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Francisco Beckenkamp Vargas

TRABALHO, EMPREGO, PRECARIEDADE:


dimensões conceituais em debate

Francisco Beckenkamp Vargas*

O presente artigo tem como objetivo discutir conceitualmente a noção de precariedade do trabalho, tendo
em vista que ela é amplamente utilizada na sociologia, sem que um significado preciso seja formulado. Pro-
põe-se uma abordagem relacional e construtivista, que procura articular as condições objetivas e subjetivas
de produção do fenômeno em questão. Para tanto, parte-se do debate sobre o conceito de trabalho, a fim
de melhor definir em que consiste sua precariedade. Argumenta-se, igualmente, a necessidade de situar
esse debate no âmbito de quadros teóricos mais amplos de interpretação sociológica. Identificam-se duas
dimensões cruciais na análise da precariedade do trabalho, a relação de emprego ou trabalho e a atividade
laboral propriamente dita, discutindo-se exemplarmente as perspectivas teóricas de dois autores franceses
especialmente interessados nesse tema: Robert Castel e Serge Paugam. Finalmente, discutem-se algumas
implicações desse debate para a realidade brasileira, sustentando-se a importância de dar um tratamento
multidimensional ao fenômeno.
Palavras-chave: Trabalho. Emprego. Precariedade. Precarização. Desigualdade.

INTRODUÇÃO pecto, trata-se de identificar a maneira como


o trabalho se inscreve no mundo e nas rela-
A precariedade do trabalho tem sido um ções sociais. Em relação ao segundo, trata-se
tema amplamente discutido no âmbito recente de identificar o trabalho como um conjunto
da sociologia do trabalho. Apesar de sua per- de atividades realizadas tanto em condições
sistente presença no debate e no discurso cien- objetivas particulares (local e ambiente de tra-
tíficos, o uso dessa noção nem sempre vem balho, meios e instrumentos de trabalho, orga-
acompanhado de tentativas sistemáticas de nização do trabalho, etc.) como em condições
defini-la e delimitá-la precisamente.1 subjetivas que mobilizam a consciência e su-
Ao defini-la como uma atividade com põem a experiência daqueles que o realizam.

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fins econômicos exercida em condições que À medida que está em jogo um conjunto
colocam aqueles que a realizam em uma situa- muito amplo de dimensões e fatores, pode-se
ção de risco, vulnerabilidade ou degradação, a afirmar que uma definição qualquer da preca-
precariedade do trabalho pode ser identificada riedade do trabalho supõe a seleção e hierar-
tanto a partir do estatuto social do emprego ou quização de critérios considerados relevantes.
ocupação, implicando certo nível de reconhe- Tais critérios, porém, não se impõem de ante-
cimento social, como a partir das condições mão, não estão dados natural e objetivamente
objetivas e subjetivas de exercício do trabalho a um observador. Eles supõem um quadro de
propriamente dito. Em relação ao primeiro as- referência que define sua relevância e perti-
nência, estabelece suas relações com outras di-
*
Universidade Federal de Pelotas. Instituto de Filosofia, So- mensões ou fatores da realidade social, enfim,
ciologia e Política. Departamento de Sociologia e Política.
Rua Alberto Rosa, 154. Centro. Cep: 96010-770. Pelotas – fixa um esquema interpretativo. No âmbito
Rio Grande do Sul – Brasil. fvargas@via-rs.net
1
Algumas importantes iniciativas no sentido de examinar da sociologia, a definição da precariedade do
o problema da precariedade e da precarização do trabalho trabalho pode privilegiar sejam as condições
no Brasil podem ser destacadas: Antunes (2006, 2013);
Piccinini et al. (2006); Bastos (2007); Rosenfield, 2010; objetivas do trabalho, sejam suas condições
Druck; Franco (2007, 2011); Cattani; Holzmann (2011);
Druck (2013). subjetivas, seja ainda uma complexa interação

http://dx.doi.org/10.1590/S0103-49792016000200008 313
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entre ambas. Ela pode supor, ainda, um quadro trabalho como objeto teórico de investigação.
de referência que focalize sejam as dimensões Reconhecendo os limites de tal abordagem pu-
estruturais mais gerais do fenômeno, sejam as ramente conceitual, sugere-se, em seguida, na
dimensões relativas à ação e à representação segunda parte, a necessidade de identificar qua-
dos atores individuais ou coletivos em suas dros teórico-sociológicos de referência a partir
circunstâncias concretas de existência. dos quais a precariedade do trabalho é social-
Nesses termos, propõe-se, neste artigo, mente situada e explicada. Exploram-se, nesse
uma abordagem ao mesmo tempo relacional particular, as perspectivas sociológicas dos au-
e construtivista da precariedade do trabalho. tores clássicos da sociologia. Na terceira parte,
Nela, não se trata de estabelecer, a priori, uma procura-se identificar duas dimensões funda-
definição objetiva e exaustiva do fenômeno. mentais da precariedade do trabalho a partir da
Trata-se, num primeiro momento, de explo- contribuição teórica de dois autores franceses,
rá-lo conceitualmente em seus contornos, na Castel (2001, 2009) e Paugam (2000, 2008). Na
qualidade de um procedimento essencialmen- quarta e última parte deste artigo, procura-se
te heurístico, para, em seguida, reconhecê-lo explorar conceitualmente as particularidades
e tratá-lo como uma “categoria social”, que é desse fenômeno no Brasil, onde uma velha pre-
o produto da construção social e histórica de cariedade estrutural do trabalho se combina
atores e sujeitos situados em suas relações so- com uma nova precarização do trabalho. Para
ciais. Sendo uma construção social relacional, isso, propõe-se a mobilização das dimensões
essa categoria pode implicar diversas maneiras analíticas identificadas anteriormente.
de defini-la e de relacioná-la com outras dimen-
sões da vida social, segundo o ponto de vista,
os interesses e os valores desses atores sociais. APROXIMAÇÕES CONCEITUAIS: as
Como hipótese teórica, sugere-se que, dimensões do trabalho
na investigação sociológica, na medida em que
prevalecem abordagens mais estruturais que A precariedade do trabalho só pode ser
privilegiam algumas dimensões específicas adequadamente analisada e interpretada se o
da precariedade do trabalho, particularmente próprio trabalho, como objeto de investigação,
aquelas relacionadas com a deterioração do for definido e delimitado. O trabalho tem sido
estatuto do emprego, corre-se o risco de subes- habitualmente concebido como uma atividade
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timar a extensão e a profundidade do fenôme- através da qual o ser humano estabelece uma
no, particularmente no Brasil, onde uma velha relação metabólica com a natureza e o mundo
precariedade estrutural do trabalho é muito social, a fim de assegurar a reprodução de suas
forte. Daí a importância de se levar mais in- condições materiais de existência. Para a econo-
sistentemente em consideração a dimensão do mia política, essa atividade se define, abstrata-
trabalho propriamente dito, como atividade mente, como fundamento do valor econômico,
dotada de sentido. Considera-se, ainda, que se da criação de riqueza, como a produção de bens
corre o risco de subestimar a precariedade do e serviços escassos (Lantz, 1992; Freyssenet,
trabalho se não se levar suficientemente em 1993). Nas sociedades modernas, marcadas por
consideração sua condição de categoria sub- uma forte divisão social do trabalho e pela ex-
jetiva, isto é, como construção social dos tra- pansão das relações mercantis, o trabalho assu-
balhadores inscritos em um contexto social e me, predominantemente, seja a forma geral de
profissional ou ocupacional particular. um “trabalho remunerado”, monetariamente re-
Este artigo está dividido em quatro par- tribuído e exercido em função das demandas de
tes. Na primeira, procura-se propor e explorar bens ou serviços de outros atores sociais, seja
conceitualmente as diversas dimensões do a forma específica de um “trabalho assalaria-

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do”, exercido no âmbito da relação de compra uma dessas dimensões.


e venda da força de trabalho (Marx, 1983). Vale a) O trabalho como atividade sobre um
salientar, no entanto, que o trabalho não remu- objeto, como “ofício” ou ocupação econômica. O
nerado, exercido na esfera doméstica e privada trabalho é sempre constituído por um conjunto
e, frequentemente, pouco reconhecido, também de atividades dotadas de conteúdos específicos,
tem um papel fundamental na configuração das mais ou menos concretas, mais ou menos mar-
relações sociais em geral e do próprio mundo cadas por uma dimensão simbólica, abstrata,
do trabalho em particular. significativa. Esse trabalho mobiliza um con-
O trabalho supõe, pois, um conjunto junto de recursos, de instrumentos, de meios
complexo de dimensões cuja identificação é de trabalho. Ele é executado em determinadas
crucial a fim de que se possa avaliar sua preca- circunstâncias, em ambientes específicos, su-
riedade objetiva e subjetiva. Identificam-se, a pondo laços mais ou menos intensos de cola-
seguir, duas dimensões principais. boração e (ou) interação com outros indivíduos
Primeiramente, o trabalho se define num processo de trabalho, numa divisão técni-
como um conjunto de atividades dotadas de ca do trabalho. É nesses termos que o trabalho
conteúdos específicos, visando a fins especiais constitui um ofício específico, um métier, uma
e mobilizando determinados meios, instru- ocupação ou profissão, implicando processos
mentos, conhecimentos e competências. Esse mais ou menos longos de aprendizagem, de for-
trabalho se apresenta como um ofício, profis- mação. Se todas essas condições de exercício de
são ou ocupação; ele se caracteriza pela mobi- um trabalho são suscetíveis de serem medidas
lização de um “sujeito” que se defronta com objetivamente através de critérios específicos,
determinados “objetos”. Esses objetos tanto com os quais se procura captar os níveis de risco
podem ser coisas materiais, objetos físicos, e vulnerabilidade do trabalhador (por exemplo,
como ideias, conceitos ou símbolos, isto é, ob- através da extensão das jornadas, dos níveis de
jetos imateriais, intelectuais, ou ainda pessoas segurança, insalubridade e periculosidade do
e relações humanas (Gorz, 2005). ambiente e condições de trabalho), constituin-
Em segundo lugar, o trabalho se define do-se em critérios objetivos de precariedade, é
como uma atividade inscrita na vida social, possível igualmente captar essa precariedade do
dotada de um determinado estatuto, reconhe- ponto de vista da própria relação subjetiva que o
cimento e retribuição social e implicando o indivíduo estabelece com o conteúdo e a natu-

