do trabalho, permanecia em uma economia extrativista
mercantil. Dessa forma, para ser elevada ao patamar da
industrialização, isso só seria possível por um arranjo artificial –
estímulo do Estado e investimento do capital estrangeiro, em
condições especiais de incentivos fiscais. Aliás, aqui os intelectuais
apontam transformações relativas às bases materiais das industrias
dos centros mais dinâmicos do capitalismo, que possibilitaram a
realocação de parte do processo produtivo de suas empresas para
uma região como a Amazônia Ocidental:

O desenvolvimento de uma tecnologia que permita


à produção industrial uma menor dependência em
relação à distancia, isto é, centrada basicamente
de transportes e técnicas de comunicação; e a
decomposição de um processo produtivo
complexo em unidades independentes e
elementares, de tal modo que a força de trabalho
não especializada possa realizar tarefas e
operações que de outra maneira seriam
complexas (Anciães et al., 1980, p. 11-12)

Um aspecto característico das empresas


multinacionais é que suas subsidiárias operam
sob uma estratégia e um controle global comum. A
matriz é seu cérebro, daí ser a definidora de
estratégia a ser que decide a localização de novos
investimentos, alocando mercados de exportação
e programas de pesquisa às várias subsidiárias,
além de determinar os vários preços a serem
cobrados em transações entre filiais. As
subsidiárias não são dirigidas com empresas

36 Ver IANNI, Octavio. Estado e capitalismo. 2a. ed. São Paulo, 19...p. 31.
79

separadas, mas como parte integrante e


enquadrada no plano geral do grupo (Araújo,
1985, p. 19).

Pode-se dizer que essas condições materiais estavam


presentes no contexto da nova Divisão Internacional do Trabalho e
constituíam o móvel de sua expansão para os diversos países, aliada à
existência de forte concorrência internacional e de condições políticas
favoráveis nos países a que se destinam, no sentido de encontrar uma
mão-de-obra dócil e de baixo custo. “Os dados referentes a essas
próprias empresas, entretanto, apontam que, na realidade, a questão
de barateamento de produção via baixa remuneração do trabalhador é
um fato” (Freitas Pinto, 1987; p. 23).

Essa reflexão põe no plano de análise um outro


elemento minimizado e obscurecido na interpretação dos que
defendem a ZFM: a relação fundamental entre capital e trabalho. E, na
medida em que o capitalismo se orienta pelo lucro há uma necessidade
própria, inerente a sua lógica de funcionamento, em valorizar o capital
em detrimento do trabalho, controlando-o, subjugando-o submetendo-o
a baixo custo. Assim, ao não valorizar essa contradição básica do
capitalismo, a abordagem anterior não permite perceber que o
capitalismo para garantir o seu lucro precisa intervir permanentemente
no processo de trabalho. Dessa forma, a presença das multinacionais
nos países ditos periféricos e, na Amazônia Ocidental, se explica pela
necessidade que o capitalismo tem em transferir parte do seu processo
de trabalho, mediante uma perspectiva de baixos custos, (num
contexto em que há um nível de desenvolvimentos nos transportes e
comunicação) capaz de beneficiá-los em sua taxa de lucro (cf. Anciães
et al., 1980, p. 13).
80

São indústrias cujo processo de produção pode


ser desmembrado em várias fases nas quais a
montagem é realizada por uma mão-de-obra não e
semi-qualificada.
São indústrias intensivas em importações de
partes e componentes cujos produtos são
basicamente destinados a um mercado externo à
região.
São indústrias que produzem um tipo de produto
de características particulares, e para o qual a
relação preço do produto é de tal ordem que os
ganhos advindos da utilização de uma mão-de-
obra mais barata e do recebimento de favores e
benefícios por parte dos governos locais
sobrepujam o aumento dos custos resultante de
transporte de componentes e peças do centro
produtos para a respectiva ZLP e do transporte
dos produtos acabados deste para o centro
consumidor (Anciães et al., 1980, p. 21).

As características abordadas se apresentam nos outros


estudos aqui considerados, os quais as têm como ossatura essencial
das zonas francas existentes em outros países e que se repete, com
algumas peculiaridades, na existente em Manaus. Uma outra face
desse tipo de industrialização, congruente com sua forma de
organização do processo de trabalho é a concentração e controle da
tecnologia:

...a tecnologia de produção moderna permite a


separação e alocação de operações a
trabalhadores não e semi-qualificados em várias
fases de produção. São precisamente naquelas
fases do processo produtivo que tanto podem ser
81

automatizadas, isto é, intensivas em capital quanto


realizadas manualmente, isto é, intensivas em
mão-de-obra, e para as quais são alocados
trabalhadores não especializados, desde que tanto
a automação quanto o emprego de uma força de
trabalho não especializada requerem a divisão do
processo de trabalho nas duas partes elementares
(Anciães et al., 1980; p. 25].

Essas características revelam, para os estudos em


questão, o caráter de enclave da indústria implantada, uma vez que
não necessita, para existir, e com exceção da força de trabalho e
serviços, das forças produtivas da região, tornando-se, nesse sentido,
estranho à região, mantendo uma frágil relação com a economia local e
voltada fundamentalmente a um mercado externo.

...trata-se de deslocar os esquemas de reprodução


próprios da economia amazônica – extrativismo –
por outro que tem sua matriz noutro contexto de
acumulação: o planejamento é pois, essa forma de
transformação dos pressupostos de produção,
essa passagem da mais-valia captada pelo Estado
como imposto, e sua conversão em capital
entregue a grandes grupos multinacionais que se
instalam na Amazônia ocidental, via Zona Franca
de Manaus (Araújo, 1985, p. 173).

...a produção é integrada na respectiva economia


da região apenas através da utilização de certos
insumos industriais, serviços e força de trabalho.
Em tudo o mais esse tipo de produção é desligado
da economia local e integrado verticalmente no
mercado mundial dentro da estrutura da grande
82

empresa capitalista nacional e internacional. O que


é produzido não é determinado nem pela
respectiva estrutura das necessidades domésticas
e nem pela estrutura local da capacidade e
potencialidade industrial (Anciães et al., 1980,
p.27)

Na produção parcial, as fábricas situadas nos


distritos industriais estão integradas de forma
vertical a uma organização empresarial
transnacional e sua função é terminar ou montar
produtos semi-elaborados ou mercadorias
acabadas (Freitas Pinto, 1987, p. 28).

