Sei sulla pagina 1di 143

0

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS


INSTITUTO GOIANO DE PRÉ-HISTÓRIA E ANTROPOLOGIA
BACHARELADO EM ARQUEOLOGIA

DANIELA DIAS ORTEGA

A CERÂMICA ARQUEOLÓGICA DO SÍTIO LAGO RICO:


QUESTÕES SOBRE FUNCIONALIDADE, FUNCIONAMENTO E FUNÇÃO

GOIÂNIA
2016
1

DANIELA DIAS ORTEGA

A CERÂMICA ARQUEOLÓGICA DO SÍTIO LAGO RICO:


QUESTÕES SOBRE FUNCIONALIDADE, FUNCIONAMENTO E FUNÇÃO

Monografia apresentada ao Instituto


Goiano de Pré-História e Antropologia da
Pontifícia Universidade Católica de
Goiás como requisito para a obtenção do
título de Bacharel em Arqueologia.

Orientadora: Profª. Drª. Rosiclér Theodoro da


Silva

GOIÂNIA
2016
2

REFERÊNCIA DA OBRA

ORTEGA, Daniela Dias. A Cerâmica Arqueológica do Sítio Lago Rico:


Questões Sobre Funcionalidade, Funcionamento e Função. Monografia
(Graduação em Arqueologia). Pontifícia Universidade Católica de Goiás,
Goiânia, 2016. 142pp.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________

Orientadora: Profª. Drª. Rosiclér Theodoro da Silva

Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia - Pontifícia Universidade


Católica de Goiás

___________________________________________

Examinadora: Profª. Drª. Camila Azevedo de Moraes Wichers

Universidade Federal de Goiás

___________________________________________

Examinador: Prof. Dr. Julio Cezar Rubin de Rubin

Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia - Pontifícia Universidade


Católica de Goiás

Data de Aprovação: 28/06/2016

GOIÂNIA
2016
3

AGRADECIMENTOS

À minha mãe Eula e meu pai Rogério, meus avós Ilda e Florindo, tia
Patrícia, e toda minha família;

À orientadora Profª Rosiclér Silva e ao coordenador do projeto Lago Rico


Prof. Julio Rubin;

À técnica do laboratório de arqueologia Maria do Socorro;

Aos professores Sibeli Viana, Loriza Dantas, Ludmília Vaz, Maira


Barberi, Ernesto Castro, Leila Fraga, Mariza Barbosa, Marlene Castro, Camila
Wichers, Alfredo Palau, Samuel Vaz, Richard, César Viana, Cláudia, Oscalina e
Bertin;

Aos colegas Marcos Paulo, Lúcia, Jordana, Eloã, Leonardo, Antonia


Liduina, Lemissuir, Weyda, Lucas, Luciano, Bia, Matheus, Luis, Carol, Bruna,
Francyanne, Rafael, Valquíria, Milena, Dimitri, Fernando, Victor, Raissa,
Lincoln, Gabriela, Nathalia, Marcelo Iury e Caio Fidel;

Aos amigos Óliver, Willian, João Carlos, Lorena, Alexandre, Emilio,


Guilherme, Ícaro, Fefa, Sandra Nara Novais, Marcos Antonio de Menezes,
Cláudia Graziela, Maria Lemke, Silvon, Eduardo Andrade, Renata Nascimento
e Marco Antonio Carvalho (Marquinho).

À todos os demais membros da equipe do projeto Lago Rico, Daniel,


Sergia, Vitória, Joana Portuga, Joane, ao Athos e família; ao motorista Zezinho,
à equipe do IGPA Joicy, Badio, João, Vicentina e Aluísio.

Ao CNPq e ao FIES pelo apoio financeiro, e aos colegas de moradia da


Casa do Estudante (CEUII).
4

RESUMO

Esta monografia foi realizada no âmbito do projeto “Escavação do sítio


arqueológico Lago Rico, interflúvio dos rios Araguaia e Peixe, Nova
Crixás/Goiás”, pesquisado por professores e acadêmicos do curso de
arqueologia do IGPA/PUC-Goiás. Os resultados desta monografia são oriundos
de três anos de iniciação científica com bolsa PIBIC/CNPq, em pesquisa no
sítio cerâmico pré-colonial Lago Rico, localizado no município de Aruanã, à
margem esquerda do rio do Peixe, em Goiás. Por meio dos resultados das
análises tecnológicas e morfológicas da cerâmica, serão abordadas questões
sobre funcionalidade, funcionamento e função, por meio das quais se pode
evidenciar o alcance e os limites deste estudo. Tal objetivo foi alcançado com
base na bibliografia sustentada por estudos etnográficos, já que as discussões
que abarcam a utilização dos vasilhames cerâmicos possuem uma relação com
as hipóteses sobre o cultivo de alimentos por grupos pré-coloniais.

PALAVRAS-CHAVE: Cerâmica Pré-Colonial, Funcionalidade, Funcionamento,


Função, Sítio Lago Rico.
5

ABSTRACT

This paper was carried out under the project "Escavação do sítio arqueológico
Lago Rico, interflúvio dos rios Araguaia e Peixe, Nova Crixás/Goiás",
researched by professors and students of the course of archeology of the
IGPA/PUC-Goiás. The results of this paper are from three years of scientific
research with PIBIC/CNPq scholarship, with research in the precolonial ceramic
site Lago Rico, located in the municipality of Aruanã, the left bank of the Peixe
river, in Goiás. By the results of the technological and morphological analyzes
of the ceramics, it will be addressed on functionality, functioning and function,
through which it is possibele to highlight the scope and limits of this study. This
objective has been achieved based on the bibliography of ethnographic studies,
since the discussions that include the use of ceramic containers have a
relationship with the assumptions on growing food for precolonial groups.

KEYWORDS: Pre-Colonial Pottery, Functionality, Functioning, Function, Site


Lago Rico.
6

SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS .......................................................................................... 9

LISTA DE TABELAS ....................................................................................... 13

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 14

OBJETIVOS ..................................................................................................... 17

CAPÍTULO 1: ABORDAGENS TEÓRICAS E TECNOLÓGICAS ................... 18

1.1. A Cultura Material na Arqueologia ...................................................... 18

1.2. Estilo Tecnológico ............................................................................... 21

1.3. Classificação Cerâmica ....................................................................... 23

1.4. Técnica e Tecnologia .......................................................................... 25

1.5. Estudos funcionais .............................................................................. 26

1.5.1. Funcionalidade, Funcionamento e Função ...................................... 27

CAPÍTULO 2: O SÍTIO LAGO RICO ............................................................... 31

2.1. Caracterização Ambiental ................................................................... 31

2.2. Contexto Etnológico Regional ............................................................. 34

CAPÍTULO 3. MATERIAIS E MÉTODOS ........................................................ 37

3.1. Procedimentos Metodológicos de Escavação e Coleta do Material


Arqueológico ................................................................................................. 37

3.1.1. Unidade de Escavação 1 (U.E.1).................................................. 39

3.1.2. Unidade de Escavação 2 (U.E.2).................................................. 40


7

3.1.3. Coletas em Superfície .................................................................. 43

3.2. Curadoria do Material Arqueológico .................................................... 44

3.3. Análise Tecnológica da Cerâmica do Sítio Lago Rico ......................... 45

3.3.1. Atributos de Análise ...................................................................... 46

3.4. Análise Morfológica dos Vasilhames do Sítio Lago Rico..................... 51

3.5. Método de Cálculo do Volume dos Vasilhames .................................. 53

CAPÍTULO 4: RESULTADOS ......................................................................... 58

4.1. Resultados das Análises Tecnológicas ............................................... 58

4.1.1. Classe ........................................................................................... 58

4.1.2. Técnica de Manufatura ................................................................. 60

4.1.3. Antiplástico ................................................................................... 61

4.1.4. Queima ......................................................................................... 65

4.1.5. Marcas de Uso.............................................................................. 66

4.1.6. Tratamento de Superfície ............................................................. 67

4.1.7. Decoração .................................................................................... 69

4.2. Discussão dos Resultados da Análise Tecnológica ............................ 70

4.2. Análise Morfológica: Projeção e Descrição dos Vasilhames do Sítio


Lago Rico ...... .................................................................................................73

4.3. Análise Funcional: Potencial Funcional Morfológico dos Vasilhames do


Sítio Lago Rico .............................................................................................. 76

4.3.1. Formas Abertas ............................................................................ 76


8

4.3.2. Formas Fechadas de Contornos Simples e Formas Fechadas de


Contornos Simples com Bordas Reforçadas ............................................. 83

4.3.3. Formas Fechadas de Contornos Infletidos ................................... 91

4.4. Cadeia Operatória ............................................................................... 96

CAPÍTULO 5: DISCUSSÕES .......................................................................... 98

5.1. O Cauixi .............................................................................................. 98

5.2. Hipótese para o Cauixi: Seria Mais Visível em Queima Redutora? .. 100

5.3. Hipótese Para o Cariapé A: Seria fitólito? ......................................... 101

5.4. Bolotas de Argila ............................................................................... 105

5.5. A queima redutora ............................................................................. 106

5.6. Questões Funcionais......................................................................... 106

5.6.1. Estudos de Marcas de Uso e de Microvestígios Botânicos ........ 107

5.6.2. Prato x Mandioca ........................................................................ 111

5.7. Manejo e Cultivo ............................................................................... 112

5.8. Cultura Material e Identidade Cultural ............................................... 115

5.9. Distribuição Espacial dos Vestígios Cerâmicos ................................ 117

5.10. Contexto Arqueológico Regional: Sítios Cerâmicos Semelhantes . 118

5.11. Hipótese Inicial: A Correlação do Sítio Cangas I com o Sìtio Lago


Rico...............................................................................................................122

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 125

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 130


9

LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Localização do Sítio Lago Rico. Fonte: Acervo Projeto Lago Rico. .. 14

Figura 2. Perfil de declividade da área do sítio Lago Rico. .............................. 31

Figura 3. Localização do Sítio Lago Rico no médio curso do Rio Araguaia


(destacado em azul). Fonte: Acervo Projeto Lago Rico. .................................. 33

Figura 4. Mapas Etno-Histórico da região do médio Araguaia. ........................ 35

Figura 5. Mapa etnológico da região do médio Araguaia.Erro! Indicador não


definido.

Figura 6. Unidades de escavação e áreas de dispersão de cerâmica em


superfície no Sítio Lago Rico. Fonte: Acervo Projeto Lago Rico. ..................... 38

Figura 7. Área do sítio Lago Rico. Fonte: Acervo Projeto Lago Rico. .............. 38

Figura 8. U.E.1. Fonte: Acervo Projeto Lago Rico. ........................................... 39

Figura 9. U.E.2. Fonte: Acervo Projeto Lago Rico. ........................................... 41

Figura 10. Perfil estratigráfico com profundidade de 40cm na U.E.2. Fonte:


Acervo Projeto Lago Rico. ................................................................................ 42

Figura 11. Coleta de carvão para datação. ...................................................... 42

Figura 12. Lagoa Aguapé e cupinzeiro. Fonte: Acervo Projeto Lago Rico. ...... 43

Figura 13. Tipos de queima. Fonte: Rye (1981), adaptado. ............................. 50

Figura 14. Desenho e foto da peça LR-N20-30-1397, único apêndice


identificado e analisado no sítio Lago Rico até o presente momento. .............. 59

Figura 15. A: rolete isolado escavada na U.E.1, de identificação LR-D4-120. B:


bolota de argila escavada na U.E.2, de identificação LR-10-20-1568. ............. 59
10

Figura 16. Borda escavada na U.E.1, de identificação LR-D7-1220. ............... 60

Figura 17. Gráfico de Antiplásticos da U.E.1. do sítio Lago Rico. .................... 62

Figura 18. Gráfico de Antiplásticos da Cerâmica da U.E.2 no sítio Lago Rico. 63

Figura 19. Gráfico de Antiplásticos da Cerâmica das Concentrações na Cerca


no sítio Lago Rico............................................................................................. 64

Figura 20. Gráfico de Antiplásticos da Cerâmica à Margem da Lagoa no sítio


Lago Rico. ........................................................................................................ 64

Figura 21. Gráfico de Antiplásticos de Superfície em Geral no sítio Lago Rico.


......................................................................................................................... 65

Figura 22. Gráfico Queima da cerâmica do sítio Lago Rico. ............................ 66

Figura 23. Borda de identificação LR-SUP-672, com marca de desgaste no


lábio. ................................................................................................................. 67

Figura 24. Fragmento de borda com decoração inciso paralela....................... 69

Figura 25. Borda com identificação LR-N10-20-604, com decoração ponteada


ou ungulada...................................................................................................... 70

Figura 26. Peça com identificação LR-SUP-641, com faixa de pintura preta. .. 70

Figura 27. Projeção da forma dos vasilhames do sítio Lago Rico. ................... 75

Figura 28. Dimensões de um cilindro. .............................................................. 53

Figura 29. Dimensões de um tronco de cone. .................................................. 54

Figura 30. Formas abertas. A) Aplicação do "Método da Soma de Cilindros", e


B) Aplicação do Método da Soma de Troncos de Cone. As partes hachuradas
representam o volume deduzido ou acrescentado. .......................................... 55
11

Figura 31. Formas fechadas de contornos simples. A) Aplicação do "Método da


Soma de Cilindros", e B) Aplicação do Método da Soma de Troncos de Cone.
As partes hachuradas representam o volume deduzido ou acrescentado. ...... 55

Figura 32. Formas fechadas de contornos infletidos. A) Aplicação do "Método


da Soma de Cilindros", e B) Aplicação do Método da Soma de Troncos de
Cone. As partes hachuradas representam o volume deduzido ou acrescentado.
......................................................................................................................... 55

Figura 33. Projeção 3D e dados sobre as formas abertas (tijelas). .................. 78

Figura 34. Projeção 3D e dados sobre as formas abertas. .............................. 79

Figura 35. Quadro montado a partir dos dados de Wüst (1975:127-128).


Desenhos apresentados aqui sem a escala original. ....................................... 80

Figura 36. Quadro montado a partir dos dados de Wüst (1975:127-128).


Desenhos apresentados aqui sem a escala original. ....................................... 81

Figura 37. Quadro montado a partir dos dados de Wüst (1975:127-128).


Desenhos apresentados aqui sem a escala original. ....................................... 82

Figura 38. Projeção 3D e dados sobre as formas fechadas de contornos


simples. ............................................................................................................ 86

Figura 39. Quadro montado a partir dos dados de Wüst (1975:127-128).


Desenhos apresentados aqui sem a escala original. ....................................... 88

Figura 40. Projeção 3D e dados sobre as formas fechadas de contornos


simples com bordas reforçadas........................................................................ 90

Figura 41. Projeção 3D e dados sobre as formas fechadas de contornos


infletidos. .......................................................................................................... 93

Figura 42. Quadro montado a partir dos dados de Wüst (1975:127-128).


Desenhos sem escala. ..................................................................................... 96

Figura 43. Esquema de Cadeia Operatória Para o Sítio Lago Rico. ................ 97
12

Figura 44. “Localização esquemática dos sítios associados às Tradições Aratu


e Uru”. Fonte: Robrahn-González (1996:92), adaptado. ................................ 120

Figura 45. Localização de sítios arqueológicos da Tradição Uru na região do


médio Araguaia, em Goiás. ............................................................................ 121

Figura 46. Cauixi utilizado pelo grupo Waurá, no Mato Grosso. Doação: Lúcia
Cabral. Fotos: Daniela D. Ortega. .................................................................... 98

Figura 47. À esquerda, espículas de cauixi. À direita, espículas de cauixi em


cerâmica de queima redutora do sítio Lago Rico (lupa binocular, aumento 40x).
Fotos: Daniela D. Ortega. ............................................................................... 101

Figura 48. Cariapés tipo A coletados na superfície da cerâmica. Sítio Benedito


Machado. Fotos: Daniela D. Ortega (2015). (Laboratório de Anatomia Vegetal
da Universidade de São Paulo, coordenação Prof. Dr. Gregório Ceccantini. 102

Figura 49. Fitólitos de Cyperaceae. Fonte: Rasbold, Parolin e Caxambú (2010),


adaptado. ....................................................................................................... 103

Figura 50. Fragmento cerâmico com cariapé A. Sítio Benedito Machado. Foto:
Daniela D. Ortega (2015). (Laboratório de Anatomia Vegetal da Universidade
de São Paulo, coordenação Prof. Dr. Gregório Ceccantini). .......................... 104

Figura 51. Cariapé A em fragmento cerâmico do sítio Lago Rico, que apresenta
pintura preta. Fonte: Acervo Projeto Lago Rico.............................................. 104

Figura 52. Coleta de sedimento para análise palinológica em perfil estratigráfico


da U.E.1, no sítio Lago Rico, realizada sob a supervisão da Profª Drª Maira
Barberi. Fonte: Acervo Projeto Lago Rico. ..................................................... 110

Figura 53. Sítio Lago Rico e sítio Lago do Campo. Fonte: Acervo Projeto Lago
Rico. ............................................................................................................... 118

Figura 54. Quadro com as formas e funcionalidades, funções hipotéticas e


funcionamentos dos vasilhames do sítio Lago Rico. ...................................... 126
13

LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Exemplos de funcionalidade, funcionamento e função de vasilhames


cerâmicos. ........................................................................................................ 30

Tabela 2. Classes cerâmicas do sítio Lago Rico. ............................................. 58

Tabela 3. Técnica de manufatura roletada na cerâmica do sítio Lago Rico. .... 60

Tabela 4. Tratamentos de superfície na cerâmica do sítio Lago Rico. ............. 68


14

INTRODUÇÃO

O sítio arqueológico Lago Rico é constituído predominantemente de


vestígios cerâmicos pré-coloniais. Está localizado na área do município de
Aruanã, à margem esquerda do rio do Peixe, afluente do rio Araguaia, na divisa
com o município de Araguapaz (Figura 1).

Figura 1. Localização do Sítio Lago Rico. Fonte: Acervo Projeto Lago Rico.

O sítio Lago Rico foi identificado durante a realização do projeto


“Abordagem Geoarqueológica na Prospecção do Sítio Cangas I, Terraço
Aluvial do Rio Araguaia Goiás”, coordenado pelo Prof. Dr. Julio Cezar Rubin de
Rubin, do Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia (IGPA), da Pontifícia
15

Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Devido à concentração de material


arqueológico cerâmico em superfície no sítio Lago Rico, Marcos (2011)
levantou a hipótese de que esse poderia se tratar de uma grande aldeia, cujo
grupo estaria possivelmente correlacionado ao sítio Cangas I que seria um sítio
menor e sazonal, em comparação com o Lago Rico, localizado à margem
direita do rio Araguaia.

Em 2013 foram iniciadas as intervenções no sítio Lago Rico através do


projeto “Escavação do sítio arqueológico Lago Rico, interflúvio dos rios
Araguaia e Peixe, Nova Crixás/Goiás”, também sob a coordenação de Rubin,
com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa de Goiás (FAPEG) e
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq).

Várias pesquisas estão sendo realizadas no sítio Lago Rico. Correa


(2014) realizou um estudo do potencial para a fertilidade natural1 dos solos,
voltado para o cultivo da mandioca e do milho. Silva (2014) em seu estudo
demonstrou o potencial de recursos da fauna e da flora, que poderiam ser
utilizados pelo(s) grupo(s) que ocupou(ram) a área do sítio Lago Rico no
passado; enquanto que Barbosa (2015) envolveu a análise de perfis
arqueoestratigráficos e análises físico-químicas dos solos. Moura (2015)
buscou aprofundar em questões sobre a geoarqueologia fluvial do rio do Peixe.

Esta monografia foi realizada no âmbito do projeto no sítio Lago Rico,


como resultado de três anos de iniciação científica com bolsa PIBIC/CNPq.
Nesse período, foram executadas quatro etapas de escavação, sendo
abordado nesta monografia o estudo dos vestígios culturais cerâmicos
procedentes de coletas de superfície e das escavações das Unidades de
Escavação (U.E) 1 e 2. As demais unidades estão em processo de análise e
curadoria e serão objeto estudo por outros pesquisadores.

Dessa maneira, a metodologia deste trabalho consistiu na escavação,


coleta, curadoria, nas análises tecnológica e morfológica dos vestígios
cerâmicos. Concomitantemente, ocorreu a pesquisa bibliográfica,

1
Grifo nosso, uma vez que este termo se refere à fertilidade do solo anterior à intervenção
colonial com produtos químicos industriais.
16

principalmente sobre estudos cerâmicos, cultura material e grupos pré-coloniais


ceramistas.

Isso proporcionou um amadurecimento sobre questões vinculadas à


interpretação da tecnologia e da forma dos vasilhames com relação ao seu
potencial funcional. Portanto, esta pesquisa apresenta os resultados das
análises tecnológicas e morfológicas deste material, discutindo o potencial
funcional dos vasilhames, com a aplicação dos conceitos de funcionalidade,
funcionamento e função de objetos.

A importância do trabalho se justifica porque a cerâmica é a cultura


material principal e predominante, e que caracteriza o sítio Lago Rico como um
sítio arqueológico, ainda que em proporções bastante inferiores tenham sido
identificados vestígios líticos e botânicos. A partir do conhecimento da
tecnologia e morfologia da cerâmica presente no sítio, foi possível discutir as
atividades cotidianas ligadas à produção e utilização dos vasilhames cerâmicos
e compreender que o sítio Lago Rico integra um contexto arqueológico
ocupacional maior na região do Médio Araguaia, em Goiás. Além de que,
demonstra a eficácia de se aplicar os conceitos de funcionalidade,
funcionamento e função é demonstrada para se explorar o alcance desta
pesquisa, identificar os seus limites e propor métodos e análises futuras.
17

OBJETIVOS

Gerais

Os objetivos gerais desta pesquisa foram compreender e discutir para


quê e como eram utilizados os vasilhames do sítio Lago Rico, contribuindo com
as hipóteses sobre o sítio Lago Rico, no tocante à possibilidade de se tratar da
ocupação de um grupo pré-colonial agricultor.

Específicos

Dentre os objetivos específicos da pesquisa, se destacam:

 Realizar intervenções no sítio Lago Rico para escavação e coleta do


material arqueológico;
 Analisar tecnologicamente os vestígios cerâmicos;
 Analisar morfologicamente os vestígios cerâmicos;
 Discutir a utilização dos vasilhames cerâmicos em termos de
funcionalidade, funcionamento e função;
 Contextualizar a cultura material do sítio Lago Rico com demais sítios na
região do Médio Araguaia.
18

CAPÍTULO 1: ABORDAGENS TEÓRICAS E TECNOLÓGICAS

Os estudos de cultura material foram desenvolvidos principalmente


dentro da arqueologia, por ser a sua fonte primária, e exclusiva, no caso de
períodos pré-coloniais passados (BUCAILLE e PESEZ, 1989:10; MENESES,
1983:113). A cultura material cerâmica envolve questões tecnológicas e
funcionais que buscam alcançar evidências e possibilidades hipotéticas de
como os artefatos foram produzidos e utilizados pelas sociedades pré-
coloniais.

1.1. A Cultura Material na Arqueologia

Já incorporado à arqueologia nas primeiras décadas do século XX, o


conceito “cultura material” vêm ganhando várias definições e, de maneira geral,
pode ser entendido como “[...] qualquer segmento do meio físico modificado por
comportamentos culturalmente determinados” (DEETZ, 1977 apud LIMA,
2011:12-13), assim como “[...] aquele segmento do meio físico que é
socialmente apropriado pelo homem” (MENESES, 1983:112). O conceito é
amplo, e pode abranger artefatos, estruturas, modificações na paisagem e no
próprio corpo (Idem).

Entre o tempo em que a cultura material foi produzida e usada no


passado e o tempo em que foi escavada por arqueólogos, ela sofreu uma série
de processos culturais e não-culturais que a transformou (SCHIFFER,
1976:12). De acordo com Schiffer (1976), há diferença entre o contexto
sistêmico, no qual ocorreram dinâmicas com matérias participantes do
passado. E o contexto arqueológico, que seria a forma “estática” na qual se
encontra a matéria culturalmente gerada no registro arqueológico.

Após um primeiro momento de colecionismo e antiquarianismo, a


arqueologia desenvolveu métodos que constituíram o enfoque Histórico-
culturalista, predominante na primeira metade do século XX (PHILLIPS e
WILLEY, 1953:615). A cultura material foi então classificada sob paradigmas
evolucionistas e difusionistas, com a seriação espaço-temporal dos artefatos e
19

uma visão normativa da cultura, e a consideração de determinados artefatos


como “fósseis-guia” de alguma cultura arqueológica (GONÇALVES, 2007:16;
TRIGGER, 1994:12; LIMA, 2011:13; WEBSTER, 2008:12). A maior crítica ao
Histórico-culturalismo se refere às correlações etnográficas diretas realizadas
entre culturas arqueológicas e etnias contemporâneas (Idem; WUST, 2000:
321).

Com o advento, na década de 60, da Nova Arqueologia nos Estados


Unidos e o Processualismo na Inglaterra, os objetos materiais não seriam mais
pensados enquanto parte de uma totalidade social e cultural que se confundiria
com uma determinada sociedade ou cultura, mas como parte de sistemas
simbólicos ou categorias culturais, cuja função, mais do que a de representar,
seria organizar e constituir a vida social (GONÇALVES, 2007:21).

Trabalhos processualistas de Etnoarqueologia iniciam com Binford


(1983b), instigado em explicar o registro arqueológico2, a partir da
compreensão de como ele é formado. Registros arqueológicos semelhantes
não pareciam indicar necessariamente que se tratasse de uma mesma cultura,
um mesmo povo, ou uma mesma nação (BINFORD, 1983a:68).

O início do Pós-Processualismo na Europa na década de 80, com um


viés pós-colonial3, critica a visão processualista sistêmica dos vestígios
culturais ao questionar como as pessoas “reais” ou indivíduos se enquadrariam
nos sistemas (SHANKS, 2008:135).

Apesar do Pós-processualismo almejar a busca pelo “indivíduo”, a noção


de coletividade já está embutida no conceito “cultura material”, que seria uma
amostragem representativa de um todo, que se opõe à noção de
individualidade (BUCAILLE e PESEZ, 1989:13):

2
Conforme Sanjuán, um sítio arqueológico pode ser definido como “um conjunto de vestígios
ou expressões materiais de atividades humanas” (SANJUÁN, 2005:23). Autores como Dunnel
(2006) e Thomas (1975) preferem utilizar o termo “registro arqueológico”, compreendido como
um conjunto de materiais diretos e indiretos derivados da vida humana, em todas as épocas
(BICHO, 2011:87; SANJUÁN, 2005:23).
3
Uma importante contribuição do Pós-processualismo se refere à necessidade de relativização
do direito da interpretação científica sobre o conhecimento do passado, em detrimento de
outras interpretações existentes sobre a cultura material (Cf. SILVA, 2002; HOLLOWELL e
NICHOLAS, 2009; EREMITES DE OLIVEIRA, 2010; SILVA, BESPALEZ E STUCHI, 2011:37;
FERREIRA et. al., 2014:25).
20

Assim, nunca nos passaria pela cabeça falar da cultura


material deste ou daquele indivíduo específico e isolado: a
cultura é sempre dividida com outros indivíduos, geralmente
numerosos, e, neste conceito de colectividade, é fácil ver a
influência, já referida, da antropologia social e cultural
(Ibidem:14).