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indivíduo em determinadas relações e formas reza de seu trabalho, de seu ofício ou ocupação.
de sociabilidade. Em suma, o trabalho implica Nesses termos, a precariedade pode se
uma determinada inserção do sujeito na “so- manifestar não só através da sensação de ris-
ciedade”, na relação com outros sujeitos so- co vivida em determinadas condições de tra-
ciais. Nessa qualidade, ele se destaca, também, balho, mas também através da insatisfação, do
como fonte de acesso a um rendimento, o que desprazer ou sofrimento que se possa ter em
significa dizer que essa retribuição resultante relação a ele. A relação subjetiva com o traba-
do trabalho não é apenas uma substância eco- lho como ofício, com as atividades e conteúdos
nômica objetiva, derivada diretamente do ato de uma ocupação ou profissão, constitui, pois,
de trabalhar, mas um produto relacional. Os uma dimensão crucial para apreender a preca-
critérios sociais a partir dos quais podem ser riedade do trabalho.
estabelecidos níveis “adequados” e legítimos Como hipótese, pode-se sugerir que a
de rendimento são sempre relativos e supõem, “precariedade do trabalho” pode ser subjeti-
muitas vezes, disputas e conflitos, variando vamente ressentida tanto nas ocupações que
segundo o contexto social, político e cultural. comportam atividades parceladas, repetitivas,
Examinemos mais detidamente cada alienantes, caracterizadas pela pobreza ou au-

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sência de conteúdos significativos para quem Nesses termos, a precariedade do traba-


as executa, como nas profissões altamente qua- lho pode ser identificada tanto pela aferição de
lificadas, exercidas em condições relativamen- critérios objetivos que asseguram e garantem
te confortáveis e adequadas, mas caracteriza- os direitos sociais e trabalhistas – através da
das por fortes pressões objetivas e (ou) subjeti- formalidade do trabalho, por exemplo, ou pela
vas, como é o caso daquelas em que se exige do natureza e tipo de vínculo empregatício do
trabalhador produtividade, desempenho e (ou) trabalhador – como pela experiência subjetiva
responsabilidade elevados. Nesses termos, o que os trabalhadores têm desses mecanismos
estresse no trabalho e as doenças profissionais sociais e institucionais de proteção, reconhe-
de natureza física ou mental podem constituir cimento e sociabilidade. Se a ausência de pro-
importantes indicadores para dimensionar teção previdenciária, por exemplo, pode pro-
essa precariedade subjetivamente ressentida. vocar, em certos indivíduos, uma sensação de
Parece fundamental, nesse caso, explorar o insegurança no trabalho, isto é, uma situação
modo pelo qual o trabalho estabelece uma me- subjetiva de precariedade, isso não é necessa-
diação na relação do indivíduo com os outros riamente o caso para todos os trabalhadores.
e consigo mesmo. Do ponto de vista da socio- Um trabalho exercido sem nenhum tipo de
logia, essas relações têm interesse na medida proteção social e previdenciária pode não pro-
em que se tornam padrões de comportamento vocar no indivíduo uma sensação de insegu-
recorrentes, estruturas sociais, não se reduzin- rança e, portanto, de precariedade. Tal fato irá
do a uma pura subjetividade individual. depender de seus padrões sociais de referência
b) O trabalho como atividade socialmen- e do peso de outras formas de solidariedade,
te situada, dotada de estatuto e reconhecimento, familiares, comunitárias ou de proximidade
de retribuição material e simbólica. O trabalho nas quais ele está inserido.
se apresenta ainda como uma atividade inscrita No que diz respeito às formas de so-
numa sociedade e num sistema mais ou menos ciabilidade experimentadas no trabalho, elas
institucionalizado de relações, mais ou menos podem caracterizar-se tanto por relações de
reconhecido e protegido. Trata-se, pois, de uma tensão e conflito, de sofrimento e insatisfação,
atividade que implica um estatuto específico, como por experiências de alegria, satisfação e
podendo proporcionar aos indivíduos que a sentimento de engajamento e pertencimento
exercem o reconhecimento de sua importância, coletivo. Nesse sentido, a reconstituição das
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ou seu insuficiente reconhecimento e, no limi- condições sociais e das relações nas quais se
te mesmo, sua completa desvalorização social inscrevem os atores sociais é de fundamental
ou condenação como atividade ilegítima. Nas importância para uma compreensão mais ade-
sociedades modernas, o sistema de proteções e quada do mundo do trabalho. Enfim, a relação
direitos vinculados ao trabalho constitui, nesse subjetiva com o trabalho como atividade dota-
sentido, importante mecanismo de reconheci- da de estatuto, de reconhecimento, de retribui-
mento social e valorização da condição laboral, o ção e de sociabilidade mostra-se fundamental
que implica não só a proteção contra os riscos da para apreender mais profundamente a questão
existência, tais como a proteção previdenciária e da precariedade do trabalho.
os direitos trabalhistas, mas a formação de iden- Ainda em relação a essa segunda dimen-
tidades individuais e coletivas. O trabalho é, por- são, parece importante destacar o aspecto da
tanto, uma atividade a partir da qual o indivíduo retribuição econômica, do trabalho como fonte
pode ser reconhecido e se reconhecer em função de rendimento e o que ele implica em termos
da posição social que ocupa, tratando-se, pois, de reconhecimento social. Desse modo, se o
de um fator decisivo no processo de construção trabalho é, por excelência, a fonte da riqueza
de identidades profissionais e sociais. socialmente produzida, ele é também um de

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seus principais meios de distribuição. Através critérios que remetem às chamadas linhas ab-
do trabalho se torna possível tanto a reprodu- solutas ou relativas de pobreza e miséria), ela
ção da vida social em geral como a reprodu- também pode ser apreendida através de crité-
ção e subsistência dos trabalhadores indivi- rios subjetivos, isto é, através da compreensão
dualmente. A classe trabalhadora, constituída da relação subjetiva que os atores sociais têm
de não proprietários dos meios de produção, com seu trabalho como fonte de rendimento
conforme nos propõe Marx (1983), é um grupo monetário e de acesso a bens e serviços. Num
social que não dispõe dos recursos habitual- caso como no outro, trata-se de apreender tais
mente acessíveis aos proprietários – tais como “definições” da precariedade do trabalho como
rendas, juros, lucros, etc. – para assegurar o construções particulares, situadas em contextos
acesso aos rendimentos monetários e, conse- sociais e relacionais específicos. Sociologica-
quentemente, ao consumo em um sistema eco- mente, trata-se de analisar e explicar o processo
nômico mercantil. Nesses termos, o rendimento de formação e justificação de tais construções,
do trabalho torna-se um indicador fundamen- bem como suas consequências na constituição
tal para medir sua precariedade, uma vez que e transformação das relações sociais.
está em jogo, para a maior parte da população
que depende do trabalho, o acesso aos bens e
serviços considerados “necessários” para a ga- O TRABALHO, A PRECARIEDADE
rantia de uma existência “digna”. Um rendi- E OS QUADROS SOCIOLÓGICOS
mento “insuficiente” do trabalho pode acarretar CLÁSSICOS DE REFERÊNCIA
ao indivíduo que trabalha ou a seu grupo uma
situação de “privação material” ou “pobreza”. Os aspectos conceituais apresentados no
Vale salientar que as noções de necessidade, item anterior e que podem ser explorados em
dignidade, insuficiência, privação ou pobreza investigações sociológicas mais empíricas care-
supõem um conjunto de construções sociais cem, no entanto, de um quadro teórico de refe-
que podem ser investigadas pela sociologia, rência a partir do qual essas situações objetivas
remetendo a normas, valores e relações sociais ou subjetivas de precariedade podem ser en-
específicas. A noção de “remuneração digna” se quadradas e explicadas. A proposição de qua-
constrói e se define sempre em termos relacio- dros teóricos de referência permite situar e es-
nais: tanto em relação ao volume global médio tabelecer relações entre as diversas dimensões

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de riquezas produzidas numa sociedade como de um fenômeno, integrando e articulando ob-
nas relações entre ocupações ou profissões. As servações empíricas particulares. Trata-se, pois,
próprias distâncias e diferenças em termos de de apreender os mecanismos mais gerais e rela-
remuneração, as desigualdades socioeconômi- cionais de produção do trabalho e de sua preca-
cas, precisam ser compreendidas como proces- riedade. Nesses termos, mobilizam-se aqui, ini-
sos sociais construídos de forma relacional. Es- cialmente, os autores clássicos da sociologia, a
sas desigualdades podem ser consideradas mais partir dos quais se identificam grandes modelos
ou menos legítimas de acordo com os padrões ou matrizes explicativas. Esses modelos reme-
históricos e políticos de relações consolidadas tem a diferentes critérios para definir sociologi-
em uma determinada sociedade. camente a precariedade do trabalho.
Se uma situação de “precariedade do Segundo Marx e Engels (1984) em sua
trabalho”, em termos de rendimento, pode ser premissa materialista, o ser humano só pode
medida através de critérios objetivos conside- existir se puder garantir as condições de sua
rados “legítimos” (levando-se em consideração, própria sobrevivência individual e coletiva.
por exemplo, o “salário mínimo em geral” ou Para viver, é preciso, antes de qualquer coisa,
os “salários mínimos profissionais”, ou outros comer, beber, vestir-se, habitar, proteger-se.

