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CAPÍTULO I
deve ser usado para se referir especificamente à Escritura Cristã (Cânon do Antigo e do
Novo Testamentos) que é vista como sendo o único meio pelo qual Deus se revela de
modo especial.1 Isto se dá especialmente no Brasil onde o termo "Palavra" não é usado
Para Barth, porém, o termo "Palavra de Deus" serve para expressar o próprio
Deus em sua auto-revelação. Jesus Cristo, de modo particular, é a Palavra de Deus (João
1:1) em seu sentido mais original. Barth diz o seguinte: "Jesus Cristo é, portanto, o
revelador ativo e real de Deus e reconciliador com Deus, porque nele, seu Filho ou
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1
Ver Klaas Runia, "The Authority of Scripture". Calvin Theological Journal, vol. 4, no 2. p. 165-194.
2
Karl Barth, Church Dogmatics, 2a ed., vol. I.1., (Edinburg: T&T Clark Ltda., 1995), p. 415. Minha
tradução.
3
4
trinitariana na qual ele constrói sua teologia. A escolha por parte de Barth de uma
podemos ou não dizer que ela se expressa objetivamente. A princípio isso parece
inviável a não ser que se juntem num momento específico a Escritura, a proclamação
Esta Palavra vem a nós através de três meios: A proclamação da igreja que é a
proclamação da Palavra realizada sobre o fundamento da Sagrada Escritura; a
Bíblia que é a Palavra de Deus enquanto testemunha em nome de Jesus Cristo que
é no sentido próprio a Palavra de Deus Revelada. Por este modo, descobrindo-se
em Seu Filho Jesus Cristo, o Deus escondido grava esta revelação, através da
operação do Espírito Santo nos corações dos homens que estão impossibilitados
de ouvir esta Palavra através de meios naturais. Sob estes três modos Deus se
revela três vezes como o único Senhor. Assim, Barth dá a resposta à questão que
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3
Cf. João Calvino, As Institutas ou Tratado da Religião Cristã, vol. I. (São Paulo: Casa Editora
Presbiteriana, 1985), p. 85, 86.
5
abre a possibilidade de se saber quem é o Deus que fala; ele também descobre
desta maneira a doutrina da Trindade e da Encarnação, como confessada pelos
pais da igreja.4
Sendo assim, o conceito triádico de Palavra de Deus não são três Palavras
diferentes e absolutamente separadas umas das outras. Não são palavras antagônicas,
de Deus.
sua posição:
A palavra de Deus é a palavra que Deus falou, fala e falará em meio aos seres
humanos - a todos os seres humanos -, quer seja ouvido, quer não o seja. É a
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4
Jean Bosc, Karl Barth: Existência e Tradição. (São Paulo: Duas Cidades, 1969) pp. 33, 34.
5
Barth, Church Domatics, Vol. I.1., p. 121. Minha tradução.
6
Ibid., p. 121. Minha tradução.
6
palavra de seu agir nos seres humanos, a favor dos seres humanos, com os seres
humanos. Este seu agir não é mudo; é um agir que fala por sua própria natureza.
Sendo que só Deus é capaz de realizar o que realiza, só ele será capaz de dizer em
seu agir o que diz. E, por seu agir não ser cindido, mas sim uno (e o ser em suas
formas múltiplas, e dentro de seu movimento que parte da origem e visa o alvo),
também sua palavra, em toda sua excitante riqueza, é simples e una. Não é dúbia -
é inequívoca; não é obscura - é clara; portanto, em si é compreensível tanto para o
mais sábio quanto para o mais estulto. Deus age, e agindo, fala. Sua palavra
acontece. Podemos deixar de ouvi-la de facto - mas jamais de jure. Falamos do
Deus do evangelho, de seu atuar e seu agir; e falamos de seu evangelho, no qual a
logia, lógica, logística teológica têm sua fonte criativa e sua vida.7
exposição que Barth faz da Palavra de Deus em termos da sua tripla forma.
