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destacamos: DIAS, 1969a; MARTINS, 1997: 211-216. O descrédito dos Estudos Gerais de Lisboa gera-se a partir de
um conjunto de factores contributivos para esta crise que, por sua vez, conduzem a uma série de sinais demonstrativos
da desacreditação daquela instituição, como por exemplo: tentativas mal sucedidas em travar o movimento de
estudantes em direcção a institutos estrangeiros, a fim de obterem a sua graduação superior, o fracasso na recruta
de docentes além-fronteiras de modo a solucionar as lacunas existentes em algumas cadeiras vagas e fundamentais
à formação do quadro administrativo e eclesiástico nacional, entre outros.
3 Segundo Silva Dias, a presença prolongada da Corte em Coimbra, no ano de 1527, terá contribuído para a escolha
do pouso definitivo da Universidade. Todo o processo de reforma do Mosteiro de Santa Cruz [importante centro de
estudo pré-universitário na época], no qual foi central a figura de Frei Brás de Braga, revelar-se-ia determinante para
a solução da crise dos Estudos Gerais. O panorama era favorável até na esfera económica: seria possível sustentar
o arranque da reforma dos estudos com o património crúzio. Estava, assim, à vista do Rei dois dos factores que
iriam contribuir para o sucesso da sua politica do ensino: o consumar da mudança da Universidade e a sua reforma
suportada pelo património monástico. Ver DIAS, 1969a: 577, 580. Sobre a acção de Frei Brás na reforma dos
estudos de Santa Cruz e sua implicação com o funcionamento dos colégios surgidos em seu redor ver os artigos de
Cândido dos Santos. Ver SANTOS, 1973; SANTOS, 1991.
138 Diana Gonçalves dos Santos
acontecia nos casos das universidades inglesa e francesa, teria sido já pensada no Século XV pelo Infante D. Pedro,
na célebre Carta de Bruges, de 1426, publicada por Ana Maria Leitão Bandeira. Ver BANDEIRA, 1993: 43-50.
A intenção, por parte de D. João III, de levar à prática esta ideia manifestara-se em 1532, numa carta do Bispo
conimbricense, D. Jorge de Almeida, para o Rei [Vd. Carta do Bispo-Conde para o Rei, de 4 de Janeiro de 1532
publicada por António José Teixeira, TEIXEIRA, 1899]. Em 1535, o Rei manifesta a intenção em fundar um colégio
para a Ordem de S. Jerónimo [Vd. Carta Régia para Fr. Brás de Barros, de 20 de Fevereiro de 1535, publicada por
Mário Brandão, BRANDÃO, 1937-1941] algo que só viria a consumar-se em 1549, sendo que o edifício definitivo
estaria ainda em construção em 1569. Ver DIAS, 1969a: 580, 589, 593; MATTOSO, 1997: 28.
7 DIAS, 1960: 433.
8 DIAS, 1960: 420.
9 VASCONCELOS, 1938: 162.
10 DIAS, 1969a: 596.
Azulejaria tardobarroca dos colégios das Ordens Religiosas de Coimbra 139
Nas aulas dos colégios universitários eram leccionadas as várias matérias dos
planos pedagógicos preparatórios e superiores: por exemplo, o ensino teológico
ministrado era complementar ao oferecido nos Estudos Gerais. Quanto ao perfil do
conjunto dos colegiais, era sobretudo considerada a excelência de capacidades de
quem fosse admitido. As várias Ordens Religiosas, de uma maneira geral, enviavam
para os seus colégios, religiosos professos que revelassem estar aptos para um percurso
académico que exigiria de si uma árdua aplicação, estando o tempo dedicado ao
estudo intimamente articulado com a vida em comunidade.
Anualmente, nos colégios de cada Ordem, era disponibilizado um determinado
número de vagas correspondente a cada convento ou mosteiro, normalmente em
proporção com o prestígio da casa no panorama nacional. A candidatura do proponente
ao preenchimento da vaga era precedida por um período de preparação, normalmente
de um ano, na área do conhecimento filosófico. Findo esse período de estudo, haveria
uma avaliação por parte das autoridades pedagógicas, do respectivo mosteiro ou
convento, que teria que manifestar-se favorável para que o candidato se considerasse
apto para o concurso à vaga. A este passo, somar-se-iam outros como a aprovação
num exame de avaliação das aptidões literárias do candidato, o reconhecimento do
nível de perfeição e honestidade da vida religiosa que o candidato levava, bem como
a obrigatoriedade da detenção de um sólido conhecimento do Latim e uma iniciação
nas Artes – se o candidato fosse aceite, tinha à sua espera, em Coimbra, uma forte
componente pedagógica das Artes, área com peso similar ao da Teologia11.
