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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

ESTADO DE SÃO PAULO - CONCEIÇÃO


NÚCLEO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
FACULDADE DE DIREITO

RONE DA SILVA

RELAÇÃO CAUSAL DA REPARAÇÃO CIVIL E SUA RELATIVIZAÇÃO

São Paulo

2007
RONE DA SILVA

RELAÇÃO CAUSAL DA REPARAÇÃO CIVIL E SUA RELATIVIZAÇÃO

Trabalho de conclusão de curso


apresentado ao curso de Graduação em
Direito, da Universidade Estácio de Sá,
como requisito parcial para a obtenção
do título de Bacharel em Direito.

Orientadora:

Profª. Roberta Candido da Silva

São Paulo

2007
UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
UNIDADE CONCEIÇÃO/SP

Biblioteca da Faculdade de Direito

SILVA, Rone da
S729
A relação causal da reparação civil e sua relativização / Rone da
Silva. – São Paulo, 2007.

62 f.

TCC (Curso de Graduação em Direito ) – Universidade Estácio


de Sá – Conceição – São Paulo, 2007.

1. Direito civil. 2. Responsabilidade civil. 4. Relação causal. 5.


Nexo de causalidade I. Universidade Estácio de Sá. Faculdade de
Direito, Instituição responsável II. Título.

CDD 801. 606


RONE DA SILVA

A RELAÇÃO CAUSAL DA REPARAÇÃO CIVIL E SUA RELATIVIZAÇÃO

Trabalho de conclusão de curso


apresentado ao curso de Graduação em
Direito, da Universidade Estácio de Sá,
como requisito parcial para conclusão do
curso.

Aprovado em / / .

BANCA EXAMINADORA

PROFª. ROBERTA CANDIDO DA SILVA


ORIENTADORA

Centro Universitário Estácio – Conceição/SP

PROF. José Eduardo Reis

Universidade Estácio de Sá

PROF. Antônio César Oliveira

Universidade Estácio de Sá

São Paulo
2007
Dedico este trabalho a toda minha família, a
minha amada esposa e a Deus.
AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, parentes e esposa por todo o apoio que me deram
para galgar essa jornada da graduação, sempre me inspirando a buscar o melhor de
mim e nunca me deixando desanimar pelos obstáculos que a vida traz. Obrigada por
sempre acreditarem em mim, muitas vezes mais do que eu mesmo.

Agradeço aos meus amigos tão queridos, que sempre se fizeram presentes, não
importando a distância, as omissões, os meses sem voltar para casa, a falta de tempo,
a fala estressada, as conversas com sabor de saudade e aquele sentimento de que na
verdade, nada mudou. Obrigada por todas as risadas, por todos os abraços e por todas
as palavras de sinceridade, sempre.

Agradeço aos amigos que a faculdade me trouxe, minha família da Estácio-SP,


que estiveram presentes em inúmeros momentos essenciais da minha vida. Com vocês
passei pelas mais diversas experiências, algumas um tanto quanto loucas e
desesperadoras – obrigado Estácio -, outras de enorme reflexão e aprendizado. Muito
obrigado por me acolher e me fazer sentir tão em casa como eu me sinto quando estou
com vocês.

Aos meus ilustres mestres, em especial a minha orientadora, por ensinar e


compartilhar suas experiências, vivências e enorme dedicação, me deixando cada dia
mais apaixonado pelo Direito e pela busca da justiça.

Agradeço, por fim, a todas as pessoas que de alguma forma contribuíram para que
esta etapa da minha vida se concretizasse.
“Ás vezes tudo se ilumina de uma intensa
realidade

E é como se agora este pobre, este único, este


efêmero instante do mundo

Estivesse pintado numa tela, sempre...”

- Mário Quintana
RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo delimitar os aspectos gerais da responsabilidade


civil, passando por todo o processo de criação e introdução no direito brasileiro,
sistematizando seus fundamentos, pressupostos e exclusão, a fim de, após essa análise,
aprofundar o nexo causal. O escopo desta monografia também inclui algumas
considerações sobre a importância da flexibilização do nexo de causalidade,
demonstrando suas razões e as várias formalidades nas quais ele é aplicado. Nesse
sentido, discute-se a importância do instituto, cujo objetivo principal é proporcionar à
vítima uma indenização e proteção dos danos sofridos. Uma revisão de literatura foi
realizada por vários autores, referindo-se à responsabilidade civil, o nexo de causalidade e
as modificações feitas por esses institutos à necessidade de reparo atual.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Relação causal. Relativização.


Excludentes de Responsabilidade.
ABSTRACT

This paper has, as a preliminary goal, to outline the general aspects about the civil liability,
going through the entire process of creation and introduction in Brazilian law,
systematizing its foundations, assumptions and exclusive to, after this analysis,
deepening the study about the causation. The scope of this paper also includes pointing
out some considerations about the importance the flexibility of the causation,
demonstrating their motives and the various forms it is applied. Therefore, it is vital to
acknowledge the importance of the institute whose main purpose is to ensure the victim's
compensation and support for damage. We conducted a bibliographic study of several
authors who are references about the civil liability, the causation and the changes of this
institution forwards the current need of repair.

Keywords: Civil Liability. Causation. Flexibility. Exclusion of Liability.


SUMÁRIO

Introdução .......................................................................................................... 11

1 – A Responsabilidade Civil .......................................................................................... 13

1.1 - Direito Subjetivo, Dever e Ato Ilícito ............................................................. 13

1.2 - A Evolução da Responsabilidade Civil ......................................................... 18

1.3 - Ato Ilícito ...................................................................................................... 26

1.4 - Elementos ou Pressupostos ........................................................................ 27

1.5 - O Nexo de Causalidade ............................................................................... 29

1.6 - Excludentes de Responsabilidade ............................................................... 35

2 – A Flexibilização do Nexo Causal ............................................................................... 36

2.1 - A importância do nexo de causalidade nas ações de responsabilidade ....... 36

2.2 - A problemática da Flexibilização .................................................................. 37

2.3 - As Excludentes de Responsabilidade e o Fortuito Interno ........................... 39

2.4 - Teoria da Causalidade Alternativa ............................................................... 43

3 – Análise Jurisprudencial ............................................................................................. 48

3.1 - O caso do “escorrega” ................................................................................ 48

3.2 - RESP Nº 291.384 - RJ ................................................................................ 51

3.3 - Objetos lançados da janela de edifícios...................................................... 54

3.4 - Causalidade Alternativa ............................................................................. 55

Conclusão .......................................................................................................... 59

Referências ........................................................................................................ 61
Introdução

O presente trabalho possui como objetivo primordial discorrer sobre um tema que
tem despertado o interesse crescente dos aplicadores e acadêmicos do direito, posto que
a responsabilidade civil é uma temática que se faz muito presente no cotidiano moderno.
A opção pelo tema da flexibilização do nexo de causalidade nasceu através de uma
constatação acerca da aplicação prática do instituto.

Considera-se que a flexibilização do nexo causal não é tratada com a devida


atenção pela maioria dos doutrinadores brasileiros, visto que são poucos os autores que
aprofundam o tema e, quando o fazem, dedicam a ele obras específicas como
monografias e artigos. Assim, a flexibilização do nexo de causalidade é, na maioria das
vezes, abordada de uma forma simplista e demasiadamente resumida nos manuais, o
que acaba esvaziando a importância da discussão ao redor do tema.

Observa-se que a doutrina não estabelece critérios objetivos para a aplicação do


instituto, o que acaba resultando nas mais diferentes decisões, quando observada a
aplicação do tema. O presente trabalho espera, humildemente, oferecer uma contribuição
para a organização e sistematização do estudo da responsabilidade civil, e em especial
do nexo de causalidade, concentrando informações e conceitos chaves a respeito de tal
instituto e de sua flexibilização.

Para tanto, no capítulo I é abordada a Responsabilidade Civil de um modo geral,


analisando, primeiramente, sua relação com o direito subjetivo, dever e ato ilícito. Após,
será realizada uma retrospectiva da evolução histórica da responsabilidade civil, tanto na
perspectiva global como seu surgimento especificamente no direito brasileiro, passando
então para a conceituação e definição legal de ato ilícito, instituto de enorme importância
para o tema. Se verificará então, os elementos ou pressupostos tradicionais da
responsabilidade civil, com enfoque central no nexo de causalidade e, por fim, suas
excludentes de responsabilidade.

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Em seguida, no capítulo II, entrará no tema da flexibilização do nexo de
causalidade em si, analisando sua importância nas ações de responsabilidade, expondo
a problemática decorrente de tal fenômeno. Nesse capítulo também vai ser estudado a
teoria da causalidade alternativa, de importância vital para este estudo.

Em seguida, será utilizado uma breve análise jurisprudencial para abordar alguns
exemplos de como o tema é tratado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Com essa seleção de julgados paradigmáticos, espera-se contribuir para o melhor
entendimento sobre a matéria, demonstrando, de forma prática, a importância desse
fenômeno.

Ao fim, o estudo caminha para conclusões acerca não só dos benefícios, mas
também dos possíveis riscos advindos da aplicação descoordenada desse fenômeno de
flexibilização. E é justamente para contornar essas possíveis problemáticas que esse
trabalho monográfico se propõem a lançar novas luzes sobre antigos dogmas da doutrina
clássica da responsabilidade civil, demonstrando que a análise de seus elementos não
pode ser uma aferição fria e estanque.

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1 – A Responsabilidade Civil

1.1 - Direito Subjetivo, Dever e Ato ilícito

Como se sabe, a tradição jurídica acerca da conceituação de direito


subjetivo é a de relacionar o mesmo com a antiga distinção entre facultas agendi e norma
agendi, institutos do direito romano. Distinção essa que é construída no sentido de o
direito objetivo ser o complexo de normas jurídicas que regem o comportamento humano
e o direito subjetivo, por sua vez, a faculdade que cada um possui de agir conforme as
normas impostas.

Ilustrando esse pensamento, temos as lições de Miguel Reale no seguinte


sentido:

O mérito do antigo ensinamento em termos de


facultas agendi e norma agendi, apesar de suas
reconhecidas deficiências, consiste em apresentar o
direito objetivo e o subjetivo de maneira
complementar, um impensável sem o outro. A
palavra faculdade não é, porém, sinônimo de direito
subjetivo, mas designa as modalidades de seu
exercício, como se dá, por exemplo, quando
dizemos que o titular do direito subjetivo de
propriedade tem faculdade de dispor de seu bem, de
alugá-lo, doá-lo, legá-lo, etc. Faculdade, sem sentido
estrito, é, pois, uma forma de exercício do direito
subjetivo (REALE, 2000, p. 252).

Ainda sobre o direito subjetivo, o professor do Largo de São Francisco


explica a relação existente entre esse instituto e o da pretensão:

Direito subjetivo, no sentido específico e próprio


deste termo, só existe quando a situação subjetiva
implica a possibilidade de uma pretensão, unida à
exigibilidade de uma prestação ou de um ato de
outrem. O núcleo do conceito de direito subjetivo é a
pretensão (Anspruch), q qual pressupõe que sejam
correspectivos aquilo que é pretendido por um
sujeito e aquilo que é devido pelo outro (tal como se
dá nos contratos) ou que pelo menos entre a
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pretensão do titular do direito subjetivo e o
comportamento exigido de outrem haja certa
proporcionalidade compatível com a regra de direito
aplicável à espécie.

Desse modo, a pretensão é o elemento conectivo


entre o modelo normativo e a experiência concreta,
mesmo porque a norma, exatamente por ser um
modelo destinado à realidade social, não difere
desta a não ser por um grau de abstração, na
medida em que ela foi instaurada à vista da realidade
mesma, como expressão objetiva do que nela deve
ser declarado obrigatório (REALE, 2000, p. 262).

Seguindo a exposição, destacamos, ainda, que a antiga máxima do Direito


Romano, neminem laedere, simboliza o dever geral de não prejudicar ninguém, e se
encontra positivada no artigo 186 do Código Civil brasileiro.

Os deveres jurídicos, então, são condutas externas impostas pelo


ordenamento jurídico que visam assegurar o bem-estar da convivência social. Essa é a
razão para que, ao impor tais deveres, o Direito Positivo crie obrigações.

