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Izete Lèhmkuhl Coelho

AordemVDPefnconstnições
monoargumentais:
utna restrição sinláticc^mântica

Pós-graduação em Letras/Lingüística
Universidade Federal de Santa Catarina

Florianópolis
2000
Izete Lehmkuhl Coelho

A ordem V DP em construções
morwargumentais;
umaFestriçãosintálico-semântica
Tese de Doutorado apresentada ao Curso de Pós-
graduação em Letras/Lingüística da Universidade
Federal de Santa Catarina para a obtenção do
titulo de Doutor em Lingüística

Orientador
Prof. Dr. Paulino Vandresen
Co-orientadora
Profa . Dra. Maria Cristina Figueiredo

Florianópolis
2000
Esta tese foi julgada adequada para a obtenção do título de

Doutor em Lingüística

E aprovada em sua forma final pelo programa de


Pós-graduação em Lingüística pela Universidade Federal de
Santa Catarina

Banca Examinadora

NUOU!
P ro f Dr. Paulino VandpgáerT^ ofa. Dra. Maria Cristina Figueiredo
P rof orientador Profa. co-orientadora
UFSC UFSC

Profé!^ Dra. Mary Arzua Kato Prof" Dr. Carlos Mioto


UNICAMP UFSC

----------------------------------
Profa. Dra. Rosane de Andrade Berlinck
adi
Profa. Dra. Edair Maria Gõrski
UNESP UFSC
D edico este trabalho a m eus pais, Adelar e Gilda,
a m eu m ando, Antônio Sérgio,
e às m inhas fílhas Bárbara e Tamara,
com m uito amor e carinho
Meus agradecimentos

Ao professor Paulino Vandresen, principal responsável por grande parte de meus estudos
na área da Sociolingüística, e, sobretudo, pela confiança e amizade.

À professora Maria Cristina Figueiredo, grande exemplo de seriedade na vida acadêmica,


por todas as discussões teóricas que fizemos, pela amizade e pelo respeito com que acolheu
minhas idéias e me ajudou a desenvolvê-las.

À professora Edair Gõrski, pelas incontáveis horas que passamos juntas conversando a
respeito de meu trabalho de tese, pelas valiosas sugestões e pela amizade incondicional.

Ao professor Carlos Mioto, pelo privilégio de ter meu trabalho acompanhado de muito
perto por ele, desde o início, e pelos incentivos constantes.

À professora Mary A. Kato, pelos comentários tão esclarecedores que fez sobre minhas
questões e hipóteses e pelas valiosas sugestões.

Ao professor Apóstolo Nicolacópulos, pelo irrestrito apoio e pelos valiosos comentários


aos diversos textos que integram a tese.

Às professoras Roberta Pires de Oliveira, Rosane de Andrade Berlinck e Ana Maria Zilles,
pelas discussões de alguns tópicos e pelas pertinentes observações acerca de meus
resultados parciais.

À Universidade Federal de Santa Catarina, em especial, aos professores do Departamento


de Língua e Literatura Vernáculas, pela oportunidade concedida.
Aos amigos do projeto VARSUL de Florianópolis, pela amizade, o apoio e a troca de
informação. De maneira especial, à Maria Alice Tavares, por todas as sugestões e rigorosa
leitura de meu texto final, e à Marisa Fernandes, com quem eu conversei muito sobre a
quantificação dos dados no inicio de meu trabalho de tese.

Aos demais amigos, em especial à Márcia Rech (tão distante e ao mesmo tempo tão
presente) e à Meta, sempre prontas a ouvir e a dar uma palavra de apoio.

Aos meus pais, que sempre me incentivaram no caminho dos estudos, por acreditarem em
mim.

Ao meu marido Antônio Sérgio, pelo companheirismo e apoio incondicional no decorrer de


todo o desenvolvimento deste trabalho, e às minhas filhas Bárbara e Tamara, pelo constante
apoio e carinho.
Resumo

O propósito desta tese é examinar a variação da ordem DP V /V DP em construções


declarativas monoargumentais de 16 (dezesseis) entrevistas, extraídas do Banco VARSUL,
em especial na, variedade falada em. Florianópolis, tentando conciliar uma abordagem
sociolingüística variacionista (cf. Labov, 1972) com um aparato teórico gerativista (cf.
Chomsky, 1981; 1986). Nosso objeto de estudo assume a perspectiva de uma das possíyeis
ordens - V DP - procurando caracterizar sua inserção no interior do sistema lingüístico.
A análise estatística mostra que a ordem V DP é definida basicamente em função da
restrição de inacusatividade. D e um lado, a ordem V DP está associada a uma restrição
sintático-semântica; a natureza do verbo, estabelecida, principalmente, na relação entre
verbo inacusativo e argumento interno. Por outro lado, a ordem V DP está associada a
restrições semânticas de definitude impostas ao DP pós-verbal, sob condições sintáticas
específicas; a co-ocorrência entre efeito de definitude e construções inacusativas.
Finalmente, a conclusão que segue desta análise é a de que as ordens DP V e V DP
não constituem, propriamente, um caso de variação, já que tipos de verbos (intransitivos e
inacusativos) e traços opostos de definitude (e especificidade) são restrições ligadas às
ordens DP V e V DP, indicando sua complementaridade. Ao lado do fenômeno da
inacusatividade, a análise dos elementos entre V... DP mostra que a configuração V DP
(PP) também corresponde a, construções de foco estreito, de foco contrastivo ou de tópico
(deslocamento à direita), mesmo que restritamente; conseqüência direta da heterogeneidade
da configuração V DP no português do Brasil.
A
bstfact

The purpose o f this dissertation is to examine quantitatively the word order


variation in monoargumental declarative sentences in the speech o f 16 interviews o f
VARSUL Project o f Florianópolis, from the perspective o f analysis that attempts to
reconcile a variation approach (cf Labov, 1972) with the theoretical apparatus o f
generative grammar (cf Chomsky, 1981; 1986). Our object o f study assumes the
perspective o f one o f the possible orders - V DP - attempting to characterize how it is
inserted in the linguistic system.
The statistical analysis shows that the V DP order is defined in terms o f constraint
o f unaccusativity. Atfirst, the VD P order is associated with syntactic-semantic constraints:
the nature o f the verb, established, principally, in the relation between unaccusative verb
and internai argument. On the other hand, the V DP order is associated with semantic
constraints o f definiteness imposed upon the post-verbal DP, under specific syníactic
conditions: the co-occurrence between effect o f definiteness and unaccusative sentences.
The conclusion that follows from this analysis is that the DP V and V DP orders do
not constitute, basically, a case o f variation, since types o f verb (intransitive and
unaccusative), semantic opposite features o f definiteness (and specificity) are constraints
bounding to DP V and V DP order, indicating their complementarity. Besides the
phenomenon o f unaccusativity, the analysis o f the elements between V ... DP shows that the
V DP (PP) configuration also corresponds to the narrow focus and topicalization
sentences. It seems that the V DP order does not constitute a homogeneous configuration in
Brazilian Portuguese.
índice geral

ín d ic e d e d ia g r a m a s , g r á f ic o s e t a b e l a s .IV

INTRODUÇÃO 1
0.1. Ponto de partida.................................................................................................. 1
0.1.1. Objetivos gerais ................................................................................ 1
0.1.2. A ordem V D P .................................................................... ...... ......... 2
0.1.3. Delimitação do objeto de estudo ........................................................2'
0.1.4. Questões e hipóteses g erais................................................................8
0.1.4.1. Principais questões ............................................................. 8
0.1.4.2. Principais hipóteses..................................................... .....8
0.2. Apresentação do trabalho................................................................................ 11
0.3. N o ta s .... ............................................................................................................ 12

CAPÍTULO I
A ordem dos constituintes: em busca de uma explicação sintática ...14
1.1. Introdução.................................. ....................................................................M4
1.1.1. A perspectiva teórico-metodológica deste trabalho......................... 14
1.1.2. Por uma concepção de Gramática.............................. ...................... 16
1.2. Modelo de Princípios e Parâmetros (Chomsky 1981; 19 8 6 )............... ....... 18
1.2.1. Os argumentos externos e internos...................................................23
1.2.2. Teoria tem ática...................................................................................24
1.2.3. Teoria do Caso ...................................................................................27
1.2.3.1. Caso nominativo................................................................. 28
1.2.4. O movimento do verbo ..................................................................... 33
1.3. Considerações finais........................................................................................37
1.4. Notas......^.........................................................................................................38
i*'

CAPÍTULO II
A natureza do verto monoargumental 42
2.1. Introdução ......................................................................................... .............42
2.2. O fenômeno da inacusatividade: proposta de Burzio( 1986) .......................42
2.2.1. Ç]ritério setnântico; o papei temático do D P ..................... ...............42
2.2.2. Çritério sintático: a questão do Caso ................................................48
jz.2.2.1. A ordem D P V ................................................................... 48
2.2.22. O DP pós-verbal................................................................. 52
2.2.2.3. O Caso partitivo.................................................................. 59
2.3. Composição semântica dos verbos: proposta de Jackendoff (1976; 1987)..62
2.4. Considerações finais........................................................................................ 74
2.5. N o ta s ................................................................................................................ 75

CAPÍTULO III
A natureza do sintagma nominal: do (morfo)sintático ao semântico 82
3.1. Introdução ......................................................................................................... 82
3.2. As categorias gramaticais; uma discussão (morfo)sintática do D P ............ 82
3.3. A natureza sintático-semântica do DP ...................................................84
3.3.1. A proposta de Belletti (1988): o efeito de definitude...................... 84
3.3.2. A proposta de Enç (1991): o efeito de especificidade .................... 89
3.3.2.1. Sintagmas [+/-definidos] e [+específicos]........................ 89
3.3.2.2. Sintagmas [-específicos]: nota sobre as construções
existenciais........................................................................... 99
3.4. Considerações finais....................................................................................... 101
3.5. N o ta s ............................................................................................................... 102

CAPÍTULO IV
Procedimentos metodológicos i07
4.1. Introdução ...................................................................................................... 107
4.2. O método de análise....................................................................................... 107
4.2.1. A variação nos estudos sintáticos ...................................................108
4.2.2. Constituição e caracterização da amostra ..................................... 109
4.3. Etapas metodológicas.....................................................................................111
4.3.1. Delimitação dos contextos monoargumentais................................112
4.3.2. Categorização dos dados................................................................. 117
4.4. Grupos de fatores condicionadores...............................................................117
4.4.1. Tipo categorial do verbo ............... ............ .... .118
4.4.2. Composição semântica do verbo ....... ....... ............... ........119
4.4.3. Traços de animacidade do DP ............................................. .......... 121
4.4.4. Forma de realização do DP ........................................................... 122
4.4.5. Traços de definitude e de especificidade do DP .... .......................123
4.4.6. Estatuto [+/- pesado] do DP .......................................................... 124
4.4.7. Tipo de sentença.............................................................................. 125
4.4.8. Grupos de fatores sociais ............................................... ................ 126
4.5. N o ta s ............................................................................................................... 127
CAPÍTULO V
Sobfe 0 condicionamento da ordem V DP: uma restrição
sintático-semântica? 1 i3i
5.1. IntrcM^âo ........................... .............. ............................. .......... ......131
5.2. Descrição e análise-dos resultados............................................ :.;............;.^^131
5.271. A natureza dõs verbos monoargumenfâis..................................... : 1-33
5.2.1.1. Sobre a composição semântica dos v e rb o s....................Í34

5t2.2. Anatureza do sintagma nominal....... ...... ......................... 148


5.2.2.h Sobre-os traços de definitude e especificidade do DP ....148
5.2.2.2. Sobre a forma de realização do D P .............. .166
5.2.2.3. Sobre o estatuto [+/-pesado] do D P ...............................168
5.2.2.4. Sobre os traços de animacidade do DP ......................... 169
5.3. Considerações finais....................................................................................... 172
5.4. N o ta s ............................................................................................................... 176

CAPÍTULO VI
Sobre os preenchedores das fronteiras ...V...DP... na caracterização do
sintagma pós-verbal i8 i
6.1. Introdução ...................................................................................................... 181
6|.2. Resultados estatísticos................................................................................... 182
4.2.1. Descrição dos preenchedores das fi-onteiras,DP x V/ V x D P ......183
6.2.2_ Descrição dos preenchedores periféricos........... ................... - ....... 188
6^3. Sobreis construções inacusativasT a configuração [Loc V DP] . .... ;.. .^ 193
6;4. Sobre a heterogeneidade da configuração V DP .... .r . ............. ..T .............;.,.201
6.4.1. Construções de topicalização ......................................................... 201
6.4.2. Construções de foco não-marcado. uma explicação alternativa ...207
6.5. Considerações finais....................................................................................... 215
6.6. N o ta s ............................................................................................................... 216

CONCLUSÃO .................................................................... 224

BIBLIOGRAFIA BÁSICA 228


ÍNDICE DE DIAGRAMAS, GRÁFICOS E TABELAS

DIAGRAMAS

Diagrama 5.1.: Mecanismos combinatórios das categorias verbais........................... 145

GRÁFICOS

Gráfico 5.1.; Freqüência de DP V e V DP nos dados analisados...............................132

Gráfico 5.2.: Reanálise dos grupos de fatores composição semântica do


verbo e tipo categoria! do verbo........................................................... 147

Gráfico 5.3.: Freqüência de V DP, segundo o cruzamento entre traços de


animacidade, de definitude e de especificidade marcados
no D P.........................................................................................................172

TABELAS

Tabela 0.1: Percentuais de V DP obtidos nos estudos de Lira (1986:19), segundo


o grupo de fatores transitividade do verbo..................................................2

Tabela 0.2.: Percentuais de V DP obtidos por Berlinck (1988:88), segundo


0 grupo de fatores transitividade do verbo.................................................4

Tabela 0.3 .: Percentuais de V DP obtidos por Zilles (1999), segundo


o grupo de fatores transitividade do verbo..................................................5

Tabela O.4.: Percentuais de V DP obtidos por Berlinck (1995:228), segundo


o grupo de fatores construções verbais monovalentes...............................5

Tabela 4.1.: Distribuição da amostra de informantes da região de Florianópolis,


extraída do Projeto VARSUL..................................................................110

Tabela 5 .1.: Freqüência e probabilidade de V DP, segundo o grupo de fatores


composição semântica do verbo...............................................................135
Tabela 5. 2.: Reanálise da freqüência de V DP, segunda a^pQ&sihilidade-
de o- vert>o-GO-atóiip Etf>s-f+agentivos] e DPs [-agentivos]....... . 13 9

Tabela 5.3.: Freqüência de V DP, segundo o grupo de fatores tipo


categorial do verbo....................................................................................141

Tabela 5.4.: Freqüência e probabilidade de V DP, segundo a reanálise dos


grupos de fatores composição semântica e tipo categorial do verbo... J 42

Tabela 5.5.: Freqüência e probabilidade de V DP, segundo o grupo de fatores


traços de definitude e de especificidade do D P ........................ .............,152
\
Tabelã 5.6. : Freqüência de VDP^ segundo o cruzamento entre os grupos
de fatores natureza do verbo e traços de definitude e de
especificidade do D P ... ....... ..... ............ .........;152

Tabela 5.7.: Freqüência e probabilidade de V DP, segundo a reanálise do gnipo


de fatores traços de definitude e de especificidade do DP, consideran­
do os DPs nus como sintagmas [-definidos] e [-específicos]..................162

Tabela 5.8.: Freqüência de V DP, segundo a reanálise do cruzamento entre os


grupos de fatores natureza do verbo e traços de definitude
e de especificidade do D P .........................................................................163

Tabela 5.9.: Freqüência e probabilidade de V DP, segundo o grupo de fatores


forma de realização do D P........................................................................166

Tabela 5.10.: Freqüência de V DP, segundo o cruzamento entre os grupos


de fatores forma de realização do DP e traços de definitude
e de especificidade do D P ..................................................................... 167

Tabela 5.11.: Freqüência e probabilidade de V DP, segundo o grupo de fatores


estatuto [+/- pesado] do DP................................................................... 168

Tabela 5.12,: Freqüência de V DP, segundo o cruzamento entre os grupos de


fatores estatuto [+/-pesado] do DP e natureza do verbo.....................169

Tabela 5.13.: Freqüência e probabilidade de V DP, segundo o grupo de fatores


animacidade do D P................................................................................ 170

Tabela 5.14.: Freqüência de V DP, segundo o cruzamento entre os grupos


de fatores natureza do verbo e animacidade do D P ........................... 170
Tabela5J .5. lFreqüência de V DE^ segunda a cruzamento entre os-gm^os
de-fetoFeS'tFaç€>& de definitude e de especificidade do DP e'
animacidade do D P...................................................... ;.......................,^171

Tabela 5.16.: Freqüência de V DP, segundo o cruzamento entre os verbos


intransitivos e os verbos inacusativos do tipo 0 0 [+ação]^ STAY/
APPEAR/GO [-ação] e BE existencial e os demais grupos de fatores
selecionados como relevantes pêlô pacofe esfatísfico VA1®RUL' ... 174

Tabela 6.1: Freqüência total de ausência/presença de preenchedores na fronteira


entre DP e V ou V e D P .................................................................. ......183

Tabela 6.2.: Freqüência de preenchedores na configuração DP x V/ V x D P .........183

Tabela 6.3.: Freqüência de V DP, segundo o cruzamento entre os grupos


de fatores configuração DP x Y /V x DP e natureza do verbo.............. 184

Tabela 6.4. : Freqüência total de ausência/presença de preenchedores em fronteiras


marginais (x DP V/x ............................................................ ......1,88

Tabela 6.5.: Freqüência de preenchedores na confíãLiração x DP V/ x V D P ..........^88

Tabelr &.&.: Freqüência dê V DP, segundo o cruzamento entre os grupos


de fatores configuração x DP V/x V DP e natureza do vérbo................190

Tabela 6.7. : Freqüência de preenchedores na configuração DP V x_/ V DP x ...... 191

Tabela 6 8.: Freqüência de V DP, segundo o cruzamento entre os grupos


de fatores configuração DP V x7 V DP x e natureza do verbo.......... 192

Tabela 6.9.: Recorte do resultado percentual do-preenchedor locativo/temporal


entre V e DP e às margens de V DF, segundo o fator natureza dp
verbo.......................................................................................................... 192
Introdução

Carecemos de um ‘corpo de doutrina’ ou doutrinas,


ou seja, desse m undo de idéias que, ao desdobrar-se, cria
um espaço intelectual: o âm bito de uma obra, a ressonância
que a prolonga ou a contradiz. Éés'e espaço é o lugar de
encontro com as outras obras, a possibilidade de diálogo
entre elas.
Octávio Paz (1967)

0.1. Ponto de paitída


0.1.1. Objetivos gerais
Este trabalho trata da variação da ordem DP DP’ em construções
monoargumentais de 16 (dezesseis) entrevistas, extraídas do Banco VARSUL (Variação
Lingüística Urbana da Região Sul), em especial na variedade falada em Florianópolis,
tentando conciliar a sociolingüística variacionista (cf. Labov, 1972) com um aparato
teórico da gramática gerativa (cf. Chomsky, 1981; 1986). Busca-se estudar os grupos de
fatores que condicionam a ordem V DP e, em conseqüência, verificar o caráter de tal
ordem, a partir do elencamento das propriedades que distinguem as possíveis posições
do DP à direita do verbo e dos grupos de fatores que condicionam cada posição.
Nossa proposta se constitui de dois estudos complementares: (i) caracterizar e
explicar as motivações que condicionam a ordem V DP em construções
monoargumentais, buscando observar como essas motivações estão inseridas daitro do
sistema lingüístico, e, a partir do levantamento de grupos de fatores extra-Iingüísticos, se
há indícios de mudança em tempo aparente; (ii) cruzar os resultados estatísticos mais
significativos com grupos de fatores que tratam da configuração da sentença, com o
intuito de analisar as diferentes derivações V DP no português do Brasil, tendo como
base um estudo empírico dos preenchedores das fronteiras ...V...DP.... O estudo dessas
peculiaridades é fimdamental para a caracterização do DP que se posiciona
imediatamente à direita de um verbo monoargumental.
0.1.2. A ordem V DP
O estudo da variação da ordem DP V/ V DP em construções declarativas
monoargumentais envolve um recorte bastante reduzido (e não menos importante) das
construções constitutivas de uma língua particular: o estudo de construções constituídas
por verbos que selecionam apenas um argumento. Tomamos a ordem DP V (PP) como
básica e a outra como um caso de estruturas de inversão. Ao selecionar tais construções,
estamos optando por um ângulo através do qual será discutida a questão da ordem V DP
naquelas construções, objeto de nosso estudo. Tal ordem está envolvendo um sintagma
nominal que linearmente segue o verbo flexionado.

0.1.3. Delimitação do objeto de estudo


A delimitação do objeto de estudo teve sua origem nos trabalhos variacionistas
que revelam uma correspondência entre transitividade verbal e ordem dos constituintes,
no português do Brasil. Do ponto de vista sintático, quanto menos transitivo um verbo é,
maior a possibilidade de inversão de seu DP; quanto mais transitivo é, menor essa
possibilidade. Merecem destaque os trabalhos de Votre & Naro (1984), Lira (1986;
1996), Berlinck (1988; 1989; 1995) e Zilles (1999). O ponto de maior unanimidade entre
os trabalhos variacionistas diz respeito à monoargumentalidade, indicada,
consensuabnente, como um fator favorável à ocorrência de V DP, enquanto a pluri-
argun^ntalidade como inibidora dessa mesma ordem
Examinando 1863 construções em que a variação da ordem DP V/ V DP era
possível. Lira (1996) encontrou apenas 19% delas na ordem V DP. Seus resultados
mostram que a anteposição do sujeito ao verbo constitui a ordem básica em português e
que a posposição ocorre, em sua grande maioria, com verbos intransitivos (21%),
seguido de verbos copulativos (8%), contra apenas 0,8% de verbos transitivos;

Transitividade do verbo Dados do Kio de Janeiro (Lira 1986)

Verbo intransitivo 21%

Verbo cópula 8%

Verbo transitivo 0,8%


Tabela 0.1: Percentuais de V DP obtidos nos estudos de Lira (1986; 19),
segundo o grupo de fatores transitividade do verbo
Lira (1986:19) já observa que, dentre os verbos intransitivos, há alguns que
permitem mais freqüentemente a ordem V DP, tais como: vir, chegar acontecer, sair,
pintar, começar, aparecer, parar, cair, passar e acabar. Desses verbos, 66% admitem
sujeitos pós-verbais, contra apenas 29% com sujeitos pré-verbais. Muitos desses verbos,
segundo a autora, podem ser classificados como verbos existenciais e verbos
apresentativos. Para a autora, o fato de a ordem V DP ser praticamente nula com verbos
transitivos deve ser devido aos fatores: de o objeto no português não ser
superficialmente obrigatório; de o sujeito nulo ser um tipo de ocorrência possível; de
alguns pronomes poderem atuar como objeto. A posposição do sujeito a um verbo de
mais de um argumento poderia gerar estruturas ambíguas quanto à identificação da
função sintática do sintagma pós-verbal, segundo ela.
É o mesmo que afirma Pontes (1986) ao salientar que a ordem V DP é mais
recorrente em construções intransitivas porque nesses ambientes não é necessário
recorrer à ordem SVO para distinguir sujeito de objeto. Essa também é a linha de
raciocínio encontrada em Berlinck (1988), em seu estudo diacrônico sobre a ordem V
DP no português do Brasil:

“quanto maior fo r o risco de o S N ser interpretado com uma função sintática que não a de

argumento principal do verbo, menor será sua chance de ocorrerposposto ao verbo (...) o V S N se
associa com a escala de transitividade, sendo comum cóm verbos intransitivos e ocorrendo com

freqüência gradualmente menor à medida que os contextos se tomam mais transitivos”.

(1988:253)

A autora destaca, na análise do corpus sincrônico, que o verbo constitui o


elemento central na definição da ordem dentro da sentença. A monoargumentalidade é
estabelecida como condição mais propícia à ordem V DP. No entanto, na medida em que
se estabelece a relação ordem-transitividade, a monoargumentalidade tem de ser vista em
termos relativos, sendo necessário analisar também o tipo de argumento e sua relação
com o verbo. A peculiaridade de conç>ortamento das construções existenciais, dentre as
intransitivas, por exemplo, e sua rigidez na ordem V DP, lun total de 99%, contra 46%
de intransitivas não existenciais já vem estabelecer possíveis diferenças reunidas sob o
mesmo rótulo, como ilustra a tabela 2, a seguir:
Transitividade do verbo Dados de Curitiba, Séc. XX (fierlinck 1988)

Verbo intransitivo existencial 99%

Verbo intransitivo não-exi$tencial 46%

Verbo de ligação 23%

Verbo transitivo indireto 8%

Verbo transitivo direto 3%


Tabela 0.2: Percentuais de V DP obtidos por Berlinck (1988:88), segundo
o grupo de fatores transitividade do verbo

Como podemos observar, os resultados de Berlinck (1988) já apontam uma


diferença grande entre os verbos tratados como intransitivos existenciais e os
intransitivos não-existenciais, com relação à ordem V DP. Entretanto, o que a autora
trata como intransitivo não-existencial parece não constituir um grupo homogêneo no
português com relação à ordem V DP. Basta que pensenws nas diferenças entre os
verbos monoargumentais como trabalhar, rir, correr, de um lado; e verbos como surgir,
acontecer, nascer, de outro, por exemplo.
Apesar de, nesse trabalho, não estabelecer distinções entre as construções
intransitivas não-existenciais, Berlinck já sugere que não é só o número de argumentos
que restringe a possibilidade de posposição, mas também o tipo de argumaito, que está
intrinsecamente ligado à natureza do verbo. Há, por exemplo, uma associação inequívoca
entre as construções existenciais e a ordem V DP, e não há dúvida quanto á natureza [-
agentiva] de seus argumentos, segundo a autora
Os estudos de Votre & Naro também apontam para uma associação entre
construções não-transitivas e a ordem VSx ou VxS. Os autores revelam que os verbos
típicos da construção VS {entrar, sair, nascer, morrer) recebem o rótulo especial de
apresentativos e caracterizam-se por esvaziamento do conteúdo lexical e baixa
transitividade. Em trabalho recente, Zilles (1999) também atesta que um dos grupos de
fatores que condiciona a ordem V DP é a transitividade do verbo; seus resultados
mostram que a ordem V DP é praticamente nula com verbos transitivos e favorecida
pelos verbos intransitivos, como os resultados da tabela 3 ilustram:
Ziltés (1999) Dados do Hio Grande do Sbil
Transitividade do verbo POA SOB FLC PAN*

Verbo intransitiva 15% 19% 19% 13%

Verbo de ligação 9% 9% 10% 5%

Verbo transitivo 1% 2% 2% 1%
Tabela 0.3: Percentuais de V DP obtidos por Zilles (1999), segundo o grupo de
fatores transitividade do verbo

O importante para este trabalho é que todos esses resultados confimiam que as
chances de se encontrar a ordem V DP são maiores em contextos monoargumentais e
raras em contextos com verbos de mais de um argimiento no português do Brasil, o que
mostra que a restrição da monoargumentalidade atua nessa língua. Verificar em quais os
contextos monoargumentais a ordem V DP se manifesta com uma maior fi-eqüência na
fala informal vai ser o objetivo mais imediato deste trabalho.
Outra questão a respeito da ordem V DP que merece destaque - já lançada no
trabalho de Berlinck (1988) - relaciona-se à heterogeneidade das construções
monoargumentais. A partir de uma análise diacrônica em textos escritos de peças de
teatro de autores brasileiros e portugueses, Berlinck (1995) discute o conceito de
inacusatividade, separando das construções pluri-argumentais construções com verbos
monoargumentais, classificados pela autora como: intransitivos não-ergativos;
intransitivos ergativos (por exemplo derreter, aquecer, apaixonar-se, assustar-se,
morrer, deslizar, rolar, aparecer, acontecer, existir, etc)', construções com se-V;
construções com verbos de movimento e construções copulares. Alguns de seus
resultados estatísticos de V DP estão expostos na tabela 4, abaixo:

Berlinck (1995)
Transitividade do verbo Dados do século XX

Verbo intransitivo ergativo 43%

Verbo de movimento 41%

Verbo de ligação 11%

Construção se-V 15%

Verbo intransitivo inergativo 6,5%


Tabela 0.4; Percentuais de V DP obtidos por Berlinck (1995:228),
segundo o grupo de fatores construções verbais monovalentes
Embora a autora chama a atenção, novamente, para o fato de que a condição da
monoargumentalidade deve ser relativizada, por ter encontrado um número não
desprezível de casos de ordem V DP com verbos considerados pluri-argumentais, para
os propósitos deste trabalho apenas os resultados percentuais acima são importantes.
Note-se que, dentre as construções monoargumentais, as construções com verbos
intransitivos ergativos constituem ambientes mais propícios à ordem V DP, opondo-se às
construções intransitivas inergativas (e transitivas). Tais resultados vêm ressaltar o que
Kato e Tarallo (1987) já prediziam a respeito das possibilidades mais produtivas de
ordem V DP no português do Brasil: uma manifestação da inacusatividade^ (estamos
tratando aqui ergatividade como sinônimo de inacusatividade).
Apesar de ser xmi estudo do condicionamento da ordem V DP na modalidade
escrita (peças de teatro), os resultados de Berlinck (1995) já apontam para o fato de que
a classe dos verbos monoargumentais não é uma classe homogênea no português,
guardando distinções internas significativas com relação à ordem dos constituintes. Os
critérios de gramaticalidade dos exemplos (1) e (2) ilustram essa heterogeneidade em
dados de fala analisados neste trabalho:

(1) a. Eu trabalho por um lado, a minha esposa trabalha por outro


(FLP02L259)^
b. ??Eu trabalho por um lado, trabalha a minha esposa por outro^

(2) a Alguma coisa tá acontecendo naquela casa (FLP05L340)


b. Tá acontecendo alguma coisa naquela casa

Vale lembrar que as descrições da sintaxe do português admitem habituaknente a


existência de dois tipos básicos de construções: as transitivas e as intransitivas, a primeira
pluri-argumental e a segunda monoargimiental. Entretanto, a impossibilidade de ordem
inversa em (Ib), diferentemente de (2b), aponta para o fato de existirem pelo menos duas
classes de verbos monoargumentais no português: a classe dos verbos intransitivos (já
legitinada pela gramática tradicional), como mostra o exemplo em (la); e a classe dos
verbos inacusativos, exemplificada em (2). A proposta de uma classie de verbos
inacusativos distinta da classe dos verbos intransitivos foi levantada, pela primeira vez.
por Perlmutter (1976), dentro do quadro da Gramática Relacionai e seguida por um
certo número de autores. Entre eles, merece destaque Burzio (1986), por introduzir o
conceito de inacusatividade no modelo de Princípios e Parâmetros.
Um outro ponto importante a ressaltar diz respeito aos trabalhos diacrônicos
sobre a variação da ordem DP \ / Y DP. Os resultados de Berlinck (1989:102) atestam
que enquanto um fator de natureza flmcionalista explicava a ordem verbo-sujeito no
português do século XVIII, um fator de natureza sintática - a transitividade do verbo -
aparece como o grande condicionador da ordem verbo-sujeito no português do Brasil do
século XX. O processo por que passa o fenômeno da ordem se caracteriza, segundo ela,
por um decréscimo gradual da freqüência de V DP e por um paralelo enrijecimento da
língua DP V. A autora, retomando os dados sobre objeto direto anafórico
fonologicamente não expresso de Tarallo (1985), demonstra como o enrijecimento da
ordem DP V se encontra relacionado à emergência de objeto nulo no português do
Brasil, formando o que Tarallo (1993b;99) chama de cadeia de fenômenos de mudança.
Se a tendência ao enrijecimento da ordem DP V persistir, segundo Berlinck (1988:254-
255), é de se esperar que cada vez mais contextos se caracterizem por luna forte
associação com DP V, estabilizando-se a ordem inversa ^enas nas construções
intransitivas, principalmente nos càsos de verbos de estado e mudança de estado.
Como disse Duarte (1995), quando se observa um processo de mudança, é
natural esperarmos outras mudanças relacionadas a ele ‘de uma forma não acidental',
conseqüências do seu encaixamento no sistema, conforme o princípio do encaixamento
lingüístico® postulado por Weinreich, Labov & Herzog (1968). Quanto à restrição da
monoargumentalidade às construções declarativas, Tarallo (1993b) justifica mostrando
que a ordem V DP deveria ser bloqueada com verbos transitivos a fim de não permitir a
colisão de papéis temáticos atribuídos aos sintagmas ao redor do verbo. Essa hipótese do
encaixamento lingüístico parece coadunar com a ‘hipótese da proporção constante’ (the
constant rate hypothesis) de Kroch (1994), de acordo com a qual, em todos os
contextos lingüísticos de superfície, refletindo uma dada mudança sintática, freqüências
de uso refletem a substituição gradual de uma opção gramatical abstrata por outra.
Em resumo, todos os trabalhos supracitados apontam uma restrição dá
monoargumentalidade para a ordem V DP. Entretanto, alguns deles já acenam que
monoargumentalidade deve ser entendida em termos relativos, pois é uma condição
necessária à inversão, mas não suficiente, já que, nos mesmos contextos, podem-se
encontrar sujeitos pré-verbais. Esse é, de fato, o ponto central das discussões
subseqüentes, que tomam as construções monoargumentais como foco de estudo.

0.1.4. Questões e hipóteses gerais


O.I.4.I. Principais questões
A fim de descrever os grupos de fatores condicionantes das variantes (ordem DP
V e ordem V DP) tratadas neste trabalho, optamos por abordar os problemas e as
hipóteses mediados por uma interpretação teórica. Desse ponto de vista, pretendenws
tratar da atribuição de Caso ao sintagma pós-verbal selecionado por verbos
monoargumentais e da atribuição de p ^ e l temático a esses sintagmas, tendo como base
o modelo de Princípios e Parâmetros. Para discutir o tipo de papel temático que o DP
realiza, valemo-nos da tipologia de Jackendoff (1976; 1987), dentro da semântica formal,
sobre a composição semântica dos verbos.
As hipóteses gerais que pretendemos testar se referem quase que exclusivamente
à situação de estruturas V DP no interior do sistema lingüístico. Elas tentam fornecer
uma melhor compreensão das questões colocadas a seguir.

(i) Qual é a natureza do verbo que permite a ordem V DP?

(ii) Qual é o caráter do sintagma nominal que se posiciona imediatamente à direita de


um verbo monoargiunental?

(iii) A ordem V DP é um fenômeno heterogêneo? Se a resposta for afirmativa, que


tipos de estruturas sintáticas pode estar evidenciando?

(iv) Se há indícios de mudança em tempo aparente, que caminhos ela percorre?

0.1.4.2. Principais hipóteses


(i) A variação da ordem DP YfW DP está associada a dois grandes condicionadores,
um de cunho sintático e outro de cunho semântico, que se referem basicamente à
natureza do verbo do ponto de vista de sua transitividade e de sua composição
semântica Nossa expectativa é de que haja uma correspondência entre natureza
sintático-semântica- do. verbo e ordera_ dos constituintes. Enquanto uma
construção intransitiva deve privilegiar construções DP V, inibindo a orderh V
DP, uma construção inacusativa deve admitiu mais-facilmente-a ordem_V DP.
Tais diferenças devem estar diretamente relacionadas ao que vamos chamar de
restrição da inacusatividade.

(ü) Com relação ao estatuto dos sintagmas nominais, nossa expectativa é de que o
fenômeno conhecido na literatura .como efeito de. definitude. (DE) vá explicar o
fato de DPs permanecerem à direita de verbos inacusativos, em decorrênciá da
obrigatoriedade-de o argumento pós-verbal_de um_verbo. inacusativo. receber uma
leitura [-definida] (e, possivelmente, [-específica] também). Essa hipótese está
diretamente relacionada- à- idéia, de- que há_ um a correspondência, entre
transitividade do verbo e traços de definitude do DP, tendo como base a proposta
de atribuição de Caso partitivo de Belletti_Cl 988) aos^argumentos pós-verbais dos
verbos inacusativos, revista por Enç (1991). Enquanto verbos intransitivos devem
preferir, apenas^sintagmas nominais à suaesquerda.

(iii) A ordem V DP deve estar refletindo uma estrutura heterogênea, representada ora
por construções inacusativas e ora por construções que manifestam alguma
estratégia discursiva, tais como: construção de tópico ou de foco; essas últimas
constituem estratégias de que o falante se utiliza para retomar constituintes já
conhecidos ou focalizar elementos, independendo do tipo de verbo. Essa hipótese
tem como base a discussão levantada por Kato e Tarallo (1989), segundo a qual a
sintaxe V DP envolve, além da inacusatividade, dois outros fenômenos no
português do Brasil, a saber: construções de inversão tipo V2’ e construções de
deslocamento à direita Para discutir essa possível heterogeneidade, faremos um
estudo quantitativo do papel que os preenchedores mais comuns exercem na
sintaxe, dando ênfase, principalmente, aos preenchedores do tipo
locativo/temporal nas fi-onteiras ...V... DP....
10

(iv) A variação da ordem DP V/ V DP caminha para um processo de mudança em


progresso em direção-à ordem DP Y^_associando- cada-vez.mais^QS ‘vestígios’ de
V DP a restrições sintático-semânticas compatíveis com as manifestadas pelas
construções inacusatLvas,_ em especial,-inacusativas. existenciais.- Essa. hipótese
tem como base os estudos diacrônicos que têm mostrado que as ordens VOS e
VSO caem. drasticanwnte nas. construções^ declaratLvas- a-partin do século XVIII,
principalmente no português do Brasil, ao mesmo tenpo em que estamos
constatando luna. mudança^ em_ direção, à. queda, do siqeita nulo e.. a uma
ascendência do objeto nulo, como demonstram os estudos diacrônicos,
principalmente de.Berlinck_(I988,1989), Duarte-(.1993),.Torres.Moraes^ (1993) e
Ribeiro (1995).

Na tentativa, de. demonstrar, que um_estudo quantitativo pode contribuÍLpara o


tratamento formal das questões lingüísticas, pretendemos verificar se as hipótêses
listadas, acima, podem, set comprovadas, a. partir. da_análise-estatística, dos. grupos de
fatores que co-ocorrem para o fenômeno da ordem V DP - utilizando-nos do pacote
VARBRUL (cf Pintzuk. (.1988) e. Scherre (1993)) - abrindo, conseqüentemente,
questionamentos a respeito da ordem mais recorrente. Vale ressaltar que, nossa análise
pretende.investigat as-relações.que-subjazem.à co--ocorrência.dos.grupos^de.£aíores mais
significativos. Os resultados estatísticos poderão ser bastante significativos para a
compreensão da.estrutura-da-língua-e.talvez.possamiadicar_^umfenômeno de.conçietição
entre gramáticas, entre sistemas, conforme o modelo de Kroch (1994), principalmente se
verificado umxasa de mudançada ordememjtempo aparente.
É importante ressaltar que os resultados deste, trabalho só contribuirão para a
pesquisa científica se comparados a outros trabalhos variacionistas que investigaram (e
que investiguem) a ordem V DP em outras regiões do Brasil, como os de Lira (1986;
1996), Berlinck (1988; 1989, 1995) e Zilles (1999), por exemplo. Os. resultados
fornecidos por esses autores somados aos deste trabalho constituem, a nosso ver, ‘mais
um passo’ para a caracterização do.fenômeno.em_estudo..
11

0.2. Apresentação do trabalho


Centrado em discussões e dados supracitados, o presente trabalho é organizado
em seis capítulos. No capítulo I, são apresentados a perspectiva teórico-metodológica
deste trabalho e alguns pontos inçortantes do modelo de Princípios e Parâmetros nos
moldes de Chomslíy (1981; 1986), como a teoria temática e a teoria de Caso. Tais
discussões têm por objetivo descrever alguns parânfôtros do português do Brasil no que
se refere à ordem dos constituintes, em especial para poder servir de ponto de partida a
certas indagações e hipóteses a respeito do estatuto do sintagma pós-verbal.
Procurando defender a hipótese de que, no português do Brasil, a inacusatividade
é um dos fatores que condiciona a ordem V DP, é discutida no capítulo II a proposta de
inacusatividade, segundo a perspectiva de Burzio (1986), traduzida para os termos da
teoria que utilizamos aqui (cf a hipótese de sujeito intemo a VP). Em seguida, é
apresentada a tipologia proposta por JackendofiF (1976; 1987) para a conçosição
semântica dos verbos, com o objetivo de examinar a diferença entre o papel temático de
agente e o de tema, no que se refere aos verbos intransitivos e inacusativos. Essas
discussões são indispensáveis para o elencamento de dois grupos de fatores como
possíveis condicionadores da ordem dos constituintes; tipo categorial do verbo e
composição semântica do verbo - grupos de fatores de ordem sintática e semântica,
respectivamente.
No capítulo III, faremos uma discussão a respeito do estatuto do sintagma
nominal, desde a formação da categoria lexical de nome e das categorias funcionais a ela
relacionadas até as noções sintático-semânticas que caracterizam os sintagmas nominais,
em especial, noções como as de definitude e de especificidade, baseadas em trabalhos de
Belletti (1988) e Enç (1991). A discussão de Belletti (1988) sobre o Caso partitivo é
tomada como ponto de partida para explicar como traços de definitude do sintagma
nominal podem legitimá-lo à direita de um verbo inacusativo em uma língua como o
português. Esses traços serão reanalisados em termos da proposta de especificidade,
formulada por Enç (1991).
O capítulo IV mostra os procedimentos metodológicos necessários para a
descrição e análise da variação intema da ordem do DP em construções
monoargumentais no português falado em Florianópolis. Serão apresentados o método
quantitativo adotado e as decisões julgadas adequadas para a discussão dos problemas e
12

das hipóteses mais especificas, seguindo uma abordagem que tenta relacionar a
sociolingüística variacionista a xrni ^arato teórico de cunho formalista
No capítulo V, são descritos e analisados os grupos de fatores mais significativos
como condicionadores da ordem V DP, no português falado em Florianópolis,
selecionados pelo programa estatístico VARBRUL. A partir dessa discussão é possível
observar se o condicionamento da ordem V DP no português deve ser ou não
considerado uma restrição sintático-semântica No capítulo VI, abrem-se
questionamentos a respeito do caráter do DP pós-verbal, tendo como base a discussão
dos preenchedores das fi-onteiras ...V...DP.... O papel do locativo/temporal como um dos
preenchedores de fronteira será objeto de discussão deste capítulo, que pretende
levantar, entre outras coisas, questionamentos a respeito de construções de tópico e
construções de foco. A análise é reafirmada na conclusão final, seguida de sugestões a
fiituros trabalhos.

0.3. Notas

' Vamos usar aqui a categoria sintagmática DP (Determiner Phrasé) para designar
sintagma nominal e não NP {Nom Phrase) justamente porque, para efeitos de
referencialidade, umNP é sempre não-referencial, pois a ele faltam, traços de definitude e
de especificidade, enquanto um DP pode ser tanto referencial como não-referencial.

^ As abreviaturas POA, SOB, FLC e PAN utilizadas por Zilles (1999) representam as
regiões de Porto Alegre, São Boija, Flores da Cunha e Panambi, respectivamente.

^ Maiores definições e considerações teóricas a respeito do fenômeno da inacusatividade


virão nos capítulos que seguem

Os dados de fala analisados para este trabalho serão identificados com a sigla FLP, que
significa região de Florianópolis, seguida do número da entrevista e do número da linha
em que se encontra o exemplo, no Banco VARSUL.

^ O julgamento de gramaticalidade de (Ib) e (2b) não leva em consideração uma leitura


com stress proeminente ou focalização contrastiva do DP pós-verbal.
13

Entendemos por encaixamento lingüístico o imbricamento entre mudanças internas.

^ O fenômeno V2 é conhecido na literatura como uma estrutura que apresenta a


possibilidade de o verbo estar em Comp, precedido apenas por um constituinte do tipo
Wh. Não estamos considerando que vamos encontrar V2 na ordem V DP, baseados no
trabalho diacrônico de Torres Moraes (1993) segundo o qual tais construções são
basicamente inexistentes no português atual. Vestígios dessa construção já são usados
nessa língua como expressões cristalizadas do tipo (i);

(i) Lá ia eu, levava pro laboratório (est.) o sangue, preparava tudo (FLP23L548)
Capítulo I

A ordem dos constituintes:


em tNJSca de uma explicação sintática

m . Introdução
1.1.1. A perspectiva teórico-metodológíca deste trabalho
A possibilidade de interferência de fatores não-gramaticais na explicação da
mudança lingüística levou muitos estudiosos, desde a década de oitenta, a adotar uma
postiira metodológica que concilia variação e teoria da gramática utilizando, ao mesmo
tempo, a teoria/metodologia variacionista, nos moldes de Labov (1972), e um modelo
teórico gerativista, na versão Government and Binding (doravante GB), proposto por
Chomsky (1981; 1986). Enquanto uma teoria de base formal permite formular
adequadamente os problemas e fornecer hipóteses para a análise dos dados, os resultados
e generalizações dos estudos empíricos permitem que trabalhos de interpretação teórica
possam ser desenvolvidos com mais segurança.
Essa proposta foi lançada por Tarallo e Kato (1989) ao se empreenderem no
caminho que busca a compatibilidade entre as propriedades do modelo gerativo e as
probabilidades do modelo variacionista. Os autores acreditam em um estudo simultâneo
entre variação intra e inter-lingüística; a harmonia trans-sistêmica Ao se questionarem,
por exemplo, sobre o que a análise dos dados revela quanto às circunstâncias em que
determinado fenômeno se manifesta, os autores enfatizam que

“o variacionista (isto é, aquek qm trabalha com variação intra-üngüistica) está intmssado em

projetar, antecipar e cftançar resultados cujo valor exceda os limites do intra-lingüístico para o

universo do inter-lingtiístico”. (1989:7)

Para os autores, as línguas podem diferir não só quanto à marcação positiva ou


negativa em relação a determinando parâmetro (uma diferença qualitativa), mas também
quanto à freqüência com que as propriedades relacionadas a tal parâmetro se
manifestam E a freqüência é conseguida, por exemplo, mediante um estudo
15

variacionista. Nesse sentido, as análises da variação intra-lingüistica partirão de hipóteses


estruturais inspiradas no modelo inter-lingüístico, o modelo teórico chomskiano.
Enquanto, para os formalistas, há um enorme interesse em desvendar os
parâmetros de variação nas línguas naturais, para os variacionistas, o interesse recai nos
estudos empíricos que fomecem resultados estatísticos e probabüísticos relativos aos
condicionamentos das formas lingüísticas que determinam ou condicionam a variação.
Há um movimento de realimentação entre as propriedades paramétricas e as
probabilidades: as primeiras dão suporte para o levantamento das hipóteses a serem
testadas nos dados empíricos; e os resultados probabüísticos podem ser úteis ao
realinhamento das propriedades paramétricas previstas no modelo inter-lingüístico.
Dentro dessa perspectiva teórico-metodológica, a noção de parâmetro aqui é entendida
no sentido discutido por Ramos (1999:87), “como o lugar de possível variação
gramatical e especificação dessa variação em gramáticas individuais”.
A hipótese de gramáticas em competição (cf. Kroch, 1984) para estudar a
variação de certa forma rediscute a noção de parâmetro. Para o autor, a variação
sintática ocorre via competição entre opções incompatíveis gramaticalmente. E essa
incompatibilidade, que vem da teoria gramatical, é uma questão de fixação dos
parâmetros sintáticos da língua, o que quer dizer que, quando temos variantes sintáticas,
temos sempre fixações gramaticais incompatíveis. Quando o parâmetro do objeto nulo,
em uma língua como o português, por exemplo, fixa-se na gramática da língua materna,
entra em assimetria com a gramática criada nas etapas ulteriores da aprendizagem,
entrando em conçetição. Assim, se a mudança de uma ordem variável DP V/ V DP para
uma ordem basicamente fixa DP V (permitindo V DP apenas a construções
monoargumentais) for devida a uma incompatibilidade entre ordem V DP e objeto nulo,
isso parece mostrar uma competição entre dois sistem^ gramaticais, e não uma mudança
nas formas superficiais.
Utilizando-nos desse quadro teórico-metodológíco para discutir a variação da
ordem DP V e V DP em construções nwnoargumentais, estamos partindo do
pressuposto que a aceitação da noção de variação como fenômeno gramatical leva
necessariamente á rejeição da aceitação de que há opcionalidade entre uma e outra forma
lingüística, tal como ocorreu na sociolingüística laboviana, nos anos 60. Nossa
16

expectativa é de que a variação da ordem dos constituintes seja um caso de distribuição


complementar, ou de competição entre gramáticas, e não um caso de variação estilística
Conciliar uma abordagem sociolingüistica que busque observar a língua em uso
com um aparato teórico formalista de base gerativista será, portanto, o propósito mais
imediato deste trabalho. Nossa perspectiva de análise leva em conta a leitura dos dados
já mediada por uma interpretação teórica e se justifica por dois pontos de vista: (i) o
estudo de uma teoria formal servirá para levantar as hipóteses que se inserem neste
trabalho e interpretar fatos de variação sintática; (ii) e o estudo da variação da ordem em
dados enpíricos terá resultados probabilísticos capazes de comprovar ou não as
hipóteses levantadas e realinhar as propriedades previstas pelas análises teóricas ou
predizer novas.
Vários estudos já foram realizados dentro desta perspectiva - regida pela noção
de imbricamento entre as teorias - e já se mostraram bastante produtivos na literatura,
em trabalhos como os de Nunes (1991), Pagotto (1992), Duarte (1993; 1995), Cyrino
(1993), Torres Moraes (1993), entre outros.

1.1.2. Por uma concepção de Gramática


Com o objetivo de descrever os condicionamentos sintáticos da ordem dos
constituintes, principalmente no que se refere ao movin^nto do sintagma nominal e do
sintagma verbal, optamos por uma abordagem sintática de cunho formal, mais
precisamente, por uma abordagem baseada nos pressupostos chomskianos a partir de
1981. De um modelo como a Teoria Padrão, formulado na década de sessenta, que tenta
identificar regras com processos mentais na aquisição e que acena para diferenças entre
competência (conhecimento inconsciente que o falante nativo tem de sua língua) e
performance (uso da língua em situações concretas), Chomsky (1981) parte para um
modelo de Princípios e Parâmetros, na versão GB, formulado a partir de uma perspectiva
modular.
A gramática de uma língua é vista, desde a Teoria Padrão, como o estudo da
competência lingüística, e não o da performance, isto é, como o estudo do saber
lingüístico de um falante adulto de uma certa língua é determinado. Esse estudo ganha
novos rumos no modelo de 1981, que tenta responder qual a forma do conhecimento
lingüístico do falante de uma língua, designada de ‘língua-F (língua internalizada, xmi
17

saber individual inconsciente). A gramática desde então é concebida com princípios que
determinam a formação de palavras, sintagmas e sentenças. É parte do estudo geral de
cognição.
Nesse sentido, uma teoria da gramática é entendida como um conjunto de
hipóteses sobre a natureza de gramáticas possíveis e impossíveis das línguas naturais
(isto é, humanas). Os padrões revelados pelas diferenças entre as línguas parecem sugerir
que a variação é limitada a um conjunto pré-determinado de restrições e é tarefa da
teoria da gramática descobrir a natureza dessas restrições e como elas se relacionam,
com base em critérios de universalidade, tentando construir uma Gramática Universal
(doravante GU). A GU é concebida como o estado inicial da faculdade da linguagem,
geneticamente determinada, a base de que todas as línguas humanas dispõem e que
evolui no indivíduo, constituindo-se na gramática do indivíduo adulto, o seu estado final
estável, nos termos de Chomsky (1981).
Neste modelo de gramática, assume-se que o ser humano é dotado geneticamente
da capacidade para a linguagem, através de princípios rígidos, comuns a todas as línguas,
e de parâmetros, que tentam dar conta de explicar a diversidade entre as diferentes
línguas humanas. Dentro dessa visão, a noção de parâmetro pode ser entendida como um
conjunto restrito de opções (ou valores) associadas com um princípio dado ou com uma
categoria. À medida que os parâmetros vão sendo fixados, vão se constituindo as
gramáticas das línguas.
Baseando-nos em evidências da iíngua-E’ (língua extemalizada), pretendemos
discutir quais são os parâmetros fixados para a ordem do sujeito-verbo/verbo-sujeito
(DP W/W DP), a partir do que está disponível nos sistemas de representação mental
(língua internalizada ou língua-I), e quais as possíveis variantes dessa ordem ( x V DP/ V
X DP/ V DP x) em uma língua particular, como o PB. Para alcançar os objetivos a que a
pesquisa se propôs, será adotado o método quantitativo de análise, a que se
acrescentaram procedimentos qualitativos, por entendermos que muitas vezes
necessitamos de um exemplo apropriado para discutir as nossas hipóteses e essa
evidência nem sempre se encontra nos dados. Os dados serão tratados como fonte de
evidência positiva, pois não podemos pedir julgamentos de gramaticalidade e assim
chegar à língua-I do falante, já que o acervo analisado faz parte de um Banco de Dados
coletado no início da década de noventa. Na impossibilidade de termos certeza de que.
18

quando uma forma não aparece nos dados é porque é uma forma agramatical e para
avançar hipóteses mais gerais sobre a estrutura da língua, em especial sobre nosso objeto
de estudo, vamos discutir também as evidências negativas, ou seja, as formas
agramaíicais. Para tanto, serão usados não só os dados da fala analisada, como também
nossas intuições sobre eles.

1.2. Modelo de Princípios e Parâmetros (Chomsiq^ 1981; 1986)


Neste modelo, Chomsky afirma que todas as linguas humanas dispõem de uma
mesma base, a GU. A GU é formada por categorias que se submetem ao esquema X-
barra, e que são determinadas por princípios e parâmetros. O esquema X-barra é o
módulo da gramática que permite representar a natureza de um constituinte, as relações
que se estabelecem dentro dele e o modo como se hierarquizam para formar as
sentenças. Configura-se como um esquema geral capaz de projetar uma estrutura frasal
com as principais categorias lexicais e funcionais, no qual aparecem distribuídas as
posições de núcleo, especificador e complemaito. Ele está assim representado:

(1) XP
/ \
YP X’
/ \
X” ZP

A variável X do esquema acima é usada para representar qualquer núcleo, a partir do


qual as relações são estabelecidas. Cada núcleo lexical (nome, verbo, adjetivo e
preposição) pode projetar uma posição de especificador (YP) e uma posição destinada
aos complementos (ZP). Da mesma forma que as categorias lexicais, as categorias
fiincionais projetam as posições de especificador e cortplemento, obedecendo à mesma
estrutura hierárquica ilustrada acima. Vale lembrar que, enquanto os núcleos lexicais -
interessa-nos aqui em particular o verbo - têm a capacidade de selecionar
semanticamente seus argumentos, os núcleos fijncionais têm fiinção eminentemente
gramatical, como por exemplo a flexão (INFL), quê codifica certas propriedades
gramaticais que definem se uma sentença é finita ou infinitiva
19

Os princípios gramaticais universais são invariantes através das linguas e


determinam a natureza e a aquisição da estrutura gramatical. Embora haja princípios
universais que determinam as linhas gerais da estrutura gramatical, há também aspectos
particulares dela que estão sujeitos à variação em uma língua particular (os parâmetros).
A teoria tem de ser, então, suficientemente flexível para acomodar a variação
entre as diferentes línguas, mas, ao mesmo tempo, tem de possuir a rigidez necessária
para explicar as propriedades específicas das línguas particulares. O Princípio de
Projeção Alargado, por exemplo, garante a presença de um sujeito nos domínios da
sentença, permitindo uma caracterização das propriedades lexicais e da explicitação das
relações entre o nível lexical e o nível sintático’. O fato de o sujeito^ ser realizado
foneticamente ou não é imi parâmetro da língua: o parâmetro pro-drop (parâmetro do
sujeito nulo).
A existência de parâmetros na gramática universal, segundo Tarallo (1987:53),

“é um pressuposto a partir do qual se compatibilizam, de um lado, a h^ótese da ^amática


universal inata e de outro, a diversidade das línguas existentes. Tentativamente, parâmetros
poderiam ser definidos como conjuntos de propriedades delineadoras e diferenciadoras é sistemas

lingüísticos ãversos. ”

A escolha de um valor do parâmetro produz um certo padrão lingüístico e a


escolha de um outro valor produz um padrão diferente, isto é, se uma língua está fixada
no valor positivo do parâmetro do sujeito nulo é diferente de outra que é fixada no valor
negativo. É a partir das propriedades paramétricas que podemos conhecer a variação
inter-lingüística. E, como Tarallo também ressalta, as mudanças que possam ocorrer em
uma língua fazem parte do conjunto de propriedades de cada parâmetro.
O parâmetro do sujeito nulo consiste na habilidade ou não habilidade de uma
língua exibir DPs nulos na posição de sujeito. Chomsky (1981) apresenta o seguinte
conjunto de propriedades como caracteristicas de línguas fixadas no valor positivo desse
parâmetro:

(2) a . sujeito nulo;


b. inversão livre do sujeito em orações principais;
c. movimento QU- longo do sujeito;
20

d. pronome lembrete nulo em orações encaixadas;


e. aparente violação do filtro "that t ^

De acordo com esse parâmetro, uma língua marcada no valor positivo para o sujeito nulo
admite, entre outras coisas, uma categoria vazia na posição de especificador de IP
(Inflectional Phrase) e a ordem V DP; uma língua marcada pelo valor negativo, ao
contrário, não licencia xima categoria vazia na posição sujeito, nem a ordem V DP.
Consideremos as diferenças entre o italiano, uma língua de sujeito nulo (pro-
drop), e o inglês, uma língua de sujeito lexicalmente preenchido (cf exemplos (3) e (4)),
para entendermos melhor a que propriedades o parâmetro do sujeito nulo está
relacionado:

(3) a. Lui ha telefonato


b. He has phoned
‘Ele telefonou’

(3’) a. Ha telefonato
b. * (He) has phoned
‘ Telefonou’

(4) a Gianni ha detto che lui ha telefonato


b. John said that he has phoned
‘João disse que ele telefonou’

(4’) a Gianni ha detto che ha telefonato


b. * John said that has phoned
‘João disse que telefonou’

Trataremos mais especificamente das duas primeiras propriedades. A propriedade


(2a) está ilustrada em (3a) e (4a); a propriedade (2b) pode ser observada em uma
sentença do italiano como (5a). A tradução da sentença do italiano para o inglês resulta
em uma estrutura agramatical (cf (5b)), o que vem reforçar que a propriedade de
21

inversão livre do sujeito não se verifica em linguas de sujeito obrigatoriamente


preenchido.

