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Os media hoje
Fernando Correia
In Jornalismo, Grupos Económicos e Democracia, ed. Caminho, 2006

É uma realidade incontestável que os media (entendidos aqui no


sentido restrito de órgãos de comunicação social) ocupam hoje um lugar
central na nossa sociedade. Isto deve-se ao peso da sua influência conjunta,
em particular daqueles que iremos caracterizar como os media dominantes,
mas, essencialmente, ao peso da televisão quer sobre a opinião pública quer
sobre os outros meios; à transformação dos media em geral num importante
ramo de negócios que implica vultuosos investimentos mas também capaz
de gerar enormes lucros, no que se refere às grandes empresas do sector; ao
enorme poder dos media – isto é, daqueles que têm o poder nos media –
sobre os políticos e as instituições políticas à escala nacional e mundial – o
que, aliás, provoca uma óbvia perversão no funcionamento da democracia.
Mas aquilo que nos pode parecer como evidente corre facilmente o
risco de ser, de algum modo, banalizado, ou, de uma forma mais ou menos
simplista, ser visto a preto e branco, ignorando as suas características
específicas, as suas contradições internas, as suas implicações diversas tanto
a montante com a juzante, incluindo, o que muitas vezes é esquecido, a nível
ideológico, o mesmo acontecendo também no que se refere às orientações do
trabalho de investigação neste domínio.
O que aqui propomos é o esboço – de que este capítulo I contém os
traços gerais – de uma introdução crítica à centralidade social dos media e
ao seu lugar e dos jornalistas na sociedade, levantando e problematizando
algumas questões que possam contribuir para uma maior e mais rigorosa
aproximação a esta temática, na dupla perspectiva do jornalismo e da
democracia e tendo em conta a realidade nacional.

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Uma realidade complexa

Um ponto de partida inevitável parece-nos ser a constatação de que os


media – a imprensa, a rádio, a televisão, a internet – constituem hoje, no seu
conjunto, uma realidade que já muito pouco tem a ver com o que se passava
há umas décadas – e, em alguns aspectos, com o que se passava apenas há
uma dezena e meia de anos no nosso país, antes da abertura da televisão ao
sector privado1, ou mesmo há meia dúzia de anos, antes do aparecimento do
jornalismo digital2.
Seria hoje extremamente redutor, naturalmente, considerar o jornal
apenas como uma “publicação periódica que dá informações sobre a vida
política, literária, científica, etc.”, conforme a definição do consagrado
dicionário Larousse. Mas é forçoso reconhecer que obras de investigação e
análise entretanto publicados, no quadro do grande desenvolvimento
ocorrido entre nós no sector editorial nesta área a partir da segunda metade
da década de noventa, não dão suficientemente conta, na maioria dos casos,
dos novos contextos, condicionalismos e estratégias em que a actividade de
produção e edição da informação passou a inserir-se.
Na perspectiva dos diversos protagonistas que, de uma forma directa
ou indirecta, participam ou são alvo do processo informativo e, de uma
forma mais geral, do processo comunicacional em que aquele se integra, os
media, principalmente os grandes órgãos de informação com maior
repercussão na opinião pública, estão longe de ser vistos de uma maneira
semelhante. Muitas vezes, até são encarados de uma forma antagónica.
Vejamos, muito sinteticamente, o caso concreto de alguns dos principais
desses protagonistas.
- Para os jornalistas, principais agentes produtores directos das notícias,
os media são, essencialmente, um espaço de informação.
- Para os patrões, são um produto – económico, desde logo, mas também,
inevitavelmente, político e ideológico.
- Para os publicitários e anunciantes, são um suporte de anúncios, tal
como os outdoors ou outro qualquer meio de chegar às pessoa e
convencê-las a comprar a marca x.
- Para os dirigentes políticos, e cada vez mais também para os
desportivos, os media são um instrumento de luta pelo poder e de

1
A SIC começou a emitir em 1992 e a TVI em 1993.
2
O primeiro jornal digital surgido em Portugal foi o Setubal na Rede, em 1998.

