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AGOSTO
2013
A renovação dos estudos históricos a partir, principalmente, dos anos 1980
trouxe consigo um novo olhar sobre o papel do sujeito na História. A explosão de vozes
daí advinda, conforme lembrou Alexandre de Sá Avelar, possibilitou toda uma
ressignificação sobre o ato de narrar e, consequentemente, sobre o fazer biográfico 1.
Assim, em contraposição à apreensão mecânica dos sujeitos coletivos e das
metanarrativas presentes nas obras dos Annales e do Marxismo clássico, buscou-se
valorizar as ações de homens e mulheres comuns enquanto sujeitos históricos capazes
de interferir no curso dos acontecimentos. O indivíduo deixou de ser encarado como
reflexo de uma estrutura fechada, hierarquizada e passou a ser visto como um agente
múltiplo e complexo.
Neste sentido, foram postos em evidência alguns debates caros ao desafio de se
escrever uma vida, tais como: as fronteiras entre o público e o privado; a relação entre o
indivíduo e a sociedade; entre o autor, o texto e o contexto; entre o “todo” e a “parte”.
Da mesma maneira, buscou-se refletir sobre a própria complexidade e a subjetividade
do sujeito, o papel que deve ser atribuído à memória e ao esquecimento, a dicotomia
entre o ficcional e o real, o narrado e o vivido na elaboração de uma biografia.
1
Alexandre de Sá Avelar. “Escrita biográfica, escrita da História: das possibilidades de sentido”, 2012, p.
63-80. As referências completas deste trabalho e dos demais indicados nas notas seguintes encontram-se
na bibliografia, ao final.
2
ou virtuosos2. Tampouco desejamos fazer um percurso cronológico e unidirecional que
busca um “eu” coerente e constante em suas ações. Tal como a biografia moderna,
almejamos humanizá-lo, atentando-nos para suas qualidades e defeitos, suas
continuidades e descontinuidades percebendo-as enquanto características a serem
compreendidas e não ignoradas. Jacques Revel resumiu com bastante clareza as nossas
perspectivas sobre a escrita biográfica. Para ele:
O que está doravante no coração do projeto biográfico é a importância de
uma experiência singular mais que a de uma exemplaridade destinada a
encarnar uma verdade ou um valor geral, ou ainda a convergir com um
destino comum. O que se busca apreciar é precisamente a singularidade de
uma trajetória3.
***
2
Daniel Madelénat. La Biographie, 1984.
3
Jacques Revel. “A biografia como problema historiográfico”, 2010, p. 242.
4
A expressão é de Luis Felippe Goycochêa. O Fronteiro-mor do Império, 1942.
5
Argeu Guimarães. Dicionário Bio-Bibliográfico Brasileiro de Diplomacia..., 1938.
3
prestassem a cotejo entre si ou com elementos que porventura possuíssem as soberanias
confinantes”6.
Traçando um histórico das fronteiras da Amazônia, Synesio Sampaio Goes foi
ainda mais enfático ao afirmar que “ao se estudar, no período imperial, qualquer
problema de limites do Brasil, um nome aparece constantemente, ou como negociador,
ou como redator de instruções ao negociador, ou como autor de memória sobre o
problema, ou como elaborador do mapa que o ilustra graficamente: Duarte da Ponte
Ribeiro”7.
Ao discutir a relação entre territorialidade e soberania nacional brasileira,
Leandro Macedo Janke lembrou que embora não possuísse o destaque de homens como
o Visconde do Uruguai ou, mais tarde, do Barão do Rio Branco, “Ponte Ribeiro
contribuiu decisivamente para a formulação e execução da política de fronteiras do
Império”. Não esqueceu também de sua “participação ativa e destacada no
desenvolvimento da cartografia nacional, recurso fundamental na afirmação de uma
determinada territorialidade” 8.
O professor Paulo Roberto de Almeida foi talvez o único que valorizou a função
de Ponte Ribeiro como “cronista dos lances políticos e guerreiros que se desdobravam
nas repúblicas do Peru, Bolívia e Chile”. Entretanto, é categórico ao afirmar que a fase
mais importante da vida do diplomata só começaria aos 41 anos “quando influenciaria
decisivamente a futura demarcação de limites do Brasil” 9.
José Antonio Soares de Souza, autor do primeiro e, até o momento, único
estudo sistematizado sobre a obra do diplomata em questão, considerou que Duarte da
Ponte Ribeiro teve “uma vida de trabalho movimentadíssima e interessante, consagrada
inteiramente ao Brasil”10. Baseado numa farta pesquisa documental, cronologicamente
encadeada, Soares de Souza descreveu com maestria cada etapa da vida pública deste
homem de governo, enfatizando seu papel de destaque nas missões diplomáticas que
encabeçou junto às Repúblicas do Pacífico, sua intensa atuação como conselheiro dos
ministros na Secretaria de Estado e Negócios Estrangeiros e quando presidia a terceira
seção desta mesma secretaria dedicada aos assuntos da América. No entanto, foi
categórico ao dizer que o êxito de Ponte Ribeiro se deveu, essencialmente, ao fato de ter
sido o primeiro brasileiro a defender a aplicação do princípio do uti possidetis na
configuração de nossas fronteiras. Dizia ele:
6
Luis Felippe Goycochêa. O Fronteiro-mor do Império..., 1942, p. 173.
7
Synesio Sampaio Goes. Navegantes, Bandeirantes, Diplomatas...,1991, p. 126
8
Leandro Macedo Janke. “Território, Nação e Soberania no Império do Brasil”, 2011.
9
Paulo Roberto de Almeida. “Um diplomata a cavalo: Duarte da Ponte Ribeiro”..., 2005, p. 16-19.
10
José Antonio Soares de Souza. Um diplomata do Império..., 1952, p. 5
4
Foi esta [a adoção do uti possidetis], a meu ver, a maior obra de Ponte
Ribeiro como diplomata, obra pessoal, iniciada por ele sozinho, desde 1838;
assentada em 1851 pelo visconde do Uruguai, e concluída pelo barão do Rio
Branco em 1910. Fora eminentemente nacional a obra, que realizara o antigo
cirurgião da Praia Grande, pois, sobre ser do Império, aceitou-a a República,
defendendo-a sempre os nossos maiores estadistas.11.
