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1 INTRODUÇÃO
A presente monografia tem por escopo apresentar os fundamentos do conceito de lesa-
secularism como parte de um movimento de contestação da ordem religiosa vigente que se
inicia, dentre outros, no Estado de Acre, com o Encontro Nacional de Ateus – ENA, evento de
organização nacional que foi realizado entre 2012-2015, mas ecoou em terras acrianas entre
os anos de 2013-2016. O ENA, como ficou conhecido tal evento no país, só teve a
participação acriana em sua segunda edição. Um dos convidados, o Prof. Marcos Alexandre,
proferiu a primeira palestra da edição local denominada “O Sol Nasce Para Todos” e segunda
nacional. No molde nacional, muitas capitais resumiram-se a realizar churrascos numa espécie
de confraternização entre colegas. Foi somente no Acre que o projeto idealizado pela página
do facebook Sociedade Racionalista e apoiado pela ATEA (Associação Brasileira de Ateus e
Agnósticos) teve certificação acadêmica.
O início dessa empreitada acadêmica, além do evento mencionado, partiu de um
estudo minucioso da obra A história do ateísmo de George Minois (2014) que faz um recorte
histórico acerca dos diversos gêneros em que se subdivide o ateísmo, bem como analisando
seus críticos, seus maiores pensadores e perseguidores ao longo dos séculos. O ateísta é antes
de tudo um livre pensador. As redes não lhe aprazem. Ao largo deste debate, vale salientar que
a dignidade da pessoa humana, fundamento da República brasileira, será tratada, por vezes,
como um dos fundamentos do conceito de laicidade, consoante a visão defendida neste
trabalho.
O preâmbulo da constituição federal foi promulgado sob a guarda de Deus durante a
constituinte. Por sua importância, tratam-se, portanto, as crenças, como segundo fundamento
do conceito da laicidade aqui apresentado: a humanidade precisa da guarda (e permissão) de
Deus. Além de um fundamento, esta é também uma temperança. Para além do radicalismo
imanente da humanidade, está sua capacidade de acreditar. Se a revolução laica um dia
ocorrer, este é um direito que jamais pode ser obliterado: o direito de crer.
Para os efeitos desta empresa, a laicidade será posta em pé de igualdade com a
dignidade da pessoa humana, este, será, por fim, a base do ensaio do conceito proposto no
título. Dentro do período estudado, além das previsões que acabaram se confirmando (a
elaboração da presente monografia iniciou-se antes da eleição presidencial), está
inegavelmente a Ação Direta de Constitucionalidade nº 4439, onde era arguida a
inconstitucionalidade do ensino religioso confessional nas escolas públicas e nos autos de
primeiro grau advindos da justiça acriana.
À despeito deste direito – o de crer - hodiernamente ter sido utilizado para propósitos
que ofendem os direitos humanos, amiúde, a religiosidade gera grandes homens. Deve-se
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respeito ao medo da morte. Justifica-se, por isso, o objeto do presente estudo; pela tentativa,
mesmo que infrutífera ou ignorada pela academia, de escrutar mais a fundo esta dicotomia
inerente: laicos x não laicos.
O conceito de lesa-secularism bebe nesta fonte: mas vai além, buscando o nascedouro
da primeira. É neste nascedouro que está o fundamento da laicidade, que tem em seu tripé,
além da dignidade da pessoa humana e o memento mori (crenças), a luta de classes como um
fim em si mesmo. Luto, logo existo. Não importa quantas classes haja, já defendia Foucault,
elas permanecerão em permanente conflito pelo controle do poder.
No iluminismo, por exemplo, estão as bases para a dignidade da pessoa humana (Kant,
por exemplo), o memento mori vem de Nietzsche (dentre vários outros filósofos que tratam da
temática morte) e do medievo, mas é com o auxílio da sociologia que esta história jurídica se
deslinda. Strauss não poupa críticas a este imperador positivo do direito brasileiro que deve
ser superado:
Neste ponto, ainda estamos perante algo que se assemelha a uma norma objectiva, a
um imperativo categórico: “Tu terás ideais”. O imperativo é “formal”; não determina
de forma alguma o conteúdo dos ideais, mas ainda poderia parecer que estabelece
um padrão inteligível ou não arbitrário que nos permitiria distinguir de uma maneira
responsável entre a excelência humana e a depravação. Por conseguinte, poderia
parecer que cria uma irmandade universal de todas as almas nobres; de todos os
homens que não são escravizados pelos seus apetites, pelas suas paixões e pelos seus
interesses egoístas; de todos os “idealistas” – de todos os homens que podem
estimar-se e respeitar-se mutuamente. Porém, isso não passa de uma ilusão. O que à
primeira vista parece ser uma igreja invisível acaba por ser uma guerra de todos
contra todos, ou melhor, um pandemonium. A formulação de Weber do seu
imperativo categórico era “Segue o teu demónio” ou “Segue o teu deus ou o teu
demónio”. Não seria justo censurar Weber por se ter esquecido da possibilidade de
haver demónios malignos, mesmo que possa ter sido culpado de os subestimar. Se
tivesse sido pensado apenas nos bons demónios, seria forçado a admitir um critério
objetivo que lhe permitisse distinguir em princípio os demónios benignos dos
malignos. Na realidade, o seu imperativo categórico quer dizer “Segue o teu
demónio, seja ele benigno ou maligno”. Pois não há conflito insolúvel e mortal entre
os vários valores que o homem tem que escolher [...]. A baixeza absoluta consiste
em seguir os próprios apetites, as paixões ou o interesse, a ser indiferente ou tíbio
perante os ideais ou os valores, perante os deuses ou os diabos (STRAUSS, 2009, p.
41-42).

Uma tese jurídica densa, ao fim e ao cabo, passa por um exercício de convencimento.
Dentre as múltiplas classes que o século XXI e o capitalismo engendrou, permeia, em maior
ou menor grau, a antinomia laicos e não laicos. Simplifique-se: há ricos e pobres em cada lado
do muro, em maior ou menor grau, geralmente a depender do grau de instrução. Algumas
classes, como a científica (capitalismo financeiro), possuem laicos em maior número. Entre as
classes, A, B, C, D e E enumeradas no jornal, o pensamento laico permeia; embora todas, no
Brasil, sejam politicamente representadas de forma esmagadora pelos não laicos.
É este ser sedento de conhecimento e arrogância que assassina seu criador, segundo
Nietzsche. Um exemplo análogo utiliza-se para criticar a ausência de presença feminina no
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congresso, muito embora mais da metade da população seja constituída por este gênero:
ambos os casos denotam um grave problema de representatividade, bastante comum no
Brasil.
Na contramão do que os países com um grau de ceticismo avançado fizeram na virada
do milênio, o Brasil proibiu as pesquisas com células tronco. A grande discussão de onde
começa a vida que o direito tão afavelmente surrupiou da medicina, findou na bancada
evangélica e católica do congresso, um atraso ímpar para o progresso científico nacional
financiado por setores retrógrados da sociedade. Das várias teorias (natalista,
preconcepturista, etc.), a ciência ainda não tem uma resposta definitiva para tal questão, o que
não significa deveras que a bancada da Bíblia possa proibir o aborto: a expressão maior do
direito de dispor do próprio corpo, inerente à condição feminina; tal qual o direito de dispor
da própria descrença é um direito inerente à humanidade.
A temperança do fundamento da laicidade para os objetivos deste estudo, nos infirma
que acreditar que o aborto é condenável (no estrito sentido que o cristianismo imprime a esta
expressão) é permitido: proibi-lo em razão desta crença, jamais. Esclareça-se: o ‘eu não
posso’ não deve significar ‘você não pode’ numa esfera jurídica minimamente razoável.
Contudo, não foi desta forma que entendeu o STF no voto vencedor do Ministro Alexandre de
Moraes na ADI em estudo. A ADI nº 4439 lança luz acerca da colisão entre a dignidade da
pessoa humana (dispor de seu corpo e mente e, por conseguinte, do direito de não crer) e o
direito de utilizar dinheiro público para financiar o ensino confessional.
Retomando o exemplo do aborto, tem-se que o Código Penal brasileiro condena a
prática expressamente. O aborto é uma conduta juridicamente tipificada e condenável na
esfera moral cristã. E a dignidade da pessoa humana? Os críticos deste conceito certamente se
escudarão no argumento de que o feto tem a mesma dignidade que a mãe. Um vão argumento,
pois o feto não existiria fora do corpo materno, sem seu corpo, sem seus cuidados mínimos
mesmo após o nascimento.
Para esclarecer, utilizar-se-á a seguinte hipótese: uma mãe cristã na angústia do
julgamento de sua religião após realizar um aborto, sabendo do que pensam as alas radicais de
sua igreja, acerca da condenação ao sofrimento eterno, resolve tirar a própria vida. Se
legalizado, o aborto seguro salvaria ao menos uma vida. Agora tomemos um exemplo nada
hipotético: uma mãe que morre durante um aborto realizado de forma ilegal, pois no país isto
é fato típico e antijurídico e condenável, tanto para quem realiza o aborto quanto para quem
permite ou auxilia tal prática.
Continuando neste exemplo nada incomum no Brasil, poderíamos chegar a destruir,
em detrimento de um feto, a vida da mãe, a vida do médico, a vida dos genitores dos
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adolescentes, a vida de tantos outros cujo núcleo duro dos artigos 124 a 128 do Código Penal
atingem. A mãe que permitiu poderia ser prejudicada. Quantas vidas destruídas, condenadas,
por um feto. Um amontoado de células, hoje, pode condenar muitas pessoas inclusive à morte
numa mesa de clínica de aborto clandestina.
Assim, defende-se neste estudo, como na dialética marxista, que há sempre uma luta
de contrários. No capítulo dedicado a crítica da Ação Direita de Inconstitucionalidade nº.
4439 – que tramitou coetaneamente a este estudo - proposta pela Procuradoria Geral da
República contra o ensino confessional em escolas públicas (e as subvencionadas pelo poder
público?), será analisada a decisão do plenário do pretório excelso. No decorrer do estudo, a
visão imprimida à ideia do mito baseada no estruturalismo de Lévi-Strauss e suas implicações
para o “mito da laicidade” poderão engendrar a legitimidade ad causam para um futuro
recurso na Corte Interamericana de Direitos Humanos – CIDH contra a recente decisão do
pretório excelso, por exemplo.
É no voto exarado pelo Ministro Roberto Barroso que se visa fundamentar,
juridicamente, a empreita proposta. Esta ADI está para o ENA, como o discurso do Professor
Doutor Wlisses James, durante o segundo ENA, está para a sustentação oral da ATEA no
Supremo Tribunal Federal – STF: verdadeiros manifestos ateístas contemporâneos.
A ADI tratada, o ENA, e os demais referenciais, com toda vênia aos obter dictum do
discurso de ambos os lados, é apenas uma gota no oceano da obra A História do Ateísmo de
George Minois (2014). O ensino confessional não coaduna com princípios e fundamentos
basilares da constituição e não somente porque ele ofende de morte o princípio insculpido no
art. 19, inciso I, da Constituição Federal. Ele é a perpetuação do pensamento não laico no
Estado, a cola que permite ainda a imbricação de ambos, mas sempre com a religião acima:
por isso o judiciário, um de seus poderes, o valida. A fala do professor Dr. Wlisses James,
egresso do curso de história e professor da instituição que sediou o evento foi um dos
principais elementos do encontro:
[...] eu acho que o que nós temos que discutir aqui primeiro eu sou ateu ou
materialista [...] eu não acredito na existência de um deus ou de deuses... isso não
significa dizer que eu quero destruir as religiões, não perco meu tempo discutindo
com as pessoas se elas creem ou não creem, eu só quero ser respeitado por não crer.
Eu acho que essa é a perspectiva que nós temos que pensar, o ateísmo não é religião!
É exatamente a liberdade de não crer. E o Estado brasileiro nos últimos 20 anos
tem tido um crescente de gigantesco de fundamentalismo religioso e eu acho que
isso nós temos que estar preocupados [...] a pouco menos de um mês no congresso
nacional [...] querendo colocar a perspectiva que o homossexualismo é doença,
patrocinado por grupos religiosos [...] o Estado laico brasileiro está sendo
profundamente ameaçado [...] (informação verbal, grifo nosso)1.

1 A íntegra do II ENA, ocorrido na Universidade Federal do Acre em 2013, está na documentação entregue à
banca examinadora da presente monografia.
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Não se busca no presente trabalho discutir o mérito (não acadêmico) de se a teoria


criacionista tem ou não qualquer direito de ser propalada como estudo cientifico ou digno de
crédito, a pergunta do ateu coetâneo seria mais parecida com: “por que devo acreditar?”.
Assim, antinomia, aqui, não assume qualquer pretensão beligerante (contudo não
menos ácida), mas de ateus lutando por seus direitos, sendo o primeiro e mais fundamental
deles, o direito de não crer. Foi justamente por isso que em 2014 o ENA, sediado no
Memorial dos Autonomistas, trouxe um padre em seu rol de palestrantes. É interessante
observar como a mesma Igreja que queimou os ditos hereges durante o medievo hoje se
predispõe a dividir o palco com estes mesmos descrentes. A simples leitura deste excerto da
abjuração de Galileu denota que este direito (o de não crer) é um direito moderno:
Eu, Galileu Galilei, filho do finado Vincenzo Galilei de Florença, com setenta anos
de idade, vindo pessoalmente ao julgamento e me ajoelhando diante de vós
Eminentíssimos e Reverendíssimos Cardeais, Inquisidores Gerais da República
Cristã Universal, contra a corrupção herética, tendo diante de meus olhos os Santos
Evangelhos, que toco com minhas próprias mãos, juro que sempre acreditei, e, com
o auxílio de Deus, acreditarei no futuro, em tudo a que a Santa Igreja Católica e
Apostólica de Roma sustenta, ensina e pratica [...] (google, 2015, grifo nosso).

Séculos depois e o mesmo quadro se repete: o Supremo Tribunal Federal chancela um


acordo com Roma para permanência do ensino confessional nos autos da ADI 4439. Somente
dois amici curiae foram contra a procedência da ADI em questão: ambos cristãos. Richard
Dawkins (2006) (que para os protestantes personifica a figura do radicalismo ateísta) é
categórico no livro Deus um Delírio quando reafirma, assim como Minois (2014), o fato de
que na verdade são os ateus, uma minoria dentro dos laicos, a classe mais perseguida da
História. Faz-se mister então para esta categoria perseguida, assim como para qualquer
categoria vítima de preconceitos, lidar de forma austera com o preconceito advindo das
instituições que deveriam proteger a liberdade e outros direitos básicos do indivíduo laico.
Não há leis específicas punindo especificamente o preconceito contra ateus, há apenas
expressões generalistas como “liberdade de culto” e etc., insculpidas no ordenamento pátrio,
que mais atrapalham do que ajudam, tendo em vista que o ateísmo não é considerado religião
por seus estudiosos, já que não há cultos. É fato que grande parte das pessoas não parece
disposta a sequer discutir o assunto, tendo em vista que a grande maioria não acredita que
exista tal tipo de preconceito, o que piora a situação dos hereges modernos que ficam à mercê
de seus algozes inquisitórios. O rapper Gabriel o Pensador infirmou na música O Racismo é
Burrice o que segue: “o racismo é burrice, mas o mais burro não é o racista é o que pensa que
o racismo não existe”:
[...] O status dos ateus na América de hoje é equivalente ao dos homossexuais
cinquenta anos atrás. Agora depois do movimento do Orgulho Gay, é possível,
embora não muito fácil, para um homossexual ser eleito para um cargo público.
Uma pesquisa Gallup realizada em 1999 perguntou aos americanos se eles votariam
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em uma pessoa qualificada que fosse mulher (95% votariam), católica (94%
votariam), judia (92% votariam), negra (92% votariam), mórmon (79% votariam),
homossexual (79% votariam) ou atéia [sic] (49% votariam) [...] (DAWKINS, 2006,
p. 27, grifo nosso).

