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CONCEITOS EM GENÉTICA

O vigésimo primeiro
e o vigésimo segundo
aminoácidos:
o código genético
expandido

Caetano da Costa1, Érica Rodrigues dos Santos2, Eduardo Galembeck3


1
Pós-doutorando em Ensino de Bioquímica na Universidade Estadual de Campinas, São Paulo
2
Mestranda do Programa de Pós-Graduação Multiunidades em Ensino de Ciências e Matemática (PECIM) da Universidade Estadual de Campinas, São Paulo.
3
Departamento de Bioquímica e Biologia Tecidual, Instituto de Biologia, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo.

Autor para correspondência: caedacosta@yahoo.com.br

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Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

D esde que foi decifrado, o código genético traz as


especificações de 20 diferentes tipos de aminoácidos
componentes das proteínas. Contudo, a descoberta de
dois novos aminoácidos geneticamente codificados de
maneira excepcional levou à expansão do código e do
número tradicional de aminoácidos universais. A partir da
revisão das principais características do processo de síntese
proteica, são descritos os aspectos essenciais da síntese e
da incorporação da selenocisteína (21o aminoácido) e da
pirrolisina (22o aminoácido), além de suas distribuições
nos domínios da vida, funções e tipos de proteínas das
quais fazem parte.

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A s proteínas são compostos fundamen-


tais dos seres vivos. A maioria das prote-
ínas é formada por combinações e sequências
gênico – em geral, uma proteína. O primei-
ro passo para que isso ocorra é um processo
chamado transcrição, que consiste na con-
baseadas em apenas 20 aminoácidos. Esse versão de um trecho de uma fita de DNA em
conjunto de aminoácidos é amplamente co- um trecho de RNA. Dessa forma, a informa-
nhecido e os estudantes têm contato com eles ção genética é transferida ao RNA, por meio
desde o ensino médio. A sequência de amino- da ação de enzimas (RNA polimerases),
ácidos tem sua origem no DNA celular, sob a formando o RNA mensageiro (mRNA).
forma de nucleotídeos organizados em genes. Em procariotos, o mRNA está pronto para
A produção de proteínas ocorre no citoplas- a próxima etapa, a tradução. Em eucariotos,
ma, e é conhecida como síntese proteica ou o processo é mais complexo, e envolve etapas
tradução. Portanto, a expressão gênica requer adicionais.
a conversão de nucleotídeos em aminoácidos.
Nos organismos eucarióticos, a maior
parte do DNA está contida no núcleo, lo-
AMINOÁCIDOS INCOMUNS cal onde se processa a transcrição. Neste
Além dos 20 aminoácidos tradicionais ou caso, o mRNA formado é um precursor
comuns, certas proteínas apresentam um ainda imaturo, que necessita passar por
ou mais de dezenas de outros aminoácidos uma etapa de processamento, produzindo
não convencionais ou incomuns, formados um mRNA maduro. Além deste, ainda no
por meio de modificações pós-traducionais núcleo, são sintetizados, a partir do DNA,
– reações que ocorrem depois do término outros tipos de RNA fundamentais para a
da tradução, o que significa dizer que tais tradução: os RNAs ribossômicos (rRNAs)
aminoácidos modificados não estão codifica- e os RNAs transportadores (tRNAs). As-
dos no DNA, ou seja, não apresentam cor- sim, os diversos tipos de RNAs atravessam
respondência de nucleotídeos no DNA. Por a dupla membrana nuclear por meio de
outro lado, esse não é o caso de dois deles transportadores específicos e chegam ao ci-
que, junto com os 20 convencionais, estão toplasma, local onde efetivamente ocorre a
codificados no DNA. Esses dois aminoáci- tradução.
dos são a selenocisteína que, a partir daqui,
será chamada de SeC, o 21o aminoácido, O CÓDIGO GENÉTICO
descoberto em 1986 e a pirrolisina, que será
Na década de 1940, comprovou-se que a
aqui identificada como PiL, o 22o aminoáci-
informação genética era transmitida aos
do, descoberto em 2002.
descendentes por meio do DNA, e não das
Ambos (SeC e PiL) são formados de manei- proteínas, como se acreditava anteriormen-
ra cotraducional, sendo incorporados às pro- te. A forma de ocorrência dessa transmissão
teínas quando estas ainda se encontram em começou a ser elucidada na década seguinte,
formação. A descoberta desses dois novos por meio da célebre publicação de Watson
aminoácidos evidencia que o código genético e Crick (1953) a respeito da estrutura do
pode ser expandido e, ainda mais surpreen- DNA. A descoberta do mRNA em 1960
dente, que o término da tradução não signifi- permitiu elucidar como os quatro nucleotí-
ca necessariamente o seu final. Para compre- deos do DNA controlavam a sequência dos
ender essa aparente contradição e as demais 20 aminoácidos presentes nas proteínas, Polipeptídeo - estrutura
implicações dessa descoberta, é preciso antes mas gerou uma nova questão: como a se- formada por uma sequência
de resíduos de aminoácidos.
entender o funcionamento do complexo pro- quência dos nucleotídeos do mRNA espe- Ao associar-se uma função a
cesso de síntese proteica. cificam a sequência de aminoácidos em um um polipeptídeo, podemos
polipeptídeo? A resposta foi construída chamá-lo de proteína. Assim,
um polipeptídeo faz parte de
O PAPEL DA TRANSCRIÇÃO ao longo da década de 1960, culminando na
uma proteína; por exemplo,
NA EXPRESSÃO GÊNICA entrega do Prêmio Nobel de Medicina em as cadeias alfa e beta da
1968 aos pesquisadores Robert W. Holley, hemoglobina são polipeptídeos.
A fim de que um gene seja expresso, é ne- Har Gobind Khorana e Marshall W. Ni- Portanto, a rigor, a hemoglobina
cessário que, no mínimo, ocorra um produto renberg, que decifraram o código genético. é uma proteína, e não um
polipeptídeo.