Os deveres jurídicos, como um todo, podem ser classificados tanto em


positivos ou negativos, como em absolutos ou relativos. Os primeiros, os deveres
positivos, são aqueles que determinam obrigações de dar, fazer, ou pagar quantia. A lei,
nesses casos, está determinando uma atuação comissiva. Os deveres negativos, por sua
vez, são aqueles que impõem condutas omissivas, como a obrigação de não fazer.

Ainda, temos os deveres absolutos, aqueles dotados de uma abrangência


subjetiva ampla, com o poder de atingir a todos, e, por fim, os relativos, destinados a
pessoas ou coletividades específicas, determinadas.

Nesse sentido, temos que a violação de qualquer dever jurídico configura


ato ilícito, o qual, por sua natureza, quase sempre tem o condão de gerar dano a outrem,
o que por sua vez criará um novo dever jurídico: o de reparar o dano.

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O Direito tem como um dos seus objetivos basilares o de amparar os atos
lícitos, o que, por via de consequência, o faz disciplinar também os atos ilícitos, dada a
necessidade de reprimi-los. É esse o raciocínio que inspira o dever de reparação dos
danos causados.

Sobre o ato ilícito, claros são os ensinamentos de Caio Mário:

(...) Sempre que alguém falta ao dever que é adstrito,


comete um ilícito, e como os deveres, qualquer que
seja sua causa imediata, na realidade são sempre
impostos pelos preceitos jurídicos, o ato ilícito
importa na violação do ordenamento jurídico.
Comete-se comissivamente quando orienta sua
ação num determinado sentido, que é
contraveniente à lei; pratica-o por omissão, quando
se abstém de atuar, se devera fazê-lo, e na sua
inércia transgride um dever predeterminado.
Procede por negligência se deixa de tomar os
cuidados necessários a evitar um dano; age por
imprudência ao abandonar as cautelas normais que
deveria observar; atua por imperícia quando
descumpre as regras a serem observadas na
disciplina de qualquer arte ou ofício.

Como categoria abstrata, o ato ilícito reúne, na sua


etiologia, certos requisitos que podem ser
sucintamente definidos: a) uma conduta, que se
configura na realização intencional ou meramente
previsível de um resultado exterior (Enneccerus); b)
a violação do ordenamento jurídico, caracterizada na
contraposição do comportamento à determinação de
uma norma (Enneccerus); c) a imputabilidade, ou
seja, a atribuição do resultado antijurídico à
consciência do agente; d) a penetetração da conduta
na esfera jurídica alheia, pois, enquanto permanecer
inócua, desmerece a atenção do direito (PEREIRA,
2004, p. 654).

Nesse diapasão, temos ainda, segundo as lições de Sérgio Cavalieri Filho,


que a ilicitude reporta-se à conduta do agente, e não ao dano que dela provenha, que é
o seu efeito. Sendo lícita a conduta, em princípio não haverá o que indenizar, ainda que
danosa a outrem (CAVALIERI FILHO, 2005). Ressalvamos, nesse momento, que

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existem, contudo, alguns casos de responsabilidade por atos lícitos, mas estes são
exceções que apenas confirmam a regra, motivo pelo qual não serão objeto do presente
estudo.

Isto posto, podemos afirmar, até o momento, que quando um dever


originário (primário) é violado, surge um direito sucessivo (secundário) com o objetivo de
recompor o dano causado, caracterizando então a responsabilidade civil. Qualquer
conduta, seja comissiva ou omissiva, que cause prejuízo a outrem por violar algum dever
jurídico primário será fonte de responsabilidade civil.

Atente-se que, ao procurar o responsável pela recomposição do dano


causado, é preciso observar a quem a lei imputou a obrigação violada, pois, como
exposto até aqui, não há o que se falar em responsabilidade sem violação de dever
jurídico preexistente.

Via de regra, é indispensável, portanto, para a caracterização da


responsabilidade civil, a ilicitude de um ato, ou seja, a violação de um dever jurídico
preexistente.

O dever de indenizar é uma obrigação, expressa no artigo 927 do Código


Civil: “Aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado
a repará-lo. Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente
de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de
outrem”.

A natureza jurídica do dever de indenizar, como podemos observar, é de


uma obrigação ex lege, pois decorre da lei, e sucessiva, visto que se origina de uma
violação a um dever originário.

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Destacamos, assim, que a responsabilidade possui íntima relação com a
noção de desvio de conduta, acarretando sempre em um encargo, uma obrigação com o
objetivo de ressarcir o dano causado, o dever de indenizar.

Sobre a indenização, temos que ela é a aplicação da sanção civil por


violação a um dever jurídico, e possui natureza reparatória, ou seja, tem como objetivo a
restituição do status quo ante. De acordo com o jurista Daniel Pizzaro, o princípio que
impera neste campo é o da restitutio in integrum, ou seja, tanto quanto possível, repõe-
se a vítima à situação anterior à lesão. Isso é possível através de uma indenização fixada
em proporção ao dano.

Diz ainda o referido jurista que, indenizar pela metade é responsabilizar a


vítima pelo resto. A relação de proporcionalidade entre indenização e dano, então, é um
aspecto imprescindível da responsabilidade, pois um dos fundamentos desta é a quebra
do equilíbrio econômico-jurídico provocado pelo dano.

Avançando, destacamos que a reponsabilidade civil pode ser contratual ou


extracontratual. Se diz contratual a responsabilidade decorrente de uma relação jurídica
obrigacional, qual seja, um contrato. Nesse caso, o dever de indenizar decorre de um
ilícito contratual (ou relativo), ou mais comumente, inadimplemento. Já a
responsabilidade civil extracontratual, decorre da violação de um preceito geral de Direito,
conhecida também como ilícito aquiliano ou absoluto.

De acordo com a Caio Mário: “Se se trata de dever oriundo de contrato, diz-
se que há culpa contratual. Em caso contrário, chama-se de culpa extracontratual ou
aquiliana, nome este último preso à tradição romana, eis que naquele direito o dever de
reparar o dano por fato culposo não contratual decorria da lei aquília – a lege Aquilia”
(PEREIRA, 2004, p.658).

Finalizando a questão, Mister destacar, a título de informação, que até o


advento do Código de Defesa do Consumidor, era adotada, no Brasil, somente a teoria

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dualista, dita clássica, que pregava justamente essa dicotomia rígida entre a
responsabilidade contratual e a extracontratual, e ao mesmo tempo aplicava alguns
artigos nos dois casos. Com a promulgação do CDC, essa distinção clássica foi superada
no tocante à responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços, pois todas as vítimas
de acidente de consumo foram equiparadas a consumidores, por força do artigo 17 do
diploma consumerista.

1.2 - A Evolução da Responsabilidade Civil

Os primeiros indícios do instituto da responsabilidade civil como noção de


compensar alguém por um prejuízo causado, são encontrados na Lei de Talião,
caracterizando-se pela a exata reciprocidade do crime e da pena, ou seja, se pagava o
mal com o mal. Esse tipo de compensação chancelava uma espécie de vingança privada
que não possuía limites estabelecidos, prevalecendo a máxima “olho por olho, dente por
dente”, contida no Código de Hamurábi, datado de aproximadamente 1780 a.C.

Aproximadamente no século XIII a.C., podemos perceber uma guinada nesse


pensamento arcaico. A ideia de vingança particular começou a ser rechaçada, dando
início a um processo de regulamentação da ideia de indenização. Já por volta de 450
a.C., surgiram o Alcorão e o livro de Deuteronômio, que continham alguns contornos mais
desenvolvidos da responsabilidade civil.

Todavia, foi somente no século III a.C., com a Lex Aquilia, quando o ente estatal
passou a intervir nas disputas privadas, que passou-se a imputar valores aos danos
causados, evitando que a vítima a sucumbisse a vingança privada, e ao invés disso,
aceitasse a solução imposta pelo Estado.

A Lex Aquilia, da época de Justiniano, é considerada o marco histórico


fundamental da responsabilidade civil, pois foi a partir de sua edição que os titulares de
bens que sofressem algum tipo de dano passaram a ter o direito de receber um
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pagamento do causador do dano, como forma de penalidade, com o objetivo de recompor
o dano causado. É a certidão de nascimento da responsabilidade extracontratual, pois a
ideia era justamente a de que o autor do dano deveria ser punido, havendo ou não uma
obrigação preexistente.

Tendo em mente a breve explanação histórica narrada até aqui, é possível afirmar
que, a partir da constatação de que o fundamento da responsabilidade era a ruptura no
equilíbrio patrimonial decorrente do dano sofrido, foram os franceses os responsáveis por
aprimorar as teorias romanas acerca da responsabilidade civil, normatizando seus
princípios gerais.

Não obstante o relatado acima, para um conhecimento pleno responsabilidade civil


contemporânea existente no Brasil, é preciso também ter em mente as mudanças da
responsabilidade civil em relação ao Estado.

Sobre essa modalidade de responsabilização, a primeira teoria adota foi a Teoria


da Irresponsabilidade, na qual vigorava o princípio da irresponsabilidade do Estado,
baseando-se na teoria do direito divino dos reis, de Bossuet. Tal teoria era usada para
justificar o poder absoluto dos monarcas, impedindo que alguém tentasse responsabilizá-
los por seus atos.

Para melhor entendimento sobre a teoria do direito divino dos reis, nos valemos
das palavras de Odete Medauar, que nos ensinam que “Várias concepções justificavam
tal isenção, dentre as quais: o monarca ou o Estado não erram; o Estado atua para
atender ao interesse de todos e não pode ser responsabilizado por isso; a soberania do
Estado, poder incontrastável, impede seja reconhecida sua responsabilidade perante o
indivíduo” (MEDAUAR, 2001, p. 429).

Ainda no período Absolutista, contudo, já era admitida a responsabilidade


pecuniária pessoal dos agentes da Administração, pois, consoante Sérgio Cavalieri Filho,
entendia-se que o Estado e seus funcionários seriam sujeitos diferentes, visto que estes

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últimos, mesmo agindo fora dos limites de seus poderes, ou abusando deles, não
obrigariam, com seus atos, a Administração (CAVALIERI FILHO, 2003). Com isso, a
vítima do dano teria a prerrogativa de demandar apenas contra o funcionário estatal, e
nunca contra o próprio Estado. Sob essa perspectiva, era muito comum a vítima não ser
compensada pelo dano sofrido, pois muitas vezes o agente não possuía condições
econômicas suficientes para o ressarcimento, impossibilitando o pagamento da
indenização.

Em um segundo momento, verificou-se a mudança da teoria da irresponsabilidade


para uma concepção civilista da responsabilidade estatal, fundada na culpa do
funcionário e nos princípios da responsabilidade por fato de terceiro (patrão, preponente,
mandante e representante), ainda conforme Cavalieri Filho (CAVALIERI FILHO, 2003).

Mais tarde, com a Revolução Industrial do século XVIII, foram criados e


reconhecidos uma série de direitos dos indivíduos frente ao Estado, abrindo caminho
para uma nova perspectiva de responsabilização.

Outrossim, temos que no final do século XIX surge a figura do Estado empresário,
em que passou a ser reconhecida a separação dos atos de império e dos atos de gestão.
O Estado ainda não poderia ser responsabilizados pelos atos de império, todavia, poderia
ser responsabilizado pelos atos de gestão, pois neles atuaria como um particular. Neste
caso, o Estado seria obrigado a reparar os danos causados no desempenho de suas
funções, desde que presente a culpa do agente que praticou a conduta.

O Código Civil brasileiro de 1916, em seu artigo 15 previa a responsabilização do


Estado nos seguintes termos:

Art. 15: As pessoas jurídicas de Direito Público são


civilmente responsáveis por atos dos seus
representantes que nessa qualidade causem danos
a terceiros, procedendo de modo contrário ao Direito
ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito
regressivo contra os causadores do dano.

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Entretanto, muitas vítimas continuavam não sendo indenizadas, tendo em vista a
dificuldade em se distinguir com precisão os atos de império dos de gestão no caso
concreto e ainda provar a culpa do agente. Esses requisitos para a configuração da
responsabilidade do Estado acabavam por dificultar por demais a reparação do dano à
vítima, não se coadunando com os ideais liberais da época, os ideais do racionalismo
iluminista, que tinham como objetivo a limitação dos poderes do Estado.

Desse modo, foi se consolidando, pouco a pouco, a tese de que o Estado seria
responsável pelos danos causados por seus agentes, salvo nos casos em que provasse
a inexistência de culpa. Surgiu, com base nisso, a teoria da culpa presumida da
Administração, que estabelecia a inversão do ônus da prova, com o objetivo de beneficiar
a vítima.

