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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Museu Nacional
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social

TRIUNFOS E IMPASSES
Lina Bo Bardi, Aloisio Magalhães e a institucionalização do design no Brasil

Zoy Anastassakis

Rio de Janeiro
2011
TRIUNFOS E IMPASSES
Lina Bo Bardi, Aloisio Magalhães e a institucionalização do design no Brasil

Zoy Anastassakis

Tese de Doutorado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social do Museu Nacional,
Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Doutor em
Antropologia.
Orientador: Luiz Fernando Dias Duarte

Rio de Janeiro
Novembro de 2011

ii
TRIUNFOS E IMPASSES
Lina Bo Bardi, Aloisio Magalhães e a institucionalização do design no Brasil

Zoy Anastassakis
Orientador: Luiz Fernando Dias Duarte

Tese de Doutorado submetida ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em


Antropologia Social do Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Antropologia.
Aprovada por:

_________________________________________
Prof. Dr. Luiz Fernando Dias Duarte, Presidente da Banca
PPGAS/Museu Nacional/UFRJ

_________________________________________
Profa. Dra. Giralda Seyferth
PPGAS/Museu Nacional/UFRJ

_________________________________________
Prof. Dr. Antonio Carlos de Souza Lima
PPGAS/Museu Nacional/UFRJ

_________________________________________
Profa. Dra. Silvana Barbosa Rubino
Departamento de História/Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/UNICAMP

_________________________________________
Prof. Dr. João de Souza Leite
Escola Superior de Desenho Industrial/UERJ

_________________________________________
Profa. Dra. Adriana de Resende Barreto Vianna (Suplente)
PPGAS/Museu Nacional/UFRJ

_________________________________________
Profª. Dra. Verónica Devalle (Suplente)
CONICET/Facultad de Arquitectura, Diseño y Urbanismo/UBA

Rio de Janeiro
Novembro de 2011

iii
ANASTASSAKIS, Zoy.
Triunfos e impasses: Lina Bo Bardi, Aloisio Magalhães e a
institucionalização do design no Brasil./Zoy Anastassakis. Rio de Janeiro:
UFRJ/Museu Nacional/PPGAS, 2011.
xvii, 361 p.; 31 cm.
Orientador: Luiz Fernando Dias Duarte.
Tese (doutorado) – UFRJ/ Museu Nacional/ Programa de Pós-Graduação
em Antropologia Social, 2011.
Referências Bibliográficas: pp. 362-376.
1. design 2. Lina Bo Bardi 3. Aloisio Magalhães 4. modernismo 5. Tese 6.
I. Duarte, Luiz Fernando Dias. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu
Nacional, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. III. Título.

iv
RESUMO

Buscando interrogar algumas questões formuladas por parte da crítica de design no Brasil, a
tese problematiza as relações entre design, modernidade e brasilidade, observando-as a partir
das perspectivas de Lina Bo Bardi e Aloisio Magalhães – que, segundo alguns dos críticos
contemporâneos, conformam uma ‘outra vertente’ do design brasileiro, mais comprometida
com a idéia de ‘identidade nacional’, e, por isso mesmo, representativa de alguns dos ‘sinais
de divergência’, que, orientada por uma ‘visão cultural mais ampla’, buscava ‘assimilar a
cultura popular’ em ‘projetos de natureza participativa’ que intencionavam, através de uma
‘contextualização cultural’ do design praticado por aqui, contribuir para o ‘desenvolvimento
autônomo’ do país. Além de observar as perspectivas delineadas por Aloisio e Lina, o
trabalho persegue as diversas formas com que se constituíram, ao longo do tempo, os debates
que articulam as demarcações identitárias da disciplina, institucionalizada no Brasil em torno
da década de 1950. Assim, aqui se desenvolve uma antropologia social do design brasileiro,
que observa a institucionalização do design face a um projeto (idealizado pelos designers) de
construção da nação, ou seja, que persegue as discussões sobre as possibilidades de inserção
cultural do design no contexto brasileiro, discussões essas que em torno das figuras de Lina e
Aloisio encontram espaço para o seu desenvolvimento. Dessa forma, assume que Aloisio e
Lina funcionam, para o campo do design hoje, e por isso também para este trabalho, como
‘gatilhos’ ou ‘alavancas’ a partir dos quais é possível trazer à tona uma série de questões
centrais para a constituição do campo do design no país.

Palavras-chave: design, Lina Bo Bardi, Aloisio Magalhães, modernismo

Rio de Janeiro
Novembro de 2011

v
ABSTRACT

Intending to question some of the issues posed by design critics in Brazil, the thesis discusses
the connections between design, modernity and Brazilianness, observing them from the
perspectives of the designers Lina Bo Bardi and Aloisio Magalhães - who, according to some
of the contemporary critics, constitute an ‘other side’ of Brazilian design, more committed to
the idea of ‘national identity’ and, therefore, representative of some of the ‘signs of
divergence’ which, guided by a ‘broader cultural vision’, sought to ‘assimilate popular
culture’ in ‘participatory projects’ that intended, through a ‘cultural contextualization’ of the
design done here, to contribute to the ‘autonomous development’ of the country. Besides
looking at the perspectives outlined by Aloisio and Lina, the thesis pursues the various
debates that have articulated the identity boundaries of the discipline, institutionalized in
Brazil around the 1950s. Hence, it develops a social anthropology of Brazilian design that
focus on the institutionalization of the design vis-à-vis a nation-building project (designed by
the designers). In other words, it pursues the discussions around the possibilities of cultural
inclusion of design in the Brazilian context, discussions that find, around the figures of
Aloisio e Lina, a place to be developed. Thus, the thesis assumes that Aloisio and Lina work,
for the field of design today, and therefore also for this work, as ‘triggers’ or ‘levers’ from
which you can bring up a number of issues that are central to the constitution of the field of
design in the country.

Key-words: design, Lina Bo Bardi, Aloisio Magalhães, modernism

Rio de Janeiro
Novembro de 2011

vi
AGRADECIMENTOS

Antes de tudo, preciso agradecer ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia


Social do Museu Nacional, onde encontrei o mais instigante ambiente acadêmico. Nele,
desenvolvi minhas pesquisas de mestrado e doutorado sob a orientação do Prof. Luiz
Fernando Dias Duarte, com quem, além ser acompanhada com afinco, tranqüilidade e sensível
inteligência, aprendi o valor da generosidade intelectual. Além da orientação, aprendi muito
sendo sua auxiliar de pesquisa durante o primeiro ano do doutorado. A ele e ao programa,
meus mais sinceros votos de agradecimento.

No Museu, tive também o privilégio de assistir aos cursos dos professores: Aparecida
Vilaça, Antonádia Borges, Eduardo Viveiros de Castro, Fernando Rabossi, Frederico
Neiburg, Gilberto Velho, Giralda Seyferth, Joaquim Pais de Brito, Luiz Fernando Dias
Duarte, Lygia Sigaud, Marcio Goldman e Olivia Cunha. Como agradecer a tudo o que aprendi
nas suas aulas?

Durante os exames de qualificação do doutorado, pude contar com a fundamental


colaboração dos Profs. Giralda Seyferth e Antonio Carlos de Souza Lima, que, com suas
leituras e críticas, contribuíram de forma inestimável para a construção do trabalho. Ao Prof.
Antonio Carlos, devo algumas valiosas sugestões, dentre elas: a dos quadros sinópticos (que
salvaram a minha vida) e a do livro de Luiz de Castro Faria sobre Oliveira Vianna, referência
sem a qual este trabalho teria sido um outro.

Apesar de não ter tido oportunidade de ser sua aluna, devo agradecer a estimada
presença da Prof. Adriana Vianna, que, por ser orientadora de uma grande amiga, acabou se
tornando uma referência muito próxima.

O ambiente acadêmico encontrado no PPGAS deve muito ao trabalho dos funcionários


da secretaria e da biblioteca, bem como ao setor de prestação de contas, e à copiadora. Minha
presença no programa foi viabilizada por três bolsas de estudo, fornecidas pela CAPES e pela
FAPERJ durante o mestrado, e novamente pela CAPES durante o doutorado.

Ainda no Museu Nacional, tive a sorte de conviver com os mais incríveis colegas,
entre eles, André Dumans Guedes, Clara Flaksman, Fernanda Figurelli, Isabel Ostrower, Julia
O’Donnell, Letícia Carvalho, Liane Braga. Entre eles, devo agradecer especialmente à Clara,

vii
que me incentivou a fazer a prova e se fez presente durante a preparação para o processo
seletivo; e ao André, um exemplo para mim, e que, como se isso não bastasse, me socorreu
com a leitura de parte dos meus escritos, em um momento de infinita confusão mental.

A Letícia Carvalho, eu deveria dedicar todo um capítulo. Sem ela, essa teria sido uma
outra história. Para uma geminiana, como eu, a sua sagitariana presença é um afago bem no
meio do coração. Sem contar a admiração que tenho pela sua delicada inteligência, com que
me surpreendi inúmeras vezes, em sala de aula. Sem dúvida, entre as melhores coisas de estar
no PPGAS, era poder contar com a sua companhia, dentro e fora do Museu, e, mais do que
tudo, nas longas conversas em que compartilhamos nossas inquietações.

Para além do Museu, há, também, a ESDI, escola onde me graduei, e onde tive
oportunidade de aprender tantas coisas, convivendo com algumas das pessoas mais incríveis
que pude conhecer. A alguns dos professores, tenho a sorte de poder, hoje, chamar de amigos.

Sem João de Souza Leite, minha passagem pelo Museu Nacional teria se dado de
forma completamente diferente. Afinal, foi ele quem me sugeriu a pesquisa nos arquivos do
IPHAN, em Brasília, durante o mestrado, e foi a ele, também, que recorri, um sem número de
vezes, durante a pesquisa para o doutorado. Sua infalível disponibilidade e a franca
generosidade para com meus interesses de pesquisa são admiráveis. Hoje, tenho a sorte maior
de poder chamá-lo de colega, uma vez que, desde o início de 2011, partilhamos a orientação
de projetos de conclusão na graduação em design na PUC-Rio.

A ESDI me presentou com os maravilhosos Silvia Steinberg e Pedro Luiz Pereira de


Souza, por quem nutro o mais profundo afeto e a mais renovada admiração. É impossível
descrever o que sigo aprendendo com eles, desde o momento em que iniciei a graduação, em
1993. Sem pudor, gostaria de dizer que sinto eles como sendo parte da minha família.

Depois do fim do mestrado, voltei à escola para apresentar a pesquisa desenvolvida no


Museu. Lá, fui calorosamente recebida pelos Profs. Gabriel do Patrocínio e Rodolfo Capeto, a
quem agradeço pelas oportunidades de poder ministrar uma palestra e dois cursos livres, que
se realizaram como um sonho. Lá, também, pude assistir ao curso de mestrado, “Design,
cultura, sociedade”, do Prof. Lauro Cavalcanti, e estagiar como docente na disciplina de
projeto ministrada pela Profa. Silvia Steinberg. Foi por indicação de Rodolfo Capeto que
ministrei um mini-curso no Centro de Design do Recife, o que fiz com imensa satisfação. Lá,

viii
conheci a querida Renata Gamelo, que trabalha com tanta dedicação viabilizando as
atividades do Centro. Lá, também, pude assistir ao curso “Design moderno: a Natureza”, do
Prof. Pedro Luiz Pereira de Souza.

Pude aprofundar muitas das questões aqui discutidas durante o tempo em que atuei
como pesquisadora no Paço Imperial, levantando material para uma exposição retrospectiva
dos 70 anos do IPHAN. Por essa oportunidade, devo agradecer, mais uma vez, ao Prof. Lauro
Cavalcanti. Também foi fundamental para o encaminhamento do trabalho, o curso que fiz
com o Prof. Victor Margolin, em São Paulo, bem como todos os congressos de que participei.

Nos cursos que ministrei na ESDI e no Centro de Design do Recife, pude colocar em
discussão algumas das questões que norteiam a construção deste trabalho. Por isso, devo
agradecer a todos os que deles participaram. Alguns se tornaram caros amigos e, depois,
parceiros de projeto. Entre eles, Bernardo Schorr, Clarice Goulart, Jeanine Geammal, Julia
Bessler, Maria Paula Saba, Nina Paim, Rafael Vasconcelos, Renata Negrelly.

Esse trabalho deve muito, também, ao curso “História do design no Brasil”, que
ministro regularmente na graduação em design da PUC-Rio, e ao curso “Cultura do design no
Brasil”, que ministrei, em 2011, na Especialização em Design Estratégico da UNISINOS.
Além deles, tenho sempre novas oportunidades de aprender com as aulas de antropologia que
conduzo nas duas instituições. Sou imensamente grata a todos os alunos (mas, especialmente,
a Gabriela Dore e Rodrigo Hull), e aos colegas daqui e de Porto Alegre: Alexandre Teixeira,
Carla Dias, Celso Wilmer, Evelyn Grumach, Guilherme Toledo, Izabel Oliveira, Jackeline
Farbiarz, Luiza Novaes, Renata Eyer, Roberta Portas, no Rio de Janeiro; e Carlo Franzato,
Karine Freire, Paula Visona, Roberto Galisai e Tuti Giorgi, em Porto Alegre.

Além dos já citados, durante a pesquisa e a redação da tese pude contar com muitos
outros professores e amigos, que me ajudaram a recolher material de pesquisa e/ou leram
meus primeiros escritos, seja nos congressos ou informalmente. Não sei o que seria de mim (e
deste trabalho) sem o apoio e as valiosas considerações de Adélia Borges, Beatriz Kushnir,
Beatriz Lessa, Camila Bechelany, Claudia Pires, Daisy Almeida (Instituto Lina Bo e P. M.
Bardi), Freddy van Camp, Helio Eichbauer, Joana Mello, José Lira, José Reginaldo
Gonçalves, Juliano Pereira, Luiz Henrique Sá, Luiza Marcier, Marcos da Costa Braga, Marina
Grinover, Marisa Maass, Mauro Pinheiro, Nicolas Viotti, Rafael Toledo, Rafaela Amodeo,

ix
Raquel Noronha, Regina Abreu, Rita Couto, Silvana Rubino, Tatiana Bacal, Vera Bernardes,
Verónica Devalle, Zeuler Lima, entre tantos outros.

Agradeço também a todos os que se disponibilizaram a conversar sobre a tese: Adélia


Borges, Ana Luiza Nobre, André Stolarski, João de Souza Leite, Pedro Luiz Pereira de Souza,
Rafael Cardoso, Silvana Rubino, Silvia Steinberg, Solange Valborg, Washington Dias Lessa.

A minha família, devo tudo. Workaholics apaixonados, os Anastassakis se dividiam


entre a escola (dirigida por meu avô, Basile, era lá onde quase todos trabalhavam) e o
escritório (coordenado por meu pai, Demetre, arquiteto e urbanista, e minha mãe, Léa,
socióloga e professora). Nesse ambiente, experimentei, brincando, o quanto pode ser divertido
viver de educação e de projeto. Aos meus pais, devo ainda o amor, a confiança e a liberdade
com que eles me ensinaram a conduzir a vida. Aos meus tios, primos e sobrinhos, toda a
graça. Ao meus irmãos, Alexis, Yuli, Philippe e Daphne, a cumplicidade e parceria, que se
estende também, como não poderia deixar de ser, para os domínios do (que alguns
convencionam chamar de) trabalho. À minha segunda família, os Lancellotti, devo agradecer
pela alegria, pela música, e pela dedicação à Mina. Afinal, como eu teria podido escrever a
tese sem eles, e seu empenho em cuidar dela enquanto eu estudava?

Além deles, contei, sempre, com o apoio dos queridos Groisman, Michel, Gabi,
Daniel, Tereza e Heitor. Agradeço, também, às fundamentais Arlete e Renata, pela força em
casa, e à Maria, da Catarina. Aos amigos de toda hora, Ciça e Quito, com Noé e Francisco,
Kiti, Dani, Jô, família Sá, Kassin, Hiromi e as amadas Nara e Lin, Maria Farkas (pela sempre
calorosa acolhida em SP), Joana, Claudio e Miguel, Roberto, Tuti, Beto, Marcia Bonome,
Silvana, Tomás e Bárbara e os pequenos Branca e Nicolau, Samantha e Mário, Isabella e
Luiza, além das gatas Fadinha, Mel e Panqueca. Todos contribuíram para que eu me sentisse
acolhida ao longo desses últimos anos, em que passei longos dias em casa, estudando.

Devo, ainda, agradecer especialmente à minha mãe, Léa, e à minha irmã, Yuli, pela
gigantesca paciência em revisar meus textos, pelo que serei eternamente grata. E ao Philippe,
que me socorre sempre que a tecnologia resolve atravancar a minha vida. Obrigada, sempre.

Por fim, dedico este trabalho ao Domenico e à Mina, que, todo dia, dividem a vida
comigo. O que, convenhamos, não é das mais simples tarefas, quando se trata de conviver
com uma (muitas vezes enlouquecida) candidata ao doutorado. Aos dois, todo o meu amor.

x
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABDI Associação Brasileira de Desenho Industrial


ABEA Associação Brasileira de Engenheiras e Arquitetas
ADG Associação dos Designers Gráficos
AICA Associação Internacional de Críticos de Arte
AM Aloisio Magalhães
AMPVDI Aloisio Magalhães Programação Visual Desenho Industrial
ANL Aliança Nacional Libertadora
APDINS-RJ Associação Profissional dos Desenhistas Industriais do Rio de Janeiro
AVC Acidente Vascular Cerebral
BDMG Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais
BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
CACEX Carteira de Comércio
CDI Companhia de Desenvolvimento Industrial
CDNM Conselho Nacional de Direitos da Mulher
CETEC Centro Tecnológico de Minas Gerais
CIAM Congresso Internacional de Arquitetura Moderna
CICA Conselho Internacional dos Críticos de Arquitetura
CIRED/França Centro Internacional de Pesquisa sobre o Ambiente e o Desenvolvimento
CNDI Conselho Nacional de Desenho Industrial
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CNRC Centro Nacional de Referência Cultural
CONDEPE Instituto de Desenvolvimento de Pernambuco
CONDEPHAT Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e
Turístico
CPA Conselho de Política Aduaneira
CPC-UNE Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes
CPE Comissão de Planejamento Econômico da Bahia
DAESDI Diretório Acadêmico da Escola Superior de Desenho Industrial
ECA-USP Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo
ECT Escola Técnica de Criação
EdUERJ Editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
EdUSP Editora da Universidade de São Paulo
ENBA Escola Nacional de Belas Artes
ENDI Encontro Nacional de Desenho Industrial
ESAP Escola Superior de Artes Plásticas
ESDI Escola Superior de Desenho Industrial
FAAP Fundação Armando Álvares Penteado
FAPESP Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo
FAU-USP Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
FEUMA Fundação Educacional Universidade Mineira de Arte
FIEMG Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais
FNpM Fundação Nacional Pró-Memória
FUMA Fundação Universidade Mineira de Arte
FUNARTE Fundação Nacional de Artes
GEIA Grupo de Estudos da Indústria Automobilística
GFAU Grêmio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

xi
HfG Hochschule fur Gestaltung
IAB Instituto dos Arquitetos do Brasil
IAC Instituto de Arte Contemporânea
IBA Instituto de Belas Artes
IBESA Indústria Brasileira de Embalagens
ICSID International Council of Societies of Industrial Design
IDC Industrial Design Centre
IDI-MAM Instituto de Desenho Industrial do Museu de Arte Moderna
IFCH/UERJ Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro
IJNPS Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais
InDI Instituto de Desenvolvimento Industrial de Minas Gerais
INEP Instituto Nacional de Planejamento
INIDEF Instituto Interamericano de Etnomuseologia y Folclore
IPAC Instituto do Patrimônio Artístico Cultural da Bahia
IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
IPPI Instituto de Pesquisa e Projetos Industriais
IPTA Instituto de Pesquisa e Planejamento para o Artesanato
ISEB Instituto Superior de Estudos Brasileiros
JK Juscelino Kubitschek
LBB Lina Bo Bardi
LBDI Laboratório Brasileiro de Design Industrial
MAM Museu de Arte Moderna
MAMB Museu de Arte Moderna da Bahia
MAP Museu de Arte Popular
MASP Museu de Arte de São Paulo
MEC Ministério da Educação e Cultura
MES Ministério da Educação e Saúde
MIC Ministério da Indústria e Comércio
MoMA Museum of Modern Art
NDI/FIESP Núcleo de Desenho Industrial da Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo
NID National Institute of Design
PAEG Programa de Ação Econômica do Governo
PBDCT Plano Nacional de Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia
PCB Partido Comunista Brasileiro
PCH Programa das Cidades Históricas
PDF Partito Nazionale Fascista
PRD Programa Estratégico de Desenvolvimento
P&D Design Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design
PMB Pietro Maria Bardi
PND Plano Nacional de Desenvolvimento
PPDESDI/UERJ Programa de Pós-Graduação em Design da Escola Superior de Desenho
Industrial
PPGAS-MN Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social – Museu Nacional
PPLM Projeto Piloto Ladeira da Misericórdia
PUC-Rio Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
RCA Royal College of Art
SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

xii
SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SEPLAN/PE Secretaria de Desenvolvimento de Pernambuco
SESC Serviço Social do Comércio
SPHAN Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
STI/MIC Secretaria de Tecnologia Industrial do Ministério da Indústria e Comércio
SUDENE Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
SUMOC Superintendência da Moeda e do Crédito
TEP Teatro do Estudante de Pernambuco
UEMG Universidade Estadual de Minas Gerais
UERJ Universidade Estadual do Rio de Janeiro
UFPE Universidade Federal de Pernambuco
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UMA Universidade Mineira de Arte
UNAM Universidad Nacional Autônoma de México
UnB Universidade de Brasília
UNE União Nacional dos Estudantes
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
USAID United States Agency for International Development
USP Universidade de São Paulo
VPR Vanguarda Popular Revolucionária

xiii
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO: Entre a Lapa e a Alemanha, o design brasileiro? 1


Entre heróicos e modernos, história, arquitetura, antropologia e design 21
Pensamento social de design brasileiro em Lina Bo Bardi e Aloisio Magalhães 25

CAPÍTULO 1: O design brasileiro através do espelho 37


Triunfos e impasses, ou alguma produção bibliográfica póstuma 43
Em busca de um design moderno e brasileiro 47
A outra vertente de Lina Bo Bardi e Aloisio Magalhães 62
Outras histórias (Adélia Borges) 75
Um design de costas para o Brasil (João de Souza Leite) 80
O design brasileiro antes do design (Rafael Cardoso) 85
Entre mimese e mestiçagem (Dijon de Moraes) 92
Sinais de divergência (Ana Luiza Nobre) 94
Biografia da idéia de design moderno no Brasil (Pedro Luiz Pereira de Souza) 101

CAPÍTULO 2: Tentativas de institucionalização do design no Brasil (anos 1950) 106


Contexto de modernização da sociedade brasileira na década de 1950 120
A movimentação em torno da arte moderna em São Paulo 132
O Instituto de Arte Contemporânea do MASP 139
A presença de Max Bill no Brasil 148
Outros cursos de artes em São Paulo (FAAP e MAM-SP) 155
Ensino de desenho industrial na Escola Superior de Artes Plásticas da Universidade
Mineira de Arte 157
Movimentação em torno do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro 159
Projeto de uma escola de design no MAM-RJ 163
Movimentação em torno da construção de Brasília 167
Congresso Internacional Extraordinário de Críticos de Arte 170
Max Bense e a inteligência brasileira 173

xiv
CAPÍTULO 3: Institucionalização do design no Brasil (início dos anos 1960) 176
O Brasil na década de 1960 e o design 178
Seqüência de Desenho Industrial da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de São Paulo 182
Discussão em torno da pertinência da adoção do modelo ulmiano e questões de
contextualização cultural do ensino de design 195
Escola Superior de Desenho Industrial 202
Escola de Desenho Industrial e Artesanato 211
Associação Brasileira de Desenho Industrial (ABDI) e as discussões em torno
do que deveria ser o desenho industrial no Brasil 221

CAPÍTULO 4: O design no impasse 227


O design e o contexto sócio-político brasileiro durante a ditadura militar 232
Aproximações entre design e Tropicalismo 245
1968: o ano em que o design repensa o ensino 255
O design no Brasil dos anos 1970, visto a partir da ESDI 261
Algumas publicações sobre design no Brasil dos anos 1970 269
Associação Profissional dos Desenhistas Industriais do Rio de Janeiro (APDINS-RJ):
uma nova associação profissional, classista, pré-sindical e estadual 278
O ensino de um design social na PUC-Rio 280

CAPÍTULO 5: Encontros e desencontros 283


“Que nem cobra mudando de pele”: Aloisio Magalhães do design às políticas culturais 291
De um impasse a Fábrica da Pompéia: Lina Bo Bardi de volta à cena 306
Patrimônio cultural em perspectiva: Pró-Memória e Ladeira da Misericórdia 324
Entre triunfos e impasses: Lina Bo Bardi e Aloisio Magalhães 333

CONSIDERAÇÕES FINAIS: Ou alguns comentários provisórios sobre design


e modernidade no Brasil 345

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 362

ANEXOS 377

xv
CONVENÇÕES

Por questões de convenção, optei por não seguir a regra da ABNT quando se trata de
transcrever trechos de textos e/ou falas produzidos por pessoas envolvidas com os universos
do design, da arte e da arquitetura. Assim, sempre que se trata de trechos desse tipo,
independente do número de linhas, mantenho as margens habituais, utilizo aspas e, entre elas,
a fonte em itálico.

Quanto às reproduções de textos de referência, sigo as regras usuais, ou seja, para citações
com mais de quatro linhas utilizo recuo de 4cm, sem aspas e estilo normal.

Utilizei itálico, também, para todos as palavras que não estão em português, inclusive o termo
design.

Também optei por usar as abreviações LBB e AM, respectivamente, para Lina Bo Bardi e
Aloisio Magalhães.

xvi
C'est toute une partie de moi-même qui m'est rendue,
celle-là même par laquelle je tenais à eux et qui m'éloignait d'eux,
parce que je ne pourrais la nier en moi qu'en les reniant,
dans la honte d'eux et de moi-même.

Pierre Bourdieu. Esquisse pour une auto-analyse.

xvii
INTRODUÇÃO

“To understand something is not to be able to define it or describe it. Instead, taking something that we think we
already know and making it unknown thrills us afresh with its reality and deepens our understanding of it.”
Kenya Hara, 2007

“Compreender é primeiro compreender o campo com o qual e contra o qual cada um se fez.”
Pierre Bourdieu, 2005

Entre a Lapa e a Alemanha, o design brasileiro?

“Não sou alemão, não sou japonês minimalista... sou brasileiro! Não fui procurar
inspiração na Finlândia!” Essa frase, dita por Fernando Campana em uma entrevista para o
jornal “O Globo”, em 20 de abril de 2011, destaca-se na matéria que anuncia a chegada ao
Brasil de uma exposição retrospectiva dos Campana, dupla de designers paulistas formada
pelos irmãos Humberto e Fernando, que, com seu trabalho, tem recebido enorme
reconhecimento internacional, além de gerar, também, uma série de debates, aqui no Brasil,
sobre o que é e o que não é design, e, mais do que isso, sobre o que é (ou o que
deveria/poderia ser) o design brasileiro.

A exposição, nomeada de “Anticorpos”, foi produzida, em 2009, pelo Vitra Design


Museum, da Alemanha. No catálogo da mostra, a jornalista e curadora especializada em
design, Adélia Borges, assina um texto intitulado “Popular culture in contemporary Brazil”,
que se inicia da seguinte forma: “a decisive factor in Fernando and Humberto Campana’s
work is the strong inspiration they draw from the country in wich they were born and chose to
live. From the limpid rivers of their childhood to the congested chaos of today’s biggest
cities; from exuberant forests to asphalted urban jungles; from modernist dreams of formal
clarity to the over-decorated kitsch objects of the middle class - all the attributes of the
natural, cultural, and socioeconomic environment in wich the brothers live, including
specially its contradictions and noises, are digested by them and returned in a form of design
that has a strong Brazilian flavour to it” (2009: 84).

1
Em 1992, prestei vestibular para o curso de desenho industrial, inscrevendo-me para as
duas universidades públicas cariocas que ofereciam o curso: a UFRJ e a UERJ. Tendo
passado para as duas, escolhi cursar a ESDI, que fazia parte da UERJ, mas não estava
localizada no campus do Maracanã, e, sim, em uma pequena vila, na Lapa. Nos primeiros dias
de aula, como acontece em quase todos os cursos universitários, os ‘veteranos’ nos aplicaram
alguns trotes. Curiosamente, em um deles acontecia uma falsa aula de história do desenho
industrial, em que diversos termos e nomes em alemão eram escritos no quadro negro, e cada
calouro era convocado a responder sobre o que significavam os termos e sobre quem eram
aqueles personagens. Alguns nomes e termos se referiam a fatos ‘notórios’ da história do
desenho industrial, mas outros eram nomes de professores da própria escola, tais como Frank
Barral, Goebel Weyne, Karl Heinz Bergmiller, Roberto Eppinghaus e Roberto Verschleisser,
nomes que eram obviamente desconhecidos pela maioria de nós, calouros.

Terminada a ‘aula’, ficava a sensação de que naquela escola havia ‘coisas’ em alemão
a aprender, ou seja, que entrar para a escola (é assim que a ESDI é chamada por alunos e
professores) implicava, de certa forma, tal como nos sugeriam, de maneira jocosa, os colegas
mais velhos, aprender sobre ‘coisas’ que estavam relacionadas à Alemanha. A mensagem que
eles passavam é que a história do desenho industrial, como talvez ela viesse a ser transmitida
para nós, novos alunos, poderia, grosso modo, ser resumida a alguns nomes e termos
‘exóticos’ ‘germânicos’. Assim, a ideia de uma ligação necessária da escola com aquele país
europeu nos era sugerida logo nos primeiros dias de aula.

Por que será que Fernando Campana, um dos designers brasileiros que encontram
maior reconhecimento internacional nas últimas décadas, quando convidado a falar sobre uma
exposição retrospectiva de seu trabalho, organizada por um museu alemão, sente necessidade
de afirmar que não é alemão, nem japonês minimalista, nem finlandês, mas, sim, brasileiro?
No depoimento de Fernando, a afirmação de uma identidade brasileira aparece em contra-
ponto à negação de uma identidade alemã, japonesa, ou finlandesa. Ou seja, a justificativa
para uma vinculação de seu trabalho como designer a uma identidade brasileira surge como
uma reação à possibilidade de ele, em sendo brasileiro, aproximar-se de uma linguagem
finlandesa, minimalista japonesa ou alemã. Assim como, na escola carioca onde estudei, me
ensinaram os colegas, de maneira jocosa, que eu estava em um lugar que tinha, de algum
modo, um forte vínculo identitário com a cultura germânica, um designer brasileiro que ganha

2
notoriedade internacional precisa afirmar que estebelecer uma identidade brasileira, em
design, implica, de certa forma, em diferenciar-se do que é alemão (e japonês, e finlandês).

No texto sobre os Campana, depois de relacionar o trabalho dos irmãos a uma


inspiração retirada do país onde eles nasceram e escolheram viver, e a uma digestão dos
atributos do meio-ambiente onde esses designers vivem, seguida de um retorno na forma de
design que tem um forte sabor brasileiro, Adélia Borges retoma o momento de criação da
Escola Superior de Desenho Industrial, já citada por mim no episódio do trote, comentando
que, assim como “everything that happens during infancy – be it a person, an institution, or a
movement – leaves a strong and profound mark, these close ties with Ulm and its funcionalist
principles separated Brazilian design from the cultural roots of the country, wich were
deemed irrelevant and viewed as a symbol of regression that needed to be abandoned in
order to assure for the nation a privileged spot on the international scene. Combined with the
inferiority complex of a colonized people, who place greater value on whatever comes from
abroad, the result was a type of design that took its points of reference from outside the local
reality” (idem).

Se relacionarmos a matéria do jornal “O Globo” com o episódio do trote e o artigo de


Adélia Borges, talvez possamos esboçar a hipótese de um vínculo identitário do design
brasileiro a uma matriz germânica, vínculo esse que seria visto de forma jocosa por alguns
estudantes, no início dos anos 1990, de forma traumática por uma crítica do design, no fim da
década passada, e, finalmente, de forma negativa por expoentes do design em 2011. É
importante ressaltar que reações como essas vem acontecendo intermitentemente, de forma
multi-situada, há pelo menos 40 anos anos, e que, já durante o processo de criação da escola,
um dos argumentos centrais para a sua implementação foi a necessidade de adequação da
produção industrial ao contexto cultural brasileiro (Souza, 1996: 22).

No livro “ESDI – biografia de uma idéia”, Pedro Luiz Pereira de Souza cita uma nota
publicada pelo “Jornal dos Sports”, em 20 de dezembro de 1967: “Reprovação em massa na
ESDI faz alunos reagirem. Os alunos denunciam que a estrutura daquela escola, a escola da
moda, foi toda copiada da Alemanha e até o currículo foi traduzido do alemão para o
português. A partir daí formulam uma série de críticas, lembrando que a realidade nacional é
muito diferente e exige uma estrutura diferente” (1996: 52). O que interessa perceber a partir
desses episódios é como, quando se introduz uma discussão sobre o design brasileiro, se

3
define o que ele é, o que ele não é, ou o que ele poderia ou deveria ser, a partir de uma
referência (quase sempre crítica) a um modelo germânico.

Que relação seria essa entre Brasil e Alemanha que parece ter uma presença tão forte
(e coercitiva) no campo do design em nosso país? De que forma a construção identitária da
disciplina estaria organizada em torno da idéia de um vínculo, e/ou ao mesmo tempo de uma
reação à idéia de tal vínculo original do design praticado no país a essa suposta matriz
germânica? O que a criação do primeiro curso superior de desenho industrial no Brasil tem a
ver com isso? De que modos esta ideia inflexiona os desdobramentos interpretativos sobre o
que é fazer design no Brasil?

Esses episódios iluminam alguns processos de construção simbólica das identidades


dos profissionais do design no país e como, ao expressar a sua compreensão da identidade do
design praticado entre nós, alguns agentes dentro do campo sentem a necessidade de fazer uso
de uma diferenciação face a um modelo alemão. Em um artigo publicado pela revista
“Ciência Hoje”, o antropólogo Luiz Fernando Dias Duarte explora algumas questões
relacionadas aos processos de construção simbólica das identidades, ao comentar a relação
Brasil-Argentina. Em suas palavras,

o estruturalismo antropológico veio tornar ainda mais nítido o princípio da


construção simbólica das identidades, motivada apenas pelas características de
ordenação do pensamento humano, como no caso do totemismo analisado pelo
antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (1908-2009). Ele nos falou dos “desvios
diferenciais” fundamentais para estabelecer a qualidade de qualquer identificação
simbólica, em clara proximidade com a teoria do “narcisismo das pequenas
diferenças”, formulada pelo psicólogo austríaco Sigmund Freud (1835-1930).
Quanto mais perto, mais necessário sublinhar a diferença... “que faz a diferença”
(Duarte, 2011b).

Se “cada campo se coloca ao se opor” (Bourdieu, 1996b: 62) e se “os autores, as


escolas e as revistas existem na e pelas diferenças que as separam” (idem), o sistema de
separações diferenciais que determina que diferentes agentes dentro do campo se posicionem
a partir de uma diferenciação face a uma suposta matriz germânica, e se essa é considerada,
por diversos agentes, uma problemática legítima, é lícito afirmar - se levarmos em conta os
episódios supra-citados -, que o espaço de relações objetivas entre as posições – ser brasileiro

4
ou ser alemão – parece ser determinante para o espaço de possíveis1 (Bourdieu, 1996a: 53) a
partir do qual são tomadas as posições dentro do campo do design no Brasil.

Voltando à Lapa, ou melhor, às pontes Brasil-Alemanha que, segundo os episódios


narrados há pouco, parecem ter sido edificadas a partir da Lapa, centro da cidade do Rio de
Janeiro: a criação da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI), em 1962-63, é
considerada, ainda hoje, um dos marcos simbólicos do surgimento do ensino de design
moderno no país. Bastante discutido, questionado, copiado e contestado, o modelo trazido
para a Escola, ligado à tradição funcionalista e a um estilo internacional, foi percebido de
forma ambivalente: ao mesmo tempo em que surgiu como uma face possível para o
desenvolvimento de um paradigma moderno no Brasil, sendo visto com bastante interesse e
entusiasmo tanto por setores do governo, que viabilizou a criação da Escola, quanto por parte
dos profissionais ligados às artes e à arquitetura, que a partir de uma aproximação com a
ESDI terminaram por se ‘converter’ em designers, o modelo esdiano, vinculado à matriz
ulmiana2 e a uma certa herança bauhausiana3, gerou quase que imediatamente um sentimento
de desconfiança, questionamento e até mesmo repulsa, tanto externa quanto internamente.

1
Segundo Bourdieu, “esse espaço de possíveis, que transcende os agentes singulares, funciona como uma
espécie de sistema comum de coordenadas que faz com que, mesmo que não se refiram uns aos outros, os
criadores contemporâneos estejam objetivamente situados uns em relação aos outros” (1996b: 54).
2
A Hochschule für Gestaltung Ulm (Escola Superior da Forma de Ulm) foi fundada na Alemanha, em 1952, por
Inge Aicher-Scholl (1917-1998), Otl Aicher (1922-1991), Max Bill (1908-1994), ex-aluno da Bauhaus, e durou
até 1968. “Trata-se de um empreendimento privado de caráter interdisciplinar, que reúne arquitetos, designers,
cineastas, pintores, músicos, cientistas e outros. A idéia da escola é formar profissionais com sólida base
artística e técnica para atuarem na concepção de ampla gama de objetos produzidos em escala industrial, de
uso cotidiano ou científico, relacionados à construção e aos suportes modernos de informação, às mídias e à
publicidade. O modelo de Ulm retoma as relações entre arte e ofícios, arte e indústria, arte e vida cotidiana
presentes nas experiências anteriores do arts and crafts, do art nouveau e do art déco, todos esses movimentos
comprometidos com a superação das distâncias entre belas-artes e artes aplicadas. De modo mais direto, o
centro de Ulm inspira-se na experiência da Bauhaus, sobretudo na fase da escola em Dessau, Alemanha em
1925, quando a articulação entre arte e indústria se torna mais nítida. As relações de proximidade e distância
com o projeto da Bauhaus marcam as diversas fases da Escola de Ulm, sendo responsáveis por discordâncias
entre seus integrantes mais afeitos às artes e ao design, sob a inspiração de Walter Gropius (1883 - 1969), e os
que enfatizam a primazia da ciência e da técnica. As palavras de Aicher são emblemáticas: "Quando Walter
Gropius nos propôs chamar "Bauhaus Ulm" a Escola Superior da Forma [Hochschule für Gestaltung], nós
recusamos". A Escola de Ulm é responsável pela experiência mais significativa do movimento do design no
período posterior à Segunda Guerra Mundial, 1939 -1945. Apesar de suas dimensões reduzidas em toda sua
vida não abriga mais do que 640 estudantes, dos quais apenas 215 saem diplomados -, estabelece uma
metodologia nova no campo da criação, cujas marcas ainda estão presentes. O design moderno na tradição do
funcionalismo estabelecido pela Escola de Ulm pode ser visto nos produtos concebidos pela empresa Braun; no
metrô de Hamburgo; no mobiliário M 125; no primeiro sistema hi-fi para a Braun; no carrossel para slides da
Kodak; no logotipo da Lufhtansa; em cartazes de cinema e shows (no de Stan Getz em Paris, em 1959 e 1960,

5
Alguns críticos afirmam que esse sentimento ambivalente em relação à escola
carioca é uma reação à postura com que, a partir dela, se estabeleceu, no país, uma prática de
design pouco afeita às especificidades da realidade sócio-cultural nacional. Se os ideais da

por exemplo) e de outros eventos. Marcas da escola se fazem presentes no mundo: Índia, Japão e América
Latina. No Brasil a experiência da Bauhaus e de Ulm podem ser percebidos no projeto do Instituto de Arte
Contemporânea (IAC) do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp), em 1951, e na experiência
da Escola Superior de Desenho Industrial (Esdi), Rio de Janeiro, 1963. Lembremos ainda que Geraldo de
Barros (1923-1998), Almir Mavignier (1925) e Alexandre Wollner (1928) passam, como alunos, pela Escola
Superior da Forma e é grande a influência de Max Bill sobre as vertentes mais construtivas da arte brasileira
na década de 1950” (http://www.itaucultural.org.br).
3
A Staatliches-Bauhaus (literalmente, casa estatal da construção, mais conhecida simplesmente por Bauhaus)
foi uma escola de design, artes plásticas e arquitetura de vanguarda que funcionou entre 1919 e 1933, na
Alemanha. "Criemos uma nova guilda de artesãos, sem as distinções de classe que erguem uma barreira de
arrogância entre o artista e o artesão", declara o arquiteto germânico Walter Adolf Gropius (1883 - 1969),
quando inaugura a Bauhaus, em 1919. Criada com a fusão da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes
Aplicadas de Weimar, Alemanha, a nova escola de artes aplicadas e arquitetura traz na origem um traço
destacado de seu perfil: a tentativa de articulação entre arte e artesanato. Ao ideal do artista artesão defendido
por Gropius soma-se a defesa da complementaridade das diferentes artes sob a égide do design e da
arquitetura. O termo bauhaus - haus, "casa", bauen, "para construir" - permite flagrar o espírito que conduz o
programa da escola: a idéia de que o aprendizado e o objetivo da arte ligam-se ao fazer artístico, o que evoca
uma herança medieval de reintegração das artes e ofícios. A proposta de Gropius para a Bauhaus deixa
entrever a dimensão estética, social e política de seu projeto. Trata-se de formar novas gerações de artistas de
acordo com um ideal de sociedade civilizada e democrática, em que não há hierarquias, mas somente funções
complementares. O trabalho conjunto, na escola e na vida, possibilitaria não apenas o desenvolvimento das
consciências criadoras e das habilidades manuais como também um contato efetivo com a sociedade urbano-
industrial moderna e seus novos meios de produção. A ligação mais efetiva entre arte e indústria coincide com a
mudança da escola para Dessau, em 1925. No complexo de edifícios projetados por Gropius são delineadas as
abordagens características da Bauhaus: as pesquisas formais e as tendências construtivistas realizadas com o
máximo de economia na utilização do solo e na construção; a atenção às características específicas dos
diferentes materiais como madeira, vidro, metal e outros; a idéia de que a forma artística deriva de um método,
ou problema, previamente definido o que leva à correspondência entre forma e função; e o recurso das novas
tecnologias. Data desse período o desenvolvimento de uma série de objetos - mobiliário, tapeçaria, luminária
etc. -, produzidos em larga escala, como as cadeiras e mesas de aço tubular criadas por Marcel Breuer (1902 -
1981) e Ludwig Mies van der Rohe (1886 - 1969) e produzidas pela Standard Möbel de Berlim e pela Thonet. A
Bauhaus atrai artistas de vanguarda de diversas nacionalidades, nem sempre afinados em termos de filiações
teóricas, gerando a convivência de orientações estéticas díspares dentro da escola e redefinições no projeto ao
longo de sua história. Do corpo docente fazem parte Johannes Itten (1888 - 1967), Theo van Doesburg (1883 -
1931), Wassily Kandinsky (1866 - 1914), Paul Klee (1879 - 1940), László Moholy-Nagy (1894 - 1946), Breuer,
Hannes Meyer (1889 - 1954), Van der Rohe, Oskar Schlemmer (1888 - 1943), Joseph Albers (1888 - 1976)
e outros. A diversidade dos colaboradores é responsável pelo contato direto da Bauhaus com diferentes
tendências da arte européia: o construtivismo russo, o grupo de artistas holandeses ligados ao De Stijl [O
Estilo] e os adeptos do movimento de pintura alemã Neue Sachlichkeit [Nova Objetividade]. O ano de 1928
marca a saída de Gropius da direção e sua substituição pelo arquiteto suíço Hannes Meyer, o que sinaliza uma
ênfase mais social em relação ao design, traduzida na criação de um mobiliário de madeira - mais barato,
simples e desmontável - e de grande variedade de papéis de parede. Diante das pressões do nazismo sobre
Meyer, em 1930 a escola passa a ser dirigida pelo arquiteto Mies van der Rohe. Ela é oficialmente fechada em
1932 e, após uma tentativa frustrada de recomposição em Berlim, encerra suas atividades, por determinação
dos nazistas, em 1933. A emigração dos professores da escola é fator decisivo na difusão das idéias da Bauhaus
pelo mundo todo. Nos Estados Unidos, para onde se dirige boa parte deles - Gropius, Moholy-Nagy, Breuer,
Bayer, Van der Rohe e outros - surge a Nova Bauhaus, em Chicago, 1937/1938 e o Architectes's Collaborative -
TAC, escritório de arquitetura criado por Gropius em 1945, quando é professor em Harvard”
(www.itaucultural.org.br).

6
Escola de Ulm seduziram parte da intelectualidade e agentes do governo, podemos especular
que talvez eles se afinassem às expectativas daqueles que se alinhavam a um projeto de país
que se delineava desde o fim da Segunda Guerra Mundial, e que tinha na construção da nova
capital-federal, Brasília, seu símbolo maior.

Alguns historiadores do design brasileiro falam de um Brasil “que buscava


independência tecnológica, soberania produtiva e ideais de erradicação da pobreza local
pela estrada e viés da modernização” (Moraes, 2006: 60). Segundo eles, “o projeto ESDI
incorporava uma expectativa de transformação da sociedade associada ideologicamente à
modernidade” (Oliveira, 2009: 31). Para Souza, “mais do que o mito da Boa Forma, esta [a
ESDI] recebeu como maior influência [da HfG de Ulm] o preceito de que o design e demais
atividades criativas formais, poderiam e deveriam ser exercidas como fatores de educação e
esclarecimento da sociedade. Como epígono do positivismo e do movimento moderno, essa
idéia trazia em si um moralismo aplicado ao objeto e ao seu projeto” (1996: 52).

Para alguns desses críticos, é por esses motivos que os valores relacionados ao
modelo racional-funcionalista alemão se firmaram como a principal referência para a
constituição do campo profissional do design no país, naquele momento. Segundo o designer
e pesquisador, professor do curso de design da UEMG, Dijon de Moraes, “é neste cenário,
entre espera e esperança, que o design no Brasil se estabelece, ganha espaço e desenvolve-se.
Justamente no conflito e tensão entre a realidade local e as referências provenientes do
exterior, entre os ideais dos protagonistas oriundos dos países mais industrializados e as
aspirações dos atores protagonistas locais. Estes últimos, dotados de grande sentimento de
determinação, apostavam justamente no futuro industrial do Brasil e na indispensável
presença da atividade de design como partícipe no desenvolvimento da cultura material
dentro do processo de modernidade nacional. É interessante notar que o design é instituído e
entendido como um projeto de futuro, exatamente como se via e se vê o próprio Brasil: como
o país do futuro” (2006: 74).

Para o italiano Andrea Branzi, que prefacia o livro de Moraes, foi através de uma
“visão purista do moderno”, proposta não apenas no Brasil, mas em toda a América do Sul,
como modelo de sua redenção e de futuro, que se elaborou, entre nós, “um modelo irreal de
modernidade, (...) uma modernidade utópica” (2006: 05). Em suas palavras, “este modelo
ideal, fundado sobre uma aliança entre ciência e projeto, foi o fruto da contaminação entre a

7
distante América do Sul, a Escola de Frankfurt e a esperança política européia. Uma utopia
que se consolidou também no Brasil, como modelo único, de referência para a didática do
seu design. Isso a partir da fundação, em 1963, da ESDI, no Rio de Janeiro, defensora da
ortodoxia ulmiana e do seu modelo didático, quase uma espécie de protetorado cultural,
desvinculado da realidade brasileira, mas por isso mesmo de difícil remoção” (idem: 06).

A essas críticas se soma o fato de que o modelo esdiano foi rapidamente


multiplicado, na medida em que serviu de parâmetro para a criação da maioria das escolas de
design no país a partir do fim dos anos 1960, como aponta a pesquisadora do ensino de design
no Brasil e professora do curso de design da PUC-Rio, Izabel Oliveira: “o modelo da ESDI
consolidou-se como base para os primeiros cursos criados no Brasil e originou, com sua
estrutura curricular adotada a partir de 1968, a referência para o primeiro currículo mínimo
aprovado pelo Conselho Federal de Educação para cursos de bacharelado em desenho
industrial” (2009: 10). Assim, na ESDI “se desenvolve uma experiência pedagógica que irá
influenciar a conformação de princípios para a pedagogia do design no Brasil” (idem: 31).

Alguns desses críticos afirmam que a matriz ulmiana, tal como transposta para a
escola carioca, “implicava a adoção de uma linguagem formal pouco afeita às contingências
do tempo e às características da cultura” (Souza Leite, 2006a: 253), o que terminou por
resultar em um distanciamento do design do restante da sociedade. Para o designer e
pesquisador, ex-aluno da Escola e professor da ESDI e da PUC-Rio, João de Souza Leite, o
design “instalou-se arrogantemente, portador de uma voz detentora de um pretenso
conhecimento a respeito de como o moderno deveria se constituir, independentemente do
contexto no qual estivesse operando” (2006a: 254). Concentrando-se nas atividades
projetivas, o modelo de ensino de design adotado na ESDI teria deixado de lado “as questões
relativas a um aprofundamento de conhecimento que buscasse uma adequação ao mundo
real” (idem: 278). Associado a isso, havia, no partido didático adotado pela Escola, segundo o
historiador do design, ex-professor da PUC-Rio e atual professor da ESDI, Rafael Cardoso,
um “tom muito forte de anti-intelectualismo” (2005b: 94).

A partir desses depoimentos, é possível perceber que a crítica ao modelo esdiano


reclama uma inadequação da transposição de um modelo de ensino e prática de design

8
formulado no contexto alemão (via HfG de Ulm e Bauhaus) ao contexto brasileiro. Esses
estudiosos e críticos da história do design brasileiro, a maioria deles designers4, queixam-se
de uma prática de design pouco vinculada à realidade sócio-cultural nacional, de um conflito
entre a realidade local e as referências externas, de uma modernidade utópica, decorrente de
uma associação do modelo funcionalista e internacionalista ulmiano à possibilidade de
modernização do país.

Assim, o modelo de design adotado na ESDI (replicado por todo o país na medida
em que serviu de parâmetro para a criação dos cursos de design que viriam a formar os
primeiros profissionais brasileiros) teria afastado o design do mundo real, deixando a
atividade e seus praticantes desconectados da cultura e da sociedade onde atuam, e, pior
ainda, privados da uma perspectiva crítica sobre o seu próprio campo de atuação. Esses
críticos afirmam que na medida em que o modelo esdiano se instala ignorando,
propositalmente, tanto o que acontecia ao seu redor quanto o que havia sido realizado antes,
no país, ele priva os designers (formados segundo aquele modelo) de uma perspectiva crítica
sobre a sua prática profissional, bem como de sua história no contexto brasileiro. Segundo
eles, essa postura teria levado os designers a uma auto-alienação, que seria um dos principais
entraves para o desenvolvimento da atividade no país.

É importante ressaltar que, mesmo que com abordagens e pontos de vista diversos,
alguns autores como Cardoso, Souza, e Souza Leite, vem realizando esforços sistemáticos
para desfazer alguns mitos (Souza, 1996: 51) relacionados à criação da ESDI e à sua
vinculação com a Escola de Ulm, e também com a Bauhaus. O livro “ESDI – biografia de
uma idéia”, de 1996, é parte central do esforço em dissecar a mitologia em torno da escola
(idem: agradecimentos), complexificando a compreensão que se tem dessa história. Para seu
autor, “a frase, tornada lugar comum, “A ESDI foi feita segundo o modelo de Ulm”” (idem:
52), uma “inverdade repetida, começava a ganhar contornos de verdade e, através de versões
populistas, delineava-se uma falsa imagem, não tanto da ESDI que, afinal, era uma realidade
próxima, mas da HfG-Ulm, imaginada como uma instituição em eterna luta por ideais
formais puros, cheia de snobs empedernidos que tratavam de pintar o mundo de preto,

4
Exceção entre os citados até agora são Adélia Borges, jornalista, e Rafael Cardoso, historiador.

9
branco e cinza, permitindo-se, de quando em quando, alguns pontos vermelhos e, por outros,
como uma escola que combatia incessantemente o monstro do neocapitalismo” (idem: 52-53).

Sem querer discutir aqui se se trata de inverdade, mito, ou não, meu interesse reside
em observar como a vinculação ESDI/Ulm vem sendo percebida de forma tão ameaçadora
para grande parte da comunidade de profissionais ligados à prática do design no Brasil.
Acompanhando as suas colocações, é possível vislumbrar alguns encaminhamentos
conceituais que partem de uma crítica ao modelo de ensino de design adotado na ESDI e se
orientam para a busca de contextualização cultural do design praticado no país. Depois de nos
aproximarmos desses depoimentos, talvez seja mais fácil perceber porque Fernando Campana
opta por definir sua identidade brasileira a partir de uma declaração que explicita, antes de
mais nada, sua recusa a se identificar com uma identidade germânica.

O conflito entre realidade local e referências externas, anunciado por alguns dos
críticos da história do design no Brasil acima citados, e presente no depoimento do designer
paulista, é uma questão que atravessa os debates sobre o design no Brasil, desde a criação dos
primeiros cursos, ainda durante os anos 1950 e 19605. Voltando ao início da década de 1960,
quando começa a ser articulada a criação de uma escola de desenho industrial no Rio de
Janeiro, o próprio governador Carlos Lacerda, atendendo a um requerimento de informações
sobre o projeto da escola, feito pela Assembléia Legislativa em fins de 1961, afirma que
“entre os temas de nossa preocupação ao darmos início ao atual governo, já se encontrava o
de implantar, no Estado da Guanabara, um curso de nível universitário para formar
especialistas capazes de desenvolver atividade criadora no amplíssimo campo dos projetos
para a indústria. A tal ponto estávamos convencidos de que a indústria nacional não poderia
progredir na base da reprodução de produtos industriais importados e de formas concebidas
fora do contexto cultural brasileiro que fizemos incluir, na proposta orçamentária enviada à
Assembléia Legislativa, a dotação de 20 milhões de cruzeiros para instalar e manter essa
nova atividade no âmbito do Estado” (apud Souza, 1996: 22).

5
Em seu livro sobre a ESDI, Souza comenta que já durante a criação da escola, o modelo pedagógico foi
questionado, notadamente por Aloisio Magalhães, que “participou da estruturação da ESDI como um
profissional convidado, defendendo então um design mais comprometido com uma identidade nacional.
Considerava o plano original proposto por [Tomás] Maldonado para o MAM e sobre o qual se trabalhara a
estrutura da ESDI, um pouco rígido” (1996: 270).

10
O questionamento em torno de uma identidade nacional para o design praticado no
país, apesar de ser percebido por alguns críticos e historiadores como insolúvel e/ou
improdutivo, é recorrente6. De tempos em tempos, o debate em torno dessa questão se
reanima, ganhando novos significados e contornos. Por que essa é uma questão central para os
próprios designers, ela é também um dos focos de atenção desse trabalho. Desde que fui
apresentada a ela, no início do ano de 1993, tenho me indagado, ainda que de forma
assistemática, sobre a pregnância desse debate, e sobre o que implica a busca por uma
identidade brasileira na prática de design.

A partir da aproximação com uma perspectiva antropológica, efetuada desde a minha


entrada para o curso de mestrado (e, na seqüência, para o doutorado) do Programa de Pós-
Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional (UFRJ), pude ensaiar um
distanciamento crítico da perspectiva esdiana, na qual eu havia sido formada, e me lançar a
um exercício de des- ou reconstrução das estratégias narrativas que orientam as incontáveis
versões daquele debate com que me defrontei ao longo do tempo. Assim, entendo que os
desdobramentos que as minhas pesquisas de mestrado e doutorado sofreram enquanto estive
ligada ao PPGAS-MN tem relação direta com o desejo de perseguir outras formas de perceber
a minha própria formação profissional.

Dessa forma, seguindo algumas pistas lançadas pela antropóloga Mariza Peirano
(2006), em um projeto de auto-consciência crítica, me propus a estudar meu próprio grupo de

6
Essa questão é, mais uma vez, debatida por Gui Bonsiepe, em seu discurso durante a cerimônia de outorga do
título de doutor honoris-causa pela Universidade Autônoma Metropolitana, do México, em 09 de setembro de
2011: “O conceito de identidade é um tema que aparece constantemente nos debates sobre o design na América
Latina. Pergunta-se: Qual é a ‘mexicanidade’ ou a ‘brasilidade’ do design? De forma geral, a identidade é
interpretada em termos de uma determinada configuração formal e cromática de um produto ou de um projeto
de design gráfico. Mas não devemos limitar a identidade aos aspectos estético- formais, pois a identidade se
manifesta também e, principalmente, nos tipos de problemas que surgem em determinado contexto. Na história
dos últimos 60 anos, todos os países latino-americanos, sob diferentes correntes políticas têm convergido na
formulação e implementação de políticas de desenvolvimento. Mas só em casos excepcionais foi considerada a
necessidade de incluir o desenho industrial nesta política, para não mencionar o design gráfico ou comunicação
visual. Não se reconhece ainda que as políticas de desenvolvimento que não considerem o componente projetual
estarão incompletas e tenderão, no máximo, a um êxito parcial. Mas, frente às consequências alarmantes do
sistema de produção e consumo, impõe-se a necessidade de revisar o modelo de desenvolvimento vigente. Já
não se trata de imitar, com o atraso no tempo, o modelo de desenvolvimento dos países centrais, mas
desenvolver um modelo menos intensivo no uso de recursos, sobretudo os energéticos, e traçar novos caminhos
para o que é chamado de “prosperidade sem crescimento” - uma idéia que é anátema para as correntes
dominantes da economia, cuja lógica não registra a possibilidade de colapso do sistema biótico e social”
(Bonsiepe, 2011).

11
formação. Ao me aproximar de uma perspectiva antropológica - utilizando a antropologia
como um dispositivo de distanciamento crítico7 (Menely, Young, 2005: 07), ou, como afirma
Luiz Fernando Dias Duarte, “como estratégia de conhecimento e meio de compreensão”
(2011a), proponho integrar distintas perspectivas, colocando em diálogo múltiplos pontos de
vista, buscando, assim, problematizar alguns pressupostos associados à atividade do design no
Brasil - pressupostos esses que se reatualizam intermitentemente, ganhando novos contornos e
significados, e que, ao mesmo tempo, sempre terminam por se remeter ao momento
sociogenético da disciplina, ou seja, ao período compreendido entre os anos 1950 e 1960.

Partindo de uma provocação de Peirano, que citando Malinowski8, discute as


questões enfrentadas por um ‘nativo’ que busca construir uma visada antropológica sobre seu
próprio grupo ou sociedade, de que “é só por meio de diálogos difíceis que um projeto
cosmopolita pode ser alcançado; é confrontando desafios, corrigindo caminhos, ajustando
pontos de vista que a identidade é construída de maneira sólida e balanceada” (2006: 116),
lanço-me ao desafio de construir uma etnografia do meu próprio grupo de origem, e, assim,
observar como certos agentes, movimentos e instituições, entremeados em diversas redes de
relações sociais, constróem, legitimam e põem a prova as narrativas sobre o design no Brasil.

Discutindo “a realização de pesquisa antropológica sobre as próprias sociedades dos


observadores” (2008: 26), no livro que trata de estudos que envolvem os seus próprios grupos
familiares, Luiz Fernando Dias Duarte e Edlaine de Campos Gomes ponderam que

o fato de estarem os autores às voltas com a questão de uma pesquisa parcialmente


voltada para suas próprias famílias não altera substancialmente os desafios
característicos da disposição antropológica; apenas talvez lhe aponha alguns
complicadores de estratégia, autoconsciência e método, impostos em boa parte pela
necessidade de atenção ao senso comum acadêmico, mais do que a vetores
propriamente epistemológicos (idem).

7
“The point is not, simply, to position oneself within the text but to engage in a critical reflection on one’s
relationships with others, as circumscribed by institutional practices and by history, both within and outside the
academy. Critical detachment and the ability to think ironically are required for the forms of reflexivity we are
proposing for an auto-ethnography of academic practices” (Menely, Young, 2005: 07).
8
“Se é verdade que o autoconhecimento é o mais difícil de alcançar, então, sem dúvida, uma antropologia de seu
próprio povo é a mais árdua, mas também a mais valiosa conquista de um pesquisador de campo”. Malinowski,
Bronislaw. “Preface”. In: H. T. Fei. Peasant Life in China: a field study of country life in the Yangtzes Valley.
New York: E. P. Dutton, 1939, p. xix-xvi.

12
Revisando a literatura crítica sobre o tema, os autores recuparam o argumento
apresentado por Marilyn Strathern (1987), que sugere que “o critério fundamental para a
pertinência da apropriação analítica antropológica é o da busca do reconhecimento do sentido
das experiências originais, em sua radical diferença do sentido que “nós” próprios viemos
eventualmente a atribuir-lhes” (Duarte, Gomes, 2008: 27). Nesse âmbito, retomam, também, o
conceito de “objetivação participante”9, formulado por Pierre Bourdieu (2003: 89-93).

O estatuto duplo (Duarte, Gomes, 2008: 32), ou dupla pertença (2008: 37) – ser
nativo e pesquisador -, pode levar, segundo esses autores, a uma sensação de “traição junto
aos pares (do grupo de origem), bem como ao descrédito frente aos colegas e avaliadores (de
disciplina). Afinal, “no universo da antropologia, ser “nativo” assumia dimensões não
prestigiosas, e combinar essa condição com a de “pesquisador” podia implicar o não-
reconhecimento da “cientificidade” da análise proposta” (idem: 38).

Relacionando essas questões ao meu processo de pesquisa, é preciso dizer que muitas
vezes me senti desconcertada face à essa dupla condição que se me impunha principalmente
nos momentos em que busquei interagir, no âmbito da pesquisa, com profissionais e críticos
do design. “Quer dizer que aqui eu sou o nativo?”, era mais ou menos assim a pergunta feita
por um desses críticos, logo no início da nossa conversa. Sem saber como reagir, acabei
dando uma resposta meio sem jeito: “Ah, mas eu também sou, né?”. Muitas vezes me
pergunto porque acabei escolhendo responder à pergunta como se quisesse consolar meu
interlocutor, como se a pergunta tivesse colocado em pauta um certo mal-estar, que - de fato -
eu muitas vezes senti, ao entrar em contato com pessoas que julgava serem importantes para a
pesquisa. A apresentação mais comum, de que eu estava matriculada no curso de doutorado
em um departamento de antropologia social estudando o design brasileiro a partir de Lina Bo
Bardi e Aloisio Magalhães, muitas vezes suscitava simpatia, curiosidade e, algumas vezes, um
certo ar de desconfiança, como, talvez, naquela ocasião.

9
Segundo Bourdieu, “l’objectivation participante se donne pour objet d’explorer, non « l’expérience vécue » du
sujet connaissant, mais les conditions sociales de possibilité (donc les effets et les limites) de cette expérience et,
plus précisément, de l’acte d’objectivation. Elle vise à une objectivation du rapport subjectif à l’objet qui, loin
d’aboutir à un subjectivisme relativiste et plus ou moins antiscientifique, est une des conditions de l’objectivité
scientifique” (2003: 44).

13
Ao longo do período de pesquisa, em que busquei entrar em contato com uma série
de pessoas que, de formas mais ou menos diretas, estão envolvidas com a produção e a
reflexão sobre a história do design no Brasil, terminei por interagir com familiares, antigos
colaboradores e pesquisadores das obras de LBB e de AM, e com colegas, ex-professores,
críticos, historiadores e jornalistas, designers, cientistas sociais, funcionários das instituições
de memória onde consta material arquivístico sobre os dois, entre outros. Porque, em diversos
momentos, senti necessidade de conversar de forma mais aprofundada com os autores das
reflexões sobre a história do design do Brasil que tocam de forma mais direta as questões
relativas à pesquisa que eu desenvolvia, acabei por estabelecer contatos com diversas pessoas
que eu não conhecia anteriormente, bem como por retomar contato com antigos colegas e
professores. Entretanto, para além das interlocuções mais diretamente orientadas para o
desenvolvimento da tese, da análise de livros e documentos, e na medida em que eu estava em
constante contato com designers e historiadores do design em meus círculos habituais de
sociabilidade, é preciso ressaltar que a pesquisa que eu realizava implicava, mais do que tudo,
na permanência em constante “estado etnográfico” (idem: 40), o que nem sempre foi fácil.

Para além das possíveis dimensões não prestigiosas, do receio de estar “traindo”
meus pares e de um provável não reconhecimento da cientificidade da análise proposta,
apontados por Duarte e Gomes (2008), a sensação que tive, diversas vezes durante o processo
de pesquisa, foi a de um constrangimento ou incômodo, que independia de uma reação mais
ou menos simpática à explicação que eu dava para os meus interlocutores sobre os meus
interesses de pesquisa. Esse incômodo era anterior às suas reações e, portanto, próprio de um
meu receio de incomodar alguém para fazer perguntas sobre uma história que uns diziam que
não tinha mais importância - porque as questões hoje eram outras -, e sobre o que outros
afirmavam não ter muito o que falar - porque o que havia por dizer já estava escrito. Apesar
de ter tido ótimas conversas com diversas daquelas pessoas, a minha própria posição me era
estranha. Por que querer conversar com aquelas pessoas sobre aqueles assuntos? Afinal, era
eu ‘nativa’ ou ‘pesquisadora’? Como construir, durante o processo de pesquisa, a objetivação
participante proposta por Bourdieu?

Assim como comentam Duarte e Gomes, fazendo referência ao sociólogo francês


(Bourdieu, 2005: 94), que “em alguns momentos tinha dúvidas se gostava mesmo das
pessoas, como cheguei a acreditar um tempão, ou se não acabara lhes dirigindo apenas um
interesse profissional, que também pode implicar uma forma de afeição” (apud Duarte,

14
Gomes, 2008: 41), muitas vezes me senti aturdida e confusa em relação à minha posição.
Mas, em algum momento, me dei conta de que uma coisa não era oposta à outra e, assim
como Edlaine Gomes, percebi que “não estava só pesquisando, mas também produzindo -
concomitantemente - uma reinserção” (idem) no meu grupo de formação. Desse modo, assim
como coloca Bourdieu,

c’est sans doute parce que je me suis trouvé ainsi amené à jeter sur le monde
originaire un regard professionnel, à la fois compréhensif et objectivant, que j’ai pu
m’arracher à la violence d’une relation ambivalente, où se mêlent la familiarité et
la distance, la sympathie et l’horreur, voire le dégoût, sans tomber dans la
complaisance populiste pour une sorte de peuple imaginaire à laquelle sacrifient
souvent les intellectuels. Et cette conversion de toute la personne, qui va bien au-
delà de toutes les exigences des traités de méthodologie les plus exigeants, a sans
doute été au principe d’une conversion théorique, celle qui m’a permis de me
réapproprier le rapport pratique au monde plus complètement qu’au travers des
analyses encore trop distantes de la phénoménologie. Ce retournement ne s’est pas
opéré en un jour, par une brusque illumination, et les nombreux retours sur mon
terrain béarnais (j’ai repris à trois reprises le travail consacré au célibat) se sont
imposés à moi pour des raisons techniques et théoriques et aussi, sans doute, parce
que le travail d’analyse s’accompagnait chaque fois d’un travail d’auto-analyse,
lent et difficile (2003: 56).

Então, ao mesmo tempo em que me afastava do design, observando-o a partir de uma


perspectiva antropológica, entendi que produzia uma reintegração ao campo disciplinar em
que eu fora formada. Esse processo terminou por me conduzir a uma espécie de reconciliação
comigo mesma (idem) e, nessa medida, percebi que não faria sentido, ao longo da
apresentação desta tese, deixar de colocar, de forma explícita, questões sobre a minha própria
posição, ou seja, “to incorporate personal narrative into a wider discussion of
anthropological scholarship” (Narayan, 1993: 672). Desse modo, compreendo, a partir da
proposta bourdiana,

que l’objectivation du sujet de l’objectivation n’est pas un simple divertissement


narcissique, ni même un pur effet d’une sorte de point d’honneur épistémologique
tout à fait gratuit, et qu’elle a des effets scientifiques bien réels. (…) Mais, plus
profondément, elle permet de soumettre à une vigilance critique de tous les instants
tous les «premiers mouvements (comme disaient les stoïciens) de la pensée à travers
lesquels l’impensé associé à une époque, une société, un état d’un champ
anthropologique (national) peut se glisser en contrebande dans le travail de la
pensée et dont ne suffisent pas à protéger les mises en garde contre l’ethnocentrisme
(Bourdieu, 2003: 49).

Assim, realizei que “l’objectivation scientifique n’est complète que si elle inclut le
point de vue du sujet qui l’opère et les intérêts qu’il peut avoir à l’objectivation (notamment
quand il objective son propre univers), mais aussi l’inconscient historique qu’il engage
inévitablement dans son travail” (2003: 47).

15
Na coletânea de artigos organizada por Anne Meneley e Donna J. Young, “Auto-
ethnographies: the anthropology of academic practices”, as organizadoras sugerem que
estudos desse tipo são desafiadores na medida em que

it requires those who are already embedded in particular cultural and social
processes to subject themselves and their most intimate surroundings to the same
forms of critical analysis as they would any other. As Bourdieu (1988) notes, this is
a particularly difficult exercise, as one must objectify the familiar. Such reflexivity
already assumes that there is no possibility of a truly uncontaminated point of view.
But in highlighting one’s positionalities, wich may shift radically over the course of
one’s career, one hopes to make explicit the social and structural parameters of play
(2005: 02-03).

Assumindo “le renversement qui consiste à prendre un point de vue sur son propre
point de vue, et, par conséquent, sur l’ensemble des points de vue par rapport auxquels il se
définit comme point de vue” (Bourdieu, 2003: 46), me re-aproximo dos discursos sobre o
design no país a partir de uma mirada antropológica (que, aqui, implica em considerar as
imbricações entre os discursos e as relações sociais a partir de onde eles são formulados),
tendo por objetivo perseguir as construções sociais desses discursos, ou seja, confrontar as
diferentes perspectivas a partir das quais se conforma o debate em torno de uma adequação da
prática de design ao contexto brasileiro, ou ainda, de uma suposta identidade nacional do
design brasileiro.

Reenquandrando10 a minha própria perspectiva, me re-aproximo do campo do


design, seguindo de perto os discursos desses vários agentes, bem como os eventos ao seu
redor, pretendendo, assim, questionar o que está em jogo em todas essas discussões. Se o
campo parece sofrer de uma crise existencial crônica, e precisa estar sempre re-colocando em
questão o tema da sua construção identitária, re-avaliando as bases conceituais a partir de
onde essa construção supostamente se conforma e se confirma, discutindo as referências
externas com que se dialoga - acompanhar essas discussões, em suas diversas versões, nas
diferentes situações em que elas tem lugar, transitando entre os diversos circuitos por onde ela
se reatualiza -, me parece uma estratégia de pesquisa profícua.

10
A esse processo, Narayan nomeia de “reframing”. A autora afirma que “in some ways, the study of one’s own
society involves an inverse process from study of an alien one. Instead of learning conceptual categories and
then, through fieldwork, finding the contexts in wich to aplly them, those of us who study societies in wich we
have preexisting experience absorb analytic categories that rename and reframe what is already know. The
reframing essentially involves locating vivid particulars with larger cultural patterns, sociological relations, and
historical shifts” (1993: 678).

16
É preciso esclarecer que, neste trabalho, assim como afirmam Duarte e Gomes,
“diferentemente do rico desenvolvimento que deu Bourdieu à questão da “objetivação
participante” – já antes evocada -, não é o objetivo dos pesquisadores refletir sobre o modo
pelo qual o habitus decorrente de suas condições sociais de origem pôde ensejar a análise aqui
empreendida” (2008: 45). Entendendo que “o máximo que se pode oferecer na produção
antropológica é a busca da explicitação mais constante possível dos sentidos circulantes de
cada lado dessa estranha díade” (idem: 51), assumo os riscos de uma antropologia do meu
próprio mundo social (idem: 53), ou seja, me dedico a uma tentativa de aproximação analítica
do design, minha área de formação, a partir de um exercício de distanciamento dele, operado
desde minha entrada para o mestrado (e em seguida para o doutorado) em antropologia social.

A partir daquele momento, afastando-me do design e aproximando-me da


experiência comparativa da antropologia (idem: 243), busquei reenquadrar e renomear
(Narayan, 1993) o que já sabia sobre ele11. O esforço de relativização (Duarte, Gomes, 2008:
244) da minha própria perspectiva, que me levou, indubitavelmente, a um processo de
desenraizamento12 (idem: 250) e a uma subseqüente reconciliação comigo mesma (Bourdieu,
2003: 56), terminou por promover uma reinserção (Duarte, Gomes, 2008: 41) no meu campo
de formação profissional original. Assim, ao mesmo tempo em que me formava como
antropóloga, revia, através da pesquisa, as possibilidades de atuação no campo disciplinar do
design. A partir de um gradual processo de “shifting identification” (Narayan, 1993: 675),
passei a entender que o grande valor dessa nova identificação, multi-facetada, era poder
colocar em discussão, a partir de diversas perspectivas, as questões levantadas pela pesquisa.

11
Sobre o tipo de conhecimento que se adquire pesquisando em um contexto a que já estamos familiarizados,
Narayan pondera que “whatever the methodologies used, the process of doing fieldwork involves getting to know
a range of people and listening closely to what they say. Even if one should already be acquainted with some of
these people before one starts fieldwork, the intense and sustained engagements of fieldwork will inevitably
transmute these relationships” (1993: 679). Assim, “given the diversity within cultural domains and across
groups, even the most experienced of "native" anthropologists cannot know everything about his or her own
society. In fact, by opening up access to hidden stores of research materials, the study of anthropology can also
lead to the discovery of many strange and unfamiliar aspects of one's own society” (idem: 678-679).
12
Segundo Duarte e Gomes, tal processo, que pode ser descrito como “um processo de de transformação de si
(mim) eventualmente descritível pelas categorias da “conversão” ou da “renúncia” (2008: 251), “concebido
como parte constitutiva da individualização, pode se dar em relação a diferentes níveis do seu mundo de origem:
lugar de nascimento, corporação de trabalho, religião herdada e família. O critério essencial é a substituição do
status atribuído pelo status adquirido. (…) o desenraizamento é pensado também como um desentranhamento da
relacionalidade original” (idem: 250). Assim, “o estranhamento, distanciamento ou relativização da condição
original do sujeito é a contrapartida subjetiva do processo mais objetivo de desenraizamento ou afastamento
físico do mundo de origem” (idem: 251).

17
Com esse objetivo, desde que terminei a dissertação (Anastassakis, 2007) passei a
freqüentar regularmente encontros acadêmicos de design e antropologia, apresentando,
primeiramente, os resultados da pesquisa de mestrado e, em um segundo momento, alguns
achados iniciais da pesquisa de doutorado. Buscando encontrar espaços onde discutir,
participei de diferentes grupos de trabalho e sessões temáticas, nos dois contextos
acadêmicos. Nesse movimento, pude perceber alguns critérios13 que organizam as áreas de
pesquisa em que os meus estudos poderiam vir a ser inseridos, e também de que forma o que
eu apresentava era percebido – segundo as mais diversas perspectivas. Esse processo de
constante dupla (se não múltipla) exposição dos achados de pesquisa fez com que, inúmeras
vezes, eu fosse estimulada a reformular as questões e as abordagens adotadas, o que
contribuiu, de forma decisiva, para o resultado final do trabalho.

13
Sem pretender analisar esses critérios, gostaria de recuperar, aqui, alguns episódios em que surgem, nesses
debates, percepções sobre as figuras a partir das quais se constrói esta tese, a saber, Lina Bo Bardi e Aloisio
Magalhães. No Brasil, a pesquisa em antropologia é muito mais consolidada do que a pesquisa em design. Nos
congressos de antropologia, tais como a Reunião Brasileira de Antropologia e a Reunião de Antropologia do
Mercosul, onde tenho tido oportunidade de participar, há uma estrutura organizada, de mais fácil navegação. Em
um primeiro momento, apresentei meus achados de pesquisa em diferentes grupos de trabalho ligados às
questões de políticas de preservação do patrimônio cultural. Também apresentei em grupos de trabalho
próximos, mas não diretamente vinculados a essa área, tais como o GT de Antropologia do Espaço, coordenado
pelo Prof. José Reginaldo Gonçalves na RBA de 2010, em Belém do Pará.

Nessas instâncias, relacionadas mais ou menos diretamente às questões relativas às políticas de preservação do
patrimônio cultural, bem como a questões ligadas aos estudos da cultura material, meus interesses de pesquisa
fazem parte de um repertório que é relativamente familiar a todos os pesquisadores. Na medida em que parte do
trabalho de Aloisio Magalhães (principalmente a partir da segunda metade da década de 1970 até sua morte em
1982) é conhecido, porque faz parte da própria história das instituições oficiais de preservação, notadamente via
IPHAN, e que existe um interesse por uma possível relação entre as elaborações realizadas por AM e as políticas
recentes de preservação do patrimônio imaterial ou intangível (via Inventário Nacional de Referências Culturais,
instrumento oficial para identificação e registro do patrimônio cultural imaterial, instituído no ano de 2000); e
que parte do trabalho de Lina Bo Bardi é também familiar, uma vez que se aproxima das questões da produção
da cultura material popular ou do que se convencionou chamar de artesanato, percebo que minha pesquisa gera
um certo interesse e é facilmente absorvida nas discussões em pauta.

Nos encontros e congressos de design em que tive a oportunidade de participar, as áreas temáticas de discussão
não são tão delimitadas, nem há estruturas sedimentadas para as discussões, tal como na antropologia. Há um
campo de discussão sobre as relações entre design e artesanato, na medida em que hoje existem muitas empresas
e órgãos do governo que investem em programas que engajam os designers e certas comunidades produtoras de
artefatos em projetos. Esse campo de discussão funciona, em grande parte, como fórum de debate, e troca de
experiências e reflexão para quem está em ‘campo’ hoje, participando de um mesmo tipo de iniciativa. Há,
também, um campo de discussão sobre a história do design, e nesse campo, sobre a história do design brasileiro.
Ao longo dos últimos anos, desde que terminei o mestrado, tenho circulado entre essas distintas arenas de
discussão, buscado estabelecer pontes de interlocução relevantes para o desenvolvimento da minha própria
pesquisa. Entretanto, realizo que se percebe, de forma bastante heterogênea, os problemas que venho formulando
desde minha entrada para o mestrado. Há, inclusive, situações bastante curiosas, e até mesmo constrangedoras,
como algumas apropriações politicamente interessadas das discussões apresentadas por mim. Todavia, isso seria
matéria para um outro estudo.

18
Acredito que a partir de uma análise contrastiva entre algumas séries descontínuas de
discursos (Foucault, 2007), articuladas por diversos atores-autores no campo do design
brasileiro, em diferentes momentos e contextos, posso me lançar a um exercício de
desnaturalização ou relativização, e, assim, através de um engajamento dialógico com
múltiplas fontes e perspectivas, reelaborar alguns dos inúmeros sentidos estabelecidos no
campo, durante seu processo de constituição. Faço isso investindo na proposta de Narayan,
que identifica “an emerging style in anthropological writing called the enactment of
hybridity” (1993: 681), que consiste em “including the perspective of the social analyst along
with narratives from or about people studied” (idem). Nessa proposta, narrativa (associada a
conhecimentos subjetivos) e análise (associada a verdades objetivas) são apresentadas de
forma contígua (idem: 682). Assim, “by situating ourselves as subjects simultaneously
touched by life-experience and swayed by professional concerns, we can acknowledge the
hybrid and positioned nature of our identities. Writing texts that mix lively narrative and
rigorous analysis involves enacting hybridity, regardless of our origins” (idem).

Nesse sentido, busco construir uma leitura crítica sobre algumas questões e temáticas
recorrentes no debate sobre o design no Brasil, e, mais especificamente, ao que parece ocupar
um lugar de destaque naquele debate, a saber, as relações de vinculação identitária do design
com o contexto cultural brasileiro. O que estaria em jogo nesses “processos onde se forja
através de ácidos debates uma certa “comunidade de pensamento”” (Faria, 2002: 08)?
Observar a discussão entre brasilidade e modernidade a partir do design é também discutir o
modo como os praticantes dessa atividade (os designers) elaboram o seu próprio campo
profissional, e como, enquanto eles fazem isso, ao mesmo tempo projetam uma idéia de
Brasil14, que, para eles, o design ajudaria a configurar.

14
É importante ressaltar que não estou buscando, neste estudo, revelar alguma “verdade última” (Faria, 2002:
08) sobre uma suposta interpretação do país contida nos debates sobre o design brasileiro, nem tampouco afirmar
que há uma posição unívoca quanto à compreensão das possibilidades de desenvolvimento de uma área de
atuação profissional como o design em um país como o Brasil. Meus interesses apontam para outras direções,
notadamente aquelas que nos levem a uma compreensão matizada das discussões e das múltiplas perspectivas
com que vem se delineando, ao longo dos últimos cinqüenta anos, os debates sobre a produção da cultura
material em um ambiente industrial no país. Nesse sentido, alinho-me ao comentário de André Botelho e Lilia
Moritz Schwarcz, na introdução do livro “Um enigma chamado Brasil – 29 intérpretes e um país”, quando eles
afirmam que “não se trata de supor a tradição intelectual brasileira como contendo alguma unidade perene em si
mesma, tampouco de considerar que todas as interpretações do Brasil que a compõem estejam respondendo a
uma mesma questão ou que sejam equivalentes. Também não se imagina que os intérpretes do Brasil dialoguem
entre si de maneira, apenas, harmoniosa. O pensamento social é feito de muitas contradições, ajustes e

19
Assim, entendo que esse trabalho persegue uma série de construções discursivas em
que se elabora os domínios de uma disciplina, ao mesmo tempo em que articula uma idéia de
país. Entendendo que, tal como afirma Luiz de Castro Faria, “o estudo da obra e do percurso
social [de um autor] permite examinar como se modifica e se elabora aquilo a que chamamos
de pensamento social brasileiro” (2002: 08), sugiro que à pesquisa em torno da conformação
de uma certa comunidade de pensamento vinculada à atividade do design no Brasil,
poderíamos chamar de um estudo de caso sobre o pensamento social do design brasileiro.

Mais do que pensar o Brasil, em si, me parece que a esses autores, dentro do campo,
era importante construir a própria possibilidade do exercício de uma atividade profissional
que nascera mirando uma certa idéia de universalismo, em um novo contexto - pós-Segunda
Guerra Mundial, e, logo depois, pós-1968 - em que a própria noção de universalismo, a partir
de onde o design moderno se constituiu, deixa de fazer sentido. Assim, a busca por uma
identidade nacional do design brasileiro, ontem e hoje, parece estar relacionada à tentativa de
construção de um novo modus operandi que viabilize (conceitualmente, e para aquela
comunidade de pensamento) a prática da sua própria atividade profissional em um contexto
como o brasileiro, na segunda metade do século XX. Por isso, talvez, ganha vulto a discussão
em torno dos modos de produção artesanal e industrial em relação à prática do design.

Entendendo minha pesquisa como interação, busco, então, expandir o debate,


colocando em debate. Dessa forma, elejo como interlocutores tanto os produtores de uma
reflexão sobre o design brasileiro hoje, quanto alguns designers que são eleitos por eles (e
também por mim) como os principais articuladores de uma ampliação do espectro de atuação
e discussão sobre o design no Brasil, bem como alguns cientistas sociais que têm se dedicado
a investigar as relações que diversos ramos do conhecimento têm estabelecido com o contexto
nacional brasileiro e com projetos de modernidade.

desajustes, e será frutífero entender esse painel, como uma grande e inesgotável multiplicidade. Ainda que
afinidades e continuidades entre intérpretes de diferentes momentos históricos possam ser buscadas, isso não
altera a pluralidade constitutiva da tradição intelectual brasileira. Esta, em verdade, se assemelha mais a uma
arena de conflitos interpretativos e de disputas sobre, ao fim e ao cabo, o que é o Brasil” (2009: 12-13).

20
Entre heróicos e modernos, história, arquitetura, antropologia e design

Alguns anos depois de ter terminado a graduação, entrei para o mestrado em


antropologia social no Museu Nacional. Interessada na discussão em torno do patrimônio
cultural, me deparei com a referência a Aloisio Magalhães. Nas narrativas sobre a trajetória
das políticas de patrimônio cultural no Brasil, AM surgia como alguém que marcava uma
ruptura. Naquelas narrativas, há um consenso quanto a delimitação histórica de duas fases – a
‘heróica’ e a ‘moderna’, segundo as quais a trajetória dessas políticas teria sido organizada.
Em um primeiro momento, iniciado com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (SPHAN) em 1937, o ‘patrimônio’, orientando segundo um paradigma
histórico, teria voltado sua atenção para a proteção dos bens ‘de pedra e cal’. Nesta fase,
denominada de ‘heróica’, compunha o quadro do SPHAN uma série de intelectuais ligados ao
movimento moderno brasileiro, entre eles o arquiteto e urbanista Lucio Costa.

Ainda segundo aquelas narrativas, é consensual a percepção de que a partir da


nomeação de AM para a presidência do já renomeado Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN), em 1979, se inicia a fase ‘moderna’, que, orientada segundo um
‘paradigma antropológico’, teria ampliado o conceito de patrimônio cultural, incorporando,
progressivamente, bens de natureza imaterial ou intangível. Dessa forma, as primeiras leituras
sobre o tema do patrimônio cultural sugeriam que ao nome de AM se associava uma ‘virada
antropológica’ nas políticas de patrimônio cultural nacionais.

AM era, para mim, até então, um designer. Um dos fundadores da ESDI, ele foi um
dos mais reconhecidos designers gráficos brasileiros de seu tempo15. Além de ter tido acesso à

15
Para se ter uma idéia da representatividade que o pernambucano tem no campo do design brasileiro: em 1998,
o então presidente Fernando Henrique Cardoso instituiu o dia 05 de novembro, data do nascimento de AM, como
“Dia Nacional do Design”. No texto que justifica a criação dessa data comemorativa, reproduzido no website
www.codigolaranja.com.br, nota-se que um dos argumentos utilizados para a escolha do aniversário de
nascimento de AM é a “sua defesa de conceitos como a brasilidade”.

“No dia 19 de outubro de 1998, o então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, assinou um
decreto instituindo o dia 5 de novembro como o “Dia Nacional do Design”, que começou a vigorar a partir da
data de sua publicação no Diário Oficial, o dia 20 de outubro do mesmo ano. Esta data foi instituída em
homenagem a um defensor do design no Brasil, o advogado, artista plástico, designer e planejador brasileiro
Aloisio Magalhães, nascido em 5 de novembro de 1927. Sendo um dos designers mais importantes de sua época,
Aloisio desenvolveu projetos conhecidos nacional e internacionalmente, como a identidade visual da Petrobras

21
sua obra ainda na faculdade, foi na ESDI, em um curso do professor João de Souza Leite, que
tive contato, pela primeira vez, com o livro “E Triunfo? A questão dos bens culturais no
Brasil”, compilação de textos de AM organizada por Souza Leite, em colaboração com
Joaquim Falcão e José Laurenio de Melo, em 1985.

Assim, apesar de conhecer o livro e de saber da atuação de AM no campo das políticas


culturais, me intrigou o fato de, nas narrativas sobre as políticas de patrimônio cultural no
Brasil, seu nome estar associado a uma mudança de paradigma, no sentido de uma orientação
‘antropológica’ que essa política teria adotado a partir de sua entrada em campo. Naquele
momento, interessava problematizar a associação de uma perspectiva histórica das políticas
de preservação do patrimônio cultural ao nome de um arquiteto modernista e, face a isso, a
vinculação do marco de transformação daquela perspectiva - para uma orientada segundo
paradigmas antropológicos, ao nome de um designer.

A primeira questão que se colocava: o que aconteceu na segunda metade dos anos
1970 para que uma política orientada segundo uma visão histórica fosse reformulada a partir
de uma mirada antropológica? Acompanhada dessa questão, estava uma outra, mais curiosa
ainda: como e por que se associava (mesmo que de forma indireta) a primeira perspectiva à
arquitetura moderna brasileira e a segunda ao desenho industrial?

(alterada há alguns anos), o desenho das notas do cruzeiro novo e o símbolo do IV Centenário do Rio de
Janeiro. Participou do grupo de vanguarda “O Gráfico Amador” em Recife, na década de 60. Na mesma época,
ganhou os principais concursos brasileiros de desenho de símbolos. Em 1962, participou da criação da Escola
Superior de Desenho Industrial (ESDI) e, em 1980, assumiu a Secretaria de Cultura do MEC. Aloisio
Magalhães sempre defendeu conceitos como a “brasilidade” do design e a recuperação da memória artística e
cultural brasileira e foi, sem dúvida, uma das figuras mais importantes da história do design brasileiro. Entre
seus trabalhos, o design das notas do cruzeiro novo é um dos mais conhecidos. Aloisio acabou com o conceito
de “pé” e “cabeça” do dinheiro, criando uma moeda individualizada e reconhecida como inovadora
mundialmente e influenciando todo modo de produção monetário no Brasil desde então. O design brasileiro e a
indústria nacional têm muito a agradecer ao empenho de Aloisio Magalhães, pois foi por esforço dele que hoje
podemos identificar um avanço no entendimento do significado do design pelo empresariado. Este entendimento
vem se reafirmando pelos resultados vivos obtidos pela indústria nacional através da efetiva inserção do design
nos processos produtivos como ferramenta fundamental no desenvolvimento de seus produtos e, pela sensível
percepção dos resultados traduzidos na rentabilidade da produção, na racionalização de processos, na melhor
adequadação de materiais e na preocupação com o impacto dos produtos no meio ambiente. A mistura de todos
estes fatores remete a uma produção caracterizada pelos diferenciais necessários para o aprimoramento do
padrão de qualidade do produto nacional e para o bom desempenho na sua comercialização nos mercados
interno e externo. A busca pela “brasilidade” nos produtos como identidade começou com a visão futurista do
designer Aloisio Magalhães e vem se reafirmando a cada dia através do esforço dos profissionais de design e do
bom entendimento da indústria.”

22
Esse foi o mote para o desenvolvimento da minha pesquisa de mestrado.
Aprofundando as leituras sobre o patrimônio cultural brasileiro, notei que, segundo as
narrativas do próprio IPHAN, e também naquelas produzidas pela academia, apesar de o
marco da ‘virada antropológica’ estar relacionado ao ano de 1979, é em 1975 que AM teria
começado a gestar as propostas que levou para a esfera oficial, quatro anos depois.

Naquele ano, AM fundava, em Brasília, o Centro Nacional de Referência Cultural.


Ora, se foi no CNRC que se gestou uma política cultural articulada a uma ‘perspectiva
antropológica’, me pareceu que investigar sobre o Centro seria produtivo no sentido de
compreender em que consistia a tal ‘mirada antropológica’ de AM. O que teria acontecido
para que o famoso designer se convertesse em um antropólogo? No que consistia o seu ‘olhar
antropológico’? Foi buscando responder a essas questões que me engajei em uma pesquisa
sobre o CNRC.

Quando percebi a presença de AM nas narrativas sobre o patrimônio cultural,


procurei o Prof. João de Souza Leite, que me fizera ter contato, ainda na ESDI, com a face
político-cultural do designer pernambucano - com quem ele, também um ex-aluno da ESDI,
havia trabalhado. Comentando sobre as questões que me interessava problematizar, ele
sugeriu que eu iniciasse a pesquisa nos arquivos do IPHAN, em Brasília, onde estavam
depositados os documentos do Centro. Foi, assim, a partir do arquivo que desenvolvi a
pesquisa que resultou na dissertação intitulada “Dentro e fora da política oficial de
preservação do patrimônio cultural no Brasil: Aloisio Magalhães e o Centro Nacional de
Referência Cultural” (Anastassakis, 2007).

Nas narrativas sobre a trajetória das políticas públicas preservação do patrimônio


cultural brasileiras – tanto as oficiais, quanto as produzidas pela academia – 1979 marca o
momento em que o CNRC foi fundido ao IPHAN, que, em seguida, foi desmembrado em
Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) e Fundação Nacional Pró-
Memória (FNpM). Assim, naquelas narrativas, o Centro surge como mais um episódio da
trajetória das políticas oficiais de patrimônio cultural, vinculadas, desde 1937, ao IPHAN e,
por extensão, ao Ministério de Educação e Saúde (MES), depois Ministério de Educação e
Cultura (MEC).

Contudo, conforme aprofundava as leituras sobre o tema, tal inserção soava como
uma indexação forçada, anacrônica. Quando tive acesso aos documentos produzidos pelo

23
Centro, percebi que sua proposta inicial era outra, desvinculada, a princípio, das questões que
regiam o campo do patrimônio cultural. A partir de tal constatação, decidi ensaiar um
movimento diverso do seguido pela literatura corrente, no que tange à reflexão sobre o Centro
Nacional de Referência Cultural. Considerei retirá-lo do quadro das políticas públicas de
preservação cultural, e pesquisar, dentro do material produzido pelo CNRC, as justificativas
de sua criação, confrontando, assim, as narrativas do patrimônio com os documentos
produzidos pelo grupo do Centro.

Então, na pesquisa de mestrado, ensaiei uma revisão da versão consagrada, ou seja,


uma desnaturalização da posição a partir de onde a experiência do CNRC vem sendo
interpretada. O que questionei foi o modo apriorístico como alguns autores inseriram o CNRC
nas políticas oficiais de preservação do patrimônio cultural nacional. Se ele foi ‘catalogado’
como pertencente a essa política, uma vez que, efetivamente, foi incorporado por ela em
1979, sendo definido, então, como de dentro, sugiro que ele não se propunha como tal, e,
portanto, observei como ele se constituiu, de fora da esfera oficial de preservação cultural.

A pesquisa com os documentos permitiu vislumbrar relações que o CNRC


estabeleceu com outras áreas, tanto políticas quanto teóricas. Sua fusão com o IPHAN, que
veio a modificar, de fato, o modo como se pensa e se pratica a preservação cultural a nível
oficial no Brasil, parece ter sido mais uma saída política circunstancial encontrada pelo grupo,
que estava confrontado com a necessidade de institucionalização definitiva, do que um
planejamento cultivado e realizado em função de estritas afinidades temáticas.

As questões que os pesquisadores do CNRC levantavam tinham vinculações mais


imediatas com os temas do desenvolvimento - em sua relação com a cultura, que, por sua vez,
era compreendida a partir de sua ligação com o contexto de onde ela emerge; da tecnologia –
e, dentro desse tópico, com o que era denominado de ‘tecnologia patrimonial’ (ou ‘proto-
tecnologia’, ou ‘pré-design’), vinculado a um questionamento da ciência e de suas
possibilidades em um país tropical e subdesenvolvido; da produção e da dinâmica cultural; de
uma consideração de Brasília no cenário nacional; e, por fim, do design como
responsabilidade social, ou seja, do compromisso de construção de um desenho projetivo para
o Brasil.

Entendo, então, que a proposta político-cultural levada para o IPHAN com a fusão do
CNRC era, de fato, mais comprometida com uma visão de futuro do que com uma estrita

24
preservação do passado, mas vale ressaltar que isso não significa dizer que na visão de AM o
passado não devesse ser considerado. Utilizando a metáfora do bodoque, ele dizia que “a
previsão ou a antevisão da trajetória de uma cultura é diretamente proporcional à amplitude
e profundidade de recuo no tempo, do conhecimento e da consciência do passado histórico.
Da mesma maneira como, por analogia, uma pedra vai mais longe na medida em que a
borracha do bodoque é suficientemente forte e flexível para suportar uma grande tensão,
diametralmente oposta ao objetivo de sua direção” (apud Souza Leite, 2003: 11).

Percebendo a produtividade de compreender as questões que nortearam a proposta de


um órgão como o CNRC para além dos limites da área de preservação do patrimônio cultural,
investi em um movimento diferente daquele realizado até então: se a literatura sobre o
patrimônio cultural no Brasil tentava trazer para dentro da trajetória das políticas públicas de
preservação cultural a experiência do Centro, ensaiei o exercício contrário. Tentando seguir a
pista encontrada nos documentos de dentro, experimentei observá-lo de fora da trajetória do
patrimônio cultural nacional, buscando lançar um olhar sobre a sua experiência enquanto algo
que teve início, meio e fim, e uma inserção específica em um dado contexto histórico, em um
diálogo aberto com diversas áreas e questões.

Pensamento social de design brasileiro em Lina Bo Bardi e Aloisio Magalhães

Pesquisando sobre o CNRC, e buscando compreender o cerne de um (dito) ‘novo


paradigma antropológico’ associado às políticas culturais veiculadas pelo IPHAN a partir da
administração de AM, não encontrei menções significativas à antropologia, mas sim, ao
design. Observei que o que foi tomado (pela literatura sobre as políticas de preservação do
patrimônio cultural no Brasil) como ‘paradigma antropológico’ – associado às idéias e ações
de AM – era, em sua concepção original, a busca por um design propriamente nacional, ou
seja, um desdobramento da compreensão que AM tinha do design, que, ao mesmo tempo em
que terminou por afastá-lo de uma prática mais cotidiana das atividades projetivas,
aproximando-o cada vez mais das questões relacionadas às políticas de cultura, ainda não foi
o suficiente para transformá-lo em um antropólogo.

Assim, explorei a hipótese de que AM se aproximou do campo das políticas culturais

25
na medida em que levou às últimas conseqüências a sua concepção de design. O que se passa,
a meu ver, é que, talvez, essa concepção fosse tal que suscitasse associações com a disciplina
antropológica, e nessa medida interessava, então, investigar em profundidade no que ela
consiste. Com essas colocações, não pretendo dizer que as suas idéias não tivessem nenhuma
relação com a antropologia, em um sentido mais amplo. Apenas apontar para o fato de que há
um deslocamento entre o que se diz (e o que se entendeu) que ele fez, ou que ele pensava, e o
que encontramos nos documentos escritos por ele e pela equipe do CNRC.

Nesse caso, por razões que merecem ser consideradas em maior profundidade,
entendo que as fronteiras entre o que se denomina de design e o que se chama de antropologia
não são tão facilmente delimitáveis. Ou melhor, o que tem sido lido (pela literatura sobre
patrimônio cultural no Brasil) como antropologia, pode ser também compreendido como uma
visão de design que, por suas características específicas, se permite ser lida como ‘mirada
antropológica’. No campo do patrimônio cultural, os que falam de AM e do Centro Nacional
de Referência Cultural associam suas idéias a uma ‘perspectiva antropológica’. AM e seus
parceiros discutiam a partir de outros termos, tais como: processos culturais, produtos,
tecnologias e design.

A partir dessas observações, me propus a pensar sobre as questões que estão


envolvidas quando se toma por ‘antropológico’ um discurso que se formula a partir do campo
do design. O que, por ora, pode-se depreender desse ‘diálogo surdo’ é que o discurso de AM
tem sido recuperado hoje, no Brasil, como uma das matrizes discursivas tanto no campo do
patrimônio cultural quanto no campo do design. E que tem servido de referência ou
inspiração, nos dois campos, para aqueles que buscam uma conceituação e uma prática mais
comprometida com as questões relativas ao que poderíamos chamar de cultura, ou identidade
cultural nacional.

Em função de tais constatações, decidi partir para uma investigação mais detalhada
sobre o pensamento de AM, que considerei, a princípio (Anastassakis, 2007), como um
pensamento social de design – ou seja, um pensamento que parte do design no sentido de
repensar a própria cultura ou sociedade em que se pratica o design, neste caso, a cultura ou a
sociedade brasileiras. Por isso, iniciei a pesquisa para o doutoramento decidida a investigar
que pensamento social de design era esse, formulado por AM - que, articulando-se a partir do
design, termina por afastar o pernambucano dessa área de atuação, aproximando-o da criação

26
e da gestão de políticas públicas de cultura, a nível federal.

Propondo-me a questionar a própria idéia de que o pensamento de AM fosse um


pensamento de design, interessava entender, naquele momento, quais as forças que
contribuíam para a conformação da sua perspectiva face à compreensão do que representa
fazer design em um contexto como o brasileiro, e avaliar porque tal perspectiva, construída
gradualmente ao longo da sua trajetória, termina por o aproximar das questões ‘culturais’, ao
mesmo tempo em que o afasta de uma prática estritamente vinculada à atividade profissional
de design. Que movimento conceitual seria aquele que, ao mesmo tempo em que o aproxima
das políticas culturais, o afasta da atividade profissional do design? Qual o lugar, no design,
que leva a uma reflexão sobre a cultura, e em que medida a proposta de levar adiante tal
reflexão implica em um afastamento da atividade do design? Com algumas dessas questões
em mente, iniciei a pesquisa para o doutoramento.

Em um texto de 1977, intitulado “Da invenção e do fazer – reflexão sobre o


artesanato e o homem”, AM cita um artigo de Lina Bo Bardi publicado na revista Malasartes
no ano anterior. Posteriormente, o artigo citado foi incluído na coletânea de artigos editada
pela arquiteta com o título de “Tempos de grossura: o design no impasse”. A partir da leitura
desse e de outros textos de LBB, percebi uma certa semelhança entre o discurso do designer
pernambucano16 e aquele formulado pela arquiteta italiana17, ou seja, encontrei em ambos

16
Aloisio Magalhães nasceu em 05 de novembro de 1927, em Recife, Pernambuco. Filho caçula do médico e
professor Aggeu Magalhães, diretor da Faculdade de Medicina e Secretário de Educação e Saúde do Estado, e
sobrinho de Agamenon Magalhães, político que fora interventor em Pernambuco durante o Estado Novo e
Ministro da Justiça de Getúlio Vargas. Conviveu desde criança com figuras da elite política e intelectual de
Recife, tais como Gilberto Freyre. Entrou para a faculdade de Direito, em 1945, profissão que não chegou a
exercer. Em 1946, participou do Teatro do Estudante de Pernambuco (TEP), com Hermilo Borba, Ariano
Suassuna e Gastão de Holanda. Em 1949, montou um atelier com o pintor Reynaldo Fonseca. Em 1951, recebeu
uma bolsa do governo francês para estudar museologia no Museu do Louvre. Em Paris, freqüentou o atelier de
gravura de Stanley William Hayter, e estreitou laços de amizade com Paulo Emilio Salles Gomes e Francisco
Brennand. Dois anos depois, retornou ao Recife, onde fez sua primeira exposição de pinturas. Em 1954,
participou do atelier “O Gráfico Amador”, de experimentação gráfica. Em 1956, recebeu nova bolsa de estudos,
dessa vez concedida pelo governo norte-americano. Nessa ocasião, viajou pelos EUA, itinerando com a
exposição, junto a outros artistas cujas obras formavam a mostra, inicialmente montada no MAM-SP. Conheceu
também Eugene Feldman, artista gráfico e tipógrafo experimental, dono da gráfica “The Falcon Press” e
professor da Philadelphia Museu School of Art. É ali que inicia sua aproximação com o design. Em 1960,
integrou a delegação brasileira na 30a Bienal de Veneza. Em 1961, realizou sua última exposição de pinturas, na
Petite Galerie, no Rio de Janeiro e ministrou curso de tipografia com Alexandre Wollner no MAM-RJ. No ano
anterior, mudara-se para o Rio de Janeiro, deixando de pintar para abrir um escritório de design, em sociedade
com Artur Lício Pontual, arquiteto e amigo do Recife, e Luís Fernando Noronha, técnino em edificações. Em
1962, se casa com a francesa Solange Valborg (com quem teve duas filhas), participa da criação da Escola
Superior de Desenho Industrial e desfaz a sociedade inicial do escritório, que, renomeado de “Aloisio Magalhães

27
reflexões sobre o mesmo corpo de questões, a saber, as relações entre industrialização,
desenvolvimento e cultura popular, ou também, entre design e identidade cultural nacional.

Em um segundo momento de pesquisa, me pareceu, então, que seria produtivo


realizar uma análise comparativa entre as produções discursivas de LBB e AM. Não pretendo,
com isso, especular sobre a existência de algum tipo de identidade comum aos dois, mas, sim,
e tão somente, explorar a idéia de que haveria entre eles, de algum modo, uma equivalência
sem identidade (Ricoeur, 2011: 66) que, explorada através do modo comparativo, nos levaria

Programação Visual Desenho Industrial”, é a base a partir de onde se realizam projetos de grande porte e
complexidade, muitos deles tendo como clientes empresas públicas. Entre os projetos, consta o símbolo do IV
Centenário da cidade do Rio de Janeiro, sinais de bancos e de identificação dos logradouros cariocas, a
identidade visual da Petrobras, o desenho de cédulas do cruzeiro novo (entre elas, a nota do “Barão”). Quando
completava cinqüenta anos, em 1975, uniu-se ao Ministro da Indústria e Comércio, Severo Gomes, e ao
Secretário de Educação do Distrito Federal, Vladimir Murtinho, na criação do Centro Nacional de Referência
Cultural, em Brasília. A partir da criação do órgão, afastou-se gradativamente do escritório, até realizar seu
último projeto gráfico, o sinal do Banco Boavista, de 1976. Em 1979, foi nomeado presidente do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Em 1981, depois de desmembrar o IPHAN em Secretaria do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e Fundação Pró-Memória, assumia também a Secretaria de Cultura do
então Ministério da Educação e Cultura. Em 13 de junho de 1982, enquanto representava o então Ministro
Rubem Ludwig em um encontro de ministros da cultura de língua latina na Itália, sofreu um AVC, falecendo
subitamente (Souza Leite, 2006b: 06-12).
17
Acchilina di Enrico Bo nasceu em 1914, em Roma. Seu pai era engenheiro civil e tinha como hobby a pintura.
LBB cursou o Liceu Artístico por quatro anos e sem seguida entrou para a Unversità degli studi di Roma. Seu
projeto final de graduação foi um projeto de hospital-maternidade, concebido segundo parâmetros modernistas.
Recém-formada, se mudou para Milão, onde trabalhou como ilustradora de revistas, e depois como colunista.
Nesse momento, trabalhou com Giò Ponti, arquiteto, designer, editor e promotor do artesanato italiano. Em
colaboração com Carlo Pagani, LBB fundou, em 1945, a revista Quaderni di Domus. No mesmo ano, os dois
fundaram também a revista “A – Cultura della vita”, que circulou por menos de um ano. Em 1946, logo após o
término da Segunda Guerra Mundial, viajou pela Itália pesquisando artesanato, no âmbito de uma exposição
têxtil encomendada pela empresa RIMA. Já casada com o jornalista, crítico e comerciante de arte Pietro Maria
Bardi, LBB migra para O Brasil, em 1947. Instalando-se em São Paulo, os dois participam da criação do Museu
de Arte de São Paulo, patrocinado por Assis Chateaubriand. Ainda em 1948, cria com Giancralo Palanti, o
Studio Arte Palma. Em 1951, já naturalizada brasileira, LBB constrói a Casa de Vidro, residência do casal, e,
junto a Jacob Ruchti, os dois criam, no MASP, o Instituto de Arte Contemporânea, que funciona até o ano de
1953. Entre as diversas iniciativas desenvolvidas pelo museu, editam a revista “Habitat”. Em 1958, LBB projeta
a Casa Valeria Cirell e a futura sede do MASP, inaugurada dez anos depois. Entre 1957 e 1958, dá aulas na
Faculdade de Aquitetura da Universidade de São Paulo. Nesse mesmo ano, tem início um período na Bahia, que
dura até o momento de instituição do golpe militar de 1964. Na capital baiana, dirige o Museu de Arte Moderna
da Bahia e funda o Museu de Arte Popular. Reforma o complexo arquitetônico do Unhão, onde se instalariam os
dois museus. Dentro do projeto do MAP, planeja a criação de uma Escola de Desenho Industrial e Artesanato,
que não chega a ser implementada. Com o golpe militar, é forçada a deixar Salvador, iniciando um longo período
de silêncio forçado, que dura até 1976, quando, depois de ver sua atuação restrita a projetos de cenografia para
teatro e cinema, ela volta a receber propostas para o desenvolvimento de projetos de arquitetura, destacando-se,
nesse período, seu projeto para o centro comunitário e de lazer do SESC, na Pompéia, bairro operário da capital
paulista, onde além do projeto de reforma e requalificação arquitetônica, ela atua como programadora cultural,
até o início dos anos 1980. Na segunda metade da década de 1980, inicia uma série de colaborações com
municipalidades gestadas por políticos ligados aos partidos de oposição. Nesse momento, elabora um projeto-
piloto para a revitalização do centro-histórico da cidade de Salvador e um projeto para a nova sede da prefeitura
de São Paulo. Faleceu em março de 1992, em sua residência, em São Paulo.

28
a uma des- ou re-construção de certos sentidos difusos ou perdidos no campo. Comparando,
então, esses casos muito diferentes e no entanto associáveis (Duarte, Gomes, 2008: 11),
pretendo me aproximar das perspectivas daqueles agentes, bem como de suas relações com o
campo do design no Brasil.

Levando em conta a perspectiva bourdiana que afirma que “o campo exerce um


efeito de refração” (Bourdieu, 1996b: 60), e que “não podemos compreender o que ocorre a
não ser que situemos cada agente ou cada instituição em suas relações objetivas com todos os
outros” (1996b: 60), me pareceu, então, que analisar contrastivamente os discursos e os
posicionamentos de LBB e AM, buscando criar movimentos sucessivos de aproximação e
distanciamento, poderia ser uma boa estratégia no sentido de criar um ambiente de pesquisa
onde fosse possível, a partir deles, remontar redes, projetos, cosmologias, trazendo à tona,
assim, os contextos a partir de onde se constróem os debates sobre o design no Brasil.

Além da semelhança entre alguns de seus textos, é bastante assemelhado o modo


como os dois são vistos/lidos hoje, dentro de um campo mais vasto em que design e
arquitetura partilham algumas questões. A LBB, assim como a AM, se associa uma ‘mirada
antropológica’. Nos diversos estudos dedicados à análise da obra de LBB, realizados em
grande parte por pesquisadores relacionados à área da arquitetura, a maioria localizada em
São Paulo e em Salvador (cidades onde LBB atuou durante mais tempo), percebe-se a
arquiteta italiana de forma muito semelhante ao modo como os historiadores do design tem
percebido a presença de AM, neste campo.

Aos dois, é creditada uma ampliação dos limites que conformam essas respectivas
práticas profissionais no país, bem como a proposição de reflexões que aproximam tanto o
design quanto a arquitetura de uma perspectiva mais comprometida com as questões relativas
aos contextos culturais a partir de onde se realizam aquelas práticas. Além das visões
conformadas dentro desses dois campos, alguns intelectuais ligados à formulação de políticas
públicas nas áreas de patrimônio cultural, arquitetura, design, arte e artesanato, tem se
utilizado, recorrentemente, das formulações de ambos para problematizar ou justificar a
criação e a condução de políticas públicas.

Voltando a minha atenção para a produção acadêmica, buscando aprofundar minha


leitura daqueles que estudam LBB e AM, bem como daqueles que hoje produzem reflexões
críticas e/ou históricas sobre design e arquitetura no Brasil, percebi que diversos autores já

29
vem fazendo, há quase vinte anos, e de forma mais continuada, nos últimos dez anos,
associações entre a italiana e o pernambucano (Lessa, 1994; Chagas, 2002; Souza Leite,
2006a; Moraes, 2006; Cara, 2010 (2008); Nobre, 2008; Borges, 2009). Assim, notei que hoje,
em diferentes contextos e por diversos agentes, os nomes de LBB e AM são reativados,
notadamente quando se discute uma busca por contextualização do design praticado no Brasil.

Se entendemos que “um agente ou instituição faz parte de um campo na medida em


que nele sofre efeitos ou nele os produz” (Bourdieu, 2010: 31), e que, assim, “o limite de um
campo é o limite dos seus efeitos” (idem), podemos afirmar que as apropriações
contemporâneas de LBB e AM e, principalmente, aquelas que já os põe em relação, realizam
um esforço para delimitar, de novas formas, os próprios limites do campo. Assim como, de
outras maneiras, LBB e AM também tentavam fazer, em seus movimentos por discutir as
possibilidades do design no Brasil.

Nesse sentido, percebo que entre aqueles que formulam hoje reflexões sobre a
produção da cultura material no país, seja no campo político ou na academia, LBB e AM são
‘bons para pensar’ uma construção identitária mais comprometida com as especificidades
culturais nacionais. Ou seja, quando se discute hoje a identidade do design (e, em um contexto
ampliado, toda a produção e preservação da cultura material no país) se retoma as discussões
e as propostas levadas a cabo por LBB e AM. Por que e como isso se dá é uma das questões
de fundo dessa pesquisa.

Porque no campo do design se fala de LBB e AM quando se pretende discutir


alternativas para a sua própria constituição, percebi que é possível, então, explorar alguns
outros nexos ou sentidos a partir da observação da produção histórico-crítica contemporânea
que faz referência às questões discutidas por AM e LBB. Ou seja, entendi que, além de
observar a produção discursiva dos dois, seria proveitoso observar também a produção
discursiva atual que re-atualiza seus papéis no cenário projetual brasileiro. Além disso, me
pareceu instigante o exercício de colocar esses discursos em diálogo, a fim de verificar como
certas questões que foram discutidas por LBB e AM há 40, 50 anos atrás são re-elaboradas
atualmente, em novos contextos.

Entendi, assim, que mais do que estudar os pensamentos sociais de design de LBB e
AM, eu perseguia as construções narrativas sobre o design brasileiro, tanto aquelas realizadas
por esses dois agentes, quanto aquelas efetuadas por aqueles que sobre eles se debruçavam.

30
Entendendo que tanto uns quanto outros estavam interessados em discutir as possibilidades
práticas e pedagógicas da atividade do design em um contexto brasileiro, compreendi que a
minha própria investigação se orientava segundo esse mesmo propósito, ou seja, eu estava
interessada não exclusivamente nas proposições de LBB e AM, mas, sim, em como eles
discutiam o que eles discutiam, e no que, de diversas formas, ressurgia ao longo do tempo,
aqui e acolá, em meio aos debates sobre o design no Brasil.

Então, se por algum tempo, durante o processo de pesquisa, eu entendia que o foco
da minha investigação de doutorado era a produção discursiva de LBB e AM, percebi que
todas as outras coisas que eu fazia (e que eu não achava que fizessem parte da minha
pesquisa) participavam de um mesmo interesse, que tem a ver, mais especificamente, com
uma reavaliação das possibilidades de atuação e reflexão a partir do design no contexto
brasileiro, que é um exercício praticado pelo próprio campo, desde os anos 1950 e 1960, até
os dias de hoje. Porque me interesso pelas inquietações típicas do campo, inquietações essas
que, segundo alguns pesquisadores da história do design no Brasil, foram levadas às últimas
consequências por figuras como LBB e AM, percebo que apreciar as diferentes perspectivas
com que esse debate se configura, desnaturalizando-as e confrontando-as com as redes de
relações sociais em que elas se configuram, é a melhor forma de cotejar o que está em jogo
quando se questiona sobre a identidade do design brasileiro.

Assim, se em um determinado momento de pesquisa me debrucei sobre as trajetórias


e as obras desses dois agentes, entendi, com a leitura de Bourdieu, “que é apenas na estrutura
de um campo, relacionalmente, que se define o sentido das posições sucessivas” (1996b: 71-
72) ocupadas pelo mesmo agente em estados sucessivos do campo ao longo da sua trajetória.
Dessa forma, assumindo que “não podemos compreender uma trajetória a menos que
tenhamos previamente construído os estados sucessivos do campo no qual ela se desenrolou”
(idem: 82), percebi que seria mais proveitoso cotejar as perspectivas dos dois à própria
estrutura do campo, tanto quanto à sua lógica de funcionamento e de suas transformações
(idem: 71). Então, estudar as trajetórias e as obras de LBB e AM implicaria necessariamente
em investigar a própria instituição do design como campo profissional no país.

Tendo definido que falar sobre LBB e AM implicaria também, e necessariamente,


em discorrer sobre a instituição do campo do design no país, tive que abrir mão de um certo
grau de profundidade ao abordar cada um dos tópicos em questão. Percebendo o valor de

31
construir uma mirada comparativa sobre as presenças de LBB e AM no campo ontem e hoje,
assumo, assim como o fizeram Duarte e Gomes, que “não se trata de produzir uma etnografia
densa de cada um desses casos, com o exemplar efeito monográfico tão essencial para a
reflexão antropológica. (...) As informações trazidas ao leitor são as que mais pareceram
iluminar a questão analítica central” (2008: 12). É preciso esclarecer, também, que este não
pretende ser um trabalho em que se busca trazer alguma verdade profunda à tona, mas, sim,
que se concentra em acompanhar algumas das discussões quanto ao que caracaterizaria um
design brasileiro, problematizando os pressupostos já estabelecidos no campo.

Agora percebo que foi esse interesse (compreender de forma renovada o próprio
campo em que eu me formara) que informou a minha decisão de prestar concurso para o
mestrado em antropologia. Depois de alguns anos de formada, tendo trabalhado com design
gráfico, web design, videografismo, cenografia e direção de arte para teatro, música, TV,
cinema e publicidade, eu buscava novos sentidos para a minha prática profissional. Acabei me
inscrevendo para o concurso do mestrado do PPGAS, no Museu Nacional, em 2004. Fui
aprovada e assim, achando que me afastava do design, me deparei com a referência a AM,
encontrada na literatura sobre as políticas de patrimônio cultural no Brasil. Então, quase sem
perceber, estava eu em um programa de pós-graduação em antropologia social estudando
design. Já no doutorado, continuei a fazer uma série de coisas que eu não conseguia relacionar
de forma direta com a pesquisa para a tese. Hoje, olhando retrospectivamente, percebo quanto
o meu interesse investigativo tem a ver com um questionamento em torno dos limites que
conformam o design como campo disciplinar e com uma reflexão sobre as possibilidades da
própria disciplina em um contexto como o brasileiro.

A partir dessa constatação, pude compreender mais claramente o que, de fato, eu


investigava. Assumindo que este estudo não parte de uma motivação biobibliográfica18 e que
me interessa acompanhar os debates levantados por LBB e por AM na medida em que eles
discutem questões centrais para a história da atividade do design no Brasil, com essa pesquisa
me proponho à observação de uma situação disciplinar ou, ainda, à construção de um olhar

18
Quando comentam o trabalho de Castro Faria sobre Oliveira Vianna, Afrânio Garcia e Gustavo Sorá ponderam
que “o texto de Castro Faria não é motivado pela fascinação biobibliográfica pelo autor de Populações
Meridionais do Brasil: simplesmente os escritos de Oliveira Vianna abarcam um conjunto de problemas
fundamentais da história cultural brasileira que os tornam bons para pensar como no Brasil se tecem as relações
entre cultura e poder” (2002: 12).

32
antropológico sobre a disciplina (Peirano, 2006) do design no Brasil. Como sugere Peirano,
proponho, também, tomar a disciplina como ponto de partida para examinar a relação entre
esta e os processos de formação de uma identidade nacional brasileira (2006: 42).

Buscando entender os debates que articulam as demarcações identitárias da


disciplina, desenvolvo uma antropologia social do design brasileiro, observando a
institucionalização do design face a um projeto (idealizado pelos designers) de construção da
nação. Ou seja, me dedico a uma antropologia histórica do design no Brasil, que persegue as
discussões sobre as possibilidades do design no contexto brasileiro, discussões essas que em
torno das figuras de LBB e AM encontram espaço para o seu desenvolvimento. Assim,
entendo que AM e LBB funcionam, para o campo do design hoje, e por isso também para este
trabalho, como ‘gatilhos’ ou ‘alavancas’ a partir dos quais é possível trazer à tona uma série
de questões centrais para a constituição do campo do design no país.

Uma das questões que interessa perseguir, então, é semelhante à indagação que
orientou a minha pesquisa de mestrado: o que há em LBB e AM que faz com que eles sejam
percebidos por aqueles que buscam alternativas para a compreensão das possibilidades do
design no contexto brasileiro como ‘bons para pensar’ a disciplina e seu desenvolvimento,
ainda hoje? O que há, na leitura feita por esses críticos, seja da própria história do design no
país, quanto das influências que LBB e AM infletem sobre o campo, que faz com que eles
busquem as referências de LBB e AM quando se propõem a pensar em alternativas para a
construção identitária da disciplina?

Entendendo, com Castro Faria, que a consagração de LBB e AM hoje tem por
conseqüência, também, a sua singularização (ou isolamento) (2002: 26), e que, dessa forma,
tal processo de consagração implica em um desprendimento dos contextos nos quais eles
produziram - desprendimento esse que arrisca desvincular suas obras do tempo e do lugar em
que elas foram construídas, proponho, como sugere o autor, trabalhar no sentido de
contextualizar as suas produções, investindo, assim, em uma antropologia das especificidades
dos tempos e dos lugares onde eles atuaram (e, também, onde eles são re-apropriados hoje).
Assim, me aproximar de suas trajetórias implica, necessariamente, em “reconstituir, em cada
momento, a trama das relações no campo intelectual e no campo do poder” (idem). O
objetivo, portanto, é, também, criar condições para a compreensão das obras frente à “teia de
relações sociais e de debates intelectuais” (2002: 16) em que se inscrevem tais personagens.

33
Para dar conta dessa tarefa, faço uso da noção de ‘comentário’, formulada por Michel
Foucault em “A ordem do discurso” (1996). Tal concepção me parece produtiva na medida
em que, como pondera o autor,

o comentário não tem outro papel, sejam quais forem as técnicas empregadas, senão
o de dizer enfim o que estava articulado silenciosamente no texto primeiro. Deve,
conforme um paradoxo que ele desloca sempre, mas ao qual não escapa nunca, dizer
pela primeira vez aquilo que, entretanto, já havia sido dito e repetir incansavelmente
aquilo que, no entanto, não havia jamais sido dito (1996: 25).

Assim, pretendo tecer um comentário sobre o design no Brasil dialogando com


algumas séries descontínuas de discursos (Foucault, 2007), articuladas por diversos atores-
autores no campo do design brasileiro, em diferentes momentos e contextos. Dessa forma,
busco me aproximar dos sujeitos que refletem hoje sobre o design no Brasil, tanto quanto me
aproximo de seus objetos de análise. Entendendo tanto esses sujeitos quanto seus objetos
como meus objetos de investigação, busco colocar em diálogo a produção desses sujeitos com
alguns outros sujeitos que foram tomados por eles (e por mim também) como objetos.
Confrontando essas múltiplas perspectivas, pretendo trazer à tona as questões que estão em
jogo quando se busca articular uma identidade viável para o design no contexto brasileiro.

Realizo esta tarefa cotejando as diversas perspectivas encontradas nas produções


discursivas daqueles que tem publicado suas produções reflexivas sobre o design no Brasil.
Interessada nos mecanismos de reprodução das estratégias discursivas produzidas pelos
agentes dentro do campo, e nos modos como eles atualizam, re-significando, questões
discutidas em outros momentos e contextos, opto por tomar como fonte de pesquisa textos
publicados sobre o design brasileiro. Tendo realizado diversas entrevistas, e também
observado debates ocorridos em uma série de encontros, palestras, cursos e congressos,
concentro a observação em torno dos discursos19 dos agentes reprodutores e/ou
questionadores da história do design no país, por acreditar que é na circulação desses
discursos, operada por diversos agentes que transitam entre inúmeros circuitos de
acontecimentos e redes de relação sociais, que as categorias vão ganhando novos contornos, e
o debate vai se reproduzindo, matizando, complexificando, ganhando densidade.
Acompanhar, então, algumas dessas séries descontínuas de discursos, bem como os
acontecimentos ao seu redor, é a proposta deste trabalho.

19
Isso justifica, inclusive, a grande quantidade de citações ao longo dos capítulos.

34
A tese está estruturada em cinco capítulos. No primeiro, me aproximo de uma
produção crítico-historiográfica contemporânea que discute as relações entre design e
identidade brasileira, e que, em alguns momentos, associa as propostas de Lina Bo Bardi e
Aloisio Magalhães, identificando em torno dos dois ‘sinais de divergência’ (Nobre, 2008) ou
‘uma outra vertente’ (Souza Leite, 2006a) do design brasileiro. Nesse capítulo, percebo em
que termos se constitui, então, da discussão em torno do estado das problemáticas legítimas
(Bourdieu, 1996: 64), tematizadas pelos agentes no campo hoje.

A partir da observação de uma reflexão crítica contemporânea, retorno, nos dois


capítulos seguintes, aos processos que levaram à instituição e consolidação do design como
campo profissional no país, observando, de forma mais detida, as movimentações e as idéias
em torno da criação dos primeiros cursos20 de design; no quarto capítulo, observo uma série
descontínua de eventos, organizados em torno do anúncio de um estado de crise ou impasse,
que se teria instaurado a partir do ano de 1968, ganhando novos contornos ao longo de toda a
década seguinte.

Percebo três momentos específicos, que balizam os capítulos 2, 3 e 4. No capítulo 2,


acompanho as primeiras tentativas de institucionalização da prática e do ensino de design no
país, ocorridas entre 1951 e 1960. Naquele momento, a movimentação acontece em torno dos
museus de arte moderna, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro; mas há também,
já mais próximo ao final da década de 1950, movimentações significativas em Belo
Horizonte, e no Planalto Central, com a construção da futura capital-federal, Brasília.

No capítulo 3, persigo a instituição do ensino de design em nível superior, seja como


seqüência, dentro do curso de arquitetura e urbanismo da Universidade de São Paulo, seja
como curso independente, vinculado ao Governo do então Estado da Guanabara, o que resulta
na criação da Escola Superior de Desenho Industrial. Nesse momento, recupero também o
projeto (não implementado) de criação de uma Escola de Desenho Industrial e Artesanato,
formulado a partir do Museu de Arte Moderna da Bahia, bem como a criação da primeira
associação profissional, a Associação Brasileira de Desenhistas Industriais (ABDI).

20
Opto por me restringir aos processos que levaram à criação dos cursos de design, na medida em que entendo
que entre o campo de produção e o sistema de ensino há um espaço profícuo para a observação das instâncias de
reprodução e consagração dentro do campo (Bourdieu, 2009: 127).

35
No capítulo 4, observo o período que compreende a segunda metade da década de
sessenta e o início da década de oitenta, que se inicia com revisões curriculares na ESDI e na
FAU-USP, em 1968, passando, ao longo dos anos setenta, por uma série de debates,
discussões e críticas, bem como por diversas tentativas de contextualização cultural da prática
do design no país, chegando, enfim, até a reformulação do ensino de projeto na PUC-Rio, que
a partir de 1981, volta-se para a idéia de um ‘design social’.

No capítulo 5, ponho em relação as produções discursivas e os itinerários sociais de


Lina Bo Bardi a Aloisio Magalhães. Percebendo que suas perspectivas parecem convergir
entre os anos de 1975 e 1977, elaboro aproximações e distanciamentos entre elas, e observo
os rumos que tomam a partir dali. Nas considerações finais, por fim, teço alguns comentários
sobre design e modernismo no Brasil.

Nos anexos, apresento dois quadros sinópticos que montei ao longo do processo de
pesquisa, instrumentos de trabalho que se mostraram valiosíssimos para a análise do material
levantado e a estruturação da própria tese. No primeiro, organizo os principais eventos
relativos aos itinerários de LBB, AM, do campo do design, dos campos da arte e da
arquitetura, e dos contextos políticos nacionais e internacionais. A cada prancha desse quadro,
corresponde uma década. Nele, utilizei a cor verde para designar tudo que se refere a LBB e a
cor azul para AM. Com círculos amarelos, marquei momentos significativos para as
discussões levantadas neste trabalho, e com círculos de contorno vermelho, identifiquei
momentos em que se poderia relacionar as trajetórias e/ou as proposições de AM e LBB. Na
última prancha, sintetizei o que havia colocado ao longo das pranchas anteriores. No segundo,
também de forma cronológica e comparativa, organizo as referências para os textos dos dois
que me interessava trabalhar.

Além desses quadros, realizei mais alguns outros, que não reproduzo aqui, por se
tratarem mais de arquivos de trabalho, que, acredito eu, não apresentariam sentido sozinhos.
Entre eles, há um quadro de relações, em que organizei cronologicamente e
comparativamente os nomes das pessoas com que LBB e AM travaram contato, ao longo de
suas trajetórias. Também transcrevi todos os textos de autoria dos dois que encontrei, e fichei
os textos produzidos entre 1975 e 1977.

36
CAPÍTULO 1

“O fato de procurarmos fazer uma leitura sobre leituras fez com que nos conservássemos em certos limites: não
analisamos obras, nem manifestações artísticas, a não ser circunstancialmente, quando pudessem iluminar algum
aspecto. O que nos interessa é produzir um metaolhar, um olhar sobre diversos outros olhares.”
Guiomar de Grammont, 2008

“O novo não está no que é dito, mas no acontecimento de sua volta.”


Michel Foucault, 1996

O design brasileiro através do espelho

Nos últimos anos, vem acontecendo, no Brasil, um aumento exponencial dos cursos21
de graduação em design22. Ao mesmo tempo, percebe-se uma tendência de revisão crítica dos
parâmetros que organizam tanto a prática quanto o ensino dessa atividade profissional no país.
Esse segundo movimento é perceptível se levarmos em conta o crescente número de artigos
apresentados em congressos e periódicos, capítulos de livros e mesmo livros inteiros
dedicados a uma reflexão sobre a prática e o ensino de design no contexto brasileiro.

Muitas dessas revisões partem de uma crítica aos modelos que inspiraram, entre os
anos de 1950 e 1960, a criação dos primeiros cursos de design moderno do país. Assim,
exploro aqui a idéia de que uma parte importante do debate sobre design no Brasil se articula
em torno de uma crítica (multi-situada e re-articulada de diversas formas ao longo do tempo)
ao modo como se estruturou, por aqui, o ensino dessa atividade, entre os anos 1950 e 1960, a
partir do que foi identificado (por aqueles que constroem essa crítica) como uma interlocução
brasileira com um modelo germânico, sintetizado pela HfG de Ulm.

21
Sobre as diretrizes a partir dos quais se organiza o ensino de design no Brasil hoje, ver Couto, 2008.
22
Em uma mesa redonda no 90 Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, realizado em
São Paulo, em 2010, o designer e vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Design da Escola
Superior de Desenho Industrial (PPDESDI/UERJ), Guilherme Cunha Lima, afirmava que existem hoje no Brasil
500 cursos de graduação, 12 programas de mestrado e 3 programas de doutorado.

37
Percebo, também, que duas noções-chave atravessam as críticas a esse modelo de
ensino, adotado pelo primeiro curso de graduação23 em design do país, que começou a
funcionar em 196324. Contexto e cultura são as palavras-chave e, assim, é a busca por
contextualização cultural o que une uma série de argumentos, discursos, debates, experiências
e práticas que interessa discutir agora. Essa busca por uma contextualização cultural tem
levado, conseqüentemente, a uma discussão sobre o que seria, ou o que deveria ser, o design
brasileiro. Assim, junto à questão da atenção ao contexto ou à realidade sócio-cultural, surge
um debate sobre os significados sociais do design e sua adequação às especificidades da
identidade cultural brasileira.

