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ESPERANDO A UPP

Circulação, violência e mercado político na Baixada


Fluminense*
Edson Miagusko
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Rio de Janeiro - RJ. E-mail: emiagusko@gmail.com

DOI: http//dx.doi.org/10.17666/319101/2016

Introdução tes, moradores e policiais e ataques de traficantes


às bases das UPPs, as políticas de pacificação são
Diferentes estudos têm buscado compreender reivindicadas ao Estado por diferentes sujeitos
os impactos da política de pacificação no Rio de em territórios que não contam com sua presença
Janeiro com foco no processo de militarização do como forma de solucionar o problema da violên-
território e no caráter estruturante das Unidades cia urbana. Episódios trágicos recentes, como a
de Polícia Pacificadora (UPPs) no conjunto das morte de moradores, o assassinato de policiais e
políticas sociais (Burgos et al., 2011; Cunha e diversos conflitos com o narcotráfico têm reforça-
Mello, 2011; Fleury, 2012; Leite, 2014). Apesar do a dimensão da militarização.
dos problemas em algumas “comunidades pacifi- Os próprios indicadores de aumento da vio-
cadas”, como conflitos entre policiais e trafican- lência em regiões “não pacificadas” corroboram,
mesmo que sua fundamentação não seja uma
* Versão preliminar deste artigo foi apresentada no 38º
Encontro Anual da Anpocs, GT 34: Sobre periferias: evidência, o diagnóstico de que a política de pa-
novos conflitos no espaço público, coordenado por cificação na cidade do Rio de Janeiro provocou
Cibele Saliba Rizek e Patrícia Birman, a quem agra- a “migração de criminosos” para outras regiões,
deço e também à Adriana Vianna pelos excelentes co-
mentários que levaram à revisão de certos argumentos o que reforça a exigência de sua ampliação para
aqui desenvolvidos. Também agradeço aos pareceristas outros territórios. Movimentos variados têm sur-
anônimos da RBCS pelas sugestões. gido em outros municípios do Estado do Rio de
Artigo recebido em 27/07/2015 Janeiro reivindicando a instalação de UPPs para
Aprovado em 02/02/2016 além da capital.
RBCS Vol. 31 n° 91 junho/2016: e319101
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Na Baixada Fluminense, a ampliação da política dores e analisar as representações construídas a par-