1. Proclamada
Barth diz que a função da Igreja é proclamar de modo real a Palavra de Deus. Se
isto não ocorre então a Igreja não é verdadeira Igreja. Segundo ele a proclamação tem
que se tornar sempre real proclamação e a Igreja se tornar sempre real Igreja. O
pressuposto que faz com que a Igreja seja Igreja e com que a proclamação seja
quatro conexões que podem ser comparadas a quatro círculos concêntricos. São elas: 1.
para que ela seja uma real proclamação; 2. A Palavra de Deus é o tema que deve ser
dado à proclamação para que ela seja uma real proclamação; 3. A Palavra de Deus é o
único julgamento em virtude do qual a proclamação pode ser uma real proclamação; 4.
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7
Karl Barth, Introdução à Teologia Evangélica. (São Leopoldo: Editora Sinodal, 1996) p. 19.
8
Barth, Church Dogmatics. 2a ed., vol. I.1., p. 88.
7
base subjetiva ou em convicções pessoais. Barth diz que "a necessidade da proclamação
não encontra uma fundação objetiva no fato de que certas circunstâncias e escalas de
propósito e graça de Deus. A princípio ela não tem como tema algo que faça parte da
percepção humana. Segundo Barth ela deve tornar-se perceptível ao homem para que
possa ser proclamada, no entanto, ela não é mera ou primariamente objeto da percepção
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9
Cf. Ibid., pp. 89, 90, 91, 93.
10
Ibid., p. 90. Minha tradução.
11
Ibid., p. 89. Minha tradução.
12
Ibid., p. 92. Minha tradução.
humana.13
8
Palavra de Deus pregada, e neste terceiro círculo interno a Palavra de Deus pregada
quer dizer a fala humana a respeito de Deus que pelo próprio julgamento de Deus não
julga a fala humana levando em consideração dois aspectos: Por um lado analisa o
assunto da fala e por outro a situação de quem está falando. Segundo Barth este critério
Alguém que proclame deve submeter-se à questão: O que você sabe a respeito do
que está falando? E: Qual é a sua preocupação ao falar sobre isso? Ele tem que
deixar que seu trabalho seja julgado por estas questões. O único ponto é que o que
ele diz não é afetado, como proclamação, por tais julgamentos. O que é avaliado
por eles é seu caráter científico ou ethico-político ou ainda estético.
Intrinsecamente Proclamação como acontece na pregação e sacramento pressupõe
que nem a natureza de seu objeto nem a situação ou preocupação do proclamador
é ou pode ser tão claro a qualquer homem de modo que o coloque em uma posição
que lhe permita pronunciar sua verdade.16
Como pode ser visto Barth entende que não há padrões meramente humanos que
possam ser usados para julgar se uma fala é proclamação real ou não. Somente o
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13Cf. Ibid., p. 91
Quanto a quarta e última conexão, a qual Barth entende ser o ponto decisivo, 17
ele diz o seguinte: "A Palavra de Deus pregada quer dizer neste quarto e íntimo círculo a
9
fala do homem sobre Deus no qual e através do qual Deus fala a respeito de si
mesmo."18
Com estas quatro conexões Barth procura ligar a proclamação da igreja com a
Palavra de Deus demonstrando assim que uma proclamação para ser real precisa ter sua
autorização e seu tema fundamentados na Palavra de Deus, além de precisar tê-la como
Será que todos os acontecimentos do culto público podem ser identificados como a
linguagem humana em Sua linguagem. Deus fala quando a igreja prega aos homens
No entanto, isso não significa que a Igreja está sempre proclamando a Palavra de
Deus, que tudo o que acontece no culto possa ser identificado como Palavra de Deus
proclamada. Barth diz que nem toda linguagem humana é linguagem a respeito de
Deus.19 Há "sermões" que não são Palavra de Deus e há Palavra de Deus que acontece
fora do que chamamos costumeiramente de "sermão". Barth entende que nem sempre a
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17
Cf. Ibid., p. 93
18
Ibid., p. 95. Minha tradução.