Tais debates podem ser notados desde as décadas de 1950 e 1960. Portanto, eles
surgem contemporaneamente à criação dos primeiros cursos e escritórios de design do país,
sendo ativados tanto de dentro quanto de fora do campo, ou seja, tanto por setores da
sociedade civil, quanto por alunos, professores e profissionais identificados com a área. No
fim dos anos sessenta, face ao quadro de revisão generalizada dos parâmetros sócio-culturais
que organizavam o mundo ocidental, delineado de forma explosiva em 1968, a crítica aos
modelos de ensino em design ganha novos contornos, que se desdobram em uma série de
buscas por alternativas de ensino e também da prática de projeto25. Esse movimento gera
algumas propostas concretas ainda no final dos anos 1960 e também ao longo dos anos 1970 e
1980. Entre os anos 1990 e 2000, quando começa a surgir uma historiografia do design no

23
O curso da Escola Superior de Desenho Industrial (Souza, 1996), que começa a funcionar no ano de 1963, foi
elaborado ao longo do ano anterior, ano em que se articulara, na capital paulista, uma reforma curricular no curso
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, reforma que institui, entre outras coisas, uma
seqüência de desenho industrial (Pereira, 2009). Nesse mesmo período, em Salvador, Lina Bo Bardi planejava
criar uma Escola de Desenho Industrial e Artesanato (Rossetti, 2002, Pereira, 2008). Esses cursos serão
analisados em mais detalhe nos próximos capítulos, mas, por ora, vale ressaltar que, se entre 1962 e 1963 se
institui definitivamente o ensino de desenho industrial a nível superior no Brasil (visto que os cursos da ESDI e
da FAU-USP seguiram funcionando até os dias de hoje), em São Paulo o ensino de desenho industrial é
instituído como parte da formação em arquitetura e urbanismo, e assim, pode-se dizer que o primeiro curso
superior a formar desenhistas industrias é o da escola carioca.
24
É importante lembrar que o diálogo entre brasileiros ligados aos universos da arte e da arquitetura moderna e
intelectuais e projetistas ligados à vertente que está mais ou menos ligada à Escola de Ulm já acontecia de forma
bastante intensa desde a década anterior. Sobre as redes de relações e os diálogos Brasil-Alemanha durante os
anos 1950 e 1960 trataremos, de forma mais aprofundada, nos próximos capítulos.
25
Esse não é um fenômeno que se restringe ao design brasileiro. O pesquisador da epistemologia do design
Nigel Cross aponta para algumas repercussões do clima sócio-cultural do fim dos anos 1960, que implicou em
um emergente questionamento contra os métodos utilizados pelo design até então (2007: 120). Entendendo que
esse foi um fenômeno global, opto por restringir, por ora, o foco de atenção para o contexto brasileiro.

38
país, o debate ganha novos limites e significados, na medida em que alguns pesquisadores
começam a articular uma série de pesquisas que tem por objetivo ampliar a compreensão
sobre o campo do design nacional.

Interessada em problematizar as idéias que organizam a prática e o ensino do design


no Brasil, bem como suas transformações ao longo do tempo, acredito que, perseguindo as
disputas e os debates articulados por profissionais, alunos e instituições de ensino no período
que compreende os últimos sessenta anos, e analisando comparativamente as questões
centrais de alguns dos momentos-chave dessa trajetória, é possível questionar o que está em
jogo nos debates sobre as possibilidades do design no contexto cultural brasileiro e, assim,
observar como configurou, no país, um campo intelectual ligado à atividade do design.

Com esse objetivo, retomo alguns pontos estratégicos do debate contemporâneo


sobre o design no país, articulando a reflexão em torno de uma questão que se coloca de
forma central no campo, a saber, a busca por contextualização cultural e, conseqüentemente,
por uma identidade cultural brasileira no design. Buscando relacionar alguns fatos e corpos de
reflexão que se constituíram em diferentes momentos e lugares através daquelas noções-
chave, pretendo também apontar tanto para algumas continuidades quanto para algumas
descontinuidades de tal debate, que parece ser central para o design no Brasil. Dessa forma,
pretendo discutir o “caráter contingente, socialmente construído e socialmente controverso”
(Faria, 2002: 138) das construções discursivas no campo do design brasileiro.

Para isso, neste primeiro capítulo, me aproximo do campo disciplinar do design hoje,
buscando perceber quais temas informam a agenda de discussões no momento em que se
percebe um aumento substantivo de reflexões sobre a trajetória do campo no país. Nesse
sentido, interessa também compreender como o campo mais vasto de reflexão sobre design,
arte, arquitetura, história, políticas de patrimônio cultural, ou seja, sobre a produção da cultura
material, elabora as questões referentes às suas áreas específicas, e de que forma essas áreas
dialogam (às vezes explicitamente, às vezes de forma subliminar) com o campo mais
específico do design.

Assim, observo alguns discursos, bem como alguns acontecimentos à sua volta
(Foucault, 1996), procurando perceber como são fixados os limites entre as disciplinas e que
recursos são utilizados (pelos atores e autores em campo) para delimitar os contornos
disciplinares de um campo mais vasto de áreas de conhecimento relacionadas à objetivação ou

39
materialização das culturas através de formas, espaços, coisas. Nesse sentido, é produtivo
considerar de que forma todas essas áreas se aproximam, uma vez que lidam com questões
diretamente relacionadas à concepção e à produção da cultura material.

Algumas perguntas que o capítulo coloca: que histórias tal discurso (polifônico)
recria, como se articulam as versões dessas histórias, quem são os agentes produtores da
reflexão sobre design no Brasil hoje, que problemas elas tem formulado, de que formas se
posicionam, e, além disso, como, através de alguns desses atores-autores, vêm sendo re-
elaboradas as figuras de Lina Bo Bardi e Aloisio Magalhães (considerados como articuladores
de discursos fundadores do campo, ou, por alguns, de novas visadas sobre ele), no sentido de
afirmar, sustentar ou respaldar a possibilidade de ampliação do campo disciplinar, bem como
das relações entre design (e de todas as áreas acima citadas) e contexto, identidade cultural,
nação, Estado, criação e modos de produção (artesanato e indústria), autenticidade,
singularização e reprodutibilidade, arte e tecnologia, interdisciplinaridade, modernidade.

Tomo como ponto de partida, dentre as produções discursivas e os eventos


observados, as apropriações das obras de LBB e AM feitas hoje. Meu objetivo, nesse primeiro
momento, é observar as formas pelas quais seus discursos são processados atualmente nas
narrativas que se propõem a refletir sobre o design brasileiro, ou seja, de que forma seus
discursos condicionam, ou se refletem em, ou dialogam com uma série de perspectivas
discursivas na atualidade. Interessa perceber como as inflexões sofridas pelas vidas-obras-
produções intelectuais de LBB e AM servem de referência para a fundamentação de uma
mirada sobre o design brasileiro que o articula, de forma indubitável, a um projeto de
conformação de uma identidade cultural nacional via cultura material.

Realizo esse exercício confrontando um conjunto de textos de alguns dos críticos da


história do design no Brasil. Dessa forma, restrinjo a análise a um material já publicado, ou
seja, um material que, de alguma forma, está registrado formalmente e se encontra em
circulação. Minha opção por focar em parte da repercussão das obras de LBB e AM - parte
essa mais restrita a uma certa produção bibliográfica ligada a uma nova historiografia do
design no Brasil - se associa à idéia de que esses textos, publicados por pessoas autorizadas

40
dentro do campo, atuam, eles também, como matrizes de uma nova discursividade sobre o
design brasileiro que se articula a partir da metade dos anos 199026.

Nesse sentido, o capítulo nem de longe pretende esgotar a repercussão sobre as obras
de LBB e AM, que se desdobra, de forma bastante diversificada, pelos campos do design, da
arquitetura, do patrimônio cultural e das políticas de fomento à produção artesanal. Tampouco
me dedico, neste momento, a análise dos estudos sobre AM e sobre LBB, que são muitos.
Entretanto, é preciso mencionar que tanto sobre um quanto sobre outro, há hoje uma série de
trabalhos27, realizados segundo diversas perspectivas.

Vale mencionar também que, além dos estudos dedicados à análise dos mais diversos
aspectos das obras e das trajetórias dos dois autores, há uma série de críticos (em algumas
áreas distintas) que associam a LBB ou a AM uma ‘mirada antropológica’, questão já
comentada na introdução deste trabalho. É importante ressaltar, entretanto, que os textos dos
quais me aproximo neste capítulo são, primeiramente, aqueles em que encontro de forma
explícita alguma associação entre as perspectivas de LBB e AM, e, em segundo lugar, aqueles
em que a discussão em torno de uma identidade brasileira no design se coloca de forma
capital. Nesse segundo grupo, alguns autores fazem, por vezes, menções mais ou menos
significativas às obras de LBB ou AM.

Sobre a análise da repercussão das obras de determinados autores, vale retomar as


colocações de Luiz de Castro Faria, em seu estudo sobre Oliveira Vianna, quando ele ressalta
a importância de se avaliar a repercussão social da obra (2002: 48), afirmando que além de se
tratar da mensagem, deve-se, também, tratar dos receptores dessa mensagem, pois não se trata
de conhecer somente o pensamento do autor, mas também o que a comunidade intelectual à
qual ele pertence pensava sobre as suas idéias. Afinal, segundo o antropólogo, ao comentar os
livros e classificar o trabalho do autor os críticos da obra servem como mediadores entre os
produtores e os consumidores de conhecimento.

26
Sobre “o aumento do número de publicações, livros e artigos sobre a história do Brasil a partir dos anos
1990”, ver também Braga, 2005).
27
Até onde foi possível localizar, dentre as pesquisas feitas sobre LBB e AM, em âmbito acadêmico, constam:
sobre ela, Guimaraens, 1993; Oliveira, 1994; Azevedo, 1995; Cabral, 1996; Campello, 1997; Bierrenbach, 2001;
Pereira, 2001; Anelli, 2001; Chagas, 2002; Rossetti, 2002; Rubino, 2002; Luz, 2003; Laurentiz, 2006; Rossetti,
2007; Cosulich, 2007; Ortega, 2008; Suzuki, 2010; Grinover, 2010; Almeida, 2010: Canas, 2010; Lima, 2010.
Sobre ele, Lopes, 2003; Braga, 2004a; Braga, 2004b; Souza Leite, 2006b; Anastassakis, 2007, Redig, 2007.

41
Na medida em que atuam como mediadores entre os produtores de um certo
conhecimento e aqueles que o consomem, os críticos contribuem para a identificação da
imagem socialmente construída (idem) dos autores que comentam. Construindo sua análise
em diálogo direto com Michel Foucault e Pierre Bourdieu, Castro Faria afirma que todo autor
é, mais do que tudo, um produto social e histórico (idem: 120). Por isso, em um estudo que
objetiva analisar a trajetória social e intelectual de autores considerados como formadores de
uma certa discursividade, é fundamental se realizar uma avaliação das avaliações, uma vez
que assim podemos compreender melhor as posições e os pesos específicos que condicionam
os sentidos das obras e as apropriações que elas sofrem ao longo do tempo.

Por contribuírem de forma fundamental para a construção de uma imagem do autor,


os julgamentos dos críticos (idem: 127), condicionam certas leituras da obra do autor, fazendo
com que, muitas vezes, o autor fique preso às representações sobre ele (idem). Nesses
processos, certas categorias como que se ligam ao nome do autor, e surgem, por vezes, uma
série de leituras ou versões da obra que tornam-se reconhecidas socialmente, dentro dos
limites do campo, apesar de nem sempre serem coadunares às proposições do autor. Nesse
ponto, é preciso contemplar, como nos lembra o antropólogo, “a diferença entre conhecimento
e reconhecimento” (idem: 119), porque reconhecer o autor, indicar alguns de seus livros, não
significa necessariamente conhecê-lo.

Na medida em que os ecos das proposições dos autores e dos utilizadores mais ou
menos conscientes das mesmas reverberam (idem: 131) por todo o campo, as leituras que vão
sedimentando visões sobre os autores são fontes privilegiadas para uma investigação que
esteja interessada em compreender os processos sócio-culturais que conformam certas
inflexões nacionais de determinados saberes, campos profissionais e intelectuais.

Antes de passar à historiografia do design no Brasil que vem recuperando as idéias


de LBB e AM, é preciso considerar a produção bibliográfica dos dois, na medida em que
parte significativa do material escrito por eles que se encontra em circulação é fruto do
trabalho de pesquisadores e/ou antigos colaboradores, ou seja, é resultado de uma série de
leituras, apropriações e edições das obras de ambos, feitas por diferentes tipos de especialistas
e, em grande parte, postumamente.

Aqui vale considerar as colocações de Castro Faria sobre a produção da obra de um


autor, no que tange aos processos, independentes de sua vontade, e que se desdobram em vida

42
e após a sua morte, de representações sobre ele – representações que são, elas mais do que ele,
as responsáveis pela construção da imagem do autor (idem: 127). É preciso esclarecer que,
para Castro Faria, perceber a obra de um autor enquanto construção coletiva, em parte feita
por ele, em parte re-significada pelos leitores, editores, discípulos e classificadores, não
implica em analisar os processos coletivos de construção de uma determinada obra com o
objetivo de buscar restituir uma suposta essencialidade do pensamento do autor, para além do
que se diz sobre ele. Interessa perceber como o discurso é constituído (em parte pelo autor,
em parte pelos seus leitores e avaliadores) como fundador de uma discursividade,
transformando-se assim em linguagem comum a uma determinada comunidade de
pensamento (idem: 131).

Assim, a intenção de um trabalho que considera o caráter coletivo da construção de


sentido das obras deve ser “demonstrar o sistema de categorias constituídas a partir de textos
fundadores” (idem: 132) de um determinado autor, ou seja, investigar a própria “constituição
de unidades discursivas reconhecíveis” (idem) que remetem ao autor. Nessa perspectiva, para
entender o lugar de um autor no campo intelectual é preciso observar alguns indicadores desse
lugar, tais como as edições de seus livros.

Triunfos e impasses, ou alguma produção bibliográfica póstuma

Nem LBB nem AM publicaram livros relativos aos conjuntos de suas obras e/ou
trajetórias em vida28. Hoje, entretanto, estão publicados alguns livros que re-editam textos e

28
Em vida, AM publicou alguns livros de experimentação gráfica. Em 1957, “Doorway to Portuguese”, em
colaboração com Eugene Feldman; em 1958, “Aniki Bobó”, desenhos acompanhados por poema de João Cabral
de Melo Neto e “Improvisação gráfica”, em que interpreta tipograficamente textos de diversos autores; em 1959,
publica e lança no MAM-RJ “Doorway to Brasília”, em colaboração com Eugene Feldman; “1/8/16, a
informação esquartejada”, de 1971; “Viva 1”, de 1972. Quase todos esses livros estão relacionados diretamente
aos trabalhos de experimentação gráfica que AM desenvolve no atelier “O Gráfico Amador”, em Recife, e nas
oficinas da The Falcon Press, de Feldman, na Philadelphia, EUA. Publicou alguns artigos em revista, mas a
maior parte de seus textos re-editados hoje advém de entrevistas e discursos, conferências. São, portanto, em
suas origens, textos orais. Diferentemente de AM, LBB tem uma vasta produção textual formal. Ao longo de sua
trajetória, ela editou ou colaborou com diversos jornais e revistas, na Itália e no Brasil. Segundo Grinover, LBB
escreveu em torno de 450 textos, ao longo de 40 anos. Sua obra escrita começa a ser produzida em seu país de
origem, logo que ela começa a atuar profissionalmente, e se desenvolve de forma mais ou menos intensa ao
longo de sua trajetória. Na Itália, deve-se destacar a sua participação nas revistas “Domus”, “Casabella”, “Lo

43
projetos de ambos. Trata-se, então, de duas obras bibliográficas póstumas, construídas a partir
de iniciativas de antigos colaboradores e também de pesquisadores que estudam suas obras.
Entre esses livros, deve-se destacar: de LBB, “Lina Bo Bardi”, de 1993; “Tempos de
grossura: o design no impasse”, de 1994; “Contribuição Propedêutica ao ensino da teoria da
arquitetura” e “2G. Lina Bo Bardi. Obra construída”, de 2002; “Lina por escrito”, de 2009. De
AM, “E Triunfo? A questão dos bens culturais no Brasil”, de 1985 [1997]; “A herança do
olhar. O design de Aloisio Magalhães”, de 2003.

LBB participou da organização de dois desses livros, “Lina Bo Bardi”, de 1993,


organizado por Marcelo Ferraz e “Tempos de grossura: o design no impasse”, finalizado e
publicado em 1994. Em 1980, ela começou a organizar um livro que registraria seu trabalho
no Nordeste brasileiro durante os anos 1958-64. Com a colaboração de Isa Grinspun Ferraz,
recolheu alguns dos textos que havia produzido na época e acrescentou fotos e artigos de
pessoas que com ela colaboraram naquela altura. Malgrado o esforço de preparação do livro,
este só veio a ser editado em 1994, dois anos depois de seu falecimento, pela coleção “Pontos
sobre o Brasil”, do Instituto Lina Bo e P. M. Bardi29, sob coordenação editorial de um de seus
colaboradores nos últimos 15 anos de vida, o arquiteto Marcelo Suzuki30.

Em 1993, o Instituto publicou o livro “Lina Bo Bardi”, coordenado por outro


arquiteto colaborador de LBB nos anos 1970, 80 e 90, Marcelo Carvalho Ferraz. Nesse livro,
organizado cronologicamente, constam diversos projetos desenvolvidos por LBB, assim como
fotos, desenhos, fac-símiles e textos que dão mais ênfase à produção brasileira da arquiteta.
Nesse livro a participação da arquiteta foi intensa. Ela escreveu todos os textos que
acompanham os projetos e revisou seu currículo literário (Grinover, 2010: 18). Entre 1997 e
1999, o Instituto publicou uma série de pequenos livros dedicada a projetos arquitetônicos de
LBB. Constam da série denominada “Portfolio”, “Museu de Arte de São Paulo”, de 1997;

Stile” e “Grazia”, e no Brasil, “Habitat”, “Mirante das Artes”, “Malasartes” e no jornal baiano “Diário de
Notícias”. Sobre a obra escrita de LBB, ver Grinover, 2010.
29
O Instituto Lina Bo e P. M. Bardi foi fundado em 1990, Lina e Pietro ainda vivos. Em 1995, Pietro doou a
Casa de Vidro, residência do casal construída por LBB em 1951, tombada pelo CONDEPHAT em 1986 e pelo
IPHAN em 1987. Como parte de seu programa de difusão cultural, o Instituto tem publicado uma série de livros,
seja sobre a obra de LBB e PMB, seja sobre outros arquitetos e temas relacionados à arquitetura e arte. A
primeira edição do Instituto foi “História do MASP”, de PMB, em 1992. Desde 2006, não há novas edições.
30
Em nota prévia, nas primeiras páginas do livro, Suzuki afirma que, em 1981, LBB interrompeu os trabalhos de
preparação do livro argumentando que tudo aquilo ia terminar por cair no vazio (Suzuki, in Bardi, 1994: 09).

44
“SESC Fábrica da Pompéia”, de 1998; “Teatro Oficina”, “Casa de Vidro” e “Igreja do
Espírito Santo do Cerrado”, de 1999.

Em 2002, o Instituto publicou em fac-símile “Contribuição propedêutica ao ensino


da teoria da arquitetura”, tese apresentada por LBB, em 1957, à Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo, no âmbito de um concurso para a Cadeira de
Teoria de Arquitetura. Ainda em 2002, Olívia Oliveira organizou uma edição da revista
espanhola 2G, dedicada à obra construída de LBB. Nessa edição, reproduziu alguns de seus
textos e uma entrevista feita com a italiana em 27/09/1991, período em que Oliveira recolhia
material para a preparação de sua tese de doutorado, defendida em 1994 na Universidade
Politecnica de Cataluña, Espanha, e publicada, de forma adaptada, também em 2002, pela
Romano Guerra Editora e pelo Editorial Gustavo Gilli, com apoio do Instituto Lina Bo e P.
M. Bardi, sob o título de “Lina Bo Bardi: sutis substâncias da arquitetura”.

Em 2009, Silvana Rubino e Marina Grinover organizaram “Lina por escrito. Textos
escolhidos de Lina Bo Bardi” (Cosac Naify), livro que publica alguns importantes textos da
arquiteta que se encontravam dispersos - tendo sido a maioria deles publicada originalmente
em jornais e revistas, além de algumas aulas e conferências. Organizado de forma
cronológica, abrange o período de 1943 a 1991, praticamente toda a trajetória profissional da
arquiteta. Reúne textos relacionados a projetos de arquitetura e design, artesanato e cultura
popular, trazendo à tona vários dos temas centrais para o pensamento e a atuação de LBB.

Logo após o falecimento de AM, algumas pessoas próximas a ele se reuniram a fim
de organizar a publicação de uma série de livros que desse conta das diversas facetas da
trajetória profissional do pernambucano. Sob a coordenação de João de Souza Leite, o grupo
se propôs a editar três livros: Joaquim Falcão organizaria o material relativo às políticas
culturais, Joaquim Redig, design, e Carlos Martins, artes plásticas.

Em 1985, foi publicado, pela Fundação Roberto Marinho e pela Editora Nova
Fronteira, o primeiro desses livros, “E Triunfo?31 A questão dos bens culturais no Brasil”,

31
O título faz referência a um episódio vivido por AM, e comentando por ele em um debate na “Semana de Arte
e Ensino”, realizada em São Paulo, em novembro de 1980. Em suas palavras: “Vou contar para vocês uma
história que se passou há dois anos. Eu vim a São Paulo para uma reunião de tecnologias, uma reunião
extremamente científica e tecnológica, de nível muito alto. Eu estava chegando do Nordeste e baixei de repente
nessa reunião que já havia começado e fiquei perplexo com o nível em que os problemas eram tratados. O nível,

45
organizado por João de Souza Leite, Joaquim Falcão e José Laurênio de Melo e dedicado ao
pensamento e à atuação de AM em relação às políticas culturais. A partir da seleção de uma
série de textos (discursos e entrevistas32) feita por Souza Leite e José Laurênio, Joaquim
Falcão editou o material em 7 capítulos temáticos: “A cultura brasileira e seus bens culturais”,
“A cultura nacional e a noção de patrimônio cultural”, “O Estado e os órgãos de cultura”,
“Áreas culturais”, “Preservação e revitalização das cidades históricas”, “Preservação
patrimonial e pluralismo cultural” e “A educação e a cultura”. Para isso, os textos
selecionados foram fragmentados e partes suas foram distribuídas ao longo dos capítulos.

Tal edição justifica-se porque esse pretendia ser um livro instrumental para aqueles
que lidavam com as políticas públicas de cultura, que contribuísse para a difusão das idéias de

a escala de valores, os milhões de cruzeiros para determinar o fluxo do metrô em relação a determinado
desenho. Enfim, era uma escala tão grande, e eu que vinha do Nordeste comecei a ficar perplexo porque não
entendia como é que se podia pensar numa escala tão grande quando em outros contextos não se poderia nem
imaginar aquilo. E eu não sabia como intervir, como entrar na conversa. E de repente me lembrei, não sei se
intuitivamente, me virei, interrompi a reunião e disse bem alto: E Triunfo? Aí a reunião parou, um sujeito olhou
para o outro e disse: “Triunfo?” Outro disse: “E o que é Triunfo?” Que era o que eu queria. Aí eu disse:
Quando você viaja pelo sertão de Pernambuco, a partir da Serra Talhada, você avista o primeiro grande
maciço dos chapadões do Araripe. E esse maciço que constitui verdadeiramente o nome daquele lugar, que é o
contraforte do chapadão aí, Serra Talhada, tem uma estrada que você sobe. Você começa a percorrer essa
estrada, vai subindo o chapadão do Araripe, e vai mudando a paisagem, vai mudando a paisagem e começam a
aparecer árvores, frutas, fruta-do-conde, uma série de pequenos sítios, a construção muda, uma construção
freqüente de pedras, pedra seca, muros e cerca de pedra seca. Toda a paisagem vai mudando à proporção que
você vai subindo a Serra do Araripe. E quando você chega a mil metros de altura, numa curva da estrada, você
avista a cidade de Triunfo. Tem um açude parado, refletindo a cidade, uma pequena cidade no topo da Serra do
Araripe, harmoniosa, uma cidade antiga, com as ruas, as praças, os prédios de dois andares. Uma escala
humana perfeitamente mantida, uma densidade correta. E eu entrei na cidade, parei numa praça, saltei do carro
e, como nós todos, tentei fotografar Triunfo, absorver Triunfo, chupar Triunfo pela tecnologia da máquina. E
quando estava fotografando a cidade, eu ouvi, vi um sinal, que era uma voz que fazia psiu psiu. Olhei, vinha de
um sobrado que tinha na praça. Tinha uns galpões, uma varanda no sobrado e tinha uma moça sentada no
chão, lendo um livro, e ela virou-se para mim e disse: “A vista aqui em cima é mais bonita.” E me convidou
para subir e eu subi para fotografar Triunfo. E dali eu saí com essa moça para ver Triunfo, o colégio das freiras
belgas, o convento dos franciscanos, o lugar onde as mulheres lavam roupas, que tem uma fonte para lavar a
roupa. Enfim, todo um processo de harmonia entre ecologia e necessidades técnicas, toda uma forma de vida
que a meu ver tem uma representatividade imensa e que nada tinha a ver com a escala da discussão em que nós
estávamos. Essa foi a única maneira que eu encontrei de intervir na conversa e deixar uma cunha, deixar uma
referência que não sei se atuou ou não na cabeça das pessoas daquele nível de tecnologia, mas que era
realmente uma tentativa de dizer que existe Triunfo. E quantos Triunfos existem por aí? E que é que nós estamos
fazendo senão justamente o contrário, destruindo, criando situações de desespero e angústia nos grandes
centros urbanos e que vão afetar Triunfo se nós não nos apercebermos de que é preciso proteger, é preciso
estimular situações como a de Triunfo? Enfim, nesse sentido eu acho que a realidade brasileira nos oferece
muita coisa que não está ainda devidamente equacionada” (Magalhães, 1997: 49-50).
32
Em “Nota preliminar”, José Laurênio de Melo justifica o tom dos textos que compõem o livro, em que se
optou por manter o caráter preponderantemente oral do conteúdo editado. Tratando-se de um conjunto de textos
provenientes de falas e depoimentos orais de AM, a equipe responsável pela organização do livro decidiu por
bem não alterar o tom das falas, deixando claro, entretanto, que se trata, de alguma forma, de textos em segundo
grau (Melo, in Magalhães, 1997, s/n).

46
AM em relação às políticas de fomento e proteção cultural, e que colaborasse, enfim, para a
continuidade da condução da política cultural levada a cabo por ele. Entretanto, por muito
tempo, foi a única fonte de acesso público ao pensamento de AM. Em 1997, o livro foi re-
editado, com novo prefácio de Joaquim Falcão, intitulado “Cultura e Globalização”.

É somente em 2003 (vinte e um anos após o seu falecimento) que acontece a


publicação de um outro livro sobre AM, tal como se propusera aquele grupo nos anos 1980.
“Herança do Olhar – o design de Aloisio Magalhães”, organizado por João de Souza Leite e
Felipe Taborda, é um livro dedicado à toda a trajetória profissional de AM. Patrocinado pela
Petrobras e editado pela editora Artviva e pelo SENAC Rio, o livro se organiza
cronologicamente, dividido em capítulos que dão conta de etapas ou fases da trajetória de
AM. Traz imagens de pinturas e projetos, fotos, documentos de época e depoimentos/análises
de pessoas ligadas ao personagem em cada um dos momentos de sua vida. Re-edita de forma
completa alguns dos textos que já haviam sido publicados em 1985, no livro “E Triunfo?”.

Em busca de um design moderno e brasileiro

Se observarmos os debates, seja na academia, seja no campo profissional ou na


discussão sobre políticas públicas de design no país, as questões em torno das condições de
possibilidade para o desenvolvimento de uma profissão ligada à atividade industrial no
contexto nacional brasileiro têm provocado discussões intensas tanto hoje quanto ontem, e,
mais do que isso, tem pautado o campo dessas discussões, ou seja, tem servido de balizador
para grande parte da discussão sobre as possibilidades para o design no Brasil.

A relação entre modernidade e brasilidade seria, assim, questão central nos debates
que envolvem a área do design, no país. Como coloca o historiador de design Rafael Cardoso,
“o design, moderno de berço e por vocação, lida há pelo menos 40 anos com a provocação
irritante de ter que provar que também é brasileiro” (2004: 81). Como atestam alguns dos
críticos da história do design no Brasil, a reação à importação de um modelo de design, ativa
ainda hoje nas discussões, surge contemporaneamente à instituição desses ‘modelos

47
importados’. O designer, professor, ex-aluno e ex-diretor da ESDI, Pedro Luiz Pereira de
Souza33, que no livro “ESDI: biografia de uma idéia”, publicado em 1996, discute as idéias e
concepções que circularam em torno da escola desde sua criação em 1962, relata que “já na
fundação da escola, alguns se preocupavam com um modelo próprio enquanto outros iam
além, reclamando atenção às ‘raízes’ e ‘origens’ nacionais” (idem: 258).

Na ESDI, o ‘design de identidade nacional’ (idem: 303) ou ‘tendência nacionalista


no design’ (idem: 232) surge como uma reação ao formalismo técnico, tendência oriunda da
Escola de “Ulm e mais remotamente da Bauhaus, que manteve a metodologia e a idéia de
conceito do produto como principal referência” (idem: 254). O formalismo técnico e a idéia
de conceito teriam fornecido, na escola carioca, as bases para as diferentes linhas de atuação
desenvolvidas posteriormente (idem: 256). Segundo Souza, em contraposição ao formalismo
técnico, surge essa outra tendência, muitas vezes reprimida: “a idéia de um design sintonizado
com uma realidade nacional” ou uma “tendência nacionalista no design” (idem: 232).

Em um artigo de 1994, intitulado “A ESDI e a contextualização do design”, o


designer, ex-aluno e professor da ESDI, Washington Dias Lessa, analisa, no contexto da
escola durante os anos 1970, o surgimento de alguns trabalhos de conclusão de curso voltados
à discussão de uma inserção do design na sociedade brasileira (1994: 102). Segundo ele,
“paralelamente à tendência dominante, surge ao longo dos anos 70 uma espécie de ciclo
voltado para uma tentativa de contextualização da profissão” (idem), ciclo esse que
configura, para o autor, um marco de mudança que envolve a consciência do distanciamento
entre discurso e realidade (idem: 103) no modelo acadêmico adotado na escola carioca.

Essa mudança estaria associada a uma frustração, ou mal estar, “que nasce do não
acontecimento da regeneração da sociedade que este design propõe” (idem: 103) e leva à
tentativa de redefinição de suas direções e inserção na sociedade. Buscando uma
contextualização para o design, essa tendência faria parte, mesmo que inconscientemente, de
uma linhagem de apropriação racionalista das especificidades culturais brasileiras (idem: 104-

33
Além do livro sobre a ESDI – um dos primeiros livros sobre história do design no Brasil a ser publicado no
país -, Souza é autor de “Notas para uma história do design” (2008) e de uma série de artigos sobre a idéia de
design moderno. Além de ser ex-aluno, ex-diretor e professor da ESDI, nos últimos anos tem sido convidado a
ministrar uma série de cursos sobre história e filosofia do design. É autor de um livro inédito sobre a obra de
Karl Heinz Bergmiller, alemão que se transferiu para o Brasil no início dos anos 1960 e que foi seu orientador na
graduação, além de chefe no Instituto de Desenho Industrial do MAM-RJ.

48
105), fundada por Lucio Costa e Lina Bo Bardi. Ele, ao identificar um proto-funcionalismo na
economia estrutural e simplicidade de soluções da arquitetura colonial mineira; ela, ao
incorporar em sua prática projetiva o conceito de primitivismo técnico cunhado por Oswald
de Andrade para identificar uma inteligência projetual articulada a partir da escassez.

Segundo o autor, a busca de identidade cultural pelo design (idem: 105) ou ‘vertente
afirmativa’ (idem) é formalizada institucionalmente em 1975, por AM, quando ele cria o
Centro Nacional de Referência Cultural. Essa perspectiva, que acontece em nome de uma
aproximação com o real, não escapa, no entanto, da “formulação implícita de uma outra
utopia” (idem) que, mais do que apenas introduzir no pensamento projetual o reconhecimento
da diferença, termina por projetar no brasileiro uma racionalidade latente que só precisava ser
revelada para se desenvolver.

Nesse sentido, a arquiteta e historiadora, professora da PUC-Rio, Ana Luiza Nobre,


ressalta que “embora se buscasse filiar o embrião da ESDI a uma linhagem de caráter supra-
nacional por excelência (posto que pensada em termos da dinâmica da produção, reprodução
e expansão de “objetos-tipo” supostamente imunes a quaisquer limites políticos,
administrativos ou territoriais), havia quem quisesse vinculá-lo também à mobilização de
sentimentos nacionalistas. Por limitada que fosse, a emergente reflexão sobre o design no
Brasil passava assim a canalizar o debate altamente politizado travado entre as diferentes
correntes de pensamento econômico coexistentes no país entre 1945 e 1964. De uma maneira
ou de outra, a discussão girava em torno do reconhecimento do atraso acumulado pelo
Brasil, e, conseqüentemente, da necessidade de promover seu desenvolvimento” (2008: 93).

Lais Moura Wollner, por sua vez, termina por associar a perspectiva de Alexandre
Wollner àquela adotada por Lina Bo Bardi. Na introdução do livro retrospectivo da obra do
designer paulista, comentando a polêmica básica dos primórdios do design no Brasil, que
contrapunha um design regional a um modelo internacional (Moura Wollner, 2003: 23), ela
afirma que, apesar de terem por vezes assumido posturas ideológicas radicais, haveria muita
coisa em comum entre as concepções de design nutridas por LBB e Wollner (idem: 25).

Rememorando as dificuldades que Wollner teve que enfrentar para introduzir, no


contexto brasileiro dos anos sessenta, frente ao governo e aos empresários, a então
desconhecida profissão de designer, defendendo, ainda, a implantação de uma escola de
design que tinha como referencial um modelo de ensino sintetizado no contexto alemão,

49
Moura Wollner cita o depoimento de Aloisio Magalhães à revista “Arte Vogue” n.1, de 1977,
cujo caderno de design (onde se encontra o depoimento) fora editado por ela. AM, que
segundo a autora, inicialmente se posicionara de forma contrária à adoção do modelo
ulmiano, teria revisto sua posição, no sentido de um entendimento da propriedade de adoção
de um modelo tão distante da realidade brasileira.

“Pode parecer estranho que os primeiros passos para a formação de um pensamento


brasileiro sobre o design tenham sido dados na direção de uma rigorosa metodologia suíço-
alemã e não mais conforme a exuberância e o calor, para não dizer desordem, do
temperamento brasileiro.” E continua, otimista: “hoje, entretanto, parece claro que
intuitivamente fomos levados àquela opção na medida em que carecíamos justamente de
contrapor aos nossos valores tropicais uma postura diametralmente oposta – e, através de
uma dialética entre aqueles elementos, os intuitivos e os do método, saíssemos enriquecidos
com um posicionamento original e próprio” (idem).

Para Moura Wollner, as perspectivas de AM e LBB teriam alguma afinidade, na


medida em que ambos terminaram por entender que somente a partir de uma integração
dinâmica entre opostos (regionalismo X universalismo) seria possível se forjar um processo
progressivo de construção de uma identidade disciplinar para o design no Brasil (idem: 25).
Assim, segundo ela, é em um contexto de integração de polaridades que se poderia associar as
perspectivas de Alexandre Wollner às de AM e LBB.

Nesse ínterim, é preciso assinalar, como lembra Souza, que a discussão entre prática
de projeto e identidade nacional não era exclusiva do design: já havia sido bastante debatida
no campo da arquitetura, durante os anos 1950. É a partir de um dos eventos-críticos desse
debate (a polêmica entre Lucio Costa e Max Bill34) que Nobre analisa as (difusas) relações
entre os campos do design e da arquitetura no Rio de Janeiro, na metade do século XX.

A partir da descrição daquela polêmica, a autora discute como os arquitetos e os


designers se apropriaram, de forma diferenciada, da noção de projeto, tal como ela fora
reformulada pela Escola de Ulm, na Alemanha. Observando algumas refrações dessa noção
no contexto da produção arquitetônica moderna brasileira, ela se indaga sobre os modos como

34
Para uma descrição desse episódio, ver, também, Souza, 1996.

50
design e arquitetura modernos no Brasil buscaram se auto-identificar a partir de um diálogo
surdo, ou seja, construindo suas respectivas identidades a partir da negação de certos
atributos, que eram associados, de forma quase que acusatória, ao outro.

Assim, se buscamos entender as questões em jogo nos debates em torno da


conformação de uma identidade do design brasileiro, é fundamental observar como os campos
vizinhos, tais como a arte, a arquitetura e o patrimônio cultural, disputaram entre si espaços
identitários e políticos, seja face à noção de uma identidade nacional, seja face à construção
de uma modernidade brasileira. Se há algo a ser observado nos espaços de interação entres
esses campos (Bourdieu, 2010: 55), que principalmente a partir da metade do século XX
passaram a ter no design um campo com que negociar os seus espaços de conformação
identitária, é curioso notar que o design, internamente, também se estrutura a partir de um
jogo de oposições e distinções (2010: 177), de um ‘consenso no dissenso’ (Faria, 2002: 08),
ou, como afirma um dos historiadores do design no Brasil, a partir de disputas, divergências e
dissidências (Stolarski, 2006: 246).

Nesse sentido, em um artigo sobre a consolidação do campo de projetos de


identidade visual no Brasil durante os anos 1960, o designer paulista André Stolarski35 afirma
que apesar de os projetos da década de 1960 compartilharem de um repertório visual bastante
homogêneo, havia, entre os designers e as suas produções, uma significativa dose de
dissidência, divergência e disputa (2006: idem). Se muitos deles partiram de referências
comuns, tais como a Bauhaus, o construtivismo, a tipografia suíça e a Escola de Ulm, o que
marcou a profissionalização da atividade foi uma crítica aberta a seus métodos e a busca
constante por outras referências conceituais (idem).

É como se o ‘pensamento brasileiro de design’ (Souza, 1996: 306) se organizasse


relacionalmente (Bourdieu, 2010: 178) a partir de uma reação a outros pensamentos, entre
eles, o da arquitetura modernista brasileira, e, também, o de uma concepção universalizante

35
Designer formado em arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, dirigiu o Departamento
de Design e Museografia do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro de 1998 a 2000. É sócio-diretor da
produtora de design Tecnopop, e faz parte do Conselho Editorial da Coleção de Design da Editora Cosac Naify
desde 2004. Responsável pela tradução de alguns textos importantes sobre design, concebeu e realizou o
documentário e a publicação sobre a obra do designer Alexandre Wollner. Autor de diversos artigos sobre a
história do design gráfico no Brasil. Ex-professor da ESDI, desenvolve pesquisa de mestrado sobre o design
gráfico brasileiro dos anos 1950, FAU-USP, sob orientação de Agnaldo Caldas Farias.

51
associada ao design moderno (tal como ele foi proposto pela Escola de Ulm). Não apenas com
a idéia de escapar a esses modelos, mas, sim, de utilizá-los como lugares a partir de onde é
possível pensar. Se o design brasileiro discutiu abertamente com o modelo proposto pela
vertente germânica e também com a arte concreta praticada em São Paulo e no Rio de Janeiro
(Souza, 1996), seu diálogo com a tradição modernista brasileira em arquitetura não é tão
facilmente rastreável, principalmente se se observa essa relação a partir do contexto carioca.
Em São Paulo, essa situação é diferente, uma vez que, em seus primeiros momentos, o ensino
de design se institui como parte do ensino de arquitetura (via reforma curricular do curso da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, em 1962)36.

O esforço de trazer à tona as conexões perdidas entre esses dois campos é um dos
focos de atenção da tese de doutorado desenvolvida por Ana Luiza Nobre37 no Departamento
de História da PUC-Rio, intitulada “Fios cortantes: projeto e produto, arquitetura e design no
Rio de Janeiro”. Outro pesquisador a investir no aprofundamento de certas conexões perdidas
ao longo da história do design no Brasil é o paulista Juliano Pereira38, que em sua pesquisa de
mestrado39 observou a passagem de Lina Bo Bardi pela Bahia (1958-1964) e em sua pesquisa
para o doutoramento estudou a reforma curricular de 1962 na FAU-USP, colocando-a em
diálogo com o que acontecia no Rio de Janeiro, quando da criação da ESDI.

Além desses trabalhos, vale mencionar o artigo “Construção e trajetórias na


constituição do campo profissional do design moderno no Brasil”, publicado na revista
“Estudos em Design”, em 1996, em que o designer (professor do curso de design da USP)

36
Para uma análise detalhada da reforma curricular de 1962 na FAU-USP, que institui no curso de arquitetura o
ensino de design, ver Pereira, 2009.
37
A tese de Ana Luiz Nobre, orientada por Ronaldo Brito Fernandes, foi defendida em 2008. Sua dissertação de
mestrado, defendida em 1998, “O passado pela frente: a modernidade de Alcides Rocha Miranda”, também foi
realizada no Departamento de História da PUC-Rio, universidade onde Nobre leciona, como professora adjunta,
no curso de História e Design”. Além da prática docente, Nobre é membro fundador da Casa de Lucio Costa, que
dirigiu no Biênio 2001-3, e membro do CICA/Conselho Internacional dos Críticos de Arquitetura. Está também
envolvida em uma série de eventos e publicações sobre a história da arquitetura no Brasil.
38
Nas duas pesquisas, Juliano Pereira foi orientado por Renato Luiz Sobral Anelli, professor titular e
coordenador do Programa de Pós-Graduação e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Campus São Carlos, e
coordenador do projeto de pesquisa “Interlocuções com a arquitetura italiana na constituição da arquitetura
moderna em São Paulo”, tema da sua tese de livre-docência, realizada na USP, em 2001.
39
Publicada, em 2008, com o título de “Lina Bo Bardi. Bahia 1958-1964”, pela Editora da Universidade Federal
de Uberlândia, onde o autor é professor adjunto do curso de Arquitetura e Urbanismo.

52
Marcos da Costa Braga40 recupera algumas trajetórias de profissionais-chave para o
desenvolvimento do campo profissional do design moderno e industrial no Brasil, utilizando
como fonte de pesquisa os registros bibliográficos sobre o design brasileiro disponíveis hoje.

A partir de tais publicações, ele “relaciona trajetórias e contextos por décadas,


observando o movimento de indivíduos frente ao desenvolvimento das condições sociais que
propiciaram a constituição do campo profissional de design no Brasil” (idem: 46). Nesse
artigo, tenta recuperar a importante presença de arquitetos na constituição do campo
profissional do design entre nós, afirmando que os arquitetos foram os primeiros a ocupar os
espaços criados para a prática do desenho industrial, como atividade complementar às suas
(idem: 45). Em sua tese de doutorado, Braga (2005) utiliza essa mesma presença dos
arquitetos no campo do design como critério para organizar a periodização da constituição
desse campo no Brasil41. Nesse sentido, Braga evidencia como o diálogo entre design e
arquitetura, apesar de em alguns momentos parecer inexistente ou velado é, de certa forma,
mesmo que por negação, constante e fundamental.

“Historicamente o design industrial foi considerado uma atividade de extensão do


campo arquitetônico moderno. Desta forma os arquitetos modernos, principalmente
estrangeiros, o introduzem no Brasil através do mobiliário e interiores, como componente
importante que auxilia a consolidação do estilo ‘moderno’. Esta luta é inserida dentro do
conjunto de forças e relações sociais que tentam expandir o modernismo nas artes em geral.
(...) Essa multiplicidade de atuação de diferentes profissionais no campo do design moderno,

40
Marcos da Costa Braga é professor do Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da FAU-USP, onde além de lecionar, atua no grupo de trabalho para
revisão da grade curricular do curso de design. Entre as disciplinas que ministra, “Questões históricas e
contemporâneas do design”, “Design: história e projeto”, “História do Design III e IV”, “História social do
design no Brasil”, “Fundamentos sociais do design”. Membro do corpo editorial da revista “Estudos em Design”
e membro do Conselho Editorial da revista “Arcos”, da ESDI, é um dos coordenadores da coleção de livros
“Pensando o Design”, da Editora Blucher. Organizou o livro “O papel social do design gráfico”, publicado pelo
SENAC-SP. Sua tese de doutorado, defendida, em 2005, no Departamento de História da Universidade Federal
Fluminense, intitula-se “A organização profissional dos designers no Brasil: APDINS-RJ, a luta pela hegemonia
no campo profissional”. Possui mestrado em artes visuais e graduação em desenho industrial pela UFRJ.
41
Segundo esse autor, pode-se distinguir dois momentos de constituição do campo do design no Brasil, a saber:
1) “primazia da introdução, prática e desenvolvimento do design moderno de produto por artesãos e arquitetos
‘modernos’, por meio do mobiliário e interiores” (Braga, 2005: 21); 2) “institucionalização classista e de
ensino, no início dos anos de 1960” (2005: 22). Entretanto, nota que “mesmo após esse segundo momento, os
arquitetos continuaram a ocupar parte do campo profissional de design, dividindo o espaço com designers
diplomados que, por sua vez, até hoje expandem seu raio de ação, reivindicando espaços para suas atribuições
em atividades onde ainda se encontram engenheiros, artistas e profissionais de comunicação” (idem).

53
durante sua constituição em quatro décadas até sua institucionalização, assim como o
próprio caráter interdisciplinar do design contribuíram para uma tardia definição de uma
identidade do profissional especificamente formado para este campo” (idem: 63-64).

A busca pela identidade profissional, uma questão recorrente, tem sido muitas vezes
ensaiada a partir de um jogo que envolve aproximação e distanciamento das demais áreas
relacionadas à produção da cultura material. Esse jogo, que se faz também dentro do campo
do design, notadamente entre vertentes mais universalistas e aquelas mais envolvidas com as
questões culturais locais, tem levado o design a uma dicotomização que seria praticada de
forma viciada. As tais ‘dicotomias rígidas’, “um vício básico do pensamento brasileiro de
design” (Souza, 1996: 306), tão presentes nas interpretações sobre a trajetória da atividade e
do ensino de design no país, têm sido matizadas, problematizadas e complexificadas em uma
série de estudos que têm se dedicado, nos últimos anos, a investigar em profundidade
trajetórias, programas, projetos e concepções em jogo no campo do design brasileiro.

Apesar de ser possível localizar, já durante a década de 198042, algumas análises


críticas sobre a história do design no Brasil, é somente na segunda metade da década de 1990
que surgem, de forma mais sistemática, pesquisas e publicações sobre o tema. Dentre os
títulos publicados, podemos citar, entre outros:

Ano Título Autor Edição


1994 “Branco e Preto: uma história do Marlene Milan Acayaba Instituto Lina Bo
design brasileiro nos anos 1950” e P.M. Bardi
1995 “Móvel moderno no Brasil” Maria Cecília Studio Nobel/
Loschiavo dos Santos FAPESP/Edusp
1996 “ESDI: biografia de uma idéia” Pedro Luiz Pereira de EdUERJ
Souza
1997 “Design no Brasil: origens e Lucy Niemeyer 2AB
instalações”
1997 “Notas para uma história do design” Pedro Luiz Pereira de 2AB
Souza
1999 “Carmem Portinho” Ana Luiza Nobre Relume Dumará

2002 “Textos recentes e escritos históricos” Alexandre Wollner Rosari

42
Nesse sentido, deve-se mencionar o artigo de Júlio Katinsky, “Desenho industrial”, publicado no livro
“História geral da arte no Brasil”, de 1983.

54
2003 “A herança do olhar: o design de João de Souza Leite Artviva/
Aloisio Magalhães” (organizador) SENAC-Rio

2003 “Alexandre Wollner: design visual 50 Alexandre Wollner Cosac Naify


anos”

2004 “Uma introdução à história do design” Rafael Cardoso Blucher

2005 “O design brasileiro antes do design” Rafael Cardoso Cosac Naify


(organizador)
2005 “Alexandre Wollner e a formação do André Stolarski Cosac Naify
design moderno no Brasil”
2006 “Design gráfico brasileiro: anos 60” Chico Homem de Melo Cosac Naify
(organizador)
2006 “Análise do design brasileiro: entre Dijon de Moraes Blucher
mimese e mestiçagem”
2007 “Anos fatais: design, música e Jorge Caê Rodrigues 2AB
tropicalismo”
2008 “Escritos sobre ensino de design no Rita Maria de Souza RioBooks
Brasil” Couto
2009 “Memórias do design brasileiro” Ethel Leon SENAC

2010 Do desenho industrial ao design no Milene Soares Cara Blucher


Brasil: uma bibliografia crítica para a
disciplina
2011 “ABDI e APDINS – RJ: História das Marcos da Costa Braga Blucher
associações pioneiras de design do
Brasil”
2011 “O papel social do design gráfico” Marcos da Costa Braga SENAC
(organizador)

Esses trabalhos, produzidos nos mais diferentes contextos e com objetivos e


perspectivas as mais diversas, conformam conjuntos ou séries a partir dos quais é possível
observar as discussões levadas a cabo, hoje, no campo do design brasileiro. Analisando
contrastivamente essas discussões, é possível pensar tanto sobre a história do design no Brasil
quanto sobre as formas com que são pensadas hoje, pela comunidade de design e por quem se
interessa por ela, as possibilidades para o desenvolvimento futuro da disciplina no país. Ou
seja, a partir de uma apreciação das narrativas discursivas utilizadas por esses autores é
possível perceber de que modo se constroem as categorias a partir das quais se configura a
historiografia do design no Brasil.

55
Nas últimas duas décadas, quando essa produção começa a emergir, discute-se
amplamente sobre um caráter estratégico do design e “sobre as possibilidades de contribuição
desse campo em um projeto de desenvolvimento nacional – não somente do ponto de vista
econômico, mas, também, sobre aspectos sócio-culturais e ambientais” (Cara, 2008: 12).
Além disso, face à democratização do acesso à tecnologia, discute-se novos espaços e
possibilidades para a prática da profissão. Na dinâmica das discussões, surgem diversos
trabalhos que buscam discutir as origens do campo no Brasil. Nesse momento, então, o design
brasileiro busca refletir sobre a sua história, sobre os paradigmas que fundamentaram sua
instauração em território nacional, sobre os agentes envolvidos, sobre as questões que
nortearam o desenvolvimento do campo no país, buscando assim compreender como se
posicionar face aos desafios presentes e futuros. Assim, podemos dizer que o design brasileiro
caminha no sentido de uma auto-reflexão.

Se ainda não há um campo formalizado de estudos da história43 do design nacional,


há, sim, um campo de discussões e um esforço no sentido de uma definição histórica quanto à
constituição do campo do design no país (2008: 12). Na dinâmica dessas discussões, é
importante ressaltar o caráter militante com que a historiografia brasileira do design vem se
constituindo, baseada, sobretudo, em propósitos morais e políticos44 (idem: 14).

Alguns dos autores dos trabalhos que se dedicam a uma reflexão sobre a história do
design no Brasil são da geração que participou dos primeiros momentos dessa história – tal
como conta a história, a instauração da consciência crítica do design enquanto campo
disciplinar se inicia, no país, em torno dos anos 1950. Entre os autores, encontram-se,
portanto, alguns protagonistas da história refletindo, a posteriori, sobre um quadro que eles
próprios ajudaram a delinear. Alguns outros autores são designers de uma geração posterior,
já inseridos no campo profissional e acadêmico, que buscam marcar seus pontos de vista,

43
Deve-se assinalar a importância, para a consolidação de uma reflexão mais organizada sobre a história do
design, ou, pelo menos, de uma nova perspectiva de construção de uma historiografia da disciplina, o livro
“Objects of desire”, de Adrian Forty, publicado em 1986. Outro marco nesse sentido é a criação da Design
History Society, na Inglaterra, em 1977 (Souza Leite, 2006b: 221). Para uma análise do estado da arte da
historiografia do design, ver Dilnot, 1989.
44
Sobre essa questão, Gustavo Amarante Bomfim comenta que “a história do design no Brasil é muito recente
e, portanto, não dispõe de versões serenas, que só se alcançam com o distanciamento que o tempo permite: as
controvérsias são ainda por demais vivazes, seus protagonistas por vezes enciumados, há inúmeros interesses
em jogo que, não raro, se sobrepõem a fatos” (2008: 83).

56
lançando um olhar crítico sobre o quadro fundacional do campo, onde eles começaram a
atuar. Há também jovens designers e arquitetos, cientistas sociais e historiadores da
arquitetura, da arte e do design, que se dedicam a reconstruir as trajetórias e as questões em
torno do design nacional segundo as suas diversas perspectivas. Grosso modo, salvo algumas
exceções, trata-se de um esforço do campo em se re-pensar e se re-interpretar a partir da
análise da trajetória do design no país.

Em diversos desses trabalhos, portanto, é central a (problemática) relação entre o


design e a identidade nacional brasileira. Diversos autores têm se dedicado tanto a discutir a
formação do design no Brasil a partir do momento em que se decide criar as primeiras escolas
que formam profissionais auto-denominados desenhistas industriais, o que acontece em torno
dos anos 1950 e 1960, quanto a buscar em acontecimentos prévios outras genealogias para o
campo das atividades ligadas à criação e à produção industrial.

De qualquer modo, em ambos os casos, trata-se de um esforço em buscar outras


referências para o design brasileiro, referências essas que possam fazer com que o adjetivo
‘brasileiro’, colocado ao lado do sujeito ‘design’, soe de forma menos incômoda aos ouvidos
de todos. Mas por que essa tem que ser uma associação tão incômoda? De que forma ela se
constituiu ao longo do tempo para que o esforço em desarticulá-la tenha de ser retomado,
tantas e tantas vezes? Por que será que o campo ainda não conseguiu superar esse ‘trauma’ e
avançar na agenda de discussões?

Nesse movimento, alguns autores comentam as questões levantadas por Lina Bo


Bardi e por Aloisio Magalhães. Se vários deles trazem para a discussão apenas um ou outro
(por vezes os aproximando ou contrastando com outros atores) (Cardoso, 2004, Cornejo,
2008, Souza, 1996), alguns abordam de forma explícita as relações (implícitas) entre os
posicionamentos de ambos (Borges, 2009, Cara, [(2008) 2010], Chagas, 2002, Souza Leite,
2006, Lessa, 1994, Moraes, 2006, Nobre, 2008). Acompanhando alguns de seus trabalhos é
possível perceber, então, em que quadro maior de discussão esses autores têm comentado as
atuações de LBB e AM, trazendo à tona, assim, as suas leituras sobre as contribuições de LBB
e AM para a conformação de um design vinculado de forma mais a uma identidade cultural
brasileira. Ao atribuírem a LBB e a AM um certo pioneirismo na crítica à influência
germânica entre o design brasileiro, esses críticos delegam ao pernambucano e à italiana
poderes de criação de uma vertente (ou seja, de formação de uma discursividade (Faria,

57
2002), que só é assim nomeada por eles, a posteriori, mas que tem sua gênese localizada, por
eles, nas proposições e atuações dos dois, em suas trajetórias profissionais.

Maurício de Almeida Chagas45, em sua dissertação de mestrado sobre a atuação de


LBB na Bahia dos anos 1980, associa as propostas de LBB para a Bahia na década de 1960 às
idéias de AM para o CNRC. Entretanto, considera que nenhuma das duas propostas
apresentava atitudes inovadoras (2002: 81), na medida em que o envolvimento apaixonado de
certos intelectuais com um caráter popular brasileiro já acontecia desde o primeiro
modernismo, próximo à Semana de Arte Moderna de 1922 e à criação do SPHAN. Para
Chagas, a novidade das propostas de LBB para o Solar do Unhão e AM para o CNRC reside
não apenas no reconhecimento da originalidade de uma produção popular nacional, mas, sim,
na identificação de que, inserida em um modelo de desenvolvimento apropriado, emergiria
dessa produção o seu potencial latente de criação de valor econômico (idem).

Se LBB (na Salvador dos anos 1960) e AM (em Brasília nos anos 1970) tinham
preocupações semelhantes às dos modernistas da Semana de 1922, diferentemente deles, os
dois apresentavam visões da produção popular em que se conjugava valor cultural e valor
econômico. Nesse sentido, LBB e AM se afastariam da “dominante visão romântica vigente
entre os estudantes do folclore e da cultura popular” (idem: 80). Entretanto, se face aos
primeiros modernistas LBB e AM guardavam algumas semelhanças, haveria, entre as suas
propostas, certas especificidades que impediriam uma identificação maior, a saber, a distância
temporal entre as duas iniciativas, e, também, a especificidade de cada um dos contextos
diversos em que elas são formuladas. Assim, observando as proposições de LBB e AM de
forma contrastiva, e localizando-as face à discussão maior do primeiro modernismo brasileiro,
Chagas lembra que os debates acontecidos no campo mais específico do design não podem

45
Maurício de Almeida Chagas, graduado em arquitetura pela Universidade Federal da Bahia em 1976,
especialista em planejamento urbano (UnB, 1978), especialista em elaboração e análise de projetos de
desenvolvimento regional e urbano (University of Ottawa, 1984), mestre (com a dissertação “Modernismo e
tradição: Lina Bo Bardi na Bahia”, 2002) e doutor (com a tese “Preexistência, patrimônio e projeto”, 2008) em
arquitetura e urbanismo pela Universidade Federal da Bahia. Professor adjunto da Faculdade de Arquitetura da
mesma universidade, responsável pelo Atelier de Projetos III, membro da Comissão Executiva do Trabalho Final
de Graduação. Vice-chefe do Departamento de Projeto de Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo, desde 2008. No
início da década passada, atuou como superintendente regional e como diretor de patrimônio material e
fiscalização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em Salvador.

58
ser avaliados sem que se considere os processos mais longos em que se discute um projeto de
modernidade para o país, seja através da arte, seja através da produção da cultura material.

O historiador do design Rafael Cardoso46 (esse, um não designer) é um daqueles que


têm se dedicado, de forma mais substantiva, à busca de expansão dos limites histórico-
conceituais do design no Brasil. Em um de seus textos, intitulado “Tudo é moderno, nada é
Brasil: design e a busca de uma identidade nacional”, ele afirma que a cultura visual erudita
no país está baseada em uma história de rupturas importadas (Cardoso, 2004: 81). Ao
construir seu argumento, menciona alguns episódios que considera como intervenções
fundamentais nesse processo. Entre eles, a chegada da Missão Francesa (1816), a visita de Le
Corbusier (1929), a presença de Max Bill (1951 e 1953) e a movimentação em torno do
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (1959) (idem).

Para Cardoso, tais intervenções teriam em comum três fatores significativos: elas
teriam sido agenciadas por participantes estrangeiros, teriam enterrado uma tradição
preexistente, e teriam sido implantadas em nome da modernização, do progresso e da razão. E
por essa configuração, teriam suscitado reações de cunho nacionalista, acirrando assim os
debates sobre a “oposição tácita entre ser brasileiro e ser moderno” (idem). Para esse autor,
configura-se, assim, uma história de rupturas importadas (idem: 81), que por tentarem impor
um modelo exógeno, que se pretende hegemônico, resultam em reações que, buscando
desvencilhar-se da influência sufocante daquelas propostas, derivam para perspectivas mais
nacionalistas. Assim, estaria em jogo, naqueles diferentes episódios, uma dinâmica de
afirmação de uma identidade brasileira por negação a algum modelo trazido de fora.

No prefácio do livro “Análise do design brasileiro – entre mimese e mestiçagem”, de


Dijon de Moraes, o italiano Andrea Branzi fala de uma “modernidade utópica” (2006: 05)

46
Rafael Cardoso é escritor e historiador da arte. Doutorou-se em história da arte pelo Courtauld Institute of Art
da University of London (1995) com a tese “The Educated Eye and the Industrial Hand: Art and Design
Instruction for the Working Classes in Mid-Victoriam Britain”. Possui mestrado em artes visuais pela UFRJ,
“Forma em Fluxo: Mudanças na Concepção Estética do Objeto no Século XIX” (1991), e graduação em
sociologia pela Johns Hopkins University, EUA. Ex-professor do Departamento de Artes e Design da PUC-Rio,
atualmente é professor adjunto visitante na ESDI/UERJ, onde ministra, no mestrado, a disciplina “Seminário
Avançado em História do Design”, e na graduação, as disciplinas “História do Desenho Industrial” e Desenho
Industrial e Sociedade”. Participa das linhas de pesquisa “História da Arte no Brasil”, “História do Design no
Brasil” e “Revistas ilustradas no Rio de Janeiro nas décadas de 1900 e 1910: artes gráficas na formação da
modernidade brasileira”. É organizador de uma série de publicações importantes para a consolidação de uma
historiografia do design no Brasil ao longo da última década.

59
adotada no Brasil, e proposta, segundo ele, principalmente por alguns europeus que
perceberam no Brasil uma oportunidade de formular uma nova concepção de modernidade,
diferente daquela experimentada na Europa. Entretanto, essa concepção de modernidade,
permanecia, segundo o autor, desvinculada da sua real potencialidade de inovação. O modelo
irreal de modernidade formulado aqui e fomentado a partir de uma série de diálogos centrados
em figuras que transitavam com intensidade entre a América do Sul e a Europa, como Tomás
Maldonado, terminou, paradoxalmente, por influenciar a própria Europa, uma vez que as
oportunidades antevistas no continente americano despertavam, nos intelectuais organizados
em torno da Escola de Ulm, o desejo de re-fundação de uma modernidade racionalista (idem).

Para esse autor, esse modelo ideal é fruto de um diálogo, ou contaminação, entre a
América do Sul e a Europa, em um duplo movimento em que “alguns modelos teóricos
elaborados na Europa influenciaram a cultura do projeto brasileiro, mas, da mesma forma,
algumas hipóteses sobre a Europa elaboradas na América do Sul terminaram por influenciar
a idéia que o velho continente fez dele mesmo” (idem: 06).

Assim, esse modelo idealizado, baseado na convergência das idéias de ciência e


projeto, foi resultado de uma combinação entre a Escola de Frankfurt, a América do Sul e
uma certa esperança política européia, derivada do pós-guerra. “Uma utopia que se
consolidou também no Brasil, como modelo único, de referência para a didática do seu
design. Isso a partir da fundação, em 1963, da ESDI, no Rio de Janeiro, defensora da
ortodoxia ulmiana e do seu modelo didático, quase uma espécie de protetorado cultural,
desvinculado da realidade brasileira, mas por isso mesmo de difícil remoção” (idem).

Quando afirma que a história do design no Brasil é a história de uma cultura


importada na qual, apenas com o passar do tempo e a duras penas, se foi inserindo traços da
sua cultura autóctone; e que todo o processo de se forjar, em um país sem tradição, uma
cultura moderna de projeto é fruto de um esforço realizado em grande parte por agentes
oriundos da Europa (idem: 10), Branzi se aproxima das colocações de Rafael Cardoso (2004).

60
Comentando as mesmas questões, o designer João de Souza Leite47 fala de uma
batalha entre a arte concretista brasileira, de influência européia, e o modernismo brasileiro
dos anos 1920-30. Assim, se instituiu no Brasil, como oportunidade de formar profissionais
aptos a enfrentar os desafios apresentados pela industrialização, um design vinculado a uma
linguagem visual que, derivada em parte da abstração geométrica latino-americana e em parte
do neoplasticismo holandês, se propunha como supranacional (Souza Leite, 2006a: 252).

Na disputa entre modelos possíveis para a instituição de um saber relacionado à


criação para a indústria, saiu vencedora a matriz alemã, que “implicava a adoção de uma
linguagem formal pouco afeita às contingências do tempo e às características da cultura”
(2006a: 253). Em decorrência dessa configuração inicial, surgiram “persistentes questões no
reconhecimento social dessa identidade profissional” (idem): o designer teria ocupado “um
lugar diferenciado do restante da sociedade” (idem). “Cultivou-se uma imagem para o
designer, de costas para o real, dissociada efetiva e afetivamente das circunstâncias da vida
social, cultural e econômica brasileira” (idem: 254).

Para Souza Leite, o design moderno, tal como desenvolvido pela matriz alemã que
serviu de modelo às primeiras escolas de design no Brasil, se constituiu, para além do
território alemão, “independente do contexto no qual estivesse operando” (idem). Sem
considerar as peculiaridades da produção e do consumo, nem a desigualdade social existentes
no país, o design instalou-se sem se permitir uma reflexão quanto a uma melhor adequação ao
contexto nacional. “Não pensou sequer na tradição do modernismo brasileiro, à qual se opôs,
oferecendo-se como outra face do moderno” (idem: 260).

Ainda comentando sobre a instauração do ensino de design no Brasil, coloca que a


ESDI, ao pretender se fixar como a escola de design moderno no país seguindo a linguagem

47
João de Souza Leite é professor adjunto da ESDI/UERJ e professor agregado da graduação em design da
PUC-Rio. Graduado em desenho industrial pela ESDI/UERJ (1974), mestre em Comunicação e Cultura pela
Escola de Comunicação da UFRJ (1999) e doutor em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em
Ciências Sociais do IFCH/UERJ (2006). Integra o quadro de professores do curso de especialização em Design e
Humanidades do Centro Universitário Maria Antônia da USP. Foi consultor do Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional. Junto a Chico Homem de Melo, André Stolarski, Rafael Cardoso e Rodolfo Capeto, integra
o Conselho Editorial da Editora Cosac Naify. Na PUC ministra, entre outras, as disciplinas “História do Design I
e II”, “Tendências em Design”, e participa da linha de pesquisa “História do design como atividade e campo
profissional”. Na ESDI, onde leciona desde 1978, é chefe do Departamento de Programação Visual. Foi
colaborador direto e amigo de Aloisio Magalhães.

61
universalista e cientificista baseada em Ulm, terminou por deixar escapar a oportunidade de
consideração das circunstâncias em que se encontrava o país. Operando no campo da
idealização, voltou as costas para a realidade, e, assim, forjou uma postura alienante de que
ainda muito se queixa, dentro do campo (idem).

A outra vertente de Lina Bo Bardi e Aloisio Magalhães

Para Souza Leite, “uma outra vertente” (idem: 260), à qual Aloisio Magalhães
pertencia, foi delineada pela arquiteta Lina Bo Bardi, em Salvador, na Bahia, quando ela
idealizou - no mesmo ano em que se criava a ESDI e a seqüência de desenho industrial na
FAU-USP -, o seu projeto de escola, em que desenho industrial se associava à produção
artesanal nordestina. Recuperando uma perspectiva de ensino que buscava se inserir em uma
visão cultural mais ampla, e que, exatamente por isso, não se coadunava ao vocabulário do
construtivismo internacional, LBB projetava a criação de uma escola que buscava, segundo o
autor, estabelecer outros rumos para o desenvolvimento do design no país (idem).

Mas é preciso lembrar que a atuação de LBB no campo do ensino de design remonta
ao início da década de 1950, em São Paulo. Sua atuação frente ao Museu de Arte Moderna de
São Paulo e ao Instituto de Arte Contemporânea é fundamental para a instituição do design
como campo profissional no Brasil. Com a vinda do suíço Max Bill em 1951 e 1953, inicia-se
um diálogo entre o Brasil e a Escola de Ulm, na Alemanha. A partir dessa aproximação
surgem a Escola Técnica de Criação no MAM-RJ e a ESDI, iniciativas das quais AM
participou de forma decisiva. No entanto, LBB, que na década de 1950 compartilhava de
certas referências com a vertente construtiva e cosmopolita que orientou a criação da ESDI,
terminou por romper com essa perspectiva (Nobre, 2008: 98), assumindo uma postura
combativa face ao racionalismo em torno do projeto moderno.

O deslocamento de LBB para a Bahia, ainda no final da década de 1950, bem como a
“postura mais flexível de Aloisio Magalhães no interior da própria ESDI, o questionamento
dessa mesma escola por Rogério Duarte, o mobiliário de expressão regionalista de Sérgio
Rodrigues ou, no meio editorial, o projeto gráfico de Carlos Scliar para a revista Senhor e as
capas de Eugenio Hirsch para a editora Civilização Brasileira” (2008: 98-99), são alguns dos

62
“sinais de divergência” (idem: 98) emitidos no campo do design em relação à matriz
germânica, no Brasil, ainda nos anos 1960.

LBB, que contribuira para a aproximação brasileira a um modelo de design ulmiano


no início dos anos 1950, no fim da década reorienta sua perspectiva de ação, reagindo contra a
vertente alemã do design; assim como AM que, tentando flexibilizar esse modelo dentro e
fora da ESDI, apresenta propostas que, segundo Souza, “traziam em si um outro gênero de
inquietação, outras formas de pensar e discutir o design” (1996: 232). Ainda no momento de
idealização da escola, AM teria exposto, segundo Souza Leite, “sua descrença quanto à
propriedade da adoção de um modelo elaborado tão fora de contexto” (2006a: 259).

Souza pondera que em conseqüência dessas idéias surgiu uma tendência nacionalista
no design praticado no Brasil (1996: idem). Essa tendência, que se delineava - mesmo que de
forma descoordenada - no debate cultural brasileiro a partir do fim da década de 1950 (Cara,
2008: 80), ganha força ao longo dos anos 1960. Como alternativa ao modelo concretista (da
qual a vertente ulmiana é um dos braços), vislumbra-se a possibilidade de conjugação entre
um processo de desenvolvimento industrial e a consideração da produção local, mais
relacionada ao que era identificado, até então, como artesanato (2008: idem).

No livro editado em 2010 pela Blucher, “Do desenho industrial ao design no Brasil –
uma bibliografia crítica para a disciplina”48, Milene Soares Cara comenta que, no início dos
anos 1970, os conflitos encontrados nos contextos político e econômico são rebatidos para o
campo do design, onde começa a surgir uma reflexão mais organizada sobre os possíveis
sentidos da disciplina no Brasil, bem como sobre as atividades em que, diante das questões
nacionais, poderiam se engajar os profissionais do design (idem: 79).

Cara entende que, daquele questionamento, emergem duas visões para o design no
país: a primeira entende design como “um elemento estratégico, know-how ou conhecimento
que, inserido no ambiente produtivo, seria o responsável pelo desenvolvimento de produtos

48
O livro é o resultado da pesquisa realizada para a obtenção do título de Mestre em História do Design no
Brasil pela FAU-USP, onde se graduou e é doutoranda. Sua pesquisa teve por objetivo a constituição de um
panorama bibliográfico que abrange o período de tempo compreendido entre os anos 1950 e 1970. Um dos seus
focos de atenção é também o problema dos significados relativos à nomenclatura da disciplina e sua definição
(Cara, 2010: 15). Nessa pesquisa, Cara analisa como a atividade, que nos anos 1950 e 1960 era chamada de
desenho industrial, gradualmente passa a ser chamada de design.

63
mais adequados às características do mercado brasileiro” (idem). A segunda, definida por
AM, percebe o design como uma noção de caráter mais complexo e interdisciplinar (idem).
Para esta autora, seriam os designers mais ligados à segunda concepção (idem: 83) os
responsáveis pela forte problematização da identidade ocorrida na época.

Entre os que consideravam, a partir do final da década de 1960, que “a noção de


desenho industrial assim como fora definida não parec[ia] ser mais suficiente para incluir os
contextos distintos em que o designer [era] chamado para atuar pelos desenvolvimentos do
capitalismo contemporâneo” (idem), Cara cita Gui Bonsiepe, Aloisio Magalhães e Lina Bo
Bardi. Quando afirma que esses dois fariam parte dessa vertente no contexto brasileiro (idem:
85), a autora atenta para o fato de que essa discussão não estava restrita ao país. Segundo a
autora, LBB e AM estavam “inseridos em uma visão cultural mais ampla, e não codificada
pelo vocabulário construtivista internacional” (idem).

Já Branzi fala de uma tendência realmente independente do design brasileiro (2006:


16) que estaria representada em profissionais como Lina Bo Bardi, Joaquim Tenreiro, José
Zanini Caldas, Geraldo de Barros, Sérgio Rodrigues, Michel Arnoult e Norman Westwater; e
depois, Bornancini e Pertzold, Osvaldo Mellone, Adriana Adam, Marcelo de Resende, Carlos
Motta, Luciano Devià, Fulvio Nani Jr., Maurício Azeredo, Joaquim Redig e muitos outros
ainda (idem). Assim, é importante perceber que outros nomes são re-apropriados pelos
autores hoje em sua discussão sobre a constituição de uma identidade brasileira no design.

Para Cara, a discussão sobre a identidade do produto brasileiro apresenta, mais do


que tudo, uma “abordagem prioritariamente associada a uma assimilação da cultura popular
e da experiência local com as perspectivas de um projeto participativo de toda a sociedade
brasileira” (2008: 140). No momento (em torno de 1960) em que se discute a identidade do
produto brasileiro, refletindo-se sobre a “construção de um desenho industrial autônomo com
características nacionais” (idem: 88), LBB “pautava-se então por uma concepção de design
que apostava na fusão de limites da produção industrial e da produção artística e se atribuía
tarefa positiva na própria construção social” (Nobre: 2010: 25), e AM, “da mesma forma que
Lucio Costa, com elegância e civilidade, através também de uma bem sucedida atividade
prática, conseguiu delinear as formas, sendo, portanto, um designer na estrita acepção do
arquiteto, de um design menos vinculado à ortodoxia de Ulm” (Souza, 1996: 270).

64
A ligação de AM com a idéia de um design de identidade nacional (1996: 269), não
teria feito dele, segundo Souza, um nacionalista de plantão, uma vez que ele percebia “que na
forte estrutura lógica do formalismo técnico havia muita coisa a ser assimilada, inclusive
como método, para uma formulação consistente de um design nacional” (idem: 271). Para
este autor, AM teria uma postura menos ortodoxa, se permitindo, por esse motivo, articular
uma outra postura ideológica, diferente do formalismo técnico, mas sem deixar de incorporar
algumas de suas características (idem).

Teria sido “a partir de 1973, quando do início das manifestações de interesse


governamental pelo design, que Aloisio começou a expor, de forma mais definida e decidida,
suas idéias sobre o problema de uma identidade cultural” (idem: 272). Mas, ainda segundo
Souza, com sua morte, em 1982, a idéia de um design ligado à identidade cultural teria se
perdido. Entretanto, é notável, na ESDI, a importância das idéias de AM, pelo menos até a
década de 1980, quando nenhum designer formado pela escola pôde passar indiferente por
elas (idem). O problema da identidade nacional, que teria ocupado um dos primeiros planos
nas preocupações dos designers a partir da segunda metade da década de 1970 (idem: 277), e
que teria em AM um expoente, “implicava a análise do que fosse nacional e também do que
fosse popular” (idem). Mas, para Souza, se o debate em torno de um modelo nacional foi
intensificado durante o regime militar, e a discussão sobre a memória e as raízes nacionais
tomou conta do país, “nada disso se refletiu objetivamente naquilo que foi produzido para o
grande consumo, significando que os problemas do nacional e do popular continuaram, como
sempre, restritos aos intelectuais” (idem: 278).

Se na ESDI a discussão sobre design e identidade nacional começa a tomar corpo


depois de 1968, expandindo-se somente na segunda metade dos anos 1970, é no início da
década de 1960 que LBB se envolve diretamente com a idealização de um modelo de ensino
de design que incorporasse a cultura popular e as peculiaridades culturais regionais. Em 1962
e 1963, ano de abertura da ESDI, LBB estava em Salvador, Bahia, onde desenvolvia, nas
palavras de Ana Luiza Nobre, “mais do que um projeto de escola, um plano de ação política”
(2008: 96). LBB projetava uma Escola de Desenho Industrial e Artesanato, em parceria com a
SUDENE. Nunca realizado, o projeto, que complementava tudo o que ela havia proposto no
Unhão, seria o ponto culminante de sua estratégia cultural numa Bahia em que se
encontravam, além dela, Anísio Teixeira, Edgard Gonçalves, Hans Koellreuter e Pierre
Verger, além de jovens como Caetano Veloso e Glauber Rocha (idem).

65
Esse movimento em direção de um design que fosse mais implicado com as questões
culturais locais representa uma mudança radical de postura (idem: 95) no posicionamento de
LBB dentro do emergente campo do design no Brasil. Para Nobre, “tudo indica que a
mudança de perspectiva de Lina Bo esteja ligada a seu afastamento de São Paulo, ocorrido
justo no momento em que seu projeto para a nova sede do museu começava a ganhar corpo
no Trianon. Mas o fato é que o convite que recebeu para fundar um museu na Bahia
coincidiu com a dissolvência progressiva do programa montado anos antes com Pietro Bardi
em torno do MASP, programa esse fundado numa perspectiva ampla e ambiciosa o suficiente
para incluir, além do museu propriamente dito, um curso de design (no IAC/Instituto de Arte
Contemporânea), uma loja de móveis (Studio Palma), uma revista (Habitat), uma escola de
propaganda, uma orquestra sinfônica juvenil e até um programa de televisão” (idem).

Nobre pondera que um fator decisivo para essa mudança (ou dissolvência do
programa) teria sido, conforme indica Renato Anelli, “o desencontro, acusado de ocorrer dos
anos 1950, entre a expectativa de conexão com o vigoroso processo de industrialização
paulista e a ausência de planejamento do processo de urbanização do país. Isso teria levado
Lina da busca por uma franca inserção no processo de desenvolvimento industrial à
definição de um outro campo de ação, centrado agora na Bahia. Percebe-se assim que certas
variações no entendimento do design no Brasil encontram-se referidas às conjunturas
políticas atravessadas pelo país no período que compreende, grosso modo, de 1954 a 1964.
(...) A nova perspectiva de Lina era sem dúvida uma reação extremada contra a degeneração
do programa reformista implícito na vertente alemã do design, sobretudo em sua versão
brasileira” (apud Nobre, 2008: 95-96). Entretanto, Anelli acrescenta que, antes de mais nada,
“o olhar italiano de Lina Bo apresenta outra raiz, além do design da Bauhaus, de Argan49 ou
do neo-realismo, que identificamos no trabalho de Giò Ponti e Bernard Rudofksy” (2001: 78).

49
Segundo Anelli, “a atuação de Lina Bo representou uma interpretação da experiência da Bauhaus que
permaneceu isolada no meio arquitetônico brasileiro. A Bauhaus e o desenho industrial, aos quais Lina se
referia recorrentemente em seus artigos, deve muito à análise realizada por Giulio Carlo Argan em seu livro
“Walter Gropius e a Bauhaus”, publicado em 1951” (2001: 76). Segundo Argan, segundo o projeto inicial da
Bauhaus se entendia que “a indústria deveria ser uma evolução do artesanato, e não o seu massacre” (idem).
Assim, uma escola como aquela deveria atuar como agente dessa transformação, que não teria como se dar de
forma espontânea. Segundo essa perspectiva, “o design moderno alemão surgiria assim dessa tensão entre o
reconhecimento dos valores populares da produção artesanal e a sua transformação por alguém estranho a ela,
de acordo com um novo projeto social e estético” (idem). Entretanto, é preciso lembrar, como salienta Anelli,
que “a aproximação de Gropius com a cultura popular, autorizada pelos seus antecedentes na Werkbund e no

66
No momento em que LBB e P. M. Bardi criam o Instituto de Arte Contemporânea do
MASP, AM estava fora do país, entre a França e os Estados Unidos, atuando ainda como
artista plástico, e travando um “maior contato com uma concepção de design no sentido
anglo-saxão” (Souza Leite, 2006b: 265). De volta ao Brasil, AM visita o canteiro de obras de
Brasília, ainda em 1959. Em seguida, passa a residir no Rio de Janeiro, onde monta escritório
e participa da criação da Escola de Criação no MAM/RJ e da ESDI.

Em 1975, momento em que desenvolvia uma série de projetos em Brasília, “ele teve
um encontro com o ministro da indústria e comércio, Severo Gomes. Nessa ocasião, de que
resultou a criação do Centro Nacional de Referência Cultural, discutiu-se assuntos ainda
caracterizados no âmbito do desenho industrial, do design. É dessa conversa, quando o
ministro lhe dirige a pergunta sobre a falta de identidade do produto brasileiro, que resulta
um documento que apresenta algumas idéias sobre a elaboração de um projeto
interministerial que visava à criação de uma instituição de “referência brasileira”: o projeto
considera que somente através do conhecimento do acervo constituído por hábitos, costumes,
representações formais ao nível dos objetos cotidianos, utilização de materiais tipicamente
nossos, será possível conferir ao nosso acelerado processo de desenvolvimento
socioeconômico características de autenticidade e personalidade própria” (2006b: 296).

A partir de então, AM passa a dividir seu tempo entre o escritório no Rio de Janeiro,
e o CNRC, em Brasília. Em 1979, é nomeado presidente do Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional e, em seguida, secretário de cultura do Ministério da Educação. Para
Souza Leite, Brasília é o ponto de inflexão na trajetória de AM, que nem sempre foi designer.
Antes de se decidir pela profissão que desempenhou até o fim de sua vida, o pernambucano
graduou-se em direito, foi gravurista e artista plástico. Segundo Souza Leite, o ‘encontro’ de
AM com a ‘idéia de projeto’ é o momento-chave para a compreensão de sua transformação
em designer e, em conseqüência, de sua opção por lidar com as políticas culturais em âmbito
oficial. O encontro de AM com o projeto teria se dado quando este visitou Brasília, ainda em
construção. Ou seja, a visita a Brasília teria permitido ao artista vislumbrar no design a síntese
do que ele desejava exercitar a nível profissional.

Arbeitsrat für Kunst (Conselho de Trabalhadores da Arte), deve ser lida no conjunto de interpretações
realizadas por Argan, muitas vezes se referindo mais ao contexto italiano do pós-guerra do que à evolução
posterior da obra do arquiteto alemão” (idem).

67
Para Souza Leite, a construção da nova capital-federal representa não somente para
AM, mas para todo o Brasil, o ‘encontro com a idéia de projeto’. Para este autor, a cidade
seria o signo maior do projeto no Brasil: “Brasília é o fato que marca, que sinaliza uma
mudança no país” (idem: 239). Se a nova capital era a realização do projeto em solo
brasileiro, conhecer Brasília, ainda em construção, foi, para AM, a realização da possibilidade
de uma carreira que tivesse como eixo fundamental o projeto. A atuação no campo da cultura
seria o desdobramento natural dessa descoberta.

“É no Planalto Central, sobre aquele espaço vazio, que Kubitschek realiza sua
experiência modelar, já indicada como meta-síntese, do Programa de Metas. O papel de
síntese presente na construção de Brasília se dá em diferentes níveis – síntese da idéia de
planejamento e projeto, síntese da comunhão entre as diferentes artes, arquitetura e
urbanismo, em uma configuração gestáltica, e, por fim, para o que diretamente nos interessa
aqui, síntese para Aloisio Magalhães, pois nela se realiza uma espécie de revelação – o
encontro das artes com o social, não artificialmente, mas no sentido mais real possível.
Brasília é a realização concreta de uma representação do Brasil, para o todo da população.
E Aloisio percebe isso” (idem: 240).

Para este autor, é a partir da visita a Brasília que AM adota o design como profissão.
Souza Leite acredita que foi a aproximação de Aloisio com o design que lhe permitiu
estabelecer um gradual relacionamento com as questões de cultura. Ele não vê sua passagem
do escritório de design para o CNRC como uma ruptura; ao contrário, haveria entre as duas
fases uma relação de conseqüência direta. Na década de 1970, o designer pernambucano tinha
muitos projetos sendo desenvolvidos na capital-federal. Em uma de suas constantes visitas à
cidade, ele teria encontrado com Severo Gomes, então Ministro da Indústria e Comércio.
Discutindo assuntos ‘ainda caracterizados no âmbito do desenho industrial’, os dois
elaboraram um projeto que veio a ser denominado de Centro Nacional de Referência Cultural.
Assim, para Souza Leite, Brasília teria sido o ponto de ‘convergência’ na trajetória de AM.

E mais, Brasília seria o melhor exemplo de um projeto desenvolvido à brasileira –


para AM, a capital-federal projetada pelos arquitetos Oscar Niemeyer e Lucio Costa sob
encomenda do presidente da República Juscelino Kubitschek (JK) era a ‘síntese da
compreensão brasileira’ (Magalhães, 1997: 166), construída com ‘grande sentido de
invenção’ (1997: 167), enfim, o gesto que significou o “momento decisivo da ação cultural no

68
país. Dentro da concepção de que nos trópicos convivem pólos opostos, podemos dizer que
Brasília tenta unificar o cartesiano e o barroco, isto é, o espontâneo ou natural” (idem: 107).
Desse modo, Brasília representaria para o Brasil o momento de introdução do método, da
atitude projetiva que Magalhães adotara como profissão 15 anos antes de fundar o Centro
Nacional de Referência Cultural (não por acaso, logo após visitar as obras da capital).

AM entendia a construção da cidade como o momento em que o país teria assumido


sua necessidade de interiorização. Nesse sentido, Brasília seria a convergência do processo
histórico do país. Por conseqüência, o único lugar possível para o desenvolvimento de um
projeto como o do CNRC. Para ele, “esse projeto deveria ser feito aqui (em Brasília), porque
por tentar refletir sobre peculiaridades e realidades brasileiras autênticas, deveria ser feito
em contato com essa realidade, mas num lugar onde se pudesse ter um pensamento neutro,
onde se pudesse fazer convergir. Em Brasília, pode-se ter bastante isenção ou distância para
uma visão de conjunto e, ao mesmo tempo, ter contato com a realidade, o que é ao meu ver
uma complementação da própria idéia do plano político de Brasília e da interiorização
nacional” (Magalhães, 1976: 05).

Segundo o designer e pesquisador Dijon de Moraes50, o cenário de instituição do


design no Brasil se constituiu a partir de uma motivação dominante, que se relacionava à
possibilidade de criar algo novo, que implicasse, mais do que em reconhecimento
internacional, na viabilização de um modo-de-vida que conjugasse os processos de
modernização e a consideração dos valores culturais locais (2006: 74). Nesse sentido,
profissionais do projeto, como LBB e AM, que, de certa forma, acreditavam nas
possibilidades de transformação do país a partir de um processo de modernização industrial,
entendiam como parte constitutiva da atividade do design a responsabilidade social face aos
desafios impostos por esse processo de modernização (idem). Assim, “é interessante notar
que o design é instituído e entendido como um projeto de futuro, exatamente como se via e se
vê o próprio Brasil: como país do futuro” (idem).

50
Doutor em Pesquisa em Design pelo Politécnico de Milão, Itália, com a tese “A relação local-global: novos
desafios e oportunidades projetuais” (2003), mestre pela mesma instituição (1994), graduado em desenho
industrial pela Escola de Design da UEMG, onde hoje é professor efetivo e, desde 2010, também reitor. Autor
dos livros “Limites do Design”, 1997, “Análise do design brasileiro”, 2006, entre outros. Coordenador do Centro
de Estudos “Teoria, Pesquisa e Cultura em Design”, junto a Escola de Design da UEMG. Consultor do sistema
FIEMG/SENAI e do SEBRAE.

69
Se Moraes acredita que LBB e AM, entre os principais representantes do design
brasileiro, se destacaram por assumir o compromisso de enfrentar os desafios de inserção da
cultura local – autóctone e popular – no design nacional (idem: 58), ele entende que suas
proposições, assim como suas ações, não se desdobraram de forma sistemática, influenciando,
de forma significativa, o ensino de design no Brasil “ao ponto de tornarem-se reconhecíveis
como possíveis referências e como símbolo de uma escola de design local” (idem: 59).

Assim também é para Pedro Luiz Pereira de Souza. Ele afirma que “arquitetura e
design que buscaram a identidade nacional nunca foram além de discursos” (1996: 269). Se
os modelos propostos por ambos não foram disseminados sistematicamente nos momentos em
que foram propostos (as ações de LBB na Bahia foram interrompidas pelo governo militar e
sua Escola de Desenho Industrial e Artesanato não chegou a funcionar, de fato; e as ações de
AM foram parcialmente interrompidas, com sua morte em 1982), percebo, sim, a existência,
hoje, de um fenômeno de re-apropriação dos pensamentos e das propostas de ambos, que vem
se consolidando de forma significativa desde o fim da década de 1980, seja durante o
processo constituinte de 1988, que, no que tange às políticas de patrimônio cultural, se valeu
das propostas de AM, seja nas administrações municipais de Luiza Erundina, em São Paulo, e
de Mario Kértesz, em Salvador, que convidaram LBB, nos anos 1980 e 90, a colaborar com a
criação de projetos e programas arquitetônico-urbanísticos, seja nas diversas pesquisas que
têm se dedicado a investigar uma série de aspectos das obras e dos pensamentos desses dois
autores. Esse fenômeno, que se estende do campo político-governamental ao acadêmico,
merece uma olhar mais atento, uma vez que em torno dele articulam-se questões
fundamentais para uma reflexão sobre design e sociedade no Brasil, também hoje.

Tendo atuado em frentes diferentes aproximadamente no mesmo período de tempo –


ela com uma trajetória mais longa que a dele - e tendo proposto, cada um à sua maneira,
novas possibilidades dentro do campo de projeto no Brasil, LBB teve sua atuação político-
cultural (à época baseada em Salvador, Bahia) refreada pela ditadura militar que se instalou
no país em 1964, enquanto AM encontrou no mesmo regime ditatorial o espaço onde
desenvolveu sua atuação junto às políticas de design, artesanato e cultura.

Propondo levar a sério a hipótese, levantada por alguns críticos do design no Brasil,
de que tanto LBB quanto AM apresentavam, cada um a seu modo, visões renovadas do
movimento moderno no design, pensando em novas possibilidades de diálogo do design com

70
a identidade nacional brasileira, é a partir dessa ‘vertente’ ou ‘tendência’ – que, segundo
aqueles críticos, tem nos dois seus maiores expoentes - que proponho observar a construção
do debate em torno de uma identidade nacional do design.

Se entendemos, tal como sugerem estes críticos, que LBB e AM podem ser
considerados como fundadores de uma discursividade, ou seja, do que Castro Faria define
como uma maneira de falar da qual ninguém escapa (2002: 120), é preciso observar as
transformações dessa maneira de falar, o que implica em considerar, como nos sinaliza o
autor, que “a história deste processo de seleção de idéias não é “obra” apenas do próprio
autor, senão do campo intelectual. A cada tempo os críticos, os apologistas, os ideólogos vão
recriando os sentidos possíveis de apropriação da obra do autor, o qual passa a ser uma
referência entre outras” (idem).

Assim, se entendemos que “um autor é um produto social e histórico, contra a ilusão
biográfica do gênio criador, é preciso articular um percurso social, educativo, cultural com o
tecido de atividades intelectuais, obras, práticas e representações que vão sedimentando um
perfil de autor” (idem), perfil esse que vai sendo delineado, ao longo dos anos, a partir de algo
que está entre a obra e as apropriações da obra. Seguindo a proposta de Castro Faria,
proponho que “aqui interessa demonstrar o peso específico das apropriações da “obra”, dos
julgamentos dos classificadores, da representação e função autoral que vai se lhe impondo ao
longo dos anos. Em primeiro lugar é preciso estudar os processos de inclusão e exclusão no
panteão dos luminares, neste caso da galeria de pessoas autorizadas” (idem: 121).

O que interessa investigar é, primeiramente, de que forma esses autores constroem


suas interpretações sobre LBB e a AM e, em um segundo momento, de que modo eles
estruturam as suas narrativas sobre a história do design no Brasil utilizando LBB e AM como
figuras-chave em torno das quais se pode falar de uma alternativa à perspectiva pretensamente
hegemônica adotada pelo modelo esdiano. Com o objetivo de me aproximar da perspectiva de
alguns daqueles que propõem um olhar para a história do design no Brasil a partir de uma
abordagem mais heterodoxa (e que, com esse objetivo, repercutem as idéias de LBB e AM),
proponho agora seguir mais de perto os argumentos de cada um deles.

71
Escolho aqui observar algumas das construções narrativas de alguns críticos da
história do design no Brasil, a saber, Adélia Borges, Rafael Cardoso, João de Souza Leite,
Dijon de Moraes, Ana Luiza Nobre e Pedro Luiz Pereira de Souza51. Nesses autores, é
possível perceber o esforço do campo em se repensar a partir de uma visão mais crítica, mais
matizada, que busca realizar um processo de desarticulação de pressupostos e acordos tácitos
(Devalle, 2009: 19) já naturalizados. Entendo que os trabalhos dos autores acima citados, por
perseguirem novas perspectivas sobre as quais observar a história do design brasileiro, são
fontes riquíssimas a partir de onde é possível ensaiar uma aproximação com a agenda de
discussões do design no país, nos dias de hoje, na medida em que cada um deles põe em
questão, de diferentes maneiras que interessa perceber, pressupostos que vêm sendo repetidos
em uma série de outros estudos52.

Seleciono tais trabalhos também porque esses trabalhos são realizados por autores
que têm forte presença em seu campo de atuação, sendo eles próprios responsáveis por
formações de certas discursividades hoje. Na medida em que publicam, ensinam, e participam
de uma série de eventos ligados aos seus campos de pesquisa e atuação, esses são autores eles
mesmos bastante reconhecidos no campo. Se uns atuam mais diretamente no campo
acadêmico específico do design, e outros têm uma atividade compartilhada entre a docência e
a pesquisa acadêmica e o mercado de trabalho, seja nas atividades de projeto, editoria e/ou
curadoria, e uns ainda estão em uma interface híbrida entre design, arte e/ou arquitetura, deve-

51
Ao longo da pesquisa para a tese, tive algum tipo de interlocução com quase todos esses autores. Em 11/08 e
15/09/2010, tive duas conversas mais formais com João de Souza Leite sobre as questões de interesse da tese.
Além desses dois encontros, já havíamos conversado diversas vezes antes e continuamos conversando – de
maneira mais informal – depois. Em 24/08/2010, conversei, pela única vez, com Rafael Cardoso. Em
30/08/2010, conversei com Ana Luiza Nobre. Durante o P&D Design 2010, falei rapidamente com Dijon de
Moraes sobre a pesquisa, externalizando o desejo de agendar uma conversa, que não consegui viabilizar. Em 05
e 09/11/2010, estive duas vezes com Adélia Borges, conversando mais formalmente sobre as questões relativas à
pesquisa entre 2008 e 2011. Em 11/07/2011 tive uma conversa mais formal com Pedro Luiz Pereira de Souza,
apesar de ter discutido com ele, algumas vezes, e de forma bastante informal, sobre questões avizinhadas aos
temas centrais deste trabalho. A partir de uma decisão quanto à estratégia de apresentação da pesquisa, optei por
não citar diretamente essas conversas, que, entretanto, me ajudaram a mapear autores e obras, sendo, assim,
fundamentais uma compreensão mais matizada dos próprios textos e de suas condições de produção.
52
Buscando compreender as redes que conectam (mais ou menos) as idéias apresentadas por cada um desses
autores nos textos analisados, é importante situar também, para além das citações, os vínculos institucionais
existentes entre alguns deles. A dissertação de mestrado de Cara (2008), publicada em 2010, teve na sua banca
examinadora João de Souza Leite, que é colega de Rafael Cardoso, Washington Dias Lessa e Pedro Luiz Pereira
de Souza na ESDI, e de Ana Luiza Nobre no Departamento de Artes e Design da PUC-Rio. Cardoso, Souza
Leite e Stolarski pertencem ao conselho editorial de design da Cosac Naify.

72
se ressaltar que opto por analisar seus discursos mais de perto na medida em que identifico,
neles também, matrizes a partir de onde visões mais substantivas da história do design no
Brasil vêm se conformando, nos últimos dez ou quinze anos.

Trabalhando com o contexto argentino do design gráfico, a socióloga Verónica


Devalle percebe, nos artigos publicados sobre as características do design daquele país, a
mesma perspectiva acrítica que se encontra em parte da reflexão sobre o design brasileiro: a
mera repetição de pressupostos que vão sendo reproduzidos sem serem questionados.
Buscando por alternativas para a realização de uma análise do campo do design gráfico em
seu país, Devalle reivindica a necessidade de tais estudos assumirem uma perspectiva crítica,
que, mais do que reivindicar um tipo de contra-verdade, realize um processo de desarticulação
daqueles pressupostos. Percebo na perspectiva de Devalle inquietações semelhantes às desses
críticos da história do design brasileiros: ambos parecem estar engajados em investir em
processos de revisão de certos pressupostos que subjazem às análises realizadas até hoje.

Nesse sentido, observar de forma contrastiva as construções narrativas desses autores


nos ajuda a perceber como eles enxergam o campo a partir de onde surgem as questões e as
estratégias que lançam na tentativa de re-configurá-las. Na medida em que todos parecem
estar buscando novas perspectivas sobre a constituição do design brasileiro, distintas das
usualmente acordadas em seu meio (2009: 17), observar como essa proposta se inflexiona no
trabalho de cada um deles, é também observar as possibilidades que se configuram para o
próprio campo, na atualidade.

É preciso esclarecer que o objetivo dessa seção não é cobrir extensivamente toda a
produção bibliográfica desses autores, nem tampouco defender a idéia de que estes são os
únicos a construir perspectivas críticas sobre a história do design no Brasil, muito menos
afirmar que eles formam algum tipo de grupo unívoco ou uni-direcionado. Escolho me
aproximar de alguns textos desses autores na medida em que eles discutem – cada um a seu
modo - questões que interessa aqui problematizar, e, na medida em que eles o fazem a partir
de uma perspectiva também problematizadora. Acredito que acompanhar de forma detida as
suas colocações ajuda a trazer à tona pontos de interesse para essa pesquisa. Alem disso, é
neles que se formula, de forma mais explícita, algumas das associações entre os pensamentos
de LBB e AM, ou, então, uma discussão em torno de uma identidade brasileira do design.

73
Vale lembrar que não é em todos eles que encontramos associações explícitas entre
LBB e AM. Até onde a pesquisa pôde localizar, encontramos tais associações em Cara
[(2008) 2010], Borges (2009) Chagas (2002), Souza Leite (2006a), Lessa (1994), Moraes
(2006), Nobre (2008). Se Lessa (1994) coloca que com a criação do CNRC em 1975 AM
formaliza institucionalmente a vertente afirmativa que busca uma identidade cultural para o
design brasileiro, e que essa vertente participa de uma linhagem de apropriação racionalista
das especificidades culturais brasileiras, da qual fazem parte LBB e Lucio Costa; Chagas
(2002) percebe que apesar de apresentar uma novidade, na medida em não só reconhecia no
fazer popular traços da identidade nacional mas também atentava para o potencial de valor
econômico, o CNRC, tal qual o Unhão, não era propriamente inovador, na medida em que
emulava preocupações dos primeiros modernistas e, mais especificamente, de Mário de
Andrade; Souza Leite (2006a) afirma que AM pertencia a uma outra vertente, delineada por
LBB em Salvador no início dos anos 1960; Moraes (2006) acredita que, apesar de LBB e AM
terem sido importantes protagonistas no enfrentamento dos desafios de inserção da cultura
local no design nacional, nenhum de seus modelos foram disseminados de forma sistemática,
ao ponto de tornarem-se referências para uma escola de design local; Nobre (2008) pondera
que a postura de LBB – combativa ao racionalismo em torno do projeto moderno, assim como
a de AM, Rogério Duarte, Sérgio Rodrigues, Carlos Scliar e Eugenio Hirsch, são alguns dos
sinais de divergência emitidos no campo do design em direção à matriz germânica ainda na
década de 1960; Cara [(2008) 2010] entende que por fazerem parte, no contexto brasileiro, de
uma vertente inserida em uma visão cultural mais ampla, não codificada pelo vocabulário
construtivista nacional, e à qual pertencia também Gui Bonsiepe, LBB e AM foram os
responsáveis pela forte problematização da identidade ocorrida entre os anos 1960 e 1970;
finalmente, para Borges (2009), pioneiros como Sérgio Rodrigues, LBB e AM fazem parte de
uma corrente que valoriza suas próprias raízes culturais e que, buscando re-articular a
produção industrial seriada e o trabalho artesanal, atuaria contra uma atitude auto-alienante
que é resultado da vinculação original do design praticado no Brasil com princípios
funcionalistas ulmianos.

Cardoso e Souza, apesar de não associarem LBB e AM, problematizam a questão da


busca por uma identidade nacional para o design praticado no país, e, nesse contexto,
discutem a atuação de AM. Diferentemente do que fazem os autores supra-citados, que
aproximam as perspectivas de LBB e AM, Cardoso, Cornejo e Souza comparam AM a

74
Alexandre Wollner, mas aqui a comparação busca observar os posicionamentos de ambos a
partir de uma distinção, que é discutida pelo próprio Wollner, no documentário sobre ele,
produzido por André Stolarski em 2005. Se, para Souza, na criação da ESDI “o rigor de
Wollner e a natureza mais espontânea de Aloisio situaram objetivamente alguns dos critérios
básicos para a área de comunicação visual, com predominância das idéias mais precisas do
primeiro” (1996: 28), para Cardoso (2004), AM e Wollner são rochas gêmeas; Cornejo
(2008) analisa as trajetórias profissionais de ambos, sem, no entanto, fazer uma análise
comparativa entre elas.

No livro em que Stolarski entrevista o designer paulista, o próprio Wollner


caracteriza uma diferenciação entre a sua perspectiva e a de AM. “Eu sempre cito a diferença
que há entre mim e Aloisio Magalhães. Ele foi criado no centro dessa cultura regional
brasileira que é Pernambuco; ele viveu em torno dela. Eu fui criado em São Paulo, não tenho
essa cultura regional. Minha cultura é internacional, vem dos alemães, franceses, italianos,
ingleses. Por mais que eu me esforce, não tenho essa ligação. Não adianta eu tentar pôr uma
pena indígena em cima de uma marquinha minha. Mulata, café, Pelé, tudo isso já passou,
esses bondes nós perdemos, não identificam mais o Brasil” (apud Stolarski, 2005: 57).

Outras histórias (Adélia Borges)

É importante ressaltar que o movimento de associação das perspectivas de LBB e


AM já extrapolou os limites da discussão acadêmica, tendo sido incorporado à fala de alguns
agentes mais diretamente ligados à política cultural. No P&D de 2010, em uma mesa redonda
sobre “Design e Cultura”, o representante do Ministério da Cultura, Afonso Luz, falou várias
vezes sobre AM e também sobre LBB e AM. Em um momento da sua fala, declarou:
“Precisamos recuperar as idéias de AM e de LBB, por isso estamos montando um centro de
referência de design e moda em Salvador”.

Em São Paulo, também me deparei com a fala de um representante do governo que


mencionava LBB e AM, propondo uma retomada das suas idéias e ações. No dia 11 de abril
de 2010, a Prefeitura de São Paulo inaugurou a exposição “Puras Misturas”, que sinaliza a
criação do Pavilhão das Culturas Brasileiras, instituição que funcionará em um dos edifícios

75
construídos por Oscar Niemeyer, no Parque do Ibirapuera. No painel que abre a exposição,
um texto assinado pelo Secretário de Cultura de São Paulo, Carlos Augusto Calil, antecipa os
objetivos da mostra: “A exposição “Puras Misturas” anuncia o projeto do Pavilhão das
Culturas Brasileiras, criado pela Prefeitura de São Paulo para celebrar a nossa diversidade
cultural, pela valorização do gesto criativo brasileiro, desde sua manifestação autêntica e
popular, até o mais elaborado design ou as manifestações contemporâneas da arte de rua. É
uma iniciativa que pretende retomar o fio da história de nossas políticas públicas,
fecundadas pelas ações de Mário de Andrade (Missão de Pesquisas Folclóricas), Rossini
Tavares de Lima (Museu do Folclore), Lina Bo Bardi (A Mão do Povo Brasileiro) e Aloisio
Magalhães (Centro Nacional de Referência Cultural). Esperamos estar à altura desse valioso
legado” (Prefeitura de São Paulo, 2010).

Segundo a curadora Adélia Borges53, o nome da mostra “toma emprestada a


expressão ‘puras misturas’, cunhada pelo escritor João Guimarães Rosa, porque essa
expressão paradoxal e contraditória expressa com poesia a trama que constitui a força maior
da cultura brasileira” (2010). Em meio a séries de objetos trazidos de alguns acervos da
Prefeitura de São Paulo e também de peças recém-adquiridas (que farão parte do acervo do
futuro museu), a mostra se estrutura a partir de uma linha do tempo, que objetiva recompor
“um histórico das primeiras iniciativas de difusão da diversidade da cultura brasileira”
(Prefeitura de São Paulo, 2010).

O painel se inicia com a Missão de Pesquisas Folclóricas – considerada a ação


seminal de busca, inventário, valorização e difusão das especificidades culturais do povo
brasileiro, de Mário de Andrade, e em seguida destaca as atuações de Rossini Tavares de

53
Em seu website, encontra-se o seguinte resumo biográfico: “Adélia Borges tem uma atuação profissional
estruturada em três eixos: os textos (para imprensa e livros), as exposições e as palestras e aulas. Graduou-se
em Jornalismo na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) em 1973. Atua na
imprensa desde 1972, tendo trabalhado em veículos como Folha de S. Paulo (1972), O Estado de S. Paulo
(1973-79). Na direção editorial da Revista Design e Interiores, de 1987 a 1994, passou a se especializar em
design. É autora ou co-autora de mais de 10 livros, entre eles “Designer não é personal trainer”, da Editora
Rosari. Desde o início dos anos 1990, vem realizando exposições e projetos culturais, em vários locais do Brasil
e do exterior. Interessada na implantação de políticas públicas relacionadas à cultura e ao design em nosso
país, de 2003 a 2007, dirigiu o Museu da Casa Brasileira, em São Paulo, pertencente ao governo do Estado. Em
2008, coordenou a equipe encarregada da elaboração do projeto conceitual do Pavilhão das Culturas
Brasileiras. Participa ou participou de conselhos de instituições culturais, comitês diversos e júris de premiação
de design, no Brasil e no exterior. É professora de história do design na Fundação Armando Alvares Penteado
(FAAP) e na Escola São Paulo” (http://www.adeliaborges.com/perfil).

76
Lima, Aloisio Magalhães, Darcy Ribeiro, Gilberto Freyre, Janete Costa, Lélia Coelho Frota e
Lina Bo Bardi. Além dessas atuações individuais, destaca o decreto do patrimônio imaterial,
de 2000, bem como o que considera como um fenômeno mais recente, a saber, as ações
lideradas pelos moradores das periferias (Borges, 2010).

O Pavilhão das Culturas Brasileiras, anunciado pela mostra “Puras Misturas”, foi
idealizado pela Secretaria Municipal de Cultura a fim de centralizar, em um único lugar,
acervos que se encontram dispersos e inacessíveis ao público, tais como o acervo do antigo
Museu do Folclore Rossini Tavares de Lima, a coleção da Missão de Pesquisas Folclóricas de
Mário de Andrade, peças do Mestre Vitalino que se encontram na Biblioteca Mário de
Andrade e obras de arte indígena do Museu da Cidade de São Paulo. Em 2007, o secretário de
cultura, Carlos Augusto Calil, convidou a jornalista e curadora especializada em design,
Adélia Borges, a criar um projeto para a nova instituição.

Em julho de 2008, Adélia Borges me escreveu um email, pedindo que eu lhe


enviasse uma cópia da minha dissertação de mestrado (Anastassakis, 2007). Já trabalhando no
projeto do Pavilhão, em conversas com João de Souza Leite, que fora meu professor na ESDI,
ela soube da minha pesquisa sobre o Centro Nacional de Referência Cultural. Além do projeto
encomendado para a Prefeitura de São Paulo, Adélia trabalhava em um texto para o catálogo
de uma exposição retrospectiva do trabalho dos designers Fernando e Humberto Campana, a
ser inaugurada no Vitra Design Museum, na Alemanha.

Enviei para ela as cópias digitais da dissertação e de um artigo sobre ela, publicado
pela revista “Design em Foco”, da Universidade do Estado da Bahia. Algum tempo depois,
Adélia me escreveu de novo, contando que havia citado minha pesquisa de mestrado no texto
do catálogo dos Campana. Marcamos um encontro, para que ela me entregasse uma cópia do
catálogo e para que eu lhe sugerisse nomes e/ou iniciativas que pudessem compor a linha do
tempo da mostra “Puras Misturas”, a ser montada no Pavilhão do Parque Ibirapuera. Esse
encontro aconteceu na sua casa, na Vila Madalena, em São Paulo, em fevereiro de 2010. No
texto, Adélia utiliza algumas passagens do meu artigo quando comenta o posicionamento de
AM face às questões de preservação do patrimônio cultural e desenvolvimento sócio-
econômico, e quando comenta algumas das noções que orientaram a criação do CNRC, tal
como a idéia de ‘tecnologia patrimonial’.

77
No catálogo da exposição “Antibodies – Fernando & Humberto Campana 1989-
2009”, montada pelo Vitra Design Museum, na Alemanha, Adélia Borges escreve sobre o que
ela denomina de relações entre o design e a cultura popular no Brasil contemporâneo. Nesse
texto, ela procura mapear o campo em que se insere o design praticado pelos irmãos
Campana, discorrendo sobre as questões em jogo hoje, bem como sobre as referências que
inspiram o trabalho desses designers e informam, não somente o trabalho deles, mas o ‘design
brasileiro contemporâneo’ (Borges, 2009: 90), que teria nos irmãos paulistas uns de seus
mais famosos e bem-sucedidos representantes (2009: 86).

Para Adélia, o ‘movimento’, ou ‘corrente’, (idem) no qual o trabalho dos Campana se


insere tem a ver com o reconhecimento, por parte deles e de seus pares, de um DNA cultural
brasileiro em que a criatividade, ou invenção, é adotada como estratégia de sobrevivência. Os
designers que incorporam em seu trabalho esse DNA dialogam com o que é denominado no
texto de ‘design popular brasileiro’ (idem: 89). Para eles, as desvantagens da cultura
brasileira – por exemplo, a falta de tradição - são vistas como vantagens estratégicas. O fato
de que tudo no Brasil é novo sinaliza, a esses designers, a possibilidade de que aqui tudo pode
ser novamente inventado, logo, construído com uma certa liberdade e ‘lightheratedness’.

Essa corrente que valoriza suas próprias raízes culturais (idem: 86) tem como
principal característica a elaboração da mistura – “perhaps an expression of the synthesis that
caractherizes Brazilian culture” (idem), que resulta em uma ‘perfeita combinação de energia
criativa’ (idem: 84). Atuando como antenas, “capturing and apprehending these ‘encoded
messages’ of popular creativity and drawing from them the inspiration for a great number of
their projects, a fact repeatedly mentioned in their lectures” (idem: 87), esses designers
buscam preencher a lacuna entre produção industrial seriada e trabalho artesanal, práticas que
foram apartadas, no passado, devido à orientação industrialista que serviu de modelo aos
programas curriculares das escolas de design brasileiras (idem: 90-91).

Além dos Campana, fazem parte desse movimento, segundo a autora, os pioneiros
Sérgio Rodrigues, Lina Bo Bardi e Aloisio Magalhães, seguidos por Carlos Motta, Maurício
Azeredo, Marcelo Ferraz, Rico Lins, Enéas Guerra e Marcelo Drummond (no design e na
arquitetura) e Lino Vilaventura, Ronaldo Fraga e Carlos Miele (no design de moda). Esse
movimento estaria atuando contra uma atitude auto-alienante (idem: 85) que resulta da
vinculação original do design brasileiro com os princípios funcionalistas importados da

78
Escola de Ulm, na Alemanha, desde a fundação da Escola Superior de Desenho Industrial,
primeiro curso universitário de design no Brasil, criado em 1962.

Tal vínculo teria contribuído para uma separação do design brasileiro de suas raízes
culturais. Uma vez adotado o programa ulmiano, ligado ao ideal bauhausiano da boa forma,
ao estilo internacional e ao princípio de ‘a forma segue a função’ (idem: 84), as raízes
culturais brasileiras passaram a ser consideradas irrelevantes e entendidas como símbolos de
um processo retrógrado que precisava ser abandonado em nome de um novo posicionamento
na cena internacional e face aos modelos de produção industrial. Para a autora, o resultado
dessa vinculação foi um tipo de design que estabeleceu seus pontos de referência para fora da
realidade local. Essa atitude provocou reações, que, a seu ver, nas vozes de LBB e AM
encontraram seus maiores articuladores (idem: 85-86).

LBB, que, segundo a autora, não por acaso é citada pelos Campana como uma de
suas principais referências, teria sido uma das mais expressivas dessas vozes. Para Adélia, a
visão de LBB era “deliberadamente focada no presente e no futuro” (idem: 85). A autora
destaca que em seu projeto para o Museu de Arte Popular, na Bahia, ainda na década de 1950,
a arquiteta considerava “o problema da simplificação (e não indigência) no mundo de hoje;
caminho necessário para encontrar dentro do humanismo técnico, uma poética” (Bardi,
1994: 37 apud Borges, 2009: 85). Em seu projeto, LBB buscava, segundo Adélia, as
possibilidades criativas originais que estariam nas bases da cultura brasileira. Tal capacidade
criativa seria definidora de uma atitude progressista da cultura popular em relação aos
problemas reais do país.

Em AM se encontraria uma outra potente voz na defesa da necessidade de


reconhecimento das raízes populares da cultura brasileira (Borges, 2009: 85). Para Adélia,
AM ocupou um papel decisivo, seja no desenvolvimento das identidades corporativas de
grandes companhias nacionais, seja na formulação de políticas públicas de cultura. Sua
preocupação com o que ele denominava de ‘achatamento do mundo’ o levou à criação de um
programa de pesquisa que se debruçava sobre diferentes aspectos da cultura popular, com
objetivo de implementar os resultados das investigações na busca por uma identidade distinta
para o design brasileiro (2009: 86). Dessa forma, “just like Bo Bardi, Magalhães was not
concerned with preserving the forms of the past at all costs but focused rather on reviving its
strengths, wich, in his opinion, were important for the future of the country” (idem).

79
Para Adélia, com a morte inesperada de AM, em 1982, o movimento de
reconhecimento da cultura popular no Brasil ficou privado de um de seus mais potentes
articuladores (idem). No entanto, a seu ver, ao longo dos anos 1980, em paralelo à busca por
modelos de referência externos, emergia a necessidade de identificação de estilos de design
tipicamente brasileiros. No movimento que continua a ganhar terreno durante os anos 1990,
com a consolidação da democracia e o desenvolvimento econômico, a vergonha é substituída
pela esperança (idem). Assim, a nova configuração interna, somada às mudanças em curso no
mundo, à globalização e à valorização do multi-culturalismo, teriam contribuído, enfim, para
a consolidação, no Brasil, de um ambiente de design que considera suas raízes culturais.

Um design de costas para o Brasil (João de Souza Leite)

O debate entre design e realidade nacional (ou entre o design e as raízes culturais)
também é elaborado por João de Souza Leite, no artigo “De costas para o Brasil, o ensino de
um design internacionalista” (Souza Leite, 2006a), que faz parte de uma coletânea de artigos
sobre o design gráfico brasileiro dos anos 1960, organizada por Chico Homem de Mello e
publicada pela Cosac Naify54. Nele, discute os modelos que inspiraram a institucionalização

54
Criada em 1997, a editora Cosac Naify tem uma forma presença nos segmentos de design e arquitetura. Nos
últimos dez anos, tem se dedicado a publicar trabalhos brasileiros, bem como a traduzir obras clássicas. O
conselho editorial de design da editora é formado por Alexandre Wollner, André Stolarski, Chico Homem de
Melo, Rafael Cardoso e Rodolfo Capeto. A coleção “Design brasileiro” já publicou as coletâneas “O design
brasileiro antes do design”, organizada por Rafael Cardoso (2005) e “O design gráfico brasileiro: anos 60”,
organizada por Chico Homem de Melo (2006). Na série “Monografia sobre designers brasileiros”, foram
publicados “Alexandre Wollner e a formação do design moderno no Brasil”, filme e livro produzidos por André
Stolarski (2005), “Como vi – o design de Rafic Farah”, de Rafic Farah (2000) e “design visual – 50 anos”, livro
de Alexandre Wollner (2003). A designer Elaine Ramos, formada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo, é a responsável pela direção de arte dos livros publicados e pela coordenação das
publicações de design da editora.

No segmento de arquitetura, diversas publicações da editora são dedicadas a um aprofundamento das discussões
em torno da arquitetura moderna. Entre os títulos, importa destacar, na coleção “Face Norte”, “Depoimento de
uma geração”, coletânea de “ensaios relacionados à arquitetura moderna brasileira e ao pensamento de
intelectuais comprometidos com a busca de uma identidade brasileira”, organizada por Alberto Xavier nos anos
1980 (2003), “Caminhos da arquitetura”, de Vilanova Artigas (2004), “Lina por escrito – textos escolhidos de
Lina Bo Bardi”, coletânea de textos da arquiteta italiana organizada por Silvana Rubino e Marina Grinover
(2009), “Modernidade e tradição clássica”, livro de Alan Colquhoun (2004), “Oscar Niemeyer e o modernismo
de formas livres no Brasil”, de David Underwood (2003), “Precisões: sobre um estado presente da arquitetura e

80
do design no Brasil, criticando a adoção de um modelo de origem alemã no contexto
brasileiro e identificando nele a causa para uma série de impasses que impediriam, ainda hoje,
“a expansão do conhecimento a respeito do projeto em design” (2006a: 254).

Sua crítica tem a ver com o fato de o modelo alemão ulmiano não ter dialogado com
o ‘contexto’ em que estava operando, voltando as costas para a realidade e trabalhando no
estrito campo da idealização (idem: 260). Esse fato levou o designer a ocupar, no Brasil, “um
lugar diferenciado do restante da sociedade”, o que impediu uma ampliação da ação de
design, e espalhou “uma idéia difusa, parca em teoria, quase desprovida de definição” (idem:
254). Estaria aí a origem e a causa do desconhecimento sobre o design, tema tão discutido ao
longo dos últimos cinqüenta anos por profissionais e por estudantes.

Nessas discussões, em que se atribui tal desconhecimento a um desinteresse da


sociedade, não se percebe que parte do imbróglio reside no próprio enunciado da atividade,
que terminou por fomentar a idéia de uma disciplina arrogante, que julgava ser “detentora de
um pretenso conhecimento a respeito de como o moderno deveria se constituir,
independentemente do contexto no qual estivesse operando. Cultivou-se uma imagem para o
designer, de costas para o real, dissociada efetiva e afetivamente das circunstâncias da vida
social, cultural e econômica brasileira” (idem).

“A matriz alemã vitoriosa no processo de institucionalização (...), que implicava a


adoção de uma linguagem formal pouco afeita às contingências do tempo e às características
da cultura” (idem: 253) foi importada da Escola de Ulm, na Alemanha, para o Rio de Janeiro,
quando da abertura da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI), em 1963. Para Souza
Leite, tal implantação do modelo ulmiano, que resultou em um “implante mal-traçado do
design no Brasil” (idem: 260), foi problemática pois “ocorreu como atitude deliberada,
dissociada de qualquer experiência anterior ou paralela desenvolvida no Brasil” (idem: 254).
E pior, essa matriz se tornou hegemônica (idem: 276), na medida em que o modelo adotado
na ESDI foi multiplicado “por todo o território nacional, sobretudo a partir da década de
1980, quando escolas começaram a proliferar em velocidade espantosa” (idem: 279).

do urbanismo”, de Le Corbusier (2004), “Um modo de ser moderno – Lucio Costa e a crítica contemporânea”,
organizado por Roberto Conduru, João Masao Kamita, Otavio Leonídio e Ana Luiza Nobre (2004).

81
Interessa para ele, então, discutir os termos em que o modelo de design alemão foi
introduzido no Brasil, e, tendo mapeado a ‘pedagogia ulmiana’, identificar outras referências
históricas a partir das quais seja possível pensar sobre o ensino de design no país. Sua crítica
tem a ver com o fato de o design continuar sendo historiado (segundo ele, salvo pouquíssimas
exceções) “sobretudo a partir dos anos 1950, desconhecendo-se intencionalmente, num
recurso de consolidação identitária, tudo o que lhe precedeu, a não ser aquilo imediatamente
relacionado do ponto de vista estético” (idem: 255). Assim, entende que não é mais possível
atribuir a responsabilidade pela instituição do ensino de design no Brasil a um único modelo,
“mas, sim, como um conjunto de ações diversificadas, não orquestradas, no qual cabiam
diferentes formulações” (2006c: 99).

Em seu movimento de compreender em outros termos “o processo pelo qual se


pensou uma atividade estabelecida no cruzamento das questões da arte, da técnica e da
produção” (2006a: 254), discute alguns acontecimentos que antecedem a criação da ESDI no
que tange às tentativas de implantação de um ensino voltado para as relações entre arte e
indústria. Assim, ele retorna a 1816, quando é criada a Academia Imperial de Belas Artes,
passando pelo curso de arte decorativa da Escola Politécnica, em 1934, e pelo curso montado
por Tomás Santa Rosa na Fundação Getúlio Vargas, em 1946 – Desenho de Propaganda e
Artes Plásticas - até chegar a 1951, com a fundação do Instituto de Arte Contemporânea
(IAC) no Museu de Arte de São Paulo, iniciativa liderada pelo casal Pietro e Lina Bo Bardi.

Para Souza Leite, com a criação do IAC se configura um novo momento no sentido
da ‘construção de um ideário autônomo para o design’ (idem: 257), pois “foi nessa ocasião
que se estabeleceu o paradigma moderno de ensino de design no Brasil” (idem: 258). Em
torno do impacto causado pelo trabalho e pela presença de Max Bill se inicia uma
interlocução mais direta com a Escola de Ulm, que se fortaleceu, em um segundo momento,
com a ida de estudantes do IAC para a Alemanha (entre eles, Mary Vieira, Almir Mavignier,
Geraldo de Barros e Alexandre Wollner. “Dessa vertente, viriam a surgir frutos duradouros:
a implantação da ESDI, no Rio de Janeiro, e da seqüência de desenho industrial na
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP” (idem).

Segundo ele, a abstração geométrica relacionada aos trabalhos de Max Bill e dos
artistas concretistas de São Paulo é bem recebida e se estabelece como vanguarda porque
funciona como contra-ponto (pretensamente universal) ao velho modernismo nacionalista

82
(idem). Os concretos, vistos como vanguarda, passam a constituir uma referência moderna
também para os artistas abstratos do Rio de Janeiro. Max Bill e o argentino Tomás
Maldonado expõem nesta cidade, no MAM, onde Niomar Muniz Sodré Bittencourt, então sua
diretora, solicita a Maldonado o projeto de uma escola técnica a ser instalada nas
dependências do museu (idem: 259). A escola não chega a ser implementada, mas o argentino
acompanha de perto a movimentação artística carioca, que gravita em torno daquele museu.

Nesse momento, no fim da década de 1950, se esboça uma crítica ao concretismo


paulista no meio das artes plásticas cariocas. Com a publicação, no “Jornal do Brasil”, do
“Manifesto Neoconcreto”, de 1959, alguns artistas denunciam uma perigosa exacerbação
racionalista que faria parte da arte concreta. O neoconcreto nasceria então de uma
“necessidade de exprimir a complexa realidade do homem moderno dentro da linguagem
estrutural da nova plástica, negando a validez das atitudes cientificistas e positivistas em arte
e repondo o problema da expressão” (Amaral, 1998: 270-5 apud Souza Leite, 2006a: 258).

Ainda em 1962, o MAM-RJ oferece um curso de tipografia experimental, liderado


por Alexandre Wollner e por Aloisio Magalhães. É nesse ambiente que começa a ser discutida
a criação do que viria a ser a ESDI. Comentando sobre esse processo, Souza Leite assinala
que AM, “proveniente de uma outra experiência artística e do contato com o design na
América do Norte, chegou a expor sua descrença quanto à propriedade da adoção de um
modelo elaborado tão fora de contexto” (2006a: 259). Mas segundo o autor, naquele
momento, AM foi palavra vencida.

A vertente alemã que norteou a criação da ESDI constituiu-se através de uma “opção
pela universalidade da linguagem formal e pela adoção do cientificismo, o que impediu um
olhar mais atento às circunstâncias do país” (idem: 259-60). “Bolas para o contexto, vamos
trazer para o Brasil o design moderno: parece ter sido este o lema. Sem avaliar em
profundidade as características peculiares da produção e do consumo no Brasil,
desconsiderando toda a sua disparidade, a sua excessiva concentração de abismos
diferenciais na vida social, o design institucionalizado na ESDI encantou-se pelo mote da
industrialização e conteve, sob comportas bem resguardadas, toda e qualquer reflexão que
pudesse redefinir a atividade em perspectiva mais adequada ao cenário nacional. Não
pensou sequer a tradição do modernismo brasileiro, à qual se opôs, oferecendo-se como
outra face do moderno” (idem: 260).

83
Em paralelo à criação da ESDI, no Rio de Janeiro, LBB, projetava uma Escola de
Desenho Industrial e Artesanato, em Salvador, na Bahia. Em função da “alteração das
condições políticas que até então lhe haviam apoiado, o projeto de Lina não chegou a ser
implantado” (idem). O que interessa no projeto da escola é que nele LBB buscava
“estabelecer outros rumos para o desenvolvimento do design no país” (idem). Através de uma
“visão cultural mais ampla, não codificada pelo vocabulário do construtivismo internacional,
aqui, concretismo” (idem), ela tentou delinear uma outra vertente, à qual, segundo Souza
Leite, AM também pertencia.

Tal vertente estaria ligada a um reconhecimento da necessidade de se estabelecer


relações diretas entre o design e o contexto em que ele atua (idem: 277). Por esse motivo,
apontaria para outras direções, diferentes das indicadas pelo modelo funcionalista
racionalizado (idem: 278) que se auto-identificou como “o paradigma único do design para o
país” (idem: 279). “Todo esse procedimento, de alheamento ao próprio contexto, por seu
enunciado supranacional, vinculado a um forte anti-intelectualismo, na medida em que as
disciplinas de projeto ditaram a regra pedagógica, evitando a teoria, e apartando
virtualmente as questões da arte, conduziu o design naturalmente a um posto de
estranhamento de si e para os outros, e dos outros para si. De costas para o Brasil, o ensino
de um design internacionalista desembarcou por aqui sem nada negociar com qualquer
atividade pregressa por aqui existente” (idem).

E se ele não se colocou em diálogo com nada que tenha acontecido antes,
posicionando-se como marco zero de um processo de ensino de design no país, há de se
pensar também nos motivos de sua persistência. Souza Leite credita sua permanência como
modelo hegemônico de ensino de design no Brasil ao fato de que o questionamento sobre a
sua eficácia sempre ocorreu de forma endógena. Sem conseguir estabelecer um
distanciamento crítico, a crítica no Brasil em vez de ser crítica, terminou por reiterar os
princípios que se propunha a discutir (idem: 278). Não tendo podido, ou conseguido, se
repensar a partir de outras referências, o design brasileiro teria limitado a sua capacidade de
expansão em território nacional. Por essa razão, para Souza Leite, faz-se necessária a revisão
das matrizes históricas do design brasileiro.

84
O design brasileiro antes do design (Rafael Cardoso)

A revisão das matrizes histórico-teóricas do design brasileiro é um projeto caro


também ao historiador do design Rafael Cardoso. Sua intenção fica clara nos títulos de alguns
dos textos publicados por ele, tais como “Tudo é moderno; nada é Brasil: design e a busca de
uma identidade nacional” (Cardoso, 2004), “O design brasileiro antes do design” (Cardoso,
2005) ou “Design na periferia”, capítulo do livro “Uma introdução à história do design”, que
teve sua terceira edição publicada em 2008. Nesses textos, Cardoso se propõe discutir tanto a
possibilidade de expansão da delimitação dos limites históricos do design no Brasil, bem
como discutir, nos termos do design no Brasil, a relação entre modernidade e brasilidade. Sua
proposta de uma reflexão crítica sobre a historiografia do design do Brasil se desdobra em
pesquisas e publicações que ele tem coordenado dentro e fora da universidade.

No texto de 2005, voltado às origens do design no Brasil, inicia a discussão com a


tentativa de derrubar o mito de que o design brasileiro teve sua origem em torno dos anos
1960. Para Cardoso, isso é uma ‘falsidade histórica patente’ (2005: 07): o que ocorreu foi
uma ruptura - os anos de experimentação entre a criação do IAC e da ESDI marcaram, sim,
uma mudança fundamental de paradigma: no entanto, o que surge, mais do que o design
propriamente dito, é “a consciência do design como conceito, profissão e ideologia” (idem).

Essa ruptura seria apenas mais um episódio na série de rupturas importadas que
teriam norteado a história da cultura visual erudita no Brasil (Cardoso, 2004: 81). Entre tais
choques heterodoxos, Cardoso destaca quatro episódios decisivos: a chegada da Missão
Francesa, em 1816, a vinda de Le Corbusier, em 1929, a visita do escultor Max Bill, em 1951
e a mobilização em torno do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1959. Esses
acontecimentos teriam em comum os fatos de terem sido agenciados por estrangeiros, de
terem substituído uma tradição preexistente de cunho nativista, e de terem sido
implementados com objetivos de modernização.

Reconhecendo o perigo de se cair em um anacronismo ao acrescentar a uma


historiografia do design fatos que não eram, à época, nomeados dessa maneira, ela pondera
que, por outro lado, corre-se o risco de negar o reconhecimento do que veio antes ou do que
está para além do modelo hegemônico instaurado nos anos 1960. Para Cardoso, está claro que

85
durante os 50 ou mesmo 100 anos antes dos anos 1960 já se exercia, no Brasil, atividades
projetuais aplicadas ao setor industrial (2005: 08).

Haveria, assim, uma certa perversidade em afirmar que profissionais como Tomás
Santa Rosa ou J. Carlos não pertencem ao mesmo universo histórico do design moderno, tal
qual AM e Alexandre Wollner. Para Cardoso, todos esses profissionais são todos desenhistas
industriais, variando entre eles as opções de estilo e a inserção social. Assim, “afirmar que
Aloisio foi designer e que Santa Rosa não o foi revela um pouco do preconceito que ainda
rege esse campo profissional no Brasil e, em última instância, depõe mais contra os donos do
poder no meio do design do que contra Santa Rosa, cuja genialidade como projetista
ninguém coloca em questão” (2005: 09).

Para o autor, haveria um propósito nessa falta de conhecimento do passado (idem:


10). Tal desconhecimento interessaria aos ideólogos remanescentes do modernismo (idem:
09) que, advogando em causa própria, tentam legislar sobre quem é ou não designer no Brasil
(idem). Dessa forma, Cardoso atenta para a disputa que diversos agrupamentos sociais e
agentes culturais vêm travando pelo poder de aplicação do termo design, no país. Segundo
ele, é dessa disputa que surge a ambigüidade proposital do título do livro “O design brasileiro
antes do design”. Ambigüidade que seria apenas aparente.

Cardoso entende que houve, sim, por volta dos anos 1960, uma ruptura, que forjou
um novo paradigma de exercício e ensino da profissão. Segundo esse paradigma, válido até
hoje, o design segue uma matriz modernista, vinculada ao processo de institucionalização das
vanguardas artísticas da primeira metade do século XX, que se firmaram a partir de uma
resistência ao fascismo na Europa e, depois, ao corporativismo multinacional. Assim, torna-se
patente a ligação da ideologia do design moderno implantada no Brasil entre 1950 e 1960 com
o esforço de inserção do país no novo sistema econômico mundial, levado a cabo pelo poder
público, em grande parte responsável pela viabilização das escolas de design.