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Os pesquisadores demonstraram que o có- que sinalizam o início (códon de iniciação)


digo genético consiste em 64 trincas ou tri- e o término (stop códons ou códons de ter-
pletes de nucleotídeos presentes no mRNA, minação) das cadeias polipeptídicas. Com
chamados códons (Tabela 1). Como são 20 pouquíssimas exceções (SZYMANSKI;
os aminoácidos, isso significa que cada ami- BARCISZEWSKI, 2007), as especificações
noácido pode ser especificado por mais de do código genético são as mesmas em todos
um códon. Existem ainda códons específicos os organismos, dos vírus aos seres humanos.

Tabela 1.
Trincas do código genético e os
seus significados. De um total
de 64 trincas, 61 codificam
aminoácidos (representados
pelos seus símbolos de três
letras) – sendo que a trinca
AUG corresponde ao códon
de iniciação, que codifica
Metionina (símbolo em
verde); apenas três trincas
correspondem a stop códons
ou códons de parada, mas nem
sempre sinalizam o final da
tradução, como será discutido
adiante.

O PROCESSO A síntese de proteínas necessita de um enor-


me gasto de energia, envolvendo uma intrin-
TRADUCIONAL cada maquinaria celular. Cerca de um terço
A tradução consiste na interpretação do có- da massa seca total da maioria das células
digo genético. Em linhas gerais, trata-se da compõe-se de moléculas que participam di-
conversão da informação genética contida no retamente da biossíntese proteica (SNUS-
mRNA em sequências de aminoácidos, de TAD; SIMMONS, 2012). O processo
acordo com as instruções do código. O pro- ocorre nos ribossomos, estruturas macromo-
cesso ocorre no citoplasma (Figura 1), e en- leculares complexas formadas por três tipos
volve a participação de vários componentes, de RNA ribossômico (rRNA) e por prote-
sendo os principais: ribossomos, de 40 a 60 ínas, em partes aproximadamente iguais de
tRNAs diferentes, pelo menos 20 enzimas RNA e de proteína. Os ribossomos podem
de ligação dos aminoácidos aos tRNAs e vá- ser considerados “bancadas” moleculares, as
rias proteínas solúveis (fatores) que atuam quais oferecem suporte e ferramentas para
em cada etapa do processo. acomodar o mRNA.