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A simples preservação da vida exige um con- cesso de desumanização, a alienação se carac-


junto de atividades objetivas das quais o ser teriza, sobretudo, pela instrumentalização do
humano não pode se furtar. A ação humana, trabalho e do trabalhador, que se convertem
portanto, apresenta-se como resposta a deter- em meios para fins que escapam a seu próprio
minadas “necessidades”, a pressões exteriores. controle. É a objetificação do sujeito que pro-
Mas, como afirma o próprio Marx, a relação me- duz um mundo de objetos que o domina. As-
tabólica com a natureza e com um mundo de sim, segundo Marx (2004, p. 80):
objetos naturais e culturais (matérias-primas,
O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto
instrumentos de trabalho, meios de produção, mais riqueza produz, quanto mais a sua produção
etc.) supõe a constituição de relações sociais aumenta em poder e extensão. O trabalhador se
entre os próprios seres humanos, relações que torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais
implicam, por sua vez, uma divisão social e téc- mercadorias cria. Com a valorização do mundo das
nica do trabalho, de tal forma que a vida social coisas (Sachenwelt) aumenta em proporção direta
a desvalorização do mundo dos homens (Mens-
se diferencia e se complexifica, conformando
chenwelt). O trabalho não produz somente merca-
estratificações e hierarquias sociais. Marx nos dorias; ele produz a si mesmo e ao trabalhador como
propõe, por isso, um modelo teórico a partir do uma mercadoria, e isto na medida em que produz,
qual é possível pensar “o trabalho como ativi- de fato, mercadorias em geral.
dade relacional”, atividade metabólica com a
natureza, que engendra, ao mesmo tempo, re- Essa alienação é também da atividade
lações sociais determinadas, estruturadas, hie- que não pertence ao trabalhador, uma pura
rarquizadas, marcadas por desigualdades, por exteriorização. Nela, esse trabalhador não se
vínculos de exploração e dominação. reconhece, pois não é trabalho para si próprio.
Para Marx, essas relações sociais de ex- Mas em que consiste exatamente essa exterio-
ploração e dominação, baseadas em uma divi- rização? Segundo Marx (2004, p. 82-83):
são social do trabalho que implica a produção Primeiro, que o trabalho é externo (äusserlich) ao
e o acesso desigual à riqueza socialmente pro- trabalhador, isto é, não pertence ao seu ser, que ele
duzida, engendram uma consequência funda- não se afirma, portanto, em seu trabalho, mas ne-
ga-se nele, que não se sente bem, mas infeliz, que
mental: a alienação do trabalho e do trabalha-
não desenvolve nenhuma energia física e espiritual
dor. Através do conceito de alienação, Marx
livre, mas mortifica sua physis e arruína o seu es-
procura captar um duplo fenômeno no mundo
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pírito. O trabalhador só se sente, por conseguinte e


do trabalho, a alienação do produto do traba- em primeiro lugar, junto a si [quando] fora do traba-
lho e a alienação da atividade, do ato de tra- lho e fora de si [quando] no trabalho. Está em casa
balhar propriamente dito. No capitalismo mo- quando não trabalha e, quando trabalha, não está
em casa. O seu trabalho não é, portanto, voluntário,
derno, nem o produto do trabalho nem mesmo
mas forçado, trabalho obrigatório. O trabalho não é,
o próprio ato de trabalhar pertencem mais ao
por isso, a satisfação de uma carência, mas somente
trabalhador expropriado de seus meios e ins- um meio para satisfazer necessidades fora dele. Sua
trumentos de trabalho. Se a alienação do pro- estranheza (Fremdheit) evidencia-se aqui [de forma]
duto se expressa e é legitimada pela proprieda- tão pura que, tão logo inexista coerção física ou ou-
de privada dos meios de produção, a alienação tra qualquer, foge-se do trabalho como de uma pes-
te. O trabalho externo, o trabalho no qual o homem
da atividade se expressa na tensão e na luta
se exterioriza, é um trabalho de autossacrifício, de
pelo controle do próprio processo de traba-
mortificação. Finalmente, a externalidade (äusserli-
lho, na expropriação dos saberes operários, chkeit) do trabalho aparece para o trabalhador como
no esvaziamento dos conteúdos do trabalho, se [o trabalho] não fosse seu próprio, mas de um ou-
na simplificação e rotinização das tarefas, en- tro, como se [o trabalho] não lhe pertencesse, como
fim, no sofrimento do trabalhador em relação se ele no trabalho não pertencesse a si mesmo, mas
a um outro.
ao conteúdo de seu trabalho. Como um pro-

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Essa objetificação do sujeito é, em última Contrariamente a Marx, Durkheim


instância, sua sujeição numa relação social as- (1984) propõe a ideia de que o trabalho é uma
simétrica e hierárquica. Destituído dos meios atividade social que, inscrevendo-se na divi-
de produção e possuidor apenas de sua capa- são do trabalho social, constitui o fundamento
cidade de trabalhar, esse sujeito trabalhador vê da solidariedade social no mundo moderno.
sua própria “força de trabalho” ser convertida Essa solidariedade se alicerça na função ou
em mercadoria, cujo valor é medido em termos contribuição útil que cada indivíduo ou gru-
puramente mercantis, no jogo da oferta e da po pode dar à coletividade. Nesse sentido, o
procura por força de trabalho. trabalho supõe tanto um conjunto de ativida-
No sentido marxiano, pois, a precariedade des objetivas, organizadas e divididas em di-
do trabalho manifesta-se em sentido amplo como ferentes ocupações e profissões, como estados
“sujeição social” e como “sujeição no trabalho”, mentais coletivamente partilhados, fundamen-
como subordinação na divisão social do trabalho tados nesse princípio moral da interdependên-
– de classe – e como subordinação na divisão téc- cia entre indivíduos e grupos. Na medida em
nica do trabalho, como degradação e alienação. que esses fundamentos objetivos e subjetivos
Essa dupla subordinação tem como efei- se impõem exteriormente aos indivíduos, tor-
to a impossibilidade de uma plena autonomia na-se possível a conformação da ordem social
do trabalhador como sujeito. Isto é, no âmbito em sociedades complexas economicamente e
de relações sociais assimétricas, nas quais di- organizadas em torno da busca do lucro e de
ferentes sujeitos sociais (ou classes) controlam interesses privados. As normas e regras coleti-
desigualmente os recursos materiais e simbóli- vas asseguram, pois, a coesão social, o adequa-
cos disponíveis, a precariedade se expressa pela do cumprimento das funções, tarefas e respon-
impossibilidade técnica e política de os traba- sabilidades, além de estabelecer sanções para
lhadores controlarem os meios e os fins de sua que a ordem se mantenha.
atividade produtiva. Sob o regime de produção Nesses termos, a divisão do trabalho não
capitalista, o trabalho tende, pois, no sentido de engendraria um individualismo negativo, a de-
Marx, a constituir-se, essencialmente, como tra- generação da vida social em conflitos contínuos
balho precário, enquanto suas determinações e incontroláveis e que levariam a uma ruptura
sociais e históricas fundamentais persistirem. da ordem. Ao contrário, essa divisão do traba-
Ainda que se estabeleçam hierarquias no inte- lho produziria solidariedade, cooperação, inte-

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rior da própria classe trabalhadora, a autonomia gração social – uma solidariedade de tipo orgâ-
só existe para o próprio capital e seus represen- nica – desde que as condições de regulação des-
tantes, lá onde são exercidas as funções mais sa ordem fossem adequadamente asseguradas.
qualificadas de gestão e planejamento. Na medida em que Durkheim propõe
Do ponto de vista subjetivo, o que defi- uma perspectiva sociológica que estabelece o
ne fundamentalmente essa precariedade como “trabalho como atividade socialmente regu-
uma alienação é a impossibilidade de os tra- lada” como o fundamento da vida social, sua
balhadores darem um sentido autêntico a seu precariedade poderia ser definida seja pela au-
trabalho que se torna apenas um meio para sência ou fragilidade das regras e normas que
fins que lhe são completamente exteriores. É organizam e estruturam o adequado funcio-
possível, pois, apreender, em Marx e na descri- namento da vida econômica e das relações de
ção que faz do trabalho operário, o arquétipo trabalho – o denominado estado de anomia –,
de uma relação puramente instrumental ao tra- seja pela inadequação dessas regras e normas
balho como meio de subsistência e atividade aos talentos, habilidades e disposições natu-
destituída de conteúdo significativo, vivida, ao rais dos sujeitos sociais, o que o autor deno-
contrário, como sofrimento e mortificação. minava de divisão forçada do trabalho. Nesse

