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UM DIÁLOGO POSSÍVEL.
Resumo:
Este trabalho tem como objetivo geral refletir sobre as ideias apresentadas no texto
de Rosemary Arrojo, A literatura como fetichismo: algumas conseqüências para uma
teoria da tradução, acerca da relação entre literatura e tradução. Para isso, faremos
uso de duas narrativas de Clarice Lispector a fim de observarmos como essa autora,
no ato da criação literária, conversa com os conceitos apresentados por Arrojo (1993).
Na verdade, faremos uma discussão a várias vozes na busca de pensar a teoria
literária através da teoria da tradução.
Abstract:
This paper aims to reflect on the general ideas presented in text Rosemary Arrojo, A
fetishism as literature: some consequences for a theory of translation, on the
relationship literature and translation. To do so, we use two stories by Clarice
Lispector to look like this author, the act of literary creation, conversation with the
concepts presented by Arrojo (1993). In fact, we will discuss the various voices in
search of literary theory to think through the theory of translation.
“Numa cultura que cultiva o mito das essências e dos significados estáveis que supostamente
podem e devem ser inseridos e preservados dentro de objetos, palavras e textos, a tradução é
necessariamente associada àquilo que não é apenas marginal, mas, principalmente, corrupto e
destrutivo”. [grifo nosso] (ARROJO, 1993, p.115).
“Dentro dessa ótica, não poderíamos pensar o processo da escritura de textos de ficção como
uma forma de iludir a cisão dramática entre significante e significado que, na releitura de
Lacan da psicanálise freudiana, é também a marca da castração inevitável? Não poderíamos
ver na tentativa de Poe de „significar o referente‟, de fixar seus próprios significados aos
significantes de seu texto uma forma de evitar a percepção de sua castração lingüística? Não
seria a poesia exatamente a região em que a mítica união entre significante e significado é
supostamente conquistada, pelo menos em seus textos mais bem sucedidos? Portanto, não
seria a tradução – como processo pelo qual um significado tem que ser necessariamente
separado de seu significante – um outro nome para castração?”. (ARROJO, 1993, p. 122)
“Tornar imprevisível a palavra não será um ato de liberdade? Que encantos a imaginação
poética acha de zombar das censuras. Outrora, as Artes poéticas codificavam licenças. Mas a
poesia contemporânea pôs a liberdade no próprio corpo da linguagem. A poesia aparece então
como fenômeno de liberdade”. (BACHELARD, 1988, p.102)
“Qualquer contato entre um autor, um tradutor ou um leitor e o texto com que estabelecem
uma relação é apropriadamente descrito por Derrida como um corps-à-corps, sempre inspirado
por um „certo amor‟ que anula a possibilidade de qualquer nível de neutralidade e de qualquer
rigor matemático que pudessem deixar intacto o que quer que chamemos de forma ou de
conteúdo do significado [...]” (ARROJO, 1993, p. 129).
“Os que lidam com a literatura, principalmente com a poesia, aceitam mais facilmente do que
os filósofos a afirmação de que as obras verbais não têm um sentido único e final, mas uma
significância, ou poder de criar sentidos que se renovam a cada leitura e através do tempo”.
(PERRONE-MOISÉS, 2000, p.303).
“[...] eis que o autor começa a falar de tudo o que poderia inventar a respeito de Félicien, mas
que não inventará porque não quer [...] Bom autor, esse Marcel Aymé. Tanto que várias
páginas gastou em torno do que ele mesmo inventaria se Félicien fosse pessoa que lhe
interessasse. A verdade é que Aymé, enquanto vai contando o que inventaria, aproveita e
conta mesmo - só que nós sabemos que não é, porque até no que se inventa não vale o que
apenas seria”. (LISPECTOR, 1999, p. 329)
“[...] onde aquele primeiro homem, Félicien Guérillot, depois de aventuras que mereceriam ser
contadas, o gosto pelo vinho já pegou. E, como não nos dizem de que modo, também por aqui
ficamos, com duas histórias não bem contadas, nem por Aymé nem por nós, mas de vinho
quer-se pouco da fala e mais do vinho”. (ib. Idem.)