de pacificação passou a ser demandada por morado- tir de discursos externos ao local e circulantes em
res, articulados por associações religiosas, movimen- diferentes escalas.
tos sociais e pelo poder público local, preocupados A pesquisa foi desenvolvida num bairro que pre-
com o aumento da violência. Esse movimento teve senciou um acontecimento violento de impacto na-
como consequência a instalação de Companhias cional. Esse acontecimento reforçou duas ordens de
Integradas de Segurança Pública (CISPs),1 num pri- discursos: o primeiro: a percepção do aumento
meiro momento e, recentemente, a instalação da da violência como efeito perverso do deslocamento de
primeira UPP em Duque de Caxias, na Favela da criminosos, provocado pelas políticas de pacifica-
Mangueirinha.2 ção nas favelas cariocas, a denominada “migração
A maior parte dos estudos toma as favelas cario- de criminosos” para a Baixada; o segundo: o discur-
cas como objeto principal de suas análises. No en- so da externalidade da violência, ao menos em sua
tanto, as políticas de pacificação se desdobram para desmedida, dissociada localmente do padrão das
outras políticas sociais e territórios, criando repre- favelas cariocas e completamente extemporânea ao
sentações e imagens para além dos moradores das bairro, na fala de seus moradores.
favelas. Apoiadas pela população e carro chefe da Assim, busco discutir aqui o dispositivo da paci-
política de segurança, as UPPs não têm impactado ficação em sua ausência, como um tipo de presença
apenas as favelas e seu entorno direto. Seus efeitos do Estado em suas margens em sentido relacional e
circulam pela cidade e para lugares que não são o que coloca como questão os próprios limites e fron-
foco dessa política. teiras desse dispositivo. Num plano mais geral, bus-
A implantação das UPPs passa a ser expandi- co compreender as configurações de diferentes regi-
da e estendida para outros territórios às margens,3 mes territoriais4 acarretados pela pacificação.
figurados como lugares violentos e precários, mas Há a produção de um novo regime territorial
nem sempre com situações semelhantes à violência sob o impacto das UPPs mesmo em territórios que
das facções criminosas e do controle territorial pelo não contam com sua implantação. Essas novas con-
narcotráfico, que têm justificado do ponto de vista figurações não são um desdobramento do modelo
do Estado a retomada desses territórios. favela/pacificação, apesar de o padrão de militari-
Dessa forma, o objetivo deste artigo é dis- zação do território ser a regra da política de paci-
cutir os sentidos e impactos da política de paci- ficação. Para procurar responder a essas questões e
ficação em territórios em que as UPPs estão au- investigar possíveis transformações na Baixada Flu-
sentes. Nosso campo, se circunscreve à Baixada minense a partir dos impactos dos grandes projetos
Fluminense, mais especificamente às trajetórias de urbanos, utilizo esse acontecimento como mote
moradores de um bairro popular, os quais perten- para tratar desse tema mais geral.
cem a uma igreja evangélica tradicional e a uma As periferias urbanas têm passado nas últimas déca-
associação de moradores. Ambas as instituições das por intensas transformações, o que tem consolida-
situam-se no bairro desde os anos de 1960, gozam do uma significativa literatura que busca compreender
de legitimidade entre boa parte dos moradores e esses processos em campos diversos.5 No âmbito da
articulam diferentes redes de relações e sociabili- sociologia e da antropologia, os pesquisadores vêm
dades. Nas últimas décadas, essas instituições fo- apresentando essas reconfigurações recorrendo, sobre-
ram pontos de observação das mudanças ocorridas tudo, a estudos etnográficos e pesquisa de campo para
no bairro no plano da política e da religião e com compreender os sentidos de tais mudanças.
interfaces e conexões diversas em outros aspectos É preciso reter alguns traços específicos e ver
da vida social. seus impactos na conformação de novos regimes
O ponto de partida da pesquisa de campo é territoriais marcados pela ideia de circulação e mo-
esse bairro popular. No entanto, o texto não trata bilidade que reconfiguram territórios e alteram os
apenas de descrever o plano das relações sociais do significados de determinadas categorias e refazem
bairro. Buscamos seguir as trajetórias desses mora- seus sentidos.
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Podemos dizer que há várias baixadas do pon- O bairro de longe: ausência do Estado e
to de vista de seus moradores e da heterogeneida- ocupação militar de uma “favela da Baixada”
de do território, mas a própria categoria é acio-
nada num sentido unificador, para apontar traços Numa manhã de 2012, um acontecimento re-
que se quer distanciar ou para associá-la a uma colocaria a Baixada no mapa da violência urbana
dimensão comunitária perdida. Na Baixada, isso do país. Num canteiro de obras da Rodovia Dutra,
é constatável pelas diferentes representações sobre um operário encontrou seis corpos de jovens mor-
o lugar: de migração, cidade dormitório, passando tos com marcas de torturas e mãos amarradas. Os
pela violência, a lugar marcado pela ausência do adolescentes estavam desaparecidos desde o final de
Estado, até território produtivo e mercado consu- semana e a notícia já circulava na mídia televisiva e
midor, há uma variação significativa conforme o impressa. A descoberta dos corpos revelava as sus-
ciclo histórico. peitas de que algo grave acontecera. Os primeiros
O bairro investigado, apesar de não representar sinais de violência apontavam características seme-
o conjunto da Baixada enquanto diversidade de di- lhantes a outros crimes com certa espetacularização
ferentes regimes territoriais possíveis, é também in- da violência. Corpos arrumados um ao lado do ou-
fluenciado pela circulação de imagens e significados tro e amarrados como se a execução contivesse a as-
que invadem esses territórios. Essa circulação de re- sinatura dos criminosos para que os verdadeiros au-
presentações e imagens reconfiguram as categorias tores não pudessem ser rapidamente identificados.
prévias que classificariam nossos interlocutores. Com a repercussão nacional, o governo do es-
Desse modo, o objetivo deste artigo é analisar tado enviou 250 policiais, entre PMs e homens do
os sentidos das políticas de pacificação/militarização Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) e
a partir de seu impacto na Baixada Fluminense, to- conseguiu o apoio de blindados de fuzileiros navais
mando a denominada chacina como acontecimento. para a ocupação do bairro. O governo, contudo,
Argumento que este tipo de acontecimento permite agiu com cautela e em nenhum momento anunciou
compreender a reconfiguração das práticas do Es- a possibilidade de instalação de uma UPP no bairro.
tado em suas margens e a legibilidade das políticas A ocupação militar imediata daquele território
de controle direcionadas às populações pobres e não teria nada de surpreendente, ao menos depois
vulneráveis, não a partir das favelas cariocas e suas que cenas de ocupação do Complexo do Alemão
representações, mas em outros regimes territoriais, por forças do Exército brasileiro e blindados cor-
em que a Baixada Fluminense se constitui, de modo reram mundo afora e foram replicadas em todas as
específico, como entrelaçamento entre mercado po- demais instalações de UPPs.6
lítico e violência. As manchetes dos jornais também estampavam
O texto está dividido em três partes: na pri- a ocupação do bairro como a “pacificação” de mais
meira, reconstruo a chacina de longe, a partir do uma comunidade violenta e a necessidade de ocu-
impacto midiático e da ação do governo estadual pação policial permanente diante do suposto con-
focado no discurso da ausência de Estado, da ocu- trole do território por traficantes de facções crimi-
pação policial, bem como nas representações dos nosas. A mídia destacava que havia ocorrido uma
moradores do bairro sobre a migração do crime. Na chacina numa “favela da Baixada Fluminense”.7
segunda parte, analiso o bairro de perto, buscando Não tardou a se repetir o mesmo figurino das
mediar as representações sociais da forma específica ações anteriores de outras favelas do Rio. Amplo
como o Estado se configurou na Baixada, situado efetivo policial, prisão rápida de traficantes da co-
entre as imagens veiculadas pela imprensa e de seus munidade, taxados como principais suspeitos do
próprios moradores. Por fim, apresento situações crime, e exibição de imagens do efetivo do Bope
que me possibilitam perceber essas reconfigurações entrando em mais uma favela.
no bairro, sobretudo, à reorganização do mercado Contudo, o desenlace da história não repe-
informal da droga. tiu o trajeto das imagens de ocupação de favelas
e instalação de UPPs com uma bandeira brasileira
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estendida como símbolo da retomada do território favelas cariocas, sendo o acontecimento não mais
pelo Estado. Primeiro, porque os traficantes não um dos muitos que representavam e recolocavam
eram provenientes da localidade. Aos olhos dos a Baixada como lugar violento. Nesse caso, as cau-
moradores, eles eram estrangeiros que migravam sas da violência não provinham da Baixada para o
das favelas do Rio. Segundo, porque a motivação Rio, mas em sentido inverso, eram consequência
do crime, expressa pelos moradores e também pelo das políticas de pacificação que estariam levando à
próprio governo, era a política de implantação das migração territorial de criminosos. O bairro, antes
UPPs na capital provocando a migração de bandi- tranquilo, sem a presença do tipo de violência exis-
dos para o bairro. tente nas favelas cariocas, estaria agora tomado por
O governador Sérgio Cabral declarou que a traficantes sem território.
fuga de “marginais das comunidades pacificadas” Era como se à queixa recorrente da ausência de
no Rio de Janeiro que migravam e buscavam man- investimentos públicos na Baixada se acrescentas-
ter a estrutura de poder garantida pelo território se agora as consequências perversas do processo de
podia ser interpretada como causa da chacina: “eles pacificação carioca. O acontecimento da chacina
conseguem escapar, se reorganizar e tentam manter revelava, portanto, uma situação diferente das ante-
a estrutura do poder paralelo. Isso tem sido bem riores por algumas das seguintes razões:
claro para a gente. A gente não tem ilusão” (Folha
de S.Paulo, 12/09/2012). 1. A interpretação prévia foi que o assassinato dos
O Secretário de Segurança Pública José Ma- jovens por traficantes dentro de um campo de
riano Beltrame repetiria, após a ocupação do treinamento do Exército era resultado do pro-
bairro pelas forças policiais, o mesmo discurso da cesso da migração de bandidos do Rio após a
ausência e descaso do Estado naquela comunida- implantação das UPPs.
de já utilizado em outras ocasiões: “esta região foi 2. A entrada dos blindados não acontecia numa fa-
relegada por décadas. Onde o Estado não estava, vela carioca, mas num bairro da Baixada, distante
o crime se fez presente. Mas hoje quero dizer para do Rio de Janeiro. Pela primeira vez, as Forças Ar-
esta comunidade que a PM não vai mais sair da- madas eram utilizadas numa área fora da capital.
qui”. No entanto, Beltrame negou a tese da mi- 3. A violência era vista como externa ao bairro,
gração de criminosos das favelas com UPP para causada pela implantação de UPPs no Rio
outras regiões: “a migração acontece no sentido de Janeiro, capital. A despeito de não ocorrer
das lideranças do tráfico. Não há migração em numa favela propriamente dita, mas num bair-
massa” (O Globo, 28/09/2012). ro popular com traços de favelização, a ocupa-
Algumas vozes insatisfeitas de organizações ção foi nomeada pela grande imprensa como
religiosas e da sociedade civil da Baixada também de uma “favela da Baixada”.
se expressaram. A Igreja Católica emitiu nota defi-
nindo a chacina como “uma tragédia anunciada”. E No âmbito da pesquisa, cheguei a esse aconte-
moradores da região reclamaram da escalada de in- cimento pelo discurso da mídia; mas, à medida que
segurança nos bairros pobres, do qual o bairro seria entrava no campo, pude constatar que vários dos en-
mais um exemplo. trevistados percebiam o aumento da violência como
Do ponto de vista dos moradores, tanto a co- consequência da migração de criminosos do Rio de
bertura da mídia como a visão externa reforçavam Janeiro para a Baixada, sobretudo depois da instalação
preconceitos e estereótipos do bairro e causariam das UPPs. Além disso, percebiam uma nova forma de
enorme insatisfação. Atos foram convocados e um controle estranha ao lugar, com a utilização de arma-
movimento denominado “o bairro não é favela” foi mento pesado e controle territorial pelos criminosos.
criado e encampado por lideranças comunitárias, Algo associado pela maioria dos moradores com os
ONGs e moradores. O movimento pretendia mos- traços característicos da violência nas favelas cariocas e
trar que o bairro não era uma favela e a violência distante da Baixada. Desse modo, era a partir do Rio
era uma consequência perversa da pacificação nas que a violência se deslocava para a Baixada.
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O Bairro de perto: “tem favela, mas não é igrejas evangélicas tradicionais foram constitutivas
uma favela” das primeiras redes de relacionamento e sociabi-
lidade de seus moradores, com um trânsito signi-
Segundo dados da Prefeitura, há poucos equi- ficativo entre as diferentes esferas. É comum ouvir
pamentos públicos no bairro diante do tamanho de nos relatos que os primeiros fundadores da associa-
sua população. Duas escolas municipais de ensino ção foram também aqueles que criaram as primei-
infantil, quatro escolas de ensino fundamental, um ras comunidades religiosas.
Centro de Referência de Assistência Social (Cras) O lugar é um bairro popular antigo, marcado
e um Ciep respondem pelo atendimento de toda a por redes de sociabilidade intensas, o que pode ser
população. Na saúde, existem apenas uma Unidade percebido pela quantidade de igrejas de diferentes
Básica (UBS), uma equipe do Programa de Agen- denominações, cujas funções ultrapassam as di-
tes Comunitários de Saúde (Pacs) e três equipes do mensões propriamente religiosas.
Programa de Saúde da Família (PSF). No momento atual, a dimensão religiosa é pre-
Os serviços públicos são precários. Há apenas ponderante na constituição das redes de sociabili-
duas escolas e dois postos de saúde para uma po- dade do bairro. Para além disso, são as instituições
pulação de 42 mil moradores. O asfaltamento das que disputam com outras redes a condição de ofer-
ruas principais está completo, mas a falta de sane- tar determinados serviços que o Estado não ofere-
amento básico e de água são problemas crônicos. ce. No bairro, há sessenta igrejas, algumas desde
Apesar de estar ao lado dos rios que abastecem boa os anos de 1960, o que daria uma média de uma
parte do Rio de Janeiro, o Sarapuí e o Guandu, a para cada 7 mil moradores. Na percepção de al-
falta de água é crônica. guns moradores que pertencem à Igreja e também
A paisagem do bairro num dia comum não é ajudaram a constituir a associação, a importância
diferente de vários bairros da Baixada: casas de au- dessas denominações se constituía pela simples ra-
toconstrução com tijolo aparente, pequeno comér- zão de articularem redes comunitárias onde antes
cio composto por biroscas, cabeleireiros, padarias, não existia nada.
mercearias, quitandas, lojas de material de cons- Há um contraste entre os dois lados do bairro,
trução, pequenas portinhas com celulares e chips, dividido em duas cidades. Do lado de Nilópolis e
açougues, lan houses e uma paisagem marcada pelo onde moravam os adolescentes, a cidade é conside-
inacabamento e pelo fervilhar de pessoas nas ruas. rada mais equipada, com serviços melhores e uma
É preciso, no entanto, fugir de uma leitura mi- classe média consumidora. Os adolescentes assassi-
serabilista (Wacquant, 2001) que torna indistintos nados estudavam e moravam nessa parte do bairro,
diferentes lugares nomeados como territórios po- eram tidos como de classe média, bons estudantes,
bres ou precários. Se o bairro contém traços das o que causou grande comoção na cidade. Nilópolis
periferias carentes de serviços, forma do Estado é a sede da escola de samba Beija Flor, que marca a
na Baixada Fluminense, é no percurso pelo bair- paisagem e as redes de sociabilidade locais.
ro que percebemos as distinções dos moradores e Do lado de Mesquita, o bairro é considerado
dos lugares por onde circulam. O local é conside- mais pobre, com serviços e infraestrutura precários,
rado um bairro popular e não uma “comunidade”, o que o leva a ter “má fama” (Bourdieu, 1998). No
associada à imagem das favelas do Rio de Janeiro. entanto, não significa que seus moradores assumam
Desse modo, há uma história que identifica a cons- essa visão externa. Delimitadas pelas montanhas do
trução do bairro à ideia de comunidade, mas que o Parque do Gericinó e pelo rio Sarapuí, são nas en-
diferencia de favela. Comunidade, no caso, é a as- costas da montanha que se localizam as casas pre-
sociação gregária entre moradores para a execução cárias e as favelas; a maior parte das casas se localiza
de serviços que visam suprir essa ausência, o que no terreno plano. Algumas “zonas de sombra”, no
confirma também um modo de perceber a presen- entanto, ficam também na parte plana do bairro.
ça do Estado na Baixada Fluminense. Na formação Prédios invadidos e ocupados, becos, favelas e vielas
do bairro, tanto a associação de moradores como as convivem ao lado da maioria das casas e das igrejas.
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“Não mais e não ainda”8 Microcosmo do tráfico de drogas: mercados