“O Brasil moderno de Getúlio e da Petrobras, de JK e Brasília, de Assis


Chateaubriand e do MASP, de Carlos Lacerda e da ESDI pretendia-se um novo modelo de
país – aquele do “futuro” -, concluindo a ruptura com o passado arcaico e escravocrata
iniciada pelo pensamento republicano positivista” (idem: 10). A ambigüidade do título do
livro publicado em 2005 é apenas aparente na medida em que, se reconhecemos que o que
houve nos anos 1960 foi uma ruptura ou mudança de paradigma, é exatamente porque já

86
havia “um vasto universo de atividade projetual ligado à produção industrial ao longo das
décadas anteriores a 1960” (idem).

Para Cardoso, falta à historiografia do design reconhecer tanto a existência de uma


indústria brasileira antes desse período, bem como um campo de formulação e aplicação de
soluções projetuais aos desafios colocados por ela. Na medida em que se afirma um design
brasileiro anterior aos anos 1960, surgem algumas questões: quais as matrizes dessa atividade
e quais as origens das linguagens que elas praticam?

“Se existiram atividades projetuais em larga escala no Brasil entre 1870 e 1960, e se
estas não tiveram como base uma linha única de pensamento, uma determinada doutrina ou
estética, então a produção que delas resultou é representativa de uma tradição rica, variada
e autenticamente brasileira, que terá assimilado e conciliado uma série de influências
díspares. Em outras palavras, se existe uma cultura projetiva brasileira anterior à
importação do modelo ulmiano/concreto, esta é, até certo ponto, mais representativa do
longo processo histórico de formação da identidade nacional, o qual data desde o fim do
período colonial. (...) Não se está a dizer de modo algum que o passado remoto seja mais
legítimo do que o passado recente. Antes, está-se a dizer que o passado recente deu
continuidade ao passado remoto, mesmo existindo momentos de ruptura” (idem: 11).

Para ele, o projeto de publicação desta coletânea se justifica porque conhecer o


passado projetual anterior à instituição das escolas de desenho industrial é condição
fundamental para uma compreensão mais aprofundada da questão que envolve uma
identidade brasileira no campo do design (idem: 12). Para Cardoso, a identidade é hoje uma
questão premente na medida em que caem as fronteiras, e em que as identidades, sejam elas
nacionais, regionais, comunitárias, étnicas, ou de qualquer espécie, têm a sua consistência
histórica ameaçada. Desvendar os diversos aspectos de uma identidade brasileira ainda em
construção (idem) através dos discursos próprios ao design, desmistificando falsos consensos,
é o primeiro passo na busca de uma história múltipla, diversa, rica (idem). E mais, na busca de
direções para o design no Brasil, “já que é evidente que o design ainda pode fazer muito num
país com extrema carência de projetos, de soluções de planejamento” (idem: 16).

No texto publicado um ano antes, se discute as relações entre modernidade e


brasilidade no campo projetivo brasileiro a partir da ruptura moderna. Tais relações, que, em
suas palavras, “ainda servem de pretexto para lágrimas e ranger de dentes” (Cardoso, 2004:

87
81), seriam uma grande questão para o design brasileiro desde a implantação do modelo
ulmiano/concreto. Assim, “o design, moderno de berço e por vocação, lida há pelo menos 40
anos com a provocação irritante de ter que provar que também é brasileiro” (idem).

A relação tensa entre modernidade e brasilidade, que aflige os designers a partir da


segunda metade do século passado, seria característica de um segundo momento do
modernismo, que caminha junto com a idéia de uma nova ordem mundial, na qual o mundo
passa a se pensar de modo multinacional (idem: 82). Para Cardoso, o modernismo brasileiro
se insurge contra o paradigma nacionalista de 1922, não por acaso, somente após o
falecimento dos dois pais do modernismo, Mário e Oswald de Andrade, o que ocorre,
respectivamente, em 1945 e 1954 (idem). A partir daí, um novo levante cultural se inicia,
tendo no Manifesto e na Exposição “Ruptura”, em 1952, um de seus marcos. Nesse sentido,
toda a movimentação em torno do projeto construtivo brasileiro (incluindo Noigrandes,
Frente, Waldemar Cordeiro, Mário Pedrosa, Augusto de Campos, Ferreira Goulart) representa
uma tomada de poder, a ascensão de uma segunda geração modernista (idem).

As diversas vertentes do concretismo, que apostavam em uma linguagem universal


na arte e no design, teriam se adaptado tão bem em território brasileiro porque, segundo o
autor, estavam de acordo com o projeto de desenvolvimento que se instaurava no país,
intensificado durante o governo de Juscelino Kubitschek, iniciado em 1956 (idem: 83). A
modernidade identificada no modelo ulmiano, que tentava “levar adiante o projeto iluminista
de aperfeiçoamento da sociedade através da inter-relação entre arte e tecnologia, educação e
trabalho, política e indústria” (idem), que, “decidida a re-configurar as próprias bases
produtivas da sociedade industrial, propôs-se ao ensino do design, rejeitando em boa parte o
legado artístico do campo” (idem: 84), optou por uma atuação internacionalista.

Foi exatamente nesse movimento que Max Bill e Tomás Maldonado começaram a
participar ativamente na formação do meio concretista no Brasil (idem). Além deles, havia
uma clara rede de sociabilidade, afinidades e propósitos articulada em torno dos museus
modernos cariocas e paulistas (MAMs e MASP) e dos casais Lina Bo Bardi e Pietro Maria
Bardi – em São Paulo, e Carmen Portinho e Afonso Eduardo Reidy – no Rio de Janeiro. Entre
os nomes citados por Cardoso, estão Abraham Palatnik, Alexandre Wollner, Antônio Maluf,
Geraldo de Barros, Ivan Serpa, Lothar Charoux, Maurício Nogueira Lima, Waldemar
Cordeiro, Willys de Castro, só para citar alguns (idem).

88
Para Cardoso, a fundação da ESDI, marco da implantação do modelo moderno de
design no Brasil, deve ser compreendida como uma decorrência direta da movimentação em
torno da arte concreta. O projeto de criação da escola, que em suas negociações envolveu
Carlos Lacerda, teve apelo político porque foi percebido como uma afirmação de
modernidade, desenvolvimento e avanço tecnológico (idem).

Entre os marcos de expansão do design ‘que veio do frio’, Cardoso menciona o


cartaz de Antonio Maluf para a I Bienal de São Paulo (1951), a reforma gráfica do “Jornal do
Brasil” (entre 1956 e 1969), coordenada por Amílcar de Castro, e o projeto das cédulas do
cruzeiro novo, de Aloisio Magalhães (1966). Em um intervalo de quinze anos, de um reduto
da intelectualidade vanguardista, o design conquista o Estado, espalhando-se pelas bancas de
jornal, carteiras de dinheiro, chegando, enfim, à casa e aos bolsos de todos os brasileiros.

Além desses marcos principais, Cardoso destaca a abertura do escritório


“Forminform” (São Paulo, 1958), que tinha entre os sócios Geraldo de Barros, Rubens
Martins, Walter Macedo e Alexandre Wollner, em cuja produção ele percebe “a expressão
mais acabada e nítida de um design de padrão internacional, feito no Brasil, seguindo os
preceitos ulmianos de derivação concretista” (idem: 85). Assim, passando ao largo das
questões de brasilidade e identidade nacional, Wollner seria o maior intérprete, no país, de um
design de cunho universalista (idem).

Se na produção de Wollner pode-se reconhecer o melhor exemplo de adequação e


sucesso do design de matriz ulmiana no Brasil, é na obra de AM, sua ‘rocha gêmea’ (idem:
87), que se mostra a capacidade de conjugação entre brasilidade e modernidade. Para
Cardoso, a produção de AM reúne, pela primeira vez na história do design brasileiro, esses
conceitos (idem: 86), sintetizando, no entanto, muitas das contradições do período autoritário
em que veio a tona. Contudo, se o trabalho de Wollner, menos implicado com questões
ideológicas e nacionais, encontra espaço de desenvolvimento em meio ao setor empresarial
privado55, que era impulsionado pelo ‘milagre econômico’ (idem), “a obra de Aloisio se
prestou de maneira visceral a constituir a face aceitável do regime autoritário” (idem).

55
Entre seus clientes, estão as empresas Metal leve, Eucatex, Hering, Aché, USP, Itaú, Klabin, entre outras.

89
“Pensa-se nos símbolos do IV Centenário do Rio de Janeiro, em 1964, ou para a
campanha da Copa do Mundo, de 1969, ou, ainda, na identidade visual da Petrobras. Este
último projeto talvez seja o casamento mais perfeito dos preceitos construtivos da década de
1950 com um nacionalismo corporativo de cunho populista tão distante da visão de mundo
ulmiana quanto é próximo daquele modernismo anterior. Ambíguo em suas aspirações, quase
contraditório, é o marco fundador de uma nova cara do Brasil inaugurada na década de
1970, sob o regime militar, mas que retoma os anseios por um Estado forte e paternalista que
remontam não somente a Getúlio, como aos próprios tempos do Império” (idem).

Ainda comentando sobre os designers que se propuseram a elaborar a relação entre


modernidade e brasilidade, Cardoso destaca, além de AM, os trabalhos de Sérgio Rodrigues e
Rogério Duarte. O primeiro, com sua “Poltrona Mole”, de 1957, sintetiza uma idéia de
brasilidade em linguagem contemporânea (idem: 87). Nitidamente moderna, a poltrona foge
aos padrões modernistas vigentes. Não é um incidente isolado. Situa-se face ao contexto
político-cultural em que o Brasil se afirmava, mundialmente, como um modelo a ser seguido
(idem). “Sua genialidade reside na ousadia de conjugar a sintaxe modernista reinante, de
palhinha e madeira delgada – consagrada por Joaquim Tenreiro, e empregada em móveis
imediatamente antecessores do próprio Sérgio Rodrigues, como a cadeira Lucio Costa e a
poltrona leve Oscar Niemeyer, ambas de 1956 -, com essa nova inflexão popular, regional,
folclórica, levemente camponesa que ele vinha explorando desde 1954 com o banco Mocho.
(...) A filosofia projetual de Sérgio Rodrigues estava profundamente ancorada na busca das
raízes brasileiras e sua consubstanciação no moderno, em perfeita sintonia com a ideologia
antropofágica dos já citados Andrades” (idem: 87-88).

Se em Sérgio Rodrigues a relação entre brasilidade e modernidade se dá de forma


tranqüila, o mesmo não aconteceria na obra de Rogério Duarte. Seu design tropicalista, que
representou, para Cardoso, a versão brasileira da contracultura mundial, deixa aberta a
questão: “a simples subversão do paradigma modernista pode ser considerada um ato de
abrasileiramento?” (idem: 89). O projeto para o cartaz do filme “Deus e o diabo na terra do
sol”, de Glauber Rocha (1965), a mais célebre de suas realizações gráficas, que parece querer
questionar a relevância do legado modernista para o Brasil do AI-5, tende mais para o
equilíbrio do que para a confusão: Cardoso percebe, para além do choque das cores e dos
elementos visuais utilizados, um respeito pelas convenções de diagramação e tipografia
modernas. Para ele, trata-se de uma peça gráfica que segue os parâmetros esdianos, ou seja, é

90
um cartaz essencialmente neoconcretista, que não faz mais do que aliar a uma base
racionalista um toque de expressão (idem: 88).

Para Cardoso, tais trabalhos colocam questões que ainda não foram satisfatoriamente
resolvidas. O que significa fazer design no Brasil ainda é uma questão aberta. Assim,
enquanto os designers permanecerem desconhecendo o legado projetual das gerações
anteriores, estarão condenados a “descobrir a pólvora e reinventar a roda a cada geração”
(Cardoso, 2005: 16). Ou, “pior do que isso, estarão optando por permanecer presos aos
limites estreitos da conceituação da profissão imposta pela modernidade envelhecida de
quarenta anos atrás, que ainda se manifesta em dicotomias falsas, tais como forma/função,
design de produto/design gráfico, aparência/uso, arte/design, mercado/sociedade” (idem).

Há ainda outra questão, que caminha junto com a primeira: o que o design pode fazer
pelo Brasil? Se a ruptura moderna marcou de forma significativa toda uma geração de
arquitetos e designers, tais como Affonso Eduardo Reidy, Alexandre Wollner, Aloisio
Magalhães, Carmem Portinho, Geraldo de Barros, João Batista Vilanova Artigas, Lina Bo
Bardi, Maurício Roberto, entre outros (2005: 15), ela não conseguiu inventar um novo país, e
desconstruir o Brasil arcaico, tal qual se propunha. “O modernismo venceu e o design
modernista se consagrou” (idem), mas pouco contribuiu para uma transformação efetivas das
condições de vida da população do país (idem: 16). E o quadro precisa ser revertido. “Um dos
caminhos a serem percorridos nessa busca é o do autoconhecimento” (idem).

Apesar da questão ser recorrente, ainda não está claro de que modo o design poderia
atuar a fim de alavancar as transformações desejadas. Oscilando a discussão em torno da
possibilidade de utilização do design como instrumento de diferenciação da produção
nacional, principalmente face ao mercado internacional, articulam-se duas visões, uma que
acredita em seu potencial, outra que rejeita tal possibilidade. Assim, a questão por trás do
debate tem a ver com o “modo com que os designers tem lidado com essa contradição entre a
posição do Brasil como país periférico e o perfil cultural do design como uma atividade ‘de
ponta’ em termos tecnológicos ou ‘de vanguarda’ em termos estilísticos” (2008: 217).

Esse debate, que se aquece entre o final da década de 1960 e começo da década de
1970, acontece não só no Brasil, mas em todo o mundo. A “nova consciência em nível
mundial do papel do design e da tecnologia” (idem: 219), que se relaciona com questões
como “ecologia humana, estratégias tecnológicas alternativas e responsabilidade social do

91
designer” (idem), se expandiu a partir da popularização dos livros “Design for the real
world”, de Victor Papanek (1971), e “Small is beautiful”, de E. F. Schumacher (1973).

Apesar de as idéias sintetizadas nesses livros estarem em circulação desde o fim dos
anos 1960, é a partir da década de 1980 que se percebe, no contexto brasileiro, uma
preocupação mais explícita com a idéia de um “design social” (idem: 222). Esse movimento
vai desencadear também um interesse pelo “chamado elemento vernacular no design
brasileiro” (idem: 225). Esses interesses se manifestam em meio ao surgimento de uma nova
geração de designers, que por estar “relativamente livre das prescrições passadas, parece
reconhecer intuitivamente a importância de redescobrir e reinventar os elementos formais,
informais e até mesmo informes da tradição nacional de design” (idem). Para esse autor, esse
“é um tema de enorme importância, pois revela as tensões entre uma visão de design
fundamentada em ideais importados e uma outra assentada no reconhecimento das raízes
profundas da realidade brasileira” (idem).

Entre mimese e mestiçagem (Dijon de Moraes)

Propondo uma análise do design brasileiro à luz da relação entre a disciplina, o país e
o fenômeno da globalização, em sua pesquisa para o doutoramento, publicada, em 2006, com
o título de “Análise do design brasileiro: entre mimese e mestiçagem”, Dijon de Moraes
realizou um estudo de caso que buscava indagar o design brasileiro como fenômeno local
(2006: 19). Para “coligar a realidade brasileira e o seu design com o fenômeno da
globalização” (idem), realizou um mapeamento do percurso do design no Brasil, que se
organiza cronologicamente, compreendendo o espaço de tempo contido entre a década de
1960, quando se institui oficialmente o ensino de design no país, e o ano de 2005, em que
estaria plenamente instaurada a globalização (idem). “Neste estudo, evidenciou-se também o
constante encontro entre as peculiaridades locais e os diversos modelos da disciplina do
design provenientes do exterior. Esse fato deu forma à conflitante realidade da prática de
mimese (nem sempre positiva) de modelos predeterminados e preestabelecidos no design
brasileiro. Estas referências serviram o design brasileiro de contínuas confluências
ideológicas, cujos modelos principais vieram do continente europeu” (idem: 20).

92
Considerando as transformações no panorama mundial, ocorridas a partir da década
de 1980, que se acentuam na década de 1990 (idem: 21), Moraes destaca alguns dos efeitos,
para o design brasileiro, da transição de um modelo até então predominante para um novo
modelo, mais relacionado às idéias de diversidade, multiculturalidade e globalização (idem).

Comentando sobre o vanguardismo de alguns designers face a uma compreensão


mais pluralista - que viria a caracterizar o design brasileiro praticado a partir dos anos oitenta,
Moraes afirma que “podemos recordar, dentre os protagonistas do design brasileiro, dois
outros de seus importantes representantes a enfrentar os desafios da inserção da cultura
local – autóctone e popular – no design nacional: Aloisio Magalhães, com o design gráfico, e
Lina Bo Bardi, com o design de produto” (idem: 58).

Percebendo em LBB e AM dois modelos para o desenvolvimento de um design


local, Moraes ressalta que, a seu ver, nenhum deles “foram disseminados de maneira
sistemática no âmbito do ensino do design no Brasil, ao ponto de tornarem-se reconhecíveis
como possíveis referências e como símbolo de uma escola de design local” (idem: 59).

No entanto, encontra nas propostas dos dois ecos de uma modernidade híbrida,
apontada por Andrea Branzi, que estaria presente também, segundo Moraes, em Darcy
Ribeiro e em Oswald de Andrade, no contexto mais recente, voltando ao campo do design, no
trabalho dos irmãos Campana. A hipótese de Moraes está centrada, então, na idéia de que o
design brasileiro vem oscilando entre processos de mimese e de mestiçagem, que se alternam
contribuindo para “a construção de um caráter e de sentidos múltiplos para o design local”
(idem: 255). E na aposta de que o ‘caráter plural, híbrido e sincrético’ (idem: 257) do design
local é fonte de “relevante riqueza e potencial diferencial competitivo” (idem: 256). Nesse
sentido, o percurso do design brasileiro ao longo dos últimos cinqüenta anos aproxima-se de
um “novo modelo de design que se estabelece junto à globalização nesta segunda
modernidade mestiça que se forma” (idem: 258).

Assim, “o caso brasileiro, certamente, não coloca à disposição do design mundial


respostas definitivas aos novos desafios, que começam a se manifestar dentro do processo de
globalização. Mas, ao contrário, o design brasileiro, por ter vivido de forma antecipada
desafios semelhantes, coloca em evidência seu contraste, sua fragilidade, suas incertezas e
expõe os problemas já vivenciados por ele, tais como: grande dificuldade de decodificação e
também o desafio da unicidade formal. Por isso mesmo, o percurso do design brasileiro,

93
realmente, em muito se assemelha e se associa a este global em formação, que vai adiante
cheio de contrastes e paradoxos, mas que, ao mesmo tempo, evolui e se adapta durante o seu
percurso de viandante” (idem).

Dessa forma, o processo de hibridação por que passou o design brasileiro – que
“sucede justamente no bívio entre o mimetismo produtivo proveniente do exterior e a
mestiçagem da sua cultura autóctone local” (idem: 262), o legitimaria como um laboratório a
partir de onde se poderia prospectar novos modelos para a disciplina em face ao contexto da
globalização. “Assim, procurar entender o paradigma brasileiro, com toda sua energia e
pluralidade intrínseca, é, acredita-se, uma maneira de refletir sobre novas e possíveis
estradas para o design neste novo mundo globalizado” (idem).

Com uma visão histórica que se pretende também projetiva, na medida em que
analisa o percurso histórico do design no Brasil propondo que ele pode ser pensado como um
modelo para outros contextos nacionais envolvidos com os mesmos tipos de questão, Moraes
enxerga em LBB e AM autores que souberam propor um modelo que poderia equacionar os
dilemas do design brasileiro. É curioso notar que apesar de relacionar de forma direta os dois
autores, Moraes dedica mais páginas do livro às idéias de LBB do que sobre AM. Discutindo
a leitura bobardiana do artesanato e das questões relacionadas aos processos de
industrialização, afirma que apesar de todo o investimento em se propor modelos alternativos
para a atividade do desenho industrial, “nenhuma dessas experiências foram suficientes para
as legitimar e as coligar com a cultura autóctone local” (idem: 74).

Sinais de divergência (Ana Luiza Nobre)

Se, em alguns dos autores citados, nota-se uma série de propostas de superação de
certas dicotomias já naturalizadas no campo do design brasileiro, a partir de diálogos diretos
seja com um passado mais remoto, excluído das narrativas, seja com um presente que se
renova e/ou um futuro projetado a partir do passado, seja em diálogo com os campos das
políticas culturais e da arte, aqui se propõe uma reflexão que supere uma perspectiva que
observa de forma distanciada as histórias da arquitetura e do design modernos no Brasil.

94
“Fios cortantes: projeto e produto, arquitetura e design no Rio de Janeiro (1950-70)”
é o título da tese de doutorado defendida pela arquiteta Ana Luiza Nobre, em 2008, no
Departamento de História da PUC-Rio. No trabalho, a autora “discute a produção projetual
em arquitetura no ambiente cultural carioca das décadas de 1950 e 1960, período que
coincide com a emergência da arte concreta, a estruturação do meio do design no Brasil e a
construção da nova capital federal” (Nobre, 2008). A partir da análise de dois momentos-
chave – a polêmica em torno da crítica do arquiteto e designer suíço Max Bill à arquitetura
moderna brasileira, em 1953, e a criação da ESDI (Escola Superior de Desenho Industrial),
em 1963, Nobre observa as tensões, os limites e os desdobramentos da vertente construtiva da
arte moderna na arquitetura brasileira, em especial no que se relaciona à noção de projeto, tal
como ela fora formulada pela Escola de Ulm, na Alemanha.

Em um segundo momento, o trabalho dedica-se a investigar, nas obras projetuais de


Sergio Bernardes e Henrique Mindlin, como cada um dos dois arquitetos lida com os
procedimentos e conceitos implicados na correspondência (que segundo a perspectiva
ulmiana é fundamental) entre raciocínio projetual e lógica de produção industrial, de formas
que apontam para um rompimento com o direcionamento definido desde 1930 por Lucio
Costa para a arquitetura brasileira.

Interessa acompanhar o argumento de Nobre na medida em que, a partir da sua


proposta de pensar a obra projetual de Bernardes e Mindlin face à concepção de projeto
ulmiana, ela observa tanto a construção, na Escola de Ulm, dessa noção, quanto sua
transposição ao contexto brasileiro, via criação da Escola Superior de Desenho Industrial.
Além disso, comenta a polêmica desencadeada pela crítica de Max Bill56 (ex-aluno da
Bauhaus, um dos fundadores da Escola de Ulm) à arquitetura modernista brasileira. Neste
debate, estavam em jogo diferentes concepções ‘modernas’ de projeto, sintetizadas,
principalmente, nas vozes de Max Bill e de Lucio Costa.

Em 1953, o suíço Max Bill, “considerado o mais eminente representante da arte


concreta” (Nobre, 2008: 19) vem ao Brasil. A convite do Ministério das Relações Exteriores,
ele passa três semanas no país. Em sua visita, condena o edifício do Ministério da Educação,

56
Sobre a polêmica, ver também Souza, 1996.

95
projetado por uma equipe coordenada por Lucio Costa a partir de um pré-projeto de Le
Corbusier, e afirma preferir o Ministério da Fazenda, que era repudiado pelos arquitetos
modernistas. Suas afirmações provocaram reações acaloradas entre os arquitetos brasileiros.
Uma irritação se disseminou pelo meio da arquitetura em função das declarações de Bill.

A reação mais forte veio da parte de Lucio Costa, que, em um texto publicado na
mesma revista “Manchete” que publicara a declaração do suíço, defende o ‘barroquismo’ de
que Bill acusara Oscar Niemeyer. Ironizando Max Bill, Lucio Costa tenta desqualificá-lo,
apontando para o fato de que Bill não seria “a rigor, nem arquiteto, nem pintor ou escultor,
mas sim fundamentalmente um delineador de formas (designer)” (apud Nobre, 2008: 21).

Para Nobre, interessa acompanhar a acusação de Lucio Costa na medida em que ela
coloca em evidência “o lugar subalterno atribuído à atividade de design” (2008: 21), em que
é possível reconhecer uma ligação com a concepção tradicional de Belas-Artes, que confere
um lugar superior às artes consideradas ‘maiores’ – arquitetura, pintura, escultura. Tal
posicionamento de Lucio Costa intriga a autora na medida em que a equiparação, ou relação
de complementaridade, entre design e arquitetura é defendida e difundida pelo Movimento
Moderno, desde a Deutsche Werkbund (Liga Alemã do Trabalho), criada em 1907, que
entendia que essas duas atividades projetuais tinham “um engajamento comum em um projeto
mais amplo de transformação social” (idem: 22).

Aparentemente incoerente, a acusação de Lucio Costa atinge um duplo objetivo:


tanto desautoriza a arte concreta (que tinha em Max Bill um de seus grandes expoentes),
numa tentativa de anular as reações contrárias à produção de artistas que se integravam ao
movimento de Costa de modernização cultural – Portinari e Di Cavalcanti, por exemplo,
quanto defende uma “aparência de coesão e consenso sustentada publicamente desde a
decisão e articular uma equipe para projetar o Ministério da Educação” (idem). No plano da
arte, ele buscava resguardar a posição hegemônica de uma produção que era sustentada, por
ele e seus pares, como moderna, e no plano da arquitetura ele tentava se proteger de possíveis
divergências, incongruências, fissuras que, segundo a autora, eram flagrantes, porém
continuamente acobertadas.

A crítica de Max Bill teria trazido à tona diferenciações internas no movimento


moderno brasileiro. Acompanhar então o desenrolar do debate iniciado com as declarações de
Bill é importante na medida em que, através dele, Nobre busca perceber como o meio

96
arquitetônico carioca processa as questões que mobilizam, de modo mais amplo, o meio
artístico brasileiro dos anos 1950. A questão que a autora coloca é: “em que medida a
resistência à crítica de Bill denuncia uma insubmissão a pressupostos universalizantes
estabelecidos desde o ponto de vista germânico – e como tal, estranho à “latinidade básica
da cultura intelectual das elites brasileiras”, conforme assinalou Gilberto Freyre, em “Nós e
a Europa Germânica”, - ou uma dificuldade de seguir sustentando uma formulação de
moderno que havia conseguido se impor nas duas décadas anteriores, mas não resolver seus
próprios impasses e contradições constituintes?” (idem: 23-24).

Por essas razões, Bill teria exercido um papel decisivo no Brasil: tanto por que abriu
caminhos para o concretismo quanto por que alavancou uma discussão mais ampla sobre a
própria idéia de um desenho industrial no Brasil (idem: 24). O suíço tanto “personificou,
provavelmente pela primeira vez no país, a figura profissional do designer, como foi dos seus
contatos com a diretoria do recém-criado Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro que
ficou a semente da Escola Técnica de Criação” (idem). Tal projeto, que não chegou a
concretizar, desencadeou o processo que terminou por levar à criação da ESDI, “instituição de
molde pioneiro na América Latina e reconhecida como peça-chave na estruturação do meio
de design no país” (idem: 25).

Mesmo que já houvessem tentativas, antes da criação da ESDI, de estabelecimento


de um ensino formal de design no país, é somente a partir dos anos 1950 que emerge uma
discussão sobre a especificidade do desenho industrial face às artes aplicadas ou decorativas.
Antes da ESDI, Nobre destaca duas iniciativas: a criação da seqüência de desenho industrial
na FAU-USP, em 1962, e o surgimento do Instituto de Arte Contemporânea do MASP, que
funcionou entre 1951 e 1954, sob coordenação de LBB, P. M. Bardi e Jacob Ruchti.

“Chegada da Itália no ano anterior, Lina Bo Bardi pautava-se então por uma
concepção de design que apostava na fusão dos limites da produção industrial e da produção
artística e se atribuía tarefa positiva na própria construção social. Seja publicando artigos
sobre o design de vitrines em sua própria revista, seja realizando mostras de trabalhos
publicitários no MASP, onde uma máquina de escrever podia ser encontrada entre uma tela
de Cézanne e outra de Van Gogh, a arquiteta tomava então a dianteira no esforço de
institucionalização do design no país, do qual logo percebeu depender a conquista de um
estatuto próprio à atividade. É bem verdade que a própria Lina acabaria esgrimando com a

97
vertente ulmiana dominante na ESDI, como veremos. Mas no começo dos anos 1950, seria
justo na Revista Habitat, criada e dirigida pelo casal Bardi, que surgiria uma defesa de Max
Bill, criticando os jornais e “até uma pessoa séria como Lucio Costa”, por pretender
desqualificá-lo como “um simples industrial designer”” (idem: 25-26).

Para Nobre, em torno do embate em torno da (des)qualificação de Max Bill como


designer é possível perceber um nó que atravessa o ambiente arquitetônico brasileiro e que
tem a ver com o círculo prescrito pelo projeto construtivo e nele a relação arte-indústria. As
reações praticamente opostas às declarações de Bill parecem, para a autora, demonstrar o
esgotamento de um ciclo centrado na figura de Lucio Costa.

Se em São Paulo, Lina Bo Bardi busca relacionar arte, arquitetura e indústria, no Rio
de Janeiro, Lucio Costa57 desacredita um dos temas característicos da formulação da
modernidade em arquitetura, anunciando um desejo de desvinculação da produção local com
as propostas européias. A proposta universalizante de Max Bill, organizada em torno da idéia
de eficiência, segundo uma lógica de operação industrial (idem: 26) ia contra a compreensão
de Lucio Costa, que defendida que “uma obra de arquitetura deveria ser julgada, antes de
tudo, em correspondência com o ambiente cultural específico em que emerge” (idem).

Nobre pondera que é preciso compreender esses enfrentamentos no contexto


histórico do segundo pós-guerra, em que surge uma visão crítica ao programa reformista
sintetizado na Bauhaus, e que no Brasil a produção industrial se acelera. Com esse aumento
da produção nacional, muitos arquitetos são levados a projetar e até a produzir equipamentos
e mobiliário para os espaços que projetam. Assim, os limites entre o que seria o campo do
design e o campo da arquitetura, naquele momento, são tênues e mesmo ambíguos.

Nesse sentido, Nobre se pergunta sobre os motivos que levaram à constituição de


“duas histórias separadas para a arquitetura e o design no Brasil, como se fosse possível
ignorar a relação entre o momento em que o design se coloca como questão no Brasil com o
próprio curso da arquitetura moderna no país, em suas não poucas versões e inversões”
(idem: 27). Essa interlocução indireta (idem: 28) tem por conseqüência, segundo a autora, a
manutenção de uma visão distorcida do design (idem: 27) tanto quanto da arquitetura. Sua

57
Sobre as relações entre Lucio Costa e LBB, ver Suzuki, 2010, Grinover e Rubino, 2009, e Chagas, 2002.

98
proposta é pensar a produção construtiva no Brasil (produção que muitas vezes é resumida a
Brasília – obra-símbolo e momento culminantes dessa produção) também na sua complexa
dialética entre arte, arquitetura e design.

Para Nobre, deve-se iniciar pela observação da relação arquitetura-indústria, ponto-


chave do projeto moderno em arquitetura, que, em um país que na época era pouco ou nada
preparado para a atividade industrial, assim como o Brasil, assume contornos problemáticos.
Se, na abertura da Escola de Ulm, Max Bill propõe que o profissional de projeto colabore para
a construção de uma nova civilização, desenhando ‘da colher à cidade’ (Bill apud Nobre,
2008: 29), no Brasil “a convocação ulmiana – na sua insistência na racionalização da
prática projetual com vistas a buscar sua concordância com os processos da indústria, em
termos mais próximos da produção que do consumo” (Nobre, 2008: 29), perde sentido,
quando confrontada à política desenvolvimentista que investe, em um curto espaço de tempo,
em projetos de grande porte, tais como a aceleração do processo de industrialização, a criação
de uma infra-estrutura viária e a construção de uma nova capital federal (2008: 29).

Às voltas com projetos de grande escala e curto prazo – tais como a construção da
nova capital-federal, teriam os arquitetos brasileiros se envolvido de fato em questões tais
como a racionalização dos métodos e dos processos construtivos, ou seja, teriam eles
problematizado a produção a partir da relação projeto-produto, tão cara ao industrial design
de matriz germânica? Para a autora, “a resposta passa por investigar o ambiente cultural em
que a questão do design emerge como fato concreto no Brasil” (idem: 30).

“É de se perguntar, até, se o design não teria sido, nesse contexto, vez por outra
confundido com uma possibilidade de emancipação do trabalho da arte. Os trabalhos
gráficos de Antonio Maluf e Geraldo de Barros, por exemplo, enquadram-se na proposta de
reduzir arte e design a um denominador comum, conforme a formulação básica do
concretismo plástico brasileiro: afirmar a “especificidade da arte enquanto processo de
informação, sua irredutibilidade aos conteúdos ideológicos e a objetividade de seu modo de
produção” (Brito, 32). São trabalhos que se mostram, a princípio, impregnados da
concepção de arte expressa no projeto pedagógico de Max Bill para a HfG, onde o artista
tenderia a se converter numa “espécie de designer superior, pesquisador de formas a serem
desenvolvidas pela indústria” (Brito, 34)” (idem: 30-31).

99
Nesse trecho Nobre aponta para a imbricação das atividade artística e de desenho
industrial, tal como ocorria nos anos 1950. Os artistas ligados a proposta concretista
transitavam entre artes plásticas e a programação visual, e também em torno de projetos mais
estritamente vinculados à arquitetura. Para a autora, havia a busca, na proposta concretista, de
“repensar a atividade artística, trazê-la para o interior da sociedade urbano-industrial que
bem ou mal ia aqui se constituindo, (...) e se havia uma questão aproximando o trabalho
desses artistas, ela passava, a princípio, por integrar-se à produção de todos os artefatos da
vida humana – tivessem esses objetos destinação utilitária ou puramente estética” (idem: 31).

Esse “processo cheio de contradições pelo qual se procura dar contornos próprios
ao meio do design no Brasil” (idem: 32) leva a autora a formular algumas perguntas sobre os
modos como a produção projetual no país responde à convocação ulmiana e sobre as
concepções de projeto que subjazem a essa produção. Sua reflexão sobre o lugar da
“articulação arquitetura-design na discussão cultural que se arma no Brasil nos anos 1950-
60” (idem) se propõe a avançar na investigação sobre o “processamento da experiência
moderna no Brasil, buscando apurar em que consistem os entrecruzamentos entre os campos
de operação da arte, da arquitetura e do design, mas também os pontos em que essas esferas
tendem a se definir e se apartar” (idem). Se elas se mostram, naquele momento,
interdependentes e mutuamente sustentáveis, não se pode deixar de considerar as
discordâncias e incompatibilidades que afloram entre elas.

Assim, ela busca entender como, no campo da arquitetura brasileira, se experimenta


esse momento de inflexão em que, por um lado, a proposta de transformação social e técnica
formulada pelo Movimento Moderno se revela insustentável e, por outro, se verifica um
investimento no sentido de apropriação do projeto moderno ao contexto brasileiro. Interessada
em problematizar essas questões, investiga a produção projetual carioca das décadas de 1950
e 1960, considerando como momentos-chave desse processo a primeira visita de Max Bill ao
Brasil, em 1953, e a criação da Escola Superior de Desenho Industrial, entre 1962 e 1963. Em
meio a esse recorte temporal, observa de forma mais aprofundada a obra projetual de alguns
arquitetos que atuaram na interseção entre arquitetura e design (idem: 33).

Nesse quadro, interessa à autora investigar como se opera, no ambiente projetual


brasileiro, um deslocamento do racionalismo de matriz francesa (pelo viés corbusieriano)
para um de matriz germânica (via Max Bill e a Escola de Ulm, e, por extensão, a Bauhaus). E

100
ainda como esse ambiente reage às questões relacionadas ao ambiente norte-americano, tais
como o pragmatismo e a exacerbação da lógica de consumo (idem: 35).

Neste sentido, embora MAM-RJ e ESDI pertençam a categorias distintas, percebe-se


em ambos a busca por uma diferenciação face ao individualismo classicista ainda persistente
na arquitetura carioca (idem). O que denota também um movimento de redefinição da esfera
pública, uma vez que os arquitetos gradualmente se desvinculam de um aparato estatal que
fomentou a produção dos anos 1930-40, passando a atuar no âmbito das organizações da
sociedade civil. Há um movimento, naquele momento, de redefinição das diretrizes pelas
quais a arquitetura moderna carioca se pautara. Se não há um grupo formalizado dos
arquitetos que operam em suas obras essa redefinição, percebe-se que o foco das suas obras se
desloca de uma compreensão patrimonial de cultura, conformada por Lucio Costa, no sentido
de uma prática produtiva orientada segundo uma cultura industrial (idem: 36).

Esses arquitetos são vistos pela autora como ‘fios cortantes’, no quadro da
arquitetura moderna carioca, como desvios do “fio condutor de Lucio Costa, com o qual, se
não chegam a romper, vão permanecer apenas em parte (e cada vez menos) ligados” (idem).
Nobre nota que há também, da parte dos arquitetos ligados a Lucio Costa, “uma certa
resistência à proposta, já em formulação em meados dos anos 1950 no âmbito do MAM, de
pensar a arquitetura do ponto de vista da sua inserção efetiva no processo produtivo
industrial” (idem). Assim, o trabalho de Nobre nasce da uma reflexão acerca dos problemas
colocados pelo eixo central da produção de arquitetura moderna brasileira, mas também da
necessidade de examinar essa produção em seus termos mais contemporâneos, a fim de levar
adiante a reflexão sobre os limites do moderno no Brasil (idem).

Biografia da idéia de design moderno no Brasil (Pedro Luiz Pereira de Souza)

Pedro Luiz Pereira de Souza tem se dedicado, nos últimos anos, a uma reflexão
continuada sobre a própria idéia de design moderno, explorada por ele em grande parte do seu

101
material já publicado, e em alguns trabalhos ainda inéditos58. Tais reflexões vêm sendo
compartilhadas em uma série de cursos que ele tem ministrado, em diversos lugares. Além
dos textos em que discute de forma mais aprofundada a idéia de design moderno, Souza
dedica-se também à análise de alguns eventos e personagens-chave para a instituição do
design no país, seja em seu livro publicado sobre a ESDI, seja no livro inédito sobre a obra de
Karl Heinz Bergmiller, designer alemão que foi um dos fundadores da escola, seu orientador
na graduação e chefe no Instituto de Desenho Industrial no MAM-RJ.

Em “ESDI, biografia de uma idéia” (1996), Souza comenta, em algumas passagens, a


atuação de AM na escola carioca. Para este autor, no início dos anos 1970, a “natureza mais
espontânea de AM” (idem: 28) “começou a exercer uma influência mais significativa no
ideário da escola e mesmo que muitas de suas propostas fossem discutíveis, traziam em si um
outro gênero de inquietação, outras formas de pensar e discutir o design” (idem: 231-232).
Essas idéias levaram ao surgimento de uma tendência nacionalista no design (idem: 232).

Assim, “a preocupação com a realidade brasileira, já levantada como bandeira em


1968, assumiu outros compromissos políticos. Se o governo mostrava uma realidade de
grandes obras, de um país grande, que muitos criticavam e consideravam falsa, havia
algumas formas de contestá-la, algumas racionais, outras emocionais. Entre as primeiras
alinhavam-se desde a tradicional militância racionalista da ESDI até as advertências de
Décio e o trabalho crítico de Carlos Lessa. Aloisio não se situava nesse território. Não se
poderia excluí-lo e nem enquadrá-lo nas tendências intuicionistas. Representou um tipo de
realismo equilibrado, uma postura que eventualmente buscava uma mediação entre uma
realidade que se sabia existir e outras que se julgavam possíveis. Mas para atingir essa
posição de equilíbrio seria necessárias algumas concessões inclusivistas. Com base nesse
pressuposto se desenvolveram algumas tendências mais emocionais como um preconizado
design com base na cultura popular, no folclore e no artesanato” (idem).

Discutindo a arquitetura e o design que buscaram a identidade nacional, Souza avalia


que nem um nem outro foram além de discursos. Entretanto, na arquitetura, essa discussão

58
O artigo “O design à margem da razão” foi publicado em 2008 pela revista “Desígnio” (n. 7/8), da Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Deve-se mencionar também o texto escrito no
contexto do curso “Design moderno: a Natureza”, já ministrado em São Paulo (Centro Cultural Maria Antonia-
USP) e em Recife no Centro de Design do Recife, entre outros.

102
acontece já no início dos anos 50 – quando Lucio Costa e Max Bill polemizam em torno das
idéias de formalismo e funcionalismo, ou mais precisamente, entre dois tipos de formalismo
em arquitetura, “de um lado o formalismo técnico e racionalizado de Max Bill e da arte
concreta e do outro, o formalismo intuitivo, onde se pretendia que a arte retomaria, ainda
uma vez, o comando da técnica” (idem: 268).

Essa polêmica teve por conseqüência a criação de um certo ambiente de dissenso


entre a moderna arquitetura brasileira e a arte concreta, que terminou por ser associada ao
design postulado pelo modelo inicial da ESDI. Uma vez que o design proposto na ESDI foi
percebido, entre alguns arquitetos e artistas, como herdeiro direto das formulações críticas de
1953 (idem: 264), é em torno dessa polêmica que se evidencia algumas das principais
diferenças entre a arquitetura moderna e o design esdiano. “Em conseqüência dessa polêmica
dos anos 50, a ESDI, devido a seus vínculos com Ulm, foi vista com desconfiança por muitos
arquitetos, ainda que se revelasse desde o início uma instituição mais aberta, pois nela
conviveram, até em seu planejamento, pessoas das duas correntes” (idem: 269).

Apesar de a discussão em torno de um projeto moderno que se vincula a uma idéia


de identidade nacional ter contribuído para a própria configuração de um distanciamento entre
arquitetura e design, neste campo essa discussão só ganha corpo na segunda metade dos anos
1960. Na ESDI, as tendências vinculadas à idéia de um design de identidade nacional se
manifestaram de forma mais nítida a partir do ano de 1968, quando se evidencia uma crise da
tendência predominante na escola, a saber, o formalismo técnico.

Se, naquele momento, essas idéias não se constituíram de forma sistemática, desde a
criação da escola elas encontravam lugar nas colocações e propostas de AM. Se ele atuava no
campo do design desde o início dos anos 1960, e desde então defendia um design mais
comprometido com uma identidade nacional, e se (talvez em função da influência de Gilberto
Freyre e das correntes americanas, apontadas por Souza) ele de certa forma “antecipou uma
atitude mais característica dos anos 80, quando propôs um inclusivismo que operasse
livremente com aquilo que julgasse necessário à superação de um problema, sem as
limitações do ortodoxismo europeu ou dos nacionalismos populistas, [e se] provavelmente,
mais do que uma identidade nacional, desmedida ambição para o design, buscava uma
identidade também pessoal diante dos problemas da cultura brasileira [na medida em que]
seus projetos refletiram a evolução de um indivíduo que intuiu as contradições do país em

103
que vivia e buscou todo o tempo uma ordem possível” (idem: 270), foi somente no início dos
anos 1970, e mais precisamente a partir de 1973, quando o governo começa a demonstrar
interesse pelo design, que AM começou a expor de forma mais sistemática suas idéias sobre o
problema da identidade cultural em design (idem: 272).

Para Souza, diferentemente daqueles que ficavam limitados à esfera da discussão,


AM partiu para a ação, quando propôs a criação do CNRC, embrião da Pró-Memória, seu
instrumento de ação quando, mais tarde, foi Secretário de Cultura do Ministério da Educação
e Cultura (idem: 273). Entretanto, o autor pondera que, mesmo que AM tenha ensaiado
colocar em prática algumas das idéias que buscavam aproximar o design de uma identidade
cultural brasileira, quando ele o faz ele não está mais vinculado de forma estrita ao contexto
do design, aproximando-se cada vez mais das políticas de cultura.

Apesar do distanciamento com a escola, em 1977 AM participa de um debate com


Bergmiller em que, segundo Souza, o pernambucano lança uma proposta de consenso (idem:
307) entre o formalismo técnico e o design de identidade nacional. Iniciando o debate com
uma conferência intitulada “O que o desenho industrial pode fazer pelo país”, AM, já
envolvido com o CNRC, voltava à escola carioca propondo uma nova conceituação e uma
ética do desenho industrial no Brasil (idem: 295), “a formulação coerente e consistente da
linha de um design nacional, até à época, não precisada” (idem: 298).

No momento em que AM apresentava uma nova proposta para o design no Brasil,


também dentre aqueles que seguiam o formalismo técnico se iniciava um questionamento
sobre a responsabilidade social do design, estimulado, principalmente, pelas propostas de
design orientado para as comunidades, formuladas a partir do IDI/MAM (idem).

Em 1982, com sua morte prematura, essa vertente teria sido esvaziada, sem portador
histórico (idem: 303). E a sua influência dentro da ESDI, apesar de inegável, é difícil de ser
situada. Segundo, ele, depois de AM, se forjou, em meio ao formalismo técnico, uma nova
concepção de design (idem: 273), que envolvia uma problematização conjunta entre os termos
‘nacional’ e ‘popular’. Nesse contexto, Souza cita Max Bense, que também repercute, na
época, a discussão do modelo nacional, citando Guimarães Rosa, que seria para o filósofo
alemão a fusão dos dois elementos básicos que comporiam o espírito brasileiro: o espírito
semi-tropical (vegetativo) e o espírito cartesiano (idem: 278). Na discussão, situam-se
também a polêmica entre Lucio Costa e Max Bill e a própria atuação de AM.

104
...

Depois de ter observado parte da produção reflexiva contemporânea sobre o design


no Brasil, nos próximos três capítulos retorno aos contextos em que essa produção situa a
emergência do design como campo profissional entre nós, a saber, o período mais ou menos
delimitado entre os anos 1951 e 1982, que se estende da criação do Instituto de Arte
Contemporânea, em São Paulo, (primeiro curso a formar profissionais que se auto-intitulavam
desenhistas industriais) ao surgimento de um ‘design social’ no curso de graduação em design
da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Assim, no segundo capítulo, acompanho as primeiras tentativas de instauração de um


campo profissional associado à atividade do design (década de 1950); no terceiro, sigo de
perto a implementação dos primeiros cursos de graduação a formarem desenhistas industriais
durante os anos 1960; e no quarto, observo a movimentação ocorrida entre o fim dos anos
1960 e o início dos anos 1980, em que se articula uma busca de contextualização cultural para
o ensino e o exercício da profissão.

É importante notar que nesse período LBB e AM desenvolvem grande parte de suas
trajetórias profissionais. Se a italiana chega ao Brasil em 1947, e em 1951 é uma das
fundadoras do IAC-MASP, o ano de falecimento de AM coincide com a formulação de uma
pedagogia do design social na PUC-Rio. Por ser este também um período em que podemos
observar de forma contrastiva as trajetórias dos dois agentes no campo, acredito que é
fundamental, antes de nos aproximarmos mais diretamente dos dois, acompanharmos a
trajetória de instauração e consolidação do próprio campo, onde eles irão atuar.

105
CAPÍTULO 2

Tentativas de institucionalização do design no Brasil (anos 1950)

A partir da observação da produção reflexiva contemporânea, apresentada no


capítulo anterior, retorno agora ao que considero como sendo (nos termos de Peirano, 2006:
51 e 80) o momento sociogenético do design como atividade institucionalizada no Brasil, ou,
pelo menos, o momento em que surge no país uma consciência crítica do design enquanto
campo disciplinar. Com esse objetivo, acompanho alguns acontecimentos socialmente
relevantes para o campo e descrevo a constituição das redes através das quais se articulou a
instauração do design em território brasileiro. Através da descrição de alguns eventos-chave,
busco revelar as constelações sociais envolvidas nos processos, as vinculações entre design,
arte, arquitetura e as demais atividades projetuais, e as interlocuções internacionais em pauta.

Seguindo Foucault, interessa, nesse contexto, observar não apenas os eventos em si,
mas, sim, como esses acontecimentos (que não são de natureza discursiva) articulam-se com
os enunciados (ou acontecimentos enunciativos), conformando espaços a partir de onde é
possível observar as relações em jogo. Assim, entendo que é a partir dos acontecimentos e das
relações que eles estabelecem com os fatos de discurso que se conforma um espaço possível
para a observação dos discursos no sistema de sua institucionalização (Foucault, 1971: 25).
Entretanto, é importante relembrar, como nos adverte o autor, que

essas relações invisíveis não constituiriam de maneira alguma uma espécie de


discurso secreto, animando do interior os discursos manifestos; não seria, pois, uma
interpretação o que poderia fazê-los vir à luz, mas a análise de sua coexistência, de
sua sucessão, de seu funcionamento mútuo, de sua determinação recíproca, de sua
transformação independente ou correlativa. (...) O que se trataria de fazer aparecer é
o conjunto de condições que regem, em um momento dado e em uma sociedade
determinada, a aparição dos enunciados, sua conservação, os laços que são
estabelecidos entre eles, a maneira pela qual os grupamos em conjuntos estatutários,
o papel que exercem, o jogo dos valores ou das sacralizações que os afetam, a
maneira pela qual são investidos em práticas ou condutas, os princípios segundo os
quais circulam, são recalcados, esquecidos, destruídos ou reativados (idem).

106
Buscando, assim, observar as práticas discursivas59, ou seja, os discursos,60 em sua
irrupção de acontecimento (idem: 21), e a partir dessa observação perceber como, através das
formações discursivas, se manifesta uma determinada positividade que o autor denomina de
saber (idem: 42), tenho por objetivo perceber como se conformam, no início da segunda
metade do século XX, as condições de possibilidade para a instauração do design como
campo profissional no Brasil. Nesse sentido, trata-se de perseguir as “condições de
funcionamento de práticas discursivas específicas” (Foucault: 2009b, 267) ou “as
configurações que deram lugar às formas diversas de conhecimento empírico” (Foucault,
2000: XIX), neste caso específico, o design.

Escolho me aproximar dos processos de instauração do design como campo


profissional no país a partir de um investimento na observação da movimentação em torno da
criação de instituições de ensino, entendendo que, através dos movimentos que envolvem a
transmissão dos saberes associados ao design, posso mais facilmente me aproximar dos
agentes e das questões que transitam em torno das tentativas de conformação de um campo
profissional associado à prática projetiva denominada, em nosso país, inicialmente de desenho
industrial - e que gradualmente passa a ser chamada também de design61. Se concordamos que
“a cultura escolar propicia aos indivíduos um corpo comum de categorias de pensamento que
tornam possível a comunicação” (Bourdieu, 2009: 205), observar a movimentação em tornos
dos cursos de formação profissional é um processo fundamental.

Entendendo que entre o campo de produção e o sistema de ensino há um espaço


profícuo para a observação das instâncias de reprodução e consagração dentro do campo
(2009: 127), opto por observar com mais atenção as principais iniciativas de instituição de um
ensino formal de design no Brasil, acreditando que a partir delas posso me aproximar com
maior facilidade dos personagens e das idéias envolvidas nesses processos, trazendo à tona,

59
É importante esclarecer de que forma o autor percebe o que nomeia de prática discursiva: “é um conjunto de
regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e
para uma determinada área social, econômica, geográfica ou lingüística, as condições de exercício de uma
função enunciativa” (Foucault, 2007a: 133).
60
Discursos são definidos pelo autor como “conjuntos de enunciados que se apóiam em um mesmo sistema de
formação” (Foucault, 2007a: 122).
61
Para uma investigação detalhada dos processos que envolvem a substituição do termo desenho industrial pelo
termo design, no contexto brasileiro, ver Cara, 2010.

107
então, os contextos a partir dos quais se conforma a prática de design no país. Acompanhando
as disputas entre as vertentes e os eventos críticos para a delimitação dos espaços
institucionais e profissionais, busco perceber alguns dos vetores através dos quais se
estabelece, entre nós, o design enquanto disciplina e prática profissional.

O processo de autonomização do campo (idem: 101), que se inicia em torno dos anos
1950, sedimentando-se ao longo dos anos 1960 e 1970, envolve a busca de distanciamento, ou
distinção, em relação aos campos vizinhos a partir dos quais se criam as condições para o
próprio surgimento de uma consciência crítica das especificidades da prática de design, a
saber, os campos da arte e da arquitetura. Através desse processo, intelectuais e artistas
engajam-se em uma “dialética da distinção cultural, muitas vezes confundida com a procura a
qualquer preço de qualquer diferença capaz de livrar do anonimato e da insignificância”
(idem: 109). Assim, “o desenvolvimento do sistema de produção de bens simbólicos é
paralelo a um processo de diferenciação cujo princípio reside na diversidade dos públicos aos
quais as diferentes categorias de produtores destinam seus produtos, e cujas condições de
possibilidade residem na própria natureza dos bens simbólicos” (idem: 102).

Se o processo de autonomização do campo do design leva à busca de uma distinção


face à arte e à arquitetura, é importante comentar que, naqueles mesmos contextos, tanto uma
quanto a outra buscavam criar distinções face às áreas avizinhadas que disputavam com elas
os espaços de produção intelectual mais diretamente relacionados à produção da cultura
material em um contexto identificado com a idéia de modernidade, aqui bastante associada à
industrialização. Assim, se é entre as décadas de 1950 e 1960 que se conforma o ensino de
design no Brasil, é importante considerar que o surgimento desses novos cursos é
acompanhado por uma revisão dos cursos de arquitetura62, “que buscavam um distanciamento

62
Uma importante referência em termos de reforma curricular nos cursos de arquitetura do país é aquela
ensaiada pelo arquiteto Lucio Costa na Escola Nacional de Belas Artes, em 1930. Segundo Juliano Pereira, “a
posse de Lucio Costa na ENBA, em 12 de dezembro de 1930, é fruto da presença de Gustavo Capanema à frente
do recém-criado Ministério da Educação pelo governo Getúlio Vargas. Apesar da formação de Lucio Costa na
ENBA, sua presença adesão à arquitetura moderna, o colocava em confronto com os velhos professores desta
Escola, que ensinavam arquitetura com base nos princípios tradicionais. De fato, o embate de Lucio Costa na
ENBA será o de uma oposição à permanência da maneira de pensar em que, para a arquitetura, a forma
correta resulta da aplicação da teoria da composição, a qual determina o emprego dos elementos arquitetônicos
e de composição, ou seja, a matriz da École des Beaux-Arts. Uma visão a ser superada e para a qual Costa, na
condição de um arquiteto externo à Escola, sendo indicado diretor, procuraria contar em sua empreitada com
mais professores sem vínculos diretos com a ENBA e sua tradição a ser superada. (...) A essa enorme
disparidade de entendimento sobre a arquitetura e o seu ensino, entre Lucio Costa e os antigos professores da

108
das conhecidas e tradicionais matrizes de formação do arquiteto, qual seja o modelo da
Escola de Belas Artes ou da Escola Politécnica” (Pereira, 2009: 02)63.

A busca pela reforma do ensino, no contexto da arquitetura, estava vinculada a uma


discussão em torno da regulamentação e da garantia do exercício profissional do arquiteto,
ambas se retroalimentando (idem). As mudanças de conteúdo e das formas de transmissão do
ensino de arquitetura no Brasil, na primeira metade do século XX, eram reflexos de uma
transformação da própria prática da arquitetura, impulsionada tanto por novos parâmetros
técnicos quanto por uma redefinição do perfil profissional do arquiteto. Assim, houve,
naquele momento, uma nova definição da prática arquitetônica, associada a uma garantia da
exclusividade do profissional apto a exercê-la64 (idem: 09).

Naquele momento, o desejo de reforma ou ruptura não se restringe aos programas de


ensino, abarcando a própria concepção da prática arquitetônica, conforme analisa Silvana
Rubino. Segundo esta autora, a ruptura, “a um só tempo geracional e de concepção” (2002:
29), orientada em torno de uma dicotomia entre um pólo tradicional, ou acadêmico e um pólo
moderno (idem: 30), tem por objetivo criar uma nova agenda para a arquitetura – agora
adjetivada como moderna. Tendo em vista o movimento que gira em torno de uma ampliação
do escopo de atuação da arquitetura em um contexto modernizante, é possível afirmar que
entre os anos 1950-1960 ocorria, entre as disciplinas orientadas a partir da prática de projeto,

ENBA, está relacionada a curta duração da gestão de Costa à frente da Escola. Entretanto um movimento que,
medido de outra forma, sairia vitorioso, pois somado à passagem de Le Corbusier pelo Rio de Janeiro na
década de 1930 e à realização do prédio do Ministério da Educação e Saúde, motivo da vinda do arquiteto
franco-suíço ao Brasil, indicaria um decisivo passo a mais no caminho a ser trilhado pela nossa nascente
arquitetura moderna e para o ensino da mesma” (2009: 12-13).
63
Segundo Pereira, “ambos os modelos são descendentes de concepções francesas para o ensino
institucionalizado de formação do profissional de construção. A École des Beaux-Arts, como sendo a matriz de
origem da ENBA do Rio de Janeiro e o curso de arquitetura civil da École Polytechnique, como sendo o modelo
de origem do curso de engenheiro-arquiteto da Escola Politécnica de São Paulo” (2009: 11).
64
Este autor segue a sugestão de Machado (A renovação da arquitetura brasileira, 2003), que propõe
segmentarmos ‘o processo evolutivo de desenvolvimento da arquitetura moderna no Brasil’ em três momentos, a
saber: primeiramente, “em São Paulo, ao longo da década de 1920, precisamente com Gregori Warchavchik e
Flávio de Carvalho. (...) Mais tarde a liderança desse processo se transfere para o Rio de Janeiro, durante a
década de 1930 com o grupo de arquitetos encarregados da construção do Ministério da Educação e Saúde. E,
posteriormente, no início dos anos 1940, uma terceira etapa de desenvolvimento da arquitetura moderna
ocorreria em São Paulo, algum tempo após o retorno de Rino Levi de sua formação na Itália, pela passagem de
Bernard Rudofsky ou por novos arquitetos formados no Brasil e, com um olhar de interesse também pela
arquitetura moderna produzida nos Estados Unidos, como o caso de Vilanova Artigas” (Pereira, 2009: 09-10).

109
a busca por novos modelos, que fossem mais sintonizados com os contextos sócio-
econômico-cultural e produtivo-tecnológico.

Segundo Rubino, “disso tudo resultou um projeto cultural que foi diferentemente
interpretado em situações distintas: o de consonância com a industrialização, em que a
arquitetura deveria se juntar a essa força transformadora e propor uma nova visualidade e
espacialidade com pretensões universais. Podemos arriscar um paralelo: se as ciências
sociais buscaram dar inteligibilidade a essa sociedade em mudança, que se urbanizava e
industrializava, a arquitetura moderna, definida nesse amplo espectro, foi o campo que
perseguiu materializar essa transformação em espaços e objetos. Isso quer dizer que a
arquitetura colocou-se como um campo intelectual, por vezes político, mas, sobretudo,
civilizador, colonizador – colonizou a vida cotidiana, participando da construção de um novo
olhar, o olhar moderno”65 (idem: 32).

Nesse contexto, Aracy Amaral atenta para um movimento de identificação da


arquitetura com a arte66 moderna, mais sintonizada aos desenvolvimentos tecnológicos da era
industrial, comentando que, no início dos anos 1950, quando se buscava ainda afirmar a
especificidade profissional do arquiteto, se notava uma dupla preocupação: enfatizar o aspecto
artístico do trabalho do arquiteto e vinculá-lo ao desenvolvimento tecnológico (2003: 299).

No campo das artes, no contexto pós-guerra, expandia-se também uma nova


orientação67, ligada ao concretismo e ao abstracionismo, ou seja, a uma linguagem formal

65
Vale ressaltar, como nos lembra Rubino, que “ao final dos anos 1930 as disputas nesse campo em revolução
simbólica já tinham seus lugares e atores definidos: no Rio de Janeiro, Lucio Costa contra José Mariano;
Marcello Piacentini oscilando entre compor com e se contrapor a Giuseppe Pagano na Itália; Le Corbusier e as
relações com o mundo acadêmico das beaux-arts e suas viagens civilizadoras, que nos incluíram. E acrescente-
se a isso as disputas internas em cada pólo – escola carioca ou Warchavchik no Brasil, Pagano ou Giò Ponti
(leia-se Revista Domus ou Casabella) na Itália, entre outras pendências que as associações como os Congressos
Internacionais da Arquitetura Moderna (CIAM) tentaram fazer compor” (2002: 32).
66
“Essa preocupação que é uma constante nessa geração, o arquiteto desejando aproximar-se da imagem do
artista plástico, e distanciar-se, e simultaneamente estar próximo do engenheiro, pela própria natureza de seu
trabalho e necessidade informacional dos avanços tecnológicos, mostra também, nesse tempo, a razão de uma
afirmação, a partir de uma postura esteticista, que é explicável pela ligação de origem da formação do arquiteto
no âmbito das Belas Artes, bem como articulado, por seu fazer, com a Engenharia, o que o distingue com
nobreza, por sua praticidade e vizinhança científica, do simples artista plástico, desarticulado, então, das
conquistas científicas com que o arquiteto, com justa inquietação, busca identificar-se” (Amaral, 2003: 300).
67
Souza Leite assinala que, no Brasil, a abstração nas artes plásticas ocupa espaço tardiamente, muito em função
da configuração do primeiro modernismo (décadas de 1920 e 30), que “ansioso por superar o legado do passado
– este, percebido como a experiência estética de matriz da École des Beaux-Arts francesa -, os modernistas das

110
desvinculada de um compromisso com a representação do mundo contingencial (Souza Leite,
2006a: 257). Assim, naquele momento, a arte está profundamente implicada com questões
que envolvem sua incorporação ao cotidiano, e, também, a absorção, em seus processos, da
lógica industrial. Nesse sentido, se aproxima do design. É exatamente em torno dessas
questões que é delineado, como a opção moderna de uma educação capaz de preparar o
profissional de criação a enfrentar os desafios da industrialização, no Brasil dos anos 1950,
um design de linguagem supranacional, derivado da vertente latino-americana da abstração
geométrica. Desse modo, o concretismo brasileiro, influenciado por movimentos artísticos
surgidos na Europa, se posicionou como opção ao modernismo68 brasileiro da década de
1920, e, talvez exatamente por isso, terminou sendo vitorioso na institucionalização de um
novo modelo pedagógico para o design (2006a: 252).

Indo na mesma direção desses autores, Cara lembra que naquele momento, não é
apenas no Brasil que a construção do significado da disciplina envolve um novo entendimento
da modernidade, tal como formulada pelas vanguardas69 construtivistas européias. Um
cenário parecido se configura no contexto argentino (Devalle, 2009). Além disso, no Brasil, já
era possível sentir ecos da abstração geométrica européia em trabalhos de artistas brasileiros
desde a Semana de Arte Moderna de 1922 (Cara, 2010: 39). Em 1939, no III Salão de Maio,
se evidenciam novas relações entre os trabalhos expostos e as propostas das vanguardas
soviéticas e holandesas (já implicadas em um discurso internacionalista).

décadas de 20 e 30 voltaram-se prioritariamente para o Brasil, redescobrindo o barroco colonial, o artesanato,


a música de origem popular, e buscando novas formas de representar essas descobertas” (2006a: 257). Assim, é
possível notar que, se nos primeiros momentos do modernismo no Brasil, ocorria uma reação face à matriz
francesa das artes plásticas, e uma busca por uma identidade nacional das artes, no segundo momento, já no pós-
Segunda Guerra, o internacionalismo da linguagem abstrata surge como uma alternativa. Dessa forma, “no clima
desenvolvimentista da década de 50, a abstração geométrica estabelecia-se como vanguarda, contrapondo ao
velho modernismo nacionalista uma linguagem internacional, pretensamente universal” (idem: 258).
68
Até por que, segundo Souza Leite, o primeiro modernismo de 22, optando pelo cultivo à uma prática mais
acadêmica, não chegou a estabelecer uma relação mais direta com o cotidiano, “salvo, naturalmente, a exceção
de Mário de Andrade” (2006b: 220). Assim, cabe à arte concreta dos anos 1950 “tentar estabelecer a
reintegração das artes ao cotidiano da vida” (idem), tal como propunha a linhagem do design construtivo
formulada em um segundo momento da Bauhaus, “que irá progressivamente por algumas décadas se firmar
como linhagem com caráter universal, como ciência do projeto em registro afastado do âmbito da arte” (idem).
69
Souza Leite assinala que “as vanguardas históricas européias – Futurismo, Dadaísmo e Construtivismo – de
certa maneira pretenderam, cada qual a seu modo, se fundir ao universo da produção tecnológica e industrial”
(2006b: 219). Assim, vale notar como as concepções de modernidade daí derivadas – que já traziam em si o
desejo de aproximação com o universo industrial - foram re-significadas pelos artistas, no contexto brasileiro.

111
Nesse contexto, é importante mencionar também a exposição e o manifesto
“Ruptura”, de 1952, através dos quais, segundo Alexandre Wollner, os artistas ligados ao
movimento concretista paulista rompem de forma definitiva com o domínio cultural até então
dominante (1998: 234). Assim, a partir daquele momento, “os pintores concretos, já com
adesão dos poetas e de músicos, tornam realidade o desejo de alguns artistas de ir além da
exposição de seus trabalhos somente em galerias de arte; querem também participar de
manifestações na área da comunicação, atingindo não somente os poucos habitués das
galerias de arte, mas toda a comunidade” (idem: 235).

Esse movimento está relacionado a um “processo de transformação dos valores da


crítica de arte, do artista e da produção artística no Brasil no período que se estende do final
da Segunda Guerra ao começo da década de 1960” (2008: 14), analisado por Patrícia
Reinheimer em sua tese de doutorado. Segundo a autora, tal processo envolve uma
transformação das noções de autenticidade, criatividade e sensibilidade, operada a partir da
difusão, “pelos críticos de arte logo após a Segunda Guerra Mundial” (idem), de “valores
artísticos cunhados pelos escritores principalmente durante o romantismo francês” (idem).
Enxergando em Mário Pedrosa e Candido Portinari dois personagens emblemáticos desse
processo, Reinheimer observa, a partir deles, como se constituem os discursos dos críticos de
arte, que constroem a sua autonomia a partir de uma diferenciação face à história da arte.

Se entendemos que na metade do século XX está em jogo uma transformação das


representações do arquiteto e do artista, e que essa transformação está diretamente associada a
um projeto de modernidade que se formula a partir de uma ideologia industrialista (Souza),
podemos imaginar como a idéia de um ‘desenho industrial’ torna-se uma questão
incontornável dentro desses debates. Se o que está em jogo, naquele momento, segundo Souza
Leite, é a tentativa de conjugação entre o conhecimento prático necessário ao enfrentamento
de novas questões da produção e da expressão artística (2006a: 256), o próprio surgimento
(nos debates no contexto brasileiro) de uma categoria nomeada de ‘desenho industrial’ revela
os novos contornos com que se delineia a criação naquele momento.

Assim, para Souza Leite, a década de 1950 é crucial para o entendimento de como se
constitui o design brasileiro, uma vez que naquele momento se conformam as idéias que
orientam a instalação da prática e do ensino de design no país. Dentro do novo contexto,
delineado a partir do fim da II Guerra Mundial, “entre tantas apropriações do termo

112
“moderno”” (Nobre, 1999: 75), ocorrem, portanto, as primeiras tentativas de instituição do
design como campo profissional no país70. Se, no campo da arquitetura, buscava-se uma
revisão de modelos e a assimilação de novas formas de ensino e de projeto (Pereira, 2009), no
campo da arte também acontecia uma mudança radical, com o florescimento da arte
concretista71, que se contrapunha ao modernismo brasileiro dos anos 1920-30 (Souza Leite,
2006a: 252). As primeiras tentativas de instauração do ensino e da prática do desenho
industrial no Brasil ocorrem, então, paralelamente à revisão de modelos nos campos vizinhos.

Marcos da Costa Braga identifica dois momentos específicos da constituição do


campo: no primeiro, o design moderno é praticado por artesãos e arquitetos modernos –
muitos deles estrangeiros -, que realizam, sobretudo, projetos de mobiliário; ainda nesse
momento, nas artes gráficas, diversos artistas (também estrangeiros formados em seus países
de origem) produzem segundo parâmetros técnicos e estéticos trazidos desde a sua chegada.
Segundo Braga, esse quadro se mantém até o início dos anos 1950, “quando a
industrialização, o crescimento urbano e o movimento concretista no Brasil influenciam as
artes gráficas e o design de produto, propiciando as condições para o segundo momento: a
institucionalização classista e de ensino do início dos anos 60” (1996: 47).

Essa institucionalização de classe e de ensino que se estabelece no início dos anos


1960 é ensaiada na década anterior, em que as tentativas de instauração do design como um
campo profissional específico configuram um processo de autonomização do design face aos
campos da arte e da arquitetura. Tal processo de “evolução do campo para uma autonomia
maior acompanha-se de um movimento para uma maior reflexividade” (Bourdieu, 1996a:
273). Assim, é nesse período que se populariza o termo ‘desenho industrial’, e que se discute

70
Vale ressaltar que esse processo não se restringe ao contexto brasileiro. Em “An introduction to design and
culture (1900 to the present)”, a historiadora do design Penny Sparke analisa como, depois da II Guerra
Mundial, o design é entendido por alguns países como tendo um potencial para representar os Estados-nação e
seu desejo de projetar as suas identidades em uma escala global. Em suas palavras, “ese era el caso tanto de los
países que trataban de abandonar sus vínculos con el fascismo prebélico como de los que habían tenido
sistemas democráticos vigentes antes de la guerra. Así, Alemania, Itália y Japón adoptaron el “diseño
moderno” como médio para forjarse nuevas identidades posbélicas en lãs que el concepto de modernidad era
primoradial: mientras que ele Reino Unido, Estados Unidos y Suécia, entre otros países, también abrazaron el
concepto como médio estratégico esencial para introducirse en nuevos mercados internacionales y para animar
al conjunto de SUS poblaciones nativas a “consumir modernidad” (2010: 223).
71
Souza Leite comenta a ascensão do concretismo no ambiente artístico brasileiro, afirmando que “no clima
desenvolvimentista da década de 50, a abstração geométrica estabelecia-se como vanguarda, contrapondo ao
velho modernismo nacionalista uma linguagem internacional, pretensamente universal” (2006a: 158).

113
a possibilidade de instituição de uma prática profissional associada a essa denominação. Não
é por acaso que alguns críticos da história do design no Brasil afirmam que, nesse momento,
mais do que o surgimento do design no país, o que surge, de fato, é uma consciência crítica
sobre essa atividade profissional.

Tal consciência se manifesta na trajetória de alguns profissionais que naquele


período passam a se identificar com a prática do desenho industrial, a partir de um movimento
de conversão ao design. Assim, alguns profissionais que iniciaram suas carreiras em outras
áreas ‘migram’ para o campo do design. É importante considerar que tal fenômeno de
conversão já ocorrera entre os arquitetos e os artistas, que em um determinado momento
passaram a se identificar com a idéia de modernidade, seja na arte, seja na arquitetura. Se,
nesse primeiro movimento, tanto arquitetos e artistas ‘tradicionais’ passaram a se identificar
com a arte e a arquitetura ‘modernas’72, no segundo movimento, artistas e arquitetos
modernos passam a se identificar com a modernidade em design.

Por isso, assim como alguns dos historiadores do design brasileiro, entre eles Nobre,
que afirma que “até o final dos anos 50, pouco se falava sobre desenho industrial no Brasil”
(1999: 114), julgo que é lícito delimitar entre 1951 e 1963 o processo de instauração do
design enquanto campo profissional no Brasil. É, portanto, em meio a esse período de tempo
que organizo o segundo e o terceiro capítulos da tese, que tratam da implantação do ensino e
da prática profissional de design no país, acompanhando: a elaboração/criação de algumas
instituições de ensino em design, a saber, o Instituto de Arte Contemporânea do Museu de
Arte de São Paulo (1951-1953), a movimentação em torno do projeto para a Escola Técnica
de Criação do MAM-RJ (1959-1960) – capítulo dois, a Seqüência de Desenho Industrial do
Departamento de Projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo (1962), a Escola Superior de Desenho Industrial (1962-63) e o projeto para a Escola de
Desenho Industrial e Artesanato, em Salvador (1963) – capítulo três.

Escolho discutir a institucionalização do design no Brasil através desses eventos por


entender que a partir e/ou em torno deles se configuram, de forma auto-proclamada, tanto a
prática quanto o ensino de design no país. Por isso, considero o período compreendido entre

72
Para Rubino, no Brasil, o maior exemplo de conversão do academicismo ao modernismo é Lucio Costa. “Para
os nascidos uma década depois, não mais” (2002: 33).

114
os anos 1950 e 1960 como o momento sociogenético do design como atividade
institucionalizada por aqui. Através desses eventos, acompanho alguns personagens-chave,
bem como alguns outros eventos – também significantes para a consolidação do design no
país - que a eles estiveram relacionados. É importante mencionar que tanto LBB quanto AM
tiveram presença decisiva nessas instituições. Ela no IAC e no projeto de uma escola em
Salvador (e de forma indireta, na FAU-USP, onde lecionou ainda nos anos 1950), ele nos
cursos do MAM-RJ e na ESDI.

Nos últimos anos, tem-se discutido de forma mais sistematizada as origens do design
brasileiro. Buscando problematizá-las, alguns historiadores e teóricos têm questionado os
marcos temporais a partir dos quais se narra essa história (Cardoso, 2005 e 2008), investindo
em discutir de forma mais abrangente os referenciais a partir dos quais se compreende a
estruturação da disciplina entre nós (Souza, 1996, Souza Leite, 2006a, Stolarski, 2006, Nobre,
2008, Pereira, 2009, entre outros). Vale retomar alguns pontos desse debate, que de certa
forma já foi abordado também no capítulo anterior.

Concordo que, ao pensarmos na trajetória do design no Brasil, é impossível não


mencionar que existiram, desde o século XIX, uma série de iniciativas de aproximação das
artes com a indústria, mas invisto em uma observação mais detalhada do período
compreendido entre os anos 1950 e 1960 na medida em que percebo que é somente a partir
desse momento que se instaura formal e explicitamente o design moderno no país. E, mais do
que isso, é somente a partir desse período que um certo tipo de profissional passa a se
apresentar como ‘desenhista industrial’. Ou seja, é naquele momento, em que se ensaia a
abertura dos primeiros cursos dedicados ao ensino do desenho industrial, que começa a se
conformar um campo auto-identificado com essa denominação.

Dentro do movimento discutido no capítulo anterior – que fala do crescimento de


uma produção histórico-reflexiva no campo do design brasileiro, alguns pesquisadores têm
realizado consideráveis esforços de pesquisa. Entre eles, destaca-se também Juliano Pereira,
que em sua pesquisa de mestrado, em que investigou a atuação de Lina Bo Bardi na Bahia,
trouxe à tona importantes documentos relativos ao projeto de Escola de Desenho Industrial e
Artesanato idealizado por ela no início dos anos 1960; e em sua pesquisa de doutorado, tratou
do ensino de desenho industrial e arquitetura na FAU-USP entre 1948 e 1968.

115
Na tese, Pereira salienta que a historiografia de design no país, ao eleger algumas
iniciativas, termina deixando outras de lado: “a historiografia de arquitetura e de desenho
industrial no Brasil assinala entre as experiências pioneiras de ensino de desenho industrial
as seguintes escolas: O Instituto de Arte Contemporânea do Museu de Arte de São Paulo, o
IAC-MASP, escola que existiu por um curto período de tempo, entre 1951 e 1953, onde além
de outros cursos, era oferecido o de desenho industrial. Em São Paulo, a Seqüência de
Desenho Industrial da FAU-USP, iniciada a partir de 1962. A criação da Escola Superior de
Desenho Industrial, a ESDI, do Estado da Guanabara, RJ, em 1963. Entre estas escolas, a
regulamentação do ensino de desenho industrial pode ser caracterizada da seguinte maneira:
no IAC-MASP como um curso de especialização (e não de nível universitário). A FAU-USP
será a primeira a oferecer dentro de um curso de graduação (de nível universitário) entre
outras formações, a de desenhista industrial. E a ESDI será a primeira a criar uma
graduação totalmente voltada ao ensino de desenho industrial” (2009: 69-70).

Em outro momento, Pereira acrescenta a esta lista o projeto de Escola de Desenho


Industrial e Artesanato, montado por Lina Bo Bardi, em Salvador, entre 1962 e 1963, um dos
temas investigados em sua pesquisa de mestrado. “Apenas referindo-se aos modelos de
escolas que se estabeleceram já num contexto de maior desenvolvimento e penetração do
modo de produção industrial no universo das relações sociais, podem ser citadas escolas
como a Bauhaus, os VKhUTEMAS, a HfG Ulm, no plano internacional, e o IAC-MASP, a
ESDI, a própria FAU-USP, além de uma experiência de escola abortada em seu nascedouro
em Salvador, elaborada pela arquiteta Lina Bo Bardi e pouco referida em nossa
historiografia de arquitetura ou de design” (idem: 01).

Nas diversas pesquisas e publicações em que está envolvido, Rafael Cardoso tem se
dedicado a ampliar o espectro da história do design brasileiro, colocando em discussão uma
série de concepções que se encontravam naturalizadas dentro do campo. Quando discute as
origens do design entre nós, ele retorna ao século XIX e menciona a Escola Real de Ciências,
Artes e Ofícios, fundada por D. João VI em 1816, que tinha por objetivo fomentar o
“progresso da agricultura, mineralogia, indústria e comércio através do estudo das Belas
Artes com aplicação e referência aos ofícios mecânicos” (2008: 215).

Além da Escola Real, também chamada de Academia Imperial de Belas Artes, é


preciso lembrar que Souza Leite (2006a) acrescenta à listagem de iniciativas voltadas a uma

116
síntese entre as artes e a indústria, algumas instituições de ensino técnico, entre elas os Liceus
de Artes e Ofícios, fundados em 1858, no Rio de Janeiro, em 1872, na Bahia e em 1873, em
São Paulo, onde, “já apartadas do ensino das belas-artes, foram desenvolvidos não somente
os ofícios manuais mas as qualidades requeridas para a projetação de suas atividades”
(idem: 256); o curso de arte decorativa da Escola Politécnica, criado em 1933, por Eliseu
Visconti e o curso de Desenho de Propaganda e Artes Gráficas da Fundação Getúlio Vargas,
constituído em 1946, pelo artista responsável pela concepção gráfica de livros para a editora
José Olympio, Tomás Santa Rosa, pelo pintor e gravador Axel Leskoschek, pelo artista
plástico Carlos Oswald e pela historiadora de arte Hannah Levy.

Considerando, em sua análise do ensino do design no Brasil, uma série de iniciativas


anteriores à segunda metade do século XX, Souza Leite pondera que é somente em 1951, com
a fundação do IAC, que, no Brasil, “ganha fôlego um novo capítulo na construção de um
ideário autônomo para o design” (idem: 257). Para este autor, portanto, a diferença entre
essas iniciativas e as subseqüentes, é que, nelas, “tratava-se de um ensino sem a pretensão de
ser agente de transformação social, mas com a idéia de sintonizar conhecimentos e
linguagens contemporâneas” (idem). Cardoso, por sua vez, acredita que o que sucedeu por
volta dos anos 1960 não foi a gênese do design brasileiro, mas, tão somente, uma ruptura
(Cardoso, 2005: 07). Os anos entre a abertura do IAC (1951) e a inauguração da ESDI (1963)
marcam, para ele, o período em que se experimentou uma mudança de paradigma no ensino e
no exercício da profissão. A seu ver, o que surge nessa época, não é o design, mas a
consciência dele enquanto conceito, profissão e ideologia (2005: 07).

Para Souza Leite, o que Cardoso nomeia de ‘ruptura moderna’ (idem: 15) é um
fenômeno que deve ser compreendido como dentro de um quadro maior, que envolve a
articulação entre criação artística e produção industrial (Souza Leite, 2006a: 254). Em sua
perspectiva, é lícito afirmar que “a década de 50 trouxe ao Brasil o design tal qual o
conhecemos hoje” (2006a: 253), mas deve-se “tratar mais compreensivamente do processo
pelo qual se pensou uma atividade estabelecida no cruzamento das questões da arte, da
técnica e da produção” (idem: 254), ou seja, é preciso considerar a institucionalização do
design como um estágio dentro de um processo de longo prazo, envolvendo uma série
tentativas de conformação de um ensino voltado para a criação em um contexto industrial.

117
Sem deixar de levar em conta essas reflexões, proponho, neste e no próximo
capítulo, uma observação mais acurada do período compreendido entre as décadas de 1950 e
1960 (e mais precisamente, entre 1951 e 1963), uma vez que considero esse período como o
momento sociogenético do design no Brasil.

Quando realiza o seu ‘mapeamento do percurso do design no Brasil’, Dijon de


Moraes decide operar com o período de tempo compreendido entre os anos 1960 – “período
da instituição oficial do ensino de design no país” (2006: 19) – e 2005 – “ano em que se pode
considerar plenamente instaurada a globalização” (idem). Para este autor não há dúvidas de
que “o design se desenvolve na América do Sul no final dos anos cinqüenta e início dos anos
sessenta” (idem: 27). A seu ver, o estabelecimento oficial do design no Brasil ocorre em
1963, com a criação da ESDI, “responsável pelo primeiro curso de graduação em nível
superior em toda a América Latina” (idem).

Entre os profissionais responsáveis pela estruturação e configuração da instituição do


design no Brasil, Moraes cita Pietro Maria Bardi, Lina Bo Bardi, Tomás Maldonado, Max
Bill, Roberto Sambonet73 (no IAC) e Karl Heinz Bergmiller74 (na ESDI), os dois últimos
provindos, respectivamente, do Politécnico de Milão, na Itália, e da Escola de Ulm, na
Alemanha. Mesmo elegendo essas iniciativas como as primeiras a sediar o ensino formal de
design no Brasil, ele não deixa de considerar, seguindo as leituras de Wollner (1998) e
Niemeyer (1997), que “antes mesmo da instituição oficial do design nos anos sessenta no Rio
de Janeiro, outras iniciativas similares tinham sido tomadas” (Moraes, 2006: 28), pois
entende que “tomar como ponto de partida o estabelecimento oficial do design no Brasil não
significa desconsiderar as experiências existentes anteriormente no país” (idem: 32).

73
Sambonet permanece no Brasil entre 1948 e 1953, ano em que retorna à Itália. Em sua estada brasileira,
estabelece uma forte amizade com Pietro Maria Bardi, “ensina design gráfico no IAC, projeta espaços para
exposições, dirige um curso de estampas para tecidos e desenha também ele próprio várias estampas, prepara
ainda uma coleção de moda, com roupas e acessórios” (Quintavalle, 1993, apud Moraes, 2006: 34).
74
Diferentemente de Sambonet, Bergmiller não retorna à Europa, mas continua vivendo no Brasil, atuando como
designer e professor. “Pratica a atividade de design através da Forminform, um dos primeiros escritórios do
Brasil, fundado em 1958 por Geraldo de Barros (1923-1998), Ruben Martins (1929-1968), Alexandre Wollner
(1928) e Walter Macedo, organiza exposições e diversas bienais internacionais de design no Rio de Janeiro,
torna-se pesquisador junto ao Instituto de Desenho Industrial – IDI do Museu de Arte Moderna – MAM do Rio
de Janeiro. Manteve por muitos anos atividade junto à indústria de móveis para escritórios Escriba, de São
Paulo, e, hoje, colabora com a empresa Alberflex” (Moraes, 2006: 35).

118
Entre as experiências de ensino citadas, destaca-se o IAC-MASP, a FAU-USP, os
cursos ligados ao projeto de uma Escola Técnica de Criação do MAM-RJ, o curso de desenho
industrial do Instituto de Belas Artes (IBA). Sobre esse último, Niemeyer afirma que, apesar
de a sua história não ter sido ainda sistematizada, ela “é uma história de importância
fundamental na instalação do ensino de design no Brasil porque o seu planejamento resultou
no curso que recebeu o nome de Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI)” (2007: 78).

Moraes considera que, no Brasil, assim como em outros países periféricos, o design
se desenvolve com maior proeminência no campo acadêmico, em detrimento de sua aplicação
na esfera produtiva industrial (2006: 30). Ao mesmo tempo, reconhece que, “antes mesmo da
instituição dos primeiros cursos oficiais de design no Brasil, já existia uma prática projetual
voltada para a produção em série no país” (idem). Recuperando uma colocação de Gui
Bonsiepe, entende que “seria enganoso afirmar que, nos países periféricos, o design tenha
começado a existir somente no momento em que foi introduzido o termo [...] (pois) sabe-se
ainda que o debate sobre o design não nasceu, como se pode imaginar, no interior da
indústria, não foi levado adiante pelos representantes das empresas manufatureiras, mas por
um grupo de pessoas estranhas à indústria: expoentes da vanguarda das artes visuais e da
arquitetura” (Bonsiepe, 1991, apud Moraes, 2006: 30).

Voltando aos eventos que acompanho com maior proximidade, é importante


considerar, entre eles, o trânsito de pessoas e idéias, as movimentações em torno das artes
plásticas e da arquitetura (disciplinas avizinhadas ao design), o momento sócio-político
brasileiro, bem como as influências internacionais75 que, de forma mais ou menos direta,
inflexionam os projetos dessas escolas.

Se, como coloca Souza Leite, nos anos 1950 o design “foi instituído como a
possibilidade moderna de uma educação voltada aos desafios da industrialização no Brasil”
(2006a: 252), antes de discutir sobre as escolas acima referidas, é preciso retomar algumas
questões relativas ao período histórico que aqui proponho como sociogenético do design no
Brasil, compreendido entre 1951-1963. Em um primeiro momento deste capítulo considero,

75
No plano internacional, deve-se mencionar os Vkhutemas, na URSS (1917-1930), a Bauhaus, na Alemanha
(1919-1933), a diáspora bauhausiana para os Estados Unidos nos anos 1930 (que contribui de forma direta para
a criação de uma série de escolas de design), e a HfG de Ulm75 (1953-1968), na Alemanha.

119
então, discutir algumas questões relativas aos contextos em que ocorre o processo de
institucionalização do design no Brasil, seja o contexto político-social, seja o contexto do
desenvolvimento do setor industrial nacional. Para isso, observo tanto a configuração sócio-
política brasileira naquele período, quanto o quadro internacional (notadamente europeu) em
que se desenvolveu o design moderno.

É preciso esclarecer que dentro desse recorte temporal, percebo dois momentos
distintos (a partir dos quais se estruturam este e o próximo capítulos: se há um processo que
vai de 1951 (com a criação do IAC-MASP) até 1963 (com a inauguração da ESDI), entendo
que entre 1951 e 1960 podemos dizer que acontecem as primeiras tentativas de instauração do
design como campo profissional no país. Instauração essa que se consolida entre 1962 e 1963,
com a reforma curricular na FAU-USP e a criação da ESDI. Assim, se nos anos cinqüenta se
ensaia a instauração, nos anos 1960, ela é consolidada, de fato.

Segundo essa periodização, na primeira parte deste capítulo, quando comento o


contexto histórico em que acontece a movimentação em torno da instituição do design no
país, utilizo um recorte temporal mais amplo (1951-1963), para, na segunda parte, reduzir o
espectro, observando as tentativas de instauração de um ensino formal, ocorridas entre 1951 e
1960. O capítulo 3 é dedicado ao segundo período (1962 e 1963), que nomeio de instauração
do design como campo profissional no Brasil.

Contexto de modernização da sociedade brasileira na década de 1950

Nos anos 1950, segundo Botelho (2008: 15), o Brasil poderia ser definido como uma
sociedade em movimento - pois passava por um processo de modernização conservadora que
implicava em uma reorientação de valores, condutas e instituições, pautada pela busca de uma
modernidade marcada pela noção de progresso. Em intensa transformação, a sociedade
brasileira experimentava uma aceleração dos processos de urbanização e industrialização, e o
surgimento de uma nova configuração social articulada através da idéia de modernização, em
que a busca de definições futuras caminhava junto a uma revisão do passado. Nesse sentido,
haveria, no Brasil dos anos 1950, um claro compromisso com a noção de processo

120
civilizatório. Por isso mesmo, pode-se considerar esse momento como sendo crucial para
inflexão da sociedade brasileira.

Considero essa década como a sociogenética da disciplina na medida em que


entendo, como propõe Peirano (1981, 2006), que, em parte graças à discussão em torno
daquela disciplina, se produzia, naquele momento, uma nova ideologia para o país. Nesse
sentido, vale olhar para o período de tempo que compreende esse momento sociogenético não
como um mero divisor de águas, mas como algo em si. Se pensarmos no intervalo de tempo
compreendido entre 1951 e 1963 em termos do contexto político brasileiro, esse é o período
que vai da eleição de Getúlio Vargas (em seu segundo mandato como Presidente da
República, dessa vez eleito pelo voto popular) até o golpe militar, que toma o poder em abril
de 1964. Assim, é fundamental perceber que a institucionalização do design no Brasil ocorre
em meio a um intervalo (1945-1964) entre dois regimes militares.

O ano de 1951, quando em São Paulo é fundado o IAC-MASP, marca a volta de


Getúlio Vargas à Presidência da República, após seis anos76. Desde o fim do Estado Novo, em
1945, o Brasil passa por um processo de redemocratização, que compreende, em seus
primeiros momentos, os trabalhos de uma Constituinte. Após a queda de Getúlio em 1945,
realizam-se eleições presidenciais em que vence Eurico Gaspar Dutra, que permanece no
governo até 1951, quando é substituído pelo ex-presidente, dessa vez eleito pelo voto popular.

Mais do que tudo, os anos 1950, momento de intenso desenvolvimento industrial,


marcam uma nova fase no processo de industrialização do país, em que se busca não só
consolidar um ambiente industrial, mas também criar um mercado dinâmico (Koshiba,
Pereira, 1984: 289). Entre os anos 1950 e 1964, o Estado assume uma postura de planejador e
indutor da economia e do processo de desenvolvimento em geral. Assim, essa fase pode ser
caracterizada como aquela em que se instaura no país um projeto modernizador que visa não
só desenvolver o setor industrial, mas a economia como um todo. Durante esse período
consolida-se a transformação da estrutura da economia brasileira, que vinha sendo alterada de

76
Getúlio Vargas já havia presidido o Brasil, entre 1930 e 1945, tendo chegado à presidência através de um
decreto que dissolve a Junta Governativa que derrubara o presidente Washington Luís e cria um Governo
Provisório. Em 1937, instaura o Estado Novo, que perdura até o ano de 1945, quando ele deixa o poder.

121
forma significativa desde o início dos anos 1930, quando se inicia um projeto nacionalista de
governo que aposta no desenvolvimento baseado na industrialização.

No cenário de nacionalização de alguns setores considerados estratégicos pelo


governo, são criadas uma série de instituições, que têm por objetivo gerir os processos
relativos ao desenvolvimento nacional, tais como o Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq, 1952), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
(BNDE, 1952), a Petrobras (1953) e a Eletrobrás (1954). É importante salientar que o
movimento de criação de instituições estatais já havia sido iniciado no primeiro governo
Vargas, durante o Estado Novo, quando são fundadas a Companhia Siderúrgica Nacional
(1941), a Companhia Vale do Rio Doce (1942) e a Companhia Nacional de Álcalis (1943).

Entretanto, no período desenvolvimentista que se dinamiza durante o segundo


mandato de Getúlio, que naquele momento aposta “no processo de industrialização e no
crescimento da classe operária urbana” (Fausto, 2007a: 299), ocorre uma disputa entre tipos
de desenvolvimento econômico: os debates em torno do tema estavam polarizados entre
“aqueles que defendiam uma posição ligada ao desenvolvimento autônomo e preservador das
riquezas nacionais e os que advogavam a causa de um desenvolvimento associado ao capital
externo” (2007a: 300). Entre essas polaridades, o governo conduz uma política de
desenvolvimento nacionalista que navega de forma ambígua entre os dois pólos.

Em 1953, ainda durante o governo de Getúlio Vargas, tem início uma crise
econômica e política que vai culminar com o suicídio do Presidente. O aumento do custo de
vida e a inflação afligem boa parte da população, e ocorre uma série de greves. A política
governamental, que oscila entre dois modelos de desenvolvimento econômico e que, de certa
forma, abre espaço à participação política das massas trabalhadoras, incomoda também a
alguns estratos da burguesia. O incômodo atinge o setor militar, que teme uma aproximação
entre João Goulart, então Ministro do Trabalho, e os sindicatos (idem: 305-306). No início de
1954, ocorre, segundo Fausto, um “descontentamento da classe média traduzido em
vocabulário militar” (idem: 306). Em agosto, tal insatisfação se materializa na forma de um
manifesto em que os militares lançam um pedido de renúncia do Presidente. A crise tem seu
ápice com o suicídio de Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954.

Se, durante o governo Vargas, a política de desenvolvimento, nacionalista em sua


essência, transita de forma ambígua entre as discussões extremadas acerca do modelo ideal de

122
desenvolvimento para o país (via capital estrangeiro ou estatal), Juscelino Kubitschek leva ao
extremo o “equilíbrio contraditório entre o discurso nacionalista e a prática de abertura ao
capital monopolista” (idem: 320). Se as posições de Getúlio e de Juscelino são ambíguas, “sua
ambigüidade reflete a própria indecisão da formação capitalista no Brasil. De fato, a burguesia
industrial brasileira sente-se incapaz de conduzir o processo de industrialização em posição
hegemônica, prensada como está entre a participação do Estado e do capital estrangeiro,
representado pelas multinacionais” (Koshiba, Pereira, 1984: 291). Contudo, com o governo
JK, inicia-se um período de euforia desenvolvimentista em que, ao “clima de euforia e festa
nacional se junta a sensação de que, além de ter encontrado seu destino autônomo, a nação
atingiu por fim instituições estáveis e democráticas” (Fausto, 2007a: 311).

No plano cultural, também se vivia um momento vigoroso, em que surgiam novas


manifestações no teatro, no cinema, na música e nas artes plásticas. Além disso, segundo
Amélia Reis, “o vigor do movimento cultural encontrava eco junto a setores das camadas
médias urbanas em franca expansão, sobretudo os universitários, sintonizando com o espírito
nacionalista da época, e com a crença nas possibilidades de desenvolvimento do país” (2005:
38). Assim, “a identificação dos chamados “anos dourados” com o otimismo que consagrou
o governo JK acabou então por englobar todo um conjunto de mudanças sociais e
manifestações artísticas e culturais que ocorreram dentro de um debate mais geral sobre a
reconstrução nacional, em curso desde o início dos anos 50” (idem).

Segundo Francisco Alambert, em artigo sobre Mário Pedrosa e a Bienal de São


Paulo, “na passagem dos anos 1950 para os anos 1960, a idéia de trilhar um caminho
baseado na idéia de “substituição de importações” era um tema central tanto para a teoria
estética quanto para as teorias econômicas progressistas. Os economistas ligados à “teoria
da dependência” pensavam um caminho parecido com os saltos de desenvolvimento que a
vida econômica da América Latina podia dar no contexto do surto desenvolvimentista. No
mesmo ano em que Hélio Oiticica fazia sua transição do quadro fixo para o espaço/tempo, a
arte na vida, Celso Furtado publicava seu influente (não apenas no Brasil) estudo sobre a
dependência econômica, o sentido de nosso “atraso” e os impasses de nosso (sub)
desenvolvimento, a Formação Econômica do Brasil.

Se Oiticica preparava a passagem das experiências concretistas para chegar aos


parangolés, saindo da tela (e da galeria) para a vida (e a rua), economistas (de esquerda ou

123
apenas desenvolvimentistas) também queriam a superação da dependência em nome da
autonomia nacional criadora. Foi também em 1959 que Antonio Candido tratou de reunir a
experiência intelectual acumulada nas ciências sociais, na sistematização universitária da
prática acadêmica renovada da USP e no ensaísmo literário brasileiro, e publicou seu
trabalho seminal, “Formação da Literatura Brasileira”. Ou que, nas telas dos cinemas e
cineclubes, os jovens cineastas que inauguravam o Cinema Novo elaboravam as imagens da
“fome” e da situação do mundo “subdesenvolvido”, com sua luz particular, articuladas com
diversas linguagens tomadas da vanguarda cinematográfica pós-guerra” (2006: 229-230).

Entre os anos 1950 e 1960 surgem os primeiros profissionais a se auto-intitularem


desenhistas industriais, e surgem também os primeiros escritórios, entre eles aquele que é
considerado o primeiro escritório de desenho industrial do país, fundado em 1958, o
Forminform77 (que tinha como sócios fundadores Geraldo de Barros, Karl Heinz Bergmiller,
Walter Macedo, Rubens Martins e Alexandre Wollner). Surge nesse momento também uma
produção continuada de objetos projetados a partir dos paradigmas modernos. Entre os
objetos projetados nesse período, destaca-se a Poltrona Mole (1957), de Sérgio Rodrigues,
considerada por alguns críticos como objeto icônico do design brasileiro.

Nas palavras de Cardoso, “a célebre poltrona mole, situando-a como correspondente


no tempo a Brasília e à bossa nova, da qual também se aproxima em sua capacidade de
sintetizar magistralmente uma idéia de brasilidade em linguagem contemporânea, sofisticada
e compreensível de imediato para o público dentro e fora do país. Com seu aspecto
“esparramado”, a poltrona mole apresenta-se como todo um tratado sobre o jeito brasileiro
de sentar, e de ser. Espaçoso, despojado, bonachão, o móvel promete com sua aparência o
conforto e convida à descontração. Luxuriante, insinua-se também luxuoso, embora seja
construído em materiais relativamente pouco nobres, no entender da época, como couro e
madeira. Claramente moderno, foge dos padrões modernistas vigentes: da rigidez fria do aço
tubular cromado, da elegância severa dos encaixes ortogonais entre assento e encosto, da
leveza dos pés de palito” (2004: 87).

77
Segundo Braga, o Forminform é assim caracterizado uma vez que, entre seus sócios, não havia a presença de
arquitetos, sendo todos “artistas de formação e com prática de design de móveis e dois profissionais formados
nos conceitos do design alemão” (2005: 31).

124
No plano político, Juscelino organiza seu plano de governo em torno do
“desenvolvimento econômico industrial, estabelecendo através do Plano de Metas, trinta e
uma metas, tais como: energia, transporte, alimentação, indústria de base, educação e
construção da nova capital, Brasília, sendo esta considerada a ‘síntese de todas as metas’”
(Koshiba, Pereira, 1984: 281). Buscando fazer crescer o país, ele investe na integração física
do território nacional, através da mudança da capital para a região central e da construção de
uma ampla rede rodoviária, que ligaria a nova capital a todas as partes do país. Com o slogan
“Cinqüenta anos em cinco”, o governo JK investe em uma aceleração da industrialização, o
que impulsiona o crescimento e a diversificação do setor industrial nacional. No processo
chamado de ‘substituição de importações’, aproveita-se o mercado interno já existente para
produtos industriais importados, substituindo-se os produtos vindos de fora por exemplares
fabricados no país (Fausto, 2007a: 313).

Apesar de trazer em si algumas das ambigüidades e contradições já notadas durante o


período Vargas78, o governo JK, iniciado em 1956, marca um ponto de inflexão fundamental
no processo de industrialização e desenvolvimento nacionais: mesmo que amparado por um
discurso nacionalista, a partir desse momento, o país decide por ajustar a industrialização aos
interesses do capital internacional (Koshiba, Pereira, 1984: 291). O modelo de
desenvolvimento adotado durante o período orienta-se, então, a partir da abertura ao capital
estrangeiro, que ocupa diversos ramos da indústria pesada, em associação ao capital estatal,
que é dirigido à viabilização de infra-estrutura para as instalações do parque industrial (e do
mercado que a ele se associa). Tal associação define a “configuração do modelo de
desenvolvimento industrial que o Brasil irá definitivamente adotar (...) e exerce inegável
influência na redefinição da orientação econômica e inclusive política do Brasil” (idem).

Segundo o ambicioso programa de desenvolvimento econômico do governo JK, o


Estado agiria “como instrumento coordenador do desenvolvimento, estimulando o
empresariado nacional, mas também criando um clima favorável à entrada do capital
estrangeiro, quer na forma de empréstimos, quer na forma de investimento direto” (idem:
281). No Plano de Metas, se ao capital estrangeiro cabia a construção do parque industrial, ao
capital estatal competia, então, viabilizar a infra-estrutura que sustentasse o modelo.

78
Contradições relativas ao modelo de desenvolvimento adotado (via capital estatal ou via capital externo).

125
A abertura ao capital estrangeiro está associada a uma centralização por parte do
Estado de setores considerados estratégicos para a economia. “A idéia de um planejamento
central estendido a todas as instâncias de governo pressupõe um controle efetuado de um
ponto central” (Souza Leite, 2006b: 233). Tal centralização prevê inclusive a criação de uma
nova capital para o país: trata-se de uma aposta na reorganização espacial e econômica em
torno de novos eixos de desenvolvimento. Ou seja, busca-se criar uma nova geografia para
uma nova economia. Se o desenvolvimento industrial se dá nas regiões Sul e Sudeste, Brasília
se propõe como um novo possível vetor de desenvolvimento nacional. Nesse sentido, pode ser
considerada como o símbolo maior do projeto nacional-desenvolvimentista do período79.

Nessa nova economia industrial, ocorre uma forte urbanização, decorrente de um


intenso processo migratório interno, que faz com que um significativo contingente de pessoas
deixem o campo em busca das cidades. Se instala, também, uma aceleração brutal do processo
de substituição da produção artesanal por uma produção fabril, industrial. Junto a isso, efetua-
se uma cada vez maior centralização do capital, uma vez que o grande capital monopolista
passa a tomar os espaços antes ocupados pelos pequenos e médios capitais individuais e/ou
familiares. Trata-se, assim, de uma violenta transformação estrutural da economia e da
sociedade nacional.

No início dos anos 1950, a indústria brasileira estava organizada em torno da


produção de bens perecíveis e semi-duráveis (indústrias têxtil, alimentar, gráfica, editorial,
vestuário, fumo, couro e peles), e era constituída por empresas inteiramente nacionais, muitas
delas gerenciadas por um núcleo familiar (Koshiba, Pereira, 1984: 289). Apesar da existência
de alguns ‘impérios industriais’, tais como os de Francisco Matarazzo e Ermírio de Morais,
nenhum deles tinha capacidade de mobilizar recursos que viabilizassem a indústria pesada.

Buscava-se, portanto, soluções para a implantação da indústria pesada, produtora de


bens duráveis, que completaria o sistema industrial nacional, restrito, até então, à indústria de
consumo, produtora de bens perecíveis e semi-duráveis. Discutia-se a formação de um parque
industrial de indústrias de base capaz de alimentar as indústrias de bens de consumo. A saída

79
Se ela se confirma historicamente como um novo eixo de desenvolvimento, não é o que interessa discutir aqui,
neste momento. Por ora, destaco apenas que a idéia de Brasília parece assinalar tal intenção.

126
encontrada pelo nacional-desenvolvimentismo do período JK, orientado para a
industrialização, foi uma combinação entre capital estatal e capital estrangeiro.

Se no governo de Getúlio a possibilidade de empréstimo externo está excluída


devido à Segunda Grande Guerra, durante o governo JK instala-se uma associação entre o
capital estatal (que deveria viabilizar a infra-estrutura) e o capital internacional (que através
das multinacionais conformaria o parque industrial nacional). Para Fausto, a abertura ao
capital internacional, operacionalizada no governo JK, talvez “tenha sido o resultado da
correlação de forças, dentro da aliança no poder, dos que se colocavam contra e a favor da
industrialização acelerada e contra e a favor da participação das multinacionais e do Estado
nesse processo” (2007b: 282). De fato, empresas multinacionais ocupam os ramos da
indústria pesada, tais como o automobilístico e de caminhões, de material elétrico e
eletrônico, eletrodomésticos, de produtos químicos e farmacêuticos, de matéria plástica. Se
observamos as indústrias que mais se desenvolveram, notamos que “os ramos que mais se
expandiram são aqueles em que a participação do capital estrangeiro é maior” (idem: 281).

Aqui, é fundamental considerar a importância de alguns “organismos paralelos de


desenvolvimento”, ligados diretamente ao Poder Executivo, que permitiam ao Presidente da
República “passar por cima” de seus limites constitucionais e adquirir mais poderes para
execução da política econômica e da racionalização administrativa (Fausto, 2007: 318), tais
como o BNDE, a CACEX e SUMOC (anteriores ao governo JK) e o Conselho de Política
Aduaneira (CPA), a Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE, 1959)
e o Grupo de Estudos da Indústria Automobilística (GEIA).

Seja como planejador, seja como detentor de certos meios de produção considerados
estratégicos, o Estado se fortalece e se firma como elemento central do planejamento
econômico. Dessa forma, torna-se também o centro político para onde convergem as diversas
demandas dos setores produtivos (2007: 313). Esse papel cada vez mais político do Estado
garante a reprodução do capital, na medida em que condiciona as ações do setor empresarial
às deliberações estatais. A burguesia industrial torna-se, assim, dependente do Estado, que,
agindo de tal modo, reconduz a economia sem modificar os padrões de funcionamento
econômicos pré-existentes. “Promovendo um intenso crescimento industrial, não procura
solucionar as agudas contradições do desenvolvimento, particularmente as do campo, cuja

127
miséria e atraso acabam por permitir a drenagem de mão-de-obra barata para os centros
urbanos em processo de industrialização” (idem: 318).

Nesse contexto, é importante também considerar algumas determinações externas


que colaboraram para o desenho de tal configuração. A partir da II Guerra Mundial configura-
se uma “nova etapa de expansão do grande capital monopolista em direção ao investimento
industrial direto nos países subdesenvolvidos, configurando a nova fase do imperialismo”
(idem). Forma-se um novo espaço econômico em que as economias desenvolvidas estão cada
vez mais integradas pelas empresas multinacionais. No bojo desse processo de integração,
constitui-se o Mercado Comum Europeu e inicia-se o que alguns autores consideram como
uma nova etapa do imperialismo internacional. Nessa fase, “o aparecimento das
multinacionais tende a desenvolver outro tipo de exploração colonial através da implantação
direta de unidades industriais na periferia e da intensa exploração de sua mão-de-obra
abundante e barata” (Koshiba, Pereira, 1984: 275).

Quando opta pela implantação direta de indústrias multinacionais, o estilo


desenvolvimentista do período JK se molda às novas exigências do capitalismo internacional,
orientado agora a partir dos EUA. Dessa forma, o país se insere no capitalismo monopolista
mundial, que, por sua vez, exige um ainda maior controle estatal (Fausto, 2007: 319). Essa
inserção cria novas necessidades e exigências, que, segundo Fausto, são algumas das causas
da tensão política que se instala no início da década de 1960. “Naturalmente, o novo contexto
internacional reflete-se imediatamente no plano interno, onde intensos debates dividem os
grupos sociais acerca do modelo de industrialização” (Koshiba, Pereira, 1984: 290).

O discurso nacionalista de que os sucessivos governos se valem para se legitimar,


desde o início dos anos 1950, torna-se também uma ameaça, quando é levado a sério por
alguns setores políticos. Assim, sucedem-se a períodos mais estáveis e otimistas, algumas
crises, que têm seu ápice na grande crise que culmina com o golpe militar de 1964. O
equilíbrio contraditório entre o discurso nacionalista e a prática de abertura ao capital
estrangeiro teria que se romper (Fausto, 2007a: 320), pois era estruturalmente insustentável.
Os êxitos do período estavam associados a um aumento das disparidades regionais, visto que
o investimento no desenvolvimento industrial terminou por se concentrar nas regiões mais ao
sul do país. Além disso, um crescente processo inflacionário contribuía para uma significativa
diminuição da renda da classe assalariada.

128
Se a política econômica fez crescer o país, permitiu também o crescimento de uma
série de disparidades sócio-regionais. O investimento na produção de bens duráveis,
concentrado nas regiões Sul e Sudeste, deixou de lado grande parte do país, que se encontrava
fora do eixo de desenvolvimento, e, portanto, fora dos sistemas de produção e de consumo.
Assim, nesse quadro, o Nordeste sofreu uma séria crise industrial, o que levou o governo a
criar a SUDENE, órgão que articularia o desenvolvimento industrial da região.

De forma geral, ocorreu uma “homogeneização monopolista” do espaço brasileiro


(2007b: 283), que transformou também as relações de produção no campo. A partir de 1958,
cresce a movimentação política dos trabalhadores rurais (2007a: 350). A esse movimento,
associam-se, progressivamente, a movimentação operária urbana e o movimento estudantil.
Em 1959, em meio a um crescente processo inflacionário, sobrecarregado com os gastos de
construção da nova capital, o governo conta com dificuldades financeiras que o levam a um
dilema. Na virada dos anos 1950 para os anos 1960, uma série de questões dificulta a
manutenção do discurso desenvolvimentista veiculado por JK. Segundo Fausto,

pode-se dizer que o capitalismo monopolista, que antes de 1930 só existia nos
serviços de infra-estrutura, lança raízes no Brasil entre 1933 e 1955 para passar a
dominar o processo de industrialização a partir de 1956. O capital monopolista
continua sendo, em sua maior parte, multinacional ou estatal, mas alguns grupos
privados brasileiros, em ramos como o da fabricação de máquinas, papel e
metalurgia, começam a se transformar também em capitais monopolistas por essa
época. A partir de 1962 o ímpeto do processo de industrialização começa a diminuir
e a economia passa por uma série de recessões até o fim do período (2007b: 283).

É nesse cenário que se elege presidente, em 03 de outubro de 1960, Jânio Quadros,


tendo ainda como vice-presidente João Goulart. Com a renúncia de Jânio e o deslocamento de
ênfase para o nacionalismo no Governo João Goulart (2007a: 321), a situação de crise é
agravada, culminando nos acontecimentos de 1964. No governo João Goulart, cresce a
polarização das tendências ideológicas, que faz aflorar uma esquerda que tem por proposta
um nacionalismo reformista. Segundo Fausto, tal polarização de esquerda veicula a idéia de
um povo-nação em luta contra o capital estrangeiro (idem: 350). Nesse cenário, esse autor
destaca a atuação do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), que buscava

organizar a intelligentsia nacional no sentido do conhecimento da realidade


brasileira, numa perspectiva nacionalista. Tendo o projeto de “produzir” uma
ideologia para alimentar a consciência nacional como força auxiliar do projeto de
desenvolvimento, estes ideólogos fizeram do nacionalismo pouco mais do que a
consagração do Estado. A ideologia, fruto de uma agência governamental, nasce do
próprio Estado, embora pretenda traduzir a consciência popular” (idem: 351).

129
A crise, que culmina com o golpe militar em abril de 1964, não põe em questão a
estrutura do capitalismo no Brasil, mas, sim, a conjuntura política em que o Estado e alguns
setores de esquerda se aproximavam, objetivando ensaiar algumas transformações de ordem
econômico-social. Desde o início da década, as tensões sociais e políticas geradas durante o
período desenvolvimentista se agravavam, tornando-se obstáculo para a continuidade das
práticas econômicas, gerenciadas até então por uma burocracia estatal constituída em parte
por militares, que se ressentiam com a aproximação entre governo e setores mais à esquerda.

Através das Forças Armadas, apoiadas pela direita, assustadas pela propaganda anti-
comunista e auxiliadas pela “desestabilização” estimulada também pelo Pentágono,
o Estado desabou em 31 de março sobre as cabeças da esquerda nacionalista e seus
aliados, e mostrou sua verdadeira natureza de classe. Restaria ao regime do pós-64 a
eliminação dos obstáculos políticos e institucionais para a plena realização do
capital monopolista (idem: 355).

O modelo econômico que se estabelece durante o governo JK é retomado a partir de


1964, sendo levado às suas últimas conseqüências, com todas as contradições que lhe eram
inerentes (Koshiba, Pereira, 1984: 291). Entretanto, há, segundo Koshiba e Pereira, uma
considerável diferença entre os períodos pré e pós 1964: se no primeiro momento, apesar de o
capital estrangeiro já se fazer presente, a economia está voltada para a dinamização do
mercado interno; após 1965, uma nova estratégia orienta a economia para o mercado
internacional. Assim, esses autores entendem que o regime militar que se instaura em 1964
pode ser entendido como resultante das disputas que se intensificavam, já há alguns anos,
entre uma perspectiva que pretendia enquadrar as empresas multinacionais à economia
brasileira e uma outra que, ao contrário, buscava inserir a economia brasileira no panorama
internacional. Em 1964, teria vencido a segunda tendência (idem).

Retomando, as contradições do modelo de desenvolvimento adotado durante o


período JK evidenciam-se cada vez mais durante os anos 1960, o que leva, em um primeiro
momento, às tentativas de reestruturação social ocorridas durante o governo de João Goulart,
e, em seguida, à reação em forma de golpe, articulada pelo setor militar, que, uma vez no
governo, retoma a política desenvolvimentista sob um novo prisma, acentuando ainda mais as
disparidades setoriais e regionais, bem como a disparidade sócio-econômica entre os diversos
segmentos da sociedade. Segundo Koshiba e Pereira, as contradições subjacentes ao modelo
de desenvolvimento adotado na década de 1950 se desdobram em disputas sociais e políticas.
Nesse quadro, que culmina com o golpe militar de 1964, a presença do capital internacional
tem um papel decisivo (idem: 292).

130
É nesse quadro - que vai de um período de redemocratização a um novo regime
ditatorial, dessa vez liderado diretamente por militares, passando pelo debate em torno de um
modelo de desenvolvimento para o país, pelo surgimento de novas ênfases para o nacional-
desenvolvimentismo que se ensaiava desde os anos 1930 -, da euforia dos anos 1950 à crise
social que se instaura no início dos anos 1960, que se instaura o design no Brasil. Isso posto,
proponho observar, neste e no próximo capítulo, alguns eventos-chave para a constituição do
campo, durante o período que compreende os anos de 1951 e 1963.

É importante notar que as primeiras instituições de ensino e também os primeiros


escritórios de design surgem no eixo Rio-São Paulo, onde se concentra, naquele período, tanto
o poder político quanto a produção industrial. Somente mais tarde começa a se articular
iniciativas que apontam para outras regiões do país. É fundamental considerar também que,
mesmo se caracterizando como dois espaços diferentes, com características próprias e
distintas, Rio de Janeiro e São Paulo configuram, de forma inequívoca, um espaço de trânsito
entre diversas pessoas, idéias e configurações. Assim, entre os eventos que o capítulo
acompanha, vemos transitarem nomes, problemáticas, questões, estruturas. O eixo RJ-SP não
congrega apenas poder político e a indústria, mas também grande parte da movimentação em
torno das artes plásticas. É nas duas capitais que surgem os primeiros museus de arte
moderna, espaços a partir de onde se veicula a produção artística e também se gesta, em
grande parte, o ambiente para a instauração do design como campo profissional no país.

...

Entendendo as primeiras tentativas de instauração de um ensino formal de design no


Brasil se gestam, em grande parte, nos contextos da arte e da arquitetura modernas,
acompanharemos agora alguns episódios sediados, primordialmente, em instituições
dedicadas ao fomento da arte moderna, a saber, alguns museus surgidos entre os anos 1940 e
1950, nas duas cidades do Sudeste brasileiro.

Sobre o contexto de criação do MAM-RJ, Nobre comenta que “não há dúvida de que
havia uma efervescência cultural agitando naquele momento a capital federal de um país que
saía da guerra, e de um longo período ditatorial, apostando num processo de modernização

131
de suas estruturas políticas e culturais. E a esse processo não faltariam novos museus de arte
organizados segundo critérios não acadêmicos, tanto do ponto de vista museológico-
museográfico quanto arquitetônico-espacial. Ou seja, concebidos não mais como relicários
destinados a guardar e oferecer à contemplação obras de arte do passado, mas como centros
ativos e em estreita conexão com a própria produção artística do presente, onde as galerias
tradicionais de exposição - encerradas em si mesmas e praticamente sem contato com o
exterior - seriam substituídas por espaços flexíveis e dinâmicos, franqueados mais
efetivamente ao público e integrados também a oficinas, teatros, cinemas, restaurantes etc. É
nesse contexto que vão surgir o MASP/Museu de Arte de São Paulo, em 1947, e os Museus de
Arte Moderna de São Paulo e do Rio de Janeiro, no ano seguinte” (2010: 112).

Deve-se sinalizar que, ainda nos anos 1950, o circuito de disseminação da arte
moderna começa a ser ampliado, seja com a criação de uma Escola Superior de Artes
Plásticas, em Belo Horizonte - inspirada nas idéias da Bauhaus; seja com a ida de LBB (1958)
para a Bahia - onde funda o Museu de Arte Moderna da Bahia (MAMB) -, seja, logo em
seguida, com a movimentação em torno da construção de Brasília.

A movimentação em torno da arte moderna em São Paulo

Em 1951, é criado em São Paulo o Instituto de Arte Contemporânea, instituição de


ensino que forma os primeiros profissionais que se auto-intitulam desenhistas industriais no
Brasil. Se inicio essa revisão por essa instituição é porque, assim como Souza Leite, entendo
que, sendo o IAC “a primeira experiência de extração modernista voltada para o ensino das
artes no contexto industrial, a história dessa experiência é vital para o entendimento do
processo de institucionalização do ensino de design no país” (2006a: 257).

Contudo, o IAC é parte de um projeto mais amplo e bastante ambicioso, orquestrado


a partir de uma aliança entre o proprietário dos “Diários Associados”, Francisco de Assis

132
Chateaubriand Bandeira de Mello, e o casal de italianos Lina Bo e Pietro Maria Bardi80. O
projeto, que se realiza a partir da cidade de São Paulo, envolvendo a criação de um museu
moderno, a elaboração de uma revista de arquitetura (“Habitat”), tem início em 1947, gerando
uma série de desdobramentos até os dias de hoje.

Em 1946, desembarcava no Rio de Janeiro o casal Bardi81, que trazia consigo uma
mostra de pintura italiana, exposta primeiramente no Edifício do Ministério da Educação e
Saúde, no centro, e, depois, no Hotel Copacabana Palace, zona sul da cidade. Nessas ocasiões,
o marchand Pietro e a arquiteta Lina foram apresentados a diversas figuras proeminentes da
arte e da arquitetura carioca, entre eles, Oscar Niemeyer, Lucio Costa, Candido Portinari,
Alcides da Rocha Miranda, os irmãos Roberto, Athos Bulcão e Roberto Burle-Marx.

Existem algumas versões para o encontro entre Chateaubriand e os Bardi. Uma delas
sugere que eles se conhecem quando o proprietário dos “Diários Associados” visita, em
companhia do crítico Frederico Barata, a exposição montada pelo casal e compra um quadro.
Levanta-se também a possibilidade de que Bardi e Chateaubriand já se conhecessem de
Roma. Independente das versões, a partir desse encontro surge uma parceria que vai durar
muito tempo e que se desdobra em uma série de projetos e eventos (Rubino, 2002: 118-119).
Ao que tudo indica, antes do encontro com os Bardi, Chateaubriand já acalentava a idéia de
construir um museu de arte em São Paulo. O que se sabe, de fato, é que ele convidou Pietro

80
Apesar de reconhecer que existe, indubitavelmente, uma forte imbricação das idéias de LBB com as de Pietro,
e de entender, assim como aponta Rubino, que “a recente valorização do trabalho de Lina de algum modo
obscureceu o papel de Pietro Maria Bardi, conhecido pelas novas gerações como marido da arquiteta” (2009:
36), não problematizo, neste trabalho, as possíveis relações entre as idéias dos dois, nem tampouco a
participação de Bardi na trajetória de LBB.
81
Tendo embarcado no porto de Nápoles em outubro de 1946, o casal desembarcou no porto do Rio de Janeiro, a
partir de onde LBB teria vislumbrado o edifício do Ministério da Educação e Saúde, projeto concebido por Le
Corbusier e desenvolvido por uma equipe que envolvia Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy e
os irmãos Roberto. Ao fim da vida, LBB relembrava a chegada ao porto do Rio como um momento de
maravilhamento, em que o edifício modernista se projetara “como uma vela branca e azul aberta ao céu e ao
vento das possibilidades arquitetônicas” (Lima, 2007: 17). Assim, naquele momento o Brasil se mostrava como
uma “terra onde tudo era possível, onde não havia ruínas” de guerra, “um espaço privilegiado para a criação
artística”, e um “novo lugar para as utopias” (idem: 18). Nesse contexto, é importante mencionar o catálogo da
exposição “Brazil Builds”, mostra organizada pelo Museu de Arte Moderna de Nova Iorque em 1943, e que
contribuiu de forma inequívoca para uma percepção internacional favorável quanto ao caráter modelar da
contribuição da arquitetura moderna praticada no país. Em sua tese, Marcelo Suzuki comenta que “Lina citava
Brazil Builds muitas e muitas vezes, em diversos textos publicados ou não, em declarações reiteradas, como o
anúncio de uma coisa muito diferente, sui generis em relação a um mundo “conhecido”, o ocidente culto, como
a publicação que mudou o mundo” (2010: 289).

133
Maria Bardi82 a dirigir o museu, e assim o casal transferiu-se do Rio de Janeiro para a capital
paulista, onde fundou o MASP, em 02 de outubro de 1947.

Segundo Acayaba, “o objetivo da instituição era formar um acervo de obras que


representasse os principais movimentos artísticos europeus e que fosse reconhecido
internacionalmente – além de organizar escolas e atividades que servissem à difusão da
cultura” (1994: 21). Organizado em quatro setores – Pinacoteca, Exposições Permanentes,
Auditório e Exposições Didáticas – foi inaugurado83 em uma sede provisória84, projetada por
Lina Bo Bardi, em um dos andares do edifício sede dos Diários Associados, localizado na
Rua 7 de Abril, no centro da cidade.

Em 1948, é criado, na mesma cidade, o Museu de Arte Moderna de São Paulo


(MAM-SP), que, junto ao MASP e à Bienal Internacional de São Paulo, colocaria a capital
paulista no circuito internacional de arte moderna. O MAM e a Bienal, assim como as
comemorações do IV Centenário da cidade, que culminam com a inauguração do Parque do
Ibirapuera, são promovidos por Ciccillo Matarazzo (Francisco Matarazzo Sobrinho), opositor
de Chateaubriand. Associado a um grupo de intelectuais paulistas85, o industrial constituiu a
acervo do MAM a partir de sua coleção particular, que continha obras de Arp, Chagall, De
Chirico, Picasso, Kandinsky, Léger, Miró, Morandi, e os brasileiros Aldo Bonadei, Bruno
Giorgi, Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral, Victor Brecheret, entre outros. Inicialmente, o

82
Nascido em Spezia, na Itália, em 1900, Pietro Maria Bardi iniciou sua trajetória profissional como contabilista,
tendo trabalhado bastante como jornalista. Em 1923, se muda para Milão e no ano seguinte se casa com Gemma
Tartarolo, com quem teve duas filhas, Elisa e Fiorella. Em 1926, já atuava como galerista e comerciante de arte.
No mesmo ano, se filiou ao Partito Nazionale Fascista (PDF). Ainda nos anos 1920, começou a editar
periódicos de arte e a escrever sobre arte e arquitetura. Na década de 1930 aderiu explicitamente ao regime
fascista. Em 1931, em uma viagem à Rússia, conheceu Le Corbusier (que estivera no Brasil em 1929), de quem
se tornou amigo. Em 1933, visita Brasil, Argentina e Chile, realizando conferências no âmbito de uma mostra
itinerante de arquitetura italiana moderna. Nesse mesmo ano, esteve também em Paris. Divorciou-se de sua
primeira mulher e se casou com Lina Bo, quinze anos mais nova. No mesmo ano, o casal viajou para o Brasil.
83
Na cerimônia de inauguração do MASP esteve presente Nelson Rockfeller.
84
Somente em 1968 o MASP viria a se instalar em sua sede definitiva, construída, também por LBB, na Avenida
Paulista. Entre 1947 e 1968, acabou ocupando, sempre de forma provisória, mais andares do edifício da Rua 7 de
Abril. Em 1950, o Museu já ocupava 4.500 m2 distribuídos em quatro andares do edifício dos “Diários
Associados”. A reforma necessária para a ampliação da área do museu também ficou a cargo de LBB.
85
Entre eles, Eduardo Kneese de Mello, João Batista Vilanova Artigas, Carlos Cascaldi, Luís Saia, Gregori
Warchavchik, Rino Levi, Roberto Cerqueira, Salvador Candia e Jacob Ruchti (que viria a fundar, em 1951, o
Instituto de Arte Contemporânea do MASP, em parceria com LBB e P. M. Bardi).

134
museu exibia o acervo em exposições semestrais. Além das exposições, contava com uma
cinemateca e promovia conferências e cursos de arte.

A primeira Bienal foi aberta em outubro de 1951, exibindo obras de mais de quarenta
países86. Organizada pelos críticos de arte Lourival Gomes Machado e Sérgio Milliet, a
mostra foi montada, pelos artistas Ademar Martins, Marcelo Grassmann, Frans Krajberg e
Carmélio Cruz, com a assistência de operários da Metalúrgica Matarazzo, em um edifício
construído pelos arquitetos Jacob Ruchti, Miguel Forte e Luís Saia no antigo Trianon da
Avenida Paulista, terreno onde futuramente seria construída a sede definitiva do MASP.

Com o sucesso da Bienal, Ciccillo Matarazzo foi convidado pelo governador de São
Paulo, Lucas Nogueira Garcez, a coordenar os preparativos para a comemoração do IV
centenário da cidade, que aconteceria em 1954. A idéia do governador era instalar os
pavilhões desse evento em um local que pudesse também abrigar de forma definitiva a Bienal.

86
Segundo Acayaba, “a I Bienal de São Paulo compreendeu exposições internacionais de pintura, escultura e
arquitetura. Na seção de artes foram expostos trabalhos de diversos artistas estrangeiros – Picasso, Léger,
Rouault, Giacometti, Max Ernst, Pollock, Morandi, Ben Nicholson, Magritte, Villon, Feininger, George Grosz,
Tanguy, Clader, Max Bill, Arp e outros – e artistas brasileiros – Di Cavalcanti, Lasar Segall, Portinari, Goeldi,
Brecheret, Bruno Giorgi e Lívio Abramo. O prêmio de escultura auferido à obra “Unidade Tripartida”, do
escultor suíço Max Bill, exerceu sobre os artistas brasileiros uma forte influência e avalizou suas posições em
direção à arte abstrata. Na seção de arquitetura registraram-se 3.500 fotografias e plantas, ilustrando cerca de
400 projetos, apresentados por 150 arquitetos brasileiros e estrangeiros. A exposição dos alunos, procedentes
de todas as partes do Brasil, do Chile e da Argentina, contou com 140 trabalhos. Para organizar esse evento, o
Museu de Arte Moderna convidou o professor Lourival Gomes Machado e os arquitetos Luís Saia e Eduardo
Kneese de Mello com a intenção de mostrar ao povo brasileiro a produção contemporânea mundial no campo
arquitetônico. Havia por parte dos organizadores um grande interesse em que o maior número de obras
representativas estivessem presentes. Assim, para facilitar o envio dos trabalhos, a Comissão determinou que os
concorrentes apresentassem suas obras em fotografias de tamanho uniforme, de 24 x 30 cm. A fim de
homenagear todos os arquitetos que lutavam pela boa arquitetura contra o academicismo e o ecletismo, foram
feitos convites especiais a dois arquitetos por nacionalidade. O Brasil prestou homenagem especial aos
pioneiros: Gregori Warchavchik, Flávio de Carvalho, Lucio Costa e Atílio Corrêa Lima. Para julgar os
trabalhos foram convidados, no estrangeiro, figuras de renome como Siegfried Giedion (Suíça), Junzo Sakakura
(Japão) e Mario Pani (México); o IAB indicou o engenheiro arquiteto Francisco Beck e o MAM apontou
Eduardo Kneese de Mello. Para o julgamento dos trabalhos dos estudantes foram escolhidos Zenon Lotufo,
Plínio Croce e Kneese de Melo. O Grande Prêmio Internacional foi concedido a Le Corbusier, que expôs o
Museu do Conhecimento, a Unidade de Habitação de Marselha e a Capela de Ronchamps. O arquiteto italiano
Pier Luigi Nervi recebeu o prêmio de projeto estrangeiro pelo Palácio de Exposições de Torino e pela Estrutura
de Hangar. O prêmio de habitação coube a Lucio Costa, pelo Conjunto do Parque Guinle, e a Henrique
Mindlin, pelo projeto de uma residência. O prêmio de edifício público coube a Rino Levi, pela Maternidade
Universitária de São Paulo, e a Álvaro Vital Brasil, pela Sede do Banco da Lavoura de Minas Gerais. Oscar
Niemeyer foi laureado na categoria de edifício industrial, pela Fábrica Duchen. Eduardo Affonso Reidy venceu,
com o Conjunto Residencial do Pedregulho, o prêmio por projeto de organização de grandes áreas. Por fim,
Joaquim Cardoso foi agraciado pela melhor solução estrutural. As menções honrosas destinaram-se a Oswaldo
Bratke, por uma residência no Morumbi, ao arquiteto Paulo Antunes Ribeiro, pelo Edifício de Escritórios
Prudência em Salvador, ao arquiteto Jorge Ferreira, pelo Pavilhão para Refeitórios no Rio de Janeiro, e ao
arquiteto Ícaro de Castro Mello, pelo Ginásio de Sorocaba” (1994: 21-22).

135
Foi escolhida uma área de 2.000.000 m2 na região do Ibirapuera. O projeto dos pavilhões
ficou a cargo de Oscar Niemeyer e o paisagismo sob responsabilidade do paisagista Burle
Marx. Junto às comemorações pela fundação da cidade, também no Parque do Ibirapuera, foi
montada a II Bienal de São Paulo, considerada a mais importante de todas as Bienais.

A Bienal de “Guernica” (como ficou popularmente conhecida) destinou salas


especiais para obras de Alexander Calder, Paul Klee, Henry Moore e Picasso (que além de
“Guernica” enviou mais oitenta telas). Associada à Bienal, aconteceu também a Exposição
Internacional de Arquitetura, que contou com uma retrospectiva de Walter Gropius87.

Ocupando o mesmo edifício em que estava instalado o MASP, o MAM teve sua sede
projetada pelo arquiteto paulista João Vilanova Artigas. É curioso que os dois museus
‘inimigos’ ocupassem o mesmo edifício, o que decerto contribuía para o acirramento das
disputas entre o museu de Chateaubriand e o de Ciccillo Matarazzo. Os dois museus não
compartilhavam apenas o mesmo espaço, mas disputavam espaços e concepções relativos à
consolidação da arte moderna no país. As questões tinham a ver com os modos de constituir
instituições de fomento à criatividade baseada nos preceitos modernos.

É importante lembrar que nesse período, em que o Brasil passava por um momento
de investimento no desenvolvimento industrial, São Paulo era o lugar onde o parque industrial
se expandia com maior dinamismo. Nesse movimento de expansão do parque industrial, a
cidade se ampliou e viu se intensificar seu caráter comercial e manufatureiro. A esses
processos, somou-se um processo de verticalização, orientando segundo parâmetros
construtivos norte-americanos. Abriram-se avenidas, construíram-se pontes e viadutos que
interligavam o centro às zonas mais limítrofes da cidade. Cresceu também a especulação
imobiliária e agravou-se a disparidade social, que implicava na destituição de certas áreas da
cidade a determinados grupos (Acayaba, 1994: 23).