O pós-processualismo traz a noção de “agência” tanto do indivíduo,


como do objeto sobre o indivíduo (GOSDEN, 2005:193; INGOLD, 2012:33).
Clarke (1978:150)4 e Gosden (2005:193-194) defendem a perspectiva de que o
estilo e a forma, ao estabelecerem certas regras de uso5, fariam com que os
objetos (cultura material) tivessem agência sobre as pessoas. Com base em
Gell (1998), Gosden argumenta que a cultura material não se comportaria
apenas segundo as intenções humanas individuais ou sociais:

[...] pode haver muitos casos nos quais as formas do


pensamento abstrato e as representações mentais tomam a
forma sugerida pelos objetos, mais do que os objetos
simplesmente manifestassem formas pré-existentes do
pensamento (Traduzido de GOSDEN, 2005:196).

Em contraposição, Ingold (2012) critica as noções de agência6, de objeto


e a teoria do ator-rede (Cf. LATOUR, 2008), por manterem e reproduzirem uma
divisão entre sujeitos e objetos, que teriam uma agência que ele considera
fetichizada. Portanto, o autor propõe o conceito de “coisa” definida como “[...]
porosa e fluida, perpassada por fluxos vitais, integrada aos ciclos e dinâmicas
da vida e do meio ambiente” (INGOLD, 2012:25).

Para Ingold (2012), o conceito de “objeto” “[...] coloca-se diante de nós


como um fato consumado, oferecendo para nossa inspeção suas superfícies
externas e congeladas” (Heidegger, 1971:167 apud Ingold, 2012:25). Essa
crítica à noção de agência dos objetos é exatamente por serem tratados como
objetos (mortos), e com isso as coisas (vivas) “[...] são retiradas dos fluxos que
as trazem à vida” e as relações de comunicação e integração (Ibidem:33).
4
O autor menciona que os objetos usam os músculos humanos e as suas habilidades para a
sua própria reprodução (Clarke, 1978:150)
5
Ou Funcionamento.
6
Durkheim (1966:113) desconsiderou a possibilidade de que os objetos pudessem causar
motivação para transformações sociais, portanto, se pode interpretar que o Durkheim nega
qualquer agência dos objetos sobre as pessoas. Entretanto, não se pode afirmar que Ingold
defende a mesma perspectiva, uma vez que a proposta de “coisa” admite que não haveria
divisão entre sujeitos e objetos e que ela seria integrada aos ciclos da vida, portanto o conceito
de Ingold não nega necessariamente a transformação social.
21

Ainda que a arqueologia tenha deixado de ter como objetivo correlações


diretas do registro arqueológico com etnias do presente (BINFORD, 1983b:
231; WUST, 2000: 321; SILVA, BESPALEZ, STUCHI, 2011:121), é possível
correlacionar a semelhança da cultura material de sítios arqueológicos com a
de grupos indígenas atuais, dependendo do contexto a ser estudado. Um
exemplo é o trabalho etnoarqueológico7 de Wüst (1975), no qual há a
comparação de práticas de produção e uso da cerâmica do grupo indígena
Karajá de Aruanã, com um sítio arqueológico que é uma antiga aldeia
pertencente ao mesmo grupo.

Neste trabalho será considerado que os aspectos “imateriais” estão


sempre imbrincados na materialidade, e a separação é apenas em nível
analítico, porque somente os aspectos materiais de culturas pré-coloniais são
acessíveis, como a cerâmica (BUCAILLE e PESEZ, 1989:16; GONÇALVES,
2007:18). Será utilizado o conceito de cultura material, se admitindo que sua
constante mudança, seja tafonômica, seja em relação ativa com as pessoas do
passado e no presente.

1.2. Estilo Tecnológico

O conceito de estilo tecnológico – uma maneira de se fazer algo em um


determinado tempo e lugar – (SACKETT, 1977 apud WICHERS, 2007:111),
tem sido aplicado em estudos de cerâmica (Cf. WICHERS, 2007).

Conforme a Teoria da Troca de Informação, ceramistas agem


intencionalmente na criação ou reprodução do estilo. Nesse caso, o estilo seria
ativo:

[...] uma resposta adaptativa a uma condição social, ecológica


ou individual, assim, a emissão de mensagens por meio da
cultura material seria interessante para idéias que mudam

7
Silva, Bespalez e Stuchi (2011) defendem que a Etnoarqueologia não deve ser entendida
como uma analogia propriamente dita, mas como um “[...] campo investigativo que visa trazer
referenciais etnográficos como subsídio às interpretações arqueológicas sobre o passado e, ao
mesmo tempo, como uma possibilidade de ‘arqueologia do presente’” (SILVA, BESPALEZ,
STUCHI, 2011:121).
22

lentamente, exigindo pouca manutenção, além disso, os


objetos portáteis e visíveis seriam os mais adequados (DAVID
e KRAMER, 2001 apud WICHERS, 2007:111).

O interessante é que o estilo sobressai mais nas técnicas de construção


do vasilhame, “[...] nas quais o hábito motor é ensinado, do que em atributos
visíveis, como por exemplo, a decoração” (ARNOLD, 1994 apud WICHERS,
2007:112).

Mas, de acordo com a Teoria da Interação Social, o estilo seria


resultante de redes de ensino-aprendizagem, que gerariam uma
homogeneidade na produção de cerâmica. Portanto, o estilo seria passivo e
decorrente de normas sociais (CARR, 1995:153 apud Wichers, 2007:111).

Alguns autores buscam integrar ambas as teorias, se admitindo a


possibilidade de que o estilo nem sempre é ativo e que nem sempre é passivo
(Cf. SACKETT, 1977 e ROE, 1995 apud WICHERS, 2007; WICHERS, 2007).
Tais estudos consideram que o estilo tem função, e ambos seriam aspectos
indissociáveis (Ibidem:113; WOBST apud HEGMON, 1998:264).

Roe (1995) compreende o estilo como um processo ou criação


reconhecível por seus atributos visíveis, mas que envolve investimento em sua
produção, emoções, estética e cosmologia, possui e constrói significado, está
em um contexto histórico, e reside na escolha (ROE, 1995:45-55 apud
WICHERS, 2007:115-116). “Roe também chama atenção para a relação entre
tradição cultural versus criatividade individual [...]” (Idem).

Wichers (2007:111;118) trabalha o conceito de estilo tecnológico, para a


compreensão das escolhas tecnológicas, identificadas na análise da cadeia
operatória de conjuntos cerâmicos da Tradição Tupiguarani, oriundos de
diferentes sítios arqueológicos. Dessa maneira, o estilo reside nas escolhas
que determinam a forma de um vasilhame, que será destinado a uma função
específica (Ibidem:112).

Com base em Schiffer e Skibo (1987; 1997), Wichers busca enfatizar


“[...] as razões e motivos das escolhas do artesão (ã) como ponto principal da
geração da variabilidade formal” (WICHERS, 2007:117). A proposta de Schiffer
23

e Skibo (2001) é a Teoria do Design, segundo a qual “[...] as propriedades do


artefato são direcionadas por suas características de performance (mecânicas,
térmicas, químicas, sensoriais e visuais), por fatores situacionais e pelo
conhecimento e experiência do artesão (SCHIFFER e SKIBO, 2001 apud
WICHERS, 2007:118).

O problema é que Schiffer e Skibo abominam os conceitos de estilo e


função (SCHIFFER e SKIBO, 1997). Segundo os autores, para identificar os
fatores causais que agem em um caso específico, o investigador deve focar
analiticamente em atividades (ou seja, interação pessoa-pessoa, pessoa-
artefato, e artefato-artefato) e características da performance relevantes para
cada (Idem). E a aplicação desse quadro comportamental possibilitaria,
segundo eles, o abandono de conceitos como estilo e função.

Ainda assim, Wichers adequa as ideias de Schiffer e Skibo à abordagem


proposta inicialmente:

Mesmo não trabalhando com o conceito de estilo e função,


essa teoria torna-se interessante, pois dá uma importância
fundamental às escolhas efetuadas durante toda a cadeia de
produção dos artefatos, que por sua vez, evidenciam estilos
(WICHERS, 2007:117).

1.3. Classificação Cerâmica

O termo “cerâmica” deriva do grego keramos, e pode ser traduzido como


“um produto queimado” (RICE, 1987:30). A cerâmica foi o primeiro material
sintético criado pelos seres humanos (Idem), ainda no Paleolítico, quando
esses primeiros objetos foram feitos em argila queimada (SHEPARD, 1956:10).

Três matérias-primas básicas constituem a cerâmica: argilominerais,


inclusões não plásticas (antiplásticos) e água, que são configurados na forma
desejada, e em seguida passam por um processo de repouso para secar, e
posteriormente a queima, que altera a sua estrutura física, e torna-a resistente
(Ibidem:6; RICE, 1987:3; SINOPOLI, 1991:66).
24

De acordo com Dunnel (2006:71), toda classificação é arbitrária, ou seja,


“[...] uma classificação particular não é inerente a qualquer campo ou
fenômeno”. Grande parte da maneira como se analisa a cultura material
cerâmica foi estabelecida pelo Histórico-Culturalismo (ver MEGGERS e
EVANS, 1970:12-42), que:

[...] produziu um vocabulário específico para dar conta dos


seus atributos, debruçou-se detidamente sobre suas
propriedades físicas, virou-os pelo avesso em seu esforço para
entendê-los, descrevê-los e classificá-los, desenvolveu
técnicas específicas para extrair deles o maior número possível
de informações (LIMA, 2011:14).

A teoria arqueológica pode ser compreendida como “[...] o conjunto de


conceitos, princípios, proposições e modelos cuja finalidade é explicitar e
interpretar os dados e os fenômenos arqueológicos” (REIS, 2003:116). Dessa
forma, três questões importantes justificam a discussão da classificação
realizada em uma pesquisa e análise arqueológica:

A arqueologia é sempre teórica e interpretativa, é um discurso


construído (REIS, 2003:113).
As categorias criadas e utilizadas hoje não são as mesmas do
contexto sistêmico (DUNNEL, 2006:73, SCHIFFER, 1976:12,
GOSDEN, 2005:207).
Os diferentes tipos de classificação têm objetivos diferentes
segundo a abordagem adotada (DUNNEL, 2006).

Uma questão a ser ressaltada é a classificação de formas de vasilhames


como pratos8 ou tijelas9, dentre outras (RICE, 1987:3-4; SINOPOLI, 1991;
SKIBO, 1992; ORTON et. al., 1997; GONÇALVES, 2007:13). Tais categorias
implicam em significados funcionais contemporâneos, isto é, se utiliza vasilhas,
tijelas, pratos e vasos para funções específicas em nosso cotidiano. “Mais do
que dizer que esse objeto é um pote, precisamos também admitir que esse
objeto torna-se um pote, devido a minha produtiva interação com ele”, como

8
Prato: a altura da peça é menor do que 1/5 do diâmetro máximo (RICE, 1987:215-216).
9
Tijela rasa: a altura da peça é sempre maior do que 1/5 do diâmetro máximo, mas menor do
que 1/3 do diâmetro máximo. Tijela média: a altura da peça é sempre maior ou igual a 1/3 do
diâmetro máximo, mas menor do que 1/2 do diâmetro máximo (RICE, 1987:215-216).
25

pesquisador(a) (SHANKS E MACKENZIE, 1994:28 apud REIS, 2003:76).


Portanto, quando se utiliza as categorias “prato” ou “tijela” neste trabalho, se
refere à forma apenas.

1.4. Técnica e Tecnologia

A tecnologia é o estudo das técnicas de realização de uma atividade, o


que envolve o conhecimento e a escolha dos agentes (pessoas)
(CRESSWELL, 1989:5,12; BALFET, 1991:3; VIANA, 2005:64). A técnica pode
ser definida como “[...] um meio de manipular ou de transformar os elementos
do meio natural não humano com o objetivo de controlar ou de aumentar o
domínio desse meio pelo homem” (CRESSWELL, 1989:5). A técnica terá
sempre um agente, uma matéria-prima e, eventualmente, um instrumento
(Idem). Conforme Lemonnier (2002:3), as técnicas são acima de tudo,
produções sociais.

A “técnica de manufatura” cerâmica envolve uma cadeia operatória, ou


seja, um processo que inicia desde o esquema mental de um indivíduo de
acordo com as necessidades ou vontades para a produção de um objeto, o
manejo e/ou aquisição de matéria-prima, às técnicas aplicadas na estruturação
de um objeto, na sua queima para o caso da cerâmica e tratamentos finais de
superfície (CRESSWELL, 1989:9; BALFET, 1991:1). Por isso é preciso
considerar o gesto, o instrumento e o ator, com seu saber fazer (Idem).

Entretanto, a cadeia operatória é mais ampla e também envolve o uso, o


descarte e possíveis reutilizações (CRESSWELL, 1989:9; BALFET, 1991:1;3).
A cadeia operatória pode ser utilizada como ferramenta para a observação,
descrição e análise de processos técnicos (BALFET, 1991:1).

A técnica, em qualquer sociedade sendo um gesto ou um artefato é


sempre a representação física de esquemas mentais (métodos) aprendidos
através da tradição – Teoria da Interação Social – com relação a como as
coisas funcionam, são feitas e usadas (CARR, 1995:153 apud Wichers,
2007:111; LEMONNIER, 2002:3). Dessa maneira, as sociedades aproveitam,
26

adotam ou desenvolvem certas capacidades técnicas (princípios de ação,


artefatos, gestos) e dispensam outras, realizando “escolhas técnicas”
(LEMONNIER, 2002:4-7).

1.5. Estudos funcionais

Com uma análise funcional proposta, é importante falar um pouco sobre


o funcionalismo. Isso porque, o funcionalismo é uma concepção metodológica
das ciências sociais, interessada no funcionamento das culturas, interpreta os
fenômenos com base na função que exercem, num determinado contexto
(TRIGGER, 2004:242; JAPIASSÚ e MARCONDES, 2006:117).

A antropologia social, consolidada na segunda metade do século XX,


buscou compreender como funcionam as sociedades (TRIGGER, 2004:241).
Essa questão instigou os arqueólogos, que passaram a se perguntar como as
culturas pré-históricas funcionavam como sistemas (Ibidem:242). Mesmo antes
da influência da antropologia social, Trigger (2004:242) menciona que já havia
uma visão funcionalista das fontes arqueológicas, primeiramente como uma
preocupação com as relações entre as culturas pré-históricas e seu ambiente
(funcionalismo ambiental).

Dentro do funcionalismo, Clark buscou identificar da função dos artefatos


e de atividades específicas de subsistência, para compreender a vida social e
econômica de sociedades do passado. (Ibidem:262). Se pode compreender
que Clark utilizou a reflexão sobre as funções dos artefatos (análise funcional),
como meio para alcançar o funcionamento das sociedades (funcionalismo).
Portanto, no funcionalismo há estudos de função de artefatos. Mas um estudo
funcional de um artefato não é necessariamente funcionalista, ou seja, pode
não ter como objetivo alcançar o funcionamento de uma sociedade como um
sistema.

Skibo (1992:33) propõe a análise tecnofuncional da cerâmica, que deve


ter como foco dois diferentes componentes da utilização dos vasilhames: o uso
pretendido e o uso de fato. Para reconstruir para quê a cerâmica de fato foi
27

utilizada (função), é preciso realizar análises de marcas de uso (Skibo,


1992:33), tanto físicas quanto químicas.

Segundo o Sackett (1977 apud Skibo, 1992:33), o termo “função” se


refere a mais do que ao papel utilitário de um artefato, a função de qualquer
artefato é determinada por como é a sua performance na tecnologia de uma
sociedade – tecnofunção, sóciofunção, e ideofunção.

A tecnofunção se refere a aspectos utilitários do uso de um artefato, e


sócio e ideofunções são componentes da variabilidade artefatual
tradicionalmente colocadas junto à categorias estilísticas (SKIBO, 1992:33). Em
uma análise cerâmica ideal, informação sobre ambas as funções pretendidas e
como foi de fato usado o artefato seriam importantes, porque elas não são
categorias mutuamente excludentes, ambas são necessárias para a
reconstrução da tecnofunção do vasilhame (Ibidem:35).

Atualmente, o método mais apropriado para explorar as funções de uma


tecnologia pode ser investigar e entender as relações tecnofuncionais (SKIBO,
1992:34). Fazer inferências sobre a sociofunção de um artefato, por exemplo,
pode ser inadequado se todos os fatores relacionados à utilidade do artefato
não foram ainda explorados (Idem).

Para esta monografia, se buscou atingir o nível de análise tecnofuncional


definida por Skibo (1992), na qual serão utilizados os conceitos de
funcionalidade, funcionamento e função.

1.5.1. Funcionalidade, Funcionamento e Função

O ponto de partida dessa pesquisa é tentar responder para quê e como


eram utilizados os vasilhames do sítio Lago Rico? Isso implica em duas coisas
distintas: a função (para quê), e o funcionamento (como) dos vasilhames
(SIGAUT, 1991:21).
28

Em estudos de tecnologia lítica, muitos desses conceitos são aplicados,


com a diferenciação de funcionalidade e função (BOEDA, 1997; VIANA, 2005;
MORENO DE SOUSA, 2014). Wust (1976) e Viana, Ribeiro e Oliveira (2011)
utilizam o termo funcionalidade aplicado à cerâmica.

O termo funcionalidade, definido como qualidade do que é funcional


(Dicionário Michaelis), abarca todas as possibilidades de uso de um objeto,
mas sem relação específica com a matéria-prima a ser transformada
(MORENO DE SOUSA, 2014:112). Dessa maneira, a funcionalidade de um
vasilhame pode ser cozinhar, servir ou armazenar, em geral,
independentemente do tipo de conteúdo: vegetal, carne, frutos ou pigmentos e
corantes, por exemplo.

No estudo de objetos, Sigaut (1991) defende a importância de não


confundir, e diferenciar, os conceitos função de funcionamento. Segundo ele, a
análise tecnológica requer uma distinção em três níveis analíticos: a estrutura,
o funcionamento e a função do objeto (Ibidem:32).

A estrutura é composta pela interface, que é a fronteira morfológica e


lugar das trocas entre o sistema e o ambiente; pelos elementos constituintes,
ou seja, a matéria da qual é constituído; e por uma rede de relações, que
assegura estes elementos (SIGAUT, 1991:32).

Dessa maneira, enxergando o objeto como uma unidade sistêmica, o


seu estudo por meio do funcionamento envolve a descrição da natureza e da
dinâmica das relações funcionais dos diversos sistemas que o compõem:
interface, elementos constituintes e rede de relações (Idem).

É com base em um livro sobre cibernética10 (Couffignal, 1963), que


Sigaut (1991) encontrou uma definição para o funcionamento: é a operação
pela qual um mecanismo realiza a sua função (SIGAUT, 1991:33). Ou seja, os
fenômenos físico-químicos, cientificamente ou empiricamente conhecidos, e

10
Ciência da ação orientada para um objetivo, com base no estudo dos processos de
comunicação e de controle nos seres vivos nas máquinas e nos sistemas sociológicos e
econômicos (Traduzido do Dicionário La Rousse).
29

que são explorados para assegurar o funcionamento dos componentes de um


objeto (Géminard, 1985:9 apud Deforge, 1985:9).

Portanto, todo objeto possui um esquema de funcionamento, por meio


do qual ocorre a dinâmica das relações sociais (SIGAUT, 1991:32; BOEDA,
1997:26). O funcionamento consiste na maneira como o instrumento é utilizado
e envolve a manipulação e o gesto aplicado pelo sujeito (SIGAUT, 1991:21;
GÉMINARD, 1985:9 apud Deforge; BOËDA, 1999:52; VIANA, 2005:78;
MORENO DE SOUSA, 2014:112).

Já a função, é a funcionalidade, só que de acordo especificamente com


o material a ser processado (mesmo que seja transformado ou não) (SIGAUT,
1991:23; VIANA, 2005:78; MORENO DE SOUSA, 2014:112). A função pode
ser de uso ou uma função de símbolo, não que uma esteja sempre ou
necessariamente separada da outra (DEFORGE, 1985:18).

Como exemplos de função de uso se pode considerar uma panela que


serve para cozinhar vegetais e carne, um pote que serve para armazenar água,
e um vasilhame que serve para servir arroz, são usos específicos (funções). Já
uma boneca Karajá que representa cenas do cotidiano seria uma função de
símbolo.

Conforme Boeda (2000:26), a função essencial de um objeto é a de


transformar materiais. Porém, esse autor está voltado para o estudo de
instrumentos líticos, uma vez que, no caso da cerâmica, nem sempre os
materiais processados são transformados, caso eles sejam apenas
acondicionados ou armazenados (MORENO DE SOUSA, Comunicação
pessoal, 2016).

Com base em Sigaut (1991), se pode compreender a cultura material


cerâmica como a estrutura. A interface de um vasilhame será a sua forma e a
sua superfície. Os elementos constituintes serão os argilominerais e os
antiplásticos, transformados, pelo processo de queima, em cerâmica.

Essa estrutura possui funcionamentos (dinâmicos), para atender a


determinadas funções. Estas funções possuem relação com a produção dos
30

vasilhames (esquema técnico). A produção visa a determinadas utilizações, o


que fará com que algumas formas e superfícies (estrutura) sejam escolhidas e
outras não. Ainda que, uma vez que o vasilhame esteja pronto, ele possa ser
utilizado de inúmeras outras maneiras, que não as idealizadas inicialmente
pela(o)s artesã(o)s.

Em suma, vasilhames cerâmicos podem ter as seguintes


funcionalidades, funcionamentos e funções, exemplificadas na Tabela 1:

FUNCIONALIDADE FUNCIONAMENTO FUNÇÃO

Cozinhar, Utilizar ao fogo, Cozinhar beijú,


Servir, Visibilidade dos conteúdos, Transportar peixes,
Beber, Acesso fácil aos conteúdos, Servir comida,
Comer, Empilhamento fácil, Acondicionar mel etc.
Assar, Utilizar como tampa etc.
Transportar,
Estocar etc.

Tabela 1. Exemplos de funcionalidade, funcionamento e função de vasilhames cerâmicos.


31

CAPÍTULO 2: O SÍTIO LAGO RICO

O sítio Lago Rico está localizado no município de Aruaña, nas


coordenadas UTM 22L 519055/8341393 (Datum SAD 69), à margem esquerda
do Rio do Peixe, que divide esse município com o de Araguapaz, na Fazenda
Lago do campo.

2.1. Caracterização Ambiental

O sítio possui uma área delimitada de 360.000m²11, em baixa


declividade, que se torna acentuada em proximidade à Lagoa Aguapé e ao rio
do Peixe, o que poderia acarretar em movimentação dos vestígios
arqueológicos pela ação das águas pluviais (Figura 2) (BARBOSA, 2015:60;
CORREA 2014:34).

Figura 2. Perfil de declividade da área do sítio Lago Rico.

Os vestígios cerâmicos constituem a sua cultura material predominante,


tendo sido esse o indicador, na superfície do solo, para a sua primeira

11
A área do sítio Lago Rico foi delimitada segundo a dispersão de material arqueológico em superfície e
sub-superfície, mas como nem todas as atividades humanas deixam vestígios preservados, se considera
que a área de ocupação do sítio tenha sido mais abrangente.
32

identificação por Marcos (2011). Isso possibilitou o início do projeto no sítio


Lago Rico.

Com relação às condições de preservação do material arqueológico, o


sítio se localiza em uma área perturbada pelo atual pisoteio do gado, e
antropizada pela construção, ao final da década de 70, da estrada que o
intersepta, e pela ação do arado em cerca de 15 a 20cm de profundidade.
Segundo Binford (1983:205) e Araujo (2002), a perturbação e a ação do arado
não justificaria a ausência de pesquisa e metodologias que propiciem a
obtenção de informação nesse tipo de sítio, sendo importante a compreensão
dessas dinâmicas existentes.

Na porção norte do sítio, há uma reserva de mata com área de 39.680m²


e outra na porção nordeste com área de 14.580m² (CORREA, 2014:38). Na
área do sítio Lago Rico, Silva (2014) realizou um estudo de recursos
alimentares e matérias-primas presentes hoje na área do sítio Lago Rico e
arredores, que poderiam ter sido utilizados pelo grupo pretérito. As
fitofisionomias são a Mata Seca, Mata Ciliar, Mata de Galeria Inundável e
Veredas, com espécies do Cerrado e em frutificação em períodos de seca e de
chuvas, nos quais também foi identificada uma grande variedade faunística
(Ibidem:69-78).

No sítio Lago Rico há neossolo quartzarênico, enquanto que próximo ao


rio do Peixe há plintossolo e latossolo (CORREA, 2014:50; BARBOSA,
2015:48). Entre o sítio e o rio, há uma planície de inundação, área favorável ao
cultivo devido ao depósito de nutrientes no solo nos períodos de cheia
(CORREA, 2014:38). Por meio da análise da fertilidade natural dos solos para
milho e mandioca, Correa levantou a hipótese de que esses vegetais poderiam
estar sendo cultivados pelo grupo pré-colonial (Ibidem:41,53).

Na localidade do sítio, há o cerrado senso estrito, cerradão e floresta


estacional aluvial (BASSINI, 2008:38). Nesses locais, há atualmente mamíferos
de grande porte, como a anta (Tapirus terrestris), o veado‐mateiro (Mazama
americana), o tamanduá‐bandeira (Myrmecophaga tridactyla), e o cateto
(Pecari tajacu) (LAGE, 2011:52; MARTINS ET. AL., 2006:298).
33

O rio do Peixe e o sítio Lago Rico estão na região do médio curso do rio
Araguaia12, que possui 160km de extensão, de Registro do Araguaia à
Conceição do Araguaia (LATRUBESSE e STEVAUX, 2002:110). O rio
Araguaia é dividido em alto, médio e baixo curso (Figura 3).

Figura 3. Localização do Sítio Lago Rico no médio curso do Rio Araguaia. Fonte: Acervo
Projeto Lago Rico.

Os principais afluentes do rio Araguaia no médio curso estão à sua


margem direita, em Goiás: além do rio do Peixe, o Caiapó, o Claro, o Vermelho
e o Crixás-Açu. Esses rios possuem geomorfologia similar, com planícies de
inundação, onde há meandros abandonados, lagos oxbow e espirais de

12
A bacia do rio Araguaia possui uma extensão de 377.000km², com escoamento no sentido de nordeste
a norte (LATRUBESSE e CARVALHO, 2006:61).
34

meandros (LATRUBESSE e CARVALHO, 2006:61-63; ALMEIDA et. al.,


2006:122).

O Rio do Peixe é meandrante na localidade do sítio Lago Rico, e possui


suas nascentes na Serra Dourada, e desaguando à margem direita do rio
Araguaia (LATRUBESSE e STEVAUX, 2002:110). Ao longo das margens do
canal do rio do Peixe, há clastos e seixos de várias dimensões e tipos de
rochas, e argilominerais, que também estão presentes em áreas inundáveis
(SILVA, 2014:86,89). Entre a Lagoa Aguapé e o rio do Peixe, há abundância
em pontos de coleta de argilominerais.