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último caso, coerções ilegítimas não garantem ções e conexões de sentido que precisam ser
a adequada correspondência entre as regras so- identificados pela explicação sociológica. Nes-
ciais e as disposições e valores coletivos. Essas ses termos, Weber nos propõe uma perspectiva
formas anormais de divisão do trabalho cons- sociológica de construção do objeto trabalho
tituem, no entanto, para o autor, estados provi- como “atividade significativa”, isto é, como
sórios, típicos de períodos de transição e pro- atividade cujos sentidos subjetivos adquirem
fundas transformações sociais. Em última aná- conteúdo e forma em condições sociais parti-
lise, a própria precariedade do trabalho tende culares, as quais é preciso investigar.
a ser superada com o adequado ordenamento e Desse modo, o trabalho é uma atividade
amadurecimento das instituições sociais. cujo sentido se inscreve no conjunto da vida
Se, em Durkheim, esses estados mentais social e nas relações que os atores estabelecem
coletivos, essas crenças e valores, adquirem entre si. Sua inscrição no mundo social supõe
o estatuto de estruturas objetivas, em Weber um processo de hierarquização das múltiplas
(1987a), elas são pensadas como significados esferas da vida social, configurando-se um jogo
produzidos no curso da própria ação social. Para entre atividades sociais mais ou menos valori-
esse autor, o trabalho torna-se um objeto socio- zadas ou desvalorizadas. A dinâmica histórica
lógico relevante de investigação na medida em de construção do “trabalho” como uma esfera
que essa atividade social estrutura um conjun- de atividade especializada, valorizada por si
to de valores e significados culturais historica- mesma, expressa esse jogo, cujo reverso é, por
mente específicos e situados (Weber, 1987b). É exemplo, a perda de valor das atividades religio-
assim que, nas sociedades modernas, caracte- sas. No próprio interior do mundo do trabalho
rizadas pela existência de uma ética do traba- e da esfera econômica, um jogo complexo de
lho, isto é, pela valorização do trabalho como valores e hierarquias se configura, implicando
produção de riquezas, as atividades orientadas sua estruturação como uma “ordem simbólica”.
em torno de interesses econômicos, visando à A “precariedade do trabalho”, nesse sen-
valorização do mundo material e à acumulação tido, pode ser definida como o resultado de um
de bens materiais, passam a adquirir um esta- processo de desvalorização de determinadas
tuto central na configuração da ação social e, ocupações, profissões ou grupos sociais numa
portanto, na própria explicação sociológica. dada hierarquia social ou profissional, tendo
Nessa perspectiva, essa centralidade do como consequência níveis inferiores e (ou) in-
Caderno CRH, Salvador, v. 29, n. 77, p. 313-331, Maio/Ago. 2016

trabalho e essa ética do trabalho não podem satisfatórios de retribuição material e simbóli-
se apresentar para a sociologia como um dado ca. A “precariedade do trabalho”, por isso, não
em si mesmo, mas como um elemento cultu- pode ser adequadamente apreendida senão no
ral que precisa ser explicado em sua historici- interior dessa ordem simbólica. A perspectiva
dade. É preciso, pois, investigar as condições interacionista é, talvez, aquela mais capaz de
de produção de determinados significados da produzir as ferramentas conceituais para apre-
ação social em seu contexto particular, identi- ender essa dimensão da vida social, sobretudo
ficando as conexões de sentido delas decorren- em suas interações cotidianas (Hugues, 1996).
tes. A valorização do trabalho, das atividades
econômicas e da produção da vida material
desencadeadas pelo capitalismo moderno, em A EMERGÊNCIA DA PRECARIZAÇÃO
sua racionalidade econômica extrema, é expli- DO TRABALHO COMO PROBLEMÁ-
cada pelo autor a partir dos valores e da reli- TICA SOCIOLÓGICA
giosidade protestante, orientada em torno de
objetivos de valorização do reino de Deus nes- O modo como se analisa e se interpreta
te mundo, de uma vocação. São essas orienta- o problema da precariedade do trabalho tem

320
Francisco Beckenkamp Vargas

relação direta com a importância que se atribui Através da noção de “sociedade sala-
e com o lugar que se dá ao trabalho nas socie- rial”, Castel faz referência, pois, a um sistema
dades contemporâneas, o que tem implicações de regulação capaz de proteger os trabalhado-
sobre o próprio estatuto teórico da categoria res face aos riscos e incertezas da existência,
trabalho (Offe, 1989). No âmbito da sociologia, sua participação social dependendo, em larga
o trabalho tem sido considerado mais do que medida, de sua inscrição no quadro da divisão
uma simples atividade social, dentre outras. social do trabalho. Segundo o autor, é a crise
As investigações em torno das transformações desse trabalho que supõe proteção e reconhe-
do mundo do trabalho têm se apresentado e cimento, isto é, um modelo de integração típi-
se caracterizado como análises de transforma- co dessa sociedade salarial, que está na base
ções estruturais profundas, que levam em con- da nova questão social contemporânea. Seu
sideração o conjunto da vida social. É nessa fundamento é a própria crise capitalista, que
qualidade que o fenômeno da precariedade do se inicia nos anos setenta do século XX e cul-
trabalho também tem sido considerado. minou na emergência de um novo modelo de
Se, no âmbito da sociologia e dos dis- organização do trabalho e de regulação social
cursos correntes, o tema da “precariedade” é baseado na flexibilidade da produção e das re-
comumente definido no sentido de uma “preca- lações de trabalho. Até então, competitivida-
riedade social”, dirigindo sua atenção aos gru- de e segurança no trabalho puderam conviver
pos sociais em situação de vulnerabilidade, po- num modelo de desenvolvimento baseado no
breza e exclusão social (Appay; Thébaud-Mony, crescimento econômico, no pleno emprego e
1997), é no âmbito da sociologia do trabalho, no bem-estar social. Esse modelo, que é pos-
sobretudo a partir dos anos noventa, que os es- to em xeque com o avanço das políticas neo-
tudos sobre a “precarização do trabalho” vão liberais, tem como consequência um processo
se multiplicar, identificando-se, nas formas de profundo de desarticulação da classe trabalha-
organização do trabalho e de gestão da força de dora, de suas formas de organização coletiva e
trabalho, os fundamentos de um processo mais de seu sistema de direitos e proteções. Em úl-
profundo de fragilização da classe trabalhadora. tima análise, trata-se de um processo histórico
A “precarização do trabalho” estaria na origem, de institucionalização de um novo modelo de
pois, de um processo mais amplo de “precariza- regulação e de conformação do denominado
ção social” (Castel, 2001). “precariado” (Castel, 2009).

Caderno CRH, Salvador, v. 29, n. 77, p. 313-331, Maio/Ago. 2016


Nesses termos, vários autores procuram Em sua definição da precariedade do
mostrar que o trabalho constitui um mecanis- trabalho, Castel privilegia, pois, a dimensão do
mo central de integração e coesão nas socieda- trabalho como um estatuto assegurado pelos
des contemporâneas, definindo a precariedade direitos sociais e trabalhistas (Castel, 2001)2,
do trabalho como o resultado de um processo evidenciando-se como um “processo de pre-
de fragilização do estatuto do emprego, o que carização”, como vêm salientando vários auto-
tem levado a uma multiplicação das chamadas res (Druck, 2013; Druck; Franco, 2011; Hirata,
“formas atípicas de trabalho”. Segundo Castel 2011; Rosenfield, 2010). Essa institucionaliza-
(2001), esse seria o epicentro do processo mais
amplo de enfraquecimento da integração e da
2
Na esteira desse processo de fragilização da condição sa-
larial, o autor fala de “desfiliação social”, ao invés de utili-
coesão sociais, fundamento da vulnerabiliza- zar o termo, tão em moda nos últimos tempos, de “exclu-
são social”. Através daquela noção, Castel procura situar a
ção dos trabalhadores e de seus grupos sociais nova questão social como o produto de um processo que
ocorre no centro da dinâmica econômica das sociedades
de pertencimento. Essa seria a base da “nova contemporâneas. Face ao crescente desemprego estrutural
questão social” nas sociedades contemporâ- e à fragilização da relação salarial, enfim, à emergência
dessa precariedade estrutural, reduzem-se, nessas socie-
neas, alicerçadas no trabalho como “suporte” dades, as “zonas de integração”, o que tem como contra-
partida a correspondente ampliação das “zonas de vulne-
fundamental de integração social. rabilidade” e das “zonas de exclusão”.

