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CONSIDERAÇÕES INICIAIS
No mundo jurídico, com o passar dos tempos, surgem formas novas de demandas judiciais.
Graças às medidas estatais que vêm possibilitando um maior acesso ao poder judiciário, as pessoas começam
a buscar mais seus direitos.
Casos há, e que são exceções, onde o intuito de locupletar-se à custa de outrem é a mola propulsora
das pessoas. Uma conseqüência desse maior acesso à justiça somado a algumas intenções espúrias é o grande
uso que é feito das ações de reparação civil.
Como fruto desse aumento de demandas reparatórias constantemente aparecem ações visando a
responsabilização dos Ofícios de Registro Civil, Centros de Registros de Veículos Automotores (CRVAs),
Detran e o Estado por falhas ocorridas nas vistorias efetuadas em veículos. Assim, antes de se resolver sobre a
responsabilidade propriamente dita, deve-se descobrir quem deve ocupar o pólo passivo do processo.
Muito existe para ser tratado sobre este assunto que, por sua curta existência, ainda não tem uma
doutrina e jurisprudência consolidados.
Questões como a legitimidade dos CRVAs para figurarem no pólo passivo de processos judiciais
ou a responsabilidade do Registrador Titular do CRVA e do Inspetor Veicular e Documental (IVD) por
possíveis falhas nas vistorias se mostram importantes para a solução de futuras causas.
Assim, com este estudo busca-se iniciar um debate acerca destes temas. Não se pretende aqui dar
respostas matemáticas a problemas tão subjetivos como são os de caráter jurídico. O que aparece necessário
no momento é analisar o caso em seus pontos nevrálgicos para tentar achar os caminhos que o direito tem o
dever de seguir no intuito de alcançar a justiça.
Analisar-se-á aqui estes dois pontos acima elencados, por se mostrarem como os mais intrigantes
e problemáticos no dia-a-dia dos foros e tribunais.
Como foi antecipado nas notas introdutórias deste estudo, as demandas visando reparação civil
são inúmeras. Ocorrendo problemas nas vistorias, transferências etc. as pessoas, sentindo-se lesadas, acabam
recorrendo ao judiciário para processar o órgão de trânsito. Com isto, surge o problema de se saber quem é o
ente legítimo a figurar no pólo passivo do processo.
Na prática forense tem se visto muitas ações intentadas contra o CRVA, por ser este o órgão que
cuida do procedimento de vistoria de veículos quando são feitas as transferências de propriedade. No entanto,
como se verá a partir de agora, o CRVA é parte ilegítima e, assim sendo, os pleitos direcionados ao órgão
devem ser declarados carentes de uma das condições da ação, a legitimidade de parte.
Fundamentos para a explicação disto podem ser encontrados na doutrina e jurisprudência.
Inicialmente, impende recorrer às teorias e doutrinas de Direito Administrativo. Será nos estudos
sobre o Estado, sua organização e desmembramento onde encontrar-se-á fundamentação para esta tese.
A divisão tradicional da administração é entre administração direta e administração indireta. Esta
última é composta pelas autarquias, empresas públicas, fundações públicas etc., mas não será examinada
mais a fundo por não fazer parte do objeto deste estudo.
Fazem parte da administração direta a União, estados, Distrito Federal e municípios. São eles
conceituados como entidades estatais. As entidades estatais são organismos de grande proporção que
possuem inúmeros encargos e funções a desempenhar. Dentro destas entidades aparecem os órgãos, que são
entes de menor porte, com competência reduzida, criados para possibilitar a desconcentração do serviço
público. Através da desconcentração distribuem-se competências dentro de uma mesma pessoa jurídica.
Para clarear melhor o tema pode-se citar a explicação sobre órgãos públicos feita por Fábio
Bellote Gomes:
Os órgãos são centros de competência criados para dividir funções que não podem ser cumpridas
centralizadamente. Agem em nome do Estado. Não têm personalidade jurídica e funcionam como
ramificações do ente maior atuando em diversas áreas. Esta divisão atribui competências específicas aos
órgãos possibilitando assim a prestação de serviços públicos de maneira mais eficaz. Sobre a inexistência de
personalidade jurídica nos órgãos, reforçando a tese, Diogenes Gasparini analisa com a ajuda de Celso
Antonio Bandeira de Mello:
Os órgãos públicos não são pessoas mas centros de competências criados pelo Direito.