19
Ibid., p. 47. Minha tradução.
10
exposição da Bíblia é Palavra de Deus. Isto ocorre apenas quando há uma ação direta e
encontro.
Há diversos momentos em que a igreja fala coisas úteis, verdades religiosas, mas
que não são a Palavra de Deus. Quando a igreja ora, canta, faz obras sociais, etc. não
está proclamando a Palavra de Deus, mas apenas tentando apresentar respostas a Deus.
Igreja?
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20
Ibid., pp. 49, 50. Minha tradução.
11
Assim podemos ver que para Barth não se pode dizer que as palavras do homem
dirigidas a Deus sejam a Palavra de Deus proclamada. Isto é resposta do homem a Deus
Há ainda uma terceira quantidade da qual temos que dizer a mesma coisa quanto a
sua relação com a Sagrada Escritura, como dissemos agora da Sagrada Escritura
em relação a Jesus Cristo: A proclamação da Igreja Cristã pela palavra e
sacramento. E há outros sinais de revelação dos quais nós não podemos dizer que
são a Palavra de Deus, de alguma forma no sentido estrito e formal. A igreja como
tal, e.g., (sic) é um grande sinal de revelação. Mas ela não é a Palavra de Deus.
Pelo contrário - e isto é algo diferente - ela é criada pela Palavra de Deus e vive
por ela. Novamente, os dogmas da Igreja, a constituição do cânon como
periodicamente reconhecido e aceito, a existência de professores da Igreja e suas
doutrinas, as ações e experiências da Igreja ou dos cristãos no mundo: tudo isto
são realmente sinais de revelação, mas eles não podem nesta conta ser chamados
de Palavra de Deus no sentido verdadeiro e autônomo.22
relaciona uma série de outras coisas que ele chama de sinais da revelação, ou seja,
coisas que evidenciam a realidade da revelação, mas que, no entanto, não podem ser
Barth entende que a igreja foi comissionada para isso. Ele diz o seguinte:
______________________
21
Ibid., p. 56. Minha tradução.
22
Ibid., vol. I.2, p. 500. Minha tradução.
12
2. Escrita
seguinte: "Nós temos dito que a proclamação da Igreja deve ser posta na lembrança da
Isto não quer dizer que para Barth a Escritura seja algo sem importância. Ele
autoridade na igreja porque eles são a autoridade primária dos atos revelacionais de
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23Ibid., p. 57. Minha tradução.
conceito triádico de Palavra de Deus. Ele diz o seguinte: "A distinção do cabeça do
que a proclamação na igreja é confrontada por um fator que é como ela, como um
fenômeno, que é temporal como ela é, e que, contudo, é diferente dela e superior a ela.
e do Novo Testamentos, a palavra dos profetas e apóstolos, a Igreja reconhece que sua
proclamação não está fundamentada em seu juízo próprio, mas em algo que está fora
dela.27
Barth pode estar dizendo que a Bíblia contém o registro das primeiras
primária de revelação. Se assim fosse de que forma a Bíblia poderia ser considerada a
Palavra de Deus?
não é a Palavra de Deus em si mesma, mas se torna Palavra de Deus no evento, ou seja,
quando a palavra do homem foi reconhecida e aceita por Deus como uma boa palavra,
no momento em que ela se torna testemunho da Palavra encarnada e passa a ser Palavra
de Deus uma vez que passa a ser divino-humana. A cerca disso ele diz o seguinte:
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25
Barth, Introdução à Teologia Evangélica. p. 23
26
Barth, Church Dogmatics. 2a ed., vol. I.1., p. 101. Minha tradução.
