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por
Fábio Frohwein de Salles Moniz
(aluno do Doutorado em Literatura Brasileira)
ii
SUMÁRIO
1. Introdução.......................................................................................................iv
2. Apresentação.................................................................................................vii
2.1. Introdução.........................................................................................vii
2.1.1. Autor....................................................................................vii
2.1.2. Obra.....................................................................................xi
2.1.2.1. Natureza e índio n’A Confederação dos Tamoios...xxx
2.1.3. Tradição da obra................................................................lvii
2.1.3.1. Percurso histórico.................................................lvii
2.1.3.2. Testemunhos......................................................lxxii
2.1.3.3. Estema...............................................................lxxiii
2.1.3.4. Fortuna editorial.................................................lxxiv
2.2. Texto.............................................................................................lxxvii
2.2.1. Sigla dos testemunhos....................................................lxxvii
2.2.2. Normas de edição..........................................................lxxviii
2.2.3. Texto e aparato crítico....................................................lxxxii
Páginas de rosto.................................................lxxxiii
Dedicatória a Pedro II.........................................lxxxv
Advertência à segunda edição...........................lxxxvii
Canto primeiro.........................................................01
Canto segundo........................................................26
Canto terceiro..........................................................51
Canto quarto............................................................73
Canto quinto............................................................96
Canto sexto...........................................................115
Canto setimo.........................................................132
Canto oitavo..........................................................151
Canto nono............................................................172
Canto decimo........................................................194
Notas.....................................................................214
2.3. Glossário......................................................................................lxxxiii
iii
1. INTRODUÇÃO
obra, por seu turno, passou a tomar por texto base a segunda edição, de
elaboração do poema.
iv
Professor Doutor Alcmeno Bastos, no segundo semestre de 2006, na
curso, foi criado o segmento “2.1.2.1. Natureza e índio n’A Confederação dos
cultural corrente.
proposto por Cambraia (2005, 162), excluído obviamente o item “Sumário”, que
Sumário
Apresentação
I. Introdução
I.1. Autor
I.2. Obra
I.3. Tradição da obra
I.3.1. Percurso histórico
I.3.2. Testemunhos
I.3.3. Estema
I.3.4. Fortuna editorial
II. Texto
II.1. Sigla dos testemunhos
II.2. Normas de edição
II.3. Texto e aparato crítico
III. Glossário
v
IV. Referências bibliográficas
1
CAMBRAIA: 2005, 163
2
VIANA: 1970, 69-70
vi
2. APRESENTAÇÃO
2.1. Introdução
2.1.1. Autor
diversificados.
vii
ajudado pelo Ministro José Joaquim da Rocha, graças às indicações de Porto-
instituído no mesmo ano, como professor de desenho, cargo de que abriu mão
setembro de 1854:
viii
Ainda em 1839, sua segunda peça, Olgiato, foi encenada. Na qualidade
ano em definitivo para acompanhar Luís Alves de Lima e Silva ao Rio Grande
Sul, ano em que obteve também a comenda da Ordem de Cristo. Foi nomeado
em 27 de setembro de 1847.
Francisco II, do Reino das Duas Sicílias. Em 1854, foi designado Encarregado
Ig, publicou uma série de oito cartas no Diário de Rio de Janeiro, denominadas
Cartas sobre A Confederação dos Tamoios. No ano seguinte, seguiu para São
ix
Petersburgo, na qualidade de Encarregado de Negócios do Império do Brasil
Obras completas. De 1867 até o fim da vida, o autor acumulou outras funções
Janeiro.
x
2.1.2. Obra
indígenas.
versos mal construídos. Declara que acrescentou versos, alguns dos quais já
primeiro autógrafo”.
xi
Com relação à opção estética, rebate as críticas que recebeu por não ter
da obra.
xii
Acerca do poema propriamente dito, começa o canto primeiro pela
vegetais e animais.
cidades. Se por um lado o colonizador trouxe a civilização, por outro pôs termo
xiii
portanto repleto de história. Sendo a guerra o único meio de tornarem a ser
necessário.