Antinomia assume então uma necessidade premente de mudar o eixo da pergunta, ou


seja, observando o Acre de hoje, do período englobado pelo ENA, mesmo nos seus mais
longínquos rincões, há uma igrejinha das mais diversas vertentes; assim, analisando o
contemporâneo, seria válido dizer que a diferença entre essas denominações seria apenas:
“qual a forma correta de acreditar em deus?”.
Isto posto, no ateísmo lato sensu, a pergunta contestatória por excelência se tornaria:
“Por que e para que um deus?” como bem perorou Nietzsche em seus escritos sobre a
verdade. Daí ter trazido o ENA de 2014 outra inovação: o CinemAteu. Tal iniciativa que foi
ao encontro daquilo que sempre foi um norte da Associação de Ateus e Agnósticos do Acre,
ou seja, aliar a arte à movimentos contestatórios. Isso se deu porque a arte, em sua gênese, já
possui um caráter contestatório por excelência.
Num momento emblemático de sua obra George Minois (2014) critica o laureado
Aristóteles, que na verdade não passava de um conhecido perseguidor de laicos. Em todos os
períodos históricos, alguns dos maiores pensadores do seu tempo perseguiram os laicos. Essa
luta de classes é milenar...
Deve-se salientar que tanto o ENA quanto a ADI 4439 - em níveis diversos, todavia,
representam aspectos estruturais do mito da laicidade. O mito da laicidade é parte de uma
estrutura estatal defendida (e ignorada) há milênios, como será defendido neste trabalho. Um
mito, além de um componente fundamental das sociedades humanas através da história, faz
parte desse imaginário do qual falará Marilena Chauí, Nietzsche e Strauss, cada um a sua
maneira e em suas áreas de estudo.
É a história revisitada da tragédia do aborto. Os gregos já tinham uma concepção
bastante avançada sobre a tragédia como sendo inerente a experiência vivida; tal pensamento
não se trata de uma invenção schopenhaueriana: por isso a necessidade mitológica como
resposta a esta tragédia é o segundo fundamento (memento mori) do conceito de lesa-
secularismo. Se para Nietzsche a vida é tragédia e tudo bem... tem-se um pessimista por
excelência.
Desse modo, a tragédia nem sempre é carregada apenas de elementos negativos: mas
tentar evitar uma tragédia (aborto) unicamente com bases na crença (memento mori) ignora
tanto a luta de classes quanto a dignidade humana de milhões de pessoas cujas vidas já foram
destruídas pela proibição desta prática. Portanto, para os fins desta monografia, tal
reducionismo do problema significa pensar o princípio da laicidade apenas no contexto
jurídico atual, ignorando seu sentido histórico, sociológico e porque não dizer, religioso.
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É neste sentido anti-mito que será introduzida a concepção de lesa-secularism, ou seja,


da laicidade enquanto mito no Estado brasileiro. De que a vida é tragédia, mas não precisa ser
‘tanto’! Logo, obrigar uma criança a submeter-se ao ensino religioso é um crime com
potencial nocivo tão grande quanto o aborto, pois talvez o pensamento propalado ali seja
justamente o motivo pelo qual ainda se morre tanto desta pratica já regulamentada em países
europeus e mesmo sul-americanos, como o Uruguai. Na Argentina infelizmente o
fundamentalismo ainda triunfou, com a rejeição da lei que permitiria a prática, à despeito da
luta feminista levada a cabo ali.
O aborto prejudica apenas uma vida em potência, o ensino religioso confessional tem a
capacidade de atravessar os séculos, as Eras. Novamente vale alertar que não se propõe uma
abolição radical da religião como na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas -
URSS, mas que tal ensino seja realizado apenas entre seus sectários.
As facetas e os aspectos sub-reptícios desta estrutura mitológica perpassam
necessariamente pela análise da sociedade acriana no período em estudo: o ENA. Se todo
preconceito, processos (jurídicos!) que tal evento engendrou não existissem, este trabalho não
existiria. É no caldeirão desta experiência ateísta que está a semente do presente estudo, mas
não como um fim em si, sendo possível somente pela igual análise de outros aspectos
coetâneos, como a própria ADI 4439 e as reverberações da imprensa à época, como relevantes
materiais de estudo.
De igual forma, não apenas pelos debates levantados pelo ENA, mas pelo que ocorria
pelo país enquanto o tema do presente estudo era debatido e suas raízes históricas
vasculhadas. Ao final, se as hipóteses aqui levantadas obtiverem as respostas almejadas, o
leitor será transportado para uma Era (no sentido epistemológico que lhes atribuíram os
gregos) do mito da laicidade e dos ateus radicais, ou seja, a época atual.
George Minois (2014) faz um abarcado histórico, um recorte milenar sobre o
radicalismo ateísta durante as Eras. Os passos e debates históricos desta obra são como a
estrela do norte para os navegantes medievais, um guia para consecução de uma obra
modesta, que será um debate atual sobre o estado do pensamento ateísta no Acre e o que isto
engendrou (e engrendrará) no futuro. É superar, como George Minois encerra sua obra, aquilo
denominou, grosso modo (é nesta linguagem coloquial que ele fecha seu pensamento, talvez
para não ter dúvidas de que será entendido), de ateus x crentes e, como já defendido, será
amplamente utilizada para os fins desta empresa (laicos x não laicos).
Marx, por sua vez, fazia uso de dicotomias, porém sobre outro aspecto da sociedade:
burgueses x proletários. A diversidade cultural de um povo jamais se resumirá entre a divisão
mortadelas e coxinhas, mas indubitavelmente este aspecto retumba na posteridade em maior
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ou menor grau, ainda que somente escondida sob uma faceta mitológica. Esta é uma das
facetas do conceito memético utilizado na obra O Gene Egoísta de Richard Dawkins (1979),
qual seja, os memes desejam se reproduzir assim como os genes. Logo, não é sem razão que a
dicotomia por excelência, aquela que a presente monografia visa defender, está entre laicos e
não laicos, modificando, portanto, o termo utilizado por Minois e Marx (ateus x crentes;
burgueses x proletários), bem como delimitando seu alcance dentro dos parâmetros do projeto
de pesquisa já apresentado.
E se escora aí não somente pelo fato de que tal contradição ou antinomia entre classes
estar inserta nos mais diversos níveis sociais que o capitalismo produziu; para além disso,
representa a dominância e o grau de que cada um dos três elementos do conceito de lesa-
secularismo proposto, sendo um dos fundamentos pétreos que visa desconstruir o mito da
laicidade, dando a este fundamento – o maior deles a se tomar a pirâmide kelseana como
parâmetro – deve ser sopesado com os demais fundamentos do lesa-secularismo: a dignidade
da pessoa humana, e por último, o memento mori.
Como em qualquer conceito inaudito, utiliza-se de recursos de linguagem como a
hipérbole e eufemismos; numa sociedade ideal, essas questões estarão no topo de qualquer
análise jurídica séria, tendo em vista que, mutatis mutandis, os males da humanidade
decorrem da ignorância ou desrespeito de um ou outro fundamento da pirâmide proposta
dentro do conceito de lesa-secularismo.
Sopesando estes princípios-fundamentos da nova roupagem impresso ao secularismo,
agora já imprimindo a importância que lhe será dada, a crença deve ser o menos importante,
pois se trata de uma característica predominantemente pessoal. O eu nunca deve sobrepor-se
ao nós.
O povo brasileiro pode crer em deus(es), mas ele não deve controlar a legislação e a
vida ordinária do cidadão. A dignidade da pessoa humana imprimi sua relevância em virtude
da máxima “não fazer aos outros o que não desejas que façam a ti”. E este é o segundo
princípio-fundamento justamente porque a vida é tragédia. O ser humano tem um lado
lúgubre inerente, imanente. A tragédia. E o último fundamento, emprestado da sociologia
marxista, é a luta de classes, pois é na dicotomia/antinomia laico x não laicos que está o
bastião do fundamento da laicidade ou secularismo. Uma lesão à laicidade é uma lesão ao
pensamento secular.
O verdadeiro campo de batalha do fundamento é a luta entre estas duas classes,
antagônicas, extremamente belicistas que se distribuem sempre entre os laicos e não laicos.
Os instrumentos da batalha, nesta elucubração, são a dignidade da pessoa humana e o
memento mori, como se um lado dissesse ao outro ser detentor da ‘verdade’ sobre os “deveres
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ser” da humanidade. Afirma-se isto pois laicos não são apenas os ateus, mas também os
agnósticos e até mesmo cristãos moderados que adotem os princípios da laicidade. Da mesma
forma que ateus podem ser não laicos (ao não defender o aborto, por exemplo); não se trata de
duas categorias totalmente estanques, não se trata de um rol taxativo, ao contrário, trata-se
apenas de uma simplificação para os fins deste estudo.
Assim, quando o mito2 da maioria verte num daqueles discursos que representam bem
a análise que se visa criticar (ódio contra homossexuais, preconceito e discriminação contra os
laicos, etc.), aquela onde a minoria tem que se "submeter" a vontade da maioria; o mito não
tem somente estruturas como acredita Strauss, o mito é em cada milissegundo da história.
Faz-se inevitável a provocação: do início ao final desta pesquisa, o próprio termo “mito”
ganhou novas acepções meméticas. Logo, em cada sociedade, cada época, o conceito de
laicidade é erigido à sua maneira mítica, incluindo-se aí o próprio conceito de Deus.
No breve estudo de caso que será realizado acerca do episódio conhecido como
queima da bíblia ocorrida no evento denominado IV ENA, tal dicotomia se torna clara: o ‘nós’
e ‘eles’, laicos x não laicos. A premissa que se erigi a partir daí é que os radicais de fato
acusam as vítimas – o conceito da cristofobia e heterofobia denotam isto – de serem os
verdadeiros radicais, alicerçados pelo discurso – amiúde - das instituições que deveriam velar
por estas minorias: perpetua-se assim o paradigma da perseguição ao que não se compreende,
todavia, sob uma nova roupagem.
O STF, um dos poderes republicanos constituídos na Carta de 88, cuja atribuição,
dentre outras, é velar por seu papel de controle contramajoritário, deu a palavra final na ADI
4439 quando decidiu que deve ser confessional o ensino religioso nas escolas públicas; este
status quo, lato-sensu, é apenas uma das facetas que levou o vocalista da banda Violação Anal
ser perseguido.
O importante, aqui, é estabelecer que a vontade de potência laica, aliada ao
materialismo histórico dialético, pode desembocar em algo mais poderoso: o conceito de lesa-
secularism, elevando-o, conforme será defendido, ao rol de direitos abarcados pelos institutos
da imprescrição e da impossibilidade de graça ou anistia, por exemplo. Não se quer aqui
defender que os seis ministros que defenderam o ensino confessional no STF sejam párias
como será abordado no capítulos 5, contudo, enfrentarão o julgamento da História. A história
laica é uma história material, desde fogueiras até mesmo à loucura – no caso de Nietzsche -,
perpassando pelas abjurações e preconceitos cotidianos que fazem dos choques de existência

2 Nietzsche entendia a tragédia como algo necessário, daí a necessidade de uma análise mítica no sentido em que
será defendido no presente estudo, tendo em espeque a desunião dos laicos que permite, em tese, uma dominação
imposta na esfera jurídica, como restou configurado na decisão da ADI 4439 e que retumba nas esferas social,
econômica (vide a poderosa igreja erigida por Edir Macedo) e vai ao encontro da própria definição de nomos em
Strauss.
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laica x não laica um adequado objeto de estudo a ser avaliado sob a perspectiva da dialética
marxista.
A presente monografia tem por objetivo, portanto, a partir do materialismo histórico de
Marx, consoante se defenderá no capítulo 6, lançar luz sobre os eventos elencados para daí,
numa análise destes, entender o motivo de ainda experimentar-se hodiernamente de forma
mítica o princípio da laicidade insculpido no art. 19 da carta magna; sendo este ainda visto
como algo irreal por alguns ou até cruel por outros.
Por fim, após o escrutínio da bibliografia proposta e da documentação reunida, trazer
entendimento sobre questões que vigem em nossa sociedade de forma tão premente: desde
perseguição a religiões afrodescendentes à cura gay; passando pela ausência de ateus
declarados na política e pelo STF "acovardado" ante a questão do ensino confessional nas
escolas públicas. E, sem qualquer pretensão de encerrar o tema, escrutar o ato mais polêmico
em defesa destes valores: o direito de queimar o livro que tantos queimou durante a história
da humanidade no contexto de uma apresentação artística (a desconstrução do mito). O mito e
a arte andam de mãos dadas, o fogo e a mitologia igualmente...

2 O MITO NA TRAGÉDIA GREGA SOB A ÓTICA NIETZSCHEANA E A VONTADE


DE POTÊNCIA LAICA: O MITO REVISITADO

Quando se visita a filosofia do século XX, passa-se por Nietzsche ou recusando-lhe,


ou resistindo-lhe, ou pela sua afirmação. O criador do conceito de eterno retorno do mesmo,
traz uma contribuição única para a história da filosofia, talvez tão grande quanto o aforismo
“proletários de todo mundo uni-vos”. Marx, ao inserir esta máxima em seu Manifesto,
certamente, ainda que na sua condição de ateu materialista, não poderia prever, num mundo
predominantemente religioso, que a verdadeira luta classes se encontraria na antinomia laicos
x não laicos.
Frise-se que esta antinomia, longe de ser resolvida de maneira pacífica, amiúde
desemboca em atos de terrorismo (desconhecidos à época de Marx e Nietzsche) na figura da
jihad e das cruzadas modernas e, claro, da Santa Inquisição católica e protestante trazidas
igualmente para a atualidade. O instituto do casamento não fora criado por outro motivo,
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senão para controlar os laicos. É um contrato, é um contrato de monogamia perante os


homens hoje, mas antigamente, ante o próprio Deus.
Assim, luta de classes para efeitos deste estudo tem por base a vontade de potência
laica, ou reveste-se da primeira para ocorrer 3. Portanto, se antes cria-se na oposição entre
proletários e burgueses4 para superação do capitalismo, deve-se questionar fortemente esta
lógica marxista pelos argumentos que se seguem.
Note-se que a bancada evangélica e a bancada rural (igreja e nobreza, porque não
dizer), tal como no ancien régime, unem-se contra a classe laica de hoje, para assim vencê-
los. Tem-se que admitir o fato de que mais de trezentos anos depois, pouca coisa mudou em
essência: os trabalhadores veem-se sempre derrotados na democracia brasileira pelos não-
laicos. Obviamente, no Acre, poucos devem ser os fazendeiros ateus; tal afirmação, por menos
confiável que pudesse ser, não nega uma certa lógica: a bancada rural e a bancada evangélica
são, resumidamente, a bancada cristã do congresso nacional que repele quaisquer afrontas à
propriedade privada e aos valores não-laicos.
A vontade de potência laica, introduzindo-se agora uma primeira premissa neste
ínterim, visa estabelecer um Estado laico de fato, pois o que hoje alguns entendem como
princípio da laicidade, claramente defende práticas não laicas. Mesmo no judiciário - o
suposto refúgio contra as injustiças sofridas - o ensino religioso, à despeito de seu relator ter
sido favorável à sua vedação, não mudou um quadro temerário: o ensino confessional nas
escolas públicas continuará. Não é apenas o fato de que o filho do pobre não pode ter um
ensino não confessional por direito, é uma afronta contra a laicidade no Estado brasileiro. A
permanecer este quadro, milhões de crianças serão doutrinadas com o aval e o dinheiro
público, ou seja, a vontade de potência laica deve destruir estes ídolos (valores não laicos)
contemporâneos.
O modo e a forma, bem como os resultados desta premissa serão abordados no
capítulo que trata sobre o conceito de lesa-secularism e no estudo de caso acerca do evento
denominado IV ENA. O que se visa, num primeiro momento - já que toda boa teoria deve ter
alicerces pétreos – é superar a utilização (e toda utilização pressupõe alguma crítica) do
discurso marxista acerca da luta de classes: a dualidade que se propõe não é simplista,
defendendo basicamente a exploração meramente econômica dos trabalhadores, como
igualmente se envereda pela intelectual e não laica.

3 Defende-se aqui a ideia de que a vontade de potência é superior, na filosofia nietzschiana, ao próprio conceito
de eterno retorno do mesmo, posto que é no primeiro conceito que Nietzsche trata da própria vontade de criação
de novos valores para sociedade.
4 Repise-se que os termos proletários e burgueses já estão desatualizados, posto que o capitalismo tornou-se
global; logo, tanto trabalhadores quanto capitalistas, só podem ser vistos sob o mesmo espeque.
20

Retome-se o argumento de que o próprio casamento é um instituto para controle


social; controle social não laico. Por óbvio ateus não podiam se casar na idade média (mesmo
que escapassem à fogueira por heresia). Hoje, ainda não se pode casar na igreja sendo ateu,
mesmo que o Direito tenha subtraído à Igreja os resultados práticos do instituto,
especialmente pós-revolução francesa (e ainda suas terras, criando a propriedade privada),
ainda não reduziram a influência deste costume no Estado brasileiro.
Um dos acontecimentos marcante da História certamente fora a abjuração de Galileu e
a fogueira que queimou Giordano Bruno5; o primeiro porque ainda que certo, negou seus
dogmas para salvar a pele (os valores da Igreja, saliente-se) ao invés de superar valores sob o
risco da própria vida; Giordano não teve a mesma sorte, posto que corajosamente resistiu e
sucumbiu por aquilo que acreditava. Seu ato de heresia é simbólico para todo e qualquer não
laico, pois demonstra resistência ao custo da própria vida. A isto, adicione-se o fato de que ser
ateu ainda é considerado crime em alguns países.
O que é um mito? Afora o Deputado Federal Jair Messias Bolsonaro (e agora
presidente), o mito grego é bastante presente na obra nietzschiana. O mito de pandora destrói
a concepção positiva que se tem do sentimento Esperança. Sócrates, para Nietzsche - e depois
Platão (o filósofo da plebe) – destrói a beleza do mito da tragédia grega. O primeiro afirma o
niilismo de nada saber (homo sapiens sapiens) e o segundo, erroneamente interpretando seu
mestre, divide a realidade em duas: a vivida e aquela fora da caverna, perfeita e imutável.
Nasce aí, segundo Nietzsche, toda base do pensamento cristão: o platonismo da plebe - forma
como Nietzsche se refere ao cristianismo - assenta-se na premissa de que os fracos (não
laicos) devem ser pastoreados. Nietzsche exuma pastores e execra seguidores. Brada, em sua
obra, por várias vezes, que não deseja que o sigam, mas sim o superem.
São estes filósofos, os filósofos da decadência, que recusa o Destruidor de Ídolos,
retornando então aos pré-socráticos, por onde singra sua fuga em direção a tudo que é bom e
belo, aos quais chamará de verdadeiros filósofos gregos. “Saia da frente do meu sol” disse
Diógenes a Alexandre o Grande, o maior de todos, o Senhor de toda a terra à época. Todos,
laicos e não laicos, estão sob o mesmo sol, mas o astro-rei (o deus sol rá, a Majestade) hoje é
o menos importante.
Quantas vezes um ser humano comum se vira para o sol e diz: sem ele não há vida. Os
egípcios sabiam algo que a atualidade está esquecendo: a vida está relegada num planeta
rochoso que viaja ao redor de uma estrela de hidrogênio sem a qual a vida não existiria. A
vontade de potência laica reveste-se da peleja para que a visão de que esta vida é una, triunfe,

5 O leitor observará que no decorrer do trabalho a ideia de fogo sob diferentes óticas e acontecimentos, sendo tal
ideia retomada em várias passagens durante o texto.
21

e que qualquer entendimento contrário não deve ser obrigatório e sequer considerado numa
grade secular de ensino.
Nos enterros e funerais a etiqueta exige uma paráfrase do tipo “ele foi para um lugar
melhor”. Os laicos negam esta visão, todavia esta negação não implica violência; antes, é
apenas resultado imaterial da memética e uma luta contra a ficção que se tornou o art. 19 da
constituição. Certamente, advém desta dificuldade em retirar da laicidade sua faceta mítica
que alguns países não descartaram a luta armada, especialmente sob a ótica dos laicos
comunistas; os comunistas asiáticos fizeram suas inquisições contra os não laicos,
perseguiram os cristãos. Não à toa o nome da revolução das revoluções, a Maoísta, é
predominantemente guiada pelo laicismo radical. Assim tal embate é detalhado em outro
momento histórico:
[...] Em maio de 1960, a revista kommunist publica o resultado de uma pesquisa
sobre o ateísmo que foi realizada com os trabalhadores das fazendas coletivas
situadas ao norte de Moscou: afastados de tradições e com costumes rurais, eles
perdem rapidamente as noções religiosas; a oração definha e conserva apenas um
aspecto estritamente utilitário. Uma cátedra de “ateísmo científico” é criada em
Moscou em 1963 (MINOIS, 2014, p. 647).