(5) a. Ha telefonato Gianni


b. *Has phoned John
‘Telefonou João’

A discussão da ordem V DP passa pela questão de estarmos ou não fi-ente a uma


língua de sujeito lexicalmente presente (ser não-pro-drop ou ser pro-drop), como
observou Chomsky (1981). A propriedade de inversão livre do sujeito, considerada
como a propriedade fundamentai das línguas pro-drop, está associada, segundo o autor,
à hipótese de que a extração do sujeito em línguas com sujeito nulo é feita a partir da
posição pós-verbal, dada a inexistência de certos efeitos, como o that-t effect (cf (2e)).
O português faz parte do grupo de línguas que tem a capacidade de licenciar
sujeitos nulos; entretanto, estudos mostram que o uso explícito do pronome tem sido
cada vez mais freqüente no português do Brasil (PB), diferentemente do português
europeu (PE). Alguns trabalhos já atestam uma mudança paramétrica, ou pelo menos
uma situação de variação no PB: de uma língua de sujeito nulo para uma língua de
sujeito lexicalmente preenchido'*. Paralelamente a esses estudos, os trabalhos diacrônicos
de Berlinck (1988; 1995) atestam que a inversão da ordem V DP em construções pluri-
argumentais é bem mais restrita no PB do que no PE.
Um outro aspecto da estrutura gramatical parametrizável relaciona-se à ordem de
palavras; diferentes tipos de línguas têm diferentes ordens de palavras em tipos
específicos de construção. A GU, nesse sentido, põe à disposição da criança uma escolha
entre a ordem x e a ordem y, e a determinação desse parâmetro é fomecida pelos dados
lingtiísticos que estão ao alcance da criança, isto é, pela lúigua-E. O parâmetro que
discute a ordem dos constituintes relativa a seus núcleos é chamado de parâmetro
nuclear {Head Parameter) nesse modelo. Línguas diferem entre a ordem verbo-objeto
(VO), como em inglês, ou objeto-verbo (OV), como em japonês. As primeiras são
chamadas de línguas de núcleo inicial e as últimas, de línguas de núcleo final.
Assim, espera-se que todas as categorias nucleares da língua que tenha o
parâmetro fixado no valor x posicione seus conplementos na mesma direção. Isso
22

significa que em inglês, onde o verbo posiciona seu argumento interno à direita, as outras
categorias também devem posicionar seus argumentos internos à direita, por exemplo, IP
(inflectional phrase) precede VP nessa língua. O português é exemplo de língua de
núcleo inicial, comportando-se a esse respeito como o inglês.
Alguns parâmetros relacionados à ordem dos constituintes, subjacentes ao
parâmetro da língua de núcleo inicial ou final, como o parâmetro V2, a análise do sujeito
dentro de VP e o movimento de V a Comp (V-to-Comp) vêm atestar que as diferenças
entre as línguas, a variação inter-lingüística, é fiuto da fixação de um valor, digamos
SVO; as outras ordens devem ocorrer por movimento dos constituintes envolvidos (S, V
ou O). O árabe standard é um bom exemplo dessa variação, pois, embora pertença ao
grupo de línguas VSO, permite a ordem SVO em alguns casos; quando o sujeito não
concorda em número com o complexo verbal, a ordem é a básica, VSO; entretanto,
quando há concordância, a ordem muda para SVO. Koopman & Sportiche (1991)
argumentam que a concordância em número entre o sujeito e o verbo na ordem SVO
naquela língua deve ser decorrência do fato de o sujeito estar em relação de
concordância especificador/núcleo (spec/head) com INFL^; ao passo que, na ordem
VSO, o sujeito possivelmente permanece em alguma posição dentro do VP, o que
justificaria também a ausência de concordância. Essas e outras noções sobre os
parâmetros de ordem dos constituintes serão discutidas durante este trabalho, numa
tentativa de mostrar que a variação intra-lingüística segue os mesmos padrões que a
variação inter-lingüística.
Considerando que uma língua de núcleo inicial, como o português, fixada no
valor SVO, também admite a ordem VS(0) e que uma dessas ordens pode estar
evidenciando o movimento do DP à posição de especificador (spec) de IP e a outra a
permanência dele dentro de VP, faz-se necessário levantar alguns pontos importantes do
modelo em foco, como a teoria temática e a teoria de Caso, para tecermos algumas
indagações e hipóteses. Vale lembrar que, nesse modelo, para um sintagma nominal ser
legitimado, tem de pertencer a uma cadeia marcada, no mínimo, por um papel temático e
um Caso. Antes, porém, vamos examinar algumas noções de seleção e de
subcategorização dos argumentos.
23

1.2.1. Os argumentos extenios e internos


O léxico deve conter informações sobre os elementos selecionados
semanticamente por um item lexical e sobre o tipo de relação semântica que os
caracteriza. Um núcleo - no caso em questão, o verbo - seleciona complemento e
especificador. Porém, ele se relaciona assimetricamente com seu complemento e
especifícador (cf estrutura (1)). O núcleo subcategoriza o complemento (o argumento
interno), mantendo uma relação de irmandade com ele, uma vez que ambos são
imediatamente dominados por V’. Já o argumento extemo não é subcategorizado pelo
núcleo, mas selecionado, visto que a relação entre os dois não é de irmandade, estando o
especificador mais alto na estrutura.
Nesta análise, tomamos a expressão argumento extemo como Koopman e
Sportiche (1991), seguindo a hipótese de sujeito interno a VP, pela qual o argumento
extemo é gerado no interior da projeção verbal e é extemo unicamente em relação ao
segmento V’ de VP que contém imediatamente o verbo e os seus argumentos internos,
em estrutura-D. A partir dessa proposta, foi considerada a hipótese de que tanto a ordem
VSO como a ordem VOS derivariam da subida do verbo ao núcleo de IP. O alçamento
do verbo para T geraria primeiro a ordem VSO e a ordem VOS seria derivada desta por
reordenação do sujeito sobre o objeto.
Um dos argumentos a favor da hipótese de sujeito intemo a VP é fomecido pela
sintaxe dos quantificadores (cf Sportiche 1988), em sentenças como:

(6) a. We can ali work harder


‘Nós podemos todos trabalhar duramente’
b. They are both helping her
‘Eles estão ambos ajudando ela’

Os quantificadores all e both estão separados dos sujeitos we e they que são
quantificados por eles. Por se manterem in situ - apesar de we e they serem deslocados -
all e both são chamados de quantificadores flutuantes. Seguindo a hipótese de sujeito
intemo a VP, devemos supor que os sujeitos we e they foram gerados juntamente com
seus quantificadores (all we e both they), na posição de especificador de VP, e foram
movidos para a posição de especificador de IP para se tomarem sujeitos dos verbos
24

auxiliares can e be, respectivamente. Isso significa que os quantificadores só podem


aparecer na posição em que estão se essa é a posição em que o sujeito foi gerado.
Como a posição de sujeito - tratada de agora em diante como posição de
especifícador de IP - é obrigatória, mesmo que um verbo não selecione um argumento
extemo, ela vai ser ocupada, na estrutura-S, ou por imi argumento interno, movido da
posição em que recebe papel temático, ou por um pronome expletivo. O movimento de
um argumento para a posição de especificador de IP é legitimado por questões de Caso.
Papel temático e Caso serão examinados nas próximas seções.

1.2.2. Teoria temática


No modelo de Princípios e Parâmetros na versão Chomsky (1981; 1986), todo
argumento, para ser licenciado, tem de receber papel temático (0). O papel temático é
atribuído pelos núcleos lexicais aos seus argumentos, na estrutura-D.
Na estrutura da oração, os argumentos de um predicador verbal correspondem ao
especificador e aos complementos subcategorizados do predicador. Se um núcleo lexical
seleciona imi argumento, atribui-lhe necessariamente um papel temático. O critério
temático determina que a relação entre argumento e papel temático da entrada lexical do
verbo seja uma relação biunívoca; que cada argumento tenha apenas uma função
temática e cada função temática corresponda a ume um só argumento.
As posições argumentais compreendem a posição de especificador e as de
complemento de um núcleo; elas podem ser temáticas e não-temáticas. Isso significa que
uma posição temática é por definição uma posição argumentai, porém nem toda posição
argumentai é uma posição temática. Por exemplo, a posição de especificador dos verbos
que não atribuem fiinção temática externa é argumentai, mas não-temática. A imposição
do critério temático é mantida desde a estrutura-D. Entretanto, na estrutura-S, um
arguntento pode ocupar uma posição não-temática desde que esteja associado a uma
posição temática, ou seja, ao seu vestígio (0. A esse conjunto de posições não-temática e
temática de um mesmo DP dá-se o nome de cadeia.
Existe em cada oração uma rede de relações semânticas entre o predicador
(verbo) e seus argumentos, a qual depende do tipo categorial do predicador e das
fimções semânticas® realizadas pelos argimientos. Considerem-se as seguintes sentenças
para ilustrar essas relações;
25

(7) a eu trabalho na Universidade, mas trabalho à disposição (FLP20L649)


b. No principio da minha vida, eu sofri dureza (FLP06L789)
c. Eu nasci em Florianópolis (FLP18L09)

O argumento selecionado pelo verbo trabalhar em (7a) realiza o papel de agente;


em (7b), o argumento selecionado pelo verbo sofrer realiza o de experienciador, porque
sofre um processo psicológico; já em (7c) o argumento selecionado pelo verbo nascer
realiza o papel de tema (ou paciente), porque sofre o evento expresso pelo verbo. Para
que uma categoria possa estabelecer uma relação semântica com um predicador, é
necessário, porém, que tenha um potencial de referência, ou sga, que possa servir para
designar entidades (pessoas, coisas, idéias) ou situações (eventos, ações) do universo
discursivo. Assim, os verbos trabalhar, sofrer e nascer atribuem uma função temática,
respectivamente de agente, experienciador e tema ao argumento eu em (7a), (7b) e (7c),
porque este designa entidades.
Entretanto, nem todos os DPs possuem um potencial de referência. É o caso dos
pronomes expletivos, como o i t e o there do Inglês, ou o il do Francês;

(8) a It seems that the children are sleeping


‘Parece que as crianças estão dormindo’
b. II semble que les enfants dorment
‘Parece que as crianças estão dormindo’
c. There is a child in the room
‘Há uma criança no quarto’

Como esses elementos têm um estatuto não-referencial, não são o suporte de nenhuma
função temática.
As informações a respeito dos papéis semânticos fazem parte da entrada lexical
do verbo e interagem com outras informações que estão aí organizadas. Segimdo
Haegeman (1994), devemos tratar os argumentos, na posição de base do sujeito, do
mesmo modo que os argumentos, na posição de objeto. Por exemplo em (9) nós
devemos dizer que ambos os papéis temáticos dos DPs Maigret e the taxi driver são
atribuídos pelo verbo accuse (o exenplo foi retirado da autora);
26

(9) Mmgret accused the taxi driver


‘Maigret acusou o motorista de táxi’

Entretanto, segundo a autora, a escolha do objeto afeta o papel temático do argumento


extemo, enquanto a escolha do argumento externo não afeta o papel temático do objeto.
Considerem-se os exemplos em (10):

(10) a. John broke a leg last week


‘João quebrou uma perna na semana passada’
b. John broke a vase last week
‘João quebrou um vaso na semana passada’

Em ambos (10a) e (10b), o verbo break toma um DP como complemento. A escolha do


complemento determina o papel temático do argumento extemo: enquanto em (10b)
John pode ser considerado o agente, em (10a) John pode ser aquele que sofre o evento
break a leg. A interpretação atribuída ao argumento extemo, nesses casos, depende da
combinação do verbo e de seu argumento interno, uma relação composicional.
A mesma preocupação perpassa o texto de Radford (1997) quando lembra que
uma questão central sobre a atribuição de papel temático é estabelecer como os papéis
temáticos são atribuídos aos argumentos. Segundo o autor, parece claro que é o verbo
que atribui papel temático ao seu complemento por ser esse papel determinado pelas
propriedades semânticas do verbo; entretanto, a questão de como o papel temático é
atribuído ao argumento extemo é mais complexa. O autor lembra que Marantz (1984) e
Chomsk}' (1986) já discutem esse problema e argumentam no sentido de que o papel
temático do argumento extemo não é determinado pelo verbo sozinho, mas é
composicionalmente determinado pelo complexo verbo-complemento. As evidências
para essa conclusão são dadas pelos seguintes exemplos, extraídos do autor (cf p. 165):

(11) a. John threw a bali


‘João lançou a bola’
b. John threw a fit
‘João enfiireceu-se’
27

Novamente, (11) mostra que o papel temático do argumento extemo John depende da
relação que se estabelece entre o verbo e seu argumento interno, o que vem ressaltar que
um verbo atribui papel temático diretamente a seu argumento interno, mas indiretamente
a seu argumento extemo.

1.2.3. Teoria do Caso


Para Chomsky (1981), a marcação casual dos sintagmas nominais é um fenômeno
universal e não apenas uma propriedade das línguas que possuem marcas casuais
morfológicas. A diferença entre as línguas é a forma como essa marcação se expressa:
nas línguas que têm marcação morfológica de Caso, concretamente; e nas que não
manifestam marcação nos morfemas, abstratamente, daí a noção de Caso abstrato na
sintaxe. O modelo prevê que todos os sintagmas nominais foneticamente realizados
manifestem um Caso, do contrário são excluídos pela gramática Esse princípio chama-se
Filtro do Caso.
O filtro do Caso desempenha um papel fimdamental na legitimação dos sintagmas
nominais lexicalmente realizados, mas a teoria do Caso não pode se limitar a eles; é
preciso também legitimar as variáveis, já que seu antecedente (operador) se encontra
invariavelmente numa posição A-barra. Para Chomsky, um elemento qualquer é invisível
para a interpretação temática se não contiver uma marca casual. Essa nova
fimdamentação da teoria do Caso recebe o nome de condição de Visibilidade, que é
formulada do seguinte modo: um DP é visível para a interpretação temática se e
somente se receber Caso. Nessa formulação, a relação entre Caso e papéis temáticos fica
mais estreita, o que significa que as línguas têm de dar visibilidade aos sintagmas para
que eles tenham sua interpretação temática garantida. A Generalização de Burzio (1986),
segundo a qual um verbo só atribui papel temático a seu argumento externo se atribuir
Caso a seu argumento interno já tratava dessa relação de maneira bastante forte. Em sua
proposta, Burzio lança as bases da hipótese inacusativa (ou ergativa) no modelo da GB,
derivando que verbos que não atribuem Caso acusativo a seu argumento intemo não
apresentam a posição de argumento extemo tematizada^.
A atribuição casual a um DP é feita sob regência (ou concordância
especificador/núcleo) do DP pela categoria que lhe atribui Caso. O Caso pode ser
atribuído pela flexão (Caso nominativo), pelo verbo (Caso acusativo) e pela preposição
28

(Caso oblíquo). O Caso nominativo manifesta-se num DP na posição de especificador de


IP; o Caso acusativo manifesta-se na posição de um complemento de um verbo transitivo
e 0 Caso oblíquo manifesta-se na posição de um complemento de uma preposição. A
discussão das possibilidades de atribuição de Caso nominativo será mostrada em 1.2.3.1.
Além dos Casos estruturais (nominativo, acusativo e oblíquo), Chomsky (1986)
admite a existência de um outro tipo de Caso, o Caso inerente, como, por exemplo, o
Caso genitivo, presente em construções do inglês como John ’s house. A diferença mais
importante entre éles, é que, enquanto o Caso inerente encontra-se ligado a uma função
temática e é atribuído na estrutura-D juntamente com essa função temática, o Caso
estrutural é atribuído na estrutura-S e não está associado a nenhuma função temática
específica na grade temática das categorias que o atribuem A proposta de Caso partitivo
de Belletti (1988) - que será discutida nos capítulos subseqüentes - inclui-se nessa
proposta de Caso inerente de Chomsky.

I.2.3.I. Caso nominativo


Para tratarmos da ordem V DP no PB, com base no modelo de GB, precisamos
levantar uma discussão a respeito das propriedades do DP, em especial das propriedades
de atribuição de Caso nominativo. Determinar como o Caso nominativo, principalmente
em posição pós-verbal, é atribuído é uma das tarefas desta seção.
As condições de boa formação das sentenças estão diretamente ligadas á
atribuição de Caso aos DPs; os DPs sujeito, por exemplo, devem receber Caso
nominativo de INFL. Nesse contexto da flexão, o verbo se movimenta a FNFL para
amalgamar (ou checar) sua flexão e o sintagma nominal se movimenta para receber (ou
checar) Caso nominativo de INFL, deixando um vestígio em sua posição de base, com o
qual forma uma cadeia: a cadeia por movimento. O movimento do sintagma nominal
realiza-se em direção a uma posição não-temática e casual;

(12) [DP, t]
não-0 6
K não-K
29

Um aspecto importante deste movimento é o fato de a atribuição de Caso nominativo ser


exclusivamente local, o que significa que uma flexão finita, por exemplo, atribui Caso
nominativo ao sujeito da sua oração, mas não ao objeto ou ao sujeito de uma oração
subordinada.
Esta noção de que cadeias satisfazem as exigências de Caso foi introduzida por
Chomsky (1986). Para explicar a atribuição de Caso em paradigmas como (13), o autor
propõe que um pronome expletivo (com matriz fonética, como em (13a) e (13b); ou nulo
como em (13c)) se encontra necessariamente associado a um argumento em posição pós-
verbal, existindo uma relação de co-indexação entre os dois elementos:

(13) a. It i seems [that Mary is happy] i


b. II i te semble [que Marie est heureuse] i
c. pro i parece [que a Maria é feliz] i

Tal como nas cadeias de movimento, em que a função temática é transmitida do vestígio
para o argumento, num par expletivo-argumento, o Caso é transmitido (agora em sentido
inverso) do expletivo para o argumento (no caso específico em (13), para a oração
subordinada)®. É importante observar que os verbos to seem e sembler, bem como o
equivalente em português parecer, não são atribuidores casuais e, segundo a condição de
visibilidade, a oração subordinada não necessita ser marcada casualmente. Assim, o Caso
atribuído por INFL ao pronome expletivo toma-o visível em LF para a interpretação,
que se fará via ^expletive replacemenf.
Chomsky propõe o termo CADEIA (em caixa alta) para designar os pares
expletivo-argumento (cf (14a)); e cadeia para designar as cadeias por movimento (cf
(14b)). Nesse momento da teoria, pensava-se que as cadeias por movimento e os pares
expletivo-argumento obedeciam às mesmas condições formais. Nos dois casos a cabeça
da cadeia c-comandava a cauda da cadeia.

(14) a. uma hora da manhã, pro \ chegava alguém i (FLP23L547)


[proi, alguémi]
b. uma hora da manhã, alguém i chegava t i
[alguémi, t , ]
30

Em (14a), pro transmite Caso para o argumento em posição pós-verbal; e, em


(14b), no caminho inverso, o vestígio (0 transmite função temática ao argumento em
posição de especificador de IP. Como o Caso nominativo normalmente é atribuído à
posição de especificador de IP, a cadeia que liga o sujeito pré-verbal ao objeto pós-
verbal faz com que o Caso nominativo fique disponível no DP pós-verbal. Essa hipótese,
tratada pela primeira vez por Burzio (1986), ficou conhecida como Hipótese de
Transmissão de Caso (Case Transmission Hypothesis, CTH), e foi usada primeiramente
como uma solução para resolver os problemas relacionados às construções inacusativas,
quando o argumento de um verbo inacusativo não se move para a posição de
especificador de IP, como o exemplo (14a) ilustra.
Apesar de considerar a CTH, Chomsky (1986) aponta alguns problemas
relacionados principalmente com a proposta de cadeia mostrada em (14a). O pronome
expletivo, por exemplo, tem de c-comandar o argumento em posição pós-verbal, tal
como o DP movido c-comanda o seu vestígio. Na cadeia por movimento, a natureza
anafórica dos vestígios de DP explica o c-comando; uma anáfora é necessariamente c-
comandada pelo seu antecedente. Porém, na cadeia expletivo-argumento temos o
problema de explicar que o expletivo c-comande o argumento, violando aparentemente o
Princípio C que garante a liberdade das Expressões-R com respeito à ligação.
Estudos como os de Koopman & Sportiche (1991) tentaram rediscutir o Caso
nominativo atribuído aos DPs pré-verbais e pós-verbais. Segundo os autores, existem
duas configurações distintas para a atribuição de Caso nominativo: nominativo sob
concordância e nominativo sob regência A primeira supõe que a flexão esteja em relação
de concordância especificador/núcleo com o sujeito, um contexto em que o sujeito está
em uma posição pré-verbal; a segunda supõe que a flexão esteja em uma posição mais
alta na estrutura em relação ao sujeito, como é o Caso de inversão do sujeito.
A tipologia proposta pelos autores assume duas possibilidades: (i) Caso
nominativo sob concordância, quando acontece o alçamento de V a INFL e o
movimento do DP para a posição de especificador de IP, recebendo Caso nominativo de
INFL (cf. (15)); (ii) Caso nominativo sob regência, quando o DP fica in situ, dentro do
VP e 0 Caso é atribuído por INFL ao especificador mais bako por regência,
acontecendo o alçamento de V a INFL só em forma lógica (cf (16)).
31

(15) Nominativo sob concordância

IP
/ \
DP^ I’
t / \
1 V+I VP
1___I / \
DP* V’
\
tv

(16) Nominativo sob regência


IP
/ \
DP^ I’
/ \
V+I VP
1 / \
1 DP* V’
I__ t \
tv

A diferença na ordem desses sujeitos (DP'^ V)/(V DP*) é atribuída à idéia de que
em (16) o sujeito permanece em VP (cf. a hipótese do sujeito interno a VP), onde é
atribuído Caso nominativo sob regência por INFL. O fato de, nessa estrutura, o sujeito
não estar em relação de concordância especificador/núcleo com INFL implica falta de
concordância entre eles. Em (15), contudo, o sujeito se move para a posição de
especificador de IP, onde o Caso nominativo sob concordância é atribuído. O fato de o
sujeito aqui estar em relação de concordância especificador/núcleo com INFL implica
concordância de número entre eles, como foi constatado em árabe standard, para
explicar as diferenças entre as ordens SVO e VSO^.
32

As diferenças paramétricas entre as línguas do tipo árabe e outras línguas como o


inglês, basicamente SVO, é que nas primeiras, FNFL pode atribuir Caso nominativo sob
regência e sob concordância, enquanto nas últimas, INFL somente pode atribuir Caso
nominativo sob concordância, basican^nte porque esse tipo de língua não permite a
ordem VSO em sentenças declarativas.
Contudo, as sentenças VSO em árabe poderiam ser comparadas a sentenças em
inglês como There is a unicorn in the garden. Tanto pro em árabe como there em inglês
têm os traços de 3 \ pessoa do singular default e, conseqüentemente, poderia ser dito
que esse elemento default pode estar em relaçâk) de concordância especificador/núcleo
com INFL. Esse aspecto é bastante polêmico e merecerá mais discussões, principalmente
ao tomarmos as sentenças do PB para análise.
Roberts (1993), tomando como base a proposta de Koopman e Sportiche, tenta
explicar uma mudança paramétrica encontrada nas construções do francês, no que se
refere à atribuição do Caso nominativo. Ao assumir que o movimento do verbo finito
para uma posição mais alta do que a de sujeito envolvia movimento para C, o autor
conclui que havia evidência positiva para o parâmetro da atribuição do Caso nominativo
sob regência nessa língua, No fimicês atual, a flexão atribui nominativo apenas por
concordância.
Torres Moraes (1993) mostra indícios de que o Caso nominativo sob regência
estava disponível no português arcaico, e de que essa possibilidade se perdeu nos dias
atuais. Figueiredo Silva (1996:92-93) mostra evidências de que, no português atual,
contextos como construções condicionais e complementos no subjuntivo diferem do
italiano com relação à possibilidade de inversão sujeito-auxüiar, bem como mostra
evidências de que construções com um elemento negativo inicial determinando a
inversão auxiliar-sujeito, em uma língua como o inglês, não constituem fi-ases bem
formadas no português. Esses casos mostram que essa língua não possui construções do
tipo Aux-to-Comp. Nesse tipo de construção o auxiliar atribuiria caso nominativo ao DP
lexical a partir de C°, isto é, em uma configuração de regência, opção inexistente no
português atual. Segundo a autora, cada vez que o verbo flexionado sobe para C° e o
sujeito fica em especificador de IP, o resultado é uma fi-ase agramatical, como o exenplo
(17) - retomado de (8) (cf p.91) - ilustra:
33

(17) a. * Tinha telefonado o João?


b. * Tinha o João telefonado?
c. O João tinha telefonado?

A impossibilidade de Caso nominativo para o DP pós-verbal é responsável pela


agramaticalidade de (17a) e (17b).
Assim, dadas as evidências levantadas por Figueiredo Silva, vamos considerar
aqui apenas a possibilidade de, no português, o Caso nominativo ser atribuído sob
concordância, na relação especificador/núcleo. Não poderá haver senão a configuração
(15) disponível nesta língua
Na próxima seção, vamos mostrar sucintamente uma discussão sobre o
movimento do verbo, a partir da análise conçarativa do inglês e do fi^ancês proposta por
Pollock (1989), a fim de estabelecer o que será tomado como base para as discussões
que se seguem com relação ao português do Brasil.

1.2.4. O movimento do verbo


Antes de discutir o movimento do verbo no PB, vale lembrar que o modelo
gerativista prevê que a GU deve conter um mecanismo que desloca sintagmas de sua
posição de base (aquela posição em que ele foi gerado na estrutura-D) para alocá-los em
outras posições na sentença. Tal mecanismo é conhecido como mova a. É bastante
comum nas línguas que os verbos se desloquem de sua posição de base para 1° (o núcleo
da fiexão) a fim de se completarem morfologicamente. Esse movimento deve acontecer
de núcleo a núcleo, obedecendo, assim, a restrição de movimento nuclear (Head
Movement Constraint, HMC)'“.
Um dos trabalhos que trouxe contribuições importantes para as questões de
movimento dos verbos foi o de Pollock (1989). O autor propõe que INFL (a fiexão) não
deve ser considerado um constituinte com dois conjuntos diferentes de traços, [tempo] e
[concordância], mas cada um desses conjuntos de traços deveria ser considerado um
núcleo de uma projeção máxima, TP {Tense P) e AgrP (Agreement P). Belletti (1990)
concorda com Pollock com relação á necessidade de duas projeções fimcionais, porém
propõe uma ordem estrutural diferente para as projeções.
34

Enquanto Pollock adota a projeção TP como uma projeção mais alta que AgrP,
por ser tempo a categoria que determina, a versão de Belletti é de que a projeção mais
alta da sentença deve ser a da concordância (AgrP)” , uma vez que, na derivação
morfológica, os morfemas de tempo precedem os de concordância: o radical primeiro se
alça a T para receber o morfema de tempo/modo, depois se alça a Agr° para receber o
morfema de concordância número/pessoal, dada a ordem linear dos morfemas ligados ao
verbo, como por exemplo em ‘cantá-va-mos’.
As evidências do trabalho de Pollock apontam para a necessidade de duas
projeções fimcionais, derivadas da existência de diferenciados tipos de movimento do
verbo. O autor mostra que existem línguas que admitem um movimento longo do verbo
e outras que admitem apenas um movimento curto. O primeiro movimento é o do verbo
para a posição do núcleo mais alto, T°; e o segundo, o movimento do verbo para o
núcleo mais baixo, Agr°. O autor conclui que o movimento do verbo em uma língua
como 0 francês só é possível porque a concordância de Agr é transparente, enquanto o
movimento do verbo a uma posição mais alta, em uma língua como o inglês, é inpossível
porque a concordância é opaca, impedindo que os verbos que atribuem papel temático
possam passar pela projeção opaca e chegar ao núcleo mais alto. Tais conclusões
levaram em conta a posição do verbo com respeito aos quantificadores flutuantes, a uma
certa classe de advérbios e à negação.
Pollock está supondo que Agr em inglês, diferentemente de Agr em francês, não
é suficientemente rico sob o ponto de vista morfoiógico para permitir a transmissão dos
papéis temáticos dos verbos, ou seja, ele é opaco à atribuição dos papéis temáticos. Ao
contrmo, Agr em francês, sendo morfologicamente rico, é transparente à atribuição dos
papéis temáticos. O fato de somente auxiliares como have e be (em inglês), avoir e être
(em francês) não atribuírem papel temático, justificaria o movimento desses aspectuais a
uma posição mais alta na sentença. Essa proposta sugere que há uma relação potencial
entre a atribuição de papel temático e o movimento aos núcleos fimcionais Agr° e T°.
Para explicar o movimento dos constituintes, Chomsky (1989), já como um
prenúncio do modelo minimalista, une as posições de Pollock (1989) e Belletti (1990)
sobre a necessidade de se considerar a projeção flexionai IP uma projeção composta de
dois nós independentes, TP e AgrP'^, para explicar a realização do Caso estrutural.
35

Chomsky atribui à posição mais alta o lugar onde se realiza o Caso nominativo (AgrsP) e
à posição mais baixa o lugar em que se realiza o Caso acusativo (AgroP) (cf. (18)):

(18) AgrsP
/ \
Spec Agrs’
/ \
Agrs AgroP
/ \
Spec Agro’
/ \
Agro VP
/ \
(Adv) VP

A condição de movimento, entretanto, deve ser restrita e o movimento


estritamente necessário nesse novo modelo. Se os DPs são movidos para posições
marcadas por certas propriedades, como o Caso, por exemplo, o movimento só será
permitido para checar aquela propriedade naquela posição. Nessa proposta, os
movimentos mais curtos são sempre preferidos sobre os movimentos mais longos e
devem ser evitados movimentos não motivados.
Considerando a hipótese de sujeito intemo a VP, o DP sujeito move-se para a
posição de especificador de IP (ou AgrsP) para checar seus traços de Caso nominativo
{subject raising), numa configuração especificador/núcleo. Assim como o DP sujeito
checa o Caso nominativo, o DP objeto checa o Caso acusativo em AgroP, também em
uma configuração especificador/núcleo. O autor sugere que os Casos estruturais
(nominativo e acusativo) são realizados via movimento, antes de spell out, ou através de
uma operação abstrata, em LF. Em sentenças existenciais, o sujeito permanece em
especificador de VP, já que a posição de especificador de IP (ou especificador AgrsP) é
ocupada por um pronome expletivo (fonético ou nulo), em línguas como o inglês ou o
português, por exençlo;
36

(19) a. There is a man in the garden


b. (pro) Existe um homem no jardim

Radford (1997) sugere que, já que o sujeito temático a man em estruturas como (19a)
não se move para a posição de especifícador de IP, deve-se assumir que isso é
conseqüência do fato de o sujeito ter um traço de Caso fraco, semelhante ao que Belletti
(1988) trata como Caso partitivo, ou seja, um traço de indefinitude'^
Nessa proposta de checagem de traços, o movimento de um constituinte nuclear
deve envolver operações de movimento de um núcleo a outro (head movement), uma
operação de movimento cíclico sucessivo. O verbo, por exemplo, deve se mover à
primeira posição da direita para a esquerda de sua posição de origem (excluem-se os
movimentos à direita). Cada vim dos núcleos Tense e Agreement têm traços [N] e [V]
os quais podem ser parametrizados como fortes e fracos. Traços fortes precisam ser
checados na derivação visível; enquanto traços fracos não podem, sendo checados só em
LF. Um exençlo dessa diferença é fruto das próprias constatações de Pollock a respeito
do movimento curto do verbo, exigido por línguas que têm o Agr opaco, como o inglês,
e do movimento longo, exigido por línguas que têm o Agr transparente, como o francês.
Considere-se (20):

(20) a. Jean pense souvent sur cela


‘João pensa freqüentemente sobre isso’
b. John often thinks about that
‘João freqüentemente pensa sobre isso’

Uma maneira de traduzir as conclusões de Pollock para o quadro minimalista é


dizer que os traços tense do francês, diferentes da contraparte em inglês, são fortes e
visíveis na forma fonológica (FF), por isso o verbo precisa se mover a AgrsP para checá-
los (cf (20a)). Por outro lado, em inglês, os traços só podem ser checados depois de
spell out, isto é, na sintaxe não visível (cf (20b)). A posição dos advérbios souvent e
often permite mostrar as diferenças entre o movimento do verbo lexical no francês e no
inglês.
37

Com relação a uma língua como o português. Figueiredo Silva (1996) examina o
movimento do verbo a partir de evidências quanto à flutuação dos quantificadores
universais'^ e quanto ao movimento dos advérbios. Baseando-se na distinção entre
advérbios de frase (que ocupam uma posição alta, tal como inicial de IP ou inicial de CP,
por exemplo) e advérbios baixos (que ocupam uma posição inicial de VP), ela conclui
que são os advérbios baixos que oferecem provas seguras para se falar que o verbo se
move para fora do VP, como os exemplos extraídos da autora ilustram (cf exemplos 18,
p. 50);

(21) a. O João perdeu completamente a cabeça


b. *0 João completamente perdeu a cabeça

(22) a. O João tinha perdido completamente a cabeça


b. *0 João tinha completamente perdido a cabeça
c. *0 João completamente tinha perdido a cabeça

Através das evidências acima, podemos observar que advérbios baixos devem
obrigatoriamente seguir o verbo lexical no português, mesmo que seja um particípio (cf
(22) ilustra), o que leva a autora a dizer que tanto verbos lexicais finitos como verbos
participais devem sair do VP em português. A partir do comportamento dos advérbios
negativos do português, que é idâitico ao do italiano, a autora assegura também que há
0 movimento longo do verbo, no português, o movimento para o núcleo fimcional mais
alto da frase (cf p. 79). Como, para explicar a ordem V DP, não necessitamos saber
onde o verbo vai parar após sair de VP, se no núcleo funcional de AgrsP ou em um
outro núcleo qualquer, vamos assumir, aqui, apenas parte da hipótese de Figueiredo
Silva (1996), segundo a qual o verbo no português sai de VP, indo para uma posição
mais alta na sentença, que será tratada aqui genericamente como posição de núcleo de IP
( 1°).

1.3. Considerações fínaís


Com o objetivo de explicar a variação na ordem dos constituintes, em uma língua
como 0 PB, traçamos alguns pressupostos do modelo gerativista conhecido por GB. Do
38

exposto derivam-se algumas observações a respeito da ordem dos constituintes: (i) a


possibilidade de inversão livre do DP é uma das propriedades das línguas de sujeito nulo
e depende do valor positivo ou negativo de cada língua; (ii) a variação da ordem dos
constituintes pode estar determinada ou pelo movimento do DP à posição de
especificador de IP para receber Caso nominativo ou pela possibilidade de permanência
do DP em VP; (iii) o movimento desses DPs depende das condições temáticas e casuais
dos argumentos, mas só pode ser para uma posição mais alta na sentença (posição mais à
esquerda na árvore), pois as configurações de inversão do sujeito (operações de
abaixamento) não são admitidas porque elas produzem uma violação na teoria de
ligação; (iv) o verbo deve sair de VP e movimentar-se para uma posição de núcleo mais
alta, tratada aqui como 1°.

1.4. Notas

' Os níveis de representação são assim organizados neste modelo:


Léxico
I
Estrutura-D (D-structure ou DS)
I
Estrutura-S (S-structure ou SS)
I I
Forma Fonológica (FF) Forma Lógica (FL)

O léxico é responsável pela inserção dos elementos lexicais na estrutura sintática


de base, estrutura-D (DS). Alguns princípios atuam na passagem da estrutura-D para a
estrutura-S, como mova a. A forma lógica (FL) é definida como o nível de
representação onde as propriedades semânticas fijndamentais são analisadas e a forma
fonológica (FF) se encarrega de atribuir uma estrutura fônica ao enunciado efetivamente
produzido.

^ É importante salientar que o sujeito nesse modelo é o que preenche uma posição, a
posição de especificador IP.
39

^ Segundo Figueiredo Silva (1996:31), o filtro ‘thaí t’, proposto por Chomsky e Lasnik
(1977), impede o movimento do sujeito por cima de um complementizador lexicamente
realizado. O italiano parece não ser sensível a esse filtro, já o fi^ancês o é, como os
exemplos retirados da autora podem mostrar, a seguir:

(i) * Qui i tu penses que t i partira?


(ii) Chii credi che ti partirá?

Merecem destaque, nesse caso, trabalhos como os de Duarte (1993; 1995) e de


Oüveira (1987).

^ Ao usarmos a nomenclatura INFL, estamos querendo mostrar tanto a posição nuclear


(I) como o conteúdo flexionai.

® Para estudar a fimção semântica dos argumentos, vamos utilizar a proposta de


JackendofF (1976; 1987), que será discutida no capitulo II.

^ A hipótese inacusativa, segundo a proposta de Burzio (1986), será discutida no


capitulo II.

* Essa associação entre um argumento pós-verbal e um expletivo não contempla


exemplos com verbos meteorológicos, como em;

(i) pro Trovejou muito

Segundo Chonsky (1981), o expletivo pro que ocorre com verbos meteorológicos é um
quase-argumento, por isso não precisa estar coindexado com um argumento.

® Nem sempre essa implicação entre falta de concordância e Caso nominativo sob
regência é possível; basta lembrarmos que o Italiano tem sujeito pós-verbal, mas com
concordância obrigatória
40

A Restrição de Movimento Nuclear é postulada do seguinte modo:

“ Um núcko sópode se moverpara a primeira posição de núcleo que o c-comande”

(cf. Mioto et alli, 1999:182).

” Belletti (1990) utiliza o Princípio do Espelho de Baker como base para a sua inversão.

Nas sentenças negativas, uma projeção NegP intervém entre o TP e o AgrP.

Essa questão será discutida no decorrer deste trabalho.

Reafirmando algumas posições inseridas no trabalho de 1989, Chomsky (1992) assume


que as diferenças paramétricas significativas entre as línguas são limitadas às diferenças
lexicais, especialmente às diferenças entre os traços dos elementos lexicais que ocupam
os nós da categoria fimcional. Para formalizar essas diferenças, o autor olha para os nós
Agr e Tense e seus traços N e traços V (N-features e V-features). Os traços N são
checados junto a um DP em especificador de AgrP (ou especificador de TP) e os traços
V são checados junto a V e se adjungem a um núcleo fimcional. Esses traços devem ser
ou fortes (visíveis na PF) ou fi^acos (invisíveis na PF).
As diferentes combinações possíveis de traços N e V fracos e fortes resultam em
dezesseis tipos de línguas diferentes, parametrizadas pela força de seus traços
morfológicos em Agr e T:

Traços de Agr N-forte V-forte


N-forte V-fi-aco
N-fi-aco V-forte
V-fi^aco V-fi^aco

Traços de Tense N-forte V-forte


N-forte V-fi^aco
N-fi-aco V-forte
N-fi^aco V-fi-aco
41

Considerando as diferenças de movimento do verbo entre o francês e o inglês, já


apontadas por Pollock (1989), Chomsky assume que em inglês os traços N de T devem
ser fortes, enquanto os traços V de T devem ser fracos, o que faz com que o DP se alce
à posição de especifícador de AgrS para receber caso nominativo; e o verbo lexical não
se mova para TF antes de spell out. Além disso, ambos os traços V e N de Agr devem
ser traços fracos; se os traços do verbo fossem fortes isso significaria que o verbo
deveria sair de VP e se os traços de N fossem fortes o objeto deveria se alçar à posição
de especifícador de AgroP, antes de spell out, o que não acontece.

Figueiredo Silva (1996;44-47) nos mostra que os quantificadores universais flutuantes


no português do Brasil não fornecem provas seguras para o movimento do verbo.
Capítulo II

A natureza do verbo monoargumental

2.1. Introdução
Este capítulo abordará a questão da natureza do verbo monoargumental, do
ponto de vista sintático e semântico. Em primeiro lugar, será discutida a hipótese
inacusativa, segundo a perspectiva de Burzdo (1981; 1986)', traduzida para os termos da
teoria que estamos utilizando aqui (cf. a hipótese de sujeito interno a VP). As subseções
que discutem as propostas de Burzio têm por objetivo contrastar alguns dadôs do
italiano com dados do PB, em especial dados de fala do Banco VARSUL, a fim de
verificar se existem motivações empíricas para dizer que a hipótese da inacusatividade se
sustenta em português .
Em segundo lugar, vamos apresentar uma tipologia semântica dos verbos,
proposta por Jackendoff (1976; 1987). Ela será adotada neste trabalho, principalmente
no que tange às relações semânticas que o verbo mantém com os seus argumentos. A
adoção dessa tipologia é fixito da necessidade de estabelecer critérios plausíveis para a
distinção entre uma sentença [+agentiva] e uma [-agentiva], suporte semântico para o
entendimento da teoria temática, nos termos de Chomsky (1981).

2.2. O fenômeno da inacusatividade: proposta de Burzio (1986)


2.2.1. Critério semântico: o papel temático do DP
Burzio (1986), ao introduzir a hipótese das construções ergativas (doravante
inacusativas)^ no quadro da gramática gerativa, deu suporte teórico às propostas de
Perlmutter (1976; 1978)1 Constatou que as construções tradicionalmente tratadas como
intransitivas, em luna língua como o italiano, não constituíam uma classe homogênea,
como os exemplos (1), (2) e (3), retomados do autor, ilustram;

(1) a. Giovanni arriva


‘Giovani chega’
43

b. Giovanní telefona
‘Geovani telefona’

Aparentemente essas estruturas são iguais. Porém, quando os verbos arrivare e


telefonare recebem o clítico ne ou um auxiliar aspectual, as diferenças se acentuam,
como pode ser observado em (2) e (3):

(2) a Ne arrivano molti


‘Muitos deles chegaram’
b. *Ne telefonano molti
‘Muitos deles telefonaram’

(3) a Giovanni è arrivato


‘Geovani chegou’
b. Giovanni ha telefonato
‘Geovani telefonou’

Uma das diferenças entre as estruturas adma é a gramaticalidade de (2a) contra a


agramaticalidade de (2b). Verbos como arrivare ‘chegar’ aceitam o clítico ne, ao passo
que verbos cohk) telefonare ‘telefonar’ não aceitam essa espécie de cliticização. Outra
diferOTça é marcada pela seleção dos auxiliares aspectuais essere e avere em (3), e sua
exata correlação com o contraste em (2). Os argumentos de Burzio vão na direção dos
de Perlmutter, segundo os quais o sujeito superficial de verbos como arrivare é um
objeto direto emDS.
Em relação a estruturas com o ne clítico (ne-cl), o autor aponta outros domínios,
dentro dos quais ne-cl é possível: construções passivas, construções com se impessoal,
construções que alteram estruturas AVB para BV (SVO/OV). Em cada um desses
domínios, a cliticização do ne é uma propriedade do DP objeto, isto é, o clítico ne é
usado somente com argumentos internos e nunca com argumentos externos.
Considerem-se agora estruturas AVB que se altemam para BV, extraídas do
autor;
44

(4) a L’artiglieria affondo due navi nemiche


‘A artilharia aftmdou dois navios inimigos’
b. [Due navi nemiche] i affondarono t i
‘Dois navios inimigos afimdaram’

A relação entre o DP due navi nemiche em (4b) e em (4a) corresponde à mesma relação
entre o sujeito da passiva e o objeto de formas ativas correspondentes, isto é, DPs em
construções como (4b) realizam o mesmo papel temático dos objetos de construções
como (4a).
Uma das explicações de Burzio para essas diferenças diz respeito, portanto, à
propriedade de atribuição de papel teinático: enquanto uni verbo transitivo atribui tanto
papel temático ao DP que está na posição de especificador de VP'^ como ao DP que está
na posição de objeto (posição intema a V ), existem verbos que só atribuem papel
temático ao DP interno a V , como (5) ilustra:

(5) a . [ L’artiglieria i [ t; affondo due navi nemiche


IP VP
não-e 0 0

b. [ Due navi nemiche i [ 0 affondarono t;


IP VP
não-0 0

O papel temático em (5b) é atribuído apenas ao argumento interno do verbo


affondare (pois só M um argumento selecionado), o que significa que, para a posição de
especificador de VP, nesse caso, não é projetada uma fimção temática externa. O autor
assume que um verbo que permite tanto estruturas AVB con» BV pode atribuir papel
temático ao DP que está na posição de especificador de VP (cf (5)). Porém, essa
possibilidade não é produtiva, como os paradigmas em (6) e (7) ilustram:

(6) a Giovanni legge il libro


‘Giovanni lê o livro’
b. * 0 legge il libro
45

(7) a. * Giovanni arriva moltí esperti


b. 0 arrivano moltí esperti
‘ Chegaram muitos especialistas’

Em (6a), o verbo leggere ‘ler’ atribui papel temático tanto para o DP que está na
posiçâk) de especificador de VP como para o DP que está na posição de objeto, faltando
a contraparte intransitiva (cf. (6b)). Já em (7), com verbos como arrivare ‘chegar’, falta
a contraparte transitiva.
Burzio se refere a verbos que subcategorizam um objeto direto e que não
atribuem papel temático ao sujeito, por exemplo affondare em (5b) e arrivare em (7b),
como verbos inacusativos, o que significa dizer que o único DP subcategorizado por um
verbo dessa natureza é gerado na posição de objeto (posição interna a V ).
Confrontando estruturas que apresentam o mesmo elemento clítico (si), como
(8a) e (8b), o autor mostra evidências de posições tematicamente marcadas e das que
perderam marcação temática:

(8) a Maria si guarda


‘Maria se cuida’
b. II vetro si ronçe
‘O vidro se quebra’

Em (8a), o autor assume que 5/ é um clítico reflexivo, gerado na posição de objeto (cf
(9a)), que forma cadeia com uma categoria vazia em posição de objeto, exatamente onde
um clítico não reflexivo deveria estar (cf (9b)):

(9) a Maria si guarda [ec]


b. Maria lo guarda [ec]

Em ambos (9a) e (9b), à posição de objeto é atribuído um papel temático pelo


verbo, e esse pq)el temático é transmitido ao clítico, via cadeia, satisfazendo assim o
Princípio de Projeção. O clítico é, segundo Burzio (1986: 38), a parte visível do Caso
marcado pelo verbo, o Caso acusativo. A presença de ambos. Caso e papel temático, em
46

contextos como (9), explica o fato de tais clíticos poderem se alternar com DPs lexicais,
como ilustra (10):

(10) a. Maria lo guarda t


b. Maria guarda Giovanni

Ao contrário, o clítico si em (8b) não tem significado reflexivo e nem permite a


alternância com um DP lexical; por isso, deve ser considerado um afixo. Se o clítico não
tem fijnção temática, também não pode ter traço de Caso. Na verdade, a presença desse
afixo é, segundo o autor, um reflexo morfológico da perda do papel temático de sujeito,
como está evidente em construções transitivas do tipo (12), em contraste com (11);

(11) a. II vetro si rompe


b. * II vetro rompe Giovanni

(12) Maria ron^je il vetro

A alternância entre DP realizado como sujeito e o clítico si marca a derivação de


construções inacusativàs a partir de transitivas, semelhantes aos pares AVB/BV. Além
disso, sentenças do tipo (8b) também passam nos outros testes de inacusatividade; vale
lembrar, em particular, a possibilidade de Ne-cl com sujeito invertido:

(13) Se ne ronçono mohi


‘Muitos se quebraram’

Embora em uma lingua como o português o teste sintático referente à cliticização


do ne e à seleção diferenciada dos auxiliares aspectuais (essere e averé) não esteja
disponível para evidenciar algumas diferenças entre os verbos intransitivos e os verbos
inacusativos, algumas semelhanças de conportamento entre as duas línguas podem dar
indícios de que o fenômeno da inacusatividade é um fenômeno universal, como as
construções com o clítico se, as construções passivas, as construções BV (do contraste
entre AVB/BV), as construções existenciais e as construções com verbos do tipo
47

aparecer e chegar, principalmente no que se refere às restrições selecionais dos


sintagmas.
Em relação a estruturas com o elemento clítico se, evidências do
PB mostram que, com verbos como quebrar, o clítico mais se parece com um afixo,
enquanto, em estruturas com verbos do tipo de vestir, o clítico reflexivo pode se alternar
tanto com um clítico não reflexivo quanto com um DP lexical, como nas sentenças do
italiano, como mostra a derivação de (14) em contraste com a de (15):

(14) a. O copo se quebrou t


b. * O copo a quebrou t
c. * O copo quebrou a menina

(15) a. Maria se vestiu t


b. Maria a vestiu t
c. Maria vestiu a menina

Se em (14c) tivéssemos A menina quebrou o copo^ a sentença seria gramatical,


mostrando que a alternância do clítico se com um DP lexical realizado como sujeito
(com traços de animacidade) marca, na verdade, que o clítico é um reflexo morfológico
da perda do papel temático do sujeito A menina, derivando sentenças inacusativas a
partir de transitivas (pares AVB/BV). Estudos mostram que o clítico não reflexivo no
português já está des^arecendo, tomando-se bastantes possíveis (e talvez muito mais
recorrentes) sentenças como (16). Entretanto, o clítico reflexivo não pode estar ausente,
como a agramaticalidade de (16b) confirma, a menos que o argumento intemo estivesse
nulo:

(16) a. O copo quebrou


b. * A menina vestiu

Como argumentam Mateus et alli (1989), o clítico se absorve o Caso atribuído


pelo verbo ao seu argiomento intemo e elimina a fimção semântica atribuída pelo verbo
ao seu argumento extemo. O efeito desse clítico seria então de inacusativização de um
48

verbo transitivo: o argumento interno de um verbo transitivo como quebrar pode


desiocar-se para a posição de sujeito e aí receber Caso nominativo de INFL - na relação
especificador/núcleo (spec/head), ou pode receber Caso nominativo via CADEIA, isto é,
permanecer em posição pós-verbal, coindexado a um pro expletivo em posição de
especificador de IP, de um modo análogo ao de uma construção existencial.
Como a fiinção temática do argumento externo só pode ser a de um papel
temático diferente de tema, parece fazer sentido dizer que a ausência do clítico evidencia
a perda do sintagma que tem a ftmção temática de agente (ou a de experienciador, por
exemplo) e que a alternância de estruturas AVB/BV é um processo dessa natureza,
como 0 paradigma em (17) confirma:

(17) a. A menina quebrou o copo com o martelo


b. O copo se quebrou
c. O copo quebrou

Em (17), podemos observar que, enquanto o verbo de uma construção transitiva


seleciona um argumento externo e um argumento intemo necessariamente (cf (17a)); o
verbo de uma construção inacusativa seleciona apenas um argumento intemo, argumento
que, no dizer de Jackendofif (1976)^ realiza o papel temático de tema. Essas restrições
selecionais, que permitem estabelecer diferenças entre os pares AVB/BV, tanibém
podem justificar a divisão dos verbos monoargumentais em duas classes autônomas.

2.2.2. Critério sintático: a questão do Caso


2.2.2.I. A ordem DP V
Outro argumento de Burzio (1986) a respeito do critério de inacusatividade - a
propriedade de não atribuir Caso acusativo ao DP objeto de um verbo inacusativo -
fundamenta-se nas explicações de Chomsky (1981) em relação às construções passivas.
A morfologia passiva, segundo Chomsky, tem a propriedade de bloquear a atribuição da
função temática extema à posição de especificador de VP. Considere-se (18):

(18) a. Giovanni accusa Maria


b. Mariaèstataaccusata ti
49

O argumento Maria em (18b) (que corresponde ao objeto direto de uma construção


ativa) recebe seu papel temático na posição de objeto do verbo. A posição de sujeito
(posição de especificador de IP) encontra-se vazia em estrutura-D e preenchida em
estrutura-S pelo DP que foi gerado na posição de objeto, como representado em(19);

(19) a . [spec, IP] è stata accusata Maria


não-0 0

b. Maria i è stata accusata ti


não-0 0

Em estrutura-D, o DP encontra-se na posição temática, onde recebe papel temático,


atribuído pelo verbo (cf. (19a)); e, em estrutura-S, é movido para a posição não temática
de sujeito da construção passiva (cf. (19b)), deixando um vestígio na posição de base.
Segundo Chon^ky (1981), além de não projetar luna função temática extema, o
verbo passivo, devido a sua morfologia específica, perde a capacidade de atribuir Caso
acusativo. Com base nessas duas propriedades da construção passiva, e observando que
as construções com verbos como arrivare manifestam efeitos semelhantes aos da
passiva, Burzio propõe a seguinte generalização ‘um verbo atribui função temática
externa se e somente se atribui Caso acusativo’, formalizando o que fica sendo
conhecida na literatura como a generalização de Burzio. Vale dizer, se um verbo não
atribui Caso acusativo (q), não tem a capacidade de atribuir fimção temática extema (p).
Essa generalização bi-condicional pode ser assim representada:

(20)Se~p ~q, então ~q ~p

Examinemos agora o conçortamento do verbo inacusativo e do verbo


intransitivo no PB, de acordo com uma explicação de ordem sintática. Se tomarmos a
generalização de Burzio, segundo a qual um verbo só atribui fimção temática extema se
e somente se atribuir Caso acusativo, podemos verificar que o verbo funcionar em (21)
não apresenta fimção temática extema, já que não admite complemento (cf (21b)),
diferentemente do verbo correr.
50

(21)a. O palácio do govemo funcionava lá no centro (FLP18L582)


b. *0 palácio do govemo funcionava um funcionamento normal lá no
centro

(22) a. João correu no ano passado


b. João correu a corrida de São Silvestre no ano passado

A generalização de Burzio explica as diferenças entre os verbos intransitivos e


inacnsativos e implica dizer que os verbos intransitivos, assim como os verbos
transitivos, têm a capacidade de atribuir Caso acusativo, contrariamente aos verbos
inacusativos. Essa possibilidade tem seu reflexo nos objetos cognatos, possíveis de
ocorrer com os verbos intransitivos, como em (22); e impedidos em construções com
verbos inacusativos, como em (21). Só a possibilidade de atribuição de um Caso
acusativo ao argumento interno a corrida de São Silvestre pode explicar a
gramaticalidade de sentenças como (22b). Vale ressaltar, no entanto, que certos verbos
inacusativos como morrer também admitem objeto cognato (cf. (23)), enquanto certos
verbos intransitivos parecem ser extremamente resistentes a uma tal construção, como os
exemplos em (24), retomados de Figueiredo Silva (1996:116-117), ilustram

(23) João morreu uma morte tranqüila

(24) a. Eu dormi um sono de pedra


b. *Eu viajei uma viagem genial

Os exemplos (23) e (24b) abrem algumas discussões que parecem não sustentar a
generalização de Burzio. Retomaremos essa questão no capitulo V.
Mesmo que a relação entre papel temático e atribuição de Caso acusativo não
possa ser estabelecida nos termos de Burzio, vale lembrar aqui da proposta de inclusão
de uma classe de verbos inacusativos na tradição gramatical. Tal proposta assenta-se, em
dois pontos básicos: (i) construções inacusativas só exibem como posição temática a
posição intema a V ; (ii) ao DP dessa posição interna não é atribuído Caso acusativo,
como a estrutura (25) ilustra;
51

(25) Estrutura básica de verbos inacusativos


VP
\
V’
/ \
V DP
funcionar o palácio do governo

Mioto (1995) também apresenta evidências de que existe no português razões


para se falar em inacusatividade, salientando, principalmente, que o comportamento de
verbos como parecer seria melhor explicado mediante essa classificação. Para discutir a
idéia, considerem-se algumas estruturas emprestadas do autor:

(26) a . Parece [ que Maria é feliz]


b. Parece [ Maria ser feliz]
c. Parece [ Maria feliz ]

As diferentes estruturações em (26), segundo Mioto, derivam da natureza do


complemento: em (26a) uma sentença encaixada; em (26b) um constituinte cujo núcleo é
o verbo ser, em (26c) uma small clause. Em todos os casos fica assegurado que o papel
temático do DP Maria lhe é atribuído em sua relação local com (ser) feliz. Essa relação
de localidade pode ser recuperada por meio de uma cadeia Vejamos:

(27) a . M aria i parece t i ser feüz


b. Maria; parece ti feliz

O movimento do DP Maria para a posição marcada por Caso, a posição de especificador


de IP, deve-se ao fato de o verbo parecer ser incapaz de atribuir acusativo; além disso,
não existe flexão no complemento, e a relação entre o DP Maria e a INFL é uma relação
de concordância, na qual se dá também a atribuição de Caso nominativo, que lhe é
assegurada pela configuração especificador-núcleo.
52

O autor toma verbos como parecer, cujo complemento não é de natureza


nominal, como o protótipo de verbo inacusativo para rediscutir a classificação tradicional
dos verbos. Mostra também outras motivações para sustentar a hipótese inacusativa,
relacionadas à restrição de seleção do DP, à concordância e à ordem dos constituintes, a
partir de verbos como chegar e aumentar.
Todas essas evidências apontam para o fato de que os verbos inacusativos não
selecionam um argumento externo, selecionando apenas argumentos internos. A falta de
argumento extemo possibilita que o argimiento interno (ou parte desse argumento),
através da regra mover a, venha a ser o sujeito da sentença, deixando um vestígio (/) na
posição de base. É importante ressaltar novamente que a posição de sujeito (posição de
especificador de IP) é obrigatória. O DP move-se para ela, uma posição não-temática,
para garantir Caso nominativo, deixando um vestígio (0 na posição de origem, uma
posição não-casual e temática, como está representada em (28);

(28) O palácio do governo fimcionava t lá no centro


não-0 0
K não-K

Êsta análise propõe uma explicação plausível para o fato de que, em construções
com verbos inacusativos, o DP pós-verbal é alçado para a posição de especificador de
IP, onde lhe é atribuído Caso nominativo. Mas o alçamento desse DP para uma posição
pré-verbal não é obrigatório. No PB, por exemplo, a posição pós-verbál do DP é mais
fi^eqüente em construções inacusativas do que em intransitivas, segundo Mioto (1995), e
imia primeira explicação para esse fato é que possivelmente a posição pós-verbal desses
constituintes é compatível com a do argumento interno. Essa discussão será retomada a
seguir.

