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Resenha: PEREIRA, Júlio César Medeiros da Silva.

À flor da terra:
o cemitério dos pretos novos no Rio de Janeiro. 2. ed. Rio de Janeiro:
Garamond, 2014.

Bruno Vinicius Gomes Pereira1

Júlio César Medeiros é doutor em História da Ciência e da Saúde pela


Fiocruz, mestre em História Social pela UFRJ e licenciado em História pela
FFP/UERJ; leciona História da África Antiga na FEUDUC e é professor da rede
municipal de ensino (RJ). Atualmente dirige o Núcleo de Pesquisa Histórica do IPN
(Instituto de Memória e Pesquisa Pretos Novos), onde desenvolve pesquisas
voltadas para o campo da cultura afro-brasileira.

O livro ‘À flor da terra’ tem como objeto de estudo a questão da morte e o seu
significado em diferentes culturas. Júlio César explora a questão através dos
documentos arqueológicos e escritos, que habilitam o estudo sobre o antigo
cemitério dos Pretos Novos. Estudo este que elenca questões importantes a serem
debatidas sobre as consequências negativas que o tráfico de almas trouxe para os
moradores da cidade do Rio de Janeiro e as feridas culturais dos cativos.

O livro contém 4 capítulos que totalizam 178 páginas de leitura direta, além de
figuras representativas, imagens e gráficos. O uso destes artifícios facilita o
entendimento da leitura durante toda a obra.

O primeiro capítulo: Religiosidade e morte: lugares fúnebres no Rio de Janeiro


dos séculos XVIII a XIX - traz uma abordagem da construção da ideia de morte na
igreja católica, onde a questão da transição do mundo carnal para o espiritual é
importantíssima e envolve diversos ritos e segmentos considerados sagrados. O
capítulo explora ainda o desenvolvimento da cidade do Rio, lugar de difícil acesso
em razão de seus morros e que futuramente viria ser a capital do Brasil, e dos locais
que viriam a ser utilizados para sepultamentos com a estabilização das capelas e
das irmandades.

Neste primeiro capitulo também é destacado um dos pontos chave da obra,


os cativos antes de serem embarcados eram batizados ainda em terras africanas,

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fato que segundo as fontes do autor, além de gerar lucro para a igreja, também
aumentava o preço dos mesmos já que viriam a ser mão de obra em uma sociedade
onde a elite dona da mão de obra escrava seria majoritariamente católica. Entende-
se então que a precariedade dos sepultamentos realizados no cemitério dos Pretos
Novos seria uma espécie de descaso, uma vez que os indivíduos já teriam passado
pelo primeiro sacramento católico e seriam considerados cristãos, mas não
dispunham de um sepultamento nos conformes mesmo que em questões mínimas
como uma simples prece pelas almas antes do enterro dos corpos (fato que chega a
acontecer em pouquíssimas situações). Outro ponto de destaque é a participação
dos negros em cultos religiosos de forma ativa como padres em alguns casos.

O segundo capítulo: O cemitério dos Pretos Novos e o seu entorno - retrata o


desenvolvimento do cemitério dos Pretos Novos, desde o seu surgimento em 1722
até o seu fim em 1830. O tráfico de escravos gerava uma taxa de mortalidade
razoável, já que a viagem era desgastante e comprometedora da saúde de muitos
cativos e as condições climáticas do Brasil, junto das novas dietas alimentares
dificultava ainda mais a sobrevivência e esses corpos sem vida precisavam ser
descartados. O cemitério surge na transferência do local de desembarque dos
escravos entre o Largo de Santa Rita e o Cais do Valongo, por motivos políticos e
econômicos, já que o antigo local era considerado desorganizado e de difícil acesso,
o que facilitava a compra de alguns escravos doentios por pessoas mais pobres, os
chamados ‘’ atravessadores’’. Estas os tratavam e revendiam aos grandes
comerciantes que chegavam tempos depois devido à dificuldade de acesso ao local
gerando assim a sua forma de sobrevivência.

Essa mudança veio acompanhada de novos métodos, os escravos agora


passavam a ficar em uma espécie de quarentena e não poderiam ser negociados
até os grandes compradores chegarem, o que acabou elevando o número de mortes
após o desembarque já que os tratamentos médicos, compras e revendas realizadas
pelos mais pobres com os feridos e doentios agora não ocorriam mais. Contudo a
transferência também impactou negativamente para os moradores da região, já que
os sepultamentos feitos de forma precária traziam odores e doenças a população.
Os corpos eram enterrados a distância de duas palmas de mão do solo o que
gerava mau cheiro e em tempos de chuva o aparecimento dos restos de cadáveres
na superfície. Somando esse fato com a primeira lei do fim do tráfico de escravos em
1830 o cemitério chega ao seu fim no mesmo ano.