índios a despeito das ações violentas dos lusos e logra obter uma coligação de
grande taba.
narre as circunstâncias da morte, vindo a saber que se tratou mais uma vez da
levado de volta à tribo por alguns tamoios. Viveu o bastante somente para
maneira ordenada, desde a Serra dos Órgãos até o Cairuçu. Suas tabas
xiv
valente para chefe, ao passo que em períodos de paz o governo fica a cargo
de um colegiado de anciãos.
decorrente da viuvez e da recente perda do filho Comorim, mas não foge à luta,
astúcia, deseja apenas lavar a honra dos parentes. Ararai, seu pai, exibe
nos ombros, para mostrar que a astúcia por si só, ante um inimigo que detém
neófitos, provocando-os: saca uma pistola e atira para o alto. Acerta uma ave
xv
Captados a atenção e o temor de todos, desvenda Aimbire o princípio de
que seus raios não são verdadeiros e dependem de matéria-prima cujo fabrico
lutarem entre os inimigos. Narra como foi preso numa das canoas monstruosas
o Deus Trino que a tudo governa e que criou o universo através do poder da
palavra; o Filho de Deus, enviado à terra para ensinar aos homens o bem e a
xvi
verdade, ordenando-lhes que se amassem uns aos outros; preceito, que, na
Iguaçu pede-lhe somente que poupe os inocentes filhos dos portugueses, uma
xvii
vez que foram abençoados pelo Deus que rege os raios e trovões de suas
espadas. Aimbire redargúi, asseverando não recear nem o Deus nem tão
guerreiros preparam suas armas com esmero: flechas, aljava, arco, maça,
algodão e pequenos galhos secos para, com as setas, levar com rapidez a
encontra alívio nas canções que entoa, tendo por interlocutor somente o eco
descansar. Acendem fogueiras à moda indígena, por meio do atrito entre paus.
Sua voz é fundamental para que Tupã apóie a causa dos tamoios e a
xviii
empreitada logre sucesso. Além disso, a recusa ao vaticínio do Pajé implica em
guerreiros continuarem livres. Aimbire, por seu turno, refuta ferozmente o Pajé,
liberdade.
mau agouro, tem a trajetória consertada por uma flecha certeira de Aimbire. A
xix
Tibiriçá estupefaz-se ao notar a presença de Jagoanharo, concluindo
terras que a vista alcança; a casa de João Ramalho, genro e pai dos seus
netos. O cacique apenas evita exibir a prisão, lugar de maus tratos, prova
verdadeira razão pela qual procurou o tio. Assevera que Ararai, Aimbire,
Coaquira e vários outros guerreiros, além dos franceses, já estão prontos para
enfrentar os lusos. Com efeito, a vinda a São Vicente reflete o desejo do pai de
xx
traição a Deus e ao Rei de Portugal, aos quais se ligava por fé e dever de
O cacique alega que, assim como no passado os tapuias tiveram que ceder à
xxi
Império brasileiro. Aponta a outra margem do Guanabara, vaticinando também
continente, passa de colônia a Reino, tendo por primeiro monarca D. João VI.
filho Pedro.
recente nação, que ganha ares de Império. Pedro, porém, difere dos demais
reis, pois baseia seu governo no respeito à liberdade e no amor ao povo. Tem
imensa tribo. Igualmente ao pai, abdica ao trono, mas o filho, Pedro Segundo,
ainda é muito jovem e não pode ainda assumir o poder. O Brasil atravessa um
justiça e a liberdade entre os homens. Assim sendo, não importa se quem traz
tamanhos bens seja inimigo. Mesmo da crueldade dos homens que maltratam
dormindo.
xxii
Desperta Jagoanharo do sonho e imediatamente procura o tio. Pede a
atendeu às suas preces. Ato contínuo, leva-o até Anchieta, mas no meio do
para soltá-la, baldando esforços contra as armas dos colonos. Quase morre,
não fosse protegido por Tibiriçá. O episódio neutraliza a magia do sonho com
São Sebastião. Anchieta promete libertar Iguaçu. O jovem guaianá, por seu
turno, não acredita em nada mais que lhe dizem e retorna ao acampamento
dos confederados.