27
Cf. Ibid., p. 101
14
Barth não entende que isso seja uma experiência subjetiva no sentido em que ela
se torne Palavra de Deus durante sua leitura, mas que ela se tornou definitivamente
cultura antiga. Ela não continua sendo meramente isto por ter se tornado o veículo
Neste evento a Bíblia é a Palavra de Deus. Ou seja, neste evento a palavra humana
do profeta e do apóstolo são uma representação da Palavra de Deus do mesmo
modo que a palavra dos modernos pregadores são no evento da real pregação:
uma palavra humana que tem a autoridade de Deus por trás de si, uma palavra
humana na qual Deus se deu como objeto, uma palavra humana que é reconhecida
e aceita por Deus como boa, uma palavra humana que é dirigida pelo próprio
Deus a nós é um evento. O fato do endereçamento de Deus transformar a palavra
do homem na Bíblia em um evento é, porém, uma obra de Deus e não nossa... A
Bíblia é a Palavra de Deus na medida em que Deus faz dela Sua Palavra, na
medida em que Ele fala através dela... A Bíblia então se torna Palavra de Deus
neste evento, e na declaração que a Bíblia é a Palavra de Deus a pequena palavra
"é" refere-se ao seu ser neste tornar-se. Não se torna Palavra de Deus porque nós a
outorgamos fé, mas no fato de que ela se torna revelação a nós.29
Assim se pode ver que a Bíblia não é a Palavra de Deus em si mesma, mas
tornou-se Palavra de Deus. E quando isso ocorre não é o homem que o provoca, mas
Deus. Não depende da nossa vontade ou da nossa fé, mas de Deus torná-la em revelação
escrita a nós.
Segundo Barth a Bíblia não pode ser a Palavra de Deus em si mesma uma vez
que isto implicaria em dizer que ela é Soberana, Absoluta. Barth declara o seguinte:
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28
Barth, Church Dogmatics, 2a ed., vol. I.2., p. 501. Minha tradução.
29
Barth, Church Dogmatics, 2a ed., vol. I.1., pp. 109, 110. Minha tradução.
15
Que a Bíblia é a Palavra de Deus não quer dizer que com outros atributos a Bíblia
tenha o atributo de ser a Palavra de Deus. Dizer isso seria violar a Palavra de Deus
que é o próprio Deus - violar a liberdade e a soberania de Deus. Deus não é
atributo de outra coisa, mesmo que esta outra coisa seja a Bíblia. Deus é o Sujeito,
o Senhor. Ele é Senhor sobre e Bíblia e na Bíblia. A declaração de que a Bíblia é a
Palavra de Deus não pode então dizer que a Palavra de Deus está amarrada à
Bíblia. Pelo contrário, o que deve dizer é que a Bíblia está amarrada à Palavra de
Deus.30
A ortodoxia do século XVII crê que a revelação de Deus é, num certo sentido,
separada dele. Sabemos que Barth reagiu ao velho liberalismo e tentou retornar ao
capítulo. Nesta fase Barth afirma que a revelação é o próprio Deus. A respeito disso
______________________
30
Barth, Church Dogmatics, 2a ed., vol. I.2, p. 513. Minha tradução.
31
Christina A. Baxter, "A Truly Biblical Theologian?". Tyndale Bulletin 38 (1987): 13. Minha tradução.
16
e o ser humano? É que revelação - aquilo que aconteceu aos profetas e apóstolos
como revelação - não é nada menos que o próprio Deus.32
Esta idéia de Barth já pode ser vista de modo diferente e mais desenvolvido em
revela. Se nós realmente queremos entender revelação quanto ao seu assunto, isto é,
Deus, então a primeira coisa que precisamos nos dar conta é que seu assunto, Deus, o
Revelador, é idêntico ao seu ato de revelação e também idêntico aos seus efeitos.33
Sendo assim, dizer que a Bíblia é a Palavra de Deus, Sua revelação, seria o
mesmo que dizer que a Bíblia tem os atributos de Deus e redundaria em bibliolatria.
