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Lígia

Ele olhou-a, sorriu e, com olhos de anjo, destruiu sua vida. Findava ali, naquela esquina de uma
rua parada demais para ser real, numa tarde triste demais para ser inventada, um romance
que só havia existido na cabeça dela, disso ela só se daria conta muito depois.

De manhã ele havia telefonado, o que era bastante raro, se tratando de Armando, e marcou
um encontro à tarde. Ela notou nele uma alteração na voz, era especialista em perceber
detalhes pequenos e bruscos. E, mesmo que a voz distante de Armando não saísse da sua
mente, Lígia insistiu em arrumar um horário na manicure, queria, por algum motivo, estar mais
bonita para ver o homem que ela supunha, até então, ser seu namorado. Armando parecia ter-
lhe sido feito sob medida, o tipo homem que toda mulher sonha em encontrar, ou ao menos o
tipo de homem que toda Lígia sonha em encontrar... na verdade ele, no fundo, era só o tipo de
homem que ela sempre sonhou encontrar. O que era muita coisa. Haviam se conhecido, por
acaso, no aniversário de um amigo em comum, se bem que, na verdade, nesse dia, apenas ele
a conheceu, porque ela já o tinha avistado em outras ocasiões e tratado logo de descobrir de
quem se tratava. Trocaram as primeiras palavras quando ela, de frente ao aparelho de som,
procurava determinado álbum, na pilha de CDs ao lado. Até que, escolhendo o disco, foi
interrompida na ação antes de botá-lo dentro do aparelho:

- Maria Bethânia, As Canções que Você Fez para Mim! Boa escolha – uma voz fraca de homem
disse.

Ela o olhou surpresa e sorriu. Daí então, debateram sobre composições de Caetano Veloso,
interpretações de Gal Costa e se declaram fãs convictos de toda uma Bahia de músicos. Ele
tinha os mesmos gostos dela... isso era bom demais para ser verdade!

Os dias foram urgindo, telefonemas saídas a qualquer lugar sem sentido, boas risadas, outro
disco de Bethânia e... quando perceberam já estavam envoltos no emaranhado de
sentimentos um do outro. Um mês passou, tudo parecia ir bem. Para ela, já tinham um
relacionamento... para ela.

Dias, semanas, meses, como o tempo passa rápido, quando estamos distraídos e quando
somos distração! E, junto com o tempo, vieram mais encontros, mais sorrisos, abraços,
amassos, as primeiras brigas, os ciúmes (na grande maioria dela). E, mesmo com o passar
imperdoável dos meses e com as raivas ainda mais imperdoáveis que passavam junto ao
tempo de convívio com Armando, ela ainda seguia tão apaixonada como no primeiro dia.
Mesmo ele sumindo, às vezes. E de vez em quando, ser avistado com uma ou outra amiga de
infância. Ela o amava tanto, como nem mesmo ela jamais soube nem nunca disse a ninguém,
nem a ele mesmo. Primeiro porque não queria contar e segundo porque não sabia dizer.

Lígia, pobre Lígia! Amava tanto, que jamais ninguém soube lhe devolver tamanho amor...
muito menos Armando.

Naquela tarde de julho de noventa e sete, ela teria o coração ferido pela pior lâmina que
existe: a da realidade. Atravessando a rua, momentos antes de ter seu chão fugido dos pés, ela
parecia tão segura e especialmente bonita àquela tarde. O vento acariciando-lhe a fronte terna
e as pernas tão formosas sob a saia de pregas de cor azul quase verde. Parou de frente a
vitrina da padaria e, da calçada, pôde ver: lá estava armando. Acenou e adentrou no
estabelecimento. Viçosa, ela, naquela tarde, antes do impacto, parecia voar. Deu-lhe um beijo
no rosto (não era de ousadias em público) e sentou-se na cadeira amarela. Armando parecia
tenso. Questionou-lhe. Ele respondeu:

- São os ossos do ofício.

Ela não entendeu a expressão, mas, para não parecer burra, mudou o assunto:

- E sua prima Tati, tem visto?

Ele silenciou-se. Pareceu olhar dentro de si mesmo e tomou um gole do café. É chegada a
hora. A lâmina precisa cortar. Não dá mais para segurar.

- Lígia...

Ela olhou-o então, pois estava distraída pensando no que ia pedir.

- Lígia, a gente... Bom, é que não... ah! – suspirou tenso – a gente não pode mais continuar.

Os olhos dela pareceram tremer. Ele continuou.

- Você é ótima, você é bonita, foi bom, mas não dá mais. Desculpa.

Ele tirou alguns tostões da carteira, pôs em cima da mesa suja de gordura e saiu. Ela o seguiu.
Queria saber o porquê. Tudo estava tão bem. O que podia ter acontecido?

Mas, às vezes, poupar-se da verdade é até mais sábio, ao indagar tanto sobre aquele fim, Lígia
acabou sendo respondida. E descobriu tudo que não queria jamais ter sabido. Armando estava
com outra mulher, na verdade, essa era a razão de quando ele sumia; na verdade prima Tati
não era sua prima; na verdade Tati era a outra mulher; na verdade, Armando já namorava com
Tati quando conheceu Lígia, mas estavam brigados e ele queria esquecê-la; na verdade, Lígia
era a outra.

O vento da rua pareceu mais frio que o habitual ao tocar-lhe o rosto. Ele tentou enxugar uma
lágrima que escorreu do rosto dela, mas foi impedido. Lígia virou-se de costas e saiu
caminhando em direção contrária. Andando, tristonha e séria pelas ruas da cidade naquele fim
de tarde de noventa e sete, ela parecia ter uma importância singular no planeta. Ela, não Lígia,
a sua tristeza. Depois da facada de realidade, o mundo inteiro tornou-se triste por aqueles
instantes também. Como se o universo quisesse se solidarizar com Lígia e dividir com ela a dor
dos que são iludidos. A dor dos que acreditam no amor.

Na rua, ela sentia vontade de gritar em meio a toda gente que Armando não valia nada. Nos
jardins da praça, ela teve inveja das flores e sentiu vontade de queimá-las. No bar, ela quis
quebrar todos os copos. Na vizinhança, ela sentiu vontade de chorar em todos os ombros. E,
em todos os lugares, ela queria Armando, acima de qualquer coisa. Porque o amor perdoa
involuntariamente, involuntariamente o amor deseja. E ela queria só saber o que aquela zinha
tinha para possuir o amor de Armando, coisa que jamais tivera. Sentiu a dor presente como se
fosse ente da família. Tirou os sapatos lânguida. Rasgou a foto que haviam tirado no carnaval.
O mundo parecia estar em tons de preto e branco aquela tarde. Lígia parecia dormente,
dentro de uma bolha, depois da descoberta. Ela, sentou-se numa das cadeiras da mesa da
cozinha. Uma barata correu da fresta da porta. Lígia olhou inerte. Deu uma risadinha, os olhos
tristes e cheios d’água. Queria morrer um pouco. Ela olhou para um espelho diante de si, e
com uma voz quase abafada disse ao reflexo:

- Nunca mais!
Mentia para si mesma, mas era tudo em que precisava acreditar. Há mentiras que salvam a
gente da depressão... e há verdades que nos matam um pouco. O amor é uma delas.

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