Cristo. Sequer concebe a idéia de ter perdido o irmão para novos amigos como
Paraíba. Temem que o ipê, perto do qual jaz a igaçaba com as cinzas do pai do
com relação a Iguaçu. Parabuçu, seu irmão, chega mesmo a recear que ela
possa ter sido capturada e caído em mãos inimigas. O temor de Parabuçu traz
xxiii
a Aimbire péssimas lembranças do tempo em que, para proteger os pais,
o chefe tamoio deseja levar a cabo a vingança contra o algoz de seu pai. Ali
O português implora por piedade, alegando ser pai. Aimbire, por sua
vez, lembra-lhe justamente que a mesma piedade que agora pede não foi
dispensada ao seu pai, Guaratiba, espancado até a morte num tronco sobre
sentimento de misericórdia.
Aimbire desiste da vingança e ruma com Parabuçu para dar novo pouso
Francisco Dias negociar a liberdade da índia. Expõe-lhe que a vila corre perigo.
xxiv
colono, avesso aos missionários, recusa-se com palavras agressivas a abrir
divulgação da fé cristã.
o mais fraco sempre como escravo do mais forte. Ilustra com os exemplos
influência do anjo do mau não dura muito, uma vez que todos acabam por se
xxv
desnorteiam o inimigo. Dentro da igreja, os missionários oram em proteção a
sobrinho que o tio lhe entregue Iguaçu, que sabe estar escondida na igreja.
Entram ambos em confronto. O cacique acaba por matar o jovem guaianá, não
que parta de São Vicente. Misteriosamente, sem que Aimbire ordene, soa ao
retiram.
xxvi
cumpre com a promessa feita a Ernesto e concede-lhe a filha Potira em
indígena.
filho de um deus tão bom tenha morrido na cruz por homens maus. Observa
oferecido, com frutas e raízes, após o qual se seguem horas de repouso, até o
xxvii
Depois da cerimônia, procede-se finalmente à assembléia de debate sobre o
armistício. Aimbire logo de início propõe que todos os índios mantidos escravos
prisioneiros. Comunica que Dias foi punido com a morte em meio aos
que a causa maior é a salvação espiritual dos indígenas, para tanto convindo a
xxviii
Meses já se passavam sem contato da parte de Nóbrega. Franceses e
a pontos de colocar em risco a vida do religioso. Eis que Anchieta recebe uma
amistosos. Traz tamoios libertos do cativeiro, presentes dos lusos e uma carta
recebera ordens de banir os franceses de uma vez por todas e fundar a cidade
opinião dos mais velhos de que seria mortal o confronto nas atuais condições,
luso envia Anchieta à Bahia, com o fito de pedir mais armas e soldados a Mem
xxix
Com superioridade bélica, os portugueses trucidam os tamoios. Iguaçu,
mesmo com a dor da perda da amada, consegue abater o capitão luso. No dia
xxx
implica em si só num gesto de liberdade, na medida em que o indivíduo não se
maneira mais abrangente, à religião, aos valores, enfim, à cultura. A luta pela
xxxi
Do outro lado, estão os portugueses, na categoria de /escravizador/,
poema, Brás Cubas, João Ramalho e Francisco Dias ilustram, cada um à sua
antítese entre ambos. O mecanismo faz com que o que seja valorado
xxxii
Como se vê, mesmo com a esquizotimização de cada grupo, a oposição
sofisticadas.
xxxiii
Aimbire detém força e inteligência incomparáveis. Na menção às suas
empreender a guerra:
à toa que Aimbire justamente enviará Jagoanharo a São Vicente ter com
xxxiv
Por fim, Ararai, cacique guaianá, traz a expressão assustadora, não
espiritualidade X animalidade.
xxxv
momento o antagonismo entre os elementos indígena e europeu traduzido pela
selvagens do Brasil têm expressa noção de Deus na palavra Tupá, que vale
entre eles excelência superior, cousa grande que nos domina.”3 Entretanto, o
Durão desenvolve:
3
DURÃO: 2005, 28
xxxvi
Até aqui são os limites do lume natural, e com ele somente o alcança a
filosofia; porém o remédio da natureza humana, ferida pela culpa, não pode
constar-nos senão pela revelação. (DURÃO: 2005, 31)
dos gregos à crença dos índios na divindade dos europeus: “É certo que a
idolatria dos gregos teve grande ocasião nos inventores das artes; e vimos
Virgem Maria e receber uma missão divina, tal como os próprios portugueses,
vida mundana. O herói inquire ao chefe tupinambá sobre seu Deus. Responde
Gupeva:
4
Idem: ibidem, 65
xxxvii
Lastreado em documentos históricos, tais como os depoimentos de
pôde conhecer.