Tomando essas orientações como referência, a primeira pergunta que nos vem à
cabeça quando nos deparamos com a biografia de Duarte da Ponte Ribeiro é: Como ele
ingressou na diplomacia? Que influências ele deve ter sofrido para mudar
repentinamente de profissão? Sabemos que Ribeiro nasceu em uma família de médicos-
cirurgiões em Portugal na freguesia de São Pedro de Pavolide, bispado de Vizeu a 2 de
março de 1794 ou 1795 e veio para o Brasil junto com a Família Real, em 1808, na
companhia de seu mestre e primeiro cirurgião da nau Príncipe Real, Joaquim da Rocha
Mazarém22.
17
Leonor Arfuch. O Espaço biográfico, 2010, p. 42.
18
Sabina Loriga. “a tarefa do historiador”, 2009, p.13-32
19
Alexandre Avelar. “Escrita biográfica, escrita da História: das possibilidades de sentido”, 2012, p. 70.
20
Alexandre Avelar. “Escrita biográfica, escrita da História: das possibilidades de sentido”, 2012, p. 72.
21
Leonor Arfuch, O Espaço Biográfico, 2010, p. 92
22
Joaquim Manuel de Macedo. RIHGB. Tomo XLI. 1878, p. 487. Chermont de Miranda alega que Duarte
da Ponte Ribeiro nasceu em 1794. Vitorino Chermont de Miranda. “Duarte da Ponte Ribeiro”, 1996, p.
112.
7
No Brasil, seguiu os passos do pai, o cirurgião João da Costa Queiroga da Ponte
Ribeiro, e deu continuidade a seus estudos universitários no curso de cirurgia na escola
anatômica, cirúrgica e médica do Real Hospital Militar do morro do Castelo. Enquanto
estudava, atuou como cirurgião de bordo e visitou vários portos na Europa, Ásia e
África dando diversas provas de sua capacidade profissional. Isso facilitou a obtenção
da carta de cirurgião, em 14 de setembro de 1811. Estava ele com apenas 17 anos
incompletos e terminou o curso em três anos, quando o normal eram cinco. Em 1819 foi
nomeado cirurgião-mor da Câmara da Vila de Praia Grande, atual Niterói. Neste mesmo
ano entrou para a burocracia assumindo o cargo de tesoureiro do selo que em 1820 foi
acumulado com o de tesoureiro da fazenda dos defuntos e ausentes. Este último cargo se
tornou vitalício pelo alvará de 1 de fevereiro de 182123. Quando do processo de
Independência, jurou fidelidade à causa brasileira.
Esta descrição prévia aguça ainda mais nossa curiosidade. A que se deveu sua
decisão de abandonar uma zona de conforto e uma carreira médica minimamente
consolidada para se aventurar em uma área sem qualquer experiência?
Considerando que durante o século XIX ainda era forte o valor conferido às
graças e mercês, é bem provável que o médico, sem qualquer experiência na área
diplomática, tenha aceitado o convite do governo interessado em alguma forma de
promoção social que na carreira médica talvez fosse mais difícil 31. Por outro lado, no
pós 1822, era premente a necessidade de homens de governo dispostos a conseguirem o
reconhecimento da Independência do Brasil nos quatro cantos do mundo. Este foi,
inclusive, o objetivo da primeira missão por ele encabeçada à Espanha, em 1826. Duarte
da Ponte Ribeiro não conseguiu sequer ser recebido pelo ministro dos negócios
estrangeiros D. Manuel Gonzáles Salmon e ainda foi acusado de entrar ilegalmente no
país. A explicação geral é que comportamento do ministro deveu-se a uma retaliação
devido a permanência da ocupação da província Cisplatina pelo Brasil.
A partir daí, Ponte Ribeiro não mais voltaria à Europa em missão diplomática e a
América do Sul tornou-se a sua principal área de atuação. Destacamos em particular as
missões encabeçadas junto às Repúblicas do Pacífico (Peru, Bolívia e Chile) onde
esteve em três oportunidades32. Embora o objetivo em cada missão diplomática fosse, a
priori, iniciar discussões para o estabelecimento de acordos comerciais e de limites,
Ponte Ribeiro sempre foi além e não deixou de registrar suas impressões sobre a
situação política, cultural, financeira, militar e até mesmo social de cada uma das
repúblicas que visitou e das vantagens que o governo brasileiro devia tirar delas.
O fato de não ter ficado preso às burocracias dos cargos que assumiu ao longo de
28
Jacques Le Goff. “Introdução”. São Luís...,1999, p.21
29
Pierre Bourdieu. “Ilusão biográfica”, 1996, p. 183-191.
30
Quentin Skinner. “significação e compreensão...”, 2002, p. 100-101.
31
Sob pena de estarmos incorrendo em algum tipo de anacronismo, é preciso salientar que só depois de
entrar para a carreira diplomática é que Ponte Ribeiro foi agraciado com a comenda da Ordem de Cristo,
com o foro de fidalgo cavaleiro da casa Imperial e com o título de Barão, em 1873, em reconhecimento
aos serviços prestados à Monarquia. BN-Mss 14,1,3 - Isa Adonias. Acervo de Documentos do Barão da
Ponte Ribeiro..., 1984.
32
Entre 1829-1832 esteve no Peru, entre 1836-1841 atuou como encarregado de negócios na
Confederação Peru-Boliviana e entre 1851-1852 encabeçou uma missão extraordinária às Repúblicas do
Pacífico e à Venezuela. Ponte Ribeiro também foi encarregado de negócios no México (1833-1835) e
ministro residente em Buenos Aires (1842-1843).
