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Capítulo 88

Enquanto eu passava a manhã aguardando a chegada de meus


convidados, um dos meus capangas veio até mim trazendo
notícias sobre a morte de um dos detentos.

— Chefe, o Velho Ressecado acabou de chutar o balde. Ouvi que


ele sorriu durante seus últimos momentos pela primeira vez em
todos esses anos e disse algo sobre lhe dar seu obrigado.

— Entendo... Vamos orar para que ele esteja feliz no outro


mundo. O que geralmente vocês fazem com os mortos por aqui?

— Mandamos os novatos enterrarem em algum lugar.

— Tudo bem, iremos construir um cemitério público na nova


área à leste, mas que seja um trabalho compartilhado. Além
disso, vamos batizar o banho de “Fonte do Velho Ressecado”.
Afinal de contas foi graças a ele que a descobrimos.

— Entendido, Chefe! Direi aos outros agora mesmo!

Eu não pude deixar de pensar que meus seguidores se moviam


com mais energia hoje em dia. Talvez fosse apenas minha
imaginação.

O que o Velho Ressecado fez para ser jogado neste buraco?


Agora já não havia mais como descobrir, mas ao recordar a
expressão alegre que o velho tinha quando estávamos no
banho, não me parecia o rosto de um criminoso. Ao menos para
mim, ele era um homem bom... Espero que esteja levando uma
vida digna do outro lado.

— Chefe, eu trouxe Galdomira e Zeni Geba comigo!


Eu não sabia dizer com certeza se havia despertado algumas
suspeitas entre os meus capangas ao convocar esses dois tão
repentinamente, mas todos haviam se reunido aqui. Era quase
como se acreditassem que este seria um evento de vital
importância para mim, o Chefe.

— Você acha que vamos ser mortos aqui?

Isso foi dito por Galdomira. Ele não se incomodou em esconder


sua angústia.

— Sim, eu apostaria nisso.

O Zeni Geba, por outro lado, parecia estar pronto para o que
estivesse por vir.

— Eu não faria algo tão assustador e nem dei esse tipo de


ordem.

— Então é assim... Sabe, sempre achei que você fosse um cara


incrível, mas agora ficou bem claro. Faz apenas duas semanas
desde que você veio para este inferno e já dominou por
completo tudo ao seu alcance. Você tomou este lugar e se
ergueu acima de todos esses malfeitores.

— Chega disso. Vocês já sabem o que quero perguntar, não é?

Talvez porque deixei parte da minha raiva transbordar, os dois


começaram a suar profusamente apesar da brisa fresca
soprando onde estávamos. Foi quase como se tivessem acabado
de voltar da academia depois um bom exercício.

— …Posso começar? — Galdomira pareceu disposto a falar.

— Vá em frente.
— Eu sinto muito, muito mesmo. Além disso, não pretendo
provar minha inocência para você, mas falarei a verdade e nada
além da verdade. Não posso dizer com certeza que você vai
acreditar em mim.

— Só em dizer a verdade será o bastante. Vamos, diga logo.

Suponho que mesmo ele tinha problemas em falar enquanto


cercado por um bando de brutamontes, mas não havia escolha
senão deixá-lo suportar isso. Afinal de contas, foi por causa
deles que acabei aqui.

— Veja, fui colocado aqui pelo crime de assassinar um de meus


companheiros. Eles me forçaram a confessar que o havia
matado por influência da sua espada. Fiquei três dias sendo
torturado direto até admitir isso, então não havia nada que eu
pudesse fazer...

— Então, explique como foi.

— Bem, é claro que eu não estava sendo controlado pela


espada. No começo fiquei negando isso, mas eles fizeram coisas
terríveis comigo até que admitisse, entende? Vou te dizer o que
aconteceu de verdade. Quando entrei no quarto do meu colega
para chamá-lo, ele já tinha sido perfurado pelas costas! Então,
quando eu estava o segurando, os guardas arrombaram a porta
e entraram que nem avalanche! Nós dois fomos levados e nos
colocaram sob tortura.

— Os dois, hein...