xxxviii
de Anchieta e Manoel da Nóbrega e os pajés exercem função de suporte
espiritual e guia, uma vez que mantêm o contato com o plano superior e assim
prevê a derrota dos índios. Durante o assalto tamoio a São Vicente, Anchieta,
xxxix
construção de casas, vilas e o cultivo do campo. Ainda é Anchieta que prega
aos tamoios:
“irreligião de mãos dadas com a ignorância dos povos”, “duas calamidades que
culturas. Boris Fausto fala das duas tentativas de escravização indígena. Uma
A outra foi tentada pelas ordens religiosas, principalmente pelos jesuítas, por
motivos que tinham muito a ver com as suas concepções missionárias. Ela
consistiu no esforço para transformar os índios através do ensino em “bons
cristãos”, reunindo-os em pequenos povoados ou aldeias. Ser “bom cristão”
significava também adquirir os hábitos de trabalho dos europeus, com o que se
criara um grupo de cultivadores indígenas flexível em relação às necessidades
da Colônia. (FAUSTO: 2006, 23)
xl
parte o teor religioso, deve transmitir, por coerência histórica, uma visão de
confederados.
vingar-se de Brás Cubas, porém volta atrás por pena, ao ouvir os rogos de
5
BARROS: 1973, 116
xli
Iguaçu. Finalmente, no canto oitavo os tamoios invadem São Vicente, mas a
seguir o canto nono é quase todo tomado pelas negociações de paz com os
missionários. Com efeito, trava-se a luta muito mais pela oratória do que pelas
armas, visto que n’A Confederação instaura-se, antes de mais, o embate entre
idéias.
atos dos portugueses, que depõe contra a pregação religiosa. Não desgosta
xlii
problema é que a violência do colonialismo se choca com as premissas cristãs
concorde que dois irmãos briguem entre si. N’A Confederação, a vinculação
central do poema. Além disso, é poeta e marco zero de uma tradição à qual se
xliii
A terra do Cruzeiro honrar deviam.
(vv. 5631-5641)
empenhe pela paz entre índios e portugueses, Anchieta viaja à Bahia em busca
acima de todos, acima de tudo. Dono das terras, destina-as a quem quiser. “O
Rei tira, o Rei dá, o Rei é dono/ Das terras, e do mar; é senhor nosso.”
divino.
xliv
Na disputa retórica com Jagoanharo, o cacique não logra vitória. Cala-se
Anchieta, o herói, como o próprio título sugere, é Mem de Sá, não passando os
xlv
liberdade da estrofação irregular, que servem melhor à complexidade dos
localiza-se numa espécie de fecho de ciclo. Eis como o autor avalia a epopéia
xlvi
poeta e a Inquisição, outro referencial do Romantismo no Brasil, dessa feita no
ano seguinte. Com as duas obras, o autor contemplou dois dos três gêneros
grega, a ordem cronológica dos gêneros vai da lírica para o drama, passando
orgânica acerca dos gêneros, em que a lírica e o drama seriam peças num
maior, A Confederação.
xlvii
tônicos mais intensos nas sexta e décima sílabas métricas. Eis a escansão de
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Oh| sol,| as|tro| pro|pi|cio,| que a|bri|lhan|tas
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Do| cri|a|do u|ni|ver|so al|tos| pro|di|gios;
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Que aos| bos|ques| dás| ver|dor,| do|çu|ra aos| fruc|tos,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E os| pé|ta|los| das| flo|res| vá|rio es|mal|tas!
e de fechamento do poema:
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Mo|nar|cha| Bra|si|lei|ro, a|cei|ta o| can|to
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Que| Te| de|di|ca o| va|te a|gra|de|ci|do;
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E| fa|ze| que ou|tros| mui|tos| mais| di|to|sos,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Po|rêm| não| mais| da| nos|sa| ter|ra a|mi|gos,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E|ter|na| glo|ria| dêm| a| Ti, e| á| Pa|tria.
organização d’Os Lusíadas, utilizada também por Santa Rita Durão. Principia a
Alegre, sentencia:
6
Cf. transcrição integral da carta no Anexo A.
xlviii
provavelmente conhece, mas que não quiz nomear, para que ninguem possua
o seu segredo de embeber uma dessas pennas garridas nas cores das
palhetas do Brasil. Mas si nos desviamos um pouco da estrada batida, eil-os
que caiem-nos em cima com Homero, Virgilio, Camões e Tasso! Quem póde
ser juiz com taes mordomos, ou mordomo com taes juizes?
eles, muito mais que a musa grega, guardam a memória a ser resgatada e
xlix
Nestas virgens florestas não vagueam:
Grande como sahio das mãos do Eterno,
A Natureza é tudo, e excede ao homem,
Que ha de bem cedo emparelhar com ella!