Hoje em dia, a responsabilidade do Estado por ato de seu agente é melhor


compreendida à luz da Teoria do Órgão, aqui explicada:

(...) o Estado não é representado por seus agentes, mas age


através deles e dos órgãos em que atuam. Como pessoa jurídica
que é, o Estado não tem vontade nem ação, no sentido de
manifestação psicológica e vida anímica própria. Estas, só os seres
físicos as possuem. Não podendo agir diretamente, por não ser
dotado de individualidade fisiopsíquica, a vontade e a ação do
Estado são manifestadas pelos seus agentes, na medida em que
se apresentem revestidos desta qualidade e atuem em seus
órgãos. Pela teoria do órgão (ou organicista) o Estado é concebido
como um organismo vivo, integrado por um conjunto de órgãos que
realizam as suas funções. Tal como o ser humano, é dotado de
órgãos de comando (políticos) que manifestam a vontade estatal e
órgãos de execução (administrativos) que cumprem as ordens dos
primeiros. A vontade e as ações desses órgãos, todavia, não são
dos agentes humanos que neles atuam, mas sim do próprio Estado
(...) (CAVALIERI FILHO, 2003, p. 237).
Com base nesse entendimento, foi desenvolvida a teoria da responsabilidade do
Estado por ato culposo de seu agente. Com isso, surgiu a noção da culpa anônima ou
impessoal. A noção civilista de culpa se mostrou ultrapassada, sendo mais importante a
constatação do dano do que a prova da culpa.

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A jurisprudência francesa, nesse diapasão, criou a noção de “falta de serviço”
(faute du service) ou “culpa do serviço”, que consiste no não funcionamento ou mal
funcionamento do serviço. De acordo com tal noção, bastaria provar a “falta de serviço”
para gerar a responsabilização do Estado pelos danos causados por seus agentes,
independente de culpa.

A falta do serviço implicava o reconhecimento de culpa da Administração. Sobre


isso, José dos Santos Carvalho Filho afirma que:
(...) para que o lesado pudesse exercer seu direito à
reparação dos prejuízos, era necessário que
comprovasse que o fato danoso se originava do mau
funcionamento do serviço e que, em consequência,
teria o Estado atuado culposamente. Cabia-lhe,
ainda, o ônus de provar o elemento culpa
(CARVALHO FILHO, 2004, p. 448).
De acordo com o administrativista Celso Antônio Bandeira de Melo, a correta
tradução da palavra faute é culpa, e não falta, trazendo a ideia de algo objetivo (MELLO,
2004). A tradução feita de forma errônea teria feito com que muitos autores afirmassem
que não havia distinção entre culpa anônima e responsabilidade objetiva.

Com base nos princípios da equidade e da igualdade de ônus e encargos sociais,


foi proclamada a responsabilidade objetiva do Estado, baseada na teoria do risco
administrativo. Tal teoria enuncia que a sociedade deve suportar o prejuízo causado pelo
funcionamento do serviço público, não sendo mais necessário discutir a “falta do serviço”.
Basta a vítima provar o nexo de causalidade entre o ato da Administração, o dano sofrido,
e não ter concorrido com atitude culposa para caracterizar a responsabilidade estatal.
Sobre a base jurídica da responsabilidade objetiva, ensina Bandeira de Mello:

(...) o fundamento da responsabilidade estatal é


garantir uma equânime repartição dos ônus
provenientes de atos ou efeitos lesivos, evitando que
alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou
por causa de atividades desempenhadas no
interesse de todos. De consequente, seu
fundamento é o princípio da igualdade, noção básica
do Estado de Direito (MELLO, 2004, p. 890).

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Os preceitos que respaldam a concepção da responsabilidade objetiva do Estado,
segundo Odete Medauar, são os próprios sentidos de justiça e equidade – o neminem
laedere e o alterum non laedere -, e também o preceito da igualdade de todos ante os
ônus e encargos da Administração (solidariedade social), em que todos devem
compartilhar do ressarcimento dos danos das atividades do Estado (MEDAUAR, 2001).

Portanto, o surgimento da responsabilidade civil do Estado se deu ante a


necessidade da vítima obter reparação do dano sofrido sem a necessidade de provar a
culpa do agente, pois a culpa se mostrou insuficiente, visto que sua prova nem sempre é
possível por parte da vítima. O dever de indenizar do Estado está pautado na relação de
causalidade entre o dano sofrido e a atividade administrativa.

A teoria do risco administrativo de León Duguit, fundamento da responsabilidade


objetiva do Estado, foi a teoria adotada no nosso sistema, na lição de Marcelo Caetano,
pois:

(...) os riscos acarretados pelas coisas ou atividades


perigosas devem ser corridos por quem aproveite os
benefícios da existência dessas coisas ou do
desenrolar de tais atividades (...). A Administração
deve responder pelos riscos resultantes de
atividades perigosas ou da existência de coisas
perigosas, quando não tenha havido força maior
estranha ao funcionamento dos serviços (...) na
origem dos danos e não consiga provar que estes
foram causados por culpa de quem os sofreu
(CAETANO, 1977, p. 544).
Para existir o dever de indenizar do Estado, conforme a teoria majoritária, qual
seja, a do risco administrativo, devem estar presentes: (i) um dano correspondente a
lesão a um direito da vítima; (ii) o responsável pelo dano causado deve ser funcionário
da Administração; e (iii) nexo de causalidade entre o ato do agente e o dano sofrido.

Imperioso apontar, entretanto, que o Estado não possuirá o dever de indenizar se


estiverem presentes uma ou mais hipóteses de excludentes de responsabilidade, quais
sejam: fato exclusivo da vítima; caos fortuito; força maior; e fato exclusivo de terceiro.
23
Ainda sobre essa temática, lembramos que existe outra teoria acerca da
responsabilidade objetiva do Estado, que é a Teoria do Risco Integral. Esta consiste em
uma modalidade extremada do risco administrativo, em que o Estado deve indenizar em
qualquer hipótese de dano sofrido por particular, não se aceitando a oposição de
excludentes de responsabilidade.

Entendemos, com base nas lições do mestre Hely Lopes Meirelles, que a adoção
da Teoria do Risco Integral atenta contra a equidade, pelas seguintes razões:
(...) por essa fórmula radical, a Administração ficaria
obrigada a indenizar qualquer dano suportado por
terceiros, ainda que resultante de culpa ou dolo da
vítima. Daí por que foi acoimada de “brutal”, pelas
graves conseqüências que haveria de produzir se
aplicada na sua inteireza.
Conseqüentemente, ter-se-ia um aumento
injustificado das despesas do Estado, erigido a
segurador universal, o que poderia mesmo
comprometer a qualidade dos serviços prestados à
população (MEIRELLES, 2004, p. 627).

Sobre a realidade brasileira, especificamente, podemos afirmar que não existiu a


fase da irresponsabilidade na evolução histórica da responsabilidade civil. A constituição
do Império, de 1824, já consagrava a responsabilização dos empregados públicos pelos
abusos e omissões praticados no exercício de sua função e a responsabilidade solidária
do Estado desde que a culpa fosse provada, e, em 1891, disposição com idêntico teor foi
promulgada na Constituição Republicana.

O artigo 15 do Código Civil de 1916, foi o primeiro dispositivo legal a tratar do


regime jurídico da responsabilidade civil do Estado, deixando uma margem de dúvida
entre os doutrinadores sobre se o artigo consagrava a teoria da culpa – responsabilidade
subjetiva – ou a responsabilidade objetiva da Administração.

A Constituição Federal de 1946, explicitamente, por sua vez, consagrou a


responsabilidade objetiva do Estado, com base no risco administrativo, dispondo em seu
artigo 194 que, in verbis: “As pessoas jurídicas de Direito Público interno são civilmente

24
responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a
terceiros. Parágrafo único: Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários
causadores do dano, quando tiver havido culpa destes”.

Neste artigo, observa-se que a culpa como elemento essencial para


caracterização da responsabilidade civil só se vê presente no parágrafo único, ao se
referir ao direito de regresso do Estado contra o agente público.

As Constituições posteriores, de 1967, de 1969 e a vigente de 1988, conservaram


a responsabilidade objetiva do Estado pelo risco administrativo. O artigo 37, § 6º, da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 enuncia que “As pessoas
jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos
responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,
assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

A Constituição de 1988 também disciplina as hipóteses nas quais a teoria do risco


integral deverá ser aplicada, como é o caso de responsabilização por danos nucleares
(artigo 21, XXXII, d, da Constituição Federal). A utilização dessa teoria, contudo,
configura exceção à regra, só podendo ser aplicada nos casos expressamente previstos
em lei.

Já no tocante à responsabilidade civil entre particulares, correto dizer que até o


advento do Código de Defesa do Consumidor, a regra geral em todos os tipos de relação
jurídica (elencada nos artigos 159 e 1545 do Código Civil de 1916) era a da
responsabilidade subjetiva (com culpa), podendo ser dividida entre responsabilidade
contratual e extracontratual.

Com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, em 1990, em


termos de responsabilidade civil, pereceu a diferenciação entre a responsabilidade
contratual e a extracontratual nas relações de consumo, passando a regra geral a ser a
responsabilidade objetiva para o fornecedor de produtos/serviços dada a sua posição de

25
superioridade face ao consumidor. Não obstante, a responsabilidade subjetiva ainda
pode ser encontrada, em algumas exceções disciplinadas no diploma consumerista,
como no caso dos profissionais liberais (artigo 14, § 4º, do CDC).

Salientamos, porém, que quando não existir relação de consumo entre os


envolvidos, a regra a ser aplicada será a da responsabilidade subjetiva, devendo os
particulares, em um relação horizontal, demonstrar a culpa daquele que causou dano a
outrem como regra geral.

1.3 - Ato ilícito

O artigo 186 do Código Civil disciplina a responsabilidade decorrente do ato ilícito


nos seguintes termos: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,
comete ato ilícito”.

Sobre o tema, Caio Mário ensina que para o direito civil, o ilícito é um atentado
contra o interesse privado de outrem, e a reparação do dano sofrido é a forma indireta de
restauração do equilíbrio rompido (PEREIRA, 2004).

Ainda conforme os ensinamentos do jurista mineiro, o grande fundamento da


responsabilidade civil é, e sempre foi, encontrado na culpa. Entretanto, percebeu-se a
necessidade de se avançar nesse pensamento para que o objetivo maior da
responsabilidade civil, qual seja, a reparação o dano causado, fosse alcançado:

O fundamento maior da responsabilidade civil está


na culpa. É fato comprovado que se mostrou esta
insuficiente para cobrir toda a gama dos danos
ressarcíveis; mas é fato igualmente comprovado
que, na sua grande maioria, os atos lesivos são
causados pela conduta antijurídica do agente, por
negligência ou por imprudência. Aceitando, embora,
que a responsabilidade civil se construiu
26
tradicionalmente sobre o conceito de culpa, o jurista
moderno convenceu-se de que esta não satisfaz.
Deixando à vítima o ônus da prova de que o ofensor
procedeu antijuridicamente, a deficiência de meios,
a desigualdade de fortuna, a própria organização
social acabam por deixar larga cópia de danos
descobertos e sem indenização. A evolução da
responsabilidade civil gravita em torno da
necessidade de socorrer a vítima, o que tem levado
a doutrina e a jurisprudência a marchar adiante dos
códigos, cujos princípios constritores entravam o
desenvolvimento e a aplicação da boa justiça. Foi
preciso recorrer a outros meios técnicos, e aceitar,
vencendo para isto resistências quotidianas, que em
muitos casos o dano é reparável sem o fundamento
da culpa (PEREIRA, 2004, p. 518).

d) Elementos ou Pressupostos

Os elementos, ou pressupostos, da Responsabilidade Civil são: (i) a conduta do


agente causador do dano - um comportamento antijurídico, que é o descumprimento de
um dever geral de conduta; (ii) o dano, que podem ser patrimoniais - danos emergentes
ou lucros cessantes - e extrapatrimoniais - como os danos morais e estéticos; (iii) o nexo
causal, representando a relação de causa e efeito entre o comportamento antijurídico do
agente e o dano sofrido pela vítima; e (iv) a culpa, quando se tratar de hipótese de
responsabilidade subjetiva.