2.2.2.2. O DP pós-verbal
Além das diferenças entre os verbos intransitivos e inacusativos relacionadas
anteriormente, uma outra merece atenção: a possibilidade de o argumento de um verbo
inacusativo poder aparecer em posição pós-verbal mesmo em línguas que não
apresentam a propriedade de inversão livre do sujeito, uma das supostas propriedades
53

das línguas pro-drop. Ao comparar linguas que não admitem sujeito nulo, como o inglês
e 0 francês, com línguas que admitem, como o italiano, Burzio diz que as propriedades
dessas línguas provavelmente estão relacionadas. É de se esperar que o italiano e o
português, ao permitirem pronome nulo sujeito, também permitam argumentos nulos
(representados por 0 ) correspondentes a il e there de linguas de sujeito lexicalmente
realizado como o francês e o inglês, por exemplo.
Considere-se o paralelismo entre as línguas, ilustrado em (29):

(29) a. There have arrived three girls


b. II est arrivé trois filies
c. 0 sono arrivate tre ragazze
d. 0 Chegaram três garotas

Segundo o autor, uma certa relação se sustenta entre o não-argumento {il, there e 0 ) em
posição de sujeito e o DP pós-verbal (tratado por ele como i-subject), como em (30),
uma relação manifestada pela co-indexação;

(30) There i have arrived [ three girls] i

Essa mesma correspondência pode ser observada com o pronome expletivo it,
em inglês, embora a co-indexação, nesse último caso, seja feita com uma sentença, como
(31) ilustra;

(31) [ It i seems [that [the girl is sleeping ]i ] ]

Em línguas de sujeito nulo, como, por exemplo, no português, o mesmo paralelismo


pode ser observado:

(32) a. [ pro i (expl) parece [que [a menina está dormindo ] i ] ].


b. *[ Joana i parece [que [a menina está dormindo ]i ] ]
54

A obrigatoriedade de um pronome expletivo (nulo, como em (32a), ou com


realização fonética, como em (31)), na posição de especificador de IP reafirma o fato de
que esta posição é não-temática e obrigatória. Além disso, um DP não poderia ocupar a
posição desse pro expletivo, porque essa posição não recebe papel temático em
estrutura-D e, para ser ocupada por movimento, o DP deve já ter recebido papel
temático em uma outra posição. Isso justifica o fato de (32b) ser agramatical.
Dadas tais evidências, podemos dizer, então, que algumas estruturas do italiano e
do português são análogas às do inglês, isto é, em italiano ou em português também
encontramos sujeitos expletivos co-indexados com um DP pós-verbal ou com uma
sentença.
Um outro aspecto tratado por Burzio diz respeito ao papel temático que o DP
pós-verbal realiza. Se tomarmos a estrutura-D como uma representação pura da
estrutura temática, com todos os argumentos na posição em que são atribuídos os papéis
temáticos, segue-se que em (33a) o DP pós-verbal é gerado na base (na posição de /-
subject, segundo Burzio), enquanto em (33b) ele se move da posição externa a V’ para
uma posição á direita do verbo®;

(33) a. [ec] i arriva M aria i


b. [ec]i telefona M aria i

Para comprovar que as posições de base dos DPs são diferentes, o autor deriva
as sentenças (33) do italiano, mostrando a possibilidade (ou não) de atribuição do
auxiliar essere e a possibilidade de concordância do DP com o particípio. Considerem-se
(34)e(35):

(34) a. Mariai è arrivata ti


b. [ec] i è arrivata M aria i

(35) a. Maria i ha (*è) telefonato


b. [ec] i [ [ ha telefonato (*telefonata)] M aria i]
VP VP
55

Essas sentenças evidenciam mais uma vez que os verbos arrivare e telefonare
têm diferentes estruturas-D. Enquanto uma relação de coindexação existe entre as
posições de sujeito e de objeto direto em (34), a falta de ambos - atribuição do auxiliar
essere e concordância com o particípio em (35) - mostra que aí não existe nenhuma
relação entre as posições de sujeito e de objeto. Tais diferenças apontam para duas
posições de DP pós-verbal; a primeira, uma posição intema a VP; e, a segunda, uma
posição de adjunção.
Considerando outras diferenças entre os verbos intransitivos e os verbos
inacusativos, Burzio salienta que o DP pós-verbal de um verbo inacusativo precederá
certos complerrentos sentenciais, enquanto o de um verbo intransitivo os seguirá, como
as estruturas em (36) ilustram:

(36) a. [ec] V DP S (verbo inacusativo)


b. [ec] V S DP (verbo intransitivo)

Elas podem ser assim descritas em italiano:

(37) a. Giovanni interverrà [a risolvere il problema]


b. Interverrà Giovanni [a risolvere il problema]

(38) a . Giovanni sperava [di risolvere il problema]


b . ?? Sperava Giovanni [di risolvere il problema]

Nas construções do tipo (38), a inversão do DP para a posição de objeto toma a


sentença marginal; enquanto, nas do tipo (37), é perfeitamente possível. Esse contraste
mostra que os verbos intervenire e sperare devem estar associados a estruturas-D
diferentes. No caso de intervenire, a possibilidade de sujeito invertido dentro do VP
deve refletir uma construção inacusativa, do tipo discutida acima. No caso de sperare, o
exemplo ilustra que o DP só pode ser movido para a posição à direita do verbo por
adjunção, ou seja, um movimento do DP externo a VP, o que se comprova com uma
maior aceitabilidade da sentença em (39):
56

(39) ? Sperava [di risolvere il problema] Gíovanni

Esses fatos podem ser tomados como evidência de que verbos como arrivare e
intervenire apresentam algumas propriedades comuns aos verbos transitivos, uma vez
que o único argumento subcategorizado por um verbo inacusativo é gerado na posição
de objeto. Entretanto, apresentam outras propriedades opostas a dos verbos transitivos,
como a não marcação temática da posição de especificador de VP, como as evidências
dadas no item 2.1.1. podem confirmar.
Para discutir a idéia, considerem-se os seguintes paradigmas:

(40) a. Um telegrama chegou prati, urgente


b. Chegou um telegrama pra ti, urgente (FLP03L856)

(41) a. a Regina trabalhou [ali na] aqui na maternidade (FLP03L1172)


b, ??trabalhou a Regina [ali na] aqui na maternidade

Os casos (40) e (41) são exemplos de construções inacusativas e intransitivas,


respectivamente. A gramaticalidade de sentenças como (41b), com ordem inversa, não se
justificaria, por ser o argumento a Regina um argumento extemo e, conseqüentemente,
por não haver nada que licenciasse o argumento extemo naquela posição. A ordem V DP
só seria possível, nesse caso, se o DP estivesse em uma posição extema a VP, co-
indexado a um pronome lexical ou nulo, na posição de especificador de IP (cf. (42a)); ou
se a construção fosse de foco (cf (42b)):

(42) a. (ela) i trabalhou [ali na] aqui na maternidade, a Regina i


b. trabalhou A REGINA [ali na] aqui na maternidade (e não a Sílvia)

A gramaticalidade de (40b) parece ser justificada por ser o DP um telegrama o


argumento de um verbo inacusativo. Já que a posição de base do argumento de um
verbo dessa natureza é a posição de objeto do verbo, é de se esperar que, nesse tipo de
construção, a ordem V DP também esteja disponível.
57

Se tomarmos novamente as estruturas (34b) e (35b), vamos perceber que existem


muitas diferenças entre uma e outra com relação à posição do DP que está à direita do
verbo: no primeiro caso, a posição de base do argumento de um verbo inacusativo; e, no
segundo caso, a posição fora do VP, uma posição de adjunção. Burzio ressalta que,
apesar de posições diferenciadas, existe nesses casos a mesma relação de co-indexação
entre o sujeito não argumentai [ec] e o DP pós-verbal, independente de terem sofrido
movimento ou não.
Tomando como pressuposto que os elementos expletivos isolados como il e
there têm Caso, porque em geral não ocorrem como sujeitos de infinitivas, mas não têm
p ^ e l temático, pois não são argiunentos, Burzio postulou uma estrutura com um
pronome expletivo na posição de sujeito coindexado ao DP pós verbal, chamando essa
relação de uma CADEIA de Caso (cf (43)). Esta estrutura, segundo o autor, está
representando tanto a relação de cadeia de (34b), ilustrada aqui em (44), como a de
(35 b), representada em (45), porque há exatamente um argumento e um papel temático
em ambos os casos.

(43) [ pro(expl)i, DP,]

(44) [ [ expl ]i [ I [ V DPi ] ] ]


IP DP I’ VP

(45) [ I expl ]i [ I I [ V ] DPi ] ] ]


IP DP I’ VP VP

Como todo DP portador de papel temático precisa receber Caso, pela Condição
de Visibilidade, Burzio propôs que o objeto temático de um verbo inacusativo fosse
marcado com o Caso nominativo via CADEIA [pro;, DPi ], dada a sua co-indexação com
o pronome expletivo (realizado ou não foneticamente) na posição de sujeito. O Caso
nominativo é atribuído pelo núcleo da flexão a um pronome expletivo na posição de
especificador de IP e então transmitido ao DP pós-verbal por meio da formação de uma
CADEIA. A CADEIA que liga o expletivo ao DP pós-verbal faz com que o Caso
nominativo fique disponível para o DP pós-verbal. Nessa CADEIA, o Caso é atribuído
58

ao pronome expletivo na posição de sujeito e o papel temático ao DP lexical na posição


de objeto. Dada a correspondência de um-a-um entre Caso e papel temático, o autor
salienta que a atribuição de Caso é sempre um pré-requisito para a atribuição de papel
temático.
Uma outra evidência é a concordância do verbo com o DP. Segundo o autor, se
de fato a relação entre o pronome expletivo e o DP pós-verbal existe, nós podemos
supor que o DP pós-verbal transmite traços de flexão à posição de sujeito, evitando,
assim, a duplicação de mecanismos de concordância. Nessa proposta, a atribuição de
nominativo também se justifica pela manifestação desses traços, e a explicação dada pelo
modelo é a seguinte: o elerrento de concordância que faz parte da flexão se desloca para
o interior do VP, podendo assim atribuir Caso nominativo ao DP que ocupa a posição de
objeto.
Da proposta de Burzio (1986), derivam-se três observações; (i) um verbo
inacusativo não pode atribuir Caso acusativo porque a posição de especificador de VP
não é projetada em estrutura-D nesse caso; (ii) existe uma correlação entre o papel
temático do argumento intemo de um verbo inacusativo e o papel temático do
argumento intemo de um verbo transitivo; (iii) existe uma correlação entre o Caso
atribuído ao argumento extemo de um verbo intransitivo/transitivo e o Caso atribuído ao
argumento intemo de um verbo inacusativo.
Entretanto, com relação á terceira observação, uma questão se levanta; como se
justificaria a atribuição de Caso nominativo quando o DP pós-verbal não está
concordando com o verbo, como em (46)?

(46) a. mesmo porque não existia vagas, né? (FLP18L411)


b. depois da Universidade é que começou a surgir os prédios aqui na
Trindade (FLP05L548)

Além disso, como admitir que o Caso nominativo seja atribuído ao DP pós-verbal
em posição de objeto, se a atribuição de Caso nominativo é uma relação de spec/head
agreementl A proposta de Burzio de atribuição de Caso nominativo por CADEIA
apresenta um problema dentro do modelo, a saber, existe uma barreira^ entre o atribuidor
de Caso e o DP pós-verbal, o VP. Essa barreira impede que a flexão atribua Caso ao DP
59

pós-verbal que está na posição de base de um verbo inacusativo, violando assim o Filtro
do Caso. Esse problema já foi discutido por inúmeros autores; dentre eles, as propostas
alternativas de Belletti (1988) e de Koopman e Sportiche (1991)* merecem destaque.
Outros problemas com esse tipo de CADEIA, relativos ao c-comando, por exemplo, já
foram levantados na seção 1.2.2.1..
As evidências mostradas por Burzio de que existem pelo menos duas posições
para o DP pós-verbal parece que se sustentam, dado o paralelismo entre sentenças do
italiano e do PB. Entretanto, a explicação de Caso nominativo por CADEIA, mediante a
co-indexação entre o DP pós-verbal e um pronome expletivo (pro) em posição de
especificador de IP, só é possível para os DPs que estão adjungidos a VP, uma vez que a
atribuição de Caso aos DPs em posição de objeto é inpedida pela barreira interveniente.
Assim, a hipótese de Burzio de Caso por CADEIA será descartada de nosso trabalho.
Entretanto, o licenciamento do DP em posição pós-verbal precisa ainda ser explicado, e
merece algumas considerações, A hipótese de Belletti (1988), que constitui uma das
questões investigadas a seguir, dá uma outra explicação para esse problema

2.2.2.3. O Cáso partitívo


Ao tentar resolver o problema da atribuição de Caso aos DPs pós-verbais,
Belletti (1988) critica a hipótese de Caso por CADEIA, formulada por Burzio (1986).
Segundo ela, nessa proposta uma CADEIA tanto é usada para a marcação de Caso de
um DP pós-verbal na posição tratada por Burzio como i-subject, como para a marcação
de Caso em sentenças que contenham um verbo não-inacusativo, onde o DP pós-verbal
preencha a posição adjungida a VP.
Considerem-se novamente a estrutura inacusativa e sua contraparte não-
inacusativa, segundo a versão de Burzio (cf exenplos (44) e (45)). De acordo com essa
versão, o DP pós-verbal recebe seu Caso da mesma maneira em ambas as situações,
independentemente de preencher a posição de objeto na DS ou a posição de adjunção a
VP, segundo Belletti. Tal possibilidade seria, no mínimo, questionável, uma vez que
parte de estruturas arbóreas diferentes, como (47) e (48) ilustram, respectivamente:
60

(47) IP
/ \
'i

/ \
I VP
/ \
V DPi
(inacusativo)

(48) IP
/ \
DPi I’
/ \
I VP
/ \
VP DPi

Segundo Belletti, em (47), o núcleo atribuidor de nominativo (a flexão) não pode


reger o DP pós-verbal, devido à barreira do VP, o que significa que tal DP é regido pelo
verbo e I não pode reger sob o domínio de outro regente. Logo, o Caso nominativo não
pode ser atribuído àquela posição. Por outro lado, em estruturas como (48), ele rege
tanto a posição do DP pré-verbal como a posição do DP pós-verbal em adjunção a VP,
porque, nesse caso, o VP não é mais uma barreira para a regência. A posição resultante
de adjunção ao VP mais alto em (48) não se configura como barreira para a regência de
uma categoria adjungida, pois são apenas segnentos de categorias^ (grifos nossos), o
que significa que o Caso nominativo é acessível ao DP pós-verbal adjungido.
Baseando-se em línguas de Caso morfológico, Belletti propõe, então, que os
verbos inacusativos e as formas de particípio passivo, embora não possuam a capacidade
de atribuir Caso estrutural acusativo, mantêm a capacidade universal de atribuir Caso
partitivo'° ao DP em posição de objeto {in situ). Partitivo é um Caso inerente porque
apenas pode ser atribuído por uma categoria capaz de atribuir também uma fimção
61

temática, o que significa dizer que, se um verbo, por exemplo, atribui um Caso inerente,
atribui necessariamente uma fimção temática juntamente com esse Caso, e o faz na DS.
Casos estruturais (nominativo e acusativo), portanto, diferem de Caso inerente porque
não são atribuídos conjuntamente com o papel temático e são atribuídos e realizados na
SS. O fato de a atribuição de Caso partitivo dar-se juntamente com a atribxiição do papel
temático não é trivial. Uma das conseqüências é que o DP que recebe partitivo receberá
também um papel temático específico, típico desse Caso, um papel temático de tema
Esse papel temático, compatível com o Caso partitivo, exigirá que o DP receba uma
leitura [-definida].
Segundo Belletti (1988), em línguas como o finlandês, o Caso acusativo não é o
único Caso com o qual um DP-objeto pode ser marcado. Dependendo da leitura
associada a ele, o objeto desses verbos será marcado ou por Caso acusativo ou por Caso
partitivo. Se o Caso acusativo é atribuído (cf (49)), o DP objeto tem leitura [+definida];
se o Caso partitivo é atribuído (cf (49b)), o DP tem leitura [-definida], leitura de parte
de um conjunto, como os exemplos do finlandês, extraídos de Belletti (1988:01),
ilustram;

(49) a Hãn pani kiriat põydãlle


‘Ele pôs os livros (acc. plural) na mesa’
b. Hãn pani kirjoja pôydaUe
‘Ele pôs (alguns) livros (part. plural) na mesa’

Dado que línguas como o finlandês dispõem de duas opções de Caso


morfologicamente manifestas para marcar os objetos (acusativo e partitivo), Belletti
postulou que essas poderiam ser opções universalmente disponíveis em todas as línguas,
mfôimo nas que não apresentam marcação morfológica de Caso.
Considerem-se agora exemplos do italiano com verbos de alçamento (raising),
como em (50), para ilustrar a hipótese da autora;

(50) *Sembra/*Sembrano [molti studenti intelligenti]


‘Parece/Parecem muitos estudantes inteligentes’
62

Já que a literatura prediz que esse tipo de verbo é um verbo inacusativo (o protótipo dos
verbos inacusativos), então deveria se qualificar como atribuidor de Caso partitivo.
Entretanto, segundo a própria autora, o verbo sembrare não pode atribuir Caso partitivo
ao DP pós-verbal, porque sendo um Caso inerente não pode ser atribuído a DPs que não
sejam tematicamente marcados. Note-se que em construções de small clause“, como em
(50), 0 papel temático do DP molti studenti é atribuído pelo adjetivo intelligenti,
enquanto o Caso partitivo seria atribuído pelo verbo sembrare, o que justifica a
agramaticalidade da sentença
Nessa proposta de Belletti, nada impede que a um sintagma seja atribuído Caso
partitivo na DS e Caso nominativo na SS; entretanto, para que o Caso nominativo seja
atribuído o sintagma não pode ficar na posição de complemento; ele deve ser alçado para
a posição ÚQespecificador de IP, para não violar o Filtro do Caso.
A hipótese de Belletti estabelece uma correlação entre a propriedade casual dos
verbos inacusativos e o diamado efeito de defínitude (doravante DE), dado que o Caso
partitivo só é compatível com sintagmas que podem ser interpretados como parte de um
conjunto. Excluem-se, então, da posição que recebe este Caso os quantificadores
universais e os sintagmas [+definidos], segundo ela, a não ser quando é possível leitura
de lista, isto é quando um sintagma [+defínido] é interpretado como um dos membros de
um determinado conjunto. No capítulo III, discutiremos mais detalhadamente essa
questão.
Antes, porém, vamos tratar da con^osição semântica dos verbos em questão,
com o intuito de estabelecer quais os papéis semânticos que estariam disponíveis aos
argumentos de construções monoargumentais, de acordo com a proposta de Jackendoff
(1976; 1987).

2.3. Composição semântica dos verbos: proposta de Jackendoff (1976; 1987)*^


Vários trabalhos na década de setenta propuseram uma sintaxe cada vez mais
entrelaçada e dependente da semântica, opondo-se e ao mesmo tempo completando as
idéias de Chomsky (1957; 1965). Essa proposta lançava as bases de uma semântica
gerativa e tinha em seu ceme a idéia de que uma sintaxe independente da semântica não
conseguiria descrever a língua adequadamente. O pioneirismo de Fillmore (1968) e a
evolução de seu pensamento desencadeia uma série de trabalhos que retomam o conceito
63

de estrutura profunda de Chomsky, e incorporam o de casos profiuidos (ou papéis


semânticos), o que se pode chamar de natureza semântica da estrutura interna de uma
sentença. Os papéis semânticos são tratados, desde então, como fiinções semânticas que
os elen:Kntos da estrutura das sentenças mantêm um com o outro no contexto (uma
relação sintagmática).
Um dos trabalhos sobre as funções semânticas que merece destaque é o de
Jackendoff (1976). Para o autor, a representação semântica é dividida em quatro partes;
‘estrutura funcional’, ‘estrutura modal’, ‘tabela de correferência’ e ‘foco e
pressuposição’. A estrutura fiincional, que será nosso objeto de discussão aqui,
representa relações nas sentenças introduzidas pelos verbos, incluindo noções como
movimento, direção, localidade e agentividade. O estudo dessas relações baseia-se no
modelo teórico de Gruber (1965)'^. Tal modelo permite distinguir uma sentença
[+agentiva] de uma sentença [-agentiva], dando ênfase às relações semânticas complexas
que o verbo e o DP mantêm na sentença.
Baseado no fato de que há obrigatoriamente uma função de tema em cada
sentença, o autor propõe um estudo das relações temáticas. Segundo ele, a entrada
lexical de um verbo deve correlacionar relações temáticas e gramaticais. Nela conterá
propriedades fonológicas, sintáticas e semânticas, que incluem a forma fonológica dos
verbos, sua subcategorização através dos traços de seleção, e as relações temáticas,
respectivamente. No modelo de 1976, Jackendoff parte das relações semânticas dos
sintagmas nominais já discutidas no trabalho de 1972, para uma proposta de tipologia
verbal que leve em conta a composição semântica dos verbos.
Nesse modelo, Jackendofif propõe uma teoria das representações semânticas que
dê conta das condições de boa formação de uma sentença. Ela deve explicar não
somente por que a informação é conduzida à sentença, mas também deve explicar o
modo como essa informação é conduzida, permitindo a expressão de ambas as
generalizações sintática e semântica da língua.
O autor apresenta uma tipologia verbal com cinco noções básicas como proposta
de uma teoria interpretativa padrão (standard), partindo da hipótese de que

'verbos são funções semânticas arquétipos; as kituras de seus sujeitos e oijetos são combinadas
com eles através é uma composiçãofuncional’ (Jackendoff, 1976:92)
64

A tipologia, que será discutida a seguir, estabelece A^erJjos (ou predicados


abstratos) de movimento, pontuais (ou locativos), durativos, agentivos causativos e
agentivos permissivos. Todos esses verbos são apresentados pelo autor como pro-formas
das funções semânticas que são evidenciadas em uma sentença.
As noções de movimento são representadas através da fimção do tipo GO (x, y,
z), segundo a qual, verbos descrevem um evento que compreende o movimento de
alguma entidade x, que muda sua localização fisica (ou abstrata) de y a z. A entidade x
realiza o papel temático de tema {O trem, Uma maça) que se movimenta de y (a origem)
à z (a meta), como os exemplos em (51), extraídos do autor, ilustram'

(51) a. The train traveled fromDetroit to Cincinnati


‘O trem viajou de Detroit a Cincinnati’
b. An apple fell from the tree to the ground
‘Uma maçã caiu da árvore ao chão’

O tema nas sentenças acima ocorre na posição de sujeito; a origem, como objeto da
preposição from e a meta, como objeto da preposição to (ou into). Podemos encontrar
exemplos em que ou a origem ou a meta ou ambas não estão especificadas, como em:

(52) a. The train traveled to Cincinnati


‘O trem chegou a Cincinnati’
b. An apple fell
‘Uma maçã caiu’

Em (52a), a origem não está especificada e, em (52b), nem a origem nem a meta estão
especificadas. Além disso, nem sempre a origem é o objeto da preposição from ou a
meta é o objeto da preposição to. Em The train left Detroit, a origem aparece como
objeto direto. Já em Jill dropped the pail into the weli, o sujeito não realiza o papel
temático de tema, nem de origem ou de meta, mas de agente; o objeto direto realiza o
papel de tema; e a meta o de objeto da preposição into. Nesse último caso, a função
semântica do verbo não é mais a de GO, mas a de CAUSE, por introduzir na
65

composição do verbo a noção de FAZER alguma coisa; essa interpretação será discutida
posteriormente.
As noções de localização não descrevem um movimento, mas a localização de
um objeto relativo a um outro objeto. O DP que descreve o objeto cuja localização está
especificada realiza-se como o tema e o DP que descreve o objeto em termos do qual a
posição do tema é especificada realiza-se como locativo. A representação semântica
formal desta fimção é: BE (x, y), onde a entidade x realiza o papel de tema e y é o
locativo.
Considerem-se os exemplos em (53):

(53) a. The dog is on the left of the cat


‘O cachorro está à esquerda do gato’
b. The dog moved to the left of the cat
‘O cachorro moveu-se para a esquerda do gato’

Enquanto (53a) eqüivale a uma configuração espacial particular, a um state o f affair. um


objeto X (o cachorro) que está na posição de sujeito localizado em termos de um objeto
y (o gato) - o objeto de uma preposição; (53b) eqüivale a um evento que indica
movimento; a entidade x é um tema que se move de algum lugar não especificado y para
um lugar especificado z, à esquerda do gato. Logo, (53a) descreve a fimção semântica
BE e (53b), a fimção do tipo GO.
Uma outra noção importante discutida por Jackendoff é a de duração, que pode
ser descrita através da fimção semântica STAY (x, y), onde a entidade x é o argimiento
que realiza o papel temático de tema e y é o locativo. Tais verbos aceitam advérbios
durativos, mas não advérbios pontuais, como está ilustrado no exemplo (54);

(54) a. The dog stayed on the left of the cat


‘O cachorro permaneceu á esquerda do gato’
b. (For one hour) The dog stayed on the left of the cat
‘(Por uma hora) O cachorro permaneceu à esquerda do gato’
66

Esse tipo de verbo difere dos verbos do tipo BE porque descreve situações que podem
acontecer em uma extensão temporal, enquanto verbos do tipo BE referem-se a
situações pontuais. Há alguns testes propostos pelo autor - retomados de Gruber - para
diferenciá-los. Enquanto (54) pode ser usado como uma resposta à pergunta: O que
aconteceu?, (53a) não é gramatical como resposta a esta mesma pergunta, como
podemos observar em (55), abaixo;

(55) a. What happened was that [the dog stayed on the left of the cat]
‘O que aconteceu foi que [o cachorro permaneceu à esquerda do gato]’
b. * What happened was that [the dog is on the left of the cat]
‘O que aconteceu foi que [o cachorro está à esquerda do gato]’

Verbos do tipo BE não respondem a essa pergunta porque são verbos que descrevem um
estado. Esse tipo de verbo é definido negativamente como verbos não sendo nem de
duração, nem de movimento. Verbos de duração (tipo STAY) descrevem eventos e
nesse sentido são como os verbos do tipo GO, fornecendo resposta gramatical para a
pergunta O que é que aconteceu?-.

(56) What happened was that [the dog moved to the left of the cat]
‘O que aconteceu foi que [o cachorro moveu-se para a esquerda do gato]’

É importante ressaltar que os verbos do tipo STAY descrevem a permanência de um


estado e os do tipo GO, mudanças de estado ou posição. Entretanto, ambos são verbos
de evento que descrevem um processo.
O tema'^ é o papel temático principal desses três pro-formas verbais. Com verbos
do tipo BE locativo, o tema é o objeto que está em algum lugar; com verbos de duração,
é 0 objeto que permanece em algum lugar e, com verbos de nwvimento, é o que quer
que tenha se movido.
Com relação ao papel de agente, Jackendoff (1976) apresenta noções abstratas
de causa e de permissão, como as ftmções semânticas do tipo CAUSE (x, e) e LET (x, e)
ilustram No primeiro, a entidade x realiza o papel de agente causativo e e é um evento
67

(cf. exemplo (57a)); no último, a entidade x é o agente permissivo e e é um evento (cf.


exemplo (57b));

(57) a. Linda made the rock go from the roof to the ground
‘Linda fez a pedra ir do telhado ao chão’
b. Linda let the rock go from the roof to the ground
‘Linda deixou a pedra ir do telhado ao châk)’

Verbos do tipo CAUSE e LET também respondem à pergunta O que aconteceu? E,


além disso, à pergunta O que o DP fez?, porque descrevem uma ação. Para o autor,
verbos que expressam ações são um subconjunto daqueles que expressam um evento,
isto significa dizer que verbos que manifestam a abstração do FAZER descrevem um
evento agentivo (grifos nossos).
Segundo o autor, esses tipos de verbos, bem como a estrutura modal, por
exemplo, como posição, posse, identificação, extensão, circunstância'®, etc. não são
apenas uma descrição do Inglês, mas também uma parte da gramática universal (GU),
um fragmento de uma teoria das representações semânticas universais. A estrutura modal
corresponde a marcas restritivas de verbos do tipo GO, BE, STAY, CAUSE e LET que
realizam fiinções semânticas diferenciadas. A combinação desses modos com as ftinções
semânticas produz uma classe particular de verbos, que pode explicar as similaridades e
diferenças entre as classes. Observemos, agora, a combinação dos três primeiros modos -
que são considerados os modos básicos - com os verbos do tipo BE, STAY e GO:

(58) a. Max is in A6ica


‘Max está na África’
b. The book belonged to the library
’0 livro pertenceu à livraria’
c. Max is a doctor
‘Max é um doutor’

(59) a. The bactéria stayed in his body


‘A bactéria permaneceu em seu corpo’
68

b. The library kept the book


‘A livraria recolheu o livro’
c. The metal remaíned red
‘O metal ficou vermelho’

(60) a .The train went to Texas


‘O trem foi para Texas’
b. The inheritance went to Philip
‘A herança foi para Philip’
c. The metal tumed red
‘O metal tomou-se vermelho’

O contraste entre as sentenças (58), (59) e (60) do ponto de vista do tipo de


verbo se mantém verbos do tipo BE descrevem um estado; verbos do tipo STAY
descrevem a persistência de um estado; e verbos do tipo GO, mudança de estado. O
modificador restritivo pode ser concreto, como a posição, ou abstrato, como a posse e a
identificação, e tem a seguinte representação semântica, no modelo em questão:

(58’) a. BEposit [Max, Afiica]


b. BEposs [The book, the library]
c. BEident [Max, a doctor]

(59’) a. STAYposit [The bactéria, his body]


b. STAYposs [The library, the book]
c. STAYident [The metal, red]

(60’) a. GOposit [The train, Texas]


b. GOposs [The inheritance, Philip]
c. GOident [The metal, red]

A diferença entre esses três modos abre possibilidades de interpretação das


fiinções semânticas. Por exemplo, nos verbos do tipo GO, a representação GOposit está
69

manifestando lun movimento concreto, o sintagma o trem foi de algum lugar não
especificado ao Texas; as representações GOposs e GOident evidenciam um movimento
abstrato; no primeiro caso, o sintagma a herança realiza o papel de tema e o sintagma
Philip o de beneficiário da situação; e, no segundo caso, o metal que se realiza como
tema apenas mudou de uma outra cor para vermelho'^.
O modelo de tipologia verbal de JackendofF tenta encontrar universais na relação
que o verbo mantém com seus argumentos, isto é, através de uma composição fiincional,
o que representa uma grande contribuição aos estudos lingüisticos. Entretanto, um dos
problemas dessa tipologia é o de forçar uma leitura causativa a todo verbo de ação que
não seja de permissão, o que deixa de fora certas construções, como, por exemplo, as
prototipicamente intransitivas e as passivas. Cook (1989) faz uma reanálise da tipologia
de Jackendoflf ressaltando esse problema e, dentre outras observações, apresenta uma
proposta de ampliação dos verbos de ação, como verbos do tipo DO, bem como a
combinação de verbos do tipo STAY com verbos do tipo BE, GO e DO, a saber:
STAY(BE), STAY(GO) e STAY(DO) e assim sucessivamente.
É importante ressaltar, porém, que já faz parte do modelo de 1976 de Jackendoff
a possibilidade de combinação de noções como as de CAUSE e LET com as do tipo GO,
STAY e BE, sem precisar para isso modificar a teoria, como exemplificamos em (58),
(59) e (60). Quanto à proposta de combinação dos tipos de verbos com a estrutura
modal, JackaidofF, no modelo de 1987, propõe inclusive tratar da noção aspectual. Por
exemplo, verbos que possuem aspecto inceptivo podem apresentar duas fimções
combinadas: (i) um verbo do tipo GO circunstanciai (GOcirc) designa o começo de algum
movimento; (ii) um verbo do tipo CAUSE circunstancial (CAUSEcirc) designa o começo
de alguma ação e assim sucessivamente. As restrições modais, na verdade, servem para
ampliar o quadro de possibilidades semânticas, e permitir um maior número de
composições semânticas.
Já a consideração feita por Cook (1989) a respeito da ampliação de uma fimção
semântica que denote ação, sem necessariamente denotar causatividade ou
permissividade, parece procedente, pois ela não está no escopo dos verbos do tipo
CAUSE ou do tipo LET. O autor chama a atenção no sentido de permitir que a tipologia
verbal seja adequada para um maior número de sentenças. Esse problema de certa forma
é amenizado no trabalho de Jackendoff (1987), quando o autor amplia as possibilidades
70

combinatórias dos verbos, introduzindo verbos do tipo ACT (x, y) em sua tipologia
verbal: onde a entidade x realiza, geralmente, o papel temático de agente e y o papel de
paciente opcional. Essa última função talvez possa dar conta de explicar verbos de ação
monoargimientais, como trabalhar, por exenplo.
Vamos retomar alguns exemplos de JackendoflF (1987:395-396) para discutir
mais detalhadamente essa questão.

(61) a. Sue hit Fred


‘Sue bateu em Fred’
b. The car hit the tree
‘O carro bateu na árvore’

Em (61), o verbo bater (to hit) está representado pela fimção semântica do tipo
ACT. Vale ressaltar que, pela proposta do autor, um verbo do tipo ACT pode ora
realizar o papel temático de agente, ora de tema, dependendo da relação de
composicionalidade entre o verbo e os argumentos. Na relação entre Sue e o verbo bater
podemos dizer que Sue realiza o papel temático de agente (uma entidade volitiva);
enquanto na relação entre o carro e o verbo bater o carro realiza o papel de tema (uma
entidade não volitiva). Há, no primeiro caso, uma relação entre agente e paciente (Sue,
Fred) e, no segundo caso, uma relação entre tema e meta (The car, the tree). Para que os
sintagmas realizem papéis temáticos de agente é necessário que apresentem traços de
volitividade ou que sejam instigadores extrínsecos do evento (um argumento que se
aproximaria dos verbos do tipo CAUSE), segundo o autor, e essa volitividade só pode
estar presente emDPs marcados com traços [+animados].
A possibilidade de duas leituras também pode ser observada em verbos do tipo
GO, como, por exemplo, rolar (to roll), em (62) abaixo:

(62) BiU roUed down the hill


‘Bill rolou colina abaixo’

(62) pode ter duas interpretações: uma delas em que Bill pode ter sido uma entidade que
involuntariamente ‘rolou colina abaixo’; e outra em que Bill pode ter sido o agente
71

voluntário da ação de rolar. No primeiro caso, ele realiza o papel de tema e, no segundo
caso, 0 papel de agente. Note-se que a função semântica que está representando o verbo
rolar é a do tipo GO, que se alterna para GO(ACT) quando há volitividade. Essa
questão será retomada no capítulo V.
Embora não se proponha a elaborar uma tipologia verbal, Jackendofif, no trabalho
de 1987, oferece um detalhamento maior a respeito da composição semântica dos
verbos, acrescentando, além de noções como as de ACT, noções como as de ORIENT,
que pretende dar conta de verbos do tipo apontar como em:

(63) Bill pointed to the house


‘Bill apontou a casa’

O autor acrescenta também noções de direção, representadas por preposições tais como
TO, FROM, TOWARD, VIA, etc., que, no modelo anterior, eram representadas pelos
papéis temáticos de origem e meta, dentro da conposição semântica dos verbos do tipo
GO.
Tomarenros agora evidências do português para discutirmos a tipologia de
Jackendofif (1976), acrescida de algumas considerações do trabalho de 87. As fiinções
semânticas BE, STAY e GO estão representando abstrações de verbos do tipo de estar,
permanecer e ir e podem explicar a não-agentividade do sintagma Uma encomenda,
nessa língua, como os exemplos em (64) ilustram:

(64) a. Uma encomenda está em cima da mesa


b. Permaneceu uma encomenda em cima da mesa
c. Saiu uma encomenda de cima da mesa
d. Surgiu uma encomenda em cima da mesa

Na discussão de verbos de estado do tipo BE, entretanto, Jackendoff nâo trata


das relações temáticas estabelecidas nas sentenças existenciais. Vejamos agora uma
comparação entre a sentença (65a), aqui retomada, e uma construção existencial:
72

(65) a. Uma encomenda está em cima da mesa


b. Existe uma encomenda em cima da mesa

As sentenças acima podem ser interpretadas como locativa e existencial,


respectivamente. No primeiro caso, o sintagma uma encomenda é a entidade x que está
em algum lugar; no segundo caso, é a entidade x que existe em algum lugar. Vários
estudos - dentre eles merece destaque Lyons (1977; 1980) - já apontaram que existe uma
proximidade grande entre as sentenças locativas (como em (65a)) e as sentenças
existenciais (como em (65b)), principalmente no que se refere à obrigatoriedade de uma
interpretação locativa. Entretanto, neste trabalho, vamos diferenciá-las, para que
possamos observar seu comportamento no condicionamento da ordem V DP, com
relação á restrição de indefinitude, geralmente associada a construções existenciais.
Verbos que constroem sentenças locativas serão tratados, portanto, como BE locativos e
verbos que constroem sentenças existenciais serão tratados como BE existenciais.
Quanto á função semântica do tipo GO, ilustrada em (64c) e (64d), vale ressaltar
que descreve verbos de mudança de estado; em ambos os exemplos, o sintagma uma
encomenda é a entidade x que se move de um lugar para outro. Tal descrição, no
entanto, não abrange somente a idéia de mudança fisica de um estado, mas também a
idéia de mudança abstrata, como os exemplos acima ilustram Sendo assim, nos dois
casos é possível dizer que a fiinção GO corresponde a um evaito. Nesse sentido, GO e
STAY assemelham-se, enquanto a função do tipo BE (locativo ou existencial) descreve
uma construção estativa
Os papéis temáticos de agente propostos pelo autor estão aqui representados
pelas funções LET, CAÜSE e ACT, exemplificadas em (66):

(66) a. E o meu avô não deixava nós ir, mas a gente sempre ia (FLP01L879)
b. E o meu avô fez nós ir, mas a gente não queria
c. e a gente ainda trabalhava na roça (FLP08, L.1065)

Neste trabalho, não serão discutidos os verbos com mais de um argumento, como (66a)
e (66b) ilustram, por isso verbos do tipo LET e CAUSE serão deixados de lado. A
fimção ACT vai estar representando os verbos de ação monoargumentais, por serem
73

verbos que não recebem uim leitura causativa. Exenplos como (66c), em que o agente
está na posição sujeito e é o único argumento selecionado pelo verbo, vão estar
representando essa função.
Outros casos que merecem destaque, e que são discutidos pelo modelo de
Jackendoff (1987), são os modificadores das íunções semânticas (ou modais). Os
modificadores têm o efeito de impor uma classificação dos verbos na língua,
principalmente quando a escolha do objeto afeta o papel temático do sujeito. Já
discutimos esse problema no capitulo precedente, quando adotamos o ponto de vista
segundo o qual o papel temático do argumento externo não é determinado pelo verbo
sozinho, mas é composicionalirtente determinado pelo complexo verbo-complemento.
Considere-se o paralelisnx) entre exemplos como (11) em inglês, retomados do capítulo I
(cf p. 25), e de exemplos como (67) em português:

(67) a. João quebrou uma perna na última semana


b. João quebrou um vaso na última semana

Apesar de o verbo quebrar aparentemente ser um verbo de ação, duas leituras estão
disponíveis nos exemplos acima: em (67a) o sintagma João é a entidade que realiza o
papel de paciente, ao passo que em (67b) João realiza o papel de agente da ação
expressa pelo verbo quebrar.
Retomando o exemplo (62), em que Jackendoff admite a possibilidade de um DP
ter mais de um papel temático, isto é, a possibilidade de um sintagma ao mesmo tempo
realizar o papel de agente e o de tema, observemos, então, o que alguns exemplos do
português parecem ilustrar, seguindo essa perspectiva:

(68) a. A encomenda saiu (*deliberadamente) muito cedo


b. João saiu (deliberadamente) muito cedo

Se a presença do advérbio deliberadamente for gramatical, o DP João em (68b) é, no


dizer de Jackendoff (1976), ao mesmo tempo agente, por exercer a ação de sair, e tema,
por indicar o objeto (no caso específico, o corpo) que sai.
74

A partir de evidências como (68), o autor acrescenta que a correspondência entre


função semântica e sintaxe deve ser colocada em termos menos rígidos do que os
propostos por Chomsky, em particular admitindo-se a riqueza dos papéis temáticos. Esse
processo de dois ou mais papéis temáticos atribuídos a um mesnw DP - tratado aqui
como acúmulo de funções'* - vem discutir a correspondência biunívoca entre posição
argumentai e papel temático, formulada por Chomsky (1981).
Em nossa análise, entretanto, apesar de, a princípio, admitirmos que verbos como
sair ora podem se manifestar como um verbo processual (cf (68a)), ora como um verbo
de ação (cf (68b)), não assumiremos a proposta de duas (ou mais) funções sobrepostas
ao mesmo sintagma, já que partimos do pressuposto chomskiano de que a cada papel
temático corresponde exatamente uma posição argun^ntal e que cada posição
argumentai é expressa por um e somente um papel temático (grifos nossos). Temos,
portanto, que tentar explicar a derivação de (68) com verbos do tipo de sair, dada a
possibilidade combinatória entre os verbos e os argumentos por eles selecionados. Vale
ressaltar, nesse momento, que, para Jackendofií^ papéis temáticos são fiiito da
composicionalidade dos itens lexicais que constituem uma sentença. Essa proposta será
retomada no capítulo V.

2.4. Considerações finais


Para discutir a hipótese de que as construções tradicionalmente tratadas como
intransitivas não constituem uma classe homogênea, vamos assumir a proposta de Burzio
(1986), dadas as evidências lingüísticas apontadas acima, e, em conseqüência, partir do
pressuposto de que o fenômeno da inacusatividade pode se manifestar também em PB,
com o objetivo de verificar se, de fato, esse fenômeno condiciona a ordem V DP nesta
língua. A discussão, porém, de como o DP pós-verbal deve ser licenciado é baseada na
hipótese de Caso partitivo de Belletti (1988), que será retomada nos capítulos
subseqüentes.
Com 0 intuito de dar suporte às considerações sobre o papel temático do DP
levantadas por Burzio (1986), apresentamos uma tipologia verbal proposta por
Jackendoflf (1976) para fornecer uma discussão mais detalhada a respeito da composição
semântica dos verbos. A proposta do autor é, de fato, a de um esquema conceptual
abstrato, com um número restrito de fiaições semânticas que, combinadas aos modais,
75

tentam abarcar todos os tipos de verbos de uma língua. Os verbos do tipo BE (locativo e
existencial), STAY e GO são representações abstratas da conposição semântica dos
verbos [-ação], cujo sujeito, na grande maioria, é um tema. Os verbos do tipo ACT,
CAUSE e LET, por outro lado, são representações dos verbos [+ação], cujo sujeito,
geralmente, realiza o papel temático de agente.
Uma vez estabelecidas as especificidades que cada um dos tipos de verbos, acima
arrolados, apresenta com seus argumentos do ponto de vista sintático-semântico,
pretendemos investigar nos dados empíricos se o grupo de fatores natureza do verbo vai
determinar a ordem dos constituintes na sentença em uma língua como o PB,
evidenciando a possibilidade de co-ocorrência entre os grupos de fatores tipo categorial
do verbo (de cunho sintático) e composição semântica do verbo (de cunho semântico).

2.5. Notas

’ O texto de Burzio (1986), em que o autor retoma a hipótese de Perlmutter e aponta


evidências de uma hipótese inacusativa, originou-se de sua tese de doutorado (cf Burzio
1981).

^ A terminologia correspondente em Perlmutter, dentro do quadro da Gramática


Relacionai, difere da de Burzio: para a classe dos verbos inacusativos, Burzio usa o
termo ergativo e para a classe dos verbos inergativos, o termo intransitivo. Neste
trabalho, preferimos usar a nomenclatura inacusativo e intransitivo, respectivamente.

^ De acordo com Perhnutter (1976), verbos inacusativos e inergativos em uma língua


como o português europeu diferem sintática e semanticamente de muitas maneiras. O
único argumento dos verbos inacusativos, diferentemente dos verbos intransitivos, é
gerado na posição estrutural de objeto na DS e é tratado, pelo autor, como um sujeito
downgraded, isto é, um sujeito subjacente que deixa de ser sujeito em estrutura
superficial. Esse tipo de sujeito geralmente segue verbos como existir, faltar, sobrar,
ficar, aparecer, surgir, sumir, acontecer, ocorrer, passar, etc. Comporta-se
diferentemente com relação a sujeitos de verbos como trabalhar, andar, lutar, por
exemplo, considerados sujeitos tanto em estrutura D como em estrutura S.
76

A hipótese de Perlmutter tenta garantir a esse DP o estatirto de sujeito, mesmo


que apenas em estrutura subjacente, porque, caso houvesse a possibilidade de se dizer
que a sentença não tem sujeito, que estranho constituinte seria esse, diferente de
qualquer outra coisa que ocorre nas línguas?, questiona o autor. Perlmutter não admite
que, em alguma sentença de alguma lingua do mundo, exista um objeto direto e nenhum
sujeito.
No trabalho de 1978, Perlmutter propõe que o DP Existem gorilas é objeto
inicial e se realiza como sujeito na estrutura superficial, diferentemente do que havia
proposto em 1976, formulando assim a hipótese inacusativa: enquanto um estrato
transitivo contém um arco 1 e um arco 2 e um estrato intransitivo contém um arco 1,
mas nenhum arco 2, existem verbos que contêm apenas um arco 2, mas nenhum arco 1,
que são denominados por ele de verbos inacusativos. Esses últimos caracterizam
sentenças que no nível inicial não têm sujeito, só objeto. Eles diferem dos verbos
intransitivos por esses caracterizarem sentenças que não têm objeto, só têm sujeito.
Para exemplificar os verbos que determinam estratos inacusativos, o autor lista:
a) verbos de existência e de acontecin^nto: existir, acontecer, transpirar (sic), ocorrer,
surgir, resultar, etc.
b) verbos aspectuais; começar, parar, continuar, acabar, etc.
c) verbos durativos: durar, permanecer, ficar, sobreviver, etc.
d) verbos que realizam o papel temático de paciente: queimar, cair, tombar, flutuar,
dormir, derreter, crescer, etc.
e) verbos que representam a emissão de estímulos não-voluntários que atingem os
sentidos: brilhar, cintilar, etc.
Tais verbos diferem dos verbos intransitivos que descrevem: (1) atos volitivos ou
desejados: trabalhar, jogar, falar, sorrir, etc.; (2) certos processos corporais
involuntários: tossir, dormir, espirrar, etc. Entretanto, segundo o autor, nem sempre
podemos dizer que tais verbos se comportam de imia forma e tais verbos de outra; há
verbos, como, por exemplo, deslizar, que ora se comportam como inacusativos ora
como intransitivos, dependendo do argumento selecionado:

(i) a As rodas deslizaram no gelo


b. João deslizou no gelo
77

Além disso, enquanto a sentença (ia) é sempre inacusativa, já que o sujeito As rodas é [-
animado], (ib) pode ser ambígua: como o sujeito João é [+animado], o ato de deslizar
pode ser voluntário ou não, pois pode ser fiuto de um escorregão. Caso o ato não seja
voluntário, a construção é inacusativa; caso contrário, a construção é intransitiva.

Estamos considerando aqui a posição de especificador de VP como a posição em que a


função temática externa está disponível ao argumento extemo, uma função externa a V ,
dentro da hipótese de sujeito interno a VP. É importante salientar, entretanto, que,
quando Burzio propôs a hipótese inacusativa, não existia a hipótese de sujeito interno a
VP; o argim^nto extemo nascia na posição de especificador de IP e permanecia lá para
receber caso nominativo; por isso fazia sentido dizer que alguns verbos atribuíam papel
temático naquela posição e outros não. Com a hipótese de sujeito intemo a VP (a que
estamos adotando neste trabalho), a posição de especificador de IP não é mais uma
posição temática. Ambos os argumentos (extemo e intemo) nascem em VP, na posição
de especificador de VP e nas de complemento, respectivamente, que são as únicas
posições tematicamente marcadas pelo verbo.

^ O trabalho de Jackendoff (1976) será discutido na seção 2.3.

^ Lembramos novamente que estamos adaptando a proposta de sujeito intemo a VP á


proposta de Burzio. Não podemos esquecer , porém, que naquele momento da teoria o
sujeito era gerado na posição de especificador de IP (cf. hipótese de Williams, 1980).

’ Faz-se necessário salientar que o conceito de barreira surge em Chomsky (1986). No


modelo de Burzio essa preocupação ainda não existia

* Koopman e Sportiche (1991) explicam a atribuição de Caso ao DP pós-verbal de uma


construção inacusativa como uma atribuição de Caso sob regência, como já foi discutido
rapidamente no capítulo I. Considere-se uma estrutura inacusativa como (i), para
rediscutir as idéias dos autores:

(i) e fiii descobrir que [ele tinha]- aconteceu um acidente (FLP03L868)


78

Segundo Koopman e Sportiche, a classe dos verbos inacusativos, lexicalmente


definida como a classe dos verbos que não tem nenhum argumento externo projetado na
DS, seleciona um único argumento (DP#), projetado como seu constituinte irmão:

(ii) VP
/ \
DP* V’
/ \
V DP#
Aconteceu um acidente

Na SS, 0 verbo é alçado a INFL para receber (ou checar) sua flexão e o argumento
intemo, representado por DP#, tem que se alçar para que o Caso possa estar disponível,
porque os verbos inacusativos são incapazes de atribuí-lo. O argumento intemo tem duas
opções: (1) ou deve se alçar para a posição de especificador de VP e permanecer em
DP*, onde recebe Caso nominativo sob regência; (2) ou, se não conseguir Caso, deve se
alçar ao especificador de IP, onde recebe Caso nominativo sob concordância. A primeira
opção representa estruturas com a ordem inversa (V DP) e, a segunda, com a ordem
direta (DP V).

^ Somente categorias plenas, não segmentos, podem ser barreiras para a regência
(BeUetti, 1988:19, cf. nota 40).

A hipótese de Belletti suscitou muitos debates e questionamentos. Mencionamos um


deles, o de Eguzkitza & Kaiser (1995), que questiona a possibilidade de existência de um
Caso como o partitivo, assumindo a hipótese de que partitivo não é um Caso, mas um
quantificador. Para os autores, os argumentos intemos de um verbo inacusativo só
podem receber Caso nominativo, ou por movimento à posição de especificador de AgrS
(ESÍFL) ou por movimento a uma posição de adjunção; conseqüentemente, não seria
necessário estipular um tipo especial de Caso à posição de objeto desses verbos, como
Belletti postula. Nessa proposta, os autores não estão admitindo que possa existir uma
posição interna a VP para o DP pós-verbal, o que certamente é um problema
79

” Em estruturas como:

(i)DPi V [ DPz XP]


SC

DP2 não pode ser marcado por Caso partitivo, uma vez que 0 Caso e o papel temático
não são atribuídos pelo mesmo constituinte, o verbo. Em uma small clause é o XP que
atribui papel temático a DP2. Como as questões de Caso e de atribuição de papel
temático são específicas, nesse caso, não vamos considerar esse tipo de estrutura.

12
Agradeço aqui às valiosas sugestões do professor Apóstolo Nicolacópulos

Jackendofif (1976) adota a discussão de Gruber (1965) quanto aos testes com do
something, conhecidos na literatura como Do test. Na proposta de Gruber, segundo 0
autor, um verbo agentivo pode ser substituído em todas as circunstâncias pelo sintagma
^do something ’ (fazer alguma coisa), como as sentenças em (i) e (ii) comprovam:

(i) John marched the prisoners across the yard


‘John fez os prisioneiros marcharem no pátio’

(ii) What John did was [marched the prisoners across the yard]
‘O que o John fez foi [ mandar os prisioneiros marcharem no pátio’] ’

Se, no entanto, a pergunta fosse O que os prisioneiros fizeram? A resposta não seria
gramatical:

(iii) *What the prisoners did was [John marched them]


‘O que os prisioneiros fizeram foi [John fez eles marcharem’]’

Para (iii) a pergunta mais plausível seria: O que aconteceu?


80

(iv) What happened to the prísoners was that [John marched them]
‘O que aconteceu aos prisioneiros foi que [John fez eles marcharem]’

A noção de agentividade adotada por Jackendofí^ portanto, segue a de Gruber,


estabelecendo diferenças entre verbos de evento que admitem a pergunta O que fulano
fez?, permitindo identificar o agente da sentença, e verbos de processo que apenas
admitem a pergunta O que aconteceu?.
O autor adota, ainda, dois critérios contextuais usados por Gruber para auxiliar
na distinção do agente; inclusão de advérbios de modo, tais como ‘carefidly’
(cuidadosamente) e modificação da sentença com ‘in order’ (para - finalidade).
Retomemos a sentença em (i) para as evidências;

(v) a In order...., John marched the prísoners across the yard


‘Com a finalidade de John fez os prísioneiros marcharem no pátio’
b. John carefully marched the prisoners across the yard
‘John cuidadosamente fez os prisioneiros marcharem no pátio’

O critério contextual, principalmente ao introduzir certos advérbios de modo, detecta a


combinação dos traços de volitividade e agentividade. Embora tais traços co-ocorram,
são independentes.

Tradução nossa

No trabalho de 1987, JackendoflF assume a análise de Gruber (1965) para definir tema:
“the object in motion or being located” (cf P. 377-378). Essa definição é tomada pelo
autor tanto no trabalho de 87 quanto no de 76 para distinguir paciente (objeto afetado)
de tema.