Dessas características gerais apontadas, pode-se


depreender as condições em que se processaram as possibilidades de
desenvolvimento para a região, pois ao estar vinculadas
fundamentalmente ao mercado externo, não há laços que possam
contribuir com um processo de industrialização que ultrapasse as
fabricações parciais, que permita desenvolver tecnologia, que possa
incrementar o desenvolvimento de outras estruturas de produção e que
atenda às necessidades básicas da massa da população. Isto ocorre
mesmo que se pugne pelo índice de nacionalização através do
processo produtivo básico quando se exige o máximo de
nacionalização na montagem dos produtos, fazendo instalar-se na
região as fábricas de componentes. Além disso, essas empresas, por
não terem um vínculo mais forte com a região – insumos, matéria-
prima, etc – podem em qualquer época migrar para outras regiões
deixando o rastro do vazio, conforme mencionam os intelectuais em
questão.
83

Pelas perspectivas desses intelectuais, parecem ficar


claros os limites do desenvolvimento regional que se apresenta com o
modelo de zonas francas. Na verdade, o desenvolvimento revela-se
como pretexto para que se possa instalar mecanismos da expansão
capitalista, baseado em tipos de indústrias que possibilitam seu
deslocamento com certa facilidade para outras regiões.

2.3 ZFM: Desenvolvimento Para Quem?

Todos os defensores incondicionais da ZFM apresentam


o inquestionável crescimento urbano e industrial e a ampliação de
serviços, dinamização do comércio e outras mudanças que ocorreram,
para justificar esse empreendimento. Quando falam de restrições
sempre o fazem considerando possíveis distorções que podem ser
equacionadas com algum tipo de orientação político-administrativa,
como o caso da concentração unicamente em Manaus e o
esvaziamento do interior37.

Embora haja um reconhecimento explicito dessas


transformações, por parte dos intelectuais ligados a vertente crítica, há
também uma insistência em aprofundar mais o conteúdo dessas
transformações.

Assim, ao situar o plano da análise sob a base do


desenvolvimento capitalista, o ponto de vista critico traz para o debate
o fato de que Zona Franca de Manaus segue basicamente os mesmos
passos de suas congêneres existentes em outros países, quanto ao
tipo de industrialização e quanto as suas implicações sociais, diferindo

37 Ver BATISTA, Djalma. O Complexo da Amazônia (uma análise do processo de desenvolvimento),


Rio de Janeiro: Conquista, 1976, p. 270.
84

apenas por algumas nuances existente, por ocasião de sua


implantação e pelo caráter de suas exportações.

As peculiaridades, acima referidas, consistem


basicamente no fato de Manaus ter que reverter a ausência quase total
de infra-estrutura para viabilizar esse tipo de indústria, condição que
ficou a cargo de Estado, que disponibilizou vultosos investimentos
públicos para atender essa necessidade básica; e também no fato de a
Zona Franca de Manaus ter sua existência, fundamentalmente, em
função do mercado nacional sediado em outras regiões. Aqui é
importante recordar o processo de internacionalização bastante
adiantado da economia brasileira, o que implica em dizer que as
exportações da ZFM são destinadas também para essas empresas
estrangeiras sediadas no Sul e Sudeste, as quais vão se beneficiar dos
incentivos existentes38. Essa situação é escamoteada pela
interpretação anterior em função da própria estrutura de análise.

ZFM assume a peculiaridade de existir


fundamentalmente em função do mercado nacional
sediado em outras regiões e não apenas pelo
capital internacional, mas também pelo capital
nacional extra-regional. Contudo, a dinâmica do
processo de exploração permanece a mesma em
ambos os casos (CNPq. CAT, 1989, p. 45)

Mas, também incorporará, a exemplo de outras, a


mesma fase de industrialização em que não há um vínculo concreto
com a região. Na verdade, por essa perspectiva, a industrialização,
constitui-se em um artifício, sustentado pelo Estado, que por sua vez
favorece através de incentivos e créditos fiscais às empresas privadas

38 Ver Araújo: 1985, p. 188; Freitas Pinto: 1987, p. 32;


85

(nacional e estrangeira), com o fim de alçar a região ao patamar de


industrialização.

Em contrapartida, o desenvolvimento regional se revela


uma ficção, uma vez que a região é colocada em segundo plano
quanto ao desenvolvimento de suas forças produtivas, mediante o
favorecimento prioritário, por parte do Estado, às indústrias
estrangeiras que apenas transferem as fases finais de produção para a
região, como forma de utilizar a sua força de trabalho a custos baixos.
Indústrias que em função do próprio processo produtivo acabam
facilitando apenas a sua fase de montagem, onde as peças e
componentes são transportados facilmente39.

O exemplo prático de que esse tipo de modelo está


dissociado da economia local é o crescimento vertiginoso dos setores
ligados às empresas de capital-intensivo, em detrimento dos negócios
e iniciativas próprios da região, o que pode ser constatado com o
exame feito na diversificação das importações e exportações quando
Benevides aponta o desempenho das indústrias desses capitais e o
crescimento dos setores extrativistas40 ou quando se verifica o
crescimento de um setor do tipo de empresa mencionada a seguir:

Em Manaus, 1973, a indústria de material elétrico


e comunicações representava mais de 20% do
capital investido e de pessoal empregado, sendo
que em 1970 era praticamente inexistente na área
(CEAG, 1973 e IBGE, 1970). Considerando os
projetos aprovados pela SUFRAMA até junho de
1979, vê-se que acima de 30% da mão-de-obra e
30% de investimento pertencem a essa indústria.

39 Ver CNPq, Cat. Avaliação da Zona Franca de Manaus: Subsídios para uma política tecnológica.
Doc. No. 85/1989. P. 46
40 Ver Araújo: Op. Cit. p. 219.
86

Destacam-se também as indústrias diversas


(brinquedos, cristais, jóias, etc.) o setor madeireiro
e a indústria têxtil (Anciães et al., 1980, p. 46).