321
TRABALHO, EMPREGO, PRECARIEDADE ...

ção da precariedade, repercutindo particular- Segundo o autor, a satisfação no trabalho


mente no âmbito do direito do trabalho e da é um dos principais sintomas dessa integração
seguridade social, estaria promovendo uma profissional, expressão do reconhecimento
ruptura da “norma do emprego estável” como material e simbólico obtido pelo trabalhador.
sistema de referência para definir o trabalho Nesses termos, Paugam está enfatizando a im-
considerado adequado e base de representação portância da relação subjetiva que o trabalha-
da própria noção de precariedade (Demazière, dor estabelece com seu trabalho. A precarieda-
2009). O contrato por tempo indeterminado e de, portanto, não se mede apenas a partir de
em tempo integral estaria cedendo lugar, pois, um conjunto de indicadores objetivos, estatis-
às denominadas “formas atípicas de emprego”. ticamente definidos e operacionalizáveis, mas
Diferenciando-se da análise de Cas- também através da experiência e subjetividade
tel, alguns autores vão propor uma definição do trabalhador, de sua consciência do mundo
mais ampla da precariedade do trabalho, le- social. O autor evoca três dimensões princi-
vando em consideração não apenas o estatuto pais a partir das quais essa satisfação pode ser
do emprego, mas o trabalho e a relação com o identificada, e para cada uma dessas dimen-
trabalho propriamente dito. Essa é a posição sões identifica dois aspectos decisivos para ca-
assumida por Paugam (2000, 2008). Ao recu- racterizá-la:
perar as categorias durkheimianas da divisão 1) A dimensão do homo economicus,
do trabalho social e reafirmar a centralidade cuja satisfação é medida através do salário e
do trabalho como mecanismo de integração das perspectivas de carreira. No limite, uma
social, por ele denominada de “integração pro- busca por satisfação, no sentido estritamente
fissional” ou “laços de participação orgânica”, econômico, caracteriza uma relação puramen-
esse autor procura enfatizar aquela dimensão te instrumental com o trabalho. Desse modo, o
da precariedade do trabalho deixada em se- trabalho torna-se apenas um meio para atingir
gundo plano por Castel. fins que lhe são exteriores, tais como o bem
Paugam sugere que os “laços de parti- estar material, o consumo ou um determinado
cipação orgânica” asseguram aos indivídu- modo de vida.
os uma função útil na sociedade através da 2) A dimensão do homo faber, cuja sa-
aprendizagem e do exercício de uma atividade tisfação é medida pelo prazer intrínseco com
profissional. Através dessa atividade, o indiví- o trabalho como atividade, como ofício, bem
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duo se integra à vida social, cria uma identi- como pela autonomia e liberdade de iniciativa
dade social e profissional, estabelece laços de que implica. Se, por um lado, o trabalho pode
pertencimento e sente-se útil em relações de ser fonte de prazer e satisfação, por outro, ele
complementaridade com os demais trabalha- pode ser uma importante fonte de sofrimento
dores e cidadãos. Além do conjunto de prote- para o trabalhador.
ções e garantias cristalizado na intervenção do 3) A dimensão do homo sociologicus,
Estado social, esses laços de participação or- cuja satisfação é medida pela relação com os
gânica asseguram aos indivíduos um lugar no outros, sejam os colegas e o grupo profissional
mundo, uma satisfação e um reconhecimento de pertencimento, seja a empresa e as chefias e
pelo que fazem, pelo trabalho que realizam. hierarquias superiores.
Assim, o tipo ideal de integração profissional, A relação subjetiva que o trabalhador es-
segundo Paugam, define-se como uma dupla tabelece com seu trabalho apresenta-se, pois,
garantia: a) de reconhecimento material e sim- como uma relação multidimensional, de tal
bólico do trabalho como atividade profissional forma que o indivíduo pode estabelecer uma
e b) de estabilidade do emprego e segurança identificação positiva ou negativa com seu tra-
econômica. balho em suas várias dimensões, o que resulta,

322
Francisco Beckenkamp Vargas

do ponto de vista analítico, numa complexa marcada pela instabilidade no emprego, pela
grade de interpretação sociológica. incerteza em sua relação com a empresa e pela
Do ponto de vista da relação com o em- insatisfação no trabalho (Paugam, 2000).
prego, a estabilidade é a noção-chave para Nesses termos, a compreensão das for-
Paugam, sendo ela entendida como o exercí- mas contemporâneas de integração profis-
cio regular e contínuo do trabalho, implicando sional implica analisar tanto a relação com o
certa duração do vínculo e permitindo ao tra- emprego, sua desestabilização, como a relação
balhador planejar seu futuro. Nesse sentido, a com o trabalho, marcada por transformações
dimensão subjetiva é igualmente importante. organizacionais profundas. Para Paugam, essa
Não se trata de definir a precariedade apenas compreensão exige identificar tanto as deter-
objetivamente, pela proliferação de estatutos minações estruturais implicadas no mundo do
atípicos, menos protegidos, mas de identifi- trabalho como as experiências vividas dos tra-
car a crescente insegurança no emprego em balhadores. A questão da identidade profissio-
razão da fragilização das relações de trabalho nal deve ser especialmente considerada, pois,
– que se expressa no estatuto do emprego – e através dela, é possível captar o processo de
da instabilidade das empresas e das ativida- “desqualificação social” como uma experiên-
des econômicas em contextos marcados pelas cia vivida pelos trabalhadores em seus cotidia-
flutuações do mercado, pela intensificação da nos de vida e trabalho. O que caracteriza, en-
concorrência e pela crise econômica. Tais fa- fim, a precariedade não é apenas a desestabili-
tores são decisivos para compreender e situar zação dos vínculos de emprego e a inseguran-
em que medida os trabalhadores interiorizam ça material dela decorrente, mas a ruptura de
uma identidade negativa com o trabalho, com uma identidade e uma relação com o trabalho
a empresa, e se ressentem da incerteza em re- e com a empresa, com o reconhecimento pela
lação a seu futuro. função que se desempenha. Além de estarem
Assim, Paugam sugere a existência de limitados em suas perspectivas de elaborar um
diversos níveis de integração profissional nas projeto de vida profissional, os trabalhadores
sociedades contemporâneas, segundo a combi- da precariedade não sentem prazer nem com o
nação dos dois critérios propostos: a “integra- que fazem nem com as relações que estabele-
ção estável”, que articula satisfação no traba- cem, vivendo uma experiência de forte aliena-
lho e estabilidade no emprego; a “integração ção no trabalho.

Caderno CRH, Salvador, v. 29, n. 77, p. 313-331, Maio/Ago. 2016


instável”, que articula satisfação no trabalho e A integração profissional não deve ser
instabilidade no emprego; a “integração labo- dissociada, porém, de outros processos de
riosa” que articula insatisfação no trabalho e integração social. Vida profissional e vida ex-
estabilidade no emprego; e, finalmente, a “in- traprofissional (familiar, associativa, política,
tegração desqualificante” que articula insatis- etc.) mantêm entre si relações que precisam
fação no trabalho e instabilidade no emprego. ser apreendidas pela análise sociológica. O au-
O autor sugere que essa tipologia permite ana- tor sugere que a integração profissional favore-
lisar as desigualdades que atravessam o mun- ce a integração nas demais esferas, contribuin-
do do trabalho. Mais do que a existência de do, por exemplo, para a estabilização e o bem
um tipo único de integração, tratar-se-ia, atu- estar da vida familiar e para a participação
almente, de verificar como os diversos grupos regular e o engajamento na vida política e as-
sociais, segundo sexo, idade, etnia ou cor, são sociativa, inclusive sindical. Os trabalhadores
diferenciadamente integrados no mundo do mais afetados pela precariedade do trabalho e
trabalho. O autor fala, pois, dos “assalariados do emprego tendem a ter maiores dificuldades
da precariedade”, dessa condição contemporâ- nos espaços sociais fora do mundo profissional
nea de uma classe trabalhadora cada vez mais do que os trabalhadores estáveis. Isso implica

323
TRABALHO, EMPREGO, PRECARIEDADE ...

maiores dificuldades de relacionamento na fa- NOTAS SOBRE A PRECARIEDADE


mília e comportamentos mais frequentemente DO TRABALHO NO BRASIL
marcados pela apatia, desilusão e impotência
em relação à vida social e política. Nesse sen- No Brasil, a noção de precariedade do
tido, para Paugam, há um efeito cumulativo trabalho foi e tem sido frequentemente relacio-
entre essas esferas da vida social, de tal forma nada com aquela de informalidade, remetendo
que o déficit de integração na vida profissional tanto às formas e relações de trabalho não as-
repercute sobre todas as dimensões da vida so- salariadas, tais como o trabalho autônomo e os
cial dos indivíduos. pequenos negócios individuais, como ao traba-
A despeito dessa conclusão do autor, é lho assalariado não protegido, sem carteira de
preciso considerar, no entanto, que essas rela- trabalho assinada. Durante um longo período, a
ções entre esfera profissional e esfera extrapro- noção de precariedade do trabalho, sem se cons-
fissional não se dão a partir de uma via de mão tituir ainda num conceito sociológico corrente,
única. Ainda que a vida profissional tenha esteve fortemente vinculada aos estudos sobre
uma forte influência sobre as demais esferas, marginalidade e informalidade realizados pela
é preciso considerar o efeito inverso, isto é, de sociologia latino-americana nos anos sessenta
que a integração familiar, política e associativa e setenta (Cf. Kowarick, 1975). Tais estudos, ao
e seus suportes materiais e simbólicos possam centrarem seu foco sobre a dinâmica de desen-
favorecer a integração profissional e proteger volvimento capitalista de países periféricos, tra-
os indivíduos nos momentos de instabilidade tavam de identificar a limitada capacidade do
profissional. O emprego e a atividade profis- processo de modernização em integrar a maior
sional, nesse sentido, não devem ser analisa- parte da população trabalhadora às modernas
dos apenas em sua dimensão individual, mas relações de trabalho, relegando-a a condição de
no contexto dos grupos de pertencimento dos “massa marginal” (Nun, 2000).
indivíduos e de suas estratégias coletivas. Uma definição estrita da precariedade
Vale ressaltar, finalmente, que o problema do trabalho, em termos de informalidade e
da precariedade do trabalho deve ser especial- marginalidade, parece não se sustentar mais
mente referido à dimensão da ação coletiva e das atualmente. Isso porque essa precariedade
formas de resistência dos trabalhadores (Béroud; não estaria mais associada apenas às ativi-
Bouffartigue, 2009). Ela se evidencia também
Caderno CRH, Salvador, v. 29, n. 77, p. 313-331, Maio/Ago. 2016