Mais do que uma mera residência de estudantes, o colégio universitário era um
estabelecimento de ensino complementar daquele leccionado na Universidade12.
Apesar dessa complementaridade com a actividade da Universidade, e do usufruto
dos seus privilégios, aquelas instituições detinham uma certa autonomia em relação ao
poder académico. Embora os Estatutos da Universidade tivessem que ser respeitados,
no que toca à jurisdição privada dos colégios universitários, a situação modificava-se.
O seu quotidiano regia-se por estatutos próprios, que regulavam o funcionamento
diário, no que toca a horários, justiça interna [penas e sanções], deveres e obrigações
dos seus utilizadores [colegiais, mestres e reitor], recitação do ofício divino, aceitação
dos colegiais, regimento das cadeiras, entre outros aspectos13.
Na maioria dos colégios universitários estudavam-se, durante três anos, as Artes
e, durante cinco anos, a Teologia14. A actividade pedagógica era composta não só
o quotidiano da comunidade: casos dos colégios do Espírito Santo e de São Jerónimo. Vd. Documentos 11 a 17
publicados na nossa dissertação de mestrado. SANTOS, 2007.
14 No plano ideológico e político do projecto pedagógico do Estado, a Teologia atingia um lugar cimeiro. Eram
necessários teólogos com uma sólida formação, de maneira a reunirem capacidades para tomar o melhor lugar no
debate religioso que acontecia por toda a Europa, para não falar no desejado papel de destaque a assumir nas acções
de missionação acontecidas nas novas latitudes Além-Mar. ver RAMALHO, 1997: 711. O ensino da Teologia na
Universidade de Coimbra aparece como o remate da actividade pedagógica acontecida nos colégios universitários
140 Diana Gonçalves dos Santos
pelas aulas catedráticas dos cursos aí ministrados – as lições – mas, também, por actos
complementares de formação. Realizavam-se exercícios de treino como as questões
– que consistiam na discussão das matérias leccionadas, sendo estas presididas por
um mestre –, os círculos – reuniões para esclarecimento de dúvidas que ficavam
por clarificar no período das lições – e, ainda, as disputas que, variando consoante
os casos, poderiam ser de realização diária, semanal, ou mensal, consistindo numa
espécie de discussão, perante toda a comunidade colegial, de uma determinada tese,
relacionada com as matérias dadas nos cursos, pretendendo exercitar a capacidade
argumentativa do estudante15.
Ao longo de toda a centúria de Seiscentos, o fenómeno de fundação de estruturas
colegiais na Alta de Coimbra, por parte das Ordens Religiosas, prolonga-se. Em 1600,
o Colégio da Sapiência ou de Santo Agostinho dos monges Crúzios, encontrava-se
ainda por finalizar e, dois anos mais tarde, os frades franciscanos da Província de
Santo António da Observância fundam o seu modesto colégio no Bairro da Pedreira,
mesmo junto ao Paço das Escolas. A rede de colégios universitários vai-se compondo,
enquanto os colégios existentes, desde os primeiros tempos da Universidade, vão
adaptando e beneficiando os seus espaços pela inclusão de variados elementos
ajustados às novas linguagens artísticas16.
É possível fazer a ideia do impacto da massa construída dos colégios universitários
na Coimbra do Século XVII, principalmente, pelas fontes descritivas existentes. Para
a primeira metade do século, uma breve referência a essas estruturas, contida num
documento, cuja autoria se desconhece, menciona o seguinte:
Muitas são as cousas que fazem deleitosa a vista desta cidade, assim no interior, como exterior
dela. No interior, a sua Universidade, onde se ensinam todas as ciências; os conventos e colégios
de religiosos de todas as religiões em muitos dos quais há santuários e relíquias.