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exercício do poder – palco privilegiado do confronto político e da luta,


não tanto de ideias (nomeadamente na televisão) mas de personalidades.
- Para os cidadãos, os media tendem crescentemente a constituir um
espaço de participação, em substituição de instrumentos tradicionais da
vida democrática (partidos, sindicatos, reuniões, debates). Não é por
acaso que cada vez mais se utilizam termos como “teledemocracia”,
“partido mediático”, etc.
- Para os trabalhadores, sindicatos, grupos minoritários, movimentos não
governamentais, grupos alternativos, etc., os media revelam-se como um
privilegiado espaço de reivindicação, de exposição, de visibilidade.
- Para determinados sectores da intelectualidade e das profissões liberais
(advogados, médicos, historiadores...) os media costituem também uma
preciosa, e bem aproveitada por alguns, instância de visibilidade e, por
essa via, de legitimação e de credibilização – tema este excelentemente
tratado por Bourdieu3
- Para a grande parte das pessoas, nomeadamente num país como o
nosso, os media são o principal ou mesmo o único instrumento de
conhecimento – o que sabem, para além da sua própria experiência
concreta e do circulo que as rodeia, sabem pela televisão, instituída, na
prática, em exclusiva fonte de saber, de entretenimento, de lazer e de
cultura4.
Este quadro, sumariamente traçado, mas mesmo assim muito mais
complexo do que à primeira vista se poderia julgar, mostra a diversidade de
interesses, pressões e expectativas a que os media estão sujeitos, e a
necessidade de evitar análises simplistas que não tenham em conta esta
realidade global.
Reduzindo-nos ao âmbito da temática aqui abordada, uma conclusão
desde logo se impõe: a perda de importância da informação, transformada
numa componente secundária, sob a ameaça constante e os
constrangimentos estruturais, em primeiro lugar, dos objectivos comerciais,
mas também das pressões políticas e sociais de diverso tipo e intensidade.
Tal perda de importância da informação está a trazer consigo a crescente
fragilização do jornalismo e dos jornalistas, enquanto agentes produtores da
informação, e a crise da sua identidade profissional5.

3
Ver Piere Bourdieu, “A influência do Jornalismo”, in Sobre a Televisão, Celta, 1997.
4
Para a abordagem do jornalismo enquanto “forma social de produção de conhecimento”, ver Eduardo
Meditsch, “O jornalismo é uma forma de conhecimento?”, in Media & Jornalismo, nº 1, 2002, pp. 9-22.
5
Sobre a situação dos jornalistas, nomeadamente a sua crescente fragilização e a crise de identidade
profissional ver J. e S., 59-94, os J e as N. nomeadamente pp 259-276.