ilegais, mercados políticos
Dante, um dos entrevistados, tem 22 anos e
mora no bairro desde que nasceu, de uma família Embora os efeitos da política de pacificação da
que participou ativamente da constituição das redes cidade do Rio de Janeiro notadamente tenha se ex-
de sociabilidade locais. pandido por diversos lugares, não se deve analisar
Diariamente sai para estudar e trabalhar; tem o microcosmo do mercado das drogas num bairro
um forte espírito comunitário de pertencimento pe- popular da Baixada apenas reproduzindo as carac-
los vínculos religiosos que possui. Assim, Dante se terísticas de seu funcionamento na capital; há que
torna um interlocutor privilegiado a nos conduzir se considerar as diferentes conjunturas locais.
pelos labirintos do bairro. É por ele que deixamos a O mercado informal da droga ganhou impor-
visão de sobrevoo para tentar “nadar” no território.9 tância por que lhe foi imputada a responsabilidade
Estudante de história numa faculdade priva- central pelo aumento da violência urbana no Rio de
da no Rio de Janeiro, membro ativo de uma igre- Janeiro. Não estão claros os efeitos que a implanta-
ja evangélica tradicional, Dante nos mostra uma ção das UPPs causaram sobre esse mercado, mas a
diversidade que embaralha qualquer tentativa de ampliação UPPs está longe de tê-lo feito recuar.
enquadrá-lo numa identidade única. Ele está no A relação entre mercadorias ilegais e mercadorias
ponto de confluência entre a trajetória dos antigos políticas é mais importante para entender o problema
criadores do bairro e os mais novos que ele nasci- da violência no Rio de Janeiro que a relação estereoti-
dos lá. Além disso, sob sua perspectiva, é possível pada entre drogas e criminalidade (Misse, 2011). E as
ter uma visão problematizada dos que chegaram trocas nesse mercado informal combinam dimensões
depois. Dante também nos faz perceber que a ima- econômicas e políticas, no sentido de maior controle
gem externa do bairro como uma favela deve ser ou flexibilidade do Estado na repressão da distribuição
relativizada. “O bairro tem favela, mas não é uma e na própria ação dos agentes encarregados em repri-
favela” – assevera. mir a circulação dessa mercadoria.
O bairro é e não é uma favela. Não é uma fave- Misse (2011, p. 21) afirma que
la se tomarmos o acontecimento da chacina – um
evento completamente perturbador na rotina co- […] há um mercado informal cujas trocas com-
munitária. Um excesso não controlado pelos mora- binam especificamente dimensões políticas e di-
dores, imagem, para eles, fortemente marcada pelos mensões econômicas, de tal modo que um recur-
fantasmas do “princípio da insegurança do Estado” so (ou um custo) político seja metamorfoseado
(Rancière, 2003). Porém, ao mesmo tempo, o bairro em valor de troca. O preço das mercadorias (bens
é também uma favela, no sentido de conter esse du- ou serviços) desse mercado, por ganhar a autono-
plo, essa “zona de sombra”, conhecida e desconheci- mia de uma negociação política, passa a depender
da de seus moradores. Todos os nossos informantes não apenas das leis de mercado, mas de avaliações
nos alertam para a continuidade da permanência do estratégicas de poder, de recurso potencial à vio-
tráfico, mas dessa vez de maneira “sossegada”, sem a lência e de equilíbrio de forças, isto é, de avalia-
presença ostensiva do armamento pesado e sem as ções estritamente políticas. Para distinguir a ofer-
incursões permanentes da polícia. ta e demanda desses bens e serviços daqueles cujo
É Dante quem nos propicia uma visão panorâ- preço depende fundamentalmente do princípio
mica do bairro, no último andar da igreja, de onde de mercado, ele denomina esses bens ou serviços
se avista a parte de Nilópolis, o campo de treino de “mercadorias políticas”.
do Exército e toda a extensão do parque. Em meio ao
contraste entre a natureza do parque e a paisagem O conceito de mercadoria política nos ajuda
típica de um bairro numa cidade da Baixada, ainda a compreender o funcionamento desse mercado
buscamos, através dessa visão, adentrar na trajetória nessa situação dada. Mas, aqui cabem as seguintes
de seus moradores. questões: Quais os impactos nesse mercado com a
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instalação das UPPs? Quais os impactos para regi- que um fornecedor de cocaína, de maconha ou de
ões em que as UPPs não foram ou não serão im- armas pode simplesmente subir a favela, procurar o
plantadas?10 “movimento” e vender seu estoque. Em geral, o ge-
Apesar de não estar escrito na forma de códigos rente da área é o encarregado de escolher a melhor
ou leis, os agentes que participam desse mercado co- oferta segundo uma análise das possibilidades no
nhecem as regras informais que regulam seu funcio- mercado. Entre os atacadistas, há policiais e ex-po-
namento. O não cumprimento ou sua incompreensão liciais, grandes traficantes de outras áreas e estados
podem levar a decisões completamente equivocadas e tipos desconhecidos que procuram o “movimen-
que, nesse caso, são decisões de vida ou morte. to” e vendem a mercadoria. Nos últimos tempos,
Diferentes regimes territoriais também influen- esse mercado pode ter se reorganizado e caminhado
ciam a dinâmica desses mercados, mesmo que pos- no sentido de maior concentração tanto pela polí-
samos perseguir determinados padrões de funcio- tica de pacificação como pelo domínio das milícias
namento. Nesse caso, em lugar de estabelecer um em determinadas áreas.
funcionamento comum em todas as “áreas pobres”, Há uma espécie de acumulação primitiva de
é preciso se perguntar como essa dinâmica funciona capital pela alta rotatividade do negócio. Cada
em cada regime territorial particular. Assim, nos pa- dono fica pouco tempo na área e deve se transferir
rece que a própria mercadoria política não objetiva o mais rápido possível para atividades consideradas
as mesmas relações na Baixada e no Rio de Janeiro. legais (frotas de motéis, comércio) ou atividades
O mercado informal da droga das áreas pobres ilegais, mas reprimidas em menor grau e cujos cus-
no Rio de Janeiro tem características essencialmen- tos da mercadoria política sejam menores, como o
te varejistas, e sua principal mercadoria é a cocaí- transporte clandestino.12
na, que tem o melhor custo-benefício em relação a A saída do movimento é possível, desde que
outras mercadorias ilegais desde os anos de 1980. não haja dívidas. Mas é claro que isso varia con-
Vendidas em pequenas unidades chamadas de pa- forme a conjuntura do negócio e da região. Con-
pelote ou papel, são pequenos embrulhos ou paco- versões religiosas também são uma opção autêntica
tes tipo bala, em quantidade e preços variáveis. A de mudança de vida (cf. Teixeira, 2009; Birman e
mistura da cocaína com outros produtos é comum Machado, 2012; Cunha, 2009, 2014) Há proviso-
nos papéis mais baratos.11 riedade de inserção dos donos que devem destinar
O preço depende da qualidade do produto, rapidamente seus investimentos para o mercado
ou seja, sua pureza e as condições de oferta. A in- legal, ou mesmo ilegal, com os menores custos da
formação de que haverá repressão policial na área mercadoria política. No caso dos vendedores dire-
pode tanto precipitar que o estoque seja liquidado tos presentes nas áreas pobres, tudo que se arrecada
como levar a um aumento de preços pela escassez é gasto. Parte considerável dos ganhos é utiliza-
forçada. O aumento de preço pode resultar de uma da para a compra de mercadorias políticas. A li-
perda do estoque por conta da repressão e apreen- bertação de traficantes presos é um negócio re-
são da mercadoria ou pelo aumento de custos da lativamente lucrativo para agentes policiais que
mercadoria política, neste caso a extorsão por parte participam desse mercado. Sem a compra dessas
de agentes policiais ou outros “agentes”. mercadorias políticas, o risco do negócio desapa-
O movimento é variável conforme o lugar e a recer é grande, seja por uma escalada de repressão
época do ano. Essa variação é explicável pelos pre- e apreensão do produto pelos agentes estatais que
ços, pela qualidade do produto, pela repressão poli- descapitalizam o negócio, seja pela maior vulnera-
cial e pelo custo das mercadorias políticas de prote- bilidade e exposição diante de potenciais concor-
ção. Não há uma organização centralizada que dis- rentes.
tribua a mercadoria e controle o poder em todas as Para analisar esse microcosmo do tráfico, resol-
áreas. Essa distribuição é descentralizada, variável, e vemos escolher duas situações que mostram essas
nem sempre depende de contatos e intermediários possíveis nuances entre dois traficantes e sua relação
mais ou menos organizados. Misse (2011) afirma com a mercadoria política.
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O traficante inábil As fases desse histórico se aproximam e se