Na região da bacia do Araguaia o clima é marcado por uma estação


chuvosa (de outubro a abril) e uma seca (entre maio e setembro), com um mês
de transição (AQUINO, LATRUBESSE e SOUZA FILHO, 2009:46;48). No
médio Araguaia, a pluviosidade é maior entre dezembro e fevereiro, e os picos
de cheias entre janeiro e março (Idem).

A região do médio curso do rio Araguaia consiste em uma planície


aluvial, rochas pré-cambrianas e predomínio de Plintossolos e Gleissolos
(LATRUBESSE e STEVAUX, 2002:110, MARTINS et. al., 2006:297). A
topografia é plana, com baixa altitude, e, apesar do alto desmatamento, há
trechos com remanescentes do cerrado nativo. A periodicidade da inundação é
um elemento seletivo e de fixação da vegetação, porque o encharcamento do
solo faz com que o ambiente seja impróprio para indivíduos arbóreos, e ideial
para elementos herbáceos (MARTINS et. al., 2006:298).

2.2. Contexto Etnológico Regional

A região do Médio Araguaia tem sido e é atualmente, território de várias


etnias indígenas dos troncos linguísticos Macro-Jê e Tupi (Figura 4). Hoje, a
aldeia indígena mais próxima ao sítio Lago Rico é a dos Karajá de Aruanã
(Macro-Jê), que se autodenominam Iny [i'nã] (Biblioteca Digital Curt
Nimuendajú, 1981; ISA, 2016a).
35

Fonte: NIMUENDAJÚ (1981),


adaptado.
Figura 4. Mapas Etno-Histórico da região do médio Araguaia.

A antiguidade dos Karajá na região é indicada por documentos históricos


(Cf. NIMUENDAJÚ, 1946; EHRENREICH, 1891), tendo o bandeirante Antonio
Pires de Campos mencionado o grupo em um relato de 1684 (SCHMITZ,
BARBOSA e WÜST, 1976:104). Segundo informações dos Karajá (Iny), seus
antepassados moravam à margem do rio Vermelho, até 1914, quando se
mudaram à margem do rio Araguaia (Idem).

Próximo ao sítio Lago Rico, há registros da presença do grupo Xavante


(Macro-Jê), nos séculos XVII, XVIII e XIX, e do grupo Avá-Canoeiros (Tupi), no
século XIX (NIMUENDAJÚ, 1981). Mais ao sul do sítio Lago Rico há registros
dos Goyá no século XVII, e dos Kayapó, nos séculos XVIII e XIX (Idem).

Nas regiões do Baixo, Médio e Alto curso do rio Araguaia, estiveram e


estão presentes os grupos Macro-Jê: Karajá de Aruanã, Karajá Javaé, Karajá
Xambioá, Xavante, Xerente, Xacriabá, Akroá, Guegué, Kayapó do Sul, Timbira,
Apinajé, Kayapó (no norte), Suyá, Panará, Bororo, Umutina e Otuke (ISA,
2016b; SOUZA, 2016). Assim como os grupos Tupi: Avá-Canoeiros e Tapirapé
(Idem). Muitas outras etnias poderiam ser mencionadas, em uma pesquisa
36

mais profunda, tendo em conta a dinâmica de movimentação dos grupos e


diferenças culturais dentro do que se considera uma mesma etnia (LARAIA,
2009).

A proximidade desses grupos com o sítio Lago Rico não implica em


impor, a priori, que os povos do presente contexto etnológico da região sejam
uma continuidade de grupos pré-coloniais como os do sítio Lago Rico. Mas sim
que, este é apenas um ponto de partida para as possibilidades interpretativas e
questões a serem levantadas sobre o passado: a produção, uso, descarte,
função, significados, e escolhas individuais ou culturais que permeiam a cultura
material arqueológica (SINOPOLI, 1991:69-81; SKIBO, 1992:9-30).
37

CAPÍTULO 3. MATERIAIS E MÉTODOS

Neste capítulo serão apresentados os materiais e métodos aplicados


desde a amostragem às análises tecnológicas e morfológicas dos vasilhames
do sítio Lago Rico.

3.1. Procedimentos Metodológicos de Escavação e Coleta do


Material Arqueológico

A delimitação da área do sítio foi realizada com base na dispersão de


vestígios arqueológicos em superfície e sub superfície (DOMINGO, BURKE e
SMITH, 2007:123). Até o presente momento, professores e acadêmicos do
curso de Arqueologia do IGPA/PUC Goiás realizaram a escavação do sítio
Lago Rico por meio de coletas de superfície, e quatro unidades de escavação:
U.E.113; U.E.214; U.E.315 e U.E.4 (Figura 5).

A cultura material estudada desta pesquisa consiste na cerâmica das


U.E.1 e U.E.2 (Figura 6), e das coletas de superfície realizadas durante as
etapas de campo que consistiram na escavação dessas duas unidades,
apenas. O material arqueológico oriundo das posteriores U.E.3 e U.E.4 não é
objeto de estudo desta monografia, e o seu estudo está em andamento por
demais pesquisadores do projeto16.

13
Investigada durante o mês de julho de 2014.
14
Escavada na etapa de campo do mês de setembro de 2014, quando também foi retomada a
escavação na U.E.1.
15
Escavadas no mês de outubro de 2015.
16
Até o presente momento, a cultura material do sítio Lago Rico analisada consiste na
apresentada neste trabalho. Os vestígios líticos ou botânicos ainda não foram analisados.
38

Figura 5. Unidades de escavação e áreas de dispersão de cerâmica em superfície no Sítio


Lago Rico. Fonte: Acervo Projeto Lago Rico.

Figura 6. Área do sítio Lago Rico. Fonte: Acervo Projeto Lago Rico.
39

3.1.1. Unidade de Escavação 1 (U.E.1)

A U.E.1 consistiu em uma área de 25m², contendo 25 quadrículas de


1m² cada (Figura 7). O quadriculamento da U.E.1 consistiu no estabelecimento
da denominação alfa-numérica a partir de um eixo de coordenadas cartesianas,
para o controle sobre a posição na qual aparecem os artefatos e estruturas
(FERNÁNDEZ, 1980:37; DOMINGO, BURKE e SMITH, 2007:176).

Figura 7. U.E.1. Fonte: Acervo Projeto Lago Rico.

A técnica de escavação aplicada foi prioritariamente a decapagem em


camadas. Essa técnica é minuciosa e segue as irregularidades existentes das
camadas estratigráficas, mediante a abertura de áreas amplas, e tem como
objetivo evidenciar e interpretar a disposição espacial dos vestígios
arqueológicos em sincronia (LAMING-EMPERAIRE, 1984:80; RENFREW e
BAHN, 1998:98; BICHO, 2006:153; GALLAY, 2002:103).
40

Foram escavadas sete camadas de níveis naturais. Em resultado, não


foi possível observar distinções estratigráficas significativas. Este fato pode ser
em função da perturbação do solo por atividades antrópicas que foram e são
desenvolvidas na área do sítio como um todo e pela homogeneidade do solo.

Com a finalidade de melhor averiguar o contexto estratigráfico do sítio e


proceder a coleta de sedimento para análise palinológica, as quadrículas C5 e
B5 foram escavadas por níveis artificiais de 10cm, tendo alcançado a
profundidade de 50cm, onde há solo em processo de decomposição da rocha.

Na U.E.1 foram identificados predominantemente vestígios cerâmicos


em fragmentos, vestígios botânicos (coquinhos e carvão), e vestígios líticos em
sílex e quartzo que consistem possivelmente em lascas, com proporções
menores que 5cm.

3.1.2. Unidade de Escavação 2 (U.E.2)

O procedimento metodológico da escavação na U.E.2 foi executado com


a técnica de níveis artificiais de 10cm, no intuito de alcançar uma maior
profundidade que proporcionasse coleta de material adequado para datação e
perfis estratigráficos que pudessem ser comparados com os da U.E.1 (C.f.
BARBOSA, 2015).

A escavação também constituiu em uma área de 25m², contendo 25


quadrículas de 1m² (Figura 8). Foram escavadas doze quadrículas pela técnica
de amostragem em tabuleiro (WHEELER, 1961).

A técnica por níveis artificiais consiste na escavação de camadas


sequenciais com profundidades padronizadas, que podem ser de 10cm de
espessura, perfeitamente horizontais (LAMING-EMPERAIRE, 1984:80;
PROUS, 1992:30). Essa técnica busca o controle da dimensão vertical ou
cronológica do sítio, mediante a escavação de depósitos profundos que
revelem a estratificação (RENFREW E BAHN, 1998:98; BICHO, 2006:153;
GALLAY, 2002:103).
41

Devido aos resultados obtidos com a U.E.1, com relação à não


identificação de diferenças estratigráficas marcantes, a escolha desta técnica
na U.E.2 se justifica pelo argumento que menciona Prous:

[...] esta técnica deve ser reservada aos sítios ou camadas de


sítios nos quais os níveis naturais não podem ser percebidos
(densidade fraca de vestígios, ausência de nítida
descontinuidade vertical entre eles, aliados a uma grande
ausência de nítida descontinuidade vertical entre eles, e a uma
grande homogeneidade da matriz sedimentar) (PROUS,
1992:30).

Figura 8. U.E.2. Fonte: Acervo Projeto Lago Rico.

Na U.E.2, foram coletados predominantemente vestígios cerâmicos em


fragmentos, carvão e vestígios líticos que consistem em possíveis lascas em
sílex e quartzo, com proporções menores que 5cm. Foi possível alcançar a
42

profundidade de 40cm (Figura 9), o que possibilitou a coleta de vestígios


cerâmicos para datação por termoluminescência, e carvão para a datação por
C14 (Figura 10).

Figura 9. Perfil estratigráfico com profundidade de 40cm na U.E.2. Fonte: Acervo Projeto Lago
Rico.

Figura 10. Coleta de carvão para datação.


43

3.1.3. Coletas em Superfície

Paralelamente à escavação das unidades, foram realizadas coletas em


superfície de vestígios arqueológicos. As coletas de superfície foram realizadas
na área do sítio arqueológico, e em dois locais específicos. O primeiro desses
locais é a margem da Lagoa Aguapé (Figura 11), onde há cupinzeiro com
cerâmica em sua estrutura. O segundo, ao longo da cerca de delimitação da
propriedade, entre as U.E.1 e U.E.2, onde há concentrações de vestígios
cerâmicos em superfície.

Figura 11. Lagoa Aguapé e cupinzeiro. Fonte: Acervo Projeto Lago Rico.
44

3.2. Curadoria do Material Arqueológico

A cultura material cerâmica, lítica e orgânica, procedente das


escavações e coletas de superfície no sítio Lago Rico, passou por um processo
de curadoria e acondicionamento, realizado no Laboratório de Arqueologia do
IGPA-PUC Goiás e seguindo os protocolos do mesmo, que se iniciam com a
higienização do material arqueológico.

Entretanto, antes do início da higienização, com escovas dentárias


macias e novas para evitar a contaminação, nove amostras de sedimento
foram coletadas de fragmentos cerâmicos da U.E.1, principalmente em bases,
visando possibilitar futuras análises de microrresíduos botânicos, que possam
identificar grãos de amido ou fitólitos de vegetais que pudessem estar sendo
processados nestes vasilhames (PERRY, 2001:267; FULLAGAR, 2006:177;
CASCON, 2010). A análise do amido contido em artefatos tem o potencial para
a compreender a função da cultura material, a dieta do grupo e demais usos de
plantas pelos grupos humanos pretéritos (FULLAGAR, 2006:177).

Após esse procedimento, os vestígios cerâmicos foram higienizados


com água e escovas dentárias macias (ORTON et. al., 1997). Quando secos,
os fragmentos cerâmicos foram assinalados em sua face inferior e central, em
caneta nanquim e sob e sobre uma camada de esmalte para unhas, com a
sigla do sítio, a camada de decapagem ou nível estratigráfico de origem, e um
número de identificação, por exemplo: LR-D7-1220 (Idem). Fichas de inventário
foram elaboradas e utilizadas para o controle da curadoria (Idem).

Em seguida, os fragmentos foram acondicionados em sacos plásticos


com as etiquetas de identificação original e uma cópia da mesma escrita à
caneta, visando a melhor preservação das informações de coleta registradas
em campo. Tais informações consistem no nome e sigla do sítio e do projeto, o
município, o tipo de material arqueológico, qual a unidade de escavação ou
superfície, data, pesquisador responsável, quadrícula, camada de decapagem
ou nível estratigráfico e coordenadas UTM com datum e zona em casos de
ocorrências fora dos limites das unidades de escavação (ORTON et. al., 1997).
45

Os fragmentos cerâmicos menores que 2cm não foram numerados,


porém observados e acondicionados em embalagens plásticas junto ao
material de sua respectiva quadrícula e camada ou nível (Idem). Os sacos
plásticos são fechados com amarilhos plásticos, e acondicionados em
prateleiras dentro de em caixas poliondas para cada unidade de escavação e
tipo de material arqueológico separadamente (Idem).

3.3. Análise Tecnológica da Cerâmica do Sítio Lago Rico

Os vestígios cerâmicos analisados tecnologicamente são provenientes


das unidades de escavação (U.E.1 e U.E.2) e também das coletas em
superfície. Dentre as coletas de superfície, há as que foram realizadas ao longo
da cerca ao lado esquerdo da estrada, entre as U.E.1 e U.E.2 (Concentrações
na Cerca). Há coletas de superfície que foram realizadas arbitrariamente ao
longo dos trabalhos de campo, na área do sítio (Superfície em Geral). E
também há coletas de superfície que realizadas à margem da Lagoa Aguapé,
sendo que, provavelmente alguns desses fragmentos são oriundos de um
cupinzeiro, onde há vestígios cerâmicos aflorando, devido ao intemperismo na
estrutura. No total, há 1647 fragmentos, quantitativamente distribuídos
conforme a Tabela 2:

AMOSTRAGEM DA CULTURA MATERIAL CERÂMICA

LOCAL DE AMOSTRAGEM QUANTIDADE DE TÉCNICA DE


FRAGMENTOS AMOSTRAGEM

Unidade de escavação 1 (U.E. 1) 857 Escavação por níveis


naturais (decapagem)
Unidade de escavação 2 (U.E. 2) 481 Escavação por níveis
artificias de 10cm
Concentrações na Cerca 55 Coleta de superfície
Superfície em Geral 246 Coleta de superfície
Margem da Lagoa Aguapé 8 Coleta de superfície
Total 1647 -
Tabela 2. Amostragem da cultura material cerâmica do sítio Lago Rico.
46

3.3.1. Atributos de Análise

Os critérios para a análise tecnológica de coleções cerâmicas aplicados


nesta monografia foram os recomendados nas bibliografias sobre o tema:
Shepard (1956), Meggers e Evans (1970), Rye (1981), Rice (1987), Sinopoli
(1991), Skibo (1992), Orton et. al. (1997) e Chmyz (1976), dentre outros.

Classe

A classe dos fragmentos analisados se refere ao que constituem


enquanto forma: a parte do vasilhame à qual corresponde ou a outro tipo de
objeto que não um vasilhame. Foram identificadas seis classes: parede, borda,
base, apêndice, bolota de argila e rolete isolado.

A parede é a parte que dá estruturação ao vasilhames, entre a base e a


borda. A borda é a parte superior da parede de um recipiente, junto à boca
(abertura ou orifício) (CHMYZ, 1976:125). A base é a parte inferior, que dá
sustentação ao vasilhame (Ibidem:123). Um apêndice pode ser uma alça ou
asa, destinadas à suspensão de um recipiente (CHMYZ, 1976:122; LIMA,
1987:176).

A bolota de argila pode ser um resíduo do processo de confecção de


cerâmica. Um rolete é um cilindro de pasta utilizado para na confecção do
vasilhame, seja em sua estrutura como um todo ou em partes dela, e pode ser
identificado isolado, tendo sido abandonado antes de conformar a estrutura de
vasilhames, ou ter sido desgastado e dissociado de um vasilhame ou parte
dele (CHMYZ, 1976:142).

Técnica de Manufatura

A técnica de manufatura se refere à maneira de estruturação da pasta à


forma do objeto desejado. Há muitas técnicas de manufatura para a confecção
47

de cerâmica. Dentre elas, a técnica com roletes17, que “[...] consiste na


superposição de rolos feitos de argila a partir de uma base, em forma de anéis
ou em espiral” (LIMA, 1987:174). A técnica modelada é realizada à mão a partir
de uma massa uniforme, e a técnica moldada, com o uso de molde (CHMYZ,
1976:137,142; MEGGERS E EVANS, 1970:43).

Antiplástico

Os antiplásticos presentes na pasta ao retirar parte da plasticidade,


possibilitam que esta seja moldada à forma desejada, e evitam que a cerâmica
sofra fissuras ou rache durante a secagem ou a queima (SHEPARD, 1987:25;
CHMYZ, 1976:144).

Rice (1987:406-413) e Shepard (1985:24-25) discutem a importância de


se definir e diferenciar os termos “inclusão” (antiplásticos) e “tempero”, devido
ao destaque que esses atributos possuem na maioria das classificações
cerâmicas. Se os antiplásticos foram adicionados intencionalmente por
ceramistas, eles são chamados de temperos.

Para uma definição geral que não implique em intencionalidade (quando


não há como saber se há intencionalidade ou quando o material aparece
naturalmente nos argilominerais), Shepard propõe o uso do termo nonplastic,
que pode ser traduzido como “não-plástico”, ou, como é utilizado em língua
portuguesa: “antiplástico”18. Portanto, neste trabalho, serão considerados
“antiplásticos” todas as inclusões identificadas na pasta do material cerâmico,
independentemente de intencionalidade ou não.

Idealmente, se pode usar a proposta de March (1934:14-16): aplastic


(aplástico) para se referir à “inclusões não plásticas”, ou seja, tudo aquilo que

17
Chmyz (1976:141-142) define o termo “roletado” para se referir ao tipo de decoração no qual se
evidencia os roletes utilizados na confecção do vasilhame. Portanto, para se tratar da técnica de
manufatura, será o utilizado o termo “técnica com roletes”.
18
Porém, o termo “antiplástico” pode causar a impressão de que estes serviriam apenas tirar a
plasticidade dos argilominerais, sendo que o seu objetivo maior seria evitar rachaduras com a perda de
água (SHEPARD, 1987:25; CHMYZ, 1976:144).
48

não é classificado como argilominerais e nem possuem plasticidade, porém, o


termo é aplicado (SHEPARD, 1987:25).

No sítio Lago Rico foram identificados quartzo (mais frequentemente


hialino, mas também quartzo leitoso), cauixi, cariapé A e B, carvão,
mica/feldspato e hematita. O cauixi consiste em espículas de espongiários de
água doce (MEGGERS e EVANS, 1970:27; LIMA, 1987:175).

O cariapé é um antiplástico bio-mineral de casca queimada de árvores


ricas em sílica (MEGGERS e EVANS, 1970:27; LIMA, 1987:175). Em lupa
binocular com aumento de 20x a 40x, o cariapé possui um aspecto de
filamentos silicosos, que podem aparecer em pequenos aglomerados (WÜST,
1975:98-165). Partículas carbonizadas podem ser observadas, juntamente às
pequenas fibras de cariapé, que podem ser densas e orientadas em sentido
horizontal, acompanhando o alisamento dos roletes (WÜST, 1975:98-165). Mas
há dois tipos de cariapé, identificados por Wüst (1983:155):

 cariapé A - filamentos silicosos de cor cinza, com comprimento de 0,5


a 2mm e uma largura de 0,5 a 1mm, pequenos segmentos cilíndricos
alinhados, de cor branca e aspecto brilhante, com um comprimento
de 0,5 a 1,5mm e largura inferior a 0,5mm.
 cariapé B - partículas com finos filamentos silicosos compactos de
coloração cinza claro e raramente, cinza escuro. O comprimento
destas partículas varia de 1 a 12mm, e largura de 0,5 a 3mm.

Os antiplásticos foram analisados por meio da identificação do tipo de


material, a sua espessura em mm, e a angulosidade dos minerais, conforme
sugerem Meggers e Evans (1970:43).

Queima

A queima é um processo físico-químico responsável pela transformação


da pasta em cerâmica (CHMYZ, 1976:141). A força da cerâmica – habilidade
em resistir à ruptura quando sujeita ao uso e estresses associados – e as
diferenças de cor ao final da queima, são determinadas pela temperatura,
49

duração e ambiente (MEGGERS e EVANS, 1970:29; CHMYZ, 1976:141;


SINOPOLI 1991:30).

O ambiente de queima pode ser redutor (em forno fechado, por


exemplo) ou oxidante (em fogueira aberta, por exemplo) (MEGGERS E
EVANS, 1970:29; CHMYZ, 1976:141; SINOPOLI 1991:30, ORTON et. al.,
1997). Quando há pouco oxigênio, há uma ambiente redutor, na qual o carbono
no corpo do vasilhame não é perdido, e o carbono dos combustíveis serão
depositados na superfície do vasilhame, produzindo um vasilhame de cor
escura (SINOPOLI 1991:30). Uma queima oxidante, ao contrário, ocorre
quando o oxigênio é presente e abundante, e o carbono no corpo do vasilhame
é completamente consumido, o deixando com uma cor clara (Idem).

No caso de variação de cor, por exemplo, “[...] variáveis intensidades de


cinza remanescentes no núcleo refletem oxidação incompleta em fogo de baixa
temperatura ou por tempo insuficiente para expelir a matéria carbonácea da
argila” (MEGGERS e EVANS, 1970:29).

São consideradas baixas temperaturas aquelas abaixo de 1000ºC, e


altas temperaturas, desse ponto em diante. Vasilhames queimados em baixas
temperaturas são mais porosos e grosseiros do que aqueles queimados em
altas temperaturas (SINOPOLI, 1991:28). A porosidade de um pote está
inversamente relacionada à força da cerâmica, ou seja, quanto maiores os
poros, mais fraco é o vasilhame (Idem). Contudo, os poros podem ajudar a
prevenir o rompimento da cerâmica ao inibir o espalhamento de rachaduras
incipientes (Idem).

A análise foi realizada conforme a proposta de Rye (1981), tendo sido


identificados seis tipos de queima (Figura 12):
50

Figura 12. Tipos de queima. Fonte: Rye (1981), adaptado.

Tratamento de Superfície

Tratamentos de superfície são processos de acabamento das


superfícies internas ou externas da cerâmica, e serve para alisar
irregularidades, juntar partes e alterar o aspecto (CHMYZ, 1976:146; ORTON
et al., 1997). As técnicas são o alisamento, o uso do engobo, do banho, o
polimento, dentre outros (MEGGERS e EVANS, 1970:31).

O alisamento nivela a superfície da cerâmica, e para isso podem ser


utilizados pedaços de madeira, seixos, tecido, cacos e sabugos de milho,
dentre outros (CHMYZ, 1976:212; PROUS, 1992:92).

O engobo é uma mistura líquida de argilominerais, aplicada à cerâmica


em uma camada fina – mais espessa que o banho – antes da queima (CHMYZ,
1976:130; ORTON et al., 1997). O banho é menos espesso que o engobo,
51

aplicado antes da queima à superfície da cerâmica, com pigmentos minerais


(CHMYZ, 1976:122; LA SALVIA e BROCHADO, 1989:18; PROUS, 1992:92).

O polimento complementa o alisamento, e torna a superfície da cerâmica


impermeável e lustrosa (CHMYZ, 1976:139). O polimento com seixo pode
causar um aspecto brilhante (PROUS, 1992:92).

Decoração

A decoração da cerâmica pode ser realizada com técnicas plásticas por


meio de modificações da superfície antes da queima, como a inciso, a exciso, o
escovado, o ponteado e o ungulado (MEGGERS e EVANS, 1970:36; LA
SALVIA e BROCHADO, 1989:35). As técnicas de decoração pintada são
realizadas antes ou depois da queima da cerâmica, com pigmentos minerais ou
vegetais, diretamente sobre a superfície ou sobre engobo ou banho, com
motivos que podem ser padrões ou desenhos, linhas ou faixas (MEGGERS e
EVANS, 1970:37; CHMYZ, 1976:139;).

Marcas de Uso

As marcas de uso são evidências de processos abrasivos e atividades


materiais, que deixam traços físicos específicos ou resíduos, nas superfícies
dos artefatos (SKIBO, 1992). São identificadas nas faces internas e externas
dos fragmentos cerâmicos e podem, potencialmente, prover informação sobre
o comportamento de uso (Idem) – funcionalidade, funcionamento e função.

3.4. Análise Morfológica dos Vasilhames do Sítio Lago Rico

Os primeiros conceitos de análise do contorno de vasilhames foram


propostos por Birkhoff (1933), com pontos característicos tangenciais, de maior
diâmetro, de curvatura, e de inflexão (SHEPARD, 1956:226; RICE, 1987:218;
52

BIRKHOFF, 1993). As características morfológicas das bordas e lábios dos


vasilhames do sítio Lago Rico foram definidas conforme Chmyz (1976).

A partir das bases e principalmente das bordas, os vasilhames foram


reconstituídos se seguindo o diâmetro da boca medido com um ábaco (escala
de semicírculos concêntricos) (MEGGERS e EVANS, 1970:50; RICE,
1987:223), as suas inclinações e dimensões medidas com paquímetro
(SHEPARD, 1956; SINOPOLI, 1991; ORTON et. al., 1997; BAGOT, 2005).
Nem todas as bordas ou pratos foram reconstituídos porque tais medidas são
necessárias e quando estavam muito fragmentados, não foi posível obtê-las.

Ao se considerar vasilhames inteiros, as formas foram classificadas de


acordo com critérios geométricos e classes estruturais propostas por Shepard
(1956), em vasilhames irrestritos (formas abertas), restritos de contornos
simples (formas fechadas) e restritos de contornos infletidos (formas fechadas),
que marcam uma divisão no contorno dos vasilhames.

As formas abertas são as que possuem um maior diâmetro no abertura


do que no corpo do vasilhame (SHEPARD, 1956:228; CHMYZ, 1976:146;
SMITH, 1983 apud RICE, 1997:236). As formas fechadas são aquelas em que
o diâmetro da abertura é menor do que o diâmetro máximo do corpo do
vasilhame (SHEPARD, 1956:228; CHMYZ, 1976:146).

As formas de contorno simples são as em que a silhueta do vasilhame é


suave, sem a presença de ângulos (SHEPARD, 1956:232). As formas de
contorno infletido são as que possuem seções convexas e côncavas, ligadas
por uma curva suave (Idem).

Vasilhames com contornos infletidos podem apresentar um pescoço


(RICE, 1987:212), parte constricta do vasilhame, entre o corpo e a borda
(CHMYZ, 1976:138).

A escolha pela classificação nessas três grandes classes estruturais –


formas abertas, fechadas de contornos simples e contornos infletidos – se
justifica pelas implicações funcionais que este trabalho almeja, uma vez que
53

essas formas possibilitam discutir as funcionalidades e os funcionamentos dos


vasilhames (SHEPARD, 1956:228).