O exemplo mencionado permite perceber a tendência de


favorecimento a esse tipo de indústria de capital intensivo, que não
necessita utilizar as forças produtivas (com exceção da força de
trabalho) em detrimento de outras iniciativas, à medida que demonstra
uma concentração de investimentos a seu favor. Isso reforça a idéia de
enclave e, conseqüentemente, de impossibilidade de se obter
verdadeiramente o desenvolvimento da região, a não ser de forma
fictícia.

Um outro fator que está presente nessas análises é a


desmistificação em relação à transferência de tecnologia, que não
pode existir na medida em que o controle do processo produtivo e da
tecnologia permanece nos centros de origem, o que impede a criação e
o controle de uma tecnologia regional-nacional41 .

O que se processa em nosso caso é a implantação


de um modelo industrial cuja conseqüência é, na
realidade, a de fazer estancar uma produção
tecnológica via universidade a medida em que a
instituição universitária fica condicionada a
produzir mão-de-obra com as características que
são determinadas pelo mercado de trabalho
vigente (Freitas Pinto, 1987, p. 28).

Dessa forma, pela abordagem crítica, não há


possibilidade de se atingir os objetivos que foram traçados, por ocasião

41 Ver ANCIÀES, Adopho Wanderley et al. Avaliação da Zona Franca de Msnaus, Brasilia:
CNPq/CAT/NAEA, 1980, p. 46
87

da implantação da Zona Franca de Manaus, considerando que em


função das características do tipo de indústria que se desloca para
essa região tende a se concentrar prioritariamente na capital, uma vez
que não tem vínculo, para além da força de trabalho. Em função disso
a absorção de tecnologia, que é defendida pelos intelectuais favoráveis
ao modelo, só pode existir enquanto formação de nível de
gerenciamento técnico, pois a produção de conhecimento e o controle
dos processos de trabalho permaneceram nas matrizes dos
respectivos países dessas indústrias. Há aqui uma exigência maior no
que se considera absorver tecnologia. Não se prende à simples
transferência de técnicas de produção, mas produzir conhecimento
condizente com as condições e necessidades próprias de uma
determinada localidade.

Uma outra face desse processo apontado nesses


estudos está relacionada aos estímulos propiciados pelo Estado que,
em certo sentido, avaliando como se dispõem os mecanismos fiscais,
percebe-se que acabam por reforçar o modelo de industrialização
vigente. Assim, quando se analisa o imposto sobre importação, que é
isento na ZFM, têm-se:

Essa isenção, no entanto, se refere apenas aos


produtos acabados e a concessão de isenção para
uma empresa localizada na região sudeste não
representariam estímulos para que ela utilizasse
componentes ou produtos intermediários
provenientes da Zona Franca de Manaus, pois teria
que recolher o IPI sobre o valor total desses
componentes ou produtos (Araújo, 1985, p. 194).
88

Ao avaliar esse mecanismo, Araújo (1985) conclui que,


na prática, se está inviabilizando as possibilidades de verticalização da
produção na região, ou seja, está-se estimulando aquelas empresas
estrangeiras, que transferem apenas sua fase final de produção, para
se beneficiar do incentivo.

...as mercadorias estrangeiras destinadas à Zona


Franca de Manaus, quando utilizadas como
produtos intermediários no processo de
industrialização ou reexportação, estão isentas do
imposto de importação (Araújo, 1985, p. 194).

É importante, no entanto, ressaltar que esses


mecanismos são passíveis de ajuste e que no curso do
desenvolvimento da Zona Franca de Manaus procurou-se formas de se
obter o máximo de nacionalização, o que não muda substancialmente
a questão de fundo.

Além desse exemplo, seguem-se outros como o Imposto


sobre Produtos Industrializados e o ICMS, os quais se orientam pela
mesma lógica. Reforçando, segundo esse ponto de vista, a idéia de
enclave do processo de industrialização, isto é, uma espécie de
embute colocado sobre a economia local, dando uma impressão de
desenvolvimento.

Por essa ótica, a acumulação de capital não constitui


apenas um movimento econômico, mas compreende também as
relações sociais e, portanto, a forma como o Estado desempenha suas
funções. Nesse caso, a ZFM, está inteiramente a serviço do capital em
sua fase monopolista, ou seja, de grande conglomerados que se
89

reproduzem nas diversas regiões. Assim, desmistifica-se o


entendimento de um padrão planejado neutro.

Por outro lado, simultaneamente ao processo de


industrialização e seu efeitos correlatos, como a modificação na infra-
estrutura, concentração populacional, uma outra dinâmica comercial,
se agudizam as contradições e os conflitos que são vistos como
inerentes ao próprio sistema, o que é bem diferente de encará-los
como distorções que podem ser revertidas com medidas institucionais.

Conclui-se aqui, portanto, a existência de duas


formulações coerentemente estruturadas segundo suas matrizes
teóricas, que discutem o desenvolvimento regional via Zona Franca de
Manaus e, mais que isso, constituem-se em referências importantes
para os desdobramentos de ordem prático-politica e de planejamento.

Em que pese a importância dessas interpretações, faz-


se necessário sublinhar os seus desdobramentos político-ideológicos,
especialmente em relação à primeira formulação política, considerando
sua reprodução enquanto projeto de interesse comum de toda
sociedade local, dissimulando os distintos interesses existentes nas
relações sociais e legitimando o modelo de desenvolvimento imposto.
90

CAPÍTULO III

ZFM: O Consenso aparente

É importante fazer algumas considerações gerais em


relação às representações e conteúdos ideológicos, antes de abordar
diretamente o tema em questão, tendo em vista o contexto de sua
configuração, quando o Estado brasileiro adquiriu fortemente o
monopólio do discurso técnico, neutro e eficiente, por meios
repressivos e ideológicos, período em que a ideologia de integração
nacional e a doutrina de segurança nacional serviram de legitimação
para a ação do Estado, principalmente do aprofundamento da
interdependência econômica do país.

O fato é que o Estado, no período militar, se revestiu de


uma autoridade capaz de dissimular os interesses bem definidos dos
grandes grupos econômicos internacionais como sendo de interesse
nacional e, portanto, de toda a sociedade.