E mais adiante ilustra esta dicotomia entre laicos e não laicos:


A política antirreligiosa é mais intensa na Checoslováquia, onde o alto clero é
acusado de ter colaborado com o ocupante alemão. Em 1948 e 1951, os processos
judicias permitem eliminar os bispos e abades mais importantes. Em 1964, o
ministro da Educação nacional lembra que “um dos objetivos pedagógicos da
escola é o ateísmo da juventude, a rejeição das ideias religiosas e a aceitação da
explicação científica do mundo. A educação ateia na escola é, portanto, obrigatória”.
O programa de ensino inclui sempre uma disciplina sobre o ateísmo. Assim, na
escola de enfermagem de Levoca, na Eslováquia, os alunos estudam no primeiro ano
a explicação científica das origens do mundo e as razões do aparecimento da
religião; no segundo ano, o papel reacionário da Igreja, aliada do capitalismo; no
terceiro ano, a concepção materialista da sociedade. Em 1963, uma pesquisa
realizada na Morávia com 2 mil pessoas mostra que 30% da população é ateia, 40%
é indiferente e 30% é crente, dos quais apenas um quarto segue o conjunto de
preceito da fé crista (MINOIS, 2014, p. 647-648, grifo nosso).

Desta forma, assim como não se acredita que hoje um usuário de psicoativos deva ser
preso, o usuário deste psicoativo “fé” igualmente não deve sofrer consequências. Na China,
adotou-se a liberdade de culto, mas sem a possibilidade de arrecadar-se dinheiro com isto.
Assim, a tragédia aqui abordada, foi o não entendimento desta mensagem: a laicidade do
Estado, este ente mítico – o leviatã – que defende os direitos mais fundamentais do ser
humano, deve ser preservada primordialmente a fim de que sejam evitados tais radicalismos
por um ou outro lado.
O mito da caverna coetâneo deve ser superado pela obliteração do mito da laicidade. O
Estado só é laico para os não laicos, num paradoxo terrível, pois minorias como os ateus e
agnósticos veem-se totalmente alijadas de seus direitos mais fundamentais: o de não crer, ou
22

duvidar da crença alheia. O estudioso a seguir não poderia ser mais preciso sobre um fato que
ainda vai demorar a aportar em terras acrianas:
A civilização do ano 2000 é ateia. O fato de ainda falar de Deus, Alá, Iavé ou outros
não muda nada, porque o conteúdo do discurso não é mais religioso, mas político,
sociológico, psicológico. O próprio sagrado deixou de existir; nem o homem, que
era visto no século XIX como o sucessor de Deus, tomou o seu lugar. Basta ver
como ele é tratado, como é manipulado, como é martirizado, para se convencer de
que a humanidade não foi divinizada. No naufrágio generalizado dos valores, resta
apenas um sagrado irredutível: eu (MINOIS, 2014, p. 730).

A destruição do estado de não laicidade que domina o direito brasileiro passa


necessariamente pela superação do mito da laicidade: a criação de novos valores. A Esperança
de uma vida além-túmulo melhor, nada mais é do que algo potencialmente nocivo, prova a
História, pois faz crer que o homem não é tudo que pode ser nesta vida, retirando-lhe a
vontade de potência, já que após a morte o aguarda uma vida melhor, eternamente bela e boa
se este seguir determinados dogmas.
O direito da mulher pela autodeterminação de seu corpo é um direito
fundamentalmente laico. O direito à eutanásia é um direito laico, pois nesta visão de mundo,
os suicidas não sofrerão eternamente no “inferno” (de Dante?). Um laico não se preocupa, em
regra, sobre temas como a interrupção da gravidez, respeitando-se então à vontade
exclusivamente da grávida. O Estado laico não censura Gabriel o Pensador, um Estado cristão
sim.
O resultado deste pensamento, desta luta entre laicos x não laicos foi inevitável: Stálin,
Mao, Fidel, surgiram deste pensamento, assim como os direitos sociais de segurança geração!
Não é mera coincidência que direitos como educação, saúde, por exemplo, tenham sido
gerados pelos laicos. E a sociedade sob sua égide, em troca, deu-lhes (ao seu povo) moradia,
alimentação e saúde. O básico do básico. Os avanços ainda não podem ser medidos: o
decadente império norte-americano é mais antigo que a mais antiga revolução comunista:
[...] Nos Estados Unidos, estudos de 1948 já mostram o índice baixo de frequência
aos cultos religiosos: caiu para 17% entre os rapazes e 38% entre as moças nas
universidades. Na França, a prática religiosa começa a diminuir por volta dos 13
anos e estabiliza-se por volta dos 20 anos em 9% dos rapazes e em 15% das moças.
Resultados semelhantes foram obtidos na Itália, na Alemanha e na Suíça. Entre os
não praticantes o número de ateus permanece, em geral, inferior a 10%: 7,3% nos
Estados Unidos. No entanto, há problemas de delimitação nesses dados: embora
75% dos jovens norte-americanos declarem acreditar em Deus, para muitos deles
essa crença é puramente abstrata e não tem nenhuma influência em seu
comportamento, e 12% “não sabem exatamente em que acreditam”. (MINOIS, 2014,
p. 713)

Critique-se o fato de que Nietzsche não era afeito a ideia de que houvesse no
proletário homens excelsos que pudessem destruir ídolos; note-se atentamente que ambos,
proletários chineses e russos, como participantes de revoluções laicas, em última análise,
destruíram ídolos. O antropocentrismo jurídico que isto implica é sem precedentes, tendo em
23

vista que ter fé e ter religião são antinomias, conforme denota a citação acima. Fé há em
milhares de deuses, desde o Mestre Irineu, homem genial da plebe – já introduzindo uma
crítica á Nietzsche6 – que criou em pleno Acre do século XX uma fé inabalável num chá que
já visitou o mundo inteiro (conhecimento roubado dos índios, naturalmente).
Crença é fé: é acreditar em algo metafísico, além do physys em Strauss: mítico. Não se
discute fé, fé se aceita. Eu tenho fé que um dia vou morrer: memento mori. Esta é uma crença
comum a todos, laicos e não laicos e é justamente no único momento de existência em que
estão juntos, já que no decorrer de suas vidas, perseguem-se. Em toda crença verdadeira há
beleza, ou não seria uma crença. Em muitos casos, esta beleza se resume ao medo da morte,
como defendia Nietzsche. Até quando se temerá a laicidade plena? Por isso este filósofo foi o
anunciador da morte de deus. Não porque Ele de fato tenha morrido para os que têm fé, mas
para os laicos, que não aceitam mais suas premissas e mandamentos. Seja culpada ora a
ciência (a gaia ciência), ora o próprio homem, criador da ciência, o responsável pelo deus
moribundo retratado em sua obra é, acima de tudo, o próprio Deus ciumento, vingativo e
crucificado, único responsável por sua própria decadência. Segundo Strauss:
[...] a busca pela sabedoria, a busca pelo conhecimento universal, pelo conhecimento
do todo. Essa busca não seria necessária se tal conhecimento fosse acessível de
forma imediata. No entanto, o afastamento do conhecimento do todo não significa
que o homem não tenha pensamentos sobre o todo: a filosofia é necessariamente
precedida por opiniões do todo [...]. Filosofia é, essencialmente, não a possessão da
verdade, mas a busca pela verdade (STRAUSS, 2013, p.1-2).

Contudo, conforme insculpidos no art. 143, parágrafo primeiro, os militares são


crentes, e têm direito constitucional à confissão nos quarteis que, por sua vez, são
majoritariamente cristãos no Brasil. E esta cominação está em nossa carta magna, tendo em
vista que o dever das forças armadas não laicas é defender um Estado não laico. E onde ficam
os laicos neste ínterim? A constituição brasileira, na verdade, não possui um princípio da
laicidade, mas sim, um princípio da não laicidade. Os laicos não foram lembrados em
nenhuma linha sequer da constituição da república federativa do Brasil ou do Código Civil
pátrio.
A escola histórica dera ao direito natural um caráter histórico ao insistir no caráter
étnico de todo o direito genuíno, ou ao fazer proceder todo o direito genuíno de
espíritos populares únicos, ou ainda ao pressupor que a história da humanidade é um
processo com sentido ou um processo regido por uma necessidade inteligível
(STRAUSS, 2009, p.35).

6 Nietzsche defende que os “homens superiores” adviriam de uma casta de intelectuais, numa redução simplória,
os “além-do-homem”. Defende-se aqui que os verdadeiros além-do-homem são os laicos; é uma assertiva
logicamente comprovável partindo-se das premissas básicas de que Marx acreditava que uma “classe” supera a
outra (premissa 1) e de que destruir ídolos está fortemente atrelado aos dois pensamentos; Marx cria que era o
povo (proletário) quem os destruiria – como de fato ocorreu durante a revolução de 17 – já Nietzsche pregava
que seriam os além-do-homem a quem caberia tal tarefa.
24

Portanto, o princípio deveria ser o da não laicidade, pois como hoje é entendido o
princípio da laicidade, seriamente compromete os direitos humanos mais elementares: dentre
eles, o da dignidade da pessoa humana que é, em verdade, um fundamento sobre o qual se
erige o Estado de direito brasileiro e um dos fundamentos para o conceito de lesa-secularismo.
Por fim, a vontade de potência laica é a desconstrução do próprio conceito de que o país é
laico e defende o princípio da laicidade, daí dizer-se princípio da não laicidade. Eis a grande
ironia: se a tragédia grega é o “bom e o belo” para Nietzsche, a sabedoria dos índios deveria
igualmente ser para qualquer brasileiro: é a cultura pátria representada, uma cultura que
inundou o mundo pelo seu belo e bom conhecimento da natureza: o chá, por exemplo. Isto é
uma crença, defendida pelo princípio da laicidade; agora ser laico não é defendido por este
mesmo conjunto de leis.
É no materialismo histórico dialético que se encontra o motor da história e este, com
toda vênia e respeito ao brilhantismo de Marx, não poderia visualizar o que a globalização
trouxe a este insólito cenário: o combate de todos contra todos. Milhões de imigrantes sírios
perderam sua vida por este embate que envolve religião e dinheiro, desembocando na política,
e causando inúmeras tragédias. O Estado Islâmico não é fruto da mente de insanos, é fruto da
mente não laica. Eis o mito da laicidade: uma tragédia grega anunciada, alimentada pela
Esperança, aquele sentimento último da caixa de Pandora, o mais nocivo dos sentimentos.
Os ideais ou valores culturais carecem do caráter especificamente obrigatório dos
imperativos morais. Estes têm uma dignidade própria, e Weber estava interessado
em garantir que essa dignidade fosse reconhecida. Mas, precisamente por causa da
diferença fundamental entre comandos morais e valores culturais, a ética
propriamente dita guarda silêncio quanto às questões culturais e sociais. Embora os
gentil-homens, ou homens honestos, concordem necessariamente a respeito das
coisas morais, eles discordam legitimamente a respeito de coisas como a arquitetura
grega, a propriedade privada, a monogamia, a democracia, e aí por diante
(STRAUSS, 2009, p. 40).

É por isso que dificilmente alguém que chute uma imagem de Nossa Senhora
enfrentará o Ministério Público acriano e a polícia; mas alguém que queima uma bíblia não
encontra o mesmo benefício. Um laico não pode manifestar seu protesto livremente, como
assegura a constituição para os que têm crenças. Nem acobertado pelo espaço de autonomia
acadêmica, num evento laico, um ateu pode se comportar livremente. Eis o mito representado
através de uma tragédia jurídica (e memética) recente.
25

3 O FOGO SAGRADO DA “INQUISIÇÃO” ÀS AVESSAS NA UNIVERSIDADE


FEDERAL DO ACRE – UM ESTUDO DE CASO

3.1 ABORDAGEM HISTÓRICA DO ENA NO PERÍODO 2013-2016

“É preciso mudar o mundo, não o passado”; a máxima em questão (FINLEY, 1982


apud DOSSE, 1992, p.104) é quase uma ofensa a todos os cristãos que se apegam num
fundamentalismo retrógrado e afirmam serem os ateus seus “algozes” modernos. O ateísmo
não deve pautar-se sobre um suposto revanchismo contra as barbáries perpetradas pelos
cristãos durante sua sangrenta história, mas efetivar apenas uma releitura de seus atos para a
consecução de um mundo mais justo. Quando um ateu afirma que deus não existe, isso não
significa o “nascimento” de uma nova religião, significa apenas que ele escolheu viver uma
existência sem ídolos, ou qualquer ente “metafísico” com poderes fantásticos. É o senhor de
si. Entre ateus é comum e corriqueira a expressão “arrebanhar ateus é como arrebanhar
gatos”. Foi com isto em mente que o Encontro Nacional de Ateus – ENA – foi trazido ao
Acre: executar a difícil tarefa de fazer com que ateus e agnósticos miem juntos uma vez por
ano.
[...] um discípulo do filósofo Dionísio, prefiriria ser um sátiro antes que um santo.
Mas, leia-se este livro. Talvez tenha conseguido expressar essa antítese de modo
jovial e afável, talvez este escrito não tenha outro sentido senão esse. A última coisa
que eu pretenderia seria “melhorar” a humanidade. Não estabeleço ídolos novos; os
antigos vão aprender o que significa ter pés de barro. Derrubar ídolos (“ídolos” é o
termo que uso para designar “ideais”) – isso sim faz parte de meu ofício. A realidade
foi despojada de seu valor, de seu sentido, de sua veracidade à medida que se fingiu
mentirosamente um mundo ideal (NIETZSCHE, 2009, p. 16).

Em 2013 o II ENA teve como palco a própria Universidade Federal do Acre - UFAC,
sua principal apoiadora nestes quatro anos de história do projeto de extensão. A grande
repercussão e as várias demonstrações de preconceito foram apenas o primeiro passo nesta
26

árdua caminhada que só teve um começo, mas jamais terá um final: a caminhada rumo à
laicização de fato de um país de raízes profundamente cristãs.
Dentre os inúmeros relatos de preconceitos enfrentados, as ameaças de morte sofridas
contra o subscritor da presente monografia e ao vocalista da banda violação anal (Roberto
Silva, estudante de filosofia da UFAC que efetivamente incendiou a palavra de Deus), a
mudança do local do outdoor de divulgação do evento contratado junto a uma empresa de
publicidade local de forma unilateral e a depredação de cartazes do evento de divulgação de
ano após ano, são apenas alguns exemplos. Sobre o episódio do outdoor, um dos integrantes
da equipe, certa monta, passando pelo local contratado, notou que a propaganda não mais
estava lá. Um vídeo-denúncia foi gravado e veiculado no youtube cuja repercussão
rapidamente fez com que pedidos de desculpas e retratações fossem oferecidos pela empresa
em questão; foi uma vitória com gosto de derrota, tendo em vista que a propaganda do evento
naquele ano fora substituída por uma firula carnavalesca do governo do Estado, numa
flagrante quebra de contrato.
Parafraseando Hobsbawn, podemos visualizar algo semelhante a uma “Era dos
Ídolos”, principalmente nas sociedades ocidentais, de forte tradição cristã; o malafaísmo, o
macedismo e demais fundamentalismos neopentecostais estão tendo um avanço temerário na
sociedade tupiniquim, aliando o desespero econômico à famigerada teologia da prosperidade.
Esta última, sendo a responsável, inclusive, pelos “nortes” (inclusive educacionais) da forma
de pensar contemporânea: o novo Cristo quer enriquecer. Exemplos pululam. No Acre, um
pequeno passeio pelas ruas leva qualquer José à fachada de diversas denominações deste tipo:
o colégio São José (que recebe dinheiro público), colégio Adventista, João Calvino, o extinto
Colégio Batista, igrejinhas a cada esquina, caixas de som ensurdecedoras e pessoas pregando
alhures.
Cristãos amiúde utilizam-se de máximas como “você deveria ter mais respeito pela
minha religião”, ou “se você não crê, porque se importa?”. Quando reunidos pela primeira vez
na história do Estado, no dia 17 de fevereiro de 2013, os ateus acrianos escolheram discutir
filosofia, sendo este, desde então, o tom de todos os eventos. O professor Wlisses James da
Universidade Federal do Acre, durante uma intervenção no II ENA, já referenciada acima,
ressaltou sua preocupação quanto a um aluno fundamentalista que teve na própria UFAC
dizendo que “em alguns anos ele vai estar dando aula em alguma escola por aí”.
[...] A introdução recente de capítulos da história religiosa nos programas de ensino
secundário da França também provoca reações. Certos livres-pensadores se
alarmaram com o modo como os autores de livros didáticos para o primeiro ano do
ensino médio, por exemplo, trataram a questão da origem do cristianismo. Em abril
1998, numa “tribuna livre” da revista Historiens et Géographes, Michel Barbe se
assumiu como porta-voz dessas preocupações, afirmando que “esse capítulo tende a
27

transformar nosso ensino histórico em uma página de catecismo”. [...] (MINOIS,


2014, p. 702, grifo nosso).

Esta é uma preocupação válida, pois a educação é o meio pelo qual o preconceito é
enraizado numa sociedade, tanto no núcleo familiar quanto nas escolas e igrejas. Escolas
dominicais, geralmente, são o primeiro contato de uma criança com a Igreja enquanto
instituição. E o pastor, padre ou ministrante, sempre um adulto, é visto pela criança, como
detentor de um saber que não deve ser questionado. Vejamos o que Richard Dawkins diz a
respeito:
A religião fundamentalista está determinada a arruinar a educação científica de
inúmeros milhares de mentes jovens, inocentes e bem-intencionadas. A religião não
fundamentalista, “sensata”, pode não estar fazendo isso. Mas está tornando o mundo
seguro para o fundamentalismo ao ensinar as crianças, deste muito cedo, que a fé
inquestionável é uma virtude (DAWKINS, 2009, p. 72).