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Confusões a evitar

Esta nova realidade dos media aconselha a estabelecer algumas


distinções, cuja não consideração limitaria seriamente, e frequentemente
limita, a adequada abordagem dos media, do jornalismo e dos jornalistas. A
elas voltaremos, com maior ou menor desenvolvimento, nos capítulos
seguintes, mas julgamos conveniente deixar já aqui algumas referências.
Uma confusão muito usual é a que se estabelece entre os media e os
jornalistas, como se se tratasse de uma mesma realidade. Mas uma coisa é
falar dos media enquanto organizações empresariais submetidas aos
objectivos e lógicas comerciais, fundamentalmente viradas para a procura
das audiências, que trazem consigo a publicidade e, com ela, os lucros.
Outra coisa é falar dos jornalistas, trabalhadores assalariados e não
profissionais liberais, sujeitos às estratégias empresariais, subordinados a
hierarquias, e cujos objectivos são produzir informação destinada ao público,
isto é, fazer notícias, entendendo a notícia como um bem social e não como
uma mercadoria.
Empresas mediáticas e jornalistas não devem nem podem ser
identificados. Para além daquilo que os une – a fabricação de um “produto”
que, naturalmente, a ambos interessa que mereça a adesão do público – a
verdade é que uns e outros não buscam, em última instância, fins idênticos,
antes pelo contrário: frequentemente os critérios comerciais revelam-se
contraditórios com os critérios jornalísticos, o que gera uma conflitualidade
latente e cria sérios constrangimentos à autonomia jornalística e ao direito do
público a informar-se e a ser informado.
Outra confusão que muitas vezes existe é entre jornalistas, por um
lado, e comentadores, analistas, animadores e apresentadores, por outro
lado. As várias profissões ligadas aos media6 e à comunicação têm,
obviamente, igual legitimidade. Mas uma coisa são os jornalistas
profissionais, cuja ligação privilegiada é (ou deveria ser) aos factos, ao rigor,
à isenção e a regras deontológicas próprias.
Coisa diferente são os comentadores e analistas, “profissionais da
opinião”, cuja influência tem vindo a aumentar, no quadro da crescente
valorização do “espaço-opinião”, nomeadamente na chamada imprensa de
referência7, mas também na televisão. Exteriores ao campo jornalístico e não
sujeitos às suas normas específicas, são muitas vezes convidados para
6
Ver Mário Mesquita, “As profissões dos media na era da comunicação transfronteitiça”, in O Quarto
Equívoco, MinervaCoimbra, 2003, pp. 192-204.
7
Ver Rita Figueiras, “Espaço público e opinião pública: algumas perspectivas teóricas”, in Observatório, nº
5, Maio de 2002, pp. 73-89 e “O espaço de opinião na imprensa de referência portuguesa: 1980-1999”, in
Media & Jornalismo, nº 2, 2003, pp. 89-112.

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colaboradores não, propriamente, pela sua especial competência, mas por


puras conveniências político-ideológicas ou por meros critérios mediáticos,
mais dirigidos para a conquista de audiências do que para o real
esclarecimento do público (“carisma”, notoriedade social e visibilidade
pública – fabricadas pelos próprios media… –, facilidade de “dizer coisas”
sobre qualquer tema, depressa e de forma simples, etc.). E há ainda, na rádio
e na televisão, os animadores e apresentadores, também não vinculados a
essas normas, ainda que muitas vezes intervindo em formatos jornalísticos
(entrevistas, debates, etc.).
Estas situações são geradoras de perigosas confusões entre, por um
lado, a informação e, por outro lado, a opinião, o entretenimento ou a
publicidade.
Uma terceira distinção há que ter presente. “Os jornalistas” são, em
certo sentido, uma abstracção8, visto não se tratar de um grupo profissional
homogéneo, conforme mais detalhadamente verificaremos no Capítulo III.
Adiantemos apenas que, no que se refere especificamente à sua integração
na hierarquia da sala de redacção (aspecto este de importância decisiva para
a compreensão do processo de produção da informação, das práticas
deontológicas, da autoregulação, etc.) poderemos encontrar, pelo menos, três
sectores bem diferenciados: uma elite jornalística, composta por uma
pequena minoria ocupando lugares de direcção e de chefia, dotada, em
alguns casos, de grande visibilidade (daí serem identificados pelo público,
para o bem e para o mal, como representativos de toda o grupo profissional)
e usufruindo de recompensas (materiais e simbólicas) muito acima da média.
A seguir, encontramos uma camada intermédia, quotidianamente
entregue ao anónimo e muitas vezes pouco interessante trabalho de rotina. É
a este grupo que pertence a maioria, englobando não só profissonais dos
grandes órgãos de informação de expansão nacional (imprensa, rádio e
televisão), mas também os jornalistas de agência, da imprensa e rádio
regionais e locais, das revistas especializadas, dos jornais digitais, etc.
E na base da pirâmide estão os jovens profissionais, em número
crescente, cujas principais características são a insegurança laboral, a
precariedade (recibos verdes, contratos a prazo, pagamentos à peça, etc.) e,
consequentemente, uma grande e perigosa fragilidade deontológica.
Falar dos jornalistas em geral, conforme tantas vezes acontece em
análises pretensamente rigorosas publicadas na imprensa e mesmo em textos
de maior ambição e responsabilidade, é extremamente enganador, dada a
patente falta de homogeneidade do grupo profissional: não se pode tomar a
pequena parte visível pelo todo, em grande parte invisível.
8
Ver Dominique Wolton, Pensar a Comunicação, Difel, 1999, pp. 240-241.