distanciam da imagem de territórios controlados
Como em qualquer negócio, más decisões po- como no caso das favelas cariocas, e o impacto da
dem custar caro. Uma avaliação equivocada da situa- mudança da mercadoria ilícita. A cocaína mudou
ção do mercado, de potenciais concorrentes, das obri- a escala dos ganhos e fez circular um recurso antes
gações formais e também informais com o Estado, do não visto naquela área.
fluxo de caixa, pode levar um negócio promissor ao Essa história é bem conhecida e não é o caso de
fracasso rápido e ao surgimento de concorrentes onde repeti-la. Mas o interessante é perceber as conexões
antes imperava uma posição de domínio. e diferenças entre uma história que já conhecemos
Apesar de a história da acumulação da violên- e seu impacto ou a forma como isso se desenrola
cia nesse bairro da Baixada guardar aproximações num bairro popular da Baixada. Se a chegada do
com a da cidade do Rio de Janeiro, suas fases são tráfico se dá de modo semelhante com o apareci-
distintas. Nos anos de 1980, predominavam os mento de uma nova economia do ilícito e que cres-
assaltos a caminhão de gás, furtos e venda de ma- ce à medida que o custo do negócio propicia lucros
conha e a ação de matadores coincidindo com a cada vez maiores, a presença do Estado na região, a
hegemonia dos grupos de extermínio bem vistos forma como o aparato repressivo se relaciona com
pela comunidade, mas que acabavam fazendo uma ele e como os moradores se situam, diferencia o
“limpeza social” e agravando ainda mais o proble- modo como a questão se articula.
ma. A mercadoria principal era a maconha. Nos anos 2000, o crack apareceu no bairro. Po-
Após a década de 1990, a entrada da cocaína rém, a circulação dessa mercadoria foi proibida pelos
e o aumento exponencial de lucros transformou o traficantes, pois desorganizava o negócio principal.
tráfico de drogas numa economia ilícita maior nos Podemos inferir essas mudanças a partir de
municípios da Baixada. Esse mercado levaria ao um pequeno relato de um morador acerca das difi-
ocaso dos grupos de extermínio e à morte de vá- culdades de relacionamento com os traficantes. O
rios matadores. Com a construção de um negócio morador teve instalada à sua revelia uma boca no
baseado na economia da droga e suas ramificações, quintal da casa e que funcionava das 20h30 às 5h:
como a economia dos armamentos pesados e que se “Era ‘gente nova, gente velha, mulher com barriga,
valorizavam de modo impressionante como merca- adolescente, gente chegando de carro, a pé, de bici-
doria política, não valia mais a pena matar a “gali- cleta, num fluxo intenso de compradores que tor-
nha dos ovos de ouro”. nava a rua bastante movimentada e a casa um vai-
Os criminosos passavam então de possíveis -e-vem de desconhecidos”. Durante meses, foi um
inimigos a parceiros do negócio onde o ilícito se entra-e-sai intenso; o terreno tornara-se a passagem
constituía em ganhos potenciais que precisavam ser do intenso comércio local, o ponto mais movimen-
administrados para que não houvessem problemas. tado do bairro.
O histórico de disputas territoriais vai se dar a A necessidade de proteção do ponto fez com
partir do custo da mercadoria política. Essa realidade que a ostensividade do armamento passasse a pre-
era mutável a partir das relações estabelecidas pelo go- ocupar os moradores, pois havia uma exposição de
vernante da vez com o aparato repressivo do Estado. armas colocadas à vista de todos. Os traficantes, no
Os anos de 1990 coincidem com o crescimento do entanto, procuravam tranquilizá-los em relação aos
tráfico de drogas e a entrada de armamento pesado na familiares, dizendo que não entrariam e não deixa-
região. Começa a aparecer um tipo de armamento riam ninguém entrar na casa e que aquilo que eles
desconhecido: metralhadoras, pistolas e até balas tra- faziam era apenas um trabalho: “fica tranquilo, isso
çantes que produziam faíscas no ar. Isso causa uma é um trabalho”.
primeira mudança, a partir do aumento da circulação Os negócios cresciam até que, em dado mo-
de dinheiro no bairro. A sabedoria popular de um ob- mento, a “galinha dos ovos de ouro foi morta” por
servador arguto dessa cena coloca a afirmação cortan- um cálculo inábil que desencadeou uma reação dos
te: “onde a riqueza cresce, a pobreza explode”.13 agentes estatais e que alterou a escala do problema.
ESPERANDO A UPP  9