Oh placido remanso!… Aqui a mente
Repousa, e se deleita em contemplal-o;
E no intimo d’alma, que se espraia,
Resôa de seu Deos a voz cadente,
Como resôa em bosques de palmeiras
Vago sopro das auras matutinas. (vv.132-151)
descrição da paisagem que Diogo Álvares Correia faz a Henrique II, no canto
vê-la destruída. No canto sétimo, Aimbire teme inclusive que não mais exista o
ipê ao pé do qual sepultou as cinzas do pai. Ainda que exulte de felicidade por
l
das raízes jazem ao chão. Aniquilaram-se árvores antiqüíssimas, memoráveis,
mentalidade.
A terra, por seu turno, retribui o zelo dos indígenas. Frente à tristeza e
solidão, Iguaçu dialoga com a própria natureza, que lhe responde em ecos. O
observa que os lusos se mostram no limite das forças e torcem pela chegada
da noite, quando enfim virá a trégua momentânea das armas e dos raios
historiográfico colonial, uma vez que se utilizam Gabriel Soares, Rocha Pitta,
li
A primeira nota do canto segundo, relativa ao verso 620, explica o
Thevet, mas não está bem certo onde o religioso se baseia, se nos escritos de
avaliar que os índios não tinham fé, lei e rei por causa da falta das letras F, L e
lii
asseverando que havia uma teologia brasílica pré-existente à chegada dos
Correia.
dos índios, expõe indícios que comprovam uma cultura brasílica munida de
cheia de lacunas, maniqueísmos, enfim, carece ser rescrita. Por trás do mito da
liii
Mesmo a antropofagia, ponto pacífico entre os autores coloniais a
Magalhães. Eis o que diz a segunda nota do canto sétimo, a respeito do verso
Para que não cream ser exageração poetica, e para que vejam mesmo que
não me animei a dizer em verso o que sobre isto li em prosa, transcreverei aqui
o periodo de uma carta do respeitavel padre Manoel da Nobrega, dirigida ao
governador Thomé de Sousa, em data de 5 de Julho de 1550. Diz a carta: “Em
toda a costa se tem geralmente por grandes e pequenos que é grande serviço
de Deos Nosso Senhor fazer aos gentios que se comam, e se travem uns com
os outros, e nisto tem mais esperança que em Deos vivo: e nisso dizem
consistir o bem e segurança da terra, e isto approvam os capitães e prelados,
ecclesiasticos e seculares, e assim o poem por obra todas as vezes que se
offerecem, e d’aqui vem que nas guerras passadas que se teve com o gentio
sempre dão carne humana a comer, não sómente a outros Indios, mas a seus
proprios escravos. Louvam e aprovam ao gentio o comerem-se uns aos outros,
e já se acham christãos a mastigar carne humana para dar com isso bom
exemplo ao gentio.”
Esta carta, bastante longa e interessante, acha-se impressa no tomo
6.º dos Annaes do Rio de Janeiro, por Balthasar da Silva Lisboa, da página 63
á 101.
liv
seja, ao heroísmo dos indígenas. O autor d’A Confederação interpreta que
responder.
ordens de Deus, outro exemplo a ser evitado por um homem civilizado. Sendo
assim, frente a ações tão vis, Magalhães não entende por que não se admirem
os feitos dos índios, que, guiados por nobre sentimento e amor à terra, lutaram
de meio civilisador.”
perda das terras de além-mar para franceses ou das vilas para os índios.
lv
lusitanos construíram coisas notáveis no Brasil com a ajuda dos indígenas,
civilidade, como pietas filial, patriotismo, denodo pela liberdade, respeito, etc..