O modo de extensão no tempo ou no espaço (chamado pelo autor de híper-modo) é


tratado dentro das questões relativas a inferências e inplicaturas. Como não faz parte do
objeto de trabalho, não será discutido aqui. É importante ressaltar, porém, que se encaixa
81

às funções BE, STAY, GO, CAUSE e LET, contribuindo para ampliar o matiz
semântico dos mesmos, como podemos exemplificar em (i) e (ii);

(i) A conferência foi de segunda à sexta feira


(ii) Paulo forçou João a sair do quarto

Em ambos os exemplos, a função semântica dos verbos grifados é a do tipo GO. No


primeiro caso, a inferência extensional de tempo é aplicada: podemos inferir que a
conferência foi na terça, na quarta e na quinta-feira também A alternância com um verbo
do tipo de estender vem confirmar essa interpretação:

(iii) A conferência se estendeu de segunda à sexta feira

Em (ii), a senteüça não se refere a uma extensão no tempo ou no espaço, mas a uma
circunstância Para que João saísse do quarto foi necessário que ele fosse forçado por
Paulo, uma circunstância modal.

O sistema de JackendoflF (1976) dá conta de um número considerável de funções


semânticas de uma forma sistemática e restritiva, através de um paralelo entre tipos de
verbos e restrições modaís. Tal esquema pode ser comparado aos casos profimdos de
Fillmore (1968). A principal diferença entre as duas teorias reside no fato de JackendofiF
apresentar uma proposta de função semântica de cunho localista, embora seu modelo
não seja de Gramática de caso, e Fillmore uma proposta não localista. Maiores detalhes a
respeito de um modelo de Gramática de caso de cunho localista, ver Anderson (1971).

Na gramática de casos, acúmulo de fiinções é tratado como correferencialidade de


fimções. Preferimos não usar ‘correferencialidade’ uma vez que esse termo, no modelo
de Princípios e Parâmetros, é usado para explicar a coindexação do mesmo índice; por
exemplo, o sintagma em negrito de (i), para ser licenciado, deve estar conectado a imia
categoria vazia (ec):
(i) O João j, a Maria viu ec i
Capítulo III

A natureza do sintagma nominal:


do (morfb)sintático ao semântico

3.1. Introdução
Neste capítulo, são apresentados e discutidos alguns aspectos (morfo)sintáticos e
semânticos que caracterizam o sintagma nominal (tratado aqui como DP), com o
objetivo de esclarecer qual é a natureza do sintagma que se posiciona à direita e à
esquerda de verbos monoargumentais. Será ^resentada, em primeiro lugar, uma
discussão sobre as categorias gramaticais, com ênfase na categoria lexical de Nome e nas
categorias fiincionais a ela relacionadas, com a finalidade de delimitar o grupo de fatores
forma de representação do DP, que será discutido no capítulo V. A seguir, serão
tratados os traços de definitude e de especificidade dos sintagmas nominais, em especial,
a partir das propostas de Belletti (1988) e Enç (1991).
O modelo teórico de Enç (1991) traz uma contribuição significativa para a análise
dos traços semânticos do DP em estudo. Postulando uma semântica da especificidade, a
autora discute o fenômeno conhecido na literatura como efeito de definitude (DE), tal
como tratado por Belletti (1988), e procura fazer generalizações a partir de uma noção
distinta para o termo ‘partitivo’. Esse modelo permitirá investigar, nos dados empíricos,
se 0 Caso partitivo pode legitimar o DP pós-verbal de construções inacusativas em uma
língua como o PB.

3.2. As categorias gramaticais: uma discussão (morfo)sintátíca do DP


A descrição da gramática de uma língua requer reconhecer que todas as suas
palavras tomam-se um conjunto restrito de categorias gramaticais (em termos
tradicionais, classes de palavras). Uma categoria gramatical é uma classe de expressões
que compartilha um conjunto de propriedades gramaticais, morfológicas e sintáticas. Por
exemplo, as palavras rapaz, mão, idéia, lugar pertencem todas à categoria gramatical
nome, porque compartilham de propriedades morfológicas de plural de número (como
83

rapaz(e)s, mãos, idéias, lugar(e)s) e de propriedades sintáticas, ao serem pré-


modifícadas por determinantes do tipo o/a, em uma lingua como o português.
As evidências morfológicas desse conjunto de propriedades vêm, na verdade, das
propriedades de flexão e de derivação das palavras. Entretanto, se as palavras são
irregulares, elas podem ter apenas algumas (ou nenhuma) das propriedades morfológicas
de sua classe. As evidências sintáticas relacionam-se ao fato de que diferentes categorias
de palavras têm diferentes distribuições; um dos critérios para defini-las deve ser o da
substituição como, por exemplo, se a palavra em questão pode ser substituída por um
nome ou por um verbo, dentro de uma relação paradigmática Nós podemos usar,
portanto, os critérios morfológicos e sintáticos para determinar a categorização de uma
palavra, ou seja, para determinar a que categoria ela pertence.
Algumas categorias como (N)ome, (V)erbo e (A)djetivo* formam classes abertas,
isto é, são constituídas por um número ilimitado de elementos. Têm conteúdo descritivo
idiossincrático e a capacidade de selecionar semanticamente (s-selecionar) seus
argumentos, por isso devem ser consideradas categorias lexicais (inclui-se aqui a
categoria (P)reposição)^. São suscetíveis de serem definidas pelos traços distintivos [+/-
N], [+/- V]^ e têm (em geral) um valor semântico, como, por exemplo, o nome carro
descreve um objeto que tem quatro rodas, volante, etc. Essas categorias são o elemento
central da categoria sintagmática que lhes corresponde; NP, VP, AP e PP,
respectivamente. Os nomes são categorias caracterizáveis semanticamente por terem um
potencial de referência'', por serem utilizados com uma função de designação ou de
nomeação. Na categoria dos nomes incluem-se os nomes próprios e comuns.
Por oposição às categorias lexicais, principalmente a partir de Chomsky (1981) e
Fukui e Speas (1986), as categorias fimcionais possuem informações sobre a função
gramatical de expressões particulares dentro da sentença, informações sobre
propriedades gramaticais como número, gênero, pessoa. Caso, etc. Distinguem-se das
categorias lexicais pelo seguinte conjunto de propriedades: (i) formam classes fechadas
(e restritas) de elementos; (ii) não possuem o valor semântico normalmente associado às
categorias lexicais; (iii) possuem uma posição de especificador; e (iv) subcategorizam
obrigatoriamente um (e um só) complemento. A relação do núcleo fiincional com seu
complemento não é de seleção (s-seleção), por isso diz-se que o núcleo c-seleciona seu
84

complemento, isto é, ao selecionar o complemento tem em vista apenas a categoria à


qual ele deve pertencer.
São exemplos de categorias fimcionais os determinantes referenciais ou
quantificacionais (D), os complementizadores (C), a flexão verbal (I), os verbos
auxiliares e as formas nominais. Neste capítulo, somente os determinantes serão tratados
mais detalhadamente, uma vez que o núcleo D encabeça o constituinte DP (Determiner
Phrasé) que constrói a referencialidade do NP, conferindo-lhe estatuto de argumento. O
DP está sendo tratado aqui de acordo com a seguinte estrutura, que se conforma ao
esquema X-barra (cf Abney (1987)):

(1) DP
/ \
Spec D’
/ \
D NP

Nesta estrutura, a categoria lexical NP é dominada por uma categoria fiincional DP de


modo paralelo à categoria VP que é dominada por IP.

3.3. A natureza sintátíco-seinântíca do DP


3.3.1. A proposta de Belletti (1988): o efeito de defínitude
O fenômeno conhecido como efeito de defínitude (DE) é apresentado na
literatura gerativa como um fenômeno ligado às línguas que não permitem sujeito nulo.
Esse fenômeno se manifesta em DPs pós-verbais de alguns tipos de construções, como
por exenplo, nas construções existenciais do inglês, já discutidas por Milsark (1974)^ A
gramaticalidade de uma sentença como (2a) e a agramaticalidade de sentenças como (2b)
e (2c) vêm atestar essa hipótese.

(2) a There is a man in the garden


‘Há/Tem/Existe um homem no jardim’
b. *There is the man in the garden
‘Há/Tem/Existe o homem no jardim’
85

C. *There is every man in the garden


‘Há/Tem/Existe todo homem no jardim’

A impossibilidade de sentenças como (2b) e (2c) levou o autor a postular que


quantificação universal deve ser incompatível com sentenças existenciais.
Tomando as observações de Milsark (1974) a respeito das construções
existenciais, Belletti (1988) alega, contrariamente ao que tem sido assumido na literatura,
que o DE não deve ser restrito a línguas de sujeito lexicalmente preenchido, apesar de
serem mais exigentes com reação à exclusão de DPs [definidos] à direita dos verbos. Em
italiano, por exemplo, uma língua de sujeito nulo, algumas estruturas parece que
manifestam o efeito em questão mesmo que os DPs pós-verbais sejam geralmente bem
formados, segundo ela. Veja uma estrutura passiva como (3):

(3) a È stato messo un libro sul tavolo


‘Foi colocado um livro sobre a mesa’
b. * È stato messo il libro sul tavolo
‘Foi colocado o livro sobre a mesa’
c. II libro è stato messo sul tavolo
‘O livro foi colocado sobre a mesa’

O DE pode ser considerado uma propriedade da posição objeto desse tipo de


construção, cujas propriedades casuais obrigam o DP pós-verbal a ser marcado por traço
[-definido].
Belletti postula, então, que o DE seria uma propriedade universal de DPs em
posição de objeto de verbos inacusativos. Ela representa esse postulado com a estrutura
(4), na qual considera as diversas posições possíveis de serem ocupadas por um DP na
sentença:

(4) DP, [ [ V DPz [ P D?3 ] ] DP4 ]

VP VP PP
86

A posição DP2 é a de argumento interno de um verbo inacusativo (incluem-se aqui


também as construções passivas) que, segundo Belletti, só pode ser ocupada por um DP
[-definido], A posição D?i é a posição de especificador de IP, posição em que 0 Caso
nominativo sob concordância é atribuído ao DP; a posição DP4 é uma posição de
inversão livre, muito recorrente em italiano: é uma posição que pode receber o Caso
nominativo sob regência^. Essas duas últimas posições não são afetadas pelo DE,
segundo a autora As três posições de DP representadas em (5) são exemplificadas pela
autora em Italiano.

(5) a. Era finalmente arrivato qualche studente a lezione (DP2)


‘Finalmente tinha chegado algum estudante na sala’
b. Ogni studente era finalmente arrivato a lezione (DPi)
‘Cada estudante fijnahnente tinha chegado na sala’
c. É arrivato il ragazzo (DP4)
‘Chegou o rapaz’

Só o DP2 é afetado pelo DE, segundo Belletti; se a interpretação do DP pós-


verbal em (5 a) fosse [+definida], a sentença seria ruim, como o exemplo (6) ilustra
Somente a atribuição de um Caso semelhante ao que Belletti chama de partitivo salva
essa construção do Filtro do caso.

(6) * Era finalmente arrivato ogni studente a lezione


‘Finalmente tinha chegado cada estudante na sala’

Se tomarmos um exemplo do português, ilustrado em (7), e marcarmos 0 DP


pós-verbal com uma leitura [+definida], vamos perceber que a indefinitude toma a
sentença melhor também nessa língua, o que pode ser confirmado com o julgamento de
gramaticalidade entre (7a) e (7b). Parece que o DP [+definido] só é permitido na posição
pós-verbal se for deslocado para uma posição na periferia de VP, posição que
normalmente recebe uma interpretação do tipo informação antiga, geralmente ligada a
um corte entonacional (cf (7c)), ou uma interpretação de foco (cf (7d)).
87

(7) a. Chegou um telegrama pra ti, urgente (FLP03L856)


b. ?Chegou o telegrama pra ti, urgente^
c. (Ele) chegou, o telegrama
d. Chegou O TELEGRAMA (não a carta)

Segundo Belletti, nas línguas que não apresentam marcação morfológica de Caso
- como o inglês, o italiano e o português, por exemplo - a atribuição de Caso partitivo ao
DP objeto só é visível em sua interpretação [-definida], como os exemplos acima
ilustram Além disso, se a possibilidade de Caso nominativo fosse acessível, via
CADEIA, ao DP pós-verbal tanto em estruturas inacusativas, como em estruturas
intransitivas, como sugere Burzio (1986), seria inexplicável o próprio DE e, portanto,
inexplicável o contraste entre (5a) e (6), bem como o contraste entre (7a) e (7b). Por
isso, se não há razões para proibir a atribuição de Caso nominativo ao DP pós-verbal de
estruturas intransitivas, existem razões para excluir o mesmo mecanismo em estruturas
inacusativas.
Figueiredo Silva (1996) já observou que, no português do Brasil a restrição de
indefinitude parece ser característica da posição de objeto DP2, posição em jogo nas
frases italianas analisadas por Belletti (1988). A autora observa ainda que 0 fato de o
Caso partitivo só ser compatível com sintagmas que podem ser interpretados como parte
de um conjunto retoma as discussões de Nascimento (1984). Entretanto, o autor não
distingue verbos inacusativos de verbos intransitivos em sua proposta, o que constitui um
problema para explicar, por exemplo, por que uma sentença como (8) (retomada do
exemplo (20c) de Figueiredo Silva (1996:97)) é agramatical no português do Brasil.

(8) *Tossiu/Estava tossindo um cara atrás de mim®

É importante salientar, porém, segundo Figueiredo Silva, que algumas


construções intransitivas parecem aceitar sujeitos pós-verbais, desde que sejam marcados
por traços [-definido], como os exemplos em (9) e (10) - também retomados da autora
(cf exemplo (20a) e (20b) da p. 97) - ilustram:
88

(9) a. Telefonou um cara aí pra você


b. Viajou uma mulher supergorda do meu lado,

(10) a. *Telefonou o cara ai pra você^


b. *Viajou a mulher supei^orda do meu lado

Essa discussão será retomada quando da análise dos dados errç>íricos, nos capítulos V e
VI. Nesse momento, vamos assumir apenas que a posição DP2 também está disponível
no português do Brasil, principalmente para alojar argumentos de verbos inacusativos.
A posição DP2 seria incompatível, segundo Belletti, com DPs quantificados
universalmente e com DPs com interpretação de descrição [+definida]. Entretanto, há
casos de DPs [+definidos] que constituem no dizer da autora uma exceção: são os de
leitura de lista (list reading), como os exemplos abaixo, do inglês e do italiano, ilustram:

(11) a. Nobody around here... Well, there is John the salesman


‘Ninguém está aqui.... Bem, há João o vendedor’
b. In questo pollo manca il sale
‘Neste frango falta o sal’

Em (11a), 0 DP John é [+definido] e está na posição de objeto do existencial be, posição


DP2; entretanto, uma única leitura é possível nesse caso: 0 sintagma John está sendo
interpretado como um membro de uma lista, leitura perfeitamente compatível com a
atribuição do Caso partitivo. O exemplo (1 Ib) também mostra um caso de leitura de
lista, com a seguinte interpretação; o DP [+definido] il sale (p sal) é assumido como o
único ingrediente que falta no fi^ango.
Belletti trabalha com a hipótese de que o DE atua somente em construções
inacusativas, devido à necessidade de atribuição de Caso partitivo ao DP pós-verbal. A
autora assume, então, que a atribuição de Caso nominativo pode ser alternada com a
atribuição de Caso partitivo, a opção dependerá da natureza [+definida] ou [-definida]
do argumento intemo.
Ao refiitar a possibilidade de atribuição direta ou indireta de Caso nominativo ao
DP pós-verbal na posição de objeto, e apresentar a hipótese de atribuição de Caso
89

partitivo, a hipótese de Belletti (1988), além de garantir que os DPs não sejam excluídos
pelo Filtro do Caso, está explicando a manifestação do fenômeno DE. Se esse fenômeno
existe no italiano (uma língua de sujeito nulo) e no inglês (uma lingua de não-sujeito-
nulo), então parece razoável dizer que o DE impõe uma exigência de indefinição ao DP
pós-verbal de um verbo inacusativo.
Para verificar se o Caso partitivo também está disponível ao DP pós-verbal no
português, temos de procurar analisar se a hipótese de Belletti dá conta de explicar a
noção de ‘partitivo’ nessa língua Essa noção é questionada por Enç (1991), como
podemos verificar na seção a seguir.

3.3.2. A proposta de Enç (1991): o efeito de especificidade


3.3.2.I. Sintagmas [+/-definidos] e [+específicos]
Diferentemente de Belletti (1988), o trabalho de Enç (1991) discute questões a
respeito da definitude e da especificidade do DP, com o objetivo de propor uma
semântica da especificidade. A autora toma as concepções semânticas de Heim (1982) a
respeito da condição de novidade e de familiaridade que permite distinguir sintagmas
[+definidos] de [-definidos] para traçar sua proposta É inportante ressaltar que a
abordagem de Heim (1982) baseia-se no ponto de vista segundo o qual existem índices
de definitude que correspondem a sintagmas [+definidos] e [-definidos]; o índice positivo
corresponde a uma entidade que está em algum sentido dada no domínio do discurso,
enquanto o negativo corresponde a sintagmas que se referem a uma entidade nova
A teoria da definitude proposta por Heim (1982) é retomada por Enç (1991) e
ampliada a partir da noção de que existem também índices [+/- específicos], além dos
[+/- definidos], que correspondem a referentes discursivos previamente estabelecidos ou
não. A nova proposta é elaborada nos seguintes termos: todos os DPs têm um par de
índices referenciais com traços de definitude e de especificidade. O índice [+definido]
deve obedecer à condição de familiaridade, enquanto o índice [-definido], á condição de
novidade. Caso o primeiro índice seja [+definido], a condição de familiaridade requer
que 0 referente já esteja no domínio do discurso e que o sintagma seja um subconjunto
do referente, mantendo assim uma interpretação necessariamente [+específica]; caso seja
[-definido], requer que um novo referente seja introduzido no domínio do discurso (um
novo índice), que pode estar ou não relacionado a referentes discursivos previamente
90

estabelecidos. Assim, sintagmas [-definidos] e [-específicos] são novos no sentido


absoluto do termo, segundo a autora, por não estarem relacionados a nenhum outro
indice.
A partir dessa noção, a autora relaciona especificidade com definitude, propondo
a seguinte formulação; enquanto sintagmas [+definidos] e [+específicos] exigem que
seus referentes discursivos sejam ligados a referentes discursivos previamente
estabelecidos (condição de ligação), sintagmas [-defiinidos] e [-específicos] exigem que
seus referentes não segam ligados a referentes discursivos previamente estabelecidos. A
natureza da ligação é o que distingue essas noções: a ligação relevante para estabelecer
os critérios de definitude é a relação de identidade e para estabelecer os de especificidade
é a relação de inclusão (grifos nossos). No primeiro caso, o antecedente de um DP
[+defínido] é tratado pela autora como um antecedente forte (strong), já que envolve
uma relação de ligação total, isto é, os referentes têm de ser idênticos. No segundo caso,
o antecedente de um DP [+específico] é tratado como um antecedente fi^aco (weak), isto
significa que os referentes em questão devem estar incluídos no conjunto de referentes
previamente mencionados no discurso.
O exemplo em (12) ilustra a proposta da autora;

(12) Five children arrived late. They had missed their bus.
‘Cinco crianças chegaram tarde. Elas perderam o ônibus’

O pronome They requer uma relação de identidade com seu antecedente five children,
por isso é [+definido]. É possível estabelecermos uma relação de coindexação entre
ambos, justamente porque eles têm a mesma referência, isto é, o mesmo índice, como em
(13):

(13) Five children i arrived late. They i had missed their bus.
‘Cinco crianças schegaram tarde. Elas i perderam o ônibus’

Além disso, como a relação de inclusão se sustenta onde quer que a relação de
identidade se sustente, o sintagma five children é também o antecedente fi-aco do
pronome they, porque esse está incluído naquele, conseqüentemente, o pronome também
91

é [+específico]. Tais evidências levam a autora a predizer que não deve haver sintagmas
[+definidos] que não sejam [+específícos], embora a recíproca não seja verdadeira
Torremos agora um exemplo do Banco VARSUL:

(14) O mercado i hoje é sujeira (est.). Naquele tempo ele i não era não, naquele
tempo ele i era muito limpo (FLP24L115)

A ligação entre o pronome e o sintagma [+definido] em negrito em (14) é manifestada


por uma relação de identidade (identidade do referente) e uma de inclusão (o pronome
está contido no sintagma). Essas relações são representadas pela ligação de coindexação
entre o sintagma O mercado e o pronome ele.
Com relação aos sintagmas [-definidos], Enç (1991) dá evidências de que eles
podem ser ou [+específicos] ou [-específicos], Isso quer dizer que um sintagma, apesar
de não estabelecer uma relação de igualdade com um referente previamente dado no
discurso, pode estar incluído no conjunto daquele. Entretanto, se não estiver incluído em
um conjunto já estabelecido contextualmente, não pode ser [+específico]. Por essa
proposta, sintagmas [-específicos] são obrigatoriamente [-definidos], embora nem todo
[-definido] seja [-específico], Se houver um referente previamente estabelecido no
discurso, no qual a referência do sintagma [-definido] possa estar contida, o sintagma
será [+específico]; se não houver um referente estabelecido, o sintagma será [-
específico].
Tomando por exenplo as sentenças em (15) - extraídas dos exemplos (23) e (24)
de Enç (1991:8) - verificamos que o sintagma two boys será [+específico] se estiver
contido no sintagma Several children, como um subconjunto dele; caso contrário será [-
específico],

(15) a, Several children entered the museum


‘Muitas crianças entraram no museu’
b. I saw two boys at the movies
‘Eu vi dois meninos no cinema’
92

Ao considerarmos o sintagma two boys como parte do conjunto maior de crianças que
entraram no museu, segundo a autora, estamos admitindo uma leitura partitiva não
evidente para tal sintagma {two o f the boys), por estarmos introduzindo elementos de um
conjunto previamente estabelecido.
A proposta de especificidade de Enç está diretamente relacionada à idéia de que
interpretação partitiva (explícita ou não) garante aos DPs uma leitura [+especifica]. Tais
sintagmas se referem a grupos, no qual o DP partitivo está contido, como o exemplo
(16) ilustra.

(16) a. Several chíldren entered the museum


‘Muitas crianças entraram no museu’
b. I saw^ two of the boys at the movies
‘Eu vi dois dos meninos no cinema’

O segundo índice-do subconjunto two o f the boys está contido no primeiro índice Several
children, respeitando assim a relação de inclusão.
Essas evidências podem ser constatadas, segundo a autora, em línguas de Caso
morfologicamente marcado, como, por exemplo, o Turco. O Caso acusativo é
obrigatoriamente atribuído para todos os sintagmas [+específicos] na posição de objeto
naquela língua; entretanto, quando o Caso acusativo não está marcado, a leitura é
necessariamente [-específica], Essa especificidade está diretamente relacionada ás noções
de leitura partitiva, como os exemplos (17) e (18) retomados da autora, ilustram:

(17) Odam-a birkaç çocuk girdi


‘Mxaitas crianças entraram na sala’

(18) a. Iki Kiz-i taniyordum


‘Eu vi duas garotas’
b. Iki kiz taniyordum
‘Eu vi duas garotas’
c. kiz-lar-dan ili-sin-i taniyordum
‘Eu vi duas das garotas’
93

A exigência de marca morfológica de Caso acusativo no sintagma kiz-i, em (18a), é


equivalente à exigência para ili-sin-i, em (18c). Ambas as sentenças fazem referência ao
conjunto de garotas que entrou na sala, descrito em (17); em (18b), ao contrário, o
sintagma que está na posição de objeto faz referência a duas garotas excluídas daquele
conjunto. A leitura partitiva evidente (ou não evidente) é o que diferencia as sentenças
(18c) e (18a) da sentença (18b). Conseqüentemente, partitivos são necessariamente
[+específicos].
É importante lembrar, neste momento, que a morfologia de Caso marcado
também foi uma das evidências que Belletti (1988) encontrou para propor a hipótese do
Caso partitivo. Ambas as propostas tentam salientar que nas línguas que não apresentam
morfologia de Caso devem existir outras marcas que evidenciem tanto leituras partitivas
(cf Belletti), como leituras específicas (cf Enç). E, quando essas marcas encontram
correspondência entre línguas marcadas morfologicamente e línguas não marcadas,
podemos falar em universais lingüísticos. Um dos exenplos desses universais, com
relação à especificidade, pode ser observado entre a marca de morfema de Caso
acusativo numa língua como o Turco (-i) e a possibilidade de leitura partitiva em uma
língua como o inglês: ambas as línguas compartilham de propriedades semânticas que
manifestam especificidade.
Considere-se agora uma sentença do português, ilustrada em (19):

(19) a. Cinco meninos chegaram. Dois deles te trouxeram um presente

O sintagma deles, apesar de ser [-definido], está fazendo referência à parte


de Cinco meninos da sentença anterior (dois dos cinco meninos). Há uma relação de
inclusão entre eles. Um DP partitivo se refere a um subconjunto de um grupo
previamente estabelecido no discurso. Logo, o sintagma em negrito Dois deles deve ser
considerado [+específico].
Como observamos, os DPs [-definidos] devem ser considerados [+específicos] se
tiverem uma interpretação partitiva. Nesse caso, o que estaria determinando a
especificidade de um DP quantificado universalmente? Segundo a autora, uma resposta
plausível a essa questão seria dizer que a quantificação universal também admite uma
leitura partitiva implícita.
94

Considerem-se as sentenças em (20), retomadas da autora:

(20) a. Sally danced with every man'°


‘Sally dançou com todos os homens’
b. Sally danced with every one of the men
‘Sally dançou com cada um dos homens’

Em (20a) a interpretação não é a de que Sally dançou com todo homem da terra, mas
que ela dançou com cada um dos homens existentes em um certo contexto. Isso
assegura que a quantificação se dá sobre conjuntos contextualmente relevantes, isto é, já
no domínio do discurso. Nesse caso, a leitura de (20a) é equivalente a de (20b), com
partitivo evidente.
A quantificação universal, portanto, garante aos DPs especificidade", porque tais
sintagmas quantificam sobre conjuntos contextualmente dados. É importante destacar
que nenhum sintagma introduz um novo referente e quantifica sobre ele ao mesmo
tempo. Os exemplos do portugufe também evidenciam essa leitura:

(21) a. As alunas todas trabalhavam (FLP24L606)


b. As amizades, a gente encontrava todas no clube (FLP24L253)

Em (21a) o quantificador quantifica sobre o conjunto de alunas do colégio que


estava sendo descrito; em (21b) sobre as amizades que o locutor fazia Nos dois casos,
os quantificadores remetem a um conjunto pragmaticamente delimitado e quantificam
sobre ele. Além disso, tanto uma leitura quanto outra podem ser equivalentes a leituras
partitivas como evidenciadas em (22);

(22)a. Cada uma das alunas trabalhava


b. Cada uma das amizades que a gente fazia encontrava no clube.

O uso que Enç faz de partitivos contrasta drasticamente com o uso do termo em
Belletti (1988), que exclui do conjunto dos partitivos os sintagmas definidos e os
quantificadores universais, sem levar em consideração semelhanças relativas à
95

especificidade de tais sintagmas. A proposta de Enç (1991) estabelece diferenças entre


uma leitura partitiva e, por extensão, [+específica] e uma leitura não partitiva. Por outro
lado, chama a atenção para uma correlação entre partitivos e quantificadores universais,
através da proposta de partitivos implícitos, o que permite estabelecer critérios
adequados em prol de uma semântica da especificidade.
Quanto aos quantificadores, Enç (1991) põe em evidência os universais, em
conlronto com outros determinantes que também quantificam, por contribuírem sempre
para a especificidade do sintagma. Já um sintagma com determinante numeral, segundo a
hipótese enciana, pode ser [+específico] ou [-específico], sendo [+específico] somente se
fizer parte de um conjunto dado previamente. Novamente a leitura partitiva é
considerada.
Enç toma a classificação de Milsark (1974) para discutir a noção de definitude
relacionada aos determinantes. Ela assume que há nas línguas dois tipos de
determinantes, que correspondem exatamente às classes identificadas pelo autor: (i) os
determinantes numerais ou determinantes como a, some ou many, que podem ocorrer
em sentenças existenciais; (ii) os determinantes [+definidos] e quantificados
universalmente que não podem ocorrer em contextos existenciais. Na concepção de
Milsark, segundo ela, a distinção entre sintagmas [+definidos] e [-definidos] parece estar
refletida na distinção entre determinantes fortes (strong) e fi-acos {wealcf^. Enç
reconhece a importância do trabalho de Milsark; entretanto questiona a distribuição que
o autor faz dos determinantes fortes. Essa classe, segundo ela, é espúria, porque inclui
nomes e pronomes e eles não são quantificadores.
Valendo-se da noção de determinantes como many em Inglês e, em especial, da
discussão acerca das leituras cardinais e quantificadas’^ dos determinantes fracos
levantada por Milsark, Enç afirma que many em sentenças como (23), assim como
outros determinantes fi-acos, pode formar sintagmas [+específicos] ou [-específicos],
dependendo do contexto associado a ele. Considere-se o paralelismo entre o inglês e o
português;

(23) I talked to many students


(24) Eu falei com muitos estudantes
96

Tanto em inglês como em português, o DP many students/muitos estudantes


pode fazer parte de um subconjunto dos estudantes que já está no domínio do discurso,
ou pode fazer parte de uma lista de atividades (limpou a mesa, escreveu alguns papers,
falou com muitos estudantes, etc), sem ser considerado um subgrupo do conjunto de
estudantes. No segundo caso, many/muitos manifesta uma leitura [-específica], permitida
em sentenças existenciais; no primeiro caso, manifesta uma leitura [+específica], como a
de um quantificador, reforçando a restrição proposta pela autora de que todos os
quantificadores são [+específicos].
Os determinantes cardinais, para Enç (1991), diferentemente da proposta de
Milsark (1974), também podem manifestar uma leitura [+específica] ou uma leitura [-
especifica], dependendo do contexto.
Considerem-se as sentenças do português:

(25) a. (Fala dos filhos) Todos os outros três filhos são todos os três revoltados.
Moram dois no Rio (FLP03L310)
b. Tinha três ou quatro ou cinco fábricas de vinho lá (FLP06L361)

Em (25a), o sintagma dois faz parte do conjunto de filhos que está no domínio do
discurso, um partitivo implícito {dois dos filhos revoltados), por isso deve ser
considerado um sintagma [+específico]. Ao contrário, em (25 b), não há evidências de
que 0 referente fábricas de vinho já havia sido mencionado, é, portanto, um sintagma [-
específico], comportando-se como um sintagma que foi introduzido no discurso pela
primeira vez, do mesmo modo que diversos navios, em (26):

(26) Tinha diversos navios que eram movidos a carvão (FLP06L47)

Uma outra discussão apontada por Enç diz respeito aos DPs em Inglês com
adjetivos que são geralmente identificados como [+específicos], como certain^'*, por
exemplo. Esses DPs parecem admitir uma leitura partitiva implícita, como o exemplo
(27b) ilustra:
97

(27) a. There were several books on the table. John picked up one of them and
started reading it.
“Havia muitos livros na mesa. John pegou um deles e começou a ler’
b. There were several books on the table. John picked up a certaín book
and started reading it.
“Havia muitos livros na mesa. John pegou um certo üvro e começou a ler’

Entretanto, além de estabelecer uma relação partitiva com o sintagma dado


contextualmente {several books), a certain book em (27b) parece exigir que o livro que
João pegou seja distinto dos outros que estavam na mesa, dadas as diferenças de
interpretação entre (27a) e (27b); a especificidade corresponde nesse caso a objetos
específicos que o falante tem em mente.
Enç ressalta ainda que familiaridade não parece ser uma condição necessária para
marcar a especificidade desses tipos de sintagmas, já que são perfeitamente possíveis
construções com sintagmas contendo certain - em uma língua como o inglês - não terem
interpretação partitiva, como os exemplos retomados da autora (cf p. 21) ilustram;

(28) a. The teacher gave each child a certain task to work on during the
aftemoon
‘O professor deu a cada criança uma certa tarefa trabalhar durante a tarde’
b. Each child sat under a certain tree
‘Cada criança sentou sob uma certa árvore’
c. John wants to own a certain piano which used to belong to a famous
pianist
‘John quer possuir um certo piano que costumava pertencer a um pianista
famoso’

Os exemplos acima sugerem que sintagmas com o adjetivo certain parecem


requisitar que a relação relevante seja explicitamente expressa na sentaiça através de um
atribuidor, nos termos de Enç. Na sentença (28a), por exemplo, quem licencia o adjetivo
certain, segundo a autora, é o atribuidor da tarefa, o professor, e em (28b) o atribuidor
também deve existir (embora não esteja explícito na sentença) para que a sentença possa
98

ser gramatical. Já em (28c), a sentença relativa é suficiente para licenciar o sintagma


contendo o adjetivo certain. Nesse último caso, além de contribuir para a especificidade,
a relativa está mantendo uma ligação com o sintagma a certain piano, tomando-o
familiar. Essas evidências vêm apontar que a relação de inclusão não é necessária nem
suficiente para definir a especificidade, nesses casos, o que implica em uma redefinição a
respeito da interpretação partitiva permitida em sintagmas específicos. Além disso,
estabelecer critérios a partir dos elementos lexicais, como Enç já mostrou, não parece ser
uma boa solução para definirmos especificidade; basta lembrar que não existe uma
relação direta entre a interpretação de leituras partitivas e a de leituras com adjetivos do
tipo de certo, como os exemplos acima mostraram
Enç (1991) conclui então que especificidade envolve uma relação de ligação no
domínio do discurso de duas maneiras; (i) através de uma fimção de atribuidor,
observada em (28); (ii) através de uma relação de subconjunto, observada em partitivos
expUcitos e implícitos (relação de inclusão). Essa relação de ligação mais alargada está
sendo utilizada pela autora no sentido apropriado ao termo D-linking, usado por
Pesetsky (1987). A diferença de ligação entre essas duas classes de específicos se
correlaciona à sua distribuição. Específicos relacionais tais conw um certo N, segundo a
autora, não pressupõem existência, enquanto específicos partitivos pressupõem Por isso
mesmo, específicos relacionais podem ser encontrados em sentenças existenciais, como
apontaremos na próxima seção.
Se partitivos, sintagmas quantificados universalmente e sintagmas com adjetivos
como certo o\x determinado licenciados por um atribuidor são [+específicos], isso sugere
que as diferenças relacionadas à especificidade não fazem parte das condições de escopo,
como muitos autores propõem'^ mas às propriedades dos sintagmas que estruturam o
domínio do discurso. Enç (1991:16) assume, então, que, se a definitude é estabelecida a
partir de um determinante'®, numa língua como o Inglês, por exemplo, a especificidade é
uma noção mais abstrata, determinada por um mecanismo independente. É parcialmente
restrita pelo léxico, pela definitude do DP, por propriedades que exigem uma leitura
partitiva, como a presença de referente previamente estabelecido no discurso, e por uma
relação de atribuidor.
Além de DPs privativamente [+específicos] como os partitivos, os quantificados
universalmente e os sintagmas com adjetivos como certo ou determinado se licenciados
99

por um atribiüdor, há DPs que ora são marcados por traços [+específicos] ora por traços
[-específicos], como os que admitem uma leitura cardinal, por exemplo, e há DPs que
são privativamente [-específicos], segundo a autora, como aqueles que são permitidos
em contextos existenciais; esses últimos serão tratados a seguir.

3.3.2.2. Sintagmas [-específicos]: nota sobre as construções existenciais


Retomando a discussão acerca do fenômeno chamado efeito de definitude (DE),
podemos observar que um dos casos conhecidos na literatura diz respeito a uma
correspondência entre um elemento expletivo na posição sujeito, tal como there, em uma
língua como o inglês, e um argumento intemo a VP, que deve ser [-definido]. Mesmo
que a presença de elementos como there constitua um parâmetro entre as línguas, pois
está sujeito à variação inter-lingüística, a restrição de definitude parece que consiste em
um universal lingüístico nas sentenças existenciais. A questão central que aqui se coloca
é qual o efeito da (in)deí5nitude em uma língua como o português.
Tanto em inglês como em português há o bloqueio de um sintagma [+definido] e
[+específico] em sentenças existenciais, como o julgamento de gramaticalidade de (29) -
retomado do paradigma (2) - e de (30) parece ilustrar, respectivamente;

(29) a. There is a man in the garden


b. *There is the man in the garden
c. *There is every man in the garden

(30) a. Há/Tem/Existe um homem no jardim'’


b *Há/*Tem/*Existe o homem no jardim
c. *Há/*Tem/*Existe todo homem no jardim

Em ambas as línguas, além da inç)Ossibilidade de sintagmas [+definidos] e quantificados


universalmente em sentenças existenciais, podemos observar também a impossibilidade
de sintagmas partitivos explícitos, tratados comumente como sintagmas [-definidos],
como o julgamento de gramaticalidade de (31) e (32) fomece;
100

(31) * There are some of the men in the garden


(32) *Há/*Tem/*Existem alguns dos homens no jardim

Essas evidências nos levam a repensar o termo ‘partitivo’ usado por Belletti
(1988) em sua proposta de Caso partitivo, já que deveria ser compatível com
construções existenciais. Discutiremos um pouco essa questão, tendo em vista a hipótese
de Enç (1991).
A abordagem enciana propõe um paralelismo entre os sintagmas quantificados
universalmente e os sintagmas partitivos, ambos segundo a autora [-definidos], porém
[+específicos], diferentemente do tratamento dado por Belletti (1988). Se sintagmas
partitivos atuam como parte de um conjunto previamente mencionado no discurso, como
podemos dizer então que são compatíveis com sentenças existenciais se sentenças
existenciais não pressupõem existência? Tal proposta permite explicar a impossibilidade
de sintagmas quantificados universalmente e partitivos em sentenças existenciais, como a
agramaticalidade dos exemplos em (29c), (30c), (31) e (32) ilustram Quando expressões
[-específicas] são exigidas em contextos existenciais diz-se, portanto, que exibem uma
restrição de especificidade e não de definitude, segundo a autora
Quanto a sintagmas que contêm determinantes como certo (certain), apesar de
aparentemente levarem a uma interpretação [+específica], admitem contextos existenciais
caso estejam relacionados a determinados modificadores, isto é, quando são licenciados
por um atribuidor, como os exemplos em (33a) e (33b) - retomados dos exemplos (68) e
(65) de Enç (1991) - ilustram, paralelamente aos exemplos (34a) e (34b) do português.

(33) a. There is a certain man vdlling to take on this mission


b. ?7There is a certain man vdlling to take on any mission

(34) a. Há/Tem/Existe um certo homem desejoso de aceitar esta missão


b. ??Há/??Tem/??Existe um certo homem desejoso de aceitar qualquer
missão

A diferença de aceitabilidade entre (33a)/(34a) e (33b)/(34b) deve-se ao fato de


os modificadores this/esta e any/qualquer estabelecerem ligações familiares
101

diferenciadas: no primeiro caso, o sintagma um homem (a marí) é relacionado a uma


missão específica: no segundo caso, a qualquer missão. Caso o atribuidor fosse uma
sentença relativa, o licenciamento de certain com any mission seria possível.

(35) There is a certain man who is wilüng to take on any mission


(36) Existe um certo homem que está desejoso de aceitar qualquer missão

A esses sintagmas, portanto, Enç (1991) trata como específicos relacionais, ou seja,
específicos que não pressupõem existência, podendo ser licenciados em construções
existenciais, tal como o julgamento de gramaticalidade das sentenças acima evidencia.
Em suma, é importante salientar que a diferença entre a leitura de um sintagma [-
definido] e [+específico] e a de um sintagma [-definido] e [-específico] reside nas
propriedades de pressuposição de existência, de acordo com a hipótese de Enç (1991). A
autora esclarece que o estudo de especificidade defendido por ela é fortemente
relacionado à noção de definitude, porém é ao mesmo tempo distinto dela; basta lembrar
das diferenças entre a quantificação universal e a quantificação existencial, acima
relacionadas, partindo da idéia de que ambas quantificam sobre DPs [-definidos], Com
base, então, na abordagem enciana podemos dizer que a especificidade é imi fenômeno
que explica melhor as diferenças entre os sintagmas que manifestam propriedades de
pressuposição de existência e aqueles que manifestam propriedades de asserção de
existência (grifos nossos). Nesse caso, o termo Efeito de Definitude deveria ser
substituído pelo termo Efeito de Especificidade, para dar conta de explicar as
construções existenciais, nos moldes propostos pela autora. É esse o tratamento que
vamos dar aos sintagmas em estudo, pelo menos nesse primeiro momento,

3.4. Considerações finais


Além de permitir estabelecer uma tipologia de traços, o trabalho de Enç (1991)
permite formular uma caracterização bastante aprofijndada dos traços de definitude e de
especificidade do DP. Essas noções incluem explicações a respeito das diferenças entre
sintagmas [+definidos] e [-definidos] - já abordadas por BeUetti (1988) - e apontam para
particularidades pouco discutidas na literatura como o fato de um sintagma [-definido]
ora poder ser considerado [+específico] ora [-específico], depaidendo da relação que
102

mantém (ou não) com algum DP ou com um conjunto de DPs previamente estabelecido
no discurso e da relação de um atribuidor que licencie sintagmas contendo adjetivos
como certo, por exemplo.
A abordagem enciana sobre as construções there be parece registrar que não
somente descrições definidas se opõem a uma interpretação existencial, mas também
sintagmas [-definidos] quando são [+especificos], como os que permitem uma
interpretação partitiva ou universal, por exemplo. Procuraremos verificar se essas
análises se aplicam aos dados do português do Brasil no que diz respeito à interpretação
de DPs que recebem Caso partitivo, já que o português não possui caso
morfologicamente marcado. Ora, segundo Enç (1991), se um DP partitivo se refere a um
subconjunto de um grupo previamente estabelecido no discurso é necessariamente
[+especffico], então como explicar que o Caso partitivo esteja disponível em construções
existenciais, já que elas são necessariamente [-específicas]? Por outro lado, admitindo
que um DP quantificado universalmente pode receber uma interpretação partitiva não
evidente, como podemos excluí-los do Caso partitivo, como propõe Belletti (1988)?
Para tentarmos responder a essas questões, vamos levantar o grupo de fatores traços de
definitude e de especificidade do DP, partindo de evidências do português; esse grupo
será tratado no capítulo V.

3.5. Notas

' Radford (1997) põe os adjetivos dentro das categorias lexicais por selecionarem o tipo
de nome que vão modificar, devido ao seu conteúdo descritivo (como em thoughtfiil
fiiend/*thoughtfijl problem); por não poderem preceder os determinantes (como em My
nice clothes/*Nice my clothes) e por permitirem recursividade, diferentemente dos
determinantes (como em My nice new clothes/*A clothes). Entretanto, nesse
trabalho, vamos tratar de alguns adjetivos à parte, como uma categoria fimcional, por
estarem contribuindo para a definitude ou especificidade dos sintagmas nominais.

^ Apesar de ser uma classe fechada, a categoria (P)reposição é classificada, no modelo da


TRL, como uma categoria lexical, por possuir a capacidade de selecionar
semanticamente seus argumentos (s-selecionar). Para demonstrar tal capacidade, Mioto
et alli (1999:59) tomam a sentença ^4 Maria desmaiou sobre a mesa como evidência de
103

que a preposição sobre estabelece que o DP a mesa deve ser interpretado como um
lugar. Logo, é possível dizer que sobre s-seleciona o DP a mesa.

^ A categoria advérbio é considerada na literatura gerativa uma categoria derivada, não


caracterizável através de uma combinação de traços [N] e [V] e por isso está sendo
deixada de lado.

O termo referência, tal como o discutiremos aqui, tem a ver com a proposta de Lyons
(1977:145), na qual é definido como a relação existente entre uma expressão e aquilo
que essa expressão designa ou representa em ocasiões particulares da sua enunciação.
Quando uma sentença como (i) é enunciada, por exemplo, o locutor se refere a um certo
indivíduo (Napoleão) por meio de uma expressão referencial, para que o interlocutor
possa identificar o referente em questão.

(i) Napoleão é corso

É o locutor, portanto, segundo o autor, que confere à expressão uma referência

' Apud Belletti (1988)

^ O português, não tendo por hipótese a possibilidade de atribuir Caso nominativo sob
regência, também não terá a possibilidade de apresentar um DP na posição DP4.

’ Vale ressaltar que a sentença (7b) é boa num contexto em que há conhecimento
compartilhado a respeito da espera de uma correspondência. Nesse caso, porém, a
sentença melhoraria se não tivesse um PP no finai de VP.

* Parece que o julgamento de gramaticalidade dessa sentença não é único. Algumas das
pessoas com quem eu testei acharam-na perfeitamente possível.

^ Agradeço aqui à observação de Maria Alice Tavares, a respeito do sintagma o cara ai.
Segundo ela, se 0 ai for um modificador, a sentença (10a) é agramatical, porém se a
104

leitura for apontativa, isto é, dêitica, a sentença é gramatical. O exemplo (i) ilustra bem
essa leitura apontativa;

(i) Chegou a carta aí pra você

A proposta de Enç para especificidade segue a teoria de Heim (1982), em que um


sintagma como every man deve ser considerado [-definido],

" Merece atenção aqui o estudo de Vazzata Dias (1999) com relação à proposta de dois
tipos de quantificadores universais. A autora mostra indícios de que há pelo menos dois
tipos de construções quantificadas universalmente; as do tipo (20) - tratadas por Enç
(1999) - e as do tipo (i), uma construção tratada na literatura como genérica.

(i) Todo homem é mortal

Apenas as primeiras, segundo Vazzata Dias, permitiriam uma leitura partitiva. Essas
discussões serão retomadas no capítulo V.

Segundo Meechan e Foley (1994), a classificação de Milsark (1974) a respeito dos


determinantes fracos (weak) e dos determinantes fortes (strong) assim se distribui;

Determinantes fracos (weak) Determinantes fortes (strong)


Indefinidos; un^a), uns(a) Definidos; artigos definidos,
Numerais cardinais demonstrativos, pronomes pessoais e
Algum(s), muitos, um pouco, (some, possessivos
many, few, lots of, plenty of, several) Universais; todo(s), toda(s), cada (all,
Determinante nulo (0 ) com leitura não- every, each, any)
universal Alguns (dos), muitos (dos)
Nenhum Determinante nulo (0 ) com leitura
universal
105

Estamos entendendo leitura cardinal e quantificada como leitura de um sintagma


modificado por numerais cardinais e por adjetivos quantificadores do tipo algum, muitos,
poucos, etc., respectivamente.

Enç (1991:04) também dá evidências de que, no inglês, o comportamento dos


adjetivos como certain, specific e particular é diferente. Enquanto certain só pode
ocorrer com sintagmas [-definidos], com o determinante a ou com um determinante
nulo, os adjetivos como speciflc e particular podem ocorrer com sintagmas [-definidos],
com numerais e com some; além disso, são aceitáveis em sentenças [+definidas], como
os exemplos em (i) e (ii), retomados da autora, ilustram, respectivamente:

(i) a. a certain man/ 0 certain man/ 0 certain men


b. *one certain man/ two certain men/ some certain men

(ii) a. Two specific women/ some specific women/ one particular document
b. That specific child/ this particular element

Em português, é possível estabelecermos a mesma relação de especificidade para os


sintagmas constituídos com adjetivos comó certo ou determinado {certain)-, já adjetivos
como específico ou particular {specific ou particular), além de admitirem sintagmas
[+definidos] ou [-definidos], podem ser complemento da preposição em, e nesse caso
manifestam outro matiz:

(iii) a. Um carro especifico/Um carro particular


b. Aquele carro especifico/Aquele carro particular
c. Aquele (Um) carro em especifico/Aquele (Um) carro em particular

Um dos trabalhos citados por Enç (1991) que identifica especificidade com uma leitura
de escopo amplo do DP sobre o operador é o de Fodor e Sag 1982 (Apud Enç, 1991). A
autora descarta essa hipótese ao comprovar que sintagmas com adjetivos como certain
em inglês, além de exigirem uma leitura específica, podem ter escopo estreito sobre
operadores. Para manter a hipótese dos autores, segundo Enç (1991), deveríamos
106

rejeitar a idéia de que indefinidos com tais adjetivos são específicos. Ela prefere construir
uma análise de especificidade que seja independente de relações de escopo, uma análise
que permita escopo estreito e explique a tendência ao escopo amplo, bem como uma
análise que providencie explicações para a interpretação de sentenças que contenham
sintagmas específicos, mas nenhum operador.

Em português, o mesmo não é verdadeiro, basta lembrar dos determinantes que


podem constituir um sintagma nominal com nomes próprios, como em (i), ou de
determinantes que antecedem pronomes possessivos, como em (ii);

(i) João saiu/ O João saiu


(ii) Meu amigo saiu/ O meu amigo saiu

Como os nomes próprios e os pronomes possessivos já são marcas de defínitude, os


artigos definidos que constituem têm uma fiinção específica, sendo constituintes
opcionais; inclusive, em algumas regiões do Brasil não são usados antes dos sintagmas
em questão, caracterizando variação regional.

” Vale lembrar aqui da aceitabilidade das sentenças com o verbo ter em um contexto
não-existencial, como em (i), semelhante a uma construção estativa do tipo BE não-
existencial, ilustrada em (ii);

(i) a. Tem um homem no jardim (e outro na sala)


b. Tem o homem no jardim (e a mulher na sala)
c. Tem alguns dos homens no jardim (e outros na sala)

(ii) a. Um homem está no jardim (e outro na sala)


b. O homem está no jardim (e a mulher na sala)
c. Alguns dos homens estão no jardim (e outros na sala)

Essas possibilidades serão discutidas posteriormente.


Capítulo IV

Procedimentos metodológicos

4.1. Introdução
Este capítulo tem por objetivo comentar as decisões metodológicas tomadas para
a descrição e análise da variação intema da ordem do sintagma nominal (DP) em
construções declarativas monoargumentais, no português falado em Florianópolis, a
partir de uma amostra sincrônica.
Na primeira etapa, será apresentado o método quantitativo de análise, incluindo
os critérios quanto ao tratamento dos dados e às restrições lingüísticas observadas. Na
segunda, são estabelecidos os grupos de fatores condicionadores, com o objetivo de
discutir os problemas e as hipóteses mais específicas, a partir das informações recolhidas
na literatura sobre o fenômeno da variação da ordem de constituintes e da observação
inicial dos dados.
Ao lado dos pressupostos teóricos necessários ao trabalho, a análise desenvolvida
tem caráter eminenten^te empírico, isto é, lida-se com uma amostra representativa da
fala de florianopolitanos, numa tentativa de conciliar o saber teórico da teoria da
Variação com as conquistas do modelo de Princípios e Parâmetros, na versão da GB.

4.2. O método de análise


A abordagem quantitativa segue os pressupostos básicos da Sociolingüística
laboviana (cf Labov, 1972), que busca medir o efeito de grupos de fatores sobre formas
de significado aparentemente equivalentes, com ênfase na questão da variável lingüística,
evidenciando aspectos que permitam o enquadramento do fenômeno em estudo dentro
da Teoria da Variação.
Para cumprir esse objetivo, efetuaram-se pesquisas em trabalhos que tratavam da
variação na ordem dos constituintes, a fim de determinar o grau de aceitabilidade de
hipóteses inferidas a partir da análise da teoria e do corpus. A hipótese maior que
sustentou este trabalho, com seu prenuncio em Tarallo e Kato (1989), é a de que a
variação intra-lingüística da ordem dos constituintes é regida pelos mesmos parâmetros
108

da variação inter-lingüística. A possibilidade de o português manifestar a ordem V DP,


por exeirq)lo - uma das propriedades das línguas de sujeito nulo (pro-drop) - pode ser
quantitativamente maior ou menor que a mesma possibilidade em linguas como o italiano
e o espanhol.
Os resultados de Lira (1986; 1996), Berlinck (1988; 1989; 1995) e ZiUes (1999)
sobre a variação da ordem do DP mostraram que as chances de se encontrar a ordem V
DP são maiores em contextos monoargumentais e raras em contextos com verbos de
mais de um argumento, como já foi observado no capítulo I. Esses resultados também
foram revelados por Silva-Corvalán (1983) sobre o espanhol, o que mostra que muitos
dos grupos de fatores que condicionam a inversão do sujeito atuam nessas duas línguas
na mesma direção. Verificar em quais contextos monoargiimentais a ordem V DP se
manifesta com uma maior fi-eqüência no português do Brasil, em especial, no português
falado em Florianópolis, pode contribuir para mostrar que a monoargumentalidade não é
uma construção homogênea

4.2.1. A variação nos estudos sintáticos


Uma questão que vem sendo bastante discutida na área dos estudos sobre
variação é a aplicabilidade da teoria da variação, e, mais amplamente, de técnicas
quantitativas ao estudo de fenômenos sintáticos. Nos seus primórdios, a teoria da
variação concentrou-se na análise de fenômenos fonológicos, que, na grande maioria das
vezes, estão associados a significados estilísticos e sociais distintos. A transferência dos
métodos de análise para além do nível fonológico coloca problemas com rdação ao
requisito de mesmo significado.
Segundo Lavandera,

“as unidadespara além do nívelfonológico têm cada uma um significado. Logo, se cada construção

sintática tem seu próprio significado, como épossível que haja variação, se por variação entendemos

duas (ou mais) maneiras de dit^r a mesma coisa?” (1977)

Nesse sentido, para a autora, seria inadequado estender a outros níveis de análises de
variação a noção de variável sociolingüística, a não ser que a variação carregue
significado social e estilístico além do significado referencial, que tem de ser o mesmo
109

para todas as variantes. A questão que se levanta é polêmica: o que seria ter o mesmo
significado referencial, dada a inexistência de sinonímia absoluta nas línguas naturais?
Labov (1978) alarga a noção de variável lingüística para dois enunciados que se
referem ao mesmo estado de coisas e que têm o mesmo valor de verdade (entendendo
estado de coisas como significado representacional), relativizando a noção de ‘mesmo
significado’. Diz que a teoria da variação deve levar em conta a Gramática da língua e a
competência lingüística dos falantes. Para o autor, o valor da análise de variação em
sintaxe está em ser um indicador dos processos gramaticais subjacentes, isto é, um
indicador das restrições que inibem ou favorecem o uso de uma ou de outra variante, um
indicador que também possa predizer mudanças no sistema.
Utilizando-nos da proposta metodológica de Labov, entendemos que a
quantificação de fenômenos sintáticos pode, além de nos fomecer bons indicadores da
relevância de diversos grupos de fatores, como Paiva (1991) ressalta, ser um
instrumental útil, capaz até mesmo de verificar a ausência de variação. Como a pesquisa
que ora desenvolvemos se concentra, principalmente, na situação de construções V DP
no interior do sistema lingüístico do português do Brasil, a variação sintática intra-
lingüística pode ser entendida como um caso de competição entre gramáticas, entre
sistemas, segundo a perspectiva de Kroch (1994), principalmente se for atestado que as
diferenças entre construções intransitivas e inacusativas estão diretamente relacionadas
às diferenças entre as ordens DP V e V DP, respectivamente.

4.2.2. Constituição e caracterização da amostra


Nosso estudo se constrói com base em dados reais de feia florianopolitana. As
amostras analisadas fazem parte do Banco de Dados do Projeto VARSUL (Variação
Lingüística Urbana da Região Sul) cuja constituição é pautada pelos princípios
metodológicos da Sociolingüística Variacionista laboviana
É objetivo do Projeto VARSUL

“arma^nar e colocar à disposição dos pesquisadores interessados amostras de reaU^ções da

fala de habitantes enraizados em áreas urbanas sócio-culturalmente representativas de cada

um dos três estados da Região Sul do brasil” (Knies (& Costa, 1995)
110

o acervo do Banco VARSUL é considerado um exenplo de fala informal. Tal


caracterização decorre da própria técnica de obtenção dos dados: entrevista face-a-face,
na qual se estabelece uma situação de comunicação em que o entrevistador tenta
conduzir a entrevista de modo que o informante preste o mínimo de atenção possível a
sua fala, permitindo, dessa forma, que o vernáculo venha à tona. Para minimizar o efeito
do distanciamento entre entrevistador e entrevistado, ficou estabelecido que a entrevista
seria realizada após um contato prévio entre os dois. Essa tática visava também reduzir o
efeito do que Labov (1972) chama de ‘paradoxo do observador’, criando condições para
uma relação menos formal durante a realização da entrevista, para que as situações de
comunicação se aproximassem do vernáculo do entrevistado.
O projeto tem como meta possibilitar o desenvolvimento de pesquisas da
variedade lingüística falada nos centros urbanos da região sul, a fim de que se possa
repensar políticas da linguagem, replanejar o ensino de língua portuguesa, bem como
testar nrodelos teóricos em vigor na área de lingüística As amostras foram estratificadas
tendo como base quatro parâmetros sociais: sexo, idade, escolaridade e região. Integra
hoje um acervo de 96 entrevistas por estado, totalizando 288 entrevistas’, constituídas
por informantes dos três estados do sxil do Brasil - Santa Catarina, Paraná e Rio Grande
do Sul.
Para a realização de nossa pesquisa, utilizamos 16 entrevistas da região de
Florianópolis, distribuídas igualmente segundo duas categorias sociais assim
estratificadas: escolaridade e faixa etária.