O traficante principal resolveu deixar de destinar que não tinha medo da polícia e nenhum problema
parte dos ganhos para o pagamento da mercadoria de enfrentar os policiais durante a noite, isso fazia
política, o que alterou substancialmente o campo parte do “trabalho”, mas que o efetivo policial nun-
de forças do negócio. Com esta decisão inábil, a ca entrava no período noturno, quando ninguém
repressão e apreensão do produto aumentou, obri- estava na rua e a guerra seria menos desigual.
gando o traficante a cada vez mais ampliar a ocupa- O gerente queria, desse modo, dar algum tipo de
ção territorial para proteção dos pontos. A situação assistência à comunidade e colaborar com a entida-
foi se tornando insustentável, o que o levou a uma de. Por isso, acabara tentando tomá-la. Contudo, a
tentativa de diminuir os conflitos buscando fazer conversa o fez pensar em outras formas de viabilizar
um movimento para dentro do bairro. essa “ajuda”.
Quanto mais endurecia, mais os conflitos au- A pergunta do gerente foi: “o que dá para fazer
mentavam. “Não temos medo e não daremos o pela comunidade?”. E sugeriu distribuir 2 mil ces-
dinheiro”. Apesar de ser “cria” do bairro, a pouca tas básicas, realizar uma festa junina, promover um
habilidade e destreza foram fatais e destruíram o baile funk. De modo habilidoso, esse morador con-
negócio. O traficante era um “psicopata” e “não sa- seguiu recusar a ajuda, sem entrar em conflito com
bia administrar situações conflituosas”. Ao querer o traficante. Sua alegação era de que qualquer ajuda
resolver tudo do seu jeito, foi acirrando os ânimos e precisaria ser demonstrada contabilmente em notas
tornando ostensiva a presença do aparato repressivo fiscais para não ter problemas na prestação de con-
e causando maiores problemas para os moradores. tas. E esse recurso não poderia ser contabilizado.
A extensão dos problemas faz com que, pela Essa situação ocorreu um ano antes da tragédia
primeira vez, uma das entidades sociais do bairro e, no período seguinte, a situação só se agravou. A
entrasse em conflito com os traficantes. Num dia, violência e o controle territorial foram se amplian-
homens se plantaram na frente do local para exi- do até a situação ficar insustentável. Segundo rela-
gir a chave. Alvoroço entre os diretores; um deles tos, no dia em que os meninos subiam a cachoeira
é chamado às pressas, mesmo sendo ex-diretor, e para se divertir no parque, os traficantes estavam
se oferece para conversar com o gerente do tráfico. acantonados lá. Subitamente, o celular de um dos
Sobe na garupa do motoqueiro e vai até a rua prin- garotos toca com a música que foi identificada
cipal onde há o movimento. Fica impressionado como de uma facção rival. A história dos aconteci-
com a cena: cerca de cinquenta homens distribu- mentos seguintes da tragédia já é conhecida.
ídos em duas fileiras na rua guardando o ponto e à
espera de alguém. Logo chega o gerente na garupa O traficante evangélico14 que mudou de ramo
de uma moto e armado com duas metralhadoras e
três pistolas, para e diz que gostaria de “desenro- Os trânsitos no mercado ilícito podem ser mais
lar um problema com ele”. O gerente já sabia do insuspeitos do que se imagina. E a regulação desse
que se tratava, mas disse que naquele momento mercado passa pelos valores adquiridos pela mercado-
não podia atendê-lo e propunha a conversa para ria política. O traficante inábil, que resolve decretar
mais tarde, às 21h. E que enviaria alguém de moto a suspensão do pagamento do arrego e vai motivar
para pegá-lo. uma escalada de violência com um fim trágico, pare-
À noite foi informado das razões dos trafican- ce se contrapor ao traficante com maior desenvoltura
tes em quererem tomar a entidade: para eles, com o no negócio e que percebe a necessidade de mudar de
enfrentamento maior com a polícia, o que se dava ramo na hora certa. Com o perigo à espreita, é melhor
era que as forças policiais faziam incursões durante “pegar uma indenização” e com o capital acumulado
o dia, em horário de escola, nos momentos que os comprar três vans e entrar no negócio do transporte
traficantes não estavam. E, em situações de confli- clandestino. Afinal de contas, no caso da Baixada este
to, ocorriam mortes de moradores comuns. O re- é um ramo promissor e em expansão, dado os graves
ceio do gerente era que essas mortes estavam todas problemas estruturais de mobilidade urbana que his-
sendo debitadas na conta dos traficantes. Ele dizia toricamente afetam a região.
10  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 31 N° 91