Maranhão desde 1839 até 1840: Memória histórica e documentada. Três anos
1859.
lvi
2.1.3. Tradição da obra
Por outro lado, não foram localizados até agora indícios materiais da pré-
respeito aos cantos primeiro e quarto, porém o cotejo com a edição de 1856
que seguem pela floresta para o ataque à vila de São Vicente, deliberado na
lvii
assembléia do canto segundo. A meio do canto, lia-se originariamente o
Aimbire. O lirismo da fala da índia destacava-se de tal forma, que parecia ser o
lviii
mencionados. A qualidade do trabalho tipográfico foi muito elogiada, mas o
texto em si recebeu duras críticas, dando margem a uma das mais famosas
Tamoios.
Magalhães. Fora demais críticas de menor freqüência nas páginas dos jornais,
Confederação.
épico precisa alçar as raças e as ações à dimensão divina, para fazer jus ao
prossegue:
7
VIANA: 1970, 64
lix
P’ra acabar co’os ataques reiterados
Dos Lusos, confederão-se os Tamoyos.
rio Carioca e do seu poder de adoçar a voz, já aludida no primeiro canto, e uma
com mais “força e belleza”9. Observando ainda que o autor d’A Confederação
contrastam a pele de jacaré usada por Aimbire e a pele verde negra do índio
seu pai: “Ia escapando-me citar um trecho do poema que, excepção feita de
8
CASTELLO: 1953, 12
9
Idem: ibidem, 13
10
Idem: ibidem, 15
lx
de massa e tacape, e a quem por conseguinte essas idéas de sangue devião
pedidos de Pedro II. Hélio Viana relata o esforço empreendido pelo Imperador
11
Idem: ibidem, 16
lxi
Joaquim Tomás do Amaral também se esquivaram da tarefa. O frei Francisco
de Monte Alverne, por seu turno, atendeu à solicitação, ainda que tardiamente.
carta de Alencar.
1864 são absolutamente diferentes, uma vez que seguem estados distintos do
texto.
texto:
Revendo o meu livro com mais vagar, não limitei o meu reparo sómente
aos erros de linguagem, ás imperfeições do estylo, e ás asperezas, ou froxidão
de alguns versos mal torneados, na impaciencia de concluir um longo trabalho,
tantas vezes interrompido por outros; muitos acrescentei em varios logares que
pareciam estar pedindo mais qualquer retoque e realce, ou maior
desenvolvimento; sendo que alguns dos addicionados existiam na confusão do
primeiro autographo, e foram omittidos por descuido, quando, em vesperas de
uma longa viagem, apressadamente o passei a limpo. E com todas essas
numerosas emendas e acrescentamentos sairá esta edição muito melhorada, e
tal como desejo que fique, e sirva de norma a qualquer outra que por ventura
se haja de fazer para o futuro, si alguem se lembrar disso.
lxii
se nota são acréscimos, supressões e modificações de versos, como o próprio
Que pensas? Que fiquei muito afflicto com a leitura das 4 cartas
empressas no Diario do Rio sobre a Confederação dos Tamoyos? Enganas-te.
Não me surpreendeo, nem muito incommodou-me essa critica assim tão
saturada de fel, que por isso mesmo quase prova o contrario do que diz. Eu
não esperava parabens e louvores: quem os merece entre nós só os recebe de
alguns raros amigos.
não leo todo o poema, e que vai expor as suas idéas na mesma ordem em que
as formulou, isto é de canto em canto. Dahi afirma que eu faço derivar a acção
do poema, e a alliança das tribus de um incidente insignificante, como seja a
morte de um indio. O que é completamente inexacto. Quando Aimbire se
apresenta a Pindobuçú, e o acha dando sepultura a um filho, que na defesa de
sua tenra irmã, fora morto por alguns colonos que pertendiam raptal-a, já todas
as tribus, como Aimbire altamente o declara, estão confederadas, para defesa
da propria liberdade, das suas vidas, e das suas terras, unicos bens de homens
incultos; Que razão mais forte? Creio que pelo menos vale o rapto de uma
mulher. Não faço pois depender a acção do poema, e a alliança das tribus da
morte de um indio, como erradamente assevera o auctor das cartas. Faltava
uma só tribu; o que fiz de proposito para começar o poema por um quadro
animado de grandes paixoens, por uma scena pathetica e inesperada de uma
familia, de uma tribu inteira que chora a recente morte do filho do seu chefe,
victima do inimigo commum.