9
sua carreira, aliado à sua paixão desenfreada em vasculhar os arquivos por onde passava
fez com que em pouco tempo o diplomata se tornasse autoridade de referência nas
problemáticas que envolviam a América do sul a ponto de ser nomeado para presidir,
entre 1841-1842, a terceira seção da Secretaria de Estado de Negócios Estrangeiros
dedicada às relações do Brasil com os países fronteiriços. Quando foi colocado em
disponibilidade, em 1853, continuou colaborando com sua experiência atuando como
conselheiro dos ministros. Era a ele que os funcionários daquela Secretaria geralmente
recorriam quando necessitavam esclarecer ou se posicionar diante de alguns
questionamentos. Ponte Ribeiro emitia pareceres, redigia instruções, escrevia memórias
sobre diversos temas que estavam na agenda externa do governo brasileiro.
É curioso notar que quase nada sabemos da vida privada deste diplomata. Em
seu arquivo particular não encontramos cartas remetidas à mulher, aos filhos e nem a
outros familiares. O próprio José Antônio Soares de Souza reconhece esta ausência de
informações e fala das intervenções feitas no arquivo antes de ser entregue ao público.
Diz ele:
Infelizmente não encontrei uma só carta de Ponte Ribeiro a sua família (...).
O seu arquivo sofreu positivamente uma poda no tocante à correspondência
particular. O homem notável, para o gosto da época, era apenas o de portas
afora. O de portas a dentro perdia todo o prestígio por cair na craveira
comum. Assim, para que este lado da vida não ensombrasse o outro, se
mutilavam os arquivos, rasgando-lhes as cartas íntimas, que revelavam o que
de mais humano e interessante existia então, que era justamente a vida de
família (...). Falta-nos a respeito de Ponte Ribeiro documentação referente a
esse lado mais humano da vida33.
Esta fala reflete o que já pontuamos na parte inicial deste trabalho sobre as
peculiaridades acerca das preocupações com o indivíduo durante o século XIX. Por
mais que àquela época o público e o privado já fossem duas esferas interdependentes,
havia de certo um comprometimento com a ideia de construção de modelos nacionais
que servissem de referência para a posteridade. Neste sentido, trazer à tona questões
particulares era dotar este indivíduo de uma humanidade que não contribuiria em nada
para o entendimento da concepção de Nação. Exteriorizar estas singularidades poderia,
em alguns momentos, ir na contramão de uma certa linearidade de pensamento que se
pretendia imortalizar. O que dava prestígio a um indivíduo no século XIX era a sua ação
na esfera pública, por isso as palavras de Soares de Souza já que na esfera privada todos
eram iguais.
***
Isso fica bem claro nas orientações recebidas do ministro da secretaria dos
negócios estrangeiros Marquês de Aracati, a 9 de março de 1829. Devia Ponte Ribeiro
iniciar diálogo com o governo, afastar a ideia de que a Monarquia representava uma
ameaça às Repúblicas vizinhas e averiguar possibilidades de estabelecer acordos
comerciais sob princípios liberais "a fim de se animarem cada vez mais as relações de
amizade e boa vizinhança entre os dois Estados limítrofes"39.
Tais orientações iam ao encontro das necessidades da época. A instabilidade
política e econômica que caracterizou o Primeiro Reinado dificultou a elaboração de um
plano específico de política externa para cada região. Naquele contexto, a perda da
província Cisplatina (1828), trazendo sérias consequências à débil economia brasileira;
a renovação dos tratados com a Inglaterra, que previa o fim do tráfico de escravos, sem
a consulta do Parlamento que se encontrava fechado; a outorga de uma constituição
(1824) e a Confederação do Equador (1824), em reação ao absolutismo de D. Pedro I,
foram fatores que fragilizaram a estrutura do país recém-independente. Nessas
condições, seria quase que impossível pensar em propostas de relacionamento externo
consistente que não fosse a aproximação política para a legitimação do poder do
Império Brasileiro. Como observam Amado Cervo e Clodoaldo Bueno, a recorrência a
tratados comerciais para agilizar esse processo já vinha sendo utilizada com os países
europeus e causou profundos danos aos cofres públicos do Brasil40.
A adoção do sistema monárquico constitucional liderado por um herdeiro da
casa dos Bragança causava estranhamento aos demais governos sul-americanos adeptos
do sistema republicano. Temia-se, certamente, algum objetivo brasileiro de monarquisar
a América. Acreditava-se que a nação brasileira em construção, seria uma agente da
Santa Aliança que se posicionaria contra os movimentos independentistas e
revolucionários das Repúblicas na América do Sul.
Simon Bolívar, ao defender uma confederação entre os países independentes,
argumentava que "este imperador do Brasil e a Santa Aliança são uma unidade, e se nós,
os povos livres, não formarmos outra, estamos perdidos". Francisco de Paula Santander,
por sua vez, via o Império como "a reserva da Santa Aliança, dos Bourbons e dos
38
Luís Claudio Villafañe Gomes Santos. O Império e as Repúblicas do Pacífico..., p. 2002.
39
“Instruções do Marquês de Aracati, Ministro dos negócios estrangeiros, para Duarte da Ponte Ribeiro,
cônsul-geral e encarregado de Negócios no Peru”. Caderno do CHDD, ano 7, n. 12, 2008, p. 107.
40
Amado Cervo & Clodoaldo Bueno. História da Política Exterior do Brasil, 2008.
12
inimigos de nossa independência, e em tal conceito é do nosso dever evitar por todos os
meios que usem essa reserva e a ponham em movimento".41
O Incidente de Chiquitos, ocorrido entre abril e maio de 1825, serviu para aflorar
estes medos e quase provocou a formação de uma liga antibrasileira. Chiquitos era uma
província boliviana governada por Sebastião Ramos. Desejando resistir às tropas
revolucionárias de Antonio José de Sucre e manter-se fiel à coroa espanhola, Ramos
pediu proteção ao governo de Mato Grosso que, sem consultar a corte no Rio de
Janeiro, anexou aquela província ao seu território42. Tal ato foi encarado como uma
tentativa de expansionismo brasileiro sobre os governos republicanos e o general Sucre
logo tratou de organizar uma força contra-revolucionária para não só vingar aquela
anexação mas "entrar em Mato Grosso e revolucionar todo o país, proclamando a
liberdade, os princípios republicanos e democráticos", pois considerava aquela atitude
"a mais escandalosa violação do direito internacional e do direito das gentes, que não
podemos suportar com tranquilidade”43. Sucre ainda buscou o apoio de Simon Bolívar –
que o recomendou agir com cautela – e das províncias unidas argentinas pois sabia dos
interesses daquelas províncias sobre a Cisplatina, ocupada pelo governo brasileiro.