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Figura 1.
Visão geral da síntese proteica,
mostrando os processos centrais
(transcrição, processamento
do mRNA e tradução) e as
interações entre alguns dos
um dos braços, cada tRNA contém uma principais componentes
OS RIBOSSOMOS E OS envolvidos: o DNA, os três tipos
trinca de nucleotídeos chamada anticódon,
RNAS TRANSPORTADORES que é complementar à sequência do códon
de RNA, os ribossomos e os
aminoácidos (representados por
Cada ribossomo é composto por duas subu- no mRNA. Dessa forma, permite um pare- pequenas esferas coloridas).
nidades, a grande e a pequena, que se asso- amento perfeito que medeia o acoplamento [Observação: com exceção
ciam antes de iniciar o processo de tradução. de certo aminoácido ao seu códon específico. da Figura 8, todas as demais
Embora apresentem variação de tamanho e foram elaboradas por um dos
Para cada um dos 20 aminoácidos, existem autores (Santos, E.R.) com base
de composição, a estrutura tridimensional de 1 a 4 tRNAs. nas imagens do capítulo 12 do
dos ribossomos é basicamente a mesma tan- livro-texto Principles of genetics
to em procariotos quanto em eucariotos. Para que o tRNA execute a sua função, ele (SNUSTAD; SIMMONS, 2012)]
deve ligar-se a um aminoácido específico. Em
Do ponto de vista químico, já se sabia que outras palavras, o tRNA deve ser carregado
uma interação direta entre os aminoácidos com um aminoácido. Para tanto, deve ocor-
e os códons era inviável. Assim, em 1958, rer uma reação enzimática em duas etapas,
Francis Crick propôs que deveria existir al- catalisadas pelas mesmas enzimas, as amino-
guma molécula que mediasse tal interação. acil-tRNA sintetases, específicas para cada
Essas moléculas, inicialmente denominadas um dos 20 aminoácidos. A primeira etapa
adaptadoras, foram identificadas como pe- envolve gasto de energia sob a forma de ATP,
quenas moléculas de RNA. Posteriormen- para que ocorra a ativação do aminoácido; a Loops ou alças - regiões de
te, foram designadas RNA de transferência, seguir, o aminoácido ativado é ligado ao seu formato circular que fazem
ou RNA transportador (tRNA). Observe tRNA, formando os substratos para a síntese parte da extremidade de dois
que sua estrutura é peculiar (Figura 2), com braços do tRNA.
proteica nos ribossomos: os aminoacil-tR-
formato semelhante a uma cruz, contendo NAs. Por exemplo, se o aminoácido ativado é
braços e alças (loops). Na extremidade de a alanina, forma-se alanil-tRNA.

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Figura 2.
Estrutura de um tRNA,
destacando a composição de
nucleotídeos incomuns (vide
legenda) e a localização do
Cada aminoacil-tRNA pode se ligar ao ri- OS ESTÁGIOS DA TRADUÇÃO
anticódon. bossomo por meio de três locais ou sítios
O mRNA a ser traduzido consiste em uma
de ligação (ver Figura 3): o sítio A (ou
sequência de códons: um de iniciação, segui-
“aminoacil”) liga o aminoacil-tRNA que
do pelos que especificam aminoácidos, e um
está por chegar, carregando o próximo ami-
de terminação. Cada mRNA é derivado de
noácido a ser incorporado à cadeia poli-
uma outra sequência chamada de ORF (do
peptídica em formação; o sítio P (ou “pep-
inglês Open Reading Frame) ou quadro aber-
ORF - segmento de DNA tidil”) liga o tRNA ao qual o polipeptídeo
to de leitura. Presume-se que cada ORF co-
contendo a sequência em formação está ancorado; e o sítio E (ou
necessária à codificação de uma difique uma proteína.
“de saída”) liga o tRNA que descarregou o
proteína. O processo traducional pode ser dividido em
aminoácido e que está prestes a deixar o ri-
bossomo. três estágios: iniciação, alongamento e termi-