[…] À saída de S. Margarida, podemos dar princípio na Rua de Santa Sofia, que fica nos
arrabaldes da cidade, a qual rua de uma e outra parte não é mais que a edificação de muitos
mosteiros de religiosos que neles servem a Deus17.
Já para a segunda metade de Seiscentos existem dados visuais e textuais da cidade,
decorrentes da Viagem de Cosme de Medicis por Espanha e Portugal [1668-1669]. O
desenhador e ilustrador Pier Maria Baldi assina uma vista panorâmica da cidade de
das Ordens Religiosas. Elementos de topo dos vários colégios das Ordens Religiosas incluíram o corpus docente
de Teologia: Eremitas de Santo Agostinho, Cistercienses, Jerónimos estavam entre os mais numerosos, e frades
Carmelitas, Franciscanos, Jesuítas e até Crúzios tiveram também lugar nos quadros docentes daquela faculdade.
Ver FONSECA, 1997: 781-816. O relevo adquirido do curso de Teologia deve associar-se ao poder eclesial [o que
acontece também em relação aos Cânones]: era a autoridade eclesiástica quem concedia os graus relativos a este
curso. Ver OLIVEIRA, 1997: 900, 901.
15 DIAS, 1969a: 602.
16 A título de exemplo o Colégio de Jesus, um dos monumentos emblemáticos da cidade, não tinha ainda concluídas
as obras da sua igreja em 1638, data do começo do Reitorado do Padre António de Sousa. Uma carta ânua, de
1639, dá conta que, durante o tempo em que assumiu a gestão do colégio, as obras registaram um notável avanço.
Ver MARTINS, 1994: 113-115. Vejam-se ainda as obras documentadas para alguns dos colégios da Rua da Sofia.
Ver CRAVEIRO, 2002; SANTOS, 2007.
17 Estes excertos inserem-se num documento, incluído no Manuscrito 677 da Biblioteca Geral da Universidade de
houve a publicação das resoluções elaboradas pelos Mestres, Leytores de Theologia dos Collegios, das Religioens,
incorporadas na Universidade. Cf. ALMEIDA, 1966: 405.
21 MADAHIL, 1936-37: 20-22.
22 MADAHIL, 1936-37: 29.
23 MADAHIL, 1936-37: 49.
24 Um importante documento, publicado por António da Rocha Madahil, que fornece importantes dados relativos à
imagem monumental de Coimbra. MADAHIL, 1939. Transcrito também por Armando Carneiro da Silva. SILVA,
1968: 226-242.
142 Diana Gonçalves dos Santos
25 Fernando Fonseca define assim as estruturas colegiais das Ordens Religiosas, uma vez que estas albergavam
exclusivamente «estudantes teólogos». FONSECA, 1995: 328-329.
26 Atingindo na 2.ª metade do século XVIII cerca de 13.500 habitantes [8.000 dos quais estudantes], a cidade
sofria de um deficit de alojamento para os estudantes seculares, sendo que a área da Alta da cidade se encontrava
praticamente coberta pelas infra-estruturas colegiais, e a Baixa não era pouso desejável pela sua insalubridade,
cheias nos tempos de invernia, e distância dos Estudos Gerais. Dados referentes ao ano de 1765. SILVA, 1968:
219; FONSECA, 1995: 344
27 A nossa dissertação de mestrado intitulada Azulejaria dos Séculos XVII e XVIII na Arquitectura dos Colégios das
Ordens Religiosas de Coimbra, seleccionou quatro colégios da Rua da Sofia e quatro colégios da alta de Coimbra
com azulejaria seiscentista e setecentista integrada, para análise do azulejo e sua relação com a arquitectura. Ver
SANTOS, 2007.
28 SANTOS, 2007: 118-139.
29 Os espaços colegiais, apesar de serem, sobretudo, lugares de convivência [pela vida em comunidade levada pelos
religiosos escolares] e se apresentarem articulados em grandes complexos, manifestam-se contudo muito cerrados
sobre si em invólucros de pequena escala. SANTOS, 2007: 119-121.
Azulejaria tardobarroca dos colégios das Ordens Religiosas de Coimbra 143
faz do azulejo um suporte muito prático para a renovação estética dos interiores,
acompanhando facilmente as mutações do gosto de quem encomenda.