Informantes da
região urbana de Escolaridade Faixa etária^
Florianópolis Primário Colegial
08 informantes 04 04 25 a 39 anos
40 a 49 anos
08 informantes 04 04 50 a 59 anos
Mais de 60 anos
Tabela 4.1.: Distribuição da amostra de informantes da região de
Florianópolis, extraída do Projeto VARSUL

Acreditamos que os resultados possam espelhar a real situação da variável, uma


vez que a ordem DP V ou V DP não está associada a nenhum estigma, e justamente por
111

isso não deve registrar nenhum fator social como condicionador da posposição do DP. O
estudo de dois grupos de fatores sociais, em especial do grupo faixa etária, tem como
objetivo observar se é possível falarmos em mudança em tempo aparente e se a escola
exerce influência sobre uma possível mudança

4.3. Etapas metodológicas


A análise empírica da ordem V DP em construções monoargumentais compõe-se
das etapas metodológicas descritas a seguir. A primeira consistiu na atividade de traçar e
descrever o fenômeno da ordem dos constituintes. Para tal fim, foi construída uma
amostra piloto com 350 dados do Banco VARSUL, categorizada a partir de cinco
grupos de fatores: transitividade do verbo, forma do DP, traço de animacidade do DP,
concordância verbal^ e estatuto da sentença. Esses grupos foram tratados primeiramente
pelo fato de terem se mostrado mais ou menos sensíveis ao fenômeno em estudo, em
análises relativamente similares (cf Lira (1986; 1996), Berlinck (1988; 1989) e Zilles
(1999)). Tal como os trabalhos apontaram, os grupos de fatores transitividade do verbo
e forma do DP mostraram-se significativamente mais relevantes para o estudo em
questão, dentre eles vale ressaltar os verbos existenciais e os pronomes indefinidos como
contextos favorecedores da ordem V DP.
A segunda etapa tratou de compor uma amostra controlada que serviu de base às
análises subseqüentes. Após a delimitação dos contextos que poderiam ser considerados
monoargumentais, foram realizadas a coleta e a categorização dos dados. O
levantanwnto dos dados foi feito procedendo-se primeiro à classificação e quantificação
de todos os contextos monoargumentais de sentenças com tenço e sujeito realizado da
amostra. Posteriormente, foram eliminados os contextos categóricos.
Finalmente, a terceira etapa tratou de descrever e analisar como grupos de
fatores de ordem fonética, lexical, (morfo)sintática e semântica se inter-relacionavam;
além disso, buscou verificar como grupos de fatores sociais atuavam na produtividade do
fenômeno. Uma das grandes preocupações que orientou o trabalho foi a de dar conta das
restrições dos traços dos sintagmas nominais e verbais que constituem as sentenças
declarativas, com o propósito de captar as diferentes posições do sintagma nominal.
O cumprimento dessas três etapas resultou numa análise aprofiindada do
fenômeno da ordem no interior do sistema lingüístico.
112

4.3.1. Delimitação dos contextos monoargumentais


As construções monoargumentais escolhidas para análise foram as construções
declarativas, com tempo. Dentro dessas construções, foram observados casos de
construções estativas, como as existenciais e as locativas, por exemplo; construções
puramente processuais com verbos como nascer, morrer, construções com verbos de
movimento do tipo de vir, ir, sair, chegar, etc., e construções tipicamente agentivas,
com verbos como trabalhar, correr, andar, morar, etc, como os exemplos abaixo
ilustram, respectivamente:

(1) a. É que ele não existe, o olho grande existe (FLP17L754)


b. mas na época que eles vieram pra cá, não tinha ônibus (FLP08L73)

(2) a. Morreu primeiro o meu avô, depois morreu a minha avó (FLP08L17)
b. Aí ela voltou pro hospital de Caridade. Ela morreu de tireóide
(FLP08L23)
(3) a. A Monique chegou lá em casa: - Ó vó, eu vim aqui falar contigo
(FPL07L875)
b. Ele diz que, quando ele vinha vindo, saiu um cachorro grande dali
(FLP08L453)

(4) a. O meu filho mora no mesmo quintal, sabe? (FLP07L165)


b. Mas ali morava um casal de velhinhos (FLP24L19)

É importante ressaltar que os argumentos internos e externos dos verbos acima


relacionados são tomados juntos, neste trabalho, pelo fato de em estrutura superficial
manifestarem-se como sujeito das respectivas sentenças. Essa análise parte do principio
de que toda sentença deve ter sujeito e rediscute as chamadas orações sem sujeito da
gramática tradicional, principalmente em relação às diferenças de análise dentro das
construções existenciais com verbos como existir, haver e ter, por exemplo.
Na gramática tradicional, as construções existenciais com verbos como haver e
ter são tratadas como construções sem sujeito, enquanto as com o verbo existir são
113

tratadas como orações com sujeito simples ou composto. Considerem-se o exemplo de


Lima, em (5a), e suas correspondentes em (5b) e (5c), para discutirmos essa questão:

(5) a Há grandes poetas no Brasil (Lima, 1989:209)


b. Tem grandes poetas no Brasil
c. Existe(in) grandes poetas no Brasil

A construção (5 a), segundo o autor, é um caso de oração sem sujeito, pois o


verbo haver foi empregado impessoalmente e o argumento grandes poetas deve ser
considerado um objeto direto. Se a estrutura fosse com o verbo ter, a análise, apesar de
não ter sido sequer mencionada, provavelmente seria a mesma; entretanto, se fosse com
o verbo existir, o sintagma grandes poetas seria considerado um exemplo de sujeito
posposto e não de objeto. Ora, o que faz com que sentenças existenciais sejam
diferentemente classificadas pela gramática tradicional do ponto de vista da função
sintática de seus constituintes?
Alguns estudos já apontam críticas a respeito da diferença entre os critérios de
análise dos verbos ter/haver e existir. Pinto (1981) fez testes com falantes a respeito dos
critérios que cada um adota para identificar o sujeito de construções do tipo de (5). A
escolha dos falantes quanto a testes relacionados a diferenças sintáticas entre tais
construções é notória: os entrevistados preferiram mostrar que as construções são
equivalentes, quase ninguém reconhece grandes poetas como sujeito das construções e a
dificuldade reside no fato de esses sintagmas estarem pospostos aos verbos - um critério
puramente ‘posicionai’. As diferenças quanto a critérios de concordância, apontadas pela
gramática tradicional, não são sequer mencionadas.
Fatos que vêm de encontro a essa escolha são observados na escrita, inclusive na
escrita formal, como podemos exenplificar com recortes extraídos de redações para
seleção no concvirso vestibular/99'*, tais como: (i) a manifestação da não concordância
entre o verbo existir e seu argumento; e (ii) a manifestação da concordância entre os
verbos haver/ter e seus argumentos. Tudo leva a crer que estamos frente a um fenômeno
de hiper-correção.
114

(6) a . Existem, digo, Existe muitos impostos no território brasileiro, onde


muitos habitantes ‘rebolam’ para pagar as dívidas,
b. Podemos dizer que houveram manifestações contra as privatizações
decorrentes

Apesar de a gramática tradicional adotar critérios de análise diferenciados, a


grande maioria das análises prefere tratar das construções com verbos como existir e
ter/haver de modo homogêneo^ como construções existenciais; as diferenças entre as
análises manifestam-se apenas no que diz respeito ao estatuto do argumento nuclear
desses verbos. Alguns autores tratam todos eles como sujeito, outros como objeto.
Pontes (1986), ao analisar o problema da caracterização do DP posposto como sujeito
ou como objeto, prefere adotar a análise que trata desses argumentos como objeto,
enquanto Pinto (1981) não concorda com a possibilidade de serem caracterizados como
objeto, já que não é possível a cliticização do DP. Kato (1981) também argumenta que
os sintagmas pospostos a verbos existenciais não são objetos, porque não se pode ter
uma transformação de cliticização que nos forneça:

(7) a Existe muitos impostos no território brasileiro


b. *Existe-os no território brasileiro

Dada a impossibilidade de (7b), poderros dizer que o sintagma aquele vestido


não se comporta sintaticamente como um objeto canônico, já que o Caso acusativo não
está disponível para ele. Argumento semelhante pode ser usado para o sintagma que
acompanha os verbos ter/haver, apesar de a gramática tradicional admitir
(arcaicamente!) tais possibilidades.

(8) a Havia muitos homens no jardim


b. *Havia-os no jardim/*Haviam-nos no jardim

(9) a Tinha uma menina no jardim


b. *Tinha-a no jardim
115

O mesmo julgamento de gramaticalidade para construções como (7b), (8b) e (9b)


vem reforçar que o argumento dos verbos ter/haver deve ser analisado sintaticamente da
mesma forma que o argumento do verbo existir - um argumento interno - e que o
critério de cliticização parece ser um critério plausível para classificá-los como
argumentos de verbos inacusativos, diferentemente dos argumentos internos de verbos
transitivos, os quais admitem cliticização.
Logo, os verbos ter/haver existenciais no português podem ser altemados com o
verbo existir sem diferença quanto a algumas propriedades sintáticas, resguardadas as
diferenças de formalidade que um e outro podem apontar. Nesse sentido, foram
consideradas dentro do mesmo bloco, a saber, o de construções existenciais. É
importante ressaltar que, das 2033 construções monoargumentais, foram registradas 240
ocorrências com verbos te /, 150 com o verbo existir e apenas 06 com o verbo haver^.
As construções com o verbo ter provavelmente estariam ocupando o lugar de
construções com o verbo haver existencial. Vale lembrar aqui do estudo histórico de
Mattos e Silva (1996), segundo o qual, no século XVI, enquanto haver é por excelência
um verbo existencial, ter é por excelência um verbo de posse (cf p. 192).
Cunpre ressaltar, ainda, que alguns contextos monoargumentais foram excluídos
da coleta dos dados.
Não foram considerados;
. casos em que uma categoria vazia (pro) ocupa a posição sujeito, visto que não é
possível recuperar a ordem do sintagma nominal em relação ao predicador, como em
( 10):

(10) a. Os ônibus passavam antigamente pela Felipe Schmidt pra chegar no


Centro, (pro) Vinham lá da Ponte Hercílio Luz, (pro) só desciam a Ponte
Hercílio Luz, (pro) vinham direto pela Felipe Schmidt. (FLP18L611)
b. Os ônibus passavam antigamente pela Felipe Schmidt pra chegar no
Centro. Vinham (pro) lá da Ponte Hercílio Luz, só desciam (pro) a Ponte
Hercílio Luz, vinham (pro) direto pela Felipe Schmidt
116

. construções com verbos cópulas, porque a ordem V DP dos argumentos da míni-


oração {small clause) na sentença não é regida pelos mesmos princípios que a
determinam em construções inacusativas do tipo BE, STAY e GO, por exemplo.

(11) e as filhas dela eram muito animadas, a Vilma e a Maria Helena


(FLP24L404)

Quando um verbo inacusativo seleciona uma mini-oração (small clause) como


complemento, as questões de ordem do constituinte são definidas em fimção de
propriedades específicas de atribuição de Caso nominativo, que diferem das propriedades
de atribuição de Caso partitivo, possível somente quando tal verbo seleciona DPs ao
invés de uma míni-oração, dada a necessidade de o verbo atribuir uma ílinção temática
juntamente com esse Caso. Além do mais, nas construções com cópula, há consenso em
que o DP pós-verbal não é argumento, não exigindo, conseqüentemente. Caso. No
exemplo (11), o sujeito da míni-oração [as filhas dela, animadas] é alçado para a posição
de especificador de IP para receber Caso^
Como, na modalidade da fala, é natural encontrarmos sentenças truncadas,
repetições, gaguejo e falsos começos, foi necessário estabelecer critérios que excluíssem
também essas modalidades quando a predicação não estava explícita, como em (12) e
(13), abaixo.

(12) Não sei se falaram pra ti. Falaram, né? Também faleceu, né? o irmão da Léia
(inint) aí, quando ele nasceu botaram o nome dele e ele foi eu acho que dois
ou três anos assim (FLP22L551)

Na sentença truncada, em negrito, não se sabe se é o verbo ir, ser ou ficar que
está sendo mencionado. Como não há como recuperar a predicação do verbo, esses
casos foram excluídos da análise. Quanto aos sintagmas repetidos, foram considerados
uma só entrada para efeitos de quantificação. Em (13), por exemplo, o verbo funcionar e
o primeiro verbo existir não foram contados para análise.
117

(13) Antigamente onde [fimciona]- onde tem a Ponte Hercílio Luz, ali existia
uma, existia um trapiche, onde tinha um acostamento de navios
(FLP18L128)

Uma vez identificados os dados para análise, observamos nas dezesseis


entrevistas um total de 2033 ocorrências de construções monoargumentais que
organizamos de forma apropriada ao processo de codificação, o qual consiste em
transformar em código identificável pelos programas conçutacionais tudo o que
queremos que seja analisado.

4.3.2. Categorização dos dados


A categorização dos dados foi resultado de um estudo teórico que permitiu
estabelecer os possíveis condicionadores do fenômeno em estudo, o que implica
construir hipóteses lingüísticas para a sua explicação. Do ponto de vista fonético, foi
discutido o fator peso do DP; do ponto de vista do léxico, o fator realização do DP; do
ponto de vista sintático, os grupos de fatores estatuto da sentença e configuração da
sentença^; do ponto de vista sintático-semântico, a relação entre transitividade verbal e
composição semântica do verbo; e do ponto de vista semântico, os traços de
animacidade, definitude e especificidade do DP'°.
Após categorizados, os dados foram submetidos aos programas computacionais
do sistema logístico VARBRUL (cf Pintzuk (1988) e Scherre (1993)), que forneceram,
como produto fmal, pesos relativos aos diversos grupos de fatores selecionados como
relevantes para a variação do fenômeno analisado. O tratamento estatístico caracteriza-se
por usar o cálculo de percentagens para verificar tendências de uso, contextos
categóricos e testar hipóteses sobre o grau de correlação entre a ordem V DP e os
grupos de fatores mais significativos estatisticamente. Para tanto, cada grupo foi cruzado
com os fatores do grupo co-ocorrente e os percentuais daí obtidos permitiram que se
verificasse se um dos grupos foi explanatoriamente mais forte que outro.

4.4. Grupos de fatores condicionadores


Nesta seção, postulamos os grupos de fatores a serem observados a partir de
nossas hipóteses mais gerais sobre o condicionamento da ordem V DP. Para realizar essa
118

tarefa, foi utilizado o modelo de Princípios e Parâmetros na formulação das hipóteses e


na explicação dos condicionamentos lingüísticos que pudessem inibir ou favorecer o uso
de uma ou de outra ordem As duas possibilidades de ordenação DP V e V DP foram
levantadas como a variável dependente, observada em relação a duas rodadas
estatísticas; rodada 1 e rodada 2. Na rodada 1, objetivamos levantar os grupos de fatores
condicionantes da ordem V DP, cujos resultados serão discutidos no capítulo V, a partir
da seleção dos seguintes grupos de fatores:
1) Grupos de fatores lingüísticos
. Tipo categorial do verbo
. Composição semântica do verbo
. Traços de animacidade do DP
. Forma de realização do DP
. Traços de definitude e especificidade do DP
. Estatuto [+/- pesado] do DP
. Tipo de sentença
2) Grupo de fatores sociais
. Faixa etária
. Escolaridade

Na rodada 2, objetivamos cruzar os grupos de fatores relevantes ao fenômeno em estudo


com três grupos lingüísticos que traíam da configuração da sentença, a saber;
. Configuração x DP V / x V DP
. Configuração DP x V / V x DP
. Configuração DP V x / V DP x
Nossa expectativa é de que a configuração da sentença pode nos permitir um
questionamento a respeito do caráter da ordem V DP, Os resultados da rodada 2 serão
discutidos no capítulo VI.

4.4.1. Tipo categorial do verbo


Para a discussão desse grupo de fatores, foi levada em consideração a hipótese
inacusativa de Burzio (1986), segundo a qual a classe dos verbos intransitivos não é
homogênea e a heterogeneidade é estrutural. 0 diferente comportamento dos sujeitos
119

finais dos verbos monoargumentais relativamente a certas construções e processos


permite-nos distinguir duas subclasses também no PB: a dos verbos inacusativos e a dos
verbos intransitivos. Nosso objetivo é verificar se há motivações empíricas para dizer que
o fenômeno da inacusatividade pode explicar a legitimidade do DP pós-verbal nessa
língua.
É importante ressaltar que, na forma subjacente, cada constituinte tem uma certa
relação gramatical que pode ou não coincidir com a que tem na forma final. Por isso, faz
sentido dizer que questões como as de atribuição casual devem estar interferindo na
ordenação linear dos constituintes, em especial, daqueles que se realizam como sujeito.
Nossa expectativa, que se relaciona exclusivamente ao componente interno da
língua, é de que as construções inacusativas propiciam uma maior liberdade de
ordenação (DP V/ V DP), por ser a posição à direita do verbo inacusativo a posição
básica do argumento intemo, enquanto diminui a variação à medida que os contextos
passam a ser relativamente “mais transitivos” (construções intransitivas), uma vez que tal
posição não está disponível a argumentos externos. Para testar nossa hipótese, vamos
levantar o grupo de fatores tipo categorial do verbo, constituído de dois fatores,
exemplificados abaixo:
. verbos intransitivos (cf (14a))
. verbos inacusativos (cf (14b))

(14) a. Eu viajei a noite toda (FLP05L349)


b. Capacidade eu tenho, agora falta estudo (FLP02L39)

4.4.2. Composição semântica do verbo


Iremos utilizar a tipologia proposta por Jackendoff (1976; 1987) para levantar o
grupo de fatores composição semântica dos verbos, com o objetivo de examinar se a
função semântica do verbo é um possível determinante da ordem V DP. O grupo é
composto dos seguintes fatores:
. verbos do tipo BE locativo
. verbos do tipo BE existencial'^
. verbos do tipo STAY
. verbos do tipo GO'^
120

. verbos do tipo APPEAR


. verbos do tipo ACT
Resolvemos incluir a função APPEAR na tipologia de JackendofF (1976) para dar
conta de verbos como nascer, morrer, aparecer, surgir, acontecer, etc, devido ao fato
de semanticamente manifestarem uma situação processual designativa como ‘mudança de
estado’, mas diferirem de verbos do tipo GO por não manifestarem um movimento físico.
Vale lembrar que na tipologia proposta pelo autor no trabalho de 1976, tal função está
contemplada na relação entre fiinção semântica e estrutura modal de posição, de posse
ou de identificação. A função GO, por exemplo, ao combinar-se com o modificador de
posição descreve uma mudança de estado concreta, em que a entidade x se move de um
lugar (y) para outro (z) (tratada aqui como fimção GO); enquanto, ao combinar-se com
o modificador de identificação, descreve verbos que manifestam apenas uma mudança de
estado de x (tratada aqui como função APPEAR). Já no trabalho de 1996, Jackendoflf
(1996:333) trata desses verbos não mais dentro da função GO, mas na de BE (BE^x),
como uma estrutura conceptual que localiza x dentro da existência de T (tempo) ou fora
dela; função que pode ser ilustrada com verbos como aparecer e desaparecer no PB.
Na verdade, a diferença entre o papel temático de agente e o de tema é que
constitui 0 ponto central de discussão dessas funções semânticas, a saber, no português é
possível enquadrar os verbos monoargumentais em duas grandes categorias semânticas
verbais: (i) verbos da função ACT, que selecionam uma entidade x que realiza o papel de
agente, como trabalhar, correr, andar, viajar, etc. (ii) verbos das funções BE, STAY
APPEAR e GO que selecionam argumentos que manifestam, geralmente, o papel de
tema, como existir, haver, ter (existencial), estar, permanecer, ficar, acontecer, faltar,
morrer, nascer, chegar, sair, vir, ir, cair, voltar etc. Os exemplos abaixo estão
exemplificando essa tipologia em uma língua como o PB;

(15) a. Aí quando ele chegou, eu tava no hotel (FLP05L342)


b. Hoje não, existe bastante colégio, escolas, né? (FLP18L411)
c. O pessoal do morro, o pessoal pobre ficava tudo ali numa praiazinha,
ali encostado [na]- ne? [na] no cais ali (FLP18L549)
d. aí [ela]- ela apareceu quando eu tinha seis anos (FLP 03L85)
121

e. Mas as vezes a gente passeava, ia tudo com ele na lancha, né?


(FLP18L147)
f. e eu me acordava quatro horas da manhã (FLPl 8L64)

Nossa hipótese é de que verbos do tipo BE (locativo), BE (existencial), STAY,


APPEAR e GO (cf. exemplos (15a), (15b), (15c), (15d) e (15e)) vão possibilitar a ordem
V DP, porque seus argumentos nucleares realizam preferencialmente o papel temático de
tema, enquanto verbos do tipo ACT (cf exemplo (15Q) vão preferir a ordem DP V,
devido ao fato de selecionarem argumentos geralmente f+agentivos],

4.4.3. Traços de animacídade do DP


Para observarmos os efeitos que o grupo de fatores animacidade do DP exerce
sobre a ordem V DP, vamos considerar, primeiramente, que o caráter [-animado] dos
DPs decorre de sua relação específica com verbos que selecionam argumentos não-
animados. A associação de DP [-animado] à ordem V DP liga-se à discussão a respeito
do estatuto sintático dos DPs pospostos, como Pontes (1986), Lira (1986; 1996) e
Berlinck (1988) já mostraram Esse traço, segundo Berlinck, aliado a outros como [-
agentividade], é característico do DP que permanece em posição de objeto.
Como a animacidade do DP se constitui em um traço especificado pela grade
temática do verbo, nossa hipótese é de que as possibilidades de anteposição ou
posposição do DP com relação a esse traço são definidas em função do verbo. É a
natureza diferenciada dos verbos monoargumentais que determina as características de
seus argumentos; (i) verbos que selecionam argumentos necessariamente [+animados]
privilegiam construções DP V; (ii) verbos que selecionam argvimentos [+/-animados]
privilegiam construções V DP, principahnente quando o argumento selecionado é [-
animado], como os exemplos abaixo ilustram

(16) a. Eu morava assim quando eu era pequeno (FLP18L39)


b. O meu amigo lá [de]- de Joinville vem aí (FLP02L780)
c. mas naquela época vinha [do]- [do]- do governo [da]- [da]- América do
Norte, vinha aquele leite mococa (FLP02L936)
122

A determinação da ordem, portanto, deve dep^der da relação entre a natureza do verbo


e os argumentos que ele seleciona: um caso de co-ocorrência

4.4.4. Forma de realização do DP


Vamos considerar, nesse grupo de fatores, a forma de realização de sintagmas
nominais constituídos por nomes, pronomes pessoais, demonstrativos e indefinidos.
Enquanto os pronomes não têm uma referência autônoma, sendo sua referência
estabelecida a partir das relações de coindexação com outros elementos disponíveis no
discurso, ou a partir das relações com o contexto extra-lLngüístico, os nomes referem-se
a uma entidade. Diferentemente dos pronomes pessoais, os nomes podem ser
modificados por determinantes e complementos e são constituídos por nomes próprios e
nomes comuns. Enquanto os nomes próprios geralmente exprimem uma noção única e
definida, os nomes comuns podem exprimir uma noção individual, coletiva ou encobrir
uma espécie. Os exemplos representativos dessas realizações podem ser observados em
(17):

(17) a. Eu estudava num [do]- [do]- eu estudava no grupo Escolar Padre


Anchieta (FLP02L897)
b. e aquilo vai se acabando aos pouquinhos (FLP04L501)
c. Ninguém levanta pra dar lugar hoje em dia (FLP04L213)
d. O Caiios Alberto não gritava, não dizia nada (FLP02L478)
e. Hoje em dia o namorado já chega na porta da namorada, já ela sai com
ele (FLP04L655)

Muitos trabalhos referentes à ordem V DP já apontam alta predominância de


pronomes pessoais, demonstrativos e nomes próprios com a ordem DP V; enquanto DPs
plenos e pronomes indefinidos revelam um alto índice de posposição. Quanto aos
pronomes indefinidos. Lira (1996) diz que vêm se mostrando um ambiente propício à
ordem V DP. Isso dá-se, provavelmente, segundo ela, porque os sintagmas pronominais
indefinidos incorporam um conçonente dêitico não-específico. Em seus resxdtados, a
alta fi-eqüência de DPs pospostos com determinantes indefinidos, um total de 76% para
20% de definidos, reforça essa conclusão.
123

Esses estudos vêm autorizar a hipótese de que a posposição do DP vai ocorrer


com categorias como sintagmas nominais plenos e pronomes indefinidos. Em
contrapartida, a anteposição do DP vai se manifestar mais com argumentos
representados por pronomes pessoais, pronomes demonstrativos e nomes próprios.
A diferença de traços entre os sintagmas que estão representados por pronomes
pessoais e os que se manifestam através de um pronome indefinido será estudada dentro
de um conjunto maior, a partir do grupo de fatores tratado em 4.4.5., dada a
complexidade e singularidade dos traços de definitude e de especificidade do DP. É
importante ressaltar, também, que nem sempre tais traços estão diretamente relacionados
à forma do DP, o que abre possibilidades de uma discussão maior a respeito dos critérios
semânticos desses traços e permite uma discussão separada da forma. A correlação entre
forma e traços de definitude e de especificidade do DP será observada a partir do
cruzamento entre esses dois grupos de fatores.

4.4.5. Traços de definitude e de especificidade do DP


Vamos considerar aqui as propostas de Belletti (1988) e de Enç (1991) como
base para o levantamento de um dos grupos de fatores que pode estar condicionando a
ordem V DP no português do Brasil, dadas as evidências de que existe uma
incompatibilidade entre o DP [+definido] e/ou [+especifico] e a posição pós-verbal de
construções inacusativas, partindo da hipótese de Caso partitivo de Belletti (1988). A
classificação desse grupo está assim subdividida;
. sintagma [+definido] e [+especifico];
. sintagma [-definido] e [+específico];
. sintagma [-definido] e [-específico].
Acrescentamos, inicialmente, a essa tipologia a subdivisão [+genérico] e [-
genérico], para dar conta de sintagmas marcados por traços [+genérico] que não
estavam incluídos na classificação de Enç. Esses sintagmas, na maioria das vezes, não
estão direcionados a uma interpretação existencial, seja atestando, seja pressupondo a
existência de um referente no domínio do discurso. Os exemplos dessa classificação em
português podem ser observados em (18), abaixo:
124

(18) a. (Fala dos familiares) Essa o meu cunhado trabalhou. É que trabalha
muito bem também (FLP05L676)
b. quando tu entras hoje, tu entras [na]- na entrada geral de Canasvieiras,
(...) tu desces direto pra praia, tu vai direto pra praia (FLP24L1188)

O sintagma em negrito em (18a) é [-genérico], pois estabelece uma relação de identidade


e de inclusão com sintagmas previamente mencionados no discurso, ou seja, o sintagma
o cunhado já havia sido mencionado no discurso precedente (ou pelo menos inferido), é,
portanto, [+definido] e [+especifico]; já em (18b), o sintagma tu não se refere a um
indivíduo por meio de uma expressão referencial, mas a uma entidade [+genérica].

4.4.6. Estatuto {+/- pesado] do DP


A colocação de um sintagma pesado no final da sentença - fenômeno conhecido
como heavy DP shift (deslocamento do sintagma nominal pesado) - de acordo com a
literatura parece ser uma generalização inter-lingüística, como os julgamentos de
gramaticalidade das sentenças do inglês e de sua tradução literal em português ilustram a
seguir:

(19) a. *I put on the table that book


b. I put on the table that book that you lent me last week
(20) a. ??Eu coloquei na estante aquele Uvro'^
b. Eu coloquei na estante aquele livro que você me emprestou na última
semana

Como mostra o contraste entre (19a/20a) e (19b/20b), há restrições fonéticas


atuando na ordem dos constituintes da sentença, no caso específico, na posição de objeto
direto. Resolvemos, então, testar o tamanho dos constituintes que se realizam como
argumentos externos e internos dos verbos monoargumentais, e, após algumas
simulações, estabelecemos os seguintes critérios:
1) DPs [-pesados] - quando forem representados por até quatro palavras;
2) DPs [+pesados] - quando houver mais de quatro palavras.
125

Nossa expectativa é de que DPs com imis massa fonética tendam a aparecer à
direita do verbo enquanto DPs menores devem ocorrer preferencialmente à sua esquerda,
como (21) ilustra, respectivamente:

(21) a. E dali, o Brasil entrou na guerra (FLP06L17)


b. Então onde funciona o Instituto Estadual de Educação hoje é...
(FLP18L100)

Lira (1986:25) já observou que, quanto mais pesado o DP, maior a possibilidade
de ele aparecer posposto. Em seus resultados, sujeitos conçostos, que em geral contêm
maior massa fonética, apresentam uma freqüência de 53% de posposição, enquanto
sujeitos simples marcam apenas 19%. Kato (1992) tenta dar uma explicação para esse
fenômeno nos termos do modelo de Princípios e Parâmetros na versão da GB; segundo a
autora, regras estilísticas podem ser condicionadas por fatores fonéticos, como seria o
caso da regra de extraposição do constituinte pesado, isto é, o movimento do
constituinte pesado para a direita, para uma posição não argumentai. Tal hipótese tem
respaldo em Chomsky & Lasnik (1977).
Para Belletti & Shlonsky (1992:36), esse fenômeno pode não ser unitário, mas
sim reflexo de duas hipóteses: (i) o DP pesado se move para uma posição não-
argumental, à direita do verbo, nos termos de Chomsky & Lasnik; (ii) o DP permanece
onde está, isto é, em uma posição argumentai, enquanto os outros constituintes passam
sobre ele, como o PP on the íable no exemplo (21b) estaria ilustrando. Esse movimento
é conhecido como scrambling. Os autores salientam que esses processos não podem
ocorrer juntos. Enquanto a primeira hipótese é confirmada pela possibilidade de tais DPs
licenciarem parasitic gaps, a segunda explicaria os casos de construções que admitiriam
a cliticização do ne, em uma língua como o italiano, por exemplo. Vamos assumir aqui a
primeira hipótese.

4.4.7. Tipo de sentença


Para analisar a relevância do grupo de fatores tipo de sentença, no
condicionamento da ordem V DP, vamos estabelecer dois critérios:
126

1) a partir dos fatores relacionados abaixo:


. sentenças absolutas
. primeira coordenada
. segunda coordenada
. sentenças principais (isto é, sem conectores)
. sentenças relativas
. sentenças substantivas
. sentenças adverbiais
2) a partir do amálgama dos fatores que contemplam sentenças absolutas e coordenadas,
de um lado; e dos fatores que tratam de sentenças principais e subordinadas, de outro,
como os exemplos em (22) ilustram, respectivamente:

(22) a. Nós saímo, por exemplo, daqui às oito da manhã e chegava lá dez
horas (FLP18L655)
b. Mas ai quando meu pai morreu, nasceu o mais moço (FLP18L262)

O amálgama foi estabelecido, baseando-se nos estudos que mostram que sentenças
subordinadas (relativas, adverbiais e substantivas) constituiriam contextos mais propícios
à ordem V DP (cf Berlinck (1988)).

4.4.8. Grupos de fatores sociais


Entre os grupos de fatores sociais considerados, tem importância fijndamental a
faixa etária dos informantes, que servirá para mostrar se o fenômeno da ordem (DP V/ V
DP) manifesta alguma mudança em curso. Serão avaliados quatro fatores:
. r faixa etária: 25 a 39 anos;
. 2“ faixa etária: 40 a 49 anos;
. 3* faixa etária: 50 a 59 anos;
. 4“ faixa etária: mais de 60 anos.
Conforme Naro (1992), o estado atual da língua de um falante adulto reflete o
estado da língua adquirida quando o falante tinha aproximadamente quinze anos. Sendo
assim, uma pessoa hoje com sessenta anos representa a língua de quarenta e cinco anos
127

atrás; enquanto outra pessoa com quarenta anos nos revela a língua de vinte e cinco anos
atrás. Essa gradação corresponde a uma escala de mudança em tempo aparente.
A pesquisa de Labov (1972) em Martha’s Vineyard, sobre a centralização do
ditongo /aw/, é um estudo detalhado dessa natureza, mostrando uma tendência clara em
termos de comunidade: a centralização do ditongo estava se espalhando com força e
rapidez. Os velhos revelavam-se preservando mais a forma original não centralizada,
enquanto os mais jovens utilizavam cada vez mais centralização.
Berlinck (1988:254-255), ao estudar o fenômeno da ordem de um ponto de vista
diacrônico, já apontou que o processo por que passa o fenômeno da ordem se
caracteriza por um decréscimo gradual da freqüência de V DP e por um paralelo
enrijecimento da ordem DP V. A autora acrescenta que, se a tendência ao enrijecimento
da ordem DP V persistir, é de se esperar que cada vez mais contextos se caracterizem
por uma forte associação com DP V, estabilizando-se a ordem inversa apenas nas
construções intransitivas/inacusativas (em especial, nas existenciais), principalmente nos
casos de verbos de estado e mudança pontual.
Buscando observar como se reflete num corpus sincrônico o processo da perda
gradativa da ordem V DP, vamos procurar acompanhar os caminhos que a mudança
percorre. É justamente para verificar se essa tendência se confirma em dados do
português que pretendemos estudar a ordem sob o ponto de vista do tempo aparente,
objetivando retratar o processo de mudança lingüística em progresso. Nossa hipótese é
de que a posposição do DP vai ser mais restrita nos dados de informantes de 25 a 39
anos, enquanto informantes de mais de 60 anos vão apresentar um maior índice de V DP,
o que viria confirmar o estudo diacrônico de Berlinck (1988).
Será, ainda, investigada a relevância do grupo de fatores escolaridade (nível
primário e nível colegial), com o objetivo de avaliar o efeito do nível de escolaridade
sobre o uso mais freqüente da ordem V DP.

4.5. Notas

' O grupo VARSUL está ançliando sua amostra com dados de informantes mais jovens,
na faixa de 15 a 24 anos, e com dados de informantes de terceiro grau.
128

^ As quatro faixas etárias estratificadas para nossa análise correspondem a duas faixas
especificadas no Banco de Dados VARSUL:
(i) informantes de 25 a 50 anos;
(ii) informantes de mais de 50 anos.

^ Um fato indiscutível no português é o enfraquecimento da concordância com o


chamado DP pós-verbal. Entretanto, não levantaremos aqui a manifestação da
concordância entre o verbo e o DP como um dos grupos de fatores estudado como
possível determinante da ordem V DP, pois, como já foi colocado na literatura, não é a
concordância que determina a ordem V DP, mas a ordem V DP é que determina a não
concordância. Observemos os exenplos abaixo;

(i) a. Naquela época a gente ia pra Marinha e chegava aqueles cara lá


(FLP06L108)
b. Depois da Universidade é que começou a surgir os prédios aqui na
Trindade (FLP05L548)

Naro e Lemle (1977) já apontam que a probabilidade de concordância verbal com


DP pós-verbais é muito menor do que com DPs pré-verbais, independendo até mesmo
do nível de escolaridade a que pertence o falante. Berlinck (1988) mostra resultados que
vêm corroborar a hipótese dos autores: em uma amostra de nível universitário, 94% dos
DPs pospostos apresentam ausência de concordância para apenas 20% de presença
(estamos relacionando aqui o nível universitário com o nível sócio-econômico). A autora
diz que essa associação de DP posposto e ausência de concordância tem servido de
argunKnto favorável à tese do caráter menos ‘subjetivo’ do sujeito. Lira (1986) também
comprova o alto índice de ausência de concordância com DPs pospostos em seus
resultados: uma probabilidade de .62 de ausência de concordância para apenas .38 de
presença.
A variação na concordância também tem sido observada em Inglês, em sentenças
existenciais do tipo There’s bridges, por Meechan e Foley (1994). Os autores levantam
duas hipóteses para dar conta desse fenômeno: (i) a variação na concordância em
estruturas there é um reflexo de diferentes posições configuracionais do DP pós-
129

verbal; (ii) a posição desse DP pode ser determinada pelo tipo de detenranador ou de
quantificador precedente, como por exemplo, de determinantes fortes ou fracos,
seguindo aqui a descrição de Milsark (1977). O fato de a concordância ser virtualmente
inexistente no contexto de contração (8% apenas) dá suporte à hipótese de que there é
um afixo. Entretanto, a hipótese de que a variação estaria ligada a diferentes posições
configuracionais do DP com determinantes fi-acos e fortes não se comprovou. Uma
explicação para esse fato, segundo as autoras, poderia ser encontrada na proposta de
Belletti (1988), segundo a qual o Caso partitivo estaria associado a uma interpretação
indefinida, inibindo certos DPs de subirem para uma posição Agr.
Figueiredo Silva (1996) mostra que o que quer que a concordância com o DP
pós-verbal (ou a falta de) signifique em termos da propriedades da gramática, o
português escolhe desencadear sua concordância preferencialmente na relação
especificador/núcleo, a posição de sujeito à esquerda do verbo, admitindo sujeitos
pospostos à condição de que eles sejam objetos na estrutura profijnda.

Os exemplos de escrita foram retirados de textos dissertativos, elaborados como uma


das provas para o concurso vestibular/99 na UFSC. Agradeço à Comissão Permanente
do Vestibular (COPERVE), em especial à professora Sônia Maria Hickel Probst, por
permitir a divulgação de alguns exemplos.

* Uma proposta de tratamento diferenciado, para os verbos existir e ter/haver, é


fornecida por Franchi et alli (1998),

®Vale ressaltar novamente que construções com verbos ter não-existenciais não farão
parte desse conjunto de verbos.

’ Esse pequeno número de ocorrências com o verbo haver já era esperado, por estarmos
analisando contextos de situação de entrevista face-a-face, isto é, contextos mais
informais. As sentenças com o verbo haver fazem parte de micro-textos de opinião -
inseridos na entrevista - um tipo de texto mais formal, como os exemplos abaixo
ilustram
130

(i) a. porque o governo, não houve nenhuma alteração com o dinheiro dele
(FLP21L454)
b. Aonde eles se encontravam, havia um tiroteio (FLP06L424)

®Vale ressaltar aqui que todas as construções copulares foram excluídas da análise,
inclusive as que selecionam DPs como conplemento.

^ Os grupos de fatores configuração da sentença (x DP V/ x V DP/ DP x V/ V x DP/ DP


V x/ V DP x) foram tratados separadamente, com o objetivo de estabelecer as diversas
posições que um DP pode ocupar na ordem V DP. Eles serão discutidos no capítulo VI.

Neste trabalho, não iremos discutir fatores de natureza discursiva, como, por exemplo,
estatuto informacional da sentença, porque acreditamos que o fator de natureza
semântica traços de definitude e de especificidade do DP, discutido nos termos de Enç
(1991), pode estar contemplando as informações que estão ou não no domínio do
discurso (por exençlo, as informações velhas, inferiveis e novas), além de permitirem
respostas adequadas às restrições semânticas relacionadas a certos verbos inacusativos,
como, por exemplo, para os verbos existenciais. De mais a mais, meu enfoque de estudo
é basicamente de cunho formal.

" Como já observamos no capítulo II, vamos separar verbos do tipo BE locativo de
verbos do tipo BE existencial.

Na função semântica GO, foram incluídos verbos que descrevem um movimento


concreto, como ir, vir, sair, chegar, cair, entrar, etc.

Parece que esse exemplo seria melhor se o PP m? estante estivesse sendo focalizado
contrastivamente, como em:

(i) Eu coloquei NA ESTANTE aquele livro (e não sobre a cadeira)


Capítulo V

Sobre o condicionamento da ordem V DP:


uma restrição sintático-semântica ?

5.1. Introdução
Neste capítulo, vamos discutir as rodadas estatísticas do programa VARBRUL,
descrevendo e analisando os resultados, com o intuito de estabelecer quais os fatores que
condicionam a ordem V DP e, conseqüentemente, se a ordem DP VA^ DP constitui um
caso de variação ou de complementaridade em uma língua como o português do Brasil,
tendo como evidências o português falado na região de Florianópolis. A partir dessas
discussões, vamos tentar levantar, no próximo capítulo, uma discussão a respeito dos
preenchedores das fronteiras ...V...DP... na caracterização do DP pós-verbal, para
verificar a possibilidade de a ordem V DP constituir-se em um fenômeno heterogêneo.
Todas essas discussões são importantes para a definição dos contextos que determinam
ou condicionam a ordem V DP em construções monoargumentais, objeto central deste
trabalho.

5.2. Descrição e análise dos resultados


Após postulados os grupos de fatores, como descritos na seção 4.4.,
categorizamos os dados e fizemos várias rodadas estatísticas, utilizando-nos do pacote
VARBRUL, a fim de definirmos os contextos de restrição. Optamos por dois estudos
estatísticos: o primeiro compreendia o elencamento de grupos de fatores que estariam
condicionando a ordem V DP (rodadal); e o segundo cruzava os grupos de fatores
selecionados como relevantes à ordem V DP com três grupos que tratavam da
configuração das sentenças (rodada2); esse último estudo será discutido no capítulo VI.
Em cada uma das rodadas estatísticas obtivemos um total de 2033 construções
declarativas monoargumentais, das quais 642 ocorrências eram de construções V DP,
um total de 32% dos dados, como o gráfico 5.1. mostra, a seguir;
132

Percentagem de DP V e V DP em
relação aó total de 2033 dados

32%
^VDP
li mDpy

68%

Gráfico 5.1.: Freqüência de DP V e V DP nos dados analisados

Esse resultado diz pouco a respeito do fenômeno em análise. É necessário


caracterizar o quadro dos grupos de fatores que determinam a ocorrência desses 32% de
V DP. O objetivo deste capítulo é justamente descrever e analisar os resultados obtidos
no tratamento estatístico que permitem compor tal quadro. Obtivemos, inicialmente,
como estatisticamente relevantes por ordem de significância, os seguintes grupos;
r grupo - composição semântica do verbo;
2° grupo - traços de definitude e de especificidade do DP;
3° grupo - forma de realização do DP;
4° grupo - estatuto [+/- pesado] do DP;
5° grupo - animacidade do DP.
Não foram selecionados os grupos tipo categorial do verbo, estrutura da sentença, faixa
etária e escolaridade.
O grupo de fatores tipo categorial do verbo mostrou-se bem representativo,
apesar de não ter sido selecionado como relevante. Serão utilizados os resultados
percentuais desse grupo, posteriormente, ao fazermos uma reanálise dos grupos de
fatores selecionados pelo modelo estatístico, em especial, do grupo composição
semântica do verbo. Já o grupo tipo de sentença não foi selecionado e nem se mostrou
estatisticamente significativo, mesmo depois da reanálise dos fatores em apenas dois
blocos: sentenças coordenadas e sentenças subordinadas. O percentual desses últimos
fatores ficou assim distribuído: em sentenças coordenadas, 33% de V DP (429/1307); em
133

sentenças subordinadas, 29% (207/726), o ^ue vem ressaltar que a ordem V DP era
construções monoargumentais independe do tipo de sentença, diferentemente do que
Berlinck (1988) constatou para construções transitivas e intransitivas. Os grupos de
fatores extra-lingüísticos também não foram selecionados pelas rodadas estatísticas,
atestando que a variação da ordem dos argumentos é imi fenômeno intemo ao sistema
lingüístico.
O fator faixa etária foi investigado no intuito de permitir observar se podemos
falar em mudança em tempo parente. Apesar de notarmos uma queda no percentual de
V DP dos falantes da primeira faixa etária, não podemos afirmar que isso indique
mudança vale observar que, na segunda faixa, o percentual subiu para 38%,
apresentando, nas faixas seguintes, uma ligeira queda. O percentual em cada faixa etária
ficou assim distribuído; T faixa etária (25 a 39 anos); 23% (140/621); 2® faixa (42 a 50
anos); 38% (175/460); 3“ faixa (52 a 55 anos); 35% (120/345); 4“ faixa (59 a 76 anos);
33% (201/607). Essas diferenças, entretanto, podem ser mais representativas se
investigarmos uma faixa etária mais jovem, faixa esta que está sendo coletada pelo
projeto VARSUL, e que fará parte de um próximo trabalho. Discutiremos, a seguir,
apenas os fatores lingüísticos que se mostraram mais significativos no condicionamento
da ordem V DP.

5.2.1. A natureza dos vert)os monoargumentais


Nesta seção, vamos discutir dois grupos de fatores, um de ordem sintática, outro
de ordem semântica; o tipo categorial do verbo e a composição semântica do verbo.
Esses grupos de fatores foram tratados em primeiro lugar separadamente, para observar,
no conjunto de dados, qual dos dois atuava mais significativamente no condicionamento
da ordem V DP. A seguir, eles foram agrupados, com o objetivo de fomecer uma
descrição da natureza do verbo monoargumental, do ponto de vista da relação existente
entre o verbo e os argumentos selecionados por ele.
Vale ressaltar que esses dois grupos de fatores se sobrepuseram em todas as
rodadas estatísticas do VARBRUL. Quando os dois coexistiam, o fator composição
semântica era selecionado sempre em primeiro lugar, enquanto o fator tipo categorial
não era sequer selecionado. Entretanto, quando o grupo de fatores composição
semântica era eliminado da rodada, o grupo de fatores tipo categorial era selecionado; na
134

ordem de seleção, porém, não era o primeiro em termos de importância, mas o terceiro,
o que significa que o grupo de fatores composição semântica do verbo, naquele
momento, foi significativamente mais relevante do que o outro.

S.2.1.1. Sobre a composição semântica dos verbos


Para a discussão do grupo de fatores composição semântica do verbo, tomamos a
tipologia de Jackendoff (1976; 1987) a respeito das fimções semânticas dos verbos,
como vimos no capítulo II. Essa tipologia prevê que a interpretação de tais fimções dá-se
através de uma composição funcional, isto é, a leitura de cada verbo deve estar
relacionada com a de seus sujeitos e objetos. Interessa-nos, em particular, a relação entre
sujeito e verbo, uma vez que nosso foco de análise são as construções monoargumentais.
Verbos de estado estão representados nessa tipologia através da fimção semântica BE
(que aqui faz referência aos verbos do tipo BE existencial e BE locativo). Verbos de
evento compreendem dois tipos de verbos: verbos de ação, representados através da
fimção semântica ACT; e verbos de mudança de estado ou permanência de um estado
em um determinado tempo e espaço. Esses últimos estão aqui representados pelas
fimções GO, APPEAR e STAY.
Após 0 tratamento estatístico dos dados, observamos que a fimção Be locativa
teve de ser excluída da análise por apresentar knockout, a saber todos os 49 dados
manifestaram-se em construções DP V, um percentual categórico. Entretanto, devemos
salientar que esse percentual não é o registro final de tais ocorrências, porém apenas o
registro de uma amostra analisada de fala de alguns fiorianopolitanos.
Os percentuais obtidos pela quantificação de 2033 sentenças declarativas são
relevantes. É notável a correlação entre ordem dos constituintes e o fator composição
semântica do verbo, como a tabela 5.1. ressalta, abaixo:
135

Composição semântica do verbo^ Apl/Total % RR

Verbos do tipo ACT 18/524 03 0,23

Verbos do tipo STAY 05/58 09 0,47

Verbos do tipo GO 110/692 16 0,53

Verbos do tipo APPEAR 131/360 36 0,70

Verbos do tipo BE existencial 378/399 95 0,93

Total 642/2033 32
Tabela 5.1.: Freqüência e probabilidade de V DP> segimdo o grupo de fatores
composição semântica do verbo

Podemos observar na tabela 5.1. uma correspondência direta entre percentuais e


probabilidade - a curva ascendente é a mesma - de verbos do tipo ACT inibidores da
ordem V DP a verbos do tipo BE existencial, quase categóricos nessa ordem Quanto
aos verbos do tipo STAY, GO e APPEAR, observa-se tanto na freqüência quanto na
probabilidade uma maior variabilidade - ordem DP V e ordem V DP - apontando entre
eles um aumento gradativo de V DP: 09%, 16% e 36%, respectivamente. Vale lembrar
que tais verbos, segundo Jackendoff (1976), representam funções semânticas que, na
grande maioria das vezes, manifestam uma entidade x que realiza o papel temático de
tema
Tomemos, em primeiro lugar, os verbos do tipo STAY para análise. Um
rastreamento nas ocorrências pôde nos explicar o percentual alto de DP V em
contrapartida aos 9% de V DP; 67% (39/58) de construções dessa natureza na ordem
DP V têm como parte integrante pronomes pessoais e, inclusive, pronome ‘a gente’,
como os exemplos em (la) e (Ib) ilustram E os outros 33% restantes são formados por
sintagmas plenos [+definidos] e [+específicos] (cf (Ic)).

(1) a. E eu ficava ali com a outra tia (FLP08L781)


b. Ela trabalhava nvim negócio de descascar camarão (...) e a gente ficava
emcasa(FLP18L249)
c. (Fala dos detentos da Fucabem) o detento fica lá e fica sendo tratado que
nem um marginal (FLP02L841)
136

Pronomes pessoais favorecem a ordem DP V, como a literatura já observou (cf. Lira


(1986; 1996), Berlinck (1988; 1995) e Zilles (1999)). Tanto eles, quanto os sintagmas
[+definidos] e [+específicos] - ilustrados em (Ic) - serão tratados mais detalhadamente
na seção 5.2.2.1., dentro da discussão a respeito do grupo de fatores traços de defínitude
e de especificidade do DP, o segundo grupo selecionado como relevante pelo programa
estatístico VARBRUL.
Com relação aos verbos do tipo GO e APPEAR, os resultados da tabela indicam
um caso mais típico de variação do que com STAY, apontando um percentual e uma
probabilidade mais significativos de V DP, principalmente para verbos do tipo APPEAR.
Vamos discutir um pouco essa diferença. Verbos do tipo GO descrevem um movimento
concreto, representado, principalmente, por um DP tema que se move de um lugar para
outro. Esta fimção manifesta a categoria semântica de evento justamente porque esse
movimento descreve na grande maioria das vezes mudanças de estado (definido de
maneira larga); uma entidade x vai de y para z. Comparemos então essa fimção com a do
tipo APPEAR, que também descreve mudanças de estado, porém o movimento é
abstrato. Observem-se os exemplos abaixo:

(2) a. O processo vai de um gabinete a outro sem solução


b. O processo apareceu no gabinete do Reitor

No exemplo (2a), o movimento é mais concreto, isto é, o DP O processo vai de um


gabinete para outro. Já em (2b), o O processo é identificado em algum lugar. Essa
diferença parece importante com respeito à ordem dos constituintes; basta que
verifiquemos os índices percentuais e probabilísticos entre as construções do tipo GO e
APPEAR na ordem V DP, descritos na tabela 5.1. E a pergunta que levantamos é a
seguinte: por que verbos do tipo GO tomam menos provável a ocorrência de seus
argumentos à sua direita, do que verbos do tipo APPEAR?
Para tentar responder a essa pergunta, tomamos os verbos do tipo GO para
reanáüse. Verbos que descrevem mudança de estado concreta, isto é, quando a posição
de imi objeto muda de um lugar para outro, parecem admitir além da categoria de evento
uma categoria de ação, o que resultaria em pelo menos duas fijnções semânticas
137

diferenciadas, como o exemplo (68) do capitulo II (cf. p. 71) - aqui retomado em (3) -
ilustra.