Há uma imagem emblemática e ao mesmo tempo estarrecedora sobre este tal livro
sagrado que denota bem o movimento contestatório ateu e talvez ajude o leitor a compreender
o ato do estudante de filosofia Roberto da Silva. Trata-se de uma imagem que a equipe ENA
produziu em parceria com o Núcleo Ateísta de São Paulo em 2013 e cuja repercussão é
bastante conhecida no meio ateu. A imagem, permeada pelo humor negro (característica
ateísta por excelência), compara a bíblia a uma caixa de cigarro (ou seja, perigosa), faz
admoestações exageradas, porém, não menos válidas quando se trata de observar a Bíblia
enquanto escrita por “pessoas inspiradas por deus”.
O III ENA, realizado em 2014, teve como palco o Memorial dos Autonomistas e
contou com a presença de um padre católico entre os palestrantes. Foi o evento de menor
repercussão tanto midiática quanto de público, tendo em vista o pouco tempo para
organização disponível.
O IV Encontro Nacional de Ateus foi novamente um núcleo de arte, filosofia e grande
polêmica. Desde sua primeira edição, o ENA propiciou à comunidade acriana, debates
acalorados por onde quer que tenha passado. Em sua quarta edição, os debates e resultados
foram muito além das expectativas (tanto de público esperado, quanto de repercussão na
imprensa e na sociedade), tornando-se desde sua primeira edição, um capítulo que não poderá
ser ignorado pelas gerações vindouras.
O II Sara(te)u trouxe mais de quinhentas pessoas para o campus da UFAC e propiciou
um lugar de grande efervescência artística e filosófica para os que ali compareceram. Para
além do episódio incontroverso (e certamente fruto de análise e estudo por parte das gerações
futuras) da queima da Bíblia, pode-se ver um público realmente interessados pela história
desta minoria que os ateus representam. Durante este evento musical, teatral e que contou
com a apresentação de vários artistas locais e desta universidade, o microfone aberto
28

proporcionou um espaço de divulgação cultura para os presentes, bem como para as bandas
que ali se apresentaram.
O CD entregue a reitoria de extensão possui um vasto arquivo fotográfico deste dia
que entrou definitivamente para os anais da história. A terceira edição do ‘CinemAteu’, afora
os debates que levantou e as discussões realizadas, trouxe inclusive um filme que sequer foi
exibido em um único cinema da capital acriana: A teoria de tudo.
O V ENA em si novamente reuniu professores, alunos e sociedade civil num momento
ímpar de divulgação filosófica e artística. Em 2016 o V ENA, em virtude do ocorrido no
fatídico episódio da “queima da bíblia” trouxe um debate, transmitido ao vivo para todo o
país, entre este que vos escreve e o protestante Ediclei Silva. A contenda marcou o retorno do
evento à UFAC, onde restou lotado o anfiteatro Garibaldi Brasil até que não houvesse mais
cadeiras e as pessoas tivessem que se sentar no chão; tudo está disponível, na íntegra, na rede
mundial de computadores no sítio do youtube7.
Desde que nascemos até o momento que morremos é a Igreja quem dá seu “aval” para
a existência. Membros da maior organização ateísta a nível nacional, durante a visita do novo
papa argentino, realizaram um manifesto chamado “Ventos do Secularismo” onde
promoveram um “desbatismo coletivo” como forma de protesto que consistia em “secar” as
águas do batismo de seus corpos. Por sua vez foram execrados em rede nacional pela
jornalista Rachel Sherezade do SBT num vídeo que virou um verdadeiro “hit” de preconceito
e intolerância pela internet. Dentre as pérolas da jornalista destaque-se: “[...] pobres ateus eles
não sabem o que dizem, inconformados e incomodados pela fé, protestando contra o que não
acreditam [...] (youtube, 2018, informação verbal)8”.
O professor Wlisses James, já mencionando neste trabalho, relata um fato com o qual
muitos ateus se identificam, ou seja, o dia da reza. Todos devem se reunir e pedir ajuda e
proteção a deus, durante este momento ímpar – o dia da reza. Se um ateu ou agnóstico não
participa é visto como um pária, ou tem que ouvir horas e horas de “pregação” sobre como ele
vai sofrer pela eternidade em virtude de sua descrença. Assim, este movimento contestatório
no Acre não visa a extinção da religião, mas o fim do preconceito decorrente dela. Todas as
minorias são protegidas por lei, por que não os ateus? Serão os descrentes para sempre
impelidos a participar da “hora da reza”?
Enquanto isso não é discutido seriamente, filhos de descrentes serão impedidos de
participar dos escoteiros, maçonaria e outras instituições que não aceitam ateus entre seus
membros. Esses são os valores propagados pelo cristianismo, tão terríveis que Nietzsche os

7 As alusões ao do sítio youtube estão nas referências pela ordem em que aparecem no texto.
8
29

compara a valores de negação da vida. No trecho abaixo, de Crepúsculo dos Ídolos ele
enfatiza que:
Se falamos de valores, falamos sob a inspiração, sob a ótica da vida: a vida mesmo
nos coage a instituir valores; a vida mesma valora através de nós, quando instituímos
valores... Disto se segue que também essa contranatureza de moral, que capta Deus
como contraconceito e condenação da vida, é apenas um juízo de valor da vida – de
que vida? De que espécie de vida? – Mas eu já dei a resposta: da vida declinante,
da vida enfraquecida, cansada, condenada. Moral, como foi entendida até agora –
como ultimamente foi ainda formulada por Schopenhauer, como ‘negação da
vontade de vida’ – o que o próprio instituto de décadence, que faz de si um
imperativo: ela diz: ‘Vai ao fundo!’ – ela é o juízo dos condenados (NIETZCHE,
2009, p. 35, grifo nosso).

Por fim, a contestação defendida nos termos do ENA é uma luta por direitos e
oportunidades que aqueles que não creem possuem. É uma luta por um Estado laico de direito
e de fato. É uma luta por igualdade. Luta por aceitação. Aceitação do fato de que é possível
ser feliz e plenos sem deus no coração e de que religião se discute sim. De olhar nos olhos do
“Homem Santo” e poder dizer sem medo de represálias como Nietzsche em Zaratustra: “Será
que ele não ouviu em seus bosques que deus está morto?”.
Como não contestar religiões que sequer resolvem problemas que elas mesmas criam?
A Bíblia é bastante clara quanto ao castigo reservado àqueles que porventura não creiam em
Deus ou escolham um outro Deus de sua preferência. Como não contestar um conjunto de
dogmas que diz que aqueles que não seguirem à risca suas normatizações para a vida serão
condenados a um sofrimento eterno? Talvez por isso Roberto da Silva, o estudante de filosofia
que ateou fogo a uma Bíblia Sagrada durante sua apresentação no Sarau que antecedeu o IV
ENA. Durante a confecção deste trabalho acadêmico, o caso João de Deus explodiu na mídia.
Exemplos pululam. O ENA exsurgiu da vontade de ao menos se discutir tais assuntos.
30

3.2 O IV ENA E A POLÊMICA DA QUEIMA DA BÍBLIA

Os valores morais passados pelas religiões podem se tornar perigosos em mentes ainda
em formação. Em países árabes os homens-bomba, mais do que incentivados em sua loucura,
são tidos como verdadeiros ‘heróis’ nacionais.
No Brasil, muitos jovens repetem de maneira assustadora o discurso de pessoas tidas
como ícones de suas denominações religiosas. Silas Malafaia, Marcos Feliciano, Edir
Macedo, protegidos por aquele ar de “fé inquestionável na salvação de suas almas”, tomam
para si o cajado de Moisés e “guiam” seu rebanho através de preocupações, além de absurdas
(sob uma ótica científica), perigosas à liberdade do indivíduo. Relacionamentos com pessoas
de outras religiões (e principalmente descrentes) são desaconselhados, pois são pessoas do
“mundo”. Aquilo que Nietzsche chamou de “platonismo da plebe”, acaba por aspergir o
preconceito de forma perigosa, pois leva a comportamentos que exortam a exclusão,
perseguição e afastamento daqueles que sejam considerados em desacordo com a “palavra”,
como aconteceu com o vocalista da banda Violação Anal, uma das atrações do Sara(te)u.
Foi uma disputa acirrada que eclodiu no país inteiro, uma fábrica de ‘memes’ (no
sentido que Richard Dawkins lhe imprimi) depreciativos. As páginas da história ainda irão se
debruçar sobre este tempo onde nunca a moralidade cristã esteve tão em pauta: tanto na vida
cotidiana como na política. Sobre a Moralidade religiosa, o físico brasileiro Marcelo Gleiser
expõe suas preocupações no livro Criação Imperfeita:
Que moralidade religiosa era essa que inspirava o assassinato de inocentes? O que
aconteceu com o “não faça aos outros o que não queres que façam a ti mesmo”?
Para piorar, havia também a questão do sofrimento humano. Onde estava Deus
quando minha mãe morreu? Por que eu? Será que era já um pecador aos seis anos?
Será que meus irmãos ou meu pai eram? Onde estava Ele quando rezava pedindo
ajuda? E os terríveis desastres que marcam a história da humanidade? Terremotos e
erupções vulcânicas assolando cidades inteiras; maremotos e furacões; os crimes
hediondos perpetrados pelos homens contra os homens, o Holocausto, o genocídio
de russos e chineses por Stalin e Mao, a dizimação dos nativos das Américas... A
lista é longa e assustadora. Afirmações como “Deus age de forma misteriosa”, ou
“Deus tem mais o que fazer do que atender às preces de uma criancinha metida”, ou
“os feitos e os crimes dos homens devem ser atribuídos aos homens e não a Deus”,
me soavam como desculpas, e não aliviavam em nada a minha angústia (GLEISER,
2010, p. 56).

O Sara(te)u deveria ser mais uma noite de diversão, culto ao deus Dionísio e demais
atrações para entretenimento dos jovens de Rio Branco; mas como em todo ENA, a
trivialidade passa ao largo, e desta vez não seria diferente. Após o evento, os rumores do ato
do estudante de filosofia começaram pelas redes sociais e logo estava estampado no programa
31

de maior audiência do Estado, o Gazeta Alerta, do ex-deputado e aspirante a pastor Edvaldo


Souza.
Este, como é comum entre os evangélicos, rapidamente passou a exortar o “povo de
deus” contra o absurdo que os “intrépidos ateus” haviam perpetrado contra o símbolo máximo
do cristianismo. Os organizadores foram vítimas de ofensas do país inteiro e conforme o caso
foi tomando maiores proporções, até ameaças de morte.
Abaixo um excerto do site UOL da entrevista (no mesmo site o vídeo do Roberto
ateando fogo teve mais de quinhentas mil visualizações, na página do deputado Federal
Marco Feliciano o vídeo passou de um milhão de visualizações) acerca do tema: “Antes de
subir ao palco, o estudante [...] me informou da performance que faria, no que respondi que,
no dia em que um artista fosse censurado no palco, seu lugar de excelência, era melhor acabar
com toda arte", disse.” e mais adiante:

Sobre a repercussão do caso, Zanon disse que achou exagero e denunciou sofrer
ameaças. "Somos um Estado muito conservador e se você olhar o face do rapaz que
queimou verá que ele está sofrendo ameaças. Eu também estou", assegurou, citando
que analisa ingressar com ações na Justiça contra quem o ofendeu e o ameaça (UOL,
2015).

Uma jornalista acriana ilustrou apropriadamente a perseguição moderna a qual este


estudo faz referência. A repórter do jornal virtual Ac24horas, Ângela Rodrigues, assim
noticiou sobre os dias seguintes ao episódio do presente estudo de caso:
No Acre, a banalização em torno da Bíblia Sagrada parece não ter limites para
muitos jovens, após um acadêmico atear fogo nas escrituras em plena apresentação
musical que reunia adeptos do ateísmo numa programação cultural da Ufac e outro
que promete atear fogo na bíblia em frente a sala da reitoria da Ufac em repúdio a
suspensão das atividades musicais na referida universidade. (Ac24horas,
07.05.2015, Ângela Rodrigues, grifo nosso)

A repórter adverte, numa matéria complementar a da queima da Bíblia que tais adeptos
do ateísmo não têm respeito pela “palavra de Deus”, num acontecimento influenciado pela
repercussão do caso: um jovem aparece em sua página de facebook virtual supostamente
fumando uma página da Bíblia. Por óbvio o jovem foi também alvo de inquérito do Ministério
Público do Acre. A crescente de ódio resultou na intervenção dos pastores e deputados
federais, Feliciano e Rick, que solicitaram a abertura de inquérito policial após a repercussão
do evento. No memorando nº 780/SEPC/GS o Secretário de Estado e Segurança Pública
assim ordena a seu subalterno:
Conforme diálogo anterior, encaminho-lhe anexo, pronunciamento realizado pelo
Deputado Federal Pr. Marco Feliciano, bem como respectivo e-mail encaminhado
pelo referido parlamentar o qual requer instauração de inquérito policial sobre os
fatos narrados no aludido pronunciamento, para que sirva de subsídio no inquérito
policial registrado sob o número 46/2015 - 4ª DRPC, em trâmite nessa Delegacia de
Polícia Civil da 4ª Regional. (ACRE, 2015, p. 24, grifo nosso)
32

Através do OFÍCIO/GAB/ALAN RICK/PRB/Nº 087/2015 o deputado federal do


Acre, Alan Rick, expressa sua opinião jurídica sobre o ocorrido:
[...] onde participantes do evento queimaram um exemplar da Bíblia Sagrada, que é
por excelência, o principal objeto de culto e de orientação da fé dos cristãos. O fato
está previsto como crime no art. 208 do Código Penal Brasileiro, com a seguinte
redação: "Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função
religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar
publicamente ato ou objeto de culto religioso (...)" (ACRE, 2015, p. 35)

Mais adiante, no mesmo documento, o pastor e deputado infirma que se viu atingido
em seu sentimento religioso, pedindo, por fim, a responsabilização dos autores de tal
vilipêndio. Na análise da documentação dos autos do inquérito nota-se algumas coincidências.
As diversas autoridades do legislativo e executivo sempre se referem à “Bíblia Sagrada”, com
a exata grafia que é impressa na capa do livro em questão (e na própria ABNT).
Ele não é apenas um livro objeto de culto que fora incinerado numa performance
artística, ele é sacro e santo, é o próprio mito representado, por isso, o ato perpetrado deve ser
punido nos rigores da legislação criminal, segundo os deputados.
A UFAC abre procedimento administrativo prontamente e a promotoria do Ministério
Público do Acre assim se manifesta apenas oito dias após o fato ocorrido (numa velocidade
incomum, mesmo para a justiça acriana), expressando suas preocupações ao delegado
competente, então corregedor da Secretária de Estado e Segurança Pública, em virtude da
grande repercussão do caso, dando-lhe a devida cominação legal em seu entendimento:
Esclareço que os fatos em questão materializam-se, em tese, como atos de
intolerância religiosa, os quais, apresentado tipicidade penal com fulcro no art. 20 da
Lei 7.716/89 e entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal no Habeas
Corpus 82.424, de relatoria de Ministro Moreira Alves. (ACRE, 2015, p. 47)

Até mesmo professores são investigados pelos poderes estatais por simplesmente
auxiliarem o evento. O inquérito em tela resultou na denúncia nº 005845-84.2015.8.01.0001,
proposta pelo Ministério Público que pediu o arquivamento do inquérito policial objeto de
análise. Após o delegado responsável pelo inquérito entender pela denúncia de um dos
organizadores do evento e Roberto da Silva, como incursos nas penas do art. 208 do Código
Penal, num dos trechos da peça apresentada o promotor de justiça infirma que:
Em relação a Roberto Silva, em depoimento prestado ás fls. 37/38, afirmou ter
realizado o ato de queimar a Bíblia fora isolado, ou seja, por conta própria, sem a
conivência ou interferência de terceiros. Disse que
apenas cientificou ao organizador do evento Felipe Zanon que iria queimar um
exemplar da Bíblia, em forma de protesto contra o "fundamentalismo religioso
vigente na sociedade", de modo que este não se opôs, mas lhe asseverou das
possíveis consequências (ACRE, 2015, p. 91, grifo nosso).

E mais adiante:
O ato promovido por Roberto Silva, com uma possível "conivência" de Felipe
Zanon (organizador da 4ª edição do ENA), poderia se enquadrar na última parte do
art. 208 do Código Penal, qual seja “vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto
religioso”, tendo em conta que se queimou uma determinada edição da Bíblia
33

Sagrada, cujo sentido, valores e princípios ali vigentes são seguidos por um vasto
número de fiéis, dos mais diversos seguimentos cristãos (ACRE, 2015, p. 92, grifo
nosso).

Faz-se necessário transcrever o caput do art. 20 da lei que define os crimes de raças ou
cor: Art. 20. “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia,
religião ou procedência nacional”. Até 1997 tal lei previa pena de reclusão de dois a cinco
anos e multa. Com a alteração realizada pela lei 9.459/97, passou a ser de um a três anos e
multa a punição cominada. Note-se que o promotor é extremamente técnico nos crimes que
ele vislumbra terem indícios de materialidade e autoria. Veja-se um trecho da jurisprudência
consignada no pretório, sendo, assim noticiado no site do próprio STF:
Assim, consignou-se que o crime de racismo é evidenciado pela simples utilização
desses estigmas, o que atenta contra os princípios nos quais se erige e se organiza a
sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua
pacífica convivência no meio social. Reconheceu-se, portanto, que a edição e
publicação de obras escritas veiculando idéias anti-semitas, que buscam resgatar e
dar credibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista, negadoras e
subversoras de fatos históricos incontroversos como o holocausto, consubstanciadas
na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, equivalem à incitação ao
discrímen com acentuado conteúdo racista, reforçadas pelas conseqüências
históricas dos atos em que se baseiam (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2019).