Para desenvolver este estudo é importante situar,


minimamente, a importância do período descrito, na elevação do
discurso dos intelectuais locais, vinculados as classes dominantes, à
condição de representativa do interesse de toda sociedade.

Trata-se, na verdade, de compreender como um projeto


de uma classe social passa a se apresentar como sendo de interesse
unitário de uma determinada sociedade. No caso especifico da Zona
Franca de Manaus, a questão posta insere-se nessa discussão à
medida que a ZFM constitui uma forma de acumulação capitalista e,
portanto, de interesse não apenas do capital estrangeiro, mas também
das classes dominantes locais que aspiravam sair da crise que
91

estavam envolvidas, decorrentes da estagnação do comércio


extrativista da borracha. Nesse sentido, o projeto Zona Franca
delineia-se como uma aspiração clara das classes sociais dominantes,
disfarçada por uma aura de universalidade – de toda sociedade local.

Partindo desse entendimento, pode-se refletir a


necessidade que as classes dominantes têm de apresentar seus
projetos econômicos como sendo de interesses de toda sociedade,
obscurecendo as divisões, os interesses distintos, e apagando os
perfis de classe existentes.

... o autoritarismo das elites se manifesta na


necessidade de dissimular a divisão, vindo abater-se
contra a cultura do povo para anulá-la, absorvendo-a
numa universalidade abstrata, sempre necessária à
dominação em uma sociedade fundada na luta de
classes. (Chauí, 1990, p. 40).

Em que pese a abrangência dessa reflexão, pode-se


utilizá-la nesta problematização no sentido de perceber que o
consenso só pode existir como um disfarce, uma simulação, uma
representação distorcida das condições concretas das relações
sociais. E, a construção desse “consenso”, na esfera política, envolve
o poder de Estado e a noção que se tem de seu papel, como uma
instituição que paira sobre os diferentes interesses, como síntese
última das contradições, portanto, portador de legitimidade em nome
de toda a sociedade.

É interessante ressaltar aqui essa prerrogativa do


Estado enquanto detentor da síntese dos distintos interesses da
sociedade, uma vez que se pretende discutir um assunto em que o
papel do Estado foi fundamental. Então, a questão se desdobra no
seguinte problema: como se combinaram a exacerbação do papel
92

Estado com as perspectivas sociais existentes na realidade local, a


ponto de conformar uma atmosfera de “consenso”, por ocasião da
implantação da ZFM, transformando-a como se fosse o projeto de
interesse comum e unitário? Quais os conteúdos ideológicos que
serviram e foram eficazes no sentido de alijar o ponto de vista crítico?
São problemas que merecem uma reflexão.

O esclarecimento dessas questões, no entanto, não


está apenas em perceber formação de um estado de espírito favorável
à implantação da ZFM. A questão está exatamente como isso se
tornou possível, ou melhor, como se construiu essa possibilidade,
como se deu esse encontro múltiplo de condições: os discursos dos
intelectuais mediante a crise do extrativismo; o processo de
industrialização do país; a ideologia da integração nacional e do
desenvolvimento regional. Como esses elementos se
metamorfosearam para apresentarem-se como um projeto comum em
detrimento dos distintos interesses de classes.

3.1 Precedentes da Relação da Cidade com o Capital Estrangeiro

Parece difícil avaliar os impactos que as transformações


originadas com a ZFM causaram nas condições materiais e na
mentalidade dos membros da sociedade local. Mas, ao menos se pode
inferir que a região, e mesmo Manaus, já tem precedentes históricos
de interferências externas bastante consideráveis na sua configuração
social e mesmo física, na própria edificação da cidade:
No caso amazônico, a promoção de
desenvolvimento iniciou-se pela participação ativa
e pioneira do capitalismo estrangeiro e de iniciativa
extra-amazônicas. (...) Assim, a formação dos
serviços básicos de transportes e navegação,
armazéns e portos, força e luz, foi obra do capital
93

inglês: Port of Pará, Pará Eletric....., Amazon River


Steuau Ship Cº, Manaus Harbour Ltd., Manaus
Tramwaya Cº Ltda., Manaus Improvement e outras
companhias inglesas possibilitaram a arrancada
inicial, no principio deste século pela construção de
uma infra-estrutura que servisse de apoio à
movimentação econômica das riquezas regionais
(Benchimol, 1957, p. 43).

Pode-se perceber, portanto, a participação efetiva do


capital estrangeiro na constituição da cidade, no período da borracha,
envolvendo-a numa atmosfera de desenvolvimento e modernidade, a
ponto de ser alçada ao status de “Paris das Selvas”, por uma elite que
havia se encantado com os ventos civilizatórios provenientes da
Europa. Essa influência atingiu a própria sociabilidade referente a
hábitos e padrões de comportamento. Sob esse ponto de vista pode-
se falar de uma cidade que se gestou sob a influência externa -
internacional. Entretanto, esse processo não está unicamente
circunscrito à cidade, mas penetra profundamente nos seringais em
forma de uma cadeia mercantil, envolvendo o simples seringueiro, o
patrão, o aviador, as firmas exportadoras em gradações distintas até
chegar ao mercado mundial:
Aviar na Amazônia, significa fornecer mercadorias e
crédito. O ‘aviador’ de nível mais baixo fornecia ao
extrator, eventualmente pequena quantidade de
dinheiro e, em pagamento, recebia a produção
extrativa. (...). Esse aviador, por seu turno, era
aviado por outro (...). No cume da cadeia, estavam
as firmas exportadoras, principais beneficiárias do
regime de concentração de renda.
Essas firmas exportadoras tinham sua sede
principal no Pará e sucursais em Manaus e com os
mesmos ou diferentes nomes, monopolizavam o
comércio de exportação da borracha.
A borracha dependia exclusivamente do mercado
externo, pois inexistia, internamente, um parque
industrial capaz de absorver o produto. (...) a
produção da borracha [constituía] uma atividade
econômica desenraizada e, portanto, separada dos
interesses mais imediatos da produção local, tendo
94

todas as suas fases de industrialização


processadas no exterior. ( Araújo, 1985, p. 97)

Há que se perguntar até que ponto a ausência dessa


atmosfera, constituída com a crise da borracha, não havia se
entranhado às vontades e razões dessas elites ávidas por reviver as
condições e status que haviam perdido? Parece bastante razoável que
essas aspirações estivessem metamorfoseadas em vontades
coletivas, sob duas expressões: desenvolvimento regional e integração
nacional, conforme aponta Marilene Corrêa da Silva:

No plano mais racional, duas expressões “mágicas”


afastavam qualquer preocupação: ‘desenvolvimento
regional’ e ‘integração nacional’. Estas não eram
apenas fragmentos da justificação da ação militar na
Amazônia, eram vontades coletivas de grupos e de
classes que atravessavam gerações desde a débâcle
da borracha. Parte do entusiasmo a implantação da
Zona Franca de Manaus podia estar resumida nesta
esperança comum (Silva, 2000, p.36).