Já no terceiro capitulo: História e Arqueologia: revelações e descobertas - é


aprofundada a questão das fontes arqueológicas encontradas no cemitério a partir
do final do século XX, tais fontes revelam uma gama de informações biológicas a
respeito de quem era sepultado no local. Verifica-se que em maior parte os escravos
vindos da África eram homens, porém, também foram encontrados vestígios de
crianças no cemitério. A forma como o sepultamento era realizado e os processos
para adequação de novos corpos segundo. Também através das fontes de
desembarque pode se identificar a procedência territorial da maioria dos cativos, que
eram preponderantemente da África Central.

Esse processo de sepultamento ‘’ à flor da terra’’ e liberação de espaço para


novos corpos, considerados inadequados foi o grande causador de problemas tanto
para os moradores citados anteriormente, quanto para os cativos em um sentido
cultural que é o tema do último capítulo.

No quarto e último capítulo: Viver e morrer em África - a obra explora parte do


continente africano, a África Central de onde vieram a maioria dos cativos
sepultados no cemitério dos pretos novos. A finalidade era entender melhor as
culturas locais e a questão da morte para os infortúnios. Através da reflexão
realizada pelo autor nota-se que a questão do cemitério não englobava apenas
sepultamentos realizados de forma precária, mas sim uma ferida sem igual para a
pós vida dos cativos já que em suas culturas o sepultamento necessitava de ritos a
serem seguidos, e a forma como era realizado revelaria a sorte ou azar do indivíduo
no além, isso sem contar as particularidades que o mesmo carregava em vida. A
boa morte era considerada quando alcançada certa idade e recheado de parentes,
bem diferente do que acontecia no tráfico de almas.

Seguindo como alicerce as novas tendências de estudos históricos a morte


surge com uma possibilidade gigantesca de coleta de dados através das fontes
arqueológicas, sejam as ossadas como nos túmulos, estes que costumam carregar
grandes simbologias em sua composição. As representatividades dos pós vida estão
imersas em diversas culturas espalhadas pelos cantos do planeta e buscar entende-
las podem trazer descobertas e associações entre tais, mostrando que de algum
modo estamos sempre ligados por aspectos culturais similares em muitos casos
como na morte.

Tanto as culturas étnicas africanas quanto a da igreja católica lidam com o


tema de forma familiar e são exemplo disso. Porém a forma como se executa um rito
dependendo da classe social em que está inserido o indivíduo é variável de acordo
com o contexto social. Logo quem pertence a uma classe abastada certamente
poderia ter ritos diferenciados de quem vive de forma mais carente, contudo a
recusa de um sepultamento ou o simples despejo de um corpo mesmo que de
alguém que com o olhar da época estaria abaixo de todos ainda sim causa
estranhamento. Ainda mais quando se considera a inserção do mesmo em sua
própria religião. Porém Júlio César, ao longo de toda a obra sempre formula
questões extras que podem ser debatidas e as deixa eminente para o leitor, assim
se evita um olhar anacrônico durante a leitura.

A obra, que foi fruto do mestrado do autor, e possibilita de forma geral uma
compreensão melhor sobre a morte na ótica de participantes ativos de nossa cultura,
e como a mesma tem interferência direta na vida dos indivíduos de diferentes
segmentos e ordens sociais. A busca pela preservação da alma pós vida se faz
presente em diversas culturas, além dos rituais de sepultamentos que seguem
tradições centenárias e até milenares dependendo do objeto de estudo.

Concluindo, À flor da terra é uma leitura de fácil acesso as informações e


ideias do autor pela sua escrita clara e objetiva. E é um excelente objeto de estudo
do período do império brasileiro na cidade do Rio de Janeiro e também da cultura
africana referente as etnias que compunham os escravizados, por todo o seu
conteúdo e informações que fazem o leitor se aproximar um pouco das
particularidades da época, sempre sendo orientado pelo autor das atenções que
devem ser tomadas ao levantar hipóteses e conclusões, em uma auto criticidade
que é decorrente ao longo da obra.

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