3.5. Método de Cálculo do Volume dos Vasilhames

Para iniciar o cálculo do volume das cerâmicas é necessário


primeiramente discutir qual o método de cálculo que será empregado para
estimar o volume das mesmas. Segundo Rice (1987:221-222), um método
mais preciso de estimativa do volume de um recipiente é o “Método da Soma
de Cilindros”.

Para aplicar esse método é necessário dividir horizontalmente a


cerâmica em uma série de fatias com alturas iguais, medindo o diâmetro ou
raio interno de cada uma dessas fatias. Quanto menor a altura das fatias, mais
preciso é o resultado obtido para um vasilhame. Se considera que cada uma
dessas fatias seja um cilindro (Figura 13), sendo o volume dado pela equação
abaixo:

Figura 13. Dimensões de um cilindro.

𝑉𝑜𝑙𝑐𝑖𝑙í𝑛𝑑𝑟𝑜 = 𝜋. 𝑅². ℎ

Uma vez que:

Volcilindro: Volume do cilindro em cm³; R: Raio do cilindro em cm; h: Altura do


cilindro, em cm.
54

O volume total da cerâmica será dado pela somatória dos n cilindros.


Admitindo que todos os cilindros tem a mesma altura, se pode calcular o
volume da cerâmica pela equação:

𝑉𝑜𝑙𝑉 = (∑ 𝑟𝑖2 ) 𝜋. ℎ
𝑖=1

Sendo que:

Volv: Volume total da cerâmica em cm³; ri: Raio de cada cilindro em cm; h:
Altura do cilindro, em cm.

Porém, outro método para cálcular o volume das cerâmicas seria


considerar cada fatia seccionada como um tronco de cone (Figura 14), obtendo
assim maior precisão no cálculo do volume.

Figura 14. Dimensões de um tronco de cone.

Para analisar qual método apresenta maior precisão, foram desenhadas


cerâmicas de formas abertas, fechadas de contornos simples e fechadas de
contornos infletidos, presentes no sítio Lago Rico.

Em seguida foi aplicado o Método da Soma de Cilindros e o Método da


Soma de Troncos de Cone, sendo o útlimo proposto e utilizado neste trabalho.
A parte hachurada de cada figura indica o volume deduzido ou acrescentado
do volume real de cada cerâmica (Figuras 15, 16 e 17).
55

Figura 15. Formas abertas. A) Aplicação do "Método da Soma de Cilindros", e B) Aplicação do


Método da Soma de Troncos de Cone. As partes hachuradas representam o volume deduzido
ou acrescentado.

Figura 16. Formas fechadas de contornos simples. A) Aplicação do "Método da Soma de


Cilindros", e B) Aplicação do Método da Soma de Troncos de Cone. As partes hachuradas
representam o volume deduzido ou acrescentado.

Figura 17. Formas fechadas de contornos infletidos. A) Aplicação do "Método da Soma de


Cilindros", e B) Aplicação do Método da Soma de Troncos de Cone. As partes hachuradas
representam o volume deduzido ou acrescentado.

As partes hachuradas dos três formatos de cerâmicas acima


representados indicam que o Método da Soma de Troncos de Cones apresenta
um menor volume deduzido ou acrescentado do volume real, quando
56

comparado ao Método da Soma de Cilindros proposta por Rice (1987). Isso


garante ao Método da Soma de Troncos de Cone um cálculo mais preciso do
volume real da cerâmica, se ressaltando que quanto menor a altura de
seccionamento das fatias da cerâmica maior será a precisão do método.

Tendo sido aqui demonstrada sua melhor eficácia, o cálculo do volume


das cerâmicas foi feito com o Método da Soma de Troncos de Cones. Foram
realizados seccionamentos transversais de 1cm de altura, se medindo o
comprimento do raio superior e inferior de cada tronco de cone. Segundo
Figueiredo (2011), a fórmula do volume do tronco de cone é dada pela
equação:

𝜋. ℎ𝑡
𝑉𝑜𝑙𝑡𝑟𝑜𝑛𝑐𝑜 = ( ) . (𝑅 2 + 𝑅. 𝑟 + 𝑟 2 )
3

Sendo que:

Voltronco: Volume do tronco de cone em cm³; ht: Altura do tronco de cone em


cm; R: Raio da base maior do tronco de cone em cm; r: Raio da base menor do
tronco de cone em cm.

O volume de cada cerâmica será obtido pela somatória de n volumes de


troncos de cones identificados, conforme equação:

𝑛
𝜋. ℎ𝑖
𝑉𝑜𝑙𝑐𝑒𝑟â𝑚𝑖𝑐𝑎 = ∑ ( ) . (𝑅𝑖 2 + 𝑅𝑖 . 𝑟𝑖 + 𝑟𝑖 2 )
3
𝑖=1

Uma vez que:

Volcerâmica: Volume total da cerâmica em cm³; hi: Altura de cada tronco de cone
em cm; Ri: Raio da base maior de cada tronco de cone em cm; r i: Raio da base
menor de cada tronco de cone em cm.
57

Para uma mesma altura de cada tronco de cone seccionado, se pode


calcular o volume da cerâmica utilizando a equação:

𝑛
𝜋. ℎ𝑡
𝑉𝑜𝑙𝑐𝑒𝑟â𝑚𝑖𝑐𝑎 =( ) . ∑(𝑅𝑖 2 + 𝑅𝑖 . 𝑟𝑖 + 𝑟𝑖 2 )
3
𝑖=1

Sendo:

Volcerâmica: Volume total da cerâmica em cm³; ht: Altura do tronco de cone em


cm; Ri: Raio da base maior de cada tronco de cone em cm; r i: Raio da base
menor de cada tronco de cone em cm.

Para se obter o volume da cerâmica em litros, unidade mais usual e de


mais fácil assimilação, foi dividido o volume identificado em cm³ por 1000,
conforme a equação:

𝑉𝑜𝑙𝑐𝑒𝑟â𝑚𝑖𝑐𝑎
𝑉𝑜𝑙𝑙𝑖𝑡𝑟𝑜𝑠 =
1000

Sendo que:

Vollitros: Volume total da cerâmica em litros; Volcerâmica: Volume total da cerâmica


em cm³.

Os resultados dos cálculos serão apresentados adiante. Se faz uma


ressalva para o fato, por mais que o cálculo apresentado seja preciso, o volume
não condiz com a realidade do volume do vasilhame, mas com o volume de
sua projeção hipotética.
58

CAPÍTULO 4: RESULTADOS

Neste capítulo serão apresentados os resultados obtidos das análises


tecnológicas, morfológicas e estudos funcionais.

4.1. Resultados das Análises Tecnológicas


4.1.1. Classe

No conjunto cerâmico do sítio Lago Rico, as paredes são predominantes


e representam 1525 fragmentos (92,6% dos vestígios). Bordas foram
identificadas em todos os locais de amostragem, sendo que, quatro delas
provenientes da U.E.1 e cinco de coleta de superfície estão integradas às
bases e apresentam a forma de prato (Tabela 2).

Quantidade de peças
Borda Base Parede Rolete Bolota Apêndice
de Argila
U.E.1 39 33 779 3 3 -

U.E.2 12 1 467 - 1 1
Concentrações 3 1 51 - - -
da Cerca
Superfície Geral 19 5 221 - - -

Lagoa Aguapé 1 - 7 - - -
Total 74 40 1525 3 4 1
Tabela 2. Classes cerâmicas do sítio Lago Rico.

As bases só não foram identificadas à margem da Lagoa Aguapé. Um


apêndice foi identificado na na U.E.2 (Figura 18), três roletes isolados foram
identificados na U.E.1 (Figura 19), três bolotas de argila na U.E.1 e uma bolota
de argila na U.E.2 (Figura 19).
59

Figura 18. Desenho e foto da peça LR-N20-30-1397, único apêndice identificado e analisado
no sítio Lago Rico até o presente momento.

Figura 19. A: rolete isolado escavada na U.E.1, de identificação LR-D4-120. B: bolota de argila
escavada na U.E.2, de identificação LR-10-20-1568.
60

Figura 20. Borda escavada na U.E.1, de identificação LR-D7-1220.

4.1.2. Técnica de Manufatura

No conjunto cerâmico do sítio Lago Rico, a única técnica de manufatura


identificada é a roletada. As marcas de rolete estão presentes em 640 peças,
equivalente a 38,85% dos vestígios (Tabela 3). Não foi possível identificar
evidências de outros tipos de técnicas, como a modelagem.

Local Quantidade de Peças %

U.E.1 395 46,18%


U.E.2 196 40,74%
Concentrações na Cerca 22 40%
Superfície em Geral 21 8,54%
Margem da Lagoa Aguapé 6 75%
Total 640
Tabela 3. Técnica de manufatura roletada na cerâmica do sítio Lago Rico.
61

4.1.3. Antiplástico

No conjunto cerâmico do sítio Lago Rico foram identificadas 41


combinações de antiplásticos, distribuídas segundo as categorias apresentadas
em gráficos para cada localidade, a seguir.

U.E.1

Embora tenha sido identificada uma grande variedade de combinações


de antiplásticos nos fragmentos da U.E.1, predomina em pouco mais da
metade do material o tipo “Quartzo + cauixi”. Em seguida, com menor
expressividade, os tipos:

Quartzo + cariapé A + cauixi,


Quartzo + cariapé B + carvão,
Quartzo + mica/feldspato + cauixi,
Quartzo + cariapé B.
Em outras palavras, no material da U.E.1. predomina o quartzo (quartzo
hialino principalmente, e leitoso), com grãos angulosos e menores que 1mm.
Em pouco mais da metade dos fragmentos aparece o cauixi. Em seguida,
pouco expressivamente aparecem o cariapé A e B, ambos com e sem cauixi. A
completa relação de tipos de antiplásticos e respectivas quantidades de
fragmentos pode ser verificada no gráfico abaixo (Figura 21):
62

Figura 21. Gráfico de Antiplásticos da U.E.1. do sítio Lago Rico.


63

U.E.2

Na U.E.2., assim como na U.E.1., predomina o antiplástico Quartzo +


cauixi, em mais da metade do material (55,72%). Em proporções muito
menores, abaixo de 10%, seguem, respectivamente:
Quartzo + cauixi
Quartzo + cariapé B
Quartzo
Quartzo + cariapé B + cariapé A
A relação completa de tipos de antiplásticos e quantidade de fragmentos
pode ser verificada no gráfico abaixo (Figura 22):

Figura 22. Gráfico de Antiplásticos da Cerâmica da U.E.2 no sítio Lago Rico.


64

Concentrações na Cerca

No material das Concentrações da Cerca, assim como na U.E.1 e na


U.E.2, o antiplástico que predomina em muito mais da metade dos fragmentos
é o Quartzo + cauixi (Figura 23):

Figura 23. Gráfico de Antiplásticos da Cerâmica das Concentrações na Cerca no sítio Lago
Rico.

Margem da Lagoa Aguapé

No material coletado à margem da Lagoa Aguapé, há variedade de tipos


de antiplástico, tendo o cauixi sido identificado em dois fragmentos (Figura 24).

Figura 24. Gráfico de Antiplásticos da Cerâmica à Margem da Lagoa no sítio Lago Rico.
65

Superfície em Geral

Nas coletas de Superfície Geral, também predomina o antiplástico


Quartzo + cauixi (Figura 25). Concreções ferruginosas foram identificadas no
interior de seis fragmentos.

Figura 25. Gráfico de Antiplásticos de Superfície em Geral no sítio Lago Rico.

4.1.4. Queima

A queima predominante é a totalmente oxidante de tipo 2, em todos os


conjuntos (Figura 26). Em seguida, mas embora não em todos locais, em
ordem de maior para menor representatividade: a queima totalmente redutora,
a queima com núcleo redutor e superfícies oxidantes, a queima oxidante
externamente e redutora internamente, a queima oxidante internamente e
redutora externamente, e a que a queima oxidante de tipo 1.
66

Figura 26. Gráfico Queima da cerâmica do sítio Lago Rico.

4.1.5. Marcas de Uso

Skibo (1992) diferencia os depósitos de carbono que ocorrem na parte


externa de um vasilhame, a fuligem, dos que ocorrem nas superfícies internas
de um vasilhame que é causada pela carbonização dos alimentos. Dessa
maneira, a fuligem pode ser muitas vezes causada pela deposição dos
subprodutos da combustão da madeira, nas atividades cotidianas, podendo
permanecer mesmo depois que o vasilhame é lavado.
67

No material cerâmico da U.E.1 foram identificadas marcas de fuligem,


em na parte externa de 18 fragmentos. Da coleta de superfície em geral, há um
fragmento com fuligem, e uma borda com desgaste no lábio, que ocorreu após
a queima da cerâmica, embora seja difícil afirmar que se trate de uma marca
de uso, ou algum outro tipo de impressão intencional que não resultante de um
uso ou funcionamento específico do vasilhame (Figura 27).

Figura 27. Borda de identificação LR-SUP-672, com marca de desgaste no lábio.

4.1.6. Tratamento de Superfície

O tratamento de superfície que predomina na U.E.1 é o alisamento. Em


menor proporção as superfícies apresentam marcas de erosão ou desgaste
que não tratamentos de superfície, mas resultantes de processos tafonômicos,
ou pelo uso, o que não foi possível identificar claramente (Tabela 4). Na U.E.1
há uma ocorrência de polimento interno e externo na mesma peça, e uma
ocorrência de escovado externamente; não há engobo.

Na U.E.2 predomina a superfície erodida, mas é possível identificar o


alisamento, com bastante representatividade. Uma parede de 14mm de
espessura apresenta engobo branco externo, núcleo redutor, superfícies
oxidantes (queima 3), e quartzo com cauixi como antiplásticos.

Na U.E.2, em uma parede com 9mm de espessura há engobo vermelho


na parte externa e engobo branco na parte interna, sua queima também é com
núcleo redutor (queima 3), e possui quartzo com cauixi como antiplásticos. Um
68

terceiro fragmento de 11mm apresenta engobo, que é branco na parte externa,


a queima dessa peça é oxidante (queima 2), e também apresenta o quartzo e o
cauixi como antiplásticos.

Superfície Erodida
Alisamento (%)
Local (%)

Int. Ext. Int. Ext.


U.E.1 67,64 65,65 32,13 33,99
U.E.2 46,10 49,90 53,01 50,10
Concentrações na Cerca 69,09 72,73 30,90 30,90
Margem da Lagoa Aguapé 50 37,5 50 62,5
Superfície em Geral 67,48 74,80 32,52 25,20
Tabela 4. Tratamentos de superfície na cerâmica do sítio Lago Rico.

Nos vestígios de superfície em geral, predomina o alisamento,


principalmente externamente, e em seguida a superfície erodida principalmente
internamente. Em uma parede de coleta de superfície com 13mm de
espessura, há banho branco na parte externa, sua queima é oxidante de tipo 2,
e como antiplástico possui o cariapé A e cariapé B, sem grãos de quartzo
visíveis em lupa binocular de aumento de 40x.

A amostra de material concentrado na área da cerca apresenta grande


quantidade de alisamento, principalmente externamente, e não foi identificado
engobo nas peças. Os fragmentos com superfície erodida estão em quantidade
comparável com a U.E.1 e os de superfície em geral.

Na superfície interna, o material da margem da Lagoa Aguapé possui


metade dos fragmentos alisados e a outra metade está erodida, principalmente
em seu exterior. Em nenhuma dessas peças há engobo.
69

4.1.7. Decoração

A decoração é pouco representativa no conjunto cerâmico do sítio Lago


Rico. Na U.E.1 foram identificadas quatro bordas com decoração: uma peça
com inciso, uma peça com exciso e inciso paralelo (Figura 28), uma peça com
inciso paralelo e uma peça com ponteado (ungulado?) (Figura 29).

Figura 28. Fragmento de borda com decoração inciso paralela.

Em superfície foi coletado um fragmento com algum tipo de marca ainda


não identificada, semelhante à uma pintura preta19 (Figura 30). Maria do
Socorro Sales Barbosa20 (2014, Comunicação pessoal), sugeriu a possibilidade
de que seja algum tipo de marca do arado, ou que eventualmente seja uma
cerâmica de período colonial ou contemporânea, e nesse caso possua um
tratamento de superfície escovado.

19
Na superfície desta peça – inclusive nas superfícies de fratura (já existentes no fragmento
como foi identificado) – há pequenas estruturas que não foi possível se identificar:
arredondadas, com menos de 2mm, aparência e textura de borracha preta. Há espículas de
cauixi, mas bastante espessas e compridas (diferentemente do restante do conjunto).
20
Geógrafa e técnica responsável pelo Laboratório de Arqueologia do IGPA e pela análise de
cerâmica pré-colonial no mesmo.
70

Figura 29. Borda com identificação LR-N10-20-604, com decoração ponteada ou ungulada.

Figura 30. Peça com identificação LR-SUP-641, com marca em faixa.

4.2. Discussão dos Resultados da Análise Tecnológica

Em geral, a cultura material cerâmica oriunda dos diferentes locais de


coleta apresenta características semelhantes no tocante aos antiplásticos e
tratamentos de superfície. Os tipos de queima também são variados em ambos
os locais, com o predomínio da oxidante de tipo 2, e de queimas com redução.
71

Marcas de uso não foram identificadas em todos os locais e consistem


em marcas de fuligem em pequenos fragmentos, em uma área de pastagem
em que provavelmente houve queimadas, portanto, não são significativas para
uma discussão acerca desse atributo. A decoração é pouco representativa em
quantidade e só foi identificada na U.E.1 e em superfície.

A variedade de combinações de antiplásticos na cerâmica da UE1 pode


estar relacionada à alta fragmentação do material, não condizendo com a
totalidade de um vasilhame, porque em uma parte do mesmo pode ter sido
identificado somente quartzo + cariapé, mas em outras partes também poderia
haver cauixi, por exemplo.

Por fim, por meio da comparação dos atributos por locais de


amostragem, se pode concluir que há homogeneidade no material do sítio Lago
Rico, independentemente de diferentes disposições espaciais.

No sítio como um todo, o antiplástico quartzo e o cauixi são


predominantes, em mais da metade dos vestígios. Ao mesmo tempo, os
cariapés A e B e o carvão ocupam a outra metade do material, diluídos em
diferentes combinações entre si e com outros antiplásticos.

A presença predominante de angulosidade nos antiplásticos minerais


indica que houve um processamento, como a trituração ou a maceração prévia
desse material (RICE, 1987:410). Portanto, há grandes possibilidades de que o
quartzo (grãos de quartzo hialino, principalmente) seja um tempero,
intencionalmente adicionado à pasta pelos ceramistas do sítio Lago Rico.

 Subsídio para a Projeção Morfológica: Fase Aruanã, Tradição Uru

Como não foram identificados vasilhames inteiros no sítio Lago Rico,


para o tópico seguinte, que é a projeção morfológica dos vasilhames, é
importante que tenhamos fontes e subsídio de tipologias existentes. Com os
resultados obtidos até o momento, é possível correlacionar o estilo tecnológico
da cerâmica do sítio Lago Rico, com o de outros conjuntos arqueológicos. Em
72

resultado, o sítio Lago Rico se assemelha aos sítios da fase Aruanã, Tradição
Uru.

A Tradição Uru foi inicialmente definida na década de 1970 (SCHMITZ,


BARBOSA, WUST, 1976; SCHMITZ, BARBOSA, 1985), como uma tradição
cultural de ceramistas pré-colonais horticultores que cultivavam a mandioca e o
milho, das bacias do Tocantins e Araguaia. Essa tradição possui grande
diversidade interna, e é dividida nas fases: Itapirapuã, Aruanã, Jaupaci e
Uruaçu (SCHMITZ, BARBOSA, 1985; ROBRAHN-GONZÁLEZ, 1996).

A fase Aruanã foi definida com base em sítios identificados no município


de Britânia, à margem esquerda do rio Vermelho, afluente do Araguaia pela
margem direita (SCHMITZ, BARBOSA, WUST, 1976:49). Esses sítios estão em
chapadas baixas e planas com pouca altitude, próximos à pequenos córregos
ou lagoas, e não ao longo do rio principal – no caso, o Araguaia (Idem).

Esses consistem em aldeias consideradas de grupos horticultores que


plantariam e consumiriam a mandioca (SCHMITZ, BARBOSA, WUST,
1976:49). Em um trabalho etnoarqueológico, Wust estudou um sítio
abandonado há cerca de 50 anos pelos Karajá (Iny) de Aruanã, e o
correlacionou à fase Aruanã.

Quanto à forma dos vasilhames da fase Aruanã, há pratos rasos,


grandes e com borda reforçada, que foram interpretados como tendo a função
de preparar a mandioca (Idem). Há bases arredondadas e planas com
pedestal, e são identificados suportes de panelas (Idem).

Alguns vasilhames apresentam a decoração entalhada nos lábios ou na


borda, e aplicações de tiras ou faixas e asas (SCHMITZ, BARBOSA, WUST,
1976:49). A técnica de manufatura da cerâmica da fase Aruanã é roletada, o
antiplástico é o cariapé A e B, predominantemente, mas também com hematita,
feldspato, quartzo, concreções ferruginosas e restos vegetais carbonizados
(Idem). A queima característica é a oxidante, e as superfícies são alisadas, e
em algumas bases foram identificadas marcas de trançado ou tecelagem
(Idem).
73

O material lítico é escasso, e consiste em lascas e núcleos (SCHMITZ,


BARBOSA, WUST, 1976:49). Duas datações por C14 indicaram datas para o
final do século XII, e metade do século XIII. Os sítios parecem se deslocar em
direção ao rio Araguaia, ao longo do tempo (Idem).

O material arqueológico do sítio Lago Rico, com presença de pratos,


previamente tendo em vista que há bordas reforçadas, bases planas e com a
presença de pedestal, cerâmica predominantemente sem decoração e
antiplástico cariapé A e B, possui um estilo tecnológico que se assemelha
bastante ao definido para a fase Aruanã.

Entretanto, o cauixi é predominante no sítio Lago Rico. Mas,


recentemente foi identificado o cauixi na cerâmica da Tradição Uru, em alguns
conjuntos cerâmicos (ROBRAHN-GONZÁLEZ, 1996), nos sítios GO-JU-17 e
GO-JU-19 (OLIVEIRA, 2009), no sítio Cangas I (PEREIRA, 2010), e nos sítios
São Miguel do Araguaia II, São Miguel do Araguaia IV e Sítio Serrinha21
(FUNDAÇÃO AROEIRA; 2015).

Pela localização do sítio Lago Rico na região do Médio Araguaia, e sua


configuração na paisagem próximo à Lagoa Aguapé, em terreno suavemente
inclinado em direção ao rio do Peixe, a aproximação do sítio Lago Rico seria
com a fase Aruanã, sendo que a proximidade a lagos distingue esta fase de
todas as demais (SCHMITZ e BARBOSA, 1985:10).

4.2. Análise Morfológica: Projeção e Descrição dos Vasilhames


do Sítio Lago Rico

Em vista dos resultados obtidos da análise tecnológica, a projeção das


formas dos vasilhames foi realizada segundo a tipologia proposta por Schmitz e
Barbosa (1985) para a Tradição Uru, na medida do possível, com respeito às
características próprias do conjunto analisado.

21
Este sítio é mencionado no “Projeto de Levantamento, Resgate e Monitoramento
Arqueológico e Educação para o Patrimônio da Obra de Implantação e Pavimentação da
Rodovia BR-080 /GO” como um sítio transportado, e sem localização identificada.
74

A projeção dos vasilhames estabeleceu três tipos principais: formas


abertas, formas fechadas de contornos simples (sem e com bordas
reforçadas), e formas fechadas de contornos infletidos (Figura 31).

Dentre as formas abertas há pratos e tijelas, com bordas diretas, lábios


arredondados e bases planas, sendo que há a presença de reforço externo em
uma borda e um lábio apontado. Todos esses vasilhames possuem cauixi,
tratamento de superfície interno e externo alisados; alguns possuem queimas
oxidantes e outras queimas com núcleo.

As formas fechadas de contornos simples possuem bordas diretas e


reforçadas interna ou externamente, com lábios arredondados, planos e um
apontado, as bases são planas. Há marcas de rolete em algumas bordas, e o
tratamento de superfície é alisado interno e externamente. Todos os
vasilhames possuem cauixi, alguns apresentam queimas oxidantes, queimas
com núcleo, redutoras, e oxidante por fora e redutora internamente

As formas fechadas de contornos infletidos apresentam bordas


entrovertidas ou infletidas, lábios arredondados e bases são planas. O termo
entrovertida se refere especificamente ao tipo de borda (CHMYZ, 1976:123-
124), e já o infletido se refere ao contorno do vasilhame (SHEPARD, 1956:226;
CHMYZ, 1976:147; RICE, 1987:218). Esses vasilhames possuem cauixi,
queimas redutoras e queimas com núcleo, e tratamento de superfície interno e
externo alisados.

Há uma linha um pouco tênue entre o pescoço, e a borda infletida22 na


qual a abertura possui diâmetro maior ou igual ao diâmetro máximo do corpo
do vasilhame (SHEPARD, 1956:230). Segundo as definições de Shepard
(1985:130) e Rice (1987:243), um pescoço é aquele vasilhame infletido no qual
a abertura possui um diâmetro menor do que o diâmetro máximo do corpo do
vasilhame.

22
De acordo com Shepard (1985:130) e Rice (1987:243), essa borda infletida com diâmetro
maior ou igual ao do corpo é denominada collar (tradução: gola).
75

Figura 31. Projeção da forma dos vasilhames do sítio Lago Rico.


76

Portanto, se pode considerar que todos os vasilhames de contorno


infletido do sítio Lago Rico apresentam pescoço, porque os diâmetros de suas
aberturas são menores que os diâmetros máximos de seus corpos.

4.3. Análise Funcional: Potencial Funcional Morfológico dos


Vasilhames do Sítio Lago Rico

Conforme Shepard (1956:228), as categorias morfológicas utilizadas –


formas abertas, fechadas de contornos simples e contornos infletidos – não
implicam na indicação da função de um vasilhame. A relação entre o uso e a
forma é raramente uma só, porque a mesma forma pode ter uma variedade de
usos, e o mesmo propósito pode ser alcançado com muitas formas
(SHEPARD, 1956:228).

4.3.1. Formas Abertas

As bordas a partir das quais os vasilhames abertos do sítio Lago Rico


foram reconstituídos, são oriundas da U.E.1 e de coletas de superfície em
geral. Esses vasilhames possuem queima oxidante, embora alguns com o
núcleo redutor. Três apresentam a forma (não a função) de pratos e dois a
forma de tijelas.

Em geral, as formas abertas são correlacionadas às funcionalidades de


servir e comer, o que pode fazer com que elas sejam variáveis em tamanhos,
dependendo do número de pessoas participantes (SMITH, 1983 apud RICE,
1997:236; 240).