Vale salientar que todo o evento, à despeito do ato perpetrado por Roberto da Silva,
correu sem qualquer altercação. Foi um evento tranquilo e não tivesse gravado tal ato, o fato
teria passado despercebido ao grande público e jamais teria sido mencionado num discurso
oficial no congresso nacional. Saliente-se que esta monografia não se destina a ser um atlas
jurídicos sobre o acontecimento, contudo, não se pode negar que comparar a queima de uma
Bíblia a um ato anti-semita e ao holocausto, é demasidado exagero, conforme ementa a
seguir: “HABEAS CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO.
RASCISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA
CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA”
(BRASIL, 2013, p.1).
Como não é o objeto do presente estudo, não cabe destrinchar o voto completo que
resultou na ementa acima; contudo, alguns detalhes é importante frisar, posto que, em tese, foi
o próprio custo legis que suscitou tal jurisprudência. Já que se trata de dois casos concretos e
cominados pela mesma legislação penal (art. 20 da L. 7.716/89), é necessário realizar a
distinção de ambos.
É inclusive pré-requisito de admissibilidade do recurso em alguns casos. A história
jurídica por trás do HC 82.424/RG passa pelo Superior Tribunal de Justiça cujo acórdão
atacado, em síntese, dizia que o paciente havia se utilizado do remédio heroico para infirmar
34

que a constituição dava guarida da imprescritibilidade apenas para o art. 5º, inciso XLII, da
Constituição Federal e não ao art. 20 supra.
Note-se: a tese jurídica de defesa certamente atacou a interpretação em prejuízo do réu
neste caso específico. O relator, Ministro Moreira Alves, sem mais delongas, cita o art. 3º,
inciso IV da CF: “promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade
e quaisquer formas de discriminação”.
Em suma, o Ministro relator entende que a acepção de racismo não engloba quaisquer
formas de discriminação, dando provimento ao HC para extinguir a punibilidade daquele que
publicou um livro dizendo que judeus não são uma raça. Foi vencido e a ordem denegada pelo
plenário. Ainda que quisesse fazer entender o membro do MP no caso da queima da bíblia,
com a devida vênia, os evangélicos não são uma raça superior (embora alguns se vejam
assim).
A transcrição da gravação do ato em si jamais fez parte deste processo kafkiano.
Assim, entendeu o promotor haver indícios de cometimento de um crime inafiançável e
imprescritível no caso em estudo.
O promotor de justiça intuiu que há princípios na Bíblia Sagrada seguidos por um
vasto número de fiéis, ou seja, ‘eles’ se sentem vilipendiados ao verem queimar um livro que
engloba desde à condenação da sodomia até mesmo a apologia ao incesto. E continua num
tom admoestativo em sua denúncia:
Pois bem, como dito anteriormente, as ideias defendidas pelas partes foi exercida
com a devida liberdade que a Constituição Federal assim garante. Some-se a isso a
questão de que o ato de se queimar um exemplar da Bíblia (ainda que seja um ato
reprovável socialmente) não impediu que houvesse atos de adoração a Deus, em que
a bíblia [sic] fosse utilizada como a principal propagadora de fé e dos ensinamentos
cristãos bem evidentes na maioria da população do Estado. Trata-se de
manifestações de pensamentos diferentes, sob a guarda constitucional da liberdade
de expressão (ACRE, 2015, p. 95, grifo nosso).

À despeito da retratação realizada pelo estudante Roberto da Silva, e do pedido de


arquivamento ao final da denúncia, este ficará para sempre marcado como o “queimador de
bíblias”. Algo reprovável socialmente, ainda que dentro da liberdade de expressão, segundo o
promotor denunciante.
Salta aos olhos, porém, ao final deste estudo de caso, de uma forma incômoda como
um retumbar insistente, o fato de que em nenhum momento, desde o inquérito até o
arquivamento da denúncia pela justiça acriana, foram reproduzidas as palavras exatas do
então denunciado quando perpetrou seu ato: “[...] ó, é a bíblia do jovem que estava tentando
me evangelizar [...] bíblia de promessas [...] a palavra de deus é forte e ruim de queimar [...]
35

tô [sic] falando que eu não acredito nem em deus nem no diabo, tá?” (informação verbal, IV
ENA, SARATEU, 2015)9.
Sequer era uma Bíblia Sagrada o objeto mitológico supostamente vilipendiado, era
uma Bíblia de Promessas. Era um ateu, num evento de ateus, fazendo uma performance
artística, investigado e denunciado com base, dentre outros, num precedente acerca de um
anti-semita que infirmou que judeus não são uma raça.
“Eu não quero ser evangelizado”, eis o manifesto ateu em sua mais perfeita
representação memética. A violência simbólica contra os laicos subverte até mesmo a ordem
jurídica, a importância dos poderes constituídos, tudo em nome da Bíblia Sagrada, porém, não
está albergada em qualquer legislação específica. Daí a importância do ensino confessional
nesta lógica mitológica da laicidade: é preciso ensinar o respeito a palavra de Deus, mesmo
num evento ateísta num campus universitário (que, por lei, deveria ser autônomo).

4 O ENSINO CONFESSIONAL NA ADI 4439: NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

O mito do Estado laico é observado em maior ou menor grau em cada evento descrito
anteriormente e é também contemporâneo ao ENA; o mito da laicidade agora encontra
alicerce no STF, numa daquelas votações históricas, onde o lado perdedor saiu com cinco
votos e de cabeça erguida; deixa-se agora a justiça comum de primeiro grau onde tramitou a
denúncia abordada no capítulo anterior em direção ao pretório. O mito sai do campo micro em
direção ao campo do macro.

9 Vale ressaltar que na mídia eletrônica entregue aos membros da banca onde a presente monografia foi
defendida estão diversos arquivos (inclusive vídeos de reportagens nas quais este trabalho se baseia, arquivo
fotográfico denso, bem como o registro completo de etapas do projeto denominado Encontro Nacional de Ateus
realizado no Acre no período em estudo.
36

Via de regra, o que o pensamento laico no entendimento deste trabalho preleciona,


desde aqueles mais básicos, como saúde, alimentação, educação (exceto a propriedade
privada), é o direito de não crer. O direito a uma educação não laica, contudo, prevaleceu em
1988, reforçando assim o mito da laicidade, numa afronta direta ao direito dos laicos,
consoante o voto divergente do Ministro Alexandre de Moraes na ADI 4439. Não se quer
resumir esta obra à temática do preconceito, mas é inegável que esta temática, às vezes, torna-
se necessária.
A laicidade plena de um Estado traz consigo o direito ao aborto, a legalização das
drogas, do culto ao deus Baco (relacionamentos poliafetivos, por exemplo) como já
defendido: a assegurar que o próprio homem ou a própria mulher possa ser seu(ua) próprio(a)
deus(a). O senhor de si, mas não um Senhor vingativo, ciumento e com tendências
megalomaníacas, mas um deus dionisíaco: um mito grego para explicar uma realidade. A
jogada de mestre do pensamento nietzschiano, aqui, é demonstrar, principalmente, a
liberdade, seja ela sexual, seja ela estoicista, de viver sua própria vida ao seu bel-prazer,
respeitando-se apenas o outro como limite. O humorista Gregório Duvivier talvez dissesse:
não pode dizer que o coleguinha não é da raça humana. Não pode dizer que o coleguinha vai
para o inferno se não acreditar em Deus.
É um mito na medida em que, assim como na ideia clássica de deuses, povos fazem
uso de uma mitologia para explicar o que não entendem. Não se atingiu o que realmente
significa – ou deveria significar - um estado laico atualmente. Se trovoadas rasgam o céu é o
mito de Thor... Nietzsche deslinda a mitologia grega para, em sua riqueza vocabular,
demonstrar toda beleza da sabedoria na Grécia antiga, muito dela representada pelos
primeiros laicos, segundo Minois.
Defende-se para os fins deste estudo que crença, fé e mito, são sinônimos e a segunda
premissa do conceito de lesa-secularism, por isso chamamos de mito da laicidade, pois não é
apenas no art. 19, inciso I, que os laicos são ignorados pela carta máxima, mas também no art.
5º, incisos VI e VIII. Sempre falamos em crença, nunca em laicidade plena ou direito de não
crença. O termo laicidade de fato não socorreu os laicos na constituição de 88, uma carta que
foi promulgada sob o olhar divino, como resta claro em seu preâmbulo. Atacar, neste
entendimento, o art. 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, deveria ter
englobado mais fortemente este debate, pois o princípio da laicidade está no núcleo dos
demais artigos citados: o campo de batalha educacional, a sala de aula, a autonomia
universitária!
O que se fazia ao arrepio da lei era, até pouco tempo, criminalizar esta ausência de fé!
Nossa primeira constituição, a de 1824, estabelecia uma religião oficial (o catolicismo). O
37

ministro Barroso do STF já se pronunciou a respeito de matéria análoga (liberdade laica de


fato): não é porque o sujeito está em sua cama, fumando seu baseado ou queimando uma
bíblia, que ele deve ser preso. Substâncias psicoativas e o fogo são conhecidas pelo homem há
séculos: a verdade real é que nem o Supremo – nem talvez o próprio deus Hindu – poderia
proibir tal prática. Contudo, as práticas já foram piores:
[...] em vez de nos perseguir, deem-nos provas da existência dos deuses. Tarefa
urgente, avalia Platão, pois o ateísmo é fonte de imoralidade e incivismo : “Jamais
se viu alguém que atribui aos deuses uma existência em conformidade com o que
decretam as leis cometer voluntariamente atos ímpios, nem dar livre curso a uma
linguagem que esteja em oposição à lei”. Por que os ateus não creem nos deuses?
(MINOIS, 2014, p. 48, grifo nosso)

Assim, se um homem, na solidão de sua vida patética, parafraseando o Ministro


Barroso, escolher ser laico, este tampouco deve ser incomodado, ainda que seja estúpido o
bastante para queimar uma Bíblia de Promessas no Estado mais religioso do Brasil, de forma
proporcional. Fere um direito fundamental, e a defesa do conceito de lesa-secularism passa
inexoravelmente pela luta entre esta dualidade (laicos x não laicos) onde a principal perdedora
é sociedade. Certamente é afeto ao ensino confessional católico, por exemplo, expor a criança
a crescer ouvindo expressões como “chuta que é macumba” ou “terreiro é coisa do diabo”,
para dizer o mínimo a que uma criança está submetida em mãos católicas.
Dos orixás advém nossa raiz negra, deste povo guerreiro que foi, pouco a pouco,
submetido ao jugo cristão; tal religião é igualmente protegida pelos dispositivos mencionados.
O núcleo jurídico da liberdade de crença do art. 19, inciso I, da CF é fraco em sua redação, o
que contribui para que se experimente tal princípio através de sua faceta mítica somente.
Apenas esqueceu-se de defender a laicidade e aqueles que não creem, posto que crenças são
todas estas que citei: Umbanda, Candomblé, Universal do Reino de Deus, Santa Sé, Vaticano,
e assim por diante.
No Código Civil de 2002 a situação é ainda mais dramática: o termo laicidade sequer é
mencionado. No diploma que rege nossa vida civil a liberdade de não crer sequer é abordada.
Restou prejudicada a laicidade igualmente pela redação do texto infraconstitucional, tendo em
vista que não se garantiu expressamente o direito a não crença. Isto, o direito a não crer, é um
o núcleo duro do conceito de lesa-secularism. Todos nascem ateus e com a convivência social
vão adquirindo um conjunto de valores religiosos, se um pastor evangélico houvesse nascido
na Índia, este provavelmente seria Hindu ou Muçulmano após anos de exposição àquelas
culturas.
Questões mais incômodas podem ser levantadas acerca do mesmo tema: crianças
judiais devem ser submetidas à circuncisão? As católicas ao batismo e à escola dominical
ainda em tenra idade?
38

Todo descrente, ou mesmo frequentador de religiões de origem africana


(principalmente), consegue ler nos olhos de religiosos fundamentalistas o “sofrimento” que os
aguarda e enquanto este estudo é elaborado, uma jovem de apenas 11 anos, professante do
candomblé, fora apedrejada no Rio de Janeiro. Em O Anticristo, Nietzsche resume bem o
sentimento de quem vive de acordo com os dogmas cristãos esperando uma vida perfeita no
pós-morte: “No budismo nada é prometido e tudo é cumprido. No cristianismo tudo é
prometido e nada é cumprido”. O Ministro Alexandres de Moraes, porém, pensa de forma
diferente no voto vencedor da ADI em estudo:
[...] O ensino religioso previsto constitucionalmente é um direito subjetivo
individual e não um dever imposto pelo Poder Público. A definição do núcleo
imprescindível do ensino religioso como sendo os dogmas de fé, protegidos
integralmente pela liberdade de crença, de cada uma das diversas confissões
religiosas, demonstra que não há possibilidade de neutralidade ao se ministrar essa
disciplina, que possui seus próprios dogmas estruturantes, postulados, métodos e
conclusões que o diferenciam de todos os demais ramos do saber jurídico e deverá
ser oferecida segundo a confissão religiosa manifestada voluntariamente pelos
alunos, sem qualquer. interferência estatal, seja ao impor determinada crença
religiosa, seja ao estabelecer fictício conteúdo misturando diversas crenças
religiosas, em desrespeito à singularidade de cada qual, ou confundindo o ensino
religioso com o estudo de história, filosofia ou ciência das religiões (BRASIL,
Supremo Tribunal Federal, 2017, ADI 4439).

Não é, mas deveria ser um dever de abstenção imposto ao poder público a vedação do
ensino confessional. Mitos não devem ser entendidos apenas no sentido de algo irreal,
ilusório; sobremaneira, visa-se, através da dialética marxista, demonstrar o lado positivo
deste: o reconhecimento de uma “Era do mito da laicidade” por si só pressupõe o germe para
sua superação. Para Marx, a Era burguesa estava fadada a ser superada pela Era proletária: a
Era mitológica da laicidade o será igualmente. Um mito que se prepara para deixar o
fantástico e se tornar, como em democracias mais evoluídas, parte dos direitos realmente
fundamentais de uma sociedade, de um povo. Entender o conceito de laicidade aqui defendido
faz-se necessário para entender o mito e vice-versa.
Quanto terão importado na minha opção [de pesquisa] as fábulas que me contavam
quando eu era criança? Minha mãe lia para mim as fábulas recolhidas em finas do
século XIX pelo escrito siciliano Luigi Capuana, povoadas de todo tipo de magias e
de horrores: mães-dragão com a boca ensangüentada com as carnes de "cordeirinhos
e cabritinhos que pareciam meninos"; seres minúsculos de olhar inocente, enfeitados
com turbantes emplumados que, virada a página, se transformavam em monstruosos
lobisomens de bocarra escancarada. [...] (GINZBURG, 2007, p. 296).

O ateísmo, por assim dizer, não é a laicidade em si: é a negação radical de sua faceta
mítica. A laicidade de fato, que se observa hoje, sempre foi a legitimação do domínio não
laico tanto na esfera jurídica, como na social e econômica. É olhar para a nota do real e achar
que o lugar de deus não é ali. É observar o STF julgar a tudo e a todos com uma cruz à
39

espreita. É ver, dia após dia, este mito do Estado laico se construir e desconstruir,
perpetuando-se. E os ateus são os radicais nesta luta.
A luta de contrários é o motor da história: os Alan Ricks e Robertos de Souza estão em
lados opostos, embora raramente se perceba... mas o que significa o mito para estes lados
opostos? Perorou certa vez o deputado Jair Bolsonaro: “vivemos num estado cristão”; de tão
cristão teve chancelado pelo STF o ensino confessional financiado pelos cofres públicos como
ocorre aqui no Acre em relação aos colégios São José e João Calvino.
O mais polêmico, à guisa de problematização do tema, será a consolidação dos
fundamentos jurídicos para uma possível demanda junto à Corte Interamericana de Direitos
Humanos, posto que, conforme insculpido no conceito de lesa-secularism, é inadmissível para
a dignidade da pessoa humana – um dos fundamentos da república federativa do Brasil - que
ainda se admita um ensino confessional infanto-juvenil em pleno século XXI.
A história da loucura moderna é aquela onde o aborto de fetos é condenável, mas o
aborto de mentes é financiado pelo Estado.

5 DO CABIMENTO DE RECURSO À CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS


HUMANOS CONTRA A DECISÃO NA ADI 4439 E A ATEA NA CONDIÇÃO DE
INTERVENIENTE PROCESSUAL (AMICUS CURIAE) NO STF

Embora usualmente Estados possam ingressar com procedimentos na Corte


Interamericana de Direitos Humanos, pessoas naturais e organizações podem protocolar
reclamações à comissão que a analisa e poderá leva-la ao plenário. O Brasil já fora
condenando em 2010 pelo caso que ficou conhecido como “Guerrilha do Araguaia”. A
sustentação oral da ATEA levanta interessantes questões no julgamento da Ação Direita de
Inconstitucionalidade nº 4439, indo além, inclusive, atacando outros trechos do artigo ora
combatido. Note-se que o objeto do trabalho empreendido jamais fora ser uma espécie de
atlas jurídico ou mesmo utilizar demasiadamente a linguagem jurídica. Sempre teve por
objetivo esclarecer pontos dos materiais pesquisados, lançando, se possível, luz aos eventos
compreendidos pelo período em estudo.
40

Segundo sua sustentação, a advogada da ATEA elencou vários aspectos nocivos que
poderiam resultar da continuidade do fomento da educação religiosa pelo Estado. Ora, filhos
de um umbandista teriam que assistir às aulas cristãs ocidentais? Os filhos de casais
homoafetivos teriam de ouvir que a prática das pessoas que mais ama é um pecado
abominável. E os filhos de ateus teriam de ver seus filhos doutrinados numa crença, para
alguns, até odiosa. Isso gera instabilidade social, gera sofrimento pessoal aos que ali estarão
por mera imposição social. Que método científico poderia exprimir a dor de uma criança que
vê suas crenças e modos de vida ditas infames?
[...] E, também, a guerras, perseguições e fundamentalismos diversos, da Inquisição
ao Jihadismo [grifo nosso]. No plano existencial, a religião se liga a sentimentos
humanos, como medo e esperança, e ao cultivo de valores morais e espirituais, que
remetem ao bem, à solidariedade e à compaixão. A religiosidade, aqui, envolve a
relação com o sobrenatural e o transcendente, com a concepção de que a vida não se
limita a uma dimensão material ou física. Ao longo dos séculos, a humanidade busca
nas manifestações religiosas – ensinamentos das escrituras, exemplos de vidas
emblemáticas e o reconhecimento de lugares sagrados, entre outras – as respostas
para questões existenciais básicas, como o sentido da vida e a inevitabilidade da
morte (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2017, ADI 4439).

