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CONTRIBUIÇÕES METODOLÓGICAS
DE UMA SOCIOLOGIA DO CINEMA
* Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo - USP. Professor Adjunto do Departamento de Ci-
ências Sociais da Universidade Federal Fluminense (Campos/RJ/BR). tuliorossi@gmail.com.
1. Destaca-se, de saída, que este artigo propõe tanto diálogos com estudos feministas e queer, quanto crí-
ticas que se pretendem construtivas, mas marcando, desde o início, que o texto é construído prioritaria-
mente sob perspectivas sociológicas de estudos do cinema e mídias audiovisuais.
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ção tendenciosamente aglutinadora frente za-se o termo em estudos de gênero, para,
à “realidade por excelência”2, consideravel- em seguida, mais pontualmente, tratar de
mente difusa. seus usos em estudos de imagens, suge-
Quando a questão das representações de rindo uma abordagem alternativa pautada
gêneros é transposta para análises socioló- por relações entre imagens para, ao final,
gicas de imagens e filmes, problemas maio- tecer considerações sobre desdobramentos
res emergem, uma vez que o debate sobre de relações profundamente constituídas
representações e as relações entre imagem em sociedades modernas entre construções
e realidade, nesse tipo de estudo específico, sociais do gênero feminino apresentadas
assume ainda outras nuances e polêmicas. como “hegemônicas” e suas imagens, sus-
Aqui, a comparação simplista entre o “real” tentando o relevante potencial de contri-
e sua representação já se revelou inócua, buição de estudos de imagens e produções
especialmente a partir de estudos apro- audiovisuais para a compreensão de (re)
fundados sobre produções cinematográfi- construções sociais de crenças e valores re-
cas que suscitam aspectos peculiares dessa ferentes a gêneros na atualidade.
mídia enquanto linguagem e construção.
Desse modo, a despeito das impressões per- 1. A polissemia do termo representação
suasivas de realidade que ela possa instigar,
seus referenciais mais caros não estariam São recorrentes, em estudos de gênero,
no princípio da fidedignidade, mas nos sig- debates em torno das representações, termo
nificados nelas mobilizados (cf. SORLIN, muitas vezes utilizado de forma mais espe-
1982; MENEZES, 2003, ROSSI, 2015). cífica em estudos de imagens e em produ-
A partir desses entendimentos e das ções artísticas e midiáticas como pintura,
dificuldades que emergiram na leitura de fotografia, cinema e programas televisivos
diferentes textos abordando ou não a ques- e anúncios publicitários (ALMEIDA, 2003;
tão das imagens, associada à temática de HIGONNET, 1991; PASSERINI, 1991; LAU-
gêneros, mas mobilizando – às vezes, de RETIS, 1994, et. al.). Não raramente, o termo
forma exaustiva – o termo “representa- parece assumir significados e leituras qua-
ção”, este artigo propõe, nomeadamente no se tão diversas quanto o número de auto-
campo das imagens, instigar questões mais res que o empregam. Em muitas ocasiões,
específicas que contribuam para superar leitores e debatedores de posicionamentos
a abordagem pautada por noções difusas diversos em relação ao tema parecem usar
de representação em relação quase sem- a expressão de forma naturalizada, sem pro-
pre maniqueísta com noções de realidade. blematizar as suas implicações ou explicitar
Nesse sentido, primeiramente, problemati- a partir de qual perspectiva ela é utilizada.
2. Essa expressão refere-se à perspectiva de “realidade da vida cotidiana” entendida conforme Berger e Lu-
ckmann (1983, p. 38), sendo que se concorda com a proposta desses autores de que a noção de realidade
deve ser sempre colocada em questão e pensada “entre aspas”. Tendo essa leitura em vista, o termo reali-
dade (e seus cognatos) será utilizado ao longo do texto sempre sob tal perspectiva, qual seja: pensar a no-
ção de realidade entre aspas, não como dado geral, objetivo e absoluto, mas como um conjunto difuso de
interpretações e convenções (re)construídas de forma interacional e persistente.
2. Reitera-se aqui que a crítica apresentada não se propõe generalizante. São encontrados trabalhos em
que os conceitos e referências utilizados para o termo “representação” são adequadamente apresentados,
bem como uma análise crítica e reflexiva de diversos usos do termo. É o caso, por exemplo, do artigo de
Karla Bessa (2007, p. 257-283), para a revista Cadernos Pagu.
[...] repertórios culturais baseados no merca- Disso decorre a problemática que torna
do moldam e impregnam as relações inter- tão atual quanto relevante investigar críti-
pessoais e afetivas, e as relações interpesso- ca e minuciosamente a construção social de
ais encontram-se no epicentro das relações imagens e imaginários do “feminino”, ope-
econômicas. Mais exatamente, os repertórios rada em grande medida, através de mídias
do mercado se entrelaçam com a linguagem audiovisuais: trata-se, ao mesmo tempo,
da psicologia e, combinados, os dois ofere- como efeito de relações de poder historica-
cem novas técnicas e sentidos para cunhar mente constituídas, de reduzir o feminino
novas formas de sociabilidade (ILLOUZ, às suas imagens conforme olhares mascu-
2007, p. 13). linos, como meio de objetivação de ele-
mentos frequentemente considerados como
Embora não de forma generalizada, mas desprovidos de materialidade, como é o
significativa, muitas das imagens que se di- caso das emoções e de sua expressividade,
fundem nos meios de comunicação – ain- tratadas historicamente como competên-
da que direcionadas a diferentes públicos cias distintamente femininas (CANCIAN,
– se constituem historicamente a partir de 1986). Do que se deriva que, suas constru-
olhares masculinos. Assim, as relações que ções em forma de imagens ao longo do sé-
se estabelecem entre imagens socialmen- culo XX, executadas majoritariamente por
te reconhecidas, fixadas na memória pela homens (diretores de cinema, fotógrafos de
repetitividade, incorporadas nas práticas revistas) tornariam visíveis, conforme seus
cotidianas e, muitas vezes, naturalizadas, olhares, aspectos selecionados, realçados
tendem a reiterar olhares masculinos, uma e ressignificados de objetos considerados
vez que acedem a um repertório vasto e re- abstratos. Contudo, com a forte impres-
conhecido de imagens produzidas sob esses são de realidade instigada pela fotografia
olhares. Nesse sentido, em muitos de seus e pelo cinema, aspectos interpretativos das
usos, imagens de corpos femininos no ci- imagens, que só se tornam reconhecíveis a
PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS
Gêneros. Representações. Imagens. Socio- Genders. Representations. Images. Cinema
logia do Cinema. Sociology.