A conduta é o elemento primário de qualquer ato ilícito, e por via de consequência,


da responsabilidade civil. No entendimento de Maria Helena Diniz a conduta pode ser
entendida como:

A ação, elemento constitutivo da responsabilidade,


vem a ser o ato humano, comissivo ou omissivo,
ilícito ou licito, voluntario e objetivamente imputável
do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal
ou coisa inanimada, que cause dano a outrem,
gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado
(DINIZ, 2005, p. 43).
27
A conduta do agente, para fins de caracterização da responsabilidade, deve ser
revestida de voluntariedade – a consciência da ação – e, via de regra, ser contrária ao
ordenamento jurídico.

A existência de um dano é também elemento essencial para a configuração da


responsabilidade civil, não havendo o que se falar em indenização ou ressarcimento sem
a ocorrência de dano. Consoante ensinamento de Sergio Cavalieri:

O ato ilícito nunca será aquilo que os penalistas


chamam de crime de mera conduta; será sempre um
delito material, com resultado de dano. Sem dano
pode haver responsabilidade penal, mas não há
responsabilidade civil. Indenização sem dano
importaria enriquecimento ilícito; enriquecimento
sem causa para quem a recebesse e pena para
quem a pagasse, porquanto o objetivo da
indenização, sabemos todos, é reparar o prejuízo
sofrido pela vítima, reintegrá-la ao estado em que se
encontrava antes da prática do ato ilícito. E, se a
vítima não sofreu nenhum prejuízo, a toda evidência,
não haverá o que ressarcir. Daí a afirmação, comum
a praticamente todos os autores, de que o dano é
não somente o fato constitutivo mas, também,
determinante do dever de indenizar (CAVALIERI
FILHO, 2005, p. 77).

O nexo de causalidade, por sua vez, diz respeito a relação de causa e efeito entre
a conduta praticada pelo agente e o resultado danoso. É imperioso que o dano sofrido
pela vítima tenha sido causado pela conduta antijurídica do agente, existindo assim uma
indispensável vinculação entre os acontecimentos.

Por fim, temos ainda o elemento culpa, que só será considerado como pressuposto
necessário nas hipóteses de responsabilidade subjetiva. O artigo 186 do Código Civil
dispõe que o ilícito só se caracteriza pelo comportamento culposo. O referido dispositivo,
portanto, trata da culpa latu sensu, abrangendo tanto o dolo como a culpa em sentido
estrito.

28
Conquanto no dolo a conduta praticada seja intencional, na culpa stricto sensu a
conduta do agente é voluntária, apesar do resultado não o ser. A culpa em sentido estrito
se dá com a inobservância do dever de cuidado, através de imprudência, negligência ou
imperícia.

Contudo, alertamos que tal distinção, entre dolo e culpa sem sentido estrito, não
possui grande relevância na seara da responsabilidade civil, via de regra, visto que o
objetivo desta é indenizar a vítima, e não punir o agente causador do dano.

1.5 - O Nexo de Causalidade

Se mostra necessário, para o estudo em questão, uma análise mais profunda


sobre o nexo de causalidade. Como já foi dito anteriormente, o nexo de causalidade é a
relação de causa e efeito entre a conduta praticada pelo agente e o dano sofrido pela
vítima. É através do nexo causal que podemos determinar o sujeito causador de
determinado dano.

O nexo de causalidade, enquanto elemento fundamental para configuração da


responsabilidade civil, é exigido em qualquer modalidade de responsabilidade. A
discussão central na responsabilidade civil objetiva, por exemplo, costuma girar em torno
do o nexo causal, já que se faz necessário, para afastar a responsabilidade, provar que
sem a conduta praticada pelo agente, o dano não teria sido produzido.

As hipóteses mais usuais, e mais simples de serem verificadas, se dão quando o


dano decorre de um fato simples, casos em que a relação de causalidade será
estabelecida de maneira direta. Contudo, é perfeitamente possível a ocorrência de casos
de causalidade múltipla, quando várias circunstâncias concorrem para um mesmo evento
danoso, sendo necessário identificar, através dos nexos de causalidade, qual dentre elas
foi a causadora do dano.

29
Sobre esse elemento essencial à responsabilidade civil, existem muitas teorias
com o objetivo de explicar o nexo de causalidade, dentre as quais as principais são: da
equivalência dos antecedentes causais; dos danos diretos e imediatos; e a da
causalidade adequada.

A primeira delas, ora analisada, é a teoria da equivalência das condições, ou teoria


da equivalência dos antecedentes causais, pela qual: “Todas as condições de um mesmo
dano se equivalem, consistindo todos os antecedentes que concorreram de alguma
maneira para a sua realização em causas do prejuízo” (PEREIRA, 1999.p. 78). Tal teoria
não faz diferenciação entre as múltiplas condições que contribuíram para a realização do
resultado, considerando que todas elas possuem o mesmo valor. Tal teoria, foi definida
nos seguintes termos por Sergio Cavalieri Filho:

Como o próprio nome já diz, essa teoria não faz


distinção entre causa (aquilo de que uma coisa
depende quanto à existência) e condição (o que
permite à causa produzir seus efeitos positivos ou
negativos). Se várias condições concorrem para o
mesmo resultado, todas têm o mesmo valor, a
mesma relevância, todas se equivalem. Não se
indaga se uma delas foi mais ou menos eficaz, mais
ou menos adequada. Causa é a ação ou omissão
sem a qual o resultado não teria ocorrido, sem
distinção da maior ou menor relevância que cada
uma teve. Por isso, essa teoria é também chamada
da conditio sine qua non, ou da equivalência das
condições (CAVALIERI FILHO, 2005, p.50-51).

Para determinar se uma condição é ou não causa do dano, utiliza-se um processo


hipotético que consiste em eliminar mentalmente tal condição; desaparecendo o
resultado, é possível afirmar a condição lhe foi a causa. A referida teoria é muito aplicada
no âmbito do direito penal em diversos países, inclusive no Brasil, com alguma mitigação.

As críticas à essa teoria são no sentido de que sua aplicação levaria a uma infinita
regressão do nexo de causalidade, sendo possível, por exemplo, apontar como

30
responsáveis por um atropelamento não só o agente que dirigia o veículo, mas também
quem lhe vendeu o automóvel e quem fabricou o veículo.

Em sintonia com as inúmeras críticas ao caráter subjetivo das teorias existentes,


surgiu a teoria do dano (ou causalidade) direta ou imediata – também conhecida como
teoria da interrupção do nexo causal - que, pela definição de Anderson Schreiber,
“considera como causa jurídica apenas o evento que se vincula diretamente ao dano,
sem a interferência de outra condição sucessiva” (SCHREIBER, 2005. p. 60).

Essa teoria tem como base um conceito mais objetivo, tendo como intuito a limitação
da responsabilização apenas para os eventos mais próximos ao dano, combatendo,
desta forma, a responsabilização ilimitada.

A teoria da causalidade imediata foi positivada no ordenamento jurídico brasileiro pelo


Código Civil de 1916, e mais tarde, ratificada no Código Civil de 2002, em eu artigo 403.

Com o decorrer do tempo, a teoria do dano direto e imediato acabou se mostrando


um tanto quanto restritiva, pois sua aplicação em inúmeros casos concretos, nos quais a
causa indireta do prejuízo era totalmente associada a causa direta, acabou se mostrando
prejudicial à reparação do dano.

A razão dessa controvérsia é que, pela definição original da teoria da interrupção do


nexo causal, não seria cabível a responsabilização por dano indireto, o que acabava
criando, com sua aplicação prática, situações de enormes injustiças.

Nesse diapasão, foi desenvolvida a subteoria da necessariedade causal que, segundo


definição de Anderson Schreiber:

Desenvolveu-se, deste modo, no âmbito da própria


teoria da causalidade direta e imediata, a chamada
subteoria da necessariedade causa, que entende as
expressões dano direto e dano imediato de forma
substancial, como reveladoras de um liame de
necessariedade – e não de simples proximidade –
31
entre a causa e o efeito. Haverá sim o dever de
reparar, quando o evento danoso for efeito
necessário de determinada causa (SCHREIBER,
2005, p. 62).

Podemos observar que, conquanto a subteoria da necessariedade tenha sido


criada com o objetivo de corrigir as inúmeras injustiças que eram causadas nos casos
concretos, ela acabou trazendo uma atmosfera de incerteza ao Judiciário. A definição de
qual causa, dentre as diversas possíveis, seria a necessária para concretização de
determinado dano, é baseada em critérios subjetivos, o que pode ser confirmado pelas
posições cada vez mais divergentes adotadas no âmbito dos tribunais.

Alguns juristas entendem que o ordenamento jurídico brasileiro adotou a teoria dos
danos diretos e imediatos – entre eles destacamos Carlos Roberto Gonçalves, Pablo
Stolze Gagliano, Gustavo Tepedino, Gisela Sampaio da Cruz e Rodolfo Pamplona Filho
-, por interpretação do artigo 403 do Código Civil, in verbis: “Ainda que a inexecução
resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros
cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”.

Apesar do artigo citado fazer uso do termo “inexecução”, que é próprio da


responsabilidade contratual, existe entendimento consolidado no sentido de que o
dispositivo também seria aplicável à responsabilidade extracontratual. O Supremo
Tribunal Federal também aplica essa teoria, como bem aponta Gustavo Tepedino,
observadas as decisões prolatadas após a Constituição de 1988 (TEPEDINO, 2006).

Em oposição à teoria da equivalência dos antecedentes, foi criada a teoria da


causalidade adequada, que determina tal adequação em função da possibilidade e
probabilidade de um resultado acontecer. Nesse diapasão, quanto maior for a
probabilidade de uma causa gerar um dano, mais adequada será em relação a esse
dano.

A teoria da causalidade adequada faz distinção entre causa e condição e entre os


antecedentes que tiveram maior ou menor relevância para configuração do dano. A
32
causa, nessa teoria, será apenas aquela que foi determinante, sendo as demais
desconsideradas. Sergio Cavalieri Filho, sobre a teoria da causalidade adequada,
ensina que:

Essa teoria, elaborada por Von Kries, é a que mais


se destaca entre aquelas que individualizam ou
qualificam as condições. Causa, para ela, é o
antecedente não só necessário mas, também,
adequado à produção do resultado. Logo, se várias
condições concorreram para determinado resultado,
nem todas serão causas, mas somente aquela que
for a mais adequada à produção do evento
(CAVALIERI FILHO, 2005, p. 51).

Com isso em mente, podemos afirmar que a teoria da causalidade adequada


apresenta a lógica do razoável, pois não há nenhuma regra teórica para estabelecer,
entre várias condições, qual é a mais adequada. Em uma tentativa de sistematizar a sua
aplicação podemos considerar como causa adequada, de acordo com Sérgio Cavalieri
Filho, aquela que, de acordo com o curso normal das coisas e a experiência comum da
vida, se revelar a mais idônea para gerar o evento (CAVALIERI FILHO, 2005).

Gisela Sampaio Cruz, sobre a teoria da causalidade adequada, afirma que:

Não basta, então, que um fato seja condição de um


evento; é preciso que se trate de uma condição tal
que, normal ou regularmente, provoque o mesmo
resultado. Este é o chamado “juízo de
probabilidade”, realizado em abstrato – e não em
concreto, considerando os fatos como efetivamente
ocorreram -, cujo objetivo é responder se a ação ou
omissão do sujeito era, por si só, capaz de provocar
normalmente o dano (CRUZ, 2005, p. 65).

Respeitável parte da doutrina também entende que a teoria da causalidade


adequada é a que prevalece na órbita civil, dentre os quais se destacam Sergio Cavalieri
Filho, Caio Mário, Flávio Tartuce e Aguiar Dias. Para eles, só concorre para o resultado
a condição mais adequada a produzi-lo concretamente; nesse caso, haveria o nexo
causal.

33
Os artigos 944 – “A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único:
Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz
reduzir, equitativamente, a indenização” - e 945 do Código Civil: “Se a vítima tiver
concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se
em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano” embasariam a
teoria da causalidade adequada, juntamente com o Enunciado n. 47 do CJF/STJ, da I
Jornada de Direito Civil, que dispõe que “o art. 945 do novo Código Civil, que não
encontra correspondente no Código Civil de 1916, não exclui a aplicação da teoria da
causalidade adequada”.