Sobre a função arquitectónica do azulejo, observa-se no referido conjunto que
o aspecto discreto dos alçados caiados de branco é transfigurado pelo revestimento
azulejar, resultando, na maioria dos casos, um efeito de prolongamento dos espaços
que, na generalidade, apresentam dimensões diminutas. Acontece a metamorfose
das superfícies murárias em estruturas vivas, pela dinâmica que oferecem aos olhos
de quem os vivencia. Neste sentido, constata-se também que a dinâmica dos ritmos
conferidos pela colocação dos azulejos minimiza o impacto do seu carácter fechado.
Em alguns núcleos datados para o século XVIII os jogos ilusórios são bastante mar-
cados, notando-se uma acentuação no desenvolvimento dos enquadramentos pela
construção tridimensional dos espaços, através do recurso à exploração dos efeitos
em tromp l’oeil30.
Verifica-se que a intenção memorativa do azulejo, sobretudo nas séries narrativas,
terá sido determinante na escolha desta expressão artística por parte das Ordens
Religiosas para os seus espaços colegiais, principalmente, pelo facto de ser possibilitada
a criação de programas decorativos de índole catequético-pedagógica, sobretudo nas
unidades espaciais de função religiosa. A evocação dos santos de culto particular, de
episódios da vida de Cristo, ou a adopção de temas bíblicos de vária índole, na sua
utilização individual, ou em conjunto, servem em pleno as expectativas da classe
religiosa, o que se traduzirá numa adesão significativa à aplicação do azulejo enquanto
revestimento preferencial31. Nos exemplares integrados nos colégios, o pintor de
azulejos, tal como um cenógrafo, produziu efeitos decorativos de grande eficácia
no dinamismo e animação dos espaços, sendo, ao mesmo tempo, um educador, pois
pelos quadros figurativos instrui o espectador como num livro aberto, cuja leitura e
contemplação nunca se esgota.
A percepção do papel do azulejo e sua função como revestimento artístico nos
complexos colegiais terá, necessariamente, que considerar a geografia da sua aplicação.
A consideração da localização das dependências onde o azulejo foi, efectivamente,
aplicado como revestimento de superfícies murárias, ajuda a justificar a sua escolha
como revestimento de eleição (Quadro n. 1).
30 SANTOS, 2007:120-121.
31 Para a azulejaria do período de Setecentos a função memorativa está bem presente pela difusão de núcleos azulejares
historiados incidentes em temáticas tão díspares como os Milagres de Santo António, no Colégio de Santo António da
Pedreira, a Vida do Profeta Elias, no claustro do Colégio do Carmo, ou os Episódios da Vida de Santo Inácio de Loyola
e de São Francisco Xavier, no Colégio das Artes. Nestes conjuntos a complexidade dos programas iconográficos foi
proporcional com a monumentalidade e teatralidade da própria época e do lugar onde estão integrados. SANTOS,
2007: 121, 196-279.
144 Diana Gonçalves dos Santos
Quadro.º 1 – Localização do azulejo dos séculos XVII e XVIII nos espaços colegiais das ordens
Religiosas em Coimbra32
Capela Doméstica
Sala dos Actos
Ante-Sacristia
Dormitório
Corredores
Escadarias
Refeitório
Claustro
Sacristia
Portaria
Livraria
outras
Igreja
Aula
Colégio de N.ª Sr.ª Carmo
Colégio de N.ª Sr.ª Graça
Colégio de S. Pedro Rel.Terceiros
Colégio de São Jerónimo
Colégio das Artes
Colégio de St.º Agostinho
Colégio de Santo António da Pedreira
Colégio de Santa Rita
5 4 1 2 2 2 1 3 6 4 3 3 3 1
Quadro n.º 2 – Síntese analítica da azulejaria in situ dos colégios das ordens Religiosas em Coimbra
Localização Tipologia Datação
Colégio N.ª Claustro | Piso Térreo Composição Figurativa ca.1780
Sr.ª do Carmo Claustro | 1.º Piso Padronagem ca.1720-1730
[Carmelitas átrio da Livraria Comp. ornamental | Motivos Seriados ca.1700
Calçados] Figura Avulsa
Capela Doméstica Composição Figurativa ca.1730-1740
Sala dos Actos Composição Figurativa ca.1730-1740
Igreja Nave e Capela- Padronagem ca.1650-1670
Mor
Capela Santa M.ª Padronagem + Composição Figurativa ca.1630-1640
Madalena
Capela N. Sr.ª Composição Figurativa ca.1770-1780
Piedade
Colégio N.ª Portaria Ante-átrio Padronagem ca.1680-1700
Sr.ª da Graça átrio Comp. ornamental | Motivos Seriados ca.1680-1700
[Eremitas S. Lig. “ ca.1700
Calçados Combatentes
de Santo
Corredores | Piso térreo Padronagem ca.1680-1700
Agostinho]
Escadaria acesso ao Comp. ornam.| Motiv. Seriados + ca.1680-1700
dormitório Padr.