87
Organizada pelo próprio arquiteto e pelo Institute of Contemporary Arts de Boston, a retrospectiva apresentou
quarenta obras, organizadas em quatro temas: “As Primeiras Construções 1911-1924”, “Construções 1925-
1949”, “Construções Pré-Fabricadas e Formas Industriais” e “Conjuntos Residenciais e Planificações
Urbanísticas”. É importante salientar que em 1951 havia sido publicado “Walter Gropius e la Bauhaus”, livro
de Giulio Carlo Argan, que rapidamente se converteu em um clássico. Em 1935, o próprio Gropius havia
publicado “The New Architecture and the Bauhaus”.

136
No ambiente de disputas e divergências, o MAM e a Bienal não foram alvo de
críticas apenas por parte do MASP. O Partido Comunista também rejeitou a Bienal e impediu
que seus artistas participassem das exposições. Artigas, que havia projetado a sede do MAM,
publicou um texto em que atacava a mostra, acusando-a de ser contra os artistas brasileiros e
apolítica88. Foi, assim, em um ambiente de intensas disputas em torno dos espaços relativos à
arquitetura e à arte modernas em São Paulo89 que surgiu o Instituto de Arte Contemporânea.

Desde sua fundação, o MASP promovia palestras, cursos e exposições. Em outubro


de 1950, lançava a revista “Habitat”, dirigida por LBB. Em pouco tempo, o museu se
consolidou como um pólo para os debates culturais na capital paulista. Entre as exposições
realizadas nos primeiros momentos, destacam-se uma exposição sobre cadeiras, que
enfatizava os modelos da indústria austríaca Thonet, em 1948, as individuais de Alexandre
Calder, em 1948, Le Corbusier, em 1950, e Paul Klee, em 1951.

No mesmo ano, um pouco antes da I Bienal de São Paulo, o MASP monta uma
exposição retrospectiva do arquiteto e designer suíço Max Bill90. Ainda neste ano, Bill é

88
Pouco antes da Bienal, Artigas publicara um artigo em que atacava Le Corbusier, um dos ganhadores da
mostra. No texto, acusava o suíço de ser um intelectual apolítico a serviço do imperialismo. Segundo Acayaba,
Artigas “considerava, então, que a linguagem desse arquiteto era nefasta aos arquitetos progressistas do Brasil.
O receio de que a produção estrangeira cerceasse a criatividade local o induziu a uma xenofobia profunda.
Insistia, explicitamente, na vinculação entre a prática arquitetônica e a ação política” (1994: 22).
89
Sobre a disputa entre MASP e MAM, comenta Rubino: “Na cidade indômita onde não havia um museu de
belas-artes, uma academia a que o museu moderno pudesse ou devesse se contrapor, a querela se deu entre
iniciativas contemporâneas, de identidades semelhantes em concepções, alianças e grupos sociais
representados. Entre italianos, recém-chegados ou não em aliança com grupos jornalísticos com a presença de
intelectuais mais jovens e ligados à universidade, havia que se ressaltar toda diferença de concepção dessa
atuação, entre os dois grupos, pontos de hora, como a defesa da pintura abstrata ou figurativa. Foi mais uma
querela por “ismos” quando Chateaubriand, Bardi e Lina não concederam um minuto de trégua aos eventos da
Bienal e do IV Centenário da Cidade. E foi disputa por espaço físico e visibilidade urbana quando os dois
grupos brigaram por cada centímetro do terreno do Trianon” (2002: 121).
90
Formado em arquitetura pela Bauhaus, Max Bill era então um dos maiores nomes da arte concreta e não fazia
distinção entre sua atividade como artista, designer ou arquiteto. Analogamente, sua exposição incluía obras de
arte, produtos gráficos e objetos industriais. No mesmo ano, Bill foi nomeado diretor da Hochschule für
Gestaltung Ulm (Escola de Ulm, também conhecida como Escola Superior da Forma de Ulm), que seria a
referência dominante do design brasileiro por pelo menos três décadas. Com um olho na reconstrução da
Alemanha do pós-guerra e outro na reconfiguração das “próprias bases produtivas da sociedade industrial”, a
escola procurou aprofundar “a inter-relação entre arte e tecnologia, educação e trabalho, política e indústria”.
O ponto de partida estabelecido por Max Bill foi a retomada da experiência da Bauhaus, que havia sido fechada
pelo regime nazista em 1933” (Stolarski, 2006: 220).

137
premiado91 pela recém fundada Bienal de São Paulo por sua escultura “Unidade Tripartida”.
Em sua pesquisa de mestrado sobre o IAC, a jornalista, professora e curadora especializada
em design, Ethel Leon, avalia que “as exposições que o MASP promoveu em seus primeiros
anos mostram claramente que a intenção de seu diretor não era apenas a de montar um
acervo precioso com obras de diversos períodos, mas também contribuir para uma espécie de
atualização do gosto do público” (2006: 16).

Para o seu diretor, P. M. Bardi, diferentemente do Museu de Ciccillo Matarazzo, que


se denominava ‘de arte moderna’, o MASP deveria se constituir como um museu de arte,
moderno (Rubino, 2002: 121). Afinal, “a modernidade era um modo de usar o museu, que se
distinguiria de um museu dos séculos anteriores em sua maneira de expor” (2002: 122). Em
torno do museu, se estendia uma série de iniciativas que buscavam criar um ambiente para a
veiculação dos preceitos modernos, trazidos pelo casal desde a Itália. Para entender o IAC,
então, é preciso, antes de mais nada, considerar o conjunto de estratégias adotadas por PMB e
LBB em torno do MASP, pensado como um centro de cultura, que visa “contribuir para a
efervescente arrancada industrial e social de São Paulo” (Anelli, 2006: 31).

Assim, segundo Leon, “já em 1948 Bardi relatou numa publicação da UNESCO
dedicada a museus que sua preocupação foi criar um “instituto correspondente às condições
atuais da cultura artística”. Para tanto, organizou um curso de história da arte e de noções
gerais de museografia para jovens que gostariam de participar das atividades do museu,
usando 200m2 dos 1.000 que Chateaubriand lhe destinara para apresentar uma seção
didática. Nesse espaço, painéis de vidro de 1,20m x 1,20m suspensos por tubos de alumínio
comportavam 84 pranchas. O interesse despertado no público fez que Bardi organizasse um
clube de arte para crianças de 5 a 12 anos; um curso de história da arte para estudantes de
ginásio e colégio com atribuição de bolsas de estudo para os melhores, que lhes permitisse ir
à Europa; cursos para estudantes universitários, em colaboração com professores da

91
“A atribuição do primeiro prêmio da I Bienal à obra “Unidade Tripartida” de Max Bill, é prioritária para a
compreensão do discurso que se constrói durante a época. A eleição de uma escultura elaborada a partir de
técnicas industriais e em aço inox, material prioritariamente industrial, como primeiro prêmio da exposição que
viria a ser posteriormente uma das mais importantes no calendário de artes no país, enfatiza sobre quais
pressupostos criativos deverão orientar a produção artística local: uma arte capaz de relacionar-se com os
materiais e processos pertinentes ao ambiente industrial. Bill encarna as qualidades do artista moderno, capaz
de extrair as qualidades plásticas do conhecimento das propriedades dos materiais” (Cara, 2010: 56).

138
Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo; cursos para professores de desenho;
cursos para associações e escolas etc” (2006: 17).

Em um primeiro momento, então, Bardi idealizava montar uma escola que formasse
especialistas em teoria e história da arte, a fim de formar quadros de trabalho para os museus.
Em um documento depositado nos arquivos do MASP, encontra-se uma lista com nomes que
Bardi pretendia convidar a participar do que ele chamava de Instituto di Teoria e Storia
del’Arte in São Paulo. Entre os nomes92, constam intelectuais de diversas áreas. Por razões
desconhecidas, esse projeto não chegou a ser realizado. Segundo Leon, “não se sabe porque o
projeto da escola foi abandonado” (2006: 20). Todavia, “ao abrir mão do Instituto de Teoria
e História da Arte, Bardi teria encontrado missão maior para o Museu: a possibilidade de
intervir no mundo da indústria ao propor uma escola de desenho industrial” (idem: 23).

O Instituto de Arte Contemporânea do MASP

Concebido em 1950 por P. M. Bardi, LBB e pelo arquiteto suíço Jacob Ruchti93, o
Instituto de Arte Contemporânea funcionou de março de 195194 até o fim de 1953, nas

92
A lista de nomes, tal como reproduzida por Leon: “Lina Bo Bardi, Pietro Maria Bardi, Rodrigo de Mello
Franco, Anísio Teixeira, Gilberto Freyre, ... Gonzalves, Teixeira Leite, Pierre Verger, Germain Bazin, Jenny
Segall, Isai Leirner, Sacks, Ernesto Wolff, Landman, Baldus, Darcy Ribeiro, quell’ungherese (talvez Thomas
Farkas), Marques, Aloysio, Krautmann, W. Pfeiffer, Eric Stickel, Hugo Goutier, Scioletti, Cascudo, ... Moreira
Leite, Mariano, Mendes Caldeira, Arq. Saia, Mugnaini, M.C. Franco, Jayme Maurício, Don Clemente, quell
del... Velasq, Pedro Manuel, Geraldo Ferraz, Lourival Gomes Machado, Clarival Valadares, Wang, Moreira
Salles, quell i Atena, Quirino Silva” (2006: 19-20).
93
Formado em arquitetura pelo Mackenzie, o filho do arquiteto suíço Frederico Ruchti (que chegou ao Brasil em
1919, contratado pela família Klabin) Jacob Ruchti (1917-1974), teve um papel fundamental na discussões sobre
arquitetura moderna, durante os anos 1950, na capital paulista. Ainda durante a graduação, Jacob freqüentava os
encontros promovidos por Rino Levi e Gregori Warchavchik com artistas estrangeiros de passagem pela cidade.
Segundo Acayaba, “essas reuniões eram organizadas por Mina Klabin, esposa de Warchavchik, durante as
décadas de 30 e 40. Artistas de diferentes áreas se encontravam, trocavam idéias. Pintores e arquitetos como
Aldo Bonadei, Alfredo Volpi, Emílio Di Cavalcanti, João Vilanova Artigas e Eduardo Kneese de Mello faziam
parte dessa confraria. Num desses saraus, Miguel Forte e Jacob Ruchti conheceram Mies van der Rohe e
Philipp Johnson” (Acayaba, 1994: 32). Entre 1937 e 1939, Jacob participou dos Salões de Maio, um dos eventos
culturais da capital paulista que abriam espaço para os artistas modernos exibirem seus trabalhos. Em 1941,
Jacob publicou na Revista Clima (dirigida por Lourival Gomes Machado, Alfredo Mesquita, Antônio Candido
de Mello e Souza, Décio de Almeida Prado e Paulo Emílio Salles Gomes) o artigo “Construtivismo”, em que
buscava apresentar as idéias do movimento construtivista, que se esboçava em São Paulo, e que tinha por
premissa um novo tratamento formal do espaço, em que a expressão artística se afastava de uma intenção

139
instalações do Museu de Arte de São Paulo95 e “foi uma das primeiras instituições a oferecer
uma disciplina de desenho industrial96 no país” (Stolarski, 2006: 220).

Em julho de 1950, o “Diário de São Paulo” publicou um edital do MASP que


anunciava a abertura de inscrições de alunos para o IAC. Em informes do museu, os objetivos
da escola eram declarados das seguintes formas: “O Instituto de Arte Contemporânea é uma
iniciativa do Museu de Arte de São Paulo. Tem por objetivo incrementar o estudo e as
pesquisas no terreno das artes aplicadas. Adota uma orientação nitidamente contemporânea.
Procura orientar a produção industrial, a fim de que seus objetivos, de uso comum e de

representativa e do confinamento à superfície, para ocupar o espaço. Nesse sentido, as idéias de Ruchti se
deixaram influenciar diretamente pela arquitetura orgânica proposta por Frank Lloyd Wright. Em 1947, Jacob e
seu parceiro Miguel Forte estiveram durante seis meses nos Estados Unidos, a fim de conhecer a arquitetura
contemporânea. Visitaram Los Angeles conhecer as casas de Richard Neutra em Palm Springs, Boston para ver
as obras de Marcel Breuer e Walter Gropuis, Lincoln, onde foram recebidos por Alexander Calder, Chicago,
onde conheceram o Institute of Design, dirigido na época por Serge Chermayeff, e visitaram as Prairie Houses
de Frank Lloyd Wright, Nova Iorque, onde reencontraram Philipp Johnson, que dirigia o Museu de Arte
Moderna, e preparava uma grande exposição de desenho industrial, Wisconsin, onde passaram quatro dias na
Taliesin East, de Wright, Arizona, onde conheceram a Taliesin West. No mesmo ano, também estiveram nos
EUA os arquitetos Salvador Candia, ainda estudante, e João Vilanova Artigas, que, envolvido no processo de
reorganização do curso da FAU-USP, tinha por objetivo conhecer os cursos de arquitetura daquele país, onde
lecionavam à época Walter Gropius, E. Saarinen, Mies van der Rohe, Marcel Breuer, E. Mendelsohn, W.C.
Behrendt e Frank Lloyd Wright. Junto a Miguel Forte, Plínio Croce, Roberto Aflalo, Carlos Millan e Chen Y
Hwa, criou o Branco & Preto, loja e um estúdio de criação de móveis. Inaugurada em dezembro de 1952, a loja
funcionava na Rua Vicente de Carvalho, perto da Praça da República, no centro da cidade. Em pouco tempo,
Jacob e mais três sócios desligaram-se da loja, que continuou a funcionar sob coordenação de Miguel Forte,
Roberto Aflalo e Carlos Millan. Depois do fechamento do IAC, em 1953, Jacob foi contratado pelo comissão do
IV Centenário de São Paulo, como arquiteto chefe. Assim, ele conduziu os serviços de arquitetura interna dos
Pavilhões e da Grande Marquise. A partir de 1956, tornou-se professor da Cadeira de Composições Decorativas
da FAU-USP, onde substituiu LBB, até então professora da disciplina.
94
Nesse ano, surgia, “nos Estados Unidos, a International Design Conference, fórum freqüentado por designers
e homens de negócio e no qual o design era visto como parte integrante do good business” (Leon, 2006: 13).
95
Segundo Rubino, “as atividades do IAC – cursos de fotografia, cinema, dança, música, onde diversos artistas
que depois Lina encontraria em Salvador tomaram parte – terminaram se tornando o estopim e o pretexto para
que o museu, acompanhando a centralidade mutante de São Paulo, se transferisse para a Avenida Paulista.
Quando os mil metros quadrados do edifício da Rua 7 de Abril começaram a se mostrar insuficientes – mesmo
depois ampliados no interior do próprio edifício Guilherme Guinle – para as atividades do museu, Bardi
cogitou sua transferência para as instalações da Fundação Armando Álvares Penteado, no Pacaembu. Após
uma série de desentendimentos quanto à possível fusão do acervo do MASP para a Fundação Armando Álvares
Penteado, o museu retornou ao edifício da 7 de Abril, mas com propósitos mais restritos: o IAC e seus cursos
permaneceram na fundação. Lina nesse momento encontrava-se na Bahia, o que seguramente dificultava essa
ação mais ampliada do museu” (2002: 129).
96
Apesar de reconhecer o caráter precursor do IAC, Stolarski pondera: “A rigor, a primeira instituição a
oferecer um curso denominado “Desenho Industrial” no país foi o Instituto Nacional de Belas Artes, sediado no
Rio de Janeiro, que em 1859 abriu uma classe noturna para os artistas que desejassem aprofundar-se nos
meandros da elaboração de desenhos técnicos para a produção industrial. De qualquer forma, o IAC foi o
primeiro a oferecer o mesmo curso dentro de um escopo e de um contexto bem mais abrangentes” (2006: 247).

140
alcance coletivo, atinjam um nível estético elevado e em coerência com a época atual. Assim,
o Instituto está convencido de contribuir, através das artes aplicadas, para a formação de
uma consciência clara da função social da arte” (Bardi, P. M. apud Leon, 2006).

Em outro desses informes (1950), se propõe que “o Instituto não pretende ser apenas
uma escola de iniciação artesanal e artística, mas um centro de atividades para estudo e
divulgação dos princípios das artes plásticas, visando formar jovens que se dediquem à arte
industrial e se mostrem capazes de desenhar objetos de formas racionais correspondentes ao
progresso: aclarar a função social do desenho industrial, resultando na responsabilidade do
projetista no campo da arte aplicada” (apud Wollner, 2003: 49).

Explicita, também, que o Instituto visa “formar jovens que se dediquem à arte
industrial e se mostrem capazes de desenhar objetos nos quais o gosto e a racionalidade das
formas correspondam ao progresso e à mentalidade atualizada” (MASP, 1950, apud
Enciclopédia Itaú Cultural, 2009). Em torno da escola que se dedicaria à formação de jovens
para a prática de uma arte industrial, havia, para alguns estudiosos do tema, um claro projeto
civilizatório. Para Leon, “tratava-se, portanto, de ensinar bom gosto à nossa elite e àqueles
que deverão servi-la como desenhistas industriais” (Leon, 2006: 30). Assim, a ‘cruzada pelo
gosto’ operacionalizada através dos desdobramentos em torno do MASP, tinha por objetivo
último, segundo Silvana Rubino, “a idéia de oferecer cultivo aos imigrantes italianos na
América do Sul (e não) era nova, mas acalentada desde a década de 1930” (2009: 19).

O curso de desenho industrial do IAC, que, segundo Souza Leite, é a “primeira


experiência de extração modernista voltada para o ensino das artes no contexto industrial”
(2006a: 257) no país, buscava articular arte e indústria, seguindo algumas pistas deixadas por
uma vertente do design britânico, notadamente por Sir Henry Cole97. Leon assinala que Bardi

97
Segundo Leon, “Sir Henry Cole apoiou-se nos instrumentos museu, escola e publicação para divulgar a
necessidade e as regras dos industrial designers. Esta vertente do design britânico foi valorizada por Pierre
Francastel e tem sido estudada nos últimos anos por historiadores que criticam a narrativa de Nikolaus
Pevsner, “Os Pioneiros do Design Moderno”. Personagens subestimados por Pevsner, Sir Henry Cole, Owen-
Jones e Christopher Dresser, iniciaram uma linhagem de design industrial bem distinta daquela que teve, em
última instância, John Ruskin como ideólogo e William Morris como propagador de uma visão e uma prática de
design. Ao contrário do horror expresso por Ruskin com relação à Exposição Industrial de 1851, e aos produtos
gerados pela indústria, Sir Henry Cole saudou não só o conteúdo apresentado no Palácio de Cristal, mas ainda
elogiou os produtos norte-americanos lá perfilados e que ganharam severas críticas da imprensa da época.
Cole bateu-se pela abertura de museus ao grande público e pela fundação de museus de artes decorativas, como
foi o caso do South Kensington Museum (futuro Victoria and Albert Museum); pela abertura de cursos de artes

141
investia fortemente em uma aproximação do Instituto com os industriais paulistas, o que não
aconteceu. Acreditando que as empresas apoiariam a escola em troca de mão-de-obra
especializada, ele contava com esse incentivo para viabilizar a continuidade de seu projeto,
seja em termos financeiros, quanto em termos de uma complementação do ensino oferecido
aos alunos, que com a experiência direta com processos e materiais industriais, teriam
completada sua formação como desenhistas industriais (2006: 66-67).

Infelizmente, o IAC não conseguiu firmar mais do que um ou dois desses convênios.
Todavia, ali se formaram os primeiros profissionais que se auto-denominavam desenhistas
industriais. No artigo que lançava o Instituto, publicado no terceiro número da revista Habitat,
Jacob Ruchti explicitava que tipo de profissional se pretendia formar: “o desenhista industrial
é uma das personalidades mais importantes da vida moderna, porquanto é de sua capacidade
e formação que depende todo o aspecto físico da nossa civilização. O desenhista industrial é
o artesão do século XX... tem por ferramentas as máquinas da indústria moderna... Mas não
são apenas as máquinas que influem na forma de um projeto produzido industrialmente – a
forma de um objeto depende também da função a que se destina, do material que vai ser
executado e finalmente da inteligência, da cultura e da imaginação do desenhista industrial,
que coordenará todos esses fatores no seu projeto” (apud Acayaba, 1994: 36).

Assim, o objetivo do curso era formar profissionais capazes de atuar de forma crítica
e competente em projetos de desenho industrial. Uma escola de arte, que seguia uma
orientação moderna, buscando capacitar os alunos a lidar, de forma equilibrada, com as
dimensões técnicas e artísticas do design e que propunha uma conceituação de design bastante
ampliada. Além disso, junto ao curso de desenho industrial, foram criados cursos de moda e
propaganda & marketing. O curso contava com vinte e cinco alunos, selecionados, através de
testes, entre duzentos candidatos. Entre os alunos98, em sua maioria bolsistas, podemos citar

industriais como o Department of Practical Art do Museu, como parte da educação do público e ainda
encorajou a criação de revista sobre artes aplicadas, o Journal of Design Manufacturers” (2006: 32).
98
“O IAC teve duas turmas de alunos, uma em 1951 e outra em 1952. Entre 1952 e 1953, as duas turmas foram
unificadas e, em 1953, quando a escola contava com 10 alunos apenas, fechou” (Pereira, 2009: 77). Assim, “os
alunos do IAC não tiveram oportunidade de ser diplomados pelos cursos que fizeram, seja pelo fato de a escola
não ter sido organizada nos moldes universitários, ou por ter encerrado suas atividades de forma tão precoce.
Entretanto, quando se olha a produção de desenhistas industriais ou de profissionais envolvidos no campo das
artes e da arquitetura, sobretudo em São Paulo, a partir do início da década de 1950, constata-se que muitos
dos que tiveram destaque nestas áreas iniciaram seu aprendizado e sua sensibilização para estas esferas de
atuação a partir do IAC, pelas mãos do seu diretor P.M. Bardi e demais professores envolvidos” (2009: 80).

142
os nomes de: Alexandre Wollner, Antônio Maluf, Aparício Basílio da Silva, Carlos Galvão
Krebs, Emilie Chamie, Estella T. Aronis, Glória Nogueira Lima, Irene Ivanosky Rucchi,
Isolde Brams, Lauro Pressa Hardt, Lígia Fleck, Ludovico Martino, Luiz Hossaka, Marion
Koch, Maurício Nogueira Lima, Virgínia Bergamasco, Yone Maria de Oliveira.

Segundo Acayaba, a estrutura do curso era dividida em duas etapas: na primeira


delas, o aluno recebia formação básica que envolvia conhecimentos técnicos, artísticos e
culturais99, organizados em torno de seis disciplinas: História da Arte, Elementos de
Arquitetura, Conhecimentos de Materiais e Processos Técnicos, Desenho a Mão Livre e
Pintura e Geometria Descritiva, além de cursos livres de Sociologia e Psicologia Aplicada à
Arte. Na segunda etapa, esses conhecimentos eram aplicados em projetos, que podiam ser
desde equipamentos industriais, até peças de comunicação visual.

Já Pereira afirma que “o curso foi dividido em três etapas de formação: curso
preliminar, cursos especializados e cursos complementares” (2009: 71). Referenciando-se a
partir da pesquisa de mestrado de Leon (2006), ele observa que essa autora ressalta que o
curso preliminar, que objetivava criar as bases para os cursos de especialização, era
obrigatório a todos os alunos. Nesse sentido, seria bastante assemelhando aos modelos dos
cursos básicos da Bauhaus e dos VKhUTEMAS100.

99
Segundo Acayaba, “essa primeira etapa, semelhante a qualquer curso de arquitetura, visava à formação de
desenhistas industriais com a mentalidade de arquitetos. Isso porque o desenhista industrial deveria trabalhar
da mesma forma que o arquiteto, pois, embora não projetasse prédios, projetaria rádios, automóveis, geladeiras
etc., com o mesmo respeito pelos materiais, pela função e pela técnica, como aquele que o arquiteto empregava
em seus projetos. Para justificar essa orientação, Jacob Ruchti resgatou a célebre frase do arquiteto francês
Auguste Perret: “Móvel ou imóvel, tudo que ocupa o espaço pertence ao domínio da arquitetura.”” (1994: 37).
100
Além das influências da Bauhaus e dos VKhUTEMAS no programa de curso do IAC, Pereira destaca a
influência da presença de Max Bill, do Institute of Design de Chicago e do styling. Sobre Bill, é importante
lembrar que, em 1951, o MASP realiza uma exposição retrospectiva do suíço, e sua escultura “Unidade
Tripartida” recebe o prêmio principal da I Bienal de São Paulo. Mesmo só tendo vindo ao Brasil em 1953, desde
1951 se faz presente no IAC. Naquele período, Bill (segundo Pereira, desde 1947) já estava envolvido com a
criação da Escola de Ulm. Para Pereira, “numa certa medida, esta presença de Max Bill, no Brasil e no IAC
MASP, irá se caracterizar como um vetor da influência dos ideais da Bauhaus e de Ulm e será em muito pela
presença de Bill que terá início o desenvolvimento da arte concreta no Brasil, influenciadora do
desenvolvimento de um certo expoente do desenho industrial brasileiro” (Pereira, 2009: 74). Sobre o Institute of
Design de Chicago, “o que aponta também uma perspectiva de aproximação não apenas com a vertente do
design desenvolvido na Europa, mas também com o transplante do mesmo para os Estados Unidos, tirando
partido das características do avançado processo de industrialização deste país. O arquiteto Jacob Ruchti, em
artigo para a revista Habitat, assim expressa a filiação da Escola de São Paulo: “O curso do IAC de São Paulo
é uma adaptação às nossas condições e possibilidades do célebre curso do Institute of Design de Chicago,
dirigido pelo arquiteto Serge Chermayett, e fundado em 1937 por Walter Gropius e Moholy-Nagy como uma

143
Com duração de um ano, nele constavam disciplinas de História da Arte, Noções de
Arquitetura, Teoria da Forma (com aulas de geometria, teoria do espaço, teoria da cor e da
luz, estudos dos materiais, composição e teoria da construção), aulas práticas de Desenho da
Natureza, Contato e Pesquisa com Materiais, Modelagem, Construção e Aplicação de Cores.
Já o curso de especialização, de livre escolha dos alunos, se organizava a partir do estudo de
temas e materiais: Pedra, Madeira, Metal, Cerâmica, Vidro, Tapeçaria e Tecelagem e Artes
Gráficas e Fotografia (composição tipográfica, técnica tipográfica, publicidade, layout, cartaz,
gravura e fotografia). Além deles, haveria cursos complementares: Evolução do Concreto
Armado, por Pier Luigi Nervi, Arquitetura dos Jardins, por Roberto Burle Marx, e Acústica
na Arquitetura, por Rino Levi (Pereira, 2009: 71-72).

Como lembra Alexandre Wollner, ex-aluno do Instituto, “Jacob Ruchti trouxe para o
IAC, além do programa do curso fundamental de Wassily Kandinsky (ponto, linha, plano),
implantado na Bauhaus, as intenções de Moholy-Nagy para a formação de designers do
Chicago Institute of Design. O corpo docente inicial foi formado por Pietro Maria Bardi
(história da arte), Lina Bo Bardi (design industrial), Jacob Ruchti (curso fundamental),
Roberto Sambonet, um pintor italiano, mais tarde designer renomado na Itália (desenho
livre), Leopoldo Haar (design gráfico), Carlos Bratke (materiais), Flávio Motta101 (história

continuação da famosa Bauhaus de Dessau”. E complementa: “o IAC representa portanto em São Paulo – de
uma maneira indireta – as principais idéias da Bauhaus, depois do seu contato com a organização industrial
norte-americana”” (Pereira, 2009: 74-75). Sobre o styling, Pereira pondera que”o IAC realiza também uma
aproximação com o desenvolvimento de outra vertente do design nos Estados Unidos. Se por um lado
considerou a continuidade da corrente do design de matriz racionalista e funcionalista, que se desenvolve como
desdobramento da Bauhaus a partir de seus ex-professores que migraram para os Estados Unidos em
decorrência do nazismo alemão, também não passará desapercebida ao IAC a outra corrente do design norte-
americano, definida como o styling, cuja maior representação era o trabalho de Raymond Loewy e cujo
formalismo era bastante criticado por aqueles ligados à corrente funcionalista” (2009: 75).
101
Posteriormente, Flavio Motta se torna professor da FAU-USP, onde, segundo Pereira, ele “irá de maneira
decisiva influir na constituição de uma determinada visão do desenho industrial gestada dentro da FAU-USP a
partir do seu Departamento de História. Uma visão em muito compartilhada, entre outros, por Julio Katinsky”
(2009: 78). Com graduação em pedagogia em 1947, Flávio Motta foi assistente de P. M. Bardi no MASP e
ministrou aulas de História da Arte no IAC. Passa a lecionar na FAU-USP no fim da década de 1950, quando
atua também na FAAP, em curso para educadores na área de desenho. Entre os que transitaram entre o IAC e a
FAU-USP, Pereira menciona também Ludovico Martino e Maurício Nogueira Lima. O primeiro estudou no IAC
e se formou na FAU-USP, onde veio também a lecionar. Em 1964, funda em sociedade com Carlos Cauduro, o
escritório Cauduro & Martino, operando até os dias de hoje. O segundo também foi aluno do IAC e a partir de
1953 integra o Grupo Ruptura, que congregava os concretistas paulistas. Em 1957, gradua-se em arquitetura pelo
Mackenzie. Lecionou na FAU-USP, no Mackenzie e nas FAU-Santos e Mogi das Cruzes (2009: 81-82).

144
da arte), Salvador Candia (arquitetura), Roger Bastide102 (sociologia e antropologia),
Roberto Tibau (geometria e desenho técnico), Carlos Nicolaiesky (tipografia), Gastone
Novelli (pintura), Poty Lazzaroto (gravura), ressaltando também Clara Hartok, aluna de
Anni Albers na Bauhaus (tecelagem), entre outros” (2003: 51). Além do quadro docente fixo,
o casal Bardi promoveu a vinda de “personalidades internacionais da efervescente e
participante cultura contemporânea, fora do eixo cultural parisiense” (idem: 51), tais como
Alexandre Calder, Gio Ponti, Le Corbusier, Pier Luigi Nervi, Saul Steinberg e Walter
Gropius.

Sobre as instalações e a dinâmica dos cursos, Wollner conta que “todas as atividades
dentro do MASP e as aulas do IAC tinham características práticas e teóricas básicas, com
poucas informações sobre a atitude profissional, até por não haver no Brasil, na época,
designers ou atividades industriais afins. O professor Leopoldo Haar atuava como cartazista,
Roberto Sambonet, pintor, ensinava expressão artística e a arquiteta Lina Bo Bardi, designer
de várias cadeiras. Todos nos transmitiam exercícios de execução prática, o esboçar dos
projetos, porém sem entrar no processo técnico de execução e produção. Não havia
instalações adequadas de oficinas onde pudéssemos executar protótipos ou imprimir
projetos. Mesmo assim, os exercícios técnicos ministrados por Leopoldo Haar foram muito
importantes para o progresso dos alunos, trazendo influências positivas. Lembro-me
principalmente da evolução de colegas que seguiram na área do design, como Antônio Maluf,
Maurício Nogueira Lima, Estella Artonis, Ludovico Martino e Emilie Chamie” (idem: 53).

Se o IAC declarava filiação à Bauhaus e ao Instituto de Design de Chicago, havia,


segundo Leon, algumas ambigüidades em seu posicionamento. Nesse sentido, a autora afirma
que o IAC funda, no Brasil, um discurso sincrético de desenho industrial (2006: 09). “Bardi
deixou muito claro em seus textos que o universo do design que pretendia abraçar
compreendia o projeto de objetos domésticos, de móveis urbanos e de comunicação visual ou
design gráfico, incluindo aí o design editorial, o cartazismo, a identidade visual e a
sinalização. A proximidade que promoveu entre os cursos de desenho industrial, as

102
Sobre a participação de Bastide no curso, Leon afirma: “Alexandre Wollner diz que Bastide foi responsável
pela introdução de Charles Pierce e de semiótica no IAC” (2006: 46). Segundo ela, Gilberto Freyre teria sido
outro dos conferencistas (2006: idem).

145
iniciativas no campo da moda e também a inauguração da escola de propaganda103
(realizada no mesmo ano da abertura do curso de desenho industrial) mostram que o IAC,
apesar de nas intenções iniciais dizer-se herdeiro da Bauhaus de Dessau e do Institute de
Design de Chicago, construiu uma visão bastante distinta dessas escolas. Além disso, a
escola difundia o trabalho de Raymond Loewy, pai do styling, que seria tão criticado pelos
arquitetos e designers funcionalistas. (...) Enquanto o Institute of Design de Chicago, nos
períodos Moholy-Nagy e Serge Chermayeff dava claro combate ao styling, no Brasil, um
curso de desenho industrial reunia o que seria um anátema para as escolas norte-americanas
e também a futura escola alemã de Ulm” (2006: 55).

Mantido graças a um convênio com a Prefeitura de São Paulo, o IAC durou apenas
três anos. A escassez de recursos teria sido um dos motivos do fechamento do Instituto. Além
disso, o Instituto não conseguiu sensibilizar os industriais para o emprego de desenhistas
industriais. Nas palavras de Acayaba, naquele primeiro momento “houve um grande descaso
pelo design nacional. O objetivo do IAC de formar profissionais capazes de criar uma
linguagem brasileira para imprimir em produtos era inviável porque o mercado não os
absorvia. Aos poucos, as patentes dos produtos internacionais eram adquiridas e desejadas
por uma sociedade eternamente sequiosa do que se produzia fora. O artista plástico, ex-
aluno do IAC, Maurício Nogueira Lima, confirmou: “O curso tentou de várias formas um
contato com a nascente indústria nacional. Mas, não obtendo êxito, voltou-se mais para a
formação cultural dos alunos, e a única forma de design possível na época, isto é, o
aprimoramento das artes gráficas, tendo alguns de seus estudantes sido pioneiros da
moderna comunicação visual” (1994: 39).

Sem a esperada aproximação com o sistema industrial, os profissionais formados


pelo curso do MASP tenderam a um envolvimento maior com a comunicação visual e com as
artes plásticas. Em um texto publicado na “Folha da Manhã” de 07 de julho de 1984, P. M.
Bardi confessa: “Quando eu mesmo no MASP tentei, em 1950, abrir uma escola de design era
natural que lembrasse de Walter Gropius, a ponto de nos apelidarem de bauhausianos. A

103
A Escola Superior de Propaganda do Museu de Arte de São Paulo, criada em 1951, funciona até os dias de
hoje. Idealizada pelo escritor e publicitário Rodolfo Lima Martesen, recebeu a acolhida de Bardi e Chateaubriand
no MASP, onde funcionou até 1955. Em 1971, a escola foi reconhecida pelo MEC e seu nome foi alterado para
Escola Superior de Propaganda e Marketing.

146
escola se coroou com um significativo fracasso, apesar de contar com professores de mérito e
de comprovada experiência européia, como Lina Bo Bardi e o valoroso Jacob Ruchti. O
fracasso deveu-se à mentalidade dos alunos, salvando-se Alexandre Wollner, todos por
demais ansiosos em se produzir como personalidades autônomas e fazendo prevalecer o eu
que se distingue acima dos outros eus, quase sempre gênios não se considerando gregários
no conceito operativo de Gropius” (1984, apud Wollner, 2003: 73).

Em outro, do catálogo da exposição “O design no Brasil. História e realidade”, de


1982, P. M. Bardi justifica assim o fechamento do Instituto: “Achamos oportuno lembrar que
já em 1950 o Museu de Arte de São Paulo desenvolvia uma ação de ensino, ao abrir a
primeira escola de desenho industrial, dirigida por Lina Bo Bardi. (...) Todos os esforços e
meios foram empregados na década de 50, contando-se com professores como Lina Bo Bardi,
Lasar Segall, Roberto Sambonet, Jacob Ruchti, Gregori Warchavchik, Mecozzi e outros,
organizando até uma exposição do então mestre do setor, o suíço Max Bill. Apesar dos
esforços não foi possível motivar a classe industrial para uma participação mais ativa. O
mesmo se deu quando naquele período de iniciativas inéditas lançamos a moda feminina
brasileira. Eram tempos em que a importação de coisas e de mentalidades do exterior ainda
predominava e liquidava no nascedouro quaisquer tentativas” (1982: 13).

Se, segundo o seu criador, o IAC fracassou, hoje, observando de forma retrospectiva,
alguns pesquisadores o percebem como uma parte fundamental do processo de
institucionalização do design no Brasil. Para Niemeyer, “a despeito da sua breve existência, o
IAC ensejou o estabelecimento do contato com correntes de pensamento que prevaleceriam
no ensino formal de design no Brasil, do qual foi pioneira” (2007: 67). Por isso, foi
fundamental para a conformação de um discurso específico sobre design. Para Souza Leite, se
ali não se cria o design brasileiro, se formula, pela primeira vez, a consciência do papel do
design, e, assim, o IAC colabora, de forma significativa, na “construção de um ideário
autônomo para o design no país” (2006a: 257-258).

Indo na mesma direção, Acayaba afirma que, mais do que tudo, o IAC “contribuiu
para estruturar as bases da atividade do designer no Brasil” (1994: 38). Para Leon, antes do
IAC, não se entendia o design como campo disciplinar e atividade profissional, talvez porque
a produção que começava a ser associada ao design era realizada por arquitetos, artistas ou
técnicos vinculados às empresas. Não havia tampouco um fórum que unificasse todas as

147
atividades realizadas por aqueles profissionais como partes de um mesmo domínio intelectual
(2006: 11). Afinal, se os alunos do IAC não tiveram oportunidade de se graduar, é inconteste
que foi a partir do IAC que se criou um contingente de profissionais auto-identificados com as
questões do desenho industrial, principalmente no contexto paulista. Nesse sentido, é
consenso entre os pesquisadores do design no Brasil que a instituição “balizou e deu sentido à
formação dessa geração pioneira para a compreensão do universo de transformação pelo
qual passava o estatuto da produção artística daqueles anos” (Pereira, 2009: 80).

A presença de Max Bill no Brasil

Os coordenadores do Instituto intencionavam que o arquiteto e designer suíço Max


Bill inaugurasse o curso. Ele não chegou a tempo, mas em 1951, um pouco antes da Bienal, o
MASP montou uma exposição retrospectiva de suas obras. A abertura da mostra coincidiu
com a inauguração do curso, em 01 de março de 1951. Assim, como declara P. M. Bardi,
“segundo um critério do MASP, cada manifestação integrada com exposições, escolheu-se
para o caso uma de Max Bill, naquele tempo o ‘designer’ em evidências na Europa, depois
da experiência da Bauhaus. A presença e as palestras de Bill foram determinantes da
chamada de atenção para a necessidade de iniciativas destinadas a levantar a posição do
design” (1981, apud Leon, 2006: 42). Se considerarmos o depoimento de Wollner, é possível
imaginar o impacto que a exposição teve junto aos alunos: “quando veio a exposição do Max
Bill em 1951, ajudei a montar com o Flávio Motta e aí entendi o que era design, arte para 1
milhão de pessoas” (apud Leon, 2006:42).

Em 1953, finalmente, Max Bill veio ao Brasil, convidado pelo governo brasileiro
para realizar uma série de palestras104, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Nas palavras de

104
Segundo Wollner, “Max Bill realizou duas palestras, uma em São Paulo e outra no Rio de Janeiro. Em São
Paulo, a palestra foi realizada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, em sua sede à Rua
Maranhão, exatamente quando os alunos estavam envolvidos numa greve para forçar a reitoria a contratar o
arquiteto Oscar Niemeyer como professor. A reitoria, por questões políticas, opunha-se a essa contratação. Max
Bill iniciou a palestra descrevendo o seu passeio pela cidade quando, na Barão de Itapetinga, entrou numa
galeria e se deparou com umas colunas enormes atrapalhando o fluxo das pessoas. A galeria a que se referia
era a Califórnia. Disse-me, textualmente: ...me deparo com umas colunas e me pergunto: que merda é essa?
Max Bill, como arquiteto, odiava as obras de Oscar Niemeyer. Na palestra do Rio de Janeiro, afirmou: Sua
arquitetura é uma orgia de desperdício anti-social e falta de responsabilidade perante os construtores e

148
Wollner, “além de receber o prêmio da Bienal, comunicou a formação da Escola de Ulm,
baseada no conceito da Bauhaus. Em encontro com Pietro Maria Bardi, solicitou a
recomendação de um aluno para a escola. Os selecionados para Ulm deveriam ter alguma
experiência profissional, com limite de idade até 25 anos. Esses alunos – a primeira turma -,
além de conhecimento prático para auxiliar no projeto e execução de móveis, teriam de
instalar equipamentos e mostrar preparo intelectual para serem admitidos nos cursos
programados pela escola” (2003: 61).

Bill convidou Geraldo de Barros, que, por razões pessoais, não pôde ir. Entre os
alunos que foram para Ulm, em 1954, estavam Almir Mavignier, Mary Vieira e Alexandre
Wollner105. Mavignier e Vieira se radicaram na Europa, enquanto Wollner retornou ao Brasil
em 1958. Instalado em São Paulo, fundou em sociedade com Geraldo de Barros, Ludovico
Martino, Walter Macedo e Karl Heinz Bergmiller, o Forminform, considerado o primeiro
escritório brasileiro de design (Niemeyer, 2007: 66).

Ainda no ano de 1953, aconteceu a II Bienal de São Paulo, que trouxe ao Brasil
trabalhos dos holandeses Piet Mondrian e Theo van Doesburg, o belga Henry van de Velde,
os alemães Kurt Schwiiers, Vordemberge-Gildeart e Walter Gropius, os russos Kasimir

usuários. Em uma entrevista a um jornal alemão, em 31 de outubro de 2000, ele citou um encontro em que o
arquiteto Le Corbusier, apreciador das formas curvilíneas presentes na obra de Niemeyer, sugeria: Quando
você desenha, naturalmente se inspira no visual das montanhas do Rio (Urca, Corcovado). Não, respondeu
Niemeyer, são curvas das mulheres do meu país. E continuava, justificando: (quero) encontrar outras formas,
que dariam um novo caráter aos prédios, produzir surpresas e sentimentos para os visitantes, nem que seja por
um instante, desviar-lhes dos invencíveis problemas com os quais a vida tortura os homens. Max Bill completou:
o que ficou claro é que também Brasília deveria ser uma obra de arte e uma droga para o povo” (2003: 71).
105
Recomendado por Bardi, Wollner recebeu de Max Bill uma bolsa de estudos. Em janeiro de 1954, por
recomendação de Bardi e Mário Pedrosa, Wollner procurou a diretora do Museu de Arte Moderna do Rio de
Janeiro, Niomar Muniz Sodré, que o apresentou a Simeão Leal, alto funcionário do Ministério das Relações
Exteriores. Leal viabilizou as passagens aéreas que levaram Wollner e sua esposa até a França. O embaixador
Vicente Rao, também do Ministério das Relações Exteriores, concedeu a Wollner um passaporte especial e uma
ajuda de custo. Em 1956, Niomar Muniz Sodré articulou junto a Capes uma bolsa de estudos para Wollner. Em
contrapartida à bolsa, Wollner se comprometera a colaborar com a criação de uma escola a ser sediada no MAM-
RJ. Em suas palavras, “em 1953, quando Max Bill recebeu o prêmio internacional da I Bienal de São Paulo,
Niomar, como diretora do MAM do Rio de Janeiro, comprou uma escultura sua; desde então, ficou muito
interessada no projeto da escola de Ulm, ajudando-me inclusive em minha ida à HfG. Em 1956, ela visitou a
escola na Alemanha e ficou penalizada com a minha situação de estudante pobre vivendo da parca bolsa de
cinqüenta dólares. Prometeu então agiria junto ao Capes para que eu recebesse um auxílio melhor. Ela
conseguiu e me comprometi a envolver-me, quando voltasse ao Brasil, no projeto de uma escola de design,
planejada dentro do conceito da HfG. No mesmo ano, encontrei o poeta concreto Décio Pignatari, que veio
visitar Ulm quando estava em Paris como bolsista; nessa ocasião apresentei-lhe Eugen Gomringer, poeta
concreto suíço nascido na Bolívia e secretário pessoal de Max Bill” (Wollner, 2003: 97).

149
Maliévitch, El Lissitzky, Alieksandr Rodchenko, Naum Gabo-Pevsner e Wassily Kandinsky,
os suíços Max Bill, Marcel Wyss, Fritz Glasner, Richard Paul Lohse, Hans Arp, Camile
Graeser, Paul Klee e Verena Loewnsberg, e um grupo de artistas radicados na França,
Auguste Herbin, Robert Delaunay, François Morellet, Pablo Picasso, Georges Vantogerloo,
Marcel Duchamp e Victor Vasarely, os italianos Gino Severini, Giacomo Balla e Lucio
Fontana, e os ingleses Bridget Riley, Ben Nicholson e Henry Moore.

Segundo Souza, em sua passagem pelo Brasil, Max Bill terminou por deflagrar, com
suas declarações sobre a arquitetura brasileira feitas à imprensa local, uma significativa
polêmica quanto ao caráter moderno da arquitetura praticada no país sob esse signo.
Criticando as obras de Oscar Niemeyer, que ele considerava de um barroquismo excessivo,
expunha o grande receio com que percebia a influência de Le Corbusier na arquitetura
moderna. Apesar de poupar em suas críticas os arquitetos Affonso Eduardo Reidy e Lucio
Costa, rejeitava as concessões figurativas e o formalismo encontrado em grande parte do que
viu por aqui, considerando que essas características distanciavam a produção arquitetônica
brasileira do que poderia se considerar moderno (Souza, 1996: 260).

Por razões óbvias, as opiniões do suíço não tiveram uma boa recepção junto àqueles
ligados à arquitetura moderna no país. O seu elogio ao trabalho de Burle Marx, Costa e Reidy
não foi suficiente para evitar o embate. Assim, rapidamente se espalhou, em meio ao campo
da arquitetura moderna brasileira, uma reação ao posicionamento de Max Bill. Segundo
Nobre e também segundo Souza, ela se formalizou, de forma mais consistente, na “reação
orgânica, enérgica e ordenada às críticas de Max Bill [que] veio do melhor teórico da
arquitetura brasileira: Lucio Costa” (Souza, 1996: 264).

Publicada na Revista Manchete de 04 de julho de 1953, a resposta de Costa inicia


assim: “Quando a arquitetura brasileira contemporânea se tornou conhecida num mundo
ainda ferido e embrutecido pela autoflagelação da guerra, a sua graça desprevenida e
pacífica – onde a intenção plástica e o sentido funcional se casam harmoniosamente –
pareceram anunciar nova era propícia, na qual a arte retomaria, ainda uma vez, o comando
da técnica. Com o correr dos anos, porém, a nossa experiência arquitetônica passou a ser
encarada e alguns meios ainda afiliados ao funcionalismo purista da primeira fase do
modernismo com certa reserva, senão mesmo, acentuada prevenção. (...) As reações
externadas por Max Bill, ou melhor, os seus preconceitos, pois já os trazia consigo quando

150
embarcou, são típicos desse estado de espírito prevenido. Deve-se ter porém presente que o
conhecido artista não é, a rigor, nem arquiteto, nem pintor ou escultor, mas sim,
fundamentalmente um delineador de formas (designer) cujo campo de ação não se limita
contudo apenas às aplicações de sentido funcional e alcance utilitário, mas se estende
igualmente à procura de harmonias formais geometricamente geradas sob o patrocínio
pessoal, diga-se assim, da sua inspiração. Se a ação dele se limitasse a essa valiosa
contribuição – da qual já resultaram belíssimos achados – estaríamos todos de acordo.
Sucede porém que, empolgado pelo jogo engenhoso e sedutor do ritmo e da harmonia
plástica in abstracto, incide, quase pontifica, em grave equívoco, pois o objetivo fundamental
da arte não se pode limitar apenas à concretização de harmonias formais aplicadas ou idéias
vinculadas ou não ao número, mas deve consistir principalmente na criação de formas
significativas, em função de uma determinada intenção, interessada ou gratuita, e através das
quais a nossa paixão humana se manifesta. (...) O alegado divórcio das artes é tão artificial
quanto sua fusão. (...) A questão é porém fundamental e no modo de encará-la está a chave
da divergência que nos afasta agora de Max Bill” (apud Souza, 1996: 264-265).

Segundo Lucio Costa, na ‘visão estreita do mestre de Ulm’, o barroquismo atribuído


a Niemeyer tem “legítima e pura filiação nativa, que bem demonstra não descendermos de
relojoeiros mas de fabricantes de igrejas barrocas” (idem: 267). Concluindo, ele afirma que
“no mundo mecanizado de hoje é desejável que tais diferenças venham à tona a fim de
neutralizar um pouco a generalizada uniformização” (idem). Para Souza, essa polêmica
instaura no país um dissenso entre a moderna arquitetura e a arte concreta, que vai ser
fundamental para a compreensão das futuras bases a partir das quais se instituem os modelos
de ensino de design na FAU-USP e na ESDI. Ainda segundo Souza, foi “em conseqüência
dessa polêmica do início dos anos 50, [que] a ESDI, devido a seus vínculos com Ulm, foi
vista com desconfiança por muitos arquitetos” (1996: 269).

Nesse sentido, Nobre atenta para “o lugar subalterno atribuído à atividade do


design” (2008: 21), na argumentação de Lucio Costa, “em que se pode reconhecer uma visão
ainda presa à concepção tradicional de Belas-Artes, pela qual se confere lugar
hierarquicamente superior às artes ditas “maiores” – arquitetura, pintura, escultura” (idem:
22). Assim, “o veto então imposto por Lucio Costa à equiparação do design à arquitetura
torna-se particularmente intrigante, na verdade, quando se considera a relação de
complementaridade amplamente difundida pelo Movimento Moderno, desde a Deutsche

151
Werkbund (Liga Alemã do Trabalho), pelo menos, entre aquelas duas atividades projetuais,
em seu engajamento comum num projeto mais amplo de transformação social.

Ora, conquanto aparentemente incoerente, é de se suspeitar que a postura de Lucio


Costa nesse episódio tenha sido guiada antes de tudo pelo propósito de abafar as severas
críticas de Max Bill, e, com isso, atingir um duplo alvo: de um lado, desautorizar a arte
concreta (da qual Bill era um dos mais destacados expoentes), e conseqüentemente esvaziar
as primeiras reações contrárias à produção de artistas integrados desde a primeira hora ao
projeto costiano de modernização cultural, como Portinari e Di Cavalcanti. De outro lado,
manter o lustro com o qual se apresentava coletivamente a arquitetura moderna no Brasil,
bem como a aparência de coesão e consenso sustentada publicamente desde a decisão de
articular uma equipe para projetar o Ministério da Educação” (idem).

Para Nobre, a partir dessa polêmica colocam-se algumas questões fundamentais para
os desdobramentos da produção da arquitetura e do design no país. Entre elas: “até que ponto
nesse mesmo meio se insinua com esse episódio uma crise que, se não chega a se efetivar,
torna ainda mais densa de significado a manobra ágil pela qual se consegue rebaixar a
crítica estrangeira a deficiências derivadas de uma suposta incompreensão de seu
signatário? Em que medida a resistência à crítica de Bill denuncia uma insubmissão a
pressupostos universalizantes estabelecidos desde um ponto de vista germânico – e como tal,
estranho à “latinidade básica da cultura intelectual das elites brasileiras”, conforme
assinalou Gilberto Freyre – ou uma dificuldade de seguir sustentando uma formulação do
moderno que havia conseguido se impor nas duas décadas anteriores, mas não resolver
impasses e contradições constituintes?” (idem: 23-24).

Segundo ela, “para responder a tais questões seria preciso inicialmente reconhecer
o papel decisivo que coube a Max Bill tanto no sentido de abrir caminho para o concretismo
– lançado um ano antes em São Paulo, com o manifesto do grupo Ruptura – quanto por
acionar uma discussão mais ampla em torno do problema que constitui, no Brasil, a própria
concepção de industrial design – i.e., o projeto industrial, como um modo de pensar o projeto
necessariamente reportado ao modo de produção da indústria. E deve-se ressaltar que não só
Max Bill personificou, provavelmente pela primeira vez no país, a figura profissional do
designer, como foi dos contatos com a diretoria do recém-criado Museu de Arte Moderna do
Rio de Janeiro que ficou a semente da ECT/Escola Técnica de Criação, a qual deveria

152
funcionar no bloco-escola do museu segundo os moldes da HfG/Hochschule für Gestaltung –
criada quase simultaneamente em Ulm, Alemanha, e em cuja concepção o próprio Bill
encontrava-se já envolvido quando de sua passagem pelo Brasil” (idem: 24).

A partir dessa polêmica, percebe-se claramente as concepções em jogo durante os


anos 1950, quanto às possibilidades de uma relação mais aproximada entre arte e indústria. Se
notarmos que, em São Paulo, através da revista “Habitat”, LBB (sob o pseudônimo de
Alencastro) defende Max Bill, podemos especular, conforme aponta Nobre, que nesse debate
esboçam-se “diferenças significativas na maneira pela qual se concebe o design nos anos
1950 no Brasil” (idem: 26), notadamente a partir das reações diferenciadas às provocações de
Bill, seja por LBB, seja por Lucio Costa. Se a arquiteta italiana tenta, naquele momento,
“acionar uma possível circularidade entre arte-arquitetura e indústria” (idem), Costa
“parece mais propenso a desacreditar justamente de um dos tópicos próprios à formulação
da modernidade em arquitetura, anunciando o que poderia ser entendido como um certo
desprendimento da produção local com relação às suas raízes européias” (idem).

É importante mencionar que nessa discussão está em jogo também um deslocamento


do racionalismo de matriz francesa (via Le Corbusier) para um outro racionalismo, de matriz
germânica (via Max Bill e a Escola de Ulm, o que envolvia, por extensão, também a
Bauhaus). Além disso, se somava uma aproximação crescente com o pragmatismo e a
exacerbação da lógica de consumo de matriz norte-americana (idem: 35).

O que intriga a autora é que, a partir desse episódio “se tenha constituído duas
histórias separadas entre a arquitetura e o design no Brasil, como se fosse possível ignorar a
relação entre o momento em que o design se coloca como questão no Brasil com o próprio
curso da arquitetura moderna no país” (idem: 27). Para Nobre, a interlocução indireta (idem:
28), tem por conseqüência a “manutenção de uma visão distorcida do design tanto quanto da
arquitetura” (idem). O que se coloca de forma problemática através desse debate é a relação
arquitetura-indústria em um contexto como o brasileiro da época, tão pouco preparado para a
atividade industrial. Nessa discussão, Nobre atenta para as diferentes “respostas dadas no
Brasil à convocação ulmiana” (idem: 29), convocação que pretendia abarcar, através do
design, da colher à cidade, em uma proposta de construção de uma nova civilização, em que
“o artista tenderia a se converter numa espécie de designer superior, pesquisador de formas
a serem aproveitas pela indústria” (idem: 31).

153
É no espaço das diferenças quanto às possibilidades de articulação entre arquitetura-
arte-indústria-design-Brasil que se configura um campo específico para a atividade de design
no país. Assim, como afirma Grace de Freitas, “tratando-se de dois teóricos contemporâneos,
o debate que se travou entre Lucio Costa e Max Bill não deixou de trazer conseqüências em
termos do contexto artístico brasileiro. Ainda que separados por nuances, aproximam-se em
torno de uma mesma visão: a indústria, as novas tecnologias e a ciência, o privilégio do
abstrato e a recusa do ornamento” (2007: 18).

A discussão provocada por Max Bill tem a ver também, conforme assinala Amaral,
com a dimensão social da arquitetura e da arte, em sua relação com o programa moderno. A
reserva do suíço para com algumas das realizações da arquitetura moderna brasileira tem a ver
com o fato de elas estarem, a seu ver, pouco vinculadas às questões relacionadas à
responsabilidade social do arquiteto (2003: 301). Para essa autora, “sua conferência não
levantou apenas polêmica e ressentimentos, mas talvez haja sido o início de uma postura do
arquiteto brasileiro que, em processo de auto-defesa, rejeita o diálogo com arquitetos
contemporâneos do mundo exterior, o que, realmente, só ocorre entre nós excepcionalmente,
através de raras personalidades” (idem: 302).

Em torno desse episódio, confrontam-se e diferenciam-se as perspectivas de


diferentes grupos de profissionais ligados à prática de atividades projetuais segundo um
paradigma moderno. Se até então podemos considerar que há um território comum entre
diversos agentes posicionados dentro de um campo associado ao projeto moderno, entendo
que a partir daí inicia-se um processo mais explícito de distinção e diferenciação entre uma
modernidade que se expressa através da arte, da arquitetura e/ou do design.

Se esse não é um fenômeno linear, visto que tais processos de diferenciação seguem
acontecendo, de forma mais ou menos difusa e intermitente, a polêmica em torno das
declarações de Max Bill marca de forma capital os contornos através dos quais se orienta tal
processo de distinção. Assim, se esse é um episódio-chave para a compreensão de diversos
desdobramentos futuros dentro e fora do campo do design, é fundamental considerá-lo
quando se busca compreender as idéias que nortearam a estruturação desse campo
profissional no país.

É importante mencionar que a presença de Max Bill detona também uma série de
discussões no âmbito da arte. Se a sua presença contribui para a consolidação de uma arte

154
concreta no país, é a partir dela que se ensaiam, já na segunda metade da década, reações que
vão culminar no “Manifesto Neoconcreto”, que propõe o rompimento com uma ‘perigosa
exacerbação racionalista’ presente no concretismo106 .

Outros cursos de artes em São Paulo (FAAP e MAM-SP)

Retornando às tentativas de instauração de um ensino mais diretamente voltado para


a criação e a produção em torno de um contexto industrial, é importante considerar que entre
o fim do IAC e os primeiros anos de funcionamento da Seqüência de Desenho Industrial da
FAU-USP, aconteceu na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) um curso para
educadores na área de desenho, por onde passaram alguns profissionais que participaram das
atividades do IAC e da FAU. Entre eles, se destaca a atuação do Professor Flávio Motta.

106
“A ruptura neoconcreta na arte brasileira data de março de 1959, com a publicação do “Manifesto
Neoconcreto” pelo grupo de mesmo nome, e deve ser compreendida a partir do movimento concreto no país,
que remonta ao início da década de 1950 e aos artistas do Grupo Frente, no Rio de Janeiro, e do Grupo
Ruptura, em São Paulo. Tributária das correntes abstracionistas modernas das primeiras décadas do século XX
- com raízes em experiências como as da Bauhaus, dos grupo De Stijl [O Estilo] e Cercle et Carré, além do
suprematismo e construtivismo soviéticos -, a arte concreta ganha terreno no país em consonância com as
formulações de Max Bill, principal responsável pela entrada desse ideário plástico na América Latina, logo
após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). O contexto desenvolvimentista de crença na indústria e no
progresso dá o tom da época em que os adeptos da arte concreta no Brasil vão se movimentar. O programa
concreto parte de uma aproximação entre trabalho artístico e industrial. Da arte é afastada qualquer conotação
lírica ou simbólica. O quadro, construído exclusivamente com elementos plásticos - planos e cores -, não tem
outra significação senão ele próprio. Menos do que representar a realidade, a obra de arte evidencia estruturas
e planos relacionados, formas seriadas e geométricas, que falam por si mesmos. A despeito de uma pauta geral
partilhada pelo concretismo no Brasil, é possível afirmar que a investigação dos artistas paulistas enfatiza o
conceito de pura visualidade da forma, à qual o grupo carioca opõe uma articulação forte entre arte e vida -
que afasta a consideração da obra como "máquina" ou "objeto" -, e uma ênfase maior na intuição como
requisito fundamental do trabalho artístico. As divergências entre Rio e São Paulo se explicitam na Exposição
Nacional de Arte Concreta, São Paulo, 1956, e Rio de Janeiro, 1957, início do rompimento neoconcreto. O
manifesto de 1959, assinado por Amilcar de Castro, Ferreira Gullar, Franz Weissmann, Lygia Clark, Lygia
Pape, Reynaldo Jardim e Theon Spanudis, denuncia já nas linhas iniciais que a "tomada de posição
neoconcreta" se faz "particularmente em face da arte concreta levada a uma perigosa exacerbação
racionalista". Contra as ortodoxias construtivas e o dogmatismo geométrico, os neoconcretos defendem a
liberdade de experimentação, o retorno às intenções expressivas e o resgate da subjetividade. A recuperação
das possibilidades criadoras do artista - não mais considerado um inventor de protótipos industriais - e a
incorporação efetiva do observador - que ao tocar e manipular as obras torna-se parte delas - apresentam-se
como tentativas de eliminar certo acento técnico-científico presente no concretismo. Se a arte é
fundamentalmente meio de expressão, e não produção de feitio industrial, é porque o fazer artístico ancora-se
na experiência definida no tempo e no espaço. Ao empirismo e à objetividade concretos que levariam, no limite,
à perda da especificidade do trabalho artístico, os neoconcretos respondem com a defesa da manutenção da
"aura" da obra de arte e da recuperação de um humanismo” (http://www.itaucultural.org.br).

155
Assim, Pereira afirma que o curso da FAAP “pode ser entendido como uma espécie de ponte
entre as duas escolas, o IAC e a FAU-USP. Apesar de se tratar de um curso de habilitação
em desenho, ou artes plásticas, havia dentro dele uma abordagem também de conteúdos do
desenho industrial” (2009: 78).

Além de ter passado pelo IAC do MASP, pelo curso da FAAP e pela FAU-USP,
Flávio Motta participou de uma outra escola, criada em 1949, também em São Paulo, a Escola
Livre de Artes Plásticas do MAM-SP. Entre os organizadores do curso, estavam o próprio
Motta, além de Aldo Bonadei, Nelson Nóbrega, Alfredo Volpi, Waldemar da Costa e
Valdermar Amarante. Segundo Pereira, “o objetivo da Escola vem assim expresso: "Fundada
na cidade de São Paulo, em abril de 1949, por um grupo de artistas e graças ao apoio
prestado pelo Museu de Arte Moderna, é a Escola Livre de Artes Plásticas uma instituição
que se destina a orientar as vocações artísticas, dentro de um ambiente de trabalho e de
intimidade com os meios materiais de expressão”.

O folheto informa que já se encontram em funcionamento, com duração de três


meses, os seguintes cursos: Gravura (a cargo do ilustrador e gravador Poty Lazaratto),
Publicidade (a cargo do pintor e cartazista Danilo di Prete e do professor Waldemar
Amarante), Desenho e Pintura (a cargo dos pintores Aldo Bonadei, Alfredo Volpi, Waldemar
da Costa, Nelson Nóbrega e outros artistas convidados), Escultura (entregue aos escultores
Victor Brecheret, Bruno Giorgi e Rafael Galvez) e História da Arte (a cargo de Flávio
Motta). O prospecto segue informando uma intenção futura da Escola: “Além dos cursos
permanentes de Escultura, Pintura e Desenho, que já se acham em funcionamento, a Escola
programou uma série de cursos para os alunos que demonstraram aptidão para as chamadas
artes aplicadas: Publicidade, Tecelagem, Fotografia, Cerâmica, Cenografia, Tapeçaria,
Mobiliário, etc”” (idem: 79-80). Neste caso, evidencia-se um dos possíveis caminhos de
construção de um ensino do desenho industrial, tal qual ele foi ensaiado, em seus primeiros
momentos, no Brasil. Através das artes plásticas, chega-se às artes aplicadas e finalmente ao
desenho industrial (idem: 80).

156
Ensino de desenho industrial na Escola Superior de Artes Plásticas da Universidade
Mineira de Arte

Processo semelhante é observado no contexto mineiro, em torno da segunda metade


da década, com o surgimento de um curso técnico de desenho industrial na Escola de Artes
Plásticas da Universidade Mineira de Arte107 (UMA), instituição criada em 1954, a partir da
reunião de três sociedades artísticas locais (Sociedade Mineira de Concertos Sinfônicos,
Sociedade Coral de Belo Horizonte e Sociedade Cultural Artística de Minas Gerais),
articulada por Clóvis Salgado. Em seu projeto original, a UMA reuniria quatro escolas:
Escola de Música, de Artes Plásticas, de Literatura e Línguas e de Teatro e Ballet. Entretanto,
a direção põe em funcionamento apenas a Escola de Música.

Em 1955, é criada a Escola de Artes Plásticas. Em 1957, tem início, dentro dela, um
curso técnico108 de desenho industrial e comunicação visual. Além desse curso, ali eram
oferecidos cursos de Artes Plásticas (Pintura, Escultura, Gravura), Decoração e Licenciatura
em Desenho. Entretanto, segundo Lapér (1991, apud Santos, 2006: 55), o curso de pintura
teve curta duração e os de escultura e gravura nem chegaram a entrar em funcionamento.

Apesar de a já renomeada Escola Superior de Artes Plásticas (ESAP) da FUMA ter


sido reconhecida como curso superior em dezembro de 1963, entre seus cursos, o único a
receber esse reconhecimento, no primeiro momento, foi o de Licenciatura em Desenho. O
curso de desenho industrial permanece em nível técnico até dezembro de 1968, quando é
reconhecido como de nível superior. Nesse momento, são também reconhecidos como
superiores os cursos de Decoração e Desenho de Publicidade. Quanto ao curso de desenho

107
Depois de certo tempo, a UMA é transformada em Fundação Educacional Universidade Mineira de Arte
(FEUMA) (1963), renomeada, logo em seguida, de Fundação Universidade Mineira de Arte (FUMA) (1964),
nome que manteria por várias décadas (Aguiar, 2006: 47). “Como órgão do Sistema Operacional do Governo e
mantenedora de duas unidades de ensino superior, escolas de Artes Plásticas e de Música, a FUMA ficou
vinculada à Secretaria do Trabalho e Cultura Popular” (idem). Em 1980, passa a ser chamada de Fundação
Mineira de Arte Aleijadinho, que, em 1990, é integrada à recém criada Universidade do Estado de Minas Gerais.
108
A princípio, requisitava-se para ingresso nesses cursos apenas a quarta série do curso ginasial, equivalente ao
atual nono ano do primeiro grau. Somente em 1967, “os cursos de Desenho Industrial, Decoração e Desenho de
Publicidade da Escola de Aperfeiçoamento – ESAP/FUMA foram aprovados e reconhecidos pelo Ministério da
Educação como de nível superior” (Aguiar, 2006: 61).

157
industrial, “em 1969, com a reforma do ensino, o curso foi alterado, oferecendo habilitações
em Desenho Industrial e Comunicação Visual” (Santos, 2006: 56).

O modelo para a criação da escola foi a Bauhaus: “No discurso de fundação da


Escola de Arte Plásticas, o arquiteto Paulo Carlos Campos Christo asseguraria: “Agora nós
estamos nos igualando à Alemanha”, não à de Hitler, mas a da Bauhaus” (2006: 21). Assim,
“as características da Bauhaus alicerçaram a formação do ensino de design em Minas. “A
idéia era congregar uma universidade de Arte não convencional – onde o artista estudava e
revelava seu valor com sua obra – não por diplomas”, esclarece o professor de Psicologia da
Arte, Raymundo Nonato Fernandes. Outra influência forte foi o Expressionismo Abstrato nos
Estados Unidos do pós-guerra. (...) A América do Sul refletiu essa influência, presente nos
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e de São Paulo, e pela Bienal. Tudo surgiu na
década de 50, sob a ascendência do capitalismo americano” (idem: 23-24).

Buscando vincular a criação à realidade do trabalho, o curso da UMA, “o primeiro


currículo da escola privilegia matérias técnicas. O curso de Desenho Industrial tinha uma
carga horária total de 1.770 horas e era concluído após três anos” (idem: 55). Em 1963,
profissionais ligados ao curso levaram para o Museu de Arte Moderna da Pampulha uma
exposição sobre a Bauhaus que rodava a Europa. Visando entrosar a UMA e os meios
empresariais mineiros, Eduardo Lopes, Marcelo Resende e Radamés Teixeira criaram o
Instituto de Pesquisa e Projetos Industriais (IPPI) (idem: 56). Segundo Aguiar, “apesar de o
IPPI ter tido vida curta, seu grande mérito foi esclarecer para a sociedade e,
particularmente, para empresários da indústria, a importância do desenvolvimento da
Desenho Industrial para o Estado e para o País. Dentre sua produção, registra-se, além da
criação de nova concepção de chuveiro elétrico, uma linha de azulejos decorados, o que
projetou o nome da FUMA pelo Brasil” (idem: 59-60).

Vale ressaltar que, se não é o primeiro curso a surgir, nem tampouco o primeiro a
que se reconhece o terceiro grau, o curso de desenho industrial da Universidade Mineira de
Arte109 foi, entretanto, o primeiro oferecido ininterruptamente no Brasil (Aguiar, 2006: 32).

109
Para análises mais detalhadas do curso, ver Aguiar, 2006; Láper, 1991; Ozanan, 2005.

158
Movimentação em torno do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro

É possível estabelecer diversas relações entre o Instituto de Arte Contemporânea do


MASP e o projeto para a criação de uma Escola Técnica de Criação do MAM-RJ. Assim
como o IAC, o projeto para a escola carioca nasce dentro de um museu moderno. E da mesma
forma que aquele instituto, não tem um desenvolvimento de longo prazo, funcionando, ainda
na forma de pequenos cursos livres, por apenas dois anos. No entanto, tal qual a escola de São
Paulo, o projeto de escola do MAM-RJ é fundamental para o processo de institucionalização
do ensino de design no Brasil. Atraindo algumas das figuras que estiveram ligadas ao IAC e
posteriormente à Escola de Ulm, movimentando a cena artística carioca em torno das suas
atividades, é, em grande parte, no MAM que se esboçam algumas das idéias que viriam a
orientar a criação da Escola Superior de Desenho Industrial, em 1962.

O Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, onde se pretendia criar a Escola


Técnica de Criação, foi criado em 1948. Segundo Niemeyer, “a idéia de criação da
instituição surgiu de um grupo formado por empresários e membros da alta burguesia do Rio
de Janeiro, alguns deles ocupando importantes cargos públicos, liderados por Raymundo
Ottoni de Castro Maya. Essas pessoas partilhavam uma visão comum sobre os rumos do país
no que diz respeito à passagem de uma estrutura econômica agrícola e pastoril para uma
etapa industrial. Esse grupo, representativo das classes dominantes, acreditava ser
necessário que a nova etapa, a industrial, tivesse uma expressão formal compatível: uma arte
moderna, uma arquitetura moderna, uma cultura material moderna” (2007: 70).

Em um primeiro momento, o museu foi instalado no último pavimento do edifício


do Banco Boavista – projeto de Oscar Niemeyer na recém-inauguarada Avenida Presidente
Vargas (Nobre, 2010: 113). Foi somente em 1952 que se inaugurou sua sede provisória no
terreno do então Ministério da Educação, localizado no centro do Rio de Janeiro, onde fica até
1957110. Na inauguração do novo espaço, foram expostas algumas obras premiadas na

110
“Em 27 de janeiro de 1958, o Bloco-Escola é inaugurado, com a presença do então presidente Kubitschek. O
prédio torna-se a sede do MAM, recebendo sua parte administrativa, os cursos e as exposições. A primeira
exposição anunciada na nova sede trazia a coleção permanente do Museu, além da representação inglesa da IV
Bienal de São Paulo, com trabalhos de Ben Nicholson e escultores britânicos” (Coelho, 2010: 140).

159
primeira Bienal de São Paulo, ocorrida no ano anterior, entre elas a “Unidade Tripartida”, de
Max Bill, gravuras de Goya, fotografias de Marcel Gautherot e projetos de Sergio Bernardes e
Lucio Costa, entre outros. Naquela ocasião, mais de 47 mil pessoas visitaram o museu em
menos de um ano. Segundo Nobre, “tal sucesso contribuiu para a concretização de uma idéia
que veio ganhando corpo ao longo de 1952: a criação da sede definitiva do MAM” (2010:
113).

Enquanto funcionava provisoriamente no edifício-sede do Ministério, buscava-se


estratégias de viabilização da construção de uma sede própria. Articulou-se a doação de um
terreno no centro da cidade, e o projeto ficou a cargo do arquiteto Affonso Eduardo Reidy111,
de formação modernista. Em novembro daquele ano, a prefeitura doou ao museu um terreno
de 40 mil metros quadrados, em uma porção da Baía de Guanabara que ainda estava por ser
aterrada (idem: 113).

A direção do museu ficou nas mãos de Niomar Muniz Sodré112, diretora-executiva, e


Carmem Portinho113, diretora-executiva adjunta, engenheira responsável pela obra e

111
“O carioca Affonso Eduardo Reidy nasceu em Paris, filho de mãe brasileira e pai britânico, no dia 26 de
outubro de 1909. O avô materno era arquiteto, o pai, engenheiro. Estudante, trabalhou como estagiário e, logo
e, seguida, como assistente do urbanista francês Alfred Agache na elaboração do Plano Diretor da Cidade do
Rio de Janeiro. Formado pela Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), numa época em que o urbanismo era
uma disciplina facultativa e pouquíssimo freqüentada, cedo demonstrou-se senhor de uma forte sensibilidade
urbanístico-arquitetônica. Sua entrega à profissão fez dele um arquiteto completo. Viveu o período heróico da
luta pela modernização da ENBA, sob a direção de Lucio Costa. Diplomado em 1930, foi professor de
Composição de Arquitetura (1931-33), primeiro como assistente de Gregori Warchavchik e depois como titular
da cadeira. Em 1932, funcionário concursado, assumiu o cargo de arquiteto-chefe da Secretaria Geral de
Viação, Trabalho e Obras da Prefeitura do Distrito Federal. (...) A participação em concursos e o trabalho na
prefeitura - onde permaneceu durante toda a sua vida profissional – lhe proporcionaram suas grandes
oportunidades de projetar e construir. Entre 1944 e 1945, ocupou a vice-presidência do Instituto dos Arquitetos
do Brasil. A partir de 1946, passou a responder como arquiteto-chefe do Departamento de Habitação Popular,
criado e dirigido por sua companheira, a engenheira Carmen Portinho. Nos anos que se seguiram dedicou-se à
construção do Conjunto Residencial do Pedregulho e a uma série de outros projetos de cunho social, que lhe
renderam reconhecimento internacional. Em 1948, Reidy inicia a re-elaboração do Plano Diretor da Cidade,
coordenando, entre outros projetos, o Plano de Urbanização do Centro da Cidade, responsável pela
urbanização da esplanada resultante do desmonte do morro de Santo Antônio e pelo Aterro da Glória e do
Flamengo, onde viria a ser construído o MAM. (...) Pelo Conjunto do Pedregulho recebeu o primeiro prêmio de
arquitetura na I Bienal Internacional de São Paulo. (...) Convidado por Lucio Costa, Reidy participou da equipe
orientada por Le Corbusier – formada ainda por Jorge Moreira, Ernani Vasconcellos, Carlos Leão e Oscar
Niemeyer -, que projetou e construiu o edifício do Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro (1937-43),
um marco da arquitetura moderna no Brasil. Nessa época, Reidy tornou-se amigo e admirador de Le Corbusier,
de quem seria, dentre os arquitetos da nova geração, o discípulo mais fiel” (Coelho, 2010: 142-143).
112
Foi diretora-executiva do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e diretora do jornal “Correio da Manhã”.

160
companheira do arquiteto. Iniciada em 1954114 e terminada em 1967, a construção foi
acompanhada por Reidy até a sua morte, no ano de 1964115. O projeto paisagístico foi
realizado por Roberto Burle Marx116. Além disso, faziam parte do Conselho Deliberativo do
Museu, além do próprio presidente da República, políticos, empresários e intelectuais como
Santiago Dantas, Chagas Freitas, Gustavo Capanema, Hélio Jaguaribe, Paulo Bittencourt,
Rodrigo Mello Franco de Andrade, Walther Moreira Salles, Wladimir Murtinho, Raymundo
Ottoni de Castro Maya, entre outros.

No livro sobre Carmem Portinho, Nobre ressalta que “a premissa do MAM era
desvincular-se da arte clássica, do tradicional modelo museológico europeu” (1999: 73). Isso
implicava uma diferenciação face ao Museu Histórico Nacional e ao Museu Nacional de

113
“Engenheira e militante feminista, nasceu em Corumbá (MT), em 26 de janeiro de 1903, mudando-se muito
cedo para o Rio de Janeiro. Militou nas décadas de 1920 e 1930 em prol da conquista feminina e do
reconhecimento profissional das mulheres. Em 1919, participou, com Bertha Lutz, da organização do
movimento sufragista. Atuou na Federação Brasileira pelo Progresso Feminino desde sua fundação, chegando
à vice-presidência. Tomou parte, também, na criação da União Universitária Feminina no ano de 1932. Em
1937, ajudou a criar a Associação Brasileira de Engenheiras e Arquitetas (ABEA) e foi sua primeira presidente.
Na ocasião, a única entidade profissional de classe composta exclusivamente por mulheres. Desde 1925,
começou a dar aulas no Colégio Pedro II. Carmen permaneceu lecionando por mais três anos. Em 1926
formou-se em engenharia civil na Escola Politécnica da Universidade do Brasil, sendo a terceira mulher a se
formar engenheira no país. Ingressou no quadro de engenheiros da Diretoria de Obras e Viação da prefeitura
do Distrito Federal. Ainda na década de 1930, Carmen fez o primeiro curso de urbanismo do país. Poucos anos
depois recebeu uma bolsa do Conselho Britânico para estagiar junto às comissões de reconstrução e
remodelação das cidades inglesas destruídas pela guerra. Voltando ao Rio de Janeiro, propôs e construiu, na
década de 1950, o conjunto residencial Pedregulho, no bairro de São Cristóvão. O projeto arquitetônico foi de
seu marido Affonso Eduardo Reidy, que trabalhava sob sua chefia e que também projetou o conjunto da Gávea,
de cuja execução Carmen foi a engenheira responsável. A construção dos conjuntos habitacionais projetou-a no
Brasil e no exterior como engenheira de renome. Não chegou, porém, a acompanhar até o fim a construção do
conjunto Pedregulho, pois com a ascensão do jornalista Carlos Lacerda ao governo da Guanabara em 1962,
Carmen pediu demissão do serviço público. Assumiu, então, a construção do Museu de Arte Moderna do Rio de
Janeiro (Mam-RJ), também projetado por Reidy. Em 1966, a convite do então governador Francisco Negrão de
Lima, criou a Escola Superior de Desenho Industrial (Esdi), uma experiência pioneira para a época, pois havia
poucas escolas de desenho industrial no mundo. Carmen dirigiu a Esdi por 20 anos, só deixando o cargo
quando a escola foi incorporada à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Em 1987, foi convidada
pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CDNM) a entregar ao presidente da Câmara dos Deputados,
Ulisses Guimarães, ao lado de outras mulheres, a Carta das Mulheres aos constituintes, com propostas para a
Constituição que estava sendo escrita. Casou-se com o arquiteto Afonso Eduardo Reidy. Faleceu em 25 de
junho de 2001” (http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/JK/biografias/carmen_portinho).
114
“Em 22 de setembro é assinada pela diretoria do MAM e pelo prefeito Alim Pedro a escritura com a doação
definitiva do terreno. No dia 9 de dezembro, o presidente da República, Café Filho, firma a estaca fundamental,
formalizando o início da construção” (Coelho, 2010: 140), que se inicia pelo Bloco-Escola.
115
Reidy falece aos 55 anos, “sem ver a conclusão da sua grande obra. O velório do arquiteto ocorre nas
dependências do MAM” (Coelho, 2010: 141).
116
Em 1965 é inaugurado o Aterro do Flamengo.

161
Belas-Artes, “ambos menosprezados como redutos acadêmicos” (idem). Segundo a autora, é
essa visão, caracterizada por ela de ‘excludente’, que subjaz ao “silêncio de alguns dos mais
combativos intelectuais cariocas, modernos por opção e convicção” (idem).

Assim, “não deixa de causar estranhamento o desinteresse com que olhava para o
MAM um influente e ativo grupo de arquitetos envolvidos na consolidação da arquitetura
moderna entre nós. Lucio Costa, Alcides da Rocha Miranda, e mesmo Oscar Niemeyer – cujo
nome chegou a ser cogitado para o projeto definitivo – não chegaram a se aproximar mais
que ocasionalmente da instituição, a partir do momento em que o museu se instalou no
Ministério da Educação. Talvez o mesmo ideal envergado como bandeira da modernidade
por uns, anulasse o interesse dos que relacionavam o conceito de moderno à recuperação da
própria cultura brasileira – caso do grupo de arquitetos reunidos em torno de Rodrigo M. F.
de Andrade no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional” (idem: 74).

É importante notar que no memorial descritivo do projeto, escrito em 1953, Reidy


propõe que o novo museu tenha como premissa “influir decisivamente na melhoria dos
padrões de qualidade da produção industrial117” (2010: 22). Já no memorial, é citada a
Escola Técnica de Criação. “Ainda no pavimento térreo do mesmo corpo, funcionará a
Escola Técnica de Criação. suas instalações compreendem, além dos locais destinados aos
serviços administrativos, salas de aulas e ateliês diversos, laboratório fotográfico, tipografia,
clicheria, encadernação, cantina para estudantes etc” (idem: 24).

Nas palavras de Souza, “durante o desenvolvimento do projeto e da construção do


MAM, seu arquiteto, Affonso Eduardo Reidy, recebeu o prêmio de arquitetura da Bienal de
São Paulo pela obra do Conjunto Residencial do Pedregulho. Participava do júri de
premiação o arquiteto suíço Max Bill, com quem Reidy e, posteriormente, a direção do MAM,
discutiram a criação de uma escola avançada de arte, baseada no ensino do design, de
acordo com as propostas não ortodoxas do museu. Assim, as idéias de uma escola de design
no Rio de Janeiro e a implantação da HfG-Ulm são quase contemporâneas. Esta teve seus
planos iniciados em 1947, estabelecidos em 1953/54 e concretizados em 1955. Em 1956,

117
Nesse contexto, é importante mencionar que “os primeiros trabalhos de design gráfico moderno no Brasil
coincidiram com o final da década de 50 e, coincidência ou não, através da reformulação de dois jornais
cariocas: o Correio da Manhã e o Jornal do Brasil, este por Amílcar de Castro” (Nobre, 1999: 115).

162
Niomar Moniz Sodré Bittencourt, exercendo a direção-executiva do MAM, encontrou-se com
Max Bill na Europa, renovando a disposição de criar a Escola Técnica de Criação, nome que
deveria ser dado ao curso proposto. Tomás Maldonado, que nessa época apenas esboçava as
divergências que o conduziriam a um conflito com a orientação pedagógica de Max Bill em
Ulm, foi convidado para a elaboração de um plano curricular mais objetivo” (1996: 03-04).

Projeto de uma escola de design no MAM-RJ

Assim, o projeto de criação de uma escola de design no MAM-RJ parece ser mais
um dos frutos da passagem de Max Bill pelo Rio de Janeiro (em 1953, o suíço esteve nesta
cidade, logo depois de integrar o júri da II Bienal de São Paulo). Durante a visita, Bill teria
sugerido a criação de uma escola de design no prédio da futura sede do MAM (Niemeyer,
2007: 71). O suíço se impressionara com outro projeto do arquiteto Eduardo Reidy, o
Conjunto Residencial do Pedregulho, de 1948, que fora premiado naquela Bienal.

Segundo Niemeyer, “ao examinar o projeto do MAM, Bill propôs que fossem feitas
algumas alterações para que o prédio pudesse abrigar uma escola com características
especiais: um centro de formação que teria por fim desenvolver nos alunos, por meio de
atividades criativas, qualidades artísticas e geradoras de formas de arte adaptadas aos
aspectos sociais da época. Essa escola seguiria os moldes daquela que ele estava em vias de
implantar na Alemanha, na cidade de Ulm, a Hochschule für Gestaltung (Escola Superior da
Forma, conhecida como Escola de Ulm). Max Bense acreditava que a proposta de Max Bill
de ser criada aqui uma escola nos moldes de Ulm se deu em razão de ele ter encontrado no
Brasil um caráter particular, uma simbiose perfeita de ideologias que favoreciam a
identificação da escola de Ulm com o Rio de Janeiro: o positivismo (JK, Brasília, ordem e
progresso), o místico cultural e, enraizado entre a presença da arte concreta questionando os
valores acadêmicos, em particular da tradicional Escola de Belas Artes” (2007: 71-72).

A proposta de Max Bill teria sensibilizado a direção do museu. A possibilidade do


MAM ter uma ação orientada para o futuro, para além da mera atividade museográfica,
entusiasmou Niomar Sodré, Carmem Portinho e Eduardo Reidy, tanto que em 1953, Niomar
comprou, como diretora do museu, uma escultura do suíço. Desde então, ela ficara interessada

163
no projeto da Escola de Ulm (Wollner, 2003: 97). Em 1956, ela esteve na Europa discutindo
com Max Bill a proposta para a escola no Rio de Janeiro. Segundo Wollner118 (2003: 147), foi
montada uma comissão de trabalho para discutir a formação do curso de design. Dessa
comissão, faziam parte ele, Karl Heinz Bergmiller, Aloisio Magalhães, Maurício Roberto,
Flávio de Aquino e Simeão Leal, entre outros. No entanto, a direção do museu terminou
encomendando a proposta de currículo para a escola ao argentino Tomás Maldonado119 (que
veio a dirigir a Escola de Ulm após o desligamento de Max Bill - de quem o argentino já
divergia em termos da orientação pedagógica a ser seguida em Ulm).

Além da proposta curricular, Maldonado sugeriu que se adequasse o projeto do


bloco-escola do museu às atividades pedagógicas sugeridas em sua proposta. Assim, “paredes
foram derrubadas, fundações reforçadas e construídos escritórios e salas para professores.
Todas as modificações feitas sobre obras já consolidadas, davam a medida da importância
atribuída pelo museu à futura escola” (Souza, 1996: 04).

Segundo Niemeyer, “eles se entusiasmaram com a possibilidade de o MAM ampliar


o dinamismo de seu papel futuro, não se restringindo a coleções e ao equipamento material.
Em vez disso, poderia assumir papel eminentemente ativo e inovador na organização de um
curso inédito na América Latina, que, tratando da antinomia entre a arte e a produção
industrial, ajudaria a resolver os problemas apresentados pelo crescimento do próprio país.
Desde a Bauhaus houve uma associação do design a um projeto de modernidade. Assim
sendo, o curso do MAM visava a formar quadros para atender à esperada demanda de
profissionais que dariam configuração adequada aos produtos oriundos do processo de
industrialização do país, com uma nova estética que expressasse os novos tempos.

Subjacente à proposta do curso estava a de ruptura radical com os padrões do que


se chamava de Belas Artes. Desse modo o Rio de Janeiro se constituía no lugar adequado
para que esse rompimento se fizesse de modo sensível: nesta cidade estava a tradicional
Escola de Belas Artes, originária do início do século XIX. O academicismo e o

118
“Bergmiller e eu, como profissionais formados em Ulm e recomendados por Max Bill e Maldonado, fomos
convocados para participar de uma comissão de trabalho já implantada para a formação do curso de design,
que por questões políticas, seria transferido do âmbito do MAM para o governo estadual” (Wollner, 2003: 147).
119
Tomás Maldonado esteve no Rio de Janeiro em 1956, dando palestras, e 1959, quando ministrou um curso em
colaboração com Otl Aicher, no MAM-RJ.

164
conservadorismo dos seus velhos mestres constituíam num alvo fácil para contestação e
motivo de desprezo dos proponentes do curso do MAM. A proposta de inclusão no MAM da
que seria chamada Escola Técnica de Criação, tendo sido levada à diretoria e ao Conselho
Deliberativo deste museu, foi aprovada e encaminhada para execução.

Em 27 de janeiro de 1958 foi inaugurado o bloco-escola do MAM pelo então


presidente Juscelino Kubitschek, que afirmou, em parte do discurso pronunciado naquela
ocasião, que “uma civilização, que seja ao mesmo tempo técnica e industrial, cujo
crescimento não esteja ligado a uma intensa atividade artística, corre o risco de se deformar.
O choque que a industrialização causa às atividades artesanais de características artísticas
não saberia encontrar compensação sem a cultura de valores estéticos capazes de educar a
mão do técnico e do operário, e assim assegurar a sobrevivência de características de beleza
e de originalidade que, sem isso, estariam fadadas a desaparecer” (2007: 72-73).

A propósito da Escola do MAM, o secretário de Educação e Cultura do Estado da


Guanabara, Flexa Ribeiro, declarou: “Historicamente falando o Brasil atravessa uma fase de
desenvolvimento material acelerado com todos os riscos de uma orientação mal-dirigida que
sempre pode surgir em fases de crescimento rápido. (...) Vemos surgir centenas de empresas
que exigem uma preparação adequada à era tecnológica que se aproxima. Isso implica que
paralelamente a essa ordem de coisas, deva surgir uma formação artística adequada. Não
podemos voltar as costas ao espírito moderno, criador de novas formas, sem perder de vista
a pesquisa de soluções plásticas suscetíveis de solucionar a antinomia entre arte e produção
industrial. Daí a idéia de organizar um museu que seja também uma escola. (...) Não se
objetiva de modo algum tentar o transplante no Brasil de uma ordem determinada de
organização educativa pensada do exterior, mas de construir um centro de preparação
cultural que se proponha a resolver os problemas brasileiros de criação artística, sem no
entanto, perder de vista as fecundas experiências realizadas fora por outras organizações
mundiais de pesquisa” (Discurso de Carlos Flexa Ribeiro na inauguração do Museu de Arte
Moderna, 21 de janeiro de 1958, apud Souza, 1996: 06).

O curso, de nível superior, seria pago, e duraria quatro anos. Os dois primeiros anos
seriam dedicados ao curso fundamental, que, mantida a tradição do trabalho manual nas
oficinas, se dividia em três seções: iniciação visual, métodos construtivos de representação e
integração cultural. A última seção aglutinaria as disciplinas teóricas: metodologia, logística,

165
morfologia, estética, sociologia, história da cultura do século XX, história das técnicas,
antropologia cultural, semântica visual. Terminado o curso fundamental, o aluno escolheria
entre três habilitações, com duração, cada uma, de dois anos: desenho industrial, comunicação
visual e informação.

Enquanto a escola não começava a funcionar, o MAM montou uma série de


exposições, cursos e palestras que envolviam diversos profissionais e professores
estrangeiros, notadamente europeus. Em 1959, Tomás Maldonado e Otl Aicher ministraram
no museu cursos de comunicação visual. Esses cursos tiveram uma grande repercussão. Em
seguida, Aloisio Magalhães e Alexandre Wollner ministraram um Curso de Tipografia
Criativa120. Entretanto, o MAM não conseguiu viabilizar os recursos para o funcionamento da
escola, e, assim, o projeto não foi realizado, naquele momento. Contudo, mesmo que a Escola
não tenha chegado a funcionar, de fato, muitos autores concordam que as articulações feitas
em torno dela forneceram as bases para a criação da ESDI, logo depois.

Relacionando a iniciativa de criação de uma escola como a proposta pelo MAM, a


abertura da ESDI e a construção de Brasília, Souza comenta que idéias como essas eram
típicas do momento por que passava o país, na virada de 1950 para 1960, em que imperava
uma atmosfera de liberalismo político. “Em 1959, em entrevista ao jornalista Jayme
Maurício, do Correio da Manhã, Juscelino Kubitschek definiu algumas das idéias que
dimensionavam o horizonte da elite dessa época: “O Brasil forma um arquipélago que
precisa disciplinar o seu progresso desordenado, transformá-lo num continente unido, sem os
desníveis de riqueza, injustos e remediáveis que um dia poderão ameaçar a própria unidade
nacional. Brasília impõe-se deste modo como um fulcro econômico e cultural, em torno da
qual se deve gerar, disciplinadamente, o processo de desenvolvimento”” (1996: 07-08).

120
Sobre o curso, Wollner comenta que “antes de programar a escola, Niomar Muniz Sodré (diretora do MAM-
RJ) reuniu Aloisio Magalhães – artista gráfico do Recife (com estágio no atelier do gravador e produtor de
livros de arte Eugene Feldman, da americana Falcon Press) - e eu para um curso intensivo de tipografia com
um ano de duração, aproveitando a recente aquisição de equipamentos gráficos pelo MAM. Nesse curso,
inaugurado em março de 1962, tivemos dois alunos que se destacaram: Fernando Campos e Rogério Duarte,
ambos da Bahia. Goebel Weyne, por ser um grande conhecedor da área, nos assessorava. Também foram
convidados para dar algumas palestras, aproveitando suas visitas ao Rio, Karl Gestner, da Basiléia, e Max
Bense, teórico da HfG (...) a intenção desse pequeno curso de tipografia no MAM era instruir a técnica da
gráfica como elemento estrutural e perceptual para a produção de objetos impressos, e a preparação de alunos
qualificados para o futuro curso de design que seria implantado nas dependências do museu” (2003: 145).

166
Quando em 1961, o governo estadual lançou a discussão sobre a criação de uma
escola de desenho industrial, se cogitou utilizar o bloco-escola do MAM, através de um
convênio. Com esse objetivo, Reidy desenvolveu e orçou o projeto de instalação da escola no
edifício do museu. Segundo o acordo a ser firmado, o Estado ficaria responsável pelas obras e
aquisição do equipamento e, depois, passaria tudo para a posse do MAM. Entretanto, a
diretoria do museu decidiu que não mais interessava o convênio com o governo. Segundo
Souza, eles “temiam que a presença do Estado dentro das instalações do Museu, mesmo
diante da realidade dos termos do convênio, se eternizasse, tirando-lhes a liberdade de órgão
autônomo, independente, o que era para eles considerável indispensável” (1996: 18). Assim,
“o convênio não se concretizou e o MAM definitivamente não pôde realizar seu projeto
pedagógico original” (idem). Se a escola não pôde ser criada naquele momento, as pessoas e
as idéias que nortearam a sua proposta continuaram circulando de forma intensa, no circuito
mais amplo em torno do qual se articulava um projeto de modernização para o país.

Movimentação em torno da construção de Brasília

Toda essa movimentação em torno de um projeto de modernização nacional vai


encontrar o seu ápice com a construção da nova capital-federal, projetada por dois arquitetos
modernistas. Assim, o movimento em torno do projeto e da construção da capital é
fundamental para a consolidação de uma visão de modernidade que incluiria a criação de
novos espaços, orientados segundo a perspectiva de construção de uma ‘nova etapa’ para o
Brasil, mais alinhada com as transformações produtivas e sociais delineadas a partir da
Revolução Industrial e, já no século XX, em seguida às duas grandes guerras. Nesse sentido,
Amaral comenta que, “para o país, a implantação de Brasília significou a possibilidade de
abertura de um novo pólo de desenvolvimento e conquistas de espaços internos – o centro-
oeste – com toda a possibilidade de melhor articulação/comunicação entre as diversas
regiões tão distantes, a partir do eixo de encontro centralizado em Brasília” (2003: 303).

Vista de forma negativa, por uns, e de forma entusiasmada, por outros, Brasília
provocou significativos debates em meio à intelectualidade local, mesmo antes de sua
inauguração, em 1960. Além das discussões em torno de um projeto para o país, “Brasília

167
desempenhou papel fundamental para um despertar dos intelectuais e artistas em direção ao
“popular”, não apenas pela confluência obrigatória de todos os brasis com seu pluralismo
cultural na nova capital, como pela conseqüente assunção do peso dos elementos regionais,
não urbanos, que compõem a nossa cultura de massa” (idem: 315).

Para o arquiteto e antropólogo, professor da ESDI, Lauro Cavalcanti, “a construção


da capital, peça-chave no programa desenvolvimentista do governo JK, reeditava uma
parceria do presidente com o arquiteto Oscar Niemeyer, na Pampulha, em Belo Horizonte,
quando Juscelino era prefeito. O político, mais uma vez, buscava superpor os objetivos de
renovação política e arquitetônica: a construção de uma nova estética simbolizaria a
autonomia técnica brasileira, a sua gestão e um caminho exemplar para o desenvolvimento
posterior do país. Projetar uma nova capital para o futuro em região semi-árida, sem
nenhum constrangimento cultural de estruturas já existentes, era a tarefa dos sonhos de
qualquer modernista. Niemeyer preferiu, entretanto, se encarregar somente da parte
arquitetônica, sugerindo o estabelecimento de um concurso para a escolha do plano
urbanístico” (1998: 51).

Venceu o concurso o projeto de Lucio Costa121, que, “na memória justificativa,


busca ‘naturalizar’ o seu projeto e descontextualizá-lo da corrente de urbanismo moderno à
qual estava claramente filiado. Inicia pedindo desculpas, alegando que não pretendia
concorrer mas que a solução lhe surgiu já pronta, portanto óbvia e natural. Preocupa-se em
fornecer referências diversas para elementos típicos de cidades dos CIAMs: as áreas verdes
aludiriam aos lawns ingleses de sua infância; a influência de Le Corbusier é eufemizada por

121
É fundamental considerar que “enquanto as obras de Brasília seguiam, Lucio Costa permaneceria sendo
ainda o Diretor da Divisão de Estudo e Tombamentos do IPHAN até 1972, quando se aposenta da instituição,
tornando-se um consultor extra-oficial permanente” (Rossetti, 2007: 111). Assim, ao mesmo tempo em que é o
principal articulador de uma construção discursiva da arquitetura moderna brasileira (idem), ele está diretamente
ligado às políticas públicas de preservação dos bens culturais de natureza histórica. Dividindo sala com Carlos
Drummond de Andrade na sede do IPHAN no Edifício Gustavo Capanema, ele controla, em âmbito nacional,
tudo o que diz respeito à preservação arquitetônica (idem: 112). O caso de Lucio Costa evidencia o que Bomeny
(1997), citada por Chagas, considera como uma particularidade específica das políticas públicas de preservação
do patrimônio cultural brasileiras, a saber, o fato de que, por aqui, diferentemente de outros contextos, os
agenciadores dessas políticas, responsáveis pela identificação e preservação do patrimônio cultural nacional,
eram responsáveis também por atitudes inovadoras e práticas de vanguarda em suas áreas de atuação profissional
(Chagas, 2002: 96). Dessa forma, os intelectuais modernistas elaboravam um duplo compromisso, entre
preservar as tradições e projetar os caminhos para o desenvolvimento (idem: 97). Chagas comenta ainda o que
Eduardo Jardim aponta como mais uma especificidade comportamental dos modernistas brasileiros, a saber, a
concepção, nutrida por eles, de que a tradição, em um país novo como o Brasil, longe de ser um problema a ser
contestado, era uma oportunidade a ser revelada e construída (idem: 98).

168
uma filiação intelectual francesa que mescla os eixos e perspectivas à “lembrança amorosa
de Paris”. As pistas livres, sem cruzamentos, seriam inspiradas pelas auto-estradas que
havia percorrido em visita recente aos arredores de Nova Iorque. Reivindica, acima de tudo,
a brasilidade e a atemporalidade de seu plano, correlacionando ao passado e ao futuro da
nação; a pureza das linhas remeteria às cidades coloniais, assim como permitiria “inventar a
capital definitiva” do futuro brasileiro” (idem: 54).

Em um momento inicial, a construção da capital teve repercussão bastante positiva,


seja em meio à crítica especializada internacional, seja entre a população do país. Segundo
Cavalcanti, “a nova capital era associada a uma oportunidade para os mais pobres e a um
marco do futuro brasileiro mais rico e mais justo. A correlação de uma ‘griffe’ arquitetônico-
urbanística ao projeto político provou-se eficaz: apoiar a construção de Brasília era
considerado um gesto progressista” (idem: 58). Afinal, ressalta, “o projeto de Brasília era ao
mesmo tempo arquitetônico e social” (idem: 61).

Para Souza Leite, “Brasília é a realização concreta de uma representação do Brasil,


para o todo da população” (2006b: 240). “Nesse sentido, é o fato que marca, que sinaliza
uma mudança no país. Mudança que ocorre no plano da indústria, da infra-estrutura, da
configuração do poder público e, sobretudo, nas relações entre poder público e mercado,
entendido como o complexo produção/consumo” (idem: 239). É em torno da construção de
Brasília, então, que o país se aproxima da idéia de projeto, de planejamento, “no sentido das
representações já vistas do design. Em plano macro, em plano micro, tudo que se sujeita a
uma identificação, a uma definição de propósito, ao dimensionamento real das
possibilidades, que ganha forma e realização está sujeito ao projeto” (idem: 231). Assim,
naquele momento, projeto “viria a ser a dimensão simbólica de Brasília, a se configurar logo
adiante como meta síntese do “Programa de Metas” de Kubitschek” (idem: 232).

Sobre Brasília, AM propõe que, “voltando à convergência do processo histórico,


você vê o seguinte: que houve tudo aquilo que a gente falou, o detonador, o ator, etc. E os
componentes fundamentais. Em primeiro lugar, o acerto do desenvolvimento fundamental de
Brasília, que muitas vezes não é compreendido porque se pergunta: porque Brasília é
racional e cartesiana, quando o Brasil é tropical, espontâneo e barroco? Ela é oposto disso.
Isso é um dos grandes acertos da concepção de Lucio Costa. Ele partiu de um parâmetro
racional para que então se pudesse explicar algo em torno ou com essa linha; com essa ação

169
racional, a espontaneidade de exuberância nossa. E ele já foi, inclusive, capaz de conter isso.
Quando você vê que o racional de Brasília está absolutamente equilibrado ao emocional,
quando ele demonstra o sentido das suas linhas que se cruzam, o espaço que se ocupa. Em
seguida, e ao mesmo nível, você encontra a posição de Oscar Niemeyer. Ou seja, havia os
componentes capazes de síntese, da grande síntese da compreensão brasileira, através da
arquitetura” (1997: 166). Segundo essa visão, “a criação de Brasília é fundamentalmente
importante na direção de um pensamento de convergências” (idem: 258), no sentido de uma
“presença em Brasília de um alto índice de representatividade brasileira” (idem: 260).

Congresso Internacional Extraordinário de Críticos de Arte

Em meio à movimentação em torno da construção de Brasília, realiza-se entre 17 e


25 de setembro de 1959, na futura capital-federal, o Congresso Internacional Extraordinário
de Críticos de Arte, que seguiu também para São Paulo e para o Rio de Janeiro. Organizado
pela Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA) e tendo como organizadores os
críticos de arte Mário Barata e Mário Pedrosa, o congresso, presidido por Giulio Carlo Argan,
contou com a participação122 de “críticos e historiadores de arte estrangeiros como Georg
Schmidt, Jacques Lassainge, André Chastel, Gillo Dorfles, Meyer Shapiro, Romero Brest e
José Augusto França; historiadores de urbanismo, professores e arquitetos como Sir William
Holford, Charlotte Perriand, Raymond Lopez, Richard Neutra, Eero Saarinen, Giulio

122
Não há provas sobre a participação de LBB e AM no Congresso, entretanto, é sabido que grande parte da
delegação esteve em São Paulo em seguida ao evento. É de se suspeitar que LBB e PMB tenham travado contato
com muitos deles, na ocasião. Conforme pontua Rossetti, “a V Bienal Internacional de São Paulo está vinculada
às atividades do Congresso. (...) A Bienal integra o debate dos especialistas e participantes do Congresso que se
deslocaram do sol primaveril do cerrado para o planalto paulista, ampliando o time de críticos envolvidos no
certame. (...) Paralelamente, sob a marquise do Parque havia a exposição “Bahia no Ibirapuera”, organizada e
montada por Lina Bo Bardi” (Rossetti, 2009: 05). Todavia, Rossetti afirma que LBB já havia visitado as obras
de Brasília, ainda antes de sua inauguração (2007: 129). Suzuki ressalta, inclusive, que LBB sempre defendia
Brasília: “Você não sabe, se não fosse Brasília, isso aqui seria uma republiqueta das bananas” (Bardi, apud
Suzuki, 2010: 266). Quanto a AM, se não é possível confirmar sua presença no evento, Souza Leite comenta
sobre “a sua proximidade com essas discussões” (2006b: 243), afinal, ao que tudo indica, AM e Eugene Feldman
estiveram no canteiro de obras da futura capital alguns meses antes do evento, registrando as imagens para o
livro “Doorway to Brasília” (idem: 244), e AM já conhecia Mário Pedrosa (organizador do encontro) desde a
exposição de Cícero Dias na Faculdade de Direito do Recife, em 1948 (idem: 245).

170
Pizzetti, Jean Prouvé, Frederik Kiesler, Douglas Haskell, André Wogensky, Alberto Solari,
Robert Delevoy e Bruno Zevi. Do Brasil, além de Mário Pedrosa, os arquitetos Oscar
Niemeyer e Lucio Costa; e ainda os críticos Flávio de Aquino, Carlos Cavalcanti, Ferreira
Gullar, Fayga Ostrower, Flexa Ribeiro e Augusto Rodrigues” (Souza Leite, 2006b: 240).

Tendo o patrocínio do Presidente da República, com as colaborações da Companhia


Urbanizadora da Nova Capital - Novacap, do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e do
Museu de Arte de São Paulo, o congresso teve como tema central “A cidade nova – síntese
das artes”. A partir desse tema, os trabalhos se desenvolveram em torno das seguintes sessões
temáticas: a cidade nova; urbanística; técnica e expressividade; arquitetura; artes plásticas;
artes industriais; educação artística e situação das artes na idade moderna.

Sobre o congresso, Rossetti pondera que “o congresso é parte da construção


simbólica de Brasília, sendo o gesto mais internacionalizante de exposição da cidade. Ao
trazer especialistas do mundo todo para ver a nova capital em obras, comprova-se a
factualidade de sua existência e globaliza-se o mito, ora em processo de construção”
(2009:05). Durante os três dias que permaneceram em Brasília, os congressistas participaram
das atividades relativas ao evento, mas também, e sobretudo, tiveram a oportunidade de
conhecer a cidade, ainda em construção (idem: 09).

O congresso faz parte, então, do esforço do governo federal em divulgar a nova


capital. Em sua conferência, Mário Pedrosa sintetiza as idéias que nortearam a organização do
evento, idéias que encontravam em Brasília sua maior expressão: “A síntese das artes será o
único corretivo possível ao pessimismo destruidor da arte individualizada de nossos dias, de
impulsos temperamentais românticos e expressionistas muito em voga. O único meio de
reintegrar o artista na consciência da dignidade de uma missão social, ou de reintegrá-lo
numa certa objetividade, é oferecer-lhe, hoje, agora – e não em vagas promessas políticas e
messiânicas de um mundo diferente que não existe ou não é concebível -, todas as condições
necessárias para que ele tome parte, livremente, espontaneamente, em plena liberdade
criadora, numa obra coletiva como a de Brasília.

É que esta obra, para ser levada a cabo, traz em si, como parte integrante do seu
processo criador, um ideal ético sobrepessoal, um ideal social capaz de reunir ao redor dele
todas as forças vivas da cidade. A construção das cidades está, novamente, como na Idade
Média, em ordem do dia. Mas já Mumford assinala como “a grande tarefa das novas

171
gerações é a reconstrução das regiões consideradas como obra de arte coletiva”. Se isto é
permitido, Brasília se apresenta como um problema capital de toda a nossa civilização cada
vez mais mundial. Tem, pois, implicações não só nacionais, mas, certamente, internacionais.
Cabe-vos agora a tarefa de esclarecê-las pois fostes convocados aqui para a colaboração e a
crítica, e não para a apologética” (2004: 421).

Segundo Grace de Freitas, “Brasília, para o crítico, seria o espaço e o lugar para
fazer desabrochar uma cultura regional de linguagem internacional. (…) Essa síntese, essa
nova cidade, estaria na fusão daquilo que a arte de vanguarda do século XX propôs:
proposição de autonomia dos elementos fundantes das linguagens artísticas em integração
estética e ética” (2007: 41). Dessa forma, a arquitetura torna-se partícipe da construção de um
novo mundo (idem: 44). Um novo mundo desejado, idealizado e planejado segundo um
paradigma moderno e industrialista.

Aqui então vale ressaltar a dimensão civilizatória123 com que se estabelecem as


tentativas de instauração do design como campo profissional entre nós. Não somente o
design, mas do design como parte fundamental de um processo mais amplo que envolve a
idéia de modernização via industrialização, urbanização e universalização. Nesse sentido, o
design é percebido, seja por profissionais e intelectuais ligados à arte e à arquitetura, seja por
setores do governo, como ferramenta estratégica no processo de modernização do país.

Esse processo que se desdobra, de forma mais ou menos intensa, durante o século
XX, tem na década de 1950, e de forma mais intensa com a transferência da capital-federal
para uma cidade projetada no Planalto Central do país, seu ápice. Assim, a modernização
industrializante expressa em alguns dos parâmetros constituintes da capital, bem como no,
surgimento de um campo profissional associado à criação de um desenho industrial é
percebida de forma positiva, exercendo fascínio dentro e fora do Brasil.

123
Diversos críticos da história do design no Brasil comentam a dimensão civilizatória que envolve a instauração
de um paradigma moderno seja na arte, seja na arquitetura, seja no design, entre nós. Entre eles, Cavalcanti,
1996, Souza Leite, 2006, Nobre, 2008, Rubino, 2002, Souza, 1996. Alguns notam, inclusive, certas dimensões
utópicas, ingênuas e idealistas na proposta de transformação do mundo social via arquitetura, arte e design.

172
Max Bense e a inteligência brasileira

A frase de Max Bense124, que afirma que “o design como uma modalidade de
mediação da configuração externa do mundo, situado entre a construtividade técnica, a
concepção artística e a produção industrial, significa para a inteligência brasileira uma
parte essencial da idéia de uma civilização futura” (2009: 30), expressa como o design foi
percebido, naquele momento, como uma esperança de renovação (Nobre, 2009: 103), ou seja,
como componente fundamental para a construção de uma nova civilização brasileira.

“Inteligência Brasileira” é o nome do livro publicado originalmente por Max Bense


em 1965, com o título, em alemão, de “Brasilianische Intelligenz Eine cartesianische
Reflexion”, e em cuja capa constava uma imagem do símbolo do IV Centenário do Rio de
Janeiro, desenvolvido por Aloisio Magalhães.

A aproximação de Max Bense com o Brasil se intensificara, inicialmente, através de


um diálogo com o poeta Haroldo de Campos, ao que se seguiu uma série de exposições de
artistas e designers brasileiros organizadas por Bense na Alemanha, bem como uma série de
publicações cruzadas. Assim, enquanto “vários textos de escritores brasileiros iam surgindo,
em alemão, nas páginas da revista “ROT”, editada por Bense em conjunto com Elisabeth
Walther” (Nobre, 2009: 98). “Enquanto isso, textos de e sobre Max Bense começavam a
circular em periódicos brasileiros, por iniciativa de Haroldo de Campos. Os primeiros textos
de sua autoria foram publicados já em 1960 na página semanal Invenção, do Correio
Paulistano, meses depois do mesmo Haroldo de Campos ter publicado dois artigos
introdutórios sobre a estética bensiana em O Estado de São Paulo. Sem dúvida, investia-se,
de parte a parte, no estreitamento de um intercâmbio promissor entre as vertentes
construtivas brasileira e germânica” (2009: 99).

124
“Max Bense (1910-90) nasceu na Alemanha. Foi filósofo e professor. Formulou um pensamento estético de
matriz semiológica e informacional, que incorporou elementos da matemática e da física moderna, presentes em
seu livro Pequena Estética, traduzido para o português em 1971. Estudou física e matemática nas universidades
de Bonn e Colônia. Foi professor de filosofia e semiótica na Hochschule für Gestaltung (1954-58 e 1966).
Esteve no Brasil em várias ocasiões durante a década de 1960 para palestras, conferências e um curso sobre
estética moderna na recém-fundada Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI)” (Bense, 2009: 113).

173
Nobre acrescenta que, “nesse sentido, a série de viagens de Max Bense ao Brasil,
entre 1961 e 1964, deve ser considerada no contexto de uma seqüência de eventos iniciada
dez anos antes com a realização da retrospectiva de Max Bill no Museu de Arte de São
Paulo, e que inclui igualmente as duas vindas deste ao Brasil, em 1953, e o próprio processo
que levou à criação da Escola Superior de Desenho Industrial, em 1963, no Rio de Janeiro”
(idem). Entretanto, segundo a autora, diferentemente de Max Bill, ele demonstra “uma
sensibilidade bastante aguçada em relação ao ambiente cultural brasileiro” (idem).

As visitas de Max Bense ao Brasil foram promovidas pelo Ministério das Relações
Exteriores, através da articulação de Vladimir Murtinho, acontecendo a primeira delas em
outubro de 1961, “com uma programação intensa que compreendia encontros com escritores
mas também com artistas, arquitetos, designers, críticos e músicos, além de visitas à Bienal
de São Paulo, ao Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro e um tour por vários
estados. Era a sua primeira viagem à América. E pelo que se vê, dentre as cidades que
visitou, duas de fato o fascinaram: Rio de Janeiro e Brasília. Por mais que tenha feito
distinções entre elas, não foi isoladamente, no entanto, que ele as viu, senão em função do
seu caráter complementar: a primeira como extensão da natureza, a segunda como extensão
da inteligência” (idem: 100). Em Brasília, Bense foi ciceroneado pelo poeta pernambucano
João Cabral de Melo Neto.

Suas viagens seguintes aconteceram em maio de 1962, outubro de 1963 e setembro-


outubro de 1964. Ao longo dessas visitas125, ele pôde desenvolver o argumento central do

125
Vale mencionar que em uma delas, Bense esteve com Lucio Costa e Clarice Lispector, na casa de Aloisio
Magalhães, como ele conta, no livro: “Uma noite com Clarice Lispector, Lucio Costa e Aloisio Magalhães, na
pequena casa cúbica deste último, localizada no Leme, ao pé das favelas. Lucio não falou sobre Brasília, que
ele projetou, e Clarice não falou sobre os romances que escreveu. Lucio Costa esboçou uma concepção política
do mundo, amparada na racionalidade técnica, e Clarice reinterpretou timidamente, como uma preferência pela
paixão, o seu temor diante da geometria dessa arquitetura. Lucio Costa, sempre em indolente movimento das
mãos que caracteriza aqueles para quem o decisivo são as ocasiões e para quem a criação é apenas uma
interrupção do curso contemplativo da existência; Clarice Lispector com o rosto aberto, puxado para a frente,
uma Nefertite eslava, e com os lábios tímidos e pontiagudos, sobre os quais repousa ainda a força de beijos
distantes. A complexidade intrínseca do Brasil estava presente, a complexidade de uma vida nada doce,
selvagem, nas ruas e praças, na entrada das casas, nos quartos, nos cafés, na areia da praia, na água, entre as
palmeiras, nos bancos e nos ônibus. Emaranhado de todas as figuras e sentimentos existentes entre o Amazonas
e o Rio da Prata. Figuras altas, gordas, pequenas, feias, encurvadas, magras, mortas, vivas, atraentes,
repulsivas e sentimentos profundos, superficiais, simples, concatenados, mortíferos, perversos, satânicos,
risíveis e negros, que ameaçam sufocar, mas dos quais não se origina nenhuma criação. Todos os
acasalamentos, todas as cópulas, todas as separações, todas as perseguições, todos os prazeres, todas as

174
livro publicado em 1965: “a idéia de que a cultura brasileira é caracterizada por dois
componentes básicos: o espírito tropical – que Bense define como orgânico, vital – e o
espírito cartesiano – analítico, lógico, claro -, que aqui encontram-se não em contraposição,
mas em relação dialética. E se o urbanismo de Brasília é tomado como exemplo do segundo –
a ponto de Bense sugerir que se erga ali um monumento a Descartes -, a “quase geometria”
de Bruno Giorgi seria exemplo do primeiro, e Guimarães Rosa, a melhor expressão da fusão
de ambos” (idem: 102). Assim, em “Inteligência Brasileira”, Bense discorre sobre “os
contrastes que envolvem o Brasil: a natureza e a inteligência, a improvisação e o projeto, a
alegria e a melancolia” (idem).

Em sua perspectiva, a idéia de design, “enquanto uma modalidade de mediação da


configuração externa do mundo, situado entre a construtividade técnica, a concepção
artística e a produção industrial” (Bense, 2009: 30), “significaria, para a inteligência
brasileira, uma parte essencial de sua representação. Essa avaliação explica o interesse de
Max Bense pelo meio em estruturação do design no Brasil” (Nobre, 2009: 104), bem como a
sua positiva recepção por parte da intelectualidade brasileira vinculada à perspectiva
construtiva, afinal, ambas as partes investiam em “abrir caminho para a conquista de um
estatuto próprio à atividade do design” (idem), partilhando de “uma concepção de projeto
que procurava definir-se aqui em meio a um ambiente ainda consideravelmente resistente à
produção industrial, e cada vez mais tensionado politicamente” (idem).

vivências do ódio e da dor em meio à devoração e à procriação. A baía de Guanabara como metáfora
melancólica de todos os processos de confusão e liberação” (Bense, 2009: 69-70).

175
CAPÍTULO 3

Institucionalização do design no Brasil (início dos anos 1960)

Se nos anos 1950 surge, no Brasil, a consciência crítica quanto às possibilidades de


instituição de um campo profissional associado à criação em um contexto industrial, é
somente na década seguinte que se institucionaliza, de fato, o design como campo profissional
no país. Afinal, no início dos anos 1960, surgem cursos de nível universitário, associações
profissionais, e se multiplicam os escritórios especializados, que percebem cada vez mais
expandidas as suas áreas de atuação. Em termos de instituições de transmissão da prática
profissional a nível superior, é fundamental considerar que o ensino constitui-se, logo no
início da década, a partir de dois modelos bastante diversos, o da FAU-USP e o da ESDI.

Há ainda que lembrar que, ao mesmo tempo em que se articulava, no Rio de Janeiro
e em São Paulo, a criação de cursos de desenho industrial, em Salvador, Bahia, Lina Bo Bardi
idealizava uma Escola Superior de Desenho Industrial e Artesanato, que não chegou a ser
inaugurada - em decorrência do golpe militar de 1964, que levou a arquiteta a se afastar da
direção do MAMB, onde pretendia estabelecer a escola. Nesse quadro, é importante também
salientar que, desde 1957, funcionava em Belo Horizonte um curso técnico de desenho
industrial. Além disso, é preciso mencionar a ambição de criação de um curso de design126 em
Brasília, cultivada por Darcy Ribeiro127, ainda na primeira metade da década.

126
Na segunda metade dos anos 1960, surgem no Brasil mais dois cursos dedicados ao ensino do desenho
industrial (Pereira, 2009: 86). Em 1967, em São Paulo, é criado, na Fundação Armando Álvares Penteado
(FAAP), dentro da área de Artes Plásticas, o Curso de Desenho Técnico e Artes Gráficas. Dois anos depois, esse
curso é reformulado, e passa a ser chamado de Curso de Desenho Industrial (idem). Vale lembrar que, se na
Escola de Artes Plásticas da Universidade Mineira de Arte, em Belo Horizonte, funciona desde 1957 um curso
técnico de desenho industrial, é somente em dezembro de 1968 a tal curso é reconhecido o nível superior. Em
1970, é criado o curso de desenho industrial da Universidade Federal do Maranhão.
127
Sobre a tentativa de criação de um curso de design em Brasília, Souza Leite reproduz, em sua tese,
correspondência entre AM e Darcy Ribeiro, datada de maio de 1962, em que se discute a criação de um futuro
instituto de arte, elaborado por AM, a pedido de Ribeiro. Na carta, AM sugere que se convide Max Bense para
um grupo de trabalho que conduza a elaboração de um plano de etapas para o curso. É importante mencionar que
essa primeira tentativa se dá ao mesmo tempo em que AM realiza o projeto de identidade visual da UnB. Sobre o

176
Em diversos desses episódios, é fundamental perceber os desdobramentos do
diálogo, iniciado na década anterior, entre brasileiros e alguns estrangeiros ligados à Escola de
Ulm, mais precisamente nas figuras de Max Bense, Gui Bonsiepe e Tomás Maldonado.
Assim, é em torno de alguns desses episódios, localizados ao longo da primeira metade dos
anos sessenta, que organizo o capítulo. Afinal, logo no início da década, gestam-se três
diferentes modelos de ensino, em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Salvador.

Se um deles nem chega a termo, os dois outros persistiram no tempo, conformando


duas das principais modalidades a partir das quais foram formados os profissionais de
desenho industrial desde então. Vale ressaltar que, na virada dos anos 1960 para os 1970, uma
vez eleito pelo governo federal como parâmetro para a criação de novos cursos (Oliveira,
2009), o modelo esdiano se multiplica, ao passo que o uspiano, apesar de bem-sucedido, fica
restrito ao contexto paulista. Todavia, o modelo de ensino formulado em Minas Gerais, via
ESAP/FUMA (comentado no capítulo anterior) - associado, de início, ao ensino técnico, no
quadro de uma escola superior de artes plásticas -, também segue em funcionamento
ininterrupto até os dias de hoje, conformando um terceira modalidade de ensino e vinculação
institucional para cursos de desenho industrial, malgrado as sucessivas realocações
institucionais a que foi submetido desde sua criação, em 1957.

Como se configuraram as condições de criação desses modelos tão distintos, no


mesmo período de tempo, é um dos temas que mais interessa perseguir neste capítulo, uma
vez que, observando o que estava em jogo naquele momento, podemos perceber os limites
com que foi percebido o design no país.

projeto do curso, em 1968, surge uma nova demanda da universidade, que, nesse momento, solicita a
reformulação do instituto já em funcionamento e em crise - decorrente de medidas decorrentes da demissão
coletiva dos professores, em 1965. Nessa ocasião, segundo Souza Leite, AM teria contribuído, entre outros, para
a reformulação do curso, desenvolvendo uma proposta que não deixa de ser, a seu ver, um primeiro ensaio para a
criação do CNRC, sete anos depois (2006b: 271).

177
O Brasil na década de 1960 e o design

Vale lembrar que a década se inicia com a inauguração da nova capital-federal, já


comentada no capítulo anterior, e que esse fato é interpretado por alguns críticos como síntese
de um espírito da época, que percebe de forma positiva o processo de desenvolvimento
nacional orientado a partir da idéia de industrialização. Se, em um primeiro momento, o
otimismo parece contagiar diversos setores da sociedade, a movimentação política do início
da década de 1960, com a seqüência de eventos que culmina com o golpe militar no início do
ano de 1964, termina por transformar aquele quadro, modificando, por conseqüência, os
modos como os agentes no campo profissional do design percebem as possibilidades de
atuação dentro do novo contexto político.

Assim, se o design é instituído como campo profissional no país dentro de um


movimento maior de modernização nacional, durante os anos sessenta surgem uma série de
perspectivas distintas a partir das quais determinados segmentos dentro do campo entendem
as possibilidades de atuação doravante. Afinal, como salienta Nobre, “o momento em que se
concretizou a proposta de criação de uma escola superior de desenho industrial no Brasil
coincide com o começo da crise do pensamento desenvolvimentista no país e com a
desaceleração do crescimento econômico que trouxe consigo a crise política e social que
culminaria nos eventos de 1964” (2008: 102).

Sobre esse quadro, Souza comenta que “o Brasil do fim dos anos 50 e início da
década de 1960 começou a transformar-se num país industrializado, ainda que permanecesse
subdesenvolvido, como reconhecia o próprio presidente. Já haviam decorrido trinta anos
desde o desmoronamento da antiga elite cafeeira. Agora, surgiam seus substitutos, com
interesses econômicos claros e definidos, com articulações em todo o país e ainda com
conexões externas. Esse grupo estava apto a pretender o exercício de uma função
hegemônica no poder central. Concentrado essencialmente em São Paulo, mantinha vínculos
com todo o país, já que nas demais regiões encontrava não só suas fontes de matéria-prima,
como também seu principal mercado consumidor. A descentralização era apenas aparente.
Na verdade, poucas dezenas de grupos exerciam de fato o poder sobre a economia,
assegurando emprego e sobrevivência para um grande número de empresas subcontratadas
e, ao mesmo tempo, monopolizando os grandes projetos que dependiam do trânsito e do

178
favorecimento do poder público. Foi nesse quadro que se desenharam projetos como o MAM
e escolas de desenho industrial, onde eventualmente se encaixaram grupos mais avançados
que costumavam tecer teorias sobre a possível atuação de uma burguesia nacional no
desenvolvimento autônomo do país” (1996: 08).

Após 1964, acentua-se ainda mais a centralização das decisões em áreas estratégicas
como tecnologia, indústria e economia. Isso implica em reflexos diretos no emergente campo
do desenho industrial, como comenta Cara. “Uma das medidas presente no Programa de
Ação Econômica do Governo (PAEG), elaborado pelos ministros Roberto Campos e Otávio
Gouveia de Bulhões, impôs reflexos ao desenho industrial no Brasil. O estímulo às
exportações não apenas de recursos naturais, mas também de produtos manufaturados,
promovido pelo PAEG, suscita debates dentro da disciplina, já que ao favorecer a inserção
de produtos brasileiros no mercado internacional, a produção brasileira, ancorada aos
modelos internacionais, pouco tem a oferecer além de cópias mal-elaboradas de produtos já
conhecidos nos países desenvolvidos. A substituição de importações não exigiu a absorção e
desenvolvimento de tecnologia e, portanto, o resultado foi o desenvolvimento de uma
indústria com elevado grau de ineficiência, não competitiva interna e internacionalmente e
com pouca ou nenhuma criatividade em termos tecnológicos” (2010: 57-58).

Dessa forma, estimulou-se, “por meio das diretrizes político-econômicas adotadas,


as primeiras reflexões sobre a necessidade de construção de um desenho industrial autônomo
com características nacionais, estabelecendo-se no debate cultural da década o início de uma
discussão que se estende até os dias de hoje: a problemática da identidade do produto
brasileiro” (idem: 58). O debate em torno da nacionalização da forma dos produtos da
indústria brasileira (Nobre, 2008: 93) já pode ser identificado, segundo Cara, desde o fim dos
anos 1950, principalmente a partir de algumas “contribuições que refletem e questionam a
validade dos conteúdos de matriz racional-funcionalista no âmbito brasileiro” (2010: 60).

O questionamento em torno de uma identidade nacional não se limita ao design, e vai


encontrar lugar também no campo das artes, onde “o idealismo por uma sociedade mais justa
e sem conflitos de classes ou raças alimentou o desejo de revolução em jovens de todo o
mundo; proporcionando assim a construção de novos horizontes, não somente políticos e
comportamentais, mas também culturais” (idem: 59). Tal processo envolve, a partir da
segunda metade da década, a reconsideração das conquistas do movimento moderno. Em

179
meio a esse contexto, alguns autores, como Cara, identificam uma crise na própria noção de
desenho industrial (idem: 60).

Se é na segunda metade da década que se explicita um questionamento em torno de


uma “concepção de desenho industrial condicionada aos paradigmas modernistas” (idem:
71), percebe-se que esse debate está em jogo desde o início da década, ainda que de forma
desarticulada. Na medida que entre 1962 e 1963 se propõe, em São Paulo, no Rio de Janeiro e
em Salvador, três modelos distintos de ensino do desenho industrial, é licito afirmar que as
variações entre os modelos são desdobramentos diretos da movimentação em torno das
tentativas de institucionalização de um design moderno no país, ocorridas entre o Rio e São
Paulo, ao longo dos anos 1950 - todos esses eventos sendo parte de um microcosmo social, ou
seja, um campo “que tem suas próprias estruturas e suas próprias leis” (Bourdieu, 1996b: 60).

Seguindo a indicação de Bourdieu, quando ele afirma que “não podemos


compreender o que ocorre a não ser que situemos cada agente ou cada instituição em suas
relações objetivas com todos os outros” (idem) e tendo visto que em torno daquela
movimentação transitam uma série de pessoas e idéias que vão protagonizar os processos de
institucionalização do design no início dos anos 1960, entendo que os três modelos, que
podem ser entendidos como respostas, ou reações às questões colocadas em pauta ainda nos
anos 1950128, só podem ser analisados relacionalmente. Assim, proponho, neste capítulo,
comparar três casos que, embora sendo diferentes, são associáveis (Duarte, Gomes, 2008: 11).

Se os modelos de ensino gestados entre 1962 e 1963 apresentam características


particulares, isso reflete os modos como diferentes agentes, dentro de um contexto mais
amplo que envolve os campos da arte e da arquitetura modernas, se apropriaram das propostas

128
Neste âmbito, não é de menor importância a polêmica entre Max Bill e Lucio Costa, nos anos 1950.
Conforme lembra Nobre, “na ingenuidade apenas aparente desta afirmação não deve passar desapercebida a
questão fundamental que Lucio Costa se coloca, e para a qual se mantém vigilante, da assimilação
problemática do processo moderno no Brasil. Sob sua postura defensiva talvez se guardasse, pois, uma arguta
interrogação sobre a pertinência de uma formulação de moderno tão confiante num espírito universal diante de
um quadro cultural como o nosso, profundamente encerrado no particular e avesso à abdicação dos interesses
privados mais imediatos. Negar lugar à racionalidade infalível postulada por Bill podia ser também uma
tentativa de evitar a dissolvência de um projeto que aqui, afinal, vingara – e a custa de muito esforço” (2008:
63).

180
modernas, seja nas vertentes mais ligadas às matrizes francesa (via Le Corbusier129), italiana
(principalmente em torno dos inúmeros profissionais oriundos da Itália que se instalam em
São Paulo130), alemã (Bauhaus e Escola de Ulm), ou aos seus desdobramentos norte-
americanos (que se fazem presentes de diversas formas, notadamente a partir da Segunda
Guerra Mundial). Essas características podem ser entendidas como respostas à refração
exercida pelo microcosmo moderno formuladas por determinados agentes nos contextos
paulista, carioca e baiano.

Se concordamos que “cada campo se coloca ao se opor” (Bourdieu, 1996b: 62), é a


partir da observação contrastiva dos processos que levaram à gestação dos três diferentes
modelos que se pode perceber o que move cada um deles em uma determinada direção.
Através dessa observação, busco perceber também qual o estado da problemática legítima que
norteia tais desdobramentos das tentativas de institucionalização do design no Brasil,
iniciadas nos anos cinqüenta.

Entendo, então, que é dentro de um mesmo espaço de possíveis (idem: 54) que os
diferentes agentes estão distribuídos entre essas diversas abordagens, propostas na ESDI, na
FAU-USP e na Escola de Desenho Industrial e Artesanato. Nesse espaço ou campo de
possibilidades estratégicas (Foucault, 1971) em que se estabelecem as regras de diferenças e
dispersões (idem) no qual cada uma dessas propostas de define, há “um sistema de referências
comuns” (Bourdieu, 1996b: 57) partilhadas pelos diversos agentes que se envolveram na
criação dos três modelos de ensino, ocorridos no início da década de 1960.

Nesse sentido, julgo ser lícito afirmar que desde o início da década de sessenta está
em jogo um debate, ainda que difuso, quanto a diversas possibilidades de instituição de um
campo profissional associado ao design moderno, no Brasil, possibilidades essas que vão
buscar, de formas distintas, discutir a própria possibilidade de um design brasileiro. Se o
debate sobre um design brasileiro vai ganhando contornos palpáveis ao longo da década, e de

129
Sobre a presença de Le Corbusier no Brasil, ver Bardi, 1984; Cavalcanti, 2010; Durand, s/d. Deve-se salientar
que foi em 1929 que Le Corbusier esteve, pela primeira vez, no Rio de Janeiro, em São Paulo, e também em
Buenos Aires, em viagem organizada por Victoria Ocampo, escritora argentina, e Paulo Prado, fazendeiro de
café e escritor (Durand, s/d).
130
Sobre a “interlocução com a arquitetura italiana na constituição da arquitetura moderna em São Paulo”, ver
Anelli, 2001, e também Salmoni e Debenedetti, 1981.