Ainda sobre o tema, discorre Sergio Cavalieri Filho:

Em conclusão, por causa direta, imediata,


necessária ou adequada deve-se entender como
sendo aquela que revela um liame de
necessariedade entre a causa e o efeito e não de
simples proximidade temporal ou espacial. Próxima
ou remota, imediata ou mediata, a causa será
adequada quando o evento danoso for efeito
necessário de determinado acontecimento. O exame
do nexo causal limita-se a verificar se a atividade
desenvolvida pelo agente vincula-se de algum modo
– próximo, direto, necessário, adequado ou eficiente
– ao dano (CAVALIERI FILHO, 2005, p. 55).

As críticas feitas à teoria da causalidade adequada são no sentido de conferir ao


julgador ampla liberdade no exame da adequação da causa, e ainda, confundir
causalidade com culpa – pois a ausência de culpa nem sempre exclui o dever de
indenizar.

Ainda sobre a teoria da causalidade adequada, destacamos:

Decerto, se, por um lado, a Teoria da Equivalência


dos Antecedentes Causais não dá margem para que
o juiz aprecie bem os fatos; por outro, a Teoria da
Causalidade Adequada depende muito do arbítrio do
julgador para ser aplicada em concreto. Mas o fato é
que quase todas as teorias dependem, por assim
34
dizer, de um certo arbítrio do magistrado. Seja como
for, apesar das críticas, a Teoria da Causalidade
Adequada tem prevalecido em vários ordenamentos
e é, também, uma das teorias mais invocadas no
Brasil, onde doutrina e jurisprudência se dividem
entre esta e a Teoria do Dano Direto e Imediato,
exposta no final deste capítulo (CRUZ, 2005, p. 83-
85).

A responsabilidade objetiva traz a necessidade de uma maior atenção no exame


do nexo de causalidade, pois sua interrupção é o único meio possível de excluir o dever
de indenizar; a questão central nas ações de responsabilidade civil passou a ser o nexo
causal.

1.6 - Excludentes de Responsabilidade

Os excludentes de responsabilidade são responsáveis por afastar a configuração


da responsabilidade civil no caso concreto, se caracterizando por romperem o nexo
causal, atacando um dos elementos basilares da responsabilidade. As possíveis
hipóteses de excludentes são: (i) o caso fortuito; (ii) a força maior; (iii) o fato exclusivo
da vítima ou o fato exclusivo de terceiro.

A não responsabilização por motivo de caso fortuito ou força maior está


consagrada no artigo 393 do Código Civil, in verbis: “O devedor não responde pelos
prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver
por eles responsabilizado”.

O parágrafo único do referido dispositivo, na sequência, ao versar sobre o caso


fortuito e a força maior praticamente os define como sinônimos: “O caso fortuito ou de
força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não eram possíveis evitar ou
impedir”. A maior parte da doutrina, no entanto, entende pela diferenciação dos
institutos, sendo o caso fortuito caracterizado quando estivermos diante de um evento

35
imprevisível e inevitável, enquanto a força maior diria respeito ao evento previsível, mas
inevitável – como é o caso dos fatos da natureza.

Há casos, outrossim, que a responsabilidade não se configura pelo fato de a


própria vítima ter dado causa ao dano sofrido. Essa é a hipótese de culpa exclusiva da
vítima, que possui o condão de extinguir ou interromper o nexo de causalidade entre o
dano e seu aparente causador.

O último caso de excludente de responsabilidade apontado diz respeito ao fato


exclusivo de terceiro, no qual um terceiro – pessoa qualquer, além da vítima e o
responsável – é quem dá causa ao dano. A sua ocorrência também tem o poder de
afastar o nexo de causalidade entre o aparente causador do dano e a vítima.

2 - A Flexibilização do Nexo Causal

2.1 - A importância do nexo de causalidade nas ações de responsabilidade

Diante daquilo que já foi exposto até o presente momento, nos valemos das lições
do civilista fluminense Anderson Schreiber, que ao tratar da relação entre o nexo causal
e o dever de reparação, dispõe:

O dever de reparar um dano depende da existência


de nexo causal entre certa conduta e o resultado
danoso. O nexo causal, ou relação de causalidade,
vem usualmente definido como o vínculo que se
estabelece entre dois eventos, de modo que um
represente consequência de outro (SCHREIBER,
2005, p. 55).

Destarte, o nexo de causalidade, como afirma Caio Mário, consiste no mais


delicado dos elementos da responsabilidade civil e o mais difícil de ser determinado
(PEREIRA, 1999).

36
Sobre o tema, mister destacar a diferenciação entre dois tipos de nexo de
causalidade: o natural e o jurídico. O primeiro se diferencia do segundo na medida em
que nem tudo que, no mundo dos fatos, é considerado a causa de um evento, o será
considerado, juridicamente, como causa. A definição jurídica de causa é mais restritiva,
pois se assim não o fosse, existira um exagero da responsabilização civil.

Podemos afirmar, outrossim, que com a vinda da responsabilidade objetiva, o nexo


causal acabou ganhando enorme importância, e um papel central, nas ações de
responsabilidade. O foco das discussões foi deslocado da prova ou não de culpa para a
noção de nexo de causalidade e a sua existência no caso concreto.

2.2 - A Problemática da Flexibilização

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário número


130.764-1 do Paraná, decidiu pela aplicação da teoria da causalidade direta e imediata,
ao declarar inexistente o nexo de causalidade entre a fuga de um preso e um assalto
realizado meses depois após o fato.

Contudo, a posição adotada pelo STF no referido julgado, não se mostrou


suficiente para impedir que os tribunais locais se utilizem das outras teorias aqui
mencionadas, como é o exemplo do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que nos
Embargos infringentes 51321.200-1, julgado no dia 15.08.2001, afirmou que a teoria
adotada no Brasil é a da equivalência das condições, e não a da causalidade direta e
imediata.

Infelizmente, é possível notar, em diversas decisões, uma confusão terminológica


com os nomes das teorias. Tal constatação serve para mostrar a falta de uniformização
das decisões em sede de responsabilidade civil. Entende-se que as diferentes
abordagens sobre o nexo de causalidade se dão pela motivação das decisões, para
buscar sempre a melhor solução para o caso concreto, tornando o nexo causal flexível.
37
Acontece que nenhuma das teorias existentes, inclusive a da causalidade direta e
imediata, é totalmente satisfatória em todos os casos concretos. Justamente por isso, a
indefinição dos tribunais brasileiros quanto a qual teoria deve ser adotada é algo que, na
prática, tem se mostrado positivo.

Independentemente da teoria utilizada como fundamento da decisão, a


responsabilização e o ressarcimento da vítima deverão ser sempre os objetivos
principais, a permitir a flexibilização do nexo causal.

O rigor que existia em relação a prova da culpa quando só se falava em


responsabilidade subjetiva, não é tão presente em relação ao nexo de causalidade. O
tribunal italiano também adota essa postura - de não se adotar uma única teoria sobre o
nexo de causalidade em suas decisões -, para aplicar a que melhor resolve o caso
concreto, com o objetivo de não realizar injustiças e ressarcir as vítimas pelos danos
sofridos.

É possível observar que, em muitas das vezes, os tribunais inclusive


responsabilizam o agente causador do dano, mesmo comprovada a ausência de nexo de
causalidade, como bem lembra Anderson Schreiber:

Mais que isso, verifica-se, muitas vezes, que,


mesmo na absoluta ausência de nexo causal sob a
ótica de qualquer das teorias doutrinariamente
reconhecidas, as cortes acabam condenando o
responsável de modo a não deixar a vítima sem
reparação. Interferem aí fatores os mais variados, de
cunho político, moral e ideológico do que técnico, e
que tornam verdadeiramente imprevisível o
resultado de certas demandas. Analisando tal
fenômeno, na jurisprudência francesa, Camille
Potier se referiu a presunções clandestinas de
causalidade, justamente para ressaltar esta atuação
criativa dos tribunais à margem de qualquer previsão
legislativa que a sustente (SCHREIBER, 2005, p. 66-
67).

38
Segundo a melhor doutrina, é possível até mesmo se falar em responsabilidade
objetiva agravada, na qual o nexo de causalidade é dispensado, se exigindo somente
que o dano ocorrido possa ser considerado risco próprio da atividade em causa. E, que
em alguns casos, podemos ter o uso de expedientes mais drásticos, como a
desconsideração de uma excludente de causalidade ou a aplicação de teorias que
possuem como objetivo expandir a margem de discricionariedade do juiz sobre a
responsabilidade civil (SCHREIBER, 2005).

2.3 - As Excludentes de Responsabilidade e o Fortuito Interno

O nexo de causalidade pode ser interrompido pelas excludentes de


responsabilidade, que possuem o condão de romper o vínculo de causalidade inicial entre
a atividade do agente e o dano causado. As categorias fundamentais de excludentes são,
como já mencionado anteriormente: (i) o caso fortuito ou força maior; (ii) o fato exclusivo
da vítima; e (iii) o fato de terceiro.

Anderson Schreiber aponta para uma gradual relativização dessas excludentes ao


redor do mundo, como pode ser observado com a criação da teoria do fortuito interno, no
âmbito das relações de consumo, que tem como objetivo evitar a exclusão da
responsabilidade do fornecedor por acontecimentos que, embora imprevisíveis e
irresistíveis, se verificam anteriormente à colocação do produto no mercado
(SCHREIBER, 2005).

Sobre a conceituação de fortuito interno e externo, valiosas são as lições de Sérgio


Cavalieri Filho:

Entende-se por fortuito interno o fato imprevisível e,


por isso, inevitável ocorrido no momento da
fabricação do produto. Não exclui a
responsabilidade do fornecedor, porque faz parte da
sua atividade, liga-se aos riscos do
empreendimento, submetendo-se à noção geral de
39
defeito de concepção do produto ou de formulação
do serviço. Vale dizer, se o defeito ocorreu antes da
introdução do produto no mercado de consumo não
importa saber o motivo que determinou o defeito; o
fornecedor é sempre responsável pelas suas
consequências, ainda que decorrente de fato
imprevisível e inevitável.

O mesmo já não ocorre com o fortuito externo, assim


entendido aquele fato que não guarda relação de
causalidade com a atividade do fornecedor,
absolutamente estranho ao produto ou serviço, via
de regra ocorrido em momento posterior ao de sua
fabricação ou formulação. Em caso tal nem se pode
falar em defeito do produto, o que, a rigor, já estaria
abrangido pela primeira excludente examinada –
inexistência de defeito (CAVALIERI FILHO, 2005, p.
198-199).

O fortuito interno, ora analisado, possui ligação direta com o risco da atividade
desenvolvida, e sua alegação tem sido considerada insuficiente para interromper o nexo
causal. Se observa, portanto, que tem se exigido nesses casos, para a caracterização da
responsabilidade no caso concreto, um terceiro pressuposto, além das tradicionais
imprevisibilidade e irresistibilidade, qual seja, a externalidade do caso fortuito.

A jurisprudência brasileira tem entendido que o fortuito interno não interrompe o


nexo de causalidade e, também tem aplicado, em diversos casos, essa noção de fortuito
interno em casos em que tal conceito não se aplica de forma clara, como na condenação
de instituição financeira a ressarcir o cliente por assalto com roubo de bens materiais
mantidos em cofre alugado (TJRJ, Apelação Cível, 2005.001.03378, Des. Carlos
Eduardo Passos, j. 20.04.2005).

Analisando as decisões dos tribunais brasileiros - como a Apelação Cível 2004.


001.31220, do TJRJ, de relatoria do Desembargador Fernando Cabral (julgamento em
1.3.2005), que entendeu haver o fortuito interno na relação entre a empresa de
financiamento que promove abertura de crédito em nome de outrem com utilização de
documentação falsa e, a inscrição do suposto devedor no Serviço de Proteção ao Crédito
-, Anderson Schreiber conclui que:
40
Decisões como esta demonstram, à parte outras
tantas conclusões merecedoras de análise, que a
invocação do fortuito interno não se baseia tanto em
uma qualificação cientificamente rígida, porque
tormentosa, de um acontecimento como externo ou
interno à certa atividade. Nem mesmo a
previsibilidade ou ressistibilidade têm
desempenhado nesta análise um papel tão decisivo.
O juízo acerca da incidência ou não da figura do
fortuito interno parece, antes vinculado à lógica do
risco e de sua imputação a certo sujeito que
desenvolve uma atividade potencialmente lesiva.
Daí ser o fortuito interno noção recorrente em
relações regidas pela responsabilidade objetiva,
mas elemento tecnicamente estranha à seara da
responsabilidade subjetiva, onde a simples
imprevisibilidade é considerada suficiente para
desconfigurar o ilícito (SCHREIBER, 2005, p. 70).

