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Ouvi de um amigo, tempos atrás, uma história rica em de símbolos que ajudava a
entender os dilemas do ecumenismo. A história certamente circula hoje e é
provavelmente bem conhecida, mas vale a pena repeti-la por seu poder de tornar claro,
através de imagens, um aspecto da questão ecumênica que gostaria de refletir aqui.
Conta a história que uma pequena aldeia vivia bem e desfrutava de boas relações entre
todos, embora simples, pequena e distante e sujeita a dificuldades. No centro daquela
aldeia havia um poço de água de excelente qualidade. Não era um poço gigantesco, mas
oferecia água boa e abundante para todos e para todas as atividades.
A vida na aldeia girava em torno deste singelo poço. Mulheres, crianças, idosos e os
homens passavam várias vezes ao dia pelo poço. No poço todos se encontravam e,
enquanto esperavam a sua vez de retirar do poço sua quantia necessária de água, que era
também correspondente à capacidade de cada um carregar sobre os próprios ombros,
conversavam alegremente e interessadamente. Na verdade, em torno do poço a vida
acontecia e tecia seus delicados laços. Todos podiam compartilhar e se inteirar de tudo o
que acontecia na aldeia. Aquelas partilhas estendiam um espécie de tapete de
solidariedade, pois, ao redor do poço, todos ficavam sabendo quem estava doente e
precisava de cuidados, quem estava com dificuldades e precisava de ajuda, quem
simplesmente precisava apenas de ouvido amigo para partilhar suas dores, quem tinha
incertezas e precisava de apoio. Em suma, o poço evitava que alguém fosse “ao fundo
do poço” numa jornada solitária e longe do convívio da aldeia.
Conta-se que a aldeia progrediu enormemente. A realização das tarefas diárias (preparar
comida, fazer pão, lavar roupa, tomar banho, regar a colheita, lavar os currais e
chiqueiros, fazer queijos, preparar doces, etc.) ficou muito simples. As pessoas podiam
fazer muito mais com bem menos tempo. Tudo havida ficado muito mais calmo por lá.
Não havia mais tanta gente na rua, caminhando em direção ao poço, não havia mais
crianças brincando e fazendo algazarra por ali, não havia mais conversas na praça em
torno do poço. Em resumo, não havia mais poço visível como lugar de encontro. Na
verdade, poucos sabiam agora onde ainda localizava-se o poço, pois sobre o loca foi
erguida uma construção estranha que nada lembrava mais um poço.
O tempo passava e todos esqueciam. Ninguém sabia mais do que ocorria na aldeia.
Logo surgiu um jornal, mais outro e uma rádio. As pessoas agora ouviam os
acontecimentos da cidade de viva voz e diretamente da boca da pessoa que passava por
uma situação ruim ou difícil. Eram notícias sobre pessoas sem rosto. Havia pessoas que
representam os moradores e decidiam sobre melhorias na distribuição da água. A coisa
toda foi sendo cada vez mais setorizada, departamentalizada e setor ou departamento
criava regras próprias de distribuição e fazia campanhas informando à população sobre
as melhores formas de consumo da água. Cada setor ou departamento considerava sua
forma de cuidar, distribuir e consumir a água a melhor. O tempo passava e, como os
discípulos fechados e de portas trancadas (Jo 20.19), estavam todos dominados pelo
medo de voltar à praça, voltar a encontrar-se em torno do poço comum.
Esta história pode certamente ilustrar o clima do cristianismo ao longo do século XIX.
Não eram poucas nem superficiais as questões. Por que haveriam de se unirem os
cristãos? Afinal, a glória de Deus não coincide com as fronteiras de nossas igrejas,
denominações? Em geral, tendemos a ter dúvidas quanto a primeira pergunta e,
inconscientemente, tendemos a concordar com a segunda. Estas questões estavam
presentes no alvorecer do século XX. Estas questões “desaguaram” na Conferência
Missionária Mundial, realizada em 1910, em Edimburgo, Escócia. Esta Conferência
tornou-se um marco para o pensamento cristão moderno diante da irrevogável tarefa
missionária e do alienável desafio da unidade cristã.1
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- NIEBUHR, H. R., 1992, p. 18-19.