A morte do indio Comorim, e os amores do heróe tamoyo para Iguassú não são
o objecto principal do poema, nem a origem da Confederação dos Tamoyos.
Que motivo obrigou Aimbire a apparecer nas tabas da Gavia, induzir o chefe
Pindobuçú, um dos mais poderosos caciques, a reunir-se a outros chefes
tamoyos já confederados, a morte de Comorim, a belleza e as desventuras de
Iguassú não entráram nas previsões de Aimbire; nem elle esperava presenciar
as honras funebres do companheiro de sua familia, nem testemunhar as
desgraças da familia de Pindobuçú. Tudo isto é fortuito; é uma bella invenção
do autor, e ministrou á sua imaginação um lindissimo episodio, que o critico
acha incompleto, mas que o autor não julgou dever sobrecarregar de bellezas
12
Cf. transcrição integral da carta no Anexo.
lxiii
para não fazer de um simples episodio principal do poema, como ainda assim
assevera o critico. (CASTELLO: 1953, 124)
edição. No entanto, Magalhães tinha por hábito modificar seus textos quando
por exemplo, a edição crítica dos Suspiros poéticos, para que se tenha noção
desfavorável.
edição de 1864:
13
Publicada por Hélio Viana em VIANA: 1970. A transcrição integral da carta se encontra no
Anexo.
lxiv
que em Portugal; pelo que foi necessário corrigir muitos versos. (VIANA: 1970,
69)
do verso:
Toscas pedras p’ra o tosco monumento. Toscas pedras em tosco monumento. (v.317)
Sobre o último exemplo, haveria ainda outro fator a ser avaliado. Trata-
lxv
maneira, parece que Magalhães aceita o comentário de Alencar. Na primeira
forma significativa:
ainda mesmo os nossos críticos, não são tão instruídos que dispensem
que o levante era “em defensa da vida e liberdade”. De qualquer forma, quase
14
CASTELLO: 1953, 11
15
VIANA: 1970, 63
lxvi
efeito, há correções métricas. Por exemplo, os versos 124 e 504 tinham
Ah, meu filho! parece o estou vendo! Ah, meu filho! parece que o estou vendo! (v.504)
função de cacofonia:
Que a par dos versos teus mais te exhaltassem: Que alêm dos versos teus mais te exaltassem; (v.2019)
Até que á par do tio ajoelhou-se. Até que juncto ao tio ajoelhou-se. (v.2409)
Do leal Camarão a par dos netos, Do leal Camarão junctos co’os netos, (v.3202)
A par da Cruz de Christo que o decora, Juncto da Cruz de Christo que o decora, (v.4669)
A par do rico, que no fausto vive Servo do rico, que no fausto vive (v.5275)
versos 2019, 2409, 3202, 4669 e 5275 são exemplos em que se ouvem os
dos Tamoios traz uma seção dedicada à metrificação, em que se listam onze
categoria apontada:
lxvii
primeira edição segunda edição
Facil foi-me o passar p’ra adiante os braços, Facil foi-me o passar adiante os braços, (v.1100)
voltou atrás e o suprimiu, uma vez que não aparece na edição de 1864. O
16
Idem: ibidem
17
CASTELO: 1953, 128
18
VIANA: 1970, 69
lxviii
primeira edição segunda edição
Só faltava-lhe o braço e a experiencia Só lhes faltava o braço, e a experiencia (v.302)
Inda que as aguas suas reunissem, Inda que n’um só leito se ajunctassem, (v.56)
Ainda que não o altere, Magalhães acrescenta o verso “Que tanto afan,
quanto por Monte Alverne. A repetição transcrita pelo autor das cartas não é
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Idem: ibidem
20
Idem: ibidem
lxix
Embora o tronco firme sobre a terra Embora sobre a terra o tronco firme,
Supporte a chuva, e o sol, e o vento, e o raio; Supporte a chuva, e o sol, e o vento, e o raio;
Nem tem membros o tronco que o transportem. Nem tem membros o tronco que o transportem.
(vv.213-216)
Para a grande vingança, de nós digna: Para a digna de nós grande vingança,
Não ha prazer que ao da vingança iguale. Que a vida e a liberdade nos segure.