Sechinger sustenta que a formação da liga antibrasileira só não foi para frente pelo fato
de as autoridades de Mato Grosso terem voltado atrás da anexação antes mesmo da
desautorização de D. Pedro I e pela falta de apoio do primeiro-ministro inglês George
Canning e do vice-presidente da Grã-Colômbia Francisco de Paula Santander.
Da mesma maneira, a resistência brasileira em reconhecer a independência da
província Cisplatina serviu para aumentar a imagem negativa construída pela
Monarquia. Villafañe Gomes Santos lembra inclusive que houve uma iniciativa
diplomática por parte do governo argentino que visitou Peru, Bolívia e Chile a fim de
sugerir uma ação conjunta daquelas repúblicas contra o Brasil. No entanto, os conflitos
internos pelos quais aqueles governos passavam e a própria desaprovação do governo
inglês, que àquela época tinha bastante peso, impediram a consecução deste projeto44.
Ponte Ribeiro parecia estar ciente do desconforto gerado pela única monarquia
do continente e durante toda a sua carreira diplomática não deixou de chamar a atenção
do governo brasileiro para esta questão. Por isso acreditava que a presença ostensiva de
representantes diplomáticos em territórios da América que tinham uma importância
secundária no quadro das relações externas do Império (como Chile, Peru, Bolívia,
41
Citado por Luís Cláudio Villafañe Gomes Santos. O Império e as Repúblicas do Pacífico..., 2002, p. 32
42
Ron. L. Sechinger. "O incidente de Chiquitos...”,1976, p. 232-257
43
Citado por Ron. L. Sechinger, “O incidente de Chiquitos...”, 1976, p. 243.
44
Luís Claudio Villafañe Gomes Santos. O Império e as Repúblicas do Pacífico..., 2002, p.25
13
Colômbia, Equador, Nova Granada e Venezuela) ajudariam a construir relações mais
fortes e duradouras. O diplomata partia do seguinte princípio: "quanto mais o governo
imperial esmerar-se em dirigir aos dessas repúblicas demonstrações de urbanidade e
consideração, menor será a desconfiança de que tais atos encobrem um fim contrário
aos seus interesses e forma de governo"45.
Era com o Chile, entretanto, que as relações comerciais podiam progredir já que
aquela república consumia uma grande quantidade de erva mate vinda do Brasil, tabaco
e bastante açúcar. O problema, segundo Ponte, era a maneira como o açúcar era
transportado, e alertava que a venda poderia ser maior “quando os especuladores
melhorarem a maneira de condução, em barricas ou caixas, em vez de sacos, em que
45
“Memória sobre as Repúblicas do Pacífico”. Cadernos do CHDD, n.1, 2002, p. 140-158
46
“Memória sobre as Repúblicas do Pacífico”, 2002, p. 140-158.
14
chega úmido, negro e com mau cheiro”47. Foi por conta dessa possibilidade de aumento
de finanças que o diplomata interveio o quanto pôde para impedir a assinatura de um
tratado entre Chile e Peru, pois este último ia vender as mesmas mercadorias que o
Brasil e a um preço muito menor já que não teria tantas dificuldades com o transporte
das mesmas. Para alívio de Ponte Ribeiro, os desentendimentos políticos entre aqueles
governos acabaram minando a possibilidade do acordo.
***
Duarte da Ponte Ribeiro foi também uma das poucas vozes que durante o
Império viu com bons olhos a participação do Brasil nos congressos de integração
americana como estratégia para encurtar o abismo que separava os sistemas políticos
Monárquico e Republicano. Questionado, em 1841, pelo ministro dos negócios
estrangeiros Aureliano de Sousa Pereira Coutinho sobre “as vantagens da reunião do
preconizado congresso americano” a ser realizado no Peru, o diplomata defendeu com
louvor não só a participação, mas também a intervenção direta do Brasil para que o
congresso realmente ocorresse.
52
Esta visão é defendida dentre outros por Luis Cláudio Villafañe Gomes Santos. O Império e as
Repúblicas do Pacífico..., 2002; Amado Cervo & Clodoaldo Bueno. História da Política Exterior do
Brasil, 2008; Leslie Bethel. “O Brasil no Mundo”, 2008, p. 131-177;
17
Segundo ele, as discussões a serem realizadas no congresso interessavam e
muito ao Brasil já que objetivava "a adoção uniforme de princípios que sirvam de
barreiras `as injustiças e abusos que se pratica com eles; e concordar os meios de por
termo `as convulsões políticas que se sucedem diariamente destruindo a vida, a
propriedade e a moral”. Entre outros temas a serem tratados no congresso constavam as
tarefas de impedir a subdivisão dos estados, definir os modos de interferir na
pacificação interna das novas repúblicas, convencionar o melhor regime policial de
fronteiras e direito de asilo53.
De uma maneira geral, buscava-se estabelecer diretrizes para regulamentar o
relacionamento entre os novos governos, pois nos anos anteriores tinha-se assistido a
um conjunto grande de disputas internas e externas que colocaram em xeque os já
frágeis princípios de autonomia e soberania nacional. A experiência de uma
confederação Peru-Boliviana – fruto mais de uma imposição do Peru do que de um
diálogo com a Bolívia - a fragmentação da Grã-Colômbia e as constantes intrigas
extraterritoriais exigiam a emergência de um congresso.