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Figura 3.
Detalhes da estrutura do
ribossomo ligado ao mRNA
e aos tRNAs, durante o
nação. Em cada um deles, atuam diversas pro- A síntese é iniciada por um tRNA especial, processo de síntese proteica,
teínas solúveis que participam como fatores de carregando o aminoácido metionina, que destacando suas subunidades
apoio. Serão priorizados os aspectos de cada responde ao códon de iniciação (geralmen- (30S e 50S) e os três sítios de
ligação envolvidos (sítios E, P
estágio que sirvam para ilustrar os propósitos te AUG). Assim, no sítio P do ribossomo, o e A). Os pequenos retângulos
deste artigo, ou seja, para a compreensão da anticódon UAC emparelha-se com o códon coloridos representam os
síntese dos aminoácidos SeC e PiL. Por essa AUG do mRNA, sinalizando o início da códons (sequência superior)
razão, não serão exploradas certas diferenças tradução (Figura 4). e os anticódons (sequência
inferior). Os aminoácidos estão
da tradução entre procariotos e eucariotos.
representados por esferas
coloridas, cada qual com
símbolos de três letras (Ala =
alanina, Phe = fenilalanina, Pro
= prolina, Arg = arginina, Tyr =
tirosina, Met = metionina).

Figura 4.
Configuração inicial da
tradução, sinalizada pelo
posicionamento do tRNA
carregando a metionina no
sítio P. São destacados apenas
o códon de iniciação (AUG)
e o seu anticódon (UAC)
correspondente.

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A partir daí, ocorre o estágio de alongamen- rou o aminoácido são deslocados dos sítios
to, com a adição sucessiva dos aminoácidos. A e P para os sítios P e E, respectivamen-
Cada aminoácido é adicionado em três eta- te. Portanto, logo após as três etapas, com a
pas: (1) um aminoacil-tRNA liga-se ao sítio translocação do ribossomo, tem-se: no sítio
A do ribossomo; (2) a cadeia polipeptídica E, o tRNA que logo será liberado; no sítio
em crescimento é transferida do tRNA no P, o tRNA com a sequência de resíduos
Resíduos de aminoácidos sítio P para o tRNA que acabou de se ligar de aminoácidos em crescimento; e o sítio
- nome dado aos aminoácidos ao sítio A, formando uma nova ligação pep- A livre, pronto para receber o próximo ami-
quando incorporados em uma tídica; (3) o ribossomo move-se ao longo do noacil-tRNA (Figura 5). Assim, iniciam-se
proteína, devido à exclusão
mRNA (translocação), de forma a posicio- novamente as três etapas, consecutivamente,
de uma molécula de água na
reação de formação de cada nar o próximo códon no sítio A. Dessa ma- até atingir o estágio de terminação, em que
ligação peptídica. neira, durante a etapa (3), o tRNA contendo um dos três códons de terminação (UAA,
o polipeptídeo nascente e o tRNA que libe- UAG ou UGA) ocupa o sítio A.