(3) a. A encomenda saiu muito cedo do gabinete do reitor


b. João saiu muito cedo do gabinete do reitor

Em (3), os sintagmas argumentos do verbo sair realizam papéis temáticos diferenciados,


de tema e de agente, respectivamente. Em (3a), o DP argumento de sair é o tema, uma
entidade x que se move de um lugar para outro. Já em (3b), podemos dizer que o DP
João pode ter saído ‘voluntariamente’ do gabinete, e, portanto, pode realizar o papel de
agente. É preciso que se veja, então, como as relações temáticas são estabelecidas nas
sentenças com um verbo do tipo de sair.
Considerem-se agora os exemplos em (4) e (5), extraídos de nossos dados de
fala, para efetuarmos alguns testes propostos por Jackendofif para o reconhecimento
dessa diferença:

(4) a (Fala dos negociantes) Os negociantes vinham com aqueles sacos [de] - de
farinha, de feijão (FLP24L31) ,
b. nesse ônibus, o que é que ia? Ia galinha, ia porquinho, ia pinto
(FLP18L668)

(5) a E chegava meia noite, o homem saía, se vestia de lobisomem


(FLP08L470)
b. Sai galinha frita, sai galinha assada de forno também, sempre uns
pratos variados (FLP08L152)

Tanto as construções em (4) como em (5) são eventos por permitirem resposta à
pergunta O que foi que aconteceu?-, entretanto, só (4a) e (5a) admitem também
respostas à questão O que foi que o DP fez?. Logo, (4a) e (5a) são manifestações de um
evento agentivo, enquanto (4b) e (5b) são eventos processuais.
138

A diferença entre (4a)/(5a) e (4b)/(5b) também pode ser reforçada pela


possibilidade (ou não) de uso de advérbios [+volitivos] do tipo deliberadamente e
intencionalmente, tal como (6) e (7) ilustram;

(6) a (Fala dos negociantes) Os negociantes vinham deliberadamente/


intencionalmente com aqueles sacos [de]- de farinha, de feijão
b. *Iã galinha deliberadamente/intencionalmente, ia porquinho, ia pinto

(7) a O homem saia deliberadamente/intencionalmente, se vestia de


lobisomem
b. '“Sai galinha fíita deliberadamente/intencionalmente, sai galinha assada
de forno também

A possibilidade de uso de tais advérbios vem ressaltar o fato de o sintagma em (6a) e


(7a) ser o controlador da ação, ele é responsável ‘intencionalmente’ pelo ato de ir e de
sair de algum lugar, mesmo que não o seja pelas suas conseqüências (não está em
questão aqui a fiinção semântica CAUSE). Já em (6b) e (7b), a impossibilidade de uso
vem ressaltar que o sintagma não exerce o controle de nenhuma atividade. Tais exemplos
mostram que deve haver incompatibilidade entre o traço [+volição] e o traço [-humano],
Além das diferenças de cunho semântico, vale a pena mencionar diferenças
sintáticas como a ordem dos constituintes na sentença As sentenças em (4a) e (5a)
apresentam a ordem direta e as sentenças em (4b) e (5b) a ordem inversa Se as primeiras
fossem alteradas para a ordem inversa e se as últimas fossem alteradas para a ordem
direta, as sentenças se degradariam sensivelmente:

(8) a (Fala dos negociantes) ?Vinham os negociantes com aqueles sacos [de]-
de farinha, de feijão^
b. nesse ônibus, o que é que ia? *galinha ia, porquinho ia, pinto ia

(9) a ??E chegava meia noite, saía o homem, se vestia de lobisomem^


b. ^Galinha fríta sai, galinha assada de forno sai também
139

Figueiredo Silva (1996:102) já ressaltou que existe um contraste claro em relação


à ordem dos constituintes entre (10a) e (10b), retomados do exemplo (30) da autora:

(10) a. Saiu a renovação da minha bolsa


b. *Saiu João"

O problema é que esse contraste nos forçaria a postular duas entradas lexicais para o
mesmo verbo sair, ou, quem sabe, teríamos a possibilidade de estipular a transitivização
de certos verbos, seguindo a proposta de Whitaker (1989). Tais observações de
Figueiredo Silva são colocadas apenas como ponto de partida para uma discussão mais
cuidadosa a respeito, com a preocupação de sublinhar a existência de tal processo. Esse
fato merece aqui mais algumas discussões. Vejamos.
As diferenças de gramaticalidade, apontadas nos exenplos (6)-(10), são
evidências fortes para se considerar que verbos que exprimem um movimento concreto
como GO podem realizar pelo menos dois papéis temáticos: um papel de agente e um de
tema Para discutir esses papéis estatisticamente, os verbos que manifestam a fimção GO
foram reanalisados em GO [-ação] e GO [+ação], e os resultados estão presentes na
tabela 5.2.:

Composição semântica dos verbos de Apl./Total %


movimento
Verbos do tipo GO {-ação] 104/197 53

Verbos do tipo GO [+açâol 06/495 01


Tabela 5. 2.: Reanálise da freqüência de V DP, segundo a possibilidade
de o verbo GO admitir DPs [+agentivos] e DPs [-agentivos]

A diferença dos resultados estatísticos acima, com relação à ordem dos


constituintes, vem apontar para o fato de, no português, certos verbos de movimento
selecionarem argumentos diferenciados do ponto de vista do papel temático, abrindo a
possibilidade de o papel temático poder ser atribuído mediante uma composição
fijncional.
140

Vale lembrar aqui de algumas explicações dadas a sentenças como (11),


retomadas do capítulo II;

(11) a. João quebrou a perna


b. João quebrou o vaso

O sentido de cada uma das sentenças em (11) é dado pela composição do verbo com o
complemento; em (11a) o sintagma João pode realizar o papel temático de paciente (ou
0 objeto afetado) do evento quebrou uma perna, enquanto em (11b) o de agente de
quebrou o vaso. Essa diferença de sentido já foi tratada por Chomsky (1986), quando
adota o ponto de vista segundo o qual o papel temático do argumento extemo não é
determinado pelo verbo sozinho, mas é composicionalmente determinado pelo complexo
verbo-complemento, como observamos nos capítulos I e II.
Retomemos agora em (12) um exemplo de Jackendoff (1987), também discutido
rapidamente no capítulo II;

(12) a. Sue hit Fred


‘Sue bateu em Fred’
b. The car hit the tree
‘O carro bateu na árvore’

Essas sentenças apontam o mesmo verbo ‘bater’, mas expressam eventualidades


diferentes. Parece que, nesse caso, não é só o resultado da composição entre verbo e
complemento que admite que o sujeito receba interpretações diferentes, mas também a
possibiüdade de o verbo selecionar ora argumentos externos [+animados], ora
argumentos [-animados]. Em (12a), por exemplo. Sue pode ser interpretado com o papel
temático de agente, enquanto, na sentença (12b), só a interpretação [-agentiva] seria
possível. Essas evidências mostram que a interpretação de uma sentença depende de uma
análise composicional do conteúdo semântico dos itens lexicais que constituem a
sentença, indo de encontro á hipótese de Jackendoff (1976; 1987). A composicionalidade
talvez possa explicar, também, as diferenças apontadas acima para verbos
monoargumentais do tipo GO. Discutiremos essa possibilidade no item subseqüente.
141

5.2.I.2. Sobre o fenômeno da inacusatívídade


Como já discutimos em trabalhos anteriores (Coelho, 1998; 1999), a
inacusatívídade da construção propicia uma inaior liberdade de ordenação de seu único
argumento, enquanto a variação diminui à medida que os contextos passam a ser
relativamente “mais (in)transitivos” (construções intransitivas). É para isso que os
percentuais de freqüência do fator tipo categorial do verbo estão apontando na tabela
5.3., a partir de uma distinção bastante geral entre verbos intransitivos e verbos
inacusativos;

Tipo categorial do verbo Apl/Total "/o

Verbos intransitivos 18/524 03

Verbos inacusativos 622/1509 41

Total 640/2033
Tabela 5,3.: Freqüência de V DP, segundo o grupo de fatores
tipo categorial do verbo

Os resultados acima reafirmam a discussão que vimos travando a respeito dos trabalhos
que apontam o ambiente da monoargumentalidade como um ambiente propicio à
posposição, e, em conseqüência, a uma redefinição da classe dos verbos
monoargumentais. Como evidência favorável à nossa hipótese, verbos inacusativos
apresentam ambientes mais propícios à ordem V DP (41%) do que verbos intransitivos
(03%).
Nosso intuito agora é tentar definir melhor quais os contextos inacusativos que
mais se adaptam à ordem V DP. Conparando os resultados da tabela 5.2. com os da
tabela 5.3., observemos que deve haver uma correspondência direta entre verbos do tipo
GO, APPEAR, STAY ou BE existencial e os verbos inacusativos e verbos do tipo ACT
e os verbos intransitivos; efetuamos, então, uma reanálise dos fatores em questão. Os
resultados dessa reanálise podem ser vistos na tabela 5.4., abaixo;
142

Apl./Total % PR
Natureza dos verbos monoargumentais

Verbos do tipo ACT

Ih
.5
18/524 03 0 21

Verbos do tipo GO [+açâo] 00/495 01 0,12


Verbos do tipo STAY/APPEAR/CO (-ação)^ 240/615 39 0,h8
Verbos do tipo BE existencial •?78/399 95 0.95

Tabela 5.4.: Freqüência e probabilidade de V DP, segundo a reanálise dos grupos de fatores
composição semântica e tipo categorial do verbo

Considerando a relação inerente que o grupo de fatores composição semântica


do verbo guarda com o grupo tipo categorial do verbo, a associação dfôses dois grupos
não constitui contradição. Pelo contrário, os percentuais obtidos pelo amálgama dos dois
grupos são relevantes. É notável a correlação entre natureza do verbo e ordem V DP em
termos de freqüência e de probabilidade: há uma forte associação entre as construções
intransitivas com função semântica ACT e as construções inacusativas com função GO
[+ação] e a ordem DP V. Inversamente, a ordem V DP se restringe a contextos
monoargumentais de construções inacusativas com função semântica GO [-ação],
APPEAR e STAY - em um contexto não-existendal, e apresenta-se quase categórica
em contextos existenciais (BE existencial). Podemos dizer, então, que o português
permite a ordem V DP apenas para certas construções inacusativas, a não ser que
construções de foco e de tópico estejam em jogo.
Todavia, admitindo que a atribuição de papel temático é uma condição da
estrutura-D no modelo de Princípios e Parâmetros, podemos questionar os resultados
relativos aos verbos inacusativos do tipo GO, já que contemplam também verbos que
selecionam argumentos [+agente]. Como podemos observar na tabela 5.4., os verbos da
função GO [+ação] mais se aproximam dos verbos do tipo ACT com relação à ordem
dos constituintes, a saber, descrevem contextos que inibem a ordem V DP; talvez por
isso 0 percentual geral de V DP na tabela 5.3. não seja tão significativo assim
143

Precisamos, então, encontrar uma maneira de explicar como os verbos do tipo GO


podem realizar papéis temáticos diferenciados sem que para isso precisemos dizer que
deve haver duas entradas lexicais para verbos dessa natureza.
Um grande problema a tratar é o fato de geralmente relacionarmos um predicado
inacusativo à impossibilidade de selecionar argumentos [+agentivos]. Se assim fosse,
teríamos de dizer que verbos do tipo GO [-ação] e do tipo GO [+ação] teriam duas
entradas lexicais, mas a teoria que estamos utilizando aqui não permite uma classificação
dessa natureza. De mais a mais, o componente lexical “incharia” muito se, para cada
interpretação diferenciada, tivéssemos de admitir uma outra entrada, o que de fato não
estaria em conformidade com a tendência cada vez mais econômica e regular da teoria
Vale lembrar que nossa discussão sobre agentividade está pautada nas
considerações de Jackendofif (1976), segundo as quais sintagmas realizam papéis
temáticos de agente quando apresentam traços de volitividade, ou seja, são instigadores
extrínsecos do evento. Nessa proposta do autor, alguns pontos são considerados
essenciais para o reconhecimento desses traços: a possibilidade de construções admitirem
respostas a perguntas do tipo O que (foi que) o DP fez?; a possibilidade de permitirem
advérbios marcados por traços [+volitivo] e a necessidade de o sintagma nominal estar
representado por um DP [+animado]®, em especial, [+humano] para realizar-se como
[+agentivo], con» os critérios de gramaticalidade acima já apontaram Acrescida a essas
propriedades, a ordem parece exercer um papel fundamental na definição de um
sintagma [+agentivo] no português, como os exemplos abaixo ilustram;

(13) a. A Monique chegou (deliberadamente) lá em casa e disse: o vô, eu vim


aqui falar contigo (FLP07L875)
b. ?Chegou a Monique lá em casa e disse: o vô , eu vim aqui falar contigo
c. Chegou a Monique

Em (13), a ordem V DP é mais natural se não há um sintagma preposicional (PP)


fechando o VP, como o julgamento de gramaticalidade de (13b) e (13c) ilustra, o que
pode evidenciar que (13c) fornece uma construção de leitura de hsta (Chegou a
Monique, o Paulo, a Bárbara) ou de foco contrastivo (Chegou A MONIQUE e não a
Bárbara), construções que serão discutidas no capítulo VI.
144

Já quando um sintagma é quantificacional, a ordem é variável - DP V e V DP - e


a possibilidade de um verbo inacusativo admitir um advérbio mais agentivo na ordem V
DP fica prejudicada, como em (14), o que pode evidenciar que defínitude é também um
dos traços que compõe um sintagma [+agentivo].

(14) a. Um homem chegou (?deliberadamente) na sala


b. Chegou (??deliberadamente) um homem na sala

Dadas essas evidências, vamos hipotetizar que um sintagma que realiza o papel de agente
deve estar marcado, principalmente, por traços [+animado], [+humano] e [+definido]. Os
traços de defínitude e de animacidade serâto estudados posteriormente, como grupos de
fatores que condicionam a ordem V DP.
É possível que haja algum tipo de restrição na gramática que exija que um
sintagma [+agente], argumento de um verbo monoargumental, precise se alçar para a
posição marcada por Caso nominativo, independentemente do tipo de construção, em
oposição ao que acontece com um DP que realiza o papel de tema Talvez seja possível
dizer que existe aí uma distribuição complementar: a posição de sujeito (posição de
especificador de IP) deve ser o lugar em que se realiza o papel de agente e a posição de
especifícador de VP, o lugar em que se realiza o papel de tema. A ordem do sintagma
que se realiza como tema, no entanto, é variável quando não há sintagma agente na
construção que possa ocupar a posição de sujeito’.
Vamos supor, então, que a construção da inacusatividade se dá a partir de
entradas lexicais marcadas pelas categorias de evento e de estado, localizando-as em um
tempo e um espaço; enquanto a construção da intransitividade também se dá pela
categoria evento, porém, sem estar localizada em um tempo e um espaço. A categoria
evento deveria ser subespecificada pela categoria [+/-ação]^ já que partimos da proposta
de Jackendoff, segundo a qual sentenças que expressam ação devem ser consideradas um
subconjunto daquelas que expressam evento. Essas categorias devem fazer parte da
entrada lexical dos verbos. Por exemplo, a informação semântica associada à entrada
lexical de um verbo de evento pode exigir, permitir ou impedir a subespecificação
[+ação]. No caso dos verbos intransitivos, parece que a categoria evento exige a
subespecificação [+ação], enquanto verbos inacusativos que descrevem um evento
145

(e não exigem) tal subespecificação. Essa diferença - já sugerida por


Nascimento e Kato (1995:70) - parece não ser trivial.
Vejamos o diagrama 5.1.;

Diagrama 5.1.; Mecanismos combinatórios das categorias verbais’

Como o diagrama sugere, verbos intransitivos exigem argumentos [+agente],


enquanto verbos inacusativos ora admitem argumentos [+agente] (cf. inacusativos do
tipo GO), ora impedem (cf inacusativos do tipo APPEAR, STAY e BE). Assim, parece
necessário admitir que a fiaição semântica não é uma propriedade de um determinado
146

item lexical, mas de uma configuração estrutural que a especifica Dependendo da


relação que se estabelece entre o verbo e seu argumento intemo, vamos dizer que o
papel temático realizado por esse argumento é de agente ou de tema.
Essa proposta se coaduna com o programa minimalista, no sentido de explicar as
várias possibilidades de preencher a posição sujeito em português mediante a
combinação de traços (por exemplo, traços fortes do DP e traços fortes do V). Nesse
modelo, traços fortes, representados aqui por traços [+agentivos], precisam ser checados
na sintaxe evidente. Nesse sentido, faz-se necessário que o DP seja alçado para a posição
de checagem desses traços, estabelecendo uma relação complexa entre DP-verbo. Tal
posição deve ser uma posição mais alta na sentença, do tipo IP (ou TP).
Vale ressaltar aqui o trabalho de Viotti (1999), dentro dos moldes do
minimalismo. Ao analisar as construções existenciais com verbos ter e haver, a autora
apresenta uma proposta de léxico gerativo, segundo a qual

‘um léxico gerativo, com menos entradas kxicais e mais mecanismos comhinatórios que permitam
explicar a criatividade no uso das palavras, a permeabilidade dos sentidos das palavras, e as

expressões de formas sintáticas múltiplas, deve ser preferido a um léxico enumerativo. ’ Viotti

(1999:250)

Como 0 sentido de um verbo depende em grande proporção do fato de dois itens


lexicais terem entrado em um tipo particular de relação, como constata Viotti, talvez seja
possível dizer que a multiplicidade de sentidos apresentada por sentenças construídas
com verbos de movimento (do tipo GO), que realizam ora papéis temáticos de agente,
ora de tema, seja dada justamaite por essa composicionalidade entre verbo-
complemento. A característica da opcionalidade ficaria, assim, por conta dos traços que
os itens lexicais iriam assumir. Essa hipótese de léxico gerativo está apenas lançada e
exigiria de nós uma discussão do modelo minimalista que extrapolaria o âmbito deste
trabalho. Deixamo-la para uma outra oportunidade.
Com efeito, neste trabalho, estamos assumindo que a distribuição dos papéis
temáticos pode ser fiuto da composicionalidade dos itens lexicais que constituem uma
sentença Nessa direção, seria possível, então, dizer que o léxico contém apenas um
verbo chegar, por exemplo (tratado aqui como um dos verbos da fimção GO), e a
147

polissemia observada nas sentenças com esse tipo de verbo (como vimos acima) deve ser
causada pelo fato de que o papel temático dessas sentenças é construído pela
composição entre o verbo e o argumento por ele selecionado, ou seja, entre verbo e
argumento interno. E a interpretação negativa ou positiva para o traço [+agente] de um
sintagma parece ser um condicionador forte da posição que ele vai ocupar na sentença,
como o gráfico 5.2. ilustra, a seguir.

Fteroentagemde V DP ern relação a DP V, segundo 0 fator natureza do vertx)

Intransitiva AZT InacusativoQO Inacusativo Inacusativo


[-fação] STAY.APPEAR BBexistencial
e GO [-ação]
Gráfico 5.2.; Reanálise dos grupos de fatores composição semântica do verbo
e tipo categorial do verbo

A partir da curva ascendente observada no gráfico 5.2., algumas questões aqui se


levantam- se verbos inacusativos que são marcados com valor negativo para a
agentividade admitem com fi-eqüência a ordem V DP, por que nessas construções ainda é
possível ocorrer a ordem DP V? O que condiciona a escolha de uma e outra ordem?
Uma das respostas a essas questões se baliza pela Teoria do Caso. Um DP
foneticamente realizado mas sem uma marca casual é excluído pela gramática. Ora, se
um verbo inacusativo é postulado como um verbo que não tem a capacidade de atribuir
Caso acusativo a seu argumento interno, outro tipo de Caso deve estar disponível aos
argumentos, para não serem excluídos pelo filtro do Caso. O movimento do DP para a
148

esquerda do verbo (ordem DP V) dá-se assim por questões casuais: o argumento deve se
alçar para a posição de especificador de IP em que I esteja flexionado para que lhe seja
atribuído Caso nominativo. Vale lembrar que estamos considerando aqui apenas a
possibilidade de, no português, existir a atribuição de Caso nominativo sob
concordância. Temos, então, de explicar o que permite o DP permanecer em sua posição
de base. Uma das nossas hipóteses diz respeito à atribuição de Caso partitivo, indo em
direção à proposta de Belletti (1988), que será discutida na seção 5.2.2.1.

5.2.2. A natureza do sintagma nominal


Quatro grupos de fatores ligados à natureza do DP foram considerados pela
rodada estatística como favorecedores da ordenação dos constituintes na sentença: o
primeiro selecionado trata dos traços de definitude e de especificidade do DP; o segundo
de sua forma de realização; o terceiro, da massa fonética, isto é, do estatuto [+/-
pesado] do DP; e o último, de seus traços de animacidade. Eles serão discutidos a seguir.

5.2.2.I. Sobre os traços de definitude e de especificidade do DP


O grupo de fatores que trata da definitude e da especificidade do DP foi
levantado com o objetivo de discutir se o condicionamento da ordem V DP pode ser
explicado através da proposta de atribuição de Caso partitivo de Belletti (1988) aos
argumentos pós-verbais dos verbos inacusativos. O Caso partitivo deve ser compatível
com sintagmas que podem ser interpretados como parte de um conjunto, o que é
compatível primordialmente com sintagmas que recebem uma leitura [-definida], uma
restrição conhecida na literatura como Efeito de Definitude (DE)'°, que foi reanalisada
por Enç (1991) como Efeito de Especificidade (SE).
Como vimos no capítulo III, Belletti (1988) postula que o DE não se manifesta
apenas em línguas que não têm a ordem livre, como o inglês, por exemplo, mas pode ser
evidenciado em uma língua como o italiano, na posição tratada pela autora como posição
de objeto DPa., posição ilustrada na estrutura (15), aqui retomada do capítulo III (cf p.
82).

(15) DPi [ [ V DPj [ P DPs I I DP4 1


VP VP PP
149

Existem, segundo a autora, outras posições à direita do verbo para hospedar um DP que
não manifesta o DE, como por exemplo, a posição DP4, uma posição que hospeda
sujeitos invertidos em línguas como o italiano, que podem receber 0 Caso nominativo
sob regência, opção não disponível no português.
Quanto ao DE, alguns trabalhos já discutiram se é possível falarmos desse
fenômeno no português. Bittencourt (1979), por exemplo, procura explicar a aparente
obrigatoriedade de V DP com verbos existenciais em fiinção de restrições semânticas
associadas a um DP marcado pelo traço [-definido], no sentido de Milsark (1977). Já
Nascimento (1984) alega que a principal característica do DP pós-verbal não é o traço de
definitude, mas sim uma leitura de lista ou cardinal que esse DP recebe. O DE, segundo
o autor, atua em sentenças apresentativas, independentemente de sua natureza
intransitiva ou inacusativa.
Diferentemente das duas propostas acima, 0 trabalho de Y. Duarte (1993) analisa
a proposta de Belletti (1988) com dados do português e aponta que há evidências de que
nessa língua tal proposta resolveria apenas parcialmente 0 problema da atribuição de
Caso ao DP pós-verbal, diferentemente da hipótese que defenderemos aqui. Y. Duarte
compara por exemplo estruturas como;

(16) a. (pro) i Chegou João i


b. (pro) i Foi despedido João,
c. (pro) i Viajou João i

Ela atesta que, em todas as três estruturas acima, há diferentes interpretações que levam
a duas altemativas: (i) a possibilidade de uma leitura de lista ao DP pós-verbal, ao qual o
Caso partitivo é atribuído; (ii) a possibilidade de deslocamento do DP para uma posição
de adjunção, co-indexado com um pronome em posição de especificador de IP, estando
disponível ao DP pós-verbal o Caso nominativo. Entretanto, segundo Y. Duarte, admitir
as duas leituras para (16c) seria problemático já que o DP João, no primeiro caso, jamais
poderia ter sido gerado como argumento intemo a V’, por ser o verbo de tal construção
intransitivo. E, se existem outras posições associadas à interpretação de lista, não
podemos relacionar diferenças de interpretação a diferaiças estruturais.
150

A discussão de Y. Duarte (1993) com relação à estrutura (pro) Viajou João


parece ser coerente. Não está claro ainda qual é a posição do DP pós-verbal João em
uma construção intransitiva; se há evidência de uma leitura de lista (o DP João como um
dos membros da lista), como Nascimento propõe, qual seria a posição desse DP? Vale
lembrar que a leitura de lista, segundo Belletti (1988), é a leitura de elementos que são
mencionados em série ou podem estar fazendo parte de uma série. São compatíveis com
a atribuição de Caso partitivo. Desses questionamentos um problema se levanta; o
fenômeno DE atua tanto em construções intransitivas como em construções inacusativas
ou é um fenômeno de construções particulares?
Algumas respostas serão sugeridas a seguir, partindo da proposta de Belletti
(1988), reanalisada por Enç (1991). Vale lembrar em primeiro lugar que, no c^ítulo III,
já constatamos algxins problemas relacionados ao que Belletti toma como uma
construção [+defínida] e [-definida], principalmaite no que se refere às construções
quantificadas universalmente; por isso resolvemos incluir a proposta de Enç, tomando
como base as relações semânticas de identidade e de inclusão na caracterização dos
traços de definitude e de especificidade de um sintagma. Nesse sentido, cada vez que
tratamos de um sintagma [+definido] e [+específico], estamos nos referindo àqueles que
mantêm com o discurso precedente uma relação de identidade do referente, como
acontece, por exemplo, com os pronomes pessoais anafóricos. Ficam excluídos dessa
relação contextos quantificados universalmente. E, cada vez que tal relação não se
sustenta, procuramos observar se há ou não uma relação de inclusão com o discurso,
para podermos definir contextos de quantificação universal ou partitivos em oposição a
contextos existenciais, por exemplo.
Serão mostradas, agora, evidências de que os traços de definitude e de
especificidade impõem restrições significativas com relação à ordem dos constituintes em
uma língua como o português do Brasil. Considerem-se as sentenças inacusativas em
(17);

(17) Chegou um telegrama prati, urgente. (...) O telegrama veio de Criciúma


(FLP03L855)
151

A partir de (17), podemos dizer que, na primeira construção, o argvimento interno do


verbo chegar não estabelece relação nem de identidade, nem de inclusão com o discurso
precedente, sendo considerado, nos termos de Enç, um sintagma [-definido] e [-
específico], diferentemente do que acontece com o sintagma O telegrama da segunda
sentença. Seguindo a teoria que estamos utilizando aqui, o sintagma sujeito um
telegrama só pode estar imediatamente à direita de um verbo como chegar se estiver
licenciado por um Caso semelhante ao que BeUetti chama de partitivo, o que pode ser
atestado pelos traços de definitude marcados no sintagma em questão. Vale lembrar, no
entanto, que na abordagem enciana, se é partitivo é [+específico], e o DP um telegrama
em (17) não é especifico. É um dos problemas que temos para resolver. Já na segunda
sentença, o argvimento do verbo vir é alçado para uma posição marcada por Caso
nominativo, por constituir-se um sintagma [+definido] e [+específico]. Não há nada que
o licencie à direita do verbo. No entanto, sabemos que um DP [+definido] pode aparecer
à direita do verbo em certas condições, como o julgamento de gramaticalidade em (18)
ilustra;

(18) a ?Chegou o telegrama pra ti, urgente


b. Chegou 0 telegrama

Parece que a sentença seria melhor se o DP não fosse seguido por um PP. Tal
possibilidade aponta para o fato de o DP o telegrama em (18b) estar sendo considerado
um dos membros de uma lista possível, como resposta à pergunta O que chegou? (cf
(18b)). Nesse caso, esperaríamos que o sintagma tivesse uma leitura de foco. Tais
observações serão retomadas no capítulo subseqüente.
Vale ressaltar que os resultados percentuais apontaram os traços de definitude e
de especificidade do DP como o segundo grupo de fatores considerado relevante no
condicionamento da ordem V DP (cf. tabela 5.5.), seguido do grupo composição
semântica do verbo. Nesse primeiro momento, foram considerados, além dos fatores
previamente relacionados, os DPs bare - um DP nu, formado apenas de nome, isto é,
com a posição especificador vazia - para observarmos em quais contextos esse sintagma
despido de quaisquer determinantes ou quantificadores realiza-se com maior fi-eqüência.
152

Traços de defiltitude è especiricidade


do DP ” Apl./Total % P.R

DP [+definido] e [+cspecífico] 77/1245 06 0.27

DP l- definido] e |+ especíGco] 155/3.^4 46 0.76

DP [- definido] e [- especifico) 244/272 89 0,88

DP nu (bare) Ic.4/182 90 0,88

Total 640/2033 32
Tabela 5.5.; Freqüência e probabilidade de V DP, segundo o grupo de fatores
traços de definitude e de especificidade do DP

Os resultados da tabela 5.5. ressaltam que, quando o DP apresenta um alto grau


de definitude, contendo traços [+definido] e [+específico], a ordem DP V é a mais
recorrente, um total de 94% dos dados. Diferentemente, quando o DP apresenta um
baixo grau de definitude, DP [-definido] e [-específico] ou DP nu (DP bare), a ordem V
DP é a preferida, 89% e 90%, respectivamente. Tanto os percentuais quanto o peso
relativo parecem apontar que cada uma das ordens aparece em um contexto específico;
(i) à medida que o DP é nu ou marcado por traços [-definido] e [+/-específico], diminui
o número de ocorrências de ordem direta (DP V) e aumenta o número de ocorrências de
ordem inversa (V DP); (ii) à medida que é [+definido] e [+específico], aumenta o
número de sintagmas pré-verbais e diminui o número de sintagmas pós-verbais. Mas,
afinal, essa complementaridade também está relacionada à natureza do verbo? Vejamos o
que o cruzamento'^ entre os grupos de fatores natureza do verbo e traços do DP
ressalta, na tabela a seguir.

Cruzamento entre os Intransitivo tipo fnacusativo do Inacusativo tipo Inacusativo tipo


grupos de fatores ACT tipo GO {+açãoJ STAY, BE existencial
natureza do \erbo e APPEAR c
traças semânticos do DP GO[- ação]

DP 1+dcf] e 1+cspj 00/477 0% 01/414 0% 42/310 14% 34/44 77%

DP {- def] e (+ esp] 15/65 23% 04/56 07% 101/173 60% 32/40 80%

DP 1- def] c I- esp] 03/14 21% 00/05 0% 48/63 76% 140/140 100%

DP nu 00/06 0% 01/03 3.3% 45/49 92% 171/174 98%


Tabela 5.6.; Freqüência de V DP, segundo o cruzamento entre os grupos de fatores natureza
do verbo e traços de definitude e de especificidade do DP
153

Esses resultados levam-nos a afirmar que devem existir diferenças significativas


relacionadas principalmente aos traços de definitude entre construções intransitivas e
inacusativas (em especial inacusativas [-agentivas]) no PB, diferentemente do que
Nascimento (1984) considerou. Dada a pouca recorrência de V DP em construções
intransitivas, vamos discutir brevemente seus resultados estatísticos.
Como já observamos na tabela 5.4., os dados analisados mostraram uma quase
categoricidade de DP V (97%) nas construções intransitivas, contra apenas 3% desse
tipo de construção na ordem V DP. Vejamos alguns exemplos dessas últimas;

(19) a. E na cabine ia sentado assim um chofer, a minha mãe, que era mais
idosa, as pessoas assim mais velhas um pouco ... (FLP24L1180)
b. porque sempre desfilavam os colégios, as escolas, as forças armadas
(FLP24L743)

Os exemplos em (19) evidenciam uma leitura de lista. Note-se, na tabela 5.6., que os
sintagmas argumentos de um verbo intransitivo encontrados em nossos dados - na ordem
V DP - são marcados por traços [-definido] e [+específico] (um total de 15 ocorrências)
e traços [-definido] e [-específico] (um total de 3 ocorrências). Essa possibüidade, no
entanto, não é compatível com a hipótese da autora.
Um dos problemas que temos para resolver, portanto, é coriK) garantir a
legitimidade de um DP imediatamente à direita de um verbo intransitivo, o mesmo
problema levantado por Y. Duarte para o exemplo (16c)'^ Não podemos negar que
contextos como (19) evidenciam uma lista de elementos que ‘desfilam’ e que ‘vão
sentados’, porém o fato de tais sintagmas estarem à direita de um verbo intransitivo pode
ser explicado por constituírem sintagmas [+pesados], uma das possibilidades de
determinação da ordem V DP, como a literatura já mostrou (cf Lira (1986; 1996) e
Berlinck (1988; 1995)). Esse pode ser o motivo da legitimidade de o argumento estar à
direita de verbos intrãnsitivos, provavelmente uma posição suficientemente alta para
permitir a atribuição de Caso nominativo para esse DP [+pesado], o que ainda não
explicaria o exemplo (16c). Discutiremos a massa fonética dos sintagmas na seção
5.2.2.3.
154

Com relação às construções inacusativas, a tabela 5.6. mostra que os traços de


definitude e de especificidade são ambientes propícios à ordem V DP, principalmente
quando o DP é argumento de verbos inacusativos do tipo STAY, APPEAR e GO [-
ação] e inacusativo do tipo BE existencial. É importante ressaltar que verbos
inacusativos do tipo GO [+ação] não manifestam o efeito de definitude, comportando-se
novamente como os verbos intransitivos, o que significa dizer que a hipótese das
restrições semânticas de definitude e de especificidade não tem evidência independente.
Esse resultado vem atestar a hipótese de Belletti (1988) de que a atribuição de Caso
partitivo dá-se juntamente com a atribuição do papel temático, pois o DP que recebe
partitivo receberá também um papel temático típico desse Caso, um papel de tema.
Conseqüentemente, casos de sintagmas [+definido] (e [+específico]) que
manifestam um papel de tema não poderiam ser legitimados imediatamente à direita dos
verbos, na ordem V DP, em virtude da restrição de definitude, se a hipótese de Belletti
está correta. Observemos, então, os resultados estatísticos da tabela 5.6. para verbos
inacusativos que selecionam sintagmas marcados com traços de [-agente]. Inicialmente,
trataremos dos inacusativos do tipo STAY, APPEAR e GO [-ação]. Os resultados acima
mostram, numa escala gradativa de percentual, que os traços semânticos são
condicionadores da ordem V DP desse tipo de construção; de apenas 14% de DPs
[+definido] e [+específico], para 60% de DPs [-definido] e [+específico], culminando em
76% de DPs [-definido] e [-específico] e 92% de DPs nus. Fizemos, então, um
rastreamento nas 42 ocorrências de sintagmas [+definido] e [+específico] na ordem V
DP, e 0 que pudemos observar foi que 30 delas evidenciam material interveniente do tipo
advérbio ou PP (sintagma preposicional) entre o verbo e seu argumento, como alguns
dos exemplos em (20) e (21) ilustram;

(20) a. Falta alguma coisinha ali ainda (FLP05L465)


b. Funcionava ali o terminal de ônibus onde é a Alfândega (FLP18L626)

(21) a. principalmente depois que veio pra cá a Eletrosul, né? E veio aquela
avalanche de pessoas (FLP05L902)
155

b. dia vinte e oito de setembro, em sessenta e nove, veio a falecer [por


um]- por um acidente trágico o marido da minha prima, a Maria Helena,
tá? (FLP23L479).

Mesmo que, nos exemplos acima, a ordem aparente dos constituintes seja V DP,
parece que há diferenças de derivação. Em (20a) temos a configuração [V DP ali],
enquanto em (20b), a configuração [V ali DP], Quanto ao exertçlo (21), temos a
configuração [V PP DP], Aparentemente parece que ali, pra cá e por um acidente
trágico devem estar ocupando o mesmo lugar nas quatro construções em questão:
posição final de VP, como ilustrado em (22):

(22) a. Falta alguma coisinha ali ainda


b. Funcionava ... ali o terminal de ônibus onde é a Alfêndega
c. principalmente depois que veio ... pra cá a Eletrosul, né?
d. dia vinte e oito de setembro, em sessenta e nove, veio a falecer... [por
um]- por um acidente trágico o marido da minha prima, a Maria Helena

Podemos observar que a posição em que o advérbio locativo e os PPs se encontram


parece garantir aos DPs posições diferenciadas [V DP x] e [V x DP], como
possibilidades de x (um advérbio como ali, ou um PP) colocar-se imediatamente em
seguida ao verbo (V DP) ou vir após todo o predicado (VP DP). Parece que se os PPs
em (22c) e (22d) estivessem marcando o final do VP, o advérbio ali em (22a) e (22b)
também deveria estar''*.
Note-se, também, que em (22a), o DP que está entre o V e o advérbio ali é
marcado por traços [-definido] e [-específico], ao passo que em (22b), (22c) e (22d) os
DPs que estão após o advérbio ali ou após o PP são marcados por traços [+definido] ( e ,
quem sabe, [+especifico]). Enquanto a construção (22a) deve estar mostrando um caso
de DP interno a VP - imediatamente à direita do verbo - dada a restrição de definitude,
as últimas derivações podem ser interpretadas como construções de foco ou de tópico.
Essas possibilidades serão discutidas no capítulo VI, a partir dos trabalhos de Kato
(1989; 1999) e Belletti (1999).
156

Quanto aos sintagmas [-definido] e [+/-específico], vale lembrar aqui das


diferenças entre aqueles que admitem leitura de quantificação universal dos que admitem
leitura existencial. Ao tratarmos da quantificação universal, estaremos nos referindo,
principalmente, a casos como (23), que admitem uma leitura partitiva implícita, nos
termos de Enç, o que significa dizer que admitem uma leitura [-definida] e [+especifica].
Vejamos:

(23) a. (Fala do Plano Cruzado) Eu acho que saiu o dinheiro todo de circulação
(FLP21L435)
b. dali a gente passava pela fi-ente do Colégio das Irmãs e as alunas todas
trabalhavam (FLP24L606)

Nos exemplos em questão, os sintagmas o dinheiro todo e as alunas todas


quantificam sobre conjuntos pressupostos. Em (23a), por exemplo, é impossível que a
leitura seja de ‘todo o dinheiro do mundo’, mas só de uma parte dele (dos que saíram de
circulação) e em (23b), todas as alunas eqüivale a ‘cada uma das alunas’ que estudava
no colégio; ambas as construções eqüivalem, portanto, a leituras partitivas. Dessa forma,
vamos assumir a hipótese enciana de que tais quantificadores são [+específicos], porém
[-definidos], diferentemente da proposta de Belletti que não prevê que contextos de
quantificação universal possam manifestar o Caso partitivo. A quantificação universal,
portanto, garante aos DPs especificidade (e não definitude), porque tais sintagmas
quantificam sobre conjuntos já estabelecidos contextudmente, mas não identificados com
outros sintagmas pré-estabelecidos.
Uma outra discussão importante a partir dos resultados estatísticos da tabela 5.6.
diz respeito à semelhança entre o comportamento dos sintagmas [-definido] e [-
específico] e dos DPs nus, nos contextos de inacusatividade. Essa proximidade aponta
para a possibilidade de manifestação do Caso partitivo também com tais sintagmas,
hipótese corroborada por Belletti (1988:29) quando afirma que o DP nu em italiano
parece ser compatível com o Caso partitivo, porque, quando é realizado como um
clítico, aparece como o clítico partitivo ne e não como um clítico acusativo,
argumentação conpartilhada por Burzio (1986).
157

Essa hipótese, no entanto, não é pacífica Y. Duarte (1993) tenta mostrar que um
DP nu, numa língua como o PB, não manifesta o Caso partitivo, mas o Caso acusativo'^,
uma vez que apresenta uma leitura genérica ou classificatória, como os exemplos
retomados da autora ilustram;

(24) a. Tem criança nesta casa


b. Deu abelha no jardim

Y. Duarte afirma que a leitura dos sintagmas criança e abelha é genérica ou


classificatória, sendo essa leitura incompatível com o Caso partitivo. Essa discussão
também é tomada por Lovato do Nascimento (1998), que utiliza a proposta de Diesing
(1992) com relação às diferenças entre interpretação existencial e genérica para refutar a
argumentação de Y. Duarte (1993). Vale lembrar aqui da proposta de Diesing, segundo
a qual DPs plurais nus (bare plurais) introduziriam variáveis na representação lógica,
derivando diferentes interpretações; (i) interpretação existencial que corresponde a
estados temporários ou eventuais e atividades transitórias (do tipo stage-level)-, (ii)
interpretação genérica que corresponde a estados mais ou menos permanentes (do tipo
individual-level).
Se tomarmos a classificação de especificidade de Enç (1991) acrescida da
proposta de Diesing (1992), vamos encontrar argumentos para discordar de Y. Duarte.
A interpretação genérica, na literatura, geralmente é atribuída a sentenças como;

(25) a Todo homem é mortal


b. Geiix [x é homem] x é mortal

A interpretação de (25) pressupõe apenas a interpretação [+genérica] de que


homens são caracteristicamente mortais, sendo impossível significar que Existem alguns
homens que são mortais, leitura incompatível com a interpretação de (24), porque a
existência de algumas crianças ou de algumas abelhas em algum lugar é atestada A
única leitura permitida seria, então, a de interpretação existencial (3), como (26) ilustra:
158

(26) a. 3x (x é uma criança) a x está em casa


b. Bx (x é uma abelha) a x está no jardim

A análise de Vazzata Dias (1999)*® também parece dizer alguma coisa a respeito
dessas diferenças. A autora relaciona o trabalho de Enç ao trabalho de Diesing (1992),
principalmente em relação às diferenças entre predicados de estados eventuais e de
estados permanentes. A interpretação não-temporária corresponde a uma leitura mais
genérica, que pode ser atribuída a (25), porém é excluída em (24): ter criança em algum
lugar e dar abelhas em algum lugar manifesta situações temporárias e não permanentes.
Tomando como base a diferença entre os quantificadores proposta por Vazzata
Dias, podemos dizer, então, que a interpretação [+genérica] dada ao quantificador em
(25) possivelmente se diferencia da interpretação de uma sentença do tipo de (27), aqui
retomada de (23), acima, que deve receber uma leitura [-genérica]:

(27) a. (Fala do Plano Cruzado) Eu acho que saiu o dinheiro todo de circulação
(FLP21L435)
b. dah a gente passava pela frente do Colégio das Irmãs e as alunas todas
trabalhavam (FLP24L606)

Parece ser possível dizer, em (27), que existe um conjunto de moedas que saiu de
circulação e que existe um conjunto de alunas que trabalhava no colégio, o que
significa que os sintagmas quantificados que apresentam uma leitura do tipo
interpretação temporária devem estar vinculados ao operador existencial (3x) e não ao
operador genérico (CJenx). Vejamos:

(28)a. 3x (x é uma moeda) a o conjunto de x saiu de circulação


b. 3x (x é uma aluna) a o conjunto de x trabalhava no Colégio

Diferentemente, o DP O homem em (25) deve estar vinculado apenas ao operador


genérico (Genx), já que, com predicados não-temporários, temos apenas a leitura de que
todos os homens são mortais, isto é, todos os homens do mundo e não uma parte deles'^.
159

Tomando a proposta de Vazzata Dias para construções quantificadas


universalmente, podemos perceber que nem sempre a leitura partitiva proposta por Enç é
possível. Basta que observemos as diferenças entre (28) e (25). No primeiro exemplo, os
sintagmas estão marcados com traços [+específico] e admitem uma leitura partitiva não-
evidente, ao passo que, no segundo exemplo, o sintagma quantificado Todo homem não
permite uma leitura partitiva, dada a genericidade de interpretação.
Voltando à discussão das diferenças entre os exemplos (24) e (25), aqui
retomados em (29), vamos tomar como ponto de partida o caráter [+/-especifico] e [+/-
genérico] dos sintagmas em questão:

(29) a Tem criança nesta casa/Deu abelha no jardim


b. Todo homem é mortal

Enquanto (29a) atesta a existência de crianças e abelhas em algum lugar, via um


sintagma marcado por traços [-específico], e, certamente [-genérico], (29b) evidencia um
sintagma, provavelmente [-específico] e [+genérico], dada a impossibilidade de atestar
ou pressupor a existência do sintagma homem. Outros casos que lucram com a diferença
entre especificidade e genericidade para serem interpretados são os do tipo de (30);

(30) quando tu entras hoje, tu entras [na]- na entrada geral de Canasvieiras,


(...) tu desces direto pra praia, tu vai direto pra praia (FLP24L1188)

Nesse caso, não podemos dizer que existem pessoas que entram ou descem em algum
lugar, mas que qualquer pessoa do mundo pode utilizar o percurso descrito em (30), nos
dias atuais, o que pode apontar para o fato de os sintagmas em (30) serem [+genéricos].
Tais casos, como já mencionamos acima, representaram um total de 29 ocorrências e
foram deixados de fora da análise, por apresentarem 100% de ordem DP V.
Em resumo, o fato de um sintagma ser [+/-específico] pode ser explicado através
da relação de inclusão proposta por Enç, enfoque direcionado à leitura existencial, ora
como pressuposição de existência, ora como asserção, enquanto o fato de ser [+/-
genérico] precisa ser explicado pela oposição entre existência e genericidade,
basicamente entre sintagmas que admitem operadores 3x e sintagmas que admitem
160

operadores Genx. Tais reflexões vêm atestar a necessidade de serem incluídos nos
estudos semânticos diferenças relacionadas à genericidade dos sintagmas, além da
especificidade. Entretanto, como a oposição entre sintagmas [-genérico] e [+genérico]
não nos auxilia a refletir sobre os DPs pós-verbais, já que os DPs [+genéricos]
encontrados em nossos dados foram excluídos da análise por knockout (100% de ordem
DP V) e não estamos analisando os casos como (25), vamos deixar o estudo da
genericidade para uma outra ocasião.
Voltamos à questão da especificidade. Quando não é pressuposta a existência de
um elemento no discurso, a interpretação de um sintagma é obrigatoriamente [-
específica]. Nesse caso, há o bloqueio de uma construção [+definida] e [+específica], o
que pode ser observado em (31) e (32), retomando (24), com a impossibilidade de
partitivo ou de quantificação universal, reproduzindo os mesmos julgamentos de
gramaticalidade que no inglês (cf 33):

(31) a. * Tem uma das crianças nesta casa


b. * Deu uma das abelhas no jardim

(32) a. * Tem todas as crianças nesta casa


b. * Deu todas as abelhas no jardim

(33) a. * There are some of the men in the garden


b. * There is every man in the garden

Note-se que o bloqueio de derivações como (31), (32) e (33) pode ser sustentado pelo
fato de as construções existenciais envolverem quantificação existencial e serem
incompatíveis com sintagmas que têm sua própria força quantificacional. Há, segundo
Milsark (1977) - citado por Enç (1991) - um conflito semântico entre quantificação
universal e existencial. Vale lembrar que (31a) e (32a) só seriam sentenças aceitáveis no
português se tivessem interpretações do tipo BE locativa, como em (34);

(34) a. Tem/Está uma das crianças nesta casa, outra naquela e outra no paiol
b. Tem/Estão todas as crianças nesta casa, todos os adultos naquela
161

Tais sentenças são formadas por sintagmas [+específicos], isto é, sintagmas que mantêm
com 0 discurso uma relaçâto de inclusão (c£ (34a)) ou sintagmas que quantificam sobre
conjuntos contextualmente relevantes: cada uma das crianças relevantes no contexto (cf.
(34b)), fomecendo-nos uma leitura partitiva (explícita e implícita), o que viria excluir
uma interpretação existencial. Vale lembrar, entretanto, que a distinção entre construção
locativa e construção existencial não é pacífica. Parece que a sentença com o DP [-
definido] (como em (29a)) é pelo menos ambígua com relação às leituras existencial e
locativa. Em todo caso, a diferença é ressaltada quando derivamos uma construção
partitiva, como o julgamento de gramaticalidade entre (31)/(32) e (34) ilustra, dada a
impossibilidade de pressuposição de existência a contextos existenciais.
Considere-se então o paradigma (35). O sintagma em negrito em (35a) não
mantém com nenhum referente qualquer relação de identidade, bem como não está
incluído em nenhum grupo ou conjunto de referentes previamente estabelecido; é,
portanto, [-específico]. O mesmo pode ser observado para um DP nu, como o exemplo
(35b) ilustra. Entretanto, o julgamento de gramaticalidade se altera ao opormos tal
sintagma a um sintagma quantificado universalmente ou a um sintagma de leitura
partitiva (cf (35c) e (35d)). Novamente a restrição de especificidade é observada:

(35) a. ali existia uma, existia um trapiche onde tinha um acostamento de


navios (FLP18L128)
b. ali existia uma, existia(m) trapiches onde tinha acostamentos de navios
c. *ali existia uma, existia(m) todos os trapiches onde tinha todos os
acostamentos de navios
d. *ali existia uma, existia um dos trapiches onde tinha um dos acosta­
mentos de navios

Só as leituras de (35a) e de (35b) parecem ser compatíveis com a exigida por um


sintagma em construções existenciais, justamente porque nesses tipos de construção não
é possível pressupor a existência de trapiches e de acostamentos de navios, exigência da
interpretação [+específica] que um quantificador universal ou um sintagma partitivo
impõem De mais a mais, construções com o verbo existir não admitem pacificamente
162

uim interpretação apenas locativa, como construções com o verbo ter admitem (cf.
(34)).
Podemos dizer, então, que as sentenças em (24) - constituídas com DPs nus -
submetem-se a uma leitura de asserção de existência, e que os sintagmas selecionados
pelos verbos ter e dar não podem ser [+genéricos] pelo simples fato de serem DPs nus,
como os julgamentos de gramaticalidade para as construções existenciais atestam. Para
serem legitimados, portanto, eles devem receber um tipo de Caso muito semelhante ao
Caso partitivo, contrariamente à proposta de Y. Duarte.
Dadas essas evidências fizemos o amálgama dos sintagmas [-definido] e [-
específico] e dos DPs nus. Os resultados podem ser observados na tabela 5.7., a seguir.
Todos os resultados comentados a seguir levarão em conta essa reanálise.

Traços de definitude c dc espccifícidadc do DP Apl./Total % P.R

DP [+definido] e [+específicoj 77/1245 ()(> 0,27

DP {- definido] e [+ específico] 155/334 46

DP ]- definido] e [- especifico] e DP nu 408/454 89 D.SX

Total f.40/20.v3 n
Tabela 5.7.: Freqüência e probabilidade de V DP, segundo a reanálise do grupo de fatores
traços de definitude e de especificidade do DP, considerando os DPs nus
como sintagmas [-definidos] e [-específicos]

Após tal reanálise, foi feita uma nova rodada estatística, sendo que o grupo de
fatores traços de definitude e de especificidade passou a ser considerado o primeiro
grupo escolhido como relevante pela rodada estatística, seguido do grupo natureza do
verbo. Considerando que os DPs nus são [-definidos], podemos dizer então que a
hipótese de Belletti (1988) foi atestada; alta probabilidade de V DP com DPs [-definido],
enquanto a especificidade mostrou-se irrelevante. Fizemos, então, um novo cruzamento
entre esses grupos de fatores e os resultados estão expostos na tabela abaixo:
163

ReanáUse do Intransitivo tipo Inacusativo do Inacasativo tipo Inacusativo tipo


cruzamento entre ACT tipo GO [+açào] STAY, BE existencial
dois grupos de APPEAR e
fatores GO{- ação]

DP í+def] e [+espl 00/477 0% 01/414 0,2% 42/310 14% 34/44 77%

DP f-d efl e 1+espl 15/65 23% 04/56 07% 104/173 60% 32/40 80%

DP f-d efl e [ - espl c 03/20 15% 01/08 13% 93/112 83% 311/314 99%
DP nu
Tabela 5.8,: Freqüência de V DP, segundo a reanálise do cruzamento entre os grupos de fatores.
natureza do verbo e traços de definitude e de especificidade do DP

Esses resultados vêm mostrar que a ordem V DP de construções inacusativas é


condicionada pelos sintagmas marcados com traços [-definido], A especificidade, na
verdade, vem estabelecer diferenças entre verbos inacusativos não-existenciais e
inacusativos existenciais, atestando a hipótese de Enç (1991), segundo a qual asserção
de existência é incompatível com pressuposição de existência, incompatível, portanto,
com noções de partitividade.
Entretanto, essa incompatibilidade não está muito clara, na tabela 5.8., dado que
contextos existenciais parecem admitir (em pequena escala) sintagmas marcados pelos
traços [+defínido] e [+específico] e pelos traços [-definido] e [+específico], como os
exemplos em (36) e (37) ilustram

(36) a. Um pouco mais pra baixo, existia o Miramar (FLP24L166)


b. Existia o Empório Rosa, tipo bar, restaurante (FLP18L596)
c. só existia a Ponte Hercílio Luz, na época, Nos domingos, no verão, ia
todo mundo lá em cima (FLP24L1115)

(37) a, Hoje existe apenas a fama de que nós somos um bairro de participação
comunitária (FLP21L776)
b, Que hoje não existe mais [aquela]- aquela visitação que se fazia
(FLP21780)
164

Se contextos existenciais não podem ter uma leitura de pressuposição de


existência, como é possível que admitam um DP [+definido] e [+específico], que em
geral precisa ter relação de identidade e de inclusão com outro previamente mencionado,
segundo a hipótese de Enç (1991)? Na verdade, há entidades únicas, disponíveis no
universo cultural dos interlocutores, cuja existência não é pressuposta contextualmente.
E essa entidade muitas vezes está representada por um nome próprio, como está
ilustrado em (36). Vale lembrar que nomes próprios apresentam estatuto de indefinição,
uma vez que permitem sua introdução no discurso. Parece plausível dizer, então, que em
contextos como (36), os nomes próprios não devem estar recebendo uma leitura de
pressuposição de existência, xrnia vez que pressuposição envolveria a noção de
partitividade e a de identidade com um referente anterior. Logo, devem existir restrições
semânticas associadas a um argumento de verbos existenciais dessa natureza. Essas
restrições podem ser explicadas conx) imia interpretação única (só existia a Ponte
Hercílio Luz), ou leitura de lista (existia o Miramar, o Empório Rosa, o restaurante
universitário...), nos termos de Belletti (1988). Portanto, sentenças existenciais também
admitem DPs [+definidos], desde que tenham interpretação única ou de lista, isto é,
desde que sejam não pressupostos - interpretação não prevista na proposta de Enç’*.
Quanto aos exemplos em (37), os sintagmas a fama e aquela visitação não
mantêm com o discurso precedente nem uma relação de identidade nem de inclusão,
porém foram considerados sintagmas [+especificos] de acordo com a hipótese de Enç
(1991), visto que têm um atribuidor de especificidade; as construções relativas de que
nós somos um bairro de participação comunitária e que se fazia, respectivamente.
Logo, são específicos relacionais e, por não exigirem pressuposição de existência, são
compatíveis com construções existenciais, explicando assim os resultados percentuais de
DPs [-definido] e [+específico] em contextos existenciais da tabela 5.8.
Vale notar, entretanto, casos em que verbos do tipo BE existencial aparecem em
construções realizadas com sintagmas [+definido] e [+específico] em uma relação de
identidade com o discurso precedente, como os exemplos em (38) ilustram Esse sim
parece um problema para a nossa análise, com relação à questão da incorrpatibilidade
entre existenciais e sintagmas [+definidos] e [+específicos] que pressupõem existência:
165

(38) a. Eu acho que é o olho grande, né? Que é ruim à beça, né? É que ele
existe, o olho grande existe (FLP17L754)
b. O pessoal do morro, o pessoal pobre ficava tudo ali numa praizinha, ali
encostado [na]- né? [na]- no cais ali, existia o cais ali. (FLP18L549)

No exemplo em (38a), o locutor está descrevendo uma superstição conhecida


como ‘olho grande’ em sua narrativa pessoal. A seguir, parece que se dá conta de que
não havia atestado a existência desse referente no universo discursivo, e o faz por meio
de uma reapresentação do constituinte ‘É que ele existe, o olho grande existe para em
seguida voltar a contar sua história’®. Esse tipo de estratégia parece comum na fala,
mesmo na ordem V DP, como o exemplo (38b) ilustra Parece que o locutor precisa
atestar a existência do ‘cais’ para que seu interlocutor compreenda a sua descrição, e o
faz, para a seguir poder retomar sua história Novamente, o sintagma é reapresentado.
De qualquer forma, o DP [+definido] e [+específíco] está tendo sua existência assertada
Nesses casos, só poderíamos tratar da questão da defínitude dentro de uma perspectiva
de interface entre a semântica e a pragmática; abordagem para a qual Enç (1991) apenas
acena
Enfim, os resultados estatísticos da tabela 5.8., bem como as evidências
discutidas acima, conduzem a uma rediscussão a respeito do fenômeno tratado na
literatura como efeito de definitude (DE) e a uma discussão do tipo de Caso que estará
disponível ao DP pós-verbal, argumento de imi verbo inacusativo, em uma língua como
o PB. Na verdade, parece que a ordem dos constituintes nas sentenças inacusativas pode
ser explicada por meio de certos movimentos sintáticos motivados por traços de
definitude e de especificidade exibidos pelos sintagmas nominais presentes em tais
sentenças. Esta é a razão por que o Caso disponível ao sintagma pós-verbal como
partitivo parece muito limitado, já que, com tal denominação estaríamos excluindo os
argumentos dos verbos existenciais, posto que tais construções não admitem
pressuposição de existência e o Caso partitivo, como o próprio nome sugere, deve ser
compatível com sintagmas que podem ser interpretados como ‘parte de um conjunto’,
isto é, parte de um conjunto previamente mencionado no discurso, a não ser que a idéia
da partitividade possa ser ampliada, sem perda do poder explicativo dela^“.
166

Tentaremos, a partir de nossos resultados e discussões, esboçar algumas


conclusões a respeito da influência dos traços de definitude e de ^pecificidade na
determinação da ordem V DP: (i) verbos inacusativos não-existenciais permitem que
seus argumentos permaneçam imediatamente à direita deles à condição de que
manifestem uma restrição semântica de definitude, enquanto verbos intransitivos não; (ü)
verbos inacusativos existenciais, por sua vez, não admitem pressuposição de existência,
manifestando não apenas uma restrição de definitude (como os não-existenciais), mas
também uma restrição de especificidade; (iii) construções existenciais também admitem
atestar a existência de um sintagma [+definido] e [+específico], desde que manifeste uma
interpretação única ou uma leitura de lista ou que tenha um atribuidor de especificidade;
(iv) um Caso inerente (semelhante ao Caso partitivo) deve ser atribuído tanto a
sintagmas [-definido] e [+/-específico] (ou DP nu), como a sintagmas [+definido] com
interpretação única ou leitura de lista, legitimando assim a permanência dos sintagmas
em questão imediatamente à direita de um verbo inacusativo (existencial ou não).
Discutiremos, a seguir, a influência dos outros grupos de fatores relacionados à
natureza do sintagma nominal no condicionamento da ordem V DP.

S.2.2.2. Sobre a foraia de realização do DP


Os resultados numéricos do grupo de fatores forma de realização do DP vêm
apontar que o estatuto lexical de um sintagma também é muito importante na
determinação de seu posicionamento na sentença;

Forma de realização do DP ApL/Total % P. R.

Pronome pessoal^* 04/996 0.5 0,17

Pronomes demonstrativos 10/51 20 0.26

Pronomes indefínidos^^ 26/59 44 0.49

Sintagma pleno 602/927 65 0,85

Total 642/2033 .^2


Tabela 5. 9.: Freqüência e probabilidade de V DP, segundo o grupo de fatores
forma de realização do DP

Esses resultados confirmam hipóteses colocadas por autores, tais como Lira
(1986; 1996), Berlinck (1988; 1989) e Zilles (1999), reafirmando que os pronomes
167

pessoais (incluindo aqui o pronome ‘a gente’) inibem a ordem V DP, enquanto os


sintagmas plenos favorecem a inversão do DP - 65% dos sintagmas plenos apresentam o
verbo anteposto a este nos dados em análise. Os pesos relativos de cada fator confirmam
os números percentuais obtidos.
A baixa fi-eqüência de V DP, quando o sintagma se realiza como um pronome
pessoal, reforça a necessidade de cruzamento entre a restrição lexical e os traços
semânticos de definitude e de especificidade dos sintagmas nominais. Tomando
novamente a discussão de Enç (1991), podemos dizer que as propriedades semânticas de
um sintagma (em especial, aqui, de um pronome) são estabelecidas na relação que esse
sintagma mantém com o discurso precedente.
Vejamos o cruzamento na tabela 5.10., a seguir;

Cruzamento entre forma de DP [+dcfinido] e DP |-dennido| e DP [-definido] e


realização do DP e traços [+específico] [+eNpcc!fieo] [-específico] e DP nu
semânticos

Pron. pessoa] 03/^18 00% 01/43 02%

Pron. demonstrativo 00/10 00% 10/40 25%

Pron, indefinido 05/08 62% 21/45 47“ü

Sintagma pleno 74/268 28% 239/338 71% 287/309 9?%


Tabela 5.10.: Freqüência de V DP, segundo o cruzamento entre os grupos de fatores forma de
realização do DP e traços de definitude e de especificidade do DP

Na tabela 5.10., podemos observar que o grupo de fatores de cunho lexical, em especial,
a forma de realização dos pronomes pessoais e demonstrativos, está co-ocorrendo com
os resultados relativos ao grupo que trata dos traços semânticos do DP, particularmente
dos traços [+definido] e [+especifico], reafirmando a tendência à ordem DP V. Vale
lembrar, porém, que Enç não explica como se estabelece a definitude e a especificidade
dos pronomes dêiticos (eu, tu), que não supõem discurso precedente, uma noção que
certamente deve ser explicada à luz da pragmática
Enfim, tanto os pronomes pessoais como os demonstrativos se diferenciam dos
demais vocábulos pela rigidez e constância de seus resultados, o que é atestado também
no cruzamento entre esse grupo de fatores com o grupo natureza do verbo (cf tabela
5.16.). A restrição de definitude (ou leitura de lista) - exigida para a legitimidade de um
168

sintagma à direita de um verbo inacusativo - impõe que pronomes pessoais e


demonstrativos não ocupem aquela posição por serem marcados, geralmente, por traços
[+defínido] e [+especifico].
Quanto aos DPs realizados como pronomes indefinidos e aos sintagmas plenos,
os traços de especificidade vêm explicar melhor as diferenças entre eles, como a tabela
5.10. mostra, salientando, mais uma vez, a importância do grupo de fatores traços de
definitude e de especificidade na caracterização do DP pós-verbal.