Para o Brasil, tais temas eram de suma importância, pois a ele interessava a
estabilidade e a ordem política propostas pelo congresso. Por isso, na opinião de Ponte
Ribeiro, o Império devia tomar parte ativa para que o encontro ocorresse e aproveitar a
oportunidade para iniciar conversas sobre a definição de limites com as Repúblicas.
Além disso, acreditava Ponte Ribeiro, que aquele seria o momento de o Brasil
demonstrar todo o seu respeito e consideração atuando “secretamente” como
intermediário entre as novas repúblicas americanas e as velhas metrópoles europeias
para que estas últimas "reconheçam aquelas disposições razoáveis" estabelecidas no
congresso. Por outro lado, defendia que o exemplo de organização das instituições
monárquicas podia servir de base para a estabilização dos governos republicanos.
Tendo como referência um histórico de vivência na América do Sul54, Ponte
Ribeiro construiu sua narrativa no intuito de argumentar que a resistência ou a má
vontade do Brasil em tomar parte daquele encontro "atrairia também sobre o Império a
opinião dominante em todas as repúblicas, de que os governos organizados tem
interesse em que não se constituam os hispano-americanos" 55. Deste modo, era mais que
primordial a demonstração de amizade por parte do Brasil para conquistar a simpatia e a
confiança das repúblicas amenizando, assim, os receios que, porventura, ainda
53
AHI, Lata 269, maço 3 – memória n. 9 – Reflexão sobre as vantagens da reunião do preconizado
congresso americano. RJ 11/11/1841
54
Em 1841, Ponte Ribeiro tinha acabado de retornar de sua segunda missão às Repúblicas do Pacífico.
55
AHI, Lata 269, maço 3 – memória n. 9
18
permanecessem. O estreitamento de laços de cordialidade revestia-se de um objetivo
maior que era a possibilidade aberta para negociar acordos bilaterais e o congresso a ser
realizado em Lima era uma oportunidade que não poderia ser deixada de lado.
Tal como seus contemporâneos, Ponte Ribeiro acreditava que o Império devia
tomar a dianteira do congresso para que, em sua ausência, não fossem discutidos temas
contrários aos seus interesses ou à sua forma de organização. Este foi o argumento
utilizado pelo diplomata Miguel Maria Lisboa, encarregado de negócios em Santiago,
em 1840, para tentar convencer o governo brasileiro a mandar um representante ao
congresso. Lisboa carregou em seu discurso chegando a comparar o papel de destaque
que o Império poderia ter no congresso àquela mesma posição e consideração que
Bolívar possuía anos atrás. Dizia ele: “não creio errar quando penso, que entrando nela
[na liga americana] o Brasil, virá a depositar nas mãos do nosso Augusto Monarca uma
influência tão benéfica e extensa sobre todo este vasto e interessante continente, como a
que coube a Bolívar, no auge de sua glória, sobre uma parte dele” 56. Para Maria Lisboa
era precisamente a presença do Brasil que daria o tom dos temas a serem discutidos no
congresso.
Depois de ter sua opinião corroborada por Ponte Ribeiro, em novembro de 1841,
o Império finalmente aceitou mandar um representante. Coube a Miguel Maria Lisboa a
tarefa de conduzir o diálogo para que o Brasil fosse formalmente convidado. O
preconizado congresso, bastante esvaziado, ocorreu entre 1847 e 1848 com a
participação do Equador, Chile, Nova Granada, Bolívia e do Peru. O Império, no
entanto, não se fez representar. Para Villafañe Gomes Santos, esta ausência pode ser
explicada pela constatação da impossibilidade de formação de uma liga antimonárquica
por conta do esvaziamento do congresso57.
De todo modo, o fato é que o Brasil esforçou-se muito pouco para enviar
representantes aos congressos americanos que se realizaram ao longo do século XIX. O
Império assumiu um comportamento dúbio, embora não quisesse se ver alijado das
reuniões não via com bons olhos a organização do mesmo, pois temia que tais encontros
dessem margem à formação de uma liga antibrasileira. Por isso, era importante saber o
que seria discutido nos congressos, insinuar interesse, e enviar representantes somente
quando houvesse alguma forma de ataque58.
O distanciamento do Brasil em relação às propostas de diálogo da América
56
LIB em Santiago, ofício reservado n. 7, de 26/07/1840. Citado por Claudio Villafañe Gomes Santos. O
Brasil entre a America e a Europa..., 2004, p.89
57
Luis Claudio Villafañe Gomes Santos. O Brasil entre a America e a Europa..., 2004.
58
Luis Claudio Villafañe Gomes Santos. O Brasil entre a America e a Europa..., 2004.
19
explica-se, de acordo com Gomes Santos, pelas próprias particularidades do processo de
formação dos Estados Nacionais dos antigos domínios ibéricos na América. A
legitimação e identidade das ex-colônias espanholas foi construída a partir da ideia de
ruptura com as estruturas políticas, econômicas e sociais do Antigo Regime e,em
extensão com a Europa. No caso do Brasil, este desenlace não foi total e a Europa
continuava sendo o ideal de organização e modernidade. Era justamente esta
proximidade política com a Europa que fazia o Brasil acreditar em sua superioridade
civilizacional. A América, por sua vez, era sinônimo de toda desorganização e
anarquia59.
Esta dicotomia entre o velho (Europa) e o novo (América) esteve presente nos
debates de todos os congressos interamericanos realizados durante o século XIX. No
caso do Brasil, abraçar por inteiro a causa americana e divorciar- se da Europa era
colocar em risco a própria legitimidade da Nação. Para além disso, argumenta Gomes
Santos, os temas debatidos nos congressos despertaram pouco interesse. “A ideia de
união e confederação com os vizinhos hispano-americanos seria a própria negação da
auto-imagem do Império” já que o outro a ser evitado, no caso brasileiro, eram as
Repúblicas vizinhas.