Figura 5.
Etapa do alongamento
da cadeia polipeptídica,
mostrando a cadeia peptídica
já acrescida do aminoácido Phe
(fenilalanina) ocupando o sítio
P. Para realizar a adição de Phe,
ocorreram as seguintes etapas Conforme descrito, pode-se considerar que SÍNTESE E TRADUÇÃO DA
sequenciais: i) seu aminoacil- as reais tradutoras do código genético são as
tRNA (fenilalanil-tRNA) ligou- aminoacil-tRNA sintetases, uma vez que são
SELENOCISTEÍNA (SEC)
se ao sítio A; ii) a Met já ligada essas enzimas que promovem a ligação dire- A síntese e a incorporação da SeC são bem
no sítio P foi transferida para o compreendidas em E. coli, e as considerações
sítio A e ligada à Phe, formando
ta entre o anticódon e o aminoácido ativado
ligado ao seu tRNA específico. Uma vez que aqui descritas são válidas para este mode-
o dipeptídeo fenilmetionina; iii)
o ribossomo movimenta-se no se atinja um dos três códons de terminação, lo bacteriano. A princípio, pensou-se que a
mRNA, de modo que os tRNAs qualquer um deles é capaz de sinalizar o final SeC fosse produto de uma modificação pós-
desloquem-se para os sítios P e da tradução. O processo realmente chega ao -traducional, mas tal hipótese foi aos poucos
E, deixando o sítio A livre para perdendo força.
receber o próximo aminoacil- fim, uma vez que ocorre a desmontagem de
tRNA. toda a maquinaria: o polipeptídeo formado A SeC é sintetizada a partir do aminoácido
e a molécula de mRNA são liberados do ri- convencional serina. Como ocorre com qual-
bossomo. Além disso, as subunidades maior quer aminoácido tradicional, primeiro a seri-
e menor do ribossomo dissociam-se, e o na é ativada e, em seguida, ligada ao tRNA.
mRNA é degradado. No entanto, aqui começam as particularida-
Todos os 20 aminoácidos convencionais são des – nos organismos que utilizam a SeC,
adicionados à cadeia polipeptídica por meio existem dois tipos de tRNA que ligam se-
dos estágios descritos. A seguir, será detalha- rina: um que reconhece e é responsável pela
do o que ocorre no caso da SeC e da PiL. incorporação de serina à cadeia polipeptídica

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(o qual chamaremos tRNASer), e outro, pre- do códon de parada (SZYMANSKI; BAR-


sente em concentrações menores, que é capaz CISZEWSKI, 2007), que permite a incor-
de reconhecer apenas o códon UGA, que poração da SeC e a continuidade da tradu-
será denominado tRNASer(SeC). Este é um ção. Tal contexto pode ser caracterizado da
tRNA com características peculiares – além seguinte forma: no mRNA que contém o
de reconhecer um único códon de termina- códon de parada que codifica a SeC, existe
ção, difere dos demais tRNAs por ter maior uma sequência específica de inserção que
comprimento e sofrer poucas modificações flanqueia (marca) o referido códon de forma
pós-transcricionais. que seja reconhecido não como um sinal de
término, mas como a especificação de um
Portanto, a síntese de SeC ocorre no próprio
novo aminoácido a ser adicionado. Tal se-
tRNASer(SeC). Primeiro, a serina é ativada e
quência é denominada SECIS – SElenoCys-
ligada ao tRNASer(SeC) pela seril-tRNA sin-
teine Insertion Sequence. Outro importante
tetase. O seril-tRNASer(SeC) formado é usado
elemento contextual para a incorporação
como substrato para a síntese de SeC, da se-
da SeC é a participação de fatores específi-
guinte forma: a enzima selenocisteína sintase
cos de alongamento – um deles é especial e
converte o seril-tRNASer(SeC) em selenocisteil-
auxilia a formação de um complexo entre o
-tRNASer(SeC), em uma reação de duas etapas;
selenocisteil-tRNASer(SeC) e a SECIS, o qual
em uma delas, há a participação de seleno-
permite a inserção do tRNA carregado com
fosfato como doador de selênio, sintetizado
a SeC no sítio A do ribossomo (ROTHER;
às custas de ATP. Dessa forma, a inserção da
KRZYCKI, 2010) – vide Figura 6.
SeC é garantida pelo contexto de supressão

Figura 6.
Incorporação da selenocisteína
à cadeia polipeptídica em
resposta à SECIS. O esquema
superior representa a ligação
do selenocisteil-tRNA ao sítio
A, e destaca os elementos
contextuais que permitem
que o códon de terminação
especifique a inserção da SeC (a
esfera maior representa o fator
de alongamento específico). No
esquema inferior, observa-se
a SeC (pequena esfera roxa) já
incorporada à cadeia peptídica.
A seguir, ocorre o deslocamento
do ribossomo, deixando o
sítio A livre para a próximo
aminoacil-tRNA (vide Figura 5).