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Tal constatação não significa pôr em causa a existência, por exemplo,


de uma “cultura profissional”, enquanto conjunto de características que,
numa perspectiva analítica, permitem contribuir para a definição de uma
identidade jornalística, o seu lugar no sistema dos media, etc. Mas uma
análise mais fina e, simultaneamente, mais próxima e mais concreta do papel
do grupo profissional no processo de produção da informação, ou, digamos,
de “atribuição de responsabilidades” no desenvolvimento deste processo e
dos seus efeitos sobre o público, não pode ser insensível a esta distinção.
Mas igualmente os próprios media não são homogéneos. Também
eles, entendidos genericamente, são uma abstracção. Poderemos falar das
diferenças clássicas entre imprensa, rádio e televisão, entre media
generalistas e especializados, entre imprensa popular e imprensa dita de
qualidade ou de referência, etc.
Adoptando uma outra perspectiva, porém, julgamos preferível, no
contexto desta abordagem, falar dos media dominantes (e dos que o não
são), entendendo-os como aqueles que marcam a agenda política e social,
nuns casos das elites políticas e intelectuais, noutros casos do chamado
grande público; que, nuns casos, são citados como fontes dignas de crédito,
noutros casos se limitam a absorver a esmagadora maioria das tiragens e
audiências. São aqueles cujos critérios de selecção e de tratamento da
informação acabam por ser seguidos, numa operação de contágio ditada pelo
valor supremo – a conquista das audiências – operação esta que se
transforma num poderoso mecanismo de reprodução de opiniões, de
conteúdos e de formas jornalísticas.
Neles se incluem, portanto, tanto os jornais ditos “de referência”
como os “populares” (jornais e revistas) de grande tiragem e os canais de
rádio e tv generalistas, uns e outros veiculando informações de tipo
diferente (nas temáticas, nas formas de abordagem) consoante o tipo de
público a que se dirigem. Sendo que, no entanto, uma das mais
significativas características comum aos media dominantes é, no
fundamental, a sua indisfarçável identidade de pontos de vista relativamente
aos problemas político-ideológicos que atravessam o mundo de hoje.
Por exemplo, leiam-se, ouçam-se e comparem-se, sobre os
movimentos chamados (erradamente – e não se trata de um erro inócuo) de
“anti-globalização” (“esquecendo” sistematicamente de acrescentar que a
oposição é contra esta globalização, isto é, a globalização capitalista) os
editoriais e a grande maioria dos comentadores externos destes jornais,
rádios e televisões, e veja-se como o consenso é evidente.
Escrevendo sobre a situação em França, Daniel Junqua refere-se à
perda de influência dos jornais de opinião, na sequência de um processo