É uma violação aos direitos mais básicos daqueles que tem direito à proteção máxima,
as crianças. O que esses traumas podem gerar em gerações e gerações fruto de uma sociedade
onde a religião faz parte do currículo escolar. Se no também polêmico “Caso Herzog” a corte
novamente condenar o país, este terá de reconhecer os militares da época como criminosos,
tendo em vista que o país se submete às decisões da corte.
Logo, se mesmo um crime ocorrido na década de 1970, apoiado pelos cristãos, no
golpe civil-militar de 1964, o instituto da prescrição e aqueles colecionados na lei de anistia
incidem, o que se dirá de um crime para o futuro? A família brasileira mudou, o pensamento
científico se difundiu, especialmente pelo processo de globalização; o fato notável que hoje,
países europeus tem altos nível de laicidade entre seus cidadãos. Os ditadores do presente
muitas vezes se disfarçam de pastores. O projeto de governar o país é um projeto que este
declinou em sua autobiografia afirmando que o propósito de sua igreja era “que fôssemos um
país cristão”.
Os modelos confessionais e interconfessionais de ensino religioso são, no entanto,
incompatíveis com a exigência de separação formal entre o Estado e as religiões.
Quando se permite que alunos recebam instrução religiosa de uma ou de várias
religiões dentro das escolas públicas, torna-se inevitável a identificação institucional
entre o Estado, que oferece o espaço público da sala de aula durante o período
letivo, e as confissões, que definem os conteúdos a serem transmitidos. A violação à
separação formal fica ainda mais nítida nos casos em que se exige que os
professores da disciplina sejam representantes religiosos ou pessoas credenciadas
por Igrejas e, ao mesmo tempo, se admite que sejam remunerados pelo Estado, em
contrariedade à vedação expressa do art. 19, I da Constituição (BRASIL, Supremo
Tribunal Federal, 2017, ADI 4439).
41

O voto vencedor, do Ministro Alexandre de Moraes, é de uma aversão aos laicos


descabida e desarrazoada. É a convalidação da ditadura da maioria, como tão ferozmente
brada o atual presidente do Brasil. Talvez, um procedimento desta magnitude pudesse erigir
uma jurisprudência que se preocupasse com fatos prospectivos que ofendam os direitos
humanos mais básicos, como o de não ser torturado; é sim, uma espécie de tortura psicológica
expor uma criança, qualquer que seja, numa escola pública, a aprender que seu modo de vida
ou suas convicções pessoais o levarão a alguma espécie de punição ou julgamento. Nega-se
assim aquele famoso brocardo “torna-te quem tu és”.
A legitimidade para propositura de um recurso à Corte interamericana foi deslindado
através deste trabalho, todavia, à guisa de reforço, vale relembrar que expor crianças em tenra
idade aos ensinamentos religiosos pode configurar um crime. Uma criança sofrer preconceito
em razão de suas crenças pode acarretar um fato grave, sem dúvidas, como no exemplo da
criança de 11 anos candomblecista. Um adolescente não assumir sua sexualidade em razão de
crenças alheias é um crime.
Uma adolescente ver “perdida” suas oportunidades em razão de não poder interromper
uma gravidez indesejada é um crime. Segundo a peça inicial da ADI em estudo temos que,
segundo a visão da autora Débora Diniz, o Acre possui ensino confessional com: “[...] o
objetivo do ensino religioso é a promoção de uma ou mais confissões religiosas. O ensino
religioso é clerical e, de preferência, ministrado por um representante de comunidades
religiosas. É o caso de Acre, Bahia, Ceará e Rio de Janeiro. [...]” (DINIZ, 2010, p.30).
Permitir que “homens de bem” engravatados continuem a atrapalhar o
desenvolvimento técnico e científico do Brasil em virtude de um judeu que nem se sabe se
sequer existiu é um crime. A CIDH deve se posicionar a respeito desta decisão esdrúxula que
permite que o Estado financie todo um pensamento que em sua imensa maioria permite que
minorias sejam perseguidas e direitos sejam negados. O conceito de lesa-secularismo é o
reconhecimento tácito de tudo o que fora dito acima e mais, é elevar ao status de fundamento
da constituição o princípio da laicidade. O Constitucionalista José Afonso da Silva defende tal
versão distorcida da laicidade, senão veja-se:
O Estado Brasileiro é um Estado laico. A norma parâmetro dessa laicidade é o art.
19, I, que define a separação entre Estado e Igreja. Mas como veremos ao comentá-
lo, adota-se uma separação atenuada, ou seja, uma separação que permite pontos de
contato, tais como a previsão de ensino religioso (art. 210, §1º), o casamento
religioso com efeitos civis (art. 226, §2º) e a assistência religiosa nas entidades
oficiais, consubstanciada neste dispositivo. Enfim, fazem-se algumas concessões à
confessionalidade abstrata, porque não referida a uma confissão religiosa concreta,
se bem que ao largo da história do país o substrato dessa confessionalidade é a
cultura haurida na prática do Catolicismo (SILVA, 2009, p. 97).
42

Se este trabalho servir ao menos para conscientizar o leitor para o fato de que tais
práticas são condenáveis, ou seja, expor crianças a um livro que prega a pedofilia, o estupro e
o incesto (para não citar a imensa lista de valores condenáveis ali prescritos), já terá sido
exitoso. O recurso é o trabalho: é imprimi-lo basicamente, separando-o em forma de petição
jurídica, fazendo uma releitura do país que persegue laicos. Quando este momento chegar (se
chegar), o direito fará definitivamente seu papel: proteger as minorias, os incapazes e aqueles
que por sua condição necessitam de sua guarida.
Este é o papel por excelência dos operadores do direito: defender as minorias. A
ditadura da maioria não necessita de defensores; necessita de retentores para parar seu avanço
hostil a toda liberdade individual (que tanto citou o Ministro Alexandre de Moraes em seu
voto). É proteger o íntimo daquele homossexual, grávida, suicida e herege que quer viver de
modo diferente do status quo. A ditadura da maioria não precisa mais de defensores. A
cristofobia e a heterofobia já desempenham à contento tal papel na atualidade.

6 ENSAIOS SOBRE O CONCEITO LESA-SECULARISM: UMA ABORDAGEM


MATELIALISTA HISTÓRICA DA ANTINOMIA LAICOS X NÃO LAICOS

6.1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRIME DE LESA-MAJESTADE

Na obra Ecce Hommo cujo significado Ariano Suassuna tão bem representou em sua
obra O Auto da Compadecida com seu Jesus negro, desnuda-se numa roupagem diferente na
filosofia de Nietzsche. “O homem”, “o iluminado” é perigoso. E num período da história onde
a bancada evangélica e seus pensamentos anacrônicos avançam, e um presidente
mundialmente acusado de defender o fascismo foi eleito. Vivemos de fato um Estado laico?
Quando se fala em isonomia na presente monografia, não é sob a ótica da isonomia
positivista. É uma igualdade de direitos e de fato. No papel da constituição está inscrito o
nome de Deus e logo adiante, ali, onde não é “tão importante”, o princípio da laicidade no art.
19. O Supremo julga sob a cruz. Todos os poderes estão sob a cruz. No sentido literal e
metafórico. É o que, antigamente, tratava-se do crime de lesa-majestade. Tal crime consiste na
traição contra sua majestade, ou violar a dignidade de um soberano reinante ou contra o
Estado. Em muitas oportunidades os condenados eram severamente castigados, sempre em
43

praça pública, submetidos muitas vezes à tortura10 seus bens se tornavam propriedade da
Coroa e sua família, condenada a infâmia.
Vale salientar que até em alguns institutos jurídicos, como a sucessão por exemplo, os
bens de um particular podem ser revertidos ao erário, bem como em caso de condenações por
tráfico: o Estado apenas mudou sua roupagem, mas os crimes que pratica contra seus cidadãos
continuam os mesmos. É importante, na construção do conceito de crime de lesa-secularism,
entender que infâmia tem igualmente um significado “jurídico laico” muito próprio. Ser laico
já foi um crime. Isso denota a mudança do que seja um infame na sociedade atual: mas este
lastro de perseguição, Dawkins afirma que continua ainda nos dias de hoje, contudo, sobre
uma nova roupagem.
Os laicos eram “infames” (por exemplo um filho de mulher solteira há algumas
décadas atrás) e sua tentativa (subornando padres e tabeliães) por “salvar o nome da família”,
muitas vezes era algo similar a um filho bastardo na logica civilista antes de 2002. É no
reconhecimento do conceito de lesa-secularismo que se atinge a “dignidade”; não é só a
tortura, nem tampouco numa antinomia entre laicos e não laicos, tendo em vista que, muitas
vezes um religioso defenda valores laicos: é essencialmente ao ataque contra a laicidade do
Estado.
Quando se diz dignidade da pessoa humana, não encontramos somente em seu núcleo
duro a defesa da propriedade, da liberdade e igualmente da Revolução Francesa; temos ainda
um rol de artigos, tanto em cartas nacionais como internacionais, positivando o mesmo. No
presente trabalho, aborda-se este conceito como os mais elementares direitos de um povo: a
verdadeira laicidade do estado. O direito comparado demonstra que o que é considerado
“fundamental” num país, não é considerado em outro. Qualquer tentativa de negar tal lógica é
ofender Cuba, Coreia do Norte, China e Rússia, cuja estrutura social pende para um
socialismo.
Assim, o conceito de lesa-secularism reconhece o fato jurídico que fazem com que as
pessoas se sintam livres para questionar os não-laicos acerca dos motivos de seu ceticismo;
num exemplo grosseiro, seria como sempre perguntar aos homossexuais: Por que você gosta
de pessoa do mesmo sexo? E se fosse o oposto? Os laicos insistentemente questionando “por
que deuses existem?” (o direito que busca a verdade, repise-se). Isso, indubitavelmente,
coloca em polos opostos (na ADI 4439, a ATEA interviu a favor da PGR, vale sempre
recordar) de uma relação jurídica que sequer deveria ser controvertida. É abominável, é
infame que o Estado tenha um ensino confessional nas escolas públicas! É chancelar que seres
em formação estão submetidos a uma pessoa, conforme o voto do ministro relator, que pode
10 É importante frisar aqui que o próprio crime de tortura nos dias de hoje é considerado inafiançável e
insuscetível de graça ou anistia, assim como o terrorismo.
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lhes fazer uma verdadeira lavagem cerebral. Senão vejamos o seguinte excerto do voto
vencido do Ministro Roberto Barroso na ADI 4439:
Os modelos confessionais e interconfessionais de ensino religioso são, no entanto,
incompatíveis com a exigência de separação formal entre o Estado e as religiões.
Quando se permite que alunos recebam instrução religiosa de uma ou de várias
religiões dentro das escolas públicas, torna-se inevitável a identificação institucional
entre o Estado, que oferece o espaço público da sala de aula durante o período
letivo, e as confissões, que definem os conteúdos a serem transmitidos. A violação à
separação formal fica ainda mais nítida nos casos em que se exige que os
professores da disciplina sejam representantes religiosos ou pessoas credenciadas
por Igrejas e, ao mesmo tempo, se admite que sejam remunerados pelo Estado, em
contrariedade à vedação expressa do art. 19, I da Constituição (BRASIL, Supremo
Tribunal Federal, 2017, ADI 4439).

Ninguém arriscaria seu filho a uma lavagem cerebral de forma lúcida; isto ocorre pelo
fato de que a religião é um ópio e neste ponto, vale salientar que este é um dos conceitos que
permanecem atuais na sociologia marxista; Marx, ao estudar o Estado, percebeu este, pós-
revolucionário Estado, viu na religião uma utilidade. Esta é a moral da época, utilitarista. É o
brasileiro médio bradando “o país está uma droga” sentado num sofá, acreditando que a
democracia é somente o voto. Democracia é tomar as ruas como fazem os defensores da
descriminalização das drogas, bem como os homossexuais e demais LGBT’s. Os laicos não
têm partido, devido sua grande pluralidade. Um laico, antes de tudo é também um humanista.
Cruel, muitas vezes, como Fidel, Che, Mao, em alguns momentos de suas vidas: quem não o
é? A realidade deve ser vista através do outro; o outro é um termômetro da realidade. Se eu
enxergo no outro “o povo brasileiro”, eu vejo que o Outro se torna o caos 11 e o pensamento
político reflete esse caos. As oligarquias que sempre governaram são não laicas; por mais que
não praticantes, mas não laicas.

6.2 O CONCEITO DE LESA-SECULARISM: UMA DISCUSSÃO ACERCA DO DEVER


ESTATAL DE ABSTENÇÃO ABSOLUTA EM RELAÇÃO AO ENSINO CONFESSIONAL

A queima da bíblia foi a pièce de résistance do ateísmo no Acre, a sustentação oral da


amicus curiae, a advogada Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro, foi a pièce de résistance do
ateísmo no Brasil, especialmente quando afirma que grande parte dos brasileiros sente asco
dos ateus. As duas falas, uma filosófica (e fática) e a outra jurídica (e igualmente fática)
deságuam no fato inexorável de que o ateísmo saiu das fogueiras medievais para a mídia.
Entendendo o gesto de Roberto da Silva como exagerado ou não, não podemos ignorar seu
brado: “Eu não quero ser evangelizado”. A advogada da ATEA não poderia ser mais enfática:
11 Assim como na física, na filosofia, vários pensadores irracionalistas já defendiam a ideia de uma realidade
caótica, onde o irracional – Nietzsche por exemplo julgava-se, na sua época, um irracionalista e um imoral, o
maior deles inclusive – era o que governava, era uma força a ser aceita e não temida. Foucault por exemplo, fala
da prática manicomial, abolida nos dias de hoje pois isto é irracional, mas já foi considerado racional e
plenamente aceitável do ponto de vista jurídico.
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[...] estamos aqui nesta tribuna Senhora Ministra Presidente para dar voz a um grupo
verdadeiramente vulnerável, minoritário numericamente sem nenhum poder de
influência na tomada de decisão do Estado e porque não dizer, Senhor Ministro
Relator, num grupo esquecido, sequer mencionado por muitas das sustentações orais
que me antecederam refiro-me aos ateus e agnósticos. e peço licença para trazer a
Vossa Excelências um número assustador. Pesquisa Sensus realizada em 2007
revelou, Senhora Presidente, que 84% dos brasileiros votariam num negro para
presidente, 57 votariam numa mulher, 32 num homossexual, mas apenas 13% se
disporiam a votar num ateu. E mais além, pesquisa realizada pela Fundação Perseu
Abramo, em 2008, revelam que assustadores 42% dos brasileiros reconheceram
sentir "aversão" aos descrentes e dentre esses 42%, 17 declaram sentir ódio de ateus
e 25% declararam antipatia. Este é um número que precisa mudar, Senhora Ministra
Presidente, e é por isso que estamos aqui para conferir ao modelo legal uma
interpretação que seja compatível com a igual dignidade e com o igual respeito que
devem merecer todos os cidadãos desta república e mais, com uma interpretação
superadora [sic] desta triste realidade de ódio presenciada na sociedade brasileira. E,
neste contexto, senhora Ministra Presidente, dada a exiguidade do tempo a ATEA é
manifestamente contrária ao ensino religioso em escolas públicas e não poderia ser
diferente mas pede licença a douta Procuradoria-Geral para ir além Senhora Ministra
Presidente o art. 33 contém partes que são flagrantemente inconstitucionais e que
positivam este sentimento de ódio que vive na nossa sociedade. Leia o caput do art.
33 "o ensino religioso de matrícula facultativa" e aí vem o aposto abominável com
todo respeito "é parte integrante da formação básica do cidadão". Data máxima
vênia, eu tenho uma lei dizendo que uma pessoa que não tem formação religiosa é
um cidadão de segunda categoria e depois nós não entendemos porque que 42% dos
brasileiros sentem aversão a ateus. Eu tenho o Estado, o Poder Público com sua
força normativa e com a sua força simbólica estabelecendo que quem não tem
formação religiosa não tem a sua cidadania plena. Isso é absolutamente inaceitável,
data máxima vênia, não podemos conviver com cidadãos de primeira e segunda
categoria. Até porque o art. 210 quando ele diz "da formação básica do cidadão" diz
que "é dever do estado" e no seu parágrafo primeiro ele diz que o ensino religioso é
facultativo. Ora, se ele é facultativo ele evidentemente não é integrante daquele
núcleo básico de formação e é muito perigoso dizer que aquele que não tem uma
crença religiosa também não tem moralidade e pior do que isso: também não exerça
sua cidadania. Então é importante, sim, que esta Corte dê um passo simbólico em
proteção deste grupo evidentemente vulnerável e minoritário e suprima este aposto
absolutamente desnecessário e discriminatório constante do caput do art. 33. E
vamos além, para além de defendermos que o ensino religioso necessariamente não
pode ser confessional e há nos autos um estudo precioso da Professora perdão Ana
Maria Cavalieri “o mal estar do ensino religioso nas escolas públicas” em que ela
analisa os efeitos danosos do ensino religioso nas escolas públicas do Rio em que
ao contrário do que sustentado pela douta representante da AGU, ensinar religião
para crianças na escola pública não é o espaço ideal de formação religiosa, há
relatos de inúmeros professores dizendo como esse tema gerou ódio, trouxe o ódio, o
preconceito e a discriminação pra dentro da sala de aula, muitas vezes para
crianças de 5 anos de idade. Então, com todo respeito, para além de defender que o
ensino não pode ser confessional, a ATEA prega a inconstitucionalidade do aposto
do art. 33 e mais ainda a máxima efetividade à nota da facultatividade. O ensino
religioso mesmo que não confessional deve necessariamente ser ministrado ou no
início ou no término das aulas para que aqueles que não desejam participar sofram o
mínimo fardo o mínimo encargo, se assim desejarem por não participar daquela
disciplina, por uma interpretação que proteja este grupo vulnerável Senhora
Presidente, obrigada (informação verbal, grifo nosso).