Ademais, não se distinguem do Estado: são partes ou componentes de sua estrutura. Vale
dizer: não têm personalidade jurídica. Se a tivessem, os direitos e obrigações decorrentes de
sua ação ou omissão lhes pertenceriam, e não ao Estado. Desse modo, pode-se repetir a lição
de Celso Antônio Bandeira de Mello (Apontamentos, cit., p. 73), segundo a qual, a entender-
se que os órgãos têm personalidade jurídica, a “própria personalidade do Estado
desapareceria se os direitos e obrigações fossem dos órgãos.(1993, p. 34).
Estes entendimentos nada mais são do que manifestações da chamada Teoria do Órgão, criada por
Otto Gierke. Segundo ela, as pessoas jurídicas expressam suas vontades por seus órgãos, sendo estes
ocupados por seus agentes. O órgão seria parte da entidade e sua vontade é considerada a vontade dela
(MEIRELLES, 2004).
O CRVA, inserido dentro desta teoria, nada mais é do que um órgão, um desmembramento da
entidade maior e autônoma que, nesse caso, é o Detran. Só o Detran pode estar em juízo já que somente ele é
possuidor da chamada personalidade judiciária.
Na jurisprudência podem ser encontrados exemplos onde a inexistência de personalidade jurídica
nos órgãos vem sendo declarada. A ver:
No caso visto nesse estudo fica clara a situação. Quando se atribui uma conduta ou uma
responsabilidade ao CRVA, deve-se sim atribuir o feito ao Detran que é quem detém personalidade. Por tudo
que foi citado até aqui está claro que uma ação intentada contra o CRVA deve perecer por ilegitimidade de
parte. Em agravo de instrumento julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a decisão destacou
que o órgão de trânsito “...é mera representação do DETRAN, mediante convênio celebrado com os
Cartórios, para o exercício de determinadas atividades, com o que não poderia figurar no pólo
passivo.”(TJRS - AGI 70015447840 - Nona Câmara Cível - Rel. Des. Odone Sanguiné, DJ 02.06.2006).
Nesta conformidade, o mero convênio efetuado no intuito de melhorar a prestação de serviços não
repassa a responsabilidade ao CRVA. A parte legítima para ser acionada judicialmente em caso de lide
envolvendo os serviços de sua alçada é o Detran, que se trata de autarquia com personalidade jurídica e
patrimônio próprios, não se confundindo com o Estado. A jurisprudência traz exemplos onde não tem
aceitado ações dirigidas ao Estado. Ilustrando, tem-se trecho de agravo de instrumento onde foi declarado que
o Detran é a parte legítima e não o Estado: “Inadmissível, portanto, que a pretensão se dirija ao Estado do Rio
Grande do Sul, pois a execução da providência cautelar de licenciamento deveria ser cumprida pelo órgão
administrativo competente” (TJRS - AGI 599.474.350 - 1ª C.Cív.Fér. - Rel. Des. João Armando Bezerra
Campos - J. 01.03.2000).
Apesar das variantes de entendimentos, onde às vezes uma questão é interpretada de diversas
maneiras, a depender da pessoa que faz a análise, a tese que prepondera e que se mostra mais de acordo com o
direito é a que considera os CRVAs como partes ilegítimas, por todos os argumentos antes expostos. Veja-se o
trecho de um acórdão que se filia ao que foi dito:
A lide, em verdade, não fosse a série de equívocos, deveria ter sido extinta por ilegitimidade
passiva. O Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais, como dito, não é o responsável
pelas atividades de vistoria e registro de móveis. O CRVA, por outro lado, não detém
personalidade jurídica. É mera representação do DETRAN, mediante convênio celebrado
com os Cartórios, para o exercício de determinadas atividades, com o que não poderia,
também, figurar no pólo passivo. A delegação de competências, outrossim, não
descaracteriza a natureza estatal das atividades, com o que não retira a legitimidade do
DETRAN para responder pelos atos praticados nessa esfera, no âmbito da responsabilidade
objetiva, nos termos do artigo 37, §6º, da Constituição Federal. (TJRS - AC 70012573887 -
Nona Câmara Cível - Rel. Des. Odone Sanguiné, DJ 19.04.2006).