181
forma mais acentuada em sua segunda metade (desdobrando-se até os anos 1970 e 1980), vale
lembrar que no desenho dos modelos de ensino esdiano, uspiano e bobardiano já se pode
observar as questões que viriam a pautar, logo em seguida, as discussões sobre uma
identidade brasileira em design. Assim, proponho, a seguir, acompanharmos mais de perto os
processos a partir dos quais aqueles modelos foram gestados.

Seqüência de Desenho Industrial da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da


Universidade de São Paulo

Diferentemente do Instituto de Arte Contemporânea do MASP e da Escola Técnica


de Criação do MAM-RJ, instituições voltadas ao ensino de design que surgem dentro de dois
museus modernos, a Seqüência de Desenho Industrial da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo, criada em 1962, nasce dentro de um curso de
arquitetura, em uma universidade.

Em 1948, foi criada a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São


Paulo, que iniciou suas atividades na sede da Escola Politécnica, enquanto se aguardava o
término da adaptação de um palacete art-nouveau, situado na Rua Maranhão, em
Higienópolis. No início de 1950, as aulas foram transferidas para a Rua Maranhão. Em um
primeiro momento, também os professores da FAU eram alocados da Escola Politécnica. Esse
curso foi criado “como um curso independente e em substituição àquele de engenheiro-
arquiteto oferecido pela Escola Politécnica de São Paulo. O novo curso, desde sua criação,
buscou em sua afirmação, no que concerne a uma visão de arquitetura, também se aproximar
da produção da arquitetura moderna131” (Pereira, 2009: 10).

131
Nesse sentido, desde o início o curso procurou trazer para seu quadro docente professores ligados à
arquitetura moderna. Com esse objetivo, contratou uma série de arquitetos de formação carioca, que já tinham
absorvido as propostas de Lucio Costa para a ENBA. Entre os professores da recém-criada FAU-USP, estavam
Alcides da Rocha Miranda (arq. ENBA 1932), Antonio Paim Vieira, Abelardo Reidy de Souza (arq. ENBA
1932), Hélio Queiroz Duarte (arq. ENBA 1931) e, posteriormente, Eduardo Corona (arq. FNA 1946) (Pereira,
2009: 10).

182
Em 1957132, foi montada uma comissão (formada por Vilanova Artigas, Rino Levi,
Hélio Duarte e Abelardo de Souza) com fins de “se repensar o ensino da FAU, no sentido de
se afastar de sua matriz politécnica e de reorientar a formação do arquiteto à luz da nova
realidade que se desenhava para o país. (...) [A comissão elaborou] um Plano de Ensino que
lançou as bases da reforma pedagógica apenas viabilizada no início da década seguinte,
quando a FAU teve o seu primeiro diretor não politécnico, Lourival Gomes Machado133”
(Sodré, 2010: 192).

A reforma proposta pela comissão começou a ser articulada de forma prática em


1961, ano em que Machado assume a direção. O crítico de arte, cientista político e jornalista
foi o primeiro diretor da FAU-USP que não era formado pela Escola Politécnica. Por esse
motivo, alguns autores consideram que, apesar de a reforma ter sido articulada por Artigas,
ela só foi possível graças ao empenho de Machado, que por não pertencer à tradição

132
Deve-se mencionar, aqui, a passagem de LBB pela FAU-USP, nesse momento. Logo antes de iniciar o ciclo
de viagens para a Bahia, LBB estava inscrita em um concurso para a FAU-USP, onde já lecionava. Todavia,
“LBB teve problemas com sua vaga na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.
(...) Em 1957, foi-lhe negada sua efetivação como professora. Apesar de ela ter dado aulas sobre design e teoria
da arquitetura com sucesso e ter escrito uma tese de cátedra, o processo foi fechado sem nenhuma explicação
documental plausível” (Lima, 2007: 42). Como relembra Paulo Ormindo em entrevista a Pereira, “os
documentos dela tinham se perdido em Milão, quando a cidade foi bombardeada, na última guerra mundial.
Não só o diploma de arquiteta, como as comprovações das demais experiências se perderam. (...) E ela
precisava comprovar experiência didática para o concurso em São Paulo. Quando ela veio à Bahia, já tinha
redigido sua tese de livre docência e se inscrito no concurso, que depois foi anulado, porque além de Lina,
estavam outros candidatos, como Luiz Saia, que eram muito contestados pelas suas idéias políticas. Acabou que
a direção da FAU, ainda constituída em sua maioria por velhos engenheiros da Escola Politécnica, anulando ou
postergando infinitamente o concurso” (Ormindo, apud Pereira, 2008: 258).
133
“Lourival Gomes Machado (1917-1967) nasceu em Ribeirão Preto, SP. Na década de 1930 muda-se para
São Paulo, onde cursa ciências sociais na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e direito, ambos
na USP. Em 1939, é assistente do professor Paul Arbousse-Bastide na cadeira de sociologia da FFLCH e
professor de sociologia do Colégio Universitário. Em 1941, funda com Antonio Candido, Gilda de Mello e
Souza, Paulo Emílio Salles Gomes, Ruy Coelho e Décio de Almeida Prado, a revista Clima, que se propõe a
renovar a crítica de arte, literatura, cinema e teatro no país. Em 1942, transfere-se para a cadeira de ciência
política e defende sua tese de doutorado (Alguns aspectos atuais do problema do método, objeto e divisões da
ciência política). No mesmo ano, passa a colaborar como crítico de arte na Folha da Manhã. Em 1946, torna-se
redator de política internacional do jornal O Estado de São Paulo. Publica seu primeiro livro: Retrato da arte
moderna no Brasil. Em 1949, defende sua tese de livre-docência e passa a dirigir o Museu de Arte Moderna de
São Paulo. Lá permanece até 1951, quando é nomeado diretor-artístico da I Bienal Internacional de São Paulo.
Três anos depois ministra aulas de história da arte e estética na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
USP, que dirige entre 1961 e 1964. Em 1953, publica Teorias do Barroco, e em 1954, defende a tese que
permite seu ingresso na cátedra de política da USP. Entre 1956 e 1962, é responsável pela seção de artes
plásticas do Suplemento Literário de O Estado de São Paulo. Em 1958, assume novamente a direção artística
da Bienal Internacional de São Paulo. Nos anos 1960, publica Reconquista de Congonhas, e participa do livro
organizado por Sérgio Buarque de Holanda, História Geral da Civilização Brasileira. Em 1961, organiza a
exposição “Barroco no Brasil”. Muda-se para Paris, onde é delegado da Organização das Nações Unidas para
Educação, Ciência e Cultura. Falece em Milão, em 1967, aos 49 anos” (www.itaucultural.org.br).

183
politécnica, possibilitou, em meio à sua direção, a aproximação com novas idéias que
terminariam por desvincular a FAU-USP da Escola Politécnica (Pereira, 2009: 32). Assim,
em sua direção, Machado teria concretizado as mudanças ensaiadas nos anos anteriores.

Sobre esse ponto, Vilanova Artigas declara que “é significativo o fato de a Reforma
de 1962 ter sido possível quando a Faculdade era dirigida por Lourival Gomes Machado,
sendo vice-diretor o matemático Cândido Dias da Silva. Retomávamos a linha cultural
nacionalista de 1922 através da Faculdade de Filosofia da USP. Voltávamos à autenticidade
de algumas das nossas melhores raízes, enquanto arquitetos. Assim me parece. Basta
conhecer a obra de Machado, o papel que desempenhou na cultura paulista, sua convivência
com a crítica das artes, seus estudos sobre arquitetura barroca, para compreender a
natureza do ambiente que nos permitiu as reformas de 1962” (apud Pereira, 2009: 34).

Em 1962, a FAU-USP implantou a reforma, que criava quatro departamentos de


ensino e pesquisa: Composição (que logo passa a ser chamado de Projeto), Histórico-Crítico,
Ciências Aplicadas e Disciplinas Técnicas. Pela reforma, ao Departamento de Projeto era
atribuída “a responsabilidade pela administração da prática do ateliê onde o exercício de
projeto compreenderia quatro escalas distintas, mas entendidas como complementares:
edifício, cidade, desenho industrial e programação visual” (Pereira, 2009: 03).

A renovação do ensino de arquitetura da FAU-USP foi liderada134 pelo arquiteto


Vilanova Artigas135, que se formara ‘engenheiro-arquiteto’ pela Escola Politécnica de São

134
Pereira aponta que “de fato, ainda que se possa questionar esta possível liderança de Artigas dentro de uma
FAU USP, sob o poder de outros professores catedráticos, e a despeito de Artigas ocupar diante destes
professores apenas o cargo de auxiliar de ensino; conforme relatam as memórias da época, Artigas desde o
início de sua presença na Faculdade ocupou um determinado posto de liderança entre os alunos e professores
mais novos, devido, sobretudo, a sua enorme capacidade de articulação e a seu discurso” (2009: 38).
135
“João Batista Vilanova Artigas nasce em 23 de junho de 1915, em Curitiba, no Paraná. Em 1932, transfere-
se para São Paulo, indo estudar na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Em 1938, forma-se
engenheiro-arquiteto. Em 1944, torna-se assistente do professor Anhaia Mello na Escola Politécnica,
colaborando com ele na cadeira de composição geral e estética. É um dos fundadores da representação paulista
do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB). Em 1945, filia-se ao Partido Comunista Brasileiro, iniciando uma
intensa atividade política. Em 1947, recebe uma bolsa de estudos da Fundação Guggenheim para estudar
arquitetura moderna nos EUA. Viaja por diversos lugares naquele país, visitando obras dos arquitetos
americanos. Em 1948, projeta as instalações no MAM/SP, situado na Rua Sete de Abril, centro De São Paulo.
Nesse mesmo ano, é um dos fundadores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Em 1952, projeta o
estádio do São Paulo Futebol Clube, o Morumbi, que seria a sua obra de maior visibilidade. Em 1953, viaja à
União Soviética. Nos anos 1950, aproxima-se de Oscar Niemeyer, solidarizando-se com ele na defesa do
moderno. Participa do concurso para a nova capital federal, classificando-se em quinto lugar. Em 1960, é

184
Paulo, em 1937. Artigas assumiu uma cátedra na FAU-USP em 1948, logo após seu retorno
de uma temporada nos Estados Unidos. Segundo João Masao Kamita, “arquitetura como
forma crítica da realidade, eis o que parece ser o fundamento do projeto de Artigas. O
materialismo histórico é a base teórica para operar essa leitura crítica do mundo, questionar
as premissas ideológicas do movimento moderno, desconfiar da crença otimista na
construção do novo ambiente do homem exclusivamente pela exemplaridade da forma
estética. Se a arquitetura moderna aspira a uma real participação no processo de construção
social da realidade, ela necessita comprometer-se com o real, assumir posições, engajar-se
em lutas, confrontar sistemas, enfim, assumir com consciência um sentido político. Caso
contrário, corre o risco de, ao insistir na segurança de uma pretensa neutralidade, acabar
por ser cooptada por aqueles contra os quais justamente investe. Em suma, pela primeira vez
no contexto de nossa modernidade arquitetônica, um arquiteto local reivindica a urgência do
compromisso necessário entre Arte e Política” (2003: 09).

Para Lucy Niemeyer, o arquiteto e militante convicto possuía uma visão globalizante
da arquitetura (2007: 67) e isso estaria refletido na proposta de reforma, que também é
conhecida como Reforma Artigas. Em sua proposta de redirecionamento do ensino de
arquitetura, enfatizava o compromisso social do arquiteto (2007: 68), através de uma
sensibilização dos alunos quanto a “uma postura crítica em relação à produção do próprio
trabalho, que deveria ter uma linguagem autônoma e independente, ser humano e
tecnicamente desenvolvido, fazer a integração do homem com a natureza, considerando o
contexto em que se desenvolveria esse processo” (idem).

Em uma publicação de 1963, que compilava os exercícios realizados pelos


estudantes no ano anterior, um texto de apresentação explicitava os objetivos do corpo

convidado pelo governo do estado de São Paulo a participar de um programa de renovação dos
estabelecimentos de ensino, que era parte de um programa de reforma do ensino público naquele estado.
Projeta uma séria de escolas públicas e privadas. Em 1961, projeta a nova sede da FAU-USP. Em 1962, é um
dos articuladores da reforma curricular daquele curso. Em 1964, é afastado da FAU-USP pelo regime militar.
É preso, e, logo depois, exilado. Em 1965, regressa do exílio no Uruguai, mantendo-se na clandestinidade. Em
1967, retorna à FAU, e profere a aula inaugural do curso. Em 1969, com o AI-5, é novamente afastado de suas
atividades na FAU. Ao longo de sua trajetória, recebe uma série de prêmios e homenagens. Entre 1976 e 1978,
projeta uma nova série de escolas em São Paulo. Em 1979, com a anistia política, retorna à FAU, para receber
uma série de homenagens. No ano seguinte, é reincorporado ao corpo docente do curso, mas como professor
auxiliar, sendo-lhe atribuída a cadeira de Estudos de Problemas Brasileiros, e não a cadeira de projeto. Em
1981, publica “Caminhos da arquitetura”, uma série de textos produzidos ao longo de sua carreira. Em 1984,
presta o concurso para professor titular da FAU. Falece em 1985, vítima de câncer” (Kamita, 2000: 120-126).

185
docente do curso ao incorporar o ensino do desenho industrial à formação do arquiteto: “Um
país em fase de desenvolvimento amplia e torna mais e mais prementes as solicitações sobre
novos e variados aspectos da produção. A formação do homem que toma parte nesse
processo deve ser revista. A maneira acadêmica de enfoque dos problemas de planejamento,
que condiciona o espaço do homem e os objetos que ele usa, deixa de responder àquelas
solicitações e forçoso se torna uma nova colocação. Para o arquiteto que toma a si a
responsabilidade de uma resposta, não basta apenas a solução dos problemas no plano
profissional de seu escritório. A colocação desses problemas no campo do ensino, livre das
limitações da prática profissional, é forma decisiva de contribuição” (Pereira, 2009: 89-90).

Aqui se torna claro que a reforma do ensino na FAU-USP persegue algo que é
considerado como transformação social. Nesse sentido, busca atualizar o ensino de arquitetura
às novas características sociais, econômicas e políticas do contexto brasileiro, tal como ele
vinha se configurando desde o fim da II Grande Guerra. Se considerarmos que o ensino de
desenho industrial no curso de arquitetura da FAU-USP, implementado em 1962, vem sendo
gestado desde 1948, é notável como suas reformulações se colocam enquanto respostas ao
novo contexto. No debate em torno dos modelos de industrialização para o país, em pauta nos
anos 1950, a FAU-USP claramente se posiciona a favor “de uma indústria nacional, para a
qual a instituição teria uma contribuição específica, ainda que não fosse unificada a visão
entre professores sobre o caminho e as características dessa indústria nacional” (2009: 92).

Discutindo as influências de Frank Lloyd Wright, Le Corbusier e da arquitetura


praticada no Rio de Janeiro (representada, principalmente, pelas figuras de Lucio Costa e
Oscar Niemeyer), Artigas, ao mesmo tempo em que estabelece na FAU-USP um currículo
modernista (idem: 37), questiona “os fundamentos do próprio projeto moderno, seus limites e
suas potencialidades” (Kamita, 2000: 23). O ponto central dessa proposta era uma visão
social do arquiteto: “Esta reforma, iniciada em 1962, foi influenciada por um conceito de
projeto altamente vinculado a uma visão social do arquiteto e a uma ideologia racionalista
no trabalho de projetar. Neste conceito de prática do arquiteto, a comunicação visual e o
desenho industrial do objeto, ambos introduzidos no currículo a partir de 1957, junto com o
Planejamento Arquitetônico, Projeto do Edifício e Paisagismo não foram pensados como
especializações distintas, mas como momentos do mesmo conceito abrangente de Arquitetura
como o campo legítimo de atuação do Arquiteto” (Gunn, apud Pereira, 2009: 37).

186
Segundo Pereira, é o binômio ‘racionalidade do projeto e visão social da
arquitetura’ que aproxima a FAU-USP do método do desenho industrial, “o que significa o
abandono definitivo dos modelos Belas Artes ou Politécnico, a favor de um novo modelo
postulado inicialmente pela Bauhaus, mas desenvolvido também por outras escolas em outros
países” (2009: 39). Assim, a arquitetura, tal como ela era concebida na FAU-USP, se
aproxima do design na medida em que entende que o desenho industrial compõe parte das
novas atribuições profissionais do arquiteto, em um contexto moderno. Se o curso de
arquitetura da FAU-USP incorpora o design, é por entendê-lo como parte do ofício da
arquitetura, em sua acepção moderna136.

Assim, a aproximação com o design marca também um distanciamento aos modelos


franceses das Belas-Artes e das Escolas Politécnicas. É dentro, então, de uma revisão da
arquitetura que surge a aproximação com o design, ou seja, trata-se, enfim, de incorporar o
desenho industrial na formação do arquiteto. Nas palavras de Pereira, “as mudanças sobre a
forma de se compreender o projeto de produto e o projeto da produção em arquitetura, por
meio de uma leitura que aproxima a mesma dos procedimentos do desenho industrial,
também enquanto projeto e produção, ocasionam, como uma de suas principais
conseqüências, a reivindicação e a incorporação do desenho industrial como atribuição
profissional do arquiteto” (idem: 42).

Segundo Júlio Roberto Katinsky, a orientação de Artigas inverte a função da escola.


Se “no passado ela tinha a pretensão de estabelecer as regras da atividade artística no
interior da prática social, agora ela está receptiva à expansão das propostas sociais” (1983).
O desenho industrial era definido assim pelos responsáveis de sua inserção como seqüência da
FAU-USP: “Desenho industrial é o estudo do objeto e do seu uso. O raciocínio empregado
na solução dos problemas de design não é em absoluto estranho ao arquiteto, mas sim

136
Arquitetura moderna que Pereira define, no caso da FAU-USP, como sendo aquela que busca atender a dois
requisitos: primeiramente, ela se utiliza de um novo meio para a sua produção, a saber, a máquina ou a indústria;
e, além disso, direciona o seu exercício para a apresentação de alternativas para as questões colocadas pelas
sociedades urbanas de massa (2009: 223). É nesse sentido, para o autor, que o ensino da FAU-USP se aproxima
do desenho industrial, ou seja, quando busca uma aproximação dos tradicionais métodos de projeto em
arquitetura com os novos métodos de projeto em desenho industrial (idem). Desenho industrial, nesse caso, é
entendido enquanto método, e não enquanto escala de projeto. Esse novo sentido desejado para a arquitetura
seria alcançado se esta cumprisse os dois pré-requisitos que ela entendia, então, como definidores da arquitetura
moderna: a sua industrialização e o atendimento às demandas das sociedades urbanas de massa (idem).

187
paralelo ao pensamento empregado nos problemas de edificação e planejamento. O arquiteto
na sociedade de hoje atua numa gama muito ampla de processos, abrangendo produção
industrial, identificando-se com ela e contendo em si o designer” (FAU-USP, 1963, apud
Niemeyer, 2007: 68).

Os professores do curso no momento de sua instauração foram Lúcio Grinover, Hélio


de Queiroz Duarte, Marlene Picarelli, Ernest Roberto de Carvalho Monge, João Baptista
Alves Xavier, Cândido Malta Campos Filho, José Maria da Silva Neves, Roberto Cerqueira
César, Luiz Roberto Carvalho Franco e Dario Imparato137.

A seqüência de desenho industrial consumiria quatro horas semanais, em cada um


dos quatro anos do curso. No primeiro ano, havia duas fases: 1) análise do objeto e sua
representação e 2) estudo e proposição de um objeto de uso, análise do manejo e iniciação à
anatomia humana e à fisiologia de um tipo de movimento. No segundo ano, eram tratadas as
questões referentes a processos de produção industrial. No terceiro, focavam-se as questões
metodológicas no desenvolvimento de um projeto. No quarto e último ano, aconteceria a
síntese do curso, que incluía a elaboração de um projeto completo de um objeto, que deveria
conter desenhos técnicos, modelos e embalagens.

A reforma da FAU-USP foi conduzida pelo que André Stolarski nomeia de uma
perspectiva abrangente (2006: 223), que tinha por objetivo a ampliação do papel dos
arquitetos na transformação da sociedade (idem). “Embora semelhantes às questões
enfrentadas pela Escola de Ulm, os problemas da FAU-USP seguiam direções opostas. Em
Ulm, era preciso formar profissionais especializados, mas conscientes da necessidade do
contato com outras áreas especializadas do conhecimento. Na FAU-USP e nas escolas que a
inspiraram – entre elas a própria Bauhaus – tratava-se de dar a formação mais abrangente
possível ao arquiteto, transformando-o em um profissional capaz de intervir em projetos de
todas as escalas e especialidades, do alfinete ao foguete” (idem).

Nesse sentido, se diferenciaria da ESDI, na medida em que, segundo Lúcio Grinover


(apud Pereira, 2009: 04), “enquanto na experiência carioca, a atividade de projeto recaía e

137
Conforme afirma Pereira, “vale pontuar que alguns dos professores envolvidos com o desenho industrial na
FAU-USP, ou se formaram ou foram professores durante o curto período de existência do curso de desenho
industrial do IAC-MASP (1951-1953)” (2009: 43).

188
limitava-se, grosso modo, à produção do objeto e à programação visual, o que se desejava na
FAU-USP era a constituição de uma Universidade do Projeto” (idem)138. O que “caracteriza
a idéia de uma Universidade do Projeto: uma espécie de escola que, voltada ao ensino
globalizante do projeto total, pudesse somar e superar aquilo que pretendia tanto a Escola de
Design da Guanabara quanto a Faculdade de Arquitetura de São Paulo” (idem).

Nesse ínterim, é importante considerar, como afirma Niemeyer, que “a proposta da


FAU-USP, defendendo que caberia aos arquitetos a solução de problemas de design, não foi
seguida pelas demais escolas de arquitetura do país, consolidando-se como experiência
ímpar. (...) Explicitou-se, então, uma cisão da área de design, que, até agora, está presente: a
oposição entre o grupo formado por arquitetos, sobretudo de São Paulo, advogando para si a
competência para o desenvolvimento de projetos de design, e o contingente de designers,
formados em cursos de design, que rejeitam aquela prerrogativa aos arquitetos. Trata-se de
uma questão de delimitação do campo profissional, de área de conhecimento específico de
uma profissão – discussão que permanecerá em aberto enquanto o design se apoiar mais em
uma prática profissional do que num corpo teórico próprio” (2007: 69-70).

Dessa forma, a proposta da FAU-USP se diferenciava da proposta carioca da ESDI,


uma vez que “o ensino de desenho industrial na FAU-USP não se caracteriza como ponto de
interesse único e exclusivo do Departamento de Projeto. Lembrando que, dentro desta
Escola, o desenho industrial, entre outros objetivos, cumpriria também o papel de
industrializar o projeto e o processo de produção da arquitetura. (...) Assim sendo, a
compreensão do desenho industrial, por vários segmentos da FAU-USP, revela em certa
medida uma conceituação da própria arquitetura e do urbanismo, focando os três,
juntamente com a programação visual, como campos complementares e relativos a um
mesmo exercício profissional” (Pereira, 2009: 04).

138
Em outro momento, Pereira coloca nos seguintes termos a distinção entre os modelos esdiano e uspiano:
“esses dois modelos de ensino de projeto e de desenho industrial, um deles ligado à tradição italiana em que os
designers são todos arquitetos e, outro, ligado a uma visão alemã, em que designers têm formação de designers”
(2009: 208). Mais à frente, ele apresenta outra possibilidade de diferenciação, sendo as duas posições
alternativas encontradas, nos contextos carioca e paulista, para o impasse entre um direcionamento mais artístico
e um mais tecnicista: “Pode-se caracterizar historicamente a defesa de uma vertente ligada à matriz do ensino
de Belas Artes, centrada em uma formação artística, e outra, a uma base mais tecnicista, ligada a Ulm. Esses
dois pólos de disputa se estabeleceram durante o processo de implantação dos cursos de Desenho Industrial
tanto na ESDI quanto da FAU-USP” (idem: 215).

189
Nesse sentido, é importante esse trecho do depoimento de Lúcio Grinover,
comentando as diferenciações entre os modelos propostos pela FAU-USP e pela ESDI quanto
à formação do desenhista industrial: “As origens das duas escolas são completamente
distintas. Seja no desenho industrial aqui como no desenho industrial do Rio de Janeiro. As
grandes influências lá no Rio de Janeiro, naquela época, eram mais da Bauhaus e da Escola
de (HfG) Ulm. Porque quando começou você tinha o (Karl Heinz) Bergmiller, você tinha o
(Alexandre) Wollner que deram e começaram a dar aulas lá. Então realmente a origem da
ESDI, no Rio de Janeiro, está mais relacionada com (HfG) Ulm, do que a FAU-USP. A idéia
era completamente diferente. Lá queriam fazer desenho de produto e nós queríamos,
pensávamos que, além do desenhista de produto, esse indivíduo que saía da FAU-USP, era
um indivíduo que podia projetar em diversas áreas, ele escolheria a área na qual se
aprofundaria, por isso que tinha as quatro seqüências: de Projeto, Desenho Industrial,
Comunicação Visual e Urbanismo” (Grinover, apud Pereira, 2009: 114).

Assim, segundo Pereira, quando incorpora o desenho industrial ao ensino de


arquitetura, a FAU-USP estaria propondo soluções para “um processo de discussões internas
da própria faculdade e dos debates entre os seus docentes” (2009: 115), em vez de se filiar a
um modelo externo, como teria feito a ESDI. Além disso, “é de se notar que a estruturação
do ensino de desenho industrial na FAU-USP, ao longo da década de 1960, nasce
visceralmente ligada a um desejo de interpretação e colaboração à experiência de
industrialização brasileira nesse período. Os professores da FAU-USP, além de praticantes
do desenho industrial, disputando o mercado, procuraram também estabelecer um diálogo
direto com a indústria brasileira, objetivando conscientizá-la da importância para ela mesma
da contribuição do desenho industrial entre seus quadros profissionais” (idem: 166).

Para esse autor, o que de fato diferencia a proposta de ensino da FAU-USP daquela
formulada na ESDI139, além da idéia de que o design deveria ser mais uma entre as possíveis

139
Ainda sobre as diferenças entre os modelos paulista e carioca, Pereira pontua que: “Então se forem
consideradas as atividades iniciais do GFAU, com o seu Centro de Estudos Folclóricos, a presença de Luis
Saia, os pontos de vista dos professores que formaram o núcleo inicial que estruturou o Departamento de
História, entre os quais cabe destacar os professores Lourival Gomes Machado, Flávio Motta e Júlio Katinsky
ou mesmo o empenho de Vilanova Artigas com a sua chamada de importância para uma dimensão histórico-
cultural para o desenho industrial, presente em seu texto para a exposição da FAAP, pode-se caracterizar
dentro da FAU-USP um grupo de professores pensando um caminho para a prática do desenho industrial
diferente daquela defendida pela ESDI, que se ligava à matriz da HfG de Ulm. Isto não significa que todo o

190
atribuições do arquiteto, é a metodologia de ensino: “se considerarmos as experiências de
ensino de desenho industrial tais como as VKhUTEMAS, a Bauhaus, a HfG de Ulm, e no caso
brasileiro, o IAC-MASP e a ESDI, todas essas escolas compartilhavam uma evolução
metodológica do seu ensino, a partir de um modelo comum. Esse modelo dizia respeito a um
processo em que o aluno entraria inicialmente em um Curso Básico, onde era ministrado um
ensino introdutório comum a todos os alunos, e após a preparação neste Curso Básico, cada
aluno escolheria uma única especialidade para seguir em frente em relação ao seu
aprendizado. Na FAU-USP, a situação era outra. Em primeiro lugar, a Escola nunca
constituiu um curso básico nesses moldes descritos. E, em segundo, também ao contrário das
Escolas supracitadas, o estudante da FAU-USP não escolheria uma especialidade, mas
estava obrigado a cursar todas elas: desenho industrial, programação visual, edificações e
urbanismo. Então, depois de formado é que o estudante, agora profissional, escolheria qual
área desejaria para desempenhar suas atividades” (idem: 116).

No contexto paulista, a busca por diferenciação em relação ao contexto carioca vinha


desde a década anterior, quando Artigas já buscava definir sua arquitetura em parâmetros
diversos daquele estabelecido pela arquitetura modernista praticada no Rio de Janeiro.
Liderada por Vilanova Artigas, que, segundo Acayaba, “desde 1950 (...) desafiou a
supremacia da escola carioca (de arquitetura) e, por conseqüência, a do arquiteto Le

pensamento da FAU-USP sobre Desenho Industrial optou por esse caminho, fazendo crítica à escola carioca.
Alguns professores da Seqüência de Desenho Industrial, no Departamento de Projeto, inclusive se colocaram
céticos quanto a esta visão formulada a partir do Departamento de História da FAU-USP. Esta visão (...)
procurou embasar uma prática do Desenho Industrial visceralmente ligada e legitimada por um passado
cultural, ou seja, calcada na descoberta e invenção de uma tradição. E esse passado cultural onde se
encontrava? Dois foram os focos para os quais esse grupo de professores lançou seus olhares: o folclore e o
conjunto de técnicas construtivas do período colonial do Brasil. Um ligado à produção do objeto e, outro, à
produção do edifício. No primeiro caso, com um olhar intermediado pelo ponto de vista de Mário de Andrade e
dos artistas modernos da Semana de 1922 e, no segundo, pelo apelo de Lúcio Costa a um olhar de nossa
arquitetura moderna para um aprendizado com a nossa arquitetura colonial. Para reforçar esse ponto de vista
de distanciamento dos postulados da ESDI e busca de um caminho autônomo marcado pela identidade nacional,
o arquiteto Julio Katinsky assim se colocaria com relação à escola carioca: “(...) o pessoal do Rio de Janeiro,
seguindo uma linha bem colonizada, eles inventaram de fazer uma escola de design específica, que era a ESDI,
que acabou se transformando numa coisa diferente do que eles imaginavam, porque a Escola da ESDI era cópia
de Ulm, que foi pensada num universo industrial completamente diferente, além de ser uma política torta. E que
existia naquela época, da Guerra Fria, e que queria caracterizar todo o trabalho criativo do produto no
mercado”. O professor Katinsky irá fixar sua crítica negativa ao modelo de ensino da ESDI exatamente nesse
enquadramento da Escola pela adoção de uma postura que ele define muito negativamente como colonizada,
decorrência da implantação de um modelo gestado fora da realidade cultural brasileira, sem levar em
consideração tal realidade e ao mesmo tempo por delimitar o trabalho criativo a apenas produzir produtos para
o mercado” (2009: 185-186).

191
Corbusier, através de textos violentos. Identificado com a ideologia marxista, o arquiteto
defendia o nascimento de uma arquitetura nativa. Suas obras distinguiam-se principalmente
pelo esforço de criar uma arquitetura a partir de referências brasileiras. É difícil reconhecer
nelas as influências estrangeiras. É como se Artigas, depois de conhecer a obra do arquiteto
francês Le Corbusier, tivesse realizado uma síntese entre o organicismo e o racionalismo,
entre a América do Norte e a Europa. Ele buscou constantemente um caminho onde o seu
pensamento a respeito de como deveria ser o Brasil comparecesse de forma explícita na obra
de arquitetura” (1994: 06).

Na FAU-USP, haveria também a busca por uma herança brasileira, à qual a prática e
o ensino de design e arquitetura pudesse se filiar. Nesse sentido, é fundamental perceber a
atuação do Departamento de História da Faculdade, bem como a do Grêmio Estudantil, o
GFAU. Essa busca se delineava a partir de duas linhas de investigação: a primeira seria a da
construção de uma história da técnica, e a segunda no sentido do reconhecimento de uma
tradição baseada na cultura popular (entendida como folclore) (Pereira, 2009: 218). Assim, a
visão na FAU-USP era a de que essas duas heranças, uma vez assimiladas, contribuiriam para
“conferir uma identidade própria aos produtos da indústria nacional” (idem).

Mesmo buscando uma diferenciação face ao contexto carioca, FAU-USP e ESDI não
se furtaram ao diálogo: “no que diz respeito às relações entre FAU-USP e ESDI –
experiências didáticas contemporâneas -, ainda que se considerem algumas diferenças
decisivas no ponto de vista das duas escolas sobre a temática do desenho industrial, uma
série de atividades foi desenvolvida solidariamente, como seminários, organização de
concursos públicos de desenho industrial, palestras da área, a existência de professores que
transitaram pelas duas escolas, e, o mais importante, a criação conjunta, em 1963, da
Associação Brasileira de Desenho Industrial, a ABDI, órgão pioneiro em seu esforço para
conscientizar industriais e, conseqüentemente, dos profissionais que o realizam. No que diz
respeito às aproximações entre essas escolas brasileiras e as estrangeiras, não são poucos os
episódios de presença de ex-professores da Bauhaus ou de professores da HfG de Ulm no
Brasil, por intermédio do IAC-MASP, da FAU-USP ou da ESDI. O intercâmbio de alunos
também não é uma constatação menos relevante, quando se objetiva avaliar as interlocuções
entre estas experiências brasileiras de ensino e aquelas internacionais” (idem: 43).

192
É importante ressaltar que a reforma da FAU-USP se seguiu ao projeto para uma
nova sede, realizado por Artigas, em 1961. A transferência para o novo edifício, construído no
campus da Cidade Universitária do Butantã, para onde foram realocadas diversas unidades da
USP, aconteceu, entretanto, somente em 1969. Até então, a FAU estava situada no antigo
palacete da Rua Maranhão, no bairro de Higienópolis. Considerado por diversos autores como
o mais representativo dos projetos do arquiteto, a nova sede da FAU-USP busca conjugar
interação espacial e integração social, ou seja, pensamento pedagógico e ideologia social
(Kamita, 2000: 35). Nesse sentido, ou seja, o de um espaço pensado como vetor de construção
de uma nova sociedade, enquadra-se “nas mesmas perspectivas da Bauhaus de Walter
Gropius” (Rossetti, 2007: 55): um projeto pensado como “instrumento de emancipação
política de seus habitantes, na senda deste amálgama ideológico-espacial” (2007: 57).

Se a reforma foi implantada em 1962, ela levou mais alguns sendo testada, discutida,
até que em 1968 realizou-se um segundo Fórum de discussão sobre o ensino praticado na
FAU-USP (o primeiro havia sido realizado em 1962). Nesses fóruns, a escola discutia a sua
compreensão de desenho industrial nos planos teórico e prático. Por isso, a década de 1960 -
marcada pela reforma curricular, pelos dois fóruns de discussão e pela construção do novo
edifício-sede da Faculdade -, é considerada por alguns autores como ‘uma etapa pioneira’
(Pereira, 2009: 42), “em que a instituição, por intermédio de seus professores, se empenha na
construção de um campo particular de conhecimentos sobre desenho industrial” (idem).

É importante considerar que, para o campo da arquitetura, “este processo trará como
conseqüência a afirmação de outro modelo de ensino, identificado com a arquitetura
moderna, enquanto processo e produto, e fará também uma decisiva contribuição à
hegemonia deste mesma arquitetura moderna no Brasil. E, assim sendo, com relação a essa
questão, essas mudanças terão uma dupla e complementar conseqüência ao desenvolvimento
do ensino de arquitetura e à prática da arquitetura brasileira. Com relação ao primeiro, isto
é, ao ensino, servirá de modelo aos demais currículos de outras escolas surgidas no país
após transcorrer esse processo de reforma da FAU-USP entre 1948-1962” (idem: 27).

Não menos significativa é a conjunção entre reforma do ensino e debate em torno


da regulamentação da profissão. Afinal, muitos dos que estavam envolvidos com a re-
elaboração do currículo da FAU-USP atuavam, também, nos debates sobre a regulamentação

193
profissional. Assim, ensino e regulamentação profissional passam a ser pensados de forma
concomitante (idem: 28).

Nesse contexto de um duplo processo de regulamentação do ensino e do exercício da


profissão (idem: 29), é realizado, em 1944, o I Congresso Nacional de Arquitetos140,
organizado pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil, núcleo São Paulo. Em 1958, é apresentado
ao presidente Juscelino Kubitschek um projeto de lei que estabelece uma nova
regulamentação para a profissão de arquiteto, e acontece o I Encontro Nacional de Estudantes
de Arquitetura. Em 1960, o Serviço Social da Indústria organiza o Encontro Regional de
Educadores Brasileiros, que conta com uma comissão que analisa o ensino de arquitetura.

É importante notar que, apesar de o curso da FAU-USP ter servido de o modelo para
a grande maioria dos cursos de arquitetura surgidos a partir da década de 1970, e também para
as reformulações por que passaram os cursos já existentes (idem: 274), quanto ao modelo de
ensino de desenho industrial proposto ali, ou seja, aquele incorporado ao curso de arquitetura,
este não foi seguido. A partir dos anos 1970, surgem no país diversos cursos autônomos de
desenho industrial, que se inspiraram prioritariamente no modelo esdiano. Nesse quadro, a
própria FAU-USP cria, em 2006, uma graduação exclusiva em design, passando a formar,
então, profissionais de desenho industrial que não são arquitetos, fato que indica uma ruptura
face ao modelo proposto pela Reforma de 1962 (idem: 275).

140
“Com relação à defesa e ao apoio do IAB à criação de novas Faculdades de Arquitetura a partir de um
modelo autônomo, é importante considerar nesse período a criação das seguintes Faculdades de Arquitetura
que se separavam das Escolas de Engenharia ou já nasciam independentes: a Faculdade Nacional de
Arquitetura, oriunda da Escola Nacional de Belas Artes, nasceu em 1945; a Faculdade de Arquitetura
Mackenzie, separada da Escola de Engenharia Mackenzie, apareceu em 1947; a Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo, separada da Escola Politécnica em 1948; a Faculdade de Arquitetura da Universidade do Rio
Grande do Sul, oriunda do Instituto de Belas Artes, em 1952; a Faculdade de Arquitetura da Universidade
Federal da Bahia, originária da Escola de Belas Artes da Bahia, em 1959; juntamente com a Faculdade de
Arquitetura da Universidade Federal de Pernambuco” (Pereira, 2009: 29).

194
Discussão em torno da pertinência da adoção do modelo ulmiano e questões de
contextualização cultural do ensino de design

Se a Seqüência de Desenho Industrial da FAU-USP nasce dentro de um curso de


arquitetura, em uma universidade, a criação da Escola Superior de Desenho Industrial,
ocorrida no mesmo ano de 1962141, ocorre em um contexto bastante diferente. A seqüência da
FAU e a ESDI, duas instituições que até hoje subsistem, não se distinguem apenas por suas
respectivas localizações, São Paulo e Rio de Janeiro. Se no início dos anos 1960 o país está às
voltas com um processo acelerado de industrialização, que em seu bojo traz à tona a
necessidade de criação de instituições que formem profissionais para a indústria, suas
perspectivas sobre a prática e o ensino de design são bastante diversas.

A história da ESDI tem sido contada a partir de diversas perspectivas. Além de ter a
sua história recriada, a escola tem sido criticada, de diversas maneiras, em vários dos estudos
sobre a história do design brasileiro. Seja entre ex-alunos, seja entre pesquisadores ligados a
outras escolas e disciplinas, o processo de revisão da história do design no país não se esquiva
de passar por um questionamento sobre a proposta e as conseqüências e os legados da Escola.

Entre aqueles que questionam os parâmetros sobre os quais se moldou o ensino de


design na ESDI, Souza Leite pondera que “a ESDI, implantada em 1963, pretendeu
constituir-se como a escola de design moderno no país, não uma escola de design em sentido
mais amplo. Ao fixar essa pretensão como objetivo, sua opção pela universalidade da
linguagem formal e pela adoção do cientificismo reinante em Ulm impediu um olhar mais
atento às circunstâncias precisas do país onde fora instalada. Bolas para o contexto, vamos
trazer para o Brasil o design moderno: parece ter sido este o lema.

Sem avaliar em profundidade as características peculiares da produção e do


consumo no Brasil, desconsiderando toda a sua disparidade, a sua excessiva concentração de
abismos diferenciais na vida social, o design institucionalizado na ESDI encantou-se pelo

141
Deve-se salientar que, nesse mesmo ano de 1962, a Escola de Ulm passava por algumas significativas
transformações, com a saída de Max Bill do posto de direção, que é assumido por Otl Aicher, tendo Tomás
Maldonado como vice. Nesse momento, a estrutura do curso foi modificada, principalmente em relação ao curso
fundamental, que foi interrompido (Souza, 1996: 68).

195
mote da industrialização e conteve, sob comportas bem resguardadas, toda e qualquer
reflexão que pudesse redefinir a atividade em perspectiva mais adequada ao cenário
nacional. Não pensou sequer na tradição do modernismo brasileiro, à qual se opôs,
oferecendo-se como outra face do moderno. Este foi talvez o erro – compreensível, entretanto
– mais crítico de toda a sua história: voltar as costas para a realidade e operar no estrito
campo da idealização. Tornou-se característica marcante do implante mal-traçado do design
no Brasil, do qual, ainda hoje, no alvorecer do terceiro milênio, queixam-se muitos por serem
incompreendidos” (2006a: 260).

Guardadas as devidas particularidades, é possível perceber um certo alinhamento


entre a crítica de Souza Leite, construída dentro da própria Escola, com aquela apontada por
Pereira em sua tese de doutorado (2009), formulada no ambiente da FAU-USP. A crítica
parece ser direcionada a um processo reducionista, que implica em uma descontextualização
(ou alheamento ao próprio contexto), conseqüência da mirada universalista, que se eximiria
de considerar as questões identitárias, culturais, contextuais. Ou seja, “a decisão tomada na
implementação do curso da ESDI pensou um Brasil em abstrato, condizente com a idéia de
um não-lugar e um não-tempo, própria ao abstracionismo geométrico tão ao gosto dos
concretistas. (...) A feição final da ESDI determinou uma concentração total nas atividades
projetivas, postas de lado as questões relativas a um aprofundamento de conhecimento que
buscasse uma adequação ao mundo real” (Souza Leite, 2006a: 278).

Em outro trecho, complementa sua crítica, afirmando que “esse tipo de


procedimento, de alheamento ao próprio contexto, por seu enunciado supranacional,
vinculado a um forte anti-intelectualismo, na medida em que as disciplinas de projeto
ditaram a regra pedagógica, evitando a teoria, e apartado virtualmente das questões da arte,
conduziu o design naturalmente a um posto de estranhamento de si para os outros, e dos
outros para si. De costas para o Brasil, o ensino de um design internacionalista desembarcou
por aqui sem nada negociar com qualquer atividade pregressa existente” (2006a: 279).

Outro professor e ex-aluno da Escola, Washington Dias Lessa, também discute o


modelo acadêmico da ESDI, no artigo “A ESDI e a contextualização do design” (Lessa,
1994). Para ele, assim como para Souza Leite, é possível compreender a escolha pelo modelo
adotado em Ulm - uma releitura do funcionalismo bauhausiano (2003: 147) -, se levamos em
conta que essa tradição, em que os fundamentos da criação não se relacionam às raízes

196
culturais - operando “com um espaço abstrato e infinito e com uma racionalidade técnica que
se pretende universal” (idem) -, é o modelo que, no contexto brasileiro, “melhor se casa com
as aspirações da época” (idem). “Veiculado pelo concretismo e pela arquitetura moderna,
engrossa o caldo do que era então chamado de vocação construtiva brasileira, onde a
postulação germânica de reconstrução racional do país no pós-guerra transfigura-se na
vontade de construção original da modernidade a partir do nada” (idem).

Investigando também os motivos pelos quais o modelo ulmiano se afinaria ao


contexto brasileiro, naquele momento, Dijon de Moraes coloca que “as características da
Escola de Ulm estavam em consonância com uma consciência por parte da nação brasileira
que buscava a sua independência tecnológica, soberania produtiva, ideais de erradicação da
pobreza local pela estrada e pelo viés da modernização. Por tudo isso, se reconhece o
legítimo valor do modelo racionalista como rica referência para o projeto local. A questão
que em seguida se coloca é entender por que o modelo racional-funcionalista dissemina-se de
forma abrangente e determinante, firmando-se por fim como a única e constante referência
projetual para o design brasileiro” (2006: 60).

Se Moraes afirma que Ulm representa o modelo vencedor durante o estabelecimento


da disciplina no país, é porque considera que, naquele momento, havia alguns modelos em
jogo. Indo buscar outras referências que teriam informado a ESDI em seus primeiros anos,
Lessa acrescenta que, ao “ulmianismo sinceramente bem intencionado dos primeiros anos da
escola, se desenvolve um americanismo, que tem seu epicentro na figura de Décio Pignatari.
Em vez da limpa utopia funcionalista alemã, pregava a vitalidade selvagem do mercado de
massa conforme o padrão norte-americano. A valorização da produção era feita através do
consumo, partindo do reconhecimento da mass age planetária e da cultura de massa como
tábula rasa da comunicação eficiente. E nesta busca de um genérico industrial se aproximava
do ulmianismo” (1994: 104).

Muitos dos trabalhos que vem problematizando a história da Escola, necessariamente


voltam sua atenção para a construção do modelo ulmiano de ensino, alguns deles retornando
até uma prefigurada matriz bauhausiana, que teria, em última instância, inspirado a Escola de
Ulm. Nesse sentido, Gui Bonsiepe (1995), citado por Dijon de Moraes, coloca que “o exame
sobre a relevância do modelo de Ulm nos países periféricos pressupõe a definição das
características principais desse modelo” (2006: 59). Moraes ressalta que o modelo ulmiano

197
forneceu “a estrutura de base e as metodologias condutoras não somente para a instituição
da primeira escola brasileira, mas para a maioria das escolas de design instituídas a partir
dos anos sessenta no Brasil. Esse fenômeno (...) acontece de mesma forma em outros países
que compunham também o Terceiro Mundo, como Índia e México”142 (2006: 37).

Ele entende que “países como Turquia, Índia e México, aparentemente distantes do
design brasileiro, revelam-se, ao contrário, bastante próximos desta atividade no Brasil, se
levamos em conta os desafios enfrentados quando da sua instituição e consolidação” (idem:
40). Ressalta que nesses países, os Novos Países Industrializados, “a prática de vincular a
instituição do design local aos modelos preestabelecidos pelos países mais industrializados
vincula, em conseqüência, o desenvolvimento dos produtos aos dos países mais
desenvolvidos” (idem), em um processo que termina por distanciar mais a classe dos
designers dos responsáveis pela produção industrial. Para Moraes, então, o design se institui
nesses países primeiramente a partir das instituições de ensino, e somente de forma mais
tardia, em diálogo e cooperação com o setor produtivo industrial.

Ou seja, nesse processo, a indústria não legitima a prática do design nacional. Assim,
para Moraes, o desenvolvimento da atividade se dá de forma mais lenta do que o desejado
pelos profissionais. No caso brasileiro, a seu ver, a instituição do design ocorre de modo
forçado, uma vez que “o Brasil viveu o estabelecimento do seu design sempre com uma
expectativa de transferência de modelos e soluções provenientes do exterior, se
desenvolvendo não como uma conseqüência direta e espontânea das suas tradições
artesanais e das suas manifestações culturais” (idem: 65). Nesse quadro, Moraes propõe
percebermos o design brasileiro como sendo o resultado de um “conflito entre os interesses de
um grupo de intelectuais (representantes da modernidade brasileira), de um lado, e dos
empreendedores, do outro. (...) o design brasileiro inicia, portanto, o seu percurso como um
discurso unilateral, construído apenas entre designers” (idem: 42).

Sobre essa questão, Nobre pondera sobre as relações entre institucionalização do


design e poder público, notadamente a partir do investimento feito na ESDI pelo então

142
Sobre a instituição do ensino de design nesses países, Moraes cita, na Índia, o National Institute of Design –
NID, em Ahmedabad, que em 1958 teve como visitante o designer americano Charles Eames, e o Industrial
Design Centre – IDC, junto ao Indian Institute of Technology de Bombaim, criado em 1969, e no México, a
Escola de Desenho Industrial da Universidad Nacional Autônoma de México – UNAM, criada em 1969.

198
governador do Estado da Guanabara, Carlos Lacerda. Em suas palavras, “nada pode ser mais
revelador das circunstâncias muito peculiares em que isso se deu que o respaldo dado à
ESDI por um governo de orientação conservadora, essencialmente refratário ao veio
reformista implícito na raiz da linhagem teutônica do design. Pois ainda que vinculado a um
programa político de aplicação inicialmente mais restrita a nível regional, o embrião da
ESDI já era defendido por Lacerda nos primeiros anos de seu governo como “projeto de
interesse nacional”, o que mostra o quanto se acreditava que uma tal escola poderia servir
ao traçado de um plano mais abrangente, que não deixava de projetar a reestruturação da
economia brasileira como um todo e sua inserção num jogo de forças internacionais onde as
polarizações cada vez mais se agudizavam. (...) Assim, vê-se que a idéia de criar uma escola
de desenho industrial no Rio de Janeiro ganhava sentido, para Lacerda, quando associada à
possibilidade de realizar um suposto “bem comum”, a ser lido como inequivocamente
determinado, compreendido e aceito por todos. Como se por meio do desenho fosse possível
dar contorno a uma expressão de democracia disputada por várias frentes, embora a cada
dia fosse se revelando mais intangível” (2008: 100-101).

Nesse movimento, percebe-se como o design foi entendido, por alguns setores do
poder público, “como instrumento de abrandamento dos efeitos perversos da economia de
mercado” (idem: 102). “Nessa chave, uma escola como a ESDI apresentava uma dupla
conveniência: como elo forte na corrente em prol da livre-concorrência e como espaço
institucional capaz de reforçar a oposição lacerdista ao nacional-desenvolvimentismo”
(idem: 105). Assim, à revolução social implícita nas propostas de João Goulart, Lacerda
contrapunha uma revolução tecnológica, afirmando que “a Tecnologia fará por nós o que
Karl Marx queria fazer pelo mundo” (apud Nobre, 2008: 105).

A adoção de um modelo mais vinculado à matriz ulmiana é algo discutido por


diversos críticos do design no Brasil, entre eles Souza Leite, Nobre e Moraes. Em sua “análise
do fenômeno funcionalista na realidade do design brasileiro (2006: 64), Moraes questiona não
apenas a adoção do modelo ulmiano no contexto brasileiro, mas, mais do que isso, a adoção
desse modelo como único. Dadas as dimensões do país, ele considera que diversos modelos
poderiam ter sido testados, nas diversas regiões do território nacional. A questão é: por que
não foram experimentados modelos de ensino diferenciados? Em suas palavras, “deve-se
dizer que, mesmo que algumas tentativas nesse sentido tenham ocorrido no Brasil, o modelo

199
racional-funcionalista vence e torna-se predominante como modelo único e de base para a
instituição do design praticamente todo o país” (idem: 63).

Ainda comentando sobre a influência dos modelos estrangeiros no país, Moraes


pondera que, na arquitetura e nas artes-plásticas, assim como no design, houve, inúmeras
vezes, grandes influências de referências e modelos provenientes do exterior (idem: 43).
Sobre essa questão, cita Darcy Ribeiro e Renato Ortiz, que teriam debatido a questão da
“absorção de idéias estrangeiras e o valor de uma identidade própria e nacional” (idem),
refletindo sobre a influência ou interferência dos emigrantes no Brasil, indo, ambos, na
mesma direção, que apontaria para “uma tese do Brasil enquanto espaço imitativo” (idem).
Imitação que em muitos momentos se transforma em reação. Assim, para Darcy Ribeiro,
segundo Moraes, a Semana de 22 seria uma reação dos artistas a uma forte presença
estrangeira na cena artística paulista.

Moraes comenta que na arquitetura não foi diferente, “houve uma reação contrária
às proeminentes e excessivas referências vindas do exterior” (idem: 45). Para ele, a
aproximação de Lucio Costa e Oscar Niemeyer com as idéias do modernismo europeu,
representado principalmente pela figura do suíço Le Corbusier, é uma aproximação que ao
mesmo tempo se dá enquanto diferenciação, principalmente no trabalho de Niemeyer que,
distanciando-se das questões de racionalização e serialização da forma através da sua ‘livre-
forma modernista’, se distinguiria dos cânones do modernismo praticado na Europa.

Voltando essa discussão para o design, afirma que “não temos, de fato, conhecimento
no âmbito do nosso design, após vários anos da sua instituição no Brasil, de um movimento
ou corrente, como, por exemplo, as já mencionadas Semana de Arte Moderna, de São Paulo,
e a Livre-forma Modernista, de Niemeyer, que tenha propiciado, repita-se, na área do design,
o surgimento de uma linguagem que seja reconhecida como propriamente brasileira e que
tenha grande repercussão, seja na esfera local seja na internacional” (idem: 57).

Fazendo coro com Gui Bonsiepe (1995), quando ele afirma que no Brasil, “no
âmbito do design, a realização de uma identidade ainda não aconteceu” (Bonsiepe, apud
Moraes, 2006: 57), entende que o design brasileiro não promoveu “uma decifração local de
intensidade significativa que proporcionasse o surgimento de um modelo autônomo, que
fosse, por fim, reconhecido como singularmente brasileiro” (Moraes, 2006: 62). Assim, para

200
esse autor, não é que não tenha havido tentativas nesse sentido, mas essas tentativas tem se
dado de forma limitada e frágil.

“Afora a contribuição inconteste de pioneiros, como Joaquim Tenreiro, Zanine


Caldas e Sérgio Rodrigues, no âmbito do produto industrial, e Rubens Martins e Alexandre
Wollner, no do design gráfico, podemos recordar, dentre os protagonistas do design
brasileiro, dois outros de seus importantes representantes a enfrentar os desafios da inserção
da cultura local – autóctone e popular – no design nacional: Aloisio Magalhães, com o
design gráfico, e Lina Bo Bardi, com o design de produto. Aloisio Magalhães era um
personagem com visão de empreendimento, dinâmico e moderno, que procurava inserir a
memória do homem brasileiro no centro de seus trabalhos. Ele foi secretário do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (órgão anteriormente conduzido por Lucio Costa),
criou o Centro Nacional de Referência Cultural – CNRC, a Fundação Nacional Pro-
Memória e foi nomeado Secretário da Cultura do Ministério da Educação. Devemos ainda
ressaltar as atividades de Magalhães junto ao grupo que compunha “O Gráfico Amador”
(Gastão de Holanda, José Laurênio de Melo e Orlando da Costa Ferreira), que representou
uma experiência gráfica literária iniciada em Recife, em 1954, com a finalidade de promover
uma reprodução em série limitada, respeitando as limitações de uma oficina de amadores.

Lina Bo Bardi, com toda sua pesquisa dedicada à arte popular, procurava
encontrar uma via de meio entre o artesanato e a produção em série no Brasil. Como o
escritor Ferreira Gullar, Bo Bardi considerava a cultura popular um claro sinal de
consciência da realidade brasileira. Mas é verdade também que nenhum desses dois modelos
promovidos por Magalhães e Bo Bardi foram disseminados de maneira sistemática no âmbito
do ensino de design no Brasil, ao ponto de tornarem-se reconhecíveis como possíveis
referências e como símbolo de uma escola de design local” (2006: 58-59).

Assim, assume que “existia, na época da instituição do design no Brasil, um forte


desejo, e por que não dizer esperança, da parte local, junto às referências provenientes do
exterior, de realizar algo de novo e próprio que possibilitasse, mais do que um
reconhecimento em nível internacional, a sedimentação dos ícones e do modus vivendi local.
É neste cenário, entre espera e esperança, que o design no Brasil se estabelece, ganha espaço
e desenvolve-se. Justamente no conflito e tensão entre a realidade local e as referências
provenientes do exterior, entre os ideais dos protagonistas oriundos dos países mais

201
industrializados e as aspirações dos atores protagonistas locais. Estes últimos, dotados de
grande sentimento de determinação, apostavam justamente no futuro industrial do Brasil e na
indispensável presença da atividade de design como partícipe no desenvolvimento da cultura
material dentro do processo de modernidade nacional. É interessante notar que o design é
instituído e entendido como um projeto de futuro, exatamente como se via e se vê o próprio
Brasil: como o país do futuro” (idem: 74).

Branzi, citado mais uma vez por Moraes, nutre pelo design sul-americano, e, mais
especificamente, o brasileiro, esse mesmo sentimento de esperança: segundo esse autor, a
modernidade híbrida, traço característico dos países da América Latina, seria um fator
estratégico para que estes ocupem, em um futuro próximo, a liderança no mundo do design.
Assim, hoje, esses países poderiam se valer da ‘vantagem do atraso’, iniciando assim uma
‘etapa projetual muito interessante’.

Além disso, é fundamental considerar as ponderações de Souza Leite sobre as


implicações do modelo de origem alemã sobre a própria historiografia do design brasileiro.
Para ele, a história do design brasileiro, em grande parte se construiu a partir de uma
perspectiva fortemente ancorada no modelo que pretendia observar, o que levou a uma mirada
acrítica da própria história. Em suas palavras, “a persistência do modelo de origem alemã – e,
por extensão, suas ramificações suíças também – reside em fato razoavelmente simples. O
questionamento a respeito de sua eficácia nunca se deu fora do seu próprio âmbito. Ao
considerar que o design era originário desse modelo, toda a crítica no Brasil sempre abriu
mão do que o precedeu, deixando de ser crítica, para de certo modo reiterar os princípios
que buscava discutir. Na medida em que a visão histórica foi abafada pela mítica
estabelecida por essa espécie de visão olímpica, não houve possibilidade de distanciamento
que pudesse autorizar uma verdadeira e densa visão crítica” (2006a: 278).

Escola Superior de Desenho Industrial

Deixando de lado as críticas e o debate em torno do modelo esdiano de ensino de


design, tentaremos nos aproximar de algumas das narrativas que recuperam o processo de
criação da Escola, a fim de entender como ela nasceu. Para Souza Leite, a criação da ESDI

202
deve ser considerada face ao “cenário de forte desenvolvimento industrial no país, o que
exigia nova concatenação de conteúdos e nova prática pedagógica” (idem: 275).

No entanto, a seu ver, é preciso considerar também a sua vinculação com o contexto
das artes plásticas. Em suas palavras, “apesar da reiterada afirmação por parte de vários
autores e comentaristas de que o projeto da escola estava atrelado à expansão da base
industrial, o processo que culminou em sua fundação diz muito mais respeito, conforme se viu
anteriormente, à evolução da arte abstrata entre nós, mais precisamente da arte concreta. A
chegada de idéias sobre um desenho industrial moderno no país processou-se através do
meio das artes plásticas, pelas mãos de Bill e Maldonado. Ao ser transposto para o Brasil, o
modelo da Escola de Ulm não sofreu nem grandes nem pequenas alterações em sua estrutura
pedagógica. A ESDI valeu-se, em 1963, da proposta formulada em 1955 por Maldonado,
portanto por ocasião da inauguração oficial da HfG, quando os princípios do curso
fundamental foram traçados”143 (idem: 276).

Na versão de Pedro Luiz Pereira de Souza, em 1960, a pedido da Federação das


Indústrias de São Paulo, que buscava referências para a criação de um curso de design em seu
estado, Lamartine Oberg partiu em uma viagem a Europa com o objetivo de visitar uma série
de escolas de design e fazer um levantamento sobre o ensino de design no exterior. Entre as
escolas que visitou, podemos mencionar a Hochschule für Gestaltung, em Ulm, Alemanha, a
Kunstgewerbeschule, em Zurique, Suíça, e o Royal College of Arts, em Londres, Inglaterra. A
fim de facilitar o acesso de Oberg a Ulm, o chefe da Divisão Cultural do Ministério das
Relações Exteriores, que era também membro do Conselho Deliberativo do MAM, Vladimir
Murtinho, enviou a Tomás Maldonado, que dirigia a Escola de Ulm, uma carta de
recomendação de Oberg. Passando pela Suíça, Oberg entrevistou Max Bill.

Em seu livro sobre a ESDI, Souza transcreve algumas considerações de Bill quanto à
indagação sobre a criação de uma escola de desenho industrial no Brasil: “Eis uma pergunta

143
Souza Leite ressalta que “esses conteúdos (...) representam ainda a matriz hegemônica da educação em
design no Brasil” (2006a: 276), tendo sido reproduzida em diversas escolas. Nesse sentido, propõe que “é
importante ressaltar como a estrutura de ensino adotada pela Escola de Ulm foi extensamente repetida no
cenário brasileiro. Entramos no século XXI com a cópia mal operada da estrutura de ensino adotada no pós-
guerra, carregando ainda parte da prática pedagógica dos anos 20, e, sobretudo, seguindo a matriz do design
europeu de origem alemã, portanto oriunda de uma realidade muito distante da nossa. Essa matriz alemã, na
impossibilidade de desenvolver-se em territórios afeitos a outros modelos, encontrou na América Latina o
terreno particularmente fértil para a sua expansão” (idem: 277).

203
difícil de responder. No entanto, vou ser franco. Acho muito difícil que isso aconteça, isto é,
que seja organizada uma escola desse tipo, por vários motivos: existe por hábito no Brasil
começar as coisas e depois, sem chegar a um resultado, não se falar mais no assunto. Por
diversas pessoas tenho tido conhecimento de planejamentos em torno do assunto.

Mário Pedrosa disse-me que iria fundar em Brasília um Instituto Superior de


Desenho Industrial, anexo à Universidade de Brasília. Nada sei até agora. Como ele
conseguirá professores? Caso existissem, iriam esses professores, em regime de atividade
total, viver em Brasília? A distância de Brasília dos grandes centros industriais diretamente
interessados no problema será de antemão um empecilho. Por isso não acredito nessa escola.
Niomar Sodré também falou-me desse assunto mas, ultimamente, tenho sentido que as
atividades do Museu estão estacionárias. O Sr. Vladimir Murtinho também está empenhado.
Mas, volto a fazer a pergunta: com que professores? Certamente que com bons professores
tudo é possível, principalmente não contratando um professor argentino.

As opiniões aqui na Europa ainda são completamente diferentes de designer para


designer quanto à melhor forma de educar na formação do desenho industrial. No Brasil esse
choque deverá ser maior ainda. Existe muita incompreensão sobre esse assunto. Não creio
que seja fácil organizar um grupo capaz de levar esse ideal adiante. Em qualquer
circunstância, existem no Brasil e residindo atualmente em São Paulo, dois ex-alunos meus.
Estudaram comigo em Ulm e são excelentes. Eles certamente poderão ser úteis. O Karl Heinz
Bergmiller que é alemão e o Alexandre Wollner. Almir Mavignier, que ainda está na Europa,
é também um magnífico rapaz” (Relatório de Lamartine Oberg ao Ministério das Relações
Exteriores, apud Souza, 1996: 14).

Quando Oberg retornou da Europa, foi convidado pelo governador do Estado da


Guanabara, Carlos Lacerda, a relatar sua percepção quanto às escolas que visitara. Lacerda,
que já conhecia a proposta da HfG-Ulm, decide, então, criar um curso de design no Estado.
Além disso, seu secretário de Educação e Cultura, Carlos Flexa Ribeiro, também membro do
Conselho Deliberativo do MAM, acompanhara de perto as tentativas de criação da ETC.

Em um primeiro momento, e argumentando por questões burocráticas, planejou-se


criar o curso de design no Instituto de Belas Artes do Estado da Guanabara, que era a
instituição mais disponível e flexível existente (Souza, 1996: 12). Segundo seu regulamento, o
IBA tinha por missão “ministrar o ensino das artes plásticas e suas aplicações técnicas e

204
industriais com a finalidade de desenvolver a capacidade de artífice e aprimorar vocações
artísticas” (Niemeyer, 2007: 81). Além disso, Oberg era diretor desse Instituto, criado em
1950. Souza comenta que as conclusões do relatório144 que Oberg apresentou ao Ministério
das Relações Exteriores têm muito a ver com seu desejo pessoal de criar o curso de desenho
industrial no IBA. “Criado em 1950, o IBA nunca conseguira definir-se adequadamente. (...)
A inclusão de um curso de nível superior garantiria a essa instituição a carente
credibilidade, uma vez que os cursos lá existentes sequer tinham autorização oficial. Mas, se
fosse adotado um plano como o de Maldonado, era certo que profundas modificações seriam
necessárias na estrutura e no quadro docente do IBA, além da extinção pura e simples dos
outros cursos por sua incompatibilidade com os princípios gerais do referido plano.
Provavelmente por esse motivo, e também por formação ideológica, as idéias de Maldonado
não serviam para Lamartine Oberg” (1996: 12).

144
Segue aqui a conclusão do relatório que Lamartine Oberg entregou ao Ministério das Relações Exteriores, em
1961, intitulado “Solução brasileira para o industrial design”: “1. É prematuro organizar imediatamente uma
Escola de Desenho Industrial. Porque: a. os industriais não possuem ainda consciência do problema; b. a
opinião pública é também pouco esclarecida; c. não existem professores; d. não é conveniente solução estatal;
2. A solução italiana, endossada pelos demais especializados em diversos países é a melhor para o Brasil.

Criar um Conselho Nacional de Desenho Industrial – CNDI – em que tomarão parte industriais, críticos,
economistas, arquitetos, desenhistas, representantes dos poderes públicos, diretores de museus, diretores de
vendas, gráficos, técnicos de produção e difusão.

Caberia a essa associação (objetivos): a. debater o problema sob o ponto de vista do industrial; b. difusão.

Seriam utilizados os seguintes meios: a. editar uma revista de desenho industrial; b. organizar exposições
itinerantes de produtos industriais que mais tenham se destacado no estudo da forma; c. julgar esses produtos e
premiá-los; d. premiar industriais e desenhistas industriais em colaboração com o comércio; e. manter
intercâmbio com as demais associações de desenho industrial do mundo; f. enviar representantes a todas as
reuniões e congressos internacionais de desenho industrial; g. filiar-se ao ICSID; h. possuir biblioteca
especializada assinando as mais importantes revistas especializadas do mundo; i. distribuir bolsas de estudos
para desenhistas, arquitetos e professores que queiram se especializar no estrangeiro em colaboração com o
Departamento Cultural do Itamaraty, Museu de Arte Moderna e indústrias; j. planejar um Instituto Superior de
Desenho Industrial que, por etapas, venha cumprir sua importante missão.

Essa solução é, fora de dúvida, a que corresponde a uma realidade brasileira. Como solução imediata no setor
de ensino, o que poderíamos realizar seriam cursos básicos (fundamentais) nos moldes dos cursos da Bauhaus
que, levando o estudante através da prática artística e manual libera sua força expressiva e criadora e
desenvolve uma personalidade ativa.

Esse curso que, fora de dúvida, representa ainda hoje uma revolução no ensino da arte, é uma necessidade que
se impõe como uma tentativa renovadora para sacudir a estrutura do nosso defeituoso e ineficiente ensino
artístico. Após o curso básico poderíamos dar início ao curso de industrial design no setor de gráfica que, por
sua natureza, não iria exigir equipamentos dispendiosos, bem como local especializado. Assim, pouco a pouco,
o Museu de Arte Moderna iria ampliando a estrutura dos cursos até organizar um Instituto de Estética
Industrial onde, em caráter mais amplo, poderiam ser ministradas diversas especialidades do industrial design”
(Oberg apud Souza, 1996: 14-15).

205
Em 1961, foi criado um grupo de trabalho que definiria as bases do curso a ser
criado. Entre os membros do grupo, estavam Flexa Ribeiro, Wladimir Alves de Souza, diretor
da Faculdade Nacional de Arquitetura, Maurício Roberto, presidente do Instituto dos
Arquitetos do Brasil, e Lamartine Oberg. A referência inicial do grupo foi o plano elaborado
por Tomás Maldonado para a Escola do MAM. Segundo Alexandre Wollner, “além de
Maldonado, a comissão convidou, para dar parecer e recomendações, os ingleses Mischa
Black e Robin Dawin, do Royal College of Art de Londres, Jay Doblin, do Pratt Institute, e
Joseph Carrero, da Philadelphia Art School. Embora o RCA fosse mais técnico e focado
seriamente no ensino do design, também era orientado para artes, como as instituições
americanas. Aloisio, que tinha vínculos com Joseph Carrero – favorável ao ensino acadêmico
estético de belas-artes -, repudiou, juntamente com os americanos, o programa baseado na
HfG. Como Bergmiller e eu mostrássemos firmeza nos conceitos elaborados pela HfG, o
programa foi aprovado pela comissão.

Queríamos que a escola integrasse os nomes design ou gestalt, por serem


considerados por nós os mais apropriados. Mas o padrão burocrático oficial não admite
palavras estrangeiras em detrimento do português. Desenho industrial tem a conotação de
uma profissão de nível médio técnico já existente. Design, enfocado na gestalt, refere-se a um
significado mais complexo. No entanto, como não é o nome que faz a escola, sentimos que
além de lutar por novas idéias seria desgastante lutar por isso também” (2003: 149).

Depois de alguns debates, Oberg terminou por se afastar da comissão e, “da


comissão original restaram Mauricio Roberto e Wladimir Alves de Souza” (Souza, 1996: 28).
“Outras pessoas tiveram acesso às deliberações e, por isso, tornou-se necessária uma
confirmação definitiva do currículo. Aloisio Magalhães e Alexandre Wollner, que ainda no
tempo do projeto do MAM, haviam-se aproximado dos trabalhos, foram dois profissionais
que exerceram influência junto à comissão. Wollner era seguramente um dos defensores do
caráter do curso145. (...) O rigor de Wollner e a natureza mais espontânea de Aloisio situaram
objetivamente alguns dos critérios básicos para a área de comunicação visual, com
predominância das idéias mais precisas do primeiro” (idem).

145
Segundo Wollner, “o projeto pedagógico aprovado da escola foi praticamente uma vitória minha e de
Bergmiller, pois conseguimos manter a idéia original de Maldonado, ligeiramente adaptada à realidade de
nossa cultura” (2003: 147).

206
Além de Wollner e AM, Souza destaca a importância de Karl Heinz Bergmiller para
a conformação do currículo que vem a ser implementado na ESDI. A Bergmiller, Souza
credita a introdução da perspectiva que afirma que “o design pode proceder de análises
críticas e de métodos racionais” (idem). Ex-colega de Wollner em Ulm, o alemão chegara ao
Brasil como bolsista em 1958. Inicialmente radicado em São Paulo, colaborou, ainda nos anos
1950, no escritório cooperativo Unilabor. Indicado por Wollner e por AM, veio para o Rio a
fim de integrar a comissão de ensino da ESDI. Wollner e Bergmiller terminaram por
conformar um bloco ulmiano146, que por apresentar, segundo Souza, as propostas mais
convincentes (idem: 32), terminou por viabilizar a sua versão de currículo para a escola.

A propósito da criação da escola, o “Jornal do Brasil” publicou, em 30 de abril de


1960, matéria intitulada “Museu, governo e desenho industrial”. Assinada por Harry Laus:
“As coisas acontecem no Brasil da maneira mais absurda possível. O exemplo mais recente é
a ESDI. O governo tem dinheiro mas não tem escola. O MAM tem a escola mas não tem
dinheiro. Em vez de uma aliança para o progresso o governo adapta um prédio velho onde
funcionará mal instalada a escola e o MAM continuará a funcionar mal num prédio
especialmente construído para ser uma escola da forma industrial. Quem poderá garantir
que a escola vá adiante se o curso é de quatro anos e começará em 64 com instalações
apenas para o primeiro. Se Jânio Quadros paralisou as obras de Brasília, porque um
governador não poderá fazer o mesmo com a escola? Mas parece que o fato está consumado.

Então vamos a outro ponto. Como se sabe o industrial design é considerado obra de
vanguarda e, nem mesmo na Itália, onde está consideravelmente desenvolvido, possui
organismo especial para esse fim. Daí resulta a escassez de pessoal apto a instruir novos
alunos. Que dizer do Brasil? Temos Alexandre Wollner e Bergmiller que estudaram em Ulm e
Aloisio Magalhães com alguma experiência adquirida na Europa e nos Estados Unidos.
Quem mais? Outros professores serão recrutados no estrangeiro, como já se anuncia a vinda

146
Se, para Wollner, a ligação com Ulm é vista de forma positiva, logo nos primeiros anos da escola ela foi
percebida, por alguns alunos, como negativa. Para Souza, a questão em torno de uma importação direta do
modelo ulmiano, “inverdade repetida (que) começava a ganhar contornos de verdade e, através de versões
populistas, delineava uma falsa imagem, não tanto da ESDI que, afinal, era uma realidade próxima, mas da
HfG-Ulm” (Souza, 1996: 52), mitificada. Segundo esse autor, o que de fato a ESDI recebeu de Ulm foi “o
preceito de que o design e demais atividades criativas formais poderiam e deveriam ser exercidas como fatores
de educação e esclarecimento da sociedade. Como epígono do positivismo e do movimento moderno, essa idéia
trazia em si um moralismo aplicado ao objeto e ao seu projeto” (1996: 52).

207
de Max Bense para um curso de seis meses; mas o dólar não há de permitir longa
permanência e as matérias serão condenadas para prejuízo dos alunos. Esperamos que o
arquiteto Maurício Roberto, diretor da escola, e o professor Flexa Ribeiro, como o
conhecimento que têm do assunto, possam aliar seus esforços para o sucesso de um
empreendimento tão mal nascido” (apud Souza, 1996: 17).

De fato, a comissão que planejava a escola procurou o MAM, mas as negociações


para a instalação da ESDI no museu não chegaram a termo. A solução encontrada foi a
ocupação de um prédio na Rua Evaristo da Veiga. Sobre a escolha do prédio, Souza relembra
que “segundo depoimento de Flávio de Aquino em 29 de junho de 1984, em sua aula de
despedida da ESDI, ele e Simeão Leal, ambos fazendo parte da comissão de estruturação da
ESDI, passaram um dia em frente a um velho prédio na Lapa. “Havia ao lado uma oficina de
consertos de rádios e nos fundos, uma espécie de teatro e cinema, onde me lembrei que havia
assistido o Limite de Mário Peixoto. Simeão olhou para aquela cabeça-de-porco, cheia de
gente, papagaios e tudo mais e perguntou: O que é isto aqui? Quem mora aqui? Dou 48
horas para todo mundo ir embora. O local é este!”

Estava concretizada a “solução Evaristo da Veiga”. O prédio já tivera várias


utilidades, entre elas um laboratório da Polícia Militar do antigo Distrito Federal e sede da
Rádio Roquete Pinto. A posse do terreno nunca foi definida, o que mais tarde ocasionaria
problemas à escola. Mas na época de Carlos Lacerda, esse era um problema menor, algo que
poderia ficar para mais tarde. Mauricio Roberto fez os planos para a reforma e,
rapidamente, os trabalhos foram iniciados. Em sete meses tudo estava pronto” (1996: 22).

Em 30 de outubro de 1961, Lacerda apresentou à Assembléia Legislativa as


diretrizes do curso147. Assim, “em 25 de dezembro de 1962 criou-se formalmente a Escola

147
Em suas palavras: “Entre os temas de nossa preocupação ao darmos início ao atual governo, já se
encontrava o de implantar no Estado da Guanabara, um curso de nível universitário para formar especialistas
capazes de desenvolver atividade criadora no amplíssimo campo dos projetos para a indústria. A tal ponto que
estávamos convencidos de que a indústria nacional não poderia progredir na base da reprodução de produtos
industriais importados e de formas concebidas fora do contexto cultural brasileiro que fizemos incluir, na
proposta orçamentária enviada à Assembléia Legislativa, a dotação de 20 milhões de cruzeiros para instalar e
manter essa nova atividade no âmbito do Estado. A compreensão dos Srs. Deputados para o projeto em apreço
ficou demonstrada pela consignação, na Lei Orçamentária (lei n. 87 de 9.12.61) da dotação de 18 milhões de
cruzeiros para tal fim (verba 400-3298). Dias depois de aprovado o Orçamento em 12.12.61, pela portaria n.
1439 da SGE, foi instituído grupo de trabalho para estabelecer e propor bases para a criação do Curso de
Desenho Industrial. Desse grupo de trabalho, presidido pelo secretário de Educação e Cultura fazem parte o Sr.

208
Superior de Desenho Industrial, como órgão relativamente autônomo da Secretaria de
Educação e Cultura do Estado da Guanabara” (idem: 44). A inauguração da escola,
inicialmente dirigida por Mauricio Roberto, aconteceu em 10 de julho de 1963, com a
presença do governador.

“No dia 09 iniciaram-se os exames de admissão, bastante diferentes dos existentes.


Inscreveram-se 227 candidatos. Dos 30 selecionados, 27 eram brasileiros e 3 estrangeiros,
situando-se a média de idade em 25 anos. Ainda desse total, 18 eram solteiros e 12 casados,
25 eram homens e 5 mulheres. Vindos diretamente do curso médio havia apenas 10 alunos.
Os demais já haviam concluído ou cursavam arquitetura (6), belas-artes (3), ou exerciam
profissões afins como desenhistas (4), técnicas (3) ou publicidade (1). Esses alunos passaram

Wladimir Alves de Souza, diretor da Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil, Maurício
Roberto, presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil e Lamartine Oberg, diretor do Instituto de Belas Artes.

Do trabalho dessa comissão já resultou a elaboração do currículo a ser adotado, compreendendo o conjunto de
disciplinas práticas e teóricas. Em síntese, o curso constará de um primeiro ano fundamental, comum a todos os
estudantes. Os dois anos escolares subseqüentes compreenderão a especialização em duas áreas diversas: a
primeira destinada a propiciar a formação de indivíduos com capacidade criadora no domínio dos produtos
industriais; a segunda relativa ao domínio da comunicação visual e verbal e também da informação.

Para melhor estruturação do curso, em janeiro do corrente ano, o secretário de Educação tomou providências
junto ao Ministério das Relações Exteriores para fazer vir, por um período de três semanas, o Sr. Jay Doblin,
diretor do Instituto de Desenho Industrial de Chicago. Espera-se da vinda do Sr. Jay Doblin, uma ampla troca
de idéias acerca da formulação do curso de modo a, desde o início, aproveitarmos a experiência já realizada no
exterior a respeito de uma atividade ainda não existente no ensino universitário de toda a América do Sul. Com
a mesma intenção, estamos mantendo entendimentos com o embaixador Paulo Carneiro, delegado do Brasil
junto à UNESCO, para se incumbir de articular cooperação internacional indispensável à vinda de professores
europeus para as disciplinas que ainda não existem nos currículos brasileiros.

Para melhor esclarecimento dos ilustres Srs. Deputados, passamos a enumerar no seu conjunto as disciplinas
que compreende o currículo: Metodologia Visual, Desenho Técnico, Artes Tipográficas, Desenho à Mão Livre
(croquis), Perspectiva, Metodologia, Sociologia, Teoria da Percepção, História da Cultura do Século XX,
Teoria da Produção, Tecnologia, Pesquisa Operacional, Teoria da Ciência, Fisiologia Aplicada, Seminário de
História do Desenho Industrial do Século XX, Mecânica, Direitos Autorais e Royalties, Semiótica, História da
Arquitetura de Interiores e do Mobiliário a partir da Revolução Industrial.

Para atender às necessidades do ensino todas as seções serão precedidas de um curso fundamental comum a
todas as seções e especialidades. (...) O plano que vai acima exposto dispensa comentários. Com efeito, a rápida
trajetória desenvolvida no mundo contemporâneo pelo desenho industrial vem confirmar a sua capital
importância, não apenas no sentido da valorização dos produtos industrializados, mas também, no de mostrar
que, no fim das contas, o mundo de hoje está voltando à tradição milenar pela qual um objeto utilitário deve ser
também um objeto belo. A circunstância de que esses objetos sejam produzidos pela máquina, em série e não
mais diretamente pela mão do homem, em pequeno número, não invalida a idéia de Beleza. Antes a multiplica e
faz dela um patrimônio, um bem comum da Humanidade, quando antes era o apanágio de um pequeno grupo ou
o privilégio de um indivíduo. Daí seu sentido altamente democrático. Para dar execução a tão significativo
projeto, de interesse nacional, dentro em pouco o governo baixará os atos necessários à criação do Curso de
Desenho Industrial de acordo com o que está contido na lei que criou o IBA” (apud Souza, 1996: 22-25).

209
por prova de língua estrangeira (peso 1), português/redação (peso 2), teste
vocacional/desenho (peso 3) e nível cultural/conhecimentos gerais (peso 4). Segundo
publicação da ESDI, de abril de 1964, nenhuma dessas provas era isoladamente
eliminatória. Os candidatos aprovados na primeira etapa deveriam submeter-se a entrevistas
com os professores, sendo selecionados os trinta primeiros colocados. Em ambas as etapas,
os graus das provas seriam os seguintes: mau, regular, bom e ótimo. Uma vez aprovado pelo
exame de seleção, o candidato deveria requerer sua matrícula na escola” (idem: 91-92).

Comentando o processo de criação da escola, Souza pondera que “os dados


referentes à origem da ESDI permitem algumas conclusões. Inicialmente deve-se questionar
uma distorção que passou a integrar amplos setores do senso comum: a idéia de que o
programa inicial era uma cópia da HfG-Ulm. A influência era evidente, mas não se tratava
de simples transplante. A adoção de um programa radicalmente técnico não foi uma atitude
imatura. Resultou de uma reflexão sobre diversas hipóteses e a escolha recaiu sobre aquela
que, alem de inovadora, foi apresentada de forma mais consistente. O processo amadureceu
durante quase oito anos. Nesse período interferiram várias pessoas, permanecendo, porém,
um núcleo que garantiu a continuidade do projeto. Reduzir todo o trabalho a um conjunto de
ações descoordenadas e ao voluntarismo de alguns indivíduos, cujo resultado seria apenas
um papel carbono do currículo da Hfg-Ulm, seria menosprezar, por exemplo, a inteligência e
a habilidade de Aloisio Magalhães, sabidamente um designer não comprometido com os
princípios da pura racionalidade e das metodologias sistemáticas. Aloisio estava direta ou
indiretamente ligado a todo o processo e sua posterior evolução conceitual dentro do design,
desenvolvida em princípio dentro da ESDI, não admitem avaliações tão simplistas como a
hipótese do transplante acrítico” (idem: 44).

Em sua tese de doutorado, Nobre examina de forma comparativa os currículos das


duas escolas. Para ela, tal exame revela que, conforme a colocação de Souza supra-citada, há
diferenças significativas entre os dois programas que tem sido deixadas de lado (2008: 65).
Uma diferença importante tem a ver com o ensino de arquitetura, presente em Ulm e excluído
do currículo da escola carioca. Essa exclusão denota, para a autora, a intenção, na escola
carioca, de fixar uma linha divisória entre práticas consideradas, em Ulm, como
interdependentes (idem: 67). Assim, segundo ela, “se tomarmos como parâmetro a escola
ulmiana, portanto, não podemos deixar de problematizar os limites dados à concepção de
design que se tornou dominante na ESDI, onde as relações com os arquitetos se mostraram

210
bem mais delicadas, quando não tensas” (idem: 71), mesmo havendo, na escola, uma
significativa presença de profissionais oriundos da arquitetura.

Discutindo a passagem de alguns arquitetos pela escola, ainda nos anos sessenta, se
pergunta se “não seria, afinal, contraditória a ausência do ensino da construção numa escola
que reivindicava para si uma correspondência com a vertente alemã do design” (idem: 89).
Assim, “até que ponto ainda se poderia dizer que o programa da ESDI seguiu o modelo
ulmiano, uma vez que a ausência de estudos de arquitetura aponta, como se vê, para o que
talvez possa ser considerado uma renúncia de uma de suas premissas fundamentais” (idem).

Se a ESDI se difere da FAU-USP e da HfG-Ulm, entre outras coisas, por uma


perspectiva que distingue a prática de design da arquitetura, a proposta de LBB para a criação
de uma escola de desenho industrial na Bahia distingue-se de todas elas, na medida em que
aproxima o design da atividade artesanal. Nesse sentido, vai mais longe no questionamento
dos parâmetros que orientam as visões do moderno por trás das escolas paulista e carioca.

Escola de Desenho Industrial e Artesanato

A Escola de Desenho Industrial e Artesanato foi elaborada por Lina Bo Bardi, em


Salvador148, Bahia, entre os anos 1962 e 1963, como parte das atividades que ela planejava
desenvolver junto ao Museu de Arte Popular149, a ser instalado no Solar do Unhão150, edifício

148
Zeuler Lima lembra que no fim dos anos 1950, “Salvador passava por uma revitalização econômica trazida
pela descoberta de jazidas de petróleo no Recôncavo Baiano e pela criação de uma grande refinaria na região.
A expansão do capital econômico local convidava a uma renovação do capital simbólico. Com isso, se abriram
muitas possibilidades culturais. A principal decisão nesse sentido veio do reitor da Universidade da Bahia,
Edgar Santos, que aproveitou a oportunidade para reposicionar Salvador no panorama nacional. Ele investiu
em programas culturais, artísticos e educativos e contratou profissionais e artistas proeminentes para dar
cursos na universidade. Vários deles eram europeus que tinham imigrado para o sul do Brasil anos antes. Entre
eles, se destacaram o compositor Hans Koellreuter e a própria Lina Bo Bardi. A administração de Edgar Santos
teve vida curta, entre 1959 e 1960, tendo sido demitido dadas a intolerância e a pressão tanto de grupos
conservadores quanto dos grupos estudantis de esquerda. Ainda assim, esse período marcou o surgimento de
um movimento de vanguarda artística e renovação cultural na Bahia, que teve Lina Bo Bardi como um
elemento-chave desse processo” (2007: 48-49).
149
O MAP foi inaugurado com duas exposições: “Artistas do Nordeste” e “Civilização do Nordeste”. Na
primeira, pinturas eram expostas em cavaletes ou nas paredes caiadas do museu. Entre os pintores que dela
participaram, a maioria provinha da Bahia, de Pernambuco e do Ceará. Entre eles, estavam João Câmara,

211
que ela restaurava com o objetivo de sediar o Museu de Arte Moderna da Bahia. Nesse
sentido, era entendida como parte intrínseca ao projeto para o Unhão (Rossetti, 2002: 70).
Esse projeto, por sua vez, se inscreve em uma série de ações planejadas por LBB para a
Bahia, durante seu primeiro período no estado, entre 1958 e 1964.

Em abril de 1958, LBB vai a Salvador, convidada pelo diretor da Escola de Belas
Artes da Universidade da Bahia, o professor Mendonça Filho, a dar duas palestras. Em agosto
do mesmo ano, ela retorna à cidade, mais uma vez a convite de Mendonça Filho, dessa vez
para colaborar com o professor Diógenes Rebouças na disciplina “Teoria e filosofia da
arquitetura”, durante três meses. A Universidade da Bahia, na época sob reitoria de Edgard
Santos, passava por um momento de transformação. Nesse movimento, foram criados a
Escola de Teatro, os Seminários Livres de Música e a Escola de Dança.

Uma vez na Bahia, LBB é convidada por Odorico Tavares a dirigir um suplemento
dominical do Diário de Notícias de Salvador. Nesse suplemento, chamado de “Crônicas de
Arte, de História, de Costume, de Cultura da Vida”, ela colaborava com o maestro Hans

Francisco Brennand e Sante Scaldaferri. Na segunda, cerca de mil objetos utilitários eram expostos “separados
dos rituais, religiosos ou de fruição, para acentuar seu caráter de série e exemplaridade, de objetos artesanais
que deveriam ser convertidos em protótipos para uma nova abordagem do desenho industrial. Um caminho
pobre que não fosse o dos gadgets, mas do objeto pobre e utilitário elevado à dignidade, sobre o qual se
construía uma atmosfera gramsciana de saber comum, bom senso, bom objeto. Objetos comprados na Feira de
São Joaquim, Água dos Meninos, eram transmutados por uma estetização pragmática, política, parte de um
projeto que culminaria na escola de artesanato que Lina pretendia instalar no novo museu, mas que já era parte
agendada do Museu de Arte Moderna” (Rubino, 2002: 189).
150
Segundo Lima, “o antigo solar e a igreja tinha sido construídos no século XVII e tinham sido reformados
periodicamente para diferentes usos até o século XIX. Essas transformações tinham eliminado muitas das
características originais dos edifícios tais como a ornamentação e várias paredes divisórias, o que deu a Lina
grande liberdade para o trabalho de conversão e restauro. Ela removeu os elementos excessivos a fim de
enfatizar a clareza estrutural dos edifícios, o que lhe causou grande resistência por parte do SPHAN” (2007:
66). Com sua proposta para a reforma do conjunto do Unhão, LBB “introduziu uma abordagem crítica à
restauração dos edifícios históricos” (idem: 68), abordagem que se difundiu entre os anos 1970 e 1980. Segundo
ele, para LBB, assim como para Lucio Costa, “a prática do restauro era problemática” (idem), no entanto, LBB
divergia de Costa, porque enquanto ele “estava interessado em como as técnicas coloniais portuguesas de
construção tinham formado a arquitetura brasileira e enfatizava a continuidade entre o legado europeu ao
fundir as tradições coloniais e barrocas com o funcionalismo moderno” (idem), LBB “suspeitava das idéias
tradicionais sobre preservação, apesar de ter aprendido muitas técnicas com seu professor Gustavo Giovannoni
na faculdade de arquitetura de Roma” (idem). Nesse sentido, para Lima, a postura de LBB não representava um
desprezo pela idéia de patrimônio histórico, mas, sim, um respeito maior pelo valor social do edifício do que pela
sua aparência formal. Assim, “ela valorizava o patrimônio histórico mais pelo seu potencial de uso no presente
do que por sua função como documento do passado” (idem: 70). Para Pereira, a forma de valoração do
patrimônio histórico ensaiada por LBB com a intervenção no Solar do Unhão, que gerou uma série de
indisposições com o SPHAN, é marcada pelo conceito de ‘presente histórico’, e, por isso, delimita uma nova
maneira de conceber o restauro, que ela irá repetir em outro projetos, entre as décadas de 1970 e 1980.

212
Joachin Koellreuter, o escultor Mario Cravo, o professor Martim Gonçalves da Escola de
Teatro da Bahia e o cenógrafo Gianni Ratto151. Ali, discute, entre outras coisas, “a
necessidade da criação de instituições culturais renovadas envolvidas em projetos
educacionais da população” (Pereira, 2008: 111). Nesse momento, defende a criação de
escolas e museus para a cidade de Salvador. Em sua concepção pedagógica do museu, ele é
entendido como um “centro educativo e formador cultural da população” (2008: 113):

“O que é um Museu? Correntemente, quando se quer designar uma pessoa, uma


coisa, uma idéia antiquada, inútil, fora de uso, costuma-se dizer: “é uma peça de museu”.
Querendo indicar com estas palavras o lugar que, no quadro da cultura contemporânea, o
museu ocupa lugar poeirento e inútil. (...) o museu moderno tem que ser um museu didático,
tem que juntar à conservação a capacidade de transmitir a mensagem que as obras devem
ser postas em evidência que diríamos quase de função didática (...). o complicado problema
de um Museu tem que ser hoje enfrentado na base “didática” e “técnica”. Não se pode
prescindir dessas bases, para não cair em um museu petrificado, isto é, inteiramente inútil”
(Bardi, 1958, apud Pereira, 2008: 112).

Em seu projeto, o museu se transformaria em um centro de estudo do trabalho


artesanal152, em que artesãos e estudantes de industrial design conviveriam153, trocando

151
Além dessas pessoas, deve-se mencionar, que a rede de sociabilidades de LBB em Salvador envolvia Martim
Gonçalves, Mário Cravo, Diógenes Rebouças, Pierre Verger, Glauber Rocha, Jorge Amado, Zélia Gattai, Carybé
e Sante Scaldaferri (Rossetti, 2007: 128).
152
“O centro de documentação estaria encarregado de inventariar as diversas manifestações da cultura popular
do Nordeste. Para conhecimento dos centros produtores e para reconhecer aquelas peças que já encontrava em
mercados e feiras, o que eram vendidas por ambulantes em Salvador, Lina Bardi viajou pelo Recôncavo Baiano,
pelo Polígono das Secas e por algumas capitais nordestinas, mapeando as técnicas e recolhendo objetos. (...) A
extensão do roteiro das cidades percorridas por Lina Bo Bardi adquire nuances de itinerário de uma expedição,
pois eram organizadas e os tipos de peças que poderiam ser encontrados já eram muitas vezes conhecidos de
antemão. Uma seleção desses objetos coletados estaria exposta na abertura do Museu de Arte Popular com a
exposição “Nordeste”, em 1963. Todo o levantamento in loco da produção manufatureira foi listado e
organizado com mapas, demarcando e estabelecendo relações entre os centros produtores e as técnicas;
relacionando as matérias-primas aos objetos manufaturados; configurando um quadro geral do grau de
aprimoramento e da capacidade técnica dispersa pelo território nordestino” (Rossetti, 2002: 63-64).
153
Sobre essa proposta, LBB comenta no “Diário de Notícias” de Salvador, em um texto de 26 de outubro de
1958, intitulado “Arte industrial”: “O problema (...) é a cisão entre técnico e operário executor. O arquiteto que
projeta um edifício não convive com o pedreiro, o carpinteiro ou o ferreiro. O desenhista de objetos domésticos,
com o ceramista, o vidraceiro. O desenhista de móveis com o marceneiro. Cada um por conta própria. O
desenhista técnico tem complexo de inferioridade pela ausência de competência prática. O operário executor é
aviltado pela falta de satisfação ética do próprio trabalho. O assunto central poderia ser colocado na base da
colheita imediata de todo o material artesanal antigo e moderno existente em cada país, na criação de um

213
experiências154 (Rubino, 2002: 188). Assim, LBB “condiciona o futuro funcionamento da
Escola de Desenho Industrial e Artesanato às atividades de um centro de pesquisa para
inventariar a produção do artesanato e da manufatura popular de todo o Nordeste,
deslocando uma questão de sua formação italiana aprimorada com Giò Ponti como um
problema de desenho industrial nacional, brasileiro” (Rossetti, 2007: 128). O centro de
documentação, “afastando-se da mera eleição de representações da brasilidade folclorizada,
buscava reunir objetos do pré-artesanato regional nordestino. O acervo composto serviria de
referência ao desenvolvimento de uma tecnologia baseada no design dos objetos
popularmente produzidos no Nordeste” (Chagas, 2002: 72). Nesse sentido, afirma Sante
Scaldaferri que “Lina iria implantar ali a Universidade Popular. A idéia dela era juntar
artesão e arquitetos. Quer dizer, o artesão imaginava coisas e o arquiteto, o estudante de
arquitetura desenhava, ou vice-versa, e fazia uma perfeita colaboração entre o cara que ia
fazer e o cara que ia projetar, não é? Era isso a idéia dela, essa ela não conseguiu. Era
implantar uma espécie de design popular” (apud Pereira, 2008: 275).

Inaugurado em 06 de janeiro de 1960, seu acervo inicial foi constituído por uma
doação de 87 obras do Museu de Artes do Estado. Sua sede provisória foi o foyer do Teatro
Castro Alves, que, devido a um incêndio, estava desativado. Em 1963, o Museu foi
transferido para o Solar do Unhão, onde funciona até hoje. É importante ressaltar que nesse
período LBB desenvolvia também o projeto da nova sede do MASP, em São Paulo. Assim,
passava parte de seu tempo entre as duas cidades. Mesmo afirmando “que São Paulo não era

grande museu vivo, um museu que poderia se chamar de Arte e Arte Industrial, e que constituísse a raiz da
cultura histórico-popular do país. Este museu deveria ser completado por uma escola de arte industrial (arte no
sentido de ofício, além de arte) que permitisse o contato entre técnicos desenhistas e executores. Que
expressasse, no sentido moderno, aquilo que foi o artesanato, preparando novas levas, não para futuras utopias,
mas para a realidade que existe e que todos conhecem: o arquiteto de prancha que desconhece a realidade da
obra, o operário que não sabe ler uma planta, o desenhista de móveis que projeta uma cadeira de madeira com
as características do ferro, o tipógrafo que compõe mecanicamente sem conhecer as leis elementares da
composição tipográfica e assim por diante. Os primeiros fora da realidade e dentro da teoria. Os outros,
amargurados pelo trabalho mecânico de soldar uma peça, apertar uma porca, sem conhecer o fim do próprio
trabalho” (apud Rossetti, 2002: 121).
154
Sobre a colaboração entre artesãos e projetistas, LBB declara: “A nossa é uma época coletiva. Ao trabalho do
artesão-dono substitui-se o trabalho de equipe e os homens têm que estar preparados para esta colaboração.
Sem distinção hierárquica entre projetistas e executantes. Somente assim, poder-se-á voltar à felicidade de uma
participação moral a uma obra. Uma participação coletiva, não mais individual; o resultado técnico do
artesanato dos nosso dias: a indústria” (apud Rossetti, 2002: 121-122).

214
o Brasil, que o Brasil não estava em São Paulo” (Scaldaferri, apud Pereira, 2008: 281), sua
presença em Salvador não representou rompimento definitivo com a capital paulista155.

Buscando ampliar o alcance das atividades do MAMB, LBB buscava o apoio de uma
série de instituições156, entre elas a Comissão de Planejamento Econômico da Bahia (CPE),
secretariada por Rômulo de Almeida e o Instituto Nacional de Planejamento (INEP), dirigido
por Anísio Teixeira. Juntos, eles elaboram a Proposta Conder157, que delineia estratégias de
desenvolvimento para algumas regiões da Bahia definidas como pólos economicamente
aglutinadores (Pereira, 2008: 120). Segundo Pereira, “dessa maneira é que se desenvolve o
esforço de Lina Bo para inscrever o MAMB158 no coração da vida cultural e social da Bahia:
pela sua presença constante na mídia escrita, por uma aproximação a outros órgãos oficiais
do governo ou, ainda, pela procura de uma ação conjunta com a Universidade” (2008: 121).

155
Naquele momento, LBB “coordenava simultaneamente o projeto de dois importantes – e contrastantes –
museus, que contribuíram para a formulação de seus ideais para arquitetura e o design brasileiros. Trata-se da
sede permanente do Museu de Arte de São Paulo (MASP) e o Museu de Arte Popular de Salvador. Esses dois
museus marcaram o embate de Lina Bo Bardi com a linguagem do modernismo e a sua busca por uma
abordagem híbrida que combinasse elementos de suas experiências nos dois lados do Atlântico” (Lima, 2007:
56). “O projeto dos museus ocorreu concomitantemente durante os primeiros anos da década de 1960. Ela
passou a maior parte do tempo na Bahia, ainda que o projeto para a construção do Museu de Arte de São Paulo
(MASP) tenha inicialmente progredido mais que o projeto de Salvador. Em 1961, entretanto, a construção do
MASP foi interrompida por falta de verbas. Com isso, Lina pôde se dedicar inteiramente ao Museu de Arte
Popular, o qual influenciou o trabalho do final de sua vida, especialmente o centro cultural e esportivo do
SESC-Fábrica de Pompéia, em São Paulo” (2007: 60).
156
Nesse sentido, Scaldaferri lembra a passagem de Darcy Ribeiro pelo Unhão: “Eu também fui lá com Darcy
Ribeiro – o Darcy Ribeiro jovem. O Darcy era do Ministério, não sei se da Educação. É, era da Educação. E
Darcy dava pulos e falava assim: “Que coisa!” e dava pulos – para ela conseguir dinheiro. Mas eu não sei se
ela conseguiu dinheiro através do Darcy Ribeiro ou através de outro Ministério” (apud Pereira, 2008: 274).
157
“Partindo da análise das condições existentes e das transformações previstas, o plano apresenta discussões e
propostas sobre os futuros, em curto prazo, processos de industrialização, crescimento populacional e de
transformação do espaço físico da área metropolitana. (...) no primeiro tópico, relativo a um Centro Cultural, é
prevista no documento a realização de um museu com os mesmos princípios de atuação em que viriam a se
constituir o MAMB e o Museu de Arte Popular e, com relação à intenção de se concretizar a existência de uma
“Universidade Média ou do trabalho”, Lina, ao pensar em uma Escola de Desenho Industrial no Museu de Arte
Popular, a partir do artesanato, estará apontando para os mesmos objetivos. Ao referir-se à idéia de um museu
ligado ao sistema escolar também como uma estratégia de desenvolvimento educacional da região, é citado no
documento o projeto Escola Parque elaborado pelo educador Anísio Teixeira” (Pereira, 2008: 121).
158
“Entre as muitas exposições realizadas pelo MAMB de Lina Bo Bardi, no foyer do Teatro Castro Alves, havia
ainda uma outra atividade programada para maio e julho de 1962, que, entretanto, não pôde ser concretizada.
Referimo-nos aqui à proposta de realização da I Bienal Nacional de Artes Plásticas de Salvador. Tal evento foi
estabelecido apenas em 1966, I Bienal, e, em 1968, II Bienal, ocasião em que Lina já havia se afastado da
direção do museu, tendo assumido seu posto o escultor Mario Cravo” (Pereira, 2008: 136).

215
O objetivo último da Escola de Desenho Industrial e Artesanato era a formação de
uma mão-de-obra especializada para o processo de desenvolvimento industrial. Nesse sentido,
inseria-se em um plano de desenvolvimento para o Nordeste, uma vez que LBB contava com
o apoio direto da SUDENE159. Criada por Celso Furtado com o objetivo de viabilizar
transformações sociais e econômicas na região Nordeste, a SUDENE se propunha como um
órgão de fomento ao potencial de desenvolvimento da região, via industrialização (idem: 67).
Nas palavras de Rossetti, “o objetivo maior da Escola seria conservar os valores coletivos da
base social e promover a integração do conhecimento sobre as matérias numa outra escala
de produção e, assim, promover a conversão das escalas de produção, passando de uma
escala pré-artesanal para uma escala de produção industrial” (2002: 72).

Para esse autor, o projeto da Escola guarda muitas semelhanças com as propostas de
Walter Gropius para a Bauhaus, apesar de que no plano elaborado para a Escola, LBB se
manifeste negativamente em relação à Bauhaus e também à Escola de Ulm, as quais ela
qualifica de ‘metafísicas’ e ‘experimentais’. Nas palavras da italiana: “uma escola tipo
Bauhaus ou Ulm, metafísico-experimental, seria inútil para um país jovem (...) o Brasil não
começou ainda uma produção nacional original de objetos industriais, limitando-se apenas à
importação de formas e desenhos estrangeiros. Uma produção nacional não pode ser criada
sem a ligação com a herança cultural do passado e sem ser fundada no terreno das
necessidades efetivas do país” (apud Rossetti, 2002: 72-73).

Entre os colaboradores previstos, estavam o arquiteto Diógenes Rebouças e o artista


plástico Mario Cravo160. Os cursos teriam duração prevista de dois anos, e um currículo que

159
Segundo Chagas, apesar de não haver comprovação documental, é provável que LBB “tenha participado –
mesmo que não-oficialmente – como membro integrante da equipe da SUDENE de Celso Furtado, com o qual
devia ter se encontrado durante as reuniões de criação da autarquia realizadas em Salvador (Furtado, 1989:
79). A arquiteta teria atuado colaborando na implantação de uma política de estímulo à instalação de pequenas
indústrias na região, baseada em pesquisas, inventários, análises e na promoção do desenvolvimento das
tecnologias regionais” (2002: 71). De forma mais ampla, entretanto, “Lina se interessou, também,
profundamente pelos movimentos culturais emergentes no Nordeste do Brasil. Esses movimentos apresentavam
uma alternativa nacional-popular ao sul industrializado e de aspirações cosmopolitas e se adequavam às suas
procuras por expressões genuínas do povo brasileiro. Entre esses movimentos de base estavam o Movimento de
Cultura Popular do Recife e o plano de desenvolvimento regional proposto por Miguel Arraes, líder comunista e
governador do estado de Pernambuco. Ela também observava com atenção as atividades do Centro Popular de
Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC-UNE), que oferecia apoio logístico para programas
emancipadores de alfabetização idealizado pelo educador Paulo Freire” (Lima: 2007: 58).
160
Segundo Rossetti, “a parceria com Mario Cravo era algo vital para o funcionamento da Escola, pois além de
ter um grande conhecimento sobre a cultura popular nordestina, ele seria o responsável pelas oficinas e por

216
integrava os conhecimentos práticos e teóricos em trabalhos coletivos realizados em oficinas
(eram previstas oficinas de barro, ferro, lapidação de pedras, madeira, materiais não ferrosos,
tipografia e vidro, que em um segundo momento se somariam a oficinas de couro, estamparia,
palha, pintura e sisal). As disciplinas teóricas seriam: Cultura Histórico-Artística, Desenho
Técnico e Projetação. Essas disciplinas subsidiaram as disciplinas práticas, na medida em que
os objetos desenvolvidos nas oficinas seriam projetados nas aulas teóricas. Os produtos
desenvolvidos pelos alunos seriam apresentados bienalmente em uma exposição de objetos-
padrão para a indústria. Essas mostras estariam associadas à Bienal que LBB idealizava para o
MAMB (Pereira, 2008: 210). No projeto de restauração do Solar, ela reservava dois galpões
para a instalação das oficinas da escola.

Entre as referências para o projeto da escola, LBB citava o Instituto de Pesquisa e


Treinamento para o Artesanato (IPTA) e a Fundação Visconde de Mauá (atual Instituto
Mauá). Nesse sentido, Pereira comenta que no documento em que esboça o projeto da escola,
LBB cita o projeto de Escola Parque elaborado pelo educador baiano Anísio Teixeira161, em
1950. Sua escola faria algo que ambos ainda não faziam: “eliminar a diferença entre os que
projetavam e aqueles que executavam objetos manufaturados a fim de integrá-los ao
processo industrial” (Rossetti, 2002: 71). Rubino afirma que “o projeto partia de um
diagnóstico: de um lado, a fratura artesanato-indústria; de outro, o fato do Brasil ainda não
possuir uma produção nacional de objetos industriais, importando formas e desenhos” (2002:
188). Dessa forma, em sua proposta estava implícita uma nova dinâmica de integração dos
conhecimentos162 (Rossetti, 2002: 71).

escolher e orientar o trabalho dos artesãos junto aos alunos. Cravo viajava pelo interior do Estado da Bahia e
pelo sertão conversando com artesãos, visitando as feiras e recolhendo ex-votos e objetos para a sua coleção.
Ele conhecia o Mestre Vitalino e ia regularmente às feiras de Caruaru e Garanhuns, em Pernambuco, e
circulava de jipe por toda a região do Cariri. (...) Os mestres de ofício seriam requisitados por ele para virem a
Salvador e ficar de seis meses a um ano, para atuar e desenvolver sua habilidade manufatureira junto com os
alunos e professores” (2002: 74-75).
161
Nos arquivos do MAMB, Pereira localizou, inclusive, algumas cartas trocadas entre LBB e o educador baiano
(2008: 120).
162
Nesse sentido, é significativo o comentário de Paulo Ormindo, que foi aluno de LBB na Bahia: “o discurso de
Lina era da integração das artes, do desenho, do detalhe. O design sempre foi uma preocupação dela e naquela
época já tinha uma posição muito crítica sobre os rumos do design. Ela criticava muito o caráter mercadológico
que tinha assumido esta arte, que não era atitude dos primeiros designers e da Bauhaus. Eles buscavam
encontrar uma forma de expressão industrial, que não fosse aquela do artesanato, mas o design tinha tomado
outro rumo” (apud Pereira, 2008: 258).

217
Pereira vai mais longe, ao afirmar que “a intenção de um projeto de escola que se
concretize não apenas ligado às questões artísticas ou estéticas, mas principalmente
preocupado com um plano de desenvolvimento social e econômico regional, vem comprovada
também por meio das entidades com que foram buscados convênios, entre elas a SUDENE. A
escola como projeto de desenvolvimento econômico, um projeto político, assemelha-se ao
modo como Lina sempre entenderia arte e arquitetura” (2008: 210).

Assim, o investimento em um projeto na Bahia parece se ligar de forma direta a uma


frustração com o contexto paulista, uma vez que, ao longo da década de 1950, período em que
LBB reside em São Paulo, “a expectativa de que o vigoroso processo de industrialização
paulista pudesse ser direcionado para a construção de uma cultura moderna estava sendo
frustrada pela recusa a qualquer planejamento efetivo da acelerada urbanização daqueles
anos. O meio arquitetônico paulista, em sua maioria, empolgado pelas oportunidades de
trabalho geradas pela urbanização e pelo reconhecimento de um amplo setor do mercado
imobiliário, aceitou postergar seus projetos sociais. Eram poucos os que questionavam a
possibilidade de a industrialização acelerada do Brasil gerar aqui uma versão tropical do
American Way of Life. Lina se aproxima de um desses críticos, Vilanova Artigas. Leciona
com ele na FAU, publica e defende sua obra na Habitat, mas não se engaja plenamente na
nascente escola paulista.

Seu dilema no momento fica claro: sendo impossível desenvolver um design sem
inserir-se na indústria (tanto a da construção quanto a de objetos utilitários), como não se
submeter ao projeto político e social da indústria existente no Brasil? Da busca por uma
franca inserção no processo de desenvolvimento industrial, procurada em seus primeiros
anos no Brasil por meio do MASP, do IAC e da revista Habitat, Lina Bo opta por um outro
campo de ação. E a Bahia constitui uma oportunidade inestimável para a tentativa de
construção de alternativas de desenvolvimento industrial e cultural” (Anelli, 2006: 35).

Em um documento encontrado nos arquivos do MAM-BA, transcrito por Pereira em


seu livro, o projeto da Escola é definido assim: “A Escola se propõe a eliminar a fratura
Projeto – Execução no campo do Desenho Industrial (DI), (fratura existente também, e em
proporção maior, na arquitetura contemporânea), visando eliminar o caráter anônimo e
aviltador do trabalho de execução manual, comparado ao excessivo intelectualismo despido
de qualquer ligação diretamente prática, do trabalho de projeção.

218
Exemplo prático: a projeção de uma cadeira: o projetista desenha a procura do
original quando não do estranho e do esquisito, na procura do que “atire a atenção’, sem a
menor preocupação com as necessidades humanas espirituais e materiais em função da qual
uma cadeira tem que ser desenhada. Do ponto de vista “prático” o projetista limita-se à
projeção da pura “forma” sem tomar conhecimento dos materiais, de como “trabalha” o
ferro e a madeira. Resultado: objetos de pura arbitrariedade sem ligação histórica com uma
tradição (no sentido não acadêmico da palavra) sem ligação com o homem e apresentando
todas as características da “violência” feita aos materiais da natureza.

De outro lado o executor, o operário anônimo, trabalha “manualmente” sem o


entusiasmo que somente a participação efetiva e a compreensão do trabalho comunicam: ele
não compreende o desenho técnico, a sua cultura artística não existe. O trabalho dele é uma
mecânica avulsa de qualquer dignidade. Sem voltar às Catedrais e ao Romantismo literário
de Ruskin e Morris é hoje, imprescindível, implantar sobre uma realidade prática uma efetiva
colaboração projeto-execução, a atividade que se anuncia como a marcante na nossa
civilização: a produção de Arte ligada à vida prática: o Artesanato transformado em
Industrial Design. O Brasil não começou ainda uma produção nacional original de objetos
industriais limitando-se apenas à importação de formas e desenhos estrangeiros. Uma
produção nacional não pode ser criada sem a ligação com a herança cultural do passado e
sem ser fundada no terreno da realidade e das necessidades efetivas do país.

A eliminação da Utopia e da Metafísica na criação duma Escola desse tipo é o


primeiro requisito, indispensável para o seu sucesso no plano das necessidades práticas.
Exemplo: uma Escola tipo Bauhaus ou Ulm metafísico-experimental seria inútil a um país
jovem, com uma civilização de fatores fortemente primitivos e diretamente ligados à terra,
fatores moderníssimos do ponto de vista cultural moderno. Segundo: não se poderia criar
desde logo uma Escola de desenho exclusivamente industrial que produziria desenhos para
as indústrias que na maioria dos casos ainda não existem ou estão em fase de início,
experimental. Terceiro: não se poderia tomar conhecimento da atividade artesanal
fortemente ativa no Nordeste do país, atividade que tem que ser estudada através de um
levantamento efetivo valorizado na sua realidade nas suas diretas possibilidades econômicas
no mercado nacional e internacional, nos seus valores culturais que deveriam estar na base
da futura formação estética do futuro desenho industrial nacional. Exemplo: a arquitetura

219
moderna brasileira deriva do purismo de Le Corbusier mas com fatores fortemente
nacionais, herdados da arquitetura primitiva e colonial brasileira.

A “mise a point” da situação do artesanato brasileiro do Nordeste (no nosso caso


do Estado da Bahia). A sua seleção sem violência, sem sugerimentos e correções artificiais. A
tomada de consciência desse artesanato sem nostalgias (quer dizer sem as injeções
reacionárias para mantê-lo de pé quando, através da pequena indústria abandonará as suas
formas para tornar-se indústria, quer dizer, mudar historicamente de forma com as
transformações econômico-sociais, sem violências anti-históricas)” (2008: 242).

A escola não chegou a funcionar, uma vez que, em 1964, LBB foi forçada a deixar o
MAMB e a Bahia. Segundo Rossetti, “A Escola de Desenho Industrial e Artesanato foi a
atividade planejada que menos se materializou dentre as atividades desta fase de trabalhos
em Salvador. A Escola realizaria as atividades de ensino de ofícios e de novos meios técnicos
de produção, estando intrinsecamente vinculada ao processo de industrialização da cidade e
do Nordeste. E expectativa de seu funcionamento, como veremos adiante, revelou o caráter
de sincronicidade das várias táticas para a implantação de sua estratégia. A estruturação da
própria Escola somente poderia se completar com o desenvolvimento do Centro de
Documentação. Este Centro organizaria as peças encontradas e trazidas, sendo organizadas
como referência museológica voltada tanto para uso das atividades da Escola como matriz
do tipo de levantamento pretendido em escala territorial. O Centro pode ser entendido como
um ensaio da forma de organizar essa produção” (2002: 65).

Para Nobre, “a articulação da escola de desenho industrial idealizada por Lina à


estrutura de um museu integrava-se, assim, a todo um esforço coletivo que unia, sob uma
perspectiva de desenvolvimento com ênfase claramente nacionalista, projetos econômicos e
culturais. (...) Na escola de Lina, artesãos trabalhariam junto com universitários das áreas de
arquitetura ou engenharia visando “eliminar a fratura Projeto-Execução no campo do
Desenho Industrial”. (...) É claro que falar em artesanato, no quadro da discussão sobre o
design significava naquele momento marcar oposição ao tecnicismo e à racionalidade
pragmática ulmiana, exacerbados após a saída de Max Bill. (...) a nova perspectiva de Lina
era sem dúvida uma reação extremada contra a degeneração do programa reformista
implícito na vertente alemã do design, sobretudo em sua versão brasileira” (2008: 97).

220
Buscando criar “uma abordagem metodológica para se enfrentar a industrialização
e viabilizar tecnicamente um desenho industrial nacional” (Rossetti, 2002: 79), LBB propõe a
reconsideração do processo industrial em uma escala regional (idem: 80), oferecendo, assim,
uma alternativa ao modelo de industrialização adotado no país a partir da década de 1950.
Desse modo, partindo “da busca por uma franca inserção no processo de desenvolvimento
industrial, procurada em seus primeiros anos no Brasil através do MASP, IAC e Habitat,
Lina Bo passa a definir um outro campo de ação, sendo a Bahia uma oportunidade
inestimável para tentar construir uma outra forma de desenvolvimento industrial e cultural”
(Anelli, 2001: 64), que, em última instancia, envolve “um projeto extremamente ambicioso:
projetar um Brasil” (Suzuki, 2010: 266).

Associação Brasileira de Desenho Industrial (ABDI) e as discussões em torno do que


deveria ser o desenho industrial no Brasil

Em 1963, é criada aquela que é considerada a primeira associação profissional dos


desenhistas industrial, a ABDI. Dela participaram diversos profissionais ligados à atividade
profissional e ao ensino de desenho industrial, além de empresários ligados à indústria.
Articulada em torno do eixo FAU-USP-ESDI, A ABDI se estabeleceu, segundo Pereira, “com
um caráter de associação cultural e não para cumprir funções classistas, pois mais amplos
eram os seus objetivos que apenas a luta por um corporativismo profissional” (2009: 92).

Buscando formar uma consciência nacional em torno do desenho industrial, bem


como normatizar as suas práticas, em seus primeiros anos, a associação organizou uma série
de seminários temáticos e concursos nacionais de desenho industrial. Como afirma este autor,
“a entidade passou a colaborar na organização de dois concursos anuais. São eles, O Prêmio
Lúcio Meira e o Prêmio Roberto Simonsen163. O primeiro desses prêmios objetivava

163
Patrocinado pela FIESP, promovido pela empresa Alcântara Machado Comércio e Empreendimentos Ltda. e
relacionado à Feira Nacional de Utilidades Domésticas de São Paulo. Sua comissão julgadora era formada por
um representante de cada uma dessas instituições: ABDI, IAB núcleo São Paulo, ESDI, FAU-USP e FAU
Mackenzie. Entre os premiados (entre 1964 e 1966), estavam Norman Westwater, Michel Arnoult, Mânlio
Rizzente, Arnaldo Ruschioni, Lívio Edmondo Levi, o setor de Desenho Industrial da Walita, Gustave Adolphe

221
reconhecer o mérito de projetos de desenho industrial na área automobilística. Enquanto o
segundo tinha como objetivo reconhecer projetos relevantes de desenho industrial no setor de
utilidades domésticas” (idem: 98).

Em 1964, o júri do Prêmio Roberto Simonsen foi composto por Karl Heinz
Bergmiller, Edmund Gold, Dario Imparato, Julio Katinsky e Lívio Edmondo Levy. O
primeiro lugar foi conferido a Ari Antônio Rocha, que apresentara o protótipo “Aruanda”. No
depoimento do designer vencedor, é possível perceber um certa postura do desenho industrial
brasileiro face à indústria: quando ele afirma que todos os protótipos apresentados no
concurso eram de ‘carros pequenos’, ‘propostos corretamente’, ele insinuava um postura
crítica que os participantes e os próprios organizadores do concurso buscavam marcar através
do evento: uma denúncia contra ‘os vícios’ da “indústria automobilística, um verdadeiro
câncer na sociedade moderna” (Rocha, apud Pereira, 2009: 101).

No mesmo ano, realizou-se o I Seminário de Desenho Industrial, promovido pela


ABDI, pela FAU-USP, pela ESDI e pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo,
FIESP. O seminário ocorreu em duas etapas, a primeira realizada na FAU-USP entre os dias
09 e 13 de novembro de 1964, e a segunda, na ESDI entre os dias 21 e 23 de junho de 1965.
“A etapa paulista abordou o ensino de desenho industrial em países estrangeiros e no Brasil.
Enquanto na etapa carioca, o debate se deu em torno do projeto de uma escola-padrão de
desenho industrial adequado às condição brasileiras” (Pereira, 2009: 97).

Seu primeiro presidente foi o arquiteto e professor da FAU-USP, Lúcio Grinover.


Em 1965, a associação lançou a revista “Produto e Linguagem”, que lançou apenas três
números. Em seu primeiro número, um texto declara que “nessa conjuntura é que surgem a
Seqüência de Desenho Industrial da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
de São Paulo, a Escola Superior de Desenho Industrial da Guanabara e a Associação
Brasileira de Desenho Industrial – as três entidades ora diretamente responsáveis pelos
destinos do desenho industrial no Brasil, quer no que se refere à formação de profissionais,
quer quanto às suas relações com os setores produtivos, quer ainda no que respeita a

Martin, Geraldo de Barros, Antonio Gundemaro Lizarraga, Alcindo Moritz, Arno Schindler (Pereira, 2009: 103).
Em 1964, o concurso teve 16 projetos inscritos. Em 1966, esse número passou para 37.

222
caracterização nacional e internacional do desenho industrial que aqui se começa a
produzir” (“Produto e Linguagem”, apud Pereira, 2009: 93).

Com esses dados, Pereira aponta para o fato de que, em seus primeiros momentos, a
ABDI congregava as visões da ESDI e da FAU-USP, e, mais do que isso, “a existência de um
conjunto de ações em comum entre paulistas e cariocas” (2009: 93). Em 1966, a associação
contava com sessenta e seis associados, distribuídos entre São Paulo (53), Rio de Janeiro (4),
Porto Alegre (4), São Leopoldo (1), Brasília (1), Recife (1), Belo Horizonte (1) e Mauá (1).
Entre os associados, Abrahão Sanovics, Antônio Maluf, Ari Antônio da Rocha, Bramante
Buffoni, Cândido Malta Campos, Carlos Benvenuto Fongaro, Carlos Alberto Alexandre,
Dario Imparato, Décio Pignatari, Eduardo Corona, Itiro Iida, João Baptista Vilanova Artigas,
João Carlos Cauduro, entre os paulistas; e Alexandre Wollner, Aloisio Magalhães, Karl Heinz
Bergmiller e Edgar Duvivier, entre os cariocas.

Entre as empresas associadas: Alcantar Machado Comércio e Empresa Ltda (SP),


Armações de Aço Probel (SP), Brafor – Fornecedor Escola (SP), Cia. Química Industrial de
Laminados (SP), Heinz Agte (RS), Indústrias Romi S.A. (SP), Italma S.A. – Indústria de
Mobiliário (SP), Mobília Contemporânea S.A. (SP), Mobilínea S.A. – Indústria e Comércio
de Móveis (SP), Multividro S.A. (SP), Olivetti Industrial S.A. (SP), Plásticos Plavinil (SP),
Play Arte Decorações Ltda. (SP), S.A. Philipps do Brasil (SP), Spazio Móveis e Decorações
S.A. (RJ), Walita S.A. Eletro Indústria (SP) e Abel de Barros Lima, industrial (SP).

Apesar da enorme diversidade de formação dos profissionais e empresas associados,


a ABDI agregava o grupo em torno de um ponto comum, que era a o de atuação profissional
no campo do desenho industrial (idem: 95). Entretanto, essa mesma diversidade impedia que
associação avançasse para além de uma mera defesa do desenho industrial, indo na direção de
uma definição e caracterização da regulamentação profissional atribuída a um perfil
profissional unificado (idem).

As divergências entre o modelo da FAU-USP e o modelo esdiano tinham a ver,


segundo Lúcio Grinover, com a relação entre a prática profissional do desenho industrial e a
arquitetura. Em suas palavras: “Mas tinha uma espécie de rivalidade entre São Paulo e Rio de
Janeiro, quer dizer, eles nunca poderiam aceitar e nunca aceitaram que um arquiteto pudesse
fazer desenho industrial, quando nós, se quer fazer desenho industrial, faz. A única coisa é
que dentro da Faculdade de Arquitetura, talvez você pudesse ter um preparo teórico melhor

223
do que se não fosse. Nós admitíamos que outros pudessem fazer desenho industrial, não era
exclusivo. Eles não. Achavam que era exclusivo” (apud Pereira, 2009: 95).

O debate girava em torno de quem poderia exercer a atividade do desenho industrial.


Para Grinover, a idéia de que “qualquer profissional pudesse atuar na área” (apud Pereira,
2009: 96), era amparada pela ressalva de que “entre todos, o arquiteto, por sua formação
mais ampla, teria as melhores ferramentas intelectuais e práticas para o exercício do
desenho industrial” (2009: 96). Assim, a disputa da competência do exercício profissional do
desenho industrial (idem: 116), articulada em torno do eixo FAU-USP/ESDI164, poderia ser
definida como uma hesitação (ou um impasse) entre dois modelos possíveis de prática do
desenho industrial, “um deles ligado à tradição italiana em que os designers são todos
arquitetos, e, outro, ligado à visão alemã165, em que designers têm formação de designers”
(idem: 208). Seriam, ambos, modelos que reagiam ao padrão francês das Belas Artes?

Seguindo a argumentação de Pereira, poderíamos apontar a existência de três


modelos: o primeiro (de matriz francesa) entenderia o design como conseqüência das artes,
que avançariam em sua direção via artes aplicadas; o segundo (de matriz italiana) partiria da
arquitetura tradicional, no sentido de uma arquitetura moderna, que incorporaria entre as suas
atribuições o desenho industrial; o terceiro, enfim, (de matriz alemã), ignoraria essas
heranças, entendendo o desenho industrial como “resposta para organização de uma nova
produção possibilitada por uma técnica moderna, a indústria” (idem: 218).

Apesar das diferenças, entretanto, os modelos da FAU-USP e de Ulm teriam alguma


afinidade, na medida em que ambos estariam buscando por uma reconceituação da arquitetura
(idem: 273) face a um novo contexto, moderno e industrial. Assim, a posição de Grinover é
considerada por Pereira como ‘um ponto de partida estratégico’ na medida em que “se for

164
Ainda sobre a disputa entre as duas possíveis orientações, Pereira aponta para algumas polaridades existentes
dentro dos dois cursos. Na escola carioca, defendendo uma visão ulmiana, estariam Bergmiller e Wollner; do
outro lado, defendendo uma formação baseada em uma matriz mais artística, Carmem Portinho, Maurício
Roberto e Aloisio Magalhães. Em São Paulo, havia aqueles que, ligados ao grupo de História da Arquitetura,
buscavam revelar e assimilar uma tradição no ensino de arquitetura e desenho industrial; aqueles que, ligados ao
Departamento de Projeto na Seqüência de Desenho Industrial, se aproximavam de uma perspectiva ulmiana; e,
ainda, alguns que buscavam construir uma ação híbrida entre as duas visões (2009: 215-217).
165
Pereira afirma que o posicionamento da FAU-USP, de incorporar o design ao exercício da arquitetura, era
diametralmente oposto àquele assumido pela Escola de Ulm, que pretendia, segundo o autor, transformar a
arquitetura em desenho industrial (2009: 209).

224
considerado que, naqueles anos, a sociedade brasileira e as indústrias mal entendiam o que
era o desenho industrial, talvez poderia ser um ponto de partida estratégico a direção de
Grinover na ABDI: prioritariamente estabelecer uma consciência do que ele seja para depois
definir a quem caberia exercê-lo” (idem: 96).

Nesse sentido, o Seminário organizado no ano de 1964 é de fundamental


importância. Na medida em que ele reúne profissionais, duas instituições de ensino e uma
entidade ligada à indústria, “tem-se a comprovação de um esforço de reconhecimento da
importância do desenho industrial por todos os setores envolvidos em sua produção. E, mais
interessante ainda, é que esses três setores (profissionais, escolas e indústrias) antes de se
empenharem na discussão de uma regulamentação e definição de um estatuto do exercício
profissional, se reuniram em torno da discussão do seu ensino institucionalizado. Nesse caso,
os esforços se deram no sentido de primeiro formar o profissional e, depois, regulamentar a
profissão. Algo que pode ser considerado conseqüência de uma dupla condição de seus
associados: primeiro que a maior parcela deles era de professores, da FAU-USP ou da
ESDI, e, segundo, que entre esses professores não havia um consenso claro nem sobre o
próprio ensino, quanto mais com relação à regulamentação profissional” (idem: 98).

Entre as estratégias dos profissionais ligados à atividade do desenho industrial no


Brasil dos anos 1960, Pereira comenta o empenho que com que esta geração pioneira se
dedicou na constituição desse campo profissional, que a seu ver está organizado em torno de
um tripé de atuação: “Para delimitá-lo com maior clareza, atuaram de três formas distintas,
mas complementares. Empenharam-se em uma presença concreta e uma ação
transformadora no mercado, como profissionais projetistas. Procuraram construir uma
consciência social da relevância de tal profissão, por intermédio da ABDI. E, ao mesmo
tempo, foram professores para formar esses profissionais. Mas é necessário considerar que
nem sempre o consenso foi o fio condutor desse processo” (idem: 113-114).

Ele retoma, em sua tese, a discussão entre desenho industrial e indústria, tal como ela
se deu na década de 1960. Segundo este autor, um dos pólos do debate parecia tomar a
indústria como “a vilã que não olha os produtos nacionais, preferindo o retorno econômico
rápido de uma produção baseada no transplante e, quando muito de adequação de modelos
estrangeiros ao país, ou seja, a idéia da cópia contra a da criação” (idem: 200). Para ele, por
não abdicar de um posicionamento de sua atividade enquanto criação artística, essa vertente

225
estaria limitada a uma produção em pequena escala – artesanal, ou seja, uma vez que agiam
como artistas, eles não conseguiam se integrar ao esquema de produção industrial. Essa seria
uma condição da qual alguns profissionais tentariam se libertar, buscando outros caminhos
para o exercício do desenho industrial, caminhos esses mais sintonizados com a indústria, ou
seja, um desenho industrial que se praticasse de dentro da própria indústria. Nesse sentido,
tais profissionais se aproximariam do modelo ulmiano, e, por conseqüência, do esdiano.

Pereira relembra que, em 1965, a ABDI lançou a revista “Produto e Linguagem”, que
em seu primeiro número, “após estabelecer um breve panorama do contexto social e
econômico que caracterizava o país, São Paulo e o Rio de Janeiro no início dos anos 1960,
assim declara o nascimento da ABDI ligada à FAU-USP e à ESDI: “Nessa conjuntura é que
surgem a Seqüência de Desenho Industrial da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo, a Escola Superior de Desenho Industrial da Guanabara e a
Associação Brasileira de Desenho Industrial – as três entidades ora diretamente
responsáveis pelos destinos do desenho industrial no Brasil, quer no que se refere à formação
de profissionais, quer quanto às suas relações com os setores produtivos, quer ainda no que
respeita a caracterização nacional e internacional do desenho industrial que aqui começa a
se produzir”. A apresentação presente na abertura da revista Produto e Linguagem informa
por intermédio da ABDI um compartilhamento de ideais entre a FAU-USP e a ESDI. Ao
longo do tempo, foram se caracterizando algumas diferenças sobre a visão do desenho
industrial entre ambas, mas de fato é inegável a existência de um conjunto de ações em
comum entre paulistas e cariocas” (2009: 93).

226
CAPÍTULO 4

O design no impasse

Entendendo que o ano de 1968 marca uma ruptura face a um momento pioneiro para
a estruturação e implantação de um campo disciplinar próprio ao design entre nós, proponho,
neste capítulo, acompanhar as questões que orientaram, no contexto brasileiro, a passagem de
um movimento de afirmação e consolidação do design como campo profissional e disciplinar
específico, para um momento de reviravolta crítica, que - face ao novo contexto sócio-político
que se delineia a partir de 1964, com o golpe militar, questiona não apenas a possibilidade do
exercício dessa atividade, mas, também, a própria idéia de um desenho industrial166.

Nesse sentido, alguns autores afirmam que tal momento, que se desdobra desde o fim
dos anos sessenta até praticamente o início dos anos 1980, é marcado por uma revisão dos
parâmetros que nortearam o estabelecimento de um design moderno no país, revisão essa que
é traduzida, dentre outras coisas, na busca de contextualização do design praticado por aqui.
Assim, em meio ao intenso debate cultural que caracteriza o fim da década de sessenta, os
designers e os estudantes de design iniciam uma discussão que versa, entre outras coisas,
sobre a inserção da disciplina na sociedade brasileira (Lessa, 1994: 102).