dades marginais e periféricas, mas povoaria,


quando a identidade e as formas de organização como afirma Castel, o coração da dinâmica da
coletiva se enfraquecem ou são destruídas, não acumulação capitalista. No Brasil, pois, uma
permitindo a expressão dos trabalhadores como velha precariedade e uma nova precarização
sujeitos políticos a partir de seus dispositivos de do trabalho combinam-se para configurar sua
representação. Na medida em que a solidarieda- contemporaneidade (Druck, 2011, 2013). Por
de de classe se torna obstaculizada, os trabalha- isso, é preciso considerar que um dos traços
dores fragilizam-se como atores sociais, subme- fundamentais da sociedade e da economia bra-
tendo-se facilmente ao arbitrário patronal. Trata- sileiras é sua heterogeneidade estrutural, nela
se de um processo de sujeição dos trabalhadores convivendo formas e relações de trabalho mui-
em relações de dominação cada vez mais assi- to diversas (Vargas, 2008).
métricas e desiguais. Desse modo, a precarieda- No Brasil contemporâneo, coloca-se,
de do trabalho se manifesta diretamente como pois, tanto uma questão social ligada à “des-
intensificação das relações de dominação, como filiação”, conforme sugere Castel, como uma
sujeição dos trabalhadores que perdem cada vez questão igualmente decisiva de “periferização”
mais a capacidade coletiva de intervir sobre seu de vastas camadas sociais colocadas à margem
trabalho e suas condições de trabalho. do desenvolvimento econômico. Essas parcelas

324
Francisco Beckenkamp Vargas

da população jamais estiveram integradas a um tir dos quais definem e avaliam o trabalho e
conjunto de relações de trabalho regulares e sua precariedade. Essa tensão pode se manifes-
estáveis e a um sistema de proteção social. Por tar em diversos níveis na sociedade, tanto no
essa razão, a questão da precariedade do traba- plano das instituições encarregadas de medir
lho adquire contornos incertos, uma vez que, e regular o trabalho e suas relações, como no
no Brasil, não chegou a se constituir a chamada plano da ação dos atores sociais, individuais e
sociedade salarial, caracterizada pela genera- coletivos, isto é, no âmbito direto das próprias
lização da relação salarial estável e protegida relações de trabalho. A precariedade do traba-
para o conjunto da população que trabalha. lho torna-se, pois, um fenômeno de contornos
Devido à ausência ou ao limitado alcan- incertos. Mostra-se heterogênea e descontínua
ce da “norma do emprego estável” como um tanto no nível das categorizações institucio-
modelo de referência que organiza o conjunto nais e objetivas,3 como no nível das categori-
do mundo do trabalho e das relações de traba- zações nativas e subjetivas (Demazière, 2003).
lho, é possível supor que outros sistemas de É peculiar, pois, ao contexto social e po-
referência contribuam para organizar as práti- lítico brasileiro a tensão entre modelos norma-
cas, as representações e as relações de trabalho tivos distintos e heterogêneos, tomando como
no Brasil. Se a referência ao emprego estável referência tanto a norma do emprego estável
não deixa de existir, outras formas de trabalho, – que prevaleceu na Europa e que organizou as
passando tanto pelo emprego instável e irre- relações de trabalho para algumas categorias
gular como pelas formas de trabalho não assa- profissionais no Brasil (servidores públicos,
lariadas – o trabalho autônomo, os pequenos por exemplo) – como a norma do emprego ins-
negócios, as profissões liberais – têm um papel tável, vigente na própria institucionalidade do
fundamental na configuração dos padrões nor- país, em seu sistema legal, ou ainda as normas
mativos de referência dos atores sociais. legais e (ou) práticas que orientam as relações
Dada essa pluralidade de formas e rela- de trabalho entre diversas categorias de traba-
ções de trabalho, essa elevada heterogeneidade lhadores não assalariados (autônomos, pro-
estrutural, configura-se, no Brasil, nos termos fissionais liberais, trabalhadores domésticos,
propostos por Castel, tanto um “assalariamen- trabalhadores artesanais, etc.). As políticas
to pleno”, marcado por direitos e proteções, públicas mais recentes de microcrédito, que
como um “indigno assalariamento”, marcado visam a estimular o empreendedorismo, tam-

Caderno CRH, Salvador, v. 29, n. 77, p. 313-331, Maio/Ago. 2016


pela instabilidade e irregularidade do traba- bém se inscrevem nessa pluralidade de refe-
lho. Historicamente, o trabalho remunerado rências normativas de organização do trabalho
se inscreve, em grande medida, na ordem das e de suas relações. Nesses termos, legalizam-
relações puramente mercantis, das relações 3
No Brasil, o debate institucional ocorrido nos anos oiten-
ta e noventa sobre os conceitos e metodologias destinados
contratuais de ordem privada, como eram na a medir o desemprego reflete tais tensões. O conceito de
Europa no período de formação do capitalis- “desemprego oculto”, desenvolvido pelo DIEESE, trouxe
à tona, nesse contexto, a necessidade de se levar em con-
mo moderno, antes da constituição da relação sideração a “precariedade do trabalho” como critério para
medir o desemprego, questionando-se profundamente as
salarial moderna como modelo de organização construções estatísticas internacionais, utilizadas pelo
IBGE, que tomam como referência, em suas elaborações
das relações de trabalho. conceituais e metodológicas, a norma do emprego estável.
Assim, se o trabalho remunerado esca- Tratava-se e trata-se, ainda, de uma tentativa de definir e
estabelecer a “precariedade do trabalho” como uma ca-
pa a um quadro homogêneo de regulação de tegoria teórica legítima para medir formas de ocupação
que escapam a um determinado padrão de regularidade e
ordem pública, os critérios a partir dos quais continuidade. A duplicidade do conceito de desemprego,
no sistema estatístico brasileiro, é a expressão dessa ten-
se pode medir a precariedade do trabalho tor- são em torno do problema da precariedade do trabalho,
nam-se menos consensuais. Diferentes atores cuja definição e reconhecimento não são nem unânimes,
nem unívocos (Vargas, 2008). Mais recentemente, o debate
sociais e instituições podem construir, nessa sobre trabalho decente expressa, igualmente, um esforço
institucional em reconhecer e combater a precariedade do
direção, quadros de referência diversos a par- trabalho através de políticas públicas específicas.

325
TRABALHO, EMPREGO, PRECARIEDADE ...

se e normalizam-se formas de trabalho tipi- gência das políticas neoliberais ao longo dos
camente individuais, supondo-se transformar anos noventa e a consequente desestruturação
os trabalhadores em “empreendedores”. Em do mercado de trabalho. No novo cenário que
grande medida, trata-se de reconhecer formas se anunciava, um elevado desemprego estru-
de trabalho tipicamente individuais, instituin- tural, uma ampliação da informalidade e uma
do-se medidas específicas de proteção que, em crescente insegurança passaram a dominar o
última análise, reforçam a individualização imaginário dos trabalhadores, sobretudo da-
dos riscos e institucionalizam a instabilidade queles que haviam logrado obter níveis mais
decorrente das flutuações do mercado. elevados de proteção e segurança no emprego
É no contexto desse quadro complexo (Pochmann, 2002).
que a precariedade do trabalho precisa ser Enfim, para compreender o complexo
analisada e interpretada sociologicamente. conjunto de condições que afetam a experiên-
Ela é, antes de tudo, uma categoria social que cia da precariedade, é preciso levar em con-
está atravessada pelas tensões inerentes a essa sideração não apenas o contexto político (os
multiplicidade de formas e de relações de tra- valores em construção) e a conjuntura eco-
balho, evidenciando-se uma luta simbólica nômica (as coerções materiais), mas o tecido
para definir os limites do trabalho considerado social a partir do qual as práticas e relações
legítimo. O sentido dessa precariedade pode de trabalho se configuram, sobretudo aquelas
variar consideravelmente quando se tomam, referentes aos arranjos e aos modos de vida da
como referências, as condições subjetivas dos classe trabalhadora. Assim, nos termos pro-
próprios atores sociais, na medida em que ela postos por Paugam, é preciso considerar que
se apresenta como uma categoria nativa, uma os “laços sociais” e a integração dos indivíduos
categoria ordinária do senso comum. se configuram através de uma complexa arti-
No Brasil, uma análise da precariedade culação entre diversas instituições e esferas da
como categoria subjetiva deve levar em consi- vida social, entre o público e o privado. Nes-
deração um conjunto amplo de fatores, além ses termos, as formas de integração e solida-
daqueles já apontados anteriormente. Se, por riedade baseadas nas relações de proximidade
um lado, aqui se configurou um modelo au- (familiares, comunitárias, religiosas, de vizi-
toritário e despótico de relações de trabalho nhança, etc.) e na assistência privada podem
(Burawoy, 1990; Dedecca, 2006), por outro, é ter um papel decisivo não só na constituição
Caderno CRH, Salvador, v. 29, n. 77, p. 313-331, Maio/Ago. 2016