[...] não é o leitor comum [...], mas sim o leitor que se torna escritor quem define o futuro das
formas e dos valores. O que leva a literatura a prosseguir sua história não são as leituras
anônimas e tácitas [...], mas as leituras ativas daqueles que as prolongarão, por escrito em
novas obras”. [grifo do autor] (PERRONE-MOISÉS, 1998, p.13)
“A primeira, “Como matar Barata”, começa assim: queixei-me de baratas. Uma senhora ouviu-
me a queixa. Deu-me a receita de como matá-las. Que misturasse em partes iguais açúcar,
farinha e gesso. A farinha e o açúcar as atrairiam, o gesso esturricariam o de-dentro delas.
Assim fiz. Morreram.
A outra é a primeira mesmo e chama-se “O Assassinato”. Começa assim: queixei-me de
baratas. Uma senhora ouviu-me. Segue-se a receita”. [grifo nosso] (Ibidem. Idem)
É certo que esse jogo merece uma investigação mais detalhada, contudo,
não é nosso objetivo nesse momento. Por hora, „A quinta história‟ ou „Cinco
relatos e um tema‟ serve-nos enquanto indicativo de como é arriscado achar
que “[...] o poético tem que permanecer intocado e em sua „forma‟ original
para que possa sobreviver.” (ARROJO, 1993, p. 119).
Importante lembrar que, apesar de se propor a fazer cinco relatos, a
autora acaba por escrever, na verdade, seis: as cinco contadas mais a junção
1
Artigo inédito publicado no site da Editora Rocco dedicado à obra de Clarice Lispector. Não há referência ao
ano de publicação.
de todas elas em um mesmo título. Seriam apenas estas seis? Clarice parece
indicar que o que acaba com o ponto final é a “sua” narrativa pela própria
inviabilidade da autora em continuar contando: “Embora uma única, seriam mil
e uma, se mil e uma noites me dessem”. (LISPECTOR, 1964, p.81). Dizemos
“sua” porque, assim como a narrativa, o núcleo da história de Aymé não nos
pertencia (nem a Clarice nem a nós), essa história também não a possuímos
de todo.
Além disso, é interessante notar que aquela que corresponderia à quinta
história limita-se apenas ao título e ao já repetido “Queixei-me de baratas”.
Mais uma porta aberta? Quem deveria contar o que ficou inacabado? O leitor?
Outros escritores? Haveria mais histórias a serem contadas? Como dissemos
no início, temos mais perguntas que respostas.
Dado o exposto, podemos inferir que, ao contrário do que parece, não se
pode afirmar categoricamente qual o lugar da literatura, já que autores,
leitores, tradutores, adaptadores e críticos têm descoberto, a cada contato com
o texto, novas e incontáveis possibilidade para este.
Assim como as breves análises da obra de Clarice aqui feitas não
prejudicaram seu objeto de estudo, só acrescentaram possibilidades àquilo que
em si já era fecundo, acreditamos que as traduções, as adaptações, as leituras
e vários trabalhos que se fazem com uma obra ampliam nossa visão da arte,
da literatura, e porque não dizer, do ser humano.
Sendo assim, concordamos com Arrojo (1993) no que diz respeito à
necessidade de se pensar uma teoria da tradução. Acreditamos que não há
mais espaço para negligenciar a tradução só porque ela não é aquilo que
queremos que seja. Traduzir seria mais uma das possibilidades a que a
literatura se abre, ela que já é em si uma abertura.
Clarice Lispector, pelo que observamos na análise acima, parece nos
mostrar que essa abertura é o terreno em que a escrita se desdobra, como um
grande texto em que cabe a cada escritor e leitor acrescentar mais uma linha
levando-nos a refletir, perguntar-se, abrir-se para o devir que é a escrita, tão
vasta quanto são vastas as vidas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARAL, Emília. (2005). O leitor segundo G.H. São Paulo: Ateliê Editorial.