5.2.2.3. Sobre o estatuto [+/- pesado] do DP


Quanto ao grupo de fatores que trata da massa fonética dos constituintes, os
resultados apontam que sintagmas [+pesados], isto é, formados por DPs que, por serem
modificados ou coordenados, contêm uma relativamente ampla quantidade de material
fonético, tendem a vir pospostos, como a tabela 5.11. ilustra. Tais resultados espelham
um princípio de formação de sentença, através do qual a ordem linear é sensível ao
tamanho do constituinte: os mais pesados tendem a se mover para o final da sentença^^.
Essa posição que hospeda um sintagma [+pesado] deve ser, segundo a hipótese de
Chomsky & Lasnik (1977), uma posição não-argumental.

Estatuto f+/- pesado] do DP Apl./Total % P. R.

DP [- pesado] 417/1787 23 0,45

DP [+ pesado] ;25/24('. 92 0,81

Total 642/2033 32
Tabela 5.11.: Freqüência e probabilidade de V DP, segundo o grupo de
fatores estatuto [+/- pesado] do DP

O cruzamento desse grupo de fatores com o grupo natureza do verbo mostra


algumas coisas interessantes (cf tabela 5.12.);
169

Cruzamento entre Intransitivo tipo Inacusativo do Inacusativo tipo Inacusativo tipo


peso do DP e ACT tipo GO [+ação] STAY, APPEAR BE existencial
natureza do verbo e GO (- ação]

DPÍ-pesadoJ 11/510 2% 03/491 0,6% 179/346 33% 224/240 93%

DP [ + pesado} 07/14 50% 03/04 75% 61/69 88% 154/159 97%


Tabela 5.12.: Freqüência de V DP, segundo o cruzamento entre os grupos de fatores
estatuto [+/-pesado] do DP e natureza do verbo

Os resultados da tabela 5.12. revelam que as construções do tipo ACT ou as do tipo GO


[+ação] ou, ainda, as do tipo STAY, APPEAR e GO [-ação] sofrem a influência da
dimensão do sintagma Com relação às primeiras, podemos observar que o tamanho da
massa fonética é um ambiente favorecedor da ordem V DP. Como as construções do
tipo ACT só poderiam admitir a ordem V DP caso seu argumento extemo estivesse em
uma posição deslocada, diferentemente da posição de base de um argumento interno,
parece ser possível dizer que deve haver uma posição de adjunção para hospedar esses
sintagmas [+pesados], como já mostramos em (19) acima, para legitimar essa ordem
Quanto às construções inacusativas, vale lembrar que as do tipo GO [+ação]
mostraram uma quase categoricidade de DP V, diferentemente das construções do tipo
STAY, APPEAR e GO [-ação], que exibem uma restrição de defínitude em co-
ocorrência ao peso do sintagma. Os poucos casos de V DP para construções do tipo GO
[+ação] podem, pois, estar sendo condicionados pela massa fonética dos sintagmas,
como os percentuais da tabela 5.12. mostram Apenas as construções existenciais
revelam sua tendência à ordem V DP mesmo em contextos com sintagmas [-pesados].
Enfim, independentemente da natureza do verbo (intransitivo ou inacusativo não-
existencial), parece que a ordem V DP pode também ser explicada em decorrência da
regra estilística que aponta para o movimento do constituinte pesado para a direita, uma
posição possivelmente não-argumental.

5.2.2A. Sobre os traços de animacidade do DP


Com relação ao grupo de fatores animacidade do DP, selecionado como o último
fator relevante para a caracterização da ordem V DP, os resultados confirmam que [-
animado] é uma característica típica do DP pós-verbal, como a tabela abaixo exemplifica;
170

Animacldade do DP ApL/Total % P R.

DP [+aniinado] 179/1397 13 0.46

DP [-animado] 463/636 73 0,58

Total 642/2033 32
Tabela 5.13.: Freqüência e probabilidade de V DP, segundo o grupo de
fatores animacidade do DP

Entretanto, como já constatou Berlinck (1989:104), ‘a animacidade é um dos


traços especificado pela grade temática do verbo; logo, sua relevância não é própria,
mas derivada dessa relação’. Há certos verbos, por exemplo, cujos argumentos
normalmente precisam ser [+animados], os verbos intransitivos. A possibilidade de imi
nome ocorrer como agente depende de sua especificação semântica, como já observamos
anteriormente, seguindo a proposta de Jackendoff (1976). Tal relação pode ser
observada, em grande escala, nos resultados da tabela 5.14., abaixo.

Cruzamento entre intransitivo Inacusativo do Inacusativo tipo Inacusativo tipo


animacidade do DP e tipo ACT tipo GO [+ação} STAY, BE existencial
natureza do verbo APPEAR e
GO{- ação]

DP |+animado| 16/513 3% 06/489 1% 81/315 26% 76/80 95%

DP |-unimado] 02/11 18% 00/06 0% 159/300 53% 302/319 95%


Tabela 5.14.: Freqüência de V DP, segundo o cruzamento entre os grupos de fatores
natureza do verbo e animacidade do DP

Quanto aos DPs [-animados] que aparecem em construções intransitivas e inacusativas


do tipo GO [+ação], vale ressaltar que se realizam como metonímia, isto é, como
instituições que representam o agente da ação expressa pelo verbo, como em (39),
abaixo;

(39) Aí 0 Instituto de Educação desfilava em peso (FLP24L760)


171

Já verbos que permitem, mas não exigem, que seus argumentos selecionados
realizem um papel temático de agente, como os verbos inacusativos, podem,
facultativamente, escolher nomes [+animados] ou [-animados]. Enfim, as unidades
selecionais de um verbo não determinam apenas o número e a relação dos argumentos
que os aconçanham, mas também, até certo ponto, as unidades selecionais desses
nomes. É um caso de co-ocorrência
Ao cruzarmos o grupo de fatores animacidade do DP com traços de definitude e
de especificidade do DP, porém, obtivemos alguns resultados que fortalecem a escolha
dos traços de animacidade como possíveis condicionadores da ordem V DP. Parece que
o traço de animacidade exerce certa influência na ordem dos sintagmas, até mesmo -
apesar de em pequena escala - na ordem dos sintagmas [-específicos]: de um total de
101 ocorrências de sintagmas [+animados] em contextos [-definidos] e [-específicos], 36
ocorrências estão na ordem DP V (36%). Em relação aos DPs [+específicos], o
condicionamento dos traços de animacidade mostrou-se mais acentuado, preferindo
ambientes de posposição para os sintagmas [-animados], como a tabela 5.15. confirma;

Cruzamento entre DP [+definido] c DP f-dcfinido] e DP [-deilnido] «


animacidade do DP e outros (+espedfico] t+específico] t-específico] c DP
traços semânticos nu

DP [+animado] 21/1036 2% 91/212 43% 65/101 64%

DP l-animado] 56/160 164/222 74% 24V2^3 96%


Tabela 5.15.: Freqüência de V DP, segundo o cruzamento entre os gnços de fatores
traços de definitude e de especificidade do DP e animacidade do DP

Apesar de haver algumas diferenças no condicionamento da ordem entre os


sintagmas [+específico] e [-específico], é possível dizer que a conjunção de traços
negativos propicia uma fi-eqüência maior de V DP, o que significa que um DP marcado
pelos traços [-animado], [-definido] e [-específico] condiciona a ordem V DP, como a
progressão acentuada dos percentuais 35%, 74% e 96% revela Ao contrário, o ambiente
propício à ordem DP V compreende um DP marcado por traços positivos [+animado].
172

[+defmido] e [+específico], como a ordem decrescente dos percentuais 98%, 57% e 36%
também confirma
O gráfico 5.3. permitirá observar essa polaridade:

Cruzamento e n tre os fatores animacidade e traços de


definitude e de especificidade do DP

□ DP [+an]
E3 DP [-an.]
DP [+def.] e [+esp.] DP [-def.] e [+esp.] DP [-def.] e [-esp.]

Gráfico 5.3.; Freqüência de V DP, segundo o cruzamento entre traços de


animacidade, de definitude e de especificidade marcados no DP

5.3. Considerações finais


Diferentemente dos estudos que não consideram uma distinção relevante entre os
verbos de um único argumento, nossos resultados mostram que, na verdade, verbos
inacusativos, diferentemente dos verbos intransitivos, são condicionadores da ordem V
DP. A possibilidade de variação da ordem DP V/V DP está diretamente relacionada a
construções inacusativas, principalmente com verbos do tipo GO [+/-ação], APPEAR e
STAY, como exposto acima. Tal variação é condicionada por fatores de ordem
173

sintático-semântica, tais como a natureza [-agentiva] ou [+agentiva] dos argumentos


selecionados por verbos do tipo GO, por exemplo, e pelo grupo de fatores traços de
definitude e de especificidade do DP.
Uma vez que a agentividade de uma sentença, nos termos de Jackendoff (1976;
1987), não depende apenas do verbo mas também dos argumentos selecionados por ele,
podemos dizer que as diferenças entre o condicionamento da ordem DP V ou V DP, em
construções do tipo GO (GO [-ação] e GO [+ação]), mostram-nos evidências para
apontar que há uma correlação forte entre ordem V DP e verbos inacusativos que
selecionam argumentos [-agente],
Além de funções semânticas composicionais, que se estabelecem na relação entre
o verbo e o sintagma nominal e permitem diferenciar verbos do tipo GO [-ação] de
verbos do tipo GO [+ação], há também propriedades semânticas que condicionam a
ordem desses constituintes, como o chamado efeito de definitude. Nesse caso, verbos
inacusativos permitem que seus argumentos permaneçam imediatamente à direita deles à
condição de que manifestem uma restrição semântica de definitude (e, em casos
especiais, de especificidade). Essas propriedades condicionam a ordem V DP apenas dos
argumentos internos de verbos inacusativos, conseqüência do Caso que eles recebem,
único Caso disponível dentro do VP, já que tais verbos não têm a capacidade de atribuir
acusativo a seus argumentos internos. Na verdade, só a possibilidade de atribuição de um
Caso inerente (à semelhança com o que Belletti chama de Caso partitivo) ao DP pós-
verbal explica porque tais sintagmas nominais não precisam se alçar para uma posição
marcada pelo Caso nominativo.
Tomando novamente os grupos de fatores selecionados mais significativos no
favorecimento da ordem V DP, procuramos fazer um cruzamento para observar se, de
fato, as ordens DP \ Í V DP apontam restrições sintático-semânticas específicas.
Retomamos os resultados percentuais mais relevantes das tabelas anteriores, agora, por
ordem decrescente;
174

Cruzamento «ntre os grupos Intransitivo Inacusativo do Inacusativo tipo Inacusativo


de fatores mais significativos tipo ACT tipo GO STAY, APPEAR tipo BE
l+açâoj e GO [- ação] existencial

0 S DP H lcf.le |-esp.l 03/20 15% 01/08 13% 93/112 83 % 311/314 99 %


1 I DP[-def.) el+esp.1 lS/65 23% 04/56 7% 104/173 60% 32/40 80%

á I DP 1+def.l e 1+esp.J 00/477 0% 01/414 0,2% 42/310 14% 34/44 77%

Sintagma pleno 18/106 17% 05/78 6% 224/376 60% 355/367 97%


00/16 0% 00/05 0% 10/22 45% 16/16 100%
' u Pron. demonstrativo 00/03 0% 00/02 0% 04/33 12% 06/13 46%
Pron. pessoal 00/399 0% 01/410 0,2% 02/184 1% 01/03 33%

'5- i DP 1 + pesado] 07/14 50% 03/04 75% 61/69 «8% i 154/159 97%
•C 5
5 g D P |-pesado| 11/510 2% 03/491 0,6% 179/546 33% : 224/240 93%
05

Tabela 5.16.: Freqüência de V DP, segundo o cruzamento entre os verbos intransitivos


do tipo ACT e os verbos inacusativos do tipo GO [+ação], STAY/APPEAR/GO
[-ação] e BE existencial e os demais grupos de fatores selecionados como
relevantes pelo pacote estatístico VARBRUL

Como os resultados da tabela 5.16. reforçain, a natureza do verbo é o grupo de fatores


de maior definição da ordem DP V/ V DP. Há nitidamente três situações que devem ser
comparadas:

1. Construções com verbos intransitivos do tipo ACT e com verbos inacusativos do tipo
GO [+ação] mostram-se inibidoras da ordem V DP, independentemente de outros
fatores semânticos. Estamos considerando aqxii que o papel de agente dos DPs deve
obrigar que os sintagmas selecionados por tais verbos sejam alçados para uma posição
marcada por Caso nominativo. O fator de base fonética, peso do DP, vem explicar
alguns casos de V DP nesses contextos.
175

2. Construções com verbos inacusativos do tipo BE existencial são favorecedoras de V


DP, independaitemente de restrições fonéticas, lexicais ou semânticas. Como as
construções existenciais, em geral, não admitem pressuposição de existência, a restrição
semântica não vem opor uma ordem à outra, mas confirmar que contextos existenciais
são preferencialmente marcados por sintagmas [-definido] e [-específico], reafimando a
hipótese de Enç (1991) favorável à restrição de especificidade, o que abre
questionamentos a respeito do que a literatura considera como Efeito de Definitude
(DE). É necessário ressaltar, entretanto, que sintagmas [+definidos] e [+específicos], que
não admitem pressuposição de existência, podem manifestar-se em contextos existenciais
mediante uma interpretação de lista ou uma leitura única, contrário à proposta de Enç.

3. Construções com verbos inacusativos do tipo STAY, APPEAR e GO [-ação]


apresentam maior variação. O condicionamento da ordem V DP, nesse caso, dá-se
mediante uma restrição semântica de definitude sobre o DP selecionado, que deve ser
marcado por um Caso compatível com o que Belletti chama de partitivo.

Assim, a partir dos resultados e discussões acima, podemos dizer que há uma
forte correspondência entre ordem V DP, natureza do verbo e natureza semântica do
DP: quando o argumento intemo de um verbo inacusativo é marcado por traços [-
definido] e [-específico] (ou DPs nus), diminui o número de ocorrências de ordem direta
(DP V) e aumenta o número de ocorrências de ordem inversa (V DP); quando é marcado
por traços [+definido] e [+específico], aumenta o número de sintagmas pré-verbais e
diminui o número de sintagmas pós-verbais^"^. De mais a mais, há uma forte tendência a
admitir DPs pós-verbais à condição de que eles se realizem preferencialmente como
tema. Quanto aos verbos intransitivos, nossos resultados atestam que são contextos
inibidores da ordem V DP, independendo de restrições semânticas. Logo, a distinção
entre verbos inacusativos e intransitivos não pode ser, em hipótese alguma, apagada.
Tais resultados levam-nos a discutir a noção de variação como da ordem DP V e
V DP em construções monoargumentais, estamos partindo do pressuposto que a
aceitação da noção de variação como fenômeno gramatical leva necessariamente à
rejeição da aceitação de que há opcionalidade entre uma e outra forma lingüística, tal
como ocorreu na sociolingüística laboviana, nos anos 60. As hipóteses formuladas dentro
176

do quadro teórico gerativista devem refletir que a variação da ordem dos constituintes é
um caso de distribuição complementar, ou de competição entre gramáticas, e não um
caso de variação estilística.

5.4. Notas

' Após 0 tratamento estatístico dos dados, observamos que a fiinção Be locativa teve de
ser excluída da análise por apresentar knockout, a saber todos os 49 dados manifestaram-
se em construções DP V, um percentual categórico. É inçortante salientar que todas as
49 ocorrências manifestaram-se em contextos [+defínidos] e [+específicos], como os
exemplos em (i) ilustram

(i) a. (Fala da família) A minha nora teve lá o ano passado (FLP08L221)


b. (Fala da Alzira) Ela ta lá na casa da Maria dos Anjos, uma outra amiga
minha (FLP08L828)

Essa restrição será discutida, neste trabalho, dentro do grupo de fatores traços de
definitude e de especificidade do DP.

^ Essa sentença parece mais aceitável se o sintagma os negociantes estivesse focalizado


contrastivamente, ou se, como Berlinck sugeriu, o PP ‘com aqueles sacos [de]- de
farinha, de feijão’ fosse interpretado como um complemento restritivo de ‘os
negociantes’.

^ Contextos de posposição se adaptariam melhor a sintagmas [-definidos] como em (i):

(i) E chegava meia noite, saíam homens que se vestiam de lobisomem

Essa questão será discutida mais detalhadamente no decorrer deste capítulo.

Esse julgamento não está considerando uma construção de foco, como o par
pergunta/resposta admitiria;
177

(i) a. Quem saiu?


b. Saiu o João

^ Fizemos o amálgama dos verbos do tipo STAY, APPEAR e GO [-ação], justamente


porque todos eles apresentam um DP que se realiza como tema, em um contexto nàto-
existencial. Todos os resultados estatísticos comentados a seguir, levarão em conta esse
amálgama.

®O grupo de fatores que trata dos traços de animacidade do DP foi selecionado pelo
programa estatístico VARBRUL como o quinto grupo mais significativo, por ordem de
relevância. Os resultados serão mostrados posteriormente.

’ Vale lembrar aqui das propostas fomecidas pela literatura fijncionalista relativas a uma
escala de sujeitividade (cf Keenan (1976)), que fornece subsídios para descrever, por
ordem de importância, os sintagmas que podem ocupar a posição de sujeito: em primeiro
lugar, está o sintagma que realiza o papel temático de agente, em segundo lugar, o papel
de experienciador, seguido de sintagmas que realizam os papéis temáticos benefactivos,
instnimentais e, por último, o papel de tema.

* A subespecificação está entendida aqui no sentido de não ter um valor particular


previamente fixado.

^ Agradeço aqui à professora Mary Kato pelas valiosas sugestões.

Nascimento e Kato (1995) adotam a hipótese segundo a qual o constituinte que


aparece na posição pós-verbal dos inacusativos é um predicativo, e como tal, não se
movimenta para receber Caso. A restrição de definitude, segundo os autores, decorrerá
do fato de serem predicativos. Essa hipótese não será tratada aqui por não explicar
diferáiças entre sentaiças copulares e sentenças construídas com verbos inacusativos,
com relação à possibilidade (ou não) de quantificação do DP, como em.
178

(i) a. * Theiy are some very good students


b. There are some very gôod students

" Verificamos, após uma primeira rodada estatística, que o fator DP [+genérico]
apresentou knockout, a saber todos os 29 dados manifestaram-se em construções DP V,
por isso tivemos de retirá-lo das rodadas finais.

O recurso ao cálculo do cruzamento de grupos de fatores possibilita a avaliação das


interdependências.

No capítulo VI, tentaremos esboçar uma resposta para tais ocorrências, baseando-nos
em uma proposta alternativa de projeção FocusP interna à sentença, levantada por
BeUetti (1999).

Vale ressaltar aqui outras possibilidades de explicação para construções como (22b).
Ribeiro (1996:54) diz que talvez devêssemos considerar que sendo o verbo ergativo e
havendo só um advérbio separando o sujeito do verbo, na configuração V x DP, pode-se
pensar que o sujeito está dentro do VP .

Outros trabalhos que defendem a atribuição de Caso acusativo ao DP-argumento de


um verbo como ter e haver existenciais são os de Franchi et alli (1998) e de Viotti
(1999). No primeiro, os autores dão exemplos de cliticização em construções com o
verbo haver em uma modalidade muito culta (e talvez arcaica) do português.
Argumentam no sentido de mostrar que verbos ter e haver fazem parte de uma classe de
construções que chamamos de construções impessoais, sem parentesco sintático com as
construções existenciais com o verbo existir. Na mesma direção vai o trabalho de Viotti
(1999). A autora tenta fortalecer a hipótese da acusatividade para construções
existenciais com verbos como ter, quando esboça uma análise para o verbo ter como um
verbo transitivo (seja qual for a sua interpretação).

Não discutiremos com maior detalhamento essa proposta, porque não trabalhamos
com míni-orações {small clause) do tipo (25a), em nossa análise, contextos mais
179

favorecedores de uma interpretação não-temporária, e, por extensão, de uma


interpretação [+genérica].

Mioto lembra que uma outra diferença entre os quantificadores que aparecem em
(25a) e (27a)/(27b) é de cunho sintático, diz respeito à ordem [Det Nome e QU] possível
em construções como (27) e impossível em (25), como o julgamento de gramaticalidade
em (i) ilustra

(i) a. Todo homem é mortal


b. *0 homem todo é mortal

Agradeço aqui às sugestões de Tavares a respeito de os fenômenos da definitude e da


especificidade estarem fortemente envolvidos por questões pragmáticas. Segundo
Tavares, por exemplo, chegando para uma reunião no trabalho, o locutor pode dizer:

(i) Desculpem o atraso. A minha innã quebrou o braço e tive de levá-la para o
hospital. Qual é a pauta de hoje?

O sintagma^ minha irmã é um caso de primeira menção, não há relação de partitividade


ou de identidade com o discurso precedente, nenhum dos presentes precisa saber que o
locutor tem uma irmã (antes de ele dizer que tem), e ainda assim tal sintagma é
[+deí3nido]. E quanto ao sintagma a pauta, parece um caso semelhante. Talvez sejam
casos de DPs [+definidos] em relação ao que o falante tem em mente, ao conhecimento
compartilhado, ao estoque de coisas que são inferíveis, sem, no entanto, manifestarem
uma relação de inclusão com um contexto previamente mencionado.

Uma explicação para (38a) dada por Mioto diz respeito às diferenças entre tópico e
foco. Na sentença o olho grande (...) ele existe, segundo o autor, temos evidência de
uma construção de tópico e o pronome está retomando o tópico. Como o sujeito não é
foco, não há motivo para ser pós-verbal. Note-se também que se a construção existencial
fosse com o verbo ter o julgamento de gramaticalidade se alteraria, como em *o olho
grande (...) ele tem.
180

Vale ressaltar, entretanto, que a proposta de Belletti (1988) para partitivo pode ser
apenas uma noção sintática, diferentemente da que estamos interpretando aqui. Sabemos
que um Caso estrutural nem sempre está associado a uma noção semântica, porém não
sabemos se essa também é uma restrição dos Casos inerentes. Se o Caso partitivo não
estivesse associado à interpretação parte de um todo, poderíamos explicar porque certos
DPs, mesmo que não admitam pressuposição de existência, permanecem à direita de um
verbo inacusativo. Esse problema, na verdade, precisa de novas investigações.

No fator pronome reto estão incluídos os pronomes a gente por apresentarem uma
mesma restrição de ligação, que pode ser explicada pelo Principio B da teoria de ligação.
Consideremos os exemplos abaixo:

(i) a. Nós i pedimos para Maria que deixasse a gente i passar


b. Ele i pediu para Maria que deixasse ele i passar
c. *Ele j pediu para Maria que deixasse João i passar

O pronome a gente comporta-se como o pronome reto ele e não como o sintagma pleno
João, como os exemplos (ia) e (ib) ilustram, em contrapartida à agramaticalidade de (ic).

Foram considerados aqui, além dos pronomes indefinidos reconhecidos pela gramática
tradicional, os pronomes tudo e todos quando pertencem a sintagmas cujo núcleo
nominal não é lexicalizado.

O principio de formação da sentença, através do qual a ordem linear é sensível ao


tamanho do constituinte, tem um correspondente nos modelos funcionalistas (desde a
escola de Praga), segundo o qual a sentença se organiza do menos informativo para o
mais informativo (cf Haiman, 1983).

No capítulo VI, tentaremos discutir um pouco mais os casos de V DP quando o DP é


marcado por traços [+definido].
Capítulo VI

Sobre os preenchedores das fronteiras ...V...DP...


na caracterização do sintagma pós-vert»!

6.1. Introdução
Para defínkmos melhor o retrato da ordem V DP, optamos por uma segunda
rodada estatística - tratada aqui como rodada 2 - composta pelos grupos de fatores
considerados mais relevantes na rodada 1 e pelos grupos referentes à configuração da
sentença, tais como;
. Configuração DP x V/ V x DP
. Configuração x DP V/ x V DP
. Configuração DP V x/ V DP x
onde Xmarca a posição de preenchimento em uma dada fi^onteira.
Esses grupos de fatores lingüísticos foram adicionados aos grupos que
condicionam a ordem V DP, em especial, ao grupo natureza do verbo', com o objetivo
de estabelecer quais os preenchedores das fronteiras entre verbo/sujeito e quais os
preenchedores localizados às margens desses constituintes, a saber, os segmentos
periféricos. Para tanto, precisamos responder às seguintes questões: Qual é a natureza do
elemento preenchedor x que se posiciona entre o V e o DP (V x DP)? A partir da fimção
sintática do preenchedor, seria possível dizer que a configuração V x DP é diferente da
configuração V DP? Qual é a natureza dos elementos periféricos nas configurações x V
DP e V DP X? O que tais preenchimentos podem estar significando?
Para responder às questões formuladas acima, precisamos discutir tanto as
posições entre o sujeito e o verbo (DP V) ou entre o verbo e o sujeito (V DP), como as
posições marginais, periféricas à sentença Em primeiro lugar, vanws verificar
estatisticamente quais os possíveis preenchedores das fronteiras intemas e periféricas às
configurações DP V e V DP, tomando como base, principahnente os estudos de Tarallo
et alli (1990) e Tarallo, Kato et alli (1993). Em segundo lugar, discutiremos qual o papel
que os preenchedores mais comuns exercem na sintaxe, dando ênfase, principalmente.
182

aos preenchedores do tipo locativo/temporal na configuração x V DP. Essa discussão


baseia-se na proposta de Torrego (1989), segundo a qual o locativo/temporal de
construções inacusativas (tratadas aqui como inacusativas do tipo GO, APPEAR, STAY
e BE) deve ser considerado um argumento do predicado e não apenas um adjunto.
Por último, discutiremos se a configuração V DP pode ser considerada uma
estrutura heterogênea, nos termos de Kato e Tarallo (1989). Note-se que Figueiredo
Silva (1996) já lembrou que, além das posições argumentais da sentença, existem
posições periféricas que podem receber sintagmas deslocados, seja por razões ditadas
pela pragmática (do tipo foco e tópico, por exemplo), seja porque o peso dos sintagmas
exige uma posição especial, normalmente no final da sentença^. O português do Brasil,
segundo a autora, dispõe de imi conjunto de posições desse tipo, posições que podem
estar em relação com o sujeito da sentença Tomando essa discussão da autora, vamos
observar se a configuração V x DP pode estar refletindo casos de DPs em posição
periférica, isto é, em posição deslocada à direita, apoiando-nos nos estudos de Kato
(1989). Além de discutir as posições do DP externas à sentença, apresentaremos a
proposta de Belletti (1999) de foco intemo à sentença - posição de FocusP - com o
objetivo de fornecer uma nova explicação para o DP pós-verbal.

6.2. Resultados estatísticos


Focalizaremos, nesta seção, segmentos que não fazem parte do verbo e dos
argumentos selecionados por ele, mas se distribuem nas fronteiras desses constituintes, a
saber: nas fronteiras internas (DP x V/ V x DP) e nas fronteiras periféricas, à direita e à
esquerda dos constituintes (x DP V/ x V DP ou DP V x/ V DP x). Assumindo que a
ordem V DP é a ordem básica das construções inacusativas, e que as ordens V x DP, x
V DP e V DP X devem ter sido geradas por movimento de um ou mais constituintes da
sentença para posições mais altas, vamos discutir quais os tipos de preenchedores que
estão nessas fronteiras, basicamente, se há espaços que privilegiem certos segmentos e
espaços que privilegiem outros, e que processo sintático podem estar refletindo.
VaJe ressaltar que, segundo Tarallo, Kato et alli (1993), não há uma relação
biunívoca entre tipo de preenchedor e fronteira sintática; porém, há fronteiras hostis a
certos tipos de preenchedores e outras mais permeáveis. Muitos dos preenchedores
parecem ter uma fimção no nível sintático e outros no nível textual/discursivo. Os que se
183

posicionam entre os constituintes, e que são discursivamente interpretáveis - como os


gaguejos e as hesitações - exercem, em geral, a função de planejadores da fala
Preenchedores como os clíticos, os advérbios aspectuais, os locativos/temporais e os
sintagmas preposicionados (PP) são sintaticamente interpretáveis.

6.2.1, Descrição dos preenchedores das fronteiras DP x V /V x DP


Destacamos, em primeiro lugar, nessa configuração, o alto índice de ausência de
preenchedor, em oposição ao percentual baixo de presença de preenchedor de Ironteira
interna, como a tabela 6.1. mostra

Configuração DP x V/ V x DP Apl/Total geral %


Auüência de preenchedor 1716/2033 84

Presença de preenchedor 317/2033 16

Tabela 6.1: Freqüência total de ausência/presença de preenchedores


na fronteira entre DP e V ou V e DP

A tabela deixa claro que, em posição de fronteira entre o DP e o Y /Y e o DP,


constatamos um percentual alto de não ocorrência de preenchedor nas sentenças
declarativas monoargumentais em estudo, um percentual de 84%. Desses, 67% (1116
ocorrências) realizam-se na ordem DP V e 34% (600 ocorrências) na ordem V DP.
Quanto aos casos de preenchimento - que nos interessam mais particularmente - estão
assim distribuídos;

Configuração
Preenchedores de fronteiras internas D PxV V xD P

Negação (não) SfVKf. 100% 00/86 0%

Advérbio aspectuat/clítico 77/80 96% 03/80 4%

Mais de um preenchedor 27/34 79% 07/34 21%

Advérbio multi-focal im i 11/37 30%

Pausa/gaguejo/hesitações 13/34 3«% 21/34 62%

Locativo/temporal (PP) 16/46 .'^4% 30/46 65%

Tolal dc ocorrências 244/317 77% 72/317 23%


Tabela 6.2.; Freqüência de preenchedores na configuração DP x V/V x DP
184

É importante verificar, na tabela 6.2., o percentual alto de ocorrência de


preenchedores do tipo pausa/gaguejo/hesitações e advérbios locativo/temporal (ou PPs)
na configuração V x DP, em oposição à baixa ocorrência de preenchedores do tipo
advérbios de negação, aspectuais e clíticos. Vejamos o comportamento desses
preenchedores nas construções intransitivas e inacusativas;

Configuração Intransitivo Inacusativo do Inacusativo tipo Inacusativo tipo


V xD P tipo ACT tipo GO GO [-ação], B £ existencial
[+açâol APPEAR e
STAY

Negação (não)^ 00/22 0% 00/13 0% Oai?5 00% («VI6 0%

Advérhio aspcctunl/clítico 00/41 0% 01/19 5% 01/19 05% 01/01 ]Míi%

Mais de um preencliodor 00/07 0% 01/10 10% 02/11 18% 04/06 67%

Advérhio multi-rocal 00/12 0% 00/08 0% 05/1 i 45% 06/()f) 100%

Pausa/i>aguejo/faesitaçrics 00/05 0«-ó 00/03 0% 08/13 62% 1.V13 100%

Locativo/temporal (PP) 02/11 18% 07/14 50% 21/21 ioo<;<.

Total de ocorrências 00/87 0% 04/64 6% 23/103 22% 45/63 45%


Tabela 6.3.: Freqüência de V DP, segiindo o cruzamento entre os grupos de fatores
configuração DP x V/V x DP e natureza do verbo

Como a tabela 6.3. revela, os preenchedores do tipo negação, clíticos e


aspectuais praticamente não ocorrem na fi-onteira entre o V e o DP, independentemente
do tipo de construção. Entretanto, o número representativo de ocorrências desses
elementos, na ordem inversa (DP x V), vem atestar que tais preenchedores manifestam-
se bastante significativamente na posição imediatamente à esquerda do verbo. Vejamos
alguns exemplos:

(1) a Eu chegava na casa dela, já perguntava se a mãe dela não ia (FLP04L628)


b. O repórter, eu assisto de manhã, que eu me acordo (FLP05L272)
c. E já com doze anos eu já dirigia (FLP23L123)

Tarallo et alli (1990) mostram que os aspectuais ficam adjacentes ao elemento


que carrega as fiexões, a INFL. É como se o aspectual se cliticizasse ao verbo, na
configuração DP x V, por exemplo. Esse fato também foi constatado por Moino
185

(1996:147). À semelhança dos aspectuais, a negação é o tipo de preenchedor que ocupa


uma posição relativamente fixa no português, geralmente antes do verbo flexionado.
Mioto (1992) justifica essa posição dizendo que o não não pode ser separado do verbo
pela interveniência de elementos adverbiais, porque é um clítico, formando com o verbo
flexionado um complexo^. Essa colocação só vem confirmar que os preenchedores do
tipo aspectuais, cliticos e negação posicionam-se imediatamente à esquerda do verbo,
cliticizando-se a ele, uma ordem basicamente fixa, como os resultados relativos à ordem
DP V atestam na tabela 6.3.
Quanto aos preenchedores mais significativos na fi-onteira entre o V e o DP -
advérbios multi-focais, pausa, gaguejos e hesitações e advérbios locativo/temporais -
vale ressaltar que tendem a preferir construções inacusativas sem agente a intransitivas,
como os resultados estatísticos revelam na tabela 6.3. Desses, os advérbios
locativo/temporais (ou PPs) são os mais significativos, e, por isso mesmo, constituem
objeto de discussão. É importante ressaltar, entretanto, que a estrutura básica de certas
sentenças se altera quando há preenchedores do tipo PP (sintagma preposicional) entre o
verbo inacusativo e o DP selecionado por ele, como os exemplos abaixo ilustram;

(2) a Eu acho que (hes.) saiu o dinheiro todo de circulação (FLP21L435)


b. ??Eu acho que (hes.) saiu de circulação o dinheiro todo

(3) a Aí depois eu fiii morar pelo lado do Continente. Então às vezes faltava
dinheiro pra gente (FLP18L213)
b. ??Aí depois eu fiii morar pelo lado do Continente. Então às vezes faltava
pra gente dinheiro

Note-se que as sentenças em (2b) e (3b) seriam bem mais aceitáveis se os sintagmas
preposicionais (PPs) deslocados (de circulação, pra gente) recebessem uma leitura focal.
Para discutir os preenchedores da fi-onteira entre o V e o DP, vamos utilizar o
princípio de adjacência, definido aqui no sentido de Stowel (1981)®, segundo o qual, em
uma língua que não tem um sistema casual manifesto na morfologia, todo elemento que
atribui Caso acusativo deve estar adjacente ao receptor desse Caso^. A hipótese da
adjacência entre o verbo inacusativo e seu argumento intemo (V DP) será levantada aqui
186

como uma possibilidade de o verbo atribuir um Caso inerente (à semelhança do partitivo)


ao sintagma compatível com uma leitura [-definida], nos termos de Belletti (1988).
Através dessas discussões, queremos chegar a definir, entre outras coisas, se o Caso
inerente tem de ser atribuído localmente ao DP que está ocupando a posição pós-verbal,
sem que PPs rompam a adjacência, o que parece se confirmar no julgamento de
gramaticalidade de (2) e (3).
Vale lembrar que, na hipótese de sujeito intemo a VP, a ordem V DP poderia ser
derivada da ordem DP V por movimento do verbo para o núcleo de IP (1°). Teríamos,
então, de explicar o que legitima o DP pós-verbal, já que, por questões de recebimento
de Caso nominativo, ele precisaria alçar-se para a posição de especificador de IP. Já
sabemos que o Caso nominativo não está disponível ao sujeito pós-verbal no PB quando
este sujeito está bem baixo na estrutura fi-asal, pois essa língua não tem nominativo sob
regência, só sob concordância. Uma das possibilidades que apontamos no capítulo V, a
partir da hipótese de Belletti (1988), foi a de Caso partitivo inerente, dada a restrição de
indefinitude aos DPs pós-verbais. De mais a mais, essa parece a hipótese mais plausível
dentro de GB, apesar dos problemas ^resentados na seção 5.2.2.1.
Vamos admitir, portanto, que o DP que aparece à direita do verbo - nos
exemplos (2) e (3) - só pode ser legitimado naquela posição mediante a atribuição de um
Caso inerente, dada a restrição de indefinitude (bem como uma interpretação única ou de
lista). Nos exemplos em questão, caso os elementos que estivessem ocupando a posição
intermediária entre o verbo e o DP (V x DP) fossem do tipo de pausas, gaguejos ou
repetições, as sentenças seriam aceitáveis, como (4) ilustra:

(4) Existia, no domingo de manhã, no Doze, às vezes tinha [a]- [uma]- uma
domingueira, um chá dançante, no Lira (FLP24L255)

Podemos observar que o material interveniente que preenche a posição entre o


verbo e o DP, em (4), corresponde ao que Tarallo e Kato et alli (1993:319) chamam de
espaços de pausa no fluxo da fala, isto é, estratégias próprias de planejamento de fala.
Vale ressaltar, entretanto, que um número significativo de advérbios do tipo
locativo/temporal ou PP preencheu a posição entre o verbo e o DP sem causar qualquer
problema de gramaticalidade. Vejamos alguns casos:
187

(5) a (Fala do hospital que estava sendo construído) Ia, até ali, o hospital
(FLP24L1014)
b. (Fala do progresso) principalmente depois que veio pra cá a Eletrosul,
né? E veio aquela avalanche de pessoas (FLP23L902)

Vamos levantar a hipótese de que os sintagmas o hospital e a Eletrosul em (5)


estejam ocupando uma posição periférica na sentença, posição possivelmente diferente
da que os sintagmas o dinheiro todo, dinheiro e uma domingueira, um chá dançante
estão ocupando em (2a), (3a) e (4), respectivamente. Note-se, ainda, que os sintagmas
em (5), posicionados à direita do PP, são todos marcados por traços [+definido] e
[+específíco], ao passo que, em (2a), (3a) e (4), os sintagmas pós-verbais são marcados
por traços [-definido] e [+/-específico], nos termos de Enç (1991). Na seção 6.4.,
daremos uma explicação alternativa para essa possibilidade, baseando-nos na proposta de
Kato (1989).
Os preenchedores do tipo advérbio multi-focal também merecem destaque em
contextos inacusativos. Eles constituem estratégias de focalização, tendo como foco,
geralmente, um elemento à sua direita, provavelmente intemo a VP, como exemplificado
em (6);

(6) Mas não vai muitas vezes nem o pai, nem a mãe. Ou quando vai, vai só a
mãe(FLP21L1110)

Esse tipo de preenchedor também será discutido mais detalhadamente na seção 6.4.
Enfim, os preenchedores discursivos do tipo pausas, gaguejos e repetições e os
preenchedores sintáticos do tipo advérbios multi-focais e locativos/temporais
manifestam-se preferencialmente na fi^onteira entre o V e o DP de construções
inacusativas. Os dois últimos serão objeto de discussão das seções 6.3. e 6.4. Antes,
porém, vamos observar os percentuais relativos às fi-eqüências de preenchedores
periféricos.
188

6.2.2. Descrição dos preenchedores periféricos


Diferentemente dos preenchedores das fronteiras entre o DP e o V/Y e o DP, as
fronteiras periféricas à esquerda dos constituintes DP V e V DP apresentam um
percentual mais baixo de ausência de preenchedores, do que de preenchedor realizado,
como a tabela 6.4. mostra, em contrapartida à tabela 6.1.

Configuração x DP V/x V DP Api/Total geral %

Ausência de preenchedor 885/2033 44

Presença de preenchedor 1148/20.^3 56

Tabela 6.4.; Freqüência total de ausência/presença de preenchedores


em fronteiras marginais (x DP V/x V DP)

Vale ressaltar, nessa tabela, o número significativo de preenchedores marginais


imediatamente à esquerda de DP V e V DP, 56%. De todos os preenchedores, é
importante verificar o percentual de ocorrências em cada uma das ordens dos
constituintes, a forma de realização desses preenchedores, bem como os tipos mais
freqüentes em cada uma das fronteiras. Vejamos, na tabela 6.5., como estão distribuídos;

Preenchedores de fronteiras periféricas* Configuração


xD P V xV D P

Conectores 386/477 81% 91/477 l ‘Wi

Marcador discursivo/ gaguejo/


Falsos começos 165/206 80>!<, 41/206 20%

Locativo/tcmporal (PP) 170/313 54% 143/313 46%

Aspectual/clitico 03/18 l7"/„ 15/18

Adverhiu multi-focal 03/28 11% 25/28 80%

Negação (não) 00/106 0% 106/106 100%

Total de ocorrências 727/1148 63% 421/1148 37%


Tabela 6.5.; Freqílência de preenchedores na configuração x DP V/ x V DP

Note-se que os preenchedores aspectuais/cliticos e negação tendem a ocorrer


bastante significativamente antes de V DP, um percentual de 83% e 100%,
respectivamente. Esse resultado pode ser comparado aos resultados da configuração DP
189

X V, tratados acima, que manifestam um número significativo de preenchedores dessa


natureza à esquerda do verbo (cf. tabela 6.2.). Resulta daí que a posição desse tipo de
preenchedor deve ser uma posição fixa, como ressaltamos anteriormente.
Kato & Nascimento (1996:23) já observaram que, no PB, quando há um
argumento nulo na posição de sujeito ou de objeto, há uma tendência a compensar o
vazio com um preenchedor não-argumental. Quanto ao sujeito nulo, segundo os autores,
a tendência dos falantes é ou a de preencher a posição anterior ao sujeito nulo com um
marcador discursivo ou a de preencher a posição posterior ao sujeito nulo com um
adjunto do tipo aspectual, clítico ou negação®. Como não estamos discutindo as
diferentes posições dos preenchedores antes do verbo, mas quais os preenchedores que
ali podem aparecer, vamos imaginar, apenas, que a posição imediatamente à esquerda do
verbo deva ser diferente da posição que pode alojar um locativo/temporal e que, por sua
vez, deva diferir também da posição que aloja um marcador discursivo ou um conector,
como o paradigma abaixo ilustra;

(7) a [ Então [ ali encostava o navio Hoepcke, o navio Anderson (FLP18L135)


b. [ Então [ aK encostava o navio Hoepcke, o navio Anderson
c. [ Então [ ali [ não encostava o navio Hoepcke, o navio Anderson

Essa diferença em termos de ordem do preenchedor pode ser percebida através


de sua manifestação diferenciada à esquerda dos constituintes DP V ou V DP. A alta
freqüência de marcador discursivo (80%) ou de conectores (81%) à esquerda do DP - na
ordem DP V - vem evidenciar a posição mais alta que esses elementos devem ter na
configuração da sentença, constatando o que Kato e Nascimento (1996) já anteciparam
E o percentual alto de negação e de advérbios aspectuais e clíticos á esquerda de verbos,
tanto na configuração DP x V como na configuração x V DP, vem da mesma forma
atestar o que os autores observaram a respeito de esses elementos ocuparem uma
posição imediatamente á esquerda do verbo, diferentemente da posição ocupada por um
marcador discursivo (ou por um conector). Vejamos, a seguir, como ^ses
preenchedores estão distribuídos dentro das sentenças em análise;
190

Configuração Intransitivo Inacusativo do Inacusativo tipo Inacusativo tipo


xVDP tipo ACT (ipoGO l+ação] GO {-ação), B £ existencial
APPEAR e STAY

Conectores 1)5/250 1% 00/^8 0% 46/149 31% 40/40 1(10%

Marcador disicursivo/ 04/U7 3% 00/15 0% 19/53 36% IX/21 86%


uat>uojo/faisos c<imev<>s

Locativo/tcmporal (PP) 02/72 v-/„ 0.V52 6% 58/1 Of> 55% 80/83 1)6%

Aspcctual/clitico 00/02 0% iif./07 86% 09/09 100%

Advérbio multi-focal 01 / 0 ? 33% 02/03 67% 100%

Negação (não) oy/09 100% ‘)7/‘J7 100%

Total de ocorrência!) 11/441 2% 04/108 4% 140/327 42% 266/274 y7"/«


Tabela 6.6.: Freqüência de V DP, segundo o cruzamento entre os grupos de fatores
configuração x DP V/x V DP e natureza do verbo

Além das posições dos preenchedores à esquerda do verbo, aparentemente fixas


no português, essa tabela vem sugerir que o preenchedor locativo/temporal parece
exercer um papel fundamentai também na configuração x V DP de construções
inacusativas. Das 143 ocorrências de [Loc V DP], 141 se manifestam em construções
inacusativas (58 do tipo GO [-ação], APPEAR e STAY, 80 do tipo BE existencial e 03
do tipo GO [+ação]) e apenas 02 ocorrências em construções intransitivas. Tais
resultados mostram que o constituinte que se posiciona à esquerda de um verbo
inacusativo (em especial, que seleciona um argumento tema), quando não se realiza
como clitico (entenda-se aqui negação, clítico ou aspectual), é normalmente um
locativo/temporal. Ao contrário, quando o verbo é intransitivo, ou inacusativo tipo GO
[+ação], tal preenchedor parece exercer um papel importante nas fronteiras marginais
dos constituintes na ordem DP V (x DP V/DP V x), como os baixos percentuais de x V
DP/V DP X atestam nas tabelas 6.6. e 6.8.
Não está muito claro na literatura qual é a posição que os advérbios
locativo/temporais ocupam à esquerda de VP; sabemos que é uma posição mais alta da
que aloja o clítico, porém mais baixa da que aloja um conector, como o paradigma (7)
atesta. De mais a mais, preenchedores dessa natureza parecem apontar uma ordem mais
livre, podendo, inclusive, ocupar posições diferenciadas à esquerda do verbo.
Considerem-se os exemplos abaixo:
191

(8)a. (...) ali funcionava um local chamado Miramar (FLP18L167)


b. No mercado, antigamente existia carvão, que eu acho que dava pros
noivos, né? (FLP24L16)

É possível que existam pelo menos duas posições para alojar um locativo/temporal à
esquerda de V DP, como a ordem [PPloc Adv V DP] vem atestar em (8b): uma posição
possivelmente mais alta, que aloja sintagmas deslocados à esquerda, como o sintagma
preposicionado No mercado em (8b) ilustra, e uma posição mais baixa, ilustrada em (8b)
pelo advérbio antigamente. Essa última deve ser a mesma que hospeda o advérbio ali em
(8a), uma posição mais próxima a VP. Essas discussões serão retomadas posteriormente.
Quanto aos tipos de preenchedores que ocupam a margem imediatamente à
direita dos constituintes, os percentuais relativos às configurações DP V x e V DP x,
estão assim distribuídos;

Preenchedores de fronteiras Configuração


periféricas** DPVx V DPx

Outros 176/213 82% 37/213 18%

Locativo/temporal (PP) r.08/87» 79% 181/879 21%

Pausa 47.^/837 57‘>ó 362/837 43%

Marcador discursivo 44/100 44% 56/100 56%

Total de ocorrências 1397/2033 69 % 636/2033 31 %


Tabela 6.7.: Freqüência de preenchedores na configuração DP V x / V DP x

Como a tabela 6.7. mostra, os adjuntos adverbiais (tratados aqui como


locativo/temporal e PP) parecem ocupar preferencialmente a posição de final de DP V
(79%), em oposição ao preenchedor marcador discursivo, mais recorrente à direita de V
DP (56%). Por marcador discursivo entendemos aqui os marcadores que compartilham
propriedades de requisitadores de apoio discursivo e de fechamento do discurso, como
em entende(u)?, né?, tá? é isso aí, e pronto, e coisa e tal, etc. Em que contextos tais
elementos são usados com uma maior freqüência podemos observar na tabela 6.8.,
abaixo.
192

Configuração Intransitivo tipo Inacusativo da Inacnsativo tipo Inacusativo


V DP X ACT tipo GO {+açãoJ GO [-ação}* tipoBE
APPEAR e STAY existencial

Outros 02/112 2% 00/07 0% 1.V69 \9>/o 22/25 88%

Locati\o/tcmporai (PP) 01/88 1% 04/441 1% 55/225 24% 121/125 97S(.

Pausa 12/.-Í04 4% 01/40 2% 152/284 54% 197/200 94%

Marcador discursivo 02/20 10% 00/07 0% 17/35 49% 37/38 97%

Total de ocorrências 17/524 6% 05/495 1% 237/613 38% 377/397 95%

Tabela 6.8.; Freqüência de V DP, segundo o cruzamento entre os grupos de fatores


configuração DP V x/V DP x e a natureza do verbo

Confrontando esse resultado com os das tabelas anteriores, podemos dizer que,
de todos os preenchedores, o locativo/temporal parece exercer um papel fundamental na
configuração ...V... DP... de construções inacusativas, seja mostrando que, ao se
posicionar entre o V e o DP, pode estar rompendo a adjacência seja preenchendo a
posição à esquerda do verbo, impedindo que o verbo inicie a sentença; seja fechando o
VP na configuração [V DP Loc].
Retomamos, então, na tabela 6.9., os resultados relativos aos percentuais que
e\adenciam o elemento locativo/temporal nas fronteiras entre V e DP e às margens de V
DP, cruzados com o grupo de fatores natureza do verbo.

Procnchedor Intransitivo tipo Inacusativo tipo Inacusativo tipo tnacusativo úpo


lücativo/tcmporai (PP) ACT GO [+ação] STAY, APPEAR BE existencial
e GO [-ação]

Configuração V Loc DP 02/11 18% 07/14 50% 21/21 100%

Configuração Loc V DP 02/72 3% 03/52 6% 58/106 55% 80/83 96%

Configuração V DP Loc 01/88 1% 04/441 1% 55/225 24% 121/125 97%

Total de ocorrências 03/160 2% 09/504 2% 120/345 35% 222/229 97%


Tabela 6.9.: Recorte do resultado percentual do preenchedor locativo/temporal entre
V e DP e às margens de V DP, segundo o fator natureza do verbo

Como os resultados da tabela 6.9. mostram, o número de construções


inacusativas (tanto não-existenciais quanto existenciais) que manifesta o preenchedor
locativo/temporal nas fronteiras ...DP... V... e ...V... DP... é muito superior ao número
de construções intransitivas que tem esse preenchedor. Tais resultados levam-nos a
193

assumir que tal preenchedor deve ter uma fimção não-adjunta nas construções
inacusativas, diferentemente da função que exerce em construções intransitivas. Essa
hipótese já foi discutida por Jackendoíf (1976), quando apresentou um locativo/temporal
na composição semântica de verbos desse tipo. Para o autor, as construções do tipo BE,
APPEAR, STAY e GO (as consideradas prototipicamente inacusativas na GB)
descrevem uma entidade x que se movimenta ou se localiza em um espaço/tempo. Nos
verbos de estado, o tema é o x que está (ou existe) em algum lugar; nos verbos de
evento, subespecificados como [+/-ação], é o x que permanece em algum lugar ou que se
move de algum lugar para outro. Já nos verbos intransitivos, a localização
espaço/temporal não faz parte da composição semântica do verbo. Vamos hipotetizar,
então, que as construções inacusativas provavelmente exigem um locativo/temporal,
como argumento do predicado, e que esse argumento também pode permanecer nulo.
Essas discussões serão retomadas na seção subseqüente, tendo como base a proposta de
Torrego (1989).

6.3. Sobre as construções inacusativas: a confíguração [Loc V DP]


Torrego (1989) mostra primeiramente que, apesar de fenômenos sintáticos como
a seleção de determinados auxiliares e a possibilidade de cliticização de ne não estarem
disponíveis no espanhol para o reconhecimento de uma construção inacusativa,
diferentemente do italiano, existe uma restrição forte naquela língua com relação à
distribuição dos sintagmas plurais sem determinantes (bare plural), o que pode servir de
teste para a inacusatividade.
A hipótese de Torrego, segundo a qual

“os argumentos dos verbos inacusativos, em uma língua como o espanhol, representados p or D Ps
plurais sem determinantes (DPs nus) podem ocupar a posição pós-verhal, enquanto argumentos de

verbos intransitivos não podem” (Torrego, 1989:255)”

sustenta que diferentemente dos verbos inacusativos e transitivos, verbos intransitivos


não aceitam DPs plurais nus na posição pós-verbal, como os exemplos do espanhol -
retomados da autora (1989:255) - ilustram abaixo:
194

(9) a. Crecen flores


‘Crescem flores’
b. * Han dormido animales
‘Dormem animais’
c. * Juegan nínos
‘Brincam crianças’

Entretanto, segundo Torrego, há evidências de que alguns verbos intransitivos


permitem que um sintagma como animales ocupe a posição pós-verbal, se houver um
locativo/temporal precedendo o verbo, como o contraste no julgamento de
gramaticalidade entre (9) e (10) ilustra. Assim, verbos intransitivos passam a comportar-
se como verbos da classe dos inacusativos (deixando o DP à sua direita) quando
precedidos por um locativo/temporal*^, um argumento extra, no sentido de Davidson
(1966), tratado pela autora como d-argumento'^.

(10) a. Aqui han dormido animales''^


‘Aqui dormem animais’
b. En este parque juegan nifíos
‘Neste parque brincam crianças’

Em (10), 0 locativo/temporal, segundo a autora, estaria se comportando como o sujeito


de uma predicação, isto é, o argumento extemo do verbo, no sentido de Williams
(1980), como se preenchesse o vazio sintático deixado pela falta do argumento extemo,
ou pela omissão de algum argumento.
A autora também mostra evidências de que, no italiano, verbos intransitivos
podem se comportar como verbos inacusativos se forem licenciados por um clitico
locativo; entretanto, essa opção é restrita a verbos do tipo de voar e viver, como ilustra
o julgamento de gramaticalidade de alguns exemplos extraídos de seu trabalho (Torrego,
1989:256);

(11) a. Ce ne vivono molti


‘Aqui vivem muitos’
195

b * Ne vivono molti
‘Vivem muitos’

A interpretação de uma sentença como (11a) deve ser a de uma predicação típica, com o
VP descrevendo uma propriedade atribuída a um sujeito referencial (cf nota 10, p.259).
Um número reduzido de construções intransitivas também parece permitir a
existência de um locativo/temporal (do tipo ali, lá, aqui) imediatamente à esquerda do
verbo, em uma língua como o PB. Basta que observemos os resultados expostos na
tabela 6.6.. Das 143 ocorrências de [Loc V DP], apenas 02 se manifestam em
construções intransitivas, uma delas com o verbo morar e a outra com o verbo pousar.
Vejamos:

(12) a. ali morava um casal de velhinhos (FLP24L19)


a’. * Morava um casal de velhinhos
b. ali pousava os hidroaviões (FLP24L156)
b’. *Pousavaos hidroaviões

Entretanto, outras construções intransitivas não admitem tal configuração, como os


exemplos abaixo mostram;

(13) a. *ali sorria um casal de velhinhos


b. *Sorria um casal de velhinhos

Vale ressaltar que construções com os verbos morar e pousar parecem exigir um
locativo/temporal, independentemente de sua posição com relação ao verbo, como
ilustrado nos exemplos em (14).