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É interessante notar que, do ponto de vista mente pela presença de um átomo de selênio
estrutural, a SeC difere da cisteína unica- no lugar de um átomo de enxofre (Figura 7).

Figura 7.
Estruturas da cisteína e da
SeC, destacando o elemento
diferencial entre as duas.

SÍNTESE E TRADUÇÃO ter o braço do anticódon um pouco mais lon-


go (1 nucleotídeo a mais), além de apresentar
DA PIRROLISINA (PIL) outras partes mais curtas, com ausência de
Ao contrário da SeC, a PiL é sintetizada algumas bases nitrogenadas.
como um aminoácido livre, a partir de duas
moléculas de lisina. Na verdade, trata-se de Assim como no caso da SeC, o mRNA con-
uma síntese em quatro etapas (RAGSDA- tendo o códon de parada para PiL (UAG)
LE, 2011), ilustradas na Figura 8: a primei- apresenta uma sequência marcadora, a
ra consiste em uma reação enzimática que PYLIS – PYrroLysine Insertion Sequence,
converte lisina em metil-ornitina, com par- que garante a incorporação da PiL e a conti-
ticipação da coenzima S-adenosilmetionina nuidade do processo traducional.
(SAM) e da enzima PylB. Uma outra enzi- Em suma, quando o mRNA não apresenta
ma (PylC) catalisa a condensação da metil- sequências como SECIS ou PYLIS, os có-
-ornitina com uma nova molécula de lisina, dons de terminação sinalizam de fato o fim
às custas de ATP, formando metil-ornitil- da tradução.
-lisina. Este composto, por sua vez, é conver-
tido em pirrolisina em uma complexa reação SEC E PIL: DISTRIBUIÇÃO
que ocorre em duas etapas – tal reação é
catalisada pela enzima PylD, uma desidro-
NOS DOMÍNIOS DA VIDA
genase cuja atividade envolve desaminação E FUNÇÕES
Arqueia - um dos três (perda de NH3), desidratação e ciclização A SeC apresenta ampla ocorrência, sendo
domínios da vida, que (BORREL et al., 2014). Assim, a PiL é sin- encontrada nos três domínios (Arqueia,
compreende procariontes tetizada antes da ligação ao seu tRNA es- Bactéria e Eucaria). Contudo, tal distribuição
primitivos com características
próprias, diferentes das pecífico (tRNAPiL). Portanto, existe uma não é universal, pois estão ausentes em fun-
bactérias comuns (alocadas pirrolisil-tRNA sintetase responsável pela gos, plantas vasculares e certos insetos, como
no domínio Bactéria); o outro ativação e ligação da PiL ao tRNAPiL. Este é besouros e bichos da seda (LABUNSKYY
domínio é o Eucaria, que um RNA especial, diferindo dos demais por et al., 2014).
abrange os seres eucariontes
(dos organismos microscópicos
às plantas e animais).

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Figura 8.
Etapas propostas para a
biossíntese da pirrolisina
[Reproduzida com permissão
da Macmillan Publishers Ltd:
NATURE, Ragsdale, S.W. How
two amino acids become one, v.
471, n. 7340, p. 583, copyright
2011]. Consistem em quatro
Proteínas que contêm a SeC são coletiva- de sinalização que envolvem o peróxido reações enzimáticas sequenciais,
com participação de duas lisinas
mente conhecidas como selenoproteínas, as de hidrogênio (H2O2). Já as iodotironina
e gasto de ATP (detalhes no
quais exibem dezenas de tipos diferentes e deiodinases participam da regulação da texto).
distribuem-se em mais de 50 famílias iden- atividade dos hormônios tireoidianos, sen-
tificadas, mas nem todas com função co- do que existem três isoenzimas conheci- Sítio ativo - região de
nhecida. São três as famílias bem estudadas das. Quanto às tiorredoxina redutases, são uma enzima que acomoda o
(LABUNSKYY et al., 2014; LU; HOLM- também três isoenzimas identificadas em substrato e é responsável pela
conversão do substrato em
GREN, 2009), nas quais a SeC está presente mamíferos, envolvidas em vários processos produto.
no sítio ativo de cada membro: i) glutatio- fisiológicos, tais como a defesa antioxidan-
na peroxidases; ii) iodotironina deiodinases; te, a regulação de fatores de transcrição e a
e iii) tiorredoxina redutases. Em comum, as apoptose. É válido mencionar que a tior- Apoptose - processo de morte
três famílias caracterizam-se por apresentar redoxina redutase é a única enzima capaz celular programada que se inicia
enzimas com diferentes localizações subcelu- de reativar a proteína tiorredoxina (LU; com sinalização mitocondrial.
lares e distribuição tecidual. HOLMGREN, 2009), cujo papel é crucial
para a síntese de DNA, pois mantém fun- Isoenzimas - enzimas que
No caso das glutationa peroxidases, exis-
cional a ribonucleotídeo redutase, enzima catalisam a mesma reação,
tem pelo menos cinco isoenzimas em e são expressas em locais
que converte ribonucleotídeos em sua for-
seres humanos, que participam do sistema intracelulares (compartimentos
ma desoxigenada.
de defesa antioxidante das células e de vias subcelulares) diferentes ou em
tecidos diferentes.