— Foi mal mesmo, mas não tive outra escolha. Precisei dar o
meu testemunho...
Se ele de fato, acabou sendo torturado até admitir, não havia
porque eu ficar ressentido com isso. Foi tudo em prol de me
incriminar... através de uma série de armações cruéis.

— Ei, pera aí! Isso quer dizer que você foi preso por um crime
que nunca cometeu, Chefe!?

Meus adoráveis capangas começaram a levantar gritos de


indignação por mim em todo lugar. Qual é pessoal, vamos nos
acalmar.

— Quero ouvir a sua história também, Zeni Geba. Você atacou


um de seus amados discípulos, não foi?

— ...

O homem em questão ficou olhando para baixo, parecia estar


decidido a não falar. Isso explicava porque ele estava tão calmo
antes.

— Chefe, deixa a gente fazer ele cuspir toda a verdade para


fora.

— Não, isso não vai ser necessário. A minha espada não é capaz
de controlar as pessoas, isso é algo que já sei. O que quero
saber é porque ele matou seu próprio aprendiz. Ouvi dizer que
houveram várias testemunhas oculares denunciando você.

— … — Ele permaneceu em silêncio.

— Não parece que ele esteja a fim de falar. Galdomira-san, se


você for realmente inocente, quando eu sair da cadeia, farei
com que te tirem daqui também.
— SÉRIO!? Fico muito grato por isso! Acho que vou ficar te
devendo outra vez.

— É assim mesmo? Nesse caso, espero que você consiga sair


com segurança. Quanto a você, Zeni Geba, deve saber bem que
eu tenho todo o direito de ouvir o que aconteceu. Foi o seu
testemunho que me fez parar aqui, mas vamos esquecer que eu
fui preso por sua causa. O que importa agora é o que faremos
daqui para frente, isso é, se ambos você e eu quisermos
reconstruir nossas vidas…

No final, minhas palavras foram incapazes de fazê-lo querer


falar sequer um pouquinho. Escoltado pelos meus homens, ele
deixou o quarto com uma expressão resoluta. Se ele não
quisesse falar, que seja. Tudo que preciso fazer é achar outro
meio.

◇◇◇

No momento em que começou a entardecer, os trabalhos no


cemitério público já estavam bem avançados. Ao que parecia,
havia muita gente grata ao Velho Ressecado pela existência do
banho público. O resultado foi um cemitério simples e não muito
decorado, mas aquele velho não parecia ser do tipo que
ostentava muito. Que agora possa descansar em paz…

Sinceramente não há nada melhor do que um bom banho


depois de um dia de trabalho. Eu queria aproveitar bem o
momento, então só fui tomar banho depois que todo mundo já
tinha ido dormir. A temperatura da água estava quente somente
o bastante para trazer alívio àqueles vivendo nessa terra seca e
árida.

A lua podia ser vista claramente no céu hoje.

Alguma coisa pulou na água, enviando pequenas ondas para


todos os lados. Ao meu lado surgiu Zeni Geba, pronto para ter
uma boa dose de água quente.

— A água está maravilhosa.

— De fato. É tão confortável que quase não tem diferença com


as instalações de fora da prisão.

— Minha única reclamação é que não posso fazer qualquer


trabalho na forja.

— Essa é uma questão muito importante. Mesmo eu estou me


sentindo assim.

Tenho uma montanha inteira de perguntas para fazer, mas já


que ele se recusava a falar, não havia nada que pudesse fazer.
Com isso em mente, qual o problema em de me concentrar em
apenas aproveitar o banho? Até mesmo a lua estava fazendo
questão de brilhar lá no alto sem ser obscurecida pelas nuvens.

— Por que mandou construírem um cemitério na prisão? Você


sabe que aqui só tem gente lixo como eu.

— ...É bem melhor do que não ter um.

— Me pergunto sobre isso... Esse lugar era um verdadeiro


inferno quando cheguei, mas foi só você se tornar o novo Chefe
que acabei obtendo uma vida agradável. Eu te agradeço por
isso.
— Não precisa me agradecer, isso só foi possível porque todo
mundo trabalhou junto. Eu não seria capaz de escavar essa
fonte sozinho, seria?