Ainda nessa linha de raciocínio, afirmamos que o fortuito interno não é a única
excludente de responsabilidade que vem sendo relativizada em vistas de assegurar uma
aplicação mais justa da responsabilização, assegurando a vítima o direito de reparação
pelo dano sofrido.

O fato exclusivo da vítima e o fato de terceiro, por muitas vezes, têm sido aplicados
de forma restritiva, mantendo-se assim o nexo de causalidade entre a conduta do agente
responsável e o dano causado. Contudo, nesse tocante é importante distinguir que o fato
exclusivo da vítima não se confunde com a culpa concorrente, situação em que tanto a
vítima quanto o agente concorreram para a realização do dano, sendo a
responsabilização dividida entre os dois.

Destacamos que, em alguns casos, mesmo o comportamento da vítima não sendo


munido de diligência, é possível que esse fato seja incluído no risco do responsável direto
pelo dano, ou imputável a ele. Para ilustrar melhor, vale lembrar do polêmico precedente
decidido pelo Superior Tribunal de Justiça em 2001 (Recurso Especial 287.849 SP, j.
17.4.2001, Rel. Min. Rui Rosado de Aguiar Jr.). O conhecido caso do escorrega, envolvia
um jovem, que viajou com uma turma de amigos para um hotel fazenda em Serra Negra
(São Paulo) e, durante a madrugada, foi até a piscina, subiu no escorrega que ali existia
41
e, pulou de cabeça, vindo a descobrir que a piscina não era suficientemente funda,
chocando a cabeça contra o solo, o que resultou em extensos danos à sua saúde.

O senso comum consideraria tal comportamento como fato exclusivo da vítima,


rompendo assim o nexo de causalidade, não configurando então, responsabilidade por
parte do hotel fazenda. Entretanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu de forma
totalmente contrária, decidindo que a responsabilidade pelos danos pertencia
integralmente ao Hotel Fazenda e a agência de turismo que intermediou a compra da
viagem. Em grau de recurso, o Superior Tribunal de Justiça manteve a decisão, apenas
reduzindo parcialmente a responsabilidade tanto do hotel fazenda, como da agência de
turismo, por entender pela existência de concorrência de culpa entre tais agentes e a
vítima.

Para embasar tais decisões, foi considerado que o fato praticado pela vítima
estava dentro de uma margem de previsibilidade e prevenção, o que exclui a
responsabilidade integral da vítima pelo dano gerado. No caso em tela, o fato exclusivo
da vítima foi relativizado com o objetivo de assegurar alguma reparação, levando em
conta a situação fática do país, que muito provavelmente não iria garantir um mínimo
indispensável para o tratamento médico da vítima.

Anderson Schreiber, ainda sobre a flexibilização do nexo de causalidade, discorre


também sobre a teoria da responsabilidade pelo resultado mais grave (thin skull rule ou
egg-shell skull rule), consistente na dispensa da prova da relação causal “no tocante a
um resultado ulterior da conduta do agente, assegurando ao nexo de causalidade uma
elasticidade que nenhuma das teorias usuais comportaria” (SCHREIBER, 2005, p. 72).

De acordo com tal teoria, o agente que pratica a conduta que causou o dano, deve
ser também responsável pelo dano mais grave que vier a ocorrer, ainda que este
resultado mais grave seja resultado de condições particulares da vítima, como condições
de saúde, predisposições patológicas, entre outros. Um exemplo claro de sua aplicação

42
é nos casos em que a vítima é hemofílica, e uma lesão leve acaba resultando em sua
morte.

Nenhuma das teorias da causalidade se mostra aplicável para considerar a


responsabilização pelo dano mais grave, decorrente de condição particular da vítima. Em
muitos casos, a fragilidade da vítima já excluiria por si só o nexo de causalidade, e quando
não o fizesse, o resultado mais grave seria derivado dessa condição particular, e não da
conduta do agente.

No direito estrangeiro, tanto em países de common law como nos de civil law, a
adoção do thin skull rule é muito criticada, pois a previsibilidade possui um enorme peso
para a avaliação da responsabilidade, se entendendo que a adoção de tal teoria se
mostraria incongruente; em alguns casos, a previsibilidade do dano seria justamente
requisito para sua reparação (SCHREIBER, 2005).

Portanto, sobre a aplicação da teoria da responsabilidade pelo resultado mais


grave, parte da doutrina defende que:

A teoria da responsabilidade pelo resultado mais


grave aparece, neste cenário, como mais um
recurso empregado, embora com menor frequência,
para a extensão do remédio ressarcitório a domínio
que a exigência de demonstração do nexo de
causalidade mantinha imunes tanto à
responsabilidade subjetiva quanto à reponsabilidade
objetiva (SCHREIBER, 2005, p. 74).

2.4 - Teoria da Causalidade Alternativa

Outra forma de se flexibilizar a demonstração do nexo de causalidade é pelo uso


da teoria da causalidade alternativa, que surgiu da controvérsia sobre a abordagem da
causalidade em situações em que não existia possibilidade de identificar com precisão,
dentro de um grupo, quem seria o responsável pelo dano.
43
Importante, nesse ponto, distinguir a teoria ora analisada da causalidade
concorrente. Enquanto na primeira, nem todos os participantes do ato contribuíram para
o advento do resultado danoso, na segunda, é possível perceber uma situação onde
houve concorrência entre os participantes para o resultado.

Quando não é possível identificar individualmente o agente causador do dano,


mas sim um grupo de possíveis responsáveis do qual aquele faça parte, nasce a
controvérsia de se é justo não responsabilizar ninguém, deixando a vítima desamparada,
ou responsabilizar o grupo, ressarcindo a vítima. Tal situação é cada vez mais comum,
devido aos novos fenômenos sociais, como espetáculos públicos desportivos, musicais,
manifestações, acidentes de caça, entre outros.

De acordo com o rigor teórico, quando não for possível identificar o agente
causador do dano, a solução seria pela ausência de responsabilização. Entretanto, a
jurisprudência brasileira é rica em decisões contrárias à ideia de irresponsabilidade:

Embora a mesma orientação seja seguida pela


doutrina brasileira, os tribunais pátrios, como os de
toda parte, comovem-se com a injustiça de tais
situações, uma vez que a vítima resta deixada ao
desamparo, mesmo sendo certo que o dano lhe foi
provocado por, ao menos um dos integrantes do
grupo. A jurisprudência passa, assim, a buscar
remédios para esta situação paradoxal, valendo-se
de recursos mais ou menos intensos à equidade e à
justiça.

É neste contexto que vem invocada a teoria da


causalidade alternativa, a fim de impor a
responsabilidade solidária sobre todo o grupo
envolvido na geração do dano, embora, a rigor,
apenas um de seus integrantes o tenha provocado.
A expressão causalidade alternativa encera,
portanto, certa imprecisão linguística: a causalidade
é única, embora imprecisável, sendo alternativa, a
rigor, a imputação de reponsabilidade aos agentes,
justamente pelo fato de não se lograr determinar
qual deles, individualmente, produziu o dano
(SCHREIBER, 2005, p. 75).

44
Sobre esse assunto, disserta Gisela Sampaio da Cruz:

O cerne da questão consiste em saber qual deve ser


a resposta do ordenamento jurídico diante da
impossibilidade de se provar a autoria singular. A
doutrina divide-se: de um lado, estão os autores que
defendem a exoneração dos membros do grupo,
pois entendem que é preferível a vítima ficar sem
indenização do que se condenar quem, ainda que
vinculado circunstancialmente ao evento danoso,
não tenha causado o prejuízo; de outro, os que, ao
contrário, sustentam que todos os membros do
grupo devem ser solidariamente responsáveis, sob
o fundamento de que não se pode tratar a vítima com
mais rigor do que aquele que criou o risco (CRUZ,
2005, p. 269-270).

Gisela Sampaio Cruz continua sustentando que a primeira corrente é totalmente


contra a condenação solidária, por entender que a responsabilidade deve ser sempre
individual e que condenar a todos solidariamente seria o equivalente a transformar
incerteza em verdade, suspeita em culpabilidade. Os defensores de tal corrente
asseveram que à vítima cabe a demonstração do nexo de causalidade e, se não o fizer,
não há dever de indenizar.

Por outro lado, os partidários da segunda corrente possuem como alicerce


justificativo a questão do dano injustamente sofrido pela vítima e o princípio da
solidariedade. Afirmam também, que a condenação solidária nunca será totalmente
descabida, pois se sabe que o causador do dano é um dos integrantes do grupo (CRUZ,
2005).

A teoria da causalidade alternativa é adotada pelo direito alemão para suprir a


lacuna existente nos casos de autoria anônima de um dano, e está positivada no Código
Civil alemão (BGB - 1896), em seu § 830, norma geral que contempla o dano causado
por membro indeterminado na chamada responsabilidade anônima ou coletiva. O direito
alemão expressamente ampara a vítima nos casos em que não é possível individualizar
o agente causador do dano.

45
Atualmente, no direito alemão, para que surja a responsabilidade coletiva, é
preciso apenas que a relação entre os membros do grupo identificado não seja ocasional,
ou seja, que exista algum tipo de relacionamento entre eles. Preenchido esse requisito,
já seria possível a aplicação da responsabilização solidária.

Gisela Sampaio Cruz, comenta sobre um caso emblemático ocorrido na


Alemanha, examinado em 1985 por Theo Bodewig, em um artigo sobre o problema da
causalidade alternativa. O alemão analisou a questão dos danos causados por
medicamentos prejudiciais à saúde, como medicamentos prescritos às mulheres grávidas
para prevenir aborto ou má-formação do feto, que ocasionaram graves sequelas na
geração seguinte. Os filhos prejudicados conseguiam provar apenas que suas mães
tomaram o determinado medicamento, mas não tinham como provar de qual laboratório
o remédio ingerido pertencia. Aplicando o § 830, todos os laboratórios que produziam o
determinado medicamento foram responsabilizados. O critério utilizado para distribuir o
prejuízo entre os fabricantes foi o do “grau de possibilidade da causalidade (suposta)”,
ou seja, corresponde mais ou menos, à sua participação no mercado (CRUZ, 2005).

O ordenamento jurídico pátrio, por sua vez, não possui norma geral que regule o
dano causado por membro indeterminado de um grupo. Entretanto, o artigo 938 do
Código Civil brasileiro traz a aplicação da teoria da causalidade alternativa para uma
situação específica, ao disciplinar que “Aquele que habitar prédio, ou parte dele,
responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar
indevido”.

O referido dispositivo, em conjunto com os alicerces teóricos da teoria da


causalidade alternativa, é utilizado para responsabilizar todos os integrantes de uma casa
ou moradores de um prédio por objetos que deles caíram, ou foram lançados, causando
dano a alguém. Antes da aplicação dessa teoria era praticamente impossível a reparação
do dano, pois a vítima tinha que provar de qual unidade autônoma exata caíra o objeto,
ou qual fora o morador da casa que lançou o objeto.

46
Entende-se também que a aplicação de tal teoria no ordenamento brasileiro seria
possível através interpretação extensiva de certas normas, como o artigo 942 do Código
Civil, que disciplina que:

Art. 942: Os bens do responsável pela ofensa ou


violação do direito de outrem ficam sujeitos à
reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver
mais de um autor, todos responderão solidariamente
pela reparação.
Parágrafo único: São solidariamente responsáveis
com os autores os coautores e as pessoas
designadas no art. 932.

Sobre a flexibilização do nexo de causalidade, Anderson Schreiber conclui que:

Como se vê, a relativização do nexo causal abrange


situações das mais diversas e as justificativas
empregadas em tal procedimento mostram-se
plurais, variando de acordo com o cenário que se
tem em vista. Idêntico é apenas o seu efeito, a
erosão do nexo causal como filtro da reparação
(SCHREIBER, 2005, p. 78).

Atenta aos desdobramentos da causalidade alternativa, a professora Gisela


Sampaio ressalta que o fato da vítima ter de comprovar que o agente indeterminado
causador do dano pertence realmente a determinado grupo, se trata de uma prova
mínima, necessária para que não ocorra responsabilização ilimitada.