Deus por excelência) porque, se o fosse, limitaria Deus. Ainda que a Bíblia seja a
Palavra de Deus escrita, a Palavra de Deus não pode ser aprisionada à Bíblia, da mesma
forma que a Bíblia não pode impor limites à absoluta liberdade de Deus. A Bíblia torna-
se a Palavra de Deus escrita quando o evento revelacional ocorre pela soberana ação de
Deus (Ao menos a partir da terceira fase do pensamento de Barth). Este evento
3. Revelada
A última das três formas da Palavra de Deus formulada por Barth é a revelada. É
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32Karl Barth, God in Action. (New York: Round Table Press, 1963), p. 13. Minha tradução.
quando fala de revelação ou da Palavra de Deus. Temos visto Barth dizer que a
revelação é idêntica a Deus e que Sua Palavra é Cristo. Ele diz o seguinte: "Cristo é a
verdadeira 'Palavra de Deus' que jamais passará e que permanecerá para além dos céus e
Neste ponto vemos que há uma diferença entre as duas formas anteriores e a
presente. Tanto a Palavra escrita quanto a pregada se tornam de uma vez por todas a
(efapac) Palavra de Deus através de um ato especial Seu, mas a Palavra revelada
nunca se torna Palavra de Deus, pois ela é, em si mesma, a Palavra de Deus. Esta
Palavra de Deus revelada é testemunhada pela Bíblia e pregada pela igreja. Barth diz o
Nas palavras de Barth pode se perceber que ele enfatiza o fato de que a Bíblia
em si mesma não é a revelação de Deus em nenhum sentido. Ele afirma que ela é a
______________________
34
Karl Barth, Carta aos Romanos. (São Paulo: Novo Século, 1999), p. 140.
35
Barth, Church Dogmatics, 2a ed., vol. I.1, p. 111. Minha tradução.
revelação passada de Deus pode se dizer que a Bíblia seja.
18
Em sua obra intitulada God in Action, Barth ilustra a relação entre a revelação e
Num campo de batalha (isto é, não é um gabinete, nem um palco, mas o campo de
batalha da vida humana) sucedeu (sucedeu sem sombra de dúvida e em caráter
irrevogável, como toda a unicidade [Einmaligkeit] e gravidade de um evento
factual) que o inimigo (o inimigo, o outro, não o próprio ser humano, mas seu
oponente, um adversário que está disposto a lidar com o homem) com supremacia
extrema (o evento é provocado por sua intenção e disposição e não do ser
humano) tomou a iniciativa (não nos perguntam se queremos entrar em disputa
com ele nem de que forma, porque a contenda já está em pleno andamento). Esse
evento é revelação de Deus ao homem, e quem não entendê-la como tal não sabe
o que está dizendo ao levar à boca a palavra revelação.
Precisamos continuar a alegoria. Da tropa que está na vanguarda (não de um
grupo de literatas e pensadores, não daqueles que têm tempo para contemplar as
coisas do homem, nem tão pouco de quaisquer pessoas que se ocupam com seus
próprios atos e padecimentos, mas de batalhadores que estão enfrentando esse
adversário cara a cara) chega o informe (não um sistema teórico nem tão pouco
uma apreciação estética, nem um programa de trabalho, mas um informe
apressado e objetivo) comunicando esse ataque (não se trata de um comunicado
sobre o bem ou mal estar daquela tropa, nem tão pouco ele fala da existência ou
da essência do adversário, mas simplesmente se informa: ele nos atacou) ao
reforço que está de prontidão na retaguarda da frente da luta (o informe não se
destina a um grupo de jornalistas ou quaisquer aventureiros, e sim mais uma vez a
uma tropa que, como aquela, está ali para enfrentar o inimigo). Aquela tropa já
atacada pelo inimigo são os profetas e apóstolos, e seu informe para o reforço que
ainda se encontra na retaguarda é a Escritura Sagrada. Não se entenderá aqueles
homens nem tão pouco este livro caso se entende-los de outro modo.
Completemos o quadro: A chegada desse informe à retaguarda significa
naturalmente (exclui-se de saída qualquer discussão sobre a significação prática
desse informe) a necessidade (não a possibilidade, mas a necessidade que se
expressa em determinadas ordens imediatas) de levantar-se, pegar as armas,
reunir-se, marchar para a frente (tudo isso com rapidez e energia tanto maiores
quanto maior a supremacia do inimigo a atacar, quanto mais iminente o perigo na
vanguarda).