Lavabo Figura Avulsa ca.1700
Vestíbulo do dormitório Padronagem ca.1680-1700
Dormitório Comp. ornamental | Motivos Seriados ca.1720
Igreja Padronagem ca.1650
Ante-Sacristia Figura Avulsa ca.1700
Sacristia Padronagem ca.1700
Colégio Escadaria Figura Avulsa 1707
São Pedro
Religiosos
Terceiros
[ofm]
Colégio São Portaria Composição Figurativa ca.1770-1780
Jerónimo Escadaria “ ca.1780-1790
[ordem de Composição ornamental | Livre ca.1780-1790
São Jerónimo]
Vestíbulo | 1.ºPiso Composição Figurativa ca.1770-1780
Corredor | 1.º Piso Comp. ornamental | Motivos Seriados ca.1730
Azulejaria tardobarroca dos colégios das ordens Religiosas de Coimbra 147
surgindo como temas principais nesta última tipologia: a paisagem, nas suas variantes
venatória, bucólica e marinha, o temário religioso e, ainda, a Simbologia do Qua-
ternário, representada no ciclo figurativo do vestíbulo do 1.º piso do Colégio de São
Jerónimo (Quadro n.º 2)37.
Sobre as variantes estilísticas, ou de linguagem, observadas no conjunto em análise,
verificam-se três tendências distintas que associamos a diferentes fases cronológicas, numa
lógica evolutiva das formas: 1) espécimes que, nos enquadramentos, introduzem pela
primeira vez elementos de linguagem Rocaille embora presos aos esquemas da fase anterior
e com influência das formas do estilo Regência francês; 2) exemplares que utilizam, de
forma acentuada, nas molduras dos painéis ornatos de gosto Rocaille, de formas túrgidas e
movimentadas e, em alguns casos, com nítida assimetria, sendo essas muito aproximadas
às difundidas pelas gravuras da Escola de Augsburg; 3) núcleos azulejares que assumem
uma linguagem de transição, com grande aproximação à estética neoclássica38.
A primeira variante verifica-se nos painéis do refeitório do Colégio de Santo
António da Pedreira que balizámos para o intervalo de ca. 1750-1760. O conjunto
de painéis de azulejos, pintados a azul e branco, de espaldar recortado, separados por
pilastras, e com temática incidente em cenas venatórias, apresenta enquadramentos
pouco densos e volumétricos e distancia-se, pela utilização singela dos ornatos, do
aparato dos formulários da antecedente Grande Produção Joanina. Alguns dos elementos
decorativos das guarnições derivam do estilo Regência francês – como as palmetas e
pequenas reservas de uma malha fina reticulada –, observando-se também a introdu-
ção de ornamentos Rocaille, como os motivos concheados, de inspiração vegetalista
e orgânica, assumindo formas onduladas semelhantes a cartilagens, trabalhadas
pictoricamente por meio de pinceladas mais escuras e mais claras, as quais definem
elementos dinâmicos que conferem movimentação ao conjunto (Figuras n.os 1 e 2).
Nos colégios do Carmo, de São Jerónimo, de Santa Rita e das Artes observam-
se – respectivamente, nos espaços da igreja, átrio de entrada e vestíbulo do andar
nobre, e escadarias – azulejos de características enquadráveis numa segunda tendência
decorativa onde, a par das composições narrativas, surgem as composições ornamentais,
39 Nomeadamente no trabalho de gravadores como Jeremias Wolff, Martin Engelbrecht, Hertel, Carl Pier, os irmãos
Johann Baptist Klauber e Joseph Sebastian Klauber, Franz Xaver Jungwierth entre outros.