(14) a. (Fala dos filhos) Eles moram na Alemanha, né? (FLP08L210)


a’. (Fala dos filhos) * Eles moram, né?
b. (Fala dos hidroaviões) ai ele pousava ali ao lado daquela casinha, viu?
(FLP24L157)
b’. (Fala dos hidroaviões) * aí ele pousava, viu?
196

Note-se que as sentenças com os verbos morar e pousar seriam agramaticais sem
um locativo/temporal, à semelhança dos exemplos de Torrego a respeito do espanhol e
do italiano, com a particularidade de em PB não ter uma posição específica para o
locativo/temporal. É importante observar, ainda, que, nessas construções, o verbo morar
pode ser interpretado no sentido de viver - como um verbo inacusativo - sem alterar seu
significado e o verbo pousar tem a particularidade de admitir que o sujeito seja
representado por uma entidade [-animada], os aviões.
A altemância entre intransitivo e inacusativo, entretanto, parece não ser uma
hipótese possível dentro do modelo da GB, uma vez que prevê que um verbo como
dormir (em espanhol) ou viver (em italiano) ou morar (em PB) pode ter duas entradas
lexicais. A hipótese de Belletti (1999) de uma leitura de foco interno à sentença e a
hipótese de Kato (1999) a respeito do foco estreito - que serão discutidas posteriormente
- podem fornecer uma explicação mais plausível para a configuração [Loc V DP] de
construções intransitivas como (12).
Já que a condição para o critério de altemância intransitivo/inacusativo é a de um
argumento locativo/temporal pronunciado, é de se esperar, segundo Torrego, que
inacusativos ordinários devam ter um argumento locativo/temporal pronunciado ou nulo,
correspondente ao sujeito locativo considerado como d-argumento. Essa proposta prediz
que deve ser incorporada na representação lexical de cada predicado informação
apropriada sobre a natureza semântica de seus d-argumentos. Essa, de fato, parece ser
uma hipótese relevante dentro da proposta da autora, segundo a qual as construções
inacusativas admitem, além de um argumento interno ao qual atribuem uma fiuição
temática de tema, um argumento extra - ligado à estrutura do predicado - que manifesta
uma função locativa, como se fosse um argumento secundário.
Consideremos as sentenças existenciais. Muitas línguas constroem tais sentenças
com expletivos ou clíticos. Muitas vezes também incluem complementos
locativo/temporais, porém, quando esses elementos não estão explícitos na sentença, tais
sentenças tendem a apresentar pelo menos uma interpretação locativa. A exigência de um
d-argumento, por exemplo, tem seu reflexo nas sentenças existenciais de uma língua
como o inglês:
197

(15) There is a man in the garden


‘Há um homem no jardim’

Segundo Torrego, sujeito locativo não tem de fornecer uma interpretação


semântica na estrutura-S com verbos inacusaíivos, por isso podemos dizer que em (15)
ele se realiza com o expletivo there‘\ enquanto um verbo intransitivo deve ter um
locativo sujeito, cujo valor semântico é fornecido na estrutura-S, para que a alternância a
um inacusativo seja possível. Essa observação da autora é questionada por Nascimento e
Kato (1995:48), por apresentar uma situação em que o Principio de Projeção é
alimentado com informações só obtidas em seu output.
Entretanto, a hipótese de Torrego de que deve haver um locativo lexicalizado ou
nulo nas sentenças inacusativas em geral é semelhante à proposta dos autores, segundo a
qual, para línguas de sujeito nulo, deve haver um expletivo locativo nulo na posição de
especificador de IP, correspondente ao expletivo there do inglês (Nascimento e Kato
(1995:57)). Ainda, os autores levantam a questão para o fato de que, no português,
talvez tenha uma categoria adverbial lexicalizada ao lado da possibilidade de expletivo
nulo, como os exemplos abaixo ilustram

(16) a. Loc 0 tem um homem na porta


b. Lá tem xjm homem na porta
c. Tem lá um homem na porta^®
d. Tem um homem lá na porta
e. Lá na porta, tem um homem

Admitindo a correspondência entre sentenças do inglês e do português e


observando os resultados estatísticos descritos na tabela 6.6. de [Loc V DP] em
construções inacusativas, podemos dizer, então, que a manifestação de um
locativo/temporal preenchendo a posição imediatamente à esquerda de um verbo
inacusativo é bastante recorrente também em nossos dados de fala. A conexão semântica
entre locativo/temporal e sentenças existenciais é estendida nessa proposta aos verbos
inacusativos em geral. Como foi mostrado no exemplo (8) - e reforçado pelos resultados
estatísticos - os preenchedores locativo/temporais aparecem bastante significativamente
198

na fronteira x V DP de construções inacusativas no PB. Observemos, a seguir, mais


algims exenplos;

(17) a. Ai lá de dentro vinha a minha mãe, já botava todo mundo de castigo


(FLP01L218)
b. E aí depois veio [aquele]- [o]- o teatro (FLP05L568)
c. Porque antigamente entrava navios aqui [na]- na Baía Sul (FLP24L1066)

Comparando as construções do tipo de (17) com as construções em (16) -


retomadas de Nascimento e Kato (1995) - vamos aâsumir, portanto, a existência de um
d-argumento na composição semântica do verbo inacusativo, que se realiza muitas vezes
à esquerda do verbo, isto é, na configuração x V DP. Afinal, nessa configuração, a
posição à esquerda do verbo estaria livre para receber xun constituinte, mesmo que seja
de natureza adverbial. Entretanto, o PB também admite construções V DP, sem
preenchedor locativo/temporal imediatamente à esquerda do verbo, como em (18).

(18) a . Depois a gente saia contando nas casa de noite. Aí, ia uma lá na frente
com um saquinho (FLP08L110)
b. Tinha música todo domingo de tarde (FLP08L273)
c. Bem embaixo da Ponte Colombo Sales, tinha a Ilha do Carvão
(FLP24L11)

Talvez seja possível dizer, como propõem Nascimento & Kato, que deve haver
uma categoria vazia adverbial na posição de especificador de IP, ou preenchida por um
locativo do tipo a//, aqui, lá. Vale lembrar que tal posição não é subcategorizada nem
tematizada pelo núcleo verbal (Chomsky, 1981; 1986), e, portanto, não precisa ser
preenchida por elementos que tenham papel temático selecionado pelo verbo. Não sendo
imia posição temática, a posição sujeito de uma construção inacusativa pode ser ocupada
por categorias vazias ou por pronomes expletivos, o que sugere que ela possa ser
ocupada também por itens lexicais que não tenham papel semântico associado ao verbo -
mas ao predicado - como, por exemplo, por um locativo/temporal. Essa hipótese pode
sugerir também que, nos exemplos dados por Torrego, o locativo/temporal deve estar
199

ocupando a posição de especificador de IP, justamente porque aquela posição não


poderia ficar vazia, como o julgamento de gramaticalidade de (10) e (11) pode estar
evidenciando, ao invés da altemância intransitivo/inacusativo proposta pela autora
Vale ressaltar também que o PB tem de particular o fato de locativos que eram
PPs poderem virar sujeito de sentenças, como os exemplos em (19)'^ ilustram.

(19) a. Cabe 60 litros de gasolina na Belína


b. A Belina cabe 60 litros de gasolina

(20) a. O pneu do carro fiirou


b. O carro furou o pneu

Pontes (1986:176) mostra que, em casos como (19b) e (20b), tópicos adquirem
estatuto de sujeito; basta observar, por exemplo, que a concordância verbal é proibida
com o DP pós-verbal, e admitida com os sintagmas As Belinas e Os carros, que são itens
lexicais (semanticamente plenos), mas não requisitados pelo verbo. Vejamos (21) e (22):

(21) a. *A Belina cabem 60 litros de gasolina


b. As Belinas cabem uma porção significativa de gasolina’®

(22) a. *0 carro furaram os pneus


b. Os carros furaram o pneu

A autora compara os sintagmas à direita dos verbos como caber e furar a objetos de
verbos transitivos, por serem elementos não-tópicos, estarem em posição pós-verbal,
admitirem o papel temático de paciente (entenda-se aqui o papel temático de tema, nos
termos de JackendofiE) e não manifestarem concordância verbal.
Galves (1998)'® retoma exemplos tipo (21) e (22) de Pontes e estabelece
comparações com sentenças que admitem pronome lembrete, como o paradigma abaixo
ilustra:

(23) a. Muito sol bate nesta(s) casa(s)


200

b. £sta(s) casa(s) bate(m) muito sol


c. Esta(s) casa(s), bate muito sol nela(s)
d. *Estas casas, batem muito sol nelas

Segundo a autora (1998:21-22), há diferenças marcantes entre (23b) e (23c), com


relação à concordância entre o sintagma esta casa e o verbo e com relação à
aceitabilidade do pronome lembrete, como os julgamentos de gramaticalidade
confirmam
Galves propõe que o DP anteposto em construções como (23b) é legitimado
como sujeito da sentença (uma posição que estamos tratando aqui como de especificador
de IP) por possuir as seguintes propriedades: (i) não haver pronome lembrete retomando
0 DP anteposto; (ii) não haver concordância entre o verbo e o DP pós-verbal; (iii) não
haver argumento extemo. A autora diz que o sintagma Estas casas, naquelas estruturas,
deve estar ocupando a posição de sujeito e chama tais construções de tópico-suieito. por
oposição aos sintagmas pré-verbais que aparecem em sentenças marcadamente
topicalizadas pela presença de um pronome lembrete^”, como em (23c).
Utilizando-nos da denominação de d-argumento tal como discutida por Torrego,
podemos dizer, então, que os sintagmas A Belina em (19b), O carro em (20b) e Esta
casa em (23b) devem estar ocupando a posição de especificador de IP, à semelhança do
d-argumento, uma vez que, nas construções em questão, também falta aos verbos caber,
furar e bater a propriedade de selecionar argumentos extemos, isto é, argumentos que
geralmente ocupariam aquela posição.
Essa aproximação fica mais plausível ao observarmos que é possível que
locativos/temporais que eram PPs de construções existenciais adquiram estatuto de
sujeito em certas construções, como o paradigma derivacional ilustra em (24).
Derivações dessa natureza também foram encontradas em nossos dados como ilustradas
em (25):

(24) a. Na universidade tem pessoas que não têm problemas, mas tem outras
que já ficam muito abaladas
b. A universidade tem pessoas que não têm problemas, mas tem outras que
já ficam muito abaladas
201

(25) (Fala dos pés de c^u, de tangerina, de abacate que existiam na chácara)
Então, um desses pés sempre tinha cachopa de maribondo (FLP01L1218)

Nesse sentido, é possível dizer que os sintagmas A universidade (em 24b) e um


desses pés (em 25), tais como os sintagmas A Belina, O carro e Esta casa - nos
exemplos supracitados - devem estar preenchendo com material fônico a posição vazia
do sujeito não referencial, do mesmo modo que os locativo/temporais poderiam estar^'.
Vale ressaltar, entretanto, que deve haver diferenças entre os locativo/temporais sem
cabeça (do tipo A universidade) ou dêiticos (do tipo ali, aqui e lá) e os
locativo/temporais do tipo PP com relação à posição que devem estar ocupando à
esquerda do verbo. Tal discussão vai ficar em aberto, para fiituras investigações.
Já a proposta de que o locativo/temporal é parte da estrutura argumentai do
predicado^^ merece algumas considerações, como as evidências apontadas acima
mostram. Retomando os resultados estatísticos da tabela 6.9,, que atestam luna forte co-
ocorrência entre construções inacusativas e preenchedor locativo/temporal, nas posições
internas e periféricas à sentença, vamos assumir que, diferentemente das construções
intransitivas do tipo ACT, as sentenças inacusativas precisam ter uma interpretação
locativa (seja ela a partir de um locativo lexicalizado ou nulo), o que nos permite dizer
que o locativo/temporal de uma construção inacusativa não deveria ser tratado
simplesmente como um adjunto.

6.4. Sobre a heterogeneidade da configuração V DP


6.4.1. Construções de topicalízação
Para discutir as construções de topicalização vamos tomar como base o trabalho
de Kato (1989). Segundo Kato, a literatura mostra que há caracteristicamente duas
posições - tratadas normalmente como posições de especificador de TopP - que
geralmente abrigam uma construção de tópico: posições de deslocamento à esquerda e
de topicalização. A diferença entre essas duas construções está na possibilidade de
vinculação do DP extemo da sentença a um elemento pronominal ou a uma categoria
vazia (cv) no interior da sentença que o segue. Vejamos:
202

(26) a. Os livros, eu encontrei eles em cima da mesa


b. Feijão eu não gosto

Alguns autores, como Pontes (1987), atribuem a presença ou ausência de


pronome sobretudo ao caráter definido ou não do DP deslocado, estabelecaido uma
relação entre DP [+definido] e deslocamento à esquerda e DP [-definido] e topicalização,
como o julgamento de gramaticalidade de (27) ilustra

(27) a. Os livros, eu encontrei 0 em cima da mesa


b. *Feijão, eu não gosto dele

Kato (1989) questiona essa relação, salientando que a ocorrência de DP [-definido] está
ligada ao fato de a construção que está sendo tratada como topicalizada ser, na verdade,
uma construção de foco contrastivo. De mais a mais, Kato (1989) atribui a variação
entre (26a) e (27a), ao desaparecimento do sistema de clíticos no português falado,
fazendo com que as construções com deslocamento assumam muitas vezes a mesma
‘feição superficial da construção de topicalização’.
Para estabelecer algumas diferenças entre foco e tópico, Kato (1989) toma como
base estudos de Li & Thompson (1979) e Kuno (1973) a respeito de construções
tratadas pelos autores como construções de tópico e de sujeito em japonês, que se
diferenciam, geralmente, a partir das partículas -wa e -ga. A autora equipara os DPs-wa
e os DPs-ga a dois tipos de sujeito (anteposto e posposto) e mostra que as características
dos DPs-ga apontadas pelos autores, equivalentes a uma interpretação em termos de
indefinitude, de lista ou de contraste, são semelhantes às de sujeitos pós-verbais no PB,
enquanto as apontadas para DPs-wa, como tema ou tópico, são equivalentes ao sujeito
pré-verbal.
A autora analisa tais formas a partir da proposta por Kuroda (1976), segundo a
qual sentenças com sujeito DP-wa seriam expressões de juízo categórico, enquanto
sentenças com sujeito DP-ga, expressões de juízo tético; tais expressões estariam
relacionadas a construções DP V e V DP, respectivanlente^^ Para Kuroda, a partícula -
v^'a não é marcadora de tópico psicológico, mas marcadora de sujeito lógico, ou sujeito
203

de juízo categórico em japonês, enquanto a partícula -ga marcadora de juízo tético,


como os exemplos a seguir - retomados de Kato (1989; 109-111) - estão ilustrando:

(28) a. A Maria, quebrou o carro dela


b. Mari-wa, kuruma-ga koshoshita

(29) a. Os homens são teimosos


b. Otoko-wa ganko dessu

Nas construções em (28), o sintagma^ Maria ocupa uma posição deslocada na


sentença. Em geral, a interpretação tópica é ligada a um corte entonacional
(representado no exenplo em questão pela vírgula). Entretanto, em (29), o sintagma Os
homem corresponde a sentenças com sujeito anteposto e de predicação simples sobre
uma entidade selecionada pelo verbo, como diz a autora Ambos os sintagmas são
marcados em japonês pela partícula-wa.
Quanto à partícula -ga, Kato mostra que é usada para sujeito individuado de um
conjunto (ou listagem exaustiva), para descrição de um cenário, introdução de uma
figura no cenário, mas nunca uma predicação sobre uma figura já introduzida, como os
exemplos com a partícula -wa evidenciam Observemos casos com DPs-ga, retomados
da autora (cf. p. 111):

(30) a. Chegou (uma) carta


b. Tegami-gatsuita

(31) a. Quem chegou?


a ’ O João chegou/Chegou o João

b. Dare-ga tsuita-no?
b.’ John-gatsuita

Segundo Kato, enquanto (30) introduz luna figura no cenário, (31) é exemplo de
imia interpretação de listagem exaustiva: de todos aqueles que se esperava que
204

chegassem, quem chegoul. O que a autora quer mostrar na comparação entre o japonês
e 0 português é que a distinção entre DPs-wa e DPs-ga não deve ser uma distinção
gramatical, mas uma distinção no nível da função textual, entre tópico e foco. Um DP
[+defínido] ou [-definido], portanto, pode ocorrer como um DP-ga desde que ele tenha
uma leitura de foco, o que justificara a diferença entre (26a) e (26b).
A autora conclui dizendo que as partículas -v^a e -ga são univocamente
interpretáveis como sujeito tópico e sujeito-não-tópico, respectivamente, numa
correspondência mais transparente que no português do Brasil, língua que, por estar
perdendo as características de inversão, distribui a finição focal em duas posições: no
especificador de Comp (tratado aqui como especificador de FocusP) e posposta ao verbo
(foco intemo), como o exemplo (31a’) mostra.
Estabelecendo as diferenças entre tópico e foco, tomaremos novamente as
construções de deslocamento à esquerda e de topicalização, deixando para a seção
subseqüente a discussão do foco intemo. Essas diferenças, porém, também não são
triviais. Vale lembrar que a diferença entre essas duas construções está na possibilidade
de vinculação do DP extemo da sentença a um elemento pronominal ou a uma categoria
vazia (cv), respectivamente^"'. Considerem-se, a seguir, exemplos do PB com DPs
deslocados à esquerda, para discutirmos essas construções;

(32) a. (Fala do mercado público) O mercado i, ele i abria até meio dia, meio dia
fechava, pronto (FLP24L122)
b. (Fala do mercado público) O mercado i, cv i abria até meio dia, meio dia
fechava, pronto

A partir da coindexação obrigatória entre o pronome - realizado lexicalmente - e o


sintagma [+definido], O mercado, vamos assumir, neste momento, que deve haver uma
categoria vazia co-indexada ao DP deslocado, nas construções de topicalização, como
em (32b).
Com relação às configurações V x DP, julgamos que o PB faz uso do recurso da
topicalização. Nelas, também, o elemento deslocado - no caso em questão, o sujeito - é
um constituinte que carrega acento enfático, admitindo uma categoria vazia a ele co-
indexada na posição de especificador de IP. Basta que observemos o corte entonacional
205

e a co-indexação obrigatória entre o pronome e o DP (ou entre a categoria vazia e o


DP), no exemplo a seguir.

(33) a. (Fala dos ITA) Eles, paravam aqui, os ITA i (FLP24L1094)


b. (Fala dos ITA) cv ; paravam aqui, os ITA i

Entretanto, nem sempre a configuração V x DP está mostrando uma única


derivação. Há casos, por exemplo, em que a coindexação não é possível, como o
contraste entre (34a) e (34b) ilustra:

(34) a. (Fala do hospital que estava sendo construído) Ia, até ali, o hospital
(FLP24L1014)
b. (Fala do progresso) principalmente depois que veio pra cá a Eletrosul,
né? E veio aquela avalanche de pessoas (FLP23L902)

Convém observar que, nos exemplos em (34), a ordem aparente dos constituintes
é V DP, porém, a configuração é V x DP, com um elemento preenchedor do tipo
locativo/temporal ou PP entre o verbo e o DP. É possível dizer, então, que as
construções em (34) devem ter sido derivadas de (35);

(35) a. O hospital ia até ali


b. principalmente depois que a Eletrosul veio pra cá, né? E veio aquela
avalanche de pessoas

Os sintagmas o hospital e a Eletrosul são marcados por traços [+definido] e


[+específico]. Entretanto, enquanto o DP o hospital em (34a) já foi referido no contexto
anterior, o sintagma a Eletrosul não mantém com o discitfso precedente nem uma
relação de identidade, nem de inclusão, nos termos previstos por Enç (1991), pois está
sendo introduzido naquele momento no cenário, por isso não poderia ser co-indexado a
um pronome nulo ou lexicalizado, como o julgamento de gramaticalidade de (36) atesta.

(36) a. (Fala do hospital que estava sendo construído) Etei ia, até ali, o hospital i
206

b. (Fala do progresso) * principalmente depois que ela i veio pra cá a


Eletrosui i, né? E veio aquela avalanche de pessoas

Observe-se que, quando a co-indexação a um pronome pressuposto é bloqueada,


o sintagma deslocado é candidato a ser o foco da sentença, como (36b) ressalta.
Podemos di^er, então, que a construçâto em (34a) deve ser uma construção de
topicalização, interpretação compatível com o que se conhece como construção de
deslocamento à esquerda (ou à direita), enquanto a de (34b), uma construção de
focalização.
Note-se, porém, que as construções V x DP, com DP deslocado à direita,
colocam em jogo um tipo de movimento à direita que é excluído pela gramática gerativa,
pois teríamos problema com o ECP. Esse movimento pode ser explicado através da
análise clássica de Rizzi (1982), segundo a qual o DP posposto estaria em adjunção à
sentença, o que significa dizer que o DP em questão deve ter se deslocado da posição em
que recebe Caso nominativo para uma posição de adjunção a IP (uma posição mais alta
na sentença), deixando uma categoria vazia (cv) na posição de especificador de IP, que
será apropriadamente regida^^ como a estrutura em (37) ilustra:

(37) (Fala do hospital que estava sendo construído) cv i ia até ali o hospital i

Enfim, independentemente das diferenças entre o elemento topicalizado e o


elemento deslocado à esquerda (ou á direita), gostaríamos de deixar em evidência que a
configuração V x DP deve estar manifestando uma construção de tópico desde que o DP
seja pressuposto no discurso (geralmente co-indexado a um pronome lexicalizado ou
nulo) e que haja um preenchedor (x) do tipo locativo/temporal, PP ou pausa entre o V e
0 DP, como os exemplos acima ilustram Os DPs topicalizados (incluem-se aqui os
deslocados à direita e à esquerda), nesses casos, encontram-se em uma posição extema à
sentença, deixando um pronome lembrete (ou nulo) na posição de Caso. Já os DPs
focalizados não podem ser co-indexados a um pronome. Essa, de fato, é uma observação
importante para este trabalho, que de certa forma tenta distinguir a construção de
topicalização da construção de foco.
207

6.4.2. Construções de foco não-marcado: uma explicação alternativa


As discussões acima apontam para uma característica básica; o foco geralmente é
parte não pressuposta da informação que se quer veicular (seja ela uma informação
totalmente nova ou inferível). Em decorrência disso, são bloqueados os termos
focalizados, co-indexados a um pronome (nulo ou lexicalizado). Podemos dizer, então,
que sintagmas não pressupostos - marcados, geralmente, por traços [-definido] - são
candidatos a ser o foco da sentença Nfôse sentido, vamos considerar que toda
construção inacusativa na configuração V DP pode ser, a principio, uma construção de
focalização.
A possibilidade de tratar o DP pós-verbal como um sintagma focalizado sem
acento proeminente, por introduzir uma informação nova dentro da organização
informacional da sentença, levou Belletti (1999) a propor (já dentro do modelo
minimalista) que deve existir uma projeção FocusP intema à sentença, além da externa:
uma posição entre IP e VP. Partindo de evidências do italiano, aqui retomadas do
exemplo (3) (cf p. 4), ela tenta explicar como o sujeito pode ser licenciado na posição
pós-verbal.

(38) a Chi è partito/ha parlato?


‘Quem partiu/falou?
b. È partito/ha parlato Gianni
‘Partiu/falou Gianni’
c. #Gianni è partito/ha parlato^®
‘Gianni partiu/falou’

Segundo a autora, (38c) não é uma resposta apropriada a (38a). Quando o sujeito é
localizado pré-verbalmente, ele é interpretado como uma informação velha (um tópico,
por exemplo) e não pode fimcionar como uma informação nova (um foco). Essas
evidências podem ser confirmadas em situações típicas de pergunta e resposta por
telefone, como em:

(39) a. (Pronto, chi paria?)


‘Alô, quem fala?’
208

b. Parla Gianní
‘Fala Gianni’
c. #Gianní parla
‘Gianni fala’
d (Chi è?)
‘Quem é?’
e. Sono io/Gianní
‘Sou eu/É eu’
f. #Io/Gianni sono
‘Eu/Gianni sou’

A ordem dos constituintes nessas respostas é consistentemente (e somente) V DP.


Tanto em (38) quanto em (39), as respostas bem formadas têm o sujeito como o foco.
Parece ser possível hipotetizar, segundo a autora, que focalização desempenha um papel
crucial no licenciamento dos sintagmas pós-verbais.
Belletti parte da hipótese de que o foco é um traço sintático que sustenta uma
projeção fiincional na estrutura clausal (projeção FocusP), criando uma configuração
regular de checagem Para esse propósito, o traço sintático em questão tem habilidades
de licenciamento. A autora assume a partir dessa proposta que Caso não é o único
licenciador de DPs pronunciados em uma sentença. Focus é um outro licenciador. Do
ponto de vista interpretativo, a hipótese parece justificada, sem precisar para isso uma
modificação em nosso quadro teórico. A maneira, porém, como se dá esse licenciamento
é que exige uma explicação. Vejamos.
Tomando as discussões de autores como Rizzi (1997)^’, a respeito de uma
projeção FocusP na periferia da sentença (uma posição não-argumental), Belletti assume
que tal posição existe e que é a única que hospeda um foco contrastivo, como em:

(40) IL LIBRO^® ho letto, non il giomale (cf exemplo (5), p. 6)


‘O LIVRO eu li, não o jomal’

Diferentemente da posição de foco contrastivo, o foco interno à sentença não está


associado com nenhuma entonação especial. Note-se que (40) não pode ser uma
209

resposta para a pergunta O que foi que você leu?, como (38c) não pode responder à
pergunta de (38a).
Para observar, na estrutura clausal do sujeito pós-verbal, quão baixo na cláusula
o sujeito pós-verbal deve aparecer, Belletti considera VPs contendo diferentes espécies
de complementos. A partir de considerações sobre á posição de advérbios baixos e
sujeitos pós-verbais no italiano, a autora assume, então, que FocusP intemo à sentença é
uma projeção muito baixa, a primeira projeção ftmcional acima de VP, como a estrutura
(41) ilustra:

(41) FocusP
/ \
Spec Foc’
/ \

Foc VP

O DP focalizado, então, deve se mover ao especifícador de FocusP (para checar seus


traços) e o verbo para uma posição mais alta (que está sendo tratada aqui como posição
de núcleo de IP), produzindo a ordem V DP.
A explicação fornecida pela autora para a atribuição de focalização ao DP pós-
verbal leva em conta a compatibilidade entre a habilidade de licenciamento de traços de
Caso com a habilidade de licenciamento de traços de Focus para sintagmas nominais
pronunciados. Embora essa explicação fuja um pouco do modelo da GB, adotado para
este trabalho, parece possível admitirmos que possa haver uma outra possibilidade de
licenciamento dos sintagmas, além do Caso estrutural e do Caso inerente. É importante
lembrar que uma projeção como a de FocusP já havia sido discutida por vários autores
dentro da GB, a novidade de Belletti estaria no fato de um tipo de projeção desta
natureza poder ser também uma projeção interna á sentença.
Considerem-se agora outros exemplos de sentenças inacusativas e intransitivas
do italiano para discutirmos a hipótese da autora. Ela propõe discutir estruturas V DP PP
e já aponta para a possibilidade de que inacusativos selecionem um argumento
preposicionado ao lado do objeto (como foi discutido na seção 6.3.). Esta, segundo a
autora, é a mais comum das situações. Vejamos os exemplos:
210

(42) a. É arrivato uno studente al giomale


‘Chegou um estudante ao jomal’
b. ? Ha telefonato uno studente al giomale
‘Telefonou lun estudante ao jomal’

Belletti (1999) assume que em (42a), o DP uno studente necessita ser licenciado
e que isso pode ser feito internamente a VP com inacusativos, seguindo a hipótese de
Caso inerente, tratada por Belletti (1988). Vamos supor, então, segundo a autora, que
esse licenciamento seja feito através de Caso no especificador de VP preenchido por O
(argumento interno). Na literatura, tem sido apontado que a ordem V DP PP é
perfeitamente possível para estmturas inacusativas, desde que o DP seja marcado por
traços [-definido], o que nossos resultados estatísticos também atestaram (ver tabelas
5.6. e 5.8., do capítulo V). Então, como devemos explicar as diferenças entre (42a) e
(42b), dado que (42b) não é excluída pela gramática?
Note-se que, uma vez que os verbos se movem para um núcleo funcional (tratado
aqui como 1°), imediatamente produz-se a ordem V O PP (tanto para estruturas
inacusativas como para intransitivas). Se a posição para o sujeito intemo a VP de um
inacusativo é reservada para DP indefinidos, um DP [+definido] deveria preencher uma
posição diferente. Tal posição pode ser identificada com aquela que é preenchida por
sujeitos pré-verbais de um verbo intransitivo, que está sendo identificada aqui como a de
especificador de FocusP intemo. Se a hipótese da autora está correta, então, deveria ser
atribuído o mesmo nível de marginalidade a sentenças inacusativas contendo um DP
[+definido] e a sentenças intransitivas (tanto com DPs [+definidos] quanto com DPs [-
definidos]). Isso, de fato, é o que acontece, como os exemplos em (42) e (43) ilustram:

(43) a. ? É arrivato lo studente al giomale


‘Chegou 0 estudante ao jomal’
b. ? Ha telefonato Maria al giomale
‘Telefonou Maria ao jomal’
211

Segundo a autora, nenhuma marginalidade, no entanto, é observada se nenhum


PP seguir 0 verbo, como em (44):

(44) a. É arrivato lo studente


'Chegou 0 estudante’
b. Ha telefonato lo studente
‘Telefonou o estudante’

Tais exemplos justificam que a posição de foco intemo deve ser diferente da posição
interna a VP, que aloja DPs [-definidos] de verbos inacusativos, o que significa dizer que
a aparente linearidade V DP (PP) deve estar representando construções diferentes.
Para discutirmos essa diferença em PB, vamos utilizar a proposta de Kato
(1999)^® sobre a noção de foco sentenciai. A autora propõe que sentenças como (45) e
(46) não teriam a mesma derivação, em uma língua como o PB, dadas as diferentes
respostas que admitiriam Comparemos alguns exemplos dados pela autora (cf p. 5):

(45) a. Telefonou um estranho


b. O que aconteceu?

(46) a. Telefonou O PEDRO


b. O PEDRO telefonou
c. Quem telefonou?

Em (45), 0 evento como um todo é interpretado como novo, enquanto em (46), só o


sintagma O Pedro é interpretado como novo; essa diferença se relaciona com o que a
autora chama de foco largo (45) e foco estreito (46). O primeiro responderia a questões
do tipo O que aconteceu?, e o segundo àquelas do tipo Quem telefonou?, como as
evidências acima ilustram Kato diz, ainda, que foco estreito se relaciona com o sujeito
[+definido] e foco largo como sujeito [-definido]. Entenda-se [+definido] aqui como um
traço formal e não nos termos de Enç (1991). Vale ressaltar que um DP [+definido] só
pode ser focalizado quando a leitura é não-pressuposta, isto é, uma leitura de lista, ou de
introdução de um elemento no cenário, por exemplo.
212

Se fizermos uma comparação entre os trabalhos de Belletti (1999) e de Kato


(1999), tendo conK) parâmetro nossos resultados estatísticos, podemos dizer que o foco
estreito se relaciona com sentenças que focalizam seus sintagmas em uma posição de
especificador de FocusP intema à sentença, enquanto o foco largo com sentenças
inacusativas que permanecem em VP, com focalização em todo o predicado. Entretanto,
tomando novamente (45), podemos observar que Kato dá exemplos de foco largo com
sentenças intransitivas, o que contraria a hipótese de Belletti e não explicaria o número
tão pouco significativo de V DP em construções intransitivas em nossos resultados
estatísticos.
Retomemos, então, o exemplo (45), agora em (47). Note-se que, se um PP
estivesse após o DP pós-verbal, possivelmente o julgamento de gramaticalidade se
alteraria, como o contraste entre (47a) e (47b) ilustra, diferentemente do que acontece
com construções inacusativas:

(47) a. Telefonou um estranho


b. ?Telefonou um estranho ao jornal

(48) a. Chegou um estranho


b. Chegou um estranho ao jornal

Tal diferença pode estar relacionada ao que Belletti chama de DP em posição de


especificador de VP e de DP em posição de especificador de FocusP interno. Parece que
o PB dispõe dessas duas possibilidades, sendo que a primeira delas é restrita a
construções inacusativas, diferentemente da segunda, que permite construções
intransitivas. Logo, (47a) deveria ser uma resposta^possível apenas a construções de foco
estreito. Vejamos mais alguns exenplos:

(49) a. Quem chegou?


b. O Joâo chegou
c. Chegou o João
d. Chegou um estranho
213

(50) a. Quem telefonou?


b. O João telefonou
c. Telefonou o João
d. Telefonou um estranho

Podemos observar que tanto as construções inacusativas quanto as intransitivas


admitem foco estreito. Há nas respostas de (49) e (50) uma interpretação de listagem
exaustiva; de todos aqueles que se esperava que chegassem, quem chegou? de todos
aqueles que se esperava que telefonassem, quem telefonou?. A resposta é parte da
informação nova que se quer veicular.
Uma maneira de atestar o foco estreito no português é através da utilização de
advérbios multi-focais do tipo só, apenas, também e inclusive. Esses marcadores têm por
escopo, geralmente, um elemento à sua direita, o foco de informação, como
exemplificado em (51);

(51) a. Mas não vai, muitas vezes, nem o pai nem a mãe. Ou quando vai, vai só a
mãe (FLP21L1109)
b. Só existia o empório Rosa ali de restaurante, não tinha mais nada
ali no centro, sabe? (FLP18L598)
c. E só passava filme brasileiro no cinema daquela época (FLP18L1101)

Possenti (1993) trata esses advérbios multi-focais como advérbios de inclusão,


como ‘também e inclusive', e de exclusão, como 'só e apenas ’. O advérbio só, o mais
recorrente deles em nossos dados, tem como efeito a exclusão de tudo o que não está em
seu escopo, dentre uma lista exaustiva de possibilidades (leitura de lista). Geralmente
toma o elemento que o segue imediatamente como foco sobre o qual tem escopo, como
os exemplos em (51) ilustram Estamos considerando aqui a posição de foco estreito
como uma posição interna, nos termos de Belletti (1999), como os exemplos em (51)
ilustram acima.
Vale ressaltar que, no exemplo (51c), o DP filme brasileiro é [-definido], o que
constituiria, segundo Kato (1999), evidência de foco largo, contrariando, portanto, a
interpretação dada à sentença. Vale lembrar também que tanto sentenças como (52a) -
214

aqui retomada de (12a) - quanto sentenças como (49d) e (50d) podem ser evidências de
construções de foco estreito, com DP [-definido], o que viria dar uma nova explicação
para os casos discutidos por Torrego (1989).

(52) a. ali morava um casal de velhinhos (FLP24L19)


b. Quem morava ali?

Note-se que (52a) é uma resposta apropriada a (52b), o advérbio ali faz parte da
informação velha, o tópico da sentença, enquanto o sintagma um casal de velhinhos é
interpretado como uma informação nova, um foco. Tais exemplos rediscutem a relação
biunívoca entre DPs [+definidos] e construção de foco estreito e entre DPs [-definidos] e
construção de foco largo, nos termos de Kato. É possível que haja uma relação direta
entre DPs [-definidos] e foco largo, mas nem todo DP [-definido] é interpretado como
foco largo.
Assim, dentro da hipótese esboçada aqui, podemos dizer que há um requisito de
indefinição ou de leitura de lista como licenciador do DP à direita do verbo (ordem V
DP). Tal licenciamento, no entanto, precisa ser exphcado e essa explicação pode ser
dada de duas maneiras: (i) para o DP no interior de VP, o licenciamento do DP dá-se
através de um Caso inerente do tipo partitivo, como propôs Belletti (1988); (ii) para o
DP na posição de foco (entenda-se aqui foco estreito), através do postulado de que há
uma projeção de focalização interna na sentença para a qual o DP deve se mover, como
propôs Belletti (1999). A vantagem da última explicação de Belletti sobre a primeira é
que explicaria também casos em que um DP [+definido], mas não pressuposto, pode se
alojar à direita do verbo, bem como a possibilidade de certas construções intransitivas
admitirem, embora não-irrestritamente, a ordem V DP. Essas questões deverão ser
aprofimdadas em um trabalho fiituro.
De mais a mais, nossos resultados estatísticos mostraram que, para focalizar
sintagmas nominais internos à sentença (o foco estreito, no sentido de Kato (1999)), na
ordem V DP, uma língua como o PB também utiliza advérbios multi-focais, como a
configuração [V só DP] ilustra. A preferência à focalização de DPs no interior da
sentença está, portanto, diretamente relacionada à restrição de novidade do DP, seja
215

argumento de verbos inacusativos, seja de verbos intransitivos, enquanto a focalização


de todo o predicado é permitida apenas a construções inacusativas.

6.5. Considerações fínais


Merece destaque aqui a fortíssima correlação entre sentenças inacusativas e
interpretação locativa. Essa correlação teve como base os trabalhos de Torrego (1989) e
foi observada, neste trabalho, a partir de evidências e dos resultados estatísticos sobre os
preenchedores locativo/temporais nas posições internas e periféricas das construções
inacusativas, em especial na configuração [Loc V DP], preenchendo a posição
imediatamente à esquerda do verbo (cf tabelas 6.6. e 6.9.), diferentemente do que
ocorre com as construções intransitivas. Tais constatações levantam a hipótese de que o
locativo/temporal de uma construção inacusativa não deveria ser tratado simplesmente
como um adjunto, mas como parte da estrutura argumentai do predicado.
Quanto às diferenças de derivação, nossos resultados e discussões mostraram que
V DP (PP) tem pelo menos três possibilidades de derivação no PB: (i) uma construção
de foco largo, disponível apaias a construções inacusativas, dada a restrição de
indefinitude; (ii) uma construção de foco estreito, disponível tanto a construções
inacusativas como a construções intransitivas, dada a restrição de focalização intema,
entre IP e VP; (iii) construções de topicalização e de focalização contrastiva (na
configuração V x DP), derivadas por movimento de um ou mais constituintes da
sentença para uma posição mais alta (TopP e FocusP, por exemplo). As diferentes
construções dependem da possibilidade ou não de o DP pós-verbal estar co-indexado
com um pronome lexicalizado (ou nulo) na posição de especificador de IP.
A análise, portanto, atesta nossa hipótese de que a ordem V DP não é uma
construção homogênea, admitindo várias possibilidades de derivação. Vale ressaltar,
novamente, que, de todas essas possibilidades de derivação, a construção inacusativa, em
especial, quando o DP é marcado por traços [-definido] e [+/-específico], foi a mais
recorrente em nossos dados, o que permite reafirmar que as restrições sintático-
semânticas da ordem V DP (PP) devem estar diretamente relacionadas ao fenômeno da
inacusatividade no PB.
216

6.6. Notas

' O grupo natureza do verbo é resultado da reanálise - proposta no c^ítulo V - entre os


grupos de fatores conposição semântica do verbo e tipo categorial do verbo.

^ Vale lembrar que o peso do sintagma - tratado rapidamente no capítulo V - foi


selecionado como um dos cinco grupos de fatores que condicionam a ordem V DP.

^ Dentro do grupo de fatores configuração DP x V e V x DP, os preenchedores de


fi-onteiras internas, encontrados em maior quantidade, foram os seguintes:

a) Negação (não)
(i) O motorista não vinha trabalhar, eu é que caía na coisa (FLP23L107)

b) Advérbio aspectual (já, sempre) e clíticos (se, me)


(ii)a Mas ele já lutou muito (FLP21L1263)
b. e eu me acordava cedo, quatro horas da manhã (FLP18L65)

c) Advérbio multi-focal - só, também, apenas, inclusive, ainda


(iii) Porque o pessoal só fala bem dele (FLP19L 686)

d) Pausa/gaguejo/hesitações
(iv) Aqui só tinha [uma]- uma universidade aqui (FLP06L400)

e) Locativo/temporal - foram observados tanto advérbios quanto PPs designativos de


lugar e de tempo.
(v) a funcionava ali o terminal de ônibus, onde é a Alfândega (FLP18L642)
b. onde tem aqueles prédios hoje, onde funciona hoje o Imperatriz
(FLP18L507)
c. mas existiu durante muitos anos as patrulha ali das Forças Armadas
(FLP21L650)
217

f) Mais de um preenchedor - se havia mais de um tipo de preenchedor entre os


constituintes, independente de qual fosse.
(vi) hoje [existe] - não existe quase também (est.) os casarões antigos
(FLP18L762)

Devido a especificidades relativas a questões de escopo, preferimos separar o advérbio


não, que ocupa a posição imediatamente à esquerda do verbo, das expressões negativas
e de quaisquer advérbios negativos em posição de tópico, como, por exemplo, em Você
nunca sairá daqui e Não, você não vai. Como o número de ocorrências desses últimos
foi bastante reduzido não vamos discuti-lo no corpo do trabalho. Seguem os percentuais;

Configuração x DP V ; 08/11 73%


Configuração x V DP : 03/11 27%

^ A impossibilidade de elementos adverbiais posicionarem-se entre o não e o verbo vem


atestar a hipótese do autor:

(i) *Não ali encostava o navio Hoepcke, o navio Anderson

Só outros clíticos podem intervir, como omEle não me viu.

^ A discussão desse princípio para uma língua como o português já foi levantada por
Tarallo et alü (1990).

^ Se o DP estiver à esquerda de um verbo (intransitivo ou inacusativo), não está muito


claro se deve estar adjacente ao elemento portador da flexão verbal para que lhe seja
atribuído Caso nominativo.

* No grupo de fatores configuração x DP V/ x V DP, foram observados os seguintes


preenchedores periféricos:

a) Conectores
218

(i) e todo mundo saía pra assistir o desfile, porque desfilavam todos os colégios,
as escolas, as forças armadas (FLP24L710)

b) Marcador discursivo/gaguejo/falsos começos


(ii) Depois que [veioj- veio o Hospital São Sebastião (FLP18L 784)

c) Locativo/tenporal - foram observados tanto advérbios como PPs designativos de


lugar e de tempo.
(iii) a. Então, onde fimciona o Instituto Estadual de Educação hoje é ...
(FLP18L100)
b. E hoje fimciona [o]- uma casa [de] - de religião (FLP18L424)
c. Antigamente, onde é o Ponto Chie, fijncionava o antigo Empório Rosa
(FLP18L586)
d. Toda terça-feira a gente ia pra fila às duas horas (FLPl 8L1113)

d) Advérbio aspectual (já, sempre) e clíticos (se, me)


(iv) Não tinha caminhos ali, agora já tem estrada (FLP24L1146)

e) Advérbio multi-focal - só, também, apenas, inclusive, ainda


(v) Ali do lado ali do teatro, inclusive eu trabalhei (FLP05L569)

f) Negação
(vi) Onde eu morei, não tem acontecimento nenhum (FLP04L46)

^ Kato & Nascimento (1996:193) observam que os preenchedores que estão geralmente
à esquerda do verbo podem estar ocupando variadas posições, tais como: posição I
(posição de especificador de TP), posição II (posição de especificador de ASPP) e
posição III (posição de especificador de VP).

No grupo de fatores configuração DP V x/ V DP x, foram observados os seguintes


preenchedores periféricos:
219

a) Locativo/temporal - foram observados tanto advérbios como PPs designativos de


lugar e de tempo
(i) a Aí a pessoa ia lá, eu me lembro que eu ia bem corajosa (FLP01L212)
b. A gente ia pro mato também (FLP18L1229)
c. que a gente acordava de madrugada, assim tão cedo, né? (FLP18L1251)

b) Pausa/gaguejo
(ii) quem trabalhava (hes.), ajudava a casa (FLP08L267)

c) Marcador discursivo como requisitadores de apoio discursivo ou de fechamento do


discurso, como Qmentende(u)?, né?, tá? é isso aí, e pronto, e coisa e tal, etc.
(üi) E tinha um lado que era um acostamento que passava o pedestre, né?
(FLP18L233)

d) Outros - como dupla negação, PPs (não-locativo/temporais), orações subordinadas,


etc.
(iv) a. Não tinha essa história nâo (FLP01L406)
b. Eu trabalhava de gerente nas barracas (FLP05L511)
c. Eu que saía com eles (FLP05L507)

“ Tradução nossa.

O termo locativo é tomado pela autora do mesmo modo que fizemos aqui, incluindo
ambas as referências locativas e temporais.

D(avidsonian)-argument

Além da necessidade de evidenciar um locativo/temporal à esquerda de um verbo


intransitivo na ordem V DP, há a necessidade de ser esse locativo [+específico], segundo
Torrego (1989:258), o que significa dizer que sofi^e uma restrição semântica, como o
exemplo (i) evidencia.
220

(i) *En cuevas duermen animales


‘Em cavernas dormem animais’

Essa não seria uma restrição significativa no PB.

Na hipótese de Torrego, sujeitos locativos necessitam de Caso, mas não o recebem de


INFL, por isso devem aparecer em uma posição de Caso marcado. INFL parece estar
co-indexado como objeto temático, ao invés disso (Torrego, 1989:265). Essa hipótese
precisaria ser investigada, mas como não estamos discutindo como o elemento que fica à
esquerda do verbo recebe Caso, vai ser deixada para um próximo trabalho.

Esse exemplo só seria bom para nós se lá não fosse um locativo/temporal, mas um
marcador discursivo.

17
Exemplos extraídos de Pontes (1986:17 e 18).

Nem todas as pessoas concordam com o julgamento de gramaticalidade dessa


sentença.

A proposta de Galves (1998) se enquadra no modelo minimalista de Chomsky (1995).


A autora tenta explicar a recorrência de estruturas deslocadas no português - estruturas
que apresentam um pronome lembrete, por exemplo - em oposição a estruturas tratadas
por ela como de tópico-sujeito. Ela diz que deve existir uma categoria PersP (de pessoa)
entre Tempo e COMP, que contém traços-phi não-interpretáveis associados à pessoa, os
quais forçam o movimento de outros traços-phi para checá-los (como de gênero e de
número, por exemplo). Considerem-se os exemplos abaixo para explicar a hipótese da
autora:

(i) a. Essa competência ela é de natureza mental


b. Esta casa bate sol
221

Segundo a autora, em (ia), os traços do pronome ela (ou do pronome nulo) movem-se
para checar os traços-phi de Pessoa e o DP Essa competência está adjungido à projeção
de Pessoa. Já em (ib), o DP Esta casa não é legitimado pela presença de um pronome
lembrete, mas de maneira visível, pela concordância verbal expressa na flexão do verbo.
O DP pré-verbal de (ib) deve estar em uma relação spec/head com Pessoa, uma vez que
checa o traço AGR que Pessoa ‘herda’ de Tenço (cf. p. 29). Nesse último caso, o
argiunento extemo não está projetado.
Maiores detalhes a respeito dessa proposta, ver Galves (1998: 19-31).

As diferenças entre construções topicalizadas que admitem pronome lembrete e


construções que não admitem serão discutidas na seção 6.4.

Berlinck (1988:151) já mostrou exemplos encontrados em seus dados de fala com o


verbo ter existencial admitindo o que ela chama de sujeito expletivo, como em (i)
(retomado do exemplo (5), da autora):

(i) - Tá pior do que o calor, hein?


- Mas é que lá tem essa brizazinha, né? Aqui (v)ocê tem o ventinho do mar.
(3-3:953)

A autora diz que tudo leva a crer que o pronome você em (i) está fiincionando como um
expletivo do ter existencial, e estabelece uma comparação com there do inglês e il do
francês. Lembra que, mesmo nos casos em que o DP aparece anteposto ao verbo - num
efeito claramente contrastivo - pode-se supor a ocorrência de um expletivo (cf exemplo
(11) da autora, p. 153):

(ii) a. Porque lá onde eu moro não tem essas coisas. Não tem, por exemplo/
Restaurante de frutos do mar não tem (3-3:217)
b. Restaurante de frutos do mar você não tem
222

Exemplos como (i) também são discutidos por Duarte (1999:111). Para a autora, o
sistema já encontrou na indeterminação com você uma eficiente estratégia para evitar a
posição vazia não referencial das construções com ter existencial, como em (iii):

(iii) Em Buenos Aires você tem confeitarias (Você tem em vez de - Há ’)

Torrego (1989:260) apresentou uma matriz para reexaminar a especificação da


estrutura temática dos verbos, levando em conta, além da atribuição de p^éis temáticos,
a possibilidade de d-argumentos:

(i) a [+atribuição temática, +d-argumento]


b. [+atribuição temática, -d-argumento]
c. [-atribuição temática, -d-argumento]
d. [-atribuição temática, +d-argumento]

A autora, apesar de discutir apenas rapidamente sua proposta e cometer falhas de


descrição da matriz, já sugere que a atribuição de d-argumento deve fazer parte da
estrutura dos predicados nas línguas.

23
Merece destaque aqui o trabalho de Brito (1998)

Figueiredo Süva (1996) apresenta a hipótese de que TopP tem dois lugares diferentes
na estrutura frasal: um deles hospeda sintagmas deslocados do tipo exemplificado em
(32a) e (33a), deixando um pronome lembrete na posição marcada por Caso; e outro
hospeda sintagmas movidos da posição em que receberam Caso, como, por exemplo, da
posição de especificador de IP, como os exenplos em (32b) e (33b) ilustram. Segundo a
autora, há, pelo menos, dois lugares na estrutura fi^asal em PB para topicalizar o DP:
uma posição gerada na base [pronome i, DP i], outra derivada por movimento [ cvi, DP
i]. A primeira indica uma posição TopP ligada a um corte entonacional, que hospeda um
sintagma redobrado (uma função do tipo apositiva) e a segunda, uma posição TopP que
hospeda sintagmas que se deslocam da posição de especificador de IP para a posição de
223

especificador de TopP (uma posição de adjunção), deixando uma categoria vazia (cv) no
lugar; só essa última, portanto, pode ser considerada uma manifestação de movimento.
Quando o fenômeno do deslocamento à esquerda ocorre, segundo Figueiredo
Silva, o sintagma deslocado é ‘redobrado’, visto que o sintagma nominal e o pronome
estão presentes um ao lado do outro (c£ nota 23, p. 84); essa posição, segundo a autora,
é de engendramento (cf p. 77) e não uma posição gerada por movimento, o que quer
dizer que a construção de deslocamento do DP deve ser gerada na base como tal. Já
quando ocorre o que os autores supracitados vêm chamando de topicalização, segundo a
autora, ternos um caso de movimento do DP para uma posição extema à sentença
Essa hipótese mereceria mais discussões, porém, não será tratada mais
detalhadamente, por mudar o enfoque desta seção. Basta, nesse momento, que saibamos
que existem, pelo menos, duas possibilidades de topicalizar um DP; através de
deslocamento do constituinte para uma posição à direita ou à esquerda (com pronome
resumptivo) e através de topicalização, isto é, com a possibilidade de coindexação com
um pronome nulo.

Uma outra hipótese para explicar (33) e (34a) seria a de Kayne (1993), segundo a qual
trata-se de um movimento de toda a sentença para uma posição tópica à esquerda,
deixando assim o DP no especificador de IP.

Usaremos o símbolo # para significar que tal sentença não é uma resposta adequada
para a pergunta em questão.

27
Apud BeUetti (1999)

Vamos utilizar caixa alta sempre que estivermos querendo ilustrar qual é o constituinte
que está sendo focalizado contrastivamente.

Kato (1999) utiliza-se da proposta de Zubizarreta (1998) sobre a forma como as


línguas marcam formalmente, pela ordem e pela prosódia, a noção de foco sentenciai.
Conclusão
i
A questão que se coloca é, portanto: haveria uma
terceira via entre o racionalismo e o empirismo, que
perm itisse pensar a linguagem não como um reflexo
do m eio ou do indivíduo m as como algo que se
constitui na relação dos dois?
Maia (1987)

As hipóteses gerais que testamos se inserem dentro do quadro teórico do modelo


de Princípios e Parâmetros, na versão GB, e os resultados estatísticos fornecem algumas
evidências acerca do caráter da ordem V DP, nas construções monoargumentais no
português do Brasil, em especial na variedade falada em Florianópolis. A partir do
levantamento de grupos de fatores extra-lingüísticos - como faixa etária - buscamos
observar se há indícios de mudança em tempo aparente. A não significância de tais
grupos, na rodada estatística do VARBRUL, vem fornecer evidência negativa para a
nossa hipótese de que a variação da ordem DP V/V DP caminha para um processo de
mudança em progresso. Essa possibilidade, no entanto, ainda não está descartada, dado
que as faixas etárias por nós estudadas concentraram-se entre a idade de 25 a 76 anos.
Como não houve indícios de mudança em tempo aparente, este trabalho centrou
seu foco de interes$e na caracterização da ordem V DP no interior do sistema lingüístico.
Em termos gerais, duas constatações emergem do que foi exposto. De um lado, parece
que a ordem V DP está associada a uma restrição sintático-semântica: a natureza do
verbo, estabelecida, principalmente, na relação entre verbo e argumento intemo.
Para discutir a natureza do verbo, centramos nosso estudo em dois grupos de
fatores; o tipo categorial do verbo e a composição semântica do verbo, baseando-nos nas
propostas de Burzio (1986) e Jackendoff (1976; 1987). Um dos pontos importantes da
nossa análise flindamentou-se nas discussões referentes aos verbos inacusativos do tipo
GO; verbos que têm a particularidade de selecionar ora argumentos [-agentivos], ora
225

argumentos [+agentivos], segundo Jackendoff (1976; 1987). Observamos que tal


diferença está diretamente relacionada à ordem dos constituintes: argumentos [+agentes]
estão associados à ordem DP V e argumentos [-agentes] à maior possibilidade de
variação (ordens DP Y /Y DP). Essas constatações vêm ressaltar que muito mais do que
o tipo categorial do verbo, a agentividade do DP é um dos condicionadores fortes da
ordem DP V, e que essa agentividade só é possível em construções inacusativas que
permitem o traço [+ação]. A restrição da agentividade é reforçada pelos resultados
estatísticos fortemente reveladores da ordem DP V em construções intransitivas do tipo
ACT.
Por outro lado, a ordem V DP está associada a restrições semânticas impostas ao
DP pós-verbal, sob condições sintáticas específicas. Os resultados referentes ao grupo de
fatores traços de defínitude e de especificidade do DP atestam que há uma
correspondência direta entre ordem DP V e sintagmas marcados por traços [+definido] e
[+específíco], isto é, sintagmas que mantêm com o discurso precedente uma relação de
identidade e de inclusão, enquanto ordem V DP e sintagmas marcados por traços [-
definido] e [+/-específico], nos contextos de inacusatividade. Os resultados vêm mostrar
que o efeito de defínitude (e menos irrestritamente, o de especificidade) atua no
condicionamento da ordem em construções inacusativas no português do Brasil. A
restrição semântica da indefinitude aos DPs pós-verbais pode ser explicada, portanto,
através da hipótese de Caso partitivo de Belletti (1988).
A hipótese de Belletti (1988) apresenta, porém, um problema com relação á
própria interpretação do que é um sintagma partitivo. Dentre as construções
inacusativas, aquelas com verbos do tipo BE existencial são fortemente condicionadoras
de V DP, entretanto não manifestam apenas uma restrição de indefinitude, mas uma
restrição semântica de especificidade. Parece que a hipótese de Belletti (1988) não dá
conta de explicar esse problema, principalmente porque partimos da concepção de que
uma construção existencial atesta a existência de elementos novos no discurso, o que não
poderia ser explicado apenas através do efeito de defínitude, afinal, sintagmas [-definido]
e [+específico] mantêm com o discurso precedente uma relação de inclusão (ou seja, de
pressuposição), nos termos de Enç (1991). Tal interpretação seria incompatível com uma
interpretação existencial.
226

Para explicar a possibilidade de certos DPs [+definidos] aparecerem à direita do


verbo - mesmo que restritamente - nas configurações x V DP, V x DP, V DP x,
buscamos respostas em trabalhos de Kato (1989; 1999) e de Belletti (1999). Um dos
pontos que merece destaque é a possibilidade de o DP pós-verbal ser o foco interno (ou
foco estreito) da sentença, sempre que estiver ligado a uma informação nova, isto é,
informação não pressuposta. Tal proposta - apenas delineada no capítulo VI - pressupõe
que certos DPs pós-verbais tenham se alçado para imia posição de FocusP, interna à
sentença, uma posição intermediária, entre IP e VP, derivando a ordem V DP.
A partir das diferentes configurações, pudemos observar que a ordem V DP (PP)
não é uma construção homogênea, podendo manifestar pelo menos três possibilidades de
derivação no PB; (i) uma posição do DP interna a VP que hospeda q>enas argiunentos
de verbos inacusativos e permite que um locativo/tenporal se mova para a posição
imediatamente à esquerda do verbo; (ii) uma proposta alternativa de movimento do DP
para a posição de foco intemo, entre IP e VP, nos termos de Belletti (1999); (iii) o
movimento do DP para posições extemas à sentença, num processo comumente
conhecido como topicalização e focalização. Nos dois últimos casos, o movimento do
DP não seria restrito a argumentos de construções inacusativas.
Finalmente, as constatações e os resultados estatísticos mostram que a restrição
da monoargumentalidade não é suficiente para explicar a ordem V DP, atestando a nossa
hipótese de que o único tipo de verbo ainda produtivo nessa ordem é o inacusativo,
principalmente, quando o DP pós-verbal permanecer intemo a VP. Logo, as restrições
sintático-semânticas da ordem V DP (PP) devem estar diretamente relacionadas ao
fenômeno da inacusatividade no PB. A conclusão que segue desta análise é a de que as
ordens DP V e V DP não constituem, propriamente, um caso de variação, já que tipos de
verbos (intransitivos e inacusativos) e traços opostos de definitude (e especificidade) são
restrições ligadas às ordens DP V e V DP, indicando sua complementaridade. Ao lado
do fenômeno da inacusatividade, a análise dos elementos entre V ... DP mostra que a
configuração V DP (PP) também corresponde a construções de foco estreito, de foco
contrastivo ou de tópico (deslocamento à direita), mesmo que restritamente;
conseqüência direta da heterogeneidade da configuração V DP no português do Brasil.
Dentro dessa proposta, o trabalho aqui realizado passa a contribuir com mais um passo
na caracterização do fenômeno em estudo.
227

Como todo trabalho científico, este também deixa em aberto algumas questões.
As constatações feitas e as apenas delineadas no decorrer deste trabalho constituem-se
um leque de opções que merecem ser aprofiindadas a analisadas com maior rigor. É
necessário, por exemplo, que se discuta a possibilidade de um verbo como o inacusativo
ser subespecifícado com traços [+/-ação], conra os resultados da análise empírica aqui
apresentada atestaram Considerar essa possibilidade à luz do modelo minimalista,
provavelmente, daria melhores respostas a tais questões.
Com relação às condições que permitem que o DP permaneça dentro do VP, vale
lembrar que podem ser explicadas também através da hipótese de foco largo (no sentido
de Kato, 1999), isto é, com focalização em todo o predicado. Possibilidade que não deve
estar disponível para construções intransitivas, como nossas evidências e resultados
estatísticos atestaram, o que vem acenar para o fato de a ordem V DP em construções
intransitivas ser restrita ao foco intemo, no sentido de Belletti (1999). Como se observa,
há muito ainda para se investigar. Deixamos, então, a discussão das propostas de Belletti
(1999) e de Kato (1999) como sugestão para um novo trabalho a respeito da
heterogeneidade da ordem V DP em construções monoargumentais.
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