Os vasilhames para servir teriam uma frequência de uso e substituição


altas (HOWARD, 1981 apud RICE, 1987:238). Conforme Howard (Idem),
formas abertas podem ser identificadas em contextos deposicionais de
moradias, depósitos de lixo, enterramentos ou armazéns.
77

A forma aberta implica em um funcionamento: um melhor acesso para


colocar e retirar conteúdos, a visibilidade da comida, e as mãos ou os utensílios
podem ser usados para mexer ou agitar (SHEPARD, 1956:228; RICE,
1987:240).

Os tratamentos de superfície e decoração possuem relação com a


funcionalidade dos vasilhames. Segundo Howard (1981 apud RICE, 1987:238-
240), tratamento de superfície e decoração em formas abertas para preparar
alimentos sem aquecimento é variável, geralmente pouco. São mais frequentes
nos vasilhames para servir e comer, que geralmente são usados socialmente.
A decoração em vasilhames para cozinhar é pouco existente.

No caso do sítio Lago Rico, todas as formas reconstituídas possuem o


alisamento, que reduz a permeabilidade (RICE, 1987:240). As formas abertas
não possuem decoração.

Contudo, o aumento da porosidade pode ser uma estratégia mais


apropriada para lidar com choque termal em vasilhames usados para assar, do
que vasilhames usados para acondicionar e cozinhar líquidos, por causa da
infiltração (RICE, 1987:231). Se os líquidos são fervidos em vasilhames
porosos, eles vão infiltrar e rapidamente evaporar. Essa volatização pode
causar o rachamento do vasilhame (Idem). Porém, em vasilhames com
espessura mais fina, a água se converte em vapor mais rapidamente, sem
acumular no corpo do vasilhame. (Idem).

As tijelas do sítio Lago Rico apresentam diâmetros de 26 e 30cm, alturas


de 10 e 11,4cm; e capacidade volumétrica para 2,912 e 3,877L (Figura 32):
78

Formas Abertas

Identificação: LR-D2-27 Espessura:


Local: U.E.1 14mm
Borda: Direta Antiplástico:
Lábio: Apontado Mineral +cariapé
Diâmetro da abertura: B + cariapé A
30cm Queima: 2-
Altura: 11,4 oxidante
Volume: 3,877L Tratamento de
superfície:
Alisado

Identificação: LR-SUP- Espessura: 8mm


674 Antiplástico:
Local: Coleta de Mineral
Superfície Queima:2-
Borda: Direta oxidante
Lábio: Arredondado Tratamento de
Diâmetro da abertura: superfície:
26cm Alisado
Altura: 10cm
Volume: 2,912L

Figura 32. Projeção 3D e dados sobre as formas abertas (tijelas).

Os pratos do sítio Lago Rico apresentam diâmetros entre 26cm e 44cm,


são baixos com altura entre 3cm e 3,6cm; e volume entre 0,746L e 2,40L
(Figura 33). E todos os pratos apresentam o quartzo com cauixi como
antiplástico. Os pratos podem ser utensílios para secar e assar “[...] são
usualmente achatados com quase nenhuma curvatura de borda, porque o
derramamento não é uma preocupação (Traduzido de RICE, 1987:240).

Robrahn-González (1996:93) questiona o uso dos pratos da Tradição


Uru, com pouca capacidade para conter materiais, para a produção da farinha
em grande escala: “[...] o fato de a maioria apresentar pequena capacidade
(volume de até 1,0L) não parece torná-los adequados para a produção de
farinha em larga escala, embora possam ter sido utilizados, por exemplo, para
assar o beiju” (Idem).
79

Formas Abertas

Identificação: LR-SUP- Espessura:


639 16mm
Local: Coleta de Antiplástico:
Superfície Quartzo + cauixi
Borda: Direta Queima: 3-
Lábio: Arredondado redutora (núcleo)
Diâmetro da + oxidante nas
abertura:44cm superfícies
Diâmetro da base:38cm Tratamento de
Altura: 3,5cm superfície:
Volume: 2,240L Alisado

Identificação: LR-D7- Espessura:


1342 11mm
Local: U.E.1 Antiplástico:
Borda: Direta Quartzo +
Lábio: Arredondado cariapé A + cauixi
Diâmetro da abertura: Queima: 2-
26cm oxidante
Diâmetro da base: 22cm Tratamento de
Altura: 3,6cm superfície:
Volume: 1,291L Alisado

Identificação: LR-SUP- Espessura:


665 22mm
Local: Coleta de Antiplástico:
Superfície Quartzo + cauixi
Borda: Direta Queima: 3-
Lábio: Arredondado redutora (núcleo)
Diâmetro da abertura: + oxidante nas
28cm superfícies
Diâmetro da base: 28cm Tratamento de
Altura: 3cm superfície:
Volume: 0,746L Alisado

Figura 33. Projeção 3D e dados sobre as formas abertas.

Os Karajá de Aruanã (Iny) produzem e utilizam o bacé (Figura 34), que é


um prato (ou assador) cerâmico, cuja função é o preparo do beijú (tapioca).
Segundo a ceramista entrevistada por Wust (1975), antigamente não havia
pratos individuais, eles eram coletivos para até seis pessoas. O bacé também
80

tem a função de levar comida durante as festas, e levar peixes e mandioca


para a casa dos rapazes (casa do Deus de Aruanã) (WUST, 1975:127-128). O
bacé usado em festas é maior, com 60 a 80cm de diâmetro. Os rapazes não
comem do grande bacé, mas em um prato menor (Idem).

Vasilhames Karajá (Iny)


Forma Nome Dimensões Função

Vários tamanhos. Em Fazer Beijú,


casa o utilizado tem Levar comida durante as
entre 40 a 50cm de festas,
Bacé
diâmetro. Levar peixes e mandioca
Para festas, de 60 a 80 para a casa dos rapazes.
cm de diâmetro. Tampar o boeti.
Figura 34. Quadro montado a partir dos dados de Wüst (1975:127-128). Desenhos
apresentados aqui sem a escala original.

Há um tipo de bacé bastante raso, cuja função é tampar outro vasilhame


(boeti) (WUST, 1975:127-128). O bacé pode ter vários tamanhos, na ocasião, o
utilizado na casa da ceramista tinha entre 40 a 50cm de diâmetro, e um bacé
que estava no quintal era proveniente dos Karajá da Ilha do Bananal (Idem).

Vasilhames abertos são adequados para conter produtos que serão


usados frequentemente, ou por um período curto de estocagem (SHEPARD,
1956:228; RICE, 1987:241).

O interessante é que formas abertas são mais facilmente empilhadas


quando vazias, o que faz com que sejam mais convenientemente transportadas
a distâncias consideráveis, particularmente se elas são leves. (RICE,
1987:240). No caso do sítio Lago Rico, os antiplásticos cariapé A e B, e o
cauixi, presentes nos vasilhames abertos, tornam a cerâmica mais leve.

Para transportar materiais a longa distância, em tributos ou trocas,


vasilhames com paredes grossas23 podem ser uma desvantagem por causa do
peso, mas elas adicionam estabilidade e força (RICE, 1987:240). As

23
RICE (1987:240) não define as dimensões de paredes que podem ser consideradas grossas.
81

espessuras dos pratos do sítio Lago Rico são entre 11mm e 22mm, enquanto
que as espessuras das tijelas são 8mm e 14mm. Para as funcionalidades de
servir e comer, em um vasilhame que será manipulado e conterá líquido
quente, paredes grossas podem ser uma vantagem, porque conduzem menos
calor do conteúdo para o exterior (Idem).

Vasilhames abertos para preparar alimento sem aquecimento possuem


ênfase na força mecânica, e podem ser relativamente densos e ásperos
(HOWARD, 1981 apud RICE, 1987:238). Vasilhames para servir podem ser
pouco espessos, e os para cozinhar podem ser ásperos, porosos, com paredes
finas e resistência ao choque termal (Idem).

Formas abertas também podem ser utilizadas para cozinhar (HOWARD,


1981 apud RICE, 1987:238). Vasilhames usados para cozinhar e aquecer
possuem volumes maiores do que aqueles usados para comer (SMITH, 1983
apud RICE, 1997:236).

Esse é o caso do watiwi, panela Karajá (Figura 35), cuja formas mais
baixa (40cm de diâmetro e 20cm de altura), possui a funcionalidade de
cozinhar, enquanto a mais alta (diâmetro é entre 50 e 60cm, e até 50cm de
altura), a função de cozinhar canjica, e acondicionar comida (WUST,
1975:128).

Vasilhames Karajá (Iny)


Forma Nome Dimensões Função
A funcionalidade do baixo é
Baixo: 40cm de cozinhar.
diâmetro e altura de A função do grande é fazer
Watiwi 20cm. Grande: canjica, acondicionar comida,
entre 50 e 60 cm e e conter o corpo de uma
altura até 50cm. pessoa para um
enterramento.
Figura 35. Quadro montado a partir dos dados de Wüst (1975:127-128). Desenhos
apresentados aqui sem a escala original.
82

O watiwi, embora seja uma panela, também pode ser utilizado no


enterro. Para o enterro, se usa o watiwi grande e o bacé grande para cobrir.
Depois tampa com esteira e encima da esteira põe a terra. Quem faz os
vasilhames de enterro é a “dona de enterro”, que também leva a comida e
deixa as panelas cheias encima do túmulo, durante três dias (Wust, 1975:128).

No passado, em cada casa havia de três a cinco boetis, cinco a seis


watiwis, até 10 bacés, um watiwi grande e um bacé grande para festa (WUST,
1975:129). Nas festas, os Karajá de Aruanã utilizam o watiwi grande e o bacé
grande. No watiwi colocam canjica feita de milho seco (caloji), que é socado e
depois fervido, e para comer, usam uma cuia pequena (coeté). Para cada casa
há na festa um bacé e um watiwi. Os vasilhames para festa são feitos
especialmente para a ocasião (Idem).

Entretanto, nenhuma das formas reconstituídas no sítio Lago Rico se


assemelham ao watiwi, além do que, as tijelas possuem dimensões que são
bastante pequenas para serem consideradas panelas (funcionalidade de
cozinhar). Outra contraposição com os vasilhames Karajá é que as formas
abertas representam uma minoria dos vasilhames reconstituídos no sítio Lago
Rico.

Outro vasilhame Karajá da forma aberta, o walu, tem a função de


acondicionar comida, ou mel especificamente. Tem entre 20 a 25cm de
diâmetro e altura de 8cm, com a base arredondada. O mena walu (walu
menor), tem a mesma forma, mas possui cerca de 10cm de diâmetro, e sua
função é beber líquidos (WUST, 1975:128-129) (Figura 36).

Vasilhames Karajá (Iny)


Forma Nome Dimensões Função

Walu: Entre 20 a 25cm Função do walu:


Walu e de diâmetro e altura de 8 acondicionar mel e
Mena cm. Mena walu: é menor, comida.
Walu tem cerca de 10cm de Funcionalidade do mena
diâmetro walu: beber.

Figura 36. Quadro montado a partir dos dados de Wüst (1975:127-128). Desenhos
apresentados aqui sem a escala original.
83

No sítio Lago Rico só foram identificadas bases planas. Conforme Rice


(1987:240), vasilhames abertos podem ter uma base achatada e plana para a
estabilidade, além do que, bases planas podem fazer com que funcionem
levantadas sobre o fogo, mais do que colocadas no meio dele, para atender às
funcionalidade de fervilhar.

Ainda que seja esperado que vasilhames de cozinhar usados para ferver
sejam relativamente profundos para conservar o calor, uma pesquisa utilizando
informações etnográficas sugere uma ênfase em formas curtas e baixas
(HENRICKSON e MCDONALD 1983:631 apud RICE, 1987:240).

A base de um vasilhame é importante para a estabilidade durante o uso:


estocar, processar, ou transferir. Bases planas geralmente são mais estáveis,
mas certas atividades podem favorecer outros tipos de base (RICE, 1987:241-
242; SINOPOLI, 1991:84). Devido à junção de uma base plana à parede do
vasilhame em um ângulo, essa forma pode não ser tão eficiente para cozinhar,
por causa de diferenciações termais, enquanto que bases côncavas seriam
mais adequadas (RICE, 1987:241-242, SINOPOLI, 1991:84).

4.3.2. Formas Fechadas de Contornos Simples e Formas Fechadas


de Contornos Simples com Bordas Reforçadas

As bordas utilizadas para a projeção dos vasilhames são oriundas


principalmente da U.E.1, mas também da U.E.2, coletas de superfície em geral
e das concentrações ao longo da cerca. Algumas formas fechadas de
contornos simples do sítio Lago Rico (Figuras 37 e 39) muitas vezes não
possuem uma restrição tão ressaltada quantos outras. Os vasilhames
projetados possuem diâmetro entre 8cm e 46cm; altura entre 5,5 e 28,7cm;
volume entre 0,083L e 21,520L.
84

Formas Fechadas de Contornos Simples

Identificação: LR-SUP-672 Espessura: 13mm


Local: Coleta de Superfície Antiplástico:
Borda:Direta Quartzo + cauixi
Lábio: Arredondado Queima: 3-redutora
Diâmetro da abertura: (núcleo) + oxidante
46cm nas superfícies
Altura: 28,7cm Tratamento de
Volume: 21,520L superfície: Alisado

Identificação: LR-N0-10- Espessura: 10mm


1470 Antiplástico:
Local: U.E.2 Quartzo + cariapé A
Borda: Direta + cauixi
Lábio: Arredondado Queima: 2-oxidante
Diâmetro da abertura: Tratamento de
30cm superfície: Alisado
Altura: 16,6cm
Volume: 5,307L

Identificação: LR-D3-69 Espessura: 15mm


Local: U.E.1 Antiplástico:
Borda: Direta Quartzo +
Lábio: Plano mica/feldspato +
Diâmetro da abertura: cariapé A
26cm Queima: 1-oxidante
Altura: 13,4cm Tratamento de
Volume: 2,813L superfície: Alisado

Identificação: LR-D5-523 Espessura:13mm


Local: U.E.1 Antiplástico:
Borda: Direta Quartzo + cariapé A
Lábio: Arredondado + cauixi
Diâmetro da abertura: Queima: 3-redutora
30cm (núcleo) + oxidante
Altura: 14,3cm nas superfícies
Volume: 1,972L Tratamento de
superfície: Alisado
85

Identificação: LR-D7-1317 Espessura: 8mm


Local: U.E.1 Antiplástico:
Borda: Direta Quartzo + cariapé B
Lábio: Apontado + carvão
Diâmetro da abertura: Queima: 2-oxidante
20cm Tratamento de
Altura: 10,5cm superfície: Alisado
Volume: 2,146L

Identificação: LR-D5-469 Espessura:12mm


Local: U.E.1 Antiplástico:
Borda: Direta Quartzo +
Lábio: Arredondado mica/feldspato +
Diâmetro da abertura: cauixi
32cm Queima: 4-redutora
Altura: 12,3cm Tratamento de
Volume: 2,937L superfície: Alisado

Identificação: LR-SUP-673 Espessura:11mm


Local: Coleta de Superfície Antiplástico:
Borda: Direta Quartzo + cauixi
Lábio: Arredondado Queima: 5-
Diâmetro da abertura: oxidante(extername
18cm nte)+redutora
Altura: 8,3cm Tratamento de
Volume: 0,562L superfície: Alisado

Identificação: LR-D4-188 Espessura: 12mm


Local: U.E.1 Antiplástico:
Borda: Direta Quartzo + hematita
Lábio: Arredondado + cauixi + espícula
Diâmetro da abertura: vegetal
14cm Queima: 2-oxidante
Altura: 9cm Tratamento de
Volume: 0,453L superfície: Alisado
86

Identificação: LR-SUP- Espessura: 7mm


685-714-873 Antiplástico:
Local: Coleta de Superfície Quartzo + cauixi
Borda: Direta Queima: 3-redutora
Lábio: Arredondado (núcleo) + oxidante
Diâmetro da abertura: nas superfícies
12cm Tratamento de
Altura: 6,5cm superfície: Alisado
Volume: 0,187L

Identificação: LR-SUP-944 Espessura: 9mm


Local: Coleta de Superfície Antiplástico:
das Concentrações na Quartzo + cauixi
cerca Queima: 2-oxidante
Borda: Direta Tratamento de
Lábio: Arredondado superfície: Alisado
Diâmetro da abertura: 8cm
Altura: 5,5cm
Volume: 0,083L

Figura 37. Projeção 3D e dados sobre as formas fechadas de contornos simples.

Uma abertura fechada (restrita) é principalmente útil para manter os


conteúdos, especialmente líquidos (SHEPARD, 1956:228; RICE, 1987:241).
Ela pode evitar derramamentos durante o servir e o processar, e em
vasilhames de cozinhar ela retarda a evaporação dos conteúdos durante um
aquecimento prolongado (RICE, 1987:241). Para vasilhames de estocar, uma
abertura restrita pode ser facilmente fechada com uma tampa (SHEPARD,
1956:228; RICE, 1987:241).

Smith (1983 apud RICE, 1997:236) observou que em geral, vasilhames


usados para cozinhar e processar alimentos possuem aberturas maiores o que
os utilizados para estocar, mas a duração da estocagem não possui efeito
sobre o diâmetro da abertura.

Formas Fechadas podem, ainda, ter a funcionalidade de transportar


conteúdos. Dessa maneira, poderiam ter ênfase na força mecânica, ser
densos, rígidos, e ter o tratamento de superfície alisado para reduzir a
permeabilidade (HOWARD, 1981 apud RICE, 1987:238).
87

Vasilhames usados para transportar líquidos possuem aberturas


menores do que aqueles usados para outros propósitos (SMITH, 1983 apud
RICE, 1997:236). Vasilhames usados para transportar a pequenas distâncias
possuem volumes maiores do que aqueles carregados para percursos mais
longos (Idem).

Formas fechadas, arredondadas, cônicas (não identificadas no sítio


Lago Rico) e globulares, possuem potencial para a funcionalidade de cozinhar
(HOWARD, 1981 apud RICE, 1987:238). A sua frequência de utilização seria
alta, com substituição frequente das panelas (Idem). Esses vasilhames podem
ser identificados em moradias, depósitos de lixo, e raramente em depósitos
específicos como enterramentos (Idem). Tais panelas apresentariam padrões
de esfumaçamento exterior ou enegrecimento, assim como resíduos
queimados (Idem).

Geralmente, vasilhames para cozinhar possuem contornos


arredondados e não angulosos, para evitar a danificação termal, e também
porque contornos arredondados permitem uma maior exposição da base do
vasilhame, paredes e conteúdos para o aquecimento (RICE, 1987:237). Esses
vasilhames também podem ter paredes mais finas, para conduzir o calor
melhor e reduzir o gradiente termal entre as superfícies, cozinhando a comida
mais rapidamente e economizando combustível (Idem).

Com relação à espessura, os vasilhames fechados do sítio Lago Rico


são em geral mais finos (entre 7cm e 15cm) do que os abertos (entre 11cm e
22cm), o que, de acordo com essa premissa, tornaria os vasilhames fechados
mais adequados à funcionalidade de cozinhar.

Segundo o modelo apresentado por Howard (1981 apud RICE,


1987:238), vasilhames para cozinhar teriam paredes finas, ásperas, porosas,
resistentes ao choque termal e com pouco à nenhum tratamento de superfície
ou decoração.

Entretanto, todas as bordas do sítio Lago Rico apresentam tratamento


de supefície alisado, e um vasilhame fechado (LR-N10-20-604) possui
88

decoração ponteada. Esse vasilhame tem a borda reforçada, e as dimensões


de 16cm de diâmetro; 8,4cm de altura; capacidade volumétrica de 0,532L e
espessura de 11mm. Dessa forma, tem o potencial para a funcionalidade de
servir e comer, devido à presença de decoração, e suas pequenas proporções
e volume, que sugerem um uso individual (SMITH, 1983 apud RICE, 1997:236;
HOWARD, 1981 apud RICE, 1987:238-240). Além disso, demais vasilhames
fechados do sítio Lago Rico também apresentam dimensões pequenas, que
sugerem a funcionalidade de comer individualmente.

Os Karajá de Aruanã apresentam um vasilhame fechado de forma


globular (Figura 39) utilizado para cozinhar, com dimensões entre 10 e 15cm;
mas não há mais informações sobre essa panela (WUST, 1975:129).
Antigamente, para se colocar as panelas sobre o fogo, se utilizava três
cupinzeiros no chão, em forma de cone, com cerca de 10cm de diâmetro e
menos de 15cm de altura, relata a ceramista (Idem).

Vasilhame Karajá (Iny)


Forma Nome Dimensões Funcionalidade

Abertura (abertura)
Panela globular Cozinhar
entre 10 e 15cm

Figura 38. Quadro montado a partir dos dados de Wüst (1975:127-128). Desenhos
apresentados aqui sem a escala original.

De acordo com a ceramista Karajá, antigamente, se fazia vasilhames


grossos com borda forte para pegar (WUST, 1975:129). Mas recipientes
produzidos hoje ainda possuem um reforço na borda, ainda que leve (WUST,
1975:129).

Muitas das formas fechadas de contornos simples do Sítio Lago Rico


possuem as bordas reforçadas (Figura 39). As bordas reforçadas podem
aumentar a força durante o uso (RICE, 1987:227).
89

Formas Fechadas de Contornos Simples com Bordas Reforçadas

Identificação: LR-N10-20- Espessura: 8mm


1594 Antiplástico:
Local: U.E.2 Quartzo + cauixi
Borda: Direta Reforçada Queima: 4-redutora
Lábio: Arredondado Tratamento de
Diâmetro da abertura: superfície: Alisado
42cm
Altura: 18cm
Volume: 10,866L

Identificação: LR-D1-1 Espessura: 15mm


Local: U.E.1 Antiplástico:
Borda: Direta Reforçada Quartzo + cauixi
Lábio: Arredondado Queima: 2-oxidante
Diâmetro da abertura: Tratamento de
30cm superfície: Alisado
Altura: 14,4cm
Volume: 3,551L

Identificação: LR-D5-393 Espessura: 15mm


Local: U.E.1 Antiplástico:
Borda: Direta Reforçada Quartzo + cauixi
Lábio: Arredondado Queima: 2-oxidante
Diâmetro da abertura: Tratamento de
30cm superfície: Alisado
Altura: 13,2
Volume: 3,487L

Identificação: LR-N10-20- Espessura:11mm


604 Antiplástico:
Local: U.E.1 Quartzo + cauixi
Borda: Direta Reforçada Queima: 2-oxidante
Lábio: Arredondado Tratamento de
Diâmetro da abertura: superfície: Alisado
16cm Decoração:
Altura: 8,4 Ponteada
Volume: 0,532L
90

Identificação: LR-D5-448 Espessura: 14mm


Local: U.E.1 Antiplástico:
Borda:Direta Reforçada Quartzo + cariapé A
Lábio: Arredondado + cauixi
Diâmetro da abertura: Queima: 3-redutora
36cm (núcleo) + oxidante
Altura: 22,8cm nas superfícies
Volume: 11,196L Tratamento de
superfície: Alisado

Identificação: LR-D7-1208 Espessura: 10mm


Local: U.E.1 Antiplástico:
Borda: Direta Reforçada Quartzo + cauixi
Lábio: Arredondado Queima: 2-oxidante
Diâmetro da abertura: Tratamento de
26cm superfície: Alisado
Altura: 20cm
Volume: 6,005L

Identificação: LR-D5-370 Espessura: 11mm


Local: U.E.1 Antiplástico:
Borda: Direta Reforçada Quartzo + cariapé B
Lábio: Arredondado Queima: 2-oxidante
Diâmetro da abertura: Tratamento de
46cm superfície: Alisado
Altura: 22cm
Volume: 13,103L

Figura 39. Projeção 3D e dados sobre as formas fechadas de contornos simples com bordas
reforçadas.

Em geral, vasilhames maiores requerem paredes mais largas para


suporte estrutural (RICE, 1987:227). Mas paredes grossas são propensas a
serem uma desvantagem para cozinhar: paredes finas conduzem melhor o
calor (Idem). Em transferência de conteúdos, paredes grossas tornam a retarda
condução de calor dos conteúdos, mantendo o exterior mais fresco, e também
aumenta a força; entretanto, paredes grossas tornam o vasilhame pesado
(Idem).
91

4.3.3. Formas Fechadas de Contornos Infletidos

Todos os vasilhames de contornos infletidos do sítio Lago Rico possuem


pescoços. Embora alguns sejam mais estreitos e outros mais largos. Um
pescoço é uma adaptação especial de um abertura restrito para conter líquidos
ou para as funcionalidades de estocagem e de transferência, sendo o seu
funcionamento evita que o líquido se empoce e facilita o despejo, além de que
podem ser facilmente fechadas com uma tampa (SHEPARD, 1956:228; RICE,
1987:241; HOWARD, 1981 apud RICE, 1987:238).

Os vasilhames fechados de contornos infletidos do sítio Lago Rico


possuem diâmetro de abertura entre 14cm e 60cm; altura entre 10,5cm e
26,8cm, volume entre 1,133L e 19,773L, e espessura entre 6mm e 20mm
(Figura 40).

Formas Fechadas de Contornos Infletidos do Sítio Lago Rico

Identificação: LR-SUP-671 Espessura: 20mm


Local: Coleta de Superfície Antiplástico:
Borda: Entrovertida Quartzo
Reforçada Queima: 2-oxidante
Lábio: Arredondado Tratamento de
Diâmetro da abertura: superfície: Alisado
60cm
Altura: 21cm
Volume: 19,773L

Identificação: LR-D6-1176 Espessura: 18mm


Local: U.E.1 Antiplástico:
Borda: Entrovertida Quartzo + cariapé B
Lábio: Arredondado + cauixi
Diâmetro da abertura: Queima: 2-oxidante
26cm Tratamento de
Altura: 16,8cm superfície: Alisado
Volume: 3,510L
92

Identificação: LR-SUP-655 Espessura: 10mm


Local: Coleta de Superfície Antiplástico:
Borda: Entrovertida Quartzo + cariapé A
Lábio: Arredondado + cauixi
Diâmetro da abertura: Queima: 3-redutora
20cm (núcleo) + oxidante
Altura: 13,3cm nas superfícies
Volume: 1,810L Tratamento de
superfície: Alisado

Identificação: LR-D4-344- Espessura: 8mm


345 Antiplástico:
Local: U.E.1 Quartzo + cauixi
Borda: Entrovertida Queima:6-
Lábio: Arredondada redutora(extername
Diâmetro da abertura: nte) + oxidante
20cm Tratamento de
Altura: 10,5cm superfície: Alisado
Volume: 1,133L

Identificação: LR-D7-1292 Espessura: 15mm


Local: U.E.1 Antiplástico:
Borda: Entrovertida Quartzo + cariapé B
Lábio: Arredondado Queima: 2-oxidante
Diâmetro da abertura: Tratamento de
32cm superfície: Alisado
Altura: 21,9cm
Volume: 7,891L

Identificação: LR-D7-1376 Espessura: 9mm


Local: U.E.1 Antiplástico:
Borda: Entrovertida Quartzo + cariapé B
Lábio: Arredondado + cariapé A + cauixi
Diâmetro da abertura: Queima: 2-oxidante
24cm Tratamento de
Altura: 18cm superfície: Alisado
Volume: 5,181L
93

Identificação: LR-D5-126 Espessura: 6mm


Local: U.E.1 Antiplástico:
Borda: Entrovertida Quartzo + cauixi
Lábio: Arredondado Queima: 4-redutora
Diâmetro da abertura: Tratamento de
36cm superfície: Alisado
Altura: 15,6cm
Volume: 2,189L

Identificação: LR-D3-114 Espessura: 17mm


Local: U.E.1 Antiplástico:
Borda: Entrovertida Quartzo +
Lábio: Arredondado mica/feldspato +
Diâmetro da abertura: cauixi
26cm Queima: 4-redutora
Altura: 14,2cm Tratamento de
Volume: 1,973L superfície: Alisado

Identificação: LR-SUP-918 Espessura: 14mm


Local: Coleta de Superfície Antiplástico:
das Concentrações na Quartzo + cauixi
cerca Queima: 3-redutora
Borda: Entrovertida (núcleo) + oxidante
Lábio: Arredondado nas superfícies
Diâmetro da abertura: Tratamento de
26cm superfície: Alisado
Altura: 26,8cm
Volume: 7,552L

Identificação: LR-D7-1220 Espessura: 20m


Local: U.E.1 m
Borda: Entrovertida Antiplástico:
Lábio: Arredondado Quartzo + cauixi
Diâmetro da abertura: Queima: 3-redutora
14cm (núcleo) + oxidante
Altura: 17,2cm nas superfícies
Volume: 1,699L Tratamento de
superfície: Alisado

Figura 40. Projeção 3D e dados sobre as formas fechadas de contornos infletidos.