Então, como foi visto, não há como se atribuir personalidade e legitimidade aos CRVAs. No caso
de alguém recorrer ao judiciário, este deverá direcionar sua demanda contra o Detran, por se tratar do órgão
competente para responder judicialmente.
Este segundo ponto a ser tratado é bastante polêmico e intrincado. Tão intrincado que o problema
já aparece no título que inicia este capítulo. Fala-se em responsabilidade em decorrência de falha na vistoria.
No entanto, o que se pretende mostrar aqui é exatamente o contrário, ou seja, a total ausência de falha. Não há
como negar que existem situações onde há uma falha clara, uma negligência. Nesta conjuntura, a
responsabilização não é questionável, por estar dentro do que o direito prevê.
Tratar-se-á aqui de outras “falhas” em vistorias, onde o que ocorre na verdade é uma interpretação
errônea dos fatos e do direito, chegando-se a uma condenação injusta.
Para dar início, mostra-se necessário explicar as circunstâncias fáticas onde ocorre o problema.
Pela legislação de trânsito, é obrigatório que seja feita, no momento da transferência de veículos, colocação
ou substituição de lacre das placas etc., uma vistoria por profissional credenciado pelo Detran que exerça sua
função no CRVA. Sobre a vistoria, veja-se a Resolução Nº 5/98 do CONTRAN que traz mais informações
sobre o assunto:
Art. 1º. As vistorias tratadas na presente Resolução serão realizadas por ocasião da
transferência de propriedade ou de domicilio intermunicipal ou interestadual do proprietário
do veículo, ou qualquer alteração de suas características, implicando no assentamento dessa
circunstância no registro inicial.
Pelo citado está visível que os conhecimentos e a preparação exigida do IVD são mais singelos,
pois o fato de ter cursado o ensino médio e um curso preparatório não lhe dão os mesmos aparatos técnicos
que os de um engenheiro mecânico, por exemplo. Não combina com a justiça obrigar alguém a uma prestação
que vai além das suas forças: "Ninguém pode se obrigar à realização plena de uma obrigação que, na maioria
das vezes, está fora dos seus limites de atuação e deliberação” (MAGRINI, 2001, p. 73).
Olhando-se o tema por este ponto fica difícil de falar em falha do IVD. Estaria falhando ele
quando, diante de uma adulteração muito perfeita ou então deparando-se com técnicas de fraude novas, não as
visualizasse e assim deixasse o veículo ser registrado como se regular fosse? Parece que a resposta mais justa
é não. Isto porque foram inúmeras vezes onde se viu peritos emitindo pareceres com erros por não ser possível
detectar problemas muito bem escondidos e imperceptíveis. Se peritos do mais alto nível podem errar, porque
se exigiria a perfeição de um profissional com menos preparação?
Com toda certeza, não se pode falar em falha ou culpa do IVD. A própria lei, se analisada em seu
sentido interior, retira deste profissional a culpa. Veja-se o ponto onde consta que, encontrando-se indícios de
adulteração, deve haver a comunicação à autoridade policial e ao Detran. Assim preceitua a Portaria Nº
40/2002 do Detran/RS que traz o regulamento dos CRVAs:
A Portaria do Detran Nº 334/2005 também prevê em seu artigo 7º que deverão ser apresentados à
polícia os carros que possuam numeração do motor em desacordo com os padrões do fabricante, removida ou
em outra situação constante da portaria.
As normas, como ficou claro, não possibilitam ao CRVA ou ao IVD que emitam pareceres
concluindo pela existência de fraude ou algo do gênero no veículo. Eles não podem dar decisões finais. Fazê-
los mandar o carro para a polícia no caso de acharem indícios mostra que o IVD não possui a autonomia e a
responsabilidade de um perito, já que não pode emitir opinião concludente. Assim, só pode afirmar que “acha
que há irregularidade”, que “é possível que exista adulteração”.
No sistema da lei existe um escalonamento nas fases de fiscalização dos veículos. Deste modo, a
primeira inspeção é feita pelo IVD, de certa forma superficial e desprovida de maiores minúcias. Caso nesta
primeira observação seja detectado qualquer indício de que há algo errado, sendo avisadas as autoridades,
como manda a lei, ocorrerá um exame aprofundado feito por peritos oficiais. Agora sim se estará diante de
uma verdadeira perícia, executada por profissionais mais graduados e munida dos instrumentos necessários a
uma boa análise no veículo.