Destarte, a causalidade alternativa só pode ser aplicada quando presentes certas


circunstâncias no caso concreto, quais sejam: (i) o anonimato do dano; (ii) a certeza do
grupo à qual pertence o causador do dano; (iii) o grupo ser caracterizado, e não ocasional;
(iv) ser, no mínimo, um grupo de fato; (v) ser um dano causado por um agente
individualmente, e não pelo grupo como tal; (vi) o grupo não possuir um “chefe”; (vii) as
atividades desenvolvidas pelo grupo serem de risco ou perigosas; e (viii) o verdadeiro
autor do dano permanecer oculto, escondido na atividade grupal (CRUZ, 2005).

47
Não podemos olvidar que a responsabilização alcançou, graças a essa ideia de
flexibilização do nexo causal, agentes perpetradores de abusos que, sem tal erosão,
nunca seriam alcançados, e suas injustiças e efeitos negativos continuariam a ocorrer. A
aplicação da causalidade alternativa traz inúmeras vantagens, como não deixar sem
reparação o dano sofrido pela vítima, a diminuição da onerosidade da indenização, dada
a repartição do prejuízo e, o combate a manobras do grupo que vissem impossibilitar a
identificação do autor.

3 – Análise Jurisprudencial

3.1 - O caso do “escorrega”

Um julgado que merece destaque é o famoso caso do escorrega, no qual um


jovem, juntamente com seus amigos, comprou um pacote de viagem, através de uma
agência de turismo, para um hotel em Serra Negra – SP. Chegando ao hotel, por volta
das 22h, esse mesmo jovem fora até a piscina, que não possuía uma iluminação
adequada, e saltou do escorrega. Não ciente da pouca profundidade da água, acabou
chocando sua a cabeça contra o fundo da piscina, o que ocasionou inúmeros danos à
sua saúde.

Em sede de Recurso Especial a demanda foi apreciada pelo Superior Tribunal de


Justiça (RESP 287.849), julgado em 17 de abril de 2001, da relatoria do Ministro Ruy
Rosado de Aguiar. A ementa, na íntegra, aduzia:

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.


Responsabilidade do fornecedor. Culpa concorrente
da vítima. Hotel. Piscina. Agência de viagens. -
Responsabilidade do hotel, que não sinaliza
convenientemente a profundidade da piscina, de
acesso livre aos hóspedes. Art. 14 do CDC. - A culpa
concorrente da vítima permite a redução da
condenação imposta ao fornecedor. Art. 12,
§ 2º, III, do CDC. - A agência de viagens responde
48
pelo dano pessoal que decorreu do mau serviço do
hotel contratado por ela para a hospedagem durante
o pacote de turismo. Recursos conhecidos e
providos em parte.

Mister, para o pleno entendimento da tese, destacar alguns trechos do voto do


relator (grifo nosso):

Estabeleceu-se, assim, entre as partes, relação de


consumo, sendo o autor o consumidor, na forma do
art. 2o do CDC e as rés as prestadoras de serviços,
na forma do citado código (Lei n° 8.078, de 11 de
setembro de 1990), que já se encontrava em
vigência, quando o autor, nas dependências internas
do hotel, veio a sofrer acidente que o impossibilita,
segundo laudo do Instituto de Medicina Social e de
Criminologia de São Paulo - IMESC - 'de exercer
qualquer atividade laborativa e é necessário o auxílio
de outras pessoas permanentemente. 'Segundo o
perito, faz jus à indenização de 125%, sendo 100%
pela invalidez permanente e 25% pelo auxílio que
necessita (fl. 239 - 2° volume). Segundo o mesmo
laudo (fl. 237) sua locomoção só é possível em
cadeira de rodas. Tornou-se tetraplégico aos 21
anos de idade. Ora, entre os direitos básicos do
consumidor, estão a proteção à vida, saúde e
segurança contra os riscos provocados por
práticas no fornecimento de produtos e serviços
perigosos ou nocivos (art. 6°, I, do CDC) e
constitui verdade sabida, tendo em vista a existência
de crianças e hóspedes que não sabem nadar, que
piscina deve ser considerada como prestação de
serviços perigosos, tanto assim que - está retratado
nos autos (fls. 163 e 164 - 1o volume) - ela é cercada
por mureta e a outra, de água quente, fica no interior
de salão, que, na hora do acidente, estava trancado.
Prestando depoimento (fl. 371 - 2° volume), o
hoteleiro, com todas as letras, disse que a piscina
onde o acidente ocorreu, à noite, não é fechada e
que a iluminação existente no local é meramente
decorativa e tal precariedade de iluminação, pelo
óbvio, impede eventual usuário, hóspede do hotel,
de ter noção de sua profundidade, notadamente em
se considerando a colocação de um escorregador,
que, como se sabe, com muita freqüência, é utilizado
de forma que o banhista escorregue com a cabeça
para baixo e os pés para cima. Isso é verdade
49
sabida. A iluminação precária do local também foi
noticiada por testemunhas (fl. 459-3° volume).
Estamos, então, diante do seguinte quadro. O hotel
estava ciente que, pela atuação da co-ré, dois
ônibus de excursão chegariam, transportando
jovens e, por tal motivo, desprovida a piscina - tida
como equipamento perigoso - de rede de proteção,
como aquela que aparece no folheto de fl. 26,
competia ao hotel exercer maior vigilância,
notadamente em se considerando que, momentos
antes do acidente, quatro jovens, com a utilização de
barcos do hotel, estavam no meio do lago (fl. 430 -
3º volume). Isso foi presenciado pelo sócio do hotel,
que tomou ciência, inclusive, que 'um dos rapazes
havia caído no lago' (idem). E se não soubesse
nadar? Mesmo assim, em demonstração inequívoca
de total irresponsabilidade, havendo um sem
número de jovens hospedados, não cuidou aquele
senhor de redobrar a vigilância, pois a piscina, onde
o infausto acontecimento ocorreu, apesar da
existência de muro, apresenta livre acesso,
conforme pode ser visto da prova oral (fls, 432 verso
e 458), sendo que essa informação foi dada por um
dos funcionários do hotel, que, dessa forma,
conhece bem o local. Ora, nos termos do art. 14 do
CDC, o fornecedor de serviços responde,
independentemente da existência de culpa, pela
reparação dos danos causados aos
consumidores por defeitos relativos à prestação
de serviços, bem como por informações
insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição
e riscos e, pelo que vi da prova, exceção feita à
menção ao horário de funcionamento das
piscinas e outros serviços, não havia qualquer
outro aviso alertando para a pouca profundidade
da piscina, onde, como se viu, a iluminação era
meramente decorativa. O mesmo diploma exime
a culpa do prestador de serviços, quando ficar
demonstrada a culpa exclusiva do consumidor
(art. 14, § 3°, inciso lI) e, pelo que é dado ver da
prova, não se pode cuidar de culpa exclusiva do
autor. Aliás, mesmo que fosse o caso, nem de culpa
concorrente poder-se-ia cogitar, diante da ausência
total de comunicação sobre a profundidade da
piscina, que tinha seu acesso livre e apresentava
iluminação precária.

50
Observamos no caso em tela, que o dever de segurança se sobrepôs a todos os
demais acontecimentos, inclusive o próprio fato exclusivo da vítima – de pular de um
escorregador sem observar corretamente a profundidade da piscina, e ainda, de não se
utilizar o escorrega corretamente, e sim para outro fim.

Portanto, claramente flexibilizou-se a presença do excludente de responsabilidade


do fato exclusivo da vítima visando, ao fim, proteger a vítima e assegurar o pagamento
de todos os cuidados e tratamentos necessários à sua saúde, tendo em vista que o autor
do processo acabou ficando tetraplégico devido ao ocorrido e dificilmente conseguiria
bancar todas as despesas advindas do seu tratamento caso não ficasse configurada a
responsabilidade civil dos réus.

3.2 - RESP Nº 291.384 - RJ

Outro julgado que merece destaque é o RESP Nº 291.384 do Rio de Janeiro,


julgado em 15 de maio de 2001, também de relatoria do Ministro Ruy Rosado de Aguiar.
O caso em concreto dizia respeito a uma viagem organizada por uma operadora de
viagens, em que um incêndio causado por terceiros consumiu toda a embarcação,
obrigando os passageiros a se lançarem no mar, sem nenhum tipo de segurança,
inclusive salva-vidas – pois a embarcação não possuía itens de segurança.

Destacamos, para fins didáticos, alguns trechos do julgado:

A responsabilidade do fornecedor de serviços


independe da apuração de sua culpa, a teor do art.
14 da Lei 8.078. Trata-se, como se vê neste caso,
de responsabilidade objetiva. Basta a prestação de
serviço com defeito, para que surja o dever de
reparar o dano causado ao consumidor. Não se
aplicam à espécie as regras do fretamento marítimo
contidas no Código Comercial, com relação ao
cliente da Soletur, sendo também inoperantes as
cláusulas contratuais que a isentam de quaisquer
51
responsabilidades decorrentes da escolha de
terceiros, uma vez que a agência se obriga a prestar
com eficiência e segurança, que o consumidor dela
espera, o serviço contratado, nos exatos termos do
art. 14 do CDC, de sorte que são ineficazes
quaisquer cláusulas contratuais que isentem o
prestador de serviço concernente ao fornecimento
do serviço contratado. Valores bem fixados. Apelos
rejeitados" (fl. 259). Rejeitados os embargos de
declaração opostos pelos autores. Irresignada, a
SOLETUR apresentou recurso especial, com base
na alínea a do permissivo constitucional, alegando
afronta aos arts. 7º, parágrafo único, 14, § 3º, e 25
da Lei nº 8.078?90 (CDC), bem como a disposições
do Código Brasileiro de Aeronáutica arts. 222, 246,
256 e seguintes; da Lei nº 7.535?86; da Lei nº
6.505?77; aos arts. 37, § 6º, da CF e 566 e 632 do
Código Comercial. Alega que a regra do art. 14,
caput, do CDC não é absoluta, prevendo o § 3º do
citado diploma legal que o fornecedor de serviços
não será responsabilizado quando provar culpa de
terceiro, e que tal dispositivo deve ser aplicado em
consonância com aqueles outros apontados como
violados. Nega sua responsabilidade, inclusive
solidária, eis que não concorreu para a causação do
dano, não podendo responder solidariamente.
Defende a aplicação da teoria da incolumidade ao
transporte marítimo, geralmente sob a forma de
fretamento, obedecendo às disposições do Código
Comercial, não se diferenciando do transporte
aéreo, terrestre e ferroviário. Sustenta, por fim, ser
excessiva a quantia arbitrada pertinente aos danos
morais, fixada em 400 s.m. para cada autor.

(...)

Voltando ao caso dos autos, acredito que a definição


da responsabilidade jurídica da CVC TUR decorre
de sua situação como agente de viagem contratante
de um pacote turístico, com terceiros prestadores de
serviço, mas sendo ela a organizadora da viagem e
garantidora do bom êxito da sua programação,
inclusive no que diz com a incolumidade física dos
seus contratantes. Na espécie, foi isso reconhecido
no r. acórdão, daí a conseqüência da sua
responsabilização. No nosso sistema, tal
responsabilidade é solidária entre ela, a
organizadora do pacote, e o hotel, prestador do
52
serviço de hospedagem. Reconhecida a
participação do hotel na causação do resultado, em
concorrência com o hóspede, nesse mesmo limite se
fixa a responsabilidade da operadora. Haverá
dificuldade em estender a responsabilidade da
operadora por danos decorrentes da prestação dos
serviços contratados de terceiros, quando o fato
acontece no âmbito do risco que razoavelmente se
espera do serviço. Quando houver falta de
segurança do serviço do prestatário, fora da
possibilidade de previsão por parte da operadoral de
turismo, que se limita a confiar no que normalmente
acontece, - nessa situação, à falta de norma
expressa que lhe atribua diretamente a
responsabilidade total, - esta somente poderia ser
reconhecida se a operadora colocou os seus clientes
sob risco acima do normalmente esperado (art. 14,
§ 1°, II, do CDC). A restrição se explica não apenas
em razão da necessidade de se dar aplicação ao
disposto nesta regra, mas também porque o nosso
sistema legal é de reparação integral do dano,
diferentemente do previsto nas legislações dos
países da União Européia, que permitem, nesses
casos, a limitação tarifada da indenização. O
sistema que amplia a hipótese de responsabilidade
da operadora está conformado com a possibilidade
de limitação indenizatória; quando a reparação é
integral, razoável que se restrinja a
responsabilização apenas aos casos em que "a
operadora coloca o cliente sob risco acima do
normalmente esperado", cabendo-lhe a prova dessa
exoneração.