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Além das três famílias descritas, merece des- Em contraste com a diversidade funcional e
taque a selenoproteína P, uma outra família de ocorrência da SeC, a PiL tem sua distri-
que apresenta vários resíduos de SeC (10 buição restrita a certas arqueias metanogê-
ao todo) por molécula proteica. Essas sele- nicas e a um número bastante reduzido de
noproteínas circulam no plasma humano bactérias. É componente de pouquíssimas
e têm como principal função transportar e proteínas, as quais atuam como enzimas do
distribuir selênio aos tecidos (LU; HOLM- tipo metiltransferases, responsáveis pela sín-
GREN, 2009). tese de metano a partir de metanol e/ou me-
tilaminas (BORREL et al., 2014).
Em geral, outras funções atribuídas às se-
lenoproteínas são: reparo de proteínas que Apenas como curiosidade, são conhecidos
sofreram dano oxidativo, controle da mon- dois organismos (bactérias) que utilizam
tagem do citoesqueleto celular e apoio ao ambos os aminoácidos SeC e PiL: a Desulfi-
enovelamento proteico (LABUNSKYY et tobacterium hafniense e a deltaproteobactéria
al., 2014). Recentemente, as selenoproteínas simbiótica.
têm sido implicadas na diferenciação e fun-
ção de enterócitos e adipócitos, além de um CONSIDERAÇÕES FINAIS
possível papel na secreção e ação da insulina A descoberta da SeC e da PiL levou, no
(STEINBRENNER et al., 2016). mínimo, a rever o conjunto dos 20 amino-
Ao contrário do que ocorre com os 20 ami- ácidos codificados. Embora representados
Pool - quando associada a noácidos tradicionais, não existe um pool por trincas nucleotídicas que normalmente
aminoácidos, essa palavra de SeC livre nas células e, no catabolismo funcionam como códons de parada, e assim
designa o conjunto de proteico, a SeC é completamente degradada. estejam indiretamente codificados, é comum
aminoácidos livres no interior
das células. Tudo isso ocorre basicamente devido à alta atribuir à SeC e à PiL as designações “21º” e
reatividade deste aminoácido, que poderia “22o” aminoácidos, respectivamente, de acor-
ser incorporado no lugar da cisteína ou gerar do com a ordem cronológica de descoberta.
espécies reativas de oxigênio (LU; HOLM- Dessa maneira, pode-se considerar que o
GREN, 2009). conjunto de aminoácidos universais ou natu-