Portanto, ponto importantíssimo para o deslinde dessa questão é deixar claro que vistoria feita
pelo IVD não é uma perícia. O próprio ordenamento jurídico as diferencia no momento em que obriga que o
veículo seja submetido a uma perícia (perícia strictu sensu) se pairar qualquer dúvida sobre a legitimidade do
veículo, seus equipamentos e documentação.
Procurando no dicionário pode-se ter mais clareza na diferenciação, tomando por base o sentido
literal das duas palavras:
Perícia: (s. f.) Habilidade em alguma arte ou profissão; experiência; destreza; exame, vistoria de
caráter técnico-especializado (do lat. peritia).
Vistoria: (s. f.) (for.) Inspeção judicial a um prédio ou lugar acerca do qual há litígio; (p. ext.)
inspeção; exame; revista.
Na definição de perícia ficou evidenciada a maior complexidade da mesma quando ela aparece
definida como “vistoria de caráter técnico-especializado”. Já a vistoria é entendida como algo mais simples;
traz a idéia de mero exame visual.
Esta tese aqui explicitada encontra eco na jurisprudência. Veja-se trecho do voto onde o relator
aborda o assunto com maestria:
Portanto, parece ter ficado bem claro que, agindo o CRVA e seu IVD com todo cuidado, usando
os conhecimentos que tem e, mesmo assim, ocorrendo algum problema, não podem estes serem
responsabilizados. Do contrário, se estaria aplicando a responsabilidade objetiva.
Tampouco a responsabilização poder recair sobre o Titular do cartório conveniado com o Detran.
A alegação da ocorrência de culpa in eligendo no caso não prospera, pois o funcionário só pode ser pessoas
previamente credenciadas no Detran. O oficial do cartório só podendo contratar profissionais habilitados
perante o órgão de trânsito estadual. O regulamento dos CRVAs, ao tratar das obrigações destes determina:
Assim sendo, caso se fale em culpa in eligendo, esta seria do próprio Detran. Ao treina-los (o
Detran não treina diretamente mas é quem autoriza os cursos de formação de IVDs) e credencia-los o Detran
cria para todos (e principalmente o titular do cartório) a presunção de que os profissionais são aptos a exercer
as funções que lhes atribui a lei.
Reforçando a culpa do Detran há o artigo 11, § 1º do mesmo regulamento que diz:
Art. 11 - ...
Pelo artigo fica explicitado que o Detran tem o poder-dever de descredenciar os IVDs incapazes
de prestar seus serviços. Trata-se de responsabilidade dele, que não pode ser atribuída ao titular do cartório.
Ocorridas falhas ou problemas em vistorias que gerem danos a terceiros, não é possível (e nem
justo) responsabilizar o IVD ou o CRVA (na pessoa do titular do cartório conveniado) quando estes estiverem
atuando de acordo com todas as normas legais que regem seus serviços. Nestes casos o único responsável será
o Detran, que é quem edita as normas no âmbito do Estado e quem capacita os funcionários. Fábio Bellote
Gomes tem ensinamento que se enquadra perfeitamente no que foi dito até aqui:
Em decorrência disso, na prática de um ato lícito (entendida aqui a expressão licitude como
sinônimo de legalidade), o Estado poderá ser responsabilizado, desde que desse ato resulte
dano a terceiro. No entanto, o agente público que praticou o referido ato no estrito
cumprimento do dever legal não será responsabilizado. (2006, p. 233).
Como preceitua o doutrinador, somente o Estado (no caso, englobando o Detran) é que pode
responder, haja vista que seus agentes agiram dentro de suas recomendações, seguindo fielmente a lei.
Assim sendo, tendo-se como certo que tanto CRVA como IVD não tem culpa, surge a questão
envolvendo o tipo de obrigação assumida pelo IVD no desempenho de suas funções. Nesta análise aparece
como mais plausível a tese de ter este uma obrigação de meio, como se verá a partir de agora.
Nesta altura dos estudos algumas conclusões já foram tiradas. Uma delas é que não se pode erigir
uma vistoria ao patamar de perícia e um IVD ao nível de perito, dada a diferença existente entre eles. Logo,
não há que se falar em responsabilização quando, usados todos os meios disponíveis, ainda assim não se
chega ao fim esperado.