Da mesma maneira, “a hipótese de apoiar-se em uma liga americana contra
ameaças europeias” colocava o Brasil numa posição delicada e até mesmo contraditória
devido a sua forma de governo60. Tal era o vínculo e a consideração do Brasil com o
velho continente que às vésperas da proclamação da República assim se pronunciava o
governo: “o Brasil não tem interesse em divorciar-se da Europa (...) convém-lhe
conservar e desenvolver as suas relações com ela, quando mais não seja para estabelecer
um equilíbrio exigido pela necessidade de manter a sua forma atual de governo”61.
Com efeito, ao longo do século XIX foram realizados vários congressos
interamericanos, cada qual com uma temática diferenciada62. A custa de muitas
desconfianças e temores, a presença do Brasil ocorreu apenas no último desses
encontros realizado em Washington, entre 1889 e 1890. Inicialmente o Brasil manteve-
se reticente, mas com a proclamação da República, enquanto ocorria o congresso,
colocou o país numa situação mais confortável e passou a defender posicionamentos
mais próximos de seus vizinhos63.
59
Luis Claudio Villafañe Gomes Santos. O Brasil entre a America e a Europa..., 2004, p. 24.
60
Luis Claudio Villafañe Gomes Santos. O Brasil entre a America e a Europa..., 2004, p. 100-102.
61
Citado por Luis Claudio Villafañe Gomes Santos. O Brasil entre a America e a Europa..., 2004, p. 109.
62
Os congressos ocorrem no Panamá (1826), em Lima (1847-1848), em Santiago (1856), em Lima (1864-
1865) e em Washington (1889-1890).
63
Luis Claudio Villafañe Gomes Santos. O Brasil entre a America e a Europa..., 2004, p. 109-129.
20
Para Ponte Ribeiro, no entanto, a manutenção do regime monárquico não era um
problema. Era justamente este estatuto jurídico junto com a supremacia territorial do
Brasil que fazia o país ser ao mesmo tempo temido e admirado pelas demais
Repúblicas. Este pensamento, no entanto, não era partilhado pelas autoridades do
governo e o Brasil permaneceu ausente dos congressos até a última década do século
XIX.
***
Tal como anunciamos no início do trabalho, Ponte Ribeiro sempre foi um crítico
do “crescente e maligno poder” do general D. Juan Manuel de Rosas, caudilho
federalista ligado aos interesses dos estancieiros que governou Buenos Aires entre 1829-
1832 e entre 1835-185264. Suas ações causaram grandes empecilhos à continuidade dos
interesses políticos e econômicos historicamente enraizados da Monarquia na bacia do
Prata e acabaram por influenciar a política brasileira no Pacífico.
Enquanto agente que aderiu à causa brasileira, Ponte Ribeiro estava atento ao
perigo de uma possível confluência de interesses entre o governador de Buenos Aires e
as Repúblicas do Pacífico contra a Monarquia. Em outubro de 1848 num tom bastante
enfático, o diplomata informou às autoridades sobre o comportamento capcioso de
Rosas nos jornais da época. Segundo consta, Rosas vinha divulgando que o tratado de
limites de 1777 havia sido suspenso pelo de 1801, mas o Brasil continuava insistindo no
primeiro pois lhe garantia uma extensão de suas fronteiras. Na opinião do diplomata,
tais insinuações mereciam uma resposta rápida já que poderia convencer as outras
repúblicas que a grandeza territorial do Brasil se devia à espoliação das fronteiras
vizinhas. Dizia ele:
Persuado-me que estas publicações devem merecer a atenção do governo
imperial não só pelo efeito que vão produzir nas repúblicas vizinhas, como
também por induzirem os outros governos a acreditar que o Brasil é grande a
custa de usurpações feitas às novas repúblicas, resultando daí simpatizarem
com elas em prejuízo do Brasil quando haja algum rompimento65.
66
BNRJ, Mss. 63,03,004, n. 073
67
A missão foi enviada em março e a guerra contra Rosas se iniciou em maio de 1851.
68
Luis Cláudio Villafañe Gomes Santos. “O Império Brasileiro e as Repúblicas do Pacífico”, 2001, p.
133-151.
22
política liberal e civilizadora; a de Rosas é uma política tirânica, retrógrada, e de
barbarismo, e mais ambiciosa, egoística, violenta, exigente e insultuosa". Deviam ainda
mostrar que não havia por parte do Brasil interesse algum em se imiscuir nos assuntos
internos das nações que o cercam como Rosas estava fazendo, pois embora tivessem um
regime monárquico "ele respeita as outras e entende que cada nação deve ser governada
como quer e por quem quer". Com isso, o governo se livrava das acusações de querer
monarquisar a América do Sul e ao mesmo tempo mostrava o seu respeito à liberdade
política de seus vizinhos69. Enfim, os diplomatas podiam se utilizar de todos os meios
discursivos para colocá-las ao nosso lado e contra Rosas.
Partindo para a ação, todos os tratados de limites deviam ser assinados com
base no princípio do uti possidetis que dizia respeito aos territórios efetivamente
ocupados à época da independência. Para incentivar o comércio, as mercadorias
peruanas e bolivianas ganhariam vantagens alfandegárias no mercado brasileiro. Da
mesma maneira, devia-se atentar para as publicações na imprensa contrárias ao governo
brasileiro.
Quanto ao direito de navegação do Amazonas, grande reivindicação daqueles
países, orientava concedê-lo apenas aos ribeirinhos “em troca de vantagens comerciais e
políticas” e para que não se aproximassem dos EUA e dos europeus que desejavam
tomar aquele direito à força. Esta estratégia também poderia ser utilizada para colocá-
los contra Rosas que mantinha fechada a navegação do Rio do Prata70.
Ao final da missão, o saldo foi positivo. Ponte Ribeiro verificou a inexistência
de partidários favoráveis a Rosas, mesmo no Chile onde acreditava-se ter agentes
rosistas. Foram assinados tratados com Peru, em 1851. Com a Bolívia, no entanto, a
tentativa de diálogo foi infrutífera, pois o presidente Belzu mostrava-se muito mais
próximo de Rosas do que do Brasil. Ribeiro propôs, então, que o governo aumentasse o
número de soldados na fronteira para forçar uma negociação. Miguel Maria Lisboa, por
sua vez, conseguiu assinar acordos com a Venezuela, em 1852, e com a Colômbia, em
1853.