Dessa maneira, ajustavam-se vontades coletivas com


uma das formas criativas inventadas pelo capitalismo no seu processo
de expansão e acumulação – da qual a ZFM faz parte. E, como todo
processo de acumulação envolve não apenas o processo econômico,
mas compreende também as relações sociais nas quais o Estado
pode assumir funções distintas, inclusive para intervir nas contradições
próprias dessas relações, pode-se pensar na construção da ideologia
de legitimação e formação de um estado de espírito favorável à nova
possibilidade de desenvolvimento.

O fato é que a criação da ZFM foi envolvida, pelo


menos na região, em uma cápsula de um aparente consenso que além
das questões relacionadas anteriormente, ou seja, de uma burguesia
95

local propensa a sua aceitação, envolve outras razões de igual


importância que se desenhou a partir das condições históricas de
industrialização da sociedade brasileira.

Portanto, pode-se dizer que essa atmosfera


“consensual” estava articulada, por um lado, com os processos
econômicos e políticos brasileiros e, por outro lado, com expectativas
locais internas, como produto das condições em que a região se
encontrava, em relação ao núcleo dinâmico da economia nacional.

Nesse sentido, a produção do “consenso” não é obra


de um artifício sobrenatural, mas guarda relação com as condições
concretas nas quais estavam se revestindo o Estado no contexto de
sua industrialização, conforme é explicitado por Ianni (1996) ao
abordar os efeitos extra-econômicos envolvidos na industrialização,
especialmente a partir de Juscelino Kubitscheck, quando sugere que o
mesmo estava exprimindo e conduzindo a reformulação da
autoconsciência de extensos segmentos das classes sociais
urbanas.42

Trata-se de uma mudança de consciência que envolvia


todo o país sob o anseio de acompanhar esse processo de longo
alcance, conduzido pela perspectiva de industrialização. Efeitos que
podem ser mais bem evidenciados, segundo Ianni, com a:

...construção e pavimentação das rodovias


exerciam um efeito ‘mágico’ na mente de uma
certa parte dos habitantes das pequenas e médias
cidades, onde não eram visíveis os investimentos
industriais. E a construção da Rodovia Belém-
Brasília representou uma demonstração ‘física’ de
capacidade de realização do governo e das
possibilidades do povo brasileiro. (Ianni, 1996, p.
165).

42 Ver IANNI, Octávio. Estado e Planejamento no Brasil, 1996, p. 165.


96

Reconhecidamente, a construção dessas estradas,


especificamente a de Belém-Brasília, vai se tornar referência da
expansão do capitalismo na Amazônia e no âmbito local, os
intelectuais, independentemente de suas opções teóricas vão entender
dessa maneira. Mas o que é importante reter aqui é o efeito ideológico
contido nessa investida, ou seja, de enxergá-la como um processo de
integração da região à nação, o que despertará importantes
manifestações não apenas de aprovação, mas de se avançar nessa
direção.

O outro lado dessa questão e que está implícita na


citação feita é a autoridade com que o Estado se investe, no sentido
de se apresentar como depositário da defesa dos interesses de toda a
sociedade. O Estado passa então a exercer, nesse novo contexto,
papel fundamental no processo de desenvolvimento, especialmente
sob a prerrogativa de desobstruir os possíveis obstáculos para a
expansão capitalista, através da ascensão de capitais, sob o manto de
interesse geral de toda a sociedade.

Porém, essa nova forma de intervenção estatal iria


ganhar contornos mais bem definidos sob uma outra configuração do
poder político – a ditadura militar - contexto em que se deu a
reativação da Zona Franca de Manaus. Então, o que importa aqui,
para melhor captar a convergência de fatores que possibilitou a
construção de um consenso aparente em torno da ZFM, é o discurso
da neutralidade do Estado perante os conflitos e a sua eficiência
teórica para resolver os problemas do país.

A revolução de 1964, sob o presidente Castelo


Branco, avançou mais nesse terreno por um
compromissamento total com a idéia de
planejamento como método de racionalizar a ação
governamental e estabelecer um razoável grau de
coerência e continuidade administrativa (Simonsen
e Campos, 1974, p. 49).
97

Nada melhor que os ideólogos do governo militar, no


campo da economia, para expressar o perfil de mentalidade com que o
Estado iria se apresentar diante do país. Aparece, portanto, associado
à idéia de planejamento neutro, de racionalização das ações do
governo e de competência administrativa. Além de difundir a crença de
que, com os militares, estava se construindo uma certa imunização às
interferências ideológicas presente nos governos anteriores.

É importante salientar que esse perfil estava em perfeita


sintonia com as novas formas de se considerar a intervenção do
Estado na economia, após a Segunda Guerra Mundial e, por
conseguinte, com o que vinha sendo defendido pelo capital
estrangeiro. Essa noção de planejamento, então, constitui-se em
instrumento legítimo de sua expansão, ao mesmo tempo em que
camufla esses interesses sob a égide de um planejamento neutro,
desprovido de interesses de classes.