94

Vasilhames utilizados para estocar a longo prazo ou que não sejam


frequentemente acessados são geralmente maiores, mas sua funcionalidade é
dificultada quando cheios, porque são muito pesados para movimentos fáceis
(RICE, 1987:237).

A frequência de utilização de vasilhames de estocagem pode ser baixa,


com pouca substituição dos vasilhames, que podem ser reutilizados caso
sejam desgastados ou quebrados (HOWARD, 1981; In: Rice, 1987:238).
Vasilhames para estocar podem ser identificados em contextos deposicionais
de moradias e depósitos de lixo (Idem).

Vasilhames usados para estocar a longa duração possuem volumes


maiores do que aqueles para estocar a curto prazo (SMITH, 1983 apud RICE,
1997:236). Conforme Howard (1981 apud RICE, 1987:238), seria ideal que
vasilhames para estocagem tivessem baixa porosidade e alisamento ou verniz
para reduzir a permeabilidade. Todas as bases das quais os vasilhames do
sítio Lago Rico foram reconstituídos, são planas e possuem o alisamento.

Dados etnográficos (HENRICKSON e MCDONALD 1983:632-633;


BIRMINGHAM 1975:371) sugerem que vasilhames de estocar líquidos podem
ser mais variáveis nas suas formas do que os destinados à secagem, e
relativamente mais altos como uma ajuda ao despejamento, enquanto que
vasilhames de estocagem seca de longo prazo são relativamente mais curtos e
baixos (RICE, 1987:237).

Para armazenagem, paredes espessas ou bases grossas podem ser


desejáveis para aumentar a estabilidade e manter a umidade dentro ou fora do
vasilhame (RICE, 1987:227). No processamento, tais paredes são mais
propensas a serem fortes e mais resistentes a golpes durante o bater, agitar e
misturar (Idem).

A porosidade excessiva e a permeabilidade não seriam desejáveis em


vasilhames usados a longo prazo para estocagem, particularmente líquidos
(RICE, 1987:231). Mas para uma estocagem relativamente curta, a porosidade
é comumente uma vantagem: a evaporação no exterior refresca a água,
95

tornando-a mais fresca. Após um tempo, entretanto, os minerais na água selam


os poros de maneira com que o vasilhame perca sua efetividade como um
refrigerador, e ele pode ser alterado para outro uso, como o cozimento (Idem).

As formas da borda e do lábio possuem implicações funcionais. Tanto


em vasilhames abertos quanto fechados, com ou sem pescoço, uma
modificação na borda pode não ser somente decorativa, mas utilitária. Se a
abertura de um vasilhame for sujeita a bastante movimentação, o lábio com um
reforço deixaria a borda mais forte e resistente à quebra, devido à golpes
acidentais (RICE, 1987:241). A forma de um lábio pode também ser uma
modificação para se levantar um vasilhame, ou pode tornar o despejamento
mais fácil (Idem).

Um vasilhame com um pescoço largo pode ter um funcionamento mais


apropriado para estocar conteúdos que são às vezes despejados para fora,
mesmo com o uso de utensílios (SHEPARD, 1956:228; RICE, 1987:241). Com
relação à função, produtos secos, como grãos e sementes, podem ser
estocados nesse vasilhame, mas também água, óleo, ou outros líquidos
(Idem).

Mas, vasilhames com pescoços estreitos são mais propensos à função


do transporte de água, devido ao seu funcionamento: menos água vai derramar
das aberturas, do que aconteceria em vasilhames de abertura larga
(SINOPOLI, 1991:84).

Sobre a funcionalidade de transferência, é importante considerar o peso


do vasilhame quando estiver cheio, especialmente se usados para transportar
água (RICE, 1987:240).

Dentre as formas registradas etnograficamente por Wust na aldeia


Karajá de Aruanã, há o boeti (Figura 41), que também existiria antigamente, e
cuja função é acondicionar água. Esse vasilhame possui cerca de 40cm, e na
ocasião da entrevista, havia um no quintal pintado de vermelho ao redor do
gargalo e com desenhos geométricos; e outro no corredor da casa pintado de
branco (WUST, 1975:127).
96

Vasilhames Karajá
Forma Nome Dimensões Função

Acondicionar
Boeti Altura: cerca de 40cm
Água

Figura 41. Quadro montado a partir dos dados de Wüst (1975:127-128). Desenhos sem escala.

É possível perceber com os exemplos gerais citados da bibliografia


sobre vasilhames de grandes ou pequenas proporções, com pescoços largos
ou estreitos, que a sua função possui uma relação direta com o seu
funcionamento.

4.4. Cadeia Operatória

A produção da cerâmica é um processo que inicia desde o esquema


mental de um indivíduo (BALFET, 1991:1), que pode ser ceramista ou alguém
que demande ao ceramista a produção de um vasilhame, por exemplo.

Com base em Lemonnier (2002:3-7), se pode compreender que as


necessidades ou vontades de utilização de vasilhames que realizem as
funcionalidades apontadas para o sítio Lago Rico, são os motivos que guiaram
as escolhas técnicas da produção dos mesmos. A escolha de matéria-prima e
os métodos aplicados em sua confecção implicaram em performances
desempenhadas pelos vasilhames no tocante à uma função ou uma
funcionalidade e um funcionamento.

A cadeia operatória de confecção de vasilhames cerâmicos sítio Lago


Rico consiste na manufatura da cerâmica, a utilização, o descarte, e a
possibilidade de reutilização (Figura 42).
97

Figura 42. Esquema de Cadeia Operatória.

Os antiplásticos presentes na cerâmica podem ser oriundos


naturalmente da argila coletada, ou podem ter sido adicionados, ou ambos, no
caso de a argila possuir naturalmente um tipo de antiplástico, enquanto que
outro tipo pode ter sido adicionado. Como já foi mencionado, a angulosidade
dos grãos de quartzo parecem indicar uma preparação ou maceramento dos
mesmos antes da adição. A técnica de manufatura identificada é a roletada. Os
tratamentos de superfície e decoração podem ter sido realizados antes da
secagem (alisamento, incisão e poteado, por exemplo) quanto após a secagem
e após a queima (engobo, banho ou pintura).

A utilização envolve uma função ou, devido às possibilidades de


funcionalidade e funcionamento, várias funções desempenhadas por um
vasilhame.
98

CAPÍTULO 5: DISCUSSÕES

Neste capítulo serão apresentadas as discussões acerca dos resultados


obtidos e demais questões.

5.1. O Cauixi

O cauixi (Figura 43) é um espongiário, comumente utilizado por grupos


indígenas amazônicos, na região do rio Guaporé, do Orinoco e do Distrito de
Santarém (WILLEY, 1987:234; ROBRAHN-GONZÁLEZ, 1996:93).

Figura 43. Cauixi utilizado pelo grupo Waurá, no Mato Grosso. Doação: Lúcia Cabral. Fotos:
Daniela D. Ortega.
99

Inicialmente, as ocorrências do cauixi em cerâmicas do Centro-Oeste


pareciam indicar que eram oriundos de trocas com grupos amazônicos: “A
presença, ainda que rara, de artefatos com antiplástico cauixi sugere contatos
culturais com grupos ao norte, na Amazônia, ou a oeste, na Bolívia, onde o
elemento é largamente empregado” (ROBRAHN-GONZÁLEZ, 1996:93).

Porém, essa hipótese não é mais a única possível, porque esses


espongiários foram identificados em lagoas e rios no Centro-Oeste por Batista
& Volkmer-Ribeiro (2002), na área de sítios arqueológicos. Mas inicialmente, o
cauixi não foi identificado nas análises realizadas em conjuntos cerâmicos de
Goiás nas décadas de 1970 e 1980 (VIANA, RIBEIRO e OLIVEIRA, 2011:38).
Entretanto, Oliveira (2009) revisou a análise de dois desses conjuntos – sítios
GO-JU-17 e GO-JU-19 – nos quais detectou a presença do cauixi.

Recentemente, o cauixi foi detectado em mais sítios de Goiás, como o


Cangas I (PEREIRA, 2010), os sítios São Miguel do Araguaia II e IV, sítio
Pintado, sítio Serrinha (FUNDAÇÃO AROEIRA; 2015) e o sítio Lago Rico.

Viana, Ribeiro e Oliveira (2011) defendem o uso do cauixi na cerâmica


como uma escolha cultural, tanto quando adicionado como tempero, como
quando presente naturalmente na argila. Isso porque, a utilização dessa argila
já com cauixi também se configura em uma escolha ou preferência. Como o
cauixi pode ser coletado no fundo de lagoas (Idem), estudos futuros no sítio
Lago Rico poderão avaliar a presença de cauixi em sedimentos e argilas da
Lagoa Aguapé e do rio do Peixe, o que não implica necessariamente que essas
seriam as fontes de argila utilizadas para a manufatura da cerâmica.

Uma das características do cauixi, é que, em contato com a pele, ele


causa coceiras, alergias e inflamações (VIANA, RIBEIRO e OLIVEIRA,
2011:40). Inclusive, conforme Viana, Ribeiro e Oliveira (Idem), o termo cauixi,
vem da língua Tupi e significa “mãe da coceira”.

Simões observou que as ceramistas de Santa Isabel não utilizam cauixi,


motivo pelo qual ele não observou dermatoses nas mãos dessas mulheres
100

(SIMÕES, 1992:20). A partir de tal observação é possível questionar se o uso


do cauixi na produção cerâmica causaria dermatoses na pele.

Dessa maneira, Maria do Socorro S. Barbosa (Comunicação pessoal,


2015) levantou o questionamento dos efeitos do cauixi na cerâmica utilitária de
“cozinha”: se a cerâmica produzida com cauixi causaria irritação na pele
durante o seu manuseio e se os alimentos processados e consumidos nesses
vasilhames não afetariam o sistema digestivo. Estudos etnológicos e
experimentais poderiam averiguar esses questionamentos.

5.2. Hipótese para o Cauixi: Seria Mais Visível em Queima


Redutora?

Uma observação para o sítio Lago Rico é que, predominantemente,


todas as queimas redutoras apresentam o cauixi. Uma hipótese para isso seria
que tais fragmentos redutores representem vasilhames redutores, e que os
vasilhames redutores apresentariam tempero cauixi, ou que o cauixi estivesse
presente na argila destinada à manufatura dos vasilhames redutores.

Outra hipótese a ser levantada, é a de que o cauixi apareça com mais


evidência em queimas redutoras. Em fragmentos de queima oxidante, é muito
difícil perceber a presença do cauixi. Talvez isso de deva ao contraste das
cores, mais forte na queima redutora escura, sendo que o cauixi é claro e
transparente ou levemente prateado e brilhante, como cerdas de escovas24
(Figura 44).

De sete fragmentos próximos ao cupinzeiro na localidade da Lagoa


Aguapé, todos com cariapé A e B, somente um apresenta também o cauixi,
ainda que pouco visível e este fragmento é justamente o de cor mais escura.
Portanto, seria possível que o cauixi fosse de fato mais visível em queima
redutora, o que requereria máxima atenção na observação de fragmentos com
queima oxidante, nos quais o cauixi seria menos visível, mas não ausente.

24
A comparação feita por Maria do Socorro Sales Barbosa (Comunicação pessoal, 2014).
101

Figura 44. À esquerda, espículas de cauixi. À direita, espículas de cauixi em cerâmica de


queima redutora do sítio Lago Rico (lupa binocular, aumento 40x). Fotos: Daniela D. Ortega.

5.3. Hipótese Para o Cariapé A: Seria fitólito?

Durante a queima da cerâmica, a parte orgânica das fibras vegetais


presentes na pasta são queimadas e desaparecem, restando um molde, que é
o cariapé A, observado como antiplástico em lupa binocular principalmente em
conjuntos cerâmicos do Centro-Oeste (FERNÁNDEZ, 2009 apud ARAUJO et.
al. 2016).

Wüst (1975) menciona o uso do cariapé como componente intencional


(tempero) na cerâmica do grupo Iny (Karajá), de Aruanã, em que são utilizadas
as cinzas da casca, caule e galhos da árvore ‘Cega-Machado’ (Physocalymma,
sp, família Lythraceae). O uso das cinzas de vegetais queimados poderia ser
indicado, no sítio Lago Rico, pela alta presença do carvão como antiplástico.

Conforme Araujo et. al. (2016), o cariapé A (Figura 45) identificado na


cerâmica filiada à Tradição Itararé-Taquara, do sítio Benedito Machado em
Botucatu, no estado de São Paulo, é silicoso, e é possível “[...] que sejam
elementos de vasos de madeira ou os seus moldes em sílica, e até mesmo
células epidérmicas de gramíneas ou Cyperaceae” (Idem).
102

Figura 45. Cariapés tipo A coletados na superfície da cerâmica. Sítio Benedito Machado. Fotos:
Daniela D. Ortega (2015). (Laboratório de Anatomia Vegetal da Universidade de São Paulo,
coordenação Prof. Dr. Gregório Ceccantini.

Em fotos com grande aproximação (Figura 46), é possível perceber que


as formas dos cariapés A são muito semelhantes às dos fitólitos de
Cyperaceae do Pantanal Matogrossense, estudados por Rasbold, Parolin e
Caxambú (2010). Fitólitos são partículas micrométricas de sílica hidradata,
opala, cuja principal função é criar estruturas de sustentação da planta,
principalmente em gramíneas; eles se formam durante o crescimento das
plantas em folhas caules e sementes (PIPERNO, 2006). Com algumas
morfologias únicas de fitólitos, é possível a identificação das plantas originárias,
sua família e gênero (Idem).
103

Figura 46. Fitólitos de Cyperaceae. Fonte: Rasbold, Parolin e Caxambú (2010), adaptado.

Com observação em lupa binocular, o cariapé A do sítio Benedito


Machado (Figura 47) apresenta a mesma morfologia (ou bastante semelhante)
do cariapé A identificado na cerâmica do sítio Lago Rico (Figura 48).

O cariapé A do sítio Benedito Machado, observado em microscópio,


pode ser morfologicamente semelhante à morfologia dos fitólitos identificados
em Cyperaceae. O cariapé A do sítio Benedito Machado possui o mesmo
aspecto do cariapé A do sítio Lago Rico. Logo, é possível que o cariapé A do
sítio Lago Rico seja fitólito.
104

Figura 47. Fragmento cerâmico com cariapé A. Sítio Benedito Machado. Foto: Daniela D.
Ortega (2015). (Laboratório de Anatomia Vegetal da Universidade de São Paulo, coordenação
Prof. Dr. Gregório Ceccantini).

Figura 48. Cariapé A em fragmento cerâmico do sítio Lago Rico, que apresenta pintura preta.
Fonte: Acervo Projeto Lago Rico.

Portanto, seria possível que o cariapé A seja fitólito? Seria essa a


diferença entre o cariapé A (fitólito) e o B (tecido da planta)? Nesse caso, é
105

possível realizar um estudo de fitólitos a partir dos cariapés A das cerâmicas,


que busque identificar as partes da planta correspondentes e tipos de plantas?
Estudos futuros poderão averiguar tal hipótese, e quiçá estudar a procedência
de plantas como antiplástico ou tempero presentes em conjuntos cerâmicos
arqueológicos.

5.4. Bolotas de Argila

Três bolotas de argila foram identificadas na U.E.1, com pequenas


dimensões de 11mm, 24mm e 19mm de espessura e uma bolota foi
identificada na U.E.2, com 13mm de espessura. Nas bolotas há somente grãos
de quartzo hialino angulosos, mas em uma das bolotas da U.E.1 também há o
cauixi.

É possível que as bolotas de argila sejam remanescentes de matéria-


prima utilizada para manufatura nos locais das U.E.1 e U.E.2, ou no sítio como
um todo? Provavelmente sim, mas suas dimensões são bastante pequenas. Há
a possibilidade de que as bolotas indiquem que sejam parte da argila que não
tenha sido preparada como pasta, e não tenha recebido antiplástico, por isso
não apresentariam o cariapé.

Nesse caso, o fato de haver cauixi em uma das bolotas indicaria que o
cauixi estivesse naturalmente presente na argila? Essas questões podem ser
levantadas mas dificilmente comprovadas, porque o fato de haver cauixi em
uma bolota pode indicar que essa bolota seja remanescente da pasta já
preparada com o tempero.

Um estudo da ocorrência de cauixi no fundo da Lagoa Aguapé ou nas


fontes de argilominerais próximas ao sítio poderia averiguar sobre o cauixi se
tratar de um tempero ou antiplástico, ainda que a proximidade a fontes de
matéria-prima determine sua preferência pelo grupo.
106

5.5. A queima redutora

Com relação à queima redutora identificada em fragmentos cerâmicos,


não se pode ter certeza de se trata de partes de um vasilhame que acabaram
ficando em ausência de oxigênio durante a queima em uma pilha de
vasilhames em fogueira aberta, ou se trata de vasilhames com queima redutora
(RICE, 1987:107-109). Nesse caso, a queima redutora pode estar relacionada
aos fornos25 (RICE, 1987:109; CHITI, 2009:159-191), mas nenhuma estrutura
de combustão foi identificada no sítio Lago Rico.

5.6. Questões Funcionais

Com base em estudos arqueológicos, etnográficos, experimentais e de


marcas de uso de cerâmica (SHEPARD, 1952; WUST, 1975; RICE, 1987;
SKIBO, 1992) foi possível realizar as análises tecnológica e morfológica da
cerâmica do sítio Lago Rico. Smith (1983 apud RICE, 1997:236) realizou
observações a partir de exemplos etnográficos do Sudoeste americano e Oeste
da África, tendo observado que 10 de 18 relações entre formas-funções podem
encontrar suporte na literatura.

Outro exemplo é a pesquisa etnoarqueológica de Wust (1975), que


compara a cultura material cerâmica de antigas aldeias Karajá de Aruanã, com
ceramistas contemporâneas da mesma etnia. As informações fornecem
subsídios para a compreensão do potencial funcional dos vasilhames do sítio
Lago Rico, porque há semelhança entre algumas formas – como o bacé. Além
de que, Wust identificou a cerâmica Karajá de Aruanã como semelhante à da
Tradição Uru. Outra questão levantada pela Etnoarqueologia são reflexões de
gênero que permeiam a produção cerâmica, geralmente uma atividade
realizada por mulheres (Cf. WUST, 1975; SILVA, 2002; SILVA, BESPALEZ,
STUCHI, 2011).

25
Observação da Profª Ludmília de Melo Vaz, durante a apresentação de resultados
preliminares deste trabalho no XVIII Congresso da SAB, em Goiânia, 2015.
107

Com tais fontes, é possível obter um “potencial funcional”, porque elas


são generalizações baseadas na relação entre um vasilhame (sua estrutura
física: morfologia e tecnologia) e o seu uso pretendido ou o seu uso de fato, ou
seja, a intenção de uso do (a) ceramista, e o real uso que foi dado a esse
vasilhame (SKIBO, 1992:33).

Dessa maneira, as análises tecnológica e morfológica, interpretadas com


base na bibliografia, indicaram o potencial de funcionalidade e de
funcionamento da cerâmica do sítio Lago Rico. Ainda assim, existem possíveis
funções que foram apontadas como hipóteses, mas que apenas podem ser
comprovadas se sabendo como realmente os vasilhames foram utilizados, para
processar quais materiais em específico: o seu uso de fato.

5.6.1. Estudos de Marcas de Uso e de Microvestígios Botânicos

A análise da função somente pode ser alcançada com estudos de


marcas de uso físicas ou de resíduos na cerâmica (SKIBO, 1992:42). Algumas
técnicas têm contribuído com o estudo da função de artefatos arqueológicos,
como determinar o que foi cozido ou armazenado em um vasilhame cerâmico
(SKIBO, 1992:81).

Conteúdos orgânicos em vasilhames arqueológicos podem ser


identificados por várias técnicas, mas três métodos são mais comuns. O
primeiro foca no conteúdo fósforo – presente em todas as plantas e animais –
absorvido à parede do recipiente. A presença do fósforo, entretanto, sugere
somente que a cerâmica algum dia conteve matéria orgânica, mas espécies
individuais de animais ou plantas não podem ser identificadas (SKIBO, 1992).

Essa técnica para o fósforo seria adequado para o sítio Lago Rico,
porque a análise pode ser realizada com as paredes de vasilhames, não sendo
necessário haver restos carbonizados de alimentos – o que não foi identificado
no sítio Lago Rico.
108

Além disso, a pesquisa requer que se determine – e então contrabalance


– os níveis de fósforo que ocorrem na cerâmica e os sedimentos que cercaram
o recipiente no ambiente deposicional (SKIBO, 1992:82). Isso seria
especialmente interessante tendo em vista que os resultados obtidos da
cerâmica e do solo circundante à ela, poderiam ser correlacionados com o
estudo já realizado por Barbosa (2015), das taxas de fósforo de amostras de
solo do sítio Lago Rico.

A segunda técnica é a análise isotópica, tem o potencial de identificar o


que foi cozido em um recipiente (SKIBO, 1992:82). Esse método é baseado no
fato de que plantas podem ser identificadas através de taxas de carbono e
nitrogênio (Idem). Mas sua aplicação para o sítio Lago Rico é ainda inviável,
uma vez que essa análise requer incrustações carbonizadas de comida na
superfície do recipiente, o que torna essa análise apenas útil para vasilhames
que tiveram contato com o calor do fogo (Idem).

A terceira técnica, está centrada no estudo de ácidos graxos, e foi


realizada por Skibo (1992) na cerâmica dos Kalinga, etnia da ilha de Luzon,
nas Filipinas. Os ácidos graxos são absorvidos nas paredes dos recipientes, e
incrustações visíveis não são necessárias, ainda que possam ser analisadas
(Ibidem:82-83).

Além disso, ao contrário dos níveis de fósforo, combinações de ácidos


graxos podem ser ligadas a plantas e animais específicos (SKIBO, 1992:83).
As vantagens no estudo de ácidos graxos são que: (1) eles ocorrem em
diferentes combinações e proporções em cada espécie de plantas e animais,
(2) sobrevivem a temperaturas normais de cozimento, e (3) podem perdurar por
longos períodos de tempo no ambiente deposicional (Ibidem: 82-83).

Skibo (1992) identificou ácidos graxos em toda a cerâmica usada e


fragmentos arqueológicos da cerâmica Kalinga; tendo sido possível diferenciar
panelas com a função de cozinhar arroz e outras para vegetais e carne
especificamente.
109

Com relação às marcas de uso físicas como atritos e desgastes, Skibo


(1992:105) menciona que os estudos de cerâmica ainda estão aquém dos
estudos de traceologia lítica, e precisam ser desenvolvidos. Skibo (1992)
também aplicou esse tipo de análise aos estudos da cerâmica Kalinga, e
verificou que os vasilhames usados para cozinhar vários itens possuem traços
de atrito interiores muito diferentes (Ibidem: 105-143).

Outras possibilidades são as análises de microvestígios botânicos, como


amido, fitólitos e pólen, que podem ser extraídos do sedimento, de artefatos
cerâmicos, líticos e de remanescentes humanos (PERRY, 2001:267;
FULLAGAR, 2006:177; CASCON, 2010).

No Brasil, há trabalhos inovadores na reconstrução da dieta voltadas a


grupos sambaquieiros, com base na análise de amido e fitólitos identificados no
cálculo dentário (Cf. BOYADJIAN, 2007; 2012; WESOLOWSKI, 2007;
WESOLOWSKI, SOUZA, REINHARD, CECCANTINI, 2007). No sítio
arqueológico Hatahara, no Amazonas, análises de microvestígios botânicos
indicaram a presença de recursos coletados e manejados, como palmeiras; e
uma diversidade de alimentos cultivados, como o milho (Zea mays) e o cará
(Dioscorea sp.), e multiplicidade na função dos artefatos cerâmicos analisados
(CASCON, 2010).

Os artefatos capturam em sua superfície os microvestígios, protegendo-


os contra microrganismos, o que favorece a sua preservação a longo prazo
(DIMBLEBY, 1967:96; PERRY, 2001:267; FULLAGAR, 2006:177). A análise do
amido contido nesses artefatos contribui com as análises tecnológicas e
morfológicas tradicionais dos artefatos, porque tem o potencial para a
compreender a função da cultura material, a dieta do grupo e demais usos de
plantas pelos grupos humanos pré-coloniais (FULLAGAR, 2006:177; 2009:7;
ROBERTSON, 2009:243).

Para o sítio Lago Rico, a análise de microvestígios é uma possibilidade


viável. Foram realizadas coletas de amostras para análises palinológicas de
perfis estratigráficos (Figura 49), que possuem o potencial para a identificação
de espécies de plantas no contexto, porém, essa análise ainda não indicaria a
110

função dos vasilhames cerâmicos. Caso sejam identificados pólens de milho ou


de mandioca, será possível fortalecer o estudo de fertilidade do solo feito por
Corrêa (2014) no sítio Lago Rico.

Figura 49. Coleta de sedimento para análise palinológica em perfil estratigráfico da U.E.1, no
sítio Lago Rico, realizada sob a supervisão da Profª Drª Maira Barberi. Fonte: Acervo Projeto
Lago Rico.

As amostras palinológicas foram preparadas pela autora desta


monografia, sob a orientação da Profª Drª Maira Barberi no Laboratório de
Paleoecologia da PUC-Goiás, para que sejam analisadas futuramente.