Quando se defende o direito à creche no Estado do Acre (e no país afora), os


desembargadores entendem que não há argumento possível e imaginável pelo qual o Estado
possa se defender. Aqui não há reserva do possível, não há qualquer outro artigo na
imensurável legislação brasileira que possa ser alegado para eximir-se de tal dever. Crianças
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não podem ser submetidas ao ensino confessional. É um direito elementar de cada ser humano
escolher sua própria crença, como defende a Carta Magna, mas principalmente, proteger
aquilo que após quinhentos anos nos vem sendo negado: o direito de não-crer.
É um dever do Estado o ensino laico; não lhe é facultado. Esta lógica do ensino
confessional fere de morte o Estatuto da Criança e do Adolescente. O mais terrível neste
quadro é que a sociedade literalmente aplaude a um fato que toda nação (mesmo a Igreja
católica defendeu através de seu amicus curiae na ADI em estudo) dita civilizada já aboliu o
ensino não laico. Nem o próprio pai tem o poder de recusar um filho por motivos religiosos!
Por que o Estado, no direito público, os referenda em sua corte máxima? Conclui-se daí que o
Estado está de fato oficializando de forma tática o cristianismo. O Brasil é um país de pobres,
de classe média e de classe evangélica. Muitos evangélicos são laicos, contudo, uma
avassaladora maioria não o é. O direito público não pode jamais subvencionar qualquer
crença, à despeito o que pensem as pessoas em contrário.
Secularismo, longe de implicar antagonismo em relação à religião ou às pessoas de
fé, implica verdadeiramente em um profundo respeito e tolerância em relação a
todas as religiões. Implica em mútua tolerância e respeito por todas as crenças e
também pelos que não acreditam (Dalai Lama apud Luis Roberto Barros, ADI
4439).

Para equacionar, numa primeira tentativa de simplificar o problema tem-se que o


conceito que se defende aqui, de lesa-secularism, parte da premissa de que se todos nascem
laicos num Estado não laico e este direito é desrespeitado por nossa Corte Máxima: há algo de
podre no reino da Dinamarca (com a escusa de um trocadilho). Pela mesma razão, um indiano
terá grande possibilidade de ser hindu ou muçulmano e não cristão. São instituições que
buscam seguidores, os laicos buscam sua physys. Nietzsche não os desejava, Jesus procurava
os puros de coração e as instituições vigentes buscam apenas lucrar com a fé alheia.
Relembre-se: o próprio Edir Macedo deixou claro o que o objetivo de sua “Igreja”
(instituição) era um Brasil evangélico.
Logo, o conceito de lesa-secularism como um fundamento constitucional, podendo ser
considerado o ensino confessional, um ato de tortura infantil, legalizada pelo status quo, que
ofende a liberdade mais íntima do ser humano, o direito de crer (ou não crer), sem a
influência, inclusive, dos próprios pais ou do Estado. Defende-se aqui que estamos na fase da
superação do mito da laicidade, ou daquilo que o homem moderno entende como sendo laico
(tem-se que o STF é o interpretador da CF), posto que ainda se submetem crianças ao ensino
não laico (confessional) nas escolas do ensino fundamental no país.
Leo Strauss preleciona que a filosofia confunde-se com o mito; a filosofia jurídica
atual é não laica, portanto, é a única interpretação possível de tal pensamento. Por trás do
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direito positivista vigente, encontra-se uma verdade incômoda: a ofensa ao direito de não crer,
principalmente quando subvencionado pelo Estado.
Um pensamento tão elementar, o de que tudo tem uma natureza jurídica recôndita,
como defende Strauss, atinge como um raio o mito da laicidade, visto que ateus são odiados
justamente pela faceta mítica da laicidade, perseguidos e ainda pior: não possuem qualquer
voz na política brasileira. Infirme-se que ateus são, não raro, no Brasil, uma minoria dentro
daquilo que, para efeitos desta monografia, se consideram os laicos. Agnósticos, humanistas,
seguidores da teologia da libertação, dentre muitos outros, desde os Padres que esconderam os
companheiros de Chico Mendes, até os ateus que pegaram em armas durante a guerrilha do
Araguaia, fazem parte do rol de laicos aqui defendido. Um espectro mais sóbrio ainda ronda
este quadro quando se analisa tais questões pela ótica do outro; um comunista Chinês ateu não
entende como laico o Estado brasileiro: é a negação coetânea do mito da laicidade brasileira.
Tendo em vista que Stálin era ateu, Mao igualmente e, muito provavelmente Fidel,
ícones daquilo que se convencionou chamar “comunismo” (afora a China comunista, vale
salientar que a URSS dizia-se socialista), nem todos o eram de fato. À despeito de
interpretações contrárias, vislumbra-se agora a última fase do pensamento laico.
A história é feita de vários feixes reunidos do que os “especialistas” consideram
“verdade” e como já defendido aqui, esta verdade submete-se ao caos. O que se percebe nas
sociedades com um grau mais elevado de laicidade, é a recusa do ensino confessional. É por
este motivo que a Revolução Maoísta é não laica primeiramente, pois a cultura chinesa é
milenar. Em Apocalipse Now o capitão francês aposentado que foi plantar borracha no
Camboja vira-se para Martin Sheen e perora que os americanos não vencerão a guerra do
Vietnã, pois os vietnamitas aceitam dinheiro dos Russos, dos laicos russos, por um motivo
muito simples: se amanhã eles forem comunistas ou socialistas, eles serão vietnamitas,
mesmo que socialistas ou comunistas, serão, antes de tudo, vietnamitas.
O que divide a esquerda radical da moderada, de fato, é o nível de comprometimento
dos não laicos (maioria) com os laicos (como ocorre no Partido Socialismo e Liberdade – por
exemplo). Vivemos numa sociedade que recusa o fato de que o líder da Igreja de São Pedro
não é “dono” de um país que, por menor que seja, defende seu Estado não laico.
Desnecessário citar aqui as mazelas que implicam a obrigação de homens
(humanidade) inteligentes serem castos; tal pensamento é utópico. É uma negação da
realidade da natureza que nem mesmo o instituto do casamento, muitas vezes, consegue
obliterar. Isto é “núcleo duro” do conceito de lesa-secularism: em nenhuma parte do mundo,
do Vaticano aos confins da Amazônia, pode-se obrigar uma criança a aceitar valores que esta
não reconhece como verdadeiros. O título do capítulo chama-se ensaios, pois ninguém sabe ao
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certo como (ou se) isto será um dia fiscalizado. O que se tem é um conceito que,
resumidamente, protege os absolutamente incapazes contra os absolutamente capazes.
O poder familiar pode representar uma obrigação de visita à igreja imposta pelos
genitores? Até que idade isso é permitido?! Aos 13 anos, dozes meses e trinta e um dias, o
sexo entre absolutamente incapazes e absolutamente capazes é proibido. O sexo é mais
“íntimo” ou mais “relevante” que o conceito de laicidade? Das crenças (ou não crenças) de
uma pessoa natural?
O conceito de lesa-secularism se erige uma vez mais através destas perguntas que, em
maior ou menor grau, intenta-se defender na presente linha argumentativa, sendo
precisamente o evento divisor de águas onde um Estado passa de fato a ser laico. Na
Revolução Cultural ou Bolchevique tal ruptura foi violenta, sendo o Estado convertido num
instrumento a serviço dos laicos. Todos são livres para terem sua fé naquilo que acreditam,
todavia não podem jamais ter o poder de impor àqueles que não veem em tal credo (cristão,
hindu, budista, Katukina, etc.) uma representação da verdade ou angariar dinheiro com isso.
Muito já se perguntou, estatisticamente falando, acerca de quantos Nietzsches e
Einsteins já perdemos na África, na Ásia (onde há o maior número de pessoas consideradas
“gênios”), pela fome, pela pobreza, pela violência, por perseguições religiosas... Quantos?
Criou-se, numa tentativa de contrarreforma tardia, o termo cristofobia em setores radicais da
sociedade: como se delas fosse todo pensamento do Cristo. As três religiões monoteístas
dominantes do mundo hoje têm uma ideia diferente acerca de quem foi Cristo. Uns afirmam
filho do próprio Deus, outros apenas um profeta. O mito da laicidade é proporcional à
amplitude deste direito natural: o direito de não crer. É neste contexto que o conceito de lesa-
secularism deve ser entendido: é o caos quem governa as crenças, não é um direito natural.
Tais veredas podem fazer arrepiar aos antropólogos da não laicidade. Veja-se: o lesa-
secularism tem sua primeira ponderação: povos intocados. Os Judeus que “ganharam” seu
país também. Justa ou injusta, esta foi a partilha do oriente médio financiada pelo Ocidente.
Ao observar a história da humanidade, concordando ou negando, pode-se afirmar que o homo
sapiens sapiens parece apontar na direção da laicidade de fato.
Hoje, na pirâmide jurídica da CF, no inciso VI do art. 5º lê-se “é inviolável a liberdade
de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e
garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;” o termo laicidade
só pode se depreender do fato de que é inviolável o “pensar”, a consciência, todavia, não há
qualquer expressão literal que abarque os laicos em toda sua complexidade e dimensão.
Logo adiante, no inciso VII, temos que “ninguém será privado de direitos por motivo
de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política,” salvo se as invocar para eximir-se
de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em
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lei;” aqui temos a laicidade “recôndita” no fato de que filosoficamente não se pode privar
direitos de ninguém por suas de convicções filosóficas. Isso é a laicidade de fato e de direito.
As crianças estão entre este “ninguém”. Esta é uma ofensa máxima à dignidade da pessoa
humana laica que até o presente momento vem sendo “tolerada”.
Novamente, sob pena de ser mal-entendido já na gênese do conceito ou talvez
instituto, que seguramente necessita ainda demasiado aprofundamento e pesquisa, não se pode
negar a lógica, especialmente a filosófica, de que não é possível negar a proteção aos laicos,
conforme a constituição. Ir contra princípios não laicos, hoje, no Brasil e no Acre causam
prejuízo, julgamento às vezes até perseguição. Quem é sabe, quem não é nem imagina; eis a
lógica dos perseguidos da modernidade. Somente um Estado não laico pode perseguir o
pejorativo bolsa “Traveco”, como ficou conhecido o programa social que visava retirar
travestis das ruas de São Paulo.
A revolução começa contra o Czar; Lenin apenas viu a oportunidade. E a Igreja e o
Czar eram as instituições que massacravam o povo. Cada época tem o seu contexto e o seu
inimigo, mas não é somente um inimigo do proletário, é um inimigo, acima de tudo, dos
laicos. É por isso que se pode afirmar que um humanista é sempre laico; mas nem todo laico é
humanista. Existem os comunistas, os religiosos moderados, etc.
O termo subvencioná-los do art. 19 da CF, tomando-se o contexto onde fora escrito,
qual seja o Brasil de 1988, certamente utilizou-se de uma norma gramatical machista, posto
que religião e igrejas, substantivos femininos, fazem o plural “eles”; logo, subvencioná-los,
diz o texto da lei. Contudo, há outra concordância possível, gramaticalmente falando, onde o
verbo concorda com o substantivo mais próximo, ou seja, igrejas. O “financiar” do artigo
refere-se claramente a cultos religiosos e igreja, mas não fala em escolas.
Uma redação laica do comando normativo deveria ser “não os subvencionando de
qualquer maneira ou através de quaisquer instituições”, por exemplo. Todavia, o que o inciso I
do art. 19, infirma algo diverso, ou seja, que embora não possa subvencioná-los, igualmente é
defeso lhes embaraçar o funcionamento. Isto deve ser dito e redito, pois foi este o
entendimento do STF: que proibir o ensino confessional é “embaraçar” cultos religiosos da
maioria: é este o resumo do voto vencedor daquele julgamento: somos um Estado cristão.
O conceito de lesa-secularism nasce da necessidade de retirar Deus da constituição, o
deus cristão. Não estamos mais em 1824: o Brasil escolheu ser um país laico, só não o fez
com maestria jurídica, talvez. Esta é precisamente a importância do conceito proposto: o
cuidado na redação de um texto de lei sob seus auspícios. Muito da transformação
(humanização diria) do judiciário advém do Estatuto da Criança e do Adolescente. Funciona.
A solução das questões levantadas só segue em direção à violência quando lados opostos não
50

são instados a conversar. Não se chegará nunca à paz na terra - tão prometida – a persistir a
negação do direito fundamental ao Estado laico. O próprio Estado talvez nem seja mais
necessário neste estágio. Marx acreditava que este era o estágio do comunismo, onde a
prevalência do bem comum naturalmente extinguiria a necessidade de um Estado.
No caso da Lei de Anistia (onde o STF foi derrotado na CIDH) conforme analisado no
capítulo anterior, a Corte Internacional firmou jurisprudência no sentido de que é inadmissível
anistiar “criminosos de guerra”: fere a dignidade da pessoa humana! Os torturados puderam
literalmente assistir, em 2014, um deputado (hoje presidente) bradar em plenário suas
lamúrias, como boa viúva da ditadura que é, que se regozijava da memória de Carlos Alberto
Brilhante Ustra.
Em pleno século XXI a bancada cristã no congresso não deseja sequer discutir leis
mais abrangentes no que concerne aqueles que pensam diferente, mas rapidamente o
estudante Roberto da Silva perdeu seu emprego e viu sua vida virada pelo avesso. A história
do país está repleta de exemplos de como o fundamentalismo religioso é apenas um
lamentável atraso para o Brasil, bem como um ranço histórico que influencia inexoravelmente
a vida cotidiana e também os rumos da política.
A proibição da pesquisa com células-tronco embrionárias, a tentativa de boicote à
legalização da união homoafetiva e mais recentemente a cura gay emplacada pelo mesmo
deputado federal Marco Feliciano que perseguiu Roberto da Silva, são apenas alguns
exemplos:
[...] A idéia [sic] de “Deus” inventada para servir de antítese à vida – nela, tudo o
que há de nocivo de envenenado, de caluniador, toda a hostilidade mortal contra a
vida sintetizada numa espantosa unidade! A idéia de “além” de “verdadeiro mundo”,
inventada para depreciar o único mundo que existe – para não deixar a nossa
realidade terrestre nenhuma finalidade, nenhuma razão, nenhuma tarefa a propósito!
A idéia de “alma”, de “espírito” e finalmente a de “imortalidade da alma”, inventada
para desprezar o corpo, para torna-lo doentio – “santo” – para contrapor uma
leviandade horripilante a todas as coisas que merecem seriedade na vida, às questões
de alimentação, de habitação, de regime intelectual, do tratamento dos doentes, da
higiene, da meteorologia. [...] (NIETZSCHE, 2009, p. 129).

Devemos ter em mente ainda que a criminalização e demonização das drogas tem
fundamento na religião e na política imperialista estadunidente de meados do século XX e foi
propalada principalmente pelo governo Nixon. É absurdo o ensino do criacionismo pós-
Darwin e mesmo assim as pessoas acham “natural” que esta fábula continue sendo contada
com ares de verdade e de inspiração divina. Dawkins, em Deus um Delírio, é enfático quando
perora sobre o fundamentalismo ateu:
[...] Acontece porque as evidências da evolução são fortíssimas e fico
apaixonadamente perturbado com o fato de meu oponente não conseguir enxergar
isso – ou, o mais comum, recusar-se até a pensar nisso, porque contradiz seu livro
sagrado. [...] (DAWKINS, 2009, p. 20).
51

O terrorismo hoje tem religião. E enquanto ateus e demais laicos continuarem


admitindo a demonização de Fidel, Che, Mao e, principalmente Stálin, há sérios riscos em
desfavor do Estado laico mítico que vigora, perecer, apodrecer ainda mais, tornando-se uma
época temerária para direitos e garantias fundamentais e outras conquistas já mencionadas. O
rei está nu, nosso sistema jurídico e político não é laico e as implicações disto prejudicam
desde ateus no dia-a-dia, homossexuais em suas práticas ditas pecaminosas e, pior, até as
crianças obrigadas a “confessar” algo que não acreditam, para não serem excluídas, quando
submetidas ao ensino religioso confessional.
7 O COPO ESTÁ MEIO VAZIO: O PERIGO DO RETROCESSO E AS
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Juridicamente a interpretação que se espera do conceito de lesa-secularismo é que este


propicie que o princípio da laicidade, no Estado brasileiro, alcance, assim como a dignidade
da pessoa humana, o status de fundamento da república tupiniquim. Esta monografia jamais
prestou-se a ser um atlas jurídico ou um manual de consulta, mas, antes, uma reflexão
histórico-filosófica de acontecimentos recentes da história nacional sob o viés ateísta. Este
caráter ensaístico deixa claro que se visa lançar uma incômoda digressão acerca de como o
Estado vem tratando essa minoria.
Há, hodiernamente, um verdadeiro ponto cego da nossa constituição: o direito de não
crer que está insculpido no direito à laicidade. E vai-se mais longe: o direito fundamental a
um Estado laico, de fato e direito, sem o ensino confessional, porque o ECA já preleciona que
o direito das crianças é sempre o primeiro e mais urgente a ser atendido. Em qualquer litígio
envolvendo menores a lei obriga que o Estado-juiz atenda ao melhor interesse da criança, eis
talvez a maior contribuição deste trabalho: o de que, como o ECA já reconheceu, o direito
fundamental a proteção dos absolutamente incapazes.
Sobre outras instituições tão sagradas quanto a família burguesa, o casamento nos
moldes cristãos, por exemplo, e com a benção daqueles que realizam a “mímica de coveiro”
(Nietzsche), são vistos igualmente de maneira depreciativa por Duby em O Cavaleiro a
mulher e o Padre (1988, p. 200) onde este diz que “o casamento é um instrumento de controle.
Os dirigentes da Igreja utilizaram-no para fazer frente aos laicos e na esperança de os
subjugar”.
Eles (a maioria, os não laicos) controlam o poder político, logo, dominam o Estado, o
poder em si. O Brasil de hoje vive um Estado de exceção – e de intervenção no Rio - ao
Estado laico, sendo defeso sua defesa e, porque não dizer, desaconselhada. A escolástica lição
de Minois reforça tal argumento:
Como conseguimos matar Deus? Lutero começou o trabalho, fazendo Deus
depender da fé pessoal de cada um. Deus morreu também por sua própria culpa,
52

“morreu de sua piedade pelos homens”; foi sufocado pela teologia. Ele foi morto
também pelo desenvolvimento humano, pelos refinamentos da ciência, pela
psicologia, que o tornaram “absolutamente supérfluo”. Os homens não podem mais
tolerar um Deus como este, justiceiro, cruel, ciumento: ele choca o bom gosto, “ele
fracassou em demasiadas de suas criações, esse oleiro noviço. [...] Deus foi morto
também pelo “mais ignóbil dos homens”, como mostra um trecho de Assim falou
Zaratustra. O que, em nossa opinião, não significa que é preciso ser ignóbil para
cometer um ato semelhante [...] (MINOIS, 2014, p. 627).