O funcionamento desse mercado de certo Essa alteração teve um impacto significativo


modo empreendedor, pois aberto como “oportuni- em sua vida. André foi obrigado a sair do bairro
dade” para todos aqueles que escolhem se arriscar para evitar problemas com outros adversários do
nessa modalidade de capitalismo aventureiro, não negócio que não concordaram com os valores que
exime o empreendedor de conhecer as regras do foram definidos de modo unilateral.
ramo, que passam pela formação familiar ou pelo Na trajetória de André, o que se vê é o trânsi-
ethos que organiza sua própria conduta. to de um mercado ilegal, cuja repressão aumentou
Aqui vale mais o ethos empreendedor que o desmesuradamente, pelo menos de modo momen-
ethos guerreiro. Saber identificar oportunidades e tâneo, para outro em que os custos da mercadoria
tomar decisões na hora certa parece um conheci- política e os riscos são menores.
mento tácito que não se aprende nos bancos escola-
res, mas que passa por um processo de socialização
anterior que é uma competência tácita e não devi- Algumas considerações14
damente aprendida.
André é um jovem de 28 anos, empreendedor Abordando o processo da política de pacifica-
local, casado, dois filhos e com uma família muito ção do ponto de vista de sua ausência, e por uma
devota, que ajudou a criar uma das primeiras igre- perspectiva analítica da produção das margens,
jas do bairro. O problema é que André ascendeu este artigo nos possibilita pensar em dinâmicas
rapidamente e se tornou o gerente do tráfico de e agenciamentos que são produzidos em outros
drogas local, o que sempre lhe trouxe alguns dra- regimes territoriais que não aqueles que origina-
mas de consciência. Querendo sair dessa vida e sem riamente foram objeto dessa política, ou seja, as
saber de que modo, resolveu pegar por conta pró- favelas cariocas.
pria o dinheiro de uma “indenização”, ou seja, o No caso tratado, uma localidade na Baixada
capital de giro da boca, comprar três vans e entrar Fluminense, a ausência do Estado como justifica-
no negócio de transporte clandestino na Baixada. tiva da pacificação pela ocupação militar das co-
Está jurado de morte, mas até agora seu outro ne- munidades pobres para levar segurança não é assim
gócio vai bem. percebida pelos moradores.
Sua família criou uma das pequenas denomina- De um lado, devemos afastar a noção da Bai-
ções religiosas que funcionam nas ruas principais e xada como uma periferia com carências, mas em
transversais do bairro. Ao conhecer sua avó e sua fa- que a universalização dos serviços públicos foram
mília, a conversa se desenrola com várias referências de algum modo resolvidos, como em outros casos
a passagens bíblicas, mostrando que não são fiéis que em que a chegada desses serviços se expandiu e le-
circulam de religião em religião num pragmatismo vou a um deslocamento de determinadas proble-
que estrutura esse mercado da fé. No caso da família máticas da periferia para lugares ainda mais distan-
de André, as referências bíblicas demonstram um co- tes, como no caso da periferia paulistana, em que o
nhecimento mais arraigado da doutrina. conceito parece ser mais adequado. Ainda há uma
Antes da tragédia, apesar dos conflitos morais ausência significativa de atendimento de água, es-
advindos do negócio e da vida religiosa da famí- goto, luz e asfalto, o que faz com que a Baixada
lia, a convivência da religião e do negócio de André conviva com ilhas de riqueza e bolsões de pobreza.
ocorria na mesma rua. O negócio funcionava bem, Isso estruturou na percepção de seus moradores a
pois a educação lhe forneceu uma visão para o em- necessidade de resolver esses problemas de modo
preendedorismo. a prescindir de uma presença mais efetiva do Esta-
No entanto, quando a tragédia ocorreu e a esca- do, mesmo que em suas demandas esta seja a rei-
la do negócio se alterou com um toque de recolher vindicação mais recorrente.
de todo o ilícito, ao menos momentaneamente até a Esse mesmo Estado, no entanto, está lá presen-
poeira baixar, André decidiu mudar de ramo ao di- te no modo como estruturou uma espécie de “mer-
mensionar todos os riscos que o negócio acarretava. cado político” na região e passa a ser pressionável
ESPERANDO A UPP  11