As amostras de sedimento coletadas dos fragmentos cerâmicos, embora


realizadas com cuidados laboratoriais para evitar a contaminação das
amostras, não seguiram protocolos específicos para a coleta de microvestígios,
que deveriam ser aplicados as atividades em campo. Entretanto, as amostras
estão disponíveis para estudos futuros.
111

5.6.2. Prato x Mandioca

A partir de analogias etnográficas, se considera que a que a mandioca


teve um papel fundamental para os grupos agricultores pré-coloniais da
América do Sul, e que há artefatos característicos que indicam o
processamento tanto da mandioca quanto do milho (ex., LATHRAP, 1970:52;
BROCHADO, 1977; PIPERNO e PEARSALL, 1998:282; WILLEY 1971:379.
SCHMITZ e BARBOSA, 1985:10; MEGGERS e EVANS, 1983:304).

O prato e a tijela de base plana são formas de vasilhames


característicos e diagnósticos da Tradição Uru, como fósseis-guia (SCHMITZ e
BARBOSA, 1985:10). Esses vasilhames são considerados os indicadores de
grupos que plantavam e consumiam a mandioca amarga ou tóxica, sendo os
vasilhames necessários para a preparação do beiju e da farinha (SCHMITZ e
BARBOSA, 1985:10). Dessa maneira, o prato é comumente chamado de
“assador”, na bibliografia (CHMYZ, 1976:122; SCHMITZ e BARBOSA,
1985:10).

Conforme Robrahn-Gonzalez (1996:93), os assadores fornecem os


primeiros elementos sobre o “padrão de abastecimento” dos grupos, havendo
uma relação muito forte entre a presença dos assadores e o processamento da
mandioca para a alimentação.

Em suma, o prato possui uma forma que favorece um funcionamento


para atuar como um assador (funcionalidade de assar), com a possiblidade do
seu uso para a preparação de alimentos feitos de mandioca (função).

Entretanto, um estudo de grãos de amido realizado por Perry (2001;


2004) em um conjuntos artefaturais pré-coloniais do Vale do Orinoco, na
Venezuela, demonstrou que essas associações entre formas e funções podem
estar bastante equivocadas e não condizer com o uso de fato de um artefato.
As análises de Perry (2001) foram realizadas em conjuntos líticos e cerâmicos
comumente relacionados ao processamento da mandioca amarga (Manihot
esculenta Crantz) do milho, como lascas líticas “para raladores”, assadores
112

cerâmicos (pratos) e líticos (chapas de rocha), e suportes de panela (Perry,


2001:68).

A mandioca doce (Manihot esculenta) é ignorada na bibliografia,


provavelmente devido à ausência de algum conjunto artefatual etnográfico que
possa ser associado à ela, porém, mesmo com a análise de microvestígios
botânicos, não é possível diferenciar os tipos de mandioca (PERRY, 2001:68).
Em contextos contemporâneos, a mandioca amarga deve passar pelo
processamento, o que requer tais utensílios mencionados. Entretanto, segundo
Perry (2001:69), não há como distinguir os tipos de mandioca pelas análises de
amido.

Nas análises de Perry (2001; 2004:261) não foram identificados


vestígios de mandioca, mas sim de outros vegetais cultivados ou coletados,
como vários tipos de tubérculos, milho e palmeiras. Nenhum artefato
apresentou ter uma função específica, mas pareciam processar diferentes tipos
de vegetais (Idem).

Portanto, Perry (2001:269; 2004:1080) defende que os próprios restos


preservados da mandioca seriam indicadores mais confiáveis do uso de
plantas e alimentos vegetais na dieta pré-histórica do que a morfologia dos
conjuntos artefatuais. Contudo, Haslam (2009:58) faz uma ressalva no tocante
à representatividade das amostras analisadas por Perry (2001), que seriam
ainda insuficientes para invalidar as correlações etnográficas. É necessário
ampliar esses estudos, inclusive com relação aos pratos da Tradição Uru.

5.7. Manejo e Cultivo

Estudos têm apontado que as paisagens e recursos pré-coloniais eram


manejados e as plantas domesticadas – inclusive por “caçadores-coletores” de
7000 A.P. na América do Sul (Cf. BABOT, 2011) – até a configuração que
temos hoje: muitas espécies frutíferas, como os tipos de pequi, mandioca,
milho, batata doce, inhame, tubérculos, palmeiras, maracujá, goiaba,
amendoim, abóbora, jaboticaba, erva mate, coca e outros alimentos
113

resultantes da domesticação de espécies por grupos pré-coloniais na América


do Sul (BABOT, 2011; PERRY, 2002; IRIARTE e DICKAU, 2012; ACEITUNO e
LOAIZA, 2007).

Desde a transição Pleistoceno/Holoceno, as florestas foram alteradas


pelos grupos pré-coloniais na América do Sul, mediante a dispersão de plantas
e sua concentração em bosques antrópicos (ACEITUNO e LOAIZA, 2007:21).
Portanto, Aceituno e Loaiza (Idem) defendem que as florestas tropicais da
América do Sul tenham um caráter antrópico, desde a chegada dos primeiros
grupos caçadores-coletores, como verdadeiros laboratórios de domesticação e
cultivo, que estimulou o crescimento de plantas alimentícias em uma produção
artificial. “Paisagens anteriormente consideradas naturais na realidade são
artefatos humanos” (ALCORN, 1981; ANDERSON e POSEY, 1985; FRICKEL,
1959 apud POSEY, 1992:6).

Aceituno e Loaiza (2007:21) mencionam que, mesmo com o crescente


aumento da dependência de plantas cultivadas, redução da mobilidade,
crescimento demográfico e especialização do trabalho no Holoceno recente,
não houve uma ruptura com as atividades de caça e coleta. Aceituno e Loaiza
(Idem) consideram os sistemas culturais como dinâmicos,
autotransformadores, caóticos e incertos.

Comumente utilizados em estudos de grupos pré-coloniais, o termo


“captação de recursos” ou até mesmo “caçador-coletor” podem passar a
impressão de que essas pessoas apenas captavam o que o ambiente fornecia
naturalmente, e, segundo Aceituno e Loaiza (2007:93), é preciso
compreendermos o que é a domesticação.

O conceito de domesticação é definido por Aceituno e Loaiza


(2007:22,93) como todo processo de interação ecológica ou dependência
coevolutiva entre o ser humano e o meio ambiente, inclusive por caçadores-
coletores, que também se apropriaram da paisagem e a alteraram ao longo do
tempo, tendo esse processo se intensificado a nível mundial durante o
Holoceno.
114

Anderson e Posey (1985) definem manejo como “[...]a alteração do meio


ambiente para a criação de plantas e/ou animais de interesse para o homem.
Esta alteração pode ser feita de muitas formas, conforme a intensidade de
manipulação” (ANDERSON e POSEY, 1985:77).

Sociedades tradicionais praticam economias agroflorestais que


consistem na exploração de um amplo espectro de plantas silvestres e
domesticadas cujo efeito tem sido a criação de bosques antrópicos na medida
em que a distribuição ecológica tem sido alterada fortemente pela presença
humana (ACEITUNO e LOAIZA, 2007; POSEY, 1985, 1992).

As sociedades indígenas, por exemplo, possuem modelos


agroecológicos nos quais o ambiente possui um sentido sagrado, cujo fim é a
sua conservação, com estratégias de manejo milenares, sendo a recusa do
monocultivo uma opção e não um desconhecimento da tecnologia (ACEITUNO
e LOAIZA, 2007; POSEY, 1985, 1992). Esse é o caso dos grupos Kayapó do
Norte, que cultivam ilhas de florestas com grande diversidade de plantas,
contrariamente à monocultura (Cf. ANDERSON e POSEY,1985:77).

Wust (2000:324), confronta como pejorativos os conceitos de


“horticultor” e “agricultor incipiente”, utilizados tradicionalmente na arqueologia
brasileira para designar os grupos pré-coloniais agricultores, denominação
defendida pela autora:

A maioria dos relatos arqueológicos do Centro-Oeste brasileiro,


ainda arraigados por um pensamento evolucionista, achatam a
trajetória de pelo menos mil anos de uma vida agrícola dos
moradores das grandes aldeias num estágio erroneamente
rotulado de “horticultores” ou de “agricultores incipientes
(Idem).

Conforme Robrahn-González (1996:106), o estágio de horticultores para


o de agricultores de grandes aldeias pode ter ocorrido de forma lenta, mas as
aldeias Uru, ocupadas por “grupos efetivamente agrícolas”.

O sítio Lago Rico foi correlacionado por Correa (2014) a grupos que
produziriam principalmente a mandioca e em menores proporções outras
115

culturas, como o milho, com base na análise da fertilidade natural dos solos,
que indicaram boas características agronômicas para estes tipos de cultivos.

Mas, é preciso considerar que a fertilidade “natural” se refere à anterior


manipulação colonial e contemporânea dos solos, muitas vezes com produtos
químicos, uma vez que os grupos pré-coloniais também alteravam o solo:

[...] estudos etnopedológicos realizados entre os Kayapó


(Hecth & Posey, 1989) demonstraram que mesmo alguns solos
agrícolas deveriam ser considerados artefatos humanos em
função da extensa manipulação que sofreram por parte de
agricultores indígenas (POSEY, 1992:7).

5.8. Cultura Material e Identidade Cultural

A aproximação geográfica de etnias conhecidas em séculos passados e


no presente, como foi apresentada no tópico “contexto etnológico” não implica
necessariamente em uma relação de ancestralidade com o grupo pretérito do
sítio Lago Rico. Isso, por três motivos:

1) Para além de descendência biológica, que pode ser alcançada em


estudos genéticos, a ancestralidade tem a ver com a identidade étnica e a
memória cultural (SILVA, 2002:184; RAMOS, 1995:20). Por isso, os grupos de
hoje podem ter diversas relações de ancestralidade com sítios arqueológicos,
não somente as relações identificadas na classificação arqueológica (SILVA,
2002:184; EREMITES DE OLIVEIRA, 2010:9).

2) Os grupos pré-coloniais não eram estáveis em apenas um território,


eles se deslocavam ao longo do tempo e espaço (ROBRAHN-GONZÁLEZ,
1996). As sociedades indígenas atuais também possuem mobilidade, seja por
escolhas por motivos internos, ou por pressões e conflitos, como os com a
sociedade ocidental (RIBEIRO, 1970:25-104; RAMOS, 1995:16). Dessa
maneira, o fato de um grupo estar em uma região, não significa que décadas
(ou séculos) antes eles também estivessem.
116

3) Diferentes sociedades podem deixar registros arqueológicos


semelhantes e vice-versa:

Ainda que uma cultura possa ser relativamente estável, o


registro arqueológico gerado por tal sistema pode ser bastante
variável e direfenciado. Similaridade não necessariamente
indica sistemas identitários, como convenções tradicionais
pressupõem (Traduzido de BINFORD, 1983a:65).

Portanto, o fato de a cerâmica ser semelhante entre grupos pré-coloniais


e grupos atuais segundo a arqueologia, não significa que se tratam das
mesmas sociedades, mas pode ser um indício de herança cultural. As
sociedades mudam com o tempo, sofrem dinâmicas internas, compartem
informações com outras sociedades, constroem diversas relações identitárias.
A cerâmica pode ser muito semelhante, mas as pessoas são outras, e a
cultura, como um todo, pode ser bastante diferente.

Entretanto, caso tais relações existam por parte dos grupos indígenas,
elas devem ser respeitadas em multivocalidade, por mais que a arqueologia
tenha outra explicação para a cultura material (LIMA, 2011:11). A
multivocalidade é uma postura que considera as diversas vozes das
comunidades locais e avalia as múltiplas narrativas presentes nos discursos
arqueológicos, o que enriquece os conhecimentos sobre o presente e o
passado (FERREIRA et. al., 2014:17).

Hall (2006) ressalta que a identidade é um conceito que deve ser


utilizado no plural: identidades culturais. Da mesma forma, não há uma cultura
indígena apenas, mas pluralidades de culturas e identidades étnicas (LARAIA,
2009). Ainda assim, a participação de um indivíduo em sua cultura também
ocorre de maneiras diversas e é sempre limitada, ou seja, ele não pode
participar integralmente de sua cultura, afirma Laraia (2009). Isso se deve ao
fato de que uma pessoa não pode ao mesmo tempo ter todas as idades,
gêneros e funções dentro de seu grupo (Idem).

Além disso, toda cultura é dinâmica, e “Isso contradiz algumas idéias


muito divulgadas sobre as culturas indígenas, como a ideia de que estas estão
‘paradas no tempo’ ou de que vão perdendo traços originais a partir do contato
117

até desaparecerem ou tornarem-se aculturadas” (WUST, 2000:322;


TASSINARI, 2004:449). Como código de significados compartilhados
socialmente, toda cultura passa por mudanças, e cada pessoa tem maneiras
próprias de interpretá-la (TASSINARI, 2004; LARAIA, 2009). É possível concluir
que, se uma sociedade indígena passa por alterações, ela não muda
necessariamente, se tornando ocidental (RAMOS, 1995:92).

A diversidade entre as sociedades indígenas é classificada na academia


através da diversidade linguística, as diferenças regionais, e a diversidade no
contato com a nossa sociedade (TASSINARI, 2004:472). Os povos indígenas
participam de uma história antiga de contatos e intercâmbio, na qual
influenciaram uns aos outros, assim como hoje em dia, e nesse processo,
adquiriram feições semelhantes aos nossos olhos, mas não se tornaram iguais
(Idem). Se pode pensar essa relação no passado, para casos em que há um
centro de distribuição de cerâmica, e grupos que a adquirem e utilizam, mas
possuem a sua própria identidade cultural.

5.9. Distribuição Espacial dos Vestígios Cerâmicos

É possível compreender as características do sítio Lago Rico como uma


aldeia, entretanto, ainda é preciso refletir sobre as áreas de concentração do
material arqueológico.

Robrahn-Gonzalez (1996) identificou sítios anulares da Tradição Uru,


assim como em forma de ferradura e outro alongado. O arranjo das habitações
nos sítios da fase Aruanã parece ser indicado por manchas ou concentrações
cerâmicas muitas vezes enfileiradas ou alinhadas (SCHMITZ, BARBOSA,
WUST, 1976:49; SCHMITZ e BARBOSA, 1985:10).

No sítio Lago Rico, é evidente que o alinhamento de concentrações do


material cerâmico ao longo da cerca apresenta esse padrão (Figura 50).
Porém, inicialmente se pensou que este material poderia ter sido empurrado
para a cerca, devido à construção da estrada. O que parece contrastar essa
possibilidade é o fato de os vestígios das concentrações estarem muitas vezes
118

com as bases para baixo, como se tivessem sido deixados naquele local, em
contexto sistêmico. A abertura de sondagens futuras neste local pode trazer
esclarecimentos.

Figura 50. Sítio Lago Rico e sítio Lago do Campo. Fonte: Acervo Projeto Lago Rico.

Outra questão é que, a alguns metros ao sul do sítio Lago Rico, foram
identificados fragmentos cerâmicos, que não foram coletados. Em um primeiro
momento, o lugar foi registrado como um outro sítio arqueológico, denominado
Lago do Campo.

5.10. Contexto Arqueológico Regional: Sítios Cerâmicos


Semelhantes

Na região do Médio Araguaia, há outros sítios arqueológicos com o estilo


tecnológico semelhante ao da cerâmica do sítio Lago Rico. Esses sítios foram
relacionados à Tradição Uru.
119

As primeiras pesquisas na bacia do Tocantins e Araguaia se devem ao


Programa Arqueológico de Goiás, realizado na década de 1970 (SCHMITZ,
BARBOSA, WUST, 1976), quando oito sítios da fase Aruanã da Tradição Uru
foram identificados: GO-JU-17, GO-JU-18, GO-JU-19, GO-JU-20, GO-JU-21,
GO-JU-22, GO-JU-23, GO-JU-24.

O sítio GO-JU-41 é a antiga aldeia Karajá estudada por Wust e


relacionada à fase Aruanã, e se localiza a 2km da aldeia contemporânea dos
Karajá em Aruanã (WUST, 1975:130).

Robrahn-González (1996:92) traz um mapa que representa todos os


sítios conhecidos da Tradição Uru, no Centro Oeste (Figura 51) até o ano de
1996.

Mais recentemente foram identificados outros sítios arqueológicos no


município de Aruanã: Cangas I, II, III e IV (GRIPHUS, 2006). As análises da
cerâmica do sítio Cangas I indicaram semelhanças com a fase Aruanã
(PEREIRA, 2010).

Outros sítios foram identificados na região, como São Miguel do


Araguaia I, II e IV, Pintado, Pato, Bonópolis I e Serrinha26, cujas análises
indicaram semelhança a vestígios relacionados à Tradição Uru (FUNDAÇÃO
AROEIRA; 2015). Abaixo, um mapa dos sítios da fase Aruanã e os sítios
relacionados à Tradição Uru em São Miguel do Araguaia (Figura 52).

26
Sítio com material arqueológico transportado, sem localização indicada (FUNDAÇÃO
AROEIRA; 2015).
120

Figura 51. “Localização esquemática dos sítios associados às Tradições Aratu e Uru”. Fonte:
Robrahn-González (1996:92), adaptado.
121

LEGENDA:
Ponto Sítio Ponto Sítio
1 GO-JU-24 8 GO-JU-19
2 GO-JU-17 9 Pato
3 GO-JU-18 10 Bonópolis I
4 GO-JU-21 11 Pintado
5 GO-JU-23 12 São Miguel do Araguaia IV
6 GO-JU-20 13 São Miguel do Araguaia II
7 GO-JU-22 14 São Miguel do Araguaia I
Figura 52. Localização de sítios arqueológicos da Tradição Uru na região do médio Araguaia,
em Goiás.
122

5.11. Hipótese Inicial: A Correlação do Sítio Cangas I com o Sìtio


Lago Rico

O material cerâmico do sítio Cangas I também foi correlacionado ao da


fase Aruanã. Esse material consiste em 1184 fragmentos, apresenta
principalmente queimas oxidantes, mas queimas redutoras em quantidade
significativa. Os antiplásticos são minerais, cariapé A e B, e uma espícula que
foi identificado com cautela por Pereira (2010), com a possibilidade de que
fosse cauixi, mas verificando o material, se percebe que a espícula realmente
se trata do cauixi, semelhante ao do sítio Lago Rico.

A decoração no sítio Cangas I foi mais expressiva do que a do sítio Lago


Rico, apresentando entre uma a três peças de cada tipo: marcado com corda,
acanalado, ponteado com pintura preta, escovado, pintura vermelha, inciso
paralelo e inciso.

Em comparação com o sítio Lago Rico em que há pouca ocorrência de


engobos, no sítio Cangas I os engobos foram bastante expressivos. Isso
porque há uma quantidade que varia desde uma até mesmo 30 peças para
cada tipo de engobo: marrom na parte interna, preto na parte externa e interna,
laranjado interno e externamente, branco na parte externa e interna, e
vermelho na parte interna e externa.

Para a Tradição Uru, as datações indicam um período de 800 d.C a


1720d.C., a oeste do rio Tocantins (GO) até o rio Sâo Lourenço (MT)
(SCHMITZ et. al., 1982; WUST, 1990).

Entretanto, o sítio Cangas I está à margem direita do rio Araguaia, e não


de um afluente do mesmo, como definido inicialmente para os sítios da fase
Aruanã (SCHMITZ, BARBOSA E WÜST, 1976). Uma explicação para isso
pode ser a hipótese de Wust (1976:49), na qual haveria uma tendência dos
grupos com estilos cerâmicos filiados à fase Aruanã, de estarem se deslocando
à oeste, em direção ao rio Araguaia:
123

Ainda não existe uma data para a fase Aruanã, mas os sítios
parecem posteriores à Conquista27. Os mais antigos estão
predominantemente ao longo de córregos, havendo um
deslocamento depois para perto dos lagos; também parece
haver uma certa tendência em direção ao Araguaia. Os Carajá
atualmente moram em Aruanã, na confluência do rio Vermelho
no Araguaia poderiam ser os sobreviventes da fase Aruanã. Os
materiais recuperados numa aldeia desses índios, abandonada
há uns 50 anos, não destoam absolutamente dos da fase
Aruanã (WUST, 1976:49-50).

Nesse caso, o que se poderia pensar preliminarmente em termos de


relação do sítio Lago Rico com o sítio Cangas I, é que o sítio Lago Rico poderia
ser mais antigo. Porém, ao se admitir a hipótese de Wust, é preciso considerar
uma continuidade histórica entre esses grupos, que seriam os mesmos, se
deslocando a Oeste.

Ainda que se tenha cautela ao considerar tal continuidade, é preciso


mencionar que o trabalho de Wust (1975) não foi apenas uma analogia
etnográfica direta histórico-culturalista, mas sim um estudo etnoarqueológico
entre a cultura de uma aldeia Karajá atual, com uma aldeia do mesmo grupo,
abandonada recentemente, o que torna os seus argumentos embasados e
fortes.

Ainda mais porque segundo a autora, dados etnográficos e etno-


históricos de grupos agricultores pré-coloniais do Centro-Oeste apresentam um
grande contraste com as evidências arqueológicas:

“[...] é cada vez mais evidente que os grupos indígenas atuais


não podem ser considerados protótipos para as condições de
sua existência em um período que antecede aos contatos
diretos e indiretos com populações europeias e africanas”
(WUST, 2000:321).

Com relação à sazonalidade apontada pela hipótese de Marcos (2011),


de que o sítio Cangas I pudesse ser um sítio temporário enquanto o Lago Rico
uma aldeia principal, é de difícil comprovação. Isso porque, também teria que
se admitir que se tratassem de um mesmo grupo, mas apenas de acordo com
as características da cerâmica. É necessário frisar que o fato de utilizarem ou
produzirem a mesma cerâmica não implica que se tratassem de um mesmo

27
Invasão no período colonial.
124

grupo. É preciso considerar interações entre grupos diferentes, e, conforme


menciona Robrahn-González (1996) a circulação de pessoas, objetos e
informações. Para Wust:

[...] os grupos agricultores pré-coloniais do Centro-Oeste


elaboraram complexas estruturas sociais e redes de relações
inter e extragrupais e que, na área em questão, envolveram
contingentes demográficos muito mais elevados do que povos
do Neolítico em outras partes do mundo (WUST, 2000:322).

A partir de Wust (2000:322) se pode refletir que a vida desses povos


agricultores e as suas identidades culturais iam muito além da produção e uso
de vasilhames cerâmicos, e não se pode subestimar as forças culturais
internas.
125

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A cerâmica do sítio Lago Rico apresenta certa homogeneidade quanto


aos diferentes locais de escavação e coleta do material arqueológico. Portanto,
a cerâmica das U.E.1, U.E.2 e das coletas de superfície, revela que se trata de
um mesmo sítio, possivelmente uma mesma ocupação.

No sítio como um todo, o antiplástico mineral e o cauixi são


predominantes, em mais da metade da cerâmica. Ao mesmo tempo, os
cariapés A e B ocupam a outra metade do material, diluídos em diferentes
combinações com outros antiplásticos.

Os tipos de queima são variados em ambos os locais, com o predomínio


da queima oxidante tipo 2 e tipos de queimas com redução. Marcas de uso não
foram identificadass em todos os locais e consistem em marcas de fuligem, em
uma área de pastagem em que houve queimadas, portanto, não foram
significantes para uma discussão acerca deste atributo.

Os tratamentos de superfície identificados, quando as superfícies não se


encontravam erodidadas, são predominantemente o alisamento, e com mínima
expressividade: polimento, escovado, engobo branco externo e interno, engobo
vermelho externo e interno e banho branco.

Decoração só foi identificada na U.E.1, o que pode estar relacionado a


uma maior representatividade quantitativa de vestígios neste local, e consistem
em: inciso, exciso e inciso paralelo, inciso paralelo, ponteado (ou ungulado), e
pintura preta em um fragmento de coleta de superfície.

Os resultados da análise tecnológica, em conjunto com as análises


morfológicas e a tipologia, revelaram o estilo tecnológico da cerâmica do sítio
Lago Rico, a partir do qual foi possível compreender a funcionalidade e o
funcionamento dos vasilhames (Figura 53). Análises futuras, de marcas de uso,
microvestígios botânicos e outros resíduos podem indicar a função desses
vasilhames.
126

PONTENCIAL FUNCIONAL DOS VASILHAMES CERÂMICOS DO SÍTIO LAGO RICO


TIPOLOGIA FUNCIONALIDADE FUNÇÃO HIPOTÉTICA FUNCIONAMENTO DIMENSÕES
PRATOS

Cozinhar, servir, beber, Cozinhar beijú e canjica, Podem ser levantadas Diâmetro da abertura:
FORMAS
ABERTAS comer, fervilhar, secar, transportar e servir peixes e sobre o fogo, há entre 26cm e 44cm.
assar, transportar mandioca, servir comida visibilidade e acesso fácil Altura: entre 3cm e 3,6cm.
materiais a longas durante festas, tampar aos conteúdos, são Volume: entre 0,746L e 2,40L.
distâncias, conter outros vasilhames, uso em facilmente empilhadas, as Espessura: entre 11mm e 22mm.
conteúdos que serão enterramentos, acondicionar mãos ou utensílios podem TIJELAS
usados frequentemente, comida e mel, preparar ser usados para mexer os Diâmetro da abertura: 26cm e
estocar temporariamente. alimentos sem conteúdos, usadas como 30cm.
aquecimento. tampa. Altura: 10cm e 11,4cm
Volume: 2,912 e 3,877L
Espessura: 8mm e 14mm
FORMAS
FECHADAS DE Processar, servir, Conter líquidos. Poder ser fechado com Diâmetro da abertura:
CONTORNO cozinhar, estocar. uma tampa. entre 8cm e 46cm
SIMPLES
Altura: entre 5,5 e 28,7cm
Volume: entre 0,083L e 21,520L
Espessura: entre 7cm e 15cm.

FORMAS
FECHADAS DE Processar, servir, Conter líquidos, estocar Poder ser fechado com Diâmetro da abertura:
CONTORNO cozinhar, estocar, produtos secos (ex: grãos e uma tampa.
entre 14cm e 60cm.
INFLETIDO transferir. sementes), estocar líquidos
(ex: água e óleos), Altura: entre 10,5cm e 26,8cm.
transportar água. Volume: entre 1,133L e 19,773L.
Espessura: entre 6mm e 20mm.

Figura 53. Quadro com as formas e funcionalidades, funções hipotéticas e funcionamentos dos vasilhames do sítio Lago Rico.
127

Os vasilhames do sítio Lago Rico que possuem formas abertas,


possuem funcionalidades de cozinhar, servir, beber, comer, ferver, secar,
assar, transportar materiais a longas distâncias, conter conteúdos que serão
usados frequentemente e estocar temporariamente. O funcionamento desses
vasilhames é que podem ser levantados sobre o fogo, há visibilidade e acesso
fácil aos conteúdos, são facilmente empilhados, as mãos ou utensílios podem
ser usados para mexer os conteúdos e podem ser usados como tampa.

Como não se pode saber a função dos vasilhames do sítio Lago Rico
pelas análises realizadas, com base na bibliografia, é possível levantar
hipóteses: cozinhar beijú e canjica, transportar e servir peixes e mandioca,
servir comida durante festas, tampar outros vasilhames, uso em enterramentos,
acondicionar comida e mel, preparar alimentos sem aquecimento etc.