Esse reforço convocado através do comunicado que chega é a igreja que ouve a
Escritura Sagrada. E este momento, o momento do chamado, ou seja, da decisão,
da resolução, da ordem e da obediência é o nosso momento, o momento da
confissão. Estamos chamados a acorrer para ali onde estão os profetas e os
apóstolos. Eles estão face a face com o DEUS que chega. Eles nos conclamam a ir
ter com eles, não em função deles mesmos, mas do Deus que vem. A equipe que
os ouvir e se põe a caminho é a igreja, a igreja confessante. A igreja que
Barth faz algo semelhante com a pregação da igreja dizendo que ela promete a
revelação futura. Assim, a única Palavra de Deus em si mesma é a Palavra revelada, pois
está presente no evento de Cristo sendo assim idêntica ao próprio Deus de modo que
Deus seja não apenas o revelador, mas também o objeto da própria revelação, bem
como a revelacionalidade, termos que Barth considera análogos à Trindade: Deus Pai, o
formas estão intimamente ligadas, mas se pudéssemos identificar uma como sendo a
Deus desenvolvida por Barth. Barth concentra suas consideração na Revelação de Deus,
ou seja, Jesus Cristo. Para Barth, Jesus Cristo é inquestionavelmente a única Palavra de
Deus em si. Ele é a única eterna e viva Palavra de Deus. A Bíblia torna-se a Palavra de
Deus, a pregação torna-se a Palavra de Deus, mas com Cristo não é assim. Ele não se
torna Palavra de Deus dependendo de fatores. Cristo é a Palavra de Deus uma vez que
Diante de tudo o que já foi exposto podemos falar ainda de uma natureza da
Palavra de Deus? Podemos definir o que é a Palavra de Deus? A este respeito temos a
O que Deus e Sua Palavra são nós não podemos definir olhando para trás e com
isso prevendo. Isto é algo que o próprio Deus deve nos contar. Mas não há
conhecimento humano que corresponda a este falar divino. Em seu divino falar há
um encontro e um relacionamento entre Sua natureza e o homem, mas não o
______________________
36
Barth, God in Action, p. 4 -7. Minha tradução.
assumir da natureza de Deus pelo conhecimento do homem, somente um puro
falar divino. Neste falar divino o conhecimento de Deus e Sua Palavra são reais
20
com o Deus conosco. Somente assim, isto é, com fé na Palavra de Deus, nós
podemos dizer que Deus é: Ele é o único Deus, Pai, Filho e Espírito Santo. E
somente assim, isto é, tendo consideração para com a realidade da igreja na esfera
em que pensamos, podemos dizer que a Palavra de Deus é que nos leva a
recordarmos e esperarmos aqui, a única Palavra de Deus: Pregação, Escritura e
Revelação. Mas naturalmente, como na fé nós conhecemos quem Deus é podemos
e devemos dizer como Ele é, assim como há na base da doutrina da Trindade a
doutrina dos atributos nos quais é manifestada a natureza de Deus que está
escondido de nós, que não pode ser previsto ou repetido em alguma palavra
humana, que não pode ser adequadamente representado em alguma Palavra
humana, assim, como nós sabemos o que a Palavra de Deus é, isto é, como nós
conhecemos suas três formas, nós também podemos dizer como ela é, em que
sucessão de determinações ela é esta Palavra, a Palavra de Deus, falada a nós
nestas três formas. Assim nós podemos certamente dizer o que Palavra de Deus é,
mas nós devemos dize-lo de modo indireto. Nós precisamos lembrar as formas
nas quais ela é real a nós e aprender destas formas como ela é. Esta é a atingível
reflexão humana do inatingível divino O Que. Nossa preocupação aqui deve ser
com esta reflexão.37
______________________
37
Barth, Church Dogmatics, 2a ed., vol. I.1, p. 132. Minha tradução.