através desses eventos espetaculares que ocorrem de Notas


tempos em tempos, sobretudo em determinadas di-
mensões da criminalidade. 1 Segundo o site da Secretaria de Segurança Pública do
As práticas do Estado na Baixada levaram à Rio de Janeiro, as Cisps fazem parte das Circunscrições
percepção de sua ausência, o que de fato se mani- Integradas de Segurança Pública (Cisp) e são a menor
festa na falta de infraestrutura urbana e de servi- instância de apuração dos indicadores de criminalida-
de. Constituem a esfera de integração territorial, em
ços públicos precários, se comparados à cidade do
nível operacional, das companhias integradas da Polícia
Rio de Janeiro. As margens produziram como res- Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) com as
posta dos moradores da Baixada práticas coletivas delegacias de polícia da Polícia Civil do Estado do Rio
comuns, na maioria das vezes não organizadas nas de Janeiro (PCERJ). A principal diferença das Cisps em
formas políticas mais reconhecidas, mas que bus- relação às UPPs é o fato de aquelas não contarem com
cavam enfrentar a solução dos problemas de modo policiais do efetivo contratado especificamente para
imediato, recorrendo apenas ao universo comuni- esse tipo de policiamento de proximidade.
tário presente. 2 Além da reivindicação por segurança pública pe-
A percepção de um processo de “migração do los moradores através das reuniões convocadas pelo
crime”, “o deslocamento de bandidos do Rio para Fórum da Baixada articulado pela Diocese de Nova
a Baixada como consequência perversa das UPPs”, Iguaçu, que envolve entidades da sociedade civil e
restabelecem os sentidos e as fronteiras, lugares e religiosas, as prefeituras da região têm organizado
audiências com o secretário de segurança pública do
limites da política de segurança. De algum modo,
Estado, preocupadas com a atração de investimentos
seu pressuposto principal é a ideia de uma ausência
de possíveis indústrias que pretendem se instalar nas
do Estado nos territórios precários, sobretudo no proximidades do Arco Metropolitano, via que ligará o
aspecto da segurança, onde o crime dominou o ter- Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj)
ritório de comunidades carentes e daí a necessidade ao Porto de Itaguaí e que corta boa parte da Baixada.
de retomar esses territórios como forma de viabili- 3 Adoto aqui a perspectiva de uma antropologia das
zar qualquer tipo de política pública. margens, que busca analisar o Estado a partir de suas
Contudo, a ocupação pelas forças de segurança práticas, se distanciando de uma imagem consolidada
de um bairro pobre na Baixada, a recusa à implanta- do Estado como “forma administrativa racional de or-
ção de uma UPP, vista como a presença permanente ganização política que se debilita ou não está comple-
da polícia, e a instalação de uma CISP com policiais da tamente articulado em suas margens territoriais”. (Das
Baixada, demonstram que a ampliação da militari- e Poole, 2004, p. 3) Desse modo, essa perspectiva abre
zação do território tem seus limites tanto materiais uma interessante possibilidade de análise do Estado,
não porque registre ou capte formas “exóticas” presen-
quanto políticos e simbólicos. Ao ter de responder
tes nas margens, mas porque insinua que as margens
à exigência da presença de policiamento mediante a são implicações necessárias do Estado e, portanto, não
instalação das UPPs nesses territórios precários, o go- podem ser lidas no registro de conceitos que apresen-
verno se vê sem possibilidade de responder do mes- tam as margens como anômicas, caóticas ou desordena-
mo modo que faz nas favelas cariocas. das, e sim como móveis e dinâmicas. O que é aplicável
A circulação dos moradores, a mobilidade do às margens pode generalizar-se e normalizar-se para to-
crime, seus discursos e rumores, as interfaces com das as populações, do mesmo modo que a regra é parte
um mercado político constituído de modo distinto constitutiva da exceção. Essa perspectiva é apresentada
e que regula diferentes agenciamentos estatais e pri- de maneira seminal e profícua em Das e Poole (2004).
vados nos permite não apenas observar as dinâmi- 4 A noção de regimes territoriais já vem sendo explorada
cas específicas de outros territórios, como esse bair- há um tempo pelos pesquisadores do Coletivo de Estu-
ro da Baixada Fluminense, mas nos fornece uma dos sobre Violência e Sociabilidade (Cevis/Iesp-Uerj).
Aqui tomo emprestado a noção que me parece bastante
compreensão mais ampliada da própria produção
profícua conceitualmente para a análise de contextos
da política de pacificação e seus impactos em ou- e territórios diversos e mesmo no interior das próprias
tras localidades de moradia de populações pobres favelas cariocas. Sobre isso, ver Leite (2015a, 2015b).
e vulneráveis.
12  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 31 N° 91

5 Cito algumas referências, tomando por universo empí- “Após morte de adolescentes, polícia ocupa favela do
rico Rio de Janeiro e São Paulo, entre muitas em circu- Rio” (Folha de S.Paulo, 12/09/2012), “Após chacina,
lação nessa área de estudos. Os artigos organizados por PM ocupa favela” (O Estado de S. Paulo, 12/09/2012),
Cabanes et al. (2011), no livro Saídas de emergência, “Após chacina, PM ocupa e instala base permanente
são um importante panorama das diversas alterações em favela da Baixada” (O Globo, 12/09/2012). Nas
nos campos do trabalho, da violência, do associativis- emissoras de televisão, as chamadas eram “Bope faz
mo, dos espaços públicos e privados e da religiosidade, ocupação na favela da Baixada nesta terça-feira” (Glo-
entre outros, pelo qual passou a periferia de São Paulo bo, 11/09/2012) e “Após chacina na baixada, Bope e
nos últimos anos. No Rio de Janeiro, boa parte dos es- Choque ocupam favela” (Record, 11/09/2012).
tudos urbanos em territórios precários se concentra na 8 O “não mais e não ainda” é a célebre expressão aren-
dinâmica das favelas (Valladares, 2005; Zaluar e Alvito, dtiana quando trata da memória. “É só chamando
2006; Silva, 2004), o que só tem se reforçado com a o futuro e o passado no presente da recordação e da
implantação das UPPs (Cunha e Mello, 2011; Fleury, expectação que o tempo existe […] A memória é a
2012). Apesar da noção de periferia ser menos empre- presença do não mais como a expectação é a presen-
gada, também há uma produção sobre essa temática ça do não ainda” (Arendt, 1997). O espaço do “não
em diversos campos: da cultura (cf. Tommasi, 2011), mais e não ainda” é aquele que desatualiza o mundo
da religião (Birman e Machado, 2012), das ocupações que conhecíamos e que nos permitia pensar o futuro
urbanas no centro carioca (Fernandes, 2013). como alternativa aberta do ponto de vista emancipa-
6 No dia 25 de novembro de 2010, 500 homens do tório pelas ações e categorias antes conhecidas. Nessa
Bope, do CORE (Coordenadoria de Recursos Espe- situação, se abre a necessidade de retomar o pensa-
ciais) e os fuzileiros navais da Marinha em verdadeira mento de outra maneira com imaginação e atenção
operação de guerra retomaram do Comando Vermelho à memória. De algum modo, a figura de Dante nos
o controle da Vila Cruzeiro. Os traficantes então fugi- permite entrar no campo para, a partir de suas lem-
ram pelo acesso de uma estrada no meio da mata para o branças num mundo do “não mais e não ainda”, re-
Complexo do Alemão e pressionados a se renderem ou constituir os fios dessas vidas em suspenso e inscrever
fugirem dois dias depois por outra operação nesse local. essas histórias minúsculas como possibilidades de
As imagens da primeira fuga ficaram eternizadas pela contar outras histórias possíveis.
câmera do helicóptero da Rede Globo e foram um sím- 9 Elias (1994) diz que o sociólogo precisa ter a visão
bolo da retomada do controle territorial pelo Estado do aviador e a perspectiva do nadador, buscando
de territórios pobres dominados por facções criminosas combinar elementos de etnografia, baseando-se em
(Lopes, 2014, p. 8). Na minha compreensão, essa ope- pesquisa de campo, análise de documentos, dados
ração marcou uma nova fase no processo de pacificação quantitativos e observação participante. Cada uma
e montou um novo consenso em relação à entrada das dessas perspectivas, se isolada uma da outra, apresenta
forças armadas nas favelas cariocas, identificadas como riscos específicos. Ambas, a visão aérea e a do nadador
ausentes de Estado e dominadas por facções crimino- mostram o quadro com simplificação ou uma ênfase
sas. Esse consenso foi selado entre diferentes forças, tais unilateral. Somente em conjunto nos proporcionam
como os governos federal, estadual e municipal, a mí- um panorama mais equilibrado.
dia, as forças policiais e o próprio Exército para fazer
10 Não pretendemos dizer que esse mercado funciona
um cinturão de segurança para além do circuito de fa-
do mesmo modo em diferentes lugares. Nossa tenta-
velas da Zona Sul. Meu objetivo aqui não é reconstituir
tiva é buscar explicar as proximidades e diferenças do
e analisar esse episódio da ocupação do Complexo do
funcionamento desse mercado na Baixada Fluminen-
Alemão, mas indicar sua importância para a constitui-
se como caso singular, mesmo que influenciado pelo
ção do discurso da “ausência de Estado”. Para isso, co-
funcionamento do mercado informal no Rio de Ja-
meçam a surgir trabalhos que se debruçaram especifica-
neiro. No caso de São Paulo, parece haver outra forma
mente sobre esse acontecimento. Para uma perspectiva
de regulação como citado em alguns estudos. Temos
etnográfica que assinala o cruzamento entre religião e
colhido depoimentos de moradores em áreas da pe-
poder militar, ver Lopes (2014); para uma análise da
riferia sul, na fronteira entre São Paulo e uma cidade
mídia a partir de uma perspectiva crítica do aconteci-
do ABC, que nos citam a venda de uma “biqueira”
mento do Alemão, ver Oliveira (2013).
no valor de 200 mil reais. Não fomos investigar essa
7 As manchetes dos principais jornais que anunciavam situação em profundidade, mas é possível dizer que
a chacina numa “favela da Baixada” eram as seguintes: esse caso mostra certa estabilidade do funcionamento
ESPERANDO A UPP  13