O que Lessa define como um ciclo voltado para a tentativa de contextualização


cultural da profissão acontece em diversas instâncias e contextos, e envolve a revisão do
modelo acadêmico estabelecido a partir da ESDI – que se formula em torno de uma

166
Ainda nos anos sessenta, a própria idéia de desenho industrial é posta em questão, quando se questiona desde
as possibilidades do exercício da atividade até à própria nomenclatura ‘industrial design’, e não apenas no
Brasil. Nesse contexto, entre o fim da década de sessenta e o início da década seguinte, parte da literatura passa a
utilizar somente o termo “design” (Cara, 2010: 60). “Com o surgimento de uma revisão crítica acerca do
movimento moderno durante os anos 1960, contemporaneamente, a noção de desenho industrial entra em crise,
sobretudo nos contextos em que o desenvolvimento e a institucionalização da disciplina elegeram a adoção de
prerrogativas oriundas do modelo de origem alemã. Portanto, como reflexo da crise no Brasil, há a transição
ao termo design, cujo objetivo, uma vez que a noção de planejamento passa a ser intrínseca à disciplina, é
ampliar a abrangência de um campo anteriormente limitado aos aspectos do desenho de produto” (2010: 81).

227
racionalidade técnica que se pretendia universal, e que, por isso, propunha a criação sem
raízes culturais. Assim, se organiza uma crítica à “tradição funcionalista, voltada para uma
visão técnica da profissão e para uma ênfase nos elementos e características da cultura
industrial planetária” (idem), e que implicaria em uma tendência ao anonimato cultural,
como se os projetos desenvolvidos por aqui pudessem, em tese, ser desenvolvidos em
qualquer lugar.

Revendo a implantação de um modelo pedagógico-disciplinar ancorado sobre tais


valores, Lessa entende que a opção brasileira pelo modelo alemão de Ulm não foi uma mera
fatalidade (idem: 103). “Embora a influência da Bauhaus fosse onipresente no plano
internacional, havia desenvolvimentos bastante particulares. Conforme a análise de Argan da
situação italiana, por exemplo, a Segunda Guerra Mundial leva o presente a ser encarado
como a única dimensão praticável da existência. E o design buscaria, neste referencial, a
surpreendente aparição do objeto no mundo e não a sua gênese ou teleologia, conforme o
modelo germânico. O que acontece no Brasil é que este é o modelo que melhor se casa com
as aspirações da época. Veiculado pelo concretismo e pela arquitetura moderna, engrossa o
caldo do que era então chamado de vocação construtiva brasileira, onde a postulação
germânica de reconstrução do país no pós-guerra transfigura-se na vontade de construção
original da modernidade a partir do nada” (idem: 104).

Entretanto, com “o passar dos anos, isso leva ao crescimento de um certo mal-estar
advindo da consciência do distanciamento entre discurso e realidade. As feições particulares
assumidas pela industrialização brasileira imprimem uma marca de incompletude no design
que começa a se desenvolver. Setores da produção ignoravam a atividade, ao mesmo tempo
em que eram adversas as condições para a sua difusão, pois o mercado era restrito e se
importava pacotes de tecnologia já incluindo o design. Nos planos ético e político se delineia
a frustração que nasce do não acontecimento da regeneração da sociedade que este design
propõe. Esse mal-estar leva – em 1968, muito a propósito – a uma explosão crítica: a escola
[ESDI] interrompe as aulas e inicia um processo de redefinição de suas direções e inserção
na sociedade. Resulta a proposta de uma nova estrutura curricular, que se pretende mais
adequada ao mercado brasileiro” (idem).

A paralisação da ESDI, que culmina com uma nova proposta de estrutura curricular,
e que é definida por Souza como a “sua maior crise” ou “impasse” (1996: 148), abriu “uma

228
ampla discussão sobre a estrutura da escola” (idem), bem como um debate, mais amplo,
sobre “a prematuridade do próprio estabelecimento da profissão no Brasil” (idem: 163).
Assim, naquele momento, alunos e professores discutiam, para além da estrutura curricular, a
própria proposição da ESDI (idem), “pensada em função de uma expectativa que não se
concretizara devido, em grande parte, a acontecimentos políticos externos a ela” (idem).

Nesse contexto, é fundamental comentar que, em São Paulo, no mesmo ano, se


realizou um Fórum, que envolveu “um amplo balanço das mudanças estabelecidas na FAU-
USP em 1962” (Pereira, 2009: 05), “um momento de avaliação, de revisão e de indicação de
possíveis correções necessárias na trajetória pedagógica adotada” (2009: 41). Em Belo
Horizonte, em 1968 também se vivia um processo de revisão curricular167 no curso de
desenho industrial da FUMA, que havia sido reconhecido como de nível superior no ano
anterior.

Vale lembrar que, após a reforma, a nova estrutura curricular da ESDI é “finalmente
aceita pelo Conselho Federal de Educação como currículo mínimo para cursos de
bacharelado em desenho industrial no país168” (Couto, 2008: 23), e que, portanto, toda a
movimentação no sentido de um auto-questionamento “antecede a Reforma Universitária do

167
Segundo Aguiar, em 1970, o curso sofre uma nova alteração, “aproximando-se do curso de Licenciatura em
Desenho e Plástica, com acréscimo de um ano na grade” (2006: 82). Conforme essa autora, a alteração do
currículo visava atender às necessidades crescentes da indústria mineira, que se expandia com a vinda da FIAT e
de cerca de outras 700 indústrias (idem: 79). Em suas palavras, “essa transformação deu-se em grande parte
graças à participação do INDI, Instituto de Desenvolvimento Industrial de Minas Gerais, que fazia parte do
chamado Mecanismo de Fomento à Indústria, juntamente com o pioneiro Banco de Desenvolvimento de Minas
Gerais – BDMG; a Companhia de Desenvolvimento Industrial – CDI; a Fundação João Pinheiro, que criaria o
CETEC – Centro Tecnológico de Minas Gerais, com o Setor de Design, sob a responsabilidade de professores e
alunos da FUMA” (idem: 80). Apesar de todos esses esforços, entretanto, Aguiar pondera que “o design em
Minas era um trabalho realizado de maneira solitária por alguns homens, seus verdadeiros paladinos, como o
professor Radamés Teixeira da Silva e o designer Eduardo Lopes, ícones do ensino de design” (idem: 81).
168
Sobre a percepção desse episódio a partir da ESDI, Souza comenta que “ainda em 1970 a ESDI foi
oficialmente reconhecida pelo Conselho Federal de Educação. O que deveria ser um eventual motivo de
satisfação, na verdade evidenciou um grave problema. O Conselho Federal de Educação já recebera um pedido
formal de reconhecimento da escola em 1967, após a formatura da primeira turma. Mas, nessa época, o
Conselho Federal de Educação ainda não elaborara o currículo mínimo e nem determinara o período de
duração regular do curso de desenho industrial. Essa definição teve, como óbvia referência, o curso da ESDI,
porém, como isso foi desenvolvido é até hoje muito confuso. Seguramente pode-se afirmar que grande parte dos
professores de projeto sequer foi ouvida sobre o assunto. O currículo aprovado foi tão vago, que esta chegou a
ser a sua primeira virtude, na medida em que, desta forma, poderia atender às necessidades experimentais de
uma didática ainda pouco definida. Esta característica deve ser creditada mais à cautela do próprio Conselho
diante de algo que pouco conhecia, do que a uma ação efetiva da própria escola. Questionável portanto não era
o próprio currículo, mas a forma como foram conduzidos seu encaminhamento e sua aprovação” (1996: 228).

229
Governo Federal169, de 1969, que pôs fim definitivo ao antigo sistema de cátedras que
balizava a organização do sistema universitário brasileiro” (idem: 05).

Se em torno de 1968 se instituem intensos debates que questionam não só as


estruturas curriculares dos cursos de design já estabelecidos no país, mas a própria viabilidade
prática e conceitual da atividade, é preciso lembrar que tais questões seguem se desdobrando
ao longo dos anos 1970, culminando seja: em 1973, em uma série de trabalhos de conclusão
na ESDI que se aproximam de forma inusitada de questões mais diretamente relacionadas
com a cultura brasileira170 (Lessa, 1994); na discussão sobre o próprio termo desenho
industrial (Cara, 2010); em debates sobre design e modos-de-produção (artesanato versus
indústria, tecnologias alternativas) – fomentando por agentes no país e fora dele; em um novo
posicionamento do governo face ao desenho industrial; na criação de uma nova associação
profissional (Braga, 2005); e, também, um pouco mais tarde, na reforma curricular do curso
de design da PUC-Rio, que institui, em 1981, o ensino de um design social.

169
Segundo Pereira, “a reforma de 1969 foi elaborada pelo Grupo de Trabalho do Ministério da Educação e
Cultura, do Governo Federal, por meio de um Convênio MEC-USAID (United States Agency for International
Development). Neste sentido, o governo militar optou por essa assessoria e auxílio norte-americanos para
impor um novo modelo de universidade com os objetivos de expandir o ensino superior e modernizar a estrutura
da universidade brasileira” (2009: 226). “Como medidas adotadas para realizar tal objetivo, a Reforma de
1969 propõe: a departamentalização das faculdades; a matriculo por disciplina (regime de créditos e criação de
disciplinas obrigatórias e optativas); a instituição do curso básico; a unificação do vestibular por região e o
ingresso por classificação; e a fragmentação do grau acadêmico de graduação” (idem: 225).
170
“Iniciando em 1973, surge a tendência dos trabalhos de final de curso de busca de uma contextualização
cultural para o design, aspectos da sociedade estigmatizados como irracionais pelo funcionalismo ortodoxo são
racionalmente investigados: a tipografia popular é analisada à luz dos princípios analíticos de Herbert
Spencer; é feita uma leitura sígnica da Lapa, no Rio, inspirada na análise bartheana da Torre Eiffel e em
Peirce; a diluição suburbana dos modelos eruditos é analisada segundo uma perspectiva antropológica etc.
Buscava-se a ampliação do universo do design, não segundo uma posição empiricista de multiplicação de
projetos, mas através da incorporação de objetos “estranhos” de análise, resultando numa abertura de
referenciais formal e simbólico da atividade” (Lessa, 1994: 104). Tais trabalhos se organizam a partir das
seguintes abordagens: “trabalhos de documentação e análise abordando o que, no final da década, veio a ser
conceituado como visualidade brasileira, tratando do universo cultural rejeitado pelo repertório industrialista;
(...) como tentativa de racionalização do que poderia ser nomeado como proto-tecnologia, existe um projeto
voltado para a produção de banana-passa no interior fluminense; (...) trabalhos de pesquisa histórica; (...) a
questão da contextualização cultural também pode ser identificada, embora de modo mais tênue, em projetos
voltados para as condições de vida da maioria da população brasileira” (idem: 102). “É importante assinalar
que esses trabalhos, sem ter consciência disso, participavam de uma linhagem de apropriação racionalista de
especificidades culturais brasileiras. Só para citar duas referências obrigatórias na história do projeto no
Brasil, temos Lucio Costa, que em sua análise da arquitetura colonial mineira identifica um protofuncionalismo
na economia estrutural dos elementos e simplicidade de soluções; ou Lina Bo Bardi, que incorpora em sua
prática a categoria de primitivismo técnico, conceituada por Oswald de Andrade para explicar a inteligência
projetual que nasce da escassez” (idem: 104-105).

230
Sobre esse quadro, Cara comenta que “nos anos 1960, com a crise do moderno,
somam-se novas contribuições à área, sobretudo a partir das obras de Reyner Banham e
Tomás Maldonado. A noção de desenho industrial, como fora construída, não parece ser
mais suficiente para incluir os contextos distintos em que o designer é chamado a atuar pelo
desenvolvimento do capitalismo contemporâneo. É nesse mesmo período que a literatura
internacional abandona nomenclaturas como “industrial design”, que fora traduzido como
“desenho industrial”, enfocando sobretudo o desenho de produto, e passa a utilizar somente
o termo inglês “design”, como significado mais amplo, incluindo as complexas relações entre
a produção e os aspectos tecnológicos, sociais, políticos e psicológicos que a envolvem”
(2010: 60).

Observando o início da década de setenta, Lessa afirma que “a realidade político-


econômica do começo dos anos 70 desorganiza as referências conceituais do design na
época. Na lógica do “milagre econômico” do governo Médici, a produção industrial não
promete mais a redenção da população através da ampliação do consumo, conforme rezava a
ideologia desenvolvimentista. O acesso aos bens industrializados fica cada vez mais restrito,
e fora deste reduzido mercado interno a indústria se volta para a exportação. Se na época da
fundação da ESDI o design entra no discurso do Estado por um viés cultural razoavelmente
consistente, no discurso das autoridades econômicas do “milagre” surge como um objeto
estranho, uma espécie de maquiagem mágica para o produto brasileiro exportável. Aí está
uma das origens da busca de identidade cultural pelo design. Esta é reativa quando critica as
distorções da visão oficial (Delfim Neto, por exemplo, teria dito que “design é projetar uma
televisão em forma de peixe”), ou afirmativa, quando busca o universo excluído (e
condenado à extinção) pelo “milagre” (1994: 105).

Acredito que é possível afirmar, assim, que o ano de 1968 marca o início de um novo
momento na trajetória do campo do design no Brasil171. Se ao longo dos anos 1950 se
ensaiava a instituição de um campo profissional e de ensino associado ao desenho industrial, e

171
É preciso salientar que esse fenômeno de revisão dos parâmetros a partir dos quais se estruturava o design
moderno tem importantes desdobramentos para o campo também fora do país. Não é por acaso que naquele
mesmo ano de 1968 se encerram as atividades na HfG de Ulm. Sobre o impacto do fechamento da Escola de
Ulm na ESDI, Souza comenta que, “depois de 1968 não se falou mais do mesmo modo sobre o modelo
importado de Ulm, até porque, por motivos não muito diferentes dos que provocaram a crise da ESDI, a HfG-
Ulm votou sua auto-extinção naquele mesmo ano” (1996: 198).

231
no início da década seguinte institui-se, de fato, tal campo, no final dos anos 1960 se
configura um novo momento, de revisão dos parâmetros a partir dos quais se instituía a
disciplina. Assumindo que o processo que coloca o design brasileiro em situação de impasse
(Bardi, 1980; Lessa, 1994; Souza, 1996) está profundamente imbricado aos acontecimentos
sócio-políticos contemporâneos, acredito que, antes de acompanhar de forma mais detida a
movimentação ocorrida no campo do design, é fundamental recuperar alguns aspectos do
contexto sócio-político brasileiro do período seguinte à instauração da ditadura militar.

O design e o contexto sócio-político brasileiro durante a ditadura militar

Observando o contexto pós-golpe, nota-se que a centralização do poder acentua-se,


quando o Executivo passa a concentrar ainda mais poder que durante o período anterior,
utilizando esse poder “para resolver as contradições no plano econômico que o impasse
político tinha agravado” (Fausto, 2007b: 284). Entre as suas prioridades na estratégia para
legitimar o novo regime (Moraes, 2006: 81), o governo militar lança “um plano de
crescimento para o país (...) que integra as diretrizes do novo governo, através do Programa
Estratégico de Desenvolvimento – PED” (idem), anunciado em julho de 1967. Entre os
objetivos do plano estavam o crescimento econômico, o desenvolvimento industrial e o
desenvolvimento social. Segundo Moraes, “o plano de ação do governo militar procurava
propiciar, na verdade, as estruturas de base para promover o assentamento de novos parques
produtivos, visando uma forte e rápida industrialização no Brasil” (2006: 82).

Além disso, esse período coincide com a criação de uma série de institutos e centros
de pesquisa e desenvolvimento financiados pelo governo que buscava, através dessas
medidas, apoiar a industrialização. Contudo, apesar de financiar a pesquisa, o governo não
demonstrava intenção de subsidiar o desenvolvimento de novas tecnologias, que pudessem
contribuir para um desenvolvimento industrial auto-sustentável. “Assim, ficava patente que
era indiferente para o governo que o desenvolvimento e a industrialização no país
ocorressem de modo dependente ou auto-sustentável. O objetivo do plano era promovê-los a
qualquer preço. Na realidade, esse programa de industrialização em muito assimilava a

232
versão da política de substituição de importações iniciada pelo governo democrático ainda
nos anos cinqüenta, se diferenciando deste, no entanto, na sua intensidade de ação” (idem).

A corrida desenvolvimentista industrial planejada pelo governo militar criou uma


atmosfera favorável ao estabelecimento, no país, de empresas estrangeiras. “O programa de
industrialização foi levado adiante com tal intensidade e obstinação que, em pouco menos de
cinco anos do seu estabelecimento, o país viveu um período de crescimento e de
desenvolvimento industrial sem precedentes na história sul-americana” (idem: 85). Assim, “o
crescimento industrial brasileiro acontece de maneira mais acentuada no período que se
estende do início do ano de 1968 até o final do ano de 1973” (idem: 86). É curioso notar que
esse período, conhecido como ‘milagre econômico brasileiro’, corresponde com a fase mais
autoritária do governo militar172.

O chamado “milagre’, que se estendeu de 1969 a 1973, durante o governo do general


Emílio Garrastazu Médici, é refreado por uma grande crise internacional do petróleo173, que
afetou “profundamente o Brasil, na medida em que o país importava 80% do seu consumo”
(Cara, 2010: 77). Em 1974, Médici é substituído pelo general Ernesto Geisel, que inicia, em
seu governo, uma gradativa abertura política, que só se consolidaria, de fato, na década
seguinte, com as eleições diretas e um novo processo constituinte. Logo no início do governo
Médici (1975), é lançado o II Plano Nacional de Desenvolvimento174, que tinha por objetivo
consolidar a estrutura industrial brasileira e criar capacidade de exportação de alguns produtos
básicos (idem), marcando, assim, uma nova fase de investimentos públicos e privados na
indústria de base e bens de capital. Todo esse movimento175, “de aposta do Estado no

172
Nesse sentido, é fundamental citar a edição do Ato Institucional n. 5 (AI-5), de 13 de dezembro de 1968.
Decretado durante o governo Costa e Silva, “foi a expressão mais acabada da ditadura militar brasileira (1964-
1985). Vigorou até dezembro de 1978 e produziu um elenco de ações arbitrárias de efeitos duradouros. Definiu o
momento mais duro do regime, dando poder de exceção aos governantes para punir arbitrariamente os que
fossem inimigos do regime ou como tal considerados” (D’Araújo, s/d).
173
Sobre uma possível relação entre a crise do petróleo e o interesse do governo pelo design praticado no Brasil,
AM comenta: “Eu me lembro de que certa vez, durante uma reunião, falava-se na crise do petróleo, e o Ministro
Severo Gomes disse: “Bendita crise! É uma coisa muito certa, pois foi justamente a crise que provocou a
conscientização em torno do problema da dependência.”” (Magalhães, 1997: 77).
174
Segundo Cara, “o I PND fora elaborado por Roberto Campos em 1967, cujo objetivo concentrava-se no
reequilíbrio das finanças e combate à inflação” (2010: 77).
175
Fundamental, nesse processo, é a criação da FUNARTE, em 1975.

233
processo de avanço e consolidação de uma base industrial por meio de isenções ou reduções
de taxas, financiamentos com juros baixos e incentivos fiscais, somada ao incentivo à
exportação, inauguram um período de inúmeros debates, na maioria dos quais o design
passa a ser encarado como uma prioridade tecnológica para o País” (2010: 78).

Entretanto, apesar de o Estado passar a perceber o design como fator estratégico ao


desenvolvimento, os demais setores da sociedade ainda nutriam uma visão bastante limitada
da atividade, que era percebida por eles como melhoramento estético. Para Cara, isso se
relaciona ao fato de o debate sobre design ter surgido no ambiente intelectual-acadêmcio, o
que terminou por restringir seus desdobramento para outras esferas de discussão. Assim, “ a
partir dessa visão, a área foi percebida em grande parte do meio industrial com um caráter
minoritário em relação às outras presentes no processo de produção. Desinteressados em
empregar recursos para o desenvolvimento de setores internos direcionados à pesquisa e ao
desenvolvimento de produtos, recorriam ao pagamento de royalties relativos ao direito de
produção de produtos desenvolvidos no exterior ou, ao que é pior, à cópia grosseira de
produtos internacionais. Tal situação gerou no debate da disciplina um grande movimento de
divulgação da área como elemento estratégico e necessário para o desenvolvimento da
produção industrial brasileira e sua inserção no mercado internacional” (idem: 82).

A discussão sobre a industrialização brasileira é importante também na medida em


que se pode associar esse processo a transformações sociais. Quando se acelera a
industrialização no país, por volta dos anos 1960, apenas 20% da população vivia em cidades.
Assim, esse processo conduz a uma intensa migração campo-cidade, reduzindo
consideravelmente a população que se dedica à produção agrícola. De forma violenta,
portanto, a industrialização traz a reboque um processo de urbanização e conseqüente
esvaziamento e desvalorização do campo e das atividades agrárias.

Dessa forma, a industrialização implica em uma série de transformações na


sociedade, que até aquele momento, estava organizada segundo uma economia
majoritariamente agrícola. Assim, antes de mais nada, a industrialização implicou, também,
em mudanças sócio-culturais para grande parte da população, em transferência do campo para
as cidades, carentes de infra-estrutura que comportasse a nova população. Segundo Moraes,
todas “essas transformações se manifestaram através da violência e do caos urbano e através
da práxis de erradicar o homem do campo para as novas cidades industriais. Este fato

234
modificou o significado de periferia, ao aumentar em demasia o número de favelas, novo
fenômeno urbano nas grandes cidades brasileiras” (2006: 236-237).

Tais colocações apontam para uma “dificuldade de assimilação do design, por parte
dos empreendedores brasileiros, como ferramenta estratégica para o desenvolvimento dos
bens industriais, durante o período das décadas de setenta e oitenta no Brasil” (idem: 136-
137). Segundo Moraes, apesar do distanciamento entre design e setor industrial, “não se pode
dizer que, no Brasil, e em outros países que hoje compõem o clube dos Newly Industrialised
Countries, não tenha havido um grande desenvolvimento através da modernidade e da
industrialização perseguida” (idem: 138). Ocorre que, nesses casos, o desenvolvimento
industrial não correspondeu a um desenvolvimento do design. Assim, “apesar de termos
conhecimento sobre a aplicação do design nos diversos segmentos produtivos, podemos,
todavia, afirmar que o design brasileiro, assim como a sua tecnologia, se conserva
dependente, e chega aos anos oitenta ainda não reconhecido como soberano” (idem: 140).

Assim, percebe-se, então, que nas décadas de sessenta e setenta (e mesmo ainda no
início da década de oitenta), apesar da prosperidade industrial, e mesmo havendo iniciativas
de incentivo partindo do governo176, o design nacional não acompanha o ritmo de crescimento
da indústria, distanciando-se da uma real participação na concepção dos bens industriais
produzidos177. Sobre esse tema, Pereira acrescenta que “no âmbito da discussão entre

176
Questionando a leitura que representantes do governo faziam do design, Wollner comenta que “nos anos
1970, o então Ministro da fazenda Delfim Netto fez uma exposição enorme no Anhembi sobre o design
brasileiro, para mostrar nossa tecnologia a todos os países do mundo. A intenção era exportar não apenas os
produtos da agroindústria, mas também produtos industriais acabados. Um japonês que estava lá disse a ele:
“Liquidificador nós temos, batedeira e fogão também. E o design brasileiro? E a tecnologia brasileira, onde
está?”. Mas o Delfim não sabia o que era o design” (Stolarski, 2005: 50).
177
Comentando o impacto desse cenário político-econômico para o campo da arquitetura brasileira, Rossetti
assinala que “se a ditadura militar isolou os arquitetos, subverteu a dinâmica de funcionamento de seu campo
simbólico e social de atuação, comprometeu a trajetória pessoal de muitos deles, não é razoável considerá-la
como um fator exótico. (...) Por outro lado, as relações entre os arquitetos e o Estado são ambivalentes, pois,
conforme Segawa, é provável que nunca se tenha projetado, planejado e construído tanto em tão curto espaço
de tempo, em que se pese mais a quantidade do que a qualidade, em virtude do milagre econômico” (2007: 142).
“Assim, na dinâmica do milagre econômico, não somente o campo da construção civil, mas também os
arquitetos se beneficiaram. Entretanto, a questão mais reveladora decorrente desta transformação do mercado
da construção civil não diz respeito nem aos metros quadrados projetados, nem aos metros cúbicos de concreto
empregados por uns e por outros. Trata-se da efetiva relativização e a conseqüente perda do protagonismo dos
arquitetos, em face da presença crescente dos engenheiros atuantes no período dos generais militares”
(Rossetti, 2007: 143). Dessa forma, “o deslocamento social e simbólico do arquiteto para a periferia dos
processos desenvolvimentistas é patente e acarretou em perda do status social, bem como na perda da inserção

235
desenhistas industriais e os industriais, se cristalizou um discurso que de um lado coloca os
arquitetos ou desenhistas industriais como aqueles que produziram o móvel adequado no que
diz respeito a novos padrões estéticos, de conforto, e condizentes com novas demandas da
sociedade urbana e industrial, sem abrir mão de um vínculo com a identidade cultural. No
outro pólo se coloca a indústria, muitas vezes explicada como a vilã que não olha para os
produtos nacionais, preferindo o retorno econômico rápido de uma produção baseada no
transplante e, quando muito de adequação, de modelos estrangeiros ao país, ou seja, a idéia
da cópia contra a da criação” (2009: 200).

Pereira discute se a dificuldade de integração com a indústria não se originaria


também de uma postura própria aos arquitetos e desenhistas industriais, que, “não abrindo
mão de um entendimento de seu trabalho enquanto expressão artística” (idem), contribuem
para essa desintegração. Assim, apartado (ou sentindo-se apartado) do processo industrial, é
no âmbito da pesquisa e do ensino que o design se desenvolve e se questiona.

Segundo Lessa, “este movimento, no plano ideológico, de busca do que poderia ser
definido como uma ética cultural, se reflete no plano metodológico, e talvez esteja aí a sua
conquista mais consciente. Se em 68 formula-se a consciência da idéia fora do lugar em
relação ao design, buscando-se uma aproximação com a sociedade real, no período do
“Brasil grande” o mercado toma de assalto a cidadela do design, mas segundo uma base
perversa de desenvolvimento industrial. Como o funcionalismo ortodoxo não se reconhece
nesta industrialização, é rompida a integridade de seus fundamentos genérico-abstratos sem
se resolver o impasse da idéia fora do lugar. Do meio desta crise surge a reação através da
valorização do dado cultural. Em vez da construção “racionalista” sobre terra atrasada, a
projeção não apenas para o futuro mas também do passado, reafirmando o que pode ser
conceituado como valor presente; em vez da padronização, a consideração dos repertórios
excluídos e das especificidades sociais. Estas propostas de análise introduzem no pensamento
projetual o reconhecimento da diferença como postura metodológica” (1994: 106).

Diante desse quadro, de distanciamento entre o design e a indústria, “o ensino


apresenta-se aos designers brasileiros como a melhor alternativa para colocar em prática as

pública de outrora, quando, devidamente legitimados por Oscar Niemeyer ao lado do presidente Juscelino
Kubitschek, os arquitetos estavam no poder” (idem).

236
suas próprias percepções e conceitos experimentais da atividade de design” (Moraes, 2006:
105). Nesse sentido, “é curioso notar que as melhores soluções projetuais surgidas no país a
partir desse momento, no âmbito escolar, não foram colocadas em prática nas indústrias
locais. Permaneceram como propostas e protótipos no âmbito acadêmico, (...) longe,
portanto, da produção e dos reais vínculos industriais que o legitimassem” (idem).

Ao que tudo indica, ao longo de toda a década de 1970 o quadro continua o mesmo.
“O design no Brasil encontrava-se no ambívio entre a sua negação por parte dos
empreendedores brasileiros e a indiferença por parte das multinacionais, cujas estratégias e
ações eram coligadas às suas matrizes centrais, que ordenavam o destino dos produtos nas
filiais brasileiras” (idem: 120). Esse movimento gera uma forte reação de alguns pensadores,
que “se opuseram à transferência do modelo produtivo capitalista ocidental para os países
do Terceiro Mundo, como o Brasil, que, de fato, nas décadas de sessenta e setenta, buscavam
a modernização e a industrialização. Não se deve esquecer de que os próprios países
periféricos mantinham o Ocidente como referência e como modelo em que se espelhar.
Sustentados então pelas suas teorias, aqueles estudiosos afirmavam que os países do Sul do
planeta não deveriam simplesmente industrializar-se e integrar-se no núcleo do sistema
econômico mundial, mas deveriam, sobretudo, modificar a realidade social, as estruturas
políticas e culturais da própria sociedade. Eles posicionavam-se de forma categórica contra
o agressivo expansionismo do Ocidente e a favor de outra alternativa para o desenvolvimento
dos países periféricos, que não a adoção do modelo ocidental em prática. (...)

O “imperativo verde”, que começa a se manifestar no final dos anos sessenta, torna-
se o símbolo da insatisfação contra o modelo de vida prevalente no mundo ocidental. Ele
repercutia contrariamente ao sistema industrial e ao modelo capitalista em vigor. Dentre os
expoentes das teorias anticonformistas, destacam-se: Ivan Illich, E. F. Schumacher, S.
Latouche, R. J. Congdon, Edgar Morin, Ignacy Sachs (do Centro Internacional de Pesquisa
sobre o Ambiente e o Desenvolvimento – CIRED/França), o Grupo de Desenvolvimento das
Tecnologias Intermediárias de Londres, os ecologistas do “Clube de Roma” – enfim, alguns
dos maiores críticos do modelo econômico capitalista do Ocidente no âmbito dos estudos
sociais durante os anos setenta – e, no âmbito do design industrial, desponta com maior
expressividade Victor Papanek (1925-1996)” (idem: 115).

237
Sobre as idéias Papanek e sua repercussão no Brasil, Moraes comenta que esse autor,
assim como Ignacy Sachs, tinha, “como princípio e razão conceitual, a teoria dirigida para
uma tecnologia alternativa que devesse redefinir a própria estratégia do desenvolvimento
periférico. Eles percebiam os conceitos ecológicos e econômicos de modo bastante
particular: propunham um caminho intermediário entre o economismo voraz e o ecologismo
tutorial. Na verdade, essa linha de pensamento, disseminada ao longo da década de setenta,
torna-se um verdadeiro dogma no panorama do design brasileiro” (idem: 117).

Assim, a corrente alternativa, que, segundo Moraes, era representada no Brasil


principalmente pelas idéias de Papanek, procurava “evidenciar a responsabilidade social da
indústria e a questão ética do designer” (idem). E é exatamente em função da ausência de
diálogo entre os setores produtivos industriais e o design que o autor explica o interesse deste
último pelas teorias alternativas de Papanek. Para ele, é exatamente na medida em que
apresentam um outro caminho possível, “as teorias das tecnologias apropriadas, alternativas
e intermediárias ganham força e espaço” (idem: 120).

Entretanto, Moraes assinala que o conceito de tecnologia alternativa já existia no


Brasil antes mesmo da propagação das idéias de Papanek por aqui. “O que sucedeu, na
realidade, como fator de inovação, no âmbito do design brasileiro, foi a absorção e
promoção dos ideais da tecnologia alternativa de forma mais ordenada e como uma resposta
contra o modelo de industrialização ocidental. A tecnologia alternativa, no Brasil, foi (a
partir de Papanek) elevada à condição de instrumento de protesto contra o modelo
“colonialista industrial” predominante” (idem: 121).

Segundo Cardoso, “no final da década de 1960 e início da década de 1970, as


preocupações prementes com a contracultura, o meio ambiente e a autonomia política de
países do chamado Terceiro Mundo – muitos recém-saídos de séculos de colonialismo –
contribuíram para a formação de uma nova consciência em nível mundial do papel do design
e da tecnologia. Idéias até então pouco discutidas, como ecologia humana, estratégias
tecnológicas alternativas e responsabilidade social, ganharam ampla divulgação através dos
best-sellers “Design for the Real World” (1971), de Victor Papanek, e “Small is Beautiful”
(1973), de E. F. Schumacher. O livro de Papanek marcou época no campo, lançando uma
crítica feroz ao que o autor considerava a irrelevância crescente da visão tradicional do
design face aos grandes desafios humanos e ambientais do mundo moderno” (2008: 220).

238
Se Papanek “propunha que os designers voltassem a sua atenção prioritariamente
para a solução de problemas sociais e que abrissem mão do seu narcisismo autoral em prol
do bem comum” (idem), Schumacher “propunha o abandono da busca frenética pelo avanço
tecnológico e a adoção de políticas que visassem aplicar melhor e distribuir de forma
igualitária os benefícios da tecnologia já existente” (idem).

Além das idéias de Papanek, é importante ressaltar a presença, no contexto brasileiro,


de Gui Bonsiepe178, “que aqui se estabelece, após o encerramento das atividades da Escola
de Ulm, na Alemanha” (Moraes, 2006: 129). Segundo Moraes, “o início da relação de
Bonsiepe com a América do Sul coincide com a esperança, anteriormente apontada, de fazer
do design local um instrumento de redução da dependência do continente sul-americano
frente à tecnologia e às soluções projetuais provenientes do centro” (idem).

Na área da arquitetura, como lembra Cara (2010: 59), é importante destacar também
a influência de publicações como “Complexidade e contradição”, de Robert Venturi. Indo
além, Lessa remarca que “esse processo de reconhecimento do outro supostamente irracional
não se desenvolve a partir da bibliografia projetual. As suas matrizes são a antropologia, a
lingüística estrutural e a semiologia, a sociologia de Baudrillard, a teoria do discurso de
Foucault, a semiótica de Peirce etc” (1994: 106).

Sobre todo esse complexo quadro de novas referências conceituais, Cardoso pondera
que “tais idéias foram ganhando aos poucos projeção também no Brasil, apesar do clima
político extremamente repressivo da época. A proposta de uma política tecnológica voltada
para o uso de materiais e mão-de-obra locais, respeitando condições existentes de aplicação
e dependendo de baixos custos de investimento, logo ganhou adeptos no meio intelectual
brasileiro, ainda mais que contrastava com a política tecnocrática agressiva dos governos
militares, que apostavam crescentemente em aviões, satélites e reatores nucleares como
símbolos do progresso nacional” (2008: 220).

178
“Após uma experiência na Argentina (onde trabalhou entre 1974 e 1980) e outra no Chile, onde contribuiu
com o governo socialista de Salvador Allende, Bonsiepe fixa residência no Brasil (para onde se muda em 1981)
e, contratado pelo governo brasileiro (Bonsiepe torna-se pesquisador do CNPq e funda e coordena o
Laboratório Brasileiro de Design Industrial – LBDI, em 1994), aí trabalha por vários anos consecutivos. Muitas
ações no âmbito do planejamento em design feito pelo governo brasileiro naquele período contaram com a sua
colaboração. A tudo isso se soma a sua adesão aos ideais da teoria da dependência local, que foram difundidos
através do seu livro: “A Tecnologia da Tecnologia”, publicado pela Blücher, em 1983, cuja apresentação foi
escrita por Darcy Ribeiro, este também um dos adeptos da mesma teoria” (Moraes, 2006: 130).

239
Assim, apesar de tudo, segundo Moraes, “a experiência brasileira de tecnologia
alternativa e apropriada, fundamentada nos conceitos e ideais de Victor Papanek, não
obstante o debate sócio-político e humanístico já mencionado, não trouxe solução para os
problemas e os desafios que precisavam ser enfrentados pelo design local” (2006: 124). A
explicação desse autor para o fato de o país não ter sido bem sucedido na implantação de
tecnologias alternativas tem a ver com os tantos insucessos na tentativa de transferência de
experiências e modelos projetuais do exterior para o Brasil, ou seja, seria fruto da
incompatibilidade dos modelos estrangeiros adotados a causa do fracasso de implantação
desses. A reivindicação parece ser a mesma feita por outros teóricos da história do design
brasileiro, a de que o design tem insistentemente buscado modelos exógenos e exóticos, em
vez de tentar um construir um caminho próprio.

No fim da década de 1970, com a abertura política, começa a ser delineado um outro
quadro, que se consolidaria de fato em 1984, com a eleição de um presidente civil. Se esse
movimento de abertura se insinua desde o ano de 1974, é em 1978, portanto quatro anos
depois, que “o governo iniciou encontros com líderes da oposição e da Igreja, concorrendo
para a restauração das liberdades públicas” (Cara, 2010: 78). No ano seguinte, é revogado o
AI-5, e são restaurados os direitos individuais e a independência do Congresso. Em 1979,
sobe ao poder o general João Batista Figueiredo, e uma segunda crise do petróleo termina por
aprofundar a crise econômica iniciada alguns anos antes. A recessão econômica que se instala
atinge de forma violenta o setor industrial. O quadro econômico, somado à reorganização dos
movimentos sindicais, detona uma série de greves, lideradas inicialmente pelo Sindicato dos
Metalúrgicos de São Bernardo, Estado de São Paulo.

Se o quadro já era complexo durante os anos setenta, Moraes ressalta que, no início
dos anos oitenta, o cenário econômico brasileiro não era mais favorável. A década de 1980,
denominada de ‘a década perdida’, refletiu, segundo o autor, no desenvolvimento e na
estabilização “do já complexo teorema do design brasileiro” (2006: 172). Além disso, “o
Movimento Moderno no Brasil, que por muito tempo foi sinônimo de industrialização e
prosperidade, ralenta de forma significativa o seu percurso com o golpe militar de 1964.
Interrompe-se, assim, o sonho socialista do projeto modernista, identificado com a resolução
de problemas sociais do país. O Moderno, por fim, perdeu, no cenário brasileiro, o seu élan
revolucionário que o coligava à causa social” (idem: 173).

240
Dessa forma, “os ideais da cultura pós-moderna chegam ao Brasil em um momento
de baixa-estima do design local, que se encontrava entre o desprezo das multinacionais e a
miopia das empresas locais, que não percebiam a importância da sua aplicação para a
diferenciação dos artefatos industriais” (idem: 174). Sobre essa revisão dos parâmetros
modernos em design, deve-se salientar também, conforme afirma o autor, que “os ideais da
cultura pós-moderna chegam ao Brasil justamente na década em que termina o longo
período de mais de vinte anos da ditadura militar” (idem). Assim, “os designers brasileiros,
por sua vez, assumem o pensamento pós-moderno como uma bandeira de protesto contra o
estado da arte do design local, que não conseguia instituir-se de maneira autônoma e
definitiva, mantendo-se sempre como um modelo de esperança ad infinitum. Os designers e
estudantes brasileiros utilizaram da mesma forma os “rumores” do pós-moderno contra a
indiferença das multinacionais, com as suas estratégias de fácil lucro e grande desprezo pela
causa e razão do nosso design local” (idem: 175).

Nesse quadro, alargou-se ainda mais a distância entre design e setor produtivo. “Os
rumores do Pós-Moderno atingiram também os próprios empreendedores do país, que não se
demonstravam sensíveis à importância da inclusão do design na produção industrial local.
As empresas brasileiras, em sua prática de constante mimese do exterior, não tomaram como
desafio decodificar os valores culturais locais e inseri-los, através da atividade do design, na
produção de massa dos nossos artefatos industriais. Esse fato contribuiu para alargar ainda
mais a distância entre estes últimos e os diversos aspectos da identidade cultural brasileira.

Por tudo isso, podemos afirmar que a condição pós-moderna no design brasileiro
reflete-se também como uma manifestação política em favor da liberdade de expressão e
contra a insatisfação então vivida, entenda-se: o regime militar e as fortes influências do
exterior sobre o sistema de produção industrial. No Brasil, podemos afirmar que este
movimento não se prefigurou somente como sendo pós-moderno, mas também como pós-
militar, pós-autoritário e pós-austeridade” (idem: 176).

Entre as propostas que Moraes credita ao pensamento pós-moderno, “encontrava-se


aquela de contraposição ao modelo de produção industrial convencional vigente. Neste
período, começa surgir, ou melhor, ressurgir, na Europa, o design de auto-produção ou de
produção em série limitada. (...) Assim como acontece com os grupos da vanguarda radical
na Europa durante os anos oitenta, também no Brasil foi retomado o modelo de auto-

241
produção dos objetos por parte de muitos dos designers. Esta prática foi interrompida no
país durante os anos sessenta (recorda-se os projetos de Joaquim Tenreiro, Sergio Rodrigues
e Michel Arnoult), com a expectativa dos designers locais de que poderia ocorrer, através do
modelo industrial adotado, uma promissiva produção em larga escala” (idem: 177-178).

Entretanto, “é importante perceber também que mesmo esta nova estrada tomada
pelo design brasileiro, com toda sua energia intrínseca, traz consigo, ainda que de maneira
quase inconsciente, as referências do pensamento racional-funcionalista, por mais de
quarenta anos mantidos como dogma no âmbito local. (...) Este aspecto racional que
continua presente no atual design brasileiro permanece como uma espécie de consciência
local (herança do projeto de modernidade) sobre a realidade do país, o dilema brasileiro da
desigualdade social que ainda não foi de todo resolvido” (idem: 181-182).

Lessa caminha na mesma direção, quando afirma que “apesar de toda essa
movimentação acontecer em nome de uma aproximação do real, é importante salientar, no
entanto, que a fuga da ortodoxia funcionalista não escapa da formulação implícita de uma
outra utopia. Quando se projeta em design, ao mesmo tempo que se pensa algo específico, se
pensa um tipo, um geral, que passa a incorporar o universo projetual. A questão da
identidade cultural nasce de um impulso para a contextualização dos tipos, ou seja, a busca
do que antecederia culturalmente os programas para projetos funcionais. Com a crítica dos
modelos matemático-universais, se empreende um caminho inverso: do protótipo cultural,
como matriz da cidadania, aos projetos específicos. A metodologia desta operação era o já
referido reconhecimento do racional no brasileiro: partindo da escassez como promotora de
uma economia das formas e de estruturas, o brasileiro torna-se a quintessência do
necessário, e, numa virada política, também vira estilo racional” (1994: 105-106).

Contudo, para Moraes, “se revela de grande importância que a prática deste
incipiente modelo projetual brasileiro não se coliga mais ao dogmático rigor metodológico
predominante no modelo racional-funcionalista até então vigente” (2006: 182). Afinal, “não
obstante a crise produtiva e industrial dos anos oitenta, o design brasileiro amadurece e
evolui, começando a dirigir-se, nesta mesma época para um conceito de design que aponta
para a multiculturalidade local” (idem).

Assim, segundo Lessa, “é justamente quando termina, pelo menos na ESDI, o ciclo
de trabalhos voltados para a questão da identidade cultural, é que, a partir do começo dos

242
anos 80, se difunde efetivamente no Brasil a crítica do funcionalismo. E se difunde menos por
efeito deste ciclo do que pelo desenvolvimento internacional do pós-modernismo. Apesar dos
trabalhos em questão terem se desenvolvido nos vazios da ortodoxia funcionalista, não
acontece em nenhum momento uma síntese programática, e assim a repercussão das
contribuições críticas para a teoria e prática do design no Brasil não foi grande. Sobretudo
se considerarmos que as sistematizações empreendidas por Aloisio Magalhães sobre o
assunto ecoaram principalmente na área da administração cultural.

O fim do ciclo se deu apenas porque, de uma outra maneira, o repertório projetual
se ampliou. A pressão do quadro contemporâneo da economia mundial é determinante neste
desenvolvimento. Na medida em que, no Brasil, a identidade cultural é confundida com a
identidade nacional (e isto é quase automático em um país onde, ao contrário dos países
europeus, a afirmação cultural surge depois da constituição da nação no século XIX, e que
não pode apresentar, como os Estados Unidos, o currículo de ser o berço da cultura
industrial de massa), a questão fica um pouco deslocada face ao processo de unificação
acelerada de mercados. A consciência da internacionalização da economia empurra cada vez
mais o design feito no Brasil para uma atualização cosmopolita de parâmetros e repertórios”
(1994: 107).

Observando todas essas colocações, feitas por alguns dos críticos e historiadores do
design apresentados no primeiro capítulo desta tese, entendo que, a partir de 1968, configura-
se um novo panorama no campo do design brasileiro. Se o design é entendido naquele
momento como uma “idéia fora do lugar” e se o otimismo que pautou os anos 1950 e o início
da década de 1960 transforma-se em desilusão179, visto que nem o mundo era mais o mesmo,
nem mesmo o país, e, quanto mais, o setor industrial - que se desenvolvia sem incorporar o
trabalho dos designers locais. Assim, se em 1968 se instaura uma ‘crise’ ou ‘impasse’, esse
movimento termina por aproximar a comunidade do design (ou, pelo menos, importantes
setores dentro dela) de uma revisão da própria idéia de desenho industrial, e dessa forma,

179
Esse sentimento é expresso por Alexandre Wollner: “Quando Juscelino Kubitschek declarou que ia fazer o
país crescer cinqüenta anos em cinco, quando trouxe as grandes indústrias automobilísticas, as metalúrgicas,
tivemos a esperança de que a coisa fosse estourar e que teríamos trabalhos à vontade. Não aconteceu, não sei
por quê” (apud Stolarski, 2005: 49).

243
tanto a orientação quanto a própria nomenclatura da profissão são revistas, passando o
industrial design a ser entendido como simplesmente design.

Mesmo percebendo que esse não é um fenômeno restrito ao contexto brasileiro, por
questões de estratégia de pesquisa, opto por concentrar a observação no contexto brasileiro.
Compreendendo que, no Brasil, devido aos desdobramentos da instauração de um regime
ditatorial, tal fenômeno ganha novos contornos, e que, se em um primeiro momento – ainda
nos anos sessenta – instaura-se um impasse que leva a intensos debates e que, em meio a esses
debates, discute-se as estruturas do ensino de design e a própria viabilidade da atividade; em
um segundo momento – em grande parte graças ao próprio debate já iniciado no campo, mas
também, e, de forma indissociável, graças aos desdobramentos que levaram parte da
comunidade artística brasileira a uma re-apropriação do modernismo nacionalista da Semana
de 22 – leia-se aí Tropicalismo, o impasse termina por aproximar o design de uma busca, pelo
que foi nomeado por alguns críticos, de contextualização cultural do design.

Assim, o design, sem espaço na indústria, e questionando os parâmetros modernistas


que organizaram a institucionalização do campo, volta-se para a cultura, e mais
especificamente para a cultura popular, buscando criar, a partir desse diálogo, outras
possibilidades para o desenvolvimento da atividade num contexto como o brasileiro, à época.
O momento em que o no campo do design se entende haver algum tipo de saída para o
impasse a partir de uma aproximação com a cultura é também o momento em que o governo
passa a entender o design como elemento estratégico para um melhor posicionamento do
produto brasileiro no mercado, cada vez mais globalizado. Isso não significa, segundo aqueles
autores, que o design tenha garantido, via incentivos governamentais, um espaço junto à
indústria. Assim, em meio à busca por contextualização e à aproximação com questões
relativas a uma identidade cultural brasileira, o ensino e a pesquisa continuem sendo as
grandes arenas para desenvolvimento do campo.

Entretanto, se em 1968 o impasse tem um caráter mais crítico e contestador, levando,


por exemplo, à paralisação das atividades na ESDI e à revisão do currículo da FAU-USP, no
início dos anos 1970 surgem proposições mais afirmativas, no que tange à revisão dos
parâmetros modernos que orientaram a constituição do campo entre nós. Acredito que é
exatamente nesse contexto que se destacam Lina Bo Bardi e Aloisio Magalhães.

244
Mas, antes de passar a uma análise mais detida das suas proposições (a ser realizada
no próximo capítulo desta tese), julgo ser importante acompanhar um pouco mais de perto
alguns episódios ocorridos entre o fim da década de sessenta e o início da década de oitenta, a
saber: as relações entre o design e a agitação cultural que se instalara após o golpe,
notadamente sua aproximação com questões sintetizadas pelo Tropicalismo; a paralisação da
ESDI, que leva a uma nova proposta de estrutura curricular (1968); o Fórum na FAU-USP,
que culmina com uma revisão do currículo estruturado pela reforma de 1962 (1968); a I
Bienal de Desenho Industrial (1968), organizada pelo Instituto de Desenho Industrial do
MAM-RJ; o caderno especial de design publicado na revista “Arte Vogue” n. 1 (1977); o
surgimento da APDINS-RJ (1978); e a reforma curricular do curso de design da PUC-Rio,
que institui o ensino de um “design social” (1981-82).

Aproximações entre design e Tropicalismo

Para Souza, “o marco cultural do período 64/68 foi o Tropicalismo” (1996: 175),
movimento que “se desenvolveu durante quatro anos de regime militar e, pela ousadia e pelo
escândalo provocado, terminou sendo um fenômeno semelhante à Semana de Arte Moderna
de 1922, com a qual, através de Oswald de Andrade180, estabeleceu fortes vínculos,
principalmente de insubmissão. Misturou toda a discussão anterior com política, folclore,
antropologia, num ritmo rico e frenético, buscando uma nova aproximação ou uma ‘nova
objetividade’181, para questionar a realidade brasileira” (idem).

180
Para o crítico de arte, curador e poeta argentino, Carlos Basualdo, “a constelação tropicalista fará de Oswald
de Andrade a chave de leitura que permitirá a seus protagonistas incorporar elementos provenientes da cultura
popular em uma estratégia de renovação das artes articulada como projeto de vanguarda” (2007: 16). Segundo
Christopher Dunn no livro sobre a Tropicália organizado por Basualdo, os tropicalistas “tinham sido
apresentados à obra de Oswald pelo poeta concretista Augusto de Campos, que, junto com seu irmão Haroldo e
Décio Pignatari, estava então reeditando as obras de Oswald” (2007: 63).
181
No livro em que estuda o design gráfico vinculado ao Tropicalismo, o designer e pesquisador, Jorge Caê
Rodrigues, reproduz um depoimento de Hélio Oiticica em que o artista define a obra “Tropicália”, termo que
veio a denominar também o movimento. Nas palavras de Rodrigues, “no primeiro semestre de 1967, o Museu de
Arte Moderna do Rio de Janeiro exibia a exposição “Nova Objetividade Brasileira”. Nesta exposição, o artista
plástico Hélio Oiticica apresentou um penetrável (que, hoje, chamaríamos de instalação) com o nome de
Tropicália, assim definido pelo próprio autor: “Em Tropicália, criei uma espécie de cena tropical, com plantas,

245
Para o organizador de exposição retrospectiva da Tropicália, Carlos Basualdo, trata-
se de um movimento de vanguarda que buscava exprimir, de forma renovada, uma realidade
nova e complexa. Em suas palavras, “essa realidade era a de um país em vias de
desenvolvimento, com uma população mestiça e uma cultura popular riquíssima na qual
confluem influências indígenas, africanas e européias, no contexto de um governo repressivo,
que impunha o padrão nascente de um desenvolvimento industrial acelerado a uma sociedade
já marcada por diferenças sociais abismais e uma distribuição de riquezas absolutamente
carente de eqüidade” (2007: 13).

Basualdo afirma que o movimento buscava estabelecer um diálogo entre a nascente


indústria cultural brasileira e a cultura popular, entendendo nas estratégias de sobrevivência
da cultura popular haveria um uso livre das referências que seria o melhor meio de atualizar e
potencializar a produção cultural no Brasil (idem). Assim, na concepção tropicalista, a cultura
popular seria concebida “menos como o resultado de um processo do que como o próprio
processo: portanto, em seu caráter dinâmico e em sua capacidade de manter esse dinamismo
a partir de uma abertura estrutural às influências e estímulos externos” (idem). Através de
uma abordagem que se inspirava na “potência inerente a expressões populares como o
carnaval” (idem), os artistas ligados ao movimento pretendiam “revolucionar as formas
culturais com as quais trabalhavam e fazê-lo de tal maneira que o resultado não fosse
alienante ou alienado com relação ao grande público” (idem).

araras, areia, pedras, seixos, brita... O problema da imagem é posto aqui objetivamente – mas desde que o
mesmo é universal, proponho também este problema em um contexto que é tipicamente nacional, tropical e
brasileiro. Quis acentuar esta nova linguagem com elementos brasileiros e uma extremamente ambiciosa
tentativa de criar uma linguagem que fosse nossa, a qual se ergueria frente à imagética internacional da Pop e
Op arte, na qual uma boa parte de nossos artistas estavam submersos” (Oiticica, 1986: 126)” (2007: 41). Sobre
a obra que nomeia o movimento, prossegue Basualdo, comentando que “Tropicália é, antes de mais nada, o
título de uma obra, constituída pela associação de dois dos seus “penetráveis”, PN2 e PN3, e apresentada por
Oiticica no contexto da mostra “Nova Objetividade Brasileira”, em cuja organização ele havia assumido um
caráter protagonista fundamental. Tratava-se de uma obra inicialmente destinada a incorporar os trabalhos de
outros artistas, um labirinto sensorial que acabava por afrontar o espectador com um televisor ligado. (...)
Antes de transformar-se em um termo icônico, em um nome-monumento, Tropicália era, no contexto do trabalho
de Oiticica, “a primeiríssima tentativa consciente, objetiva, de impor uma imagem obviamente ‘brasileira’ ao
contexto atual da vanguarda e das manifestações em geral da arte nacional”. Tropicália, portanto, é uma obra
estratégica, já que com ela Oiticica tentava pôr à prova uma série de imagens específicas – e isso no contexto de
um trabalho que até o momento se havia caracterizado pelo alto nível de abstração e complexidade estrutural –
e fazer isso justamente como resposta ao que, no seu modo de ver, constituía o panorama da arte brasileira de
vanguarda” (2007: 15).

246
Tratava-se, assim, segundo Basualdo, de “uma concepção radicalmente original da
cultura brasileira, e inclusive da própria noção de identidade nacional182” (idem). A questão
posta por Caetano Veloso no refrão da música “Alegria, alegria”, no terceiro festival da TV
Record, em outubro de 1967, que repetia a pergunta “Por que não?”, lançada “no contexto
de uma ditadura militar progressivamente repressiva e em um país cuja ânsia de
modernidade, justiça social e progresso se via, diariamente, negada de modo brutal” (idem),
ultrapassa, segundo o crítico, “a própria negação que contém, constituindo-se, antes de tudo,
em uma afirmação da experiência – e do experimental” (idem). “Por que não?” sintetiza a
tentativa de um grupo de artistas, escritores e cineastas de situar a cultura brasileira em um
contexto mundial, com relação às mudanças revolucionárias do fim dos anos 60. É a
tentativa de buscar o lugar do Brasil nesse mundo, de devolver o mundo ao Brasil e o Brasil
ao mundo” (idem). “E, mais ainda, por que não pensar a identidade nacional brasileira como
um processo aberto, em desenvolvimento permanente? Não como uma busca interminável das

182
Nesse sentido, Flora Sussekind aponta para as semelhanças e diferenças entre o projeto tropicalista e aquele
construído pelo primeiro modernismo brasileiro: “Se as idéias de uma devoração e reinvenção sistemática dos
aportes estrangeiros, de um entrecruzamento sincrético de perspectivas, linguagens e ritmos temporais distintos
e de um tensionamento e um trânsito constantes (e vistos como constitutivos do processo cultural brasileiro)
entre “alta cultura” e “mau gosto”, cultura letrada e “tradições orais, entre nacional e estrangeiro, arcaico e
moderno, entre atualização e revisão de “componentes recalcadas da nacionalidade” aproximariam o grupo da
Tropicália do primeiro modernismo, era igualmente evidente a diferença contextual entre esses dois momentos
de invocação de uma estratégia antropofágica. (...) E também, seria possível acrescentar, entre o universo dessa
nova música popular brasileira e o dos grupos concreto e neoconcreto no Brasil dos anos 50. Essa diferença
envolveria modos e graus diversos de conjugação de uma consciência manifesta da condição de país periférico
(tendo em vista a ordem capitalista internacional), e de seu processo necessariamente desigual e excludente de
modernização, a uma prática artística transformadora. Contrastam, nesse sentido, as condições históricas
bastante distintas em que se ensaiam essas conjugações. A começar por uma experiência cultural como a do
modernismo, na qual a conjunção de “desrecalque localista e assimilação da vanguarda européia”, como
observa Antonio Candido, se achava ainda ligada a certo otimismo embutido na idéia de “país novo” e na
prefiguração de inevitáveis transformações sociais futuras. Quanto às vanguardas construtivas brasileiras do
decênio de 1950, dialogam com um momento no qual, ao lado da acentuada consciência da miséria e do atraso
tecnológico do pais, experimentava-se, no entanto, em sintonia com o desenvolvimento urbano-industrial e o
crescimento econômico do período Kubitschek, uma expectativa positiva de desenvolvimento e afirmação
nacional que teria na construção de Brasília sua imagem exemplar. Já no Brasil de fins dos anos 60 a situação
é bem outra. Vive-se a institucionalização da ditadura militar iniciada em 10 de abril de 1964, e que se manteria
no poder por vinte anos. E 1967 e 1968 seriam anos cruciais no processo de “endurecimento” dessa
intervenção militar ainda “envergonhada” no governo Castello Branco, apesar das cassações políticas, das
denúncias de tortura e da intervenção nos sindicatos e federações de trabalhadores. E que, com a posse de
Artur da Costa e Silva, em março de 1967, ganharia um crescendo de violência e repressão, “escancarando”
sua natureza autoritária e convertendo-se, como assinala Elio Gaspari, num “regime a um só tempo anárquico
nos quartéis e violento nas prisões”. E no qual a modernização industrial, os índices de crescimento e
urbanização e o investimento maciço em tecnologia, aliados a uma ordem autoritária e a uma política
inflacionária, tinham como contrapartida perceptível uma dissolução da cidadania, um endividamento externo
crescente e uma altíssima concentração de renda, que intensificavam as desigualdades sociais e a crise urbana.
(...) Nesse contexto, não havia muita perspectiva otimista possível” (2007: 37 e 39).

247
origens – como queria o modelo herdado da Europa -, mas sim como uma aposta,
permanentemente renovada, na incorporação e elaboração seletiva dos estímulos culturais,
seja qual for sua procedência” (idem: 15).

Já na obra de Hélio Oiticica, esse posicionamento objetivava, segundo Basualdo,


contrastar um determinado estado da arte brasileira face ao contexto internacional de
vanguarda da época, criando, assim, uma diferenciação frente à “arte pop e suas derivações
européias, as correntes construtivas tardias e o minimalismo” (idem: 17). Segundo Luciano
Figueiredo (artista plástico e ex-diretor do Centro de Arte Hélio Oiticica), citado por
Basualdo, a afirmação de uma identidade brasileira no tropicalismo “estaria intimamente
ligada a Brasília, nessa época a recentemente construída capital do país na região do
Planalto Central. Em parte, poderia afirmar-se que Brasília é o dado real, efetivo, ao que se
contrapõe seu duplo mítico, Tropicália. No imaginário social brasileiro de meados dos anos
60, Brasília representava a espessa trama de esperanças e contradições que demarcava,
inclusive foneticamente, o horizonte de possibilidades do país. Em 1964, a capital super
moderna, cidade-modelo escultoricamente imposta à aridez da paisagem do Planalto
Central, havia deixado de ser uma miragem construtiva atualizada pelo ímpeto
desenvolvimentista do presidente Juscelino Kubitschek, para transformar-se no ameaçador
centro de comando de uma opressiva ditadura militar. A ilusão de transparência própria da
modernidade havia se tornado, no Brasil, subitamente opaca” (idem: 18).

Não é por acaso que Souza pondera que “os temas em discussão (depois de 1964 e
principalmente via Tropicalismo) não eram diferentes daqueles que se colocavam na ESDI:
consumo e vanguarda, underground e comunicação, arte e indústria” (1996: 175). O que
parecia estar em jogo naquele momento é tanto um diálogo com a reviravolta cultural que
acontecia de forma multi-situada, e que teve em maio de 68 o seu epicentro, quanto uma
reação mais específica, dentro desse quadro de questionamento (mais ou menos generalizado)
aos rumos que tomava o país, em termos econômico, sociais e políticos, após o golpe militar
de 64. Se, na virada dos anos 1950, Brasília representava uma modernidade possível, em 1967
era nela que se sediava o regime autoritário que foi percebido como a face sombria de um
projeto modernizante que alguns anos antes parecia uma alternativa legítima para um bom
encaminhamento do país.

248
Assim, além do espírito do tempo, que obviamente contagiava profissionais,
professores e estudantes de design, é importante perceber algumas ligações mais diretas entre
o movimento tropicalista e o campo do design, à época. Para além das questões comuns,
enunciadas por Souza, conforme mencionei no início desta sessão, foi Décio Pignatari (na
época professor da ESDI), junto aos irmãos Campos, o responsável pela aproximação dos
tropicalistas com a obra de Oswald de Andrade. Além disso, deve-se mencionar a circulação,
pela escola, de figuras como Nelson Motta, que em sua coluna no Jornal Última Hora, em 05
de fevereiro de 1968, havia declarado oficialmente iniciada a “cruzada tropicalista”
(Basualdo, 2007: 16); e Rogério Duarte, um dos principais conceituadores do movimento e de
uma estética gráfica tropicalista (Duarte, apud Rodrigues, 2006: 191).

Rogério, que, mais do que o designer do movimento, foi um dos seus principais
articuladores, na época vivia como designer. Em matéria publicada na revista Cruzeiro em
1965, Marisa Álvares de Lima o define assim: “Jovem, baiano, aluno de Goeldi. Dois anos
trabalhando com Augusto Rodrigues e um ano de escritório com Aloisio Magalhães. Estudou
com Otl Aicher, Tomás Maldonado. E teoria da comunicação com Max Bense. Participou de
exposições internacionais em Tóquio e no Canadá. Em sua produção, apresenta mais de vinte
cartazes, entre eles o do filme “Deus e o diabo na terra do sol” e o da peça “A moratória”.
Entre capas de livros e discos, anúncios, embalagens, etc, conta com mais de cem trabalhos
realizados em quatro anos de atividade cotidiana. Agora ele está dirigindo um escritório de
programação visual associado com o arquiteto Marco Antônio Coelho, seu aluno no MAM,
tendo como secretária sua mulher, Anecy Rocha, (...) irmã de seu amigo e companheiro
Glauber Rocha” (Lima, apud Cohn, 2009: 44).

Apesar da trajetória exitosa no design durante os anos sessenta, ele descontinuou sua
atividade como designer. Se continuou realizando capas de disco para artistas ligados ao
grupo baiano dos tropicalistas, depois de preso ele deixou de se identificar como profissional
ligado à profissão. Em depoimento no livro organizado por Sergio Cohn, declara: “Eu tive
uma carreira acidentada, na medida em que fui preso e torturado183, e assim posto para fora

183
Nas palavras de Rodrigues, “em abril de 1968, na saída da missa pela morte do estudante Edson Luís,
Rogério Duarte é preso e torturado pela ditadura militar. Após a prisão, tem um surto psicótico e, nos próximos
dois anos, passa períodos intermitentes internado no Pavilhão Psiquiátrico do Hospital do Engenho de Dentro”
(2006: 195). Depois da prisão e do período internado em um hospital psiquiátrico, “Rogério continua
desenvolvendo seu trabalho de designer durantes as décadas de 70 e 80. Em 1974, participa da primeira e única

249
de combate muito cedo. E isso teve um lado ruim, mas teve outro bom também. Porque hoje
percebo que, se não continuei produzindo uma obra gigantesca, fiz poucas coisas que
puderam ser melhor apreciadas. Tanto que hoje quando me pedem um trabalho, eu recuso
dizendo que pertenço a uma época. Fiquei com esse orgulho. Senão posso queimar meu filme.
Minha linguagem pertence a um momento histórico e não sou comerciante. Estou ligado a
uma revolução, a um período, a uma geração” (apud, Cohn, 2009: 201).

Sobre sua trajetória, destaca Rodrigues: “Rogério Caos, apelido dado por Oduvaldo
Viana Filho, o Vianinha, revela o complexo universo do músico, poeta, designer e professor
Rogério Duarte. Nascido em Itabira, Bahia, em 1939, muda-se para o Rio de Janeiro por
volta de 1960. Com uma bolsa de estudos, estuda na Escola de Belas-Artes, na Escolinha de
Artes do Brasil e no Museu de Arte Moderna. Nos cursos do MAM, foi aluno de Otl Aicher,
Tomás Maldonado, Alexandre Wollner, Max Bense, entre outros. Em 1961, integra a equipe
de Aloisio Magalhães, e entre 1966 e 68, foi diretor de arte da Editora vozes. Todo o
racionalismo da Bauhaus e de Ulm foi passado a Rogério, que fez questão de manter o rigor
técnico e funcional, mas, ao mesmo tempo, não deixou de observar elementos da cultura
brasileira, como as festas populares, as pinturas dos trios elétricos e a tipografia popular.

Em 1962, Rogério entra para a UNE, faz cartazes para ações políticas, para os
shows da Bossa Nova e para a revista Movimento. Amigo de Glauber Rocha, é autor do
emblemático cartaz do file “Deus e o diabo na terra do sol” (1964). (...) A partir de 1965,
conhece e torna-se amigo de Caetano Veloso e passa a contribuir de forma intensa na
criação da Tropicália. Nesse mesmo ano, escreve para a Revista Civilização Brasileira o
artigo “Notas sobre o desenho industrial”, no qual discute as origens do design gráfico,
questões sobre a diferença entre arte e design, critica a influência ulmiana no design
brasileiro e mostra-se apreensivo com a nova escola – a Escola Superior de Desenho
Industrial (ESDI) -, embora acredite que “seremos capazes de assimilar e transformar as
influências, como na nossa antropofagia (Duarte, 1965: 246)” (2006: 191).

edição da revista Navilouca, projeto editorial de Torquato Neto e Waly Salomão. Projeta em 1975 a capa do
livro Folias Brejeiras, de José Simão. É diretor de arte da Desígnio (de 1976 a 78) e diretor de arte da
Prefeitura de Salvador (de 1985 a 89), sem deixar de lado os projetos para capa de discos” (idem).

250
Rogério nunca esteve formalmente ligado a escola, mas em alguns momentos esteve
bastante próximo a ela, notadamente nos primeiros anos. Em entrevista a Rodrigues, ele
comenta sua relação com a ESDI. “Perguntado se algum dia trabalhou na Escola, ele nos
relata: “não, mas fui um dos fundadores dela, embora não trabalhasse diretamente, porque
nunca me foi permitido isso. Nessa época eu já era professor, já lecionava no Museu de Arte
Moderna, muitos alunos meus cursavam a ESDI, e o pessoal me procurava. Eu trabalhei lá,
mas extra-oficialmente, junto ao corpo discente; a turma no princípio me chamava para
debates, encontros. Eu tive uma presença constante na ESDI na sua fase inicial, como uma
espécie de demônio que lá dentro exercia uma crítica” (2006: 195).

No artigo de 1965, Rogério declara estar apreensivo quanto ao caráter da escola, que
abrira dois anos antes. “Em um país subdesenvolvido como o nosso, pode ficar absurdo o
operacionalismo científico de Ulm. Tememos que a ESDI siga um caminho não muito de
acordo com o que precisamos (uma escola de desenho industrial deveria, por exemplo, estar
ligada, ou pelo menos levar em conta um plano como o de industrialização da SUDENE, de
Celso Furtado). Além disso, ainda que a linha Ulm não fosse prejudicial, não acreditamos
que a ESDI possa manter o seu padrão, pois o Brasil, não tendo nem infra nem
superestrutura que possa mantê-lo, pode levar a ESDI a tornar-se uma imitação pobre. Mas
estes temores só se justificam em parte, pois nosso contato com a Escola e sua turma nos faz
ficar pelo menos atentos ao que de lá possa surgir. Confiamos no nosso poder de assimilação
e transformação de influências, na nossa antropofagia” (Duarte, apud Cohn, 2006: 38-39).

Para Rodrigues, Rogério fez, em seu trabalho gráfico, uma síntese entre o
formalismo racionalista ulmiano e o caráter transgressor do movimento tropicalista (2006:
196). Contrapondo-se a um pseudo-nacionalismo purista (Duarte, apud Rodrigues, 2006:
197), a ruptura proposta pelo baiano era, segundo o próprio, a “de uma pessoa que falava a
mesma linguagem que eles, não era de um cara que não conhece e pensa que design é outra
coisa. Era de alguém que conhecia bem a estética do design, que tinha aprendido bem
naquela cartilha e que rompeu por adotar uma contemporaneidade” (idem). Assim, “no
design de Rogério Duarte, o princípio é tirar partido do choque entre linguagens e, para isso,
apropriar-se de tudo: das imagens vernaculares e elementos da dita “alta cultura”, da arte
pop a vinhetas de um romantismo nostálgico” (idem: 201).

251
Tecendo um comentário crítico sobre o seu próprio posicionamento na época em que
vivia como designer, Rogério comenta que “naquele tempo não me interessava a arte. (...) O
que era a arte? O inútil. E eu era designer, o que me interessava é o útil” (idem: 195). A fim
de observar como se conformava sua concepção de desenho industrial nos anos sessenta, vale
acompanhar mais de perto o artigo de 1965, publicado na Revista Civilização Brasileira, em
que, posicionando-se assim dentro do campo, ele faz um balanço crítico de alguns conceitos e
teorias a que se liga o problema do desenho industrial (Duarte, apud Cohn, 2006: 23).

Iniciando o texto com uma definição, ele afirma que “chama-se desenho industrial a
ideação de formas para produção em série. Diferentemente da criação de formas não
destinadas à reprodução, como acontece no artesanato, o que se percebe no desenho
industrial não são existências isoladas, mas grupos de existências, isto é, existências que
concretizem na sua estrutura não só as condições particulares, mas também as
características da série. Nesse sentido, um produto industrial é ao mesmo tempo uma
existência e uma idéia, no sentido platônico e arquetípico. (...) para que compreendamos bem
o exposto, devemos nos desembaraçar da oposição entre original e reprodução. (...)
insistimos nesse ponto, convencidos de que a remanescência do conceito, ou preconceito, do
original vale como um bloqueio auto-defensivo por parte de uma cultura fundada nas
relações artesanais dos conteúdos que historicamente lhe devem ocupar o posto” (idem: 15).

Concluindo sua definição, ele sugere que desde a origem da imprensa é possível falar
de um desenho industrial (idem: 16) e afirma que “o desenho industrial, embrionário na fase
renascentista, é a forma por excelência da arte após a Revolução Industrial e que a
modificação dos critérios, trazida pela mecanização e suas conseqüências sociais, abrange a
totalidade da cultura” (idem: 17).

Sobre o que chama de esteticismo industrialista de Tomás Maldonado, declara-se


preocupado com a idéia de designers formados pragmaticamente, aparelhados
tecnologicamente para influir de forma eficaz nos processos de fabricação, sem que se lhes
permita tornarem-se intérpretes da cultura (idem: 35). Criticando severamente o
tecnocracismo de Ulm (idem), que entende o desenhista industrial como um profissional que,
para não ser sufocado em um contexto cada vez mais técnico, não teria alternativa a não ser
assumir-se como “programadores técnico-visuais ultra especializados para atuar sobre o
nervo da produção” (idem).

252
Rogério assume um tom provocativo, quando coloca a questão: “Quem sabe se a
visão de um mundo super-técnico em Ulm não decorre da necessidade de justificar seu
formalismo? Pensa-se no trabalho de Otl Aicher no setor da comunicação visual. Tudo
arrumadinho e exato, como se um milímetro para lá ou para cá na colocação de qualquer
elemento visual pudesse levar a Europa à ruína. Max Bill diz que o estilo de Mondrian é
puramente emocional. Não será também um geometrismo autodefensivo, como a pintura dos
esquizofrênicos, a figuração da Escola de Ulm? Talvez estejamos enganados, mas podemos
arriscar as observações acima pelo que nos foi dado conhecer de perto aqui no Brasil sobre
os resultados da Hoschule fur Gestaltung” (idem: 35-36).

Comentando sobre o início, no Brasil de uma articulação de espaços de criação e


ensino voltados a um contexto industrial, retoma alguns episódios seguindo uma lógica que
anos depois seria retomada por Rafael Cardoso e Dijon de Moraes, entre outros. Segundo essa
linha de raciocínio, o surgimento de um desenho industrial, no país, estaria atrelado uma série
de “reflexos das mais recentes preocupações européias” (idem: 36). “Um fato triste, mas que
não pode deixar de ser mencionado, é que quase tudo aparecido entre nós em matéria de
vanguardismo é decorrência de movimentos estrangeiros. Mesmo o nacionalismo do período
romântico ou de 22, são versões tupiniquins de nacionalismos estrangeiros” (idem: 37).

Citando alguns atores e episódios-chave para a instituição de um desenho industrial


no Brasil, lembra de Manuel de Araújo Porto Alegre, “pintor e poeta, participante do
movimento romântico, grande amigo de Gonçalves Dias, que quando nomeado por Pedro II
para a direção da Escola de Belas Artes, reformou o ensino, dando especial relevo ao
desenho de arte aplicada à indústria” (idem: 36). Mencionando Lucio Costa, estranha “que o
movimento de 1922 não tenha introduzido entre nós conceitos de então sobre o desenho
industrial” (idem). Para ele, “o Brasil acordou tarde” (idem: 37). Depois de Lucio Costa,
destaca Raymond Loewy, que teria ocupado a cena paulista com a abertura de uma filial da
Raymond Loewy & Associates. Por isso, passamos a usar desenhos da linha americana: “país
sub-produtor, o Brasil consome as formas de superprodução americana, e ainda por cima
pagando elevados royalties” (idem).

Na seqüência, comenta o trabalho de LBB, que, com a criação do Studio Palma, em


São Paulo, “começa a desenhar os primeiros móveis modernos no Brasil” (idem: 38).
Retomando a trajetória da italiana, acrescenta que, depois de fechar o Studio Palma, que a seu

253
ver ainda não levava em conta a realidade brasileira, ela “inicia um curso de desenho
industrial no MAM de São Paulo, também o primeiro do Brasil e com a mesma duração de
dois anos. Mais tarde, Lina ensina desenho industrial durante três anos na Universidade de
São Paulo. A partir das primeiras experiências, Lina Bo Bardi evoluiu para uma pesquisa
aprofundada da realidade brasileira, desde os aspectos físicos aos antropológicos, fazendo
um levantamento dos objetos de uso popular, encontrando na sua propriedade formal e
conteudística, e na sua autenticidade, as verdadeiras raízes do desenho industrial brasileiro.
Em Lina Bo Bardi nós temos o exemplo da tomada de consciência de que os problemas
artísticos são somente uma face do problema social. Ele se desloca de uma visão
superintelectualizada e européia para a arte popular brasileira” (idem: 38).

É curioso o fato de que, nesse depoimento, escrito em 1965, Rogério parece não ter
conhecimento sobre o projeto de escola que LBB formulara em Salvador, pouco tempo antes.
Sabendo que Rogério era muito próximo de Glauber Rocha e que o diretor freqüentava
intensamente o museu dirigido por ela, não está claro se houve uma aproximação mais direta
de Rogério com a italiana. Entretanto, diversos estudiosos da obra de LBB, e também do
movimento tropicalista, associam a idéias da italiana ao grupo baiano.

Sobre a relação de LBB com o Tropicalismo184, Basualdo comenta que “embora Lina
Bo Bardi não tenha feito parte do grupo de tropicalistas históricos, as características de sua
obra como arquiteta, pensadora, designer de exposições e cenógrafa a enquadram
perfeitamente neste universo conceitual. Com vários anos de idade a mais que os
tropicalistas, compartilhava com eles uma mesma preocupação com as relações possíveis
entre modernidade e cultura popular, no quadro de um país que estava passando por um
processo de industrialização crescente. Mantinha estreitos laços de amizade com vários dos
integrantes do grupo tropicalista, fundamentalmente com José Celso, para quem, entre outras
coisas, projetou a sede atual do Teatro Oficina. Sua atuação como diretora do Museu de Arte
Moderna da Bahia (MAM-BA), entre 1959 e 1964, havia sido igualmente importante para a

184
Indo na mesma direção, Olívia Oliveira observa diversos paralelismo entre as obras de LBB e Hélio Oiticica.
Entre eles, e principalmente, “uma vontade construtiva geral inspirada na antropofagia oswaldiana – a melhor
arma para lutar contra a dominação exterior seria reduzir todas as influências externas a modelos nacionais,
isto é, um abolir, absorvendo -, participação coletiva, social, poética e lúdica do espectador na obra;
abordagem e tomada de posição em relação a temas políticos, sociais e éticos; propostas coletivas e
descobrimento de manifestações populares organizadas e espontâneas de rua” (2006: 254). Para uma análise
das relações de LBB com o movimento tropicalista, ver também Ferraz, 2008.

254
formação dos jovens músicos tropicalistas. Finalmente, a concepção fluida do espaço que
permeia projetos como a casa Valéria Cirell, a capela Santa Maria dos Anjos e o próprio
Teatro Oficina a relaciona intimamente com o trabalho de Hélio Oiticica” (idem: 26).

Tendo observado algumas aproximações teórico-conceituais do design com o


tropicalismo, proponho acompanharmos agora de que forma essas e todas as outras idéias que
circulavam na época se desdobraram a acontecimentos críticos nos dois cursos onde se
formavam os desenhistas industriais brasileiros, naquele momento.

1968: o ano em que o design repensa o ensino

Se, conforme assinala Pereira, “a partir de 1968, como afirmado, os contextos


político, econômico, social e cultural do país adotam um novo rumo, este quadro de
transformações tem seus rebatimentos no contexto do ensino universitário, no país. No caso
da USP, levaria a Escola a repensar alguns pontos de vista sobre desenho industrial e
arquitetura, gestados nos anos anteriores a 1968, quando se havia uma expectativa de
mudanças econômicas, políticas, sociais que enveredaram depois por outro caminho, não
esperado” (2009: 276), não é sem razão que tanto na FAU-USP quanto na ESDI tenham sido
repensadas, no mesmo momento, as estruturas curriculares formuladas apenas seis anos antes.

É preciso lembrar que o momento era de agitação cultural, e a idéia de contestação se


expandia em todas as direções, principalmente entre os intelectuais e os jovens. Nesse quadro,
em 25 de junho, acontece, no Rio de Janeiro, a Passeata dos Cem Mil”, em que se
reivindicava a redemocratização do país. Nesse ano, se intensifica o movimento estudantil e
se inicia a luta armada contra a ditadura. O período marca também o início de um avanço das
restrições civis, com a instituição, no final do ano, do AI-5, que fecha o Congresso Nacional e
inicia o período mais repressivo da ditadura.

Na USP, o Fórum que formulou uma segunda reforma para o ensino na FAU,
culminou, também, com um quadro de mudanças em que três de suas lideranças – Vilanova
Artigas, Paulo Mendes da Rocha e Jon Maitrejean -, foram afastadas de suas atividades na

255
escola (idem: 275). Naquele momento, segundo Angélica Irene da Costa185, “a discussão foi
marcada por duas propostas: a de Sérgio Ferro junto com outros professores como Rodrigo
Lefévre, e a de Vilanova Artigas, professor do Departamento de Projeto. A proposta de
Artigas, que foi a vencedora, se dedicou, resumidamente, à criação de órgãos que
impulsionassem a interação entre estudantes e docentes de todos os departamentos” (s/d: 11).

A autora comenta que, “segundo Ferro, as diferenças entre suas propostas e a de


Artigas eram reflexo de suas concepções diferentes acerca do papel do desenho: para
Artigas, desenho como designo deveria ser o condutor da atuação profissional para o
desenvolvimento do país. Já para Ferro e Lefréve, seria essencial a alteração das relações de
produção, possível apenas através de uma atuação mais direta, seja profissional (mas com
outro viés) ou de forma militantes” (idem: 12).

Assim, o Fórum, iniciado em meados de 1968, “constituiu a culminação de uma


polarização ideológica que começou a se delinear no processo da reforma de 1962, entre
duas posições antagônicas do ponto de vista profissional, representadas pelo “documento de
Millán” e a “reforma de Artigas: A primeira entende que a arquitetura é uma profissão e
deve ser vista como uma atividade para cujo exercício se recebe treinamento específico. A
segunda entende que a arquitetura é uma atividade intelectual e por isso passível de pressões
resultantes de ideologias diversas, da esquerda à direita” (Naruto, 2006: 64).

Caracterizado por um confronto ético e político entre um grupo de professores, em


que as opções pareciam ser “o lápis e o fuzil” (idem: 65), o Fórum foi recheado de intensos
debates e teve como resultados concretos, segundo Naruto, uma certa continuidade do
programa de Artigas, acrescido de um enfoque na diversificação profissional e de novas
tarefas aos grupos de disciplinas já existentes (idem). Entretanto, muitas das propostas
desenvolvidas tornaram-se inviáveis, em função dos desdobramentos políticos naquele
momento. Depois do AI-5, alguns professores foram sumariamente aposentados, o
movimento estudantil foi reprimido e foi decretada a Reforma Universitária.

185
Em artigo derivado de sua dissertação de mestrado (2008) sobre Sérgio Ferro, arquiteto que foi relator da sub-
comissão formada pelo Departamento de História da Faculdade para a participação nas discussões do Fórum.

256
Na ESDI, seguindo o clima de agitação que envolvia os estudantes em geral,
sucederam-se, desde 1966186, diversas manifestações de descontentamento dos alunos (Souza,
1996: 137). Esse quadro levou, após confrontos entre alunos e professores no fim do ano de
1967, à formação de uma frente ampla interna, que durante as férias de 1967, reuniu-se,
apresentando, no início do ano letivo de 1968, uma nova proposta de currículo para a escola.
Na aula inaugural, o novo plano curricular foi apresentado.

Nele, “as disciplinas teóricas atualizaram-se evoluindo em direção, senão ao


universo específico do design, a uma discussão mais ampla do meio urbano e industrial.
Novos professores, como Frederico de Morais, propuseram temas integrados à atualidade
brasileira como o Tropicalismo, Música Popular, Censura, Cinema Novo. José Bonifácio
Martins Rodrigues, professor de Sociologia desde o início do curso, concentrou seus
interesses no estudo do sistema social, sua estrutura, funções e dinâmica, a partir da análise
das classes dominantes, do fenômeno da urbanização, da modernização e da automação.
Zuenir Ventura incorporou a seu programa o estudo da sociedade industrial e o Brasil, da
cultura superior e de massa e da indústria cultural.

Décio, percebendo que algumas de suas críticas foram absorvidas, avançou


propondo o estudo de meios específicos como a imprensa, rádio, cinema e televisão,
dedicando ainda boa parte do programa ao kitsch, ao styling, ao mercado de consumo, moda
e estilo. As disciplinas técnico/teóricas apresentavam-se mais conservadoras. Física e
matemática continuavam mais ou menos como o mesmo conteúdo anterior. (...) O
desenvolvimento de projeto buscava um encaminhamento social como forma de integração
com as disciplinas teóricas. (...) Pragmática, técnica e com algum conteúdo social, a
proposta da frente ampla dos professores da ESDI era consistente em sua formulação. Mas,
sua congênere política não ia tão bem” (1996: 139-140).

Com o agravamento da crise política, depois do assassinato de um estudante no Rio


de Janeiro, em fins do mês de março, acentuam-se os choques entre estudantes e a polícia, e
parte da população passa a apoiar a movimentação estudantil. Em junho, realiza-se a passeata
dos cem mil. Em um processo identificado por Souza como de paralelismo formal com o que

186
Deve-se notar que no final de 1966 Carmen Portinho foi eleita diretora da ESDI, assumindo o cargo no início
de 1967. Enquanto isso, o MAM-RJ era dirigido pelo primeiro diretor da escola, Maurício Roberto.

257
acontecia na sociedade187 (idem: 159), em março de 1968 inicia-se, na escola, uma crise em
que “alguns professores mostraram-se radicais, assim como o representante dos alunos,
presidente do DAESDI, que propôs, como alternativa ao impasse, que se abrisse uma ampla
discussão sobre a estrutura da escola” (idem: 148).

Iniciada a partir de um descontentamento dos alunos em relação aos critérios de


avaliação, a reviravolta crítica amplia-se, culminando com uma Assembléia Geral que durou
de 11 de junho de 1968 até o mês de agosto de 1969 (idem: 154). Assim, durante quatorze
meses “a ESDI passou por um intenso, turbulento e penoso processo de revisão” (idem), em
que “costuma-se dizer que a ESDI parou. De fato, parou de funcionar uma determinada
ordem de coisas que provavelmente poderia atingir seu desejado ponto de maturidade
naquela época. Porém, a escola não parou. O ritmo de atividade durante os meses de
Assembléia Geral, apesar de não apresentar uniformidade, foi intenso” (idem: 155-156).

Um mês depois do início das atividades, foi decidido que o segundo semestre de
1968 seria dedicado à reformulação geral do ensino e a cursos e conferências188 que
complementariam as atividades principais. Em 08 de agosto foram apresentadas as conclusões
da comissão mista formada no fim de julho. Dois documentos sintetizavam o processo de
crítica e encaminhavam propostas de solução, que objetivavam definir um currículo para a
ESDI em 1969. Além de reconhecer a prematuridade da criação da escola, reconhecia-se ali a
prematuridade do próprio estabelecimento da profissão no Brasil (idem: 163). Sobre essas
deliberações, Souza pondera que, se “a proposição da ESDI, de fato, não foi realista, também
não foi um erro, na medida em que se baseava em esperanças bastante fundamentadas no
desenvolvimento de um modelo autônomo” (idem).

187
De fato, os acontecimentos políticos invadiram o espaço da escola, quando, em 27 de setembro de 1968, uma
tropa de choque da Polícia Militar invadiu a escola, armada com bombas de gás e metralhadoras, revistando os
espaços, ameaçando alunos e a diretora, Carmem Portinho (Souza, 1996: 180). Segundo Souza, a invasão
ocorreu em decorrência de uma denúncia de que realizavam-se na escola reuniões de lideranças do Movimento
Estudantil. Em represália, os alunos (através de seu diretório acadêmico) publicaram uma nota de protesto na
imprensa, denunciando as arbitrariedades do governo. Na nota, diziam assim: “sabemos que essa invasão faz
parte da tática adotada pela ditadura para intimidar o Movimento Estudantil e impedi-lo de denunciar a aliança
com o imperialismo internacional. (...) As tentativas de intimidação não conseguirão silenciar nem a ESDI, nem
o Movimento Estudantil” (idem).
188
“Foram convidados e compareceram, os professores Aluísio Biondi, Carlos Lessa, Anatol Rosenfeld, Willem
Flusser, Haroldo de Campos e Isaac Epstein. Alem das conferências previstas inicialmente, ocorreram outras
palestras como as de Hélio Oiticica, diversos debates com artistas plásticos, cineastas, músicos e publicitários,
de algum modo ligados ao período de efervescência política e criativa que se vivia” (Souza, 1996: 160).

258
Como conseqüência do debate, iniciou-se uma discussão, até então inédita na escola,
sobre a relação design/mercado. “Defrontar-se com um mercado em recessão, refratário ao
investimento na inovação e prestes a ser entregue a uma exploração livre e desenfreada pelo
capital externo, até mesmo por sua potencialidade de consumo e relativa incapacidade de
atendimento pela estrutura produtiva nacional, era uma circunstância que nenhum otimismo
poderia prever, e, menos ainda, estar preparado para enfrentar. Por isso o lema polêmico na
época, “atuar sobre o mercado”, significou o fim de uma visão utópica otimista e o início de
um outro processo, também utópico, mas de luta, de repensar o design” (idem: 164).

Discutindo a formação dos profissionais em um campo ainda em formação, “falava-


se em formalizar a profissão e em atuar criticamente sobre o mercado” (idem: 169).
“Concluía-se que a utilização do design brasileiro dependia do interesse das empresas de
estimulá-lo e esse interesse dependia da existência de um mercado mais amplo. Perguntava-
se ao final: “como criar esse mercado e, uma vez criado, qual seria a atitude das empresas?
No momento em que o governo afirma que dará ênfase ao desenvolvimento da tecnologia,
qual o papel reservado ao desenhista industrial e qual a importância que se dará aos
materiais e processos locais189?” (idem: 179). Mas, então, colocava-se a questão que
apontava para alguns problemas e contradições do design (idem: 169) dentro de um mercado
competitivo, qual seria o alcance social do design?

Como parte do processo de revisão do ensino na ESDI, criou-se a comissão didática


da I Bienal de Desenho Industrial, exposição organizada no Museu de Arte Moderna do Rio
de Janeiro, pelo Instituto de Desenho Industrial190 (IDI). Para Souza, “a participação da ESDI

189
Sobre o tema, Souza comenta que “a proposta de concentrar esforços em tecnologias e materiais locais
gerou um longo e sinuoso caminho, melhor definido um pouco mais tarde por Aloisio Magalhães, com suas
teses sobre uma ‘prototecnologia’. Posteriormente, se desenvolveram más interpretações dos conceitos de
tecnologia alternativa e tecnologia apropriada, que não se deveram nem aos economistas e menos ainda a
Aloisio. Resultaram da pouca profundidade e do sentido generalizante com que foram introduzidas” (1996:
178).
190
Sobre o IDI: “criado em 1968, a partir de 1973/74 firmou-se como um instituto de pesquisa. Do modesto
início participaram Karl Heinz Bergmiller e Goebel Weyne, professores que, entre outros, eram alvo de críticas
da Assembléia Geral da ESDI, vistos como dois mais identificados com o modelo de Ulm. Posteriormente, a
partir de 1972, incorporaram-se Silvia Steinberg e Pedro Luiz Pereira de Souza, formados em 1971 pela escola
e, já nessa época, nela exercendo atividades didáticas. (...) A orientação do IDI foi racionalista. Análise,
medição e classificação de todos os elementos possíveis de se transformar em parâmetros de projeto constitui a
referência constante em sua atividade, sempre marcada também por forte didatismo. Essa orientação, além de
ser o encaminhamento natural de seus coordenadores, surgiu também em conseqüência dos problemas do
modelo de Ulm na ESDI. Representou a continuidade desse padrão, sua adaptação e desenvolvimento, sem as

259
na Bienal de 68 foi o marco de ruptura com uma concepção de design que se desenvolvia no
Brasil há alguns anos. Por um lado, significava precipitada guinada política e, por outro,
abertura real para o desenvolvimento de uma nova forma de interpretar o que seria um
design brasileiro” (idem: 176). A exposição montada pela ESDI na Bienal foi um
escândalo191. Nela, expôs-se uma “violenta crítica ao modelo econômico que se desenhava
para o Brasil, ao seu elitismo e ao conformismo e conivência gerais. (...) o contraste com o
resto da exposição foi total” (idem: 182).

Em matéria sobre a Bienal, a revista “Veja” declara: “Em funcionamento há seis


anos, com pouco mais de cem alunos em 68, a ESDI ressente-se das principais dificuldades
brasileiras no setor: com o predomínio da indústria estrangeira, até os produtos fabricados
aqui já vêm projetados por desenhistas estrangeiros; as indústrias brasileiras ainda têm o
vício de importar produtos e copiar com pequenas alterações em vez de criar. O objetivo
principal dessa I Bienal (organizada conjuntamente pelo Itamarati, MAM, ESDI, Associação
Brasileira de Desenho Industrial, Fundação Bienal de São Paulo e Confederação Nacional
da Indústria) é mostrar que o “designer” brasileiro (assim como os arquitetos) tem talento e
pode criar muita coisa para consumo em larga escala. Os alunos da ESDI planejaram e
executaram este cartaz: “O Brasil faz hoje o que importava, mas continua importando o
principal – tecnologia e modo de produção”” (Veja, 15/11/1968).

Se na exposição da Bienal se criticava de forma violenta a configuração das coisas


até então, “o resultado da Assembléia Geral foi contraditório. Restou de positivo a perda da
ilusão progressista baseada no liberalismo dos anos 50, que poderia ter ocorrido antes. A
perda dessa ilusão conduziu a, pelos menos, duas posições distintas: de um lado os
remanescentes do racionalismo que procuraram uma nova referência para situar sua
ideologia, primeiro fora da escola e depois, reconduzindo-a para seu interior; de outro,
emergiram algumas novas tendências, oriundas dos que nunca aceitaram totalmente as idéias

restrições de qualquer tipo de contraposição nacional ou popular. O fenômeno de 68 na ESDI deixou o IDI na
condição de único espaço para o desenvolvimento de um design paramétrico, radicalmente interessado na
determinação precisa do que um produto devesse ser em si e por si mesmo” (Souza, 1996: 305-306).
191
Segundo Souza, “a interpretação da imprensa demonstrou a repercussão contraditória do projeto. A revista
O Cruzeiro publicou grande reportagem sobre a Bienal onde dizia: “O pavilhão americano da I Bienal
Internacional foi, no início, o mais procurado. Decepcionou, porém. A ESDI levou a seu pavilhão o protesto dos
técnicos que condenam a nossa indústria subdesenvolvida por importar tecnologia” (1996: 182).

260
racionalistas e que procuraram também novas referências, em alguns casos, marcados por
desvarios advindos de um excesso de ‘inclusivismo’. Sendo este um caminho menos rigoroso
e crítico, propiciou aberturas equivocadas na medida em que, muitas vezes, admitiram que
tudo afinal era design, o que, na prática, equivalia a dizer, também, que nada era design”
(Souza, 1996: 197).

Assim, para Souza, a conclusão do processo acabou sendo “um pouco melancólica e
decepcionante para quem acreditou em uma nova estrutura como meio de salvação e
regeneração da ordem posta em questão pelos fatos” (idem: 199). O curso programado para o
primeiro semestre de 1969 pouco lembrava a proposta aprovada pela Assembléia, em parte
em conseqüência dos desdobramentos políticos pós AI-5, que, assim como na FAU-USP,
culminaram no afastamento de diversos professores, que foram apenas em parte substituídos.
A confusão se generalizou e as propostas foram apenas em parte implementadas. Entretanto,
“um dos aspectos mais positivos da crise de 68 foi abrir possibilidades de manifestação de
tendências diferentes, principalmente para aquelas que, longe de se transformarem em ações
críticas ou destrutivas, puderam propiciar novas aberturas” (idem: 231).

O design no Brasil dos anos 1970, visto a partir da ESDI

Em 1970, segundo Souza, processo de reflexão iniciado em 1968 continuou em


andamento, mesmo que de outra forma. Além de uma discussão sobre os acontecimentos do
ano anterior, ampliaram-se as questões. “Se o tropicalismo perdera seu ímpeto original,
discutia-se a crise do funcionalismo, a quase falência da idéia de progresso e a crise do
‘moderno’” (idem: 207). Fora da escola, “o presidente Médici inaugurou o ano de 1970
prometendo fazer “o jogo da verdade”. Em palavras, admitiu a oposição e prometeu que “no
meu governo não haverá coação por motivos puramente políticos”. Era importante definir
uma imagem de paz e progresso e Médici transformou-se em símbolo de um ‘Brasil grande’.
Propôs projetos de impacto como a rodovia transamazônica e o decreto das 200 milhas de
mar territorial. O tricampeonato mundial de futebol, a política econômica relativamente bem
sucedida no que se referia a dados estatísticos, com um produto interno bruto crescendo 9%
ao ano, inflação abaixo de 20% anuais e reservas cambiais de 1.2 bilhões de dólares,

261
sustentavam esse otimismo. Soube-se depois que muitas das cifras do milagre econômico
brasileiro não eram exatas, que não o impediu de existir. (...) Durante todo o ano falou-se na
abertura política que não veio” (idem: 209).

Ainda naquele ano, programou-se uma nova Bienal de Desenho Industrial no MAM.
Além do Rio, a exposição foi apresentada também em São Paulo e em Brasília. Concebida a
partir do IDI-MAM, a segunda Bienal foi organizada, a partir de uma proposta de Bergmiller,
como trabalho coletivo para a ESDI. Para Souza, foi um dos melhores projetos da escola
(idem: 211). Além da Bienal, “ainda em 1970, alguns ex-alunos começaram a exercer
atividades didáticas na ESDI, iniciando um processo de renovação interna que,
posteriormente, teria grande importância na formação dos quadros docentes de muitas
outras escolas de design brasileiras” (idem: 215).

Se no momento se ensaiava, através do governo, a tentativa de aproximar design e


indústria, “as expectativas econômicas apresentadas refletiam mais um ideal que uma
realidade, mas, no tempo do milagre econômico, a exportação passou, de fato, a ser uma
palavra-chave na economia e o design foi chamado a colaborar. Essa colaboração não foi a
imaginada pela ESDI. A não consideração tanto do mercado interno quanto dos aspectos
qualitativos da produção geraram desvios graves, visíveis com clareza apenas no início da
década de 1980. O planejamento preconizado pela ESDI não ocorreu: redução de custos,
racionalização e produtividade foram fatores considerados sob outros pontos de vista, muitas
vezes apenas em função de uma rentabilidade, nem sempre correta, de uma balança
comercial e não em função de um crescimento harmônico e equilibrado que colocasse
também o cidadão entre seus objetivos” (idem).

Assim, cresce na escola uma consciência crítica quanto ao processo de


industrialização conduzido pelo governo federal e viabilizado, em grande parte, por indústrias
multinacionais. Expressando essa visão, Décio Pignatari declara ao jornal “O Globo” que “o
subdesenvolvimento tecnológico custa caro. Excluindo o desenho industrial das suas
preocupações de venda, copiando modelos estrangeiros, os empresários brasileiros estão
pagando o seu preço – a perda de informação. Traduzem o repertório de um sistema mais
sofisticado para um mercado diferente e uma estrutura industrial pouco desenvolvida. O
desenho industrial representa o sistema de linguagem dos bens de consumo. Também é
tecnologia” (Pignatari, apud Souza, 1996: 235).

262
Naquele movimento, a percepção de que o designer não seria, dentro desse processo
(e mais uma vez), o centro de uma nova concepção de vida, termina por propiciar o
ressurgimento do formalismo técnico original (idem: 218). Voltando a falar sobre
‘metodologia científica e racional’, alunos e professores da escola passaram a combinar, em
suas discussões naquele momento, o ‘caráter científico’, o ‘ativismo político’ e a ‘realidade
nacional’ (idem: 226). Nesse sentido, a “ruptura proposta na ESDI com os anos 63/68 era
diretamente relacionada ao mais crítico momento de desorientação de uma esquerda
burguesa universitária, nessa época incapaz de se definir entre opções e problemas que se
apresentavam” (idem: 225).

“Romper com o padrão antigo significou uma ruptura direta com Max Bill e indireta
com Hegel. Rompeu-se também com a crítica de Max Bense, uma consistente tentativa de
superação de um impasse real, gerado pela estética idealista de Hegel. (...) a mudança de
terminologia operada desde então, indicou mais. Em 68, a qualquer pretexto, discutiu-se
qualquer assunto como se a dialética e a revolução dependessem de quantos iriam a praia ou
quantos iriam às passeatas. As expressões compostas e pomposas substituíram antigos e
concisos conceitos. Em sua maioria, resultaram de empréstimos à economia e às ciências
sociais e tudo passou a ser adjetivado, no mínimo uma vez, disfarçando o simplismo, ou
mesmo o vazio, de algumas proposições. Aparentemente pretendeu-se transformar o design
na ESDI dessa época numa operação crítica da indústria posta em palavras. Era, no mínimo,
o cúmulo da arrogância política. A revisão da 1970 não teve suficiente vigor para conduzir o
processo ao antigo estado de coisas e nem seria possível fazê-lo. Por isso as dificuldades
terminológicas apresentadas, representam mais o problema de 1968 do que outros que
pudessem ser atribuídos à repressão ou outros fatores externos à escola” (idem).

Dessa forma, mais do que uma discussão que tivesse objetivos diretos, a debate
crítico na ESDI, “até essa data, foi sempre um esforço para se compreender, para formular
uma interpretação de si mesma e de todas as coisas por si mesmas” (idem: 226). Nesse
sentido, Souza define a primeira e a segunda geração de professores da escola como
fortemente empenhada em um trabalho de definição do design para o Brasil (idem: 304).

Em 1970, se a II Bienal de Desenho Industrial representou um re-erguimento da


escola, ela não era mais a mesma (idem: 227). Apesar da retomada das atividades normais,
formulava-se, gradualmente, uma nova definição de design. Entretanto, “até 1970 a ESDI,

263
baseada na lógica e em sua racionalidade originais, conseguiu manter-se adiante dos fatos.
O desenvolvimento do que foi apresentado na Bienal desse ano serviu de base para a
definição de seu modelo de ensino e poderia servir também para um renascimento que só
ocorreu em parte” (idem: 229).

Em 1972, a ESDI fez dez anos. Vários jornais noticiaram o fato, como “O Globo, em
um artigo intitulado “Designer, desconhecido que economiza divisas”, [que] dizia: “No Rio,
baseada na filosofia e no currículo da Escola de Ulm, famosa por ter revolucionado, na
Alemanha e no mundo, conceitos fundamentais da arte, fundou-se a ESDI”. Mais adiante,
acrescentava: “O ambiente da escola é completado com o nome que alguns alunos deram à
cantina: BARHAUS, em homenagem à Bauhaus, centro cultural que reuniu os mais famosos
nomes da arte contemporânea, no princípio do século, na Alemanha” (idem: 230).

O Correio da Manhã de 19 de maio de 1972 publicou uma matéria intitulada


“Indústria nacional ainda não descobriu esta escola”, que contava com depoimentos de Décio
Pignatari e Aloisio Magalhães. Segundo Souza, “foi exatamente nesse momento que AM
passou a exercer uma influência mais significativa no ideário da escola, e mesmo que muitas
de suas propostas fossem discutíveis, traziam em si um outro gênero de inquietação, outras
formas de pensar e discutir o design” (idem: 231-232).

Assim, “paralelamente, e um pouco em conseqüência dessas idéias, surgiu uma


tendência nacionalista no design. A preocupação com uma realidade brasileira, já levantada
como bandeira em 1968, assumiu outros compromissos políticos. Se o governo mostrava uma
realidade de grandes obras, de um país grande, que muitos criticavam e consideravam falsa,
havia algumas formas de contestá-la, algumas racionais, outras emocionais. Entre as
primeiras alinhavam-se desde as advertências de Décio até o trabalho crítico de Carlos Lesa.
Aloisio não se situava exatamente nesse território. Não se poderia excluí-lo nem enquadrá-lo
nas tendências intuicionistas. Representou um tipo de realismo equilibrado, uma postura que
eventualmente buscava uma mediação entre uma realidade que se sabia existir e outras que
se julgavam possíveis. Mas para atingir essa posição de equilíbrio seriam necessárias
algumas concessões inclusivistas. Com base nesse pressuposto se desenvolveram algumas
tendências mais emocionais como um preconizado design com base na cultura popular, no
folclore e no artesanato” (idem: 232).

264
Em 1972, realizou-se também a III Bienal de Desenho Industrial, em que a escola
também participou. No que propunha para a exposição, sentia-se presente “a adoção de um
processo didático baseado no fazer” (idem: 233), em que o ensino e o aprendizado estivesses
mais conectados de forma mais concreta com o real, ou seja, condicionado por premissas
sociais (idem). Nessa proposta, torna-se clara a presença de uma nova influência, vinda
também de Ulm: Gui Bonsiepe, que, desde 1966, iniciara uma série de projetos no contexto
sul-americano, onde terminou por formular “uma importante conceituação terminológica
para o design latino-americano” (idem). Sobre as propostas de Bonsiepe, Souza pondera que,
se “suas análises obedeceram a uma ótica européia e racionalista em seu sentido clássico”
(idem), no entanto, “permitiram situar logicamente alguns problemas do design em relação à
política, definir algumas de suas possibilidades reais e muitas de suas limitações” (idem).

Foi ainda nesse ano que “o governo federal iniciou uma efetiva aproximação com o
design, entendendo-o como fator de importância para o comércio externo. Algumas
tendências existentes na ESDI procuraram definir, utilizando inclusive partes das idéias de
Bonsiepe, alternativas para uma possível ação social. Porém, percebia-se através do discurso
governamental, que essa não era exatamente a sua expectativa”192 (idem: 234).

Segundo Souza, “durante reunião com empresários na Associação Comercial de


Minas Gerais, num Seminário sobre Estratégias de Exportação, na qual foi feita a
declaração [de Delfim Netto, que dizia que “sem design não se pode pensar em
exportação”], além de referências estatísticas, percebia-se a diretriz geral da política do
governo em relação ao design: “Para continuar crescendo, teremos de prosseguir agredindo
o mercado externo, continuar a aperfeiçoar o nosso processo-produto, aproveitar todas as
oportunidades para conquistar novas faixas de comércio externo e todas as possibilidades de

192
Ainda em 1972, veio ao Brasil, a convite do governo, com objetivo de analisar a situação do design no país, a
secretária-geral do ICSID, Josine de Cressonières. “Em entrevista à revista Visão, ela declarou, após visitar
lojas e supermercados das principais cidades brasileiras: “Cerca de 98% dos produtos são de fabricação
brasileira mas muito pouco têm uma característica própria; tem-se sobretudo a impressão de um amontoado
cosmopolita de baixa qualidade”. (...) Prosseguindo, a reportagem comentava: “Existindo no Brasil há cerca de
vinte anos e institucionalizado precisamente há dez anos com a criação da ESDI, a primeira da América Latina,
e da ABDI, era de se esperar que durante esse tempo alguma coisa tivesse sido feita para a elaboração de uma
personalidade brasileira que caracterizasse os produtos aqui fabricados. Se, como é visível, não temos uma
fisionomia típica e se, teoricamente, temos as pessoas e a atividade para qual, o que está ocorrendo? Luiz
Correia da Silva, secretário de Tecnologia Industrial do Ministério da Indústria e Comércio – STI/MIC – no
mesmo artigo declarou: “o design nacional é fraco de modo geral, somente apresentando resultados de padrão
internacional em alguns setores ou grupos de produtos” (Souza, 1996: 234).

265
aumento de produtividade, estejam onde estiverem. Temos de compreender que é nossa tarefa
conquistar uma parte do comércio exterior e quem tiver que ceder esta parte, não irá fazê-lo
com satisfação. A expansão do comércio externo é difícil, mas não impossível. Vamos
apanhar muito nessa luta, mas vamos bater muito também. O importante será o final, quando
a média algébrica demonstrar que estamos batendo mais que apanhando” (idem: 235).

Reforçando o interesse governamental pelo design, o ministro da Indústria e


Comércio, Pratini de Morais, declarava, no Jornal “O Globo” de 17 de agosto de 1972, querer
o design engajado na luta pelo aumento das exportações. Por isso, afirmava, “o governo tem o
maior interesse no desenvolvimento de um desenho industrial a curtíssimo prazo, por
considerá-lo um instrumento valiosíssimo e decisivo na batalha pela conquista do mercado
externo” (idem).

Esforçando-se para criar, na sociedade e mais especificamente no setor industrial,


uma mentalidade voltada para a necessidade do design (idem), declarando, diversas vezes,
uma intenção de provocar maior entrosamento entre industriais e técnicos (idem), setores
dentro do governo federal mobilizaram-se, dando início a uma série de ações. No MIC, dentro
da STI, criou-se uma assessoria de desenho industrial, que tinha por objetivo, segundo Correia
e Silva, “contribuir efetivamente para a criação de ‘modelos brasileiros’, visual e
funcionalmente atraentes, (...) e incentivar o empresário para que crie uma oferta de design e
centros de desenho industrial por todo o país” (idem: 236). Além da assessoria, o MIC lançou
também um programa de apoio ao desenho industrial no país.

Observando-se essas medidas, podia-se supor que “o desenho industrial não era
mais exclusiva preocupação da ESDI, da FAU-USP e da ABDI. Mas isso não significava
necessariamente uma vitória para as escolas ou para quem via a profissão através de uma
ótica social mais ampla. Não representava, por outro lado, uma definição favorável a pontos
de vista que a consideravam limitada a aspectos tecnológicos e também a outros que a
entendiam como simples fator de venda. O problema era mais complexo pois o design, como
quase tudo no país, passava também a fazer parte dos interesses do Estado. Por isso mesmo,
provavelmente, como quase tudo no país, apresentava uma multiplicidade de interesses
envolvidos, dificultando políticas mais objetivas, não apresentando resultados esperados por
nenhuma dessas diversas expectativas. Porém, o que ocorreu não foi desprezível. Pela
primeira vez investiram-se recursos específicos em design na esfera federal” (idem).

266
Além disso, ficava claro, apesar dos pesares, que o design era percebido, pelo menos
pelo governo, como um fator essencial ao desenvolvimento do produto nacional (idem: 242).
Em 1974193, sobe ao poder o General Ernesto Geisel. Em seu governo, o II Plano Nacional de
Desenvolvimento (PND) e o II Plano Nacional de Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia
(II PBDCT), que, de forma conjunta, propunham “converter o progresso tecnológico em
frente dinâmica de expansão do desenvolvimento brasileiro” (idem: 239). Além disso, como
mais uma conseqüência do interesse do governo pelo design, surgiram algumas escolas de
design. Esses programas e iniciativas, se geraram engajamento de alguns agentes na
comunidade do design, também foram vistos, por outros, de forma bastante receosa.

Entre eles, Carlos Lessa e Gui Bonsiepe, que “ao apontar alternativas para o design
nos países em desenvolvimento, situara quatro níveis distintos de ação: o primeiro era a
prática de colonialismo cultural em primeiro grau e resumia-se à copia pura e simples da
produção dos grandes centros. O segundo era a prática do colonialismo cultural em segundo
grau, que se referia à produção de desenhos próprios, porém influenciados por padrões
ideológicos e culturais de fora. O terceiro era a prática do atavismo cultural, ou seja, a
busca de uma identidade cultural baseada no passado, “para dele se desenterrar um
equivalente genuíno do desenho industrializado dos países de tecnologia avançada”.

Advertia Bonsiepe que, não raras vezes, essa atitude refletia uma oculta aversão
contra a ciência e a tecnologia, que se desenvolvia em paralelo ao incentivo ao folclore
ingênuo, às artes indígenas e populares, através de slogans que pregavam integração das
artes com o povo e outras idéias semelhantes. Desta forma, favorecia-se um sistema que,
como disse Bonsiepe, preservaria aos já desenvolvidos a tecnologia avançada e colocaria,
como alternativa aos subdesenvolvidos, a fabricação de artigos de baixa complexidade
técnica, muitas vezes limitados apenas ao artesanato. O quarto nível seria a prática de um
design autônomo baseado num exame racional e crítico das experiências já realizadas pelo

193
No ano seguinte, quando foram fundidos os Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, a ESDI foi
incorporada à UERJ, uma vez que “as leis do novo estado não contemplavam a existência de estabelecimentos
oficiais de nível superior isolados” (Braga, 2005: 138). Esse processo, realizado sem consulta aos membros da
escola, trouxe diversos problemas, tais como restrições orçamentárias, adaptações do quadro docente e
modificações no processo seletivo dos alunos, que, a partir de então, eram mediadas pela universidade (idem).
Assim, à perda de autonomia institucional se seguiu um complexo processo de adaptação mútua, entre a escola e
a universidade, que seguia uma “estrutura acadêmica contra a qual, em princípio, a ESDI fora pensada” (idem).

267
design mundial, sem perder de vista as necessidades concretas que surgiriam dentro dos
distintos contextos econômicos e sociais” (idem: 240).

Comparando os termos das discussões entre o fim dos anos sessenta e o início dos
anos setenta, Souza entende que se, em todo esse período, a discussão girava em torno de
modelos de design a serem adotados no país, no primeiro momento, ela parecia estar restrita à
comunidade de designers, ao passo que, em um segundo momento, não pertencia apenas a
ela, tendo sido absorvida, mesmo que com outras nuances de sentido, pelo próprio governo
federal. Assim, se “a discussão do modelo nacional atingiu seu maior volume sonoro na fase
áurea do regime autoritário” (idem: 278), “disso tudo restou apenas a certeza de que a
questão levantada através da polêmica entre Max Bill e Lucio Costa não se iniciou com eles,
nem com a moderna arquitetura brasileira e nem teve um final simbiótico no design” (idem).

Em 1977 a escola faz 15 anos e os alunos organizam um evento em que diversas


pessoas envolvidas com a criação e o desenvolvimento da escola foram convidadas a
palestrar. Naquele momento, o quadro político nacional era outro, bastante diverso de 1968 e
mesmo do início da década de 1970. Se “em dez anos não se havia produzido uma renovação
no design nem uma boa política” (idem: 301), produziu-se na escola mais uma ruptura, dessa
vez tranqüila. “O modelo de Ulm não estava cancelado. Em 1977 começou efetivamente a ser
entendido, e, ao mesmo tempo e somente então, sepultado com as devidas honaras. Sua
adoção não foi tão lógica e racional como imaginara Bergmiller e nem tão intuitiva como
queria Aloisio. Foi, como diria Max Bense, antes de tudo, resultado de uma fusão, de um
momento de equilíbrio entre os componentes da ‘inteligência brasileira’” (idem: 290).

A partir dos debates gerados pelo evento de comemoração dos 15 anos da escola, as
duas maiores tendências conceituais dentro dela, a saber, o formalismo técnico e o design de
identidade nacional (idem: 301), repensaram as suas semelhanças e diferenças, principalmente
a partir das falas de Bergmiller e AM, que colocaram questões sobre a função do design. Em
um compromisso de conciliação entre o real e o desejável - processo que envolveu a
formulação de uma postura conciliatória (idem: 313), “aos 15 anos, a ESDI começou a
desconfiar que todas as suas perguntas até então formuladas só obtiveram más respostas por
um motivo muito simples: eram perguntas que excluíam o sim e o não como respostas. Certo
e errado deveriam também passar a uma conceituação mais flexível, evitando-se o perigo da
busca de respostas antecipadamente más e definitivas, por vezes armadilhas para si próprio.

268
As insensatezes anteriores ficaram evidentes, na medida em que também se tornou clara a
impossibilidade de resolver todas as questões colocadas através de apenas duas categorias
de existência intelectual, como o falso e o verdadeiro” (idem: 302).

Entretanto, com o passar do tempo e os desdobramentos no contexto político,


marcado por um processo de diluição ideológica (idem: 303), “a verificação mais imediata foi
um abandono gradual do conteúdo social do design em favor de demonstrações de
‘profissionalismo’. A época de diluições não favoreceu mais posições definidas e nem
questionamentos que a comprometessem. Por isso, muitas das indagações de Aloisio e de
Bergmiller, além de outras permaneceram ainda sem resposta, valorizando-se quando
necessário, algumas falsas confissões e ‘mea-culpas’, desde que abrangentes. Mais
prejudicada, não só pelas circunstâncias políticas, mas também pela morte de seu principal
intelectual, foi a tendência co design de identidade nacional, aparentemente sem portador
histórico num tempo em que, novamente, a importação de idéias rivaliza com a importação
de automóveis como demonstração de falsas eficiência e modernidade” (idem).

Algumas publicações sobre design no Brasil dos anos 1970

Se ao longo da década de 1970 o design se converte em assunto de interesse para o


governo, e tem suas bases conceituais discutidas pela comunidade de profissionais ligados ao
exercício e ao ensino da atividade, isso termina por se refletir, conforme sinaliza Cara, no
número de artigos publicados sobre o tema. Assim, “se a bibliografia da disciplina registrou
nesta pesquisa 18 artigos dedicados ao tema nos anos 1950, 35 artigos no ano de 1960 e,
finalmente, mais de 100 artigos relacionados à área em 1970” (2010: 79). Além disso, é
preciso salientar que muitos desses textos foram publicados em jornais de grande circulação
tais como ““Correio da Manhã”, “Diário de São Paulo”, “Folha de São Paulo”, “Jornal do
Brasil”, “Jornal da Tarde” e “O Estado de São Paulo” – o que, em outras décadas,
praticamente inexistiu. O design, antes restrito às revistas especializadas ou de entidades de
classe, ganha o status de assunto de interesse nacional” (idem).

Para entender um pouco melhor o contexto mais amplo em que se inserem essas
discussões, vale olhar com mais atenção para o conteúdo de algumas dessas revistas. Na

269
edição de 08 de dezembro de 1975 a revista “Visão” publica, em sua sessão de cultura, uma
matéria intitulada “As novas funções do design brasileiro”. No subtítulo, propõe que “os
desenhistas industriais se reformulam para pensar todo o processo de produção, deixando de
lado a antiga função de embelezar objetos”. O mote para a matéria foi um ciclo de debates
sobre novos problemas do design e redefinição de suas funções no Brasil, organizado pela
ABDI em São Paulo, na semana anterior à edição da revista.

Comentando que a necessidade de a própria comunidade de design redefinir o papel


da atividade no contexto sócio-cultural brasileiro ocorre no mesmo momento em que o
Ministro da Indústria e Comércio, Severo Gomes, adere às soluções de design. A matéria
conta que, “insatisfeito com o aspecto de seu gabinete de trabalho, Severo Gomes telefonou a
seu amigo e desenhista industrial Aloisio Magalhães, que apontou o design como a melhor
solução para o seu problema” (Visão, 1975: 93).

A adesão do ministro à proposta de AM foi expressa na formação de um grupo de


assessoria formado por cinco desenhistas industriais e dois engenheiros de produção, que
estariam ligados à Secretaria de Tecnologia Industrial, coordenada por José Walter Bautista
Vidal. Segundo a matéria, “é essa assessoria que está transformando o gabinete de trabalho
de Severo Gomes e também mudando os rumos do desenho industrial no Brasil” (idem).
Incumbido de selecionar os objetos para a reforma do Ministério, e buscando seguir a
recomendação do ministro de que se usasse na reforma o máximo de desenho brasileiro, o
grupo teria se deparado com a questão: “existe realmente esse desenho brasileiro?” (idem).

Afirmando que apesar de desde 1962, e mesmo antes, o “industrial design” vir
tentando se impor “como uma atividade imprescindível a um país que se industrializava e
criava um mercado de consumo” (idem), ele era “estranhamente ignorado pela indústria
nacional e desamparado pelo Governo” (idem). Se para a indústria ele representava uma
atividade de luxo, para o governo, o design não chegou também a ser levado a sério, nem
mesmo quando se decidira disputar um espaço no mercado externo. Assim, o Brasil ignorou
“exemplos como os do Japão, Escandinávia e Itália, que usaram com eficácia a arma do
design” (idem). Por conta disso, não se investiu em uma política de exportação com ênfase no
desenho industrial, e em decorrência disso, não se criou “uma fisionomia própria para o país,
seja quanto aos produtos que usamos, seja quanto ao seu aspecto visual” (idem).

270
Fazendo referência a AM e Katisnky, a matéria comenta uma solução possível, que
estaria vinculada à absorção, pelo desenho industrial brasileiro, da inventividade popular, que,
para o arquiteto paulista, “se manifesta em objetos de uso corrente, em instrumentos de
trabalho, procurando solucionar, em nível local, as carências resultantes de um passado
colonial” (Visão, 1975: 94). Se, em 1975, “os produtos parecem totalmente incaracterísticos,
essa carência não se deve à falta de profissionais. Nas várias bienais de desenho industrial,
que houve no Rio, o Brasil sempre apresentou significativas amostragens de bons produtos.
Só que eram produtos isolados. Pode-se dizer, portanto, que o país tem designers, mas não
tem design, ou seja: conta com profissionais talentosos que precisam, no entanto, de
mercado, incentivo oficial e emprego para poderem formar uma profissão” (idem).

Profissionais como Marco Antônio Amaral Rezende e Lúcio Grinover apontavam


para a necessidade de o design ser visto a partir de uma nova função, um novo conceito, que o
associaria à idéia de “planejamento, para atuação num contexto sócio-econômico-cultural-
político” (idem). Uma das vertentes dessa nova conceituação, seria o “design social, cujo
principal mercado é aberto pelos poderes públicos” (idem). Comentando sobre a atuação da
assessoria no MIC: “Nos seus quase oito meses de funcionamento, a assessoria de desenho
industrial da Secretaria de Tecnologia Industrial do Ministério da Indústria e Comércio não
chegou a produzir uma revolução visível, mas o trabalho que vem desenvolvendo,
discretamente, é o primeiro passo oficial no sentido de transformar o desenho industrial em
instrumento poderoso do nosso desenvolvimento econômico e cultural” (idem).

Se comemora o interesse do governo pelo desenho industrial a matéria pondera


sobre a necessidade de o setor industrial também aderir ao movimento de reconhecimento da
atividade, depende desse setor o crescimento de um mercado associado à criação industrial.
Em entrevista, dois membros da assessoria (Diva Maria Gonçalves Araújo e Luiz Blank,
ambos formados pela ESDI) do MIC comentam algumas das questões discutidas na matéria.

Enquanto Luiz declara que “o Brasil ainda não foi desenhado” (idem) porque “o
nosso processo industrial, como o cultural, tem toda uma história de importação. Agora, por
uma série de razões também históricas, está surgindo uma necessidade colocada pelo
mercado: o produto precisa ser brasileiro” (apud Visão, 1975: 94-96), Diva define os
objetivos da assessoria: “no momento, ela trabalha ao nível do assessoramento de produtos,
apresentados por instituições de pesquisa ou por indústrias. Em futuro próximo,

271
desenvolveremos um trabalho em vários níveis, inclusive fornecendo recursos humanos
especializados para atuar dentro das indústrias. Outro nível é o de pesquisas que sirvam de
subsídio básico para projetos. (...) o mais importante é que o programa da assessoria veio
dar enfoque ao desenho industrial que não era proporcionado pelos governos anteriores. Por
uma série de distorções de marketing – algumas importadas – o design era considerado como
um cosmético do produto. Ora, o desenho industrial tem, como filosofia, objetivos
completamente diferentes. Ele deve atuar junto às relações funcionais, nas escolhas dos
materiais ou de sua resistência, nas relações dessa estrutura com o usuário. Essa mudança
de mentalidade é talvez a trilha mais urgente a ser aberta. Nessa medida, o apoio
governamental é muito importante: ele pode levar o desenho industrial para seu devido
lugar, isto é, não para o final do ato de projetar, mas para dentro do processo” (idem).

Ao que Luiz retruca: “não é que consideremos o desenho industrial a salvação do


mundo, mas seu lugar no desenvolvimento industrial é inegável. O reconhecimento disso,
pelo Governo, é importante, não só porque ele é ainda o nosso principal mercado
comprador, mas porque, se a estrutura governamental muda sua maneira de ver o design, há
uma irradiação desse enfoque para outras esferas” (idem).

Na página final da matéria, há um box sobre Aloisio Magalhães. Com o título “Uma
opção: objetos brasileiros”, apresenta trechos de um depoimento dado à revista, naquela
ocasião. Apresentando AM como “um designer com escritório no Rio de Janeiro” (idem),
ressalta que “seu interesse pelo desenho industrial, entretanto, extrapola a mera atividade
profissional” (idem). Citando o CNRC, órgão que “busca recolher dados indicativos sobre a
cultura brasileira” (idem), apresenta algumas das idéias do pernambucano sobre “os
problemas do desenho industrial em nosso país” (idem).

Proponho observar, agora, o número um da revista “Arte Vogue”, dirigida por P. M.


Bardi é lançada em maio de 1977, com as seguintes chamadas de capa: “Diretor: P. M. Bardi’,
“Debate: A criação do Ministério da Cultura”, “Levantamento: O Museu Goeldi”,
“Documento: Design”, “Pintura, Escultura, Arquitetura, Panorama Mundo, Notícias do Brasil,
Antiquariato, Coleções”. No editorial, Bardi define a revista como um “convite à livre e
espontânea discussão de uma larga gama de assuntos, inclusive aqueles não circunscritos à
arte, mas que com ela intercambeam” (Arte Vogue 1, 1977: 07). Entendendo que “mesmo o
habitar, o comer, o se comportar, o amar e até o guerrear podem ser classificados como

272
forma de arte” (idem), na revista “não instituiremos repartições visando a fórmula da
possível unidade das artes. Assim, saltando fora do âmbito das artes ditas plásticas,
anotaremos coisas do palco e do vídeo, a música, a publicitária potência da comunicação
integrada no cotidiano, a gráfica e o livro. Lugar preferencial daremos, também, a outros
capítulos da arte: a fotográfica, expressão de individualidade. E a tantas mais ocorrências e
novidades que representarem parcelas da nutrição cultural” (idem).

No primeiro número da revista, “a matéria central é dedicada ao design, tema vivo


de um setor que consideramos como um sério problema nacional, (...) que reclama atenção
do próprio governo como elemento expressivo e generalizado de cultura” (idem). No
documento dedicado ao design, a equipe da revista recolheu “opiniões de quem se preocupa
com os problemas e os debate” (idem). Ao debate sobre o design, o autor relaciona a
discussão sobre a criação do Ministério da Cultura. Em suas palavras, “foi também por isso
que decidimos abrir à revista com uma mesa redonda dedicada à necessidade de se pensar
num Ministério da Cultura” (idem). A mesa redonda promovida pela revista, composta por
Paulo Duarte, José Mindlin, Zeferino Vaz, Francisco Assis Barbosa e Walter Lourenção, sob
a coordenação de Paulo Mendonça, foi reportada ao longo de seis páginas (pgs. 48-53).
Algumas páginas a frente, o jornalista Carlos Lemos entrevista o diretor do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional à época, Renato Soeiro.

O caderno de design é coordenado por Lais Moura194, que no texto introdutório ao


caderno é apresentada como alguém que “vem seguindo com atenção e compreensão os
nascentes e nada fáceis problemas das artes no Brasil e, mais especificamente, o do design
representando e condensando ampla quantidade de outros problemas que atingem inúmeros
casos interligados à vida e conseqüentemente à cultura” (idem: 121).

Esse texto apresenta os objetivos do caderno, que se orientam para a abertura de uma
discussão que pretendia ter continuidade nos próximos números. É notável também a ênfase
dada ao desejo de sensibilizar o governo para as questões relacionadas ao design, presente
tanto nesse texto quanto no editorial da revista. “A intenção é provocar ampla discussão e, ao

194
É importante salientar que Lais Moura era, já naquele momento, companheira do designer Alexandre
Wollner.

273
mesmo tempo, despertar a atenção governamental, já que o design é um entre inumeráveis
casos da cultura nacional à espera de melhor consideração” (idem: 121).

O caderno se inicia com duas matérias históricas: na primeira página, uma


reportagem sobre os trabalhos de decoração de Regina e John Graz e de Antonio Gomide, na
década de 1920, que, segundo a revista, apresentavam uma “preocupação com o design total,
conceito que estava presente tanto nos ideais da Bauhaus, quanto nos designers art-déco.
Nesse sentido, seu trabalho pode ser considerado como início, ainda a nível artesanal, do
design brasileiro” (idem: 122). Gomide, por sua vez, “ao proporcionar a possibilidade de
trabalho de parceria entre o artista e a indústria, ainda que em pequena escala, estava
timidamente colaborando para que o objeto industrial se tornasse significativo dos valores
culturais da época” (idem). A matéria seguinte comenta os projetos de selos postais
realizados por Eliseu Visconti no início do século XX, recomendando a leitura do trabalho de
conclusão realizado na ESDI por Maria Carmen Magalhães Ribeiro e Suzana Valadares
Fonseca (1972), que tratava do “selo do ponto de vista do design gráfico” (idem: 123).

Na página 124, há um texto não assinado, intitulado “Design e designer”, onde surge
uma curiosa discussão sobre o papel do design no mundo contemporâneo (idem: 124).
Comentando sobre “os propósitos e a esfera de atuação do design [que] foram controvertidos
desde suas origens” (idem), e sobre “o traçado de uma trajetória apresentando pontos de
inflexão – ou seja, mudanças de direção significativas” (idem), afirma que, dentre as muitas
variáveis que determinam tal trajetória, “tem maior peso as ideológicas, intimamente
vinculadas à política e à economia” (idem).

Segundo o texto, “a Segunda Guerra Mundial marca o início de uma curva de


inflexão, segundo orientação que, só a partir dos anos 60, tem sido reconhecida e engrossado
fileiras. Até então o design se limitava a projetos para a determinação da forma, tendo em
vista a função de objetos ou sistema de objetos industrializados. No Ocidente, este tipo de
atuação condicionou a adoção pelo design dos objetivos mercadológicos da indústria
capitalista. Nestas circunstâncias, o objeto, ou melhor, a imagem do objeto a ser consumido,
era a preocupação predominante, em detrimento do homem só considerado em termos de
consumidor, caso ele o fosse, ainda que potencialmente; caso contrário, ele não participava
do universo do designer” (idem).

274
A significativa mudança de direção, ou curva de inflexão, que ocorre nos anos 1960,
remate “à aceleração do desenvolvimento tecnológico nas últimas décadas e os conseqüentes
problemas e ameaças que começaram a pairar sobre a aldeia global, determinando que o
design, sofrendo processo análogo a várias outras disciplinas, fosse questionado quanto ao
seu papel no mundo contemporâneo. Resultou a volta à consciência de que esta profissão
deve prioritariamente cuidar das condições de vida do homem, seja qual for seu habitat, suas
condições de industrialização, seu poder econômico, político ou social. Ou ainda, à
consciência da necessidade da instituição ou preservação dos direitos humanos, não no
sentido restrito atualmente em voga, mas no seu mais amplo significado” (idem).

Tal mudança implicaria em uma conscientização dos profissionais do design face à


responsabilidade intrínseca à sua atividade. Na medida em que “o designer tende a atuar na
confluência de áreas com poder de decisão político-econômica e com autoridade ou
capacidade para esclarecer e educar o indivíduo” (idem), e que “nos melhores currículos de
formação do designer convergem disciplinas, em sua maioria surgidas ou revalorizadas
recentemente que têm permitido ao pensamento contemporâneo, digamos, enxergar a
situação da humanidade de hoje” (idem), entre as quais, “a lingüística, antropologia cultural,
teoria da informação, ecologia, bioengenharia, gestalt, ergonomia, entre outras” (idem), ele
estaria preparado a assumir o compromisso proposto. “Com tal formação, este profissional
teria condições de coordenar os fundamentos teóricos e o ferramental (métodos e técnicas)
concebidos e colocados à disposição pela idade atual para a resolução de seus problemas.
Assim, conforme comprovam várias iniciativas internacionais, o designer não seria
especificamente o projetista, mas o planejador de soluções visando a salvaguardar a
qualidade de vida nos nossos tempos” (idem).

Nas páginas 130 e 131, encontra-se uma sessão chamada “Depoimentos”, em que se
alinham colocações de Aloisio Magalhães, Lina Bo Bardi, Alexandre Wollner, José Mindlin e
Lúcio Grinover, todos tecendo comentários195 sobre o estado da arte do design no Brasil,
naquele momento. Na página 136, o artigo “Desenho radical?”, de Marco Antonio Amaral

195
Sobre esses depoimentos, serão comentados no capítulo 5.

275
Rezende196, comenta alguns eventos internacionais, tais como o X Congresso do ICSID
(International Council of Societies of Industrial Design – que reúne todas as associações de
classe), realizado em outubro de 1975, em Moscou, na Rússia, e o simpósio “Design for
need”, organizado pelo Royal College of Art, em Londres, Inglaterra, em abril de 1976.
Segundo Rezende, o Congresso do ICSID foi pautado pelo tema discutido também na página
124 da revista, a saber, “a necessidade e o levantamento de algumas formas de como o
designer pode contribuir para a restauração da qualidade ambiental e a instauração do bem-
estar social” (idem: 136). Organizado em torno do tema “Design para o Homem e a
Sociedade”, no congresso, segundo ele, “revelou-se que uma nova consciência de projetos já
está presente nas intervenções, nos produtos de muitos desenhistas, isto acontecendo
principalmente em países em via de desenvolvimento que buscam encontrar modelos
próprios” (idem).