Nessa perspectiva é interessante a analise de Octavio


Ianni, quando se refere à peculiaridade que tem o Estado sob a
ideologia da modernização e da eficiência.
A ideologia da modernização, por seu lado,
conforme se efetiva depois de 1964, denota um
esforço destinado a refinar o status quo e a facilitar
o funcionamento dos processos de concentração e
centralização do capital (Ianni, 1988, p 151).
Revelam-se assim as injunções que propiciaram a
necessidade da ditadura, ou seja, por trás do discurso da neutralidade
estava o interesse do capital estrangeiro que já havia se fortalecido no
período anterior. Nesse caso, outros mecanismos coercitivos e
explícitos, atuam no sentido de anular forças sociais que pudessem se
contrapor a essa nova investida do capital internacional que tornava o
país mais dependente economicamente.
98

O fato é que com os militares o processo de expansão


do capitalismo se aprofundou e a Amazônia foi envolvida mais
profundamente, sob o discurso da integração nacional,
desenvolvimento regional e segurança nacional. Estavam montadas,
portanto, do ponto de vista do discurso as razões legitimadoras da
intervenção do Estado, via estímulos destinados a grupos privados
(nacional e estrangeiro). Integração nacional e desenvolvimento
regional são expressões chaves que vão compor de forma privilegiada
os mecanismos ideológicos que terão ecos nas análises dos
intelectuais locais ligados ao extrativismo e ao comércio. Portanto, são
expressões que vão sedimentar a formação de um espírito
inteiramente favorável a um desenvolvimento do tipo politicamente
orientado.

3.2 ZFM: uma Confluência de Interesses

Sob essas prerrogativas básicas é que se pode falar da


ZFM como expressão do “consenso”, uma vez que para os intelectuais
vinculados as classes dominantes esse projeto era o resultado do
esforço e dos anseios daqueles que estavam interessados em
desenvolver a região, especialmente a Amazônia Ocidental. Assim, a
despeito dos posicionamentos críticos, identificados por Marilene
Corrêa da Silva, provenientes de
...segmentos parasitários, tradicionalmente
dependentes dos recursos da SUDAM e
freqüentemente originários de empresas do centro-
sul do Brasil; segmentos protecionistas de
indústrias exportadas das metrópoles capitalistas e
abrigadas em lugares mais flexíveis às leis de
proteção à força de trabalho, em função de suas
condições precárias de operação técnica e
insalubridade; além de uma postura persecutória
nacionalista minoritária entre as decisões do
poder... (Silva, 2000, p.37)
99

Apesar dessas dissensões, os discursos dos


intelectuais locais projetaram-se com bastante eficiência, no âmbito
regional-local, dissimulando as diferenças de classes, redefinindo-as
no mesmo plano de interesse comum. Na verdade, essa dissimulação
dos distintos interesses de grupos ou classes sociais locais,
condicionados reciprocamente nas estruturas objetivas das relações
materiais de produção, transcende ao simples exercício mecânico de
convencimento ou de argumentos bem elaborados, contidos nos
discursos dos intelectuais vinculados aos setores dominantes. Tudo
isso representa um movimento importante na construção da
hegemonia e, no limite, significa que os setores dominantes locais, em
sua nova composição e arranjos, atingiram uma relativa
homogeneidade e um grau de autoconsciência e organização que
possibilitaram transpor, no plano ideológico, seus interesses imediatos
como sendo de toda sociedade, isto é, atingiram o momento em que
“... os próprios interesses corporativos, no seu desenvolvimento atual e
futuro, superam o circulo corporativo de um grupo meramente
econômico, e podem e devem tornar-se os interesses de grupos
subordinados”43.
Cumpre às elites, (..), esclarecer a todas as classes
sociais e conduzi-las para o desenvolvimento. Se
toda comunidade aspira ao desenvolvimento, ou o
aceita, resta às elites exercer o papel de descobrir
e obter os meios que desencadearão e nutrirão o
processo. Entre esses meios, além dos capitais,
importa incluir técnicas, atitudes, instituições
(Bittencourt, 1962, p. 36).

De acordo com o raciocínio em destaque a idéia de


desenvolvimento aparece como uma necessidade que estaria presa
ao desejo de todos. E, à medida que constitui uma aspiração de todos,

43 GRAMSCI apud CORRÊA, 1989, p. 55.


100

cabe às elites realizar tal aspiração, descobrindo os meios de sua


materialização.

O que está se configurando no plano ideológico, no


discurso acima referido, comporta o esboço do que haveria de se
exprimir, politicamente, nos grupos organicamente compostos pelos
comerciantes e extrativistas, por ocasião de suas opções de
desenvolvimento regional e que foi materializado na confluência com
os interesses do capital internacional, cabendo, portanto, às classes
populares seguir os seus passos, irremediavelmente.

Ainda assim, mesmo com a exclusão de amplos


setores populares das discussões e decisões, cabe a todos defender o
desenvolvimento, uma vez que o mesmo constitui uma aspiração
comum, inerente a toda sociedade local. No caso específico da Zona
Franca de Manaus, esse apelo se revestia de uma atmosfera bastante
peculiar haja vista a conjuntura política e a vontade coletiva que havia
se forjado no sentido de aproximar à região dos padrões de
industrialização do País. Nesse sentido, as expressões “integração
nacional e “desenvolvimento regional” revestem-se de um poder
argumentativo extremamente eficaz na diluição dos antagonismos de
classes, no plano político e ideológico.

Parece bastante razoável explicar a força desses


discursos, considerando a necessidade de reprodução material da
burguesia mercantil local, o processo de industrialização (que havia
despertado uma nova mentalidade) e um elevado grau de confiança
na capacidade de Estado. A convergência desses fatores, aliada às
aspirações locais, transformou-se em vontades coletivas, convergindo,
posteriormente, na aceitação de um novo surto de desenvolvimento.
Assim, a ZFM atendia as necessidades materiais e as aspirações
espirituais, as vontades e os anseios das elites locais, sob o
101

pressuposto do interesse unitário de toda a sociedade. Algo difícil de


imaginar quando se contrasta as formas concretas que assumem essa
realidade:

O monopólio da violência do Estado acoberta toda


espécie de violência privada; esta é a forma
concreta da proteção de fronteiras e do bloqueio à
vulnerabilidade. A apropriação de terras,
garimpagem, exploração da madeira, são os lados
“produtivos”da perversidade faustica do genocídio
indígena, da devastação florestal, da contaminação
dos recursos hídricos, da destruição dos modos de
vida dos ribeirinhos, dos indígenas, dos
castanheiros, dos seringueiros (Oliveira, 1977, p.
89).