desse mercado que talvez explique a diminuição das BURGOS, M. B. et al. (2011), “O efeito UPP
taxas de homicídio na capital paulista e na Grande SP. na percepção dos moradores das favelas”. De-
11 Essa descrição do mercado informal da droga no sigualdade e Diversidade – Revista de Ciências
Rio de Janeiro parte das anotações do texto de Misse Sociais PUC/RJ, 11: 49-97.
(2011). Aqui apresento uma breve descrição do fun- CABANES, R. et al. (orgs.) (2011), Saídas de emer-
cionamento deste mercado no Rio de Janeiro, sem gência. São Paulo, Boitempo.
atentar para as especificidades de outros regimes ter-
CANO, I.; BORGES, D. & RIBEIRO, E. (2012),
ritoriais que serão tratados no item sobre o “traficante
inábil” e o “traficante evangélico”.
Os donos do morro: uma avaliação exploratória
do impacto das Unidades de Polícia Pacificadora
12 Este foi o caso de André, um dos entrevistados para
nossa pesquisa, e que será discutido adiante. A análise
(UPPs) no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, LAV/
geral é de Misse, mas não podemos desdobrá-la para Banco de Desenvolvimento da América Lati-
o atual funcionamento desse mercado que pode ter na/Heinrich Böll Stiftung.
sofrido um processo de maior estabilização após a im- CUNHA, C. V. (2009), Evangélicos em ação nas fa-
plantação das UPPs em determinadas favelas cariocas. velas cariocas: um estudo socioantropológico sobre
13 Frase de um dos entrevistados da pesquisa. redes de proteção, tráfico de drogas e religião no
14 Cunha (2014) também busca analisar as diferentes Complexo de Acari. Tese de doutorado em Ciên-
fases do microcosmo do tráfico de drogas em Acari cias Sociais. Rio de Janeiro, Uerj.
através das imagens e da iconografia religiosa que se ______. (2014), “Religião e criminalidade: trafi-
altera entre dos anos de 1980 e 1990 das religiões de cantes e evangélicos entre os anos 1980 e 2000
matriz afro-brasileiras para as religiões pentecostais. nas favelas cariocas”. Religião e Sociedade, 34
Para tanto, ela toma o caso de Jeremias, traficante que
se converte a uma igreja evangélica local. Essa passa-
(1): 61-93.
gem nos demonstra que esse trânsito religioso e suas CUNHA, N. V. & MELLO, M. A. (2011), “No-
conexões com outras dimensões urbanas, como a cri- vos conflitos na cidade: a UPP e o processo
minalidade, já se estabeleciam desde os anos 2000 em de urbanização na favela”. Dilemas: Revista
algumas favelas cariocas. de Estudos de Conflito e Controle Social, 4 (3):
15 Todos os nomes dos entrevistados neste artigo foram 371-401.
trocados para preservação do anonimato. DAS, V. & POOLE, D. (2004), Anthropology in
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14  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 31 N° 91

apresentado no 39º Encontro Anual da An-


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RESUMOS / ABSTRACTS / RESUMÉS  15

ESPERANDO A UPP: EXPECTING UPP: CIRCULATION, EN ATTENDANT L’UPP :


CIRCULAÇÃO, VIOLÊNCIA VIOLENCE AND POILITICAL CIRCULATION, VIOLENCE ET
E MERCADO POLÍTICO NA MARKET IN BAIXADA MARCHÉ POLITIQUE DANS LA
BAIXADA FLUMINENSE FLUMINENSE BAIXADA FLUMINENSE

Edson Miagusko Edson Miagusko Edson Miagusko

Palavras-chave: Pacificação; UPP; Baixa- Keywords: Pacification; UPP; Baixada Mots-clés: Pacification; UPP; Baixada
da Fluminense; Periferias; Violência. Fluminense; Suburbs; Violence. Fluminense; Banlieues; Violence.

O objetivo deste artigo é discutir os sen- The purpose of this article is to discuss Cet article a pour but de discuter les di-
tidos das políticas de pacificação a partir the way of pacification policies from the rections adoptées par les politiques de pa-
dos impactos na Baixada Fluminense no impacts in Baixada Fluminense in terms cification à partir de leurs impacts sur la
plano das sociabilidades e representações of sociability and representations in the Baixada Fluminense (NTR: région située
na trajetória de moradores que perten- trajectory of residents belonging to an au Nord de la ville de Rio de Janeiro) en
cem a uma igreja evangélica tradicional e evangelical church and a neighborhood termes de sociabilité et de représentations
uma associação de moradores. Argumen- association. Argument from the field re- dans la trajectoire des résidents apparte-
to, a partir da pesquisa de campo, que search, we can understand the reconfigu- nant à une église évangélique tradition-
podemos compreender a reconfiguração ration of state practices in their margins nelle et à une association d’habitants.
das práticas do Estado em suas margens and legibility of control policies directed L’auteur soutient, à partir de ses études
e a legibilidade das políticas de controle to the poor and vulnerable, not only sur le terrain, que l’on peut, non seule-
direcionadas às populações pobres e vul- from the slums and their representations. ment à partir des bidonvilles de Rio et
neráveis, não apenas a partir das favelas Take the Baixada Fluminense from its de leurs représentations, comprendre la
cariocas e suas representações. Tomar a specific constitution, the intertwining of reconfiguration de certains aspects des
Baixada Fluminense em sua constituição political market and violence on one side pratiques étatiques et la lisibilité des poli-
específica, de entrelaçamento entre mer- and its relational aspect with Rio de Ja- tiques de contrôle destinées aux popula-
cado político e violência de um lado, e neiro, on the other, may lead us to better tions pauvres et vulnérables. Considérer
em seu aspecto relacional com o Rio de understand these different territorial re- la Baixada Fluminense suivant sa propre
Janeiro, de outro, nos leva a compreender gimes caused by the pacification policies. constitution, c’est-à-dire, d’une part l’en-
melhor esses diferentes regimes territoriais chevêtrement entre le marché politique
ocasionados pelas políticas de pacificação. et la violence et, d’autre part, son aspect
relationnel avec Rio de Janeiro, nous
amène à mieux comprendre ces différents
régimes territoriaux causés par les politi-
ques de pacification.

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