No caso em questão, foi flexibilizado o fato de terceiro, por prevalência do dever


de segurança e pelo fato da empresa não ter cumprido sua obrigação de observância
aos padrões de segurança, como a disponibilização de coletes salva-vidas. A
embarcação não possuía uma estrutura preparada para esse tipo de acidente e
tampouco uma sinalização adequada para emergências.

53
3.3 - Objetos lançados da janela de edifícios

No caso de objetos lançados da janela de um determinado condomínio, quando


não for possível precisar de qual unidade específica ele foi lançado, aplica-se o artigo
938 do atual Código Civil, que disciplina que: “Aquele que habitar prédio, ou parte dele,
responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar
indevido”.

Um julgado paradigmático versando sobre essa hipótese é o Recurso Especial


64.682 do Rio de Janeiro, julgado em 10.11.1998, da relatoria do Ministro Bueno de
Souza, cuja ementa é a seguinte:

RESPONSABILIDADE CIVIL. OBJETOS


LANÇADOS DA JANELA DE EDIFÍCIOS.A
REPARAÇÃO DOS DANOS É
RESPONSABILIDADE DO CONDOMÍNIO. A
impossibilidade de identificação do exato ponto de
onde parte a conduta lesiva, impõe ao condomínio
arcar com a responsabilidade reparatória por danos
causados à terceiros. Inteligência do art. 1.529, do
Código Civil Brasileiro. Recurso não conhecido.1

Quando algum objeto é lançado a partir de residências, escritórios, edifícios, entre


outros, acertando algum transeunte, se mostra muito difícil provar de onde exatamente o
objeto foi lançado, tornando inviável a identificação do autor do dano e, em consequência,
praticamente impossível a condenação à reparação dos danos.

1
STJ - REsp: 64682 RJ 1995/0020731-1, Relator: Ministro BUENO DE SOUZA,
Data de Julgamento: 10/11/1998, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ
29/03/1999 p. 180

54
Destaca-se no voto proferido pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar:

O caso dos autos versa sobre a interessante


hipótese em que se sabe que o dano foi causado por
um dos ocupantes dos apartamentos que abriam
janelas para a rua por onde transitava a vítima, mas
não se pôde identificar o seu autor. Nesse caso,
ensina o em. Professor e Des. Vasco Della Giustina,
autor da primeira monografia sobre o tema no Brasil,
“com a admissão da causalidade alternativa, todos
os autores possíveis, isto é, os que se encontravam
no grupo serão considerados, de forma solidária,
responsáveis pelo evento, face à ofensa perpetrada
à vítima, por um ou mais deles, ignorado o
verdadeiro autor ou autores.” (Responsabilidade
Civil dos Grupos, Aide, p. 77).

Essa solução evidencia uma significativa alteração


no modo de examinar o tema da responsabilidade
civil, deixando de lado o ato ilícito para olhar a
existência do dano injusto. “Preocupa-se,
fundamentalmente, com a situação da vítima cujo
patrimônio ou pessoa sofreu um dano e não há razão
que justifique que deva suportar o dano com
exclusividade”, como acentuou Julio Alberto Diaz,
em trabalho recente (‘Responsabilidade Coletiva’,
Del Rey, 1998, p. 82).

A presença do artigo 938 do Código Civil inseriu na legislação e na doutrina


brasileira a teoria da causalidade alternativa, a ser aplicada nos casos em que é possível
identificar um grupo de possíveis responsáveis por um dano, mas não exatamente o seu
responsável individualmente considerado.

3.4 - Causalidade Alternativa

Para finalizar a sucinta análise jurisprudencial da aplicação da flexibilização do


nexo de causalidade, destaca-se o acórdão do Superior Tribunal de Justiça no Resp-
26.975, julgado em 19 de dezembro de 2001, com relatoria do Ministro Aldir Passarinho
Junior, que condenou um grupo de torcida organizada que matou, com pedaços de
55
madeira de um moirão, com violência injustificada, um torcedor do time rival. Destacam-
se alguns trechos importantíssimos do referido acórdão:

Diversidade de critérios de apuração da


responsabilidade penal e da civil, no atinente à
causalidade. 'CAUSALIDADE ALTERNATIVA'.
Forma suposta de causalidade, inadmissível para
efeitos penais mas suficiente para a fixação da
responsabilidade civil. Falta de prova suficiente de
haver qualquer dos demandados, individualmente,
golpeado a vítima de modo a concorrer efetivamente
para causar-lhe a morte, fundamento da absolvição
criminal, sem força, entretanto, para afastar a
responsabilização civil, a cuja configuração basta a
prova de integrarem os réus o grupo participante da
briga durante a qual tais golpes foram desferidos.
Lições doutrinárias e precedentes pretorianos.
PROVA. Demonstração testemunhal suficiente
desse pressuposto de participação, ainda que
insuficiente para deslindar a exata forma e extensão
da cota com que cada qual dos réus concorreu para
o resultado lesivo.

(...)

Na jurisdição civil, ao contrário, está se


desenvolvendo, cada vez mais, a admissibilidade da
chamada causalidade suposta, uma de cujas
variantes é a causalidade alternativa, em que nós
temos precisamente a ação de um grupo que atua
conjuntamente e de uma forma tal que qualquer dos
integrantes desse grupo poderia ter causado o dano.
E mais, em circunstâncias tais que se o grupo não
tivesse atuado como atuou o dano não se haveria
produzido. Esse interessantíssimo tema da
causalidade alternativa foi objeto de uma tese de
mestrado do hoje nosso eminente Colega do
Tribunal de Alçada, Dr. Vasco Delia Giustina,
intitulado precisamente esse trabalho A Causalidade
Alternativa e o Dano'; o autor desse estudo analisa
a evolução do tema na doutrina européia,
especialmente no Direito Alemão e no Direito
Francês, para demonstrar que, modernamente, a
tendência é cada vez mais no sentido de admitir-se
essa causalidade alternativa. E lembra, inclusive, o
ilustre autor da tese, depois publicada com o título
'Responsabilidade Civil dos Grupos' (Rio de Janeiro,
56
Aide Editora, 1991), reportando-se principalmente
aos trabalhos de Géneviève Viney, na França, e de
Clóvis do Couto e Silva, no Brasil, ter essa
orientação ampla acolhida nos tribunais, tanto lá
como aqui.

(...)

Adoto esse excelente trabalho de análise como


razões do meu convencimento de que cada um dos
réus, efetivamente, participou da conduta perigosa
da qual resultou o ato lesivo o que, segundo a idéia
da responsabilidade grupal ou da causalidade
alternativa, é o suficiente para a configuração da
responsabilidade civil individual de cada um deles.
Recapitulando, portanto, encontro motivos para
confirmar a sentença. Primeiro, na interpretação
restritiva que faço do art. 1.525 do CC e mais, na
parcial derrogação desse dispositivo que extraio do
seu confronto com as disposições do Código de
Processo Penal pertinentes ao mesmo tema;
segundo, da idéia de causalidade alternativa como
fundamento suficiente da responsabilidade civil e,
finalmente, no que diz respeito à matéria de fato, da
comprovação que a sentença demonstrou
cabalmente de haverem todos os demandados
participado do grupo agressor da vítima durante o
conflito em que se produziram nesta as lesões que a
levaram á morte.

Como podemos observar, não obstante a absolvição na esfera penal, a


causalidade alternativa, no caso em tela, foi aplicada na esfera civil. Isso se dá por não
ser tal instituto aplicável para fins de responsabilização penal, onde se precisa de certeza
de autoria para fins de condenação. Contudo, pode se observar claramente nesse julgado
a importância da causalidade alternativa, para que a vítima, ou sua família, não fiquem
desamparados e suportem o dano sofrido sozinhos.

No caso em análise, foi possível determinar o grupo responsável pela agressão,


seus componentes, mas não quem, individualmente, foi o responsável pela morte. Nesse
caso, a prova se via ainda mais difícil, visto que não é possível ter certeza qual dos
inúmeros golpes sofridos foi aquele que causou a morte do indivíduo.

57
Essa flexibilização e abrandamento na prova do nexo de causalidade mostra o
intuito da doutrina e, principalmente, da jurisprudência, em assegurar à vítima alguma
reparação pelo dano sofrido. O referido movimento reflete a ampliação do acesso à
justiça, a crescente conscientização do cidadão frente aos seus direitos e a força do
princípio da solidariedade social.

58
Conclusão

Ao longo dessa monografia, objetivou-se ressaltar a importância do fenômeno da


flexibilização do nexo de causalidade, principalmente na aplicação prática, tendo em vista
tornar as decisões judiciais mais justas e satisfatórias.

Mostrou-se necessária tal flexibilização devido à dificuldade de comprovação, por


parte da vítima, de certos pressupostos clássicos da responsabilidade civil, como o
próprio nexo de causalidade, dentro das ações reparatórias.

Em muitos casos, torna-se praticamente impossível para a vítima determinar quem


exatamente praticou o ato que levou à ocorrência do dano sofrido. Surge então a
necessidade de flexibilização de certos pressupostos, a fim de viabilizar e assegurar a
reparação, alcançando o fim maior da teoria da responsabilidade civil.

Para tanto, foi feita uma análise história da Responsabilidade Civil, o seu
surgimento no Direito brasileiro, as alterações sofridas com o decorrer do tempo, seus
pressupostos, suas excludentes e, por fim, do surgimento do instituto da flexibilização,
em principal do nexo de causalidade.

Evidenciou-se que, o surgimento da flexibilização do nexo de causalidade possui


enorme importância doutrinária e, principalmente, jurisprudencial, visto que sua aplicação
prática surge para preencher uma lacuna existente no instituto da reparação civil.

Nesse bojo, é possível afirmar, outrossim, que o fenômeno da flexibilização do


nexo causal se coaduna com o Neopositivismo, pois este último traduz a reaproximação
do Direito com determinados valores morais, como a justiça, ainda que se tenha que
estabelecer determinados critérios minimamente objetivos quanto a abrangência desses
valores.

Por derradeiro, é importante frisar, que a maneira pela qual vem sendo perseguida
essa reparação social possui, outrossim, pontos negativos que merecem ser
59
mencionados: (i) a ampla margem de discricionariedade dos julgadores, resultando em
um possível cenário de insegurança jurídica; (ii) o fundamento na desgraça da vítima, e
não em uma possibilidade jurídica de imputação – a chamada vitimização social ou blame
culture –, que, muitas vezes, imputa a responsabilidade de tragédias pessoais a outros
indivíduos; e (iii) a erosão das bases da responsabilidade civil, o que pode levar à uma
exagerada expansão do dano ressarcível.

Isto posto, se faz necessário o aprofundamento do estudo dessa tendência no


âmbito da responsabilidade civil, sem, contudo, esquecer dos possíveis riscos que sua
aplicação possa vir a causar. A pedra de toque de todo intérprete e doutrinador, quando
deparado com situações nas quais a vítima de um ato seja obrigada a suportar sozinha
os danos sofridos, deverá ser sempre a ideia de Justiça na busca pela responsabilização.

Se formos capazes de sistematizar o amplo leque de possibilidades que esse


fenômeno de flexibilização nos disponibiliza, será possível não só contornar problemas
de insegurança jurídica como os apontados anteriormente, como produzir decisões
judicias mais humanas e mais justas.

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Referências

CAETANO, Marcelo. Princípios Fundamentais do Direito Administrativo. Rio de Janeiro:


Forense, 1977.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 11ª ed. Rio de
Janeiro: Lúmen Júris, 2004.

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CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de
Janeiro: Renovar, 2005.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil. 19 ed.
São Paulo: Saraiva, 2005.

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 5ª ed. rev. e atual. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2001.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29a edição. São Paulo:
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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo:
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PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, 20ª ed., Rio de Janeiro,
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REALE, Miguel, Lições preliminares de direito – 25. Ed., São Paulo, Saraiva, 2000.

61
SCHREIBER, Anderson, Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos
filtros da reparação à diluição dos danos – 6a ed. – São Paulo: Atlas, 2005.

TEPEDINO, Gustavo. Notas sobre o nexo de causalidade.In: Temas de direito civil, tomo
II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

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