O Estado, o judiciário e o legislativo quedam-se silentes para este problema, pois o


saneamento básico, educação, são temas que não se transformam em votos; estradas e
bravatas sim. Tal o saneamento básico deficiente causa doenças, ignorar os direitos desta
classe de laicos pode gerar convulsões futuras e não apenas no ambiente escolar, como alertou
a advogada da ATEA. Aí está a temperança do conceito de lesa-secularismo: o memento mori.
Admitir que a fé, a crença, está arraigada ao pensamento humano tanto quanto a necessidade
básica de se alimentar: saciar a alma. Se se toma o vencedor argumento do Ministro
Alexandre de Moraes de que o Brasil é um país cristão e por isso o ensino confessional
facultativo deve subsistir como direito individual, como reparar os danos àqueles que não
desejam frequentar as disciplinas “facultativas” quando ainda crianças e são confrontados
com isso...? São somente crianças num ambiente escolar expostas a tais questões? Por que
você não fica para hora da reza?
A concessão estadual de uma posição de vantagem a instituições, símbolos ou ritos
de uma determinada confissão religiosa é suscetível de ser interpretada, pelos não
aderentes, como uma forma de pressão no sentido da conformidade com a confissão
religiosa favorecida e uma mensagem de desvalorização das restantes crenças. Por
outras palavras, ela é inerente coerciva (MACHADO, 1996, p. 348-349).

Trata-se de reconhecer que o lugar da religião não é mais nas escolas, nem de forma
facultativa, pois o dano potencial a qualquer criança que seja, já desaconselha sua presença.
Tal estudo já foi realizado pela professora Ana Maria, consoante sustentação oral da ATEA no
STF. O Estado do Acre não pode mais financiar escolas de caráter confessional como João
Calvino e São José. O dinheiro público não pode restar manchado pela lágrima de uma só
criança vítima de preconceito. A religião já está nas famílias, nos feriados, na televisão, em
toda Igreja de cada rincão do país: chegou o momento de deixar as salas de aula.
O discurso religioso fundamentalista justifica o transexual vítima de violência, a
adolescente que não interrompe a gravidez pois sua religião não permite, a pesquisa científica
atrasada em virtude das proibições de cunho religioso; está à espreita no Supremo, sob a cruz
ele julga. Na boca dos políticos que à surdina fazem espúrias transações. Nos padres
pedófilos, na dor de cada um que já foi vítima de preconceito religioso.
A religião já permeia as leis e cada aspecto citado no presente estudo e enquanto o
princípio da laicidade não for elevado à categoria de fundamento, ali permanecerá, atemporal.
53

A sociedade brasileira só será verdadeiramente livre, justa e solidária quando a religião for de
maneira efetiva separada do Estado. Este trabalho não se propôs a destituição de ídolos, mas
de mitos e julgamentos, de uma sociedade que teima em não entender o óbvio: religião e
Estado são uma combinação perigosa.
Essa linguagem permite à Igreja contemporânea realizar a proeza de se proclamar
representante de toda a humanidade, inclusive de todos que fazem oposição a ela. O
mesmo processo acontece num domínio diferente, o da moral sexual, em que as
autoridades eclesiásticas, por uma estarrecedora decisão de 1997, declaram que,
caso seja previsível a desobediência do crente, é melhor que ele não conheça as
exigências reais da fé. É exatamente isso que diz o “Vade-mécum para os
confessores”, publicado pelo Conselho Pontifical para a Família, a propósito da
proibição da contracepção: “é preferível deixar os penitentes em sua boa-fé nos
casos em que o erro se deve a uma ignorância subjetivamente invencível, quando é
previsível que o penitente, mesmo que tenha a intenção de viver sua fé, não mudará
seu comportamento e acabará pecando formalmente”. Assim, todo mundo fica
satisfeito: ninguém desobedece à Igreja, já que a Igreja não pede nada; do mesmo
modo, ninguém é contra a Igreja, uma vez que ela se apresenta como representante
de todos os homens de boa vontade, seja qual for sua crença. Essa atitude é
característica da adaptação à nova forma de religiosidade do mundo atual, uma
religiosidade sem conteúdo preciso, sem credo, suscetível de uma infinidade de
expressões diferentes que revelam a variedade do “espírito” (MINOIS, 2014, p.
706).

O mito da caverna trouxe um conhecimento filosófico válido durante séculos: o mito


da laicidade igualmente trará, mas eventualmente será superado. Na ADI 4439 o Estado laico
foi derrotado sim, contudo, por um apertado 6x5 e através de um voto, no mínimo, vexatório
da Presidente daquela excelsa casa à época. Esta luta de classes desenvolve-se na arena da
disputa entre os laicos e os não laicos. É na sala de aula um dos principais campos de batalha
destas diferentes visões de mundo. Tal luta de contrários gerou no STF uma vitória apertada
em favor da laicidade como mito no Estado brasileiro, sendo, provavelmente, sua última.
Com o profundo respeito e admiração que este trabalho reserva à Marx, todas as
classes estão espalhadas entre laicos e não laicos. O terrorismo é bárbaro, mas ensinar os
preceitos de uma religião que implica nisto, para crianças e adolescentes, em uma sala de aula
pública de ensino, não.
Neste ensaio, que pode não ou tornar-se algo relevante, buscou-se demonstrar que a
miséria da filosofia está em debater-se sobre a laicidade de direito, e não aquela de fato, a
laicidade mítica. Isso propaga o mito, pois um debate presume uma divergência de valores.
Não são valores divergentes, são valores diferentes, que podem coexistir em qualquer Estado
laico de fato, eis, portanto, a necessidade do conceito ora defendido. A hora do basta contra
preconceito travestido de opinião.
O teatro jurídico abordado nos diversos capítulos remete a isto: a ciranda dos não
laicos, uma minoria que deve submeter-se. Lembre-se que este mesmo STF, que hoje vaticina
o ensino confessional, apoiou a ditadura e o Golpe de 2014. O século XXI é secular, isto é um
54

fato. Parece que o conceito de ateísmo materialista ainda é utilizado no judiciário brasileiro, e
visto como uma filosofia hostil:
Pouco importa: a difusão crescente de obras materialistas ateias começa a suscitar
comentários e reações na opinião pública, pois nunca antes tais opiniões foram tão
maciças e tão francamente emitidas. Acaram as precauções com a linguagem, os
disfarces, os duplos sentidos que, desde o século XVI, acompanhavam esse tipo de
literatura. Agora, o título de materialista ateu é reivindicado. A palavra
“materialismo” data de 1702 e entra pouco a pouco nos dicionários. Em 1752, o
dicionário de Trévoux dá uma definição bastante hostil: “Dogma muito perigoso
segundo o qual certos filósofos indignos desse nome, afirmam que tudo é matéria e
negam a imortalidade da alma”. Em 1762, o dicionário da Academia é neutro
“Opinião daqueles que não admitem outra substância além da matéria” (MINOIS,
2014, P. 475).

E não são apenas os ateus que sofrem o risco diário de serem evangelizados dentro ou
fora da sala de aula, os índios passam por um momento delicado com a eleição presidencial de
2018. São os filhos da pátria! Estes filhos do qual fala o hino! A luta de classes, hoje, mais do
que travada entre capitalistas e proletários, com todas as ressalvas e vênias possíveis aos que
pensem em contrário, transmutou-se em laicos versus não-laicos. E ambos os lados estão
desunidos, daí este cenário caótico em que se encontra o país – e que porque não dizer o
mundo. No Supremo existe uma “bancada evangélica”, no congresso sua força é sentida e
para ser presidente tem-se que, no mínimo, fazer uma visita à Igreja, sendo ateu ou não, pois o
ateísmo é infame, conforme já se defendeu aqui.
Chancelou ainda o Supremo - e esta é a maior vergonha de sua história – que um
brasileiro no ventre de sua mãe alemã fosse deportado; ser esta criança, estar na sua pele,
sendo filho de uma judia e saber que o STF permitiu que sua genitora perecesse nas mãos de
Hitler. É incansável o art. 19, inciso I, da CF, tão malfadado e citado, especialmente no
capítulo em que se analisou a ADI que tratou do ensino confessional, é de um mecanicismo
tênue: “I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o
funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança,
ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;”.
A bancada evangélica, enquanto esta monografia é escrita, se fortalece para um novo
mandato e a cura gay bíblica é ventilada por setores retrógrados da sociedade: foram ofícios
do Ministério Público do Estado do Acre e da Câmara dos Deputados em Brasília, poderes
constituídos, que deram azo a abertura a investigação daquilo que ficou passou ao imaginário
brasileiro como “a queima da bíblia da UFAC”. Na trágica aquarela brasileira decorrente,
confunde-se azul e rosa, meninos e meninas, ao invés de simplesmente crianças.
Acaso me compreenderam? – O que me separa, o que põe à parte de todo o resto da
humanidade, é ter descoberto a moral cristã. Por isso eu precisava de uma palavra
que contivesse um sentido de uma provocação dirigida a cada um. Não ter aberto
mais cedo os olhos é, a meu ver, a maior imundície que a humanidade tem na
consciência, pois é o fato de abusar de si mesmo que se tornou instinto, a vontade
orgulhosa de não ver a causalidade, a realidade, quaisquer que sejam, uma fraude em
55

questões psicológicas levada até o crime. A cegueira diante do cristianismo é o crime


por excelência – o crime contra a vida... os milênios, os povos, os primeiros e os
últimos, os filósofos e as mulheres velhas – com exceção de cinco ou seis momentos
da histórias, eu como o sétimo – todos eles, neste ponto, dignos uns dos outros. O
cristão foi até agora o próprio tipo do “ser moral”, uma curiosidade sem igual – e
enquanto ser moral, mais absurdo, mais mentiroso, mais vaidoso, mais frívolo, mais
nocivo a si próprio do que quanto poderia ter imaginado o maior depreciador da
humanidade. A moral cristã – a forma mais perniciosa da vontade de mentira, a
verdadeira Circe da humanidade: foi o que a corrompeu. Não é o erro enquanto erro
que me espanta diante desse espectáculo, não é a falta milenar de “boa vontade”, de
disciplina, de honestidade, - é a falta de natureza, o estado de fato absolutamente
espantoso que a própria contra-natureza recebeu as supremas honras enquanto moral
e ficou suspensa acima da humanidade como lei, como imperativo categórico!...
Equivoca-se até esse ponto, não como indivíduo, não como povo, mas como
humanidade!... Que se tenha ensinado a desprezar os instintos fundamentais da vida;
que se tenha forjado a mentira de uma “alma”, de um “espírito”, para causar
vergonha ao corpo; que se tenha ensinado a ver como algo impuro a condição
primeira da vida, a sexualidade; que se procure o princípio mau na condição
radicalmente necessária para prosperar, no egoísmo estrito [....] E de fato, todos
foram teólogos e todos foram também decadentes: daí a transformação de todos os
valores em valores hostis à vida, daí a moral.... Definição da moral: mora – a
idiossincrasia de decadentes, com a intenção de se vingar da vida – e isso, com
sucesso. Dou muito valor a esta definição. (NIETZSCHE, 2009, p.121-122, grifo
nosso)

O ENA representa apenas uma das facetas da luta dos laicos na prática: parafraseando
Marx, foi a epifania de uma minoria para sair das páginas dos livros e transformar de fato a
realidade12; tal projeto, por si só, talvez fosse alicerce suficiente para o conceito de lesa-
secularismo, mas se deve ir além. A queima da bíblia foi o basta, o réquiem deste mito, a
"chegada do meio dia" do qual Nietzsche fala na obra Assim Falava Zaratustra, ou da qual a
fala da advogada da ATEA na ADI ora analisada. E que implicações isso trará para um futuro
não tão distante?
Desde a fundação da Associação de Ateus e Agnósticos do Acre, em 2012, no dia em
que se comemora o Corpo de Cristo, quando de maneira mais ampla os ateus começaram a se
reunir no Estado, o que se observa são histórias de sofrimento e de preconceito que se
acumulam. A família geralmente é onde tudo começa e onde, infelizmente, mais duramente o
preconceito é sentido no início da descrença. Depois a escola, o local de trabalho e, por fim,
em quase todos os aspectos da vida social cotidiana.
O futuro é muito maior e mais belo que a dicotomia ateus x crentes, contudo, tal
dicotomia não deixa de ser mais ou menos importante no desenrolar do que Minois chamará
de futuro através das Eras. Tal utilização histórica do termo Era não é uma singularidade de
Minois, tendo em vista que ela está fartamente apresentada na obra de Hobsbawn, afeito a este
tipo de separação em Eras como metodologia para seus estudos. Talvez a performance de

12 É famoso o aforismo marxista de que “chega” de estudar a história, pois é chegada a hora de transformá-la.
56

Roberto da Silva e quem vazou o vídeo para imprensa sejam questões nunca respondidas, ou
não sem um trabalho de pesquisa bem mais aprofundado. O que o levou a perpetrar seu ato
verdadeiramente?
Qual historiador não sentiria certa vergonha ao defender as revoluções Russa e
Chinesa pelo que fizeram contra a religião organizada? Mesmo o Japão feudal fora bastante
violento contra o cristianismo. A ausência da liberdade de crença amiúde desemboca em
revanchismo. Do médico que realiza um aborto ao queimador de bíblias do IV ENA, o
aparato Estatal não se afastará enquanto não for verdadeiramente laico. Este afastamento,
quando transmutado em revanchismo, desemboca em violência, porque o princípio da
laicidade não é respeitado na dimensão epistemológica aqui proposta, ou seja, como
fundamento: é considerado um princípio menor na pirâmide atual, como revelado na recente
decisão da ADI 4439. Estados ateus podem ser tão cruéis quanto cristãos a depender do ponto
e da forma em que ocorreu a ruptura deste princípio.
“Se esquecermos os feitos de nosso ancestrais, como podemos esperar que não
voltemos a ser escravos dos brancos?” perorava Hobsbawn (1998). Hobsbawn deixa essa
pergunta inquietante, advinda de ecos perdidos da floresta do Surimane não sem razão. O
discurso vigente de que não é possível mudar nada e de que a história acabou 13 é interessante
apenas para aquele grupo detentor de privilégios. A balança da (in)justiça brasileira, um dos
poderes mais influentes do Estado, pende para o lado da classe dominante que hoje, em sua
maioria, representa os não laicos.
Esta classe dominante, por sua vez, e através do controle dos meios de produção, bem
como dos meios de comunicação social, domina a maioria de fato através, dentre outros
métodos, das famosas fake news. A religião sempre foi utilizada como um método eficaz de
controle: "o platonismo da plebe" sobre o qual teorizou Nietzsche. Analisar tais implicações
no Acre e no Brasil entre 2013-2016, bem como em recortes históricos exemplificativos, sob
os auspícios de todos os mitos que nos rodeiam – com a devida vênia a estes – resulta na
vontade de potência laica, outro importante aspecto do presente trabalho.
Enquanto este trabalho é elaborado, um chinês acaba de se tornar o homem mais rico
do mundo, segundo a revista Forbes e a China comunista já é considerada a maior
superpotência mundial. Repise-se que os chineses foram constantemente invadidos por
impérios coloniais cristãos e por isso sua Revolução é chamada de Cultural: o retorno a
cultura chinesa através da vontade de potência laica. Àquele momento histórico, a cultura

13 O historiador americano Francis Fukuyama (1992) acreditava que chegaria um ponto no tempo onde a
História chegaria a um fim e encontraríamos a figura do “último homem”. Interessante notar que Nietzsche fala,
numa acepção completamente diversa, que “aguardava” o último homem. Este último homem, para Nietzsche,
seria a linha divisória entre o homem e o além-do-homem.
57

chinesa (comunista) era não laica, logo, seguindo os ensinamentos de Marx, a China aceitou o
aforismo que infirma que a religião é o ópio do povo e adotou (e adota ainda) medidas legais
para regularizá-lo.
Coetaneamente, religião é poder, tem poder e financia os poderes constituídos. O
cineasta Glauber Rocha na película clássica Terra em Transe dá ao seu vilão maior esta visão
mítica do político brasileiro não à toa; do escolhido, do salvador da pátria que chega com a
Cruz e a Espada à mão para mudar tudo o que está aí.
O laico não crê, logo, a liberdade de crença não lhe beneficia concretamente.
Assegurar que alguém possa ser cristão ou judeu não garante que alguém possa guerrear
contra tais preceitos religiosos. Logo, o direito de milhões de brasileiros vem sendo
sumariamente negado pelo Estado não laico brasileiro. Milhares de brasileiros escolhem não
acreditar, afirmando alguns, inclusive, que a vida não passa de poeira de estrela. Essa é a
tragédia, este é o verdadeiro mito que deve sobrepor-se ao entendimento de laicidade aqui
proposto. Não acreditar é a tragédia, é entender que cada respiração é uma respiração a menos
e que não haverá uma além-vida. É uma filosofia triste, mas poderosa, pois torna cada
experiência única.
Não há interesse público numa educação sob preceitos cristãos da mesma forma que
não se pode dizer que o coleguinha não faz parte da raça humana, ou faz parte de uma raça
inferior por ser judeu. Numa citação famosa, Marco Feliciano diz algo sobre a África ter sido
punida com a escravidão por Deus em virtude de um acerto de contas bíblico... a isto apenas
se responderia: não, Excelência, foi pelo mercantilismo de cristãos imperialistas em nome
D’ele.

REFERÊNCIAS
58

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THOMPSON, E. P. A miséria da teoria. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.
TOCANTINS, L. Formação histórica do Acre. 4.ed. Brasília: Senado Federal, 2001.

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