Com base nestas afirmações fica evidente que a obrigação que existe no ato de vistoria é uma
obrigação de meio e não de resultado. Há na prestação do serviço o dever de total seriedade, dedicação,
empenho, esforço e diligência por parte do profissional. Veja-se, para elucidar mais o tema, o que a doutrina
ensina sobre obrigação de meio:
Consta na segunda parte do trecho citado que só há descumprimento se o obrigado não usa em seu
trabalho as técnicas “que estavam ao seu alcance”. No caso, então, do IVD que emprega tudo que sabe mas
mesmo assim não consegue encontrar a fraude, p. ex., ele cumpriu seu mister e deste fato não pode ser
responsabilizado. Estando o problema além das suas forças ele nada pode fazer e, como decorrência lógica,
não pode ser culpado.
A única hipótese de responsabilização ocorrerá se comprovada a culpa. Cite-se Sílvio de Salvo
Venosa:
Na segunda hipótese, obrigações de meio, deve ser aferido se o devedor empregou boa
diligência no cumprimento da obrigação.
...
Na grande maioria dos casos, o que caracteriza a obrigação de meio é o fato de o credor
insatisfeito ter de provar não apenas que a obrigação não foi executada, mas também,
tomando por base um modelo de referência para o comportamento (de um bom pai de
família, noção transplantada para os mais diversos contratos técnicos da atualidade, o
profissional médio), que o devedor não se conduziu como devia. (2005, p. 81-83).
...nessa relação obrigacional o devedor apenas está obrigado a fazer o que estiver a seu
alcance para conseguir a meta pretendida pelo credor; logo, liberado estará da obrigação se
agiu com prudência, diligência e escrúpulo, independentemente da consecução efetiva do
resultado. (2003, p. 185).
A função do CRVA e IVD, quando se fala em responsabilidade civil, está equiparada a outras
funções técnico-científicas, como médicos e advogados. Nestes casos também só existe um dever de cuidado
e de bom procedimento. O profissional não promete um resultado, mas a utilização diligente dos meios que
são esperados de sua qualificação. (SLAIBI FILHO, 2006).
A situação do médico já é bem pacífica. É sabido que se o médico se aplica com diligência, dentro
das técnicas preconizadas e disponíveis, não há que se cogitar de relação de causa e efeito entre a conduta do
médico e eventual dano. Ele não se obriga a curar o doente. Só há o comprometimento de “prestar-lhe
assistência e cuidados conscienciosos adequados ao estado do paciente e de acordo com sua ciência e regras
consagradas pela prática cirúrgica”. (MAGRINI, 2001, p. 93).
Tão tranqüilo é o entendimento sobre o assunto que a doutrina chega a afirmar: “Se o seu
diagnóstico foi consciente e cuidadoso não há o que temer, mesmo que esteja errado [...] O erro de diagnóstico
não é suficiente para engajar a responsabilidade do profissional médico”. (MAGALHÃES apud FORSTER,
1997, p. 411).
Tudo o que foi dito pode ser utilizado no caso da vistoria. Nem existe motivo legítimo para se
atribuir ao médico vantagens sobre outras profissões. Ubi eadem ratio legis, ibi eadem legis dispositio (Onde
ocorrem situações jurídicas semelhantes deve-se aplicar o mesmo dispositivo de lei).
A própria jurisprudência mostra exemplos de que a obrigação de meio não é um privilégio das
profissões mais badaladas:
o erro caracteriza-se quando ocorre negligência (o médico não orienta o paciente no pós-
operatório, por exemplo), imperícia (má execução da técnica por desconhecimento) ou
imprudência (o profissional toma atitudes que colocam a vida do paciente em
risco)(GARCIA apud MAGRINI, 2001, p. 87).
Fazendo uso da analogia, toda a fundamentação usada para explicar a obrigação dos médicos é
capaz de ser aplicada no caso em tela. Mesmo acontecendo o fato citado logo no início deste capítulo (quando
alguém sofre prejuízo por causa de uma vistoria que, no passado, não detectou irregularidade no veículo),
para haver responsabilização deverá ser provada a culpa ou dolo do agente que vistoriou o veículo. Nesse
sentido Savatier define culpa:
O ensinamento do mestre é perfeito quando explica que a culpa em sentido estrito ocorre quando,
podendo prever e evitar, viola-se um dever. Só o erro evitável pode ser punido. Pune-se unicamente aquele
erro onde o agente, ciente do que se passa e capacitado para agir, erra e lesiona outrem. A responsabilização do
CRVA e/ou IVD por ato que não poderia ele evitar é fazer uso da teoria do risco integral que, como é sabido,
não pode ser aplicada em tal circunstância.