preciso considerar que, desde o final da dita- de “suportes objetivos” para os indivíduos,
dura militar, a emergência de novos movimen- mas nas suas experiências subjetivas de segu-
tos sociais e do novo sindicalismo brasileiro rança/insegurança, de enfrentamento dos ris-
produziu um processo de redemocratização e cos da existência.
um conjunto de transformações sociais, políti- Nesse cenário, o trabalho não se apre-
cas e culturais que, em parte, ficaram cristali- senta apenas como uma atividade individual.
zadas no arranjo proposto pela constituição de Ele pode se configurar em arranjos sociais, fa-
1988, comumente lembrada como constituição miliares, através dos quais modalidades coleti-
cidadã. Nela, reconhece-se o “trabalho” como vas de “suporte” são criadas. Numa sociedade
um direito de todos os cidadãos, bem como a onde as proteções coletivas (estatais) são mais
obrigação de o Estado garanti-lo. Um conjun- frágeis, o trabalho torna-se, ainda mais, sobre-
to de direitos civis, políticos e sociais foram tudo através de arranjos coletivos, um meio
criados e assegurados, constituindo-se numa decisivo de subsistência e de reprodução dos
importante referência para os trabalhadores e grupos sociais, independentemente do conteú-
para os movimentos sociais posteriores. Esse do em si desse trabalho. Através dos arranjos e
processo, no entanto, chocou-se com a emer- suportes baseados em formas de solidariedade

326
Francisco Beckenkamp Vargas

próximas, o trabalho evidencia-se tanto como universo simbólico do trabalhador brasileiro


fonte de recursos materiais quanto de relações médio, constituindo-se numa condição con-
e laços específicos. siderada normal de enfrentamento do mundo.
Assim, os significados do trabalho po- Ainda que o emprego como estatuto jurídico
dem assumir novos contornos, tendo em vis- reconhecido seja uma aspiração para a maior
ta esse contexto social peculiar e os laços que parte dos brasileiros – o emprego público par-
nele se estabelecem. O trabalho pode ser con- ticularmente, revestindo-se do sentido de esta-
siderado, para certos grupos sociais, um meio bilidade – essa segurança também parece ser
para alcançar uma remuneração “digna”, para atingida através da laboriosidade, do se virar,
assegurar aos indivíduos um lugar no mundo, do empreendedorismo em diversos arranjos
permitindo escapar à privação econômica, à coletivos (Guimarães, 2009). Por essa razão,
pobreza, e proporcionando o acesso ao consu- as outras formas de solidariedade parecem ser
mo, à autonomia econômica. Essa experiência cruciais para definir a relação que os próprios
do trabalho, no entanto, pode variar conside- trabalhadores têm com o Estado e com seu sis-
ravelmente conforme a posição que o próprio tema de proteções institucionalizadas. Não é
indivíduo ocupa nas relações e arranjos dos por acaso que a ideologia do empreendedoris-
quais participa. Aqueles indivíduos conside- mo tem tido bastante desenvolvimento no Bra-
rados “provedores” de seus grupos familiares sil, e os brasileiros vêm sendo considerados
e (ou) domiciliares, por exemplo, tendem a se “naturalmente” empreendedores, criativos,
ressentir muito mais de uma situação de preca- inovadores, capazes de “se virar”.
riedade em termos de rendimento e de desem- O papel do Estado na integração da clas-
prego que os indivíduos que não são ou não se trabalhadora precisa, no entanto, ser mais
se definem como provedores (Vargas, 2008). bem analisada. A intervenção pública não
Assim, a precariedade do trabalho não pode se dá apenas através dos direitos e proteções
ser apreendida automaticamente a partir de decorrentes do trabalho, dos benefícios e das
condições puramente objetivas em termos de vantagens dele obtidos. Os serviços públicos,
retribuição monetária, mas a partir dos signi- tais como saúde, educação, transporte e sanea-
ficados que essas condições podem ter para os mento, são também fundamentais na vida dos
indivíduos em seu contexto social, dados seus trabalhadores e podem ter um papel decisivo
suportes ou a ausência deles. Desse modo, o na construção de sua sensação subjetiva de

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sentido subjetivo da precariedade do trabalho precariedade (social), independentemente do
varia segundo a posição que um indivíduo trabalho, mas com repercussões sobre o tra-
ocupa em seus grupos de pertencimento. balho. Esses serviços também podem ser lidos
Do mesmo modo, o efeito subjetivo do como “suportes”, assim como os direitos so-
emprego com vínculo formal e estatuto jurídi- ciais para Castel e as formas de solidariedade
co reconhecido pode ser bastante variado se- próxima para Paugam. Tal leitura permitiria
gundo os arranjos acima identificados. A pró- supor que a precariedade (social) é tanto mais
pria noção de risco no mercado de trabalho e fortemente ressentida pelos trabalhadores
na vida pode variar de acordo com a condição brasileiros em termos subjetivos quanto mais
de classe e a posição do trabalhador na hete- frágeis forem esses suportes considerados fun-
rogênea estrutural ocupacional. Se o trabalho damentais (boa educação para os filhos, bom
se configura como um importante meio de atendimento em termos de saúde, por exem-
enfrentamento das incertezas da vida, as rela- plo). A precariedade do trabalho pode, por
ções de trabalho instáveis não necessariamen- isso, ser menos ressentida e visível em certos
te impõem uma sensação subjetiva de risco. casos, quando a relação com o trabalho é mais
O risco pode estar perfeitamente integrado ao instrumental (como meio de sobrevivência)

327
TRABALHO, EMPREGO, PRECARIEDADE ...

e uma precariedade em termos de rendimen- dos processos sociais concretos em produção e


to salarial é compensada por outros suportes. transformação; e, de outro, a redução dos fenô-
Trata-se, enfim, de uma hipótese a ser verifica- menos sociais às ações e interações puramente
da e que deve sofrer retificações significativas contingentes, independentemente de deter-
segundo a posição que ocupam indivíduos nas minações não imediatamente perceptíveis no
relações de classe, de sexo, de geração, de cor curso da vida social cotidiana. Nesse sentido,
ou etnia. a distinção entre o objetivo e o subjetivo, entre
estrutura e ação, é puramente teórico-metodo-
lógica, supondo a necessidade de percorrer o
CONCLUSÕES processo de subjetivação ou interiorização da
objetividade e de objetivação ou exterioriza-
A partir do debate acima apresentado, é ção da subjetividade (Berger; Luckmann, 2004;
possível afirmar que a precariedade do traba- Bourdieu, 1990; Corcuff, 2001).
lho pode ser definida a partir de uma pluralida- A precariedade do trabalho, portanto,
de de dimensões que remetem tanto a aspectos pode ser definida tanto pela modalidade de
objetivos da experiência humana em socieda- inscrição da atividade laboral na vida social,
de, mais ou menos sedimentados nas relações pelo reconhecimento e pela retribuição mate-
e instituições sociais, como a aspectos subje- rial e simbólica que ela implica, quanto pela
tivos, apreendidos através das percepções, re- natureza e condições concretas de exercício
presentações e emoções dos atores sociais em dessa atividade em si mesma. Ora, essa dis-
suas relações. Mais do que um conceito especí- tinção é apenas teoricamente pertinente, pois,
fico destinado a delimitar um fenômeno isola- na prática, essas dimensões são inseparáveis.
do, a precariedade do trabalho, como objeto de É em torno da primeira dimensão que tem se
investigação sociológica, precisa ser apreendi- concentrado o debate contemporâneo sobre a
da a partir de quadros teóricos de referência precariedade do trabalho, em particular sobre
que contribuam para situá-la num conjunto de seu estatuto juridicamente estabelecido. Isto é,
processos sociais mais amplos. ela tem sido definida principalmente como o
Não se trata, no entanto, nem de fixar resultado da fragilização do estatuto da rela-
definitivamente as dimensões do fenômeno, ção salarial, fenômeno que adquire uma maior
nem de estabelecer um quadro teórico rígido amplitude nos países mais avançados do capi-
Caderno CRH, Salvador, v. 29, n. 77, p. 313-331, Maio/Ago. 2016

de explicação das conexões entre as diversas talismo mundial.