— Você sempre escolhe a perspectiva mais humilde, não é?


Tanto que nem consegue visualizar a grandiosidade do que fez.

— Eu nunca tentei fazer coisas grandiosas, apenas fiz o que


podia.

— ...Tem algo que quero te contar. Não que seja de importância


nessa altura do campeonato.

— Hã? Claro, pode falar o que quiser. Eu agora estou com o


humor certo.

Zeni Geba pareceu hesitar de novo e de novo antes de


finalmente se decidir. Ele falou sobre minha espada e toda a
verdade sobre a qual temia falar até o momento.

— A lâmina que você criou era perfeita. Eu imaginei que


conseguiria eventualmente, mas jamais sonhei que conseguiria
em um único dia. Isso deveria ser impossível... não é? Quem
teria imaginado uma coisa dessas? Quero dizer, qual é! Levou
apenas um dia! Eu achei que você estava caçoando de mim!

“Me senti mal por isso. Eu realmente, realmente sinto muito.”

— Eu simplesmente não podia aceitar aquilo, eu não podia. Não


havia como. Se você consegue me mostrar algo assim tão
perfeito, então o que diabos estive fazendo por quatro anos...!?
Foi isso o que pensei.

“Não tenho qualquer palavra para negar isso…”


— Então simplesmente fugi da realidade. Fingi que jamais tinha
visto a sua espada. Apaguei completamente a existência dela
em minha mente, mas então aquele aprendiz... quando nós dois
estávamos sozinhos ele disse algo a mim. Que não havia a
menor possibilidade de nos estabelecermos no topo de qualquer
área no campo da ferraria, não importava o quão duro
tentássemos. Ele disse que Kururi Helan é o maior gênio de
todos, sem dúvida alguma.

— ...

— Foi então quando essa raiva incontrolável surgiu dentro de


mim. Eu usei a espada que tinha para cortar ele. Foi o tipo de
raiva que não poderia ser controlada. Uma violência sem fim
alimentada pela pura inveja. Então, para esconder minha
vergonha e desgraça, mergulhei fundo na escuridão. Fui atraído
pelas doces palavras de Dartanel. Eu matei o que ainda restava
de bom mim ao dizer que sua espada havia tomado conta de
minha mente, apenas para esconder esse lamentável coração
invejoso que tenho.

— ...

— Felizmente o meu aprendiz sobreviveu a essa tribulação.


Mas... eu apenas me afundei mais e mais na pilha de erros que
reuni...

— ...Então foi isso que aconteceu.

— Sua espada era a simples perfeição. Tenho certeza de que


você pode chegar a alturas ainda maiores. Assim que estiver
fora daqui, me faça um favor. Almeje mais alto. Faça melhor,
cresça. Um dia eu quero que você me mostre o quão longe
chegou... Não que eu ainda esteje por aqui por muito tempo...
— Estou feliz que você tenha me contado a verdade. Eu irei
almejar ainda mais alto e serei mais confiante de minha
capacidade a partir de agora. Se eu fizer isso, quem sabe, algo
assim nunca mais volte a acontecer.

— Você não precisa lamentar o que aconteceu. Este é o meu


pecado, apenas e unicamente meu. É o meu castigo por ser tão
fraco. A única coisa que você precisa se preocupar é em
continuar avançando. Apenas isso.

Foi como se a Fonte do Velho Ressecado lavasse mais do que


apenas a sujeira fora. O Zeni Geba parecia compartilhar do meu
sentimento, dado o quão iluminada era a expressão em sua
face.

— Acredito que poderei trabalhar muito melhor a partir de


amanhã.

A forma como ele expressou suas palavras soaram realmente


agradável aos meus ouvidos. Qualquer intenção de me enganar
foi lavada junto com a ira que eu sentia por ele. Minha inocência
foi completamente trazida à luz. Agora eu finalmente poderia
me concentrar na Família Dartanel.

Muito bem, já está na hora de sair do banho depois de passar


tanto tempo aqui dentro.
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