Não ha prazer que ao da vindita iguale. (vv.578-580)
décimo ganharam cada qual uma nota, somando um total de 4 novas notas
lxx
Com relação a Aimbire, Magalhães procedeu a retoques em diversas
Aimbire” (v. 635). Além disso, a descrição do chefe tamoio ganhou mais
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uma etapa posterior as flutuações ortográficas, merecedoras de um estudo à
2.1.3.2. Testemunhos
com a carta, apresentaria um prólogo, que não figura nas edições da obra. O
lxxii
c') A Confederação dos Tamoyos. Rio de Janeiro: Typographia Dous de
Dezembro, 1857.
2.1.3.3. Estema
registrarem suas lições nos aparatos críticos, por haver citações em Alencar e
se a ter servido de texto base para a edição portuguesa de 1864 (D). O texto
A “Nota ao leitor” da edição de 1994 (F) informa que “foi transcrito, após
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ROMÂNTICOS DO BRASIL” (sic) – Edição LEP LTDA – SÃO PAULO –1949.”21
Em outras palavras, F seguiu E, mas produz uma tradição diferente, visto que,
testemunhos A, B, C e E.
21
MAGALHÃES: 1994, 7
lxxiv
A
CONFEDERAÇÃO
DOS
TAMOYOS
POEMA
POR
Domingos José Gonçalves de Magalhães
RIO DE JANEIRO
EMPREZA TYPOG. – DOUS DE DEZEMBRO – DE PAULA BRITO
IMPRESSOR DA CASA IMPERIAL.
_________
1856.
A
CONFEDERAÇÃO
DOS
TAMOYOS
POEMA
POR
Domingos José Gonçalves de Magalhães
RIO DE JANEIRO
EMPREZA TYPOGRAPHICA DOUS DE DEZEMBRO
PRAÇA DA CONSTITUIÇÃO.
_________
1857.
Com base nessa, saiu em 1864 em Portugal uma pequena edição com
264 páginas e 9,6 X 6,2 cm. A informação inicial, seção intitulada “AVISO DO
ter sido feita à revelia de Magalhães, que no início do mesmo ano começava a
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acertar com o editor B. L. Garnier a publicação das obras completas. Página de
rosto:
A CONFEDERAÇÃO
DOS
TAMOYOS
POEMA
POR
Domingos José Gonçalves de Magalhães
COIMBRA
IMPRENSA LITTERARIA
1864
luxuosa, com brasão em alto relevo na capa e corte dourado. Tem 370 páginas
A CONFEDERAÇÃO
DOS
TAMOYOS.
POEMA
POR
D. J. G. DE MAGALHAENS.
SEGUNDA EDIÇÃO. REVISTA, CORRECTA E ACRESCENTADA PELO AUCTOR.
RIO DE JANEIRO
LIVRARIA DE B. L. GARNIER
RUA DO OUVIDOR No 69.
__
1864.
lxxvi
À parte as traduções italianas, A Confederação retornou às livrarias na
Magalhães não foram incluídos. Apesar das muitas notas filológicas de Silva
2.2. Texto
lxxvii
B = Episodio de um poema inedito do Snr. Dr. D. J. G. Magalhães,
O fenômeno pode ter relação com a busca por um padrão mais clássico
de língua portuguesa. Como se salientou, Magalhães substituiu as variantes
p’ra e inda pelas formas para e ainda e modificou colocações pronominais.
Além das mudanças ortográficas supra exemplificadas, os aparatos críticos
ilustram demais flutuações, como flecha Î frecha, creado Î criado, etc..
Na verdade, o emprego idiossincrático da ortografia n’A Confederação
vai de encontro às tendências conservadoras e classicizantes próprias da
época. O período que compreende as publicações da Revista Nacional e
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Estrangeira, da primeira e segunda edições confere com a fase de idéias
lingüísticas denominada por Sílvio Elia de período vernaculista (1820-1880),
caracterizado essencialmente pela
aspecto:
02 extensas] C: longinquas
22
SPINA: 1994, 148
lxxix
Explicando as notações:
base.
23
CAMBRAIA: 2005, 167
lxxx
Ao fim da mancha, a seta “Δ significa que a estrofe continua na página
seguinte:
lxxxi
2.2.3. Texto e aparato crítico
críticos.
lxxxii