Dentre as modalidades da culpa, a negligência e a imprudência podem ser derrubadas facilmente
pelo profissional, desde que este atue com todo zelo e cautela possível. Se a função for exercida
cuidadosamente, dificilmente incidirá nas modalidades citadas.
Para a imperícia muda um pouco a configuração. A imperícia revela falta de habilidade técnica
para o exercício da profissão. Trata-se da ignorância, inexperiência, falta de conhecimento ou técnica
profissional etc. Para averiguá-la deve-se indagar se a pessoa possui capacidade para a função que exerce.
Possuindo ela, comprovadamente, a capacitação exigida, não pode a mesma ser culpada por danos oriundos
de acontecimentos extraordinários. Nesse sentido a lição de Aníbal Bruno: “Há erro escusável, e não
imperícia, sempre que o profissional, empregando correta e oportunamente os conhecimentos e regras da sua
ciência, chega a uma conclusão falsa...” (apud MAGRINI, 2001, p. 81).
A explicação do citado mestre se encaixa perfeitamente ao problema que é objeto deste estudo.
Imagine-se o exemplo onde o IVD, vistoriando um veículo cuidadosamente e seguindo todas as regras
técnicas de sua função, acaba concluindo que o automóvel examinado está totalmente regular. No entanto,
descobre-se no futuro que existiam fraudes ou adulterações já na época da vistoria. Segundo o que disse
Aníbal Bruno não há imperícia e, igualmente, não há culpa. Nada mais justo.
A formação do IVD, fornecida e averiguada pelo próprio Detran através de curso com verificação
de aproveitamento e assimilação teórica e prática dos conhecimentos, somada a experiência profissional do
agente, já afastam a imperícia, pois a habilidade técnica para o exercício da profissão de IVD são aferidos nos
cursos de formação fornecidos pelo Detran.
Responsabilização, conforme o que foi visto, só ocorrerá se provada a falta de diligência ou de
preparo por parte do IVD. Assim, configurado está que a obrigação deste profissional é uma obrigação de
meio.
CONCLUSÃO
Depois de toda análise feita sobre os assuntos aqui propostos, pode-se chegar a algumas
conclusões satisfatórias.
Primeiramente, foi visto que os CRVAs não são parte legítima para figurar no pólo passivo de
demandas referentes aos serviços que prestam. Tais órgãos não possuem personalidade jurídica e nem a
chamada personalidade judiciária, não podendo, desta forma, ser acionados no poder judiciário.
Apesar da existência de algumas divergências a respeito, o ente legítimo a responder tais ações é o
Detran do Estado, por ser a autarquia que centraliza a competência em matéria de trânsito no âmbito do
Estado, sendo o órgão superior que organiza e fiscaliza os CRVAs.
Assim, vindo a surgir demanda direcionada a um CRVA deverá seu autor ser declarado carente de
ação, por ilegitimidade passiva.
Num segundo momento, tratou-se da responsabilidade civil decorrente de falhas nas vistorias.
Afora casos onde há claros enganos, existem outros onde não existe uma falha no ato de vistoriar,
mas sim um defeito imperceptível aos olhos do examinador. Nestes casos não se pode dizer que ocorreu falha,
pois se sua atuação foi diligente e atenta inexiste culpa.
Também não existe culpa in eligendo do dirigente do CRVA (oficial titular do cartório) porque
este limita-se aos profissionais que o Detran credenciou. Este credenciamento gera uma presunção de que o
IVD é habilitado para a função a desempenhar. Cabe ao Detran selecionar bem o profissional antes de lhe
atribuir funções tão importantes.
Em virtude do estudo sobre a atuação do IVD ficou evidente que ele assume uma obrigação de
meio e não de resultado. Desse modo, ele só poderá sofrer sanções de caráter civil se for comprovado que a
vistoria foi imperfeita por não ter sido executada com o devido cuidado e com o uso das técnicas e práticas
normais da função de IVD.
Agindo o IVD como a lei manda e tendo a capacitação que esta mesma lei requer, este profissional
não poderá ver recair sobre si responsabilidades atinentes a peritos oficiais altamente graduados.
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