150 Diana Gonçalves dos Santos
40 Seguindo a metodologia aplicada por J. Jaime Ferreira-Alves para a arquitectura barroca e neoclássica do Norte
de Portugal e retomando a caracterização que José Augusto França fez para a arquitectura portuense da segunda
metade do Século XVIII, citada pelo mesmo autor. FERREIRA-ALVES, 2005:151.
41 BORGES, 1986: 91.
Azulejaria tardobarroca dos colégios das Ordens Religiosas de Coimbra 151
Neste sentido, a expressão tardobarroca que utilizamos no título deste artigo é, de certa
forma, provocatória, e retoma a discussão, já de longa data, sobre as classificações das
expressões artísticas datadas da 2.ª metade de Setecentos.42 A opção pela aplicação desta
classificação controversa foi feita pensando na melhor forma de englobar nela as várias
nuances verificadas nos espécimes azulejares in situ nos colégios de Coimbra datados desse
período cronológico. Bem analisadas, as formas verificadas revelam indicadores de uma
azulejaria barroca amadurecida, sem uma linguagem pura, e oscilante entre incidências
Rocaille e outras mais classicizantes próximas do léxico do estilo Neoclássico. A utilização
da expressão Rococó poderia ter sido adoptada, contudo, implicaria muitas reticências, uma
vez que, no conjunto, não verificamos uma coerência sintáxica e morfológica que permita
uma classificação estilística unívoca, isto é, a atribuição de um rótulo concreto e plenamente
definido.43 Desta forma, a escolha da expressão tardobarroca44, vai no sentido de englobar as
variantes estilísticas verificadas que evidenciam um processo de lenta reciclagem de formas,
facto que, por si só, implica a existência de persistências remanescentes de fenómenos
anteriormente amadurecidos, mas que, ao mesmo tempo, revelam detalhes de uma inovadora
criatividade sem que aconteça uma derradeira cisão com os padrões artísticos tradicionais.
Fruto da encomenda de várias Ordens Religiosas com estabelecimento colegial
junto da Universidade de Coimbra, a obra de azulejaria da 2.ª Metade de Setecentos
que permanece hoje integrada em alguns desses colégios – contemporânea de uma
época de grande fulgor produtivo da cerâmica de Coimbra, sendo elementos chave
o episódio da Fábrica de Telha Vidrada e os nomes de Salvador de Sousa Carvalho,
Manuel da Costa Brioso – caracteriza-se pela sobreposição de linguagens decorativas
que oscilam entre o gosto rococó e uma sensibilidade mais classicizante – sendo de
sublinhar essa grande ambivalência de classificação – e, ao mesmo tempo, pelas
notórias semelhanças técnicas e formais verificadas no conjunto que permitem a
formulação de atribuições relativas à autoria.
Em suma, as tendências quase contrárias verificadas nos enquadramentos das compo-
sições – entre o uso quase abusivo do concheado, túrgido e cheio de vigor, e a decoração
controlada e disciplinada de forte pendor classicista – e a sobreposição de formulários
compositivos e formais nas reservas figurativas, deixam em aberto a classificação estilística
geral deste conjunto azulejar, opção que se torna ainda mais cautelosa se tivermos em
conta que permanecem desconhecidas as datas precisas para essas obras de azulejaria.
42 Para as expressões artísticas da Segunda Metade do Século XVIII surgem variadíssimas classificações. Tardo-Barroco
ou Barroco Tardio, Rococó, Estilo Pombalino, Neoclassicismo são rótulos adoptados por diferentes autores na classificação
de objectos artísticos com a mesma datação e saídos da mão do mesmo artista. MASSARA, 1989: 5; BORGES,
1986:91-92. Para a constatação desta situação de ambiguidade de classificação vejam-se as obras que assumem
firmemente o Rocaille como expressão artística autónoma do Barroco, ou que questionam essa independência
destacamos as seguintes: BURY, 1956; Bazin, 1964; Kimball, 1980; Minguet, 1992; Norberg-Schulz, 1973; Park,
1992; OLIVEIRA, 2003.
43 Nelson Correia Borges admite a controvérsia da classificação, assumindo a falta de unidade estilística da arte
produzida a partir de 1750, todavia, considera preferível aceitar a rotulagem Rococó do que atribuir-lhe uma
classificação dentro do Barroco ou do Neoclassicismo. BORGES, 1986: 91.