Comenta eventos no Japão e nos Estados Unidos, que, assim como estes de Moscou
e de Londres, buscavam, naquele momento, discutir “os problemas das necessidades básicas
das comunidades humanas” (idem). Segundo o autor, essa tendência seria irreversível, “pois
talvez seja o único caminho para que os desenhistas possuam um mínimo de consciência e
responsabilidade social” (idem), que é apresentado, ali, como um novo conceito de design,
que implicaria em uma nova forma de projetar, em que “o desenhista deixa de criar projetos
isolados e passa a conceber sistemas de produtos inter-relacionados, coletivamente
relacionados às necessidades essenciais de grupos humanos ou do meio ambiente” (idem).

Esse novo conceito, denominado pelo autor de ‘design radical’, ou ‘design para o
controle’, estaria mostrando “mais resultados exatamente em países mais necessitados, isto é,
nos subdesenvolvidos” (idem), na medida em que, nestes países, as empresas estrangeiras, que
dominariam certos setores da produção industrial, “não se interessam em gerar uma
tecnologia ou muito menos um design brasileiro, e se limitam a reproduzir modelos e projetos
de fora, avidamente devorados por nosso manipulado mercado” (idem).

196
Designer, sócio-diretor do escritório paulista Cauduro Martino, desde 1975. Formado em Planejamento
Ambiental pela École National Superièure des Beaux Arts, em Paris. Ocupou cargos de diretoria e a presidência
da ABDI – Associação Brasileira de Desenho Industrial - e da ADG – Associação dos Designers Gráficos.

276
Face a tal quadro, o autor afirma que “é difícil ser otimista em relação à expansão do
mercado de trabalho do nosso designer, pelo menos junto às grandes empresas que não se
interessam pelas necessidades básicas de nossas comunidades, principalmente daquelas que
não têm acesso ao mercado de consumo, 60% de nossa população” (idem: 137). Mesmo
afirmando a dificuldade em ser otimista, Rezende termina o artigo comentando “algumas
amostras deste esforço geral dos designers mais conscientes, preocupados em adequar o
mundo dos objetos às reais necessidades dos usuários” (idem).

Na página 142, há um artigo de Pedro Luiz Pereira de Souza, “Polêmica / design


brasileiro”, em que, curiosamente, se fazem presentes – de forma combinada - várias das
questões que orientaram as problematizações levadas a cabo nesta tese. Nele, Souza discute o
‘impasse’ em que se coloca o design, quando aceita ser identificado como um instrumento da
tecnologia - procedimento emergente na atitude didática, naquele momento, segundo o autor.
Assim, quando se permite ser classificado como ciência e investe em se transformar em uma
atividade acadêmica, o design termina por fugir de seus elementos constitutivos, que o
aproximariam muito mais da idéia de processo. Com essas colocações, Souza rejeita a idéia
de um design transformado em mera especulação operacional e metodológica, que se coloca a
serviço dos meios de troca e da técnica.

Em meio a essa discussão, acrescenta a questão do ‘caráter nacional’, que, como


visto ao longo deste capítulo, era um dos motores do debate que se estendia há quase uma
década. Para Souza, naquele momento, era preciso, antes de se pretender definir o que
constituiria o caráter nacional em design, diferenciar ‘nacional’, ‘folclore’ e ‘artesanato’. E,
além disso, perceber que essas questões, antes de serem apropriadas pelo design, deveriam ser
primeiramente avaliadas por ‘estudos sociais e antropológicos’, para, através deles, chegar ao
design. Assim, distinguindo-se do serviço à técnica e, também, do domínio das ciências
humanas, o design poderia evidenciar melhor a sua própria especificidade e, desse modo,
estabelecer vínculos mais claros com esses dois domínios, aos quais ele se articular.

Citando Gui Bonsiepe, afirma, então, que “o caminho de uma contribuição do


desenho industrial no Brasil, para o desenvolvimento econômico e social, passa
obrigatoriamente por uma metodologia científica operativa” (Souza, 1977: 142). Desse

277
modo, coloca a pergunta que AM alguns meses depois também colocaria197 – quais as
possibilidades de contribuição do design às necessidades brasileiras? Afirmando que para o
design é fundamental levar em conta a contemporaneidade, descarta a possibilidade de
rendimento de uma aproximação com questões supostamente ligadas às tradições culturais
nacionais, propondo que mais útil seria levar em conta as necessidades reais da maioria da
população, no momento presente, com fins a se determinar o que seja caracteristicamente
nacional. Assim, antes de pensar em características ou materiais autenticamente brasileiros –
o que implicaria em incidir em um tipo de formalismo -, deveriam os designers se dedicar a
identificar as necessidades reais, inclusive as de caráter cultural, da população do país.

Nesse caminho, o design poderia, inclusive, contribuir para uma reaproximação entre
indústria e artesanato, que se daria, então, a partir de outras perspectivas. Em vez de a
indústria se aproximar da qualidade artesanal, talvez, assim, o design pudesse intermediar
uma semi-industrialização do artesanato, o que representaria uma saída possível para o
impasse que envolvia, no contexto brasileiro, tanto o design, quanto o artesanato e a indústria.
Propondo que “a ausência de determinação do que seja caracteristicamente brasileiro em
design deve-se principalmente aos distanciamentos mútuos entre o design e as ciências
sociais” (idem), pondera que “a culpa desses fenômenos pode ser atribuída desde a má-
formação e análise superficiais e formalistas da profissão, feitos por elementos de outras
áreas, fatores que reunidos impedem, em última instância, a possibilidade de determinar de
forma real as necessidades existentes sobre as quais o designer deveria atuar,
transformando-se naquilo que realmente deve ser: uma atividade de interesse social” (idem).

Associação Profissional dos Desenhistas Industriais do Rio de Janeiro (APDINS-RJ):


uma nova associação profissional, classista, pré-sindical e estadual

Em uma assembléia que reuniu 300 pessoas no campus da PUC-Rio, no mês de


junho de 1978, surgiu a Associação Profissional de Desenhistas Industriais do Rio de Janeiro

197
Em sua fala no evento comemorativo de quinze anos da ESDI, que discuto no próximo capítulo.

278
(APDINS-RJ), fruto da mobilização, iniciada dois anos antes, para a criação de uma sessão
carioca da ABDI. Por restrições estatutárias, isso não foi possível e, assim, surgiu a APDINS,
que se distinguia da primeira na medida em que se propunha a atuar mais como entidade
classista, pré-sindical e estadual198 (Braga, 2005: 316) do que como de caráter cultural,
atribuições que se imiscuíam em meio às atividades da ABDI.

Formada, majoritariamente, por ex-alunos da ESDI199 - muitos deles já lecionando na


ESDI, na UFRJ ou na PUC -, a associação buscava inserir o design “no processo de
“sindicalização” dos vários segmentos profissionais de classe média, que ocorreu a partir do
final dos anos 1970” (idem). Estava em jogo, então, a regulamentação da profissão, questão
que “passou a ser a principal ‘bandeira’ da entidade classista, que garantiria a hegemonia
no mercado de trabalho, como tinha sido o caminho de outros profissionais liberais de
atividade projetual: o engenheiro e o arquiteto. Além disso, a regulamentação definiria quem
estaria apto a exercer a profissão no mercado e indicaria a graduação como o caminho
futuro para se tornar um desenhista industrial” (idem: 317).

Nesse sentido, a APDINS buscava consolidar a autonomia do design em relação ao


campo arquitetônico, distinguindo-o, também, das demais profissões ligadas ao desenho, com
atribuições técnicas e de nível médio (idem). Envolvidos com os processos críticos
comentados ao longo deste capítulo, os profissionais que formaram a associação carioca
buscavam viabilizar novos horizontes para o próprio desenvolvimento da profissão. Assim, “a
APDINS-RJ nasceu em um momento de confluência entre os ideários de um design nacional,
com referências culturais brasileiras, e do formalismo técnico, filosofia tradicional de projeto
da ESDI, de inspiração estrangeira” (idem: 318), notadamente, segundo Braga, a partir de
uma perspectiva muito assemelhada àquela construída ao longo da década de 1970, na própria
ESDI, de onde advinha a maior parte dos associados.

Entretanto, segundo Braga, “a APDINS nasceu efetivamente de um processo de


organização que, em sua gênese, alcançou uma representatividade significativa juntos aos
designers cariocas” (idem: 321). Mas, ao longo do tempo, com o “crescimento e a

198
Segundo Braga, somente em 1980 viriam a se formar outras associações profissionais de nível estadual.
199
Entre eles, destaca-se Joaquim Redig, durante muito tempo colaborador direto de AM.

279
diversificação do campo do design, nos anos 1980” (idem: 323), “pela maior segmentação da
categoria” (idem) e “pelo individualismo provocado pela desvalorização da ação coletiva e
política por parte da classe média” (idem), a APDINS foi perdendo representatividade, até o
início dos anos 1990.

O ensino de um design social na PUC-Rio

Passemos agora ao desenvolvimento de uma proposta de ensino de design que se


pretendia uma alternativa ao modelo desenvolvido pela ESDI, proposta essa que se
configurou no início dos anos 1980200, na graduação em design da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, criada em 1972, dentro do departamento de artes. O curso,
organizado em torno das disciplinas de projeto, tem duração de 4 anos. Tais disciplinas são
formadas por alunos de todas as quatro habilitações oferecidas (comunicação visual, mídia
digital, moda, projeto de produto). As duas primeiras, que os alunos devem cursar no primeiro
e no segundo semestre do curso, são “orientadas pela enfoque metodológico do design em
parceria, [que consiste em] exercícios de projeto em um contexto real, junto a um grupo
social com o qual [o aluno] desenvolverá um trabalho, chegando até a construção de
protótipos que podem ser experimentados e, muitas vezes, utilizados” (Ribeiro, 2002: 17).

Tal enfoque metodológico do projeto, também chamado, na PUC-Rio, de design


social201 (Couto, 1991), foi formulado pelos professores Ana Maria Branco202 e José Luiz

200
Deve-se salientar que nessa altura a UFRJ já oferecia, dentro da sua Escola de Belas Artes, os cursos de
comunicação visual (1971) e desenho industrial (1972), reunidos em um único curso em 1988. Além disso, no
ano de 1980, surgem mais dois cursos, no Rio de Janeiro, na Faculdade da Cidade e na Faculdade Silva e Souza
(Braga, 2005: 10). É importante mencionar também que em 1978 surge, no Rio de Janeiro, a Associação
Profissional dos Desenhistas Industriais do Rio de Janeiro (APDINS-RJ), que, junto a ABDI – de quem a
APDINS nasce buscando se diferenciar (Braga, 2005: 316) -, organizou, em 1979, no Rio de Janeiro, o I
Encontro Nacional de Desenho Industrial (I ENDI) (2005: 39).
201
Para uma análise da noção de design social e de suas manifestações na trajetória da disciplina, ver Cunha
Lima e Martins (2011). Para um estudo sobre as relações entre design e as ciências sociais, ver Frascara (2002).
202
Branco é professora do Departamento de Artes e Design da PUC-Rio, onde realiza pesquisas com o BioChip,
um grupo aberto de estudo, pesquisa e desenho com modelos vivos. Em torno da pesquisa, o grupo realiza uma
feira semanal no campus da universidade, onde expõe e distribui os resultados das pesquisas, que se articulam
em torno das noções de alimentação viva e bioconstrução.

280
Mendes Ripper203, no início dos anos 1980 (mais exatamente a partir de 1982), a partir do que
Ribeiro nomeia de uma insatisfação com a prática de projeto centrada em torno da relação
professor/aluno, que terminava por afastar do processo os sujeitos para os quais se projeta
(Ribeiro, 2002: 18).

O objetivo daquela proposta seria então transformar o sujeito para quem se projeta
em alguém com quem se projeta, em um parceiro de projeto. Assim, quando Branco e Ripper
- que não concordavam com o modelo esdiano que havia inspirado o currículo do curso da
PUC -, “resolveram, como eles mesmo dizem, dar uma reviravolta na proposta pedagógica
do curso, o primeiro passo já havia sido dado: identificar o que estava deixando a desejar na
antiga proposta. O segundo passo foi convidar uma professora de antropologia, Lélia
Gonzalles, para auxiliar na conceituação da nova proposta. Logo chegaram à conclusão de
que ela deveria colocar o aluno além dos muros da universidade, para buscar na sociedade
temas reais de projeto, e assim quebrar o binômio professor/aluno, como também obter
outros pontos de vista a respeito do projeto executado, pontos de vista estes que muitas vezes
seriam bem mais abrangentes do que o do próprio professor. Os processos de projeto
passaram, a partir deste momento, a se ajustarem aos grupos sociais e os objetos resultantes
destes processos começaram a ser construídos e experimentados” (idem: 19).

Para os dois professores, a “abstração do contexto real gerava resultados sem


significado social e era contraditória em um departamento pertencente ao Centro de Ciências
Humanas, como é o caso do Departamento de Artes [e Design]. Foi essa aproximação com a
realidade do meio extra-universitário que começou a delinear a atividade do design social na
PUC” (Couto, 1991: 12). Desse modo, esse modo de projetar, que tem por objetivo
“trabalhar com contextos reais e com necessidades deste contexto” (idem: 13) levava os
alunos a “procurar o seu tema de projeto fora do contexto da PUC” (idem), ou seja, extra-
muros.

Na definição da professora do curso e pesquisadora do ensino de design, Rita Maria


de Souza Couto, “o design social é uma atitude de projeto que tem por objetivo desenvolver

203
Ripper possui graduação em arquitetura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Livre Docência pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1976). É professor associado da PUC-Rio, onde coordena o
Laboratório de Investigação em “Living Design” (LILD), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Design
do Departamento de Artes e Design. Em 2011, recebeu o título de Professor Emérito da PUC-Rio.

281
trabalhos dentro de uma realidade social, em um contexto definido” (idem: 19) e “tem como
característica a participação efetiva do indivíduo ou grupo social com o qual se projeta, em
praticamente todas as etapas do processo de produção de objetos” (idem). Nessa proposta,
“busca-se incentivar nos alunos o trabalho com a realidade social, através da pesquisa
direta, em um contexto real definido, contribuindo, assim, para estimular a criatividade,
desenvolver o senso crítico e favorecer a descoberta de valores culturais” (idem: 21).

Dessa forma, percebe-se que o movimento ‘para fora’ levou o curso a ter de olhar
também ‘para dentro’. Então, buscar uma prática de projeto que se aproximasse dos contextos
reais onde se configuram os significados dos objetos implicou, como terminou por acontecer
na PUC-Rio, em uma reorganização de todo o currículo. Entre as influências teóricas que
informaram a proposta desse modo de projetar, Helaine Pacheco (autora da primeira
dissertação de mestrado em design do país) destaca a colaboração das idéias do sociólogo
Jean Baudrillard, de Gui Bonsiepe e Victor Papanek (que visitou a PUC entre o fim dos anos
1970 e o início dos anos 1980), e do arquiteto e designer C. Alexander (1996: 02).

Além das influências acima descritas, e de algumas outras apontadas pelas pesquisas
que se dedicaram a investigar as especificidades do ensino de design na PUC-Rio (ver Couto,
Oliveira, Pacheco, Ribeiro, entre outros) é importante lembrar, também, que no momento de
formulação da proposta, Ripper e Branco contaram com a contribuição de uma antropóloga.
Assim, percebe-se que conteúdos e abordagens oriundos daquela ciência social informaram a
constituição do que foi nomeado, na PUC-Rio, de design social.

É curioso perceber como, nessa proposta, se conformam algumas das questões que
vinham assomando o campo disciplinar do design no Brasil, desde a segunda metade da
década de 1960. Assim, sem pretender afirmar que a solução delineada no curso da PUC-Rio
tenha esgotado aquelas questões, percebo, a partir dela que, possivelmente, e de diversos
modos, os anos 1980, e a abertura política que a eles se segue, delimitam um outro momento
para o campo, ao qual, por questões de foco, não me dedico a investigar. Além do mais, o
momento em que se configura o ensino de um design social na PUC-Rio coincide com o
decesso de AM, motivo que, por si só, permite restringir a análise até esse extremo. De
qualquer forma, é ainda na década de 1970 que se representa o ato nuclear desta pesquisa.

282
CAPÍTULO 5

“Esta não é a história de um personagem. É a história de uma imagem que se desdobra em outra e outra. Não é
uma biografia; é a desconstrução de não apenas uma de várias ilusões biográficas que se sucederam na história
da arte brasileira.”
Guiomar de Grammont, 2008

“Não sei se eles se encontraram, mas não é de todo descabido imaginar essa ocasião.”
Eduardo Jardim, 2007

Encontros e desencontros

Em maio de 1977, como visto no capítulo anterior, Pietro Maria Bardi publica o
número 1 da revista “Arte Vogue”. Nessa publicação, consta um caderno de design. Dentro do
caderno, nas páginas 130 e 131, a revista apresenta depoimentos de cinco profissionais da
área, entre eles, da esquerda para a direita, em seqüência, Aloisio Magalhães, Lina Bo Bardi,
Alexandre Wollner, José Mindlin e Lúcio Grinover. Na página da esquerda, LBB e AM estão
lado a lado, iniciando a seção.

Em 23 de novembro de 1976, portanto, seis meses antes do lançamento da revista


dirigida por PMB, AM cita o artigo “Planejamento Ambiental – “Desenho” no impasse”204,
de LBB, publicado no início daquele ano, no segundo número da revista “Malasartes”205. O

204
Posteriormente, o texto foi republicado, de forma ligeiramente modificada, na coletânea de textos “Tempos de
grossura: o design no impasse”, com o título de “Um balanço dezesseis anos depois”. Os dezesseis anos referem-
se ao intervalo entre 1964, quando LBB deixa a Bahia, e 1980, quando começa a preparar o livro com a
colaboração de Isa Grinspum Ferraz. Em 1981, LBB interrompe os trabalhos, que são retomados pela equipe do
Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, em 1994, sob a coordenação editorial de Marcelo Suzuki. Em nota prévia,
Suzuki defende a atualidade do livro, colocando que “se o “design” está em voga, segue sendo assunto de
responsabilidade civil do desenhador!” (Suzuki, in Bardi, 1994: 09). A versão original foi republicada em 2009,
no livro “Lina por escrito”, organizado por Marina Grinover e Silvana Rubino. Grinover sugere que esse texto
“pode ser visto como parte de uma trilogia que inclui o texto de 1967, “Cinco Anos entre os Brancos”, e “A
mão do povo nordestino” (1977)” (2010: 193).
205
Revista editada no Rio de Janeiro, entre setembro de 1975 e junho de 1976, com apenas três números. Sobre a
responsabilidade do jornalista Mário Aranha, é organizada por um grupo de artistas e críticos de arte do Rio de
Janeiro e de São Paulo, e tem como foco principal as artes visuais, apesar de tratar também de poesia, cinema,
música e design. Segundo a Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais, “o objetivo da revista é interferir no
debate da época, ao analisar a situação da arte contemporânea brasileira e propor alternativas para os seus
impasses. Trata-se de uma revista sobre "a política das artes", declara o editorial do primeiro número, mas que

283
pronunciamento206 em que AM faz a citação é publicado poucos meses depois, na edição de
janeiro-junho de 1977 da “Separata da Revista Pernambucana de Desenvolvimento”, com o
título: “Da invenção e do fazer – reflexão sobre o artesanato e o homem”207.

Além desses dois eventos, não foi possível localizar mais pistas sobre eventuais
encontros ‘reais’ entre LBB e AM. Até onde pude apurar, em conversas com pessoas que
conviveram com os dois a partir dos anos 1960, não há registro de algum contato entre eles.
Em 04 dezembro de 2009, em um debate no encontro “50 anos de Lina Bo Bardi na
encruzilhada da Bahia e do Nordeste”, realizado no campus da Universidade Federal da
Bahia, Marcelo Ferraz e Marcelo Suzuki (arquitetos que trabalharam com LBB entre os anos
1970 e a sua morte, no início dos anos 1990) declararam que, em quinze anos de convivência
direta com LBB, não presenciaram nenhum momento de interação entre os dois. Segundo
eles, LBB eventualmente mencionava AM, sabia de seu trabalho, mas não tinha nenhum tipo
de relação direta com ele. Em entrevista realizada em 01 de agosto de 2011, Solange Valborg,
viúva do pernambucano, confirmou que LBB e AM se respeitavam, mas ressaltou que a
italiana nunca esteve em sua casa, assim como ela e seu marido nunca estiveram na casa dos
Bardi. Segundo ela, desde o início do seu relacionamento com AM, em 1960, não houve,
entre LBB e AM, mais do que um ou dois encontros casuais.

não pretende empunhar bandeiras ou anunciar movimentos, ao contrário de outras publicações” (Enciclopédia
Itaú Cultural de Artes Visuais, 2011). Segundo João de Souza Leite, em depoimento no dia 31/05/2011, o projeto
gráfico da revista era de responsabilidade de Maria del Carmen Zílio, que trabalhava no escritório de AM.
Assim, a revista era diagramada na sala dos fundos do escritório.
206
Nos arquivos do CNRC, em Brasília, encontrei duas versões desse texto. Uma é uma versão datilografada
intitulada ““Da invenção e do fazer”. Aloisio Magalhães.” Na capa do documento, há uma nota com o seguinte
texto: “Este texto resulta da transcrição do depoimento gravado em Recife. O autor pretende retomar os
conceitos desenvolvidos e aprofundá-los em forma de ensaio.” Na segunda página, há um subtítulo:
“Conferência do Professor Aloisio Magalhães”. O texto de seis páginas está cheio de observações manuscritas,
sem identificação de autor. A outra versão encontrada no arquivo é um fac-símile da “Revista Pernambucana de
Desenvolvimento”, onde o texto foi publicado em uma versão estendida (doze páginas), em 1977. Nesta versão
também há algumas anotações manuscritas, com a mesma letra.
207
O texto fora apresentado, originalmente, em um simpósio que tematizava as relações entre “O artesanato e o
homem”, realizado, em Recife, pela Fundação Joaquim Nabuco e pelo II Salão de Arte Global de Pernambuco.
Em 1985, trechos do texto são republicados na coletânea organizada por João de Souza Leite, Joaquim Falcão e
José Laurênio de Melo, em 1985, intitulada “E Triunfo? A questão dos bens culturais no Brasil”. No livro, são
reproduzidos dois trechos do texto: no capítulo 1, “A cultura brasileira e seus bens culturais”, na seção “Relações
entre a cultura, o espaço e o tempo”, encontra-se um trecho de uma página e meia. No capítulo 4, “Áreas
culturais”, na seção “O artesanato”, encontra-se um trecho de três páginas.

284
Entretanto, em sua tese de doutorado, Souza Leite (2006b) transcreve algumas cartas
e telegramas trocados entre LBB e AM, em 1963, portanto, treze anos antes de AM citar LBB
e quatorze anos antes de eles aparecerem lado a lado na revista “Arte Vogue”. Na
correspondência trocada, ela fala como diretora do MAMB e ele como artista plástico que
deveria enviar alguns trabalhos para uma exposição montada por ela, provavelmente a
“Exposição (de pinturas) de Artistas do Nordeste”, aberta em novembro daquele ano, no
museu baiano. Abaixo, segue a transcrição daquela correspondência, feita por Souza Leite:

“Lina Bo Bardi, Museu de Arte Moderna da Bahia, São Paulo: 29.08.1963. [manuscrito]
“Caro Aloisio Magalhães,
estamos “contando” muita na sua colaboração; mande logo os quadros (os grandes) frete ao
pagar ao Museu de Arte Moderna da Bahia, Teatro Castro Alves, Salvador. Mande também a
sua biografia, uma foto sua (bonita, não tipo “carteira de identidade”!), e um pequeno
desenho em branco e preto para ser reproduzido a traço no catálogo. Veja se os quadros
chegam antes do dia 10 de setembro. Estou chegando de Recife de onde vão expor 25 artistas
(também alguns jovens do Mov. Cult. Pop.); Recife é um centro na cultura do País, hoje.
Obrigada pela sua colaboração
Um abraço amigo
Da (assinado) Lina Bardi”
A esta carta se sucedem quatro telegramas, em tom cada vez mais incisivo:
Em 23.08: conforme combinamos até dez de setembro mande frete a pagar mínimo seis
quadros M.A.M.B. Bahia PT Telegrafe avisando
Abraços Lina
Em 10.09: Telegrafe se enviou seus quadros abraços Lina Bardi
Em 11.09: Mande quadros avião aqui dez dias dah tempo PT Sua participação indispensável
PT Inauguração definitivamente marcada dia dez outubro abraços Lina
Em 17.09: Mande quadro aereo frete pagar sem chassis VG enrolados com lado pintado do
lado de fora PT aplicaremos nos chassis PT mande também logo sua foto ET biografia PT
Abraços Lina Bardi
Aloisio responde em 19.09.1963
“Cara Lina Bardi,
aí vão biografia e foto; e com o envio dos quadros pela Rodoviária Relâmpago, finalmente
está resolvido o problema da minha participação na exposição. Confirmei por telegrama a
data da partida do caminhão. Espero que tudo chegue em tempo e sem causar-lhe maiores
transtornos. Isto acontece a quem costuma pintar quadros grandes em material tão rígido!

285
Cordiais abraços,
(assina)
Aloisio” (2006b: 260).
Mesmo que não indiquem uma maior proximidade, as cartas trocadas em 1963
demonstram haver algum contato entre os dois, no âmbito da arte. É curioso notar que,
naquele ano, ambos estavam envolvidos com a elaboração de cursos de desenho industrial, ela
em Salvador, e ele no Rio de Janeiro, mas que essa comunicação não faz nenhuma menção a
tal universo. Fica a dúvida sobre se, como, onde e quando eles teriam se conhecido, de fato –
o que provavelmente acontecera, ainda nos anos 1950, no circuito das artes plásticas. E se, ali,
em 1963, sabiam do que um e outro articulavam, em termos da busca pela instituição de um
ensino formal de desenho industrial no país.

Entre 1976 e 1977, diferentemente, está claro que ambos tem notícia do
posicionamento de cada um dos dois face ao debate sobre as possibilidades do design no
Brasil. A publicação de seus depoimentos, lado a lado, na primeira edição da revista “Arte
Vogue,” em maio de 1977, indica que, ali, na segunda metade dos anos 1970, o casal Bardi
tinha conhecimento da atuação de AM como designer. Por sua vez, a citação de LBB feita por
AM em 1976 demonstra que ele teve contato com o artigo que ela publicara na revista
“Malasartes” no início daquele ano e, mais do que isso, que ele relacionava a sua própria
discussão sobre o design brasileiro com aquela levantada por LBB. Assim, mesmo que não
tenham dialogado de forma mais direta, na metade dos anos 1970 ambos tinham
conhecimento das discussões levadas a cabo por um e pelo outro, e, de alguma forma,
entendiam que havia algum tipo de relação entre as suas perspectivas.

Mais do que isso, é nesse momento, precisamente entre os anos de 1975 e 1977, que
tanto LBB quanto AM se posicionam de forma mais intensa no debate sobre as possibilidades
do desenho industrial no Brasil. Se, como visto no capítulo anterior, desde 1968 se configura,
em meio à comunidade de designers, um questionamento em torno das possibilidades do
design em um contexto como o brasileiro, e se no início da década de 1970 o governo começa
a perceber o design como ferramenta estratégica para geração de competitividade do produto
brasileiro, nem a crise de 1968 nem os incentivos que começam a surgir a partir 1973
delineiam um novo cenário para o design no país. Assim, as questões que geram a crise
continuam em aberto e o debate segue ganhando novos contornos ao longo da década de

286
1970; tampouco o interesse do governo equaciona os dilemas. Com a gradativa abertura
política, insinuada a partir de 1974, ganha novo fôlego a discussão sobre o que pode (e/ou
deve) ser o design no contexto brasileiro.

De formas bastante específicas, LBB e AM se posicionam em meio a essas


discussões, reconsiderando as possibilidades de o design agir como elemento transformador
da sociedade. Assim, se observarmos a presença de um e de outro em meio ao debate, já
intensificado, dos anos 1970, é precisamente a partir de 1975 que eles tornam a se fazer
presentes, seja com palestras, entrevistas, depoimentos, em encontros temáticos, revistas
especializadas e também na grande imprensa, dentro e fora do âmbito mais restrito aos
campos do design e da arquitetura.

Observando tanto as discussões levantadas por ambos quanto as suas trajetórias


profissionais no início da segunda metade da década de 1970, procuro, então, perceber como
cada um deles coloca as questões que se lhes apresentam, naquele momento. Se em um
primeiro momento de pesquisa, percebi uma certa proximidade entre os posicionamentos de
ambos, seja em suas ações, seja em suas falas, investi em uma análise comparativa que me
ajudasse a perceber de que forma eles se aproximavam, e como, também, se distinguiam.
Depois de tabular conjuntamente as suas falas e textos, bem como as suas trajetórias
profissionais (ver anexos), percebi que esse não é apenas o momento em que fica evidente que
um tem conhecimento do trabalho do outro, mas é, também, a partir dali que seus textos e, em
certa medida, suas trajetórias podem parecer mais assemelhadas.

Entendi, então, que a melhor maneira de observar as formas como cada um deles
problematizava as questões colocadas seria concentrando minha atenção em torno do ano de
1977, o que implica em considerar, de forma complementar, toda a segunda metade da década
de 1970, bem como toda as movimentações, prévias e seguintes a esse período. Assim,
mapeando uma série de nós que ‘aproximavam’ LBB e AM em meio às redes mais amplas em
que se constituíram as suas ‘obras’ e ‘vidas’ (ver anexos), identifiquei em torno de 1977 um
nó górdio a partir de onde observar as problematizações construídas por cada um deles.
Partindo do ‘encontro’ (ocorrido entre 1976 e 1977), proponho aqui uma aproximação mais
detida das perspectivas assumidas por LBB e AM na segunda metade dos anos setenta.

Se LBB e AM são identificados no campo disciplinar do design no Brasil como


personagens que forjaram novas discursividades, me pareceu que observar, através deles,

287
como se deslocam e se transformam alguns dos conceitos (Foucault, 2007a: 04) relevantes
para o campo seria uma boa estratégia de pesquisa. Entendendo que “a história de um
conceito não é, de forma alguma, a de seu refinamento progressivo, de sua racionalidade
continuamente crescente, de seu gradiente de abstração, mas a de seus diversos campos de
constituição e de validade, a de suas regras sucessivas de uso, a dos meios teóricos múltiplos
em que foi realizada e concluída sua elaboração” (2007a: 04-05), busco perceber como se
atualizam, nas discussões levadas a cabo por LBB e AM naquele momento, as questões
problematizadas pelo campo (discutidas nos capítulos anteriores).

Vale lembrar que a discussão no campo, naquele momento, orientava-se em torno de


uma problematização da própria idéia de um desenho industrial, face a um cenário que
deixara claro, para a comunidade dos designers, a impossibilidade de conjugação das suas
perspectivas com aquelas vislumbradas pelos responsáveis pela produção industrial – seja os
responsáveis diretos, os empresários, seja os responsáveis pela regulação dos processos e dos
modelos ligados àquela produção, as agências reguladoras, de fomento e o governo. A
sensação de crise experimentada em meio à comunidade de design, anunciada e intensamente
debatida em 1968 (conforme visto no capítulo anterior), se agudizara, naquele momento, face
à dolorosa constatação da incapacidade de o design influenciar no processo de
desenvolvimento industrial do país. A isso, somava-se o movimento mais amplo de
contestação cultural - que agitava grande parte do mundo ocidental -, e o conturbado clima
político instaurado após o golpe militar de 1964.

Em meio ao debate em torno dos contornos que deveria assumir a disciplina em um


contexto como o brasileiro naquele momento específico, surge - como alternativa ao modelo
industrial-universalista adotado como referência modelar por parte importante dos agentes e
das instituições criadas desde os anos 1950 – a idéia de um design culturalmente
contextualizado, que em vez de operar sobre parâmetros universalizantes, procurasse se
conformar aos contextos culturais locais. Alinhado a um certo ‘espírito do tempo’, esse
movimento do design brasileiro reconhece (conforme visto no capítulo 1) em LBB e AM dois
dos seus articuladores mais consistentes. Por isso, eles são considerados, no campo, como os
principais atores/autores de uma ‘outra vertente’, mais implicada com a contextualização
cultural e a responsabilidade social do design.

288
Depois de ter observado a constituição do próprio campo disciplinar do design no
Brasil, bem como as problematizações que ele formula ao se constituir, percebo que é
chegada a hora de atentar para esses dois agentes, entendendo que tanto a trajetória quanto a
obra e a própria idéia de autor não são unidades imediatas, mas, sim, constituídas por
operações interpretativas (idem: 27). Portanto, não se trata, aqui, nem de buscar (em LBB e
AM) uma suposta origem do discurso (do campo) nem a interpretação ou escuta de um já-dito
que seria ao mesmo tempo um não-dito (idem: 28). Assim, busco me aproximar de uma
leitura foucaultiana que propõe renunciar à idéia de análise dos discursos como busca pela
continuidade dos discursos, segundo a qual, por conseqüência, “é preciso estar pronto para
acolher cada momento do discurso em sua irrupção de acontecimentos” (idem), ou seja, tratá-
lo no jogo de sua instância (idem).

Assim, no ensejo de uma tal leitura, todas as sínteses, essas formas prévias de
continuidade, devem ser momentaneamente colocadas em suspenso a fim de que se possa
“mostrar que elas não se justificam por si mesmas, que são sempre o efeito de uma construção
cujas regras devem ser conhecidas e cujas justificativas devem ser controladas; definir em que
condições e vista de que análises algumas são legítimas; indicar as que, de qualquer forma,
não podem mais ser admitidas” (idem). Trata-se, enfim, de se permitir reconhecer que
algumas dessas sínteses não sejam de fato o que pareciam ser, à primeira vista (idem: 29).

Segundo a proposta de Foucault, “uma vez suspensas essas formas imediatas de


continuidade, todo um domínio encontra-se, de fato, liberado. Trata-se de um domínio
imenso, mas que se pode definir: é constituído pelo conjunto de todos os enunciados efetivos
(quer tenham sido falados ou escritos), em sua dispersão de acontecimentos e na instância
própria de cada um” (idem: 29-30). O material a ser trabalhado se constitui, assim, de uma
população de acontecimentos no espaço do discurso em geral (idem: 30). Conforma-se, então,
como um “projeto de descrição dos acontecimentos discursivos como horizonte para a busca
das unidades que aí se formam” (idem).

Nessa proposta de descrição de acontecimentos de discurso a questão sobre o modo


de aparecimento de um determinado enunciado é fundamental, pois é na instância do

289
acontecimento enunciativo que se conformam os espaços de relações a partir de onde
enunciados e acontecimentos se vinculam208. Assim,

a análise enunciativa só pode se referir a coisas ditas, a frases que foram realmente
pronunciadas ou escritas, a elementos significantes que foram traçados ou
articulados – e, mais precisamente, a essa singularidade que as faz existirem, as
oferece à observação, à leitura, a uma reativação eventual, a mil usos ou
transformações possíveis, entre outras coisas, mas não como as outras coisas. Só
pode se referir a performances verbais realizadas, já que as analisa no nível da sua
existência: descrição das coisas ditas, precisamente porque foram ditas209 (idem:
124).

Se está claro que não é possível descrever, ilimitadamente, todas as relações que
possam vir a aparecer, é preciso, a título de aproximação, estabelecer recortes provisórios de
análise, que podem ser delimitados a partir dos domínios em que se percebe que as relações
podem ser mais “numerosas, densas e relativamente fáceis de descrever” (idem: 33). Sabendo
que “o recorte do próprio domínio não pode ser considerado como definitivo, nem como
válido de forma absoluta [e que] trata-se de uma primeira aproximação que deve permitir o
aparecimento de relações que correm o risco de suprimir os limites desse primeiro esboço”
(idem: 34), lanço-me à análise dos enunciados e acontecimentos proferidos e provocados por
LBB e AM em torno da segunda metade da década de setenta, para depois, em um momento
seguinte, esboçar uma problematização quanto às unidades, rupturas, aproximações,
deslocamentos e relações entre LBB, AM e o campo. Assim, proponho agora observar as
questões levantadas por LBB e AM em torno da segunda metade da década de 1970, quando
supostamente se aproximam as suas idéias.

208
É preciso assinalar que o discurso, tal como definido por Foucault, é “o conjunto de enunciados que se apóia
em um mesmo sistema de formação” (2007a: 122).
209
Nesse sentido, “a análise enunciativa é, pois, uma análise histórica, mas que se mantém fora de qualquer
interpretação: às coisas ditas, não pergunta o que escondem, o que nelas estava dito e o não-dito que
involuntariamente recobrem, a abundância de pensamentos, imagens ou fantasmas que as habitam; mas, ao
contrário, de que modo existem, o que significa para elas o fato de se terem manifestado, de terem deixado
rastros e, talvez, de permanecerem para uma utilização eventual; o que é para elas o fato de terem aparecido – e
nenhuma outra em seu lugar. Desse ponto de vista, não se reconhece nenhum enunciado latente: pois aquilo a
que nos dirigimos está na evidência da linguagem efetiva” (Foucault, 2007a: 124).

290
“Que nem cobra mudando de pele”210: Aloisio Magalhães do design às políticas culturais

No texto em que cita LBB, “Da invenção e do fazer – reflexão sobre o artesanato e o
homem”, AM propõe uma análise do problema artesanal no contexto brasileiro (Magalhães,
1977a: 131). Como preâmbulo à discussão, ele discorre sobre três tópicos: no primeiro, “A
vida como princípio sistêmico”, propõe pensar a vida como um sistema que, em sua luta por
sobrevivência e equilíbrio, sofre transformações e evolui em termos de organização. Nessa
luta, oscila entre parâmetros, ou dispositivos, quase sempre bipolarizados entre o que é
programado, permanente e invariável, e o que é espontâneo, mutante, capaz de aprender e
inventar. Para AM, os sistemas vivos, que seguem seu ritmo sofrendo transformações ao
longo de suas trajetórias, têm no homem o exemplo mais completo e perfeito desse tipo de
organização. Em sua perspectiva, na dialética entre intuição e método, o homem elabora
conceitos que se concretizam em ação. Dessa ação, resultam objetos que são necessários para
o desenrolar da sua trajetória (1977a: 125-127).

Seguindo sua argumentação, AM propõe a observação de alguns dos objetos que


resultaram dos processos de transformação e complexificação por que passou o homem. Entre
eles, os instrumentos de medição temporal, que auxiliaram o homem a se aproximar cada vez
mais de uma concepção ordenada do tempo. Passando pelo relógio de sol, a ampulheta, o
relógio de água, a clepsidra, o relógio mecânico, o relógio portátil, o relógio a pêndulo, o
cronômetro, o relógio eletromagnético, o relógio digital e o relógio atômico, AM comenta a
trajetória de um instrumento na direção de maior complexidade tecnológica (idem: 129).
Observando esse processo, propõe uma reflexão sobre as formas de ação do homem nas suas
atividades básicas, entre elas, a artesanal.

A partir dessas colocações, declara que “alguns instrumentos tecnológicos foram


artesanais até um certo momento de sua evolução. Em qualquer desses momentos, tomado no
seu tempo, o objeto resultava da mais perfeita e da mais elaborada maneira de fazê-lo. O que
vale dizer que o objeto artesanal foi, no seu tempo, resultado de uma tecnologia “de ponta”.

210
Comentando uma nova fase na vida de AM que, segundo ele se inicia com a criação do CNRC em 1975,
Souza Leite relembra uma frase recorrente do próprio, naquele período: “Estou que nem cobra mudando de pele”
(Magalhães, apud Souza Leite, 2003: 221).

291
O desaparecimento do caráter artesanal está diretamente ligado ao aumento de
complexidade, e, portanto, de intermediações entre a mão que faz e o objeto final” (idem).

AM comenta, ainda, que a trajetória de evolução do relógio é coerente com o


contexto de desenvolvimento europeu, mas não com outras situações, tais como a brasileira,
onde surge uma cultura nova (idem), que, quando passa a participar do processo de evolução
da cultura ocidental, encontra-o em um estágio já bastante acelerado. Por isso, sua trajetória
tem início impregnada de valores feitos. Ela mais absorve do que cria, incorporando processos
e instrumentos que foram desenvolvidos em outras situações e contextos.

Entretanto, por não estarem comprometidos com os processos que levaram à


sedimentação técnica encontrada na Europa, os países novos, tais como o Brasil, encontram-
se plenos de opções e transformações, mais flexíveis. A permeabilidade é mais acentuada no
caso brasileiro devido à inexistência de uma carga de anterioridade, tal qual a que se nota nos
demais países latino-americanos. Segundo AM, no Brasil, a cultura ocidental encontrou um
campo de ação muito livre, um universo cultural de menor complexidade, e por isso, mais do
que choque, houve uma adaptação ou adequação maior dos portugueses à situação autóctone,
uma permeabilidade a influências do índio, mais adaptado ao meio ambiente local (idem:
130). Acrescentado um terceiro elemento, africano, delineia-se, para AM, uma nova
combinatória cultural, que se adapta ao novo contexto em busca de uma relativa harmonia
(idem: 131). Nessa cultura nova, o relacionamento do homem com o meio tropical em busca
de sobrevivência e adaptação define a peculiaridade diferenciada do caso brasileiro.

Em suma, neste pronunciamento, feito em Recife no final do ano de 1976, no âmbito


de um simpósio que tematizava o artesanato, AM propõe discutir a problemática do artesanato
no contexto brasileiro considerando que, no país, alguns fatores são decisivos para a sua
compreensão, a saber: 1) a peculiaridade cultural brasileira – a cultura brasileira sendo
definida por ele como uma cultura nova, formada pela permeabilidade das culturas
portuguesa, indígena e africana, em sua busca de adaptação ao meio ambiente tropical; 2) a
absorção por essa cultura de técnicas e procedimentos sedimentados no contexto europeu. O
fato de o Brasil ser um país de cultura nova é visto por AM de forma positiva, mas a
importação de meios e técnicas de produção (coerentes em outros contextos, mas estranhos ao
contexto local) é problematizada.

292
Tendo colocado essas questões, AM discute de forma mais direta o problema
artesanal (idem), sugerindo que, no Brasil, não existe propriamente artesanato, mas uma
inventividade ou disponibilidade para o fazer, que ele nomeia de pré-design: “Diria, de início,
que, na realidade, dentro dos padrões ortodoxos, não existe artesanato no Brasil. O que
existe é uma disponibilidade imensa para o fazer. Parece-me que, no caso brasileiro, toda
atividade com características de artesanato, ou seja, pequena intermediação entre a mão que
faz e o objeto que se usa, são formas iniciais de uma atividade que quer entrar na trajetória
do tempo; que quer evoluir na direção de maior complexidade tecnológica para resultados
mais efetivos. Talvez seja preciso dizer que, não existindo tradições profundas, nem
cristalizações no trato da matéria-prima – o que constituem características do artesanato
clássico – o que devemos fazer no Brasil é observar essa disposição, essa presença de um
índice muito alto de invenção, na busca de peculiaridades a serem estimuladas, criando-se,
assim, condições para que o processo se desenvolva com harmonia. É possível, até,
caracterizar-se essa alta inventividade como uma atitude que se poderia chamar de pré-
design: o homem brasileiro estaria intuitivamente mais próximo de conceitos de design do
que propriamente artesanais, no sentido clássico” (idem).

Buscando diferenciar a idéia de pré-design daquela de pré-artesanato, discutida por


LBB em um texto publicado no início do ano de 1976, AM cita o artigo “Planejamento
ambiental: “desenho” no impasse”, publicado originalmente no número 2 da revista carioca
“Malasarte”, edição de dez-fev de 1976, reproduzindo dele o seguinte trecho: “A volta a
corpos sociais extintos é impossível, a criação de centros artesanais, a volta ao artesanato
como antídoto a uma industrialização estranha aos princípios culturais do país é errada.
Porque o artesanato como corpo social nunca existiu no Brasil, o que existe é um pré-
artesanato doméstico esparso, o que existiu foi uma imigração rala de artesãos ibéricos e
italianos e, no século XIX, manufaturas. Artesanato, nunca” (Bardi, apud Magalhães, 1977a:
131). Distinguindo a sua perspectiva daquela adotada por LBB, AM afirma que a idéia de pré-
design “talvez esteja mais próxima da realidade e de sua dinâmica do que a de pré-
artesanato. Esta última implicaria uma evolução na direção de artesanato, o que não me
parece ser o caso” (Magalhães, 1977a: 131).

Concluindo seu argumento, AM comenta alguns exemplos do que nomeia de


capacidade inventiva brasileira, “casos de maravilhosa flexibilidade e capacidade de
adaptação e assimilação” (1977a: 132). Processos de criação de objetos que contradizem a

293
ortodoxia artesanal, tais como a reutilização do detrito industrial dos pneus de borracha e a
sua transformação ou reciclagem em um novo produto, o depósito doméstico de lixo, o uso de
tintas industriais pelo Mestre Vitalino de Caruaru e o uso de lâmpadas elétricas como depósito
de combustível para lâmpadas de querosene. Formas espontâneas de fazer que são alvo de
crítica dos ortodoxos (idem: 134), conformam uma espécie de artesanato seriado que, em sua
dinâmica, explicita a personalidade e a fisionomia próprias ao universo cultural brasileiro.

Para AM, tais criações evidenciam o enorme potencial do homem brasileiro.


Ponderando que esse potencial é em grande parte latente, ele alerta para a necessidade de uma
conscientização dos fatores perturbadores que interferem no processo de desenvolvimento
dessa capacidade inventiva, que poderiam levar a distorções que implicariam na perda de
autenticidade. Se, neste texto, AM se propõe a pensar o que se convencionou chamar de
produção artesanal brasileira não como artesanato, mas como design – pré-design, neste
mesmo ano, em um debate comemorativo dos quinze anos da ESDI211 (ocorrido
provavelmente no início do segundo semestre letivo), ele sugere que se faça uma avaliação do
caminho percorrido pela escola, a fim de que se identifique os parâmetros e indicadores para
que se possa projetar uma futura perspectiva de ação adequada à realidade brasileira.

Assim, se no primeiro texto o artesanato é pensado enquanto design, na ESDI ele


propõe uma reconceituação da própria atividade, no sentido de aproximá-la da realidade
brasileira e “das formas de fazer e de usar basicamente primitivas e pré-industriais”
(Magalhães, 1998: 12). Nos dois casos, fica patente o chamamento a uma ampliação do
conceito de desenho industrial: “O Desenho Industrial pode oferecer, através da ótica
abrangente que o modelo nos proporcionou, condições de reconceituar a própria natureza da
atividade” (1998: 11). Tal reconceituação deveria se articular no sentido de um
posicionamento da atividade face aos desafios da realidade brasileira.

Na comunicação, intitulada “O que o desenho industrial pode fazer pelo país? Por
uma nova conceituação e uma ética do desenho industrial no Brasil”212, AM revê alguns dos
parâmetros sobre os quais se estruturara o ensino de design na escola, afirmando que a

211
Para uma recomposição detalhada das discussões travadas durante esse evento – já mencionado no capítulo
anterior -, ver Souza, 1996.
212
Em outubro de 1998, o texto foi publicado na revista “Arcos”, editada pela ESDI.

294
escolha, feita na ESDI, de um modelo mais voltado para a razão e o método teria permitido a
formulação de uma dialética com a natureza mais espontânea e intuitiva do nosso
temperamento latino e tropical (idem: 10). Buscando responder à questão sobre a escolha do
modelo adotado na escola carioca, afirma que, primeiramente, ele evitou a fragmentação da
atividade em múltiplas especializações antes que se pudesse avaliar as necessidades e as
peculiaridades do contexto sócio-econômico brasileiro. Por outro lado, proporcionou uma
ampla visão de conjunto.

A ótica abrangente proporcionada por esse modelo teria proporcionado condições de


reconceituar a própria natureza da atividade, que em seus primeiros momentos esteve ligada
somente à solução de problemas emergentes da relação tecnologia/usuário em contextos que
eram altamente desenvolvidos. Para AM, essa reconsideração se faz necessária, na medida em
que é preciso se repensar, de forma mais abrangente, as relações entre os países de economia
centralizadora e economia periférica.

Nesse sentido, ele propõe uma reflexão sobre o posicionamento do design enquanto
atividade no contexto brasileiro: “todos (estamos) conscientes de que o chamado processo de
desenvolvimento de uma cultura não se mede somente pelo progresso e pelo enriquecimento
econômico, mas por um conjunto mais amplo e sutil de valores. Isto quer dizer que só através
da análise e de estudos interdisciplinares se poderá alcançar a compreensão do conjunto de
fatores que serão capazes de configurar um crescimento verdadeiramente harmonioso. Aos
fatores econômicos privilegiados até bem pouco foram acrescentados os fatores sociais e, já
agora, a compreensão do todo cultural. O desenho industrial surge naturalmente como uma
disciplina capaz de se responsabilizar por uma parte significativa deste processo. Porque não
dispondo nem detendo um saber próprio, utiliza vários saberes; procura compatibilizar de
um lado aqueles saberes que se ocupam da racionalização e da medida exata – os que dizem
respeito à ciência e à tecnologia – e de outro, daqueles que auscultam a vocação e a
aspiração dos indivíduos – os que compõem o conjunto das ciências humanas.

Assim, da postura inicial de uma visão imediatista e inevitavelmente consumista de


produzir novos bens de consumo, o desenhista industrial passa a ter, nos países em
desenvolvimento, seu horizonte alargado pela presença de problemas que recuam desde
situações, formas de fazer e de usar basicamente sofisticadas, ditas ‘de ponta’. Já não há
mais lugar para o velho conceito de forma e função do produto como tarefa prioritária da

295
atividade. Transitamos num espectro amplo de diversidade de saberes e de situações muito
distanciadas: da pedra lascada ao computador. Não estarão aí algumas indicações de uma
reconceituação da atividade? Não será esta a tarefa que devemos fazer?” (idem: 12).

No depoimento para a revista “Arte Vogue” n.1, publicado em maio de 1977


(portanto, entre o discurso em Recife e aquele proferido na ESDI), AM segue na mesma linha
do pronunciamento na escola, ponderando sobre as conseqüências para o design brasileiro da
adoção de um modelo baseado em uma “rigorosa metodologia alemã” (Magalhães, 1977b:
130). Considerando que, apesar de parecer estranho e pouco usual a adoção de uma tal
metodologia em vez de “um apoio metodológico mais conforme com a exuberância e o calor,
para não dizer desordem, do temperamento brasileiro” (idem), naquele momento, olhando
retrospectivamente, parecia se decidiu àquela opção na medida em que se fazia necessário
contrapor aos nossos valores tropicais uma perspectiva diametralmente oposta (idem).

Assim, em um processo dialético entre elementos intuitivos e os do método, saímos


enriquecidos com um posicionamento original e próprio (idem). Percebendo que o rigor
germânico “trouxe-nos uma base de pensamento globalizante, muito correto para situações
de culturas em desenvolvimento como a nossa” (idem), e assim, terminou por contribuir para
a criação de uma visão abrangente, criando “uma base sadia para o exercício dialético”
(idem) onde “a atividade normativa e coordenadora do design” (idem) possa se exercer.

Observando esses três depoimentos publicados no ano de 1977, é possível perceber


que em todos eles se coloca, de formas distintas, porém aproximadas, a questão do papel do
design no contexto sócio-cultural brasileiro. Em um simpósio sobre artesanato, AM propõe
que é inapropriado pensar a existência de uma atividade artesanal no país, e que a atitude
inventiva brasileira, que produz objetos que poderiam ser percebidos como artesanais, seria
mais identificada com o design. Assim, propõe que existe uma especificidade brasileira que se
coaduna à idéia de design, ou, pelo menos, um pré-design.

Na revista paulista, uma publicação que circulava em espectro mais amplo, mas que
dedicava um caderno inteiro para discutir o design, AM revê novamente o processo de
conformação de um “pensamento brasileiro sobre o desenho industrial” (Magalhães, 1977b:
130), apontando para o caráter de fusão entre o temperamento brasileiro, mais intuitivo, e a
rigorosa metodologia suíço-alemã, o que teria se dado a partir da adoção, no Brasil, de um
modelo de design formulado originalmente na Alemanha. Com uma visão aparentemente

296
otimista, percebe que tal posicionamento terminou por fornecer uma base dialética para o
exercício do design entre nós.

Falando para designers e estudantes, na escola que ajudara a criar, quinze anos antes,
AM sugere que é chegado o momento de se reconceituar a atividade, no sentido de uma
aproximação com os problemas que concernem o Brasil, país em desenvolvimento. Propondo
que cabe aos designers, em contextos como o nosso, um engajamento com os problemas
relativos aos processos de desenvolvimento, e que a investigação desses processos deve ser
feita através de análises e estudos interdisciplinares, ele fala como alguém que já se afastava
de uma atividade mais restrita ao exercício do design, aproximando-se de uma discussão que
buscava pensar as questões culturais nacionais, tendo o design como uma das disciplinas a
contribuir para o encaminhamento das propostas formuladas por aquele tipo de estudo, como
os conduzidos pelo CNRC213, órgão coordenado por ele, desde 1975, e dedicado à pesquisa e
ação no âmbito dos processos culturais (Anastassakis, 2007).

Em 1977, Aloisio já se dedicava quase que exclusivamente ao CNRC, em Brasília,


tendo se afastado gradativamente do escritório e da própria ESDI. O Centro é criado a partir
de um diálogo entre AM e o governo federal, para quem o designer realizara, desde o início
da década, uma série de projetos, além de prestar consultorias. Em conversa com o Ministro
da Indústria e Comércio, Severo Gomes, os dois se questionavam sobre as dificuldades de
inserção do produto brasileiro no mercado externo. Entendendo que uma tal pergunta só
poderia ser respondida a partir de um amplo processo de pesquisa sobre a especificidade dos
processos culturais no país, AM articula a criação do Centro, viabilizado a partir de um
convênio multi-institucional, que incluía diversos órgãos ligados ao governo federal.

O objetivo do CNRC era pesquisar, documentar e disponibilizar informações sobre


os processos de geração de tecnologia (tecnologia patrimonial ou proto-tecnologia) nos
lugares em que as populações não tinham acesso às tecnologias ‘tradicionais’. Observando e
coletando informações sobre processos a partir dos quais se evidenciava a ‘inventiva

213
Em quatro anos, o CNRC desenvolveu 27 projetos, organizados em quatro programas de estudo:
“Mapeamento do artesanato brasileiro”, “Levantamentos sócio-culturais”, “História da tecnologia e ciência no
Brasil” e “Levantamentos de documentação sobre o Brasil”. Deve-se notar que a maior parte dos projetos
realizados concentrava-se em torno dos programas “Mapeamento do Artesanato Brasileiro” e “Levantamentos
sócio-culturais”, e que havia uma tendência a concentrar os projetos na região Nordeste (Anastassakis, 2007).

297
brasileira’, buscava-se viabilizar a circulação desse tipo de conhecimento, estimulando, assim,
o desenvolvimento de outras regiões, que adotando os processos criados alhures, poderiam
desenvolver a sua própria economia.

A criação do Centro, apesar de não representar um rompimento imediato com a


atividade à frente do escritório de design, sediado no Rio de Janeiro, terminou por criar uma
nova frente de trabalho, mais diretamente ligada às questões de política cultural, e centrada
em Brasília. Tendo um itinerário profissional que se mantinha bastante movimentado desde a
abertura do seu primeiro escritório, em 1960, é entre 1976 e 1977 que AM finaliza seus
últimos trabalhos em design, a saber, o símbolo do Banco Boavista (1976), e a criação de um
novo padrão monetário e o desenho de uma nova cédula, a de 1.000 cruzeiros (projeto
encomendado em 1976 e finalizado no ano seguinte).

O ciclo de projetos de sistemas de imagem corporativa para importantes empresas


públicas e privadas, que se intensificara em 1970, com o “primeiro projeto de grande porte,
de identidade corporativa, desenvolvido por Aloisio Magalhães” (idem: 204), realizado para a
Petrobras214, teve início em 1965, quando aconteceram os concursos para o desenvolvimento
do símbolo da Light e para o desenho das novas cédulas do papel moeda brasileiro215 (Souza

214
“O projeto envolveu um grande número de pessoas, atuando em diferentes níveis. O símbolo e o sistema
visual são de Aloisio e Rafael Rodrigues, enquanto a coordenação do projeto de desenho industrial foi de
Joaquim Redig. Participaram da equipe de desenvolvimento, os designers Roberto Lanari, Newton Montenegro
de Lima, Maria Del Carmen Zílio, Joaquim Barata de Moura, Luiz Carlos Boeckel, Claudio Teixeira de
Mesquita e Paulo Geiger. O projeto ainda contou com a assessoria de Karl Heinz Bergmiller e Arisio Rabin”
(Souza Leite, 2003: 204). Para detalhes do projeto, ver a dissertação de mestrado de Joaquim Redig, intitulada de
“Design BR 1970: Fundamentos do design de Aloisio Magalhães”, defendida no PPDESDI em 2007.
215
“O concurso foi o primeiro passo de um processo progressivo, que não se concluiria naquela ocasião, mas
que visava, em horizonte razoavelmente próximo, à nacionalização completa do ciclo de desenho, confecção de
matrizes de impressão e produção propriamente dita. Em 1966, um desenho original para a moeda foi
conquistado. Em seguida, foram desenvolvidas as chapas de impressão na Europa. A impressão já seria feita no
Brasil” (Souza Leite, 2003: 192). O projeto teve duração de quatro anos, sendo finalizado em 1970. Dois anos
depois, em 1972, AM realizou um novo projeto de cédula, desta vez, para uma nota comemorativa do
sesquicentenário da Independência. “Na cédula de 1972, Aloisio propôs uma ruptura com o conceito tradicional
e expôs, através de uma sucessão de rostos masculinos, a formação étnica brasileira. Na ocasião, o
“brasilianista” americano Thomas Skidmore fez uma leitura negativa da cédula, considerando-a portadora de
todos os preconceitos praticados no país. Aloisio rebateu a crítica, com a seguinte argumentação:
“Recentemente, um eminente “brasilianista” apontou, como exemplo da presença atávica de preconceito racial,
a posição do negro no painel de representação das etnias brasileiras, na cédula de quinhentos cruzeiros. Por
que o professor americano não foi capaz de ler o que todos nós lemos? O painel observa um critério de
precedência histórica, no sentido natural da leitura, ou seja, da esquerda para a direita. A partir do índio
brasileiro as etnias se superpõem no tempo, numa seqüência em aberto. Não estaria o eminente professor
transpondo, para análise do nosso contexto cultural, modelos e estruturas preconceituais de onde o problema se
apresenta de maneira diversa? Que outra nação usou com naturalidade sua formação étnica em objeto de

298
Leite, 2003: 135). Naquele momento, o escritório, que inicialmente chamava-se “Magalhães +
Noronha + Pontual”, passa a ser chamado de “Aloisio Magalhães Programação Visual”216. A
equipe se amplia e em 1970 o escritório é de novo renomeado, passando a se chamar “Aloisio
Magalhães Programação Visual Desenho Industrial (AMPVDI)”.

Muitos depoimentos registrados em diversas das publicações sobre a história do


design brasileiro assinalam o fato de que, naquele momento, o escritório de AM se transforma
em uma espécie de ‘escola paralela’, onde, além dos colaboradores diretos, circulavam
estudantes que consultam a biblioteca e trocavam idéias com colegas (2003: 136). O incentivo
à circulação de diversas pessoas pelo escritório teria a ver com uma concepção de ensino de
design, nutrida por AM, em que “o sistema ideal para a educação do designer seria a
transmissão de conhecimento no fazer, tal qual o mestre oficial de uma habilidade específica
transmite a seu assistente aprendiz” (idem).

Em 1976, AM já à frente do CNRC em Brasília, o escritório é novamente


renomeado, passando a ser denominado de “Programação Visual Desenho Industrial (PVDI)”.
Assim, “não mais personalizado em torno de sua própria figura, inicia-se uma nova
configuração. Rafael Rodrigues e Joaquim Redig, antigos parceiros, agora sócios, assumem
sua condução, enquanto Aloisio segue seu curso para cuidar da cultura brasileira” (idem:
137). Foi nesse mesmo ano217 que AM foi convidado a concluir o processo iniciado em 1966,
no sentido de uma formulação de parâmetros para a realização de um novo padrão monetário
para o país. Desse novo contrato, resultou uma investigação sobre novas tecnologias que
viabilizassem a produção do dinheiro em território nacional, bem como o desenho da nota de
1.000 cruzeiros, que estampava o retrato do Barão do Rio Branco.

comunicação tão amplo como o seu próprio papel moeda?” (trecho da comunicação de Aloisio Magalhães ao
Conselho Federal de Cultura, em 08 de novembro de 1977)” (Souza Leite, 2003: 211).
216
Os sócios do M+N+P, Artur Lício Pontual e Luiz Fernando Noronha, já haviam se desligado do escritório por
volta de 1963. Logo depois, AM passou a trabalhar com três assistentes (Samico, Rafael Rodrigues e João
Nascimento) e um arte-finalista. Em 1965, Samico retornou a Recife e Nascimento se tornou arquiteto. Foi nesse
momento que João de Souza Leite e Joaquim Redig (ainda alunos da ESDI) passam a colaboram no escritório.
217
Em 1977, AM “assume a presidência da Sociedade de Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente,
organização criada dois anos antes para apoiar o trabalho iniciado por Nise da Silveira, em 1946, no Centro
Psiquiátrico Pedro II, no Engenho de Dentro, Rio de Janeiro” (Souza Leite, 2003: 275).

299
Assim, no momento em que pronuncia os três depoimentos acima citados, ao longo
do ano de 1977 – ano em que completa 50 anos, AM vive um momento de transição de uma
prática estrita do design para uma atuação mais objetivamente voltada à gestão de políticas
públicas de cultura218. Se é somente em 1979, com a nomeação de AM para a presidência do
Instituto Nacional de Patrimônio Cultural (IPHAN), que esse ciclo se consolida de fato, 1977
marca de fato o momento em que o pernambucano realiza os seus últimos trabalhos de design.
A partir dali, sua atuação estaria cada vez mais centrada em Brasília.

Entretanto, se em 1977 AM realiza seus últimos trabalhos como designer, nesse ano
multiplicam-se os projetos no CNRC. Dentre eles, “Tecelagem popular no Triângulo
Mineiro”, que resultou na publicação “de uma cartilha, onde os padrões utilizados pelas
diversas tecedeiras da região foram compilados através do uso de um programa de
computador. Essa cartilha foi distribuída entre as tecedeiras, que tiveram, assim,
multiplicadas as possibilidades de arranjos dos padrões com que trabalhavam”
(Anastassakis, 2007: 101).

“Tendo acontecido entre 1976 e 1977, e desenvolvido em parceria com o Instituto


Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais (IJNPS) e o Instituto Interamericano de
Etnomuseologia y Folclore (INIDEF), da Venezuela, o projeto “Etnomuseologia na área
nordestina”, coletou música folclórica e religiosa, documentação fotográfica e
cinematográfica dos ritos correspondentes, como subsídios para se rever a classificação da
música tradicional brasileira. Além de gravar em áudio as manifestações musicais na região,
documentou – através do registro fonográfico e cinematográfico, as técnicas de fabricação
de instrumentos, realizando, ainda entrevistas com músicos e artesãos” (idem: 105).

Além dele, foi em 1977 que se realizou também o projeto “Artesanato indígena no
Centro-Oeste”, “em que os pesquisadores do CNRC realizaram pesquisas de campo entre os
Krahos, os Bororos, os Kadiweus e os Xavantes. Dessas viagens, resultaram cinco relatórios

218
Naquele momento, em que o país ensaiava um gradual processo de abertura política, em que “o poder
mudava de mãos” (Falcão, 2003: 250), AM termina por assumir cada vez mais o “agir dentro do governo”
(2003: 251). Para Joaquim Falcão, é o próprio clima de mudança que aproxima AM da área da administração
cultural (idem: 248) – a possibilidade de atuar no processo de transformação do país. Em suas palavras, “o
problema já não era mais conservar ou mudar. Tínhamos avançado. Era: o que mudar, como mudar e,
sobretudo, em que direção. Paradoxalmente, a tarefa da mudança não era exclusiva da oposição. Unia, numa
diversidade rica, conflitada e conflitante, a imensa maioria dos brasileiros: tanto no governo quanto na
oposição” (idem).

300
em que se descreve a relação do modo-de-vida das tribos com a atividade artesanal, e um
acervo de fotografias e peças etnográficas. A pesquisa também buscava apreender as formas
em que se organizava a vida social das tribos observadas, assim como as conseqüências dos
contatos inter-tribais e inter-étnicos para a organização dessas comunidades. Foi
desenvolvida com a participação de pesquisadores do Museu Nacional e de colaboradores
contratados” (idem: 102).

“Artesanato como referência cultural” “tinha por objetivo traçar uma ampla
sistemática que mapeasse a atividade artesanal no Brasil, considerando as diversas
vinculações que ela estabelecia com as circunstâncias históricas, sócio-culturais e
econômicas brasileiras” (idem: 102-103). Ainda “em 1977, o CNRC realizou o documentário
cinematográfico “Brinquedos populares do Nordeste”, sobre a fabricação e comercialização
de brinquedos populares” (idem: 103) na região; “Programa ecológico e cultural do complexo
industrial-portuário de SUAPE”, projeto realizado em parceria com a Secretaria de
Planejamento de Pernambuco (SEPLAN/PE), a executado pelo Instituto de Desenvolvimento
de Pernambuco (CONDEPE), “objetivava estabelecer parâmetros para a preservação e o
aproveitamento das características ambientais e culturais da região, do seu patrimônio
paisagístico e arquitetônico, a fim de diminuir os impactos negativos da instalação de um
novo complexo portuário para o Estado de Pernambuco” (idem: 104).

É curioso notar que desde a criação do CNRC, em 1975, AM tem presença constante
em jornais e revistas de grande circulação. Alguns títulos das matérias com e/ou sobre ele são
significativos para percebermos as discussões em que estava envolvido, à época. Em 30 de
abril de 1975, o “Diário de Pernambuco” publica matéria intitulada “Aloisio fala de plano
para defesa da cultura”; em 17 de agosto, o “Jornal de Brasília” publica “Aloisio Magalhães –
por um museu da cultura brasileira”; em 05 de outubro, o mesmo jornal publica “Aloisio
Magalhães – o design sem formalismos”; em 24 de outubro, o “Jornal do Brasil” publica
““Designer” se queixa dos valores estranhos à identidade nacional”; e, finalmente, em 08 de
dezembro, a revista “Visão” publica “As novas funções do design brasileiro”.

No ano seguinte, diminui a sua presença na imprensa. Entre o material encontrado,


há uma matéria publicada pelo “Jornal de Brasília” em 18 de janeiro, sob o título “Aloisio
Magalhães e Fausto Alvim (em busca dos elos perdidos)” e outra, publicada pelo “Correio
Braziliense”, em 03 de outubro, sob o título “Aloisio Magalhães: pensando o Brasil”.

301
Em 1977, além do depoimento na Arte Vogue n. 1, AM dá um depoimento na revista
“Produto e Linguagem”, editada pela ABDI em ocasião do aniversário de 15 anos da ESDI.
Além desses dois depoimentos, publicados no âmbito mais restrito do design, cresce
novamente a presença de AM na imprensa de grande circulação. Nesse ano, as matérias
organizam-se em torno do CNRC e, mais precisamente, do projeto sobre o caju, desenvolvido
pelo órgão. Esse projeto, bastante comentado na imprensa, sintetiza, em sua proposta,
algumas das questões centrais para o Centro.

“Menina dos olhos de Aloisio Magalhães, o projeto “Estudo multidisciplinar do


caju” contou com a participação de Gilberto Freyre219 – que redigiu o documento “O caju, o
Brasil e o homem” (Freyre, s/d). “Tendo como objetivo geral o estudo multidisciplinar do
caju (fruta nativa), através da captação de informações sobre a realidade sócio-econômica-
cultural que envolve o plantio, a colheita e a industrialização deste produto, a pesquisa
procura inicialmente detectar sua função em diferentes contextos – antropológico, químico,
nutricional, artístico etc” (CNRC, 1979a: 24). Desse modo, o projeto levantou a bibliografia
existente sobre o tema, e organizou seminários interdisciplinares220, onde se discutia as

219
Sobre as relações entre Gilberto Freyre, deve-se considerar, antes de mais nada, que Freyre era amigo da
família Magalhães. Mas através do projeto do caju, fica patente uma aproximação mais direta entre ele e AM.
Além da participação via projeto sobre o caju, uma matéria dos Diários Associados, assinada por Gilberto
Freyre, comenta a criação do CNRC. Referindo-se à fala do “designer” Aloisio Magalhães durante o Seminário
de Tropicologia do Recife de 1975, Freyre festeja a notícia de criação do Centro, dada por AM em meio à sua
fala. Assinala que um centro de referência cultural “é assunto que se relaciona com o também atualíssimo
problema – problema mais amplo – da chamada “estrutura do saber”. O problema de como se procura, em
modernas sociedades ou em modernas culturas, adquirir saber – ou saberes – interrelacioná-los e aplicá-los à
interpretação e à possível orientação, ou reorientação, de realidades concretas mas desorientadas ou
desarticuladas” (Freyre, 1975). Percebe que “há uma notável coincidência entre esses objetivos e os propósitos
com que, no Recife, e pioneiramente, surgiu há meio século o Movimento Regionalista. Trabalhista, e, ao seu
modo, Modernista” (idem). Segundo ele, as questões que serviram de base para a criação do CNRC eram as
mesmas que orientaram o movimento regionalista.
220
No relatório técnico n. 22 do CNRC, documento encontrado nos arquivos do IPHAN, em Brasília, estão
resumidas as “Conclusões do primeiro seminário interdisciplinar sobre o caju”, realizado em convênio entre o
CNRC e o Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, em Recife, de 29 a 31 de agosto de 1977. Entre as
razões para a realização do trabalho, se seguem: “a) o caju desempenha um papel importante e significativo no
contexto sócio-econômico e cultural do Brasil de hoje, especialmente no Nordeste; b) o caju é uma fruta
originária do Brasil, utilizada pelos aborígenes muito antes da chegada dos portugueses; c) o caju abrange uma
ampla gama de dimensões significativas da vida sócio-econômica e cultural, que vão desde os aspectos
químicos e nutricionais até os artísticos e antropológicos; d) o caju apresenta um potencial de utilização ainda
não totalmente compreendido; e) um estudo do caju, levando em consideração sua permanência e importância
em algumas de nossas comunidades mais representativas, poderá oferecer uma boa oportunidade de
interrelacionar dinâmicas “técnicas” e “culturais”” (CNRC, 1977: 01). Segundo o documento, participaram do
encontro: “Gilberto Freyre, sociólogo e antropólogo, IJNPS (autor do documento básico de trabalho da
reunião); Aloisio Magalhães, designer, CNRC; Nelson Chaves, nutricionista, UFPE; Mário Souto Maior,

302
diversas implicações e aplicações do caju para a cultura e economia brasileiras. Além de
pesquisar sobre a fruta e suas capacidades produtivas, o projeto buscava “conjugar o
levantamento de dados a uma prática efetiva no sentido de chamar atenção para o potencial
de utilização do caju” (1979a: idem)” (Anastassakis, 2007: 107).

É notável também o aumento de atenção da imprensa carioca para o que, até então,
havia sido noticiado majoritariamente pelas imprensas recifense e brasiliense. Em 05 de
janeiro, “O Globo” publica “Aloisio Magalhães e o Centro Nacional de Referência Cultural.
O produto brasileiro começa a ter desenhada a sua fisionomia”; em 01 de setembro, o “Diário
de Pernambuco” publica “Instituto Joaquim Nabuco encerra debate sobre importância do
caju”; em 05 de setembro, o “Jornal do Brasil” publica “Seminário do caju denuncia
desinteresse da indústria por fruto tão brasileiro”; em 24 de outubro, publica também “Centro
Nacional de Referência Cultural – uma arma contra a desintegração do perfil brasileiro”.

Na entrevista, em “O Globo” de 05 de janeiro de 1977, AM comenta os motivos que


levaram à criação do CNRC: “a partir das décadas de 50 e 60 começou a observar-se uma
série de fenômenos curiosos de insatisfação, atingindo todas as áreas do comportamento do
homem ocidental. Uma espécie de fastio, monotonia, achatamento de valores causado pelo
próprio processo de industrialização muito acelerado e sofisticado. Os países mais
sofisticados em termos de desenvolvimento começaram com uma série de indagações e
perplexidades. De repente você vê homens como Robert McNamara, Presidente do Banco
Mundial, perguntando-se aonde o processo de industrialização desordenada levará os países
mais atrasados, e até que ponto persistirá sempre uma defasagem entre países ricos e pobres.
Como tentativa de resposta, há muito pouca coisa em todo o mundo. Há coisas como o Clube
de Roma, que financiou três grandes projetos de estudos científicos nos últimos cinco anos.
Além disso, grupos como o de Edgar Morin também se preocupam com o assunto. Enfim, os
problemas existem, e há algumas análises no sentido de compreender o mundo de maneira
diversa da atual e de formular alterações e transformações no sistema” (1997: 115).

folclorista, IJNPS; Gilberto Osório de Andrade, geógrafo, IJNPS; Clóvis Nóbrega de Lima, empresário,
Indústrias Alimentícias Maguary S.A.; Edson Nery da Fonseca, documentalista, UnB; Oswaldo Gonçalves de
Lima, biólogo, UFPE; José Jesus de Moraes Rego, da assessoria do Ministro da Agricultura; Frederico
Eduardo Pernambucano de Mello, historiador, IJNPS; Fausto Alvim Jr., matemático, CNRC e UnB” (1977: 02).

303
Associando o processo de industrialização à “diminuição de caracteres próprios das
culturas” (idem), AM aponta para os perigos de “diminuição e perda de valores próprios pela
aceitação de valores mais universais” (idem). Segundo ele, “esses fatores todos provocaram
a idéia de criação do Centro, que nasceu de longas conversas, em Brasília, de um grupo
muito pequeno de pessoas com responsabilidades diversas. Diante desses problemas essas
pessoas começaram a refletir sobre a possibilidade de agir sobre eles. Existe um ponto que
deflagrou a criação do Centro. Foi uma pergunta que o Ministro Severo Gomes me fez a
respeito do produto brasileiro. “Por que não se reconhece o produto brasileiro? Por que ele
não tem uma fisionomia própria?”. Minha resposta mais imediata foi que, para se criar uma
fisionomia própria de uma cultura é preciso antes de mais nada conhecer a realidade desta
cultura em seus diversos momentos” (idem: 116).

Assim, “em meados de 1975 fundei e continuo dirigindo o Centro Nacional de


Referência Cultural, em Brasília, cuja finalidade é registrar e impulsionar atividades
culturais caracterizadas por seus bens culturais vivos. Como bens culturais vivos entendo o
trato da matéria-prima, as formas de tecnologia pré-industrial, as formas do fazer popular, a
invenção de objetos utilitários. Enfim, toda uma gama de atividades do povo que, a meu ver,
deve ser tomada como bens culturais” (idem: 120).

Para AM, ficou claro com os primeiros projetos do Centro que “o país perde em
autenticidade na medida em que importa tecnologia” (idem: 224). Assim, para ele, é preciso
observar as situações em que ocorre o que ele nomeia de ‘tecnologia da sobrevivência’ –
processos intuitivos em que os homens de determinadas regiões com pouco acesso ao que
poderia se chamar de tecnologia elaborada encontram formas de fazer profundamente
inventivas (idem: 232). Essas “soluções inconvencionais, soluções de tecnologias alternativas
curiosíssimas” (idem: 233) que “não estão sendo levadas em conta” (idem).

“Exemplo concreto: existe no Nordeste, praticamente do Ceará até Alagoas, um


processo industrial – eu chamo industrial no sentido de certa complexidade tecnológica – que
é feito em cima da reciclagem do lixo industrial, do pneumático. Ele chegou a um nível de
elaboração tal que já tem duas fases: a do sujeito que recupera do pneu uma nova matéria-
prima e a do sujeito que compra essa matéria-prima e faz os seus produtos, os seus artefatos.
Equipamentos feitos por eles, entendem? O distensor é maravilhoso para abrir as lonas, os

304
instrumentais são todos criados pela prática. E representa uma economia curiosíssima. O
principal produto desse fazer é um depósito de lixo, em três tamanhos” (idem).

A partir dessa perspectiva, que considera “o artesanato como a tecnologia de ponta


de um contexto em determinado processo histórico” (Londres, 2003: 237), AM “desconstrói a
noção de autenticidade, fruto de uma atitude paternalista de agentes externos, e aponta
caminhos para intervenções que respeitem essa dinâmica, única possibilidade, segundo ele,
de manter vivas atividades que, muitas vezes, constituem a maior riqueza de comunidades
carentes” (idem). Em uma fala ao Conselho Federal de Cultura, em 08 de novembro de 1977,
AM discute algo que parece ser central em toda essa discussão, o “problema da dependência”
(1997: 53), propondo que “a conscientização e uso adequado de nossos valores é a única
maneira de nos contrapormos, oferecendo alternativas nossas, à inevitável velocidade de
transferência cultural entre nações no mundo de hoje” (idem). Assim, “relembrar a
importância do processo cultural a partir de nossas raízes não representa uma aceitação
submissa e passiva dos valores do passado, mas a certeza de que estão ali os elementos
básicos com que contamos para a preservação de nossa identidade cultural” (idem).

Assim, se observarmos algumas das falas do pernambucano pronunciadas ao longo


do ano de 1977, notadamente a de novembro de 1976 no encontro sobre artesanato, em
Recife; a de 05 de janeiro de 1977 no Jornal “O Globo”; a de maio de 1977 na revista “Arte
Vogue”; a do início do segundo semestre do ano, durante o evento comemorativo de quinze
anos da ESDI; e o pronunciamento ao Conselho Federal de Cultura, em 08 de novembro,
delineiam-se os limites mais amplos em que se inserem as discussões levadas a cabo por ele.

Apresentadas em uma série de contextos distintos, seja para uma platéia de


designers, seja para um público ligado ao artesanato, seja para gestores de políticas públicas
de educação, seja para o grande público, via veículos de informação, tais como revistas e
jornais de grande circulação, as questões aí debatidas parecem tanto querer inserir o design
em uma discussão mais ampla, que teria a ver com uma especificidade cultural brasileira,
ligada, segundo ele, às idéias de inventividade, criatividade, quanto provocar no circuito do
design uma reflexão sobre as implicações, para a disciplina, de um comprometimento com os
valores culturais, com a responsabilidade social que uma vez assumida poderia ampliar os
próprios limites da atuação dos designers.

305
Sobre essas questões, em resposta a uma pergunta do jornalista sobre a existência de
um design propriamente brasileiro, AM declara que “depende do que você queira dizer
especificamente, ou o que você chama de design. Se se trata do objeto industrial,
provavelmente em sua grande maioria refletem diretamente concepções estrangeiras, num
verdadeiro estilo internacional de gosto uniforme e já cansativo. Se por design se entende um
campo mais amplo que não envolva necessariamente processos industriais sofisticados e seja
o produto de um trato artesanal ou pré-industrial, muitos são os objetos que se poderão
considerar autenticamente brasileiros” (idem).

O processo que parece surgir como conseqüência direta das reflexões acima citadas -
mais diretamente implicado com a identificação, no território nacional, de manifestações
concretas onde aquela inventividade brasileira estaria manifesta, logo, observável e passível
de registro e disseminação -, leva à criação do CNRC, órgão diretamente vinculado à proposta
de valorização da identidade cultural nacional, entendida como processo que pode influenciar
no encaminhamento do desenvolvimento sócio-econômico do país.

Nessa perspectiva, o design, entendido como mais próximo ao modo-de-fazer


brasileiro, é chamado a atuar socialmente, assumindo a responsabilidade de parte desse
processo, que implicaria em uma vinculação de um projeto de desenvolvimento a uma
compreensão do todo cultural. Esses tópicos são abordados por AM, ainda em 1975, ano em
que cria o CNRC. Em uma entrevista ao “Jornal de Brasília”, o pernambucano afirma que
“para ele, o design tende a se dirigir no sentido de uma menor preocupação com formalismos
e maior integração e participação de valores globais que cercam o homem social,
interferindo diretamente na qualidade da vida” (Magalhães, 1975b).

De um impasse a Fábrica da Pompéia: Lina Bo Bardi de volta à cena

A consideração da adaptação da atividade do design ao contexto brasileiro também é


intensamente discutida por LBB entre os anos de 1975 e 1977. No texto citado por AM

306
(“Planejamento Ambiental – “Desenho” no impasse”221, publicado no início de 1976, na
revista “Malasartes”), a italiana parece reagir às ‘tímidas conclusões’ do XII Congresso
Mundial de Arquitetos, realizado em Madrid em maio de 1975. No congresso, dedicado à
ideação e à tecnologia na arquitetura, formulou-se uma crítica ao movimento moderno e
valorizou-se as experiências com alta tecnologia (Grinover, 2010: 193). Em seus comentários,
LBB condena a avalanche-câncer da desorientação (apud Grinover e Rubino, 2009: 137), que
toma como superado o compromisso do movimento moderno arquitetônico face à
coletividade. Sua preocupação é com uma revisão do movimento moderno feita de forma
acrítica, inocente: uma recusa em bloco que tudo engloba.

Posicionando-se de forma crítica sobre alguns dos desdobramentos históricos do


movimento moderno (Lima, 2007: 10), LBB, ao mesmo tempo em que se distancia de uma
certa linguagem moderna, termina por se opor também a certos pressupostos do pós-
modernismo em arquitetura, que ela nomeava de “Post-Modern, que pode ser definido como
Retromania” (Bardi, apud Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1999: 38). Essa “Retromania”, ou
o equívoco europeu do Post-Modern, que, segundo ela, nascera no Estados Unidos, além de
reacionário a anti-atual, confundia o verdadeiro sentido da história, com seus duvidosos
retornos ao academicismo (idem). Seu posicionamento face às discussões levadas a cabo a
partir dos anos 1960 era de que “a arquitetura não devia deixar de lado as expressões
culturais locais, posição que (entre os anos 50 e 60) encontrou grande resistência num país
que se modernizava, incluindo a do seu próprio marido, de Chateaubriand e de muitos
arquitetos brasileiros” (Lima, 2007: 27).

Para LBB, o credo de regeneração através da arte, postulado da Bauhaus, revelou-se


mera utopia. Mas, a grande idéia fundamental do movimento moderno, a planificação, é vista
por ela como uma conquista básica que não deve ser descartada. Por essas questões, “a tarefa
do “atuante” no campo do “desenho” é, apesar de tudo, fundamental” (Bardi, apud Grinover

221 221
Posteriormente, o texto foi republicado, de forma ligeiramente modificada, na coletânea de textos
“Tempos de grossura: o design no impasse”, com o título de “Um balanço dezesseis anos depois”. Os dezesseis
anos referem-se ao intervalo entre 1964, quando LBB deixa a Bahia, e 1980, quando começa a preparar o livro
com a colaboração de Isa Grinspum Ferraz. Em 1981, LBB interrompe os trabalhos, que são retomados pela
equipe do Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, em 1994, sob a coordenação editorial de Marcelo Suzuki. Em nota
prévia, Suzuki defende a atualidade do livro, colocando que “se o “design” está em voga, segue sendo assunto
de responsabilidade civil do desenhador!” (Suzuki, in Bardi, 1994: 09). A versão original foi republicada em
2009, no livro “Lina por escrito”, organizado por Marina Grinover e Silvana Rubino.

307
e Rubino, 2009: 138). Nas suas palavras, “a arte não é tão inocente: a grande tentativa de
fazer do desenho industrial a força regeneradora de toda uma sociedade faliu e transformou-
se na mais estarrecedora denúncia de perversidade de um sistema. A tomada de consciência
coletiva de mais de um quarto da população mundial, aquela que acreditou no progresso
ilimitado, já começou. A desmistificação do design como arma de um sistema, a procura
antropológica no campo das artes contra a procura estética, que informou todo o
desenvolvimento da cultura artística do Ocidente desde a Antiguidade até as vanguardas,
está em curso, num debate lúcido que exclui a volta a situações romântico-artesanais, à visão
de Ruskin e Morris; um reexame de história recente do “fazer nas artes”. Não uma recusa
em bloco, mas um cuidadoso processo de revisão” (idem: 137-138).

O problema, para LBB, é fundamentalmente político-econômico. Em sua crítica, ela


condena a eliminação da realidade coletiva em nome da estética, pois, a seu ver, a arte é
sempre uma operação política. Trata-se de uma busca por liberdade, que só é verdadeira
quando coletiva. Essa liberdade ciente da realidade social deve transpor as fronteiras da
estética, que ela define como sendo o campo de concentração da civilização ocidental.

A atitude assumida pelos arquitetos presentes no congresso de Madrid em 1975,


reação ao fracasso tecnocrático, é definida por LBB como um suicídio romântico do não-
planejamento. Ela propõe um contra-ponto a essa visão, quando formula a idéia de um
planejamento ambiental que abarcaria urbanismo, arquitetura, desenho industrial, bem como
outras manifestações culturais. Em suas palavras, “uma reintegração, uma unificação
simplificada dos fatores componentes da cultura” (idem: 139).

Em seguida, traz à discussão a tomada de consciência coletiva em relação ao


planejamento ambiental para o contexto brasileiro, problematizando a situação do “país de
estrutura capitalista dependente, onde a revolução nacional democrático-burguesa não
conseguiu se processar, que entra na industrialização com restos de estruturas oligárquico-
nacionais” (idem). Entrando em último na história da industrialização, portando elementos da
pré-história e da África, o Brasil traz todas as contradições do grande equívoco ocidental,
contradições essas que se apresentam no país de forma violenta.

“A industrialização abrupta, não planificada, estruturalmente importada, leva o país


à experiência de um incontrolável acontecimento natural, não de um processo criado pelos
homens. Os marcos sinistros de especulação imobiliária, o não planejamento habitacional-

308
popular, a proliferação especulativa do desenho industrial: gadgets, objetos na maioria
supérfluos, pesam na situação cultural do país, criando gravíssimos entraves,
impossibilitando o desenvolvimento de uma verdadeira cultura autóctone. (...) O reexame da
história recente do país se impõe. O balanço da civilização brasileira “popular” é
necessário, mesmo se pobre à luz da alta costura. Este balanço não é o balanço do folclore,
sempre paternalisticamente amparado pela cultura elevada, é o balanço “visto do outro
lado”, o balanço participante. (...) Esta urgência, este não poder esperar mais, é a base real
do trabalho do artista brasileiro, uma realidade que não precisa de estímulos artificiais, uma
fartura cultural ao alcance das mãos, uma riqueza antropológica única, com acontecimentos
históricos trágicos e fundamentais. O Brasil se industrializou, a nova realidade precisa ser
aceita para ser estudada” (idem: 140-141).

LBB está interessada em discutir as opções culturais no campo do desenho industrial,


que a seu ver podiam ter sido outras, mais aderentes às necessidades reais do país (idem: 141),
se o levantamento cultural do pré-artesanato tivesse sido feito antes de o Brasil ter avançado
em direção a um capitalismo dependente. Sobre a idéia de pré-artesanato222, propõe que “a
“volta” a corpos sociais extintos é impossível, a criação de centros artesanais, a volta a um
artesanato como antídoto a uma industrialização estranha aos princípios culturais do país é
errada. Porque o artesanato como corpo social nunca existiu no Brasil, o que existe é um

222
Zeuler Lima entende que “pré-artesanato foi o termo que ela cunhou para evitar problemas com a definição
tradicional de folclore e para descrever a habilidade dos leigos e pessoas simples para gerar formas estéticas
face à privação material e à revelia dela. Essa terminologia tinha forte significado histórico e político e foi uma
das forças por trás da definição de arquitetura pobre, uma arquitetura feita com meios simples. Lina Bo Bardi
dizia que o Brasil não tinha a tradição técnica e artística do artesanato como a Itália. Ela via no talento
intuitivo e espontâneo dos despossuídos a fonte mais autêntica para a constituição de um design genuinamente
brasileiro” (2007: 64). Eduardo Pierrotti Rossetti pontua que, de início, a discussão de LBB sobre o artesanato
busca marcar as possíveis diferenças entre artesanato e folclore, seja em termos de inserção social, finalidade e
qualidade técnica da produção popular (2002: 29). Elaborando uma argumentação que interpola aspectos do
discurso de Antonio Gramsci (cuja obra LBB teria conhecido ainda na Itália, no imediato pós-guerra (2002: 90)
as preocupações da esquerda brasileira (Rossetti, 2002: 29), LBB define artesanato como uma categoria de
manifestação popular, ao passo que o folclore seria a apropriação estatal dessa produção (idem: 30). Assim, o
artesanato estaria intimamente vinculado às condições sociais que condicionam a produção popular. Segundo
essa diferenciação, ela entendia que não existia artesanato no Brasil, existiria, sim, folclore e, também, um pré-
artesanato. Marcelo Suzuki defende que “sua visão do pré-artesanato tem muito do sentido de se demonstrar a
inteligência e a capacidade criativa para superar dificuldades, de forma tal que dessa demonstração pudesse
nascer um caminho próprio, brasileiro, para o país se desenvolver. É com esse sentido que Lina contestava as
proposições da indústria contemporânea onde a obsolescência dos produtos estava sendo substituída pelo
descartável, no consumismo de inutilidades e supérfluos como gadgets, a hipocrisia intelectual contida nas
expressões kitsch e folklore” (2010: 268).

309
pré-artesanato doméstico esparso, o que existiu foi uma imigração rala de artesãos ibéricos
ou italianos e, no século XIX, manufaturas. Artesanato, nunca” (idem).

Quando menciona o ‘levantamento cultural do pré-artesanato’, a italiana se refere às


tentativas levadas a cabo por ela na Bahia, entre o fim da década de 1950 e o início da década
de 1960, e, mais precisamente, ao seu projeto de uma escola superior de desenho industrial e
artesanato, que, vinculada a um centro de documentação e à SUDENE, uniria estudantes
universitários e mestres artesãos em busca de outras possibilidades para o desenvolvimento de
um desenho industrial no país223.

Assim, a discussão sobre as “opções culturais do desenho industrial” (Bardi, apud


Grinover e Rubino, 2009: 141), que envolve uma proposta de reconsideração das categorias
com que se classifica a produção popular, lançada por LBB em 1976, é paralela ao início de
uma revisão de sua passagem pela Bahia224, ocorrida entre 1958 e 1964. Nessa direção, ainda
em 1977, a arquiteta publica, na revista “Arte Vogue” n. 2, editada por seu marido, P. M.
Bardi, o artigo “A mão do povo nordestino”, em que apresenta, ao longo de 18 páginas
repletas de fotografias, o seu trabalho à frente do Museu de Arte Moderna da Bahia.

Neste artigo, além de relatar parte de sua experiência na Salvador dos anos 1960, ela
discute mais uma vez a relação artesanato/industrialização - artesanato aqui entendido como
um termo problemático, na medida em que aproximaria a produção material popular da idéia
de folclore, tão fortemente contestada por ela225. Assim, segundo LBB, se o MAMB,
“fundado em janeiro de 1960, teve que enfrentar, desde o começo, a hostilidade duma “classe
cultural” constituída em moldes provincianos, a “celebridade nacional” de artistas reunidos
em grupos folclorísticos, e a imprensa local” (Bardi, 1977b: 53), ela buscava se diferenciar

223
Nesse sentido, Marcelo Suzuki sugere que “uma das possibilidades contidas no projeto de Lina é que se
desenvolvesse uma linguagem de design – que talvez nem passasse pela mesma trajetória do industrial design –
partindo de uma matéria mais bruta, menos lapidada, e que daí surgisse algo totalmente diferente” (2010: 269).
224
Para uma análise da passagem de LBB pela Bahia, ver também Risério (1995).
225
Se essa era uma categoria já problematizada na Itália, aqui também parece ser importante para LBB marcar
que a sua perspectiva se distingue daquela adotada pelos estudos de folclore, que durante os anos de 1947 a 1964
mobilizaram uma série de intelectuais em torno do que se convencionou chamar de movimento folclórico
(analisado por Luís Rodolfo Vilhena em sua pesquisa de doutorado, que resultou no livro “Projeto e Missão: o
movimento folclórico brasileiro (1947-1964)”, publicado em 1997.

310
dessa ‘classe’, associando-se a pessoas e instituições que compreendiam a produção popular
nordestina como motor propulsor de um novo modelo de desenvolvimento.

Chegando à Bahia depois de ter ensaiado articular uma série de iniciativas de


exercício e ensino de design e arquitetura em São Paulo, ela busca no contexto baiano uma
alternativa ao que havia encontrado na capital paulista. Nesse sentido, afirma que assumiu a
direção do museu baiano acreditando que, com as possibilidades do Norte do país, “a inércia
do Sul podia ser superada” (idem)226.

Entre os fatores que contribuíram para “um possível desenvolvimento da Bahia como
centro nacional de cultura” (idem) naquele momento, ela cita a existência de uma
universidade em expansão e de uma classe estudantil que caminhava no sentido de uma
tomada de consciência cultural face ao caráter profundamente popular da Bahia e de todo o
Nordeste, o fato de o provincianismo cultural estar resumido a uma classe dirigente limitada,
assim como toda a movimentação cultural da cidade naquele momento, que girava ao redor de
nomes como Martim Gonçalves, Trigueirinho, Glauber Rocha, Koellreuter, entre outros.

Seu projeto para o conjunto do Unhão, onde o museu veio a ser instalado em março
de 1963, comportava um Museu de Arte Popular, oficinas, “um centro de documentação de
arte popular (não folclore) e um centro de estudos técnicos, visando à passagem de um pré-
artesanato primitivo à indústria, no quadro de desenvolvimento do país. Em novembro do
mesmo ano o Museu inaugurava a I Grande Exposição de Arte Popular do Nordeste e a
Exposição Nordeste, coletiva de artes plásticas dos artistas da Bahia, Ceará, Pernambuco, e
do Centro de Cultura Popular do Recife. O Museu de Arte Popular do Unhão pertencia ao
Museu de Arte Moderna da Bahia e tinha como programa o levantamento do artesanato (pré-
artesanato) popular de todo o país” (idem: 54).

Observando os dois artigos referidos acima, fica claro que a discussão levantada por
LBB entre 1976 e 1977 tem ligação direta com a sua experiência na Bahia durante os anos
1960. Se em decorrência do golpe militar de 1964 ela teve que se afastar do MAMB e de

226
É importante também considerar o seu deslocamento de São Paulo para Salvador, no fim da década de 1950,
está provavelmente ligado a uma frustração face às possibilidades de inserção da arquitetura e do desenho
industrial no processo produtivo paulista. Mais tarde, como relembra Marcelo Suzuki, ela diria, inclusive, que
“São Paulo era o maior responsável pelo golpe de 64” (2010: 158).

311
Salvador227, e entre os anos de 1964 e 1975 ela permanece em um retiro forçado, em meio aos
anos de reclusão ela ensaia, em mais de uma ocasião, rever criticamente a sua passagem pela
Bahia, retomando as propostas lançadas à época e rediscutindo, em torno delas, as
possibilidades de enfrentamento dos problemas decorrentes do processo de industrialização
abrupta, sofrido pelo país.

A primeira das tentativas de retomar as questões articuladas na Bahia nos anos


sessenta tem lugar assim que ela retorna a São Paulo, no ano de 1965, quando começa a
planejar a exibição da “Exposição Nordeste” – que inaugurara o Museu de Arte Popular no
Solar do Unhão - em Roma. Entretanto, a exposição foi proibida de ser apresentada na capital
italiana, segundo ordens do governo brasileiro executadas pela representação brasileira na
Itália. Na ocasião, “Bruno Zevi228, seu companheiro de edição da revista “A” saiu
internacionalmente em seu socorro, publicando aqui e na Itália o artigo “A arte do povo
apavora os generais” (o artigo foi publicado em português na “Revista da Civilização
Brasileira”)” (Rubino, 2002: 98).

227
Segundo Rubino, em 1964, “como fazia também o projeto do MASP para a Paulista – e porque, segundo ela,
os aviões da Panair eram muito baratos -, ausentou-se de Salvador diversas vezes, vindo para São Paulo.
Freqüentemente, devido a desentendimentos com Pietro Maria Bardi, retornava a Salvador antes do prazo
previsto. Foi em um desses retornos que encontrou o MAM, ou seja, o Teatro Castro Alves, ocupado por uma
exposição intitulada “Material Subversivo”, mostra promovida pelo governo do Estado na figura do
Governador Lomanto Júnior, o sucessor de Juracy Magalhães. “Mio museo” teria dito, antes de entrar em
conflito com seu assistente, o pintor Sante Scaldaferri, que não conseguira impedir a instalação da mostra e os
canhões que foram transferidos da base de Amaralina para a entrada do teatro-museu. Passou algum tempo na
Bahia portando consigo uma carta pessoal de Juracy Magalhães, como se esta pudesse ser um salvo-conduto,
até perceber que o ex-governador, a quem já se dirigira como “o tenente da revolução de 1930” talvez
precisasse, também ele, na mudança político-institucional do país, de um salvo-conduto. As informações sobre o
que se seguiu são dispersas. Talvez tenha sido salva de alguma repressão por Odorico Tavares, talvez o
governo recém-empossado não ousasse prender a esposa do diretor do MASP, amiga de Assis Chateaubriand.
O fato é que pediu demissão de seus cargos e deixou Salvador. Voltou de Salvador em 03 de agosto do mesmo
ano, para a Casa de Vidro” (2002: 95-96).

Sobre o momento do golpe militar, Zeuler Lima conta que “Lina Bo Bardi já estava em São Paulo em 31 de
março de 1964, quando o golpe militar ocorreu. Em uma longa carta escrita a Bruno Zevi quatro meses mais
tarde, ela o lembrava de que ela tinha estado, naquele dia, dando uma palestra na Universidade de São Paulo
sobre a criação do Museu de Arte Popular de Salvador” (2007: 73).
228
Antes de chegar ao Brasil, LBB trabalhara com Bruno Zevi na revista “A”, criada em 1945, em associação
entre os dois, Carlo Pagani e PMB. LBB e Pagani haviam colaborado com Giò Ponti nas revistas “Lo stile” e
“Domus” no início da década. A revista bi-semanal, criada por LBB, Pagani, Zevi e Bardi, era dedicada aos
esforços de Reconstrução, depois do fim da II Guerra. Editada pela Editoriale Domus, foi lançada no primeiro
semestre de 1946. Depois do lançamento, passou a se chamar “A – Cultura della vita” (Lima, 2007: 12).

312
Ainda quanto às tentativas de retomar o debate iniciado em Salvador no início dos
anos 1960, é bastante significativa a sua participação na revista “Mirante das artes e etc”229,
entre os anos de 1967 e 1968. Dirigida por P. M. Bardi e editada pelo MASP, a revista contou
com artigos de LBB em todos os seus seis números. Foi nessa revista que LBB publicou o
texto “Cinco anos entre os brancos: O Museu de Arte Moderna da Bahia”, onde inicia, de
fato, o processo de revisão de sua passagem por Salvador.

Em 1968, é inaugurada230 a nova sede do MASP na Avenida Paulista, edifício que


“inscreve Lina, definitiva e inequivocamente, no campo da arquitetura moderna brasileira”
(idem). Segundo Rubino, “a inauguração do MASP da Avenida Paulista foi um momento de
consagração para a cúpula do museu; Lina inscrevia-se no campo, passando a fazer parte da
rarefeita historiografia da área, em São Paulo, e não simplesmente como mulher de Bardi,
uma vez que o edifício do museu se impôs incontestavelmente naquela paisagem urbana”
(idem: 102). Na ocasião, LBB monta a exposição “A mão do homem brasileiro”, “a mesma já
mostrada no Nordeste, a mesma que tentou ir para a Itália, mas com uma sutil diferença na
abordagem, desta feita mais épica, coreográfica, celebradora” (idem: 98).

“Com esta exposição, que retomou a “Bahia no Ibirapuera”, a “Exposição


Nordeste” e possivelmente a mostra fracassada de Roma, Pietro Maria Bardi inaugurou o
MASP sem a presença de Assis Chateaubriand que havia falecido pouco antes. Os mesmos
objetos – ex-votos, fifós, redes, instrumentos, peças utilitárias etc. – das mostras anteriores
foram expostos no ponto mais privilegiado da Avenida Paulista. A exposição era menos
cenográfica do que a que trouxe a Bahia ao Ibirapuera, mas não deixa de ter um dialogo
arrevesado, às avessas com a Bienal de São Paulo, que naquele ano tinha como sua principal
atração a arte pop, especialmente o trabalho do pintor americano Andy Warhol. A cultura
popular apropriada no museu mais importante do país pode ser lindo, em uma linha temporal
breve, como uma continuidade do que ela realizou desde a primeira vez que visitou a Bahia:
a valorização da produção do povo” (idem: 101).

229
Segundo Rubino, “a “Mirante das Artes” estaria para o MASP da Paulista como a “Habitat” estava para o
MASP da 07 de abril, não fosse, em primeiro lugar, a já consagração de um museu que não precisava mais se
explicar permanentemente; e, em segundo, o fato de sua escrita, como todo o resto, já não mais ocorrer em um
período democrático” (2002: 99).
230
Segundo Mauricio Chagas (2002: 83), esteve presente na inauguração a Rainha Elizabeth II, da Inglaterra.

313
Depois de ser consagrada como importante representante da arquitetura moderna
brasileira, LBB se envolve com a Aliança Nacional Libertadora (ANL) e Vanguarda Popular
Revolucionária (VPR), o que termina por lhe render um Inquérito Policial Militar231 e um
breve exílio (Rubino, 2002: 102). Em conseqüência desses eventos, LBB deixa de publicar
artigos em periódicos brasileiros, encontrando espaço na revista “L’Archittetura, cronaque e
storia”, editada pelo seu amigo Bruno Zevi na Itália (Grinover, 2010: 187).

Vivendo um período de retiro forçado, que se segue de 1968 até 1975, LBB ‘some’
de cena, ressurgindo, discretamente, em alguns momentos. Se alguns dos pesquisadores da
sua trajetória conseguem localizar algumas das coisas que ela teria feito durante esse período,
não se sabe com exatidão tudo o que LBB teria feito ao longo desses seis anos. Sobre o
período, Rubino levanta que “em 1973, uma notícia do “Diário de São Paulo” anuncia que
ela partira para Harvard para ensinar por um ano. Nessa ocasião ela afirmava ter dado
aulas em universidades brasileiras e também na Universidade de Roma. Há evidências de
que tenha passado pela Itália em 1973. (...) Foram anos de filmes - como “Prata
Palomares”, de André Faria, 1970 – teatro, figurinos e cenografia, de ligações com Zé Celso
Martinez Correia – com quem fez “Gracias señor” em 1971 – e Flávio Império. Sem
arquitetura ou arquitetos” (2002: 103).

Zeuler Lima confirma que, em 1973, LBB passou vários meses na Itália,
principalmente em Milão, onde moravam sua mãe e sua irmã. Segundo ele, a italiana teria
voltado ao Brasil em 1974, quando as acusações de subversão que se impunham contra ela se
abrandaram. Entretanto, ao retorno se seguiu uma fase sem encomendas de trabalho, em que,
por conseqüência, se intensificou seu estado depressivo. Segundo Suzuki, nesse período “Lina
já vinha adotando uma ligeira mudança de ponto de vista em relação à real possibilidade de
o país mudar” (2010: 272).

231
Segundo Rubino, “em 1968, o “grupo dos arquitetos”, denominação constante na documentação do
Departamento de Ordem Pública e Social (DOPS), teria pedido emprestada a Casa de Vidro para uma reunião
da VPR na qual estiveram presentes os foragidos Carlos Mariguella e Câmara Ferreira, da ANL, e Diógenes
José de Carvalho, da VPR. Segundo consta do processo, Bardi não sabia do encontro, cujo tema era a
unificação da ANL e VPR, e Lina tampouco esteve presente, permanecendo na biblioteca – que, vale observar,
fica contígua à sala. Lina foi processada pelo Segundo Exército, chegou a passar uma noite na prisão, de onde
foi retirada por Pietro Maria Bardi” (2002: 103).

314
Nesse ínterim, LBB passou a se relacionar mais intensamente com artistas, seja no
teatro, seja nas artes plásticas. Distanciada da arquitetura, continuava próxima do MASP, mas
não mais colaborava com o marido na curadoria e montagem de exposições (2007: 90).
Envolvida com o desenvolvimento de projetos cenográficos para teatro, nesse momento LBB
se aproximou de artistas como Flavio Império, José Celso Martinez Corrêa, Edmar de
Almeida e Rubens Gershman.

Somente entre 1975 e 1977 começam a surgir novas oportunidades de atuação para
a italiana, fora do circuito mais diretamente ligado ao teatro e ao cinema. Nesse movimento,
ela monta a exposição “Repassos”, no MASP, publica os artigos nas revistas “Malasartes”
(1976) e “Arte Vogue 2” (1977), e termina por ser convidada para construir uma igreja em
Uberlândia, Minas Gerais, além da nova unidade social e esportiva do Serviço Social do
Comércio (SESC)232 no bairro de Pompéia, em São Paulo. Nesses projetos, LBB iria
reintroduzir suas experiências e idéias anteriores em novos contextos (Lima, 2007: 92).

No texto de apresentação da exposição “Repassos”, de 1975, que se organizava em


torno da produção de tapeçaria religiosa do cerrado de Minas Gerais, LBB afirma que a
exposição (dedicada à Darcy Ribeiro e feita em parceria com Edmar de Almeida) está longe
de pretender expor “uma poética religiosa, da tapeçaria como arte dos exibicionismos
artísticos personalistas” (Bardi apud Ferraz, 1996: 200). Tampouco era “uma exposição
contra as conquistas da civilização ocidental, contra a industrialização e o “comfort”. Não é
uma exposição que apresenta a arte como consolo da miséria, como tranqüilizante das
consciências dos que não ‘precisam” (idem). Trata-se, antes de mais nada, de “uma pequena
contribuição à grande tomada de consciência coletiva que transcende as fronteiras nacionais
para entrar no debate internacional que denuncia a perversidade de um sistema que acreditou
no ‘industrial design’ como força purificante e sabe que não pode voltar à apologia de Ruskin
e Morris. Uma procura artística a nível antropológico, uma autocrítica a nível antropológico,
uma auto-crítica a nível coletivo (idem).

232
“O conjunto arquitetônico da Pompéia é comprado pelo SESC em 1971. Começa a ser utilizado pelos
usuários do SESC em 1973. Lina Bo Bardi, seus colaboradores (Marcelo Ferraz e André Vainer) e sua equipe
(formada por arquitetos, mestres de obra, operários e engenheiros) começam a desenvolver o projeto em 1977.
A restauração é entregue ao público em 1982. O bloco esportivo, inaugurado em 1986” (Bierrenbach, 2001: 52).

315
Segundo essa perspectiva, a produção das tecedeiras do cerrado mineiro é
considerada como “um contra-artesanato ciente de todas as possíveis mudanças, marcado
pelo esforço humano” (idem) em que “as técnicas de fiação, tecelagem e pintura, os
materiais ligados à natureza e não a sucedâneos, indicam apenas a possibilidade de uma
civilização que procura saídas que não são aquelas do ‘consumo’” (idem).

Ainda nesse ano, em dois textos produzidos no contexto dos projetos para a
comunidade de Camurupim, em Sergipe, LBB discute a posição do Brasil face às idéias de
progresso e civilização, tal como processadas pelo Ocidente. Afirmando que o Ocidente
estaria à beira de uma revisão total e que o Brasil, não fazendo parte do Ocidente, estaria -
“graças a Deus” (idem: 203) - fora do processo que, depois da Segunda Guerra Mundial,
levara o Ocidente a uma miséria moral, LBB comenta o que viu na beira do rio São Francisco,
em Propriá, na comunidade de Camurupim: “isso não é nem artesanato nem coisa nostálgica,
é coisa do povo, é um convite a um grande levantamento nacional para se pesquisar as
nossas verdadeiras necessidades” (idem). Entendendo como problemático o processo através
do qual o Ocidente terminou por separar as idéias de progresso e civilização, e que se o
Ocidente conquistou o progresso, o mesmo não ocorreu em relação à civilização, LBB sugere
que a opção ocidental de progresso, que deixa de lado a perspectiva, cara aos orientais, de
uma civilização profundamente ligada à observação respeitosa da Natureza, não sendo a
única, deixa, em contextos como o nosso, a opção de tentar fazer as coisas de forma diferente.

Em 1976, LBB “desenvolve um projeto para uma igreja vinculada aos


franciscanos em Uberlândia, através de mutirão e de materiais doados pela comunidade,
engajando-se numa experiência de simplificação condizente com seu discurso pós-Nordeste”
(Rossetti, 2007: 131). Enquanto desenvolvia o projeto da igreja, o Serviço Social do
Comércio de São Paulo convidou LBB a projetar um centro comunitário em no terreno de
uma antiga fábrica233 em um bairro de origem operária, na capital paulista. Assim, a proposta
pra construir um centro comunitário, cultural e esportivo para os trabalhadores do comércio
(Oliveira, 2006: 201), encomendada pelo SESC-SP, é o primeiro projeto de grande dimensão
que LBB recebe após o hiato profissional, vivido durante a ditadura militar.

233
Se, de início, o SESC cogitara demolir a fábrica, “depois de haver visitado a conversão da antiga fábrica da
Ghirardelli, em São Francisco, o então diretor do SESC, José Papa Júnior, voltou ao Brasil decidido a cancelar
o projeto de demolição e tirar partido do edifício como um centro de desportes e lazer” (Lima, 2007: 93).

316
Segundo Lima, “Lina Bo Bardi viu essa oportunidade com grande entusiasmo, por
causa das muitas analogias com seus planos para o Solar do Unhão e para o Museu de Arte
Popular de Salvador. Foi assim que ela voltou, com grande empenho, ao projeto
arquitetônico e às suas idéias sobre simplificação” (idem: 94). Assim, não somente o projeto
do SESC Pompéia terminou por consagrar definitivamente LBB234, reinventando a
personagem pública (Rubino, 2002: 104), mas, acima de tudo, serviu “como uma
oportunidade histórica para que ela revisitasse, reencontrasse e revisasse as idéias e os
experimentos que havia proposto em Salvador” (Lima, 2007: 106).

O projeto de restauro do conjunto foi realizado em duas partes, a primeira, que


durou de 1977 a 1982, envolveu as obras dos galpões; a segunda, que terminou em 1986,
envolveu a construção dos blocos esportivos e dos espaço anexos (Rossetti, 2007: 69).
Realizando o pressuposto moderno de projetar todas as escalas de projeto, no SESC Pompéia
LBB desenha “tanto o edifício, quanto o mobiliário, a iluminação, a comunicação visual, a
concepção museográfica até o cardápio do restaurante e a escolha dos pratos” (2007: 71), e,
além disso, fazendo do canteiro o local de projeto. “Assim, o SESC Pompéia se consubstancia
como a sua gesamtkunstwerk, a obra de arte total, concebida a partir de sua máxima
complexidade de problematização, onde a arquiteta consegue estabelecer conexões com
outros momentos de sua própria trajetória” (idem). Segundo vários dos estudiosos da sua
obra, na fábrica de Pompéia “estava o embrião do que Lina mais perseguia, um lugar onde
enfim “coroar o povo, permitindo-lhe uma integração social a qual ele tem plenos direitos”,
idéia que Lina discutia já em princípios dos anos 1960, desde a Bahia, com jovens como
Glauber Rocha235 e o escritor João Ubaldo Ribeiro” (Oliveira, 2006: 237).

234
Sobre o contexto em que se dá uma recepção positiva do projeto, Marcelo Suzuki comenta que “o fato de ter
havido confusão sobre a obra ser isso ou aquilo, ser ou não pós-moderna, o fato de que a década de 70 tenha
sido acabrunhada, o Brasil triste, com a ditadura no comando, a arquitetura mundial em uma situação de
impasse, onde só propostas vinculadas ao grande capital tinham algum destaque, o fato de a Era Miterrand ter
colocado a arquitetura de novo num plano de discussões sobre cultura, no sentido amplo da expressão, o fato de
Lina ser mulher, tudo isso transformou o SESC num polarizador de atenções, com opiniões as mais diversas,
mas sempre, desta vez, bem vindas” (2010: 164).
235
“Acima de tudo, ela se tornou amiga próxima de Glauber Rocha, jovem diretor de cinema que ela admirava
profundamente pela sua proposta de um Cinema Novo politicamente provocativo, baseado na “estética da
fome”, e tecnicamente simples, com uma “câmera na mão e uma idéia na cabeça” (Lima, 2007: 58). Em
Entrevista a Pereira, Sante Scaldaferri comenta, inclusive, que “Glauber Rocha saía com ela, conversava com
ela. Quando Glauber foi fazer Deus e o Diabo na Terra do Sol, eu fui com ela. Eu, Lina e Renato Ferraz fomos
de jipe lá pelo interior, fomos ver a filmagem do Glauber e tal” (apud Pereira, 2008: 279).

317
Nesse sentido, o SESC recupera muitos aspectos do projeto abortado do Museu de
Arte Popular da Bahia (idem) e revela, a um novo público, as propostas que ela não teve
oportunidade de desenvolver no contexto baiano dos anos 1960. É nesse período, exatamente,
que “suas posições políticas passam a ser exaltadas como as de uma arquiteta oficial-
alternativa, por paradoxal que isso possa parecer, freqüentemente em oposição a Oscar
Niemeyer” (Rubino, 2002: 104).

A antiga fábrica, construída em 1938 segundo um projeto inglês característico do


início do século XX, situava-se em um bairro industrial, sem opções de lazer e onde viviam
trabalhadores e uma classe média baixa (idem: 203). Pertencente a empresa alemã Mauser &
Cia Ltda, foi comprada, em 1945, pela Indústria Brasileira de Embalagens – IBESA,
fabricante de tambores, que mais tarde instalou em suas dependências uma indústria de
geladeiras e querosene, a Gelomatic. Em vez de demolir a fábrica, que considerava como um
documento histórico, LBB optou por mantê-la, reformando o que já estava edificado, sempre
guardando suas características originais (idem: 206).

Além disso, segundo o projeto de LBB todas as intervenções deveriam reafirmar a


idéia da fábrica (idem). Em texto sobre o projeto, escrito e 1986, LBB comenta que a proposta
não era transformar o espaço, mas construir, nele, uma outra realidade (Instituto Lina Bo e P.
M. Bardi, 1999: 27). A idéia que orientou a recuperação do conjunto foi a de “Arquitetura
Pobre” (idem), não no sentido de indigência, mas no sentido artesanal, que implica em criar o
máximo de comunicação e dignidade através dos menores e mais humildes meios (idem).
Deve-se ressaltar também que o projeto era desenvolvido no canteiro de obras236.

Além do projeto do centro de lazer, LBB se ocupou também de uma série de ações
culturais sediadas no centro. Desde a inauguração, em 1982, até o ano de 1985, como

236
Segundo Suzuki, “todos os pormenores do projeto do SESC foram testados na obra, executando-se amostras
ou protótipos no local, em um para um, na escala real, seja de acabamentos, componentes ou peças de
mobiliário, e até mesmo cores das tintas. A presença do atelier de Lina no próprio canteiro, a presença dela ali,
todos os dias, acompanhando todos os testes até a aprovação final, junto aos operários, foi determinante para a
perfeita execução das obras e o feliz resultado final demonstra a importância dessa presença” (2010: 165). E
continua; “Lina sempre agia assim. Fora assim no MASP e no Unhão, e por um bom período, assistindo a essas
obras alternadamente e viajando constantemente para a supervisão. Não queria ter escritório, no sentido
convencional do termo, e mantinha uma postura medieval em relação à profissão, permanecendo sempre que
possível nos canteiros de obras, no atelier-casinha” (idem: 166).

318
programadora cultural do centro, LBB foi responsável pela idealização e montagem de uma
série de grandes exposições temáticas, entre elas, “Design no Brasil: história e realidade”
(1982), “Mil brinquedos para a criança brasileira” (1982-1983), “Caipiras, capiaus: pau-a-
pique” (1984) e “Entreato para crianças” (1985).

Nesse sentido, mais do que um projeto de arquitetura, LBB realizou uma ação
cultural (Malavoglia, 1999: 105). Com as mostras e a proposta de ocupação do centro, que
valorizava o convívio social como um fator cultural brasileiro fundamental (Rossetti, 2007:
132), LBB inseria um complexo de serviços sócio-culturais na escala urbana. Segundo Lima,
essas exposições “davam continuidade ao seu objetivo de apresentar criticamente aspectos
do cotidiano escamoteados pelas definições oficiais de cultura e pelo consumo” (2007: 104).

Bucando fundir repertórios funcionalistas e tradicionais mesclando “diferentes meios,


contextos geográficos e culturais distintos, e a vida daqueles que tendem a ser excluídos do
alcance da modernização e da modernidade, o caráter bifronte de suas propostas e
superposições diz respeito mais ao sentido provisório da modernidade do que ao sentido
classicizante do modernismo” (idem: 108). Nesse sentido, segundo Lima, LBB seria “menos
fiel à linguagem da arquitetura moderna do que a uma concepção moderna de modernidade.
(...) Como projetista e como intelectual, ela contava menos com a aparência formal do que
com o esforço do Movimento Moderno em reconciliar modernização tradição no seu
programa estético e político” (idem).

Diferente de um museu237 - “um centro de lazer não é, afinal, um museu ou uma


escola, porque as premissas não são essas” (Bardi, apud Instituto Lina Bo e P. M. Bardi,
1999: 107), o centro de convívio projetado no fim da década de 1970, mantinha relações com
a proposta para o Unhão, como nos lembra a própria LBB, em matéria publicada na “Folha de
São Paulo” em 11 de abril de 1982. Sobre o projeto de restauração do Solar do Unhão, que
previa a instalação de um museu de arte popular e de uma escola de desenho industrial a
artesanato, ela comentava: “o projeto me atraía, assim como me atraiu a proposta do SESC

237
Entretanto, Eduardo Subirats percebe na proposta para o SESC a síntese de “uma idéia que [LBB] vem
perseguindo desde a sua juventude, ou seja, desde sua chegada ao Brasil: a de um museu da cultura brasileira,
um museu que, nas condições sociais e culturais que caracterizaram este país, não pode obedecer às duas
características que definem os museus europeus: lugar da memória histórica e salas de troféus, porque a
cultura brasileira não está ligada nem à história, nem à guerra. A concepção do museu que Lina mostra nessa
obra recorda mais a concepção clássica do lugar das musas, em sua versão industrial” (1999: 110).

319
para restaurar a antiga fábrica da Pompéia, pelo que ela poderá representar para as
gerações futuras. O Brasil ainda é um país muito jovem e, por isso, é natural que nos
preocupemos com um prédio construído recentemente – afinal, 50 anos nada representam em
termos históricos – ainda mais quando sua estrutura permanece tão sólida” (Bardi, apud
Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1999: 107).

Assim, desde o início da revisão de sua passagem pela Bahia (ensaiada a partir de
1965) até a proposição do SESC Pompéia, passando pelos momentos de silêncio entremeados
a uma série de tentativas de retomar as discussões iniciadas antes do golpe militar de 1964,
LBB parece tentar reconsiderar as possibilidades alternativas de atuação face a um quadro
econômico-político-social orientado a partir da idéia de um desenvolvimento industrial
segundo modelos importados238.

Por essas razões, em vários desses episódios encontra-se – em meio a uma série de
outras questões - uma reflexão sobre os temas do desenho industrial, entendido aqui como
uma disciplina que deveria estar obrigatoriamente envolvida com uma discussão em torno dos
problemas derivados das transições das escalas de produção239 (Rossetti, 2002: 36). Se nos
anos 1970, questionando as possibilidades emancipadoras do desenho industrial (idem: 81),
LBB termina por questionar a própria idéia de um desenho industrial, propondo se pensar a

238
Comentando o projeto de LBB desde que chegou ao Brasil, o seu amigo Subirats pondera que “o projeto de
Lina parte, pois, de uma defesa da cultura popular brasileira, uma cultura que se quer preservar, como muitos
outros, de sua destruição o novo populismo das empresas turísticas internacionais, tanto como da devastação
que erige a corrupção e a exploração desapiedada que as hostes de conquistadores ibéricos deixaram como sua
negativa herança neste país. O de Lina é um projeto cultural preocupado em gerar centros de criação em um
sentido estritamente ligado ao social e, de maneira especial, às camadas pobres. É a esperança de que a riqueza
de formas expressivas que constituem precisamente a maravilha geográfica, etnológica e cultural do Brasil, em
sua arquitetura popular e histórica como em suas festas e danças, não se perca ao ritmo de uma
industrialização cada dia mais violenta da vida, sob o signo de um temido Clash mundial” (1999: 110).
239
Questão com a qual, segundo Rossetti, LBB estava envolvida desde a Itália, notadamente a partir de sua
convivência com Giò Ponti, “que segundo ela mesma era o líder do movimento pela valorização do artesanato
italiano. Giò Ponti era um arquiteto que debatia questões das vanguardas e que estava profundamente
preocupado com a inserção da Itália no processo de industrialização. Com seu caráter articulador e com sua
ação editorial, evidenciava questões relativas ao desenho industrial, fomentando este aspecto crucial para a
arquitetura italiana. Esta questão consistia em estabelecer como o grande manancial de artesania popular, base
da cultura material italiana, poderia ser absorvida por um processo de industrialização iminente” (2002: 53).
Contudo, Rossetti sinaliza que a discussão não estava restrita ao contexto italiano, posto que envolvia diversos
países europeus implicados com as conseqüências dos processos de industrialização. Se ela se organiza,
primeiramente, na Inglaterra, no entre-guerras, se recoloca, de forma premente, no contexto italiano (idem: 54).

320
partir de noções como planejamento ambiental, ou seja, de um entendimento do design como
comportamento total.

Em maio de 1977, quando AM publica o artigo em que cita LBB, a italiana publica
na revista “Arte Vogue” n. 1, ao lado de depoimentos de AM, Alexandre Wollner, José
Mindlin e Lúcio Grinover, um pequeno texto que já fora publicado, em 1976, no folheto de
apresentação de uma Conferência-Espetáculo realizada por Helio Eichbauer na Escola de
Artes Visuais do Parque Lage, quando da “Oficina do Corpo”, ministrada pelo cenógrafo.

No texto, que no folheto de 1976 é intitulado de “Design como comportamento


total”, LBB elogia o trabalho do amigo, afirmando que, em sua oficina, Eichbauer realiza,
conjuntamente aos seus alunos, uma pesquisa coletiva que começa a descobrir um caminho no
sentido de um entendimento do design como comportamento total. Segundo LBB, a busca por
experiências originais, tais como as ensaiadas por Eichbauer, se faz necessária, naquele
momento, face ao quadro de asfixia a que chegou o design tradicional.

“O Design tradicional (com a palavra design queremos definir não somente o


Industrial Design, mas tudo aquilo que a palavra desenho significa, desde arquitetura e
urbanismo até os comportamentos), o Design está chegando à asfixia. Consumidas as raízes
positivo-racionalistas, debate-se, sem mais oxigênio, nas poucas águas daquilo que foi um
Oceano. (...) Para fugir à asfixia precisa recorrer a experiências originais, criar uma nova
consciência. Este novo patrimônio cultural não pode ser inserido no mundo do Industrial
Design e do consumismo, no mundo da Cultura-como-Poder, como arrogante mandato-social
de poucos contra muitos. É necessário reunir todas as faculdades criativas atrofiadas pela
sociedade do Trabalho-Produto-Consumo gerada pelo Capital. Alcançar a Liberdade: a
liberdade coletiva, não a liberdade individual. Substituir ao Eu o Nós” (Bardi, 1977a: 130).

A nova consciência face às relações do homem com o seu ambiente teria, segundo
LBB, mais possibilidades na América Latina do que na Europa, “ligada a esquemas e
tradições culturais de elite, difíceis de ser totalmente superadas” (idem). Mas só seria
possível alcançá-la através de uma pesquisa coletiva, de “todo um comportamento” (idem),
que envolveria atividades manuais, participação do corpo e criatividade. Somente através
desse novo comportamento se possibilitaria a criação de experiências originais a partir de
onde se constituiria uma nova compreensão do design, que o retirasse, finalmente, do impasse
a que havia chegado.

321
É exatamente em torno da idéia de impasse que LBB começa a organizar, no início
de 1980, um livro que só viria a ser lançado após sua morte. Em “Tempos de grossura: o
design no impasse”, publicação em que ela buscava organizar “seu trabalho de investigação e
pesquisa de cultura popular empreendido nos anos 1960 em Salvador e no Nordeste”
(Rossetti, 2007: 132), estão reunidos tanto textos produzidos por ela desde os anos sessenta,
quanto apreciações de amigos e colaboradores sobre as suas propostas. Entre eles, encontram-
se Jorge Amado, Bruno Zevi, Lívio Xavier, Flávio Motta, Abelardo da Hora, Celso Furtado,
Glauber Rocha, Paulo Gil Soares e Ariano Suassuna. Na contra-capa do livro, constam
depoimentos de Darcy Ribeiro e Caetano Veloso. Finalizado por um de seus mais constantes
colaboradores, o arquiteto Marcelo Suzuki, o livro teve toda a sua estrutura desenvolvida por
LBB e Isa Grinspum Ferraz antes da decisão pela interrupção do projeto, ocorrida em 1981.

Iniciando com um balanço de sua passagem pela Bahia, dezesseis anos depois, o
roteiro do livro evidencia as questões que importavam para LBB. Problematizando o processo
de industrialização abrupta sofrido pelo Brasil, que teria levado o país a um processo de
desculturação que impossibilitaria o desenvolvimento de uma verdadeira cultura autóctone,
LBB propõe só seria possível reverter esse quadro a partir de um reexame da história recente
do país que envolvesse a consideração da civilização brasileira “popular”, o balanço “visto do
outro lado”, o balanço participante (Bardi, 1994: 12). Em seguida, investe em uma discussão
sobre a significação da palavra artesanato (1994: 16). Definindo artesanato como uma “forma
particular de agremiação social” (idem), propõe que “o artesanato popular deixa de ser
artesanato popular quando se esgotam as condições sociais que o condicionam” (idem: 17).

Porque no Brasil não havia as condições sociais que permitissem o surgimento de


uma produção artesanal, a produção popular de objetos no Nordeste, considerada por alguns
como artesanato ou folclore, deveria ser considerada em termos das suas possibilidades
criativas originais, o que, para LBB, significava entendê-la como parte base para a
constituição de um desenho industrial e de uma arquitetura nacionais (idem: 24). Propondo
pensar a arte popular e o pré-artesanato nordestinos para além de qualquer romantismo ou
mitologia paternalista (idem), LBB sugeria que se considerasse, dentro do quadro da cultura
brasileira, o lugar que compete à arte popular para além do esquematismo romântico que a
classifica como folclore.

322
Se é impossível considerar a existência de artesanato em um país que se encontra em
um estágio industrial, e a organização artesanal pertence ao passado (idem: 26), o pré-
artesanato nordestino, vinculado a um enfrentamento do problema da industrialização, poderia
constituir um caminho válido para o desenvolvimento, no país, de um verdadeiro desenho
industrial (idem: 24). Ou seja, se o país se industrializou e o passado não volta, e o que
importa são a continuidade e o perfeito conhecimento de sua história, a “civilização popular”
(idem: 76) representa uma saída para o impasse (idem: 77). Entretanto, sentindo que a questão
do impasse não encontrava ressonância e que, por isso, a discussão proposta no livro cairia no
vazio, LBB decide interromper o projeto, concentrando-se na finalização da obra do SESC.

No início de 1982, o SESC Pompéia é inaugurado com a montagem da exposição “O


design no Brasil: história e realidade”, realizada em parceria com o MASP, que se valeu da
co-curadoria do Núcleo de Desenho Industrial da FIESP240, presidido por José Mindlin, na
parte dos produtos contemporâneos, e de Alexandre Wollner, na parte de design gráfico.

No texto de introdução do catálogo da exposição241, P. M. Bardi propõe que “nesta


mostra pensou-se em recolher, sob o nome, hoje bem comum, de Design, uma série de objetos
elaborados no passado e, portanto, antecedentes do Design Industrial contemporâneo”

240
Sobre o NDI, P. M. Bardi comenta que “o NDI [criado nos anos 1970] se propõe a conscientizar as empresas
e o consumidor da necessidade de um novo desenho industrial, a fim de aperfeiçoar os produtos brasileiros e
aproveitar toda a criatividade nacional, para dar vida a um design nosso, superando os antigos sistemas de
copia do estrangeiro, mesmo que se trate de um bom desenho. Mindlin declarou, num encontro com
profissionais: “Criar uma identidade para o produto brasileiro, à semelhança do que está ocorrendo com o bom
desenho da Itália, da Alemanha, da Suécia, do Japão. Pega-se um produto qualquer desses países e a gente,
desde logo, pode dizer: este produto é sueco, é italiano, é japonês. Vamos ver se nós conseguimos, com este
esforço conjunto, criar uma imagem também de um produto brasileiro que, dentro do esforço exportador que
estamos fazendo, pode ser uma contribuição extremamente valiosa” (Bardi, 1982: 13). Ainda no catálogo da
exposição, o próprio Mindlin escreve que numa exposição como essa o objetivo é mostrar o que já foi feito
assim como mostrar o quanto ainda se pode fazer, no Brasil, em matéria do desenho industrial (idem: 64).
Entendendo por design “o engenho criativo aplicado a simples objetos de uso diário, doméstico ou utilitário”
(idem), assinala que é preciso dedicar o “imenso potencial de criatividade que aqui existe ao desenvolvimento
de um desenho industrial brasileiro, com características especificamente nossas” (idem). Assim, espera que a
exposição, “mostrando resultados válidos de esforços aqui realizados no sentido de aplicação à indústria do
conceito do bom desenho industrial, induza nossos empresários a utilizar mais e mais esse instrumento em seu
processo produtivo, e que isso seja também estimulado por maior demanda, por parte do público, de produtos
que contenham bom desenho industrial brasileiro. Isso representará um grande passo à frente, criando um
mercado que ainda falta para o desenhista industrial, e permitindo que nos coloquemos no plano competitivo
com a produção dos países industrializados” (idem).
241
É curioso que no catálogo241, não se faz menção à participação direta de LBB, que, entretanto, coordenava as
ações culturais do SESC Pompéia. Já no livro sobre os trabalhos de LBB, organizado por Marcelo Ferraz, a
exposição é apresentada como uma de suas obras, especificando-se que entre seus colaboradores estavam André
Vainer, Marcelo Carvalho Ferraz, Marcelo Suzuki, equipe do SESC e NDI/FIESP (Ferraz, 1996: 236).

323
(Bardi, 1982: 09). Além dessa série, a mostra apresentava “objetos produzidos pela indústria
nacional, que demonstra o rápido progresso experimentado pelo design em nosso meio”
(idem: 13). Assim, “os objetos expostos, em que os designers de hoje dão prova de seu saber,
fornecem exemplos marcantes da idéia da evolução criadora deste período de história dos
mais ricos na produtividade, um tempo de conclusão de época e de abertura visando outras
conquistas científicas e extraordinárias” (idem).