A derrota de Rosas foi relativamente rápida e ocorreu antes mesmo que a
missão especial às Repúblicas do Pacífico chegasse ao fim. A 2 de fevereiro de 1852, o
general sucumbiu diante das tropas aliadas do Brasil e de José Justo de Urquiza,
governador da província de Entre Rios, na batalha de Monte Caseros71.
69
“Instruções da Missão Especial nas Repúblicas do Pacífico”. In Cadernos do CHDD, n. 5, 2004, p. 442-
453.
70
“Instruções da Missão Especial nas Repúblicas do Pacífico”. In Cadernos do CHDD, n. 5, 2004, p. 442-
453.
71
Leslie Bethel. “O Brasil no Mundo”, 2012, p. 159.
23
Essa missão especial foi a última que Ponte Ribeiro encabeçou. Em 1853, a seu
pedido, foi colocado em disponibilidade no posto de enviado extraordinário e ministro
plenipotenciário. Os seus biógrafos são unânimes em afirmar que a partir daí começou a
fase mais produtiva na vida do diplomata. Segundo José Antônio Soares de Souza, por
aviso de 15 de fevereiro de 1853 foi Ponte Ribeiro incumbido "de fazer o elenco dos
papéis e mapas existentes nas repartições públicas, que dessem a conhecer a história, a
geografia, a estatística e as questões de fronteiras das províncias do Império, limítrofes
com os estados vizinhos, para se consultar oportunamente" 72. Com esta tarefa, o
diplomata podia se empenhar em uma das atividades que mais lhe dava prazer, a
pesquisa em arquivo. É daí, provavelmente, que surge o projeto de organização da
mapoteca do Itamaraty. O que se percebe, no entanto, é que Ponte Ribeiro foi muito
além de sua organização e partiu para a análise e estudo dos mesmos. Isso pode ser
constatado pelas quase duzentas memórias, instruções e pareceres que escreveu de 1853
a 1878, ano de sua morte. As relações entre o Brasil e as Repúblicas do Pacífico,
continuaram sendo um de seus temas de maior interesse.
Em suas "considerações sobre a importância das missões diplomáticas do
Império nas Repúblicas do Pacífico" de julho de 1855, Ponte Ribeiro fez um estudo
minucioso, como era de seu feitio, sobre o estado das relações políticas e econômicas do
Brasil com cada uma daquelas Repúblicas e enumerou novas problemáticas a serem
enfrentadas. Neste sentido, era importante manter atos de urbanidade internacional com
o Chile e Equador. Mesmo que as relações comerciais com aqueles países fossem
tênues, o Chile começava a despontar como nação preponderante no Pacífico e o
Equador estava entrando para a órbita de influência dos Estados Unidos interessado em
se apossar de Guaiaquil "por ser o único porto de construção naval que há no Pacífico",
portanto o Brasil precisava ficar alerta73.
Velhas questões, no entanto, persistiam. O governo devia ser mais atuante e
nomear um encarregado experiente para fazer a dificílima negociação de um tratado de
fronteiras e de extradição com a Bolívia a fim de conseguirmos, dentre outras coisas, a
devolução dos escravos fugidos para aquela República. Da mesma maneira, era preciso
colocar em prática, o mais rápido possível, a demarcação de fronteiras estabelecida com
o Peru em outubro de 1851 antes que ela não caducasse como ocorrera com os tratados
assinados com a Venezuela, em 1853, devido a não ratificação pelo governo brasileiro.
72
José Antonio Soares de Souza. O diplomata do Império, 1952, p. 332.
73
AHI, Lata 291, maço 2 - memória 64 - Considerações sobre a importância das missões diplomáticas do
Império nas Repúblicas do Pacífico. RJ. 04/07/1855.
24
O alerta era importante porque Ponte Ribeiro não observava por parte daquelas
Repúblicas os mesmos interesses em estabelecer laços com o Brasil. Em memória
escrita em agosto de 1862 argumentou o diplomata que o fato de algumas Repúblicas
nunca terem mandado representantes ao Brasil (como o Chile) e outras os terem enviado
esporadicamente não se explicava apenas pela falta de meios pecuniários, mas sim pela
má vontade já que outros países americanos e europeus os recebiam com frequência 74.
Com exceção das missões enviadas pelo Peru (1826), pela Grã-Colômbia (1827) e pela
Bolívia (em 1834), todas as outras iniciativas para o estabelecimento de acordos
partiram do Brasil75.
Esta má vontade, no entanto, precisa ser problematizada. Não podemos negar
que a forma de governo diferenciada e a maior identificação política do Império com as
Monarquias europeias eram fatores que repeliam a proximidade almejada com as
repúblicas americanas, daí o pouco empenho, ou a “má vontade”, destas últimas. Além
disso, historicamente, eram muito mais fortes os laços econômicos que ligavam as
novas nações republicanas entre si e com a Europa. O mesmo podemos dizer das
relações econômicas do Brasil que, de fato, não tinha interesses econômicos
relativamente fortes que o vinculasse às antigas colônias espanholas do Pacífico.
Mesmo assim, Ponte Ribeiro estava atento às transformações que ocorriam
naquela que foi a sua principal área de atuação. Portanto, não tinha dúvidas quando
concluiu que se, de fato, o Brasil quisesse se sustentar no cenário político americano,
devia aprimorar suas estratégias de interlocução para deter as novas forças políticas e
econômicas do Chile e dos Estados Unidos, cujos interesses expansionistas na região do
pacífico só tenderam a aumentar a partir da segunda metade do século XIX. O Peru, por
exemplo, já tinha se transformado no ponto de destino da maioria das exportações
chilenas, cuja economia crescia vertiginosamente desde finais da década de 1840. Em
novembro de 1854, o Equador já havia concedido o direito de exploração do guano nas
Ilhas Galápagos a um cidadão americano, em troca da proteção militar dos Estados
Unidos.76
Diante das ameaças cada vez mais reais, a reação do Brasil foi continuar com
uma ofensiva diplomática ativa enviando experientes representantes, como Francisco
Adolfo de Varnhagen que atuou naquelas repúblicas entre 1863 e 1867. Ao mesmo
74
AHI, Lata 291, maço 2 - pro-memória 97 - colocação e importância das legações na América do Sul.