As formas fechadas de contornos simples possuem funcionalidades de


processar, servir, cozinhar e estocar. Com relação ao funcionamento, podem
ser fechados com uma tampa de maneira eficaz. Uma função hipotética
levantada é a de que poderiam acondicionar líquidos.

As formas fechadas de contornos infletidos possuem as funcionalidades


de processar, servir, cozinhar, estocar e transferir. Podem funcionar
eficazmente sendo fechados com uma tampa. Hipoteticamente, poderiam ter
exercido as funções de conter líquidos, estocar produtos secos (ex: grãos e
sementes), acondicionar líquidos (ex: água e óleos) e transportar água.

O estilo tecnológico dos vasilhames, associado à a presença de formas


de pratos, e à implementação do sítio na paisagem, revelaram que o sítio Lago
Rico pode estar associado à fase Aruanã, da Tradição Uru. Dessa maneira, o
sítio Lago Rico está inserido em um contexto de sítios arqueológicos da região,
cujo estilo tecnológico é bastante semelhante.

Wust (1975, 1976) levanta a hipótese de que os sítios correlacionados à


fase Aruanã sejam possivelmente de ancestrais dos Karajá (Iny), de Aruanã.
Ainda assim, a autora defende que a filiação étnica é algo que não se pode
comprovar a partir somente da cultura material, de forma generalizada para
128

todos os casos (2000:325). Portanto, não se pode afirmar que as pessoas que
deixaram seus vestígios cerâmicos no sítio Lago Rico sejam ancestrais dos
atuais indígenas Karajá, ainda que exista essa possibilidade. É uma hipótese
para o sítio Lago Rico, que não pode ser comprovada com base apenas na
cultura material.

Tendo como parâmetro a forma com que Wichers (2007) une ambos os
temas de estilo e função com escolhas comportamentais, se pode pensar os
vasilhames do sítio Lago Rico da seguinte maneira:

A Tradição Uru, à qual o sítio Lago Rico está relacionado, pode ser
entendida como um conjunto dinâmico de estilos tecnológicos
semelhantes, ou seja, uma maneira de se fazer algo em um
determinado tempo e lugar. E não como uma etnia ou cultura.
Com quase ausência de decoração, na perspectiva de David e
Kramer (2001), a cerâmica do sítio Lago Rico seria um meio de
transmissão de mensagens (Teoria da Troca de Informação) ou ideias
culturais duradouras ao longo do tempo, com um estilo
intencionalmente reproduzido.
Mas se tomarmos em conta a perspectiva de Carr (1995), as redes de
ensino-aprendizagem (Teoria da Interação Social) da cerâmica do
sítio Lago Rico seriam o motivo de uma homogeneidade na produção,
que faria com que o estilo fosse passivo e decorrente das normas
sociais existentes.
Os resultados obtidos das análises tecnológicas e morfológicas
indicam determinadas escolhas na cadeia operatória, que não são
arbitrárias, ou seja, as técnicas de manufatura são executadas
segundo intenções funcionais porque elas implicam em performances
específicas do objeto. Em outras palavras, se faz um determinado
vasilhame para atender a uma ou mais funções ou funcionalidades
específicas. Por mais que o seu uso de fato (a sua real função) seja
outra, em outro momento.

Neste trabalho, perguntas foram levantadas, dentre elas:


129

 O cauixi seria sempre mais visível em queima redutora?


 O cariapé A seria fitólito?
 Qual seria a função (funcionalidade de acordo com a matéria
processada ou acondicionada) dos vasilhames?
 Haveria resíduos de mandioca nos pratos e/ou de outros tipos
de materiais ou alimentos?

Para responder às duas últimas perguntas, foram propostos estudos


futuros com análises de isótopos e resíduos de fósforo e ácidos graxos, e
análises de microvestígios botânicos como grãos de amido, fitólitos e pólen.
Como poucas marcas de uso foram identificadas nos vestígios cerâmicos do
sítio Lago Rico, talvez essa análise não seja adequada. Contudo, um
especialista poderia tentar encontrar marcas de uso até então não
identificadas.
130

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ACEITUNO, F. J.; LOAIZA, N. Domesticación del Bosque en el Cauca Medio


Colombiano entre el Pleistoceno Final y el Holoceno Medio. BAR
International Series 1654. Oxford: Archaeopress, 2007.

ALMEIDA, L. D. RESENDE, L., RODRIGUES, A. P., CAMPOS, J. E.


Hidrogeologia do Estado de Goiás. Secretária de Indústria e Comércio.
Superintendência de Geologia e Mineração. Goiânia, 2006.

ANDERSON, A. B; POSEY, D. A. Manejo de cerrado pelos índios Kayapó.


Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, Série Botânica, 2(1), 77-98,
1985.

AQUINO, S. S.; LATRUBESSE, E. M.; SOUZA FILHO, E. E. Caracterização


Hidrológica e Geomorfológica dos Afluentes da Bacia do Rio Araguaia. Revista
Brasileira de Geomorfologia - v. 10, nº 1. 2009.

ARAUJO, A. G. M. Destruído pelo arado? Arqueologia de superfície e as


armadilhas do senso comum. Revista de Arqueologia, 2001-2002.

ARAUJO, A. G. M; ORTEGA, D. D; SHRAGE, T. J; OKUMURA, M;


CECCANTINI, G. C. T. A Tradição Itararé-Taquara Na Região Central do
Estado de São Paulo: O Sítio Benedito Machado, Botucatu (SP) e suas
Possíveis Relações Com o Brasil Central. Cadernos do Lepaarq, Vol. XIII,
n°25, 2016.

BABOT, M. P. Cazadores-recolectores de los Andes Centro-Sur y


procesamiento vegetal. Unadiscusión desde la Puna Meridional Argentina (ca.
7000 – 3200 años a.p.). Chungara, 43 (1), 413 – 432, 2011.

BALFET, H. (coord). Observer L’action technique – des chaines opératoires,


pour quoi faire¿ Ed. Du Centre National de La Recherche Scientifique. Paris.
1991.
131

BARBOSA, J. B. Tempo, Marcas e Vestígios Na Paisagem Vivida:


Arqueoestratigrafia Do Sítio Lago Rico - Aruanã-Goiás. Monografia (Graduação
em Arqueologia) - Pontifícia Universidade Católica de Goiás. 2015.

BARRETO, M. V. Abordando o passado: uma introdução à Arqueologia.


Belém: Paka-Tatu, 2010.

BASSINI, F. Caracterização de Populações de Barueiros (Dipteryx alata


Vog. – Fabaceae) em Ambinetes Naturais e Explorados. Tese (Doutorado).
Universidade Federal de Goiás, Programa de Pós-Graduação em Ciências
Ambientais. Goiânia, 2008.

BICHO, N. F. Manual de Arqueologia Pré-Histórica. Lisboa: Edições 70,


2006.

BINFORD, L. R. Behavioral archaeology and the “Pompeii Premise”. In:


Working at Archaeology. New York, Academic Press. 1983b, p. 229-241.

________. Working at archaeology: the Mousterian problem – learning how to


learn. In: Working at Archaeology. New York, Academic Press. 1983a, p. 65-
69.

BIRKHOFF, G. Aesthetic Measure. Harvard University Press, Cambridge, MA,


USA, 1933.

BOËDA, E. Technogenèse de systèmes de production lithique au


Paléolithique Inférieur et Moyen en Europe Occidentale et au Proche-
Orient. Tese de Doutorado apresentada à Université de Paris X – Nanterre,
1997.

BOYADJIAN, C. H. C. Análise e identificação de microvestígios vegetais de


cálculo dentário para a reconstrução de dieta sambaquieira: estudo de
caso de Jabuticabeira II, SC. Tese de Doutorado. São Paulo: Departamento
de Genética e Biologia Evolutiva – USP, 2012. 226 p.

________. Microfósseis contidos no cálculo dentário como evidência do


uso de recursos vegetais os sambaquis de Jabuticabeira II (SC) e Moraes
132

(SP). Dissertação de Mestrado. São Paulo: Departamento de Genética e


Biologia Evolutiva – USP, 2007. 147 p.

BROCHADO, J. P. Alimentação na floresta tropical. Porto Alegre:


Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1977, 103p.

BUCAILLE, R; PESEZ, J. Cultura material. Homodomesticação/cultura material


domesticação/ cultura material. domesticação/ cultura material Lisboa:
Imprensa Nacional/Casa da Moeda, Enciclopédia Einaudi, 16, 1982.

CASCON, L. M. Alimentação Na Floresta Tropical: Um estudo de caso no


sítio Hatahara, Amazônia Central, com base em Microvestígios Botânicos.
Dissertação, UFRJ, Museu Nacional: Rio de Janeiro, 2010.

CHMYZ, I. Terminologia Arqueológica brasileira para a cerâmica. Cadernos De


Arqueologia. Ano 1, nº 1. Paranaguá: Museu de Arqueologia e Artes
Populares, UFPR,1976.

CORREA, D. S. Pedologia e Subsistência: Sítio Arqueológico Pré-Colonial


Lago Rico, Aruanã-Goiás. Monografia (Graduação em Arqueologia). Pontifícia
Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2014.

COUFFIGNAL, L. La cybernétique. Presses Universitaires de France, collect.


Paris, 1963, 125 p.

CRESSWELL, R. Técnica. In: Enciclopédia Eianudi, Lisboa, IN-CM, vol. 16 –


Homo – Domesticação – Cultura Material, 1989, p. 329-352.

DIMBLEBY, G. Plants and Archaeology. London: John Baker, 1967, 188 pp.

DOMINGO, I.; BURKE, H.; SMITH, C. Manual de campo del arqueólogo.


Barcelona: Ariel, 2007.

DUNNELL, R. C. Classificação em Arqueologia. trad. Astolfo G. M. Araujo.


Systematics in Prehistory. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
2006. 264 p.
133

DURKHEIM, É. The Rules of Sociological Method. Nova York: Free Press,


1966.

EHRENREICH, P. Beiträge zur Völkerkunde Brasiliens. Berlin: W. Spemann,


1981.

EREMITES DE OLIVEIRA, J. Parentesco, histórias de vida e sistema de


assentamento: a aplicação de procedimentos da etnoarqueologia para a
elaboração de laudos antropológicos sobre as terras indígenas Buriti (Terena) e
Ñande Ru Marangatu (Kaiowa). In: Reunião Brasileira De Antropologia: Brasil
Plural: conhecimentos, saberes tradicionais e direito à diversidade. 27., 2010,
Belém (PA). Anais. Belém: ABA, 2010. p. 1-13.

FERNANDEZ, R. R. Arqueología: métodos y técnicas. 3. ed. Barcelona:


Bellaterra, 1980.

FERREIRA, L. M; MONTENEGRO, M; RIVOLTA, C. M; NASTRI, J.


Arqueología, Multivocalidad y Activación Patrimonial en Sudamérica: NO
SOMOS VENTRÍLOCUOS. Multivocalidad y activaciones patrimoniales em
arqueologia: perspectivas desde Sudamérica. 1ª ed., Ciudad Autónoma de
Buenos Aires: Fundación de Historia Natural de Félix de Azara, 2014.

FIGUEIREDO, E. B. Apostila de Geometria Plana e Espacial. Universidade


do Estado de Santa Catarina (UNESC), Departamento de Matemática. Joinville,
2011.

FULLAGAR, R. Starch on Artifacts. In: BARTON, HUW; TORRENCE, ROBIN.


Ancient Starch Research. Left Coast Press, 2006.

FUNDAÇÃO AROEIRA; HOLLUS; DNIT; M. T; IPHAN; MINC; GOVERNO


FEDERAL. Projeto de Levantamento, Resgate e Monitoramento
Arqueológico e Educação para o Patrimônio da Obra de Implantação e
Pavimentação da Rodovia BR-080 /GO. 2015.

GALLAY, A. L’archéologie demain. Cap. VII. As observações e o


estabelecimento dos fatos. Tradução: Emílio Fogaça. 2002.
134

GELL, A. Art and Agency: an anthropological theory. Oxford: Oxford University


Press, 1998.

GOMES, D. M. C. Cerâmica arqueológica da Amazônia: Vasilhas da Coleção


Tapajônica MAE-USP. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
Fapesp, Imprensa Oficial do Estado, 2002.

GONÇALVES, L. R. S. Teorias Antropológicas e Objetos Culturais. In:


Antropologia dos objetos: coleções, museus e patrimônio. Rio de Janeiro:
Departamento de Museus e Centros Culturais (Coleção Museu, Memória e
Cidadania), 2007.

GRIPHUS. Projeto de Levantamento Arqueológico na Área de Implantação


de uma Ponte sobre o Rio Araguaia nos municípios de Aruanã/GO e
Cocalinho/MT. 2006.

HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A


Editora, 2006.

HOLLOWELL, J; NICHOLAS, G. Using ethnographic methods to articulate


community-based conceptions of cultural heritage management. Public
Archaeology. V. 8, 2-3. 2009. p. 141-160.

INGOLD, T. Trazendo as coisas de volta à vida: emaranhados criativos num


mundo de materiais. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 18, n. 37, p.
24-44, jan./jun., 2012.

IRIARTE, J; DICKAU, R. ¿Las culturas del maíz?: Arqueobotánica de las


sociedades hidráulicas de las tierras bajas sudamericanas. Amazônica 4 (1):
30-58, 2012.

JAPIASSÚ, H; MARCONDES, D. Dicionário Básico de Filosofia. Editora:


Jorge Zahar, 2006.

LA SALVIA, F; BROCHADO, J. P. Cerâmica Guarani. Porto Alegre: Posenato


Arte e Cultura, 1989.
135

LAGE, A. R. B. Efeitos da fragmentação de habitat sobre a comunidade de


mamíferos do Médio Araguaia: aspectos teóricos, descritivos e
conservacionistas. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Goiás,
Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução. Goiânia, 2011.

LAMING-EMPERAIRE, A. La arqueología Pré-Histórica. Barcelona: Martínez


Roca, 1984.

LARAIA, R. B. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar


Ed., 2009.

LATHRAP, D. W. The Upper Amazon. Ancient Peoples and Places, v. 70,


1970.

LATOUR, B. Reensamblar lo Social: una introducción a la teoria del actor-red.


Buenos Aires: Manantial, 2008.

LATRUBESSE, E. M.; CARVALHO, T.M. Geomorfologia do estado de Goiás


e Distrito Federal. Estado de Goiás. Secretária de Industria e Comércio.
Superintendência de Geologia e mineração. Goiânia, 2006.

LATRUBESSE, M. E.; STEVAUX J. C. Geomorphology and environmental


aspects of the Araguaia fluvial basin, Brazil. Zeitschrift für Geomorphologie,
v.129, p.109-127, 2002.

LEMONNIER, P. Introduction. In: LEMONNIER, P. (Org.) Technological


choices – transformation in material culture since the Neolitic. London:
Routledge. 2002. p. 1-35.

LIMA, T. A. Cerâmica Indígena Brasileira. In: Suma Etnológica Brasileira.


Edição atualizada do Handbook of South America Indians. Darcy Ribeiro
(Editor). Rio de Janeiro: Vozes; 1987.

________. Cultura material: a dimensão concreta das relações sociais.


Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 6, n. 1, p. 11-23, jan.-
abr., 2011.
136

MARCOS, S. D. F. Área de captação de recursos do sítio arqueológico


Cangas I, Aruanã, Goiás. Monografia (Graduação em Arqueologia). Pontifícia
Universidade Católica de Goiás, 2011.

MARTINS, A. K. E.; SCHAEFER, C. E. G. R; SILVA, E.; SOARES, V. P.;


CORRÊA, G. R.; MENDONÇA, B. A. F. D. Relações solo-geoambiente em
áreas de ocorrência de Ipucas na planície do Médio Araguaia - Estado de
Tocantins. Revista Árvore, v. 30, n. 2, p. 297-310, 2006.

MEGGERS, B. J.; EVANS, C. Como interpretar a linguagem da cerâmica.


Manual para Arqueólogos. Washington D. C.: Smithsonian Institution, 1970.

________. Lowland South America and the Antilles, In: Jennings, J. (ed.),
Ancient South Americans, W. H. Freeman, San Francisco, 1983.

MENESES, U. T. B. A cultura material no estudo das sociedades antigas.


Revista de História, São Paulo, n.115 (Nova Série), julho-dezembro de 1983.

MICHAELIS: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Companhia


Melhoramentos, Dicionários Michaelis, 1988.

MORENO DE SOUSA, J. C. Cognição e Cultura no Mundo Material: Os


Itaparicas, os Umbus e os “Lagoassantenses”. Volume 1. Dissertação de
Mestrado. MAE-USP, 2014.

MOURA, E. S. Geoarqueologia Fluvial do Sítio Arqueológico Lago Rico,


Aruanã-Goiás. Monografia (Graduação em Arqueologia) - Pontifícia
Universidade Católica de Goiás. 2015.

NIMUENDAJÚ, C. The Eastern Timbira. University of California Publications in


American Archaelogy and Ethnology, Vol. 41. Berkeley & Los Angeles:
University of California Press, 1946.

OLIVEIRA, S. D. O Cauixi na Cerâmica Arqueológica do Brasil Central.


Estudo dos sítios GO-JU-17 e GO--JU-19. Monografia (Graduação em
Arqueologia). Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2009.
137

ORTON, C; TYERS, P; VINCE, A; BARCELÓ, R (trad); BARCELÓ, Juan A.


(trad). La Cerámica en Arqueología. Barcelona: Crítica, 1997.

PEREIRA DIAS, A. Análise Espacial Aplicada à Delimitação de Áreas


Úmidas da Planície de Inundação do Médio Araguaia. Dissertação
(Mestrado). Universidade Federal de Mato Grosso, Faculdade de Engenharia
Florestal, Programa de Pós-Graduação em Ciências Florestais em Ambientais,
Cuiabá, 2014.

PEREIRA, T. M. G. Complementação da análise da cerâmica da sondagem


S2 do Sitio Cangas I, Aruanã –Goiás. Relatório final de iniciação científica.
Pontifícia Universidade Católica de Goiás, 2010

PERRY, L. Prehispanic Subsistence in the Middle Orinoco Basin: Starch


Analyses Yield New Evidence. PhD diss; Department of Anthropology,
Southern Illinois university at Carbondale, Carbondale, 2001.

________. Starch analyses reveal the relationship between tool type and
function: an example from the Orinoco valley of Venezuela. Journal of
Archaeological Science, 31, 1069 e 1081, 2004.

________. Starch Granule Size and the Domestication of Manioc (Manihot


esculenta) and Sweet Potato (Ipomoea batatas). Economic Botany, Vol. 56,
No. 4, 2002, pp. 335-349.

PHILLIPS, P; WILLEY, G.R. Method and theory in American archaeology: an


operational basis for culture-historical integration. American Anthropologist
55(1): 615-33, 1953.

PIPERNO, D. R. Phytoliths: a Comprehensive Guide for Archaeologists and


Paleoecologists. Lanham, Maryland: AltaMira Press, 2006, 304 p.

PIPERNO, D.R. & D.M. PEARSALL. The Origins of Agriculture in the


Lowland Neotropics. San Diego, Academic Press, 1998.
138

POLITIS, G. The Theoretical Landscape and the Methodological Development


of Archaeology in Latin America, Latin American Antiquity, Vol. 14, No. 2
(Jun., 2003), pp. 115-142.

POSEY, D. A. Indigenous management of tropical forest ecosystems: the case


of the Kayapó Indians of the Brazilian Amazon. Agroforestry Systems
3(2):139-158; 1985.

________. Interpreting and Applying the “Reality” of Indigenous Concepts: what


is necessary to learn from the natives?. In: Redford, K.H. & Padoch, C. (eds.).
Conservation of Neotropical Forests: working from traditional resource use.
New York: Columbia University Press, 1992, pp. 21-34.

PROUS, A. Arqueologia Brasileira. Brasília, DF: Editora Universidade de


Brasília, 1992.

RAMOS, A. R. Sociedades Indígenas. Série Princípios. São Paulo: Ática,


1995.

RASBOLD, G. G; PAROLIN, M; CAXAMBÚ, M. G. Avaliação das formas de


fitólitos presentes em Cyperus giganteus Vahl (Cyperaceae). In:
ENCONTRO DE PRODUÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA DA
FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS DE CAMPO MOURÃO, Campo
Mourão, 2010.

REIS, J. A. “Não pensa muito que dói”: um palimpsesto sobre teoria na


arqueologia brasileira. Tese (Doutorado ). Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, 2003.

RENFREW, C; BAHN, P. Arqueología: teorías, métodos y práctica. Madrid:


Ediciones Akal, 1998.

RIBEIRO, D. Os Índios e a civilização. A integração das populações


indígenas no Brasil moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970. p. 25-
104.
139

RICE, P. M. Pottery Analysis: a sourcebook. Chicago University Press,


Chicago, 1987.

ROBRAHN-GONZALEZ, E.M. Os grupos ceramistas pré-coloniais do Centro-


Oeste brasileiro. Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 6:
83-121, 1996.

RUBIN, J. C. R.; SILVA, R. T.; BARBERI, M.; MARCOS, S. D. F. Projeto de


Pesquisa “Escavação do sítio arqueológico Lago Rico, interflúvio dos rios
Araguaia e Peixe, Nova Crixás/Goiás”. Goiânia, IGPA/PUC Goiás, 2012.

RYE, O. S. Pottery Technology: Principles and Reconstruction. Taraxacum,


Washington, D.C; 1981.

SANJUÁN, L. G. CAP. 2. EL REGISTRO ARQUEOLÓGICO. Barcelona,


Editorial Ariel S.A., 2005.

SCHIFFER, M. B; SKIBO, J. The Explanation of Artifact Variability. American


Antiquity, 62(1): 27-50. 1997.

SCHIFFER, M.B., 1976, Behavioral Archaeology. New York: Academic Press.

SCHMITZ, P. I.; BARBOSA, A. S. Horticultores pré-históricos do Estado de


Goiás. São Leopoldo: Instituto Anchietano de Pesquisas, 1985.

SCHMITZ; P.I.; BARBOSA, A. S; WÜST, I. Arqueologia de Goiás em 1976.


Universidade Católica de Goiás, Instituto Anchietano de
Pesquisas,Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Goiânia-São Leopoldo,
1976.

SHEPARD, A. O. Ceramics for the Archaeologist. Washington D. C.:


Carnegie Institution of Washington, 1956.

SIGAUT, F. Un couteau ne sert pas à couper mais en coupant. Structure,


fonctionnement et fonction dans l’analyse des objets. In: 25 ans d’études
technologiques en préhistoire. XIe Rencontres Internationales d’Archéologie
et l’Histoire d’Antibes, Juan-les-Pins, éditions APDCA, 1991.
140

SILVA, F. A. Mito e Arqueologia: a interpretação dos Asurini do Xingu sobre os


vestígios arqueológicos encontrados no parque indígena Kuatinemu – Pará.
Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 8, n. 18, p. 175-187, dezembro
de 2002.

SILVA, F. A; BESPALEZ, E; STUCHI, F. F. Arqueologia Colaborativa na


Amazônia: Terra Indígena Kuatinemu, Rio Xingu, Pará. Amazônica – Revista
de Antropologia, vol. 3, nº 1, 2011.

SINOPOLI, C. M. Approaches to Achaeological Ceramics. New York:


Plenum Press, 1991. p. 1-67.

SKIBO, J. M. Pottery Function: A Use-Alteration Perspective. Illinois: Illinois


State University, 1992.

TASSINARI, A. M. I. A temática indígena na escola: novos subsídios para


professores de 1º e 2º graus (cap. 18). In: SILVA, Aracy Lopes; BENZI, Luis
Donisete (Org). São Paulo: Global, Brasília, MEC, MARI, UNESCO, 2004. P.
445 à 473.

TRIGGER, Bruce G. História do pensamento arqueológico. 2a. edição, São


Paulo: Odysseus, 2004.

VIANA, S. A.; RIBEIRO, C. V.; OLIVEIRA, S. D. Cauixi em Cerâmica


Arqueológica: uma Questão de Escolhas Culturais. Revista de Arqueologia
da Sociedade de Arqueologia Brasileira, v. 24: 20-39. 2011.

WATSON, P.J. Processualism and after. Bentley, R.A; Maschner, H.D.G.;


Chippindale, C. Handbook of Archaeological Theories. Lanham, AltaMira
Press. 2008. Pp.29-38.

WEBSTER, G. S. Culture history: a culture-historical approach. Bentley, R.A;


Maschner, H.D.G.; Chippindale, C. Handbook of Archaeological Theories.
Lanham, AltaMira Press. 2008. Pp. 11-27.

WESOLOWSKI, V. Cáries, desgaste, cálculos dentários e microresíduos da


dieta entre grupos pré-históricos do litoral norte de Santa Catarina: Épossível
141

comer amido e não ter cárie? Ph.D. dissertation, Escola Nacional de Saúde
Pública Sérgio Arouca/FIOCRUZ, Rio de Janeiro, 2007.

WESOLOWSKI, V; SOUZA, S. M. F. M., REINHARD, K.J; CECCANTINNI, G.


Grânulos de amido e fitólitos em cálculos dentários humanos: contribuição ao
estudo do modo de vida e subsistência de grupos sambaquianos do litoral sul
do Brasil. Rev. Museu de Arqueologia e Etnologia (Saõ Paulo) 17, 191–210,
2007.

WHEELER, M. Arqueologia de campo. México: Fondo de Cultura Económica,


1961. 270p.

WILLEY, G. Cerâmica. In: Suma Etnológica Brasileira. Edição atualizada do


Handbook of South America Indians. Darcy Ribeiro (Editor). Rio de Janeiro:
Vozes; 1987.

WÜST, I. A Cerâmica Karajá de Aruaña. Anuário de Divulgação Científica,


vol. 2, p.95-165, 1975.

________. A Tradição Uru. In: SCHMITZ; P.I.; SALES BARBOSA, A.; WÜST, I.
1975. Arqueologia de Goiás em 1976. Universidade Católica de Goiás,
Instituto Anchietano de Pesquisas,Universidade do Vale do Rio dos Sinos,
Goiânia-São Leopoldo, 1976.

________. As Aldeias dos Agricultores Ceramistas do Centro-Oeste Brasileiro.


In: TENÓRIO (org). Pré-História da Terra Brasilis. 2000. p.257-358.

REFERÊNCIAS DA INTERNET

Dicionário La Rousse. Cybernétique. Disponível em:


<http://www.larousse.fr/dictionnaires/francais/cybernétique/21261>. Acesso em
10/04/2016.

ISA (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL). Povo Karajá. Dosponível em:


<http://pib.socioambiental.org/pt/povo/karaja>). Acesso em 11/02/2016a.
142

ISA (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL). Povos Indígenas no Brasil: Quadro


Geral dos Povos. Dosponível em: <https://pib.socioambiental.org/pt/c/quadro-
geral>. Acesso em 12/02/2016b.

NIMUENDAJÚ, C. Mapa Ento Histórico do Brasil e Regiões Adjacentes.


Biblioteca Digital Curt Nimuendajú. 1981. Disponível em:
<http://www.etnolinguistica.org/biblio:nimuendaju-1981-mapa>. Acesso em
16/03/2016.

Potrebbero piacerti anche