Mas, ao mesmo tempo possível de se realizar dentro


de uma configuração política bastante peculiar, onde o Estado se
investia de maneira categórica da condição de neutralidade e
eficiência, refinando seu status, tornando-se relativamente fácil unir os
interesses dissimulados das elites e do capital para a formação de um
espírito favorável a sua implantação.

Assim, sob o amparo de um discurso de padrão


planejado neutro, desprovido de conflitos sociais se implantou a ZFM e
se pôs em prática uma das mais criativas formas de expansão do
capital, dissimulado como um projeto de interesse de todos, através
dos mecanismos de coerção explícita e dos mecanismos ideológicos
fortemente introduzidos na educação e na propaganda de massa.

Essa capacidade assumida pelo Estado, sob o governo


militar, aliada à dinâmica das relações sociais locais e a maneira como
a região vinha participando do processo mais amplo do
desenvolvimento capitalista, especialmente no período da borracha,
caracterizado pela dependência externa, constituem-se em
102

ingredientes suficientes para que houvesse uma assimilação


consciente das elites locais às políticas desenvolvidas pelos militares
na Amazônia, sob a síntese:

Talvez se possa dizer, em forma breve, que a


ditadura instalada no Brasil adotou principalmente
duas políticas na Amazônia. Uma de inspiração
geopolítica, destinada a refazer e reforçar os laços
da região com o conjunto do país, em especial do
centro-sul, econômica, política, militar e
culturalmente dominante. Outra de inspiração
econômica, destinada a reabrir a Amazônia ao
desenvolvimento extensivo do capitalismo (Ianni,
1981, p. 132).

Faz-se necessário retomar essa experiência da


sociedade local de “contribuição” do capital estrangeiro na formação
da cidade, que em certo sentido tem ressonância nas formulações e
discursos dos intelectuais, os quais se mostram cônscios das
necessidades de um impulso externo para retirar a Amazônia do
isolamento e do estado de estagnação que encontrava. Além disso, a
idéia de imensidão, de espaço vazio, revigora os argumentos de
intervenção e de ocupação, ao mesmo tempo em que reforça a tese
das várias amazônias e, portanto, de tratamento diferenciado.

Todos nós que temos significação no quadro de


pensamento da terra, sempre sonhamos e
desejamos uma concentração de atenções, por
parte do poder central, para que se
desencadeasse um movimento de tal ordem.
Arthur César Ferreira Reis, com sua
responsabilidade de estudioso e líder chamou tudo
isso de ‘impacto amazônico na civilização brasileira
(Batista, 1977, p. 25).

Todo esse esforço que o país vem fazendo para


dilatar e expandir a sua fronteira econômica e
humana em direção aos espaços vazios da
Amazônia perde, entretanto, eficiência e
103

rentabilidade, porque a estratégia desse modelo,


partindo de uma posição centralista de
planejamento se esvai.... (Benchimol, 1977, p.
619).

É interessante notar o peso dessas expressões no


contexto da sociedade local, uma vez que interfere profundamente nas
vontades estabelecidas. O anseio por reatar os laços com o resto do
país, de romper o isolamento e se elevar ao nível de desenvolvimento,
parece suficientemente forte para suscitar, aproximar e unir interesses
distintos em função de um objetivo maior.

As classes dominantes locais, ao concatenar essas


representações nos diversos momentos de desenvolvimento da Zona
Franca de Manaus, conquistaram uma homogeneidade política em
torno de seus grupos e frações capazes de continuar viabilizando “seu
projeto”.

No entanto, para a efetivação de sua dominação teve


que ativar as formas e os meios políticos de realização de sua
hegemonia, se municiar através de seus intelectuais no sentido não
apenas de analisar concretamente a correlação de forças políticas
como submeter, aliançar, convencer ou manter os setores de oposição
no limite de seus objetivos. Por outro lado, utilizam a situação da
região no quadro de referência nacional, como arma ideológica no
sentido de unificar todas as vontades mediante os possíveis perigos
ou retaliações externas.

A eficiência dessa dominação se esmera também pela


fragilidade das forças políticas oponentes que não conseguiram
desenvolver um processo de direção política capaz de aglutinar os
amplos setores populares.
104

Assim sendo, esse processo não se esgota com a


criação e desenvolvimento da ZFM, mas, ao contrário, ele permanece
se revigora conjunturalmente, sobretudo nos períodos em que se
configura uma crise. Nesse sentido, é importante salientar as
transformações em curso no capitalismo mundial e nacional que
apresentam problemas novos e bastante distintos daquele existente
quando da implantação da ZFM.
O contexto nacional e internacional vem mudando
desde meados da década de 80, ocasionando
igualmente, mudanças significativas nas variáveis
que influenciam o desempenho regional. Ao lado de
problemas conjunturais, que inibiram a ação do
Estado e os investimentos na região, está
ocorrendo uma mudança nas relações econômicas
e na forma de organização social, a qual vem
impactando decisivamente no processo de
desenvolvimento regional (Buarque, Lopes e Rosa,
1995, p. 116).

Esse novo contexto descrito, combina no país a


reestruturação produtiva da economia e das empresas brasileiras; a
redefinição do papel do Estado e dos seus mecanismos de
intervenção na economia; e, abertura externa e integração à economia
mundial. Portanto, uma combinação que põe em curso transformações
significativas no país e, conseqüentemente, repercute no modelo Zona
Franca de Manaus.

Os efeitos práticos dessas transformações podem ser


evidenciados em vários aspectos: a drástica redução do nível de
emprego, a conformação de um quadro de trabalhadores
precarizados, e até mesmo o redimensionamento das exportações dos
produtos, das empresas instaladas no Distrito Industrial, antes voltada
105

fundamentalmente para o mercado nacional. Tudo isso pode ser


evidenciado num aumento das exportações de 152% em fevereiro de
2000 em relação ao mesmo período do ano anterior. (A Crítica,
29/03/2000)

Por outro lado, o cenário de abertura econômica do


País, iniciado em 1991, e intensificado nos anos subseqüentes,
implicou num processo de otimização da produção das empresas do
distrito industrial, com vistas a se tornarem competitivas mediante a
produtos de outros centros que entram com uma relativa facilidade no
mercado nacional. Uma outra face desse processo é o acirramento
das disputas por parte dos governos pela atração de determinados
segmentos de produção, para seus respectivos estados. Situação esta
que ficou bastante explícita com a controvérsia em torno do pólo de
informática, quando o Governo local hipotecou todo seu prestígio e
esforços no sentido de resguardar os interesses da Zona Franca de
Manaus.