RJ. 14/08/1862.
75
Segundo Pontes Ribeiro, o Brasil esteve intensamente na Venezuela (em 1842, 1852 e 1857); Bolívia
( em 1832, 1835, 1846 e 1851); Chile (em 1829, 1836, 1838, 1844 e 1851); e Peru (em 1829, 1835, 1840,
1844, 1851, 1853, 1856, 1860). AHI, Lata 291, maço 2 - pro-memória 97 - colocação e importância das
legações na América do Sul. RJ. 14/08/1862.
76
Luis Claudio Villafañe Gomes Santos. O Império e as Repúblicas do Pacífico... 2002, p. 74.
25
tempo, no entanto, manteve-se cauteloso em seus posicionamentos diante dos conflitos
que envolveram a região como aquele protagonizado pela Quádrupla Aliança (Peru,
Bolívia, Chile e Equador) contra a Espanha entre 1864 e 1866. A contínua neutralidade
e, em alguns momentos, ambiguidade no comportamento da Monarquia fazia com que
as desconfianças sobre os seus reais interesses na América estivessem sempre
presentes77.
***
Ponte Ribeiro continuou produzindo até 1878, último ano de sua vida 78. Em
1873 foi agraciado com o título de Barão, como reconhecimento pelos serviços
prestados à Monarquia. Ribeiro foi ao mesmo tempo testemunha e protagonista das
transformações que o Império experimentou durante grande parte do século XIX.
Enquanto diplomata e em diálogo direto com as problemáticas de sua época, Ponte
Ribeiro abraçou com afinco as tarefas de elaborar estudos, emitir pareceres, organizar
arquivos para que se tivesse uma noção mais aprofundada sobre nossas potencialidades
e capacidade de intervenção.
Assim como Quentin Skinner, acreditamos que o texto não fala por si mesmo e
que recuperar o seu significado histórico implica considerar a época em que ele foi
escrito, a quem se direcionava e com quais propósitos79. Foi este o cuidado que tivemos
Para tentar apreender algumas opiniões de Ponte Ribeiro sobre certas temáticas da
política externa brasileira durante o Império.
Compreender os atos narrativos de nosso objeto de estudo é, portanto, ter em
mente o contexto de redefinição e ampliação dos interesses externos da Monarquia que
começou a voltar suas atenções às movimentações que ocorriam na parte setentrional da
América do Sul. Neste sentido, era importante pensar e estudar ações que buscassem
dirimir as desconfianças geradas pelo único regime monárquico do continente, impedir
a formação de uma liga antibrasileira, ampliar as relações econômicas do Império e,
principalmente, estabelecer acordos de limites e navegação. Ribeiro apresentou
reflexões contundentes para cada uma destas questões.
Ribeiro foi, portanto, um indivíduo multifacetado, descentrado, polivalente,
híbrido, filho da modernidade como procuramos mostrar neste trabalho. Suas
impressões ajudaram o Império a construir um novo olhar sobre as possibilidades de
diálogo com as Repúblicas do Pacífico e, em certa medida, foram colocadas em prática.
Ao mesmo tempo, no entanto, o Brasil mantinha a Europa como modelo civilizacional a
77
Luis Claudio Villafañe Gomes Santos. O Império e as Repúblicas do Pacífico... 2002, p. 87-109.
78
O diplomata faleceu no Rio de Janeiro, a 1º de setembro daquele ano, com 83 anos.
79
Quentin Skinner. “Significação e compreensão na história das ideias”, 2005, p. 81-126.
26
ser seguido, o que acabou gerando um distanciamento e até mesmo um certo
desconforto diante de algumas temáticas discutidas pelas repúblicas vizinhas.
Era neste sentido que, para Ponte Ribeiro, a Monarquia deveria agir. Mostrar-se
presente ininterruptamente naqueles territórios ajudaria a desfazer alguns mal
entendidos concernentes às formas de governo diferenciadas. Marcar uma posição de
respeito enquanto maior força política da América do Sul devia ser outro objetivo dessas
missões. Isso tudo ficaria mais fácil se o Brasil não buscasse se impor justificando-se
em sua superioridade territorial, embora isso estivesse subentendido, mas sim pelos atos
de urbanidade e consideração que precisava ser a tônica das relações a serem
estabelecidas. Cautela era a palavra de ordem que foi seguido à risca pelo diplomata
enquanto representou os interesses do Brasil naquelas paragens. Dela dependia a
consecução de outras problemáticas que surgiram com a transformação daquelas antigas
colônias em nações independentes como a questão dos limites terrestres e fluviais.
Mss. 63,03,004, n. 073 - Notas sobre a questão de limites do Brasil com as repúblicas de
origem espanhola, 27/10/1848, 2p
28
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
"Discurso do Orador o Sr. Dr. Joaquim Manuel de Macedo". RIHGB Tomo XLI,
Segunda Parte, 1878, p. 471-505.
Manuscritos:
Lata 142, doc 50 – Carta de Duarte da Ponte Ribeiro a Januário da Cunha Barbosa. 13
de dezembro de 1844.
Lata 560, pasta 21 – Traços biográficos de Duarte da Ponte Ribeiro (autor anônimo).
Impressos:
Bibliografia
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ALMEIDA, Paulo Roberto de. “Um diplomata a cavalo: Duarte da Ponte Ribeiro”.
Boletim da Associação dos Diplomatas Brasileiro. Ano XII n.º 48, jan/fev/mar,
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baixado em 26/07/2012.
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FERREIRA, Gabriela. O rio da Prata e a consolidação do Estado Imperial. São Paulo:
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30
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São Paulo: Cia. Editora Nacional. Biblioteca Pedagógica Brasileira, série V, vol.
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31