dimensões da vida social. Trata-se, ao contrá- No Brasil, mesmo ocorrendo tal fragili-
rio, de elaborar, testar e reelaborar constante- zação do estatuto salarial – que já era e con-
mente hipóteses de investigação pertinentes tinua sendo, em grande medida, frágil e ins-
e retificáveis que permitam apreender as ar- tável –, a precariedade do trabalho assume
ticulações entre essas diversas dimensões do contornos específicos, na medida em que a
fenômeno investigado. Nesse sentido, forjar inscrição da atividade laboral na vida social
“categorias mediadoras” que permitam apre- se estrutura de maneira heterogênea, dada a
ender as articulações entre as dimensões ob- pluralidade de formas e relações de trabalho,
jetivas e subjetivas dos fenômenos sociais, in- distintas da relação salarial estável. Se, nos
separáveis na realidade concreta, constitui um países mais avançados, o estatuto da relação
importante recurso metodológico destinado a salarial estável constituiu-se num suporte cen-
evitar um duplo problema no âmbito da teoria tral de integração social da classe trabalhado-
social: de um lado, a fixação e reificação das ra, base fundamental dos direitos sociais, no
estruturas sociais como forças autônomas, in- Brasil, esse suporte sempre foi menos central,
dependentes dos sujeitos que as produzem e o que coloca o problema de identificar outras

328
Francisco Beckenkamp Vargas

modalidades de suporte para a sua integração. semprego ou sua ameaça podem provocar, em
Propõe-se, aqui, que a noção de suporte não certos casos, uma forte sensação subjetiva de
deva ser tomada apenas no sentido objetivo de precariedade, de insegurança, sobretudo quan-
formas de sustentação dos indivíduos face aos do a estabilidade do vínculo se torna uma refe-
riscos da existência social, como sugere Cas- rência central para o trabalhador. Nos casos em
tel. Os suportes devem ser considerados tam- que se configura uma relação mais instrumen-
bém em sua dimensão subjetiva, isto é, como tal com o trabalho, estima-se que os suportes
subjetivamente ressentidos pelos indivíduos baseados em laços de proximidade, na medida
em suas condições e relações de trabalho e em em que asseguram segurança econômica, pos-
suas condições sociais de vida. As articulações sam neutralizar subjetivamente a experiência
entre trabalho e suportes devem ser mais bem da precariedade do trabalho, embora ela possa
investigadas em suas dimensões objetivas e afetar amplamente toda a coletividade de per-
subjetivas. A precariedade do trabalho pode tencimento do indivíduo.
configurar-se, em grande medida, nessa articu- Se, por um lado, pode-se afirmar que os
lação pouco explorada teoricamente. diversos suportes têm um papel fundamental
Nesse sentido, parece pertinente pro- na conformação da relação subjetiva com o tra-
por, para o Brasil, um quadro “ideal-típico”, balho e na experiência da precariedade, pode-se
no qual uma forte relação instrumental ao supor igualmente que a atividade profissional,
trabalho como suporte econômico – face às em si mesma, possa se constituir num suporte
incertezas de um mercado bastante instável –, subjetivo importante para a construção positiva
articulado com outros suportes e relações de da identidade individual e coletiva. Se, através
solidariedade, combina-se com uma fraca re- de seu trabalho, o indivíduo se reconhece no
lação ao trabalho como ofício, como atividade mundo e estabelece uma relação significativa
significativa. Nesse caso, pode-se configurar, consigo mesmo e com os outros, na ausência de
sobretudo entre as camadas sociais mais vul- um trabalho significativo, de uma coletividade
neráveis, uma identidade ambígua com o tra- que o reconheça e sancione seu engajamento
balho, sua importância econômica (individual em uma atividade legítima, uma forte precarie-
e coletivamente) contrastando com sua desva- dade social pode ser ressentida.
lorização e baixo reconhecimento social. Enfim, uma ênfase excessiva no estatuto
Diversas dimensões, como o nível de ren- do emprego como suporte de proteção social

Caderno CRH, Salvador, v. 29, n. 77, p. 313-331, Maio/Ago. 2016


dimento, a formação profissional, a organização sancionada pelo Estado pode levar a não se
e a identidade coletivas, vão modular essa rela- considerar suficientemente a importância de
ção ambígua com o trabalho, que se modifica outros fatores – outros suportes, a relação ao
significativamente segundo a condição de clas- trabalho como ofício – e seus efeitos positivos
se social. Ou seja, grupos sociais que possuem ou negativos sobre a precariedade do trabalho.
rendimentos, suportes institucionais e níveis
de formação profissional mais elevados tendem
Recebido para publicação em 15 de agosto de 2014
a desenvolver uma identidade mais forte com Aceito em 11 de maio de 2015
o trabalho em todas as suas dimensões. Nes-
se sentido, a precariedade do trabalho assume
outros significados, segundo as dimensões mo- REFERÊNCIAS
bilizadas na experiência dos indivíduos.4 O de-
ANTUNES, Ricardo (Org.). Riqueza e miséria do trabalho
4
Na relação que o indivíduo estabelece com seu trabalho, no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006. 528 p.
contribuem decisivamente para a conformação ou não da
experiência de precariedade a qualidade dos vínculos es-
tabelecidos, seja com a atividade laboral em si mesma, seja clientes, etc.), seja, finalmente, com as instâncias coleti-
com a empresa ou estabelecimento em que trabalha, seja vas que se constituem no mundo do trabalho (associações,
com as pessoas com as quais interage (colegas, chefias, sindicatos, cooperativas, etc.).

329
TRABALHO, EMPREGO, PRECARIEDADE ...

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330
Francisco Beckenkamp Vargas

WORK, EMPLOYMENT, INSTABILITY: conceptual TRAVAIL, EMPLOI, PRÉCARITÉ: des dimensions


dimensions in debate conceptuelles en débat

Francisco Beckenkamp Vargas Francisco Beckenkamp Vargas

The present article aims to discuss conceptually L’objectif de cet article est de discuter, en termes de
the notion of work instability, having in mind concepts, la notion de précarité du travail, étant
that it is widely used in sociology without a donné qu’elle est largement utilisée en sociologie
precise definition. It is proposed a relational and sans que soit formulé à son égard un signifié précis.
constructivist approach that seeks to articulate Une approche relationnelle et constructiviste
objective and subjective conditions of the production est proposée qui essaie d’articuler les conditions
of the phenomenon studied. In order to do this, this objectives et subjectives de production du
study starts with a discussion about the concept of pénomène en question. Nous commençons donc
work intending to define, more appropriately, what par le débat concernant le concept de travail afin
constitutes its instability. It is equally debated the de mieux définir en quoi consiste sa précarité.
necessity of situating this debate in the ambit of Nous insistons aussi sur le besoin de situer ce débat
broader theoretical frameworks of the sociological dans le contexte des cadres théoriques plus larges
interpretation. Two crucial dimensions are d’interprétation sociologique. Nous identifions
identified in the analysis of work instability, the deux dimensions cruciales dans cette analyse
relation of job or work with labor activity itself, de la précarité du travail, la relation d’emploi ou
discussing the exemplary theoretical perspectives de travail et l’activité de labeur proprement dite.
of two French authors who are especially interested Nous discutons à titre d’exemple les perspectives
in the subject: Robert Castel and Serge Paugam. théoriques de deux auteurs français particulièrement
Finally, some implications of this debate are intéressés par cette question : Robert Castel et Serge
discussed for the Brazilian reality, sustaining the Paugam. Finalement, nous abordons quelques
importance of giving a multidimensional treatment implications de ce débat dans la réalité brésilienne
to the phenomenon. et nous affirmons qu’il est important d’adopter une
approche multidimensionnelle du phénomène.

Keywords: Work. Job. Instability. Precarity. Inequality. Mots-clés: Travail. Emploi. Précarité. Précarisation.
Inégalité.

Caderno CRH, Salvador, v. 29, n. 77, p. 313-331, Maio/Ago. 2016

Francisco Beckenkamp Vargas – Doutor em Sociologia. Pós-doutorado em Sociologia pela Universidade


Federal do Rio Grande do Sul. Professor associado do Instituto de Filosofia, Sociologia e Política –
IFISP da Universidade Federal de Pelotas, atuando no ensino da sociologia, sociologia do trabalho,
teoria sociológica clássica e metodologia da pesquisa social. Integra os Grupos de Pesquisa “Trabalho
e trabalhadores: identidades, desigualdades e transformações sociais” (UFPel) e “Núcleo de Estudos
Urbanos – NAU” (FURG), desenvolvendo suas pesquisas sobre os temas emprego e desenvolvimento,
desemprego e análise de trajetórias de trabalhadores, trabalho e relações de gênero, mercado de trabalho,
políticas públicas de emprego e precariedade do trabalho no Brasil. Atualmente coordena o Observatório
Social do Trabalho da UFPel. Publicações recentes: O mercado de trabalho e a questão do emprego no
Brasil: Integração precária e desenvolvimento desigual. Revista Brasileira de Sociologia, v. 2, p. 183-
203, 2014; Emprego e desenvolvimento regional: contornos de uma questão social. Revista da ABET
(Impresso), v. 11, p. 93-111, 2012; L’émergence du chômage au Brésil: reproduction et changement des
rapports sociaux. Cahiers Du Genre, Paris, v. 1, n.26, p. 111-119, 1999.

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