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como aquele que se verificou entre nós nos anos 90 (a que aludiremos no
capítulo III), e ao aumento daqueles que se comprazem com a “morte das
ideologias”, o “realismo” e o “pragmatismo” reinantes, sem terem a
consciência de que estão a enfunar as velas de uma ideologia liberal que
conseguiu tornar “naturais” os seus valores e referências.9
Esta chamada de atenção para a importância dos media dominantes
leva-nos à necessidade de fazer a destrinça entre o poder dos media e o
poder nos media.
Com efeito, uma coisa é o poder dos media, isto é, a força dos efeitos
que eles têm sobre as pessoas. Numa abordagem esquemática das teorias a
este respeito, podemos dizer que segundo uns eles têm um poder absoluto
(nomeadamente a TV) sobre os comportamentos, os valores, as atitudes, as
opiniões, etc. Segundo outros, esse poder sobre as pessoas é apenas relativo,
na medida em que existem a família, a escola, o estudo, a comunicação
interpessoal, a capacidade individual de escolha, etc., capazes de exercer
uma influência que de algum modo compense ou até anule aquele poder.
Trata-se aqui de uma questão recorrente nos estudos da comunicação, parte
essencial, e desde o início por muitos considerada a mais importante, das
grandes linhas de investigação enunciadas, já há mais de meio século, no
célebre paradigma de Lasswell: “quem, diz o quê, a quem, por que meios e
com que efeitos”.
Mas a questão do poder dos media é inseparável de uma outra, que é a
do poder dentro dos media, isto é – e eis-nos aqui perante uma problemática
frequente e deliberadamente ignorada –, o poder dos media está
condicionado e não pode ser analisado independentemente do poder de
quem manda nos media.
Isto remete-nos, naturalmente, para a questão da natureza da
propriedade e para o fenómeno de crescente concentração e criação de
poderosos grupos, a que temos vindo a assistir a nível internacional mas
também nacional (ver capítulo II).
A concentração da propriedade dos principais media, nomeadamente
daqueles a que acima classificámos como dominantes, mostra até que ponto
é falacioso falar dos media como um novo poder, seja o 4º ou seja, como
agora se pretende, o 1º.10
A formação e o modo de funcionamento de fortes grupos empresariais
revela-nos o poder dos media enquanto, digamos, poder delegado daquele

9
Ver Daniel Junqua, La Presse, le cityen et l’arget, Gallimard, 1999, p. 29.
10
Para uma problematização das concepções sobre o poder dos media, ver Mário Mesquita, “Percepções
contemporâneas do poder dos media”, ob. cit. pp. 72-88. Ver também Fernando Correia, Os Jornalistas e
as Notícias, Caminho, 2003 (4ª edição), pp. 266-270.

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que nas nossas sociedades está a ocupar o lugar no topo da hierarquia, o


poder económico-financeiro a nível nacional e transnacional. Poder-se-á
dizer, pois, que estamos claramente, sociologicamente falando, perante uma
questão de classes, e que só no quadro de uma dinâmica e de um
antagonismo de classes sociais pode ser analisada com profundidade (ver
capítulo IV).
Ainda que, sublinhe-se, o funcionamento dos media e a acção dos
agentes produtores de informação, desde logo os jornalistas, sejam dotados
de uma lógica própria e de uma relativa autonomia, que impedem qualquer
análise de tipo simplisticamente determinista11.

Uma questão essencial

Os media transformaram-se numa peça fundamental e mesmo


insubstituível dos mecanismos de dominação política, social, cultural e
ideológica, não só por parte dos países capitalistas mais poderosos,
nomeadamente os EUA, sobre os países menos desenvolvidos, mas
também das classes dominantes nacionais sobre as outras camadas sociais
que constituem a esmagadora maioria das populações.
Não deixa de ser esclarecedor acerca deste papel dos media verificar
até que ponto o seu imparável desenvolvimento tecnológico não é
acompanhado por um igual desenvolvimento económico, social e cultural e
da própria consciência cívica. Focando o caso da América Latina, James
Petras 12 chama a atenção para a relação directa existente entre, por um lado,
o aumento do número de receptores de televisão e, por outro, o declínio do
rendimento e a diminuição das lutas populares em defesa dos seus
interesses: “Entre 1980 e 1990 o número de televisores na América Latina
por habitante aumentou 40 por cento, enquanto o rendimento médio anual
diminuiu 40 por cento, e um conjunto de candidatos políticos neoliberais
dependentes decisivamente de imagens de televisão ganhou a presidência. O
aumento da penetração dos mass media entre os pobres, os crescentes
investimentos e lucros das corporações americanas com a venda de
mercadorias culturais e a satiração de audiências de massa com mensagens
que oferecem aos pobres experoências de segunda mão de consumo
individual e aventura define o actual desafio do colonialismo cultural”.