A importância de destacar essa controvérsia atende aos


propósitos deste trabalho, na medida em que repõe com muita clareza
a vigência do discurso que propiciou a formação de um espírito
favorável à implantação e desenvolvimento da Zona Franca de
Manaus. Isso fica mais evidente, quando o Governo do Estado propõe:

Um levante popular em defesa dos interesses da


Zona Franca de Manaus. A idéia foi discutida ontem
pela manhã, entre o Governador do Estado e
representante dos trabalhadores, empresários do
comércio, da indústria e serviços e associações...
(A Crítica 06/10/2000).

Em que pese o sentido metafórico e o componente


político com que se reveste essa questão, não se pode desprezar o
seu significado ideológico e sua eficácia perante a opinião da
população local. Por outro lado, demonstra a capacidade de
106

persuasão e controle que a classe dominante local detém sobre os


outros grupos ou frações de classes. E, no limite, evidencia a
hegemonia das formulações burguesas e a eficiência de seus
mecanismos de dominação tanto ideológica quanto política.

Portanto, continua vigente a construção de uma


unidade de interesses, sob uma universalidade abstrata regada pelos
intelectuais vinculados às classes dominantes e reproduzida pelos
mecanismos políticos organicamente constituídos.
107

CONCLUSÃO

Os objetivos propostos neste trabalho consistiram


em estudar, através da Zona Franca de Manaus, os discursos
intelectuais, especificamente nas categorias de Estado e
desenvolvimento regional.

Buscou-se inicialmente fazer uma


contextualização geral a partir do término da Segunda Guerra mundial,
indicando a emergência de alterações nas bases materiais das
industrias localizadas nos países centrais, a hegemonia norte-
americana e sua rivalização com o bloco soviético, sob a forma de
Guerra Fria.

Procurou-se articular esses processos a fim de


situar a participação dos países dependentes, inclusive o Brasil, nessa
nova ordem mundial. A partir desse balizamento geral buscou-se
perceber as faces democrática e autoritária que o Estado assumiu
neste processo.

Em relação a essas questões, percebeu-se que, a


partir da segunda metade da década de cinqüenta, acentuou-se
drasticamente a industrialização, com o Estado intervindo
decididamente na economia e propiciando a expansão e diversificação
da estrutura produtiva, mas também o aprofundamento da
dependência ao capital estrangeiro, através da chamada associação
de capitais.

Uma atuação que se deu sob um arranjo político,


no limite da democracia representativa, combinada ideologicamente
com o discurso nacionalista e uma prática econômica de
internacionalização da Economia.
108

Esse quadro teve seu desdobramento sob o


regime militar quando as tendências de internacionalização se
acentuaram e o Estado fortaleceu ainda mais sua capacidade de
intervenção a favor da expansão capitalista, sob o discurso da
interdependência, modernização e reversão de expectativas e da
doutrina de segurança nacional.

Na Amazônia, os reflexos desse período se


materializaram através de grandes projetos destinados a ocupá-la e
desenvolvê-la. Nesse contexto, o projeto de Zona Franca é
apresentado como uma necessidade para dinamizar a economia da
Amazônia Ocidental, uma vez que se encontrava em condições
diferenciadas em relação às outras regiões da própria Amazônia.

Essa contextualização geral cumpriu um papel


importante durante todo o estudo na medida em que se combinou o
tempo inteiro a leitura inicial com o núcleo central da pesquisa, ou
seja, os discursos intelectuais. Isso possibilitou situar o debate travado
pelos intelectuais nas contingências gerais que estavam em jogo no
país e no desenvolvimento do capitalismo. Por outro lado, permitiu
uma maior clareza acerca dos posicionamentos desses intelectuais em
relação as principais questões referentes ao processo de
desenvolvimento do país e da região.

Dessa forma o estudo revelou a persistência de dois


discursos fundamentais fundados na dinâmica da economia e das
contradições locais e nacionais. Identificou ainda que esses discursos
estão ancorados nas principais matrizes do pensamento social, com
interpretações distintas a partir de seus fundamentos.

De acordo com os diagnósticos e arranjos no sentido de


apontar uma saída para a região ficou patente a importância do
discurso formulado em bases desenvolvimentista na formação de uma
109

vontade coletiva favorável ao projeto de Zona Franca de Manaus.


Aliás, não apenas para a implantação da Zona Franca, mas também
como sustentação ideológica dos grupos dominantes locais
interessados em manter sua reprodução material via associação com
o capital estrangeiro.

Por outro lado, percebeu-se a importância do discurso


crítico no sentido de aprofundar o tipo de industrialização e a lógica de
acumulação impeditiva de desenvolvimento da região, por estarem
ligados verticalmente as suas matrizes nos grandes centros industriais
e, portanto, com uma relação bastante frágil com a economia local.
Por essa ótica, o controle da tecnologia fica nos paises centrais e, na
medida em que se incentiva a migração de indústrias que deslocam
apenas parte de seus processos produtivos para a região, sob um
estímulo de isenções fiscais impede-se os investimentos que poderiam
ser feitos para o desenvolvimento das potencialidades das forças
produtivas locais e nacionais.

O fato é que o discurso de afinidade com o modelo de


desenvolvimento vigente se realizou combinado com uma grande
expectativa de industrialização e de integração nacional sob uma nova
condição no cenário internacional e se consolidou, dentro de uma nova
configuração e política que aprofundava a intervenção do Estado no
sentido de propiciar a expansão do capitalismo. Essa
contextualização, aliada a dinâmica industrial e comercial da Zona
Franca, concedeu autoridade no sentido de tornar esse ponto de vista
hegemônico anulando ou apagando os perfis de classes levantados na
outra vertente de interpretação.

Essas são as considerações finais deste estudo,


ressaltando a importância de como se construiu o discurso que
110

propiciou a formação de uma atmosfera de aceitação e até de


entusiasmo em torno da formulação da Zona Franca.

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VENDAS aumentam 152% - exportações do D.I. surpreenderam em


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