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rais contém 22 tipos diferentes, configuran- AGRADECIMENTOS


do o que a literatura especializada chama de
Agradecemos ao Prof. Bayardo Baptista
expansão do código genético.
Torres (IQ-USP) pela leitura criteriosa do
Além disso, os dados revelados pelo estudo manuscrito e sugestões que contribuíram
dos dois novos aminoácidos indicam duas para a clareza e precisão em várias partes
quebras de paradigma em relação ao proces- do texto.
so de síntese proteica:
1) um códon de parada pode significar con- REFERÊNCIAS
tinuidade e não término – isso significa BORREL, G.; GACI, N.; PEYRET, P.;
que uma proteína é produzida a partir de O’TOOLE, P. W.; GRIBALDO, S.;
dois ORFs (normalmente, cada ORF cor- BRUGÈRE, J. F. Unique characteristics of
the pyrrolysine system in the 7th order of
responde no mRNA maduro a um trecho
methanogens: implications for the evolu-
que inicia com um códon de início, segui- tion of a genetic code expansion cassette.
do por uma série de códons até chegar ao Archaea, v. 2014, 2014. Disponível em:
códon de parada – ou seja, é esperado que <file:///C:/Users/user/Downloads/AR-
uma ORF origine uma proteína); CHAEA2014-374146.pdf>. Acesso em
03/07/2015.
2) a síntese de um aminoácido (SeC) pode
ocorrer no próprio tRNA, sem envolver LABUNSKYY, V. M.; HATFIELD, D. L.;
uma aminoacil-tRNA sintetase específica GLADYSHEV, V. N. Selenoproteins: mo-
– portanto, sem necessidade de ativação e lecular pathways and physiological roles.
ligação daquele aminoácido. Physiological Reviews, v. 94, n. 3, p. 739-777,
2014.
Além dessas subversões apontadas, há ou-
LOBANOV, A. V.; KRYUKOV, G. V.; HAT-
tro aspecto da descoberta do 21o aminoá- FIELD, D. L.; GLADYSHEV, V. N. Is
cido que merece destaque: a necessidade de there a twenty third amino acid in the ge-
selênio como um elemento essencial. Ainda netic code? Trends in Genetics, v. 22, n. 7, p.
hoje, uma ideia comum entre os estudantes 357-360, 2006.
é que os principais elementos da matéria viva
LU, J.; HOLMGREN, A. Selenoproteins. Jour-
são carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogê- nal of Biological Chemistry, v. 284, n. 2, p.
nio, fósforo e enxofre, memorizados como 723-727, 2009.
“CHONPS”, com as iniciais de cada elemen-
RAGSDALE, S. W. How two amino acids be-
to. Com a SeC, há muito tempo tal regra
come one. Nature, v. 471, n. 7340, p. 583-
mnemônica deveria ser acrescida do selênio
584, 2011.
como um elemento fundamental para os se-
res vivos. ROTHER, M.; KRZYCKI, J. A. Selenocyste-
ine, pyrrolysine, and the unique energy me-
Como reflexão final, levanta-se a seguin- tabolism of methanogenic archaea. Archaea,
te questão: uma vez que são três diferentes v. 2010, 2010. Disponível em: <http://
códons de terminação, haveria espaço para www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/
um vigésimo terceiro aminoácido no códi- PMC2933860/pdf/ARCH2010-453642.
go genético? Aparentemente, a resposta é pdf> Acesso em 03/07/2015.
negativa. Análises computacionais baseadas SNUSTAD, D. P.; SIMMONS, M. J. Transla-
nos três códons de parada, visando à busca e tion and the genetic code. In: SNUSTAD,
identificação de possíveis tRNAs que levas- D. P.; SIMMONS, M. J. Principles of genet-
sem a um 23o aminoácido, foram infrutífe- ics. 6th ed. Hoboken, NJ: John Wiley & Sons,
ras (LOBANOV et al., 2006). Estes autores 2012. p 285-319.
também não encontraram tRNAs atípicos STEINBRENNER, H.; SPECKMANN, B.;
(não vinculados a códons de parada) e con- KLOTZ, L. O. Selenoproteins: antioxidant
cluem que, se o 23º aminoácido realmente selenoenzymes and beyond. Archives of Bio-
existir, é provável que tenha uma distribuição chemistry and Biophysics, v. 595, p. 113-119,
extremamente restrita. 2016.

120 Genética na Escola | Vol. 11 | Nº 2 | 2016


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