11
Ver Fernando Correia, ob. cit., nomeadamente pp.259-272.
12
James Petras, “O imperialismo cultural no finado século XX”,
http://resistir.info/eua/petras_imperialismo_cultural.html

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A constatação desta realidade leva-nos a assinalar a existência de uma


questão essencial: a contradição entre, por um lado, o poder social dos media
e, por outro, o seu uso privado com objectivos lucrativos, de poder ou de
influência no poder.
Pensemos em Portugal. Num país como o nosso, em que as
desigualdades sociais não deixam de aumentar, que se debate com
gravíssimos problemas próprios de quem está na cauda da Europa no que se
refere à maioria dos índices que têm a ver com o desenvolvimento, desde o
analfabetismo, a iliteracia e o atraso cultural até aos comportamentos
cívicos, aos hábitos alimentares, à destruição da floresta e à sinistralidade
rodoviária – num país como o nosso, será que não devemos exigir aos media
mais do que o simples tratamento noticioso destas realidades, ainda por cima
segundo critérios onde muitas vezes o sensacionalismo se sobrepõe ao rigor?
Consideramos dramático o facto de, por um lado, existirem hoje
meios extraordinários, proporcionados pelos media, para o apoio à educação,
ao desenvolvimento, à cultura, ao aprofundamento da democracia, ao melhor
conhecimento entre os povos, e por outro lado, esses meios serem utilizados
em estratégias de conquistas de mercado, de luta pelas audiências, de
especulação bolsista, numa perspectiva meramente mercantilista.
Não se trata de pretender que os media, e a começar pelas televisões
(sem distinguir aqui públicas e privadas) transformem a sua programação
numa espécie de serviço cívico, nem de pôr em causa o seu direito ao
legítimo lucro inseparável da iniciativa privada, mas sim de entender os
media no quadro das suas responsabilidades sociais. Tal como Paquete de
Oliveira, entendemos que os media, fenómeno social, “reproduzem a ‘ordem
social’ da estrutura que lhes dá suporte. Por isso nem são dissociáveis da
democracia que os funda nem são inimputáveis face à democracia que
ajudam a construir”13
Além do mais, e desde logo, temos que lhes exigir qualidade. E
qualidade não são apenas programas culturais em sentido estrito, nem uma
boa reportagem de vez em quando ou exclusivamente dedicada a quem sofre
de insónias. Qualidade é algo que deve impregnar toda a programação, é
disponibilidade para campanhas de sensibilização e mobilização que ajudem
a resolver graves problemas sociais, é bom senso e bom gosto nos
programas de entretenimento, e é também, necessariamente, jornalismo
rigoroso, isento, contextualizado e plural.
Contribuir para que assim seja é responsabilidade de todos quantos,
directa ou indirectamente, participam no processo de produção da
13
José Manuel Paquete de Oliveira, “Também no reino da liberdade de opinião nem tudo o que luz é oiro”,
in Media, Jornalismo e Democracia, Livros Horizonte/CIMJ, p. 62.

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informação – empresários, jornalistas e outros profissionais do sector,


políticos, professores, investigadores... Em última análise, é
responsabilidade de todos nós, cidadãos. Porque o que está em causa é, no
fundo, a própria democracia. Como diz James Carey: “O jornalismo e a
democracia partilham o mesmo destino”14.

14
James Carey, citado por Thomas E. Patterson, in “Tendências do jornalismo contemporâneo”, Media &
Jornalismo, nº 2, 2003, p. 34.

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