44 A nossa opção foi feita à semelhança da expressão internacional Late Baroque, utilizada para a classificação da arte europeia
do período que sucedeu o Barroco clássico, no século XVIII, com origem em França, Alemanha e Áustria. Deste modo,
o Rococó é tomado como linguagem decorativa enquadrada na evolução geral do Barroco, respeitante à sua etapa final.
152 Diana Gonçalves dos Santos
Figuras n.os 1 e 2
Painel no Refeitório do Colégio
de Santo António da Pedreira e
pormenor dos ornatos do remate do
seu emolduramento (ca.1750-1760)
Figura n.º 3 – Painel do vestíbulo do andar nobre Figura n.º 4 – Painel com cena bucólica da porta-
do Colégio de São Jerónimo (ca. 1770-1780) ria do Colégio de São Jerónimo (ca. 1770-1780)
Azulejaria tardobarroca dos colégios das ordens Religiosas de Coimbra 153
Figura n.º 5
Painel com cena da Flagelação de Cristo na capela
lateral de Nossa Senhora da Piedade da igreja do
Colégio do Carmo (ca.1770-1780)
Figura n.º 6
Painel de composição
ornamental na caixa de
escadas do Colégio de
Santa Rita
(ca.1770-1780)
154 Diana Gonçalves dos Santos
Figura n.º 8
Motivo rocaille.
Gravura de Carl Pier
Fonte: MANDROUX-FRANÇA, 1973.
Figuras n.os 9 e 10
Painéis de padronagem pombalina dos colégios das
Artes e de Santa Rita (ca.1770-1780)
Figuras n.os 11 e 12
Painel no claustro do Colégio do Carmo com
cena da Vida do Profeta Elias e pormenor de
jarra florida colocada sobre a porta da hospedaria
(ca.1775)
Azulejaria tardobarroca dos colégios das ordens Religiosas de Coimbra 155
Figura n.º 13
Painel na capela da portaria do Colégio
de Santo António da Pedreira com a cena
do Milagre Eucarístico da Mula por Santo
António (ca.1780-1790)
Figura n.º 14
Painel na capela da portaria do Colégio
de Santo António da Pedreira com a cena
do Pregação de Santo António aos peixes
em Rimini Pormenor da reserva figurativa
(ca.1780-1790)
Figura n.º 15
Painel na capela-mor da igreja do Colégio
de Santo António da Pedreira com a cena
da Adoração dos Pastores
(ca. 1780-1790)
156 Diana Gonçalves dos Santos
Figura n.º 16
Painel no 2.º patamar da
escadaria monumental do
Colégio de São Jerónimo com
a representação de uma cena
de paisagem urbana
(ca. 1780-1790)
Figura n.º 17
Painel na ilharga da caixa
de escadas monumental do
Colégio de São Jerónimo
com a representação de uma
composição ornamental
(ca. 1780-1790)
Figura n.º 18
Painel numa aula do Colégio
de Santo Agostinho de
temática paisagística
(ca. 1780-1790)
Azulejaria tardobarroca dos colégios das ordens Religiosas de Coimbra 157
Figuras n.os 19 a 22
Vários pormenores de figuras representadas em painéis da
2.ª metade de Setecentos nos colégios de Santo António da
Pedreira (capela da portaria), do Carmo (Capela de N.ª Sr.ª
da Piedade e Claustro), de São Jerónimo (vestíbulo do andar
nobre) ca.1770-1790
Figuras n.os 23 a 25
Vários pormenores de animais representadas em
painéis da 2.ª metade de Setecentos nos colégios
de Santo António da Pedreira (capela da porta-
ria), do Carmo (Claustro) e de Santo Agostinho
(aula) ca.1770-1790
158 Diana Gonçalves dos Santos
Bibliografia
ALMEIDA, Manuel Lopes de, 1966 – “Subsídios para a História da Universidade de Coimbra”,
in Boletim da Biblioteca Geral da Universidade. Coimbra: Universidade de Coimbra.
BANDEIRA, Ana Maria Leitão, 1993 – “Colégios”, in Boletim do Arquivo da Universidade de
Coimbra, volumes XI e XII Coimbra: Arquivo da Universidade de Coimbra.
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