Assim, se entre 1976 e 1977 LBB investe energia em discutir as possibilidades de


adequação do design a um projeto de desenvolvimento que considerasse a cultura popular, em
1980, ela interrompe a iniciativa de publicar um registro das suas propostas sobre o tema,
deixando de lado o projeto do livro “Tempos de grossura: o design no impasse”.

Patrimônio cultural em perspectiva: Pró-Memória e Ladeira da Misericórdia

A partir da segunda metade da década de 1970, LBB volta a realizar projetos242, que
envolvem algo que não se restringe à projetação dos edifícios, abarcando uma série de
coisas243, tais como, no caso do SESC Pompéia, a reforma de um antigo conjunto
arquitetônico, o projeto de sua utilização para novos fins e o projeto de tudo o que envolve
esses novos fins, desde o mobiliário até a identidade visual, incluindo também a curadoria das
ações culturais a serem promovidas no novo espaço. Esse escopo de projeto já havia sido
experimentado por ela entre os anos 1950 e 1960, com o Solar do Unhão, em Salvador. Já na

242
Assim, depois do SESC, de onde se desligou em 1986, LBB, já situada como uma arquiteta-oficial alternativa
(Rubino, 2002: 104), recebe uma série de novas propostas de trabalho, tais como os projetos da sede do Teatro
Oficina, de José Celso Martinez Correia (1984), da sede do Museu de Arte Moderna no Parque do Ibirapuera, de
recuperação de parte do centro histórico de Salvador (1986) e a reforma do Palácio das Indústrias para sediar a
prefeitura da cidade de São Paulo. Em novembro de 1991, proferiu a sua última fala, em um encontro de
arquitetos que homenageava Lucio Costa. Falece no início do ano seguinte.
243
A partir do SESC Pompéia, LBB se envolve com alguns projetos de amplo espectro, que poderiam também
ser definidos como programas (Suzuki, 2010: 297) - conceito, que em LBB “não é entendido apenas como uma
série de usos e atividades que o edifício deve abrigar e permitir, descolado da forma. Não se trata da
tradicional oposição forma versus função. O programa é antes de tudo um sentido do projeto. Assim, o
programa principal do projeto do SESC Fábrica Pompéia é tornar um local de trabalho industrial, portanto de
confinamento e disciplina produtiva, no seu contrário, um lugar de lazer e descanso” (Anelli, 2006: 28).

324
segunda metade década de 1980, o projeto encomendado pela prefeitura de Salvador a conduz
a uma situação bastante assemelhada.

Encomendado, em 1986, pelo primeiro prefeito eleito depois do fim da ditadura


militar na capital baiana, Mario Kertész, o convite previa o desenvolvimento de “projetos de
intervenção que deflagrassem um processo de revitalização, em grande escala, no Centro
Histórico de Salvador” (Chagas, 2002: 127). Retornando à Bahia depois de mais de vinte
anos244, inicialmente LBB aceita a proposta, feita pela prefeitura, para realizar uma série de
intervenções pontuais, que teriam por objetivo atuar como focos de irradiação de uma
requalificação funcional que trouxesse consigo tanto uma recuperação do conjunto
arquitetônico mais amplo quanto dos modos-de-vida ali presentes (2002: 159).

Entretanto, logo LBB apresenta ao governo uma contra-proposta, “que privilegia a


criação de um conceito de intervenção: o Projeto Piloto Ladeira da Misericórdia (PPLM)245”
(idem: 159), síntese de algumas idéias que, depois de experimentadas ali, poderiam ser
aplicadas em uma escala mais ampla. “Nele, propõe que se realize uma restauração física,
tendo por pressuposto a manutenção dos moradores ocupantes das casas, retomando o
partido tradicional do zoneamento vertical, privilegiando a coexistência das habitações
populares, localizadas nos pavimentos superiores, com as áreas produtivas do setor informal,
alocadas nos pavimentos térreos” (idem: 159-160). Desenvolvido para ser realizado, a título
experimental, em três sobrados deteriorados, uma fachada em ruínas e um terreno baldio no
alto da Ladeira da Misericórdia, que liga a Cidade Baixa à parte alta do centro de Salvador,
pretendia criar uma matriz para a intervenção em outras áreas da cidade.

244
Sobre o projeto que reaproxima LBB da Bahia, Suzuki comenta: “em 1986, sem trabalhos efetivos em
andamento, abatida por ter sido tirada do SESC, Lina acaba se convencendo a aceitar o trabalho no Centro
Histórico de Salvador por insistentes convites do Secretário de Assuntos Especiais da Prefeitura Municipal,
Roberto Pinho – articulado com o Prefeito Mario Kertész e Marcelo Carvalho Ferraz – para que a página
virasse, mas no sentido contrário: Back in Bahia. Apesar de seu pouco entusiasmo, alguns pontos lhe eram
muito tentadores: poder trabalhar simultaneamente com patrimônio histórico e com o tema da habitação
popular, para ela recuperar a Alma Popular da Cidade, trabalhar em conjunto co Lelé – João Filgueiras Lima
– e alguns focos de cultura, de cultura popular não-ocidentais” (2010: 273).
245
Vale lembrar que em 1989, com a posse de um novo prefeito, as obras do PPLM foram suspensas e o
conjunto, inacabado, foi invadido e depredado, encontrando-se nessa situação até hoje, apesar de no fim dos anos
1990 ter funcionado ali um restaurante, uma galeria de arte e setores administrativos de apoio à segurança da
sede da Prefeitura de Salvador (Chagas, 2002: 205).

325
Entendendo que “a recuperação do sentido verdadeiro, não da projetação, mas do
planejamento ligado às condições sócio-econômicas, é uma política”, (Bardi, apud Chagas,
2002: 176), LBB explicita, nesse projeto, a sua concepção de preservação do patrimônio
cultural edificado, já ensaiada na reforma do Solar do Unhão e no projeto para o SESC
Pompéia. Assim, no projeto para o centro histórico de Salvador, ela “se afasta da intenção de
se preservar monumentos históricos e artísticos isolados, voltando-se para a garantia do
reconhecimento do conjunto arquitetônico inteiro, mesmo que, individualmente, os imóveis
apresentem baixa qualidade, tanto estética quanto técnica” (idem: 157). Interessada na
relação entre os espaços físicos e os modos de vida das populações que neles viviam, naquele
momento, “longe da preservação pura e simples do patrimônio como registro de memória e
imagem referencial da identidade simbólica local, o seu objetivo maior é o de garantir a
oferta de imóveis de baixo custo e de localização central às populações excluídas da cadeia
formal da economia da cidade” (idem).

Além disso, “com a intervenção da Ladeira da Misericórdia, utilizando tecnologia


de ponta, a arquiteta retomava e atualizava um dos maiores paradigmas do urbanismo e da
arquitetura modernista inaugural: a produção industrial em série da habitação popular”
(idem: 171). “Ao projetar a Misericórdia, Lina Bo Bardi toma partido frente às alternativas
de intervenção que se realizam – ou se propunham realizar, mesmo que não explicitadas – no
contexto das áreas reconhecidas como de “valor histórico”, em Salvador, no final da década
de 1980. Elabora, concretamente, com o projeto proposto, uma crítica à forma tradicional –
ao elitismo do SPHAN, ao assistencialismo do IPAC e às intenções dirigidas para o consumo
turístico – de intervenções de requalificação de espaços construídos no Centro Histórico de
Salvador” (idem: 210).

Essa crítica se refere, entre outras coisas, aos compromissos ético-políticos do


projetista face àqueles para quem se endereça a obra a ser realizada. Afirmando essa
perspectiva, LBB declarava que “quando se projeta, mesmo como estudante, é preciso fazer
uma obra que sirva, que tenha uma conotação de uso, de aproveitamento. É preciso que essa
obra não caia do céu sobre os moradores, mas que exprima uma verdade, uma necessidade”
(apud Chagas, 2002: 178).

Essa ‘verdade’ se relaciona com a “noção de que todo o conhecimento do ser


humano é seu patrimônio, sua cultura, e é sempre atual, nunca se reduz apenas a uma

326
lembrança dos tempos passados. O legado das gerações passadas é tomado como uma
condição sempre possível de ser retomada para se inventar soluções, para se encontrar
respostas aos problemas formulados no presente” (Pereira, 2008: 46).

Assim como LBB, ainda na década de 1970, AM está plenamente envolvido com
projetos que, mais do que como design ou arquitetura, podem ser definidos como política
cultural. Se em 1975 ele se afastara do escritório no Rio de Janeiro para coordenar o CNRC
em Brasília, quatro anos depois, portanto, em 1979, é convidado246 a presidir o Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), para onde, segundo as narrativas
produzidas tanto pelo governo quanto pela academia (Anastassakis, 2007), ele transpõe as
idéias gestadas pelo CNRC. Assim, “os projetos realizados pelo CNRC constituíram a base
para a nova política de patrimônio implementada pelo SPHAN/Pró-Memória, a partir de
1979247” (Gonçalves, 2002: 75).

Logo ao assumir a presidência do IPHAN, AM propõe o desdobramento do Instituto


em dois órgãos248, Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e Fundação
Nacional Pró-Memória. Em novembro de 1979, em discurso ao presidente João Figueiredo
por ocasião da assinatura do projeto de lei que autorizava a criação da Fundação249, AM,
talvez fazendo menção à iminência da abertura política, comenta o caráter transitório das
funções ocupadas por cada um dos presentes na cerimônia, afirmando, em contra-partida, que
se eram transitórias as funções de cada um deles, todos, por serem brasileiros, dividiam de
uma mesma responsabilidade, que essa, sim, deveria ser assumida, de forma coerente.

246
Segundo Falcão, foi “Eduardo Portella, ministro da Educação e Cultura, que o levou à presidência do
IPHAN, e, mais do que chefe, foi interlocutor permanente na tarefa de reconceituação, inclusive da noção de
patrimônio trans-temporal; além de sutil negociador nas indispensáveis negociações com o Congresso” (2003:
253). Além dele, Falcão destaca a importância da relação de AM com o então ministro chefe da Casa Civil,
Golbery do Couto e Silva, “capaz de lhe abrir as portas de uma burocracia federal quase sempre desconfiada
dos pleitos da cultura, foi também interlocutor convergente, nas inúmeras conversas que teve em seu gabinete
em Brasília com Aloisio” (idem).
247
Sobre as políticas de patrimônio cultural gestadas por AM no IPHAN, ver Falcão, 2001 e 2003, Fonseca,
2005 e Gonçalves, 2002.
248
Vale lembrar que o redesenho da área de preservação do patrimônio cultural ocorre em meio a um processo
mais amplo de “construção institucional” (Miceli, 1984: 56) promovido durante a gestão do ministro Ney Braga
durante o governo Geisel (1974-78).
249
Falcão (2003: 253) comenta que, no Senado, a criação da FNpM contou com o parecer favorável do então
senador Tancredo Neves, futuro candidato da oposição à presidência da República.

327
Essa responsabilidade teria a ver com “o momento em que a nação brasileira, depois
de um período de relativa sombra, procura reencontrar os seus verdadeiros caminhos, (...) os
fundamentos da nacionalidade, para construirmos uma forma e um modelo que nos caiba”
(Magalhães, 2003: 240). Quando assumida, implicaria em uma atitude de devolução, o que
significa “devolver à nação os privilégios que recebemos” (idem: 241). No âmbito da
preservação do patrimônio cultural, assumir a responsabilidade da devolução implicaria em
construir, em meio aos modelos que se mostraram insatisfatórios, nosso próprio modelo, que
deveriam ser buscados entre os indicadores do nosso comportamento cultural, moldado de
forma heterogênea “no fazer do homem brasileiro, na pequena dimensão muitas vezes frágil
de uma atividade pré-industrial” (idem: 242), pois é ali que estariam os indicativos de um
modelo de desenvolvimento autêntico da nação e da identidade da nação (idem).

É significativa de seu posicionamento a fala em que AM evoca a metáfora do


bodoque a fim de descrever a relação entre passado e futuro, segundo a sua perspectiva: “Uma
cultura é avaliada no tempo e se insere no processo histórico não só pela diversidade dos
elementos que a constituem, ou pela quantidade das representações que dela emergem, mas
sobretudo por sua continuidade. Essa continuidade comporta modificações e alterações num
processo aberto e flexível, de constante realimentação, o que garante a uma cultura sua
sobrevivência. Para seu desenvolvimento harmonioso pressupõe a consciência de um largo
segmento de passado histórico. Pode-se mesmo dizer que a previsão ou a antevisão da
trajetória de uma cultura é diretamente proporcional à amplitude e profundidade de recuo no
tempo, do conhecimento e da consciência do passado histórico.

Da mesma maneira como, por analogia, uma pedra vai mais longe na medida em
que a borracha do bodoque é suficientemente forte e flexível para suportar uma grande
tensão, diametralmente oposta ao objetivo de sua direção. Pode-se mesmo afirmar que, no
processo de evolução de uma cultura, nada existe propriamente de “novo”. O “novo” é
apenas uma forma transformada do passado, enriquecida na continuidade do processo, ou
novamente revelada, de um repertório latente. Na verdade, os elementos são sempre os
mesmos: apenas a visão pode ser enriquecida por novas incidências de luz nas diversas faces
do mesmo cristal” (apud Souza Leite, 2003: 11).

Sugerindo que o patrimônio cultural pode contribuir para o processo de


desenvolvimento, na medida em que “uma cultura é feita dos elementos compostos do

328
passado que são vistos pelos homens transitórios do presente e que desenham o caminhar
projetivo” (idem), propõe uma aproximação da nova fundação com áreas do governo ligadas
mais diretamente às questões econômico-produtivas.

Segundo Joaquim Falcão, com essas falas AM busca marcar um novo


posicionamento das políticas públicas de preservação do patrimônio cultural, que estivesse
mais afinado ao clima geral de mudança que envolvia o fim do regime autoritário no país
(2003: 248). Captando, sistematizando e tentando concretizar esse clima de mudança, AM
optou por atuar dentro das políticas de Estado (idem: 250), buscando articular cultura e
desenvolvimento (idem: 252). Nesse sentido, para Falcão, AM foi tanto fruto quanto artesão
da abertura política que se insinuava de forma mais direta.

Sua estratégia para “institucionalizar no IPHAN uma continuidade revitalizadora


consistia na incorporação de duas experiências inovadoras na área patrimonial, que já
ocorriam no governo” (idem: 254), o Centro Nacional de Referência Cultural e o Programa
das Cidades Históricas (PCH). Na tentativa de ampliação democrática do conceito de
patrimônio (idem), propôs a absorção, dentro das políticas públicas de preservação, das
manifestações culturais ligadas às culturas de origem africana e indígena, bem como a
consideração das colocações das comunidades habitantes das cidades históricas contempladas
por políticas de preservação. Assim, os órgãos de patrimônio assumiam a responsabilidade de
intermediar os diálogos entre os agentes culturais e o governo, o que não se deu sem embates.

Assumindo que cuidar do patrimônio cultural implicava também projeto e


participação, e a consideração dos aspectos materiais e imateriais relativos aos processos
culturais, AM contribui para a sedimentação de uma nova perspectiva para o patrimônio
cultural no país, que se consolida em termos legais somente no ano de 2000, quando se
institui o decreto do patrimônio imaterial.

Observando retrospectivamente, as visadas sobre o patrimônio ensejadas por LBB e


AM prenunciam dois instrumentos de preservação que só viriam a ser institucionalizados, seja
em âmbito nacional quanto global, anos mais tarde, a saber, os conceitos de patrimônio
imaterial ou intangível e paisagem cultural. Em comum, essas perspectivas consideravam que
a preservação do patrimônio histórico só faria sentido se articulada em torno às condições
sócio-culturais presentes e a um projeto de desenvolvimento futuro.

329
Em diálogo com a perspectiva formulada por Lucio Costa anos antes, LBB e AM se
diferenciavam dele na medida em que, tanto para ele quanto para ela, o outro popular não
estava no passado, mas, sim, no presente. Além dessa aproximação, percebe-se uma série de
outras: quando busca justificar as suas propostas para o IPHAN, AM faz uso da noção de
patrimônio cultural delineada por Mário de Andrade no ante-projeto para a criação do
SPHAN, ao passo que LBB se vale, mais uma vez, do que aprendera com Giò Ponti,
reconfigurando aquelas idéias segundo uma ética gramsciana250, que aponta para a
possibilidade de a revolução acontecer dentro da rede social.

Com Mário de Andrade, LBB e AM partilhariam, segundo Chagas “o


reconhecimento da grandeza da produção anônima e conformadora da verdadeira identidade
de um povo - a valorização do fazer popular – não era uma atitude inovadora, nem em Lina
Bo Bardi nem no CNRC. O discurso da apaixonada descoberta da face popular do país já
integrava, como dito anteriormente, as preocupações dos modernistas de 22 e,
posteriormente, as de Mário de Andrade ao elaborar o famoso parecer que veio dar origem
ao Decreto-Lei n. 25, de 1937, de criação do SPHAN. A novidade que se apresenta nessas
duas propostas – Unhão e CNRC – é a atitude de reconhecer, no caráter de uma produção
tida como marginal, não apenas o traço da identidade nacional, mas, sim, o imenso potencial
de valor econômico nela contida desde que fosse corretamente inserida em um modelo
apropriado de desenvolvimento adequado às suas múltiplas características” (2002: 81).

Apesar de as duas perspectivas estabelecerem diálogos com as referências acima


citadas, na medida em que valorizavam a combinação da idéia de cultura nacional popular a
princípios modernos, é preciso ressaltar que o patrimônio cultural que interessa a LBB e AM
não é aquele ‘de pedra e cal’ praticado até então, no Brasil, nem tampouco um patrimônio
que localiza no passado os valores culturais a serem protegidos e preservados. É nesse ponto

250
Rubino comenta que, segundo o tradutor de “Concepção dialética da história” (1966), Carlos Nelson
Coutinho, ainda no início dos anos 1960, LBB foi a primeira pessoa a falar de Antonio Gramsci no Brasil (2009:
37). Para uma análise comparativa de passagens de texto escritas por LBB e por Gramsci, ver Pereira, 2008.
Nessa análise, Pereira sintetiza alguns dos pontos comuns às perspectivas de ambos. “defendendo o caráter vivo
da tradição, Gramsci iria apontar a necessidade de assim reconhecê-la como uma influência na concepção de
mundo e da vida do povo-nação, para assim poder empreender um processo que teria como resultado uma nova
cultura entre as massas populares, caracterizada pelo desaparecimento da separação entre a cultura moderna e
a cultura popular, vista por alguns, segundo o autor, apenas como estagnação, folclore. Dessa maneira, seu
projeto partirá de uma concepção da cultura tradicional como elemento vivo e em evolução, e defenderá uma
ação transformadora sobre a mesma” (Pereira, 2008: 194).

330
que as perspectivas de ambos mais se distanciam daquela formulada por Lucio Costa.
Entendendo que “a “boa tradição” que vinha da Colônia havia sido transmitida e guardada
não pelo arquiteto, mas pelo homem simples” (Rubino, 2009: 34), para LBB, e também para
AM, “se o povo era arquiteto, capaz de construir obras corretas com poucos recursos, era
um povo do presente, vivo nesse Brasil dos anos de redemocratização” (idem). Assim, “se um
“outro” no passado poderia conduzir a uma forte política de preservação, esse “outro”
presente levou à politização de seu discurso em pleno período de aposta na modernização do
país. A noção de autenticidade era deslocada: autêntico era o povo” (idem).

Antes de avançar, é fundamental comentar o que Rubino nomeia de “parceria


intelectual entre o antropólogo e sociólogo Gilberto Freyre e o arquiteto Lucio Costa”
(2010a: 302), na medida em que parece haver uma estreita ligação entre os dois, notadamente
no que tange à formulação de uma vinculação da arquitetura moderna brasileira à história
cultural do país251, formulação essa que permitira aos dois construírem, via arquitetura, um
elo entre o movimento moderno e a boa tradição (idem).

Valendo-se da apresentação de uma série de ocasiões em que um cita o outro, Rubino


ilumina um processo de legitimação recíproca, segundo o qual, “se a explicação mais
sociológica que Lucio Costa constrói está visivelmente inspirada pelo sociólogo
pernambucano” (idem: 303), Gilberto Freyre, por sua vez, “constrói um léxico que traz o bem
arquitetônico para o universo da cultura escrita, tornando-se assim o sociólogo dos
arquitetos” (idem: 305). Assim, a obra de Freyre contribui para a legitimação, na perspectiva
de trabalho adotada pelo SPHAN, de “um lugar para o evento passado se construir” (idem:
307). Desse modo, o passado tradicional, requalificado por Freyre em “Casa Grande e
Senzala”, se insere em um projeto intervencionista no presente (idem: 306), a saber, as ações
de tombamento realizadas pelo SPHAN, em grande parte lideradas por Costa.

Voltando a LBB e AM, vale ressaltar que em suas propostas - mesmo que
formuladas em diferentes instâncias e com distintas abordagens -, os dois acionam novas
concepções de patrimônio cultural, orientadas segundo as questões que os levaram a
problematizar, logo antes, as possibilidades de atuação via design. Nesse sentido, assim como

251
As relações entre Lucio Costa e Gilberto Freyre também são discutidas por José Tavares Correia de Lira, que
posiciona Rodrigo Mello Franco de Andrade, primeiro presidente do SPHAN, em meio aos dois (1997: 110).

331
suas considerações sobre design, suas concepções de patrimônio cultural são, similarmente,
guiadas por um comprometimento com as questões culturais no presente, com vistas a um
desenvolvimento futuro252.

Trata-se, então, de visadas sobre o patrimônios culturais que consideram, sim, a


preservação dos aspectos materiais, mas entendendo, sempre, que esses devem estar
indissociavelmente ligados às práticas culturais dos grupos que nele - ou em torno dele -
vivem. Nesse ponto, reaproximam-se253 da concepção de patrimônio cultural formulada por
Mário de Andrade254, seja nos modos como: intentam aproximar arte erudita e arte popular; se
valem de conceitos de nacionalismo que não implicam em uma negação de certos ideais
universalistas; percebem valor no fato de o Brasil ser um ‘país novo’, ‘emergente’255; buscam
integrar a produção artística nacional no curso geral da modernidade; investem em
mapeamentos da produção cultural popular; incorporam os bens culturais de natureza
imaterial; valorizam um certo caráter heterogêneo da produção cultural nacional (Freitas,
1999: 76-79).

Além da preocupação com o presente, essas visões do patrimônio cultural estão


implicadas com projetos de futuro256, ou seja, nelas a continuidade dos processos culturais,

252
Nesse sentido, não deixam de estar alinhados aos compromissos firmados durante a “Convenção para a
proteção do patrimônio mundial, cultural e natural”, organizada pela UNESCO, em 1972.
253
Além da aproximação conceitual com a noção de patrimônio cultural, Freitas sinaliza que, ao estabelecer,
textualmente, vínculos entre as suas propostas para o IPHAN e as formuladas por Mário de Andrade, 40 anos
antes, AM buscava legitimar seu trabalho à frente do CNRC, bem como estabelecer uma base de diálogo com o
grupo de intelectuais remanescentes da ‘fase heróica’ (Freitas, 1999: 89), que, em grande parte, resistiam às
mudanças sugeridas pelo grupo do CNRC, incorporado ao Instituto após a nomeação de AM para a presidência.
254
Rubino comenta que as “categorias mais abstratas” (2010a: 303) presentes no anteprojeto de Mário de
Andrade para o SPHAN se aproximam das proposições de Franz Boas, mais do que aquelas propostas por
Gilberto Freyre, esse “um discípulo de Boas” (idem). Segundo a autora, Freyre, ao validar a idéia de que “é
necessário um lugar para o evento passado se construir” (idem: 307), é pouco boasiano, “menos que Mário de
Andrade, que localiza o legado do país em patrimônios imateriais em seu anteprojeto” (idem). A seu ver, isso
indica que “a experiência de Gilberto Freyre com o mestre alemão, relatada no prefácio de Casa Grande e
Senzala, contudo, não perdura, pois Freyre as afasta das teorias culturalistas adquiridas em sua passagem
pelos Estados Unidos ao supor a existência de características de povos determinadas pela interação entre raça
e ambiente. Freyre se aproxima a partir de então das noções de caráter nacional, antecipando o caminho
posteriormente seguido por outros discípulos de Boas” (idem).
255
Essa noção aparece diversas vezes em falas de LBB e AM, entretanto, como assinala Freitas, em Mário de
Andrade ela ganha outras conotações (ver Freitas, 1999: 83).
256
Aqui vale recuperar uma frase de AM, em entrevista a Zuenir Ventura, na revista “Isto É”, de dezembro de
1981: “Você sabe, doutô, eu sou um projetivo, meu compromisso é com o futuro” (apud Souza Leite, 2006b: 59).

332
seja em seus aspectos materiais ou imateriais, depende da sustentabilidade sócio-econômica
que se garante, a eles, estabelecer. Em comum entre os dois, uma visão projetiva do
patrimônio cultural, ancorada na convicção de que é somente através da consideração das
especificidades culturais que se pode constituir um projeto de desenvolvimento futuro. Nessa
medida, não se trata, segundo as propostas de LBB e AM, de políticas de patrimônio cultural
per se, mas de investimentos em ações políticas de patrimônio cultural, com fins a um projeto
de transformação social via consideração das especificidades culturais. Então, assim como
design e arquitetura representaram portas de acesso às questões de transformação sócio-
cultural, nesse contexto, é no âmbito do patrimônio cultural que se constitui um domínio a
partir de onde se torna possível ensaiar uma intervenção no ‘mundo real’. Assim, arquitetura,
design e políticas culturais se configuram como áreas ou domínios a partir de onde esses
agentes logram viabilizar suas propostas de ação.

Entre triunfos e impasses: Lina Bo Bardi e Aloisio Magalhães

Retomando o que foi observado neste capítulo, percebe-se que, cada um a seu modo,
LBB e AM investem em discutir as relações entre os processos de desenvolvimento
econômico-tecnológico e os culturais, deslocando-se, sempre, de uma prática projetiva estrita
para a articulação de uma ação cultural mais ampla. Nesse sentido, ambos problematizam os
modelos adotados no país, seja no que tange à industrialização, seja no que concerne à
instituição de um campo disciplinar-profissional orientado para a criação industrial (o desenho
industrial ou design), seja no que tange à consideração - via governo, empresários, designers e
arquitetos - das questões culturais.

Essas discussões, sendo caras aos dois desde o final da década de 1950, ganham
novos contornos em torno da segunda metade da década de 1970, quando se percebe que,
mesmo com um crescente interesse do governo pelo design – ou, talvez, por causa disso -, não
se logra transformar, via design, os processos produtivos no país. Com a insinuação de uma
abertura política, em 1974, algumas dessas questões começam a vir à tona de uma forma
renovada, ou seja, começam a surgir espaços onde o debate pode se dar de forma mais

333
ampliada. É nesse contexto que surgem as discussões propostas pelos dois, observadas na
primeira parte deste capítulo.

É possível identificar alguns pontos de convergência nas suas propostas para aquele
momento, podendo-se, inclusive, em uma primeira leitura, confundir alguns trechos de suas
falas, mas é preciso sublinhar que, face ao contexto político que se delineava, e mesmo que
partilhando de um universo de interesses bastante aproximado (com posturas e propostas que
têm sido percebidas pelos críticos como assemelhadas), os dois escolheram trilhar caminhos
distintos, no que tange às esferas de atuação e realização de seus projetos.

Ele opta por atuar em conjunto ao governo federal, em uma esfera estabelecida. Ela,
apesar de se envolver em projetos patrocinados por governos municipais, só o faz depois de
re-instaurado o regime democrático. Mesmo assim, seja no projeto para o centro histórico de
Salvador, seja para a Fábrica da Pompéia, projeto bancado pelo SESC – uma associação
comercial paulista -, ela termina por romper com os contratantes, (em suas palavras, “ser
mandada prá fora”), o que faz com que seja possível perceber, em diversos de seus
depoimentos sobre o desdobramento desses projetos, um tom de lamentação, como que um
posicionamento assemelhado a uma postura que se poderia definir como outsider257 (Elias,
2000).

A partir de 1975, tanto LBB quanto AM passam por deslocamentos em suas


trajetórias: ela, saindo de um retiro forçado pelos desdobramentos do regime militar após
1968, em direção a projetos de grande escala que envolvem restauração de patrimônio
histórico, curadoria de programação cultural e ação social; ele, se afastando gradativamente
do exercício do design, em prol de uma aproximação de questões que, envolvendo

257
Deve-se ressaltar que utilizo as categorias estabelecidos e outsiders (Elias, 2000) não para posicionar AM e
LBB um em relação ao outro, mas, sim, para apresentar as suas posturas em relação à configuração política e ao
campo profissional em meio aos quais atuavam. Nesse sentido, faço uso dessas noções para caracterizar as auto-
imagens, ou narrativas de si, ou posicionamentos (em termos de construções feitas por eles) face às relações de
interdependência que entendiam estabelecer. Vale salientar, como aponta Souza Leite em relação a AM, que, por
defender uma relação direta do design com os fatos de cultura, ele estabeleceu sempre uma posição em pólo
contrário ao abstracionismo característico do projeto construtivo na arte brasileira, sem que isso lhe impusesse,
jamais, uma característica de outsider diante do campo profissional (2006b: 22). Entendo que o mesmo poderia
ser dito sobre LBB, ou seja, não se trata aqui de identificar uma percepção do campo sobre os dois, mas, sim,
deles para com o campo e o contexto. Assim, há que se distinguir entre a forma como eles articulavam, nas
narrativas que construíam sobre e para si, as suas relações com o campo profissional e com o quadro político, e,
por outro lado, a forma como eles eram percebidos.

334
inicialmente uma investigação quanto às possibilidades de inserção do produto brasileiro no
mercado externo, terminam por levá-lo à gestão de políticas públicas de patrimônio e cultura.
A partir daí, assumem posicionamentos bastante distintos quanto à possibilidade de atuação
junto a órgãos oficiais durante o regime militar. Se ambos estão interessados em projetos
públicos que envolvam a consideração de questões sócio-culturais - e porque não dizer -, com
ambições de transformação do próprio país -, LBB vocifera, enquanto AM negocia.

Comentando as relações entre intelectuais e o quadro político na segunda metade da


década de 1970, quando do início da abertura do regime militar, Joaquim Falcão identifica
duas posturas de “militância cidadã” (2003: 250), que convergiam. Sendo as duas igualmente
dignas, enquanto uma delas propunha “por mudanças saindo das ruas para os gabinetes”
(idem), a outra “tentava a mudança saindo dos gabinetes para as ruas” (idem). Seria
possível, então, pensar as posicionamentos políticos de LBB e AM a partir do par de opostos
‘pragmatismo político’ (Pécaut, 1990: 288) e ‘cultura da resistência’ (1990: 290)? Seguindo
esse ponto-de-vista, a grande diferença entre LBB e AM residiria em torno das diferentes
maneiras que eles encontram para se posicionar politicamente258, face ao quadro político que
se insinua a partir de 1974259 (idem: 280-281, 300).

Buscando avançar no questionamento sobre os pontos de continuidade e divergência


entre os dois, considerando as propostas críticas formuladas pelos avaliadores
contemporâneos - comentadas no capítulo 1 desta tese -, acredito, contudo, que é possível
afirmar que, apesar das diferenças quanto às posições assumidas face ao regime político
vigente no país naquele momento260, os dois partilhavam de uma “mesma estrutura de

258
Entendendo que a discussão em torno das formas de politização de um intelectual (Foucault, 2007b: 70) são
fundamentais nessa discussão, opto por não me aprofundar em sua análise, nesse momento. Reconheço,
entretanto, que essa é uma discussão que deve ser aprofundada em momentos futuros. Para tanto, considero que
as análises de Alves, 2005; Ridenti, 2005; Gramsci, 1978; Miceli, 1984; Mota, 2008; Ortiz, 2005; Pécaut, 1990;
Schwarz, 1975; entre tantas outras, são valiosos instrumentos de análise.
259
Segundo Pécaut, 1974 é o ponto de inflexão em relação à restituição dos intelectuais em atores políticos. Para
esse autor, isso ocorre em decorrência da “descoberta das possibilidades abertas pela ascenção da oposição”
(1990: 301), que ganha espaço depois das eleições, em que sai fortalecido o MDB. Naquele momento, então, “o
tema da cidadania política adquire potencialmente o reconhecimento de sua importância” (idem: 302).
260
Nesse ponto, vale uma rápida menção a Glauber Rocha, que, estando muito próximo de LBB desde a década
de 1960, em março de 1974 – portanto, ainda no exílio, que durou de 1971 a 1976 – enviou uma carta à revista
“Visão”, declarando apoio às medidas tomadas pelo presidente Geisel e elogiando o general Golbery, a quem
chamava, junto a Darcy Ribeiro, de “gênio da raça”. Segundo Souza, “o aparente delírio de Glauber Rocha,
apoiando o racionalismo de Geisel, não foi simples excentricidade. (...) Era o prenúncio do esgotamento

335
sentimento de uma brasilidade revolucionária” (Ridenti, 2005: 97) característica da passagem
dos anos 1960 para a década seguinte.

Sendo os movimentos realizados pelos dois na segunda metade da década de 1970


orientados no sentido de um envolvimento mais substantivo com as questões de
contextualização cultural – que, de alguma forma, se desdobram, nas duas trajetórias, em
projetos mais aproximados das questões relativas à preservação e ao fomento do patrimônio
histórico-cultural e ao planejamento de ações culturais, do que ao design e à arquitetura
propriamente ditos, parece que eles se endereçavam para ali exatamente na medida em que
design e arquitetura per se não se bastavam, seja para LBB quanto para AM, como lugares a
partir de onde fosse possível dar conta das questões sócio-culturais nacionais, que essas, sim,
interessavam a eles. Nesse sentido, é possível alegar que eles seriam profundamente
modernos.

Outrossim, o que pode parecer um afastamento crítico do design moderno (enquanto


prática ou prioridade) não representa, nem para ela nem para ele, rompimento com as
questões que orientaram as suas atitudes profissionais pregressas261. Me parece, por outro
lado, que o envolvimento com questões ‘de outra natureza’, é, exatamente, uma declaração de
comprometimento com alguma coisa que era, essa coisa mesma, o que lhes atraíra para o

delirante do regime político estabelecido em 64” (Souza, 1996: 248). Assim, antes de mais nada, a adesão de
Glauber Rocha à política de abertura de Geisel “representou uma convergência de interesses e pontos de vista
entre o velho positivismo republicano e setores da intelectualidade burguesa brasileira, ligados a manifestações
nacionais grandiloqüentes e populistas, que já prosperara durante o Estado Novo com Villa-Lobos, Portinari,
moderna arquitetura etc...” (idem).
261
Sobre esse tópico, em relação a AM, Souza Leite entende que “AM percorre um caminho que, para muitos,
pode ser e é entendido como um afastamento radical da sua atividade inicial. Entretanto, move-o o sentido
estético de Mário de Andrade, para quem a vontade da estética é predominantemente social e vivida tanto
individual como coletivamente, a quem vai redescobrir e reincorporar ao discurso a respeito dos nosso bens
culturais. Permanece então como projetivo, como dizia, como lançador de idéias ao futuro, de planos de
realização e apontamentos para implementação. Aloisio permanecia no domínio do que mais fundo oferece o
ser designer – uma qualidade projetiva a ser reconhecida em todos, no sentido anglo-saxão, reveladora do
enfrentamento aos problemas, da incorporação de novas possibilidades” (2006b: 311).

Assim, “AM é um reformista, na linhagem dos grandes reformistas, que reúnem a capacidade de enunciação de
uma ação objetiva, pragmática, que busca a realização da mudança. Não se define pela ruptura mas pela
continuidade que incorpora o avanço social, sem necessariamente se arvorar em tom profético ou messiânico.
Por este motivo, sua relação com o sistema político estabelecido no país durante o regime ditatorial é uma
relação de inovação, de invenção. Se a política não pertence ao domínio da razão pura, a vida humana, tanto
em sua dimensão individual quanto na social, também não o é. A decisão, ou mesmo, a proposta, delineada
pelos ideólogos do concretismo tornado design moderno tentava fazer valer a idéia de que todos os dados a
enfrentar no projeto se faziam notar no quadro da objetividade pura” (idem: 313).

336
design, previamente. Poderíamos, então, identificar o que haveria de comum entre os dois
como sendo uma perspectiva culturalista do projeto moderno?

Seguindo essa hipótese, se poderia, sim, considerar que os dois conformariam (como
apontam alguns dos críticos comentados no primeiro capítulo) ‘uma outra vertente’, mais
comprometida com a idéia de um ‘design de identidade nacional’, e, por isso mesmo,
representativa de alguns dos ‘sinais de divergência’, que, orientada por uma ‘visão cultural
mais ampla’, buscava ‘assimilar a cultura popular’ em ‘projetos de natureza participativa’
que intencionavam, através de uma ‘contextualização cultural’ do design praticado por aqui,
contribuir para o ‘desenvolvimento autônomo’ do país.

Entretanto, antes de avançar na discussão sobre os regimes de modernidade


delineados por LBB e por AM, é preciso observar suas trajetórias, seja uma face à outra, seja
os posicionamentos de cada um dos dois face à constituição do campo disciplinar do design
brasileiro. Assim, interessa, agora, perceber como se processaram os diversos
262
deslocamentos (Faria, 2002: 123) dentro das suas trajetórias, o que ensaio fazer através de
uma análise comparativa entre LBB, AM e o campo disciplinar em que eles se inseriram. Para
tanto, organizo a análise em torno de alguns momentos que considero como marcantes de
determinadas inflexões experimentadas por ambos ao longo de seus itinerários (idem: 137).

Entendendo, a partir de Bourdieu, que “a trajetória descreve a série de posições


sucessivamente ocupadas pelo mesmo escritor em estados sucessivos do campo literário”
(1996b: 71-72) e que “o sentido dos movimentos que levam de uma posição a outra definem-
se na relação objetiva entre o sentido dessas posições no momento considerado, no interior de
um espaço orientado” (idem: 82), agora, depois de: 1) termos observado a instituição e as
inflexões sofridas pelo campo do design no Brasil, aproximadamente entre os anos 1950 e
1980; e 2) termos acompanhado as discussões levadas a cabo por LBB e AM ao longo de um
período crítico para o campo (metade da década de 1970); proponho analisar, de forma
relacional, as trajetórias de LBB e AM, bem como as duas face à trajetória do campo.

262
Entendidos aqui como posições exatas e variáveis que, nos diferentes tempos de uma trajetória, condicionam
os sentidos da sua produção (Faria, 2002: 123).

337
Assumindo, pois, que “não podemos compreender uma trajetória a menos que
tenhamos construído os estados sucessivos do campo no qual ela se desenrolou” (idem: 82),
opto por um exercício que, partindo de certas relações encontradas através de uma análise
contrastiva, consiste em especular sobre outras formas de construir seja uma visão sobre as
trajetórias dos agentes em questão, seja sobre a própria trajetória do design no Brasil. Assim,
imagino ser possível re-colocar certas questões, desestabilizando uma série de unidades ou
arranjos já naturalizados no campo do design brasileiro.

Se, entre 1975 e 1977, LBB se dedica a um processo de revisão crítica que abarca
desde a sua passagem pela Bahia na década anterior até a problematização do próprio
conceito de design, é preciso lembrar que isso acontece no mesmo momento em que a italiana
completa quatro anos sem receber propostas de trabalho: então, esses textos são publicados no
momento que ela começa a receber encomendas de projeto, entre elas a da Igreja do Espírito
Santo do Cerrado, em Uberlândia, Minas Gerais, e a de um centro comunitário de lazer,
cultura e esportes a ser instalado em uma antiga fábrica de tambores situada no bairro da
Pompéia, na capital paulista.

Se, no início da segunda metade da década de 1970, LBB ensaia uma volta à cena,
depois de um longo período de recolhimento que se inicia com o golpe militar de 1964, AM,
desde 1975 envolvido com a criação do CNRC, passa por um gradativo processo de
deslocamento da sua atuação profissional, que termina por afastá-lo de forma definitiva de
uma atividade voltada para o campo mais específico do design, em direção a uma atuação
orientada para o campo mais amplo das políticas culturais, processo que se oficializa em
1979, quando da sua nomeação para o IPHAN.

Entre 1963 e 1977, intervalo entre os dois ‘encontros’ descritos no início do capítulo,
as trajetórias de LBB e AM sofrem significativas transformações, assim como ocorre com o
próprio campo profissional do design no país. Não é sem coincidência que os dois ‘encontros’
de que temos provas tenham acontecido em 1963 e em 19766/77, datas cruciais para as
trajetórias de vida dos dois personagens, bem como para o campo profissional do design
brasileiro.

Entre 1962 e 1963, como visto no capítulo 3, institui-se de fato um ensino formal de
design no Brasil - no Rio de Janeiro, através da criação da Escola Superior de Desenho
Industrial, e, em São Paulo, através da reforma curricular do curso de Arquitetura e

338
Urbanismo da Universidade de São Paulo, que propõe uma seqüência de desenho industrial.
Além dessas iniciativas, que tiveram continuidade, LBB elaborava, na Bahia, dentro do
projeto para um Museu de Arte Popular, a criação de uma Escola Superior de Desenho
Industrial e Artesanato, que não chegou a ser implantada.

Essa instituição, não só do ensino, mas, também, de todo o campo profissional do


design no país, formalizada entre 1962 e 1963 com a criação da ESDI e da seqüência de
desenho industrial da FAU-USP, e com a criação da primeira associação profissional (ABDI,
1963), começa a ser ensaiada uma década antes, conforme foi visto no capítulo 2, com a
criação do Instituto de Arte Contemporânea do Museu de Arte de São Paulo (IAC-MASP),
em 1951. Assim, se ao longo dos anos 1950 se assiste, no país, a uma série de tentativas de
institucionalização de um campo profissional e de ensino do design, é somente no início da
década seguinte que o processo se consolida.

Se o período compreendido entre os anos cinqüenta e sessenta do século XX define


um primeiro momento para a constituição do design brasileiro, seria possível pensar em um
segundo momento, que poderia ser localizado a partir da segunda metade da década de 1960,
quando se institui uma espécie de crise ou impasse e que tem início, mesmo que de forma
dispersa, em uma série de movimentos que buscam contextualizar culturalmente a prática e o
ensino de desenho industrial no país. Se, 4 anos depois do golpe militar de 1964, a FAU-USP
realiza um Fórum e as aulas na ESDI são suspensas, e os dois eventos resultam em revisões
dos currículos formulados em 1962, em 1968 monta-se também uma Bienal de Desenho
Industrial, e, logo em seguida (1970), o Conselho Federal de Educação reconhece o currículo
esdiano como base para a criação de novos cursos de graduação em desenho industrial em
todo o país, ao longo dos anos 1970, o design passa a ser assunto de interesse para o governo
federal. Enquanto se amplia a discussão em torno do design, debate-se, em diversas
instâncias, sobre as possibilidades da profissão em um contexto como o brasileiro.

Tendo resumido alguns dos eventos apresentados ao longo dos capítulos 2, 3 e 4,


observando as transformações sofridas pelo campo durante o período que compreende
aproximadamente os anos de 1950 e 1980263, poderíamos falar de três grandes momentos, que

263
É preciso lembrar que tanto as primeiras tentativas de institucionalização do design no país quanto a sua
consolidação acontecem em meio a um período democrático compreendido entre duas ditaduras, ou seja, entre

339
se articulam entre: 1) 1951 a 1962; 2) 1962 e 1963; e 3) 1968 a 1982264. Cruzando esses
intervalos de tempo com as informações apresentadas no início deste capítulo, sobre os
momentos em que temos informações sobre possíveis contatos entre LBB e AM – 1963 e
1976/77, é possível fazer um paralelo entre esses períodos e aqueles, acima propostos.

Assim, se, em torno de 1963, a troca de telegramas entre LBB e AM acontece em


meio à instituição do campo profissional do design no Brasil; em torno de 1976-77, o
‘encontro’ na “Arte Vogue” e a citação de LBB feita por AM acontecem em meio ao processo
de revisão crítica que se orienta em torno da busca de contextualização cultural do design
praticado no país. Se no início dos anos 1960 a troca de telegramas explicita um contato dos
dois no âmbito da arte, nas citações dos anos 1970 o ‘diálogo’ não se dá apenas no campo do
design, mas é também e principalmente sobre o design no Brasil.

Se LBB e AM se conheceram ainda na década de 1950, no universo da arte, no início


dos anos 1960, apesar de totalmente envolvidos com a prática e o ensino de design, eles
interagem como se não tivessem conhecimento do que o outro fazia e pensava no campo do
desenho industrial. Na segunda metade da década de setenta, diferentemente, em meio às
discussões sobre as possibilidades do design no Brasil, cada um deles demonstra ter
conhecimento das discussões conduzidas pelo outro.

Em 1963, LBB vive o ápice de uma etapa que se inicia em 1958, com sua
transferência para a Bahia. Ela, que havia chegado ao Brasil em 1947, e se instalara, junto ao
marido, Pietro Maria Bardi, em São Paulo, inicia em 1958 uma primeira temporada baiana,
que dura até 1964, quando, em decorrência do golpe militar que toma o governo em 31 de
março daquele ano, é obrigada a deixar seu posto frente ao MAMB.

1945 e 1964. Em contraposição, o período de revisão crítica ocorre em plena ditadura militar. Ambos os
contextos políticos são fundamentais para alguns dos principais desdobramentos experimentados no campo
profissional e disciplinar do design brasileiro.
264
É preciso esclarecer – como já comentei no capítulo anterior - que, ao limitar a discussão ao ano de 1982 não
pretendo afirmar que ali se inicia, necessariamente, um novo momento. Elejo 1982 por dois motivos, que
considero significativos para as discussões conduzidas aqui: 1) nesse ano, na PUC-Rio, se institui o ensino de um
‘design social’, o que comprova que, naquele momento, algumas das problematizações enunciadas a partir de
1968 encontram uma formulação positiva; 2) nesse ano, em 13 de junho, ocorre o falecimento de AM, o que
impede uma análise comparativa entre ele, LBB e o campo do design.

340
De 1964 até 1977, LBB vive momentos de reclusão, que contam, inclusive, com uma
passagem pela prisão e alguns afastamentos do país265. A sua volta à cena, ocorrida de forma
definitiva em 1977, com o início das obras do SESC Pompéia, começa a ser ensaiada desde
1975, ano em que ela monta, no MASP, a exposição “Repassos”, sobre a arte em tecido do
Triângulo Mineiro.

Assim, se, em 1963, LBB vive um momento de grande realização profissional, em


que ela, em um novo contexto, encontra êxito em uma série de ações diferentes das que
participara ao longo dos anos 1950, em São Paulo; entre 1975 e 1977, ela começa a ensaiar
uma volta à ação, uma volta à cena, depois de um longo período de recolhimento forçado266.

265
Segundo Rubino, em 1968, LBB “chegou a passar uma noite na prisão, de onde foi retirada por Pietro
Maria Bardi. (...) Depois desse episódio, há um silêncio da arquiteta, que só foi rompido com a
redemocratização do país na década de 1980. (...) Em 1973, uma notícia no “Diário de São Paulo” anuncia que
ela partiria para Harvard para ensinar por um ano. Nessa ocasião ela afirmava ter dado aulas em
universidades brasileiras e também na Universidade de Roma. Há evidências de que tenha passado pela Itália
em 1973. Seu amigo Bruno Zevi, com quem havia polemizado por conta de Brasília, relatou sua visita no jornal
“L’Espresso”, lembrando o episódio da proibição da exposição “Nordeste” em Roma. (...) Foram alguns anos
de filmes – como “Prata Palomares”, de André Faria, 1970 – teatro, figurinos e cenografia, de ligações com Zé
Celso Martinez Correia – com quem fez “Gracias Señor” em 1971 – Flávio Império” (2002: 103).

Segundo Grinover, “entre idas e vindas da Itália entre 1969 e 1974, percebemos que Lina Bo Bardi decantou
sua experiência de Museu e Escola popular feita na Bahia. Atuou como cenógrafa, aproximou-se de artistas
jovens paulistas como Flavio Império e José Celso Martinez Correia” (2010: 190).

Lima afirma que “como muitos artistas, intelectuais, estudantes e líderes políticos de esquerda da época, Lina
teve suas atividades monitoradas pela polícia política. Ela teve que deixar o país algumas vezes, principalmente
depois que foi indiciada por ter facilitado o encontro de duas lideranças da luta armada em sua casa, em 1968.
Em 1973, ela passou vários meses na Itália, principalmente em Milão, para onde sua mãe e irmã tinham se
mudado após a morte do seu pai. Naquele período, ela também teve a oportunidade de reencontrar Bruno Zevi.
(...) Lina voltou ao Brasil quando as acusações de subversão contra ela amainaram. Seu retorno foi seguido
pela intensificação de seu estado depressivo e pela falta de trabalho. Seus contatos durante esse período
passaram a ser mais intensos com pessoas das artes plásticas e do teatro do que com arquitetos. Ela continuou
a orbitar em torno do MASP, mas não mais desenvolvia colaborações em curadorias com Pietro Maria Bardi”
(2007: 89-90).
266
Ainda segundo Rubino, “segundo Marcelo Suzuki, que trabalhou com Lina, entre 1972 e 1976 ela não
recebeu propostas de trabalho e passou esses anos estudando. Foi quando leu “O Capital”, de Karl Marx” (2002:
104). Marina Grinover ressalta que, apesar do silêncio entre 1969 (ano em que monta a exposição “A mão do
povo brasileiro”, no MASP) e 1976, (ano em que publica “Desenho no impasse” e é convidada para construir a
Igreja do Espírito Santo do Cerrado e o SESC Pompéia), “Lina encontrou algum espaço na revista
“L’Archittetura, cronaque e storia”, editada por Bruno Zevi na Itália” (2002: 187).

Em entrevista a Pereira, Paulo Ormindo, professor do curso de arquitetura da UFBA e ex-aluno de LBB na
Bahia, especula sobre um possível acordo que tivesse garantido a permanência de LBB no país durante o período
da ditadura: “Eu desconfio que tenha havido um acordo entre os Diários Associados, a quem os Bardi
continuavam muito ligados, e o Exército, provavelmente mediado pelo Governador Juracy Magalhães, que
gostava muito de Lina. Ela vai para São Paulo e fica calada durante 15 anos” (2008: 265).

341
AM, por sua vez, também vive, em 1963 e em 1976/77, dois momentos bastante
diferentes, no que consiste à sua trajetória profissional. Em 1963, ele está no Rio de Janeiro,
onde abrira, três anos antes, um escritório de design, e faz parte do grupo de profissionais que
dá início à criação da Escola Superior de Desenho Industrial.

Em 1975, inicia um movimento de aproximação com questões mais ligadas às


políticas culturais, que culminaria, em 1979, com o convite para a presidência do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Assim, se no primeiro momento, ele inicia sua
atuação profissional enquanto designer, no segundo, ele, já como um dos profissionais mais
requisitados do país, começa a dividir seu tempo entre o escritório e a articulação de uma série
de projetos que terminam por aproximá-lo, cada vez mais, da gestão das políticas públicas de
cultura ao mesmo tempo em que o afasta da prática profissional da atividade.

Em meio aos anos 1950, LBB está totalmente envolvida, como protagonista, das
tentativas de instauração do design como campo disciplinar no país, tentativas essas gestadas
em meio aos universos da arte e da arquitetura modernas, ainda bastante imbricados. AM, por
sua vez, transita em meio ao universo da arte moderna, mas em contextos deslocados dos
centros a partir de onde se enuncia a proposta concretista, de que LBB, em um primeiro
momento, é partícipe. Se naquele momento AM está um pouco deslocado face ao eixo
principal do modernismo universalista que aqui se ensaia, ele não deixa de participar, ainda
como artista plástico, do circuito da arte moderna, no qual LBB está inserida, tanto que,
segundo o que foi possível apurar, é possível que eles tenham se conhecido ainda na década
de 1950, em eventos de arte, possivelmente em São Paulo.

Em 1957, entretanto, AM trava contato com o design norte-americano, o que o leva a


um rompimento com a identificação de artista, o que se reforça depois de sua visita ao
canteiro de obras de Brasília, em 1959, e com a subseqüente mudança para o Rio de Janeiro,
onde ele abre um escritório de design. Naquele mesmo momento, depois de ter fracassado na
tentativa de assumir uma cadeira na FAU-USP e de ver o seu projeto para o MASP
interrompido devido a um desacordo político entre Chateaubriand e o governo paulista, LBB
se afasta de São Paulo, buscando desenvolver na Bahia uma outra proposta de ação cultural
que, se ainda é organizada em torno de um museu moderno, procura criar novos parâmetros
para atuação, ensaiando, assim, o desenvolvimento de um projeto de modernidade que alguns
críticos nomearam de híbrida. Entre 1957 e 1960 é possível identificar, portanto, nas

342
trajetórias dos dois, um movimento que parte da frustração em relação a um contexto em que
estavam inseridos na direção de uma reconfiguração, em um novo contexto, de idéias que até
então encontravam-se difusas. Dessa forma, nesse período, tanto um quanto o outro
formularam idéias que marcariam suas trajetórias durante os próximos anos.

Em 1963, ambos estão envolvidos com a criação de cursos de design, ela na Bahia,
ele no Rio de Janeiro. Se LBB, depois de uma década em São Paulo, busca em Salvador a
criação de museus e um curso de design diferentes daqueles em que esteve envolvida na
capital paulista; AM, que, chegando do Recife após uma série de viagens aos EUA e de uma
visita às obras de Brasília, havia participado da movimentação em torno do MAM-RJ no fim
dos anos 1950, e que abrira seu escritório no Rio de Janeiro no ano seguinte, participa da
criação da ESDI.

O golpe militar, que transforma o quadro sócio-político do país, atinge LBB e AM de


formas bastantes distintas. Enquanto ela é forçada a se recolher, reconstruindo seu campo de
ação, agora restrito à colaboração com o teatro e o cinema, e, portanto, longe das tentativas
mais ambiciosas gestadas por ela anteriormente; ele inicia uma série de colaborações com
organismos governamentais, seja em âmbito regional, seja na esfera nacional. Assim,
enquanto para AM esses são anos de crescimento profissional, para LBB os anos seguintes ao
golpe militar seriam “anos de sobrevivência” (Anelli, 2006: 35).

Entre 1975 e 1979, não por acaso o momento em que se insinua, de forma mais
explícita, a possibilidade de uma gradual abertura política, LBB e AM iniciam novos
momentos profissionais em suas trajetórias de vida. Ele, partindo de uma atuação exitosa no
campo do design gráfico para a administração pública de políticas culturais, o que culmina
com a sua nomeação para a Secretaria de Cultura do Ministério da Educação, em 1980; ela, de
um longo período de recolhimento forçado para uma volta à ação, agora orientada em torno
de programas, tais como o projeto do SESC Pompéia e, posteriormente, já nos anos 1980,
junto às administrações públicas das cidades de Salvador e São Paulo.

Os anos 1980 seriam marcados pela morte de AM, em 1982, e pela colaboração de
LBB com municipalidades geridas por políticos ligados aos partidos de oposição, tais como
Mário Kertész, em Salvador, e Luiza Erundina, em São Paulo. Dez anos depois de AM, em 20
de março de 1992, ocorre, na capital paulista, o falecimento de LBB. Assim, é em algum lugar
entre 1982 e 1992 que escolho demarcar os contornos limítrofes do meu campo de

343
observação, no que tange à problematização das relações entre design e o contexto cultural
brasileiro.

Se, para tanto, foi preciso observar o que se discute hoje sobre o que foi discutido
antes (capítulo 1), fez-se necessário, também, perceber o que estava em jogo antes (capítulos
2, 3 e 4), para, enfim, identificar o momento em que convergem as preocupações de AM e
LBB (capítulo 5). Isso posto, voltemos, agora, a um domínio mais amplo em que todo esse
debate entre modernidade e brasilidade pode, mais uma vez, ser percebido, a partir de um sem
número de outras perspectivas.

344
CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Verbalizing design is another act of design.”


Kenya Hara, 2007

Ou alguns comentários provisórios sobre design e modernidade no Brasil

Em “A pulsão romântica e as ciências humanas no Ocidente”, Luiz Fernando Dias


Duarte (2004) propõe uma reconsideração do conceito de romantismo, apontando para
algumas de suas derivações ideológicas, desde o século XVIII até a contemporaneidade, onde
ele identifica um desenvolvimento neo-romântico. Definindo romantismo como um processo
de reação aos preceitos das ideologias individualista e universalista, que condensaram uma
nova orientação cosmológica no horizonte de sentidos da cultura ocidental moderna, o autor
se dedica a uma identificação daqueles que considera como sendo os elementos constitutivos
da perspectiva romântica, a saber, as noções de totalidade (de onde surge a noção de
singularidade), diferença, fluxo, pulsão e experiência.

Entendido como resistência e denúncia do universalismo e de seus princípios


racionalistas e fisicalistas, que surge no momento mesmo em que emerge aquela nova
concepção de mundo, o romantismo se conforma como contra-ponto, ou segundo momento,
de uma ideologia universalista, operando com ela em tensão permanente. Assim, sem abdicar
de certos parâmetros que orientam a ideologia da razão, o romantismo se coloca como um
duplo do universalismo individualista. Isso posto, não haveria como conceber o romantismo
sem considerá-lo englobado pelo universalismo.

Depois de discorrer sobre o arcabouço que qualifica o pensamento romântico, Duarte


observa como esses aspectos se desdobram em uma série de manifestações, incluindo aí desde
o surgimento das ciências humanas até o que se denomina de pós-modernismo. Sublinhando a
complexidade de interação entre romantismo e universalismo, aponta para dois
desenvolvimentos possíveis do dilema romântico – que se impõe pelo fato de ser o

345
romantismo, a todo tempo, e estruturalmente, englobado pelo universalismo, a que reage
criticamente, sem, no entanto, jamais, se desvencilhar.

A oposição ou bifurcação que define esses dois caminhos orienta-se em torno do par
luz/sombra. Dessa forma, seria possível identificar um “Romantismo da Luz” e um
“Romantismo da Sombra”, “um mais próximo da reflexividade da sua ideologia de origem, o
outro, mais distanciado, substituindo radicalmente a reflexão racional pela intuição” (2004:
12). Para o autor, essa bifurcação pode ser percebida na oposição entre arte e política, de um
lado, e ciência, do outro, sendo a arte e a política ocidentais pós-século XVIII, com suas
propostas restauradoras, algumas das manifestações mais significativas dessa tensão.
Sugerindo, inclusive, que as ciências humanas ocidentais podem ser compreendidas como
derivações românticas, Duarte define a antropologia - ciência social a partir da qual se coloca
sua própria perspectiva de análise -, como “universalismo romântico” (idem: 16).

Dentre os desdobramentos contemporâneos do pensamento romântico - que em


termos propriamente ditos, se estenderia como tradição contínua até a Segunda Guerra
Mundial -, o autor percebe um novo horizonte para a tensão entre universalismo e romantismo
naquilo que é hoje denominado de pós-modernismo. Caracterizado como uma crítica ao
universalismo articulada em nome da singularidade, da intensidade e da experiência, o pós-
modernismo poderia ser considerado, então, como um neo-romantismo.

Durante o encontro sobre LBB realizado no campus da Universidade Federal da


Bahia, em dezembro de 2009, teve ensejo um debate sobre a possibilidade de caracterização
da obra da italiana como pós-moderna. Naquela ocasião, discutia-se uma série de
características de seu trabalho, e se conjecturava sobre pontos de continuidade e divergência
da perspectiva bobardiana com uma atitude pós-moderna.

Colaborador constante de LBB em seus últimos vinte anos de vida, Marcelo Suzuki,
se levantara alguns momentos antes de a discussão retornar ao tema da pós-modernidade, indo
em direção à saída. Ao vê-lo saindo, uma das pesquisadoras envolvidas no debate correu atrás
do arquiteto, pedindo-lhe que voltasse e desse a sua opinião a respeito de LBB ser ou não pós-
moderna. De forma bastante coerente, Suzuki externalizou seu desconforto quanto à
possibilidade de o seu depoimento ser considerado como algum tipo de verdade, como se,
pelo fato de ter ele estado por bastante tempo próximo a LBB, pudesse se esperar que viessem
dele as respostas sobre a vida e a obra da italiana.

346
Entretanto, ensaiou responder à pergunta, afirmando que, mesmo que se tenha
confundido o projeto do SESC Pompéia como pós-moderno, LBB era absolutamente
moderna, tão ou mais impositiva e educadora do que Le Corbusier. A seu ver, colocava-se,
naquela discussão, não a possibilidade de LBB ser moderna ou pós-moderna, mas as formas
com que se entendia, ali, naquela arena, os termos moderno e pós-moderno. Afinal, pelo que
se estava identificando, naquele debate, o moderno? Não estaria sendo o moderno
estigmatizado?

Nesse ponto, a mediadora da sessão, Silvana Rubino, fez uma intervenção, atentando
para o fato de que tanto o moderno quanto o pós-moderno costumam ser estigmatizados,
entendidos como blocos estanques e consecutivos, o que deveria, de fato, ser problematizado.
Afinal, penso eu, a caracterização do termo pós-moderno esbarra, antes de mais nada, na
ambigüidade do próprio conceito de moderno. Assim, no limite, não existiria a possibilidade
de um moderno estabelecido a que se pudesse contrapor uma outra coisa que já não fosse
moderna.

Em sua tese de doutorado, discutindo a modernidade em arquitetura a partir da


trajetória de LBB, Rubino observa como se manifesta, na italiana - que se definiu e foi
definida como moderna (2002: 01) -, o modernismo, enquanto prática que pode ser alterada,
ganhando novos contornos através da experiência social de determinados atores. Entendendo
que, “das diversas áreas da ação humana que foram afetadas pela modernidade” (idem), a
arquitetura se destaca como “boa para pensar” (idem) o que caracterizaria essa noção, ela
escolhe tratar dos desdobramentos da modernidade a partir de LBB.

Assim como Rubino em relação à arquitetura, João de Souza Leite se propõe a


observar, através da trajetória de AM, o design no Brasil, considerando-o como “uma vertente
do moderno que se estabelece como tradição brasileira” (2006a: 36). Desse modo,
aproximando-se das perspectivas de AM e LBB, ambos discutem, em suas pesquisas, os
complexos desdobramentos do moderno que se insinuam em meio às trajetórias e produções
desses dois atores, e dos campos profissionais onde eles atuaram.

Observando as dimensões constitutivas do pensamento romântico enunciadas por


Duarte (2004), é possível perceber porque alguns pesquisadores chegam a identificar em LBB
- e poderíamos dizer que isso vale também para algumas das apreciações da perspectiva de
AM -, traços pós-modernos. Afinal, nos dois, se faz presente a marca de alguns dos elementos

347
constitutivos da perspectiva romântica identificados por Duarte, e que, como ele comenta,
servem de base, inclusive, para a caracterização de uma especificidade cultural nacional,
questão central para as perspectivas de AM e de LBB.

Assim, se ao perceber neles um engajamento mesclado entre a consideração de uma


universalidade moderna e a construção de uma especificidade brasileira (Anelli, 2001: 82-83),
alguns comentaristas terminam por situá-los no campo pós-moderno, proponho pensarmos,
por ora, em novos tipos de perspectiva a partir das quais seria possível problematizar alguns
enquadramentos interpretativos que terminam por suprimir os aspectos complexos e
contraditórios que oferecem rendimento a uma análise das construções discursivas através das
quais se materializam as identidades, e suas ambigüidades (Herzfeld, 2001).

Dentre as marcas de uma visada neo-romântica identificáveis nos dois, encontra-se a


idéia de que a valorização dos aspectos culturais nacionais seria condição sine qua non para a
constituição de uma civilização universal, o que implica em uma proposta de conciliação de
duas situações distintas. Segundo Duarte, é precisamente dessa tensão entre iluminismo e
romantismo que se nutre a perspectiva moderna, ou seja, ela se caracteriza na medida em que
estabelece uma complexa interação com a ideologia universalista, formando as duas um par
de opostos, identificado segundo um jogo dinâmico em que cada parte ganha novos sentidos
enquanto reage a uma reação previamente colocada pela outra.

Assim, a “imaginada desconstrução pós-moderna” (Souza, 2007: 42) - que é


percebida, por alguns, como uma retomada crítica das idéias descartadas pelo design moderno
-, observada a partir de outro ponto de vista, poderia sugerir exatamente o contrário, ou seja, a
“suposta revogação do moderno” (idem) poderia, também, ser apreciada como a
reconsideração de uma das características fundamentais do moderno267, a saber, a sua
proposta de conjugação entre tradição e ruptura. Desse modo, segundo Souza, “ao se
proclamar uma crise, não se está superando o moderno, muito pelo contrário. O moderno
deveria ter vivido em função do novo. Esse seria seu compromisso fundamental. No entanto,

267
Para Nestor García Canclini, a modernidade é constituída por quatro movimentos básicos, que ao se
desenvolver, entram em conflito: “um projeto emancipador, um projeto expansionista, um projeto renovador e
um projeto democratizador” (2008: 31). A partir dessa consideração, ele entende como “equívoca a noção de
pós-modernidade, se quisermos evitar que o pós designe uma superação do moderno. Pode-se falar criticamente
da modernidade e buscá-la ao mesmo tempo que estamos passando por ela? Se não fosse tão incômodo, seria
preciso dizer algo assim como pós-intra-moderno” (idem: 356).

348
o que se viu é que a busca permanente do novo gerou um estado de crise permanente, à qual
o moderno não apenas se adaptou como fez dessa circunstância seu próprio espaço vital”
(idem: 40). Diante desse quadro, “a brilhante alternativa encontrada pelo movimento
moderno foi estabelecer-se através da tradição da ruptura, talvez uma forma hábil de tentar
contornar crises reais, incorporando-as à sua existência” (idem).

Nesse sentido, Anelli comenta a análise de Giulio Carlo Argan sobre Walter Gropius
e a Bauhaus (Argan, 2005), segundo a qual Gropius propunha que a escola atuasse como
agente viabilizador de um novo projeto estético e social, em que a indústria era entendida
como uma transformação do artesanato, e não a sua negação (Anelli, 2001: 76). Nesse
sentido, o design moderno alemão, conformado a partir do projeto inicial da Bauhaus, surgiria
exatamente da “tensão entre o reconhecimento dos valores populares da produção artesanal
e a sua transformação por alguém estranho a ela” (idem). Concepção que se aproximaria,
mesmo que de forma ambivalente, daquela formulada na Itália, por Giò Ponti, que propunha
“uma modernização do artesanato através do refinamento do gosto italiano, opondo-se às
orientações abstratas e industriais derivadas da Bauhaus” (idem: 43).

Esse mesmo ‘jogo de espelhos’ é identificado por Duarte na obra do paisagista


Roberto Burle-Marx, que, ao transformar o “mundo tropical” em uma entidade racional que é
ao mesmo tempo um domínio sensível, teria formulado um tipo peculiar de modernismo
(Duarte, 2011c: 14), caracterizado por uma atitude que se constitui a partir de uma identidade
desafiadora, híbrida e complexa (2011c: 03). Tal impulso em direção ao hibridismo - que aqui
é caracterizado como um investimento em diálogos e compromissos ambivalentes e
contraditórios entre “natureza” e “civilização” -, se desenvolveu, segundo Duarte, sob a
influência da cosmologia romântica, com sua ênfase nas idéias de sensibilidade artística,
autenticidade das raízes populares nacionais e totalidade incorporada nas singularidades.
Identificando em Jean Baptiste Debret um pioneiro, no Brasil, dessa mistura de cenários
tropicais com sabores cosmopolitas, Duarte ressalta que a tendência em direção ao que se
convencionou chamar de hibridismo se desdobrou ao longo do século XX (idem: 05),
ganhando novos sentidos entre o pós-segunda guerra e o estabelecimento das condições
contemporâneas da globalização (idem).

Em um artigo sobre as relações entre o movimento tropicalista e a política, o


antropólogo Hermano Vianna (2005) enuncia aquelas que, dentre as tradições culturais

349
brasileiras, considera como sendo as mais significativas referências para o Tropicalismo268: se
a mais direta é o canibalismo cultural de Oswald de Andrade, há, a seu ver, um vínculo
fundamental com o hibridismo defendido por Gilberto Freyre - sob a forma de um estado
onde a diferença não se extingue em uma fusão total, mas, contrariamente, permanece em um
equilíbrio instável de antagonismos. Para Vianna, esse modo freyriano de considerar o
hibridismo, não como fusão, mas como justaposição, seria utilizado como démarche criativa
pelos tropicalistas, em suas colagens sincréticas.

O regime de indefinição, definido por Freyre como principal característica brasileira


(Vianna, 2004: 147), é analisado na pesquisa de doutorado de Vianna, da qual resultou o livro
“O Mistério do Samba”. Nesse trabalho, o autor investiga os processos através dos quais “um
fenômeno - a mestiçagem -, até então considerado a causa principal de todos os males
nacionais (via teoria da degeneração), “de repente” aparece transformado, sobretudo a partir
do sucesso incontestável e bombástico de “Casa-Grande e senzala”, em 1933” (2004: 31).

Observando os processos de ““invenção de uma tradição”, aquela do Brasil


mestiço269” (idem: 20) através da transformação do samba em música nacional, Vianna atenta
para algumas noções formuladas por Freyre, que, a meu ver, parecem subjazer às leituras do
país feitas por LBB e AM em suas propostas. Nessa medida, suas análises sobre os processos
de invenção de uma tradição nacional-popular brasileira articulada em torno da idéia de
mestiçagem fornecem subsídios para uma investigação das formas com que tanto LBB quanto
AM se colocam face ao dilema da constituição de um campo disciplinar e profissional
articulado em torno da produção industrial, no Brasil.

Afinal, o design - segundo Souza, o último filho do moderno (2008a: 24) -, tem sua
ideologia moldada no movimento industrialista, para o qual o progresso seria medido pelo

268
Conceito já utilizado por Gilberto Freyre, e divulgado de forma mais sistemática com a publicação do livro
“New world in the tropics”, em 1959, depois traduzido para o português e publicado com o nome de “Novo
mundo nos trópicos”, em 1971 (Freyre, 2000).
269
Aqui é preciso considerar, como atenta Vianna, que a afirmação desse hibridismo brasileiro não deixa de ter
um efeito perverso, na medida em que o projeto brasileiro-mestiço de Gilberto Freyre, que sugere que seríamos,
“como sugere Roberto Da Matta, uma sociedade “missionária” da possibilidade de “sintetizar”” (2004: 158),
termina por conduzir a uma idéia de mestiçagem homogeneizante que “desemboca em perigosas pretensões
universalistas” (idem). Assim, “aquilo que era elogiado por ser aberto ao diferente, por abarcar o diverso, passou
a excluir a diversidade em nome de sua ortodoxia. [Ou seja], o indefinido tornou-se a regra de definição” (idem).

350
controle da natureza (2008b). Em sua luta contínua contra um imaginado elemento de
animalidade no homem, a razão industrialista propunha, então, a subjugação dos instintos
naturais, ou seja, o domínio da natureza e do que haveria de natural no homem. Dessa forma,
o industrialismo se configura como uma luta contra o humanismo, o que termina por levar a
arquitetura e o design modernos a criticar e negar a natureza, afirmando que a medida do
progresso residiria exatamente no controle do que é natural pela ação humana.

Nesse processo, “o design moderno se estabeleceu como um elemento regulador da


indústria, como um argumento em favor de comportamentos que visavam uma padronização,
e por isso mesmo foi durante anos o portador de um discurso crítico em nome da razão e da
utilidade que depois de se estabelecer como ideologia teve uma expansão quase
descontrolada em função da Segunda Guerra Mundial” (2007: 39). Assim, auto-interpretados
como portadores históricos de uma inovadora postura diante das possibilidades técnicas de
uma nova civilização industrial, design e arquitetura modernos acreditaram que seria possível
forjar novos padrões éticos e morais para o mundo. Entretanto, segundo Souza, as coisas não
tomaram a forma por eles imaginada, e, depois da Segunda Guerra Mundial, cai por terra
grande parte do arcabouço conceitual que parecia sustentar a razão moderna do design.

Isso acontece, em grande parte, “porque a indústria, ao contrário do que se lê em


algumas lamentações pedagógicas sobre o design moderno, absorveu esse discurso,
reordenou essas idéias dentro de seu ideário e criou novas formas de trabalho baseadas em
conceitos como sistematizações, programações, etc. Assim, a indústria ultrapassou a
proposição do design moderno” (idem) e sua “obsessão pelo útil” (idem: 38). Desintegrado
do sistema produtivo, o design proclama seu estado de crise (idem: 40), e vê destituído seu
sentido político (idem: 36). Afinal, como já foi sugerido, uma das premissas do ideário
moderno em arquitetura e design era que “dever-se-ia fazer política através do projeto”
(Bonsiepe, 1983: 37).

Em meio a esse processo, entra em cena a idéia de relativismo cultural, até então
condenada e posta de lado pelo design. Essa idéia se faz presente, segundo Souza, através da
ergonomia e dos estudos do antropólogo americano Gordon W. Hewes (1917-1997), que,

351
interessado, pelos aspectos culturais e antropológicos das posições corporais270, chamou a
atenção dos designers para a necessária consideração da diversidade dos hábitos corporais no
desenho de objetos dentro de uma civilização tecnológica. Assim, “o conceito de relativismo
cultural fez, através da ergonomia, uma entrada triunfal no universo do design moderno
acostumado ao autoritarismo ocidental” (2008b: s/p).

Ademais, não se pode desconsiderar que quando idéia de design moderno se faz
presente no Brasil, ela está associada a uma similar tendência de modernização
desenvolvimentista e industrial de fundo universalizante. Entretanto, quando isso acontece, a
idéia de um Brasil mestiço, prefigurada de forma positiva pelos modernistas da Semana de 22,
e reorganizada por Freyre durante os anos seguintes271, está posta, ainda que não deixe de
apresentar contradições. Mais do que posta, ela está assentada sob os pilares do “modernismo
paralelo” (Amaral, 1997: 53) da arquitetura carioca, que se faz presente, também, como visto
no capítulo anterior, nas políticas públicas de preservação do patrimônio cultural272, sediadas,
naquele momento, e não por acaso, no primeiro edifício modernista edificado na cidade do
Rio de Janeiro.

270
Nesse sentido, Hewes dava continuidade aos estudados de Marcel Mauss (2003) sobre as técnicas do corpo
como um novo campo de pesquisa em antropologia.
271
Vale lembrar que o “Manifesto Regionalista”, de 1926, de autoria do mesmo Gilberto Freyre. Sobre o
manifesto, comenta Ruben Oliven: “o Manifesto Regionalista desenvolve basicamente dois temas interligados: a
defesa da região enquanto unidade de organização nacional e a conservação dos valores regionais e tradicionais
do Brasil em geral e do Nordeste em particular. A análise do documento é extremamente elucidativa. Ele começa
afirmando a existência, em Recife, de um movimento de reabilitação dos valores regionais e tradicionais do
Nordeste. Assim, todas as terças-feiras um "grupo apolítico de ‘Regionalistas’ se reúne em volta da mesa do chá
com sequilhos e doces tradicionais da região (...) preparados por mãos de sinhás" (Freyre, 1976, p. 54), para
discutir de forma descontraída problemas desta parte do Brasil. Apesar do tom "apolítico" e modesto, Freyre é
categórico a respeito da ambição do grupo: "Nosso movimento não pretende senão inspirar uma nova
organização do Brasil" (Freyre, 1976, p. 55). Esta proposta de reorganização do país visando consolidar a
sociedade brasileira é formulada através de um modelo político-administrativo calcado na região enquanto
elemento constitutivo da nação, pois é o conjunto de regiões e não uma coleção arbitrária de estados que
formaria de fato o Brasil. Como desde seu início o país teria sido composto por regiões naturais a que se
sobrepuseram regiões sociais, é preciso administrá-lo regionalmente. A necessidade de reorganizar o Brasil ─
primeiro tema central do Manifesto e preocupação constante de pensadores brasileiros do fim do século passado
e começo deste ─ decorreria do fato de ele sofrer, desde que é nação, as conseqüências maléficas de modelos
estrangeiros que lhe são impostos sem levarem consideração suas peculiaridades e sua diversidade física e social.
Como se pode perceber, a formulação de um sistema alternativo de organização do Brasil está ancorada na
denúncia da importação de modelos alienígenas considerados incompatíveis com nossas peculiaridades. A
discussão sobre a conveniência ou não de importar modelos e idéias estrangeiros é um tema recorrente entre
nossos intelectuais e dele o Manifesto de 1926 tratará também ao analisar a questão da tradição” (Oliven, 1986).
272
É preciso considerar que “Lucio Costa permaneceria sendo ainda o Diretor da Divisão de Estudo e
Tombamentos do IPHAN até 1972, quando se aposenta da instituição, tornando-se um consultor extra-oficial
permanente” (Rossetti, 2007: 111)]

352
Todavia, quando se consolida o projeto construtivo brasileiro, a consideração
positiva da idéia de mestiçagem cultural perde força em meio a uma vontade de modernização
universalizante, ressurgindo, ainda que de forma ambivalente, quando da construção da nova
capital-federal, obra projetada por dois arquitetos que rejeitam os postulados modernos
formulados a partir de um ponto-de-vista germânico, em prol de um modernismo inicialmente
mais alinhado a uma vertente francesa, mas, que, diferentemente dessa, está em diálogo aberto
com as tradições nacionais populares273.

273
Curiosamente, essa é uma noção formulada, primeiramente, na Alemanha, através da obra de Johann
Gottfried Herder, que se espalha pela Europa Oriental e Escandinávia, sem, no entanto, conseguir a mesma
intensidade de penetração na França e na Inglaterra (Vilhena, 1997b: 51). A filosofia de Herder, por sua vez, faz
parte de uma reação intelectual politicamente implicada com as “mudanças trazidas pela Revolução Francesa e
seus corolários às sociedades européias” (Duarte, 2004: 07). Para Duarte, “o ponto mais evidente de todas essas
resistências e reações é o seu caráter reflexo, dependente da dinâmica de afirmação do universalismo (2004: 07-
08).

Assim, o ponto-de-vista germânico de que falamos, que se refere àquele formulado a partir da Escola de Ulm,
poderia ser considerado como uma reação, no imediato pós-guerra, ao “sentimento de uma certa especificidade
da cultura alemã no quadro europeu” (idem: 07), considerada por Norbert Elias como uma das “tendências de
desenvolvimento a longo prazo que contribuíram para o surto de movimentos” (Elias, 1997: 321) do tipo
“nacionalista, antidemocrático e anti-semítico extremo” (idem), tal como o nazismo. Considerando-se, como
afirma Souza, que “a HfG-Ulm foi uma conseqüência indireta da resistência alemã antinazista” (1996: 53), é
possível encará-la, então, como uma reação ao “conservadorismo romântico” (Elias, 1997: 322) que teria
contribuído, segundo Elias, para que as “atitudes nacionais” (idem) assumissem disposições tais quais a do
nacional-socialismo praticado pelo Partido Nazista alemão. Dessa forma, a ideologia do design moderno revisita
o “pensamento clássico alemão” (Souza, 2008b), que, segundo este autor, tem seus principais expoentes em
Kant, Hegel, Fichte e Schelling, todos eles admiradores das idéias da Revolução Francesa (idem).

Lembrando que “a idéia da criação da HfG surgiu no pós-guerra, no período de reconstrução, quando muitos
alemães buscavam um caminho novo e democrático para seu país” (idem), Souza assinala que “os primeiros
planos [para a escola] datam de 1947 e são delineados em um documento sem autoria, que trata das intenções
educativas da Fundação Scholl, que tinha por objetivo manter viva a memória de Hans e Sophie Scholl, jovens
membros da Resistência, presos e executados pelos nazistas em 1943” (1996: 53). Financiada através de recursos
norte-americanos, a escola foi inaugurada alguns anos depois da criação da República Federal Alemã, “que iria
ligar-se solidamente ao capitalismo” (idem: 54). Assim, segundo Souza, a escola viveu sempre em meio a uma
contradição, “de um lado um grande desenvolvimento das forças produtivas e de outro a restauração de um
regime conservador” (idem). Vale a pena reproduzir a primeira parte do conteúdo do documento citado por
Souza, na medida em que ele expressa de forma sistemática os princípios norteadores da criação da HfG, em
relação à política e cultura.

“A Escola da Fundação Scholl deve: a) Politicamente: 1. Dar a seus alunos um pensamento político
independente. 2. Participar na formação de uma elite democrática. 3. Enquanto herdeira do movimento de
resistência de Hans e Sophie Scholl, deve sustentar as forças políticas progressistas. 4. Através de seu corpo
docente internacional deve estabelecer relações com outros países. 5. Enquanto escola para a juventude, deve
ensiná-la a agir politicamente e ajudá-la a descobrir caminhos para a ação política. 6. Formar seus alunos em
disciplinas que permitam um comportamento político construtivo. b) Culturalmente: 1. A escola objetiva um
universalismo de acordo com nossa época. Deve integrar capacidade profissional, formação cultural e
responsabilidade social. 2. Deve aproximar inteligência e cultura, vida e cotidiano, orientando a atividade
criativa para os aspectos práticos da vida. 3. Deve influir sobre a criação de produtos sociais e ajudar a
indústria a conciliar forma e qualidade. Deve por isso favorecer o crescimento de exportações e contribuir para

353
Se Lucio Costa – arquiteto do edifício do MEC, do plano-piloto de Brasília e de parte
significativa da política do SPHAN - assume o pensamento estético moderno, “vinculado à
autonomia do fazer e ao processo social da arquitetura” (Brito, 2004: 249), em sua obra a
nova percepção da forma, “assimilada como efetivo processo de realização social” (2004:
250), postulado da Bauhaus, se configura como uma “história cultural, um processo
civilizatório de longa duração” (idem). Assim, segundo Ronaldo Brito, o conceito de cultura
formulado por Lucio Costa estaria distante do germânico, aproximando-se mais do inglês, na
medida em que, nele, “a cultura se confunde um pouco com a civilização” (idem).
Entendendo que só pode haver modernidade onde existia passado histórico – tradição –, o
arquiteto teria percebido que era preciso, antes de mais nada, inventar274 um passado a partir
de onde pudesse se operar a sua ruptura (idem: 252).

Assim, ele teria contribuído de forma substantiva para a constituição de um modo de


assimilação do processo moderno no Brasil (idem: 253) que se tornaria paradigmático.
Promovendo uma “recepção climatizada” (idem) do racionalismo corbusiano, a
“modernidade desinibida” (idem: 254) de Lucio Costa propunha uma leitura moderna do
passado brasileiro, que, organizada em torno das idéias de mestiçagem e hibridização cultural
(formuladas, em grande parte, por Gilberto Freyre), encontra no passado arquitetônico
colonial275 uma ponte de acesso à modernização. Desse modo, em torno da idéia de

a elevação do nível de vida. 4. Deve reunir os diferentes domínios da criação (linguagem, som, imagem, forma,
construção) em um todo coerente. 5. Deve transmitir a seus alunos um saber geral contemporâneo. Deve buscar
e reanimar o passado, voltando-se para os problemas de nossa época” (idem).
274
Comentando a contribuição das artes plásticas aos processos de instituição de noções como a de identidade
nacional a partir de trajetórias artísticas, como a de Emiliano Di Cavalcanti, Reinheimer (2007: 153) considera
que, na arte, assim como na arquitetura, antes de estabelecer a modernidade, “foi necessário estabelecer o Brasil
e os brasileiros como uma “região” simbólica de produção artística legítima” (2007: 167). Afinal, buscava-se
forjar mediações “através das quais a modernidade brasileira pudesse ser constituída” (idem).
275
O processo de eleição do passado colonial como o mais representativo de uma identidade nacional é algo que
se espraia para além dos domínios específicos da arquitetura e da sociologia, envolvendo, de forma mais ampla,
as diversas manifestações artístico-culturais modernas que, buscando forjar um mito de origem da nação
brasileira moderna construíam, ao mesmo tempo, a própria nação, uma vez que forneciam representações sobre a
cultura de sua população (Reinheimer, 2007: 263). A partir dessas considerações, ganha sentido a aproximação
da intelectualidade moderna com o Estado, ainda na primeira metade do século XX. Afinal, ambos investiam,
naquele momento, em um projeto nacionalista “que incluía o campo artístico como uma das arenas nas quais a
nacionalidade era articulada no início do século XX” (idem). Nessa medida, deve-se considerar que todas essas
proposições específicas se inserem em um processo mais abrangente de construção de uma cultura nacional
moderna. Assim, poderiam, de alguma forma, ser pensadas, todas, como parte da história do modernismo
brasileiro. Entretanto, vale ressaltar, como assinala Reinheimer, que “a noção de identidade nacional precisa ser

354
continuidade, Costa assume “o duplo compromisso de projetar nosso futuro e construir nosso
passado” (Nobre, 2004: 127).

Nesse sentido, a perspectiva histórico-cultural construída por Lucio Costa encontra


uma saída para o conflito moderno (Brito, 2004: 249), que opõe o desenvolvimento científico-
tecnológico à consideração das especificidades culturais e das questões que envolvem o
domínio natural. Afinal, segundo Costa, “a natureza escolheu o homem para ser o veículo da
tecnologia” (apud Brito, 2004: 249). Portanto, “o desenvolvimento científico e tecnológico
não é o oposto da natureza, mas a própria natureza, que, através de seu estado lúdico – que
somos nós – revela o lado oculto, virtual” (idem).

Segundo essa perspectiva, a industrialização não implica em violação da natureza; ao


contrário, uma vez vinculada às especificidades de seu entorno cultural, seria o elemento
potencializador do desenvolvimento nacional. Dessa forma, ao vincular natureza, cultura e
tecnologia, e, por conseguinte, modernidade e tradição, o “projeto de construção da
nacionalidade pela via da produção cultural” (Nobre, 2004: 127) formulado por Lucio Costa
se aproximaria do que Brito nomeia de um “romantismo pós-iluminista” (Brito, 2004: 249).

Ora, quando o projeto desenvolvimentista baseado nas idéias de modernização via


industrialização e abertura ao capital externo se mostra ineficaz, é exatamente para a idéia de
cultura nacional popular que se vai olhar. Assim, em meio às críticas insurgentes durante a
virada dos anos 1960 para os anos 1970 - referentes ao papel do design dentro de um projeto
de desenvolvimento considerado perverso -, ecoa novamente, de forma positiva, a idéia de
“uma modernidade diferente” (Vianna, 2004: 156), que incorporasse os elementos culturais
até então considerados sintomas de nosso “atraso” (idem).

Dessa forma, as visadas freyriana e costiana da cultura brasileira, que buscavam


identificar, nela, “o contrário da permanência e da impossibilidade de metamorfose” (2004:
149), ou seja, “a fluidez, a possibilidade de mutação constante, de adequação à diversidade”
(idem), se adequavam à ocasião, em que se ensaiava uma revisão crítica do projeto de
modernidade adotado no país em torno da metade do século XX.

observada a partir das situações específicas nas quais ela foi acionada como forma de escapar à naturalização
e à reificação que o conceito pode acarretar” (idem: 166).

355
Deve-se lembrar que alguns críticos da arquitetura e do design no Brasil identificam,
também em LBB e AM, traços de uma modernidade híbrida, aqui configurada como uma
perspectiva que, ao mesmo tempo em que os distingue das vertentes mais hegemônicas do
campo - notadamente as associadas ao racionalismo universalista formulado em Ulm -, os
mantém vinculados ao programa modernista. É, portanto, em meio a disputas por
classificações e eleições, que envolvem “modernos versus tradicionalistas, nacionalistas
versus cosmopolitas, racionalistas versus organicistas” (Rubino, 2009: 21), que se organiza
essa “visão híbrida de arquitetura e design” (Lima, 2007: 27), que “abraçou os princípios
heróicos do Movimento Moderno com uma sensibilidade para vocabulários particulares
comuns à geração do segundo pós-guerra, que ganhou contornos românticos e
revolucionários durante o intenso período de modernização do Brasil entre os anos 1950 e
1960” (idem).

Assim, caracterizado por uma série de paradoxos e ambigüidades, um “outro


modernismo, eventualmente distinto daquela postura a um só tempo nacionalista e
modernizadora que se tornava gradualmente hegemônica entre nós” (Araújo, 1994: 31),
encontra, em LBB e AM, dois novos horizontes de sentido que, mesmo seguindo vias
divergentes, alinham-se à proposta de continuidade costiana, valorizando a história e a cultura
como realidades eminentemente criadoras. Propondo-se como alternativas ao que se efetivava
no país, naquele período, trata-se, aqui, de um “outro projeto moderno no Brasil” (Anelli,
2001: 78), delineado a partir de “outros campos de ação” (2001: 64), a fim de viabilizar
“outras formas de desenvolvimento industrial e cultural276” (idem), formuladas a partir da

276
Nesse contexto, deve-se comentar a proximidade dessas idéias com algumas das formulações de Darcy
Ribeiro, que, como visto, em diversos momentos de aproxima da comunidade de design no Brasil, e, mais do que
tudo, da vertente conformada por LBB e AM – vale lembrar, nesse sentido, a visita de Ribeiro às obras do Solar
do Unhão; os convites feitos a AM, na UnB; e o depoimento na contra-capa do livro “Tempos de grossura: o
design no impasse”, de LBB, em que ele elogia o projeto da italiana de “pensar em uma prosperidade que fosse
de todos, uma beleza que fosse alcançável, atingível” (apud Bardi, 1994). Aqui, vale destacar, também, parte do
texto escrito por Ribeiro como apresentação do livro de Gui Bonsiepe, “A tecnologia da tecnologia” (1983): “A
ruptura com nossa situação presente de povos dependentes, não se dará jamais pelo caminho da macaqueação
do que os outros fazem. Só se abrirão nossos horizontes, quando proibirmos o passado e o presente de forjarem
o futuro que corresponde ao seu ser e à sua propensão. Só realizaremos nossas próprias potencialidades
projetando nós mesmos o futuro que queremos para nós. Isso se sucederá quando desenvolvermos estilos de
vida e modos de consumo que não se regem pelo primado do lucro, mas que queiram fundamentalmente atender
às necessidades de nossa população, em termos de emprego, comida, educação, saúde e moradia. Sobre esta
vida produtiva nova e autônoma que ocupará todos os milhões de trabalhadores que somos no esforço de
produzir o que consumimos, é que poderá florescer e florescerá, um dia, a civilização que corresponde ao nosso
ser, com sua tecnologia própria e com um estilo criativo genuíno. Voltaremos, então – quem sabe? – a ser

356
“intersecção entre o moderno e o popular” (idem: 73) - o popular visto aqui “como cultura e
não como folclore” (idem: 74).

Desse modo, visando superar algumas dicotomias típicas do projeto moderno, ambos
ensaiam conciliar modernidade e cultural local, o que constituiria, para Josep Maria
Montaner, na proposição de “um método para superar as limitações da própria modernidade,
que consistia em harmonizar a base cultural do passado e a riqueza e a vitalidade da cultura
popular com o projeto moderno de criar novas formas para uma nova sociedade” (2001:
12)277. Buscando demonstrar, assim como fizeram Gilberto Freyre e Lucio Costa anos antes,
que tradição e modernidade não são noções antagônicas, AM e LBB propõem um
apazigüamento de certas ortodoxias da modernidade, sugerindo, através do que Octavio Paz
nomearia de “idéia de combinação” (Paz, 2006: 137), outras possibilidades para a
constituição de um campo profissional e disciplinar articulado em torno de um desenho
industrial e, portanto, moderno, no Brasil.

Comentando uma recorrência nas biografias de Roberto Burle-Marx, que repetem


uma história que conta que o paisagista teria despertado para as qualidades estéticas da flora
tropical no Jardim Botânico de Berlim, Duarte (2011c) propõe que o paisagista teria
descoberto, na capital alemã, não exatamente a beleza da flora tropical, mas, sim, um novo
sentido para os seus potenciais estéticos, um novo contexto para a exploração formal de suas
características.

Acredito que seria possível pensar a mesma coisa sobre LBB e AM. Segundo a
leitura de Souza Leite (2006b), a perspectiva desenvolvida pelo pernambucano só pôde ser
delineada de forma mais sistemática quando da sua aproximação com o design norte-
americano, ocorrida em torno de 1957. A partir daquele momento, AM teria vislumbrado a
possibilidade de associar a criação artística com a produção industrial, em um espectro amplo,
social. Tendo absorvido essas idéias, ele visita, em 1959, o canteiro de obras da futura capital-

índios como aqueles dos cestos de carregar mandioca, da descarada vontade de beleza e da mais ousada
alegria de viver” (Ribeiro, 1983).
277
Nesse sentido, poderia- se sugerir uma aproximação dessas idéias com as propostas de Nestor García
Canclini, segundo as quais se defende que as culturas híbridas latino-americanas teriam desenvolvido uma série
de “estratégias para entrar e sair da modernidade” (2008).

357
federal brasileira, de onde volta para a sua cidade-natal, Recife, já preparando a mudança para
o Rio de Janeiro, cidade em que abre, ainda em 1960, um escritório de design.

LBB, por sua vez, teve que desembarcar no Brasil para vislumbrar um novo
horizonte a partir de onde experimentar as idéias apreendidas durante o convívio com Giò
Ponti, no imediato pós-guerra. O vislumbre de novos sentidos para potenciais já reconhecidos,
mas ainda inexplorados, que ocorre com Burle-Marx em Berlim, é experimentado durante o
itinerário brasileiro de LBB em três momentos distintos: a chegada ao Rio de Janeiro, com o
edifício modernista do Ministério da Educação à frente; a instalação em São Paulo, e a
tentativa de instituição de um ambicioso programa moderno a partir do MASP; e a
transferência para a Bahia, onde se ensaia uma associação entre desenvolvimento industrial e
consideração das especificidades culturais locais.

AM, por sua vez, teria vislumbrado esses potenciais novos sentidos nos Estados
Unidos e em Brasília, quando a criação artística se coaduna à idéia de projetação -
planejamento sistemático com vistas a um desenvolvimento futuro -; e depois, de novo, em
Brasília, quando um processo de problematização do produto brasileiro leva a um gradual
envolvimento com a gestão de políticas públicas de cultura.

Com origens, itinerários e posicionamentos políticos bastante particulares, cada um


dos dois trilhou, de forma paralela, percursos teórico-conceituais que, se chegam a insinuar
aproximações – seja em 1963, seja em 1977 -, não são suficientemente convergentes para
determinar uma confluência empírica (no sentido de um diálogo mais direto, que se faz de
forma presencial, sem intermediários). Dessa forma, mesmo que saibamos agora que os dois
se conheciam e se respeitavam, sua aproximação só se efetua post mortem, graças a
associações feitas por alguns críticos do design no Brasil (como visto no capítulo 1), em
textos que começam a ser publicados em torno da segunda metade da década de 1990.

Se as evidências de aproximação entre os dois, encontradas por mim durante a


pesquisa, se revelaram através de telegramas e de um discurso publicado em uma revista, e as
pistas para uma associação foram se evidenciando a partir de uma série de outras leituras e
conversas - seja a dos textos de LBB e AM, seja através dos textos dos críticos que avaliam
de forma aproximada as propostas dos dois, seja nas entrevistas que realizei -, da mesma
forma, somente no registro verbal foi possível escrutinar as possíveis afinidades e diferenças
entre as perspectivas de AM e LBB.

358
Assim, se a pesquisa se caracterizou por uma série de ações distintas – todas elas
fundamentais para a construção do trabalho -, foi através de mapeamentos de conjuntos de
produções discursivas publicadas, realizados segundo uma abordagem diacrônica, que me foi
possível perceber onde se encontrava, nos textos e falas dos dois personagens, as proposições
que, lidas conjuntamente, dão àquele que lê a sensação de que eles estão falando a mesma
coisa. Utilizei o mesmo procedimento analítico para inventariar a produção crítica
contemporânea em design e em arquitetura, buscando perceber de forma sistematizada quem
eram aqueles que identificavam convergências entre LBB e AM, e como eram construídos,
por eles, os comentários sobre essas associações.

Dessa forma, busquei perceber a partir de onde eles constituíam as proposições em


que AM e LBB aparecem como agentes assemelhados dentro do campo. Foi assim, em torno
de atos de fala (Austin, 1970) que organizei a problematização das questões surgidas ao longo
da pesquisa, bem como a construção da minha própria narrativa, que por ora vai se
concluindo. Desejando problematizar a retórica da vida social - entendida, aqui, “como a
dimensão acessível da própria realidade social” (Herzfeld, 2001: 10) -, busquei perceber,
também, as ambigüidades de identidade (2001: 17) que impedem que se estabilize alguma
definição do que representa, em design, ser moderno e brasileiro.

Acredito que seria possível construir uma série de outras problematizações a partir da
observação das trajetórias e das obras de Lina Bo Bardi e Aloisio Magalhães. Entretanto,
sabendo que não é possível dar conta, em um trabalho desta extensão, de todas as questões
que surgem quando se observa dois personagens envolvidos em meio a um processo de
conformação de um campo disciplinar-profissional, tais como LBB e AM face ao processo de
institucionalização do design no Brasil, optei por investigar, a partir deles, algumas das
problemáticas consideradas legítimas no campo do design brasileiro, que assumem, portanto,
um caráter central para a comunidade de designers no Brasil. Assim, a partir de LBB e AM,
terminei me engajando em uma pesquisa sobre os processos de conformação e consolidação
do design como campo acadêmico e profissional no país.

Se a questão da identidade nacional do design brasileiro é tão pujante para os


designers, desde os momentos de instauração do campo até os dias de hoje, e se ela se
constitui em torno de um tenso debate entre realidade nacional e referências externas,
encontrando refúgio na idéia de um design mais comprometido com a noção de

359
contextualização cultural, sendo LBB e AM considerados os mais consistentes formuladores
de uma saída alternativa para tal impasse, então, problematizar as suas perspectivas, assim
como as da crítica contemporânea, face aos contextos onde elas se inserem, me pareceu uma
conveniente e produtiva estratégia de pesquisa.

Buscando apoio em estudos que observam, a partir de uma mirada antropológica,


questões semelhantes às colocadas aqui, tais como “o tema da definição da identidade dos
intelectuais na constituição do campo intelectual” (Vilhena, 1997a: 69), percebi que “o que
nos permite escapar do risco de determinismo inerente à ênfase unilateral nessas abordagens é
a atenção antropológica à forma pela qual em cada contexto existiram valores e categorias
mediando as relações entre os atores e a realidade em que agem” (1997a: 68). Isso posto,
assumi a “necessidade de se contextualizar histórica e culturalmente, a forma pela qual, em
dado momento, incidem [sobre os intelectuais e o campo intelectual] as determinações
“externas”” (idem: 69).

Assim, ensaiando dialogar com referências em que encontrei rendimento ao longo do


processo de pesquisa, e, também, com o que tomei por fonte de informação e discussão - a
saber, as produções discursivas relativas aos debates em torno da consolidação do design
enquanto campo profissional e disciplinar no Brasil -, intentei fazer “uma etnografia dos
conceitos e das identidades” (Herzfeld, 2001: 19) postos em jogo, naqueles contextos.
Entendendo ser fundamental reconhecer o caráter provisório dos meus próprios
enquadramentos interpretativos (2001: 10), sugiro que se perceba essa narrativa como um
comentário, ou seja, mais um olhar sobre diversos outros olhares (Grammont, 2008). Afinal,
penso que, somente dessa forma, é possível contribuir para uma efetiva problematização de
questões como as aqui apresentadas – todas elas críticas à constituição de uma história do
design no Brasil.

Realizando, a partir da leitura de Michael Herzfeld, que seria “um otimismo


estranhamente utópico, talvez, aquele que se permite contemplar seriamente o transcender da
“nossa própria” ideologia, já que não é claro quem “nós” somos” (2001: 18), assumo,
entretanto, que à pesquisa se sucedeu “uma reconciliação com coisas e pessoas das quais
insensivelmente me afastara por conta do ingresso em outra vida” (Bourdieu, 2005: 90).
Assim, o percurso de pesquisa que me leva ao doutoramento em antropologia terminou por
fazer com que toda uma parte de mim me fosse devolvida (idem). Espero, contudo, ter

360
alcançado a “conversão do olhar requerida pela adoção da postura de observador” (idem: 89),
e assim ter logrado interrogar, a partir de um novo tipo de perspectiva, “um mundo que me era
familiar” (idem: 88).

361
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1910
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LINA BO BARDI FONTE ALOISIO MAGALHÃES FONTE
1947 “Na Europa a casa do homem ruiu” LPE, p. 64-67
Rio de Janeiro, n. 92, fev 1947, p. 53-55 e 95
“Pedras contra brilhantes” LBB, p. 40
1947
“Museu de Arte” LBB, p. 42-43
Rua do Ouvidor, Rio de Janeiro, 1947 1 parágrafo
“Edifício Diários Associados” LBB, p. 52-55
Rua Álvaro de Carvalho, São Paulo, 1947
1948 “Palma” LBB, 56-63
Studio de Arte e Arquitetura, São Paulo, 1948
1950 “Casas de Vilanova Artigas” LPE, p. 67-70
In: Habitat n. 1, São Paulo, out-dez 1950, p. 2-16
“Habitat” LBB, p. 64-66
In: Revista de Artes no Brasil, 1950 1 parágrafo
“Primeiro: escolas” LBB, p. 67
In: Habitat, 4, São Paulo
1951 “Bela criança” LPE, p. 70-73
In: Habitat, São Paulo, n. 2, jan-mar, 1951, p.
“Duas construções de Oscar Niemeyer” LPE, p. 73-75
In: Habitat, São Paulo, n. 2, jan-mar, 1951, p. 6-9
“Vitrinas” LPE, p. 75-79
In: Habitat, São Paulo, n. 5, out-dez, 1951, p. 60-61
“Agricultura paulista” LBB, p. 68-69
Exposição, Parque da Água Branca, São Paulo, 1951 1 parágrafo
“Edifício Taba Guaianases” LBB, p. 70-73
Viaduto Major Quedinho, São Paulo, 1951
“Trajes” LBB, p. 74-75
1 parágrafo
“Bardi’s Bowl” LBB, p. 76-77
1 parágrafo
“Casa de Vidro” LBB, p. 78-83
“Casas econômicas” LBB, p. 84-87
Estudos, 1951 1 parágrafo
“Museu à beira do oceano” LBB, p. 90-93
São Vicente, São Paulo, 1951 1 parágrafo
1953 “Residência no Morumbi” LPE, p. 79-81
In: Habitat, São Paulo, n. 1, jan-mar 1953, p. 31-40
1955/  
“Magistério” LBB, p. 94 1  
57 In: FAU-USP, 1955/57 1 parágrafo
1956 “Lettera dal Brasile” LBB, p. 9
In: L’Architectura, n. 09, Roma, julho 1956, p. 182-187 xerox/original
1957 “Concurso para mobiliário” LBB, p. 96
Cantú, Itália, 1957
“Casa de praia” LBB, p. 99
Estudos, 1957 1 parágrafo
“Museu de arte de São Paulo” LBB
Av. Paulista,1957/1968 p. 100-115
1958 “Teoria e filosofia da arquitetura” LPE “Problemas de arte contemporânea” tese JSL
Manuscrito editado da primeira aula no curso de arquitetura p. 81-87 Introdução a aula proferida por Aloisio Magalhães p. 370
da Faculdade de Belas Artes da Universidade Federal da na Escolinha de Arte do Brasil, Recife
Bahia em 1958. Republicado em: 2G Lina Bo Bardi. Obra
construída. Olívia Oliveira (org.). Barcelona: Gustavo Gilli,
n. 23/24, 2002, p. 210-214
“Cultura e não cultura” LPE
In: “Crônicas de arte, de história, de costume, de cultura da p. 87-90
vida. Arquitetura. Pintura. Escultura. Música. Artes
Visuais”. Página dominical do Diário de Notícias, Salvador,
BA, n. 1, 07/09/1958
“arquitetura ou Arquitetura?” LPE
In: “Crônicas de arte, de história, de costume, de cultura da p. 90-93
vida. Arquitetura. Pintura. Escultura. Música. Artes
Visuais”. Página dominical do Diário de Notícias, Salvador,
BA, n. 2, 14/09/1958
“Inatualidade da cultura” LPE, p. 93-97
In: “Crônicas de arte, de história, de costume, de cultura da
vida. Arquitetura. Pintura. Escultura. Música. Artes
Visuais”. Página dominical do Diário de Notícias, Salvador,
BA, n. 3, 21/09/1958.
“A escola e a vida” LPE, p. 95-97
In: “Crônicas de arte, de história, de costume, de cultura da
vida. Arquitetura. Pintura. Escultura. Música. Artes
Visuais”. Página dominical do Diário de Notícias, Salvador,
BA, n. 4, 28/09/1958
“Casas ou museus?” LPE
In: “Crônicas de arte, de história, de costume, de cultura da p. 98-101
vida. Arquitetura. Pintura. Escultura. Música. Artes
Visuais”. Página dominical do Diário de Notícias, Salvador,
BA,
  n. 5, 05/10/1958 2  
“A invasão” LPE
In: “Crônicas de arte, de história, de costume, de cultura da p. 101-105
vida. Arquitetura. Pintura. Escultura. Música. Artes
Visuais”. Página dominical do Diário de Notícias, Salvador,
BA, n. 6, 12/10/1958
“A Lua” LPE
In: “Crônicas de arte, de história, de costume, de cultura da p. 105-107
vida. Arquitetura. Pintura. Escultura. Música. Artes
Visuais”. Página dominical do Diário de Notícias, Salvador,
BA, n. 7, 19/10/1958
“Arte industrial” LPE
In: “Crônicas de arte, de história, de costume, de cultura da p. 107-110 “Sobre o ensino das artes” tese JSL
vida. Arquitetura. Pintura. Escultura. Música. Artes Local: não identificado p. 374
Visuais”. Página dominical do Diário de Notícias, Salvador, HO
BA, n. 8, 26/10/1958
“Casa Valéria Cirell” LBB
São Paulo, 1958 p. 116-121
2 parágrafos
“Casa Mario Cravo” LBB
Salvador, Bahia, 1958 p. 126-129
1 parágrafo
1959 “Bahia no Ibirapuera” LBB “Significação das artes visuais no mundo tese JSL
Exposição, 1959, V Bienal de São Paulo. p. 134-137 contemporâneo” p. 390
Lina Bo Bardi e Martim Gonçalves Local: Escola Brasileira de Administração da Fundação HO
“Museu de arte moderna da Bahia” LBB Getúlio Vargas
Salvador, Bahia, 1959 p. 138-143
“Solar do Unhão” LBB, p. 152-
Museu de Arte Popular, 1959. Salvador, Bahia 157
1960 “Técnica e arte” LPE
In: “artes & letras”. Terceiro caderno do Diário de p. 110-113
Notícias, Salvador, BA, 23-24 out 1960, p. 1-2
“Artes menores, notas para a criação de uma cadeira de Grinover,
desenho industrial” 2010
In: Ângulos, n. 16. Salvador: dez. 1960, p. 121-124 p. 178-181
“Ópera dos três tostões” LBB
Arquitetura Ciência, 1960. Teatro Castro Alves, Salvador, p. 144-147
Bahia. Peça de B. Brecht e K. Weill 1 parágrafo
Direção de Martim Gonçalves
  3  
“Assunto errado da semana é Lina Bo Bardi... falando xerox
de divórcio” encadernada
In: DN Revista, 10/10/60
1962 “Casas” LBB “Design in Brazil”
Estudos, 1962 p. 166-170 Conferências no curso de design gráfico da Yale University
1 parágrafo e no Pratt Institute
Carta a Darcy Ribeiro sobre a montagem do Instituto de tese JSL
Artes na UnB p. 288-291
Manuscrito
“Sobre o ensino de design” HO
Texto para a Oficina de Tipografia Experimental, MAM-RJ p. 144-146
tese JSL
p. 266-268
“IBGE Serviços Gráficos” HO
Textos publicados em folhetos de circulação interna p. 166-167
1963 “Nordeste” LPE
Catálogo da exposição inaugural do Museu de Arte Popular p. 116-118
do Unhão, Bahia, 1963 LBB
p. 158-159
“Museu do mármore” LBB
Monte Altíssimo, Carrara, Itália, 1963 p. 172-173
1 parágrafo
“Projeto da Escola de Artesanato” Pereira, 2008,
sem data, sem assinatura p. 242-252
“Crítico vê Exposição Nordeste: Antibienal” xerox
Notícia: In: A Tarde, 05/11/63 encadernada

1965 “Museu do Instituto Butantã” LBB


São Paulo, 1965 p. 174-177
1 parágrafo
“Pavilhão no Parque Lage” LBB
Rio de Janeiro, 1965 p. 178-179
1967 “Na América do Sul: após Le Corbusier, o que está LPE
acontecendo?” p. 118-122
In: Mirante das Artes, São Paulo, n. 1, jan-fev, 1967, LBB
p. 10-11 p. 184
“Ao limite da casa popular” xerox/original
In: Mirante das Artes, n. 2, mar-abr 1967, p. 19-24
  4  
“O novo Trianon, 1957|67” LPE
In: Mirante das Artes, São Paulo, n. 5, set-out, 1967, p. 122-130
p. 20-23
“Cinco anos entre os brancos” LPE
In: Mirante das Artes, São Paulo, n. 6, nov-dez, 1967, p. 130-136
encarte p. I LBB
p. 160-163
“Cadeira de beira de estrada” LBB, p. 186
1967
1968 “Revisão/69-6 Mão do Povo e Eros Africano” xerox
Coluna de Frederico Morais, em jornal encadernada

1969 “Na selva das cidades” LBB, p. 187


Arquitetura cênica 1969. Teatro Oficina, São Paulo. 1 parágrafo
Peça de B. Brecht. Direção de José Celso Martinez Correa
“A mão do povo brasileiro” LBB
Exposição, 1969. Museu de Arte de São Paulo p. 192-195
1 parágrafo
1969 “A mão do povo brasileiro” xerox
In: Veja, 25/06/69 encadernada

1970 “Prata Palomares” LBB


Cenografia, 1970. Filme de André Faria p. 196-199
1 parágrafo
1974 Aloisio Magalhães. ET, p. 221
In: Diário de Notícias
17 de abril de 1974
1975 “Repassos” LBB “Problemas de conciliação do moderno com o tropical” ET
Exposição Documento, 1975. Museu de Arte de São Paulo. p. 200-201 Trópico, tomo 9, Ed. Massangana, Recife, 1982 p. 104-109
Lina Bo Bardi e Edmar de Almeida FUNDAJ
“Em torno de uma sugestão do mestre Aloisio xerox
Magalhães”
In: Diários Associados?, s/d.
Depoimento de Gilberto Freyre sobre a fala de AM no
Seminário de Tropicologia

“Aloisio fala de plano para defesa da cultura” xerox


(Seminário de Tropicologia)
In: Diário de Pernambuco, 30 de abril de 1975
  5  
“Aloisio Magalhães – o design sem formalismos”. xerox
“Camurupim” LBB In: Suplemento do Jornal de Brasília. Brasília, 05 de
Comunidade Cooperativa, 1975. Propriá, Sergipe p. 202-208 outubro de 1975.
“Aloisio Magalhães – por um museu da cultura xerox
“Progresso e civilização” LBB brasileira”
p. 209 In: Jornal de Brasília, 17 de agosto, de 1975, p. 02
““Designer” se queixa dos valores estranhos à xerox
identidade nacional”
In: Jornal do Brasil, 24 de outubro de 1975
As novas funções do design brasileiro xerox
In: Visão, 08/12/1975

1976 “Planejamento ambiental: “desenho” no impasse” LPE Aloisio Magalhães e Fausto Alvim (em busca dos elos xerox
In: Malasartes, Rio de Janeiro, n. 2, jan/fev 1976, p. 4-7. p. 136-141 perdidos)
(revista de arte dirigida por Rubens Gerchman) Grinover, In: Jornal de Brasília, 18/01/1976
2010
p. 195-197 Conferência pronunciada no seminário “Perspectivas do ET
xerox ensino em Brasília” p. 50,
encadernada Brasília, maio de 1976 255-262

“Tempos de grossura” LBB, p. 210 “Aloisio Magalhães: pensando o Brasil” xerox


“A capacidade de dizer não” LBB, p. 216 In: Correio Braziliense, 03/out/1976
“Igreja Espírito Santo do Cerrado” LBB
Uberlândia, Minas Gerais – 1976/1982. Colaboradores: p. 211-215
André Vainer e Marcelo Carvalho Ferraz
“Design como comportamento total” folha solta/
In: Catálogo da Conferência-Espetáculo de Helio Eichbauer mat Grinover
na Escola de Artes Visuais do Parque Lage
1976 “Design como comportamento total” xerox/original Conferência feita no XI Congresso Brasileiro de (igual ao
Papel timbrado da Escola de Artes Visuais do Parque Lage (igual ao Biblioteconomia e Documentação, promovido pela depoimento
depoimento da Associação Profissional de Bibliotecários da Paraíba, da Arte
Arte Vogue) tendo como tema central: Biblioteca e educação Vogue)
permanente. E como sub-tema: a Biblioteca na educação
formal.
João Pessoa
1977 “Fábrica de perfumes Rastro” LBB “Depoimento” Arte Vogue
Santana do Parnaíba, São Paulo, 1977 p. 217-219 In: Arte Vogue n. 1 HO, p. 146
“Depoimento” Souza, 1996
In: Produto e linguagem /conceitos 1. São Paulo, ed. ABDI,
  1977 (comemorativo de 15 anos da ESDI) 6  
“O que o desenho industrial pode fazer pelo país? Por ARCOS,
uma nova conceituação e uma ética do desenho 1998
industrial no Brasil”.
In: Arcos, v. 1, n. único. PPDESDI/UERJ, outubro de 1998

“Aloisio Magalhães e o Centro Nacional de Referência ET, p. 41


“A mão do povo nordestino” xerox/original Cultural. O produto brasileiro começa a ter desenhada a
In: Arte Vogue, n. 2, nov 1977 sua fisionomia”
In: Elias Fajardo da Fonseca. O Globo, 5/01/1977
“Da invenção e do fazer – reflexão sobre o artesanato e o cópia/docs
“Depoimento” Arte Vogue homem” dissert,
In: Arte Vogue, n. 1 HO, p. 146 In: Revista de Desenvolvimento, Recife, jan-jun 1977 ET, p. 18,
73-75,
181-184
“Importância do caju na cultura nacional é exaltada no xerox
IJNPS”
In: ?, Recife, 30 de agosto de 1977
“Instituto Joaquim Nabuco encerra debate sobre xerox
importância do caju”
In: Diário de Pernambuco, Educação e Cultura,
01 de setembro de 1977
“Seminário do caju denuncia desinteresse indústria por xerox
fruto tão brasileiro”
In: Jornal do Brasil, 05 de setembro de 1977, p. 01
“Centro Nacional de Referência Cultural – uma arma xerox
contra a desintegração do perfil brasileiro”
In: Jornal do Brasil, Caderno B, 24 de outubro de 1977, p.
05

“Comunicação ao Conselho Federal de Cultura” HO


8/11/1977 p. 210
Obs: comenta a crítica que Thomas Skidmore faz de sua ET
nota de 500 cruzeiros p. 51-54
1978 “Fundo da UNESCO aplica 20 mil dólares em estudo xerox
sobre o caju no Nordeste”
In: Jornal do Brasil, primeiro caderno, 15 de agosto de 1978
“Importar tecnologia sem virar cidadão de segunda xerox
classe – o caju, o Xingu e outras alternativas tropicais de ET
desenvolvimento” p. 1, 168,
  In: Jornal do Brasil, Caderno B, 07 de setembro de 1978 7  
229-230
1979 “Arquitetura e tecnologia” LPE
In: Arquitetura e desenvolvimento nacional. p. 142-147
Depoimentos de arquitetos paulistas. Discurso pronunciado na solenidade de inauguração do ET
São Paulo: IAB/PINI, maio, 1979, p. 21-22 marco ecológico do Parque Nacional do Cabo de Santo p. 212-214
Agostinho
29/01/1979
Entrevista com Aloisio Magalhães ET
Abril de 1979 p. 94-96,
Texto datilografado em papel timbrado da Rio Gráfica 96-100,
e Editora 103-104,
121-129,
164-167,
177-178,
178-181,
185-187,
219,
222-224,
224-226,
227-229,
232-233
“Aloisio Magalhães, novo diretor do Iphan: salvar Ouro ET
Preto, Olinda, panelas de barro e todas as coisas vivas” p. 190-191,
In: Marinho de Azevedo, Jornal do Brasil, maio de 1979, 219-220,
Caderno B, p. 1 221-222
Comunicação ao Conselho Federal de Cultura HO
“Aloisio Magalhães. A memória nacional em suas mãos” p. 244-246
In: Manchete, 16/06/1979
ET
119-121,
187-188
“Em debate a concepção de cultura ligada a uma ET, p. 34,
mobilização da sociedade. a defesa do patrimônio 72-73, 75,
cultural brasileiro” 178, 205,
In: Folha de São Paulo, 02/09/1979, III Caderno 233-234
Na fundação da Fundação HO
Saudação ao Presidente João Figueiredo p. 240-243
Sede do Iphan em Brasília, novembro, 1979 ET
p. 77-81
  8  
Minuta da exposição de Motivos encaminhada ao ET
Ministro da Educação e Cultura p. 136-141
Setembro, 1979
Discurso no encerramento do Encontro em Defesa do ET
Patrimônio Cultural de Olinda p. 205-209
Igreja da Sé, Olinda, 02/12/1979
1980 “Bem cultural é fator de desenvolvimento” ET
In: IPHAN 4, janeiro/fevereiro, 1980, p. 11 p. 188-189
Exposição feita na 23a reunião do Conselho Nacional de ET
Turismo p. 210-212
São Luiz, 07/03/1980
“Museus do Rio. Patrimônio histórico e cultural às ET
moscas” p. 158
In: Marcia Cezimbra, O Globo, 07/06/1980
Discurso na abertura do I Encontro sobre Inventários ET,
de Proteção do Patrimônio Cultural p. 72
Salvador, 26/08/1980
Saudação aos participantes do V Curso Interamericano ET
sobre Política e Administração Cultural Municipal p. 93-94
Brasília, 15/09/1980
Intervenção no debate da Semana de Arte e Ensino ET
São Paulo, 17/11/1980 p. 48-50,
81-82,
102-103,
109,
231-232,
236-238
Saudação aos participantes do Seminário sobre a ET
experiência alemã no campo da preservação de núcleos p. 91-93
históricos
Brasília, 01/12/1980
Prefácio. Arte plumária do Brasil. ET
In: Brasília, MRE, MEC, SPHAN/Pró-Memória, 1980 p. 184
1981 “Anhangabaú Tobogã” LBB “Artesanato e desenho industrial: um processo
Concurso de Projetos 1981, São Paulo p. 252-255 contínuo”
Aloisio Magalhães, Flávio Motta e outros.
“Aloisio Magalhães
Local, data: e o patrimônio
NDI/CIESP, cultural: quem
São Paulo, 1981 ET
protege deve estar sentado ao lado de quem programa” p. 17, 71-71,
  In: Joana Angélica, O Globo, 18/05/1981 168-170
9  
“Aloisio Magalhães, o administrador da cultura ET
nacional: Tudo será mudado e descentralizado. mas p. 75, 230-
devagar.” 231
In: Roberto Pontual, Jornal do Brasil, 05/01/1981,
Caderno B, p. 1
“Comunicação feita ao Conselho Federal de Cultura” ET,
Rio de Janeiro, 05/01/1981 p. 141-144
“Aloisio Magalhães: ‘O Ministério da Cultura é ET
prematuro” p. 148-149
In: Cora Ronai, Jornal do Brasil, 26/03,1981,
Caderno B, p. 1
“As duas vertentes do bem cultural, Aloisio Magalhães” ET,
In: Cultura, ano 10, n. 36, MEC, abril-junho de 1981, p. 144-147
p. 2 e 3
“Cultura. o novo Secretário fala das mudanças no ET,
MEC” p. 150,
In: Jornal da Tarde, 24/03/1981 155-156
Depoimento prestado na III Reunião da Comissão ET,
Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados p. 85-91,
com o fim de investigar a situação do Patrimônio 113-114,
Histórico e Artístico Nacional e avaliar a política do 130-136,
governo federal para sua defesa e conservação 147-148,
23/04/81 157-158,
168,
189-190,
191-193,
199-205,
234-236
Documento apresentado na Reunião de Coordenação ET
Geral do MEC p. 244-247
Brasília, abril/1981
Documento dirigido à classe teatral ET
Rio de Janeiro, junho/1981 p. 151-153
Discurso proferido no encerramento do Seminário ET
realizado por ocasião da devolução de ex-votos dos p. 238-239
séculos XVIII, XIX e XX ao Santuário do Bom Jesus de
Matosinhos
Congonhas do Campo, 29/06/1981
  10  
“Aloisio Magalhães convoca os grupos de criação para ET
diálogo no MEC” p. 150-151,
In: Cremilda Medina. O Estado de São Paulo, 25/07/1981 154-155,
156
Discurso na abertura do Encontro Nacional de ET
Documentaristas Cinematográficos p. 172-177
Brasília, 16/11/1981
“O incômodo elitismo cultural” ET
In: Oswaldo Mendes, Folha de São Paulo, 27/10/1981 p. 241-242,
247-248
Entrevista concedida a Zuenir Ventura ET
In: Isto é, Rio de Janeiro, dezembro, 1981 p. 111-113,
148,
149-150,
193-194
1982 “Design no Brasil: história e realidade” LBB “Cultura, substantivo plural. o quase ministro ET
Exposição, 1982. SESC Fábrica da Pompéia, São Paulo. p. 236-237 Magalhães expõe sua utopia” p. 68-70,
Colaboradores: André Vainer, Marcelo Carvalho Ferraz, 1 parágrafo In: Isto é, Rio de Janeiro, 13/01/1982 83-84, 136,
Marcelo Suzuki, Equipe do SESC e NDI/FIESP 172,
220-221
“Mil brinquedos para a criança brasileira” LBB Discurso na instalação do I Encontro dos Conselhos ET
Exposição, 1982. SESC Fábrica da Pompéia, São Paulo. p. 238-240 Estaduais de Cultura das Regiões Centro-Oeste e Norte p. 45-48,
Colaboradores: André Vainer, Marcelo Carvalho Ferraz, 1 parágrafo Goiânia, 26/05/1982 242-244
Marcelo Suzuki, Dulce Maia, Equipe do SESC

“Mil brinquedos para a criança brasileira” xerox


Catálogo da exposição, 1982 encadernada

“O belo e o direito ao feio” LBB, p. 241 “É possível o redesenho das cidades?” ET. p. 214-
II Exposição de Artes dos Funcionários do INAMPS, 1982. 1 parágrafo 218
SESC Fábrica da Pompéia, São Paulo. Lina Bo Bardi e
Equipe SESC “Bens culturais: instrumento para um desenvolvimento ET p. 54-71
harmonioso” ET, p. 75-
77, 82-83,
119

“Por que o produto brasileiro não tem estilo?” Entrevista


concedida a Álvaro Rodrigues Pereira. Texto datilografado.
s/d
  11  
Saudação aos participantes da VIII Congresso Nacional ET
“Museu de arte moderna” LBB de Museus p. 159-164
Parque Ibirapuera, São Paulo, 1982. Lina Bo Bardi, p. 256-257 Rio de Janeiro, 18/05/1982
André Vainer, Marcelo Carvalho Ferraz 2 parágrafos “Aloisio Magalhães e o patrimônio cultural: quem ET
“Um design de duas faces” xerox protege deve estar sentado ao lado de quem programa” p. 71-71,
Notícia sobre Expo Design no Brasil, In: Isto É, 14/04/82 encadernada In: Joana Angélica. O Globo. 18/05/1981, Caderno B, 168-170
p. 1
“Em clima de sonho” xerox
Notícia sobre a exposição de brinquedos, Isto É, 15/12/82 encadernada

1983 “O design no Brasil – uma exposição e seu espaço” xerox


Notícia sobre a exposição, in: Valbarte, out 83 encadernada

1984 “Caipiras, capiaus: pau-a-pique” LBB


Exposição 1984. SESC Fábrica da Pompéia, São Paulo. p. 242-245
Lina Bo Bardi e Gláucia Amaral. Colaboradores: Marcelo
Carvalho Ferraz, Marcelo Suzuki, Equipe SESC
“Teatro Oficina” LBB
São Paulo, 1984. Lina Bo Bardi e Edson Elito p. 258-259
1 parágrafo
“O adeus romântico aos últimos dias da vida caipira” xerox
Notícias sobre a exposição. In: Folha de São Paulo, 29/6/84 encadernada

“Casa de arquiteto, parede de barro” xerox


Notícia sobre a exposição. In: Ilustrada, s/d encadernada

“Para Lina Bo Bardi, a mostra é política” xerox


Notícia. In: Folha de São Paulo, 29/6/84 encadernada

“Caipiras, capiaus, pau-a-pique” xerox/original


Catálogo da exposição
“Lina Bo Bardi. A paixão pelo trabalho” xerox
Entrevista. In: O Estado de São Paulo, 09/09/84 encadernada

1985 “Entreato para crianças” LBB


Exposição, 1985. SESC Fábrica da Pompéia, São Paulo. p. 246-249
Colaboradores: Marcelo Carvalho Ferraz, Marcia
Benevento e Equipe
“Ubu – folias SESC
physicas, pataphysicas e musicaes” LBB
Arquitetura cênica e trajes, 1985, São Paulo. p. 260-263
Peça de Alfred Jarry. Direção de Cacá Rosset.
  12  
1986 “O projeto arquitetônico” LPE
In: Giancarlo Latorraca, Cidadela da Liberdade, 1986. São p. 147-154
Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi/Sesc Pompéia, 1999, Cidadela da
p. 26-40 Liberdade

“SESC - Fábrica da Pompéia” LBB


São Paulo, 1977. Colaboradores: André Vainer e Marcelo p. 220-235
Carvalho Ferraz

“A metáfora continua” xerox


Entrevista, in: Arquitetura e Urbanismo, agosto 1986, encadernada/
p. 50-54. original
“Teatro Polytheama” LBB
Jundiaí, São Paulo, 1986. Lina Bo Bardi, André Vainer, p. 264-267
Marcelo Carvalho Ferraz e Marcelo Suzuki
“Teatro e bar no Morro da Urca” LBB, 268
Rio de Janeiro, 1986. Lina Bo Bardi, André Vainer, 1 parágrafo
Marcelo Carvalho Ferraz, Marcelo Suzuki
“Centro histórico da Bahia” LBB
Plano de recuperação, 1986. Salvador, Bahia. Lina Bo p. 270-273
Bardi, Marcelo Carvalho Ferraz e Marcelo Suzuki
“Belvedere da Sé” LBB
Salvador, Bahia, 1986. Lina Bo Bardi, Marcelo Carvalho p. 274-275
Ferraz e Marcelo Suzuki 1 parágrafo
“Projeto Barroquinha” LBB
Salvador, Bahia, 1986. Lina Bo Bardi, Marcelo Carvalho p. 276-281
Ferraz e Marcelo Suzuki
1987 “A escada (Teatro Gregório de Mattos)” LPE
In: AU-Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, n. 11, p. 155-157
abr-maio 1987, p. 25-27.
“Ladeira da Misericórdia” LBB
Salvador, Bahia, 1987. p. 292-299
Lina Bo Bardi, Marcelo Carvalho Ferraz e Marcelo Suzuki
“Casa do Benin na Bahia” LBB
Salvador, Bahia, 1987. Lina Bo Bardi, Marcelo Carvalho p. 282-287
Ferraz e Marcelo Suzuki
1988 “Terapia intensiva” LPE
In: AU-Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, n, 18, jan-jul p. 157-159
1988, p. 37
  13  
“Casa do Olodum” LBB
Salvador, Bahia, 1988. Lina Bo Bardi, Marcelo Carvalho p. 290-291
Ferraz e Marcelo Suzuki 1 parágrafo
“África Negra” LBB
Exposição, 1988. Museu de Arte de São Paulo. Lina Bo p. 302-303
Bardi, Pierre Verger, Marcelo Carvalho Ferraz e Marcelo 1 parágrafo
Suzuki
“Grande vaca mecânica” LBB
São Paulo, 1988. Lina Bo Bardi e Marcelo Suzuki p. 304-305
1 parágrafo
“Centro Culturald e Belém” LBB
Lisboa, Portugal, 1988 p. 306-307
“Centro de convivência LBA” LBB
Cananéia, São Paulo, 1988 p. 308-309
Lina Bo Bardi, Marcelo Carvalho Ferraz e Marcelo Suzuki 1 parágrafo
1989 “Polytheama, uma restauração mais do que necessária” LPE
In: Revista Projeto, São Paulo, n. 118, jan/fev 1989, p. 160-162
p. 72-75
“Teatro das Ruínas’ LBB, p. 311
Campinas, São Paulo 1 parágrafo
“Fundação Pierre Verger” LBB
Salvador, Bahia, 1989. Lina Bo Bardi, Marcelo Carvalho p. 300-301
Ferraz e Marcelo Suzuki
1990 “Uma aula de arquitetura” LPE
In: Revista Projeto, São Paulo, n. 133, 1990, p. 103-108. p. 162-177
“Estação Guanabara” LBB
Centro de convivência da Unicamp, 1990 p. 312-313
Campinas, São Paulo. Lina Bo Bardi, Marcelo Carvalho 3 parágrafos
Ferraz e Marcelo Suzuki
“Nova Prefeitura de São Paulo” LBB
Parque D. Pedro II, São Paulo, 1990/1992 p. 318-325
Lina Bo Bardi, André Vainer, Marcelo Carvalho Ferraz e
Marcelo Suzuki
“Conferência no XIII Congresso Brasileiro de LPE
Arquitetos” p. 180-184
In: Arquitetura, cidade e natureza – Congresso Brasileiro de
Arquitetos (out-nov 1991). São Paulo: Ed. Empresa das
Artes, 1993, p. 19-21
“Carta
  do Condephaat” LPE 14  
In: Lina Bo Bardi. Marcelo Ferraz (org.). São Paulo: p. 177-178
Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1992, p. 320-23
“Pavilhão do Brasil” LBB
“Entrevista com Lina Bo Bardi” Digitado, pasta
por Olívia de Oliveira, in 2G, 2002 textos LBB
Entrevista feita em setembro de 1991
“Entrevista” xerox/original
In: Caramelo, n. 3, outubro 1991

Abreviações

ET: MAGALHÃES, Aloisio. E Triunfo? A questão dos bens culturais no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, Fundação Roberto
Marinho, 1997 (1985).
HO: SOUZA LEITE, João de (org.). A herança do olhar: o design de Aloisio Magalhães. Rio de Janeiro: Artviva, 2003.
LLB: FERRAZ, Marcelo Carvalho (coord. edit.). Lina Bo Bardi. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1996.
LPE: GRINOVER, Marina e RUBINO, Silvana (orgs.). Lina por escrito. Textos escolhidos de Lina Bo Bardi. São Paulo: Cosac Naify,
2009.

Observações
Este quadro não esgota toda a produção textual de LBB e AM. Através dele, busquei, apenas, confrontar, em relação aos momentos em que
foram produzidos, os textos publicados pelos dois e aos quais tive acesso, durante a pesquisa. Assim, serviu como instrumento para
organização de parte das fontes bibliográficas utilizadas para a construção da tese.

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